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Full text of "O marquez de Pombal celebrado por um grupo de distinctos escriptores liberaes"

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/ 



L 



o Marquez 
de Pombal 



nimelda Slltrano 

Jiacharcl forwado pelnJt^^^Mfírsídade Pombalina 



(o 



"e) 



O Marquez 
de Pombal 



Celebrado por um grupo de distinctos 
escrlptores liberaes 



^1 



LISBOA 

Empreza de O Bem Publico 

1906 



DP 



'S^F 



i: 



^- 



rsíudiosa moridadc poriusuera 



para quem a verdade t alimento do espirito, como o estudo 
a occupação que proporciona os mais doces prazeres da 
vida intellectual, 



Oferece e consasja 



o AUCTOR. 






Satisfação ao Leitor 



Q, 



^UANDO ha 24 annos, alguns enthusiastas 
pombalistas, mais fanáticos pelo symbolo 
que allumiados pela verdade, conseguiram fazer com- 
memorar em 5 ou 6 cidades do reino, e sem lusi- 
mento, o 1.** centenário da morte do famoso ministro 
Marquez de Pombal, surgiu o projecto de lhe ser eri- 
gido um monumento em Lisboa. Essa ideia já vinha 
de traz. 

Em março de 1871 fora muito discutida na Aca- 
demia Real de Scieneias (sessão de 16) o pensamen- 
to de levantar-se uma estatua ao grande heroe con- 
quistador — Affonso d^Albt4qn£rque que uns acadé- 
micos propugnavam, como homenagem da pátria agra- 
decida ao fundador do nosso império asiático, e ou- 
tros propunham e preferiam fosse erecta ao Marquez 
de Pombal. 

A questão azedou-se, os contendores tornaram-se 
irreductivos, e afinal a estatua não se levantou nem 
a um nem a outro. O sectarismo embaraçou o patrio- 
tismo. 



o Marquez de Pombal 



Ya condão de Pombal : como foi a incarnação do 
ódio e do despotismo, tanto que o seu nome se mescla 
em nossas discussões politicas ou litteiúrias, logo re- 
benta a discórdia. 

Foi o projecto redigido, proposto ás camarás de 
1882, e por ellas approvadó. Mas o monumento não 
se erigiu, como prophetisou, se assim me posso ex- 
primir, o festejado escriptor Camillo Castello Branco, 
quando disse no seu Perfil do Marquez de Pombal: 
<Sou um mero contemplador da Jumlição do metal 
de que ha de sair a estatua da liberdade portuguesa, 
mas em meio século, será difficil empreza desaggre- 
gar o bronze estremo do chumbo e da escumallia de 
ferro. •> (\) 

Por oecasiào da recente ascensão do partido pro- 
gressista ao poder, os mesmos ou similhantes elemen- 
tos, chamados liberaes e avançados, renovaram a ten- 
tativa, e conseguiram que o governo nomeasse nova 
commissão para diligenciar a erecção do monumento» 

Levará a cabo a empreza ? Não sei. Num paiz que 
fosse amante da verdadeira liberdade e sufíiciente- 
mente illustrado eu diria afoitamente : Xunca ; mas 
num paiz, como Portugal, em que temos -j^ de anal- 
phabetos, meio milhão de ledores inconscientes e der- 
rancados, e quasi outro meio de illustrados cultivado- 
res da mandria nacional, que fazem papel de papa- 
gaios, restando alguns poucos milhares de homens 
que tem amor ao estudo e prestam culto á verdade e 
á liberdade, sem escumalha, é de receiar que o idolo 
de algumas centenas de cesaristas e algumas dese- 
nas de bermdores de arengas phrigias, alcance aftVon- 
tar as ruas de Lisboa, e gravar eterno labéu de ver- 
gonha sobre a nação. Quando um povo offerece os pui- 



{}) Prologo, pag. VIII. 



o Marquez de Pombal 



SOS ás algemas, já nào tem conscieDcia da s(ia digni- 
dade. Se memorar os heroes ennobrece, estatuar dés- 
potas envilece. E em verdade, o Mniquez de Pombal 
merecerá que a nação lhe levante, agradecida, uma 
estatua ? 

E' ao que me proponho responder neste estudo 
emprehendido por amor á verdade, agora que as pai- 
xões parecem mais calmas. Invocarei perante o tri- 
bunal da critica testemunhas das mais qualificadas e 
insuspeitas, escriptores brilhantes, que por vários tí- 
tulos opulentaram e illustraram a litteratura nacio- 
nal, como Pinheiro Chagcn^, Camillo C, Branco, La- 
tino Coelho, RamaVw Ortigão, Guerra Junqueiro, 
Coellw da Rocha, Luiz Soriano, e até Tlieophilo 
Braga. 

Li, ponderei, joeirei pelo cadinho da critica im- 
parcial, evoquei documentos e encontrei iucoheren- 
cias, anachronismos, contradicçòes e juizos apaixona - 
dos, que têm trazido a verdade ajogada. 

Itestituil-a ao throno que de direito lhe pertence, 
dissipar as nuvens que encobriam o verdadeiro vulto 
do Marquez e expol-o aos olhos da multidão pai-a que 
o contemple tal qual é e não qual lh'o têm apresen- 
tado os retratistas de tintas falsificadas, é o intento 
do auctor deste modesto, quanto sincero trabalho. 

E pode ser que nelle dê alguma novidade, que 
de certo gostareis, principalmente no que toca á con- 
juração contra D. Josq. Não serei ousado se affirmar 
que hei de demonstrar, á luz do mais claro racioci- 
nio, com a própria sentença na mão, que tal conju- 
ração foi um parto monstruoso da perversidade de 
Pombal, uma invenção diabólica da sua malicia, e 
isto contra a opinião de quantos historiadores e es- 
criptores têm escripto sobre Pombal. 

Em ponto de monopólios e limpeza de mãon 



IO o Marquez de Pombal 



também vos porei deante dos olhos jmtos que an- 
dam geralmente ignorados on obliterados; não me- 
nos quanto á feroz perseguiqào aos jesmtus. Lêde- 
me e sentenciai no fim. 

Se disse bem, dai-me razão ; se não, dizei-me em 
quê. Se engano ou erro houver, attribui-o á intelli- 
gencia e falta de elementos, nunca á vontade, por- 
que só desejei e trabalhei por encontrar a verdade. 
Estae, pois, comigo. 




CAPITULO I 

Ds meujs colkbcradores ou antss Isgitimss 
aurtores desta obra 



ÍXqwill^s dos nossos modernos escriptores de 
quem archivarei aqui os testimunhos semo 
insuspeitos aos ânimos mais prevenidos, pois vou 
chamar a depor não menos que Camillo CasteJlo 
Branco, M. Pinheiro Chagas, Latino Coelho, Ra- 
malho Ortigão, Guerra Junqueiro, Thomaz Ribeiro, 
Soriano Luiz Gomes e alguns mais. E posto que 
nenhum d'el!es careça de apresentação para os 
menos lidos, hajam-me todavia em bem emitta 
francamente o conceito que dos mais notáveis eu 
faço, conceito mais positivo que subjectivo» antes 
baseado nas suas mesmas palavras e obras que 
no seu critério, 

Camillo Castello Branco 

Este prodigioso e^^ciiptor, gloria da litteratura 
nacional, cm que occupa o primeiro logar entre os 
romancistas, se causa assombro pela sua fecuudi- 



o Marquez de Pombal 



dade, não menos pasma pela sua versatilidade de 
opiniões, maldizendo hoje o que hontem exaltou : 
num ponto, porem, foi constante — no desamor ao 
de>pothino de Pombal a quem jamais qtiehnoti se- 
quer um grão de incenso. Para elle nunca algumas 
medidas úteis do famoso Ministro foram bastantes 
a lhe, não direi lavar, mas nem sequer attenuar as 
negras manchas de tão feroz e tyrannico dictador. 

Ahi por 1852 escreveu elle um artigo, biblio- 
graphico, apreciando o livro que por então se pu- 
blicara — Anedotas do ministério do Marquez de 
Pombal e Conde de Oeiras — Sebastião J-osé de Car- 
valho e Mello — versio do francez, em 2 tomos ; e 
já então dizia que a ^verdade ^ juiz incorruptível, 
condemna D. !^o<é I e o Marquez de Poinbal; e 
classificava de 9. iras tempestuosas dum mar de san- 
gue^ ao que o violento Marquez fez derramar nos 
cadafalsos e autos de fé ; e considera a obra an- 
nunciada excellente meio para i^desafivelar a mas- 
cara da calumnia^y qual foi a negociação para a 
destruição da Companhia; para Camillo d'então 
Pombal já não passava de Tartufo da impieda- 
de.* [^) 

Este como todos os demais artigos das Horas 
de paz foram pelo auctor reeditados em 1865. Dez 
annos mais tarde, em 1875, foi publicada a Histo^ 
ria de Gabriel Malagrida^ pelo P. Paulo Aíury, 
trasladada a portuguez e prefaciada por Camillo 
Castello Branco; no prefacio chama ^coração em- 
pedrados ao de Pombal; confessa que o auctor da 
biographia do P.* Mnlagrida ^accusa moderadamen-- 
te a iniquidade de Pombal, e affirnia que ao Mar- 



{}} Vid. Horas de paz, vol. II, 3.a ed. içoS, pg. 96 

71. 



o Marquez de Pombal 1 3 



quez lhe era i^mais agraciado espectáculo ver as 
200 forcas funccionando d tôa que ouvir os clavio^ 
res dos sacerdotes, . . (^) No Perfil do Marquez de 
Pombal em 1882, apenas 7 annos mais tarde, ex- 
plicou comprida e fundadamente o que julgava de 
Pombal, a quem pòz a calva á mira. Neste ponto 
foi constante : noutros teve cambeantes. . . de cama- 
leão. 

Assim, no Perfil de 82, diz que os Jesuítas 
^preferiam o obscícrantisjtio theologico d maceração 
da torturai (pg. 172); (\\\q <k o engajado do Jesuíta 
entrava no ceu pelo amplo portal da ignomncia-^ 
(pg. 173); nas Horas de paz dizia: ^0 jesuitavlrd 
entre nós, e as suas palavi as serdo de benção sobre 
os vossos fructos maldictos. Assim viesse para nós 
o dia do arrependimento, como ha d^ raiar para elle 
o dia do triumpho, A sua causa é a de Detcs. i> {*) 

Pouco depois traduziu Camillo um soberbo ar- 
tigo de Luiz Veuillot, redactor do Univers, escri- 
pto que é uma eloquente apologia da Companhia 
de Jesus, e a que Camillo chama sobreexcellen^e ; 
e nelle se diz: <^0 que e que vemos na historia dos 
jesuítas ? Uma sociedade de homens piedosos, cora- 
josos e sábios — piedosos pela maior parte até d san- 
tidade, corajosos até ao heroísmo; tdo perfeitamente 
experimentados, tdo admiravelmente dedicados a 
sitas leis que, apeUas no decorrer de um século, se 
vem fraquear alguns que sam logo expulsos ... >*) 
Chama-lhe ainda, á Companhia de Jesus, <^edifí' 



(1) Historia de Gabriel Mglagrida^ pg. V e IX. 

(2) Vol. 2.", pg. 54 e y:>. Artigo escripto por occasião 
do regicida Mífrino, que attcntou contra a vida de D. Isa- 
bel II, de Hespanha. 

(5; Horas de paz^ vol. 2.", pg. 102. 



14 O Marquez de Pombal 



cio ftiagestoso, onde Jesus devia Iiospedar o seu noine 
augusto.-» \J) 

Ao P.* Malagrida chama elle, no prefacio á 
^Historia do P.^ Paulo Mury — ^apostolo do Bra- 
sih que ^alumiou com a luz da sciencia abrilhan- 
tada por virtudes e alta piedade» os paizes da Ame- 
rica por onde missionou e peregrinou, confessando 
que sua vida foi toperosissima,» ^) 

Ainda outra incoherencia de Camillo. Escre- 
vendo sobre o suicídio dizia elle : <i.Enluta-se o co- 
ração e amesquinha-se o pensamento a^ escrever es- 
tas oitQ letras que se me afiguram o epitaphio desta 
sociedade^ esvaida de coragem para luctar com a 
viiseria e a desesperação . . . Não sei que aproveita- 
mento esperam as minhas palavras, sem uncçáo tal- 
vez para os qtu m*as lêem, e menos ainda para uma 
sociedade entretida em grangear-se amararas, e 
incrédula de mais para acreditar que possa umjoi- 
nal religioso suavisal-as / . . . Não pode, não, quando 
o infeliz a quem envio esta pagina escripta diante 
da cruz de Jesus Christo, cerrou os ouvidos da sua 
alma ao chamamento do Senhor, e caiu, de cançado, 
renegando o peso da sua Cruz /... E a mão do homem 
tem força de encravar um ferro no coração, onde o 
Creador gravara o seu nome, três vezes santo / . . . O 
homem que se mata é responsável da sua morte. 
Repetirei sempre: o suicídio não seria motivo de 
momentânea surpreza se todos fossemos atheus . . . 
Sem temor de Deus, sem confiança na Providencia, 
grandes desgostos me levariam a mim a procurar a 
maneira de não sentil-os . . . Quem vasou no seio 
desta geração torrentes, de um veneno despedaçador 

(«) Horas de paz, vol. 2.0, pg. i3i. 

{}) Historia de Gabriel Malagrida, pg. V a VI. 



o MarquÊ» dê Fomòal 



i:> 



dos vmcuiôs que prendem o homem ao soffrimenta 
foi a anarchía das ideias^ foi a mão destruidora 
que quebrou o freio da religião ás multidões licen^ 
ciosas , , * (^) 

Pois a mão que escreveu estas sentidas pala- 
vras, condem nando o suicídio em nome da natu- 
reza e da religião, foi a mesma que apontou ao ou- 
vido a bala mortifera e suicida I Foi assim a vida 
do grande e desditoso escriptor: uma serie de in- 
coherencias ou contradicções. Só numa coisa cons- 
tante, coherente, invariável : no aborrecimento ao 
Marquez de Pombal. E para que um espirito assim 
volúvel nisto fosse inalterável, força foi que o des- 
potismo pombalino fosse tal que o paladar camil- 
liano o nào podesse tragar, com todo o seu sabur- 
ro anti-religioso da ultima hora. 

Por isso duplamente apreciável o seu testimu- 
nho nesta causa. 

M. Pinheiro Chagas 

Este festejado escriptor é antes enthusiasta pa- 
negyrista de Pombal que seu detractor: todavia o 
seu depoimento é contradictorio, e vale pouco pe- 
rante a critica* Aqui só o considero como historia- 
dor : e como tal, a sua Historia de Portugália pou- 
co mais que obra de feira. 

Este conceito que de sua obra ha muito tinha 
(e pode ser que um dia largamente demonstre) 
vi-o> não ha muito, confirmado por um testimu- 
nho insuspeito, qual é o do snn Alberto Pimentel, 
num recente artigo biographico sobre o fallecido 



{}) Horas dt Paz, vol. I, ed. ir»o3, pg, Si a 4-% Ar- 
tigo sobre o suicídio. 



ÉÉte 



i6 O Marquez de Pombal 



Dr. Cunha Belém (^) publicado no Almanach de 
Lembranças para 1906. E' um artigo muito inte- 
ressante, onde encontro preciosos elementos para 
me certificar que a historia de Pinheiro Chagas é 
obra de feira^ e não trabalho histórico, como hoje 
o exige a critica. 

Conta o snr. Alberto Pimentel como, na sua 
ida para Lisboa, começou a frequentar a casa de 
Pedro Correia, escriptor e editor ; como alli se re- 
lacionou com Pinheiro Chagas de quem Pedro 
Correia se tornou editor da Bibliotheca dos Dois 
Mundos, do Diário lllustrado. Correio da Europa, 
Illustraçào Portugueza, Diccionario Popular, Pelo 
vibto era um emeiito cosinheiro da opinião publi- 
ca ; não podia deixar de ser deputado, e foi-o. 
Nesta qualidade, e nas outras sobresaía <!^por suas 
^anecdotas e itíemorias-», sendo ^um conversador bri- 
«ihante e infatigaveh. Pinheiro C Juncas era um 
<s^trabalíiador heróico. Os dois <^ completavam- se no 
«combate da vida, trabalhando um para o outro. 
«Chagas escreveu para o seu amigo a Historia de 
^Portugal, traduziu-lhe a Historia de França, a 
f^ Historia de Roma, e muitos romances . . . Quan- 
«do se representou pela primeira vez a Morgadi- 
<í.nha de Vai Flor com o mais enthusiastico succes- 
«so de que ha memoria nos nossos theatros — Pi- 
«nheiro Chagas foi a correr para casa trabalhar 
«toda a noite, porque no dia seguinte tinha de im- 



(^) Foi politico, militando no partido regenerador, 
escriptor, criíico-dramatico, medico militar, vindo a mor- 
rer Cirurgião em chefe do exercito, tm 12 de março de iuo5: 
era mação de alto cothurno, e por isso mui dado a movi- 
mentos de triangulas , . . Só n*este particular não falou cla- 
ramente o illustre biographo. 



o Marquez de Pombal 17 



■«primir-se, por força, uma folha da Historia de 
€ Portugal , . . \^) 

Ora uma historia de Poitugal, escripta assim 
num trabalho tresnoutado e com o laço na gar- 
ganta, poderá ser tudo, historia a valer é que não 
e, porque esta exige muita paciência na investiga- 
ção, muita madureza na confrontação, muita se- 
gurança na affirmação e methodo repousado, e tudo 
isto parece fazer mingua nu trabalho de Pinheiro 
Chagas, mais por falta de tempo que de compe- 
tência, sendo obrigado a escrever sobre o joelho, 
e por iiso sem occasiáo de olhar para traz, enva- 
redando pelo primeiro caminho que se lhe depa- 
rava. Esta é a razão de se encontrarem tantas con- 
tradicções no seu principal trabalho. Farei apenas 
dois exemplos, para que se não pondere que accuso 
sem provas. 

1.* Contradicção 

A pag. 399 do vol. 10.^ da Historia de Portu- 
gal lè-se o seguinte : 

«Não podia a reacção caminhar mais desassom- 
« brada (fala do que occorreu após a queda do Mar- 
«quez por morte do rei D. José). Os ministros eram 
«quasi todos mais ou menos devotos e decididos 
«partidários da causa de Roma. Alem disso dois 
«homens extranhos ao governo tinham tomado 
«uma grande pai te nelle, e eram esses homens o 
«confessor da Rainha, fr. Ignacio de S. Caetano, 
«carmelita descalço, e o confessor do Rei, fr. José 
«Mayne, da 3.* Ordem da Penitencia, quer dizer, 



vi 



}) Vid. AlmarMch de Lembranças para 1906, pg. V 

1 



iS o Marquez de Pombal 



«frade do Convento de Jesus. Os negócios, dirigi- 
«dos por estes piedosos sujeitos, encaminhavam-se 
«do modo mais favorável possível ás pretenções 
«da Cúria, que o Marquez de Pombal sempre tào 
«intrepidamente combatera.» 

Mais adeante, porem, a pag. 404 do mesmo 
vol., lê-se: 

«A S. Sé trabalhava audaciosamente na reac- 
«Ção. Os ministros dominantes no conselho eram 
«o que sabemos. Ayres de Sá (*) ridiculamente de- 
«voto, empregava o, tempo em expedir ordens para 
«que as tropas rezassem o terço: o rei D. Pedro 
«3.**, homem de 60 annos, passando o dia a ouvir 
«missas, não podia aproveitar, senão em favor do 
«clero, a grande influencia que devia ao extremoso 
«affecto conjugal que D. Maria I lhe votava. O que 
«valia para que a reacção nio excedesse todos os 
«limites eram a illustração do confessor de D. Pe- 
«dro 3.°, o celebre e doutíssimo padre fr. José 
«Mayne, e as tendências abertamente císmontanas 
«do confessor da Rainha (refere-se a fr. Ignacio de 
«S. Caetano.)» 

De modo que as pretenções da Cúria, no dizer 
do historiador, ^encaminliavam-se do inodo7nais fa- 
vorável possivehyátwxáo k\r.^\ier\c\dL dos dois <ípie- 
dosos sujeitos-» ; mas ao mesmo tempo era devido a 
elles que «íz reacção não excedia todos os liviites,> 

Primeiro eram elles que auxiliavam a ^reacção 
a caminhar viais desassombrada»; ao depois eram 
elles que obstavam a que ^excedesse todos os livii- 



<^) Ayres de Sá passou a ser ministro dos estrangei- 
ros e da guerra, quando Pombal passou para o ministério 
do reino, por morte do Cardeal Pedro da Motta, em maio 
de 1756. 



o Marquez de Pombal U) 



úcs-»; antes favoreciam as pretençòas da Cúria, de- 
clarando-se por isso ultramontanos, na giria libe- 
ral regalista ; ao depois e ao mesmo tempo o con- 
fessor da Rainha já possuia tendências abertamente 
císmontanas, quer dizer, era um reiíaiista de polpa, 
como em verdade parece que foi, e como não po- 
dia deixar dê ser, dado que era creatura de Pombal. 
Como se ve, o festejado romancista resolveu 
na historia o problema da identidade dos contrários, 
coisa havida por absurda. Ainda outro exemplo, e 
seja a 

2.« Contradiccão 

» 

Como F^r." Luiz Comes accusasse o Marquez 
de seguir as ideias e legislação de Colbert no que 
diz respeito aos vionopoUos no commercio, na in- 
dustria e até na agricultura. Pinheiro Chagas sai á 
barra em defensa do Marquez e diz : 

«P^r." Luiz Gomes tem muitas vezes o defeito 
*de aval. ar, segundo as ideias económicas do nosso 
«.tempo, as medidas do Marquez de Pombal. O sys- 
«tema de Colbert era ainda, na segunda metade do 
«.século 18, o ideal de todos os governos que de- 
«>ejavam cuidar da prospei idade das nações... 
«Podemos exigir a sério que o ministro d'El-rei 
<^D. José fundasse no nosso paiz a liberdade com- 
*n\ercial? Sinceramente nào é possivel. Confor- 
«mando-se com as ideias do seu tempo, e princi- 
«palmente com as tendências geraes da sua polí- 
ptica, podia fazer mais do que fez r Nào cremos, i^ (^) 

Mais adeante, falando das medidas do governo 



(ly Hist. de Portugal^ vol. 10, pg. 32 1 e 322. 



20 O Marquez de Pombal 



de D. Maria I, que substituiu o de Pombal, es- 
creve : 

«Houve principalmente uma medida do Mar- 
«quez de Pombal que o governo da Rainha, com 
«applauso da opinião publica, pôde revogar : foi a 
«do estabelecimento de companhias commerciaes 
«com monopólios. Não ha com certeza instituição 
«mais condemnada pela economia politica moder- 
«na, e mesmo peia economia politica do tempo do 
«Marquez; mas o grande ministro nesse ponto es- 
«tava aferrado ás doutrinas de Colbert, e não sa- 
«bemos senão teria uma certa razão ...» i^) 

Não sei se vêm bem. «O syslema de Colbert 
era ainda na segunda metade do século XVIll, o 
ideal de todos os governos que desejavam ciíídar da 
prosperidade das naçôes-^y . . . ; mas ao mesmo tem- 
po esse s\>tema dos monopólios era a <í^ínstitu:çdo 
mais condemnada me sino pela economia politica do 
tempo do Marquez^ ; estabelecendo monopólio s, o 
Marquez não fez mais que <LCjnformar-se com as 
ideias do seu tempos; mas o goveino que se lhe 
seguiu, revogando logo es monopólios, não fez mais 
que seguir as ideias do tempo, pois teve do seu 
lado «o applauso da opinião publicai 1 1 

Isto é apenas um panno d'an^ostra. Todavia, 
dado o enthusiasmo que moírtra pelo governo do 
Marquez, bem de ver é quão vaiio.^-o será seu tcii- 
timunho quando accuse o Marquez, a quem aliás 
está sempre prompto a desculpar. E se algumas 
contradicçòes se notaram no decorrer do depoi- 
mento resultam ellas da lucta entre o amor que o 
escriptor tinha á liberdade e á verdade e á paixão 
que o cegava pelo heroe que o deslumbrava. 

'^) Hist, de Portugal, vol. lo, pg. 40o. 



o Marquez de Pombal 



Latino Coelho 

Sendo este escriptor egualmente fanático pelo 
Marquez é todavia mais ponderado seu testimunho, 
porque não lhe oíTuscam tanto a lectidáo do juizo 
os fumos da paixão : assim como seu estylo é mais 
castigado, e sua dicção mais clássica, assim seu 
conceito é menos parcial e mais egual. Se exalta 
virtudes, também denuncia culpas. 

O sincero amor que parece mostrar pela ver- 
dade, e que elle buscou quanto lho permittiam 
suas preoccupações, levou-o a condemnar muitos 
actos do Marquez; mas o enthusiasmo pela sua 
obra destruidora levou-o, melhor, arrastou-o invo- 
luntariamente a certas incoherencias e até contra- 
dicções, inconcebíveis em escriptor tão esclarecido, 
senão foram as prevenções. Por brevidade darei 
apenas uma amostra das oscillaçoes do notável 
cultor das lettras pátrias : 

Vem falando da nova face que tomaram as 
questões da Companhia de Jesus, dissolvidci por 
um breve do fraco Clemente XIV, publicado sob 
a pressão de varias poderosas cortes da Europa, 
logo no segundo pontificado de Pio Vi, e nomea- 
damente do que succedeu na Rússia, onde o breve 
de dissolução não foi executado: eis como se ex- 
pressa : 

«Sob o novo pontificado, a condição dos Je- 
«suitas havia sido artificiosamente melhorada. Em 
«1778 a Congregação Jh Propaganda Fídc con- 
«cedera ao Bispo de Mihilow, na Rússia Branca, 
«Estanislau Siestrzencewiez, a faculdade de exer- 
«cer a jurisdicção ordinária sobre os regulares exis- 
«tentes na sua diocese, e 03 poderes de Vi-itidor 



22 O Marquez de Pombal 



«de todos os conventos e casas religiosas de um 
«e outro sexo, dando-se por valido, e como se fora 
«estatuido pela S. Sé, quanto o Prelado moscovita 
«houvesse de fazer no uso da sua Visitação. A 
«Cuna tinha achado um engenhoso expediente 
«que, satisfazendo á Imperatriz, conservava a Com- 
«panhia em seus estados, sem ministrar aos sobe- 
«ranos catholicos um claro fundamento para as 
«suas recriminações. A ambiguidade com que es- 
«tava redigido o diploma pontiíicio, no qual, nem 
«ainda remotamente se alludia aos jesuítas, era um 
«novo documento da subtileza romana. Arma-lo 
«porem com as suas faculdades, o Bispo de Mohi- 
«low, a cuja parcialidade para com os Jesuítas Pio 
«\'l parecia haver tacitamente encommendado a 
«interpretação do seu rescripto, estabelecera desde 
«logo o noviciado, e accordando á Ordem o piiv i- 
«Icgio de recrutar novos adeptos, assegurava a sua 
«perpetua conservação. O acto pelo qual o Bispo 
«moscovita instituía novamente na sua diocese os 
«noviciados jesuíticos e vestia com a roupeta os 
«sócios da rediviva Sociedade, irritava em summo 
«grau as iras da França e principalmente da Hes- 
«panha ...» (^) 

Não obstante, um pouco adeante, accusa o 
dito Bispo de ^se rcbjlLir abertamente contra as 
determinações da S. Sé^ e de ^ interpretar dolo- 
samente o rescripto pontifícios !! capitula de «audá- 
cias o proceder legitimo e regular do Prelado! ■^) 
A extremos como este levam as preoccupações, 
ainda dos espíritos mais illustrados. 

!i» Historia politica e militar de Por turrai, vol I, 
pg. 3c)7 c 3^,í^. 

l^^ Ib. p:;. /O') e 410. 



o Marquez de Pombal 23 



Todavia o seu trabalho é muito superior ao de 
Pinheiro Chagas, e o seu depoimento valioso, em 
quanto testimunhar sobre Pombal a quem, por en- 
tre hosanas de louvor, não deixa de fulminar cen- 
suras, para absolver as quaes não ha poderes bas- 
tantes nas amplidões da historia imparcial. 

Ramalho Ortigão 

Ninguém ha ahi, medianamente lido em nossos 
festejados escriptores modernos, que desconheça o 
brilhante redactor das Farpas, onde o acerado da 
ironia se casava com a valentia da critica. 

Presta homenagem, como os anteriores, ás cha- 
madas ideias modernas y preconisadas pela Revolu- 
ção ; é um livre pensador de pura agua, como el- 
les; só no affecto e sympathia pelo Marquez pa- 
rece emparelhar antes com Camillo. 

E' coherente; e em nome do bom senso e da 
lógica aprecia a figura histórica do Marquez. Seu 
depoimento é, pois, egualmente insuspeitissimo, e a 
pedra preciosa que elle offerece para o monumen- 
to é do mais fino quilate. 

Guerra Junqueiro 

Do victoriado poeta, auctor áo D. João e da 
Velhice do ^Padre Eterno, parece não haverá do 
mesmo modo fundamento para oppòr suspeições : 
porque se os apontados são insuspeitos, este se nos 
apresenta insuspeitissimo para os liberaes mais 
avançados, mesmo para os obreiros do compasso e 
trolJia, 

Não cabe aqui apreciar o valor da obra littera- 
ria do cantor do alcouce e da impiedade superfi- 



24 o Marquez de Pombal 



ciai, com pretenções a voltariana; tanto mais que 
da Velhice do Padre Eterno á Pátria medeia um 
largo estádio na carreira do poeta, que de certo 
não tocou ainda a meta, e parece agitado por brisas 
muito outras, vindas de paizes desconhecidos: quem 
sabe se por fim acabará prestando culto ao Ignoto 
Deo de S. Paulo?... 

Aqui é invocado somente pelo valor que no 
campo anti-clerical goza sua opinião. Seu juizo é 
decretorio; sua pedra preciosa do mais subido preço. 

Eis a companhia que trago : é selecta, auctoii- 
sada e a mais qualificada que poderá exigir-se para 
o commettimento: ninguém de boa fé e sincero a 
poderá regeitar : Camillo, Pinheiro Chagas, Latino 
Coelho, Ramalho Ortigão^ Guerra Junqueiro e ou- 
tros. Ouçamo-los. 



A^ 



^^^v^<{?^<5^ 



CAPITULO lí 



2 v= — . 



RSST71k£0 

Seu nascimento e fi-iaç£o; seus irrrãos e irrrá^; prir-eiras 
occupaçóes e aventuras da rr.ocivlaie estróina: sej i/' 
casamento c residência em Soure ; cotio entrou nx cir- 
reira diplomática ; divergência entre Camill-í e Pinheiro 
Chagas ; seus trabalhos litterarios ocos c fjrfjlhuios ; 
com todo o seu talento não aprende, em ó annos de 
residência em Londres, a conjugar um verbo inj^lez : 
transferencia para Vienna d'Au<tria: nova diverijencia 
entre os dois escriptores, quanto á causa da mudança : 
seu 2. " casamento na capital austriaca ; como foi mi- 
nistro. 



I-X XTE5 de nne occupar de alguns actos que tào 
famoso tomaram, na historia patuá, o nome 
do Marquez de Pombal, o cioso valido da real XuUi- 
dade que se chamou D. José I, julguei opportuno 
deixar archivado, nesta opportuna connpila<;f\o. o 
que os nossos escriptores de mais nomeada averi- 
guaram, em ponto de ascendência e descendência 
proxi-na do illustre Marquez. Muitas vezes ceitos 



26 o Marquez de Pombal 



dados biographicos sam a chave do enigma de cer- 
tas vidas . . . 

A 13 de maio de 1699 nasceu em Lisboa, se- 
gundo diz o fallecido escriptor Manuel Pinheiro 
Chagas \^), Sebastião José de Carvalho e Mello, na 
casa que n\ rua Formosa tinham seus pais Manuel 
Carvalho d'Aihaide, Capitào de cavallaria, Com- 
mendador da Ordem de Cnristo e Senhor da Quin- 
ta da Granja, e D. Thereza Luiza de Mendonça e 
Mello, filha dos Morgados de Souto d'El-Rei : foi 
baptizado na egreja das Mercè^, a 6 de junho. 

Camillo Castello Branco, investigador e mali- 
cioso, remontou mais arriba e achou que era neto 
dum tal Padre Sebastião da Mata Escura e da pre- 
ta escrava Martha Fernandes, abonando-se com o 
testimunho do frade vicentino D. Joào VI de San- 
ta Maria de yesus, do mosteiro de S. Vicente d 3 
Lisboa, que hoje serve d 3 residência patriarchal. 
«O cruzio vicentino D. João VI, escreve Camillo \J\, 
era genealógico de fama e polpa, mordaz e detrahi- 
dor dos Carvalhos da rua Formosa. O frade mal- 
sinava-lhe a progénie, e falava sarcasticamente 
dum Abbade de Fozcôa, tio-avò de Sebastião José, 
por antonomásia o Negro^ por ser neto da preta 
Martha Fernandes.» 

Nascendo Sebastião José em 1699, forçoso se- 
lia remontar meio século, pouco mais ou menos, 
para encontrar os assentos que o tal Abbade deve- 
ria ter deixado no cartono : infeli7,mente não exis- 
tem lá livros de tal epocha: não posso por isso 
confirmar que a minha freguezia tivesse tal Ab- 
bade. 



(}) Historia de Portugal^ tom. o.% P^. 537 a 541. 
(*) Perfil do Marquez de Pombal^ pg. 181. 



o Marquez de Pombal 27 



Teve Sebastião José três irmãos e duas irmãs: 
os irmãos foram : 

I.® Francisco Xavier de Mendonça P^urtado, 
que foi Governador do Pará e ao depois Ministro 
da Marinha, nomeado pelo mano Sebastião, quan- 
do ministro omnipotente ; 

2." Paulo de Carvalho, que se ordenou, foi 
Monsenhor da Patriarchal, Commissarlo da Bulia, 
D. Prior^de Guimarães e Inquisidor Geral, por no- 
meação do mano ; 

3.** José Joaquim de Carvalho, que foi militar, 
embarcou para a índia e por lá morreu. 

As manas foram a celebre Prioreza do Con- 
vento de Santa Joanna de Lisboa, D. Maria Magda- 
lena de Mendonça e D. Mayor Luiza de Mendon- 
ça, também professa. 

Dizem que os pais destinaram o filho Sebastião 
para as lettras, e que a esse fim estudara em Coim- 
bra, sem concluir. carreira ; outros dizem que assen- 
tara praça e que depois abandonara a vida militar. 
e se fora metter em Soure, depois de casado com 
uma sobrinha do Conde dos Arcos, que Camillo 
diz ser já viuva. Eis como Pinheiro Chagas conta 
as occupações juvenis e académicas do futuro 
Marquez de Pombal: 

«Diz-se que frequentou a Universidade áò 
«Coinbra, e que seguiu a carreira das armas; ou- 
«tros biographos negam porem que assentem essas 
«informações em factos irrecusáveis: o que é cer- 
«to é que elle figurou em Lisboa, na sua mocidade 
«entre aquelles fidalgos aventurosos e desordeiros 
«que perturbíívam, com as suas brigas, a tranquil- 
«lidade dl capital. E^nergico, decidido, brioso, de 
«agradável phi>ionomia e elegante figura, Sebas- 
«tiào de Carvalho e M jIIo era bem visto pelas da- 



28 o Marquez de Pombal 



«mas da capital, e os seus amores com a sobrinha 
«do Conde dos Arcos tem uma còr verdadaira- 
«mente romanesca. A familia do Conde dos Arcos 
<:e a do Marquez das Minas, apparen^ada com ella 
<:por affinidade, n\o viam com muito bons modos 
«o galanteio d.) futuro Marquez de Pombal; mas 
*tão profundo era o amor que lhe consagrava essa 
«senhorn, cujo nome era D. Thereza de Mendon- 
«ça e Almada, que desprezou todos os respeitos hu- 
« manos, fugiu por uma janella, e veio immedia- 
«tamente lançar-.^e nos braços do homem que a 
<x requestava e que logo a recebeu por esposa, re- 
<airando-se depois com ella para a villa de Sou- 
«.re, onde parece que possuia algumas proprieda- 
«des.» (^) 

Cam-.llo Castello Branco diz por seu lado: 
«A mocidade deste homem agitara-se em tem- 
«pestades que hoje chamaríamos canalhas e a mu- 
«nicipal castigaria a espadeiradas. Foi um espan- 
.«cador distincto, um extremado trocista. A* sua 
«formatura em jurisprudência é impossível já agora 
«descobrir as causas impeditivas. Tédio d js assum- 
«ptos? incapacidade e preguiça? reprovações? in- 
«disciplina de costumes, incompatíveis com o es- 
«tudo? Serii tudo. E' todavia certo que Sebastião 
«José de Carvalho, cm lettras, ficou muito abaixo 
«da craveira dos seus coevos na Academia da His- 
«toria. 

«Mas vamos em catado homem a Lisboa, depois 
«que desistiu da formatura, quer forçado, quer ex- 
«pontaneamente. Encontramol-o com praça assen- 
«te de soldado raso. George Moore diz que a ne- 

(M Historia de Portugal^ tom. 9.0, pg. 538. 



o Marquez de Pombal 29 



«cessidade foi a causa principal de se fazer solda- 
ndo e presume que elle chegou a cabo de esquadra. 
«Sebastião de Carvalho esperava ser promovido a 
«ofíicial com a protecção do tio Paulo ; porem tão 
«antipathica era a sua fama que foi excluido duma 
«grande promoção em que os criados d'alguns fi- 
«dalgos passaram a capitães. Keíinou então, espo- 
«reado pela raiva nas tropelias e arruaças que lhe 
«deram a má reputação. Voltou ás proezas noctur- 
«nas. Acaudilhava uma jolda de valentões com li- 
«bré especial de capote branco. Pancadaria brava 
«poraquellas alfurnas de Lisboa... Sebastião "José 
«e os da quadrilha eram o terror de outras alcateas 
«de facínoras, capitaneados por fidalgos, de manei- 
«ra que já na corte os irmãos do rei, não menos 
«arruaceiros e chibantes, ouviram com ciúme as 
«façanhas do Carvalho. Por esse tempo cortejava 
«elle uma galante viuva — D. Thereza de Noro- 
«nha e Almada, sobiinha do Conde dos Arcos. 
«Concorriam nelle o prestigio da valentia e a 
«gentileza pessoal. Levou d'assalto o coração da 
«viuva e fugiu com ella para Soure, repellido pelo 
«tio Paulo e ameaçado pela vingança dos Noro- 
«nhas. Casou e esteve 7 annos na província, 
«odiado e obscurecido, comendo a broa de milho 
9^de i^oitre, como elle disse na carta escripta a Fr. 
«Gaspar da Encarnação.» \^) 



(^) Vid. Hishria do reinado de D. José' T, por Luiz 
Soriano, tom. 2." p<ig. 10. 

Em 2.'* filho de D. João Mascarenhas, Conde de 
Santa Cru<J e irmCo de D. Martinho de Mascarenhas, Mar- 
quez de Gouveia. Dr^utorouse cm Cânones na Universi- 
dade de Coirr.bra ; ordennu-se, foi collad^ Coneyo Deco 
da Sé Pcitriarchal e Deputado do Sunro Cilicio. Km 1710 
foi norrCudo por D. Joáo V Reitor da Universidade, tendo 



3o O Marquez de Pombal 



Camillo Castello Branco dá-nos uns ligeiros 
traços das 

Aptidões litterarias e talento 
do Marquez de Pombal. 

A sua peça litteraiia, diz elle, em que se pre- 
sume o máximo consumo de meditação, de talento 
e de sabedoí ia é o Elogio do Marquez de Loiírí- 
çai, e:^cripto e impresso em Londres. E uma bu- 
lundanga deslavada com brotoeja de soleccismos e 
inchaços de hypeiboles, um gongorismo muito 
estafado da escola do Vahia e dos Ericeiras com 
pretenções a Jacintho PVeire. Tem uns relances 
de hypocrisia em que o leitor sente por cgual as 
cócegas do riso e o antòjo da náusea. O velhaco, 
encomeando a educação do menino Louriçal, es- 
creve: « Sobre tantas applícaçôes diversas, foi pre- 
ferido, por modo eviíneiite, pelos Pais e Avós Ex" 
cellentissivios, o zeloso disvelo de irem cada dia 
mais e mais, embebendo primeiro nos dogmas do 
CatJie cismo, depois nas máximas da Moral Chrlstà 
a parte essen:ial do espirito daquelle que nascera 



apenas 25 annos ("nascera cm i685 ; exerceu o cargo alé 
171.^, enr. que renunciou para se fazer frade, professando 
no convento do Varaiojo, mudando então o nome que ti- 
nha no século — D. (raspar de Moscoso e Silva pelo de 
Fr. Gaspar da Encarnação. Foi nomeado reformador da 
Congregação dos Cónegos Regrantes : pouco depois foi 
nomeado Secretario d' Estado, sendo um dos mais predi- 
lectos do fci D. João V. 

Perfil, . . pg. oQ a 43. A viuva era filha de D. ber- 
nardo de Noronha, filho 2.0 dcs Condes d* Arcos, e a única 
herdeira dos Almadas Provedores da Casa da Índia. 



o Marque» dt Pombal 



3i 



/icstinada não so para lhes succeder na Casa, mas 
pata o incomparavti fim dt* os sc^ur na gloria da 
Bi^maventurança itcniã,^ Nem sinceridade, nem 
grammatíca* 

« Cita- se como peça litteraria uma carta pane- 
gyrica de Sebastião de Carvalho a Juilo de Mello 
c Castro, encarecendo-lhe a Vida de Dinis de 
Mello. Eis aqui o melhor periodo : — < Gloria nda 
pcqiuna será da Monarchla que este livro se parti- 
cipe aos reinos extranhos, porque admirarão, ape- 
sar das soberbas estatuas^ que a seus Cezàres ia- 
.vtaram os Romanos, que Portugal mais nobre 
muito dilata as excelsas, quanto vai da insensibili- 
dade de um mármore^ que serve aos Epitaphios da 
mor tê ^ as /^ lie tor iças vo:^cs de uma narração, que 
se setve; c ao mesmo passo multiplicando durações 
ao juizo, que a faz eterna, : ficando de dous mere- 
cimentos as edades perpetuadas d attençdo em um 
simulacro,-^ 

*Qae farfalhudas maravalhas! Parece o outra 
que consultava o doutor Manoel Mendes Enchun- 
dia sobre o passadiço da ilha do Pico para a ilha 
do Báltico* 

* Sebastião era bastante bronco, sejamos jus- 
tos. Estev^e em Londres seis annos, e não apren- 
deu da língua inglesa uma palavra para falar, nem 
sequer para traduzir. O seu biographo John Smith 
dá a perceber, numas memorias manuscriptas do 
biographado, que elle, por causa dos seus acha- 
ques e muitos estudos, nào teve tempo, em seis 
annos, de conjugar um verbo inglez. . . E aos oi- 
tenta annos estava na mesma ignorância de um 
idioma que lhe cumpria saber como ministro uni- 
versal para tratar sem interprete, com os cabos de 
guerra que chamou d'Ing!aterra em 1762 para de- 



o A^arquez de Pombal 



fender o reino. Chamou-os elle, o adversário in- 
transigente dos inglezeSy como por ahi alardeiam 
uns innocentes que tem o seu perdão seguro, 
desde que Jesus de Nazareth, do alto da cruz, 
pediu por elles eternamente. 

«Quando Hie chegaram a Pombal umas cartas 
impressas em inglez, que elle desejava muito de- 
cifrar, pediu. . . O Marquez que conte: fL Julgou a 
Marqiicza de Pombal que poderiam ser as mesmas 
{cartas) contendas na dita collccçdo, e consequente- 
7nente me p:diu que as mandasse ao dito Guilherme 
Stejfens com a recommendaçdo de as faser tradu- 
zir por pessoa a quem elle podesse pagar o seu tra- 
òalho. Tendo, porem, sua irmã Philadelphia Steffens 
contraindo, com occasido da vlsinhança, amizade 
com a snrf^ Marque za, tomou por empenho tradu- 
zir as rcfei idas cartas, e as foi periodicamente re- 
ine ttendo d proporção que as ia tradjizindo ...» 
{Compendio histórico e analytico^ •/) 

Como se vê, a bagagem scientiíica e litteraria 
do futuro Marquez, a quem alguns panegyristas 
consideram e exaltam como um talento de primeira 
odem, mal o salvaria na passagem dum regular 
exame de portuguez. A mesma linguagem ou es- 
tylo farfalhudo e superlativado a esmo pavoneou 
elle mais tarde, quando ministro, fazendo epocha 
na redacção dos documentos das secretarias, onde 
se viu ababtardada a linguagem portugueza : os 
documentos do Marquez conhecem-se á légua pelo 
estirado dos periodos, pelo campanudo das hy- 
perboles, pelo indigesto do exagero e da impro- 
priedade dos termos, como pelo tenebroso da 
ideia, que parece a todos elles preside. 



jij Aryí/— pag. 3o a 41. 



o Marquez it Pombal 53 



Com taes predic-adc»s t.IlO aÍT;:ra conrlnuasse 
a comer a brôj, de Sourt. ao lerrpo em que ainda 
figuravam na poliri^a um D;:'gj Mendonça, um 
Alexandre de Gusmão e outros. 

E como é que o Marquez conseguiu sair da obs- 
curidade em que vivia, e entrou na 

Carreira diplomática? 

Explica-o assim Pinheiro Chagas: 
« Enfastiou-se comrjdo depressa de estar con- 
demnado á inacção, e o ?eu espirlro intelligente e 
ávido de se lançar na scena politica, não se podia 
costumar ás doçuras monótonas da existência pri- 
vada. Tinha elle um tio, o Arcypreste Paulo de 
Car\'aIho, que possuia bastante in- jjencia na cor- 
te, e privava com os ministros mais favoritos de 
D. João \': pediu a sua protecção, e effectiva- 
meníe não tardou que, graças á sua recommenda- 
ção, e á protecção do Cardeal da Motta, fosse 
nomeado Embaixador em Londres... Xáo foi 
perdido para Sebastião de Car\'alho o tempo que 
passou em Londres .^j ; e ainda que não dizemos 
que exerceram grande influencia no seu espirito as 
instituições inglesas, que elle esteve bem longe de 
procurar implantar no seu paiz, é certo comtudo 
que nesse grande centro civilisador se entregou 
ao estudo de todas as questões graves d'adminis- 
tração, que devem occupar o pensamento dos ho- 
mens d'Estado, e que pensou no modo de applicar 
a Portugal as conquistas do progresso. 

«O modo habitual como Sebastião de Car\'a- 
Iho dirigira em Londres as negociações de que 

i}) Camillo já o deixou explicado . . • 



34 O Marquez de Pombal 



fora encarregado, chamou sobre elle a attenção do 
governo portuguez; e quando rebentou entre as 
cortes de Vienna e de Roma uma discórdia rela- 
tiva aos direitos de nomina da Cúria, tendo sido 
o governo portuguez eleito para medianeiro, foi 
Sebastião de Carvalho nomeado para dirigir as 
negociações na Corte de Vienna, para onde se di- 
rigiu em 1745... Durante o primeiro anno de 
sua estada em Vienna d'Austria, foi que elle pas- 
sou a segundas núpcias com D. Leonor Ernestina 
Daun. 

« Pouco tempo se demorou Sebastião de Car- 
valho em Vienna, porque se não dava bem no 
clima daquella cidade » ; pelo que, regressou a 
Portugal, obtendo a demissão que sollicitára e 
D. João V lhe concedera, vivendo esquecido em 
Lisboa. (^) 

Camillo conta a historia algo diíTerentemente, 
pois escreve o seguinte : 

«Em 1738, inesperadamente, Sebastião José 
de Carvalho é enviado a Londres por D. João V. 
Quem o protegeu? O snr. Soriano presume que 
foi o Cardeal da Motta (*) para obsequiar o Ar- 
cypreste Paulo de Carvalho. Não pode ser. Paulo 
de Carvalho tinha morrido um anno antes. Quem 
o protegeu foi um frade arrabido, Fr. Gaspar 
Moscoso, tio do Marquez de Gouveia — aquelle 
Duque d'Aveiro com quem o Conde de Oeiras 



{}) Vid. Hist. de Portugal, tom. q, pag. 539 e 540. 

(*) Joáo da Moita e Silva, creado Cardeal por Bento 
XIII em 1727: era natural de Castello-Branco, onde nas- 
ceu aos 14 de agosto de i685. Foi o primeiro Slinistro de 
D. João V, succedendo a Diogo de Mendonça Corte-Real. 
Morreu em Lisboa a 4 de outubro de 1747. 



o Marquez de Pombal 35 



saldou contas de gratidão, mediante a maça de 
ferro que o matou a pancadas no estômago — 
para lhe demorar a agonia . . . Como quer que 
fosse, quando elle saiu para Londres houve entre 
os fidalgos um assombro rancoroso. A esposa, que 
ficou em Lisboa, achou cerradas as portas dos 
seus parentes, e pouco depois, a 21 de março de 
1739» abriram-se-lhe as da sepultura para ir gozar 
aquella Beviaventurança eterna, que o viuvo e to- 
dos nós lhe desejamos.» (^) 

De modo que Camillo sustenta dever Sebas- 
tião de Carvalho o ser enviado a Londres á pro- 
tecção de Fr. Gaspar da Encarnação, que tinha 
grande valimento juncto do rei ; Pinheiro Chagas, 
que escreveu sua historia depois de Camillo pu- 
blicar o seu Perfil, affirma que foi devido á influen- 
cia do tio Paulo. Qual delles terá rasão i As datas 
resolvem peremptoriamente a questão : Pombal foi 
nomeado em 1738, o tio morreu em 1737. Preva- 
lece Camillo. Mas quem sabe se o tio, mesmo do 
outro mundo, não viria importunar o seu amigo 
Cardeal da Motta, que os chronistas da epocha 
figuram todo crendeiro em bruxas, almas do outro 
mundo, e quejandas?... Admittida esta hypo- 
these, teremos Sebastião de Carvalho introduzido 
na carreira diplomática pela mão dum Cardeal e 
de um frade] harmonisando-se assim os dous il- 
lustres escriptores. 

Se, porém, foi Fr. Gaspar da Encarnação quem 
teve parte mais preponderante em tal nomeação, 
— e é essa a minha convicção — bem mostrou 
pelo tempo adeante Sebastião de Carvalho quanto 
era grato ao beneficio, cevando seu ódio gratuito 

(1) Perfil pag. 43 a 44. 



36 O Marquez de Pombal 



no sobrinho do frade Ministro que lhe dera a mão 
para o arrancar da obscuridade em que D. João V 
teimava conserval-o, porque, dizia o rei : « Conheço 
perfeitamente o espirito turbulento^ hypocrita e au- 
dacioso de Carvalho^ que descende d*uma família 
vingativa, cruel e furiosa. Este tem pellos no cora^ 
ção, » (^) Os factos se encarregaram de mostrar que 
quem tinha razão era o rei. 

Opina Pinheiro Chagas que a Vazão porque 
Sebastião de Carvalho foi transferido de Londres 
para Vienna foi a boa conta que na capital in- 
glesa dera de seus trabalhos, missões e officios: 
tal não é a opinião de Camillo, apparecendo mais 
uma vez os dous escriptores em manifesta diver- 
gência. 

Falando dos serviços prestados em Londres, 
escreveu Camillo: 

« Entre trinta e nove e quarenta e cinco 
«annos emquanto esteve em Londres, em vez de 
«estudar o inglez, deu-se ao femeaço escandalo- 
«samente. Em Londres mais duma vez se viu 
«compromettido em arranjos cupidineos que lhe 
«deram dissabores. {Memoli-cs . . . 1784.) Descu- 
«rava os negócios, nada fez notável e era frequen- 
« temente reprehendido por D. Juão W ^E' coisa 
para mim assaz cruel — dizia elle em carta a 
Marco António d' Azevedo CouWnho —receber to- 
dos os correios rcprehensôes de sua magestade sem 
saber a causa porque m*as dirige. Quanto mais fe- 
liz seria eu em Soure, comendo o pào de milho no 
regaço da amizade, do que n'esta corte, sem caracter 



\}) Vid. P.e Paulo Mury — ri7rt í/o Padre Gabriel 
Malagrida, traduzida para portuguez por Camillo Castello 
Branco, pag, i36, ed. 1873. 



o Marquez de Pombal 07 



ptiblico cond€7iinado a representar o papel de um 
vil espiào.n (Ib.) Elle gostava muito desta imagem 
ÚQ pào de milho de Sotire, Já tinha dicto o mesmo a 
Fr. Gaspar da Encarnação, quando se valia dos 
frades para captivar a estima do rei. 

«E na verdade, que serviços fez em Londres 
Sebastião José de Carvalho, attestados por docu- 
mentos diplomáticos, no decurso de sete annos? 
Vejamos. Chegou a Londres em setembro de 1738; 
em 29 de novembro foi admittido á primeira au- 
diência real ; em dezembro obteve outra audiência : 
meras formalidades de pragmática. Depois, du- 
rante dous annos, não ha noticia de Sebastião 
José de Carvalho. Em 1740 escreveu uma Disser- 
tação acerca- do ónus que sobre o comvicrcio de Por- 
tugal tlnJui sido iviposto pelo parlamento inglcz, A 
corte não íez caso da dissertação Em abril deste 
anno despachou um correio para Lisboa; em julho 
de 1741 enviou um officio sobre negócios de Por- 
tugal na Grã-Bretanha. Depois três annos de si- 
lencio a re«ípeito do agente de negócios, que se 
retirou em 1745. Eis o que dão sete annos de an- 
naes diplomáticos de Sebastião José de Carva- 
lho.» C) 

Assim, ao passo que Pinheiro Chagas diz que 
Sebastião de Carvalho não perdeu o tempo que 
passou em Londres, e que « e certo que se entregou 
ao estíido de todas as questões g7'aves de adminis- 
tração.t Camillo affirma que nem chegou a saber 
conjugar um verbo inglez, e que os graves estudos 
e occupações delle foram aventuras amorosas ; e 
ao passo que Pinheiro Chagas opina que « o modo 
habitual como elle dirigira em Londres as negocia- 

(1) Perfil^ pag. 249 a 25o. 



38 O Marquez de Pombal 



ções de que fora encarregado chamou para elle a 
attençâo do governo. portuguez.t é o próprio Pom- 
bal que se queixa em carta de que o rei lhe man- 
dava reprekensões por todos os correios, e Camillo 
mostra que nos sete annos que lá se demorou 
produziu pouco mais de nada : nem tinha posição 
definida, sendo havido ou considerado como es- 
pião, E o próprio Pombal que o confessa. 

Pena é que já não vivam os dous illustres e 
fecundos romancistas pnra se harmonisarem. To- 
davia não deixarei de declarar que voto aqui por 
Camillo. 



O escriptor snr. Francisco Lobo Correia de 
Barros, no seu livro Altos feitos do Marquez de 
Pombal (^\ escripto sobre « um montão de livros, 
nalguns delles inéditos, e bem assim docmnentos 
^manuscriptos de summa importância — relíquias 
€de familia que têm passado de mão em mão como 
<kum penhor sagrado, que desenvolvem segredos mys^ 
^teriosos e que, graças aos jneus esforços e d*ami- 
€gos meus, pude colleccionar,-^ e depois de ^con- 
^sultar todos ou quasi todos os biogr apitos e histo- 
criadores, e de os comparar de perto e com escru- 
<ípuloT> (*) esclarece melhor esta phase inicial da 
vida publica de Sebastião José de Carvalho. 

Assim conta que o seu despacho para a envia- 
tura de Londres fora devido á protecção do tio 
paterno Paulo de Carvalho, prelado da Capella 
Real, muito influente ou acceite na corte de D. 

{}) Impresso em 1882, em Lisboa, na typographia de 
Mattos Moreira e Cardoso: tem 116 paginas. 
(3) Obra citada, i.a pagina do prefacio. 



o Marqutz 4t Pombal 



João V> e nomeadamente com o Cardeal da Mot* 
ta ; que em Londres, em logar de se entregar aos 
negócios do estado, se deu todo às aventuras, e 
que apenas em abril de 1745, ao fim de seis annos, 
fez umas representações à corte de Londres afim 
de os vinhos portugueses serem isemptos dos su- 
bidos direitos que o Parlamento votara; mas o 
resultado desta diligencia é ainda hoje ignorado. 

Nesta altvrra morre-lhe o tio» e o rei manda 
chamar a Lisboa e demitte do cargo a Sebastião 
de Carvalho. Pouco depois D, Joào V adoece 
gravemente, tomando a regência a rainha D. Ma- 
rianna d' Áustria ; recebeu esta uma carta do Papa 
Bento XIV dando-lhe conta do conflicto que se 
levantara entre elle e a imperatriz dWustríâ D. 
Maria Thereza por causa da extincçào do patriar- 
chadod*AquileÍa, o qual desejava terminar» e para 
isso lhe pedia a intervenção de seus bons ofhcios. 
A nossa rainha accedeu immediatamente ao pe- 
dido do Pontifice e mandou Sebastião de Carva- 
lho a Vienna, sem ser revestido de caracter pu- 
blico, com a missão secreta de restabelecer a boa 
intelligencia entre Roma e Vienna; mas apesar de 
ser missão fácil nada conseguiu. tA par da sua 
t incompetência então para tratar negócios políticos^ 
<e dos poucos conhecimentos scientijicos, adquiridos 
<isimplesmeute pela pratica, era imprudente. Adula- 
€çâes, promessas^ intrigas^ era tudo quanto saâia 
^pôr em acção, "^ (*) 

Para poder realisar o segundo matrimonio foi 
necessária a intervenção da rainha, porque a fa- 
mília Daun recusava-lhe a menina. Fez-se doente 
e regressou a Lisboa, onde ficou desempregada 



i^) Obra citada, pag. 4 e 5. 



40 O Marquez de Pombal 



por mais que a rainha o recommendasse ao rei» 
já melhorado, e desgostado «da maneira como se 
tinha desempenhado dos serviços para que fora 
nomeado.» (^} 

Como Sebastião de Carvalho foi ministro. 

Em Lisboa vivia esquecido Sebastião de Car- 
valho, quando D. João V falleceu a 31 de julho 
de 1750; e logo a 2 de agosto D. José I nomeou, 
como novo rei, o novo ministério, apparecendo> 
entre os novos Ministros, Sebastião José de Car- 
valho, como Ministro dos estrangeiros e guerra. 
Quem o lembrara ao rei? Diz Pinheiro Chagas 
que lhe fora <iindigitado pela rainha viuva D. Ma^ 
ria Anna d* Áustria que ao í//^/í? Sebastião José de 
Carvalho dispensava especial protecção porque elle 
casara em Vienna com uma senlwra austriacai^ e 
a rainha ^estimara sempre muito a sua patrícia, e 
por conseguinte o marido que a trouxera para Lis- 
boa.^ (Pag. 537)- 

Mais adeante dá outra versão, que não é a ne- 
gação desta, porém mais correcta e augmentada, 
e não menos verosimil : 

«Alguns historiadores suppõem que Sebastião 
José de Carvalho fora nomeado não só por lho 
haver recommendado sua mãe D. Maria Anna de 
Áustria, mas também o seu confessor, o jesuita 
P.*" José Moreira. Ratteau, porém, assevera que 
Sebastião José deveu a sua elevação aos conse- 
lhos da Coroa aos bons officios dum Padre do Ora- 
tório, António José da Cruz, que o recommendou 
muito ao seu confrade Domingos d'01iveira, que 

{}) Obra citada, pag. 6. 



o Marquez de Pombal 41 



era grande valido d'El-rei D. José. A constante 
protecção que Sebastião de Can-alho sempre dis- 
pensou á familia Cruz parece até certo ponto jus- 
tificar esta opinião. É possível que algumas destas 
causas concorressem para o valimento de Carva- 
lho : é certo, porém, quanto a nós, que o motivo 
principal está na intelligencia superior e na von- 
tade enérgica do futuro Marquez, que facilmente 
subjugou os seus collegas e adquiriu no seio do 
ministério a iniciativa e a preponderância.» \^\ 

E o caso da pescada que já o é antes de o 
ser ! . . Pois se em sete annos de Inglaterra não 
conseguiu aprender a conjugar um verbo, nem fez 
trabalho que chamasse a attenção do governo, 
antes pelo contrario recebia reprehensoes por todos 
os correios, e depois de demittido e esquecido em 
Lisboa, como admittir que <^o motivo príiicipah 
«para elle ser chamado ao ministério fosse <a in- 
telligencia superior e a vontade enérgica do futuro 
Marquez^ se até então por nenhum modo tinha 
revelado taes predicados? É logo a conjectura de 
Pinheiro Chagas, entre todas, a menos verosímil : 
pelo que me toca, voto pela protecção da rainha 
viuva e do jesuita P.® José Moreira, confessor do 
novo rei. Assim o vejo affirmado pelo P.® Paulo 
Mury, quando diz: <Só depois da morte de D. João 
«V attingiu Sebastião de Carvalho o galarim dos 
«seus desejos. O joven monarcha D. José I, em 
aprova de respeito d vide^ conferiu logo ao seu pro- 
«tegido as funcções de Secretario d'Estado. O pri- 
«meiro acto do novo ministro foi incutir-se na 
«estima do jesuita José Moreira, confessor do rei 
«e da rainha sua esposa, a fim de captar, mediante 

(1, Hist. iie Port,^ tom 9, pag. 542 e 543. 



42 o Marquez de Pombal 



<o jesuíta, o valimento do soberano. O Padre 
<deixou-se embair pelo secretario d*estado, e assim 
<se fez causa involuntária do predomínio despótico 
«que o ávido ministro exerceu sobre o fraco animo 
<de José I.» (*) 

O snr. Correia de Barros abunda no mesmo 
parecer, e explica que por morte de D. João V, 
segundo as leis do reino, o cadáver do rei não po- 
dia ser entreve para as exéquias senão por um 
Secretario d'Estado com todas as formalidades 
dum acto publico, o que o Cardeal Pedro da Mot- 
ta, único que tinha este titulo, não pôde fazer, 
por já muito doente. «A rainha, aproveitando 
«habilmente esta circumstancia, propoz Carvalho a 
«seu filho para este importante cargo. O rei não 
«pôde recusar-se aos desejos da rainha-mãe e 
«nomeiou-o de repente Secretario dos negócios es- 
«trangeiros. Os protectores de Carvalho, o P.* Mo- 
«reira, confessor de S. M., e outros, approvaram 
«altamente esta escolha. . . Os conselhos do Padre 
«Moreira tinham um grande predomínio no espi- 
«rito do rei. Carvalho, que depressa conheceu essa 
«influencia, affectou fazer o maior caso dos senti- 
« mentos do religioso, e testímunhava-lhe em todas 
«as circumstancias o mais assígnalado respeito. 
«Para melhor conseguir os seus fins, revestiu do 
«habito da Companhia o segundo dos seus filhos, 
«creança ainda, e depois de o ter apresentado 
«neste estado ao monarcha, conduziu-o a casa do 
«Padre Moreira a quem disse vinha entregar nas 



P) Vida do Padre Gabriel Malagrida peio Padre 
Paulo Mury\ da Companhia de Jesus ^ traduzvla para por^ 
iuguez por Camilio Casteilo Branco^ ed de 1875, 
i36. 



o Marquez de Pombal 43 



«suas mãos um pequeno apostolo. Isto encantou o 
«bom do confessor, e a sua estima pelo novo mi- 
«nistro redobrou.» (^) 

Ainda conta que por aquelles primeiros tempos 
D. José chegou a demittir Carvalho^ com prohibi- 
ção de tornar a apparecer na corte, em virtude das 
reclamações dos embaixadores, aggravados pelas 
grosserias do novo ministro; tendo para isso de 
sair de Salvaterra e vir para Lisboa, onde, durante 
um mez, ia, á bocca da noite, á casa professa 
de S. Roque agarrar-se ao Padre José Moreira para 
que lhe valesse junto do rei. Valeu-lhe o jesuita, 
que conseguiu fosse novamente chamado. Como 
elle saldou essa divida de gratidão hemos de o 
ver mais adiante. 

Uma grande alma este grandíssimo algoz ! . . . 




{}) Altos feitos do Marquez de Pombal, pag. 8 a 10. 



CAPITULO III 



O Marquez e o terramoto 



Admirável energia de Sebastião de Carvalho perante o 
terramoto, na opinião de P.o Chagas ; a quem se deve 
attribuir odicto: — *< Enterrar os mortos e cuidar dos 
vivos» — ; as providencias do ministro ; soccorros vin- 
dos de Inglaterra^ em dinheiro e em géneros; como 
íoram distribuídos e se estragou o trigo ; a reedifica- 
çâo de Lisboa ; a parei monia de Latino Coelho ; Ra- 
malho Ortigão e a reconstrurção da cidade ; Camillo 
apreciando a acção de Sebastião de Carvalho ; anterio- 
res calamidades que assolaram Portugal e homens 
grandes que as remediaram ; dicto finamente engra- 
çado do Conde d*Obidos e como o expiou nos cárceres 
aa Junqueira; divergências entre Camillo e P.o Chagas^ 
quanto ás providencias pombalinas ; o Padre Malagrida 
e demais Jesuítas por occasião do terramoto ; como o 
rei lhes agradeceu sua heróica caridade ; Luz Soriano 
e os lucros do ministro, único que ganhou com a ca- 
tastrophe. 



p 

■ AH A os panegyristas de Pombal tudo quanto 
fez o famoso Ministro foi digno de ser cantado 
em prosa e verso ; mas a energia desenvolvida 
por occasião da calamidade do terramoto de Lis- 
boa e na lucta contra os Jesuitas são o non plus 



o Marques de Pombal 4$ 



ultra da sapiência e merecimentos pombalinos. 
Pois ouçamos os depoimentos auctorisados em 
que a critica tem não pouco a joeirar. Não ha ne- 
cessidade de aqui descrever o que foi essa catas- 
trophe ; o que importa averiguar é o papel que no 
meio delia desempenhou Pombal. Se ouvirmos Pi- 
nheiro Chagas, Pombal foi o único homem que 
appareceu então para reparar os estragos e ruinas 
espantosas, que sem elle ficariam irremediáveis ; foi 
um novo Deucalião para repovoar a capital, appa- 
recendo '^de subíto aos olhos da Europa que^ admi- 
rada,T> contemplava €0 vulto impassível^ enérgico e 
radiante de talento do ministro de D. José,^ (^) 

Mais conta que a família real estava em Be- 
lém, OEde as convulsões e abalos se não sentiram 
com tanta força; às primeiras noticias do desas- 
tre que occorrera na capital «Z^. José^ vacillant* e 
«assustado, procurava debalde, em torno de si, 
«quem lhe suggerisse as medidas que havia de 
«tomar, quem o fortalecesse emfim. Não o encon- 
« trava. Os membros do governo estavam tão ater- 
«rados como elle, e havia até quem aconselhasse 
«que se transferisse immediatamente a sede da ca- 
«pital para Coimbra. . . 

