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Full text of "O novo argonauta : poema"

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LIVRARIA    ACADÉMICA 
^.    ú^uedeó    da    ofifoa 


R.  Mártires  da  Liberdade,  10 
Telefone,  25988  —  PORTO 


LIVROS      USADOS 
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Presented  to  the 

LIBRAR  Y  o/ í/ie 

UNIVERSITY  OF  TORONTO 

by 

Professor 

Ralph  G.  Stanton 


^.   t 


/ 


Digitized  by  the  Internet  Archive 

in  2010  with  funding  from 

University  of  Toronto 


http://www.arGhive.org/details/onovoargonautapoOOmaGe 


o    N  o  r  o 
ARGONAUTA. 

POEMA 

POR 
JPSE'    AGOSTINHO    DE   MACEDO. 


Plus  ultra. 


T       T    C   T?     O     A  -r         ^**TER     FOLIA     rl{(]ClH4/ 


KA    TYPOGRAFIA    DE    BULHÕES.    AlSNO    1825, 
Cbm  Licença  ãa  Me%a  do  Desembargo  do  Pa{0<, 


%**\%%****WV«>VkWV»%*VkV»/W»% 


Vende-se  na  Loja  de  Francisco  Josg  de  Carvallio, 
Uvieirg  f^o  Pvte  dfis  Almas. 


[5] 

PREFACIO 

D  A 
SEGUNDA       EDICAÕ. 


OrK-os  sentimerr^s  que  agora  me  anímao  fos- 
sem semelSfantc^  aos  que  me  animarão  em  1809 
eu  procuraria  dar  ao  Público  para  gloria  da 
Pa'tria  mais  enriquecido  este  pequeno  Poema. 
Se  entaõ  sentisse  como  agora  sinto ,  nem  assim 
mesmo  pequeno  appareceria.  Em  1009  ainda 
se  naõ  tinha  condensado  sobre  a  minha  cabeça 
a  carregada  nuvem  de  perseguições  ,  e  de  af- 
frontas  com  que  me  tem  galardoado  hum  as.si- 
duo  estudo  das  Letras,  e  hum  invariável,  e 
heróico  amor  da  Pátria  :  as  acções  que  eu  delia 
podia  celebrar  5  sempre  ficariaõ  manchadas  com 
a  barbara  ingratidão  com  que  tenho  sido  tr;i- 
tado  ,  fazendo-me  esta  ver  ,  que  os  louvores  quo 
tenho  dado  á  Naçaõ  Portugueza  saõ  outros 
tantos  iilírages   de  que   se  tem  desforrado  com 


injurias.  Neste  pequeno  Poema  eu  levantei  hum 
Padrão  á  Gloria  Nacional;  mas  elle  foi  hum 
grito  da  guerra:  neste  ponto  começou,  e ainda 
até  agora  me  naõ  tem  concedido  perfeita  paz. 

Pouca  memoria  tinha  já  deste  meu  antigo 
trabalho,  jazia  para  mim  no  mesmo  desprezo, 
e  esquecimento  em  que  permanece  tudo,  ou 
quasi  tudo  o  que  eu  tenho  composto,  filho  tu- 
do de  huma  infatigável  imaginação  ,  e  sem  au- 
xilies. He  pequeno  o  volume  deste  Poema,  po- 
rém está  cheio  de  tudo  quanjto  hos  fez  grandes 
aos  olhos  de  todas  as  NaçõesidaTerra ;  elle  se- 
rá huma  prova  successiva  e  permanente 'de  que 
podemos  fazer  grandes  cousas  se  nos  inflammar 
mais  o  amor  da  Pátria,  que  o  amor  de  huma 
Filosofia  desorganizadora  ,  que  perdida  em  Theo^^ 
rias  de  hum  Bello  ideal,  que  he  incompativel 
com  a  condição  humana,  pôde  alterar,  ou  tal- 
vez haja  alterado  a  nossa  natural  nobreza,  ou 
nossa  antiga  virtud«. 

O  mérito  de  hum  livro ,  naõ  consiste  em  o 
número  das  paginas,  e  ha  Livros  de  quem  se 
pode  dizer  o  mesmo  que  dizia  Estacio  do  He- 
roe  Tydeo ,  pequeno  de  corpo  , 

]\Iaior  in  eocícfuo  re(piahat  Corpore  virtus. 

Mui  pequeno  volume  tem  o  Enchiridion  de 
Bpictcto ,  e  encerra  em  si  quantg  em  si  tem  to- 


da  a  Moral  Filosofia,  e  o  pequenino  Livro  de 
Balthazar  Casteglioni  ,  cujo  íitulo  lie  =  O 
CorlezaÔ ,  =  contém  mais  princípios  de  illus- 
trada  Politica ,  que  todas  as  Constituições  dos 
Publicistas  do  passado  Século.  Revendo  agora 
este  esquecido  Poema  o  descubro  taõ  farto  de 
cousas  substanciaes ,  taõ  ataviado  de  enfeites 
Poéticos ,  que  me  obriga  a  consentir  em  huma 
segunda  impressão  ,  naÕ  para  gloria  minha,  mas 
para  beneficio  alheio  ;  desejando  ao  mesmo  tem- 
po angmentar  na  Posteridade  as  provas  de  que 
amei  a  Pátria  sem. interesse ,  [  pois  que  podia 
eu  esperar  de  hum  triste  Mestre  de  hum  pobre 
Caíque  do  Algarve?]  dequenaõ  lisongeei  a  so- 
berba dos  Grandes ,  e  de  que  naõ  tive  outro 
ídolo  mais  que  a  Virtude,  fosse  qual  fosse  a 
condição  em  quem  a  encontrasse« 


[9] 


jnL 


Fingem  portentosa  ,  que  o  Tenente  da  Arama- 
da Real  e  Cavalleiro  da  Ordem  de  Christo ,  Ma- 
noel de  Oliveira  Nobre  ^  seatreveo  afazer ,  atra- 
vessando  o  Oceano  na  sua  maior  extensão  ern 
hum  pequeno  Caíque,  he  kunia  das  acções,  que 
faraó  Empoça  na  Historia  Naval.  O  motivo  desta 
acçaô  he  ainda  inais  glorioso  para  os  Portugue- 
zes  que  a  mesma  acçaô.  Em  toda  a  Historia 
de  Roma  se  naô  pôde  marcar  hum  facto ,  que  pro- 
ve mais  heróico  Patriotismo ,  mais  honra  ,  mais 
lealdade  ,  e  mais  virtude.  Manoel  de  Oliveira 
JVobre  he  hum  homem  de  huma  coragem  desusa- 
da ,  de  huma  constância  inflexível ,  e  de  huma 
intrepidez  a  toda  a  prova :  só  hum,  animo  seme- 
Ihaiite  poderia  emprehender  em  hum  Caíque  taô 
arriscada  viagem.  Eis- aqui  hum  effeito  do  amar 
da  Pátria y   e  da  verdadeira  adhesaô  ao  Throtio 


[    10] 

</o  nosso  legitimo  Imperante ,  e  hum.  exemplo  ra- 
ro de  fidelidade  no  meio  do  Século  da  corrupção , 
e  do  império  dos  vidos ,  €  bem  capaz  de  envenjo- 
iihar ,  e  confundir  muitos  inrjratos  á  infatigável 
liberalidade  e  boa  graçu  do  Principe  Regente  Nos- 
so Senhor ,  qtte  os  encheo  de  tantos  benefícios.  Hum 
homem  ategora  incógnito  entre  o  vu/qo ,  acompa- 
nhado de  outros  inirejndos ,  por  meio  de  evidentes 
perigos ,  se  expõe  á  morte  para  levar  a  S.  Al- 
teza ,  que  Deos  nos  guarde  ,  a  grata  nova  da  Res- 
tauração da  Monarchia  taô  felizmente  começada 
710  Reino  do  Algarve  :  eu  me  consolo  na  m.ágoa 
de  o  naô  ter  acompanhado ,  jmrque  o  naô  soube , 
cotn  o  prazer ,  ou  com  o  dever  patriótico  de  pu- 
blicar esta  acçaô ,  que  augmenta  o  catalogo  dos 
rasgos  fnaravilhosos  da  fidelidade  Portugueza , 
€  desta  maneira  a  salvo  do  esquecimento  ,  em  que 
outros  muitos  temficado  sepultados  ou  por  incúria 
dos  Escriptores ,  ou  pela  natural  magnanimidade 
dos  Portuguezes  ,  que ,  pagos  da  consciência  das 
grandes  acções ,  morrem  com  ellas  sem  curar  da 
Posteridade  ^  de  que  se  fazem  senhores  quando  as 
praíicaô.  Em  Portugal  nunca  faltarão  talentos 
capazes  d£  escreverem  ditos ,  e factos  memoráveis , 
como  P^^alerio  Máximo ,  e  de  eternizarem  as  vi- 
das dos  P^arôes  Illu^tres ,  como  as  eternizarão 
P lutar cho ,   e  Cornei io  Nepos ;  mas  naô  sei  que 


[    H    ] 

inãolencia  os  conteve ,  talvez  que  a  hwencivel  in- 
clinarão 5  que  temos  de  admirar  nuas  os  Estran- 
fjeiros  que  os  Nacionaes ,  nos  torne  insensíveis  ás 
fjrandes  j/roezas  que  tentos  obrado.  A  fatalidade 
do  Século ,  em  que  existimos  ,  parece  nos  condemna 
a  maior  e  mais  triste  silencio ;  e  hmna  das  maio- 
res desgraças  ,  que  nos  causarão  os  insignes  ladroes 
e  perturbadores  doqenero  humano,  que  intentarão 
nossa  anniquilaçaô .  foiobrigar-nos  afallar  dclles  : 
desejara  ver  aboli  ida  esta  mania,  e  sepultada  para 
sempre  taô  atroz  /etnbf^anra  ;  e  que  aprendêssemos 
a  nos  estimar  a  nós  mesmos^  conheccndo-nos  em 
nossos  antigos  Escriplores  ,  c  admirando  as  accots 
de  nossos  Avoenqos ,  celebrando  as  nossas,  e per- 
suadindo-nos  que  somos  huma  NaçaÔ  ,  que  obrou 
grandes  cousas ,  e  que  he  capaz  de  obrar  ainda 
maiores ,  o  que  se  prova  co)a  o  exemplo  da  pre- 
sente viagem  ,  vendo  nella  que  a  corrupção  Fran* 
ceza  nos  naô  tem  contaminado  tanto  ,  que  nos  naâ 
mostremos  Heróes  ,  quando  a  Pátria  o  pede.  Bom 
seria  que  cdgum  dos  grandes  Enqcnlws ,  que  entre 
nós  existe ,  se  determinasse  a  escrever  a  'nossa 
Historia  Naval  desde  a  j)rinieira  época  de  iiossos 
immortaes  descobrimentos .  Sc  o  meu  talento  igua- 
lasse o  amor  e  zelo  ,  que  lenho  pela  minha  illiislre 
NaçaÔ,  e  gloriosa  Pátria  ha  muito  que  leria  to- 
mado esta  empreza ;  e  o  meu  Patrício ,   Jaclniho 


