R. B. ROSENTHAL
LIVROS
Lisboa 2 — Portugal
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ORAÇÕES
SACRAS.
ORAÇÕES SACRAS,
q u E
AO M. EXCELLENTE PRÍNCIPE
O EX.^^ SENHOR
D. FRANCISCO DE LEMOS
DE F ARI A,
Bifpo Conde de Arganil ,
Dedicou
MANOEL DE MACEDO PEREIRA
DE VASCENCELLOS,
Presbytero Secular,
LISBOA
NaOf.Patr. de FRANCISCO LUIZ AMENO.
M. DCC. LXXXV.
Com licença da Real Meja Cenfork,
Vende-fe na loja da ImpreffaÕ Regia na Pra^
ça do CommercJo.
:ao m. excellente príncipe
o EX/'« SENHOR
D. FRANCISCO DE LEMOS
DE FARIA
MANOEL DE MACEDO PEREIRA
DE VASCONCELLQS
S. e F.
AFENDOeu de impru
mir o primeiro tomo de minhas Ora^
ções Sacras , era natural que por
aQ^radecimento , e ainda for uaidade
^" me.
*
II
me íemhrap âe V. EXCELLENCIA
para honrar com o feu nome ofrontif-
ftcto de minha obra. O merecimento
de r.EXCELLENCU todos o conhe^
cem. Nem eu tenho necejjidade de o in-
culcar, quando faõ públicos es monu-
mentos, que exaltada gloria deV.EX-
CELLENCIA. Nobreza de fangue ,
copia de /ciência , explendor de virtu-
^-^'^ELLENCUo caminho por onde
« jnjttfa , e afortuna, dando-fe reci-
procamente as mãos, o conduzirão pa-
ra tao Sublimes, e árduos empregos, fi- ■
gurando-ojd como Prelado de huma
JJtecefe que com a longa , e brilhante
òeriedefeus Bifpos tem immortaliza-
do afama da Igreja Lufttana ;>' co-
mo Reitor de huma Univerfidade, que
najua reforma ( melhor dijfera crea-
çao ) nada tinha que invejaras mais
florentes Univerfidades da Europa !
Agora , Senhor, que matéria Ce
me naõ propunha para que em muitos
eloztos defafogajfe a minha gratidão,
refieBtndofizudamente nos feios, e en-
í^Ji^iULA arrancou-^ para que facu-
ài-
dido o jugo da Jurtrprudenaa Bart(f'.
lha , relgatapmos a mija Naçao da
aífruntalque todos lhe faziao ,luppon-
do-a envolta nas trevas, que ou a ma-
licia, ou a barbaridade ejpalharao jto
tempo ( infeliz tempo) de feu abjo/uto,
e quaít tirânico poder ! O cofjeamen^
to das Linguas Orientaes, afolida Uo*
quencia , a Çua Filofofia, a Geome-
tria , a AJlronomia , o Calculo ^ a
Tbeologia naõ ejlragada com metafy*
ficas abílraBas , mas bebida na fonte
pura dos Çagrados Códigos, da Tradi-
ção , e dos Concilios , a Htftorta Na-.
tural, a Chimica , ea Medicina qtie
cuidados naõ levarão a V, hXLí^l^';
LENCIApara que tivefe ajulta conj
Mação de que no acanhado elpaço^ de
poucos annos confe(fafem todos o rápi-
do , emaravilhojf) progrejfo com que
a Mocidade ortugueza fe avançava y
pafuindo Faculdades de que nem atnda
o nome entre muitos talvez fe [aberta.:
. Tudo fe deveo ao zelo de V.EX"
CELLENCIA : tudo dfua vafla com-
prehenfaÕ .^velando de di^ , e de noite
como Agricultor folicitojobre as ten-
ras plantas de que hum Rd interejjji'
carregara Aquém naõ fazia ertecie
i^lA affijlta a todos os AóJos , /em aue
comafua afabilidade arrijJJTofel
decoro\Comque agrado .aõacflhíJZ
tre osjeus braços a quem mais fe dií-.
'/"S^"^ , chamanão-o , louvando-oe
Jegurando-lhe a fua protecção para o
adtantamento de feus defpachos \ Q
Premtofe falta, falta tudo.
rots m meio de fuás literárias fa-
digas, repartindo com Deos , e com o
randofe das fantas providencias , com
^^'J"'.''/ '""^Prtmento dejua P aflorai
Dtgmdade acudta aofeu rehanho\ Que
EXLELLEMCIA nas Homilias , aue
l^^recuaval Que documentos cJnfir-
mados comas acções de rua vidain.
y^ente\Naõ podendo abranger a to.
daeZ!/'?'"-' f"''' ^«earLdos
^f Jp^da de dois gumes dedarajfem
eos vícios a guerra \ JJ "■
' Qtiem mais caritativo que V. EX-
Eg
(HELLENCIJ ? Quem mais generofcy
Como tejiemunhaõ as ohras magníficas ^
com que ennohrece afuaCathedral^ as
pingues ej melas j coyn que fubleva a in-
digência de [eus fubditos ? As mãos
de V, EXCELLENCIA nada asfe^
cha^ ejlaôfempre abertas ^e eftendtdas
fará felicitarem a quem na amável
prefença de KEXCELLENCIJ buf
ca o remédio de que precifa. Eu nao
fieceffíto depravas eftranhas^Da gran-
deza de V. EXCELLENCIA eu te-
nho a demonftraçaÕ no que pajja por
mim, devendo'lhe tudo: devendo- lhe ^
vida , pela piedade , e pela profufao
com que me afjiftio na minha doença ,
que pçr dilatada me conftituio na mef-
quinhafituaçâõ de naÕ poder ganhar
o paõ ^ que me mantenho amaJ[ado
com o fuor de meu rofto. Efta confijfao^
faço-a agora publicamente : fa-la-het
fempre , que nao f ou ingrato.
Quem mais , . . Porém eu conjier-
m aF.EXCELLENCIA, dizendo-lhe
que nas fuás obrigações he o mais
exaBo , que nos [eus cqftumes he o ma-
is religiofo , que nas Juas amizades
he o mais fino , que na jujientaçaõ de
feu? direitos he o mais confiante, con^
Jervanão perfeitamente equilibrados »
Sacerdócio , e o Império. Nejies ter^
^oi , di6U a prudência que me impo^
fiha inviolavelmente filencio , Jupplt-
candolhe, cheio de ref peito , quedei^
culpe a minha oufadia , fe por ventura
rrÍ?nT^''^^ "^'f^^^^^àeF.EXCEL^
j^hJSÍCIJ, ferindo afua modeftia. Se
•Oeos profperar os meus defignios , eu
J-arei ver algum dia em mais dilatado
-volume as virtudes , e as acções, com
queKEXCELLENClA. efmahand,
o langue dos Azeredos , dos Coutinhos^
dos Farias , dos Cantos , dos Lemos ,
dos Pereiras , dos AlarcÕes , e dos
i<<?^m , tlluflra a America de quem
^f niho , a Igreja de quem he Prin^
ctpe.
■r^
Non contradicas verba mca -
verba venratis ullo modo.
Eccii, C 4»
w
PRO-
PROLOGO
U naõ efpero agradar a
todos. Contento-me com
J a approvaçao daquelies
que amando a pureza de noíTa lin-
guagem defcubrirem nos meus
taes quaes efcriptos algum mereci-
mento, na diligencia com que pro-
curei amoldar-me ao gofto de nof-
fos antigos , nao uzando , nem de
palavra , nem de fraze , que nao
feja Portugueza : como moftrarei ,
fe precifofor, trazendo para mi-
nha defeza os exemplos de noíTos
Clafficos.
Se efcaldando a minha fanta-
íia ás vezes me remonto mais , nao
lo tenho pela minha parte os pre-
ceitos ( que em fim os Panegyricos
fao huma Poeíia mais livre ) mas a
authoridade de Oradores profa-
nos , igualmente que fagrados , de
que
qíie polTo tecer diffufos , e brllhan*
tes catálogos. Todavia quem nao
goftar, naó me leia. Naó me hei de
queixar.
Quereria porém que todos imi-
taíTeqi as virtudes, que fornecem a
matéria ás Orações Sacras que pu-
blico agora. Efte fruto me adoçará
qualquer trabalho, ainda que afpe-
ro, porque tenha palTado no proje-
flo que concebi ; fendo unicamen-
te o fim que me proponho inflam-
mar os ânimos na devoção daquel-
les Santos, de quem teci o elogio ,
que he o que cumpre ao minifteria
que exercito. Deosofabe. Deos,
que he de quem pertendo o pre-
mio. Se o confeguir, he o que me
baila.
I
IN-
^
índice.
ORaçaSpela confervaçaÕ ãa murte
Alta , e muito Pederofa Rainha
Fideliffima N. S. pag. r.
Oração a S. Francifco , 1 7.
Oração primeira a S, Margarida de
Cortona y 35*.
Oração ao SS, Sacramento , yj.
Oração a S. Barbara , 74.
Oraçaõ a S. Miguel , 88.
Oração a S. Natália , loi.
Oraçáõ ao SS, Rafar io , 114.
Oraçaõ a S, Agojlinho , 1 25.
Oraçaõ a Santiago , 143.
Oraçaõ â Conceição , 158.
Oraçaõ Jegunda a S, Margarida de
Cor to na y 175'.
Oraçaõ Fúnebre do Excellentifflmo
Principal D. JoaÕ de Faro , 1 84.
Oraçaõ Fúnebre do EmineHtJJtmoCar*
de ai D. JoaÕ Co/me da Cunha y 106*
ORA-
^^
ORAÇÕES SACRAS ;
O R A Ç A Õ
Pela confervaçaÕ da muito Alta , 4
muito Poderoza Rainha Fide-
liffima JV. Senhora.
'ÈS)?S9M. O R Q u E nao terei eu as
\k p k6 brilhantes qualidades, coiu
2$6o<xx2 que íahem enriquecidos da^
^^^^ niâos da natureza aquelles
génios fublimes , que com a força ,
nao menos que com a belleza dos
difcuríos que produzem , da6 ás ma-^
terias de que trataõ, o precifo valor ;
defempenhando felizmente as diffi-
culdades , ainda que árduas, dos prd-
jedlos que meditaô*? Infíammado na*
.quelle fogo , que efcaldando a ima-
ginação fantamente nos arrebata pa^^
A " ra
íf
2t Oração PELA CONSERVAÇÃO
ra concebermos idéas grandes , no
meio das confideraçôes que me af-
fuflaó , porque naô me 'esforçarei ,
cnvolvendo-me no argumento que /e
me propõem naô fá como tributo
de nofla vaíTalagem , mas como ob-
fequio de nofla gratidão ?
Amável Soberana, que fentada
no ThronO) que o primeiro Affonfo
erguendo fobre as defpedaçadas Luas
Mahometanas lavrou com a fua tri-
wnfandora efpada, encheis aos nacio-
fiaes de confolaçaô , aos eílranhos de
inveja, vós medais o aíTumpto , vós
me infpirais. Attrahido do refphn-
dor das virtudes, que embala ndo-vos
o berço á fimilbança de nítidas Ef-
trellas , vos guarnecem o Diadema
que cingis; com que refoluçaô naó
devo dos preciofos dotes que efmal-
taõ a voíTâ alma , tecer o Panegyrico
que vos confagro, como hum Hjmno
de agradecimento , cantado a Deos
ante os Altares pela voíTa confer-
vaça6 ?
Pois quem ha, Senhores, que
refleítinda lifudamente nas acções j,
ou
rw
DA Rainha íf. senhora. ^
ou publicas, ou particulares, com que
a nõlTa Rainha cumpre as obriga*
ções, pofto que pezadas, do indepen-
dente Sceptro que empunha, naõ te-
nha de que matizar dilatados elo-
gios , que igualmente íirvao de edi-
ficação a quem os ouve , que de hon-
ra a hum nome , que gravado, mais
que em laminas de ouro fino, nos
noflbs corações , voa de Ceo em
Ceo para fer íínceramente adorada
de todos ?
Ao menos eu , fem que ceda 9,
hum pezo , que curvando-me me in-
timida, com que gofto alçando a mi-
nha débil voz nao oufo dizer-vos^
que nada ha de augufto , nada de
puro^ que fe nao ache já na fua peC-
íba , já na fua vida : para que fe
conflitua apar das Heroinas Ch ri ílâsj
que immortalizarao a glori a de feu
fexo digna dosapplaufos, com qUe
a fama engroíTando o brado a fará
eternamente lembrada nas idades vin*
douras.
Mas pára illumínaf ô qUâdtfo
que traço , neceffitarei por ventar^
AU 4a
i
4 Oração pela consehvaçao
de enfopar o pincel nas cores que a
lifonja prepara , para mais docemen-
te nos íurprender , ufando agora do
cítudado artificio de huma eloquên-
cia totàimente profana ? Nao Se-
nhores. As feveras Lçls promulga-
das fobre a Cadeira da verdade, que
occupo , naó foffreriaô que dentro
doSaníluario corrompeíTe a minha
lingua com penfamentos que a def-
earada , e vil adulação me infpiraf-
fem. Para fatisfaçao do que vos pro*
metto, eu tenho guia mais fegura a
iquem^ figa : eu teaho as Santas Ef-
cripturas.
Grandes Nafcimentos , fagradas
Allianças , Filhos , que como viçofas
oliveiras crefceis 5 inundando de ale-
gria as mezas dos Pais que vos ge-
rara 5 5 Regia pofteridade , vós fois
huma dadiva daquelle Ente fupremo,
que fegundo a economia dos de-
cretos' eílabelecidos governa ao feu
arbitriò o deftino dos Impérios. DI-^
ga-o Abraham. Naô faz Deos fahir
de-fua família os Reis.de Ifrael, co-
4ffi<^ fremia' da^ obediência com que
^hr- ': .■•■ de*
DA Rainha n. senhora; y
dcfembainhando o affiado cutelo er-
gueo no monte do Sacrifício o bra-
ço para vibrar o golpe fobre a gar-
ganta do innocenteííaac, crendo lia
fuaefperança contra a efperança?
Sem que corramos o véo a fe-
gredos recônditos, nós fabemos, Se-
nhores , que Jesus Chriílõ funda-
ra entre os Portuguezes o feu Reino,
para qu€ os noíTos Princi p es fegu in-
do os movimentos ãc piedade , que
os caradleriza, depois de q;uebrado
o jugo Sarraceno , mandaíTem fobre
voadoras quilhas a Orizontes, além de
remotos , deíconhecidos ^ juntameU^
te com os nofTos vidtoriofos Pavi>
IhÔes a noticia do Chriílianifmo pa»-
Tâ o propagarmos.
Que proezas nao fizemos ? Nós
fomos os primeiros , que rafgando
as coitas ao íoberbo , e indómito
Adamaftor, cortámos nas margens do
Ganges as palmas de que enramá-
mos os rezulentes elmos* Os Cer-
toes da America ,6 os rochedos da
Africa gemerão vergados debaixo do
nolTo ferro , naõ ha vend^^ parte nos
€ Ov^jIçaô fêla conservação
Mundos defçobertos aonde por cima
das ruínas de eftragados ídolos na6
arvoraflemos a Cruz do Redemptor;
illuftrando no rápido progreílo de
noíTas Conquiftas aquelles Povos ,
ainda que ferozes , com as luzes do
Evangelho.
Mefclando-fe com a gloria das
Armas a gloria das Sciencias, como
animados da protecção de noflos Au^
guftos, difputámos ás Naç6es poli-
das a primazia, Itália , França , e
Hefpanha, de que admiraçaá fe tranf*
portára6 , ouvindo nas fuás Univer^»
lidades a huns Homens , que furgín^
do do ultimo Occidente derramarão
das Cadeiras, que regiaS, os thefou-
ros adquiridos debaixo da difcipli-
na dos Angelos Poliçianos , dos Pi-,
cos de la Mirandula, e dosErmo-
laos Bárbaros, Oráculos daquelles
tempos: dourados tempos!
As noífas Mufas enlourando as
teftas, naô adormecerão muitas ve-
zes as agoas do Tibre , e do Sena,
fyavemente attrahidas da confonancia
dç íuas lyras í Vós venerável Con*
grçífo
DA Rainha, n. senhora; 7
greíTo de Trento > com que efpanto
pendeis da boca de huns Theolo-
gos, que deteftando as abílradlas , e ;Jí
impertinentes metafyficas da Efcola ^ '
he nas Efcrituras , he na Tradição
( fontes puras de puras verdades )
que tinha6 unicamente o efcudo pa-
ra rebaterem as lanças , com que hu-
ma geraçââ de viboras , ingrata ao
leite com que fora alimentada , per-
tendia dilacerar a inconfutil túnica
da Igreja! Expliquemo-nos fem figu-
ras : a Santa Fé que profeíTamos, ^^
De que prazer nao inundarão
pois os noíTos peitos , naò fò con-
templando a grandeza a que fe ele-
va, mas revolvendo na memoria as
maduras, e prévias difpofiçoes cora
que anofla amabiliífima Rainha , her-
dando de tantos excelfos Afcenden-
tes com o fangue as virtudes, fe pre-
vine para o eminente cargo , a que
a Providencia amiga de noíTo bem
adeftinara na urna de feus eternos
confelhos ? Naó faô os raios , que
cercaó a Mageftade , que a deslum-
braó; naó faõ os applaufosi incen-
S OrAÇAÕ PELA consehtâçaS
fo que ao redor do SoIio quaíl fem-
pre^ com prodigalidade fe queima.
Mais alto põem a mira. Exemplos
de feus grandes Pais, como orvalho,
que calando brandamente a terra, a
fertiliza , vós vos embebieis no feu
animo para lhe fervires de molde
porque fe ajuftafle na efcabrofa car-
reira da vida.
Chamejando nos feus olhos bel-
los o fervor de feu efpirito , que
com paíTos de gigante corre pelas
varéd^as, ainda que acanhadas, da per-^
feição, vira6-na nunca que naô efti-
veífe efcudada daquellas máximas de
Religião , que a largos forvos com
fanta fede bebe nos livros de pieda^
de ; fazendo ( para fallar com a fra-.
ze do Profeta ) cheios os feus dias
na cultura dos talentos , que da gra-
ça , e da natureza folgadamente re-
cebera : forvida na contemplação da-
quella formofura antiga, daquella
formofura nova : na Oração, que he
a fonhada efcada de Jacob, pela qual
fe fobe como cândida Pomba de
Edon ao Empyreo !^
Pai-
DA Rainha n. senhora. 9
Paixões crgulhofas : appetíí-es ,
que rugindo á maneira Ó2 pávidos
leoés do berço nos efpreitaó para
defapercebidos nos devorarem, eomo
os defcarna 1 Branqueando os feus
veftidos no fangue do Cordeiro fem
mancha , nutrida com aquelle Paá.,
C]ue gera fortes: vós Anjos, que ihe
affiílis para a guardares nos íeus ca-
minhos, he que nos haveis informar
da pureza com que frequenta a Me-
za Eucariilica! Ferindo com humil^
dade o innocente peito , abaixanr
do aquella cabeça , a quem agora to-
do o Univerfo fc inclina, taô •arrai-
gada nafua fé, como o Centuriaô !
Que argumento , Senhores , pa^
ra envergonhar a noíía foberba ! Hu-
ma Princeza legitima herdeira da an-
tiquiíTima Cafa de Bragança : ( nada
ha de Auguílo , que fe nao compre-
henda nefte nome) Bella mais que as
bellas : na aurora de feus annos: mais
que lifongeada fervida da fortuna :
as delicias de huma Naçaô^ que á
coníiderava como a arbitra de fuás
futuras felicidades , dobrados os ten-
ros
ílo Oraçao pela COí^SEUVAÇAÕ
ros joelhos , colida com a terra ,
<|ue muitas vezes beija , fazendo a
Deos hum grato facrifício de todos
os titulos de fua grandeza, que re-
Íuta por huma fombra que paíía por
um nada , ainda que brilhante ! A
fua Alma como naó fera o Thalamo
florido entre cujos brancos Jirios fe
apafcenta J e s u s Chriílo , a quem
de fua infância fe dedica ?
Mas que tochas fe accendem !
Que laços fe tecem ! Vós Graças in-
iiocentes he que enfeitais de flores^
que fe nao raurchaó , as grinaldas que
hao de ornar a fronte dos caftos
Efpofos. Por mais , Senhores , que
poderofos Principes reforçando as
íiias pertençôes, afpirem a hum Con-
forcio , fobre que a Europa com as
fuás viftas eílende as fuás cfperan*
ças , outra he a eleição de hum Rei ,
que amando-nos finamente , naó quer
que de fora nos venha quem ao la-
do da adorada Filha a ajude a fu-
ftentar o governo de huma Monar-
quia , que efpalhada pelas quatro
partes da Estéra, fe faz taõ invejada
PC-
wm
DA Rainha n. senhoba. ii
pelas fuás riquezas, como temida pela
íeu esforqo, Ditofo Pedro , vós íois
o preferido. As voíTas virtudes faó as
que vos grangearao huma ventura de
que nós çftamos colhendo os frutos.
Como abençoa Deos eílas Núp-
cias 5 deferindo com benignidade ás
preces que mandamos á fua prefen-
ça , envoltas nas lagrimas que ala-
gavaó os noíTos roftos de palidez
cobertos ! Os Netos de D. Jofepli o
Primeiro multiplicaõ-fe , para que o
medo de vermos interrompida a Se-
rie de noíTos Reis , nos nao coníler-
ne. Nós temos huns apoz outros os
fiadores , que fegurando-nos a defe-
jada fuçceífaõ nos defvanecem com a
certeza de que aquelle5que olhou pa-
ra a geração attenuada, velando fo-
bre a noíla felicidade , ainda efpe-
cialmente nos protege, entornando
fobre Portugal as fuás antigas mife-
ricordias.
Porém eu que faço? Acafo per-
tendo com os meus curtos braços ,
fondando os abyfmos rcferir-vos hu-
ma por huma as noíTas ditas , deri-
va
12 ORAÇAo PELA CONSERVAÇAS
Yadas todas de huma Rainha , que
emuia das Ifabeis, e das Chriftinas ,
une tudo o que ha de fublime na
fua peíToa? Dia treze de Maio , tu
ine chamas. Para fuavizar-mos a per-'
da de hum Monarca , que trilhando
Jiuma eftrada quafi defconhecida en-
tre nós , quiz dar á Naçaõ , de que
era Arbitro abfoluto, huma nova fa-
ce, arrancando encarquilhados abu-
fos; podia-mos nós ter lenitivo mais
eíEcaz, que vermos apar de feu Con-
forte caro a Primeira Maria , rece-
bendo com a noíTa jurada vaífalíagem
os noíTos corações ? Que maravi-
Jhofos tranfportes de contentamento
naõ forao os noíTos , diíFundindo-íe
|3or cima das aguas do Tejo o écco
daquelles vivas , com que agradecía-
mos ao Todo Poderofo o bem que
nos comunicava? Eu nao fou encare-
cido. Abracando-nos reçiprdcamen.
te, naõandaya-mos como alienados ?
Vós, vósfoftes fieis teftimunhas»
Como começou logo a refplande-
cer a fua innata clemência ! As maf*
morras defaferrolhadas : os ungidos
do
DA Raina n. senhora. ij
do Senhor na fua liberdade : as gra-
qas correndo perennemente do Thro-
no que occupa : o focego , a paz, e a
alegria tornando a collocar nos nof-
fos ânimos o íeu aflento; da-fe a Ce-
far o que he de Cefar , a Deos o
que he de Deos. Sempre que a Juj
lliça nao grite, ha mercê que nos na6
liberalize ? Conhecendo que he irre-
parável a perda de quaiquer indivi-
duo dos que compõem , e organi-
zaó o corpo doEílado , que raras ve-
zes vemos enfopados os noíTos ca-
dafalfos no fangue de feus vaílallos l
Melhor lhe compete o nome cari-
nhofo de filhos.
Eu nao quero que os delidlos
fejaô impunídos. Releva muito qua
fe ponha freio á maldade dos homés.
Os prémios , e os caíligos faó os ei-
xos fobre que as Republicas fe eíla-
belecem. Mas fem que fe mate, nao
ha penas, que proporcionando-í^ aos
crimes, ainda que graves, atalhem os
damnos , que dos tranfgreíTores das
Leis refultao , tirando fempre os Ef-
tados dos delinquentes muitas vaa-
i
M
I :
í;hi;
I ^amÊmBÊmmmÊÊÊmmmmm
14 ORAÇÃO PELA CONSERVADAS
ragens ^ condemnando-os ao ferviço
publico ? Eis-aqui como fobre os
princípios da humanidade penfa a si
Filofofia : eis*aqui como penfa a nof*
fa adoradiífima Soberana.
Com que zelo fe applica para
que a Religião floreça entre nós, fem
mefcla de novidades fempre perigo-
fâs ? Efpiritos chamados illumina-
dos, buícai outras Regiões aonde ha-
biteis para vomitares as máximas ve-
nenofas , que cevao a voíTa liberda*
de. Portugal he hum Reino com
quem hum Santo Papa dizia que
eftava bem , porque nunca lhe en-''
tendera com o Credo. He, Senhores,
he contra eftes que a noíTã Rainha ,
alterando a ferenidade de feu fem-
blante bello, unicamente fe enfure-
ce , querendo que na puniçaó de feus
erros ímpios efcarmente a mocida-
de incauta para fe conter nos limi-
tes da fua crença.
Para que os feus fentimentos de
piedade fejaô mais públicos , que
©bras naõ faz? Já erigindo fagra-
das Bafilicas, aonde a Religião , e a
magni*
11;'^
DA Rainha n. senhoka. ly
magnificência corti generofa emula-
ção competem : já . . . mas eu vou le-
vando além do jufto o meu difcur-
fo. Que vos digo eu , que vós naô
faibais. A Hiftoriajuiz incorrupto, e
imparcial do merecimento dos Rei-
nantes 5 que lugar naÓ vai já pre-
parando nos feus faílos , para j|ue
cora carafteres indeléveis fe leiao as
acções , com que a Grande , a Pia , a
Magnifica Dona Maria Primeira hon-
ra o feu fexo , honra a fua naçaô !
Ahi 5 Senhores, com que gofto
a moftrará á poíleridade, humas ve-
zes animando úteis Academias , que
cubertas com a fua protecção faça6
apparecer entre nós illuílres homês,
que com as delicadas producçoes de
feus talentos refgatem do efqueci-
mento a noíTa fama : outras vezes
ordenando fabios Códigos, com que
naô lenhamos que invejar , nem aos
antigos , nem aos modernos Legif-
iadores : confervando entre as Poten-
cias Belligerantes com a fua neutra-
lidade o feu decoro , para que no re-^
gajo da paz , eíTa filha do Ceo ,
quç
íd
m\
16 Oraçaõ pela conservação
que nas Tuas brancas azas coíluma
trazer aos Povos a abundância , e
a felicidade , plasidamente deícanfem
os íeus vaííallos.
Tomara íaber agora de vós, Se-
nhores 5 le haverá Forruguez , no
qual o eípiriro do patriotifmo eíte-
ja taó apagado, que fe nao intereíTe
vivamente pela confervaçao de hu-
nia Rainha 5 que entre os refplando-
res doThroQO naô refpira momento
que naô feja para noíTa utilidade :
que nas fuás orações , fervoroíiffimas
orações 5 eílá inceíTantemente rogando
ao Deos, aquém feguindo os veíligios
de feus progenitores, ferve defde as
mantilhas, que felicite hum Povo de
que a fez Cabeça, prefervando-o dos
imales , que podem ameaçallo ? Eu
naô o creio: antes no meio doTem-
plo, ao fom doé órgãos, cheios de fé,
cheios de gratidão, como ao Dador
de todos os bens , reforçando os vo-
tos pediremos , que nos dilate huma
vida taó preciofa , rendendo-lhe com
os noíTos corações as devidas graças.
Te ^Deum lauclamus*
ORA-.
ti
n
ORAÇAÓ
AS.FRANGISCO.
.Ahfcondíjii h£c à fapientihus , cí?^^
reuelajii ea farvulls,
Math. c. II.
Uando eu leio no Santo Evan-
gelho , de quem fou Miniílro ,
ainda que indigno, que Deos
revela aos pequenos de fu a Ga-
fa 5 o que efconde muitas vezes aos
Sábios do Mundo, de que valor me
nao encho para tecer o Panegjrico
do grande Pai dos Pobres , que enno-
brecendo a Aííiz com o feu nafcimen-
to, iiluítrou a Igreja com as fuás vir^
tudes , fundando huma Ordem , que
em todas as idades tem produzida
dentro e fora do Chriilíanifmo aba-
Jifados eípiritos 5 que com a fuafci*
encia^ igualmente que com a fua fan-
íidade, cumprindo os deyeres de feu^
B cita-
^t o K A Ç A o
eílado, attrahiraó a publica veneraçad
de quem os communicava , colhendo
de fuás Apoítolicas fadigas copiofo
fruto : abalizados efpiritos de quem
vós 5 ReligiofiíFimos Padres , fois có-
pias fiéis. Nao he neceííario , que
vos diga , que he do voíTo eílima-
diíGmo Francifco que vos fallo.
E ainda que lançando huma vií-
ta íizuda fcíbre a pobreza de meus
talentos , eu vejo que ^o meu animo
aíFraca^ na confideraçaõ de que a em-
preza de que me quizeíles por bon-
dade voíla encarregar , pedia hom-
bros mais robuftos, que os meus ,
para nao vergarem com o pezo da
matéria ; o gofto , e a honra de
obedecer-vos , de miílura com a
natural complacência , que he razad
ique eu tenha, havendo de alçar no
meio do Templo a minha voz para
louvar as acções fublimes de hum Pa-
triarcha, que com hum milagre pe-
renne mantém na terra a Religião, de-
baixo de CUJO Inílituto vós vos ali-
ftaisj que brios me nao infundem,
para que remontando-me por cima
de
'<r^*^'^*r^r
A S. F R A N GI S C o: 19
3e minha inhabilidade nem hum mo-
mento vacille na execução do precei-
to j que me impozeítes : lembran-
do-me que ferei eu talvez hum da-
quelles pequenos , que na urna de
feus infcrutaveis fegredos terá Deod
deílinado para a grande obra^ a que
me arrojo.
Neítes termos , imitando a indu-»
llria das abelhas , que das flores que
efcolhem , extrahem o fucco de que
elaboraõ o mel , que adoçando-nos
os lábios com a lua fuavidade noá
lifongea : eu , fem que huma por hu*
ma vos refira as fuás brilhantes qua*
lidades , me cingirei unicamente á
propofiçaõ, que eílabeleço por baze
do meu difcurfo ; a qual he, moftrar^
vos a fua elevação derivada toda de
fua Iiumildade : virtude que caradle-'
riza, naó fó o fagradoHeròe, a quem
elogio , mas a toda a refpeitada Fa-^
milia dos Menores , qu€ exultando
de prazer , e contentamento no dia
em que eílamos 5 nao deixará de fer
indulgente comigo ^ perdoando-me
vós os graves defeitos > de que irá
B i| ma-
%0 o R A Ç A 6
maculada a minha Oração , que o me-
recimento que tem, lie a verdade de
<que íe anima. Nem eu oufaria quei-
mar o incenfo da iifonja ante a Ara ,
fobre que fe coUoca a Imagem de
hum Santo , que deíle infame vicio,
como de todos o.s mais, foi declara-
do inimigo, E fe me dais licença,
cntre-íe a traçar o quadro prometti*
do 5 que para fer completo , bafta-
yá que vós fobre as minhas íombras
derrameis as voíías luzes. Eu come-
ço.
C^e afpera linguagem para os
íilhos do Secuio ! Quereis íer exal-
tados ? "Sede humildes. Ao menos a
grandeza, que Deos eftima (a única
grandeza, Senhores), he fobre eíle
fundamentp , que fe ergue : como da
Cadeira de Hiponia aflirraa o meu ef-
timadiííimo Agoíiinho: Cogitas ma*
gnum fabricam confiruere celfitudi*
Tih ? í)e fundamento prius cogita hu^.
milita tis}
Quem reBediíFe na brilhante, e
pompofa genealogia da famoía Don-
zelia de Nazareth , efcolhida, e pre-
defti-;
r^ri
A S. F R A N c I s c o; it
'deftinada na mente eterna para Mãi
do Incarnado Verbo, accommodan-
do-fe ao coftume do Mundo eílraga-
do, facilmente entenderia, que a íua
elevação fe derivava dos Baíloes'', dos
Sceptros , e das Tiaras , que como
dourados, e preciofos frudlos pen-
diao da arvore, de que era florente,
e legitimo ramo. Todavia nós fa-
bemos por confiíTao fua , que nao he
á nobreza de fcu fangue , que deve
a íua grandeza , mas à íua humil-
dade: Q^na refpexit humilitatem an--
cill£ fu£ , ecce enim ex hoc beatam
me âlcent omnes generationes.
Eis-aqui porque Jesus Chriílo,-
què tanto fe humilhou na vida, tan-
to na morte , nafce em hum eílabu-
Io , arranca em huma Cruz : como
que reprehende á Marcella, quando
levantando a voz no meio das admi-
radas Turbas, chama bemaventurádo
o cafto ventre de Maria , aonde fo-
ra concebido , e gerado 5 tendo por
mais felizes aqueíles , que ouvindo
a fua palavra cumprem exaftamente
03 fçus preceitoS; abatendo-fe , e en-
tra-
SI
m :
l'Íili
m
W::Õ\
^'í o R A Ç A ô
tranhando-fe no baixo principio de
que procedem , como affirma hurai
refpeitavel Interprete.
