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Full text of "Voltaire"

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STANFORD LIBRARIES 



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BENTO CARQUEJA 



IMPOSTO 



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RIQUEZA PUBLICA ^ 



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PORTUGAL 



DISSERTACAO DE CONCUR SO 



PORTO 
T7pograpliia do «Oomxneroio do Porto «» 

102— Roa do •Commcrcio do I'ortoa—i 12 
1898 



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DISSERTA^AO DE CONCURSO 



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TYPOGRAPHIA DO CCOMMERQO DO PORTO » 

io2^Roa do •Commerdo do Portot— lis 

1898 



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DISSERTAgAO DE CONCURSO 



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I02— Rut do •Commerdo do Portot^iia 

1898 












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cyCcadcrtiia Cyc^cylcctiv tea da Cyatia 

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SEV qASTIGO qALVMSO, 



PREFACIO 



Escolhendo para assumpto d'este trabalho — o imposto 

E A RIQUEZA PUBLIC A EM PORTUGAL animOU-tlOS O propO- 

sitOy nao s6 de estudar iim dos mats importantes capitulos 
da economia politica, mas tambem o de apreciar as condi- 
coes do nosso pai\^, em materia tributaria. 

oMais longe foi ainda o nosso propositOy pretendendo 
tirar d'esse estudo conclusoes prdticas, que, sem serem ei- 
vadas de prurido scientifico nem de ^elo fiscal, podessem 
serpir de auxiliar para uma reorganisacdo dos impostos 
em Portugal. 

qAo passo que ouvimos a opiniao de muitos dos eco~ 
nomistas que na questao do imposto teem auctoridade 
consagrada, discutindo essas opinioes e aproveitando d^el- 
las que nos pareceu mais acceitavel, recorremos tambem 
aos dados colhidos em Portugal, alguns dos quaes sao 
muito dignos de consideracdo, e valemos-nos, especialmen- 
te^ dos trabalhos estatisticos, que vao tomando desenvolpi- 
mento no nosso paii e que deram a esta obra um dos mais 
valiosos e apreciapeis subsidios. 



Especialmente pelo que di{ respeito a apreciagdo da 
riqueia nacionaly era tempo de renovar as tentativas n^es- 
se sentido^ por isso que dispomos hoje de recursos de alto 
valor para a determinacdo d^ella, tdo aproximada quanto 
possivel^ adquirindO'Sey por esta format urn valioso subsi- 
dio para a solucdo de muitos problemas economicoSy epon- 
do-se em emdencia elementos de grande alcance para ser- 
virem de guia na administracdo publica, quasi sempre 
qffastada dos principios da sciencia^ quando ndo andafo- 
ragida de elementares principios de bom senso, 

Se^ uma oti outra ve^y ndo consegue a nossa boa pon- 

fade realisar por inteiro os nossos intuitos, sirpa-nos de 

desculpa a rectiddo de nossas intencoes e o sincero desejo 

de que outros, mais competentes e dispondo de elementos 

mais abundantesy possam, no futuro, completar a obra^ 

que^ apesar de um decidido esforgo e de um insano tra- 

balho de investigacdo e de critica, deixamos apenas esbo- 
cada. 



PLANO D'ESTA OBRA 



Prcffaclo. 

InCrodiiceAo— importmicia da qiiestao do imposto— Influencia das leis cconomicas sobre a 

gerencia dos Estado9— Orienta^ao economica moderna— A questao social 
— O problema do imposto— Importancfa d'elle em Portugal. 

PrinciplOH seraes— Caracter do imposto— Condi^des a que um tributo deve satisfiizer— 

Limites do imposto— 4Jnidade e multiplicidade do imposto— Classifica^ao 
dos impostos. 

ApplicNcfto dofl prlnclploii s®r««« a Porinsal— A definf^fio de imposto contra- 

riada pelos factos— Como o imposto em Portugal reaitsa as regras de 
Smith e de Sismondt— Determina^So da importancia total dos impostos 
cm Portugal. 

A riqucaa naclonal— Avalia^fio do rendimento nacional— O valor da propriedade— O 

valor do trabalho, nas suas diversas manifesta^des— O lucro do commer- 
cio extemo— O commercio interno e a emigra^ao— Evolu^ao da industria 
— Inqueritos industriaes— Valor da estatistica de prc^os e salarios— Valor 
da producffio— O rendimento nas profiss6es— A divida portugueza— O 
funccionalismo em Portugal. 

\ deapesa nacional— Co»c/»«dn. 

Impaaloa aakre a« peaaaaa^ an eapllarSea— Natureza d*este imposto— Sua orga- 

nisa9&o— Seus inconvenientes. 

lnipoMla« MObrc a rlqaesa on MObri^ a pofiiie de rapUaeii e rendlmentot 

1. Coit/r/^u/cob frr«<fm/— Sua justifica^ao—Systemas de lan^amento— Tra^os histori- 
cos da propriedade imraovel em Portugal— A matHz; seus predicados; sua 
organisa^ao— A reorganisa^ao das matrixes em Portugal— Resultados ja 
alcan^ados. 



II. Imposto sobre o capital e sobrc a renda immobiiian'a—Ob\cclo% d'otc tmposto — 
A questao opcrarin— Systcmas vigcntes em Franija c na Inglatcrra- A or- 
ganisa^ao portiigueza— As patentes— A decima de juros; sua suppressao. 

III. Imppstos geraes sobre o capital c sobre a r«irfa— Organisa^ao na Ingtaterra c na 
Allcmanha — Leis da sua existenda c da sua organisa^ao — A legisla(;ao 
portugucza c suas conscquencias— Aboli^ao d'este imposto. 

iBiponfOM Mobrc on soivos— Natureza d'este imposto -A contribui^ao dc rendasdecasas 

c sumptuaria em Portugal— Scus defeitos; sua reforma. 

Impoflto MObre o coj99nm(|r;CAJ*.aptpr.4'«ste imposto, segundo os principios da scien- 

cia economica— As leis do consuroo. 

I. Taxas dc consumo no interior— O imposto do real dc agua cm Portugal; sua subs- 
titui^ao— O imposto do pcscudo; sua substituivao— O imposto do sal; sua 
aboli^ao— O imposto do assucar; regimen cm diversos paizcs; a tnbuta9ao 
portugucza; sua truns'formavao— O impo^to dc liccn(;a para vcnda c dcpo- 
sito dc tabacos; sua cncorpora<;ao na contribui^ao industrial— O imposto 
sobre o sabao; sua abolivao— O imposto sobrc o alcool; caracter especial 
d'este tributo era Portugal; os principios scientificos; regimen cm Portu- 
gal; a exporta^fio de vinhos— A questao dos cereaes; rcsumo da recentc 
legisla^ao— O imposto sobre os vinhos e azeites; produc^ao vinicola. 

U. Impostos de consumo na fronteira—h func^ao das al&indegas— O regimen adua- 
neiro— A organisa^ao aduaneira em Portugal — Receitas c movimento 
aduaneiro— A revisdo das pautas. 

iDipontOM MObre oa actOM piibllcod— Complexidade na classifica^ao. 

I. O imposto do 5^//o— Tra^os da sua historia em Portugal— Necessidade da revisSo 

da legisla^ao do scllo. 

II. O rf^/j/ro— Principios geracs— O registro em Portugal— Sua remodela9ao. 



Reniodelarfto f rlbatArla-~As aspira(6cs sociacs— O fim politico-social do imposto— As 

doutrinas da Internacional— O socialismo revolucionario— Os socialistas 
evangelicos e o imposto progressivo— O collectivismo— O socialismo ca- 
tliolico— O socialismo de catliedra c o regimen do imposto-~Os impostos 
directos e os indirectos— A evoiu^ao social. 

A reornanlnaeJIo doM lni|io«to« em PorCasal-Cnterioa seguir. 

I. Conlribuicdo predial— Dhtincqao entre o tributo sobre as terras e sobre as caus— 

Parecer de uma coromissao portiigocza— O systema de quotidade e o de 
reparti^ao— As matrizcs portiiguezas e o cadastro italiano. 

II. Contribuicdo industrial— O seu caracter e a sua applica^So^A tributa^ao aos sala- 

rios— Opinides de Wagner e Cauwds— A decima de juros. 

III. JmpoMto de rettdimento— Cancter d'este imposto em Portugal— O imposio com- 

plementar sobre o rendimento— Principios economicos. 

IV. Rcnda de casai— Kxcmpio dos Kstados-Unidos— A fundi^ao d'cstc tributo com as 

taxas Rumptuarias— Inconvcnientes dos exaggcros no augmcnto das taxas. 

' V. Jtnpustos de consumo-^l'rincipiosecouomico-financeiros— A opini£o de Schall. 

VL Scllo e registro—VtiWdade d'estes tributos — As reformas modernas— Os systemas 
em vigor. 

ConclttiiSeii— Bases para uma reforma tributaria cm Portugal— Orienta^ao de uma reforma 

fazendaria— Os pianos de reforma tributaria cm Franca c na Allcmanha 
— Um imposto complementary- Opportunidade d'cllc. 

OrKMnodlanranimaii— Encargo tributario individual— Rela(;6cs entrc os impostos dire- 
ctos e OS indirectos em Portugal. 



INTRODUCgAO 



J\ questao do imposto e, sem duvida, uma das mais cssen- 
ciaes da sciencia das financas, (*) 

Abrange um conjuncto complexo de problemas, de que 
depende essencialmente a vida economica de uma nacionali- 
dade. Quaes sao os melhorcs systemas de impostos, nao so 
para o thesouro, como para a socicdade? Quaes sao as con- 
sequencias das dift'erentes taxas sobre o destino dos contri- 
buintes, sobre a situacao relativa das diversas classes da na- 
cao? Qual e a influencia dos impostos, nao so sobre a produ- 
ccao material, como sobre a liberdade dos cidadaos e sobre o 
estado normal d'elles? 

Estas e outras interrogacoes detinem bem o caracter com- 
plexo da questao do imposto. 

Com a questao do imposto csta intimamente ligada a 
questao social; com ella se prende essa trilogia — terra, capital 
e trabalho — que constitue o objecto do cstudo dos mais inte- 
rcssantes problemas economicos, nos tempos modernos. Basta 
ler alguns dos mais notaveis trabalhos sobre a sciencia so- 
cial, (^) para concluir que o conflicto declarado entre os 
principios economicos e os chamados da sd morale obriga a 



(1) PALL LBRov BEAUUEU — TratU de la Science des Finances^ pag. in. 

(2) CAnzY — Principes de la Science Sociale^ t. in, pag. ig5. 



8 O IMPOSTO 

procurar na distribuicao do imposto a perfeita corresponden- 
cia entre os services do Estado e os encargos tributarios. 

Abeiramos-nos assim das questoes economicas mais im- 
portantes para qualquer paiz; temos de estudar nao so os re- 
cursos do solo, mas tambem as condicoes de existencia dos 
di versos ramos de trabalho. Partindo do exame do valor da 
terra, para determinacao do rendimento d'ella, temos de che- 
gar ate ao exame das condicoes de cada trabalhadpr, para 
podermos apreciar ate que ponto elle p6de e deve contribuir 
para os encargos e despezas do Estado. 

Vai passado o tempo em que a questao do imposto se re- 
solvia apenas pelo arbitrio, quando nao era por mero capri- 
cho. Hoje, esta questao, como tantas outras que interessam 
ao governo do Estado e d felicidade publica, resolvem-se pe- 
los principios da sciencia. 

Os progressos da sciencia cconomica implicam o desmo- 
ronamento dos prejuizos existcntes. Quando se formula uma 
lei economica, tem-se a certeza de que essa lei hade receber 
applicacoes; e essas applicacoes nao contrariam so as falsas 
ideias; perturbam tambem interesses. Contra uma nova ver- 
dade economica ha, pois, collisao de prejuizos e de interesses: 
para que ella triumphe d'essa formidavel opposicao, e precise 
que se imponha, com forca e brilho. (*) 

O papel do economista e hoje de larguissimo alcance na 
governacao dos Estados, porque os resultados da lucta da 
concorrencia, verdadeira lucta pela vida, exigem que as ques- 
toes sejam apreciadas d luz de uma sa philosophia, sem pre- 
concciios de qualquer ordem. Se — na phrase de Herbert 
Spencer — a Adam Smith, do canto da sua chamine, impoz ao 
mundo maiores reformas do que as de um primeiro minis- 
tro», (*) hoje, mais que outr ora, resolvem-se pelos principios 
da sciencia as grandes questoes que interessam d vida das 
nacocs. Hoje, nao existe jd esse desdem pelos ideologos. Cada 



(I ) >-vEs r.uYOT — La Science ^conomique, pag. 33. 

(3) HUBERT spCNCiR— Etuus de PoUUque, Le gouvemement repretenlatif. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL Q 

homem tern na gerencia do Estado um papcl definido, como 
entre o inventor de uma machina e o industrial que a apro- 
veita ha uma differenca de papeis, que se conjugam n'uma 
grande c valiosa funccao. O inventor poderia encontrar-se em- 
baracado, se houvesse de reger o movimento da machina, que 
inventou; o industrial poderd ser incapaz de comprehender os 
fundamentos e os pormcnores da machina, que tantas utilida- 
des Ihe creou. 

Assim e na gerencia de um Estado. A sciencia fixa os 
principios; a politica utilisa-os. E, como disse Guizot, e um 
erro crasso acreditar no poder soberano da machina politica; 
ella tem que submetter-se ds leis da sciencia. 

Desgracado paiz aquelle em que os acontccimentos quoti- 
dianos da politica transtornem, a todo o momento, os dicta- 
mes d'essas leis! Alem da perturbacao de todos os servi^os, 
p6r-se-ha em grave risco a riqueza nacional, ainda mesmo 
quando falsas illusoes facam suppor que se caminha no me- 
Ihor sentido, para a prosperidade publica. 

E, demais, o cstudo economico das questoes jd nao e o 
deleite dos sabios; representa uma necessidade para o homem 
na sociedade. 

N'uma obra philosophica bem recente, p6e-se em clara 
evidencia a allianca entre os conceitos scientificos e os factos 
reaes. aSem contacto possivel com a realidade, os conceitos 
fluctuam em uma atmosphera irreal e sao materiaes de uma 
architectura fragil, que rapidamente se desmoronard.» {*) 

Os desejos dos trabalhadores, mal definidos ate ao pre- 
sente, comecam a transformar-se em opinioes, que se podem 
discutir e apropriar; o capitalista comeca a comprehender 
que precisa de examinar as reclamacocs que Ihe sao feitas. 
Comeca a comprehender-se que os governos, que fazem poli- 
tica para se fortalecerem, contam com o enfraquecimento dos 
cidadaos; e, assim, estes principiam a reagir, reclamando que 
a preoccupa^ao do bem publico nao ceda o lugar a ficcoes, 
mais ou menos impuras. 



(I) TH. niBOr— L' Evolution des Idees Gcnirales, pag. 253. 



lO 



O IMPOSTO 



Seria interessante apreciar a evolucao na psychologia eco- 
nomica dos povos, nao diremos desde longa data, mas ape- 
nas desde o comeco d'este seculo^ou na segunda inetade d'elle. 
Observar-sc-hia que a nocao suprema da tUilidade tomou um 
impcrio consideravcl sobre as consciencias e que essa utilida- 
de e a consequencia fatal das leis economicas, que regem os 
esforcos do homem para a alcancar. (*) 

E, alem de uma reconhecida solidariedade nacionaI,creou-se 
uma politica economica intcrnacional, cuja objectivacao tern 
sido realisada nos tratados de commercio, na unificacao mo- 
netaria, na unificacao de pesos e medidas, nas tarifas de cor- 
rcios, de caminhos de ferro, etc* 

Courcelle-Sencuil definiu no scguinte quadro o antago- 
nismo entre o antigo ideal e o ideal modcrno: (*) 



IDEAL ANTIGO OU ROMANO 

i.<* Objective da actividade social: a gucrra. 

2.*^ iVopriedade iundada sobre a conquista. 

3.® Pessoas: ingenuos, forros e escravoi. 
4.<* Profissoes liberaes e scrvis. 

5.** Preponderancia politica dos militares c 

dos funccionarios mandatarios, chamados 

publicos. 
6.® Puder ubsoluto, fundado sobre a for^a mi- 

litar. 
7.^ Divisao em classes, segundo privilegios 

fundados na tradi^ao e ao sabor do go- 

verno. 
8." Sociedade immovel, corrigida, de tempos 

a tempos, pelo regresso ao passado. 
9.** Sociedade regida por reguIamei<tos, sob 

a vigilancia da auctoridade publica, revesti- 

da do poder de evic(^ao. 



IDEAL MODERNO OU SCIENTIFICO 

I.** Objectivo da actividade: a iiidustria paci- 

fica. 
3.' Propriedade fundada sobre o trabalho e 

Fobre a economia. 
3.® Cidadaos Iguaes em direitos. 
4.' Func^oes moralmenie iguaes, tendendo 

para o mesmo fim. 
5." Preponderancia politica dos funccionarios 

industriaes. 

1)." Imperio das leis, livrementc consentidas 

pcia opiniao de todos. 
7.^ Classifica^oes segundo o merito pessoal, 

apoiado por concurso livre. 

8.* Sociedade progressiva, trabalhando para 
se aperfei^oar por meio das inven^ocs. 

9.** Sociedade vivendo por livre iniciativa dos 
cidadaos, regida pela observa^ao da lei 
moral. 



Se, de um ponto de vista geral descermos ao ponto de 
vista especial de que se occupa este livro, encontraremos uma 
accentuada influencia da evolucao operada na psychologia 



(1) YVES GUYOT— Ltf Sctetice Economique, pag. 46. 

( 2) couRCELLE-sEN Eu iL — Trat'lc d 'Ecotiomie Politique, 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL I I 

cconomica. Partindo do principio de que o capital de urn 
individuo e o conjuncto das utilidades por elle possuidas, es- 
tabeleceu a moderna sciencia economica uma intima ligacao 
entre a medigao d'essas utilidades e o quantum do imposto; 
sem o reconhecimento d'aquellas, nao acceita a fixacao d'este. 

Mac-CuUochdefiniu em poucas palavras o alcance d'esta 
fixacao: «0s impostos, quando judiciosamente calculados, e 
quando nao chegam a scr oppressores, rcprcsentam um esti- 
mulante para a industria e para o commercio.» (*) Isto quer 
dizer que no mau regimen dos impostos pode residir uma 
causa primordial da decadencia das forcas vivas nacionaes. 

E no reconhecimento das referidas utilidades, a sciencia 
economica leva extraordinariamente longe as suas investiga- 
coes: parte da determinacao do valor do homem, como capi- 
tal fixo, e chega ate d derradeira nocao do capital fluctuante, 
n'uma pasmosa vertigem de indagacoes, de generalisacoes, de 
deduccoes, para, a final, fundar em uma base, contida dcntro 
dos limitcs do direito e da justiga, a no^ao do imposto. 

Em Portugal, onde os recursos para o estudo das mais 
importantes questoes economicas sao ainda muito deficientes, 
convem, como em poucos paizes, fazer uma justa determinacao 
de todos OS elementos que ha a considerar no imposto, para 
d'este modo se por cobro a tantas incongruencias e a tantos 
vicios, que muito compromettem a economia nacional. Desde 
que se faca uma justa apreciacao dos recursos do paiz, ter- 
se-ha base segura para um justo criterio acerca das suas fa- 
culdades tributarias. 

Tal e o nosso objectivo, na consecucao do qual seguire- 
mos a orientacao scientifica, que acima deixamos esbocada. 



(I) Mjic-cvLLOCH— On Taxation and Founding, pag. 6. 



CAPITULO I 



PRINCIHIOS GKRAES DE L'MA ORGANISACAO TRIBUTARIA 



v^ caracter esscncialmente pratico e nacional d'este livro 
affasta-nos de largas considerac6es sobre a theoria do imposto 
e impedenos de entrar nas discussoes, mais ou menos apai- 
xonadas, das diversas escholas economicas. 

EfTectivamente, ainda quando nos abstivessemos das dou- 
trinas mais ou menos influenciadas por pontos de vista moraes 
e religiosos, que tanto attingiram a Escholastica e a Renas- 
cen^a, e entrassemos no periodo das doutrinas economicas, 
em que a arte do governo nos apparece, com Machiavcl 
(1469-1527), n'um estado sufficientemcnte puro^ (*) teriamos 
de acompanhar cssas complexas discussoes, que vad desde o 
mercantilismo ate ao socialismo comtcmporaneo, e haviamos 
de observar que a interpretacao diversa dada d riqueza das 
na^ocs pelos physiocratas e seus adversarios, por Adam Smith, 
heus prcdecessores e successorcs, nos havia de conduzir a 
pontos de vista muito variados, sem alta vantagcm para a so- 
lu^ao prdtica, que procuramos obter. 

Bastard que nos localisemos no vastissimo campo aberto d 
economia politica, depois que Saint Simon preconisou o me- 
thodo positwo para as sciencias sociaes. 



(1) A. ispiNAS— Htstoirc des Doctrines ^conomiquctt pag. i33. 



14 O IMPOSTO 

As leis sociaes explicam-se por leis da vida, cujas condi- 
cocs proximas se vao encontrar nas leis do mundo inorganico. 
D'est'arte, os phenomenos economicos, que fazem parte dos 
phenomenos sociaes, entram na ordem geral da natureza; a 
solidariedade da sciencia economica com as outras sciencias 
sociaes e flagrantissima. (^) 

Bern sabemos que nem assim cohseguimos isentar-nos da 
influencia de escholas, porque nos apparece pela frente o so- 
cialismo contemporaneo, com o seu triplice aspecto: socialis- 
mo hitmanitavio^ socialismo revolucionario e socialismo de Es- 
tado ou de cadetra. O socialismo humanitario, com os exag- 
geros a que foi arrastado Louis Blanc, (^) com as suas defi- 
ni^oes da accao reguladora e pacificadora do Estado, pertur- 
bou fundamentalmente a solucao do problema do imposto. 

O socialismo revolucionario ainda mais complicou essa so- 
lucao. As suas bases foram lancadas em 1800 por Fichte, que 
estabeleceu este principio: «0 trabalho e a reparticao serao 
organisados collectivamente; cada qual, para uma porcao de- 
terminada de trabalho, recebe uma parte determinada de ca- 
pital, que constitue a sua propriedade, conforme o direito.» 
O illustre pensador original d'essa eschola, o fundador e or- 
ganisador da Intemacional, assestando uma poderosa machina 
de guerra contra o capital, (^) derruindo ate os alicerc'es do 
verdadeiro socialismo, essencialmente organico e creador, mais 
afFastou as questoes do governo do Estado de uma solucao 
prdtica. 

O socialismo do Estado, ao contrario, acceitando apenas 
a ideia das reformas progressivas e mantendo uma direccao 
intermediaria entre o socialismo radical e o mauchesterianismo 
absoluto, proclamou o accordo entre o governo e a nacao, fa- 



ll ) «Deve notar-se que a opiniao geral dos nossos economistas sobre o isolamento neces- 
sario da sua pretendida sciencia, relativaraente ao conjuncto da philosophia sodl^]^ constitue, 
implicitamente, um involuntario reconhecimento da inanidade scientifica d'esta theoria, que 
Adam Smith nao tivera cuidado de conceber assim .n— a. comte— Cowr* de phiiosophie positi- 
ve, vol. IV, pag. 271. 

(a) LOUIS BLAtiC— Organisation du Travail, {iS^).^Socialisme, droit ou travaii.iiS^Su 

(3) KAnL HARX-^ Das Kapital, 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 1 5 

cilitando assim a solucao prdtica das questoes sociacs. Mar- 
cou ao Estado o papel de regulador das funccoes economicas, 
como de todas as outras funccoes, dominando de bem alto a 
esphera dos interesses. O Estado nao se desinteressa inteira- 
mente dos fins moraes dos individuos que representa; contri- 
bue, por meio da escoiha de impostos, para a melhor reparti- 
cao das riquezas, sob o ponto de vista da justica e da huma- 
nidade; vale dquelles que supportam mais pesado fardo no con- 
juhcto da produccao nacional; intervem nos confiictos entre 
OS representantes do capital e os trabalhadores, tanto para 
servir de arbitro, como para obter paz; emfim, acode a to- 
das as necessidades collectivas, i medida que se vao mani- 
festando. Os representantes mais illustres d'esse socialismo 
sao: Held, Schmoller, Scheel, Schonberg, Wagner, Ahrens, 
Holtzendorf, Henrique de Sybel; mas a frente de todos estd 
Schaffle, o author da obra collossal Structura e Vida do Cor- 
po Social^ que encerra a mais alta expressao da economia alle- 
ma contemporanea. 

Tendo de definir o imposto^ para melhor o caracterisar no 
campo pratico, procuraremos fugir aos exclusivismos de es- 
chola, definindo-o, com Paul Leroy Beaulieu: «A contribui- 
cao exigida de cada cidadao, pela parte que toma nas despe- 
zas do governo.» (*) Como sem governo nao pode admittir-se 
organisacao social, conclue-se que o imposto e consequencia- 
-fundamental d'essa organisacao. 

E claro que nos afifastamos assim: i.% d^aquelles que con- 
sidcram o imposto como uma troca de servicos; 2.®, d'aquelles 
que consideram o imposto como um premio de seguro, pago 
para garantia da seguranca geral; 3.^, dos que acham represen- 
tar o imposto a applicacao e os gastos geraes de exploracao 
do capital nacional. 

Ao primeiro grupo pertence Proudhon, que define assim 
imposto: cE a quota-parte a pagar por cada cidadao, para as 



(I) PAUL LEROY BEAuucu— Tvaitc de la Science dcs Finance*^ pag^ 117. 



l6 O IMPOSTO 

despezas com os servicos publicos;» (*) e conclue n'cstes ter- 
mos: tO imposto e uma troca.» 

Uma troca nao nos parece se possa chamar, visto uma 
parte dos impostos serem pagos para satisfazer encargos da 
divida publica, que tantas vezes representam desmando e 
erros dos governos. Onde ha ahi troca de servicos? 

Considerar o imposto como contribuicao para a seguranca 
social, e collocal-o em um ponio de vista demasiadamente res- 
tricto, e fazer uma ideia falsa da missao do Estado: as despe- 
zas feitas com os servicos de seguranca representam uma pe- 
quena parte das despezas nacionaes. Se em Portugal tornar- 
mos em linha de conta os servicos de policia e de justica, nao 
excederao uma decima parte do nosso orcamento. 

A terceira formula de definicao do imposto cmana de um 
escriptor em que por mais de uma vez havemos de fallar, M. 
Menier, apostolo do imposto unico sobre o capital. Diz que: 
«0 imposto representa a valorisacao e os gastos geraes de 
exploracao do capital nacional.j) (*) O defeito d'esta defini- 
cao e nao se referir ds despezas do Estado que nao tenham 
por fim um servico material ou mesmo immaterial actual. Por 
outro lado, se os Estados forem obrigados, pclos proprios er- 
ros ou pelas violencias dos visinhos, a fazer despezas que nao 
tenham por objecto a exploracao do capital nacional, acaso 
OS cidadaos nao deverao contribuir com o imposto para o pa- 
gamento d'essas despezas? 

A definicao de imposto, que adoptamos, parece-nos a mais 
completa. Refere se ao preco dos servicos que o Estado prcs- 
ta ou prestou; indica, por outro lado, que cada cidadao deve, 
pela applicacao do principio de solidariedade nacional, tomar 
parte nos encargos, de qualquer especie e de qualquer origem, 
que pesera sobre o Estado. 



( 1 ) J. PROUDMON — Theorie de L 'Impdt, p^g. 47, 

(2) NCNiEX — Theorie et application de i'impot sur le capital^ pag. 83. 



K A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 1 7 

A boa reparticao do imposto constitue uma questao im- 
portante. 

Smith e Sismondi tracaram para a escolha e incidencia 
dos impostos regras que, na sua maior parte, sao hoje consi- 
deradas como axiomas da sciencia economica, n'esta materia. 
As maximas de Smith sao estas: (*) 

1.** Os cidadaos de cada Estado devem contribuir para as despezas 
do governo, tanto quanto seja possivel, em propori^ao com as aptidoes 
(ability) respectivas, isto 6^ em proporcao com a renda de que gozam res- 
pectivamente, sob a proteccao do Estado. 

2.® A taxa imposta a cada individuo deve ser certa e nao arbitraria. 
O tempo, o modo, a quotidade do pagamento, tudo deve ser claro e pre- 
ciso para o contribuinte, bem como para qualquer outra pessoa. 

3,** Todas as contribui^oes devem ser percebidas na epocha e segun- 
do o modo que pare^a mais conveniente para o contribuinte. 

4.** Todas as contribuit^oes devem ser estabelecidas de modo a tira- 
rem do bolso do povo o menos possivel, acima do que ellas fazem rever- 
ter para os cofres do Estado. 

Sismondi juntou a estas maximas as seguintes, algumas 
das quaes teem apenas valor relativo: (*) 

1.^ Todo o imposto deve recahir sobre o rendimento e nao sobre o 
capital. No primeiro caso, o Estado dispende apenas o que os particula- 
res deverfam dispender; no segundo, destroe o que devia fazer viver. 

2.° Na incidencia do imposto, nao deve confundir-sc o producto bru- 
to annual com o rendimento: o primeiro comprehende, alem' do segundo, 
todo o capital circulante, e uma parte d'esse producto deve ficar para 
manter ou rcnovar todos os capitaes iixos, todos os trabalhos accumula- 
dos, e a vida de todos os obrciros productivos. 

i.** O imposto, sendo o preco que o cidadno paga por gozos, nao deve 
ser exigido a quem nao tenha gozos; nao deve, portanto, attingir nunca 
a pane do rendimento que 6 necessaria a vida do contribuinte. 

4." O imposto nao deve nunca afugentar a riqueza que contribuir; 
deve, por isso, ser tanto mais moderado, quanto mais fugitiva for a natu- 
reza d*essa riquezu. Nao deve nunca attingir a parte da receita que for 
necessaria para que essa receita se conserve. 



(1) ADAM iuiTH—Ri'chesMe de» Nations, liv. 11, cap. v. 

(2) SISMONDI — Pn'jicrjpM d'Economie Politique, 1. 11, liv. vi, cap. viii. 



1 8 O IMPOSTO 

Resumindo, podemos apresentar as regras de Adam Smith, 
n'estes termos: 

Justi9a. 
Certeza. 
Commodidade. 
Economia. 

As de Sismondi teem por objecto: 

Modera^ao. 

Humanidadc. 

Habilidade prudente na escolha e incidencia do imposto. 

«A verdadeira theoria do imposto — escreveu um dos escriptores que 
mais largamente tern tratado esta materia —(*) parece-nos suppor como base 
a fixacao do sentido da regra da justica, a delimita^ao precisa da medida 
em que essa regra pode ser realisada e deve, depois, coordenar com essa 
regra moral a applica^ao das outras maximas de conveniencia, de pru- 
dencia, de economia e de humanidade, que resultam das prescrip^oes fi- 
xadas.w 

No decorrer do nosso trabalho, quando especialmente nos 
occuparmos das diversas contribuicoes, ver-se-ha que em Por- 
tugal nao as inspiram nem principios de justfca, nem de mo- 
deracao, nem de certeza — nenhum dos grandes predicados 
que distinguem um bom regimen tributario. 

E por isso que o regimen tributario em Portugal tem me- 
recido a mais severa condemnacao de homens conhecedores 
do assumpto; e por isso que a reforma de similhante regimen 
se impoe, como um dos primeiros elementos para o resurgi- 
mcnto economico do paiz. 



Mais de um economista tem tentado fixar a medida do im- 
posto, isto e, OS limites dentro dos quaes elle e justo e justifi- 
cavel. O minimum deveria ser a somma necessaria para pro- 
ver aos servicos publicos indispensaveis; o maximum deveria ser 



(I) ESQuiROu DE PARiEu— Trd/Vc des Impdts, 1. 1, pag. 18. 



E A RIQUEZA PUBUCA EM PORTUGAL IQ 

a somma necessaria para re*alisar os diversos servicos uteis, 
para os quaes o Estado e mais competente e mais apto do 
que OS individuos ou as associacoes. (^) 

Esta theoria, incontestavelmente engenhosa, e, infelizmen- 
te, muito pouco precisa para a applicacao na prdtica. Quaes 
sao OS servicos publicos indispensaveis? Demais, os serviqos 
publicos mais indispensaveis para um povo ou n'uma regiao 
sao, por vezes, dispensaveis ou menos importantes para outro 
povo ou n*outra regiao. 

O ideal do limite do imposto seria fixal-o em propor^ao 
com as rendas nacionaes, em proporcao com o conjuncto das 
rendas particulares; mas a detcrminacao d'essa proporcao tem 
tanto de arbitrario, que seria impossivel chegar a uma con- 
clusao rigorosamente exacta. 

Em todo o caso, alguns economistas e financeiros abstive- 
ramse de pretender a fixacao de um limite inflcxivel, e con- 
tentaram-se com obtel-o aproximadamente. 

Alguns consideram o imposto muito moderado quando o 
conjuncto das taxas nacionaes e locaes nao excede 5 ou 6 por 
cento da renda dos particulares. (^) 

Esta proporcao deveria ser considerada, em sua opiniao, 
nos paizes em que a divida publica e fraca e em que a poli- 
tica nao e dominada por espirito de conquista. 

«0 imposto e ainda supportavel— diz Beaulieu — se bem se tome jd 
pesado, quando nao exceda lo ou 12 por cento da renda dos cidadaos; 
para cima de 12 ou i3 por cento e uma propor<^ao exorbitante. Podera 6 
paiz supportar similhanie taxa; mas e certo que os progressos da riqueza 
pub]ica hao-de resentir-se: a liberdade da industria e at^ a do cidadao 
sao, n'esse caso, amea^adas e restringidas pelos vexames e violencias,que 
a complica^ao e elevai^ao das taxas necessariamente produzem.w 

Em capitulo especial, temos de occupar-nos do modo como 
estas affirmagoes se applicam a Portugal; mas digamos, desde 
jd, que tres paizes da Europa sao apresentados como repre- 



(1) viONn^Traite det Impdls en France, t. ii, pag. 8. 

(2) PAUL ucROY BEAUUEU— Trdi/e dc la Scieticc det Financet, pag. 127. 



20 O IMPOSTO 

sentantes dos tres graus do iiiiposto: imposto leve, imposto 
moderado, imposto pesado. Esses paizes sao a Belgica, a In- 
glaterra e a Franca. 

Na Belgica, o conjuncto das receitas e calculado em mais 
de 4:000 milhoes de francos, e presume se que o conjuncto 
dos impostos nacionaes, provinciaes e communaes nao passe 
de 255 milhoes de francos. Por isso, o imposto esti contido nos 
llmites rasoaveis de 6 por cento da renda do cidadao. 

Na Inglaterra, paiz riquissimo, os impostos percebidos pelo 
Estado nao sao muito elevados, mas os que as corporacoes 
locaes cobram sao consideraveis. Calcula-se em 118 milhoes 
de libras a importancia total dos impostos na Gran Bretanha 
e Irlanda. Por outro lado. presume-se que nao deve ser infe- 
rior a 760 milhoes de libras os rendimentos que devem con- 
tribuir para o income tax^ e dizemos devem contribuir porque 
nao s6 ha muiias declaracoes inexactas, mas, alem d'isso, as 
isencoes sao numerosas: os operarios, os lavradores, uma par- 
te da pequena burguezia, estao isentos d'esse imposto. Podc, 
pois, calcular-se em i:52o milhoes de libras sterlinas a impor- 
tancia da renda dos cidadaos da Gran-Bretanha e da Irlanda. 
Assim, OS impostos nacionacs e locaes representam 7,7 por 
cento, aproximadamente, da renda do cidadao. 

Em Franca, os impostos geraes, propriamente ditos, e os 
impostos locaes, sao calculados em 3:3oo milhoes de francos. 
Ora, a renda dos francezes p6de ser calculada em 3o:ooo ou 
32:000 milhoes de francos; portanto, a pane d'essa renda, 
absorvida annualmente pelos impostos do Estado, dos depar- 
tamentos e das communas, representa uma proporcao de 1 1 
por cento. A este proposito, escreve Beaulieu o seguinte, que 
a nos, portuguezes, deve servir de licao: (*) 

«0 Imposto absorve, pois, em FraiK^a a nona parte, aproximadamente, 
de todas as rendas particutares.Opaiz supporta ainda com pnciencia esse 
fardo consideravel; mas ser-lhe-ha, incontestavelmentc, impossivel tolerar 
muito tempo, sem soffrimento, o aggravamento dos encargos actuaes. Se 



(1) PAUL LBKOT BEAULicu— Trdi/e de la Science det Ffnancet, pag. t33. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 21 

$e quizer que o trabalho e a economia nao sejam attingidos nos seus pro- 
gresses e que o capital nao tenha de emigrar, epreciso procurar reduzir 
esse enorme desfalque, ou, pelo menos, deve pensar-se em deixai-o esta- 
cionario e nunca pensar em augmentaI-o.» 



Tendo de assentar n'uma classificacao dos impostos, sur- 
ge immediatamente ao nosso cspirito a questao da unidade e 
da multipUcidade dos impostos, tao discutida no mundo das 
financas. Como questao theorica, tocal-a-hemos muito passa- 
.geiramente, unicamente para emittirmos opiniao e justificar- 
nios o ponto de vista em que, mais tarde, nos teremos de 
collocar. 

O imposto tinico e, por assim dizer, uma aspiracao gene- 
rosa: — faria desapparecer i>m grande numero de formalidades 
e de pcias.para a produccao e para a circulacao; ampliaria o 
campo da liberdade civil e industrial; cada cidadao poderia 
mais claramente deitar contas ao que paga para os negocios 
publicos; certamente as despczas de percepcao viriam a ser 
menores do que com os impostos muliiplos. Mas, quantos ve- 
xames seria preciso crear para que essa taxa produzisse a re- 
ceita necessaria ds exigencias do Estado? Effectivamente, esse 
imposto teria de ser directo, e a cxperiencia de todos os po- 
vos demonstra que a taxa directa e sempre difficil de cobrar 
sobre as pequenas rendas. 

A maior parte dos economistas, com Adam Smith d fren- 
te, teem comprehendido que a multiplicidade dos impostos, 
quando nao seja levada exaggeradamente longe, nem produza 
formalidades e vexames indefinidos, e uma especie de garan- 
tia contra as iniquidades de cada imposto. O proprio Prou- 
dhon, apesar das suas opinioes tao radicaes (*) demonstrou 
frisantemente os inconvenientes do imposto unico: « todos os 
impostos, diz elle, sao iniquos, peio menos na sua applicacao; 
se, portanto, se estabelecesse um imposto unico, esse imposto 
seria a somma das iniquidades fiscaes,^ 



(I) J. PROUDHON— 77reori> de L'Impdt, 



22 o IMPOSTO 

Adoptando, pois^ o systema dos impostos multiplos, divi- 
dil os-hemos, como e de uso, em impostos direcios e impostos 
mdirectos. Nao e facil estabelecer para essas duas classes de 
impostos uma definicao que consiga alliar o rigor scientifico 
com as classificacoes administrativas geralmente seguidas. Os 
economistas dividiram-se pronunciadamente a estc respeito; 
mas a opiniao mais scguida e chamar imposto directo ao que 
pesa sobre um contribuinte nominativamente designado e que 
Ihe e exigido em periodos regulares; imposto indirecto e aquel- 
le que incide mais sobre um facto do que sobre uma pessoa, 
attingindo o contribuinte de um modo, por assim dizer, media- 
to, por occasiao de um facto sem continuidade nem periodU 
cidade regular, como o consumo, a compra, etc. (*) 

Mac-Culloch chama, porem, imposto directo ao que in- 
cide immediatamente sobre a propriedade ou sobre o traba- 
Iho; e imposto indirecto quando e exigido ds mesmas fontes 
de riqueza, em virtude da obrigacao imposta aos proprietarios 
e trabalhadores de comprarem a iiberdade de usarem de cer- 
tos objectos ou de exercerem certos privilegios. (*) 

E nao se julgue de somenos importancia a classificacao de 
que nos estamos occupando. N'uma obra de reconhecida aucto- 
ridade, o notavel Manual^ de Schonberg, leem se estas pala* 
vras, que substituem quaesquer affirmacoes nossas: fNao fal- 
tam escriptores eminenies, mesmo entre os modernos (Hoff- 
mann, Sch^ffle e outros) que considerem esta distinccao en- 
tre impostos directos e impostos indirectos, como a mais im- 
portante, sob o ponto de vista scientifico, e a ella subordinam 
essencialmente todas as outras.v (^) 

Convem lancar mao dos impostos directos com toda a 
prudencia, porque as bases em que assentam sao muito frageis. 
Essas bases sao: i .®, declaracao pelo contribuinte da sua for- 
tuna e dos seus rendimentos; 2.^, estabelecimento de certas 
presumpcoes legaes, que servem para reconhecer a rend a ou 



(1) ESQuiRou DE PARiKU— TrafVf' des Impdts, 1. 1, pag. 9. 

U) MAC-CULLOCH— TrM/w on ihe principlet and pratical influence of taxation, pag. 1 • 

(3) G. scHONBtRG— A/dflttd/ de Economia Politico^ vol. iv, pag. 431. 



E A RIQUEZA PUBLIC A EM PORTUGAL 23 

fortuna do contribuinte; 3.®, taxacao feita pelos agentes do 
Estado ou por commissoes locaes. Ora, como todos sabem, 
a declaracao dos contribuintes estd sujciia a dissimulacao; as 
presLimpcoes legaes teem apenas uma ^usteza aproximativa e a 
taxacao official estd sujeita a erros e arbitrariedades. 

Outra causa da inferioridade dos impostos directos e nao 
terem uma tendencia tao accentuada como os impostos indi- 
rectos para serem de cada vez mais productivos, proporcio- 
nalmente ao desenvolvimento da populacao e da riqueza na- 
cional (*) 

Os impostos indirectos teem aquillo que se chama uma no- 
tavel elaslicidade; incidindo sobre o consumo, sobre os gozos 
ou sobre as transaccoes, offerecem, naturaimente, receitas que 
augmentam em proporcao do augmento d'essas transaccoes, 
d' esses gozos e d'esse consumo. A grande vantagem politica 
e finaoceira d'elles consiste em que o legislador nao tem que 
intervir; o contribuinte e o principal agente do augmento ou 
diminuicao dp rendimento do tributo. 

Os impostos indirectos teem, porem, o inconveniente de 
nem cada um de per si nem todos no $eu conjuncto poderem 
ser strictamente proporcionaes ds faculdades do contribuinte, 
o que representa um grave defeito. 

Outro inconveniente dos impostos indirectos consiste em 
embaracarem o trabalho, diflicultando-Ihe a marcha regular, 
por isso que a maior parte d'elles nao podem ser cobrados 
sem intervencao do Estado nas industrias. Para attenuar este 
segundo inconveniente, que em Portugal tem dado origem aos 
mais graves erros economicos, como havemos de demonstrar, 
deve restringir-se, quanto possivelr o numero dos artigos taxa- 
dos, escolhendo de preferencia generos que estejam promptos 
a entrar no consumo e que nao sejam destinados a muitas ela- 
boracoes ulteriorcs. (*) 

Um terceiro inconveniente do imposto indirecto e conce- 



(1) PAUL LCROY BEAVUEV^Traiit de la Science des Finances, pag. 228. 

(2) PAUL LKROY BEAUUtu— TrdfVe de la Science des Finances, pag. 238. 



24 O IMPOSTO 

der vantagens ao commerciante de grosso tracto & custa do 
pequcno negociante. Esse grave defeiio foi cuidadosamentc 
estudado por Cliffc-Leslie, n'um dos opuscules do Cobden- 
Club. (*) 

Um quarto inconveniente dos impostos indirectos consiste 
em que as despezas da cobranca sao, por vezcs, mais eleva- 
das do que os impostos directos. Portugal gasta so com a 
guarda e policia fiscal 1:200 contos e ninguem dird que a nossa 
fronteira esteja devidamente guarnecida, para evitar a irrupcao 
do contrabando. 

Definida, assim, a naturcza dos impostos directos e dos 
.indirectos e caracterisados nas suas consequencias sobre a 
economia nacional, resta-nos adoptar uma classificacao, fun- 
dada quanto possivcl em bases scientificas e d qual possamos 
mais tarde submetter a organisacao tributaria portugueza. 

Essa classificacao deve fundar-se, segundo opiniao gcral 
dos economistas, no objecto em que os impostos incidam ou a 
que se appliquem. Seguiremos, portanto, Parieu no estabele- 
cimento de cinco cathegorias fundamentaes de impostos: (*) 

I."— Impostos sobre as pessoas ou capita^oes. 

2.'*— Impostos sobre a riqueza ou sobre a posse dos capitaes e rendas. 

3." — Impostos sobre os gozos. 

4." — Impostos de consumo. 

5."— Impostos sobre os actos publicos. 

Rau, o illustre econoraista allemao, adoptou uma classifi- 
cacao mais simples mas que se harmonisa perfeitamente com 
esta. Estabelecc dous grupos: i.°, taxas de estimacao, incidin- 
do em geral sobre os bens (Schatyiingen); 2.®, taxas sobre as 
despezas (Aufivandsteuern), (^) O primeiro comprehende as 
duas primeiras cathegorias de Parieu e o segundo as tres 
ultimas. 

Lancadas, assim, n'este capitulo, as bases de uma organi- 



( I ) CLiFFE-LcsLiE— Financid/ Reform. 

{2) ESQuiROu DE pARiBu— Trtfi/e dcM lmp6u^ pag. 1 1. 

|:<) nxv—FiHan;viufncha/t, 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 2D 

sacao tributaria harmonica com os principios da economia po- 
litica, estamos habilitados a apreciar ate que ponto a organi- 
sacao tributaria em Portugal obedece aos bons principios e 
a assentar nas bases que a sciencia economica estabeleceu en> 
tao importante materia. 

