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Full text of "Pantheon maranhense; ensaios biographicos dos maranhenses illustres já fallecidos"

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■ "t-^' 



PANTHEON MARANHENSE 



PMi lAMllS 



E 






DOS 




á 




PELO 



Dr. ANTÓNIO HENRIQUES LEAL 



// 



... nam domrslícis exemplis abandamas: cogitasse 
qiiidquani putamus índita sibi explendum nisi qaid 
laudabile esse, et preclanim víderator? 

(CiCBR. Pauad.) 
TOMO II 



LISBOA 

IMPRENSA NACIONAL 
1874 



o BRIGÃDEIBO 

FELICIANO ANTÓNIO FALCÃO 



o SENADOK 

JOAQUIM FHANCO DE SA 



o SENADOR CONSELHEIRO 

JOAQUIM VIEIRA DA SILVA E SOUSA 



o SENADOR CONSELHEIRO 

JOÃO PEDRO DIAS VIEIRA 



O DOUTOR 

JOAQUIM GOMES DE SOUSA 



ANTÓNIO JOAQUIM FRANCO DE SA 



O CONSELHEIRO 

JOÃO DUARTE LISBOA SERRA 



xm 



TRAJANO GALVÃO DE CARVALHO 



BELLARMINO DE MATTOS 



XV 

t 

o SENADOR CONSELHEIRO 

FRANCISCO JOSÉ FURTADO 



ADVERTÊNCIA 



Agradecendo o bom acolhimento que teve o pri- 
meiro tomo d'esta obra tanto de meus comprovin- 
cianos, como do jornalismo, e assim também as bené- 
volas expressões de pura cortezia e animação asadas 
nas cartas com que honraram-me alguns dlstinctos ca- 
valheiros, cabe-me dar razão de mim quanto ao re- 
paro de não ler apresentado os retratos de todos os 
biographados. Não foi á falta de esforços, porém vi 
baldadas minhas instantes e iterativas diligencias 
para obtel-os, talvez por se não haverem alguns d'el- 
les nunca deixado retratar. E esse também o motivo 
porque de dez biographias que vão n'este tomo, são 
apenas seis acompanhadas das respectivas gravuras, 
e ainda assim foi a de João Duarte Lisboa Serra ap- 
proveitada de uma imperfeita miniatura a lápis feita 



por um seu condiscipulo quando frequentavam, em 
1838, a universidade de Coimbra. 

Se acharam em geral traçados com fiel imparcia- 
lidade os perfis dos illuslres biographados, não fo- 
ram os escrúpulos e critério com que procedi n'esses 
trabalhos parte para que deixasse dlncorrer nas 
censuras dos filhos de José Gonçalves Teixeira, cujo 
character tive de avaliar ; por isso que prendia-se a 
um dos factos mais salientes da vida de José Cân- 
dido de Moraes e Silva. 

São por mim venerados esses melindres, e tomei 
em tanta consideração os argumentos por elles pro- 
duzidos, que tracto com todo o empenho de des- 
cubrir onde está a verdade, e creiam que lerei im- 
mensa satisfação se chegar um dia a declarar que 
n'este ponto cahi em erro com meus informantes, 
aliás mui chegados a José Cândido, e por isso mesmo 
tão competentes e verdadeiros ; e que as notícias dos 
jornaes da epocha, que compulsei e confrontei com 
tão diversos apontamentos, eram apaixcmadas. 

Importa por derradeiro fazer brevissimas con- 
siderações tendentes a justificar minhas intenções 
mal apreciadas por um illustre confrade. Disse o 
sr. cónego dr. Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro, 



XI 

1/ secretario do Instituto Histórico e Geographico 
do Brasil, no relatório appresentado na sessão ma- 
gna d'essa corporação scientífica e iitleraria, reali- 
sada a 25 de dezembro de 1873 (Jornal do Com- 
mercio de 30 do mesmo mez e anno) o seguinte, 
ao communicar aos nossos consócios o recebimento 
de um exemplar do primeiro tomo do Pantheon 
Maranhense. 

• Recebemos no derradeiro dia de sessão ordina- 
naria um exemplar do Pantheon Maranhense de- 
vido á laboriosa e patriótica penna do nosso con- 
sócio o sr. dr. A. Henriques Leal. No volume que 
acaba de sahir da imprensa nacional de Lisboa, 
léem-se as biographias de Manuel Odorico Mendes, 
João Ignacio da Cunha (visconde de Alcântara), 
Francisco Sotero dos Reis, José Cândido de Moraes 
e Silva e António Pedro da Costa Ferreira (barão 
do Pindaré). Faltou-me tempo para detidamente 
apreciar tão substanciosa obra; mas o seu simples 
titulo e exposição do plano, foram bastantes para 
entristecer-me, julgando descobrir n'ella tendências 
autonómicas e um certo particularismo que muito 
desejava ver banido da nossa recente litteratura. » 

Bem longe estava eu de suspeitar que no recinto 



XIV 

ver as vidas de tantos brasileiros insignes sem qne 
cahisse em graves erros de datas e de apreciações 
de factos, e em omissões de nomes que pareceriam, 
clamorosas, senão injustas e apaixonadas exclusões 
por mais cuidado que empregasse em tornar copiosa 
a collecção. 

Âo conceber esta publicação, esperançava-me a 
fagueira ídéa, e applaudia-me de que iria com ella 
estimular outros obreiros a emprehenderem em suas 
respectivas provincias obras idênticas a esta, para 
aproveitarem depois a quem, melhor aquinhoado 
nos dons da intelligencia e fecundo no produzir, ar- 
chitectasse um dia o nosso PatUheon Brasileiro. 
Prezo talvez em demasia a missão de escriptor, e por 
isso não supponho cousa de pouco momento serzir 
alheios retalhos, inventar factos e datas, abusando 
assim do público, sem se embaraçar quem o faz com 
o remordimento da própria consciência e o stygma 
de improbidade lilteraria com que os contemporâ- 
neos lhe marcarão o nome sem porvir. 

Lisboa, 3 de maio de 1874. 



VI 



o BRIGHO 








Pemiíox-ToM. n. 



Quem na lide inaii ÍDfirtpido. 
tímin naUandoiio plaBO,' 
Quem no voncer foi mais rápido. 
Na vkAoria mat* bunano, 
Qoe ta, gmio do Braiil? 

Traiamo GaltXo— Tr«s /yros, pag. 39. 



Entre o general afoito, que, confiado na bravura e na 
sua boa estreita, oompromette um exercito em acedes 
duvidosas e arriscadas, em que periga o foturo do seu 
paiz, e aquelle a quem assiste a previdência no flm&»r 
a prudência oo obro*, e a paciência no esperar, prefiro 
este. O primeiro, tendo só em mira a glória e o engran- 
decimento do seu nome, tudo sacrifica a elles sem se lhe 
importar que seja seu pedestal formado de hecatombes 
humanas. Este busca servir sua terra, poupando vidas, 
obedecendo is leis, attendendo ás menores oircumstan^ 
cias e eventualidades, com o e^irito reflexivo que pesa 
e cdcula tudo. Só dá combate depois de prévio exame, 
e quando empenhado n'elle, esforça-se por evitar gran- 
des perdas. Nos lances ainda os mais críticos e teiíero- 



S08 conserva o sangoe-firio e a imperturbabilidade pre- 
cisos para descobrir e desfazer os obstáculos qae aneijam 
e possam sustar a marcha dos acontecimentos. Aqnelle 
imporla-se unicamente dos prós — tem por nonna um 
dos príDcipios cardeaes dos jesuítas applicado á guerra. — 
A invasSo da Rússia nio foi menos fatal aos exércitos de 
Napdeio do que a sua retirada, emquanto que a dos dez 
mil honra até boje a memória de Xenophonte. 

Um antqtõe a glória a tudo — é o egoismo na bravura, 
è ter a própria tuna por abro de suas acções ; o outro tem 
por único norte a pátria — o homem e o patriotismo en- 
cheohUie a alma. 

Estas eram as virtudes militares do brigadeiro Feli- 
dano António Faldo, que i muita probidade alliava 
respeito ás leis, e^writo eminentwnente disciplinador, 
^ «facto pataniat a SMS soldador Iseoio de todo o pen- 
saMMto iBteressttro, mn alheio is paixfies e ásfaKtas 
poBlios, cQiservaiidii DOS quartéis a inpaffcia&dada e a 
pteátei qM tanto o distiogniaM to acampaMBato e ias 
niifis. So «a Mtavtl por essas qualidades^ utooera 
MMW ptli nyápffiçlíi lOs sofiriaieiíios easefenâdade 
cim fM CQiftHnMav»w ás in|Bslic» que por voas o fe- 



Uiva t aonmxit ant mfèr deiíar d» applicar » 
oastifos mgtlÊÊÊÊmtmtm a» gpae se iraKràtaM do hoia 
CMMÉOw Sn iMèoi d ahà ^m ocigiaav»^ esa oxk 

vii|i disctfkMp. hoai^adwi. IwiiMPalii, acn^anho 



e comportamento exemplar tornavam-n'o sempre um dos 
mais dístinctos entre todos os do nosso exercito. Reflexo 
do seu commandante, que se identiflcára com elie, con- 
stituíam ambos um todo concreto. 



II 



Nasceu FeKciano Antotiio FalcSo a 31 de maio de 1810 
nos quartéis do Campo d'Ourique da cidade de Sn' Luiz 
do Maranhão. Seus pães» o brigadeiro Manuel António 
Fale9o, e a esposa doeste, D: Maria do Carmo Monteiro, 
ahi residiam com affamiiia em vkrtude do posUo e do eu* 
cargo que tinha aquelle no exercito portuguez. 

SentindoiD. Maria do Carmo projúma<a hora de^lai^á 
luz, mandou *1(^ a sollicito esposo redado á parteira. 
Tardava eÃa e já se manifestavam os «ymptomas de que 
estava por instantes o termo do parto. Na sua áncia e te- 
mor tíSo sabia já o esposo dar^ee a eonselho, porque via 
em pmgo duas vidas que lhe eram tio charas. Dirighi-se 
entio a om grupo de soldados que lhe acercavam a porta, 
inquirindo se algum d'ellea sé atrevia a receber a creança 
e a peoçal-a. Apresentou-se um d'elles, latag^o refor^ 
çado e corpulento, que recebeu em seus braços o foturo 
brigadeiro Falcão. Só parece que a sorte lhe propiciara 
aquelle primwo berço e circumslancias de nascimento 
como para indicar4he qual a carreira que lhe estava assi- 
gnalada e encheria sua existência. 

Quantas vezes não ouvi ao tostado barqueiro António, 



8 

depois teve ensejo de mostrar no motim de 19 de no- 
vembro os quilates de seu valor. Notando a frouxidão do 
commandante das forças, apresentou-se no conflicto com 
o seu piquete primeiro que qualquer outro corpo, deda* 
rando-se a favor das autboridades constituídas. Não limi-* 
taram-^e ahí seus {H^estantes serviços — impediu, lam- 
bem, ainda com risco de vida, que as tropas aquarteladas 
no Campo d'Ourique cedessem aos appellos dos amo- 
tinados e confratemisassem com elles, como já o referi 
em outra parte d'esta obra, (Biograpkia de José Cândido^ 
tom. I, pag. 231.) 

Greada na capital da província a companhia de guar-* 
das municipaes permanentes, onde assentaram praça mui- 
tos filhos das principaes famílias, foi-lhe conferido o comr 
mando d'ella (desde 22 de janeiro de f 832até21 dejunho 
de 1836). A elle deveu esse corpo a boa reputação de que 
gozava, por sua exemplar organisaçSo e instrucção. 

As necessidades sempre crescentes da província exi- 
giam um corpo mais desenvolvido, e que tivesse a seu 
cargo o policiamento de toda eila. Decretada pela assem- 
bléa provincial essa medida, tão reclamada, ninguém por 
certo estava mais bem talhado para formar e dirigir esse 
batalhão do que o illustre oflBcial maranhense, e nem 
cabia nas rectas intenções e zelo do presidente Gosta 
Ferreira (depois barão de Pindaré) fazer outra escolha ; e 
assim foi aquelle capitão nomeado por portaria de 23 de 
junho de 1836 para commandal-o. Desde esse dia até 30 
de novembro de 1841 esteve Falcão á frente d'essa força 
provincial, que podia servir de modelo em todos os sen- 



9 



tidos, e nem invejava ao melhor corpo de linba. Era uma 
garantia e segarança para todos, um auxiliar poderoso 
DO descobrimento de criminosos, na execução das ordens 
do governo, na mmutençio da tranqntUidade pública. 
Todas as horas d'este brioso militar, todas as suas vigi- 
lias, cuidados e cogitações empregava^s nos negócios 
d'08sa batalhio, que creára, organisára e instruíra. Sem 
embargo de ser seu filho mimoso, nem por isso o tra- 
eiava com mais indulg^icia e vigiava menos para que 
vio ^scaiusse um ápice sequer. Tudo passava por suas 
listas e mios, e de tudo cuidava-^ do rancho, do far- 
danento, do soldado na moléstia: attendia ás queixas 
dTelies e ás dos particulares, e ai do que incurria no seu 
desagrado por quebra de disciplina, por abusos ou por 
froQxidSo; que nSo havia dobrar o justiceiro ccmunan* 
dante para que alliviasse o delinquente do castigo que lhe 
maitaval Quem não viu ou não soube que Falcão, nas 
noites escoras e tempestuosas, por baixo de chuva e des- 
calço, a fim de que não o presentissem, rondava as ruas 
da cidade para observar se as sentinellas estavam a pos* 
tos e as rondas nas suas diligencias? D'ahi também ga- 
nboQ esse corpo tamanha confiança e< fema que ninguém 
16 atrevia a afib^ntar as leis em presença de um soldado 
de polícia, e era bastante um ou dous para que qualquer 
ajqntanento de povo se contivesse nos Iknites da ordem 
ou se dispersasse quando lhe era isso intimado. 

Qoe distancia immensa não vae do corpo de policia 
commandado por Falcão do que foi elie depois I? Que de 
truisformações se téem operado n'elle de então para cá i . . . 



iO 



ni 



Eram frequentes as sublevações no tempo da regên- 
cia : coQtavam-se os molrns pelos amKis — ora esta, ora 
aquella província iosurgia-se contra o governo estabele- 
cido. As paixões estavam em ebuUição e referviam por 
toda a parte. Bastava o menor choque para que viessem 
á flor em conOicto pronunciado e os ânimos nSo esta- 
vam menos irrequietos e apprehenâvos no MaranhSo do 
que no Pará e Rio Grande do Sul. Veiu aggravar esta 
situaçSo da nossa província a compressão e a violenda 
das authorídades subalternas, a quem o presidente Ca- 
margo armara com a lei dos prefeitos, mal recebida da 
população. Essa rede policial, que tolbia em suas mallias 
a liberdade, com flagrante transgressão do pacto funda- 
mental, estendeu-se por toda a província, irritando a 
maioria, e exaltando as classes menos favoreddas de f(H^ 
tuna e de instrucção, as quaes por isso mesmo eram as 
que sofiriam principalmente os abusos d'essas authorí- 
dades. 

Preparada assim a mina, bastou a mais ténue faísca 
para produzir-se a explosão. Não foi preciso mais do que 
o recrutamento arbitrário de uns populares na villa da 
Manga do Iguará, para que rebentasse essa revolta, que 
teve a princípio por chefe o mulato Raymundo Gomes, 
a quem veiu depois reunir-se Balaio^ também homem 
de còr, e que transmittiu seu appellido a esse movi- 
mento popular. Â balaiada engrossou ainda muito mais 



li 

com a joDCção dos troços de Cosme, cuja eõr preta serviu 
para aliciar os da sua laia e dar a ella proporções mais 
tremendas com os bandos de escravos que desertavam das 
lazendas de seus senhcHre» e aoolbiam-se ás fileiras rebel- 
des» imagioando que d'este geito adquiririam a liberdade. 

Essa revolta plebéa, que d3o foi fomentada por ne- 
nhum partido, e nem aconselhada e mantida por nenhum 
homem de posi(^ oo de fortuna, assolou comtudo a 
província e só pôde exUnguir-se no fim de dois annos, 
por meio da mais am[da anmistia, concedida pela magna- 
nimidade do imperador aos revoltosos» já cançados e di- 
ximadoa das continuas assaltadas e derrotas. 

SubsUtuia a Camargo na administração da provinda 
Manoel Felizardo de Sousa e Mello (d^)ois conselheiro» 
senador» etc.^)» e foi a este que coube o trabalho mais 
penoao f e xliiBeil d'esta campanha ^^ o de levantar e orga^ 
m» fè StffÇàSf expedíl-as» e crear os meios com que 
dq[)oi8 Coram desbaratados os rebeldes. Conhecendo elle 
quanto valia FalcSo» nomeoa-^K a 13 de março de 1839 
cmnmandante das operações» e depois» a 7 de agosto do 
mesmo anoo» o encarregou de dirigir o primeiro batalhão 
da brigada pacificadora. 

Que de bravura e de sangne4no não desenvolveu Falcão 
noi recontros com os rebeldes? que de paciente e infa- 
tigável vígilaneia nos acampamentos, por que nada fal- 
tasse a 8008 sobordinados» por que se aperfeiçoassem no 
manejo das armas» por que as munições de guerra e de 
bocca não escasseassem?! Por quantas dolorosas dece- 
pções não passou elle, ao encontrar os abusos e deleixos 



131 

dos foraecedores apadrinhados, dos seus companheiros 
de armas, seus pares e superiores em postos, que lhe 
frustravam os pianos, por malícia e relaxismo ou covardia 
e imperícia, ou já por nio homlH*earem tom elle e nem 
comprehenderan o que era a pátria e o culto que lhe é 
devido?! 

De todas as acções em que entrou n^esta lucta oívil, 
nenhuma o iilustrou mais e exidçou tanto os bons crédi- 
tos de Falcão como o combatte das Areias. 

A duas léguas da villa do Monim acampavam-se as for- 
ças rebeldes, escolhendo para isso uma eniinentía cha- 
mada Areias, onde a estrada forma um cotovôHo. Ahi 
fortificaram-se, construindo umas trincheiras de páu a 
pique, com três pés de altura, revestidas de espesso fo- 
Ihiço e drcumvalladas externamente por um fosso« U^ 
que tiveram avito de que as tropas' legaes aproximavam-: 
se, agacharanhse por traz d'essas paliçadas e aguardaram 
silenciosos o accommettimento. Foi porfiada a peleja do 
dia 9 de dezembro de 1839, e vivíssimo o fogo dos mi- 
migos, recebendo as tropas ao mando de Falcio em 
cheio e a descoberto os tiros certeiros dos balaios; mas 
apesar do inesperado e mortífero da acção, acompanha- 
ram os soldados ao seu comm»idante na bravura. Fica- 
ram na primeira descarga cerca de trinta fora de com- 
batte, nem por isso desmaiou Falcão, senão que fez avan- 
çar sempre sua gente. «O estóico major, diz testemunho 
imparcial, não recuava apesar de já tropeçar eotre mor- 
tos e feridos apínhoados no caminho. Quíz a vanguarda re- 
troceder, tão desalentada estava ; mas elle conteve-a e for- 



13 

çou-a a nova investidai (Obras de D. J. 6. de Magalhães, 
tom. vm, cap. n, pag. 43 — Hist. da Rev. do Maranhão i). 
Teria de certo triomphado d'essa sangrada refrega, se o 
covarde officíal a qoem incumbia de flanquear os rebel- 
des e attacak)s pela retaguarda, tivesse executado suas 
ordens* 

Ficaram n^esta ac(^o feridos e mortos perto de mil 
bornais, pondo afinal termo á peleja e afugentando os 
rd)ddes os reforços frescos, que sob as ordens do intre- 
fido alferes António de Sampaio (depois morto em bri- 
gadeifo na campanha do Paraguay), vieram accudir ao 
major Falcão. Foi n^esse dia memorável que o bravo 
militar. maranhense recebeu o baptismo de sangue, co- 
brindo-se de louros e de feridas recebidas com denodo, 
calma e desprezo da vida, como quem estima o brio e a 
pátria mais do que tudo, e do que ji dous dias antes ha- 
via dado sobeja prova em uma escaramuça. 

Foi, entretanto, esse heróico attaque que serviu de 
thema á inveja para querer tisnar o mérito do joven mi- 
litar I Attribuiu-lhe a malevolencia o mau êxito d'este dia, 
deixando incólume o coronel Sérgio, a cujas ordens elle 
obedecia, e que estava com o grosso do exercito em lugar 
de onde oavia o som da mosquetaria e das cornetas, sem 
mandar tropas em auxílio da guarda avançada que estava 
a sacrífiear-se i # 

Ainda bem que um escriptor desprendido inteiramente 
de aflTeiçSes e resguardos pelo distíncto maranhense, es- 
crevendo a história d'essa revolução, vingou a memória 
de Faido. O ex.''^ sr. dr. Domingos J. 6. de Magalhães 



14 

(hoje barão d^Araguaya), que então servia de secretario 
e andava nos segredos do general (duque de Caxias)» 
testemunha quasí que occular dos factos e por cujas vis- 
tas passavam todos os documentos officiaes, demonstrou 
na sua Memória histórica da revolução do Maranhão, 
com argumentos e provas irrecusáveis, que a culpa re- 
cahia tão somente no cobarde official que não auxiliou 
seu bem concebido plano, e sobretudo no commandante 
da brigada que deixou-se ficar na mais criminosa inacção 
sem ao menos enviar para alii uma partida de seu exer- 
cito I Veja*se a citada memória (Obras de D. J. 6. de 
Magalhães— tom. vm, pag. 43 a 45, ou o n.^ 11 da Ito- 
vista Trimensal — tom. ui« da %^ serie), na parte rela- 
tiva ao attaque das Areias, que se ficará convencido da 
innocencia de Falcão, e sua r^utação, em vez de no- 
doada, reivindicada, como a justiça o exige. 

tE o nobre militar foi posto á margem desde então 
até que o novo presidente e commandante das armas, 
coronel Luiz Alves de Lima (duque de Caxias), o foi 
arrancar de tão injusto ostracismo.! Referindo-se, depois 
o mesmo ex.*^ sr. dr. Magalhães a este íacto, prosegue 
n'estes termos: cFez o presidente marchar quinhentas pra- 
ças sob a obediência do major Feliciano António Falcão, 
que desde o desastroso attaque das Areias ficara sem ser 
empregado, por iiérígas de que foi victima, sendo aliás 
official moço, honrado e severo de costumes, postoque 
não experimentado, por ser esta a primeka guerra que 
fazia: o presidente, porém, que se não deixava illudir por 
insinuações, descobrindo as boas qualidades da sua j^es- 



15 

soa» o tiroa do esquecimento, quasí da morte, e lhe quíz 
dar esta occasíio de restabelecer seu credito (Ob. cit., 
pag. 81).» 

Se o favoreceu a fortuaa e o acompanhou até o posto 
de capitão» desamparou-o depois, e por mais serviços e 
por melhor fé d'oÍBcio, nem por isso adiantou-se na car- 
reira até que aSnal, a 9 de outubro de 1839, foi pro- 
movido a major. Chamado a 7 de março de 1840 para 
servir ás ordens do presidente e commandante das armas 
do Maranhão, o coronel Luiz Alves de Lima (hoje gene^ 
ral e duque de Caxias), reconheceu este que o tecto se- 
guro de uma secretaria de guerra não era lugar asado 
onde se expandisse o génio guerreiro do bravo major, e 
* d'ahi ba dois dias o dispensou d*essa commissão, pas- 
sando Falcão a 19 do mesmo mez a tomar conta do acam- 
pamento da Vargem-Grande, cujas paragens eram mui 
infestadas de rebeldes. A 1 3 de agosto (1840) estava no 
commando da terceira columna em operações, gosando 
desde 17 d'esse mesmo mez da effectividade do posto de 
major, sendo também condecorado com o officialato da 
Imperial Ordem da Hoza pelos serviços prestados á paci- 
ficação da província: punca houve galardão concedido 
com mais justiça, nem peito onde resplandecesse com 
mais fulgor uma venera. Foi-lhe por esse tempo coniè- 
rído também o habito de S. Bento d'Aviz por contar 
mais de vinte annos de serviço. 

Tomado á capital do Maranhão, não se ficou no re- 
manso do odo que pedia sua saúde deteriorada na 
campanha. Foram reclamados seus serviços pelo presi- 



16 

dente, que a 15 de março o nomeou prefeito de policia « 
e de que só a 20 de novembro (1841) conseguiu ser 
exonerado, depois de muito instar por isso. Já era desde 
18 de julbo graduado em tenente coronel, em cuja effe- 
ctividade foi confirmado a 7 de setembro de 1842« 

Foi-ibe confiado o commando do batalbSo 7 de caça- 
dores (Se 16 de dezembro de 1841 até 31 de janeiro de 
1843), e como tal passou^se de novo a commandar a 
guarnição de Caxias. Não terminou, porém, o anno de 
1843 que não fosse em 1.^ de dezembro empossado no 
conmiando do 5.^ de fuzileiros, cuja direcção só deixou 
no posto de brigadeiro. 

Identificado com este batalhão, reorganisou-o e ele- 
vou-o a um tal apuro de disciplina e de bom proceder, 
que em toda a parte onde apparecia Falcão com seu 
corpo, nas cidades como nos campos de batalha, deixa- 
vam de si bom nome e tornavam-se sympatbicos ás po- 
pulações, ao mesmo tempo que os desordeiros e malfei- 
tores os temiam, e os potentados e influencias eleitoraes 
os respeitavam; porque eram de todos conhecidos os 
brios do 5.^ de fuzileiros e sabia-se que seu commandan- 
te não transigia com as parcialidades politicas e nem con- 
travinha ás ordens legaes emanadas da autborídade com- 
petente. 

D'isto temos um exemplo bem notório e no próprio 
local em que contava Falcão parentes e amigos, e onde os 
laços de aflTeições tão charas poderiam fazel-o torcer ou 
minguar d'aquella rigidez de character que ninguém n*el- 
le desconhecia. 



17 

Desde 1846 qae as paixões politicas, acirradas pelos 
ódios de família, se desbocavam na imprensa, terreno 
commum de atrocíssimas e injuriosas retaliações. 

Com a nova administração de um maranhense illustre 
e atilado que soube conciliar os espíritos, chamando a si 
muitos homens, aliás respeitáveis e importantes por sua 
illustraçao e posição social, mas que se achavam, uns re- 
tirados da vida pública desgostosos da marcha e tendên- 
cia dos negócios políticos, outros perseguidos e arredios 
por amor de seus princípios. Arvorou Franco de Sá a 
bandeira dos melhoramentos moraes e materiaes e da 
conciliação, em que veiu dentro em pouco alístar-se a 
fliaioria da província, creando-se assim um partido forte, 
cheio de crença e enthusiasmo, e que com o nome de 
Uga prestou grande auxílio a esse presidente laborioso e 
patriota. 

O grupo, que foi apeado do poder, entre os expedien- 
tes de que soccorreu-se para fazer opposição ao novo 
partido foi o de impedir que os da Liga passassem a 7 
de setembro pela rua onde aquelle tinha uma íUumina- 
ç3o; dado que as passeatas politicas estivessem no cos- 
tume de a percorrerem nos dias de festividade nacional, 
quando os interesses lembram-lhes de commemorar fei- 
tos passados. 

Ammados os chefes do grupo decahido de idéas sub- 
versivas, muniram-se ás occultas de projectis guardados 
em certas casas onde a rua se estreita, armaram alguns 
de seus parciaes de cacetes e punhaes» e assim espera- 
vam os contrários que, sem suspeitarem intenções tão 

PAmBOR-TOV. u. 1 



18 

hostis, vinham inermes e bem dispostos, ainda qae em 
número muito superior e súfQciente para essa nm conflicto 
desbaratarem e porem em fuga quaesquer aggressores. Ao 
aproximarem-se do largo de San' João, eis senão quando 
são arremessados de todos os lados fundos de garrafas, 
e arremeltem grupos armados e furiosos cmtra as pri- 
meiras filas dos Ugueiros. 

Sem eml>argo da surpreza e do inopinado do attaque, 
procuram estes repeilil-o armando-se ás pressas com 
achas de lenha que alguns estabelecimentos commerciaes 
mais próximos lhes forneceram: a lucta ia travar-se e 
parecia imminente um terrível conflicto de mui graves 
consequências, quando apparece o 5.® de fuzileiros com 
o seu conunandante, e este por sua enérgica attitude, por 
seu circumspecto e cordato procedimento conseguiu res- 
tabelecer a ordem, volvendo os espíritos á razão e á 
calma. 



IV 



Contava Feliciano António Falcão perto de quarenta 
annos de edade, e nunca tinha ainda sabido da sua pro- 
víncia natal. Abi recebeu o seu aprendizado militar, exer- 
citou-se nas armas, e fez sua primeira campanha, que des- 
de logo o tomou distincto entre os bravos. 

Em 1848 entrara pela primeira vez para os conselhos 
da coroa» como ministro da guerra, Manuel Felizardo de 
Sousa e Mello, que fez desde logo transferir o 5.^ de fb- 
zileiros para a província de Pernambuco. Foi isso um 



>#.. -..j. 



19 

acoDtecimeDto qae consternou demasiado os habitantes 
da provinda do Maranhão, sendo baldados os esforços 
qne alguns d*eUes empregaram para que o ministro cas- 
sasse similhante ordem. Yeiu tal insistência na remoçlo 
do oommandante do 5.^ de fuzileiros como que dar cor- 
po i suspeita de vingança em satisfáçSo da antiga rixa e da 
inveja que lhe ficara desde os brilhantes feitos de Fal- 
(Ao na arriscada expedição contra os balaios. Não pro- 
curarei averiguar o que ha de real ou de falso n'este 
boato; mas o que é certo é que elle correu sem contes- 
tação quando o 5.^ de fuzileiros e seu couunandante 
foram removidos para Pernambuco, sem que o serviço 
público ou a boa disciplina o houvesse exigido» ficando 
de mais a mais desfalcada de tropa de linha a província 
do Maranhão, e os cofres públicos das grossas quantias 
que acarretam sempre comsigo os movimentos de tro- 
pas, onde os transportes são caros; postoque d'esta vez 
não foram elles de todo perdidos como o vieram confir- 
mar os fiituros successos. 

Com a revolução de fevereiro de 1848 e a prodama- 
çio da republica em França, os espirites menos reflecti- 
dos alvoroçaram-se, e essa agitação, sem embargo de 
fraca e indecisa, abalava de algum modo as instituições 
do nosso paiz. Na província de Pernambuco, mais enthu- 
siasta que as outras, e onde as paixões crescem e tumul- 
tuam com mais impeto e facilidade, não ficaram os ânimos 
exaltados só em vagas aspirações, senão que tentaram 
pOr por obra suas idéas. 

Nos dias 26 e 27 de junho amotínou-se a plebe, alte- 



20 

rando por momentos a ordem e segurança pública com 
o criminoso fito de invadir o bairro commerdal do Re- 
cife, onde os mal intencionados pretendiam, segando era 
voz, commetter roubos e outros excessos. 

Encontraram, porém, os amotinados a ponte que dava 
livre entrada para o Recife occupada pelo 5.® de fuzilei- 
ros, que não só a deffendeu com muito valor e tenaci- 
dade, como também os destroçou. Foram estes os prelú- 
dios da tremenda revolução, conhecida pelo nome Praiei- 
rãj que se desencadeou sobre a bella e rica provincia de 
Pernambuco e talou-a por mais de dois annos. 

Se foi erro e crime n'aquelles que ergueram o grito da 
rebelliSo, maior erro e crime mais imperdoável foi o 
d'aquelles que deliberadamente a provocaram, compri- 
mindo esse partido, exacerbando-o e precipitando-o no 
desesperado e sempre calamitoso recurso da resistência 
armada 1 Não a desculpo, mas hei de sempre deplorar 
08 dois martyres que n'esse périplo de sangue marcaram 
com sua morte as duas phases mais salientes d'elle: —Nu- 
nes Machado no maior auge da revolta e quando ella pare- 
cia triumphar, e Pedro Ivo na decadência d' ella, quando 
se compunha quasi que de guerrilhas. Âquelle morto 
traiçoeiramente no fervor da contenda, este fria e calcu- 
ladamente encerrado nos cárceres de uma fortaleza com 
deshonra do próprio pae que o attrahira a essa cilada com 
fallazes promessas de perdão! Gorra-se, porém, espesso 
véu sobre essas paginas negras da nossa história contem- 
porânea, e apontemos apenas os feitos de armas em que 
se distinguiram o bravo maranhense e o seu batalhão 



composto de comprovincianos nossos. Foi o primeiro 
d*elles a parte mui activa que tomou Falcão no attaque 
de Gurangy (20 de dezembro de 1848). 

Despartídos os rebeldes, depois do desbarato de 2 de 
fevereiro em dous corpoS; reftigiou-se um, com o dr. Fé- 
lix Peixoto de Britto, hoje nosso cônsul em Hespanha, á 
sua frente ao norte da província, e outro, de que era 
chefie Pedro Ivo, ao sul d'ella. Encarregado Falcão de 
dirigir as operações do norte, sob as ordens do marechal 
de campo Coelho, foi um de seus primeiros feitos na per- 
seguido d'esses sublevados o da occupação da villa do 
Limoeiro. 

