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^-.^4
LIVRARIA ACADÉMICA
^. ú^uedeó da ofifoa
R. Mártires da Liberdade, 10
Telefone, 25988 — PORTO
LIVROS USADOS
COMPRA E VENDE
Presented to the
LIBRAR Y o/ í/ie
UNIVERSITY OF TORONTO
by
Professor
Ralph G. Stanton
^. t
/
Digitized by the Internet Archive
in 2010 with funding from
University of Toronto
http://www.arGhive.org/details/onovoargonautapoOOmaGe
o N o r o
ARGONAUTA.
POEMA
POR
JPSE' AGOSTINHO DE MACEDO.
Plus ultra.
T T C T? O A -r ^**TER FOLIA rl{(]ClH4/
KA TYPOGRAFIA DE BULHÕES. AlSNO 1825,
Cbm Licença ãa Me%a do Desembargo do Pa{0<,
%**\%%****WV«>VkWV»%*VkV»/W»%
Vende-se na Loja de Francisco Josg de Carvallio,
Uvieirg f^o Pvte dfis Almas.
[5]
PREFACIO
D A
SEGUNDA EDICAÕ.
OrK-os sentimerr^s que agora me anímao fos-
sem semelSfantc^ aos que me animarão em 1809
eu procuraria dar ao Público para gloria da
Pa'tria mais enriquecido este pequeno Poema.
Se entaõ sentisse como agora sinto , nem assim
mesmo pequeno appareceria. Em 1009 ainda
se naõ tinha condensado sobre a minha cabeça
a carregada nuvem de perseguições , e de af-
frontas com que me tem galardoado hum as.si-
duo estudo das Letras, e hum invariável, e
heróico amor da Pátria : as acções que eu delia
podia celebrar 5 sempre ficariaõ manchadas com
a barbara ingratidão com que tenho sido tr;i-
tado , fazendo-me esta ver , que os louvores quo
tenho dado á Naçaõ Portugueza saõ outros
tantos iilírages de que se tem desforrado com
injurias. Neste pequeno Poema eu levantei hum
Padrão á Gloria Nacional; mas elle foi hum
grito da guerra: neste ponto começou, e ainda
até agora me naõ tem concedido perfeita paz.
Pouca memoria tinha já deste meu antigo
trabalho, jazia para mim no mesmo desprezo,
e esquecimento em que permanece tudo, ou
quasi tudo o que eu tenho composto, filho tu-
do de huma infatigável imaginação , e sem au-
xilies. He pequeno o volume deste Poema, po-
rém está cheio de tudo quanjto hos fez grandes
aos olhos de todas as NaçõesidaTerra ; elle se-
rá huma prova successiva e permanente 'de que
podemos fazer grandes cousas se nos inflammar
mais o amor da Pátria, que o amor de huma
Filosofia desorganizadora , que perdida em Theo^^
rias de hum Bello ideal, que he incompativel
com a condição humana, pôde alterar, ou tal-
vez haja alterado a nossa natural nobreza, ou
nossa antiga virtud«.
O mérito de hum livro , naõ consiste em o
número das paginas, e ha Livros de quem se
pode dizer o mesmo que dizia Estacio do He-
roe Tydeo , pequeno de corpo ,
]\Iaior in eocícfuo re(piahat Corpore virtus.
Mui pequeno volume tem o Enchiridion de
Bpictcto , e encerra em si quantg em si tem to-
da a Moral Filosofia, e o pequenino Livro de
Balthazar Casteglioni , cujo íitulo lie = O
CorlezaÔ , = contém mais princípios de illus-
trada Politica , que todas as Constituições dos
Publicistas do passado Século. Revendo agora
este esquecido Poema o descubro taõ farto de
cousas substanciaes , taõ ataviado de enfeites
Poéticos , que me obriga a consentir em huma
segunda impressão , naÕ para gloria minha, mas
para beneficio alheio ; desejando ao mesmo tem-
po angmentar na Posteridade as provas de que
amei a Pátria sem. interesse , [ pois que podia
eu esperar de hum triste Mestre de hum pobre
Caíque do Algarve?] dequenaõ lisongeei a so-
berba dos Grandes , e de que naõ tive outro
ídolo mais que a Virtude, fosse qual fosse a
condição em quem a encontrasse«
[9]
jnL
Fingem portentosa , que o Tenente da Arama-
da Real e Cavalleiro da Ordem de Christo , Ma-
noel de Oliveira Nobre ^ seatreveo afazer , atra-
vessando o Oceano na sua maior extensão ern
hum pequeno Caíque, he kunia das acções, que
faraó Empoça na Historia Naval. O motivo desta
acçaô he ainda inais glorioso para os Portugue-
zes que a mesma acçaô. Em toda a Historia
de Roma se naô pôde marcar hum facto , que pro-
ve mais heróico Patriotismo , mais honra , mais
lealdade , e mais virtude. Manoel de Oliveira
JVobre he hum homem de huma coragem desusa-
da , de huma constância inflexível , e de huma
intrepidez a toda a prova : só hum, animo seme-
Ihaiite poderia emprehender em hum Caíque taô
arriscada viagem. Eis- aqui hum effeito do amar
da Pátria y e da verdadeira adhesaô ao Throtio
[ 10]
</o nosso legitimo Imperante , e hum. exemplo ra-
ro de fidelidade no meio do Século da corrupção ,
e do império dos vidos , € bem capaz de envenjo-
iihar , e confundir muitos inrjratos á infatigável
liberalidade e boa graçu do Principe Regente Nos-
so Senhor , qtte os encheo de tantos benefícios. Hum
homem ategora incógnito entre o vu/qo , acompa-
nhado de outros inirejndos , por meio de evidentes
perigos , se expõe á morte para levar a S. Al-
teza , que Deos nos guarde , a grata nova da Res-
tauração da Monarchia taô felizmente começada
710 Reino do Algarve : eu me consolo na m.ágoa
de o naô ter acompanhado , jmrque o naô soube ,
cotn o prazer , ou com o dever patriótico de pu-
blicar esta acçaô , que augmenta o catalogo dos
rasgos fnaravilhosos da fidelidade Portugueza ,
€ desta maneira a salvo do esquecimento , em que
outros muitos temficado sepultados ou por incúria
dos Escriptores , ou pela natural magnanimidade
dos Portuguezes , que , pagos da consciência das
grandes acções , morrem com ellas sem curar da
Posteridade ^ de que se fazem senhores quando as
praíicaô. Em Portugal nunca faltarão talentos
capazes d£ escreverem ditos , e factos memoráveis ,
como P^^alerio Máximo , e de eternizarem as vi-
das dos P^arôes Illu^tres , como as eternizarão
P lutar cho , e Cornei io Nepos ; mas naô sei que
[ H ]
inãolencia os conteve , talvez que a hwencivel in-
clinarão 5 que temos de admirar nuas os Estran-
fjeiros que os Nacionaes , nos torne insensíveis ás
fjrandes j/roezas que tentos obrado. A fatalidade
do Século , em que existimos , parece nos condemna
a maior e mais triste silencio ; e hmna das maio-
res desgraças , que nos causarão os insignes ladroes
e perturbadores doqenero humano, que intentarão
nossa anniquilaçaô . foiobrigar-nos afallar dclles :
desejara ver aboli ida esta mania, e sepultada para
sempre taô atroz /etnbf^anra ; e que aprendêssemos
a nos estimar a nós mesmos^ conheccndo-nos em
nossos antigos Escriplores , c admirando as accots
de nossos Avoenqos , celebrando as nossas, e per-
suadindo-nos que somos huma NaçaÔ , que obrou
grandes cousas , e que he capaz de obrar ainda
maiores , o que se prova co)a o exemplo da pre-
sente viagem , vendo nella que a corrupção Fran*
ceza nos naô tem contaminado tanto , que nos naâ
mostremos Heróes , quando a Pátria o pede. Bom
seria que cdgum dos grandes Enqcnlws , que entre
nós existe , se determinasse a escrever a 'nossa
Historia Naval desde a j)rinieira época de iiossos
immortaes descobrimentos . Sc o meu talento igua-
lasse o amor e zelo , que lenho pela minha illiislre
NaçaÔ, e gloriosa Pátria ha muito que leria to-
mado esta empreza ; e o meu Patrício , Jaclniho
[ >2 ]
Freire de Andrade , teria hum successor , e hum
continuador : entaÔ appareceriaô factos muito aná-
hgos ao presente , e todas as Nações cultas , assim
corno nus invejarão então, nos admirariaô agora ,
tnns islo saÕ vãos desejos ; porque tudo está se-
jmltífdo em huma baixa e vil tristeza , e apa-
(judo o sentimento , e amor da Lilteratura. Eu
tnfr -irei pela sombra do túmulo com a mágoa ium
consoluvel de ver que muitos se pejaô , e enver-
gonhaô da lÁtteratura pátria , e que sepagaÔ uni-
camente dos superficiaes conhecimentos , que agora
ap parecem na lingua Franceza , cuja prática , e en-
sino tomara ver abolido , t desterrado de Portu-
gal ^ jechando-se para sempre a entrada a seus
livros peslilenciaes , arrancando-os das mãos da
juventude , que só desta ai te se lhe pode intro-
duzir a moral no coração , e considerar-se como
hum crime civil a pronunciaçaÔ de huma só pa-
lavra Franceza. \\\Seo ódio podesseser huma vir-
[1] As ultimas frazes que terminaõ este discurso saô
hum di'saffogo da máf^oa que nos (ausáraò os es-
tragos da Pátria pela primeira invasão dos Francezes;
niij cuidava eu na que nos arruinou de todo em 1810!