Inciyto Pai dos Pobres , fe no
Ceo^onde eílais , podeíTe haver al-
gum daquelks baixos affeélos , que
aíTomando-fe ao noíTo rofto, alteraõ a
paz de noíTo coração ; qual feria o
voíTo pejo , fe eu agora defenvolvef-
fe dos chamados dons da fortuna as
provas da grandeza, a que vos coníi*
dero remontado ? Por iíTo , Senho-
res , naõ efpereís que eu vo-lo piu'^
te repoufando no feio das riquezas ,
e das delicias, de que gozaria, co-
mo filho de huma opulenta Gafa ; al-
voroçando as ruas, por onde monta*^
do em foberbos , e briofos ginetes,
pafleava ^ com as gallas de que , á íi^
milhança de vaidofo pavão , fe def-
vaneceria. Nem menos torneado da
lifongeira chufma dos aduladores;
€u vo-lo reprefentarei , que incen-»
fando os feus defeitos , queriao ga-?
iihar-lhe o animo, para fe aproveita-
rem das largas , c generofas dadi-
vas • com que os favorecia.
I
A S. Fã AK CTS COf: If
Nao fera mais acertado, que buf-
que na fua verdadeira fonte a fua
elevação , lembrando-vos , que nao
obftante a affluencia dos bens de feus
Progenitores , he em hum fordida
lugar conílruido para habuaçao de
brutos , que a venturofa Mãi o da a
luz ; enfmando-lhe a Providencia, que
tanto velava fobre aquelle Menino ,
o caminho que depois nos adultos
annos havia trilhar , para fer total-
mente fimilhante ao Filho de Deos ^
Nao fera roais acertado , que na el-
pantofa abdicação que faz da pingue
herança , que lhe podia pertencer ,
eu vos mottre o feu animo deiaíter-
rado de tudo o que he terreno, pa-
ra que envolto na fua pobreza pre-
cifalTe de mendigar peias portas o
paÓ de cinzas , de que efcaíTamente
fe nutria. , ,
Que documento para vos , be-
nhores ! Hum moço na aurora de
fua idade , quando os feus a^p^etites
eftavaô mais vivos, a fua razão me-
nos illuminada pela falta de experi-
ências, amado uni verfalmente pelas
boas
li
W ,!
^4 O R A Ç A õ
boas qualidades , de que a natureza J
parece que entornando quaíi todos
os feus encantos, liberalmente o
ornara , foíFre com reíignaçaõ , po-
de fer que com goílo, os afperos
tratamentos do Pai, , que como diíTi-
pador de feu património, feveramen-
te o caíligava, já retalhando-lhe as
carnes com pezadas difciplinas ; já
aíFerrolhando-o em efcuro cárcere ^
para naô poder fazer mais ufo de
fua liberdade ! Sobretudo, renunciar
Todos os copiofos haveres , que por
direito lhe competiaô, nao queren-
do poíTuir nada, para obedecer com
mais ardor á voz de feu Deos, que
pelas fuás infpiraçoes o chamava !
Santo Bifpo deAíliz, com que
edificação o nao viíles até de feus
veílidos defpojar-fe, arremeíTando-os
como huma carga , que lhe embarga-
va o paíío na carreira que tinha me-
ditado ? He nu, que veyo ao Mun-
do: he nu, que ha de entrar na fe-
pultura; e inundando de huma ale-
gria innocente, como aquelle Princi-
pe da Idumea ^ de quem a Efcritu-
ra
A S. F R A N C I S CO. 1$
ta faz illuftre memoria; com que go-
ílo confeíTa , que o feu Pai verdadei-
ro eílá no Ceo ; que he io a fua von-
tade, que ha de feguir !
Mas nao foraô èftes os primei-
ros traços da grande obra, que em-
prendia , quando lhe foi revelado,,
que havia fer o Reparador da Igre-
ja ? NaÓ ha duvida, Senhores, que
a revelação ao principio fora mal en-
tendida, aíTeníando que da pequena
Ermida de S. Damião he que Decs lhe
fallava. Mas que virtudes na6 poerrt
em execução para livrar aquelle Tem-
plo material da ruina que o ameaça ?
Rafcunho , ainda que baixo, do que
havia de fazer depois pelo Mundo
todo a nova prole, de que fundaria
a caíla Efpoía de J esus Chriílo ,
inílituindo a voíía fagrada , e peni-
tente Religião,
Naõ he aqui que fe enfaia pa-
ra o feu Apoftoiado ; a pé, defcalço,
envolto em hum afpero, e grofíeiro
facco; pedindo, naô fó o precifo pa-
ra pagar o jornal dos operários ,
que em poucos mezes rematarão a
obra
\\
1-^
'M
mi
%G Oração
obra começada , mas para a fua mó*
dica fuílentaçao ? Nao he aqui , que
curvados na dura terra os tenros joe-
lhos , vela a mór parte das noites
forvido na contemplação da formo-
fura de feu Deos ^ por quem pizara
o Mundo , as fuás pompas , e as fuás
enganadoras vaidades \ arrancando
d^alma ardentes fufpiros, como quem
ricfejava voar já aos montes , ainda
que empinados 5 da bellaSiaô, para
dormir defcançado fobre o roto pei-
to de feu amado ? Naõ he aqui que
fe faz per/to , e confummado Mef-
tre da humildade, foffrendo que co-
brindo-o de injurias, e de lodo, o
iHofaíTem , tendo-o por louco nas
praças publicas de AíTiz : Affiz , que
fora o íheatro de fua va oílentaçaô ,
quando na primavera de feus annos
juvenis, fó dava ouvidos ás agrada^
yeis , e iifonjeiras viftas , com que o
Século proílituido pertendia attra-
Iiillo ?
Eu nao me volvo para alguma
das fccnas de fua vida, que me; nao
Ycja quaíi reduzido a emmudecer,
for-»
wm^
"^
A S. F R A l<r C I S C o: ^2:7
forprendido de minha admiração, naá
fabendo na cópia de tantas maravi-
lhas a qual dê a preferencia. Porciun-
cuia, pofto que pequeno lugar , que
novo efpedlaculo me propões , que
deixando me como arrebatado elevas
a minha conlideraçao a myílerios tao
ineíFaveis, que nao devo envolveilos
emfilencio! Havia aqui huma Igre-
ja confagrada á Mai de Deos 5 co-
nhecida era outros tempos pela Er-
mida de Santa Maria dos Anjos. Cora
que ardor fenao applica Francilco ao
feu ferviço 5 nao íó reedificando as
fuás eftragadas paredes , mas promo-
vendo o íeu culto? De que prodí-
gios na6 he atíonito, e pafmado ex-
pedador ? A muíica dos Efpiritos
Celeítes, que torneaó a Ara de fua
Rainha: os fegredos que fe lhe re-
yelaÔ : os colioquios com que o en^
t retém a mor parte das noites o íeu
crucificado Jesus, que defuzado ef^
forço lhe nao communicao para le-
var ao fim a grande eoi preza , que
tem já meditado? Como fe nao co-
roaria logo de fa:5onâdos, frutos a
^immmemmmmm
ti
m
i.'"''ii
■''' M
'j'ii
lil
iS o H A ç A 6
inimofa planta , fe he á fombra de
Maria , que agora eftendendo as ra-
ízes, e engrofíando o tronco come-
ça a crefcer a arvore, que dilata os
íeus ramos por todo o Chriftianif-
mo?
As obras que Deos abenqoa, vao
com felicidade avante : que feráo
aquelias que de Deos deduzem a fua
origem ? Se eu vos affirmar, que do
EfpiritG Santo he que dimanou o In-
ftituro de que Francifco foi denoda-
do Chefe , arraigando-fe a Regra
que efcreveo 5 nas faudaveis máximas
do Evangelho , que na6 fem myíle-
rio lhe foraô participadas, eu na6
temo que me taxeis de encarecido ,
repatando-me por Orador apaixona-
do , porque he huma verdade , que
todos fabem.
Que maravilha he pois , Senho*
res, que huns apoz outros correííeni
de diííerentes partes para fe aliílarem
debaixo de feu eílandarte illuítres ho-
líiés , que já pela fua qualidade, já
pelos feus empregos, fe faziao tao
refpeitaveis no Mundo , defprezan-
4q
A S. F R A N C I S^C o; 29'
do tudo o que poíTuiaô , para le
amoldarem á cabeça de que erao
membros ? Entre rodos, tu juílamea-
te levantarás a viíloriofa teíta, Ber-
nardo de Quintaval , que para efmal-
tares mais a nobreza de teu fangue ,
foíte o primeiro, que de tua eíclare-
cida Cafa íizeíle demiffao , enthe-
fourando nas mãos dos pobres as
groíTas rendas , de que eras legitimo
ienhor.
Que maravilha he pois , que con-
íeguida a approvacaô do Papa , qiie
por entaô governava da eminência
do Vaticano a Igreja , crefceíTe de
forre o numero da Francífcana Famí-
lia , que ainda no berço dava já
idea do progreíTo que faria depois ^
confiando que faô quarenta mil os
Conventos , que fervem de quar-
téis , aonde os Soldados de Jesus
Chriílo fe recolhem 5 para que eípa-
Ihando-^fe por toda a face da terra,
com o feu exemplo , naó menos que
com a fua doutrina , propagarem a
Religião, de que fao deftros cultores !
Que efpaçofo campo, de que def-
pon-
\
Itil
§ò Oração
pontaá 3 como a competência, ^s flo-
res , de que Francifco matiza , e en-
feita a grinalda que cinge ! Levan-
tando-fe de fua humildade, como
Ánteo do chaó com que íe cofe j
com mais forças para as árduas em-
prezas, de que queria fer executor
iníjgne ! Naô he agora que o defejo
tíõ mriftyrio o devora ? Que figuran-
do as cruzes, e as cataíías , como
theatros de fua gloria, determina dar
por Deos a vida , que he a proya
mais qualificada do amor, fegundo o
que fe acha exprelTo nas Efcrituras ?
Com tudo no Throno da Triade
Santiífima nao he approvado o fa-
crificio de teu fangue , abrazado Se-
rafim* As Chagas, as preciofiíTimas
Chagas do Redemptor, que fe te im-
primem , he tormento fobejo para
apagares a fede que tens de padecer.
Rfíígouas no Corpo de Jesus a fo-
berba da pérfida , e ingrata gente:
abrio-as em Franciíco o íeu amor, e
a fua humildade.
Com eíFeito , Senhores , fe Deos
queria que a Cidade fe collocaííe fo«
bre
A S.F R A N c isc o: ^i
bre o monte, para que todos a yiflem,
como confentiria , que Frâncifco íe
aparcaíle de fua Familia ? Se queria
que de feus Clauílros furgiffem tan--
tos luminofos AítroB, que illuílraffem
a Igreja , já governando o rebanho
de Pedro , efpalhado por todas as
quatro partes do Mundo conhecido,
já cnnobrccendo com os feus raros
talentos o Confiílorio dos Cardeaes:
aqui produzindo famigerados Douto-
res 5 que com a fua Doutrina fuften-
taíTem o credito das Univerfidades de
que eraõ Meftres : alli briofos Athle-
Tas , que com a fua morte arraigaf-
fem mais a Fé, de que eraó firmes, e
incontraílaveis columnas , como nao
confervaria por mais tempo ávida
de Frâncifco, de quem dependia o
augmento, e o luílre daquelle Cor-
po?
Eu nao fou demafiado. Refpeito
todas as Ordens Regulares como flo-
rentes Seminários de virtudes , e de
letras : mas tem havido Religião mais
útil , que a Frsncifcana , que até no
meia dos Infiéis faz apparecer o Teu
de-
it-i
ímh
m
I
III
iil
té
»il
M
lU" í
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3^ O R A Ç A 6 ^
decoro, e a fua importância, fcnàó
a única , que entre os Sarracenos íe
mantém , attrahindo com a fuavidade
de Teu trado, e com a humildade
de feu exemplo na guarda dos Lu-
gares íantos, aonde fomos remidos,
o coração daquelles Bárbaros? A vi-
da Apoíiolica quem a pratica mais
que vós , Padres ReligiofiíTimos, na5
vos forrando a trabalhos , ainda que
sfperos , para ferdes de proveito ao
próximo, amando-o , e fervindo-o ,
ora nos Púlpitos , ora nos Confeílio-
narios ? Eu naÓ o digo : o receio
de ferir a voíTa modeília embargaria
na minha garganta a minha voz. He
o publico quem o confeíTa, que co-
mo agradecido, naõ fó vos fuílen-
ta, mas de maneira vos provê, que
nas voíTas Portarias faÕ mais de qua-
renta mil cruzados , que todos os
dias diftribuís para alimentardes a
pcbreza. '
Oh fanta humildade de Franclf-*
CO ! quem vos nao imitta , fendo a
fua grandeza toda derivada de vós ?
Por yentura iiao o eftiraavao maia
quaa:^
Era
ipi^
A S. F R A N C I S C o, 3^
tqunndo na meia dos Príncipes, pa-
ra que era convidado , a fua iguaria
mais delicada, e faborofa, era o paa
de que mendigando vinha provido ^
Quando artcrrado do conhecimento
de feu nada , nunca fe quiz remon-
tar áqueila dignidade , qile nem os
Anjos defempenhariaÒ bem ? Eu que-
ro dizer : o Sacerdócio ? Tremendo
como convulfo , na confíderaçaô de
que devia fer taó puro como hum
cryílal , para que fegunda vez incar-
naíTe nas fuás mãos o Verbo do Pai
Eterno , obedecendo ás fuás palavras
com mais promptidao , que o Sol ás
vozes dejofué?
Qiiando . . . mas eu vou levan-
xlo além do jufto a minha oração ,
fem advertir , que a humildade de
Francifco he incomprèhenfivel ; que
nem em diíFufos volumes fe podem
cfcrever as fuás virtudes todas , de
que foi coroa i preciofa morte, com
que dos braqos de feus Filhos , dan-*
do a hum por hum a fua benção, vo-
ou da terra ao Ceo , clamando cheio
de júbilos: Os Santos rns efperaõz
C Eu
|4 O íl A Ç A o
Eu mu, eu vou» Grande Pai , quem te
acompâi-hara já !
Agora eíp^râis vó?, que eu entrâf-
fe no .exame dos roíiagres , que íez,
para vos oioílrar , que naõ fó na íua
vida , mas depois de íeu tranfito ,
lion^-a , e engrandece Deos a humil-^
dade de Francifco? Que vos pozef-
fe , e arraniaíTe como em huma bri-
lhante comparfa , os cegos a quem
reílituio eclipfada viíla ; os^ mudos
a quem deíatou as prezas línguas \
os paraljticos a quem defentorpeceo
os tolhidos 5 e engelhados membros;
Oâ mA-^rtos a quem reftituio a vida \.
os íucceííos fururos que revelou cor-
rendo o véo a recônditos íegredos?
Eu de nada oeceffiro , porque tenho
iTiilagre, que todos vem., que con-
feito rodos : milagre perenne : a
confervsçió da voiJa refpeitavei Or-
dem. ■ __ „ •
Felizes vós , Pveligloíimmos ra-
rlres^ , que n^o deímereceis a honra
de Fdho5 de Franciíco. A voíía figu-
r-i penifenre, e huínilde , mirrados
de iejaas , laígados de difdplinas,
dei-
A S. M.\TtGA^TDA DE Conr. ^f
defprezando as honras, e as riquezas,
com que o Mundoj dourando as fuás
cadeias, prende aos filhos do fecu-
lo; eif-aqui como immitando a vof-
ío Pai na terra , o ireis depois acom-
panhar no Ceo. Eu vo-lo defejo a
todos. Diíle,
ORAÇÃO
A S. MARGARíDâ
DECO R TONA.
Ego dileãõ meo , ir ãd me conver*
fio ejus.
Palavras que a Igreja appika a San«*
ta Margarida de Cortona.
E Corno he bom o noíTo Deos I
As fontes de fua mifericordia
s^ nem fe efgotao, nem fe fechao»
rara nos purificarmos de culpas, que
manchaô, e desfigurao a belleza de
noíías almas , perennemente correm.
Como a noíTa contrição efprema, e
arranque de noíTos corajoes llnceras
ca la-
Wr
m I
U- !,
Iíii'i
ÍVJ;:;^
g6 O R A Ç A 6
lagrimas , lie o que nos bafta. Ern
confirmação da verdade qoe vos di-
go , naõ me he necelTario engrazar
huns com outros os exemplos. Vós
tendeã a prova na Santa , de quem
a Igreja, promovendo para noíío^ do-
cumento os cultos , honra hoje a
memoria. Margarida de Coitona.
Qjem a obíervaíTe na aurora de
fuá idade, engroííando cada dia mais
a cadeia , que como cativa do pec-
cado , arraftou pôr eípaço de nove
snnos , vaidofa de fua formoíura ,
que pena na6 teria de íua defgraça-
da , e meíquinha fituaçaó , temendo
que na ininrâfade de íeu Deos , re-
^^araOTe a carreira de fua vida ? InFe-
liz vida! Prazeres v€rgonhoros,am-
' ,êã que uor dourada taça vós lhe da-
^es"a g )ílar o mortUero veneno,
ÊÍFanando-fe unicamente p^la íatiífa-
çaÓ de feus appetite? ! inimigos, Se-
liores, mais perigoíbf, quanto mais
dom.ellicos.
Com tudo , huma vez que delcn-
ganadi íe refolve a deteftaros ieus
crimes, pofto Que atrozes ^ na5 acha
*^ nas
.!vfli^
A S. Mabqamda deCoiit; 37
nas Chagas de Jesus, como os do-
entes na Pifcina, o remédio , prepa-
rando de feu pranto, e daquelle San-
gue preciofi<rimo o balíamo que a
cura? Os feus delidos naô fao iogo
perdoados, fazendo o feu ninho, co-
mo cândida pomba, naquelle rota
peito, aonde a largos iorvos bebe
a graça que a juftitica ? E como he
bom o noíTo Díos !
Ora eu , que no Panegyrico que
lhe confâgroj mais que aos íeus lou-
vores , devo aítender á voíTa utili-
dade, para que tenhais hum exem-
plar VQríViio , porque âmoideis as
voíTas acções , venho determinado a
fazer-vos duas curtas , mas íolidas
reíiexoes, que traçarão o. plano do
difcurfo que me ouvireis. Primeira a
converfao de Vargarida de Corrona
para Deos : Ego dileão meo. S^^^gnn-
da a converfao de Deos para Mar-
garida de Cortoha: Et aã me^ con-
•verfio ejus* Reputara-me por ditofo,
fe ao zelo com que efcolhi â maté-
ria, refpondeííe o fruto.
. lliuítre Penitente, quem fabe fe
da
^58 O R A q A 6
óo lugar qne occupo , fera eíla a ul*»
tima vez, que eu tenha a complacên-
cia de fállar de Vós? A minha íaude-
totalmente eílragada , e o meu dtíli*
jio poucas elperanqas me daô. Com
tudo de meu coraçaÔ nada vos ar-^
rançará. Attendei porém ás fuppli'»
cas que vos faço. SaÔ íincéras ; had
de agradar vos: eu nao quero hojw
ras : do Mundo eu nada quero. Dí-
go-o na prefença daquelle Sactamen-
íoAuguílo, que profundamente ado-
ro: juro-o, fe precifo for. O que'
pertendo he falvarme. N ao me de-'
lampareis. Depois como o argumen-»
to a que me cinjo , por todas as
circunílancias vos pertence, do Deos,
que tendes nos voíTos braços , alcan-»
jai-me a luz de que preciío pvra a
defempenhar como deftjo. Eu co*
meço, Senhores,
Primeira Reflexão.
E Thcologia, naôeftragada comi
as merafyíiGas da Efcola , mas
revelada nas Efcrituras Santas y que
fem-'
H
A S.Mabga:kida be Cort. 3^^
fempre que nós commertemos algum
peccado grave , nó^ affronramos feia-
mente a Deos : porque ainda que de
íua bemaventurança md^ lhe tira-
mos, he por íiarurez:í Beato: a íua
grandeza , ainda que naô a diminuí-
mos , defobedecendo-i^e, e transgre-
dindo a íua Lei , P^^ cedermu? ver-
gonhofamerue aos eílimulos de liiins
appecires , porque nos aíIimMhamos
aos brutos ; q'4e injuria lhe ní5 fa-
zemos, como affirma S, Paulo : Pfr
pravaricationem kgis -Deum inho"
noras,,
EÍ5-aqui porque nao balia 5 que
pelo Sacramento da reconciliação nus
fejaó remiiíidas as noiías culpas ,
quando com huma contrição verda^
deira as ílajeltamos ao poder das
Chaves. Releva, conforme o Sagra-
do Concilio deTrento^ derramaímos
muitas lagrimas , cobrindo-^nos de
cinza, c de cilicio: Releva darmos
a Deos toda a íatisfaçáo, para que %
fua honra fique defaggravadá. htm*
brais-vos do que fez jVíoifés no De«
ferto?
Coa*
mi
íi.^!.ft
^ O R A Ç A g
Confla-Ihe que o Povo de que er^
Chefe, degenerando vilmente da cren*
ça de feus maiores, idolatrara. iVfíli-
ge-fe... coníterna-fe».. chora. Com-
padece-fe de fua dcfgraça. Para apla*
car a ira de Deos, que já tinha er-
guido o braço, para vibrar, como
raio fulminado da nuvem, o ciíligo
tner^cido , ufa da única arma que
temos: è Gurrados os joelhos, e le*^
Tantadas as mãos, pede, iníla , ora.
As fupplicas dos Juftos faô muito po^
-dcrofas. Forao perdoados os deíin-»
quentes.
Mas contentarfe-hia, quebrando
asTaboas da Lei? arrazaiado o facri-
Jego altar ? e reduzindo a cinzas o
tnentirofo Numen ? Nao, Senhores;
antes para fatisfazer à juftiça de Deos
aggravâdo, chamejando nss fuás fa-»
ces o feu zelo, convoca os Levitas.
Manda-lhes que defembainhando os
aíEádos cutelos corrao ao campo: e
que entrando por todas as Tendas ,
íem que perdoem , nem ao parentef-
jCO , nem á amizade , íiraô ♦ . . de-»
golíem,,, matem aquelles rebeldes*
Cum^
A S. Margarida deCoíit. 41.
Cumpre-fe o funefto preceito. Mais
de vinre e dois niii homens fao cor-
tados do ferro vingador.
Na ara de íeu coração tivera Mar-
garida de Corcona por quaíi dois
Juílros coliocado .0 Ídolo infame de
feus prazeres impuros. Eícrava de
Lúcifer , já pelo coftume naó feníia
o pezo dos grilhões, que arraílava.
Dourava-os o amor , dèílro , e en-
genhofo artifice de agradáveis enga-
nos. Porém Deos, piedofiiUmo Deos,
que fempre quer que o peccador íe
converta , rafgando-lhe a venda que
a cegava, accomodarfehia com hu-
nia vida commum , pofto que juíb ?
Humas poucas de lagrimas entorna-
das, parte fobre o cadáver do aííaííi-
nado amante , parte fobre as fuás
culpas, focegala-hiaó para nao repa-
rar cOm afperas penitencias os dam-
nos que fizera á fua alma , e o atre-
vimento com -que facudindo o íjugo
da Lei , que profeíTava , affronrara o
feu Deos , principalmente conhecen-
do, que pouco importa melhorar de
coÚuínesi deteítaado os 'crimes de
que
4i Oração
que fomos réos , fe com o facrificio
de hum efpirito humilhado nos nao
fanrifícamos cada dia mais , como
diz Santo Agoílinho?
Eu me enterneço , nao menos
que me confundo , repaíTando pe!a
minha lembrança o rigor, com que fe
trata , para que purificando-fe , co-
mo o ouro na frágoa , nem do que
foi coníervaíTe hum pequeno, e ei-
caílb refto. Peza.das diíciplinas que
a reralhaò , . . . auíteros jrjuns que a
KUfraÔ. . . longas vigilias . . . (armas
com .que fe fopêa o orgulho da re-
belde carne) vós como que a efpi-
ritoalizaftes, podendo affirniar corrt^
o Apoíloio : eu na6 fou o que vivo}'
J Esus Chriílo he que vive em mim:
f^ivo ego 5 jam mn ego : ijmt vera
in me Chríftus. Para que a fua con^
verfao para Deos fe arraigaíTe mais,
nao bufca voluntariamente os defpre-
gios, apparecendo na fua Pátria , que
infamara com a fua diíToluçaó, deícali^
ca 3 cnirolta em huma remendada tu-
riica , cingida com huma corda, oS
olhos alagados de lagrimas , tremu-^
ia
A S. Margarida dkCobt. 45
lâ como convulía , defgrenhados ^ ^
cabidos íobre o pállido , mas bello
rí^fto; aquelles cabelios, aonde como
em redes fiibtís, fe perderão tantas
liberdades ?
Podia Margarida de Cortona ,
feguindo os exeniplos de outras pe-
nitentes 5 embrenhar-fe pelos ermo?;
e nao fei fe recolhida, fe enterrada
em liuma gruta, lavar com o feu pran-
to as manchas de feu peccado Alii ,
íem que; a enyergonhaíTem , arroitaii-
do-íhe os feus atrozes deliélos podia
nao fó fubir de virtude em virtude,
mas diir a Deos , para quem (q con-^
vertia, a íatisfaçao competehte. Toda-
via quer Fazer mais que Da-nd , que
pedia que afua iniquidade foíTe apa-
gada da memoria das gentes : De/e
iniquitãtem 7neam. E com que g oi-
to? e com qne paz de feu coração
nao foíFre , que huns lhe chameai
peccadora, outros embufteira, vendo
debaixo 'dê feus pés bramirem-as tem-
peftades , como o Olimpo, fem que
a fua conftjRcia fe alteraíle ?
Crelo-hieis, Senhores , que nc*
it
'44 O R A Ç A Õ
gando-Ihe o Pai, que a gerara, o agai
zalho precifo , andaria de porta em
porta mendigando o paô de cincas,
de que efcairâmente fe nutria , íul^
tentando das eímolas , que tira/a , ^
muitos deícârnados mendigos , que
recorriaô á fua piedade? Crelo-hieis;^
que para mais íe amoldar na íua con-
verfaõ com o feu Deos , os inimgos^
que mais a perfeguiaô, erao os que*
tinhao mór parte nas fuás orações y
iiao íó perdoando lhes 5 mas aman-
do-os finamente? Crelo-hieis , que^=
horrorizada cada vez majs de fuasi
paíTadas culpas, com huçna fede co^
xnò a do hydropico, que nao haagoa
que o mitigue , defejwa padecer
mais , e mais ; confelTando , que ain-
da que o feu corpo tivefTe a vaíla^
extenfaó deíle Globo, que habitamos^:
vertendo todo o fangue de fuás velas^^
nem pelo menor de feus peccados
íatisfaria a Deos ?
Porém eu pertendo , fondando osb
abyímos, e contando as eítrellas , ài*
zer-vos por ventura, que convertid%
Margarida de Cortona para o feu
Deosj
A S. Matiga-rtoa de CotíT. ^^
Deos , he fó de ília Cruz que fe g!o-
tÍj ? Naô tendo penfamento que IhQ
naÔ conlagre , a(fl-uada fempre na ília
prefença? Qje paffa as noites todas
lorvida na contemplação dos benefí-
cios, de que lhe he devedora, admi-
rando-íe de que a terra , que piza ,
poíTa fuílentar o pezo de luas mal-
dades? Pertendo dizer-vos por ven-
tura 5 que nem o Inferno com as fuás
fuggeítoes, nem o Mundo com as fuás
lifongeiras promeíías, nem â carne
com os feus appetites , afpides que
por baixo de fiores, que com o feii
cheiro nos atordoaÒ, fe efcondem ,
para que merdendo-nos a feii faWo,
rios envenenem ^ poderão já mais
defvialla do caminho, que trilhava?
Caminho talvez coberto de abrolhos,
mas feguro. Pertendo por ventura
dizer-vos , que porque a vangloria
quer con> os feus manhofos ardis
perfuadilla , que já nao tem que te-
mer ; que o íeu nome eílá eícrito já
paquelle Livro fechado com (etc Sei-
los , ff bre que* repoufa o Cordeiro
imaiaciíUdo ; Livro da vida: aíTuf-
ta*
W'S'l\Í
mi.
Ill
W'\
4^ O R A Ç A 8
ta-fe. ., treme. . . iiurnilha-fe. . . quaíi
extaíiada fóbe ao telhado de Tua po-
bre calinha , e reforçando o brado |
pede no íiiencio da noite aos mora*
dores de Cortona , que íe levantem :
que naoMabem o inimigo que tem
deorro de íua Cidade : que ás pe-
dradas a lancem fora de fuás porta?,
fe nao querem , qoe huma peccadora
taô grande os perverta.
Frevertellos Margarida de Cor-
tona .0. que cora o leu nafcimento
os honra ! que com o leu exemplo os
edifica! Margarida deCortona, que
convertida para Deos : Ego díkSío
meo -j attrahe todas as ^bencaos do
Ceo , naò íó° para os feus patriotas^
iTías naô ha dom , que Deos lhe nao
liberalize, convertendo- fe para ella :
£f a d me conuerfio ejus : que he a
legunda reliexao, que prometti fazer-
vos ! Renovai-me a voíía attençaó
benévola. Entendo, que nao a de-»
merecerei , abuzando da voiTa paci-
CDcia.
Segun*
A S. Margai^ida de Cort. 47
Segunda Reflexão»
QUando eu me lembro , qut O
Deos, que temos, nos creou de
nada, fazendo transluzir, e re-
verberar no noíío roílo imm raio do
jume incircumfcripto de fua Divinda-
de; eu naò polTo deixar de me admi-
rar nruiiro, já da noíía foblime dig-
nidade, já do amor qu^ nos tem ^
dando a hum pouco de barro rati«
to valor. Muito mais refiedlindo ,
que defirserecendo-lhe nós tantas fine-
zas com a transgreílljo de noílos def-
obedientes Progenitores , para que
naõ tjcaííemos excluídos da Gloria ^
para que fomos creados , âííumioj,
como fe explicaõ osTheologos, com
a noila natureza, a forma vil de fer-
vo , abrindo-nos com a ft! a Cruz as
âíFerroUudas portas dô Paraifo,
E como que fe nao délTe por
farlsfeito morrendo pelo homem ,
dar- nos a comer a fua Carne , e a
beber o feu Sangue naquelle Sacrs-
jnenío Auguílo , que he , como diz
SaE-
'4^ ^ O R A Ç A 6
Santo Tlioniaz, o maior de feus rv.i*
Jrigres, e o fi nete , que marca toda
a* grandeza de feu amor; para que
no eíladõ de viadores tiveíTemos na
fua real prefençá todos os bens de
que neceíIitaíTemos^nutríndo-nos com
aquelle Paõ dos Anjos , Paó que ge-
ra virgens , que gera fortes , para
vencermos as tentações com que o
inimigo commom pertende reduzir-
nos ao feu infame partido? O^ Deos !■
O' amor ! Ora hum Deos , que nos
ama ranto , de que alegria fe nao en-
cherá, quando qualquer peccador fe
converte, deteftando deveras os feus
crimes, com huma contrição ingénua?
De que dons nao enriquecerá a fua
alma? Tal foi Margarida de Corto-
na, Senhores, que convertendo fc
Deos para ella : Et ad me connjev'
fíoeJMS\ que graças nao teve! Que
privilégios ! Que perrogativas , já
na {\ià. vida, já depois de fua mor-
te !
Eu nao poffo àzt ao meu difcur-
ío a exftenfao de que he capaz a ma-
teria ; porém ainda que vos nao di-
ga >
r.3PH
A S. Maíigatiida de Cort. 49
ga, que nos colioquios, com que Deos
íe eiuertinha com Margarida de Cor-
tona, por muitas vezes a honrara
com o carinhofo, e doce nome de
íilha, abençoando as fuás lagrimas, e
animando as fuás defconfianças ; que
pela fua penitencia a purificara de
maneira de íeus peccados , que a fi-
zera fimílhante. ás Virgens: ainda que
vos nao diga , que para lhe arrancar
os íuítos 5 que a deixavao como mor-
ta 5 receofa de chegar áquella Meia
de prapiciaçao íem o apparelho devi-
do 5 lhe déíle muitas vezes a certeza,
que nada tinha que temer : que po-
dia commungar feguramente ; devo
por ventura involver agora em pro-
fundo fílencio, o poder que lhe com-
munícou, para que todos convenci-
dos de fua virtude 5 a tiveíTem por
Santa?
Terceira Ordem do Serafim de
Aíliz 5 vos fois a mais intereíTada nas
fuás glorias : competia a vós infor«
mar-nos os prodígios que obra^ quan-
do governando ao feu arbítrio as
conílantes leis da natureza , fazia
D Mar-
I:;
%i:!l'^
't'r
5^0 O R A Ç A 6
Margarida deCortona fugir a mor-í
te, que já com as fuás negras azas,
parece que cobria o leito dos def-
amparados doentes. Na6 reftitue a
muitos a faude perdida ? Correndo o
véo , que cobre futuros fucceíTos ^
naó predizia a muitoá o que lhes ha-
via acontecer, naó fe enganando já
mais nos feus vaticinios ? Huma pa-
lavra fua nao bailava para ferenar
ânimos perturbador, efpalhando pe-
lo coração de tantos afílidlos , como
huma lífongeira calma, a paz de que
esí}uíhados fe viaô ?