«NÍas então appareceu Sebastião de Carvalho, 
«o homem fadado para aquellas terriveis circum- 
«stancias. . . Não perdeu tempo em vãs palavras, 
«nem sequer proferiu a celebre resposta, que se 
«lhe attribue, a D. José que lhe perguntava: O 
<que Iiavefnos de faze-f? Enterrar os mortos e cuidar 
<dos vivos, ^ O enérgico e intelligente Marquez de 
«Alorna foi que respondeu a D. José: — Entjrrar 
<os7nortos, cuidar dos vivos e fechar os portos, Se- 

(*) Historia deTortugal, tom. 9.0, pag. 553. 



46 o Marques de Pombal 



«bastião de Carvalho não se limitou a phrases, 
«mas tomou logo a iniciativa duma acção ener- 
«gica. É certo contudo que o grande ministro não 
«gostou que houvesse nessa occasião juncto de 
«El-rei mais alguém que não perdesse a cabeça e 
«que tivesse energia, e nunca perdoou ao intrépido 
«general da Catalunha, ao enérgico governador das 
«Minas e da índia a sua resposta resoluta. Era 
«uma pequenez de caracter de Sebastião de Car- 
«valho ^') : a sua consciência devia dizer-lhe que, 
«se felizmente ainda havia em Portugal muitos ho- 
«mens corajosos, enérgicos [}), o que não havia de 
«certo era cabeça como a d*elle, intelligencia 
«própria para resolver os problemas da situa- 
«ção.> (5) 

As providencias que o Marquez tomou são re- 
sumidamente as seguintes: 

O terramoto produziu-se no i.** de novembro 
de 1755; logo no dia 2 Sebastião de Carvalho en- 
viou ordem ao Regedor das Justiças D. Pedro de 
Bragança, Duque de Lafões, para que mandasse 
enterrar pelas companhias militares os cadáveres 



{^) Era mais que isso, porque era ruindade d'alma 
e preversidade do coração, que só esta pode explicar como 
o dito sentencioso de Alorna se converteu num crime di- 
gno de tão atroz martyrio^ como o que experimentou nos 
pavorosos cárceres da Junqueira, 

(-) Um pouco atraz deixou dicto que D. José debalde 
procurou em redor de si quem lhe suggerisse as medidas 
que havia de tomar, quem o fortaleceàeemtim. Não o en- 
controu : todos estavam aterrados ; agora já confessa que 
havia em Portugal muitos homens corajosos e enérgi- 
cos ... e que, pelo menos o Marquez d*Alorna suggeriu 
medidas a tomar, que foram a final as que tomou Pom- 
bal... Fulgores da coherencia.. . 

(*) Hist. de Portugal, tomo 9.*, pag. 565 a bti6. 



o Marquez de Pombal 47 



de homens e animaes, *^coagindo os que não qui- 
zessem.* Quer dizer, mandou executar o que o 
Aloma suggeriu; e se este ficou só em palavras é 
porque não tinha o poder: não era ministro. 

2.* — Ao mesmo Regedor das Justiças ordenou 
^elegesse um procurador para cada òanTO da ci- 
dade y a fim de que esses procuradores convocassem 
os fortieiros e padeiros dispersos por todos os la- 
dos, reunissem todo o trigo que encontrassem e 
o juntassem num deposito geral^ e o mesmo fizes- 
sem a todo o ouro e prata em moeda ou em ob- 
jectos, > 

3.*— Xo dia 3, aviso ao Cardeal Patriarcha 
D. José Manuel para que mandasse fazer procis- 
sões, e procurasse persuadir aos que haviam fu- 
gido da cidade, voltassem a ella *a fim de coope- 
rarem no enterramento dos cadáveres e outros 
serviços indispetisaveis para os quacs era necessá- 
rio o concurso de todos os cidadãos ; assim como 
lhe recommendau que exhortasse as Communida- 
des religiosas a cumprirem os deveres da caridade 
ckristãy ajudando a enterrar os mortos^ o que to- 
dos fizeram, distinguindo-se pelo seu zelo os Cóne- 
gos Regrantes de Santo Agostinho, Monges de S. 
Bento da Saúde, os Paulistas, os Mínimos de S. 
Francisco de Paulo, os Jesuítas, Oratorianos. ..» etc. 

Tenho para mim que a recommendaçào ao 
Cardeal Patriarcha para que exhortasse as Com- 
munidades Religiosas á pratica da caridade christá, 
foi alarde do espalhafatoso Sebastião José, porque 
as Communidades não precisavam de tal desperta- 
dor: quando elle accordou, já ellas estavam em 
campo soccorrendo seus irmãos com a animaçào 
da sua fé, com o pão do seu celeiro, com as fadi- 
gas do seu trabalho. 



48 o Marquez de Pombal 



4.* — Ordenou por editaes que se não levan- 
tasse o preço dos géneros — amedida vexatória^ 
mas necessária-». Não se percebe bem isso; porem 
Camillo o explicará. 

5.* — No dia 4 mandou partir para o Alemtejo 
o Marquez de Tancos, general que governava a 
provincia, com ordem de mandar para Lisboa todo 
o trigo e mantimentos que podesse. . . 

Mas parece que se esqueceu de lhe dar dinheiro 
para pagar tudo isso . . . 

6.* — Ordem ao piloto da barra Rodrigo Antó- 
nio de Miranda para visitar com tropa <s.os navios 
ancorados no Tejo c mandar para terra os viveres 
que lá encontrasse.» Quanto a pagamento parece 
que houve egual esquecimento . . . Esta providencia, 
afinal, não era mais que o alvitre do Marquez de 
Alorna — ^fecliar os portos;» — menos quanto á 
falta de pagamento, porque o Marquez não podia 
aconselhar tal ladroeira. 

7.* — <s.Para combater a ladroagem tomou logo 
as medidas mais enérgicas. Ordenou uma batida 
geral aos bandidos que tinham ficado em Lisboa] 
e como para aquelle grande mal eram necessários 
remédios heróicos, os que foram apanhados, senten- 
ceados summar lamente, foram enfoi cados nos pati^ 
òulos erguidos em diferentes pontos da cidade > . . 
Em breves dias foram enforcados 31 criminosos. . . » 

K não ficou por aqui, porque mais adeante diz: 
< Ainda nos primeiros mezes que se seguir a^n ao 
grande cataclismo, contiíiuou cm Lisboa a rapina 
cm elevado grau ; mas Sebastião de Cangalho man» 
dou levantar forcas altas^ onde expôz mais de 200 
cadáveres, o que produziu o mais salutar excito, 
segundo diz o auctor da Administração . . . O car- 
rasco foi sempre o gi-ande meio de governo do ener- 



o JêÊorfiÊCS ^ PamA^ 



£i^^ Kos JUrrisr^J' Jíjrjsur.y ^ Hxrrãk''. peUo Mar- 

S.* — r «Uaría das :3:-2d-u\iffiS uEais rrotveíiiosas ^nie 
<o grande Tnrâinfsiría «i":^^:.^»:!: íík -3 f^ípoíSX) ie 4 •'^ 
<5obre todas as ãEyercai>TÍ£í- ^saae eriíitraviLm r«a ca- 
<rçtái, o q"Jie mKiieíii q-j::!!!::^^^ etrusOírriiinssãinnias. íaniio 
<ocie íoí ccíO? •> sam rríKfúiciij» q-jie se coíiiSsirjisTasn o 
<nf!a2inii:Í0'Di Affsenal di Marrinfea e ■os eci&rios das 
<Secrslarias mia Priçn d.3 Co'!Ennierj:'!> : Í3r aànda 
<cOTi o dinhesr-j J:-a^iio p*r esse Jíneio que se 
<der:io!:rarTn ^>5 r*st-jis dos ed::i:rDN>5 ajnnrsirTiade* e se 
«erfecaioni a aberr.:ra de VÃr-:is inias. segundo o 
< piano ad<i?ptad-D! : a;erir: d"iisso ainda so>br o-jí dinheiíro 
<para consG^ir o Arser^ ò^ ExercLio^ rara se 
<íe%-an:ar o r'o»irte de L"rpe e::n Eú%-a5^ eme custou 
<ur.s pouc^«s de nnfliLTÔes, e para se reriirarenri e 
«fortiícarerT: rrriLiiiLas rjrxjrss priças d 3 reino.) .*'• 

E gaba-se o Msr::uez p<>rq"Jie arnarjC"-'^ e ajun- 
tou nrtu:to dfinheíroi p->r es:e rrv>cessj de Eançar 
novos íHipostfDS, rec"j:?so q^e ::":»dos ■>< nossos :r.:- 
nistros da fezenda lénr cuI::fvid-> co-n: a nr.Â:or per- 
feição! e até ná-íi hj desconhecem c-s bacjilhoeiros, 
nem o mais rei es vereado-r d :> r.oss^ mais hurrilde 
município! E' ireslmienie precrs^j» ser l::t: ^-tLento de 
primeira granidez.1 pi.ra á.jrj:rt:ia:r dinheiro por nieso 
de impostos novos ou a^j^nrento d*>5 velhos 1 . - - 

9.* — Appih J.J cl£r^ i fíIi2J^:a — sacudiram 
«todos ao seu cnamament >, ja a ex:inguirem o 
«fogo, já a enierrareni: os cadáveres. Já a revolve- 
«rem as dnias e as rjinas para acharem os que 
^estivessem seculíados nos destn>v05. Ao Clero 



f^s Historia de P^tugal^ rol. ia ?ag. 1^0. 
(*) Historia de P&rtugal, vol. 10, pag. S. 



o Marquez de Pombal 



«agradeceu El-rei especialmente por uma carta 
«honrosa. . . a nobreza também trabalhou muito.> 
Do clero cita nomeadamente MonsenJwr Sam- 
paio. Cónego da Patriarchal que, ajudado de pes- 
soas de suas relações, chegou a sepultar nada 
menos de 240 pessoas. Pombal é que não foi visto 
nem a enterrar mortos, nem a consolar vivos, nem 
a alimentar famintos; e parece que para dar o 
exemplo devia ser o primeiro : todavia não consta. 
Mandava os outros que era mais commodo e, pelo 
visto, mais glorioso. 

O rei mandou distribuir largas esmolas; os 
irmãos do rei, os celebres Meninos da Palhavà 
deram, por espaço d'alguns mezes, asylo e comida 
a mais de i;ooo pessoas; «o mesmo fizeram algu- 
«mas Communidades Religiosas, entre as quaes se 
«distinguiram os Cónegos Regrantes e os Padres 
«Oratorianos que abriram as cercas de S. Vicente 
«e das Necessidades a muitas familias; os Monges 
«de S. Bento e o Marquez de Castello Melhor alo- 
«jaram, em fevereiro seguinte, os doentes nos seus 
«celeiros; o Duque de Lafões, que muito se dis- 
«tinguiu pelo que trabalhou nas ruinas, pòz o 
<^ Hospital de todos os Santos em estado de receber 
«os doentes. > O clero acudia a toda a parte a 
inspirar confiança e a levantar a coragem — ^via-se 
um grande numero de padres, de p7'incipaes da 
PatriarcJial com suas vestes prelaticias. . » 

Todas as casas fidalgas e abonadas salvas da 
ruina, distribuíram soccorros e ampararam familias 
famintas; dos soccorros que Sebastião José man- 
dasse distribuir pelos necessitados, não consta. 

Alem disso, de Inglaterra, onde era embaixa- 
dor nosso Mgr. D. Martinho de Mello e Castro» 
veio-nos um valioso soccorro, pois o rei Jorge nos 



o Marquez de Pombal 



mandou 6:000 barricas de carne, 4:000 de man- 
teiga, 1:200 saccas de arroz, 1:000 de biscouto, 
10:000 quintaes de farinha. Quanto á sua distri- 
buição não pôde Pinheiro Chagas deixar de dizer: 
«Houve algumas queixas contra a distribuição 
«dos soccorros enviados pela Inglaterra, e parece 
«que apodreceu algum trigo nos depósitos^ sem que 
«a distribuição desse os efi^itos que se deviam 
«esperar. Sem entrarmos na apreciação da verdade 
«destas queixas, comprehendemos que os emprega- 
is dos subalternos praticassem abusos em occasião 
«tão propicia para elles. Xem o futuro Marquez de 
«Pombal podia íiscalisar tudo com a sua vista 
< perspicaz. > 

Realmente, só uma vista muito perspicaz podia 
descobrir tiigo apodrecido nos celeiros I Xuma 
palavra, se o cataclismo fui grande, a energia e as 
maravilhosas providencias de Stbastião de Carva- 
lho parece que ainda foram maiore?; assim o julga 
Pinheiro Chagas, quand-) diz: 

«E' certo que Car\'alho dera provas de quali- 
«dades de gov-erno superiores a todo o elogio. As 
«consequências teiTibilissimas do terramoto foram 
«para elle coarctadas de modo tal que Lisboa só 
«teve a lamentar o desastre do cataclismo. A fome 
'-foi evitada, a peste prevenida, o laírocinio repri- 
«mido, e tudo com tal promptidào, com tanto 
«acerto que, para assim dizermos, já no dia 2 de 
«novembro estavam tomadas as providencias prin- 
«cipaes e a população de Lisboa podia confiar na 
«energia e sabia vigilância do governo. > A seguir, 
o illustre escriptor extasia- se ante a reedificaçáo 
de Lisboa, dizendo: 

« Trata va-se depois disso d'uma empreza gi- 
«gante, a reedificação da capital: Carxalho sentia-se 



52 o Marquez de Pombal 



«no seu elemento. Parecia que o terramoto viera 
«fazer como os francezes dizem — iable rase, para 
«que Sebastião de Carvalho podesse á vontade 
«gizar os seus grandiosos planos. Inflamado pelo 
«enthusiasmado da sua missão, Carvalho não hesi- 
«tou um momento; encetou a grande obra da 
«reedificaçâo de Lisboa, e dentro de poucos annos, 
«a capital renasceu, como a phenix, das suas 
«cinzas, mil vezes mais formosa e radiante.» (^) 

Com este hymno de glorificação fecha Pinheiro 
Chagas o volume 9 ** da sua Historia de Portugal. 



Latino Coelho poucas linhas consagra — apenas 
dúzia e meia — á reputada grande obra de Pombal, 
que a Pinheiro Chagas levou o melhor de 30 pagi- 
nas para exaltar Sebastião José. Eis o que leio 
em Latino Coelho: 

«Uma dolorosa calamidade, a poucos annos de 
«haver encetado o seu longo ministério, foi para o 
«Marquez de Pombal o mais eflicaz despertador 
«das suas eminentes faculdades, e a pedra de 
«toque da serenidade e fortaleza do seu animo. 
«Os grandes homens só vivem, resplandecem e 
«prosperam no meio das extraordinárias circun- 
«stancias. E* mister que em derredor se aden>em 
«as sombras, para que fulgure mais intensa a luz 
«do seu espirito. Um espantoso terramoto mudou 
«em poucos momentos a metrópole portugueza 
«n*um fumegante cahos de escombros e de ruinas. 
«.Assoladas e destruidas as edificações da grande 

{}) Historia de Portugal^ torro o, pag. 553 a 578. 



o MarquÊS de Pombal 



53 



€CÍJade, onde avultavani os palácios da nobreza ;^*:i 
%e os cenóbios das numerosas religiões, v*) eram 
«como que o terrível prenuncio de que, assim como 
«a velha cidade caia para se levantar mais formosa 
ce senhoril com as linhas e feigões de uma capital 
tcivilisada» asfím lambem o edifício social, fendido 
<e desconjunctado em varias partes, haveria de 
«vir ao solo, para que em seu lugar se erig'ssem 
€nòvas e mais perfeitas instituições. Pombal reedi- 
<5coLi Lbboa, Era necessaiio rebtaurar o reino, 
«que adoecia de achaques descurados e engrave- 



(1) Cdiram em ruínas o^ palácios dn casa de Bragança^ 
do Duque de Laf5e>^ dos Marquezcs de Nizj, de Vallaaiij 
de Távora e da Fronteira, dos (bondes de S* Lourenço, de 
Saniingo, de ValLidares e d'Aihou^aii, de D» José de 
MenezCii, de D. António Alvares da Cunha, de D. Vicente 
de Soiisa etc. 

Perdeu-se a b bliotheca do Conde d'ErÍceira^ acaJe- 
nnico, muito famosa cm toda a Europa^ pelo numero e 
Qualidade das obras^ e beni assim as mais notáveis também 
do Duque de Lafó,*s e Marquez de Valença E' incaljuUvel 
o numero de pinturas inimitáveis, tapeçdrias^ pedras^ dia- 
mantes e outras preciosidades que para então se perderam 
contando-ss conno mais prejudicidus as Casas dos Duq\iQ'S 
de I^fóes e d^Aveiro, as dos Mtrquezes de Marialva, de 
Valençi» Louriçal e Távora, as dos Condes de ConcoUm, 
d^Aihouguia, Santiago e Aveiro. 

<*) No Bairro Alio caíram o* conventos de S. Pedro 
d*Alcaniarj, do ÇjrmOj da Trindade, de S. Francisco e 
Casa professa dos Jesuítas em S Roqu:, com as egrej is 
destes con vento >, o frontespicio e torre de S. Roque. 

No Bairro Central a casa e e, igreja dos Padres do E^^pi- 
rito Santo, o convento dos Terceiros, das freiras de Santa 
Anna, da Annunciada, e d* Rou; o collegio de Santo 
Antào^ pertencente aos Jesuitas; as egrejas de S. Julião» 
S. Nicolau, Soccorro e Pena etc. 

No Bairro cT Al/ama e Sé o convento c egrej i dos 
Cónegos Regrantes de S, João Evangelista, pane da egreja 
e onvenio de S. Vicente de Fora, aegrcji da Graçi e 
pane do convento, os convento> dis freiras de S. Salvador 
€ Sanca Monicã, as egrejas de Sanio í^t\dTC^'^/\\vsi^i^'í^. 



54 O Marquez de Pombal 



«eidos no decurso da reinados imprevidente?.* {}) 
E segue depois allegorisando a obra da reedificaçào 
social^ se assim posso exprimir-me, levada a cabo 
pelo Marquez. Quanto ao terramoto não gastou 
mais cera, certamente porque a figura do gigante 
não tomou, a seus olhos reflectidos, as proporções 
coUossaes que imaginou Pinheiro Chagas. No pon- 
derado do diz ir e no parco do elogio se está divi- 
sando a distancia que vai dum a outro escriptor, 
ainda que ambos apaixonados pombalinos. 



Ramalho Ortigão e a reconstrucçao de Lisboa 

O flamante redactor das Farpas, cuja compe- 
tência em pontos de critica e arte é reconhecida, 
não se extasia deante da obra de Pombal; e estou 

Thiago, S. Miguel, S. Pedro, S Bartholomeu, S. João da 
Praça, S. Jorge, Santo Estevão, Sanro António e Santa Cruz. 

No Bairro da Matinha caiu o convento dos Irlande- 
zes, ao Corpo Santo, e as egrejas da Misericórdia e S. Paulo, 

Nos subúrbios da cidade caíram c u ficaram arruina- 
dos os convento^ da Penha, de Telheiros e da Luz ; os 
das freiras da Conceição, d 3 Marvilla, de Chellis, do Cal- 
vário e de OJivelldS. 

Em vários pontos da cidade soffreriam muito ou fica- 
ram inteiramente arruinados a egrej i do convento de Jesus, 
a egreja e convento de Santo Amónio do> Capuchos, o 
convento das Bernardas, o da Senhora de Njzareth, o de 
Mocambo ao Rato, o noviciado dos Jesuítas p Cocovia, os 
convento e egrej is de S. Bento, do Beato António e àt 
S. João de Deu> ; casa e egrej \ do Senhor Jesus da Boa 
Morte, as egrejas de S. Sebastião da Pedreira e S. Christo- 
vâo, e convento de Santa Apolónia, etc. 

Q-) Historia politica e militar de Portugal^ desde os 
fins do século XVIII até JSI4^ por José Maria Latino 
CoMo, Xajor d* engenheiros, lente da Escola polytechnica^ 
tomo i,o^ pag. i-j. 



o Marque» dt Pombal 



55 



k 



em ir, neste ponto, em companhia do brilhante 
escriptor, que ao propósito escreveu: 

*. .«Pombal pretendeu reconstruir a sociedade 
< perturbada exactamente pelo mesmo processo 
«porque reconstruiu a cidade em ruinas» ao es- 
<quadro e á regoa, como um pedreiro cabeçudo 
«e valente^ tomando a symetria p^la ordem, sem 
respeito algum pela dignidade das ideias e dos 
sentimentos» sem a menor noção da elevação e 
da belleza moral, sem arte, sem regra, sem ele- 
gância, sem gosto, numa feroz teimosia de omni- 
potente sapador, alinhando, razoirando, espal- 
mando, achatando, estupidificando tudo, 

«Sam brutaes arruamentos quadrangulares da 
baixa, prolongados a toda a ordem social, de 
cima abaixo, de norte a sul, de este a oeste, tudo 
arruado* Para alli os algibebes, para alli os pro- 
fessores, os bacalhoeiros, os poetas e os capellis- 
tas; para acolá os retrozeiros, os latoeiros, os 
artUtas e os philosophos. Para os sapateiros aqui 
estam as formas; para os philosophos aqui estam 
as ideias; para os artistas aqui está a natureza, a 
sensibilidade, o temperamento, e a paixão! 

tElle, só, giza, mede, talha, corta, almotaça, 

^esposteja, aquartilha, taberneia, baldroca, amezi- 

nhâ e apilula tudo, o arroz, o vinho, a manteiga, o 

bacalhfiu, o briche, o óleo de ricino, o ensino 

^publico e particular, as missas, a poesia, a archi- 

«tectura, a musica, a esculptura, a philosophia, a 

historia, a moral e a canelJa. A cada um o seu 

regulamento, e o seu arruamento com 4 forcas^ 

e com ruas direitas, parallelas, rectilíneas, vindo 

todas dar á grande praça central, com a besta de 

bronze ao meio, sustentando em cima, vestido á ro- 




56 O Marquez de Pombal 



«mana com um sceptro na mão, um pulha inepto, de 
«bronze para pensar, de sebo para resistir.» \^) 

Evidentemente Ramalho Ortigão detesta, em 
nome do gosto e da arte, o plano da Baixa de Lis- 
boa, reedificada por Sebastião de Carvalho, que a 
seus olhos não passa de ^pedreiro cabeçudo e va* 
lente:^ mas a culpa não foi do homem; elle de arte 
só intendia, não direi a de furtar, mas a de aug- 
mentar casa; e como engenho inventivo, de seu 
talento descommunal, só produziu mais tarde os 
supplicios dos justiçados, em holocausto a seus 
sentimentos. Apresentaram-lhe o plano, gostou 
delle, mandou executal-o, pelos processos sabidos, 
e de que nos vai dizer algo 

Camíllo Castello Branco 

Este esmerilhador de livros e papeis velhos, 
encontrou noticias curiosas acerca de Pombal e 
do terramoto; e com ellas rebateu bastante a ele- 
vada cotação dos fundos pombalinos, ainda neste 
particular. Ouçamcl-o, porque é insuspeito para 
todos: 

«Os pindaristas do Marquez de Pombal, a 
«meia volta, vêm com o terramoto a terreiro, como 
«quem desembainha a melhor lamina de Toledo. 
«Pretendem, ao que parece, convencer-nos de que 
«sem Sebastião José de Carvalho a terceira parte 
«de Lisboa, arrasada pelas convulsões e pelo in- 
«cendio, nunca mais se levantaria. Dam ao minis- 
«tro uns ares mythicos de Amphião que, ao toque 
♦da sua l^^a, arrastava as pedras que muito de 
«compasso se iam dispondo na construcçào dos 

0) Farpas, pg. 140 e seguintes. 



o MarquiZ de Pombal 



tmuros de Thebas. Elles sabem perfeitamente que 

<as providencias legisladas nesse desastre conflui* 

•ram de diversas juntas civis» ecclesiasticas e 

Wechnicas. Ouviram-se os alvitres de diversos in- 

fdividuos e o primeiro consultado foi um a quem o 

irei perguntou: O qm lia de agara fa^cr-se ? Enter- 

trar os jnortos^ cuiãardos vivas e fechar as partos "s^^ 

• respondeu o Marquez d'Alorna ; mas o vulgo dos 

. «apologistas do Marquez nâo permitto que algum 

|<luzo, tirante Sebasttào de Carvalho, podesse dar 

[«resposta tâo attica e profundamente conceituosa. 

«O ministro, na sua posição oftlcial, fez o que 

«lhe cumpria* Se fugisse algum dos seus coope- 

«radores seria investido da sua auctoridade e do 

«expediente que as circunstancias aconselhavam a 

«qualquer intelligencia mediana. Permanecendo en- 

«tre as ruínas, ou, mais litteralmente, na barraca 

«da Calçada d' Ajuda, onde se nào sentiam os gran- 

«des abalos, cumpriu o seu dever, de mais a tnais 

j«Com a satisfeita complacência de quem nada per- 

Icdera no terramoto. Nem havia termo médio ao 

[«exercicio das suas funcções: ou ser aquillo que 

[«foi — um collaboradur enérgico das providencias — 

tou abandonar o posto e a responsabilidade. 

«Eu nào me sinto muito penetrado de admi- 
.• ração pelas primeiras providencias de modo a 
Uconsideral-as uma explosão de génio. Aquillo de 
U fazer conduzir das províncias, violentamente, le- 
ivas de operai ios para caboucarem nas ruínas, o 
«cért*o posto aos gallegos fugitivos para os fazer 
^«trabalhar com o togante á vista, a tomadia dos 
Ucereaes e outros viveres nas províncias, forçando 
Uos proprietários a vender por preços ínfimos o 
l«pào necessário para o seu custeio agrícola — estas 
[«medidas despóticas commovem menos que uns 




58 O Marquez de Pomba J 



^espectáculos que ninguém relembra, com receio 
*de desluzir a gloria absoluta do Marquez. 

«Em quanto Sebastião de Carvalho, de luneta 
<:no olho, e as costa- direitas no respaldo da pol- 
«trona presidencial, assistia ás conferencias, viam- 
<se, por entre os escombros da cazaria arrasada, 
«os Parochos e as Religiões i,^) salvando os mori- 
< bundos e sepultando os mortos. 

«D. João de Bragança, irmão do Duque de 
< Lafões, por entre o acervo do pedregulho, arran- 
«cou da morte muita gente sntalada nos vigamen- 
<tos abatidos. 

«Sampaio, um Monsenhor da Patnarchal, com 
«as pessoas que lhe seguiram o exemplo, sepultou 
«240 cadáveres e conduziu os feridos aos hospi- 
«taes. 

«Pelos arrabaldes de Lisboa andavam vários 
«fidalgos com os seus médicos, curando os feridos. 

«Os mosteiros abriram espontaneamente as 
«suas cercas para hospitaes, e os frades davam aos 
«feridos o seu pão e os seus disvelos de enfer- 
«meiros e consoladores. 

«Os Cónegos Regrantes e os Oratorianos rece- 
«beram em S. Vicente e nas Necessidades muitas 
«familias desvalidas a quem sustentaram e abriga- 
«ram nas suas cercas. 

«Os filhos bastardos de D. João V recolheram 
«no Paço <j jardim de Palhavã mais de 2:000 pes- 
«soas, que alimentaram e vestiram durante muitos 
«mezes. 

< Outros fidalgos nestes extremos de caridade, 
«empenharam os seus haveres, desfalcados pela 



(1) Quer dizer, os frades e religiosos de todas as 
ordens. 



o Marques de Pomhal 5q 



«desgraça coTnmum. Parte do palácio dos Tavo- 
cras no Campo Pequeno constituiu-o a Marqueza 
«em hospital, de que ella foi a mais caridosa en- 
«íermeira. 

<C> enterro dos cadáveres que aTnea;:a\'am a 
«conflagração da peste foi a providencia suniTia a 
-que, sem estímulos do ministro, acudiram os 
^nobres e os Prelados para darem exemplo á 
<arraia-miuda que fugia com um prudente medo 
<áo azorrague pombalino, que activara as provi- 
«dencias. 

«As ordens expedidas com referencia a hospi- 
«taes, não eram do ministro: eram dos homens 
<-technicas, da junta de facultativos que super- 
<t intendia nessa espécie e communicava ao minis- 
«terio as suas deliberações. 

rA ordem que manda enforcar os ladroes es- 
^^íava no iivr. V; e, se nào estivesse, em tal con- 
cjunctura, qualquer aguazil de corregedor a pro- 
< poria; mandar porem que os 200 ladroes enfor- 
«cados estivessem suspensos nos patibulos, ás 
«esquinas de Li>boa, até o tempo os consumir, foi 
«um alvitre, sobre supérfluo, nocivo, porque aug- 
«mentava as probabilidades da peste pela podridão 
«dos cadáveres insepultos. Os alvitres, lespectivos 
«ás freiras desclaustradas, aos frades, ao culto, e 
«ás procissões penitenciarias promanaram do Pa- 
«triarchado. . . 

«Por escassez de capital não tinha razão de 
«affligir-S3 o ministro. Havia abundância de dinheiro 
«e de viveres. O erário régio n\o se tinha per- 
«dido. O cofre dos Oríaos, que estava em S. Roque, 
«passou para o erário. Os cofres da Casa da 
^ Moeda, dos Trcz Estados e dos Dcf imotos c Au^ 
^sentes tiraram-se das ruinas. 



6o O Marquez de Pombal 



«De Inglaterra, no mez immediato ao da catâs- 
«trophe, veio, como brinde de Jorge II, em 6 
«navios de guerra, um generoso donativo. Os 
«anglo-phobos, quando verberam a pérfida Albião, 
* tingem que nào sabem o facto humilhante de 
«ter recebido Portugal, medeante Sebastião José 
«de Carvalho, a quem o presente foi dirigido — 
«270:000 cruzados, 200:000 alqueires de farinha» 
«200.000 de trigo, 6:000 barricas de carne salgada» 
«4.000 de manteiga, 11:000 de arroz, 5:000 saccas 
«de bolacha e toda a espécie de instrumentos de 
«ferro para desentulhar e construir, assim como 
«milhares de sapatos. {Relações politicas e diplo- 
<ímaticas de Portugal^ tom. XVIII, pg. 363). 

«O ministro da França por esse tempo annun- 
« ciava ao Duque de Choiseul que tinham chegado 
«de Hespanha 2 carros de dinheiro. Foram regei- 
«tadas as ofíertas de França, excepto architectos 
«e alvaneis, para a reedificaçào dos estabelecimen- 
«tos públicos. 

«Com superabundância de dinheiro, de braços, 
«de engenheiros peritissimos, como Carlos Mardel, 
«Eugénio dos Santos e Manuel da Maya, e de 
«funccionarios intelligentes e activos em todos os 
«districtos da administração, realmente a estatura 
«de Sebastião José de Carvalho, vista a olho nu» 
«pouco se avantaja á dos cooperadores na facii 
«obra de remover entulhos com os braços do exer- 
«cito, e a reedificar prédios á custa de seus donos* 
«Dizem que dera um novo feitio á cidade. Poderá 
«não dar! Maravilha seria que a reconstruísse peio 
«traçado em que o terramoto a encontrou! Estra- 
«nhas calinadas!» \^) 

(^j Terfil do Marquez de Tombai^ pg. 109 a 1 1 5. 



o Marquez de Pombal 6[ 



Como se vê, ha não poucas divcígencias eitie 
este escriptor e Pinheiro Chagas; mas antes de 
as individuar, julgo opportuno ouvir ainda Ca- 
millo depor §obre se euta seria a única grande 
calamidade em Portugal e se Pombal nào terá 
egual no remedial-a: Camillo vai dizer-nos que ti- 
vemos antes calamidades talvez maiores e homens 
que lhes fizeram rosto, sem que por isso fossem 
tão cacarejados seus serviços, prestados mui gene- 
rosa e christàmente. 

«Lisboa tinha soffrido, continua Camillo, desde 
<I309 a 1755, onze terramotos, mais ou menos 
«destruidores. No anno de 1551, arrazaram-se 200 
«casas e morreram 2:000 pessoas. No de 1597, 
«submergiu-se o Alto do Monte de Santa Catha- 
<tina com 3 ruas e 1 10 ediíicios. Mas o de janeiro 
«de 1531 é comparável ao de 1755, porque aba- 
«teram 1:500 casas e não se calculou os milhares 
«de victimas. Pois os chronistas do reinado de D. 
«João V, intendendo que os ministros nào mere- 
«ciam a immortalidade pelo facto de cumprirem o 
«seu dever, providenciando no enterro dos mortos 
«e no remédio dos vivos, escassamente relatam o 
«successo. Garcia de Rezende deixou na sua Mis- 
^cellanea a relação poética do grande terramoto, 
«em que nem sequer allude a Pedro d'Alcaçova, o 
«Pombal d'aquelles tempos. Por mais calamitosas 
«provações passaram Lisboa e os ministros a quem 
«corria a obrigação de as remediar. Houve pestes 
«mais devastadoras que os terramotos. 

«Na de 1569 morriam, no decurso de alguns 
«mezes, entre 500 a 600 pessoas por dia. Os ope- 
«rarios caiam mortos pela fome. Já não havia ter- 
«ra para sepulturas. Parte dos 6o:ooo que morre- 
«ram enterraram-se nas lojas das próprias casas... 



02 O Marquez de Pombal 



«Diogo Lopes de Sousa, Governador da Casa do 
«Civel, e D. Martinho Pereira, Vedor da fazenda,, 
«esforçavam uma inútil coragem na cidade, a pé 
«firme, no âmago do incêndio da peste, abrindo 
«casas de saúde, e tirando recursos prodigiosos,, 
«sem violências, nem alcavalas, do meio da mise- 
«lia geral. Dez annos depois, o Guarda-Mór de 
«Saúde, Diogo Salema, providenciou contra outro 
«flagello desolador, que matou em Lisboa 40:000 
«pessoas, 20:000 em Évora e 100:000 em todo a 
«reino. Lucta desabrida com a fatalidade devia ser 
«a desses homens chamados a remediar infor- 
«tunios, como se deparam nesses quadros des- 
' «ses dias d 'angustia. Um Jesuita enfermeiro, o P.*^ 
«Manuel Fernandes, pintou um desses quadros com 
«esta pungente simplicidade : 

— <k Cor lava o coração vjr os filhos depois da 
viortc das màes, irem para o degredo (quarentena) 
com seits crucifixos fia mào, lamentando sua or- 
phandade. Por outra parte ir ferida, caininJuinda 
para a casa de saúde y a se curar y uma viuva com 
seis creancinhas de longe, chorando após ella\ e quan- 
do a pobre ia camlnJiando, aos poucos, pela força 
do mal, se assentava para descançar, pondo os olhos 
naquelle orphdo rebanho ; quando o deixava só, í'w- 
tregue nos braços da Divina Providencia, aconte- 
ceu, com os olhos fitos em tào lamentável objecto, 
expirar ; e assim era consolação para as mães mor- 
rerem-lhe os filhos primeiro para não deixaretn 
tanto desamparo. E ás vezes se achavam as crean- 
cinhas vivas, mamando nos peitos das pides mor- 
tas, n (^). 

(1) Imagem da Virtude em o Xoviciado de Coimbra^. 
pelo P. António Franco, pg. 689. 



o Marquez de Pombal 6S 



«Isto é que eram horrendos conflictos ! Os mi- 
«nistros encarregados de providenciar contra um 
«inimigo incessante e implacável deviam de ver- 
«se em transes bem mais apertados que Sebastião 
«de Carvalho, que tinha ás suas ordens milhares 
«de contos e milhares de braços para desobstruir 
«as ruinas dos cadáveres, terraplenar os alicerces 
«da nova cidade, mandar aos proprietários dos 
«terrenos que edificassem, e vender por conta do 
«thesouro os chãos cujos proprietários náo appa- 
«reciam reclamando. 

«Os dinheiros do erário eram de sobra que 
«Sebastião José de Carvalho os emprestava aos 
«seus amigos que queriam edificar. O quarteirão 
«de casas que os Bertrands possuíram e legaram 
«aos seus herdeiros, na rua Garret, foi assim cons- 
«tiuido. O 1.** Bertrand veio pobre para Portugal; 
«enriqueceu, protegido por Sebastião José de Car- 
« valho, administrador liberalissimo do eraiio, ao 
«mesmo tempo que os fidalgos dispendiam as suas 
«casas, quebrantadas no amparo das famílias indi- 
« gentes. Não sei se Carvalho ganhou com o ter- 
«ramoto : perder é que de certo não perdeu. A sua 
«casa da rua Formosa ficou intacta. O parvoeirão 
«do rei disse que era isso uma prova de que Deus 
«protegia o seu ministro; e o Conde d'Obidos 
«respondeu: ^ Certo éy Senhor; mas simiUiante 
^protecção acJiaram também em Deus as moradoras 
<Lda rua Suja,^ (^) Estas moradoras condiziam 
com o nome da rua. O dicto veio muito a tempo, 
e foi celebrado pela agudeza da ironia e pilhas de 
graça. Mas o Conde d'Obidos pagou caro o atre- 
vimento de ter graça : Pombal nunca mais o per- 

{}) Perfil do Marquez de Pombal^ pg. ii5 a 119. 



64 o Marquez de Pombal 



deu d'olho, e no primeiro ensejo malhou com elle 
nos lobregos cárceres da Junqueira, onde expiou 
o nefando crime ! (*) 



(') Eis como o Marquez d Alorna conta o fim trági- 
co do desditoso Conde d'Obidos, nas suas preciosas Pri- 
jsões da Junqueira : 

«O Conde d Óbidos (D. Manoel Assis Mascarenhas ^^ 
«na edade em que estava, com génio ardente e melancoli- 
í«co, estimado, como se sabe, dos nossos principes e 
«das pessoas mais capazes deste reino, não podia deixar de 
«lhe fazer grande impressão uma prisão desta casta, onde 
(cse padece tanto aperto, tanta miséria e tanto desampa- 
«ro. . . Era tratado horrendamente. O comer da casa não 
«o podia absolutamente tragar : sustentava-se somente 
«com açorda ; não comeu nada muito tempo ; reduziu-se 
«por isso a uma forma quasi cadavérica. O Domingos (era 
«um dos criados das prisões) vendo-o naquelle miserável 
«estado «foi pedir ao Director das prisões (DesenUfargar- 
«dor José Joaquim d Oliveira Machado)^ creatura de 
«Pombal, juiz implacável, e um desses caracteres repu- 
«gnantes que parece comprazerem -se no assissinio ju- 
«dicial ou no dilatado supplicio dos seus concidadão^, diz 
«Latino Coelho, (pg. 92, vol. 1.0) que lhe acudisse, aome- 
«no5 para não morrer sem sacramentos.» 

«Neste tempo andava-se trabalhando na casa subter- 
rânea, que serve de cemitério, e disso se serviu o desem- 
bargador pjra responder do modo seguinte:— «As covas es- 
tam-se fazendo; dizem os mestres que ficará essa obra aca- 
bada em um mcz; em ella estando concluida, diga-lhe vo- 
cê que pode morrer quando quizcr« . . . Peiorou o Conde; 
clamou por confissão; prometieu o carcereiro desembarga- 
dor, mas nunca cumpriu. «O Conde, vendo que nada bas- 
«tava levantou-se da cama para bater na porta, pedindo 
«pelas Chi.gis de Christo que lhe acudissem; não se fez 
onenhum caso, e vendo inúteis todas a<! suas diligencias, 
«quiz tornar para a cama, mas não p)ôde chegar lá, caiu 
«no chão de todo perturbado: deu um grande baque, e 
«ainda maior porque juntamente caiu um banco Ouviu este 
«estrondo António da Costa Freire, seu visinho mais che- 
«gado. Fez-lhe juntamente falta não ouvir as grunhiduras 
«do Conde, conjecturou d*ahi que estaria em extrema ne- 



o MarquiM de Pomàal 



e> 



Ficam apreciadas por mâo de Camillo as cele- 
bradas previdências de Sebastião de Carvalho, as 
quaes foram para Pinheiro Chagas o ^on p/us 
tdtra da sabedoria governativa, fascinado por taes 
vaga-lumcs providínaats nem reparou na contra- 
dicçáo em que se deixava cair elogiando o Marquez 
por dar logo ordem para serem sepultados os ca- 
dáveres, com fundado e provável receio de alguma 
peste^ e ao mesmo tempo ordenar que os 200 enfor- 
cados estivessem expostos nas forcas até o tempo 
os consumir! Certamente a Providencia se amer- 
ciou então de Lisboa, porque ninguém podia exco- 
gilar melhor meio para atear a peste ! 

Pinheiro Chagas centralisa todas as iniciativas 
no cérebro de Pombal ; Camillo, com mais respeito 
pela verdade histórica, distribue-as por outras 
individualidades, que nellas trabalharam com alma. 

Uma das coisas que sempre me deu muito no 
goto foi lèr que frades, cónegos, padres, príncipes, 
fidalgos de todas as cathegorias, barguezes c ou- 
tros acudiam ás victimas da catastrophe com a 
fazenda e com os serviços ; e de Pombal ainda não 



•icessidade de soccorro; veio bater com muita força e por 
«lempo dilatado; mas de nada se ítz caso, e náo tornaram 
nos guardas se náo para darem luzes, O primeiro que en- 
•irou 00 cárcere do Conde e o viu estirado no cháo, correu 
«logo a dar parte ao desembargador e a buscar agua quente 
'•para os pés,» O remédio nada f^z; veio o cirurgião que 
O sangrou na veia jugular c num braço ou perna ; já náo 
saiu sangue. Assentaram então que estava mono. Deram 
«logo ordem para enterral-o, e o desembargador, que veio 
•assistir a esse acto, disse : t^Ora veremos agora como rt* 
medeia a morte do Conde d Óbidos o mesmo Condi, >* Pg, 
õo a 64^ 2.fl ed. 

Assim expiou o Conde d'Obido5 o crime do seu chiste, 
Hurrah ! pelo Marquez I 



66 O Marquez de Pombal 



encontrei, mesmo nos mais exaltados panegyristas,. 
que tivesse dado uma de X. Parece que para 
dar ... só com pau e maça, quando não eram 
forcas. 

Camiilo diz que de Inglaterra nos vieram 
270:000 cruzados ; Pinheiro Chagas que 500:000 : 
na quantidade dos géneros ha também divergência, 
como os leitores podem verificar, cotejando-os» 
Mas isto sam pontos secundários. 

* # 

Fallando do terramoto, devo aqui suprir a la- 
cuna que todos estes escriptores deixaram, no- 
meando um homem que em tão dolorosa emergên- 
cia desempenhou um papel principal, e mais tarde 
principalissimo nas perseguições cruentas do Mar- 
quez : refiro-me ao P.' Malagrida. 

Estava o virtuoso veterano missionário do Bra- 
zil confessando havia cerca de 3 horas, na egreja 
de S. Roque, quando, pelas 9 ^ á horas da manhã 
se sentiram os primeiros abalos, e logo apoz o des- 
moronamento da abobada e das paredes, que ma- 
taram muitos fieis : o P.* Malagrida sai do confes- 
sionário, com o crucifixo na mão, debulhado em 
lagrimas, entra pelas ruinas, soccorre os feridos, 
sepultados entre pedras, e prepara os moribundos 
para comparecer no tribunal divino. O povo, 
quando viu o venerando apostolo do Brazil, cer- 
ca-o, leva-o pelas ruas até á praça onde estava 
reunido grande numero de agonisantes. Malagrida 
a todos consola e dirige palavras de fé, confiança 
e coragem ; multiplica-se naquelle pavoroso campo 
de moribundos. N'esta faina levou aquelle dia e a 
seguinte, sem descançar de noite, nem comer, nem. 



o Marquez de Pombal 67 



beber. Só ao cair da tarde do segundo dia, quando 
já não appareciam agonisantes a quem sacramentar, 
é que deu por finda a sua tarefa humanitária e sal- 
vadora : ao anoitecer, o povo, que o venerava, le- 
vou-o em procissão expiatória, pregando no fim um 
fulminante sermão, chamando os peccadores á pe- 
nitencia. Soube-o Sebastião de Carvalho, e o mes- 
mo foi logo censurar-lhe o zelo indiscreto, O rei 
teve conhecimento da dedicação do Jesuita, sendo 
por isso chamado a Belém, onde estava a corte, e 
lá lhe agradeceu vivamente a caridade prestada. 

E como os abalos se repetiam, a intervallos, e 
com elles redobravam os sustos e lamentos, Mala- 
grida foi visto sempre no meio de tantos infelizes, 
trabalhando, ajudando -os e consolando- os. Mais 
tarde veremos a recompensa que Pombal deu ao 
zeloso missionário, então á volta dos seus 65 an- 
nos : para complemento devo dizer que não foi só 
Malagrída que saiu a campo para acudir aos ne- 
cessitados: todos seus irmãos na Religião fizeram o 
mesmo, apesar de serem os mais provados, pois só 
á sua parte tiveram sete casas destruidas, que eram 
quantas possuíam em Lisboa, se as veridicas histo- 
rias não mentem ; acudiram a curar os feridos, a 
confessar os morijjundos, a dar de comer aos fa- 
mintos, a consolar os tristes. O Irmão Hermano 
Blaise era aclamado, junctamente com Malagrida, 
como uma verdadeira providencia para muitos, e 
seus nomes eram aclamados por sobre as ruinas 
da capital. 

D. José, tocado das provas de heroísmo que 
deram os Jesuítas, levantou a ordem de desterro 
que já tinha sanccionado contra os P.*-'* Fonseca e 
Ballister (d'outra feita contarei o porquê) e mandou 



68 O Marquez de Pombal 



que a Casa professa da Companhia fosse reedifi- 
cada por conta da Coroa. 

Quem diria que poucos annos depois este mes- 
mo rei havia de assignar o decreto de extincção e 
perseguição á Companhia ?!!...£' uma das maio- 
res glorias de Pombal. 

Em conclusão : Sebastião José de Carvalho fez, 
n'esta triste occorrencia, o que qualquer ministro 
no seu logar faria ; e houve muitos homens que no 
seu tanto fizeram mais que o Ministro, porque se 
deram a si e á sua fazenda, o que não consta fi- 
zesse Sebastião de Carvalho. 

Os louros desta batalha saiem muito emmur- 
checidos depois da critica de Camillo, apreciando 
os factos e actos a olho nú e não atravez de len- 
tes de longo alcance. 

Um insuspeito escriptor liberal — Simão José da 
Luz Soriano — não pôde deixar de confessar que «o 
«terramoto de 1755, sendo um mal geral para to- 
ados os portuguezes, foi um bem para S^rbastião 
«José de Carvalho, porque, não lhe causando pre- 
«juizo algum, augmentou-lhe extraordinariamente o 
«seu poder, habilitando-o a executar, peio seu fer- 
<renho systhema de despotismo, todos os seus pla- 
«nos... .> i^) E também ha quem diga que lhe 
augmentou sl fortuna, pelas exffropriaçoes forçadas 
e pelo preço arbitrário que elle, e creaturas delle 
impunham aos proprietários arruinados . . . 



(') Historia do reinado de D. José I, pg. 275. 



CAPITULO IV 

O Harq^Lsi ds Pombal e os msiiopclícs 



HSBI7MO 

O que sam oí monopólios; incoherenda de Pinheiro Cha- 
gas; a Cornpànhia áo Gráo-Pará; duvida sobre o seu 
capital e preguiça áo historiador; resolve-se a duvida; 
o Marquez de Potib^l no^neanda-se director da Com- 
panhia, e em que condições; corrige -se um anachro- 
nUmo histórico dí Pinheiro Chagi^; escandalosos fi- 
vofes do Marquez ã Companhia; acentua-sc outra in- 
coherencii de Pinheiro Chagas; o protesto da Mesa 
do Bem Commum: outro anachronismo histórico de 
P,» Chagas, por não conferir datas; esiincçáo da Com- 
panhia e modo fístivo como foi recebida pelo com- 
mcrcio de Lisboa; incohercncii de Pombal e descul- 
pa imaginada! por Chagjs; a liberdade do commercio 
para Moçambique; o alvará das apólices, violento re- 
curso de Pombal; a Companhia das Vinhas do Alto 
Douro^ e seus monstra osoí» privileg'Os; Camillo Cas- 
tello Branco e P^^Chagis; latino Coelho e Dr, Coelho 
da Ro-ha sobre a questão; o Marquez de Pombal no» 
meando-stí também director da Companhia das Vi- 
nhas do Ai to Douro; fundação da Companhia de Per^ 
nambuco; outro monopólio; inexactidão de Latino 
Coelho; ainda o monopólio do commercio da índia a 
UTi amigo; outro escândalo da Marinha Grande; a 
raoraliiid^ governativa do Marquez. Documentos, 

I Is monopólios, diz o economista Francisco Luiz 

Gomes, a que Pinheiro Chagas chama *dis* 

iiusíj', sam in2omp2kúve\^ com a ualviteia. VtXim^- 



70 O Marquez dt Pombal 



na; irritam-na como um corpo extranho introdu- 
zido na carne ; exigem, da parte daquelles que os 
criam, eíTeitos extraordinários e constantes. È' que 
para desviar um rio do seu leito sam necessários 
os mais custosos trabalhos ; mas para o deixar se- 
guir seu curso natural nenhuns sam precisos. 

Como Sebastião de Carvalho se propunha des- 
viar a sociedade portugueza do seu curso natural, 
não admira recorresse ao torniquete dos monopó- 
lios. Para ser verdugo de tantos concidadãos seus, 
preciso era que primeiro tivesse vionopoUsado a li- 
berdade de todos, e se declarasse dictador. Lison- 
geava-lhe a vaidade e enchia as algibeiras delle e 
dos amigos. Pinheiro Chagas, sempre propenso, 
apesar de seu equilibrio instável, para indulgenciar 
Pombal, declara subscrever o conceito de Francis- 
co Luiz Gomes, considerando todo o monopólio 
^sempre absurdo e prejudicial^ \ confessa que esta 
é uma grande verdade económica, infelizmente não 
comprehendida no tempo do marquez de Pombal», 
e affirma que esse tempo <cra epocha de monopo- 
lios e restricções,^ 

O brilhante romancista é simplesmente contra- 
dictorio como historiador, e de modo que até col- 
lide com o senso commum. Pois se «a epoclia de 
Pombal era de monopólios e restricçõesi^, como ex- 
plicar as resistências e até motins com que o povo 
recebeu os monopólios ? Se a epocha era de mono- 
pólios, como explicar que para os fazer vingar ti- 
vesse de recorrer á prisão e ao degredo, como suc- 
cedeu com a Companhia do Pará, e k prisão e á 
forca, como na Companhia dos vinhos do Porto ? 

Se o povo lhes resistiu por serem novidade e 
por serem despotismo, é porque não havia os taes 



o Marqufs dê Fombal 



7» 



w^polios: isto está-se mettendo pelos olhos aden- 

E tanto assim que todos os monopólios por 
_Íle estabelecidos morreram com elle como as ma- 
niifacturas, ou, se lhe sobreviveram, deram o resul- 
tado da Companhia dos vinhos e do Pará e Mara- 
nhão, e da Índia, Falemos destas, quanto resumi* 
damente possível. 



Companhia do Grão-Pará e Maranhão 



Ouçamos Pinheiro CíiagaSy que ainda aqui nos 
dá a medida de suas incoherencias e falta de in- 
vestigação, indispensável a todo o historiador. Diz 
elle : 

«Em seguida fundou a Companhia do Grâo- 
Pará e Maranhão e deu mais uma prova das suas 
falsas ideias económicas em certos assumptos, 
ideias que eram aliás as do seu tempo, A prospe- 
ridade das vastas companhias inglezas, hollande- 
zas e francezas, verdadeiras potenciaSi que faziam 
a paz e a guerra, tornava todos os governos fa- 
náticos pela associação, como elemento de pros- 
peridade commercial Nào se enganavam nisso; 
mas em que se illudiam era quando imaginavam 
que o monopólio e o privilegio deviam ser o apa- 
nágio dessas companhias ; em que se enganavam 
era quando imaginavam que a concorrência seria 
nefasta, era quando, em nome do desenvolvimento 
commercial, punham obstáculo á liberdade do com- 



72 o Marquez de Pombal 



mercio. Carvalho partilhava as ideias communs no 
seu tempo, e a fundação de companhias privilegia- 
das foi uma das suas medidas predilectas. ... A 
Companhia do Grão- Pará e Maranhão vinha ferir 
tantos interesses legitimos e estabelecidos que não 
podia deixar de excitar grandes clamores. 

«Tinha esta Companhia privilégios excessivos. 
O seu capital era de 480 contos de reis, segundo 
affirma Francisco Luiz Gomes, ou de 800 contos, 
segundo assevera o snr. Simão da Luz. Em 
todo o caso as acções eram de 400$ooo reis cada 
uma, acções que o governo passava por todos os 
meios. 

«A Companhia tinha o privilegio exclusivo da 
venda dos géneros portuguezes, de que se forne- 
cia onde desejava, nos portos das duas províncias 
brazileiras, compromettendo-se a nunca vender al- 
gumas fazendas com lucro maior de 45 ®/„, e ou- 
tras com lucro maior de 1 5 *^/„. 

*Concediam-se-lhe dois navios de guerra; ter- 
renos para os seus armazéns, estaleiros e depósi- 
tos; 

«licença para tirar das mattas nacionaes toda a 
madeira de que precisasse; 

«pagavam as suas mercadorias direitos módi- 
cos na alfandega e tinham despacho rápido ; 

«os oITiciaes de marinha real podiam servir nos 
seus navios sem perderem as vantagens de servi- 
dores do Estado ; 

«o recrutamento da sua marinhagem fazia-se 
como o recrutamento para a armada ; 

«os seus empregados eram considerados como 
empregados públicos ; 

«os seus créditos como créditos fiscaes. 



o Marquis dê Pemtòal 



Alem d'estes privilégios ainda tinha outros que 
leram o de ser única a introduzir escravos no Ma- 
' ranhâo, e o fabricar pólvora nessa província. Ti- 
nha porem a obrigação, no caso de guerra, de ser- 
vir o Estado com seus navios, devendo o estado 
supprir as despegas que se fizessem. 

«Tantos privilégios deviam inevitavelmente pro- 
vocar as reclamações dos negociantes que então 
' sustentavam o commercio com o noite do Brazil. 
I A AUsa do Bem Com/num, que substituirá em 172a 
[ a ^0tta do Commercio lundada em 1Ó4Q, e que ti- 
nha por objecto zelar os interesses da classe com- 
mercíal, intendeu que devia protestar contra a de- 
cisão do governo, e requereu a El-rei que revo- 
gasse o decreto de 1 1 de agosto de 1753, que 
fundara a Companhia do Maranhão e Pará,» (^1 

Primeiro que tudo é muito para notar que nâa 
procurasse resolver a divergência que notou entre 
Francisco Luiz Gomes e Simão Luz Sor ia no, quan- 
to ao fundo ou capital da Companhia: foram 4S0 
ou 800 contos de reis ? O historiador, que tinha 
[ obrigação de averiguar, nada resolveu : os leitores 
escolham. Se todavia se tivesse dado ao tra- 
lho, fatigante por certo, mas necessário, de re- 
^voiver a colleção da legislação pombalina, e nella 
i rebuscar os estatutos da sobredita Companhia, lá 
[encontraria o arii^o ^S, que reza assim : 

*0 fundo e capital da Companhia será de 

' 1:200,000 cruzados, repartidos em 1:200 acções de 

^00$ 000 reis cada uma ; podendo a mesma pessoa 

j Lr dijfferentes acções^ com tanto que as que forem 

\de IO para cima^ que sam as bastantes para qua- 



i}) Historia di Portugal^ tom . 9, pg. 546 e 547. 



74 O Marquez de Pombal 



li ficar os accionistas para os empregos da Admi- 
nistração delia, ndo passem do segredo dos livros 
da Companhia ás . relações publicas, que se devem 
distribuir pelos vogaes para as eleições, > 

Tinha, pois, razào Francisco Luiz Gomes con- 
tra Soriano. Notem agora bem os leitores a ultima 
clausula, pela qual Sebastião de Carvalho prohibe 
que nas listas ou relações publicas dos accionistas 
sejam incluidos os que tiverem mais de lo acções^ 
ficando isso apenas para o segredo dos livros da 
Companhia, 

Porque esta tão absurda e inquisitorial precau- 
ção ? Porque como o ministro ia feito no negocio 
sangrava-se em saúde; não queria que fosse sa- 
bido quanta era a rasca que levava na assadura. 
Isto não é imputação gratuita; é uma consequên- 
cia natural das permissas postas. Pinheiro Chagas, 
nem nenhum dos que sobre o particular tenho li- 
do, notou uma circumstancia muito para notar, e 
que nos dá a chave do enigma destes e doutros 
privilégios, que ainda veremos: é que Sebastião 
de Carvalho, para mostrar sua honestidade, a si 
próprio se nomeou director da Companhia, por 3 
annos, como se lê no ultimo artigo 55 da Com- 
panhia, que diz assim : 

t E porque V. Magestade, ouvindo os supplican^ 
tes, foi servido nomear os abaixos declarados, para 
o estabelecimento e governo desta Companhia, nos 
primeiros ^ annos \ todos clles assignam este papel 
em nome do dito commercio, obrigando por isso os 
cabedaes com que entram nesta Companhia, e em 
geral os das pessoas que nella entrarem também 
pelas suas entradas somente: para que V, Aí, se 
sirva de confirmar a dita Companhia com todas as 
clausulas, preeminências, mercês e condições conteú- 



o Marfma di Pamtòmi 



75 



das n£sU fiafe/, e com i&das as firmrsas qiu para 
sua validade € segurança fonm necessárias, 
Lisboa^ 6 de y»Hko de /75> 

Sebastião Joscph de Carvalho e Mello 

Rodrigo dé Sandt i t^asconcelíos 

Domingos de Basíos Vianna 

Benio José Alvares 

João Francisco da Crua 

João tf Ar anjo Lima 

Jostph da Costa Ribeiro 

Anionio dos Santos Pinto 

Estevão Jostph d^ Almeida 

Manoel Ferreira da Costa 

Josep/i Francisco da Crt*2,i* 

Estes Cruses, yoda e yaseph, não serão acaso 
irmãos ou próximos parentes do tal P/ Antónia 
José da Cru^, oratariana, a quem dizem Pombal 
deveu também sua entrada no Paço, a cujo propó- 
sito Pinheiro Chagas deixou dicto: <A constante 
proUcçâú cjue Scòastido de Carvalho sempre dis- 
pensou d familia Crnz^ parece até certo ponto jus- 
tificar esta opinião^ (M? Seja como Un\ o que é 
certo é que Pombal se nomeou a si próprio director 
da primeira companhia exorbitantemente monopoli- 
sadora, que chegou a dar 30 e 40 **/^ de ganho nas 
acções, segundo affirma o protestante Jacome Rat- 
ton, todo pombalino ; e que se nomeou por ttes 
annõs, no tim dos quaes somente se repartiriam os 
interesses, segundo estabelece o artigo 52 : 

tOs interesses que produzir a Companhia se re- 
partirão pela primeira v^z em julho do 3l^ anuo, 
que ha de correr depois da partida da // frota da 
Companhia, A qual ficará depois dividindo annnal 
é sucessivamente pro rata no referido mes de julho 

\}} Hist, de Portugal^ tom. 9, pg. 543. 



75 O Marques de Pombal 



o que pertencer a cada um^ salvas as despezas e 
substancia delia, % 

Que o ministro era accionista e de mais de lo 
acções é evidente, porque a si próprio se nomeou 
director; mas quantas mais teria? Só o livro do 
segredo o podia dizer. E quantas moedas dispen- 
deria na compra de taes acções ? Náo será licito 
suppòr, e ter antes como certo que seriam ellas 
presente de mào beijada dos monopolistas, a troco 
da concessão ? 

Ha também um erro de data que é necessário 
corrigir para não transitar em julgado : PinJieiro 
Cliagas diz que a Companhia foi fundada por de^ 
creto de ii de agosto áe lysj-* Nem decreto, nem 
dia^ nem anno : foi pelo alvará de 7 de junho de 
nsS' Notem a presteza : o requerimento com os 
estatutos, tem a data de ó de junho\ e o alvará de 
confirmação foi lavrado logo no dia seguinte *por 
próprio motu, certa sciencia, poder real e absoluto.^ 

De modo que vemos um ministro de Estado 
convertido em homem de negocio, que nada arrisca, 
e que só ganha, commettendo alem disso a vio- 
lência abusiva de se apropriar dos bens e proprie- 
dades do Estado, como se vê do artigo 9.*^ que reza 
assim : 

«Sendo indispensavelmente necessário que a 
«Companhia tenha casas, e armazéns sufíicientes 
«para o seu despacho, guarda dos seus cofres, 
«aposento dos seus caixeiros e armazéns de suas 
«fazendas; e não sendo possivel que tudo isto seja 
«fabricado com a brevidade necessária : Ha V. M. 
«por bem mandar-lhe despejar e entregar, por em^ 
^préstimo, as casas e armazéns, junto e por cima 
«da egreja de Santo António, onde presentemente 
«se guardam os depósitos públicos, mudando-se 



o Marquez de Pombal 77 



nestes logo para as outras casas que V. M. man- 
<áo\x edificar no Rocio para este effeito ; e outro 
«sim tomarão para aposentadoria todas as mais 
<casas e armazéns, cobertos e descobertos, que lhe 
«forem necessários, assim naquella visinhança, 
<como na Boa Vista. . . Também V, M. é servido 
-cconceder-lhe, no mesmo sitio da Boa Vista, e praia 
«a elle adjacente, o logar e área que fòr competen- 
«te para edificar estaleiros para seus navios, arma- 
«zens para a guarda de tudo que fòr a elles per- 
^tencente, e estancia para conservarem suas ma- 
«deiras ...» 

Do pão do nosso compadre larga fatia. Minis- 
tro dadivoso até alll ! . . . Já sabemos que o bene- 
ficio aos amigos redundava no próprio. A estas 
medidas de largo alcance chama Pinheiro Chagas 
— ^medidas do seu vasto plano, ^ 

Agora uma incoherencia manifesta. Diz e rediz 
que as companhias privilegiadas ou monopolistas^ 
como esta, estavam nas ideias da epocha, que eram 
as daquelle tempo ; e logo a seguir confessa que 
^tantos privilégios deviam inevitavelmente provocar 
us reclamações dos negociantes que então sustenta- 
vam o commercío com o norte do Brazilh Logo, 
se reclamavam, é porque se estabelecia coisa nova 
e contraria ao regimen vigente ! Mais. 

A Mesa do Bem Commum tinha substituído a 
yunta do Commercio fundada no reinado de D. 
João IV, e que era toda monopolista; logo é por- 
que desapparecera entre nós essa corrente de ideias 
monopolistas, que Sebastião resuscitou, e por isso 
reclamavam. 

Demais : o theor ou summula da mesma re- 
presentação nos mostra que o regimen então vi- 
dente era a liberdade do commercio, que Sebastião 



78 o Marquez de Pombal 



annuUou para o substituir pelo despotismo com- 
mercial e ganancioso ; porquanto diz o protesto da 
Mesa do Bem Commum : 

«A Meza do Bem Commum representava que 
«as províncias, onde se ia introduzir a Companhia 
«privilegiada, não offereciam obstáculos alguns ao 
«commercio, que precisassem ser superados por 
«meios excepcionaes ; que os privilégios concedi- 
«dos á Companhia eram exhorbitantes ; que os 
«prejuízos sofTridos pelo Estado nos direitos d'al- 
afandega não deviam ser pequenos; que as ga- 
«rantias concedidas aos productos das duas prò- 
«vincias brazileiras podiam ser facilmente illudidas ; 
«e que finalmente a experiência da Junta do com- 
<ímercio, creada por D. João IV, já devia ter mos- 
«trado quanto eram damnosos os monopólios.» (^) 

Emfim, cedendo ao seu pendor natural, não 
pode deixar de condemnar a violenta, e direi mes- 
mo deshonesta medida da instituição da Compa- 
nhia do Grão Pará e Maranhão, dizendo : 

. «Não podemos deixar de reconhecer que a 
«creação da Companhia do Pará foi uma medida 
t odiosa de Sebastião José de Carvalho, não só 
«porque estabeleceu um monopólio por tal forma 
«vexatório que nem sequer se podiam mandar 
«presentes do Maranhão para Portugal e vice-ver- 
«sa, sem ser por intervenção da Companhia, mas 
«também porque, dando-lhe privilégios sem con- 
«to, de cada um fez novo vexame, para o publico. 
«Assim concedeu que ella pagasse aos seus cre- 
«dores com as apólices de 400$ocx) reis, que o 
«publico difficilmente se habituava a acceitar como 
«moeda sonante, e quando as trocava tinha sem^ 

(}) Historia de Portugal^ tom. 9, pg. 548. 



o Marques dt Pombal 



1 tupn* o desconto di\ pelo menos^ um terço ! E mais 

Kcresceu o vexame com passar as apólices de 

[•400S0CX3 reis para i:iooSooo reis-*. O que é 

ícerto è que, no fim de vinte annos, o Marquez 

«de Pombal tacitamente confessou o seu erro, 

^rque lhe nào renovou o privilegio.* (') 



Aqui ha outro anac/ironísmo hisiorico^ comet- 
tido pelo distincto escriptor e somenos historiador : 
Marquez de Pombal nãú renovou o prhííegWy 
?orque lh'o não podia renovar, pela rasào evidente 
ie que náo carecia de tal renovação, visto que 
"Ião tinha acabado o praso dos vinte annos, quan- 
ío O Marquez foi expulso do poder em princípios 
ie 1777* E' certo que os estatutos da Companhia 
^oram approvados em data de 7 junho de 1755; mas 
50 em 6 de agosto de 1757 é que eile» por outro 
alvará» de que adeante falarei, dava por subscripto 
|o capital da Companhia ; D. José I morreu em 24 
le fevereiro de 1777, e desde esse dia se declarou 
morte moral do dictador, perante a reacção da 
lação. Quem não renovou o privilegio á Compunhia 
io Grào-Pará e Maranhão foi o governo de D, Ma- 
ia I, extinguindo-a pelo alvará de 5" de janeiro de 
jyS, com o applauso geral e muito mais da classe 
|commerciaí de Lisboa, que celebrou a providencia 
libertadora com um soiemnissimo Te-Deum. E bem 
poderá Pinheiro Chagas tel-o visto em Latino Coe- 
fho^ que ao propósito deixou publicado: 

*0 governo de D. Maria I aboliu, pois» a Com- 



(*) Historia de Portugai^ tom 9, pag. 549. 