Os Francezes foraõ instrumentos passivos de que entaõ %<(
sérvio a Sóia para agrilhoar o Mundo. Elles o conhece-
rão e por isso os ouvimos detestar as Revoluções.
E te pequeno Poema está cheio de grandes bellezas,
t o Ltlo.hxuío meu perseguidor cm huma Satyra que con-
[ 13]
tude, só quem com toda a alma aborrcceòse os
Francezes mereceria o norne de Porlwjuer: , e de
virtuoso, [l]
tra mim imprimio em Inglaterra o abocanha entro mui-
tos neste seu verso
5, Poema cm que o Hcroe 'oaô d'i" palavra. ,,
Como se em hum Panegyrieo que a íiJgviem se con-
sagra costumasse este alguém fallar alguma cou-a ! ! Des-
de esta época até ao presente anno de 1833 ainda o Mal-
vado naõ deixou de perseguir-me, e insultar-me.
[1] Por naõ sahir differente esta da ediçaõ primeirii ,
se conservaõ estas agras expressões , que hoje teriaõ pou-
co ou nenhum lugar.
[16 ]
O NOVO ARGONAUTA.
PÕEM A.
D
E hum feito illustre aperennal Memoria
Vale mais que hum thesouro,e mais qne o Mundo;
He da Virtude o prémio , he recompensa ;
E he dos grandes Heróes a palma , e louro .
Com que do Fado , e Morte as leis quebrantad.
Mas quem digno será de hum nome eterno ?
Quem tem jus á memoria , e jus á fama ?
Acaso o raio da sanguinea guerra ,
Assombro dos mortaes , e seu ílagello ,
Que no exterminio , nos estragos busca
Seu nome eternizar, subir ao Templo
Da Gloria , e da Virtude , em quanto a Terra
De sangue deixa , e lagrimas coberta ?
Dos homerus aa lembrança existe o nome
[16]
De Alexandre , e Pompeo , de Mário , e César ;
Sa5 lembrados dos séculos, quaes lembraô
Diluvio assolador, Contagio horrível,
Que fez de Reinos, e Provincias , ermos.
Naõ saõ dignos da fama esses, que o Mundo
Trazem na confusão, no horror, no susto;
A quem louca ambição deslumbra e céga^
E cujas plantas os vestigios deixaô ,
Que deixa a tempestade, e o raio acceso.
Quando rompendo acasteladas nuvens
Em pomposo edifício o fogo entorna ,
Onde s'erguiaô pórticos soberbos,
Onde vastos salões , doirados tectos
Descobre a vista attonita , e confusa
Entre sulfúreo fumo ardentes cinzas.
Nas mesmas cinzas sepultar-se deve
O nome infausto dos Heróes da guerra,
Naõ sei prostituir o dom das Musas,
A quem da Natureza ultraja os foros,
E contra a própria espécie empunha o ferra.
Só com feitos illustres e famosos.
Que a virtude inspirou, e amor da Pátria ,
Se acquire o jus á fama , o jus ao nome.
Parabéns, Portugal, qu'entreteus fíihos
Nunca a progénie dos Heróes se acaba :
Os mesmos inda saõ, que outr'ora as Quina»
í 17]
Fora<5 erguer no Indo , erg-ner no Ganges.
Os mesmos inda saõ , que o mar , e o vento ,
As tempestades , os tufòes vencerão :
Que, naõ cabendo nos confins do Tejo,
Illustres Cidadãos do Mundo, foraò
Seu Reino dilatar té donde surg-e
Do berço apavonado a roxa Aurora.
Os mesmos inda saõ , que as mais remotas
Nações com laço estreito unir souberaõ.
A quem naõ poude obstar do turvo Oceano
A medonha extensão , e o cég-o abysmo ;
Que em Lenho nadador dobrar souberaG
A insuperável meta, em que se oppunha
A' força dos mortaes a Natureza.
Sagres [i] , tu viste o vencedor primeiro
Do hórrido Bojador deixar teu porto ,
Ir em frágil Batei vencer-lhe a fúria.
Argonauta Gileannes , se teu berço
[1] Em Sagres começáraQ as primeiras tentativas dos
espantosos descobriroentos , que eteríu;;aô , e abençuaò a
memoria do Infante D.Henrique. Estcndêraò-se primeiro
pela Costa Occidental da Africa até ao Cabo de NaO,
e Bojador. Julgava-se como impossível sua pass.igem , e
tinha dado lucrar ao proloquio : Quem passar o Cabo de
!Na5, ou tornará ou naõ. Maisdehuma vez mando i í> in-
fante seus melhores Pilotos , que tornarão sem ultimar
aempreza, até que hum Marinheiro natural d'01hi5, tm
huma pequena Barca , se atreveo a passar o Bojad )r , en-
golfando-se tjuito no mar para evitar a corrente das aguas j
[18]
Fora a grande Albion , que Estatua, e Busto
As mais soberbas praças lhe adòrn;írací!
A Hollanda a levantou ao que primeiro
Foi pescador do pequenino Arenque.
E como a Historia , a Poesia houvéraô
Levado o nome teu da Fama ao Templo !
Hoje nos versos meus o roubo ao Lethes^
E a par do teu, do portentoso Dias
Também o nome ilhistre aos Astros levo:
Lagos o vio sahir no Lenho ovante.
O mais perfeito dos Monarchas todos ,
O segundo Joaõ, na Lusa Terra
O Sceptro entaõ pacifico empunhava ;
De seus grandes Avós pizando a estrada,
As portas quiz abrir do acceso Oriente ,
Dias o Cabo austral dobrou primeiro,
[l] E vio primeiro a Adamastor a frente.
riue houve vista do Cabo das Palmas até chegar defronte
«la Serra Leoa; chainava-se esle Marinheiro Gileannos;
a. este homem incógnito se devem ta<'j vastas possessíH-s
por toda a Cosia d' Africa, ciue depois se adiantarão
ainda mais, até que Diogo Caõ , também Algarvio, des-
cohrio o Reino de Congo.