Eis o que passamos a fazer, antes de entrarmos no estu- 
do especial de cada imposto. 



CAPITULO II 



APPLICACAO DAS BASES SCIENTIFICAS DO IMPOSTO A PORTUGAL 



LrOGo ao meditar na definigao do imposio^ a nossa con- 
sciencia ergue um grito de protesto contra a administragao fi- 
nanceira de Portugal. 

O imposto, que deveria representar a contribuicao de cada 
cidadao para as despezas do governo, tern, muitas vezes, re- 
presentado o sacrificio de cada cidadao para desperdicios e 
para erros graves na gerencia financeira do Estado. Nos nao 
acompanhamos os visionarios que teem pretendido o estacio- 
namento das despezas publicas; mas quereriamos, na phrase 
de Thiers, que os ministrps da fazenda usassem de ferocida- 
de para evitar despezas superfluas e illegitimas. 

Alem de anti-economico, e immoral exigir ao contribuinte 
tributes que nao aproveitem ao bem geraL 

Vejamos ate que ponto realisa a organisacao tributaria em 
Portugal, as condicoes enunciadas por Smith e por Sismondi: 

Justica — «E' conviccao geral que as desigualdades mais fla- 
grantes, a sonegacao mais sensivel da materia collectavel, as 
resistencias mais preponderantes, sao as que se notam quanto 
d grande propriedade, ou antes, quanto aos grandes proprie- 
tarios.» (*) 

Sao ainda da mesma fonte auctorisada, o snr. Pedro Au- 



(i) Annuario Estatistico das Contribuic6es Dtreclas, 1877-1878, pag. xviii. 



28 O IMPOSTO 

gusto dc Carvalho, como director geral das contribuicoes dU 
rectas, estas expressivas afiirmacoes: 

«A conveniencia fiscal podcria exigir mais; mas, acima de tudo, e no 
interesse d*essa propria conveniencia, estd fazer acabar com os privilegios 
de facto, irritantes e duplamente odiosos, que so teem creado d sombra 
do systema vigente. Nao so ha proprietarios que nao pagam o que devem 
pagar, mas tambem quem esteja pagando mais do que absolutamente de- 
veria pagar. As percentagens elevadissimas de alguus districtos importam, 
efi'ectivamente, a deploravel consequencia de que os proprietarios dos 
predios descriptos, com verdade estao sendo relativa e absolutamente 
prejudicados.» (>) 

Depois d'este depoimento altamente expressive, tornam-se 
desnecessarias quaesquer consideracoes nossas. 

Falla ainda por nos urn outre funccionario, muito compe> 
tentc: 

nConcluimos, dizendo emquanto ao thbuto de trabalho, o que disse- 
mos com rela^ao d contribui^ao de propriedade: se a adminisiragao qui- 
f ^r, obtcrd maior somma d'esta fonce de receita, conseguindo ser justa na 
exigencia do quantum do imposto.* (<) 

Certe-{a — «Eis muito incompletamente, de certo, a analyse 
das tres principacs verbas de contribuicao industrial, no ser- 
vice dc 1877. Cada uma das que se seguem, jd porque se 
considerassem sob o ponto de vista do valor collectavel das 
industrias, ja porque se quizesse fazer a critica da exactiddo 
das classificacoes e da juste\a dos lancanientoSy poderia dar 
margem a nao menos dcsenvolvido exame.» (^) 

Todos sabem, na verdade, quantas incertezas e quantas 
arbitrariedades fercm o contribuinte, sem que elle possa en- 
contrar a razao de similhante proceder e sem que possa 
achar quem e indemnise de prejuizos repugnantes. 

Commodidade — Kssencialmente complicada em formalida- 
des, a percepcae de certos impostos constitue uma difficulda* 



(1) op. cit., pag. IX. 

(2) MIGUEL DE bulh6e6— ^ Fu^etida Publica de Portugal ^ pag. 26. 

(3) Annuario Eslatistico das Contribuicoes Directas, 1877-1878, pag* xxv. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 29 

de a expansao dos ncgocios no nosso paiz. A bem dizer, cada 
imposto tern um regimen especial, exige guias especiaes, de- 
manda fiscalisacao especial e d'esta sorte rcpresenta uma se- 
rie de peias intoleravcis, scm que, por vezes, Ihes correspondam 
resultados apreciaveis. 

Haja vista o que e o regimen da exportacao de nossos vi- 
nhos, a qual, pelo facto de represeniar uma das primeiras fon- 
tes da riqueza do paiz, deveria sen rodeada de facilidades e 
desonerada de encargos. Mantim-se, todavia, um imposto, sc 
bem que diminuto, sobre a exportacao, oneram se com direi- 
tos as garrafas, o vasilhame e, sobretudo, o alcool, destinado 
a bcneficiacao dos vinhos. 

Economia—Vnyd boa parte do rcndimento de alguns im- 
postos e absorvida pclas despezas com o pessoal que os ser- 
vicos dresses impostos exigem. Recorde-se o que ainda ha 
pouco custava, e mesmo actualmente custa, o pessoal incum- 
bido da fiscalisacao do imposto do sello. 

Do real de agua, que nos districtos do continente do reino 
e ilhas (afora as alfandegas) rcndeu cm 1889-1890, ultimo an- 
no de que conhecemos a estatistica detalhada, 860 contos, fo- 
ram applicados so a abonos e quotas pagas pela cobranca, 27 
contos, isto e, 3 por cento. 

-\/orferacao— Ubscrvaremos, dentro em breve, o que e a 
modera(;ao no regimen tributario cm Portugal, quando deter- 
minarmos o limite da tributa(;ao no nosso paiz. 

////i//(3;//<ijrfe— Diga-se, com verdade, que o fisco, sendo 
injusio e ate vcxatorio em Portugal, nao e deshumano, isto e, 
nao vai, geralmente, attingir a parte do rendimento que e ne- 
ccssario A vida do contribuintc. Bastard recordar o que acon- 
tece com a contribuicao industrial, em que os pequenos tra- 
balhadores gozam de justificada isencao. 

Habilidade — Habilidade prudente na escoiha e incidencia 
do imposto e cousa que os financeiros portuguezes nao conhe- 
cem. Como teremos occasiao de mostrar, ha muito se pensa 
na suppressao de alguns impostos, sem prejuizo dos redditos 
publicos e na refundicao de outros; mas todos esses pianos 



«w 



3o O IMPOSTO 

teem sido abandonados, victimas da soffreguidao de perceber 
impostos, de codas as origens possiveis e imaginarias. 

D*esta forma, o imposto tcm sido, muitas vczes, o primei- 
ro elemento para a degeneracao da riqueza publica e nao 
poucas vezes se tern visto diminuir a cobranca do imposto d 
medida que as taxas augmentam; a materia collectavel foge, 
por assim dizer, receiosa da ferocidade do fisco. 



Somos chegados a um dos mais delicados pontos do nos- 
so estudo, a um assumpto que ha muito deveria cstar defini- 
do, para servir de norma e de aviso aos pianos dos nossos d- 
nanceiros. Rcferimos-nos a determinacao do limite do imposto 
em Portugal. 

Como ja vimos, esse limite tem de scr determinado pela 
proporcao entre o conjuncto das taxas nacionaes e a renda 
dos particulares (*; 

Nao e diificil a determinacao das taxas nacionaes, porque 
a estatistica tributaria em Portugal realisou notaveis progres- 
sos nos ultimos annos, especialmente pclo que diz respeito as 
contribuicoes directas. 

Peto ultimo Annuario Estatistico publicado, vg-se que a 
liquidacao geral dos impostos directos, incluindo sello e regis- 
tro, em 1891 1892, quanto ao continente do reino e ilhas ad- 
jacentes, foi: (-) 

Continente i3:225 contos 

Ilhas 640 » 



1 3:865 



Mas o modo de ser de algumas das contribuicoes tem-se 
modificado scnsivelmente nos ultimos annos, especialmente 
pelo que diz respeito a contribuicao predial, A contribuicao de 
registro e ao imposto do sello. Por isso, achamos convenien- 



(1) PAUL Lxsor BEAVUti—Traite de la Science det Financei. 

(2) Annuario EstatiBtico dat Contrituic6e» Direciai, 1891-1892, pag. i63. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 3l 

te lancar as nossas investigacoes para d'quem dos limites das 
estatisticas tributarias. 

Segundo o orcamento para 1896-1897, os impostos directos 
sao calculados em 17:161 contos, assim distribuidos: 

• Impostos directos, propnamente ditos. . 11:951 contos 
Sello e registro 5:2io » 

17:161 » 

Igualmente nao podemos recorrer is estatisticas tributa- 
rias na fixacao da importancia das contribuicoes indirectas. A 
administracao geral das alfandegas e contribuicoes indirectas 
publica, e certo, uai Annuario, mas abrange unicamente a 
estatistica do real de agua e de diversos impostos indirectos. (*) 
Ora, segundo a nossa organisacao fazendaria, os impostos di- 
rectos (artigo 3.° da receita orcamental) abrangem uns 28 nu- 
mcros. Por isso, vemos-nos obrigados a recorrer a documen- 
tos de ouira ordem, para fixar a importancia dos impostos in- 
directos. Segundo o orcamento de 1896- 1897, os impostos in- 
directos e addiccionaes sao calculados em 28:405 contos, 
sendo 24:688 contos de impostos indirectos, propriamente di- 
tos, e 717 contos de addiccionaes. 

Portanto, os impostos geraes podcm ser assim fixados: 

Impostos directos 17:16! contos 

Impostos indirectos 25:4o5 » 

42:566 » 

Ha, porem, a acrescentar a estes impostos geraes os im- 
postos locaes, de caracter quer districtal quer municipal, e, 
para isso, fornecem-nos informacoes compietas as estatisticas 
officiaes. Segundo as mais recentes estatisticas, temos, para o 
continente e ilhas adjacentes, no anno civil de 1892: {^) 

Impostos municipaes 3:8o6 contos 

Imposto districtal 576 » 

4:382 » 



(1) Estatiiliea do real de agua e outrot imposto* indirectos, 1889-1890. 

(2) Annuario Estatisiico das Contrituicdes Direcias, 1 891 -1892. 






-aKi-.:.j^«c-*— — ,L^ . .9*^ J .m.. 



32 O IMPOSTO 

Com estes dados, pode calcular-se pela forma seguinte a 
importancia das taxas nacionaes: 

Impostos geraes 42:566 contos 

Impostos locaes 4:382 » 

46:948 

Estabelecidas assim as taxas nacionaes, vamos entrar na 
segunda parte da questao — a determinafdo da rique'{a na- 
Clonal. 



CAPITULO III 



A RIQUEZA NACIONAL 



XxBRiREMOS este importante capitulo por dizer duas pala- 
vras sobre o que seja rique:[a nacionaL 

E principio assente em economia politica que — o valor va- 
ria segundo a intensidade da procura e a dtfficuldade de en- 
contrar a utilidade. (*) 

Alguns economistas teem procurado determinar f6rmulas 
especiaes para darem a medida do valor. (') 

Do principio fundamental acimaenunctado,tiram-se um sem 
numero de conclusoes, que explicam as oscillaqSes na riqueza 
economica de um paiz. 

Sobre o que seja propriamente essa riqueza, nao estao 
Concordes todos os economistas. 

J. B. Say, considerando a riqueza de um paiz composta 
do valor das cousas possuidas, achou que se poderia cahir na 
contradicqao economica de ser mais rica a nacao em que os 
productos teem mais baixo preco. 

Yves Guyot, pretendendo desfazer essa contradiccao, 
apresentou esta solucao: cA riqueza de uma nacao estd na 



(I) YVES GUYOT — La Sct'cnce Economique, pag. ii5. 

(3) MouNARi— Qoando a reia^ao das quantidades de dous productos offerecidos em troca, 
varia em progressio arithmetica, a rela^ao dos valores d'esses dous productos va ria em pro* 
gressao geomctrica .—Qum/ioim de politique et de droit public*. 



!E!35B^5! 



34 O IMPOSTO 

razao directa dos seus capitaes fixos e na razao inversa do 
valor dos seus capitaes circulantes.* (*) Chegou a esta con- 
clusao, pensando que o progresso industrial consiste em au- 
gmentar incessantemente as utilidades contidas nos capitaes 
fixos e em economisar o consumo dos capitaes circulantes 
(materias primas), augmentando a produccao dos capitaes cir- 
culantes (productos); sendo assim, mostra que o valor dos ca- 
pitaes circulantes baixa e o valor dos capitaes fixos augmenta. 

A conclusao de Guyot conduz-nos a esta interrogacao: — 
— Pelo visto, enriquecer-se-hia acabando com os capitaes cir- 
culantes? 

Das duas uma: ou se cahe n'um absurdo respondendo af- 
firmativamente a esta interrogacao, ou se tem de dar por in- 
subsistente a solucao de Guyot. 

Rodrigues de Freitas concebeu uma definicao da riqueza 
das nacoes, que nos parece perfeita e completa, ao mesmo 
tempo. «A riqueza — observou o illustre professor — esta na ra- 
zao directa das utilidades, na da diminuicao do valor da uni- 
dade e do augmento do numero dos objectos.» (-) 

Efl'ectivamente, esta definicao harmonisa-se com as ideias 
sobre variacoes de valor, que acima aprescntamos, e explica 
as oscillacoes de que a riqueza nacional e susceptive), sob a 
accao de diversos agentes. 

A face d'estas ideias, esta naturalmente tracado o cami- 
nho que temos a seguir, quando nos propozermos determinar 
a riqueza de Portugal. Devemos, primeiro que tudo, come- 
car por ver a somma de utilidades que o homem tem sabido 
crear, examinando em seguida ate que ponto o trabalho hu- 
mano tem sabido diminuir o valor da unidade dos productos e 
augmentar o numero d'esses productos. 

Complexa e a materia, deficientes os dados de que, por vc- 
zcs, podemos dispor; mas, por isso mesmo, nao e sem valor 
a nossa modesta contribuicao para uma solucao que tanto 
interessa a economia de Portugal. 



(1) YVES GuvoT— /-a Science Economt'que, pag. i6a. 

(2) RODRIGUES DE FREITAS— Notos ineditasi op. cit. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 35 



A PROPRIEDADE EM PORTUGAL 

Comecaremos por avaliar o rendimento proveniente da 
propriedade. 

Seguindo um notavel relatorio de Filippe Folque, podc- 
mos comecar por formular o cadastre summario dos terrenes 
incultos. Esses terrenes sao assim dividides: (^) 

Areaes e m^oes da costa mariiima 72 :ooo hectares 

Cumiadas e charnecas: 

Minho 224:000 

Traz-os-Montes 714:000 

Beira e Extremadura, ao nor- 

^ te do Tejo 1.348:000 

Alemtejo e Extremadura, ao 

sul do Tejo 1.647:000 

AJgarve 309:000 4.242:000 » 

4.314:000 » 

Le-se n'esse relatorio^ a proposito d^estes algarismes: 

«Sob o nome de incultos, acham-se comprehendidos muitos milha- 
rcs de hectares que estao premanentemente de matto ou que nao re- 
cebem cultura senao com mui grandes intervallos; e tambem encerra 
uma immensa drea sujeita ao cradiccional systema dos alqUeives, que nao 
foi possivel extremar-se. Portanto, se considerarmos a parte do paiz que 
n'um dado anno fica por cultivar, nao erraremos talvez muito, reputan- 
do-a em 5.ooo:ooo de hectares, numero redondo.w 

Ora, sendo a superficie total do reino de 8.962:531 hecta- 
res, ve-se que Filippe Felque considera inculto mais de meta- 
de do paiz, e, todavia, «na drea de 5. 000:000 de hectares, diz 
elle, comprehendem-se vastas superficies de terrene proprio 
para as mais variadas culturas, come sao grandes extensocs 
do s61o alluvial uberrimo no fundo de muitos valles, especial- 
mente ao sul do Tejo; muitos salgadicos desaproveitados, e, 
emfim, muitos brejes e pantanos, que, mediante algum tra- 



0) FILIPPE FouivE^RelatortQ dcerca da arborisa^do geral do pai{, 1868, pag. 3i3. 



srr 



36 O IMPOSTO 

balho poderiam reduzir-se a chao cultivavel, salvando-se ainda 
as populacoes contiguas da sua malefica influencia.t 

Como disse um illustre escriptor portuguez, (*) o valor e 
a importancia das nacoes nao se medem pela drea, medem-se 
pela densidade da sua populacao e pela concentracao da sua 
riqueza. Comparemo-nos d Belgica e meditemos este ponto. 
cPropriedades vastissimas, extensos morgados por cultivar, 
sao sempre ruinosos; n'esta condi^ao estamos nos, com me- 
tade do nosso territorio inculto e com a nossa emigra^ao phe- 
nomenal. » 

Aos terrenos incultos devemos ainda acrescentar os pan- 
tanosos e encharcados, que foram calculados em 45:520 he- 
ctares (*) e bem assim os do dominio social^ isto e, os que 
sao occupados por cidades, rios, estradas, etc., e que, se nao 
representam a superficie de 400:000 hectares, fixada pelo il- 
lustre publicista Rebello da Silva, (^) tambem nao devem ex- 
ceder o numero de 600:000 hectares, que Delfim de Almeida 
adoptou para base de sens calculos (*) pois, sendo esses cal- 
culos feitos em 1873, a esse tempo estava jd realisada uma 
boa parte da construccao das estradas e caminhos de ferro. 
Em 3o de junho de i883, a extensao total das nossas estra- 
das, construidas e em construccao, era de 9:953 kilometros, e 
a dos caminhos de ferro, em exploracao e em construccao, 
era de 1:606 kilometros; essas estradas e caminhos de ferro 
nao representam superficie superior a 1:000 hectares; logo, 
ainda que a construccao d'ellas houvesse sido feita posterior- 
mente a 1873, nao havia razao para alterar a base, que se 
indica, de 600:000 hectares. 

Resumindo, temos: 

Terras incultas S.ooo.ooo hectares 

Terras encharcadas 45:520 » 

Dominio social 600:000 » 

5.645:520 » 

(1) OLIVKIRA MARTINS— Prq;>c/o de lei de fomento rural, pag. 91 . 

(2) Relatorio da junta central de adminittracdo dos trabalhot de melhoramentoi sani- 

tariot, pag. 41. 

(3) REBELLO D.\ WLV<i K—Compendw de Eeonomia Rural, pag. 3i3 

(4) DBLnn DB ALHEioA— Of Jmpostos em Portugal, pag, 43. 



E A RIQUEZA PUBLIC A EM PORTUGAL 3 7 

Conclue-se, portanto: 

Superficie de Portugal 8.962:331 hectares 

Terreno por cultivar 5.645 :520 » 

Terreno aproveitado 3.317:01 1 » 

Sobre estes algarismos basearemos, pois, ps nossos cal- 
culos. 

Valorisar esse terreno, eis um ponto embaracoso da ques- 
tao, que pretendemos resolver. 

O valor da propriedade tern augmentado ou diminuido? 
Tende a augmentar ou a diminuir? Os economistas modernos, 
seguindo as doutrinas de Riccardo, respondem a estas interro- 
gacoes por estes termos: «A renda da terra tem tendencia 
para augmentar nos paizes onde a populacao se desenvolve e 
onde a civilisacao faz progressos; o rendimento do proprieta- 
rio, mesmo sem nenhum trabalho e nenhum sacrificio da sua 
parte, vai, em geral, augmentando. • (*) Esta theoria tem ra- 
zao scientifica, mas as consequencias prdticas d'ella teem sido 
muito exaggeradas, porque os progressos da agricultura teem 
demonstrado, ha trinta annos a esta parte, que as rendas dos 
proprietarios nao seguem uma direc^ao constante e geral, em 
vista das vicissitudes das culturas e dos numerosos agentes 
que podem affectar a propriedade territorial. 

Pelo que diz respeito a Portugal, temos dados relativamen- 
te recentes, que nos permittem reconhecer as oscillacoes no 
movimento do valor da propriedade. Esses dados constam de 
um valioso relatorio sobre a emigracao portugueza, e teem 
tanta mais auctoridade quanto e certo que abrangem uma 
parte muitissimo consideravel da area do paiz e foram colhi- 
dos pelo depoimento das difFerentes camaras municipaes, das 
diversas reparticoes de fazenda e administracoes de conce- 
Iho, como respostas a um questionario que Ihes foi enviado 
pela commissao parlamentar de emigracao. 

Esse relatorio e acompanhado de mappas, que fornecem, 



(I) PAUL LEROY BBAuucu— Troi/cf dc lo Scioice det Finances, 1 1, pag. 189. 



38 



O IMPOSTO 



alem de outras inforniacoes, o movimento do valor da pro- 
priedade e ao mesmo tempo o das rendas, no decennio de 
1875-1885. D'elles colhemos os seguintes algarismos: 

Valor da propriedade 

Oscillacao de 1875 para i885 



DISTIUCTOS 


VALOREM 


Rradu 

Nitmcre de eoa- 

celHo* em qu* 

diininoirua 


Renda* 

Komero i!« con- 

Mlbo* piti <|o« 

•aomenuran 


Rradat 

5uniero de con- 

cplbw cm (|ue 

MUctooarara 


Rrndaa 

Numero de coo- 

ceUio* em iine m 

ignora a uscii- 

la^ao 


Vianna 


— 16 p. C. 

— 27 p. c. 

— 29 p. C. 

— I p. C. 

-\- 20 p. C. 

— 10 p. c. 

— 7i4 P- c- 
-f- 10,5 p. c. 

— 19 p. c. 


6 
8 
6 
3 
6 
3 
3 

4 


I 
2 

4 

7 
2 

5 

12 

3 


2 
4 

4 
10 

3 

5 

4 
2 

3 


2 


Braea 




*-" "0 • • • 

Bragan9a 

Porto 

Aveiro 

Vizeu 





Guarda 




Portalegre 

Faro 


I 

5 







Como se ve, em Portugal, o valor da propriedade e as 
rendas teem diminuido sensivelmente, contribuindo muito para 
a queda de uma e de outras os impostos, que por toda a par- 
te, com rarissimas excepcoes, sao considerados cxcessivos. 

A' vista d'isto, nao nos deixaremos arrastar por factos que 
sao citados em documentos ofiiciaes e que nao representam 
senao casos particulares de augmento no valor da proprieda- 
de. Sobre a valorisacao de uma propriedade no Alemtejo, diz 
um relatorio: «Na avaliacao, cada hectare de charneca com- 
putou-se em ics^Soo reis, os paues em 2;2()ooo reis e os alaga- 
mentos de arroz em i8o^oooreis. Hoje, tanto valem os paues 
como OS arrozaes; em ambos crescem excellentes vinhas, e 
nao serd exaggerado dar-lhes um valor de i:oooCQf^ooo reis por 
hectare, pois que n'esta superficie devem colher-se pelo me- 
nos dez pipas de vinho. As charnecas de terra pobre, que va- 



E A RIQUEZA PUBLIC A EM PORTUGAL 3 9 

liam 1^800 reis, valem bem hoje Soo^ooo reis o hectare, cal- 
culando pelo baixo a produccao media de cinco pipas por he- 
ctare, p (*) 

Achamos itiuito exaggerados estes calculos. 

De resto, quem conhece a situacao da propriedade, o seu 
regimen^ o grande peso de despezas que todas as culturas 
acarretam, a deficiente expansao do consumo de nossos pro- 
ductos, nao pode deixarde acautellar-se contra exaggeros, que 
perturbariam quaesquer calculos e invalidariam quaesquer 
conclusoes. 

Ferreira Lapa, o professor emerito, a quem a agricultura 
portugueza deve os mais assignalados servicos, percorreu to- 
do o paiz e apreciou bera de perto as faculdades productivas 
das diversas regioes. Avaliou o producto bruto annual da 
nossa cultura em 118:000 contos (^), calculando em 5:ooo 
contos a coUecta que recebe o thesouro d^estes valores. As- 
sim, o rendimento por cada um dos hectares cultivados, seria 
de 35^574 reis. 

Respeitando esta valiosa indicacao, calcularemos, todavia, 
em 33c!:J'Ooo o rendimento de cada hectare e nao levaremos 
em linha de conta a diminuicao reconhecida na renda, a fim 
de que as nossas conclusoes tenham maior caracter de exa- 
ctidao. 

D'esta forma, o rendimento de todos os terrenos aprovei- 
tados no paiz serd de 109:000 contos de reis. 

Fallemos agora do rendimento das casas, para o que nos 
guiaremos pelo «Annuario Estatistico das Contribuicoes Dire- 
ctas», sem receio de errar, porque, se os dados fiscaes sao 
deficientes, e certo tambem que o rendimento de uma grande 
parte dos predios de habitacao entrou no producto bruto da 
agricultura, ja calculado. Esse Annuario iixa assim o numero 



(1) Reiatorio do Jury para o concurso vilicola ettabelecido em j885 peia commitsdo 
central anti-phylloxerica do tut do reino, 

(2) raiiRBiRA UAPA—Relatorio da mistdo agricola na provincia do Minho, pag. lo. 



40 O IMPOSTO 

de casas contribuidas no continente e a importancia das ren 
das, que Ihes foram attribuidas: (*) 





Quantidades 


Importancia 


Terras de !.• ordeni 


37:438 


3:077 contos 


Terras de 2." ordeni 


17:375 


1:196 » 


Terras de 3.* e 4»* ordem. . 


46:931 


1:286 » 


Terras de 5/ e 6.* ordem . . 


110:376 
212:120 


1 :202 » 




6:761 » 



O COMMERCIO EM PORTUGAL 

Ao termos de determinar o rendimento do commercio e 
da industria em Portugal, abeiramos uma das questoes mais 
importantes para a economia publica portugueza. 

Guiando-nos pelos preceitos estabelecidos pelos mais no- 
taveis economistas, deveriamos attender d importancia dos 
valores, que para a produccao entram em accao. «0 juro — 
diz Cherbuliez— sempre que entre como elemento nos valo- 
res, confunde-se com o lucro, de que faz parte integrante; 
pois e somente como juro do capital posto em accao na pro- 
duccao que p6de contribuir para formar o valor d*um produ- 
cto, e esse capital, quer pertenca, quer nao ao productor, co- 
Ihe necessariamente um lucro complexo, do qual o juro s6 se 
desprende depois de realisada a produccao. (*) 

«Qual deve ser — pergunta o mesmo auctor — o valor de 
troca de um fundo productivo? Evidentemente, deve ter por 
expressao uma quantidade de riqueza sufficiente para facultar 
dquelle que dispoe d*elle uma vantagem igual A renda, isto e, 
o mesmo rendimento, colhido, como a renda, de qualquer ex- 
ploraqao pessoal e de qualquer adiantamento addiccional. Es- 
se rendimento e o juroou, antes, o aluguer do capital. » 

Ora, a determinacao d'esse capital so poderia ser feita 
por um conjuncto de hypotheses, que nos affastariam consi- 
deravelmente da aproximacao, que desejamos obter nas nos- 
sas determinacoes. 



(I) Annuario Estalittico das Contribuicoet Direcias, 1891-1892, pag. 66. 
(3) A. E. CHERBULiEZ— Prrcfi de la Science Economique^ pag. 522. 



E A RIQUEZA PUBI^TCA EM PORTUGAL 4 1 

Se nos guiassemos pelas estatisticas da contribuicao in- 
dustrial, chegariamos a conclusoes verdadeiramente dispara- 
tadas: a importancia d'essa contribuicao foi, em 1891, no con- 
tinente do reino, na importancia de 1:466 contos. (*) Assim, 
se quize^semos avaliar por este resultado a importancia dos 
proventos medios das industrias em Portugal, chegariamos i 
conclusao de que, no anno de 1891, nao excederam taes pro- 
ductos a 14:660 contos, por se suppor ser de 10 por cento a 
taxacao media do imposto! 

As estatisticas commerciacs, cuja organisacao se tem aper- 
feicoado nos ultimos annos, e os inqueritos mais recentes fei- 
tos d industria nacional permittem-nos corrigir os algarismos 
a que nos conduzem as estatisticas tributarias e fornecem-nos 
dados, se nao para chegarmos a conclusoes de caracter es- 
sencialmente positivo, ao menos para nos aproximarmos bas- 
tante da verdade dos factos. 

Comecemos por apreciar os proventos do commercio. 

Temos a considerar isoladamente os dous ramos do com- 
mercio: — commercio externo e commercio interno. 

O commercio geral externO, isto e, a importa^ao estran- 
geira e ultramarina e exportacao nacional e nacionalisada, 
com exclusao do ouro e prata em moeda e barra — e repre- 
sentado pelos seguintes algarismos, em annos recentes: 

Annos Commercio geral 

1890 io2;o37 contos 

1891 114:666 » 

1892 8i:369 » 

1893 81 1276 

1894 76:786 

1895 81:349 






A media annual representativa do commercio geral no 
nosso paiz e, pois, de 89:680 contos. 

Para achar o verdadeiro lucro resultante d'este movimento 
mercantil, devera calcular-se, na opiniao de Rodrigues de 



(i) Annuario Estatistico das ContfibuieCes Directat, 1891-1892, pag. 1 15* 



42 O IMPOSTO 

Freitas (*) o valor do trabalho acrescentado^ que e o do com- 
merciante<) o do caixeiro, do transportador, etc. 

Nao ficarcmos muiio longe da verdadcs nem cahiremos se- 
guramente em erro, por defeito, calculando em lo por cento 
do valor o iucro liquido, tanto mais que os valores das^estatisti- 
cas sao sempre exaggeradameqte baixos. N'estes termos, os 
lucros do commercio externo, ficam estabelecidos, para os 
nossos calculos, em 9:000 contos, numeros redondos. 

E note-se que pomos de parte a accao do contrabando, 
essencialmente perturbadora. As proprias estatisticas revelam 
o contrabando, porque nunca a estatistica portugueza dos ge- 
neros exportados para Hespanha condiz com a estatistica hes- 
panhoia dos generos exportados para Portugal. N'um anno, 
em que temos dados simultaneos dos dous paizes, as estatis- 
ticas fallam assim: 

Exportacdo de Portugal para Hespanha 

£»tatistica Esutistica 

portugueza hespanhola 

Gado lanigero e suino, cabecas 144:756 46:680 

Cereaes, kilogrammas 1.274: 177 7:943 

Sal, kilogrammas 9'979'7>4 5.732:097 

Peixe fresco, kilogrammas 7.608:924 1.948:730 

Vinho, liiros 463:3o8 2:020 

Algodao fiado, kilogrammas 7:142 3 

Estas discrepancias entre as duas estatisticas, reveladoras 
da existencia de contrabando, devem ter diminuido com a 
conclusao do tratado hispano-luso; mas a verdadeira solucao 
do problema seria a organisacao de um Zollverein peninsular. 
tUm Zollverein peninsular — escreveu Oiiveira Martins — esta 
evidentemente indicado; mas a fraqueza dos nossos governos 
€ tamanha que essa reforma excede a sua pujanca ordinaria. » (^) 



{i) R0DRIGUE8 DE FRDTAs— Notas iucditas aos Impostot em Portugal^ de Delfim de Al- 
meida. 

(2) InqueriiQ ludvttrial de i8Si, 2/ parte, iiv. ii^ pag. 385. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL ^3 

Se passarmos a apreciacao do commercio interno, encon^ 
trarcmos algarismos consideravelmeme maiores, nao so pelo 
caracter d'esse commercio, como pelo desenvolvimento que 
Ihe vieram dar as faciiidades de communicacao, creadas em 
todo o paiz. 

A estatistica do movimento- dos caminhos de ferro p6de 
ministrar-nos alguns subsidiosde valor. A ella vamos, pois, 
recorrer. 

Segundo os dados mais recentes, officialmente publica- 
dos, (*) o movimento de mercadorias nos caminhos de ferro 
portuguezes tern augmentado, de uma forma prodigiosa. Bas- 
ta contemplar a seguinte nota das mercadorias transportadas 
em 1877 e iSoB: 

1877 i8y5 
Toneladas Toneladas 

Grande velocidade 22:734 9' -757 

Pequena velocidade % 444:08 1 1 .633 :688 



466:765 1.725:445 

Como se ve, o movimento de mercadorias quasi quadru- 
plicou, em 18 annos. 

Tomando por base o movimento de iSgS, notaremos que 
o rendimento correspondente, livre de impostos, foi o se- 
guinte: 

Grande velocidade 45o contos 

Pequena velocidade 2:553 » 

3:oo3 » 

A vista d'isto, o valor das mercadorias moviraentadas nao 
deve ser inferior a 345:000 contos, dos quaes poderao resultar 
para o commercio lucros na importancia de 84:000 contos, 
numeros redondos. 

E nap serd preciso acrescentar muito a estes algarismos 
para termos todo o lucro do commercio interno, visto que 



(I) Alappas ettatitticot do trafcgo do* caminhos de ferro Portugueses, desde r de Ja- 
neiro de iSyy a 3t de deiembro de i8g5. 



44 O IMPOSTO 

com a actual rede ferro-viaria do paiz, nao e consideravel o 
movimento de mercadorias que escapa & accao dos caminhos 
de fcrro, em maior ou menor extensao de percurso. Ainda. 
assim, de-se i:ooo contos para lucro do movimento mercantil 
estranho aos caminhos de ferro. 

N'uma publicacao official, feita em 1871, em Franca, (') 
calculou'se em 14:000 milhoes de francos a importancia das 
vendas dos productos fabricados em Franca, dos quaes se se- 
paravam 2:000 milhoes para exportacao e os 12:000 milhoes 
restantes para consummo interno. Estes algarismos estao hoje 
muito alterados, mas citamalos apenas para mostrar que a 
percentagem da exportacao para o consummo interno e de 16 
por cento. Se admittirmos as mesmas proporcoes para o com- 
mercio interno em relacao ao externo em Portugal, concluire- 
mos que os lucros do commercio interno teem de ser levados 
a mais 16 por cento do que os do externo, isto e, 56:ooo con- 
tos, numeros redondos; mas preferimos admittir os limites 
mais modcstos, que acima estabelecemos. 

Devemos, incontestavelmente, ter fe nos numeros do com- 
mercio interno. O vasto mercado do consummo nacional estA 
ainda por explorar e por avassallar. Ha artigos que poderiam 
ter dentro do proprio paiz largo consummo, garantindo traba- 
Iho a tanta gente que emigra. 

E assim contribuiriamos para cicatrizar essa chaga da emi- 
gracao que, socialmente, e uma desgra^a e economicamente 
e um opprobio para nos. 

A emigracao, segundo os mais modernos estudos econo- 
micos (^) e a resultante da accao de dous agentes: i.^ a at- 
traccao do emigrado sobre o emigrante; 2.^ as m^s condicoes 
cconomicas do paiz de onde parte a emigracao. 

Levantemos, pois, por todas as formas, a economia nacio- 
nal e teremos assim contribuido para acabar esse singular phe- 
nomeno que se manifesta em crescer a populacao de Portu- 
gal n'uma razao muito inferior d da maior parte dos paizes 



(1) Jottmai Officiel, de 2 de outubro de 1871. 

(2) PAUL LERov BCAULiEu— L'£c9nom/«/e Francois, 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 



45 



da Europa, muitissimo inferior a da nossa visinha Hespanha. 
Isto denuncia, de per si so, urn vicio grave na nossa econo- 
mia interna. 

Passemos agora a apreciar os lucros da industria portu- 
gueza, aproveitando, especialmente, os dados colhidos nos mais 
recentes inqueritos. 

A INDUSTRIA EM PORTUGAL 



As condicoes da industria nacional teem-se modificado pro- 
fundamentc, nao so do comecod'esteseculoparacd, mas prin- 
cipalmente na segunda metade do seculo xix. O estudo d'es- 
sa evolu^ao tern mais do que simples valor historico, porque 
apresenta um grande valor economico. 

Abriu o seculo ainda sob a influencia das iniciativas do 
marquez de Pombalem assumptos economicos — iniciativas que, 
por muito que tenham sido exaggeradas, valeram bem mais do 
que as resolucoes^ provisoes e alvards do conselho de fazenda, 
inspirados a D. Pedro 11 pelo conde da Ericeira. — De 1796 ate 
1808, segundo dados estatisticos que temos & vista, a expor- 
tacao media annual de manufacturas das fabricas portugue- 
zas para o Brazil, era de 3: 180 contos, a saber: 

Ann OS 

1796 2:442 contos 

1797 2:864 » 

1798 4:i3i » 

1799 5:632 » 

1800 3:842 » 

1801 4:012 » 

1802 3:470 » 

i8o3 ^•774 ■ 

1804 3:379 » 

i8o5 ' 2:524 » 

1806 '-9*9 » 

1807 >"*74 » 

Depois, ate 1820, apesar de terminado o periodo das in- 
vasoes francezas, a aproximacao da independencia do Brazil 
foi cavando d industria portugueza uma ruina accentuada, a qual 



46 O IMPOSTO 

se manifesta na baixa para ySo contos, que sofFreu a media 
annual dos valores exportados em manufacturas das fabricas 
de Portugal para terras brazilciras. O tratado de commercio 
com a Inglaterra, em 1810, contribuiu tambem, se bem que 
nao em tao subido grau como alguns teem pretendido indicar, 
para a prostracao da industria nacional. O inquerilo manda- 
do fazer pela Real Junta de Commercio, em 18 14, trabalho 
de manifesta imperfeicao, relacionava Sog fabricas; mas estes 
dados devem ser recebidos com a maior reserva. 

Seja como for, e corrigindo mesmo o inquerito com dados 
posteriores, (*) nao se pode deixar de concluir que era grande 
o abatimento da industria nacional. 

Nao conseguiram as pautas de i836 levantar d'esse abati- 
mento o trabalho nacional. Manoel da Silva Passos, acolheu d 
sombra da mais elevada proteccao as industrias, mas as ex- 
portacoes de manufacturas nacionaes ficaram muito dquem 
das cifras que attingiram ao despontar este seculo. 

O inquerito d grande industria, publicado em 1867, e re- 
ferido a 3i de dezembro de i852, revela um certo progresso; 
mas as suas informacoes sao, em nosso parecer, defeituosas, 
porque se limitam ds fabricas que empregavam mais de dez 
operarios e, alem d'isso, nao podem mcrecer grande confianca, 
porque nao foram precedidas de um indispcnsavel inquerito 
directo, e o indirecto foi feito no gabinete sobre informacoes 
das auctoridades administrativas. 

Segundo esse inquerito, o numero de fabricas era de 362, 
o das machinas a vapor de 70 e o do total dos operarios de 
15:897, factos que nao nos podem conduzir a conclusao algu- 
ma de valor. 

Em 1864 publicou o conselho geral das alfandegas o pri- 
meiro volume de uma obra destinada a ter longa continuacao 
e que chegou a abranger os resultados do inquerito principia- 
do em 1862, continuado em i863 e feito sob a illustrada di- 



(1 ) BALBi— En5^io /:«/a//5//co— Quadro alphabelico das fabricas e manufacturas existentes 
€m Portugal no principio de 1821. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 47 

reccao de Joaquim Henriques Fradesso da Silveira, entao ins- 
pector geral dos pesos e medidas. Apesar de dedicado exclu- 
sivamente aos tecidos de la, o livrp de Fradesso da Silvcira e 
muito instructivo, e pena foi que nao se mencionassem as fa- 
bricas de lanificios dos dous importantes districtos de Lisboa 
c Porto. Ficaram, porem, bem estudadas as fabricas do Alem- 
tejo, Algarve, Beira Alta e Beira Baixa. 

Sao de Fradesso da Silveira as seguintes affirma^oes, cheias 
de criterio: 

aParece-nos que sustentam e defendem uma ruim causa os que pre- 
tendem demolir as fabricas, para firmar liberdade amplissima das trocas. 
Contra o atroz monopolio, que apontam como inevitavel resuhado da au- 
sencia ao estimulo, e sufRciente o incentivo que se deriva da concorren- 
cia interna, entre estabelecimentos do mesmo paiz. Para chegar ao Hvre- 
cambio, que desejamos, pelo menos tan to como aquelles que mais soli- 
citamente pretendem favorecel-o, cremos que e meio efRcaz e seguro a 
protec^ao discreta, tennporaria pela pauta e permanente pelo credito, pela 
viat^ao e pela instruccao profissional.» (^) 

Realisados, como estao hoje, alguns dos elementos aponta- 
dos por Fradesso da Silveira, o problema industrial deve ser 
observado de um ponto de vista superior, mais em harmonia 
com as modernas doutrinas economico-sociaes. 

O inquerito industrial de 1881 nao conseguiu satisfazer as 
aspiracoes d'aquelles que consagram as suas attencoes ao es- 
tudo das condicoes do trabalho nacional; tendo sido i:35o as 
installacoes fabris inquiridas, muitas nao mencionaram o va- 
lor das diversas especies de capital e productos fabricados. 

Nao conseguiu o inquerito de i8go preencher essa lacuna; 
por isso, a estatistica industrial estd por tal forma deficiente 
em Portugal, que faltam bases seguras para estudar no nosso 
paiz muitos dos mais importantes problemas, que se relacio- 
nam com o trabalho nacional. 

Se em Portugal se houvesse tentado, a serio, organisar a 
estatistica concernente ao orcamento economico das classes 



(I) nuocsso DA siLVEUtA—In/ormacoes para a estatistica industrial* 



48 O IMPOSTO 

laboriosas^ como outras nacoes teem fcito e como foi resolvi- 
do no congresso de Bruxellas, seriam hoje conhecidos dados 
de muito valor para questoes que muito interessam d econo- 
raia do paiz. Os precos e salarios sao elementos de primeira 
ordem na vida de um povo; desde que, portanto, estivesse 
feita em Portugal a estatistica dos precos e salarios, teriamos 
assim conhecimento da produccao e do consummo e apre- 
ciariamos o estado geral do paiz. 

O congresso de Londres, de i860, e o de Berlim, de i863, 
discutiram proficientemente este assumpto, lan(;ando as bases 
de uma estatistica geral. No congresso de Berlim, a que Por- 
tugal adheriu^ foram tomadas as seguintes dcliberacoes: 

I.* A estatistica dos precos, exceptuando o preco do trabalho, deve 
comprehender, na ordem das necessidades physicas: a) alimento, h) ves- 
tuario, c) habitacao;na das necessidades intellectuaes e moraes: d) instru- 
c^ao, e) cuidados hygienicos,/) seguro da existencia para a velhice e para 
a familia; finalmcnte, na ordem das necessidades sociaes e politicas: g) 
bens deraiz, h) capital^ 1) credito,y) materias primas, /r) materiaes de tra- 
balho, /) salarios. 

2.* A estatistica dos precos do trabalho, isto e, dos vencimentos c 
salarios, deve restringir-se, provisoriamente, aos estabelecidos em cami- 
nhos de ferro. 

Somos OS primeiros a reconhecer a impossibilidade de, em 
Portugal, se realisarem, de prompto, em toda a sua amplitu- 
de, estas indicacoes, especialmente as que se referem a ado- 
ptar como base dos salarios o estipendio pago em construccoes 
de caminhos de ferro; mas nao duvidamos de que se deva 
metter hombros a organisacao de um ramo da estatistica, que 
tao intimamente interessa a economia nacional. 

A bem dizer, a estatistica industrial estd por fazer no nos- 
so paiz ou, pelo menos, nao oflFerece grande confianca, a des- 
peito das tentativas, mais ou menos sinceras, que se iizeram 
para a organisar e tornal-a util c proveitosa. (*) Segundo as 



(i) Annuario Estatistico de Portugal, pag. xxxix. 



E A RIQUEZA PUBUCA EM PORTUGAL 49 

deliberacoes dos congresses, os grandes recenseamentos de- 
Ycriam ser feitos em harmonia com o recenseamento agrico- 
la, a dm de cevitar repeticoes, que resultariam necessariamen- 
te da diversidade das occupacoes de um grande numero de 
operarios, alternativamente empregados nos trabalhos ruraes 
e nos trabalhos industriaes. » O recenseamento das industrias 
deveria ser annual, para ser possivel introduzir-lhe successi- 
vos aperfeicoamentos e nao se creia que similhante trabalho 
fosse difiicil ou dispendioso. r 

Postas estas consideracoes, somos chegados a ter de de- 
terminar o rendimento da industria em Portugal. 

Segundo as imperfeitas estatisticas de que dispomos, o va- 
lor da produccao industrial, em 1891, foi de 27:328 contos, 
assim decomposto: (*) 

Fabril 1 5:48z contos 

Em domicilio 9-679 » 

Em oflicina 2:167 • 

27:828 » 

Para essa produccao, as materias primas entram por 8:876 
contos, e a mao de obra e despezas geraes por 5:35o contos. 

Que estes numeros peccam excessivamente por defeito, 
nao e difiicil demonstrar. Do inquerito de 1881, a parte res- 
peitante ao districto do Porto foi, incontestavelmente, a mais 
completa, apesar dos seus graves defeitos. Foi relator d'ella 
Oliveira Martins. Pois averiguou-se que n'este districto tra- 
balham 82:000 operarios e que o valor da produccao annual 
e de 16:016 contos. (^) Acaso p6de admittir-se que a produ. 
cqao no resto do paiz nao seja, pelo menos, igual d do Porto? 

So a de Lisboa nao deve fazer grande differenca, como de- 
monstra o seguinte mappa, em que, alids, a produccao do dis- 



(I) op. cit.,pag. 3g7. 

(3) Inqucrtto Industrial de /J67~Segunda parte, liv. 2.', pag. 280. 