[   >2  ] 

Freire  de  Andrade ,  teria  hum  successor ,  e  hum 
continuador  :  entaÔ  appareceriaô  factos  muito  aná- 
hgos  ao  presente  ,  e  todas  as  Nações  cultas  ,  assim 
corno  nus  invejarão  então,  nos  admirariaô  agora  , 
tnns  islo  saÕ  vãos  desejos ;  porque  tudo  está  se- 
jmltífdo  em  huma  baixa  e  vil  tristeza ,  e  apa- 
(judo  o  sentimento ,  e  amor  da  Lilteratura.  Eu 
tnfr -irei  pela  sombra  do  túmulo  com  a  mágoa  ium 
consoluvel  de  ver  que  muitos  se  pejaô ,  e  enver- 
gonhaô  da  lÁtteratura  pátria  ,  e  que  sepagaÔ  uni- 
camente dos  superficiaes  conhecimentos ,  que  agora 
ap parecem  na  lingua  Franceza  ,  cuja  prática  ,  e  en- 
sino tomara  ver  abolido  ,  t  desterrado  de  Portu- 
gal ^  jechando-se  para  sempre  a  entrada  a  seus 
livros  peslilenciaes  ,  arrancando-os  das  mãos  da 
juventude ,  que  só  desta  ai  te  se  lhe  pode  intro- 
duzir a  moral  no  coração ,  e  considerar-se  como 
hum  crime  civil  a  pronunciaçaÔ  de  huma  só  pa- 
lavra Franceza.  \\\Seo ódio podesseser  huma vir- 


[1]  As  ultimas  frazes  que  terminaõ  este  discurso  saô 
hum  di'saffogo  da  máf^oa  que  nos  (ausáraò  os  es- 
tragos da  Pátria  pela  primeira  invasão  dos  Francezes; 
niij  cuidava  eu  na  que  nos  arruinou  de  todo  em  1810! 
Os  Francezes  foraõ  instrumentos  passivos  de  que  entaõ  %<( 
sérvio  a  Sóia  para  agrilhoar  o  Mundo.  Elles  o  conhece- 
rão e  por  isso  os  ouvimos  detestar  as  Revoluções. 

E  te  pequeno  Poema  está  cheio  de  grandes  bellezas, 
t  o  Ltlo.hxuío  meu  perseguidor  cm  huma  Satyra  que  con- 


[    13] 

tude,  só  quem  com  toda  a  alma  aborrcceòse  os 
Francezes  mereceria  o  norne  de  Porlwjuer: ,  e  de 
virtuoso,  [l] 


tra  mim  imprimio  em  Inglaterra  o  abocanha  entro  mui- 
tos neste  seu  verso 

5,  Poema  cm  que  o  Hcroe  'oaô  d'i"  palavra.  ,, 

Como  se  em  hum  Panegyrieo  que  a  íiJgviem  se  con- 
sagra costumasse  este  alguém  fallar  alguma  cou-a  !  !  Des- 
de esta  época  até  ao  presente  anno  de  1833  ainda  o  Mal- 
vado naõ  deixou  de  perseguir-me,  e  insultar-me. 

[1]  Por  naõ  sahir  differente  esta  da  ediçaõ  primeirii  , 
se  conservaõ  estas  agras  expressões ,  que  hoje  teriaõ  pou- 
co ou  nenhum  lugar. 


[16   ] 


O  NOVO   ARGONAUTA. 


PÕEM   A. 


D 


E  hum  feito  illustre  aperennal  Memoria 

Vale  mais  que  hum  thesouro,e  mais  qne  o  Mundo; 

He  da  Virtude  o  prémio ,  he  recompensa ; 

E  he  dos  grandes  Heróes  a  palma  ,  e  louro . 

Com  que  do  Fado  ,  e  Morte  as  leis  quebrantad. 

Mas  quem  digno  será  de  hum  nome  eterno  ? 

Quem  tem  jus  á  memoria  ,  e  jus  á  fama  ? 

Acaso  o  raio  da  sanguinea  guerra , 
Assombro  dos  mortaes  ,  e  seu  ílagello  , 
Que  no  exterminio ,  nos  estragos  busca 
Seu  nome  eternizar,  subir  ao  Templo 
Da  Gloria ,  e  da  Virtude ,    em  quanto  a  Terra 
De  sangue  deixa ,  e  lagrimas  coberta  ? 
Dos  homerus  aa  lembrança  existe  o  nome 


[16] 

De  Alexandre  ,  e  Pompeo  ,  de  Mário  ,  e  César ; 

Sa5  lembrados  dos  séculos,  quaes  lembraô 

Diluvio  assolador,  Contagio  horrível, 

Que  fez  de  Reinos,  e  Provincias  ,  ermos. 

Naõ  saõ  dignos  da  fama  esses,  que  o  Mundo 

Trazem  na  confusão,  no  horror,  no  susto; 

A  quem  louca  ambição  deslumbra  e  céga^ 

E  cujas  plantas  os  vestigios  deixaô , 

Que  deixa  a  tempestade,  e  o  raio  acceso. 

Quando  rompendo  acasteladas  nuvens 

Em  pomposo  edifício  o  fogo  entorna , 

Onde  s'erguiaô  pórticos  soberbos, 

Onde  vastos  salões ,  doirados  tectos 

Descobre  a  vista  attonita ,  e  confusa 

Entre  sulfúreo  fumo  ardentes  cinzas. 

Nas  mesmas  cinzas  sepultar-se  deve 

O  nome  infausto  dos  Heróes  da  guerra, 

Naõ  sei  prostituir  o  dom  das  Musas, 

A  quem  da  Natureza  ultraja  os  foros, 

E  contra  a  própria  espécie  empunha  o  ferra. 

Só  com  feitos  illustres  e  famosos. 

Que  a  virtude  inspirou,  e  amor  da  Pátria , 

Se  acquire  o  jus  á  fama ,  o  jus  ao  nome. 

Parabéns,  Portugal,  qu'entreteus  fíihos 
Nunca  a  progénie  dos  Heróes  se  acaba : 
Os  mesmos  inda  saõ,  que  outr'ora  as  Quina» 


í    17] 

Fora<5  erguer  no  Indo ,  erg-ner  no  Ganges. 
Os  mesmos  inda  saõ  ,  que  o  mar  ,  e  o  vento  , 
As  tempestades ,  os  tufòes  vencerão  : 
Que,  naõ  cabendo   nos  confins  do  Tejo, 
Illustres  Cidadãos  do  Mundo,  foraò 
Seu  Reino  dilatar  té  donde  surg-e 
Do  berço  apavonado  a  roxa  Aurora. 
Os  mesmos  inda  saõ  ,  que  as  mais  remotas 
Nações  com  laço  estreito  unir  souberaõ. 
A  quem  naõ  poude  obstar  do  turvo  Oceano 
A  medonha  extensão  ,  e  o  cég-o  abysmo  ; 
Que  em  Lenho  nadador  dobrar  souberaG 
A  insuperável  meta,  em  que  se  oppunha 
A'  força  dos  mortaes  a  Natureza. 
Sagres  [i]  ,  tu  viste  o  vencedor  primeiro 
Do  hórrido  Bojador  deixar  teu  porto  , 
Ir  em  frágil  Batei  vencer-lhe  a  fúria. 
Argonauta  Gileannes ,  se  teu  berço 


[1]  Em  Sagres  começáraQ  as  primeiras  tentativas  dos 
espantosos  descobriroentos ,  que  eteríu;;aô ,  e  abençuaò  a 
memoria  do  Infante  D.Henrique.  Estcndêraò-se  primeiro 
pela  Costa  Occidental  da  Africa  até  ao  Cabo  de  NaO, 
e  Bojador.  Julgava-se  como  impossível  sua  pass.igem ,  e 
tinha  dado  lucrar  ao  proloquio :  Quem  passar  o  Cabo  de 
!Na5,  ou  tornará  ou  naõ.  Maisdehuma  vez  mando  i  í>  in- 
fante seus  melhores  Pilotos ,  que  tornarão  sem  ultimar 
aempreza,  até  que  hum  Marinheiro  natural  d'01hi5,  tm 
huma  pequena  Barca ,  se  atreveo  a  passar  o  Bojad  )r  ,  en- 
golfando-se  tjuito  no  mar  para  evitar  a  corrente  das  aguas  j 


[18] 

Fora  a  grande  Albion  ,  que  Estatua,  e  Busto 
As  mais  soberbas  praças  lhe  adòrn;írací! 
A  Hollanda  a  levantou  ao  que  primeiro 
Foi  pescador  do  pequenino  Arenque. 
E  como  a  Historia ,  a  Poesia  houvéraô 
Levado  o  nome  teu  da  Fama  ao  Templo ! 
Hoje  nos  versos  meus  o  roubo  ao  Lethes^ 
E  a  par  do  teu,  do  portentoso  Dias 
Também  o  nome  ilhistre  aos  Astros  levo: 
Lagos  o  vio  sahir  no  Lenho  ovante. 
O  mais  perfeito  dos  Monarchas  todos  , 
O  segundo  Joaõ,  na  Lusa  Terra 
O  Sceptro  entaõ  pacifico  empunhava  ; 
De  seus  grandes  Avós  pizando  a  estrada, 
As  portas  quiz  abrir  do  acceso  Oriente , 
Dias  o  Cabo  austral  dobrou  primeiro, 
[l]  E  vio  primeiro  a  Adamastor  a  frente. 


riue  houve  vista  do  Cabo  das  Palmas  até  chegar  defronte 
«la  Serra  Leoa;  chainava-se  esle  Marinheiro  Gileannos; 
a.  este  homem  incógnito  se  devem  ta<'j  vastas  possessíH-s 
por  toda  a  Cosia  d' Africa,  ciue  depois  se  adiantarão 
ainda  mais,  até  que  Diogo Caõ ,  também  Algarvio,  des- 
cohrio  o  Reino  de  Congo. 