[1] Bartholomeu Dias natural de Lagos por mandado
de D. Joaõ o IL se aventurou a deàcobrir, e a passar
o Cabo da Boa Esp<;rança; o segundo as instrucçõe.^ que
levava deixou na Terra de Natal, e junto á Aguada de
S. Braz aquelles padrões, qim depois achou o Conde
Almirante D. YiíscodaCíama, qiuando HQ^nAO tk 14973
f 19 ] ■. ^
Deixou lá seus padrões marcando o tri'ho,
Por onde hum filho teu , Silves , devera
Ir erguer no Industaõ pendões de Lysin.
Berço de Heróes , Algarve, inda naõ falhão
Em ti do mar illustres vencedores !
Talvez ignore o frígido Tamisa ,
E o Sena transformado em sangue e luto,
Que o Atlântico mar banhe a pequena
E mal sabida Olhaõ ; he esta a Pátria
Do novo Heróe , do vencedor dos mares
Co'as frágeis armas d'hum Batei pequeno;
Cuja façanha audaz deixa esquecidos
De Américo, e Colombo o nome, e o.- feUos,
Impávido mortal , sem medo á morte ,
Ousou, que assombro! do profuiidu Ooeano,
Onde em mór extensão seu Reino ostenta ,
Cortar as vagag túmidas , e bravas.
Naõ conduzido em Lenhos alterosos,
Onde a raiva mortal das éneas boccas
Com medonho trovão vomita a moite;
Mas em débil Caíque [t] a quem do vento
levando comsigo o grande Aitronomo Pt^dro d'Alci!-
quer , e o Piloto Joaô de Coimbra , que tinha os rotei-
ros de Banholomeu Dias, descubrio a Índia.
[1] Todos conhecem o tamanho, e a construcçaò d<>
tium Caíque ; nao he precisa muita prudência para se na.'>
arriscar jiçlle em humív viagem tio Algarve para Lisboa
6 ii
\ 20 ]
Poderá huQi sopro sepultar no abysnio.
Onde apenas sulcando ao longo a Costa,
Nem Zargo [ij inclagador se engolfaria,
Tanío no vasto mar, que a tloce terra
JVrder da vista espavorida ousara.
Quem, niagnanimo íleróe , íó agora ignoto,
Quem te anima e conduz? Acaso a sede,
A infausta sede do metal luzente,
Fonte antiga de crimes, e desgraças,
Que outr'ora fez saliir da praia Hesperia
O façanhoso Álmagro [2] , que jirofana
Primeiro o vasto mar, depois a terra;
Para arrancar-lhe do profundo seio
Desgraçada riqueza? Acaso voas
For cima dessa líquida campina.
^^m tempo de Ir.vrrno, e nvVrã evribaicoçaò 50 aventu-
rou o grande Piíofo Manoel de Oliveira NMue a pas-
sar o Oceano, .e chegar ao liio de Janeiro. Caso iinico
]'a Historia Naval de todos os Pv,'vos.
[1] Joaò Gonçalves Zargo dx^scobrio a Ilha da Madeira
j!Os -dias do Infante I). Henrique, mas navegando era
liuma Caravelia.
j''2] Diop,o de Alniap;ro foi luim dos mais ferozes, e
extraonlinarios Jíesparihoes , que ]>assáraõ á America no
íempo do, descobrimentos , e conquistas.. H*^ bem conhtíci-
da aborri^eldissençaõentreos A Imagros , ePizarros; este
iiomem ferocíssimo sábio de Paios em liuma pequena em-
barcação , chegou com espanto de lodo> á Ilha de Sao
Domingos, e foi tomar o commíindo dos He^panhoes no
Perúj dalli emprcliendeo a conquiítv^ do Chiii no ann<3
[21 ]
Que a vista cr^ que ao Ceo se apega sempre ,
Novas terras buscar, ou novo império,
Qual foi pelo pacifico Oceano,
Cook atrevido inquietar tranquillos
Homens da Natureza ? Ou vaõ capricho
Acaso te livrou de ver qnaes erao
Os costumes, e as leis de estranhas Ilhas.
K de que plantas a fecunda terra
Debaixo d'outro Ceo se cubra, e vista,
Qual já foi La Peirouse , a Deos-eterno
Dizendo ao doce la'r , dizendo á Europa ?
Em ti foi só Virtude; e se hum renome
Merece a tua acção , merece altares
O motivo da acçaõ. Régulo expira,
de 1Ó3-1', e plissou a Cavallo as Cordilheiras, ou Andes,
as mais altas montanhas do Globo, que fórn\aô hum.i
cadeia de mais de 1^200 léguas de extensão desde o Is-
thino do PiUiiUiiá até ao Eslrcito de i\Ii;galhães, e sepa-
raõ o Peru do Chili correndo d(í Norte n Sul. Zarate
na Historia da Conquista do Peru Livro flí. Cap. 11.
lios diz, que quando o terrível Almaí^ro passou esta>
montanhas , lhe morrerão de frio muitos dos seus solda-,
dos ; e quando as rej)assou cinco mezes depois na forca
do Estio , achou seus corpos ainda de pi encostados aos
rochedos consternando os cavallos pelas rédeas , e taõ
frescos como seauíespoucos uioineatos liouvessem expiríi-
do, cuja carne, diz o HisLoriador Hespanhol , sérvio
de sust.<'nto a Almap,TO , e nu, ouiros bcldados que o
acoinpanhnvau. A ctu-^a desta iucorruptibilidadc he iii-
teirumciítc />sica. E-jUiò luuiituulius , pela sua excessiva
[ 22 ]
Por sustentar hum juramento dado :
Curcio se arroja na voragem funda.
Julga salvar a Pátria; e naõ fizeraõ
Quanto fizeste tu. Pôde em teu peito
O amor da liberdade , o amor do Throno ,
Tanto , que ousaste aventurar a vida ,
Indo bradar á America assustada,
Que o grilhão ee quebrou , e a vil Cohorte
Dos assassinos Vândalos fugira.
£ que a Pátria de Herdes , o Algarve pôde
fl] Primeiro agrilhoar-lhe a cerviz dura;
Piimeiro erguer da liberdade o grito.
Foste entornar no virtuoso peito
Do Magnânimo Príncipe em torrentes
Consoladora paz , doce alegria.
Foste dizer que a tricolor bandeira
Cahio desfeita c'o tremendo golpe ,
Que o Dragão Luso desfechou das garras.
elevação, sa*) inaccessiveis á chuva, e ao calor, prin-
cipio da putrcfarçao nos corpos organizados.
[l] O primeiro grito de nossa liberdade, e restaura-
ção soou no Algarve. A pequena Revolução, começada
na praia de Olhaô , se derramou por todas as Cidades ,
tí \ íllas daquelle Reino, e tomou sua verdadeira consis--
íencia pelu^ sábias e muito politicas disposições do lUus-
trissimo e Exeellentissimo Senhor Marquez d'01ha5, ho-
je hum dos cinco Governadores do Reino. O Marechal
José Lop:i de S juiu teve Uunui grivnde parte nesta ac9a3
[ 23 ]
Que a Pátria respirou, que a nuvem densa
Da Irisleza , e de horror se dissijíára.
Que as abuncianíes lagrimas vertidas
Na já serena face , se enxugáraOl.
Mas quando na tua alma o grito ouviste,
Que te dava a Virtude , e o graõ projecto,
Teu coração pulsou , quando pizaste
De Olhão as praias húmidas, e foste
Teu Batel demandar , nao viste os filhos ,
Que para ti seus bra^-os estendiaô ?
Nao lhes ouviste a voz trémula e froxa ,
Com que te chamaõ Pai ? E naõ suspendes
A taõ triste espectáculo teus passos ?
Virtude pôde mais que a Natureza;
Que o paternal amor mais pôde a Pátria.