L 



I 



5o O IMPOSTO 

tricto do Porto apparece alterada, nao sabemos por que ra- 
zao: (*) 

Districtos Valor da produc^iio 

Aveiro 227 contos 

Beja 56 » 

Braga i iSig » 

Brnganc^a 27 » 

Custello Branco 1 :65 1 » 

Coimbra 1 84 » 

Evora 647 » 

Faro 706 » 

Guarda 828 » 

Leiria 710 » 

Lisboa i o:2o3 » 

Portalegre 2o5 » 

Porto io:2i5 » 

Santarem BSg » 

Vianna do Castello 2 » 

Villa Real 77 » 

Vizeu 9 » 

Angra 14 » 

Ponta Delgada 247 » 

Funchal 121 » 

Quanto ao pessoal, se no districto do Porto foram encon- 
trados 82:193 operarios, acaso pode admittir-se que a popu- 
lacao operaria em todo o paiz seja compulada em 90:998? (^) 

Como teem feito alguns financeiros e como jd se fez en- 
tre nos, (^) podemos recorrer a um outro processo de inves- 
tigacao, que nos dcsagrada, por nimiamente hypothetico. 

Baseia-se cm admittir que o rendimento da industria agri- 
cola e proporcional ao da industria manufactureira. 

Subtrahindo d cifra total da nossa exportacao as quanti- 
dades que representam o valor dos productos agricolas e que 
com estes teem mais intima correlacao, o resto representaria 
productos manufacturados pcla industria nacional. E, como 
se sabe jd o rendimento da propriedade agricola, admittindo I 



(1) Annuan'o Estatisiico dc Portugal, pag. 398. 

(2) Op. cit., pag. 39H. 

(3) DCLnM DE ALMEIDA— Oj Imfosics em Portugal, pag. 5i. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 5 1 

que OS productos agricolas exportados corrcspondem a esse 
rendimento, rescaria determinar a percentagem de rendimento 
correspondente ao quantitativo dos productos manufacturados 
exportados. 

Note-se quantas hypotheses e necessario estabelecer: — cor- 
respondencia entre os rendinaentos dos dous ramos de indus- 
tria, aproveitamento de toda a produccao agricola com desti- 
no a exportacao, etc. 

Ainda assim, investiguemos esse caminho. 

A exporiacao media em 1890, 1891, 1892, iSgS e 1894, 
com exclusao do ouro e prata em barra e moeda, foi de 
22:975 contos. D'essa exportacao, segundo os dados de 1894, 
fazem parte os seguintes artigos, de origem agricola: 

Animaes vivos i :899 contos 

Materias primas animaes 378 » 

Materias primas vegetaes 2:452 » 

Bebidas 9:814 » 

Cereaes e farinha 107 » 

Batatas e legumes 290 » 

Diversos alimentos (azeite, fructa, etc.). 2:359 ^ 

17:299 » 

Isto e, 70 por cento da nossa exportacao total e represen- 
sentada por productos da agricultura portugueza ou intima- 
mente ligados com ella. Portanto, corrcspondem apenas 3o 
por cento d exportacao das manufacturas. 

Entrando com esta percentagem no rendimento fixado aos 
productos agricolas, isto e, 109:000 contos, chegariamos d de- 
terminacao de 82:700 contos para rendimento da industria, o 
que,alids, nao se affasta muito dos 3o:ooo contos, a que chega- 
mos acima e que adoptamos para base das nossas conclusdes. 

AS PROFISSOES 

O exercicio das profissoes, artes e officios representam 
um elemento economico digno de toda a ponderacao. 

Calcular qual seja precisamente o rendimento d'esses ra- 
mos da actividade humana e empreza difficil, talyez impossi- 



52 



O IMPOSTO 



vel de realisar. Soccorrer-nos-hemos, porem, das mais recen- 
tes estatisticas tributarias portuguezas, para nos encaminhar- 
mos no sentido de um resultado, o mais acceitavel possivel. 

Em iSgi^as profissoes contribuidas produziram deimpos- 
to industrial i:5i4 contos, sendo 838 contos pela tabella B 
(partes i.» e 2.*), 628 contos pelas tabelias A e B (parte 3.*) 
e 48 contos de sello de licenca. (*) 

Os officiaes de officio foram collectados, no mesmo anno, 
em 14 contos. 

Temos, assim, um total de i:528 contos, e suppondo ser 
de 10 por cento a taxacao media do imposto (*) segue-se que 
o rendimento das referidas profissoes e officios p6de ser cal- 
culado em 16:280 contos, numero modestissimo, como nao e 
para admirar, em vista da deficiencia dos elcmentos tributa- 
rios que tomamos por base para essa conclusao. Ainda assim, 
nao nos afTastaremos d'elle, em vista da sua origem official. 

DIVERSOS RENDIMENTOS 

Entre os multiplos rendimentos que tem a considerar 
quem se proponha apreciar o rendimento nacional, avulta, 
sensivelmente, o juro dos capitaes empregados em I'undos pu- 
blicos. 

E, n'essa applicacao de capitaes, occupa o primeiro lugar 
a divida fundada, cujo capital effectivo e o seguinte, segundo 
a nota mais recente que conhecemos: 



Divida interna Divida externa Somma 



Consolidado, 3 p. c 

Atnortisavel, 4 V2 P- c 

Amortisavel, 4 p. c. (1890). . 
Amortisavel, 4 p. c. (1888). . 



Contos 


Contos . 


Contos 


250:873 


178:053 


428:926' 


21:692 


58:202 


79-'894 


2:890 


8:3o3 


11:193 


3:3o8 


— 


3:3o8 



278:763 244:558 523:32 1 



(I) Atmuario Estatitiico da» Contribuic6e$ Directas, 1891-1893, pag. i la. 
(a) PKORO AuousTO DE CAKVALHo—RflaioHo HO AfiHuario dot ContribuicSet Directas, 
1877-1878, pag. xix. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 53 

Segundo o orcameQto do exercicio de 1896- 1897 (excluin- 
do titulos na posse do Estado e emprestimo dos tabacos), os 
encargos da divida consolidada e amortisavel na circulacao, 
sao OS seguintes: 

Divida interna Divida externa 
Conlos Contos 

Consolidado, 3 p. c 3:268 3:oi3 

Amortisavel, 4 * 2 p. c 736/ ^ ^ 

Amorcisavel, 4 p. c. (1890) 89' '' 

Amortisavel, 4 p. c. (1888) 134 — 

Compensa^ao de imposto de rendimento. 3oo — 

6:527 4-79^ 

Deve, portanto, ter-se em conta esses 6:527 contos de en- 
cargos da divida interna como rendimento nacional, notando- 
se tambem que, dos 4:796 contOs da divida externa, uma par- 
te representa renda nacional, por isso que existem no paiz 
muitos titulos d'essa divida. Este ponto serd, porem, aprecia- 
do mais adiante. 

Depois ,da divida fundada, ha a considerar a divida flu- 
ctuante, cujos encargos nao sao tao faceis de apreciar. Se- 
gundo uma nota que temos presente, a importancia d'essa di- 
vida e a seguinte: 

No paiz: 

Em conta de bilhetes do thesouro 8:885 contos 

Contas correntes i6:53 1 • 

No estrangeiro: 
Diversos supprimentos e contas correntes i :5o5 » 

26:921 » 

Tomando, porem, em consideragao que existem saldos em 
cofre, teremos que deduzir: 

Saldos em conta do thesouro 2:35o contos 

Saldos em conta da Junta de Credito Publico 843 » 

3:2o3 » 

Portanto, a divida fluctuante accusada pelas contas do the- 
souro fica, eSectivamente, em 23:6 18 contos. 

Nao exaggeramos, certamente, calculando em i :4oo contos 
a media do preco que ella custa ao thesouro. 

Mas temos de ir mais longe se quizermos apreciar, ainda 



54 O IMPOSTO 

que ligeiramente, os rendimentos dos titulos de credito. Por 
Xim lado, parte da divida externa estd nas maos de portugue- 
zes; por outro, existem no paiz muitos titulos estrangeiros. 
Segundo auctoridades cooipetentes, nao deve ser inferior a 
2:000 contos o rendimento proveniente d'essas origens. Com 
essa quantia entraremos, pois, em calculo. 



N'um paiz onde o emprego publico constitue a carreira 
adoptada por tanta gente e conquistada, muitas vezes, nas 
condicoes mais deploraveis para os interesses nacionaes e 
para a dignidade individual — devemos ir procurar ahi uma 
das mais abundantes fontes do rendimento nas familias. 

Abstemos nos de apreciar, n'este momento, a influencia 
contraproducente que essa tendencia exerce sobre a economia 
do paiz, porque o nosso intuito e apenas colher algarismos. 
Digamos, todavia, de passagem, que n'um paiz^ onde tan- 
tos ramos de trabalho estao deficientemente explorados, on- 
de tantus riquezas naturaes ainda nao receberam a influen- 
cia salutar do braco do homem, similhante tendencia dos es- 
piritos, ou, melhor, dos habitos nacionaes, representa verda- 
deiramente uma orientacao nefasta para o futuro de Portugal. 

O funccionalismo publico em Portugal, a comecar no rei 
ate ao empregado de menor vencimento, figura na conta da 
administracao tinanceira do Estado por algarismos nao infe- 
riorcs a 1 1 :ooo contos. Segundo a conta geral da gerencia do 
anno economico de 1890-1891, a despeza com o funccionalis- 
mo p6de ser assim classificada: (*) 

Ministerio da fazenda 2:63o contos 

Ministerio dos estrangeiros 287 » 

Ministerio do reino i iSgy » 

Ministerio da justi^a 467 » 

Ministerio da guerra 2:969 » 

Ministerio da marinha 1 .'024 » 

Ministerio das obras publicas 2:184 * 

10:908 » 
(I) Conta geral da adminittracdo Jinanceira do E*tado, pag. 556 a Sgi. 



E A RIQUEZA PUBUCA EM PORTUGAL DD 

Adoptaremos o numero de 11:000 contos, para podermos 
abranger os emolumentos, que representam verba importan- 
te, especialmente no quadro aduaneiro e para nao termos de 
deduzir honorarios do corpo diplomatico e consular, visto se- 
rem usofruidos, em grande parte, fora do paiz. 

Mas isto nao e tudo. Ao lado da legiao de funccionarios 
em activo servico, existe uma outra legiao de funccionarios 
em inactividade. Segundo a nota mais recente, que conhece- 
mos, (*) respeitante a 3o de junho de 1891, o numero d'csses 
funccionarios, cujos vencimentos passaram a cargo do Banco 
de Portugal, nos termos das leis de 29 de junho de 1887 e 
25 de junho de 1889 e respectivos contratos, era o seguinte: 



Nurrcro ^"^Porlancia dos cncorgos 



Ministerio da fazenda 

Ministerio do reino 

Ministerio da justit^a 

Ministerio da guerra 

Ministerio da marinha 

Ministerio dos estrangeiros 

Ministerio das obras publicas. . 



4:364 


663 


no 


60 


20 


18 


3:583 


5o6 


585 


99 


7 


6 


246 


58 



8:914 1:410 



Alem dos funccionarios pagos pelo Estado, teem de ser 
considerados os que recebem vencimento dos cofres das cor- 
poracoes administrativas e das instituicoes de piedade e be- 
neficencia. 

A grande centralisacao dos servicos publicos em Portugal, 
especialmente nos ultimos annos, tern retirado ds corporacoes 
administrativas o pagamento de vencimentos importantes, que 
ja estiveram a cargo d'ellas. Em 1872, os ordenados pagos 
pelas camaras municipaes, incluindo o subsidio aos professo- 
res primarios, representavam 442 contos; (*) nao achamos 
motivo para que deixem de ser adoptados estes algarismos 
para os nossos calculos. 



(1) Conia geral da administracdo Jinanceira do Estado, gerencia de 1890-1891. 
(a) Diario do GovemOy n.* 127, 1873. 



56 



O IMPOSTO 



Ha bastantes annos, em iSGi^utn documento official fixa- 
va em 206 contos os ordenados pagos pelos hospitaes, con- 
frarias e irmandades; mas, como o desenvolvimento dos esta- 
belecimentos de beneficencia tern sido muito consideravel no 
paiz, cr^mos que nao cahiremos em excesso admittindo para 
OS nossos calculos o numero duplo d'aquelie, isto e, 5i2 
contos. 

Portanto, os ordenados pagos por corporacoes administra- 
tivas e de beneficencia elevam-se d importancia total de 964 
contos. 

Bem sabemos que, para entrarmos em ampla apreciacao 
de todas as fon^es do rendimento nacional, teriamos de levar 
ainda mais longe as nossas apreciacoes; nao deveriamos es- 
quecer pensoes que veem do Brazil e que representam valio- 
so elcmento para a subsisiencia de muitas familias; mas pre- 
ferimos nSo nos abalancarmos a hypotheses gratuitas, a fim 
de que as nossas conclusoes nao pequem por exaggero. 

D'esta forma, limitamos is verbas descriptas aquillo que 
chamamos rendimmto nacional. 

Sommando essas verbas, encontramos o total de 227:332 
contos. 



CAPITULO IV 



A DESPEZA NACIONAL 

Uepois de apreciadas as receitas annuaes da populacao 
portugueza, entraremos na avaliacao das despezas annuaes; 
teremos repetidas vezes de debater-nos com a deficiencia de 
dados ofiiciaes, para conclusoes inteiramente seguras. 

Vasto e, ao mesmo tempo, o problema, porque nos con- 
duz d investigacao da vida intima do cidadao — allmentacao, 
vestuario, renda de casa, etc. 

O problema da alimentacao publica em Portugal tern sido 
votado a um lamentavel abandono, sem considera(;ao de es- 
pecie alguma pelos interesscs economicos e sociaes, que se 
prendem com elle. Haja vista ao que se tem feito na qucstao 
do regimen dos cereaes, em que, nem se tem attendido aos 
interesses reaes da agricultura portugueza, nem se tem con- 
seguido diminuir o preco do pao. 

Segundo a mats recente estatistica que conhecemos, (^) a 
produccao cercalifera e a importacao de cereaes sao represen- 
tados nos seguintes algarismos: (^) 

Produccao nacional Iniporta(5o 

Hectolitres Kilogrammas 

Trigo 1 .966:003 106.500:985 

Milho 4.480:946 1 5.85 1 :963 

Centeio 1.694: 17a 17 1 :248 

Cevada 666:016 175:146 

Aveia 358:697 — 



(I) Atmuario Ettatistico de Portugal, 1884. 
(3) EttAtistica de Portugal— Commercio, 1894. 



58 O IMPOSTO 

Estes algarismos demonstram bem claramente a deficien- 
cia da produccao cerealifera, em relacao ao consumo nacional. 

E noie-sc que a importacao de trigo tern augmentado cons- 
tantemente, como patenteiam os seguintes algarismos: 

Qaintaes Contos 

1872 247:828 i:25o 

1873 263:o6i 970 

1874 219:285 1:067 

1875 688:439 3:320 

1876 788:699 3:83o 

1877 414:003 2:008 

1878 737:026 3:554 

1879 876:568 4:558 

1880 709:307 3:412 

1881 8i8:65i 4:450 

1882 1.073:107 5:569 

i883 858:194 3:699 

1884 1.037:609 8:878 

i885 1.024:331 3:578 

1886 1.208:275 4:199 

1887 1.262:878 4:362 

J^, em 1871, Ferreira Lapa fallava assim da produccao 
do trigo, que ha muito deveria preoccupar os poderes publi- 
cos no nosso paiz: 

«0s nossos trigos occupam 25o hectares e produzem 2.000:000 de he- 
ctoh'tros. Feita a divisao da colheita pela area cultivada, obtem-se ape- 
nas 8 hectolitros por hectare, isto e, a m^dia de 5 sememes, na hypothe- 
se de se empregarem por hectare i,5 hectolitros de semeadura. Esta pro- 
dac«^ao mesquinha attesta, mais que nenhuma outra^ a fraquissima pro- 
ductividade das nossas terras de pao. Ha, necessariatnente, defeito e gran- 
de n'esta cultura, recahindo principalmente a falta na quantidade de adu- 
bos que se lancam ds terras do trigo O resultado e que a nossa agricul- 
tura fomentaria deixa todos os annos urn deficit de trigo que e necessa- 
rio supprir com a importa(;ao de trigo estrangeiro e com que dispende- 
mos dc 2:000 a 2:5oo contos de r^is.» {}) 

S6 muito tarde foram comprehendidas as razocs da estra- 



(I) FERREiKA LAPA^Relaton'o da miudo agricola napravincia do Minho, pag. 11 • 



E A RIQUEZA PUBLIC A EM PORTUGAL 5 9 

nheza de Ferreira Lapa; ainda assim, crfimos que o pouco 
que se fez ficou lettra morta. Por portaria de 3o de outubro 
de 1888, mandou-se proceder a ensaios culturaes em todas as 
regioes agronomicas, especialmente no intuito de determinar 
as variedades de trigos prolificos estrangeiros mais adaptaveis 
ao solo e clima do nosso paiz e de escolher os melhores pro- 
cessos culturaes, os melhores adubos, etc. 

N'essa portaria apontava-se que, em paizes estrangeiros, 
OS trigos prolificos obtidos por seleccao chegam a attingir, 
ainda mesmo em grande cultura, a produccao de loo ou mais 
por I, ao passo que nos trigos nacionaes apenas produzem 
entrc nos, normalmente, de 8 a lo sementes! 

Os algarismos, que deixnmos transcriptos, mostram que a 
produccao de trigo, longe de augmentar, tem diminuido, ou, 
pelo menos, permanecido estacionaria. O valor dos trigos im- 
portados, esse augmentou consideravelmente, representando 
um pesado encargo para a economia nacional e um poderoso 
eleminto de definhamento para as classes proletarias. Segun- 
do a estatistica aduaneira de 1894, o valor declarado do trigo 
importado foi de 3:740 contos; mas esta informacao para nada 
nos serve, tao affastada se encontra da verdade. 

Examinemos mais profundamente a questao. 

N'um paiz, que tem sido tao largamente abastecido por 
trigo estrangeiro, o regimen dos cereaes represcnta materia 
digna de especial ponderacao dos poderes publicos. Esse re- 
gimen tem sido firmado em duas bases: o direito fixo^ es- 
tabelecido em condicoes de proteger efficazmente o produ- 
ctor nacional, sem prejuizo dos interesses legitimos dos fari- 
nadores e dos consummidores; e a escala movel^ isto e, um 
direito de tal modo variavel que o trigo se mantivcsse sempre 
a um determinado preco, sendo o direito sobre a farinha fi- 
xado por uma proporcao sobre o cereal em grao. 

Em Portugal, tudo se tem experimcntado, com uma in- 
constancia que assombra; mas a questao dos cereaes estd 
ainda d espera de solucao, apesar de, segundo uma nota do 
conselho geral das alfandegas, publicada em i88i,a nossa le- 
gislacao sobre cereaes abranger, n'aquelle anno, 38 leis, 49 



6o O IMPOSTO 

decretos, Sg portarias e i regulamento, ao todo 127 diplo- 
mas! 

O ponto capital a resolver e a determinacao do preco do 
trigo. Qual e o prcco que torna a cultura d'esse cereal portu- 
guez rcmuneradora? Qual o que, para o trigo estrangeiro, re- 
presenta a harmonia entre os interesses do productor portu- 
guez e do consummidor? 

Segundo dados fornecidos em um congresso de agriculto- 
res nacionaes, p6de fixar-se o primeiro preco em 600 reis 
cada 1 3^,8 (alqueire) e o segundo preqo em 584 reis. 

Por outro lado, segundo experiencias feitas, 100 kilogram- 
mas de trigo palhinha produzem 71^19 kilogrammas de fari- 
nha, e a farinha nacional, vendida pelo preco que os lavrado- 
res querem, deve sahir ao moageiro por 78 ou 74 reis; mas 
fixar-lhe hemos o preco de 7$ reis, para iicar margem para 
lucros, juros de praso e premio de risco. 

E certo que 100 kilogrammas de farinha dao i3o kilogram- 
mas de pao; calculando icsf^goo reis para as despezas de pani- 
ficacao, o que representa mais 5o por cento do que cm Pariz, 
calculo alids justificado, visto que em Pariz ha um padeiro 
por 1:600 habitantes, e em Lisboa um por 5oo, ou poucos 
mais. 

Entrando com estas bases de calculo na apreciacao do 
abastecimento de trigo, chegaremos is seguintes conclusoes: 

Abastecimento de trigo 263.781:225 kilogrammas 

Produci^ao de farinha 187.785:854 kilogrammas 

Custo da farinhn 1 4*^47 contos de reis 

Produccao do pao 244.121:610 kilogrammas 

Custo do pao 18:214 contos de reis 

Podemos ainda servir-nos de processes indirectos, como 
teem feito alguns estadistas, para confirmarmos estas nossas 
conclusoes. 

Segundo o ccnso da populacao de i8go, Portugal conti- 
nental tinha 4.660:096 habitantes, dos quaes 2.5oo:ooo, pelo 
menos, se alimentam com pao de farinha de trigo. Costuma 
calcular-se que cada habitante deve comer diariamente entre 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 6 1 

400 a 5oo grammas de pao; tomando a capitacao media de 
45o grammas, devem esses 2.5oo:ooo habitantes consummir 
por dia i:i25 tonelladas de trigo, ou 410:625 tonelladas por 
anno. 

Ora, sendo a importacao de trigo na importancia de 
io6:5oo tonelladas, segue-se que a produccao nacional nao 
deve ser superior a 304:1 25 tonelladas. Assim, p6de dizerse 
que o paiz produz trigo para o consummo de 256 dias, tendo 
de o importar para log dias. 

A capitacao do pao representa, por outro lado, um valor 
de perto de 20:000 contos de reis. 

A respeito do milho, disse Ferreira Lapa: 

«A drea da cultura do milho e um pouco maior que a do trigo; caU 
cula-se em 3ii:5oo hectares e a sua produccao annual em 5.ooo:ooo de 
hectolitros. Dividindo esta colheita por aquella terra, cabe a cada hecta- 
re a media de 16 hectolitros, ou 5o sementes. Esta produccao chega para 
o consummo interno e at^ para se exportar uma boa parte, em alguns an- 
nos.i» 

Com mdgua veria hoje o illustre professor que a expor- 
tacao de milho e cousa que nao existe em Portugal! Ha, sim, 
importacao, que chegou a 35 milhoes de kilogrammas, em 
1891. 

Se quasi todo o trigo importado e destinado a panificacao, 
so uma parte do milho vindo do estrangeiro e consagrado a 
essa applicacao. Assim, tomando por base o preco de 90 reis 
por kilo, e notando que o abastecimento de milho no paiz e 
representado por 374.321:643 kilogrammas, temos elevado a 
33:688 contos, o valor d'esse abastecimento; mas, apenas en- 
traremos em calculo com duas tercas partes d'esta quantia, 
a fim de deixarmos o terco restante para outras applicacoes 
do milho c para despezas de panificacao. Aproveitamos, pois, 
apenas 21:458 contos. 

Com respeito ao centeio, sendo, como e, o abastecimento 
do paiz de i35.7o5:oo8 kilogrammas, e dando ao centeio o 
preco de 720 reis cada 20 litros, teremos o valor d'elle em 
6:106 contos. 



62 O IMPOSTO 

Para calcularmos o consummo de legumes e batatas, servir- 
nos hemos de um instructive relatorio de Ahdrade Corvo, cor- 
rigindo-o A face de modernas estatisticas. Calculou em 70 mi- 
Ihoes de kilos a produccao de graos leguminosos seccos e em 
200 milhoes de kilos a produccao annual de batatas; mas do 
primeiro algarismo consagra apenas 2 milhoes de kilos d ex- 
portacao. A exportacao de legumes seccos, segundo as ulti- 
mas estatisticas aduaneiras, e de 3.5oo:ooo kilos; por isso, to- 
maremos a mesma base de 70 milhoes, para consumo interno. 
Farcmos o mesmo quanto ds batatas, por que o augmento da 
produccao foi especialmentc aproveitado para a exportacao, 
que, em 1894, attingiu a importante cifra de 10 milhoes de 
kilogrammas. 

Dando o preco medio de 70 reis a cada kilo de legumes, 
teremos o valor de 4:900 contos. 

Fixando cm 3oo reis por i5 kilos o preco das batatas te- 
remos tambem o valor de 4:000 contos. 

Determinar o consummo da came no paiz nao seria difficil, 
se nos guiassemos apenas pelas estatisticas do real de agua e 
do consummo de Lisboa; mas todos sabem que grande quanti- 
dade de carne escapa & accao do fisco; por isso, teremos de 
corrigir os algarismos da estatistica tributaria. 

A estatistica de 1 885- 1886 fixa o consummo da carne em 
23.873:055 kilogrammas, em todo o paiz menos a cidade de 
Lisboa. Calculemos em 5o p. c. d'esta quantidade, ou 1 1 mi- 
lhoes, numeros redondos, a carne que escapa d accao do fis- 
CO e demos 25 p. c. ou 5 milhoes para as diversas substan- 
cias alimenticias de origem animal (aves, ovos, leite, mantei- 
ga, queijo, etc.) E nao recciamos crrar n'esta ultima parte, 
porque, regulando por 1 milhao de kilos a importacao de man- 
teiga e por 400:000 kilos a importacao de queijo, quando era- 
mos quasi inteiramente subsidiarios da industria estrangeira, 
agora, que a industria dos lacticinios tomou grande incremen- 
to entre nos, o valor do consummo contem-se dentro doslimi- 
tes que Ihe marcamos. 

Ha a acrcscentar os numeros relatives d cidade de Lis- 
boa, que tem regimen especial. 



E A RIQUEZA PUBLIC A EM PORTUGAL 63 

Segundo recentes estatisticas, o consummo annual da came 
em Lisboa e assim representado: • 

Cabe^as de gado Peso Pre^os de venda 

32:7886015 15.698:035 kilg. 5:258 contos 

8:144 vitcUas . • ^ 662:431 » 238 » 

23:759 carneiros 332:626 » 79 • 

i5:i45 porcos 2.002:228 » 720 » 



79:836 ' 18.695:320 » 6:295 



» 



Reunindo os algarismos representativos do peso aos que 
acima se acham expressos, chegaremos a constituir urn total 
de 58.568:o56 kilogrammas. 

Determinar o preco medio da came nao e cousa facil, em 
vista das suas grandes oscillacoes e da grande variacao, de 
uns para outros pontos do paiz. Em Lisboa, a estatistica que 
serviu de base aos nossos calculos fixa estes precos: boi. 335 
reis por kilogramma; vitella, 36o; cameiro, 240; porco, 36o. A 
media seria, pois, 323 reis. 

Mas, attendendo a que devemos entrar em linha de conta 
com as despezas de prepara^ao d*este alimento, como com- 
bustivel, sal, etc., baixaremos esse preco para 280 reis. 

Assim, teremos a verba da despeza, relativa a came, lei- 
te, manteiga, queijo, ovos e outras substancias animaes, re- 
presentada por 16:299 contos. 

O peixe e o alimento predilecto de uma grande parte da 
populacao portugueza; por isso, entra em percentagem bas- 
tante importante nas despezas da alimentacao. Importamos 
as seguintes quantidades, em annos recentes: 

1893 1893 1894 Media 

ToDclladaa Tonelladas Tonelladas Tonelladas 

Bacalhau 19:562 2i:132 22:482 2i:o58 

Peixe fresco 287 534 i:32i 714 

Peixe salgado i32 62 216 i33 

Sardinha... 657 65 1 457 588 

Como exportamos annualmente 9:719 tonelladas de pes- 
carias, fica, para os nossos calculos, a importacao reduzida a 
12:774 tonelladas. Ora, o pre?o do bacalhau p6de ser calcu- 

5 



64 O IMPOSTO 

lado na media de 9^700 reis os 60 kilogrammas, o que dd 160 
reis por kilogramma; e entrando com elle em calculo, tcre- 
mos, sem consideracao de outros valores, que se contrap5em, 
realisado o valor total de 3:890 contos. 

Mas devemos contar com a pesca para consummo nacio 
nal, a rcspeito da qual se podem fazer algumas investigacoes, 
tomando por base o imposto do pescado. Ainda assim, esca- 
pa ds nossas vistas a pesca nas aguas doces. 

Conforme a estatistica^ produziu o imposto do pescado, 
em 1 885- 1886, a quantia de 126:092^785 reis (*) com os ad- 
diccionaes, a qual se desdobra pelo seguinte modo: 

Marisco 1:644;fl^286 r£is 

Sardinha 36:054^287 » 

Outras qualidades de peixe 88:394^3 12 » 

O valor do peixe a que corresponde o imposto cobrado e, 
portanto, de 2:62 1 contos. 

A esta somma devemos acrescentar o valor do peixe que 
a lei isenta de imposto e o do peixe dc agua doce, o que tudc 
corresponde, na opiniao de pessoas competentes, a 5o por 
cento do valor mencionado, o qual assim fica elevado a 8:781 
contos. 

Resumindo, temos: 

Peixe importado 3.-390 contos 

Peixe de pesca nacional 3:781 » 



7:171 



» 



Depois do pao e do peixe, e o vinho que mais importante 
lugar occupa na alimentacao do nosso povo. Vamos, pois, 
tentar calcular a despcza realisada cm vinho. 

A evolucao que nos ultimos tempos se tem operado na vi- 
ticultura portugueza, as vicissitudes que ella tem soffrido em 
alguns annos e a concorrencia espantosa que os nossos vinhos 
sofTrem em alguns dos mercados que teem sido nossos maio- 



(I) Estatittica dos impotto*— Anno economico de 1 885* 1886, pag. xiv. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 65 

res consummidores, faz com que o calculo do consummo na- 
cional de vinho esteja sujeito a multiplas eventualidades. 

Apesar de todos os seus defeitos, os algarismos doimpos- 
to do real de agua sao, pelo seu caracter, aquelles de que de- 
vemos lancar mao, se quizermos affastar-nos de um mar de 
hypotheses. 

O vinho, as bebidas atcoolicas e as bebidas fermentadas 
figuram na estatistica de i88g-i8go (^) por 726 contos; por- 
tanto, o consummo d'esses generos nao se deve ter affastado, 
a julgar por estatisticas anteriores, de 760:083 hectolitros. 
Dando-lhe o preco medio de 70 reis por litro, teremos o va* 
lor de 5:32o contos. 

O arroz e tambem um grande elemento nas subsistencias 
publicas em Portugal. A importa<;ao foi a seguinte, em annos 
recentes: 

Annos Quinucn 

1890 ib8:365 

1891 159:478 

1892 127:818 

1893 i38:i4i 

1894 128:163 

M^dia 144:393 

Attribuindo ao arroz o preco corrente medio de 100 reis 
por kilo, teremos assim preenchida a despeza annual de 1:440 
contos. 

Resta-nos fallar do assucar, chd e cafe, que entram em per- 
centagem notavel na alimentacao publica. A importa^ao d'es- 
tes tres generos foi a seguinte, nos cinco annos, cujas estatis- 
ticas temos consultado: 

Aftnucar Chi Cafd 

Annos Tonelladas Tonelladas Tonelladas 

1890 27:563 291 2:3i6 

1891 25:276 241 2:039 

1892 24:523 247 1 :956 

1893 25:758 273 2:008 

1894 26:833 286 2:012 

M^dia 26:010 267 2:066 



(i) EMtatistica do Real de Agtia— Anno economico de 1889-1890, pag. 42, 



66 O IMPOSTO 

Dando ao assucar o preco medio de 65 reis por kilogram- 
ma; ao cha o de 2«':&E)4oo e ao cafe o de 5oo reis, teremos rea- 
lisada a seguinte despeza n'estes tres artigos: assucar, 1:690 
contos; chd, 640 contos; cafe, i:o33 contos. 

Ao fallarmos dos generos que entram nas subsistencias pu- 
blicas, convem tomar em consideracao o augmento de valor 
que muitos recebcm pelas transformacoes que se operam n'el- 
les. Assim, o assucar, o leite, os ovos, etc. sao, por vezes, 
encorporados, de modo a representarem productos de muito 
mais valor do que se fossem aproveicados isoladamente. Hou- 
ve quem calculasse em uma quinta parte do valor dos gene- 
ros a transformacao que elles sao susceptiveis de experimen- 
tar (*) e nos nao duvidamos acceitar essa base, por isso que 
essa transformacao, especialmente pelo que diz respeito aos 
lacticinios, se accentua ainda mais do que em 1874, anno em 
que se rcalisaram os calculos a que nos estamos referindo. 
D'esta forma, o accrescimo do valor p6de ser calculado em 
17:864 contos. 

HABITACAO 

Depois das despezas de alimentacao veem as despezas de 
habitacao. Vamos procurar calculal-as, tao aproximadamente 
quanto possivel. 

Segundo os dados fornecidos pelo ultimo censo da popu- 
lacao de Portugal, a estatistica da habitacao tem por base os 
seguintes algarismos, de 1834 para cd, no continente e ilhas 
adjacentes: (*) 

Annos Habitantes Focos Habitautes por cada fogo 

1^90 5.049:729 1.245:720 4,07 

1878 4.550:609 1.132:871 4,11 

1864. 3.519:410 1.042:13s 4,16 

i858 3.923:410 1.029:240 4,00 

1854 3.844: 1 19 999:538 4,06 

1841 3.737:103 918:951 4,20 

i838 3.564:605 905:970 3,89 

1834 3.401:815 869:515 3,87 



(1) DELFiM DE ALMEIDA— O^ Imposlot Cm Portugal, pag. 66. 

(2) Ccnso dapopulacao do reino de Portugal, 1890, pag. ci. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 67 

Se conseguirmos determinar a percentagem cm que esta 
populacao se distribue, segundo a importancia das localida- 
des, teremos encontrado uma base para calcular a renda d^ 
casa. 

Bastaria distribuir a populacao em urbana e rural, segun- 
do as ideias que Quetelet e Heuschling expozeram no seu pro- 
jecto de estatistica internacional; mas achamos melhor ir mais 
longe, aproveitando dados do censo de i8go, em Portugal. 
Segundo esse censo, a populacao classifica-se assim: 

Populacao das cidades 748:217 

Populacao das villas 842:516 

Populacao das freguezias ruraes 3.458:996 

5.049:729 

Teremos assim estabelecidos tres padroes para a fixacao 
da renda de casa, podendo, sem exaggero, attribuir ao primei- 
ro a renda de 7^000 reis por habitante*, ao segundo a de 3c!Dooo 
reis e ao terceiro a de ic^Soo reis. E a prova de que este nos- 
so calculo pode pcccar, apcnas por modestia, esta no seguin- 
te: — A populacao da cidadc do Porto pelo censo de 1890 era 
de i38:86o habitantes, e, no anno de 1891, a renda ou valo- 
res locativos das casas de habitacao era, na mesma cidade, 
de 991 contos. Ora, repetindo a taxa de ^jat^ooo reis pelos ha- 
bitantes do Porto, nao dd mais de 972 contos. E note-se que,- 
em virtude das condicoes inherentes d organisacao das ma- 
trizes, a estatistica do valor locativo fica muito abaixo da ver- 
dade dos factos. 

Entrando, pois, em calculo com os algarismos acima apre- 
sentados,chegaremosa determinar pela seguinte forma a des- 
peza com a renda de casas: 

Nas cidades 5:237 contos 

Nas villas 2:525 • 

Nas freguezias ruraes 5: 188 » 

12:950 » 



68 O IMPOSTO 



VESTUARIO, GOZOS, ETC. 

Se para concluir a nossa inspeccao das despezas nacio- 
naes descessemos ate aos menores incidentes da vida do ci- 
dadao, teriamos de calcular agora o que elle gasta em vestir- 
se, em gozos, em mobilia, em doencas, etc.; mas, i falta de 
base scientifica para calculo, preferimos seguir a opiniao 
d*aquelles que fixam essas despezas em somma quasi igual 
i que se gasta com alimenta^ao. 

Ainda assim, entraremos em conta com a despeza em taba- 
CO, cujo uso se tern divulgado de uma forma extraordinaria. 
O total das vendas feitas pela Companhia dos Tabacos de 
Portugal, durante os doze mezes do anno economico de 189S- 
1896, elevou se a 2.115:627 kilogrammas, no valor bruto de 
7:857 contos, (*) assim classificado: 

Rap^ 614 contos 

Picado 1:998 i» 

Cigarros 2:817 • 

' Charutos 1:818 » 

Cigarrilhas 610 » 



^:857 



« 



Ora, como 129:000 kilos foram para o ultramar, deveria- 
mos abater a importancia das vendas 124 contos; mas como 
temos de entrar em conta com tabaco manipulado vindo do 
estrangeiro, do qua!, em 1894, foram importados 29:000 kilo- 
grammas, no valor aduaneiro de 106 contos, teremos apenas 
a abater 18 contos, ficando assim o gasto com tabaco fixado 
em 7:839 contos. 

D'esta sorte — sendo de 107:126 contos o total da despeza 
com alimentacao — o gasto com vestuario, gozos, mobilia, 
doenca, etc., fica reduzido a 100:000 contos, visto o uso do ta- 
baco ser um gozo. 



(1) Companhia dos Tabacos de Portugal— b** exercicio, pag. 4. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 69 

CONCLUSOES 

Depois d*esta serie de indagacoes, em que tivemos de soc- 
corrernos de dados obtidos de variadas origens — os quaes, re- 
petimos, se umas vezes teem sufficiente exactidao, outras ve- 
zes nao traduzem senao a nossa boa vontade em alcancar 
uma conclusao — sonios chegados ao momento de fixar os ren- 
dimentos e as despezas nacionaes que ficam resumidos na se- 
guinte tabella: 

RENDIMENTO NACIONAL 

Rendioiento dos terrenes cultivados 109:000 contos 

Rendimento de casas, com diversas applica9des 6:761 » 

w ^ . . I cxterno 9:000 » 

Lucres do commercio [ . ^ 

) interne 34:000 » 

Lucres da industria nacional 3o:ooe » 

Lucres das prefissoes 1 5:280 » 

Rendimentos de titulos da divida publica fundada 6:527 * 

Juros da divida fluctuante i :4oe » 

Rendimento de titulos de credito existentes no paiz 2:000 » 

Funccionalismo de Estado 1 1 :ooo » 

Funccionalisme de Estado em inactividade 1:410 » 

Empregados de outra natureza 954 » 

227:332 » 
DESPEZA NACIONAL 

Pao 46:778 contos 

Legumes, liertalicas, fructas 4:900 

Batatas 4:000 

Carne, leite, manteiga, queijo, eves, etc 16:299 » 

Peixe 7:171 » 

Vinhe e outras bebidas 5:320 » 

Arrez 1 :44o » 

Assucar 1 :69e » 

Chd 640 » 

Caf6 1 :o33 » 

Transforma^ao dos productos alimenticios 17:854 » 

Renda de casas 12:950 

Vestuario, mebilia, gozos, etc 100:000 

Gasto em tabaco 7:839 



» 



» 



227:914 » 



yO O IMPOSTO 

E' chegado o momento de applicarmos os principios da 
sciencia das financas, para a determinacao do limite do impos- 
to em Portugal. 

Vimos que o producto dos impostos e representado por 

46:948 contos. 

Vimos tambem que o rendimento nacional e representado 
por 227:332 contos. 

N'estes termos, os impostos representam 20 por cento d'es- 
se rendimento, o que, na linguagem de Beaulieu, e uma pro- 
porcdo exorbitante. tPodcrd o paiz supportar similhante taxa; 
mas e certo que os progressos da riqueza publica hao-de re- 
sentir-se: a liberdade da industria e ate a do cidadao sao, n'es- 
te caso, ameacadas e restringidas pelos vexames e violencias, 
que a complicacao e elevacao das taxas necessariamente pro- 
duzem.» (*) 

Os estadistas portuguezes devem, pois, voltar toda a sua 
attencao para este graviss\mo depoimento dos algarismos, se 
nao quizerem produzir no paiz uma perturbacao economica, 
de cffeitos horrorosos, tanto sobre a economia publica, como 
sobre a economia particular. 

Mas OS algarismos que acima colhemos conduzem ainda a 
outras conclusoes de valor. 

Demonstram o seguinte: 

Rendimento nacional 227:332 contos 

Despeza nacional 227:914 » 

Differen^a a favor da despeza. . . . 582 » 

Quer isto dizer que, n'um paiz onde o rendimento nacio- 
nal e absorvido pela despeza, o Estado colhe 46:948 contos 
de impostos. 

Causard estranheza, d primeira vista, a desagradavel con- 
clusao a que nos conduzem os algarismos; mas essa estranhe- 
za desapparecerd, desde que se medite um momento na vida 
artificial de tantas familias, no desregramento no gastar de 



(1) PAUL LBKOT BEAUUEU— Trdi'/e de la Science des Finances^ pag. 127. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 7 1 

tantas pessoas. Tudo isso contribue para um desequilibrio que 
nao p6de ser contrabalancado pelo trabalho afanoso, com que 
muitos se affastam da vida facil e despreoccupada, que outros 
levam. 

A triste realidade, porem, ahi esia no depoimento dos al- 
garismos. 

E, ou augmentamos consideravelmente as receitas, ou di- 
minuimos sensivelmente as despezas, para nao nos afundar- 
mos n'um pelago economico-financeiro, de que mal nos po- 
derao salvar os grandes recursos, alids latentes, que possui- 
mos. 

Estudada, assinfi, & luz da sciencia economica, a organisa- 
cao geral tributaria em Portugal, passemos a considerar cada 
imposto, em especial, seguindo a classificacao que atraz ficou 
estabelecida. 



CAPITULO V 



IMPOSTO SOBRE AS PESSOAS, OU CAPITA^AO 



o 



imposto directo sobre as pessoas — que se chama em 
francez capitation^ em inglez poiltax e em allemao Kopfttener 
— tern tido defensores acerrimos e existe ainda hoje em alguns 
paizes. 

Beaulieu defende-o, dizendo que e rasoavel em principio, 
perfeitamente justificavel, com a condi^ao de ser moderado e 
de nao ser unico. cDesde que todos os cidadaos, diz elle, go- 
zam da proteccao do Estado e sao beneficiados, em certa me* 
dida, pela existencia da sociedade, nao e injusto exigir a cada 
habitante de um paiz uma taxa directa.» (*) 

O proprio economista francez mostra-se tao receioso d*este 
imposto, que insiste em que as taxas do imposto pessoal se- 
jam minimas, para poderem ser pagas pelas populacoes ope- 
rarias e observa que essas taxas devcm variar, cm harmonia 
com differentes consideracoes, taes como as necessidades da 
regiao e das administragoes locaes, a da importancia dos im- 
postos indirectos cxistentes, etc. 

cSe as capitacoes graduadas sao de merito tao contestavel, 
nSo serao as capitacoes uniformes muito mais susceptiveis de 
critica, exactamente por serem pouco pesadas e por se torna- 



(1) PAUL LEROY BEAUUEU— TrflfVi* de la Science det Finance», 1. 1, pag. 288. 



74 O IMPOSTO 

rem extensivas ate is classes pobrest? (*) Tal e a interroga- 
cao que faz o auctor de um notavel tratado sobre impostos. 

Os legisladores, nos paizes em que ainda existe a capita- 
cao, teem-se visto em serios embaracos para evitar os vexa- 
mes a que a capitacao conduz: iixar o quantitative do impos- 
to, determinar os casos de isencoes, etc., taes sao os pontos 
delicados a considerar e nos quaes nem sempre as mais nitidas 
nocoes de equidade e de comprehensao da verdadeira rique- 
za publica sao respeitadas. 

Cita-se, por vezes, em abono do imposto de capitacao, o 
exemplo da Prussia, onde existe a capitacao graduada (das- 
sensteiter). £ preciso, porem, attender ao caracter d*aquelle 
povo, que mais facilmcnte se submette do que qualquer ou- 
tro a taxas verdadeiramente auctoritarias. E e preciso notar 
tambem que, tendo sido o referido imposto estabelecido em 
1820, tem sofTrido numerosas modificacoes, especialmente as 
que Ihe deram as leis de i85i, de 1873, de 1876, de i883 e 
de 1891. Isto basta para se comprehender a incerteza da in- 
sistencia de similhante imposto. 

Em Franca, o producto da taxa pessoal e fraco, porque a 
avaliacao do dia de trabalho e minima. Estd calculado que, 
se o valor de cada dia de trabalho fosse levantado ao preco 
real, isto e, i,?o francos nas regioes mais pobres e 3 francos 
nas grandes cidades e nas regioes ricas, admittindo mesmo a 
media de 1,76 francos para toda a Franca, ter-se-hia uma co- 
tisacao de 5,25 francos por contribuinte. 

Beaulicu resume assim a sua critica ao imposto de capi- 
tacao: 

«Bem longe de regeitar completamente qualquer imposto directo de 
capitacao, pensamos que similhante tribute, desde que seja medico, pode 
dar excellentes resultados: dispensa taxas indirectas sobre os ebjectes de 
censumme mais indispensaveis, ceme e sal; inspira ae pove o sentimento 
de que o impeste 6 accesserie necessarie ae exercicio des direitos civices 
e de que o fisco se pode aproximar desassombradamente, ate das classes 



(i) ESQUiROU DB piRiEU —Traitk de» Impdls, 1. 1, pag. i63. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL J 5 

operarias, para Ihes reclamar, se nao a totalidade, pelo menos uma fra- 
c^ao da sua parte nas despezas do Estado. Tern sido um erro do legisla- 
dor francez nao tornar mais duravel o valor do dia de trabalho, que ser- 
ve de base A applica^ao da taxa pessoal: dever-se-hia levantar as tarifas 
d medida que os salarios se elevassem; dever-se-hia tambem ligar ao pa- 
gamento da taxa pessoal o exercicio do direito de suffragio. Quanto is 
capita^oes graduadas, condemnamol-as.» (i) 

Em Portugal jd existiu um tribute com o nome de contvi- 
buigdo pessoal j recahindo «sobre as faculdades de despender 
e de consummir, reveladas pelos contribuintes em varios in- 
dicadores, como sao a renda de habitacao, criados, carrua- 
gens, etc.» (^) Essa contribuicao foi estabelecida por lei de 3o 
de julho de 1890, em substituicao dos 4 por cento sobre a 
renda das casas, imposto de criados, etc.; mas, por lei de 9 
de maio de 1872, foi a contribuicao pessoal dividida cm renda 
de casas e sumptuaria, que ainda hoje existem. 