D'ahi passou-se com o seu brioso batalhão para o sul 
da mesma provincia, percorrendo de 16 de janeiro até 6 
de fevereiro de 4849 o território que permeia a villa do 
Rio Formoso da povoação de Panellas de Miranda. De 10 
de fevereiro a 12 de março vémo-lo no commando da co- 
lumna em operações, e foi com ella que ganhou o com- 
batte de 13 de fevereiro no engenho Páu-Amarello, e a 
21 o da cidade do Brejo-d' Areia, rechaçando os revol- 
tosos, que intemaram-se nos mattos, como seguro re- 
fúgio. Foram estas duas victórias memoráveis pelo en- 
carniçamento da lucta e ainda mais por seus resultados, 
que deram profundo e mortal golpe n'essa rebellião, e 
contribuíram eflScazmente para a paciQcação da provincia 
de Pernambuco, como o próprio presidente d'ella o de- 
clarou no relatório apresentado no seguinte anno á assem- 
bléa provincial, fazendo com isso inteira justiça ao nosso 
valente comprovinciano. Ainda ahi estão bem frescas as 



memórias das gentilezas de valor que praticou Falcão nos 
attaques de Páu-d*Alho, da Escada» de Nazareth (30 de 
novembro de 1850), e das mattas de Marícotas e de Ga- 
tucá, onde commandava a vanguarda. Foram estas por 
sem dúvida as mais disputadas e sanguinolentas de todas 
as pelejas d'esta campanha fratricida, e também as em 
que o 5.® de fuzileiros e seu commandante primaram, 
avantajando-se aos demais corpos empenhados n'ellas. 

N3o foi também parco o governo imperial em premiar 
o valor e a dedicação do intrépido commandante do 5.® 
de fuzileiros. A 5 de maio de 1849 teve a mercê do oflB- 
cialato da imperial ordem do^ Cruzeiro, e de commenda- 
dor da da Roza, e a 18 de novembro do mesmo anno foi 
elevado ao posto de coronel por distincção. 



V 



Ainda não de todo cicatrizadas as feridas abertas pda 
guerra civil que assolou Pernambuco, vimo'-nos obriga- 
dos a entrar em campanha contra as republicas do Prata 
para reprimir-lhes as demasias e desaggravar nossos brios, 
menoscabados pelas invasões do território do império, 
e damnos causados a nossos concidadãos, sem attenção 
ás promptas reclamações do governo. Os rio-grandenses 
cansados de esperar as decisões da tortuosa diploma- 
cia, tomaram por suas mãos desafGrontar-se de tantos 
vexames. O barão de Jacuhy, um dos que mais sofiriam 
em sua fazenda, apresentou-se em campo com numerosos 



bandos armados, e tomou por suas mãos a desforra, fa- 
zendo por soa vez orna correria na republica do Uruguay. 
D^>ois d'isto só havia dois extremos a escolher, ou pas- 
sar o governo brasileiro pelas forcas caudinas de Oribe, 
corvandoHse submisso ás suas eugeocias, e entregando- 
Ihe os aggressores, ou erguendo altivo a fronte e re- 
ptando o insolente dictador da banda oriental para o cam- 
po da honra. Escolheu o Brazil em boa hora este último 
e applaudido alvitre. 

Reuniu as forças disponíveis, que estacionavam ainda 
em Pernambuco e as dispersas pelas differentes provin- 
das, 6 com um exercito e esquadrilha sofiriv^ sulcámos 
as aguas do Prata. Reforçado o nosso exercito com os 
troços de Urquiza, governador de Gorrientes, rebellado 
contra D. Manuel Rosas, e com os que se oppunham na 
campanha oriental ao domioio oppressivo de Oribe, foi 
essa guéhra um tríumpho ininterrupto, em que, cabendo 
aos nossos os maiores perigos, foram-lbe» comtudo, agua- 
rentados ds louros pela má fé dos alliados. Aniquilado o 
poder de Oribe, nossas armas voltaram-se contra Rosas, 
que ofEerecendo maior resistência, tiveram por isso de ser 
mais rijos os combattes travados em Buenos-Ayres. 

Á nossa marinha e força de terra pertenceram os pos- 
tos Hiais arriscados e o maior quinhão de glória em todos 
elles, tomando-se ahi mui notado o soldado brasileiro por 
sua bravura, resignação, honradez, instnicção e organi- 
sação militar. 

Entre os batalhões que acudiram ao reclamo do go- 
verno, acbava-se o 5.^ de fuzileiros, que no solo estran- 



24 

geiro DUDca desmentiu o conceito qae já havia adquirido, 
e a confiança que n'elle depositava o coronel Falcão, seu 
commandante, a quem acompanhou nas mais perigosas 
emprezas, ajudando-o assim a aureolar cada vez mais a 
brilhante coroa que lhe cingia a fronte e o exalçava aci- 
ma os primeiros bravos. De todas as acções em que eii* 
traram elle e seu batalhão, foi a mais célebre, a de Mon- 
te-Caceros, que ainda hoje conunemoram seus antigos 
companheiros d'armas. 

Gommandava elle a segunda brigada da divido brasi- 
leira, e na posição temerosíssima da vanguarda, era o pri- 
meiro na peleja, arremetendo furioso com a espada em 
punho contra os aguerridos inimigos a repettir aos seus : — 
avança 5.^, avança I Foi o resultado de tantos esforços 
e denodo a mais estrondosa victória. « 

Como é sabido, os eierdtos brasileiros sahiram trium- 
phantes d'esta gloriosa campanha, e o dictador Rosas, 
desbaratadas suas forças e rendido até o derradeiro ba- 
luarte, procurou na fuga escapar ao merecido castigo que 
os desgraçados argentinos lhe infligiriam de certo. * 

Foi o galardão encontrar o bravo maranhense ainda 
nos campos de suas façanhas: — a 3 de março de 1852 
elevado ao posto de brigadeiro, a 14 de junho do mes- 
mo anno recebeu a dignataria da imperial ordem do Cru- 
zeiro e as medalhas que assignalavam os bravos que as- 
sistiram a esta campanha do Rio da Prata. 

Desoppressas as republicas cisplatinas d'esses tyranne- 
tes, e desaffrontadas ao mesmo tempo a honra e a digni- 
dade do Brasil, estabeleceram-se n'ellas governos regu- 



25 

ares, nio oriundos do terror, mas do voto nacioDal ex- 
treme de imposições. Terminada, pois, a missão dos exér- 
citos brasileiros, voltaram aos lares com os louros e os 
tropbéus ganhos tão brava e honrosamento. 

Ckmi elles também veiu o 5.^ de fozileiros, viuvo de 
seo chefie; que a alta patente que occnpava o brigadeiro 
Falcão lhe não consentia mais o commando de um bata** 
Ihão, incumbindo-lbe commíssões mais importantes e ele- 
vadas. 

Sem esse guia vigilante, sem esse conselheiro e solerte 
insinictor, que ò arregimentava, que o continlia nas re- 
gras da boa disciplina, que tanto o admoestava quanto o 
protegia, foi o 5.^ de fuzileiros perdendo os brios e com 
eUe o prestigio e consideração que tivera, decahidos dia 
a dia al6 manchar-se com o labéu de covarde que me- 
receu nos campos de Paraguay, onde pela primeira vez 
fugiu ante o inimigo! Hoje o que resta d'elle? O casco 
informe do antigo 5.^ de fuzileiros, desorganisado, dimi- 
nuído e quasí dissolvido, onde se alista o refugo d*ofB- 
ciaes incapazes e de cadetes e soldados insubordinados 
e desordeiros. Nem vestígio do que foi apparenta essa 
mescla de outros corpos que estaciona de novo na capital 
do Maranhão! 

Desligado portanto Falcão do corpo a que dera tama- 
nha n(mieada, sigámo-lo nos diversos encargos que preen- 
cheu d'ahi em deante. A O de dezembro de 1852 foi no- 
meado director do arsenal de guerra da corte, e a 4 7 do 
mesmo mez e anno membro do conselho de administra- 
ção para fornecimento do mesmo arsenal, funcções estas 



86 

que exerceu por pouco tempo ; porque sua presença ahi 
contrariava os especuladores agaloados e seus protecto- 
res. 

O arsenal de guerra da corte, verdadeiro tonel das Da- 
naides» sorvia os dinheiros públicos de um modo assom- 
broso, e as delapidações eram t2o escandalosas» e mancn- 
munavam-se tio ás claras os fornecedores e limccioDanos 
para as praticar, que já nio havia quem as ignorasse. 
Veiu dar-lbes ainda maior vulgarisação as denúncias for- 
mães que em pleno parlamento apresentou o deputado 
dr. Mello Franco, documentando-as com os próprios oh* 
jectos fornecidos, que eram as mais elocpientes peças 
d'esse corpo de delicto. Causou essa díscussSo pasmo e 
animadversão geraes, e foi por muito tempo d thema 
obrigado dos jomaes e das censuras particulares. Só as 
linhas que se consumiram ali em um anno, os sapatos, 
cujas solas tinham apenas quatro pontos, e a grosseira 
baeta qualificada de pano fino, fallavam bem alto contra 
tio des^reados abusos. 

Foi n'este estado de desmoralisaçio, de relaxismo, e 
descarada ladroagem que Falcio tomou conta do arsenal 
de guerra. Se foram innumeros os obstáculos que encon- 
trou, soube-os vencer um a um, sem que se lhe entibíasse 
o ardente e incansável empenho d'extirpar tantos e tio en- 
raizados cancros. As contrariedades, as intrigas, as quei- 
xas dos delapidadores assoberbavam e enredavam inces- 
santes o brigadeiro Falcio. O homem incorruptível, probo 
e excessivamente zeloso de sua reputaçio e de tudo quan- 
to era do seu paiz, arcou» porém, palmo a pahno com po- 



17 

derosos inimigos que só procuravam feril-o ás occulla» e 
pelas costas; mas nem por isso esCriou no plano enceta- 
do. Confoime seu bábitOi^ tudo corria-lbe pelas m3os, 
tudo via e examinava e reformava» fazendo aqui a abla- 
ção de uma excrescência, ali applicando o cautério a um 
vício 6 corrigindo-o; ajunctava á correcção a este empre- 
gado, o premio e o louvor ao que procedia bem, ao que 
Ibe parecia approveitavel. 

Não tinham também limites os clamores dos interessa- 
dos na continuação do inveterado latrocínio, e como en- 
travam nas lucrativas especulações contra a fazenda pú- 
bUca grandes e pequenos, não Ibes convinba tanta vigi- 
lância e rigidez de princípios, nem tão extremado zelo 
dos dinheiros públicos. Taes manejos empregaram, que 
ganharam o [deito no cabo de quatro mezes, e Falcão foi 
exonerado a 11 de abril do seguinte anno d'essa com- 
mtssio; mas para que não se tomasse como castigo esse 
acto de desconsideração, reboçaram-n'o com fingidas 
mostras de apreço a seus serviços, nomeando-o comman- 
dante das armas da provinda de Pernambuco. A 1 1 de 
maio d'es8e anno (1853) tomou posse do seu novo 
cargo. 

Levava Falcão o culto do dever a tal acume, capricha- 
va tanto em cumprir as obrigações que lhe compettiam, 
era tão medido e ponctual em todos os seus actos, que 
já passavam para alguns taes qualidades como defeito. 
Assim como era pondonoroso, também dava-se por ofien- 
dido em seus melindres ao menor reparo ou advertência. 
Se em outras occasiões nunca se lhe manifestou ou irrom- 



18 

peu violento esse sestro, que não era nem amor próprio 
demasiado oo vaidade, senão muito brio, deo-se infeliz- 
mente om ensejo para isso quando elle já estava tão ac- 
crescentadq em honras e posição. Ck)ntraríando os planos 
políticos do presidente de Pernambuco uma medida do 
commandante das armas, reprovou-Ih*a elle no dia 19 de 
junho com muita aspereza. Doeu-se Falcão da immereci- 
da censura, e a cólera concentrada e comprimida abalou-o 
tanto que d'ahi resultou-lhe n'esse mesmo dia uma con- 
gestão cerebral tão grave e funesta em seus effeitos, que 
em poucas horas veiu a suecumbir d'ella. 

Yíctima de seus princípios e de seu character, expirou 
este bravo guerreiro, legando a pobreza a suas irmans, a 
quem sempre serviu de arrimo. Modesto, recolhido, so- 
litário e pobre, serviu a pátria até o último arra»x) com 
muito amor, e com exemplaríssima dedicação. Seu maior 
elogio está no valor e sangue frio com que arrostava os 
maiores perigos sem fazer arruido nem ostentação de 
seus actos de bravura, e na serenidade com que aparava 
os botes da malevolencia e da injustiça, confiado em sua 
innocencia e em que o vingasse o tempo. Sem procurar 
riquezas, sem desviar em nenhum tempo ou occasião um 
ceitil sequer dos dinheiros do estado, da caixa do seu cor- 
po, em proveito próprio ; e ainda que pobre e vivendo 
de seus soldos, sua* bolsa estava sempre aberta para os 
necessitados, accudindo com diligencia e boa sombra ás 
misérias das famílias de seus camaradas, até mesmo dos 
simples soldados, que cabiam na desgraça : muitas vezes 
míHgou mais de um infortúnio, e enxugou as lágrimas 



«9 

da viuva e dos orphams, dando-se por bem pago de taes 
sacrificios com as alegrias que espalhava. 

CoDsenou-se sempre solteiro, não que o coração fosse 
iodiffereute ao amor e ás delícias da família, mas por jul- 
gar-se na obrigação de manter o legado de seus pães — 
seus irmãos necessitados e orpbams como elle. 

Gomo os de Odorico Mendes, Gomes de Sousa, e como 
os de outros beneméritos maranhenses que morreram 
longe do torrão natal, procurareis em balde os restos mor- 
taes de Feliciano António Falcão em qualquer logar sa- 
grado da cidade de San'Luiz do Maranhão, que os não 
adiareis ahi I Repousam em Pernambuco, onde o valente 
commandante do 5.^ de fuzileiros acabou seus preciosos 
dias, e passaria mesmo desapercebido tão triste aconteci- 
mento 86 o intelligente e patriótico negociante João Pedro 
Ribeiro, no seu enthusiasmo por seu illustre comprovin- 
ciano, lhe não conunemorasse o passamento, mandando 
fazer-lhe no dia 16 de agosto de 1855 um pomposo fune- 
ral na egreja de San' João ^ 

Fatal comcidencia ! No logar onde ceifou os mais viço- 
sos louros, onde a fama do seu nome começou a vulga- 
risar-se no império, achou elle a sepultura ! 

E que exemplo de militar completo em todas as suas 
partes não deixou elle á nossa geração ? Alheio inteira- 
mente ás dissenções politicas, nunca se lhe rastreou in- 

1 Yeja-se na nota A, in fine, uma tocante poesia que recitou Au- 
gusto dos Reis Rayol n'essa solemnidade. Na pagina 39 das Três 
Ljfroê, collecçáo de poesias, ha uma outra de Trajano Galvão de Car- 
valho de que vae um trecho como epigraphe d'esta biographia. 



30 

cUnaçSo alguma a esta oo áqaella parcialidade, relacio- 
nando-se e estimando em muito todos os cidadãos que por 
suas qualidades moraes lhe mereciam as sympathias; 
obedecendo a seus superiores sem restricçoes mentaes 
ou sombra de reluctancia ou abuso; amando seus solda- 
dos como a filhos; desempenhando todas as suas obriga- 
ções em tmipo de paz, ou de guerra, com a mesmidade 
de sentimentos, com a placidez, a reserva e a constância do 
homem que confia em si e tem consciência de seus actos. 
Homens assim fadados levam á posteridade o nome bem* 
quisto e applaudido que tiveram entre os contemporâneos, 
e conservam indelével memoria de seus feitos na terra 
que se vangloria de ser seu berço. 

Quando qualquer de vossos filhos, ó maranhenses, de- 
dicar-se á carreira das armas, apresentae-lhe o brigadeiro 
FalcSo como espelho em que se mire, como modelo que 
elle copie, regrando suas acções pelas de tão insigne e 
respeitável varão. 



VII 



o 








AO 



Dl iWE mio DE SÁ 



. . . dopois da morte vem a jnsUça e começa a immoria]i' 
dadc das famas honradas. 

fOÍMras DE Gabubtt, tom. xxiii, pag. 112.) 



Administrar nossas províncias não é só mister muito 
laborioso e difQcil por suas intrincadas e variadissimas 
attribuições, pelas emergências inesperadas que surgem 
a cada passo, senão também pelo pendor ao arbitrio a 
que se inclinam em geral os presidentes, e a que os ar- 
rastam as lisonjas que os embriagam, desvairam e obce- 
cam. Feliz do que tem forças e bom senso para as des^ 
prezar! 

Ninguém creia que um talento superior^ traquejado na 
politica e provado na direcção de uma repartição pública, 
na magistratura, no professorado, ou no conmiando de 
um regimento, esteja por isso habilitado para governar 
com acerto e approvação dos povos nossas provindas. 
Para similhante encargo são requeridas qualidades mui 
especiaes, um dom que se não adquire com o estudo, 
nem com a práctica de outros ramos administrativos. 

Paittiiion-Tom. ■. 3 



34 

Dos presidentes pôde .dizer*se com justificada raz3o 
que nascem predispostos para esse encargo, e sen3o exa- 
minem a longa lista de administradores que tem tido a 
província do Maranhão desde a nossa independência até 
1868, que encontrarão entre esses cincoenta e nove no- 
mes oito, se tanto, de quem seus habitantes podem ter 
gratas recordações. 

Afiastem-se d'essas poucas e honrosas excepções, que 
n3o ha preferir entre uns que por fracos, vacillantes ou 
indolentes e ignorantes, foram cegos instrumentos de 
vindictas politicas, outros, meros rubricadores do expe- 
diente preparado na secretaria, e já não è pouco quando 
limitam-se a isso; porque a mór parte vegetam na mais 
vergonhosa inerda, ou escravisam-se á influencia extra- 
nha que os dirige. Se um ou outro foi encaminhado para 
o bem, n3o Vem succedido o mesmo com os que, entre* 
guês ás facções, ou desafrontados d'ellas, s3o espíritos 
maléficos, atrabilarios, e a um tempo truanescos, des- 
perdiçadores inconscientes da substancia da província. 
Taes authorídades, contumazes n'esse proceder infrene^ 
só parecem dominadas, como Macbeth, pelas feiticeiras 
que as despenham na perdiç3o e no crime. Por entre os 
desvarios d*esses aleijões administrativos destacam amiu- 
dados dislates que d3o pasto á imprensa zombeteira para 
se desenfastiar com elles. 

Joaquim Franco de Sá, a despeito de ser uma das 
poucas excepções da enfiada de presidentes de ridícula 
memória e sem virtudes administrativas, dos muitos be- 
neficíos que fez ao Maranh3o no limitado tempo que o 



35 

governou, do seu sincero patriotísmo, confirma-se n'eUe 
o proloquio de que ninguém é propheta na sua terra; 
accrescendo mais que levantou-se contra elle uma oppo- 
siçio enei^ica, tenaz e inquieta, como nunca houve desde 
a marcha regular entre nós do governo constitucional. 

II 

Alcântara, berço de fr. Custodio Alves Serrio, sábio 
n^oraUsta, de Gosta Ferreira (barão de Pindaré), do 
poeta António Franco de Sá e de Augusto Olympio Go- 
mes de Gastro, vigoroso talento fadado para grandes 
ccMmnettimentos na via do progresso, foi também o ni- 
nho do senador Joaquim Franco de Sá, vergontea das 
ílhistres famiUas Gosta Ferreira e Sá, por sras pães, o 
coronel de milícias Romualdo António Franco de Sá e 
D. Estella Francisca Gosta Ferreira. 

Quando em 1807 vestia-se de gallas e era toda júbilos 
a christandade para commemorar com demonstrações 
de regosijo, como é de uso consuetudinário, o nasci- 
mento do Redemptor da humanidade, veiu ao mundo 
n'aquella cidade o futuro senador Joaquim Franco de Sá. 

Segundo um distincto biographo, o sr. dr. Fábio Ale- 
xandrino de Garvalho Reis, talento modesto e cuja penna 
está sempre aparada para louvar e assoalhar as boas 
obras de seus comprovindanos, para aconselhar o bem 
e vulgarísar o que pôde ser útil á pátria S foi elle, ainda 

1 Yeja-se o n.<* 95 do Progresso de 6 de dezembro de i85i. (Ma- 
ranhão, Necrologia.) 



36 

envolto nas fachas maternaes conflado aos cuidados sol- 
licitos e affectuosos de sua tia paterna, D. Anna FraDcisca 
de Sá, cajá casa do Largo do Palácio, viveiro onde se 
crearam e desenvolveram-se muitos de seus parentes, 
serviu ao mesmo tempo de hospitaleiro refugio aos que 
vinham de Alcântara a negócios ou recreio, ou por mo- 
tivo de saúde. 

Na desveladissima companhia de sua tia, onde viveu 
na cidade de San'Luíz do Maranhão até os dezoito annos, 
applicou-se com muito approveitamento ás primeiras 
lettras, aos estudos secundários, como também á mu- 
sica, que cultivava com apurado g6sto e singular talento, 
tornando-se tão exímio no piano, que era notado tanto 
no Maranhão como em Pernambuco, pela correcção e 
mestria da execução e pela paixão e delicadeza, com que 
feria as notas do teclado, sahindo debaixo d^aquelies dedos 
ágeis os sons tão puros, claros e destacados que só pare- 
cia que o instrumento fallava, transmittindo-lhe Franco 
de Sá suas idéas e sentimentos. 

«Esse bello talento, diz o sr. dr. Fábio, que na edade viril 
levantou monumentos que eternisam sua memória, des- 
pertou na infância com tamanho brilho, que ainda boje 
permanece na lembrança dos que o viram. Nas escholas 
primarias distinguiu-se entre todos os seus condiscipulos, 
e quando ainda era tão pequeno, que mal chegava ao te- 
clado do piano, já vibrava as cordas do instrumento com 
tanta perícia e graça que encantava os professores mais 
escrupulosos.» 

Yeiu em 1826 para Lisboa, onde concluiu seus estudos 



37 

de humanidades, indo pouco depois matrícular-se na fa- 
culdade de direito da Universidade de Coimbra. Estava 
DO seu segundo anno, quando a ferocíssima reacção de 
1828 manietava Portugal, extinguindo-Ibe completamente 
o frouxo clarão de liberdade que dous annos antes entre- 
luzíra. Era n'essa epocha nefasta um crime ter idéas 
liberaes, e o joven maranhense, em cujo peito germina- 
vam ellas com todo o vigor que lhes infunde o sol fe- 
cundante da America, achou prudente retirar-se para 
Pmiambuco, onde frequentou a Academia de Olinda, gra- 
dnando-se n'ella em 1832 de bacharel em leis. Foi por- 
tanto 3a primeira turma que sabiu d'essa academia de 
recente creaçSo. «Aqui foi theatro em que suas nobres 
faculdades tomavam o desenvolvimento a que eram des- 
tinadas, e certo ninguém teve uma mocidade mais ra- 
diante 6 mais victoriada. 

cO estudante Franco de Sá brilhava nas aulas por sua 
intelligencia, verbosidade e applicaçSo, conquistando os 
prémios destinados aos beneméritos nas lides litterarias; 
resplendia nos salões do Recife por sua cortezania, amabi- 
lidade e graça, como peio talento musical que lhe dava o 
primeiro lugar entre os pianistas da cidade; e quando as 
trombetas da guerra civil davam signal dos perigos da 
pátria, tio frequentes n'essa epocha, era o primeiro a 
trocar os livros pela espingarda, e as harmonias de Ros- 
sini pelo estrondo da artílberia,» (Neerol. át.) 



38 



in 



Reaiisada á formatara de Franco de Sá, tomou-se elie 
ao Maranlâo em dezembro d'e8se amio (1832) e oito 
mezes depois, a i7 de agosto de 1833, entrava no exer- 
cido de procurador fiscal da fazenda nacional S cargo que 
desempenhou com irrefiragaveis provas de soa alta ca- 
pacidade e hraradez, até que a 2 ^ janeiro do seguinte 
anno f3i nomeado juiz de direito da comarca da capital^ 
por occasiio de ser promulgado o código do processo 
criminal*. 

Goube-lhe portanto iniciar entre nós o julgamento por 
jurados, pronunciando por occasi3o da abertura do jury 
na nossa província um notável discurso, em que demon- 
strava a transcendência d'esse systema judiciário, seus 
fins e objecto, explicando ao mesmo tempo os deveres 
dos juizes de facto, o modo práctico de exercel-os; a in* 
fluência propicia e efiScaz d'essa bella instituição sobre a 
liberdade política; a sua excellencia com respeito á segu- 
rança e lib^dade individuaes. Desenvolvia dep(HS essas 
theses com aquella Inrevidade e clareza que não enfa^ 
tíam a quem as escuta, accommodando suas phrases e 
argumentos á comprebensão dos menos instruídos, e b- 



1 Foi nomeado a i6 de agodo pela presideiicia, segundo o de- 
creto de 4 de maio do mesmo amuo. 

2 Foi nomeado por decreto de l.<> de outubro de 1833 e carta im- 
perial de 4 do mesmo mez e anno; mas só tomou posse do lugar a 3 
de fevereiro de 1934. 



39 

zendo sentir a todos o elevado e generoso pensamento 
que teve o legislador no outoi^ar esta garantia ao povo. 
Em 21 de janeiro de i836 fímdoo o Americam ^ no 
propósito de diffiandir as idéas liberaes e de deffender 
e anxiliar por ignal a administração do senador Gosta 
Ferreira, seu tio e amigo. ía n'esse empenho bombro a 
hombro com o Echo do Norte de Jo3o Francisco Lisboa, 
qoe se nio envergonhava de ter por companheiro tão 
brioso athleta. TcHiiado, porém, de escmpulo, por enten- 
der qae o mister de jornalista não se compadecia com o 
de juiz, abandonou dentro em breve a en^nreza e retirou- 
se da liça; postoque^houvesse da parte do sr. major Igna- 
cio José Ferreira, administrador d'essa typographJa, todo 
o cuidado em cobrir o nome do redactor, tanto que rece- 
bia os oríginaes da mão do dr. Franco de Sá, e uma vez 
compostos os artigos, lh'os restituia com o mesmo recato. 
Aos poucos que entravam n'este segredo e instavam pela 

^ o Ameri€tmOj de qoe aahiram apenas doie nnmeroi, era heb- 
domadarío e impresso na typographia de Lisboa & Abranches, em 
duas colomnas e em papel almaço commnm. Trazia no topo da pri- 
meira página e por baixo do titulo a seguinte epigraphe, tirada do 
CmUrmio Soàtd de Jo§o Jacqnee Ronsseat: «Mio se deve oonfon- 
dir arootade de um po¥o com os clamores de amalácç<o». 

Alem dos artigos prindpaes em defeza da administração do se- 
nador Costa Ferreira, todos da penna de Franco de Sá, como bem 
se conhece do estylo, ha também d'elle outros sobre politica geral, 
▼edberando os motins do Pará e do Rio Grande do Sul, e o célebre 
programma de reacção denominada pelos seus próprios sectários de 
regresso. Apresenta eile n'esses escriptos as doutrinas de um ver- 
dadeiro liberal, mas esclarecido, cordato e t<o inimigo do absolutis- 
mo como da demagogia. 



40 

continuação do jornal, objectava que poderiam os adver^ 
sarios improperar algum dia de parciaes suas sentenças, 
se pela ventura manifestasse abertamente suas opiniões e 
se interessasse com demasiado calor por cidadãos que 
houvesse algum dia de julgar. É por isso que desde 9 de 
abril deixou de apparecer o Americano, 

Estava ainda o senador Gosta Ferreira na presidência 
quando o dr. Franco de Sá deu a 5 de setembro de 1 835 
a m3o de esposo a D. Lucrécia Rosa Costa Ferreira, 
filha d'aquelle^ 

Retirando-se, porém, o presidente para a corte em 25 
de janeiro de 1837, succedeu-lhe Franco de Sá na qua- 
lidade de vice-presidente. 

Com ser uma interinidade de quatro mezes, bastou 
para denunciar seus altos dotes administrativos, fazendo 
justiça sem olhar a partidos ou a desaffectos, exami- 
nando e dando remédio a tudo. Entre outros planos que 
então concebeu convém apontar o da creação de uma 
companhia de barcos a vapor para navegarem os rios da 
província, e tel-a-hia de certo levado a effeito, a des- 
peito de ser ainda recente a introducção d'este maravi- 
lhoso invento no Brasil, se lho não embargasse a vinda do 
presidente effectivo. Em mal da província; porque se 
desde esse tempo fossem exploradas suas vias 'de nave- 

1 Teve d'e8te primeiro casamento 6 filho*:— António, Romual- 
do, Amando, Rosa, Fíllppe e Estella, dos quaes falleceram Estella, 
Amando e António, Romualdo perdeu a razão desde iS58 e D. Ro- 
sa casou com o sr. António Carlos de Sá Ribeiro, filho do finado 
António Onofre Ribeiro, coronel de guardas nacionaes. Tem 6 filhos. 



4i 

gação por linhas de vapores que lhe facilitassem e abre- 
viassem os meios de communicação e de transporte, que 
de beneficios n3o teria resultado para ella, e a que fastígio 
de prosperidade não teria ella chegado I Teve elle como 
gratificação por estes esforços e bons serviços as sympa- 
thias e bençams de seus conterrâneos, que nunca tive- 
ram motívos para mudar de aviso. 

Entendendo que seus interesses o chamavam a Alcân- 
tara, obteve ser transferido para essa comarca por tro- 
ca que fez em 29 de dezembro de 1836 com o juiz de di- 
reito Raymúndo Fiiippe Lobato. Empossado n^esse cargo, 
dedicou-se com todo o esforço e independência ao es- 
tudo dos males de que padecia esse foro que muito lhe 
deve: reformou os erros introduzidos ali, regularisou a 
marcha dos processos, sem que deixasse por isso de con- 
correr para o progresso da provincia com o seu conselho, 
alvitres e opiniões como membro da assembléa provincial, 
onde exercitou suas faculdades oratórias revelando-se 
desde a estreia um orador prudente, estudioso, bom ar- 
gumentador e fluente, de cujos lábios manavam fáceis os 
termos adequados como os raciocínios vigorosos e frí- 
santes. 

Unha dado os primeiros passos no plano inclinado da 
politica, que o affagava com suas enganosas promessas, 
e assim d3o houve para elle parar e ainda menos retro- 
ceder. Com a morte de Cajueiro em 1841, foi chama- 
do a tomar assento na assembléa geral legislativa, como 
primeiro supplente, e desde ent9o nunca mais deixou de 
fazer parte da deputação geral por nossa provincia até que 



4> 

entrou para o senado. cDotado de talento superior, diz 
a citada necrologia, d'espirito recto e per8(»caz e de char 
ractek* nobre e grave, reunindo a estas eminentes qualida- 
des grande íôrça de vontade, muita illustragio» amor «o 
trabalho e facilidade não vulgar em exprímii^se, era ou* 
vido com attenção e prazer nas discussões mais iii4)or- 
tantes do parlamento, e vin-se bem depressa classificado 
entre os homens d'estado de primeira plana». 



IV 



Depois da revolução de Minas-Geraes, ascendeu 
1842 ao poder o partido liberal, e com elle o ministério 
de 2 de fevereiro, de que era chefie Manuel Alves Branco 
(depois marquez de Caravellas), um dos nossos mais dou- 
tos, intelligentes e sagazes estadistas. 

Sem embargo do prestigio e força de que di^puoba, 
não corriam serenos e normaes os negócios na provincia 
da Parahyba do Norte. Os ânimos truculentos de uma 
opposiçSo exaltada ameaçavam perturbar ali a ordeot 
N'esta melindrosa conjunctura, em que os perigos emer- 
giam com a recrudescência, demasias e difficuklaâesque 
nasciam a cada momento dos ódios, das intrigas, das 
contendas e retaliações de toda a espécie, importava pôr 
na direcção do govômo um homem que reunisse a um 
juizo prudencial e demasiado atilamento muita illastra(^ 
e maneiras brandas e conciliatórias, emparelhadas com 
energia na acção e tenacidade nos ^nprehendimentos. Re- 



^^m^^0^^ * 



43 

cahio por isso a escolha no dr. Franco de Sá, qae foi no- 
meado incidente da Parahyba por carta imperial de 25 
de m»o de 1844. 

Qiatqaer outro mostrar-se-hia exigente attentas as dif- 
fiaddades, oa poria embargos e condições, aproveitao- 
do-se da opportmúdade para obter accrescentameotos 
OQBio retribui^ antecipada de serviços ainda nSo reali- 
sados em tSo espinhosa missio; mas o patriotismo do 
dr. Joaquim Franco de Sá não se conformava com taes 
manejos, antes pelo contrário, mostroa grande satisfação 
eom omiBmnte incmnbencia e acceitou-a do melhor grado, 
soido o primeiro a reconhecer a m*gencia de sua pre- 
settçt ii'aq[u6lla provinda, tanto que nSo querendo esperar 
pelo dia de partida do paquete a vapor onde iria com mais 
legaraDQa e coirfftrto, embarcou-se logo na fragata Para- 
que o governo imperial poz á sua disposição até 
K Na viagem enfermaram gravemente a mu- 
lher e dms filhos; e por isso chegados á cidade do Recife, 
tiveram de demorar-se ahi. 