Homem raro, e sublime, ah! tu disseste,
Antes què eu fosse Pai, nasci Vassallo :
Mais que aos filhos, á Pátria a vida eu devo \
Já suflbcaste a voz da Natureza;
Mas naõ te espanta vêr, que dúbia estiada
Tens de seguir no pequenino Lenho ?
Sabes que o Porto , que demandas , fica
No opposto Continente, e que dos olhos
gloriosa , o que occupará hum digno lugar nos Faslos d;i.
JVIoiíarchiíi Poitu^ucza,
[ 24 ]
Te hví de fugir o lúcido Cruzeiro ?
Acaso ignoras que na justa Linha,
Que em porções taõ ig-uaes divide o Globo ^
Te espera a tempestade, horrenda, e fêa,
O trovão bramjdor, e o raio accceso ?
O crepitante horrisono chuveiro ,
E a suffocante , e triste calmaria.
Que no espelhado mar teu Barco prenda?
Que dentro, e fora revoando a Morte,
Ora ás mãos da doença , ora da fome ,
Te quebre o fio da mortal carreira ?
Tu naõ vês que mal pôde o frágil Lenho
As fúrias contrastar do vento irado?
Que bem pôde o Tufaô caliginoso ,
Senaõ meLter-te no profundo abysmo ,
Levar-te a seu sabor a hum clima estranho ,
Onde teu nome sepultado fique ,
Nome taõ digno de existir na Terra ?
Naõ vás , naõ vás , Heróe , qu'em grandes feitos
Basta a vontade , para ser eterno.
Já deste o nome á Pátria, a Lusa Historia j
Ao tempo que he por vir , dirá qu'existe
Olhaõ, que o berço dera ao Génio illustre ^
Que ousou dizer aos homens assombrados
Que em pequeno Caíque ao Mundo iria,
]'or tanto tempo incógnito aos humanos:
Onde se esconde o Sol, onde o Monarcha^
[25 ]
Que as fiirias illudio do infausto Monstro ,
[ij Qne hoje o Danúbio c'as volúveis ondas,
Já prostrado huma vez , anceia , e aperta ,
Conserva a independência , a Pátria , o Throno.
Suspende-te , naõ vás, tens feito tudo :
He tua a Gloria , eterno o teu renome.
[2j Acaso és César tu, que julga nada
O que tem feito c'o valente braço .,
Se alguma acçaõ Iieroica inda lhe rosta ?
Acaso tu suppões , qual elle outr'ora,
Quando em pequena barca o mar talhava ,
Que d'alta Hesperia o lllyrico divide,
Que a Fortuna a teus pés preza conservas ?
Nada suspende hum animo constante.
Nada sabe temer quem busca a gloria,
Pelos caminhos da Virtude austera.
Forra-lhe o peito triplicado bronze
Impervio ao susto , que se apossa d'alma
Em vêr do mar azul o campo immenso,
Em altas serranias transformado.
Chega o momento, a recurvada praia
[1] Hoje ?5 de Junho de 1B09 se nnnunciou na ga-
zeta de Hcopítnha a derrota do Exercito Fraiiccz Junto
n Vienna a retirada de Bonapartíí a liuma Tliui du ')a-
laubio. Este aconteeíjnento, niaria a época desta com-
posição. ( O contrario se vio depois. )
£2j Nilúlaclum reputans j slcfuiásupercsscl agendum.
— Cacsaran vuús. —
[ 26 ]
Toda âe Povo aítonito se cobre ,
[I I Qual de Rasteio pela moUe areia
Da Real Olisippo o immenso povo
N'oi]tras eras se vio , quando o terrível
Gama, largando a vela ao solto vento,
Foi demandar da Aurora o berço intacto.
As retorcidas ancoras suspende
Co'a naõ trémula maõ , da branca véla
Elle as prizôes soltou , e immovel sempre
Aos olhos nem sequer lhe assoma o pranto.
O lig-eiro Baixel já corta as ondas,
Hum longo e branco sulco atrás deixando,
Pòs no escuro Occidente a altiva proa.
E quando á vista se roubou de todo ,
E os fitos olhos de o buscar cançáraõ ,
Nem já , qual ponto escuro , apparecia
N'Horisonte do mar, que amargo choro
8e ouvio soar nos montes sobranceiros
A' líquida planice ! as Mais , e Esposas,
Desgrenhando o cabello , aos Ceos alçáraÒ
Mavioso grito, que a Celeste Guarda
Em soccorro chamou. Prendem-se os ventos.
Brilha sereno o Ceo , calaô-se as ondas.
[1] No momento da partida do Vasco da Gama se
observou na praia de Riístelo [ hoje Belém ] hum espe-
ctáculo de todo novo na Europa. Os parentes, os pais,
oã amigoà dos^que embarcjivíiô envoltos em l^grimíift e
[ 27 J
Seja-lhe o mar propicio , e as fúrias guarde ,
Guarde a morte as horrisonas tormentas
Para os monstros cruéis, que nutre a Gallia,
Que enchendo a Terra de fataes estragos , »
Inda a cega ambição pequena a julga
Para theatro do sanguíneo Marte :
E entre as ondas buscar vai novo campo ,
Onde entregue mais victimas S. morte ,
Pondo-se frente a frente em curvos lenhos,
Co* as negras boccas imitando ousados,
No estampido o trovaô , no golpe o raio.
Este Heróe leva a paz , naô leva estragos ;
Vai enxugar as lagrimas de tantos:
E no seu coração conduz a Pátria , O
Das almas nobres, nobre electricismo ,
Nume de hum Povo Rei , que aoTybre outr'ora
Fez curvar de respeito o turvo Oceano ,
Da mortal vida o circulo alargando
Acções obrou , que a humanidade illustraõ.
[l] A Princeza do mar, que a altiva fronte
no silencio da obstupeíac\;aõ sobre huina viagem taò in-
certa ; a melhor passagem da Lusíada he a prosopopca
do Velho.
[1] A primeira derrota, que sesjuio o grande Piloto
Manoel d'Oliveira Nobre, foi a da Ilha da Madeira ;
aqui se refez d'agoa , e mantimento para a longa nave-
gação, e levou comsigo hum Joven PQuLo, que linha já
[ 28 ]
De vicejantes pâmpanos coroa,
Se mostra ao longe ao Nauta naõ turbado \
Leva o ignoto Baixel pro(lig;ios dentro ,
Que d'a]to assombro os íncolas encherão
Da viçosa Madeira. A's praias correm
Arqueado o sobrolho, a bocca muda,
O graõ prodigio extáticos admiraô.
]\]al o confuso espirito acredita
A nova scena , que descobre a vista.
Solta de novo ao vento a larg-a vela,
E o remoto Brazil o Heróe já busca:
Nunca delle trilhado incerto campo.
Aos olhos imperterrito se mostra.
O giro segue ao Sol , e mal segura
Esiimaliva na derrota segue.
He seu fanal heróica alta virtude ,
Indomável esforço, amor da gloria.
He-lhe incógnito o mar, qual se mostrara
Do guerreiro Cabral outr'ora aos olhos,
Que do acceso Equador cortando o clima
Nova ostrella Foliar no Sul descobre ,
E a fúliíida Coroa em Ceo naô visto.
íeilo a carreira da índia, lembrando-se, como elle mes-
mo me disse, que poderia adoecer, ou morrer, e neste
caso conservar a existência dos que comsigo levava, que
tomo pescadores d'Olhaõ nunca tinhaõ perdido de vista
xi5 Cosias de Portugal.
Então toldado o líquido Horisonte.
De acasteladas nuvens , brame o vento ,
Sòa o rouco trovão , lança a tormenta
Sobre hum mar outro mar, sorvem- lhe as onda;
O convulso Baixel , de novo aos ares
As encruzadas ondas o vomitaò :
Em hórrida peleja os Elementos ^
Em cada vaga a sepultura mostraõ.