Quem he aquella, que emula da
valerofa Judith, naô fò degolla ao
Dragão Tartareo , mas arranca-lhe
das unhas as miferas prezas? Eu nao
fallo dos peccadores , aquém con-
verte: viílimas defgraçadas de noíTa
commum inimigo. Lembro-me uni-í
camente dos energúmenos , a quem
defaflbmbrava com a fua prefença,
refgatando de fuás mãos aquellas al-
mas infelizes. Poderão nunca eítas
fúrias vomitadas do Averno , ou il-
ludillajou atterralla? Nao fe desfa-
ztaõj
iKrsai
A S. Margarida deCort. ^t
2ia6 5 como as efcumas do mar , as
maquinas que levantavao, ainda quan-
do por algum tempo, permittindo-lho
Deos , por fins, que nós naõ alcan-
çamos , a atormentavao ?
' Quem he aquella , a quem Deos
dá tánra eíEcacia na fua oração, que
nada lhe pedirá, que naô obtenha?
Eu nao difcorro como Orador, a quem
a paixaô efcalda a fantafia. Trago
á memoria as promefTas, que Deos,
convertendo-fe para Margarida de
Cortona, por muitas vezes lhe fez. E
naó fe cumprirão fempre já na fuá
vida, já depois de fua morte ? DigaÕ-
no os votos, que pendem de feu fe-
pulchro, concorrendo deClimas,além
de remotos , eílranhos , tantos pere-
grinos a vifitarem a fua fepultura •,
fobre cujas cinzas entornando muitas
lagrimas, tiverao a felicidade de con-
feguirem o que defejavao: para fe
verificar a profecia , que, ainda quan-
do engolfada no Mundo, fez a quem
a reprehendia de fua vaidade !
Agora, colhendo as velas, e re-
matando a minha Oração , tomara
D ii que
iSlí'
^t Oraça6
que me diffeííeis , f e nao feremos nós
reputados por infeníiveis , nao nos
aproveitando do exemplo, e da pro-
tecção de Margarida de CortO/na ? Se
nao nos convertendo para Deos , te-
remos alguma defculpa , principal-
mente devendo lifongear-nos com a
efperança de que Deos também fe
converterá para nós ? Ego dileSío
meo : &* ad me converjlo ejus, Ha6-
de paíTar os annos : os Janeiros hao-
de cobrir de cans as noíTas cabeças,
de rugas as noíTas caras , fem que
defenganados nos refolvamos a de-
teílàr as noíTas culpas ? Fiamo-nos
na mifericordia de Deos: he grande
táboa para efcaparmos do naufrágio.
Eu o coníeíTo. Mal de mim : mal de
todos, fe Deos nao fora mifericor-
diofo : porém releva , que a tempo
opportuno nos aproveitemos. Sabeis
vós até onde fee Renderá o termo
de nòífa vida ? Se quando mais def-
cuidados eftiverdes, defcarregará fo-
bre vós a morte a fua foice ? E. en-
tão
e então
ri?
liluítre Penitente , com a fuppli-
ca
AO Sá. Sacbamento. 5'3
ca , com que comecei , acabo. Eu vos
amo : ao «nenos defejo-o muito. O
que quero h^ falvarine. As inclina-
ções perverfas de meu coração , fru-
tos amargofos , frutos de meu pec-
cado , arrancai-os. Sobre os voíTos
devotos efpalhai as voflas bênçãos.
Merecem-no pelo fervor , com que
promovem o voíTo culto. Convertao-
fe para Deos : para que Deos fe con-
verta para elles : Ego dikSío meo :
&" a d me converfio ejus. DiíTe.
ORAÇÃO
AO SS. SACRAMENTO.
Vade : fiat tihi , ficut credidiJlL
Math. C.8.
A Gradou tanto a Jesus Cíirifto
a fé doCenturiao, que depois
de a ex;altar , preferindo-a à
fé de codo o Povo de Ifrael : Non in--
veni tantam fidem in Ifrael : a re-
ma-
w^
54 O It A Ç A é
inunerou com huma dadiva correr-
pondente á fua grandeza , abrindo
com mão larga o íhefouro de fuás
antigas mifericordias , na faude que
reftiruio ao Servo valido , que toca-
do da páliida doença, quaíl que eítava
pagando o commum tributo a eíTa
devoradora implacável da efpecie hu-
mana : a morte digo; Fade: fiat ti-
bi , ficut credidijli.
Mas íe do rápido , e baixo pla-
neta que habitamos, a nós nos he li-
cito erguer o braço para correr o
véo , que cobre as acções do Filho
de Deos ; qual fim fe proporia , naó
querendo que ficaíTe envolta em pro-
fundo íilencio a crença daqueUe bom
homem ?
S. João Chryfoílomo , S. Cypri-
ano, o grande Agoftinho affentaõ fe-
bre fólidos fundamentos , que para
que nós foubeíTemos , que naô he
igual a graça , que nos confere aquel-
le Sacramento Augufto, de quem vós ,
feguindo o exemplo de voíTos maio-
res , promoveis o culto , he que o
Redemptor tao fanto na fua peffoa ,
como
wg::m
AO Ss. Sacramento. f?
como myfteriofo nas fuás palavras, a
deixou eternizada nos faílos da Igre-
ja que fundara ; deduzindo, como le-
gitima concluíaó, daquelle fado, que
fegundo o merecimento de quetn o
recebe, faó os maravilhofos eíFeitos
que produz nas noíTas almas,
Eis-aqui , porque ao elevar-fe da
fagrada Pyxide aquella Hoftia pura,
aquella Hoftia immaculada, na qual
curvados os joelhos adoramos o Cor-
deiro 5 que tira os peccados do Mun-
do ; o Sacerdote nos faz repetir a
proteftaçaó generofa , e fubmiíía do
Centuriaô ; confeíTando , cheios de
fé , cheios de humildade , que nós
nao fomos dignos , de que entre pe-
las noíTas cafas o Deos dos Deofes,
que voando na plenitude dos tem-
pos do feio do Pai á terra , fe fez
Homem por amor dos homens; af-
fumindo , como fe explicaô os The-
ologop, juntamente com a noífa na-
tureza a forma vil de fervo : Semet^
ipfum exinanivit formam fervi acci-
piens.
Ora eu, fem que efcaldando a
mi-
ti;
;í'
m
Ií:-Í
1^ /jf
$6 O R Àç A 6
niinha imaginação , refine as minhas
idéas, demorando-me com propoli-
çoes , ainda que brilhantes, eftéreis;
determino hoje tratar de huma maté-
ria, que naõ fendo eftranha do aíTum-
pto, a que por obedecer-vos me cin-
jo 5 vos inftrua , mais que vos delei-
te; moftrando-vos da Cadeira, que
occupo , quaes fao os bens , que na
Euchariiliâ fe communicao: Matéria,
que pela fua preciofidade fe faz cre-
dora da voíTa attençao. Deos , que
me conhece o animo, Deos me aju-
de. E na certeza de que me trata-
reis com a voíTa coílumada benevo-
lência , fem mais proemios , que re-
puto efcufados, alçando a minha dé-
bil voz , eu começo , Senhores.
rj":-t
ANtes que eu me involva no ar-
gumento , que para voíTa utili-
dade me propuz : alvo a que fern-
pre em cumprimento do miniílerio,
que exercito , aíTéílo os meus tiros ,
releva, dizer-vos. Senhores, que o Sa-
cramento da Euchariiliâ, aííim como
os mais Sacramentos , confere duas
Gra-
4^
AO Ss. Sacramento. ^j
Graças accidentalmente diftlnftas.
Huma chama-fe fanrifiGante : charaa-
fe a outra facramentaL A. Graça fan-
tificante he huma qualidade fobrena-
tural 5 com que a alma , elevando-fe
fobre-fi mefma, participa da belleza.
divina. A Graça facramentai ^conli-
íle nò concurfo de alguns efpeciaes
auxílios, naó fó aptos, mas mui ne-
ceíTarios para confeguirmos o fim ,
porque Jesus Chrifto inílituio o Sa-
cramento de feu Corpo na noite da
grande Cea.
Dada efta noticia , ainda que em
geral , convém que eu vos pondere
agora , em defempenho da minha
propofíçaô , qual he o valor de hu-
ma, e outra Graça , para conceber-
des'a fua jufta, e devida eílimaçao.
Comecemos pois peia Graça fantiíi-
cante.
Já vós fabeis , Senhores , que
para chegar-mos dignamente áquella
Mefa de propiciação: Meia , na qual
fe nos dá a comer o Paô, que contém
todos os fabores : Pao do Ceo : fe
eílamos em peccado, he precifo , que
pre-
m
ilii
íll
'i'k
•íiJi:
%
í^m^
58 Oração
preceda o Sacramento da Penitencia,
para que com a graça, que nos com-
irunica , nos purifiquemos das feias
ir.anchas . que tinha-mos contrahi-
do^ reílitoindo-nos a perdida amiza-
de de Deos : fazendo aos feus olhos
(Divinos olhos , que até nos Anjos
achao defeitos) grata, e bella a nof-
la alma.
Ora achando-nos a Euchariília
limpos da culpa , como branquean*
do as noíTas eíloias no Sangue do
Cordeiro, enriquecerá mais a nolTa al-
ma ! Como lhe augmentará a belle-
2a! fendo por unanime teftimunho
dos Doutores , mais copioía a graça
de que a adorna , e de que a efmal-
la ! Para que me entendais melhor ,
eu me explico com hum faíto regif-
tado nos Santos Códigos.
Quando a intrépida, e denoda*
da Judith,remontando-fe fobre a fra-
gilidade de feu fexo , fe refolveo a
defaHombrar do furor deHolofernes
a timida, e confternada Bethulia, diz
o Texto , que lavara o feu corpo ^
que deícingira o afpero cilicio; que
com
AO Ss. Sacramento. 5*9
com fuavjffimos aromas, que a Pan-
caya cria , fe perfumara: e que unin-
•do , e enlaçando com os encantos
da natureza os encantos da arte ,
pompofamente fe veílira , e enfeita-
ra pari parecer mais bella. Porem
que Deos, abençoando o feu deíignio,
lhe accreícentara hum novo efplen-
dor de formofura , a que ninguém ,
que a viííe, podeíTe refiftir: Cui etiam
Dominus contultt fpkndorem, & ideo
hanc in illa pulchritudinem amplia-
vit^ tit incomparábíli decore omnium
o cu lis appareret*
Com eíFeito , Senhores , apenas
entra pelo acampamento do Exerci-
to Affirio , que defufada impreííao
nao faz nos ânimos, ainda que du-
ros , dos guerreiros Soldados ! Com
hum ar de Conquiíladora , que tem
ao feu ferviço a fortuna , e a vido-
ria, leva como arrebatados os olhos
de todos ; leva os corações , tecendo
das ondeadas madeixas , que pelos
feus hombros alvos feefpalhaô as ca-
deas com que os prende. He juílamen-
te reputada pela mais formofa ma-
^ tro-
I
H ^
60 O R A Ç A Ó
trona do Mundo : Confiderabant fa^
ciem ejíís , é?^ erat in o cu lis eorum
fiupor : quoniam pulcbritudinem ejus*
mirahantur omnes.
Quanto aconteceo a Judith , tanto
paíía peia alma de quem dignamen-
te communga. Por meio do Sacsra-
menio da Penitencia lava-fe de íuas
manchas : deípoja-fe do hórrido ci-
licio dos feus peccados : enfeita-íe
com a vcíle preciofa da graça. As
oraç6es5 que, íubindo como vara de
odorifero incenío, manda ao Thro-
no do Todo Poderofo : os ad:os de
fé, que exercita: a caridade, que, fem
que a confuma, a devora: a efperan-
ça fobre que fe apoia : que belleza
ihenaodao! Mas nutrindo-fe daquel-
le Maná efcondido : Etiam Domi-
nus conferi pulcbritudinem : he mais
formofa , he mais belia : nada ha
com que fe compare. Os Santos , os
Anjos ficao tranfportados de admi-
ração, e de prazer, vendo-a, contem-
plando-a : Ita no firam Deus orna-
'vit animam (He S. JoaÓ Chryfofto-
mo quem falia) ita pulchram fe-
cit
w^mm
AO Ss. Sacramento. 6i
ctt , tít eam SaníVt , atque AngeU af-
ficiendo cupiant.
Nem cuideis que eíta graça , que
fantificando a alma a faz taô bella ,
fe recebe humâ vez fó ; fempre que
com o apparelho devido fe commun-
ga, fe augmenta. De maneira , que
fe nós coníervaOemos a grap da
primeira comunhão , fem que o pec-
cado (infame peccado ) com o feu
hálito peçonhento nos corrompeíle,
que formofura naõ feria a da noíTa
alma ? Deos a preferiria a todas as
creadas : mais que a todas as crea-
turasDeos a amaria : nada haveria no
Ceo , nada na t^rra , que fe compa-
raUe com a fua belleza. Na fua pre-
fença defapp^receriaó todos os entef-
creados, como ao defpontar no ro-
fado Orizonte fobredourado , e re-
fulgente carro o Sol, fogem , e def-
âpparecem as eftrelias. Parece-vo5
demafia de Orador apaixonado ? Co-
mo vos enganais 5 Senhores, ten-
do por fiador da verdade, que vos
digo , o meu adoradiffimo Santo
Agoftinho; Nonfolum ojnniafydera,
■ &
f)% Ora ca 6
& omnes Coelos , verum etiam omnes
Angelos Eucharifti£ gratia fuper^
greditur,
Eis-aqui porque Deos com huma
fublime hypocypoíis, perfonalizando
aquella alma , que repetindo as com-
munhões fe fantifíca cada vez mais ,
raô acha cores, com que a pinte, can-
tando debaixo da allegoria de enge-
nhofas imagens a fua formofura. O'
como he beila a minha amada ! O'
como he beila ! He nas fuás faces ,
que amor , eftendendo o feu império
refide como no feu throno. O feu
peito, como fe fora hum vafo de ri-
quiílimas faíiras , de que gloria nao
eílá adornado I Filhas de Sião , naó
lhe pertubeis o fomno. Vós Zeíiros
facudí brandamente as cândidas azas
para a naô acordardes.
Eis»aqui porque refledlindo nas
fuás perfeiqoes , confeíTa que o feu
coração fe derrete como huma bran-
da cera : que eílá ferido huma vez:
que eftá ferido muitas vezes: que en-
fraquece, que defmaia, que repou-
fando no feu regaço, como em hum
thala-
WÊ
AO Ss. Sacramento. 6^
:halamo de mimofas , e matizadas
iores, moj-re, mas de amor. Ob quam.
wlchra es arnica me a ! . . . . vulne-
rajii cor meum fponfa mea : foror
mea vulnerafli cor meum,,. Stipa-
te mefioribus , quia avãore langueo.
Pode chegar a mais a belieza
da alma , que commungando digna-
mente, cada vez mais íe fantifica ?
Attrahir o amor todo de liumDeos ?
Naó haver formofura , que inferior
lhe nao feja? Pode fer mais laílimo-
fa a noíTa cegueira, que nos prive^
mos de hum bem taó grande , nao
bufcando com frequência aquella Me-
fa Eachariftíca ? Efpiriros ditofos ,
que vos alimentais daquelle Corpo,
e daquelle Sangue, que geraô Vir-
gens ; eu vos invejo a forte , quan-
do banhando-vos nas fontes do Sal-
vador, voais como caílas pombas de
Edon aoEmpyreo , fâzendo o voíTo
ninho no feu roto Peito, que he don-
de dimandb aquelle Sacramento Au-
guíto : De latere Chrtjli emerunt Sa-
cramenta,
Mas ponderemos já a Graça fa-
cra-
NI
1
!'||
II, '1
Iff,
64 Oração
cramerital, que a Euchariília nos con-
fere: a qual 5 íegundo o que vos dif-
fe ao principio, confifte no concur-
fo de alguns efpeciaes auxilies , na6
fó aptos, mas neceíTarios para con-
feguirmos o fim porque Jesus Chri-
lio inftituio aquelle Divino Sacramen-
to.
Todos fabemos, que Jesus Chri-
ílo inftituio na noite da grande Cea
o Sacramento da Euchariília, debai-
xo das efpecies de pao , e vinho ,
para nos íígnificar , que faz n^alma
os mefmos eíFeitos , que o alimento
material faz nos corpos. Três porém
íao os principaes eíleitos , que nos
noííos corpos produz o alimento ma-
terial , de que ufamos. Mantem-nos
vivos : maniem-nos sãos : e augmen-
tado-nos as forças , dilatamos a eíla-
tura.
Ora quando nós dignamente co-
mungamos, como fe mantém viva a
noíTa alma r Como fe nKIntém sâ ,
romo fe vigora , e como crefce ?
Manrem-fe viva , porque fe confer-
va na graça de Deos ; mantem-fe sã ,
por-
AO Ss. Sacramento. 6$
porque fe livra das fuás coftumadas
enfermidades : vigora-fe , e crefce ,
porque fe adianta nos exercícios de
piedade , fubindo de virtude em vir-
tude : Ibunt de virtute in virtutem.
Expliquemos hum por hum eftes pro-
digiofos effeitos.
Que o Sacramento da Euchari-
ftia , conferve a vida d^alma , que he
a graça de Deoá , he hum dogma^
que eu com as algemas nos púifos^
e com o alfange fobre a garganta, fe
precifo for, confeíTarei publicamen-
tena face do Mundo todo. Confta
cxpreíTamente dos Códigos fagrados:
Ego fum fanis yivu^. Siquis ex
ipfo manducaverit , mn morietur.
Qui manducai hum fanem uivet in
aternum.
Pois fe iílo he huma verdade in-
faliivcl, que todos devemos crer , de
que procede , que a mór parte dos
homens eítá fempre tao apartada da-
quelle Sacramoíito ? Eíta pergunta ,
que he de Santo Ireneo , a única reC-
poíla que pôde ter he, que nós talvez
governando-nos pelos fentidos, que
JE quaíi
66 O R A Ç A ô
quafi fempre nos enganaó , nao fa*
zemos da vida d^alma o meímo apre-
ço , que fazemos da vida do cor-
po. Se a noíTa fé fora como a do
Centuriaó: fe nós naô foffemos huns
homens carnaes ; com que anciã nao
frequentaríamos aquellaMefa Eucha#
liítica ? Qiial Cervo , que ferido pe-
lo dardo do aíluto caçador , corren-
do bufca a viíinha fonte para fe ba-
nhar nas fuás agoas ; como defejâ-
riamos mais , e mais alimentar-nos
daquelle Corpo , que he mais doce
que o mel, mais doce que o favo? Que
obftaculos nao removeríamos, para
gozarmos de huma vida , que fe naô
gaita com o fluido , e rápido curfo
dos ailnos; huma vida fobre feliz ,
eterna ?
Leio no Capitulo terceiro do
Geneíis, que para que nem o defter-
rado Adaõ , nem a íua eriminofa po-
íteridade tornafle a pôr mais o pé
no Paraifo terreftre , hum Anjo com
huma efpada de fogo por cxpreífo
comm.andamento de Deos lhes ve-
dava o ingreíTo. Mas para que, huma
guar-
AO Ss. Sacramento. 67
guarda tao formidável ? Naó baftava
que Deos a prohibiíTe ? Se queria
toiher-lhes oaccéíTo, faltavaõ mon-
tes inacceíTiveis ?• faltavaõ vaíliífimos
mares , que lhes defendeffem a entra-
da? Que preceitos ? que montes? que
ttiares ? Nada deteria os homens , na-
da os atterraria. Ufariaõ da força:
uíariao da manha. Naô haveria meio,
que na6 applicaííem , para defafFcr-
rolharem as portas daquelle feliz ter-
reno, nao já pela amenidade daquel-
le Pâiz de delicias : naõ já pela fer-
tilidade de feus campos : nao já pe-
la copia de luas riquezas : mas pa-
ra que colhendo da arvore da vida
D vedado pomo, diiataíTem por mui-
tos feculos a fua duração : Collocavit
ante Paradifum Cherubim ^ ^ gla- '
diumjiammeum , ad cujlodiendam vi'
am ligni vita»
Agora argumento , Senhores :
Se tanto pôde com os homens o de-
fejo de viver muito , que naô have-
ria trabalho, ainda que afpero , que
nao arroftaíTem ; que naò haveria def-
peza , poílo que exorbitante, que
-Oíl E ii naô
I
1:1:1
pi
68 O B A Ç A 6
naõ fizeíTem para o confeguirem :
porque razão nos naõ nutrimos com
frequência de hum alimento , que te-
mos íempre prompto nos noíTos ta-
bernáculos ? Alimento, a que Santo
Ignacio Martyr chama Antidúto da
morte : Antidotum mortis,
O fegundc eíFeito, que o Sacra-
mento da Euchariftia produz , he , co-
mo já vos diíTe, manter com o feu
ufo, sã a noíTaalma, prefervando-a
do peccado. Naõ cuideis^ que eu ago-
ra me firvo de opiniões, que a Mo-
ral relaxada tem introduzido. Eu de-
téfto a liberdade , que na Efcola
graíTa com o abuíb , que fe faz de
Metafyficas abílraclas , e perigofas ,
que a igreja nos feu dourados tem-
pos 5 nem as conheceo. A doutrina
fobre que me fundo , bebo-a na fon-
te pura : he do Concilio de Tren-
to: vede como he clara : Sumi vo-
lult hocSacramentumy tanquam an-
tidotum , quo prefervemur à pecca*
tis.
Mas como preferva a Euchari-
ftia a alma do peccado ? Como, Se-
nho-
AO Ss. Sacramento; 69
rhorcs ? Reprimindo aquella indómi-
ta concupifcencia, e aquella tyranna
lei da carne corrupta , que aíFerrada
nos noílos oíTos , declara á noíTa ra-
zão huma fanguinofa guerra : lei con-
traria , e repugnante á queDeos gra-
vara nos noíTos corações , como at-
teíla S. Paulo : Fideo aliam kgem in
membris méis repugnantem legi men-
tis me a.
Por tanto , ó almas devotas da-
quelle Sacramento Auguílo , (excla-
ma da fua gruta o grande Abbade de
Claraval) fabei, que fe domado o
orgulho de voíTas paixões, vós riveis
tranquiilas , e focegadas , como o
Olimpo, aonde as tempeílades, que
da terra embravecidas fe defenfreaÓ,
nunca perturbaõ a ferenidade do ar,
que alli brandamente refpira hum
agradável, e lifongeiro Zéfiro; vós
deveis render as graças áquelle pre-
ciofoManná, de que vos alimentais
com frequência.
Porque entendeis vós , Senho-
res, que os Clauftros brilhaõ como
hum Ceo recamado de nítidas eftrel-
las.
fÔ o R A Ç A 6
las , fena6 porque os feus dítofos ha-
bitadores nutridos com aquelle Paá
dos Anjos , defcarnao os feus appe-
tites , fuíFocando o ímpeto cego , e
defefperado daquellesaffedlos, que co*
mo frutos de huma raiz envenenada
efcurecem o ufo de noíTa razaô , fa-
zendo-nos iracundos , incontinentes,
invejofos, (diga-fe tudo) apartan-
do-nos de Deos , e incorporando-nos
ao partido, infame partido, de Lú-
cifer. O' Sacramento , quem te naô
frequenta ? E que utilidades nao te-
mos todos naquella Mefa , na qual
fe nos dá o nolTo Deos , que he a
noíTa vitJa, que he a noíTa faude, nao
íó do corpo , mas da alma ? Que vi^
gorando-nos nos faz crefcer ? Ter-
ceiro efFeito, que proJuz aquelle di-
vino Alimento.
Porém crefcer a noíTa alma, que
he hum puro efpirito ? Naô vos pare-
ce hum paradoxo ? Crefce, Senhores,
do mefmo modo, que dizemos , que
crefce aquelle foldado, que com glo-
riofas façanhas feaílignala para con-
feguir os honoríficos póftos a que af-
pi-
AO Ss. Sackameííto. 7^^
pira, já efcalando foberbos muros,
já rompendo por nuvens de voado-
ras , e accezas balas , aíFrontando
os perigos , e a morte para colher
os louros, que rega com o larigue
das fuás veas , de que defpois elpera
guarnecer a vidorioía téfta. ^
Pois he aílim , que a noíTa alma
crefce com o ufo daquelie Sacramen-
to: he aíTim que fefaz grande, naó na
fubftancia, mas nas virtudes, nos rne-
recimentos, no amor de Deos. A fua
grandeza, diz S. Bernardo , he a lua
caridade : Quantitas anim^e chart-
tas ejl.
Ora huma alma, que fe alimenta
daquelie Manjar divino : huma alma
que repetidas vezes chega aquella
Mefa Euchariílica, como, augmentan-
do a Graça que recebe, fe fará gran-
de? Gomo correrá com pálios de
cisante pelos efcabrofos , mas fegu-
fos caminhos dajuftiça? Como fof-
frerá com paciência as injurias? Co-
mo fera humilde ? Como fera lot-
fredora dos trabalhos? As perfegui-
çoes, que nunca faltaô, como asle-
^ / ^ vara
■ílfe» l
;f!,«i
72 O R A Ç À ô
vara mais, que com refignaçao, com
goílo , puriíicando-fe como o ouro
na frágoa ? Como fe adiantará no fer^
viço de feu Deos , igualmente que
de feu próximo , que fao os pólos ,
fobre que fe firma a Religião , que
profeííamos ?
Agora defejo eu faber de vós ,
Senhores , para remate do meu dif-
curfo , fe encerrando o Sacramento
Augufto de noíTos Altares tantos bens,
fereis vós de indole, que os nao quei-
rais aproveitar., frequentando aquel-
Ia Mefa Euchariftica ? Vós tendes fé.
A voíTa Religião eu a cohheqo. Naô
poílo deixar de me lifongear com a
efperança, de què no meio do mun-
do máo 5 que habitamos , naõ per-
dereis occafiao de vos enriquecerdes
das graças, de que he perenne fonte
Jhum Myfterio de amor: Myílerio in-
ílituido para noíTa utilidade.
E)eos chama-vos. O que de vós
unicamente quer , he o voíTo cora-
ção : Formou-o para o amarmos: que
projedlo mais gíoriofo podereis vós
conceber , que conformarvos com 0$
de-
:|^.i,,
AO Ss. Sacramento. 73
defignlos de Deos ? Qiie tem o Sécu-
lo enganador, que mereça a noíía ef-
timaçao ? Attrahe-nos a fua formo-
fura ? Mas que comparação tem com
a belleza, que a Euchariftia communi-
ca á noíTâ alma ? Vençamos as nof-
ias paix6es: defcarnando-as, nós co-
nheceremos, que fortalecidos daquel-
le Pa6 Angélico, nao fó triunfaremos
do Mundo , mas exultando de^ ale-
gria , iremos a gozar da prefença do
Deos, que debaixo das efpecies Sa-
cramentaes adoramos como efcon-
dido , por huma eternidade de glo-
ria , que eu vos defeja a todos.
DiíTe.
ORA-
'Í,>t»:
Hf
1
m
1' i' i
74
O R A Ç A Õ
A S. BARBARA.
Et qu£ parati erant , intraverunt
cum eo ad nuptias. Math.ó, ly.
QUando eu de lugar eminente
obfervo, que pequeno baixel
acoiTado dos mares , e dos
ventos íurge , e vara felizmente em
terra; de que louvores naõ julgo be-»
nenierito o Piloto , que quaíi por bai*
xo das ondas , que encapeiando-fe
fe ievanvavaò, como efcarpadas fer-
ras, o guia para o porto defejado :
admirando-me da deílreza , naõ me-
nos que do valor, com que arroftan-
do impávido os perigos, falva a vida
do nauff^agio , que o ameaçava.
Golfo tempeftuofohe o Planeta
que habitamos: e fe no meio das
borraícas, que embravecidas fe def--
enfreiaó para nos foçobrarem , nós
vemos á huma Donzella rica , e il-
lu-
A S A NTA B A^ B ARA ff
luftre, que placidamente reclinada no
regaço da opulência, conduz fegU"
ramente a fua alma pelos efcabroíos,
mas fantos caminhos da virtude, tri-
unfando do Mundo , e de fuás vaida-
des, com que applaufos naõ he razão,
que a engrandeçamos? Fazendo foar
em torno- da ára fobre que fe coUo-
ca a fua Imagem , os Hymnos de
honra, com que mandamos á pofteri-
dade a fama de feu nome.
Tal he Barbara, Senhores , que
cingindo na viftoriofa téfta a grinalda,
que efmalta do fangue , que Diofco-
ro com efcandalo da humanidade ,
e do amor lhe efpreme das veias ,
ennobrece a Nicomedia , mais que
com o feu nafcimento , com o feu
Martyrio; facrificando-íe .de menina
ao ferviço daquelle Deos , com quem
fe defpofajpara engroíTar noEmpyreo
o Coro das Virgens , que repoufao,
como caítas pombas no feu roto feio.
Copia de -haveres , que tanto
aíFanaõ aos miferos mortaes : obfe-
quios : efclarecida profapia : mais
que^tudo pcrfeguições do Pai iníquo,
na-
U /
l;í:Jjjli
n
1
mê
h ..'■'''
76 O R A Ç A 6
nada a obriga a aftracar na empre-
za que começa. E engrazando huns
com outros os merecimentos , com
que ardor fe naõ apparelha para as
núpcias, que efpera contrahir com o
Cordeiro immaculado , a quem fe
confagra : Et qu^ parati^ erantyin-
traverunt cum eo ad nuptias?
Mas como entre as fuás brilhan-
tes qualidades , he a fua fé a que
mais refpíandece, da intrepidez, cora
que foportaos tormentos porque paf-
fa 5 derivarei o Panegyrico , que me
ouvireis agora. Naó duvido, que com
animo benévolo me prefteis a voíTa
attença6. Entranhemo-nos pois no af-
fumpto , que a matéria naõ precifa
de mais longos proemios. Eu co-
meço , Senhores,
c
Orno nós vivemos no meio de
hum Mundo máo torneados de
inimigos, nao fó eftranhos , mas do-
meíticos , que rugindo â maneira de
esfaimados , e roazes leóes do beiy
ço nos efpreitaõ, para defa percebi-
dos nos devorarem j que contradiz
ções
aSanta Barbara. 77
coes na6 experimentamos fempre que
com animo fizudo 5 e apodado nos
queremos applicar á grande obra de
noíía juftificaçaÕ l Raro he o paíío
que damos , que naô feja perjgofoir
E a nao haver huma mâo benéfica^,
que nosfuílente , porque damnos naô
paliaremos envenenados daquelles alr
pides , que embofcados fe enroícao
por baixo das flores , de que fe en-*
feitao, e matizaô os laços que nos
prendem !
Corramos o véo á alegria. Ener-
vadas as noíTas forças com o pecca-
do da origem , que todos contrahij
itios, que guerra nos naõ declaraó
as noíTas paixões , reprefentando-nos
como infoportavel o jugo da Lei
que profeíTamos ? Leis, que com af-
peras , e feveras penas nos manda
fopear o orgulho da carne, para
que confpirada contra o efpirito nos
nao precipite no efcuro abyfmo de
miferias, a que nos veremos defgra-
çadamente reduzidos naquelle dia ,
( terrivel dia ) que pela fua incerte-
za nos deve trazer fempre aíTuílados,
o K A Ç A á^
e prevenidos : Qua hora mn puta^
tis, filius hominis veniet.
Eis-aqui porque efcudadas de fua
fé j nao havia obftaculo que naô re-
HioveíTem aquellas almas generofas ,
que, conforinando-fe com o confelho
doApoítoIo, pertendiaõ fazer certa
a fua vocação , còníiderando a vida
como hum campo de peleja, mais ar-
.rifcada, quanto mais inteftina. Amor
de riquezas , eftreitos vínculos do
fangue, honras, brandos , e mimo-
fos prazeres , tudo facrificavaõ ao
feu Deos, por quem arroftando mui-
tas vezes a morte voluntárias , e ale-
gres, fubmettiaô os hombros á fuâ
cruz , como único caminho de fua
falvaqao: naõ havendo trabalho que
fe lhe naò tornaífe fuave , perfegui-
ça6 de que nao fahiíTem vencedoras,^
na certeza de que brevemente repou-
fariaò no Paraizo *, bebendo da tor-
rente daquellas delicias , com as
quaes nem efcaíTa comparação podem
ter todos os tormentos do Mundo:
Non funt condigna pajjiones hujus
mundi , ad futuram gloriam^ qua rc*
'velabitur m nohh. Eu
aSaístta Barbara. 79
Eu nao quizera chamar o pejo às
voílas faces, confundindo-vos com o
exemplo de huma Donzella , que na
aurora da fua vida rafga varonilmen-
te a venda, que a cega , deieftando
a brilhante , ainda que falfa idola-
tria com que fora educada. Porém
cumprindo-me tecer-lhe agora o elo-
gio, como poíTo forrar-me ao defgo-
fto de vos envergonhar , fe nafcidos
no grémio da Chriílandade , e ali-
mentados com os Sacramentos , que
a Igeja, como Mai carinhofa, vos ad-
niiniftra , cahindo fobre vós peren-
nemente como groíTos chuveiros as
miíericordias de voíTo Deos , nos
benefícios, que vos liberaliza , nada
promoveis a vofla fantifícaçao, jufti-
ficando-vos cada dia mais , que he
o que a todos nos recoramenda o
Profeta: Qui fan^us ejl^ jujiifica'^
tur adhuc.