ITesae entrementes, o partido conservador, que estava 
na Parahyba de posse das porções offidaes e tinha por 
á o ár. Agostinho da Silva Neves, que administrava a 
provineia, nio se descuidava de preparar as cousas a seu 
geílo. Sabmdo que seu successor demorar-se-hia em Per- 
namboco, cmdou de accelerar á sua feiçio o processo das 
qoalifioaçOes de votantes para a eleição de deputados, 
que estava para mui breve. Logo, porém, que se res- 
tabeleceram os filhos, e a mulher entrou em franca con- 
valescença, entendeu Franco de Sá que os deveres do seu 



i>' !■ r«n 



44 

cargo e mais que tudo o procedimento irregular das me- 
zas qualificadoras o chamavam com instancia á Parabyba. 
Tractou por conseguinte de partir, deixando a família aos 
cuidados de pessoas que lhe eram afieiçoadas e emqoem 
depositava plena confiança, e com o coração travado de 
sérios receios e tristes presentimentos, aventurou-de em 
um pequeno barco a vapor que o transportou do Recife. 
Aportou felizmente ao seu destino e no dia 22 de julho 
d'esse anno já tinha prestado juramento perante a caoiara 
municipal e entrado em exercício. 

Resoluto e expedito em seus actos, quando a madura 
reflexão lh'os aconselhava, sabendo que era chegado de 

■ 

véspera o novo cheffe de policia, dr. Miguel Joaquim Ay- 
res do Nascimento (hoje fallecido como dezembargador 
da relação do Maranhão), que emprehendéra por terra a 
viagem do Geará á Parabyba, defferiu-lhe n'esse mesmo 
dia o juramento, empossando-o no cargo. Substituiu em 
seguida o commandante do corpo de policia e o ajudante 
de ordens por oíSciaes que trouxera d*antemão já com 
esse designío. O seu ajudante de ordens, o capitão Antó- 
nio Pedro d'Alencastre, é hoje brigadeiro e já serviu de 
presidente de Matto-Grosso. 

Não havia muitos dias que estava na direcção dos ne- 
gócios e todo preoccupado em tomar assumido d'eUes» 
quando enluctou-lhe o coração a inesperada notída de 
que a esposa, que deixara com melhoras tão lísQDjei- 
ras, achava-se ás portas da morte, tendo-se-lhe aggra- 
vado a moléstia por um d'esses insondáveis caprichos da 
sorte. 



45 

Succumbia o homem forte com o abalo de tão immi- 
nente desgraça, e locta ingente e dolorosa travou-se en- 
tão 00 seu e^irito entre o dever e responsabilidade do 
cargo e as saudades e afiectos d'esposo I Venceram por 
fim estes» e resolvido a partir quanto antes, passou as ré- 
deas da administraçSo ao vice-presidente e fez entrar em 
exercício o secretario do governo, o sr. dr. Felizardo Tos- 
cano de Brito, cuja carta de nomeação tinha trazido, sem 
que átè ali a houvesse appresentado. N'essa mesma tarde 
caminhava por longas e péssimas estradas, que a qualquer 
tomavam mui incommoda e penosa a jornada, sobretudo 
a quem era de constituição debíl e valetudinária. Âpezar 
de todo isso venceu com tamanhsi celeridade o trajecto 
que distanceia as duas cidades, que achou ainda com vida 
a moribunda esposa e teve ao menos a triste consolação 
de receber-lhe o último adeus, flnando-se ella mui pou- 
cas boras depois que era elle ahi chegado. 

Passados os dias de nojo, metteu-se o desolado presi- 
deule da Parahyba com seus filhinhos em uma jangada, 
e n'e8sa frágil e desabrigada embarcação aventurou-se no 
oceano, logrando chegar sem nenhum contratempo á po- 
voação de Timboú, a pouco mais de legua da capital da 
Parahyba, e onde seus amigos já o esperavam com os 
meios de conducção. 

Ninguém mdhor do que o sr. dr. Toscano de Brito, 
testemunha occular, nos pôde referir este lance da vida 
do senador Franco de Sá: — «Era mister presencear o 
estado de consternação em que ficou o presidente Franco 
de Sá com a morte de sua cara esposa, para avaliar-se a 



46 

eneiigia d'alma d'esse homem, que com o cora^ reta- 
lhado de dores» cercado de seus hmocentes filhinhos que 
choravam e conclamavam por sua mãe, não descurava dos 
deveres do alto cargo que occupava, e cuja masSo ^n 
então bem difficil e espinhosa, cortando com tino e pru- 
dência os embaraços e diflBculdades que mcootrou, e que 
reproduziram-se depois com insistência.» 

De quanta agudeza e habilidade não woao dr. Fr»6f> 
de Sá para desarmar as calamidades que escureciam oe 
horisontes políticos d'aqueUa provincial Com o tino e 
lenidade, que sempre o distinguiram, pôde em pouco 
tempo accalmar os ódios e a íuria dos partidos e Cazer 
abortar a sublevação que um d*elles tramava. Para to: 
grar tão magniOcos resultados não houve recorra a ou- 
tras armas que as da moderação e da justiça, fazendo 
apenas uma ou outra mudança insignificante noe cargos 
policíaes e approveitando-se com demasiada sagacidade 
dos próprios elementos que encontrou. Em vez dos pro- 
mettidos tumultos, correu plácido e l^ai o pleito eleito- 
ral, embora disputado pelos partidos com muito calor. 
Tríumpbaram os liberaes que tinham por si a maioria; 
mas em vista da absoluta abstenção do poder executivo 
em interferir no suffi*agío a favor de qualquer dos lados 
contendores, não se deram os vencidos por escandaUsa- 
dos, a não ser um minguado grupo sem outra importân- 
cia senão a do phrenesi e intolerância com que ostentava 
suas opiniões, e esse mesmo era insufflado pelos candida- 
tos que viram seus esforços perdidos e mallogradas as 
suas esperanças, grupo que se affastava do pensar uni- 



47 

forme dos parahybanos, dando na imprensa expansão ao 
àesfeitú e vergonha da derrota. 

Nio soffiria a hombridade do dr. Franco de Sá o pre- 
domiiiío de ningaem, nem se esqoecia de seus deveres, 
para favorecer os interesses, oq sobmeltor-se ás vellei- 
dades caprichosas dos partidos; por isso na sua curta 
administração de cinco mezes, que findou a 1 7 de no- 
vembro com a sua partida para o Rio de Janeiro, onde 
o redamava o parlamento, cujo membro era, se não 
oofiqoistoo d'essas dedicaç9es que se grangeiam com fa- 
V0IB8 do poder, teve a satisfação e legitimo orgulho de 
ver-se apoiado pela parte cordata do partido conserva- 
dor, merecendo ao mesmo tempo a confiança dos liberaes 
que llie deram inequívocos testemunhos de estima e con- 
lideracSo, como o affirma o sr. dr. Toscano de Brito nos 
apontamentos que tenho ante os olhos. 

Entre outras medidas administrativas que tomou n'essa 
proviocia, apontarei a resolução de 10 de dezembro de 
1844, dando novo regulamento á repartição fiscal, para 
o que estava authorísado por lei. Guiado pelo espirito da 
mais restricta justiça em todo esse aparcelado negocio, 
hoove-se n'dle como experimentado piloto, <le modo 
que evitando os escolhos que o cercavam, e sem preju- 
dicar os direitos dos empregados das rendas provinciaes, 
reformou e reorganisou ponto por ponto essa repartido. 

«A presidência daParahyba, diz o dr« Fábio, é um dos 
nuas bellos florOes da coroa civica de Franco de Sá. O tino 
e fortaleza com que conteve as fúrias das paixões politi- 
cas, e temperou as iras de um povo até ali comprimidas; 



48 

O talento e sabedoria com que rcorganisou as finanças e 
outros ramos de administração pública ; e a longanimi- 
dade com que venceu tamanhas difficuldades, entregue 
como se achava ao domínio da dòr, são memórias que se 
não apagam da lembrança grata dos parahybanos. » 



V 



 administração da província do Maranhão foi o cadinho 
onde se afinaram os predicamentos e méritos administra- 
tivos, e o theatro onde as vistas largas e arrojadas e o es- 
pirito elevado do senador Franco de Sá desenvolveram-se 
em toda a sua amplitude. 

Era n'essa quadra a situação da província sobre lasti^ 
mosa desgraçadíssima e embaraçosa. 

Que espectáculo miserando e torpe não apresentavam 
os partidos, se tal nome mereciam esses bandos de occa- 
sião, formados pelos infecundos e reprovados interesses 
de localidades, de famílias, de indivíduos, eivados de 
ódios, de inveja e de todas as ruins paixões que depravam 
o sentimento nacional 1 As leis não eram respeitadas ; a 
segurança individual e o direito de propriedade convel- 
lidos ; os mananciaes da riqueza pública mal explorados 
e desviados de seu curso e quasi estagnados pela rotina 
estéril e myope, pela desídia, imprevidência e immorali- 
dade ; a desorganísação cahotica nas repartições Qscaes, 
as finanças provincíaes ameaçadas de banca-rota ; as in- 
stituições livres enfermas e contaminadas do mal que tudo 



49 

infeccionava; a imprensa, immergída em nojento lodaçal 
e revolvendo-se n'elle com o delírio da mais desenfreada 
licença, a despeito dos eloquentes protestos de Francisco 
Sotero dos Reis e de João Francisco Lisboa, e dos eiem- 
plos que davam na Revista e no Publicador Maranhense. 
Servia ella então não de vehiculo da dvilisação e da mo- 
ralidade pública, instruindo, aconselhando e guiando o 
povo, senão de esgotos estercoraríos das mais pestilentas 
exsudações que a depravidade humana pode emanar de 
si*. 

Por toda a parte a mina, o desbarato, a confusão, o 
cabos: era esse o estado da decadência e abatimento a 
que tinha descido o Maranhão em 1846, nao pela indole 
e costumes de seus habitantes, mas por culpa e influição 
de administradores incapazes, ou frouxos, como também 
pelos interessados no predominio de facções sem prin- 
cípios, sem idéas e sem patriotismo, que substituíam 
todos estes nobres e sagrados sentimentos por suas indi- 
vidualidades, e que desde 1840 comprimiam os dous 
grandes partidos, em que até então se dividira a provin^ 
cia — cabanos e marrecos ou bem-te-vis genuínos — que 
corre^ndiam na capital do império — aquelle ao cou' 
servador e este ao Uberal. 

Só o muito civismo e denodo de um ânimo tão bem 
temperado como o do senador Joaquim Franco de Sá o 
instigaria a emprehender a audaciosa tarefa de contra- 

> Yeja-se biographia de Francisco Sotero dos Reis da pagina 48 
a 50 do 1.' tomo do ParUheon Maranhetue, 

pASTEBOx^Toif. n. • 4 



go 

restar e depois mudar uma situação tal qual acabo de 
descrever, senão com todas as cores de tão hediondo 
quadro, certo com a mais religiosa e imparcial fidelidade. 

A pátria, o amor d'aqueile seu torrão que tanto amava, 
teve n'elle mais poder do que considerações pessoaes. 

Comprehendeu que para regenerar a provinda e reer- 
guel-a ao fastígio de outr'ora, era forçoso dar golpes tre- 
mendos para extirpar tantos vicios fundamente radicados, 
ferir interesses mal cabidos, pretençoes exhorbitantes, e 
não patrocinar poderosos habituados a serem servidos, 
ambições protegidas até 'li sem exame nem contestação, 
e o que se tornava ainda mais difficil, contrariar também 
alguns amigos e parentes. EUe que sopesara todas estas 
difiSculdades, sondara o terreno, e calculara os perigos, 
acceitou com tudo isso a missão de administrar sua pro- 
víncia, com a boa vontade, a intelligencia e sollicitude que 
lhe impunha seu dever de bom cidadão. 

Nomeado presidente do Maranhão, chegou á cidade de 
San^Luiz e tomou posse da presidência em 27 de outu- 
bro de 1846. Dirigiu em seguida circulares a todas as 
authoridades da provinda significando-lhes que o pro- 
gramma do seu governo e por que havia de empenhar 
todos os seus cuidados e cogitações — era justiça e pro- 
gresso—e de feito assim o executou, desfraldando bem 
alto o explendoroso lábaro onde escrevera o fecundante 
moto — melhoramentos moraes e materiaes. 

Vieram arrolar-se sob tão promettedor pendão todos 
os homens de boa vontade, aggremiando-se em um só 
pensar e congraçando-se muitos dos diversos bandos em 



5i 

que estava retalhada a província e d'ahi teve origem a 
lÀgchliberal-maranhense. Foi como que uma scentelha 
eléctrica que, transcorrendo por todo o Maranhão, fez re- 
viver nos ânimos desalentados a fé no presente e a es- 
perança no ftaturo. 

E que radiosos e largos horisontes se não descortinavam 
n'essa luz de redempçSo que fazia antever a ordem, a 
moralidade, e transfundia nova seiva de vida n'esse corpo 
inanido e moribundo I 

Enuclearam-se e tomaram a direcção doesse partido os 
verdadeiros liberaes, os homens que professavam prin- 
cípios, e que desde 1840 se tinham separado dos que, 
entendendo que a politica é veniaga, transigiam com 
todos os presidentes, adoptando os candidatos ao parla- 
mento que lhes eram impostos, com tanto que se con- 
servassem nas posições oflBciaes e fossem attendidos em 
suas abusivas pretenções. Vieram engrossar4he as fileiras 
06 cabanos, ha tantos annos arredados das luctas, e os 
indiiTerentes desgostosos da marcha que no Maranhão ti- 
nham tido até ali os negócios públicos. Organisado que 
foi tão importante e numeroso partido, appareceu na im- 
prensa o seu orgam. 

No dia 2 de janeiro de 1847 começou a ser publicado 
O Progresso, primeiro diário cpie teve a província, e pri- 
meiro jornal também na variedade e boa escolha dos as- 
sumptos, na celeridade com que colhia e transmittia as 
noticias, não só forasteiras, como nacionaes e especial- 
mente locaes. Redigido pelos srs. drs. Fábio Alexandrino 
de Canalho Reis, Theofilo Alexandre de Carvalho Leal e 



6i 

António Rego, seus fundadores e proprietários, não teve 
n'essa quadra rival no jornalismo maranhense, e por 
muito tempo outro que com elle competisse, e menos 
se lhe avantajasse ou aproximasse em todas estas excel- 
lencias. Foi por ahi que principiou esta nova era de re- 
generação. Desappareceram os periódicos ephemeros e 
de pequeno formato, refugindo ás espeluncas de onde 
nunca deveriam ter sabido. 

No relatório apresentado pelo presidente Franco de Sá 
á assembléa provincial em 3 de maio de 18i7 acham-se 
consignadas suas idéas administrativas, podendo servir 
essa peça ofBcial de modelo no seu género, pelo methodo 
e clareza da exposição, pelo muito substancial d'elle, sem 
sobejidões nem lacunas, ao passo que enumera todas as 
necessidades e examina com proficiência e individuação 
todos os ramos de serviço público, indicando remédio 
aos que os estavam a reclamar, e propondo medidas lar- 
gas, benéficas, productivas. Teve também a satisfação de 
as ver adoptadas, e decretado um orçamento pautado por 
suas vistas financeiras e sob seu immediato influxo. 

Com todos esses meios de acção postos pela assem- 
bléa provincial á disposição do dr. Franco de Sá, viu-se . 
em menos de um anno transformada a província. Desde 
então entrou a figurar nas nossas leis financeiras uma im- 
portante verba sob a rubrica — obras públicas — , que 
era de antes desconhecida. Foi também creada uma repar- 
tição de obras, á qual deu organisação e regulamento, e 
que com um pessoal d'engenheiros, podia estudar e tra- 
çar projectos das vias de communicação que merecessem 



53 

abertas para dar sabida e incremento ás riquezas nalu- 
raes e facilitar as permutas do commércio e da lavoura 
em todos os pontos, por mais remotos. Â arrecadação das 
rendas provincíaes foi outro assumpto que mereceu-lbe 
particular e cuidada attençSo, e como isto, também outras 
instituições e ramos de serviço. Deu regulamento e orga- 
nísou o tbesouro provincial, de tal maneira, que tem ser- 
vido d'estudo aos administradores de outras províncias e 
de modelo a mais de uma repartição congénere. E assim, 
o tbesouro provincial, que tinha um enorme alcance, sem 
nem ao menos poder satisfazer em parte seus compro- 
missos occorrentes, e cujo balanço apresentava todos os 
annos defjicits cada vez mais crescidos, em menos de um 
anno, pela rigorosa fiscalisaçSo e escripturaçSo mais sim- 
plificada e expedita, pela imposição de tributos sobre gé- 
neros de producção que estavam sem motivo desculpável 
isentos d*elles, devendo-os no entanto pagar, não só con- 
seguiu o dr. Franco de Sá grande augmento nas rendas a 
pooto de ficar o tbesouro desapressado de dividas, como 
o que è ainda mais digno de admiração e louvor, com um 
saldo nos seus cofres]para o acoroçoar ao commettimento 
da ab^tura do canal do Arapapahy, d'essa obra monu- 
mental, sonho dourado das gerações que se succediam 
desde 1776, de todos nós, e sobretudo do dr. Franco de 
Sá. 

Antes de dar principio a ella quiz fazer um ensaio com 
outras de muito menos vulto, e por isso incetou, como 
seu preliminar, a abertura do canal do Carvalho, em Al- 
cântara. Em 1.^ de fevereiro de 1848 affrontou este es- 



54 

forçado administrador empreza tSo grandiosa quão fe- 
cunda em seus resultados, e pela quinta vez depois que 
o governador Joaquim de Mello e Povoas a iniciara» o al- 
vilo do operário rasgou aquelle solo. Foi na agricultura 
o propagador incançavel e perseverante do plantio da 
cana d*assucar e fabrico doesse producto, que nos primei- 
ros tempos da nossa colonisaçSo fora quasi que a grande 
cultura a que se dedicava a população, até que a abando- 
nou pelas do arroz e algodão. Franco de Sá» observa- 
dor sagaz e intelligente, penetrou que o definhamento e 
atrazo da indústria agrícola na província provinha prin- 
cipalmente de estarem os nossos géneros de producção 
ás rebatínhas nos mercados europeus. N'esse presupposto 
tomou a peito reformar a cultura, não somente alcançando 
de alguns de seus parentes e amigos que se voltassem 
para o plantio da cana, como que, apostolo enthusiasta 
d'esse melhoramento, não descançou até que viu reali- 
sado seu pensamento, « e assim teve a glória, diz o sn 
dr. Fábio, de fazer á força de razão, uma revolução agrí- 
cola na província e de ver rebentar a cana viçosa e bella 
nos terrenos abandonados por estéreis^». 

Quem coUacionar despreoccupado e attento outras ad- 
ministrações mais favorecidas com esta que obrou tanto 
no meio da pressão e do afogo de tão renhidas contendas 
politicas, empenhadas com o phrenesi e o desprimor de 
uma opposição que se via esbulhada da posse inveterada 
do paiz oíficial e do dominio tão dilatado da provinda, 

^ Vej. a necrologia alludida^ escripta pelo sr. dr. Fábio A. de 
Carvalho Reis. 



55 

flcará tomado de enthusiasmo e pão menos reconhecido 
qae admirado acatará de bom grado a esse patriota que 
alliava á energia e cordm*a na práctica do serviço mna in- 
telligencia cultivada e sincero estremecimento á provinda 
natal ; que de outro modo também se não poderá explicar 
o muito que fez com tão apoucados recursos e exiguidade 
de tempo. 

Fácil é pois imaginar o quanto não faria elle e a que 
alteza não havia de exalçar a província do Maranhão, se 
o deixassem por alguns annos no governo d'ella, com o 
prestigio e a força moral que deram a outros! Pôde, 
porém, mais a intriga no ânimo do ministério do que 
tamanhos e tão importantissimos serviços a bem da pro- 
mcia, 6 em 1 de abril de 1848 foi elle exonerado, dan- 
do-se-lbe successor. 

Foi logo resentido o effeito d'essa mudança nos traba- 
lhos da abertura do canal do Arapapahy, que iam activos e 
em bom andamento, e d'ahi afrouxaram, servindo essa 
obra de coudelaria eleitoral e do mais vergonhoso docu- 
mento dos desperdícios, incúria e immoralidade que des- 
graçadamente tem predominado em algumas das nossas 
obras públicas, até que em julho de 1858, depois de se 
terem dispendido infructíferamente n'ella centenares de 
contos de réis, deixaram-n'a em ruinoso abandono. Se eu 
não protestasse contra similhante vandalismo, embora per- 
suadido que minha débil voz clamava no deserto S tenho 

1 Vejam-sc os n.<>* 42 e 54 da lmpre)i$a de 1858, e as Locubrações 
(1874) de pagina 60 a 74, onde tractei largamente d'este assumpto 
tio Yital para nós. 



56 

que ninguém registraria no jornalismo o desamparo 
d'aquella obra quasi em termos de conclusão, rasgado 
já o terreno na sua extensão, e dependendo apenas do 
serviço de uma draga para aprotandal-o de modo a virem 
encontrar-se as aguas do Arapapahy com as do Bacanga. 
£ pouco todo o sacrifício que se faça para rematar esse 
canal que viria a dar mais vida ao commércio e abastecer 
a nossa faminta cidade, offerecendo passagem abrigada 
e franca aos barcos de toda lotação atestados dos pro- 
ductos do rico e populoso território banhado pelas ver- 
tentes que desaguam na babia do Itibiry. Seriam assim 
transportados a salvo os fructos do trabalho do rico fa- 
zendeiro e do pobre operário que só tem a sua canoa e 
linhas de pescar. Foi tal medida refinada selvageria que 
nunca hão de os vindouros perdoar a seus authores. 

Se eram incapazes os administradores d*essa obra, 
substituissem-n'os por pessoas idóneas e laboriosas, se 
por desídia ou negligencia deixavam correr os trabalhos 
á revelia, processassem-n'os muito embora; mas não le- 
vassem o patronato ao escândalo de paralysar essa obra, 
já que a opinião pública se pronunciava reclamando voz 
em grita pela mudança de seu pessoal. O meio de dece- 
par o mal com a perda total d'ella e dos dinheiros já gas- 
tos é, senão criminoso, quando menos extravagante e 
excepcional expediente: é matar um individuo para ven- 
cer a enfermidade, como já o disse algures, portanto dou- 
trina contra a natureza, antes rematada loucura. 

Virá talvez ainda outro administrador de idéas tão agi- 
gantadas, e ânimo tão esforçado e emprehendedor que 



57 

realisará esse desideratum ^, e quando as grandes em- 
barcações, ricas de productos e fazendas, e as mesqui- 
nhas pirogas do povo humilde singrarem esse canal, 
recordar-se-hão todos por certo de Joaquim Franco de 
Sá para bemdizerem e gloriQcarem a memória do illustre 
maranhense que quiz dotar nossa província com esse 
melhoramento de incalculáveis vantagens. 

A gratidão de seus comprovincianos não foi tardia, pa- 
gando-lhe essa dívida^com a sua inclusão na lista tríplice 
senatorial, e S. M. I. o Sr. D. Pedro II, tão justo e mu- 
nificíente quando conhece do mérito e serviços de seus 
concidadãos, gratiflcou-lh'os, escolhendo-o senador por 
carta imperial de 3i de março de 1849, e nomeando-o 
dezembargador da relação do Maranhão por decreto de 
9 e carta imperial de 14 de janeiro de 1851. 

Não chegou elle, porém, a exercer este último cargo 
por lh'o impedir a moléstia. É seguramente para sen- 
tir-se que quando estava tão laborioso e prestadio cida- 
dão no remanso e commodos que se disfructam em uma 
capital populosa e abundante de todos os recursos da vi- 
da mtellectual e material, desoppresso de receios e sem 
dependência dos favores populares, fosse prostrado no 
leito de dor e inhabilitado para trabalhar! Em 31 de 
agosto do anno anterior (1850) passara no Rio de Janeiro 
a segundas núpcias, recebendo por esposa a ex.°* snr.* 

1 A asscmbléa provincial, na sua legislatura de 1866-1867, pro- 
porcionou na lei n.** 809, de 25 de junho de íSoI, os meios para 
qualquer administrador intelUgente levar ao cabo essa uUiissima 
obra, e oxalá que chegue esse ião almejado dia ! 



88 

D. Belmira Cândida Ferreira, Qlba do capitão de fragata 
da marinha nacional, Rodrigo José Ferreira K 

Desde então não logroa mais saúde, tomando maior 
incremento as enfermidades que o minavam de muito. 
Raríssimas vezes pôde comparecer no senado, e ainda 
assim fez ouvir ali sua eloquente e authorísada voz em 
dcffeza dos bons princípios, pronunciando-se a favor da 
independência da magistratura e dos interesses da ad- 
ministração da justiça, e da colonisação europea; sendo 
todos estes discursos muito notáveis, sobretudo o da 
sessão de 27 de julho, que versava a respeito de terras 
devolutas e meios de attrabir a corrente emigradora para 
o nosso paiz. 

Discutia-se n'essa occasião o parecer de uma craimis- 
são externa nomeada pelo governo para estudar o assum- 
pto, e fora elle quem, como um de seus membros, redi- 
gira esse trabalho. Impendia-lhe, pois, a obrigação de a 
deffender, se já não o attrabisse por si mesmo o objecto, 
por sua magnitude, por entender tão de perto com o 
futuro engrandecimento do Brasil, por ter elle feito da 
matéria seus estudos especiaes e incessante preoccupa- 
ção. Ostentou n'essa discussão a profundeza de suas vis- 
tas e quanto havia amadurecido suas investigações n'essa 
importante questão^. 

1 Teve d'esta senhora duas filhas, Cândida, já fallecída, e Bel- 
mira, que vive na corte em companhia da mâe, que é já viuva, pe- 
la segunda vez do senador Jeronymo José de Viveiros. 

2 Os poucos discursos pronunciados no Senado pelo desembar- 
gador Franco de Sá foram : — na sessáo de 4 de julho de i8S0 op- 



59 

Aqaelles que estavam afastados do Rio e ignoravam o 
mau estado da saúde do senador Franco de Sá, picados 
de malevolencia e inveja, envenenaram seu silencio e au- 
seucia do corpo legislativo, attríbuíndo-os sem mais exa- 
me, a transigência com suas doutrinas politicas, ou pelo 
meDOS a censurável tibieza, quando a enfermidade sem 
i^medio veiu na madrugada de iO de novembro d'esse 
aimo (4851) desmentil-os, deixando a pátria sem um de 
seus mais videntes e laboriosos operários, e na orpban- 
dade seus Olhinhos que haviam de um dia honrar-lhe o 
laureado nome. 

cO paiz, diz ainda o snr. dr. Fábio, perdeu n*elle um 
consummado estadista e um magistrado probo, o partido 
liberal um alliado prestimoso, e o throno um amigo sin- 
cero da moDarchia constitucional.» 



pugnando em s^nda discussão o projecto de classifícaçSo de com- 
marcas, e nomeaçSo e remoção de juizes de direito, e que no cm- 
tanto foi convertido em lei (decreto n."* 550, de 28 de janeiro de 
tíSfí) ; bem como na primeira discussão o que tirava ao jury o jul- 
gamento de certos crimes para conferil-o aos juizes de direito : foi 
n^esta discussão ainda mais vehemente o rigoroso, demonstrando com 
ponderosissimas razões que eram taes medidas infestas á liberdade 
e índqiendencia dos magistrados. São hoje leis do império (decreto 
n* fSõÈ do l.« de julho de i850 e lei n.* 60i, de i8 de setembro 
de 1850). Importa aqui não esquecer que entre os mais luminosos 
e bellos discursos que proferiu na camará temporária, são reputa- 
dos como melhores, o que versava sobre a questão da fusão obriga- 
tória ou ÍJMultativa, c depois o sobre a lei de 3 de dezembro, em 
deffeca de um parecer por elle apresentada 



60 



VI 



Reportado em seus actos, comedido em suas palavras 
e maneiras, não se deslisava das normas que o faziam 
respeitado e amado dos que tinham a fortuna de entreter 
relações com elle. AíBgura-se-me por vezes que o estou a 
ver; pequeno d'estatura, sécco de carnes, tez clara, phy- 
sionomía doce e móbil, feições regulares em um rosto 
magro, mas realçado por fronte elevada e ílluminada pe- 
los reflexos de uns olhos vivos, e que retratavam os sen- 
timentos e idéas que concebia e sazonava n'aquella bem 
organisada e intelligente cabeça. 

Polido e agasalhador de todos, sem todavia descambar 
para a familiaridade trivial, escolhendo os assumptos de 
sua conversação conforme o entendimento de seus ou- 
vintes, insinuante a arrebatar corações e vontades, per- 
sistente na realisação de suas idèas, apresentava-as pelo 
prisma de seu espirito scintilante, sem as impor, nem 
obrigar a que as acceitassem com offensa dos melindres 
alheios; mas procurando convencer e recuando aos pri- 
meiros Ímpetos de resistência para voltar de novo com 
mais perseverança até vencer com o raciocínio e a paciên- 
cia. Entregando-se comardor a trabalhos de gabinete, que 
eram o seu prazer e contínuo alimento, não confiava a 
ninguém o que lhe cumpria fazer. Zelando, como depó- 
sito sagrado e inviolável, suas altribuições, respeitava na 
mesma conformidade as leis, c lemia-se da responsabilida- 
de dos cargos que exercia, com aquella consciência do 



61 

dever de quem se antemura no amor da pátria. No exa- 
me dos negócios n3o se pagava só das generalidades: 
espírito syntbetíco e analytico a um tempo cavava fundo, 
para depois abranger o todo na sua perspicua compre- 
henslo. Traçava seus planos como general e os esmiu- 
cava como sargento — concebia um projecto e assentava 
as bases prímordiaes do seu regulamento, como habilis- 
simo cheffe de repartição, que conhece na sua totalidade 
o serviço d'ella ; concertava com a mesma exacção e se- 
gurança de vista as partes e determinava as mais insigni- 
ficantes obrigações, como um empregado subalterno sa- 
bedor do mister nas suas menores particularidades. 

No gabinete, expedito e firme em dar ordens, em de- 
cidir dos negócios por mais graves e difficeis, em resol- 
ver dúvidas e em cortar por difficuldades; no parlamento 
preparado para entrar em todas as discussões com aquel- 
le critério e conceito de quem as comprehende e estuda 
com meditada reflexão, era eflicassimo auxiliar c guia se- 
guro em qualquer emergência ou para qualquer empre- 
bendimento. Reconbeciam-lhe tanto esses notabilissimos 
predicados que lhe incumbiam em uma e outra casa do par- 
lamento as mais importantes e trabalhadas commissõesS 

1 Considerado, como era, na camará temporária, fazia parte 
ii'el]a das commissOes mais importantes, e sendo em 1845 membro 
da de jnstiça, foi-lhe incumbida a tarefa de redigir o parecer que 
offerecía roodiíicaç($es á ominosa lei de 3 de dezembro de i84l. O 
prcjecto apresentado por Franco de Sá alterava profundamente essa 
Id, como o expoz o senador Theofilo B. Ottoni no Senado, em ses- 
sSo de 14 de setembro de 1869 {Diário do Rio de Janeiro de 22 de 
setembro de 1809 n.* 259). 



6g 

sobresahíndo n^ellas aos mais na applicaçao e seriedade 
com que trabalhava, no juízo prudencial, na lucidez e 
presteza em formular seus pareceres. 

Franco de Sá n3o era só notável como parlamentar, 
como politico e administrador, mas festejado na boa so- 
ciedade, em cujos salões era bem vindo das damas. Ck>r- 
tez sem descahir no ridículo, tinham taes seducções e en- 
levo sua conversação, seus ademanes e compostura, que 
merecia as attenções e obséquios onde quer que appa- 
recía. 

Nem a falta de saúde nem a edade lhe fizeram perder 
o sestro de conquistador, e três annos antes do seu falle- 
cimento nenhum rapaz o vencia ou ofifuscava em galan- 
teios e preito ao sexo amável. 

Entre seus eminentes dotes de administrador tinha em 
subido grau o de se não deixar suffocar pelos incensos 
da lisonja, ou seduzir pelos encantos d*essa pérfida con- 
selheira que tem sido a ruina de tantos outros presiden- 
tes, cuja vaidade tem ella sabido ínsufflar, attacando-os 
pelo ponto vulnerável até aparvoal-os de todo em todo e 
tomal-os autómatos obedientes a Sejanos sem consciên- 
cia; ou o motejo da população por suas puerilidades, 
quando não são por ella praguejados pelos arbítrios e 
inepcias que praticam levados por cúpidas suggestoes 
das mediocridades que os obcecam, ennovelam e preci- 
pitam. 

Pelos seus assignalados seníços, pela moralidade e 
justiça com que soube governar no meio das gritas e 
feros de uma opposição facciosa, por tantas e tão excel- 



63 

lentes qualidades que consigno aqui de corrida, ha de 
ficar gravado no coração agradecido de seus conterrâneos 
o afamado nome do senador Franco de Sá para quem 
parece terem sido escriptos estes versos de Trajano Gal- 
v3o de Carvalho : 

Galai-Yos» pois, calumniadores sórdidos, 
Que disputaes aos vermes seu cadáver ; 
Gemonias sSo p'ra vós a Historia, 
Para ellc o PanUieon f . . . > 

* Vfj. TVfz Luras, pag. 36. 



i 



vm 



o SENADOR 




O líl IIIIA DA 




FAirmAX^TOM. D. 