A prematura noite os Ceos envolve
N'huma espantosa escuridão, e apenas
Ao fuzilar do rápido corisco,
Mostra-se o Mundo repentino , e foge.
Nem onde existe sabe o Heróe valente :
He ludibrio das ondas , e dos ventos.
Em quanto sôa a negra tempestade ,
Sem que hum palmo de vela aos ares mosf:
Implora a Providencia, e na justiça
Da nobre causa as esperanças firma.
Té que quasi ao romper nos Ceos a Aurora
Hum da companha intrépida lhe brada, '^
Que vê mais claro o mar, e ondas mais brandas ;
Quaes junto á Costa as agoas se prateiaõ ;
Mas quando o Sol surgio , que assombro , e susto
Do navegante audaz quebranta o peito!
Naõ longe a Terra vio , e estranhos montes
D'entrelaçadas arvores cobertos :
A terra nao conhece , eis se lhe mostra
[ 30 ]
Boiando ao long-e nípida canoa ,
Que mal divisa o combatido Lenho,
Vem de voga arrancada ao frágil bordo.
Então sabe dos negros remadores ,
[l] Que da agreste Caiena as agoas corte;
Foge á terra cruel , e á praia avara
O' Nauta invicto , que os feroces Tigres
Inda pizaô seu bárbaro terreno ;
Inda que o raio Portuguez já vôa-
A fazer-Ihes sentir pezados golpes.
Tens descoberto a America buscada;
Demanda agora o suspirado porto ,
Fim da fadiga tua , e teus desejos.
Eis nova Empreza, e desusado arrojo
Correr ao longo no pequeno Lenho
A vasta Costa do Brasil inteiro !
De alto louvor hum peito cobiçoso
Na(5 receia os vaivéns da instável sorte,
Nem ha fragosa estrada ou invio atalho,
Que naõ possa vencer Virtude, e Pátria?
Volve a proa outra vez ; se o vento falha ,
[1] Como o Piloto Manoel d'01iveiia Nobre naõ
era prático na carreira do Brazil , e tinha deixado em
Lisboa as suas Cartas Hydrográficas , dirigia-se porhuma
estimativa muito incerUi , sendo seu maior cuidado ob-
servar a direcção das correntes do Oceano, e dirigir
o rumo do Caíque conforme estas correntes. A primeira
terra que avistou j 4epois de hum grande temporal >
[3. ]
Se as lisongeiras auras escacêaõ ,
Varrem o mar c*os alutados remos.
Elle o timão dirige , e anima a todos
Só c'hum volver dos olhos onde assoma ,
Virtude, intrepidez, e amor da gloria.
Acha tranquillo o mar , galerno o vento ,
Té que entestou c'o penhascoso marco ,
A natural pyramide , que sobe
Do fundo seio aos ares dilatados
Na foz do quasi anfitheatro immenso ,
Que mostra aos olhos o Real Janeiro.
Entaõ desprega da boiante poppa
O Estandarte fatal , onde esculpidos
Vaõ os signaes da Redempçaô do Mundo.
Hei mister outra voz , estro mais alto ,
Outro fogo que escalde a fantazia ;
Outros pincéis insólitos que tracem
O desusado quadro. Apenas sôa
[l] A voz da Fama nos doirados Paços ,
foi a Caienna entaõ Franceza , tornou a fazer-se ao lar-
go e buscar a altura de Pernambuco onde aportou ,
vindo depois com penosa viagem ao lon<^o de quasi to-
da a Costa do Brazil demandar o Rio de Janeiro.
[1] O Piloto Manoel d' Oliveira Nobre foi recebi-
do no Rio de Janeiro com aquellas demonstrações , e
applausos que merecia huma acçaõ taõ heróica, inspi-
rada pelo Patriotismo , e por elle conduzida : acçaõ ije
que 5tí naO acha hum s6 e.\empl6 , quando se con-idera
[32 I
E fio Moíijucha enternecido d vista
Taò esírauho espectáculo se mostra,
E o vacillante Barco as praias toca ;
E desde a poppa o triunfante Nauta
Alça a voz, e annuncía a liberdade,
E da Pátria o grilhão quebrado e roto.
Kunca no peito humano affecíos tantos
Entrarão de iiuma vez ! D'hum lado , assombro
De ver domado o túmido Oceano ,
Vencida a estrada perigosa, immensa
Por hum mortal , que as ondas assoberba
Em taõ pequeno Lenho ; e d'outro lado
Da libertada Pátria a imagem doce ,
Dos Vassallos o amor ao Throno Augusto >
Com caracteres immortaes expresso
Ko graô Navegador , que ao Soberano
Da victoria immortal conduz o brado ,
E a scena expõe da mísera derrota
De avarentos , cobardes oppressores^.
a pequenez da Embarcação , em qiic este grande homem
se attreveo a passar o Oceano na sua maior extensão.
Foi recebido por S. A. o P. R. N. S. com muita sa-
tisfação, por entre vivas, e admiração da Corte: foÊ
condecorado com a insígnia da Ordem Militar de Chri-
sto, e com a Patente de Tenente da Armada Real, e
seus companheiros igualmente condecorados com huma
medalha de honra ganhada em huma acçaõ, que assom^
bra a presente idade, e assombrará a futura.
[33]
Os Britannos magnânimos observao
Do Nauta patriota a audaz façanha.
Como potentes árbitros dos mares ,
E a quem naõ resta incógnito hum s > clima ,
Com carregada sobrancelha admiráõ
A portentosa audácia , que obscurece
Quanto em seus Fastos a naval Historia
De grande e memorável apregoa :
He mais vadear o túmido Oceano,
Onde mór extensão divide os Mundos
jN'hum estreito Caíque apenas apto
A' pescaria litoral , que a volta ,
QueDracke [ij deo primeiro ao mar, e á terra ,
Em artilhadas Náos; ehe mais que o longo
Giro, que fèz no mar em Lenho altivo
Anson , que as armas leva ao Mundo opposto.
Tudo o que vêm no illustre navegante
Britanno se lhe antolha : o amor da Pátria,
[1] O primeiro circumnavegador entre os Inglezos
foi o Almirante Francisco Dracke , que embccando o
estreito já descoberto por Feinando de Magalhães fez o
giro inteiro do Globo, vindo para a Europa pelo Cabo
da Boa Esperança. O Almirante Anson ho tamf)em
hum dos famosos naregadores Inglezes antes de C(X)k ,
a quem Buffon chama o maior de todos. Anson fuz o
giro do Globo, porém o motivo da sua longa viagem
foi puramente politico e militar. Faz muitas descrí-
pçôes de diversas paragens, e mostra nas suas viagiHis,
que naO s6 he bom njivegante , mas bom observador.
c
[ 34 ]
O desprezo da moríe, incontraslavel
Peito, qii« aííroíita as lúgubres tormentas;
Que julga lar tranquillo , e doce alvergue ,
O que he da morte, e dos tufues império;
Briíanno nau he só ; que a Lusa Terra .
Também he Pátria das acções sublimes.
Foi seu do vasto mar primeiro o Império:
E se o Tamisa triunfante extende
O náutico Tridente aos fins do Globo,
Ao Luso deve o trilho em vao tentado
[l] Antes d'outra Naçaõ. Se foi Colombo
Descobrir remotíssimas Antilhas,
De hum Nauta Portuguez segue o roteiro;
Escondido depósito, que a morte
Deixou nas mãos do Ligure ditoso.