8o O Marqmz de Pombal 



panhia do Grão-Pará e Maranhão. Com esta pro- 
videncia grangeou a aura popular. Sempre e em 
toda a parte a maioria dos cidadãos applaude a 
abolição de privilégios que, embora coloridos com 
a apparencia do interesse nacional, tem por effeito 
visível e directo enriquecer uma pequena maioria^ 
prohibindo ou empecendo o livre trafico aos que 
não gosam do favor. Celebrou-se a providencia 
como uma generosa alforria nacional. A gente de 
negocio da praça de Lisboa ordenou um solemnis- 
simo Te-Dcum, com que festejou a nova adminis- 
tração. 

«Poucos annos depois foi também abolida a 
Companhia de Pernambuco e Parahyba. (*) 

Reduziram-se alguns encargos que obviavam 
ao commercio. Entre outros pode citar-se o im- 
posto que onerava, na sua exportação, o sal de 
Setúbal, aggravava as difficuldades resultantes do 
regimen especial e vexatório, porque se governava 
a industria das marinhas.» (*) (Vid. Historia poli- 
tica c militar. . . tom. i.", pg. 295.) 

Mais. Uma prova palpável e argumento indes- 
tructivel de que as companhias privilegiadas e os 
monopólios não eram as ideias correntes e domi- 
nantes no tempo de Pombal é o facto do mesmo 
Sebastião José de Carvalho estabelecer a liberdade 
de commercio para a província de Moçambique^ 
apenas três dias depois de confirmada a Compa- 
nhia do Grão-Pará e Maranhão : é o alvará de 10 
de junho de 1755; e mais tarde, em 11 de janeiro 
de 1758, para q. província de Angola, 

E' certo que Pombal não assigna os citados 

[}) Decreto de 8 de maio de 17S0. 
(•} Decreto de 16 de janeiro de 1779, 



o Marquez de Pombal 8i 



documentos, e sim o Marquez de Penalva o pri- 
meiro, e Thomc Joaquim da Costa Real o segun- 
do ; mas esta circumstancia não invalida a prova, 
porque o historiador já deixou dicto e é a verdade 
por todos aceite, que Sebastião de Carvalho, ape- 
nas entrado no ministério, ^começou a exercer no 
gabinete de que fazia parte, uma influencia exclu- 
siva,^ (*) Logo, sç taes alvarás foram publicados é 
porque eram de aprasimento ao poderoso Ministro, 
que para o Brazil decretava o monopólio^ para a 
Africa a liberdade commercial, dizendo-se no alva- 
rá relativo a Moçambique : 

«Eu El-Rei. Faço saber aos que este í.lvará 
^em forma de lei virem, que tendo consideração a 
«que os meios e diíTerentes administrações com que 
«até aqui se tem procurado adeantar o commer- 
«cio de Moçambique e mais terras d'Afnca Orien- 
«tal, sujeitas a meu real dominio, não tem sido bas- 
«tantes a conseguir um lim tão importante ao meu 
* serviço e ao bem de meus vassalos, especialmen- 
«te dos moradores da índia; desejando evitar este 
«prejuízo e remover os embaraços que tem, no 
«methodo presente, impedido o progresso e adean- 
«tamento deste negocio; Hei por bem extinguir 
«a forma porque actualmente se faz este commer- 
«cio e administração, que se tinha concedido ao 
«(Conselho da Fazenda do Estado da índia; e or- 
«denar que, da publicação deste em deante, tique 
«o commercio sobredicto de Moçambique e dos 
«demais portos e legares de sua dependência, livre 
«para todos os moradores de Goa e das mais par- 
«tes e terras da Ásia Portugueza, para o poderem 
«fazer como lhes parecer e lhes fòr mais útil com 

s}) Historia de Portugal, tomo 9.0, pag. 544. 



82 o Marquez de Pombal 



«todos os géneros que se costumam navegar 
«por aquella costa, pagando os direitos devidos 
«nas alfandegas em que entrarem. . .» 

Aò mesmo tempo ^concedia o co7ninercio da ín- 
dia e China a Feliciano Velho Oldembourg.> (*) 
Chagas diz que náo se percebe muito bem esta con" 
tradicção manifesta de Sebastião de Carvalho. 

Sob o ponto de vista subjectivo em que se 
collocou o escriptor, claro está que não; no pon- 
to de vista histórico, sim, tem uma explicação fá- 
cil: para Moçambique não se organisou companhia, 
nem houve quem quizesse dentre os amigos, a 
monopólio, por isso decretou-se o commercio livre; 
para a índia appareceu um amigo, negociante ar- 
gentario, com sua costella extrangeira, e a quem 
se queria enriquecer mais, e logo se lhe deu o mo- 
nopólio, A conclusão obvia a tirar é que Sebastião 
de Carvalho não trazia para o governo nem plano 
de reformas, nem de medidas governativas: go- 
vernava ao sabor das occorrencias : monopólio ou 
commercio livre para elle era indifferente. O homem 
náo Unhei prÍ7icipios ; obedecia a interesses. Procla- 
mam-no suas obras. 

Falta ver a maneira como o poderoso, violento 
e ganancioso ministro recebeu a representação da 
Mísa do Bem Commum] mas esse capitulo da lon- 
ga serie de despotismos, violências e crueldades de 
Sebastião de Carvalho ficará reservado para o 
deante. (*) 



0) Historia de Portugal, tomo q.<>, pag. 552. 

(2) Em reforço aos abusivos privilégios dados á Com- 
panhia do Grão-Pará e Maranhão ainda publicou mais os al- 
varás de 6 de dezembro de 1755 e 10 de fevereiro de 
1757, ampliando os favores. 



o Marquez de Pombal 83 



E para que bem se veja os baixos processos 
a que recorria o grande reformador, julgo em bem 
transcrever aqui o alvará de 30 de outubro de 

1756, que é muito significativo. 

Fora a Companhia organisada e approvada em 
7 de íunho de 1755 ; como porem a confiança pu- 
blica não correspondia ás vistas interesseiras de 
Sebastião de Carvalho, ainda no fim de outubro 
do anno seguinte, 10 mezes depois, o capital de 
480 contos de reis não estava subscripto, nem es- 
peranças havia de que o fosse. De que se lembrou 
então o reformador? De publicar o alvará de 30 de 
outubro de 1756 prohíbindo emprestar dinheiro a 
juros, ainda viesmo dos cofres das capellas, resi- 
duos e OrpJiàos em quanto não estiver subscripto o 
fundo da Companhia do Grào-Pará, de que elle 
se havia nomeado director por tempo de três an- 
nos, sem que saibamos ao certo as acções com que 
o inscreveram : para cima de dez eram com cer- 
teza, porque estavam no livro do segredo. Este al- 
vará só foi revogado por outro de ó de agosto de 

1757, que é do theor seguinte : 

«Eu, El-rei. Faço saber aos que este alvará 
«com força de lei virem que, por outro alvará de 
«30 de outubro de 1756, pp., houve por bem or- 
«denar que na cidade de Lisboa e província da 
«Extremadura se não podesse dar dinheiro a juro, 
«nem ainda do cofre das Capellas, Resíduos e Or- 
«phãos que excedesse a quantia de 300S000 reis, 
^em quanto se não achasse completo o fundo da Com- 
<kpanhía Geral do Grão-Pará e Ma7'anIido, debaixo 
«das penas nelle conteúdas. 

«E porque tem cessado a causa final do dito 
«alvará: Sou servido abolir a dita prohibição e de- 
«clarar que, de hoje em deante, se possam dar li- 



84 o Marques de Pombal 



«vremente, a juro de 5 7o» todas as quantias em 
«que as partes se ajustarem, como se fazia antes 
«da publicação do dito alvará de 30 de outubro de 
«1756, que nesta parte ficará sem força nem vigor 
«algum. 

«Pelo que mando ao Presidente do Desembargo 
«do Paço, Regedor da Casa de Supplicação, etc. 

«Dado em Balem aos 6 de agosto de 1757. 

«Rei. — Sebastião Joseph de Carvalho e Mello, ^^ 

Os portuguezes tinham tanta confiança na Com- 
panhia monopolista, estavam ellas tanto nas ideias 
do tempo que foi necessário recorrer a um acto de 
força, a uma verdadeira violência para que elles 
no fim de dois annos e dois mezes, subscrevessem 
o capital duma Companhia em que elle estava es- 
candalosamente interessado I 

\'iva o grande reformador ! . . . E! vamos a ou- 
tra creação, nào direi ginial, mas egualmente /;«- 
moral do mesmo saòio legislador a quem, no dizer 
dos cultivadores da mandria nacional, tantj deve 
o commercio e agricultura : refiro-me á 

Companhia Geral da Agricultura das Vinhas 
do Alto Douro 

Sobre este particular ouviremos primeiro os 
nossos illustres escriptores, formando um:i syn- 
these valiosa das apreciações dos mais famosos 
litter.;tos portuguezes, a que aporei algumas con- 
siderações. \'ai falar Inancísso Luiz Gomes que 
Pinheiro Chagas chamou a explicar a origem e or- 
ganisaçào da famosa Compí^nhia. 



o Marquez de Pombal 85 



Este escriptor <;.cuja auctoridadc é respeitável 
qtianto o nosso illitstre compatriota era uvi dist.ncto 
ecoiioviista muito apreciado em Porttcgal e no ex- 
trangeiro, segundo aíTirma Pinheiro Chagas (^), 
apreciou o decreto de lo de setembro de 1756, 
que instituiu a Companhia dos vinhos do Alto 
Douro nos seguintes termos : 

< Depois da catastrophe (o terramoto de i de 
novembro de ^ij^yi)) um dos primeiros actos de 
Carvalho foi a creação da famosa Companhia dos 
vinhos do Alto Douro, á qual fez largas concessões 
e concedeu os mais absurdos privilégios. Eis em 
resumo os principaes artigos do edito de 10 de 
setembro : 

I.-** a A Companhia terá o monopólio de todo 
o commercio dos vinhos, vinagres e aguas-arden- 
tes, que se exportarem do Porto para as provín- 
cias da Bahia, Rio de Janeiro, S. Paulo e Pernam- 
buco, no Brazil ; 

2.° «todos os navios que se dirigirem para as 
províncias acima nomeadas serão obrigados a re- 
ceber os vinhos da Companhia por preços tarifa- 
dos inalteráveis ; 

3.° «será prohibido vender a retalho na cidade 
do Porto e seus arredores, até á distancia de três 
léguas, outro vinho, sem ser o da Companhia ; 

4.° «todos os productores de vinho serão 
obrigados a vendel-o á Companhia por preços ta- 
rifados ; 

5.® <limitar-se-ha dos dois lados do Douro 

{}) Historia de Portugal^ tomo 10, pag. 22. 



86 O Marquez de Pombal 



toda a extensão de terreno que produz o vinho do 
Porto, e ninguém poderá vender, em cada anno, 
uma quantidade de vinho inferior ao termo médio 
da producção de cinco annos da sua lavra, sujeita 
á demarcação \^) ; 

6.^ «nenhuma quantidade de vinho entrará na 
demarcação sem ser apresentado aos empregados 
da Companhia, que lhe examinarão a qualidade e 
o destino ; 

7.^ «nenhum vinho poderá sair pela barra do 
Porto sem licença d -^s empregados da Companhia, 
que, depois de os terem examinado, declararão a 
que classe pertencem, sendo ai.* classe (a ási fei- 
toria) destinada para o consumo da Inglaterra e da 
Europa, a 2.* {subsidiário) ao do Brazil, e a 3.* 
(do ramo) á venda no paiz (comprehendendo os 
vinhos empregados na distillação) ; 

8.® a a Companhia gozará dum foro privile- 
giado, será obrigada a vender os seus vinhos, 
aguas-ardentes e vinagres por preços egualmente 
tarifados ; 

g,^ «emprestará aos cultivadores dinheiro a 
3 7o» ^ ^ seu capital será de i milhão e 200:000 
cruzados, e a sua duração de vinte annos.» 

Nos considerandos do edito dizia-se que a 
Companhia era instituída com o fim de levantar 
os vinhos do Alto Douro do descrédito em que 
tinham caido, em consequência das falsificações. 
Somos levados a pensar que tal descrédito não 
existia. A exportação dos vinhos augmentava sem- 
pre, e attingira nos annos que precederam a crea- 
Çã') da Companhia, a quantidade de 115:581 pipas. 



C^) Que estupidez! E se o anno fosse excepcional- 
mente escasso ? ! . . . Era enforcado, naturalmente. 



o Marquez de Pomàai 



87 



r 

m 

tf. 



—Os documentos, com auxilio dos quaes Carva- 
lho pretendia provar o descrédito, eram algumas 
cartas escríptas em 1756, depois que a creaçâo da 
Companhia fora discutida e resolvida. O fim prin- 
cipal de Carvalho, creando a Companhia, parece 
ter sido contrabalançar o monopólio de facto» que 
estava nas mãos dos inglezes, 

«Numa carta, olvidada pelo congresso de 1837, 
Carvalho confessava que tal tora o seu verdadeiro 
fim. Basta ler este edito para ver quanto é contra- 
rio aos interesses dos cultivadores dos vinhos, que 
sam injustamente privados do direito mais essen- 
cial da sua propriedade — o de dispor da fazenda 
que cultivam ; quanto é prejudicial aos consumido- 
res do Porto que estam privados do direito de es- 
colher e de comprar, pelo preço regulado pelo 
curso natural das coisas, o vinho do seu consu- 
mo; emtim, quanto deve padecer com elle a cida- 
de do Porto, cujos habitantes não podem já ven- 
der vinho, e cuja barra, que as províncias do norte 
sam obrigadas a procurar, está sujeita a todos os 
igores da fiscalisaçâo. 

O absurdo do edito vai ainda mais adeante. 

cham-se nelle disposições que sam contrarias ao 

fim a que Sebastião de Carvalho aspira, a nâo ser 

que descobrisse pela sua economia politica que o 

melhor meio de augmentar a producçào de um ge- 

ero é prohibir aos cultivadores que vendam mais 

o que tinham vendido no anno precedente, e for- 

çal-os a submetterem-se a preços vis e tarifados. 

• Também era só com as leis mais rigorosas 

que Carvalho podia manter essa policia dos vinhos, 

esses laços» essas visitas, essas pesquizas, essas 

uspeiçòes, essas infamações empregadas contra 

os commerciantes, os cultivadores, os vendedores 



88 O Marquez de Pombal 



e os consumidores do vinho. Antes de referir as 
perturbações e o motim que a creaçáo da Com« 
panhia provocou, seguil-a-hemos no seu progresso- 
para mostrarmos que o interesse publico e os di- 
reitos mais sagrados do homem foram muitas ve- 
zes sacrificados a essa instituição, e que foi neces- 
sário aviltar bastantes consciências para velar pela 
pureza dos vinhos do Porto. . . 

«Em 1760 a Companhia obteve um edito que 
levou mais longe os seus privilégios. O exclusivo 
da venda dos vinhos foi levado para quatro léguas 
da cidade, em vez de três, e accrescentou-se-lhe a 
do fabrico das aguas-ardentes, nas províncias do 
Minho, Beira e Traz-os-Montes ; foi prohibido 
aos cultivadores converterem os seus vinhos em 
agua ardente, podendo somente fazei -a das borras 
e vinhos estragados ; a Companhia compromettia- 
se a vender as aguas-ardentes por preços tarifa- 
dos. . . Este edito foi um golpe mortal para os cul- 
tivadores de vinhos. 

«Carvalho ordenou uma demarcação de todo o 
território que produzia o vinho de consumo inter- 
no \iio ramo) da mesma forma que ordenara, havia 
pouco, para os vinhos do Porto. Os proprietários 
dos vinhedos comprehendidos na terra limitada 
não podiam vender senão uma certa quantidade de 
vinho, que estava lixada d'antemào, e, a requeri- 
mento da Companhia, eram obrigados a declarar 
a quem a tinham vendido, e a proval-o. A este de- 
creto bárbaro juntou -se depois outro pelo qual era 
prohibido aos exportadores dos vinhos de ramo 
expedil-os para Lisboa, de fornia que esses desgra- 
çados ilotas da Companhiii n:\o podiam mandar os 
seus vinhos ao Brazil senào por intermédio dessa 
potencia, que os carregava de commissòes e direi- 



f 



o Marquez de Potnbcd S^ 



tos exhorbitantes ; não podiam vendel-os na cida- 
de do Porto parque o prohibiam os privilégios da 
Companhia; nâo podiam envial-os para Lisboa 
porque obstavam os regulamentos, nem sequer po- 
diam bebel-os porque Sebastião de Carvalho tive- 
ra a previdência de tarifar também os estômagos. 
Um Religioso (de Santa Cruz) não podia beber 
mais do que o correspondente a */á litro por dia ; 
e era esta a medida mais larga, porque os proprie- 
tários nem podiam reservar para seu consumo 
pessoal senão uma quantidade de vinho propor- 
cionalmente muito iníerior. 

«Cai valho não se limitava a publicar decretos 
com o fim de cortar a mistura dos vinhos de ramcy 
com os da feitoria ; ordenava inquéritos, recebia 
denuncias e punia com rigor os que ousavam fa- 
zer essas misturas. Os pobres cultivadores estavam 
á mercê do primeiro intrigante que apparecesse. 
Assim é que um doutor expiou na prisão a licença 
que dera a um Religioso de deitar nos seus toneis 
uma pequena quantidade de vinho, obtido num 
peditório ! 

«Carvalho bem queria dar á Companhia o mo- 
nopólio da exportação dos vinhos do Porto para o 
extrangeiro ; mas suspendera-o o receio de levan- 
tar um conflicto com a Inglaterra. Os negociantes 
dessa nação, estabelecidos no Porto, continuavam, 
sem se incommodar, o seu commercio de vinho 
depois da creação da Companhia. Adiantavam di- 
nheiro aos cultivadores, compravam os vinhos por 
preços mais elevados do que os da tarifa, e assim 
faziam concorrência á Companhia, que disso se 
queixou ao seu protector. Não havia meio algum 
justo e legal de o remediar : Carvalho recorreu á 
chicana. 



90 O Marqueis de Pombal 



«Decretou que- nenhum vinho áe feitoria seria 
vendido antes de certa epocha e sem ter sido pri- 
meiramente examinado pelos empregados da Com- 
panhia, que teriam o direito de lhe fixar o preço ; 
e preenchidas essas condições seria o vinho ven- 
dido ao primeiro comprador pelos preços estabele- 
cidos peia Companhia. Sendo estes exames feitos 
pelos empregados da Companhia é claro que esta 
é que se tornava arbitra de todas as vendas. 

«Esta orgia legislativa não tinha fim. Em 1773 
Carvalho afíligiu-se extremamente com um ligeiro 
desenvolvimento que a producção dos vinhos ti- 
vera ; julgou que Portugal ficaria arruinado se 
chegasse a se cobrir de vinhas com prejuizo das 
outras culturas. Em consequência ordenou que 
fossem arrancados os vinhedos e prohibiu aos pro- 
prietários da demarcação que os cultivassem sem 
auctorisação da Companhia. 

< Carvalho não era homem que fizesse as coi- 
sas a meio. Em 1776, publicou um decreto, com 
data de 4 de agosto, o qual foi a coroa dessa lar- 
ga e absurda legislação sobre vinhos ; por elle 
prohibiu formalmente em todos os portos de Por- 
tugal, a exportação dos vinhos de Monção, Vian- 
na, Bairrada, Aveiro, Anadia, Coimbra, Figueira e 
S. Miguel. O decreto, nos seus considerandos, di- 
zia que esta medida se tomava para manter o cre- 
dito dos vinhos do Porto. Não podemos compre- 
hender como é que os vinhos que não tinham o 
sello da Companhia podiam confundir-se com os 
outros a ponto de os desacreditarem. O verdadei- 
ro motivo parece ter sido o desejo de levantar os 
preços dos vinhos da Companhia.» (^) 

(^) Le Marquis de Pombal^ cap. 6, pag. gS e seguin- 
te». 



f 



o lãarque^ dt Pamsb-ã! oi 



Mais nota Francisco Lu:z Go-nes que a : jn^a- 
Çáo da Co.npanhia não w./^^^r.w a j:iaJ>.LTÍ€ xL^s 
vinhos^ porque as misrjras, que «.^ alvará de sua 
instituição disna ter em vssía acabar. cjT.ecou elia 
a fazel-as, avocando a si o r.ionop:':o dus aJiilte- 
rações ; e dá como prova o facto de saireníi dos ar- 
mazéns da Companhia as ^\^zs :âo cheias como 
entravam, apesar de deverem sorfrer uma dimir.ui- 
Çào de 9 ** o cada anno. 

Mais allega que a C ^mpanhia nunca adiantou 
aos cultivadores dinheiro a 3 "\ como promet- 
tiam os estatutos ; (* c qiie ríko melhorou os vi- 
nhos destinados para consumo da cidade, antes, 
pelo contrario, os que e!!a punha á venda eram 
tão ruins que os portuenses lhes preferiam as 
aguas-ardentes do Brazil ; donde se vé que á Com- 
panhia cabe a gloria de ter fundado no Porto uma 
alta escola de mixardias, que deu muito numerosos 
e aproveitados discípulos, que adentro e fora dos 
muros da invicta tão grande medrança tèm 
tido. 

E' convicção minha que a causa principal da 
crise actuai deriva do descrédito que a ganância 
cubiçosa, pelas adulterações, lançou sobre os nos- 
sos afamados vinhos. 

Mais sustenta o ^distincto economistas que a 
exportação dos vinhos para o Brazil não augmen- 
tou com a fundação da Companhia, pois que para 
o Rio de Janeiro nunca a exportação foi alem de 
70 pipas por anno, sendo ainda inferior a que se 
fazia para os outros portos brazileiroi. 



e) E»o§xi. 



92 o Marques de Pombal 



Sobre o particular muito importa ouvir o de- 
poimento de 

Camillo Castello Branco 

que traz para a questão dados interessantes. Eis o 
que elle diz : 

«Em 1/53, a Feitoria ingleza comprou aos la- 
vradores do Douro 21:107 pipas de vinho a 17 
libras cada pipa. Em 1754 os feitores inglezes es- 
creviam aos seus commissarios no Porto : ^que os 
vinhos portuguezes estavam desacreditados em In-- 
glaterra^ como venenosos pelas extraníias confeições 
com que eram fabricados,^ No mesmo anno, pois, 
em que os médicos inglezes davam como venenoso 
o vinho do Douro, bebiam elles lá as 21:107 
pipas a 77S500 reis a pipa. Excentricidades ingle- 
zas, patiíaiias inglezas. 

«Desacreditado o vinho por conluio dos com- 
pradores, que não tinham concorrência no merca- 
do, comprar^^n por 3 libras a pipa, e continuaram 
a embebedar-se, quero dizer, a envenenar-se. 

«Um tal Pancòrvo, hespanhol, negociante de 
vinhos, conversando com um frade dominico, cha- 
mado José Mansilha (^1, tio avò de outro Mansi- 
lha, estudante de Coimbra, e assassino enforcada 
em 20 de julho de 1828 — lembrou-lhe crear-se 
uma companhia para contraminar a collisão ardi- 
losa dos inglezes. O frade foi ao Douro, donde era 
natural, conversou com alguns lavradores afílictos 
e partiu para Lisboa, em procura de Sebastião 
José de Carvalho. O ministro ouviu o frade e achou 
tão acertada a ideia da companhia que nem mais 
largou o frade, nem a ideia. Foi a Companhia ins- 

(^) A pag. 3o3 corrige dizendo ter averiguado cha- 
mar-se /r. joào^ e udXiJr, José^ como ovivos IK^ diziam. 



o Marquez de Pombal ç)3 



tituida, e taxaram, o preço de cada pipa de vinho 
entre 20 e 25S000 reis— primeira arbitrariedade es- 
tólida ou capciosa em que já se accusa o mono- 
pólio. Os preços regulares, anteriores a 1754, fo- 
ram desprezados para a fixação da taxa, e atten- 
deram somente ao preço contrafeito de 1754 e 
1755. Se remontassem vinte e seis annos antes, 
achavam em 1730 o vinho a 52$ooo reis por pipa. 
Este preço augmentou até 1750 em que se vendeu 
a 7o$ooo. Tinham vinte e seis annos regulares 
para determinarem um termo médio ; porem só 
lhes serviu para comparação o anno em que os 
feitores mancommunados reduziram o preço a 
I3$5oo e io$ooo reis. 

«Mas Sebastião José de Carvalho, instituindo 
a Companhia, fez que o lavrador recebesse 2 5 $000 
reis pela pipa de vinho que vendia por io$ooo 
reis em 1755. Isso é assim. O ministro, na sua 
profunda ignorância das leis económicas, que po- 
dia ter aprendido na longa residência em Inglater- 
ra, executava impetuosamente os seus alvitres an- 
tes de os meditar, ou não os sabia meditar. 

«Os loSooo reis não era o preço ordinário, 
era o resultado de uma sórdida confederação dos 
compradores, era um preço contrahido e contra- 
feito que devia ceder a outra ordem de providen- 
cias, á abertura de outros mercados, á concorrên- 
cia de competidores e a um desvio da rotina, como 
cumpria a um estadista, gravido de reformas. Se- 
bastião de Carvalho suppunha ver, no seu curto 
horisonte, a Feitoria ingleza fundida com a insti- 
tuição da Companhia; e a Inglaterra zombava do 
estadista lòrpa que lhe dera a vantagem da pagar 
com 28S000 reis o que, antes da instituição, lhe cus- 
tava 17 libras. 



94 O Marquez de Pombai 



«Em uma Mejuoria publicada em Londres, por 
1812, a favor da Companhia, dizia um Duarte 
Tompson: «//a 26 aiinos que 3ou correspondente 
da Companhia^ e tenho tido em todo este espaço de 
tempo frequentes occasiões de observar que^ a nào 
existir ella, ^cariam os vinhos por muito maior 
preço aos importadores, 

«Todas as instituições do Marquez de Pombal, 
exceptuadas as d'instrucção publica, ou morreram 
com elle, por insustentáveis, como as manufactu- 
ras, ou, se lhe sobreviveram, deram o resultado da 
Companhia dós vinhos e de todas as companhias 
do Brazil. . . A sua mão, onde quer que pousava, 
punha nódoas de sangue. A Companhia dos vinhos 
foi inaugurada no Porto com uma fileira de forcas, 
que trabalharam 6 horas e por um crebro ulular de 
gemidos de uns açoitados que se tinham amotina- 
do, em seguida á bebedeira de terça feira de en- 
trudo.» (*) 

• Pinheiro Chagas 

Este escriptor, cujo valor em critica histórica 
já ficou ligeiramente indicado, declara ^associar-se 
completamente ás censuras de Fiancisco Luiz Go^ 
7nes, e intender^ como clíe^ que o systhema do mono- 
pólio é sempre abstwdo e prejudicial^ e que nunca 
d elle se colhem os resultados que dd a liberdades (*.; 
confessa que a fiscalisação concedida á Companhia 
era um < intolerável despotismos i^)\ todavia pare- 
ce-lhe que a Companhia concorrera para augmen- 
tar a exportação, e o preço do vinho generoso^ 

(^) Perfil do Marquez do Pombal^ pg. I23 a 127. 
{}) Historia de \ ortugal^ tom. 10, pag. 28. 
(5; Historia de Portugal^ tom. 10, pag. 3o. 



o Marquez dt Pombal 



93 



que chegou a vender-se a io$ooo reis a pipa, no 
quinquénio de 1750 a 1755. E sam as únicas ra- 
íiões invocadas para desculpar este monopólio^ 
^absurdo e prejudiciah como todos, e cheio do 
mais *mtokrav€l dcspútismo» que ia até violentar e 
conculcar o direito sacratíssimo de propriedade. 

Ainda que a exportação augmentasse, como 

adduz» em media, 1:500 pipas por anno, era bem 

miserável preço para tão monstruoso attentado ; 

mas prova~se que tal augmento nào cobria o im- 

I menso prejuízo causado pelas extorsões da Cum- 

jpanhiâ, segundo se deduz dos dados de Camillo. 

Quanto á cicvaçáo do pr£ço, Camillo já o expli- 

Icou dizendo que o preço dos loSooo reis foi o re- 

[sultado do conluio dos negociantes inglezes em 

T754; no anno anterior, em 1753» o preço fora de 

77$ 500 reis ; e se remontassem vinte e seis an- 

nos antes, achavam em 1730 o vinho a 52$ooo 

Ireis a pipa, cujo preço foi subindo até "oSooo reis 

fem 1750. A Companhia, tomando para base a fi- 

ícação do preço somente o quinquénio de 1750 a 

t755 já torna patente o dolo com que procedeu, e 

Inheiro Chagas» acceitando-o, a superficialidade 

bom que escreveu, A Companhia fixou o preço da 

^ipa do vinho do Porto entre 20 e 25S000 reis; os 

figlezes davam até 28:;j>ooo reis; mas a ^Inglatcr- 

sambava do estadista íôrpa que lhe dera a vau- 

Ug€tn de comprar por 2S$ooo reis o que antes da 

HStituíçdo da Companhia lhe custava ly libras. > 

A exportação em 1753 tinha sido de 21:107 
lipas ; para base do calculo, tomemos a media 
20:000 pipas por anno. 

Estas 20:000 pipas» nâo a 17 libras, mas só- 
nente a óoSooo reis, davam [:20o contos; a 255^000 
&is, preço máximo da tarifa da Companhia, davam 



<fi o Marquez de Pombal 



500 contos; mais o augmento de i:5CX) pipas na 
exportação — 37:500C?'000 total — 537:500.3rocx) reis. 
Tínhamos, pois, de prejuízo annual — 662:500^^^000 
reis — mais de 600 contos de reis. Kis a que se re- 
duziam os benefícios que Pinheiro Chagas via na 
Companhia, e com que pretendia justificar esta 
creação iho absurda como odiosa do ganancioso 
Marquez ! 

Ahi por 1882, quando os pombalistas realisa- 
ram o desvairado centenaiio, que não foi, nem po- 
dia ser nacionaly como o fora o anterior de Camões 
e mais tarde o do Infante V. Henrique, lembro^me 
ter lido, si rite recordor, no livro das Anecdotas do 
Marquez de Pombal, que elle recebia a percenta- 
gem de uns 2^000 reis, ou meia moeda por pipa 
que a Companhia exportava pela barra do Porto, 
o que lhe dava a insignificância dos seus 40 con- 
tos de reis por anno. Aqui estaria a razão da es- 
candalosa protecção á poderosa Companhia, áqual, 
para conservar a pureza dos vinhos generosos do 
Douro, impingia todo o vinho que produziam suas 
propriedades de Oeiras. Assim o leio escripto pelo 
insuspeito 

Latino Coelho 

Historia elle que Fr. João de Mansilha (e não 
Fr. José como escreve Pinheiro Chagas) Provincial 
da Ordem de S, Domingos, «favor a que subira pela 
«confiança do ministro, largo e generoso para os 
«que o sabiam servir e adular, fora um dos prin- 
«cipaes instrumentos do Marquez na fundação da 
«Companhia do Alto Douro, senão foi elle quem 
«incitou o ministro a instituir aquelle monopólio. . . 
«Era em Lisboa o procurador geral daquella pode- 



o Marques di Pombal 



97 



-í rosa sociedade mercantil, e» deixada a clausura no 

*seu convento de Lisboa, vivia com luzida osten- 

' }, como se fora um magnate secular. Para 

buir ao seu patrono as mercês com que se ia 

*accrescentando, comprava-ihe (diz um escriptor 

* contemporâneo) ^\ por bompreço^ os vinhos das suas 
<fazindas, a foro de que eram indispensáveis na 
<lotaçào dos que exportava a Companhia* (**) 

E passando do desmoralisado agente á própria 
Companhia, assim explica elle a opprcssãú de sua 
grangearia, e o porque ella nâo foi supprimida 
.como as do Brazil : 

* «Parecia consentâneo aos princípios proclama- 

• dos pelo novo gabinete (de D, Maria) votar a 
^Companhia dos vinhos do Alto Douro á mesma 
< sorte que tivera a du Grào-Pará e Maranhão, por- 
<que mais graves resistências provocara no seu 
•estabelecimento e náo menos justas queixas di- 



(1) Este escriptor é /. Ratton no seu livro Recor- 
dações^ pg, 221, onde SC \è: 

«c,,. devendo-se este estabelecimento (o,dâ Compa- 
nhia dos vinhos) a um hespanhol biscainho, negociante de 
vinhos na cidade do Porto, chamado D. Banholomeu de 
Pancorvo,.. Ouvi naquelle tempo que Pancorvo traçíára 
o plano da Companhia e o conferira com o padre fr. João 
de Mansilha, domtnico conventual nijqueila cidade, cujo 
(stcí padre o viera propor a Sebastião José de Carvalho, 
o qual, depois de o examinar cuidadosamente e conhecer 
a sua utilidade, formalisou sobre elle a lei da crenção e es- 
tatutos da Companhia, por cujo motivo ficou o dito padre 
em Lisboa, feito procurador tia Companhia, em quanto vi- 
veu,-» 

Não é bem exacto, porque em seguida á queda de Pom- 
bal o frade malhou com os ossos no aljube do seu con- 
vento. Este era dos que tinham errado a vocação, .. 

l*j Hisloria politica e mililary lom, i. *, pag 6:í, 

1 



98 o Marquez de Pombal 



«ctára aos lavradores e proprietários das provin- 
«cias mais laboriosas e ferazes. As vehementes re- 
«clamações que desde o principio se ergueram 
«contra aquelle monopólio, não haviam cessado de 
«manifestar-se. As vexações com que os seus três 
«principaes exclusivos opprimiam a lavoura e o 
«trafico dos vinhos, eram sufficientes para contra- 
«pesar as vantagens daquella excepcional associa- 
«Ção, condemnada pelos espiritos mais discretos e 
«propensos a uma temperada liberdade commer- 
«ciai. 

«Interesses agricolas e mercantis estavam po- 
«rem fundamente radicados naquella extranha e 
«singular instituição. O governo da Rainha em vez 
«de a abolir, prorogou, por mais vinte annos, o 
«praso porque havia sido auctorisada, restringindo 
«todavia os valiosos privilégios da opulenta corpo- 
«ração, que era quasi uma republica soberana.» (^} 

Consideráveis <^inter esses agricolas e viercan^ 
tis-» creados á sombra da poderosa Companhia 
obstaram a que fosse egualmente abolida, o que 
seria um mal maior do que a sua extincção, no 
que obrou prudentemente o governo, ^restringiu- 
do-lhe os valiosos privilégios, » 

Dr. Coelho da Rocha 

7'ambem este notável jurisconsulto, que tanto- 
illustrou a Universidade de Coimbra, onde foi or- 
namento do professorado por sua erudição, e tãa 
insuspeito por suas ideias rcgalistas^ segundo nol-o 

Q-) Historia politica e militar, tom. i.*» pag 295 a 
2q6. 



o Marquez de Pombal 99 



mostraram suas afamadas Instituições de direito 
pátrio e Ensaio sobre a historia do governo e le- 
gislação de Portugal, apreciando a instituição da 
Companhia dos Vinhos do Alto Douro ^ assim a 
condemna : 

«As exhorbitantes attribuições não só econo- 
« micas, mas até administrativas, que a Companhia 
«successi vãmente obteve, as quaes, de sociedade 
«agricola e mercantil que era, lhe deram o cara- 
«cter de corpo politico; a complicação dispêndio- 
«sissima da sua administração; a immensidade de 
«empregados; o código inextrincavel de leis espe- 
«ciaes porque se regulava; e sobretudo o inexora- 
«vel rigor com que fiscalisava os seus privilégios, 
«a tornaram odiosa, e comprometteram a sua sor- 
«te, principalmente depois que se generalisaram 
«as ideias de liberdade de commercio.» 

Este ódio explodiu no dia 23 de fevereiro de 
1757, cinco mezes depois do alvará de 10 de setem- 
bro de 1756, que a instituiu ou confirmou. E da 
repressão brutal que lhe deu o despótico e cruel 
Marquez falarei mais adeante. 



Mas para que se não supponha que malsino a 
memoria de Pombal, accusando-o de interesseiro 
e ganancioso na formação e protecção escandalosa 
a esta Companhia, devo dizer que os estatutos delia 
foram organisados, vtutatis miitandis, pelos da 
Companhia do Grão-Pará : o mesmo fundo de ca- 
pital de 480 contos de reis por acções de 400$ooo 
reis, a mesma duração de vinte annos, as mesmas 



loo o Marquez de Pombal 



IO acções e d'ahi para cima para poder ser dire- 
ctor ou vogal da Meza Administradora, os mesmos 
créditos privilegiados, em virtude do que as divi- 
das á Companhia eram equiparadas ás da fazenda 
nacional, a mesma dadiva, não de edifícios e ter- 
renos do Estado, porque não os tinha no Porto 
como em Lisboa, mas o privilegio chamado da 
aposentadoria em virtude do qual a Companhia po- 
dia escolher as casas que muito bem quizesse no 
Porto e fora do Porto, para seus armazéns e ins- 
tallações, sem que os donos os podessem recusar, 
nem elevar o preço, o mesmo livro do segredo^ 
porque tambevi elle se nomeou aqui Administra- 
dor por tempo de três annos, embora contra a lettra 
expressa dos estatutos. Duvidam? Pois confron- 
tem o preambulo delles com o art.° LIII, ultimo 
dos Estatutos. Diz o preambulo : 

Senhor 

«Representam a V. }^{agest8Láe os principaes la - 
^vradores de cima do Douro e Homens Bons da cida- 
tde do Porto que dependendo da agricultura dos vi- 
«nhos a subsistência de grande parte das Commu- 
«nidades Religiosas, das casas distinctas e dos 
«mais consideráveis das três provincias da Beira, 
<: Minho e Traz-os-Montes, se acha esta agricul- 
«tura reduzida a tanta decadência . . . E animados 
«os supplicantes pela incomparável clemência com 
«^que \\ Magestade tem soccorrido os seus Vas- 
«sallos afflictos, ainda com vexações menores que 
«as referidas; tem concordado entre si formarem, 
<com o Real Beneplácito de W Magestade, uma 
«Companhia ...» 



o Marquez de Pombal loi 



Agora o art.° LIII, final dos Estatutos : 
«E porque V. M., ouvindo os supplicantes, foi 
«servido nomear os abaixo declarados^ para o es- 
«tabelecimento e governo desta Companhia nos 
«primeiros três annos: Todos elles assignam em 
«nome dos ditos lavradores e Homens Bons da ci- 
«dade do Porto; obrigando por si os (*4ibedaes com 
«que entram nesta Companhia, e em geral os das 
«pessoas, que nella entrarem também pelas suas 
«entradas somente; Para que V. M. se sirva de 
«confirmar a dita Companhia com todas as clau- 
«sulas, preeminências, mercês e condições conteú- 
«das neste papel e com todas as firmezas que para 
«a sua validade e segurança forem necessárias. 
«Porto em 31 de agosto de 1756. 

^Sebastião foseph de Carvalho e Mello 

Kjoseph da Cosia Ribeiro 

«Luiz Belleza d* Andrade 

^Joseph Pinlo da Cunha 

njos^ph Monteiro de Carvalho 

«Custodio dos Santos Alvares Brito 

«.Joào Pacheco Pereira 

nLuiz de Magalhães Coutinho 

«António cT Araújo Freire de Sousa e Veiga 

m Manuel Rodrigues Braga 

«Francisco João de Carvalho 

«Francisco Martins 

«Francisco Barbosa dos Santos 

«Domingos Joseph Nogueira 

«Luiz Diogo de Moura Coutinho, 

O art.® i.^ determina que a Companhia te- 
nha um Provedor, um Secretario, doze deputados 
e mais seis conselheiros, homens intelUgentes deste 
commercio. 

Segue-se logo que, não sendo Sebastião de 



102 O Marquez de Pombal 



Carvalho lavrador do Douro, nem Homevt Bo7n da 
cidade do Porto^ porque era natural e residente em 
Lisboa, com propriedades em Soure para lá comer 
a broa de milho, nâo podia legalmente ser director 
da Companhia, mesmo pela própria lei que elle 
fez, e prescindindo da immoralídade descarada de 
um ministro se nomear a si próprio ! Nisto foi 
realmente reforjnador. Até então não havia exem- 
plo, que eu saiba, dum tal cynismo e sordidez. 

Entre os 55 artigos da Companhia do Grão 
Pará e os 53 da Companhia dos Vin/ios do Alto 
Douro, encontrei 29 que sam perfeitamente eguaes, 
variando os restantes pela differente natureza de 
uma e outra. (*) 

A legislação subsequente cada vez mais acen- 
tuou a protecção prohibitlva á lavoura vinícola: 
todo o empenho do audacioso Ministro era çbstar 
a que a producção do vinho augmentasse ! D'ahi 
as demarcações dos terrenos como elle as mandou 
fazer, a fiscalisaçào das vendas, que nunca po- 
diam augmentar, a ordem de arrancar as vinhas, 
como fez pelo alvará de 2^ de outubro de 1765, e ou- 
tros, como o de 30 de agosto de 1757, para, diz elle, 
acabar com os abusos introduzidos na agricultura, 
vianufactura e carreto dos vinhos, e de 16 de de- 
zembro de 1760, que entrega á Companhia o ex- 
clusivo do fabrico das aguas-ardentes, fixação do 
preço e alargamento da área do Porto para quatro 
legoas afim de nellas serem vendidos somente os 
vinhos do ramo da Companhia, e ainda o de 30 
de dezembro de 1760 que auctorisa a Companhia 



(^) Yid. nos Documentos^ o extracto e copia que 
delles tirei. 



' Marques de Pombal 



103 



a tirar detkjssa ajinual, e mais o de . . . Basta» 
para alguma hora acabar, e n^o exgotar de todo 
a paciência dos leitores, como Carv*alho exgotou 
a de seus patrícios, afogando-os em ondas de san- 
gue, como nos dirá o modo como elle abafou os 
protestos e justas reclamações que o povo fez á 
odiosa Companhia, em que elle estava iateressadoj 
talvez mais que todos. 

Como estes monopólios lhe sorriam também, e 
como em quanto venteja se largam as velas, Se- 
bastião ainda fundou mais outra companhia em 
1759, a do Pernambuco c Parahyba, centralisando 
assim todo o commercio do Brazil nas duas privile- 
giadas companhias que chegaram a dar lucros avul- 
tados. Poderá náo ! E mais diz Pinheiro Chagas 
que a instituiçào desta nào €. levantou a opposiçdo 
^andissima que teve de supportar a sua anteces- 

y ue maravilha ! e que profundeza de critica !... 

Quer dar a intender na sua paixão pombalina que 
já entáo estavam os portuguezes convencidos dos 
òenefictos ázs com\>m^WváS monopoíisadoras, quando 
apenas estavam lembrados da repressão brutal e 
selvagem que o déspota tinha dado aos protestos 
contra as duas antecessoras, e que o próprio Cha- 
gas nos ha de contar 1 Nào quizeram arrastar gri- 
lheta, ir ver novas terras para nellas se queda- 
rem, por degredo mais ou menos prolongado, ou 
pernear nas forcas ! Por isso nào resistiram. 

Mais creou as companhias da pesca de baleia 
no Brazil, a do atum no Algarve, as quaes deram 
óptimos resultados, na opinião de Pinheiro Chagas ; 



(^) Historia de Portugal^ tom» lo, pag, 14, 



I04 O Marquez ée Pombal 



mas Camillo por seu lado diz que o monopólio do 
atum e doutras pescarias, fez fugir de Portugal 
para Hespanha nada menos de 3:000 pescadores ; 
e que os outros * fomentaram as desgraças do 
€povo e da agricultura^ as quaes o liistoríador Ro- 
<berto Soutluy explanou largamente.^ (*) 

Latino Coellio, apreciando a questão dos mo^ 
nopolios sob o ponto de vista dos princípios e suas 
applicações praticas, condemna-os do modo mais 
explicito, esforçando-se por altenuar o malefício do 
Marquez, mas sem provas ; eis suas palavras : 

«O grande legislador illudira-se com o êxito 
«feliz das poderosas companhias commerciaes, 
♦ quasi soberanas, que na Grà-Bretanha e na Hol- 
« landa haviam levantado ao maior esplendor o 
«trafico d'aquelles povos navegadores com as suas 
«possessões ultramarinas. Confiara, com sobrado 
«fanatismo, na virtude milagrosa dos monopólios 
«para operar os máximos prodígios na prosperida- 
«de e riqueza das nações. Atígurava-se-lhe que o 
«Estado era o supremo tutor de todos os interes- 
«ses sociaes e nào apenas utí incansável defensor, 
«a quem pertencia superintender, porem nunca 
«fraudar ou supprimir a livre iniciativa individual. 

«O governo era pois naturalmente, nesta absur- 
«da e perigosa theoria, o directo promotor de to- 
«das as industrias, o emprezario nato de todas as 
«especulações, o thesoureiro e gestor de todas as 
«grangearias mercantis. O rei fundava manufactu- 
«ras, de que tomava a direcção ou as irmanava 
«quasi com as fabricas ofnciaes, investindo-as de 
«valiosos e expressivos privilégios, i,'; . . . 

(^í Perfil do Marquez de Pomtbal, pag. 122. 
\}) Hist. politica e militar, tom. i.o, pag. 292. 



o ãdàrçuêjs dê Pomàal io5 



cCrear pois a industria portugueza era a gran- 
<de necessidade politica e social, ainda que para 
«a instituir e prosperar fora preciso o mosquete e o 
^.patíbulo . . . (^ como na fundação da Companhia 
cdo Alto Douro. Urgia ao Estado desatar-se dos 
cgrilhões que o prendiam á Inglaterra. E o mar- 
«quez de Pombal na sua politica suspicaz a res- 
« peito do grande povo insular, resolutamente po- 
«sera o peito a uma empreza que era mais louva- 
«vel na intenção do que no êxito segura. Por isso 
«o marquez de Pombal para fomentar e desenvol- 
cver o trabalho manufactor, creara as fabricas do 
€ Estado, ou por elle subsidiadas ; para o trafico 
€ mercantil estabelecera duas privilegiadas Compa- 
cnhias, a que attrahira com blandícias e galardões 
«officiaes aquella nascente aristocracia de merca- 
« dores. 

<As duas companhias fundadas para o com- 
«mercio do Brazil eram os elos necessários na ca- 
cdeia de suas reformas económicas. A viciosa ins- 
«tituição daquelles grandes monopólios havia sido 
«em grande parte compensada pelo progresso e 
«melhoria das colónias \^), onde particularmente 
«haviam exercido os seus effeitos. 

«Como todas as grandes associações da m3S- 
«ma espécie, directamente fundadas pelo Estado, 
«as Companhias do Grdo-Pard e Maranhão^ e de 
^Pernambuco e Parahyba tinham sido a favorável 
«occasião para que poderosos negociantes, d som- 



(}) E depois dirão gue os Jesuítas é qae professam 
a máxima de que os fins justificam os meios. . . 

(>) E' pena qu2 o auctor o não demonstre com fa- 
ctos. .. Quod grátis affir matar ^ grátis negalur. 



io6 O Marquez de Pombal 



*bra da sua valia com o omnipotente legislador^ ti- 
avessem mais segura e lucrativa a sua grangearia. 
« O marquez, em verdade^ ndo havia sido avaro em 
^ministrar as conjuncturas para que alguns argen» 
<tarios^ seus amigos, accrescentassem os já grossos 
<cabcdaes. (O sublinhado é meu). 

<0s princípios eram infrigidos claramente na- 
«quellas instituições, que viviam e medravam á 
«sombra do privilegio. Era pois natural que, exce- 
«ptuados os homens mais opulentos do negocio, 
«a quem andavam confiados, por contractos, gran- 
«de copia de exclusivoí^, taes como o do tabaco, o 
«do pau Rainha, o dos diamantes, o do provi- 
« mento de todo o sal para o Brazil, o commum 
^dos mercantes não votasse o seu afifecto mais 
«sincero áquellas grandes parcerias, que sustenta- 
«vam em suas mãos o sceptro commercial.» \^) 

Os factos protestam contra a affirmação do culto 
estylista quando diz que o Marquez de Pombal «fl/- 
trahira com blandícias a nascente aristocracia de 
mercadores para as companhias prhilegia4as^ ; só 
a titulo de euphemísmo se pode admittir. Certamente 
na o conhecia o alvará de 30 de outubro de 1756, 
supracitado, que esteve em vigor até 6 de agosto 
de 1757, pelo qual prohibiu o empréstimo de di- 
nheiro a juros, da quantia da 300S000 reis e d'ahi 
para cima, em quanto o capital da Companhia do 
Grão-Pará não fosse subscripto ! Se isto sam blan- 
dícias ! ! ! 

Em conclus\o, as ideias económicas de Se- 
bastião José de Cai*valho constituíam tuma absur- 
da e perJ^jsa tieoria^, ^frauiavam ou supprimiam 

{^) Hist. politica e militar^ tonti. i.o, pag. iqS a 294. 



I 



o Marquez de Pombal 107 



a livre iniciativa individuah^ eram uma aclara in- 
fracção dos principias^, foram favorável occasiào 
para que poderosos negociantes, a sombra da sua 
valia com o omnipotente legislador tivessem mais 
segura e lucrativa grangearia^ ; e as companhias 
privilegiadas foram ^conpmcturas ynmistradas pelo 
mar quez para que alguns amigos arge^itarios aceres- 
centassem os jd grossos cabedaes.T> 

Nem se diga que neste desabafo de sinceridade 
dum panegyrista antes que censor do Marquez de 
Pombal, ha sombra de suspeição ; é antes o for- 
çado coroUario de factos evidentes, embora Latino 
Coelho não os aponte, lacuna que eu vou supprir. 

Alem do monopólio do commercio da índia e 
China que elle deu ao amigo argentario Velho 01- 
dembourg, de que já falei, accrescentarei o mono- 
pólio da MarinJia Grande que elle deu a outro 
seu amigo inglez, para mostrar o sq\i patriotismo, 
ou ^politica suspicaz contra o povo insular-^, como 
diz Latino Coelho. Seja o próprio Pinheiro Chagas 
quem do feito edificante nos dè abreviada noticia : 

«Guilherme Stephens, que era o emprezario da 
«fabrica (Marinha Giande) obteve do Marquez que 
«lhe mandasse fazer, pelos cofres públicos, um em- 
« préstimo de 32:ooo$ooo reis, sem juro, e que lhe 
«concedesse ao mesmo tempo tirar das mattas de 
«Leiria o combustível necessário para as suas fa- 
«bricas . . . Alem da vantagem de não pagar juro 
«pelos 32 contos, podia ainda Guilherme Stephens 
«amortisar o empréstimo, que contractára, em cal, 
«de que tinha uns poucos de fornos para os lados de 
«Alcântara, também ao abrigo da protecção gover- 
«namental, porque o carvão de pedra, de que pre- 



io8 O Marquez de Pombal 



«cisava, mandava-o vir de Inglaterra, livre de di- 
« leitos.» (^) 

Por aqui se prova á evidencia que o fito das 
reformas económicas de Pombal era fomentar a i«- 
diLstria nacional contra os inglezes, e como elle 
zelava os interesse? do thesouro e a riqueza na- 
cional. Em taes condições seria realmente um cu- 
mulo que a fabrica deixasse de dar proveito e de 
logo piosperar ^dum viodo inacreditável-^^ como 
diz Pinheiro Chagas ! Poderá não 1 

O Marquez deu ao afortunado emprezario ex- 
trangeiro 32 contos de mão beijada, a titulo de 
cinprestiino, tirados não do bolso delle, mas dos 
cofres do thesouro, e com a faculdade de receber 
o dinheiro em cal, e tirar das mattas do Estado 
quanta lenha precisasse já para a fabrica, já. . . e 
porque não ? — para vender pelos amigos e com o 
producto da venda augmentar a dadiva dos 32 
contos. O homem pagou em cal, que por certo foi 
queimar as arcas do thesouro. 

Se um outro Ministro, hoje ou hontem, se 
atrevesse a fazer um negocio tão branco como 
este, que epitheto lhe seria dado? 

Este e similhantes processos não explicarão os 
meios pelos quaes o Marquez ajuntou uma das 
casas mais ricas do reino ? ! . . . 



cr^ 



i}) Historia de Portugal^ tom. 10, pag. 322 a 3 23. 




CAPITULO Y 

Pombal e a conjuração contra o rei D* José 



HESUMO 

Houve conjuração ? Difficuldade e obscuridade do assum- 
pto; suas causas; promessa do auctor; Pinheiro Cha- 
gas e o attentado; Camiilo, Sorianoe Latino Coelho; 
personagens que figuram na conjuração ; analyse de 
alguns pontos da sentença condemnatoria; contradições 
flagrantes entre esta e o edital; conchie-se que o Du- 
que d' Aveiro não foi, nem podia ser o chefe da con- 
juração, como cila foi architectada; hypotheses; opi- 
nião do auctor; as nuliidades do processo; a supposta 
confissão do Duque 4*i4z/«ro— falsa corro a conjura- 
ção; instituição da casa de Aveiro e sua confiscação; 
destino que elle teve ; informação interessante sobre 
a casa de Condeixa, que pertencia á de Aveiro; pista 
a seguir. 

t: 

r\NTRO agora num dos capítulos mais lúgubres 
da nossa historia pátria, se é que outro 
egual jamais teve. Bem quizcíra eu ver em Pom- 
bal um homem que engrandecesse o seu paiz por 
acções gloriosas, que o tornasse conhecido por fa- 
çanhas heróicas, pela paz fructuosa, pela liberdade 
no progresso da verdade e prospei idade na quie- 



I IO o Marquez de Pombal 



tacão ; mas infelizmente tenho de contemplar um 
Pombal que tem o mercciviento de haver inaugu- 
rado em Portugal a epocha do terror que vinte dias 
depois veio assolar a FVança e deixar attonita a 
Europa : E' uma epocha verdadeiramente nefasta; 
em que se deram acontecimentos extraordinários, 
muitos dos quaes nos ficaram ou ignorados ou de 
tal modo deturpados pela paixão que a historia 
se viu substituida pela declamação : mas talvez ne- 
nhum como a supposta conjuração. 

Tem razão Pinheiro Chagas quando diz, quasi 
ao terminar a narração do triste e negregado suc- 
cesso, que sobre <ieste período da nossa historia 
pesa ainda um grande mysterio, e que nenhum dos 
escriptores que dellc se occtiparam trouxe a lume 
todos os documentos qm podessem lançar luz nesse 
drama tenebroso,^ (^) Assim o julgo também. Mui- 
tos desses documentos terão sido inutilisados pelo 
astuto ministro ou abafados pelos seus parciaes ou 
propinquos ; outros terão desapparecido pela incú- 
ria dos homens, estragos do tempo e vários suc- 
cessos politicos, que convulsionaram o paiz, como 
a fugida da familia real para o Brazil, a invasão 
franceza e guerra peninsular, e talvez mais que to- 
dos a calamitosa guerra civil que se inicia por 
1820 e se prolonga por mais de vinte annos, em 
que as bibliothecas dos conventos e ainda de par- 
ticulares, foram postas a saque ou pasto das cham- 
mas, destruindo assim os modernos vândalos um 
riquíssimo thesouro nacional que jamais se pode 
rehaver. 

Y.\ pois, impossivel trazer hoje a lume todos 

Q-) Historia de Portugal^ tom. 10, pg. 93. 



o Marquez de Pombal 1 1 1 



Af documentos que podiam <í lançar luz no dravia 
tenebroso ;> mas convencido estou que muitos de- 
vem ainda jazer sepultados pelos poeirentos archi- 
vos dos ministérios, nomeadamente do reino e ex- 
trangeiros, pelas estantes da Bibliotheca Nacional 
e da Academia Real^ e por ventura numa ou outra 
bibliotheca fidalga, esperando a máo poderosa e 
afortunada duma diligente e paciente investigação 
que os arranque ao sombrio desses túmulos e os 
faça comparecer, pela trombeta da imprensa, pe- 
rante o juizo imparcial da historia. 

Se, pois, Pinheiro Chagas se lastimava da falta 
de bastantes elementos para apreciar este e outros 
successos desse periodo caliginoso, elle que resi- 
dia na capital e disfructava tão elevada considera- 
ção nas superiores espheras do elemento ofticial 
politico e administrativo, que lhe escancaria todas 
as portas, e lhe abriria, obsequioso, os ferrolhos de 
todos os archivos, d^alguns dos quaes foi senhor, 
na qualidade de ministro que chegou a ser, que 
direi eu sem nenhum desses predicamentos do fes- 
tejado escriptor e politico, e mettido num recôn- 
cavo das serranias da Beira, e sem recursos ? E não 
obstante espero mostrar que assim mesmo pude des- 
vendar e lançar alguma luz nesse drafna tenebroso^ 
e tão forte e intensa se me ella afigura que julgo 
ficarão dissipadas todas as nuvens em que a ma- 
lícia e o ódio o envolveram. 

Talvez pareça ousadia esta minha afouteza na 
affirmaçâo e na promessa ; mas eu só peço me jul- 
guem depois de ouvido, e não d pombalina. Pro- 
ponho-me demonstrar que a conjuração nunca 
existiu senão na phantasia de Pombal, sendo este 
o mais negredado vtytho que archiva a historia 



112 O Marquez de Fombal 



moderna, e isto por argumentos extrínsecos^ dedu- 
zidos da opinião illustrada nacional e extrangeira, 
e intrínsecos, deduzidos da própria sentença can- 
demnatoría, confrontada com o edital. Só lamento 
que a Índole deste trabalho de vulgarisaçâo me 
não permitta toda a amplitude á demonstração que 
tinha delineado e já disposta. Pelo mesmo motivo 
deixo de transcrever muitos textos importantes de 
vários escriptores notáveis insuspeitos, a quem so- 
mente pedirei o resumo ou substancia de suas nar- 
rações, em que a critica muito tem a depurar. E 
dentre elles destacarei desde já Pinheiro Chagas^ 
por muito conhecido e conceituado. Da narração 
que elle faz (*) da supposta conjuração contra a 
vida do rei D. José, podemos tirar as seguintes 
conclusões : 

I .* D. José teve uma espera ás 1 1 horas da noite 
do dia 3 de setembro de 1758; 

2.* A espera foi feita no sitio que medeiava 
entre as casas da Quinta do Meio e a extre- 
midade meridional da Quinta de Cima, do lado 
do arco que alli existia ; 

3.'* Houve varias emboscadas, sendo a primeira 
feita pelo Duque d' Aveiro, seu criado José 
Miguel e outro, errando fogo o bacamarte do 
Duque d' Aveiro, apesar de desfechar á queima- 
roupa, o que foi reputado acaso ou Providencia 
{discntjnça chama-lhe milagre) ; 

4.^ A segunda emboscada, feita por António Alva- 
res Ferreira e João Polycarpo d*Azevedo, os 



^) Historia de Portugal^ tom. 10, pag. 5i a 63, 67 
e ó8. 



o Marquez de Pombal \ i3 



quaes correram a galope atraz da sege em que 
ia o rei, atirando ao acaso, sem poder fazer 
pontaria, mas assim mesmo ^as balas acerta- 
ram em El-reiy ferindo-o gravemente no braço 
direito^ desde o hombro até ao cotovello;* 

S'* Tendo afrirmado que houve *^ diversas em- 
baseadas ^íi ao depois só menciona duas; 

^.* Os conspiradores c foram onze ao todo,> isto 
é, tantos quantas as horas da noite em que se 
diz fora praticado o attentado ; 

7.^ A salvação do rei foi (alem do milagre de 
errar fogo o bacamarte do Duque d'Aveiro) 
dirigir-se logo para a Junqueira, onde morava 
o Cirurgião-Mór, porque assim evitou ^passat 
por debaixo do fogo de todas as outras embos- 
cadas> em que infalivelmente seria morto. O 
historiador só falou em duas ; falhando a pri- 
meira, quaes serão as < outras^ ? ! . . , 

8.* O Cirurgião-Mór ^reconheceu que as feri- 
das, as cavidadeSy as dilacerações eram viu'- 
tas, que da carga dos bacamartes muitas balas 
tinJiam penetrado no corpo d^El-rei, sendo seis 
de grossa munição,^ E' exactamente assim que 
diz a sentença, não reflexionando o talentoso 
escriptor na manifesta contradicção com o que 
antes affirmara, dizendo ter sido ferido grave- 
mente no braço direito, desde o hombro até ao 
cotovello*; 

9.* «Acredita na culpabilidade do Duque d' Avei- 
ro e em que houve conjuração» ; 

10.^ «Julga muito difficil de provar a culpabilidade 
dos Tavoras*, embora «entre o povo vagas- 
sem as primeiras suspeitas acerca doesta fa- 
mília.» 



114 ^ Marquez de Pombal 



Numa palavra, Pinheiro Chagas acredita e affir- 
ma que houve conjuração, que esta foi tramada e 
levada a cabo somente pelo Duque d'Aveiro e que 
os Tavoras foram innocentes. 

Camillo Castello Branco 

Parece que no espirito deste sceptico quanto 
fecundo e brilhante prosador nunca entrou duvida 
sobre a realidade da conjuração. Revolta-se con- 
tra a barbara execução dos implicados nella, mas 
admitte-a, sem nunca se ter dado, que eu saiba, ao 
trabalho de esmiuçar o caso. Apenas em dois lo- 
gares da sua obra sobre o Marquez de Pombal Q) 
se refere á conjuração, como quem a reputa facto 
histórico e bem averiguado. Foi pena lhe não desse 
para duvidar. . . 

Sttnao da Luz Soriano 

Este escriptor não só insuspeito, senão ^insus- 
peítísshno* conta como o rei, em seguida ao atten- 
tado, verdadeiro ou simulado, foi sequestrado, 
mesmo á família real, de modo que, durante três 
mezes, as únicas pessoas que o assistiam eram o 
cirurgião, o alcoviteiro Pedro Teixeira e Sebastião 
de Carvalho, que não cessava de atemorisar o mo- 
narcha, figurando-lhe conjurações por toda a parte, 
e suggerindo-lhe machinações da nobreza, assegu- 
rando-o porem de que nelle e só nelle podia con- 
fiar. O rei, ignorante, de caracter timido, e enca- 
deado pelo segredo de suas críviínosas aventuras^ 
toinara-se uma creança, um verdadeiro manequim 

(}) Perfil do Marquez de Pombal, pg. 57 e 67. 



o Marquez de Pombal 1 1 5 



nas mãos de Sebastião de Carvalho, que alcançou 
fazel-o até desconfiar da própria esposa, com quem 
se mostrava intractavel. i}) Este escriptor é o que 
mais se aproxima do que reputo verdade dos fa- 
ctos, tornando suspeita a famosa conjuração. 

Latino Coelho 

Não discute o caso da conjuração, mas sup- 
põe-o como facto averiguado e certo, e não só 
<:riminoso delia o Duque d'Aveiro, mas também 
os Tavoras . . Não era pois improvável e contra- 
natural que os meneios dos Tavoras e dos Avei- 
ros transcendessem os limites d'uma violenta oppo- 
sição ao secretario de D. José e podessem descair 
em formal conjuração contra o soberano, a cuja 
vida parecia ligada por vinculos perpétuos a for- 
tuna do insolente dictador.^ ('j. Apreciando a sen- 
tença revisoria que innocentou os Tavoras, diz: 
«A sentença não é por si bastante fundamento 
para dis^sipar nos espíritos imparciaes e reflexivos 
as vehenientíssiinas suspeitas de que os Tavoras ur- 
diram com o Aveiro uma armada conjuração, d (Pg. 
3^8). Deus nos defenda de taes ^espíritos impar- 
ciaes e irreflexivosy> para nos julgarem. . . 

Conde de Samodães 

Este illustre e illustrado escriptor affirma a inno- 
cencia dos Tavoras e põe en duvida ou não se 
afouta a criminar o Duque d' Aveiro, quando diz 



(1) Historia do reinado de D, José /, V-I. 
{^\ Historia politica e militar^ tom. i.", pg. yS, ii5, 
36o, 064, 365 e 368. 



1 16 O Marquez de Pombal 



que o que «a historia deixa assentado é que, se o 
Duque d' Aveiro teve parte ou foi auctor do crime 
contra o rei, nem sombra de criminalidade man- 
cha a lamentável e sympathica memoria do mar- 
quez de Távora e da desventurada marqueza. . .> (*). 
Confessa todavia, e com razão, que ««;;/ mysterio 
tenebroso encobriu seinpre o que st passara!^ (Pg. 

123). 

Como se vé, a variedade d*opiniões sobre este 
facto é evidente : uns reputam criminosos os Ta- 
voras, outros consideram-nos innocentes; uns jul- 
gam o Duque d' Aveiro o verdadeiro e único cul- 
pado, outro o põe em duvida: mas todos admittem 
a realidade da conjuração, que a mim se me affi- 
gura a mais execranda e monstruosa simulação e 
falsa imputação. Antes porem de descer á demons- 
tração, julgo conveniente dar uma abreviada noti- 
cia das personagens que figuram neste luctuoso 
drama — Rei, Duque d' Aveiro, Tavoras e outros. 