. . . prolipcto nihil csl allind lM>ne ei beate rirere, nisí |io- 



Nos primeiros dias d'este século tão fértil em maravi- 
lhas e progressos a beneGcio da humanidade em que o 
maldigam pragueatos reaccionários e philosophos piegas, 
viam o coronel de miiicias, Luiz António Vieira da Silva, 
6 soa esposa D. Maria Clara Gomes de Sousa abençoada 
sua felicidade conjugal com o nascimento de um Olho, 
que no dia 12 de janeiro recebeu na pia baptismal da 
freguezía do Rosário o nome de Joaquim. 

Desvelaram-se os pães em imbuir-lbe os sanctos pre- 
ceitos de moral e religião, que cultivavam, e em dar-Ibe 
esmeradissuna educação como Ibes requeriam seus have- 
res, e aconselhavam a avantajada posição social e vigilante 
teraora. Destinaram-n'o desde menino á carreira scient^ 
Goa de sua eleição, e logo que chegou aos dezeseis amios 
o mandaram para Portugal na galera Imperador da Ame^ 
rieOt que tendo sabido do porto do Maranhão a li de 



68 

junho de 1816, chegou emflm a Lisboa a 7 de agosto. 
D'ahí passou-se logo o joven estudante maranhense para 
Coimbra. 

Trazia já alguns estudos preparatórios, fazendo os que 
lhe faltavam no Collegío das Artes com tanto aprovei- 
tamento e occupada devoção que em novembro de 1847 
achava-se matriculado no primeiro anno jurídico da Uni- 
versidade. Fáceis e desimpedidos correram-lhe os annos 
exigidos para o curso d'essa faculdade; vendo sua justi- 
ficada reputação d'estudioso e intelligente retribuída em 
cada acto com a approvação plenária, de modo que em 
21 de junho de 1822 terminou seus estudos universitá- 
rios com o grau de bacharel formado em direito. 

Preenchida, pois, sua missão distante da pátria, cujas 
saudades e amor podiam mais com elle que a estima dos 
conimbricenses e dos lentes e condiscipulos, que todos lhe 
eram affeiçoados e o prezavam em muito, não houve 
demorar-se alli, e a 7 de agosto se partia da metrópole, 
que bem cedo seria para elle terra estrangeira. 



II 



Madrugaram em Joaquim Vieira as idéas de liberdade 
e emancipação da pátria : não era só nos solilóquios do 
mancebo enthusiasta que, nos passeios solitários pelas 
margens e campinas do formosíssimo Mondego, scismava 
01 autonomia e engrandecimento do Brasil; como lam- 
bem nas palestras intimas e nas discussões da sodedide 



e9 

Jardineira^ fundada por alguns estudantes brasileiros 
com o fim apparente de promoverem entre si o gosto e 
cultivo de flores, para assim desviarem d'ella e illudirem 
a incessante e desconfiada ^pionagem dos verdiaes e das 
autborídades de Ck)imbra. N*esse cenáculo juvenil insi- 
Uavam-se e contendiam com toda a soltura e alacri- 
dade própria de mancebos sobre as mais adeantadas e 
parodoxaes tbeorias sociaes, applaudidas e abraçadas por 
isso mesmo pelas imaginações exaltadas dos verdes an- 
Dos; mas á volta das discussões sobre as doutrinas do 
CoiUracio Saciai e da Encyclopedia, suggeriam alvitres 
acerca da nossa alforria, que era o pensamento predomi- 
nante d'essa associação. Se todas essas idéas e projectos 
evaporaram-se com a rapidez egual á violência com que 
irrompiam das mentes escandecidas de seus authores, 
ficaram comtudo as sementes que um dia levariam com- 
sigo esses inexperientes apóstolos para as lançarem no 
solo virgem da pátria. 

Nio era o estudante Joaquim Vieira da Silva o mem- 
bro menos devoto e crente d'essa sociedade clandestina 
e perigosa quando recolhido ao torrão natal, e já bacharel 
formado, se não descuidou d'apostolar seus conterrâneos, 
iniciando-os na boa nova. 

Com a revolução liberal de 24 de agosto de 1820 na 
metrópole, transplantaram-se para a colónia os germens 
da nossa independência, conspirando as medidas oppres- 
sivas decretadas pelas cortes portuguezas para apressal-a 
na rasão directa do rigor de tão iníquo proceder. 

Deplorava no emtanto o dr. Joaquim Vieira a conten- 



70 

ção dos membros da juncta que se esforçavam por des* 
ooDceiluar o movimento iodepeodente, já GaiumníaQdo» 
ji metteodo á bulba e vitij^erando Da sua imprensa as- 
salariada os mais coDspicuos paUiotas e o próprio pria- 
cípe real, como também procurando incutir no espirito 
dos maranhenses, que a emancipação era um mai e a 
niina de soas fortunas. Por outro lado n3o descuravam 
eUes de premunir-se de recursos para suffocar de prum- 
pto qiudquer symptoma de sublevação» ordenando aos 
commandantes geraes a mais vigilante espionagem, e 
também instando que de Lisboa Ibe enviassemfortesmeíos 
de resístancia. Não podia por muitas vezes conter-se o 
dr. Joaquim Vieira ao saber de taes manejos e dos prepa- 
rativos de opposição armada ao movimento nacional, que 
se não abrisse com aquelles dos membros da juncta pro* 
visoría de quem era affim, reprovando-lbes abertamente 
essas manifestações mal entendidas de fidelidade e obe- 
diência ao rei e ás cortes, quando era indeclinavd e sancta 
obrigação de todo o individuo, que nascera no solo ame- 
ricano, antepor a quaesquer interesses e afleições o amor 
da terra do seu nascimento, e sacriGcar por sua emanci- 
pação todos os demais sentimentos e vantagens até os da 
própria conservação. 

A tão isentas opiniões reunia o eiemplo; por isso tam- 
bém tomou-se suspeito á juncta, que entrou a observar- 
Ihe os passos e a tel-o na conta de adversário perigoso e 
ÍDJesto á causa da mãe-patria, ameaçada de tão imminente 
desbarato. 

Ao cbegar o bacharel Joaquim Vieira da Silva e Sousa 



7i 

ao Maraoblo a 5 de ootobro de 1822, já nl» McoDtroa 
alli o governador l^tveira, que antes de partir da provmda 
haria ooofíaáo o govémo a vmêjumuá eleita a iS de fe- 
vereiro d'esse mesmo anno em virtude do decreto de 24 
desetmnbro do anno anterior emanado das eòrtesconsti- 
taintes* 

Era composta essa joncta do bispo diocesanoD. fr. loa- 
qoím da Naasareth, como seu presidente, do brígadleiro 
SdttstiSo Gomes da Silva Belfort (secretario), do dieffe 
d'esqiiadra Fiiippe de Barros e Yasconcelios, do dezem- 
bargador Joio Francisco Leal, do thesom^ro da fazenda 
Tbomass Tavares da SiWa, do coronel António Rodrigues 
dos Santos e do tenente-coronel de miKdas Caetano José 
de Sonsa. Via eile portanto parentes e amigos ao sernçú 
das cortes, e na direcção dos negócios dar provinda; mas' 
nio foi isso impedimento para que desistisse ou min*' 
goasse DO ses empenho patriótico de promaver aânde- 
pendência da sua província, senão que afifrontou com 
moita tenbridade e denodo as iras e perseguições que 
seu procedamento foi despertar nos zelosos adeptos do 
absoitttísmo e da escravidSo. 

Ás notícias dos acontecimentos extraordinários (pie se 
iam SQOcedendo no Rio de Js^eiro, na Bahia e em outros 
pomos do Brasil onde chegava a resoiu^ tonadai no 
Ypíranga pelo príncipe Duque de Bragança, inieram para 
evát» ainda mais o espirito do dr. Joaquim Vieira jun- 
Gtar-ae as de haver o seu antigo condiscípulo, o dr. JoSo 
Cândido de Deus e Silva, juiz de fora de S. João do Par- 
oAgfèa» conseguido proclamar alli a Independí^ncía, para 



72 

exaltar ainda mais o espirito do dr. Joaquim Vieira da 
Silva. Ardia em desejos de o imitar, já que o disiaociára 
na execnçSo dos planos que haviam ambos por tantas ve- 
zes concertado em seus colíoquios escbolares. 

Isto ainda mais o animara no seu propósito e continua- 
va a ter activa correspondência com os do Rosário e 
de Alcântara que compartilhavam suas idéas, empre- 
gando para isso traça tSo bem concebida que nSo foram 
nunca descobertas suas cartas. Não o satisfazia, comtu- 
do, esse meio de propagar seus príncipios e de alentar 
efqperanças; deslava conferenciar com os amigos, e para 
isso valeu-se de uma solemnidade religiosa que ia effei- 
tuar-se em Alcântara a 8 de março, para, com o pretexto 
de assistir a ella, dirígir-se para alli com os bacharéis 
Leocadio Ferreira de Gonvêa Pimentel Bçlíeza e Fran- 
cisco Corrêa Leal, e o cidadão José Francisco Belfort 
Leal. Iam com o pensamento generoso de attrahir prose- 
lytos á causa da independência, animar os consócios na 
empreza de libertar a província e combinar com elles nos 
meios de realisarem seus planos. A juncta desconfiou do 
motivo real doeste passeio, e o governador das armas, 
de accôrdo com ella, expediu ordem ao coronel Bro- 
chado, commandante geral d'aquelle distrícto, para que 
os não perdesse de vista e espreitasse todos os seus pas* 
SOS, e no caso de deterem-se alli além dos dias consagra- 
dos á festa, os prendesse a fim de que fossem remettidos 
para Lisboa. O commandante geral, querendo fazer praça 
de mais zeloso e obediente á metrópole, passou alem do 
que lhe haviam determinado, prendendo-os immediata* 



73 

morte e recambiando-os para a cidade, onde foram soltos 
por ioterveiHio do desembargador Leal, secretario da 
joncta e pae de om dos compromettidos. 

Nem esta violência, nem as amiudadas ameaças e ad- 
iwteneias qae lhe fixeram alguns desmembres da juncta 
o atraiorísaram ou lhe entibiaram o patriotismo; e se, 
por n9o ser affeito ás armas, não correu para ir enfilei- 
rara nas phalanges do movimento nacional, que tomava 
incremento no Brejo, em Caxias, no Itapecnrú-mirím, com 
mais ou menos feliz êxito, nSo deixava comtndo de tra- 
balhar no desbravamento do terreno onde cedo havia de 
gmninar viçosa a semente da liberdade. 



Ill 



A antemanhan do suspirado dia da emancipação da 
nossa província alvorecia já explendente e risonha nos 
tríumphos obtidos pelas forças independentes no Itape- 
cnrA-mirim e no Brejo : Caxias estava em termos de ren- 
der-ae, e todas essas notícias eram rebates que alvoro- 
tavam os ânimos da população de San Luiz que andava 
por quebrar também as pesadas ferropeas que lhe agri- 
lhoavam os pulsos, quando no dia 26 de julho de 1823 
entrou á bahia de San Marcos a esquadra do victorioso e 
feliz almirante lord Cochrane com o estandarte aurí-verde 
desflraldado com galhardia, annunciando aos povos que 
mm cidadãos livres, e veiu ovante alTerrar no nosso 
ancoradouro. Dois dias depois já estava proclamada a 



74 

independeDcia» sem que da parte do alioiraDle hoavesse 
de misler empregar outros meios que não fossem a pre- 
sença d'essa pequena f&rça para que as aothoridades por^ 
toguezas se submeitesaem, e ãeixassemii&habitaQleedo 
Maranblo desoppressoe para fazerem eipiosSo dcssealH 
mentos que já mal podiam soffrear em aeas peitos: a 
adbesão á causa da independência era pois um iaoto para 
cu|a consommação aguardavam só o impulso externo, 
que lhes chegaria dentro em breve do ItapecurúHrârna, 
se o Dão houvesse antecipado a esquadra brasileira. 

Não podiam os maranhenses esquecer-se da constân- 
cia e desassombro com que o dr. Joaqunn Vieira da Silva 
e Sousa pugnara pelo nosso alforriamento; .e por isso 
quando a 13 de agosto d'esse mesmo anno foram convo- 
cados para eleger os membros ádí janela governativa e os 
da primeira camará municipal brasileira da cidade de 
San Luiz, foi die nomeado pdos suf!ragios áè seus con- 
cidadãos um dos membros d'essa corporação, e já no 
seguinte mez de setembro era secretario do eommandante 
das armas Rodrigo Salgado, que n'este cargo substituíra 
a José Félix de Buf^os. 

Ponhamos de parte o período anarchico que soccedeu 
á proclamação da independência no Maraohão até que, 
passado o diiScti e desordenado noviciado da liberdade, 
produzisse a constituição todos os seus salutares effeè- 
tos, pois que não vem ao assumpto senão referir os ser* 
viços que n'essa quadra vertiginosa prestou o dr. Joa- 
quim Vieu a da Silva e Sousa á causa pública e aos veo- 
ciclos. 



78 

' A cainani .tnanicipa), ou geral como era appellidada 
n*C0n epfcbft» pani cortejar a plebe e tel*a por si, ou 
peniue a maioria d^essa iM>rporaç2o pensasse como ella, 
queemvseus delioios queria exercer vindictas, a verdade 
ò<fM tombtt medidasnioleotas contra os que lhe eram 
deiafisotoe^ cbegiado até a propor em uma de suas ses* 
sSes a dsportaçio de certos portugoezes e a decretação 
do.tinpoBto- de 6/$400 sobre os que obtivessem d*ella 
liceoca- para .residir na proviocia^Como estas, outras 
me^idu bavia que aio destoavam d'ellas em íojuslíça e 
loiqDMade; mas que seriam indubitavelmente approva* 
datii^ o dr» Joaquim Vieira nSo as oppugnasse com 
valor e insistência, chamando ao mesmo passo seus coU 
lagifr^ razão, e feaeodo-ib^ sentir os perigos e op{M*o- 
brio í|ue)á'abfcdiiaanariatt, e quanto lhes seria mais hon* 
rasa» aiapplaudída pelos homens sensatos de todas as 
cúodicdaae. pareceres políticos a generosidade» do que 
esses meios que só delatavam o rancor e a vii^ança que 
astlmba didado :e a baixeza de sentimentos e pouco ci- 
vismo, da seus aulbores. Conseguiu eile com seus con- 
salboa ^ pelo ascendente e preponderância, que soube 
exercer n'aquella corpcmção^ desistisaem de tão loucos e 

.tiàilfiiva-ee^afti8ãAcomorjmz de auseiites da comarca 
da capital, quando aportou de novo a ella lord Cochrane 
Goia ^ criminosa pretensão de: faaer-se pagar por suas 
pn^as- níãos da quantiosa importâocia que allegava 
pertencer-lbe. das prezas que fizera e cujo prompto re- 
eoibolso exigia. Para que as cousas corressem á medida 



76 

de seus desejos, destilaio no dia 25 de dezembro d'esse 
anno o presidente legal, a quem saspendeo e prendea a 
bordo, investindo do poder a outro de sua fetçSo, e assim 
pôde a seu salvo saccar de todas as rqmrtíções de arre- 
cadaçio os fundos que achou em seus cofres. Este atteo- 
tado, a que nio ousou oppor-se nenhuma reparti(iD fis- 
cal, encontrou no juiz dos ausentes uma forte barrwtl O 
dr. Joaquim Vieira protestou contra simiihante extor- 
são, e desobedecendo á intimacSo do lord, recusou eo- 
tregar-lhe os dinheiros confiados á sua guarda, sem qoe- 
brantarem-lhe esta inabalável e honrada resolu^ as 
ameaças do almirante inglez de que o mandaria preso 
para o Rio de Janeiro. 

Esse enérgico e louvável proceder foi t3o apreciado 
pelo governo imperial que em maio de f 8S6 despachou-o 
juiz de fora da cidade da Fortaleza, capital da provinda 
do Ceará, e depois, em 1829, o promoveu a ouvidor da 
mesma comarca. 

Antes, porém, de partir para o seu destino recebeu 
a 16 de julho de 1827 como esposa, a sua prima, a ex."^ 
sr.* D. Golumba de Sancl-Antonio de Sousa Gayoso, que 
ainda vive e de quem teve três filhos ^ 

Havia dous annos que estava alheio aos negócios pobU- 

cos e inteiramente entr^ue a estudar processos, e a com- 

• 

1 SSo o ex."* ar. senador Luiz António Vieira da Silva, qM naa- 
cea a 2 d'outubro de 1828, sua irman D. Golumba, casada com seu 
primo o sr. José Gomes de Sousa Gayoso, e D. Ritta, já fallecida e 
que foi casada com sen primo o sr. José Vieira da Silva, coronel da 
guarda nacional. 



77 

poisara legisla^^o e os praxistas para repartir justiça com 
toda a equidade, quando os acontecimentos que seguiram- 
se i revoloçio de 7 de abril o vieram despertar e revocar 
de soa vida remansada de magistrado. O partido, que ap- 
poixn o monarcha decahido, tintia fundas raizes em parte 
da popula^io da provincia do Ceará, e n3o podendo ac- 
conmiodar^se á idéa da abdicação de D. Pedro I, suble- 
voihse e pretendia depor o vice-presidente, que estava 
por essa oecasíio na administração da provincia. Deu o 
ouvidor Joaquim Vieira a mão á autbcMidade, que estava 
a piqoe de ceder á intimação dos amotinados, alentou-a 
eom o seu pronunciamento audaz, e soccorrendo-se ao 
expedimte de proclamar, no dia 19 de maio, o governo 
do sr. D. Pedro II, accendeu o enthusiasmo nos habitan- 
tes indillérentes ao movimento revolucionário e d'esta 
sorte aeobardou os insurgentes, que viram os seus pla- 
nos burlados e desistiram de sua criminosa tentativa. 



• IV 

O soeegado e methodico exerdcio de magistrado ia ser 
iirterrompido para elle pelas funcções de administrador 
áe provincia, tão aflEunosas e cheias de responsabilidaide. 
Nomeado presidente do Rio Grande do Norte por decreto 
imperial de 2 de setembro de 1831, tomou posse d'esse 
cargo a 22 de fevereiro do seguinte anno. 

Se o ouvidor da Fortaleza conseguiu apaziguar os es- 
píritos de seus comarcões e chamai-os á ordem e obe- 



78 

díencia ás auctoridades legitimas, foi menos feliz o dr. Ma- 
nuel da Rocha Bastos, ouvidor do Grato. Alii amotinou-se 
a 14 de dezembro o coronel de milícias Joaquim Pinto 
Madeira, e á voz da restaurado via-se dentro ém poeeo 
com forças tSo crescidas que p6dè ameaçar o Geará e Rio 
Grande do Norte, derramando o terror ehtre as popula* 
ções doestas províncias. 

Foi n'estas mal propicias circurnstanctas que odr. JoflH 
quim Vieira da Silva e Sousa tooiòa as rédeas do govômo» 
e desde logo emprehenden formar mn eordio de tíúpt» 
nos lioHtes da província, que admmistraVa, para assim 
nio só impedir as frequentes correrias dos revoltosos no 
interior d'ella, como auxiliar o general Labatut na per* 
segniçSo e aniquilamento da revolta. N3o harvia, camtodo; 
na província tropas, e repugnava ao ânimo liberal e^hur 
mano do presidente recorrer ao prompto, dado: que des* 
potico e cruel, expediente do reomtameato forçado» iqse 
desgraçadamente tem sido o recurso de quasi todos os 
nossos governantes quando carecem de completar nossos 
exércitos. O processo empregado*até hoje entre nós, sobre 
ser iníquo e atropellador, torna-se por vezes em um 
ou outro lugar una verdad eira caçada de homens e cootri 
bue não raro para o triumplx) eleitoral de potentados an* 
tipathicos, impostos pelo terror á manifestação da von- 
tade popular, e para o desforço de authorídades subalter- 
nas sem prestigio pessoal nas suas localidades. Mas elle, 
que tinha sentimentos não vulgares para projulgar seus 
administrados por si, soccorreu^se a um meio desconheci- 
do no Brasil, e convidou seus concidadãos a pegarem vo- 



79 

iQDtaríamente em armas e deffendercm a causa qae era de 
todos. Não (bi baldado seu appôUo, apezarda novidade, 
tanto que c á invocação patriótica, como diz o orador da 
Academia Imperial de Medicina S correspondeu o povo, o 
eotfansiasmo propagou-se por todas as camadas da socíe* 
dade, e a ponto lai que os mesmos sexagenários, incapazes 
da suster o pezo das armas, vinham do interior da pro- 
viocta á capital oíferecer ao governo seus próprios filhos. 

c Joaquim Vieira omhecia, senhores, que o amor da pá- 
tria brota voluntariamente no coragâo do b(Miiem livre, 
qpB o serviço forçado das armas, similhante ao captivei- 
ro, produz sempre enfezados fructos, e que os Le(xiidas, 
que nos desfiladeiros das Tbermopylas se oppunham ao 
eierdto do poderoso Xerxes, se deixavam esmagar leva- 
dos t3o somente pelo sentimento espontâneo de deffen- 
der a honra nacional. » 

Compete» portanto, ao dr. Joaquim Vieira nãd só a gló- 
ria de ter aberto o exemplo demonstrativo de que pôde 
mais em cidadãos livres o dever do que o temor, bastan- 
do que a pátria perigue para que os brasileiros voem em 
sua deffensão, como também a de ter contribuído pode- 
rosamente para debellar esse levantamento que já ia to- 
mando graves proporções. 

Querendo a regência recompensar tão assignalados ser- 
viços, e collocal-o em lugar onde podesse desenvolver 
com mais amplitude suas faculdades administrativas, no- 

1 Discurso proferido pelo orador da Academia Imperial de Me- 
didiia por occanSo de commemorar na sua sessSo magna os sócios 
fiJtocidoi no deeurso do anna 



80 

meou-o a 13 de outubro de 1832 presidente da sua pró- 
pria proviocia natal, considerada até allí a qtiarta em im- 
portância, prosperidade e civilisação. 

No dia âO de novembro acbava-se elle no exercido 
doesse cargo, cumprindo as funcções d'eUe, então mais 
difficeis já por ter de as desempenhar depois do ex."^ 
sr. dezembargador Araújo Yianna (marquez de Sapucaby) 
que bem governara, e era geralmente estimado e louvado, 
e já por se haverem ingerido alguns estrangeiros nos ne- 
gócios politicos da provincia incitando a tal ponto os ódios 
e malquerenças de alguns parciaes, que nem a cordura, 
nem a lenidade ou a imparcialidade do justo, precavido 
e prudente dezembargador Araújo Yianna fora bastante 
para extinguir ou ao menos amortecer esses ruins senti- 
mentos. 

' Representava-se a muita gente sensata que aggravar- 
se-hia agora ainda mais a situação, visto como era filho 
da provincia o actual administrador e assim mais ou me- 
nos inclinado a uma das parcialidades pelos vinculos de 
parentesco e amisade que o prendiam a algumas das in- 
fluencias do partido denominado brasileiro. 

Desvaneceram-se bem depressa esses apparentes re- 
ceios; que os actos e opiniões do presidente convergiam 
todos a congraçar a família maranhense e a fazer desanu- 
vjar-se a nossa atmospbera politica. A maçonaria, hoje 
fulminada pelos raios do Vaticano e perseguida pelo fana- 
lísmo intolerante de dois prelados brasileiros e dos reac- 
cionários, apezar de quantos beneficios tem ella feito á 
humanidade, foi o instrumento de que se serviu o dr. Joa- 



81 



quim Vieira da Silva e Sonsa para extingalr o mal, de que 
tanto enfermavam seus administrados^ e n'esse empenho 
promoveu a creaçSo de lojas por toda a província ^ e in- 
fluiu para que muitas pessoas distinctas se Aliassem n'el- 
las. O resultado de t3o bem concebida traça foi o restabele- 
cimento da paz e da harmonia entre os habitantes do Ma- 
ranhio. Alem de outros serviços, que prestou á província 
DOS dezesete mezes que a dirigiu, soube manter-se com 
tanta imparcialidade e tal lisura^ que o melhor testemunho 
i]tae ha de t3o digno e honesto procedimento é que em 
todo esse discurso de tempo nunca Toi molestado ou cen- 
surado por nenhum dos periódicos que se publicavam 
n*ella, e o ter deixado da sua presidência tão saudosas 
recordações, como as que sempre manifestaram os rios- 
grandenses que, de agradecidos, não cessavam de elo- 
gíal-a e até publicamente, como em uma representação 
dirigida a seu successor, Basílio Quaresma Torreão, onde 
á volta de outras benemerentes expressões vinha consi- 
gnada a seguinte mui honrosa phrase: — «Feliz v. ex.* 
se seguir as pegadas do dr. Vieira da Silva ! » 

Honrado com o suffragió espontâneo de seus compro- 
vincianos^ nio desmentiu na legislatura geral de 1834 a 
1837 o bom conceito que tinha sabido grangear, e por 
isso adquiriu os bem cabidos foros de um dos mais im- 
portantes parlamentares d'essa legislatura. 

Ameaçada a regência dos perigos que por toda a parte 

1 Ainda em 1855 e até 1858, quando foi eleito senador do im- 
peiio, conheci-o dirigindo os trabalhos da loja Vera Cruz, como seu 
▼wiertvel. 

Pajttwroji-Toji. h. 5 



82 

a cercavam tornando até em alguns pontos duvidosa a in- 
tegridade do império, tractou de organisar um ministério 
que podesse contrastar e nnlliãcar tão deletérios etonra- 
tos, e foi com esse intuito que offereceu a pasta do im- 
pério M deputado dr. Joaquim Vieira que a recusou, ti- 
ldando seu mau estado de saúde; mas apertaram tanto 
com elle João Paulo dos Santos Barreto, ministro da 
guerra, e o da justiça Alves Branco (marquez de Carave- 
las), que por fim cedeu, e acceitou-a, e fez parte do ga- 
binete de 20 de janeiro de 1835. ' 

cGomo ministro, diz o discurso a que atraz me referi, 
foi o conselheiro Joaquim Vieira reputado sempre um 
dos mais independentes, verdadeiro amigo do throno: 
se procurou cercar o monarcha com todo o prestigio de- 
vido á realeza, julgou também necessário dar accesso 
atè elle a seus semanários e a todas as pessoas que o qui- 
zessem ver e comprimentar, seguindo o pensamento do 
eximio e illustre marquez de Caravelas, que tinha por 
verdadeiro prejuízo a opinião errónea d'aquelles que con- 
sideram o throno totalmente separado da commonhSo 
do povo, e que por isso accrèditam vel-o baquear ao me- 
nor sacrificio do poder, ainda que d'ahi resulte o maior 
bem da sociedade. » 

cO ministério do conselheiro Joaquim Vieira foi o úl- 
timo da regência permanente ; pela sua prudência, impar- 
cialidade e desinteresse soube chamar ao grémio social 
os ânimos desvairados, fixando a ordem e creando a esta- 
bilidade, e empregando também inauditos esforços para 
que o illustre padre Feijó não recusasse o lugar de primei- 



83 

ro magistrado do paíz, para o qual linha sido eleito, e 
assim tirou todo o pretexto a uma premeditada coDÍla- 
gra^ão geral.» 

Eutre outras medidas que tomou o cooselbeiro Joaquim 
Vieira da Silva e Sousa, como ministro do império, im* 
porta commemorar o decreto de S de maio de 4835, crean- 
ào a Academia Imperial de Medicina, que veiu dar tanto 
realce e importância á sciencia. 

Nio se mostraram comtudo seus comprovincíanos tão 
reconhecidos a quem estava tomando o nome de sua pro- 
vinda benemérito por seus honrados feitos. É preceito 
constitucional que o deputado, que eotra para os conse- 
Uios da cor6a, pe/ de o direito á cadeira na camará teoi- 
poraria, sendo de novo consultada a vontade de seus 
mandatários, que costumam com dobrada razão reate- 
gel-o. Nio succedeu assim ao conselheiro Joaquim Viei- 
ra que foi preferido por outro candidato, desculpando-se 
seus comprovincianos de tão eitraoba acção e vergonho- 
sa incoherencia, com servirem d'esle moda a dois — 
a m, que como ministro ji se achava bem aquinhoado, e 
a outro que merecia também retribuídas suas canceiras 
politicas I Não se deu, todavia, o conselheiro Joaquim Viei- 
ra por magoado d'este, quando menos, ofiensávo des- 
primor; porque não o offuscava a ambição e a vaidade, 
CGSúo d'ahi a pouco teve ensejo de o testifiear nas re- 
núncias intencionaes de posições elevadíssimas. 

Morto João Braulio Moniz, regente do império, e au« 
sente Gosta Carvalho (depois visconde de Mont' Alegre), 
qoe se recolhera acinte á provinda de San' Paulo para 



84 

desquitar-se dos negócios públicos, competia pelo acto 
addícional o exercido interino da regência ao ministro do 
império. Não quiz o conselheiro Joaquim Vieira occupar 
essa pasta a despeito das vehementes instancias de ami- 
gos e da solemne promessa do marquez de Paranaguá, 
chefie da maioria parlamentar, de dar-lhe nas camarás 
appoio firme. Sem que lhe embriagassem o espírito a al- 
teza e brilho do encargo, (admirável desapego I), n3o 
houve demovel-o de sua inabalável resolução, allegando 
em favor de sua obstinada recusa o ter para si que os 
actos, que emanassem d'esse poder, seriam illegaes : por 
isso que havia ainda um regente, alem de estar próxima a 
apuração do novo eflectivo, e ser iqprudente uma tal 
precipitação, que serviria só para excitar ambições, dis- 
sídios e a effervescencia politica, que se approveitariam 
de tudo isso para fazer explosão com mais fúria e arras- 
tar a na^o á borda do abysmo que já lhe haviam ellas. 
cavado. 

Tanta abnegação e tal civismo não era para ficar só nos 
fugazes louvores do jornalismo: procedendo-se pouco 
depois, na província do Espirito-Sancto, á eleição de um 
senador, foi seu nome contemplado na lista tríplice; mas 
o conselheiro Joaquim Vieira apressou-se a declarar que 
não tinha a edade legal, antes que a lista subisse á esco- 
lha do Monarcha. 

Estas duas renúncias revelam por si sós e despidas de 
todo e qualquer encarecimento, os nobiUssimos e supe- 
riores sentimentos do conselheiro Joaquim Vieira, se to- 
dos os outros actos de sua vida pública não os afirmas- 



85 

sem e dessem eloquentes e irrefregaveís testemunhos 
de sua probidade, rectidão e patriotismo. 

Subindo ao poder o regente Feijó, retirou-se o minis- 
tério, como a politica o aconselhava, e desde esse dia des- 
pediu-se o conselheiro Joaquim Vieira da Silva e Sousa dos 
negócios públicos, resolvido a viver vida retirada, cui- 
dando de sua lavoira. N'esse designio recolheu-se desde 
1836 á sua Gizenda de Pírangy, na margem direita do 
Itapecurú e quasí fronteira á villa do Rosário. Vieram, no 
entanto, seus comprovincianos remir de motu próprio 
uma grave culpa, dando-lhe nas eleições de 1838 seus 
Totos ; e sem que elle cooperasse para isso, sabiu depu- 
tado geral na legislatura de < 838-1841. N3o teria, com- 
tudo, quebrado seu firme propósito de deixar-se ficar 
em sua fazenda sem tomar assento na assemblèa, se a 
revolu^o que assolava a provincia desde 1839 nSo o 
arrancasse d'esse retiro, que tanto se compadecia com 
suas modestas inclinações. Confrangiam-lhe, porém, o 
coração a mina e desolação em que ia decabindo sua 
provincia natal e resolveu por isso ir á corte do império 
para ahi do alto da tribuna e nas secretarias de estado, 
redamar efficazes e enérgicas medidas que salvassem 
o Maranhão, restituindo-Ihe em breve a paz e a segu- 
rança pública. Não foram inúteis os seus esforços, e uma 
vez satisfeitas essas reclamações, retirou-se para nossa 
província no fim da sessão. 



86 



V 



Representava o paganismo a justiça — deusa vendada, 
sopesando de uma das raSos a balança do jidgamento e 
da outra a espada nua da sentença, e a ella erigia tem- 
plos, em cujas aras sacrificava. Acabou o christíanísmo 
com esse culto todo exterior das virtudes moraes, para 
recalcal-as e radical-as no foro íntimo, infiltrando no nosso 
peito desde a infância os sãos dictames, que acham den- 
tro em nós o verdadeiro templo onde adoral-as e ser- 
vil-as. A manifestação da justiça está nas leis, seu breviá- 
rio nos códigos e seu sacerdócio na magistratura. É f(k*ça, 
pois, que o mister de juiz seja cercado de quanto pres- 
tigio e meios o possam manter na mais absoluta inde- 
pendência, tanto dos que elle tem de julgar, como dos que 
o teem de premiar, e por isso convém primeiro que tudo 
pôr os magistrados a coberto de necessidades e afastal-os 
completamente da politica militante e activa. 