(I) PAUL LCROY BCAUucu— 7r<ii7e de la Science des Financet^ i, i, pag. 3o5. 
13) FCRRiiRA t.ow>—Instruccdo geral e historica dos servicot do minixterio dafa^endat 
pag. 63. 



CAPITULO VI 



IMPOSTO SOBRE A RIQUEZA OU SOBRE A POSSE DE CAPITAES 

E RENDIMENTOS 

I — CONTRIBUICAO PREDIAL 

^Ao geralmente reconhecidas pelos economistas as vanta- 
gens do imposto predial, comparadas com as dos outros im- 
postos. 

Primeiramente, esse imposto attinge a origem da riqueza 
geralmente mais consideravel; depois, apresenta na sua appli- 
cacao uma proporcionalidade mais exacta do que a da maior 
parte dos outros impostos directos. O objecto d*esse tributo 
manifesta se em condicoes materiaes, que o tornam habitual- 
mente facil de apreciar e colher. 

E certo que alguns economistas, como Mac Culloch, com- 
bateram o imposto predial, mas os seus argumentos parecem- 
nos demasiadamente capciosos. Mac Culloch acha injusto um 
imposto que fere o rendimento e que, se provem da fertilidade 
do s6lo, provem tambem da applicacao de capital aos traba* 
Ihos inseparaveis da exploracao agricola; combate esse im* 
posto por ter como consequencia reduzir os lucros do capital 
applicado d agricultura e levantar, por isso mesmo, o preco 
dos generos de consummo. Esse argumento nao colhe, por- 
que, como e sabido, sao tambem attingidas pelo imposto a 
maior parte das outras applica^oes do capital. ' 

A questao fundamental no imposto predial consiste em es- 



78 O IMPOSTO 

tabelecer a formula, segundo a qual deva ser determinada a 
materia collectavel. 

Variadas sao as opinioes dos economistas e financeiros so- 
bre o object© positivo em que a contribuicao predial deve re- 
cahir e sobre a escolha entre o systema de quotidade e de 
reparticao, para o lancamento d'este tributo. 

Quatro systemas teem sido principalmente propostos para 
a incidencia da contribuicao predial: i .®, pela extensao do so- 
lo; 2.°, pelo producto bruto da terra; 3.°, pelo valor venal dos 
predios; 4.**, pelo producto liquido da terra. 

O primeiro systema e o mais imperfeito possivel. A ex- 
tensao do solo pouco ou nada indica; terrenos da mesma ex- 
tensao p6dem ter condicoes de produccao muito diversas. Tu- 
do depende da composicao geologica, do clima, da exposicao, 
do modo de cultura, etc. Nao temos em Portugal bem clara 
nocao d'essa diversidade de produccao? 

O segundo systema — avaliacao pelo producto bruto da ter- 
ra — jd o tivemos em Portugal. Era o dos di\tmos^ que figura na 
historia de muitos povos antigos e modernos e que nao e ou- 
tra cousa senao a applicacao do principio da percep<;ao sobre 
o rendimento bruto, applicado especialmente a certas colhei- 
tas. O excesso e desigualdade da contribuicao caracterisam 
esses dizimos. 

No relatorio, datado de 3o de julho de i832, precedendo 
o projecto de decreto, submettido a approvacao do regente, 
para a extinccao dos dizimos, dizia-se o seguinte: c Antes da 
revolucao de Franca, os dizimos obstavam ao movimento das 
financas, a ponto que ellas dobraram sem custo, apenas elles 
foram abolidos; entre nos, os dizimos montam em somma 
miitto superior a proveniente de todas as contribuicoes resian- 
tes; a maior parte das rendas publicas, que nao sao dizimos, e 
proveniente do rendimento das alfandegas, as quaes sendo 
bem regidas e administradas em Portugal, hao-de produzir 
um resultado, que ninguem se atreve a presumir, quando os 
dizimos estejam supprimidos.* 

Entre as razoes que o ministro apresentava para obter do 
regente a sanc^ao da sua reforma, avultavam: o excesso e des- 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 79 

igualdade da contribuicao; o termo da cultura das terras quan- 
do o seu producto nao permittisse um ganho liquido superior 
a 10 por cento; a impossibilidade de concorrerem os produ- 
ctos agricolas nacionaes com os estrangeiros, nao sendo estes 
sujeitos, como aquelles, ao pesado tributo dos dizimos; o des- 
apparecimento dos verdadeiros commandadores de outras epo- 
chas, ou commandantes de tropas, visto como jd nao era en- 
cargo especial d'elles o fazer a guerra e pagar aos soldados, 
etc. 

O imperador sanccionou o decreto, o qual diz no arligo 

I.'': «0s dizimos, que pagavam os proprietarios, os lavrado- 
res e quaesquer outras pessoas dos reinos de Portugal e Al- 
garves, dos fructos da terra e das arvores, das pastagens, 
montados e cortes de madeira, dos animaes, e dos despojos de 
animaes, e, finalmente, de todas as produccoes, ficam desde 
jd extinctos e nao serao mais pagos.» 

Houve quem calculasse em 8:000 contos os dizimos abo- 
lidos; mas um funccionario, que para nos ncerece toda a con- 
sideracao, escreveu: «Nao queiramos os 8:000 contos dos di- 
zimos, que ]i tiveram quem assim os computasse; contente- 
mo-nos com 3:ooo contos, entre dizimos e decimas, onerando 
a propriedade immovel, antes da revolucao liberal de i833.» (*) 
A essa providencia altamente beneficiadora da propriedade 
immovel juntaram-se, n'essa mesma epocha, mais tres: — a 
abolicao, por decreto de 4 de abril de i832, dos morgados de 
rendimento inferior a 200v?>ooo reis annuaes, facultando-se a 
abolicao de quaesquer outros, que nao tivessem herdciros for- 
cados; a suppressao, por decreto de 19 do mesmo mez e an- 
no, da siza que se cobrava na compra e venda dos bens mo- 
veis e semoventes, sendo reduzido esse imposto a 5 por cen- 
to, emquanto aos bens immoveis; o lancamento no mercado, 
por effeito da lei de i5 de abril de i835, de uma grande mas- 
sa de bens dos conventos extinctos. 

Infelizmente, a transiccao do regimen dos dizimos nao foi 



(1) MIGUEL Di BULHOSB— 4 Fa\enda Publica de Portugal, pag. 30. 

6 



8o O IMPOSTO 

convenientemente aproveitada para um inqucrito sobre a vcr- 
dadeira situacao da propriedade, apesar das minuciosas ins- 
truccoes dadas a tal respeito pelo sub-secretario dc Esiado 
dos negocios da fazenda, em portaria de 29 dc novembro de 
1 836, a todos os administradores geraes. 

Infelizmcnte, tambem, nao se aproveitou a velocidade 
adquirida para arrancar inteiramente das garras do velho re- 
gimen a propriedade immovel. So em i860, a lei de 3o de ju- 
Iho deu profundo golpe nos morgados constituidos ainda cm 
bens immovcis c a lei de 19 de maio de i863 ainda se adian- 
tou mais no ataque a vinculacao. 

Parallelamente, com os efTeitos d'estas duas ultimas leis, 
foram apparecendo os nao menos beneiicos efi'citos da lei de 
4 de abril de 1861, denominada desamortisacdo^ que foi am- 
pliada por leis de 25 de junho de 1864, 22 de junho de 1866, 
28 de agosto dc 1869, 21 de abril de 1873 e 18 de marco de 
1875. 

O systema de lancamcnto, tomando por base o valor ve- 
nal dos predios, c preferivel aos dous outros que jd examina- 
mos; mas um conjuncco de circumstancias temporarias ou lo- 
caes podem elevar o preco da venda de um predio, sem ter 
havido acrcscimo algum de renda, que e a mclhor base para 
aprecia^ao dos recursos do contribuinte e da sua participacao 
no interesse geral, a que sao consagradas as dcspezas publicas. 

Incontestavelmente, o quarto systema — fundado na apre- 
ciacao do rendimento liquido — e o que fornece melhor base 
para a reparticao das taxas prediaes. Deve entender-se, po- 
rem, que esta expressao rendimento liquido quer significar 
o que fica do rendimento bruto depois de deduzidas as des- 
pczas culturaes, sementes, amanho,' colheita e dcspezas da 
venda dos producios. Os juros das dividas hypothecarias, por 
exemplo, nao entram em consideracao, porque, se bem one- 
rem os predios, representam, sem duvida, um compromissa 
pessoal, na sua substancia e nos seus fundamentos. (^) 



( 1 1 BSQuiROu DE, pAxiBU— TraiVe de» Impolt, 1. 1, pag. 355. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 8 1 

Se da base de incidencia do ioiposto passarmos a apreciar 
o processo de cobranca — por quotidade ou por meio de re- 
particao — concluiremos bem depressa mais um argumento pa- 
ra demonstrar que o regimen das contribuicoes em Portugal 
permanece fora dos bons principios, geralmente consagrados 
pelos financeiros. 

O systema de quotidade «mais apropriado, segundo al- 
guns escriptores, aos Estados de mcnor extensao», (*) e o que 
domina na Allemanha, por exemplo. 

Onde houver matrizes bem feitas, e claro que as vantagens 
de um e outro systema se confundem, porque a fixacao feita 
pelo legislador nao pode aflastar-se, tanto pelo que diz respei- 
to aos interesses do Estado como aos dos contribuintes, de 
uma contribuicao geralmente fixada em 5 por cento; mas on- 
de nao houver cadastro verdadeiramente uniforme e symetri- 
co, relativo a todo o pat\^ e nao apenas referente a uma par- 
te d'elle, n'esse caso a di£ferenca dos dous systemas e muito 
seria. cN'este caso, a reparticao pode produzir desigualdades 
collectivas considerabilissimas, em detrimento de uma ou de 
outra circumscripcao, e a fixidez do resultado que se deseja 
obter pode violentar a proporcionalidade da applicacao, tanto 
a um determinado territorio, como a uma parcella d'elle.» {^) 

Em Portugal, a rcorganisacao completa das matrizes pre- 
diaes e considcrada ha muito como base da mais sensata re- 
forma do nosso regimen tributario e alguma cousa de util e 
justo se tem feito, nos ultimos tempos. 

Mas nao basta apenas a reorganisacao das matrizes: e pre- 
ciso tambem revel-as periodicamente com toda a seriedade, 
porque o valor da materia coUectavel vai variando successiva- 
mente. «A questao da permanencia ou da mobilidade das ava- 
liacoes que servem de base d incidencia do imposto predial e 
um ponto fundamental, que se liga a todos os systemas n'esta 
materia.* (^) So n'uma organisacao imperfeita como a de Por- 



(i) E8QUIR0U DE PAMEV-Traite des Impdtt, 1. 1, p&g. a58. 

(2) ESQUmOU DE PARIBU— Op. cit., t. I, ptg. 339. 

(3) EftQumou DE PAiUEU— op. cit«, 1. 1, pag. 263. 



82 O IMPOSTO 

tugal se pode admitiir o facto que um distincio funccionario 
de fazenda apontou, ha annos: houve i8 concelhos no conti- 
nente onde, desde 1869 a 1877, ou nao se fez inscripcao al- 
guma nova, ou nao foram cunjpridas as disposicoes de leis e 
regulamenios rigorosos promulgados em 1869. 

Por outro lado, as anomalias que se dao com respeito a 
actual organisacao das matrizes sao verdadeiramente exiraor- 
dinarias. Demonstram-se bem claramente as difFerencas de 
percentagem, de districto para districto, e de concelho para 
concelho, dentro do mesmo districto, se bem que essas per- 
centagens se tenham regularisado mais nos ultimos annos, 
pois em 1877 algumas havia que eram o dobro de outras. Se- 
gundo as ultimas estatisticas publicadas, as percentagens dis- 
trictaes no continente, correspondentes & reparti<;ao, sao as se- 
guintes: 

Aveiro 18,167 

Beja 1 2,434 

Braga 27,828 

Bragan^a 21 ,547 

Castello Branco 14^067 

Coimbra 16,754 

Evora 1 7?75 1 

Faro 1 2,6 1 2 

Guarda 20,943 

Leiria 20,896 

Lisboa 11,61 5 

Portalegre • 1 1,377 

Porto 13,242 

Santarem 21 ,846 

Vianna do Castello 18,840 

Villa Real 22,92 1 

Vizeu i4>37i 

Bern sabemos que esta desigualdade nas percentagens nao 
quer significar. textualmente, desigualdade na reparticao do 
imposto; antes, pelo contrario, pode representar empenho em 
alcancar a perequacao do encargo tributario; mas, ainda n'es- 
te caso, quer represente ate certo ponto desigualdade na distri- 
buicao, quer traduza empenho em desfazer desigualdades das 



E A RIQUEZA PUBLIC A EM PORTUGAL 83 

matrizes, quer seja resultado de mero arbitrio, em todas as 
circumstancias, significa vicio organico, que e precise banir, 
sem demora. 

Os vicios das matrizes estao postos a descoberto pela me- 
Ihor aucioridade n'esta materia, o director geral das contri- 
buicoes directas, que, em um relatorio datado de abril de 1880, 
escrevia estas significativas palavras: 

«A verdade 6 que todo o aperfei^oamento no regimen d'esta contri- 
bui^ao deve essencialmente referir-se d base, segundo a qual deva regu- 
lar-se a sua incidencia. 

«Todos OS esfor^os devem convergir para o melboramento successi- 
vo e progressivo das matrizes. Reconbecem todos as deficiencias, as des- 
igualdades e as inexactidoes das que existem e 6 notorio quanto ellas es- 
tao longe de representar a expressao da verdade na manifesta^ao da ma- 
teria coUectavel. 

«Quanto para este estado tenham contribuido, ou as disposi^oes )e- 
gaes e regulamentares em vigor, ou a incuria e o desleixo dos diversos 
agentes encarregados de as executar ou a inercia dos poderes publicos, 
ou as resistencias dos contribuintes, inutil serd destrin^al-o. Todas essas 
cousas teem cooperado, no largo periodo de vinte e sete annos, para que 
a contribui(^ao predial nem seja o que deve ser, nem renda o que deva 
render.* (*) 

A precipitagao com que essas matrizes teem sido organi- 
sadas, os vicios a que essa precipitacao dd origem, as resis- 
tencias, muitas vezes artificiaes e artificiosas, que esse servico 
levanta — em tudo isso estd a explicacao dos defeitos aponta- 
dos e para os quaes se reclama prompta correccao. 

A este proposito, convem deixar registradas n'este lugar as 
eloquentes afiirmacoes do distincto funccionario, a que acima 
alludimos: 

«E' necessario dizel-o: a reforma das matrizes e ainda mais reclama- 
da pela necessidade de estabelecer o nivelamento na manifestacao da 
materia coUectavel, do que pela conveniencia de fazer subir essa manifes- 
tacao ate A sua genuina expressao. Se a reforma d^sse que as matrizes re- 
presentassem por 60 por cento da verdade, mas de uma maneira unifor- 



(I) TTDRO AvovsTO IX CARyAiMO—Relatorio no Annuario Estatistico das Conlribuicocs 
Directas, 1877-1878, pag. 



84 



O IMPOSTO 



me e homogenea, em toda a extensSo do paiz, tinha-se conseguido um 
grande resultado e dado um grande passo. A conveniencia fiscal poderia 
exigir mais; mas, acima de tudo e no interesse d'essa propria convenien- 
cia, estd fazer acabar com os privilegios de facto, irritantes e duplamen- 
te odiosos, que se teem creado a sombra do systenca vigente.» (') 

Seria injusto esquecer os progresses realisados em mate- 
ria dc organisacao das matrizes, nao so depois da legislacao 
de 1869, mas especialmente em virtude do decreto de 3o de 
outubro de 1874, que estabeleceu a inspeccao directa e a des- 
cripcao dos predios por ordem topographica, elementos im- 
portantes para que as matrizes sejam nao s6 verdadeiras, mas 
tambem completas e methodicas. 

D'esta forma, tem-se conseguido um melhoramento denun- 
ciado nos seguintes termos pelas estatisticas tributarias, que 
temos presentes: 

A„„«« Rcndimento collectavel Contribui^ao 

^""°* pclas matrizes repaitida 

1877 23:839 con tos 3:077 contos 

1878 24:740 » 3: 128 » 

1879 25:771 » 3:212 » 

1881 26:401 » 3:252 » 

1882 26:714 » 3:322 » 

1891 29:626 » A'joi » 

1893 31:691 » - - 

1895 32:i32 » - - 

Ve-se, pois, que, em 14 annos, o rendimento collectavel 
inscripto nas matrizes augmentou 24 por cento, e que, ao 
mesmo tempo, a importancia da contribuicao predial reparti- 
da acresceu 52 por cento. 

Estes factos, quando tantos outros nao existissem, seriam 
suflicientes para demonstrar os grandes beneficios que o aper- 
feigoamento das matrizes trariam para a boa reparticao e au- 
gmento de rendimento da contribuicao predial. 



(I) PEDRO AUGUSTO DE CAXVALHO—Relatort'o tio Amtuan'o EstaU'sitco da$ Contribuic6e* 
Ofreclas^ 1877- 1878, pag. 9. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL S5 



II — CONTRIBUICAO SOBRE A KORTUNA E SOBRE A HENDA MOBIUARIA 

* 

Se a contribuicao predial tern merecido a preferencia dos 
financeiros, nao teem merecido menor preferencia as taxas so- 
bre a fortuna mobiliaria. 

Essa fortuna compoe-se de dous elementos principaes: i .% 
certas profissoes industriacs, commerciaes e liberaes, que en- 
riquecem aquelles que se dedicam a ellas; 2.^, as rendas dos 
capitaes mobiliarios accumulados por economia do rendimen- 
to predial ou do trabalho lucrativo, e que, pela sua parte, 
constituem tambem origem de lucros diversos. 

Para os effeitos fiscaes, esse imposto pode ser considera- 
do debaixo de tres pontos de vista, que, na esscncia, nao se 
afifastam pronunciadamente uns dos outros: i.®, emprezas com- 
merciaes e industriaes, que alliam os fructos do trabalho pes- 
soal com o juro elevado dos capitaes empregados n'ellas; 2.% 
certas profissoes exercidas. sem verdadeiro capital; 3.®, os ju- 
ros dos capitaes mobiliarios nao explorados, nem commercial- 
mente, nem industrialmente. 

Uma das maiores difliculdades n'este ramo das contribui- 
coes consiste na taxacao equitativa e proporcional dos lucros 
industriaes, commerciaes e nos das profissoes liberaes. (*) 
D'ahi a abolir-se cssa contribuicao vai, porem, grande distan- 
cia; o que e preciso e regulamental-a, de forma que nao re- 
presente, em muitos casos, um verdadeiro vexame, especial- 
mente para as classes operarias, cujas condicoes de existen- 
cia estao merecendo a mais seria attenqao em todos os paizes 
e devem comecar a ser esiudadas cuidadosamente em Por- 
tugal. 

Querem alguns financeiros que o tributo sobre as indus- 
trias, sobre:0 commercio e sobre as profissoes liberaes deva 
ser exigido apenas nos paizes onde existe o income-tax; mas, 
no nosso paiz, se nao existe income-tax^ ha uma tao larga 



(i) PAUL LEROY BCAUUEu— Trd/'/c* df a Science des Finances, U i, pag. 393. 



86 O IMPOSTO 

accao do fisco, que seria pouco legitimo exceptuar qualquer 
classc de rendimentos, desde que elles nao sejam infimos. De- 
mais, o melhoramento das condicoes economicas das classes 
operarias nao se alcanca pelo processo trivial e banal das 
isencoes fiscaes: consegue-se por uma serie de instituicoes, 
que sao, por agora, plantas exoticas no nosso paiz, mas que 
nao podem deixar de merecer a attencSo de nossos estadistas. 

Diga-se, a proposito, que em poucos paizes terd sido tao 
mal comprehendida como no nosso a questao operaria e es- 
pecialmente a intervencao do Estado n'essa questao. O Esta- 
do faz-se empreiteiro, constitue-se em esmoler e, sem reme- 
diar senao d superficie os males das classes operarias, dd sa- 
larios a gente que nao trabalha, emprehende obras que nao 
sao necessarias, alimenta vicios e protege o horror ao traba- 
Iho, sob a capa de dar pao ao operario faminto. 

Causa muito mal, apparentando fazer muito bem. A sua 
apparente beneficencia desmoralisa. A verdadeira e solida pro- 
teccao as classes operarias consiste em melhorar-lhes as con- 
dicoes permanentes da sua existencia, concedendo-lhes os re- 
cursos para viverem o melhor possivel e dissipando-lhes, quan- 
to possa ser, as incertezas do futuro. 

E' velha esta aspiracao em Portugal; mas, infelizmente, 
lentos sao os passos que temos dado para a realisacao de obra 
tao proficua. Jd em 1820, um esclarecido publicista portu- 
guez escrevia assim, referindo-se ao melhoramento das con- 
dicoes das classes operarias: cE* necessario que o.governo 
ajunte em f6cos permanentes estes raios dispersos de luz fu- 
gitiva, ainda que para os reunir seja obrigado a descer ate ds 
tendas e officinas.» (*) Tao baixo nao desce, porem, a ac^ao 
dos governos em Portugal. 

Voltando a fallar da contribuicao de que nos estamos oc- 
cupando, diremos que ella apresenta na legislacao dos diver- 
SOS paizes a complexa forma: — de licenca, patente, direitos 



(I) J08E Acctmsio DA8 N«vis— A/emor/a tobre os meios de melhorar as industrias portU' 
gue^as. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 87 

sobre a importancia dos negocios e imposto sobre os valores 
mobiliarios. 

O systema das patentes vigora, principalmente, na Belgi- 
ca e cm Franca; e, n este ultimo paiz, esse imposto tem-se 
tornado extensivo a quasi todas as occupacoes humanas, ha- 
vendo, alem da taxa fixa da patente^ uma licenca para o exer- 
cicio de certos ramos de negocio, como commercio de bebi- 
das, fabricantes de cartas de jogar, fabricantes de assucar, de 
velas, etc. 

Em Inglaterra, deu-se preferencia ds licencas^ que nem 
sempre consistem em taxas fixas, mas sao ds vezes gradua- 
das em harmonia com a importancia da produccao. Em 1889^ 
a importancia d esse imposto nao passou de 3 milhoes e meio 
de libras; mas, antes de consideraveis reduccoes realisadas, 
chegdra a 4 milhoes. 

As taxas de licenca sao estabelecidas em Inglaterra^ segun- 
do tres methodos: 1.®, aproximadamente em proporcao com 
OS negocios de uma casa de commercio ou de industria; 2.% 
proporcionalmente d importancia dos locaes occupados; 3.^, 
por uma taxa fixa e uniforme. 

Em Portugal este tributo existe com o nome de contribui' 
cdo industrial^ que, n'um periodo recente de i3 annos, du- 
plicou de rendimento, a saber: 

Em 1881 I :o59 contos 

Em 1894 2:128 p 

Na contribuicao industrial nao entra, porem, a taxa lanca- 
da aos lucros do mutuo; para esta temos ^ contribuicao de 
decima de juros, que, em 1891, rendeu 43o contos. Adiante 
veremos o que vale esta distincqao. 

A contribuicao dos lucros da industria para os cofres do 
Estado estava ja comprehendida na generalidade da tributa- 
cao directa estabclecida em 1641, e chegou a i860 com va- 
riadas denominacoes. Foi n'esse anno que a lei de 3o de ju- 
Iho creou o liberal systema do gremio, que e considerado o 
regimen mais acceitavel. Esse regimen pode ser: i.°, interven- 
cao do Estado nos negocios dos commerciantes e industriaes, 



88 o IMPOSTO 

pela inspeccao da escripturacao e livros de assentos;2.**, decla- 
racao dos contribuinies, sob juramento; 3.**, recurso a presum- 
pcoes externas e a indices, mais ou menos vagos, que permit- 
tam apreciar grosso modo, nao os beneficios de cada indivi- 
duo, em particular, mas o de cada cathegoria dc negociantes 
e industriaes. (*) 

Este ultimo systema, se bem nao esteja isento de dcfeitos, 
e o mais perfeito de todos. Adopta-se em Portugal. 

O gremio faculta ao contribuinte aggremiado a discussao 
das suas posses contributivas e das alheias, podendo resultar 
d'este debate e de provas que se apresentera ao gremio uma 
certa proporcionalidade entre os tributos e os proventos aufe- 
ridos pelo contribuinte; mas, infelizmente, essas vantagens nem 
sempre se comprehendem. (^) 

Em todo o caso, a peior enfermidade de que soffre esse 
imposto e — o mal da matrt\, (^) 

Desde 1890 varias sao as remodelacoes que se tem procu- 
rado introduzir n'este tributo, mas nenhuma d'ellas foi atacar 
o mal na raiz. A lei de 21 de julho de i8g3 creou taes vexa- 
mes e levantou taes reclamacoes, que o governo teve de no- 
mear, por decreto de 10 de fevereiro de 1894, uma commis- 
sao, em que entravam representantes do commercio e da in- 
dustria, para examinar essas reclamacoes. D'esse exame re- 
sultou o decreto de 28 de junho de 1894, em que se fez uma 
larga remodelacao do systema do imposto, jd no tocante A 
classificacao das terras e agrupamento dos contribuintes, ja 
no concernente a tributacao dos industriaes e i percentagem 
ou quantitativo das collectas. Remediaram-se assim algumas 
incongruencias de classificacao e de graduacao, que na antiga 
organisacao existiam e que eram causa de desigualdades e do 
pouco rendimento d'esta contribuicao. Ainda assim, subsisti- 



(1) PAUL LCROY DEAL'LiBU— Trai/tf dc la Science des Finances, 1. 1, pag. 401. 

(2) MIGUEL DE BULHOEs— 4 Fa\enda Publica de Portugal, pag. 25.— «0 contribuinte lesa- 
do raiha ou ri, segundo o seu caracter, quando ve um ou outro dot membros do seu gremio ta- 
xado levemcntef seiido avultados os lucros auferidos por e&se privilegiado da fortuoa; todavia, 
so muito excepcionalmente ousara protestar e apoiar em provas o seu protesto.n 

(?) fdem, idem. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 89 

ram impcrfeicocs, que o decrcto de i5 dc dezembro de 1894 
procurou remediar. Em vinude d'essas reformas, o rendimen- 
to da contribuicao, que regulava por 1:200 contos e que fora, 
cm 1893, de i:562 contos, passou, logo em 1894, para 2:128 
contos, como acima fica indicado. 

E, se melhor fora a orgahisacao da referida contribuicao, 
mais largos seriam os seus resultados. 

Suppondo-se de 10 por cento a taxacao media do imposto, 
se quizessemos avaliar sobre a base do rendimento d*elle a, 
importancia dos proventos medios das industrias em Portugal, 
chegariamos a uma conclusao de 21:280 contos, cifra em que 
ninguemp6de hoje acreditar, pela sua inferioridade manifesta.. 

Para obviar a parte dos males de que padece a contribui- 
cao industrial, foi apresentada, na sessao legislativa de 1879, 
uma proposta cujo titulo III (artigo 20.®) isentava da contri- 
buicao industrial os oflBciaes de quaesquer officios ou artes; 
mas exigia-Ihes, a titulo de licenca^ a quota de i^ooo reis 
nas terras de i.* e 2.* ordem, de 800 reis nas terras de 3.* e 
4.% e, finalmente, a quota de 400 reis nas duas ordens res- 
tantes. Essa proposta nao foi, porem, convertida em lei. 

Sem desconhecermos que a reforma de i894corrigiu muitos 
dos defeitos d'esta contribuicao, nos desejariamos que a con- 
tribuicao industrial passasse por uma dupla transformacao, no 
sentido de Ihe elevar consideravelmcnte os redditos publicos, 
com menos injusticas do que na actualidade. Propomos, por 
isso, uma dupla reforma: i.°, cuidadosa revisao da matrix, na 
parte em que essa matriz tem de servir de base; 2.®, creacao 
dsis patentes om lic^ncas:^ para exercicio de artes ou officios 
a fim de evitar os c^sos em que o fisco tem de interp6r-se aos 
gremios e par^ obstar a tantas desigualdades flagrantes, que 
repugnam a um bonii regimen tributario. 

A perfeita organisacao da matriz teria como consequencia 
colher-se os maiores resultados da applicacao das taxas fixas e 
dos indicadores especiaes estabelecidos para as industrias, pro- 
fissoes, artes ou officios mencionados na tabella A, annexa d 
respectiva lei. Effectivamente, muitos dresses indicadores e 
d'essas taxas escapam d accao do fisco. 



90 O IMPOSTO 

Quanto & demonstracao das vantagens das patenteSj basta 
comecar por indicar que etn Franca figuram no orcamento dc 
1891 com um product© dc 178 milhoes de francos, cifra con- 
sideravel, que se aproxima de metade do producto total da 
contribuicao predial. (*) Se fosse licito fazer confront© identi- 
co com respeito a Portugal, ver-se-hia que, tendo sido de 2:902 
contos a cobran^a da contribuicao predial em 1891, deveria 
ficar elevado a 1:461 contos o producto da contribuicao in- 
dustrial, ou patente referente & tabella B, isto e, quasi o do- 
bro do que e actualmente, pois o producto da contribuicao 
pela tabella B nao passou, em 1891, de 838 contos. Mas no- 
te-se que, a um tempo, o limite maximo da contribuicao pre- 
dial tende a subir e que, portanto,o alargamento da incidencia 
do impost© industrial poderia ser consideravel. 

E d'esse alargamento nao resultariam vexames. Vejamos: 
Segundo o decret© de 29 de junh© de 1894, um ©perari© de 
qualquer ©ffici© ©u arte, ganhand© 8©© reis, paga h©je, n© P©r- 
t©, 2^©©© reis de c©ntribuica© industrial, e, segund© a pr©p©s- 
ta de lei de 1879, pagaria de patente^ i^©©©. E' cert© que um 
©perari© que ganha 76© reis, p©r exempl©, nada paga pela 
legislaca© vigente e passaria a pagar ©s mesm©s 1^0©© reis de 
patente; mas ninguem dird que essa c©ntribuica© na© seja c©m- 
pensada p©r muitas circumstancias, e, s©bretud©, pel© interes- 
sc geral de por cobr© a desigualdades e s©negacoes, que h©je 
sc ©bservam a cada m©ment©. 

Na© som©s levad©s a esta c©nclusa© p©r espirit© de imita- 
ca©, apesar de rec©nhecerm©s a existencia triumphante que 
o imp©st© das patentes tem tid© em Franca: — tem©s especial- 
mente em vista c©rrigir desigualdades e vexames, que repre- 
s^ntam verdadeir© element© de ruina para muit©s trabalhado- 
res. Na© pr©p©m©s terminantemente a adop^a© das taxas es- 
tabelecidas n© pr©ject© de 1879; servimo-n©s d'ellas, apenas, 
c©m© base de calcul© e crem©s que na© seria diflicil c©rrigil-as 
p©r mei© de um rapid© inquerit© s©bre ©s salari©s maxim©s e 



(i) PAUL LEROY BEAULiEU— 7 rrt»7e df la Science des Financff, 1. 1, pag. 398. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 9 1 

minimos, nas diversas regioes do paiz, para a fixacao dos sa- 
laries medios. 

Terminamos apresentando a seguinte nota do movimento 
crescente dc patentes em Franca, e do product© d'este impos- 
to em verba principal, convindo observar que o numero de 
palentes e mcnor, por isso que alguns contribuintes teem mais 
de um estabelecimento, e, assim, pagam mais de uma quota: 

Producto do impo&to 
Annos Numero de quotas Verba principal 

Frs, 

i83o i.i63:255 — 

i833 — 21.314:770 

1840 1.375:919 — 

1844 1.5 1 1:104 — 

1845 1.352:930 — 

i85o 1.437:437 35.612:871 

1859 1.613:146 49.378:012 

1869 1.679:741 64.520:000 

i872 1.568:628 63.402:322 

1879 1.640:764 80.040:970 

1881 1.623:657 72.744:000 

1S89 1.674:022 79.341:017 

Uma vez que nao admittimos, nem cremos poder admittir- 
se para Portugal o imposto de capitacao, a cedula de patente 
poderia scr o verdadeiro documento de capacidadc eleitoral, 
sem as complexas e tantas vezes immoraes operacoes do re- 
censeamento politico. 

Effectivamente, que melhor titulo ao exercicio do direito 
cieitoral do que a prova evidente de que o pretendido eleitor 
contribue para as despezas publicas com a sua quota, por 
mais modesta que seja? 



Como ja dissemos, no grupo dos impostos que estamos es- 
tudando entra, em Portugal, a contribuicao chamada decima 
de juros. 

A decima de juros e contribuigao conhecida em Portugal 
ha 256 annos; mas nem por isso se justified a sua permanen- 
cia, como contribuicao distincta. Effectivamente, o lucro do 



92 O IMPOSTO 

mutuo e materia collectavel a par de outras bases da contri- 
buicao industrial. Alguns admittem o imposto especial sobre 
o mutuo a titulo dc registro dos contractos respectivos, como 
garantia reciproca para credores e devedores", (*) mas nos nem 
assim o admittimos, porque entendemos que a organisacao 
tributaria deve ser o menos complexa possivel. 

Funda-se a contribuicao da decima de juros no principio 
geral estabelecido no alvard de 5 dc setembro de 1641, confir- 
mado nos alvards posteriores de 28 de abril dc 1646 e g de 
maio de 1664 e por muitas outras disposicoes legaes. E' a 
contribuicao por um lucro obtido por um emprestimo de ca- 
pitaes; portanto, devc affectar quern obtenha esse lucro. O ci- 
tado alvard de 5 de setembro de 1641 mandou que todas as 
pessoas, sem excepcao alguma, nem privilegio, pagassem, ca- 
da anno, a decima parte dos seus rendimentos de bens de raiz, 
juros^ tergas e ordenadas, proes e precalcos, e do trato e me- 
neio; e que as pessoas que nao tivessem d'cstes rendimentos 
e fossem officiacs mechanicos e vivessem dos seus trabalhos 
e misteres, nao scndo pobres e miseraveis, pagassem a vintc- 
na, a respeito do que pagavam em cada anno dos alugueres 
das casas em que moravam. 

Como se ve, o espirito da lei e taxar o credor, presumin- 
do-lhe ganho no emprestimo de dinheiro; mas, a theoria anda 
muito affastada da prdtica. 

A decima de juros, desde a sua creacao, tern dado lugar 
a numerosos prcccitos, que seria longo cnumerar. Sem em- 
bargo das disposicoes da lei principal, dos alvards de 26 de 
setembro de 1762, 11 de maio e 12 de juriho de 1770 e de 
varias resolucoes dc consultas no seculo xviii, ds quaes ainda 
hoje sc recorre, sao quasi tantas as questoes como as hypo- 
theses, e as reparticoes fiscaes, o conseiho de Estado e o Su- 
premo Tribunal Administrativo teem sido frequentemente im- 
portunados com processos e recursos. 

O que e certo e que para se cobrarem 480 contos se ali- 



(1] MIGUEL DE BULM5cs—i4 Fd^CHda Pubtica de Portugal, pag. 33. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL qS 

menta toda a sorte de sophismacoes e se deixa subsistir uma 
legislacao nem sempre homogenea para casos identicos. 

Ate onde chegard essa legislacao, se a decima de juros 
subsistir, nao e facil calcular. Ainda ha cerca de um anno, o 
ministro da fazenda apresentou ao parlamcnto uma proposta 
subrogando nos direitos da fazenda os credores para haverem 
dos devedores a importancia das contribuicoes, a que estes se 
achem obrigados, por virtude de contratos anteriores i lei de 
18 de agosto de 1887, evitando, assim, que hajam de intcntar 
pleitos judiciaes para a arrecadacao do que Ihes e devido, na 
boa fe dos contractos. Outra disposicao ainda era estabelecida, 
facilitando a prova da insolvencia dos devedores e a annul- 
lacao das collectas, quando os capitaes tenham sido distra- 
tados. 

Ill — IMPOSTOS GERAES SOBRE O CAPITAL E SOBRE O RENDIMENTO 

Thiers fccha o estudo das diversas formas do imposto coni 
as seguintes palavras: 

«0s governos, em uma palavra, foram tao pouco oppressores quanto 
poderam. Trataram de cobrar muito, fazendo sotfrer pouco, pois cada 
sofTrimento poupndo era um recurso economisado para nova crea<^ao de 
imposto. O erro d'clles nao estava no fisco estava na sua politica, umas 
vezes loucamente bcllicosa, outras vczes loucamente sumptuosa e sem- 
pre imprcvidentc. O fisco fazia quanto podia para causar o menor mal 
possivel, sem contar que por vezes e dirigido por ministros cheios de sa- 
bedoria, como Sully; cheios de talento, como Colbert; cheios do humani- 
dade, como Turgot, os quaes tinham empenho em fazer felizes os ho- 
mens, contribuindo para que os governos fossem previdentes .e sensa- 
tos.» (*) 

Muito longc de confirmar estas palavras esta a implan- 
tacao do imposto de rendimento em Portugal, por mais re- 
ctas que tenham sido as intencoes do legislador portuguez. 

Esse imposto lancou, principalmente, raizes na Inglaterra, 
onde tevc origem na laud-tax^ aperfeicoado por Guilherme ni 



(I) A, THIERS— De la ProprieU, pag. 335. 



94 O IMPOSTO 

e transformado em 1798 n'um imposto de quotidade chamado 
income-tax^ ou property-tax. 

Segundo a organisacao ingleza de 1842, sao cinco as ca- 
thegorias dos rendimentos tributarios, a saber: 

/.■ classe. A — Todas as terras, ou melhor, todos os bens immobiliarioSy 
sao tributados, /?or conta do proprietario, na razao de 7/7encepor libra de 
renda liquida annual. 

2.* classe. B — Os mesmos bens immobiliarios sao tributados na ra^ 
^ao do go^Oy ou a titulo de beneficio do rendeiro, i. razao de 3 1/2 pence 
por libra na Inglaterra e 2 V2 pence na Escossia. 

3.^ classe. C — Pensoes, annuidades, dividendos, ou mats, exactamcn- 
te, rendas dos fundos publicos, tributados com 7 pence, 

4.* classe. D — Todos os lucros industriaes, commerciaes ou outros^ 
seja qual for a sua natureza e procedencia, todos os salarios e honoranos 
pessoaes, a titulo de trabalho ou de industria particular, tributados igual- 
mente com 7 pence. 

5.' classe. E — Todos os vencimentos de funccionarios publicos, tri- 
butados com 7 pence. 

Foram estabelecidas, todavia, importantes isencoes: Eram 
iscntos aquelles cujos rendimentos, junto aos vencimentos nao 
subiam a mais de i5o libras sterlinas; certas rendas dos hos- 
pitaes e instituicoes de bcneficencia. 

Sem entrarmos em pormenores sobre a applicacao da m- 
come-tax e dos seus processos de lancamento, diremos ape- 
nas que a lei ingleza da origem a grande numero de fraudes. 

A income-tax tem passado por diversas transformacoes e 
n uma interessante brochura sobre impostos em Inglaterra, 
publicada pelo Cobden-Club, vemol-a fixada em 10.718:000 
libras, em 1884. (*) 

Na Allemanha, ds taxas geraes sobre o capital chama-se 
Vermoegenstenern e as taxas sobre o rendimento teem o nome 
de Einkommensteuern; n'aquella nacao, o imposto de rendi- 
mento tem tomado larga extensao. Em todo o caso, e um im- 
posto muito leve, se bem seja relativamente baixo o minimum 
tributavel. Os allemaes alargaram extraordinariamente as ba- 



(1) sw LOUIS UKUjn—The \ational Income and Taxation, pag. 37. 



E A RIQUEZA PUBLIC A EM PORTUGAL g5 

ses de incidencia dos impostos com o fim de tributarem, por 
completo, a fortuna dos contribuintes: voltaram-se successiva 
ou simultaneamente para a propriedade, para a renda, para 
impostos geraes sobre a totalidade da fortuna, para impostos 
cspeciaes e complementares sobre diversos ramos de riqueza, 
etc. («) 

Na opiniao de distinctos financeiros, o futuro do imposto 
de rendimento em qualquer paiz nao pode ser determinado 
sem previo exame de um conjuncto de circumstancias, que 
poderosamente influem nos resultados presumiveis. Ha cir- 
cumstancias que acompanham habitualmente o estabeleci- 
mento das taxas e ao mesmo tempo certos caracteres perma- 
nentes na legislacao que Ihes diz respeito. Ao conjuncto das 
primeiras chama-se let's de existencia e ao das segundas lets 
de organisacdo^ cujo valor nao e absoluto, mas representa um 
grande numero de factores dignos de consideracao. 

As let's de existencia fundam-se, principalmente, na raca. 
Tem-se observado que os paizes habitados pela raca germa- 
nica pura ou pelos seus ramos principaes, a Allemanha, a 
Scandinavia, a Gran-Bretanha e a America do Norte suppor- 
tam quasi universalmente taxas de impostos geraes sobre a 
propriedade e o rendimento; ao passo que a historia financei- 
ra dos povos neo-latinos mostra um pequeno numero de ap- 
plicacoes isoladas e temporarias das mesmas contribuicoes. Na 
verdade, as racas germanicas submettem-se melhor do que as 
neo-latinas ao regimen da auctoridade, d intervencao da au- 
ctoridade na casa e ate na familia; as racas neo-latinas, pelo 
contrario, teem da auctoridade uma nocao menos dominado- 
ra, menos militar. 

*Por outro lado, a variacao constante da fortuna mobilia- 
ria e immobiliaria, com as circumstancias do tempo e do lu- 
gar, representa um elemento de aprecia^ao muito attendivel. 

As let's de organisacdo consistem, primeiro que tudo, na 
universalidade d'este imposto, isto e, na sua applica^ao geral a 



(I) ESQuntou DK PAMEv—Trat'te des Impdtt^ t. ii, pag. ^3. 



96 O IMPOSTO 

todas as especies de bens mobiliarios e prediaes, producto de 
capitaes ou beneficios de industrias. Essa universalidade e uma 
condicao essencial da justica e productibilidade de tal impos- 
to, porque faz submetter ao seu dominio muitos bens que es- 
capavam a accao do fisco. 

Nas organisacoes bem estabelecidas, o principio de dedu- 
ccao das dividas do contribuinte e respeitado e ds vezes che- 
ga a terse em conta os encargos de familia, inherentes d po- 
sicao dos contribuintes. 

Acompanha tambem, habitualmente, a organisacao d'este 
tributo o estabelecimento de um minimum tributavel, susce- 
ptivel de se elevar na razao do numero e da importancia das 
taxas directas, que acompanham o imposto geral sobre a pro- 
priedade e sobre o rendimento. 

Emfim, caracterisa a organisagao d'este imposto o ser es- 
tabelecido por via de quotidade^ segundo uma taxa uniforme 
sobre os capitaes ou sobre as rendas de qualquer natureza, 
deduccao feita das dividas e com immunidade para as fortu- 
nas inferiores a um minimum determinado. (*) 

Nao nos alargarcmos em consideracoes sobre as vantagens 
e inconvenientes que os economistas e financeiros marcam ao 
imposto geral sobre o rendimento; muitas d'essas considera- 
coes teriam unicamente vantagens theoricas. Por isso, passa- 
mos a ver o que e o imposto de rendimento em Portugal. 

A contribuicao do rendimento foi creada por carta de lei 
de 18 de junho de 1880. Devia recahir esta contribuicao em 
todos OS rendimentos produzidos ou disfructados no continen- 
te do reino e ilhas adjacentes. Os rendimentos eram divididos 
em cinco classes: 

A — Applicacao de cnpitaes; 
B — Exercicio de empregos; 
C — Propriedade immobiliaria; 
D — Commercio e industria; 

E — Qualquer outra proveniencia de rendimentos, nao produzidos 
mas disfructados no contincnte e ilhas adjacentes. 



(1) ESQuiRou DE PAniEv—Trai/e dcs Impols, t, ii, pag. 83. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 97 

Estabeleciam-se isencoes: 

a) Para a classe i4, nos rendimentos percebidos por estabelecimentos 
de caridade, bcneficencia ou instruc^ao publica, e pelos monte-pios, as- 
sociacoes de soccorros mutuos e sociedades scientiBcas; 

b) Para a classe B, nos rendimentos n3o excedentes a i5o^t^ooo reis 
annuaes, nos prets, forragens, ajudas de custo eventuaes e comedorias; 

c) Para a classe C, nos rendimentos inferiores a So^fi^ooo r^is inscri- 
ptos na matriz predial do concelho, onde residisse effectivamente o pro- 
prietario respectivo; 

d) Para a classe D, nos rendimentos nao excedentes a iSo^ooo reis, 
deduc^ao feita, em qualquer caso, da contribui^ao industrial, impostos dis- 
trictaes, municipaes e parochiaes, despezas de conserva^ao de officinas e 
armazens, seguros, etc.^ etc.; 

e) Para a classe E, nos rendimentos disfructados por estrangeiros nao 
domiciliados ou nno residentes no paiz por mais de um anno, ou por di- 
plomatas e agentes consulares estrangeiros em effectivo servi^o. 

Os rendimentos da classe A eram sujeitos (sem accumu- 
lacao de outro imposto) a taxa annual de 3 por cento. A mes- 
ma taxa recahiria nos rendimentos da classe E. Para as ou- 
tras tres classes, a taxa era de 2 por cento. 