[1]  Bartholomeu  Dias  natural  de  Lagos  por  mandado 
de  D.  Joaõ  o  IL  se  aventurou  a  deàcobrir,  e  a  passar 
o  Cabo  da  Boa  Esp<;rança;  o  segundo  as  instrucçõe.^  que 
levava  deixou  na  Terra  de  Natal,  e  junto  á  Aguada  de 
S.  Braz  aquelles  padrões,  qim  depois  achou  o  Conde 
Almirante  D.  YiíscodaCíama,  qiuando  HQ^nAO  tk  14973 


f   19   ]  ■.  ^ 

Deixou  lá  seus  padrões  marcando  o  tri'ho, 
Por  onde  hum  filho  teu  ,  Silves ,  devera 
Ir  erguer  no  Industaõ  pendões  de  Lysin. 
Berço  de  Heróes  ,  Algarve,  inda  naõ  falhão 
Em  ti  do  mar  illustres  vencedores ! 
Talvez  ignore  o  frígido  Tamisa , 
E  o  Sena  transformado  em  sangue  e  luto, 
Que  o  Atlântico  mar  banhe  a  pequena 
E  mal  sabida  Olhaõ  ;  he  esta  a  Pátria 
Do  novo  Heróe ,  do  vencedor  dos  mares 
Co'as  frágeis  armas  d'hum  Batei  pequeno; 
Cuja  façanha  audaz  deixa  esquecidos 
De  Américo,  e  Colombo  o  nome,  e  o.-  feUos, 
Impávido  mortal ,  sem  medo  á  morte  , 
Ousou,  que  assombro!  do  profuiidu  Ooeano, 
Onde  em  mór  extensão  seu  Reino  ostenta  , 
Cortar  as  vagag  túmidas  ,  e  bravas. 
Naõ  conduzido  em  Lenhos  alterosos, 
Onde  a  raiva  mortal  das  éneas  boccas 
Com  medonho  trovão  vomita  a  moite; 
Mas  em  débil  Caíque  [t]  a  quem  do  vento 


levando  comsigo  o  grande  Aitronomo  Pt^dro  d'Alci!- 
quer ,  e  o  Piloto  Joaô  de  Coimbra ,  que  tinha  os  rotei- 
ros de  Banholomeu  Dias,  descubrio  a  Índia. 

[1]  Todos  conhecem  o  tamanho,  e  a  construcçaò  d<> 
tium  Caíque ;  nao  he  precisa  muita  prudência  para  se  na.'> 
arriscar  jiçlle  em  humív  viagem  tio  Algarve  para  Lisboa 

6    ii 


\  20  ] 

Poderá  huQi  sopro  sepultar  no  abysnio. 
Onde  apenas  sulcando  ao  longo  a  Costa, 
Nem  Zargo  [ij  inclagador  se  engolfaria, 
Tanío  no  vasto  mar,  que  a  tloce  terra 
JVrder  da  vista  espavorida  ousara. 
Quem,  niagnanimo  íleróe  ,  íó  agora  ignoto, 
Quem  te  anima  e  conduz?  Acaso  a  sede, 
A  infausta  sede  do  metal  luzente, 
Fonte  antiga  de  crimes,  e  desgraças, 
Que  outr'ora  fez  saliir  da  praia  Hesperia 
O  façanhoso  Álmagro  [2]  ,  que  jirofana 
Primeiro  o  vasto  mar,  depois  a  terra; 
Para  arrancar-lhe  do  profundo  seio 
Desgraçada  riqueza?  Acaso  voas 
For  cima  dessa  líquida  campina. 


^^m  tempo  de  Ir.vrrno,  e  nvVrã  evribaicoçaò  50  aventu- 
rou o  grande  Piíofo  Manoel  de  Oliveira  NMue  a  pas- 
sar o  Oceano,  .e  chegar  ao  liio  de  Janeiro.  Caso  iinico 
]'a  Historia  Naval  de  todos  os  Pv,'vos. 

[1]  Joaò  Gonçalves  Zargo  dx^scobrio  a  Ilha  da  Madeira 
j!Os -dias  do  Infante  I).  Henrique,  mas  navegando  era 
liuma  Caravelia. 

j''2]  Diop,o  de  Alniap;ro  foi  luim  dos  mais  ferozes,  e 
extraonlinarios  Jíesparihoes ,  que  ]>assáraõ  á  America  no 
íempo  do,  descobrimentos ,  e  conquistas..  H*^  bem  conhtíci- 
da  aborri^eldissençaõentreos  A  Imagros ,  ePizarros;  este 
iiomem  ferocíssimo  sábio  de  Paios  em  liuma  pequena  em- 
barcação ,  chegou  com  espanto  de  lodo>  á  Ilha  de  Sao 
Domingos,  e  foi  tomar  o  commíindo  dos  He^panhoes  no 
Perúj   dalli  emprcliendeo  a  conquiítv^  do  Chiii  no  ann<3 


[21    ] 

Que  a  vista  cr^  que    ao  Ceo  se  apega  sempre , 
Novas  terras  buscar,  ou  novo  império, 
Qual  foi  pelo  pacifico  Oceano, 
Cook  atrevido  inquietar  tranquillos 
Homens  da  Natureza  ?  Ou  vaõ  capricho 
Acaso  te  livrou  de  ver  qnaes  erao 
Os  costumes,  e  as  leis  de  estranhas  Ilhas. 
K  de  que  plantas  a  fecunda  terra 
Debaixo  d'outro  Ceo  se  cubra,  e  vista, 
Qual  já  foi  La  Peirouse  ,  a  Deos-eterno 
Dizendo  ao  doce  la'r ,  dizendo  á  Europa  ? 
Em  ti  foi  só  Virtude;  e  se  hum  renome 
Merece  a  tua  acção  ,  merece  altares 
O  motivo  da  acçaõ.   Régulo  expira, 


de  1Ó3-1',  e  plissou  a  Cavallo  as  Cordilheiras,  ou  Andes, 
as  mais  altas  montanhas  do  Globo,  que  fórn\aô  hum.i 
cadeia  de  mais  de  1^200  léguas  de  extensão  desde  o  Is- 
thino  do  PiUiiUiiá  até  ao  Eslrcito  de  i\Ii;galhães,  e  sepa- 
raõ  o  Peru  do  Chili  correndo  d(í  Norte  n  Sul.  Zarate 
na  Historia  da  Conquista  do  Peru  Livro  flí.  Cap.  11. 
lios  diz,  que  quando  o  terrível  Almaí^ro  passou  esta> 
montanhas ,  lhe  morrerão  de  frio  muitos  dos  seus  solda-, 
dos ;  e  quando  as  rej)assou  cinco  mezes  depois  na  forca 
do  Estio ,  achou  seus  corpos  ainda  de  pi  encostados  aos 
rochedos  consternando  os  cavallos  pelas  rédeas  ,  e  taõ 
frescos  como  seauíespoucos  uioineatos  liouvessem  expiríi- 
do,  cuja  carne,  diz  o  HisLoriador  Hespanhol  ,  sérvio 
de  sust.<'nto  a  Almap,TO  ,  e  nu,  ouiros  bcldados  que  o 
acoinpanhnvau.  A  ctu-^a  desta  iucorruptibilidadc  he  iii- 
teirumciítc  />sica.    E-jUiò  luuiituulius ,   pela  sua  excessiva 


[  22   ] 

Por  sustentar  hum  juramento  dado : 

Curcio  se  arroja  na  voragem  funda. 

Julga  salvar  a  Pátria;  e  naõ  fizeraõ 

Quanto  fizeste  tu.   Pôde  em  teu  peito 

O  amor  da  liberdade ,  o  amor  do  Throno  , 

Tanto  ,  que  ousaste  aventurar  a  vida  , 

Indo  bradar  á  America  assustada, 

Que  o  grilhão  ee  quebrou ,  e  a  vil  Cohorte 

Dos  assassinos  Vândalos  fugira. 

£  que  a  Pátria  de  Herdes ,  o  Algarve  pôde 

fl]  Primeiro  agrilhoar-lhe  a  cerviz  dura; 

Piimeiro  erguer  da  liberdade  o  grito. 

Foste  entornar  no  virtuoso  peito 

Do  Magnânimo  Príncipe  em  torrentes 

Consoladora  paz ,  doce  alegria. 

Foste  dizer  que  a  tricolor  bandeira 

Cahio  desfeita  c'o  tremendo  golpe  , 

Que  o  Dragão  Luso  desfechou  das  garras. 


elevação,  sa*)  inaccessiveis   á  chuva,    e  ao  calor,    prin- 
cipio da  putrcfarçao  nos  corpos  organizados. 

[l]  O  primeiro  grito  de  nossa  liberdade,  e  restaura- 
ção soou  no  Algarve.  A  pequena  Revolução,  começada 
na  praia  de  Olhaô ,  se  derramou  por  todas  as  Cidades  , 
tí  \  íllas  daquelle  Reino,  e  tomou  sua  verdadeira  consis-- 
íencia  pelu^  sábias  e  muito  politicas  disposições  do  lUus- 
trissimo  e  Exeellentissimo  Senhor  Marquez  d'01ha5,  ho- 
je hum  dos  cinco  Governadores  do  Reino.  O  Marechal 
José  Lop:i  de  S  juiu  teve  Uunui  grivnde  parte  nesta  ac9a3 


[  23  ] 

Que  a  Pátria  respirou,  que  a  nuvem  densa 
Da  Irisleza  ,  e  de  horror  se  dissijíára. 
Que  as  abuncianíes  lagrimas  vertidas 
Na  já  serena  face  ,  se  enxugáraOl. 