Hei D. José I 

Todos os escriptores de valia que no particu- 
lar tenho lido sam concordes em affirmar que ti- 
nha poucos talentos, insufficiente instrucção, ne- 
nhuma pratica da governação publica e muita de 
amores illicitos. Empunhou tarde o sceptro (tinha 
36 annos); mas quão débeis fossem taes mãos bem 
o mostrou o successo. «Nada sabia de negócios 
«pcliticos. Seu pae (D. João V) nunca lhe dera as 
«mais ligeiras noções sobre politica, porque, dizia 
«^elle, tinha para ella pouca aptidão. Um dia, depois 
«de grandes instancias do jesuita P.^ Henriques de 



(}) O Marquez de Pombal cem annos depois da sua 
mortCj pg. 126. 



o Â/arquei de Pombal 



ii: 



«Carvalho que não cessava de fazer vèr a D* Joáo 
*a necessidade que havia em instruir o Príncipe em 
*negocios políticos» este chamou-o para um con- 
«selho particular em que se deviam tratar nego- 
<CÍDs que exigiam profundo segredo. «O príncipe, 
itsaido do Cíinselho, ébrio de alegria, correu a con- 
«tar á máe, ás damas da corte, a quem encontra- 
;iva, tudo quanto se tratara. Por esta razão nunca 
mais foi chamado. Ignorava mesmo as coií^as 
mais triviaes. Alem disto era duma timidez sem 
(«limites, e duma excessiva crueldade. A sua con- 
fiança era fácil d^obter. Nào tinha vontade pró- 
pria; nunca se oppunha á vontade daquelles que 
!0 governavam.^ \^). . . 

«Sebastião de Carvalho e Pedro Teixeira eram 
s dois favoritos de D. José; um e outro lucravam 
om os amores illicitos deste (refere-se ás rela- 
oes adulteras com D. Thereza, Marqueza de Ta- 
ora, a mwa) e longe de os impedir auxiliavam- 
nos, cada um como podia. Carvalho, emquanto o 
monarcha saía, ficava fechado no gat>inete para 
fazer suppòr á Rainha que estavam ambos — elle 
e D. José — entregues aos negócios públicos; e 
centretanto ia fazendo os despachos e decretos que 
^Klhe convinham para que, quando seu real amo 
^■voltasse com a cabeça ainda estonteada pelo pra- 
^Bzer libidinoso, sem leitura, sem perguntas, sem 
^ihesitação lhos assignasse em recompensa de sua 
«fidelidade inviolável nos segredos de tal género. 
Pedro Teixeira para estar a salvo de tudo, para 
ter uma certa importância na corte, a que a ami- 
ade declarada do monarcha o auctoiisava, para 
.viver regaladamejite e satisfazer os seus capri- 



Altos feitos do Marques de lombai pg. 9 a lo. 



1 18 O Marques de Pombal 



«chos, estava sempre prompto a desempenhar fosse 
«que papel fosse, sem a menor repugnância. Os dois» 
«Carvalho e Teixeira, eram a capa das extrava- 
«gancias de D. José, e o manto deste tapava, por 
«sua vez, todas as extravagâncias, todas as von- 
«tades e propósitos dos validos.» i^) 

' Estes particulares da vida e caracter de D. José 
ajudavam a lançar muita luz sobre certos factos 
que pareciam inexplicáveis. Temos pois um rei 
ignorante, mulherica e dissoluto, dominado por 
dois alcoviteiros, verdadeiros espíritos maus, a 
quem o rei indigno tudo concedia. Tenhamos isto 
bem presente. 

Duque d' Aveiro 

D. José Mascarenhas e Lencastre, Marquez de 
Gouveia, Conde de Santa Cruz, Mordomo-Mór, de- 
pois que venceu o litigio que sobre o Estado e 
Casa d' Aveiro trazia com D. António de Alencas- 
tre Ponce de Leon, Duque de Baíios, hespanhol, nâo 
ha duvida que ficou o fidalgo mais opulento des- 
tes reinos. Esta potentíssima Casa d*Aveiro fora 
instituída por D. João II em seu filho natural D. 
Jorge, a quem fez Duque de Coimbra, o que tudo 
foi confirmado por D. Manuel, por sua carta de 
doação de 27 de maio de 1 500, fazendo umas pe- 
quenas restricções. 

Fora o Duque d'Aveiro creado pelo Paço em 
tempo do rei D. João V, pai de D. José, e de D. 
Fr. Gaspar da Encarnação, tio do Duque, e mi- 
nistro grande valido áo rei, que ao Duque nomeara 
seu Mordomo-Mór, cargo que continuou desem- 
penhando no reinado de D. José, que «sempre tra- 

(}) Altos feitos do Marquez de Pombal^ pg. 52 a 53. 



o Marqm» dé Pombal 



íiD 



tou o Duque com tanto distincto íavor {muitos di- 
ziam que ainda mais) como o snr, rei D. João V, 
em cujo reinado todavia nunca teve, nem quíz ter 
influencia no governo», o que aliás para seu tio D, 
Fr. Gaspar fácil lhe era. Era sabido entào» assim 
na corte como fora deliam que as tendências, indole 
e predilecções do Duque o levavam mais para a vida 
voluptuosa e que nào tinha bastante paciência para 
soffrer a sujeição dos dois grandes empregos que 
exercia — de Mordomo- Mor e Presidente do Dcs- 
mbargo do Paço. Tiral-o da casa do jogo para o 
introduzir no gabinete de trabalho era a maior via- 
^K lencia que se lhe fazia. Tal nol-o descreve o au- 
^■ctor do Tractado Apologético, \^) Mais afíirma que 
^■ninguém jamais conheceu no Duque disposição 
^Kpara emprezas violentas e sanguinárias; sabendo -se 
ao contrario que muitas vezes, gravemente ofTen- 
dido por pessoas de quem se podia vingar sem o 
menrr perigo, se satisfazia plenamente com des- 
prezar o offensor. Se era orgitllioso, e isso admitto 
fí sem diíiiculdade, não me parece lhe possa tal pec- 
^kado ser levado em crime, que os poderes da terra 

í^) O editor deste folheto declara no prologo: «Na 
livraria de um dos cavalheiros desta capital, e entre 05 
manuscriptos de seu bisavó, um dos homens que maishí^u- 
ram pelo seu talento e relevantes serviços no reinado do 
senhor D- José e mais especialmente ainda no reinado da 
senhora D Maria l, encontramos o seguinte manu^cripto 

Éque damos ao prelo. , . Lisboa- Typographia da R. do Bem 
Formoso - i5L 1867 » 
r Este exemplar, cuja leitura devo ao favor dum velho 
bmigo, chefe hoje de uma nnbre e respeitável família, é 
precioso pela clareza do raciocínio, critica rigorosa e índi- 
viduitcão de pessoas c acontecimentos da epocha: apenas 
lhe falta meihodo na distribuição e exposição do assumpto 
luminosamente tratado. A obra é já hoje bastante rara, o 
que lhe âugmenta o apreço. 



VII 

PS: 
OU 




I20 O Marquez de Pombal 



tenham alçada para punir. E nesse ponto talvez 
fosse excedido pelo ministro Pombal, que de tal o 
accusou. 

Marqueza de Távora 

D. Leonor, Marqueza de Távora, fora Vice- 
Rainha da índia, de 1750 a 1754» acompanhando 
seu marido D. Francisco Assis, Marquez de Tá- 
vora, que fora nomeado Vice-Rei por D. João V, 
nos últimos tempos de sua vida. Lá tiveram noti- 
cia do fallecimento do magnificente monarcha e ce- 
lebraram, durante três dias, a acclamação do novo 
rei D. José com festas deslumbrantes. 

Durante os três dias e três noites consagradas aos 
festejos houve representação dramática, para o que 
a Marqueza mandou edificar um theatro, o primeiro 
que viu a Índia, baile e banquete, sendo tal a pro- 
fusão das iguarias qual nunca se havia visto no 
Oriente: a copa, diz o chronista da festa, esteve 
sempre aberta e prompta para todos os que que- 
riam chá, chocolate, café, doces e outras delicadas 
bebidas. Se nisto havia vaidade de mostrar osten- 
tação de grandeza, havia não menos acto de sa- 
bia, elevada e patriótica politica, que bem avalia o 
poder e influencia que sobre os povos orientaes 
têm estes deslumbramentos e apparatos que os 
subjugam. Mas a grande dama não se ficou só nos 
obséquios da sua magnificência official, em honra 
do seu rei e credito da nação; como illustrada e 
devotada christã que era, não se esqueceu de dou- 
rar aquellas pompas com o ouro fino da caridade, 
fazendo distribuir avultadas esmolas e regalos pelas 
familias fidalgas, decaídas em miséria — relíquias 
dos antigos potentados da nossa Ásia, arruinados 
pela dissipação ou pela desventura; e durante os 



» 



quatro annos do seu vice-retnado subsidiou com 
mezadas os que nào podiam ir ao Paço receber as es- 
molas. 

Quanto aos dotes do coi'po era proclamada 
gentilissima, a primeira estrella que brilhara na 
faustuosa corte de D. Joáo V ; quando foi do ter- 
ramoto, em novembro de 1755, á volta da índia» 
tinha ella 55 annos, e todavia ainda era reputada 
formosa, tendo o aprumo juvenil e o garbo da mo- 
cidade sadia e alegre, A's maneiras fidalgas, bel- 
leza de feições e altivez de raça ajuntava a supe- 
rioridade do espirito, um talento extraordinário e 
muita e variada leitura, tudo o que a turnou uma 
das mais conceituadas damas do seu tempo, e o 
mais cultivado e brilhante espirito feminino, que 
fulgurava nos salões, onde se náo via Sebastião 
José de Carvalho. (*) 



Marquez de Távora 



ÍEra o typo do nobre aristrocrata e do soldado 
valoroso, general disciplinador, com toda a illus- 
traçáo militar do seu tempo. Nomeado Vice-Rei da 
Índia para lá partiu com sua digna esposa a 2S 
de março de 1750, sabbado d^Alleluia, e nào em 
1749, como mentirosamente diz a sentença de 
j Pombal e muitos escriptores com ella repetem. 
Foi succeder ao Marquez d*AIjrna, e lá mostrou 
[que a valentia dos antigos hcroes portuguezes se 
havia ainda extinguido, 
^ Forçado a acceítar a guerra que os potentados 
[gentios de todos os lados lhe offereciam, por h^jra 
\o Sunda, o Miratha e o Bounsoló, e por mar o 



{'^f Verfíi do Marques de Fomhal^ pg» 4 a 14, 



I2a O Marquez de Pombal 



rajá Canajá, a todos venceu; a este castigou, in- 
cendiando-lhe os navios com que infestava os ma- 
res de Diu e arrazando a fortaleza de Neubadel; 
ao Sunda venceu, tomando-lhe Piro, devastando - 
lhe as terras de Pondá e Zambaulim, tomando 
Ximpem e Conem, ao Maratha derrotou em bata- 
lha naval e soccorreu Neutim. Foram os ultimes 
lampejos do valor portuguez no Oriente. 

Ao regressar ao reino, em princípios de 1754, 
já não encontrou no cães a esperal-o a familia 
real que o fora despedir, quando partiram : reinava 
D. José, que lhe deshonrava a casa, na pessoa da 
nora, D. Thereza, e participava do ódio que 
aos Tavoras alimentava o seu ministro Sebastião 
José. 

Marquez de Távora, fillio 

O primogénito dos Marquezes de Távora era 
—Luiz Bernardo, Marquez filho, casado com sua 
tia, da mesma edade, D. Thereza, a leviana e 
adultera. Não encontrei noticia de cargos ou ofR- 
ciaes occupações que este infeliz exercesse. 

Conde d'Athouiraia 

Era D. Jeronymo d*Athaide, casado com D. 
Mariana de Távora, filha dos velhos Marquezes de 
Távora, de quem portanto vinha a ser genro. 

José Maria de Távora 

Era o filho segundo dos Marquezes de Távora 
e capitão de cavallaria no regimento dos dragões 
de C/iaves. 

João Migrael 
Era creado e confidente do Duque d' Aveiro. 



o Marqm:^ de Pamòaí 



Braz José Honveiro 

Lra creado dos Marquezes de Tav^ora aos quaes 
acompanhara á índia e com elles regressou ao 
reino, indo depois para o serviço da casa do Mar- 
' quez fillio. 

Manuel Alvares Ferreira 

Era guarda roupa e copeiro do Duque d*Avei- 
I ro, e por este alliciado para o attentado contra o 
I rei, segundo fmge a sentença condemnatoria, 

António Alvares Ferreira 

Irmão do anterior, e o supposto assassino que 

deu os tiros e desfechou o bacamarte contra o rei, 

e que a sentença suppõe alliciado pelo Duque 

id'Aveiro, que o encarregara de também peitar e 

alliciar o 

Polycarpo de Azevedo 

Era cunhado dos dois Ferreiras, e das relações 
do Duque d'Aveiro, em cuja casa estava, quando 
o Duque foi preso na sua casa de Azeitão. 

Estes foram os implicados na forjada conjura- 
ção, sendo todos victimados, excepto o ultimo 
que pôde escapar-se» Analysemos já a famosa con- 

^juraçâo, peio simples confronto do edital o áeLsen- 
tença condeinnatoria, que não reproduzo por ser 
mui extensa. As circumstancias do dia em que se 
diz fora commettido o attentado, a colkcta das ^o 
moedas taxadas pelos conjurados para remunera- 

^çào aos assas^àinos, a contradança dos cavai/os de 
casa dos Tavoras para a do Duque d'Aveiro, as 

I imòoscadas, as feridas do rei^ os conciliábulos dos 



124 ^ Marquez de Pombal 



conjurados após o attentado, tudo isto bem pon- 
derado prova á evidencia a falsidade da conjura- 
ção e o phantastico da urdidura que teceu a per- 
versidade de Pombal. 

O dia 3 de setembro 

Diz-se que o attentado fora comnnettido no dia 
3 de setembro, pelas 1 1 horas da noite : parecendo 
indifferente, esta mesma circumstancia argue de 
inverosimil a architectada conjuração. E porquê? 
Porque, tendo fallecido em fins de agosto a rainha 
de Hespanha, irmã de D. José, este, apenas havida 
tal noticia, por um edital seu, publicado com data 
de I de setembro, annunciava á corte que tomava 
luto, sendo oito dias de luto rigoroso, em que não 
sairia de seus régios aposentos. 

Não obstante ser o facto publico e notório a 
sentença diz que nesse mesmo dia primeiro o 
Marquez de Távora, filho, mandara para a caval- 
lariça do Duque d' Aveiro ^dois cavallos prepara- 
dos e armados para servirem fia emboscada do dia 
j>, em que se sabia o rei não havia de sair. E 
como é que os conjurados Tavoras poderiam sa- 
ber que apesar do annuncio official El-rei havia 
de ir á Quinta do Meio ? E se saiu foi para ir, como 
se diz, a casa da Marqueza de Távora, D. The- 
reza, coisa que só os dois alcoviteiros podiam sa- 
ber : Sebastião José e Pedro Teixeira, nenhum do$ 
quaes o iria revelar aos Tavoras. 

A conjuração foi aprasada para o dia 3 de se- 
tembro, antes ou depois do edital do primeiro, que 
annunciava o luto de oito dias ; se antes, é claro 
que o mesmo edital a transtornava inteiramente, 
pois seria rematada loucura em tantas e taes pes- 



I 
I 



soas teimar ou insistir na resolução, continuar nos 
preparos, fazer rumor, excitar suspeitas, expór-se 
á curiosidade e observação dos espiões que ron- 
davam por toda a parte, quando era moralmente 
certo que El-rei náo havia de sair durante oito 
dias; se depois do edital, como poderam saber tal 
sortida nocturna e para tal íim ? Era- lhes moral- 
mente impossível. Daqui se deduz já que nào po- 
dia haver a conjuração tingida pelo auctor da sen- 
tença, porque é incrível que tantas pessoas de 
juizo a determinassem para aquelle dia, ou não a 
embaraçassem, se estivesse lixada antes. 

Collecta das 40 moedas 



Diz a sentença no í^ 17; « Most7'a-sg mais que 
depois de se kaver cskibciecido pelos dietas chefes 
, desta Conjuração, José de Alascaranlms e LX Leo^ 
' nor de Távora uma sordidissiwa collecta. . . *, que 
produziu 40 moedas, dando a Marqueza dezeseis, 
o Marquez doze, o Conde de Athoiiguia oito e o 
Duque d' Aveiro quatro. 

Esta só circumstancia, tào mal engendrada, é 
'já, para quein nella bem reflectir, motivo bastante 
a fazer todo o acontecimento suspeitoso e muito 
duvidoso, ainda que faltassem muitos outros ar- 
gumentos que lhe tiram toda a fé, Pois pode lá 
admittir-se coisa tão inverosímil como este rigici- 
dio, taxado em 40 moedas, tocando a cada um 
dos cinco assassinos assalariados apenas oito moe- 
das?! Era preço barato de mais para tal crime. Oâ 
que para taes emprezas se alugam sabem mui bem 
avaliar os preços dos riscos e perigos a que se ex- 
^ põem. Demais, ninguém será capaz de explicar a 
^H razão das quotas que estabelece; sendo o Duque 



>: 



120 O Marques de Pontbal 



dWveiro o mais interessado no crime, pois se apre- 
senta como chefe, e o mais rico, todavia é o que 
contribue com mais mesquinha parcella 1 

Os ^larquezes de Távora que na índia deram 
as festas magnificentes que lembrei, limitaram-se a 
contribuir com 28 moedas, que não chegavam 
para um chá de familia, quanto mais para um feito 
daquella natureza ! . . - 

Só nesta circumstancia não se estam desentra-^ 
nhando tantas inverosimilhanças e disparates, de- 
monstrativos da falsidade da arguição, que assim 
mesmo levou três mezes a forjar? 

Pondo de parte, pela necessidade de ser breve, 
a circumstancia da contradança dos cavallos man- 
dados pelos Marquezes de Távora, pae e filho, este 
dois e aquelle três, para a cavallariça do Du- 
que d 'Aveiro, no dia i.® de setembro, como se 
este não tivesse cavallos, e a seguir a ordem que 
o Duque deu de sairem quatro dos seus Cavallos 
por não poderem caber todos, e ao depois irem, 
na noite dos tiros, de sege, deixando os cavallos, 
quando era mais fácil e naturaU sairem de casa, 
montados, em direcção para o local da espera, de- 
sejo chamar dum modo especial a attenção das lei-^ 
tores para as circumstancias das emboscadas^ e das 
feridas^ que sam as mais significativas e que me- 
lhor põem a descoberto a invenção da trama dia- 
bólica do ^larquez de Pombal para cevar seus 
ódios satânicos e cupidez na lauta meza que lhe 
offereceram estas illustres e opulentas casas. 

As emboscadas 

Consta da sentença que foram muitas, por- 
quanto diz que os conjurados ^se postaram todos 



o MarqutJB de Pamàaí 



12J 



ikudidos em diferentes partidos c emboscadas , . . 
ira qiu\ escapando das primeiras das dietas espe- 
feiSt perecesse nas outras que a e/ías se seguiam, t 
Nestas palavras temos pelo menos quatro es- 
peras : duas na primeira parte — pois diz — *pri^ 
^^pieiras das esperas^, e outras duas na segunda 
^vartei como se deduz das palavras — perecesse nas 
^^uttas que se seguiam*: para serem verdadeiías ou 
^terem sentido deviam ser pelo menos duas. Isto 
supposto» os conjurados dividiram-se em quatro 
emboscadas: a mesma sentença o aíTirma clara- 
mente em vários logares» E assim o Duque, Juâo 
Miguel, seu creado, e outro que nâo se nomeia 

Komissáo inadmissível numa sentença que até aos 
tavalios fax tal honra) constituíram a primeira em- 
boscada, posta no cerco, junto ás casas da (Juinta 
do Meiúy como diz a sentença, § 18; Antunio Al- 
vares Ferreira e José Pojycarpo, postaram -se no 
^^oqueirào do muro novo, formando a segunda em- 
^fcoscada, segunda reza o § 19; as outras, que, pelo 
^nmenos, deviam ser duas, haviam de estar ao longo 
da estrada, sendo uma formada pelo Marquez de 
yi^avora, pae, com o creado Braz Romeiro, a outra 
pelos que faltam. 
Este numero de emboscadas e disposição delias^ 
primeira vista, parece coisa mui natural para 
issegurar o efteito de tão importante commetti- 
lento, e assim se tem praticado e costuma prati- 
car em conjurações; mas quem bem advertir e 
ponderar todos estes particulares e miúdos porme- 
lores da sentença talvez, não depare, em toda eíla, 
aotivo e argumento que melhor demonstre o in- 
;erosimil de toda esta talsa imputação, excogitada 
pela malfazeja phantasia de Pombal, que seria so- 
beranamente ridiculOí se não tivesse sido abomi- 



128 o Marquez de Pombal 



navelmente monstruoso pelos efieitos que causou. 
Attendamos. 

A disposição assim em linha recta, ao longo da 
estrada e em pequenos intervallos denota que os 
conjurados eram estúpidos ou estavam doudos, 
porque tal disposição não somente não era útil, 
senão muito prejudicial ao intento, porque desde 
logo se tornariam suspeitos a quem para alli acer- 
tasse de passar, vendo tantos magotes juntos; 
mas admittamos que a mais não alcançava a es- 
tratégia do glorioso Vice-Rei da índia e General 
commandante da cavallaria, e vejamos algumas 
implicâncias do successo. 

Ames de ser publicada a sentença de 12 de 
janeiro de 1759, fora o attentado tomado otíicial- 
mente publico por um edital, com data de 9 de de- 
zembro de 1758. Dera-se o facto a 3 de setembro; 
o rei rocolheu-se logo á cama; o boato divul- 
gou-se logo no publico, mas officiahnente só três 
mezes depois é que foi declarada), pelo edital de 9 
de dezembro, redigido certissimamente pela mesma 
e própria mão que redigiu a sentença. Ora o edi- 
tal só fala niufia emboscada] e como é que esta se 
multiplicou gm quatro, que apparecem na sentença 
publicada um mez depois? Seria que o auctor, ao 
tempo do edital, ainda não tinha bem definidas to- 
das as linhas e contornos ási planta do infernal edi- 
fício que projectou e executou ? 

O natural era ^^ue todos os conjurados, visto 
que sabiam havia de por alli passar o rei, o espe- 
rassem todos unidos num só e mesmo ponto, e o 
accommettessem ao mesmo tempo, quando é certo 
que a união faz a força ; mas para Pombal não 
assim, e por isso multiplicou na sentença a embos- 
cada em tantos quantos parece lhe estavam formi- 



o Marquez de Pombal 129 



gando e fervendo na cabeça, que transformou a 
espera em montaria ! 

Quanto ao assalto e effcito delle o edital põe 
tudo na mesma acção ou acto de o rei sair da 
porta da quinta, pois diz: ^^ Quando eu saia da 
porta da quinta^ chamada do Meio^ e junto a esta 
porta^ e cobertos com as casas que estam próximas^ 
estavam postados três conjurados a cavallo ...» 
Toda a gente que isto leia fica entendendo que, 
ao mesmo tempo em que a sege saía a porta da 
quinta, os assassinos sairam da emboscada e as- 
saltaram a carruagem ; assim devia ser ; mas a 
sentença conta de modo rpui differente, por 
quanto diz: fs^Mostra-se mais que havendo o mesmo 
senhor dobrado a esquina da dita extremidade se- 
ptentrional das referidas casas da Quinta do Meio 
(aonde fica já a porta ? !) logo immediatamente sai- 
ram do arco, que no dicto logar se acha, o sobre- 
dicto chefe da conjuração José de Mascarenhas, o 
qual, associado do seu criado e confidente Joào Mi- 
guel e outro dos réus deste delicto (cá está o tal otí- 
tro — que se não nomeia. . . ) desfechou contra o 
cbcheiro ...» e segue contando o raro milagre, que 
Pinheiro Chagas classifica de acaso ou Providencia, 
de errar fogo o bacamarte ou cravina (até na desi- 
gnação das armas a sentença varia) como o co- 
cheiro ouviu a pancada dos fechos, viu o fogo da 
escorva, e picou os machos que partiram a todo o 
galope. Passa ao § 19 e conta que a velocidade da 
sege impediu o P^erreira e José Polycarpo de des- 
carregar, como queriam, os infames tiros á queima- 
roupa, mas perseguindo a sege, também a galope, 
desfecharam, ao acaso, conseguindo ferir o rei, e 
não o matando, também por milagre. De modo que 



i3o O Marquez de Pombal 



O rei foi ferido longe da porta da quinta, e já na 
meio do campo, e fugindo a todo o galope. 

Temos, pois, que o edital, em nome do rei, diz 
que houve uma só emboscada, a sentença affirma 
terem sido, pelo menos, quatro ; o edital declara 
que foi assaltado e ferido ao sair a porta da quinta, 
a sentença que longe da porta e já no meio do 
campo ; o edital diz que o assassino que disparou 
e errou fogo estava junto á porta, escondido com 
as casas velhas, a sentença que occulto no arco e 
por detraz das casas da Quinta do Meio ; o edital 
diz que os dois assassinos que feriram o rei esta- 
vam no mesmo logar em que ao outro errou fogo 
o bacamarte, a sentença põe-os em logares bem 
differentes e distantes, um no arco e os outros na 
boqueirão do muro novo ; os três assassinos, se- 
gundo o edital, dispararam todos ao mesmo tempo,, 
na sentença um disparou primeiro sem effeito e os 
outros muito depois; o ^^//d^/ affirma que os assas- 
sinos, postados no mesmo sitio, apontaram ao mes- 
mo tempo contra o espaldar da sege, e conseguin- 
temente pela retaguarda, a sentença diz que o rei 
os viu disparar, que contou três, que os conheceu, 
apesar de ser escuro (bem se vê que é um rei de 
grandes. . . vistas) e que reparou em que um errou 
fogo, o que de nenhum modo se pode admittir,. 
porque d'aqui se seguia evidentemente que o assas- 
sino não disparou contra o espaldar da sege, nem 
contra o rei que estava dentro, nem este o podia 
ver, mesmo que tivesse olhos nas costas. 

Esta serie de contradicções entre dous docu- 
mentos ofTiciaes e tão públicos, falando do mesma 
facto, e apenas com intervallo de um mez, e tra- 
çados pela mesma mão, foi causa de que já então 
muitas pessoas, no reino e fora delle, houvessem 



o Marquez de Pombal \ 3 1 



a narração por fingida e o attentado por supposto 
e inverosímil. Mas ainda isto nào é tudo : falta o 
melhor. 

Na primeira emboscada põs elle o Duque, João 
Miguel e o outro que se não nomeia, no arco, junto 
ás casas da Quinta do Meio. Não podia estar me- 
lhor se a intenção fosse cortar a retirada á sege e 
seguil-a pela mesma estrada até ao logar em que 
haviam cruzar as mais emboscadas, mas para des- 
carregar um bacamarte contra um boleeiro seria 
rematada loucura que nenhum conjurado appro- 
varia, porque, ouvido o tiro, a gente da quinta que 
sabia ter sido o rei, immediatamente correria ao 
estrondo do bacamarte, desfechado ás 1 1 horas da 
noite ; poderiam ter encontrado já morto o boleeiro, 
porem os dous conjurados, postados no boqueirão, 
não poderiam em tal caso chegar a tempo de dis- 
parar contra a sege, e assim ficariam inteiramente 
inúteis aquella e as mais emboscadas. 

Mas admittamos mesmo a loucura de dispara- 
rem em logar tão perigoso ; muito maior loucura 
seria confiar esta execução, cei tamente a mais im- 
portante, ao Duque d'Aveiro, que nenhum exercí- 
cio e uso d^armas tinha, preteridos os Tavoras que 
de meninos se haviam creado com ellas. Não é cri- 
vei que o velho Marquez de Távora, homem valo- 
roso e general destemido, fiasse posto tão arris- 
cado de quem menos se podia commetter simi- 
Ihante empreza, e se fosse postar na terceira em- 
boscada ! E' uma covardia, que repugna ao brio 
do glorioso ex-Vice-Rei ; e seria uma inépcia, que 
o bom senso regeita à priori. Mais. 

O Duque e seus companheiros não podiam dei- 
xar de ir prevenidos pelo menos com duas pisto- 
las carregadas e escorvadas por mão mestra e se- 



102 O Marquez de Pombal 



gura, pois estamos em tempo de pederneira e nào 
de capsulas de revolver ; se o bacamarte fizesse o 
vtilagre de erraf o tiro, lançavam mão da primeira 
e segunda pistola ; e se ainda estas repetissem o 
milagre, ainda ao Duque restava, como aos com- 
panheiros, as espadas com que elles concluiriam 
seguramente o execrando attentado. Tanto mais 
que era fácil dominar cocheiro e cavallos na- 
quelle logar solitário. Isto era o que faziam con- 
jurados verdadeiros ; mas o Duque da sentença 
o que fez? Nada do que podia e devia fazer: 
disparou, errou fogo o bacamarte, voltou de 
roda e recolheu-se ao arco donde tinha saido, 
<^covi muitos capotes ^e cabelleiras que o disfarçavam 
naquella noite e para isso jnesmo lhe ministrou o rctt 
Manoel Alves Ferreiray> (^) segundo reza o § 12 
da sentença, E que fez o outro, que ficou anonymo, 
ao ver a inhabilidade do Duque ? que fez o João 
Miguel, cujo valor e aptidão pareceu tão impor- 
tante que, não acabando com elle o Duque, apesar 
de ser seu copeiro, foi necessária a intervenção da 
Marqueza e dos Jesuitas {assim o af firma a senten- 
ça !) para o pei-suadirem a entrar na empreza, hu- 
milhando-se até com as mais vivas instancias, no 
dizer do § 5, circumstancias todas repugnantes 
com o bom senso ! Ficaram pasmados e immoveis 
como verdadeiros estafermos, se é que não esta- 
vam dormindo e sem armas por lhes terem esque- 
cido em casa. . . 

Na segundei emboscada estavam o Ferreira e 
o cunhado Pol\ carpo, postados no boqueirão. O 



\}) Estes Ferreiras numas parles leio -Alvares Fer- 
reira, noutras Alves Ferreira. Sam Alves ou Alvares? Nâo 
o pude resolver, e para o caso pouco dá. 



o Marquez de Pombal i33 



que fizeram elles ao sentirem frustrada a embos- 
cada? Responde o § 19 da sentença dizendo 
que elles <ndo poderam descarregar com tanta fa- 
cilidade^ corno pretendiam, os infames tiros sobre o 
espaldar da sege, porque esta se movia com grandís- 
sima velocidade,^ Ora isto é parvoamente falso, á 
vista da mesma sentença, por quanto da narração 
que ella faz consta que a sege corria a todo o ga- 
lope, e por tanto quanto mais conia mais se apro- 
ximava do sitio do boqueirão, onde elles estavam 
postados. Quem podia, pois, impedir que elles ati- 
rassem de frente, de lado ou pelo espaldar, a seu 
arbitrio e muito á sua vontade ? Nem se diga que 
a grande velocidade obstou a que lhe disparassem 
á qiieima-roupa, pois d'outro modo não podem ex- 
plicar- se os ^seis golpes de que saiu giande numero 
de grossa munição, porque toda a gente sabe que 
a munição, grossa ou miúda, corre junta e unida 
só a pequena distancia, espalhando-se cada vez 
mais á medida que se afasta. Se, pois, o rei teve 
^tantas feridas gravíssimas, dilacerações, perda de 
substancia e grandes golpes e cavidades^, de que 
logo me ocuparei, é porque o tiro ou tiros foram á 
queima-roupa. Como logo affirma que v\2iO poderam 
descarregar com tanta facilidade. . . porque a sege 
se movia cojn grandíssima velocidade » ? Não parece 
isto um trecho de entre-mez ? . . . 

E que fizeram a terceira e quarta emboscadas, 
em que estavam os Tavoras, <^que ardiam em ódio 
a 5. Magestade » ? Ouviram os tiros a pouca dis- 
tancia, sentiram o rodar da sege a todo a galope, 
e que fizeram ? O que fariam seria correrem para 
o sitio por onde rodava a sege, estando elles bem 
montados como estavam, e em campo livre e soli- 
tário áquella hora ; alcançariam a sege em poucos 



i34 O Marquez de Pombal 



minutos e verificariam o effeito das descargas, sup- 
prindo o que faltasse : boleeiro, machos e fregue- 
zes tudo alli ficaria a pernear, feito em postas; 
isto é o que fariam todos os conjurados do mundo, 
e não menos os quatro ou cinco Tavoras, resolu- 
tos, destemidos e que sabiam j igavam a cabeça, e 
demais a mai$ ^^ estando tão barbaramente endure- 
cidos e encarniçados no seu p^rvers) intento, total- 
mente desampara ias dos auxilias da Divina Graças, 
e tendo a preza na mâo, e não sobrevindo impe- 
dimento algum imprevisto, e estando o caso nos 
tratos em qu3 elles o podaram des3jar, isto é, de 
se concluir e ultimar dum modo dsfinitivo, aca- 
bando com o rei. Mas o 5 conjurados da sentença 
não assim : de repente esquecem-se do fim para 
que alli tinham ido, ficam immoveis e pasmados 
por algum tempo, a modo de palermas, que esta- 
vam a ver no que paravam as modas, deixam des- 
apparecer a carruagem, e logo se retiram muito so- 
cegados recolhendo a casa, como se não tivessem 
ido alli senão para tomar o fresco da noite! E' um 
cumulo ! Já viram coisa mais divertida? Só se fòr 
o caso das feridas que vamos contemplar. 

As feridas do Rei 

Lè-se o edital e lô-se o § 19 da sen- 
tença e duvida-se do que se lè ; parece que os 
olhos nos enganam, que estamos subjugados por 
alguma illusão de somnambulo, tal é a contra- 
dicção flagrante entre os dous documentos, feitos 
pela mesma mão e em tão pequeno intervallo de 
tempo. Ora attendam os leitores : 

Aos tiros seguiu-se o natural efifeito, quando 
acertam — o rei ficou farido. O edital diz que as 



o Marquis^ dt Pombal 



135 



feridas foram graves: — padecendo sd a damm das 
graves feridas que recei:*, diz o Rei, ou Sebastião 
José por elle; mas estas feridas ^aves^ que nunca 
sam de perigo, porque o ser fenda perigosa accres- 
centa muito sobre ser grave^ apparecem na sen- 
iença de tal modo exaggeradas e alteradas que pa- 
rece tractar-se de outro facto e de outros ferimen- 
tos, pois diz assim: — t Passaram a fazer os tiros 
na augustissinia e sacratíssima pessoa de S. Ma- 
gestade \^) as gravissimas e perigosissimas feridas e 
di/aceraçôeSf que desde o kombro e braço direito até 
ao cotovêlloy pela parte de fora e de dentro do mes- 
mo braçoy fizeram, alem das ditas feridas e dilace- 
rações (notável trecho clássico e de correcção gram- 
maticaL . . ) uma considerável perda de substancia^ 
com grandes cavidades e differ entes golpes, dos 
quaes chegaram seis a offender o peito, saindo di 
todos um grande numero de grossa munição.* 
Grossa munição de hervados zagalotes está con- 
tida n'esta colubrina diabólica ; mas a inépcia do 
carregador está mesmo a evidenciar-se. Ora con- 
frontemos. 

As fendas que» quando se receberam ou pelo 
menos em 9 de dezembro, data do edital > eram 
graves, n^ sentença de 12 de janeiro, um mez de- 
pois, tornaram-se gravíssimas ; os ferimentos rece- 
bidos, no edital não passaram de feridas gravts ; 
na sentença converteram-se em dilacerações, gran- 
des cavidades, differentes golpes, em considerável 
Jfcrda de substancia, chegando a offender a peito, 
calinada que jamais pode ser acreditada, sem se 
admittir a intervenção dum portentoso milagre ou 

I i^) Recommendo este moielo de cstylo aos demo- 

B cretas pombaUnos L . . 



i36 O Marquez de Pombal 



acaso; pois se os tiros foram dados pelo espaldar 
da sege, como é que a grossa munição pôde o;ffen' 
der o peito} Se entrasse ou offendesse as costas do 
rei bem estava; mas atirarem-lhe pelas costas e re- 
ceber a carga no peito isto só por um milagre bem 
mais espantoso do que o do bacamarte errar fogo I 
Ou os tiros fossem atirados á queinia-roupa, e ao 
sair o portão da quinta, como figura o edital, ou 
quando a sege ia já a galope, como quer a sen- 
tença, sempre é certo que os tiros não podiam of- 
fender o peito do rei ; no primeiro caso, porque os 
conjurados estavam escondidos e cobertos com as 
casas próximas, e por isso só podiam desfechar 
de lado ou pela retaguarda, no segundo só pela 
retaguarda. Como é então que a munição po- 
dia offender o peito, sem viilagre, e bem graú- 
do !.. . 

Isto confrontando o edital com a sentença ; mas 
se bem considerarmos os dizeres desta, nelles acha- 
mos varias implicâncias, que tornam bem patente 
a falsidade. 

Assim diz que os tiros fizeram perigosíssimas 
feridas e dilacerações desde o hombro e braço di- 
reito até ao cotovêllo, pela parte de fora e de dentro 
do mesmo braço, e alejn disso perdas de substancias, 
com grandes cavidades e di ff er entes golpes, seis dos 
quaes chegaram a offender o peito . . . 

Os tiros que fizeram as feridas e dilacerações-^ 
foram os mesmos que fizeram as cavidades e gol- 
pes ? e como será que a munição faz golpes? a 
perda da substancia foi do braço ou do peito? 
Tudo confusão, tudo inverosimilhança, e numa 
causa de tal importância e gravidade. Mas ainda 
ha mais. 

As faldas que no edital eram simplesmente 



o Mmrfuêi di Pomòai 



í37 



^m^<i e õTie no ^ 19 passaram a ser gra- 
' ^^simtas e is com C4íVÍda4Ls, di/actTa^ 

I fÃcr, jvj^ c ^t^ iii^ ciV suàsíancm, meia dúzia de 
^]iflhâs omts abmxo, no mesmo § dexenove» appa- 
I tia reduzidas e attenuadas que nem fíTuias 
sam. Duvidam ? Pois ieiam as palavnis se- 
i, ftelaieme copiadas da smUnça i — Viudo- 
âssfi c^m evidencia clara que $6 a Màa do 
p^j^dia i£r forças, cm idj fntusto acci- 
K f^$ra dfsZé\jr *>j rnjsm?s sacnLxiis th os tU' 

qu€ sJ um offendesse de raspáo a 
parte exterior do hombro e braço e o 
lado do corpo, offendendo as extremida- 
des, sem que tocasse parte alguma que 
fos ! Aqui podemos exclamar com 

u í .'ii cst ini quitas siòi. 

Toda a expiícaçào é supérflua, a contradicção 
Lto evidente como monstruosa, apesar do embru- 
lhado e disparatado da narra^^âo. 

Antes tinhamos scU tiros que chegaram a 
oSender o peito ; agora temos um sJ, que t»ftende 
de raspdo a parte exterior do homhr^* e do &raç'â, 
e também o /ado do corpo. Se oifendeu s6 de ras^ 
\pdâ, como é que produziu feri tias gravissima^ c 
\^ perigosíssimas ? Não se comprehende muiti) bem 
jcomo é que o mesmo ou segundo tiro otTendesse 
extremidades entre o âraço e o íado direito do 
ffo, a menos que o Rei nào levasse a mão, cin- 
tura e braço arqueados, fazendo minuetes dentro 
da carruagem, o que é disparatado suppòr ; mas 
emfim admiEtamol-o, porque nào è impossível; o 
que porem se nèiO pode admittir é que offendesse 
as ixieemidades sem tocar parte uigatua principat 
\d:> corpo, tendo acabado de afrtrmar que recebeu 
I seis tiros de grossa munição^ que offenderam o 



i3S O Marquez de Pombal 



peito. Salvo se o peito já não é parte principal do 
corpo humano !. . . 

Como explicar que o edital chamasse /mrf/w 
graves, a sentença gravissimas e perigasissimas a 
uma leve arranhadura, a uma ferida de raspão? 
onde se sumiram as cavidades, as dilacerações^ as 
perdas de substancia, os differentes golpes, donde 
saiu grande numero de grossa jtiuniçào} como é 
que esta munição podia sair dum raspão}! E' 
inacreditável tão deslavada inépcia ou revoltante 
cynismo. E que isto tenha transitado em julgado, 
e passado despercebido a tanto escriptor notá- 
vel !.. . 

Eu não duvido que quem agora, lendo isto, 
abrir os olhos á luz destas reflexões, baseadas nos 
textos officiaes, que certamente nem todos têm 
lido e ponderado, fique absorto e attonito de que 
na imaginação de um homem e na mesma pagina 
coubessem tantas e tão monstruosas contradic- 
ções, e de que tenham sido acceites por escripto- 
res tão applaudidos como esclarecidos. E motivo 
para isso têm de sobra . . . Cabia agora apreciar 
ainda o inverosimil e disparatado dos conciliaòu^ 
los que a sentença figura celebraram os conjura- 
dos, após o attentado ; mas porque a indole desta 
obra não admitte largas ensanchas, e ficou já bem 
evidente o mal urdido desta funesta trama, passo 
já a explanar um dos pontos capitães deste traba- 
lho, averiguando se realmente o 

Duque d'Aveiro foi chefe da conjuração? 

Demonstrado que a conjuração, tal como a 
narram os documentos ofíiciaes, não passou duma 
audaciosa burla, concebida pelo ódio dum odiado 



' Marqutz de Pombal 



'39 



sinistro d'Estado* podia dar por provado que o 
)uque d'Aveiro não foi chefe de tal conjuração ; 
fias porque quasi todos os escnptores destes sue* 
esbos admittem a culpaàiiidade do Avi\'ro, julgo 

^pportuno esmiuçar o caso, para desfazer a lenda* 
Intes de mais nada devo advertir que a sentença 

kppareceu sem os respectivos autos ^ e portanto 
5m provas: mas não obstante» por agora acceito 

ks atiirmaçòes da sentença, pelo que valem. 

A razão gera! ou antes toda a accusaçào con- 

fa o Duque baseia-se nestas palavras: tgiíti o 

~ qus havia concebido uma tem:rariay sacrilega € 
nplacavd ira contra 5. Magcstade.-^ Dado e não 

Concedido que tai fosse a disposição do Duque 
ira com o Rei, nenhum juiz recto, e esclarecido 
>deria inferir que o Duque fosse o auctor do 

|ttentado, porque os factos provam- se com testi- 
lunhos e nâo com conjecturas ; estas podem dar 

uma prcsumpçdo^ nunca porem uma prova. Ora 
a disposição do ódio poderá fazer verosímil a 
iputaçâo, nunca a elevaria a ccrta^ e só em tal 
150 deveria intervir condemnaçáo ; mas prova-se 

^ue as razões ou arHcolados adduzidos pela sen- 

tnfa nâo procedem. Vejamos, 
i/ O Duque ^queria conservar no gozh^rno 

fa reino a mesma injínencia qm tivera no tempo 
seu tio Fr, Gaspar lia Encarnação*^ o que 

l^âo conseguiu *porqite S. Majestade com as 
uts rrnes provi tendas desarmou as mac/tina- 
ôes do Duque, ^ E' falso e por nenhum modo a 
sntença nem ninguém até hoje provou que o 
)uqLie d\'\veiro tivesse alguma influencia no go- 
verno, em tempo de D. Joào V, nào porque nílo 
podessc ter com o poderoso auxilio do tio, mas 

borque a índole e talvez os hábitos o afastaram da 



140 o Marquez de Pombal 



politica, em que nunca quiz envolver-se. Não 
consta que elle alguma vez pretendesse ser Mi- 
nistro ou Embaixador, o que lhe seria fácil com a 
protecção do tio, o ministro valido de D. João V: 
o jogo e as aventuras amorosas eram as predilec- 
ções do riquissimo fidalgo.. Demais a própria sen^ 
tença pelo que diz no § 27 torna mais evidente a 
calumnia e o mal architectado delia: ^porque é 
notório^ accrescenta ella, qiu antes do falieci- 
mento do Senhor Rei D. J-oào F, no tempo em 
que elle falleceti, logo depois de fallecido e de 
entdo até agora urdia innumeraveis intrigas e ca- 
balas de que encheu a Corte. > 

Em tão poucas regras não podia metter maior 
numero de dislates. 

Primeiramente o que quererá dizer esta dosi- 
metrica divisão de epochas ? Não seria melhor di- 
zer : No tempo de D, Joào V e de entdo para 
cá ? Assim diria toda a gente ; mas o auctor teve 
em vista, com esta multiplicação de circumstan- 
cias, allucinar os juizes e os leitores para não 
advertirem na fraqueza das provas que produz. 

Em segundo logar era então notório, pelo con- 
trario, que o Duque nunca fez taes cabalas eMn- 
trigas, nem havia porque fazel-as, se outros eram 
seus gostos e ideiaes. 

Em terceiro logar é insensato affirmar que o Du- 
que no tempo de D. João V já fazia cabalas e intrigas 
visto que tinha no governo a seu tio, que gozava 
de toda a influencia no governo ; a menos que o 
auctor da sentença quizesse inculcar que o Duque 
minava a influencia do tio, o que é rematadamente 
disparatado. 

No te7npo em que falleceu o Rei como podia 
o Duque pensar em urdir cabalas e intrigas ? Em 



o Marquez de Pombal 14 c 



taes occasiões param todos os negócios, suspen- 
de-se o despacho, só se cuida das cerimonias do 
funeral. Seria sobre isto que as elle urdia? Não 
consta; e todavia nunca como então as devera 
tecer, porque foi á circumstancia de estarem en- 
tão vagos dois logares de Secretários d^Estado 
que Pombal deveu a fortuna de ser pelo novo Rei 
nomeado para uma delias. Ora se havia occasião 
azada para o Duque intrigar tinha sido essa para 
o fim de embaraçar a nomeação de Pombal, o que 
lhe teria sido fácil, já porque o Rei não sympathi- 
sava com elle, já porque o Duque era muito acceite 
ao mesmo Rei ; e todavia não consta que o Du- 
que se intromettesse em tal. Mais ainda. 

Para que havia o Duque intrigar ? por mero 
passatempo, não, logo para proveito próprio. 
Ora o que podia elle ambicionar ? Uma pasta de 
ministro ; e havendo duas vagas, e dispondo del- 
ias o tio, não lhe seria facillimo conseguir uma? e 
não a querendo para elle, para amigos ou creatu- 
ras suas, e isto sem recorrer a intrigas ou cabalas? 
Certissimamente ; pois nada disto fez, o que até 
lhe foi muito estranhado e censurado pela socie- 
dade de então, porque na mão delle estava ter 
impedido o advento de Sebastião de Carvalho, 
que tão funesto lhe havia de ser. Em conclusão : 
neui antes do Rei fallecci% nem ao tempo do seu 
falecimento o Duque tinha porque urdisse caba- 
las e intrigas. E depois ? Ainda é mais falso, como 
se prova attendendo ás palavras da própria sen- 
tença, que o accusa de urdir intrigas ^de entdo 
ate agora,> Este até agora quer dizer — quando 
se escrevia a sentença, em 12 de jayeiro de 1759; 
ora o Duque fora preso a 9 de dezembro de 1758, 
um mez antes; como podia elle urdir cabalas e intri- 



142 o Marquez de Pombal 



gas na Casa dos Bichos, em Belem^ onde estava 
incommunicavel ? Seria antes de ser preso, e desde 
o advento de Pombal até á occasião de ser preso ? 
Os factos também protestam contra tal hypothese ; 
mas dado e não concedido que o Duque não fez 
outra coisa senão urdir na Corte cabalas e intri- 
gas, como concluir que elle urdiu a conjuração? 
e foi delia chefe, e auctor do attentado ? Quando 
é que em direito se admittiu tal monstruosidade ? 
Por isso um judicioso inglez disse que se em Lon- 
dres um ministro ousasse, em caso tão grave, pu- 
blicar similhante papel, como a sentença, logo 
logo o iam metter em Bettam, i. é, em Rilhafolles. 

2.* causa : O Duque concebeu ódio contra 
o Rei por ter perdido a demanda das com- 
viendas da casa de Aveiro. E' certo que o Du- 
que perdeu a causa, em que havia fortes argu- 
mentos pro e contra ; correu a demanda seus 
tramites, ganhou-a o Duque na primeira instancia ; 
oppòz-se o Procurador da Coroa, levando-a pe- 
rante o tribunal da Meza da Consciência e Ordens, 
onde o Duque a perdeu. Em que pararam aqui as 
intrigas e cabalas que elle não cessava de urdir ? 
Que se azedasse com a perda da questão nada 
mais natural, porque é o que costuma succeder a 
todos os que perdem os seus pleitos ; mas irar-se 
por isso contra o Rei que nada tinha com uma 
questão da jurisdicção dos tribunaes ordinários, e 
não contra os juizes que deram a sentença parece 
que nunca passou pela cabeça de ninguém : mas 
passou pela de Sebastião José que até nisto foi 
singularissima. 

Não era do Rei que o Duque tinha de se quei- 
xar, de Sebastião de Carvalho sim, porque bem 
sabia que da mão delle tinha vindo a pedrada^ 



o Matquez de Pombal 



M^ 



Bendo o caso notório. Estando em termos de se 
Ijulgar a causa, foram removidos para fora de Por- 
tugal alguns juizes que se suspeitava eram favo- 
ráveis ao Duque; isto bastou, é claro^ para aterrar 
Ds restantes, e obrigal-os a conformar-se com a 
"vontade manifesta do ministro» que assim viu a 
sentença contra o Duque. Quem é, pois, que ur- 
íia cabalas e intrigas, o Duque ou Sebastião 
José ? contra quem é que elle podia intrigar e de 
|uem se podia queixar, do Rei ou do seu mi- 
listro ? 

t3.* O Duque concebeu uma ira implacável, 
'.nuraria e sacriiega contra S, Magt-stade, por- 
ue este se oppôz ao casamento de seu filho 
dar quês dt Gouvêa com a irmà mais velltã do 
^uque de CadavaL Esclareçamos a questão, que 
eralmente anda pouco sabida» 
O Duque d'Aveiro intentou com eftcito, e che- 
jou a justar o casamento, e a pedir ao Rei seu re- 
|io consentimento, que lhe foi dado sem diíTicul- 
iade ; mas passado algum tempo se intimou da 
parte do mesmo Rei á Duqueza de Cadaval que 
Uào ajustasse o casamento de sua íilha sem que o 
rmào tivesse successão, providencia que então 
jinguem extranhou, parecendo o fim delia evitar 
contingência da grande casa de Cadaval vir a re- 
bair e confundir-se com outra. Este foi o fim com 
jue o Rei por sem duvida deu aquella ordem, ao 
parecer contraria á primeira licença e consentimen- 
to ; mas o ministro Sebastião José que a soIHcitou 
obrava por motivo mui diverso da recta intenção 
Jo Soberano, que não attingiu as malícias do seu 
irimeiro ministro. Pessoa do tempo e mui instruída 
ias intrigai da Corte, explica assim o caso : — 
iComo o norte de todos os seus cuidados (de 




144 ^ Marquez de Pombal 



«Pombal) era a sua elevação, con tini lamente estu- 
de dava os modos de voar mais alto. Este desejo 
«lhe suggeriu o pensamento de casar o Duque de 
«Cadaval em uma casa da AUemanha com uma 
-K senhora parente mui próxima de sua mulher. 
^ Neste casamento devia elle ter o maior interesse, 
«e não era o menos considerável aparentar seus 
«filhos e descendentes com uma casa Ião alta, e 
«por meio delia com quasi todas as maiores de 
«Portugal.» (\) Assim é que a velha fidalguia, e o 
Duque d'Aveiro mais que todos se oppozeram a 
tal casamento, levando de vencida o astuto e am- 
bicioso ministro ; e daqui nasceu o entranhavel ódio 
de Pombal contra o Duque e familia Távora; e 
dahi a artimanha de embaraçar o casamento do 
filho do Duque, o que lhe foi tanto mais fácil 
quanto mais falsas as côres com que o apresen- 
tou ao Rei. 

A' vista do exposto, se Sebastião de Carvalho 
tinha razão para se queixar do Duque d'Aveiro, 
este não a tinha menor contra Sebastião de Car- 
valho, que assim lhe frustara o casamento mais 
morganático que então se poderá levar a effeito, 
pela reunião das duas mais poderosas casas de 
Portugal : do ministro e não do Rei se havia de 
queixar o Duque. 

4.^ A sentença ainda crimina o Duque por 
haver dito (se é que disse) que «j^r cJianiado ao 
Paço era qucbrareni-lhe as pernas.^ Não ha 
prova de que o Duque tal dissesse ; a sentença é 
que de tal nos deu conhecimento. Mas dado e não 
concedido q.ue tal dissesse, só o veneno da mali- 
cia de Sebastião José poderá converter um des- 



(\) Tratado Apologético, pg. 49. 



o Marquez de Pombal 



145 



ibaío de vâ ostentação de independência, mui 
Mopria do génio do Duque e do desgosto e con- 
Iraríedade em ter de se encontrar no Paço conn 
Jebasliáo José, a quem elle tinha aversão^ como 
5ra natural. Mas poderá acaso deduzir daqui que 
Duque náo cessava de urdir cabaias e intrigas 
ia Corte? e como se elle andava delia afastado o 

"lâis possivel, viâto que preferia ter as pernas 
fucóraílas ? Ha tal insensatez? ha tal despejo no 
imputar, tal cynismo no calumniar? 

5.** O Duque foi o aiílciador de todos os dcs- 

onienttís para formar a conjuraçào: assim o pro- 
clama a sintcnça quando diz:^ — ^Concitado das 
^naligfios tspiritús, passou logo a abrir caminho a 
outros absurdos em que depois se dcsUsou pelas di- 
fige f teias de alUciar e a tira k ir a si todas as pessoas 
jae sadia se achavam justamente separadas do real 
agrado de S. Magestade ou iniqiuimente descouten- 
fes do felicissimo governo do vtesmo Senhor, procn- 

%ftdo aUenal-as ainda mais com os pemiciosissi- 

ws exemplos da sua detracçáo e do seu ódio ao 
real serviço.T^ 

Todos os que conheceram o Duque^ diz o au' 
iítor do Tratado Apologético, se vôm obrigados 
dizer em altas vozes: E' falso, nunca tal succe- 
^deu, nem podia succeder assim. Nunca houve ho* 
mem no mundo mais incapaz de similhantes dili- 
gencias: sendo naturalmente secco e desagradável, 
soberbo na apparencía e com ar de desprezo 
jaquelles com quem tratava, ainda sendo d*algu- 
^ma distincçào, claro está que náo era nada pró- 
prio para attrahir e alliciar nem ainda poucos, 
quanto mais todas as pessoas descontentes cujo nu- 
mero era realmente immenso, pois poucas pessoas 

10 



'y-^ 



o Marquez de Pomhat 



a quem o ministro, auctor da sentença^ nào trou- 
xesse descontentes. Mas se attentarmos noutros 
particulares do alíiciamento, ainda a accusaçáo se 
toma mais evidentemente falsa. 

Quaes sam os fjiciõs de que elle usa para aiii^ 
mr? — ^Perniciosissimos exemplos da sua 
detracçáo € do seu odio,^ E' pasmoso ! Se dissesse 
que os alliciava abrindo-lhes a sua bolsa, convi- 
dando-os á sua meza, admittindo-os á sua con- 
fiança, obsequiando-os com seus presentes ou fa- 
vores^ todos diriam : Pode ser, porque assim se 
costuma fazer, é assim que se aiikia ; mas com 
perniciosíssimos exemplos de detracçáo e adio ao 
real serviço náo se entende, nem o auctor da sen- 
tença se atreveu a explicar. Se alguma vez faltou 
ás obrigações dos seus cargos (o que todavia se 
nâo provou) devia isso ser attribuido a negligen- 
cia ou preguiça ou ainda á repugnância que tinha 
de frequentar o Paço pelas razoes declaradas; 
nunca porem a malevolencia, accusação de que só 
o auctor da sentença foi capaz. 

Demais, se tal papel houvera representado nào 
podia a casa do Duque deixar de ser o centro 
aonde convergissem os alliciados, seria grande o 
concurso dos descontentes à casa ducal, isto ha- 
via de ser sabido, publico e notório, porque dava 
nas vistas ; e todavia as noticias do tempo dam <v 
Duque vivendo sempre bastante retrahido e reti» 
rado. E que íim podia ter elle alliciando tanta gen- 
te? Nisto havia tudo a perder e nada a ganhar» 
porque era attrahir fundadas suspeitas do que 
tramava; só um doudo procederia como a sen- 
tença figura. 

A sentença insinua, e tem havida escnptores 
tâo faltos de crítica ou de attenção que o acceita- 



UBifi 



o Marquez de Pombal 147 



ram — que o Duque em sua soberba ousara con- 
ceber o projecto de assassinar o Rei e fazer-se 
elle acclamar, sendo nisto ajudado pelos Jesui- 
tas! . . . Tendo em vista quanto venho ponde- 
rando parece-me tão estúpida a accusação que 
seria excessivo, até desairoso para o senso com- 
mum dos leitores, dar-lhe as honras duma refu- 
tação. 

Não deixem os leitores de considerar a inimi- 
zade que havia entre a casa de Aveiro e a dos 
Tavoras, facto tão notório então que o auctor da 
sentença se viu obrigado a ideiar uma reconcilia- 
ção entre ellas, pouco tempo antes 'do attentado ; 
esta só circumstancia era bastante para descobrir 
o phantastico e inverosimil da conjuração, pois 
repugna ao senso commum admittir que alguém 
vá associar-se ou procure alliciar para um crime, 
e de tal natureza, com os inimigos da véspera : só 
ao talento illuminado de Sebastião de Carvalho^ 
como lhe chamou Latino Coelho, não repugnou. 

Posso agora já tirar as seguintes conclu- 
sões : 

/.^ A conjuração^ tal como sai da sentença, não 

existiu, nem podia existir ; 
2f O Duqíie d' Aveiro não foi, nem podia ser 

chefe dnma conjuração que não existiu, e 

muito menos nas circumstancias com que a 

reveste. 

Mas então o que houve? desejará saber o lei- 
tor. Se não houve conjuração, não haveria atten^ 
tado ? ou seria tudo palhaçada ensaiada por Pom- 
bal? 

Conjuração não houve, julgo tel-o demonstrado 



148 o Marquez de Pombal 



até á evidencia ; attentado contra a pessoa do Rei 
só um o podia commetter, era o Marquez lilho, 
marido de D. Thereza com quem as chronicas di- 
zem adulterava o Rei ; mas se tal offensa houve de 
desaggravar de ha muito o teria feito, pois a des- 
honra do seu lar datava de 10 annos, segundo se 
presume. Não é pois verosímil o attentado á pes- 
soa do Rei. Nestes termos só duas hypotheses po- 
dem admittir-se : ou a espera, se a houve, era 
destinada a outrem e o Rei apanhou por engano, 
e outros foram auctores, ou o próprio Pombal (e 
esta é para mim a mais verosimil e quasi certa) 
sabendo a saida nocturna do Rei, porque só elle e 
o outro alcoviteiro Pedro Teixeira sabiam de taes 
segredos, peitou e alliciou alguns assalariados 
para irem ao sitio simular o attentado : O Rei, ou- 
vidos os tiros, ficava transido de medo ; chegando 
a casa mandaria logo chamar Sebastião José, que 
estaria de vella, á espera do mensageiro ; entrado 
a presença do Monarcha comporia a cara de afílic- 
Ção, cobrando ao mesmo tempo coragem e reso- • 
lução para tranquilisar o animo timorato do Rei ; 
insinuaria logo suspeitas, por mui naturaes, sobre 
o marido deshonrado, deste caminharia até ao 
pai, o velho Marquez de Távora, que não podia 
deixar de auxiliar o filho, em seguida entraria o 
irmão, como militar que era, viria logo a altiva 
Marqueza, contra quem o auctor da sentença des- 
carrega maior dose de ódio ; e deste modo estava 
implicada toda a familia Távora. P^altava o Duque 
d^Aveiro ; mas sabendo-se que elle era casado 
com D. Leonor, irmã de D. Francisco d 'Assis, 
Marquez de Távora, temos o Duque cunhado dos 
Marquezes de Távora, e portanto a elles asso- 
ciado. 



o Marquez de Pombal 149 



E' de presumir que o Rei, á primeira, repu- 
gnasse ; mas sabido o ascendente, e outros dizem 
até — terror — que Pombal exercia sobre o fraco 
Monarcha, e que o teve três mezes sequestrado á 
própria família real, tudo é licito suppôr. Quem 
pôde hoje saber ao certo os meios todos de que 
este desalmado se serviria para espalhar a calumnia, 
tendo á sua disposição os sellos do Estado e mais 
os cofres, de que usou e abusou, pois não escru- 
pulisava ^nos meios para conseguir os fins^^ pre- 
ceito que elle attribuia á moral relaxada dos Je- 
suítas, mas que elle ia pondo em pratica para 
proveito próprio ? 

Para que interpor o intervallo de três mezss 
entre a data do attentado e a prisão dos suppos- 
tos réus? Para melhor planear a prisão delles? 
Não pode ser ; porque dizendo a sentença que foi 
logo publico e notório serem os accusados os ver- 
dadeiros auctores do crime. Porque se não pren- 
deram, quando da tardança só risco havia de se 
elles evadirem para o extrangeiro, sendo pessoas 
tão poderosas? Como explicar as contradicçòes 
fla^iírantes entre o edital e a sentença ? porque se- 
questrou o rei durante três mezes ? Para urdir, 
ainda que desconchavadamente, a intriga e cabala 
com que tramou a ruina de duas grandes famílias 
do reino. 

A única implicância que a esta solução pode- 
ria oppôr-se seria a da o Rei se prestar á palha- 
çada de se fazer doente por três mezes, sem real- 
mente o estar, porque moralmente repugna admit- 
til-o á primeira vista; mas sabendo-se que o Rei 
nas mãos de Pombal não tinha vontade própria, 
que se annullára a ponto de nada fazer ou despa- 
char sem que o commettesse ao seu ministro, e 



1 5o O Marquez de Pombal 



que este o tinha encadeado (*), e sendo o ministro 
dos que não tinham escrúpulos, nem tendo outro 
meio de vingança, esta hypothese se apresenta ao 
meu espirito como a única admissivel, e a que 
também se inclina, com grande admiração minha, 
o insuspeito Luz Soriano quando escreveu: «E 
posto que o monarcha não acreditasse de coração 
na conjuração dos membros da real familia contra 
si, nem por isso deixou de se allucinar com as ter- 
ríveis imagens que o medo lhe phantasiava, e os 
pactos que o Marquez artificiosamente lhe narrava, 
lha tornavam provável, de que resultou por fim 
acreditar na realidade de shnilkante conspiração, e 
por conseguinte desconfiar de todos os vassallos 
da mais elevada posição social, e receiar até mesmo 
da si ca própria esposa ...» ^) 

A desconfiança e allucinação do fraco Rei che- 
gou a ponto que Pombal levou o Rei a metter-se 
numa gaiola para dar as costumadas audiências 
ao povo! . . E* o mesmo Luz Soriano que o affir- 
ma. Um Rei que a tal se sujeita não passa de 
manequim, apto para todos os papeis. 



Oue dizer agora das revoltantes nullidades que 
enxameiam o processo, ou melhor a sentença ? 
Não foram presentes nem appareceram os autos ; 

(1) «Acercando-se a hora extrema, não parece in- 
congruente que D. José, já quasi desatado dos laços em 
que o tinha encadeado o seu valido, quizesse expungir de 
si, ainda em vida, a macula de tyranno.» — Latino Coe- 
lho, Historia politica e militar^ pg. 85, vol. i." 

(3; Historia d^El-Rei D. José, V-L 



o Marquez de Pombal i5i 



As testimunhas não foram ajuramentadas, nem 
a tal se refere a sentença ; 

Os familiares das casas dos Tavoras, que a 
sentença afíirma estavam plenamente informados 
da conjuração^ não appa recém a depor, nem foram 
indiciados, como deviam, mesmo á face da Orde- 
nação do reino ; (^) 

A Condessa d'Athouguia foi condemnada sem 
nunca ser ouvida, nem mesmo processada ; 

A Marqueza de Távora também nunca foi ou- 
vida, e dizendo que queria embargar ou aggravar 
da sentença que com o maior assombro ouviu lèr, 
foi-lhe pelo advogado respondido que havia ordem 
para se não admittirem embargos nem appellaçôeSy 
e por isso na sentença se não faz menção alguma 
da defeza, nem se impugna, omissão que a faz in- 
forme, tumultuaria, injustíssima, illegal. A Con- 
dessa foi perdoada, a Marqueza degolada, sendo o 
crime o mesmo e egual a prova /. . . 

Aos fidalgos foi concedido somente o praso de 
doze horas para responder, impugnar e razoar a 
causa por ventura mais importante que tinha ha- 
vido em Portugal, sendo ainda dicto ao advogado 
que se não cançasse porque os fidalgos haviam de 
morrer. 