Foi com esse pensamento decoroso que o conselheiro 
Joaquim Vieira da Silva e Sousa reassumiu em 2 de de- 
zembro de 1839 as funcções de magistrado, acceitando 
a nomeação de dezembai^dor da Relação do Maranhão. 
Entendendo que um juiz deve despir-se, quanto possí- 
vel, de paixões, e que nada tanto as excita como a poli- 
tica, deixou de tomar n'ella parte ostensiva, não o vendo 
ninguém d*ahi por diante em reuniões eleitoraes, e tão 
pouco appresentou-se candidato a nenhum cargo. Por seu 
temperamento moderado propendia para as idéas conser- 



87 

vadoras; mas nem por isso applaudia o advento d*ellas 
oa estreitava relações com os caudilhos ou adeptos d'essa 
doutrina, recebendo bem e convivendo com os homens 
de um e outro credo, que lhe mereciam estima por seu 
illíbado proceder. Gonsagrando-se inteiramente ao apen- 
sionado exercício de julgador, só d*eUe levantava mio 
]»ara distrahir-se com a família e os parentes, ou quando 
o estado ou a província reclamava-lhe os serviços. 

Quando se tractava de organisar na cidade de San' 
Luiz o Banco Gonmiercial, encontraram seus fundado- 
res decidido e vigoroso appoio n'elle. A Sociedade PAí- 
hmatica, creada por elle e outros beneméritos ddadSos 
em 1840, para propagar os conhecimentos úteis, e a de 
Agricultura (tandada annos depois que aquella extinguiu- 
se e cujas ephemeras existências não pôde prolongar, 
mau grado a assiduidade e disvelo com que as presi- 
dia, attestam sua boa vontade de cooperar para a pros- 
peridade e futuro da provinda do Maranhão. Era egual- 
meoite um craselheiro leal e prudente com que os admi- 
nistradores da província podiam contar, como também 
um xeloso protector que teve a Sancta Casa da Miseri- 
córdia em todo o tempo que serviu de seu vice-pro- 
vedor. 

«Cultor das lettras, accrescenta ainda o discurso já 
allodido, o conselheiro Joaquim Vieira da Silva e Sousa 
protegia quanto lhe era possível o desenvolvimento das 
assodações que modestamente espalham por entre o povo 
o maná quotidiano que nutre as intelligencias e forma os 
corações, pertencendo por este motivo ao pequeno nu- 



88 

mero dos homens doestado, que prestam mais apreço ás 
idéas grandiosas dos corpos puramente scientíficos, do 
que ás mesquinhas considerações da enganadora poli- 
tica.» 

Se bem que esse laborioso e integro juiz não procu- 
rasse alargar o âmbito de suas aspirações, seus mere^ 
cimentos foram devidamente avaliados pelo governo 
supremo e por seus concidadão: elevado em 1854 á 
presidência do tribunal a que dera tanto lustre com seu 
exemplar procedimento, já em 1864 era chamado para 
occupar o lugar de ministro do Supremo Tribunal de 
Justiça. 

Embora arredio dos partidos que se degladiavam na 
província, vieram os su&ragios dos maranhenses incluil-o 
em 1859 na lista tríplice senatorial, designando-o á muní- 
Gcencia imperial que deu-lhe assento no Senado Brasi- 
leiro. Não me consta que occupasse nunca a tríbnna da 
camará vitalícia ; mas nem por isso foi menos utii a sua 
presença alli, pelos trabalhos de commissão que prepa- 
rou, e por seu voto consciencioso e independente. Nem 
sempre anda o dom da palavra ligado ás virtudes civicas. 
Com serem grandes Sully e Colbert não tinham o condão 
oratório, e a Chateaubriand e a Cormenin faltava presença 
d'espirito e não podiam concertar discursos em uma as- 
sembléa. De si confessa João Jacques Rousseau que bas- 
tava uma reunião de meia dúzia de pessoas para o fazer 
enfiar deveras e não poder exprimir a mais simples phrase 
que tivesse geito. 

Não desfructou, todavia, por muito tempo cargos tão 



89 

elevados e remonerativos. VíDdo á província, onde tinha 
sua residência habitual, adoeceu gravemente. Passava eu 
na noite de 23 de janho de 1864 pela casa 'da rua dos Re- 
médios, onde morava o conselheiro Joaquim Vieira da 
Silva e Sousa com sua familia, quando acercou-me um 
amigo â'ella, reclamando meus soccorros médicos para o 
illustre enfermo, na ausência do facultativo que o assistia. 
Subi com sofirega anciedade a escada e dirígi-me logo ao 
quarto onde encontrei o conselheiro Joaquim Vieira pros- 
trado no leito da agonia a debatter-se nos paroxismos da 
morte. Rodeavam-n'o a família e amigos debulhados em 
pranto. Abeirei-me com respeito e compunção d'aquelle 
venerando moribundo, de quem, agradecido, conservava 
as mais agradáveis recordações de quando eu e poucos 
mancebos mais reuniamo'-nos em palestras nocturnas com 
seu filho, que orça por nossa edade. Não se desprazia elle 
de vir por vezes seroar comnosco, mostrando-nos a todos 
benévola afiectuosidade. Examinei-o : já não dava accôrdo,' 
e o alento de vida d'ahi a pouco se lhe despediu do todo I 

Falleceu aos sessenta e quatro annos e meio, conse- 
lheiro honorário, senador do império, ministro do Su- 
premo Tribunal de Justiça, cavalleiro fidalgo, commen- 
dador da Ordem de Christo, e membro honorário da 
Academia Imperial de Medicina. 

Concluindo estas notícias, a que não pude dar o desen- 
volvimento, que desejava e ellas pediam, visto virem-me 
demasiado tarde os apontamentos, rematal-as-hei com as 
seguintes palavras do illustre orador da Academia Impe- 
rial de Medicina : 



90 

c Probo e honrado, o conselheiro Joaqaim Vieira não 
fazia monopólio (l'estas nobres qualidades, e attento e 
reflectido jamais menosprezou a reputação alheia para 
firmar o seu pedestal de juiz recto e illustrado. 

«Finalmente, senhores, se o desinteresse, maneiras 
aíFayeis, consuomiada prudência, ilIustraçSo e zelo infati- 
gável na execuçlo de seus deveres fizeram com que o 
nosso consócio captasse o respeito dos contemporâneos, 
estamos convencidos que com esses mesmos títulos seu 
nome conquistará a veneração da posteridade. » 



IX 



o SENADOR 





J 








I 

!■ 

I' 



1 



1. 



I » 



.\ 



Poor joger qnelqQ^OD avec imparlialité il faot le meitro, 
DOD pai á DOire pUtce, mais à la sienne. 

GoMiiiiiN— Liv. des oratturs., rol. t, pag. 3i5 



Ainda bem qae são passados os tempos de obscuran- 
tismo e servidão, em que o accidente do nascimento era 
um privilegio ou um desdouro! A verdadeira nobre- 
za, qae legitima as ambições eimpõe respeito— é a do 
talento e a do trabalho honrado. Se os gosos materiaes s3o 
partilha da plutocracia a quem curvam-se as turbas e 
rendem preito, nas regiões do espirito sobrelevam de 
muito aos argentarios aquelles que se distinguem por 
seu saber, intelligencia e activo e utíl emprego de suas ho- 
ras. O systema monarchico representativo de commum 
com o republicano dilatam-lhes horisontes em que se enal- 
tecem e ampliam-se, tendo, sós como limites os bafejos e 
vontades populares. Em um regimen onde todos s3o 
eguaes perante a lei, quer puna, quer recompense, e 
onde gozam dos direitos revelados ao homem desde a fe- 
cundissima revolução de 89, todos dependem do povo e 



94 

SÓ por elle se nobilitam, subindo de degráo em degráo 
até o último fastigio do poder. 

Na própria Inglaterra, com ser a aristocracia um po- 
deroso elemento nacional que se firma desde séculos no 
luzímento da origem e do espirito cultivado, tornando-se 
simultaneamente por taes titulos beneméritos da nação, 
ahí mesmo rompe a miúdo esse cerrado circulo o homem 
do povo que se avantaja em faculdades intellectuaes e mo- 
raes : assim vemos Canning, filho de uma pobre actriz de 
péssimos costumes, Robert Peei, de pae operário, lord 
Brougham, Lindshurt e tantos outros sobreexcederem á 
alta prosápia do sangue e do dinheiro e trazel-a atrelada 
ao seu carro triumphal, impendendo de seus favores. 

Quem foram no nosso paiz o visconde de Gayru, o oon- 
selheiro Baptista de Oliveira, o visconde de MonfÂlegre, 
cujos progenitores regaram com o suor de sea rosto qs 
instrumentos de trabalho que os eimobrecaram? D>gual 
estirpe veiu o senador conselheiro João Pedro Dias Vieira, 
nascido na villa de Guimaries a 30 de março de 1820. 
Nem por seu pae, o capitão de milícias, Manuel Ignacío 
Vieira, ou por sua mãe, D. Dyonisia Maria Dias Vieira 
herdou bens da fortuna e influencia que lhe dessem im- 
portância ou prodominio politico na sua província natal ; 
porque simples fazendeiros de poucos haveres, contenta- 
vam-se com uma mediania obscura e recolhida. Só aos 
seus merecimentos e talentos é que deveu, portanto, a 
avantajada posição a que chegou. 

Mandado de pequeno para a cidade de San* Luiz do 
Maranhão, ahi estudou primeiras lettras, e ahi passou de- 



95 

pois a frequentar as aulas públicas de humanidades onde 
teve por professor de latim o respeitável phílologo Fran- 
cisco Sotero dos Reis. 

Dotado de intelligencia superior e de grande memória, 
contava quatorze annos escassos quando já havia comple- 
tado os estudos preparatórios. 

Entrou em 1837 para a academia d'01inda, onde foi 
desde logo tido por um dos primeiros alumnos do seu 
corso. N3o lhe valeram, porém, os créditos escholares 
pan poupal-o a uma injusta nota no seu acto de terceiro 
aoDO. 

Redigiam por esse tempo o Argas Olindense, oi^am de 
doutrinas liberaes, os estudantes Fábio Alexandrino de 
Carvalho Reis, António Borges Leal Castello Branco, Car- 
valho Moreira (hoje barlo de Penedo) e Francisco José 
Furtado» e de collaboraçSo com elles Jo3o Pedro Dias 
Yieira. Julgaram-se offendidos com isso os lentes de credo 
contrário; e como se envergonhassem de reprovar os que 
estavam a terminar o curso, desfecharam a mão tente 
seus botes contra o terceiranista. Em vista de tão cen- 
surável desforço, nSo quizeram Furtado e Carvalho Mo- 
reira expõr-se á mesma sorte, e foram para San'Paulo, e 
com elles Joio Pedro Dias Vieira. Ahi não desmereceu 
este do bom conceito d*estudante talentoso que havia ad- 
quirido em Olinda, obtendo boas notas em todos os actos 
até que a 8 de novembro de 1841 tomou o grau de ba- 
charel formado em direito. 



96 



II 



Chegou o futuro conselheiro Jo3o Pedro Dias Vieira 
em principios de 1842 ao Maranhão, onde já o precedia 
a fama de seus talentos e clara intelligencia, assaz prova- 
dos em nossas academias de direito, e no Rio de Janeiro, 
em cujo foro practicára, sob a direcção de um de seus 
mais hábeis advogados, tanto que, tomado de Goimia- 
rSes, onde estivera com os pães, foi nomeado promotor 
público de Alcântara S e antes que entrasse em exercício 
d'esse cargo, transferíram-n'o para o da capital, de que 
tomou posse ^ dois dias depois da primeira nomeação. 

Bem parecido e sympathico, maneiras distinctas, voz 
cheia, perceptível e sonora, a facilidade com que se ex- 
primia e lhe accudiam os termos, a fluência e bom es- 
tylo de seus discursos designaram-n'o desde logo como 
um dos bons oradores da nossa tribuna forense. A car- 
reira parlamentar como que lhe estava aberta, pre- 
nunciando-lhe tão felizes estreias mais altos destinos, 
se houvesse tomado assento no corpo legislativo quando 
ainda conservava o hábito do trabalho e dos estudos atu- 
rados e profundos. Não aconteceu, porém, assim; porque 
alistou-se desde o princípio nas fileiras de uma opposição 
sem esperanças de próximo triumpho. Encontrava seus 
amigos e collegas, os snrs. drs. Francisco e Fernando Vi- 



1 Nom. a 27 de julho de 1842. 

2 Nom. a 29 de julho de 4842. 



97 

Ihena, c Fábio A. de Carvalho Reis na liça jornalistica, 
redigindo conjunctamente, primeiro o Maranhão, que foi 
de breve duração, e logo em seguida o Dissidente, que 
exprimia melhor o antagonismo de suas com as idéas dos 
antigos alliados, que aberraram das do liberalismo para 
apoiarem em 1841 o presidente conservador e d'ahi em 
deante todos quantos se lhe seguiram, quaesquer que 
fossem seus princípios e os do governo central de que 
eram delegados, com tanto que lhes garantissem estes as 
posições e sahissem os deputados da sua grei. 

Despediram-se elles por fim da imprensa, em 1844, 
cansados de luctar sem fructo nem benefício para a pro- 
vincia, e o dr. Jo5o Pedro Dias Vieira, que fora exonerado 
do cargo de promotor público por causa de suas opiniões 
politicas, assentou banca de advogado; mas d'ahi a dois 
annos foi de novo nomeado promotor e doesta vez para 
a comarca do Itapecurú-mirim K 

Poucos mezes antes (22 de fevereiro de 1846) havia 
recebido por esposa a ex."' snr.* D. Isabel Nunes Belfort, 
filha do coronel António de Salles Nunes Belfort, que 
tanto figurara nos primeiros acontecimentos que se se- 
gníram á adhesão da província á causa da independência. 

Inaugurado o partido da Liga Maranhense, prestou- 
Ihe o dr. João Pedro Dias Vieira seu appoio, e nas eleições 
de 1847 concorreu ás urnas como candidato á deputação 
geral ; mas a hora de sua entrada para o recinto dos re- 
presentantes da nação não havia soado ainda, sendo qui- 

1 NonL a 7 de novembro de 1846. 

Pautéiox-To». n. 7 



98 

• 

Dhoado na nossa assembléa provincial com uma cadeira 
que lhe foi mantída em mais de uma legislatura. Tomou- 
se n'ella mui notado por seus dotes oratórios e pela bran- 
dura de character, patrocinando com seu voto e influencia 
as requisições que lhe pareciam justificadas, embora par- 
tissem de adversários. 

Chamado depois como primeiro supplente do juizo mu- 
nicipal da comarca da capital, que vagara, exerceu^ esse 
lugar interino com muita probidade e acerto. 



III 



Administrava a província do Maranhão pelos annos de 
1851 a 1855 o dr. Eduardo Olympio Machado, antigo 
collega e amigo do dr. João Pedro Dias Vieira desde a 
Academia de San' Paulo. Com a estada d'este na mesma 
cidade estreitaram-se esses laços, depositando elle ao 
mesmo tempo no amigo tanta confiança que sem embargo 
de seu grande engenho e vastos conhecimentos, entregou- 
se o dr. Olympio Machado á sua direcção e experiência 
no que respeitava a negócios politícos, reservando para 
si o entender e decidir dos que corriam pelos outros ra- 
mos administrativos, em especial pelos d'instrucção e 
obras públicas, nos quaes iniciou alguns melhoramentos 
de reconhecida utilidade. 

Foi o dr. João Pedro Dias Vieira nomeado a 8 de julho 

1 27 de julho de Í8I7. 



99 

de 1852 procurador fiscal do thesouro provincial do Ma- 
ranhão, servindo também de delegado de polícia da capi- 
tal no seguinte anno. Do cargo de procurador fiscal pas- 
sou em 1854 a director geral das terras públicas, que 
exercia accumulativamente com o de professor de pbilo- 
sophia, rhetorica e geographia do seminário episcopal S 
só deixando o magistério quando entrou para o senado. 

Hedeava pouco tempo depois do faiiecimento do dr. 
Eduardo Olympio Machado, quando chegou ao dr. João 
Pedro Dias Vieira a nomeação de presidente da provín- 
cia do Amazonas '. Para estreia administrativa não lhe po- 
dia ser confiada província em peiores circumstancias; se 
por um lado abi estava tudo por crear, carecia ella por 
outro de recursos para isso. Depois de dois annos de in- 
fimctiferas tentativas e de reiteradas reclamações ao go- 
verno central, desistiu da empreza e teve por melhor pedir 
a exoneração doesse cargo, que foi-lhe concedida a 4 de 
janeiro de 1857. Recolhendo-se ao Maranhão, obteve abi 
a nomeação de fiscal do Banco Gommercial, por parte do 
governo. 

Os suffragios de seus comprovincianos vieram então 
honral-o com o diploma de nosso representante na legis- 
latura de 1857-Í860, sendo reeleito na seguinte, e em 
abril de 1861 foi incluido seu nome na lista tríplice para 
senador por sua província natal, e elle o preferido na es- 
colha imperial. A 13 de maio tomava assento na camará 
vítalicia. 

* Noni. em i.'* de abril de 1854. 
2 Nom. a 9 de outubro de 4855. 



L 



100 



IV 



Assumindo a 19 de abril de {858 o exercício interíiio 
do governo do Maranhão, ria qualidade de seu vice-pre- 
sidente, por seis mezes, e em 1863 apenas por oito dias S 
mostrou de amb^ as vezes o quanto se desvellava pelo 
engrandecimento da província e que seu espirito dado á 
lenidade sabia amortecer as paixões politicas, quando 
importava fazel-o. Administrou as rendas provinciaes com 
bastante economia sem desattender comtudo ás necessi- 
dades da província, já creando recursos, já desenvolvendo 
com empenho e fervor as instituições que promettiam 
bons resultados. 

Considerando a navegação a vapor pelos nossos rios 
como principal alavanca que podia levantar o commércio 
e a lavoura da província, que deQnhavam a olhos vistos, 
entre outras causas, por escassez de meios de conununi- 
cação seguros, rápidos e regulares, não houve favores 
compatíveis com o seu cargo que não liberalisasse á com- 
panhia de navegação a vapores, havia pouco creada na 
província, alvitrando á sua intelllgente e activa directo- 
ria o estender suas >iagens aos portos do Ceará e Pará, 
e obtendo do governo central, por sua influencia e sol- 
licitude, um contracto vantajoso, que subvencionava e 
garantia a essa linha privilegio por alguns annos. Veiu 
elle fortalecer d'esta sorte os créditos e ampliar a acção 

1 De 5 a 13 de junho de 1863. 



iOi 

e recursos d'essa empreza. Também sua desvelada e 
probídosa directoria de reconhecida deu a um de seus 
barcos a vapor, que singra nossos rios, o nome de Dias 
Vieira, commemorando assim os bons serviços feitos por 
aquelle digno Olho do Maranhão a essa nascente empreza. 

Em 1859 foi elle nomeado presidente da provinda do 
Pará; mas recusou essa honrosa commissão por assim 
lh'o aconselharem seus interesses particulares» que cor- 
riam á revelia e a que não pôde, comtudo, attender, dis- 
trahido d'abi a pouco por funcções públicas mais trans- 
cendentes. 

A vice-presidencia do Maranhão não foi mais que um 
tirocínio passageiro para quem estava destinado a mais 
elevadas funcções. Na formação do gabinete de 15 de ja- 
neiro de 1864, de que foi organisador o ex.°^ snr. con- 
selheiro Zacharias de Góes e Yasconcellos, occupou o 
conselheiro Dias Vieira a pasta da marinha, passando a 
15 de março para a d'estrangeiros. Seguindo-se a este 
o ministério de 31 de agosto, continuou a occupar esta, 
tomando também temporariamente conta da de agricul- 
tura. A 3 de outubro desapressou-se d'esta pasta, fi- 
cando só com a d'estrangeiros, onde tinha trabalhos de 
sd[H*a. 

Foi durante esse ministério tão atarefado que elle de- 
senvolveu todos os seus recursos intellectuaes, sendo os 
actos mais louváveis que practicou, os avisos expedidos 
para obviar os embaraços que emergiam a cada momento 
da convenção consular feita pelo marquez d' Abrantes, 
obtundindo de algum modo os erros mais graves d*esse 



i02 

contraclo em qao fomos mui lesados; a nota digna e enér- 
gica que dirigiu ao governo dos Estados-Uunidos por oc- 
casião do desagradável conílicto do vapor Wassuchetts 
que aprisionou nas aguas da Bahia o Florida, pertencente 
aos rebeldes do sul, e muitos dos negócios diplomáticos 
do Rio da Prata que foram resolvidos por sua única ini- 
ciativa. Não lhe impedia a guerra do Paraguay, que 
preoccupava e prendia a attençao e reclamava os esforços 
de todos os membros do gabinete, que se dedicasse com 
assiduo zelo aos negócios que corriam por sua secretaria. 

Gomo parlamentar, como administrador, como politico 
e estadista soube até ahi conservar extreme de toda a pe- 
cha e respeitado o seu nome ; mas com a queda da poli- 
tica, a que adberíra e servira como ministro, e com as 
instantes necessidades da familia, senliu-se desfallecer. 
Yendo-se sem meios para poder accudir a ellas, dar 
conveniente educação aos filhos e manter-se na socieda- 
de com aquella decência que sua elevada posição reque- 
ria, faltou-lhe a fortaleza e resignação precisas para desa- 
fiar a adversidade e esforçar-se por vencel-a. Seu espirito 
abatteu-se, resvallou, e o membro do gabinete de 31 de 
agosto acceitou do que lhe succedeu o lugar de membro 
effectivo ^ do conselho naval, sendo pelo mesmo também 
encarregado de examinar os estabelecimentos de mari- 
nha do Maranhão e Pará, cuja conunissão desempenhou 
em novembro do mesmo anno (1868). 

Ha na vida do homem d'esses desfallecimenlos, d'esses 



1 1 



Noiu. a Í3 de julho de 18(>8. 



i03 

eclipses que não explico, como também nâo justifico, 
nem attenuo, mas deploro profundamente. Faltou-lhe por 
ventura coragem para arrostar a adversa fortuna, e allu- 
cinado pelo excessivo amor da família que nos enerva e 
desvaira muitas vezes, perfigurando-se-nos a miséria, im- 
petuosa corrente que nos envolve, arrebata e sepulta nas 
profundezas do seu abysmo, preferiu-lhe o suicídio mo- 
ral! Erro de apreciação ou allucinaçSo desculpável, cha- 
me-D'o embora os complacentes. Acerca d'este passo do 
conselheiro João Pedro Dias Vieira, que foi tão dura- 
mente censurado por alguns jomaes liberaes, lé-se no 
relatório do ministro da marinha, o ex.*"^ snr. visconde 
de Cotegipe, apresentado ao corpo legislativo em 1869: 
cPara o conselho naval foi nomeado o conselheiro João 
Pedro Dias Vieira que partiu logo depois para o Mara- 
nhão e Pará, incumbido de inspeccionar os estabeleci- 
mentos de marinha n'aquellas provindas, e acaba de re- 
gressar, tendo concluído aquella missão . . . (pag. 4). 

Na pagina 29 diz ainda, sob a rubrica Arsenal do Por 
rá: — iO Ex.*^ Snr. Senador João Pedro Dias Vieira, co- 
mo membro do conselho naval, acaba de examinar, como 
já vos disse, esse estabelecimento ; mas tendo regressado 
ha poucos dias, ainda não apresentou o relatório de seus 
estudos e observações, que servirão de base ás medidas 
que o governo tenha de adoptar. > 

O ex.™* snr. visconde do Rio Branco, que foi demit- 
tido pelo conselheiro João Pedro Dias Vieira em razão do 
convénio de 20 de fevereiro de 1865, e com quem teve de 
medir-se nas discussões calorosas provocadas no Senado 



Í04 

por esse motivo, justificou de algum modo seu procedi- 
mento, respondendo na sessão de 30 de janeiro de 1873 a 
uns reparos que o ex."** snr. senador Pompeu de Sousa 
Brasil fizera em allusão á entrada do ex.°*^ snr. visconde 
de Caravelas para o gabinete, de que ainda é presidente 
o referido snr. visconde do Rio Branco. 

De volta de sua conunissSo áquellas províncias do 
norte, não logrou mais saúde. Sentia de tempos vehe- 
mentes symptomas de cancro roedor na parte inferior do 
tronco, e que desde então foram tomando incremento de 
dia para dia; mas nem por isso deixava de trabalhar» em- 
bora não podesse escrever senão de pé e curtindo atrozes 
dores. Raras vezes comparecia ao Senado, e também não 
ia ao conselho naval, munindo-se dos documentos e mais 
papeis sobre que tinha de dar parecer ou dos que lhe ha- 
viam de servir para organisar relatórios K 

Contava apenas cincoenta annos de edade quando no 
dia 30 de outubro de 1870 deixou de padecer, ficando- 
Ihe viuva e três filhos para o lastimarem e honrarem suas 
cinzas. 

Sabendo o governo imperial que a família do conse- 
lheiro João Pedro Dias Vieira podia cahir na miséria se 
a não accudisse, concedeu á viuva uma pensão annual de 
l:200í5IOOO réis: «em attenção aos relevantes serviços, 
como reza o decreto, prestados ao Estado pelo conselheiro 
João Pedro Dias Vieira». 

O senador João Pedro Dias Vieira, modesto no seu vi- 

* Achou-se entre seus papeis e por concluir o relatório de sua 
comniissão ao Maranhão e Pará. 



i05 



ver, era incapaz de rebaixar-se em busca de grandezas; 
sendo que o titulo honorário de conselheiro, as mercês 
de ofiScíal da Imperial Ordem da Rosa e gran-cruz da Or- 
dem Ernestina da Casa Ducal de Saxe, vieram-lbe dos 
cargos que exerceu, e a cadeira do Senado do sufiragio 
de seus concidadãos e escolha do Monarcha Brasileiro. 



X 



o Db. wh GiES 





Soo csprít s'éIeTait aox décoovertes les pias sublimes de 
la science, et t'abaissail sans peioe aox formules banales et 
stereolypées. . . 

Liv. ies orateurs, par TiMON-CoRinNOf, 
tom. I, paf. 154. 



Quem se dirigisse no dia 15 de fevereiro de 1829 ao 
sítio da Conceição, á margem esquerda do caudaloso e 
sombrio Itapecurú, descobriria pelo ar festivo que ia na 
vistosa e elegante vivenda campestre do major Ignacio José 
de Sousa, pelo alvoroto e alegria debuxados no rosto 
franco d'esse hospitaleiro agricultor, que havia occorrído 
ahi novidade para contentamento geral da familia. E as- 
sim era, que sua esposa a ex."^ sr/ D. Antónia de Brito 
Gomes de Sousa havia dado á luz n*esse dia um menino 
a quem os pães deram na pia baptismal o nome de Joa- 
quim em attenção a seu tio, o conselheiro Joaquim Vieira 
da Silva e Sousa. 

Foi elle medrando em formosura e graça, e ninguém 
que o visse no terreiro da fazenda da Conceição e admi- 
rasse seu rosto expressivo, faces mimosas, rosadas e tão 
redondas, seus olhos vivos e buliçosos, e cabellos lou- 



HO 

• 

ros e anDellados que molduravam aquella bella cabeça, 
como as dos cherubiDS e cupidos de Ticiauo ou Murillo, 
não poderia calcular que dentro em poucos anuos se- 
ria desmudado aquelle travesso meoíno no severo e re- 
flectido pensador todo preoccupado das theorias de New- 
ton e de Laplace, e em resolver altos problemas psy- 
chologicos e physicos. 

Frequentava por esse tempo a casa do major Ignacio 
José, na cidade de SanXuiz, o sr. dr. Domingos J. 6. de 
Magalhães (barão de Araguaya), secretario do governo da 
província, e era o seu maior prazer contemplar esse ga- 
lante e vivo menino de doze annos a brincar com os com- 
panheiros, ou tomal-o sobre os joelhos e entreter-se com 
elle. Pasmava de suas tão acertadas respostas e refle- 
xões, que não eram de creança. Antevendo o poeta n'eUe 
um génio, não cessava de aconselhar á família de Gomes 
de Sousa para que applicasse aquelle portento a esta- 
dos sérios ; e suas reconunendaçoes calaram tanto no es- 
pirito dos pães, que em 1841 o mandaram para Pernam- 
buco com seu irmão mais velho, José Gomes de Sousa, 
que cursava as aulas de direito na academia de Olinda» 
carreira a que também destinavam o menino Joaquim. 
Applicava-se este ao estudo dos rudimentos de humani- 
dades quando em março de 1842 falleceu-lhe o irmão. 

Tornou então para o seio da família que já se achava 
residindo de todo na capital. Tinham seus pães mudado 
de resolução e tomado o accôrdo de fazer d'elle um mi- 
litar. Não era comtudo essa a vocação que denunciava 
em seus brincos e jogos de creanÇa. Não havia para elle 



Dada qae o deleitasse tanto como um baptisado de bone- 
cas 00 mna procissão em que enfileirava todos os seus 
companheiros de folguedo : era elle o sacerdote e re- 
vestia-se então de certo ar de gravidade, e não terminava 
a festa sem que trepasse a uma cadeira, e papeasse um 
arremedo de sermão. 

Poucos eram os preparatórios exigidos por esse tem- 
po para a matrícula na escbola militar^ de sorte que par- 
tiu para o Rio de Janeiro em 1843, e n'esse mesmo anno 
assentou praça de cadete no 1.^ batalbão de artilberia e 
começou a frequentar essa academia. 

Não era, porém, compleição tão delicada própria para 
os exercícios das armas. Sentia-se constrangido na farda, 
pezava-lbe a espingarda, e as mathematicas elementares 
eram demasiado áridas para a imaginação ardente de 
quem estava na alvorada de risonba primavera, em breve 
(roctifero estio. Desgostoso da carreira, para a qual não 
conhecia em si aptidão, escreveu aos pães sollicitando 
com instancia permissão para deixal-a. Agastaram-se 
estes a principio com uma tal resolução, que tiveram 
por leveza de cabeça e esquivança ao trabalho e atten- 
çSo que exigem as mathematicas, e suspeitando em tudo 
isso escapatório á mandiiice e ás distracções consentâneas 
com a edade, assentaram em o mandar recolher á pro- 
víncia. Demoveu-os, porém, d'essa resolução o seu pa- 
rente Thiago José Salgado pela muita aifeição que con- 
sagrava ao menino, e assim conseguiu d'elles consentis- 
sem que cursasse a academia de medicina, visto como 
eram esses seus desejos. 



Feitos seus exames de primeiro anDO de mathemati- 
cas, em que foi approvado plenameute, dedicou-se com 
fervor ao latim, de que já tinha algumas tinturas, e á 
pbilosophia racional, e em março de 1844, tendo pres- 
tado exame dessas matérias, matriculou-se na faculdade 
de medicina do Rio de Janeiro. 

II 

Operou-se desde esse momento no espirito do mancebo 
e na sua intelligencia uma completa metamorphose. 
Rompeu-se a chrysalide que envolvia e detinha aquella 
brilhante borboleta para quem se abriram os espaços, 
onde não havia para elle nada de deffeso e occulto, que 
nao devassasse, e flor que não libasse. 

Os segredos da natureza encerrados no estame da flor, 
na semente, na germinação, na fructificação, em toda a 
physiología vegetal em summa, a classificação dos seres 
orgânicos mais superiores, as leis da physica experimen- 
tal, a mechanica, o calórico, a electricidade, a óptica e a 
acústica, o estudo da botânica, da anthropologia e as theo- 
rias das forças naturaes deliciavam-no e occupavam-lhe 
tanto a attenção que se não contentava unicamente com 
estudar as lições explicadas pelos professores, e ia com 
sofreguidão lendo para diante, de modo que em um mez 
já tinha estudado os Elementos de botânica de Richard, 
e os de zoologia de Milne Edwards, e depois passou-se 
aos de Pouillet, e entregou-se todo á physica, matéria 
de sua particular predilecção. 



H3 

Foi esse estudo que lhe fez conhecer a apphcação prá- 
ctica das malhematicas e a necessidade de as aprofun- 
dar para bem comprehender muitas das theorias, prin- 
cipalmente, as de mecbanica. N'esse intuito começou a 
estudar comsigo mesmo as mais complicadas operações 
de álgebra, e d9o encontrando n'ellas dífficuldade, quiz 
proseguir em seus estudos. Muniu-se então de todos 
os compêndios do curso do segundo anno da academia 
militar. Estudados estes, e animado por tão inesperado 
resultado, entrou afoito pelo cálculo integral e differen- 
ciai, pela mechaníca de Francoeur, pela astronomia ; e 
assim, quasí insensivelmente e sem outro auxílio e guia 
que o de sua extraordinária intellígencia, dentro no seu 
gabinete, e ao concluir o seu terceiro anno medico, já 
sabia tudo quanto constituía o curso de engenheria ; 
sendo mais para notar que occupou sempre o primeiro 
lugar entre os mais distinctos estudantes da eschola de 
medicina, frequentada então por tantos talentos de pri- 
mor I 

Magico poder de intelligencia, favorecida por Deus 
com todas as forças e recursos que sóe prodigalisar a 
seus eleitos ! O que parecia a princípio abstruso e inin- 
telligível a Gomes de Sousa, tornou-se-lhe depois cla- 
ro, fácil e aprasivel recreio ! 