[Ij Christovaõ ColomliO Genovez , e nativo de Sa-»
^oiia, segundo dizem, fesfdio muitos aniios em Lisboa,
e daqui comoc;ou suas primeiras tentativas nos desco-
biimctUOs de ultramar. Foraõ rcjí^itadas na Corte as pro-
posições que elle fazia para o novo de-.cohrimento, passoy
enlaõ ao serviço (PUespanha, e lá se lhe deraô as em-
barcao~es que pedia. He tradição entre n.^s que exi-tiri-
do Colombo na ilha daMad(;ira em casa de humPilotç»
Portuguez , pela morte deste se apoderara de seus pa-r
p^is, cartas e roteiros, onde achara a derrota da viag<ími
para o Occidente, e de qu(; se servira no"seu descobri-
mento. Ou'ros dizem que devera as mais importantes ins-;
trucçtVs para e^tu grande empreza a hum Piloto Biscai-
nho, que em companhia de alguns Portuguezes, levado de
hum grande temporal , houve priuKÍro vista 4al)lhji 4^
[35 ]
[l] Se Cadamosto intrépido se entranlia
Mais pelo escuro occaso , e o Coníiii nte
Dos desgraçados Incas vaeío Império,
Prinneiro demandou ; da foz c'o Tejo
Sahio no curvo Lenho , e a Luso esforço
Deve a conquista, deve a descoberta.
E Américo também , qu'a hum Mundo igiio!o>
O nome seu foi dar, que inda conserva.
Deixando as praias do cerúleo Tejo,
Piloto Portuguez conduz seus voos.
De Lysia he producçaò , de Lysia estudo ,
O seguro Astrolábio , o certo Oitai.te,
Na immensa solidão do mar fremente .
Fanal, que aclara a sombra, e marca acsítrada.
Das ondas mede os Ceos , e observa os Astros .
Do Sol conhece a altura , e conta os pasrjos ;
E sem falhar no líquido caminho ,
Ao menos marca ao certo a Latitude.
Lusitanos Hebreos , e o Grande Henrique [2j
[1] Jeronymo Cadamosto veio tainl>em a Portugal, e
guiado de Pilotos Portuguezes íez seus descobrimentos di^
tanta utilidade para Castella. Américo Vespuzio 1'loveii-
tino viveo, e morreo em Portugal, e está sepult.ulo na
Sé de Lisboa. Naò se atreviaõ a navegar, e d(,'scobrir,
sem Portuguezes.
[2] O Infante D. Henrique, a quem Port!iír;i1 , e o
Mundo devem tanto, fundou em Sngies huma Esc !ít pa-
JR facilitar aos navegadores os meioí de fazerem ilcí-^o-
C Ú
[ 3C ]
Primeiro o rumo aos Nautas acertarão,
Sobre a carta nava! traçando as linhas
Entre si paralellas , e cortadas :
brimentos p(^lo Oceano. Depois que seu Pai I). Joaõ I.
conquistou Ceuta começarão os riavepidoresPort.uguezes
a se exlender pelas Costas de Africa, t.í infante tinha com-
sigo dois Mathematicos Hebreos. [Mestre José, e Mes-
tre K<xlrigo. ] Foraõ elles os primeiros que construirão
Instrumentos, com os cjuaes os Pilotos se pudessem con-
duzir em mar largo observando Oi Astros. As nossas His-
torias, que desprezarão sempre aparte litteraria , escieíí-
tifica da Naçau, naõ nos dizem ciuc Instrumentos eraõ
estes ; semente deelaraõ que o Infante dera aos Pilotos
muitos Instrumentos para tomar e determinar a latitu-
de; sei que entre elles se contava o Astrolábio e Moc-
turlabio. Este ultimo servia -para determinar quanto a
Eslrella do Norte andava mais baixa , ou mais alta que
o V6\o , e que horas eraõ da Noite. Com o Astrolábio
se tomava a altura dos Astros. Eraò sem dúvida defeituo-
sos estes Instrumentos no seu princípio; mas he hum
grande brazaò para os Portuguezes, que o latrocínio e
orgulho Francez tratou ha pouco de estúpidos , terem
imaginado meios de resolver os mais difficidtosos Proble-
mas náuticos , pois he indubitável que a invenção do
Astrolábio e Nocturlabio he puramente Portugueza, e
isto no tempo, em que os Fraiicezes e Inglezes viviaõ
envoltos nas trevas da mais grosseira igrjorancia e bar-
baridade. Os navegadores Portuuuezes animados e illus-
lustrados com estas In-trucções corrèrau, e conquistarão
toda H (^osta da Africa, descobrirão a America, e abri-
rão a desejada passa g(ím para as índias Orientaes. Os
primeiros suecessos dos Piloto-: do Infafite D. Jlenriquo
satisfizeraò tanfo os Jud(.'Os , José, e Kodrigo , que pri-
meiro no Mundo formarão o projecto, e conceberão a
Kléa de construir cartas marítimas. ÍSabiaõ que huma
das grandes difíículdades ei» a navegação era síiber q
[37 ]
Arte rude 5 qna?s todas no começo,
Hoje ;í suprema períeioao levadas ;
^ías deve a orig-eiii sua ao Luso eng-enho ,
[l] E hum Lusitano se lembrou primeiro
rumo, que se devia seguir para chegar ao lugar destina-
do. As (fartas Geográficas , já entaõeraò conhecidas , po-
rém eraõ nuliasem a navegação; porque ueslas Cartas os
Meridianos se unem aos P.'los. Ora neste caso o rumo
do vento , ou a derrota do navio , devia corlar to-
dos os meridianos debaixo de hum mesmo angul<7. l»to
€raõ linhas curvas, e as linhas curvas naò podem fazer
conhecer a derrota que o navio deve seguir. Para sal-
var este inconveniente os dois JV1 athem áticos , sem o en-
fasi intolerável das modernas cabeças calculantes, iínugi-
nárar) Cartas, cujos Meridianos fossem em ]inhas rcctns
e paralellas , e por este meio os rumos do vento , for-
mados por linlias rectas, cortara") todos os Meridianos
debaixo de lium mesmo angulo. Suppuzéraõ nesta cons-
trucçaõ que o mar era huma superficie plana , sem con-
tar com a diminuição dos gráos de longitude á medida
que se aparta do Equador; diminuição que provém da
esfericid de do Globo terrestre. Esta supposiçaõ era hum.
erro mui considerável em huma grande Carta: com
tudo naõ se pSde roubar aos Portuguezes a gloria da
invenção. Tudo isto permanece esquecido entre iiSs. Sem-
pre desprezámos as próprias riquezas para nos deixar-
mos embíiir da-- missangas estrangeiras: he tal a nossa
incúria, ou indifferençaque, existindo em Coimbra o fa-
moso instrumento cliamado o Nónio , construído por Pe-
dro Nunes, (homem que adivinhou a Astronomia moderna,
e que determinou a verdadeira causa dos crepúsculo? , e
Aurora Boreal ) , como era de bronze , derretèraõ-no , e
fi'zera") maçanetas para as grr.des de ferro da escada do
Collegio dos Padres Bentos ! ! I '.
1^1] Da Historia Portuguesa naõ nos consta desta in-
venç;ii">j nem sabemos o nome do seii author. NaEistorúi
[ 38 ]■
De medir, calcular, que espaço corta
No solitário mar nadinte pinho,
invento, que inda segue, inda respeita.
Douta Europa no século das luzes;
Com taes soccorros , Nautas Lusitanos,
ForacJ dos mares subjugar o império:
Quando o Bretaò profundo , e o Gallo ousado
Nao se atíreviaõ no boiante Lenho
Doce praia natal perder de vista.
Foi com elles o Gama além da meta ,
Que nunca atrás deixou náutico esforço
Colher no fndo, e Hydaspe eternos louros.