A lei estabelecia as bases do processo para a apreciacao 
dos elementos do tributo novo e os recursos respectivos, e um 
regulamento, decretado em 12 de novembro do dito anno de 
1880, contendo 235 artigos e i3 modelos, previa as hypothe- 
ses de todo este servico, um tanto complicado. 

Comquanto fosse reconhecida a urgencia de augmentar a 
receita geral do Estado, e apesar de terem as camaras legis- 
lativas approvado, por maiorias importantes, a contribuicao 
de rendimento, ali^s engenhosamente combinada, e certo que 
nao foi geralmente bem recebida no paiz a indicada providen- 
cia financeira. 

O imposto sobre o rendimento e o verdadeiro tributo di- 
recto; mas, esse principio e velho na legislacao portugueza, e 
no alvard de 9 de maio de 1664 o encontramos desenvolvido 
por forma que, adaptado a actualidade, nos dispensaria da de- 
composicao em tantas especies d'essa generica fonte de re- 
ceita. Ralhando sempre, e mais ou menos, o contribuinte pa- 
ga; mas, em geral, revolta-se contra quaesquer complicacoes 



98 O IMPOSTO 

de service e marchas e conira-marchas, a que o violentem pa- 
ra saber o que tem de pagar e para realisar o pagamento. 

A contribuicao de rendimenio, creada em 1880, representa- 
va, por urn lado, um imposto addiccional a con tri buboes di- 
rectas, jd em uso, c, por outro, tributacao nova de vencimen- 
tos pessoaes, juros da divida fundada, dividendos e juros de 
Companhias. 

A classe E apresentava-se de mui difficil fiscalisacao. 

Tendo sahido dos consclhos da coroa o gabinete que ini- 
ciou a contribuicao de rendimento, o gabinete que succedeu 
aquelle suspendcu dictatorialmente a execucao do regulamen- 
to de 12 de novembro de 1880, em tudo quanto se referia ao 
servico do lancamento directo ou indirecto da mencionada 

contribuicao. 

> 

Ficou, portanto, vigorando a contribuicao de rendimento 
quanto aos proventos de empregos e de capitaes representa- 
dos por titulos de divida fundada, accoes e obrigacoes de Com- 
panhias. Computada originariamente em 820:000^000 reis, a 
cobranca efPectiva da mesma contribuicao foi: 

• 

1880-1881 276 contos 

1881-1882 397 

1882-1883 400 






Uma lei de 27 de abril de 1882 confirmou (artigo 2.®) o 
dccreto dictatorial de 21 de abril de i88t, que suspendera a 
execucao do regulamento de 12 de novembro de 1880, cd'es- 
ta forma se aboliu, na parte jd indicada, o imposto de rendi- 
mento, crcado por lei de 18 de junho do mesmo anno de 1880, 
e para obviar ao desfalque da receita do Estado creou-se um 
addiccional de 6 por cento a todas as contribuicoes, impostos 
c rendimentos do thesouro, com as seguintes excepcoes: 

a) Emolumentos consulares e aduaneiros; 

b) Imposto de sello, mcnos quando recahe em loterias; 

c) Direitos de consummo em Lisboa; 

d) Imposto do real de agua, e do vinho, aguardente e geropiga en- 
trados para o consummo no Porto e Villa Nova de Gaya; 

e) Direitos de importa^ao de tabaco; 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 99 

f) Direitos de importa^ao convencionaes em vigor; 

g) Os rendimencos diversos (artigo 5.<* da receita do Estado); 
A) Imposto de rendimento; 

t) Decima de juros; 

j) CoUectas de coatribui<;ao predial ate 5oo reis e todas as collectas 
de contribui^ao industrial de officiaes de artes e officios. 

Nao pode comprehender-se organisacao mais desgracada 
do que esta! Temos um imposto de rendimento si/i generis: 
o caracter primordial d'esse imposto e, como vimos, a univer- 
salidade da sua applicacao e n6s temol-o restricto aos proven- 
tos de empregos e de capitaes representados por titulos da 
divida fundada, accoes e obrigagoes de Companhias! Desde 
que nao se respeitavam as bases scientificas d'esta contribui- 
^ao, melhor teria sido banil-a por completo, mas de que va- 
lem OS principios scientificos em materia em que os principios 
de bom senso estao postos de parte, ha muito tempo? 

Entre as aberracoes a que essa falsa organisacao deu lugar, 
ha uma que nao deixa de ser curiosa: — Como se sabe, os ju- 
ros dos titulos de credito estao sujeitos ao imposto de rendi- 
mento, quando pagos em Portugal; estando, porem, isentos 
quando pagos em pracas estrangeiras, os coupons d'esses ti- 
tulos sao vendidos aqui e cobrados depois no estrangeiro, de 
forma que o thesouro publico, os Bancos e as Companhias 
teem de prevenir-se com maiores sommas no estrangeiro pa- 
ra o solvimento dos referidos coupons. D'ahi resulta uma 
pressao nos cambios, desvantajosa em todos os tempos, e pre- 
judicialissima no actual momento, em que atravessamos uma 
temerosa crise cambial. 

Mas nao e so por esse meio que o Estado influe desvan- 
tajosamente n'essa crise: influe com os erros da administra- 
cao e influe com os artificios de que lanca mao, suppondo re- 
mediar assim males, cujas causas sao ipais profundas. 

E, se quizessemos um testemunho dos erros da adminis- 
tracao, tel-o-hiamos na propria lei actualmente em vigor sobre 
o imposto de rendimento. Efiectivamente, a lei de 27 de abril 
de 1882, ao mesmo tempo que aboliu o imposto de rendimen- 
to, tal como fora creado em 1880, estabeleceu um addiccio- 



lOO O IMPOSTO 

nal de 6 por cento sobre todas as contribui^oes, para com- 
pensar o desfalque nas receitas publicas. Como essas contri- 
buicoes estao repletas de desigualdades e de incongruencias, 
conclue-se que os males foratn aggravados, sob capa de ser 
beneficiado o contribuinte ! 

Nao o comprehendem assim os poderes publicos; em 1890 
foi creado, por lei de 3o de julho, um novo addiccional de 6 
por cento, em nome da salvacdo publica^ tao cubicada, mas 
desconsoladora e tao baldadamente esperada. 

Taes vicios se apontam ao imposto de rendimento, mesmo 
nos paizes onde parece fructificar melhor a sua adopcao, que 
nao duvidamos indicar a suppressao radical d'elle em Por- 
tugal, e, como se verd, so advirao d'ahi vantagens para a me- 
lhor applicacao do imposto, e nao poderd haver receio de des- 
falque consideravel para as receitas publicas. 

Mas, quando se tentasse estabelecel-o em Portugal, nao 
deveria nunca adoptar-se o piano de 1880, segundo o qual 
uma parte do imposto de rendimento representava um verda- 
deiro addiccional sobre as contribuicoes. 



CAPITULO VII 



IMPOSTOS SOBRE OS GOZOS 

ilA bens cuja posse nao pode ser considerada elemento 
de riqueza, mas que os legisladores consideram passiveis de 
contribuicao. Taes sao os cavallos e as carruagens, tal e o 
pessoal domestico, etc., que representam propriamente com- 
modidades pessoaes. Essa contribuicao e conhecida com o no- 
me de sumptuaria. 

O imposto sobre as portas e janellas, e sobre as chamines, 
que existe em alguns paizes e de que a nossa contribuicao de 
renda de casas e uma sensata transformacao, deve ser abran- 
gido no grupo de tributos de que nos estamos occupando. 

Os impostos sobre os gozos occupam e devem occupar 
um lugar restricto nos diversos systemas financeiros e teem 
nomes muito diversos. Em Inglaterra sao conhecidos sob a de- 
nominacao de assessed-tax. 

Esses impostos sao admissiveis e apresentam alguma fe- 
cundidade quando incidem sobre objectos que nao represen- 
tem pura phantasia. Quando, por exemplo, em Inglaterra, se 
lembraram de tributar os chapeus de mulher (chip hats)^ a mo- 
da desappareceu logo, como aponta Mac CuUoch. Esses im- 
postos devem referir-se a uma commodidade ou utilidade de 
caracter permanente. 

Em caso algum devem attingir fortemente os gozos restri- 
ctos do povo. (*) 



(I) BSQumou DE PAiuEU— Trdi/c de ImpdU, t. n, pag. 163. 



102 O IMPOSTO 

A renda de casas, ou antes, aos impostos sobrc a habita- 
cao propoz Sismondi se chamasse imposto de comummo das ca- 
sas (*) e, realmente, nao deix^ de ser significativa csta deno- 
minacao. 

Em Portugal, a contribui^ao de renda de casas consiste 
n'uma percentagem certa de 6 por cento sobre a renda ou 
valor locativo das casas de habita^ao, quando esse valor ou 
renda nao seja inferior a 20^000 reis na cidade de Lisboa, a 
1 5^000 na cidade do Porto, a lo^S&ooo reis nas terras de 3.* 
e 4.* ordem e a S^ooo reis em todas as outras terras. 

A contribuicao sumptuaria comp6e-se de taxas fixas, com- 
putadas pelo numero de criados, de cavallos, eguas ou mua- 
res, e de vehiculos, que cada contribuinte tiver ao seu servi- 
co, taxas que variam segundo a ordem das terras. 

A cobranca d'estas duas contribui^Ses, em 1891 -1892, foi 
a seguinte: 

Renda de casas 494 contos 

Sumptuaria 88 » 

O servico das duas contribui^oes e considerado por dis- 
tinctissimos funccionarios em esiado de abandono^ de anarchia 
e de arbitrio, (*) 

Com respcito d contribuicao sumptuaria, especialmente, 
as omissoes nas matrizes sao extravagantes; bastard dizer 
que, em 1878, dos 263 concelhos do continente do reino, ha- 
via 107 onde nao se achou motivo para uma s6 coUecta pe- 
las taxas sobre criados! Em 129 concelhos, quasi metade do 
paiz, nao havia um unico vehiculo sujeito a contribuicao! 

E nao se p6de confiar n'uma boa formacao da matriz, por 
isso que esse servico depende de investigates, que mal se p6- 
dem levar a rigor. Melhor fora, pois, prescindir d'essa inves- 
tigacao, attendendo antes ds indicacdes que a renda de casa 
representa. Effectivamente, se a renda da casa nao indica nem 



(1) vi^uonm—Nouveaux Principes d'Economie Politique, t. n, pag. 204. 

(2) PEDRO AUGUSTO DE CARVALHO — /{Wa/ori'o RO Antiuario dat CoHtribuic6e$ Directat, 
1877-1878. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL Io3 

pode indicar o numero dc criados que una individuo tem, in- 
dica, sem duvida, saivas rarissimas excepcoes, a somma de 
commodidades com que vive. 

Portanto, todas as attencoes devem voltar-se para a con- 
tribuicao chamada de renda de casas, ou contribui(;ao mobi- 
liariuj como se Ihe chama em Franca. 

A contribuicao de renda de casas, como a sumptuaria, nas- 
ceu em Portugal com o alvorecer d'este seculo. A 7 de 
iiiarco de 1801, o principe regente D. Joao, confiando na leal- 
dade e no amor dos seus povos^ appellou para elles, convidan- 
do-os a um emprestimo de doze milhoes de cruzados (reis 
4.8oo:ooo^fif)OOo) e a sacrificios novos, com que o real erario 
podesse occorrer aos novos encargos resultantes do mesmo 
emprestimo. 

Esses sacrificios traduziram-se por impostos, que haviam 
de ser cobrados annualmente dos proprietarios de bestas e 
dos amos de criados que nao fossem de agriculcura, sem pri- 
vilegio algum secular e ecclesiastico. 

O artigo xi do alvard de 7 de marco de 1801 dispoz: que 
dos predios urbanos de Lisboa e Porto se pagasse, alem do 
subsidio militar da decima, mais 3 por cento da sua renda an- 
nual. A lei de 3i de outubro de 1837 estabeleceu, no artigo 
3.% que COS inquilinos, caseiros e arrendatarios de predios ur- 
banos» pagassem 4 por cento das rendas das casas que ex 
cedessem 3o^oo reis por anno em Lisboa e no Porto, i S^ooo 
reis nas povoacoes de mais de 400 fogos e 1 0^000 r^is nas ou- 
tras terras, e alludia, no artigo 1 .^, aos impostos estabelecidos 
no artigo 11.® do alvard de 1801. Logo, deve concluir-se que 
estas contribuicoes foram originariamente impostas sobre os 
proprietarios, embora ficasse a estes a faculdade de se inde- 
mnisarem, pelo augmento da renda aos inquilinos. 

Como quer que seja, a lei de 3o de julho de i860 deu por 
extinctos os impostos denominados de criados e cavalgaduras, 
e de 4 por cento dos alugueres das casas, e respectivos ad- 
diccionaes e sellos, e consolidou tudo na contribuicao deno- 
minada pessoal^ composta de taxas fixas e de uma percenta- 
gem sobre o valor locativo das habitacpes excedentes a 20^000 



104 O IMPOSTO 

reis nas terras de i.* ordem, a iS^ooo reis nas de 2.*, a 
lo^ooo reis nas de 3.* e 4.* e a 5^ooo nas de 5.* e 6.* As 
taxas fixas foram estabelecidas scgundo a ordem das terras e 
em escala progressiva do numero dos criados, das cavalgadu- 
ras e dos vehiculos. 

A lei de 9 de maio de 1872, regulada por decreto de 3o 
de agosto do mesmo anno, dividiu, como jd vimos, a contribui- 
cao pessoal em duas: — contribuicao de renda de casas^ e ccn- 
tribuicao sumptuaria. Para a renda de casas conservou os 
mesmos minimos isentos de contribuicao e as mesmas ordens 
de terras; porem, aggravou o imposto de 4 a 6 por cento. 

A contribuicao de renda de casas, pelo seu caracter de ge- 
neralidade, poderia ser, quando devidamente regularisada/um 
elemento imporiante para a reorganisacao tributaria em Por- 
tugal. O que hoje se observa e verdadeiramente extravagante. 

O rendimento collectavel dos predios urbanos, com que 
foram encerradas as matrizes prediaes do continente em 1891, 
nao passou de 10:740 contos e o valor locativo, que serviu de 
base ao lancamento da contribuicao de renda, nas matrizes 
respectivas, foi de 6:764 contos. E' tal a disparidade entre es- 
tes dous numeros que, se para a deficiencia do primeiro con- 
correm causas sabidas de todos, para a inexactidao do segundo 
contribue, incontestavelmente, uma pessima organisacao dos 
respectivos servicos. Esta disparidade, que, quando referida a 
1877, "^^ passava de 2:687 contos, foi julgada como indo 
cmuito alem do que uma fiscalisacao seria p6de permitting (*); 
agora, que se eleva a 3:976 contos, isto e, a perto de 4:000 
contos, que deveremos dizer? 

Confrontando, concelho por concelho, esse rendimento col- 
lectavel com o valor locativo, observar-se-hao as maiores ano- 
malias. 

Como remediar esse mal? Ha muito estava indicada uma 
remodelacao profunda do systema tributario, nao s6 com o 



(I) PEDRO AUGUSTO DE CAnyALHO—Annuario dot ContriMcdes Directat, 1877-1878. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL Io5 

fim de Ihe augm^ntar o rendimento, como para que o seu lan- 
camento ficasse em harmonia com as circumstancias especiaes 
das localidades e dos contribuintes. 

O que se faz em Fran<;a poderia servir de base a essa re- 
forma, indispensavel em Portugal. 

Em Franca, o imposto mobiliario estd ligado ao imposto 
pessoal; essas duas taxas reunidas sao um imposto de repar- 
ticao. Vejamos como se procede para alliar esse caracter de 
reparticao com a fixidez da quota individual para a taxa pes- 
soal: — O contingente do districto (communa) na contribuigao 
pessoal e mobiliaria e primeiro repartido peios contribuintes 
em taxas pessoaes, segundo a tarifa fixada para o valor do dia 
de trabalho. Se essa reparticao nao chega a attingir total- 
mente a cifra do contingente, a somraa que iique por comple- 
tar e repartida entre os contribuintes, proporcionalmente ao 
valor do aluguer da habitacao. 

Em Portugal poderia proceder-se por modo identico. Em 
vista das condicoes especiaes em que vive o nosso pequeno 
trabalhador, nao nos pronunciamos pela creacao do imposto 
pessoal; mas baixariamos o limite da isencao da contribuigao 
de renda de casas. 

Sendo de contingente e de reparticao esse tributo, o parla- 
mento fixaria annualmente o contingente, para ser successiva- 
mente repartido pelos districtos, pelos concelhos c pelas fre- 
guezias, tendo em vista as suas relativas condicoes de desen- 
volvimento e riqueza; nas freguezias seria distribuido em har- 
monia com OS rendimentos e encargos peculiares de cada con- 
tribuinte. 

A determinacao aproximada d'esses encargos, nao so pelo 
que diz respeito a casa de habitacao, como ds condicoes da 
vida, constituiria base para uma tributa^ao mats racional do 
que a que actualmente e representada pela contribui^ao sum- 
ptuaria. 

Tomando por base estatisticas recentes, nao serd difBcil 
calcular a importancia que poderia render a nova contri- 
buicao. 



io6 



O IMPOSTO 



As coliectas das contribui(;des de renda de casas e sum- 
ptuaria, em iBgi, classificam-se pela forma seguinte: 

Inferiores a 5oo reis ' 3:ao6 

De 5oo a i^ooo reis 52:910 

De i^oooa i^Soo r^is ^5:944 

De I v^3oo a 2^0^000 reis 24*^7 

De 2^000 a 3;fl^ooo r^is 37:870 

De 3^1^000 a 5;fl^ooo r^is 3i:238 

De 5^000 a 1 0^000 reis 22:121 

De lo^^ooo a 1 5 ^000 reis 7:363 

De i5;q^ooo a 20^(^000 reis 3:639 

De 2o;fl^ooo a 5o;fl^ooo rdis 4:398 

De 5o;q^ooo a ioo;s^ooo r^is 820 

De looifi^ooo a aoo^tooo reis 352 

De mais de 200^000 reis 177 

224:705 

Por outro lado, uma das propostas de lei que o ministro 
da fazenda do ultimo gabinete apresentou, em marco de 1896, 
ao parlamento portuguez, estabelecia para a contribuicao de 
renda de casas o regimen de contingente e de reparticao e fi- 
xava a importancia d'essa contribuicao em 6o5 contos, para o 
anno civil de 1896, isto e, mais 23 contos do que produziram, 
em 1891-1892, as contribuicoes de renda de casas e sumptua- 
ria, reunidas. 

Segundo mappas da classificacao numerica das rendas ou 
valores locativos sobre que recahiu a contribuicao de renda, 
essas rendas classificam-se assim: 





Renda 




Qaaotidade 


Importancia 


De 


5;g^ooo a 


1 0^^000 r6is 


74:603 


485 ( 


contos 


De 


io;i^ooo a 


1 5^8^000 reis 


37:978 


441 


» 


De 


iS^l^ooo a 


20^9^000 reis 


20: 362 


341 


» 


De 


2o;fl^ooo a 


5o!tl>ooo r^is 


48:991 


i:554 


» 


De 


5o^tNxx) a 


lOo^Qkxx) r^is 


21:026 


i:3i4 


» 


De 


100^9^000 a 


200^000 r^is 


9:980 


1:212 


» 


De 


20o;{Mx> a 


3oo;fle>ooo r^is 


2:838 


633 


» 


De 


3oo5fl^ooo a 


500^9^000 reis 


1:489 


499 


» 


De 


5oo;t^ooo a 


7oo;i|^ooo r^is 


383 


210 


9 


De 


700^11^000 a ] 


i :ooo^ooo reis 


176 


141 


» 


De 


1 :ooo;^ooo e 1 


[nais 


^ 117 


125 


» 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL IO7 

Tomemos por base a renda de ioo.>ooo reis. Se comecar- 
nios por admittir a mais desfavoravel das hypotheses, isto e, 
que essa renda e cobrada em terras de 3.* e 4.* ordem, quan- 
do e certo que a maior quantidade d'ellasse cobram em terras 
de I.* e 2.* ordem (a relacao e de i3:ooo para 5:ooo); se, 
alem d'isso, adoptarmos por base que em cada uma d'essas 
cases ha apenas um criado, sem nenhum outro objecto passi- 
vcl de imposto; se, finalmente, adoptarmos a taxa da contri- 
buicao sumptuaria de i':9^40o reis, ja fixada para terras de 3.^ 
ordem, vSmos que o imposto de criados renderia, para o case 
que considcramos, i4contos, isto e, pouco mais de i por cen- 
to da importancia do valor locativo correspondente. Se formos 
successivamente elevando o numero de criados, admittindo hy- 
potheses identicas, chegaremos is seguintes conclusoes: 

Renda Imposto de criados Prv»'J?atil''o' 

De 20o;s^ooo a 3oo;^ooo 9,9 contos i,5 % 

De 3oo^ooo a 5oo^ooo 16 » 3,2 % 

De 5oo^ooo a 700^9^000 11,9 » 5?6 % 

De 700^000 a I :ooo;i^ooo 5,8 » 3,9 % 

De I rooo^ooo e mais 4 » 3,2 % 

Sem vexames e sem complexidade de regimen tributario, 
obter-se-hiam, por esta forma, perto de 62 contos de impos- 
to, quasi tanto como rendeu, em 1 891- 1892, a contribuicao 
sumptuaria; mas qualquer baixa resultante do desappareci- 
mento d'essa contribuicao seria largamente compensada pelo 
aperfeicoamento da contribuicao de renda de casas. Os exem- 
plos dos ultimos annos sao bastante eloquentes, para ficarmos 
dispensados de os pormos em evidencia. 

Seria esta, em nossa humilde opiniao, uma das mais be- 
ncficas reformas tributarias a realisar no nosso paiz; bastaria, 
pois, adoptar toda a sorte de providcncias para conhecer o 
valor Iccativo das casas de habitacao, pelo exame directo, 
como ha poucos annos se fez, e em seguida addiccionar & 
renda de casas, annualmente iixada sobre a base d'essas in- 
vestigacoes, taxas convenientes, prefixadas, que se deveriam 
suppor correspondentes &s commodidades de que os morado- 
res gozam. Nas tres primeiras verbas da tabella acima, en- 
contrar-se-hao elementos para esse addiccional, convindo gra- 
duar devidamente as taxas nas duas ultimas verbas. 



CAPITULO VIII 



IMPOSTOS SOBRE O CONSUMMO 



^oMos chegados d parte mais complexa e mais delicada 
do nosso estudo: — o imposto sobre o consummo. 

Este imposto representa, sem duvida, a parte mais difBcil 
da organisacao tributaria em um paiz, nao so pela influencia 
que exerce sobre a passibilidade dos outros impostos, mas 
tambem pelo modo como se reflectem os seus effeitos na eco- 
nomia nacional. 

Effectivamente, por mais racional, por mais equitativa que 
seja a incidencia dos impostos directos, de que valerd essa boa 
organisacao, se o imposto de consummo, propriamente dito^ 
houver aggravado a vida do contribuinte n'aquillo que tem de 
mais indispensavel — as suas subsistencias? Por outro lado, de 
que valera pensar em universalidade, em equiparacao do im- 
posto, se o fisco apparecer por toda a parte, armado do impos- 
to de consummo, a assaltar furtivamente o contribuinte? Nao 
havera regimen, por mais sensaio que seja, capaz de resistir 
as perturbacoes, que similhante organisacao, ou, antes, desor- 
ganisacao, acarreta. 

Basta serem os impostos de consummo menos proporcio- 
naes, do que as taxas directas, ao rendimento dos contribuin- 
tes, para a sua adopcao reclamar os mais serios cuidados. 
Adoptam-os, porem, todos os Estados modernos, por motivo 
da necessidade de cobrir os seus consideravcis encargos. 



I lO O IMPOSTO 

E' claro que adoptamos a denominacao de imposto de con- 
summo na lata accep^ao em que e admittida pelos modernos 
economistas e nao no sentido restricto, em que tantas vezes e 
toraada. (*) 

Entram n'essa denominacao os direitos das alfandegas, 
essa grande fonte de receita, creada com o dupio objectivo de 
fornecer recursos ao thesouro e de garantir as manufacturas 
nacionaes.o mercado interno. 

Osimpostos de consummo sao,pois, de uma applicacao de- 
licadissima e reclamam uma justissima apreciacao das suas 
consequencias. cNao ha absolvicao possivel para os governos, 
que na fixacao, na incidencia e no modo de ser d'este genero 
de impostos, consultem apenas as suas proprias convenien- 
cias e necessidades, sem terem em consideragao os direitos e 
as necessidades da industria.» (*) 

A facilidade com que se faz a cobranca dos impostos de 
consummo tem sido, incontestavelmente, uma das causas de- 
terminantes do seu desenvolvimento, em quasi todos os paizes. 
Outro facto averiguado e a estreita connexao entre as taxas 
de consummo percebidas no interior do territorio de um paiz 
e as que sao cobradas na fronteira. 

Como acontece com todos os impostos de quotidade, os 
impostos sobre o consummo apresentam rendimento muito va- 
riavel. Essas variacoes teem, porem, as suas leis, que podem 
resumir-se em tres ou quatro principaes: 

I.* — O consummo varia segundo o augmento ou diminui- 
cao da populacao; 

2.* — Varia segundo a afBuencia ou aflFastamento dos es- 
trangeiros, que veem visitar o paiz; 

3.* — Varia segundo os gastos de bem-estar, que modificam 
OS habitos da populacao; 

4.* — Varia segundo a confianca, maior ou menor, que ani- 
ma OS contribuintes e que os incita a dispender os recursos 
proprios ou a diminuir, por meio de economia, as proprias 
despezas. 



(l) Vide p. L. BEAUUBU E ESQUIROU DE PARIEU, Op. Cit 

(2) HAUTERIVE— iVo/ioir« EicmenUiires d'Economie Poiitique, 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAI. II I 

Medite-se n'estas leis e concluir-se-ha facilmente quantos 
erros de administra^ao se praticatn em Portugal todas as vezes 
que se contraria o consummo com peias, que nem a theoria 
nem a pritica justificam. Haja em vista a pouca attencao que 
nos merece o attrahirmos o estrangeiro ao nosso paiz, tao espe- 
cialmente dotado pela natureza, tao garbosamente situado na 
mais invejavel posi^ao da Europa. 

' Depois, vejam-se sob esta fei^ao especial as consequencias 
da desordenada emigracao, que tao profundamente tern de- 
pauperado a populacao portugueza. 

Pondere-se, por ultimo, a influencia dos erros da admi- 
nistracao do Estado na fortuna particular e nao serd difficil 
descobrir a causa por que se retrahiram em suas despezas 
aquelles que nao olham para as cousas domesticas com ani- 
tno leve e com despreoccupa^ao do futuro. 

Para o nosso estudo, dividiremos em dous grupos os im- 
postos de consummo: 

I.® — Taxas de consummo no interior dos Estados; 

2." — Taxas de consummo nas fronteiras. 



I — TAXAS DK CONSUMMO NO INTERIOR 



Esta classe de impostos tem a denominacao generica de 
si\a$y a que corresponde em Inglaterra o nome de excise e na 
Allemanha o de Au/schlag, 

Tributam-se os generos de consummo, umas vezes no mo- 
mento da produccao, outras vezes na circulacao, outras vezes 
a entrada nas povoa^oes, outras vezes na occasiao da venda a 
retalho. 

E questao muito importante, na percep^ao d'estes impos- 
tos, determinar com precisao e bom senso o seu modo de in- 
cidencia; deve attenderse ao producto fiscal, & facilidade da 
percepcao e tambem aos principios de liberdade commercial, 
de justica e de civilisagao. 

Passa^como principio assente: cPara que o encargo sobre 
OS consummidores seja mais equitativo e melhor proporcionado, 

8 



112 O IMPOSTO 

deve preferir-se sempre o modo de percepcao que attinja a 
materia tributavel o mais perto possivel do consummo.i (*) 

Na verdade^ quando o objecto tributavel chega As maos do 
consummidor, tern soffridojatodosos desfalques de que e sus- 
ceptive!, o que nao aconteceria se a tributacao nao se houvesse 
effectuado muito anteriormente. 

O regimen de fiscalisacao a que teem de ser sujeitas fa- 
bricas de objectos passiveis de taxas de consummo interno 
motiva medidas que restringem ou modificam a liberdade 
absoluta do commercio e da industria. 

E' claro que ha tantas classes de impostos de consummo 
quanto os objectos sobre que incidem; mas podem grupar-se 
em tres cathegorias: 

I.* — Os comesiiveis; 
2.* — As bebidas; 

3.* — Generos diversos, como combustiveis,matenaes de construction 
etc. 

A tributacao geral sobre esses generos em Portugal esta 
abrangida no chamado imposto do real de agita^ que data do 
tempo de Filippe iii. Foi, eflFectivamente, o alvard de 3 1 de 
outubro de i636 que mandou cobrar em cada arratel de car- 
ne que se vendesse e em cada Canada de vinho urn veal em 
cobre. Por decreto de 27 de dezembro de 1870 foi ampliado 
o real de agua e o decreto de 29 de dezembro de 1879 ainda 
mais ampliou a respectiva tarifa, incluindo n'ella o arroz des- 
cascado, o vinagre, o azeite de oliveira, elevando o imposto 
sobre as bebidas alcoolicas. A lei de 17 de maio de 1882 ac- 
crescentou a banha, unto e medullas e sujeitou ao pagamento 
d'estQ imposto nas alfandegas os generos referidos, quando 
importados para consummo. 

O real de agua nao onera o consummo em Lisboa, por- 
que este esta sujeito a uma pauta especial e essa pauta espe- 
cial nao deve ter pouca inveja d pauta geral. Calculou um dis- 



(I) E9QU1R0U DE PAMEV—Traite det Impdls, t* ii, pag. i8i. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL I 1 3 

tincto funccionario em 7^000 reis a quota tributaria, por ca- 
beca de cidadao da capital, so no consummo^da qual quota ape- 
nas uma parte e applicada d administra^ao municipal; o resto e 
absorvido pelas despezas geraes do Estado. Se essa quota se 
generalisasse a todos os habitantes do reino e ilhas, ter-se-hia 
ixiais de 32:ooo contos, somma quasi igual & receita total do 
paiz. (*) Esse imposto e cobrado pela Alfandegade Cousummo^ 
transformacao da Alfandega impropriamente Municipal^ em 
que, em i852, foram fundidas as duas alfandegas das Sete Ca- 
sas e do Terreiro Publico. 

A liquidacao do real de agua foi a seguinte, no continen- 
te e ilhas, em annos recentes: 

Annos Districtos Alfandegas Total 

1 884- 1 885... 754 contos 32i contos 1:075 contos 

i885-i886... 795 » 322 » 1:117 » 

1886-1887... 811 » 332 » i.*i44 » 

1888-1889... 867 » 292 » i:i59 » 

Eis, com respeito a alguns annos, o rendimento correspon- 
dente a cada genero tributado, em contos de reis: 

Generos i884-i8S5 i885-i886 i886-i8$7 188S-1889 

Carne 175 234 249 272 

Arroz 34 140 i38 41 

Vinho 412 548 56o 626 

Vinagre 8 10 11 14 

Bebidas alcoolicas. . . 64 93 86 io3 

Bebidasfermentadas. 2455 

Azeite 56 84 92 97 

Para se cobrar tao pequena receita deixa-se subsistir uma 
serie de anomalias extravagantes, em que, no dizer de um il- 
lustre funccionario, o consummidor e duplamente victima: 
•Victima porque paga, com ou sem consciencia do motivo 
por que paga e victima porque nao fica quite do imposto, j4 
que por esta forma nao entrou no thesouro.» (*) 



(1) MIGUEL DE BULHOEs^y4 Fa^ctida Publiea de Portugal, pag. 65. 

(2) PEDRO AUGUSTO DE CARVALHO— .l«n«tfr/o Estalistt'co das Contribuicoes Directas, 1877- 

1878, pag. XXZTIIL 



114 O IMPOSTO 

Como se sabe, este imposto reune as condicoes para ser 
apreciado e comparado, d face das quotas tributarias. Segun- 
do a mais recente estatistica publicada, a quota media por ha- 
bitante, no continente e ilhas, e de 263 reis, e, todavia, as 
quotas districtaes s6bem d'essa media nos seguintes districtos: 

Braga 292 r^is 

Evora 268 » 

Lisboa 42 1 » 

O chefe da reparticao a que incumbe a superintendencia 
d'este servico fazia identicas consideracoes em um relatorio, 
datado de 1886. Dizia assim: «A estatistica de 1884-1885 e a 
mais eloquente demonstracao de quanto estd longe de ser uni- 
forme a quota tributaria do real de agua e, ao mesmo tempo, 
um documento vivo do estado pouco lisongeiro da adminis- 
tracao d'este imposto.* (*) 

N'esse mesmo relatorio era apresentado, nos seguintes ter- 
mos, um piano de reforma d'este tributo: tParece-me poder 
affiancar que, se houvesse fiscalisacao, o imposto produziria 
tres vezes mais do que produz, e nao succederia, como se v£, 
nao ter havido liquidacao em alguns concelhos; entendo, po- 
rem, que nao vale a pena estabelecer essa fiscalisacao, sem a 
preceder de uma reforma, que determine a uniformidade da 
taxa, e a ella sujeite os mesmos generos em todos os distri- 
ctos, regulamentando o servico sobre bases certas e definidas. 
E' uma reforma de reconhecida urgencia, que, por isso mes- 
mo, espero se nao deverd fazer demorar.» 

No anno immediato a situa^ao era ainda tal, que merecia ao 
mesmo funccionario as seguintes affirmac6es: cNao e de mais 
tudo quanto se disser em demonstracao do mau estado da 
administracao d'este imposto e dao d'isso testemunho cabal e 
completo tao sensivcis divergencias.» 

Pela nossa parte, entendemos que o real de agua e o im- 
posto de consummo em Lisboa nao teem hoje razao alguma 



(I) M. TAVAREi DB MBDEiROS — £f /d/i«/f ca dos IntfOitos, 1 886, pag. lO. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL I I 5 

de existencia; portanto, a verdadeira solucao consistiria em 
cortar pela raiz os males apontados, supprimindo esses im- 
postos. 

Desapparcceriam, por essa forma, desigualdades lamenta- 
veis e nao deveria haver receio de comprometter seriamente 
as receitas publicas, desde que a tributagao dos generos hoje 
sujeitos ao real dc agua ou ao imposto de consummo fosse 
feita nos locaes da venda, como se tributam outros ramos 
de negocio. 

O ministro da fazenda dizia, em 1896, que nao propunha 
a suppressao do real de agua, porque as circumstancias do the- 
souro nao permittem abdicar de uma receita regularmente 
superior a 1:000 contos. (*) Como se ve, nos nao propomos 
a annullacao d^essa receita: propomos, sim, uma transformacao, 
que, alem de simplificar o systema fiscal, realisaria uma das 
aspiracoes que o referido ministro confessava: — nao difficultar 
as condigoes geraes da subsistencia publica. 



Ao grupo dos impostos de consummo sobre os comesti- 
veis, pertence o imposto de pescado^ cuja origem se deve ir 
procurar ao decreto de 6 de novembro de i83o, da regencia 
do reino estabelecida na iiha Terceira, e cujas disposicoes foram 
reguladas pelo decreto de 28 de novembro de 1842. Aboliu to- 
dos OS direitos, contribui^oes, dizimas, gabellas ou imposi- 
0es que, debaixo de qualquer nome ou titulo, se cobravam 
ou exigiam de peixe pescado em barcos ou navios portuguezes, 
por companhas ou tripulacoes portuguezas, e obrigou todos 
OS barcos destinados d pesca a matricularem-se e a tirarem 
licenca para exercer a sua industria, mediante o pagamento 
do dircito de 3^ooo reis e 480 reis de emolumentos. 

Por lei de 10 de julho de 1848, foi esse imposto substitui- 
do por outro sobre os lucros dos pescadores, na razao de 6 
por cento, e soffreu successivas modificacoes, com diversos ad- 



(i) Relatorio eproposta* de Ui apretentadat em mar^o de i8g6, pag* 34* 



I 1 6 O IMPOSTO 

diccionaes, por leis de 1844, i860, 1880, 1882. O rendimento 
d'esse imposto, segundo estatisticas que temos presentes, tern 
sido o seguinte: 

1884-1885 i36 contos 

i885-i886 126 » 

1886-1887 146 » 

1887-1888 i56 n 

1888-1889 i5i » 

Como se ve, o imposto do pescado nao tern acompanhado 
o desenvolvimento das receitas publicas no paiz, facto que se 
tornaria ainda mais saliente, se fossemos procurar confrontos 
depois de 1848. 

Tem-se pensado varias vezes em reformar este imposto, mas 
essa reforma ainda nao passou de projecto. Tem-se lembrado 
— e muito judiciosamenie, em nosso parecer — a sua substituicao 
por uma contribuicao industrial por meio de licenca e gradua- 
da segundo indicadores especiaes, taes como: o barco ou ar- 
macao de pesca, os respectivos apparelhos, como remos, re- 
des, o numero de homens de uma companha, etc. Desde que 
essa licenca fosse estabelecida a prasos curtos, nao vemos 
n'eila inconveniente algum, nem para o fisco nem para as clas- 
ses piscatorias, e facilitar-se-hia consideravelmente a organisa- 
cao d'este ramo do nosso systema tributario, dispensando-se 
uma complexa fiscalisacao. 

Tcndo sido, em i885-i886, como jd vimos, o producto do 
imposto do pescado de 126 contos, o valor do peixe a que 
corresponde esse imposto e de 2:62 1 contos; portanto, o im- 
posto representa 5 por cento, aproximadamente, d'esse valor, 
percentagem que nao seria difficil alcancar, antes poderia ser 
augmentada, sem vexame para as classes piscatorias, com o 
systema de licenca. 

Estd calculado por funccionarios competentes (*) que o va- 
lor da industria de pesca nao pode representar somma infe- 



(I) TAyAfiEs DB uxouBM—Ettatittica dot Impottos, 1 885- 1886, pag. xnr. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL I 1 7 

rior a 4:000 contos, em todo o paiz; assim, se o imposto es- 
tivesse bem organisado e bem administrado, deveria ]& ren- 
der 200 contos, sem uma fiscalisacao que em alguns portos 
custa cem vezes mais do que rende! (*) Entendemos que deve 
ser essa a cifra minima, se bem perfilhemos inteiramente as 
seguintes affirmacoes do mesmo funccionario: cA um paiz 
que tem uma industria d'esta ordem, cumpre-lhe nao perder 
occasiao de a auxiliar, desenvolvendo-a e animando a,por meio 
de medidas que, sem prejudicar os interesses do thesouro, 
visto que este nao p6de prescindir de uma receita jd de si va- 
liosa, se traduzam em beneficio de uma classe, que bem me- 
rece a consideracao dos poderes publicos.t 



O imposto sobre o sal e materia muito controvertida pe- 
los mais illustres financeiros, apesar da sua antiguidade. 

Tem merecido esse imposto geral desfavor nos ultimos 
tempos; mas vai conseguindo veneer, em muitas nacoes, a re- 
provacao com que o ferem os economistas. «0 imposto indi- 
recto e, pela sua propria natureza, muito desproporcional, 
apesar de ser proporcionalmente cobrado, porque sobrecar- 
rega mais os pobres do que os ricos, relativamente as suas 
faculdades; o imposto do sal e um exemplo saliente d'esta as- 
sercao.i (*) 

Portugal deu um singular exemplo de respeito por essas 
doutrinas, abolindo, em 1886, o imposto de consummo sobre 
o sal de produccao nacional. 

Comquanto vicsse de longe a tributacao do sal em Portu- 
gal, pois encontra-se no segundo quartel do seculo xvii (alva- 
rd de 4 de agosto de i63i), tinha sido declarado livre o com- 
mercio d'este genero, por decreto de 5 de agosto de i852; 
mas, em 1882, apesar de violenta opposicao, foi approvada 
pelas cortes a proposta, que se converteu na carta de lei de i 
de junho d'aquelle anno, taxando com 8 reis por litro o sal 
que se consummisse no continente e ilhas. Computou-se em 



(I) TAVARBs DC uKDEWoi—EstatiMtica dos Impostotj i885-i886, pag. xv. 
(3) JOSEPH GAMWER^Elenientt de Financet, cap. v, pag. 77. 



I 1 8 O IMPOSTO 

270 contos o rendimento do imposto do sal para o anno eco- 
nomico de 1 883 -1884; mas os factos provaram o exaggero 
d'esse calculo, de forma que a lei de 6 de junho de 1884 tri- 
butou em 10 reis por litro o sal importado e em 2 reis tarn- 
bem por litro o sal de produc^ao nacional, consummido no 
paiz. Ainda assim, a receita nao passou de iSy contos, ape- 
sar de representar similhante imposto mais do que um valor 
duplo do do producto sobre que recahe, affectando, alem d'isso^ 
consideravelmente, a exportacao do peixe salgado. 

Foi por isso que o decreto de 24 de julho de 1886 abo- 
liu, como acima dizemos, o imposto de consummo sobre o 
sal, que deixou de si uma eloquente licao em materia tributa- 
ria: — Quando o imposto era de 8 reis rendeu, de agosto de 
i883 a junho de 1884, 35 contos; quando o imposto passou a 
ser de 2 reis, produziu, em identico periodo, de agosto de 
1884 a junho de i885, 167 contos, isto e, mais 121 contos. 
Estd provado que a taxa, quando excessiva, torna-se incom- 
pativel com a materia collectavel, produz o vexame, que, in- 
citando & fraude e i diminuicao do consummo, dd em resul- 
tado a diminuicao da receita. 

Com a aboli^ao do imposto, poz-se cobro a muitas incon- 
gruencias fiscaes. E para lamentar que essa abolicao nao se 
fizesse sentir em beneficio do consummidor. 



O imposto do assucar anda intimamente ligado, na legisla- 
^ao fiscal, com o do chd e o do cafe; mas affasta-se profunda- 
mente d'estes ultimos pelas condi^oes de produc^ao indigena^ 
que fizeram estabelecer em diversos paizes a acdse dos assu- 
cares, de que tratamos aqui especialmente, ao passo que os 
outros dous artigos ficaram restringidos d taxa aduaneira, que 
s6 tributa os assucares d entrada. (^) 

Por isso, nao temos de tratar aqui do regimen fiscal dos as- 
sucares, propriamente dito, isto e, da quotidade do imposto 



(1) BSQuiRou DE PARiiu— TmiVe det Impdts, L Dt pag. 307. 



£ A RIQUEZA PUBUCA EM PORTUGAL I 1 9 

em rela^ao com o consummo, dos typos de differentes rique- 
zas saccharinas, etc. 

Na Belgica junta-se aos direitos pautaes a accisCj variavel 
de 91 a 96 reis por kilogramma. Na HoUanda, a accise^ entre 
121 e 102 reis, incide, por igual, sobre a fabricacao e sobre 
a importacao. Na Hespanha junta-se ao direito pautal o im- 
posto de consummo, de 5o pesetas por loo kilogrammas ou 90 
reis por kilogramma. 

Em Portugal, a accise consiste no imposto de i5 reis por 
cada kilogramma de assucar que as fabricas clarificarem e 
refinarem, sem distinc^ao de qualidade, deixando A industria 
a escolha dos que mais Ihe convenha trabalhar. Nao se fez 
assim nem na Belgica nem na Hollanda, onde na applicacao 
do imposto de fabricacao se attende ao quantum de saccharo- 
se contida nos assucares; mas, desde que nao temos produ- 
c^ao de assucares no continente, havendo regimen especial 
para a Madeira, onde se cultiva a canna saccharina, nao re- 
sulta do systema portuguez grande gravame. 

EfPectivamente, segundo dados officiaes, a riqueza em sac- 
charose dos assucares que principalmente importamos e a se- 
guinte: 

Procedeoctas Saccharose 

Cabo Verde 74 a 76 % 

Nova Goa 84 a 87 % 

Brazil 80 a 98 % 

Inglaterra 82 a 95 % 

Guadelupe 86 a 87 % 

Allemanha 86 a 92 <> 

Franca 86 a 94 % 



Hollanda 88 a 98 »/ 

Suissa 90 a 92 







Egypto 93 a 97 o'o 

A media e, pois, de 88 a 90 por cento, entre o minimo 
de 74 e o maximo de 98 (typo 20 da escala hollandeza e Ba- 
hia). Segue-se que o actual direito de i25 reis corresponde a 
1,3 reis por grau Vivien no maximo, a 1,7 reis no minimo, 
scndo de 1 ,4 a media, que pode ser tida como mais frequente. 

Mas, sendo elevada, conio ]& e, a tributacao do assucar 



.I20 O IMPOSTO 

em Portugal, nunca se dcveria pensar em aggravar essa tri- 
butacao^o que s6 redunda em prejuizo do consummidor, sem 
ter a abonar similhante aggravamento uma proteccao indus- 
trial digna de consideracao. 

E' calculado em 3oo a 400 contos o rendimento medio d'es- 
se imposto. 

Parece-nos que, a querer-se manter similhante imposto, po- 
derd e deverd transformar-se n'um imposto de licenca sobre 
as fabricas de refinacao de assucar^ ]i mencionadas na tabel- 
la A da contribuicao industrial. 



O tabaco tem sido considerado sempre um artigo passi- 
vel de forte contribuicao. (*) 

Nao vem para aqui discutir o actual regimen da fabricacao 
dos tabacos em Portugal, sujeita ao monopolio, porque esta- 
mos tratando exclusivamente dos impostos de consummo. 

Em harmonia com o regulamento de 22 de dezembro de 
1864, aslicenqas passadas para casas e depositos, com os res- 
pectivos addiccionaes e sellos, produziram: 

i885-i886 82 contos 

1886-1887 89 • 

1887-1888 91 » 

1888-1889 100 J. 