Tendo em 1847 feito com muita distincção acto do 
terceiro anno medico, em que alcançou, como nos ante- 
riores, a nota de optime cum laude, anima-se a requerer 
exame vago de todas as matérias do curso d'engenharia, 
cedendo ás suggestões de alguns collegas que o admira- 

pAiimoM— Tom. ii. 8 



ii4 

vam. Nisto também o animou o dr. Jardim, lente da 
Academia militar que era inquilino do mesmo prédio da ma 
da Misericórdia onde residia Gomes de Sousa, e a quem 
fora este apresentado causando-lhe pasmo a segurança e 
certeza das respostas d*esse mancebo, em cujo lábio su- 
perior começavam apenas a lourejar raros pellos t Sahíram- 
Ihe desde então com os seus impedimentos a inveja e 
a rotina ; mas a pei*sistencia do mancebo levou-os de ven- 
cida, triumpbando por fim de quantos obstáculos se Ibe 
antepuzeram. 

III 

O génio é já de si uma excepção. Querer pôr-lhe ba- 
lisas, erguer-lhe barreiras e comprímil-o, escravisandoK) 
ás regras communs, é umcontracenso, um desatino, e até 
mesmo um crime : é cortar-lhe as azas para que não voe, 
é cercear-lhe o que ha n'elle de mais para aferíl-o pela 
craveira dos talentos >'ulgares. 

Ao apresentar-se o requerimento do joven estudante 
á congregação dos lentes da Academia militar, foi rece- 
bido por todos com o sorriso mofador da incredulidade : 
irrítaram-se as mediocridades e tiveram como indicio de 
loucura o atrevimento do estudante de medicina que, 
sem ajuda de explicadores, sem cursar os bancos da 
faculdade, tinha a presumpção de saber mathematicas 
para sollicitar um impossivel, senão um verdadeiro dis- 
parate. Foi portanto desprezada sua petição, e o impro- 
peraram de chtirlatào e maniaco. 



Tinha Gomes de Sousa a fé inabalável dos Gallileus c 
(los Christovams Colombos, essa fé que incute no ho- 
mem a consciência do que vale; c assim nunca o abando- 
nou a esperança de que viria tempo em que se lhe faria 
justiça. Não desceu de seu intento antes perseverava n'elle; 
mas só» desprotegido, sem conhecer ninguém que lhe po- 
desse valer em taes apertos e em tamanho desamparo, 
não poderia vencer a opposição pertinaz dos lentes e do 
ministro da guerra, se lhe não apparecesse um anjo que 
lhe desse a mão e o accudisse com aquella dedicação - 
e solícita tenacidade que só á mulher é dado dispensar 
quando concebe um plano, apaixona-se por elle e esfor- 
çasse por effeitual-o. Para ella não ha estorvos que lhe 
entorpeçam os passos e contrarestem a marcha ; que não 
fazem D'ella morada a descrença e o egoismo para lhe 
paralysarem os generosos impulsos do coração, se é que 
as contrariedades não são antes estímulos que exaltam o 
eathosiasmo e incitam esta porção dji humanidade, tão 
débil no physico e ás vezes tão forte d^espirito I Não ha en- 
tão para ella afrouxar nem descançar na lucta, empregan- 
do meios que só ella descobre para destruir diíGculda- 
des — na brandura — sua lógica, na insistência— sua ar- 
ma, e na rogativa instante com que exora e insiste, com 
que contrasta a recusa, confunde e cansa a opposição até 
que, desarma e a subjuga, e a obriga de fatigada, a cedei*. 

Deparou Gomes de Sousa em tão desconsoladoras con- 
joDCturas com uma alma resoluta e compassiva que com- 
prehendeu de improviso, ou antes adivinhou o instin- 
cto de mulher o que havia de sublime n^aquelia creança. 



ii6 

Foi D. Maria Conslança Mai lias Brito, filha do barão do 
Passeio, de cujo patrocínio valeu-se um amigo de Gomes 
de Sousa, referíndo-lhe o occorrido na Academia militar. 
Mostrou-se-lhe ella não só interessada e compadecida do 
estudioso mancebo, como encarregou se do negócio, e 
para dar-lbe andamento affrontou todas as más vonta- 
des, superando as mais rebarbutivas reluctancias e des- 
truindo as dúvidas e objecções que oppunham a tao atre- 
vido e extranho commettimento. Depois do ter sua desin- 
teressada protectora tentado inúteis diligencias, recorreu 
ao expediente de fazel-o conhecido do senador Saturni- 
no, que gozava dos legítimos foros de profundo mathe- 
matico. Visitou-o Gomes de Sousa, e a conversação entre 
ambos foi detida e equivalente a um exame. Fez essa vi- 
sita tal impressão no illustre sábio, que declarou-se desde 
logo protector do estudante, e foi por sua intervenção 
e incessante empenho que obteve Gomes de Sousa licença 
para fazer exames do segundo e terceiro annos, sofiDrendo 
antes dos actos de ponto de cada matéria exames vagos 
sobre as do respectivo curso. 

Estes tropeços que a outros pareceriam dificuldades 
invencíveis, foram para Gomes de Sousa triumphos que 
deram mais relevo e brilho a seus conscienciosos estudos 
e vigorosíssimo talento, e demonstraram a solidez de seus 
conhecimentos na sciencia. A inveja mordeu ao dr. Jar- 
dim, aquelle mesmo que o tinha animado a requerer exa- 
mes, e nos do terceiro anno, a que presidiu, deitou-lhe 
um ri Bastou isso para que lhe caçassem a licença e fi- 
cassse elle Inhibido de continuar a prestal-os. 



J_17_ 

Aos obstáculos já existentes vieram accrescenlar-se es- 
tes qae pareciam insuperáveis ; mas Gomes de Sousa, com 
o €è pur si muovei^ a bradar-lhe dentro, não desistiu da 
empreza, nem foi essa injustiça cabal para arrefecer-lhe 
a disposição com que se applicava ás sciencias. Éramos 
por esse tempo companheiros de casa, na Travessa do 
Paço, e nunca lhe ouvi soltar uma queixa, nem desmaiar, 
antes concebia e realisava novos emprehendimenlos. 

Vi-o um dia entrar da rua com ar risonho e trium- 
pbante, sobraçando uns grossos volumes. 

— VSo a bom caminho as suas pretensões?, inqueri. 

— Não têem avançado um passo sequer, replicou-me 
elle. 

—Então porque mostra-se tão alegre? 

— É que pude afinal comprar a Mechanica Celeste de 
Laplace que ha tempos cubicava.- 

Quem, depois o observasse pela fresta da porta do seu 
quarto, d'essa verdadeira cella de cenobita, que elle só 
abria quando sahia para as aulas do quarto anno de me- 
dicina e para tomar parte nas refeições quotidianas, ha- 
via de ficar surpreso vendo-o defronte da sua meza de 
trabalho desde até mais de meia noite, para na antema- 
nhã voltar a ella; que quatro horas de somno era o único 
repouso que dava ao corpo, passando o mais tempo sobre 
o livro aberto, sem fazer outros movimentos que os dos 
braços a perpassarem paginas e fazerem cálculos. Nenhum 
avarento por mais requintado guardaria tanto o seu oiro 
como Gomes de Sousa zelava seu tempo. Logo que acor- 
dava, fosse de verão ou inverno, vestia-se como para sahir, 



118 



O que só fazia para as aulas e isso mesmo quando a hora 
da entrada d*ellas ia expirar e terminadas que eram tor- 
nava-se ao seu cubiculo e ao estudo. Quando, depois de 
jantar, demorava-se um pouco a conversar comnosco so- 
bre história ou litteratura franceza do século de Luiz XV, 
sendo que era muito lido em Voltaire, Racine, Comeille, 
Rousseau, Boileau e Molière, de cujas vidas tinha sempre 
um repertório de anedoctas, já sabíamos que estava sof- 
frendo do estômago e procurava na conversação um meio 
hygienico. 

Sua intelligenciaera de quilate tal, que não havia para 
elle escuridades : um dia perguntei-lhe se tinha encontrado 
em Laplace muitos pontos que lhe custasse penetrar, ao 
que respondeu-me com a maior singeleza e como quem 
se admirava da pergunta : — não sei se os encontrarei para 
o deante; pois já vou na metade e até ahi não os ha. 
Note-se que lia esse author como qualquer um estuda 
história ou obra lilteraria d'egual planai 

Não perdendo Gomes de Sousa o ânimo, nem afrou- 
xando sua corajosa e dedicada protectora do seu em- 
penho, não deixou ella a porta da casa do senador Sa- 
turnino, e este já cançado de importunar o ministro da 
guerra, lembrou-se de communicar o facto a seus colle- 
gas, o senador Cândido Baptista d'01iveira, e conselheiro 
Bellegarde, mathematicos como elle, pedindo-Ihes que o 
ajudassem a alcançar deferimento ás pretensões de Go- 
mes de Sousa. Recusaram-se no primeiro momento a fa- 
vorecer um rapaz de desesete annos, que tinha fumaças 
de mathematico ! 



119 



Depois de muito instados, cederam por Sm ao desejo 
do pobre moço que já o redusia a uma entrevista com 
elles. Nos primeiros intróitos da conversação, tomou-o 
o senador Cândido Baptista por um d'esses desgraçados, 
cuja imaginação exaltada vae sendo dominada por uma 
idéa fixa ; mas n'essa espécie de exame a que procedeu 
cada um por sua vez, foi Gomes de Sousa entrando por 
todos os dominios da sciencia como por casa muito sua 
conhecida» que não tinha esconderijos que não houvesse 
devassado, discursando tão natural e despretenciosamen- 
te, com tanta segurança e seguimento, que o illustrado 
conselheiro foi de admiração em admiração, terminando 
por abraçal-o. Desde então elle e os mais não só consti* 
toiram-se seus protectores como tornaram-se sinceros e 
ardentes admiradores e pregoeiros d'esse génio precoce 
e que se lhes revelara um sábio. 

Assim que Joaquim Gomes de Sousa se retirou da casa 
do senador Cândido Baptista, foi este ter com seu velho 
GoUega e disse-Ihe, possuído do mais vivo enthusiasmo : — 
«Acabo de conversar com o seu recommendado que é 
creança no rosto e homem encanecido e grande mestre no 
que expoz e no muito que já sabe. Estou envergonhado 
de mim; pois tive de aprender com elle as novidades 
da sciencia moderna l> 

Ante patronos da ordem d'estes desappareceram as 
opposições e obtundiram-se as difiQculdades, e d'ahi a 
pouco obteve Gomes de Souza licença para fazer acto 
das matérias que lhe faltavam para completar o curso e 
tomar o grau de doutor. Logo no primeiro exame fez 



tanta sensação o triumpho que n'elle obteve, que S. M. o 
Imperador não quiz perder mais nenhum de seus actos, 
concorrendo assim com a sua augusta presença para abri- 
)hantal-os. 

Assisti á maior parte d'essas brilhantes, e memoráveis 
victorias. Que espectáculos peregrinos e fascinadores não 
eram elles i Achava-se ali, defronte de seus juízes, res- 
peitáveis e cujas cabeças prateadas pelas neves dos an- 
nos delatavam o muito estudo e a longa experiência no 
exercicio de ensinar, estava sentado esse moço de aspecto 
quasi infantil, com o rosto ainda liso e despido de bar- 
ba, de porte acima de mediano, delgado de formas» com 
olhos vivos e expressivos, fronte larga e protuberante, 
proeminando ainda mais no angulo externo dos coronaes, 
onde distinguiam-se bem visiveis as bossas apontadas 
por Gall e Spurtzhein como sede das faculdades das 
sciencias exactas. No meio de grande e escolhido audi- 
tório, attento e silente, ouvia-se a voz do examinando, 
postoque fraca, segura e clara, e elle sem deter-se, sem 
tropeçar, respondendo a todas as perguntas e a desman- 
char-se em theorias, a desenvolvel-as, a resolver pro- 
blemas, e isto em dias consecutivos e sem descançar ! 
Fazia boje o exame de ponto e no seguinte dia o vago, 
porém não superficial ; que os examinadores esforçavam- 
se por conhecer até onde chegavam os conhecimentos 
mathematicos do imperterrito mancebo, e se não davam 
por satisfeitos que de pura fadiga. Foi elle assim co- 
lhendo os louros e tropheus de tão estranho commetit- 
mento até que a 10 de junho de 1848 tomou o grau de 



bacharel em scíencias mathematicas e physicas, e a 1 4 de 
oatabro deffendeu theses e foi graduado doutor de borla 
e capello. 

Essa tbese foi mais um brilhante testemunho de que 
seus estudos iam muito alem das matérias exigidas para 
o curso da Academia militar, e que tinha também pres- 
cmtado as maravilhas modernas consignadas nas mais 
afamadas obras de mathematica, para assim fundamentar 
suas opiniões nas de authores notabilissimos. 

Tendo vagado pouco depois uma cadeira de lente sub- 
stituto n'essa Academia, oppoz-se a ella com os drs. Gal- 
vão e Escaragnolle e foi com toda a justiça provido n'eUa. 
Deve-$e aqui consignar como facta raro, senão espúrio, 
o de ter alcançado aos dezenove annos de edade uma 
cadeira de lente n'essa corporação sdentifica e de par 
com aquelles que outr'ora o repelliam e zombavam de 
suas, para elles, loucas aspirações, o estudante sabido 
apenas da puerícia e que então frequentava seu quarto 
amio de curso medico i 



IV 



A superabundância de vida intellectual, o tão atufado 
trabalho e tão fora do commum arruinou-Ihe a saúde, co- 
mo era de prever. Chegando aos ouvidos de seus pães 
adulterada e augmentada a notícia de seus padecimentos 
assustaram-se estes e receiando por tão preciosos dias, 
mandaram decretadamente um dos outros filhos, para re- 
solvel-o a dar um passeio ao Maranhão, e servir-lhe, na via- 



gem de enfermeiro. Estávamos em ferias nos fins de 1848, 
e por isso d3o poz diíficuldade em ir matar saudades da fa- 
milia, de quem se separara desde 1843, e lá se foi aspirar 
nas margens do líapecurú aquelles perfumes que traz-nos 
das florestas virgens a temperada e suavíssima viração 
da tarde. 

Demorou-se na Conceição, até julho de 1849, porém 
não em completo ócio ; se descançou n'esses seis mezes 
de manusear obras scientiflcas foi para entregar-se ao 
estudo das línguas aleman e italiana de que jà levava leves 
noções, ao de economia politica e ao de direito constitu- 
cional, e para compulsar com toda a individuação, como 
costumava, a philosophia transcendental, lendo de novo 
e mais de espaço, Kant, Hegel, Fitch, Krause, no original 
allemão, e Keid, Hume, e Tiberghien, e assim passava 
com tanto proveito o tempo que para outros seria de 
folga e recreações. 

Tomando-se ao Rio de Janeiro, entrou no exercicio do 
magistério com aquella pontualidade e zelo que sempre 
mostrou no desempenho de suas obrigações. De par com 
os trabalhos do cargo, continuou também a encelleirar 
conhecimentos scientiQcos colhidos com diligencia no 
campo das mathematicas puras, das sciencias naturaes e 
sociaes; e nos intervallos em que dava pausa ás profun- 
das contemplações scientificas, empregava-os no estudo 
das linguas vivas e mortas a que se applicava com egual 
fervor, conhecendo e apreciando tudo quanto de mais 
notável ha nas litteraturas franceza, italiana, alleman e in- 
gleza, tanto clássicas como modernas. 



> ji 



123 

Tinha om melhodo seu para aprender línguas. Tomava 
ahi meia dúzia de lições até conhecer o mechanismo 
da pronúncia, e depois estudava comsigo mesmo os ver- 
bos, números, géneros e pronomes e passava-se logo a 
traduzir uma obra em prosa, porém das mais difficeis e 
d'ahi a pouco estava de volta com os poetas. Presenciei 
isto com o italiano, cujo primeiro livro, que estudou, foi 
o Promessi Spozi de Manzoni, passando d'este para a Ot- 
vina Comedia de Dante. Dizia que começar pelo mais dif- 
flcultoso è trabalho insano; mas o êxito seguro e com* 
pleto, tomando-se d*ahi em diante tudo mais claro e fá- 
cil. 

N'esse anno deu elle á publicidade no Guanabara, de 
que eram redactores Gonçalves Dias, e os srs. dr. J. M. 
Macedo e Portalegre, os fragmentos de uma obra sobre 
cálculo integral que estava escrevendo. Gensurou-os o 
dr. Joaquim José de Oliveira, lente também da Academia 
militar, e d'ahi contenderam ambos pela imprensa, sa- 
hindo vencedor Gomes de Sousa que, refutando ponto 
por ponto seu adversário, teve mais uma occasião de 
manifestar seu vasto saber e quanto era lido nas boas 
lettras ; porque citando o seu adversário um trecho de 
Ariosto, como remoque, acudiu Gomes de Sousa com um 
chuveiro de citações do mesmo author, e depois de ou- 
tros, todos apropriados e que eram acertados epigram- 
nias, que foram cobrir de ridículo o dr. Oliveira. 

Em 1852 foi elle nomeado membro da commissSo di- 
rectora da construcçSo e do regimen interno da Casa da 
Correcção da corte, cargo que occupou na qualidade de 



seu secretario, até 1863, e em que prestou emiDentes ser- 
viços. Examinou com aquelia apurada paciência e espi- 
rito esclarecido e atiladissimo tudo quanto havia de mais 
moderno e de melhor acerca dos systemas penitenciá- 
rios, propondo o que lhe parecia mais em harmonia ás 
condições do nosso paiz, e os meios que eram mais 
consentâneos aos fins da instituição para que de taes medi- 
das se podesse tirar proveito. O ex."° sr. conselheiro mar- 
quez d'Ababeté, presidente d'essa commissSo, tomou-se 
por isso um dos maiores admiradores de Gomes de 
Sousa, e pregoeiro do fervor e consciência com que 
trabalhava e das boas idéas que alvitrava. 

N3o se mostrava o joven mathematico saciado com o 
que já sabia ; antes sedento, procurava alargar os horí- 
sontes no tracto e convívio dos sábios da Europa, na vi- 
sita aos estabelecimentos scientiflcos de França e de In- 
glaterra, aproveitando ao mesmo tempo sua estada n'es- 
sas grandes capitães para apresentar ás academias de 
sciencias algumas memórias que já tinha escripto. Foi 
com esse desígnio que partiu em 1854 do Rio de Janeiro 
para a Europa. 

De muito que já o preocupavam essas idéas e mesmo 
de longe antegostava o ineffavel deleite de investigar as 
sciencias nos seus mais puros e abundantes mananciaes. 

Não o ajudava no Rio de Janeiro o clima desigual, e não 
raro cedia á fadiga que lhe produziam o calor e a trans- 
piração, e ainda com vontade de trabalhar via-se obri- 
gado a repousar. 

Chegado a França no outomno, não só deu-se todo a 



seas estados e desquisições, como procurava relacio- 
Dar-se com os sábios mais célebre e cujo tracto lhe 
podia ser profícuo, e em especial com o famigerado ma- 
thematico fraucez, M. Crouchy, que da sua parte muito 
o estimava, mostraodo-se admirado dos variados conhe- 
cimentos que patenteava o joven brasileiro. 

Ajudado do clima, não só dedlcou-se com incrível en- 
thusiasmo ás sciencias de sua predilecção, aprofundan- 
do-as ainda mais, como adiantou seus trabalhos sobre 
mathematica e concluiu as memórias acerca das sciencias 
naturaes que esboçara no Rio de Janeiro. Foram estas . 
depois lidas por elle na academia real das sciencias de 
Londres com muito applauso de seus doutos membros, 
que prodígalisaram louvores aos seus escríptos, sobre- 
tudo aos que versavam sobre uma nova theoria do som 
6 mathematicas puras. O jornal scientifico que tinha por 
obrigação dar conta das sessões d'essa sábia corporação, 
blloa em termos mui lisongeiros d^esses trabalhos do 
dr. Gomes de Sousa. O sr. dr. Galvão, admirador, como 
todos os homens superiores que acatavam e estimavam 
o génio incarnado n*esse mancebo, tractou logo de vul- 
garísar tão boa nova, e referindo no Diário do Rio, do 
mez de janeiro de 1855, tão feliz quanto extraordinário 
successo, transcreve esse artigo, acompanha ndo-o de um 
elogio aos incontestáveis méritos do nosso sábio com- 
provinciano. Depois de ter o dr. Gomes de Sousa exa- 
minado todos os estabelecimentos scientificos de França 
e de Inglaterra, e com mais particular attenção os obser- 
vatórios astronómicos, de cujo estudo e inspecção fora 






116 

encarregado pelo governo, passou-se á Allemanha. Ahi 
encontrou o nosso poeta, e seu comprovincíano» António 
Gonçalves Dias, que estava residindo em Dresde. Assen- 
tou elle por isso deter-se n'essa cidade, onde tinha com- 
panheiro e prestadio conselheiro tão de molde para po- 
der realisar qualquer empreza iitteraria, e assim tractou 
de colleccionar os materiaes para a sua Anthologie uni- 
verselle, que só veiu a publicar em 1859 ^ 

É uma aprimorada selecção dos mais celebrados tre- 
chos das poesias lyricas e pequenos fragmentos de poe- 
mas épicos de todos os povos cultos, nas suas próprias 
iinguas. Dá esse livro a medida do depurado gosto Jitte- 
rario de Gomes de Sousa, como da vasta leitura que ti- 
nha e do muito que sabia das lettras dos differentes po- 
vos : é um copioso ramalhete das mais fragrantes e ma- 
tizadas flores do espirito humano. Precede-a um prologo 
em francez, lingua que manejava com summa facilidade 
e com toda a elegância e correcção clássica, e em que 
também tinha escripto suas memorias e outros trabalhos 
scienliflcos. 

Estava ainda na Allemanha, quando chegou-lhe noticia 
de ter sido eleito deputado, e por isso foi para Londres 
onde effectuou seu casamento, encarando acto tão sole- 
mne da vida só pelo lado physiologico e moral. Casou, 
não urgido pela paixão, mas depois de madura reflexão 

1 Tem essa obra o seguinte frontespicio : Anthologie universelle, 
choix des meilleurs poèsies lyriqties de diverses nations dans les lan- 
gues originalea par Joaquim Gomes de Sousa. — Leipzig — F. A. 
Brocklihiis, 1859. Yol. em 8.°, typo compacto, de 944 paginas. 



127 

e aconsdbado pela razão. Da raça dos Newtons, se n3o 
era virgem como o mathematico inglez, quiçá por ter 
Dascido DO clima abrasador dos trópicos, as faculdades 
mentaes absorviam e dislrabiam-lhe as sensuaes a ponto 
de nSo as procurar satisfazer senão quando as funcções 
do ergam imperiosamente Ib'o reclamavam, e ainda assim 
empregava n'isso todo o comedimento e recato que a 
moralidade innata n'elle, Ih'o impunha. A família ingleza 
protestante» e tendo por cheíTe um sacerdote — era para 
elle o ideal da vida domestica, da paz e affectuosidade 
dólar. 

Durante sua curta residência em Inglaterra travara 
rdacões com a família do rev. Hamber, pastor anglicano, 
cuja filha de 18 annos, miss. Rosa Edith, reunia as con- 
dições que elle imaginava em uma esposa, deparando-se- 
Ibe^ de mais a mais, n'essa casa muitas das scenas retra- 
çadas por Goldsmith no Vigário de Wakefield. 

Obtido o consentimento dos pães da joven ingleza 
para o enlace, recebeu-a d'ahí a oito dias, deixando-a em 
companhia d'elles, em quanto ia ao Rio de Janeiro to- 
mar assento na assembléa geral legislativa. 

Ao tocar em Lisboa o paquete inglez em que vinham 
elle e o snr. dr. Paulino José Soares de Sousa, filho do 
visconde de Uruguay, não quizeram deixar de render 
homenagem ao nosso litterato João Francisco Lisboa. 
Procuraram-n'o ambos por diversas vezes n'esse dia 
até que por fim o poderam encontrar á noite. A impres- 
so que causou esse grande vulto no espirito illustrado 
e perspicaz do nosso insigne litterato acha-se consignada 



i28 

nos seguintes trechos de uma carta que me escreveu em 
12 de março de 1857, dia immediato ao d*essa visita: 

« Faltemos agora do dr. Gomes de Sousa, que vale 
bem a pena. Chegou elle aqui sem eu o saber, e procu- 
rou-me umas. poucas de vezes tanto em minha casa, co- 
mo nos archivos, até que ás 7 horas da noite nos encon- 
trámos, e estivemos junctos até perto das li, fazendo 
elle quasi exclusivamente as despezas da conversação. 
Bem que o seu principal fim fosse saber notícias da sua 
eleição, segundo me disse, e se mostrasse vivamente con- 
trariado com a que lhe dei das nullidades que a affecta- 
vam, pareceu-me pouco mais que medíocre a atlenção 
que prestou a essa matéria, e o mais do tempo levou 
elle a expôr-me as suas idéas e systemas. 

a Como nas discussões que ahi houve por causa de 
candidaturas, se oppozesse v. á d'elle na Conciltaçáo, 
allegando que não havia para que ir perturbar as medi- 
tações e cálculos de malhematica, que estaria desloucado 
no parlamento, etc, etc, digo-lhe pois que enganou-se 
redondamente. É certo que o dr. Gomes de Sousa conti- 
nuou a applicar-se ás mathematicas e á physica, e apre- 
sentou ao Instituto de França algumas memorias scienti- 
ficas que foram acolhidas com muito favor, constando-me 
aqui que de alguns dos seus melhodos e descobertas se 
estão servindo os sábios com muito proveito, mas applí- 
cou-se com maior fervor ainda aos estudos da pbiloso- 
phia, história, economia politica e das sciencias sociaes 
em geral, não menos que aos da Utteratura propriamente 
dita. Fallou-me em tudo com methodo, amplidão, força 



e convicção inabalável, mostrando uma razão superior, e 
universalidade de conhecimentos, era promplo na re- 
plica ás objecções não menos que em corrigir alguma in- 
exactidão nas idéas ou na expressão. A elocução é fácil, 
Ouente, expontânea e ínexgotavel, a sua physionomía 
tem certa graça insinuante, e se não se anima, como se 
devia animar muito em uma conversação particular, tam- 
bém não se altera, nem se desconcerta. É de crer que 
nas assembléas e em público debate, o fogo da inspira- 
ção lhe inflamme e dé intonações oratórias á sua voz, que 
pareceu-me um pouco surda e sibilante na conversa. No 
todo tem seus ares de uma moça delicada e timida. 

c Entretanto, algumas proposições que me soaram mal, 
a fé que elle tem na sensação que ha de produzir no 
mundo, sobretudo com um livro que pretende publicar 
sobre sciencias naturaes e sociaes, philosophia, littératura 
etc, etc, e que diz que ha de concorrer muito para eman- 
cipar ainda mais o espirito humano do jugo da authori- 
dade; a rápida e para mim inesperada transição das 
suas abstracções mathematicas para todos estes assum- 
ptos tão complexos — a singularidade de seu casamento 
em oito dias, deixando a mulher para ir ao Rio tomar 
assento na camará — a ignorância de tudo quanto se pas- 
sava no Maranhão — umas certas distracções e indif- 
ferenças quando a conversa se desvia da vereda dos 
seus pensamentos — tudo isto reunido me fez receiar 
não andasse aqui alguma cousa de visionário, bem que 
nem no porte, nem no olhar, nem nas palavras desco- 
brisse cousa alguma que não assentasse e conviesse a 

PA5mON-TOM. IL 9 



130 

uma íntelligencia de primor. Consultei depois o dr. Pau- 
lino, e respondeu-me que o homem era de um bom senso 
práctico sem igual ; no moral — virtuoso e innocente ; no 
engenho — a admiração de quantos o tractavam sobre- 
tudo^ pela aptidão egualmente pasmosa para as sciencias 
exactas e para todos os ramos de litteratura. Que o seu 
casamento não era de paixão, nem de interesse, mas de 
razão e estima. Fazendo a mais alta idéa da família na 
Inglaterra, entendeu que em parte alguma podia escolher 
mulher que ali, e fez a escolha n'uma estimável família 
já do seu antigo conhecimento. 

« O Sousa chegou aqui alheio a tudo quanto se bavia 
passado no Maranhão, e mostrou-se contrariado, por- 
que esperava como deputado tomar parte importante nas 
discussões, e pela influencia que adquirir, applicar as 
suas idéas, etc, etc. Mostrou, em uma palavra, aspirar á 
influencia e ao poder, como meio, e não como fim. De- 
pois de contar-lhe o que sabia, dei-lhe esperanças, que 
talvez se realisem, de ser a sua eleição approvada, não 
obstante os vicies escandalosos que a deturpam. Se for 
approvada, ficará elle residindo no Rio, depois de cá 
voltar para levar a mulher ; e senão, não sabe ainda o 
que fará, não indo todavia ao Maranhão tão cedo. 

«Perguntou-me se-elle teria sido eleito, a não ter sido 
a interferência do governo, respondi-lhe francamente que 
não. Fallou-me em diíDculdades por falta de meios, agora 
sobretudo que está casado, o que fez na fé de que a sua 
eleição não soffria a menor objecção, como lhe mandara 
assegurar o irmão. 



131 

«Do que digo q3o inflra que nada tenha que notar; 
pois acho-lhe alguma cousa de inexperiência e petulância 
de quem tem vivido a sós comsigo; mas creio que tudo 
isso desapparecerá com o tracto do mundo real, sobretudo 
n'um grande theatro. Entretanto a sua eleição é a que 
está mais arriscada, e será pena, na verdade, que venha 
elle a ser o único excluido, ficando a representar o Mara* 
nbSo tolos e velhacos, pela maior parte, e nenhum ho- 
mem de verdadeiro talento l> 

Depois d'este soberbo perfil, se bem que feito de um 
só traço, não ha retocal-o ou accrescentar para ter-se 
uma idéa mui aproximada da physionomia doeste iilustre 
maranhense. 

Foram propheticas as palavras do douto escriptor e 
fino observador; que o brilho d'esse grande engenho não 
fulgurou menos no corpo legislativo, e nem d'isso nunca 
receei, mas fui sempre de opinião que ficaria ahi deslo- 
cado, perdendo a sciencia desde esse momento um de 
seus mais applicados cultores, e é também a essa minha 
opinião a que allude o tópico da carta de João Francisco 
Lisboa. Encarregou-se o tempo de confirmar meus pre- 
sentimentos, e se ha cousa de que me não arrependo é 
de ter tentado oppòr-me ao desvio que deram ás cogita- 
ções e trabalhos do dr. Gomes de Sousa. 

Amigo d'elle, seu sincero admirador sobre ser zeloso 
da sua glória scientifica que a politica ia empanar, im- 
provei essa candidatura, tendo-a para mim como um de- 
iicto, e n'este sentido escrevi mais de um artigo na Con- 
ciliação, jornal de que fui um dos redactores. Se ha'hí 



de que me peze, não é de terem-se afrouxado os laços de 
nossa amizade em consequência do meu procedimento 
n'essa conjunctura, porém de não ter tido bastante ta- 
lento e influencia para impedir que se consummasse o 
facto. 

O que resultou, com effeito, de tudo isto? que a scien- 
cia perdeu quem a poderia adeantar, ao passo que o paiz 
nao ganhou n'elle um bom politico t 

Faltavam-lhe para sel-o os mais elementares e essen- 
ciaes predicados — d'esses que a intelligencia e o saber 
não dão e sim a longa experiência e conhecimento dos 
homens e dos negócios, adquiridos no tracto com aqoel- 
Jes e no contínuo exercicio doestes; nas luctas partidá- 
rias que põem em jogo as paixões exaltam os sentimen- 
tos, com prejuízo ás vezes do próprio credito. Sem que 
seja tudo isso acompanhado de certa doze de malicia e 
de descrença, qualidades innatas e inseparáveis no poli- 
tico fadado para grandes emprezas, passará esse tal por 
inhabil e simplório. 

O dr. Gomes de Sousa entrou para o nosso parlamento 
como forasteiro n'uma cidade, ignorando totalmente a 
linguagem, usos e costumes de seus habitantes. De uma 
candura, boa fé e honestidade que não tinham até então 
soflrido o attrito dos vicios políticos, estava com os olhos 
fechados e era novidade para elle tudo quanto o cercava. 
E nem era de esperar que ai succedesse a quem vivera 
e conversara só com seus livros e com a sciencia, que 
constituíam toda a sua sociedade, tendo por seu mundo 
o gabinete d'estudo, cujos âmbitos circumscreviam-se ás 



i33 

paredes d'elle ; e assim foi um erro indesculpável arran- 
caremn^o d'ahi para o enredar nos debates parlamen- 
tares; foi a deterioração completa de sua saúde, a causa 
predisponente e próxima da sua morte! 