Mas  quando  na  tua  alma  o  grito  ouviste, 
Que  te  dava  a  Virtude  ,  e  o  graõ  projecto, 
Teu  coração  pulsou  ,  quando  pizaste 
De  Olhão  as  praias  húmidas,  e  foste 
Teu  Batel  demandar ,  nao  viste  os  filhos , 
Que  para  ti  seus  bra^-os  estendiaô  ? 
Nao  lhes  ouviste  a  voz  trémula  e  froxa  , 
Com  que  te  chamaõ  Pai  ?   E  naõ  suspendes 
A  taõ  triste  espectáculo  teus  passos  ? 
Virtude  pôde  mais  que  a  Natureza; 
Que  o  paternal  amor  mais  pôde  a  Pátria. 
Homem  raro,  e  sublime,  ah!  tu  disseste, 
Antes  què  eu  fosse  Pai,  nasci  Vassallo : 
Mais  que  aos  filhos,  á  Pátria  a  vida  eu  devo  \ 
Já  suflbcaste  a  voz  da  Natureza; 
Mas  naõ  te  espanta  vêr,  que  dúbia  estiada 
Tens  de  seguir  no  pequenino  Lenho  ? 
Sabes  que  o  Porto  ,  que  demandas  ,  fica 
No  opposto  Continente,  e  que  dos  olhos 

gloriosa ,  o  que  occupará  hum  digno  lugar  nos  Faslos  d;i. 
JVIoiíarchiíi  Poitu^ucza, 


[  24   ] 

Te  hví  de  fugir  o  lúcido  Cruzeiro  ? 

Acaso  ignoras  que  na  justa  Linha, 

Que  em  porções  taõ  ig-uaes  divide  o  Globo ^ 

Te  espera  a  tempestade,  horrenda,  e  fêa, 

O  trovão  bramjdor,  e  o  raio  accceso  ? 

O  crepitante  horrisono  chuveiro  , 

E  a  suffocante ,  e  triste  calmaria. 

Que  no  espelhado  mar  teu  Barco  prenda? 

Que  dentro,  e  fora  revoando  a  Morte, 

Ora  ás  mãos  da  doença ,  ora  da  fome , 

Te  quebre  o  fio  da  mortal  carreira  ? 

Tu  naõ  vês  que  mal  pôde  o  frágil  Lenho 

As  fúrias  contrastar  do  vento  irado? 

Que  bem  pôde  o  Tufaô  caliginoso , 

Senaõ  meLter-te  no  profundo  abysmo , 

Levar-te  a  seu  sabor  a  hum  clima  estranho , 

Onde  teu  nome  sepultado  fique  , 

Nome  taõ  digno  de  existir  na  Terra  ? 

Naõ  vás ,  naõ  vás  ,  Heróe  ,  qu'em  grandes  feitos 

Basta  a  vontade ,  para  ser  eterno. 

Já  deste  o  nome  á  Pátria,  a  Lusa  Historia j 

Ao  tempo  que  he  por  vir  ,  dirá  qu'existe 

Olhaõ,  que  o  berço  dera  ao  Génio  illustre  ^ 

Que  ousou  dizer  aos  homens  assombrados 

Que  em  pequeno  Caíque  ao  Mundo  iria, 

]'or  tanto  tempo  incógnito  aos  humanos: 

Onde  se  esconde  o  Sol,  onde  o  Monarcha^ 


[25  ] 

Que  as  fiirias  illudio  do  infausto  Monstro  , 
[ij  Qne  hoje  o  Danúbio   c'as  volúveis  ondas, 
Já  prostrado  huma  vez  ,  anceia  ,  e  aperta  , 
Conserva  a  independência  ,  a  Pátria  ,  o  Throno. 
Suspende-te  ,  naõ  vás,  tens  feito  tudo  : 
He  tua  a  Gloria ,  eterno  o  teu  renome. 
[2j  Acaso  és  César  tu,  que  julga  nada 
O  que  tem  feito  c'o  valente  braço  ., 
Se  alguma  acçaõ  Iieroica  inda  lhe  rosta  ? 
Acaso  tu  suppões ,  qual  elle  outr'ora, 
Quando  em  pequena  barca  o  mar  talhava , 
Que  d'alta  Hesperia  o  lllyrico  divide, 
Que  a  Fortuna  a  teus  pés  preza  conservas  ? 
Nada  suspende  hum  animo  constante. 
Nada  sabe   temer  quem   busca  a  gloria, 
Pelos  caminhos  da  Virtude  austera. 
Forra-lhe  o  peito  triplicado  bronze 
Impervio  ao  susto  ,  que  se  apossa  d'alma 
Em  vêr  do  mar  azul  o  campo  immenso, 
Em  altas  serranias  transformado. 
Chega  o  momento,  a  recurvada  praia 


[1]  Hoje  ?5  de  Junho  de  1B09  se  nnnunciou  na  ga- 
zeta de  Hcopítnha  a  derrota  do  Exercito  Fraiiccz  Junto 
n  Vienna  a  retirada  de  Bonapartíí  a  liuma  Tliui  du  ')a- 
laubio.  Este  aconteeíjnento,  niaria  a  época  desta  com- 
posição.  (  O  contrario  se  vio  depois.  ) 

£2j     Nilúlaclum  reputans  j  slcfuiásupercsscl  agendum. 

—  Cacsaran  vuús.  — 


[  26   ] 

Toda  âe  Povo  aítonito  se  cobre , 

[I I  Qual  de  Rasteio  pela  moUe  areia 

Da  Real  Olisippo  o  immenso  povo 

N'oi]tras  eras  se  vio ,  quando  o  terrível 

Gama,  largando  a  vela  ao  solto  vento, 

Foi  demandar  da  Aurora  o  berço  intacto. 

As  retorcidas  ancoras  suspende 

Co'a  naõ  trémula  maõ  ,  da  branca  véla 

Elle  as  prizôes  soltou  ,  e  immovel  sempre 

Aos  olhos  nem  sequer  lhe  assoma  o  pranto. 

O  lig-eiro  Baixel  já  corta  as  ondas, 

Hum  longo  e  branco  sulco  atrás  deixando, 

Pòs  no  escuro  Occidente  a  altiva  proa. 

E  quando  á  vista  se  roubou  de  todo , 

E  os  fitos  olhos  de  o  buscar  cançáraõ , 

Nem  já  ,  qual  ponto  escuro ,  apparecia 

N'Horisonte  do  mar,  que  amargo  choro 

8e  ouvio  soar  nos  montes  sobranceiros 

A'  líquida  planice  !   as  Mais  ,  e  Esposas, 

Desgrenhando  o  cabello ,  aos  Ceos  alçáraÒ 

Mavioso  grito,  que  a  Celeste  Guarda 

Em  soccorro  chamou.   Prendem-se  os  ventos. 

Brilha  sereno  o  Ceo ,  calaô-se  as  ondas. 


[1]  No  momento  da  partida  do  Vasco  da  Gama  se 
observou  na  praia  de  Riístelo  [  hoje  Belém  ]  hum  espe- 
ctáculo de  todo  novo  na  Europa.  Os  parentes,  os  pais, 
oã   amigoà  dos^que  embarcjivíiô  envoltos  em  l^grimíift  e 


[  27   J 

Seja-lhe  o  mar  propicio ,  e  as  fúrias  guarde , 

Guarde  a  morte    as  horrisonas  tormentas 

Para  os  monstros  cruéis,  que  nutre  a  Gallia, 

Que  enchendo  a  Terra  de  fataes  estragos ,        » 

Inda  a  cega  ambição  pequena  a  julga 

Para  theatro  do  sanguíneo  Marte : 

E  entre  as  ondas  buscar  vai  novo  campo , 

Onde  entregue  mais  victimas  S.  morte , 

Pondo-se  frente  a  frente  em  curvos  lenhos, 

Co* as  negras  boccas  imitando  ousados, 

No  estampido  o  trovaô  ,  no  golpe  o  raio. 

Este  Heróe  leva  a  paz  ,  naô  leva  estragos ; 

Vai  enxugar  as  lagrimas  de  tantos: 

E  no  seu  coração  conduz  a  Pátria  ,  O 

Das  almas  nobres,  nobre  electricismo , 

Nume  de  hum  Povo  Rei ,  que  aoTybre  outr'ora 

Fez  curvar  de  respeito  o  turvo  Oceano , 

Da  mortal  vida  o  circulo  alargando 

Acções  obrou  ,  que  a  humanidade  illustraõ. 

[l]  A  Princeza  do  mar,  que  a  altiva  fronte 


no  silencio  da  obstupeíac\;aõ  sobre  huina  viagem  taò  in- 
certa ;  a  melhor  passagem  da  Lusíada  he  a  prosopopca 
do  Velho. 

[1]  A  primeira  derrota,  que  sesjuio  o  grande  Piloto 
Manoel  d'Oliveira  Nobre,  foi  a  da  Ilha  da  Madeira  ; 
aqui  se  refez  d'agoa  ,  e  mantimento  para  a  longa  nave- 
gação, e  levou  comsigo  hum  Joven  PQuLo,  que  linha  já 


[   28  ] 

De  vicejantes  pâmpanos  coroa, 

Se  mostra  ao  longe  ao  Nauta  naõ  turbado  \ 

Leva  o  ignoto  Baixel  pro(lig;ios  dentro , 

Que  d'a]to  assombro  os  íncolas  encherão 

Da  viçosa  Madeira.  A's  praias  correm 

Arqueado  o  sobrolho,  a  bocca  muda, 

O  graõ  prodigio  extáticos  admiraô. 

]\]al  o  confuso  espirito  acredita 

A  nova  scena  ,  que  descobre  a  vista. 

Solta  de  novo  ao  vento  a  larg-a  vela, 

E  o  remoto  Brazil  o   Heróe  já  busca: 

Nunca  delle  trilhado  incerto  campo. 

Aos  olhos  imperterrito  se  mostra. 

O  giro  segue  ao  Sol ,  e  mal  segura 

Esiimaliva  na  derrota  segue. 

He  seu  fanal  heróica  alta  virtude  , 

Indomável  esforço,  amor  da  gloria. 

He-lhe  incógnito  o  mar,  qual  se  mostrara 

Do  guerreiro  Cabral  outr'ora  aos  olhos, 

Que  do  acceso  Equador  cortando  o  clima 

Nova  ostrella  Foliar  no  Sul  descobre , 

E  a  fúliíida  Coroa  em  Ceo  naô  visto. 


íeilo  a  carreira  da  índia,  lembrando-se,  como  elle  mes- 
mo me  disse,  que  poderia  adoecer,  ou  morrer,  e  neste 
caso  conservar  a  existência  dos  que  comsigo  levava,  que 
tomo  pescadores  d'Olhaõ  nunca  tinhaõ  perdido  de  vista 
xi5  Cosias  de  Portugal. 


Então  toldado  o  líquido  Horisonte. 

De  acasteladas  nuvens  ,   brame  o  vento  , 

Sòa  o  rouco  trovão  ,  lança  a  tormenta 

Sobre  hum  mar  outro  mar,  sorvem- lhe  as  onda; 

O  convulso  Baixel ,  de  novo  aos  ares 

As  encruzadas  ondas  o  vomitaò  : 

Em  hórrida  peleja  os  Elementos  ^ 

Em  cada  vaga  a  sepultura  mostraõ. 