A cobranca d'este imposto e tao imperfeita, as suas ano- 
malias, ate na propria capital, sao tao reconhecidas, que se 
impoe, ha muito tempo, uma reforma da nossa legislacao tri- 
butaria, n'esta materia. A propria denominacao do imposto 
esta demonstrando que elle nao tem razao de existencia auto- 
noma: como imposto de licenca, deve ser encorporado na con- 
tribuicao industrial. 



O sabao tem sido considerado pela legislacao fiscal de di- 



(I) ESQumou DE PARiKv—Traite det Impdts, t. ni, sc. in, art. l 



E A RIQUEZA ' PUBLICA EM PORTUGAL I 2 I 

versos paizes como materia passivel de imposto de consum* 
mo. Esse imposto tem especialmente tradicdes em Inglaterra 
e na Hollanda. 

So por uma argucia fiscal o podemos admittir em Portu- 
gal, como imposto especial. Porque nao se abrange na con- 
tribuicao industrial das respectivas fabricas ? Bem sabemos 
que a taxa e moderada, lo reis por kilogramma; nao acha- 
mos, porem, vantagem em complicar a nossa organisacao tri* 
butaria, em nome do desenvolvimento da industria tributada« 
Onde pode levar-nos similhahte doutrina economica ! 

Tomando por base o consummo medio do sabao por ha- 
bitante em Franca, 4^,26, e na Hollanda, 4^,04, e reduzindo 
a metade, em relacao a Portugal, esse consummo, calculase 
em 100 contos o rendimento annual d'este imposto no nosso 
paiz. 

O imposto sobre o alcool e, sem duvida, um d'aquelles que 
reclamam aitencao mais s^ria em Portugal. 

As condicoes especiaes cm que se encontra o nosso paiz, 
como paiz vinicola, fazem com que o problema da tributacao 
do alcool tenha de obedecer a indicadores muito especiaes, 
tarn bem. 

Os pontos essenciaes d'esse problema consistem em sa« 
ber: 1.**, ate que ponto se pode produzir em Portugal aguar- 
dente de vinho, que pelo preco e qualidade possa servir para 
beneficiar os vinhos destinados a exportacao; 2.^, em que con- 
dicoes se deve faciiitar a importacao de aguardente estrangei- 
ra; 3.®, em que condicoes se pode produzir o chamado alcool 
industrial por f6rma a poder servir para beneficiacao dos nos- 
sos vinhos communs; 4.®, em que condicoes se deve regular 
a importacao de bom alcool industrial estrangeiro. 

Antes de entrarnio3'n*essa complexa questao, seja-nos li- 
cito apontar os fundamentos scientiiicos d'esta tributacao. 

Com uma exaggeradapreoccupa^ao de ordem moral, alguns 
economistas consideram o alcool materia essencialmente tri- 
butavel. Um dos mais distinctos escreveu assim: <0 alcool e 
excellente materia tributavel, porque o uso d'elle torna-se fa- 



122 O IMPOSTO 

cilmente excessivo, transfdrma-se promptamente em habito e 
pode tornar-se tao perigoso para o corpo e para o espirito, que 
o legislador deve procurar restringir o consummo d*elle, ele- 
vando Ihe o preco.i (^) Com taes fundamentos, a tributacao 
do alcool tern chegado a propor^des elevadas. 

Parieu judiciosamente observa que <nos paizes onde o vi- 
nho for abundante, a taxa sobre o alcool nao poderd nunca 
atdngir as cifras consideraveis que chega a realisar em Ingla- 
terra.! (*) 

Foi um decreto de i852 que isentou de direitos em Fran- 
ca o alcool empregado na vinificagao, com a condicao de que 
a quantidade empregada nao deveria exceder 5 litros de alcool 
por hcctoliiro de vinho. 

cO imposto sobre o alcool p6de ser muito criticado, sob o 
ponto de vista scientifico; essa substancia, se fosse isenta de 
direitos serviria para uma grande quantidade de usos que ho- 
|e Ihe nao permitte dar o seu alto preco>: — eis a opiniao de 
um homem que acompanha assiduamente os modernos pro- 
blemas economicos. (^) 

Assentes assim as bases scientificas da questao que nos 
propomos tratar,vamos examinar o que se passa em Portugal. 

As exigencias. do consummo de alcool e aguardente po- 
dem ser deduzidas da estatistica do imposto de produccao e 
de licenca e direitos cobrados. Um mappa relativo ao anno 
economico de 1894- 1895, falla assim: 

Alcool sahido das fabricas 69:798 hectolitros 

Importado do estrangeiro 27:31 3 » 

97:111 » 

V£-se d'estes algarismos que, para realisarmos o nosso 
abastecimento de alcool e aguardente, carecemos de importar 
do estrangeiro Sg por cento d'esse abastecimento. Isto basta 
para se comprehender a necessidade de crear um bom regi- 



(1) tuLV—FinaninnuenicMaft, | 338* 

(2) BsQuiRou DE PARiiu— Troi/e dct Impdls, t. m, pag. 67. 

(3) PAUL LERor BCAuUBU-^rrdf'/e de la Science det Financett t, 1, pag. 677. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 123 

men em materia que tao fundamentalmente interessa a eco- 
nomia do paiz. Mas nao e isso o que tern preoccupado os 
nossos governos, que, em tao grave materia, nao teem com- 
prehendido senao a necessidade de manter ou de augmentar 
o producto da tributacao do alcool, a qual, no citado anno de 
i8g4-i8g5, se elevou a 1:019 contos, a saber: 

Imposto de produc^ao 488 contos 

Imposto de licen^a 4 » 

Direitos aduaneiros 527 » 



1:019 



» 



Basta compulsar a nossa legislacao sobre regimen de al- 
cool, desde 1888, para se reconheccr quanta instabilidade tern 
havido em um regimen que devia primar por uma judiciosa 
estabilidade. Facamos breve resenha d*essa legislacao. 

A carta de lei de i3 de julho de 1888, modiiicando os di- 
reitos estabelecidos na pauta geral das alfandegas, fixou-os 
d'esta f6rma: aguardente e alcool simples, em cascos ou garra- 
foes, decalitro de alcool puro, i;z^5oo reis; aguardente e alcool 
simples, que vierem em garrafas, botijas ou vasos similhantes, 
e bebidas alcoolicas nao especiiicadas, decalitro de liquido, 
iC^^goo reis. A aguardente e alcool produzidos no continente 
do reino e ilhas adjacentes, iicavam sujeitos ao imposto de 
produccao de 200 reis por decalitro de alcool puro. Por de- 
creto de 26 de julho era auctorisada a despeza de i6:5oo^G0ooo 
reis com a fiscalisacao do imposto sobre os alcooes, e por de- 
creto de 20 de setembro era approvado o regulamento do im- 
posto de produccao. 

Nao tardou que o regimen de 1888 fosse aggravado. A 
carta de lei de i3 de julho de 1889, apparentando bom 
proposito de favorecer a vinicultura nacional, ao mesmo tem- 
po que estabelecia o direito estatistico de 2 reis por decalitro 
de vinho tinto exportado e de 1 real por decalitro de vinho 
branco, elevava assim os direitos sobre o alcool importado: 
em cascos ou garrafoes, decalitro de alcool puro, 1^800 reis; 
em garrafas, botijas ou cascos similhantes, decalitro de liqui- 
do, 2^200 reis, isto e, accrescentava 3oo reis ao direito do al- 
cool destinado d beneiiciacao de vinhos. 



124 ^ IMPOSTO 

Com a carta de lei de 3o de junho de iSgi^apparece uma 
expcricncia de fatacs resultados: foi a do monopolio do fabri- 
co e rcctificacao dos silcooes industriaes. Sobre as ruinas d' es- 
se regimen, appareceu o do gvemioy creado por carta de lei 
de 12 de abril de 1892: para a cobranca e arrecadacao do 
imposto de produc^ao, fixado em 5o reis por litro de liquido 
fabric ado, a totalidade ou, pelo menos, dous tercos das fa- 
bricas deveriam constituir-se em gremio. O governo garantia 
ao gremio os seguintes direitos para importacao: alcool em 
cascos e garrafoes, por decalitro de alcool puro, i^3o reis; 
em garrafas, botijas e vasos similhantes, por decalitro de li- 
quido, 2^36o reis; bebidas alcoolicas nao especificadas, por 
decalitro de liquido, 2^5oo reis. As fabricas que ficassem fora 
do gremio e as que se estabelecessem de novo, ficariam su- 
jeitas ao pagamento, pelo alcool que produziss^m, do impos- 
to de 100 reis por litro de liquido fabricado. 

Por esse diploma ficou abolido o imposto de 2 por cento 
ad valorem sobre a aguardentc c o alcool destinado ao adubo 
de vinhos, creado pela lei de 17 de maio de 1878, sendo este 
imposto substituido por um direito de exportacao de 5 deci- 
mos de real por litro de vinho exportado pela alfandega do 
Porto e sendo extinctas as barreiras de Villa Nova de Gaya. 
Tem a data de 12 de maio do referido anno o regulamenta 
do imposto da citada lei, e por decreto de 19 de Janeiro de 
1893 foram ainda promulgadas disposicoes especiaes para a 
liquidacao e cobranca da compcnsacao das despezas de fisca- 
lisacao. 

Aos golpcs do decreto de 2 de marco de i8g3,cahiu o re- 
gimen do gremio, que se constituira por contrato de 3o de 
maio de 1892, como fora dcclarado em portaria de 8 de julho 
do mesmo anno. Dava-se como motivo para essa violenta de- 
terminacao, o facto de nao ter abrangido o gremio dous ter- 
cos do numero das fabricas e a deficiencia do rendimento pro- 
veniente d'esse regimen. 

A carta de lei de 21 de julho de 1893, fixou o imposto de 
produccao cm 70 reis por litro de liquido fabricado, nao reca- 
hindo addiccional algum sobre este imposto, cuja cobranca se 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 1 2D 

liquidard a sahida das fabricas. E conservada a taxa pautal 
de iut>g3o reis por decalitre de alcool puro para a importacao 
de alcool estrangeiro; mas o governo ficou auctorisado a des- 
cer OS direitos sobre a importacao do alcool estrangeiro, quan- 
do o alcool nacional exceder o preco de 240 reis por litro; e a 
elevar esses direitos, sempre que os premios de exportacao, 
concedidos pelas nacoes exportadoras ou qualquer outra cir- 
cumstancia, permittam a importacao por preco igual ou infe- 
rior a 240 reis por litro; a primeira d'estas auctorisacoes foi 
posta em vigor por decreto de 12 de julho de 1894, em con- 
sequencia de ser vendido na iiha de S. Miguel o alcool a 32o 
reis cada litro. Por decreto de 14 de setembro, foram pro- 
mulgados alguns preceitos para a execucao da citada lei, com- 
pletados pelo regulamento de 3o de junho de 1894. 

Resumindo, vemos que a tributacao do alcool tem sido a 
seguinte, nos ultimos annos: 

1888 1889 1S93 1893 

Importacao em cascos .... i ^5oo i ^800 1 itpg3o i iG^gSo 

Importacao em garrafas. . . 1^900 2.1^200 2^36o — 

Imposto de prodaccao ;j^200 ^200 ^o5o (*) ^070 (^) 

Ora, esta incerteza no regimen do alcool causa perturba- 
coes muito serias no grande ramo do nosso commercio de ex- 
portacao de vinhos; portanto, e forcoso entrar em uma solu- 
cao fixa e bem pensada. 

Por outro lado, as condicoes de existencia da fabricacao do 
alcool no nosso paiz sao verdadeiramente estranhas, por isso 
que escasseia a materia prima para a larga fabricacao de que 
se carecc; na nossa legislacao fiscal sobre o alcool encontram- 
se disposicoes (artigo i.^, § 36.", alinea j); tendentes a asse- 
gurar o consummo d'essa materia prima, como a batata doce 
nas ilhas dos Acores, o melaco e a canna de assucar na ilha 
da Madeira, o figo e alfarroba no Algarve; mas a verdade e 



1 1) Este imposto e calculado sobre cada litro de liquido fabricado e nao sobre cada de- 
calitro de alcool puro, como na legislacao de 1888 e 1S89; mas para as fiEtbricasque ficassem fura 
do gremio o imposto de prodUc^ao seria de 100 reis por litro de liquido fabricado. 

\fl) Jambem calculado sobre cada litro de liquido fabricado. 



126 O IMPOSTO 

que essas substancias escasseiam para o uso industrial de que 
nos occupamos. 

Assim, melhor fdra seguir o alvitre de distinctos funccio- 
narios aduaneiros, que, nao reconhecendo na industria da fa- 
bricacao do alcool industrial no nosso paiz sufficientes condi- 
coes de existencia, opinam pela expropriacao pelo menos das 
fabricas existentes no continente e pela creacao de um regi- 
men que permitta aos vinicultores obter alcool barato e da me- 
lhor qualidade. Por grande que fosse a queda nas receitks pu- 
blicas, bastariam a compensar essa queda os beneficios que 
para o engrandecimento economico-financeiro do paiz traria o 
desenvolvimento da exportacao de nossos vinhos. 

Se o regimen actual continuar, essa exportacao nao ird 
tao longe quanto seria para desejar e quanto a vinicultura na- 
cional estd reclamando, em vista do consideravel desenvolvi- 
mento das plantacoes de vinhas, em todas as regioes do paiz. 

Enganam-se os que suppoem que essa exportacao tem au- 
gmentado consideravelmente. As ultimas estatisticas aduanei- 
ras mostram que as exportacoes nao acompanham o grande 
desenvolvimento das plantacoes. Fallam assim: 

VINHO EXPORTADO 
Quantidade Valores 

1875 507: 556 hectolitros 1 1 : 1 84 contos 

1877 571:116 » ii:35o » 

1879 419:509 » 7:111 » 

1881 701 :545 » 9:807 » 

i883 871:169 » ii:!33 » 

i885 1.500:771 » i3:456 » 

1887 1.467:344 » 1 1 :359 » 

1889 1.474:288 » 12:323 » 

1891 825:774 » 11:122 n 

1893 769:558 » 1 1 :246 » 

1895 682:441 » 11:292 » 

E, se examinarmos, especialmente, a exportacao paca o 
Brazil e para a Inglaterra, paizes com que mantemos mais in- 
timas relagoes commerciaes, as conclusoes serao mais desani- 
madoras ainda e patentearao claramente o resultado da con- 
correncia que affronta os vinhos portuguezes n'aquelles dous 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 1 27 

importantes mercados. As estatisticas fornecem-nos os seguin- 
tes dados, a tal respeito: 

BRAZIL INGLATERRA 
Hectolitros Hectolitros 
1875 199:110 232:298 

1880 * 329:550 i65:ooo 

i885 290:518 174:101 

1890 394:190 215:298 

1895 358;529 173:046 

Apesar de tudo, for^oso e reconhecer que o valor do vi- 
nho exportado representa, de per si so, mais de 45 por cento 
do valor total da exporta^ao de mercadorias nacionaes e na- 
cionalisadas. Assim o demonstram estes algarismos: 

Vilorda exporta^ao total Valor do vinho exportado 

1891 21 :379 contos 1 1 : 122 contos 

189a 24:631 » i3:432 

1893 23:408 » 11:246 

1894 23:923 » 9:749 

1895 26:960 » 11:292 






i2o:3oi • 56:841 



» 



Em taes condicoes, tudo quanto seja desonerar a exporta- 
cao de vinhos impoe-se como condicao primacial para engran- 
decer essa fonte de riqueza publtca. 

O commercio de vinhos do Porto reclama cabolicao com- 
pleta de todos os impostos sobre o alcool, que possam aggra- 
var o preco do vinho a exportan e n'um notavel documento 
em que se formula esta these, l^em-se as seguintes palavras: 
€E' excessivo o direito de i^gSo reis em decalitro de alcool 
puro (artigo 3i5.^ da pauta); reduza-se esse direito a menos 
de I ^000 reis, de modo que se possa obter aguardente a me- 
nos de 1 00^000 a pipa do Porto; feito isto, a receita aduanei- 
ra da aguardente duplicard, dando mais do que todo o calcu- 
lado para o intoleravel monopolio dos alcooes e nao tardard 
a manifestarse a dififeren^a na cifra da exportacao.* 

Nao duvidamos abra^ar esta doutrina, bem mais rasoavel 
e bem mais benefica do que a artificiosa legislaqao, que tem 
como unica justifica^ao o desconhecimento dos verdadeiros in- 

teresses nacionaes e a insofirida avidez do fisco. O ministro 





128 O IMPOSTO 

da fazcnda escrevia, em 1893, que aalcool barato e de boa 
qualidade, eis o que e nccessario dar aos nossos exportado- 
res de vinhos, quer licorosos, qucr communs»; mas das pala- 
vras d rcaiidade dos faccos tem ido sempre grande distancia, 
tanto n'este como em outros ramos da administracao publica 
no nosso paiz. 

Se houvessemos de determinar com precisao o modus fa- 
ciendi na solucao do problema, facil nos seria colher de obras 
especiaes os elementos necessarios para essa solucao (*); mas 
preferimos deixar esbocado em toda a sua amplitude tao im- 
portanie questao, que, se nos interessa sob o ponto de vista 
technico, rcclama n'cste lugar especial attencao sob o ponto 
de vista tributario. 



Depois da tributacao do alcool, e a tributacao dos cereaes 
que dcve rcclamar mais discreta e mais atilada prudencia. 

Ja abeiramos a questao, n'este livro, (*) mas entendemos 
dever tratal-a aqui, com certo desenvolvimento. 

O imposto de consummo sobre os cereaes esta condemnado 
pelos mais distinctos financeiros e e julgado com justa seven- 
dade ate nos paizes onde adquiriu foros de instituicao nacional. 

Em Portugal, a cultura dos cereaes e um dos principaes 
ramos da agricultura nacional; podera mesmochamar-seo prin- 
cipal, se se attender a que, a nao ser nas regioes vinicolas, e 
ella a base dos systemas culturaes na maior parte dasnossas 
provincias. 

Ao periodo de desenvolvimento da nossa produccao cerea- 
lifera, inaugurado em 182 1 pela primeira lei protectora da 
cultura dos cereaes, cujo regimen foi avigorado pela lei de 
1837, periodo que se prolongou ate i855, e durante o qual 
chegou a cessar a importacao e a fazer-se a exportacao, que 
attingiu de i838 a i836 o valor medio annual de 3o5 contos^ 
succedeu o periodo de decadencia, motivada por diversas cir- 
cumstancias. 



(1) MAX MARRCKBR— '/>a<7e dc la Fabrication de I'Akool, traduc^ua franceia. 

(2) Vide supra pag. 67 e seg. 



E A RIQUEZA PUBLIC A EM PORTUGAL I 29 

No periodo de i856 a 1888, facilitou-se a importa<;ao dos 
trigos estrangeiros, dando-lhes entrada mais franca, em lugar 
de compensar, pela elevacao de direitos, a beneficio do ihe- 
souro e da lavoura nacional, nao so a baixa que progressiva- 
mente obtinha no estrangeiro, sobretudo na America, o preco 
do trigo, mas ainda a reduccao do custo de transporte. 

Entretanto, com o regimen de 182 1 a i855, nada tinham 
perdido os consummidores, visto que a produccao augmenta- 
ra ate ao ponto de haver baixado o preqo medio, que de i838 
a i865 foi apenas de 576 reis por alqueire para o trigo, e de 
386 reis para o milho em Lisboa, sendo, portanto, mais baixo 
ainda nas provincias. 

Hoje, o principal elemento para a solucao da questao dos 
cereaes, consiste em animar por todas as formas a produccao 
cerealifera nacional, fazendo convergir para essa cultura ter- 
renos que vertiginosamente estao sendo plantados de vinha. 

Foi esse o pensamento do decreto de So de setembro de 
1892, que auctorisava o governo a facilitar aos lavradores a 
acquisicao de sementes c adubos commerciaes e chimicos, e 
a promover o desenvolvimento das culturas. Por esse decreto 
foi creado o fundo nacional defotnento agricola^ que nao pas- 
sou de uma generosa invencao. 

A chave da nossa legislacao moderna sobre cereaes, resi- 
de, principalmente, na carta de lei de i5 de julho de 1889, 
completada sobretudo pelas providencias que se conteem no 
decreto de 3 de marco de 1892. 

O decreto de 29 de agosto de 1889, acompanhado de uma 
tabella iixando o preco para o trigo, nao conseguiu satisfazer 
OS interessados, que allegam nao Ihes ter sido sempre possi- 
vel conseguir esse preco, especialmente no que respeita aos 
trigos duros, que sao os mais cultivados no paiz, apontando 
que o excesso do preco alcancado, por vezes, em algumas 
qualidades supcriores de trigos molles nao compensa esse des- 
falque nos trigos duros. Por outro lado,o desconhecimento da 
cifra verdadeira da produccao nacional de trigo traz comsigo a 
impossibilidade de se regular a importacao de trigos exoticos, 
sem grave risco para o commercio. Em vista d'essas e de ou- 



l3o O IMPOSTO 

tras difiiculdades, os interessados teem formulado reclamacoes 
como estas: 

« I .* — Chamada annual ate ao dia 3o de setembro de todo o trigo indi- 
gena que pretender, na conformidade da lei, aproveitar o pre^o da tabella. 

2.* — Resalva dos restos do trigo destinado a semente que ficarSo com 
direito a venda pelo preco da tabella, fora d^aquelle praso e pelo proces- 
so vigente. 

3.* — VerificafSo, em vista da chamada, da produc^So total do patz; 
determinacao do deficit, a havel-o, e n*esse caso decreta^ao, at6 ao dia i5 
de outubro do despacho para consummo de trigo exotico, na quantidade 
indispensavel para preencher esse deficit^ fixando-se ao mesmo tempo o 
direito que deve ser cobrado pelo Estado at^ i5 de outubro do anno se- 
guinte e a percentagem tanto de trigo indigena como exotico, que per- 
tence a cada fabrica, moinho ou azenha matriculada, conforme as dispo- 
si96es do decreto de 3 de mar^o de 1892. 

4.* — Obriga^ao para cada fabrica, moinho ou azenha matriculada de 
ter completamente realisado ate ao dia 3 1 de outubro a compra da quo- 
ta parte do trigo indigena que Ihe pertencer em rateio, fazendo-se a pro- 
va do contrato por meio de certidao passada pelo Mercado Central de 
Productos Agricolas. 

5.* — Direito para o vendcdor de receber de prompto o preco da cou- 
sa vendida, no momento da tradiccao. 

6.* — Faculdade para o comprador de pagar o pre9o da cousa coropra- 
da aos prasos de i a 6 mezes, assignando promissorias; mas recebendo a 
cousa so no momento do pagamento das promissorias. 

7.* — Interven^ao do Estado, por meio do Mercado Central, para pro- 
mover o desconto das promissorias com garantia do gencro. 

8." — Indemnisa^ao por parte do comprador dos encargos que o Esta- 
do tivesse que supportar com a sua interven9ao.» 

Peccam, certamente, por exaggeradas estas reclamacoes, 
mas servem para traduzir a ordem de interesses que se agi- 
tam n'esta momentosa questao. 



O imposto de consummo sobre os vinhos e azeites, estd 
resumido no real de agua. A liquidacao d'esse imposto c as- 
sim representada nas mais recentes estatisticas: (*) 

Vinho 573 contos 

Azeite 104 » 



(1} Ettatistfca do real de agua— anno econoinico de iSgi-iSgz. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL l3l 

Segundo a tabella junta ao regulamento de 29 de dezem- 
bro de 1879, ^ imposto sobre o vinho e de 7 reis por litro 
(menos na cidade do Porto e em Villa Nova de Gaya, onde 
a taxa e de 10 reis). 

Apesar d'esta modicidade de imposto, a receita que elle 
produz esta longe da realidade dos factos. 

Segundo o Annuario Estatistico de Portugal^ a produccao 
do vinho no continente, no anno de 1884, foi de 325. 680:660 
litros; deduzindo 84.131:010 litros que, como se verifica da 
estatistica do conselho superior das alfandegas, foi exportado 
no dito anno, e ainda o consummo da cidade de Lisboa, que 
a estatistica respectiva accusa ser de 22.707:671 litros, temos 
para consummo no continente 218.841:879 litros; abatendo 
ainda, segundo as melhores previsoes, um terco d'esta quan- 
tidade no maximo (72.947:293 litros) para saldos e consummo 
de productores, devcria o consummo real, sujeito ao imposto, 
ser de 145.894:586 litros ou 34 por habitante; todavia, a es- 
tatistica do real de agua s6 indica ter sido de 71.786:706 li- 
tros, havendo, portanto, um desfalque de 74.107:881 litros, 
que, a 7 reis, dd um prejuizo no imposto de 608:755^167 reis. 

Nao serd facil atiancar a seguranca dos dados que servi- 
ram ao Annuario Estatistico de Portugal^ para quern conhe- 
cer o modo prdtico de organisar as estatiscicas de produccao 
nos concelhos, onde a avaliacao e sempre para menos e, 
portanto, nao pode reputar-se exaggerado o calculo da media 
de34 litros por habitante e a perda do imposto de 608:000^5^000. 

Eflfectivamente, estatisticas da produccao do vinho no con- 
tinente do reino, referidas a 1888, affastamyse bastante das 
que acima apresentamos. Calculam assim essa produccao em 
6.i36:io9 hectolitros, a saber: (*) 

DUtrictos Hectolitros 

Aveiro.. 281:910 

Beja 108:259 

Braga 478:488 



(i) GERARDO AUGU8T0 RRY— MappAS HO Bolettm da Direccao Geral de Agricultura n.* 2, 
de 1890. 



l32 O IMPOSTO 

Districtos Hectolitros 

Braganca i33:5o7 

Castello Branco 141 1626 

Coimbra i83:84o 

Evora 127:568 

Faro 175:383 

Guarda 182:192 

Leiria 320:127 

Lisboa 1.956:108 

Portalegre 72:355 

Porto 337:216 

Santarem 376:737 

Vianna do Castello 264:990 

Villa Real 45o:8o3 

Vizeu 542:000 

Por motives identicos aos que se observam em Portugal 
e para fazer frente ds fraudes, que se desenvolveram depois 
do alargamento da invasao phyloxerica, o parlamento francez 
tem-se occupado da abolicao do imposto de consummo sobre 
as chamadas bebidas hygienicas^ e nao duvidamos de que se 
ccnsiga esta utilissima reforma, apesar de ficarem com ella 
sensivelmente affectadas as receitas das corpora(;oes adminis- 
trativas communaes. Um antigo ministro da agriculcura de 
Franca, escreveu recentemente (*) as seguintes observacoes a 
tal respeito: <Nas communas dos departamentos, o abauLa- 
memo serd de 16 milhoes de francos, isto e, 84 por cento. 
Em Pariz, a reforma hade ser ainda mais sensivel. Actual- 
mente, um hectolitro de vinho paga 18,87 francos d entrada, 
sendo o preco medio no Meio Dia 9 a 12 francos por hectoli- 
tro. Esta taxa, superior ao preco da mercadoria, e excessiva. 
Com a nova lei, o hectolitro nao vird a pagar mais de 5,5o 
francos. Isto corresponde a ficar Pariz aberto d produccao vi- 
ticola.v 

Reformas largas como estas deveriam ser importadas para 
Portugal, onde se tem feito importacao de medidas fiscaes ds 
vezes bem exoticas e bem pouco justificaveis no nosso meio. 

Com o azeite succedem factos identicos aos que se obser- 



(1) Journal de* Chambret de Comm^ce— outubro 1897, pag. 293. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL l33 

vam com os vinhos. No citado Annuario acha-se determinada 
a produccao d'este genero em 2i3.36i:354 litros*, a exporta- 
cao, segundo a estatistica do conselho superior das alfande- 
gas, em 1.468:790 litros e o consummo da cidade de Lisboa, 
conforme a estatistica da respectiva alfandega, em 1.538:044 
litros; descontando da produccao o azeite exportado c o con- 
summido em Lisboa, fica para o consummo do continente 
210.354:420 litros, e, reduzindo ainda o consummo effectivo a 
uma quarta parte d'esta quantidade, concedendo as outras 
tres quartas partes para saldos de um para outro anno c pa- 
ra consummo dos productores, deverd o consummo sujeito ao 
imposto ser de 52.588:6o5 litros; accusando, porem, a estatis- 
tica que estamos apreciando, ter sido de 7.767:451 litros, dd-se 
o desfalque de 44.821:154 litros, e, conseguintemente, um ex- 
travio no imposto de 448:211^540 reis. 

Um valioso relatorio sobre estudos olivicolas e principaes 
causas do seu atrazo (^) poe em evidencia o valor da produ- 
ccao do azeite no districto de Castello Branco e allude A ma- 
neira verdadeiramente notavel por que o do districto de Por- 
talegre sc apresentou na ultima exposicao nacional de Pariz. 

II — IMPOSTO DE CONSUMMO NA FRONTEIRA 

As alfandegas sao um poderoso instrumento na economia 
de um paiz. Do uso sensato que se fizer d'ellas ou dos erros 
que se commetterem com ellas resultarao as mais favoraveis 
ou as mais perniciosas consequencias sobre a riqueza na- 
cional. 

Os direitos aduaneiros devem ser regulados por multiplas 
circumstancias: pelas condicoes de alimentacao publica no 
paiz; pela necessidade ou phantasia que determinam o con- 
summo de certos artigos; pela variedade das produccoes dos 
paizes com os quaes uma nacao estd mais em relacoes; pelo 
caracter mais ou menos commercial de uma nacionalidade; 



(!) LARCHER HARCAL— No BotcHm da Dtteccdo Geral de Agricultural 4.* anno, n.* i* 



l34 O IMPOSTO 

pela combinacao de todos os interesses economicos c manu- 
factureiros com os interesses fiscaes. (*) 

D'esta forma evitar-se-hao os extremos na tributagao, isto 
e, nem muito alta nem muito baixa, sem ser necessario recor- 
rer d chamada escala ntovel^ que representa um verdadeiro 
artificio, economicamente pouco util na opiniao geral dos eco- 
nomistas. A escala move! «tem por fim nao aggravar dema- 
siadamente as condicoes da alimentacao publica, nas epochas 
de grande carestia; mas a mobilidade do direito tem o lamen- 
tavel inconveniente de encher de duvidas as previsoes dos im- 
portadores do estrangeiro. (*) 

Nao temos que discutir a melhor organisacao dos servicos 
aduaneiros; resta-nos apenas acompanhar os votos dos finan- 
ceiros que proclamam as vantagens dos entrepostos, pritica 
introduzida na legislacao aduaneira dos paizes mais adianta- 
dos, que permitte iiquidar os direitos d medida que as mer- 
cadorias se vao vendendo, facilitando tambem a reexportacao 
•livre dos generos conservados no entreposto. 

De todos OS ramos dos servicos fiscaes, os aduaneiros sao, 
incontestavelmente, os mais variaveis, por causa das vicissitu- 
des do commercio, das rela^oes internacionaes e das ideias 
economicas, que exercem influencia sobre as pautas adua- 
neiras. 

Segundo P. Leroy Beaulieu, a productividade de um re- 
gimen aduaneiro, depende das cinco causas seguintes: 

1.' — Do numero e importancia dos artigos sujeitos a direitos. 

2.* — Dos direitos sobre generos de consummo que nao tenham simi- 
lares no paiz. 

3.* — Do clima e da posi^ao geographica do paiz. 

4.* — Dos habitos e dos gostos dos habitantes. 

5.* — Dos regulamentos administrativos, que, em certos paizes concen- 
tram nas alfandegas cobran^as que em outros paizes se realisam por mo- 
do diverso e por administrat^oes nao aduaneiras. {}) 



(1) ESQUiRou DE fAsnEM-^TraiU det Impdis, t. ni, pag. I23. 

(2) Idem, idem, pag. 154. 

(3) PAUL LBROY BtAVUKV—Trat'te de la Science des Finances, 1. 11, cap* xin. 



E A RIQUEZA PLBLICA EM PORTUGAL 1 35 

A experiencia demonstra que, nas nacoes da Europa, os 
unices direitos aduaneiros grandemente productivos, sem in- 
conveniente algum para o desenvolvimento economico, sao os 
que incidem sobre os generos chamados coloniaes; que, pelo 
contrario, os direitos sobre as materias primas ou sobre os 
productos agricolas que tenham similares no paiz ou sobre os 
objectos manufacturados, apresentam um triplice defeito: i.®, 
dao producto mediocre, is vezes ate muito fraco; 2.®, sujei- 
tam a industria e o commercio a muitos encargos; 3.**, enca- 
recem a produccao interna. E nota-se sempre que, de todps 
OS direitos aduaneiros, os mais pequenos sao, por vezes, os 
mais incommodos; por isso, a simplificacao e uma grande vir- 
tude. 

Mas a chave de um regimen aduaneiro estd em nao crear 
obstaculos inuteis, que so serviriam para entorpecer o desen- 
volvimento economico de um paiz. 

Para isso, deve acabar-se com os direitos de exportacao, 
devem desapparecer, sem demora, os direitos sobre artigos 
que tenham caracter de materia prima (a hulha, os cereaes, o 
alcool para a vinificacao) e deve facilitar-se o mais possivel a 
entrada das machinas, do ferro, etc. 

D'esta sorte, por muito que parecessem descer as receitas 
publicas, subiriam, e subiriam a valer os recursos do trabalho 
nacional, que constitue o verdadeiro fundamento da riqueza 
de um paiz. 

Assentes estes principios, passemos uma rapida vista so- 
bre a organisacao aduaneira em Portugal. 

O regimento mais antigo, coordenado, de que ha noticia 
com relacao a alfandegas, tem a data de i5 de dezembro de 
1472 e e ja baseado sobre disposicoes muito anteriores. 

Como corpo mais completo da doutrina fiscal, considera- 
do o meio social no comeco do seculo xvi, apparece-nos o fo- 
ral da cidade de Lisboa, datado de 7 de agosto de 1 5oo e fir- 
mado pelo rei D. Manoel. N'esse foral taxavam-se as merca- 
dorias, vindas de f6ra do reino, e tambem as que davam en- 
trada na cidade vindas por terra. Para estas ultimas designa- 
vam-se as seis portas, limites da cidade, pelas quaes era conce- 



1 36 o mposTO 

dida a entrada, a saber: as portas da Cruz, de Santo Andre, 
de S. Vicente, de Santo Antao, de Santa Catharina e de Ca- 
tcfards. 

A i5 de outubro de 1587 outro foral (da alfandega da ci- 
dade de Lisboa), com cento e vinte nove capitulos, era firma- 
do por Filippe i, modelando-se pelo de 1 5oo e tambem pela 
legislagao castelhana. 

Os preceitos referldos aos portos sSccos tiveram a sua re- 
daccao em regimento no alvarA de 10 de seterabro de 1668. 

Foi no reinado de D. Pedro 11 que a segunda alfandega 
do reino, a do Porto, recebeu regimento completo, com cento 
e trinta e seis capitulos, datado de 2 de junho de 1703. 

Em 16 de maio de i832 dizia Mousinho da Silveira: cAs 
alfandegas nao tinham um centro de unidade e de intelligen- 
cia especial, e cada uma, abandonada a si mesma, fazia o que 
queria, ou nada.» 

Nos titulos V e VI do decreto da indicada data, organisan- 
do a administracao da fazenda publica, aquelle estadista cen- 
tralisava em uma directoria geral a direccao superior dos ser- 
vicos aduaneiros. O pensamento de Mousinho teve maior 
desenvolvimento no decreto de 17 de setembro de i833. 

Foram supprimidas a Casa da India e a Alfandega do Ta- 
baco; ficou subsistindo a Alfandega das Sete Casas com despa- 
cho independente; o ministro da fazenda era o inspector ge- 
ral das alfandegas do reino; a directoria geral das alfandegas 
passou a ser uma reparticao do thesouro publico; dividiram- 
se em dous districtos as alfandegas do reino: do norte, com 
as alfandegas das provincias do Minho, Traz-os-Montes e Bei- 
ra; e do sul, com as alfandegas das provincias da Extrema- 
dura, Alemtejo e Algarve. Cada districto era regido por um 
administrador. 

A's alfandegas das ilhas adjacentes attenderam, na trans- 
formacao por que passamos por occasiao da guerra da Sue- 
cessao, os decretos de 6 de abril de i832 e 23 de junho de 
1834. 

No foral de 7 de agosto de 1 5oo, e no de 1 5 de outubro de 



E A RIQUEZA PUBLIC A EM PORTUGAL l3j 

1 587, OS direitos aduaneiros cram na maioria dos casos ad 
valorem, 

Pode dizer-se que o principio geral da imposicao, prepon- 
derante no foral de iSSy, se resumia na dizima e na siza (10 
por cento de siza e 10 por cento de dizima) quanto d en- 
trada. 

Havia isencoes: os cereaes, outros mantimentos, os livros, 
a moeda tinham entrada gratuita. 

As sedas eram sujeitas a 5 por cento de dizima e 5 por 
cento de siza. 

A sahida era taxada em i pur cento, e o que hoje chama- 
mos reexportacao em 4 por cento. 

Havia privilegios de isencao de direitos da entrada de cer- 
tos productos para familias, civis ou religiosas, e para determi- 
nadas pessoas; eram os lealdamentos. 

As prohibicoes para a entrada de certas mercadorias, fa- 
bricadas ou produzidas no estrangeiro, comecaram a accen- 
tuar-se mais depois do meiado do seculo xvn. 

Sao assds curiosos ditTerentes alvards do dito seculo. En- 
tre outros citarcmos os de 25 de Janeiro de 1677, 9 de agos- 
to de 1688, 28 de setembro de 1688, i5 de noverabro de 1690, 
14 de novembro de 1698. 

Um crescendo de prohibicoes levou o governo inglez a em- 
prehender negociacoes com Portugal para um tratado de com- 
roercio, que se firmou em Lisboa, a 27 de dezembro de 1708 
(Pedro n de Portugal e a rainha Anna de Inglaterra), tendo 
sido o seu negociador o diplomata inglez Methwen, que deu 
o nome ao mesmo tratado. 

O artigo i.° d'este accordo mandava admittir cm Portu- 
gal OS pannos inglezes de la, e o 2.^ baixava um tcrco nos di- 
reitos do vinho portuguez importado na Inglaterra. 

No tratado de 19 de fevereiro de 18 10, appro vado em 26 
do mesmo mez e anno, confirmaram-se, sem alteracoes, os 
preceitcs do tratado de Meihwen (artigo 26.®) e estabeleceu- 
se em Portugal o direito de i5 por cento sobre as mercado- 
rias importadas da Gran-Bretanha (artigo 16.^). 



I 38 O IMPOSTO 

A Inglaterra (artigo 19.°), garantiu-nos o tratamento de na- 
cao mats favovecida. 

Foi a mesma taxa de i5 por cento a adoptada na conven- 
^ao de 29 de agosto de 1825 (artigo 10.^) com o Brazil, de- 
clarando e reconhecendo-o imperio independcnte da corda de 
Portugal. 

A imposicao de i5 por cento era reciproca. 

A Inglaterra e o Brazil cram, e sao ainda hoje, as nacoes 
com as quaes mais avulta o commercio de Portugal. 

A neccssidade da reforma da pauta era de longa data re- 
conhecida, e, em 4 de julho de i835, havia sido nomeada 
uma commissao para propor essa reforma. A commissao al- 
ludida desempenhou-se do seu encargo em 11 de agosto de 
1 836, e o ministro, aproveitando esse trabalho, converteu-o 
em projecto de decreto, que obteve a regia sanccao em 10 de 
Janeiro de 1837, para ter execucao d'alli a tres mezes. 

A pauta de 1837, eradividida cm 25 classes, e a cada 
producto se marcava logo o direito de entrada e de sahida^ 
referido d unidade respectiva. 

Um minucioso indice precedia a mencionada pauta. 

Na classe 20.* da pauta de 10 de Janeiro de 1837, ficou 
estabelecida a liberdade da importacao de cereaes, sujeitos^, 
comtudo, a uma gradacao de direitos, segundo o preco re- 
gulador do mercado. 

A unidade era o quintal, e, v. g. emquanto ao trigo, este 
cereal, importado do estrangeiro, pagaria por aquelle peso 
2^0^)240 reis, quando o pre^o rcgulador no mercado fosse ate 
699 reis por alqueire. Sendo o preco regulador de 700 ate 
799 reis, o direito baixaria a 2''2e)000 reis por quintal; ainda se- 
ria reduzido a 1^680 reis, se o preco regulador subisse ate 
899 reis. 

Logo que o mencionado preco attingisse 900 reis por al- 
queire, ou d'ahi para cima, o direito baixaria a 160 reis por 
quintal. 

O milho, o centeio, a cevada, a aveia e as farinhas de to- 
da a especie de cereaes ficaram sujeitos a direitos analoga- 



E A RIQUEZA PUBUCA EM PORTUGAL l3g 

mcnte graduados, segundo o pre^o d*esses productos no mer- 
cado. 

A pauta, auctorisada por carta de lei de 1 1 de mar<;o de 
1841, e decretada em 20 do mesmo mez, tambem se divide 
cm 25 classes; e, similhantemente i de 10 de Janeiro de 1837, 
cada classe tera rouitas divisoes ou artigos, mantendo o sys- 
tema de fixar a cada producto os direitos de entrada e de sa- 
hida. 

A divisao das pautas em duas tabellas, uma para a impor- 
tacao e outra para a exporta^ao, apparece no decreto dicta* 
torial de 3i de dezembro de i852, em que se notam sensi- 
veis alteracoes, de reduccao de classes (de 25 passaram a 19), 
de agrupamento de productos, de modificacao de direitos e 
de distribuicao, mais harmonica, dos productos pelas classes, 
segundo os titulos respectivos. 

A pauta de 18 de dezembro de 1861, com as altera^oes 
posterioresy editada em 1 877, manteve o systema da pauta de 
i852, divisao em importacao e exportacao, ig classes para a 
importacao, e substituido pelo novo o velho systema de pesos 
e medidas. 

Seria tambem estudo curioso a aproximacao das tarifas 
antcriores a 1837 das decretadas n'esse anno, em 1841, em 
1 852, em 1861, com as modifica^des hodiernas, subordinados 
OS productos is mesmas unidades. Ver-se-hia por esse qua* 
dro facilmente a gradacao da tributacao indirecta nas alfan- 
degas. 

Fazendo esse confronto imparcialmente, & luz dos princi- 
pios da sciencia economica, reconhecer-se-hia que a nossa or- 
ganisacao aduaneira nao obedece a um elevado ideal; obede- 
ce a impressoes de momento. 

A pauta de 1892 fomentou, e certo, o desenvolvimento de 
industrias que tinham sufficientes raizes para poderem vege- 
tar bem; mas, quantas plantas rachiticas sahiram d'essa se- 
menteira feita ao sabor de muitas phantasias! 

Nao conhecemos maior velleidade do que a de fazer sur- 
gir um paiz industrial s6 d'essa vasia semente que se chama 
pauta aduaneira. Consultem-se os bons principios que deixa- 



140 O IMPOSTO 

mos exarados no com^^o d'esta scccao, e rcconhecer-se ha 
que o caminho a seguir e muiio outro. 

Deixemos por aqui as nossas consideracoes para apreciar- 
mos apcnas a questao fiscal. As rcceitas aduaneiras teem sido 
as segiiinies, de 1890 a i8()4, cm contos de reis: 

iSgo iHqi iSm 1893 iV^ 

Direitos de imporia^oo {escepto 

cereaes e tabacos) 12:814 11:760 <):tJ99 11:794 11:907 

Direitos Je cereaes 1:718 1:461 737 i:o63 f.Coi 

Direiios de cxportfl^oo 23i 3oo 3S4 3t4 3oi 

Imposio lie barreiras 3:196 2:101 2:i3i 3:048 [:g5o 

Imposto de pescaUo 147 i5j 157 157 iti: 

Real de agua i85 271 265 z^b 3 19 

Taxas dc trafego 335 309 365 — — 

Receitas diversai (exccpio ta- 

baco) 447 686 476 5o4 5o- 

Direitos de impori3i,~tioiie tabaco 326 78 30 14 r: 



18:409 17:120 14:105 17:150 i6:W 



Ve-sc, pois, que o modo dc scr da nossa organisa^ao adua- 
neira nao tem apresentado, nos ultimos tempos, vantagcns 
sob o ponto dc vista fiscal. V'ejamos se podcmos apreciar al- 
gumas vantagens em relacao a economia do paiz. Os valores 
das mcrcadorias despachadas em identicos annos, foram os 
s,eguinles, em contos de reis; 



Consummo 44:3o3 3q;509 3o:»39 3«:3o6 35: 

Exportai;no 31:538 21:379 34:631 33:408 

Reexporiai^no 6:936 7:455 8:743 9:1.110 

Baldea<;ao e iransito-- 3:4yS 3:(^03 3:799 2:162 



"':666 
:9J3 
:45i 

:963 



Quern examinar esta tabclla, podera lirar conclusoes favo- 
ravcis ao regimen em vigor desde 1893, observando que a 
queda das importacoes nao foi considcrave!; c que, por outro 
lado, a exportacao subiu em 1894 a cifra que nao attingira 
nem cm 1890 nem em 1891. Nos veinos n"csse facto mais uma 
de tantas e tao eloquentes manifestacoes dos esforcos hercu- 
leos em que o pair sc tem empenhado para veneer as ditfi- 
culdadcs provenientes da icmerosa crise economica em que 



E A RIQUEZA PUBUCA EM PORTUGAL. I41 

se debate, desde 1891, crise originaria de muito longe, por- 

que tern como causa muitos erros accumulados. 