Quando Barbara renunciando to-
das as commodidades do Paganifmo
em huma idade, que por menos ex-
perimentada he mais perigofa, fisbe
unicamente eílradada de fua razaô
voar
«1
?0 o R A Ç A 6
voar do conhecimento das creaturas
á contemplação fublime do Creador,
com quem fe enlaça , e une por hum
conforcio fobre indiíToluvel angéli-
co , confagrando lhe os feus primei-
ros annos , como Abel as primícias
de feus frutos.
Gom eíFeito, os Ceos , que com
huma Jingua muda, mas eloquente ,
annunciaõ à terra a gloria daquelle
Ente fupremo, que eftendendo-os por
cima de noíTas cabeças , como hum
azul , e tranfparente véo, naô fó lhes
dá a belleza com que nos arrebatao,
mas as confiantes leis com que os
Aftros , de que eílao recamados , fe
volvem nas fuás orbitas ; que defe-
jos naô accendiao na fua alma, que-
rendo já remontar-fe á fimilhança de
Águia generofa, fobre os montes da
Santa Siaó , aonde tinha collocadas
todas as fuás efperanças ? Vigílias ,
jejuns , orações , eíles eraò os feus
exercícios ordinários , cubiçofa , de
que para o feu efplrito tranfmigraf-
fem todas as fuás virtudes , de que
pertendia guarnecer a coroa, a que
afpi-
A SANf A Barbara. 2t
afpirava. Confeguio-o, Senhores : que
Deos naó fe regatea a quem O buf-
ca com finceridade.
'^'^^ Era Barbara, além de illuílre ,
fòrmofiíTima. As graças enthroniza-
das nos íeus olhos efpalhavao por feu
ròíto naôfei que poderofos encantos,
que levavaô aos corações de quem a
via , com o amor o defejo de a con-
íeguirera para'"Efpofa* Muitos mo-
ços nobres de Nicomedia a requef-
tavaô, aíTentando que com a fua pef-
foa entrava de companhia pelas Aias
portas a felicidade. Porém Diofcorô
naó querendo precipitar, nem a re-
íoluçaô , nem a filha , encerrando-a
na Torre , que para fua fegurança
mandara conítruir , entreteve manho-
famente os pertenfores, dizendo-lhes,
que como de neceílidade tinha deter-
minado huma jornada, de volta, quan-
do fe reílituiíTe, fe' trataria de maté-
ria, que pela fua importância preci-.
fava de mais fazonada refoluçaõ.
Rogo-vos por quem fois , Se-
nhores , que naõ injurieis feiamente
|k ditofa Menina, entendendo que fof-
W^iM¥
jSl . o R A Ç A S I
freria Gom menos rcíignaçaõ o facrj^-íi
ficio da liberdade , a que o ardilofp,"
mais que acaureljado Pai a obrigava-
Antes achando-íe defabafada de cui-
dados terrenos , com que fervor naô
.eathefourava; hum piingue capital de
merecimentos , fubindo de virtudiC
em virtude , embebida na contem-
plação de myfterios, que Deos, eícon-
.dendp aos íabios do mundo ^ revelia
jnuitas vezes aos peqy§nyi/)S: de ^faa
■Caía? ■ ,^ ;?... ■a^:ív:iu... '\:y^:;
; Pqís que devemos. i>ós julgar dp;S
vexerciíCios, a que fe ap plica, ordenai^-
d o qu e n o í e u a p o fe n í o íe ra fga ííe m
três janeilas , que foííem como def-
pertadoras da fé, com que adorava
a Trindade Saníiíllma? Arcano , que
fendo fupefior á noíTa razaò, arrebata^^
,e inílãma a quem com efpirito de íin-
xeridade o. confeíTa, e o acredita,
como aíTevera Agoftinho. Que deve7
,mos nós julgar da Cruz, que nos lá-
bios do banho entalhara, para lhe ex-
citar a lembrança dos tormentos por-
-que no Qolgota paíTou o feu Jesus,
parajiosabnr as portas da Sião ce-
ie-
A Santa Barbara. 83
lede, que a tranígreflao de noíTos def-
obedientes Progenitores nos tinha fe-
chado para fempre ?
Por ventura naó he agora , que
reduzida a ellado de folidaó defafo-
ga mais afua íaudade , quando emu-
la das innocentes aveíinhas , que aa
defpontar no horizonte a rofada ma-
nhã , convidaó a todos para que lou-
vem ao feu Creador , naõ céíTa de
cantar as antigas mifericordias de fett
Deos , de que a terra eftá toda como
alagada: Miferieordia Dornini plena
efl omnis terra ? Naô he agora , que
attenuando-fe com afperas mortifica-
ções, mais que a bella Judith ao alti-
vo Holofernes degolla os feus appe-*
tites, para que transformando-fe to-
da noEfpofo, á quem já fe tinha de-
dicado , reíiáa mais varonilmente ao
preceito de Diofcoro , que contra a
fua vontade a queria cafar ^ iNaó h^
agora...
. Mas que he o que eu vejo? Mon«*
ftrò ( que nem homem te quero cha-»
mar , quanto mais Pai ) que iras cha-
mei ao nas tuas faces ? De íçu damna-
F i\ dot
m.
mV
liri!
p,ili''t
n í'!::
m
''■ffS;
g^ O R A ç A 6
do peito, que fur r trasborda, qué j
cfcumando pelos lábios, parece que
devorar perrendes a cândida ovelhi-
uha, que já fe appareíha para o mar-
tyrio, de que tu, defarados os eítrei-
tos vínculos da natureza , e iradas as
ternuras do carinho , íerás o bárbaro |
verdugo? Nem às vozes da humani- '
dade attendes , nem ao teu fangue
perdoas , Gommettendo huma acçaô,
que deixará na pofteridade denegri-
do, e envergonhado o leu nome ?
Viíles já 5 Senhores, como em
tenebrofa noite , fohos do cárcere
aonde bramem aíFerrolhados , e pre-
20S os ventos, hórrida tempeítade,
cavados os mares , e erguidas as on-
das, parece que quer arrebatar o pe-
queno vafo , que fem governo abola
por cima das agoas , que embrâve-»
cidas iotentaó engulillo nos feus fun-
dos , e largos feios ? Tal. he Diofco-
ro : Porque fabendo que Barbara de-
leitara a idolatria com que fora edu-
cada 5 determina precifamente appla^
tar com a fua morte a fua raiva : e
carregadas fobre os olhos as fobran-»
ce*
íU:
A* S A h¥ A Barbara. if
telhas, pállido, tremulo como con-
vulfo, apertando na enfurecida mão
o affiado cutelo , corre a írafpaíral-
la. Porém Deos , que véla a favror
dos feus efcolhidos , fazendo que
duro rochedo de par em par fe
abriííe para lhe dar livre paflagem ,
eíquiva o golpe, e livra a caíla Don-
zella do perigo , que a ameçara. O'
grande Deos , quem naõ adora o teu
poder ?
• Com tudo nao quiz o dulciíli-
mo Efpofo de fua alma demorar-lhe
por muito tempo a duplicada palma ,
que por virgem , e por marrjr mere->
cia : porque achando-a Diofcoro ,
de repellaó a arroja a feus pés , pi-
za-a 5 calca-a ; e travando-lhe dos ca-
hellos, que huns pelos hombros, ou-
tros pelo ar efparzidos eílavaõ , qua-
fí arraftada, a traz pelas praças pú-
blicas, para a entregar a Marciano, a
quem competia punir aquella apofta-
fia. Que lhe rafguem as tenras car*
nes com unhas de ferro ; que com
accezos fachos a toílem , e a torrem;
que com pezados martelios lhe que-
brem ,
M r Or aça 6
ferem , e efmigalheni o craneo ; a Iu2
de que eílá banhado , naó fó o íeii
^fpirito 5 mas aquelle cárcere , que-
fortaleza llie naÓ dá para refiftir a
taô exquilitoç tormentos ! He necef-
fario que o Pai . . .
Perdoai-me , Senhores , que eu
manchei agora o nome mais doce ,
e mais refpeiravel que temos. Eu me
xeporto. He neceflario que o Tigre^
mais Tigre 5 defcarregando o alfan-
je faça voar aqueila alma ao Thro-
no , que apar da Triade Beatillima
lhe eftava preparado no Empyreo :
teftemunhando Deos a gloria de que
gozava Barbara , com o caíligo de
DiofcoTO, a quem hum raio de re-
pente reduz a foltas cinzas. O^ gran-
de Deos , quem naò adora o teu po*
der! torno a repetir.
Agora efperaveis vós , que eu
me detiveíTe , pondo-vos á vifta os
prodígios que obra Barbara , gover-
nando ao feu arbítrio as confiantes
]cis da natureza. Nao , Senhores , eu
t^aho argumento mais efficaz , que
me chama. Todos neceífitamos de
(juera
A Santa Barbak a. íf
ciuem nos aíTifta naquelle inftante^,
que decide de noíTa felicidade. De
huraa morte feliz depende noíTa glo-
ria. E quem naô fabe , que Barbara
tem particular poder comunicado pe-
lo feu Deos, para nos^confeguir hum
êxito venturolo? .
He a Proteálora das mories im-
provifas. Releva que a honremos ,
nao fó promovendo o feu culto, mas
imitando a fiia fé. Huma fraca Don-
zella vence-íe, para que íujeitandci
a' fua vontade á fua razaó , oblerve
exâdlamente a Lei de íeu Jesus; nos^
porque nos naÕ venceremos tambemí
Nem honras, nem amor da liberdade,;
dem riquezas embargarão a Barba-
rá na carreira o pàíTo. Defaferreroos
os noííos corações do Mundo , nos
^ teremos propicia na terra: acom-
pahhando-a noCeo, nós celebrare-
mos com o Cordeiro fem mancha as
niípcias, para que todos fomos con-
v?dados no Evangelho: Et qu.t pa^
ratce erant , intraverunt cum eo ad
nuptias»
^ DiíTe.
&B'
II I
O R A g A Ó
A S. MIGU EL.
^íft efficiamini ficut parvuli , nojt
intrabitis in Regmm Ccelo-
rum. Marb. c. i8.
■jtkT Unca o fufto de na6 refpon-
j^^ der como defejo à expedlaçaó
~^ de quem me ouve , aíFronrou/
mais o meu animo, que quando vos,
por hum esforqo da voíTa bondade,
quizeftes que eu alçando no meio do
Templo a minha voz, receíTe^e orga-
nizaíle oPanegyrico daquelle invic-
to Guerreiro, que confundio , e pre-
cipitou nos abyfmos aos Anjos pre-
varicadores, que , feguindo o infame
partido de-Lucifer, pertenderaô, def-
lumbrados da fua foberba , empare-
lhar no poder , e na mageftade com o
Deosque os creára. E ainda que na6
duvido da voíTa benevolenciíj, de que
por muitas vezes me tendes dado
h; bri-
I
A S. MlGlT E L. 2^,
)nlhantes provas , eu nao fel como
em-pere, e modifique o meu receio,
laô fó refledlindo fizudamente na po-
breza de meus talentos , mas na fu-
Dlimidade da matéria, fobre que hei
Je difcorrer agora, ^'odavia, como
l humildade he a virtude, que carade-
-iza a S. Miguel , a quem vós mef-
;lando-vos com a Igreja, confagrais
> prefente culto , verei , amoldando-
pne ao Evangelho, fe defcubro algum
:aminho, que alhanando-me as difíi*^
^uldades , me conflitua na ditoia ÍI-
ruaçaó de vos fer útil, que he o que
:umpre ao minifterio que exercito.
Neftes termos , Senhores , fem
□ue eu efcalde a minha imaginação ,
demorando-me, com aíTumptos, ain-
da que engenhofos , eíléreis, eu naô
vos pintarei a fua natureza , como
Príncipe dasjerarchias celeftes , fe fe
naô comprehende, como fe explica-
rá ? A íigniíicaçaô de feu nome , en-
coftando-me ao que diz S. Gregório,,
he quem unicamente me dará a luz
de que precifo para traçar o plano
da Oração, que fem mais proemios
vou
^Ô o R A Ç A 6
VOU a recitar-vos : Quem como Deos^
Eis-aqui a fonte 5 de t]iie S; MiguéP
deriva todos os feus louvores. A^
confiíTaô ingénua., que faz da gran-
deza do Ente Supremo, que lhe dera
O fer ; arraigando-o na fua humil-
dade , que merecimentos lhe naóco-
Hiojiica para os applaufos , com que
êm todas as idades o honrarão os
Fiéis no feyo do Chriftiaríifmo , ten^v
do por muito importante a íua devóí^
^áô? E eudngindo-me a efte penfa-
ínento , farei quanto couber nas mi-^
nhãs forças , poílo que débeis , por
vos perfuadir , que quem fe na6' hu-^
itiilha na terra, nunca fera exaltado
no Ceo : Nijl efficiamini : .. Creio^'
que já poíTo entrar na em preza pro^
ittetcida. Eu começo. Senhores.
NAó me admirara , que á fober-^
ba, refinando a fua malícia, col-*'
Iccaífe na terra o feu throno , apro-'
veitandp-fé da ignorância dos ho-
állucinados de feu amor-
próprio' ( raiz fecunda de que def*^
pontão qnaíi todos os ima [es ) pre-
fU'
A S. M I G XJ È L. 9t
famem de fi talvez mais do quç de-
vem, arrogando-fe a authoridade de
difputarem aos outros a primazia,
fem mais direito, que o que lhes da.
a fua vaidade. O que me contunde
he , que entraíTe também no Ceo eíte
monílro , corrompendo com o feu
hálito peçonhento aquella? Subílancias
Angélicas, que Deos creára , já para:
lhe fazerem a Corte no Empyreo , ja
para executarem , como feus Minif-
tros, as ordens que lhes impozeíle
nas diferentes mifsóes de que os en-
cerre gaíTe.
- Com tudo, nós fabemos , fegun-
do a opinião de refpeitaveis Inter-
pretes , que efcaflamente contariao
dois momentos de fua exiftencia ,
quando Lúcifer , infundindo nos feus
feguidores o efpirito de rebelião, ou-
fou hombrear com o Todo Poderofo,
obrigando-o, para fuftentar o feu de-
coro , a huma guerra , de que as con-
fequencias foraô funeíliffimas. Sello-
hao fempre, Senhores. Que atrevi-
mento I Parece-me que diíTera me-
lhor , que infelicidade !
m
i
III
'Á -\
%y^i':'
9^ . O R A Ç A 6
Eu na6 me envolvo no exame dò
principio, de que refulcou ta6 exgcra-
vel defordem. Deixo aos Theologos
nos fyílemas , que eílabelecem a fua
averiguação. Mas a quem naô efpan-
ta , que fendo Deos peio feu poder
tao terriveí , pela fua bondade ra6
amavei , houveíTe quem pertendeíTe
uzurpar-lhe a foberanía, que fó á fua
independente grandeza compete ?
Eu fubirei ao mais alto dos Ceos.
(dizia o defgraçado Chefe daquella
conjuração) ; calcando com pé deno-
dado, e intrépido o caminho das tem-
peftades, e dos raiosj e apar dos Aqui-
loes col loca rei fobre o monte do Te-
ílamento o meu folio. Ao Univerfo
darei hum dia as leis. Eu terei tam-
bém Templos, aonde as minhas ima-
gens fejaô adoradas. Diga-fe de hu-
ira vez : Eu ferei limilhante ao Al-
tiffimo. Que horror !
Podia reíinarfe mais aquella fo*-
berba ? E naõ haverá quem face a fa-
ce rebata a temeridade do rebelde ,
punindo a oufadia do deteftavel , e
íacrilego projedlo , que concebera ?
Ha,
À S.MlGtÍEL. 9í
Ha, Senhores: porque S.Miguel in-
flammado de fanro zelo , unindo , e
arranjando em hum ordenado , e lu-
zido exercito os Anjos fiéis , ataca,
derrota , atterra , abyíma , e infer-
na ao pérfido Lúcifer, reítituindo ao$
Céos a paz, a Deos a gloria.
Nem imagineis que feria aquel-
]a huma guerra fimilhante ás guer-
ras, de que vós tendes idéa, nas quaes
a honra da vidloria pende as mais
das vezes do numero dos Soldados ,
e da força das armas , devendo-fe de
ordinário os triunfos á vantagem do
lugar , á opportunidade das occa-
fiôes , aos eílratagemas , ás aftucias,
e ao engano i fendo o vencer, mais
que premio da virtude, dadiva da
fortuna , quafi fempre, ou cega, ou
tonta na repartição de feus favores.
A guerra dos Anjos , foi qual
convinha áquellas puras Intelligen-
cias: foi guerra de penfamentos , e
de vontade , de argumentos , e de
raza6 , de fentimentos , e de afife-los,
travando-fe , como em forinidavel ,
€ efpanjfofa briga, a verdade com ^
inen*,
m
li
I
^í
ir. '^''íi
f4 G R A ç A 6
mentira, a humildade com a altivez,'
a fé cora a incredulidade , a graça
com o peccado.
Ora neíla peleja quanto fe aílig-
nala S. Miguel ? Sem que exalte de-
maíiadamente a minha fantaíia , pa-
rece-me , Senhores , que o vejo, pa-
rece-me que o ouço : ora vergado to-
do ante o feuDeos,os olhos baixos,
a cabeça inclinada , tremulo como
convulfo , rendendo-lhe na fua íub-
rniíTaô a íua vaíTallagem : ora voan-
do á maneira de rápida exhalaçaõ de
hum para outro Coro daquellas bri-
lhantes Jerarquias, animando-as com
o feu exemplo a louvarem, e a bem*
dizerem a grandeza , a excellencia ,
a dignidade , e as infinitas perfei-
ções de feu Creador ; fó , único,
fem igual ; neceíTario , e eterno no
feu fer j incircumfcripto, e immenfo
na fua natureza ; fanto , e immu^
davel na fua vontade.
Depois: com que eíEcacia na6
jnoílra a miferia , a baixeza , e o na-
da da creatura , confundindo o or*
gulho de Lúcifer , e de feus parciaesg^
A S. M I G U E L. 91
.que convencidos da foberana , e qua-
fi divina força de fua eloquência, en-
vergonhados lhe cedem o campo.,
precípitando-fe huns apoz outros nos
.eícuros reinos da morte , e do pec-
xado , aonde efcumando de raiva , e
devorados de inveja arderáô por to-
da a eternidade, como proporciona-
da pena de íeu atrevimento. O' hu-
.^lildade de S. Miguel , quanto o en-
grandeces!
Pois na verdade , Senhores , de
que louvor naó he agora beneméri-
to o Santo Archanjo , refledindo nós
que á fua humildade he que devem
todos os Efpiritos Angelicps a glo-
ria, de que placidamente gozaó, nao
tendo difficuidade de aíErmar o fa-
xnoío Areopagita, que a preeminên-
cia , que tem fobre todas as Jerar-
quias celeíles , reíulta do zelo com
que as esforçou para perfeverarem
confiantes no conhecimento de feu
Deos, confeíTando cheios de refpei^
to , cheios de fé a infinita fuperip-
xidade que lhes leva.
Refleítindo nós , que a Synago^
1^
i
m
96 o R A Ç A 6
ga, e a Igreja com aqu^IIe triunfa
arraigarão mais a fua felicidade, par-
ticipando de inumeráveis bens , que
defta raiz broravaÕ, como precioíos
frutos j apparecendo-lhes muitas ve-
zes para as defaíTombrar das perfegui-
çóes injuftas , que expcrimentavao r
Por ventura naÓ fabemos nós , que
foi S. Miguel quem ferenando o ani-
mo de Abrahao , concorrco para o
pado de fidelidade, que fe celebrara
com Deos? Que removendo os impe-
dimentos , que huns fobre outros fe
accumulavaó , foi quem introduzio
na poífe da terra promettida o dií-
perfo , e ííagellado Povo de Ifrael ?
Vós, cafta Efpofa.do Cordeiro
Immacalado , contai, fe podeis, os
benefícios , que por S. Miguel fe vos
tem liberalizado. Se vemos enfrea-
da a braveza dos Cefares, que á fi«
milhança de famintos , ainda que co-^
Toados Tigres , traziaô fempre ef-
correndo os braços, em fangue Chri-
ftáo *: fe ao carro de feu triunfo ve-
mos vergonhosamente atados aquel-
les filhos defobedientes í que ingra-*
A S. M I G U E I.. 97^
os^ao leite, com que forao alimenta-
ios , pertendiaõ rafgar-llie a incon-
futil túnica , negando a crença à mór
parte de feus dogmas , nao fao tudo
Favores , que da protecção de S. Mi-
guel dimanao?
Quem alTiíte aos noflbs facrifíci-
DS? Qiiem faz que puros tncenfos ar-
daó nos noíTos altares ? As noíTas
Orações quem as dirige ao Throno
doAlriíTimo? Se lhe faô gratas, a tãa
efficaz interceíTor nao devemos re-
ferir todo o valor qàe tem , interef-
fando-fe por nós , para que applaca-
da a ira de Deos , configamos o pre-
mio para que todos fomos creados ,
naquelle dia (terrível dia) no qual
as noíías almas feráó aprefentadas
pela Tua mâo no Tribunal de Jesus
Chriíto ? Oh três quatro vezes bem-
aventurado S. Miguel , quem te na6
louva !
Agora dizei-me, Senhores, íe
iiaõ fao juítos todos os applauíos conx
que no Chriítianifmo he hoje engran-
decido o nome de S. Miguel , fenda
taõ antigo o feu cultQ , que nafceo
G com
11'
A á
98 Ora ç
com a Igreja, de quem foi fempr»
Protedtor ; fendo tao exceífivo, que
foi neceííafio moderallo , para que
nao degeneraíTe feiamente cm huma
fuperíliciofa idolatria, como he no-
tório a quem revolve os faltos da Re-
ligião que profeíTamos?
Dizei-me, fe nao he natural, que
vós fazendo reíToar em torno da ára
fobre que fecollocaa fua Imagem, os
Hymnos, que a voíTa gratidão Jhe
canta , nunca aífrouxeis nos louvo-
res, que lhe confagrais? Nao baílat
porém que o honreis com os labios^^
fe com as voíTas vozes nao eftaó de
acordo os voíTos corações , nada fa-^*
zeisr Para que os voíTos obfequio^i
fejaó bem recebidos, importa imitai*©
lo , já na humildade , já na obediên-
cia ao feu Deos.
Conheço que eíía linguagem he
afpera para os filhos do Século. Hu^i
iT-ilhai-vos na terra, fe quereis fer ex-
altados no Ceo. Ao menos o Filho
de Deos eíle foi o caminho, que»
nos traçou com a fua Cruz. Forque:
afffontas nao paíTa ; porque oppro-
briosj
A S* M I G U E L. ,99
brios, porque defprezos primeiro que
entre triunfante na fua Gloria ? Naf-
ce entre brutos , morre entre ladroes.
Nós porque fetemos de diíFerente
condição ? Nós que fomos barro na
origem , e pó na fepultura ? Nós que
fomos nada ?
Pois que razão podemos ter pa-
ra nad obedecermos a hum Deos de
hum poder taô illimitadò , que ef-
tendendo a vara do íeu furor , nada
lhe refiíte , desfazendo, como as ef-
cumas do mar, o exercito ainda que
florente deSenacherib ? que olha pa-
ra a rerra, e afaz tremer? que toca
os m.ontes, e os faz fumegar? O Se-
nhor d^ todos, o Senhor de tudo ? ^A
hum Deos de huma mifericordia tão
grande , que livrou a Lot do incên-
dio de Sodoma , a Judith do furor
de Holofernes, que poftado no Cam-
po fulminava fobre a timida , e con-
íternada Bethulia accezas iras ? Que
ouvio a Dimas , que perdoou áMag-
dalena , que converteo a Saulo , fa-
zendo-o de hum perfcguidor , hum .
Apoftoip ? A hum DeQ§ de hum amoc
G ii taô
Uu'
^M'
m^:
'\ Vi':
100 o TL A Ç A 6
taó fino, que além de nos crear á fua
imagem bella , cie nos remir com o
íèu Sangue , íe deixou ficar comigo ,
e comvoíco , naquelle Myílerio ^ quê
he o íinete , que marca toda a gran-
deza do feu amor, para nos dar com
a fua Carne , huma vida fobre bem-
aventurada eterna ? Manda-nos nada,
que para noíía utilidade nada feja ?
Humilhemo-nos pois ante o noíTo
Deos : obedeçamos-Ihe : he como
agradaremos a S. Miguel ; fegurando
a fua Protecção j he como paflaremos
de pequenos na terra a ferjnos gran-
des no Ceo.
DiíFe,
O R A-
\ ■
A-
O R A Ç A Õ
A S. NATÁLIA.
SimiJe eft Regnum Ceelorum the^
fauro. Matth. c, 13»
COmo podemos tios , fem af-
frontarmos injuftamente o mun-
do , queixar-nos de .feus en-
ganos? As invedivas , que forma-
mos fobre a falfidade de feus bens,
donde derivao a fua mor força fenao
da repetição dos exemplos, que fem*
pre nos propõem; nos quaes vemos
muitas vezes confundido o orgulho
de fuás pompas, e defprezadas com
as fuás riquezas as fuás honras , po*
fto que brilhantes ? E o que mais
nos deve envergonhar he , que do
meio do íexo , a que chamamos frá-
gil , furgem de tempos a tempos jl-
luftres Matronas, que engrazando hu-
mas com outras as virtudes, impávi-
das arroftao os perigos, triunfando
da
wm
102 Ò R A Ç A 6
da morte , com huma refoluçao tao
varonil , que para as imitarmos ,
neceílitamos de particulares auxílios
daquelía graça , que he a fonte de
que dimanaõ todas as noíTas obras
boas.
~ Eu nao precifo , revolvendo os
Annaes da Religião , teçer-vos hum
luzido catalogo de Heroinas ,_ que
enlaçando nas fuás peííoas tudo o
que ha de fublime no Sacerdócio ,
e no Império, deixarão nos faftos da
Synagoga , eda Igreja, immortaliza-
dos os feus nomes , com as proezas
que obrarão. Aquelle Altar, e a voífa
generofa gratidão me reprefentao hu-
ma mulher , que na freíca primavera
da idade piacidamente reclinada no
regaço da opulência transmittio á,
pofteridade a fuafama, naô fó ani-
mando para o martyrio o Conforte»
caro, mas a tantos briofos Atlantes,
que retalhados do ferro , e toílados
do/pgo evaporarão as vidas, efmal-
tando com o fangue de fuás veias
as palmas de que enramarão as viClo-
riofas téfus. Tal he Santa Natália,
A S. Natália; 105
a yoíTa infigncProteflora , que enno-^
brecendp com as fuás Relíquias às
voíTos Cíauftros , entorna fobre vós
peránnes benefícios: dadivas exfrahi-
das do rhefouro, a que o Reino de
Jesus Crhifto no Evangelho fe com^
para : Simi/e eji Regnum Coslorum
thefauro.
Mas nao pede o minifterio que
exercito, que no Panegyrico, que por
obedecer-vos lhe confagro , vos tra-
ce huma pintura de feus nnerecimen*
tos , para que inflammando-vos no
zelo conn que a feftejais, fe atee mais
nos voíTos corações o voíTo amor ?
Ávidas 5 e cubiçofas de trasladardes
para o voíTo efpiritoas fuás quali-
dades fublimes^que ferviráô de plano
ao difcurfo , i[ue prefentemente me
ouvireis ? Pois eis-aqui o alvo a que
aíTeílarei os tiros. Conheço que naô
tenho as cores, que fe requerem, pa-
ra completar o quadro promettido.
Cora tudo, esforçado daquelle Deos ,
que curvados os joelhos profunda-
mente adoro naquella Hoftia de Pro-
piciação: Hoília immaculada, entro já
fen*
104 O R A Ç A 6
fem mais pròemios na empfeza. At-
tendei-me qiíe eu começo, Senhoras,
Els-aqui huma das máximas da-
í quelle Deos, de que todo o bem
deriva, como de natural, e única fon-
te : confundir com inftrumen tos fra-
cos a arrogância dos Poderofos do
Mundo: Infirmi munài^ Deus eligit^
m confundat fortia. Nada importa
que da terra furja huma eftatua, que
alçando por cima das nuvens a vai*
dofa frofite , aíToberbe a todos com
a fua grandeza. O ouro, a prata,
o bronze, e o ferro, rigiffimos me-
taes, de que déílro Artífice a funde,
e lavra, embora Jhe promettao eter-
na duração, que pequena pedra fa-
cudida , e arrojada do monte , por
mão inviíivel , fobejará para a der-
ribar.
Nao he com o eílrondo de guer-
reiras armas , que levaò o terror , e a
morre a deía percebidos Povos, que
fe efpalhou por todo Univerfo a
Lei do Crucificado. Huns Pefcadores
charlados das Ribeiras de Galliléa, a
pé
A S. N A T A L I A. lOj
pé, defcalços, mendigando pelas por-
tas o paó de cinzas, de que eícat-
íamente fe nutrem , fao os que a pro-
mulgaó 5 triunfando já nas Cortes ,
já nas Academias dos Príncipes, e
dos Filofofos , até fazerem tremolar
fobre as ruinas de eílragados ídolos
o Eílandarte da Cruz , como ^troféo
das vidlorias , que confeguiao.
Para nos horrorizarmos, baila re-
paíTar pela memoria o nome de Ma-
ximiano. Abufando do poder que ti-
nha , com que complacência naó via
enfopados os alfanjes de feus verdu-
gos no fangue Chriílão : Tangue que,
como o de Abel , debaixo do Thro-
no de Deos clamava por vingança:
f?ndo muitas vezes pafto de esfaima-
das féras os cadáveres efpalhados pe-
lo campo daquelles , cujas almas ef-
tavao já gozando no Empyreo o pre-
mio devido á conftancia, com que fo-
portara6 o martyrio que padecerão.
Nicomedia era a Corte aonde a ty-
rannia eílabelecera o feu folio.
4' Entre os Beraaventurados , que
como cândidas pombas efperavao vo-
ar
'\m
m
jo6 O R A Ç A S
ar ás celeíles moradas para fe ani-
-nharem no roto peito de feu Jesus j
diílinguia-fe muito Adrião , pela re-
/oluçâo prompta , e denodada com
que deteftando a Idolatria abraçou o
Chriílianifmo ; correndo-fe de que
JiouvèíTe tempo, no qual por fua det
graça naô conheceíTe , e adoraíTe o
verdadeiro Deos , que para nos abrir
as portas da bella Síao, que o pec-
cado aíFerrolhara , fe fez Homem pe-
los homens.
Chega a noticia a Maximiano,
chameja nos.feus olhos encarniçados
a ira , para que he eftreito vafo o feu
coração. Convoca em feu foccorro co-
das as fuás ardilofas , e coílumadas
manhas. Ora promette^ ora ameaça:
que he facil á tyrannia vatiar de lin-
guâ , e de aíFectos. Nada confegue:
^ querendo deixar ao Mundo exem-
plos, ainda que funeílos, de feu furor
verdadeiramente infernal ; que cru-
eldades naò inventa, de que ha de
fer alvo o generofo moço ? Todavia
jiao te defvaneças coroado Tigre ;
huma frágil mulher o anima para que
con-
A S/N AT A LIA. Í07
confunda com O teu rigor atua fo*
berba. ,./f vt
Natália, a voíTa adoradiílima Na-
tália , era a fua Eípofa. Ghriftâ , e fi-
lha dos Chriftãos. Eftando no retiro
das fuás antecameras , como tinha de
coílume , enlevada na contemplação
dosMyfterios Divinos, frágoa aonde
o feu efpirito fe purificava cada vez
mais, recebe a alegre nova. Naó cor-
je5V0â á prefença do marido; e com
ar de quem leva na ferenidade de
feu rodo a certeza da vidoria , entra
pelo eícuro , e horrorofo cárcere.
Com as lagrimas, que o gofto de feu
eoraçaô arranca , parece que perten-
de abrandar a dureza dos ferros, que
como réo facinorofo arrafta. Beja-o
huma vez , beja-o muitas vezes^com
mais carinho que nunca : e^naô te-
mendo incorrer na indignação doTy-
ranno ; que naó diz , e que naó faz ,
infiammando Adrião para a ^peleja
com a efperança do galardão , que
Deos tem preparado para aquelles,
que branqueando as fuás eftolas no
Sangue do Cordeiro, que tira os pec-
ca-
ip
loS Oração
cados do Mundo, morrem fuftenir
tando , e defendendo a Fé que pro-?
fefsaô ?
He verdade regiftada nos Códi-
gos fagrados , que a mulher íélfan-
tifica o marido , poílo que infiel. O
exemplo dasTheodolindaSj das CIo-
thildes , das Erigidas , e das Ceei-
lias confirmao-na. Como realçaria a
minha Oração, fe eu agora vos po-
deíTe dignamente pintar quaes foraó
os fentimentos de valor, e de Re-
Jigiao , que as palavras de Natália
excitarão, cravando-fe como agudas
fettas no peito de Adrião ! Já íe de-
fejava ver com os inimigos na eíla-
cada. O fangue parece que já lhe
naô cabia nas veias , impaciente de
brotar por todos os poros de feu cor-
po para efmaltar as palmas, de que
brevemente havia tecer a grinalda',
com que triunfante entraria para a-
quelle Reino da Paz, que íó aos vio-
lentos fe promette. Honras , rique-
zas, a mefma ametade de fua alma
a fua adoradillima Conforte, nada o
prende.