A  prematura  noite  os  Ceos  envolve 

N'huma  espantosa  escuridão,  e  apenas 

Ao  fuzilar  do  rápido  corisco, 

Mostra-se  o  Mundo  repentino  ,  e  foge. 

Nem  onde  existe  sabe  o  Heróe  valente  : 

He  ludibrio  das  ondas ,  e  dos  ventos. 

Em  quanto  sôa  a  negra  tempestade  , 

Sem  que  hum  palmo  de  vela  aos  ares  mosf: 

Implora  a  Providencia,  e  na  justiça 

Da  nobre  causa  as  esperanças  firma. 

Té  que  quasi  ao  romper  nos  Ceos  a  Aurora 

Hum  da  companha  intrépida  lhe  brada,  '^ 

Que  vê  mais  claro  o  mar,  e  ondas  mais  brandas ; 

Quaes  junto  á  Costa  as  agoas  se  prateiaõ  ; 

Mas  quando  o  Sol  surgio  ,  que  assombro  ,  e  susto 

Do  navegante  audaz  quebranta  o  peito! 

Naõ  longe  a  Terra  vio  ,  e  estranhos  montes 

D'entrelaçadas  arvores  cobertos : 

A  terra  nao  conhece ,  eis  se  lhe  mostra 


[  30   ] 

Boiando  ao  long-e  nípida  canoa , 

Que  mal  divisa  o  combatido  Lenho, 

Vem  de  voga  arrancada  ao  frágil  bordo. 

Então  sabe  dos  negros  remadores , 

[l]  Que  da  agreste  Caiena  as  agoas  corte; 

Foge  á  terra  cruel ,  e  á  praia  avara 

O'  Nauta  invicto ,  que  os  feroces  Tigres 

Inda  pizaô  seu  bárbaro  terreno ; 

Inda  que  o  raio  Portuguez  já  vôa- 

A  fazer-Ihes  sentir  pezados  golpes. 

Tens  descoberto  a  America  buscada; 

Demanda  agora  o  suspirado  porto , 

Fim  da  fadiga  tua ,  e  teus  desejos. 

Eis  nova  Empreza,  e  desusado  arrojo 

Correr  ao  longo  no  pequeno  Lenho 

A  vasta  Costa  do  Brasil  inteiro ! 

De  alto  louvor  hum  peito  cobiçoso 

Na(5  receia  os  vaivéns  da  instável  sorte, 

Nem  ha  fragosa  estrada  ou  invio  atalho, 

Que  naõ  possa  vencer  Virtude,  e  Pátria? 

Volve  a  proa  outra  vez ;  se  o  vento  falha , 


[1]  Como  o  Piloto  Manoel  d'01iveiia  Nobre  naõ 
era  prático  na  carreira  do  Brazil  ,  e  tinha  deixado  em 
Lisboa  as  suas  Cartas  Hydrográficas ,  dirigia-se  porhuma 
estimativa  muito  incerUi ,  sendo  seu  maior  cuidado  ob- 
servar a  direcção  das  correntes  do  Oceano,  e  dirigir 
o  rumo  do  Caíque  conforme  estas  correntes.  A  primeira 
terra  que  avistou  j   4epois   de   hum  grande   temporal  > 


[3.    ] 

Se  as  lisongeiras  auras  escacêaõ , 
Varrem  o  mar  c*os  alutados  remos. 
Elle  o  timão  dirige ,  e  anima  a  todos 
Só  c'hum  volver  dos  olhos  onde  assoma , 
Virtude,  intrepidez,  e  amor  da  gloria. 
Acha  tranquillo  o  mar ,  galerno  o  vento , 
Té  que  entestou  c'o  penhascoso  marco , 
A  natural  pyramide ,  que  sobe 
Do  fundo  seio  aos  ares  dilatados 
Na  foz  do  quasi  anfitheatro  immenso  , 
Que  mostra  aos  olhos  o  Real  Janeiro. 
Entaõ  desprega  da  boiante  poppa 
O  Estandarte  fatal ,  onde  esculpidos 
Vaõ  os  signaes  da  Redempçaô  do  Mundo. 

Hei  mister  outra  voz ,  estro  mais  alto , 
Outro  fogo  que  escalde  a  fantazia ; 
Outros  pincéis  insólitos  que  tracem 
O  desusado  quadro.  Apenas  sôa 
[l]  A  voz  da  Fama  nos  doirados  Paços , 

foi  a  Caienna  entaõ  Franceza ,  tornou  a  fazer-se  ao  lar- 
go e  buscar  a  altura  de  Pernambuco  onde  aportou  , 
vindo  depois  com  penosa  viagem  ao  lon<^o  de  quasi  to- 
da a  Costa  do  Brazil  demandar  o  Rio  de  Janeiro. 

[1]  O  Piloto  Manoel  d' Oliveira  Nobre  foi  recebi- 
do no  Rio  de  Janeiro  com  aquellas  demonstrações ,  e 
applausos  que  merecia  huma  acçaõ  taõ  heróica,  inspi- 
rada pelo  Patriotismo ,  e  por  elle  conduzida  :  acçaõ  ije 
que  5tí  naO  acha  hum  s6  e.\empl6 ,  quando  se  con-idera 


[32   I 

E  fio  Moíijucha  enternecido   d  vista 

Taò  esírauho  espectáculo  se  mostra, 

E  o  vacillante  Barco  as  praias  toca  ; 

E  desde  a  poppa  o  triunfante  Nauta 

Alça  a  voz,  e  annuncía  a  liberdade, 

E  da  Pátria  o  grilhão  quebrado  e  roto. 

Kunca  no  peito  humano  affecíos  tantos 

Entrarão  de  iiuma  vez  !   D'hum  lado  ,  assombro 

De  ver  domado  o  túmido  Oceano  , 

Vencida  a  estrada  perigosa,  immensa 

Por  hum  mortal  ,  que  as  ondas  assoberba 

Em  taõ  pequeno  Lenho  ;  e  d'outro  lado 

Da  libertada  Pátria  a  imagem  doce  , 

Dos  Vassallos  o  amor  ao  Throno  Augusto  > 

Com  caracteres  immortaes  expresso 

Ko  graô  Navegador  ,  que  ao  Soberano 

Da  victoria  immortal  conduz  o  brado  , 

E  a  scena  expõe  da  mísera  derrota 

De  avarentos  ,  cobardes  oppressores^. 


a  pequenez  da  Embarcação ,  em  qiic  este  grande  homem 
se  attreveo  a  passar  o  Oceano  na  sua  maior  extensão. 
Foi  recebido  por  S.  A.  o  P.  R.  N.  S.  com  muita  sa- 
tisfação, por  entre  vivas,  e  admiração  da  Corte:  foÊ 
condecorado  com  a  insígnia  da  Ordem  Militar  de  Chri- 
sto,  e  com  a  Patente  de  Tenente  da  Armada  Real,  e 
seus  companheiros  igualmente  condecorados  com  huma 
medalha  de  honra  ganhada  em  huma  acçaõ,  que  assom^ 
bra  a  presente  idade,  e  assombrará  a  futura. 


[33] 

Os  Britannos  magnânimos  observao 

Do  Nauta  patriota  a  audaz  façanha. 

Como  potentes  árbitros  dos  mares , 

E  a  quem  naõ  resta  incógnito  hum  s  >  clima  , 

Com  carregada  sobrancelha  admiráõ 

A  portentosa  audácia  ,  que  obscurece 

Quanto  em  seus  Fastos  a  naval  Historia 

De  grande  e  memorável  apregoa  : 

He  mais  vadear  o  túmido  Oceano, 

Onde  mór  extensão  divide  os  Mundos 

jN'hum  estreito  Caíque  apenas  apto 

A'  pescaria  litoral ,  que  a  volta , 

QueDracke  [ij  deo  primeiro  ao  mar,  e  á  terra  , 

Em  artilhadas  Náos;  ehe  mais  que  o  longo 

Giro,  que  fèz  no  mar  em  Lenho  altivo 

Anson ,  que  as  armas  leva  ao  Mundo  opposto. 

Tudo  o  que  vêm  no  illustre  navegante 

Britanno  se  lhe  antolha  :  o  amor  da  Pátria, 


[1]  O  primeiro  circumnavegador  entre  os  Inglezos 
foi  o  Almirante  Francisco  Dracke  ,  que  embccando  o 
estreito  já  descoberto  por  Feinando  de  Magalhães  fez  o 
giro  inteiro  do  Globo,  vindo  para  a  Europa  pelo  Cabo 
da  Boa  Esperança.  O  Almirante  Anson  ho  tamf)em 
hum  dos  famosos  naregadores  Inglezes  antes  de  C(X)k , 
a  quem  Buffon  chama  o  maior  de  todos.  Anson  fuz  o 
giro  do  Globo,  porém  o  motivo  da  sua  longa  viagem 
foi  puramente  politico  e  militar.  Faz  muitas  descrí- 
pçôes  de  diversas  paragens,  e  mostra  nas  suas  viagiHis, 
que  naO  s6  he  bom  njivegante ,  mas  bom  observador. 

c 


[  34  ] 

O  desprezo  da  moríe,  incontraslavel 

Peito,  qii«  aííroíita  as  lúgubres  tormentas; 

Que  julga  lar  tranquillo  ,  e   doce   alvergue , 

O   que  he  da  morte,  e  dos  tufues  império; 

Briíanno  nau  he  só  ;  que  a  Lusa  Terra  . 

Também  he  Pátria  das  acções  sublimes. 

Foi  seu  do  vasto  mar  primeiro  o  Império: 

E  se  o  Tamisa  triunfante  extende 

O  náutico  Tridente  aos  fins  do  Globo, 

Ao  Luso   deve  o  trilho  em   vao  tentado 

[l]  Antes  d'outra  Naçaõ.  Se  foi  Colombo 

Descobrir  remotíssimas  Antilhas, 

De  hum  Nauta  Portuguez  segue  o  roteiro; 

Escondido   depósito,  que  a  morte 

Deixou  nas  mãos  do  Ligure  ditoso. 