Deixando já vencido , e já domado
O promontório austral d' Africa adusta,
Sojio eterno do vento, e das tormentas ,
Que em áureos versos o Cantor do Tejo
Transformou n'hum Gigante horrendo e feio,
Que desgraças fataes ao Nauta agoura;
í^os ])ro^rcsso3 do engenho humano nas Sciencias exactas
jr. vol. pag. Í217 se lè que o instrumento se cham?i a
Barquinha , e seu author Bartholomeu Crescendo , o sobre-
nome nad parece Portuguez; mas ossuperficiaes France-,
7?=. íii^< miseráveis era escrever os nossos nomes , inver-
tem e pervertem tudo. Entre n's esqucceo , assim co-
rr'> cítjuece que o primeiro Aeronauta foi Bartholomeu
Lourenço de Cíusma^, que morreo no Hospital de Se-
- ilha , e que o primeiro explicador da hypothese de
Newto,n ^obre o fenómeno das marés se chamava Bento
dl' Moaira^ e morr(Kj no Forte da Junqueira.
QuaiK^o abaixaiiilo o musculoso braro ,
Donde pendentes tinha as áureas cliaves
Do lúcido Oriente, ao Nauta ousado
Submisso as entrey;ou , e avante passa
Deixando para sempre a estrada aberta
Aos Herúes , qu'após elle ao Gangeí^ foraõ
Kntre }) almas erguer Pendões de l.ysia ,
E com brado imraortal de illustres feitos
Encher o Mundo , e despertar a inveja
Nos PíSvos Europeos , e amor da Gloria.
Quffm foi o que animou , e encheo de foi^o
Hum Bougainville a audaz, Cook arrojado.
Três vezes a formar do Globo o giro ?
Tu foste, ó Magalhães [f] , teu nome illustre
Adora o tempo, as regiões conservaô.
Elle o canal navífrago anuuncía ,
Por onde a medo, tacteaado as ondas,
MaJ se atrevem passar Baixeis Biitarnos.
ri] Ninguém ign^iru o nom« d'^ Feriuind' de Ivíaga-
Ihàes, natural de Bragn, onde inda \ivom d scend ?nteç
seus. Este Iioinem raro, tinha f(;ito a viagem da lídia ;
era hum grande observador, e tinha todos os .^studo- da-
quella idade, ajudados de grande valor <• constância , ti'i*?
SC requer para iiovos descol/rimentos nO mar. Por ?euí
serviços e nobreza, pedio mais hum tostão de mora'Ua,
conio tinhaô os do seu foro, foi-lhe negado este íoslaõ,
porque na moradia o igualava a outros, que se jnlgavaô
njais Ficbres, e miã<;res que elle. Tomou d" ^n fupj-')5'a
aífroiUa a mais estrondci» vinganí^a, que vio o Mundo:
[40]
IMagaliiàes immortal primeiro a volta
Do Globo inteiro fez , pasmoso esforço ,
Que excede o voo das Romanas Águias,
E que do Joven Macedónio mostra
Ser pequena a ambição, ser nada a gloria!
Da praia Occidental largando as velas
Foi , emula do Sol , a Náo triunfante
})o Atlântico mar varrendo as ondas,
Tl cora propicio sopro a extrema ponta
Tocou do novo Mundo , ousando a ignota
.Kstrada commetter de hum mar, que nunca
De Lenhos Europeos cortada fora.
Imanto o Gama naõ fez ; e era já visto
I.)o graò Nauta Algarvio [l] a austral baliza,
d^-snaturalizou-se, e se passou ao serviço de Castella , of-
líieceiído-se a achar huma passagem pela America para
as Filippinas e JVlolucas, o que conseguio, descobrindo
o estreito que ainda conserva seu nome ; e desembocando
por elle no Mar pacifico morreo em huma das Ilhas dos
L'idrÔes; e a Náo Victoiia em que tinha navegado, dan-
do a primeira volta ao Globo, tornou a entrar em Sevi-
lha, donde tinha sahido. Levou em sua companhia hum
Astrónomo chamado Francisco Falei ro , cuja Pátria se
ignora, este aperfeiçoou o Astrolábio, e mostrou em hu-
ma Carta que formara a derrota que devia seguir, een-
ta'3 Carlos V. em Saragoga llie acceitou a offerta, e lhe
mandou as Embarcações que seapromptáraõem Sevilha.
[l~j Bartholomeu Dias tinha passudo o Cabo da Boa
Ftíperança no Reinad'- i]^ D. Joaõ lí. e hum dos Pilo-
ros que acomponhavaô o C >iiil ; D. Vasco da Gama^
Ywwifi ido com Bartholoiri u JJias.
[<1 ]
E além delia os padrues tinha deixado.
E Magalhães intrépido e seguro
A garganta embocou ; de hum lado, e d'outro
Vé Vulcões vomitando, fumo, e fogo.
Praias cobertas d'horridos Gigantes ,
O Ceo toldado sempre , e as vagas turvas
Rebentando em cachaõ , e naõ recua
O feroz Magalhães ! Tanto puderaô
A vingança e valor ! E arfando rompe
Por entre os braços da tormenta e morte ,
]\'Oceano pacífico naô visto
Por Nauta Portuguez , antes que o vento ,
Em furacão medonho arrebatado ,
Dos negros mares do Japaõ fizesse ,
Tanto aberrar o memorável Pinto [l] ,
Que se engolfou sem rumo , e sem governo ,
No mar , que banha os Papuás horrendos.
Já na vasta cainj)ina aferra as Ilhas ,
Onde o Fado lhe «guarda a morte e a campa.
Em tanto a Náo victoriosa os mares
[1] Feruaò Mendes Piut:), que podemos considerar
<X)iRo o primeiro viajante da Europa pelo que pertence
ú Ásia , he era tudo luun homem benemérito da Pá-
tria, e digno do memoria e estima universal. A his-
t>í)ria de suas peregTÍnaQ.Vs iie hum tl\esouro de erudi-
ção pelo que diz respeito á Ásia até áquelle tempo
ijicognita , e á China , de quem lemos poucas relações
exactas , ainda mesmo contando a descripçaõ do Padre
r 42 ]
Corta do China e:slremo, e desce, e embóca
O estreito, onde Malaca ao ar levanta
Oimuro, que o Malaio inda receia,
(>nde com sangue bárbaro escrevera
Seu nome, seus troféos da guerra o Nume,
Albuquerque terrivel. Negros Indos
Vem depois visitar , e passa ovante
Em frente do Indostão , onde espantosas
Bombardas soaráõ , que susto, e morte ,
Tragaõ até do Nilo á fonte, e ás boccas;
Cujo estampido horrendo o peito assuste
Do Rosforo ao Tyranno. A Africa ardente
Eis já descobre ao longe , e de Quilóa
Adustos areaes , o inhabitado
Austral Pólo demanda, envolto em sombra,
A' sôfrega ambição de Cook , impérvio
Blonta e passa o medonho em mar , e em ventos ,
Faíi tempestades tormentoso Cabo:
f^eguindo o giro ao Sol , onde elle expira ;
Náo mais digna do Ceo do qu'Argos fora ,
])ii Halde , e a Historia de Mailini. Sua lingoagem he pu-
lissima e correcta , e talvez seja hum dos primeiros
(lassicos Portuguezes. Foi o primeiro descobridor do Ja-
f aõ com Chriátovar) Borralho , e Diogo Zeimoto , e o
r.ue por forc;a de hum temporal decahio mais de 600'
legoas da altura do Janaõ para as Costas d' Am eriça , c
chegou ás Ilhas dos Tapuás , Celebres, e Mindanús,
vistas depois por Cook. ' '
Digna do nome de Victoria , afferra
O porto donde a vela ao vento dando ,
Vingar fòrahunia aflronta , achar hum Mundo.
Milagre inda maior descubro em Lysia ,
Que o crédito excedeo de antigas eras ,
E que talvez em verso altisonante
Hoje arranque das mãos do esquecimento.