Com
umuM
A S. N A T A L I A» 109
Com tudo a famofa Heroina nad
focega. Conhece que rodos fomos
amaííados de barro muito quebradi-
ço , recommenda-o aos companhei-
ros. Roga-lhes que nao ceifem de o
esforçar para o combate j e como a
fua aííiílencia podia fer perigo fa, he
com efta condição que naó Te fepa-
ra 5 arranca-fe , de que chegado o
dia de feu triunfo a avifariaõ 5 para
fer naó fó expeâ:adora , mas á imi-
tação da Ínclita mãi dosMachabeos^
quem com a fua prefença lhe infun-
diífe novos brios para prefiíiir , qual
rochedo no meio das ondas , incon^
traftavel a tudo.
ISIao , Senhoras , na6 entendai^^
que cedendo aos aíTedos da humani-
dade , e do amor , cuftaria a Natália
quebrar os laços, com que a fé con-
jugal a tinha docemente atado. Ba^
nhada de luz celeílial , como conhe-
ce que o mundo nada tem , que fe
compare com os bens , que no Pa-
jaifo eftaô refervados para aquelles
que pizando as fuás pompas , e a$
íuas mentirofas yaidades , deixaó 05
pais ;
im i
1^'i:'
tio o K A Ç' A 6
pais, deixao os parentes; deixaS tu-
do para íaivarem as íuas almas. ^Eis*
aqui porque mais que nunca faô ago-
ra as íuas vigílias mais longas, os
fens jejuns mais auíleros, os íeus ci-
iicios mais aíperos 5_na6 volvendo
idéa no feu peníamento , que naô
feja encaminhada á completa vidto-
ria que defej^v^,.
Porém que y(^$ aíTuíla, Santa Ma-
trona? Que? Entendeis vós por ven-
tura , que afFraca o novo Campiao ?
Porque o vedes na voíía prefença, já
dais porcerta a fua infidelidade, iup-
pondo que naõ teve valor para fo-
portar o martyrio ? Moderai a voí-
ía ira fanta : torne com a ferenida-
de a alegria a fazer aíTento nas vof-
fas faces belías. AdriaÓ fahe do cár-
cere : entra Adrião pelo feu palácio,
mas he para vos noticiar , que já ef-
tá citado para comparecer ante Ma-
ximiano. Vede com que complacên-
cia, depois de vo-lo dizer, volta pa-
ra os grilhões , volta para a mafmor-
ra, de que a fua alma, purificada coma
o ouro da forja ^ cedo íurgirá coroa»
da de gloria^ Eu
A S. Na TA L IA. Xít
Eu nao fou encarecido, Senho-
ras ; as minhas palavras eu devo le-
valias á balança do Santuário. Mas
porque vos nao direi , que a intre-
pidez do deftemido Athleta , ainda
que era fruto da graça, de que eílava
efcudado, foi muito ajudada das ora-
ções de Natália , que. teftimunhando
os defufados tormej^toVcom que erao'
attenuados, e confumiaos os mem-
bros do Efpofo 5 mais , e mais pe-
4iâ a Deos , que rociando-o com o
feu orvalho fanto , o fuílenraífe com'
aquella dextra, que quando quer con-^.
fundir o poder dos Grandes , que-
abufaõ de fuás forças para opprimi-
rem os fèus efcolhidos , infunde ef-
pi ritos valentes no braço de huma
fraca mulher? Confirme-o a iníigne
Libertadora de Bethulia. Porque V05
iraõ direi, que fe Maximiano , fazen-
do arrogante oílentaçao de Tua xy^
rannia , vio illudido o feu Im.peria
cóm irinfao de fiias promeíTas , e de
fuás ameaças , pagando com húm^'
morte defaftrada os crimes de hunia;
tida diíTolutaj foi porque deferindQv
Deos
w
HvM»;:
\ ;,.'''
Í.I2 Oração
Deos ás preces de Natália, fe appref-
íou a deíaíTombrar a fua Igreja das
tyrannias, com que a conííernava ?
Porque vos nao direi...
Mas que fim levo eu agora? Aca-
fo recolher em pequena concha o
Oceano , referindo-vos que Natália
he quem acudindo não íó ao feu
Conforte, mas aos feus inviélos Com-
panheiros lhe curava as chagas , ain-
da que afquerofas ? Que preíervan-
do-os da voracidade das chammas
ialvou os feus corpos , ordenando,
jem perdoar a defpezas , que foííem
trasladados paraConftantinopía, aon-
de recebendo o culto devido , def-
cânçaíTem em fanta paz os offos dos
Capitaens de Jesus Chriílo , que por
propagarem a fua Lei foraõ immo-
iados conío innocentes cordeiros ?
Que rejeitando as núpcias do Tri-
l)uno teve a confolaçao de terminar
a carreira de feus dias , com o feu
morto Adrião, efperando a refurrei-
çaó univerfal no feu mefmo fepul-
ehro , iheatro de muitos prodígios,
que obrad as fuás Relíquias, de quç
hc
A S. N A T A L I A. 113
he cofre riquíflimo o voíTo Mofteiro ?
Quem nao íabe, que iílo feria ex-
ceder os efcíaffos limites , que vós
me prefcreveftes. Todavia do que me
naô poíTo dífpenfar , he de vos lou-
var a devoção , com que promoveis o
culto de huma Santa , que honra o
voffb fexo , que honra a Igreja , de
que todos fomos filhos. Continuai
pois com aquelle ardor , que he in-
feparavel do voíTo illuftre coração,
Aquella ferie de milagres , que no
rápido curfo de muitos Séculos dao
a conhecer a gloria , de que no Em-
pyreo goza Natália , que eítimulos
vos naõ dao também , para que cum-
prindo com os deveres de voíTo ef-
tado , defempenheis a obrigação , em
que vos poz,de efcolher para fua ha-
bitação a voíTa Cafa ? Imitai as fuás
virtudes, que he como lhe podeis fer
agradecidas, para poíTuirdes o thefou-
TOy a que o R^eino do Ceo fe compa-
ra : Simile eji Regnum Cmlorum the-
fauro.
Difle.
H
ORÀ^
J
«4
O R A q A Ó
AO SS. ROSA RIO
Beatus venter
h:':\
^ qui te portavit*
Luc. c. II.
E
Com que gofto na6 appareço
eu hoje na voíTa prefença ,
■^ lembrando-me , que naó ferao
defagradaveis aos voíTos ouvidos as
palavras , que vos diíTer ! Aquelie ju-
ílo, e natural temor , que quafi fem-
pre esfria nas minhas veias o fan-
gue , quando alçando a voz da Ca-
deira da verdade, que occupo, tenho
de annunciar-vos a doutrina do San-
to Evangelho , de quem fou Minif-
tro 5 ainda que indignoi; como o ve-
jo agora de todo diíílpado , havendo
de diícorreride huma devoção, que
no parecer do Beato Alano, he a ra-
inha de todas as devoções, pelos ma-
ravilhofos eíFeitos que gera , e pro-
duz nas noíTas almas! Já fabeís, que
he
AO Ss. R o S A R I o. Iljr
he do Santiffioio Rofario, que eu vos
fallo.
é* Naó he para promoverdes, e pro-
pagadres a fua prática, que vós unidos
em hum Corpo, vos ajuntais aqui,
defejandò , que nao haja^ quem inte-
reflando-fe pela gloria de Maria , a
naõ honre todos os dias , na certeza
de que feraó copio í os os friitos que
colha, facom a devida attençaõ re-
citar aquellas preces, que tiveraô hu-
ma origem tao divina ?
Pois eu, que tenho obrigação de
condefcender com os voííos .defig-
nios, quando fao ta6 pios , depois de
adorar como bemaventurado o cafto
feio da Ínclita , e famoía Donzella
deNazareth com a mulher das Tur-
bas , me proponho no Panegírico ^
que por obedecer-vos lhe conTagro,
moftrar-vos a importância deita devo-
ção , referindo-vo5 , ainda: que com-
pendiados ,os b^ns que encerra ^ pa-
ra inflam mar os peitos Chriftãos «
que formão o refpeitaveí Auditório,,
que agora me attende.
' CreÍQ.> que a.màteria per fi íe
H li re
:/*::
JtM/r
lí6 ^^O RAÇA 6
recomtnenda. Nem a voíTa benevo-
lência , de que tenho já brilhantes
provas , me conftitue na preciíaô de
implorar a voíTa urbanidade , can-
fando-vos com mais longos , e eftu-
dados proemios. E cheio de refoJu-
çaò, e cheio de goilo, entro fem mais
perda de tempo na empreza promet-
tida. Peos , meu bom Deos , ajudai-
me. Eu começo , Senhores.
Todas as devoções fao importan-
tes. Encaminhaó-fe todas á nof-
fâ felicidade, mais que temporal,
eterna: porque aquelles a quem hon-
ramos ante o Deos, de quem faô pri-
vados , e validos, empenhando a Tua
protecção , quaíi fempre nos confe-
guem o que lhe pedimos , fe por
ventura nos he conveniente.
Ora entre todas as devoçáes a
mais importante he a do Santiílimo
Rofario,como atteftaô veneráveis In-
terpretes , que com a fua fciencia ,
naõ menos que com as fuás virtudes
tem eílabelecido, e arraigado o feu
credito na Igreja , de quem faÔ filhos
be-
A O Ss. R o S Á R I O. tI7
beneméritos: porque as orações de
que fe compõem, íaò as mais effica-
2és para inclinarem o coração de Je-
sus , e de Maria a noíTo favor., fa-
cilitando-nos o que lhe fupplicamos,
em quanto envoltos no tumulto do
Século continuamos a merc|uinha , e
aípera carreira da noíTa vida.
Naó he da Oração Dominical, e
da Saudação Angélica , que fe tece,
e matiza aquella coroa de roías, que
YÓs todos os dias , como fupponho,
confagrais á Santa Virgem? O que
he mais' poderofo entre nós ? Que
arma mais forte podemos nós. ter ,
naó fó para alcançarmos â viéloria
dos noííbs inimigos, mas para ob-
termos o que pertendemos? Eu vo-
lo moftro claramente.
Que fazemos nós, quando recita-
mos a Oração Dominical P Santifica-
mos oNome deDeos; pedimos-lhe,
que nos dê o feu Reino: Reino de
paz, para que todos fomos nad fó
creados , mas remidos com o leu
Sangue : conformamo-nos com a fua
yontade fantiflima, que he o ápice da
perfeição Chriftã. O
i
'ír^
isi
mâ
\cm.
Il8 O R A Ç A 6
o Pao de que pecifamos para
nos nutrirmos : paÓ quotidiano : o
perdão das noíTas graves culpas he
com efta Oração divina na lua ori-
gem , que o impetramos : triunfan-
do das tentaçáes vehementes,que co->
mo amargofos frutos do peccado ,
quaíi que comnofco fe encarnaô defn
de que no berço nos enfaxao , até que
no féretro nos amortalhaõ.
Bailava eílaeircumílancia para
que a devoção do Rofario foíTe en-*
tre aS' mais devoções a primeira , ei^*^
volvendo huma Graçaõ, que em to-
dos os Séculos dp Chriftianifmo fe
reputou fempre ípela Oração de mais
valor; dando-llie unicamente os Pa-
dres^ que traçaô o plano da infallivel
e orthodoxa tradição a primazia ,. na-
confideraçao de que Deos fora ò feu
author* :-
Pois que direi da Saudação An-
gélica ? A lembrança daquelíe Myf-
terío inefFavel, que unindo pelo la-
ço hypoftatico o Creador com a crea-
tura 5 deu ao homem huma honra in-
comprehenfiyel j ,podendo-fe íem te-
meri-
AO Ss. R o S A RIO. 119
meridade affirmar, que pela commu-
nicaçaó 4«s idiomas , paffou a fer
Deos : efta lembrança digo como ex-
altando a Maria nos inflammará^, pa-
ra que cobertos de fua protecção nao
defanimemos ? Como a intereííará
a noíío bem , naô ceifando , mais
que a benéfica Abigail , de rogar por
nós ao preciofo Fruto do feu caftiíTi-
mo feio Jesus , para que fempre
nos feja propicio, e favorável ?
Muito mais 5 fe nós mefclando
com as noíías vozes os noífos affec-
tos , vivamente meditar-mos em be-
nefícios taô grandes , como foi hu-
mana r-fe , padecer, e morrer por nós
aquelle , aquelle Deos , que de nada
nos creou á fua imagem bella , que
com a fua dextra fuftenta o pezo dos
celeíles Orbes , que he Senhor de tu-
do : o Deos dos Deofes , que olha
para a terra » e a faz tremer : que
toca os montes, e os faz funiegar.
Pôde haver devoção mais impor-
tante ? Refiftirlhe-ha nada , ou no
Ceo, ou na terra ? Applicando-lhe ò
que S. Joaô Chryfoílomo diz da Ora-
çaõ
I
i
!'';!
120 O R A Ç A Õ
çaó em commum, naõ lhe poderemos
chamar omnipotente : Oratio una
cum fit omnia potejl ? Com eíta ar-
ma nas noíTas mãos , eu quero dizer,
com o Santiílímo Rofario , nao can-
taremos fempre a viftoria das noíTas
paixões ? Figurando-o com o Beato
Alano, naquella Torre de David, da
qual pendem muitos efcudos , que
antemural temos para rebatermos a
invaíao , que o príncipe , que impe-
ra no Reino da morte ^ e do pecca-
do , continuamente nos faz: fendo
daquellas myílicas rofas , que fe pre-
para o balfamo , que nos cura ?
Eis-aqui , Senhores , porque na-
quelle Século (calamitofo Século )
em que a Igreja, gemendo debaixo da
períeguiçao dos Albigenfes , que co-
mo ingratos ao leite com que forao
alimentados , pertendera6 com ávi-
do 5 e venenofo dente , dilacerar-lhe
a inconfutil túnica , a Fé digo , foi
infpirada ao grande Pai da Domini-
cana Familia efta devoção , unindo-
>fe os Principes Catholicos para cor-
tarem a cabeça á hydra infernal , nao
foi
U.Vy
A O Ss. R o S A R I o. 121
foi neceffario que fe armaíTem exér-
citos como os de Dário. O Rofario
de Maria recitado com devoção con-
feguio o defejado triunfo.
Era para ver como os Templos
fe enchiaõ, refoando em torno de feus
Altares as glorias de Deos ! Como as
ruas fe inundavaô de procifsôes de-
votas , efpalhando-fe em alternados
coros os louvores da Virgem ! Erao
para ver as maravilhofas conversões,
de que todos os dias haviao pere-
nes provas! Reílituir-fe á Igreja pu-
ra , e immaculada a Fé de feus dog-
mas : a paz, a concórdia tornarem
a raiar nos hoíTos horizontes, naõ foi
tudo devido ao Santiífimo Rofario ?
Mas eu pertendo referi r-vos to-
dos os bens , que fe encerrao no Ro-
fario Santiífimo de Maria. Quem en-
freia a braveza das ondas , que er^
guendo-fe como efcarpadas ferras »
parece que querem affogar as eítrel-
las? Quem ferena as tempeftades, con-
tendo os ventos no cárcere, aonde
bramem afferrolhados , e prezos ? Se
os raios fe apagao na Athmosfera :
fe
■fMiiii
It
IÍ|
IZ2 O R A Ç A 6
íe as doenças fe aplacaó , quem pô-
de negar que tudo muitas vezes nos
lem vindo do Santiífimo Rofario ,
como fonte inexhaurivel de tantos
bens?
Ao menos , Senhores , que ex-
tenfao naô daria ao meu difçurfo ,
fe cingindo-me ás provas, que da ex-
periência podemos tirar, eu vos abrif-
fe os Annaes daquella Religião , que
tem por timbre, e por principal de-
ver adiantar, e promover o culto do
Rofario? Vós verieis os demónios
fugindo do corpo dos energúmenos
como leões , a quem eícaparaó das
garras as innocentes prezas : Vós ve-
rieis os mortos levantado-fe do hor-
ror das fepulturas , tornados á vida
que perderão : vós verieis as amiza^
des illicitas convertidas em matri-
mónios fantos : os ódios implaca-
yeis . . •
/ Mas ai I que funeíla lembrança
me vem interromper agora ? Quizera
deixar de vo-la comunicar j mas o mi-
nifterio que exercito , nao foíFre que
vo-la envolva em filencio. Todos re
ci-
^ V,
• A o SS. ROS A R 1 O. 123
cítao o Rofario : poucos ha que do
feu peito o naô rragao pendente. Po-
rém de que procederá , que he raro
o fruto que fe colhe ? Terei eu fido .
demaíiado no que vos tenho dito?
Naô , Senhores : Nem por génio ,
nem por educação devo fer encareci-
do. As minhas^palavras levo-as fem-
pre á balança do Sanfluario. Pezo-
as exaílamente. Sabeis qual he a ra-
zão do que por defgraça noffa expe-
rimentamos ?
Naô bafta que os noíTos lábios
fe appliquem aos louvores de Maria.
Naó bafta recitarmos todos os dias o
Rofario. Parando fimplesmente nifto,
pouca utilidade tiraremos de exercí-
cio taô pio: de devoção tao impor-
tante. Releva que nafçaõ do cora-
ção as noiías. vozes. He unicamente
como fubiráo á maneira de vara de
odorífero incenfo ao Throno do Al-
ti/fimo.
Nem todos os que dizem : Amen»
amen , faô aptos para o Reino de
Deos. Sem recolhimento de efpiri-
to , fem gravidade de íemblante , de
que
m
III
Hf
Í24 o R A Ç A 6
que valerão as noíTas orações ? Fal-
íamos com Deos : falíamos com fua
Sanfiífima Mâi, de que refpeito nao
devemos eftar cheios ? Se. nós faze-
mos as vezes do Archanjo Embaixa-
dor , qual importa que íeja o nof-
fo acatamento ?
Recitai pois o Rofario com mui-
ta devoção. Eu vos feguro , Senho-
res , que os voíTos deíignias feráo
profperados na terra : as voíTas al-
mas bemaveníuradas no Ceo. Quei-
ra Deos , que lá nos vejamos todos,
cantando com os 1 ou vor^es ide Maria
as mifericordias de Jesus.
DiíTe*
ORA-
M
22f
O R A Ç A Õ
A S. AGOSTINHO.
Qut fuerit , & docuerit , hic mag-
nus vocabitur» Maith. c. 5.
COmo fa6 incomprehenfiveis os
juízos de Deos ! Nao ha mão
que poíTa correr o tapado, e
denfo véo , que os cobre. Nem fe in-
veftigaõ : adorao-fe : pois por cami-
nhos que a nós nos parecem aveffos,
conduz muitas vezes aquelles homés,
dos quaes conforme a economia de
feus invariáveis decretos , a tempo
qpportuno fe ferve , para levarem ,
como vafos de eleição , de boca em
boca ás extremidades do Univerfo ,
com o conhecimento de fua Lei , a
gloria de feu nome. Sem que engra-
xe huns com outfos exemplos , vós
tendes aprova no Santo , de quem
cu, incorporando-me comvofco , de-
termino hoje louvar as acções no Pa-
ne-
la ■
mÊf*
L'):
126 O R A Ç A S
negyrko , que por obedecer-vos lhe
coníãgro. Nao he neceííario que vos
diga 3 que he do voíTo , e do meu
adorado Agoílinho , que vos fallo,
Qiiem o obfervaíTe na primave-
ra de feus annos juvenis affanando-
fe por confeguir a fatisfaçao comple^
ta de feus appetires , que encarniça-
dos, á maneira de roazes , e esfaima-
dos lobos , engollilo , e devorallo
queriaõ no feu ávido feio; como fe
lafíimaria de feu deítino , temendo
que feguindo os caprichos de fua des-
regrada vontade , infelizmente arre-
mataííe a cat"reira de fua vida, como
Sanfa6 no regaço da pérfida , ainda
íque formofa Dalila ? Prazeres vergo-
nhofos , cubica de honras , e de ap-^
plaufos 5 infaciavel fede de faber tu*
do y eis-aqui as paixões que cria , e
ceva no feu coração : enfurdecendo
ao confelho dos amigos , ás lagri-
mas da mãi carinhofa , e aos afpe-
ros remorfos da confciencia , que pa-
ra o confeguirem , e eftradarem vã-
mente fe esforça vao.
Mas quando menos p efpera,naá
raf"
A S. A GO S T I N H o. 127
rafga a venda, que deslumbrando-o o
cega ? Ferido mais que de aguda , e
farpada fetta daquelia graça , que
de hum perfeguidor faz hum Apof-
tolo, naõ erige fobre os feus erros,
que envergonhado , e confuíb publi-
camente detéíla , o padraô que im-
morraliza na poíleridade a íiia virtu-
de : exultando de alegria Ta gaite ,
que na Africa lhe dera o berço , Mi-
lão, que na Europa lhe infundira a
perdida fé, e a Igreja que já o con-
íiderava como hum de feus mais íó-
lidos apoios contra a invafaó de nao
fei que raça infame de viboras , e de
baíilifcos, que com os nomes de Ma-
nicheos, Donatiílas, e Pelagianos per-
tendiaô dilacerar-lhe a inconíutil tú-
nica, negando a fincera crença da mor
parte de feus dogmas ? Como faó in-
compreheníiveis os juizos de Deos !
Ora naõ devendo eu aíFaílar-me
do Evangelho , de quem fou Mini-
ftro, que matéria poffo efcolher, que
mais íe amolde , e a juíte ao texto
que tomei por tliema ; que moftrar-
vos* Senhoras, o direito com que o
Pai
•í
128 o B A Ç A 3
Pai 3 de quem fois beneméritas filhas,
fe conflitue apar dor Grandes gran-
de no Ceo , pelo que enfina , igual-
mente que pelo que obra : Qui fe-
cerit , ^ docuerit , hic magnus do-
cabiturt A fua fciencia , e a lua fan-
tidade , traçando o piano da Oração,
que me ouvireis agora , de que bri-
lhantes imagens naó enriqueceráõ o
meu difcurío , fe vós como partes
intereíTadas , naó fó me lifongeardes
com ã voíTa attençaõ , mas me aíFer-
vorardes com as voíTaá^ preces , pe-
dindo ao Cordeiro fem mancha , de
quem fois Efpofas , que com huma
faífca do incêndio, que ardia no pei-
to do illultre Africano, inflame a mi-
nha lingua? E na certeza de que fa*
reis o que vos rogo, cheio de confian-
ça cheio de goílo entro na empreza
promettida. Eu começo , Senhoras.
MEfquinha condição do homem !
Ainda do que he bom , muitas
vezes feiamente abufa. Ornar , e en-
riquecer de efpecies o noflb enten-
dimento, fazendo no eftudo, a que
cur*
A S. A Q o S I* I N lí Ò* 115
turvados lobre os livros nos appli-
camos , rápidos progreíTos ,* que van-»-
tajens nos naó traz comfigo ? Toda*
yia o indifcreto, e demafiado defe-
jo de faber, de que damnos naò tem
íido no Mundo funeíta caufa ? Sem
que nos lembremos do exemplo d©
noíTo primeiro , mais que progenitor,
parricida, que cedendo ás fuggefloes
da manhofa Serpente , nos perdeo a
todos , por querer conhecer o mal ,'
e o bem, levando além do juílo a fua
fciencia : Eritis fictit Dii [cientes
honum^ ^ malum. Vós rendes a pro-
va no Ínclito Pai de quem fois dig-
nas filhas.
Que delicadeza de engenho, que
promptidaô de memoria, que prefen»
ça de efpirito, que Índole viva, ar-
dente 3 e refoluta naô era a fua? Eis^
aqui porque fem temermos, que nos
taxem de encarecidos , nós podemos
denodadamente affirmar , que o que
para os mais feria o fruto de longas
vigílias , de íizudas , e repetidas re--
flexões, de brancas cans , e de hum
Gonfumraado juizo , p«ra Agoftinho
I foi
f gó Oração
foi a flor de fua nafcente , e tenra -
doutrina/ Para com prehender qiíanto
de myíleriofo , e de recôndito eníi-
naraó os Trimegiílos , os Sócrates ,
e GsPlarÒes, precifou por ventura,
ou do foccorro dos Meftres , ou da
frequência das Eícolas ? Guiado uní-
Gamente de fua quaíi mila:grora intel-
ligencia , naÔ fouhe quanto de fan-
taftico, e univerfal eílab^reccràô nas
Academias de que erao Chefes os Pi-
thagoras, os Democritos , e os Arif-
toteles ? Que tinha já de maravilho*
fo a Fabula , já de heróico a Hiílo-^
ria, que naô defenvolveííe ? Como fe
viajaíTe pelos Ceos de eftrelia em ef-
treíla , com que erudição n^o expli-
•cava as cifras , os geroglificos , oà
oráculos , e as cabalas dos Caldeos ,
€ dos Egypcios, das Sibyllas, t dos
Rabinos, attrahindo a quem o ouvia
com a fuave força de fua eloquência ? Ê
-SoíFrei-me , que forrando- me a diíFu-
fos, ainda que pompofos , difcurfos,
com huraa pincelada complete o qua-
dro : faltariao as fciencias á Agoílinho:
nunca Agoílinho ás fciencias» Sabia
tud;0, Senhoras^ Mas^
A S. A G OST I N H O. I3I
Mas devorado da ambiça6 infa-
ciavel de nada ignorar, em vez de re-
ferir ao Pai dos lumes, que he a fon-
te, de que perennemente manaò para
nós todos os bens , as luzes de que
cada dia illuftrava mais a íua mente,
mó fe precipita no abyfmo de feus
erros , até reputar por fraqueza mu-
lheril a humilde ^ e fincera crença
daquellas verdades , que excedem á
baixa , e acanhada esfera de noíTa
compreheníao ? Prevenido da falfa ,
e fuperfticiofa fabedoria dos Gentios,
nao menos que das imagens , ainda
que brilhantes , das poéticas ficções,
que efcaldando a- noíTa fantaíia do-
cemente nos arrebatad , naÓ come-
çou a enjoar-fe da íingeleza (belia,
c mageftofa íingeleza ) das fantas EC^
cripturas , mofando da credulidade
dos Padres , que tra<
içao
formão o
Ç lano da refpeitavel , e infallivel
Vadiçaô ? ISIa6 começou a agra-
dar-lhe , fenao a louvar a fórdida,
e vil Theologia do Paganifmo ? A
Celebrar, fenaó a crer as engenhofas
mentiras da Grega Mythologia ? Di-
1 ii ga-
^ «
01 1
til
!^ IW>
t^^í o R A Ç A 5
ga-fe tudo: como fe por Iiuma parttí
íe envergonhaíle de fe alTimilhar coni
os brutos: como fe fe iaftimaíTe por
outra parte, de que foiTe immorral a
fua alma , que naó trabalha por fe
illudir a íi mefmo , repartindo en-
tre duas Divindades , huma iniqua
e maligna , outra juíla e fanta , a lo-
berania , e o império de tudo o que
pertence ao corpo, e aos feus fen-
tidos , ao efpirito , c á fua razão !
Herefía , Senhoras, a mais nefanda ,
que do Reino das defordens , e da
morte tem vomitado , e diíFundido
pela terra o noíTo commum inimigo,
para corromper, e empeílar os ho-
mens.
Santo três vezes Santo Deos í
na6 he eíle com tudo aquelle Agoíti-
nho , que na eterna , e immudavel
ferie de voíTos juizos, vós tendes ef-
colhido para luz de voíTa Igreja, pa-
ra defeníor devoíTos dogmas revela-
<dos , e para raio que reduza a cin-
zas a maldade, e o erro, como Doul-
tor invifto da graça , igualmente
que como triunfo o mais gioriofo de
noíTo
À S. A G o ST INH o: l^i
hoíTo divino Mediador Jesus Chriílo,
fendo o exemplar porque em todas
as idades fe ajuftem 5 e amoldem os
Cenobitas na ília contemplação, os
Sacerdotes na fua pureza , os Biípos
na fua caridade ? E fera eíla a vez,
que contra os voííos invariáveis de-
cretos prevaleça a humana malícia?
Porém que he o que eu digo, Se-
nhoras ? Como naô adoro antes a
próvida, e prodigiofa economia, com
que o fupremo Arbitre de noíTos co-
rações fabe, por caminhos que a nos
nos parecem aveííos, conduzir aquel-
las almas, que prezas por algum tem-
po com as douradas , mas vergonho-
fas cadeias do peccado 5 dao uhima-
mente aflenfo á cândida verdade, pa-
ra fazerem mais palpável a miferi-
cordia de noííoDeos? Tal foi Agof-
tinho ; porque do diáfano, e reful-
gente Sólio que occupa , deferindo o
Todo Poderofo ás preces , e ás la-
grimas da Mãi carinhofa \ para que
íua cafta Efpofa tiveíTe hum filho ,
qu€ mais a honraíTe , naò fó com^ a
fua doutrina , mas com as fuás vir-
r/ /':
•'i.
t34 O R A ç A 6
íudes , com que induftrias naó faz J
que nos aduítos rochedos da Africa
foafle a fama de Ambrofio : Ambro-
íio , hum dos Padres mais eloquentes,
que por entaó fe conhecia ?
Arde o ilhiílre Moço no defe-
jo de ouvir. Pertende , fe he poíH-
vel, aproveitar-fe , e inílruir-fe mais.
Milaó o chama. Ternos laços da
amifade, eftreitos vínculos de paren-
tefco , com que valor vos quebra !
Na6 parte , voa para MilaÒ : e prin-
cipiando primeiro por curioíidade ,
depois por goílo , pouco a pouco ,
coíno orvalho , que callando bran-
damente a terra , a fertiliza , fe [Qn-
te fuavemente attrahido da formoíu-
ra daquelles difcurfos , e da energia
daquellas verdades, que como Mi-
niílro da palavra , vibrando a efpa-
da de dois gumes eníinava as fuás
ovelhas o Paílor felicito ? Que mu-
dança da dextra do Excelfo ! Con-
funde-fe Agoítinho : defpe o homem
velho: e chamejando nas íuas faces,
naô fei que novo amor , que derretia
o feu coração como moUe cera , já
de-
A S. A G o ST I ÍTHO; 13?
a^teíla a impia feita, que feguira, de
feus prazeres impuros, já fe enver-
gonha naõ podendo foportar o pe-
zo dos ferros, que em torno dos rios,
que banhaô os muros da proítituida
Babylonia, como cativo de íuas pai-
xões arraílara. A humildade, o co-
medimento , o defejo de padecer, o
defejo de fer defprezado para dar al-
guma fatisfaçaò dos crimes que com-
jnettera ; eis-aqui os aíFeélos a que
dá fó lugar no feu animo, bufcando
nos fantos Códigos o reparo dos
damhos , que fe caufara a fi mefmo,
quando, como empavezado galeão, fe
lorveo , e engolfou no largo , e pro-
cellofo mar das fciencias , que o Sé-
culo enganador eílima : fciencias que
conforme o Apoílolo , inchao , edef-
vanecem. Que mudança da dextra do
Kxcelío 1
Conhecello-heis vós agora. Se-
nhoras, envolto 5 e miíluradô com a
fimples , e ignorante turba dos Ca-
thecumenos, a cabeça inclinada fobre
os hombros, os olhos baixos, as mãos
erguidas , aprendendo os Dogmas de
aoffa
; li
'S3^ O K Á Ç À o
noíTa Fé fantiffima , pedindo , banha-
do de lagrimas, o baptiímo? Conhe-
cello-heis vós , mais que efcondido,
enterrado vivo em efcura , e afpera
gruta 5 cingido de cilícios , mirrado
de jejuns ^ e retalhado de difciplinas,
que com o fangue que de fuás veias
efpremem , eníopa , e quaíi abranda
aquellas rijas pedras, beijando huma
vez, beijando muitas vezes a Cruz
de feu Deos, com quem intimamen-
te fe abraça, pállido , e tremulo co-
iro convulfo , na coníideraçaó da
eítreita conta que lhe havia dar de
feus erros paíTados ? Conhecello-heis
vós, quando elevado a dignidade Sa-
cerdotal , íe abate , e fe confunde ,
reffledlindo que nem os Anjos com
toda a fua pureza feriao capazes* de
defempenhar ? Que vibrando a efpa-
da de dois gumes, teve fempre ao
feu ferviço a vidloria, infpirando nos
peitos de quem o ouvia, com o temor
depeos o amor das virtudes ? Conhe-
cello-heis vós ...
Mas eu quero, fondando os abyf-
mos dizer-voSp que vergado com o
pezo
A S. A G O S T I N H O. 137
piezo da Mitra de Hiponia he entaá
que a fua humildade he a mais pro-
funda, o feu zelo o mais fervorofo, a
fua caridade a mais ardente , promo-
vendo os intereííes da Religião , de
que era folícito 5 e vigilante cultor?
Quem mais terno com os pobres ,
que como pai o bufcavaó , para que
cobríndo-lhes a defnudez , e maran-
do-!hes a fome, lhes fuavizaíTe os
males porque paíTavaÔ ? Podia af-
firmar com aquelle Príncipe da Idu-
mea , que a commiferaçaõ , e a pie-
dade nafceraó com eile. Nas fuás do-
enças naó era ínfeparavel de fua ca-
beceira, ora adminiílrando4faes os re-
médios , ora confortando-os para fo-
poriarem , fe naó com goílo , com
reíignaçaô a fua cruz, pofto que pe-
zada? Quem mais déftro, e incanfa-
vel guiando , e conduzindo as almas
pelas efcabrofas varédas dâ perfei-
ção ? Caftas Virgens, confeíTai vós ,
le naó era Agoftinho quem vos *in-
flammava para vos uuirdes a J e s u s
Chrifto com o laço de hum confor-
cio quali angélico , pizando o Mun-
do ,
Mi
n
fjS o R A Ç A 8
do, as fuás pompas , e as fuás enga-
nadoras vaidades ?