Foi preso e desterrado o Juiz Desembargador 
Costa Freire, nomeado para os interrogatórios dos 
réus, por ser um dos primeiros jurisconsultos do 
seu tempo, porque declarou não encontrar nelles 
culpa, sendo então ideado o absurdo e repugnante 
tribunal dá Inconfidência, mil vezes peior que o da 
Inquisição ; 

Pombal foi Juiz e parte nesta causa, o que é 

(1; Livro V — tit. 3. o 



i52 o Marquez de Pombal 



antinatural e se achava expressamente condemnado 
pela Ordenação, liv. V — tit. 3.*^; 

Da sentença, depois de executada, foram arran* 
cadas folhas e substituídas por outras ; 

Os depoimentos de quasi todas as testimu- 
nhas foram falsificados ; 

O Juiz Desembargador — y^oào Marques Baca- 
lhau, do conselho da Fazenda, sendo- lhe censurado 
que tivesse assignado uma sentença que infamava 
e declarava também os Jesuítas como réus e 
ainda auctores de tào grande crime, sem que 
nunca fossem ouvidos, elle respondeu — mgatido 
teimosamente que na sentença se falasse em taes 
1 ellglosos, que elle nunca poderia acreditar fossem 
capazes "de tal desatino, e como lhe mostrassem a 
sentença e lhe lessem o papel principal que os Je- 
suitas nella desempenham ficou como aturdido e 
protestou que nunca ouviria ler tal sentença e que 
o presidente (era Pombal) dissera que tudo o que 
nella se continJia estava provado e purificado de 
toda a duvida e que Sua Magcstade tinJia na sua 
7nào as proveis convincentes quj não admittlam ex- 
cepçáo,> (^) 

Numa palavra: as nulUdades e as tumultua- 
rias violências do direito natural e positivo que 
deshonravam a sentença sam taes que o próprio 
Latino Coelho, referi ndo-se á sentença revisora, 
dada em tempo de D. Maria I, a reclamaçclo do 
Marquez d'Alorna, não pòJe deixar de confcíssar: 
«A sentença revisora primava justamente na clara 
«exposição das iniquidades judiciarias, que enxa- 
«meiam no processo. Veib:rava nobremente o es- 
<^qu3cimento de todos os princípios, a preterição de 

(^) Tratado Apologético, p?g 17. 



o Marquez de Pombal 1 53 



« todas as formuias, o despreso de todas as praxes 
«salutares que sam o penhor e a segurança do di- 
«reito contra a força, da liberdade civil contra a 
<tyrannia dos governos. Os magistrados da revista 
«punham de manifesto as atrocidades commettidas 
«para com os réus, a rapidez revolucionaria do 
<seu julgamento e condemnação, a estreiteza e 
«quasi nullidade da defeza, a prova do tormento» 
«deshonra e infâmia da justiça e da christandade. 
«Parecendo que indultavam, por decoro da ordem 
«judiciaria, os Juizes da Inconfidência e attribuindo 
«á precipitação o que não ousavam achacar-lhes 
«á ignorância e á maldade, arrancavam a toga aos 
«ferozes magistrados para os debuchar, perante a 
«posteridade indignada, como um concesso de li- 
«ctores e de verdugos ao serviço de um ty~ 
«ranno.» \^) 

Eis o que foi Pombal e os tribunaes que o 
serviram. 



Confissão do Duque d'Aveiro 

Ainda ha quem pretenda ver na confissão do 
Duque d' Aveiro prova da sua culpabilidade na 
supposta conjuração ; ora eu encontro na senten- 
ça, e na Deduoçdo Chronologica^ seu aladroado 
complemento, e em vários factos, provas incon- 
cussas, palpáveis e evidentes de que a tão falada 
confissão feita pelo Duque no meio da tortura dos 
tormentos, é tão verdadeira como a conjuração. 

{}) Historia politica e militar, pg. 874, vol 1.0 



1 54 O Marquez de Pombal 



Basta dizer, visto que não me é permittido desen- 
volver esta exposição, que a confissão não appare- 
ceu nos autos quando foi lavrada a sentença; só 
oito annos iiiais tarde é que ella appareceu, peia 
primeira vez^ na falsaria Deducção Chronologica : 
isto está historicamente averiguado e demonstra- 
do. Logo da supposta confissão do Duque d' Aveiro 
nenhum argumento pode deduzir-se contra o 
mesmo. 



A poderosa e riquíssima Casa d' Aveiro foi 
instituída por D. João II em seu filho natural D. 
Jorge, a quem fez Duque de Coimbra^ e confir- 
mada por D. Manuel por carta de doação de 2^ de 
maio de 1500, fazendo algumas pequenas restric- 
çôes, por lhe parecer desmesuradamente grande e 
excessiva a doação. 

Esta casa foi confiscada por alvará de 17 de 
janeiro de 1759, tendo a sentença sido pronun- 
ciada a 12, executada a 13 do mesmo mez. 
O alvará manda encorporar os bens na Coroa. 
Sel-o-híam ? Acaso não entrariam parte desses 
bens na casa Pombal e nas de vários amigos e 
servos de Sebastião de Carvalho, que por esta 
atrocidade foi feito Conde de Oeiras, e mais tarde 
Marquez de Pombal? Esta pergunta não é um de- 
vaneio ou mera hypothese gratuita ; é uma conje- 
ctura que me fez nascer o rápido e espantoso 
crescimento da casa Pombal, que foi uma das 
maiores do reino, e o obstáculo que sempre en- 
controu a revisão da causa do Aveiro, E esta con- 
jectura mais se me radicou com a seguinte ihte- 



o Marquez de Pombal i55 



ressante informação sobre o destino do senhorio 
da villa de Condeixa, que fazia parte da Casa de 
Aveiro, segundo reza a doaçdo testamentária de D. 
João II — <a villa de Condeixa com seit limite.^ 

Um velho e respeitável amigo m3 communica 
d'alli o seguinte: 

Destino que teve a Casa de Aveiro 
na villa de Condeiza 

Por carta de 13 de março de 1906, o illus- 
trado e presado amigo me communicou: 

aA casa do Conde de Portalegre^ por casamento do 
pai ou avô do infiliz Duque, entrou na Casa de Aveiro, 
que já de per si era enorme O primeiro Reitor da Univer- 
sidade de Coimbra era desta familia, e Commendador do 
Sebal^ a minha aldeia, e tinha uma grande casa em Con- 
deixa e em todo o concelho. 

«Numas escripturas antigas descobri eu que tinha o 
direito ás aguas do rio que passa em Condeixa, desde a 
Ponte Nova^ junto mesmo a Alcabideque — i}) um kilome- 
tro abaixo da grande ponte — até á Arrocha, aqui perto, 
onde o meu amigo alguma vez teria ido passear. Aqui to- 
dos os moinhos e lagares lhe pagam foro, e ninguenp alli 
podia construir engenhos sem licença da Casa, obrigan- 
do-se além disso o dono a foro ou pensão. Ora uma Casa 
que tinha aqui taes direito> náo podia deixar de ter muita 
propriedade. 

«Não lhe conheço uma. Mas sab3 o que por aqui 
consta e anda na tradição ? E' que todos ou qnasi todos 
esse» bens passaram para a casa de Joáo Pereira Ramos 
— o braço direito do Marquez —a antiga Casa Lemos... 
que já não existe — apenas o antigo palácio. . . 

«O Conde de Portalegre tinha também um palácio em 
Condeixa, o primeiro á entrada da villa, lado do Sebal ; o 

(I) E' palavra aral)e que si/íiiifica A^^wi de Deus. Oijsta íii-aiuie 
f«»nte ia a agua para u n aquoiltict > para o f.irmiílavel castiMIo quo ou- 
trora existiu H.lilli-ado aohrií u.ii rocliedo, a que clianiani Almedina — 
a cidade. — Aoía do Auclor. 



o Marquez de Pomòal 



largo em frente chamava- se então o Paço do Conde. Vi 
isto também numa escriptura dos moinhos fronteÍTOs ao 
Palácio, e que estão por detraz das casas que do lado do 
norte formam aqnelle largo. 

«Nestes ultimo > quarenta annos tem sido coniprados 
ricos objfcios de mobiliário — como mczas de pau preto ^ 
leitos, contadores da mesma madeira, cadeiras de couro e 
estas com as arma? dos Silvas, um leão rompante dos 
Condes de Portaietn^e . . . Tenho visto muitas, e nunca 
pude obter nenhuma. Existiam em poder de lavradores 
pobres, pessoas que de forma alguma podiam ter antepas- 
sados que tivessem adquirido legitimamente objectos de 
tanto valor. Lm oratório que a Casa Lemos adquiriu, 
fraccionado em difíerentes mãos, foi na partilha avaliado 
em i:ooDíooD reis. . . 

uPode ser que esteia err, err^^, mas attribuo o facto a 
liquidação feha. pelo povo do> arredores, logo em seguida 
ou pouco depois da execução em J73a. Se aquillo era roupa 
de francezes. . .» 

Latino Lodho vae dizer-nos, em poucas pala- 
vras, quem era o desembargador joào Pereira 
Ramos, fundador da grande Casa de Condeixa^ 
uma das mais opulentas da provincia, cujo penúl- 
timo possuidor conheci, já velho d:>s seus, talvez, 
setenta annos, ahi por iSSo: apesar de inque- 
brantável mi^clista. recebeu e hospedou em sua 
casa a fallecida Rainha D. Maria II, que alli não 
extranhou seus régios aposentos, adm.irando antes 
as preciosidades artísticas daquelie muzeu mobi- 
liário, que era o paiu.2io da Casa Lcmos^ de Con- 
deixa, que tanto foi engrandecida, senào fundada 
pelo Dl. jroáo Pere.ra Ramos: 

«O procurador da cor'».:, diz Latino, naquella occa- 
sião fala da rcjfisâo da scjifníça ordcvaiia for Z). Maria 
/, em j-j \i era Jaào Pereira Ramos, que fora creatura 
d€ Pombal, ou pelo menos um dos seus obreiros incansá- 
veis em demolir o velho e levantar o novo edifício politico 
e social, que o marqucz se £fadif;ára em erigir. No puço 



o Marquez de Pombal 



filava persuasiva a voz dos poucos, mas poderosos, que 
impugnavam a reacção. No foro ergueu-se, por obrigação 
do seu ofiBcio, o douto magistrado, e oppoz-sí á sentença 
Tevisorii com embargos, que fundava em ob e subrepção, 
nas nullidades do processo, e nos erróneos fundamentos 
cm que a sentença se estribava.» ^» 

Bem se via que faltava já um Pombal para lhe 
tomar conta dos embargos . . . que se foram oppos- 
tos ^por obrigação do offícíoj, não é incongruent3 
admittir que punha o seu fito m.ais alto : annullada 
de vez a sentjnça condeimiatoria de Pombal tinha 
de o ser egualmente o alvará de conúscação, e por- 
tanto a restituição da Casa de Aveiro ao seu legi- 
timo herdeiro D. Martinho Mascarenhas, filho do 
Duque, que morreu p-obre, sendo por muito tempo 
sustentado pelo Marquez de Aloma; ora a Casa 
ducal tinha sido lauto bodo em que muitos lobos 
famintos se haviam fartado. Por isso o Desembar- 
gador Ramos oppòz embargos . . . 

-E quantos como elle estariam interessados na 
causa ? E' problema que aqui deixo á curiosidade 
de outros conscienciosos decifradores. 

Este trabalho já nada aproveita ás innocentes 
e illustres victimas que foram immoladas á vin- 
gança d'um abominável tyranno, entre as quaes 
encontro humildes filhos do povo, que também 
ferozmente foram sacrificados ; mas é um pregão 
pela verdade conculcada e um protesto contra os 
esforços dos que procuram renovar estas scenas 
degradantes do reinado do terror. 

<1) Historia poUlicn c wUilar, tom. l.«, pg. 3Ts. 



CAPITULO VI 



Pombal e os Jesuítas 



HSSXJMO 

Pombal persegaindoos Jesuítas, porq|U2?— Os Jesuitus c a 
canjufiTcão* Pinheiro Chagas defendendo o^ Jesuitaí!, 
Latino èoelho explicando o ódio jesujtophoho de Pom- 
bal; os Embaixadores francezea e a mania j^suiiophoba 
de Pombal; verdadeira causa do ódio pombilino; des- 
terro de dous Jesaitas c porque?; a catastrophe do 
terramoto; Pomb:iJ procurando envolver os Jesnitas 
nos tumultos do Porto e quando; Pinheiro Chagis des- 
mentindo Pombal; Pombal expulsa da corte os Jesuítas 
confessores; libe lio diftama torto publicado contra os 
Jesuítas da America; resumo da questão curios^a das 
Heducções do Paragitay; um protestante defendendo 
os jesuítas, accusados por catholicos; o libello infame 
queimado em Hespanha por ordem do governo ; ex* 
pediçáo contra o Imperador Nko/att /, pjtranha in- 
ventada por Pombal; desmentido f-^rmsL Pombal in- 
vocando o auxitio da S, Se contra a Companhia; hyf>o- 
crisia do histrião; pede a reforma da Companbia a 
Benedicto Í4; resposta do Poniifice; caso do Breve 
conseguido por um Cardeal, vendido a Pombal; o gue 
o Breve concede ao Cardeal Saldanha e o que este faz; 
r o próprio Luiz Gomes ccndcmnando u proceder do in- 
t digno Cardeal portuguez ; evidenciada innocencia dos 
Jesuítas; supplica do Geral da Companhia ao nova 
Papa Clemente XI II; os Jesuítas expulsos c roubados; 
novo recurso hypocrita a Poma; o decreto de exúnc- 
ção e expulsão da Companhia de Poriugd deita abaixo 
â mascara. Breve historia do P,*: Malagrida; duas pala- 
vras sobre o Breve de Clemente XIV. 



i6p O ^^arques de Pombal 



c 

^JjEBASTiÀo de Carvalho odiou, calumniou, per- 
^"^ seguiu e expulsou de Portugal a Compa- 
nhia de Jesus, prendeu e deu a morte a muitos 
Jesuítas. Porquê ? 

Klle deu entre outras como razão principal o 
tramarem, de cumplicidade com os fidalgos, con- 
tra a vida de D. José, e por isso os envolveu na 
armadilha da forjada conjuração, em que os faz 
representar até o papel de cabeças d'ella ; mas 
a accusação é tão grosseiramente estúpida e ca- 
Jumniosa que o próprio escriptor liberal Pinheiro 
Chagas se viu forçado a declarar : « Os jssuitas, 
que Sebastião de Carvalho perseguia havia mui- 
to tempo com um ódio implacável e tenaz, ndo 
poderam ser mettidos no numero dos réus ; e para 
prepararem o terreno aonde deppis Carvalho 
havia de chamar a questão afim de abolir essa 
ordem podevosissma, fora?n os membros do tribunal 
da Inconfidência obrigados a recorrer a incriveis 
suòtiiezas como se vê. . . Mas Sebastião de Car- 
valho proseguia implacavelmente o seu intento de 
envolver os jesuitas em todas as rebelliôes que pu- 
nia, e não conseguindo, nem no motim do Poito, 
nem na conspiração de 3 de setembro adduzir con- 
tra elles provas evidentes, preparava comtudo a opi- 
nião publica para o grande golpe que tencionava 
vibrar-lhes, desconceituava-os, e juntava assim as 
bases de accusação que, se não serviam no caso 
presente, serviam, juntas com outras, para consti- 
tuírem o famoso libello que depois se articulou 
contra elles. . . » Oj Mais adeante toma a escrever : 

(') Historia de Portuga^ vol. lo, pag. 64 e 67. 



o Marquei de Pombal 



i5i 



tComo dissemos já, os Jesuítas foram accusados 
hXt CLimpliddHde no attentado de 3 de setembro; 
\mas no processo não foi possível encontrar a mi- 
Vítima prova que podesse justificar castigos severos 
Te o Conde de Oeiras !imitou-se a prender os pa- 
|dres Malagrída, Mattos e Alexandre. . .> \^) 

Parece-me que se engana ainda aqui o conhe- 
[cido escriptor; o P.*' Mury na l'ida de Maia^ida 
diz que na mesma occasiào foram presas os P."* 
Provincial João Henrique^ José Moreira^ ex -confes- 
sor do rei D. José e da rainha, Timotheo d' Oliveira^ 
ex-confessor da Princeza do Brazil, João Aiexan^ 
\dre de Sonsa, procurador geral da província do Ma- 
labar, Jodo de Mattos, procurador da Casa pro- 
I íessa de S. Roque de Lisboa ("^ ; e Latino Coelha 
' íiccrescenta os nomes dos P.*^' José Perdigão, pro- 
curador da Companhia na província de Portugal, 
I Jacintho Costa, ex-contessor do Príncipe D. Pedro, 
Francisco Lhuirte, chronista da província e Igfm- 
\àõ Soares, professor de theologia no Ccllegio das 
artes de Coimbra. <^ Os três jesuítas que menciona 
a ligeireza de Pinheiío Chagas é pequeno repasto 
ppara a voracidade jesuitophoba do carniceiro Pom- 
: baL As prisões destes jesuítas foram feitas na 
noite de 1 1 de janeiro de 1759 ; de noite, como Ju- 
das, a soldo dos phariseus e á frente de grande 
turba, prendeu a Jesus Christo, No dia seguinte, 
12, publicou Pombal a sentença contra os sup- 
postos regicidas, em cujo numero implicava os Je- 
suítas; e a 13 foi executada a sentença, náo 



i}\ Historia de Portugal, voU 10, pg. 64 e 97. 

(*) Historia de Gabriel Mahigrida, pg i6[* 

{*i Historia poL e miL de Portugal, voL í.<» pg. 173 
a 170. 



1^2 O Marquez de Pombal 



sendo por então, como era de esperar, justiçado 
nenhum Jesuíta, conservando a todos 'encerrados 
nas masmorras de S. Julião e da Junqueira. 

Falando da perseguição de Pombal aos Jesuí- 
tas, Latino Coelho^ enthusiasta pombalino, assim 
lhe esboça a origem, sufficiente a provar a sua ruin- 
dade : «O ódio implacável de Pombal contra os só- 
cios da poderosa Companhia era já de longa data, 
e parece que se lhe começou a inflammar por occa- 
sião do terramoto. Nenhum grave acontecimento, 
nenhuma terrível calamidade succedia a que o se- 
vero ministro não attribuisse desde logo, como 
causa, a malícia e pravidade jesuíticas ... Na acção 
e na palavra a constante preoccupação do grande 
reformador era a sua luta desesperada com a for- 
midável companhia. A cada passo o estadista des- 
atava a eloquência em violentas exprobrações con- 
tra aquellesque tinham na sua inimísade o máximo 
quinhão. Desde o attentado contra a vida do sobe- 
rano até á pastoral do Bispo de Coimbra, em to- 
dos os actos de armada rebellião (*; ou de publica 
desobediência aos mandados d'el-rei o espirito da 
irrequieta sociedade era, no conceito de Pombal, a 
causa ou inspiração de quantos crimes se perpe- 
travam no reino e seus domínios. E sem uítas ve- 
zes a sagacidade de Pombal acertava neste juíza 
(p que é falso) outras vezes succedia que o ódio do 
ministro accrescentasse ás culpas verdadeiras as 
que apenas avultavam na sua phantasia. 

O supposto ou forjado regicídio deu causa ou 
antes occasião «a que se começasse a terrível per- 
seguição contra a Companhia. Muitos dos padres 
de maior auctoridade e reputação experimentaram 

(*) Não sei de uma sequer, nem o auctor a refere. 



o Marquez de Pombal lói 



logo a severidade do marquez nos cárceres durís- 
simos, em que foram sepultados. Vários jesuítas 
haviam sido considerados como cúmplices no cri- 
me contra el-rei.» (^) 

Era tal o estado do espirito fanático anti-jesui- 
tico de Pombal que o embaixador de França na 
corte de Lisboa, o Marquez de Clermont, escre- 
vendo ao Duque de Choiseul, o Pombal francez, 
lhe dizia, em despacho de 1 1 de maio de 1771: 
<^Era impossível falar com o viarqucz de Pombal 
em negocio algum sem que elle entabolasse uma 
longa conversação sobre o assumpto dos jesuítas. 
Isto 21 annos depois! E já o insuspeito Conde de 
Saint Priest, embaixador francez a quem succe- 
dera Clermont, havia escripto em despacho de 18 
de junho de 1765: ^A aversão que tinha aos jesuí- 
tas e a gloria que se dava pelos ter expulsado era 
tal que se tornava em mania ; assim que a torto e a 
direito não falava 'em outra matéria,^ Um juiz, de- 
terminado só pelo ódio, pode ser justiceiro? Nunca. 
Por isso Pombal nào foi juiz, foi algoz, não foi 
accusador, foi carrasco. Muitos lhe tèm herdado o 
ódio, por isso se convertem em jacobinos. Se accu- 
sam, calumniam, se intentam provar, falseiam ou 
declamam. 

Mas qual seria a causa do ódio, que desandou 
em monomania, que assim levou Pombal aos maio- 
res attentados contra os Jesuitas? quando, de mais 
a mais, é certo que os Jesuitas, muito considera- 
dos então na côite, o protegeram e ajudaram a sair 
da obscuridade de Soure para os conselhos da co- 
roa.^ Queria dominar como déspota : os Jesuitas 
eram estorvo; d'ahi o destruil-os. Não encontro 

(1) Legar citado, pg. 174 a 175. 



164 o Marquez de Pombal 



outra causa seria. A astúcia lhe suggeriu o plano; 
a perversidade, armada do poder, lhe deu execu- 
ção. Atacar toda a Ordem seria contraproducente, 
e certissimamente perigoso, dado o grande con- 
ceito que os Jesuitas por seus trabalhos apostóli- 
cos nas extensas colónias e por suas virtudes sa- 
cerdotaes e por sua consciência gozavam na corte 
e em todo o reino ; por isso iniciou a guerra por 
escaramuças e pequenas investidas. 

Como o P.® José da Fonseca fosse consultado 
por alguns negociantes de Lisboa sobre a Compa* 
nhia do Maranftào {}) e suas conveniências, e ex- 
posesse com franquesa e lisura o seu parecer 
desfavorável a tal instituição, que reputava preju- 
dicial ao commercio; e como o P.® Manuel Ballester, 
pregando por então na egreja de Santa Maria, 
produzisse um sermão todo doutrinal, sobre um 
contracto ou transacção que havia entre Deus e os 
homens, donde resultava para estes a maior somma 
de lucros, Negociaviini dum venio — fora o thema 
do sermão — foi o bastante para Sebastião de Car- 
valho desse ordem para estes Padres serem des- 
terrados de Lisboa. Como logo sobreveio a calas- 
trophe do terramoto, força foi sobreestar na fúria 
perseguidora. Os Jesuitas mostraram então sua 
heróica caridade; commoveu-se o rei, e tomou elle 
próprio a resolução de libertar os dois padres dester- 
rados. A fera encolheu as garras. Os Jesuitas fica- 
ram em socego. 

Em setembro de 1756 decretou Pombal a ins- 
tituição da odiosa Companhia dos vinJios do Alto 
n^ouro; em fins de fevereiro de 1757 o povo do 
Porto amotinou-se; Pombal mandou á cidade do 

\}) Vid. capitulo dos monopclios^ pg 69. 



o Marquez de Pombal i65 



Porto a famosa alçada dos Mascarenhas ; e quiz 
por força implicar na assoada aos Padres Jesuitas : 
assim o affirma elle mentirosamente, em corres- 
pondência official para o mano Commendador 
Almada, embaixador em Roma, dizendo : « Os je- 
suítas poseram-se d frente dessa cabala, e traba- 
Ihram com ardor em tornar odiosos aos súbditos 
de S. Magestade a pessoa do rei, o seu governo, e 
o seu fiel ministro, não cessando de rep^etír as cen- 
suras e as mentiras que jd tinham espalhado no 
reitto e nos paises extrangeiros, Abtisaram ate da 
simplicidade do povo, aponto de lhe fazerem acreditar 
que os vinhos que fossem vendidos pela Companhia, 
que acabava de ser estabelecida, nào eram próprios 
para a celebração do santo sacrifício da missa y>. 

Esta mentira e calumnia era tão alvar e revol- 
tante que o próprio Pinheiro Chagas se vô obrigado 
afazer a seguinte confissão: «A imparcialidade que 
desejamos manter obriga-nos a confessar que não 
lia, em todo o processo dos amotinados portuenses, 
a mais leve prova que fundamente a assevera- 
çdo de Carvalho y>. (') Na occasifio nem Pombal 
pensaria ou suspeitaria tal ; a lembrança veio mais 
tarde, quando se organisou o libello com que os 
accusou á S. Sé. E taes eram e foram as armas 
de que sempre se serviu este verdugo : mentiras, 
calumnias e violências. Mas se em casa, isto é, no 
reino, não havia pretextos íj\ buscal-os á America, 
ao Brazil. O anno de 175Ó e parte de 1757 passa- 
ram sem novos procedimentos da parte de Sebas- 
tião de Carvalho, que não deixava comtudo de 
sentir-se agitado pelo jesuita que trazia escarran- 
chado sempre no nariz ; mas como ódio velho não 

(^) Historia de Portugal^ vol. 10, pg. 42. 



Ihl 



O Marques d§ Powtbat 



cança, na noite de 19 de setembro de í/j; todos 
Jesuitas, residentes na corte» receberam ordem para 
sairem in cõntlnentí: e foram os P.^' ^osé Moreira^ 
Timotheo de Oliveira, Jaciutho Costa ^ José tV Araújo 
e Mamidde Mattos, confessores dos Reis, Princesa 
e Infantes, A despedida foi intimida pir um simples 
bilhete, assignado por Sebastião de Car/alho» sem 
se indicarem os moti\fos que auctorisavam simi- 
Ihante resolução; os Jesuitas ficaram vexados e 
attonitos, e obedeceram co no tímidos cordeiros, 
elles que sam reputados ousadas e audaciosos; o 
l^rovincial pediu v.ma audiência i\o ministro para 
saber as razões de táo inesperada expulsão da corte» 
com ordem de nâo voltar a elia ; Pombal lhe res- 
pondeu que nada havia contra a probidade dos 
confessores jesuitas, mas que era uma demons- 
tração do desagrado que El-Rei quisera dar pela 
procedimento dos jesuítas na America* Acudiu i> 
I^rovtncial dizendo que os jesuitas do Brazil esiav^am 
sob outro superior e que não parecia justo con- 
Uemnar innocentes por culpas imputadas a outras; 
a tudo replicou o despótico ministro que nào ad mittia 
desculpas porque a Ordem era solidaria. E' assim 
que discorrem os modernos jesuitophobos . . . 

Neste entrementes, Sebastião de Carvalho fez 
publicar e distribuir um monstruoso libello, rechea- 
do de aleivosas calumnias, sob o \\Xk^o — Retaçd^ 
aòicvada gut' os jesuitas da Provincía de forfu* 
xai fundaram nas f*ossfsSiks do ultramar t da 
guerra que promoveram e fomentaram contra as 
armas das duas coràasi a este se seguiu outro, 
intitulado — Resumo da candncta e ultimas ac^á^i 
dos jesuitas ni Para^uav e das suas intricas mt 
corte de lÀsboa. K^tas foram as duas grandes baterias 
que o ódio de màos dadas com a maticia assesta- 



o Marqm^ dê Pombal 



167 



I 

I 
I 



» 



ram contra os Jesuítas portuaueses, e ao depois 
contra toda a Ordem. Esta fabrica de calamnias 
estabelecida na America para estourarem na Eu- 
ropa é um dos mais interessantes capítulos da 
administração de Pombal e do arsenal dos inimi- 
gos da Companhia; merecia aqui largo desenvol- 
vimento; mas a indole desta publicação não o 
permitte. Duas palavras que resumam a questão, 

A America do Sul havia sido dividida entre 
Portugal e Hespanha, pelo direito de descoberta e 
conquista; os Jesuítas missionavam todas as re- 
giões; Portugal tinha como centro de suas posses- 
sões americanas o Brazil; ao sul demorava a coia- 
nia do Sacramínto, que era considerada como per- 
tença da coroa, portugueza, cujo pavilhão íluctuava 
desde as boccas do Amazonas até ao magestoso 
estuário da Prata. Vogava então na Europa a ma* 
ravilha de colonisação e administração das famo- 
sas Reducções do t^aragitay, em posse da Hespa- 
nha; alli haviam os Jesuítas fundado um governo 
patriarcha!, que fazia a felicidade daquelle povo» e 
ainda hoje é reputado o ideial da perfeição gover- 
nativa, A noticia desta felicidade incomparável, 
que fazia lembrar a lenda da cdade d' ouro, trans- 
formou-se na lenda de ahundantes minas d'ouro, 
que os Jesuítas exploravam; o Paraguay tornou-se 
o El- Durado^ que todos cubicavam. 

Em 1757, Gomes Pereira um fidalgo portuguez 
que havia no Rio de Janeiro, um grandíssimo tolo, 
sem deixar de ser patriota, imaginou accrescentar 
a gloria e prosperidade da pátria, elaborando um 
projecto de troca da nossa colónia do Sacramento, 
com todo o seu território no rio da l^rata, pelas sete 
Redncçâes do Paragnar, pertencentes á Hespanha ; 
fez entrega do projecto ao então Governador do 




i68 O Marquez de Pontal 



Rio de Janeiro — Gomes Freire dWndrada, para 
este o fazer chegar ao conhecimento do governo 
de Portugal. Nelle dizia e garantia com firme cer- 
teza que os Jesuitas extrahiam annualmente das 
minas de ouro mais de 3:000 cruzados. (^) Estes 
factos deviam passar-se muito antes de 57, como 
diz o auctor do precioso livro os Altos feitos, snr. 
Francisco Lobo Correia de Barros; mesmo antes 
do advento de Pombal ao governo, e ainda no 
tempo de D. Joào V ; Cretineau- Joly fixa o anno 
de 1740 (*). O certo é que a corte de Lisboa, illu- 
dida pelo tal projecto e pelas informações de Go- 
mes d'Andrada, dadas em boa fé, o governo por- 
tuguez acceitou o alvitre e propòz a troca á Hes- 
panha, que promptamente acceitou, porque dava 
uma região condemnada a perpetua esterilidade e 
recebia um paiz fértil e rico, que, por sua situação, 
abria e fechava a navegação do rio da Prata : Go- 
mes Freire d^Andrada pez por condição *j///e? ^«<r 
non que mais de trinta mil almas ficassem repen- 
tinamente sem pátria, sem familia e sem mais re- 
cursos que os que lhes desse uma nova vida er- 
rante. O tratado entre as cortes de Lisboa e Ma- 
drid fora celebrado com data de 15 de fevereiro de 
1750; as duas nações intimaram-no aos Jesuitas 
para o executarem ; o Geral da Companhia P.® 
Francisco Retz juntou suas recommendações nesse 
sentido, expedindo quatro copias da ordem expe- 
dida, em que accrescentava <íque elle mesmo sejul- 
gava 110 dever de vencer todos os obstáculos que o 
retinham em Roma para acudir pessoalmente áqucl- 
les e favorecer com sua presença a immediata exe^ 

(^) Altos feitos do Marquez -de Pombal^ pg. 14, 
(*; Clemente XIV e os Jesuitas, pg. 22. 



o Marqi4€£ di Fombaí 



cuçãú das vontades de amòos as prindpcs i * tanta 
era a vontade de condescender ao beneplácito das 
cortes portugueza e hespanhola» embora avaliasse 
a violência que se impunha i^os pobres indígenas* 

O IV Barreda, provincial do Paragaay, apesar 
dos seus annos e achaques, pòz-se em campo para 
cumprir as ordens recebidas, nomeando para a 
substituir ao P.*' Bernardo Neydorfíert^ que havia 
mais de 35 annos que residia entre os Índios seus 
Neophitos, os quaes lhe queriam como a Pai* O 
Provincial reuniu os Caciques ou chefes dos ín- 
dios e communicou-ihes o theor do tratado para 
a troca e as ordens para a sua execução : todos à 
uma responderam que antes preferiam morrer na 
sua terra natal que acceitar um desterro illimitado, 
e de mais a mais immerecido, que os separava das 
sepulturas de seus pais e avós e das cabanas onde 
haviam nascido seus filhos. Os Padres Jesuí- 
tas bem comprehendiam o valor daquellas queixas 
tão sinceras como verdadeiras e justamente sym- 
pathicas, e de certo se lhes associariam ; mas o que 
se nota e resalta de toda a historia verdadeira é 
que a obediência lhes tolheu o valor necessário 
para se oppòrem a tamanha violência e deshuina- 
nidade, qual a de duas coites christàs e catholicas 
traficarem sobre esperançosos povos, convertidos» 
como se foram carneiros. 

Intenderiam acaso que, condescendendo, assim 
afastavam a tormenta que viam pairar sobre elles? 
E^ possível ; mas o successo mostrou que foi tudo 
ao contrario, porque a mesma submissão foi repu- 
tada por seus inimigos como um acto de fraquejsa, 
e Pom.bal tornou-se mais exigente. Eram públicos 
e notórios os esforços que os Padres faziam para 
convencer os neophitos a que se submettessem ; 



^n, 



170 



O Marquêz ãt Pombal 



não obstante Pombal accusava-os de doblez, siis- 
peitando-os de que em segredo obravam o con- 
trario do que faziam em publico ; servia-se delles 
para desorganisar as Reducções, e ao mesmo tempo 
criminava-os de instigadores da rebelliào. Os ín- 
dios recorriam á força para repellir e paralysar a 
arbitrariedade; e esta culpava os Jesuítas e os de-» 
nunciava á Europa como excitadores dos povos á 
insurreição» 

Os Jcsuitas náo tiveram a feliz ideia de ser tâo 
nobremente culpáveis ; e náo obstante ferveram as 
intrigas, urdidas por cathoUcos, para lhes malsi- 
narem as intenções, desvirtuarem em más todas as 
suas acções, desacreditarem-nos ; sendo preciso 
que viesse defendel-os . . . um proUstãnU^ que 
teve a nobre coragem de escrever: 

» Quando os índios da colónia do Sacramento, 
«reunidos em numero de 1 2 a 14:000, exercitados no 
«manejo das armas e pro vistos de artilheria e mu- 
«nições, recusaram submetter-se á ordem de ex- 
'pairiaçáo, diOicilmente se pode crer nas asserções 
«dos Padres que asseguram ter empregado todo O 
<tseu poder e influencia para reduzil-os á obedíen- 
<cia. Nào obstante está prov^ado que os missiona- 
«rios tizeram, pelo menos exteriormente, tudo o 
^necessário ao effeito; e bem pode suppor-se que 
'suas exhortações, dictadas unicamente pelo dever, 
«quanto repugnantes a seus sentimentos» nào te- 
<riam todo aquelíe calor e enthusramo que noutra 
•^occasiào os tornariam mais eloquentes e persua- 
«sivos. Mas esta supposiçao de modo nenhum 
•auctorisa a que alguém lhes possa lançar o cargo 
«de rebellião. Que seria da historia, que seria da 
yustiça se bastasse sãmente a palavra d* um viinis^ 
Mfrot destiínida de provas, para que fosse pcrmiiiid»} 



o Marques dê Pombal 



%V 



i^roubar a reputação de um homem oti de uma cor- 
•poraçdor-i (^) 

Por amor á paz os Jesuítas col locaram -se em 
dois escolhos : Por uma parte expunhim-se á^ jus- 
tas recriminações dos índios, pela outra entrega- 
vam-se á descrição dos seus inimigos. Sua incom- 
prehensivel abnegação era objecto de aleivosas 
calumnias, e despojavam-se de suas brilhantes ar- 
mas no próprio momento em que ia começar a 
grande batalha. Os neophitos, qu3 elles haviam 
arrancado á selvageria c regenerado para o chris- 
lianismo, á custa de suores e fadigas qus sa'7i 
uma incomparável epopeia da evangellsaçáo, ti- 
nham nelles a conHança maii illimitada ; biístàra 
uma só palavra dos Missionários para sublevar, 
como um só homem» a todas as Redtícçâcs, e, ac- 
cesa a guerra entre a metropnle e as colónias, fa- 
zer vibrar no coração dos índios o sentimento da 
independência ; mas essa palavra nlo foi pronun- 
ciada ; ao contrario, e infelizmente para aquelle 
povo encantador, pregaram a obediência â lei> que 
os índios, gerados no e-pirito da verdadeira liber- 
dade chrtst^, nâo acabavam de comprehender. 
E d'ahi vei > que aquelles mííhares de fimilias 
attribuissem á sua fraquesa os males incatculaveis 
de que foram víctimas, e chegassem a ameaçar e 
até perseguir alguns Jesuítas que no interesse ge- 
ral se viram obrigados a acceitar as funcçoes de 
Commissarlos para a execução do tratado, como 
foi o P/* Altamirano, Os 1 Vidres tornaram-se-lhes 
suspeitosos: evita vam-nos; quebrara-se aquella 
união encantadora que fazia dum povo uma fami- 



(^1 ScHoíll, Co:4rs iVIustotre d^is EUaís curoprcns. 
tom. 39, pjg. i5. 



^ 



M* 



172 o Marquez de Pombal 



lia feliz: dividiram-se ; umas tribus obedeceram 
aos Padres, outras repelliram-nos, e resisliram 
com as armas na mão. Foi uma lucta heróica; 
succumbiram porem, porque lhes faltaram os che- 
fes. 

Gomes d'Andrada ficou senhor das Reducçôes; 
Jesuitas e indios estavam delias expulsados, uns 
pela violência, outros pela astúcia; só faltava des- 
cobrir as encantadas minas d' ouro e prata, promet- 
lidas a Pombal. Percorreram -se e pesquisaram-se 
as planícies, abateram-se mattas, perfuraram-se 
montes, revolveram-se esconderijos ; chamaram-se 
engenheiros ; não houve sciencia que desencan- 
tasse as sonhadas minas ; Gomes dWndrada teve 
uma cruel decepção, e reconheceu a falta irrepa- 
rável que havia commettido : confessou-a aos Je- 
suitas, teve a hombridade de a confessar a Pom- 
bal e a todos, sendo incançavel em supplicar a to- 
dos que desfizessem o fatal tratado. Pombal não 
quiz perder o fio da meada que tinha na dobadou- 
ra, e em que havia de enredar os Jesuitas ; não 
o ouviu, e continuou a desnaturar os factos apro- 
veitando-se das mentirosas revelações: Gomes 
d'Andrada teve um castigo: o descrédito e vergo- 
nha publica. Foi nesta altura que Pombal espa- 
lhou com profusão, no reino e fora delle, o infame 
libello da Relação abreviada, onde as mentiras sam 
tantas como os factos que relata. E' nelle que in- 
ventou a pueril fabula do Imperador Nicolau /, 
um jesuita armado em rei. Os Jesuitas quizeram 
responder ; mas Pombal vigiava e por isso nada 
poderam publicar ; em Hespanha, porem, teve o 
libello resposta condigna : o rei de Hespanha Fer- 
nando VI e seu Conselho de Castella, illucidados 
por Ceballos, que havia sido Governador do Pa- 



o Marques de Pomàaí 



173 



ragua)', apreciaram devidamente a obra do minis- 
tro portuguez» e para o manifestarem dum modo 
bem solemne e estrondoso, o Supremo Tribunal 
de Madrid condemnou a Re/açáo aòrevlada a um 
auto de te, sendo publicamente queimada por mâo 
do algoz. 

Mais tarde foi esta condemnação confirmada 
por decreto real de 1 j de maio de i;55i :27 de se- 
tembro de 1760 e 19 de fevereiro de i;óL 

Nisto morre Fernando VI, e succede-lhe seu 
nlho Carlos 111, que, acreditando por sua vez nas 
patranhas de Pombal, mandou Ceballos, comman- 
danie em chefe da expedição que se organisou 
em Hespanha contra o tal Imperador Nicoian, que 
Pombal affirmava em Portugal e o Duque d'Alba 
repetia em Hespanha, cunhava moeda em quanti- 
dades innumeraveis, do ouro e prata extrahídos 
das ricas minas. E o que é que de tudo isso se 
achou naquelles povos inn<>centes, perguntava 
mais tarde D. Francisco Guticrrcz de la Huerta em 
seu relatório ao Conselho de Castella, de T 2 de 
abril de 1815? Elle responde: «Examínem-se os 
«relatórios de Ceballos e elles responderão a esta 
•iquestào, dizendo que o que se achou fcK o des- 
* engano e a evidencia das ca iumn las forjadas na En- 
*ropa: povos submettidos, em logar de povos su- 
«bievados; va«^sallos paciíicos em vez de súbditos 
«rebeldes; religiosos exemplares e não malvados 
seductores ; missionários zelosos e ndo chefes de 
<í bandidos. Numa palavra, encontravam-se con- 
^quistas feitas em íavor da Religião e do Estado, 
«e somente pelas armas da doçura, do bom exem- 
«plo e da caridade, e um império formado por 
«selvagens civilisados, pedindo voluntanamente o 
«conhecimento da lei, sujeitos a ella, e vivendo 



] 74 O Marquez de Pombal 



'em sociedade sem outro biio que os laços do 
< Evangelho, a pratica da virtude e os edificantes 
acostumes dos primeiros séculos do christianis- 

Se dermos credito ao que communicava o go- 
verno hespanhol, o que o Governador Ceballos 
dizia ter notado nas Reducçõcs era: Q\\t elle as li- 
nha restituído á paz; restituir-Ihes porém aquellu 
innocencia primitiva, aquella doçura e docilidade 
que os Padres haviam infundido nas almas dos 
índios, isso é que já náo era pos^ivel ; ao conta- 
cto da má fé dos europeus, os neophitos haviam 
aspirado o ar corrompido do vicio ; ensinaram- 
Ihes a desconfiar de seus pastores, e haviam-nos 
corrompido para que, deante dos m.agistrados, pu- 
blicamente declai-assem que cada filho de Santo 
Ignacio era um arauto da insurreição. Os Neophi- 
tos r.âo transigem com a sua consciência e a si 
prop:ios se accusam ; e os Caciques contam ate 
as suspeitas que os pacíficos esforços dos Jesuítas 
haviam feito germinar em suas almas ; que tinham 
considerado os Missionários como cúmplices dos 
portuguezes e hespanhoes, e em apoio da sua in- 
justa desconfiança ta es provas apresentaram a 
Ceballos que este julgou um dever seu concluir 
que tudo aquillo nào passava dum montão de ini- 
quidades que a Pombal servia de e^jcudo na guerra 
contra a Companhia de Jesus. 

Tal foi a campanha contra os Jesuítas : um 
arsenal de mentiras, architectadas pelo ódio e pela 
audácia, em que a probidade e a intelligencia re- 
unidas apenas poderão discernir a mentira mani- 



1^ I Exposicion y diciámen dei fiscal dei Conscjo y 
Caniera, por D. Francisco Gutierrez de la Huerta. 



I 



o Marquez de Pombal 



festa do erro involuntário. A campanha de diabó- 
lica diffamação não deu o esperado resultado, 
porque a verdade sempre sobresaia. Então se lem- 
brou de recorrer a Roma, tomando-a cúmplice do 
seu ódio. Que instructivo capitulo, melhor direi, 
que interessante livro se não faria só com a his- 
toria das negociações e diligencias de Pombal 
com a corte de Roma para tramar a ruina da Com- 
panhia! O 

Em todas ellas vemos a hypocrisia de mãos 
dadas com a calumnia, e ambas atiçadas pelo 
rancor de Pombal. Agora varia de tom o histrião ; 
accusa os Jesuitas á Santa Sé de relaxados e apar- 
tados do espirito da instituição de Santo Ignacio! 
P*ombal a zelar os créditos e honra do Instituto da 
Companhia, quem poderá conceber similhante 
monstruosidade moral ! r Pois foi assim mesmo 
para justificação da máxima que Pinheiro Chagas 
e outros attribuem aos Jesuitas. A 19 de setem- 
bro de 1757 expulsou brutalmente da corte aos 
Jesuitas confessores; e logo a 7 de outubro es- 
crevia para Roma ao Commendador Almada, seu 
primo e creatura, as instrucções para reforçar o 
pedido que fazia ao Papa Benedicto XYV de que 
mandasse reformar a Companhia. Não cabe aqui 
transcrever, por muito extenso, este documento da 
hypocrisia e malignidade, onde chama á Compa- 
nhia ^ santa e venerável inde», invoca a forjada 
Relação, augmenta as accusações declamatórias, dá 
conta de ter despedido do Paço os Jesuitas, e cha- 
mado vários carmelitas e franciscanos para substi- 



(1) E' muito interessante a obra que escreveu o snr. 
Conde de Samodâes : O Marquez de Pombal 100 annos 
depois da sua morte. 



176 o Marquez de Pombal 



tuil-os . . . ; não resistirei a transcrever estes bo- 
cadinhos d^ouro : 

«Sobre o que tudo ordena S. Magestade que 
«V. S.*, pedindo e obtendo do Santíssimo Padre 
«uma audiência particular e secretíssima, o in- 
^ forme plenamente de tudo o que deixo referido. 
«'E o mesmo Senhor espera que na paternal e 
«apostólica providencia de Sua Santidade não 
«falte a menor parte do que fazem preciso tão no- 
«torias urgências; para que uma religião (isto é, 
<: congregação) que tem feito tantos serviços á 
negreja de Deus^ nào acabe nestes reinos e seus do- 
rmimos pela corrupção dos costumes dos seus reli- 
«ciosos, . . tem S. Magestade por certo que S. 
«Santidade não hesitará um só momento sobre a 
«necessidade que os mesmos absurdos constituem 
«de serem restituídos estes religiosos aos exercidos 
<úo seu espiritual e Santo Instituto. . . para 
<^que sirvam a Deus e aproveitem ao proxi^no, como 
«verdadeiros imitadores das heróicas virtudes dos 
<rgrandes e gloriosos Santo Igtiacio, S. Francisco 
^Xavier e S, Francisco de Borja^ que resplande- 
ce cendo como brilhantes tochas, nào só na sua re- 
^ligido, mas em toda a egreja catholíca nos dei- 
«xaram nella tão illustres exemplos.» 

Este escripto é subscripto por D, Luiz da Cu- 
nha, ministro dos estrangeiros, mas a redacção é 
evidentemente de Pombal : este offic o tem a data 
de 8 de outubro de 1757, e acompanhava as Ins- 
tituições com a data de 7. Como a S. Sé respon- 
desse cem o silencio á diatribe hypocrita, novo 
officio em 10 de fevereiro de 1758 para que ins- 
tasse pelas providencias pedidas ; nova edição cor- 
recta e augmentada contra a Companhia das men- 
tiras e calumnias forjadas na Ameíica; accusa, 



o Marques de Pombal 



177 



caiummandOj aos Padres Ballester e Fonseca pelo 
caso da Cúmpan/i/a do Grão Fará e da Mesa do 
Bem Commuín : requisitaria contra os Jesuítas a 
propósito do terramoto, da dntipankia do Alta 
Douro, da expulsão do Paço, etc* E' o mesmo D. 
Luiz da Cunha que assigna; mas o pai do mos- 
trengo é Sebastião de Carvalho, evidentíssima- 
mente. O Papa, já octogenário e em lucta com a 
morte, cedendo ás instancias do Cardeal Passio- 
neí, vendido a Pombal, assignou, com data de l de 
abril de 1758, o breve — hi specula Supremre dí~ 
^niiatis^ pelo qual nomeia reformador da Compa- 
nhia em Portugal e seUs domínios ao Cardeal de 
Saldanha. O Papa assignou; mas parece que a 
doença lhe nâo permittiu que lesse o documento : 
falfeceu a 3 de maio seguinte. Para se ajuizar do 
Cardeal Passionei baste saber-se que o embaixa- 
dor Francisco de Almada de Mendonça escreveu a 
Pombal no officio ou carta que acompanhava o 
breve; *Ndo se esqueça de me mandar para Pas- 
sionei e Achíntõ dois armeis de diamantes e ai- 
^ima outra coisa que se ache digna de Uus ser 
offerecida.» Não ponho mais na carta; os ami- 
gos leitores tirem a inducçáo que se está eviden- 
ciando . . . 

O Cardeal Saldanha, mameluco de Pombal, 
deu por concluída a sua missão melindrosa e dit- 
ficii de visitador e reíormadnr dentro de três dias, 
como o prova a data de 15 de maio de 1758 que 
tem a sua provisão ou mandamento, assignado na 
Residência da Junqueira; a intimação do breve 
aos Jesuítas fora feita no dia 12. Este parto do 
concerto pharisaico fez escrever a Francisco Luiz 
Gomes no seu Marquez de Pombal: «A data deste 
< documento» publicado apenas três dias apoz a si- 



178 o Marquez de Pombal 



«gnificação do Breve aos Jesuítas, mostra que o 
«Cardeal não esperou novas informações, nem 
«procedeu a novos inquéritos para preparar a sua 
«sentença contra os Jesuítas. È' incontestável que 
«Carvalho conhecia bem as convicções do Car- 
<^deal, quando pediu ao Papa que lhe confiasse 
«esta reforma.» 

Que (Jardeaes e que Pombaes ! . . . Muito di« 
gnos uns dos outros. 

O procedimento do Cardeal Saldanha foi indi- 
gno, porque em três dias não se faziam as averi- 
guações que o Papa exigia ; e o documento e re- 
soluções aiiti-canonicos, porque é corrente em di- 
reito que toda a commissãc^ conferida a um Núncio 
ou Visitador apostólico cessa immediatamente pela 
morte do Pontífice que a confere ; ora o Papa mor- 
reu a 3 de maio, o Cardeal Saldanha notificou o 
Breve a 12 e sentenciou a 15. Tudo il legal 1 Mas 
que importava a Pombal a lei?! . . . Mandou apre- 
hender nas casas da Companhia os livros dos re- 
gistros dos Padres, das contas, toda a correspon- 
dência, seus depósitos e armazéns de géneros; 
fez-se um inventario dos capitães e rendas e das 
despezas das differentes casas, subindo até á ori- 
gem da Companhia em Portugal ; nada encontra- 
am que podesse comprometter os Jesuítas. A" 
nnocencia resaltava por toda a parte : Pombal, de 
envergonhado, calou-se, mas sem se descer do 
seu ódio. 

O Cardeal Patriarcha de Lisboa, D. José Ma- 
nuel, expulsou, sob a pressão de Pombal, de toda 
a sua diocese aos Jesuítas, por uma provisão de 
7 de junho de 1758: o Cardeal Saldanha, que es- 
tava com o olho na S^d3 Patriarchal, conseguiu 
atemorisar o velho patriarcha, já prostrado, e 



o Marquez de Pombal 179 



poucos dias depois deixou de existir, e Saldanha 
foi chamado a succeder-lhe. 

Por este tempo estava reunido já o Conclave, 
que elegeu o Cardeal Rezzonico, em 6 de julho de 
1758, tomando este o nome de Clemente XIII, 
que fora sempre sacerdote'de grande virtude e co- 
ração recto, benéfico, justiceiro, pai do seu povo e 
valoroso caudilho da Egreja militante, resolvido a 
fazer rosto á revolução incarnada no philosofhis- 
mo^ que não cessava seus ataques contra os gra- 
nadeiros do Papa, No dia 31 de julho, vinte e 
cinco dias depois de eleito. Clemente XIIÍ recebeu 
em audiência o novo Geral da Companhia, eleito 
a 8 de maio de 1758, Lourenço Ricci, que lhe 
apresentou uma exposição yeridica das violências 
que a Ordem estava soffrendo em Portugal, sup- 
plicando que providenciasse á segurança dos accu- 
sados innocentes e á observância das leis canóni- 
cas atropelladas pelo Cardeal Saldanha. 

O Soberano Pontitice recebeu esta supplica 
das mãos dum accusado que pede juizes que o 
absolvam ou condenmem, única coisa que os ho- 
mens não podem negar a outro homem ; commet- 
teu este negocio a uma Congregação. O Com- 
mendador Almada, informado do facto, logo pro- 
curou forjar uma resposta da tal Congregação, 
confirmando o Breve e louvando o Cardeal Salda- 
nha, documento que foi espalhado profusamente 
pela Europa. Antes da Congregação resolver a 
questão, annullando ou modificando o Breve, in- 
terveio a diabólica mystificação da conjuraçáo, en- 
gendrada um mez depois: o Geral supplicou em 
31 de julho, e a 3 de setembro fazia-se a embos- 
cada, para envolver os Jesuitas. Pombal conven- 
cera-se que pelo direito e com verdade nada podia 



i8o O Marquez de Pombal 



conseguir ; o Papa não era qualquer Saldanha ou 
Passionei ; porisso recorreu á violência, argu- 
mento e recurso favorito dos déspotas e tyran- 
nos. 

. No dia 19 de janeiro de 1759, isto é, seis dias 
depois das execuções de Belém, os Jesuitas foram 
espoliados de tudo, seus bens sequestrados e elies 
presos em suas casas, dando-se-lhes, por irrisão, 
um tostão por dia. Eram accusados de possuir ri- 
quezas immensas; roubam-lhas, e em troca dão 
cinco vinténs a cada jesuita; suppondo que foram 
expulsos r.500, temos o total de 1504^000 réis por 
dia, ou sejam o juro dum capital que não excedia 
a somma de i;2oo contos. Isto tinha então qual- 
quer casa fidalga rica! E todavia Pombal accusa- 
da-os de quererem até fundar um império ! . . . 
Esta medida do sequestro e prisão dos Jesuitas foi 
executada no mesmo dia em todo o reino, em vir- 
tude da Carta regia de 19 de janeiro de 1759, di- 
rigida em nome do Rei ao Chanceller da Casa da 
Stipplicaçáo, Pedro Gonçalves Cordeiro Pereira. 
Este documento por suas falsidades e declamações 
é uma das melhores justificações dos Jesuitas, 
assim violentamente roubados. 

Em 15 de abril de 1759 o Procurador Geral da 
Coroa, José da Costa Ribeiro, impetrava do Papa 
Clemente XIII permissão para serem julgados os 
religiosos, como o tinham sido os fidalgos e ple- 
beus. O Rei escrevia ao Pontífice pedindo deferi- 
mento á supplica do Procurador Geral, e dando- 
Ihe parte de que havia expulsado de seus estados 
os Jesuitas por se náo confoi-marein com a regra 
do Santo Patriarcha, Quer dizer, ainda lhe pare- 
ciam pouco jesuiticos os padres portuguezes! Já vi- 
ram maior cynismo e hypocrisia!. .. A carta do 



o Marquez de Pombal iSi 



rei tem a data de 20 de abril. E' tambam papa-tina 
para aquilatar os meios de que se valeram os per- 
guidores ; com a carta ia uma pro-memoría da 
mesma fabrica de Pombal, onde se acham compi- 
ladas todas as calumnias, absurdos e declamações 
apteriores: tem trinta e um paragraphos, todos 
curiosos, pela mesma tinta do veneno com que to- 
dos foram escriptos. 

Pombal não quiz esperar pela resposta do 
Pontífice', a 3 de setembro de 1759, isto é, um 
anno depois da infernal farça do attentado, publi- 
cou a lei que extinguiu e expulsou em massa os 
Jesuitas, que foram aportar, os que sobreviveram, 
ás costas dos estados pontifícios. Assim foram jul- 
gados, condemnados, presos, expulsos e votados á 
morte centenares de cidadãos portuguezes, sem 
serem ouvidos, nem lhes ser permittida a defeza, 
que a lei natural sempre garantiu. A primira leva 
destas illustres victimas saiu a 16 de setembro, no 
brigue 6*. Nicolau, que levou uns cento e trinta e 
três Padres, que desembarcaram em Civita-Vec- 
chia a 24 de outubro ; e outros e outros sairam, 
empilhados como se foram animaes, pelo que 
muitos delles encontraram sua sepultura na vas- 
tidão das ondas do Oceano! Gloria ás victimas! 

Mas entre todas houve uma que mereceu a 
honra especial de ser queimada num estrondoso 
auto de fí\ á voz da Inquisição, manejada por 
Pombal : foi o P,^ Malagrida ; por isso lhe dedi- 
carei a resumida noticia seguinte : 

Gabriel Malagrida 

Foi filho do medico Dr. Diogo Malagrida e An- 
gela Rusca, natural da pequena villa de Menag- 



i82 o Marques de Pombal 



gio, perto de Como, ao norte da Itália, onde nas- 
ceu a i8 de setembro de 16S9. Foi educado no 
Collegio de Como, dirigido por padres congrega- 
nistas ; foi o primeiro estudante da sua geração, 
quer na applicaçáo ao estudo, que nelle attingiu a 
paixão, quer na piedade e actos de virtude ; coç- 
cluidos os estud >s preparatórios, pasmou para Mi- 
lão, onde cursou theologia, e se resolveu a entrar 
na Companhia, começando o noviciado aos 27 de 
setembro de 171 1, á volta dos vinte e dois annos : 
era o modelo para todos os que se exercitavam na 
virtude. Terminados o^ dois annos, deu-se ao es- 
tudo das boas-lettras ; ordenado de presbytero, 
deu-se ás missões pelas aldeias com o P.® Matia- 
ni ; depois pediu ao Geral Tamburini lhe conce- 
desse o favor insigne de o mandar para as missões 
do novo-mundo. 

O Geral não deferiu por então a supplica, e 
mandou para o Collegio de Bastia, na Córsega, 
ensinar humanidades, onde de si deu a boa conta 
que delle se esperava ; mais tarde renovou a sup- 
plica, que teve bom despacho, aportando final- 
mente ahi por fins d3 1721, em S. Lu^z, capital da 
província brazileira do Maranhão, qu*; teve por 
primei-os missionários os PaJres Francisco Pinto e 
Luiz Figueira, ambos jesuitas da provincia de Por- 
tusjal, saidos d3 Pernambuco em 1607 : só um 
anno depois é que chegaram ao Maranhão, on le o 
P.*^ Pinto encontrou o martyrio. 

Alli chegado, foi seu talento oratório aorovei- 
tado, destinando-o o Superior do Maranhão para 
pregador da cidade, e pouci depois pregador do 
Collegio do Pará, que demora a duzentas legoas 
de S. Luiz, e cuja jornada elle fez a pé, com mui- 
tos trab.ilhos e soíTnmentos: chegou ao Paragem 



o Marqtu^ de Pamàal 



iS3 



melados de 1722. Aqui edificou a todos por sua 
piedade e ganhou as intelligencias pelo seu saber e 
virtude. Aqui se deu á direcção da mocidade estu- 
diosa do collegio, e ao depois á pregação do povo 
da cidade e das aldeias, condoído da extrema 
ignorância da religião e desordem dos costumes, a 
qne seu ardente zelo fazia barreira ; estendeu suas 
excursões apostólicas ate Caíaté, a cem legoas do 
Pará» onde soffreu frios e fomes. 

D'alli foi chamado novamente a S. Luiz do 
Maranhào, e nomeado Superior da missão dos 
selvagens Tobajáras, a vinte legoas de S. Luiz, 
por toda a margem esquerda do rio I tapicuru : o 
núcleo deste povo era formado pelos celebres Tu- 
pinambãs. Perto demorava a tribu dos CaicaíseSy 
gente feroz, que a paciência do apostolo amansou 
e regenerou para a fé christâ. Fez uma entrada 
aos Índios gnaranés, povo ferocíssimo, onde esteve 
a ponto de soflVer o martyrio. Em 1725 dirigiu 
seus passos para o sertão dos Barbados, a mais 
bellicosa nação dentre os índios, demorando nas 
margens do rio Meary; ahi esteve novamente a 
ponto de ser morto peíos selvagens. Tornado á ci- 
dade, é destinado ao ensino das bellas-lettras no 
Collegio da Companhia ; confessa, e sai a pregar 
em todos os dias festiv^os pelas aldeias circumvisi- 
nhãs» sempre com grandes fructos para o proveito 
das almas. Km 1728 é novamente destinado á 
evangtlisação da tribu dos Barbados, onde agora 
conseguiu formar uma esperançosa christandade. 

No principio do armo de 1730 foí elle chamado 
á cidade de S. Luiz para ensinar thcologia no Col- 
legio, entregando a sua cara missão ao f\" João 
Tavares; aqui prelecionou durante cinco annos ; 
mas tal encargo não era bastante a seu infatigável 



184 o Marquez de Pombal 



zelo, e por isso, com a theologia, ensinava littera- 
tura, exercia o cargo de prefeito dos estudos, de 
consultor do collegio e da provincia, de confessor 
da communidade, de director da Congregação dos 
filhos de Maria ; a tudo isto juntava o trabalho 
da pregação aos domingos e dias sanctos pelas 
povoações. Mas as suas delicias eram as fadigas 
da evangelisação dos selvagens ; e como os Supe- 
riores da Provincia o preferissem nos CoUegios» 
onde fazia tanto bem, elle supplicou ao Geral da 
Companhia — P.^ Francisco Retz, a mercê de o 
destinar ao trabalho das missões, o que lhe foi 
concedido, começando a nova messe aos 31 de 
julho de 1735, em que embarcou, chegando, após 
infinitos trabalhos, até aos selvagens HaroáSy es« 
tabelecendo-se na aldeia Moicka^ evangelisando as 
províncias de Pyanhi e Parakyba^ as mais remotas 
do governo do Maranhão. Depois foi destinado ás 
missões da provincia da Bahia, partindo para a cidade 
de S. Salvador, onde durante cinco annos, seu zelo 
se esforçou por implantar o reino de Jesus Christo 
nas almas, sendo innumeraveis as conversões que 
operou naquella cidade tão opulenta como disso- 
luta, gastando seus suores de 1736 a 1741 ; aqui 
instituiu a Confraria do S, Coração^ fundou o 
Convento das Ursulínas e o Asylo da regeneração. 
Em 1741 foi chamado pelo Bispo de Pernambuco, 
distante mais dê cem legoas da Bahia, para ir pre- 
gar na sua diocese ; de caminho, missionou Genedo 
Poxim, Alagoas, e outras povoações, entrando na 
diocese de Pernambuco já com o anno de 1742, 
em principio de março. Aqui missionou primeiro 
a Villa do Recife^ parte mais pobre da cidade, e 
ao depois Olinda, a parte mais rica, operando in- 
numeras e notáveis conversões ; depois a aldeia de 



o JdarqHiz dê Pombtii i<S5 



Nossa Scnliora do LlI^o, I^iarassn. onde evii:icou 
um asylo para converti jas, Ajo<^adoò. onde recons- 
truiu a egreja, Goyaniia^ P.iraiiyòd a :r:nta legoas 
de Pernambuco, onde edincou iim pequeno Somi- 
n.irio, assentando a primeira pedra em rins de 
1745, l'argc-Xova onde promoveu a reconstruc- 
Çào da egreja, Bom jardim e outras povoa<;Oes. 

Em 1747 é novamente chamado a crovincia de 
S. Luiz do Maranhão, a pedido do novo Bispo da 
diocese, D. Manoei da Cruz, xia L)rdem de Cister ; 
chegou á cidade aos 1 1 de maio de 1747. r"azendo> 
como costumava, toda a jornada a pe, e descal*,'0 : 
seis dias de descanso bastaram pai*a retjmar o ta- 
digoso trabalho das missões ; o povo da cidade re- 
cebera-o em triumpho. Pouco depois rbi enviado ao 
Pará, cerca de duzentas legoas ; aqui recomeçou 
suas pregas;i3es fructuosas, e ediricou o Seminário^ 
cuja instailação solemna íoi celebrada aos lô de 
junho de 1749. Concluida a obra dau-se todo aos 
Exer cicios tU Santo Ignacio. em que era mestre 
efricacissimo; quiz também fundar um convento 
para mulheres e um asylo para regeneradas ; mas 
as difficuldades prudentemente expostas pelo Bispo 
D. Miguel de Bulhões o fizeram sobreestar ; em- 
barcou-se para Portugal em 7 de dezembro de 
1749, entrando o Tejo em principio de 1750. Chega- 
do a Lisboa, foi recebido pelo rei U. Joáo \\ pela 
Rainha, por toda a Corte e nobreza com todas 
as demonstrações de carinho, respeito e veneração ; 
por todos era aclamado como um saneio Apostolo. 
Começou logo suas ardentes e fructuosas prega- 
ções em Lisboa, alternadas com os Exercidos espi- 
rituaeSy que elle deu á Corte ; o rei D. JoAo \' 
morreu-lhe nos braços aos 31 de julho de 1750. 
No anno seguinte tornou ás missões do Brazil le- 



o Marquez di Pomhaí 



vando grandes esmolas para suas fundaçõesí» as 
quaes lhe havia dado a liberalidade do íallecido rei ; 
e, coisa singular! ^ embarcou no mesmo navio que 
levou o novo Governador do Brazil — Prancisco 
Xavier Furtada de Mendonça, — irmáo do que foi 
Marquez de Pombal ; no mesmo navio Iam o maior 
bem feitor das missões e o seu maior verdugo. Abi- 
cou a S, Luiz em julho de 1751 ; logo recomeçou 
seus apostólicos trabalhos, iniciando por então al- 
gumas representav^Ôes dramáticas de thema sagrado, 
sobre o Nascimettto do Salvador ^ a Faixáo etc. 
sendo o fructo admirável ; fundou o convento para 
mulheres donzelias, sendo a primeira pedra lançada 
a 9 de julho de 1752, sob a presidência do Bispo: 
cresceu a obra com tal enthusiasmo que já no mez 
seguinte de agosto eram terminadas as paredes e 
obras de carpintaria: quinze donzellas foram admit- 
tidas, dentre as muitas que haviam requerido ; edi- 
ficou mais uma casa para dar os Exercidos tspi- 
rituaes, a meia legoa da cidade do Maranhão ; 
lançou também os fundamentos do Seminário dioce- 
sano, que foi inaugurado em 8 de setembro de 

1753. 