[Ij  Christovaõ  ColomliO  Genovez  ,  e  nativo  de  Sa-» 
^oiia,  segundo  dizem,  fesfdio  muitos  aniios  em  Lisboa, 
e  daqui  comoc;ou  suas  primeiras  tentativas  nos  desco- 
biimctUOs  de  ultramar.  Foraõ  rcjí^itadas  na  Corte  as  pro- 
posições que  elle  fazia  para  o  novo  de-.cohrimento,  passoy 
enlaõ  ao  serviço  (PUespanha,  e  lá  se  lhe  deraô  as  em- 
barcao~es  que  pedia.  He  tradição  entre  n.^s  que  exi-tiri- 
do  Colombo  na  ilha  daMad(;ira  em  casa  de  humPilotç» 
Portuguez ,  pela  morte  deste  se  apoderara  de  seus  pa-r 
p^is,  cartas  e  roteiros,  onde  achara  a  derrota  da  viag<ími 
para  o  Occidente,  e  de  qu(;  se  servira  no"seu  descobri- 
mento. Ou'ros  dizem  que  devera  as  mais  importantes  ins-; 
trucçtVs  para  e^tu  grande  empreza  a  hum  Piloto  Biscai- 
nho, que  em  companhia  de  alguns Portuguezes,  levado  de 
hum  grande   temporal ,  houve  priuKÍro  vista  4al)lhji  4^ 


[35  ] 

[l]  Se  Cadamosto  intrépido  se  entranlia 

Mais  pelo  escuro  occaso  ,  e  o  Coníiii   nte 

Dos  desgraçados  Incas  vaeío   Império, 

Prinneiro  demandou  ;  da  foz  c'o  Tejo 

Sahio  no  curvo  Lenho ,  e  a  Luso  esforço 

Deve  a  conquista,  deve  a  descoberta. 

E  Américo  também  ,  qu'a  hum  Mundo  igiio!o> 

O  nome  seu  foi  dar,  que  inda  conserva. 

Deixando  as  praias  do  cerúleo  Tejo, 

Piloto  Portuguez  conduz  seus  voos. 

De  Lysia  he  producçaò  ,  de  Lysia  estudo , 

O  seguro  Astrolábio  ,  o  certo  Oitai.te, 

Na  immensa  solidão  do  mar  fremente  . 

Fanal,  que  aclara  a  sombra,  e  marca  acsítrada. 

Das  ondas  mede  os  Ceos  ,  e  observa  os  Astros  . 

Do  Sol  conhece  a  altura ,  e  conta  os  pasrjos ; 

E  sem  falhar  no  líquido  caminho , 

Ao  menos  marca  ao  certo  a  Latitude. 

Lusitanos  Hebreos ,  e  o  Grande  Henrique  [2j 


[1]  Jeronymo  Cadamosto  veio  tainl>em  a  Portugal,  e 
guiado  de  Pilotos  Portuguezes  íez  seus  descobrimentos  di^ 
tanta  utilidade  para  Castella.  Américo  Vespuzio  1'loveii- 
tino  viveo,  e  morreo  em  Portugal,  e  está  sepult.ulo  na 
Sé  de  Lisboa.  Naò  se  atreviaõ  a  navegar,  e  d(,'scobrir, 
sem  Portuguezes. 

[2]  O  Infante  D.  Henrique,  a  quem  Port!iír;i1  ,  e  o 
Mundo  devem  tanto,  fundou  em  Sngies  huma  Esc  !ít  pa- 
JR  facilitar  aos  navegadores    os  meioí  de  fazerem   ilcí-^o- 

C  Ú 


[  3C   ] 

Primeiro  o  rumo  aos  Nautas  acertarão, 
Sobre  a  carta  nava!  traçando  as  linhas 
Entre  si  paralellas  ,  e  cortadas  : 


brimentos  p(^lo  Oceano.  Depois  que  seu  Pai  I).  Joaõ  I. 
conquistou  Ceuta  começarão  os  riavepidoresPort.uguezes 
a  se exlender  pelas  Costas  de  Africa,  t.í  infante  tinha com- 
sigo  dois  Mathematicos  Hebreos.  [Mestre  José,  e  Mes- 
tre K<xlrigo.  ]  Foraõ  elles  os  primeiros  que  construirão 
Instrumentos,  com  os  cjuaes  os  Pilotos  se  pudessem  con- 
duzir em  mar  largo  observando  Oi  Astros.  As  nossas  His- 
torias, que  desprezarão  sempre  aparte  litteraria  ,  escieíí- 
tifica  da  Naçau,  naõ  nos  dizem  ciuc  Instrumentos  eraõ 
estes  ;  semente  deelaraõ  que  o  Infante  dera  aos  Pilotos 
muitos  Instrumentos  para  tomar  e  determinar  a  latitu- 
de; sei  que  entre  elles  se  contava  o  Astrolábio  e  Moc- 
turlabio.  Este  ultimo  servia  -para  determinar  quanto  a 
Eslrella  do  Norte  andava  mais  baixa  ,  ou  mais  alta  que 
o  V6\o ,  e  que  horas  eraõ  da  Noite.  Com  o  Astrolábio 
se  tomava  a  altura  dos  Astros.  Eraò  sem  dúvida  defeituo- 
sos estes  Instrumentos  no  seu  princípio;  mas  he  hum 
grande  brazaò  para  os  Portuguezes,  que  o  latrocínio  e 
orgulho  Francez  tratou  ha  pouco  de  estúpidos  ,  terem 
imaginado  meios  de  resolver  os  mais  difficidtosos  Proble- 
mas náuticos  ,  pois  he  indubitável  que  a  invenção  do 
Astrolábio  e  Nocturlabio  he  puramente  Portugueza,  e 
isto  no  tempo,  em  que  os  Fraiicezes  e  Inglezes  viviaõ 
envoltos  nas  trevas  da  mais  grosseira  igrjorancia  e  bar- 
baridade. Os  navegadores  Portuuuezes  animados  e  illus- 
lustrados  com  estas  In-trucções  corrèrau,  e  conquistarão 
toda  H  (^osta  da  Africa,  descobrirão  a  America,  e abri- 
rão a  desejada  passa g(ím  para  as  índias  Orientaes.  Os 
primeiros  suecessos  dos  Piloto-:  do  Infafite  D.  Jlenriquo 
satisfizeraò  tanfo  os  Jud(.'Os ,  José,  e  Kodrigo  ,  que  pri- 
meiro no  Mundo  formarão  o  projecto,  e  conceberão  a 
Kléa  de  construir  cartas  marítimas.  ÍSabiaõ  que  huma 
das   grandes  difíículdades  ei»    a  navegação   era  síiber  q 


[37   ] 

Arte  rude  5  qna?s  todas  no  começo, 
Hoje  ;í  suprema  períeioao  levadas  ; 
^ías  deve  a  orig-eiii  sua  ao  Luso  eng-enho  , 
[l]   E  hum  Lusitano  se  lembrou  primeiro 


rumo,  que  se  devia  seguir  para  chegar  ao  lugar  destina- 
do. As  (fartas  Geográficas  ,  já  entaõeraò conhecidas  ,  po- 
rém eraõ  nuliasem  a  navegação;  porque  ueslas  Cartas  os 
Meridianos  se  unem  aos  P.'los.  Ora  neste  caso  o  rumo 
do  vento  ,  ou  a  derrota  do  navio  ,  devia  corlar  to- 
dos os  meridianos  debaixo  de  hum  mesmo  angul<7.  l»to 
€raõ  linhas  curvas,  e  as  linhas  curvas  naò  podem  fazer 
conhecer  a  derrota  que  o  navio  deve  seguir.  Para  sal- 
var este  inconveniente  os  dois  JV1  athem áticos ,  sem  o  en- 
fasi  intolerável  das  modernas  cabeças  calculantes,  iínugi- 
nárar)  Cartas,  cujos  Meridianos  fossem  em  ]inhas  rcctns 
e  paralellas ,  e  por  este  meio  os  rumos  do  vento ,  for- 
mados por  linlias  rectas,  cortara")  todos  os  Meridianos 
debaixo  de  lium  mesmo  angulo.  Suppuzéraõ  nesta  cons- 
trucçaõ  que  o  mar  era  huma  superficie  plana  ,  sem  con- 
tar com  a  diminuição  dos  gráos  de  longitude  á  medida 
que  se  aparta  do  Equador;  diminuição  que  provém  da 
esfericid  de  do  Globo  terrestre.  Esta  supposiçaõ  era  hum. 
erro  mui  considerável  em  huma  grande  Carta:  com 
tudo  naõ  se  pSde  roubar  aos  Portuguezes  a  gloria  da 
invenção.  Tudo  isto  permanece  esquecido  entre  iiSs.  Sem- 
pre desprezámos  as  próprias  riquezas  para  nos  deixar- 
mos embíiir  da--  missangas  estrangeiras:  he  tal  a  nossa 
incúria,  ou  indifferençaque,  existindo  em  Coimbra  o  fa- 
moso instrumento  cliamado  o  Nónio ,  construído  por  Pe- 
dro Nunes,  (homem  que  adivinhou  a  Astronomia  moderna, 
e  que  determinou  a  verdadeira  causa  dos  crepúsculo?  ,  e 
Aurora  Boreal  )  ,  como  era  de  bronze  ,  derretèraõ-no ,  e 
fi'zera")  maçanetas  para  as  grr.des  de  ferro  da  escada  do 
Collegio  dos  Padres  Bentos !  !  I  '. 

1^1]     Da  Historia  Portuguesa  naõ  nos  consta  desta  in- 
venç;ii">j  nem  sabemos  o  nome  do  seii  author.  NaEistorúi 


[  38   ]■ 

De  medir,  calcular,  que  espaço  corta 
No  solitário  mar  nadinte  pinho, 
invento,  que  inda  segue,  inda  respeita. 
Douta  Europa  no  século  das  luzes; 
Com  taes  soccorros  ,  Nautas  Lusitanos, 
ForacJ  dos  mares  subjugar  o  império: 
Quando  o  Bretaò  profundo ,  e  o  Gallo  ousado 
Nao  se  atíreviaõ  no  boiante  Lenho 
Doce  praia  natal  perder  de  vista. 
Foi  com  elles  o  Gama  além  da  meta , 
Que  nunca  atrás  deixou  náutico  esforço 
Colher  no  fndo,  e   Hydaspe  eternos  louros. 
Deixando  já  vencido  ,  e  já  domado 
O  promontório  austral  d' Africa  adusta, 
Sojio  eterno  do  vento,  e  das  tormentas  , 
Que  em  áureos  versos  o  Cantor  do  Tejo 
Transformou  n'hum  Gigante   horrendo  e  feio, 
Que  desgraças  fataes  ao  Nauta  agoura; 


í^os  ])ro^rcsso3  do  engenho  humano  nas  Sciencias  exactas 
jr.  vol.  pag.  Í217  se  lè  que  o  instrumento  se  cham?i  a 
Barquinha ,  e  seu  author  Bartholomeu  Crescendo ,  o  sobre- 
nome nad  parece  Portuguez;  mas  ossuperficiaes  France-, 
7?=.  íii^<  miseráveis  era  escrever  os  nossos  nomes ,  inver- 
tem e  pervertem  tudo.  Entre  n's  esqucceo  ,  assim  co- 
rr'>  cítjuece  que  o  primeiro  Aeronauta  foi  Bartholomeu 
Lourenço  de  Cíusma^,  que  morreo  no  Hospital  de  Se- 
-  ilha  ,  e  que  o  primeiro  explicador  da  hypothese  de 
Newto,n  ^obre  o  fenómeno  das  marés  se  chamava  Bento 
dl'  Moaira^  e  morr(Kj  no  Forte  da  Junqueira. 