Que Ímpia Seita defpontou , e
nafoeo nos feus dias , que naò arran-
caíle ? Que duvida que com a fua
doutrina nao efclareceíTe ? Que Dog-
ma, ainda que fortemente combatido, J
que naó fuftentaíTe? Qaando a Igreja *
gemia debaixo de alguma per fegui*^
çaô, nao era fempre o Teu apoio? Nos
feus triunfos , o feu braço naô era
fempre quem mais fe aífignalava , le«
vantando fobre as ruinas dos Pelagia-
nos , dos Donatiílas , e dos Manir
cheos o troféo, que immortaliza na
poíleridade a fua gloria? Oh grande
Agoftinho, naó fó pelo que obras ,
mas peio que eníinas ! Quem te naô
louva? Qui fecerit ^í^ docuerity hic
magnus vocabitur.
Já me naô admira, que unindo
com a íimplicidade de pomba a af-
tucia de ferpente , de forte preve-
jiiíTe 09 damnos , que podiao lavrar
no Chriftianirmo, pela malignidade
de alguns chamados Filofofos , que
querendo com a fua razaõ penetrar
arca-
A S. Agostinho. 139
cremos , que nem he licito averigu-;
ar^ fó porque os naÔ comprehendem,
liegaô os nolíos mais fágrados Myfte-
rios, nos deixaíTe nas fuás obras (ma-
raviíhofas obras) as armas para os
vencermos , zombando dos foíifmas
com que pertendem i!ludir-nos! Q^ie
para que^ perfeveraíTe na terra a íua
memoria, depois que a fua alma cin-
giíTe no Ceo a coroa , que lhe com-
petia, fundaíTe fantos Moíleiros, pa-
ra os quaes iranímigrando o feu ef-
pirito viííemos com o feu Inftituto
reproduzidas as fuás virtudes ! Taes
fois vós , Senhoras , que na6 dege-
nerando do tronco, de que fois pre-
ciofo fruto, teceis com a voíTa exaâ:a
obfervancia o mais delicado elogio
de Agoftinho.
Já me nao admira , que até nos
feus erros fe fizeíTe grande , confef-
fando-os publicamente , e deixando-
os gravados na lembrança de todos,
para dar , ainda depois de feu glorio-
fo traníiío, hum irrefragavçl teílimu-
nho de fua humildade , igualmente
que de fua penitencia. Vós fabeis co-
mo
1
u
, /• .
,,|;^l
'146 O R A Ç A 6
mo nós fomos indulgentes com oÉ
noíTos defeitos , querendo , já que
Jiãô defculpallos, ao menos encubril-
]os , apagando-os da memoria dos
homenç. Agoílinho pelo contrario :
como os divulga 1 como os perpe-
tóa , deixando no livro de fuasCon-
íifsóes eternizadas as fuás primeiras
maldades, que podiao ferdefcul pa-
das facilmente , attendendo aos feus
pouco experimentados annos !
E fera maravilha , que o fek
amor para com Deôs fe refinaffe tan-
to , que íuíFócado todo o temor fer-
vi!, naô ceflaíTe de exclamar : Eu vos
amo, mas fem que as vojfas promef-
fas me animem , e as vojfas amea-
ças me att errem. NaÕ he o medo do
Inferno , nao he a ej per anca da Glo*
ria porque eu vos amo, E que tar--
de vos conheço , ó antiga , ó nova,
belleza !
E naõ feria natural , que fentin-
do também a Africa a defgraça por-
que paflava o Latino Império, quaíi
aífolado do furor dos Bárbaros , vcn-
do-fe Hiponia cercada doExercito ini-
mi-
A S. A G o S T I N H o. 141
tnigo, como filhos aos braços do pai
carinhofo , correíTem todofe á prefen-
ça de Agoítinho para lhes acudir ?
E que enternecido de íuas lagrimas
pediíTe a Deos , que embainhando a
efpada de fua ira , falvafle o feu cha-
ro rebanho, naõ fó do damno tem^
poral, que o ameaçava, mas do pe-
rigo que corria a íua Fé entre ioi-
migos de noíFa Religião : concluin-
do 5 que ou fortificaíTe a lua decrépi-
ta velhice, para fe oppor a tantos ef-
tragos , ou terminaíFe a carreira de
fua vida , para naÕ Ter trifte , e in-
confolavel expedlador de tantos ma-
les ?
Defcança , Ínclito Agoftinho : as
tuas preces faô deferidas : porque car-
regado deméritos, e de virtudes ,
mais que de annos , devorado de tua
caridade , de quem fofte fempre a
viílima , naó como huma arvore que
fe arranca , mas como huma luz que
fe apaga , repoufas erernamente no
feio de teu Deos , por premio daa
«cçoes heróicas , com que te fizefte
grande na içrra ^ grande no Ceo t,
TT-m
I4^ Ora ç a^
Quifecerit , í^ docuerity hic magnuf
'vocabitur.
Agora reílava que volveíTe para
vós a minha Oração, congratulando-
me comvoíco pelo Pai que tendes.
Mas íe he vantajofa a voíía felicida-
de, participando da honra que confe-
guio, facudindo o jugo que por com-
pridos annos lhe trilhara a quali cale-
jada cerviz: íe he vantajoía a voíTa
felicidade convertendo-fe para o feu
Deos pela íabedoria aprendida nas
Chagas de Jesus Chrifto , bebendo
como Águia raio a raio as luzes da-
qutlle Sol dejuíliça, que adoramos
no Sacramento Auguítode noíTos Al-
tares : fe he vantajofa a voíTa felici-
dade pelas proezas , que executou ,
cumprindo fielmente os deveres do
íummo Sacerdócio que o decorara :j1
quanto maior fera a voíía ventura , fé|
perfeverando fegurardes a voíTa finalj
juftiBcaçao, para que como Filhas de
Âgoftinho na terra, participeis de fuaj^
grandeza no Ceo i
DIíTe.
ORA^
MJ
O R A q A Õ
A SANTIAGO.
Poteftis bthere calicem\ qtiè^ ego hi^
bit urus Jum} Manh. c. 20.
A Cruz he o património dos juf-
tos. Sem padecer ninguém fe
falva. He efte o exemplo, que
Jesus Chrifto nos deixou gravado nas
acções de fua vida : he efta a doutri-
na , que nós lemos, definida , e ca-
nonizada no fanto Evangelho.
Eis-aqui porque quem naõ tiver
valor para arroílar os perigos , e a
morte , bebendo o cálix , ainda que
amargofo , da tribulação , sãmente fe
lifongeará j com a efperança de con-
feguir o Reino de Deos : Reino qtte*
fó os violentos arrebacao. \
Eu nao neceífito revolver os Fa*^
fios da Synagoga , e da Igreja, para
engrazar humas com outras as pro-
\dk% da verdade ^ que i^% digo. Baf-
f "H
I
'I! i^
3:44 O R A Ç A 6-
ta trazer-vos á memoria o grande Pa-
trão das Hefpanhas, a quem vós com
os voíTos cultos confagrais os vof-
fos corações. Santiago Maior : nome
que vale por muitos elogios.
Mais que nos feus ouvidos foa
na íua alma a voz , que das ribei-
ras de Galiléa o chama. He voz de
Deos 5 que nem honras , nem ri-
quezas lhe promette : bens de que o
Mundo enganador coíluma tecer , e.
matizar os laços com que nos pren-
de : mas trabalhos , e perfeguiçõee
que faò os frutos que colhe , quem
contradizendo fempre a fua vontade,
vive conforme a juftiça. Com que
goílo pois lhe naÔ obedece, fazen-
do prompta , e generofa abdicação
do que poíTue para melhor o feguir?
Ora eu , que em cumprimento
àp miniílerio que exercito , me nao
devo demorar com propoíições, ain-
da que engenhofas , eftéreis , determi-
no moftrar-vos já no zelo com que
propaga por. Climas, e Regiões re-
motas a luz do Cruciíicadoj^já na
intrepidez com que foporta q mar-?
A SanTI A G O.' 145'
tyrio, efmaltando com o fangue, que
verte, as palmas, de que enrrama a
vidloriofa téíla, a fidelidade com que
Santiago correfponde á fua vocação :
única reflexão, que traça o plano do
Panegyrico, que vou a recitar na vof-
fa preiença.
k Grande Sacerdote , na6 he fó a
pobreza de meus talentos , que em-
bargando-me na garganta as palavras,
me intimida \ também o refpeito me
atalha. Mais que o fangue Régio qée
vos authoriza, amo as virtudes bellas
que vos ornao. Os retratos daque.l-^
les Príncipes, que pendiao de voíTas
antecameras no Século, Príncipes de
quem derivais a origem , as inípi-
rárao : aperfeiçoando-fe depois nb
Clauílro , de que benevolência vos
nao encherão agora para me defcul-
pardes ! Euvo-!o peço : Eu o cfpe^
ro. E na certeza de que me atten-
dereis com benignidade , fem mais
proemios, que reputo efcufado??, en-
tre-fe na empreza promsítida. Eu
começo 3 Senhores»
M
K
Con-í
' ■
146
o R A Ç A 6
/f^ Onfundo-me , fempre que íizu*
V_^ damente coníidero , que fendo
a Gloria o principal objedio , a que
devemos encaminhar os noíTos votos y
a Gloria , Senhores , para que Deos
nos cria , para que Deos nos chama,
com tudo fao muito poucos aquelies,<
que para a confeguirem correípon-
dendo fielmente á ília vocação, appli-
caô as precifas diligencias. Engolfa-
dos , e íorvidos nos goílos vãos do
Mun^o , que ainda que por dourada
taça fe bebaõ, deixaô no fundo amar- j
gofas fezes , naÔ he com hum vergo- 1
nhofo defprezo da fanta Lei, que pro^
feíTamos, que fe paíTa a vida toda ?
Nefcios , exclama da Cadeira de Hi-
ponia o voíTo eílimadiílimo Agoílí-
nho y que fentados fobre as margens
dos rios, que torneiâo os muros da
proítituida Babjlonia , nao he de ef-
trellas que fe coroao , mas de flo^
les , que , ou com qualquer Sol fe
iBurchao, ou com qualquer vento fe
desífoihao. f
Eu me admiro mais, repaíTando
.3 pe-
HT"^-.
A S A N T r A G o; 147
peia minha lembrança , as folicitas
fadigas , com que a mor parte dos
homens aíFanando-fe fe esforçaô, para
mandarem á poíteridade a íua fama,
por melo de humas acções , que fe
naõfaô temerárias, necellirao ao me-
nos de hum valor heróico , para fe-
rem , naó digo eu já executadas, mas
íimplesmenre comprehendidas. Que
os Euros, e os Aquiloes, folros do cár-
cere; aonde como leÓes raíyofos bra-
mem aíFerrolhados , e prezos , decla-
rem a guerra a eíTes lenhos nada-
dores, que oufados atraveííaó os Re?-
nos procellofos de Neptuno : que ef-^
tremeçao o ar accezas b^JÍas, cobrin-
do de fumo, e de horror os enfan-
guenrados campos de Marte , eíles
naÔ fao perigos que congelem nas
veias o fangue ao Argonauta aíFoito^
que ericem na cabeça os cabellos
ao Capitão intrépido ! Nao reprovo
eftas gentilezas de efpirito, Sao ju-
ftos os applaufos , que univerfalmen-
te alcançao. A Pátria , a honra , e o
Rei , merecem muitas vezes eííe fa.
erificio. Mas quem obra taó eftupen.
K ií das
mm
14? O R A Ç A 8
das maravilhas , para grangear íiúrit'
nome , que as mais das vezes fe con-
funde com o rude , e groíTeiro pó da
fepultura : porque nao infiftirá refo-
luto na conquifta de huma gloria ,
que nem o tempo, por mais que ra-
pidamente volva a roda de feus ân-
uos , nem a inveja , por mais que
refine o veneno de feu ódio, nos po-
dem tirar ? Huma gloria eterna.
ConfeíTo, que com a noíTa natu-
reza eítragada pela culpa, mais fe con-
formao os regalos, que as mortifica-
ções. Porém aicançaraó-íe nunca pré-
mios grandes com difpoíiçoes vul-
gares , como da eminência do Vati-
cano aíiirma S. Gregório ? Vede o
que faz AbrahaÔ para obter a benção
promettida. Qiiebra, e defpedaça to-
das aqueilas cadeias, com que o amor
natural tao forte , como fuavemente
nos prende desde o berço. Naô fò
fe arranca daquella terra , que co-
mo fegunda mai carinhofamenre nos
recebe no feu regaço , mas daquelles
primeiros ares com que refpiramos
a doce vida» O braço, que defembai-
nha-
I
ik ^'1
■i'. J^X'.
A -S A N T I A G o; 149
«hara o cutelo para vibrar o golpe
febre a garganta do innocente filho,
ainda parece que eonvulío , e aíTuf-
tado treme. Dçiíça o certo pelo du-
vidofo ; o prefenre pelo futuro : dei-
xa tudo 3 crendo na efperança con-
tra a efperança. E vós entre brandos,
e mimoíos prazeres , quereis cingir
na cabeça a coroa de vencedores fem
^deftrardes primeiramente a mão na
peleja ? Non coronahittir ntfi qui le-
gitime certaverh,
Bellas , ainda que afperas verda-
des, como embebendo-vos no cora-
ção de Santiago illuílraíles o íèu en-
tendimento ,, pára correfponder fiel-
mente no feu Appílolado á fua vo-
cação, que he o meu aííumpto! Nao
faílo na promptidaô, com que de tu-
do o que poíTue faz género ío faeri-
ficio para feguir o feu J;^us. Conhe-
ce que o jMundo he humá figura que
ÍDaíTa : as fuás honras fe bfilhao, he
com hurha luz, que, como a do re-
lâmpago, mais do que efclarece, def-
lumbra. Eílreitos vínculos do fangue,
íloces laços da amizade, riquezas , na*
d^. Q prende, - - -^^^
10 O R A |f â B'^
Nao fallo íio ardor com que íu*
bindo de virtude em virtude á ma*
neira de Águia real , que eftendçn-
do o voo fé remonta por cima dâ^
nuvens , começou a entranhar^fe no
coração de feu Meílre. Naó he horn
dos Dilbi pulos mais amados do Re-
demptor ? Se fe transfigura, nao o
quer por teftimunha ? Havendo de
tornar á vida a filha morta do Archi-
íinagogo, nao o chama para que pre-
fencee aquelle prodígio ? Antes que
ééÇ[c principio á tragedia ( fuiíeíliíli-
una tragedia) de íua PaixaÓ , êmbre-
nhando-fe na efcuridade da iloite pe-
io monte das Oliveiras para orar ,
nao o leva por teftimunha ?
Nao fallo na fua ardente cari-
dade , exercitada com o próximo.
Deixou acafo de acudir fempre á
neceílidade dos pobres , que como
Pai o bufcavao para que os foccor-
reÇÇe} Seníivel aos males porque paí^
fa a mefquinha humanidade na falta
dos bens de que precifa para a fuâ
fubíiftencia , reftos defgraçados da
culpa da origem , que todos con-
tra-
A Santiago; ifi
trahimos , de que terna compaixa6
fe nao enchia ? Cs mais defampara-
dos naÓ erao os mais favorecidos? A
quantos roílos pállidos , e defcarna-
dos tornava com a alegria a paz, e
o focego, de que esbulhados eíia-
vaô; matando a huns a fome, cubrin-
do a outros a esfarrapada , e vergo-
nhofa desnudez ? Eíías nao faô co-
res, que eu artiíicioíamente efteja car*
regando na palheta para fazer mais
recommendavel a memoria de San-
tiago. Conheço as minhas obrigações.
A minha língua naô devo profanai-
la, e corrompelia com exprefsoes que
nao fejao levadas á balança do San-
tuário. O que vos digo, fa6 verdades,
que conílaô das Adas de fua vida :
faõ verdades inconrroverfas.
Com humas qualidades tao ra-
ras, com humas virtudes tao fólidas,
com humas difpoíiçoes tao antecipa^!
das, nao me admira que Santiago no
feu Apoíloiado lâvrâlTe a eílatua com
que a fama engroííando o brado tem
feito inmmortal no mundo o fcu No-
me amável. Zelo, quç devoravas, de-
tém
T«"
mn
!t|
ly^- o R AÇA 6
tem a torrente de erpecíes , que agò*
ra me mandas. No meio de hum
concurfo de acções , que como de
tropel íe me eítaô apreíenrando , to-
das dignas de fe ponderarem , he-
róicas todas , nenhuma difficuldade
tenho de vos affirmar , que a mim
me íuccede o meímo , que áquelles
que atrevidamente fe põem a regiílar
os raios do Sol , fem o foccorro de
algum vidro, que tempere, e modifi-
que a brilhante copia de íeus refplan-
dores , que nao podendo fuílentar a
aidividade de fuás luzes, tímido, en-
vergonhado, e confuío, fixa os olhos,
volta a cara, quaíi cego defifte da
empreza.
Mas ainda que emmudecendo eu
as omirtiíTe, o publico pregão , que
TiOs íioíTos ouvidos conílantemente
foa , nao confeíTará que na fua em-
prendida carreira ^ nada houve que
ihe embargaíTe o rápido pé, trazen-
do feuipre pendente de íeu braço a
ViCioriâ ?
NaÔ confeíTará, que como agri-
cultor foliei £0 fazia reverdecer já na
Ju-
A S ANTI A G O. Ifj
Judéa , já na Samaria novas plantas^
que curvadas com o pezo de fazo-
nados frutos , derao de fuà fé in-
conteílaveis provas no brio com que
foportaraô os rigores da perfeguiçao,
levantando fobre as ruinas da Syna-
goga os troféos de fua gloria ? Nao
confeílará , que atropellando longas
diftancias a pé , defcako , toftado do
Sol 5 e enregelado do frio , fe nao
forrava a trabalhos , que fó ao feu
fervor pareciao Toporraveis , arran-
cando na Hefpanha a zizania que af-
fogava o trigo ? quero dizer , a fal-
fa idolatria , que lavrava como fo-
go, que cm fecco mato pega?
Duro, mas gloriofo projeflio, nao
já combater, mas arruinar huma Sei-
ta , que os bens , que promette aos
feus fequazes, faõ viíiveis : que abre
ás honras, aos deleites, e aos applau-
fos hum eípaçofo campo. Vós fabeis
como eftas armas faÔ forres para com-
baterem o fraco coração do homem.
Com tudo Santiago falia. Perdoai-me
que nao diíTe bem. Troveja. Nao íao
palavras que articula j faó raios que
fui-
u
fS^ o RAÇA 6
fulmina, Perfuade , convence , inti-
mida 5 triunfa.
Qual detéfta os feus craíTos er-
ros : qual, para os pizar, derriba da
4ra os mentirofos Numes : aqueJJes
renunciando pelo baptifmo as pom-
pas profanas , cubertos de cinza , e
de ciJicio, deciaraô aos vicios fan-
guinofa guerra : eítes accendendo nas
luas almas defejos de perfeição , pro--
íeítaõ y com o ApoftoJo proteílaõ^
que com os alfanges na garganta ,
que com as algemas nos puifos feraõ
iníeparaveis da fé de Jesus Chriílo ,
que Santiago , correfpcndendo fiel-
mente a íua vocação, lhes pregava.
Porém que lagrimas correm por
tantas conílernadas faces ? Qiie ais
me parece que íoaõ ainda pelos fiu-
idos ares? Jeruíalem, naô eílás ainda
farta do Sangue de Jesus? Ha de
também o fangue de Santiago alagar
as tuas praças ? Porque reduz Hermo-
genes o Magico aò grémio da Igre-
ja^ he que tu re confpifas contra o
zeiofo Apoílolo? Nem te obrigao os
beneficiou que.te fez ?. A que cegos
-. ... ' naô ■'
H V
A S À N T I A G O. Ijf
rja6 reftitue a eclipfâda viíla ? A que
mudos nao defata as prezas línguas ?
Vê como aquelle paralytico , folros
os engelhados, e tolhidos membros,
anda livremente : E naõ te confun-
des?
Sabia Santiago ^ que para cor4
refponder fielmente á íua vocação,
importava muito beber , e efgotar as
fezes do amargofo caliz : fabia que
fem padeeer ninguém Te falva : que
em fim a Cruz he o património dos
feguidores de Jesus Chriílo. Que
o prendao : que carregado de ferros
o lancem , e arrojem em efcuro , e
hórrido cárcere: que a fome o atte-
núe : que a fede o mirre : eíles naÔ
faõ tormentos que o aíTuílem , fao
flores de que guarnece a grinalda
que cinge. Reverberando no feu ro-
íio a gloria que eípera; com que ale-
gria naô eílende a garganta, para que
vibrado o golpe voe de eílrella em
eílrella a gozar no Empyreo a bera-
aventurança de que eternamente g za!
Agora efperaveis vós , Senho-
res, que congratuiando-me comvof*
CO,
ts6 Ora q a 6 \
CO, me trasladafle a Compoftella, aònií
de em paz defcança o feu Corpo 2
que vos referiíTe hum por hum os
prodigios, com que canoniza o íeu
poder , attrahindo do Mundo to-
do os Peregrinos cheios de fé , que
lionrando o feu fepulchro deixao
de fua gratidão illuítres monumen-
tos, nos votos, que pendem das fa-
gradas paredes daquelle Santuário:
que vos diíTeíTe , que no Reinado de
D. Ramiro he que teve principio a
voíTa illuílriífima Ordem , dignando-
fe Santiago de ajudallo nas fuasCon-
qujftas, quando na famofa Batalha de
de Clavijo appareceo fobre foberbo
ginete , cortando com a fua efpada
os louros, de que a noíía fé fe coro-
ara, de que foraô teílemunhas feíTen-
ta mil Sarracenos , por cima de cu-
jos defpedaçados cadáveres tremolou
por muito tempo vidloriofo o Eílan-
darte da Cruz : que vos teceffe hum
luzido catalogo daquelles Cavallei-
Tos , que feguindo o voiTo ínílituto,
deraô de fua religião , e de feu va-
lor brilhantes , e perennes provas.
A S A N I I A G o: 10
Nao, Senhores, o zelo, e a in-
trepidez , com que Santiago correí-
pondeo á íua vocação, para outro ar-
gumento me chamaõ. Os Cânones
melhor entendidos , naõ foíFrem que
vós vibreis a efpada ; mas para fer-
dcs imitadores de Santiago , que
larga matéria naô tendes, já cobrin-
do a deínudez dos pobres , já con-
correndo para a liberdade dos Cati-
vos, já pro'movendo com o voíío ex-
emplo a Religião de que fois Mini-
ílros \ O fangue nobre, que vos ani-
ma , fangue Portuguez , que eílimu-
los vos nao dará para deíempenhar-
des os voíTos deveres ? Ante os vof-
fos olhos tendes o efpelho a que vos
componhais. He como obrigareis a
Santiago : he como confguireis a
Gloria para que foíles creados.
DiíTeJ
ORAí
tss
o R A Ç A Õ
A' CONCEIÇÃO.
Mari^y ãe qua na tus eft JESUS.
Matth. c. I.
ENxLigai, Santos Patriarcas, a»
lagrimas, que ha longos tempos
correm por voíías crefpas , e
enrugadas faces. As fupplicas, que fa-
zíeis aos Ceos para que fe raígaíTcm,
ás nuvens para que choveíTem como
orvalho na rofada manha o Juílo , e
o Salvador, deferidas eftao. Já paííbu
o afpero , e engeiliado Inverno. Por
entre as efpeffas , e carregadas fom-
bras , que cobriaó defuílo,ede hor-
ror o Mundo , vede como raia no
horizonte a ferena , e roxa aurora !
Eílá concebida M^ria. De feu caíto
feio ha de nafcer Jesus, o grande, e
o forteLibertador de Jírael. Difpon-
do-vos para beijar o pé , que intré-
pido calcará a cabeça da manhofa
-i^:.' ^^ Ser.
A CONCEIÇ AO. IfT?
Serpente. Poucos fa6 os triíles mo-
mentos de voiTo cativeiro. Os ferros
que nrraílais era terra alheia, cedo
fe quebrarão. Tornai a pegar nos ór-
gãos , que pendiao dos ramos dos
lalgueiros, Eílremeça o ar com o éco
de voíTos Hymnos. Todas as demon-
ítraçòes de contentamento que fizer-
des, devidas fao a hum Myílerio , que
he a bafe de noíTa felicidade.
Senhores, a terra toda inundada
de alegria com a Conceição da Vir-
gem: e as fuás virtudes taó folidas >
e os feus privilégios taó raros, e as
fuás graças taô exceifas : aquellas
prerogativas nunca concedidas a ne-
nhuma creatura puramente humana ,
a nenhum Anjo concedidas , aílim co-,
mo fao a fonte de noíTas admirações,
porque naô feraô também o aíTumpto
de noíTos louvores ? Neíles termos ,
vós me haveis permittir, que fuppon*
do a Makia pura, e immaculada
naquelle inílante^que a conflitue úni-
ca entre a criminofa poíleridade de
Adão , fem mais proemios que repu-
to efcufados , eu vos moítre qual he
'mmm
Séo O R A Ç A 6
a grandeza a que fe eleva , quaes as
utilidades de que íie para nós fértil,
e inexhaurivel principio a fua Con-
ceição fantiílima : duas Reflexões que
fazem a divifaó do Panegyrico, que
por obedecer-vos, cheio de gofto lhe
Gonfagro. E fe me dais licença, entre*
fe já na empreza promettida. Eu co-
meço, Senhores.
Primeira Reflexão*
QUe vos parece , Senhores , que
querendo eu dar-vos huma idéa
da grandeza a que Ma ria fe
eleva na fua Conceição , eu me po-
rei de propoíito a referir-vos a efcía-
recida eílirpe de que procede? Que
amoldando me ao coftume dos Pa-
negyriílas profanos , eu metterei os
braços , eu revolverei as cinzas da-
quelles Patriarcas , que mandarão á
poíleridade as primeiras noticias da
Religião , confervando no meio da
corrupção dos Povos a Lei natural na
fua pureza ? Daquelíes Capitaens ,
que enlouradas as luas frentes, defen-.
de-
Tf?
^
A C o N C E I Ç A o. l6t
dfrra6 com as efpadas , e com as vi*
cias na réfla de guerreiros Exércitos a
Arca da Alliança P Daquelies Princ^-
pes, a quem Deos pelos feus Profetas
cingio as Coroas , que cfgotaraõ os
theíòuros,que pofluiaó, na fabricada
Tabernáculo , cantando debaixo dê
agradáveis, e engenhofas imagens aè
fom de fuás ly^ras , os amores do efr
perado Meílias com a íiia Igreja ?
Ah, que eftes nao faò mais que
huns languidos , e efcaíFos clar6ês de
fua gloria ! Qs Sceptros alndà que
preciofos : os Eílados , poílo quç
opulentos nada a deívanecem. Dig-
na áika. dos Reis de Ifraei : legici*»
má fucceíFora do ufurpado Sólio de
David 5 naó he. marávilhofa a fonte
de fua elevação ? A fua humildade :
Quia refpexít humilitatern andllíe
fu£ ^ ecce enim ex hoc beatam me
dicent omnss generationes ? Pé f fidos
amadores do Século enganador, que
documento para vós , que feiamente
cfquecidos do pó, de que todos fo-
mos amaífados , nenhum ca fofazêiâ
de huma virtude^ que he a cba^vecom
L que
ism
-i "
n t
|í^2 O R A Ç A d
que fe abrem os cofres da graça i
que he a fonhada Efcada de Jacob ,
por onde da terra fe fóbe ao Geo?
Que vos parece? que para attra-
Jhir mais facilmente os voíTos ânimos,
éu me applicarei a traçar-vos huma
pintura íimples , mas agradável de
lua rara formofura } Daqueila for-
inofura, com a qual fe íizeraõ raô ce-»
lebres no Mundo para com Jacob hu*
jna Raquel, para com Eiimelec hu-
tna Noemi , para com Elcana huma
:Anna>? Fallax gratia y ^ vafia eji
fulchritudo. . . . .1
Ainda que nas fuás faces amor
xeíide , como no feu throno y que a
graça^que deftilJaõ os feus lábios, he
taa copiofa, como a rairrha que cahé
dos brancos lyrios : que o feu collo
he como huma rorre de aiabaftro :
que he como oCarmelo a íua cabe^
ça .; çoírhece Makia, que efte he hum
bem vão ^ que naÔ dura mais , que a
flor mimofa, que o Sol murcha lia ar-
dente féfta ; que o vento desfolha
fia frefca tarde : conhece que he hum
bemj que cora os cftragos, que o tem-»
po
A Conceição. ^(Í|
po faz volvendo a roda de féis an-
nos , perde a galla , perde o brio ,
perde tudo.
Ao menos, remontando mais o
meu difcurfo, esforçarme-heiparavos
referir as fuás virtudes incorhprehen-
íiveis ? Aquelias virtudes, com quô
excede a hum Abel com todo o can-
dor de feus coílumes ; a hum Henoc
com toda a abftracçaõ de feus reti-
ros ; a hum Jofeph com todas as va-
lentias de fua conftancía ; a hum Ja*
cob com todos os milagres de fua
paciência ; a hum Elias com todo o
fogo de feu arrebatado carro ?
Vós pafmais do zelo, com quc!
os Apoftolos efpalharao a sã Doutri*
na do Evangelho , arvorando o fa-
grado Eftandarte da Cruz , nao fó fo-
bre as guinas do Gentilifmõ cega
no Capitólio da foberba Roma? Ad*
mira-vos o defengano dos Paulos, e
dos Antonios , que na primavera xle
fuã idade /fugindo do Mundo como
de hum paÍ2 cmpéftado , naô fei íé
fe recolhem , fe fc enterraõ vivos
jias afperas grutas dos defeitos? Se
Lú fe
Uí
!iH' i
1^4 ; O R A ç A 6
fe fuftentaá 5 he das hervas mais vis ;
fe fe vefteHi, he das pellcs mais grof-
feira^: fe dao algum repoufo ao laG-
fo , e enfraquecido corpo , he fobre
a nua, e fria terra ? Confunde-vos o
valor dos Martyres , que arroílando
impávidos artiorté, efmaltaõ com o
fangueque vertem, as palmas queem-
punhao ? Efpanta-vos.. .
Mas- que lie o que eu pertendo ?
Acafo moftFar-vos, Senhores, que to-
dos os Santos juntos faó huma bai-
xa cópia de taô peregrino original?
Que Maria excede a todps na digr
nidade^ ignalmente que nos mereci-
mentos , como ao débil vime o ro-
buílo , e corpulento ulmeiro ? Quem
tao pego que o nap veja ? Quem ha
taq pbílinado , que o nao confeííe ?
Origem inculpável 5 tu fofte a raiz
de que defpontou toda a fua gran-
deza! Como furprendendo-me meac-
rebatas !
Qye o Mundo todo mortalmen*
te achacaíTe çom a defobediencia de
Adão, ninguém ha entre nós que o
ignore. ;Dcfpidos da cândida eílo-
la
A. C O N C E I Ç À*6. I^
la da primeira Juíliçajunratnèntéconí
a innocencia (beJla , e fórmofa iri-
nocencia) perdemos á liberdade^ per-
demos a honra , perdemos a vida ^
perdemos tudo , Senhores : perde-
mos a alma. De filhos de Deos paf-
fámos a fer efcravos de Lúcifer. E
eraõ tao duros os grilhões, que arra^
liávamos, que a naô fer omnipoten-
te o braço, que os quebrou , ainda
agora gemeríamos debaixo de feu
pezo vergonhofo , e inTopòrtavel.
Vierao como de repelaô fobre nós
todos os males. Huma vontade incli-
nada fempre para o peior. Huns ap-
petites , que nao nos lifongeaõ , ty-
rannizaò. A pobre razaõ fuffbcada ,
e efcurécida nò meio da confufa, e
inteftina defordem das paixões. A
mefma mão , que atrevidamente íe
eftendeo para colher da arvore o ve-
dado pomo , nos abrio a fepultu-
ra : comemos a morte : coniemos^a
€ondiemnaça6. Vede quaes fa6 es peP
fimos eíFeitos de hum peccadó P-E'
nao o deteftamos todos ? ' '
^ Mas que gloria nao he para Ma-
RIA
K.'l
1(5^ O R A Ç A 6
BiA fçr a única, que atraveíTa a p|
enxuta aquella corrente de agoas en-
yenenadas , que com hum diluvio
taô univerfal, como laftimofa, alaga*
xa6, € forvçraô a terra toda ? E ta-
Ihandofe-ihe dos raios dp Sol o ma-
gtíloíp manto , que a cobre, tecent
doíe-lhe dp refplandor das eftreUas q
brilhante diadema , que cinge ; que
gloria nao he para Maria , conftit
t;UÍr hMma nova , e diíFerente Jerar-
quia entre peps , e os Anjos , fupe-
rior a tedos os Thronos, a todas as
^Dominações 5 a todas as Virtudes:
íó a D.^os inferior ? Que gloria naq
he para Maria fer o íris, que no$
annuncía a defejada ferenidade ? Que
emula da valerofa Judith , naó fá
calca a cabeça da orgulhofa Serpen-
te , mas degolla ao Dragão tartareo,.