N'este comenos lhe chega do reino carta da 
Rainha viuva D. Maria Anna d'Austria, recla- 
mando sua presença para se preparar para a morte; 
com grande sacrificio annuia ao chamamento» e se 
embarcou para Lisboa, deixando o porto do Ma- 
ranhão nos primeiros dias de janeiro e entrando o 
Tejo nos princípios de fevereiro de 1754, dei- 
xando no Brazil, como monumentos de seu zelo e 
caridade, três seminários, quatro conventos de mu- 
lheres, uma casa de retiro em S. Luiz, oito egre-- 
jas restauradas, e vários asylos para mulheres re 
generadas, e tantos exemplos de edificante pie- 



U Marquez de Pomòaf 



dade e salutar doutrina, por que era aclamado 
um sauto varão. Tal era o homem a quem o der- 
rancado Seba&tíáo de Carvalho votou ódio e jurou 
perder; assim nol-o descreve p^r suas cento e 
trinta e trez paginas o l*S l^anl} Mnry na vida 
que escreveu sobre Malagiida e Canniil5 tradu- 
ziu: \}) 

Este, porem, no seu Perfil do Marqntrz dé Í^Oín- 
òai diz delle apenas : «Missionou vinte e nove an* 
nos no Brasil. Náo lhe sei muito das stias virtudes 
€ nada dos sais vidos . . , Exerceu o professorado 
de litteratura no collegio de S. Luiz do Maranhão 
em 1727 e 1728» foi lente de theologia da 1730 
a 1735, e appareceu em Lisboa em 1749 a 
sollicitar de D, Joào V licença para crear no 
Pará um recolhimento para convertidas ... O 
moribundo rei tinha deferido a todos os requeri- 
mentos do jesuíta, em cujos braços expirara. Deu- 
lhe muito dinheiro para fundar conventos na Ame- 
rica e subscreveu com pensões annuaes para cada 
convento, Malagrida, ancioso por voltar ao Bra- 
zil, foi despedir-se da rainha que lhe pediu instan- 
temente a náo desamparasse, agora que ia também 
morrer. El!e consolou-a promettend^-Ihe vir a 
tempo de Ihs assistir na derradeira enfermíiaJe. . . 
Em 1754 reííressou o jesuita a Lisboa com grande 
jubilo da còrtô» e especialmente da rainha. Mala- 
grida, quando appire:;ia nas ruas, era acclamado 
como sancto, O povo e a nobreza b^rijavam-lhe o 
habito prostrados... Sebastião José de Carvalho 



1^) Historia de GaWi'tl Aíaia:^n ta da Compafthia 
dé Jesfts, aposto/o do Brasil tto secalo dezoito pzlo P,' l ait/o 
Mnry, ira$lad tda a porhi^im e prefaciado por Camiflo 
Çastelto Bra*ico. lj<hoi. Livraria cJifora de Maltas 
Moreira, tí^??. 



i88 O Marqmz de Pombal 



via neste homem um impeço aos seus planos . . - 
impetrou do Núncio Acciajuoli o exílio do padre 
perturbador das consciências, para Setúbal. EUe 
foi, e abriu assembleias de exercícios espirituaes 
em 1757 .. . Notáveis damas da corte correram a 
Setúbal. *A Marqueza de Távora, uma das mais il- 
lustradas, não resistiu á corrente da moda ...» (^) 
Como se vô em sete annos deliram-se na me- 
moria do singular escriptor todas as noticias que 
sobre elle traduzira! Se o caso não tira nem põe 
para a historia, mostra o esquisito feitio do fa- 
moso romancista, cortejador da opinião e mais que 
tudo de si mesmo. Se nos deslumbra como es- 
criptor, desgosta-nos como homem, porque o seu 
caracter é formado de incoherencias. Ouçamol-o 
todavia concluir a historia de Malagrida : 

«... o que tenho como certo é que Malagrida 
«foi preso na noite de 11 de janeiro, dous dias 
«antes das execuções de Belém e conduzido com 
«outros jesuitas ao Forte da Junqueira. A sen- 
«tença que o cumpliciava no attentado de 3 de se- 
«tembro já estava lavrada. Houve, ao que parece, 
*o intento de o fazer garrotar no dia 13 ; mas o 
«ministro recuou deante da popularidade do padre 
« — assim o presume um biographo recente de Ma- 
«lagrida; porém, eu pendo a crer que Sebastião 
«de Carvalho o reservou para um supplicio mais 
«significativo e estrondoso. Elle não era homem 
«que vergasse á opinião publica a sua inflexa per- 
«fidia que ludibriava os remorsos. Do cárcere da 
«Junqueira foi mudado Malagrida para o do Santo 
«OfTicio. .. Tinha setenta e dous annos o desgra- 
«çado ...» A seguir dá-o como doudo, attribuindo 
a loucura ás fadigas dos trabalhos excessivos que 

(^) Perfil^ pg, 210 a 21^, e aic). 



W Pimà^XL IN; 



teve na America: c a^ rr: r^s rje içresecii si?, 
entre outras, as d-jas irr^s — J'-:ííj «cr/^u i jj"?fr-- 
rar^/ íiti gkrks^ S^zx^zi A%i,*z, iz^izSz T-rr J^s^s 
e sua saneia ^íãi — e ^ Trizzdc i:ct£ 2 rrJj- 
reinado di Aná^zkrist:. a-rras as quaes lhe sáo 
attríbuidas. e uma anecicTa. que iiz trida dâs 3A- 
marias do Btsp^j de F^ri^ e e resurrJda .issirr. : 

«Estando eíle a janrar eni I*iivel!as, conr.o s*:* 
comia hervas e rhijra. quiz iar cor?, o prato na 
cara d'outro jesuíta que Ine acor.seL-:^va comesse 
um bocado de peixe.» Se o Bispo iiz :a!, er.tão o 
Bispo é que mendu ; se ráo, : j: Camillo. Para fa- 
ser similhante coisa era recessarl i que o P.^ Ma- 
lagrída estivesse realmente louco; mas r.enhum 
escriptor de credito até hoje pr vou tal, sendo 
certo que até ao uííimo momento mostrou estar 
em seu perfeito juízo. E tanto assim que o próprio 
Camillo se viu obrigado a conceder-Ihe ////i^:-ti//c75 
lúcidos^ pois diz: cO deplorável louco tinha lido 
«dois intervallos lúcidos: um quando pela primei- 
ra vez foi levado á presença dos juizes, e disse : 
*PۂO que nu abreviem a minha causa e me cas/i- 
*guem como quizerem. ò't procuram um rcu aqui es- 
tou; mas se querem um criminoso náo o encontram 
em mim, O outro foi no momento em que se en- 
«tregava ás màos do algoz: Depois que puz os pês 
^em terra portugueza sei vi sempre sua magestade 
^Hdelissima como bom e leal súbdito; todavia se 
^contra minha vontade a ofendi levemente ^ peço hu- 
<milde e sinceramefite perdão. Depois, inclinando a 
<cabeça á corda da estrangulação, disse: Meu 
<Deus, havei piedade de mim; em vossas màos de^ 
aponho a minJui alma, » ^) 



(*) Perfil, , , pg. 228 a 229 



igo O Marquez de Pombal 



Quem assim fala bem se deixa ver que não 
estava louco. 

Camillo faz obra pela infame e obnoxa sen* 
tença, e por isso acceita como verdadeiro ter o 
P/' Malagrida escripto as duas disparatadas obras^ 
que lhe foram corpo de delicto, e sobre ellas cha- 
laceia e iniromette o ridiculo e faz umas digres- 
sões pelos Santos Padres que bem deixa a desco- 
berto o gosto e predilecção que tinha quando po- 
dia ferrar o dente ou dar picada com a penna en- 
venenada em coisas da religião ; mas certamente 
quando escreveu o /Vr^/já se lhe tinha varrido a 
Historia do P,^ Malagrida, que elie havia traduzi- 
do, onde se lé : — «Tal é o corpo de delicto que 

< ninguém viu, nem pôde ver ; porque essas duas 
«obras nunda existiram senão no libello dicta- 
odo pelo ministro. E não nos tomem isto como 
«afrirmação gratuita. No primeiro tempo de sua 

< prisão, teve em sua companhia o preso P.** Pedro 
«Homem, que recuperou a liberdade em 1777, de- 
«pois da queda do Marquez de Pombal. Ora este 

< Padre, fazendo revisar o seu processo de conde- 
«mnaçâo, sustentou, perante os juizes, que o P.*^ 
«Malagrida por sem duvida composera uma Vida 
€dc Sa7ita Anua, mas que não tinha nada que ver 
<com a que lhe attribuiram no processo. Quanto á 
<sobre o Anti-christo não foi auctor d*ella Mala- 
<^grida; mas sim o infame P.*" Platel, o ex-capu- 
<chinho Norbeit, estipendiado por Pombal para 
<calumniar os seus adversários.» Este miserável 

< recebia pelo seu infame mister uma pensão de 
«1:3008000 reis. . . Malagrida nem era reu de he- 
^resias, nem estava doido. Muitas vezes a sabedo- 
ria de suas respostas enleou os Inquisidores. . . 
«Constrangido a confessar que era um impostor. 



o Marqutz de Pomòal 



^exclamou : tSe a vida que vivi até aos jz annos 
€foi tima simples hypõa-lsla e hupostura possam os 
€Cravos que prendem N, S. !/. Chrlsto a esta crus 
^tfansf armar- Sc em ralos de fogo c reduzlr-me a 
</c?,» A voz com que o anciáo proíeiíra esta im- 
cprecaçào fez tremer os juizes em suas poltronas; 
•iras o coraçào d'elies estava empedernido, sua 

• alma venalissima não podia amoUecer aos gritos 

• ia conâciencia, - (^) 

Parece pois averiguado que o P/' Malagrida 
não escreveu a obra sobre o Auil-chrlsto, e que 
sobre Santa Anua escreveu alguma coisa» não po- 
rem a Fida que lhe foi imputada e seria forjada 
pelo mesmo miserável PíateL Nas F/lsJes da Jun- 
queira pelo Marquez d'Alorna, que na prisão es- 
creveu taes memorias, fala el!e de Malagrida, que 
lá teve por companheiro d'infurtunio, e declara que 
esteve de companhia com o tal P.*" Pedro Homem» 
e que «comegou a escrever a vida de SUnta An- 
^na * . , Quando menos se cuidava entrou de re- 
«pente na sua casa o Desembargador, no tempo 
«em que estava escrevendo; tirou-lhe os papeis e 
♦levou-os para o seu quarto, onde dizem foram 
«copiados pelo escrivão Luiz António, e creio que 
«para se poderem ler com mais facilidade, Passadoí* 
«quinze dias.foi o Padre chamado ápresen^íade Pedro 
«Gonçalves Cordeiro para lhe fazer perguntas, e 
'Começou este ministro por querer averiguar a ra- 
«2áo de ter o Padre escripto a vida de Santa Anna. 
«Respondeu este que a nào tinha escripto para ne- 
«nhum mal, antes pelo contrario para bem ; que 
ia fizesse examinar por theologos e pelo Santo 
iOfticio, e lhe parecia que nella S3 nào acharia 



{^f Historia d£ Gabriel Malagrida. » . pg* 174 a 170, 



IQ2 O Marquez de Pombal 

<nada censuravel. Não lhe diziam mais nada, e 
< parecendo isto extranho ao Padre, tomou a reso- 
<^lução de perguntar qual era a causa porque o ti- 
<nham preso. Não lhe deram resposta» • . . t^» 

Sendo assim, conclue-se que algo escreveu so- 
bre Santa Anna ; mas a obra manuscripta, e que 
ninguém viu, e lhe foi attribuida e analysada pelos 
juizes inquisidores, essa de certo não foi, e se o 
fosse estava com certeza desvairado ; e a um louco 
mette-se num hospital ; condemnal-o porem como 
hereje, blaphesmo, impio, immoral, escandaloso, e 
criminoso, e por ultimo garrotado e queimado 
numa fogueira, só Pombal, para ^ao excesso do ri- 
diculo e do absurdo juntar o excesso do horror*^ 
segundo a opinião de Voltaire, ao ter conheci- 
mento da execução feroz. Pombal, reconhecendo a 
infâmia da sentença que publicara, quiz retiral-a da 
publicidade, mas já era tarde, cesse monumento 
de cruel ferocidade percorreu a Europa e será 
eterno padrão de opprobrio de seu auctor.» 



Duas palavras sobre o breve de extkicção 
da Companhia de Jesus 

Morrera o Pontífice Clemente XIII em 2 de fe- 
vereiro de 1769; a 15 foram-lhe celebradas exé- 
quias solemnes, e nesse mesmo dia se abriu o 
conclave para a eleição do novo Papa, a qual se 
veriíicou no dia 18 de maio do mesmo anno, na 
pessoa do Cardeal Francisco Ganganelli, que fora 

(^) Prisões da Jtmqueira^ i.« ed. 1857, pg« 49 a 5o. 



o MarfiHM di Fomlml 



*^ 



ír&dc ida á purpura por Cie- 

Toentt ^ radre Geral dos Jesuitas, 

Lfóurenço Ricci, e secundado pelo Padre Andreuc- 
ci, encarregado âo processo das informações, que 
tâo boas foram que o Papa logo o acceitou. 

Tl como é o mais lastimoso 
é t-rencia dos governos, num 

a- meramente espiritual, e das fraquezas e 

CuMij-i-ujvlades de muitos membros do grande Se- 
nado da EÊrreia, assim também é uma das provas 



jamais pode abalar. Nào lárei aqui a hisiona deste 
farto notável, que por tantos annos ficou envol- 
vido era sombras mysteriosas, hoje dissipadas pela 
!• ' dos d' js que ; ' :ial- 

rr lU, e 1- > quaeè a o 

iliusrre escnptor francez, Crétmeau^J^aiy ; i^i mas 
direi somente e provarei que o breve Dominus ac 
Midtmptar que extinguiu a Companhia de Jesus 
com tào geral applauso a lade como amar- 

gura de todos os bons ^-. -. não tem a im- 

portância que os inimigos da Egreja lhe querem 
dar. A origem e motivos do breve tiram-lhc todo 
a valor mora] ; as condições em que foi publicado 
supprimem-lhe todo o valor canónico. So a igno- 
rância pode envolver esta questão com o dom da 
mfaUibiíiãade dúiUrmal do Papa : foi um acto de 
regimen, que nâo affectou o dog^mn, nem a moral, 

(1) Clemente XIV f "'' 7--'^'-^ — ;/;.#^,-^ ^is des^ 
^ruffào dos Jcsttiías, : _ ia em 

hespanbDl em 1S48. E' ^ ,^=^..- ...- ^ ..„ quar- 
to, de 470 pag*^ todas interessantíssimas : falam docu- 
mentos* 

ts 



194 O Marquez de Pombal 



nem a disciplina geral da Egreja, ainda que affron- 
tou a razão e calcou a justiça. 

Aberto o conclave, logo nelle se desenhou 
escandalosamente a interferência diplomática da ' 
França e Hespanha, procurando cada qual pre- 
ponderar na eleição : Nápoles e Portugal iam 
atrellados ao cortejo. A conjuração era contra a 
Companhia de Jesus, que se queria destruída ; o 
Papa havia de ser também aníi-jesuita^ e só assim 
o acceitavam as Coroas; no caso negativo amea- 
çavam com o scisma. O Cardeal de Betnis pela 
França e o Cardeal de Solis, Arcebispo de Sevilha 
pela Hespanha, eram dentro do conclave o porta- 
voz destas machinações, cuja historia, em docu- 
mentos authenticos dos Cardeaes e embaixadores 
possuía Crétineau-Joly, e narrou na sua obra. 
Durou o conclave três mezes trabalhosos. 

O Cardeal hespanhol de Solis negociou, em 
segredo, com o Cardeal Ganganelli o compromisso 
de extinguir a Sociedade de Jesus, caso fosse elei- 
to ; por iritimo obteve delle unia carta dirigida ao 
rei de Hespanha, Carlos III, na qual declarava que 
^reconhecia no Soberano Pontiãce o direito de po^ 
dery em consciência^ extinguir a Companhia de 
Jesus, observando as regras canónicas^ e que elle 
era de parecer e desejava que o futuro Papa devia 
empregar todos os esforços que estivessefu ao sen 
alcance para levar a cabo este desejo das Coroai,* 

Este compromisso não era em verdade muito 
explicito ; o direito invocado nunca fora contesta- 
do; e o Cardeal da coroa, noutras circumstancias 
não se contentara com tal documento; mas elle 
conhecia bem o caracter do Cardeal Ganganelli e 
sabia que não resistiria ao combate, e que uma 
vez coUocado entre o duplo escolho da sua honra 



o Marqiu* de Pombal 



>I>5 



í 
I 



ê do seu socego não hesitaria em secundar os de- 
sejos do violento Carlos IIL A ameaça da publi- 
cação do escripto conseguiria tudo quanto delle se 
quízesse ; e esta c»ppressáo moral era para as três 
potencias — Françai Ifespanha e Nápoles — uma 
garantia. Além disso, o Cardeal Ganganelli, que 
por escripto náo quiz ser mais explicito, verbal- 
mente nâo occultou ao hespanhol seus planos fu- 
turos de reunir o Sacerdócio e o Império em 
grande amplexo de amor e paz, por sobre o cadá- 
ver da Companhia de Jesus. Esta combinação e 
este compromisso lez-se na tarde do dia 15 de 
mato de 1769; no dia 16 foi descoberta pelo Car- 
deal francez e communicada ao Embaixador 
Conde d*Aubeterre, No dia 18 saiu Ganganelli 
eleito, tomando o nome de Clemente XIV. 

Por duas vezes, no espaço de quarenta dias, o 
Geral da Companhia, como todos os Geraes d'Or- 
dem, foi visital-o para apresentar as homenagens 
da Ordem ao Papa, e diambas as vezes recusou 
receber o Padre Ricci, que tinha concorrido para o 
elevar á purpura. O Embaixador hespanhol, Mu- 
nino, Conde de Floridoblanca, possuidor do com- 
promisso esciipto do Piipa, instava e apertava 
pela extincçâo da Companhia de Jesus ; o Papa 
excogitava sempre expedientes dilatoiíos, até que 
por tim, ao cabo de quatro annos de lacta, a Ji de 
julho de 1773, estando só nos seus aposentos, de 
noite, junto de uma das janelías do (juirinal, assi- 
gnou o celebre breve Dommns ac Redcmptor. Ao 
levantar a penna, que ass ignara um acto de tal 
transcendência, Ganganelli caiu desmaiado sobre 
D mármore do pavimento, onde ficou ate d madru- 
gada do dia seguinte em que assim o foram en- 
contrar e o levantaram. Esse dia — é Gregório 



196 o Marquez de Pombal 



XVI quem dá estas informações- — foi para elle 
um dia de lagrimas e de desesperação . . . 

. O Cardeal Simone, Auditor do Papa, contou 
assim tão desoladora scena: «O Pontifica estava 
quasi nú, suspirando e clamando de quando em 
quando : Meu Deus ! estou condemnado ! O inferno 
é viinha morada / . . . 3^á não ha remédio . . . Fr. 
Francisco pediu-me que me acercasse do Papa e 
lhe dissesse alguma palavra que lhe levasse con- 
solação ; assim o fiz, mas o Pontífice não me res- 
pondeu, e continuava clamando : O inferno é mi- 
nha morada ! Tentei de novo socegal-o, e calou- 
se ; passado tempo, lançou-me os olhos e disse-me : 
€Ah ! já assignei o breve !,., Já não ha remédio /... 
Repliquei que ainda havia um : retirar o breve. — 
Já não é possively porque o entreguei a Moniiio, e a 
esta hora com certeza o correio vae já a caminho de 
Hespanha, — Pois bem. Santo Padre, um breve 
com outro breve se revoga. — Ah ! Deus meu ! 
nem isso é possivel . . . Estou condannado . . . A//- 
nha morada é o inferno . . . Não ha remédio . . . 
Esta lucta durou meia hora. 

Desde então nunca mais teve saúde nem soce- 
go ; por fim chegou a perder a rasão ; assim o 
affirmou Pio VI, segundo o conta nas suas Mc^ 
7norias o Cardeal Calini, e assim o declarou Pio 
VII, em segui Ja á assignatura do tratado de Fon- 
tainebleau com Napoleão I, dizendo ao Cardeal 
Pacca, que o escreve: (^) — * Receio morrer louco 
como Clemente XI V,-^ 

Na historia dos Papas foi o primeiro e o único 
que sofifreu esta degradação. Nos momentos luci- 

(1) Relação das duas viagens a França, durante 
os annos de 1809 e i8iJ^ pelo Cardeal Pacca. 



o Marquez de Pombal 197 



dos não cessava de gritar : Coviptiisus fccij com- 
piilsHS feci. 

Deus porem não permittiu que o Papa mor- 
resse em taes disposições: foi necessário um w/- 
làgre, e Deus fel- o. 

O breve só foi publicado a 16 de agosto de 
1773. Poucos dias antes de morrer, o Papa reco- 
brou a razão e Santo Afíbnso de Liguori foi sal- 
val-o : eis como se conta o facto no seu processo 
de canonisação : 

«Estando o venerável servo de Deus em Arien- 
•zo, pequena freguezia da sua diocese (foi isto em 
«21 de setembro de 1774) teve uma espécie de 
«deliquio, similhante a um ataque epiléptico. Por 
«dois dias inteiros permaneceu encostado a um 
«sofá, parecendo mergulhado em doce e profundo 
«somno. Um de seus criados quiz despertal-o, 
«mas o Vigário Geral — João Nicolau de Robino 
« — não o consentiu, vigiando-o sempre. Por ul- 
«timo despertou muito naturalmente, tocando a 
«campainha para chamar alguém. Acudiram os 
«criados, com visiveis signaes de espanto e admi- 
« ração ; notando-o, lhes perguntou : Entáo o que 
ha 4e novo ? 

<0 que Im, responderam, é que V. ExJ" não faia 
nem come Jia dois diaSy nem ate agora deu signai 
de vida, 

^ Então vós todos julgáveis que eu estava a 
dormir, não c verdade} Pois enganais-vos ; ficae 
sabendo que fui assistir aos últimos momentos do 
Papa, que a estas horas é já morto, t^ E pouco de- 
-pois chegou com effeito a noticia de que o Papa 
tinha fallecido no dia 22 de setembro, entre as oito 
e nove horas da manhã, justamente no momento 
em que o Santo tocou a campainha. (Vid. Infor- 



if>8 O Marquez de Pombal 



matío, aníntadversiones et responsio super znrtutibus 
V, S. D, AlpJionsí MaricE Liguoro.^ Romae, 1806.) 

No leito da morte, com a lucidez da intelli- 
gencia, o Papa recobrou a energia moral, sublime 
apanágio do pontificado Romano. 

A indecorosa prepotência das Coroas tinha 
obrigado o infeliz Pontifice a crear in petto onze 
Cardeaes, indicados pelos inimigos da Egreja, e 
nomeadamente dos Jesuitas; o Cardeal Malvezzi, 
que fora o anjo mau do Papa, quiz aproveitar 
aquelles instantes de serenidade que notou no 
Papa (assistência de Santo Affonso), cuja secreta 
origem ignorava, instando porque terminasse a 
obra começada, confirmando essas promoções. O 
Pontifice, á claridade de outra luz, respondeu lo- 
go: Não possOy nem devo fazel-Oy e o Ceu julgai á 
minlias razões,^ Malvezzi e seus cúmplices insisti- 
ram ; o Papa respondeu : Ndo, ndo. Vou para a 
Eternidade y e sei porquê. » 

Este facto é confirmado por José Gavazzi, so- 
brinho do Cardeal Malvezzi, Arcebispo de Bolo- 
nha, e um dos mais violentos inimigos dos Jesuí- 
tas ; a carta foi escripta de Bolonha em 29 de se- 
tembro de 1777 — sete dias depois do fallecimento 
do Papa — ao typographo-editor, Nicolau Paglia- 
ri, assoldadado por Pombal que o poz á frente da 
imprensa regia de Lisboa, e em Roma á frente de 
uma imprensa clandestina, estabelecida na embai- 
xada do Commendador Almada, que nella impri- 
mia os documentos forjados e os libellos. 

Na carta lhe dizia, entre outras coisas: ^Náo 
foi possível obter do Papa a confirmação dos Car- 
deaes in petto, apezar do Em." Malvezzi e outros 
por duas vezes se deitarem de joelhos aos pés do 
Papa, supplicando que o fizesse*. Esta recusa táo 



o Marques de Pombal 



199 



providencialmente attestada e tâo extraordinária 
num Pontífice que tanto havia cedido, parecia 
inexplicável. Nella mostrou um valor que aug- 
mentava á medida que se approximava o juizo de 
Deus, por cuja infinita bondade e misericórdia 
Ganganelli expirou santamente, como sempre hou- 
vera vivido se não se tivesse interposto entre sua 
purpura e a thiara uma hora de ambição e um de- 
sejo de iniquidade. 



E qual o valor do breve? 

Querendo o Papa Pio VI, successcr de Cle- 
mente XIV, eleito em T 5 de fevereiro de 175 5» 
restabelecer a Companhia de Jesus, consultou so- 
bre o particular os Cardeaes do Sacro Cotlegio; o 
Cardeal Leonardo Autonellí, sobrinho do Cardeal 
Nicolau Antonellii que fora Secretario dos Bre- 
ves com Clemente Xíll, respondeu com o seu ex- 
tenso parecer, de que destaco o seguinte ; 

* Examinemos, pois, se seria permittido ou náo 
subscrever simithante breve. O mundo imparcial 
concorda na injustiça de tal acto; e seria preciso 
estar cego de todo ou dominado por um ódio 
mortal aos Jesuítas para o não conhecer logo á 
primeira vista. 

«Que regra se observou na extincção contra 
elles fulminada? Foram ouvidos? Foi-lhes permit- 
tido apresentarem sua defeza? Nada disso, o que 
provia se tinha medo de encontrar só innocentes. 
O odioso de similhantes condemnações, alem de 
cobrir de infâmia os juizes, macula assaz a Santa 



200 o Marquez de Pombal 



Sé, se Ella, annullando um juizo tão iniquo, não 
repara immediatamente a sua honra. E' debalde 
que os inimigos dos Jesuitas nos promettem mila- 
gres para canonisar o breve e seu auctor ; a ques- 
tão reduz- se a saber se a extincção é valida ou 
não. 

No meu parecer tenho como certo, e sem re- 
ceio de erro, que o breve é nuUo, invalido e ini- 
quo ; e que por consequência a Companhia de Je- 
sus não está extincta. Este principio tem em seu 
abono innumeraveis provas, das quaes somente 
apontarei as seguintes: 

I.* Vossa Santidade sabe tão bem como os 
Cardeaes — pois que é coisa assaz publica e gran- 
demente escandalosa — que Clemente XIV, em 
seu nome, offereceu e prometteu aos inimigos dos 
Jesuitas este breve de abolição, quando ainda era 
pessoa particular e antes que podesse ter-se intei- 
rado dos conhecimentos relativos a este negocio. 
Demais, depois que foi Papa, nunca quiz dar a 
este breve uma forma authentica e tal como os 
Cânones a exigem. 

2.^ Uma facção de homens que actualmente 
continuam em lucta e hostilidade com a Santa Sé^ 
e cujo objecto foi, é, e será sempre perturbar e 
transtornar a Egreja de Jesus Christo, negociou a 
assignatura deste breve, e arrancou-o por fim a 
um homem demasiadamente ligado por suas pro- 
messas para que podesse atrever-se a desdizer-se 
e recusar-se a uma tal injustiça. 

3.* Neste infame trafico fez-se ao Chefe da 
Egreja uma coacção manifesta, adulando-o com 
falsas promessas e intimidando-o com vergonhosas 
ameaças. 

4.* No Breve não se encontra signal algum 



o JiBrpMtz ei» Pnmàai :èi l 



de autfaentirâifjTwfiff-, e v::arecâ ie lucas js â^rralida.- 
des canónicas^ naxíií^recsiivein:ers isigiiias ^ii; 
toda e qualquer sentença viscnitiTi. A.cr-visct; iirca 
ser um brcre qtiic zJL: e vÍítI^íód í nii-Lr^err, ndo 
passando de uma *cajrta em ror^A de 'crive. E' de 
presumir que o Papa. 'nisLi.-L:5 ísculj. ie crocc- 
sito omittisse iodas as íxrriiilidiies rarjt ^^.e v> 
breve, que só \ioÍÃn:ad*> trs^ i5signaio> se Jípce- 
sentasse desde ioga niLiIio a ;àxLí a gsnte. 

5.* Xo jíiizo dedricvo e na executÇâv> do 

fireve não se obsen"OLi lei aliTvinia, nem divina 

'^Gm humana, nem ecclesiâs::c«i. r.eai cívU, pelo 

Contrario, nelle qs'\Ao violadas as leis mais sagra- 

^^, que o Pontince Romano jura observar. 

6.* Os fundamentos sobre que se apoia o 
^i^eve sam meras accusaçòes, fáceis de destruir» 
Vergonhosas calumnias e falsas impuía>;"es. ' 

7.* Emquanto aos \'otos, tanto simples como 
^olemnes, Clemente XIV por uma parte attribuc-se 
^ma faculdade como nunca nenhum Papa se attri- 
t>uiu; e pela outra, usando de expressões ambí- 
guas e indecisas, deixa duvidas e anciedades so- 
bre pontos que deveram estar claramente detcr- 
tliinados. 

8.* Contradiz e annulla, quanto pode, grande 
riumero de Bulias e Constituições da Santa So, 
adoptadas e reconhecidas por toda a lígreja, som 
disso dar a menor razão. Acaso pode a Siint/i Si- 
supportar tão temerária condem naçflo das ikícl- 
sões de tantos Pontífices, seus predecessores ? 

9.^ Este breve causou na K^reja um esfaO' 
dalo tão grande e tão geral que »<> os implot), \\^ 
rejes, maus catholicos c libertinos é que o acclít- 
maram como um triumpho. 

Bastam estas razoes paru provar quKi cic»fi)4 



o Marquez de Pombal 



breve é nullo, e de nenhum valor ou effeito, e 
por consequência que a supposta destruição dos 
Jesuítas é injusta e não produziu resultado algum 
bom. Subsistindo, pois, a Companhia de Jesus, a 
Sé Apostólica para fazer apparecel-a de novo so- 
bre a terra não tem mais do que querer e falar ; e 
persuadido estou de que Vossa Santidade assim o 
fará.> (^) 

Pio VI começou e Pio VII consumou, pela sua 
Bulia Sollicitiido omnium Ecclesiarum de 7 de 
agosto de 18 14, a restauração da Companhia de 
Jesus, com toda a magestade e solemnidade. 



(1) Clemente XIV e os Jesuítas, pg. 368 a Sji. Evc- 
ja-se todo o capitulo 4.0 e 5.*» 



J^^^^J^^^^ 



CAPITULO VII 



O Marquez de Pombal e as cadeias^ desterres, 
cadafalsos^ autos de fé e incêndios 



RESIJMO 

Perseguição aos membros da Mesa do Bem Commum^ por 
sua ordeira e justa representação ; presos e desterrados. 
Cruel repressão do motim popular do Porto ; prisõss e 
forcas ; a ominosa alçada atiçada por Pombal ; os Je- 
suítas falsamente mettidos na baralha. O cadafalso de 
Belém e a execução dos Tavoras e plebeus. 

aulo de fé do Padre Malagrida ; Gamillo e Ramalho Or- 
tigão, apreciando estas execuções. Ministros d' Estado 
perseguidos; perseguição a Bispos, Padres, Jesuítas, 
Frades e seculares. Senhoras presas e encarceradas. O 
Marquez de Pombal accusado de envenenador do Car- 
deal Saldanha. Um coronel enforcado, e innocente. 

Um pintor esquartejido e reduzido a cinzas. A ultima 
atrocidade — incêndio da Trafaria, 

r 

1 iONFESso que não acabo da me aduirar, nem 

jamais soube explicar o entranhado amor ou 
sympathia qu3 os liberaes e republicanos de todos 
os matizes consagram ao vulto do famoso Mar- 
quez de Pombal, sendo elle a incarnação viva do 
mais fjroz d3spjtism), do miis atrabilario cori- 



204 o Marquez de Pombal 



pheu do mais exaltado e ferrenho poder absoluto, 
do mais cruel tyranno, que se sobrepõe a todas as 
leis, o prototypo do homem de governo que tem 
por conselheiro o ódio mais vingativo e deshuma- 
no, como não ha memoria na nossa historia poli- 
tica : é preciso remontar aos imperadores romanos 
dos primeiros séculos christãos para lhe encon- 
trarmos parelhas. 

Analysemos alguns procedimentos do poderoso 
déspota, por onde bem o poderemos aquilatar ; e 
nomeadamente os que elle teve para com : 

I.** Os requerentes da Meza do Bem Com- 
vnim, quando respeitosamente protestaram contra 
a privilegiada Companhia do Grão Pará e Mara- 
nhão; 

2.^ O motivi populai' do Porto contra o esta- 
belecimento da Companhia dos Vinhos; 

3.** A nobreza principal do reino e os Jesuí- 
tas, pelo supposto attentado contra o rei; 

4.*^ X^arios nobres, padres e plebeus. 

5.° O povo da Trafaria, cujas habitações fo- 
ram canibalescamente incendiadas. 

Assim como o tigre agita a cauda e urra de satis- 
fação quando, em suas garras, prensa a victima e a 
vae esphacelando e devorando, assim parece que 
este homem-fera se rejubilava nas torturas de 
suas innocentes victimas ! 

Eu desafio a quem quer que seja que apre- 
sente alguém, na vasta galeria da nossa historia 
politica e social, que taes mostras desse de instin- 
ctos tão carniceiros ! 

E, todavia, phenomeno curioso ! Nenhum, como 
este, teve a reboada de vivas e hosannas ! dos 
que se jactam de liberaes !! 

Ou obsecação ou estupidez, ou demência ! 



o Marquez de Pombal 



Vamos á historia. 

1. A representação da *1i£eza do Bexn 
Coz 



No capitulo 4.® (^) contei já a occasião e theor 
da representação que esta corporação, na quali- 
dade de representante do commercio, fez ao rei 
contra os absurdos e inauditos privilégios concedi- 
dos á Companhia do Grão Pará e Maranhão; 
agora referirei o modo como foi recebida. E seja o 
insuspeito Pính£Íro Chagas quem nol-o conte, su- 
blinhando eu algumas palavras : 

«O que tomou a medida ainda mais odiosa foi 
«a severa repressão com que Sebastião de Car\'a- 
«Iho puniu a Meza do Bem Commum, castigando 
«como um delicto o direito de petição. . . Os de- 
«putados da Meza do Bem Commwm foram os pri- 
<meiros que affrontaram a vontade inilexivel do 
<ministro de D. José ; foram também os primeiros 
<a sentir-lhe a mão pesada. Eia pequeníssima a 
<culpa^ se culpa havia, ainda mesmo considerando 
«o acontecimento debaixo do ponto de vista do 
«regimen absoluto : o castigo foi cruel. 

«Declarou portanto Sebastião de Carvalho que 
«julgava, a representação da Meza do Bem Com- 
^mum tumultuaria e soberba, pois que parecia 
«ameaçar El-Rei com alvorotos e motins, se não 
«accedesse ao que se lhe pedia. Em consequência 
«dMsso foi auctorisado a punir os suppostos delin- 
« quentes; e com effeito 

« I .** O advogado dos representantes João Tho- 
«maz Negreiros foi degredado para Mazagào p>or 
«oito annos ; 

(») VicL pag. 69. 



2o5 o Marquez de Pombal 



«Os deputados António Marques Gomes e Ma- 
«thias Correia d* Aguiar, idem por seis annos; 

«O deputado Custodio Ferreira Góes depor- 
^tado por três annos para a Torre de Moncorvo ; 

<^0 deputado Ignacio Pereira de Souza depor- 
<^tado por trcs annos para Penamacor; 

«António Alvares dos Reis por dous annos 
<^para Leiria; 

«Belchior de Araújo Costa por dous annos 
«para Porto de Moz; 

«Manoel António Pereira por dous annos para 
«Ourem. 

«O Procurador da Praça do Commercio, Cus- 
«todio Nogueira Braga, por seis annos para Al- 
«meirim. 

«A Meza do Bem Commiim foi ao mesmo 
tempo dissolvida e substituída pela Juncta do Com^ 
7nercio^ que ficou sendo um tribunal régio, porque 
era de duração triennal . . . e nomeação regia . . . 

«Estas medidas despóticas bem revelavam a 
energia de Carvalho, mas também o seu rig07 
exaggerado^ e sobretudo a resolução firme em que 
estava de quebrar todos os obstáculos, que de 
qualquer modo se opposessem aos seus planos de 
reforma, e de punir os homens que censurassem 
os erros, que na obra vastíssima que ia emprehen- 
der forçosamente se haviam de misturar com os 
seus grandes acertos. 

^Espantamo-nos da desproporção que existe en- 
tre as punições fulminadas por Sebastião de Car- 
valho e os delictos contra os quaes são dirigidas. . . 
Não cremos que haja razões d^Estado que justifi- 
quem atrocidades ; mas o dever do historiador é 
acceitar os homens como elles são ... (}) 

(|) Historia de Portugal, \o\. a-^-. V%» ^^^ ^ ^^^* 



o Marquez de Pombal 207 



Confessa que não houve culpa, ou se a houve^ 
seria pequeníssima^ se culpa pode haver em usar 
do legitimo e natural direito de petição, que sempre 
pelos reis de Portugal fôra reconhecido e acceite ; 
confessa que o castigo foi cjtiel, e que causa ^es- 
pa7ito a desproporção entre as punições fulminadas 
e os delictos contra os qiiaes sào dirigidos ; » con- 
fessa que as medidas tomadas foram despóticas; 
declara que i^nào ha razões d' Estado que justifiquem 
atrocidades] » e todavia ainda tenta, elle mesmo, 
justificar o monstro, dizendo que aproveitou a 
occasião <f^para fazer sentir a todas as classes que 
era uma forte mão a que empunhava as rédeas da 
Estado, e que não havia privilégios, não Jiavia ou- 
sadias que elle não estivesse disposto a quebrar e a 
revelar. Isto não é uma desculpa, é uma explica- 
ção,-» (^) 

Se como desculpa seria inadmissivel, como ex- 
plicação não explica nada, porque suppõe na ca- 
beça de Sebastião de Carvalho ideias que de certo 
elle não teria. O que elle não queria era per- 
der a pitança que filhava na Companhia do Grão 
Pará, de que elle se nomeara Director por três 
annos, findos os quaes, não dariam contas a nin- 
guém, e se quedariam com os lucros que não ha- 
viam de ser pequenos, como se pode ver dos pri- 
vilégios abusivos que lhe elle deu ! Um capitão de 
ladrões, se o perseguem para lhe tirar a presa, já 
sabemos como elle revela a sua energia e como 
elle procede para mostrar que não admitte opposi- 
ção ás suas medidas, isto é, aos assaltos dos exe- 
cutores da justiça. Em consequência, nem desculpa 
nem explicação. As punições que deu foram ver- 

(1) Historia de Portugal, vol. 4.0, pg. 55 1. 



2oS O Marques de Pombal 



dadeiras atrocidades. O commercio honrado de Lis- 
boa, que teve o seu legitimo representante na Meza 
do Bem Commwn^ eleito pelo voto livre de cada 
um, deve correr pressuroso ao monumento do seu... 
amigo e protector . . . 

Se hoje parece que anda tudo doido. . . 

O motim popular do Porto e sua ferina 
repressão 

Já deixei explicada a formação e organisação 
da Cotnpanhia dos Vinhos do Alto Douro \}), Ve- 
jamos agora, e tem muito que ver, como sua ins- 
tallação foi recebida no Porto e como procedeu 
Sebastião de Carvalho : vai fallar Pinheiro Chagas : 

«Esta organisação vexatoiiada companhia não 
podia deixar de levantar contra si uma forte resis- 
tência, tanto mais que ella se estabelecia no Porto, 
cidade altiva, costumada a manter com energia os 
seus foros e as suas liberdades. 

«Os taberneiros que se viam privados pelo esta- 
belecimento da companhia de lucros que auferiam 
levantaram-se pois tumultuariamente, e, excitando 
a plebe, lograram sublevai -a na manhã de quarta- 
feira de Cinzas, 23 de fevereiro de 1757. A's 9 ho- 
ras dirigiram-se os amotinados, soltando o grito 
de — « Viva o povo* — ^morra a Companhia^^ ^o^z^sià, 
do Juiz do povo, que morava defronte do chafa- 
riz de S. Domingos, e que estava ou se fingiu 
doente. Não lhe valeu isso para impedir que o 
povo o obrigasse a capitanear a insurreição, pois 



(1) Vid. pag, 85. 



o JfarqziéJt de Pombal 200 



que o metteu numa cadeirinha 2 '.-^vyi -•. sua 
frente, a casa do Chanceller, que ser.ia de Rege- 
dor das jusstiças. Ja um bando de rapazes rinha 
invadido as egrejas da Misericórdia e da Sé, e, su- 
bindo ás torres, tinham começadj a :ocar a reba- 
te, o que fez com que se : osse J-r.:ar.do gente ao 
grupo, não muito numeroso ao principio, dos amjj- 
tinados, que atravessaram a rua das Flores, e 
Largo da Feira, a rja do Loureiro e a ma Chá, e 
chegaram á porta do Chanceller, em. numero da 
quinhentas pessoas. 

^Esta mó de povo fazia um.a gritaria infernal, 
e os brados de: '.í':z'a El- Rei i^ — ■<í':z\i jpcz':> — 
< Morra a Companhia* — atroavam os ares, e iam 
encher de terror o Chanceller. que accedeu a tudo 
quanto a plebe exigia delle, sendo forcado a revo- 
gar os decretos d'El-Rei, ordenando que se po- 
desse de novo comprar e vender vinho nas ta- 
bernas. 

«Loucos d'alegria, dirigiram-se os populares a 
casa dum Luiz Belíeza, que morava na rua Chã, 
onde o Chancellsr também residia, e que era Pro- 
vedor da Companhia dos vinhos do Alto Douro. 
Os moradores do prédio fugiram logo; mas um 
sujeito que estava de visita em casa de Luiz Bel- 
leza e que era hom.em imprudente e irritável, jun- 
tamente com um seu creado, deram dois tiros de 
bacamarte sobre o povo, que, furioso então, irrom- 
peu pelas escadas acima, destruiu toda a mobilia 
das salas e faria em pedaços todas as pessoas que 
encontrasse : os provocadores tinham-se já posto a 
salvo, refugiando-se no Corpo da Guarda. Subiu o 
povo até aos últimos andares, e encontrou as sa- 
las desertas: vingou-se entào nos moveis e nos 
papeis pertencentes á Companhia, despedaiçando-os 

14 



210 O Marquez de Pombal 



e queimando-os. Assistiu a esta desordem sem o 
impedir, o tenente-coronel \'icente da Silva, que 
ser\-ia de governador das armas, e que recebera 
do Regedor das Justiças a ordem de não reprimir 
os excessos do povo, para nào provocar uma lucta 
sanguinolenta. 

< O povo, satisfeito com as concessões que ob- 
tivera, retirou-se tranquíllamente para suas casas, 
e a cidade ficou tão socegada que ás três horas 
da tarde saiu, como de costume, a procissão de 
Cinza, e não encontrou na cidade nem o vestigio 
mais ieve deste tumulto. 

cXão fora este motim senão a expansão effer- 
vescente dos aggi-avos do povo. que se sentia lesado 
profundaviente pela instituição da Companhia. 
Nào era de modo algum uma revolução; prova-o 
até a íalta de tacto com que os amotinados proce- 
deram, p<»is que não tomaram medida alguma 
para tomarem eíiectivas as concessões, que haviam 
obtido, e que elles bem deviam saber que seriam re- 
tiradas logo que cessasse a pressão que a revolta 
exercia sobre o Regedor das Justiças. Mas a re- 
volução não tinha chefes nem intenções bem fixas : 
não era o resultado de uma conspiração ; era a 
espontânea explosão dos interesses oftendidos. 
<juem se pòz á testa do> amotinados foram um 
alfaiate, quatro taberneiros e um sargento . . . 

cEflectivamente Sebastião de Car\*alho, apenas 
recebeu noticia do motim, determinou logo consi« 
deral-o como uma rebellião formal contra a pes- 
soa d*EI-Rei, e os seus fautores como réus de 
crime de Lsa-viagestade . Bem sabia elle que a re- 
volta não tinha a importância que lhe quiz dar ; 
mas convinha-lhe considerai-a assim, em primeiro 
logar para ensinar aos poruer^ses que não se des- 



o Marquez de Pombal 211 



attendiam impunemente as suas ordens, em se- 
gundo logar para que todos ficassem bem scientes 
que elle se considerava tão inviolável como a pes- 
soa do rei, e que as suas ordens deviam ser tão 
respeitadas como se as proferisse a própria bocca 
de sua magestade e que ninguém poderia allegar, 
como fizera Filippe Maciel, que não se queixava 
do soberano mas sim do ministro, porque elle es- 
tava acobertado com o régio manto de D. José: e 
dizendo sempre — < El- Rei meu amo^ — significava 
bem que entendia governar como delegado do 
poder absoluto € sagrado de sua jjiagestade. 

«Aproveitou portanto Sebastião de Carvalho o 
ensejo para mais uma vez mostrar que ningtu m se 
podia julgar seguro contra a sua temizel prepoten- 
cia^ que ninguém poderia eximir-se ao seu ferre- 
nho despotismo. O motim do Porto foi um pretexto 
para essa manifestação do systema que elle seguia 
com uma tenacidade implacável. 

< Portanto, logo no dia 28 de fevereiro de 1757 
se expediu uma carta regia ao desembargador do 
Paço, João Pacheco Pereira de Vasconcellos, que 
o nomeava juiz de uma alçada, que tinha de ir ao 
Porto inquirir dos tumultos que lá tinha havido, 
com ordem de os punir com severidade. Como 
João Pacheco estava já velho e o ministro suppu- 
nha que elle não teria energia necessária para a 
cruel missão que lhe impunha, deu-lhe Sebastião 
de Carvalho como adjunto o desembargador, seu 
filho, José Mascarenhas Pacheco Pereira Coelho 
de Mello, em quem elle sabia que tinha um fiel 
executor das suas ordens, e que possuia todas as 
negras qualidades requeridas para tão negro en- 
cargo. Era um homem ambicioso, cruel e devas- 
so. Esse é que era o verdadeiro chefe da alçada, e 



o Marquez de Pombal 



foi elle também o tétrico protogonista da lúgubre 
tragedia portuense. 

«Os dois desembargadores iam munidos de 
plenissimos poderes, e levavam para os auxiliar 
uma força armada considerável, pois que, alem da 
guarnição do Porto, que então constava de mil e 
duzentos homens, e de que foi nomeado com- 
mandante o coronel João d' Almada e Mello, leva- 
ram um regimento de dragões d'Aveiro, o regi- 
mento de infanteria do Minho, e o de Traz-os- 
Montes. Alem de tudo isto ainda ia um destaca- 
viento de cavallaria UgeÍ7'a de Chaves. 

«Estas tropas cercaram o Porto, não deixando 
entrar nem sair da cidade pessoa alguma. Em se- 
guida entraram, os ofíiciaes da alçada ; depois fize- 
ram sua entrada os regimentos, sendo aboletadOB 
os soldados em casa dos moradores, que eram 
obrigados a sustental-os, sem que lhes valesse 
isempção de qualidade alguma, como se ordenara 
á Camará Municipal do Porto, pela carta regia de 
IO de abril de 1757, em qiie se especificava, alem 
disso, a ordem de carregar o maior numero de bo- 
letos para os bairros donde tinham saido princi- 
palmente os agitadores. Os soldos e as munições 
das tropas deviam ser pagos por meio duma con- 
tribuição geral, lançada sobre a cidade. 

«Começou logo o processo, principiando por 
ser desautorado com violência e de um modo in- 
famante o pobre Juiz do Povo, que fora antes a 
primeira victima do que cúmplice da den*ota. Nào 
lhe valeu o ser notório no Porto que os amotina- 
dos o tinham forçado a collocar-se á sua frente 
mettendo-o numa cadeirinha, enfermo, como elle 
allegava estar, e levando-o a casa do Regedor das 
3nsX\(^dí's, Chamaram, pois, o Juiz do Povo os emis- 



o Marquez de Pombal 2i3 



sarios de Carvalho, e, depois de o terem condu- 
zido á praça, quebraram-lhe a vara na mão, arran- 
caram-lhe a cabelleira, e esbofetearam-no com 
ella. Singular modo de abrir um processo ! Foi 
depois levado ao castello de S. João da Foz, com 
as mãos atadas atraz das costas, atravessando 
assim ignominiosamente a cidade. 

«Foram também presos os membros da Casa 
dos Vinte e Quatro, e muitos homens, mulheres^ e 
até creanças do povo, ficando atulhadas de presos 
as cadeias da cidade e a do Castello de S. João 
da Foz.> 

«Instaurou-se o processo que durou cinco me- 
zes, apesar das instancias de Sebastião de Carva- 
lho para ser tudo o mais summario possivel. Ape- 
sar porem de todo o desejo que tivessem de o 
satisfazer os juizes da alçada, era impossivel que, 
a menos que não postergassem todas as formulas, 
gastassem menos tempo, visto que tinham de julgar 
quatrocentos e setenta e oito accusados, e de ouvir 
duzentas e cincoenta e uma testemunhas. Francisco 
Luiz Gomes, consultando os documentos existen- 
tes no ministério da justiça, pôde rehabilitar um 
pouco a memoria do presidente da alçada, tido 
até hoje na conta de homem bondoso, mas de 
servil instrumento de Carvalho ; alem disso domi- 
nado por seu filho, cujo caracter despresivel e 
malvados instinctos não podem de forma alguma 
ser postos em duvida. Não era tanto assim : João 
Mascarenhas expunha repetidas vezes a Sebastião 
de Carvalho os seus escrúpulos acerca do modo 
pouco legal com que o grande ministro queria que 
o processo caminhasse. Sebastião de Carvalho 
respondia-lhe porem: — ^ Acabe com essa tragedia 
ú mais depressa possivel : Tal c a vontade d' El- Rei 



214 o Marquez de Pombal 



meu amo, TenJia sempre presente que se trata dum 
processo politico^ que deve sempre se? conduzido por 
considerações e princípios diversos daquelles que ex- 
põe, aliás com extretna lucidez. Tanto em Portugal 
cmno no extrangeiro taes processos nunca duram 
7Hais de um mez. Quanto mais longo for o processo 
do Porto ^ mais fracos serão os seus efeitos,-» . . . 

«Carvalho em toda esta questão que diz res- 
peito á revolta do Porto, mostrou o despreso mais 
completo pela'razão, pela justiça e pelos dictames 
da consciência. Quando Joào Pacheco lhe dizia 
que era necessário respeitar ao menos as formali- 
dades, respondia-lhe como acima dissemos ; e ao 
mesmo tempo advertia-lhe que tivesse todas as 
attenções pelos empregados da Companhia e pelos 
inglezes, porque eram estes que nos compravam 
os nossos vinhos, e então convinha não os des- 
contentar nessa occasiào. 

«Este procedimento de Sebastião de Carvalho, 
alem de ser em si mesmo immoral, tinha o incon- 
veniente de auctorisar todas as relaxações, todas 
as infâmias, ainda as que nada tinham que vêr 
com a razão d'Estado, que dictava todos os actos 
do ministro de D. José. Este, pelo seu systema 
politico, julgava que todas as considerações d*or- 
dem moral deviam ceder ante as considerações 
do bem do paiz, e admittia desse modo a máxima 
detestável dos jesuítas, que elle tanto combateu : 
^Os fins justificam os anelos, ^ (*) 

(^) Tenho pena que já não exista o festejado escri- 
ptor para lhe exigir a prova histórica desta calumnia de- 
testável. 

Nos seus livros de Moral não, porque todos os que 
conheço sam approvados pelos respectivos Bispos o que 
seria tornar a Egreja solidaria de tal immortalidade ; nas 



Q' Xirqtua J» Pamòai u : 



Mas o petor era. ainda que os oiRciaes ia al- 
çada^ scgTJânda' esECe exdmpio que lhes vxira ie d- 
ma, pnuftcffvafli tnda a ^^specie ie ;mmoi*aiídades, 
feitas oSa para bem do paiz, mas para ^ansnigâo 
de suas paixões particuiares. 

«Desde o monmHita aiie aa imraoraiidades se 
permtttfamr nada era mais àcil do 4ue acobertar 
com o manto das ordens do ministro, as vindicras 
privadas» as in^âictos criminosos que dingiara o 
procedirnctita d& alguns ios juizes da alhada Es- 
tava nesse caso o nlho do presidente, José de 
Mascarenhas^ que toi o procogonista desta lúgu- 
bre tragpdca. Foi eile ao mesmo ismpo Juiz e Es- 
crivão; era efle que escrevia os autos, e era elle 
quem fsaisk. os ínterrogarorlos : era elle quem man- 
dava apptÊcar a turtura aos desgraduados adeusa- 
dos. A^m ofeteve con5ss«3es de crimes que nunca 
tinham commetrido, mas que a dòr dos tormentos 
lhes arrancava. Envoivií r.o processa todos aqueí- 
les a quem tinham um «xiio particular ; era temido 
e odiado no Porto, porque todos sabiam que a sua 
fácil consciência nâa recuava deante dos maiores 
attentados. EHe. que também conheda perfeita- 
mente a impopularidade que obtivera nunca saia 
senão escoltado por uma guarda de cavallaria <*) 
todos se afastavam delle com entranhado ódio. 

suas Constiiitiçôes não a encontro. Não haverá por ahi um 
escríptor, mesmo desses de polpa, que seja c:ipaz de me 
demonstrar tal affirmaçáo ou accnsaçáo, que não passa de 
miserável e detestável calumnia, que Pinheiro Chagas co- 
piou na sua superâcialidade histórica^ e tendência jacobi- 
na ? Ahi fica o cartel. 

{}f Exactamente como o Marquez de Pombal, que 
nunca saia sem o esquadrão encarregado de o guardar, 
qual guarda pretoriana. O José de Mascarenhas era para 
se defender do <xiio, que lhe votava a cidade do Porto ; 



2i6 o Marques de Pombal 



«Carvalho, sempre em correspondência com a 
presidente da alçada, censurava-o asperamente 
por não se mostrar tão zeloso, como seu filho . . • 
No dia 1 1 de outubro foi afinal proferida a sen- 
tença pelos juizes da Relação, não sem que Se- 
bastião de Carvalho houvesse mandado reprehen- 
der alguns dos vogaes, por terem opinado que o 
crime não se podia considerar senão como de 
simples assuada, e não como de Icsa-magestade^ e 
que não devia ser punido com a pena capital. Se- 
bastião de Carvalho usava porem dum deplorável 
sophisma, que servia para arreigar profundamente 
o seu poder. Dizia elle que a magestade não con- 
sistia simplesmente na pessoa do rei, mas nas suas 
leis e no seu Estado, não podendo existir uns 
sem os outros. Desta forma podia ser considerada 
como crime de lesa-magestade até a mais ligeira 
infracção de policia. 

«O pobre João Pacheco ainda hesitava em pu- 
nir com a confiscação dos bens os réus que não 
soffriam pena de morte ; mas ainda acerca disso 
Sebastião de Carvalho lhe escreveu e o decidiu a 
fazer o que a consciência do presidente da alçada 
reprovava com energia. 

«Como dissemos, foi no dia ii de outubro de 
1/57 proferida a sentença, condemnando a pena 
de morte vinte e um homens, e entre elles o inno- 
centissimo Juiz do Povo, e cinco mulheres; a pena 
de açoites e confiscação de metade dos seus bens, 
vinte e seis homens ; a pena de açoites, de degredo 

o Sebastião de Carvalho era... naturalmente para se de- 
fender do amcr que lhe votava a cidade de Lisboa ! Con- 
sequências da critica que faz accepção de pessoas. 

O úosé era digno do Sebastião; similhavam-se nos 
processos, partilhavam dos amores,,. 



o Marquez de Pombal 21; 



para Angola e Benguella e confiscação de metade 
dos seus bens, oito homens e nove mulheres ; a 
pena de degredo para Angola e confiscação, três ho- 
mens e uma mulher; a degredo para Mazagào 
e confiscação da terceira parte dos bens, nove ho- 
mens; a degredo para Castro-Marim e multas, três 
homens ; a degredo para Castro-Marim e confisca^ 
ção da quarte parte dos bens, nove mulheres ; a de- 
gredo para Africa e confisca<^o da quarta parte dos 
bens, vinte e dous homens ; a degredo para fora da 
comarca e confiscação da quinta parte dos bens, 
cincoenta e seis homens e cinco mulheres; con- 
demnados a ir ver as execuções, dezesete impú- 
beres do sexo masculino ; a seis mezes de prisào e 
varias multas cincoenta e quatro homens e nove 
mulheres ; absolvidos trinta e dois homens e qua- 
tro mulheres ; mandados soltar durante o curso 
do processo cento e oitenta e três homens e 
doze mulheres, condemnados a degredo para a ín- 
dia quatro homens ; remettidos aos tribunaes or- 
dinários para serem condemnados como réus de 
delictos communs, dezesseis facínoras que tinham 
andado envoltos no motim. 

'«A sentença da pena capital foi executada logo 
no dia 14 de outubro, tendo-se com tudo esqui- 
vado a ella oito dos vinte e um condemnados mas- 
culinos, que tinham conseguido fugir para fora do 
reino, e uma das mulheres, que estava gravida 
quando foi promulgada a sentença. A lúgubre es- 
tatística deste processo dão-nos por conseguinte 
como condemnados a diversas penas, de morte, de 
degredo, de açoites, de confiscação e de multa — 
cento e noventa e nove homens e trinta e oito 
mulheres, total — duzentas e trinta e sete pessoas. 
Saíram livres das cadeias duzentos e quinze ho- 



3l8 



o MarqmB dê Pamhal 



mens e dezesseis mulheres ^ duzentas e tnnta e 
uma pessoas. 

«Era desproporcionadissima a punição com o 
deiicto, e Sebastião de Carvalho veio a sentil-o» 
o que bem se evidenceia pela satisfação indirecta 
dada á opinião publica com a prisão de José Mas- 
carenhas, o infamissimo escrivão da alçada. Se- 
bastião de Carvalho soubera das torpezas que elle 
praticara ; soubera que elle se servira do seu cargo 
e auctoridade para satisfazer as suas sedes impu- 
dicas; mas não podia dar-lhe uma demonstraç^ 
do desprezo que forçosamente havia de sentir; por- 
que dessas torpezas fora cúmplice involuntário, 
mas nào innocente, pois que, recommendando-lhe 
a crueldade e a illegalidade, ficava com as mãos 
prezas, e não o podia punir por ter ultrapassado 
os limites da razão d*Estado, e ter-se entregado as 
suas vindictas pessoa es. 

*0 que fez porém foi nomeal-o, em maio de 
1758» para ir, junctamente com os Desembargado- 
res Francisco Marcellino de Gouveia, e ManuelEste- 
vão d\-\lmeidaeV'asconcellosBarbelino, fazer ás pro- 
víncias do Brazil um inquérito acerca dos actos 
dos Jesuitas 1,^1, contra os quaes começava a in- 
íLimar-se a terrivel sanha do futuro Marquez. O 
decreto era ainda honrosissimo para o Desembar- 
gador, pois que se exprimia do seguinte modo : 

Tendo consideração ao bem que me tem servid 
o doutor José de Mascarenhas Pacheco Ptreir 



t}) Os ieiiores estáo ja deduzindo a natureza da caos 
julgada por t*ies juizes* l E' de crer aue os dous empâre, 
Ihassem com o José Mascarenhas. Os Jesuiias ficâm aestií 
já vingados do seu gratuito e teroz inimigo: Não percan 
os leitores este elemento para a quentão, cm que derrama^ 
tèo clara luz,,. 



o MarqutB de Pombal 219 



Coelho de McUo^ Desembargador da Casa da Sup- 
plicaçdo, em diversas diligencias particulares do 
meu real serviço^ de que o tenho encarregado, con- 
fiando delle que em tudo o de que o encarregar mx 
servirá com egual satisfação minJial / / . . . (^ ) 

Aqui entra agora Pinheiro Chagas nos mean- 
dros da epopeia deste famosíssimo José de Masca- 
renhas^ discreteando sobre se o Marquez o man- 
dou ou não prender, se a missão de que o encar- 
regou com a enviatura para o Brazil foi ou não 
castigo, se Pombal o podia ostensivamente casti- 
gar ou não, esgrimindo depois suas melhores lâmi- 
nas de critica com Luz Soriano, tudo não para 
desculpar^ mas para explicar o Marquez. Mostra- 
rei como o historiador procede ainda aqui com a 
mesma superficialidade ou cegueira de critica. Dei- 
xemos os MascarenJias para o final do capitulo, e 
por agora concluamos os autos dos infelizes amo- 
tinados do Porto. Assim remata Pinheiro Chagas o 
seu depoimento: 

«Eis a breve historia desse motim do Porto, 
motim que fora effectivamente uma simples as- 
suada, segundo classificação muito justa de alguns 
dos vogaes da Relação portuense, mas que foi pu- 
nido comtudo, como se tivesse apresentado todos 
os symptomas duma formidável revolta. 

«Quando depois Carvalho procedeu contra os 
jesuitas, e que em toda a parte procurava provas 
da culpabilidade d'elles, attribuiu-lhes também uma 
activa ingerência neste motim. * Os jesuítas, diz 
elle numa carta ao ministro portuguez em Roma, 
o Commendador Almada, poseram-se d frente dessa 
cabala, e trabalharam com ardor em tornar odiosos^ 

(1) Historia de Portugal^ tom. 10, pg 3o a 39. 



220 O Marquez de Pombal 



aos siibditos de S. Magestade a pessoa do rei, o seu 
governo e o scti fiel ministro, ndo cessando de repe- 
tir as censuras e mentiras que já tinJiam espalJiado 
no reino e nos paizes extrangeiros. Abusaram até 
da simplicidadt do povo, a ponto de lhe fazerevi 
acreditar que os vinhos que fossem vendidos pela 
Companhia, que acabava de ser estabelecida, ndo 
eram próprios para a celebração do santo sacrifício 
da missa. ^ 

A imparcialidade que desejamos manter obri- 
ga- nos a confessar que não ha, em todo o pro- 
cesso dos amotinados portuenses, a mais leve prova 
que fundamente a asserção de Carvalho. \^) As 
suas próprias cartas, escriptas em quanto estava 
pendente o processo, não mostram que elle tivesse 
a minima suspeita de que os Jesuitas estivessem 
implicados na revolta . . . 

«A sanguinária repressão dos tumultos por- 
tuenses foi uma das grandes maculas da adminis- 
tração do Marquez de Pombal. O sangue desses po- 
bres populares, que tinham feito um protesto vio- 
lento, mas sem graves excessos, contra uma institui- 
ção que os opprimia, tinge de vermelho as primei- 
ras paginas da historia do grande Marquez. Não, 
repetimol-o, não foi a defeza da Companhia que 
levou Sebastião de Carvalho a proceder de tal 
modo ; foi o desejo de suffocar para sempre as as- 
pirações revolucionarias da cidade do Porto ; foi a 
vontade firme de quebrar todas as resistências, 
imperando pelo terror, e dando um sinistro exem- 

0-) Peço ao leitor que não esqueça esta accusação 
pombalina e esta confissão de Chagas, porque mais adeante 
terei de a invocar, quando falar no processo instaurado 
aos Jesuitas. Este exemplo é symptomatico, e podemos com 
verdade dizer : Ah uno disce omnes. 



o Marquez de Pombal 22 r 



pio aos que ousassem contrariar as suas vonta- 
des . . . Nós, porem, que não absolvemos os cri- 
mes do despotismo, ainda quando é illustradis- 
simo; nós que intendemos que o proveito que se 
tira das reformas úteis não compensa a violação 
dos pincipios mais elementares da moral, temos de 
condemnar Sebastião de Carvalho, quando o ve- 
mos calcar aos pés a legalidade e a consciência , 
como neste lúgubre exemplo da alçada do Porto, 
como o condemnaremos agora que vamos ver al- 
çar-se o patíbulo de Belém. Os gemidos, os gritos 
de dôr e de agonia dos desgraçados, que alli pa- 
deceram os mais incomportáveis tormentos, reper- 
cutem-se na historia, e juntam o seu protesto ao 
coro lisongeiro que applaude as grandes medidas 
do marquez; o sangue de velhos, de mulheres e 
de adolescentes, que regou em torrentes as tábuas 
do cadafalso, condensa-se em vermelha nuvem 
que ha de sempre embaciar o esplendor da gloria 
do grande ministro.» (^) 

A execução dos Tavoras, e do Duque d' Aveiro 

Eis uma das paginas da mais triste, indigna e 
lastimosa tragedia que archivam os factos da nossa 
historia nacional. O Duque d'Aveiro, os Tavoras 
e seus criados, todos estavam innocentes, como 
provei á evidencia (') ; Pombal sabia bem que o 
estavam, pois fora elle o auctor da urdidura, e não 
obstante eis como mandou . . . assassinar^ é o 
nome, as innocentes victimas do seu neroniano 
ódio : 



(1) Historia de Portugal, tom. 10 pg. 42 a 44. 
(«) Vid. cap. V, pg. 109. 



222 O Marques de Pombal 



«Rompeu a manhã, fria e nubelosa manhã de 
janeiro. O povo apinhava-se nas ruas e praças de 
Belém, correndo a contemplar este horroroso es- 
pectáculo, com a ávida e sinistra curiosidade, que 
manifesta sempre nestas occasiões. Já estavam 
a postos as tropas, e as patrulhas de cavallaria 
rondavam por toda a parte, não só em Belém, mas 
em todos os bairros da cidade, reconhecendo e 
apalpando os transeuntes e principalmente os em- 
buçados. No crepúsculo lúgubre dessa manhã d'in- 
verno, crepúsculo que ainda se tornava menos lu- 
minoso por causa do eclipse da lua, que princi- 
piava ás seis e três minutos da manhã e que só 
terminava ás oito e quarenta e sete minutos, fa- 
zendo deste modo com que os últimos esplendo- 
res do astro nocturno não substituíssem no hori- 
sonte os primeiros e débeis clarões da m.adrugada» 
n'esse torvo crepúsculo, na sombra da noite mal 
cortada ainda pelo ténue alvorecer, erguia-se, como 
um espectro, como as phantasmagorias d*um sonho 
máo, o vulto sinistro do immenso cadafalso, que ti- 
nha sete palmos de altura, trinta e seis de compri- 
mento e de largura vinte e sete, com a sua escada 
larga, munida de corrimões, com as rodas e as as- 
pas, que deviam servir ao supplicio. No rio junto 
ao cães, via-se uma barca, cheia de lenha e de 
barris de alcatrão. Os instrumentos dos variados 
supplicios, formavam um atroz conjuncto, que de- 
via horrorisar quem os contemplasse. 