Nao desconhecemos os beneficios da pauta de 10 de maio 

de 1892; mas temos a frieza de animo sufficiente para nao os 

exaggerarmos. A commissao nomeada por decreto de 8 de 

novembro d'aquelle anno, fez uma revisao i pauta, acabando 

com algumas incongruencias e apresentando em dezembro 

de 1896 uma nova pauta geral de importacao, exportacao, 

baldeacao e transito. 
* 

E trabalho que convem ser examinado com todo o cuidado, 
a fim de corrigir exaggcros que, se bem fossem inspirados em 
suppostos interesses da industria e da economia nacional, 
apresentaram taes consequencias que levantaram justificadas 
reclamacdes da propria industria e de muitos elementos que 
representam agentes da riqueza do paiz. 



CAPITULO IX 



IMPOSTOS SOBRE OS ACTOS PUBUCOS 



Oe nao adoptarmos esta denominacao generica para um 
grande numero de tributes pagos em todos os paizes, cahire- 
mos n'um dedalo inextricavel de especialisac6es,sem vantagem 
alguma para os fins que temos em vista. 

Os impostos sobre os ados publicos pertencem ao nume- 
ro d'aqueiles que alguns jurisconsultos denominaram impostos 
accidentaes porque nao sao dotados de continuidade e perio- 
dicidade perfeitas. 

Rau tentou uma classifica^ao engenhosa. Considera o im- 
posto do sSllo como extensivo aos diversos ramos da adminis- 
tra^ao publica e depois distingue: 

I." Direitos tirados da jurisdicgao, comprehendendo taxas sobre as 
muta^5es da propriedade, multas, direitos de justi9a« 

2.<* Direitos tirados da policia, como passaportes, licen9as de ca9a. 

3,*» Direitos tirados do interesse de defe^a para o Estado, como resal- 
va de isen^ao do servi^o militar. 

4.° Direitos relativos d economia publica, como privilegios de inven- 
^ao^ emolumentos de consulados. 

5.<* Direitos relativos d formagSo moral do povo, como dispensas ec- 
clesiasticas. (^) 

Como, porem, os impostos sobre os actos publicos sao, 



(I) WLkXs—Finantpinstenichqftt % a3o. 

10 



144 O IMPOSTO 

as mais das vezes, cobrados por via de sello e registro, a es- 
tes nos limitaremos. 

I — O SELLO 

A justificacao d'este imposto estd nitidamente feita por 
Adam Smith, nas seguintes palavras: (^) 

•Os transportes de capitaes ou de propriedades mobiliarias, realisa- 
dos entre vivos, por emprestimos de dinheiro, sao, por vezes, conven^oes 
secretas e podem ser feitas em segredo. Nao e, pois, possivel tributal>as 
directamente. Tributam-se indirectamente, por duas maneiras differentes: 
a primeira exigindo que o acto que contem a obriga9ao de pagar^seja es> 
chpto em papel ou pergaminho que tenha pago um imposto de seilo de- 
terminado, sob pena de nullidade do acto.» 

E facto averiguado que o imposto do sello tende a au- 
gmentar constantemente. 

Alguns financeiros pronunciam-se abertamente contra os 
exaggeros do imposto do sello sobre as letras de cambio, que 
consideram um onus muito pesado e muito desigual sobre os 
negocios, e contra esse imposto sobre os actos judiciaes, com 
o fundamento de que aggrava consideravelmente as despezas 
de justiga, absorve as pequenas herancas e devora o produ- 
cto das pequenas vendas forcadas. (') 

Estes ultimos factos sao tao salientes em Franca, especial- 
mente com respeito d desproporcao entre as despezas e o pro- 
ducto das vendas de pouca importancia, que os funccionarios 
do ministerio publico por mais de uma vez teem reclamado 
reformas equitativas, para que taes defeitos desapparecam. 
Leon Say, quando ministro das financas, occupou-se d'este 
assumpto. 

Em Portugal, o imposto do sello vem de velhos tempos. 
Nasceu com o alvara de 24 de dezembro de 1660, quando 
foi necessario crear reccita para sustentar a guerra da indc- 



(1) AOAM SMITH— Richesie des Nations , t. ii, liv. v. 

(2) PAUL LCROY BEAULiBU— TrdiVe de la Science des Finances, 1. 1, pag. 53« 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 1 45 

pendencia. Finda essa guerr^, suspendeu-se o s^Ilo, em 1668, 
para renascer no anno seguinte. 

Havia, e muito fundados, receios de guerra com a Fran- 
ca e com a Hespanha. Voltava a questao do dinheiro, e a 
rainha D. Maria i, ou antes o principe D. Joao, que tomara as 
redeas do governo, recorreu ao papel sellado, €tendo mostra- 
do a experiencia e prdtica constante das outras nacoes civili- 
sadas que, com o estabelecimento do papel sellado, se forma 
a contribuigao mais suave para os povos, e com melhor pro- 
porcao ds suas faculdades e negociacoes, ficando estas ao mes- 
mo tempo ligadas a mais uma solemnidade que contribue 
para a sua fe judicial.* 

Mandou, pois, em alvard de 10 de marco de 1797, crear 
papel sellado de 10 e 40 reis cada folha, regulando esse pro- 
cesso as instruccoes de 12 de junho seguinte, referendadas 
pelo intendente do papel sellado, Jose Diogo Mascarenhas 
Netto. 

Pareceu, annos depois, ao principe regentc, que o estabe- 
lecimento do papel sellado, entre outros males de que era 
causa, embaracava frequentemente o commercio, «cujas trans- 
ac0es e necessario que sejam sempre menos conipIicadas», 
e, por isso, em alvard de 24 de Janeiro de 1804, mandou que, 
do fim do mez de junho seguinte, no reino, e, do fim de de- 
zembro nas ilhas e dominios ultramarinos, cessasse absoluta- 
mente o uso do papel sellado. A falta da receita d'esta con- 
tribuicao, seria preenchida pela elevacao dos dirfeiios do papel 
e do assucar, que se importassem pelas alfandegas, e pelo 
pagamento das precipuas, isto e, do imposto denominado no- 
vos direitos, segundo as taxas estabelecidas no alvard de 27 
de abril de 1802 para o sSIlo gradual de differentes diplomas, 
na chancellaria-m6r da c6rte e reino. 

As cortes de 1827 estabeleceram o papel sellado, deixan- 
do ficar os direitos da chancellaria, a que alludimos. 

Depois do advento do #regimen constitucional, as disposi- 
?oes relativas ao imposto do sfillo tecm-se multiplicado por 
uma forma assombrosa, vindo d'ahi, incontestavelmentc, uma 



146 O IMPOSTO 

das causas das incongruencias n'este ramo dos services pu- 
blicos. 

Mousinho da Silveira quiz alliviar do imposto do sello os 
processos do foro e no decreto, por mais de um titulo nota- 
vel, datado de 16 de maio de i832, foi disposto que se dispen- 
sava o uso do papel sellado nas questoes forenses. Durou pou- 
CO tempo essa isencao, que foi revogada por decreto de 1 2 de 
novembro de i833, mandando vigorar a lei de 24 de abril de 
1827. 

Foi a lei de 26 de abril de 1861 que introduziu a estam- 
pilha para pagamento do imposto do sello. 

Mencionar todas as reformas d'este imposto, todos os di- 
plomas que se referem a elle seria longo e talvez impossivel 
de completar, porque teriamos de descer ate portarias de in- 
terpretacao. 

O rendimento do imposto do sello, arrecadado em todos 
OS cofres publicos, tem sido o seguinte, nos ultimos annos: 

1892-1893 I ijS^. contos 

1893-1894 2:205 

1894-1895 2:444 






As verbas que mais contribuem para este rendimento sao: 
o producto da venda de estampilhas (media annual, 677 'con- 
tos); o producto da venda de impressos, papel sellado e le- 
tras (media annual, b^b contos); sSUo de documentos de co- 
branca (media annual, 181 contos); sSIlo de verba (media an- 
nual, 276 contos); e sSllo sobre loterias nacionaes (media an- 
nual, 265 contos). 

Como se ve pelas estatisticas a reforma de 21 de julho de 
1893 produziu um consideravel salto no producto d'este im- 
posto por motivo da remodel acao das taxas; mas essa remo- 
delacao creou muitos vexames e foi de encontro a muitas in- 
dicacoes feitas por funccionarios competentes em diversos ra- 
mos dos servicos publicos. 

Jd depois d'isso foi creado o sello sobre os bilhetes dos ca- 
minhos de ferro, foi elevado o sSUo das ac^Ses, obriga^oes e 
titulos de Sociedades e Companhias, e pertences respectivos. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 1 47 

bem como os dos titulos da divida publica; foi generalisada a 
applicacao do sello proporcional nos despachos aduaneiros. 

Mas a grande reforma, que consiste n^uma revisao profun- 
da das tabellas d'este tributo, essa nao se fez ainda. Pois e 
incontestavel que resultaria d'ahi uma grande vantagem para 
o thesouro e para o contribuinte, porque ha muitas taxas in- 
justas e at^ incobraveis. 

II — REGISTRO 

O registro e uma formalidade que consiste no lancamento 
de um acto civil ou judiciario, ou de uma mutacao em um re- 
gistro determinado por lei. A contribui^ao de registro consis- 
te, portanto, nas taxas que o Estado cobra sobre os actos ci- 
vis e judiciarios e sobre as transmissoes de propriedades mo- 
biliarias e immobiliarias. 

A contribuicao de registro e, a bem dizer, t compensacao 
que o Estado tira pelas garantias que concede aos actos ci- 
vis e judiciarios. Esta contribuicao assenta, pois, os seus fun- 
damentos mais no campo do direito civil do que no de direito 
propriamente fiscal. 

Especialmente no que se refere d transmissao da proprie- 
dade, tem sido modernamente assumpto de larga controver- 
sial como veremos em outro lugar. Na Allemanha, especial- 
mente, a legislacao sobre esta materia tem recebido impor- 
tantes modificacoes nos ultimos annos. 

Schall, ao estudar a transmissao de bens causa mortis^ 
revolta-se contra o papel que o Estado parece assumir n'este 
caso. «Ora, diz, quando se parte do principio de que a pro- 
priedade particular e o direito hereditario sao creagoes do Es- 
tado, que possam, segundo as suas conveniencias, ser ad li- 
bitum creadas e mudadas, a este racionalismo politico, com 
as suas ideias exaggeradas sobre o poder do Estado e dos 
partidos, contrapomos a ideia segundo a qual a propriedade 
particular e o direito hereditario nao sao creac6es do Estado, 
mas sim postulados da consciencia juridica universal, e a 
funcgao do Estado limita-se a formular e exprimir com a lei. 



1 



148 O IMPOSTO 

tal sencimento, e a impor ds vontades reluctantes e As tenden- 
cias destructivas, mediante a administracao da justica, o reco- 
nhecimento da propriedade e do direito hereditario, como ins- 
tituigao obrigatoria para todos.i (^) 

Para que a contribuicao de registro, como o imposto do 
s€llo, sejam rasoaveis, e necessario que satisfagam a duas con- 
didoes: i.*, grande moderaqao nas taxas; 2/, muita pruden- 
cia e singeleza nas forgialidades que o fisco imponha aos con- 
tribuintes para cobranca da contribuicao. (*) Tenha-se muito 
em conta estes principios, se nao se quizer commetter verda- 
deiros vexames, compromettendo ao mesmo tempo, o rendi- 
mento do imposto. 

As taxas da contribuicao de registro sao de duas especies: 
I .^, taxas fixas, para os actos que nao contenham nem obriga- 
cao, nem liberacao, nem condemnacao, nem transmissao, isto e, 
OS que nao denunciem movimento algum de valores e que se- 
jam puramente declarativos de direitos ou de propriedade; 2.% 
taxas proporcionaes ao valor das sommas a que se referem os 
contratos, sendo applicaveis ds obrigacoes, liberacdes, conde- 
mnacoes, transmissdes, emfim, a todos os actos que consti- 
tuem movimento de valores e que sejam attributivos de direi- 
tos ou de propriedades. 

Em Franca, inventou-se ainda, em 1872, uma cathegoria 
intermediaria: taxas fixas graduadas. 

Comquanto seja legitima a sua base, baverd poucas con- 
tribuicoes que, como a de registro, d£em motivo a tantas in- 
congruencias e a tantas violencias. A avidez fiscal tem-se ma- 
nifestado sobre este tributo em condicoes verdadeiramente in- 
soffridas, por causa da grande productibilidade do tributo e da 
facilidade de percepcao d'elle. 

Em Inglaterra adoptou-se uma disposicao muito original 
que foi recommendada em Franca por uma commissao de in- 
querito agricola: — No calculo da contribuicao de registro leva- 



(i) SCHALL—In SchOnbergf vol. iv, parte 3.*, pag. 3io» 

(3) PAUL LERor BBAuuBU— TAeorif de la Science det Financet, 1. 1, pag. 5o?« 



E A RIQUEZA PUBLIC A EM PORTUGAL 1 49 

se em linha dt conta o tempo provavel durante o qual o her- 
deiro gosard a heran^a. Assim, quando ha probabilidades de 
ter de ser paga brevemente nova contribui^ao sobre a mes- 
ma propriedade, a taxa deve ser menor. 

Em Portugal, a contribuicao de registro foi creada (com 
tal nome), por carta de lei de 3o de junho de i860, e, em 
vinte e quatro annos, tem estendido a sua rede como se p6- 
de v£r nas disposi^oes das leis de i e 3i de agosto de 1869, 
i3 de abril de 1874 e 18 de maio de 1880. 

Com outra denomina^ao, e antiquissima a contribuicao de 
registro. Chamava-se-lhe st\a, 

A si\a veio vivendo, e quando as urgencias apertavam, du- 
piicava-se-lhe o quantum. E' exempio frisante a carta regia de 
19 de julho de 1661, que mandou dobrar as st'zas por dous 
annos, para preencher o dote da infanta D. Catharina, que 
devia ser rainha de Inglaterra, dote que nos custou ainda 
Tanger, Bombaim, etc., alem de 2.000:000 cruzados em di- 
nheiro. 

Era confusa, e, por vezes, contradictoria a legislacao a res- 
peito das $t\as^ e D. Pedro 11, que succedera ao irmao D. Af- 
fonso VI, na corda e na esposa, achando-se vivo o mesmo D. 
AfTonso, mandou em alvari de 16 de Janeiro de 1674, rev€r 
e publicar o regimento das $i\aSy decretado pelos reis seus an- 
tecessores e acrescentado por D. Sebastiao. N'esse alvard de 
1674 consignaram-se bem claras disposi^oes (capitulo xvi a xx) 
concernentes i si:(a dos bens de raiz, que sao a nossa actual 
contribuicao de registro. 

Jose Xavier Mousinho da Silveira foi nomeado ministro 
efifectivo da fazenda e interino da justica, por decreto de 3 de 

marco de i832. 

« 

A 4 de abril seguinte submettia & approvacao da regente 
um decreto, abolindo todos os morgados e capellas, cujo ren- 
dimento liquido nao attingisse 2oo4J)ooo reis por anno — provi- 
dencia assds importante para aquella epocha — e, a 19 do mes- 
mo mez de abril, propunha a reforma das st\as^ precedendo-a 
de um relatorio interessante e erudito. 

O decreto fbi sanccionado pelo imperador na data referi- 



l50 O IMPOSTO 

da, e dispunha no artigo i." que, a partir do i.° de Janeiro de 
i833, somente se pagaria si^a das vendas e trocas dos bens 
de raiz, taxada em 5 por cento. 

Ate aqui fallamos do imposto que onera compras, vendas 
e escambos. A transmissao da propriedade por doacao, lega- 
do, successao, testamentaria ou legitioia, comecou a ser one- 
rada com imposto, em virtude do decreto das cortes de 7 de 
fevereiro de i838, homologado por carta de lei de 21 do mes- 
mo mez e anno. A lei de i838 foi reformada em 1844, por 
carta de lei de 12 de dezembro. Subiram as percentagens, e 
abrangeram-se mais graus de parentesco para a contribuicao 
da transmissao por titulo gratuito. Ainda ficava isento o i.® 
grau de parentesco; elevouse a 5 por cento com reIa<;ao a 
parentes no 3.® e 4.® graus e a 10 por cento a respeito de pa- 
rentes mais affastados e a estranhos. 

Foi a lei de 3o de junho de i860 que, estabelecendo a con- 
tribuicao de registro, fundiu em um so diploma as disposi^oes 
da $t\a e do imposto de transmissao, a que se referiam o de- 
creto de 23 de junho de i85i e a carta de lei de 12 de de- 
zembro de 1844. 

Desde o i.** de Janeiro de 1861 ficaram sujeitos d contri- 
buicao do registro os actos importando transmissao perpetua 
ou temporaria de propriedade immovel, por titulo gratuito ou 
oneroso. 

O regimen d'este imposto tem sofFrido, depois d'isso nu- 
merosas e sensiveis modificagdes; mas na opiniao de distin- 
ctos jurisconsultos ha n'ella ainda muitos vicios a corrigir. Es- 
sa contribuicao foi, porem, substancialmente remodelada por 
decreto de 10 de Janeiro de 1898, produzindo, desde logo, au- 
gmento nas liquidac6es e nas cobrancas. 

Segundo as mais recentes estatisticas, a liquidacao d'esta 
contribuicao foi a seguinte: 



1893-1894. 
1894-1895. 



Timlo gratuito 


Titalo oneroso 


8x7 centos 


1:172 contos 


908 » 


1 :26o » 



Os funccionarios de fazenda teem apontado por varias ve- 



E A RIQUEZA PUBUCA EM PORTUGAL l5l 

zes as imperfei;6es dos servicos d*esta contribuicao. No An- 
nuario das Contribui^des Directas, de 1878, tornava-se salien- 
te a circumstancia de ser a maior quota da contribuicao de 
registro de 36 1 reis, no districto de Evora, e a menor de 94 
reis, no districto de Braganca. Houve 44 concelhos em que a 
arrecadacao da contribuicao de registro por titulo gratuito nao 
chegou a 100^000 reis e 8 onde nao houve arrecadacao algu- 
ma. D'esses 44 concelhos, um era de i.* ordem e capital de 
districto ! 



CAPITULO X 



REMODELACAO TRIBUTARIA 



^o termos de pensar na remodela^ao do iroposto em 
Portugal, sentimos-nos envolvidos no circulo de ferro das mo- 
dernas doutrinas economicas e no embate desencontrado das 
modernas aspiracoes sociaes. 

Se as primeiras se impoem ao nosso espirito, desprezar 
as segundas corresponderia a desconhecer que o imposto tern, 
alem do fim meramente financeiro de recolher os meios ne- 
cessarios para fazer face ds despezas publicas, um fim poli- 
tico'Social de modificar a reparti^ao dos bens sociaes. (') Foi 
Wagner o primeiro que na sua Sciencia das Financas affir- 
mou e desenvolveu este ponto de vista como programma for- 
mal da theoria do imposto. 

Por outro lado, hoje que o principio da igualdade da na- 
tureza e do direito de todos os homens penetrou ate ao fundo 
dos cerebros e dos cora^oes, entrincheirar-se-hia em um egois- 
mo deshumano e n'uma ignorancia completa aquelle que nao 
se commovesse diante das reivindicacoes das classes opera- 
rias (*) 



( i) WAONIR— /Zau'tcAe Lekrbuch der Finan\vii»enschafi—n { 366 e seguintet. 
(3) BMiLE DC LAVSLCTB— £.e Soctaltsme Contemporain, pag. xl. 



I 54 O IMPOSTO 

A obrigacao social do imposto e nitidamentc definida por 
um illustre cconomista nacional, nos seguintes termos: 

cConsiderando que as emprezas pertencem por lacos po- 
litico-economicos a um organismo nacional, que se mantem e 
progride d custa de quantias com que os cidadaos contribuem; 
considerando que, muitas vezes, a contribuicao e graduada pe- 
los capitaes que possue cada individuo^ podemos dizer que o 
producto da empreza tern de ser tambem repartido pelo Es- 
tado, ou districto, etc.» (^) 

Ao entrarmos na aprecia^ao das relates entre o imposto 
e as funccoes sociaes, nao nos abalancaremos a trazer para 
aqui as ideias das escholas radicaes; se tal fizessemos, encon- 
trariamos s6 n'este capitulo materia para alguns volumes. 

Por muito digna de considera^ao e de estudo que seja a 
obra da Internacional — basta haver nascido sob a inspiracao 
de um philosopho da grandeza de Karl Marx — ainda assim 
nao podemos colher nas suas doutrinas material seguro para 
o edificio que pretendemos levantar. E que no seu primeiro 
congresso de Genebra, em 1866, foi tratada a questao do 
imposto, votando-se resoluqoes especiaes em favor dos impos- 
tos directos e da suppressao dos exercitos permanentes; mas 
depois d'isso, e certo tambem que no congresso de Bruxellas, 
onde o programma economico da Internacional apparece com 
todo o desenvolvimento, se proclamou a excellencia do im- 
posto unico, jd anteriormente preconisado pelos physiocratas 
e por Girardin e Menier; mas essa materia nao nos apparece 
com a forma de um programma e de um corpo de doutrina 
capaz de ser apreciada em todo o seu desenvolvimento. 

Esses mesmos principios foram inscriptos, em Inglaterra, 
no programma do grupo extremo do partido da Reforma 
Agraria (Land Reform). 

Lassalle, o apaixonado apostolo do socialismo, regeitava 
a hereditariedade, tal como hoje existe, por isso que nao a 
considerava uma instituicao viva que tenha raizes no senti- 



(I) RODMGUts DE vKESTJM—Prindjrioi de Eamamia Politica, ptg. 283. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 1 55 

mento moral e juridico da epocha; achava-a uma tradicao 
mona e como tal condemnada necessariamente a ser banida. 
Se passarmos a vista para o socialismo revolucionario, 
que poderemos descortinar no amorphismo dos seus secta- 
rios? S6 a pan-destruicdo^ porque o ideal da paiingenesia 
nao tern formas apreciaveis, sobre as qua^s possam recahir 
OS modernos processos da analyse em sciencias sociaes. Basta 
ler o Federah'smOj de Bakounine, para se comprehender o 
que aftirmamos. Depois de proclamar a constituicao dos Es- 
tados-Unidos da Europa, o seu programma de federalismo 
contem estes dous artigos: 

6.<^ Abandono absolute de tudo que se chama direito historico dos 
Estados; todas as questoes relativas is fronteiras naturaes, politicas, es- 
trategicas, commerciaes, deverao ser consideradas de futuro como per- 
tencentes A historia antiga e repellidas com energia por todos os adhe- 
rentes.da Liga. 

S."" Do facto de um paiz ter feito parte de um Estado, ainda que se 
Ihe aggregasse livremente, nao se conclue, de modo algum para elle, a 
obrigacao de Ihe ficar para sempre ligado. Nenhuma obrigacao perpetua 
pode ser acceite pela justi^a humana, unica que pode exercer auctorida- 
de entre n6s e nao reconheceremos nunca outros direitos nera outros de- 
veres, alem dos que se fundam na liberdade. (i) 

Nao carecemos de mais transcripg6es para se ver que os 
modernos principios da politica prdtica nao p6dem abranger 
similhante doutrina. Esses principios estabelecem a intima liga- 
cao entre a politica prdtica e a sociologia, como sciencia das 
tendencias e movimentos regulares dos grupos e coUeciivida- 
des sociaes (^); e sendo certo que do estudo da sociologia, 
resulta o conhecimento da marcha da evolucao social, confor- 
me as leis naturaes e, por conseguinte, necessaria e inevitavel, 
o homem de Estado e o. politico teem n'ella definido o cami- 
nho a trilhar, se nao quizerem entrar em coalisao com as ten- 
dencias naturaes. 

Nem a propria Constituicao da Suissa e capaz de corres- 



(i) u* BAKOvtfwn—Oeupres, pag. 17 e 18. 

(2) L. ajuPLoyncz—Soaologie et Politique^ pag.' 196. ' 



I 56 O IMPOSTO 

ponder is aspira^oes do anarchismo; apesar da propriedade 
collectiva da communa estar realisada na antiga institui^ao 
dos Allmetids^ apesar de nao haver exercito permanente, ape- 
sar de quasi nao existirem impostos, apesar de haver pouca 
poiicia, apesar da communa ser autonoma — nem assim se 
realisa o sonhado amorphismo das doutrinas de Bakounine. 

U collectivismo reduz ds mais estreitas proporcdes a he- 
reditariedade, mesmo em linha recta, visto ter por fim per- 
petuar e augmentar a desigualdade social, fazendo gozar aos 
herdeiros bens que nao produziram, o que e contrario ao 
principio da justica dbtributiva, a qual faz derivar do traba- 
Iho pessoal a propriedade e o gozo dos bens. Como, d falta 
de herdeiros, os bens teriam de passar para o Estado, cons* 
tituir-se-hia assim, necessariamente, a propriedade collectiva. 

Colins, o grande apostolo do collectivismo, ao definir as 
mcdidas em sua opiniao tendentes a assegurar o predominio 
do capital sobre o trabalho e a levantar ao mais alto grau a 
actividade de cada um, claramente estatuia que a principal me- 
dida a adoptar devia consistir na limitacao da hereditarieda- 
de em linha recta e no reconhecimento do direito de testar; 
as successoes testamentarias seriam oneradas com um impos- 
to e as successoes ab intestato^ afora as que fossem em linha 
recta, cahiriam no dominio publico. Assim se caminharia para 
a prdtica da liberdade, igualdade e fraternidade. 

Ao lado d'este, apparece-nos Henry George prctendendo 
rcsolver o problema do pauperismo por um simples meio — 
conferir ao Estado a propriedade da terra. Para isso, aconse- 
Ihava que se elevasse o imposto de forma a absorver a renda 
e, n'essas condic6es, poder-se-hia supprimir todos os outros 
impostos, tomando a industria um desenvolvimento tal que o 
bem-estar havia de ser geral. Por fim, como se ve, cahir-se- 
hia no imposto unico dos physiocratas. 

Se d'esse extremo das escholas sociaes passarmos a outro 
extremo, o dos chamados socialistas erangelicos^ i frente dos 
quaes se destaca o vulto do pastor Stoeker, encontraremos dou- 
trinas que se bem sejam as do Staats-Socialist^ ainda assim 
vao, cm certos pontos, alem dos limites que e justo marcar 



E A RIQUEZA PUBLIC A EM PORTUGAL iSy 

is aspiracoes sociaes na questao especial de que nos occupa- 
mos. O programma d'esse partido inscrevia as seguintes dour 
trinas: — Imposto progressivo sobre o rendimento, para com- 
pensar os impostos indirectos que ferem principalmente a3 
classes laboriosas; impostos muito elevados sobre o luxo; im- 
posto sobre as successoes, progressivo segundo a importancia 
da heranga e o affastamento do grau de parentesco. (^) 

Ora, o imposto progressivo estd scientiiicamente conde- 
mnado; por mais attenuado que seja, e iniquo e perigoso. 
Consistindo em fazer predominar no imposto a consideracao 
das pessoas, do conjuncto dos haveres ou dos rendimentos 
dos contribuintes, vai fazer subindo a taxa do tributo & me- 
dida que esses haveres pessoaes ou esses rendimentos pessoaes 
se elevam. De tal systema, puro e simples, resultaria que mui- 
tas pessoas, tendo um rendimento superior, ver-se-hiam obri- 
gadas, em razao do crescimento da taxa do imposto, a con- 
servar menor parte d'esse rendimento, do que outras com 
rendimento inferior. (*) 

Todas as tentativas feitas ate agora para tirar ao imposto 
progressivo as suas consequencias nefastas nao conseguiram 
fazel-as desapparecer. Estabeleceu-se, primeiro, que a pro- 
gressao se appiicasse, nao ao conjuncto do rendimento, mas 
a cada excedente de rendimento que passasse alem do ren- 
dimento da cathegoria anterior e chegou-se mesino a inventar 
um processo de attenua^ao com o nome de imposto degi^essi- 
vo^ segundo o qual se determinava uma taxa que se conside- 
rasse normal, 5 ou lo por cento de rendimento, por exemplo, 
e ninguem poderia sertributado alem d'essa taxa e instituiam- 
se cathegorias diversas, mais ou menos numerosas, de rendi- 
mentos inferiores a uma certa quantia, as quaes, em vez de 
pagarem o imposto sobre a integralidade pagavam-o apenas 
sobre uma parte. 

Pelo primeiro systema, chega a conseguir-se que a taxa 



(1) BMiLE DC LAVCLEYc— L^ Socialitmt CoHtemporaittt pag. ii5. 

(2) PAUL LCROY BCAULicu— rrdf/e ^c Ecottottiie Politique, t. iv, pag, 754. 



I 58 O IMPOSTO 

media do imposto recaiha sobre rendimentos mais elevados do 
que no imposto progressivo puro e simples. Exemplo: tome- 
mos para base o rendimento de 200^000 reis como passivel 
do imposto de 3 por cento; teremos o seguinte movimento no 
imposto progressivo puro e no modificado: 

Rendimentos Impotto puro Imposto modificsdo 

200^000 3 3 

200^001 a 3oo;|^ooo 4 3,3 

3oo;8>ooi a 400^000 5 3,7 

400^fl^i a 5oo;i>ooo 6 4,2 

Soo^lQ^ooi a 600^0^000 7 ' 4,6 

6oo;Q^ooi a 'joo^t^QOO 8 5,i 

700^(^001 a 8oo;(^ooo 9 5,6 

Soo^S^ooi a 9cx>;fl^ooo 10 6,1 

goo^l^ooi a i :ooo;g^ooo 11 6,6 

i:ooo;gtooi a i:ioo^9kKX> 12 7 

Como se v€, nunca a totalidade do rendimento poderia 
ser absorvida pelo imposto, no segundo systema; mas o ex- 
cedente do rendimento das cathegorias superiores para alem 
do rendimento das cathegorias que immediatamente as pre- 
cedem chega a sel-o. Portanto, apesar de ser na prdtica bas- 
tante sensivel a attenua^ao devida d correcgao introduzida, e 
certo que o principio do imposto e o mesmo nos dous ca- 
sos; e as consequencias geraes, por mais attenuadas que se- 
jam no segundo, sao da mesma natureza em um e outro. Sao 
OS principios que convem apreciar; sao as consequencias ge- 
raes que convem expor. (*) 

Beaulieu resume nos seguintes termos a condemna^ao do 
imposto progressivo: 

aO imposto progressivo constitue uma verdadeira explora^ao; viola, 
sobretudo, a regra, estabelecida por toda a civilisa^ao, de que o' imposto 
deve ser livremente consentido pelo contribuinte: 6 bem claro que, n*es- 
te caso, e a massa dos contribuintes que lan^am o maior peso do impos- 
to sobre alguns e que estes nao consentem, mesmo tacitamente, a sobre- 



(I) PAUL LSRor BEAULIEU— Troi/e de Economie Politique ^ L iv, pag. 759. 



E A RIQUEZA PUBUCA EM PORTUGAL iSq 

carga com que se pretende oneral-os. Quando a taxa do imposto 6 igual 
para todos, pode considerar-ae que o voto do imposto pelas camaras 
comprehende uma acquiescencia implicita de todos os contribuintes; de 
outro modo, nao.» (^) 

CrSmos ter dito o sufficiente em contraposicao ao pro- 
gramma dos socialistas evangelicos. 

Entre os collectivistas ha os chamados evolucionistas^ que 
conquistaram numerosos adeptos entre os operarios socialis- 
tas. No programme economico d'esses evolucionistas inscreve- 
se tambem a abolicao dos impostos indirectos e a substituicao 
d'elles por um imposto progressivo sobre os rendimentos su- 
periores a 3:ooo francos; a suppressao da heranca em linha 
indirecta e de toda a heranga em linha recta superior a 4 
contos de reis. 

Se passarmos para o socialismo catholico, deparamos com 
o conego Moufang proclamando os meios de levantar a con- 
dicao do operario, e de fazer frente & applicacao da lei de 
bronze. Esses meios sao quatro, a saber: i.*^, proteccao 
das leis; 2.®, soccorros em dinheiro; S.**, reduccao dos en- 
cargos fiscaes e militares-, 4.®, sobretudo, limite i tyran- 
nia do capital. O 3.® meio resume-se n'isto: «0 Estado de- 
ve diminuir os encargos fiscaes e militares que pesam tao one- 
rosamente sobre o operario. Aquelle que vive das suas ren- 
das e tem milhoes em carteira nao paga quasi nada, ao passo 
que o trabalhador, que dispoe apenas do magro salario, vSo 
ainda reduzido por impostos directos e indirectos, sem con- 
tar OS melhores annos da sua vida, que sao absorvidos pelo 
servico no exercito. A justi^a distributiva reclama, n'este pon- 
to, reformas radicaes.» (*) 

Como se ve, nao ha aqui um piano perfeitamente defini- 
do, sobre o qual possa exercer-se o nosso criterio. 

Temos, pois, de voltar as nossas attengoes para o socia- 
lismo de cathedra e ahi encontramos em alguns dos Katheder 



(I) PAUL LSROy BBAUUEU— Op. ClU, ptg. jGo, 

(a) EMUJE DE LAVELETS— Le Socialismc Conteny^oraitii pag. i53. 



l6o O IMPOSTO 

Socialisten vasta materia para a discussao do problema em 
que nos envolvemos. 

A questao capital do imposto progressivo apparece-nos 
envolta em grandes duvidas e sujeita ainda a variadas opi- 
nioes. Todavia o parecer, que jd emittimos, contrario a esse 
systema de tributacao, tern pelo seu lado sociologistas de pri- 
meira grandeza. 

Helferich, na sua cTheoria geral do imposto* (*) confessa 
abertamente que «contra o imposto progressivo se levanta a 
impossibilidade de applicar illimitadamente a razao da pro- 
gressao, a qual, chegada que seja a uma certa cifra de ren- 
dimento, e obrigada a parar; comquanto repugne ao senti- 
mento de justica que a rendimentos mais altos se faca um 
tratamento de favor, em confronto com rendimentos meno- 
rcs.B 

«De maior peso e a objeccao — continua o mesmo escri- 
ptor — de que, quanto mais elevados forem os impostos, tanto 
mais se deve ter em consideracao as condicoes pessoaes do 
contribuinte. Ao apreciar com todo o rigor essas condicoes 
pessoaes, o poder contributivo de uma pessoa, segundo as 
suas diversas relacoes sociaes, nao se conseguird muito.s 

« Finalmen te — acrescen ta ainda H elferich — aprescn ta-se 
contra o imposto progressivo uma razao de prudencia, resul- 
tante da possibilidade de, quando se adopte na progressao 
uma razao muito rapida, os ricos procurarem escapar aos 
impostos, emigrando.v 

Schaffle e, na essencia, partidario do imposto progressivo. 
cNaoquero dizer que o principio da medicao do imposto pelo 
rendimento seja para abandonar-se, visto que a quantidade 
meramente subjectiva do superfluo individual, da scnsibilida- 
de ao tributo, e inapreciavel para obter o principio juridico 
regulador da imposicao. Todavia, no systema da mcdiciio do 
imposto pelo rendimento, pode chegar-se e chega-se a tacs 
circumstancias com um imposto progresswo applicado com 



(I) In Manual de Economia PoUlica, de G. Sch^Jnberg, vol. iv. 



E A RIQUEZA PUBUCA EM PORTUGAL l6l 

criterio (pelo primeiro milhar i por cento, pelo segundo 2, 
pelo terceiro 3, etc.) (*) 

Estas palavras denunciam hesitates que mal se podem 
admittir em tal materia. 

Lorenz Stein, o notavel author do livro cDes socialismes 
des heutingen Frankreichs», occupa-se d*este assumpto no 
seu tratado da cSciencia das Financas», comquanto admitta 
o Imposto progressivo, limita-o exclusivamente & tributacao do 
capital e quer que Hque sujeito a esse tributo cnao o rendi- 
mento, mas so a parte d'elle que representar a quota especial 
de capitalisacao». 

Depois de lanqadas estas luzes sobre a questao, vejamos 
se podemos estabelecer as bases de um systema de impostos 
admissivel d face das modernas doutrinas da sciencia social. 



Jd demonstramos as vantagens do imposto multiplo e ac- 
centuamos que, se os impostos directos teem, economica- 
mente, defeitos, os indirectos apresentam inconvenientes gra- 
ves e, sobretudo, perturbadores do desenvolvimento da eco- 
nomia publica. (^) 

O modo como os modernos sociologistas consideram a 
questao estd em harmonia com as ideias que sustentamos. 

Adolpho Wagner no seu estudo sobre a theoria especial 
dos impostos, no cManual de Schonbergv, estabelece esta 
doutrina: 

«Uin systema de impostos — composto essencialmente de tres gran- 
des grupos: impostos directos, impostos indirectos de consummo e sobre 
OS negocios e outros impostos varios, especialmente os que incidem so- 
bre as successoes — e aquelle que, em linha de principios e reservada, na- 
turalmente, a critica de porroenores, melhor correspondc ^s exigencias 
da sciencia e da politica tributaria. Especialmente, a ideia de um syste- 
ma tributario composto sd de impostos directos e, ainda por cima, de um 
imposto directo i/m'co, como de um imposto geral unico sobre o rendi- 



(I) scHAFFLE—Sxstema da Economia Humana, apud SchOnberg. 
U' Vide supra, pag. 23 c 33. 



1 6^ O IMPOSTO 

mento progressivo, tal como figura nos programmas da democracia so- 
cial, deve ser, de principio a fim, posto absolutamente de parte.a (^) 

Wagner abona-se com a opiniao de Schaffle quando este 
diz que a imposigao directa serve para capreciar de um mo- 
do geral^ complete^ proporcional e segundo quotas comporta- 
pet's o poder contributivo medio; ao passo que a imposi^ao 
indirecta individualisa a imposicao em correspondencia com 
as condicoes de facto dos objectos de imposto, as quaes se 
aggravam e desaggravam em razao do poder contributivo in- 
dividual^ que so assim e conhecido e sentido.» 

Carey tornou bem saliente a evolucao da tributacao indi- 
recta para a directa. cA taxacao, diz, tende a tornar-se dire* 
eta d medida que o homem ganha em liberdade, e quanto 
mais esta tendencia se desenvolve, tanto mais depressa de- 
crescc a proporcao das exigencias do governo, comparadas com 
a faculdade, que a sociedade adquiriu, de satisfazel-as.» (J) 

E essa transformacao desenvolve-se em proporcoes assom- 
brosas; os progressos divulgam-se, espalham-se. 

Poderia parecer que entre os impostos directos, alguns dos 
mais geralmente adoptados devem repugnar aos modernos so- 
ciologistas; mas assim nao succede. O imposto sobre o sala. 
rio merece a Wagner estas consideracoes: 

«No estado de divisao do trabalho funccional pfoprio das econooiias 
sociaes progressivas, como sao as modernas, a imposicao directa do esti- 
pendio e outros ganhos pessoaes similhantes e (se ji nao tiverem soffrido 
o imposto sobre a industrin) a imposi9no directa de analogos proventos 
das outras emprezas ou profissoes liberaes — € consequencia, em si ne- 
cessaria, de um systema racional de impostos sobre os redditos.» (}) 

O socialismo considera a questao do imposto como uma 
das mais importantes do seu programma de ac^ao; para isso 
tentam os socialistas conseguir a gerencia do Estado; cnao e, 
cxclama um fervoroso crente, com o Estado inteiramente nas- 



(I) WAONER— TA^or/d etpecial do imposto, in «ManuaU, de SchOnberg, vol. iv. 

(31 CAHEV—Principes de la Science Sociale, t. iii, pag. 189. 

(3) WAGNKR— In Manual de Economia Politica, Schdnberg, t. iv» pag« 67$. 



E A RIQUEZA PUBLIC A EM PORTUGAL 1 63 

maos de seus inimigos, que os socialistas poderao realisar 
reformas serias.» (') 

Seja como for, o campo das conquistas socialistas alarga- 
se de cada vez mais e nao e preciso ser-se optimista para se 
descobrir no horisonte do futuro a claridade de uma existen- 
cia social relativamente prospera para o trabalhador manual. 
N'esse futuro, a indigencia seri um producto exclusivo dos ac- 
cidentes ou dos vicios.^ (J) 

O socialismo, que nasceu, na linguagem de Loria, com a 
primeira lagrima que a miseria e a fome arrancaram d huma- 
nidade desditosa (^) caminha para esse objectivo, de maos 
dadas com a economia politica. 

A questao social avan^a, incontestavelmente, para uma 
solucao, fundada na ac^ao conjugada do tempo, do capital, 
da instruc^ao, da liberdade e da philantropia. 



( I ) OABKiiL DivitxK —Prindptt Socialiitet, pig. 904* 

(3) T* uttOY BBAUUEU— £«Mi de la repartition det richesset, pag. 585 

(3) voUA~-ProbIemas sociaeM contemporaneot, trad, franc, pag. 97. 



CAPITULO XI 



A REORGANISACAO DOS IMPOSTOS EM PORTUGAL 



v^ estudo das condi^oes economico-sociaes da organisa- 
cao tributaria, conduz-nos, naturalmente, a procurar introdu- 
zir no regimen do imposto em Portugal os principios que a 
sciencia e a experiencia ha muito tempo veem proclamando. 

As ligacoes intimas entre a tributacao e o estado social, 
impoem-se ao nosso espirito muito mais do que as pequenas 
consideracoes dictadas pelas exigencias do thesouro, as quaes, 
em ultima analyse, se fundam em erros de administracao e 
na ignorancia dos meios indispensaveis para resolver os mul- 
tiplos problemas, que temos posto de parte e que se foram 
accumulando, a ponto de apresentarem hoje um aspecto amea- 
cador para a nossa autonomia nacional. 

Portanto, importar-nos-hemos, exclusivamente, com os prin- 
cipios da sciencia e com o reconhecimento das condicoes so- 
ciaes do meio, para assentarmos no piano que pretendemos 
tracar, tao somente como demonstragao do nosso empenho de 
contribuir pora por termo d actual desorganisacao tributaria. 

A CONTRIBUI9AO* PREDIAL 

Nos paizes onde a legislacao tributaria maiores progressos 
tern feito, acha-se nitidamente estabelecida a distinc^ao en- 
tre o tributo sobre a terra e sobre as casas e d'ahi resultam 
vantagens sensiveis para os servi^os fiscaes e para o con- 



1 66 O IMPOSTO 

tribuinte. Na verdade, repugna scientificamente admittir que 
se sujeitem ao mesmo regimen tributario e se avaliem pelo 
mesmo pessoal e por um s6 processo os predios rusticos e os 
urbanos, cuja productividade depende de circumstancias tao 
diversas. E por isso que tao racional reforma entrou jd na le- 
gisla(;ao de diversos paizes. 

Na Italia, por exemplo, ha o imposto fundiario e o impos- 
to sobre as casas, fabbricati. 

A. Wagner na monographia sobre a theoria especial do 
imposto no « Manual de Economia Political, de Sch5nberg, 
escreve, a proposito, estas palavras: cEm um systema de im- 
postos sobre os redditos geraes, um imposto especial sobre 
OS edificios parece legitimo e ate necessario e nas modemas 
condic6es economicas, mesmo por motivos de technica tribu- 
taria, tambem parece conveniente separar os impostos sobre 
OS edificios dos impostos sobre a terra e fazer d'aquelles um 
imposto distincto.B (*) 

Beaulieu tambem se pronuncia abertamente pela separa- 
cao do tributo sobre as propriedades ruraes, do tributo sobre 
as casas. (J) 

Em Portugal tem sido jd recommendada por pessoas com- 
petentes a doutrina que estamos advogando. A commissao 
nomeada por decreto de 22 de dezembro de 1894, a fim de 
propdr <as bases mais consentaneas para se determinar com 
justica o rendimento collectavel em que deva incidir a con- 
tribuicao predial », recommendou no seu relatorio a separa- 
gao dos servicos da contribuicao predial urbana dos da pre- 
dial rustica. Depois de apontar que a actual confusao das 
duas contribuicoes s6 p6de admittir-se como transicao do an- 
tigo regimen tributario, que exigia leis distinctas para os im- 
postos que assentavam na parte urbana, a commissao escreve 
estas palavras: 

«Hoje dispomos dos elementos precisos para a tributafSo da pro- 



(i) Manual de Economia Politica, vol. nr, pag. 1 16. 

(3) PAUL LKROY BEAULiiu— Trflf/e dt la Science det Finaneet, t n, ptg. 3ao. 



E A RIQUEZA PUBL1CA EM PORTUGAL 1 67 

priedade segundo a natureza dos seus rendimentos, dentro dos limites 
do justo. Rendimentos sem a menor liga^ ao entre si, produzidos em con- 
di^oes dififerentes, nao podem ser considerados por igual perante uma 
contribui^So de reparti9§o. Os rendimentos da propriedade urbana sao 
pouco sujeitos a variantes, facilimos de determinar e recebem-se sem 
despezas au trabalhos prdvtos; os da propriedade rustica sao sempre va- 
riaveis, sujeitos a innumeras contingencias, no geral somente se produ- 
zem depois de importante dispendio de dinheiro e trabalho, e, por isso, 
sao de facil determina^ao. Os rendimentos da propriedade urbana nao 
necessitam do processo demorado e difficil do imposto de reparti9ao, pa- 
ra serem tributados com igualdade, ao passo que os da propriedade rus- 
tica somente n^esse systema encontrarao tributa^ao equitativa, pois que 
a reparti^ao corrigird as deficiencias da sua difficil valorisa9So.* 

Quando outras vantagens nao resultassem da separacao 
dos dous tributos bastaria pensar em que, realisada que seja, 
OS beneficios concedidos d propriedade urbana, como isencoes 
do imposto ou annullac6es de collectas, deixarao de reflectir- 
se em prejuizo da propriedade rustica, pelo aggravamento de 
suas collectas, ou vice-versa. 