QuaiK^o  abaixaiiilo  o  musculoso  braro  , 
Donde  pendentes  tinha  as  áureas  cliaves 
Do  lúcido  Oriente,  ao  Nauta  ousado 
Submisso  as  entrey;ou  ,  e  avante  passa 
Deixando  para  sempre  a  estrada  aberta 
Aos  Herúes ,  qu'após  elle  ao  Gangeí^  foraõ 
Kntre  }) almas  erguer  Pendões  de  l.ysia  , 
E  com  brado  imraortal  de  illustres  feitos 
Encher  o  Mundo  ,  e  despertar  a  inveja 
Nos  PíSvos  Europeos  ,  e  amor  da  Gloria. 
Quffm  foi  o  que  animou  ,  e  encheo  de  foi^o 
Hum  Bougainville  a  audaz,  Cook   arrojado. 
Três  vezes  a  formar  do  Globo  o  giro  ? 
Tu  foste,  ó  Magalhães  [f]  ,    teu  nome  illustre 
Adora  o  tempo,  as  regiões  conservaô. 
Elle  o  canal   navífrago  anuuncía  , 
Por  onde  a  medo,  tacteaado  as  ondas, 
MaJ  se  atrevem  passar  Baixeis  Biitarnos. 


ri]  Ninguém  ign^iru  o  nom«  d'^  Feriuind'  de  Ivíaga- 
Ihàes,  natural  de  Bragn,  onde  inda  \ivom  d  scend  ?nteç 
seus.  Este  Iioinem  raro,  tinha  f(;ito  a  viagem  da  lídia  ; 
era  hum  grande  observador,  e  tinha  todos  os  .^studo-  da- 
quella  idade,  ajudados  de  grande  valor  <•  constância ,  ti'i*? 
SC  requer  para  iiovos  descol/rimentos  nO  mar.  Por  ?euí 
serviços  e  nobreza,  pedio  mais  hum  tostão  de  mora'Ua, 
conio  tinhaô  os  do  seu  foro,  foi-lhe  negado  este  íoslaõ, 
porque  na  moradia  o  igualava  a  outros,  que  se  jnlgavaô 
njais  Ficbres,  e  miã<;res  que  elle.  Tomou  d"  ^n  fupj-')5'a 
aífroiUa  a  mais  estrondci»  vinganí^a,  que  vio  o  Mundo: 


[40] 

IMagaliiàes  immortal  primeiro  a  volta 

Do  Globo  inteiro  fez ,  pasmoso  esforço , 

Que  excede  o  voo  das  Romanas  Águias, 

E  que  do  Joven   Macedónio  mostra 

Ser  pequena  a  ambição,  ser  nada  a  gloria! 

Da  praia  Occidental  largando  as  velas 

Foi ,  emula  do  Sol ,  a  Náo  triunfante 

})o  Atlântico  mar  varrendo  as  ondas, 

Tl  cora  propicio  sopro  a  extrema  ponta 

Tocou  do  novo  Mundo ,  ousando  a  ignota 

.Kstrada  commetter  de  hum  mar,  que  nunca 

De  Lenhos  Europeos  cortada  fora. 

Imanto  o  Gama  naõ  fez ;  e  era  já  visto 

I.)o  graò  Nauta  Algarvio  [l]  a  austral  baliza, 


d^-snaturalizou-se,  e  se  passou  ao  serviço  de  Castella ,  of- 
líieceiído-se  a  achar  huma  passagem  pela  America  para 
as  Filippinas  e  JVlolucas,  o  que  conseguio,  descobrindo 
o  estreito  que  ainda  conserva  seu  nome  ;  e  desembocando 
por  elle  no  Mar  pacifico  morreo  em  huma  das  Ilhas  dos 
L'idrÔes;  e  a  Náo  Victoiia  em  que  tinha  navegado,  dan- 
do a  primeira  volta  ao  Globo,  tornou  a  entrar  em  Sevi- 
lha, donde  tinha  sahido.  Levou  em  sua  companhia  hum 
Astrónomo  chamado  Francisco  Falei ro ,  cuja  Pátria  se 
ignora,  este  aperfeiçoou  o  Astrolábio,  e  mostrou  em  hu- 
ma Carta  que  formara  a  derrota  que  devia  seguir,  een- 
ta'3  Carlos  V.  em  Saragoga  llie  acceitou  a  offerta,  e  lhe 
mandou  as  Embarcações  que  seapromptáraõem  Sevilha. 
[l~j  Bartholomeu  Dias  tinha  passudo  o  Cabo  da  Boa 
Ftíperança  no  Reinad'-  i]^  D.  Joaõ  lí.  e  hum  dos  Pilo- 
ros que  acomponhavaô  o  C  >iiil ;  D.  Vasco  da  Gama^ 
Ywwifi  ido  com  Bartholoiri  u  JJias. 


[<1  ] 

E  além  delia  os  padrues  tinha  deixado. 

E  Magalhães  intrépido  e  seguro 

A  garganta  embocou  ;  de  hum  lado,  e  d'outro 

Vé  Vulcões  vomitando,  fumo,  e  fogo. 

Praias  cobertas  d'horridos  Gigantes , 

O  Ceo  toldado  sempre ,  e  as  vagas  turvas 

Rebentando  em  cachaõ  ,  e  naõ  recua 

O  feroz  Magalhães !   Tanto  puderaô 

A  vingança  e  valor !   E  arfando  rompe 

Por  entre  os  braços  da  tormenta  e  morte , 

]\'Oceano  pacífico  naô  visto 

Por  Nauta  Portuguez  ,  antes  que  o  vento , 

Em  furacão  medonho  arrebatado , 

Dos  negros  mares  do  Japaõ  fizesse , 

Tanto  aberrar  o  memorável   Pinto  [l] , 

Que  se  engolfou  sem  rumo  ,  e  sem  governo , 

No  mar ,  que  banha  os  Papuás  horrendos. 

Já  na  vasta  cainj)ina  aferra  as  Ilhas  , 

Onde  o  Fado  lhe  «guarda  a  morte  e  a  campa. 

Em  tanto  a  Náo  victoriosa  os  mares 


[1]  Feruaò  Mendes  Piut:),  que  podemos  considerar 
<X)iRo  o  primeiro  viajante  da  Europa  pelo  que  pertence 
ú  Ásia ,  he  era  tudo  luun  homem  benemérito  da  Pá- 
tria,  e  digno  do  memoria  e  estima  universal.  A  his- 
t>í)ria  de  suas  peregTÍnaQ.Vs  iie  hum  tl\esouro  de  erudi- 
ção pelo  que  diz  respeito  á  Ásia  até  áquelle  tempo 
ijicognita ,  e  á  China ,  de  quem  lemos  poucas  relações 
exactas  ,  ainda   mesmo  contando  a  descripçaõ   do  Padre 


r  42  ] 

Corta  do  China  e:slremo,  e  desce,  e  embóca 
O  estreito,  onde  Malaca  ao  ar  levanta 
Oimuro,  que  o  Malaio  inda  receia, 
(>nde  com  sangue  bárbaro  escrevera 
Seu  nome,  seus  troféos  da  guerra  o  Nume, 
Albuquerque  terrivel.  Negros  Indos 
Vem  depois  visitar  ,  e  passa  ovante 
Em   frente  do  Indostão ,  onde  espantosas 
Bombardas  soaráõ  ,  que  susto,  e  morte  , 
Tragaõ  até  do  Nilo  á  fonte,  e  ás  boccas; 
Cujo  estampido  horrendo  o  peito  assuste 
Do  Rosforo  ao  Tyranno.   A    Africa  ardente 
Eis  já  descobre  ao  longe  ,  e  de  Quilóa 
Adustos  areaes ,  o  inhabitado 
Austral  Pólo  demanda,  envolto  em  sombra, 
A'  sôfrega  ambição  de  Cook  ,  impérvio 
Blonta  e  passa  o  medonho  em  mar  ,  e  em  ventos , 
Faíi  tempestades  tormentoso  Cabo: 
f^eguindo  o  giro  ao  Sol ,  onde  elle  expira  ; 
Náo  mais  digna  do  Ceo  do  qu'Argos  fora  , 


])ii  Halde ,  e  a  Historia  de  Mailini.  Sua  lingoagem  he  pu- 
lissima  e  correcta  ,  e  talvez  seja  hum  dos  primeiros 
(lassicos  Portuguezes.  Foi  o  primeiro  descobridor  do  Ja- 
f  aõ  com  Chriátovar)  Borralho ,  e  Diogo  Zeimoto ,  e  o 
r.ue  por  forc;a  de  hum  temporal  decahio  mais  de  600' 
legoas  da  altura  do  Janaõ  para  as  Costas  d' Am  eriça  ,  c 
chegou  ás  Ilhas  dos  Tapuás  ,  Celebres,  e  Mindanús, 
vistas  depois  por  Cook.  '  ' 


Digna  do  nome  de  Victoria  ,  afferra 
O  porto  donde  a  vela  ao  vento  dando  , 
Vingar  fòrahunia  aflronta ,  achar  hum  Mundo. 