Eram ó horas e 42 minutos, quando subiu o 
panno para essa hedionda tragedia. Abriu-se a por- 
ta do pateo, e sahiu primeiro um destacameuto de 
dragões, depois a cavallo os ministros do crime, 
dos diversos bairros de Lisboa, e o corregedor do 
crime da corte e casa, todos com as suas togas 



(i2> JíBwrffíêBiièL fftimiiai' 



irânfea jíarnadiL de grsu;. d sie viatíu. '.aào mir -^rmii-c* 
arasse: úscmsxmn. dnr oirra léla. anr !u;^J;rs di*- 



A CfiJfflrimiíi parou, i j. líorq^^tf^L viit Tivuri 

iTKtCe fflcnLíi)3r*£ <iOTrrii& pxauiflra. ín''ji-.rdr n-jr^^ cxpi 
aJivau&a o? ^eu: vreãGiiú» víe- :ítít:rrr azul ajícur^:}. e- o» 

34 nErnrmiâíÇ ^oarcfo se lev^nr^iu, e SL^a «Oí rescj ;^ 
escaiía o^xan rai^iiáes cxarn^j- quem deãet/ivi iiciiiur 
depressa a ^uísel e esse vàjí-:ro6*> larLce- Ntó c ' n- 
soitíam pacéoí trarría crss&a: us requiíjntei íerociss:- 
mos dos aíg.í'>!Z>5Su 'O- cMraâCk> e <jtâ 5eu:5 ^xs ijc- 
d&níe&r tinharn: g- ííu> tenv:^^::*^ em. Cá:pas r.egr&s. e 
na cafrfrfa unn g^-WTO iiá-Trbem meginj- Assiinni & rsoe- 
berats juirtarEiarnjfi; cooi o cneiririLivX e rkerA^í-o^. 
percorrer o caàíaáaJs^ em todo o» seti amrt:.!?. :n?!íOis- 
trando-a bem ^m> csçeccakf(i>res pcatra c/j:e c->ioiS a 
reconhecessem. Fial::ava porem suppLido m-jLÍis cniie.\ 
que nào tora cúa-^t:^^^^^^^^ na sentença e que wLt.^uí- 
Java comtud.> ocimpíetarrente os efífeítos da r^rnir-da 
clemência, que (y-. j^jízes mostravam ter sentido, 
pois que substÉtufa aos padecimentos physicos^ 
uma insupportavei tortura moral. O algoi, mos- 
trando-Ihe vagarosamente os instrumentos do sup- 
plicio, disse-!he para que seniam, descreveu-íhc 



224 O Marquez de Pombal 



com uma minuciosidade revoltante os seus diver- 
sos effeitos, e emfim, para completar esta descri- 
pção feroz, disse-lhe porque modo haviam de mor- 
rer seu marido, seus filhos, e todos os seus sup- 
postos cúmplices. Sai da consciência humana um 
brado dMndignação, quando lemos esta pagina 
horrorosissima da nossa historia ! que torpe e cruel 
imaginação a que se compraz a inventar uma tão 
infame tortura I como este crime inaudito viola to- 
das as noções de moral e da justiça, como fere os 
sentimentos mais sagrados do coração do homem ! 
que bárbaro deleite! que requinta crueldade! é esta 
condição que uma sociedade civilisada e christã 
impõe aos que se revoltam contra as suas leis ? 
ou é antes a vingança atrocissima dum selvagem, 
o instincto bestial da fera revelando-se inesperada- 
mente na humanidade, transportando para o mun- 
do moral essa brutadilicia com que o animal sil- 
vestre se compraz em dilacerar as carnes, em ver- 
ter o sangue, em esmigalhar os ossos da agonia, e 
cujos gritos, cujos lamentosos gemidos são condi- 
gna musica para acompanharem o hediondo re- 
pasto dos tigres ? 

Assim, aquelles algozes crudelissimos, fizeram 
soffrer aquella triste esposa, aquella mãe afflictis- 
sima, mil mortes horrorosas em vez de uma, de- 
ram-lhe o antegosto infernal de todas as torturas 
que haviam de ser infligidas aos entes estremeci- 
dos que ella ia esperar no caminho do céu. 

Quando a narração chegava ao fim, a altiva 
Marqueza, prostrada, com o coração dilacerado, 
confessava não poder já supportar tamanhas an- 
gustias. Torrentes de lagrimas lhe banhavam as 
faces, e a triste fidalga, que tão orgulhosa fora, 
supplicava que lhe dessem depressa a morte, mil 



o Marquez de Pomhat 



225 



i^ezes mais doce do que esta immensa dor moral 

encerrada em tào breves momentos. Então o algoz 

lirou a capa, e tratou de desempenhar o seu sinis- 

ro dever. Em presença da morte, recuperou D, 

^eonor a serenidade que perdera por tãojustiílca- 

Mos motivos.^ O algoz tiruu-lhe dos hombros a capa 

alvadia, dobrou- a, e mostrou assim ao povo as 

lagras máos da velha senhora, atadas como as 

ium scelerado viôlentissimo. 

Ella serena, com os olhos baixos, abstrahida 
lo mundo» deixou-se vendar, deixou que o algoz 
lhe tirasse o lenço do pescoço, e só então disse i 
*Ndo me descomponha si^. 

Fora antes atada ao banco fatal por meio de 
cordas que lhe prendiam a cintura e os pés. De- 
íis, o immenso povo que assistia a este espectá- 
culo, viu, ao pallido clarão dessa manha dMnver- 
10, (eram oito horas e meia da manhãi lampejar o 
ferro do cuteilo, que ferindo pela nuca, para maior 
ifTronta» o pescoço da marqueza» lhe decepou a 
Icabeça, que ficou ainda pendente, com os seus ca- 
Ibellos brancos, pela pelle da garganta. O algoz 
[mostrou-a ao povo e depois arrojou-a, juntamente 
com o corpo, para um lado do cadafalso, cobrindo 
o cadáver com um panno de tafetá preto. Findara 
iC primeiro acto dessa horrorosa peça. 

Supplicio do Távora, filho 2.^ 



«Voltou a triste cadeirinha, acompanhada pelos 

"dragões, ao palácio, e, depois de um momento de 

espera, abriu- se de novo a fatal porta, e a cadfei- 

, rinha v^oltou, Apeiou-se, meio desfallecido, um 

"mancebo de vinte e um annos, louro e gentil. Era 

José Maria de Távora, fiJho 2.'* da Marqueza. Ao 

Ih 



o Marqutz de Pombal 



pobre mancsbo custava-lhe a deixar a vida de um 
modo tão ignominioso e atroz. EUe, ajudante d*or- 
dens de seu pai, que sonhara talvez a morte he- 
róica nos campos de batalha, na ebriedade da glo- 
ria, e entre o fumo da pólvora, e o estrépito dos 
canhões, ia morrer assim ignominiosamente, entre 
horriveis sofTrimentos. Morrer aos vinte e um annos» 
vendo-se gentil, amado, elegante. Ha na descri- 
pçáo do supplicio deste moço um pormenor que 
nos impressionou. Vestia fato preto e meias côr de 
pérola. Era a ultima garridice do cortezào airoso e 
galanteador. Aqueilas meias còr de pérola de José 
Maria de Távora iam tingir-se de vermelho com o 
sangue de sua mâe. 

♦Vinha entre dois frades arrabidos, pallido> 
desfallectdo, com os seus gentis cabellos loiros^ 
enlevo das damas da corte, presos com um laço. 
Subiu a custo a escada, amparado pelos dois Pa- 
dres ; depois o meirinho e os algozes mostra- 
ram ao povo aquelle adolescente ainda mimoso 
como uma menina e cuja presença era um vivo 
protesto contra a accusaçáo da sentença condem- 
natoria. José Maria de Távora balbuciou algumas 
palavras que o povo mal ouviu mas que poucos 
espectadores escutariam de olhos enxutos. O hor- 
ror da scena, porem, ainda náo principiara, Esten- 
deram-no- numa aspa, onde lhe haviam de que- 
brar os ossos das pernas e dos braços, dando-lhe 
ao mesmo tempo garrote com uma corda, o que 
lhe abreviaria o supplicio. Mas a corda estalou, 
náo veio a asphixia e entretanto os algo/íes que- 
bravam-lhe com a maça de ferro as cannas dos 
braços e d⧠^^--as, e assim foi pelas carnes dila- 
ceradas, pelo» ossos esmigalhados que lhe fugia o 
alento» -com que horrendissimas dores, Deus o 



i 



iri^ 



o ãfarquez de Pombal 227 



sabe ! Ainda hoje, a um século de distancia, nos 
faz estremecer de horror esta scena pathetica. 
I 
Supplicio do Marquez de Távora, filho 

«E lá voltou de novo a cadeirinha e abriu-se 
de novo a porta, e veio o Marquez de Távora, 
Luiz Bernardo, que El-Rei deshonrara primeiro e 
assim mandava matar depois com bárbaros requin- 
tes. Deus poupou-lhe os mais angustiosos padeci- 
mentos. A corda do garrote náo estalou como a 
que servira a seu irmão ; a morte veio mais 
prompta e os algozes só tiveram que esmigalhar 
os ossos de um cadáver. 

Supplicio do Conde de Athou^ruia 

♦ Tornou a cadeirinha com o Conde de Athou- 
guia, D. Jeronymo de Athayde. Condemnado ape- 
nas positivamente pelas relações de afnnidade, que 
o uniam á familia dos Tavoías, este revoltava-se 
abertamente contra a sentença, e o passo agitado 
e como febril revelava claramente a rebellião do 
seu espirito. Como a do moço Marquez de Távora 
a sua morte não foi das mais cruéis. 

Supplicio dos plebeus 

«Três vezes tornou a cadeirinha ao palácio de 
Belém, três vezes se abriu a porta sinistra, e delia 
sairam os três plebeus, que eram considerados 
como menos criminosos, porque não tinham che- 
gado a fazer fogo contra El Rei. Eram Manuel Al- 
vares Ferreira, Braz José Romeiro e João Miguel. 
Esses, como desgraçados filhos do povo, vinham 



228 O Marquez de Popnbal 



em camisa e calções sem meias, nem sapatos, nem 
cabelleiras. . . Assim foram rodados os dois criados 
do Duque d' Aveiro e o criado do, Marquez de Tá- 
vora. 

<^Era meio dia; havia perto de seis horas que 
durava esse tristíssimo espectáculo. Houve então 
um inter\'allo : os espectadores que tinham assis- 
tido pávidos, mas pungidos por uma ávida e re- 
pugnante curiosidade, aos primeiros actos dessa 
tragedia horrorosa, poderam um momento deixar 
em repouso o espirito, que iam ver coisa mais 
atroz. O intervallo não era concedido aos especta- 
dores com esse intuito, porque os ordenadores 
dessa barbara representação não suppunham que 
houvesse quem se sentisse fatigado de tão delei- 
tosa vista ; o motivo do intervallo era apenas a 
necessidade da mudança do scenario. Os carpin- 
teiros subiram ao cadafalso, serraram a parte que 
deitava para o mar, e na outra parte pozeram 
duas aspas differentes daquellas em que tinham 
sido suppliciados o Marquez Luiz Bernardo, o 
Conde de Athougia e José Maria de Távora. Con- 
sistia a differença em não terem a trave intermé- 
dia, que mitigava um pouco, supportando o cor- 
po, a angustia do tormento. Supprimido assim 
esse ultimo allivio, tomou a cadeirinha a desem- 
penhar o seu lúgubre mister. 

Supplicio do Marquez de Távora, pai 

«Appareceu então o Marquez de Távora, 
Francisco de Assis, todo vestido de lemiste preto. (*J 

(^) Era panno preto de lã, o mais fino e perfeito dos 
que se teciam em Segóvia, Hespanha. 



o Marquez de Pombal , 229 



O velho general, que muito se distinguira na 
Índia durante o seu vice- reinado, passou pela 
ultima vez deante das tropas que lhe haviam obe- 
decido, e que lhe prestaram com o toque das cai- 
xas destemperadas como que uma ultima e fúne- 
bre homenagem. 'Avançou então para o cadafalso, 
rápido e sereno, ajoelhou deante da aspa, bei- 
jou-a com resignação christã e preparou-se para 
morrer. Faltava porem ainda o supplicio moral, 
que sua esposa softrera, e que lhe não foi pou- 
pado a elle. O algoz repetiu circumstanciadamente 
a descripção dos instrumentos de supplicio, e con- 
tou-lhe o que tinham padecido e o que haviam 
de padecer os seus parentes, amigos e criados. 
Fez mais ainda: mostrou-lhe os corpos dilacera- 
dos e desfigurados de sua esposa e de seus filhos, 
e só então é que o estendeu na aspa. Elle, o triste 
velho, ouvira com varonil constância, e talvez com 
um èorriso d'amargo desdém nos lábios, essa hor- 
renda descripção. Só quando lhe mostraram os 
cadáveres dos entes queridos que o tinham prece- 
dido na morte, uma convulsão nervosa lhe con- 
trahira os músculos da face, e uma lagrima rolava 
pelas suas faces pallidas ! Essa l^rima, se elle ti- 
vesse commettido o crime de que o accusavam, 
pesaria de certo mais na balança divina do que o 
seu attentado ; mas estando, como disso nos con- 
vencemos, innocente, como devia despertar a jus- 
tiça do Todo Poderoso ! 

«Atado o Marquez na aspa, o algoz ergueu a 
maça de ferro, que tinha o peso de dezoito arrá- 
teis, e vibrou-lhe uma pancada no peito; os aju- 
dantes do carrasco foram-lhe entretanto quebrando 
as cannas dos braços e das pernas. Em poucos 
minutos expirou ; mas os ais ! que elle exhalava e 



23o . o Marquez de Pombal 



que cortavam o coração dos que o ouviam, bem 
mostravam que a angustia indiscriptivel e ini.na- 
ginavel concentrara nesses breves minutos um sé- 
culo de angustias. 

Szecuçâo do Duque d' Aveiro 

'^Ao Marquez de Távora seguiu-se o Duque 
d'Aveiro. ^De todos os martyres, era este o que 
tinha menos sympathias entre o povo, mas de 
novo Ih 'as conciliou a atrocidade do supplicio. 
Não fora elle condemnado a penas, mais rigorosas 
do que o Marquez de Távora ; mas o algoz, já fa- 
tigado de tantas execuções, vibrou o golpe de 
forma que, em vez de o descarregar no peito pa- 
ralysando logo, com essa primeira pancada, o sen- 
timento vital, descarregou-o no ventre, onde era 
menos perigoso, de forma que, produzindo-lhe in- 
supportaveis torturas, deixara-o com sentimento 
bastante para padecer immenso com os outros 
golpes, que lhe iam quebrando as cannas dos 
braços e das pernas ; mas nenhuma dessas feridas 
era mortal, de modo que foi necessário repetir-ihe 
a pancada no p^to, e vibrar-lhe outra na cabeça, 
que lhe fez perder emfim o ultimo alento, 

«Mas estas dores atrozes arrancavam ao pobre 
suppliciado gritos horríveis, que se ouviam a 
immensa distancia, que iam talvez regosijar o 
animo cruel de D. José, no seu palácio d' Ajuda, 
mas que haviam de fazer empallidecer o severo 
Marquez de Pombal que, por mais inflexível que 
fosse, a sós com a sua consciência, náo podia 
deixar de reflectir no juizo da historia e de des- 
corar perante a responsabilidade tremenda que 
assumia. E efifectivamente esses gritos lancinantes 



o MarquiZ de Pombal 



iSt 



nào rasgaram só o coração dos que os ouviam ; 
nào foram só horrorisar os marinheiros trepados 
nas vergas, nem foram repercutir-se unicamente 
de quebrada em quebrada nas encostas circumvi- 
sinhas, echoavam também na posteridade, esses 
gritos agudos e plangentes escutou-os, attenta, a 
historia, e juntaram para sempre a sua nota dis- 
cordante ao coro de louvores . ♦ , Parecia que ti- 
nha de ser este o ultimo supplicio, que nào podia 
ir mais longe o pavoroso, que nâo era possível 
excitar em mais alto grau nas almas dos especta- 
dores a compaixão e horror, que chegara emfim 
essa tragedia aos últimos limites do pathetico. En- 
gano 1 A imaginação dos algozes, ajudada de mais 
a mais por um acaso infernal, ainda preparava ao 
povo, accumulado em Belém, um lance mais 
cruel, 

Supplicio de António Ferreira 



«Voltou a cadeirinha e trouxe o ultimo sup- 
pliciada, aquelle contra quem se voltava com mais 
encarniçamento a regia vingança, porque haviam 
sido as balas do seu bacamarte as que haviam fe- 
rido o sacratíssimo braço da inviolabilissima pes- 
soa de sua quasi divina magestadel António Al- 
vares Ferreira ousara ferir no hombro o represen- 
tante, a imagem de Deus na terra, que voltava de 
casa de uma de suas amantes! Havia punição 
bastante rigorosa que fosse condigna de tào atroz 
attentado f . . . 

«António Alvares Ferreira vinha em camisa e 
calçáo, como todos os outros plebeus» mas coberto 
com um capote, Algemava-o pela cintura uma ca- 
deia de ferro e as máos estavam atadas com cor- 



232 O Marquez de Pombal 



das. Quando chegou junto do cadafalso, mostra- 
ram-lhe os algozes pacientemente os cadáveres de 
todos os réus, pozeram-lhe depois ao pescoço um 
sacco cheio de pez e enxofre, e untaram-no de 
breu. Entretanto descarregavam a barca, tirando 
para fora os materiaes da fogueira, e nem sequer 
haviam tido a caridade de poupar ao reu este 
supplicio moral, este sinistro antegosto dos seus 
padecimentos, porque foi em sua presença que se 
entregaram a esse trabalho, que durou mais duma 
hora, emquanto os Padres, que acompanhavam o 
reu, o confortavam quanto podiam. Elevaram-se 
emfim ao céo as chammas da fogueira, envolvendo 
por todos os lados o desgraçado. Julgavam os es- 
pectadores que em breve ficaria o infeliz reduzido 
a cinzas, mas, pensando assim, não contavam com 
a cruel cumplicidade da natureza. António Alvares 
tinha o rosto voltado para o norte, e do norte so- 
prava também brandamente o vento, em ténues 
rajadas, de forma que as chammas, ondulando ao 
sopro da viração, acamavam-se como espigas es- 
brazeadas, elevavam-se a pequena altura, lam- 
biam, sinistramente cariciosas, o corpo do pade- 
cente, e arrancavam-lhe gritos agudíssimos de 
desespero, que traspassavam o coração de todos 
e coinmoviam talvez até os próprios algozes. 

Os Padres, compungidos por este padecimento 
atroz, com o rosto banhado de lagrimas, sentiam 
exaltar-se no seu peito o sentimento da caridade 
christã, e derramavam sobre aquelle pobre espirito 
angustiado os orvalhos do ceo, o bálsamo da fé 
com tanto zelo e vivo desejo de o confortarem e 
alliviarem que nem o sentirem-se molestados pe- 
las chammas os impedia de se approximarem do 
desgraçado, parecendo que desejavam precipitar-se 



o Marquez de Pombal 253 



na fogueira, que ao seu lado consumia a victima 
de tão odiosa condemnação. Não havia porem con- 
solações que podessem mitigar as dores excrucian- 
tes do desventurado. O vento parecia cumprir 
submisso as ordens do tribunal da Inconfidência; 
já as chammas tinham devorado as cordas que 
cingiam os pulsos de António Alvares, e este, 
ainda vivo, soltava gritos lamentosos ; já a cadeia 
de ferro que o algemava pela cintura, immensa- 
mente esbrazeada, rubra e candente, lhe escaldava 
o corpo, e o espirito vital persistia implacavel- 
mente naquelle corpo torturado ! 

«Eram mais de quatro horas da tarde quando 
terminou esta de todo o ponto horrorosa trai;edia. 
Durara dez horas o sinistro espectáculo a que o 
povo, que se apinhara em Belém, assistira intrepi- 
damente, sem que o horror, levado ao extremo, o 
revoltasse, sem que ao menos o fatigasse a mono- 
tonia das execuções. Os ministros e as tropas, antes 
de partirem, assistiram ao incêndio do cadafalso, 
pois que os juizes tinham querido que se abrazas- 
se nas chammas o theatro onde se representara tão 
cruel e doloroso drama. A recordação dessa vin- 
gança atrocíssima não a poderam elles apagar na 
memoria das gerações ; debalde reduziram a cin- 
zas o cadafalso: entre o fumo negro com que 
el-rei D. José, Sebastião de Carvalho e os seus 
cúmplices pareceram querer esconder os horrores 
que ordenaram, continua a historia a ver sempre 
a sinistra visão desses desgraçados que se estor- 
cem nas convulsões duma agonia horrível.» {}) 



<}) Historia de Portugal, de Pinheiro Chagas, tom. 
IO, pg. 70 a 8i. 



a34 



O Marquês de Pomàai 



O F.» I^ala^rida i^arrotado e queijaaaâo 

«Aos 21 de setembro de 1761, dia em que a 
Egreja celebra o martyrio do Santo Apostolo da 
Ethiopia (M se consumou o supplicio jurídico de 
Gabriel AÍalagrída. Pombal, desde muito dócil ás 
licções philantropicas dos philosophos, abolira em 
Lisboa as procissões do mUo-de-fé, viomices de ou- 
iro tempo, como elle a miúdo lhes chamava ; po- 
rém para o martyrio de Malagrida, por odiosa ex- 
cepção, restaurou o antigo costume, e ordenou 
que a procissão se fizesse com a máxima solemni- 
dade. 

«Em redor da praça do Rocio fez construir 
palanques para a nobreza e para o povo, convi- 
dando a corte para esse vergonhoso e sanguento 
espectáculo. A tropa occupava as avenidas das 
ruas e praças visinhas, para manter a ordem da 
multidão immensa que affluira ao logar da carnifi- 
cina. O cadafalso sobre que devia ler-se ao reu a 
sentença condemnatoria, disposto em amphithea- 
tro» decoraram -no luxuosamente. O ministro pre- 
sidiu á ceremonia. Em frente delle estava o rao- 
narcha e a corte, 

*Para negrejar ainda mais o horror do espectá- 
culo, esperou -se até ao empardecer da tarde, para 
que o ancião fosse levado ao supplicio atravez de 
algumas ruas entre círios fúnebres. E com o fim 
de excitar contra eile os ultrages do povo pose- 
ram-lhe uma espécie de mitra de papelão, e sobre 
a sua roupeta de jesuita, única que ainda se en- 
controu em Portugal, pintaram-lhe, como nossam- 

(1) E* S. Matheus — Nota do Auciar^ 



wsm 



o MarquÉS de Pomàal 



235 



benitos, grotescas e horrendas figurações de de- 
mónios. Saiu do cárcere com as màos atadas atraz 
das costas e um freio de pau na bòcca, entre dois 
frades benedíctinos e duas pessoas destinadas, se- 
gundo o costume, a lhe servirem de padrinhos na 
ceremonia do auto de fé. Depóz elle caminhavam 
mais cincoenta e dois condemnados ; mas foi elle 
o único estrangulado, o único a padecer» naquelfe 
sevo dia, morte cruel e infamissima ! 

•Quando subiu com passo firme os degraus do 
patíbulo, um commissario do tribunal lhe leu a sen- 
tença; depois o Bispo de Sparta, Coadjutor do 
Cardeal Patriarcha, procedeu á ;ivjltadora ceremo- 
nia da degradação. Terminado isto exhortou o pa- 
ciente a confessar os seus crimes e a pedir per- 
dão ao rei e ao povo do escândalo que dera. 

'i Desde que puz os pcs na terra portuguesa ^ — 
respondeu com dignidade o santo velho — se7'ví 
sempre S. M. FideiUshna como bom e leal snbdíto ; 
comtudoy se^ por igtiõrancia o offendí na mínima 
coisa, cu lhe peço humilde e sinceramente perddo,!^ 
— Depois de proferir em voz bem sonora estas pa- 
lavras, em meio de profundo silencio da multidão, 
entregou-se ao carrasco, encarregado de o garro- 
tar ; e no momento em que ia expirar proferiu dis- 
tínctamente estas palavras : Senhor^ havei piedade 
de mim ; nas vjssas rndos entrego a minha alma, > 
N'este momento, dizem muitas relações dignas de 
fé que de súbito seu rosto se illumínou de ex- 
traordinário resplendor, que arrancou um brado de 
surpreza e espanto aos milhares de espectadores. 
O carrasco accendeu logo a fogueira ; e para evi- 
tar que o povo recolhesse as cinzas do santo mar- 
tyr foram logo lançadas ao mar . . , Assim morreu 
o P.^ Malagrida na edade de 72 annos, cincoenta 



236 O Marquez de Pombal 



dos quaes vivera na Companhia de Jesus, consa- 
grando mais de quarenta ao serviço de Portugal, 
tanto na America como na Europa.» (^) 

O ódio de Pombal ficara satisfeito com este as- 
sassinato canibalesco, em que o requinte da per- 
versidade se delicia no rechinar das carnes dum 
pobre e venerando velho Sacerdote ; mas o bom 
senso e a razào estremeceram de horror na Eu- 
ropa. Os três carrascos e devassos que deram a 
sua ass.ignatura á ominosa infâmia que se chama 
sentença condemnatoria da Inquisição contra Ma- 
lagrida — tornados instrumentos de Pombal, fo- 
ram : 

1 .° Paulo de Carvalho de Mendonça^ irmão do 
Marquez de Pombal, e por este nomeado Inquisi- 
dor-Mór, em substituição do irmão do Rei, D. 
José, um dos meninos de PalJiavà^ preso no Bus- 
saco ; teve morte repentina, que lhe não deixou 
lograr o barrete de Cardeal ; 

2.*^ Fr. Joáo Mansilha, o celebre agente da 
Companhia dos \'inhos do Alto Douro ; frade do- 
minico, e por imposição de Pombal nomeado Pro- 
vincial da Ordem de S. Domingos ; apenas morto 
o rei D. José i.^, logo foi preso, processado, con- 
vencido de muitos crimes, infâmias, e roubos, e 
condemnado á morte, de que o salvou o animo pie- 
doso da Rainha, que lhe comutou a pena de pri- 
são perpetua no Convento de Pedrógão ; 

3.^ Nuno Alvares Pereira, o terceiro Inquisi- 
dor que assignou a sentença, pouco tempo depois 
foi atacado de moléstia grave, consequência de 
suas devassidões, chegando a exhalar um fétido tão 



{}) Historia de Gabriel Malagrida pelo P.« Paulo 
AJurv,... pg. 178a 180. 



o Marquez de Pombal 287 



horrível, que amigos e creados o desampararam, 
estorcendo-se em gritos de desespero, e morrendo 
concubinario impenitente e no meio de blasphe- 
mias. 

Camillo Castello Branco não pode deixar de 
exclamar: <Malagrida garrotado como hcrejel O 
Conde de Oeiras a zelar a orthodoxia Romana ! 
Que cavillosa perversão a deste homem I ...» E 
censurando o criticis^no e sensibilidade com que 
Ramalho Ortigão capitulara esta ferocíssima exe- 
cução de pontapé que o grande Marquez dera no 
benemérito e innocente padre, diz: «Cruelissimo 
pontapé foi esse que atirou á forca e ao fogo um 
velho» alquebrado «pelas trevas e frios e misérias 
de três annos de masmorra I Um cavalheiro que 
não dá facadas nos seus adversários políticos, nem 
espanca os doidos, vence as tentações do sono- 
roso estylo, e não escreve símilhantes cJiaiivinis^ 
mos sem se achar com a funesta coragem de for- 
necer achas para a fogueira do seu próximo, quer 
elle tenha uma convicção religiosa quer obedeça a 
um tresvario irresponsável. \^) 

Os Inquisidores ainda condemnaram o P.® Ma- 
lagrida nas custas — « ^ pague as cnstas ! » — K 
pague as custas o justiçado que apenas tinha de 
5eu um esfarrapado habito em que o garrotearam, 
exclama Camillo ! De par com a crueldade o ridí- 
culo ! Acabado o espectáculo pela queima do ca- 
dáver houve um lauto jantar no palácio da Inqui- 
sição, ofíerecido pelo mano Paulo de Carvalho e 
presidido pelo próprio Conde de Oeiras. (^) 



(1) Perfil... pg. 92. 



238 O Marquez de Pombal 



Pamalho Ortig:ão compientando estas 
execuções 

«Aos patíbulos que servem de signos geodési- 
cos á triangulação do systema, nunca, durante dez 
annos, deixou de pernear alguém para recreio do 
príncipe e escarmento dos súbditos. 

«Toda a reclamação, ainda a mais moderada 
contra medida promulgada pelo omnipotente minis- 
tro era considerada crime de lesa-magestade e alta 
traição. O supplicio dos Tavoras e do Duque 
d'Aveiro e o auto de fé do padre Malagrida sam 
monstruosos de mais para que façamos d'elles ar- 
gumentos de historia. A ferocidade, levada a um 
tal requinte, deixa de pertencer á critica, está fora 
da historia, assim como está fora da humanidade ; 
é uma reversão ao canibalismo, cujo estudo com- 
pete á psycoiogia pathologica. 

«Explica-se geralmente pela necessidade poli- 
tica de abater e humilhar a nobreza esse processo 
caviloso e infame, em que o ministro de D. José I 
é, ao mesmo tempo, juiz e parte, e em que os 
réos sam julgados sem defeza e sem exame de 
provas, sob a accusação duma tentativa de regicí- 
dio, em que hoje se sabe achar-se completamente 
innocente a família Távora, assim como estava in- 
nocente o Marquez de Gouveia, exautorado do seu 
título, officialmente infamado e preso nos cárceres, 
sem ar e sem luz, do forte da Junqueira, desde os 
dezoito annos de edade até aos trinta e sete, assim 
como estavam innocentes o Marquez de Alor- 
na> etc. 

«Singular modo de avaliar uma classe, sa~ 
grando-a pelo martyrio ! 

<Decovvtxdim mais de cem annos sobre a car- 



fMarçues dt Pombal 



239 



nificina canibalesca de 13 de janeiro de 1759* 
Povoam ainda as nossas imaginações e vivem eter- 
namente immortalisadas pelas nossas lagrimas as 
doces e legendarias figuras desses fidalgos: a Mar- 
queza de Távora, de uma phisionomia tâo elevada 
e tâo elegíaca, alta, magra, severa, envolta na sua 
longa capa alvadia, assistindo no patibulo á des- 
crípção do supplicio por que vai passar a sua famí- 
lia, comprimindo no silencio da dignidade toda a 
explosão da dòr, e dobrando sem um grito, sobre 
o cepo, a cabeça coroada de cabellos brancos, que 
o carrasco fere d'um golpe de machado pela nuca» 
fazendo -a pender, por um instante, segura ao 
busto pela pelle da garganta. . . 

fE na saudade dolorosa que nos desperta esse 
quadro do pretendido aviltamento da aristocracia 
portugueza, ninguém comprehende os três plebeus, 
criados do Duque d'Aveiro, egualmente supplicia- 
dos por terem acompanhado seu amo* . . sem to- 
davia haverem participado na aggressào ao prínci- 
pe. Esses três innocentes, — Joào Miguel, Braz 
Romeiro e Manoel Alvares Ferreira — comparece- 
ram no patibulo por urdem do juiz supremo, Se- 
bastião José de Carvalho, em camisa e calções, de 
pernas nuas e pes descalços, despresiveis e grotes- 
cos, despoetisados para a legenda sentimental da 
morte pelo julgador, egualmente plebeu, que para 
se extrahir desta miséria truanesca da simples ca- 
nalha, se condecorou a si mesmo com o direito de 
morrer com meias de seda, encorporando-se, al- 
guns dias depois — com o titulo de Conde de Oei- 
ras — na mesma nobreza que pretendeu aviltar e 
destruir!' (^) 



(i) Farpas, pg, X40, 



^4^ 



O Marquíz de Pomhai 



Senxpre a mania perseguidora — Ministros 
d^Bstado, desterrados 



O grande ministro bem depressa mostrou a 
mania perseguidora^ e quanto era intensa. E* no- 
tável o modo como deu cabo de dois col legas no 
ministério, prendendo-oS| desterrando-os, matan- 
do-os nas prisões : foi^am elles — o chamado Ab- 
bade Mendonça e Corte Real* Eis como Camillo 
conta os^dois casos : 

l*** Diogo de Mendonça Coric Real, ministro 
da marinha e Ultramar» foi preso no dia 51 de 
agosto de 1756 pelo ministro D. Luiz da Cunha 
Mello e peio corregedor João Ignacio Dantas, 
quando terminava um jantar dado no Paço aos 
ministros estrangeiros. O Embaixador Conde de 
Borchi em 3 de agosto escrevia ao Conde de 
Choiseul que no dia antecedente o abbade Ahn^ 
donça havia dado um jantar aos ministros extran» 
geiros ; que elle e os demais ministros se haviam 
apartado delle ás oito horas, porem que á meia 
noite fora a casa cercadai e elle recebera ordem de 
partir, dentro de três horas, para o Porto ; que D. 
José acabava de arredar de si o homem mais amá- 
vel de Portugal» segundo a opinião geral, e que elle 
embaixador se apartava de Portugal com mais ou com 
menos uma saudade. Escoltado por tropa e pelo 
Corregedor foi conduzido para uma quinta nos ar- 
rabaldes do Porto, d'ahi para a Beira (*), depois 
para Mazagào em Africa; d^aqui transferido para 
as Berlengas; e de lá para Peniche» onde morreu 
a 24 de fevereiro de 17; i. 

(i) Dizem que para a povoação de Salrm, 



«■BSS»^ 



o Marquez de PomM 



241 



Camillo diz que esta prisão se tizera em 51 eh- 
julho ; nào pode ser. porque o decreto de prisão 
e expulsão tem a data de jo de agosto. No mesmo 
erro caJu Francisco Luiz Gomes. 

Porque foi preso? O decreto diz apenas que 
tinh4i niózndo grande desordem e inquietado com 
' haròaros e infiéis pretextos do real serviço. Nâo 
dava mais o estylo apopletico do auctor da De- 
ducção ChroHõiogica ; o académico panegyrísta do 
Marquez de Louriçal nâo sabia escrever senão 
destas locuções tortuosas : era o seu feitio ; accu- 
sações pavorosas e vagas, sem sequer uma prova» 
um facto, {^\ E quando o especificava era mentira. 
Simào Soriano diz : 

* Assim acabou a vidãy com fama de infiel vas- 
salto este ministro doestado, sem nunca se saber ao 
certo a verdadeira causa da sua desfaça, * Julgo que 
a Única verdadeira causa foi o ciúme que o orgu- 
lho de Sebastião José concebeu pela consideração 
que no corpo diplomático e na corte gosava um 
hábil e integro ministro; Mendonça era collega, e 
nunca quiz ser manequim de Pombal, que ambi- 

(^) K* curioso o theor do decreto: 

<*Por me ser |>resente a grande desordem e inquieta- 
♦í^ão qu^ lem movido co^i bárbaros c infiéis pretextos de 
desagrado do meu real serviço DiogD de Mendonça Corte 
«Real, que era Secretario da Marinha c Ultramar^ excitan- 
«docom horrorosos escândalos a paz, civilidade, obedien- 
*»cia que tinha por natureza, homenagem» hdeliJade e 
«obrigação de guardar; e attendendo ás relevantes razões 
«de consideração, e outras da minha real clemência e pie- 
• dade; sou servido de ordenar aue D Luiz da Cunha Ma- 
«noel, meu Secretario d*Esiado dos Neçocí05 estrangeiros^ 
mc quero que vá logo cm execução intmiar este decreto; e 
«com as ordens que lhe tenho determinado para que, den- 
*4ro em três horas^ saia da corte de Lisboa o dito Diogo 
«Mendonça Corte Real para a distancia delia quarenta k' 



2^2 



O Marqnes (Í€ Pombal 



cionou ser o único sem e^uaL Diogo de Mend< 
ça era natural de Tavira* (^) 

2." Para a vaga do Abòade Mefidança chà^ 
mou Sebastião de Carvalho a Tkomc Joai^Him tia 
Cosia Carte Real, íilho do Desembargador do Paço 
Joáo Alvares da Costa : tem o decreto de nomea- 
ção a data de 2 de outubro de i;56. Seguiu, pou- 
cos annos passados, o caminho do antecessor, 
sendo levado para o castello de Leiria» em 23 de 
setembro de i/jr, onde ficou encerrado, até mor* 
rer. 



•tgoas, onde não entrará mais, e apresentará certidão de 
«como tem cumprido o dito degredo de que, fazendo o 
ífcontrario, alem do desagrado em que tem incorrido, se 
«dará outra maior demonstração de providencia com que 
«se satisfaça o bem publico de meus fieis vassallos. 

uBikm, Jo de agosio de ipo. Com a rubrica de S. 
« Majestade, u 

O portuguez burundanga do decreto pode ser of- 
ferecido a Calino para trechos selectos ; mas a tal ^rtnt 
clemência e piedade» podia ser dada de presente ao Diabo. 

{}) O auctor do opúsculo— -^//05/<ff/f?s do Marçu€9 
de Pombal^ aponta outra causa que eu reputo mais verda- 
deira r O Abòade Mendonça, ministro da matinha^ áãXà nas 
ventas para traz ao mano Francisco^ que era Governador 
do Brazil : 

«Para cumulo da desgraça de Mendonça encontrou- 
se-lhe na secretaria uma porção de representações, eoirc 
as quaes uma do Conselho das Missões, em que se pediâtn 
providencias contra as violências exercidas pelo Governa- 
dor Geral do Maranhão c Grão- Pará (irmão de Carvaího) 
contra os missionários Jesuitas. Estas represeniaçóes que 
eram dirigidas a D. José e que lhe eram entregues em 
máo, tinham íido por este confiadas a Mendonça, p<ira 
providenciar como lhe competia* Este achado tnt1aox>u a 
cólera de Carvalho.*» (Pg. 33}. 

Aqui esteve o doe, e esta me parece a causa verdadei- 
ra, este foi o crime, • . 



i 

i 

I 



i 




^Marques de Pombal 



«43 



Porque? Porque a execução de Malagrida o 
compungira pela iniquidade, diz Camillo. Entrou 
de scismar, de escrupulisar, ea fugir da convivên- 
cia dos collegas e a murmurar da senten^ja cruel.* 
falou de mais, queixou-se da sua afílícção ao pró- 
prio Conde. Eis o grande crime» e não se depara 
outro. Morreu pobre, deixando uma grande fami- 
liâ também pobre* 

3.0 Ministro José de Seabra e Silva 

O Dr. José de Seabra e Silva era tílho do 
Desembargador do Paço Lucas de Seabra e Silva, 
que o Marquez compromelteu e fez estourar. O fi- 
lho foi elevado a Procurador Geral da Coròa^ em 
1759, 'a Chancellcr da Casa da Suppltcação 
por decreto de 11 de novembro de 17Ó8; depois 
ainda nomeado Guarda-mór da Torre do Tombo 
e cm 25 de janeiro de 1770 Desembargador 
da Meaa do Paço ; a 6 de junho de 1771 — 'Aju- 
dante do Secretario d' Estado do Reino, que 
era o mesmo Pomba) ; o poderoso ministro lhe ar- 
ranjou alem disso a mercê da Casa e Quinta de 
Bntre-Muros, junto a S. Sebastião da Pedreira, e 
por ultimo o casamento com D. Anna Felícia Pe- 
reira Coutinho, herdeira illustre e rica» dos Couti- 
nhos de Coimbra. Também era casamenteiro^ o 
Marquez * . . E não tendo já mais a que subir^ 
fel -o seu Collega no ministério. 

No dia 17 de janeiro de I774t indo Seabra to- 
mar as ordens do Rei, que estava em Salvaterra, 
foi-lhe por este dicto que fosse falar immediata- 
mente ao seu primeiro ministro, como foi logo. 
Pombal apenas o recebeu em casa deu-lhe logo a 
vâs de preso, intimou-lhe a demissão^ e ordem de 



âm 



244 ^ Marquez de Pombal 



no prazo de vinte e quatro horas se pôr a cami- 
nho para o Valle de Besteiros : eis o decreto : 

«Cumpre a bem do meu serviço que eu haja, 
como hei, por escuso ao desembargador José de 
Seabra e Silva de todos os empregos de que o 
occupei ; e hei outro sim por bem que, no termo 
de quarenta e oito horas saia doesta corte e cidade 
de Lisboa, e no termo de quinze dias, contados da 
data deste, se apresentará na sua quinta de Valle 
de Besteiros, donde não sairá sem ordem minha. 
O Marquez de Pombal do Conselho d 'Estado e 
dos Negócios do Reino o tenha assim entendido e 
o faça executar. Palácio de N. Senhora da Ajuda, 
1/ de janeiro de 1774.» 

Xo dia 30 de abril o Corregedor de Évora e o 
Juiz de fora de Tondella lhe foram intimar ordem 
de prisão e confisco de todo o dinheiro que lhe 
achassem ; foi conduzido para o Castello da Foz, 
próximo ao Porto, onde entrou a 4 de maio. No 
dia 4 de outubro seguinte foi retirado da pri- 
são e conduzido repentinamente para bordo dum 
navio que estava de vela para o Rio de Janeiro ; 
não lhe deixaram levar nem provisões, nem um 
real. Chegado ao Rio de Janeiro, o Governador 
Marquez de Lavradio, por ordem de Lisboa, o fez 
logo encerrar numa prisão que havia na ilha das 
Cobras, donde, poucos mezes depois, o tiraram 
para o mandarem desterrado para Angola, desem- 
barcando em Loanda, e de lá enviado para o pre- 
sidio das Pedras Negras, donde o foi arrancar em 
março de 1777 a clemência da Rainha. 

Porque foi preso ? Ha varias versões que seria 
prolixo contar ; Latino Coelho confessa que o foi 
«/(?/• iui^naticos motivos, que a bistotia ainda náo 
pode inteiramente decifrar.» Nem isso importa ao 



o Marquez de Pombal 245 



nosso caso. Somente accrescentarei que o diabo 
costuma dar boa paga a quem o serve. Se Seabra 
era um capacho de Pombal; á sanha deste, nem 
taes creaturas escapavam. 

Persegruição a Bispos 
— Deposi^ção do Arcebispo da Bahia 

Porque o Arcebispo da Bahia, 7). ^osc Botelho de 
Mattos s8 recusou a suspender os Jesuitas da sua 
diocese do exercício das suas ordens, como Pom- 
bal impòz a todos os Bispos portuguezes do reino 
e do ultramar, foi privado de todas as temporali- 
dades, expulso do Paço e da Sé episcopal, a Sé 
declarada vaga, o Cabido intimado para eleger \'i- 
gario Capitular que se lhe insinuou, e pouco de- 
pois nomeado Arcebispo da Bahia, D. Fr. Manuel 
de Santa Ignez, Bispo d' Angola, persona grata, 
chegando a audácia de Pombal a pedir ao Papa 
Clemente XIII a confirmação do nomeado, afíir- 
mando, por solemne mentira ofjicial e leal^ que o 
Arcebispo D. José Botelho tinha pedido a renuncia, 
que Pombal todavia não apresentava nem podia 
apresentar, porque nunca fora feita. Levou o rei a 
assignar a Carta regia de 2 de novembro de i75(), 
em que.se estampava a mentira, que foi repetida 
no officio de 29 de maio de 1760, ao Cardeal Se- 
cretario d'Estado. O Papa recusou a confirmação 
que se lhe exigia. Este Arcebispo foi o único que 
por medo ou subserviência, não aviltou a honra c 
dignidade episcopal. (') 



(1) O Snr. Conde de Samodáes no seu livro o Mir- 
quez deVombal cem annos depois da sua morte diz : 

«De todos os prelados portuguezes^ no reino c no 



246 o Marquez de Pombal 



Para a Sé de Angola é que por então nomeou 
o dominicano Fr. Francisco de S. Thomaz, a quem 
deu a morte. 

Um Bispo á força e lançado ao mar 

Como a Sé de Angola ficasse sem Pastor, pela 
violenta transferencia que do Prelado fez para a 
Bahia o soberbo e desvairado ministro, apresentou 
e nomeou o Marquez Bispo d'Angola ao dominico 
Inquisidor Fr. Frajicisco de S, TJwmaz, O Conde 
impunha-lhe a mitra como um degredo. O frade 
era muito velho e muito doente. Pedia que o dei- 
xassem acabar no seu cubiculo de S. Domingos. 
O ministro ameaçou-o. Saiu o frade barra fora, e, 
poucas milhas navegadas, morreu e foi baldeado 
ao mar. 

Bispo do Grao-Fará 

Fr, Jodo de S, José Queiroz, benedictino, fora 
feito Bispo do Grão-Pará (Brazil) pelo seu amigo 
dilecto Conde de Oeiras, que o tinha como um dos 
seus servidores. Este Prelado apparece na nossa his- 
toria como um dos mais figadaes inimigos dos Je- 
suítas, sendo talvez esse sentimento anti-catholico 
o que o tornava tão querido de Pombal. 

Estava o Bispo disfructando as honras e van- 
tagens da sua rica mitra brazileira quando na 
noite de 14 de outubro de 1763 viu o seu Paço 

ultramar, foi o único que se recusou a suspendel-os. . . Foi 
o único homem de forte tempera que se apresentou, no 
meio de todos os outros mitrado^, negando-se a annuir á 
calumnia e a praticar uma iniquidade anti-canonica; todos 
os outros vergaram a cabeça e não se opposeram a que se 
rasgasse a túnica inconsutil do Crucificado... Pg. 184 e 
i83. 



o Marquez dê Pombal 



347 



cercado de tropa, seus papeis sequestrados e elle 
logo sob prisão, e com ordem terminante para em- 
barcar em direcção a Lisboa, o que fez a 24 de 
novembro. Chegado a Lisboa, em janeiro de 1764, 
foi aíbergar-se ao convento de S. Bento, onde 
hoje estão as camarás* Poucas horas depois rece- 
bia ordem do seu vdho amigo Sebastião José de 
Car\'alho para, sem perda de tempo se dirigir, des- 
terrado, ao convento de S, João de Pendorada, en- 
tre Douro e Minho, hoje propriedade da Casa do 
Conde de Alpendurada, de Lamego. Alli chegou o 
abatido Bispo em fins de janeiro, e alli veio a 
morrer em 15 de agosto de 1704, com cincoentae 
três annos de edade, após uns oito mezes de 
prisão ! 

Porque seria que o antigo frade fidalgo da 
corte de D. José, o commensal dos Duques e dos 
Condes, o amigo e convivente dos Cenáculos, o 
inimigo dos Jesuítas, caiu assim em desgraça ? Se- 
ria por ser accusado de simonia, de vexadar'^das 
\J>ovõs e outros abusos escandalosos ao seu estado, 
como se deduz das próprias cartas do Bispo, pu- 
blicadas em 1SÓ8 pelo romancista Camillo Cas- 
telio Branco, nas Mentorias do Bispo do Grão- 
Pará, como persuade Pinheiro Chagas, ou seria 
porque o Bispo no novo mundo contava aos seus 
Íntimos como é que Sebastião José de Carvalho 
mandara matar mysteriosamente um homem por 
não poder provar a justiça com que fazia morrer 
outro nas Berlengas, (Vi como aflirma Camillo? 

Sem impugnar os crimes que ao Bispo sam 
imputados, voto pela opinião de Camillo. Este 



(1) Allusão á perseguição ao ministro Aààade Mm- 
donça e á morte do compadre Toscano, 




248 o Marquez de Pombal 



exemplo mostra que os defensores de causas in- 
justas, nem sempre expiam suas culpas só no 
outro mundo . . . 

Bispo de Coimbra deposto, preso 
e encarcerado 

O Bispo de Coimbra, D. Miguel d'Annuncia- 
ção chamava-se no século Miguel Carlos da Cu- 
nha, e era filho de Tristão da Cunha de Athayde, 
a quem D. João V fizera a mercê da grandeza 
destes reinos com o titulo de Conde de Povolide, 
e de D. Archegela de Távora, filho do segundo 
Conde de S. Vicente, e por isso introncado na 
família justiçada e proscripta: nascera em Lisboa 
a 28 de fevereiro de 1703. ¥o\ porcionista no Col- 
legio de S. Paulo da Universidade de Coimbra, onde 
entravam os filhos das primeiras famílias portu- 
guezas para seguir sua educação litteraria; a 22 
de outubro de 17 19 tomou posse da sua beca, e 
em maio de 1724 recebia o grau de bacharel em 
Cânones, e em 1726 despachado com uma condu'- 
cta desta Faculdade e 40S600 reis por anno e 
privilégios de cathedratico. 

A sua piedade e amor da religião o levou a 
abandonar a carreira luzida e vantajosa que o lus- 
tre de sua prosápia lhe preparava, como a filho 
mimoso da fortuna, e a seguir a vida monástica, 
fugindo ao século ; professou na Congregação dos 
Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, ou fez-se 
Cruzío, no convento de Santa Cruz de Coimbra, 
aos 26 de abril de 1728. Os seus merecimentos, 
piedade e porventura sua nobre stirpe o fizeram 
eleger Geral da Congregação em 1737; por 1740 
foi apresentado na Sé de Coimbra, sendo sagrado 



o Marquez de Pombal 24^ 



aos 8 de abril de 1741. Apascentou por largos 
annos o seu rebanho em paz e quietação. 

Com data de 8 de novembro de 1768 publicou 
elle uma pastoral excellente sobre o múnus e di- 
reito que aos Bispos assiste de mestres da dou- 
trina e obrigação que lhes impende de condem na- 
rem o erro e premunir os seus diocesanos dos 
erros condemnando os livros que os espalhem ; 
em consequência condemnou os partos monstruo- 
sos e infectos que saíam da França jacobina e atheia 
como a Encyclopedía, a Henriade de Voltaire e 
outras obras do mesmo impio auctor, o Díccionario 
philosophico, o Contracto social de Rousseau, a 
obra De antiqua ecclesiae discipUtia de Dupin, 
grande pastel regalista e ainda outras, e todos os 
Ímpios e encyclop edis tas ou jansenistas e regalis- 
tas. 

Pombal ficou furioso logo que teve conheci- 
mento da pastoral ; denunciou-a á Meza censória^ 
outra criação do seu despotismo ; saiu a pastoral 
condemnada pov falsa, infame e sediciosa, devendo 
ser queimada publicamente por mão do algoz, o que 
se executou na Praça do Commercio a 24 de de- 
zembro de 1768, presidindo a este acto o famoso 
Corregedor do crime do bairro de Belém — Diogo 
Ignacio de Tina Manique. No mesmo dia em que 
Pombal ordenava o exame da pastoral, sem mesmo 
esperar pela sentença do tribunal, declarava ao 
Cabido da Sé de Coimbra que o seu Bispo cai- 
rá em crime de lesa-magestade, incorrera na 
pena de real indignação, da confiscação de todos os 
seus bens (assim levou toda a vida a confis- 
car . . . )» ^^ privação da naturalidade, e em todas 
as mais penas estabelecidas contra os que conspi- 
ram contra a regia magestade. Mas afnrmava a 



25o o Marquez de Pombal 

carta regia que o Bispo, pela natureza dos seus 
crimes, pelo ministério da lei e pela notoriedade 
dos seus attentados incorrera nas comminações 
penaes desde a hora em que perpetrara o malefí- 
cio, sem que para o castigo fosse mister esperar o 
julgamento e a sentença. E o fundamento deste 
direito novo e supinamente absurdo era que o Bispo, 
apenas indiciado, logo fora havido por morto e o 
bispado tido por vacante ! Q) O homem que es- 
crevia estes dislates devia ter sido encerrado em 
Rilhafolles, e porque andou ás soltas é que fez os 
estragos que a historia archiva, horrorisada ! 

Em consequência mandou eleger Vigário Ca- 
pitular, insinuando o Padre Dr, Francisco de Le- 
7nos de Faria Pereira^ irmão do celebre Dr. João 
Pereira Ramos^ o grande caudatário do Marquez 
e que tanto engordou com o espolio da Casa de 
Aveiro. . . Este Vigário Geral intruso veio a ser 
Bispo de Coimbra . . . 

A pastoral do Bispo fora delatada ao Marquez 
de Pombal por um judas : o Prior de S, Christo- 
vão de Coimbra. A 9 de dezembro de 1768, no 
mesmo dia que trazia a carta regia, foi o Paço 
episcopal de Coimbra cercado com tropa, desde 
muito cedo, preso o Bispo D. Miguel da Annun- 
ciação, e com elle o seu Secretario Dr. F. José 
Caetano, carmelita, todos os Padres seus familia- 
res, o Vigário geral, o Provisor, e egualmente 
muitos Religiosos e Doutores dos Collegios gracia- 
nos, dos benedictinos e cruzios ; o Bispo foi condu- 
zido, no meio duma escolta de dragões, para o 



0) Carta regia de 9 de dezembro de 1768 ao Deão, 
Dignidades e Cabido da Santa Egreji Cathedral de Coim- 
bra, 



o Marquez dt Pombal 



a5i 



forte de Pedrouços, e não da Junqueira, cri mo diz 
o snr. Conde de Samodâes* Assim o aílfirma a 
Riiaçãõ manuscrlpta da prisão do bispo comk, que 
se encontra nos manuscriptos da Bibliothcca Na- 
cionai de Lisboa ; nas Prisões da Junqueira do 
Marquez d^^lorna nao se fala do Bispo, omissão 
que se não daria, se elle lá estivesse. Alli padeceu 
duro encerro, em lobrega masmorra por oito an- 
nos e dois meses, A prisão tinha nove palmos de 
cumprido por nove de largo, recebendo luz so- 
mente por uma fresta no tecto, de um palmo qua- 
drado! Uma verdadeira sepultura, de que só foi 
tirado a 25 de fevereiro de l///» pela Rainha D. 
Maria I apenas fallecido o rei D» José» que o fora 
no dia antecedente ; parecia um cadáver ambulan- 
te sendo maravilha que tivesse resistido por oito 
annos» em edade tão avançada í 

A II de agosto saiu de Lisboa, onde esteve 
convalescendo, em direcção á sua diocese de 
Coimbra, onde foi recebido triumphalmente, e 
onde continuou sua edificante pastoreação até 
á morte. 

Outros Bispos seriam alvo da, ferocidade pom- 
balina ; mas sobre elles não alcancei, por agora, a 
necessária averiguação. 

Senhoras presas e encarceradas 

A Marquesa d\4iorna, filha da Marqueza de 
Távora, D. Leonor, que esteve presa no Convento 
dos Grillos e de lá levada ao cadafalso de Belém, 
foi encarcerada no Convento de Chellas, com suas 
duas tilhas, 

D, Leonor d' Almeida, filha da Marqueza de 
Aloma, encarcerada com a mãe, sendo de edade 



■Mitt 



252 O Marquez de Pombal 



de 8 annos, saindo de Chellas, aos 26, por morte 
de D. José ; é uma das senhoras portuguezas mais 
illustres nas lettras, insigne poetiza, conhecida pelo 
nome de Alcipe. 

D, Maria d'Alineiday a Daphe, irmã da an- 
terior. 

Condessa dWthoiLguia, filha da Marqueza de 
Távora, encarcerada no Convento de Santa Clara 
de Sacavém ; 

' Dtiqueza d* Aveiro, no Convento do Rato, onde 
morreu pobre, desamparada, reduzida á condição 
de creada, chegando a andar descalça e rota, ella 
a mais opulenta fidalga do reino ! 

A Marqueza de Távora, D. Thereza, a repu- 
tada adultera, com suas duas filhas, residente no 
Mosteiro dos Santos, com 30 moedas por mez e 
ordem de receber as pessoas de sua amisade , , . 

E' de presumir que a lista das fidalgas presas 
seja maior ; mas por agora basta. Os leitores fa- 
çam seus considerandos sobre o ministro de Esta- 
do que prende senhoras e meninas. . . sem se di- 
zer porque? 

Prisão de fiLdalgros da primeira nobreza 

Conde d'Obidos, encarcerado na Torre de S. 
Julião e ao depois transferido para as masmorras 
do forte da Junqueira, onde morreu ao desamparo 
corporal e espiritual ; 

Conde da Ribeira, encarcerado na Junqueira, 
onde morreu de doença e maus tratos ; 

Conde de S, Lourenço, encarcerado na Jun- 
queira, onde morreu de doença e maus tratos ; 

Marquez de Gouveia, filho do Duque d'Aveiro, 



o Abxrquez de Pombal 



encarcerado na Junqueira, na edade de dezoito 
annos ; 

Marquez d'Aiorna. encarcerado primeiro na 
Torre de S. Julião, e ao depois transferido para a 
Junqueira ; 

Visconde de Villa Nova da Cerveira, no Caí^- 
tello de S. João da Foz do Douro, onde morreu, 
depois de ter sido Embaixador em Aladrid e exer- 
cido outros altos cargos. 

Visconde de Fonte do Lima, encarcerado tam- 
bém no Castello da Foz ; 

Nuno de Távora, irmão do Ivlarquez de 7 ava- 
ra, o assassinado no cadafalso, coronel de cavai- 
laria de Chaves, encarcerado na Junqueira ; 

J-oâo de Ta^vora, irmão dos anteriores, coronel 
de dragões, morreu na Junqueira, em grande des- 
amparo, e muito vexado pelo carcereiro ; 

P. Manuel de Souza Calhariz, ex-embaixador 
na corte de Vienna d'Austria, onde casou com a 
Princeza D. Marianna Leopoldina d'Hol>;tein, filha 
do Duque austiiaco Frederico Guilherme Holstein, 
capitão da Guarda real allemã, preso por simples 
suspeita de que sabia da conjuração, encerrado na 
Torre do Bugio, onde. morreu em desamparo, sem 
soccorros corporaes nem espirituaes, recusando-se 
o carcereiro a chamar medico e Padre, 

Os filhos, ainda crianças do Marquez dWloma 
e Conde d'Athouguia, os quaes foram entregues 
aos Padres da Missão, com ordem de nunca os 
deixarem sair. 

Grrande numero de Padre» 
presos, encarcerados e deportados 

Mgr Sampaio, Cónego, da Patriarchal, irmáo 
do então Bispo do Algarve, muito acceito ao Kei, 



254 ^ Marquez de Pombal 



e muito considerado por toda a Lisboa pela cari- 
dade e coragem que desenvolveu por occasião da 
catastrophe do terramoto, carregando cadáveres ás 
costas ; 
^ Mgr. Agtiiar, também Prelado da Patriarchal ; 

Mgr, Nogueira, idem; 

Mgr. Magalhães, idem. 

Por occasião de prender o Bispo de Coimbra 
D. Miguel d' Annunciaçào mandou o Conde de 
Oeiras prender também I^adres Cruzios=i7. 

Religiosos de outras Ordens=2o. 

Em 1765 por causa duma certa circular da 
Prioreza do Convento do Santíssimo de Lisboa, 
dirigida aos Parochos, pedindo-lhes exhortassem 
os tieis a concorrerem com mais devoção e fervor 
ao acto da guarda a N. S. no dia e noite de 
Quinta-feira Sancta, julgada a carta sediciosa, 
mandou prender Padres seculares=7. 

Os P>ades Dominicos do Convento da Paixão, 
confessores no Convento, também foram presos e 
carregados a ferros. 

A Prioreza expulsa, e os dois Conventos fe- 
chados. 

D. Estevão., frade cruzio, ex-Mestre dos Meni- 
nos de Palhavã, encarcerado na Junqueira. 

D. Joào 6.°, também frade cruzio, encerrado 
na Junqueira. 

Cónego José Maria, encarcerado na Junqueira, 
onde por fim enlouqueceu e morreu. 

Padre António Rodrigues, na Junqueira. 

Padre Jodo de Macedo, oratoriano, idem. 

Fr. Clemente, frade barbadinho, encarcerado na 
Junqueira ; 

Fr. Illuminato, idem ; 

Fr. Manuel Guiniardes^ idem. 



o Marquez de Pombal 255 



Padres Jesuítas 

Padre José Moreira, ex-confessor do rei D. 
José e da Rainha ; 

Padre Jacintho da Costa, ex-confessor do 
Príncipe D. Pedro ; 

Padre Joào de Mattos, Procurador da Casa 
professa de S. Roque de Lisboa ; 

Padre Timotheo de Oliveira, ex-confessor da 
Princeza do Brazil ; 

Padre José Perdigão, Procurador da Compa- 
nhia na provincia de Portugal ; 

Padre Francisco Duarte, Chronista da provincia 
lusitana ; 

Padre João Alexandre, Procurador geral da 
provincia do Malabar (índia) ; 

Padre Joào Henriques, Provincial de Portugal ; 
Padre Ignacio Soares, Professor de Theologia 
no CoUegio de Coimbra ; 

Padre Diogo da Camará; 
Padre Francisco de Portugal ; 
Padre Joào de NoronJta, todos três pertencen- 
tes ás mais nobres famílias portuguezas. 
Prezos em Azeitão=i33. 
Na noite de i6 para 17 de setembro de 1759,. 
foram conduzidos no meio duma escolta para a 
margem do Tejo e ahi embarcados no brigue 6*. 
Nicolau, que os foi desembarcar na Itália, em Ci- 
vita-V"ecchia, onde chegaram em 24 de outubro» 
na maior miséria. No brigue 6*. Boaventura foram 
mettidos em montão, tirados das prisões, e envia- 
dos também para Itália, mais 120; pouco depois 
' embarcaram na barra do Porto, em dous navios 
suecos=36o. 



2 56 O Marques de Pombal 



Eram quasi todos do Collegio de Coimbra, Bra- 
ga e Porto. 

Emfim calculam-se em mil e quinhentos os Je- 
suítas entre os do reino e os que andavam nas 
missões da' America, Africa e índia, e que vinham 
chegando ds carregações para serem confiados ás 
ondas do mar, que enguiiu dezenas. Só dos que 
vieram do Brazil diz Latino Coelho que morreram 
na travessia trinta e oito. 

Dos que estiveram presos na Junqueira, Azei- 
tão, S. Julião da Barra, S. João da Foz e Belém, 
por não poderem resistir á dureza do encerro mor- 
reram 8o. 

Em seguida á morte de D. José, em 1777, por 
ordem dá Rainha, mandou o governo portuguez 
averiguar quantos Jesuitas portuguezes desterra- 
dos sobreviviam ainda na Itália, e oííicialmeote se 4^ 
soube que existiam os seguintes : ^ 

Em Roma, no palácio de Lora, estavam 220 ; 
idem, no palácio inglez, 150; idem no Transteve, 
iio; em Erascati, quinta Rufinella, 140; em 
Castello-Gondolfo, 140; em Urbania, 130; em 
Poggio, imperial de Pesano, 130; total, 1:020. 

A todos sustentava a caridade dos Papas. 

Uma carta, das muitas que se lêm na obra de 
Navarrette, assim descreve os tormentos e traba- 
lhos que os Jesuitas padeciam nos calabouços : 

«A narração das dores que tragam aquelles 
heroes, cheios de Deus, espantará a posteridade ! 
Difficilmente se acredita que homens de vida irre- 
prehensivel, sepultados vivos em fumas estreitas e 
tenebrosas, onde não penetra luz nem ar, e tão 
húmidas que a palha que serve de leito aos pre- 
sos em poucos dias apodrece e se torna uma es- 
terqueira; bandos inteiros de ratos arrancando o 



o Marquez de Pombal %bj 



pão das mãos dos condemnados, e passeando-lhes 
sobre o rosto, em quanto dormem; insectos de 
toda a natureza, uma bicharia infecta, nascida na 
immundicie e na miséria, as roupetas despedaça- 
das por tal maneira que estes desgraçados são 
obrigados a servir-se de uma pouca de palha ou de 
um miserável pedaço do cilicio; o tormento da 
fome, porque raro é o dia em que cada um tem a 
ventura de receber seis onças de pão de rala; car- 
cereiros brutaes e ferozes que os tratam da ma- 
neira a mais indigna, emfim, uma obscuridade 
continua, alumiada pelo clarão frouxo de uma 
alanterna que, muitas vezes, á mingua de azeite 
se apaga, porque de propósito- lh'o não deitam! 

«Alguns destes infelizes teem sido despojados 
de suas imagens, verónicas, e até do seu brevia- 
y . rio. ,^;-Õutros estão cobertos de ulceras; e está lá 
um Padre ancião que não tem habito que o cubra 
e cujo corpo é uma chaga da cabeça até aos pés! 
Este desgraçado velho que não pode mover os 
braços, é obrigado a comer com a cabeça sobre a 
terra para tomar o alimento com os dentes e sor- 
ver a agua com a lingua. Nem missa, nem medi- 
co, nem Sacramento. . .» (^) 

Prisões de seculares notáveis 

Martinho Velho, o opulento negociante, des- 
terrado para Angola, onde morreu ; 

António Freire d' Andrade Encerrabodes, em- 
baixador em Roma, donde foi removido para ser 
collocado o Commendador Almada, primo de Pom- 

{}) Vida do Padre Malagriia, pelo Padre Mury, 

M. 167 a 168. 

u 



258 O Marquesi de Pombal 



bal, e enviado para a Hollanda ; ao desembarcar no 
Tejo, em dezembro de 1759, na volta a Portu- 
gal, foi logo preso, á ordem do rei (que nunca tal 
soube) e encerrado na Junqueira, donde ainda 
saiu já muito velhinho — passante dos 80 annos ; 
Dr, António da Costa Freire, Procurador da 
Fazenda e Advogado fiscal da Coroa, reputado o 
primeiro jurisconsulto do seu tempo, encarregada 
do interrogatório dos Tavoras. Como concluísse 
pela sua innocencia, Pombal o suspeitou ao rei de 
envolvido na conjuração, encarcerou-o na Jun- 
queira, onde morreu; 

Manoel António do Gradil, preso juntamente 
com o anterior ; 

Salvador Soares Cotrim, escrivão do fisco ; 
Gonçalo Christovào, parente dos Tavoras e 
Mascarenhas, da Casa de Aveiro, fidalgo com a 
senhorio da Teixeira entre Douro e Minho; en- 
carcerado na Junqueira; 

Jodo Bernardo, sobrinho do anterior. 
E outros e outros, ás dezenas, e ás centenas. 
As prisões, por suspeitas, eram de todas as horas. 
Na noite de 6 de outubro de 1759, uma grande 
quantidade de presos que havia na Junqueira, fo- 
ram transportados, um a um, no meio duma es- 
colta, para bordo dum navio de guerra. Estes des- 
graçados, para não serem conhecidos, nem mesmo 
pela voz, iam amordaçados e com uma mascara 
no rosto. Na mesma noite o navio fez-se á vela 
em direcção ao Maranhão. O nome dos desterra- 
dos e o que foi feito delles ficou mysterio impe- 
netrável. \^) Ninguém tinha seguro o dia seguinte. 
Os cárceres da Junqueira chegaram a estar atu- 

fi) Altos feitos, pg. 83. 



o Marquez de Pombal a 5q 



Ihados; o mesmo no forte da Junqueira, de S. Ju- 
lião, da Foz e demais prisões do Estado. 

Quando a Rainha, D. iMaria í, á morte do pai, 
D. José, mandou abrir as portas dos cárceres, em 
que jaziam tantos infelizes innocentes, acharam-se 
ainda nas prisões do Estado 800 presos, e mais de 
2:000 encontraram nelles o termo de sua existên- 
cia. Alguns haveriam delinquido, diz Latino Coe- 
lho, mas sem f jrma de processo desfalleciam, desde 
largos annos, em apertados calabouços, como que 
mortos para o mundo e para a familia, que intei- 
ramente ignorav^am se haveriam succumbido no 
lento supplicio dos seus estreitíssimos encerros. 
Aos outros condemnara-os apenas a sua desaftei- 
ção ao supremo dominador ou denunciara-os á 
cólera do marquez uma palavra indiscreta, um 
dito irónico ou sarcástico, uma allusão maliciosa, 
talvez um silencio interpretado como signal de 
hostilidade ! 