VI 

A portentosa aptidão do dr. Gomes de Sousa para to- 
do o género de manifestações da inteliectualidade, ia na 
legislatura de i857-i860 ostentar-se por um aspecto 
inteiramente novo e próprio para firmar-lhe a reputação 
de sábio. Na camará temporária, como onde quer que 
appareceu, deu provas brilhantes de sua admirável in- 
telligencia, da vastidão de seus conhecimentos e d*esse 
espirito investigador com que cavava qualquer assumpto. 
Tanto era assim, que dentro em pouco já encarava os ne- 
gócios do paiz como quem os conhecia de longa data t 
Causou grande sensação logo no primeiro discurso que 
proferiu pela hombridade e demasiada franqueza com 
que oppugnou a creação da repartição do ajudante gene- 
ral do exercito, por isso que, como lente da Academia 
Militar, era subordinado ao ministro da guerra, e de pa- 
tente inferior á d'elle. Não foi isto parte para que deixasse 
d*emittir sua opinião com todo aquelle desassombro de 
que era dotado, e sem se embaraçar de ir com tal pro- 
cedimento offender superiores e concitar inimisades que 
lhe podiam ser prejudiciaes. 

Finda a sessão d'esse anno, voltou de novo para a Eu- 
ropa afim de levar comsigo a esposa e concluir os tra- 



134 

balhos de sua commissSo, e logo que os deu por ter- 
minados, em i858, tomou-se de vez para o Brasil, entre- 
gando na secretaria d'estado dos negócios da guerra um 
solido e detido relatório, onde patenteava seus aturados 
e bem dirigidos estudos sobre a matéria de que o haviam 
incumbido. As idéas que expunha e desenvolvia com 
toda a clareza e amplidão de vistas, postoque acceitaveis, 
não foram até hoje postas em práctica no seu complexo ; 
mas teem, comitudo, ajudado para adiantar a sciencia as- 
tronómica entre nós. 

Emquanto residia na Europa applicou-se também ao 
estudo de medicina, e todas as vezes que ia a Paris, 
frequentava com assiduidade o grande hospital — Hotel 
Dieu — , e n'elle seguia a clinica, fazendo-se especialista 
nas moléstias de mulheres. Assim que se julgou sufB- 
cientemente habilitado para o certamen^scientifico, sub- 
metteu-se a exames na faculdade de medicina de Paris, 
onde delTendeu theses e foi graduado doutor, facto este 
talvez ignorado de muitos; por isso que não exercia a 
arte, como também não fazia alarde dos muitos titulos 
scientificos de universidades e dos das academias de Lon- 
dres, Berlim e Vienna d'Austria, das quaes era sócio. 

Estava a flndar-se a legislatura e prepara vam-se os 
partidos para pleitearem as eleições. No empenho de 
oppor-se a uma das cadeiras do parlamento e de appre- 
sentar sua consorte aos parentes, foi o dr. Gomes de 
Sousa ao Maranhão em 1839. 

Não tinha elle a menor idéa de como se procedia en- 
tre nós a essas funcrões populares, c da maneira poi^que 



135 

era permittido aos cidadãos manifestarem sua vontade 
nas urnas. Julgava as cousas como as concebia sua razão 
fortalecida pela leitura dos publicistas liberaes e as enten- 
dia elle na sua probidade politiea. Possuído de tão nobres 
idéas, logo que chegou á província, emprehendeu fazer 
uma digressão por todo o segundo districto para conbe- 
cel-o topographicamente, saber de suas necessidades, e 
visitar as influencias locaes para declarar-lhes quaes os 
seus princípios politicos. Não o demovei*am d'esse pro- 
pósito nem as distancias, nem as difiiculdades e descon- 
fortos da viagem, ou as enfermidades que lhe podiam so- 
brevir n'ella, e as fadigas e trabalhos que o escalavrariam! 
Metteu-se a caminho e^não houve paragem importante que 
deixasse d'examinar, desde o Mearim até Caxias, e os 
sertões mais remotos até a Carolina, beirando depois as 
margens do Itapecurú até sahir de novo na cidade de 
San' Luiz. 

Foi esta dilatada e cançada peregrinação muito mais 
rápida do que a costumavam fazer os habituados a taes 
jornadas, ainda que no decurso d'ella padeceu de febres 
iotermittentes, que lhe deixaram por algum tempo ves- 
tígios de seus estragos. Dava-se todavia por pago dos 
trabalhos e inclemências que passara, visto como ficou 
conhecendo da província a parte mais importante e que 
representava, cumprindo ao mesmo tempo o que tinha 
por imprescindível obrigação. 

Não ficaram os eleitores, a quem visitou, menos pe- 
nhorados das maneiras delicadas e attenciosas do dr. Go- 
mes de Sousa, que fascinados de sua conversação tão in- 



i: 



136 

stroctiva, grave e utii. Nâo havia inlelligeocia por mais 
obtusa e rude que não comprebeodesse seus conseibos 
d'economia rural e de agricultura propriamente di- 
eta ; porque niveiava-os á comprebensão acanbada de seus 
hospedeiros, tornando claros e perceptíveis os pontos 
scientificos que lhes queria inocular no espirito. Para cada 
um, segundo o género de sua cultura ou profissão, tioba 
uma lição proveitosa, um assumpto para entretel-o e 
distrabir, illustrando-o. A este, que era creador, fallava 
de gados e pastagens, estabelecia preceitos sobre a engor- 
da e traclamento d*elles; aos dedicados á lavra do algo- 
dão, arroz ou assucar, explicava os methodos racíonaes 
e económicos para colherem mais e melhor; a outros so- 
bre a influencia atbmospherica, sobre os phenomenos geo- 
lógicos, deixando a todos surpresos do tom familiar e 
luminoso com que punha a sciencia ao seu alcance, fal- 
lando ao sabor de suas inclinações e occupações, e sem- 
pre com aquelie sorriso cheio de candura e bondade que 
lhe morava naturalmente nos lábios, sem artificiosa af- 
fectação. 

Tomando d'essa excursão eleitoral e meio scientifica, 
não alardeou serviços; mas dentro em pouco era sabido 
que houve-se n'ella com a maior lealdade e dedicação ; 
porquanto alguns coUegios tinham mostrado reluctancia 
em votar n'um dos candidatos, repartindo votos com ou- 
tro que se appresentava extra-chapa, como lhe foi aberta- 
mente declarado por alguns eleitores dos mais preponde- 
rantes. Esforçára-se então o dr. Gomes de Sousa por de- 
movemos, insistindo porque repartissem n'esse caso com 



137 

O seu compaDheiro os votos que pretendiam dar-lhe, com 
taoto que este nâo fosse excluído nem menos votado do 
que elle. Mal recobrava-se de suas fadigas, e melhorava na 
saúde, quando o feriu irremediável infortúnio t Convales- 
cente apenas das febres intermittentes que o abatteram 
muito, viu succumbir a 18 de fevereiro de 1860 a estre- 
mecida esposa, victima de umas febres typhoides que em 
dez dias a lançaram na sepultura. Poderam tanto n'elle as 
saudades d*esta eterna separação, que surprehendeu a 
todos o seu desfigurado aspecto quando em março tomou 
assento na camará dos deputados, e foi isso motivo para 
seus desaffectos estranharem aquelle celebrado discurso 
bamorístico conhecido por BoUetim Sanitário, em que 
sabiu o dr. Gomes de Sousa da gravidade que lhe era ha- 
bitual e sabia manter nas discussões. Com chanças, zom- 
barias e delicadas e atticas allusões desconcertou os mini- 
stros do gabinete Ferraz-Caxias. Foram tao acerados os 
remoques e tão chistosas as invectivas que os amigos do 
governo não acharam outro desforço senão o de assoa- 
lharem que estava com a razão desvairada desde que per- 
dera a mulher; mas bem depressa deu o nosso sábio 
mttbematico o mais formal desmentido aos que agouren- 
tavam tão extraordinário engenho, tomando parte em 
discussões de matérias mui variadas que illuminou com 
o brilho que radiava de seu génio excepcional. 

Abattido por esse lidar tão superior ás suas forças phy- 
sicase com a saúde bastante transtornada veiu em janeiro 
de 1862 procurar nos ares pátrios e nas caricias e desve- 
lados cuidados dos pães o restabelecimento, e assim de- 



138 

morou-se no Maranhão durante o intervallo das sessões 
legislativas. Não poderia antever qae ahí lhe estava guar^ 
dado novo golpe. Em princípio de maio adoeceu o filhi- 
nho e dentro de vinte e quatro horas já era com os anjos 
esse único penhor de seu mallogrado consorcio I Foí*lhe 
cruel e rapidamente roubada essa creaturinha em que re- 
sumia agora todo o amor de sua Rosa Edíth, e que lhe 
fazia por momentos apagar as pungentes memórias d*ella. 
Não lhe era pois concedido fortalecer na sua provinda 
natal onde encontrava o lucto e as lágrimas I Os dois en- 
tes que lhe eram mais charos — mulher e filho — acha- 
ram n'ella sepultura, no breve trecho de dois annost Com 
esta segunda desgraça dissiparam-se-Ihe as melhoras que 
já ia experimentando, e resolveu desde então retirar-se 
para sempre do Maranhão, que só lhe trazia bem tristes 
recordações para lhe dobrarem as magoas que tanto o 
excruciavam. A 11 de maio de i862 já se fazia de volta 
para o Rio de Janeiro. 

VII 

Progredia a enfermidade e o dr. Gomes de Sousa, 
desalentado de esperanças, deixava a melancholia apode- 
rar-se d'elle. No Maranhão apparecêra-lhe hemoptyses, 
cuja causa eflicicntc, ou estivesse localisada nos puhnões, 
ou se explicasse por um retrocesso, minava-lhe comtudo 
a existência uma consumpção lenta até que por último 
lh'a extinguiu. 

Alimentando-se de suas tristes recordações, fugia á 
sociedade e ainda á convivência de amigos, e para melhor 



i39 

reaiisar seus intentos de solidão foi morar no pittoresco e 
socegado morro de Sancta Tbereza, sitio consoante a seus 
magoados pensamentos^ e cujos ares puros ajudariam ao 
mesmo tempo seu restabelecimento. 

Era-lhe convisinha a família do dr. Guerra. A filha 
d'este, a ex."** sr.* D. Paulina, penalisava-se da grande 
dor que ressumbrava do ar enfermiço d'aquelle moço 
todo entregue ás suas maguas e em tão completa soleda- 
de f D'esse sentimento, que é apanágio do sexo, e que in- 
clina a mulher a sympathisar e participar das afflicções 
alheias, gerou-se n'ella o amor. Aquelle tom melancho- 
lico que sempre dominou a bella physionomia de Gomes 
de Sousa, dava-lhe um certo quê de pbantastico, sua 
doce e harmoniosa voz e sobretudo a sua conversação 
tão variada, tão instructiva e attrahente, traziam a 
ex."* sr.* D. Paulina, senhora de grandes espirites e cul- 
tora, captiva d'elle, vindo por fim os laços do mútuo 
affecto, qiie já os prendia, estreitarem-se mais por seu 
consorcio, efifectuado em 8 de fevereiro (1863). 

A moléstia tendia no emtanto para seu termo fatal. Em 
março appareceu-lhe pertinaz dyarrbéa, e quem attentasse 
lio decomposto de suas feições e no emmagrecimento 
geral conheceria n'elles prenuncio da morte que já se lhe 
avisinhava. 

Deus no seu immenso amor poz a esperança no co- 
ração do homem para que nunca o desamparasse nos 
lances mais amargurados e ainda nas vascas do passa- 
mento, tomando-o na doença, esquecido, «de sua frágil 
e perecedora natureza. Gomes de Sousa, a despeito 



i40 

de seus conhecimentos médicos, entendeu que seu res- 
tabelecimento dependia de uma viagem á Europa, e 
não houve oppor-se a um tal projecto ; confiado, como 
estava, que acharia ahi seu remédio e cura. Illusões de 
doente que se nao podem desvanecer por mais raciocí- 
nios que se lhe opponbam I 

Partiu com a esposa n'esse mez e a 8 de abril chegou 
a Southampton, mas tâo debilitado de forças que foi 
de mister desembarcal-o em braços. Seguiu d^ahi sem 
demora para Londres, onde o examinaram e medicaram 
os facultativos inglezes e francezes que tinham maior no- 
meada na grande capital, mas apesar dos esforços da 
sciencia, dps desvelos e carinhos da mulher, da caridosa 
e vigilante assistência dos sogros e cunhados (pães e ir- 
mãos de sua primeira mulher), que não arredaram pé 
de seu leito de agonia, e substituíram a presença e zelo da 
familia do dr. Gomes de Sousa, tudo foi baldado e ím- 
proficuo t No dia 1.^ de junho de 1863 succumbiu elie a 
tão incurável e grave enfermidade. 

A fatalidade pesava sobre o Maranhão I Seus quatro 
maiores engenhos tinham desapparecido em pouco mais 
de um anno e todos longe dos amigos e da pátria, e sem 
acharem até hoje — Ires d'elles — sepultura na terra na- 
tal t João Lisboa, na capital do reino de Portugal, a 26 
de abril de 1863, Gomes de Sousa em 1.^ de junho do 
mesmo anno. Odoríco Mendes a 18 de agosto de 1864, 
em Londres, e por último Gonçalves Dias, a 3 de novem- 
bro doesse mesmo anno, tendo o occeano por sudário I 

E que resta-nos afinal das bem fundadas esperanças 



141 

que concebíamos do profundo saber e extraordinário ta- 
lento do dr. Gomes de Sousa? Seus discursos no parla- 
mento, que se riscarão em breve da memória dos que os 
ouviram, divertidos por novos e successivos aconteci- 
mentos. 

Se algum curioso percorrer os Annaes do parlamento, 
não deixe de ler esses documentos oratórios do dr. Go- 
mes de Sousa que se resumem no discurso humorístico 
que cobriu de ridículo o gabinete de 1 860, o em que def- 
fende a reforma da Eschola Central, improviso onde 
manifestou o muito que conhecia das instituições idênti- 
cas dos paizes mais cultos. 

Na sessão de 14 de julho de 1862, por occasião de 
discutir-se o orçamento do ministério da marinha, er- 
gueu a voz e analysou comprida e sabiamente o parecer 
do engenheiro Gabaglia sobre os causas da obstnicção 
do porto do Maranhão. Apontou com muita perspicuida- 
de os erros palmares que havia n'essa peça ofQcial, con- 
futando-os e adaptando á comprehensão de todas as in- 
telligencías a parte scientiQca da questão e sua technolo- 
gia, e isto de maneira que prendeu as attençoes e mere- 
ceu os applausos da camará. De um deputado, aliás intel- 
ligente e lido, ouvi — que o dr. Gomes de Sousa dera 
sem o perceber uma brilhante prelecção sobre o assum- 
pto ; porém de um modo tão engenhoso, claro e aprazí- 
vel, que fazia gosto ouvil-o, e que assim habilitou-os a 
dies, leigos na sciencia, a poderem dar seu voto na ma- 
téria com pleno conhecimento de causa. 

NSo foram menos applaudidos e admirados seus dis- 



i4a 

cursos, accusando o ministro da justiça, conselheiro Si- 
nimbu, por ter aposentado quatro dezcmbargadores sem 
que o houvessem requerido. Ahi patenteou seus conhe- 
cimentos de direito constitucional e o vigor de seus ra- 
ciocinios. 

Sobrelevam, porém, a todos esses tropheus oratórios 
os que alcançou nas discussões sobre bancos e outros as- 
sumptos financeiros. Foi a princípio a favor da pluralidade 
d'essas instituições de credito por entender que era o 
meio mais consentâneo e prompto para extinguir o papel- 
moeda do estado. Porém, depois, com o estudo mais me- 
ditado da questão, com o desmentido da práctica, e os 
perigos que antolhou nos abusos da expansão do cre- 
dito, mudou de parecer, como homem superior que era 
e despido d'esse amor próprio enfatuado e pueril que 
persiste no ôrro, e que apesar e mesmo por conhecer 
que o é, torna-se contumaz para se nao dar por ven- 
cido. Isto foi, porém, causa para que os invejosos de sua 
fama o taxassem de versátil em seus principios e corte- 
jador do poder. A quem não aprofunda as causas moto- 
ras das acções dos homens superiores por suas luzes, e 
condemna-os superficialmente, parecerá terem razão os 
malévolos ; porque aconteceu que discutisse a favor da pri- 
meira idéa por occasião do ministério Olinda, em que oc- 
cupava a pasta da fazenda o conselheiro Sousa Franco (ho- 
je visconde), propugnador e acérrimo deffensor da plura- 
lidade de bancos, e contra ella, quando a trouxe de novo á 
discussão o conselheiro Salles Torres Homem (hoje vis- 
conde de Inhomerim), então ministro da fazenda no gabi- 



143 

nele — Abaelé. São dignos de nota em todos estes discur- 
sos a clareza e methodo com que estão expostas as idéas, 
a dialéctica do lógico, cujos raciocínios encadeiam-se e 
deduzem-se com a exactidão de uma demonstração algé- 
brica ou de um theorema de geometria. Não ha n'elles 
nada de sobejo ou de incompleto e superficial, e se pec- 
cam alguma cousa é na linguagem onde os gallicismos e 
a phraseologia delatam a assidua leitura de autliores fran- 
cezes. 

Não sei em que a mudança de opiniões, em matérias 
porameute scientíficas ou sociaes, deslustre alguém, quan- 
do a razão mais esclarecida por novos estudos e pela 
experiência lhe indica o erro e elle tem o ânimo bastante 
desprendido de vaidade para o abandonar e até mesmo 
condemnal-o. Se nas questões politicas, se nas de princí- 
pios, Dão continuasse a sustentar as idéas liberaes, que 
professava voluntariamente, vindo enfileirar-se por si 
mesmo, desde que tomou assento na camará temporária, 
na bandeira do partido que as apregoava, não o descul- 
paria, antes lastimaria que tamanho talento e tanta glória 
se deixassem vencer pelas misérias do interesse pessoal 
e da mais desordenada ambição. Disse-o já sir Robert Peei 
que não era desdouro, antes feito honroso e meritório — 
aproveitar as lições da experiência, confessar os erros e 
seguir a verdade, mudando o sentir e o crer ao sabor dos 
acontecimentos. Escudo-me com este parecer tão sensato 
para vindicar a memória do honesto e sisudo sábio, que 
sem ser politico, sem comprehender os artiGcios da poli- 
tica e dar com as sabidas do seu inextricável meandro, ti- 



144 

nha por thermometro de seu procedimento a consciência 
e a razâo. 

Não ha'hl, pois, de que censuralmoi-o, oa deixar- 
mos de glorifical-o, como um dos filhos mais distínctos 
do torrão abençoado que tem produzido outras notabili- 
dades que lhe n3o excedem nas excellencias que o torna- 
vam um modelo de applicação systematica ao estudo, e 
digno de admiração por sua sede de saber e de opulentar 
seu já riquíssimo thesouro scientifico. 

E assim desappareceu da face da terra esse refulgente 
astro, que a podia ainda abrilhantar percorrendo o es- 
tádio glorioso que o conduziria até onde resplandecem 
Newton, Laplace, Leíbnitz e Uumboldt, de cuja estatura 
ía-se approximando. 

Repitto-o, pois, á saciedade que deploro do fundo d'al- 
ma não chegasse o dr. Gomes de Sousa a erguer os mo- 
numentos scientificos, cujos materíaes estava apparelhan- 
do e foram postos de banda para occupar-se da politica, 
onde, se colheu essas ephemeras gloriolas parlamentares, 
adquiriu também a enfermidade que o roubou de im- 
proviso á pátria que tinha muito a esperar d'elle. 

Não era de mais a mais homem para a tribuna : tinha 
débil compleição e orgam vocal ainda mais fraco, e se 
conseguia ser ouvido do auditório devia-o á nitidez de 
sua pronúncia, á distincta prolação das syllabas, que 
sahiam-lhe dos lábios perfeitas ; ao silencio que reinava 
no parlamento logo que começava a orar esse notável 
parlamentar; e ao supremo esforço que empregava, al- 
teando a voz acima do seu diapasão natural. 



145 

Esse labor tao desconforme ás suas Torças havia por 
sem dúvida de mingoal-as e exgotal-as em poucos an- 
nos ; foi o que succedeu. 

Assim, com trinta e cinco annos Qnou-se quem enche- 
ria o mundo com o seu nome, se perseverasse na carreira 
tão bem estreiada e houvesse ao menos terminado e dado 
á luz os trabalhos que havia concebido e rascunhado. 

Acbaram-se-lhe apenas as memórias sobre mathema- 
ticas puras que havia lido nas Academias de Sciencias de 
Inglaterra e no Instituto de França, e que começara a im- 
primirem Leipsick; a importantissima obra sobre sciencias 
nataraes, sociaes e philosophicas, a que só faltavam a in- 
trodncçâo e a conveniente redacção. É no género do 
Cosmos de Humboldt, e havia por certo de produzir 
muita sensação no mundo scientíQco, attentas as luzes 
que derramariam de si. Deixou mais algumas memórias 
esboçadas e outros cscriptos scientiãcos; mas tudo no 
mesmo estado em que fícára aquella obra. 



pAjrn«ON-To¥. ii. lu 



XI 






iSÁ 



Era una flor qoe narchiUó Testio, 
Era noa ftiente que agotó el Terano; 
Yi DOO so sieote n mniiDiiUo Tano, 
Yi está quemado el tallo de la flor. 

Z0UILLA~G0«r. NT. 



Quantas viçosas esperanças murchas entre nós qa ante- 
manhan da existência I Quantos engenhos tão promette- 
dores no desabrochar e cuja iuz bruxuleou um dia para 
sumir-se pouco depois na eternidade I Foram meteoros 
rutilantes que apagaram-se rápidos! N'estes poucos an- 
nos quantas d'essas estrellas desappareceram para sem- 
pre da nossa constellaç3o litteraría? Um dia foi Dutra e 
Mello, depois Alvares de Azevedo, Junqueira Freire, Ca- 
simiro de Abreu, Franco de Sá, e ainda ha pouco Castro 
Alves, todos nos formosos arrebóes do talento e no verdor 
dos annos, lá se foram povoar nossas necropoles sem ao 
menos sazonarem sequer tantos fructos temporões que 
lhes estavam a destacar de puro viço. 

Foram dolorosas e sentidas essas perdas, e tantas fo- 
lhas arrancadas do livro da vida ficaram em branco para 
nosso mal I 



150 

• 

^Quem ba que se não lastime e se não dôa ao ver cahir 
do seu ninho, avesinha implume morla pelo caçador, 
ou tombada em bora aziaga ao sopro furioso do tufão flor 
que se balouçava garrida no pedúnculo, rorejada pelas 
gottas do rocio?! ^Se nos condoemos de entes de ord^m 
tão inferior, como se não cobrirá de luçto e dó o coração 
ao passamento tão prematuro de mancebos intelligentes, 
que apenas deixarmn presentir o que bavia de soberbo 
e fecundo n'aquellas mentes imaginosas?! 

Abram-se essas poucas paginas rescendendo graças da 
meninice, não para examínal-as com a severidade que a 
crítica e o gosto exigem, senão com o enthusiasmo de 
quem busca só o que é bello, e desculpa o que é arrojo e 
innocei}cia de creança, e admira a phantasía e a exube- 
rância de vida que se perderam assim sem regresso. 



II 



Em que ba de pois resumir-se uma existência que só 
teve aurora? N'esse titubear e vaguear incerto da infân- 
cia, n'esse borboletear da juventude, em que tudo são 
prazeres e risos que lhe parecem sem Qm. 

Era assim que a natureza sorría-se para Antooio Joa- 
(fúm Franco de Sá ; era assim que a sociedade se Ibe pre- 
figurava — toda enlevos e ledíce; que elle não tivera 
ainda ensejo para provar-lhe o travo dos desenganos, 
nem sentir as acerbas dores dos espinhos que nos dila- 
ceram as carnes n'este incessante e resvaladio canuabar 



entre fraguedos e precipícios, que se nos abrem para onde 
quer que nos dirijamos, ameaçando tragar-nos. 

Foi a cidade d'Alcantara o céu, onde aos 1 6 de julho de 
1836 abríram-se-lhe os olhos á luz primeira. Se houve no 
Brasil nascimento de origem aristocrática foi o d'elle; que 
o Intimava o talento, morgadio n'essa familia, de onde 
socçedia pelo pae— o senador Joaquim Franco de Sá — 
e por sua mãe, D. Lucrécia Rosa Ck)sta Ferreira, filha do 
senador António Pedro da Gosta Ferreira (depois^ barão 
de Pindaré) *. 

Bem poucas intelligencias ha mais temporans, viva- 
cidade mais irrequieta, agudeza mais prompta em t3o 
verdes annos como a d'esse menino, delícias e esperanças 
bem fundadas dos pães; e assim nôl-o affirmam os que o 
conheceram desde a infância, como diz também quem 
o biograpbou com admirável mestria no escripto que pre- 
cede e emmoldura a collecçSo de poesias de António Joa- 
quim Franco de Sá, que o snr. dr. Filippe Franco de Sá, 
grande coração e mtelligencia não vulgar, na sua pie- 
dade fraterna deu á estampa como saudosa oblata rendida 
ao estremecido irmão'. 

Antes de 4846 nunca foram regulares e consecutivos 
os estudos de António Joaquim Franco de Sá, sempre in- 
terrompidos, e dirigidos por diversos professores, con- 

1 Yej. a biographia d*e8te no tom. i d'esta obra, de pag. 230 a 
276, e a do senador Joaquim Fnmco de Sá na pag. 33 d'cste iomo, 

* Poesias de António Joaquim Franco de Sá com uma noticia 
biograpbica do poeta por seu irmão Filippe Franco de Sá — 
San' Laiz do BlanmbSo, 1867, xvi-147 paginas. 



152 

forme a residência que os encargos políticos do pae áe- 
terminavam-lhe, bem como as viagens frequentes que 
emprehendia este ao Rio na qualidade de deputado á as- 
sembléa geral legislativa. 

Quando seu pae governava em 4846 a provinda do Ma- 
ranhão, na qualidade de seu presidente, entrou elle para 
o coUegio de N. S. dos Remédios, instituído pelo dr. Do- 
mingos Feliciano Marques Perdigão, de onde saUram 
tantos talentos bem aproveitados e que hoje figuram na 
política, na magistratura e em outras carreiras. 

Partiu em fevereiro de 1850 para o Rio de Janeiro, oa 
companhia de seu tio, com o fim de reunir-se ao pae que 
já se achava de assento alli, como senador do império. 
Estavam-lhe aparelhados nas suas viagens golpes bem sen- 
síveis: na vinda fallecera-lhe a mãe no Recife, e agora viu 
succumbir na Parahyba do Norte o tio que já ia bastante 
doente. 

Chegado á corte, o metteu o pae em um pequeno col- 
legio onde pouco approveitou; mas em compensação 
fez rápidos e notáveis progressos no creado e dirigido 
n'essa epocha pelo illustrado e íntelligente monsenhor 
Marinho, e que gosava de boa fama, grangeada e firma- 
da nos excellentes resultados que n'elle colhia a mo- 
cidade. Estimulava-o o douto director, que presentía 
n'esse rápido desenvolvimento prenúncios da rara intel- 
ligencia que se expandia e fortalecia n'aquelle ambiente, 
e o pae na sua vidente sagacidade concebia d'elle largas 
esperanças. 

Veiu a desventura desmudar o character d'esse me- 



183 

nino d'aDtas tão disposto ao riso e a alegres passatem- 
pos, toraaodo-se d'ahi tacitamo e amigo da solidão. 

A 10 de novembro de 1851 cbegou-lhe a infausta nova 
da perda do adorado pae: foi ella demasiado dolorosa 
para qaem tinha quinze annos e já se via orpbam de pae 
emãefl 

Pobre moço que tão cedo começava a sorver o fel 
amai^ d'essas saudades que nunca mais se extinguem t 
Quanto lhe foram ellas pungentes, revela-o n'esta estro- 
pbe da sua SupUca: 

Duas lousas encerram minha infância, 
(Nem grande yae entre ellas a distancia) 
SSo as lousas queridas de meus pães! . . . 
£ fiquei só no mundo, e o céo escuro 
Sinistro me annuncia no futuro 
Horríveis Yerdadest 

(Toestai— pag. 67). 

Não se lhe desfalleceu.comtudo o esforçado empenho 
de abreviar o praso de seus estudos de humanidades para 
seguir o curso scientifico da escolha de seu pae, e á 
força de applícação e com o talento que possuia conse- 
guiu ver coroados seus esforços, e logo que reconheceu-se 
habilitado para soffi*er exames de preparatórios, partiu 
para Olinda. 

lU 

Quem frequentou estudos académicos, conserva sem- 
pre vivas as recordações do tempo d'estudante. Podéra 



I»4 

que assim nao fosse» quando não ha quadra na existência, 
nem primavera por mais florida, que se lhe comparei 
Para quem cumpre com suas obrigações escboiares, não 
ha cuidados que o inquietem, nem o dia de amanhan o as- 
susta: não ha quem lhe vigie os passos, o constranja, o 
dirija, e o contrarie em seus desejos : — não conhece supe- 
rior fora das aulas. Seu procedimento por mais extra- 
vagante, nem por isso deixa de merecer indulg^icia e 
desculpa, sendo-lbe levado tudo á conta d'expansoes pró- 
prias da sua edade e condição. A sociedade onde vive ese 
compraz é mi generís e forma corpo á parte constituído 
pelos condiscípulos. Não ha lactas de interesses indivi- 
duaes, não ha inveja e rancores, não ha despeitos que per- 
durem, nem projectos de vinganças que se não desfaçam 
aos apupos e ao riso da galhofa e zombaria. Ahi tudo são 
promessas e bemquerenças, franquezas no pensar e dizer, 
confidencias reciprocas em que se abrem os corações 
mesmo quando se conhecem apenas de véspera, e cujo 
fiador é o ser collega, e esse titulo basta para os irma- 
nar. Não ha pezares que durem, queixas que não se con- 
tentem com a mais leve explicação, e ambições que se 
não paguem dos louvores de seus pares e dos lauréis 
académicos. 

Entre os folguedos e os estudos, entre o amor que ex- 
cita a imaginação, c a prescrutação do desconhecido que 
absone o espirito e o impelle a grandiosos commetli- 
mentos, eis o commum \1ver do bom estudante que sabe 
ao mesmo tempo triumphar da vida, fora da pressão 
do domínio paterno, das vistas da familia, e sem que o 



aeabnínbem os pezares e cuidados» ou as injastiças dos 
homens ; menos o assoberbem as contrariedades e vicis- 
situdes do mundo, ou annuviem e envolvam as tempesta- 
des que se levantam no discorrer d'esta comedia humana 
onde todos representamos um papel. Para essas existên- 
cias só ha no firmamento ligeiras nuvens que se conjuram 
ao som dos brincos e gargalhadas. Foi para este mundo 
tão extranho que entrou António Joaquim Franco de Sá, 
passando-se do Rio de Janeiro para a cidade de Olinda, 
em cuja academia matriculou-se em 4852, depois de ter 
dado provas de suas habilitações nas disciplinas de hu- 
manidades. 

Residiam poucas famílias n'essa buliçosa e pequena ci- 
dade, então quasí que habitada exclusivamente por estu- 
dantes, e essas mesmas dificultavam a entrada de suas 
casas aos académicos. Era Fruico de Sá um dos que, pelo 
bom conceito de que gosava tinha o privilegio de as fre- 
quentar. Se bem que estivesse na edade em que fácil atea 
o fogo do amor, nem por isso deixou-se n'elle abrazar. 

Tinha para neutralisal-o a paixão do estudo, dedícando- 
se com fervor ás sciencias sociaes, á philosophia e á litte- 
ratura ; e assim trocava o fructifero emprego do seu tem- 
po pelo alambicar de passageiras affeições que se esvaem 
como o sopro. Elle próprio assim o confessou : 

Meus amores sSo todos assim, 
Náo passaram de meigos olhares 
Meus amores d*Qlinda, por fím ! 

(Po$$m, pag. 114) 

Mas arisco cultor do deus vendado pagaria por úiti- 



I 



t 



i56 

mo o tributo de fidelidade e constância, se ama troça de 
veteranos não viesse de improviso tomar-lhe esquiva a 
dama dos seus pensamentos: 

Mas om dia. . . e o vento era rijo» 
Triste o sol D'esie dia fatal. . . 
Pára as aulas meos passos dirijo 
Sem no entanto prever nenhum maL 

A dez passos da casa da bella, 

Inda menos. . . já quasi defronte, 

Ea soiTÍa— sorria a donzella. . . 

Quando sinto. • . nSo sei como o conte t. . . 

Sinto gritos. . . Por certo nlo tinha 
Quem os dava a menor polidez ; 
Era um d'eUes — « ladrio de gallinha. . • • 
E os mais todos do mesmo jaez. 

Que vergonha, meu Deusl E que apnrost 
As orelhas fizeram-se brazas, 
Os meus olhos tomaram-se escuros, 
E confusas dançaram-me as cazast 

A trovoada não ficou ahi, era dia aziago para o poeta : 

E romperam!. . . que horrível harulhof 
Que tremendo e incansável estoturo!» 
Um berrava d'alli — « cascabulho ! • 
D'aqui outros — • calouro t calouro I » 

Do • calouro • n2o Gz muita conta ; 
Pois dizia — calouro sou eu, 
•Cascabulho», porém t... Ohl queafironta! 
Foi, confesso, o que mais me doeu 



157 

Latas, búzios, tambor, pratos velbosf . . . 
Só se ouvindo uma ideia se faz ! 
Eu sentia tremer-me os joelhos. . . 
, Sou comtudo um yalente rapaz. 