^rrancando-lhe das unhas as miferas
prezas, que eternamente ferviriaÔ de^
paftp á fua negra , e devoradora gar-?
.ganta.e^ a naõ as refgatar intrépida j,
c corppaíUva ? ,:
Corra-fe o véo á allegoria, Ser
nhpfes. Qti€ gloria nao he para Ma-i
BIA
A Co N CE I Ç A 6. 167
RIA nao contrahir na fuâ Conceição
a feia mancha da culpa ? Talvez ef-
perais , que vos allegue textos , gue
vos cite Padres para o confirmar ?
Nao Senhores. He de fua boca que
o haveis ouvir , participado ia Santa
Brígida, cujas revelações tem a feu
favor a authoridade de quatro Roma-
nos Pontifices , que da eminência
do Vaticano as approvaraó. Que ref-
peito fe lhe nao devem ! Véritas
ergo ejl , quod ego fui concepta fine
peccato originali.
Desde os confelhos eternos fora
deftinada Maria para fer a Mai dei
Deos. Mái de Deos ! Porque naÔ
concorreria o Pai com o feu poder ,
o Filho com a fua fabedoria , o Efpi^
rito Santo com o feu amor , para a
fazer a mais bella , a mais pura , e
a mais fanta de rodas as puras crca-
turas ? A fua Maternidade ( foíFrei-
me a expreíTao , que he de hum Pa*
dre refpeitavel da Igreja , que mais
que com a fua Purpura, com as fuás
virtudes ennobreceo os Clauílros do
famofo Serafim de Afliz ) a fua Ma-
ter-
I
t68 O KA Ç Ao
ternidade i digo, porque oaoeígo-
taria todas as forcas da Omnipoten-
te: Fecit potentiam in brachio fuo ?
Aonde quereis vós que fe encerra flfe
O balfamo mais laudavel, íenao no
cr}^ílal mais terfo? O diamante mais
refulgente aonde quericis vós , que
fe engaílaíTe, íenaõ no ouro mais
íno?
Se a antiga Lei coníiderava nos
feus Patriarcas , nos feus Profetas , e
nos feus Reis huma tao grande fupe-
TÍoridade, porque íiguravaô ao Mef*
lias, e porque entravaõ fimplesmen-
te na fua genealogia : fe he grande
a gloria deMoyfés, por ter no mon-
te face a face converíado com Deos :
fe os Apòílòlos no Chriílianifmo ,
por terem aprendido na efcola do
Remptor, faô reputados pelas bazes
fundamentaes da Igreja , pelas co-
Jumnas daFé: Mais que tudo: Se o
f lho de Ifabel , e Zacarias , porque
ihe ha de preparar os caminhos como
fcu Precurfor, nao tein maior entre
es nafcidos : Inter natos mulie rum
mn furre^U maior Joanne Baptijia :
quem
A C O' N G E I Ç A 6 l6(}
quem o concebe no feu caíto feio :
quem carinhoiamente o aperta entre
Cs feus braços: quem o fuítenta com o
cândido leite dos íeus peitos: quem
he carne de Tua carne : quem he de
fua mefma natureza: quem he íua Mai,
a que grandeza naÔ fe verá remon-
tada na íua Conceição?
Se nas noíTas mãos eílivera a ef-
colha dos pais, que nos gerarão, que
qualidade boa haveria , que privile-
gio , que graça que lhe naó cómuni-
caffemos podendo? E ha de fer Deos
ဠdiíferente condição ? O argumen-
to naó tem refporta 5 Senhores. Na
prefervaçao da Virgem , ou Deos
quiz, e nao pôd« , ou pôde, e nao
quiz. Se quiz, e nao pôde, que in-
juria para a fua Omnipotência? Se
pôde ^ e nao quiz , que dezar para
o feu amor ? O' Conceição immacu-
lada de Ma RI A, louvem-te as Uni-
veríidâdes que te juraô , as Reli-
giões que te defendem, as Monar-
quias de quem es Protedlora ? Lou-
vem-te os Anjos ^e quem es Rainha:
Toda a Igreja te louve a quem inun-
das
tf o o « A ç A 8;
das de contentamento , e de alegria.
Agora dizei-me, Senhores ,co(n
que fervor vos naó deveis intereflaF
Sela Conceição de Imma Virgem de
uma eftirpe taõ clara, de huma for-
mofura taõ peregrina, de humas vir-
tudes rao fólidas , de huns privile-^
gios... hia a dizer divinos? De hu-^
ma Virgem , que he a gloria de Je-
rufalem, que he a alegria de Ifrael,
que he a honra de noííb Povo? Prin-
cipalmente fe refledirmos nas utili-
dades , de que he para nós fértil , e
%exhaurivel principio: Segunda Re^
flexão , que prometti fazer-vos.
Segunda Reflexão.
I? U naó poffo , Senhores , di'cor-
]j rer por todas as utilidades de
^ue he para nós fértil , e inexhaurivel
raiz a Conceição de Maria. Quan-
do acabara de fallar ? Mas ainda que
vos naó diga ^ que naó ha bem, que
por fuás mãos nos naó venha , co-
mo affirma S. Bernardo : ainda que
VOS naó diga, que no meio das ca«
A C O N CE IÇA O. 171
íámidades , que nos cercão, patrimo-*
nio herdado de ncíTos rebeldes Pro*
genhores ; Maria he a primeira^
que eftendendo o compaíTivo braço
nos enxuga as lagrimas, e nos fere-^
na o animo , como arréfta S» Boaven-
tura: poíTo por ventura efquecer-me
do beneficio da RedernpçaÓ?
Qual era o noíío eftado antes
que a Eílrella de Jacob defponraíTe
nos noíTos horizontes , quem ha que
o naò faiba ? Nafcendo com o ver-
gonhofo carafter do peccado impref?
ío na alma, de nada valiaô as lagri-
mas dos Patriarcas , e os íufpiros dos
Profetas. Pouco importava que os Al-
tares eftallaíTem vergados com o pe-
20 das vidimas. O fangue das rezes,
ainda que innocentes , naó baílavao.
para applacarem a Juíliça oíFendida^
Eftavaò para nós os Ceos como fe
foíTem de bronze. Naõ deftillavao as
nuvens o appetecido orvalho. Volvia-
fe a veloz roda do tempo , os Sécu-
los huns apoz outros fe fuccediao y
íem que para nós raiaíTe o dia defe-
jado. Em torno dos rios que banhaá
os
âfc^w.í ^
m
ty% O R A ç A 6
os muros da proftituidaBabylomâ, nós
nao fazíamos mais que chorar memòt
rias de Siaõ : triftes memorias com
que a noíía faudade fe exafperava
mais. ^
- ^ M;ís nao he por Ma ria, que
nós temos lium Redempror, que com
padecendo-fe de nós, nos quebra com
a fua Cruz os ferros , que como ca-
ptivos arraigávamos ? Naô he por
Maria que nós temos hum Deos,
que para que nao cahiíTem fobre nos
as fulminadas maldições , fe fez por
nós maldito , como diz 5a6 Paulo :
Chriftus nos reãemtt de maledtão le^
gis , faSlus pro nobis malediãus ?
PoíTo por ventura efquecer-me da-
quelle perenne manancial de graças?
Já fabeis, que he do Sacramento Au-
guílo de noíTos Altares que vos falio.
Se o expomos nos n o flbs Templos
para o adorarmos, fe paííea como em
triunfo pelas noífas ruas , fe nos vi-
íita nas noíTas cafas , fe nos illuílra
nas noíTas duvidas , fe nos fortalece
nos noíTos perigos , fe nos commu-
liica huma vida naô caduca^ na© cheia
de
I
A Cone E IÇA 6. 17J
de trabalhos como eíla vida que nòi
temos , canfada vida ! mas bemaven-
turada , e eterna, dando-nos a comer
a fua Carne , a beber o íeu Sangue;
negai , fe podeis, que eíle he hum be*
neficio que devemos a Mabía ? Nõ^
bis datus 5 mbis natus ex intaUo^
Virgins, :i
Palio eu por ventura efquecer-m«ei
da efficacia , cõm que maisque a bé^^
néfica Abigaii fe intereíTa por nóá^
applacando a ira do Fiího para qug
naô fulmine o raio de fua juíliçâ ^
como por noífas culpas merecemos?
Que bem ha, que nos nao iiberâlize^
Que mal nos ameaça , de que nóá
naõ preferve, fe com fé viva implo;^
ramos o feu auxilio? A faude de qua
gozamos, a vida que temos, a efpe^
rança que nos anima , a mefma fal^
vaçaõ donde nos vem ? como de fua
gruta aííevera o grande Abbade dô
Claraval : Siquid fpei^ Jiquid gratine;
Jiquid falutts in mbis efl \ áb ea no*
verimus redtmdare. O' Conceição
immaculada , quem te na6 lou^â ?
Agora colhendo as velas ao diC-
cuc*
l\ ..;
f74 Ora ç a 6
eurfo, que nao folgo de abufar da pa*
ciência de quem me ouve , com quq
fervor nos devemos appliear ao cul*
ço de líum Myílerio , de que tantas
utilidades nos refulrárao , principal-
mente lifongeandonos, de que naÔ íe*
rào eftéreis os noíTos obfequios, pelo
premio que receberemos , que he a
fegurança de noíTa eterna felicidade ?
Quereis que vo-lo moílre? Ouvi-me ,
Senhores.
- Qiiaíi todos os Myfteríos concer-
lientes a M A r i a eftaô definidos.
Qi,iafi todos faó dogmas , que deve-
mos crer. A fua Maternidade, a fua
Virgindade incorrupta, a fua Impec-
cabilidade fe naô por natureza, por
privilegio. Só a fua Conceição, por
fins, que nós naó alcançamos , fe naó
definio ainda. Q^em pois a illuítrar
perfuadindo-a , propagando-a , cren-
dò-a , gozará de huma vida eterna.
G texto he claro , Senhores , enten-
dendo-fe de Ma r i a com a torren-
te dos fagrados Interpretes : ^i elu*
Jni Exaltai a Conceição de Maria» \
A S. Margarida de Cort. lyf
O feu culto promovei-o. Com que
complacência naô ireis algum dia lou-^
valia no Ceo : no Ceo entre os Anjos,
íobre que fe levanta o feu throno :
apar do Padre de quem he Filha ,
do Filho de quem he Mai , e do Eí-
pirito Sâ^nto de quem he Éfpofa ?
Diíle*
O R A Ç A Õ
AS. MARGARIDA
:^^^: DE CORTONA/
Levãvi óculos meos in montes, iinâe
ventet auxiUum mihi. Pfal. 120.
SE naó efperarmos em Deos, em
quem havemos efperar? Nós ho-
mens-, que fe hoje nos acolhem
benignamente entre os feus braços,
i manhã nos volvem com deíprezo
as
!.||J
175 •" "0-K-A.^^W^M'i^A ■
as cofias > Enterrenos-ha6 com^fpé-^
ranças , que nos lifongeao enthuíias-
mados ou do feu poder ^' ou da fua
fortuna quaíi fempre cega na repar*
]tiça6 de íeus favor(ís : mas como fe«
rao úteis aos outros , fe nem para fi
faó bons , arrancado-fe dos males ,
já fyfícos , já moraes , que padecem
na arrifcada , e elcabrofa carreira de
fua vida ?
Eis-aqui porque David nao Í6 re-
prebende, mas amaldiçoa a quem con-
fia nos homens j perfuadindo-nos pa-
ra erguermos, ç levantarmos os nof-
fos olhos aos montes da formo fa Si-
ão , que he donde nos pode vir um-
cámente o auxilio , e o foccorro de
que neceflitamos : Levavi óculos
meos in montes^ ande veniei auxilium
mihu • ■ s . ■-■., \
Illuílre Penitente de Gortona ,
vós nos arraigais no conhecimento
de verdade taô importante com o
voiTo exemplo. Ferida , Senhores, da
Graça , que como aguda (etra fe em-
bebe , e entranha no feti. coraçaa ^
como apoia afua efperança río-rfeu
£;. Deos?
A S. Margamda de Cort. 177
Deos ? No íeu Deos , que creando-a
de nada á fua imagem bella , gravou
na fua alma hum raio do lume incir-
cumicripto , que caradteriza a fua
Divindade r* No íeu Deos, que refga-
íando-a do vergonhofo capciveiro do
peccado, nos abrio com a fua Cruz
as aferrolhadas portas do Paraifo ?
No feu Deos , fobre cujo roto peito
faz como cândida pomba o feu ni-*
nho ? Ora eu , cingindo-me á Medi-
tação da Novena, tomarei por argu-
mento da pratica que me ouvireis, que
he fó em Deos em quem devemos ef-
perar , para furgirraos coroados de
gloria das tentações , que á manei-
ra de ávidos , e esfaimados lobos do
berço nos perfeguem para nos devo-'
rarem.
Santa gloriofa , vós fabeis qual
he o meu animo. Nao he o incenfo
de voílbs louvores , que eu pertendo
queimar ante os voíTos altares. Qui-
zera engroffar o partido de voífos de-
votos, para que attrahidos da formo-
fura de voíTas virtudes , imitando-
yos Jia terra^ vos. Ãcorapanhaffem no
M tco.
T^
178 O R A Ç A 6
Ceo. Ajudai^me por quem foís : e i
efperança , que eu colíoco no meu
Deos 5 feirilizai-a vós com a voiTa
protecção. Eu começo , Senhores.
TRânfcende por todos o defejo da
raivaçaõ. He quaíi infeparaveida
fé que recebemos , quando peio- bap-
tifrao entramos na Igreja, de que fo-
mos filhos. Porérti' como apparece-
mos rio Mundo com huma natureza
feiamente eílragad a pela culpa da ori-
gem : como go7ernando-nos depois
peio ncíTos fentidps, a largos forvós
bebemos o venef*9> que corrompe o
homem carnal ; he eíla a razaÓ por-
que aíFraca mos nos noíTos projeftos
cahindo a cada paíío nos laços ^ que
enfeitados de flores, com facilidade
nos prendem , para nao irmos avan-
te no caminho fanto da virtude.
' Nem bafta muitas vezes, que ar-
mados feveramente contra nós , de-
claremos a guerra ás noíTas paixões,
para que os máos habkos nao preva-
leçad. A^ íimilhança de afpides fur-
dos , gue enrofcados fe embofcaõ pa-
A S, Margarida deCort. 179
ra nos morderem mais a íèu falvo ;
que triunfos naõ confeguem mais que
de noíTa fra gi^l idade , de noíla malí-
cia, enganando-nos com efpeçies, ain-?
da que agradáveis, nocivas, para que
fundados em huma confiança cemera-
ria, refervemos para quando nós qui-
zermos, a noífa total conveffaô?
Nefcios, exclama o meu eítima-»
diíUmo Agoílinho 5 que podendo ef-
perar unicamente de Deos o auxilio,
e o foccorro, cevais nos voíTos peitos
o damno, que crefcendo com o tem-
po 5 impoíTibilita mais aquella gra«-
ça 3 fem a qual já nao podereis fur-
gir coroados de gloria, das tentações,
que como inimigos implacáveis fem-
pre vos acompanhao. Nefcios ....
^ Porém para que he canfarme com
invedlivas , fe o exemplo de Santa
Margarida de Gortona he huma prova
a que vós naõ podereis reíiítir ? Pren^
deo-a o mundo com douradas cadcr
ias. ,Ao carro de feu triunfo gémeo
por nove annos infelizmente atada*
Honras , deleites , ainda que vergo-
Jlhofos; cópia de havereS; porque tan-
M ií tQ
iSo O RAÇA 6
to nos aiFanamos todos : belleza ra-^
ra: nada Jhe falta. Todavia, quando
a graça raia como luz derivada da
Ceo lobre a fua alma , nao he no
feu Deos , que colloea rodas as fua»
cfperanças ? Se doma o orgulho de
fua carne , fe enfreia a liberdade de
feus aíFeftos, fe com as lagrimas que
perennemente correm pelas fuás bei-
jas faces, lava, e purifica as maip-
chas de feus peccados \ eíla vi»floria
iiaô a deve precifamente , nem aos
jejuns a que fe mirra , nem aos cili'-
cios com que fe cinge, nem ás dif-
ciplinas com que fe rafga, mas á con-
fiança que tem na miíericordia de
feu Jesus, com quem fe defpofa.
Ainda que a matéria de ília ora-
ção fora ao principio os crimes de
fua vida diíToluta ; depois que acha
nas Chagas do Redemptor, mais que
o doente na Pifcina, o remédio, nao
paílava as noites , na6 paíTava os dias
enlevada na contemplação da gloria
cjue efperava; nao fabendo, como o
Apoftolo, quando viria aquelle mo*
mento feliz , (jue folta das torpes
pri'
A S. Margarida de Cort. i8i
prízoes do corpo voaíTe, á íimilhan-
^a de Águia generofa, da terra ao
Ceo ? Se raiava no horizonte a ma-
nhã, deixou de achalla já mai« can-
tando os louvores divinos, com que
emula das innocentes aves convida-
va a todos para engradecerem ao feu
Deos , e efperarem de fua bondade
os bens , principalmente efpirituaes,
de que precifavaó ?
Eisaqui porque nunca a remo-
verão dos projedtos que concebera
da fua juftifícaçaõ final , os afperos
tratamentos da Madrafta iniqua , a
infeníibilidade do Pai defabrido , os
impropérios com que a mofavaò, ten-
do-a por huma embufteira : Eis-aqui
porque triunfou fempre das fuggef-
toes, com que Lúcifer , e os feus in-
fames fequazes pertenderaò por mui-
tas vezes illudilia. Como as fuás ef-
peranças eftavao unicamente poftas
no feu Deos, nada a atrerrava , pro-
feguindo nos feus exercidos , íetn
nunca interromper o fio das acqoes
de piedade, a que fe applicava.
Que muito, Senhores, fe ainda
ij^uan-
:í-^i
•lí'
iSz O K A Ç AO;
quando envolta no tumulto do fe-
culo enganador, houve quem a re-
p rehendeíTe, dizendo-lhe : VãrnJJlmâ
Margarida , que fera de ti ? cheia
de fua efperança com hum ár de pro-
fecia , que íe verificou depois, ref-
pondeo : Deixai correr os tempos.
O meu Jepukhro ferd vifitado de
remotos Climas , achando na minha
froteccção os peregrinos , qtie me
bufcarem , o precifo , e neceffario rc'
medío ? Que muito que naquelleinílan-
te, que decide de noíía forte, ou boa ,
ou má , naó como huma arvore que
Xe arranca, mas como huma luz que
fe apaga, fubiíTe o feu efpirito aos
montes da formofa Sião , para gc^
zar do premio que desde a eternida-
de lhe eftava preparado comofruélo
de fua efperança: Levavi óculos meos
in montes ^unde veniet auxilium mihi\
E nao a imitaremos nós , Se-
nhores ? Nós nao nos converteremos
também , efperando do noílb Deoí,
que nos auxilie para vencermos o
mundo , a carne , e o inferno ? Os
Janeiros haõ dç cobrir de çans as
nof-
A S. Mai^garida de Cort. 1S5
noíTas cabeças, e de rugas as noíldS
Caras , fem que quebremos o grilhão
infame , que nos prende ? O exem-
plo de Santa Margarida naó nos ha
de convencer ? A fua protecção iiaó
nos ha de animar? ^-r
/ Gloriofa Santa, fe vos feguimos
nâs culpas, porque vos nao imi-
taremos nas lagrimas ? Volvei para
nós os voííos olhos , e como agudo
puftello fira os noííos peitos a dór de
noííos peccados. Animada de yoíTa
cfperança : no amor de voíTo Deos ,
totalmente inflammada , vós confe-
guiítes por hum privilegio raro , que
ornaíTem os lírios da virgindade o
voíTo cândido feio. Naô aipiramos a
tanto: pertendemos de vós , que fe-
cundando a noíTa confiança, depois
de levantarmos os noííos olhos aos
montes da formafaSiaó, vos vamos
acompanhar no Ceo : Levcivi ocuks
meus in montes, unàe venitt nuxíftum
mihi. Queira Deos , que affiia leja :
Qiieira Deos.
PlíTe.
ORA-
lS4
I
i ''»;'■
ORAÇÃO FÚNEBRE
Do EXCELLENTISSIMO SeNHOR ,
D.JOAÒDEFARa,
Principal Presbytero da Santa Igre^
ja de Lisboa.
NA6 he da Cadeira da verdade^
que contra a tyrannia da mor*
te venha agora formar as mi-
nhas invedivcis. Prompta, e íiel exe-
cutora dós Decretos de hum Deos ^
por naturezajufto, nada obra, que nao
íeja conforme á reda razaô. Pode,
murchando as noíFas Jifonjeiras efpe-?
ranças, arrancar do meio de nós aquel-
les que, ou com authoridade de fua
pefiba 5 ou com influxo de feu con-
feího nos honravaõ, e nos efaó úteis.
Mas como Jhe denfo o vêo , que en-
volve os adoráveis fegredos da Pro-
videncia : a nofla vida (canfada vida)
como quem a dá he unicamente quem
a tira , por fins que nao çoraprehen-»
de,
F V H K E R E. IS5?
de o fraco entendimento dos homens,
que aíFronta naõ faríamos á íanta Fé
que profeíTamos, íe rebatendo o nof-
fo indifcreto, talvez iniquo, fentim^en-
to, naõ beijâíTemos a poderofamão ,
que vibra o golpe que nos fere, ain-
da que pezado ? Se erguendo aos
Geos os olhos arrazados de innocei>-
tes lagrimas, cheios de humildade,
cheios de confiança, Jhes nao pediííe-
rnos para os noíTos, pofto que reíig-
nados affligidos corações , a pa/ , Q
defafogo , e a confolaçao de que ne-
ceíTitaõ na afpera , e vehemente fau-
dade porque paíTaõ ?
Contra os cegos amadores do
Mundo, que no regaço das delicias
placidamente reclinaô as vaidofas ca-
beças, he que levanto a voz. Nao
diíTe bem , Senhores; aqueiie Tumu-
lo he quem mudamente falia , con-
fundindo , e envergonhando o defef-
perado orgulho, com que cada dia
cngroííaô mais a corrente de feus vãos
deíignios , fem advertirem , que he
frágil o fio de que pende a noíTa du-
ração: que a vereda que trilhamos ,
ain-
■■f^'£^-'^
ih
„¥86 O R A Ç A 6
ainda que matizada de flores , qu:e
mais nos corrõpem com o íeu cheiro,
C|Ue nosarrebaiao com ília formoíura,
he muita curta. Hoje enfaxados no
berço, á manha amortalhados na tum^
ba. Grandezas da terra á íimiilhança^
de raios, que da periferia fet^açaõ,
vós tendes hum centro commum aon*-
de vos ajuntais. A fepultura. Senho-
res. Seguindo a condição do corpo
a que fe unem , algum languido , e
eícaflo ciarão de íua gloria , ^^ íica-
ío reíla , volvendc-íe a veloz ro-
da do tempo , naõ fe reduz a nada í
Caiando da Parca a cortadora foice
derriba os cedros igualmente que os
vimes (quero dizer, Os Príncipes, e os
Paílorcs) quem pode diftinguir a pur-
pura do furraõPMiíiurando-fe as fuás
Cinzas, ha por ventura viíla tao perf-
picaz , que conhecendo-a? as fepare?
Efpirito , ditofo Efpirito , que
ornado de tantas fublimes qualidades,
naõ, ru nao te deixafte enganar da
falfa bdieza de huns bens , que fe
jios attrahem , refinando a magia de
kus pérfidos encantos ^ he para dou-
rar
F xr íT E B R E. i^yp
far a malignidade dos fruftos , que
de fuás envenenadas raizes brotaô.
Sem degenerares doTronco d(? que es
íloiente ramo, o teu voo, como ca-
Ita pomba , fubindo de virtude em
virtude , tu fempre o dirigifte do Lí-
bano aoEmpyreo. Perdemos-te . . .
(da pallidez que rinje os noííos roí-
tos, quem naô infere a dôr oue que-
bra os noíTos peitos?) Para mais en-
tre nós te nao vermos, perdemos»te.
Porém ainda que a morte furda
ao noíTo pranto , inexorável aos noí-
fos rogos 5 nos levou o noíío bem-
feitor commum , ( trasladando^o de
meu coração á minha lingua, eu hei
de dar-lhe o nome còm que ainda
nos honra ) o noíTo Irmão g Excel-
lentiíTimo Senhor D. Joaô de Faro,
Principal Presbytero da Santa Igreja
de Lisboa: ainda que a falta, que nos
faz , he , fe nao impoíTível , difficul-
tofa de reparar- fe; moderrída chri-
ílámente a noíTa pena , nao pede o
minifterio que exercito, que para re-
morfo de quem naó imiia o feu ex-
emplo ; efcolha para matem do PV
nc-
r
rSS o RAÇA 6
rebre Elogio , que coníagrais á fua
^emoria , aqueJIas acções , com que
immòrtalizando na poíleridade a fua
fama , fe habilitou para a poíTe do
premio, de que gozará na Bemaven-
turança , como eu piamente creio ,
como vós credes ?
Mas que tumulto de efpecies
vem já fobre mim , Senhores? Para
quem refpira o ar do Século engana-
dor, que campo na6 abre já para os
louvores do Excellentiílíino Senhor
D. João deFaro, a fua Regia Eftirpe?
A terra que poííuimos : as rápidas
conquiílas , com que di/íipando nu«
vens de voadoras, e emplumadas íet^
fas , dilatámos os Eílados , e os Do-
iTiinios da Portugucza Coroa : a gen-
til oufadia com que pondo freio á
Ibberba de fuás agoas fizemos do Te-
jo tributário o Ganges, rafgando cora
as noflas Qiúlhas de mares, que na3
conheciamos, as largas , e procel-
Jofas Cóílas, tao temidas pelos feus
naufrágios, como dcfejadas pelas fuás
riquezas : a America com os feus
Certões : a Africa com os feus ro-
che-
Fúnebre. iS^
chedos : mais que tudo : a intrepi-
dez quaíi íobrenatural, com que ref*
gatámos a liberdade que perdemos,
facudindo o jugo , com que o braço
de ávido, e iníquo ufurpador nos op.
primio por efpaço de fcíTenra e dois
ânnos a cançada cerviz ; que vivas
Gores na6 dariao aos fcus applaufos
pertencendo-lhe tao heróicos feitos,
Gomo geração legitima da Augaftaj
€ SereniíEma Cafa Bragantina ?
Todavia, hum animo que fe nu-?
tre , naó fó do paò que come , mas
também da palavra que procede da
boca de Deos : hum animo qual o
de S. Excellencia , nao faz coníiílir a
fua felicidade no privilegio de huma
deílinaçaô , que he puramente ter-
rena. Reputa-a por dadiva do cha*
ir»ado acafo , que nunca deve lifon*
gear muito a quem a recebe. Co-
operando com a graça, que das man-
tilhas o previne, naõ encaminha a
mais alta esfera a fua cftintaçaÔ ? A,
innocencia de fua alma ? /
Ao menos confultándo a fua pue*
licía irei bufcar na candidez de feus
coftu-
rpo Ora ca 6
coftumes algum prefagio venmrofo ;
que como luz , que do efpelho por,
entre fombras reverbera , vos dê è
conhecer a íóíida , e inconfeílaveJ ba-
ze de íeu merecimenro ? As Águias
já do ninho fe avezao a arroftarem
na fua carreira o Sol. Samuel de me-,
nino moílra no ferviço dos Altares,
a que goítofamenre fe: dedica, a fua
futura fantidade. Amar a formofura
da virtude : corregir as funeftas in^
clinaçoes da natureza ,laílimofos re-
ftos da culpa, que na origem contra-?
himos: cultivar, e enriquecer o en-
tendimento com a liçaô de pios , e
devotos livros : naô beber, ainda que
por dourada taça , o veneno de más
companhias : deteílar o peccado, fao
coníequencias, que facilmente fe de-
duzem de huma boa educação. Nós
temos a indole das arvores. Se de
tenras vergontas acertao a ferem tra-
tadas por déílros , e peritos culto-
res , de que fazonados pomos fe nao
veílem ? A difciplina doma os brur
tos y que fera os homens ?
Teve S. Excellencia hunia Mãi
mui-»
Fúnebre. ipt
multo vigilante. Seu nome foará fem»^
pre entre nós com reípeiro , e com
faudade. Honrem-fe os meus lábios
repetindo-o. A Illuílriíriína , e Excei-
lentiífima Senhora Dona Tereíajo-*
fefa de Mendonça, fcgunda CondeíTít
do Vimieiro. Que máximas ihe nsá
infpira ? Concordando amigável men*
te a policia ao parecer contraria do
Evangelho , e do Mundo , nao o en^
fina a fer com efpanto daquella ida-
de 5 humilde fem baixeza , magnifi-
co fem elevação , generofo fem def-
perdicio , exaclo fem rigor , affavel
íem facilidade ? Viaô-no , amavao-
no. Quem mais prompto na obedif
encia ? Hum volver de olhos menos
carinhofo, naõ bailava mais que pa-
ra o conter, para o intimidar ? Quem
mais circunfpedlo fallando? Proferio
nunca cxpreíTaó , que para fe adoçar
precizaUe de correcftivo? Quem mais
íizudo na aíliítencia do incruento Sa-
crifício? Naó era eíla a fuá natural
poftura ? Curvados no chaõ os joer
lhos , erguidos aos Céos os olhos ^
trasbordando na ferenidade de-fusi
h
fi!-'
tqr O R A ç A 6 '^
face a pureza de feu interior.
O defejo da perfeição Chriílâ ,
huma vez que fe accende, nada o apa-
ga. Ateia huma eípecie de fede co-
iTio a do hydropico , que naõ ha re-
frigério que a mate , ao menos que a
initigue. Lavra como fogo , que no
fecco matopega. Qiíe feia injuria nao
fatieis a Sua Excellencia , íe enten-
deíTeis , que cedendo á fraqueza de
feus annos pouco experimentados, fe
fatisfaria com huma vida juítifícada ,
mas livre ! Nao, Senhores , naÕ he
de tempera, que com a mediania fe
contente. He perfeito: quer fer mais
perfeito. Dos laços que o aíluto ini-
migo tece, e eílende , retira com pru-
dência o timido pé. A obfervancia
regular tem huma belleza a que reílf-
tir nao pôde. Já o chama. Naô íaá
vozes de engandora Sereia , de que
acautelado fuja. Obedece-lhe , abra-
ça-a Das Religiões , que conhece ,
Clauílros de S. Filipe Neri , vós fois
os preferidos. Recolhendo-fe nas vof-
|as fagradas paredes, dia, feliz dia
de vinte e dois de Junho , quando vos
i- et
F U N E B RE. i* 193
efquecerá? Leva-o para aquelIaCom-
munidade o amor materno : leva-o a
fua vocação.
Com que gofto o recebem nos
braços aquelles Padres ! Gerando-o
para Jesus Chriílo antecipadamente
íe gloriaÔ no íilho de fua doutrina.
Coberto Sua Excellencia com hiima
roupeta de eftamenha , pobre, mas
decente: cingido com huma correa ,
de que defufado prazer inunda ! Pa-
rentes j amigos, fuaves vínculos, que
tanto nos prendeis , com que refo-
luçaÓ vos dá hum adeos 5 que eíli-
maria que foíTe para fempre? Aò
palácio prefere o cubiculo : Troca
pela mortificação o regalo : a afpe-
reza do cilicio , o rigor das diíci-
plinas 5 nada o intimida. Saó armas
com que irjunfa do Lea5 tpAvoÇq ,
. que declarando-nos do berço a guer-
ra y entre as fuás garras defpedaçar-
nos pertende. Ao raiar no horizon-
te a roxa madrugada, alhanando com
o feu exemplo aos feus Companhei-
ros , naõ he o primeiro que vai pa-
ra o Coro 5 para meditar as miferi-
N cor-
w
1F«1
194, • O R A Ç A S
cordias de Deos ^ as fuás verdades
reveladas , e os incomprehenliveis
benefícios, de que ihe he devedor ?
Com huma OraçaÔ , ainda que com-
prida , fervorofa : cofido com a ter-
ra para que o pizem : pegando em
huma vaffoura com mais fatisfaçao
do que fe empunhara huín Sceptro :
beijando os pés aos feus Irmãos , que
ternamente ama: fervindo-os, de que
confufao nos naõ enche hum Neto
do Senhor D« Fernando o primeiro ,
fegundo Duque de Bragança ?
Deftinava-fe S. Excellencia para
o Sacerdócio. A humildade, e a fabe-
^oria fao as pedras fobre que levan-
ta o edifício, que em prende. Ha
de, conforme oChryfoftomo, incar-
nar novamente nas íuas mãos o Ver-
bo5Como no feio da Virgem. O Cor-
deiro confagrado ha de diílribuillo
ás famintas turbas. Débil canna agi-
tada do vento nao treme mais. Atter-
ra-fe , conílerna-fe. A^ maneira de
Job, naõ fe confidera como hum ho-
mem: confidera-fe como hum vil
infeílo. .Debaixo da direcção do
mais
F U N E B R E» I95r
mais engenhofo Meftre, que regeo as
Cadeiras da Congregação ( foíFrei-lhe
o louvor , que nada tem de encare-
cido ) o Padre Eftacio de Almeida ,
que progreíTos naô faz nos feus ef-
tudos ? Digaõ-no asConclufoens que
publicamente defendeo. Engolfado
no vafto pélago dos attributos divi*
nos , houve argumento de que naó
defatafle o nó , pofto que apertado ?