Milagre  inda  maior  descubro  em  Lysia , 
Que  o  crédito  excedeo  de  antigas  eras  , 
E  que  talvez  em  verso  altisonante 
Hoje  arranque  das  mãos  do  esquecimento. 
Magalhães  absolveo  do  Mundo  o  giro , 
Em  Náo  possante  assoberbando  as  ondas, 
Deo  exemplo  ao  Britanno ,  e  foi  primeiro  , 
He  este  o  seu  brazaõ  ,  muitos  o  igualaõ  ; 
Mas  Botelho  [l]  o  venceo  na   audácia,  ebrío. 
Venceo  La  Hire  e  Dávis  ,  que  soltando 
Ao  vento  o  leve  panno  o  Globo  inteiro 
Ousarão  circular  domando  a  fúria 
D'horrísonos  tufues  caliginosos 


[1]  Da  porítMitosa  viagem  em  luim  Caíque  ao  Rio 
do  Janeiro  veinoshmn  ensaio  em  Diogo  Botelho  Piteira, 
nativo,  como  dizem,  da  Ilha  de  S.  Miguel.  Militava  na 
índia ,  sepultura  naquelle  tempo ,  como  diz  Luiz  de  Cp- 
mpes ,  de  todo  o  pobre  honrado,  e  achou-?e  com  o  Go- 
vernador Nuno  da  Cunha  na  conquista,  e  entrado  de 
Dio,  Praça  importandssima  no  golfo  de  (Cambaia,  ePrn- 
ça  que  devíamos  conservar  tv^mo  Portugucza ,  híikÍíi  oup 
perdêssemos  toda  a  índia.  El  liei  D.  JoaÒ  o  111.  tinha 
hum  grande  empenho  na  conquista  desta  Praça  ,  que  d<>via 
ser  depois  o  maior  theatro  da  gloria  Fortugueza  nos  dois 
memoráveis  cercos,  uaò  sendo  huma  pequena  pai  te  desta 


[  44  ] 

Dò  Pólo  austral ,  que  devassar  pretendem , 

Onde  altiva  Albion  pendões  levante, 

K  faça  ouvir  mortíferas  bombardas , 

Qu'ora  ao  monstro  da  Gallia  as  fúrias  quebraÕ. 

IVIais  que  todos  fizeste  ,  em  Lenho  exiguo 

Ousaste ,  Heróe ,  cortar  sem  medo  á  morte 

Quanto  se  extende  pélago  profundo, 

Do  seio  de  Cambaia  á  fpz  do  Tejo. 

Cahio  soberba  Dio  ,  e  as  portas  abre, 

E  ao  jugo  Portuguez  submette  o  collo : 


gloria  a  descri  pç  a  õ  do  Jl.  pela  delicada  penna  de  Jacinto 
Freire  de  Andrade.  Diogo  Botelho  desejoso  de  ganhar 
honra,  e  satisfazer  a  aneia  do  Monarcha,  tirou  a  planta 
da  Fortaleza,  armou  huma  Fusta,  que  tinha  dezoito  pés 
de  comprimento  ,  e  doze  de  largura ,  e  seis  de  altura ; 
metteo-se  dentro  rom  seis  escravos  seus,  e  atreveo-se  a 
))assar  quasi  700  legoas  de  mar  limpo,  que  ha  entre 
Dio,  e  Moçambique,  veio  costíi  acosta  até  ao  Cabo 
d(^  Boa  Fsperança  ,  e  dirigindo-se  ao  longo  da  terra  por 
ioda  a  Africa  Occidental,  deo  fundo  na  Ilha  da  Ma- 
d<ira.  lícfrescou  ,  e  veio  a  Lisboa ;  soube  que  El  Rei 
estava  em  Almeirim,  e  na  mesma  Fusta  foi  a  Santarém. 
Foi  rece!>ido  na  Corte  com  applauso,  que  merecia  taô 
grande  façanha,  e  tanto  amor  da  Pátria.  Mas  tratando 
este  negocio  <:m  Conselho  ,  se  decidio  que  era  hum 
-caso,  que  se  devia  occultar  aos  Estrangeiros  para  que 
íiaô  soubessem  quau  fácil  era  a  carreira  da  índia.  A 
Insta  foi  queimada  na  bocca  de  Sacavém  onde  a  enca- 
lhara', e  Diogo  Botelho  foi  sepultado  vivo  em  huma 
masmorra  do  Castello  ,  onde  existio  até  ao  Reinado  de 
D.  Sebastião,  cujo  cora '^ar»  prezava  as  acções  grandes; 
mandou-o  tirar  da  prizaò  ,  e  o  fez  Governador  de  Saõ 
Jorge  da  Mina,  onde,  apenas  chegou,  morreo. 


[46] 

O  sangue  de  Badur  [l]  já  ting-e  os  niaros. 
(Naõ  he  este  hum  troféo  digno  de  Ly^ia, 
Nem  tu,  Cunha  magnânimo,  deveras 
Murchar  com  vil  Iraiçaõ  teus  verdes  louros.) 
Desejos  de  louvor ,  desejos  de  honra 
Brotaô  D^alma  do  intrépido  Botelho ; 
A'  Europa  vem  trazer  da  Fama  o  brado 
Qual  ella  nunca  ouvio  ,  nem  quando  ao  Tibre  , 
Já  visto  o  Hydaspe ,  as  Legiões  tornarão 
Do  soberbo  Trajano ;  e  até  nem  quando 
Das  praias  de  Abokir  em  náos  possantes 
Bradar  veio  ao  Tamisa  a  eterna  Fama, 
Que  o  Marte  do  Oceano ,  ou  raio  acceso , 
Nelson ,  no  seio  das  trementes  ondas 
Metteo  de  Gallia  ignívomas  montanhas , 
Qual  desde  o  excelso  Olympo  outr'ora  Jove 
Fulminou  ,  destruio  Titania  estirpe  : 
Esquipa  breve  Fusta ,  igual  apenas 


[1]  Sultaõ  Badur ,  Rei  de  Cambaia ,  veio  visitar  ao 
mar  o  Governador  Nuno  da  Cunha,  que  se  achava  de- 
fronte da  Praça  de  Dío.  O  Monarcha  vinha  em  hum;!, 
pomposa  Almadia  acobertada  de  sedas,  e  brocados,  sal- 
tou ao  Batel  em  que  o  esperava  o  Governador,  e  íipf^- 
iias  se  sentou,  Nuno  da  Cunha  fez  signal  a  hum  ÍSol- 
dado,  que  com  hum  montante  lhe  fendeo  a  cabeça  atv 
íios  queixos.  Esta  acçaõ  deslustrou  a  gloria  de  Nuno  do 
Cunha,  e  talvez  fosse  a  causa  das  suas  desgraças,  veio 
em  ferros  para  Lisboa ,  morreo  ua  viagem ,  e  seu  corpo 
foi  lançado  ao  Oceano, 


[46] 

Aos  ligeiros  Baixeis,  que  o  fulvo  Tejo 

Cortaõ  de  hum  lado  a  outro,  e  vem  por  cim» 

Das  do  ingente  Oceano  ondas  medonhas 

As  praias  demandar  do  Cafre  adusto. 

Mil  vezes  foge  o  Ceo  envolto  em  nuvens, 

Foge  o  Pólo  da  vista  ao  Nauta  invicto. 

Vence  o  Gigante  assustador  do  Gama, 

Que  da  bocca,  e  das  mãos  tufões  remessa, 

Roucos  trovões  da  voz  ,  dos  olhos  raios. 

Audaz  façanha ,  que  merece  apenas 

O  crédito  aos  mortaes !  Mas  foi  propicio 

Ao  magnânimo  Heróe  o  mar,  e  o  vento. 

Ou  porque  o  feito  insólito  admirarão , 

Ou  porque  o  Lenho  humilde  ,  e  naõ  guerreiro 

A  sanha  lhe  enfreou  :  e  em  si  trazia 

Inda  mais  do  qu'hum  César,  mais  qu'hum  Nelson; 

Maior  prodígio  os  séculos  guardavaõ , 
Quando  a  cobarde  Tyrannia  opprime 
A  Pátria  dos  Heróes  ,  quando  pretende 
Abater,  degradar  almas  sublimes, 
Honra  da  espécie  humana,  e  lançar  ferros 
Ao  collo  Portuguez  ;  entaõ  de  Lysia 
O  filho  illustre  as  ondas  avassalla 
Em  pequeno  Baixel.  Botelho  excede , 
Que  só  desde  Cambaia  aos  negros  Cafreg 
Passou  sem  ver  de  perto  as  longas  costa;». 


[ « ] 

-Desde  que  avista  os  derrubados  muros 
Da  abrazada  Mombaça ,  a  meiga  terra 
Doce  mãi  dos  mortaes ,  nunca  dos  olhos 
Perdeo ,  té  que  embocando  o  Tejo  ameno 
Foi  no  mesmo  Batel  dar  fundo  ,  aonde 
Em  áureos  Paços  o  Monarcha  estava , 
Mostrar-lhe  a  imagem  dos  entrados  muros 
Da  conquistada  Dío  ,  onde  a  victoria 
Preza  sempre  existip  nas  mãos  dos  Lu«o? , 
Sem  vêr  mais  do  que  o  Ceo ,  mais  do  qu'a  exíensa 
Das  turvas  agoas  líquida  campina , 
Da  Europa  além  dos  Trópicos  se  lança : 
Do  antigo  Continente  ao  novo  aporta. 

Desde  que  o  vaÕ  ,  mysterioso  Egypto  , 
Primeiro  berço  das  Sciencias  todas  , 
Que  inda  agora  escondido  entre  ruinas 
Com  restos  colossaes  insulta  o  orgulho 
Dos  Povos  Europeos ,  em  frágeis  Lenhos 
A  cortar  começou  do  Nilo  as  aguas- 
Té  que  os  Britannos  torreões  nadantes 
A  derradeira  volta  ao  Mundo  deraõ ; 
Entre  os  Fastos  navaes  prodigio  tanto 
A  Historia  naÕ  marcou:  talvez  que  os  evos, 
Que  inda  por  vir  estaõ  ,  igual  naõ  vejaò. 
Em  quanto  a  Pátria  agradecida  ao  feito 
Prepárí^  s<Q  grande  Navegante  os  louros : 


[ « ] 

Em  quanto  o  bronze,  e  mármore  naÔ  mostracJ 
Voltada  aos  Ceos  a  imagem  respirante , 
E  no  soberbo  pedestal  nao  grava 
Os  attributos  da  naval  sciencia , 
Co'a  mente  em  fogo  accesa ,  e  ás  Musas  dada, 
A'  Pátria,  ao  Throno  ,  ao  Mérito  ,  á  Virtude  ^ 
Que  a  façanha  inspirou  ,  que  o  Heroe  coroa , 
Este  tributo  de  louvor  consagro- 


F  I  M. 


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