Magalhães absolveo do Mundo o giro ,
Em Náo possante assoberbando as ondas,
Deo exemplo ao Britanno , e foi primeiro ,
He este o seu brazaõ , muitos o igualaõ ;
Mas Botelho [l] o venceo na audácia, ebrío.
Venceo La Hire e Dávis , que soltando
Ao vento o leve panno o Globo inteiro
Ousarão circular domando a fúria
D'horrísonos tufues caliginosos
[1] Da porítMitosa viagem em luim Caíque ao Rio
do Janeiro veinoshmn ensaio em Diogo Botelho Piteira,
nativo, como dizem, da Ilha de S. Miguel. Militava na
índia , sepultura naquelle tempo , como diz Luiz de Cp-
mpes , de todo o pobre honrado, e achou-?e com o Go-
vernador Nuno da Cunha na conquista, e entrado de
Dio, Praça importandssima no golfo de (Cambaia, ePrn-
ça que devíamos conservar tv^mo Portugucza , híikÍíi oup
perdêssemos toda a índia. El liei D. JoaÒ o 111. tinha
hum grande empenho na conquista desta Praça , que d<>via
ser depois o maior theatro da gloria Fortugueza nos dois
memoráveis cercos, uaò sendo huma pequena pai te desta
[ 44 ]
Dò Pólo austral , que devassar pretendem ,
Onde altiva Albion pendões levante,
K faça ouvir mortíferas bombardas ,
Qu'ora ao monstro da Gallia as fúrias quebraÕ.
IVIais que todos fizeste , em Lenho exiguo
Ousaste , Heróe , cortar sem medo á morte
Quanto se extende pélago profundo,
Do seio de Cambaia á fpz do Tejo.
Cahio soberba Dio , e as portas abre,
E ao jugo Portuguez submette o collo :
gloria a descri pç a õ do Jl. pela delicada penna de Jacinto
Freire de Andrade. Diogo Botelho desejoso de ganhar
honra, e satisfazer a aneia do Monarcha, tirou a planta
da Fortaleza, armou huma Fusta, que tinha dezoito pés
de comprimento , e doze de largura , e seis de altura ;
metteo-se dentro rom seis escravos seus, e atreveo-se a
))assar quasi 700 legoas de mar limpo, que ha entre
Dio, e Moçambique, veio costíi acosta até ao Cabo
d(^ Boa Fsperança , e dirigindo-se ao longo da terra por
ioda a Africa Occidental, deo fundo na Ilha da Ma-
d<ira. lícfrescou , e veio a Lisboa ; soube que El Rei
estava em Almeirim, e na mesma Fusta foi a Santarém.
Foi rece!>ido na Corte com applauso, que merecia taô
grande façanha, e tanto amor da Pátria. Mas tratando
este negocio <:m Conselho , se decidio que era hum
-caso, que se devia occultar aos Estrangeiros para que
íiaô soubessem quau fácil era a carreira da índia. A
Insta foi queimada na bocca de Sacavém onde a enca-
lhara', e Diogo Botelho foi sepultado vivo em huma
masmorra do Castello , onde existio até ao Reinado de
D. Sebastião, cujo cora '^ar» prezava as acções grandes;
mandou-o tirar da prizaò , e o fez Governador de Saõ
Jorge da Mina, onde, apenas chegou, morreo.
[46]
O sangue de Badur [l] já ting-e os niaros.
(Naõ he este hum troféo digno de Ly^ia,
Nem tu, Cunha magnânimo, deveras
Murchar com vil Iraiçaõ teus verdes louros.)
Desejos de louvor , desejos de honra
Brotaô D^alma do intrépido Botelho ;
A' Europa vem trazer da Fama o brado
Qual ella nunca ouvio , nem quando ao Tibre ,
Já visto o Hydaspe , as Legiões tornarão
Do soberbo Trajano ; e até nem quando
Das praias de Abokir em náos possantes
Bradar veio ao Tamisa a eterna Fama,
Que o Marte do Oceano , ou raio acceso ,
Nelson , no seio das trementes ondas
Metteo de Gallia ignívomas montanhas ,
Qual desde o excelso Olympo outr'ora Jove
Fulminou , destruio Titania estirpe :
Esquipa breve Fusta , igual apenas
[1] Sultaõ Badur , Rei de Cambaia , veio visitar ao
mar o Governador Nuno da Cunha, que se achava de-
fronte da Praça de Dío. O Monarcha vinha em hum;!,
pomposa Almadia acobertada de sedas, e brocados, sal-
tou ao Batel em que o esperava o Governador, e íipf^-
iias se sentou, Nuno da Cunha fez signal a hum ÍSol-
dado, que com hum montante lhe fendeo a cabeça atv
íios queixos. Esta acçaõ deslustrou a gloria de Nuno do
Cunha, e talvez fosse a causa das suas desgraças, veio
em ferros para Lisboa , morreo ua viagem , e seu corpo
foi lançado ao Oceano,
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Aos ligeiros Baixeis, que o fulvo Tejo
Cortaõ de hum lado a outro, e vem por cim»
Das do ingente Oceano ondas medonhas
As praias demandar do Cafre adusto.
Mil vezes foge o Ceo envolto em nuvens,
Foge o Pólo da vista ao Nauta invicto.
Vence o Gigante assustador do Gama,
Que da bocca, e das mãos tufões remessa,
Roucos trovões da voz , dos olhos raios.
Audaz façanha , que merece apenas
O crédito aos mortaes ! Mas foi propicio
Ao magnânimo Heróe o mar, e o vento.
Ou porque o feito insólito admirarão ,
Ou porque o Lenho humilde , e naõ guerreiro
A sanha lhe enfreou : e em si trazia
Inda mais do qu'hum César, mais qu'hum Nelson;
Maior prodígio os séculos guardavaõ ,
Quando a cobarde Tyrannia opprime
A Pátria dos Heróes , quando pretende
Abater, degradar almas sublimes,
Honra da espécie humana, e lançar ferros
Ao collo Portuguez ; entaõ de Lysia
O filho illustre as ondas avassalla
Em pequeno Baixel. Botelho excede ,
Que só desde Cambaia aos negros Cafreg
Passou sem ver de perto as longas costa;».
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-Desde que avista os derrubados muros
Da abrazada Mombaça , a meiga terra
Doce mãi dos mortaes , nunca dos olhos
Perdeo , té que embocando o Tejo ameno
Foi no mesmo Batel dar fundo , aonde
Em áureos Paços o Monarcha estava ,
Mostrar-lhe a imagem dos entrados muros
Da conquistada Dío , onde a victoria
Preza sempre existip nas mãos dos Lu«o? ,
Sem vêr mais do que o Ceo , mais do qu'a exíensa
Das turvas agoas líquida campina ,
Da Europa além dos Trópicos se lança :
Do antigo Continente ao novo aporta.
Desde que o vaÕ , mysterioso Egypto ,
Primeiro berço das Sciencias todas ,
Que inda agora escondido entre ruinas
Com restos colossaes insulta o orgulho
Dos Povos Europeos , em frágeis Lenhos
A cortar começou do Nilo as aguas-
Té que os Britannos torreões nadantes
A derradeira volta ao Mundo deraõ ;
Entre os Fastos navaes prodigio tanto
A Historia naÕ marcou: talvez que os evos,
Que inda por vir estaõ , igual naõ vejaò.
Em quanto a Pátria agradecida ao feito
Prepárí^ s<Q grande Navegante os louros :
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Em quanto o bronze, e mármore naÔ mostracJ
Voltada aos Ceos a imagem respirante ,
E no soberbo pedestal nao grava
Os attributos da naval sciencia ,
Co'a mente em fogo accesa , e ás Musas dada,
A' Pátria, ao Throno , ao Mérito , á Virtude ^
Que a façanha inspirou , que o Heroe coroa ,
Este tributo de louvor consagro-
F I M.
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