Viva o grande ministro ! . . . 

Pombal dando cabo de dois magistrados 
e de um advogado 

Constou-lhe que o juiz de fora de Torres Ve- 
dras — José Victoríno Loureiro de Mesquita, se 
correspondia com um Jesuita. Mandou-o algemar 
sobre uma besta de albarda e conduzir ao Limoei- 
ro entre soldados. O pai do preso, Desembar- 
gador dos aggravos, Luiz Ignacio Dantas, demons- 
trou testimunhalmente que seu filho estava inno- 
cente. Foi solto, mas nunca mais reintegrado. Mor- 
reu logo. 

O Dr, Lucas Beltrão de Seabra, pai do famo- 
so regalista. . . ministro José de Seabra e Silva, 



26o o Marquez de Pombal 



desembargador do Paço, fora encarregado pelo 
rei, de íazer devassar, com o maior segredo, se as 
queixas dos Jesuitas do Maranhão contra o Go- 
vernador Francisco Xavier de Mendonça, irmão de 
Pombal, eram melhor justificadas que as do dito 
Governador contra os Jesuitas ; veio a devassa do 
Maranhão, saindo mais favorável á Companhia de 
Jesus que ao Governador. O Desembargador Lu- 
cas, para ser agradável a Pombal, mostrou-lhe a 
devassa antes de apresentai -a ao Rei; Sebastião 
de Carvalho, pediu-lh'a por algumas horas ; o sub- 
verviente magistrado cedeu, porque queria coliocar 
os filhos . . . — Sebastião de Carvalho em casa fo- 
lheou o processo, subtrahiu paginas, intercalou 
documentos favoráveis á reputação do mano Fran- 
cisco, e apresentou elle mesmo a devassa ao Rei. 
D. José, logo que o ministro saiu, mandou cha- 
mar Seabra. O attribulado velho foi por casa de 
Pombal, que se negou. Chegado ao Paço, o Rei 
perguntou-lhe pelos papeis do Maranhão. O Des- 
embargador titubeou, dizendo que não tinha ainda 
aberto o pacote dos papeis, por falta de tempo. 
El-rei então mostrou-lhe a devassa, improperou- 
Ihe a sua infidelidade, digna de severo castigo, e 
voltou-lhe as costas. Lucas de Seabra recolheu-se 
ao seu escriptorio, caiu prostrado com anciãs mor- 
taes numa poltrona, e ahi rebentou de paixão, 
como devia rebentar o escravo abjecto de Sebas- 
tião José de Carvalho. (*) 

O magistrado infiel e abjecto teve sua justa pu- 
nição ; mas qual deveria e mereceria ter o indi- 
gnissimo ministro?! . . . 



{}) Perfil.., pag. 23i e 232. 



o Marquez de Pombal aòi 



Porque o dr. Francisco Xavier, advogado no- 
tável de Lisboa, escrevera, a pedido dum opulento 
negociante — Maitinlio Velho — uma fundamenta- 
da allegação contra o Conde de Oe\v^s por desfal- 
ques que faz'a á fazenda real — o Conde, em lo- 
gar de o obrigar a provar nos tribunaes as accu- 
saçòes feitas, propoz, em conselho de ministros, 
que fosse preso, encerrado no forte da Junqueira e 
nelle garrotado; mas os collegas opposeram-se, 
consentindo a permutação em pena de degredo. E 
lá foi mandado, juntamente com Martinlio Velho 
para a Africa, morrendo ambos entre Benguella e 
Angola, i^) 



{^1 O Marquez d* Alorna^ assim conta o caso nas suas 
Prisões da Junqueira : 

«Estando El-Rei em Belém, correu o boato que queria 
passar para o Campo de Santa Clara. Veio por isso Mar- 
tinho Velho ofFerecer-lhe as suas casas, e juntamente offe- 
receu a El- rei milhões^ ou deu arbitrio para se descobrircr.i 
os que fossem it€cessa*ios para a reedificaçào da cidade, 
Disse-lhc El-Rei que falasse naquclla matéria com Sebas- 
tião José; respondeu, pedindo licença para não executar 
aquella ordem, porque com tal homem não queria nenhum 
tracto ; e averiguados os motivos, disse Martinho Velho 
muitas coisas, entre as quaes se achavam grandes des- 
arranjar, da fazenda real. El-Rei mandou que pozesse tudo 
por escripto e que depois lhe fosse apresentado. Para esse 
effeito se valeu Martinho Velho do lettrado Francisco Xa- 
vier, e concluído o papel e levado a El-Rei, disse S. Ma- 
Pestade ao mesmo Martinho Velho que o entregasse ao 
adre Clemente. (Era da congregação dos Barbadinhos 
italianos^ muito acceito ao rei e corte. ) xMostrou este Padre 
grande repugnância de o acceitar. Respondeu ao dito 
mensageiro que quizesse dizer a El-Rei que, nã^ tendo 
nunca querido metter-se com os nego:io> da sua Religião, 
desejava muito que S. M. o livrasse do> negócios temporaes. 
Contra isto argumentou Martinho Velho muitos dias, pro- 
curando persuddir ao Padre os grandes proveitos espiri- 
luies que se seguiriam da sua docilidade nesta matéria.. . » 
(Pg. b6 a 37.) 



202 O Marquez de Pombal 



O Marquez de Pombal accusado de envenenar 
o Cardeal Patrlarcha 

Eis como o snr. Correia de Barros conta o ne- 
fando caso : 

O Cardeal D. Francisco Saldanha fora um dos 
servidores atrelados ao carro triumphal do Marquez, 
que o elevá^-a a Patriarcha de Lisboa: a elle esco- 
lheu para Reformador-perseguidor dos Jesuítas. 
Kra o Cardeal todo da intimidade assim de Pom- 
bal, como do Rei, que o queria ver a miúdo no 
Paço. Sobreveio o caso dos Aíenínos de Palitava : 
queiia o Marquez condemnal-os á morte; no con- 
selho porem o Cardeal Saldanha se oppòz, e fez 
que todos votassem com elle, e se desse por pena 
bastante o de>terro para o Bussaco. 

Foi o bastante para Pombal lhe ganhar ódio ; e 
como não podesse encontrar pretexto para maior 
procedimento, mandou intimar-lhe ordem, em 
nome de El-Rei, para que não voltasse ao Paço, e 
saisse da capital. Obedeceu o Cardeal; extranhou 
o Rei a ausência, inquina a todos a razão delia; 
ninguém lh'a sabia dar; perguntava a Pombal; e 
este, aproveitando o lance para a intriga: Ahi tem 
r. Magestade como elle c amigo!,,. Um dia o 
Rei, por casualidade, vem no conhecimento do que 
é passado; indignado, manda chamar Pombal, cen- 
sura-o asperamente, e ordena-lhe que sem denRora 
faça apparecer no Paço o Cardeal. Cumpriu a re- 
gia vontade. D. José significa ao Cardeal o pesar 
grande que lhe causara o proceder abusivo do 
Marquez; fez depois que se congraçassem. 

Passados dias, o Marquez convidou o seu ami- 
go Cardeal para um jantar, em que esteve muito 
satibfeito. 



o Marquez de Pombal 263 



Poucos dias depois adoeceu e morreu exqui- 
sitamente, em o primeiro de novembro de 1776. 
Foi crença então que fora envenenado no jantar. (^) 

Um Coronel enforcado e innocente 

Thomaz Luiz Osório, Coronel do Rio-Grande» 
muito elogiado pelo Vice-rei Freire de Andrade, 
foi denunciado ao Conde de Oeiras como prote- 
ctor de um Jesuita secularisado. O ministro man- 
dou-o prender em ^tinas-Geraes e conduzir a Lis- 
boa. Foi recolhido ao Limoeiro, e pouco depois 
sentenciado a morrer na forca. O condemnado re- 
quereu revisão de processo — pediu que o deixas- 
sem defender-se pessoalmente. O Conde de Oeiras 
mandou que se regeitassem embargos e supplicas. 
Foi o Coronel Osório enforcado na Cruz dos Qua- 
tro Caminhos. Decorridos dois mezes chegou de 
Minas Geraes uma devassa em que se demonstra- 
va que Luiz Osório estava innocente. O Conde 
então mandou magnanimamente que se affixassem 
nas esquinas editaes declarando, para beneficio 
dos descendentes do enforcado, que o Coronel 
fora condemnado sem cttlpa. Assim o conta Ca- 
millo. Viva o Marquez, defensor da liberdade] . . . 

Um artista esquartejado vivo e reduzido a cinzas 

Viera para Lisboa o extrangeiro João Baptista 
Pelle, italiano ; ensinava pintura em casas particu- 
lares. Morava numa casa do Largo do Corpo Santo; 
tinha por visinho na mesma casa o medico Luiz 
José de Figueiredo, morando este no i.® e Pelle 

(1) Altos feitos, pag. 108 e loq. 



264 o Marquez de Pombal 



no 2.° andar. Foi a perdição de Pelle um tal visi- 
nho, recemvindo do Brazil, onde não ganhara a 
fortuna que sonhara. O homem tinha errado a vo- 
cação ; de récipes não intendia ; toda a sua queda e 
geito era para esbirro e bufo ; por isso foi denun- 
ciar o homem a Pombal, acoimando-o de conspi- 
rador; prestou-se a levar o pobre pintor ao en- 
gano, dizendo-lhe haver em Belém uma pessoa 
que desejava aprender a pintura e que o encarre- 
gara de lhe falar ; como o pintor se promptificasse 
a dar licçoes, metteram-se numa caleche, e roda- 
ram para Belém, paiando perto do forte da Jun- 
queira ; apeiou-se o medico denunciante, dirigiu-se 
a casa do Juiz da Inconfidência; desconfiou logo 
o italiano ; largou a fugir, até que o agarraram e 
metteram nas masmorras da Junqueira, Instaurou- 
Ihe o Conde de Oeiras o processo, em que era 
accusado de tramar contra a vida do primeiro mi- 
nistro, dando-se como prova teriem-lhe encontrado 
em casa um pequeno barril com pólvora, mettido 
nunoa arca encourada, uma folha de Flandres toda 
furada, uma caixinha de latão amarello, três mol- 
des de chave — um de papel e dois de cera, três 
bombas de arrátel e meio de pólvora cada uma, e 
mais quatro cartuchos de pólvora, de airatel cada 
um com um bilhete enigmático, escripto em hes- 
panhol. Foi o desgraçado mettido á tortura, e 
nunca conseguiram a menor confissão ; negou 
sempre que tivesse fim criminoso ; a policia do 
Conde de Oeiras não conseguiu descobrir rasto 
dos conspiradores. Os juizes tinham deante de si 
apenas bombas, pólvora e uns moldes de chaves ; 
e sem outra prova, os juizes da Inconfidência con- 
demnaram o infeliz pintor ; a sentença foi lavrada 
por indo do próprio Conde de Oeiras, c é do theor 
seguinte : 



o Marquez de Pombal 265 



€ Justiça que el-rei nosso senhor ntanda fazer 
neste réoy chamado João Baptista Pelic^ genovcz de 
nação, que seja conduzido em u*n carro, insignias 
de fogo, ao largo da Praça da Cordoaria, no sitio 
da Junqueira, e alli vivo lhe sejam cortadas as màos^ 
e que depois seja tirado e desmembrado por quatro 
cavallos, e feito seu corpo em pedaços que scrdo con- 
sumidos com fogo ate (içarem reduzidos a cinzas, as 
quaes se lançarão ao vento; e isto por conjurar com 
outros sócios cont7'a a vida do illustrissimo e excel- 
lentíssimo Marquez de Pombal, primeiro ministro e 
secretario de estado, immediato d real pessoa, e seu 
logar tenente, sendo-lhe adiado para o execrando 
assassinato instrumentos de fogo, para com elles o 
executar no faustissimo dia dos annos da sua real 
estatua equestre. 

Lisboa 12 de outubro de iJTS-^ 

Lviz Soriano declarít que este documento foi 
tirado por copia do original, de lettra do próprio 
Marquez de Pombal. Pinheiro Chagas transcreve 
outro, substancialmente o mesmo, mas de redacção 
difterente, e com data de i de outubro ; e mais diz 
que a sentença foi executada no dia 1 1 de outu- 
bro de 1775. Sendo assim, é claro que a sentença 
não pode ser de 12. Descreve assim a scena da 
execução selvagem : 

«Correra tudo com o maior segredo, e ninguém 
sabia do processo nem da sentença quando a no- 
ticia da marcha de dous regimentos de infanteria 
e dous de cavallaria por aquelle sitio, juntamente 
com a da partida de dous algozes, veiu informar 
os lisbonenses de que alguma execução se prepa- 
rava. Correram logo os espectadores, e efectiva- 
mente, por entre o nevoeiro dessa brumosa ma- 
nhã de outomno, viram apparecer, d'ahi a pouco 



266 O Marqtuz de Pombal 



tempo, um carro onde vinha um homem amarrado 
a um cepo e acompanhado por três frades francis- 
canos. Rematavam o cortejo os dous algozes, e 
atraz delles quatro cavallos, dispostos em forma 
d^aspa, tudo isto cercado de muita tropa. O pade- 
cente apeiou-se do carro e, em conformidade da 
sentença, cortaram-se-lhe as mãos ; depois amar- 
raram-no aos quatro cavallos, dispostos em forma 
d'aspa, e espicaçaram os animaes para que partis- 
sem a galope, esquartejando o infeliz. Eram porem 
os cavallos muito ordinários e não tinham força para 
o que delles se exigia, resultando d'aqui o martyri- 
sarem a desgraçada victima, que esteve padecendo 
tratos infernaes durante mais de um quarto d'hora. 
Os esforços dos cavallos, sem conseguirem esquar- 
tejar o réo, bastavam para lhe deslocar os ossos, 
romper as veias e infligir-lhe tormentos inimaginá- 
veis. Era todo sangue o desgraçado ; os seus 
giitos lastimosos condoiam a todos, a ponto que 
os frades desfalleceram, sendo necessário que um 
outro franciscano, P>. Manuel de Ribas, que era 
mero espectador, corresse a substituil-os. O geno- 
vez, dilacerado, sanguinolento, clamava, exorava 
os seus algozes que o matassem; finalmente o Juiz 
da execução disse-lhes que o afogassem com um 
lenço e elles assim o fizeram, mettendo-lhe o 
lenço na bocca e apertando-lhe as guellas, até que 
o ultimo alento vital se exhalou de todo nessa pu- 
gentissima agonia. Ainda com tudo isso não se 
contentou a implacável justiça desse tempo, e, 
morto o réo, accendeu-se uma fogueira, onde fo- 
ram reduzidos a cinzas o cadáver, o cepo e o 
carro.» {^) 

\}\ Hist. de Portugal, de P. Chagas, tom. lo, pg. 
3o3 a 304. 



o JÊÊrqmtg^ tát Pombal 



Por sua parte Camiilo jo menta as5irn : 
'QuGOi lè o processo do aenovez, quanto poce 
deprehender-se do Aczordam, rasgi as pagrnas 
dessa crudeiisama infâmia impressi, ou, se e •'^eu- 
gmatico, gela de vergonha ieance da pp^ter/ia e 
da dt^eneraçãú a que poiem z::egar os nossos 
iimâos evolutivos de pac:ric3à >:onilas. A irTocerr- 
cia do homem atassalhado zrn^ra e :r.irsi'_:z io 
tenebroso depoimento da uni ca Testemunha >. ^ A 
uMica Ustimunlta Ím\ o medico d-nunc:an:e que se 
deu a Cbte honroso mister, em cata de pitxnçz. que 
de certo sahiu da comucocia pombalin;», que era 
generosa para tod(3S os issaiah.idos. 

As chammas desta innumana rogueira podiam 
ser os últimos clarões deste reinado do terror, sem 
similhante em P«)rtagal de o ãecuios: e todavia 
nâo passaram de aurora boreal, percurs<3ra dum 
grande incêndio, ateado pela malvadez do hediondj 
déspota, a quem as sevas execuções incendi .vam 
«^s instínctos canibalescos. Por ultim.o quiz imitar 
Nero. Nào mandou queimar Lisboa, mas incendiar 
a Trafaria, 

A ultima atrocidade 

<A noite err^. de janeiro. D. José i." entrava na 
agonia dos seus derradeiros 30 dias. Era em 23. 
Hora a hora, contadas as cizes dos insultos e des- 
falecimentos, em 21 de fevereiro, um mez depois, 
o rei expirava. Faltava ainda uma grande atroci- 
dade no reinado do moribundo devasso. O Marquez, 
na presença do s^u real amo e collaborador que 
se estorci i com dores c gritava que se lhe quebrava 

(1) />^/yí/, pg. 270. 



208 o Marquez de Pombal 



uma perna ao mudal-a entre duas alnnofadas, me- 
ditava naquella noite um castigo estrondoso, um 
remate para a meda. 

<Na praia da Trafaria, onde viviam 5:000 pes- 
soas, companhas remediadas de pescadores, muitas 
mulheres e creancinhas, havia um centepar de 
intrusos, caridosamente acolhidos pela tri.bu" traba- 
lhadora e boa dos homens do mar. Eram filhos do 
povo foragidos ao recrutamento. A Hespanha amea- 
çava-nos. O Marquez dispunha dum mesquinho 
exercito de 40:000 homens. O Almirante de Cas- 
teila surgira no Tejo com doze náos alterosas, 
como outr'oia os galeões de Philippe 2P, Toda a 
marinha portugueza era doze nács de linha e algu- 
mas fragatas. No entanto, o erário continha 75 
milhões, amuados, estéreis, escondidos como um 
roubo; e o Marquez era... o primeiro estadista 
que ainda viu Portugal ! Fazia-se um recrutamento 
acelerado e violento. Os mancebos da industria, 
dos officios e da lavoura acolhiam-se á Trafaria^ 
ensaiando uma republica, labutando na pesca. O 
Marquez de Pombal tinha 78 annos e o coração 
de palmo e m.eio, cada vez mais empedrado e cheio 
d'aquelles seixos que lhe encontrou o dr. Picanço. 
Em viscera tão cheia de cascalho já não cabia um 
sentimento generoso. Laceravam-no por dentro os 
arpões da vingança — queria sevar-se, remoçar-se 
no sangue d'aquella ralé que, alli, defronte de Lis- 
boa, ousara insultara sua auctoridade, fugindo lhe. 
*Cercal-os, manietai- os, chibatal-os na recruta, 
pol-os na deanteira do exercito em batalha, com o 
peito ás balas, pareceu-lhe desforço muito suave, 
impróprio dos seus precedentes. Resolveu quei- 
mal-os numa grande fogueira, que enroscasse 5:000 
vjctimas, mulheres, velhos, creanças, enfermos, com 



o Marquez de Pombal 269 



as serpentes das suas lavaredas. Na véspera do 
século XIX só ao Marquez de Pombal podia acudir 
o alvitre, de abrazar uns rapazes que fugiam á 
desgraçada vida militar em Portugal. 

«Chamou Diogo Ignacio de Pina Manique, In- 
tendente da policia, deu-lhe uma ordem lacónica, 
e pôz á sua disposição 300 soldados e algumas 
dúzias de archotes. (^) 

A gente da Trafaria adormecera cançada da 
lucta com os escarceos. A invernia fora grande. 
Manique, por alta hora da noite, atravessou o 
Tejo em faluas com os trezentos soldados. Ao 
romper da aurora de 24 de janeiro de 1777, a 
Trafaria estava cercada por um cordão de tropa. 
Da fileira sairam alguns soldados com archotes ac- 
cesos. Eram de tabique e colmas todas as casas. 
A um tempo, rompeu o incêndio nas choupanas, 
circumjacentes aos arruamentos interiores, onde 
havia grandes depósitos de viveres em barracas 
de lona. O fogo cruzou em linguas rubras que a 
ventania serpejava dumas casas para o colmo das 
outras. Despertaram aquellas cinco mil vidas na 
suffocação da fumarada e no estralejar das madei- 
ras. 

Os desgraçados corriam nús por entre as cham- 
mas. Alguns levavam sobraçados os seus doentes, 
os seus velhos e as suas creanças. Desses morre- 
ram bastantes que não poderam romper o assedio 
do fogo, alem do qual estava o assedio da tropa. 

{}< Pinheiro Chagas diz que foram sessenta homens 
de cada um do3 quatro regimentos de infanteria, que tinha 
a capital, e prefaz — duzentos e quarenta, e outros sessen- 
ta de cada um regimento de cavallaria, dos trez que 
tinha a cjpital, e prefaz— cento e oitenta; total —qua- 
trocentos e vinte. Hist. l ort. tom. 10, pg. 3 16. 



270 o Marquez de Pombal 



Muitos salvaram-se porque os soldados, compade- 
cidos, transgredindo as ordens de Manique, abri- 
ram clareiras por onde escapassem. E os que se 
escapuliram levaram comsigo a nudez e a fome, 
porque todos os seus haveres fumegavam nas cin- 
zas do pavoroso incêndio. 

«Este quadro faz de si tamanho horror e tanta 
affronta á espécie humana que envergonha o pro- 
trahil-o. Um historiador que denomina o Marquez 
de Pombal — primeiro historiador português e o 
iniciado^' do governo representativo^ o snr. Soriano 
termina assim a narrativa dos flagícios da Trafa- 
ria : ^Foi esta finalmente a ultima das muitas bar^ 
baridades que tào memorável fizeram a administra- 
ção do Marquez de Pombal^ concluindo assim a 
carreira despótica do seu governo com o da tyran- 
nia, sem que talvez ainda lhe ficasse satisfeito com 
ella o seu barbara coração, 

« Hurrah ! pelo primeiro estadista portuguez ! 
Hitrrahl pelo iniciador do gover^to representativo /» \^\ 

O homem que tal faz não é homem, é mons- 
tro com forma humana. Pois a este é que os libe- 
raes dos differentes matises, assoprados pela ma- 
çonaria, pretendem erigir uma estatua! 

{}) Perfil,., pg. 287 a 290 



CAPITULO YIII 

Ajs mãos ^^impas^^ do Marquez ds Pombal 



RSST7MO 

Como ajuntou e deixou milhões no thesouro publico; como 
ajuntou sua casa e fortuna colossal; testimunhos de 
Camillo e Latino Coelho; o Marquez reu confesso de 
roubos, e pedindo delles e de seus delictos humilde 
perdão ; decreto que o condemna e lhe pí^rdoa ; con- 
clusão ; o caso do monumento ; opinião de Ramalho 
Ortigão e de Camillo ; Theophilo Braj-a e Guerra Jun- 
queiro apreciando o Marquez de Pombal. 

Carta que o Marquez mandou do outro mundo aos liberaes. 



Como Pombal ajuntou milhões nos cofres 
do Bstado 

I luçAMos Camillo: 

^^ «Dizem uns que o Marquez deixou nos co- 
fres do estado 75 milhões de cruzados [^). Outros di- 
Tfem 40. Admirável coisa é que não deixasse mais. 
Elle tinha artes financeiras originalmente rendo- 
sas. Não farei grande caso das ordinárias e tri- 
viaes, nos governos absolutos, como estas: 

«O confisco e apropriação para a coroa dos 
haveres dos fidalgos mortos, dos presos e dos des« 
terrados; 

(^) Ou sejam 3o:ooo contos de reis. 



272 o Marquez de Pontoai 



<^As rendas das commendas vagas e não pro- 
vidas; 

«O confisco dos bens da Companhia de Jesus» 
muito rendosos principalmente na America; 

«A venda dos mosteiros dos Cónegos Regran- 
tes e d'outras ordens reduzidas; 

«Annexação á coroa das propriedades em Ame- 
rica e Africa, capitanias concedidas aos descobri- 
dores, povoadores e cultivadores por D. Manuel e 
D. João III; 

«A enorme capitação sobre os escravos do 
Brazil; 

*As grossas rendas do patriarchado, converti- 
das em pertenças do erário régio; 

O gravíssimo imposto de guerra que desde 
1762 onerou a naçào, a pretexto da guerra com 
a Hespanha, que não passou de ligeiras escaramu- 
ças, não obstante o que o imposto e derrama con- 
tinuou e nunca mais a largou; 

Em 1764 as naus dos quintos trouxeram das 
minas do Brazil, Rio e Bahia, 15 ^/^ milhões de 
cruzados, ou sejam 6:000 contos de reis, 220 ar- 
robas de ouro em pó e folhetas, 437 arrobas de 
ouro em barra, 48 arrobas de ouro lavrado, 42^03 
peças de 6$40o reis — cerca dj3 274 contos de reis, 
— 8:871 marcos de prata, 3:o36 oitavas e 5 quila- 
tes de diamantes, etc. — Quem assim recebia não 
é maravilha que assim juntasse; o que admira 
realmente é que não ajuntasse mais, quem só um 
anno recebeu mais de 10:000 contos de reis ! 

Ao Conde de Valladares, ex-govemador da 
capitania de Minas Geraes, pediu, de empréstimo, 
ao chegar ao reino, 90:000 cruzados — 36 contos 
de reis, e nunca mais lh'os deu. 

Ao Conde de Ega, ex-Vice-Rei da índia, logo 



o Marquez de Pombal 273 



que regressou ao reino, o mandou prender em 10 
de dezembro de 1766, pol-o sob ferros no Castetlo 
de S. Filipe de Setúbal, sequestrando-llie egual- 
mente as grandes riquezas que trazia e todos os 
bens. O Conde cegou na cadeia, chegou a recu- 
perar a liberdade, nunca porém a fortuna ou parte 
d*ella, pelo que viveu de esmolas. 

Ao desembargador João Fernandes arrancou 
1 1 milhões de cruzados — 4:400 contos. 

Ao imposto de capitação de 3S500 reis por 
-cada preto importado de Africa tirou elle milhares 
de contos, porque então o negocio da escravatura 
estava florentissimo (^). Com taes fontes de receita 
admiram-se certos berradores de palavras e escri- 
ptores de botequim que o Marquez de Pombal 
deixasse nos cofres 75 ou 40 milhões! 

«O que vai de lagrimas e de sangue n' esses 
viilhões ! Os bens dos fidalgos, dos jesuítas, dos ni- 
7neiros, dos vice-reis, dos escravistas, do povo ator- 
mentado com impostos ...» 

Como Pombal ajuntou sua fortuna colossal 

Camillo Castello Branco accusa Pombal : 
I.** de empalmar «aos senhores de Fermedo, 
da Teixeira e do Bom Jardim uns vinculos da casa 
do Marquez de Montalvão, de que era cabeça um 
palácio que o terramoto destruiu, em Lisboa, de- 
fronte da egreja do Carmo», retomando este plei- 
to, que o avô e pai tinham perdido, apesar dos 
documentos forjados, quando era ministro ; (•) 
2.° de ter egualmente roubado o morgadio e 



(1) Perfil, pg. 273 a 28o. 

(«j Perfil do Marquez de Pomòalj pag. 68 a 75. 



274 O Marquez de Pombal 



albergaria da villa do Carvalho, que andava na 
casa do Conde d*Athouguia, que o Marquez fez 
assassinar (não lhe cabe outro nome) no cadafalso 
de Belém, implicado com os Tavoras. O Conde de 
Athouguia tinha sido encabeçado no morgadia 
pelo senado de Coimbra em 1756, quando Sebas- 
tião José era já ministro ; o Conde foi justiçada 
a 13 de fevereiro de 1759, e já a 19 de fevereiro 
Sebastião José era chamado á posse do vinculo do 
Conde garrotado, e mais tarde por carta regia de 
9 de janeiro de 1770 esbulhou o Senado de Coim- 
bra do direito de nomear administrador do morga- 
dio, conforme a instituição do fundador. O vinculo 
rendia aos senhores de Athouguia 590S000 reis 
por anno, muito pouco ao que podia render, se os 
foreiros fossem obrigados, como mais tarde fez 
o Conde de Oeiras, nomeando Juiz privativo da 
cobrança dos foros e rações que os rendeiros lhe 
devessem na forma de foral e antigo costume. Nas 
mãos d'este amigo do povo o limão foi espremido 
e deu, deu ... O 

3.* de dar sumisso á grande casa de Alexan- 
dre de Gusmão, que fora ministro de D. João V, e 
um dos homens mais illustrados e argutos do seu 
tempo, falecido em 1753, já viuvo e depois de ter 
também perdido em 175 1 dous filhos que teve. 
A casa de Alexandre de Gusmão tinha 19:000 
cruzados de renda, rendimentos que elle particu- 
larisa numa carta datada de Lisboa aos 19 de fe- 
vereiro de 1749, dirigida ao seu amigo Padre João 
Monteiro Bravo. Só o prazo de Corte da Villa en- 
tre Azambuja e o Tejo, custára-lhe 40:000 cruza- 
dos em 1749. E os bens que tinha no Brazil? Emi 

(}) Perfil do Marquez de Pombal^ pg. 76 a 78. 



o Marquez de Pombal 275 



fim, onde se afundiu o capital que rendia 19:000 
cruzados ? pergunta Camillo. Um aviso de Sebas- 
tião de Carvalho, em data de 12 de maio de 1755, 
ao Corregedor do Civd da Corte — Francisco Xa- 
vier de Mattos Broa manda «remetter para juizo 
do inventario — para nelle ser vendido — um iaço^ 
fita do pescoço e uns brincos de diamantes e rtibis^ 
— que tinham sido da esposa. Uma casa que ren- 
dia annualmente 7:ôoocooo, e que tem necessi- 
dade de vender em leilão taes objectos para paga- 
mento de dividas . . . é um mysterio que só Pom- 
bal poderia explicar. (^) 

4.* de ter roubado a mobilia mais preciosa do 
palácio de Falhava, repartindo ainda com os ami- 
gos porque ella dava para tudo. O palácio de Fa- 
lhava era a residência dos filhos naturaes de D. 
Joào V e irmãos por tanto do rei D. José, com 
quem o Conde de Oeiras os intrigou, como já re- 
feri. Não deixaram nada no palácio ; fez uma //;«- 
peza geral. «Diz um biographo pouco seguro que 
até os pregos dourados levaram. Isto devia ser 
obra de ratoneiros subalternos. O Conde de Oei- 
ras não se sujava com a pelintra ladroagem duns 
pregos dourados.» \^) 

5.* de concessionário, pois diz ser <^accusado 
de receber 100:000 cruzados annuaes^, dados pela 
Companhia dos Vinhos do Alto Douro, a troco dos 
privilégios que lhe elle deu por vinte annos. (^) 

6."* de deixar uma casa que rendia por anno 
120:000 cruzados — 45" contos de íeis — «adquiri- 
dos pelo desprendimento do desinteresseiro de Se- 



{}) Perfil. . . pg. 96 a 107. 
(2| Perfil,., pg. 96 a 186. 
(») Perfil... pg. 125. 



276 o Marquez de Pombal 



bastião de Carvalho que entrara para o gabinete 
de D. José com o estômago ainda azedado da 
broa de Soure, ao mesmo tempo que se apre- 
goava em hasta publica o habito de Christo de 
Alexandre de Gusmão, muitos annos secretario 
d 'estado e as arrecadas de sua esposa, que tinha 
sido rica.» i^) 

E mais adeante diz: «De algumas dividas 
disse que não se lembrava. Bem podia dispensar- 
se aquelle porco caracter da nódoa de caloteiro. 
Ainda devia a Daniel Gildmeester o adereço de dia- 
mantes que comprara para o casamento do filho. 
Os seus principaes credores eram conventos de 
frades. Claro é que o velhaco não tinha tenção ne- 
nhuma de pagar aos frades. Em tão boa hora que 
os não punha na rua. Os devedores de quem não 
se lembrava citaram-no por um reles meirinho . . . 

« Sobre roubos a particulares mostrou que rou- 
bava para a fazenda nacional, quando lhe pergun- 
taram ips juizes^ que foram devassar a Pombal por 
ordem de D. Maria if) pelos 90:000 cruzados do 
Conde de Valladares.» {*) 

Depoimento de Liatino Coelh.o 

Com quanto Latino Coelho, este não menos 
eximio cultor das lettras pátrias, seja todo enthu- 
siasta pelo Marquez de Pombal, a quem chama 
«verdadeiramente illuminado *, dÀnádi assim, por ho- 
menagem a um certo fundo de probidade litte- 
raria que sempre conservou, como herança da 
educação fradesca antiga, não pode esconder o 

(1) Perfil,., pg. 284. 

(í; PerfiL . . pg. 307 e Soj. 



o Marquez de Pombal 277 



sentimento que experimenta ao ter de confessar 
em publico e raso: O Marquez de Pombal nào foi 
honrado \ . . . 

Historiando elle o libello que contra o Marquez 
apresentou em juizo F^rancisco José Caldeira Soa- 
res Galhardo de Mendanha, por este ter sido for- 
çado a comprar áquelle a Quinta do Porto, em 
Villa Velha do Ródão, pelo preço que o mesmo 
Marquez taxara de 25:000 cruzados, não valendo 
8:000; e por ter sido encarcerado em Abrantes, 
onde residia, depois transferido para as enxovias 
de Thomar, dalli para Lisboa, depois para o Cas- 
tello da ilha da Terceira, sem culpa formada, sem 
processo nem sentença, e sem que ao reu se per- 
mittisse apresentar defeza, e tudo só pelo crime de 
se recusar á compra, logo que conheceu o lo- 
gro ; e ainda por lhe ter tirado a própria adminis- 
tração de sua casa, causando-lhe graves prejui- 
zos, com esta malevolencia. 

Mais o accusava de, por seu de^^potico poder, 
alcançar honras e riquezas á conta das suas atro- 
cidades e terror dos innocentes, por cujos meios 
consegirira formar uma casa tão rica e opulenta 
qual nunca houv^era nestes reinos ... O 

O Marquez de Pombal respondeu com a Con- 
trariedade ao libello e com mais seis Appensos ao 
libello. Quanto á defeza que oppoz á accusação de 
se ter enriquecido a custa alheia, a resposta deixou 
tanto a desejar que o próprio LatiTio Coelho se viu 
forçado a confessar . . . mas demos-lhe já a palavra: 

í^) Libello por acção de lesào enormíssima^ diz 
como auctor Francisco José Caldeira Soares Galhardo de 
Mendanha contra os réus ex,^^ Marquez de Pombal e a 
ex.^^ Marqueza sua mulher, por este e pelo melhor de di- 
reito. . . Num vol. manuscripto entre os muitos de Fr. Vi- 
cente Salgado^ na Bibliotheca da Academia Real das 
Sciencias. 



278 o Marquez de Pombal 



«Mas o ponto onde era mais débil a defesa e mais vul- 
nerável a reputação do estadista era o que se referia aos 
seus escrúpulos e aos meio^ a que se havia soccorrido para 
opulentar a sua família. O Marquez accumulava algarismos 
e razões para demonstrar que licitamente accrescentára os 
seus haveres. Permanecia porem a affrontosa suspeição, 
em alguns casos a evidencia^ de que se não lesara formal- 
mente os cofres públicos, nem perpetrara abertas usurpa- 
ções, se valera do seu poder e auctoridade para facilitar 
negociações indelicadas. , 

«A lista das suas dividas, ao dei\:ar o ministério era 
uma prova de que a influencia dos seus cargos eminentes 
não andara extranha ás transações da sua casa. Por mui- 
tos annos se esquecera de pagar ao Estado quantiosas im- 
posições de que não o absolvera o seu officio. A importân- 
cia dos impostos que ficara devendo era de I2:3i8â65í 
reis segundo a Relação das dividas que serve de documen- 
to elucidativo ao Compendio económico. Algumas das ver- 
bas subiam ao anno de 177 í. 

«Durante o seu governo mutuara sommas valiosas aos 
conventos e mosteiros e — o que menos abonava a sua de- 
licadeza ministerial) — a muitas das repartições publicas e 
aos arrematantes dos contractos reaes da sua dependência 
se fizera devedor, utilisando os artefactos ou os géneros 
que fabricavam ou geriam. 

A' fabrica das sedas devia, por fazeníías e amorei- 
ras— 7:897:^798 reis; á Junta dos fardamentos por baetas 
e pannos da Covilhã— 2.702^700 reis; aos contractadorcs 
do Paço da Madeira — por madeiras vendidas para as obras 
do Marquez— 3:768^000 reis; a David Gildemeester i}) — 



(1) Era um opulento mercador hollandez, cônsul da 
sua nição em Lisboa, mui singular e descaradamente pa- 
trocinado pelo Majquez que lhe dera o contracto ou mo- 
nopólio dos diamantes do Brasil com o que enriqueceu de 
modo que veio a ser entre nós um Cressus. A vivenda 
principesca que fabricou em Cintra, o luxo asiático e o es- 
tádio com que vivia no seu palácio de Cintra tornaram o 
joalheiro, que Pombal (qz millionario, uma das figuras mais 
notáveis da epocha. Alguns extrangeiros escreveram delle 
e da sua sumptuosa vivenda -feita a custa dos reditos do 
thesouro-como maravilha^digna de ver-se. 

Em Lisboa morava o rico joalheiro numas casas no- 



o Marquiz th Pombal 379 



por um adereço de brilhantes pira a casa Pombal^reís 
4:zao3ooo; á Ju^tta de mimiçõis de Aí?fc-a— 7:443^600 reis. 

«Era egualmente devedor ao Deposilo publico e á 
Jufiia das Aguas Livres de verbas na importância de 
39:350^740 reis, cerca de 40 contos de reis. 

«Eram numerosas as parcellas que ficara devendo a 
muitos pariicularts c aos artijices e mercadores^ de cujos 
serviços e fazendas se havia aproveitado* Algumas does- 
tas dividas, cu^o importe era de muitos mil cruzados, da- 
tavam de largos anno>, 

«A omnipotência de Pombal, o terror que ao seu nome 
andava associado e nâo raro o desejo de grangear o seu fa- 
vor e patrocínio^ tornavam generosos e laceis os credores 
que, depois de o verem abatido e humilhado, reclama- 
vam altivamente o seu dinheiro, 

«Por estes e similhantes meios chegou o Marquez a 
ter uma renda annual bastante a instituir dois morgados, 
renda que pela sua saida do ministério bjixou mais de 
metade, porque 05 lisongeiros não sustentaram os altos 
preços porque arrendavam os prédios ou compravam os 
productos, caminho assaz trilhado para grangearem os fa- 
vores do ministro influente, sem parecer que o querem ga- 
nhar, do que produzirei aqui alf^uns exemplos: assim, dei- 
xando Sebastião José de Carvalho a sua casa da rua For- 
mosa para ir , viver na barraca de Ajuda^ foi adita casa ar- 
rendada por 4:000 cruzados annuaes a uma casa ingleza de 
commercio, a qual corria debaixo da firma de Purry, Mel- 
iisi et de l^isnes^ aluguer excessivo para aquelle tempo^ 



I 

I 

I 



bres que Paulo de Cnrvalho^ o Cónego prelaticio da Pa- 
triarchal e Inquisidor Mor e irmão dilecto do Marquez, 
havia comprado por doze contos de reis, no juizo do^ resí- 
duos. Consignara o comprador nas mãos de Giidmeester a 
somma de 3:ooo cruzados annuaes para saldar o preço da 
valiosa acquisição. U nego:Íante, por dispendiosas bemfei- 
torías, converteu a morada primitiva no palácio principal 
do seu constante protector, ajuntando com elle que a des- 
peza se cobrisse com as rendas de tantos annos quantos 
fossem necessários para final embolso do dinheiro, Kra 
pois um argentario que, para solver a divida da sua grati- 
dão ao estadista lhe labncava uma vivenda sumptuosa, en- 
tregando*! h'a, ao cabo de alguns annos, inteiramente livre 
de encargo ou pensão. 




28o o Marquez de Pombal 



mas que os ditos commerciantes pagavam de mui boa von- 
tade pela conservação do contracto do pau do Brazil^ que 
julgo pagavam a ô^^ooo reis o quintal, e com que adquiri- 
ram uma immensa fortuna, que toda saiu do reino, i}) 

«As dividas contrahidas pelo Marquez, durante a sua 
administração, ascendiam a mais de 25o:ooo cruzados, (a 
mais de loo contos de reis). Se este abuso do credito pes- 
soal, tão suspeito de imperativo pela eminência do pode- 
roso devedor, ainda poderia absolver-se, attentando nas 
razoes especiosas da sua apologia nào era fácil indultar al- 
gumas das grossas negociações, com que / omòal se havia 
enriquecido. i* A seguir refere as relações e generosos pre- 
sentes do joalheiro hollandez e depois accrescenta: 

«Não menos suspeita de favor foi a grandiosa edifica- 
ção úos fornos e tercenas ('i que em Alcântara levantou 
para o Marquez um seu compadre e amigo mui dilecto, 
commerciante de grossos cabedaes: era Duarte Lopes Ro- 
sa a quem Pombal havia concedido rendosos contractos 
da fazenda. A expensas próprias erigiu os edifícios, estipu- 
lando o estadista as consignações com que o seu cliente se 
haveria de indemnisar. Era contractador do tabaco.^ do 
pão de munição e ainda d*outros que o elevaram a um dos 
primeiro^í e mais abastados negociantes di capital. 

«E' força confessar que nenhum ministro ousaria com- 
parecer em nossos dias perante a opinião publica, trazen- 
do onerada a consciência com táo suspeitosa negociação. 
Mais longe levou, porem, o ministro de D. Jo;é a sua lati- 
tudinaria tolerância em pontos de escrúpulo ministerial. 
Quando o provimento dos viveres e forragens para o exer- 
cito deixou de ser contractado co.m assenti^tas \}\ e o go- 
verno commetteu este serviço a uma junta esptcial »'), 



O-) A protecção dada a esta casa ingleza e á de Gil- 
dmeester^ hollandez, lambem protestante^ bem estão mos- 
trando co.no o Marquez era lolo protector do commercio 
nacional,,, como por ahi blasona muno patriota .. , á 
pombalina. 

(2) Armazéns ou celleiros. 

(*, Contador ou fornecedor que provia as tropas do 
necessário por certa sonma avençada ou assmtada, paga 
pelo thesouro nacional. 

V*; Estabelecida f or decreto de i.o ae julho de 17Ô8 



o Marquez de Pombal 281 



esta corporação representou ao monarcha a urgência de 
fundar em Lisboa um vastíssimo deposito, onde se podes- 
sem arrecadar os géneros da sua administração. Tomou a 
junta de aluguer ao próprio ministro^ que a superintendia^ 
os edifícios que Duarte Lopes í^z para o seu manirroto (^) 
protector. Não bastavam as tercenas já existentes para ' 
accommodar todos os viveres! Propôz a Junta a El-Rei 
que se accrescentasse o edifício com mais dezoito arma- 
zéns novos, os quaes levantariam á custa da real fazenda, 
e ficariam pertencendo ao Marquez de Pombal ^ satisfeito 
pelas rendas annuaefi o dinheiro dispendido na construc- 
ção. Commetteu El-rci ao seu privado o despachar 
í-quella instancia; escusou -se o Marquez em questão que 
respeitava ao seu interesse; ordenou o soberano que D. 
Luiz da Cunha, ministro obediente ás ordens do collega, 
expedisse este negocio. E erigiram-se as novas edificações 
sem que o seu feliz proprietário dispendesse um ceitil.)» 

Sam tão negras as manchas que enegrecem o rosto de 
Pombal, tão salientes as unhas que lhe espigam dos de- 
dos, tão indignas as manobras e expedientes a que sua am- 
bição se soccorreu psH-a se enriquecer que o seu eloquente 
panegyrista se viu forçado a confessar: 

«Â historia que reconhece ao Marquez de Pombal o 
grande e previdente legislador, o estadista abalisado... não 
pode, sem trahir a imparcialidade, expungir inteiramente 
da face do valido as maculas que o deslustram e afeiam. 
E* lastima, . . que desaire, com o egoísmo e as fraquezas 
mais rasteiras, o esplendor da sua memoria. Faz dó o 
contemplar o grande homem amesquinhando as suas pu- 
blicas emprezis com o trafico indecoroso de suas gran- 
gear ias. E* triste que. . . as/ próprio se abatesse, fazendo 
do poder um rendoso capital e de agradecidos mercadores 
os instrumentos de sua riqueza e prosperidade,» f^) 



com a denominação de Junta demuniçJes de bocca e forra- 
gens^ collocada sob a immediata superintendência do erá- 
rio régio. O Marquez era o superintendente... 

{^) Mãos rotas, perdulário, dissipador de bens. E* 
termo de Bernardes^na sua Floresta. 

(•^) Historia politica e militar ^ por Latino Coelho, vol. 
I. pag. 423 a44í. 

Também polelêr-se Raltm, ojtro pDTibalista, nas 
suas Recordações .^ pag. 187 e seguintes. 



282 o Marquez de Pombal 



O Marquez reu confesso 

Morto D. José e despedido o Marquez de 
Pombal, logo se desatou um verdadeiro clamor 
das victimas contra o verdugo: queixosos, credo- 
res e aggravados todos pediam justiça. « A cynica in- 
trepidez, diz Camillo, com que o proscripto se defen- 
dia e ao mesmo tempo accusavaos fidalgos rehabi- 
litados e os ministros que lhe succederam na ge- 
rência do thesouro, provocou o ódio e a vingança 
que pareciam adormecidos na piedade da rainha 
e na indolência dos seus adversários. Em 1779 
foram enviados dois juizes a Pombal para devassa- 
rem dos actos do ex-ministro. Os interrogatórios 
duraram sete mezes. Sobre patibulos, forcas, in- 
cêndios, prisões e degredo respondia inalteravel- 
mente que cumpria as ordens d^el-rei ... O pro- 
cesso instaurado esteve longo tempo suspenso. E' 
evidente que o Marquez tinha protectores na corte 
que embaraçavam com tergiversações e delongas 
o grande partido hostil, mais prommctado na c/asse 
commercíal e na popular do que na dos nobres .... 
A junta dos desembargadores, encarregada de exa- 
minar o processo, conspirava em trancar com ex-. 
pedi entes calculados a decisão da devassa, e ao 
mesmo tempo deixava a reputação do reu, eviden- 
temente conspurcada, suspensa da misericórdia da 
soberana. O maior serviço que os protectores po- 
diam fazer-lhe era ir protrahindo o exame até que 
viesse a morte resgatar o criminoso do inevitável 
castigo. Mas o Marquez, apesar da lepra roaz que 
lhe ulcerava as pernas e o dorso, teimava em vi- 
ver com 81 annos; e a rainha, abarbada com as 
representações que pediam a sentença do algoz e 
do concussionario, ordenou peremptoriamente que 



o Marquez de Pombal 283 



OS desembargadores decidissem. A acta dos oito 
juizes foi lavrada aos vinte e dois de maio de 1780. 

«A quatro desembargadores pareceu que o 
processo apresentado devia considerar-se um prin- 
cipio de diligencia, visto que nelle se nào tinJia 
conhecido de muitos delictos de que o Marquez era 
infamado notoriamente^ e de outros dedtisidos dos 
vmitos papeis apprehendidos ao desterrado] e que 
nestes termos seria conveniente que S. Magestade 
mandasse, por seu decreto, continuar a diligencia 
e abrir uma devassa na qual se inquirisse de todos 
os delictos, declarando S. Magestade no mesmo de- 
creto que, pelas diligencias já praticadas com o 
Marquez, está o Marquez convencido e provados os 

seus delictos Conseguiram espacejar por qua- 

torze meses a ultima deliberação da Rainha. 

«Neste longo intervallo é de suppòr que o reu 
fosse prevenido do mau desfecho do processo e da 
presumível sentença ignominiosa que lhe prepara- 
vam ... Os próprios juizes o instigariam a pedir 
perdão á soberana, detestando os excessos que 
praticara. E o criminoso supplicou o perdão! Aca- 
bou por esse acumen de covardia a pyramide das 
suas infâmias. Confessou as suas culpas, e pediu 
que houvesse delle compaixão S. Magestade. E a 
Rainha então, commovida pelo seu confessor (^), 
assignou o seguinte decreto, que é a pagina mais 
aviltante da vida do Marque^ de Pombal : 

Decreto de 16 d*as:o3to de 1731 
que condexnna e perdoa a Pombal 

«Por justos motivos que me foram presentes, julguei 
não convir ao meu real serviço que nelle continuasse o 

(1) Era Frei Ignacio de S. Caetano^ creatura de 
Pombal e por elle escolhido para confessor da Rainha. 



284 o Marquez de Pombal 



Marquez de Pombal no exercicio de secretario d'estado 
dos negócios do reino, ordenando lhe que saísse da minha 
corte e fizesse a sua assistência na villa de Pombal ; não 
esperando que depois desta demonstração se atrevesse 
com affectada e frivola o:casião a formar uma contrarie- 
dade em um pleito civil, que se lhe movia, a fazer uma 
apologia do seu passado ministério, a qual fui servida des- 
approvi^r pelo meu real decreto de 5 de setembro de 
1779. ^ mandando-o ouvir e interrogar sobre vários car- 
gos que contra elle resultaram, nào só se não exonerou dei - 
les^ mas antes com as suas respostas e diíferentes averi- 
guações a que mandei proceder, se qualificaram e aggra^ 
varam mais os suas culpas. 

O que sendo tudo examinado por uma Junta de mi- 
nistro>, a que me pareceu encarregar este negocio, fji 
vencido que o dito Marquez de Pombal era réu merecedor 
de exemplares castigos ; ao que porem não mandei proce- 
der attendendo ás graves m.olestias e decrepidez em que 
se acha, lembrando-me mais da clemência do que da jus- 
tiça, e também porque o mesmo Marquez me pediu per- 
dão, detestando o temerário excesso que commettera. 
Pelo que sou servida perdoar-lhe as penas corporaes que 
lhe deviam ser impostas^ ordenando-lhe se conserve fora 
da corte na distincia de vinte léguas, em quanto por mim 
não for determinado o contrario, deixando porem illesos e 
salvos todos os direitos e justas pretenções que possa ter 
a minha coroa e fazendo egualmente os que deviam ter 
os meus vassalos, para que cm juizos competentes possam 
conseguir e sere^}! indemnisados das perdas^ damnos e 
interesses em que o dito tuarquez os tiver prejudicado ; por- 
que á minha real intenção é só perdoar-lhe a pena afflicHva 
da satisfação da justiça, e não a satisfatória das partes 
e do meu património real; podendo as minhas parles e os 
meus procuradores régios usarem dos meios que forem 
legitimamente competentes contra a casa do referido 
Marquez, assim em sua vida como depois da sua morte. A 
Mesa do Desembargo do Paço o tenha assim entendido. 

«Queluz 16 de agosto de 1781.-C0W a rubricada 
Rainha.» 

Conclusão 

«Este documento determina, restabelece e per- 
petua, na memoria do reu perdoado a rogo da sua 



o Marquez de Pombal 285 



decrepidez e pela espontânea confissão de crimes 
€ arrependimento d'elles que, alem das barbaridades 
que lhe eram perdoadas, havia roubos aos parti- 
culares e roubos ao património real. Destes, nem 
a Rainha se exime de ser indemnisada, nem pro- 
hibe os vassallos que se indemnisem na casa do 
Marquez, vivo ou morto. Nove mezes depois, a 
gangrena corporal e moral do Marquez de Pombal 
acabava de esfacelar-se>. (^) 



Faço minhas as seguintes palavras com que 
Camillo fecha o seu Perfil: 

«Saiu-me assim o escorço do homem pheno- 
menal. Se está mal esboçado, se mal colorido, as 
tintas colhi-as na palheta da historia. Se os pom- 
balistas nada aprenderam nestas paginas, ensinem- 
me o que sabem. Avenham-se lá com os factos; 
virem-os de carnaz, se quizerem ; escondam-os nas 
dobras das suas theatraes bandeiras. Ah ! a Demo- 
cracia não precisava desse% espectáculos para 
triumphar seriamente. O que ella necessita é fazer 
das bandeiras vassouras e varrer da sua odysseia 
o lixo ensanguentado das theorias mussulmanas 
do Marquez de Pombal. 

a Ora o estadista cuja biographia ahi fica trace- 
jada, teve umaapotheose em 1882, e vai ter um mo- 
numento de bronze, por subscripção nacional. Que 
um monarcha portuguez, mal intencionado, levan- 
tasse á sua custa uma estatua ao Marquez, seria 
correcto, porque o Marquez foi um rijo supporte 
da monarchia absoluta; porem se o povo desa- 

(1) Perfil^ pg. 309 a 3r3. 



286 O Marquez de Pombal 



basse a estatua — praticando um acto violento — 
seria também lógico. O Marquez de Pombal não 
matava fidalgos para vingar o povo espesinhador, 
matava-os porque affrontavam o rei . . . O Pombal, 
quando enforcava a plebe do Porto e queimava a 
plebe da Trafaria, denominava os padecentes — 
réus de alta traição e de lesa-niagestade da primeira 
cabeça. 

«Morreu impune o Marquez, cossando socega- 
damente a sua lepra. A Historia, para vingar a 
Justiça, levantou um patíbulo a esse infame im- 
mortal, e a Democracia engrinaldou-lhe o cada- 
falso em altar, volvido um século. Ha muito que 
receiar da doblez de taes sacerdotes. A Liberdade 
essa • então não tem nada que esperar destes seus 
filhos bastardos». (^) 

O Marquez de Pombal merece monumento? 

Já deixei allegados os merecimentos, feitos e 
mais partes que concorrem na memoria do Mar- 
quez de Pombal para se lhe exigir um monumento 
de naciofial gratidão ; agora cedo a palavra a um 
Í7isuspeitissÍ7no escriptor liberal, o festejado jorna- 
lista e critico — snr. Ramalho Ortigão, que nos vai 
dizer, em synthese, quem era o Marquez} e o que 
significa a estatua ou viomimento que se lhe quer 
erigir. O que vai ler-se foi já escripto em 1882, por 
occasiào do centenário. 

Quem foi Pombal? 

<0 vulto grosseiro desse dictador que se cha- 
mou Sebastião José de Carvalho, levantado em 

(1) P^/Ç/.pg. 3i5e3i6. 




U- -ULi-rll 



o Marqmi dt Pombal 



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triumpho como um symbolo de progresso e de 
liberdade, com a sua cabelleira de rabicho» com os 
seus autos do tribunal da Inconfidência e os seus 
cadernos da Intendência da policia debaixo dos 
H braços, faz-nos o effeito de um velho monstro pa- 
wM léontologico, desenterrado das florestas carboniíe- 
ras, e repííSto, com palha dentro, no meio do 

Í espanto da flora e da fauna do mundo moderno. 
Que significa uma simiihanle festa dos filhos da 
liberdade ao representante do despotismo ? u . . . 
Desde ha um século até hoje todos os esforços 
dos povos cultos têm tendido precisamente a en- 
terrar o principio que nós resuscitamos com a apo- 
theose solem ne dum estadista. Todo o immenso 
H trabalho da reconstituição social durante este século 
^t tem consistido em os homens livres negarem aquillo 
"^ que a memoria do Marquez de Pombal affirma, em 
eliminar a acção do Estado sobre os actos dos 
indivíduos, revindicando sobre os restos das velhas 
^^ tyrannias auctontarias todas as liberdades procla- 
^P madas pela revolução ... A personalidade dum 
estadista da escola do Marquez de Pombal repre- 
^_ senta a negação expressa de todas essas liberda- 
^P des, representa a reviviscencia do antigo despotis- 
í^ mo monarchico, a coerção do homem sobre o 
homem, quando o que todos nós pedimos, em 
nome da dignidade da espécie, é o livre exercício 
^^ da acção do homem sobre a natureza. 
H aOs únicos povos do globo que ainda hoje ac- 
^ ceitam, não diremos com os regosijos dum trium- 
pho, mas simplesmente sem discussão, sem pro- 
testo ou sem resolução, o principio da auctoridade 
representada pelo arbítrio dum individuo — sam os 
selvagens; sam os chaiitís, cujo rei, herdeiro único 



^88 O Marquez de Pombal 



um numero proporcionado de filhos com o direito 
de saque sobre toda a communidade ; sam os ba- 
tungos do Valle do Niger, onde ninguém se apro- 
xima do soberano senão com as mãos no chão e 
a cabeça arrastada na lama; sam os abyssinios^ 
que nascem todos escravos do rei, seu dono ; sam 
os malanesios, cujo chefe tem o tratamento de 
Deus ; sam finalmente os cafres, os botoctidos, os 
íopinainbos, os patagonios e os esquimós. Na Eu- 
ropa já não ha disso.» (^) 

Pois ha, como terá visto . . . E porque o viu é 
que mais tarde tomou á carga e escreveu e publi- 
cou: 

«Teve apenas as honras dum centenário con- 
tradictorio, celebrado em nome da liberdade pelos 
representantes de todos aquelles que opprimiu, em 
nome do despotismo : pela industria, que paraly- 
sou, deslocando-a da tradição histórica e basean- 
do-a em elementos exóticos e postiços ; pelo com- 
mercio que entravou, por meio de monopólios ; 
pela arte, que abastardou, tyrannisando-a pelo mais 
chato mau gosto ; pela democracia, que .esmagou 
sob condemnações de açoute, de cárcere, de de- 
portação, de degredo e de morte; pela mocidade 
emfim, de cujas altas e desinteressadas aspirações 
elle foi a negação accintosa e brutal, porque o seu 
espirito de ódio, de cavillação, e de mentira, era 
um espirito organicamente velho, marcado de nas- 
cença pelo vicio da servilidade ingenita. 

«Estamos cançados de ouvir dizer, de todos os 
lados, por todos os oradores e por todos os arti- 
culistas da festa pombalina, que é absolutamente 
preciso, para nos pormos á altura de admirar, com 



(1) Farpas^ pg. 126 a 128. 



o Marques de Pombal 289 



O devido respeito, o vulto do Marquez de Pom- 
bal, collocarmo-nos no devido ponto de vista. Km 
desconto dos erros que tenhamos commettido, 
cumpre-nos declarar que ignoramos completamente 
qual é o tal ponto de vista em que é necessário 
que a gente se coUoque. Para escrever estas li- 
nhas collocamo-nos simplesmente numa cadeira, 
em frente do vulto e dum caderno de papel. Visto 
nessa situação tranquilla, a olho desarmado e se- 
reno, o único efteito que nos fez o vulto, appara- 
mentado com os seus calções e meias, a sua gran- 
de casaca de seda, as suas fivelas, a sua luneta e 
o seu rabicho, foi o de se parecer com o dos ché- 
ckés, E* o que francamente communicamos, na 
honrada sinceridade de bom homem, para bom ho- 
mem, ó leitor amigo.» 

Merece a estatua ? 

«Emquanto á estatua do reformador, em que 
se fala como complemento do centenário, ei/a seria, 
se a iizessciíiy o monumento fúnebre elevado d morte 
da democracia e d do senso commum na sociedade 
portugue/a. Mas não a farão nunca. E* já de mais 
a do Terreiro do Paço para consignar a estima 
deste povo pelo charlatanismo dos seus tyrannos. 

*0 rei D. José é absolutamente indigno de es- 
tar posto, por meio de uma peanha, não só acima 
do nivel, mas cá simples altura de qualquer cida- 
dão honrado. Mero heroe das alcovas dos outros, 
esse principe rufião está abaixo do próprio Luiz 
XV, de apodrecida memoria. . . 

«(Juando chegar a hora da justiça, não 6 a es- 
tatua do Marquez de Pombal que se ha de erigir, 
é a de D. José que se ha de apear. 

49 



290 o Marques de Pombal 



No monumento do Terreiro do Paço, o único 
que merece continuar a contemplar Cacilhas é o 
cavallo. Cumpre rehabilitar, na estima que se lhe 
deve, o nobre e útil animal, desaffrontando-o do 
cavalleiro, que nunca prestou para nada neste mun- 
do, e honrando-o em nome do trabalho honesto, 
com o appenso duma charrua. (')» 

Perdão, sr. Ramalho Ortigão, a tal real Nullida- 
de ainda serviu n*este mundo para alguma coisa: 
serviu para deshonrar o lar alheio e fazer gemer 
uma nação inteira debaixo do mais feroz despo- 
tismo de que ha memoria nos annaes da nossa his- 
toria. A todo o bom portuguez parece, em verda- 
de, retardada a hora da justiça que mande arran- 
car da estatua o medalhão, que o povo da capi- 
tal já uma vez, no justo desafogo da liberdade oppri- 
mida, fez de lá tirar, como o conta Latino Coelho, 

«Os impropérios e ultrages com que a lingua 
solta do vulgacho saudava a queda do ministro, eram 
acompanhados de affrontosos desacatos á sua efli- 
gic na Praça do Commcrcio. A vaidade impniden- 
te do estadista^ incitar a-o a decretar a sna própria 
apothcose. Havia feito esculpir o seu busto num 
medalhão de bronze, collocado no pedestal da es- 
tatua equestre. Não eram certamente um claro tes- 
timunho de modéstia áo Marquez estas honras 
triumphaes com que se havia cotidecorado ... O Mar- 
quez de Pombal era porem accessivel aos assomos 
do amor próprio, aos vulgares alicientes da pompa 
e do triumpho. Não podendo afrronlar-lhe a pes- 
soa, a plebe ajuntava-se na Praça do Commercio 
para punir em imagem aquelle a quem lhe não era 
dado castigar corporalmente. Decretou-se que o 

\}) Farpas, pg. 161 a 164. 



o Marquez de Pombal 291 



busto do Marquez se retirasse». Assim se fez nos 
primeiros dias de abril de 1777, e de noite. (^) 



Por seu lado Camillo Castello Branco, no Jor- 
nal da Mankà, do Porto, escrevia em um dos nú- 
meros do mez de maio de 1882, combatendo o cen- 
tenário, e quanto á estatua dizia : 

«O governo propôz ás camarás, e já entrou em 
discussão, tendo a preferencia da primeira impor- 
tância, uma proposta, pedindo um monumento, 
levantado ao adultério^ d traição^ ao assassinato^ a 
todas as infâmias de uma das epochas mais nefas- 
tas da corte portugueza. Um monumento ao Mar- 
quez de Pombal, uma homenagem de gala, levan- 
te-o o sr. Thomaz Ribeiro (*) preste-lh'a o cantor 
das judias, mas não faça decretar que o paiz cele- 
bre as infâmias de uma corte devassa e sanguiná- 
ria. O ministro de D. José i." e visavô d'el-rei o 
sr. D. Luiz, tém na historia delles paginas muito 
negras. Passemos os olhos por algumas dessas pa- 
ginas. . .» 

O snr. Teophilo Braga 
e o Marquez de Pombal 

Eis o que escreve o famoso escriptor demo- 
crata: 

«Quando o Marquez de Pombal se achou no au- 
ge da prepotência^ tendo reduzido o rei D. José a 

(1) Historia militar e politica. ... vol. i.o, pg. 167. 

(2) Era áquella sazão, ministro, e foi cUe que o apre- 
sentou ás camarás em nome do governo. 



292 o Marquez de Pombal 



um simples personagem theatral, apresentava-Ihe 
de joelhos os decretos sanguinários, para os assi- 
gnar, mas era o ministro quem na verdade exer- 
cia uma effectiva dictadura. 

«Depois de ter mandado trucidar com o mais 
repugnante canibalismo toda a familia do Duque 
d' Aveiro, ^q\o pretendido crime de uns tiros con- 
tra a carruagem do rei, que regressava de uma 
aventura amorosa, em que envolvera a mulher do 
Marquez de Távora; não contente ainda de arre- 
messar para a bastilha da Junqueira a principal 
nobreza de Portugal, como os Marquezes de Gou- 
veia, Alorna, Ponte de Lima, os Condes de Óbi- 
dos, da Ribeira e S. Lourenço, enclausurando-lhes 
as famílias nos mosteiros ; para cumulo de vingan- 
ça, o audacioso ministro fazia o casamento de 
seus tilhos com as herdeiras mais opulentas do 
reino, e confundia as linhagens heráldicas, cru- 
zando arbitrariamente as casas nobres, misturan- 
do-as com a burguezia rica. Todos obedeciam 
calados para não expiarem nos cárceres ou no 
patibulo a resistência que se aggravava com a in- 
dicação de lesa magestade.» \^) 

E* certo que pouco depois mudou de parecer, 
accendendo também sua vela ao santo Marquez, 
Ídolo dos democratas portuguezes; mas o auctor 
da Homenagem ao estadista Marquez de Pombal, 
onde encontrei esta citação, diz que ^havia de 
apontar os motivos da incohcrcncia-» áo snr. Theo- 
philo Braga (pg. 46.) Ignoro se já os explicou ; se 
sim, não chegaram ao meu conhecimento. Seja 
como fòr, é certo que escreveu este juizo; se o 
modificou, provará apenas que é partidário das 

(1) Memorias de Paulino, EfiisoJij do século XVÍIL 



o Marques de Pombal 298 



opiniões successivas, e então teremos de esperar 
pela ultima postura do catavento. 

Juízo de Guerra Junqueiro sobre o Marquez 
de Pombal 

«O próprio Pombal c o Desejado? Não. Fez-se 
temer, não se fez amar. Cabeça de bronze, cora- 
ção de pedra. Moralmente, ignóbil. Rancoroso, fe- 
lino, alheio á graça, indifferente á dòr. Intelligen- 
cia vigorosa, material e mecânica, sem vôo, sem 
azas. Um brutamontes raciocinando claro. Falta- 
Ihe o génio, o dom de sentir, nobreza heróica, 
vida profunda — humanidade em summa. Machina 
apenas. . . Por isso a obra lhe foi a terra. Pulve- 
risou-se. Só dura o que vive. Uma raiz esteia 
mais que um alicerce. Pombal em ti es dias, n'um de- 
serto, quiz formar um bosque. Como? Plantando 
traves. 

Adubou-as com mortos e regou-as a san- 
gue.» 0) 

Se os democratas e republicanos, inspirados e 
atiçados pelos falsificadores da historia, ainda 
estão na resolução de considerar os candieiros da 
publica illuminação de Lisboa como cabides para 
pendurar cabeças de catholicos e monarchicos, que 
por ventura appareçam ainda na occasião do ad- 
vento da gloriosa^ então são coherentes em levan- 
tar o monumento ao Marquez de Pombal, mestre 
em forcas e cadafalsos. Mas Pombal não será 
contente, e por isso lhes oppòe embargos com a 
seguinte carta : 

i}) Pátria^ pg. 200. 



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