Nos fevéros exames porque paíTava,
que agradáveis efperanças fenaõ con*
cebiaô de feu futuro magifterio ?
Mas que trifteza cahe fobre vós,
veneráveis Padres ? Desfazem-fe , do-
mo as efcumas do mar , os voíTos
premeditados projeítos. Juízos de
Deòs, quem vos ba de fondar ? Per-
de o tempo quem comprehender-vos
efpera. A fria,e pezada mao da pál-
lida moleftia, na flor da idade op-
prime a S. Excellencia. S.Paulo diz,
que a virtude com a enfermidade fe
aperfeiçoa. Armado S. Excellencia
de fua conftante reíignaçao , padece
hum anno : padece muitos annos. A
Medicina efgota todos os feus feme»
N ii
dios.
196 o í^ A Ç A 5
dios. Por vezes , batendo as negras
azas , rodeia a morte o feu humilde
leito, He golpe , que ameaça os co-
rações de toda a Comunidade. Conf-
írangido dos Fyíicos, que lhe aíTif-
tera, a que fe une o voto do Confef-
for que o dirige, vai ultim.amente buf-
car por algum tempo na mudança de
eílado a melhoria, que na Congrega-
ção na6 pode ter. A faudade hehum
punhal que leva era irado n^alma. Nao
íe defpede, arranca-íe. Ha unicamen-
te huma razão 5 com que o conven-
cem : a obrigação de coníervar a Tua
faude. Muda de habito , nunca de
vida.
Deos na urna de feus confelhos
tinha refervado a S. Excellencia pa-
ra edificar a Corte com o feu exem-
plo: para promover os intereíTes de
íua Caía com a fua adminiílfaçaò.
AquelleRei , que á íimilhança de Da-
vid 5 fora feito pelo molde do co-
ração de Deos : digno Pai do gran-
de Rei que temos , obfervando as
qualidades de S. Excellencia, os feus
coibmes , os feus talentos , nao o
ele-
F lí N E B R' t. 497
eleva á dignidade , primeiro de Co4
nego , depois de Monfenhor Acoly-*
to? Miniftro do Altar como defem^
penha as fuás laboriofas, ainda que
fublimes funçóes ? Naô obftante que
a fua conílituiçao nada tinha de forr
te, forrou nunca os hombros ao tra-
balho que lhe competia?. Quem mais
refidente no Coro ? Defprezando os
clamores de fua Familia , nao arrif-
ca muitas vezes a fua faude, por nao
faltar ás fuás obrigações? 1
Sabia S. Exceilencia , que para*
cumprir perfeitamente os feus deve-
res, precifava atar o fio de feus eílur^
dos. Já nas frefcas margens do Mon-í
dego, creados eílaõ oslouros^que lhe
hâo de ornar a téíta. A faélildade dos?
fagrados Cânones o recebe já por
feu Alumno, x\ fama, que grangeara
nas Aulas da Congregação , reforça
o brado nos Geraes da Univerfidade.^
Interpretando textos , e combinan-:
do opiniões , quem nao pende de fua
boca, como, feeítiveíTe prezo de dou-
radas cadeias ? Naô parece difcipu-
lo; Meílrs parece. Cingindo a bor-
la
'..^^ítí'-:-/'
198 O R A Ç A S
la de Doutor , entre públicos , e pe-
rennes applaufos , naó voa o íeu no-
me pela Portugueza Athenas , como
jufta remuneração do credito, que lhe
adquire com os feus Aélos ? As Mu-
fas aíFagando-o no feu branco collo,
eom os veríos que lhe confagrao ,
nao lhe lavraô a Eftatua que o im*
morta liza?
Ha merecimentos, Senhores, que
dos empregos a que fe elevao eftaó a
rofto defcoberto defafíando os pré-
mios. Na6 neceflitaô de interceíTores
para ferem attendidoÊ. O pio , e o
incomparável Rei , que nos governa ,
quer prover de Principaes a Patriar-
cal. Tem unicamente huma regra
porque fe dirige: a juftiça. Havia in-
fallivelmenre cahir fobre S. Excellen-
€ia a nomeação. A eícolha leva com-
íigo a approvaçao commum. Ainda
os preteridos taxaila nao oufao. Af-
froxaria acafo no feu fervor > Co-
mo zela os intereíTes da Igreja ! A
fua authoridade como a fuftenta !
Conformando-fe eom o efpirito de
quemcreou ^quelles lugares, nao cui-
dou
F U N Ê B É E. 199
dou muito na corafervaçaó de feu de-
coro, tratando-fe fempre com a pom-
pa correfpondente á fua Dignidade ?
Na6 era foberba. Senhores : NaÒ era
enthufiafmo do mundo. Apartados de
S. Excellencia viviao taô baixos at-
fedlos. Pediâ-o o efplendor daquellà
Bafilica : pedia-o a razão.
Que nao faz a favor de feus II-
luftriíTimos Sobrinhos? Tenros ,^ màç
adorados pupillos , cedo íicaraô pri-
vados dos Pais que os gerarão. Po-
rém o fangue com os feus eftimu-
los , o amor com as fuás finezas , a
Lei com as fuás providencias naó lhes
deu hum Tio, hum Amigo , e hum
Tutor , que fuavizando-lhes a fatta ,
fez menos fenfivel a perda , porque
paíTaraó ? Sem perdoar a defpezâs
nao refgata o perdido Cartório dô
fua Gafa > As fuás rendas nao as^ en-
groíTa , já por novas acquifiçoes ,
reivindicando os bens injuftaraente
alheados ? Com que folicita dili-
gencia fe nao applica, para que fof^
fem úteis aò Príncipe de quem fáo
valTallos, á Pátria áe quem faó filhos?
San-
20Ô Q R A Ç A 5
Santas Máximas da Religião, vós fo-
ftes o leite que os nutria. Sem fe cf-
quecerem da grandeza com que naf-
cerao, naô lhes inípira a affabiiida-
de com os pequenos ? Com o feu ex-
emplo, nao ihes enfina a amallos ,
a" protegellos , a nao os defprezâr
precifamente com aferia reflexão de
que a natureza os fez iguaes; a gra-
ça muitas vezes fuperiores ? Forao
iementes,que cahirao fobre fértil ter-
reno :, frutificarão , Senhores.
Que nao faz a fa^/or dos pobres^
que cobertos de vergonha , e de con-
fufao, rotos, defcalços , fuílentan-
do-fe do pao de cinzas , que amaOao
com as fuás lagrimas, fao as imagens
de Jes us Chrifto ?. A caridade he a
pedra mais rica , com que Deos guar-
nece a coroa , que colioca na fron-
te do juílo. Concebidos no caíío feio
de huma Mai carinhofa , a Igreja ;
alterarfe-hia a armonía do Corpo de
que fomos membros : nós como fe-
ras peílimas , nos devoraria-mos huns
^os outros , fe a caridade nos nao
uniíFe. A caridade Jie, toda a lei.
Sen-
F U N E B R E. 20 T
Senfivel aos males , que padece
a melquinha liuinanidade na privação
do que precifa para a lua fubfiílen-
cia, ha porventura indigente, que
recorrendo a S. Excellencia , nao fi-
caíTe liberalmente íbccorrido ? Para
acodir aos mais naõ faltava a fi ? A
quem naó abrange a íua chriíla gene-
rofidade ? Nao , Senhores , naò íou
eu quem vo-lo ha de dizer. De bocas
mais eloquentes, que a minha, haveis
ouvillo. Viuvas recolhidas, velhos,
que vergados com o pezo dos annos
efcaíTamente arraftais fobre hum bor-
dão os froxos, e cançados membros,
ao redor daquelle tumulo, vós o di-
zei. Se nao fois ingratos, mifturan-
do com as fuás cinzas as voíTas la-
grimas , confedai os bens de que a
Sua Excellencia fois devedores. Por
mãos defconhecidas nao fazia entrar
muitas vezes com abundância a coa-
folaçao por voíTas cafas ?
^Comhumas virtudes tao raras ,-
nao me admira , Senhores , que fe-
guindoo Ímpeto de feus juííos defe-
jos, tiveíTe S. Excellencia, nao huma,
mas
202 O R A f A 8
mas muitas vezes a lincéra refoluçaô
de terminar a carreira de fua vida no
Clauílro aonde fora creado. Caufas ,
que a nós na^ he lícito averiguar , le-
gitimamente o impedirão. Ao menos
pela Semana Santa , o tempo que lhe
reílava de fuás obrigações, nao hia
ficar na Congregação ? Solta a pedra
da mão , nao bufca com mais preíTa
o appetecido centro. Na alegria de
feu rofto nao reverberava a fatisfa-
çao de feu animo ? Nao me admira,
que fendo Prefidente da noífa Irman-
dade 5 nos déíTe tao repetidas provas
do zelo, e do amor com que promo-
via os feus intereííes. Faltou nunca
ás Mefas para que foi chamado? Vós
fois teítimunhas d« que era fempre o
primeiro. De que pezo nao era o feu
voro ? Mas nao cedia com prompti-
daó a pluralidade? Nos litígios que
fe nao podia6 attalhar , aílim como
nas noíTas dependências todas , havia
Procurador mais folicito ? Qiiando
nos efquecerá o agrado, e a aíFabili-
dade com que nos tratava ? De nof-
fos corações nunca o tempo o pode-
rá arrancar. Ago-
Fúnebre 203
Agora dizei-me, Senhores: ao
efpalhar-fe a infauíla noticia de fua
arrebatada doença , crefcendo o pe-
rigo, como fe naó avivaria o noflb fu-
fto ! O temor do mal que nos amea-
çava 5 quantas vezes nos fez recor*
rer a Deos para que reílituiffe a S.Ex-
cellencia a perdida faude ? NaÒ era
fó a conveniência quem animava as
noíías preces : hum amor intenfo nos
fazia loiicitar a fua melhoria. Falta-
vaó-nos as forças para foportar^hum
golpe taô penetrante. Naô foraõ ou-
vidos os noíTos rogos. O prazo de
S. Excellencia eílava chegado. Havia
cumprir-fe o decreto. Naô o intimi-
da o defengano. Arma-fe para o con-
flito. Intrépido General , que teve
fempre ao feu ferviço a fortuna , e
a viéloria , n^o entra cora mais fere-
nidade de animo na peleja. Confef-
fa-fe : recebe os Santos Sacramentos
da Igreja , que com ardor extraor-
dinário pede : põem a fua alma nas
mãos de feu Deos. E com a boCa íb-
bre o roto peito de Jesus ( lagrimas
detendo-vos: animo esforca-te para
o
BFW
204 O R A Ç A 6
O dizer) morreo. O Excellentiffima
Senhor D. João de Faro naó o ha-
vemos ver mais. .. morreo.
Nao podia S. Exceílencia efque-.
cer-fe da tenra Mãi, que fegundo o
efpirho o gerara. Veílido interior-
,niente de fua Roupeta , manda no fea
teftamento,que o fepultem na Congre-,
gaçao. MagoadiiTímos Padres, oue
differente he eíta entrada, da primei-
ra que fez pelas voíTas portas ! Entaôj
o recebeftes com fino goílo , agora
com intenfa faudade. Sepultura do
amado Tio , naõ he o aeaíb quem te
abre. Unio-os o fangue , unio-os a
amizade, unio-os a morte. Debaixo
da mefma pedra jazem efperando á.
refurreiçaò univerfal , o Senhor D.
Fianciíco Manoel, e o Senhor D.
Joad de Faro. Seja-Jhe a terra leve
síTmi como â fua falta nos foi pezada.'
Nâ6 quero privar de huma hon-
ra, que ennobrecerá os faftos á nof-,
fa Capitã!. Lisboa he a Pátria de S.
Exceílencia. Foi filho dos. Ilíuftriíil-,
iBos , e Excellentíffimos Senhores
D. Sancha de Faro , e Dona Terefa
Jo-
Fúnebre. io^
Jofefa de Mendonça , fegundos Con-
des de Vimieiro. Nafceo a dezafete
deMaio de mil fetecentos e quinze :
a ília carreira rematou-a no primei-
ro de Julho de mil fetecentos fetenta
e quatro. A natureza o dotou de hum
engenho claro , de huma memoria
prompta, de huma prefença amável,
de huma Índole benigna. Quem mais
fiel nas fuás amifades ? Quem mais
confiante nas fuás refoluçces ? Cho-
raõ-no os parentes : choraó-no os
amigos. O clamor dos pobres ainda
nao enfraqueceo o brado. Fechou-f&
a bemfeitora mão, que lhes matava
a fome , que lhes cobria a defnudez.
Mais carregado de merecimentos ,
que de annos , como nao repoufa-
rá eternamente a fua Alma na paz de
feu Dcos.
Requiescat in pace.
O R A-
WÊÊÊÊá
2o6
ORAÇÃO FÚNEBRE
Do EiMINENTISSIMO SenHOR
D.JOAÒ COSME
DA CUNHA,
Cardeal da Santa Igreja.
E Poderá ainda o Mundo com a
magia de feus encantos enfa-
tuamos de maneira, que ef-
quecidos feiamente de noílas obri-
gações , fó pela poíTe de feus bens
nos aiFanem.os: ávidos , e cubiçofos,
já de riquezas, que desfazendo-fe co-
mo a efcumas do mar, hoje eftaô
em huma mão, a manhã em outra?
Já de honras , que fe brilhaô , he co-
mo huma luz , que como a do re-
lâmpago, naó illuftra , cega? As nof-
fas cabeças féraõ porventura tao vans
que nutrindo, e volvendo idéas além
de fantafticas, as mais das vezes pe-
rigo-
Fúnebre. 207
rigofas; ponhamos unicamente a mi-
ra neíTa chamada Fortuna , para con-
feguirmos aquella grandeza ( falfa
grandeza) com que os filhos de Belial,
refinando a fua íoberba , parece que
querem da terra que pizaô , alcançar
por cima das nuvens a orgulhofa fron-
te , fem advertirem que pequena pe-
dra facudida da funda pelo braço de
humPaílor, baila para derrubar atre-
vidos Gigantes ?
Nao , eu naó o fupponho; prin-
cipalmente de vós , que tendes na-
quelle tumulo hum mudo , mas elo-
quente defengano ; refledlindo , que
com a morte tudo acaba. Sangue
mais que nobre , régio : immenfa
cópia de haveres : fublimes , e eleva-
dos empregos : obfequios .... ap-
plaufos ... (incenfo, Senhores, que
a defcarada adulação com prodiga-
lidade queima) que juftamente fois
comparados ás maçans da profti-
tuida Sodoma ! por fora ouro , por
dentro cinza. Eis-aqui porque no mo-
mento , que a carreira de noíía vida
fe remata, nos prefeririamos rodos
de
T^
^o8 Oração
de boa vontade á purpura de Hero-
des , ainda que recamada de precio-
fas pedrarias, a túnica do Bapriíla,
pofto que tecida de groíTeira, e afpcr
ra lá : conhecendo na fragilidade das
glorias terrenas , o deíprezo de que
fâò merecedoras.
A mim nao me he licito correr
o véo, que cobre os arcanos da pre-
deílinaçao : Sa6 Sacramentos , que
íiem^ fe comprehendem : adorao-fe.
Porém íe o muito Excellente Prínci-
pe 5 a quem vós confagrais eíla fú-
nebre pompa j renunciando na prima-
vera de feus annos juvenis todas as
efperançasde que podia lifongearíe ,
deixou juntamente com a Univerfi-
dãáQ , que feguia , a Caía de feus
Ínclitos Progenitores , para fe reco-
lher na Congreçaçao dos Cónegos
Regrantes, fequeílrando-fe ao com-
mercio das creaturas , para fe unir
mais intimamente com o feu Deos;
porque nao entenderei, que a formo-
íura de verdade tao importante , co-
mo a que acabo de ponderar-vos, foi
quem o aítralíio para bufcar no plá-
ci-
F t; íí E B R È. I09
eido, e fanro retiro do Ciaiiílro a fe-
licidade eterna, a que todos devemoá
aípirar : e que ainda arrancando por
preceito de íeu Soberano , do meio
de fuás Ovelhas , nunca perderia de
viíta os feus mais fagrados deveres,
para correfponder com fidelidade í
fua vocação.
Ao menos crendo-o piamente af-
íim; que o contrario feria metter com
temeridade a foice em feára alheia; que
efpaçofo theatro na6 vejo já abef^
to , para o elogio, qiie vós, fem con-
templardes a minha inhabilidade, qui-
zeftes que eu no acanhado ternio de
poucos dias recitaíTe na prefehça de
humConcurfo taô refpeitavel , mo-
llrando-vosnas altas Dignidades, com
que efmaltou , e efclarecéo a fua Pef-
loa , igualmente que a fua Fámiliâ ,
qual he o merecimento doEmminen-
tilTimo Senhor, o Senhor Domí Joa6
Cofme da Cunha, Cardeal da Sántà
Igreja, Miniftro do Gabinete aífillen-
te ao DefpachOj Confelheiro de Efta-
do , Arcebifpò de Évora , Regedor
das Juítiças^ ln<|uifidor Geral , Com-
O mif-
»IP o R A Ç A g
HiiíTario da Bulia, e Prefidente da Me-
fa das Confirmações ; Efpefo da vof-
fa beflevolencia com a defculpa, a at-
enção de que a matéria fe faz digna.
E recobrandõ-me do fufto , que he
Jlatural que eu tenha , foffrei que ef-
forçado da confiança, que a voíTa
Índole benigna me dá, entre na em^
preza promèttida. Deos me ajude.
Eu começo, Senhores.
QUando, eu revolvendo osFaf-
tos da Synagoga , leio , que he
contada entre as felicidades, com
que Deos abençoou a fé de Abra-
hao, a gloria que lhe refulta por
Chefe de huma Família , de que ha-
viao nafccr aquelles Príncipes , que
fentados no Throno de. Judéa leva-
ria a Climas , e Regièes eílranhas
com as fu^as conquiftas , a fama de
feus nomes ; eu me perfuado , que
nao he de pequeno merecimento
para o Senhor Dom JoaÔ Cofme da
Cunha, fabcrmos que foi Filho de
huma Cafa , que dediiz à fua origem
dè\Seculos taÕ remoto* , que antes
de
F Xr N E B R E.'
2rt
de ganharmos aos Sarracenos as ter-
ras, que poíTuiníios, já na floíTa Lu-
firania eftavaô eftabelecidos os feus
liiuftriílirnos Afcendentes, a quem to-
dos reconheciaò por netos de D. Ra-
miro fegundoRei de Leaõ: como fun-
dado na authoridade de encarquilha-
dos , mas authenticos pergaminhos^
prova Fr. Bernardo de Brito : deri-
vando do rio , que banha , e fertiliza
os campos de feu Solar, o appellido
com que cnlouradas de triunfos as
fuás téftas , ainda hoje honraõ os Ati-
naes de noíTa Hiftoria.
Ora fe as Águias geraô Águias,
que eftimulos de brio naó inflamma-
Tia6 ao Senhor D. JoaÔ Cofme da
Cunha , logo que fua puericia come-
çou a ver pendentes de fuás anteca-
ineras os Retratos daquelles Heróes,
dos quaes com o fangue tinha obri-
gação de herdar as qualidades, que^
ou no ardor da guerra , ou no def-
canço da paz promoverão fempre,
já com o feu confelho , já com o feu
valor os intereííes da Monarquia, dç
que foraô firmiffimos Atlantes 3 ar--
O ii roí-
hl"
212, O R A Ç A 6
rodando muitas vezes impávidos os
perigos, e a morte , para que febre
a ruína de noííos inimigos , tremo-
laíTem vidoriofos os noíTos Pavi-
Ihôes ?
Eis-aqui porque fentindo-fe in-
clinado ao eíiudo daquellas Leis por-
que os Eíhdos fe governao : Leis que
rem por fonte a razão , e a equida-
de, avançando-fe com rápido pro-
greíTo no conhecimento da lingua La-
tina , para meliior fervir a Pátria,
arquem todos devemos, como Cida-
dãos honra dos, confagrar comos noí-
fos talentos as noíTas vidas, fe refol-
veo a ir para a Univeríidade : aonde
como Porcionifta do Coilegio de S.
Pedro , desde o ku Tirocinio, foube
de forte embeber-fe , e entranhar-fe
Í30 coração de feus Meílres , que pre-
cedendo os i^ílos do Goftume , fem
que a lifonja, e o refpeito fobornaf-
íem os Votos, lhe Gonferira^ o gráa
de Doutor : gloriando-fe anticipa-
damente no íilho de fua difciplina
niuuos daquelks, que depois com o
fluido curfo dos anãos o yirao re-
mon-
^ \
Fúnebre. 213
montado a fublimes empregos.
Ornado cem a borla Doutoral ,
naô tardou muito , que o feu mereci-
mento naó foíTe contemplado. O Tri-
bunal do Santo Officio, querendo au-
thorizar as fuás Cadeiras com hum
Miniftro , que zelofo fuftentaíTe as
caufas da Fé , naõ vacilla agora na
efcolhâ : lembra-lhe o Senhor D. Joaó
Cofme da Cunha : nomea-o. Quem
lhe diria entaó, que dentro daquel-
las reípeitaveis paredes tinha já quem
a feu tempo o regeria, como feu In-
quifidor Geral ? Com tudo naõ erao
eftes os Caminhos, porque Deos o
queria conduzir. Na urna de feus inf-
crutaveis decretos eílava deílinado
para maiores honras. E quando a
fortuna o aíFagava mais , reclinan-
do-o carinhofamente entre os feus
braços: quando o Século enganador
nutria no feu peito mais agradáveis
efperanças, efcudado daqueila graça,
que nunca nos falta , com que refo-
luçaô fe determina a calcar o Mun-
do , e as fuás profanas pompas , pa-
ra que recolhido no Glauílro , como
Noé
1ZI4 O R A Ç A 6
Noé na Arca , feguraíTe a fua falva-
çao. Dcos , judo Oeos j fecundai os
íeus deíignids,
Fiorecia por aquelles tempos a
Reforma dos Cónegos Regrantes ,
cjue eftava no berço. Para lhe fazerdes
juítiça, confiderai-a y Senhores , como
huma vergonta , que acertando a naf-
cer em fértil terreno, com facilida*
de engi oíTando o tronco , c dilatando
os ramos fe curva de fazonados po-
mos. A modeftia daquelles Religio-
fos , o retiro , o filencio ; mais que
tudo , o total defapego do Mundo ,
que fuave impreflaÕ nao faziaÔ no
Senhor D. Joaô Cofme da Cunha !
írefere aquella Congregação a todas
as Ordens Regulares» Pede , infta :
talvez com as fuás lagrimas reforça
as fuás fupplicas , para que o admk-
tao naquelle Santuário. He defericTo
como pertende Solta pedra da mão,
accelerando-fe pela fua gravidade na
defcida , na6 bufca com mais Ímpeto
o defejadó centro, Eítreitos vínculos
do parentefco, doces laços da amiza-
de, com que defengano vos quebra,
naõ
F TT li E B R E. 11$
nao fabendo já quando á fombra do
Inftituto de Agoftinho repoufaria na
paz de feu Deos o feu efpirito 1
Tocava agora a vós , Venera-
reis Padres , informar-nos como tef-
timunhas oculares, do exemplo que
vos deu, quando incorporado com-
vofco, vós o vieis fubir de virtude em
virtude para obfervar exadlamente ^
Regra que profeíTara. A humildade
com que obedecia aos feus Superio-
res : o fervor , e a prompiidaó com
que ora de noite , ora de dia acudia
ao Coro para cantar os louvores di-
vinos : a gravidade com que celebra-
va o Sacrifício de noíTos Altares : o
zelo com que muitas vezes da Ca-
deira da verdade, vibrando a efpada
de dois gumes, inftruia os Povos na
doutrina do Evangelho , como ditas
todas eftas coufas por vós, recebtriaá
de voíTa eloquência aquella energia f
qae eu pela pobreza de meu engenho
lhe naõ poíTo communicar ?
Todavia nós fabemos , que ha-^
vendo de dar-fe á Igreja de Leiria
hum Bifpo , que fuccedendo a D. Ál-
varo
^i6 Ora- ç a 6
varo de Abranches no officlo Paílo-
ral, cumpriíTe plenamente as funções
de feu fagrado Miniílerio , o Senhor
D. Jpao D Qainfo , de faudoía recor-
dação , que exames naõ faz , que nao
medita , para que a efcolha tiveíTe
^ feu favor aapprovaçao commurr;?'
Coníeguio-o, Senhores, He o dei-
to o Senhor D. Joaô Cofme da Cu-
nha , vindo como de mais á aquella
Mitra a qualificada , e antiquiífima
nobreza de feu fangue. A noticia fur-
prende-o : para que nao precipite a
íuâ refoluçaô , confuita o Diredor
de íuaiconíciencia. He-lhe manifeíla-
da a vontade de Deos. Aceita. Eno
itiomento, rriíle momento, de dei^
xar aquellas famas paredes, nas quaes
como cândida pomba fizera o feu ni-
nho ; dando com o adeos da defpe-
dida a^ tao bons Companheiros a lua
benção i nao fe fepara , arranca-fe.
Eu tremo, quando faço huma
reflexão fizuda no pezo que agora
toma fobre os feus hombros , Jem-
brando-me da pintura que do Epif-
<íopado pos traça o ApoíIoIo nas fuás
EpiP
Fúnebre. 217
Epiftolasi. Coílumes incorruptos, ani-
mo deíaflerrado dos bens mundanos,
inteireza' de juftiça, caridade arden-
te: diga^fe tudo: vida irreprelieníi-
vel j eil:is fao as pedras preciofas de
que os Bagos fe devem guarnecer.
Ma;5 deixou acafo o Senhor D. João
Colme da Cunha de cooperar, quan-
to nós podemos entender de fuás ac-
ções extíirnas , para o cumprimenta
de fwas obrigações j reíidindo fempre
na fua Sede , viíitando todos os ân-
uos as fuás Ovelhas , e arrancando
abufos , que como zizania, que aífo-
ga o trigo , femeava o homem ini-
migo ?
Quem mais circumfpedlo na ef-
eolha dos Miniílros , que havia ter
20 feu lado? Quem mais folicito do
pado, que havia dar ao feu rebanho,
nao fó convidando expertos , e dou-
tos MiíHonarJos , que o ajudaílem ,
mas mandando traduzir excellentes
Cathecifmos, para que todos fe arrai-
gaíTem mais nos Dogmas de noíía Fé,
e no conhecimento de noíTa Religião?
Para que o feu Qero nao foíTe igno-
\ ran-
rarite
TO
R A Ç A é
raiz de que brorao tantos ma-
les , nao vulgarizou huma Surtima de
Moral, naô eftragada com as Mera-
íyíicas dz Eícola , mas pura , co mo
fundada i.a sã doutrina do:? Padres ?
Eftas tíâô faõ cores , que eu andíi-
ciofamente prepare na palheta co-
mp Orador a quem a lifonja correm-
pe. O que vos digo faó foftos pujbii-
cos , que ninguém, íem a nota de in-
fame irnpoftor, fe atreveria a negar.
Perdoai ao efpirito de Pátrio-
tifmo , fe para fazer mais patpavel
o merecimento do Senhor D. João
Cofme da Cunha , eu me demorara
agora , fallando de hum Rei, a quem
a natureza prodigalizando os feus
dons, enriqueceo de huma compre-
henfao extraordinária , de hum ani-
mo grande, e de hum ganio original :
de hum Rei, que para dar á Nação,
de que era arbitro independente, hu-
ma brilhante face , nunca fe forrou,
cem a defpezas , nem a cuidados :
eftabelecendo importantes Manufa-
éluras , erigindo foberbos Collegios
para educação da láocidade nobre,
re-
Fúnebre. ^119
reduzindo a methodo o deícahido
Gommercio, e reformando , nao lo
a noíía Tropa , mas os noííos hltu-
dos públicos : tendo porém a con-
folaçaô de ver nos feus dias , ainda
que perturbados, e turvos, tornea-
rem-lhe oThrono as Artes , e as Sci-
encias , que desde o Século das nol-
fas glorias , eftavao como dellerra-
das do noflb Clima.
Efte Rei digno de melhor for-
tuna , fobre cujas cinzas correráo
fempre as lagrimas daquelles Patrí-
cios , que entenderem bem os noi-
fos intereíTes : conftante nas adver-
fidades, como nas refoluçôes : prom-
pto nos caítigos , como i^os prémios;
pólos fobre que os Eftados fe fírmao:
religiofo fem fanarifmo: liberal fem
defperdicio : com huma pincelada
complere-fe o quadro : digno Pai da
Augufta Soberana que nos governa ,
naÔ coníentio, que em taô pequeno
theatro , como era Leiria , figuralle
o Senhor D. Joaô Cofme da Cunha.
Chama-o: obedece-lhe: que he quan-
do a auíleridade dos Cânones foffre ,
que
i:
2^0 o RAÇA 6
que os Pallores íe íeparem de fuás
Uvreíhas. Confere^lhe o emprego de
Regedor de íiiasjuftiças : nomeia-o
Arcebjfpo de Évora : da-lhe a Prefi-
dencia da Meia Cenforia , Tribunal
que novamenre cria : faz com que
a Purpura Cardinalicia o orne: e pa-
ra que as caufas da noíTa fé tiveíTem
f^i"'/''^ ^eílreza , e experiência
ioubeíTe manejailas, he o noiloínqui-
iidor Gera*.
, "^v^is chamados fem razão Fi-
cn ^"^ ^"gí-aros ao leite com
que foíles alimentados, oufaftes raf-
gar com roaz , e venenofo dente a
tunjca jnconfuril da Igreja, que co-
mo Mãi carinhofa vos gerou para
J Esus Chriílo ; confeíTai fe nao he
a lua vigilança , que deveis a voíTa
emenda. Nao pararão aqui as honras
que o Senhor D. Jofeph lhe libera-
ii^zou Que-lo a par de íi , como feu
Confelheiro deEílado: da~Ihe a Pre-
iidencia da Junta das Confirmações :
rã-\o Commiííarío da Bulia. Nada
vaga no feu tempo, para que o nao
ache digno. Mas íuccedendo-ihe a
noíTa
•
F U N E B íl E. 221
noíTa Primeira Auguíla , ficari-a o Se-
nhor D. JoaÔ Cofme da Cunha em
menos vantajofa fituaçaõ ? Remove-
lo-hia dos cargos , que naÔ eraõ vi-
talicios ? NaÔ , Senhores : antes con-
fervando-lhe tudo , he crcado Minif-
tro do Gabinete, aíTiílente ao Defpa-
cho 5 aonde . . . , aonde . . • •
Porém que lúgubres efpecle^
me vem funeílar agora ? Porque
me lembras dia ultimo de Janeiro ?
. . . Acafo prefumís vós , Senhores ,
que para vos fazer muitas invecti-
vas contra a morte , he que eu vos
tenho debuxado o merecimento do
Senhor D. JoaÓ Cofme da Cunha ,
que no governo fucceílivo de três So-
beranos confervou fempre o feu va-
limento , fendo eílimado de todos ?
Que ao menos vos traga á memo-
ria a reíignaçaôjcom que defengana-
do dos Fyíicos , que lhe aííiítiaõ, ef-
peraria por aquelie momento , que
decide da noíTa felicidade, receben-
do cheio de fé, cheio de devoção os
Sacramentos, que a Igreja nos admi-
mílra ?
NaÔ
li
hn
222 O K A Ç A S
Nao bailará que vós, conhecen-
do a fraglljidade das grandezas ter-
renas, naô vos aíFaneis para.poíTuil-
las ? Advertindo , que nem a nobre-
za do Tangue, nem a opulência dos
cabedaes, nem a fublimidade dos em-
pregos eftao fora da jurisdição déíTa
miniítra inexorável da vont/ade -de
Deos y que confundindo as.íurpiíras
com osSurrÓes, entra igual meijté pe-
los Palácios 5 que pelas choupanas ?
Qiiem mais illuílre , quem mais fa-
vorecido da fortuna, quem mais ref-
Í3eitavel pelas Dignidades, que tinha,
que o Senhor D. Joaó Coime da Cu-
nha ? Com tudo adverti no que
mudamente vos diz para voíTo do-
cumento aquelle Tumulo. Morreo.
Nafcera o Senhor D. João Cof-
me da Cunha em Lisboa em vinte
e féis de Setembro de mil fetecentos
c quinze. Faleceo a trinta e hum
de Janeiro de mil fetecentos e oiten-
ta e três. Foi fiího do llíuílriílimo, c
ExcellentiíRmo Conde de S, Vicente
Manoel Carlos da Cunha , e da Illu-
ftriffima , e Excellentiílima Senhora
Do-.
1
Dona Tfabí
Rainha D.
lima Caía <
nos carreg
Convento c
a terra lhe i
Senhor , a
fragios, rc
iias voíias |
em paz , >j
fua alma :
«^ U N E B R E. -223
1 de Noronha , Dama da
Maria Sofia , da antiquif-
\e Arcos. Mais que de an-
ado de honras , jaz no
le S. Domingos , para que
eja leve. VÓ3 Chriftos do
jntinuando os voflbs fíuf-
)gai ao Deos , que tomiais,
mãos todos os dias , c me
em fanta paz dcfcançç ; a
na Região dos vivos»
j ^equtefcat in pace,
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