E' claro que, depois de estabelecida a separacao a que 
nos referimos, o systema das duas contribuicoes tem de ser 
differente: — para a contribuicao predial urbana, o de quoti- 
dade; para a contribuicao predial rustica o de reparticao, co- 
mo ate agora. Depois de tudo quanto temos exposto, facil e 
de comprehender a razao de similhante alvitre. 

Para a organisacao das matrizes tem necessariamente de 
voltar-se a attencao d'aquelles que pretenderem sinceramente 
arrancar a contribuicao predial do cahos em que se encontra. 
O resultado dos trabalhos das commissoes nomeadas por de- 
creto de 18 de mar^o de 1893 demonstrou bem eloquente- 
mente os vicios que existem, em manifesto prejuizo do the* 
souro e do contribuinte. Todos os estudos que se teem feito, 
todos OS trabalhos ate hoje realisados, nos ultimos annos, 
condemnam o modo de avaliagao do rendimento collectavel * 
que foi seguido para a organisa<;ao das actuaes matrizes e, 
todavia, a reforma indispensavel tem-se feito esperar. Bases 
definidas e precisas e impossivel adoptar-se para todo o paiz; 
essas bases devem variar segundo os multiplos aspectos das 



l68 O IMPOSTO 

regides em que teem de ser applicadas, porque as condicoes 
agricolas sao diversissimas, de regiao para regiao. 

E, bem sabemos, trabalho difficil, mas, por isso mesmo, 
deve consagrar-se-ihe toda a atten(;ao e empenho sincero de 
acertar. Na Italia, para se chegar d perequa<;ao do imposto 
fundiario^ a lei de i de marco de 1886 foi moldada sobre 
tres projectos diversos, um de Minghetti, de 1874, outro de 
Depretis, de 1877, e outro, finalmente, de Magliani, de 1882. 

N'aquelle paiz, o organismo executivo do cadastro com- 
p5e-sc de duplo pessoal: 1.®, pessoal technico-administrativo, 
formado por funccionarios na dependencia immediata do go* 
verno; 2.°, commissoes censuan'as, nas quaes entra em certo 
grau c em certa proporcao o elemento electivo. As operacoes 
cadastraes dividem-se na Italia em duas ordens: operacoes re- 
lativas i medicdo e operacoes relativas d avaliagdo. 

Nao se ponha de parte a revisao periodica das matrizes, a 
fun de apreciar as muta^oes produzidas sobre a propriedade; 
vai n'isso o interesse do thesouro e o bem do contribuinte. 
Tcm sido proposta entre nos essa revisao, de cinco em cinco 
annos, mas nao duvidamos propdr que se abrevie o praso. 

Se em Portugal se nao entrar decididamente em um ca- 
minho de reformas para a contribuicao predial, nao se conse* 
guird tao cedo fazer desapparecer as desigualdades que o 
actual regimen acarreta comsigo. O ideal d'essa reforma de- 
verd ser o conseguir-se fixar uma quota unica para todo o 
paiz, quota que em caso algum deverd exceder 10 por cento 
do rendimento collectavel, limite, em todo o caso, excessivo, 
pois deve ter-se sempre em vista que este imposto nao fere 
OS rendimentos particulares s6 no valor da sua importancia, e 
tambem base de outros impostos, addiccionaes e contribui- 
buicoes locaes, que ein alguns concelhos chegam a igualaUa 
e ate em alguns a excedem. 

Na Italia regula por 7 por cento a contribuicao fUndfa- 
ria. (*j 



(I) BocAKDO— In Manual de Economia PoHtica^ dc Schdnberg. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 1 69 

Para a exacta apreciacao da contribuicao predial rustica, 
em Portugal, a commissSo nomeada em 1894 propunha a or- 
ganisacao de culturas typicas nas diversas regioes agronomi- 
cas, para scrvirem de base d avaliacao; mas nos julgamos 
sem valor prdtico esse alvitre, porque o atraso da nossa agri- 
cultura e a ignorancia do nosso agricultor nao permittem ge- 
neralisacoes tao amplas na apreciacao do rendimento da pro- 
priedade. 

Viciosa como e a organisacao da contribuiqao predial, 
oneral-a com addiccionaes representa um grave contrasenso; 
pois a contribuicao predial recebeu sobre si o peso dos addic- 
cionaes fixados por lei de 27 de abril de 1882, 3o de junho 
de 1887 ^ ^^ ^^ i^''^^ ^^ 1^^- 

CONTRIBUICAO INDUSTRIAL 

E principio assente que nao convem ferir com imposto 
identico ao das industrias e profissoes os proventos do traba- 
Iho manual commum (salario de trabalho) nem os proventos 
do trabalho superior (estipendio^ emolumenios^ etc. dos empre- 
pregados,) (*) Foi por isso que nos separamos bem distincta- 
mente as consideraqoes que fizemos antecedentemente sobre 
o regimen tributario para a industria e para o pessoal sala- 
riado. (*) 

Com respcito ds industrias, os principios geralmente admit- 
tidos pela sciencia das financas resumem-se em procurar um 
meio que realise, o mais possivel, a determinacao do reddito 
liquido da exploracao industrial, pois uma imposicao sobre o 
reddito bruto d'essa exploracao seria absolutamente contraria 
ao principio da igualdade do imposto. Mas a determinacao 
d^esse rendimento liquido offerece difficuldades insuperaveis, 
sem se lan^ar mao de investigacoes vexatorias e, por vezes, 
contraproducentes ou falliveis. 

Wagner diz que a organisacao d'este imposto offerece 



(1) Wagnkr— III Schdnberg, u iv, pag.djS. 

(2) Vide supra, pag. S^ 



170 , . OJMPOSTO. 

largo campo para ptimiciosa t^^knica da administracdo tribu- 
tana; assim e,se se quizer respeitar os principios da equida- 
de. Aiiirma tambem que reduzir o arbitrio ao minimo devc 
ser a aspira^aq suprema d*aqqellejs que hajam de procurar 
solucao parai p. problema de que nos occupamos. 

Pelo que diz,.respeitp a Portugal, ]& alludimos aos roelho- 
ramentos que . a contribui^ap industrial, tern recebido; mas 
ninguem desconhece quantas desigualdades existem ainda 
n'este ramo de; tributacao; uipas yezes,nao ha sufficiente co- 
nhecimento dos iqdicadpries do imposto, outras vezes atten- 
de-se incompletam^nte ds circumstancias especiaes da indus; 
tria, facilmente alteravcispelp. regimen dos mercados, pcla in-r 
fluencia de crises geraes ou parciaes, etc. E a tudo isso se 
deve attender, para que o arbitrio^ apontado por Wagner, 
tenha a menor influencia possivel sobre as condicoes do in- 
dustrial. 

Attente-se igualmente n'um facto, que hoje passa como 
averiguado: os lucros dos indiistriaes e dos commerciantes 
tendem a diminuir. A baixa da taxa do juro traz comsigo, no 
decorrer dos tempos, uma baixa nos lucros; a concorrencia, 
tanto dos capitaes como dos homens sufficientemente instrui- 
dos, proprios para as profissoes commerciaes e industriaes 
reduz, a pouco e pouco, a remuriera?ao que alcancam. (*) 

Por effeito da concorrencia e do abaixamento de preco, 
que ella produz, a sociedade acaba por. aproveitar-se, cooi 
exclusao de todos os particulares a principio privilegiados, de 
todas as invencSes, de todas as descobertas, de todas as com- 
binac6es technicas, que se generalisam. '(^) 

A exemplo do que jd foi proposto para a contribuicao 
predial — e com maior razao— poderia hiver no ministerio da 
fazenda uma commissao central de inspeccad d industria, 'de- 
vidamcnte organisada para servir de elenlehto ds porideracoes 
na incidencia do imposto industrial. 



(0 p. LIROY BBAUUEU— Oe la repartition det richetsct, pag. 3 13. 
(3) p. UROY BBAULicu~L« Coilecttvisme, pag. 387. 



E A RIQUEZA PUBI4CA EM PORTUGAL I7I 

Outra providencia utilissima seria reunir em grupos os dis- 
trictos e constituir com os respectivos delegados do thesouro 
e escrivaes de fazenda congresses annuaes em que recipro- 
camente trocassem informacSes e consideracoes sobre os ser- 
vi^os tributarios. Estamos convencidos de que resultariam 
d*ahi grandes vantagens para esses servicos. 

Se passarmos d segunda parte da questao, a qde se refe- 
re ao tributo dos salarios, encontrar-nos-hemos de frente com 
um grave problema social. E' admissivel similhante imposto? 

Wagner (*) responde a esta interrogagao com estas pala- 
vras: 

«A iroposi^ao directa do salario do trabalho tem sido, sob o ponto de 
vista dos principios, impugnada com as mesmas razdes com que se im- 
pugna todas as imposi^oes directas d*esta especie de proventos, isto ^, 
que estes rendimentos, em geral exiguos, incertos, oscillantes, e, especial- 
mente, nao consolidados, devem, em regra, ser isentos de impostos — ou, 
pelo menos, isentos de tpdo, quando, como nos factos e casos mais fre- 
quentes, nao excedam uma quantia moderada; isentos em parte, isto €y 
com deduccao d*essa somma, quando seja maior.» 

Cauwes, resumindo a doutrina de Stuart Mill, affirma 
que a aincidencia de uma taxa sobre os salarios e, pelo menos, 
tao instavel como a que se produz quando se fere outra fon- 
te de rendimentos». (*) 

E, por isso, que desejariamos vfir supprimidos da tabel- 
la B da nossa lei da contribuicao industrial os operarios de 
qiiaesquer officios ou artes^ ou, pelo menos, elevada a base 
dos salarios medios, que serve & tributacao, estabelecendo-se 
um minimo tributavel bastante subido; mas implantando-se o 
systema das patentes^ em relacao is diversas industrias. A fi- 
xacao d'csse limite foi sustentada por St. Mill. 

Effectivamente, n'um paiz em que os impostos indirectos 
tao onerosamente ferem o operariado, a fait a d' esse limite re- 
prcsentaria uma verdadeira crueldade, um contrasenso. 



( I ) In Manual de Economia Politica, de SchOnberg. 

(a) CAuwis— Coari d'Economie Politique, t. iv, pag. ?o6. 



172 O IMPOSTO 

E e debaixo d'esta consideracao que observam a questao 
alguns economistas. Wagner diz que, csob o ponto de vista 
dos pnncipios, o imposto directo sobre o salario, reunindo-se 
a todos OS impostos de consummo das classes trabalhadoras, 
especialmentc dos generos que Ihes sao mais necessarios^ im- 
porta uma reprovavel duplicacao de impostos, em prejuizo 
d'essas classes.* 

A nossa legisla^ao consigna, e muito bem, concessoes es- 
peciacs para as sociedades cooperativas. A lei de 2 de julho 
de 1867 e a posterior legislacao isenta de todos os impostos 
estas sociedades, desde o registro dos estatutos ate 'A contri- 
buicao sobre os lucros; mas convem que essas concessoes se- 
jam cxclusivas em beneficio das cooperativas operarias, para 
que d sombra d*ellas se nao pratiquem abusos. 

Nas organisa(;6es tributarias bem estabelecidas, os proces- 
SOS de applicacao do imposto a que nos referimos sao diver- 
SOS para as differentes grandes cathegorias de pessoas que Ihe 
sao sujeitas. N*esse sentido serd indispensavel fazer entre nos 
uma reforma. Efleciivaniente, o criterio com que teem de ser 
aprcciadas as condi(;des d'esta especie de contribuinte nao 
pode scr semprc mesmo. 

Nao devemos concluir sem dizer que o recente decreto de 
3 1 de dezcmbro de 1897 adoptou e alargou o principio da co- 
branca da contribuicjao industrial por mcio de liccnca. Deter- 
mina esse diploma que sejam pagas por meio de liccnca pre- 
via algumas das taxas da tabella A annexa & lei de 3i de 
marco de 1896, applicando-se completamente o mesmo prin- 
cipio d verba do referido imposto sobre os agentes de leiloes, 
de que tratu o n.'* 337 do quadro annexo ao regulamento de 
16 de julho do mesmo anno. 

N'essc mesmo diploma estd adoptado um principio acon- 
selhado por distinctos funccionarios de fazcnda — o de fundir 
n'um unico lancamento, menos em Lisboa c Porto, todas as 
contribuicoes, de mancira a incluir n'um so conhecimento, 
mas com a devida classificacao, a importancia de todas as 
contribuicoes directas, referentcs ao mesmo collectado. Esse 
lancamento serd patente, com todos os esclarecimentos preci- 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL Ij'i 

SOS, a fim de que o contribuinte conheca todos os fundamen- 
tos das collectas e fique habilitado com todos os elcmentos 
para reclamar, no caso de julgar que ha injustica na impor- 
tancia da contribuicao que Ihe e atiribuida. Em Lisboa e Por- 
to havera dous lancamentos geraes: urn para as contribuicoes 
predial e industrial, outro para a renda de casas e sumptua- 
ria. 

A base principal do decreto a que estamos alludindo foi 
raelhorar o lancamento das contribuicoes; para isso, foram 
modificados os prasos dos trabalhos para os lancamentos d'es- 
scs tributos de maneira a respeitar os mais pequenas regalias 
dos coUectados. 

Como se ve trata-se de uma reforma parcial da contribui- 
cao industrial, quando meihor fora remodelar profunda e 
inteiramente este tributo. 

DECIMA DE JUROS 

Como acima dissemos, (*) este tributo nao tem razao de 
existencia. 

J A cm 1880, o ministro da fazenda fallava a^sim a respeito 
d'esta contribuicao: 

nMantida e aperfei^oada a contribuicao industrial, seria convenicnte 
encorporar n'ella a decima de juros, de todos os nossos impQstos dire- 
ctos o que mais carece de revisao, por isso que se rege por disposi^oes 
muito antigas e dispersas.» 

A decima de juros estd, pois, condemnada, d face de uma 
organisacao mais perfeita da contribuicao industrial. 

IMPOSTO DE KENDIMENTO 

Nao temos a considerar agora o imposto unico sobre o 
rendimcnto, por isso que elle nao entra na organisacao tribu- 
taria portugueza. Esse imposto, a despeito das consideraveis 



(I) Vide supra, pag. 91 e 92. 



174 O IMPOSTO 

• 

vantagens que Ihe encontram economistas de primeira gran- 
deza, como Stuart Mill, offerece immensas difficuidades de 
applicacao. 

O que existe entre nos e um imposto complementar sobre 
o reiidtmento, cdestinado, na linguagem de Cauwes, a substi- 
tuir as taxas directas especiaes, ou a fazer contrapeso aos im- 
postos indirectos.» (*) 

cViu'Se, diz o mesmo auctor, como e difBcil attingir o 
conjuncto dos rendimentos por uma serie de taxas particula- 
res. Ficam algumas origens de rendimento sem serem taxa- 
das por causa de complicacoes fiscaes, como creditos hypo- 
thecarios, os creditos chirographarios, os fundos de Estado, 
OS lucros da maior parte das profiss6es liberaes, etc.» 

D'aqui pretende Cauwes inferir as vantagens do imposto 
geral sobre o rendimento, dizendo, todavia, que cum imposto 
simplesmente complementar e preferivel para experiencia le- 
gislaiiva a um imposto geral que tendesse a substituir os im- 
postos directos actuaes.» • 

Nos preferimos uma solucao mais radical do que esta de 
entrar em experiencias a respeito de materia fiscal, sobretudo 
n'um paiz onde os encargos tributarios estao tao mal fircna- 
dos e tao desigualmente repartidos. 

Quando, em 1880, o ministro da fazenda proclamava as 
vantagens do imposto de rendimento para Portugal, servia-se 
especialmente de argumentos relativos d Saxonia. Dizia: 

«Inscreve-se a contribui^ao predial no or^amento saxonio para 1879 
por uma cifra de marcos 3.251:700, ou 492 rdis por hectare e 265 reis por 
habitante; e a industrial por 2.785:3 10 marcos, ou4o5 r^is e 225 r^is por 
hectare e habitante, respectivamente. Entre nos, a contribui^ao predial 
com todos OS addiccionaes, incluindo o imposto de via^ao, e calculada 
para o exercicio futuro de 1 880-1 881 em 3.107:884^320 reis, e as concri> 
bui^oes industrial e bancaria em i.3oo:ooo^ooo r^is, o que corresponde 
por hectare e habitante a 348 r^is e 657 r^is, no primeiro caso, e a 144 
e 273 reis no segundo. Ve-se por isto quanto pareceria facil em paiz agri- 
cola e industrialmente tao rico, fazer avultar a receita por um simples 



(I) CAUw^s— Coiir« d'Economie Poliiique, t. iv, p«g. 376. 



E A RIQUEZA PUBUCA EM PORTUGAL lj5 

augmento dos impostos existentes. IVefertu-se, por^pi, crear por lei de 
22 de dezembro de 1874 a contribui^ao sobre o rendimento, a qual se ins- 
creve hoje no or^amento de receita com a cifra de i2.8o6:33o raarcos.» 

A razao do modo como se procedeu na Saxonia dava-a, 
ao mesmo tempo, o ministro portuguez ao referir-se ao piano 
geral de reorganisacao tributaria apresentado d camara da 
Baviera em 1879: «Consiste esse piano em conservar todos os 
impostos directos existentes, sujeitando-os a uma compleia revi- 
sdoy e crear, a par dos tributes especiaes sobre a propriedade^ 
sobre os lucros industriaes ou provenientes do emprego do 
capital, uma contribuicao geral sobre o rendimento, que os 
completasse a todos e servisse entre elles precisamente como 
elemento compensador.» 

Ora, sem essa completa revisao, como pensar-se sequer 
em augmentar os motivos de desequilibrio no regimen tribu- 
tario? 

CONTRIBUICAO DE RENDA DE CASAS E SUMPTUARIA 

Nos Estados-Unidos, uma taxa unica sobre as constru- 
ccoes reune os diversos elementos tributarios, que podemos 
englobar sob a denominacao de renda de casas e sumptuaria. 
Essa taxa eleva-se por vezes a 3o e 40 por cento do valor lo- 
cativo. 

«E conveniente — diz Cauwes — ^manter distinctas a contri- 
buicao fundiaria da propriedade edificada e a contribuicao 
niobiliaria.» (') Sao esses os principios que adoptaremos, con- 
densando, porem, n'um s6 tributo as diversas manifestacSes 
da materia tributavel. 

A contribuicao sumptuaria estd condemnada, por todos os 
principios. Cauwes resume assim os inconvenientes do au- 
gmento das taxas sumptuarias: 

«i.^, a lei fiscal fere o luxo como indice de riqueza tributavel, mas 
nao podemos fazer guerra ao luxo, pois o imposto moderno nao tern 



(I) CAUwAs— Cotirt d'Economie Politique^ t. iv, pag« 36o. 

il 



176 O IMPOSTO 

• 

OS fins das antigas leis sumptuarias; 2.% o imposto sumptuario 6 urn tri- 
buto sobre as riquezas, nao deve ser uma especulacao sobre as fraquezas 
humanas; S.**, emfim, as taxas sumptuarias nao devem ser inquisicoriaes, 
porquanto, se o forem, muitos bens que poderiam dar materia essencial- 
mente tributavel, sao subtrahidos ao imposto.» 

Por muito justo e razoavel que seja esse principio, a sua 
implantacao na prdtica nao daria resultado comparavel aos 
da contribuicao fundida, tal como a propomos. 

Como acima dizemos, (*) para se realisar o nosso pensa- 
mento, bastaria proseguir nas diligencias empregadas nos ul- 
timos annos para conhecer o valor locativo das casas de ha- 
bitaqao, e d taxa de coptribui^ao de renda de casas addiccio- 
nar uma taxa complementar em harmonia com as commodi- 
dades que se presumam aos inquilinos. 

No relatorio que o ministro da fazenda apresentou is cor- 
tes, em 1896, leem-se as seguintes palavras, em abono da 
orientacao que estamos seguindo: 

«0 arrendamento ou valor locativo da habita^ao e urn facto geral; e 
uma base importante do imposto. Ahi pode o Estado, desde que admitta 
uma gradua^ao justa e estabele^a os devidos correctivos ir buscar um 
necessario complemento dos demais impostos, accomodando-o As exigen- 
cias da administracao publica, sem, todavia, o exaggerar, procedendo ao 
seu lancamento de harmonia com as circumstancias especiaes das locali- 
dades e dos contribuintcs.M 

Tem sido apontado, entre nos, o alvitre de supprimir a 
contribuicao de renda de casas, annexando-a A contribuicao 
predial. Bern comprehendemos as facilidadcs que d'ahi resul- 
tariam para a accao fiscal; nao vemos, porem, grande incon- 
veniente em que a actual contribuicao, devidamente aperfei- 
coada, subsista ainda por alguns annos, ate que a refundicao 
integral do nosso system a tributario imponha uma organisa- 
cao em harmonia com os principios da sciencia modcrna. 

Realisada a fusao proposta, a contribuicao seria lancada 
directamente aos proprictarios e nao aos inquilinos; d*esta 



(t) Vide supra, pag* 107. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL i yy 

f6rma desappareceriam muitas dividas ao Estado, como e fa- 
cil de comprehender. 

IMPOSTOS DE CONSUMMO 

Razoes de sobejo existem para que os impostos de con- 
summo devam ser aferidos d face dos principios economico- 
financeiros. Sob o ponto de vista politico-financeiro, economi- 
co, social, de justica e administrativo tern sido apreciado este 
tributo. 

Schall resume n'estas palavras as largas consideracoes que 
faz sobrc esta importante materia: 

wDeve rcconhecer-se que, se por um lado o imposto sobre o consum- 
mo nao pode, de per si, resolver o problema da constitui^ao de um sys- 
tema de impostos capaz de satisfazer a todas as exigencias, e, portanto, 
carece de scr incegrado com outros impostos (especialmentc com os im- 
postos sobre o rendimento e sobre o movimento dos bens) por outro la- 
do, so, ou, pelo menos, especialmente os tributos lan^ados sob a forma 
de imposto de consummo, podem satisfazer a certas exigencias especiaes 
do systema dos impostos; pelo que a estcs impostos estd reservada uma 
certn funccao particular, considerando-sc assim elemento indispensavel 
e de importancia fundamental para todos os systemas de impostos racio- 
naes.^«^(») 

fi facto assente que, na impossibilidadc de crear um im- 
posto de consummo geral,se deve «restringir a sua applica^ao 
a um pequeno numero de generos e productos»; (^) mas a 
orientacao em muitos piiizes tem sido bem contraria a esta 

doutrina. 

Pelo que diz respeito d administracao publica, as regras 

marcadas a este genero de impostos, sao assim definidas por 

Schall: «i.^ as taxas do imposto referidas ao valor podem 

ser applicadas so nos casos em que o imposto e lancado na 

occasiao de passar a mercadoria taxada para as maos do 

consummidor e a importancia do tributo pode ser directamente 

referida ao prcco realmente pago pelo consummidor; 2.% para 



(I) sCHALL^In Schdnberg^ t. iv, parte 2.*, pag. 26. 

(3) CAU WES— Court d'Economie Politique, t. iv, pag. 410. 



178 O IMPOSTO 

que o imposto seja o menos possivel gravoso para aquelles que 
devem directamente antecipalo pelo consummidor, convira, 
roediante avenca, estabelecer maneira de o pagar so depots 
de negociados os productos; 3.^, tanto no interesse da econo- 
mia social, como para diminuir as despezas da fiscalisacao, 
convird, especialmente que essa fiscalisa9ao seja o mais pos- 
sivel adaptada ao movimento actual dos negocios. 

Foi em obediencia a estes principios que estabelecemos 
acima (^) a vantagem de se supprimir o real de agua, em vis- 
ta da sua organisacao reconhecidamente defeituosa. S6 assim 
desappareceriam tantos motivos para vexames e tantos pretex- 
tos para aggravamento dos precos dos generos de primeira 
necessidade n'um paiz em que os encargos da subsistcncia 
publica estao tao longe de corresponder d somma de commo- 
didades e vantagens que a civilisacao proporciona. 

SCLLO, REGISTRO E DIREITOS DE MERGE 

P6dem ser apreciados o registro e o sSllo, ou consideran- 
do a utilidade immediata d^esta medida^ ou a sua utilidade 
eventual. lA utilidade directa do registro — diz Cauwes — e 
innegavel, mas sd poderia justificar uma remuneracao muito 
modica, a qual deveria ser uniforme; ora, as nossas leis fis- 
caes distinguem, pelo contrario, direitos fixos, direitos gradua- 
dos e direitos proporcionaes, que sao applicaveis em harmo- 
nia com tarifas, ora muito fracas, ora exorbitantes, segundo a 
natureza dos actos.» 

Os variados systemas de impostos sobre negocios^ como se 
Ihes chama em linguagem generica, trazem comsigo formas 
tambem diversas para a incidencia da contribuicao de regis- 
tro; a logica do direito tem de ser aferida pelos principios da 
sciencia das financas e da economia nacionaL 

Contra a contribuicao pela transferencia de bens immoveis 
tem-se levantado a objeccao dc que isso corresponda a aggra- 



(:) Vide supra, pag. ii5. 



E A RIQUEZA PUBLIC A EM PORTUGAL 1 79 

var OS onus que os impostos directos langam ]i sobre a pro- 
priedade fundiaria; e tambem de que di em resultado aggra- 
var a propriedade fundfaria rural, em rela^ao com a urbana; 
mas ha muitos meios de prevenir esses inconvenientes. Schalli 
fallando do limite ao direito de mutacao nos contratos de 
compra, venda e permuta, diz: cCom uma convenienie orga- 
nisacao d'este direito, especialmente estendendo-o a todas as 
mutagoes de propriedade e ainda &s realisadas por causa de 
morte e com a introduccao dos impostos subrogativos (de 
tnio morta) pelas pessoas juridicas e communidades de pes- 
soas, p6de-se preve^iir todos os' inconvenientes d'este gene- 
ro.. (*) 

Nas reformas introduzid^s modernamente na legislacao es- 
trangeira sobre contribui<;ao de registro tem-se attendido muito 
nao s6 i proporcionalidade como & gradua^ao d'este tributo. 
De igual trabalho de refundicao carece a legislacao portugue- 
za especial. 

Na fixa9ao das taxas sobre aIiena(;ao de bens ha princi- 
palmente tres systemas:— i.^ o francex^ que a um direito fixo 
de sSllo junta o registro do titulo em que se estatue a trans- 
missao, que n'essa occasiao e tributada; exemplo: em Franca, 
na Belgica, na Hespanha, na Italia; 2.^ o ausirtaco^ que a um 
direito proporcional de sello, conforme o valor do bem immo- 
vel transmittido, junta um direito pela inscripcao do tres- 
passe da propriedade nos livros publicos, adoptado na Aus- 
tria e na AUemanha; 3.* o que consiste em fazer a recepcao 
do imposto, collando no titulo um simples sfiUo proporcional^ 
conforme o valor da cousa transmittida, adoptado na Ingla- 
terra e na Suecia. 

A contribui^ao de registro tem sido e p6de ser realmente^ 
aproveitada em beneficio do aperfeigoamento do regimen da 
propriedade, regimen que em Portugal estd reclamando ha 
muito uma reforma bem pensada, de salutar influencia sobre 
o desenvolvimento da riqueza do paiz. 



(1) scHAU.— In SchCnberg, t. nr, i.* pirte, pag. 284. 



l8o O IMPOSTO 

Com a contribuicao de registro, dao-se circumstancias que 
reclamam ha muito providencias. A liquidacao )udiciaria d'esse 
tributo nem sempre corresponde ds normas fiscaes; por isso, o 
processo de liquidacao da contribuicao de registro por titulo 
gratuito, deveria ser distincto e independente do inveniario ju- 
dicial. 

Com respeito ao sello, pouco temos a acrescentar ao que 
ficou dito quando nos occupamos especialmente d'este impos- 
to. Cauwes considera nullo ou quasi ngllo o servico immedia- 
to d'este tributo (*j; por isso mesmo convem regulal-o de for- 
ma que as suas taxas nao produzam vexames repugnantes. 

A moderna legislacao portugueza sobre o sello foi molda- 
da especialmente pelas leis francezas de 23 de agosto de 1871, 
28 de fevereiro, 3o de marco e 25 de maio de 1872 e pelas 
italianas de 11 de agosto de 1870 e 8 de junho de 1874. 

Ate 1873 (lei de 2 de abril) era comminada a pena de nul- 
lidade dos documentos por transgressao do sello; hoje e man- 
tido o caracter de delicto d transgressao, mas a penalidade 
consiste em multa. 

Os direitos de merce — creados por decreto de 3i de de- 
zembro de i836, em substituiqao dos antigos encartes — sao re- 
gulados especialmente por leis de 11 de agosto de i860, i de 
julho de 1867, 20 de marco de 1875, 3i de marco de 1880 
e decreto de 26 de junho d'este mesmo anno. Se os direitos 
sobre as merccs honorificas tiveram sempre toda a justifica- 
cao, o tributo d*esta natureza, lancado sobre empregos publi- 
cos, carece da maior ponderacao, para nao abrir o exercicio 
de um funccionario com encargos que elle em geral mal pode 
supportar. Em taes condicoes, muitas vezes e contraprodu- 
cente a receita que o thesouro colhe de tal origem. 



(1) CAUwis— Conn d'Economie Politique^ vol. it, pag, agS. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL l8l 



RESUMINDO 

Consideramos indispensaveis as seguintes reformas tribu- 
tarias: 

Na contribuicao predial: 

I.® — Separacao dos services da contribuicao predial urbana 

dos da predial rustica. 
2.® — Adopcao do systema de quotidade para a primeira e de 

reparticao para a segunda. ' 

3.^ — Reorganisacao das matrizes, fundada em processes de 

avaliacao da propriedade tao exactas quanto possivel 

e tao variaveis quanto o exige a multiplicidade de asr 

pectos da feicao agricola do paiz. 
4.** — Abolicao de quaesquer addiccionaes sobre a contribuicao 

principal. 

Na contribuicao industrial: 

5.® — Reorganisacao da matriz industrial. 

6.**— Applicacao do systema de patentes para os salaries e 
estipendios, elevando-se os limites fixados na actual 
classe 10.^ da tabella B e estabelecendo-se distinccao 
no processo de applicacao do impost© ds diversas clas- 
ses de contribuintes. 

7.® — Reuniao annual de congresses dos delegados de the- 
souro e escrivaes de fazenda, para trocarem infor- 
macoes e consideracoes em materia de servi^o tribu- 
tario. 

Decima de juros: 

8/ — Encorporacao d*este tribute na contribuicao industrial. 



l82 O IMPOSTO 

Imposto de rendtmento: 

9.®— Suppressao d'este imposto pelo menos emquanto a revi- 
sao geral das contribuigdes nao permitta apreciar ate 
que ponto o imposto geral sobre o rendimento pdde 
constituir a chave do nosso systema tributario. 

Renda de casas: 

io.° — Fundicao d'esta contribui^ao com a sumptuaria, gra- 
duando o novo tributo, por f6rma a corresponder aos 
diversos indices da riqueza tributavel. 

Imposto de consummo: 

ii.° — Suppressao do imposto do real de agua. 

12.^ — Revisao do regimen tributario dos generos actualmente 
sujeitos ao real de agua, a fim de se reconhecer ate 
que ponto nos estabelecimentos de venda possa ser 
imposta qualquer taxa compensadora. 

1 3.^ — Substituigao do imposto do pescado por uma taxa de 
contribuicao industrial. 

14.^ — Inclusao do imposto de licen^a para casas de venda e 
depositos de tabacos na contribuicao industrial. 

i5.* — Suppressao do imposto sobre o alcool quando provada> 
mente em condigoes para a preparacao de vinhos. 

16.® — Modificagao profunda no regimen dos cereaes, fundada 
no chamamento e consummo obrigatorio de todo o 
cereal de produccao nacional e na importacao ad li- 
bitum de cereaes estrangeiros depois de esgotado o 
supprimento nacional, mediante um direito que re- 
presente estimulo para o desenvolvimento da cultura 
cerealifera no nosso paiz. 

17.^ — Revisao das pautas aduaneiras fundada em um cuida- 
doso inquerito sobre a evolucao que se operou na 
industria portugueza, depois da revisao pautal de 
1892. 



E A RIQUEZA PUBLIC A EM PORTUGAL 1 83 



S^llo: 



i8.° — Revisao profunda e completa das tabellas do imposto do 
sSllo. 

Registro: 

ig.^ — Revisao das taxas d'esta contribuicao, no sentido de as 
tornar mais acceitaveis. 

20.^ — Reorganisa<;ao dos servi^os d'esta contribui^ao de mo- 
do a poder nitidamente estabelecer-se uma trans- 
forma(;ao racional no regimen da propriedade. 

21.° — Separacao entre o inventario judicial e o processo de 
liquidagao da contribuicao de registro por titulo gra- 
tuito. 

22.^ — Revisao dos direitos de merce por empregos publicos. 

Imposto complementar: 

23.^ — Depois de feita a reorganisa^ao dos impostos directos, 
creacao de um imposto complementary que vd subs- 
tituindo successivamente os impostos indirectos, a iim 
de estabelecer justa proporcionalidade entre uns e 
outros. 



Se todo este livro representa uma synthese dos numero- 
sissimos dados que tivemos de considerar para estudarmos o 
problema do imposto, nas suas relacoes com a riqueza de 
Portugal, a parte final d'elle representa a condensacao de um 
grande esfor^o para descobrir caminho no labyrintho complexo 
da nossa organisa^ao tributaria. 

Seduziu-nos, mais do que tudo, o enthusiasmo com que 
homens de Estado de diversas nagoes, especialmente da Fran- 
ca e da AUemanha, teem* procurado refundir o regimen fiscal 
em harmonia com as modemas doutrinas das sciencias eco- 
nomico-sociaes. 



184 O IMPOSTO 

Bern sabemos que o imposto unico nos daria uma formu- 
la segura para chegarmos ao elevado fim que temos em vista; 
mas, lancar mao d*esse recurso, corresponderia a substituir 
um edificio mal construido por outro com alicerces assentes 
em terrcno movedico. 

O que tivemos sobretudo em vista, como se terp tido em 
vista em Franca (*) foi estabelecer uma proporcao mais justa 
entre os impostos directos e os indirectos. 

A exemplo do que tem sido tambem proposto, poderiamos 
apontar uma profunda reforma nos impostos, directos, suppri- 
mindo alguns (como a contribuicao predial, a industrial e a 
de renda de casas),cujas bases teem sido consideradas muito 
estreitas e mal escolhidas; poderiamos substituil-os por um 
imposto geral sobre o rendimento, ou por um imposto mixto 
sobre o capital e sobre o rendimento. Por esse systema, o ca- 
pital scria attingido de duas maneiras: i.^ por taxas actual- 
mente existentes, mas cuja importancia seria levantada (im- 
posto de successao, doaqoes) ou conservada (taxas dos bens 
de mao morta, taxas sumptuarias); 2.° por um imposto sobre 
as diversas cathegorias de capitaes, taxadas por forma difFe- 
rente, segundo forem propriedades de recreio, casas de habi- 
tacao ou de rendimento, casas de commercio, etc. 

Este piano nao contribuiria, como se v€, para reduzir as 
contribuicoes indirectas. 

A experiencia feita pela Prussia, em 1891, creou estimulos 
para a reforma fiscal no sentido que acabamos de indicar. 
Mas a mola real da reforma prussiana e o imposto sobre o 
rendimento; o caracter progressivo d'esse imposto, n'um 
meio, como o nosso, em que os elementos de apreciagao fis- 
cal sao tao deficientes, havia de conduzir is maiores aberra- 
coes. Na propria Prussia, encontrou-se difiiculdades technicas 
quando se teve de apreciar o rendimento proveniente do ca- 
pital e o proveniente do trabalho; por isso, pensou-se em 
crear um imposto complementar, que incidiria sobre os valo- 



(1) CAVvfis— Corns de Economic Politique, vol. iv, pag. 443. 



E A RIQUEZA PUBLIC A EM PORTUGAL 1 85 

res taxados, depois de deduzidas. as dividas, em proporcoes 
resumidas e em harmonia com a sua importancia real. Em 
outros paizes, especialmente na Suissa e nos Estados-Unidos,- 
obteve-se, por esta forma, excellentes resultados. (*) 

Demais, na Prussia nao se. lancou a terra, de um s6 gol- 
pe, o antigo systema tributario. Comecou-se pela reforma do 
imposto sobre o rendimcntoe do imposto das classes, e so 
depois d'isso pensou o Estado em abandonar o conjuncto dos 
impostos directos (imposto predial e imposto industrial). 

Entre nos, muito mais modestas devem ser as aspiracoes 
reformadoras, muito mais prudentes os processos postos cm 
execucao, para nao se esbarrar nos multiplos vicios que per- 
turbam o regimen tributario portuguez. 

Aperfeicoemos tanto quanto possivel os impostos directos, 
como acima propomos e, mais tarde, pensemos na creacao de ' 
um imposto complementary estabelecido com taxa muito fraca 
e sobre base rigorosamente proporcional, que venha a consti- 
tuir um supplemento das receitas publicas, de maneira a per- 
mittir que vao diminuirido e depois se supprimam os despro- 
porcionaes impostos indirectos, os quaes estao perdendo a 
sua importancia nas organisacoes fiscaes aperfeicoadas. 

So assim, com tal prudencia, com tal obediencia aos prin- 
cipios scientificos, poderemos chegar a realisar a reforma, 
que OS mais vitaes interesses do paiz reclamam e que jd em 
1870 o ministro da fazenda reputava aindispensavel para a 
nossa organisacao financeira». So assim se conseguiria implan- 
tar essa reforma sem as commocoes violentas de que resa a 
historia fiscal de todos os paizes e que Portugal por vezes tem 
experimentado. 

E certo que o estudo do imposto nos veio revelar um es- 
tado pathologico nacional, que impoe aos estadistas a mais 
seria attencao. 

E ao homem de Estado — na linguagem de Lilienfeld — que 
cumpre prevenir, tratar e curar todos os casos de doencas e 



( I ) Bulletin de Stalittique, inaio 1 893, pag. 648* 



l86 O IMPOSTO 

de diatheses especiaes, a que estd sujeita a organisagao so- 
cial. (^) A actual situacao do icnposto entre n6s e uma verda- 
deira anomalia, que est^ reclamando os cuidados da therapeu- 
tica social. 

Para isso, e indispensavel, porem, conhecer a fundo os fa- 
ctos anomalos que se exercem no nosso paiz, para que as 
providencias a adoptar, longe de remediarem o mal, nao o 
aggravem ainda mais. O illustre vice-presidente do Instituto 
Internacional de Sociologia, cujo nome acima citamos, obser- 
va e com razao: cQuantas medidas legislativas, judiciarias e 
administrativas, longe de afastarem o mal, nao teem contri- 
buido, ao contrario, para o desenvolvimento d*elle, ou para 
produzirem um estado pathologico ainda peor do que o mal 
que tinham intencao de curar, em consequencia de observa- 
coes falsas e superficiaes, de prejuizos, de paixoes e de ideias 
preconcebidas, de que estavam possuidos os proprios ho- 
mens de Estado e em harmonia com as quaes se julgavam 
aptos para tratar a enfermidade social? 

Se, a questao, em Portugal, exige sincera e patriotica von- 
tade, requer tambem, ao mesmo tempo, esclarecido criterio e 
profundo estudo do nosso organismo social. 



( 1 ) p. DB ULi ExrsLa^Lxi Pathoiogie Sodaie, p«s« an. 



ORGANODIAGRAMMAS 



Uma das tentativas mais insistentemente seguidas pela 
sociologia positiva consiste na reproduccao graphica dos phe- 
nomenos sociaes. D'esta maneira, nao so os factos sociologi- 
cos se apreciam mais facilmente, como se torna mais patente 
a connexao entre os phenomenos sociaes. A sociologia figura- 
da tem grande valor scientifico, em confronto da estatistica 
figurada. 

Foi na biologia que a sociologia procurou, n'este, como 
cm outros pontos, os fundamentos para a representacao gra- 
phica das relacoes sociaes, por meio dos seus organogrammas. 

O individuo tem de ser representado como cellula do or- 
ganismo social, como elemento anatomico primario. 

O agrupamento de individuos, que constitue o corpo so- 
cial, tem de ser considerado como aggregado d'esses elemen- 
tos e de ser apreciado quanto i quantidade e quanto d quali- 
dade d'elles, tendo preferencia a primeira consideracao, em 
rclacao d segunda^ se as relacoes sociaes sao reflexo de movi- 
inentos psychologicos, a interven^ao do individuo, como uni- 
dade corporea no espaco e no tempo, representa base de uma 
organisacao social. 

Os organogrammas teem por fim a illustracao do syste- 



I 88 O IMPOSTO 

ma nervoso social, isto e, da populacao de um paiz, no seu 
conjuncto. 

D'csta forma, correndo a vista sobre o papel, como que 
estarcmos contemplando a actividade de um organismo social, 
nas suas multiplas manifestacoes de vida. 

Conhecemos primeiramcnte o ensaio de notacao sociolo- 
gica, publicado em iSgS por Novicow (*)^ mas nao nos attra- 
hiu, porque Ihe falta o caracter scientifico, indispensavel a to- 
das as concepcoes da sociologia. Novicow pretende represen- 
tar OS mais pequenos lacos da organisacao social; por isso 
entra em pormenores que por vezes compromettem a cla- 
reza das suas indicacoes graphicas. Assim, o seu graphico 
reprcsentando a Franca actual, e, no nosso entcnder, um 
tracado complcxo e por vczcs recheiado de informacoes sem 
valor para o sociologo. Aquelle agglomcrado de informacoes 
graphicas sobre as casas e seus habitantes, as communas, os 
departamentos, as corporacoes administrativas, as proceden- 
cias eleitoraes, etc., nao satisfaz as exigcncias do nosso crite- 
rio n'esta materia. 

E por isso que nos merecem preferencia os trabalhos de 
Lilienfcld, publicados em 1896 nos «Annaes do Institute In- 
ternacional de Sociologia*. O methodo graphico de Lilienfeld 
represcnta por circulos o pcssoal de uma collectividade, isto 
e, o systema nervoso, e permiite indicar tambem as relacoes 
d'csse systema nervoso com a substancia intercellular social, 
isto Cn com a produccao, a distribuicao e o consummo das ri- 
quezas. 

Essas relacoes sao indicadas por outras figuras geometri- 
cas, tacs como quadrados, rcctangulos, losangos, etc., corres- 
pondentes a vcrdadeiros diagrammas; mas o que importa 
propriamente ao sociologo, nao sao esses diagrammas: sao as 
relacoes dos factos, que elles traduzem, com o systema ner- 
voso social. 



(I) Revue Inlemalionale de Sociclogie, obril 1895. 



E A RIQUEZA PUBLICA EM PORTUGAL 1 89 

Alem da unidade hierarchica, tornam-se por essa forma 
conhecidas as espheras economica, juridica e politica, que 
concorrem simultaneamente para constituir toda a associacao 
humana. 

Da uniaQ dos organogrammas com os diagrammas sahi- 
ram os organodiagrammas, 

Como se ve, alcanca-se por esta forma um fim mais ele- 
vado do que o das simples cstatisticas: procura-se conhecer 
as leis sociaes. 



Foi em virtude das consideracoes anteriormente expostas 
que nos decidimos a elaborar os dous organodiagrammas, 
que acompanham cste livro. 

Para cste delicado trabalho serviram-nos de ponto de 
apoio OS valiosos dados do i.® volume do «Censo da popula- 
cao do reino de Portugal no i.® de dezembro de 1890J), e as 
estatisiicas, nao menos valiosas, sobre a rclacao entre a des- 
peza e receita ordinaria, os impostos e a populacao, que acom- 
panharam o relatorio e propostas apresentadas ds cortes pelo 
ministro da fazenda, em julho de 1897. 

Da inspeccao d'esses organodiagrammas tiram-se duas 
conclusoes, de interessc para o sociologo: 

I.* Apesar da populacao nao ter crescido consideravel- 
mente, de 1864 para 1890, o encargo tribuiario quasi tripli- 
cou, operando-se, especialmente nos ultimos annos, esse phe- 
nomeno. 

2.* Sendo o modo de ser social da populacao mais sensi- 
vel ao peso dos impostos indirectos do que aos directos, fo- 
ram cxactamcnte aquelles os que mais notavclmente cresce- 
ram, por isso que chegaram a triplicar, no periodo que es- 
tudamos. 

Como se ve, nao e sem valor real a representacao orga- 
nodiagrammatica dos phenomenos do imposto, que temos 
observado. 



190 O IMPOSTO 

Quern conhece o principio de que ca densidade da popu- 
lagao que um paiz p6de supportar e que e compativel com a 
produccao das subsistencias varia segundo a phase economic 
ca que esse mesmo paiz attingiu» (^) — nao p6de desconhecer 
quanto vale a justa apreciagao das rela;6es entre os elemea- 
tos sociaes e os factos economicos. 

E', sem duvida, pelo desconhecimento d'esse principio que 
muitos erros se teem praticado na administra^ ao dos Estados. 



(I) FF. wm— La Population et ie Sytteme Social, pag. 143. 



V 



NOTA 



Ja depois de impressa a maior parte d'este livro, appare- 
ceu public^da a nota da divida fluctuante, que nao era conhe- 
cida desde julho de 1897. 

Em 3o de novembro d'aquelle anno era a seguinte: 

No paiz: 

Em conta de bilhetes do thesouro 10:482 contos 

Contas correntes 25:72 1 » 

No estrangeiro: 

Supprimentos a pagar 5:oo8 » 

Contas correntes, sAldo devedor 1 :oo7 » 

42:218 

Estes dados nao invalidam, porem, as conclusoes doloro- 
sas a que chegamos. (*) 



(I) Vide supra, pag. 70 



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