Jamais nauta almeijou 'star em sêcco, 
Se naufraga inda longe do porto, 
Como entfio suspirei pelo becco. 
Que afinal consegui quasi morto ! 

Como fóra do búzio já fosse. 
Murmurei, alimpando o suor: 
«Meu namoro de certo acabou-se, 
E que pena ! no ponto melhor ! 

«N'esse género é pura fumaça 
Tudo quanto um calouro projectai* 
E assim foi ; que, por minha desgraça, 
D'esta yez fui terrível propheta. 

Desde es8'hora de triste lembrança 
Não fez ella mais caso de mim ; 
E um namoro de tanta esperança 
Tão sem graça finou-se-me assim t 

f Poesias, pag. 118) 

Findo o seu primeiro anno lectivo, foi á cidade de Al- 
cântara gozar das ferias entre os parentes e amigos. O 
mancebo sempre joviaU travesso, dado á dança e a outros 
innocentes recreios, e que levava, onde quer que estivesse, 
a alegria e os risos já nos chistes picantes e anedoctas en- 
graçadas, já nos jogos e divertimentos que organisava e 
dirigia, não era o mesmo. Por vezes surprebendia-o a 
irman apartado dos mais, como para evitar a sociedade 
e o arruido, e engolfar-se á sua vontade na mais profunda 
melancbolia. 



158 

Tristes presentimentos vinham perturbar-lhe os doces 
folguedos preparados pelos que o estimavam! Quando 
esse anjo de candura, a quem consagrava extremado 
aOecto, procurava dissuadil-o de presagios, que ella ti- 
nha por chimericos; redarguia-lbe o joven poeta com 
plangente accento : = « o coração presago nunca mente I » 

É que o anjo da morte já roçava-lhe a fronte com suas 
azasf, segredando-lhe os gozos do outro mundo ; e seu es- 
tro afinado por tão lúgubres pensamentos, só desprendia 
cantos consoantes a elles, como o testifica seu deseio : 

ao sahir da terra 

Deixar am echo inda que fraco e triste 
Qae diga á pátria o que meu peito encerra, 
O sonho ardente que ora n'elle existe 



O mundo abandonando e seus perigos 
Isto vos pedirei, Senhor meu Deus, 
Um suspiro da pátria, um ai de amigos, 
E no peito viver d'uns anjos teus » 

(Poesias, pag. 80) 

Desde seus primeiros adejos que o persegue esse ne- 
gro e sinistro pensamento : 

Da poesia pelas flores — 
— Um louro no mausoléu — 
De nossa alma pelas dores 
Os puros gosos do Céu t 

(Poesias, pag. 53.) 

E como termina a bella poesia que escreveu no álbum 



i59 



do dr. P. Calasans» então seu coUega e como elle tam- 
bém poeta? 

Nos dilirios que precederam o termo fatal de tão breve 
existência, esvoaçava-lhe a phantasia pelas regiões da 
poesia, e abrazado no amor, que lhe captivava o coração, 
murmurou esta estropbe tão repassada de sentimento : 

Se ta viereSy bella compassiva. 
Como dos troncos velhos o renovo. 
Minha alma, ao morrer, talvez reviva. 
Para te amar, e te adorar de novo ! 

(PaesiaSj pag. 95) 

Tomado ao Recife onde o chamavam seus estudos e a 
bella que o enfeitiçava, deu-se sem reserva a esses dois 
cultos, e fugindo dos prazeres que de antes tanto o re- 
creavam, era todo leituras e não levantava olhos dos 
compêndios e dos livros de história e d0 poesia, senão 
para contemplar de sua janella aquelle rosto angélico da 
sua encantadora fada. 

Parecia adivinhar que o tempo fiigia-lhe e que era 
força aproveital-o. Seus dias, porém, estavam contados, e 
elle que se esquivava até então de saraus e de outros 
passatempos, foi a um baile do primeiro do anno de 1856, 
6 ao sahir d*elle agitado e transpirando, constipou-se. 
Desde esse momento não o abandonou mais a febre. 

O sn Monteiro recolheu-o á sua casa d'elle, onde a il- 
lustre familia d'aquelle cavalheiro recebeu o joven enfer- 
mo com a mais affectuosa, solicita e charidosa hospitali- 
dade, prodigalisando-lhe cuidados incessantes no trans- 
curso d'essa enfermidade. 



160 

Foram em vão os esforços da sciencia» e o sr. dn Mo- 
raes Sarmento, com ser abalisado e perito facultativo, 
vio-se vencido por esse mal que caminhava rápida e 
fatalmente para seu funesto termo. A 28 d*esse mez 
quebrott-se-lbe o débil flo da existência, e baixaram á 
sepultura os restos mortaes de António Joaquim Franco 
de Sá! 

Perdeu-se n'elle um poeta espontâneo e fecundo, co- 
mo já bem o denunciavam suas producções. Affirmou-me 
um de seus condiscipulos, que tinha Franco de Sá sum- 
ma facilidade para metrificar, sahindo-lhe com íncrivel 
rapidez do bico da penna as estropbes e os consoantes. 
Adoptara por obrigação e como exercício escrever todos 
os dias alguns versos em um livro a que intitulava seu 
diário. 

Não o conheci senão quando ainda menino, de nove a 
dez annos : era então uma galante e engraçada creança. 

Seu irmão, o snr. dr. Filippe Franco de Sá, de cujo 
trabalho approveiteí para aqui os dados principaes, re- 
trata-o assim no moral, como no physico: 

< Não tardou seu talento a sobresahir, ao mesmo tem- 
po que sua applicação, seu procedimento exemplar, sua 
modéstia sincera. 

< Sua nobreza de character e amenidade de trato gran- 
gearam-lhe a estima dos mestres e affeição dos condis- 
cipulos. 

< Tanto pela physionomia, como pelas maneiras, desde 
a primeira vista inspirava sympathia. Era de pequena es- 
tatura, formas desenvolvidas e arredondadas, tez morena 



e pallida» cabellos castanhos, bastos, amarellados, olhos 
vivos, brilhantes, feições graciosas, meigas e expressi- 
vas. Ornava-lhe os lábios e a parte inferior do rosto um 
pouco de ténue pello que depois tornou-se mais denso^» 
E ao desabrocharem com tanta formosura e mimo as 
flores d'esse engenho viçoso, murcharam, aos vinte an- 
DOS; quando seu engenho começava a altear os voos I Nos 
seus presentimentos já elle se lastimava de ter de deixar 
o mondo : 

Na edade do fervor e da paixSo, 
Quando o futuro a mocidade azula, 
£ nas veias o sangue ardente pula. 
Guiando o coração I 

(Supplica, pag. 50 das Poesias) 

Uma desgraça raro deixa de ser acompanhada de ou- 
tra: á morte de António Joaquim seguiu-se a loucura de 
sen irmão Homualdo, que lhe era companheiro desde nas- 
cença e não pôde supportar a idéa de uma separação eter- 
na, perdendo assim dentro em pouco o lume da razão, que 
já se lhe ia de dia a dia extinguindo ^ 

iVej. a noticia biographica, escripta pelo dr. Filíppe Franco de 
Sá, e que precede as poesias de António Franco de Sá (pag. ÍO). 

' É também filho do primeiro matrimonio do senador Joaquim 
Franco de Sá, e ao menos quando escrevi este trabalho, vivia na 
cidade de~ Alcântara louco, ou antes quasi idiota. Dera de si avan- 
tajadas esperanças por seu grande talento e muita applicação, mas 
de compleição fraca e temperamento demasiado nervoso. Para ag- 
gravar-ihe esse estado tão melindroso sobreveiu-lhe uma longa e 
pertinaz enfermidade. Essa precocidade de intelligencia e exces- 
siva applicação, reunidas aos estragos da moléstia foram causas 
mais que sufficientcs para determinar n'elle a loucura, que desde 

PAxnuoif^ToM. u. II 



i6i 



IV 



Abramos esse nitido e elegante volumes! to qae o 
snr.dr. Filippe Sá coordenou, ramalho tando com piedoso 
zelo todas as flores que ainda mal desdobravam-se aos 
prístinos raios da alvorada do génio poético de António 
Joaquim Franco de Sá. 

Aspiremos as dulcíssimas fragrâncias d'esse ramalhete 
primaveriço, tão matizado e formoso. Percorramos es- 
sas 145 páginas que o illustrado editor dividiu em duas 
partes, enfeixando na primeira as poesias lyricas inspira- 
das pelos doces sentimentos do coração, e na segunda as 
eróticas e aquellas que lhe dictou a musa folgasan e cho- 
carreira, que seria talvez no futuro a sua predilecta. 

Dos dezoito aos vinte annos, quadra de amor e de fé 
pura, quando os affectos e paixões preoccupam as almas 
juvenis, o que se pôde exigir e esperar que produza quem 
sobre ser poeta, tem o espirito avassalado por taes sen- 
timentos? O Ivrismo em todos os seus tons, com seus 
extasis, com suas lágrimas e queixumes de imaginários 
infortúnios, de saudades indeterminadas, com aspirações 
vagas, illimitadas e tantalícas — o hysterismo sentimental, 
em summa, scentelha que incita, que abala e inspira a 
phantasia na mocidade, e torna-se o thema mais querido 
e favorito dos prelúdios que dedilha o poeta novel no seu 

1858 tornou-sc n'elle sem remédio, contribuindo muito para apres- 
sar tâo triste resultado a morte do irmão., com quem morava em 
Pernambuco o a quem tinha profundo affecto. 



i63 

alaúde, e que melhor consoanta aos seus pensamentos. 
Se se deparam em seus versos incorrecções de língua- 
gem, certa hesitação na metrificação, s3o defeitos des- 
culpáveis e frequentes no tirocínio das lettras, porque a 
m3o não está ainda assente, nem o espírito fortalecido, 
ou a memória enriquecida de cabedaes, e que só com o 
estudo e o longo meditar podem adquírir-se. Gontrabalan- 
Cam-n'os, porém, o bom gosto, certo apuro de forma, 
a frescura e brilho das imagens que se notam nas com- 
posições doesse joven estudante. 

A pedra de toque de sua robusta intelligencia e alteza 
de engenho está sobretudo no bom senso com que soube 
evitar as exagerações do erotismo bastardo que por esse 
tempo infeccionava e ^dominava nas nossas academias 
scientíficas, principahnente depois que vulgarisaram-se 
as admiráveis producções do infeliz Alvares de Azevedo. 
Quem sentia-se com veia poética, tinha logo de si para 
si, que para ser poeta, devia esforçar-se por copiar By- 
ron, Espronceda, ou Alfredo de Musset, nas suas extrava- 
gâncias, excentricidades e desvarios, esquecido de que 
não é com exterioridades no dizer, e muito menos no 
obrar, que se podem arremedar os voos altivos das águias. 
Fugia-se então com tédio e horror do sentimentalismo 
pessoal de Lamartine. Os nomes das Elviras, os anjos 
e as fadas não vinham enQorar, nem os prantos de fun- 
das magoas, ainda que fictícias, orvalhar as producções 
dos nossos imberbes menestréis que desde então aban- 
donaram os cemitérios, deixaram de andar desgrenha- 
dos e melancholicos, e de apparentar ares de phtysicos 



164 

com rostos macilleotos e descarnados, para affecUrem de 
D. Jaaos, Manfredos e Gbílde Harolds, ufanos de que os 
apontassem como praças byronianas» enfrascadas no mais 
sensual materialismo. 

Yae em bõa hora passando a mania, ficando comtado 
d'eUa o que tem de aproveitável. 

O poemeto Idalina é uma evidente prova de que sou- 
bera desvíar-se com sensatez e discrição dos escolhos da 
moda : ha smgeleza, ha candura em todos os deliciosos 
versos do dialogo entre ella e seu amante, apoz um so- 
nho que lhe viera com a leitura de D. Juan de lord By- 
roD. 

O véu immaculado e nítido de brancura envolve-os 
como aos estames as pétalas do nenuphar oo as da açuce- 
na; e o perfume que se exala de todos elles é qual o suave 
aroma das nossas florestas virgens. 

O poeta em seus Sonhos (pag. 2, outubro de 1852) 
aspira ao amor ideal, vago e sem limites : 

amor immenso, amor que abrange 

A pátria, os céus, a humanidade, a Deus. 

Como estão bem descriptos, com verdade e sem artifí- 
cios, as incertezas do mancebo — essa fluctuaçSo do seu 
espirito, suas aspirações ao iiicommensurâvel e a tudo 
quanto é grande e bello ? ! 

Em minha mente 

Sinto ideas brilhantes mas confusas, 
Tenho no peito aspirações, desejos, 
Quo não sei definir. Eu sinto effluvios 
De amor e de poesia que me elevam 



165 

Aos espaços aéreos. Mas nSo posso 
Inda dar expansão aos meus delíríos : 
NSo posso 'inda tomar o yóo altivo. 
Que a mente fonha e que meu peito alm^a. 
Sinto que pensamentos se accumulam, 
Se cruzam, se combattem ; d'e8ta lucta 
Tirando nova força, a fronte sinto 
Arder- me ás vezes, como que querendo 
De si lançar ideas já maduras, 
Metaes já preparados, já fundidos. 

(Sonhos, pag. i) 

Com o amor vinha misturar-se-Ihe a ideia da pátria, 
desferindo assim da lyra cânticos apaixonados; e ennas- 
trando louros marciaes em suas grinaldas de myosotis e 
rosas. 

Na poesia que lhe inspira o glorioso e sempre para nós 
memorando dia 7 de setembro, em que solemnisamos o 
anniversarío da nossa libertação, falla-lhe o orgulho na- 
cional: 

Do lago e do rio, do tigre e da pomba. 
Dos ventos nos troncos, da briza na flor, 
Da terra, dos ares, do mar que ribomba 
Um hyomo de bençam se eleve ao Senbor ! 

(Sonhos, pag. 90) 



SaudemoFa todos! Taes dias sáo arcos 
Na senda que ao templo da glória conduz. 
Nas eras passadas sSo fúlgidos marcos, 
Que as trevas separam de enchente de luz ( 

Essa imagem vale bem o mau emprego da preposição 
n'este último verso. 



166 

Mais adiante já ò o amor pátrio, a glória não tanto a 
(l'elle como a da terra do seu nascimento qae o seduz 
e á qual excita o enthusíasmo de seus concidadãos : 

(borramos, luctemos cingindo de louros 
A fronte que battc de ardor juvenil ! 
Um nome leguemos aos nossos vindouros, 
Cubramos de glória o nosso Brasil ! 

(Idem.) 

Passando á segunda parte de suas poesias, encontra- 
mos com a musa ridente de Horácio e de Beranger a brin- 
car-lbe louçania e risos. Já fallei do poemeto Idalina co- 
mo de um deleitavel trecho poético. O amor e namoro 
não deixa de ser engenhoso e tem seu chiste; mas quanto 
a mim os sonetos — Sabbatina e Esbelta — vencem aquel- 
las composições. 

^Mas para que vir eu, mísero profano, sondar mysterios 
que me são vedados, quando um dos sacerdotes-sum- 
mos do templo proferiu já sua sentença?! De envergo- 
nhado retiro-me de lugares que me são deflfesos; que o 
cantor de D. Jayme, em uma carta que dirigiu a 4 de 
março de 1870 ao snr. dr. Filippe Franco de Sá se ex- 
pressa n'estes termos com respeito ás poesias do ir- 
mão: 

« Tão moço e tão grande ! tão grande e tão infeliz. Elle 
presente, tem o triste condão do génio e revela o seu pre- 
sentimento em várias poesias do seu 1í\to. Nos versos 
que elle escreveu no álbum do seu amigo Pedro de Cal- 



i67 

lasans, que sao (l'um mérito inconteslavel, encontro es- 
tas duas quadras do vidente : 

aNo entanto com mSo segura 
Das cordas tirando o som 
Nos lembremos que — ventura — 
Não traz a lyra por dom. 

Que Deus fadando o poeta 
A fronte lhe beija e diz: 
«Terás a vida inquieta 
«E quasi sempre infeliz ! » 

«No meu entender bastava esta poesia para lhe dar 
nome. E que nobre enthusíasmo o dominava quando an- 
tevia no futuro as procellas, que o aguardavam nos apar- 
ceilados mares da glória t Ainda cedo á tentação de tran- 
screver mais estas quadras da mesma poesia : 

« 

Enlão surjamos altivos 

E lancemos ao redor 

Do olhar — lampejos mais vivos 

Da lyra, — canto melhor! 

Embora a turba resista, 
Ganhemos nosso lugar; 
Generosos dando vista 
A quem nos quizer cegar! 

Façamos néctar divino 
D^cssas gottas de amargor! 
De cada gemido — um bymno — ! 
De cada espinho— uma flor! 

«Isto é «admirável e francamente não sei quem faça me- 
Uíores versos do que esses. 



t68 

cDe Dovo agradeço o seu favor e lhe protesto que 
sou, etc. 
Parada de Gonta, 4 de março de 1870. 

Thomaz Ribeiro. 

c quem ha que tenha respirado nas poesias 

posthumas de A. J. Franco de Sá os perfumes singelos 
d'aquella alma graciosa de adolescente e de poeta?» diz 
o snr. M. Pinheiro Chagas no artigo — BibliographiaBrc^ 
sileira — , publicado no n.° 68 do Brazil de 25 de março 
de 1873. 

Resumindo, portanto, nSo me cançarei de dizer que 
nSo encontro em suas poesias affectação nos sentimentos 
que exprime, nem artiQcios de phrases e de imagens: o 
que ahi ha, brota viçoso do coração ; porque o lyrismo 
sentimental é próprio das imaginações exaltadas e em cujas 
ahnas falia a poesia : — será enfermidade do espirito, que 
exacerba-se ao menor toque da adversidade, e em que 
os affectos combattem-se e fazem explosão com mais ou 
menos violenc4a conforme o grau de paixão que actua 
n'elle. O vulcão ruge, quando mesmo a cratera se não 
abriu para arrojar de si incendidas lavas — a exhuberan- 
cia de vida é para o poeta um tormento, se não entrou 
para seu leito e curso naturaes, nem está limitada e de- 
rivada para um ponto determinado. D'ahi, o vago, o io- 
distincto, o incerto, ora a timidez, ora a demasiada te- 
meridade de toques, o esbattido das cores, que se não 
destacam ou se não accentuam nas suas gradações e tran- 
sicções. Em tudo isso, porém, revelou Franco de Sá qoe 



% « 

havia n'elle imaginação, estro e vocação de poeta e de 
grande poeta. Se n3o sabia ainda tirar de sua ben^ pro- 
vida palheta todas as variadas combinações e cambiantes 
de cores que só a experiência e a crítica ensinam, revela 
comtudo em seus ensaios poéticos o insigne artista que 
perdemos n*elle. 



t 



XII 



o CONSELHEIRO 







. . . Tamor filíale, il eonjogala, il firaterao io una gan 
oommoTenUssima. 

á. BAftTOLA — Viaggi0. 



Quem quizer prejulgar da carreira futura de um indi- 
víduo pelas preferencias e inclinações de estudante, tiade 
enganar-se a miúdo. Para que sahia a borboleta chrysali- 
da — é-lhe mister o vai-vem da fortuna, o attrito dos in- 
teresses sociaes de onde se originará o necessário ca- 
lor. 

Este, grave e reportado, toma-se depois leve e incon- 
siderado, o alheu — religioso, até beato e tartufo, o perdu- 
lário — avarento, o liberal — conservador, o democrata — 
reaccionário, o damejadõr e almiscarado pintalegrete — 
inimigo de salões e modas, e vice- versa. 

Temos no conselheiro Jo3o Duarte Lisboa Serra um 
â'esses exemplos de metamorphose; que de apaixonado 
cultor das musas que era em Coimbra, divorciou-se d'el« 
las logo que pisou terras do Brasil. Ck)mo aquelles deva- 
neios de imaginação que tanto lhe compraziam, aquelle 
contemplar a natureza onde offerecia mais encantos — 



174 



nos cinceiraes do Mondego, na Lapa dos Esteios, no Pe- 
nedo das Saudades, nas minas de Sancta Clara, aquella 
devota applicação aos poetas, aquella convivência com 
José Freire de Serpa Pimentçl, com Forjaz e com todos 
os talentos que rebentaram e floriram ao magico im- 
pulso de renascimento, produzido pela eschola românti- 
ca, aquella incançavel acquisiçSo de conhecimentos — 
aquelle incessante enriquecer as paginas da Revista Aca- 
démica, veiu por último a disparar no que ha de mais 
prosaico na vidai O poeta de Coimbra tornou-se depois o 
empregado de fazenda preoccupado de transacções flnan- 
ceiras e de operações de bancos. 



II 



É mais um engenho d*eleição que se puriQcou nas 
aguas lustraes do Itapècurú. Â 31 de maio de 1818 nas- 
ceu João Duarte Lisboa Serra, na freguezia de Nossa Se- 
nhora das Dores do Itapecurú-mirim, no sítio onde seus 
pães, o commendador Francisco João Serra, abastado pro- 
prietário rural, e D. Leonor Duarte Lisboa, oriundos am- 
bos d'estirpes illustres, residiam e possuíam suas lavras. 

Tendo a desventura de perder a mãe quando carecia 
mais do seu amor e cuidados, achou em sua tia, D. Igna- 
cia J. Serra, quem a substituísse, tomando-o a elle^ aos 
irmãos para sua companhia, e trazendo-os a todos para 
a cidade de San' Luiz. 

Affeiçoou-se essa boa senhora a João Duarte, que por 



175 

seu character meigo e affectuoso e pela muita brandura 
soube conquistar-lhe o coração para n'elie ter preferencia 
a todos os outros #rm30Sy mostrando-se sempre mere- 
cedor do affecto quasí maternal que lhe consagrou a tia 
de quem era os encantos. 

Na capital do Maranhão, juncto d'essa sancta e aman- 
tíssima senhora, fez os seus estudos preparatórios, appren- 
dendo primeiras letras com o sr. Alexandre José Rodri- 
gues, latim com F. Sotero dos Reis, e as demais disci- 
plinas também nas aulas públicas que já por esse tempo 
mantinha a província. Sua applicação e desenvolvimento 
intellectual foram recompensados desde logo com as sym- 
pathias do sábio professor de latim, que se não contentou 
só de revelar-lhe as recônditas bellezas de Yirgilio e 
Horácio, para que as podesse avaliar por si, senão tam- 
bém d'incutir-lhe o gosto péla litteratura e pelos clássi- 
cos, ratretendo-se nas longas palestras que tinha com o 
discípulo em micial-o na arte poética ; ' que era este o 
fraco d'aquelle eminente philologo. Em conhecendo intel- 
ligencia nos discípulos, que lhe prestavam attenção, era 
um discorrer pelos campos da philologia, da archeologia 
e da poesia, e um prodigalisar do muito que lhe ensinara 
a experiência e o estudo. 

Estava João Duarte em 1834 com os seus dezeseis an- 
nos e prompto nos estudos preparatórios, quando partiu 
para Portugal com destino á universidade de Coimbra. 
Não se pagando seu espirito curioso e sedento de saber 
só com as sciencias mathematicas, frequentou depois o 
curso de sciencias naturaes ou philosophicas como ainda 



176 

hoje s3o appellidadas pelos vetustos estatutos d'aqueUe 
estabelecimento scientíQco, de modo que em 1841 tiuha 
elle os graus de bacharel formado emiambas estas facul- 
dades. 

N'esse trecho de sete annos que passou em Ck)imbra 
soubera angariar a estima e amizade dos condiscípulos e 
contemporâneos e até de lentes, e o que é mais extraor- 
dinário, de muitas familias da cidade. Devia-o ao seu na- 
tural bondoso e grave sem affectaçio, a uma modéstia 
e comportamento honestíssimo que o tomaram desde 
logo distincto entre todos. 

Repugnavam á sua indole as turbulências, as troça» 
e essa ostentação vaidosa com a mira de fazer praça d'es- 
troina. 

Vivia João Duarte, sobretudo nos derradeiros annos 
de frequência, relacionado com a bõa sociedade conimbri- 
cense, a cujos saraus concorria quando lh'o permittiam 
seus estudos ou lides litterarias. 

Nas ferias fazia excursões pelo Minho e Beira, perlus- 
trando todos os sítios afamados por seu panorama pítto- 
resco e poético. 

Foi em uma d'ellas que, por intervenção do seu coUeg» 
José Hermenegildo Xavier de Moraes, travou conheci- 
mento, na cidade do Porto, com a família Sampaio, natu- 
ral e domiciliaria do Rio de Janeiro. Ficou desde logo ren-- 
dido de amores por uma d'essas interessantes Qumineo- 
ses, a ex."* sr.* D. Ignez Amália Sampaio que tomou-se 
a dama dos pensamentos do poeta. 

Seus cantos inspirados como os de Serpa Pimentel e 



177 

João de Lemos pelas agaas do Mondego e pela formosura 
de seus campos, onde sussurram as brisas por entre 
os salgueiraes e choupos, vinham resplender nas paginas 
da Remta Académica, jornal que fez epocha nos annaes 
litterarios d'aquella colmea de engenhos privilegiados, e 
a que^ como um de seus redactores, confiou parte de 
suas inspirações em verso e em prosa. Folheando agora 
essa rara collecção, não posso deixar de dar um ou outro 
trecho para por elles formar-se idéa dos traços physio- 
Domicos de João Duarte, em uma das quadras mais do- 
nosas e felizes de sua existência. 

Sumiu-se o sol I É quasi amortecida 
A mada desmaiada natureza ! 
E em dormente langor, em paz serena 
Parece moUemente reclinar- se 
Nos torvos braços da calada noute, 
Que de sombras em leito magestoso 
A vae acalentando. 

Sumiu-se o sol ! € as prateadas nuvens 
Que sobranceiras podem yel-o ainda 
Perder-se pelo abysmo, Yâo-se orlando 
De rica franja, que em matiz mimoso 
As cores d' alma todas tem pintadas 
Na hora da saudade. 

O manso gado, que na opposta margem. 
Pascendo ao som de pastoris avenas 
Gosou do dia fulgidos ardores. 
Ora vadea vagaroso o rio, 
Ou já do aprisco ruminando á porta, 
E do tenro filhinho a tez lambendo. 
Pelo pastor aguarda. 

Pamthion— Tom. ii. H- 



i78 

Tado req)ira plácido socdgo I 
Só ligeiro batel, que vae cortando 
A branda face do crystal luzente, 
Ondas formando que os anneis retratam 
Crespos, mimosos, de engraçada coma, 
Com sumido suspiro está turbando 
O silencio geral á hora tão meiga, 
E sobre o leito de brilhantes pérolas 
Obriga a tremular suavemente 
Os salgueiros da margem . . . 

Com os olhos fitos no arenoso fundo. 
Rosto sombrio, definhado aspecto. 
No tosco bordo o peito debruçado 
E suspensa, no braço, a fronte pallida. 
Como quem todo em si embevecido 
D'angustías soífre dolorosos trances 
Vae afflicto mancebo. 

Debalde intenta procurar nos echos 
Consolo a seus pezares ; 
Aperta-Ihe a garganta atroz cadea, 
Mais rígida, que o bronze, e lhe suíToca 
A triste voz no peito . . . 

Os olhos estão seccos, nem das pálpebras 
Túmidas, como enchente represada, 
Lhe é dado verter magicas golas, 
Que molhando-lhe as faces lho mitiguem 
Os sofifrimentos d'alma . . . 

Em v5o pretende do anciado peito 
Um suspiro soltar, que amcnisando 
D'amargas afllicçôes atro veneno. 
Lhe consinta provar na soledade 
Doce melancholia ; 



179 

Sem aos lábios chegar, seus ais fenecem, 
Ou mais acerbos pelo baldo csfôrço 
Na fonte, que os verteu, vae intomando 
Requinta das essências de amarguras 
De negro fel em bagas. 

Quem tantas dores lhe entranhou no seio? 
Quem lhe gravou no juvenil semblante, 
^ A macillenta cdr, que tinge as faces 
No extremo da agonia ? 

Ah ! não me illudes, seductor enleio f 
Que traz elle o cuidado em triste ausência, 
Affogam-lhe o sorrir memórias ternas. 
Disfarçadas com as vestes da amargura : 
É essa dor que lhe corta os seios d'alma, 
É a dor da saudade. 

Coimbra, 1839. 

lU 

A nossa existência é uma constante antithese : ao bem 
succede o mal — á ventura o infortúnio, ás alegrias a 
tristeza I Quem está seguro de si e pôde contar que no 
meio dos prazeres se não abrolhem as dores, como um 
céu sem nuvens ennoita-se de repente e é atravessado 
pelos bulcões da tormenta ? f 

Não era João Duarte Lisboa Serra exceptuado d'esse 
fadário que acompanha o homem desde o berço : se lhe 
tinham deslisado felizes e serenos os dias em Coimbra, 
ao relirar-se tfella, foi golpeado no mais íntimo do cora- 
ção pela dura adversidade. 

De seus irmãos nenhum lhe era iqais caro que D. Leo- 
nor, com quem se creára e a quem amava até a idolatria. 



i80 

A 10 de março de 1839 succumbia ella a uma grave en 
fermidade ; mas sua família julgando prudente occultar a 
notícia a Jo3o Duarte, só lh'a communicou depois de con- 
cluidos seus estudos. 

A paixão que então se apoderou d'elle melhor a dizem 
seus escriptos e as palavras de consolação que escreve- 
ram seus condiscípulos e amigos no seu álbum ^* Ainda 
essa dor era tão viva, que devolvidos mezes, ao chegar ao 
Maranhão e ao visitar a sepultura que encerrava os des- 
pojos de sua adorada irman, inspiraram-lhe as saudades 
uma sentida poesia, que fez publicar precedida das se- 
guintes linhas : 

«Em qualquer recanto do globo em que me asyle, no 
labyrintico tumultuar das cortes, ou no plácido remanso 
da natureza, — no centro da risonha prosperidade, ou a 
braços com a feia adversidade, ohl nunca este dia dei- 
xará de ser por mim consagrado á mais viva, á mais pun- 
gente saudade, nem os meus suspiros, convertidos em 
ardentes preces, deixarão de subir ao throno do Senhor. • 

Essa peça poética dado que se resinta da eschola clás- 
sica, é digna da apreciação dos leitores: 

ISTO OElwIITBTtlO 3DOS OURISTÀOS 

Asylo da soidáol . . . morada escusa 

Dos mortos 1 . . . quani sublime falias 

Ao coração do Vate, que te busca 

De saudosas memórias repassado, 

(Oh 1 quam saudosas I) c no pó das campas 

Vem meditar saudades, que revela 

O silencio (}os túmulos ! 

* Vej. nota B In fine. 



1 



181 

Ail triste 
Do que na flor dos annos mais viçosos 
Vem aprazer-se aqui I — do que nSo teme 
Entrar as portas da mansSo sombria 
Onde moram finados I — do que escuta, 
Tranquillo o som da morte com que geme 
O vento que roça tão sinistro 
Sobre as campas geladas I . . . 

Ai t do triste 

— Por qu'esse coração magoado sofire 

As fragoas da saudade mais pungente ! 

— Porque sente um vasio, que no mundo 

Encher-se já náo pôde ! — porque nutre 

Relaç(3es com o sepnlcbro — e a existência 

A esvair-se começa t 

D'um só golpe 

NSo se passa da vida á eternidade, 

— Morremos cada dia nos que morrem 

P'ra o nosso coraçSo. Aquellas cordas, 

Que tão doces vibrava um caro amigo. 

Um irmão tâo querido, a caroavel 

Estremecida mãe, o Pae virtuoso. 

Se a tema mão lhes falta que as tangia. 

Ou se quebram, ou froxas só resoam 

Os carpidores sons da magoa eterna. 

Irman I . . . nome do ceu com que se ameiga 
A Índole mais crua I . . . nos meus lábios 
Jamais tens de roçar sem que as entranhas 
Com farpa envenenada vá callar-me 
Ralladora saudade I ... A casta, a pura 
Companheira fiel da infância minha, 
Irman do sangue e d'alma me ha fugido. 
Fugido f . . . e para sempre I . . . 

P'ra sempre ! (voz cruel do desengano í) 
P'ra sempre m'a roubou a fria lousa 
Do gellado sepulchro I . . . 



482 

NSo roais hSo de o sea collo de alabastro 
Cingir os braços meus;— dos róseos lábios 
N8o mais um meigo riso, uma temara, 
Uma palavra só de voe tfio meiga ! . . . 

Doce nome de irmão ! com que magia 
Sabias d'esses lábios innoccntcsl 
Essa voz divinal, só mereciam 
Os cânticos de Deus ; — ao ceu voaste, 
Anjo meu muito amado, e lá mudulas 
Os cânticos de Deus : — azinbas brancas 
Nos azulados ares te equilibram 
fim tomo do seu ibrono. 



Mas ab ! nâo percas tu com a forma angélica 
Ideas do passado (tfio ditoso) 

La no seio da glória uma lembrança 
Guarda do IrmSo querido! 

Esta capella d'alvas açucenas, 

— Imagem da candura e da innocencia — 

Vou depol-a na tua sepultura, 

E sobre ella chorar. . . tardo tributo! . . . 

Mas (inda mal!) o único na terra 

Que me foi concedido offerecer-te! 



Quando já na agonia a voz sumida 
Balbuciava um nome de ternuras 
Co assento mavioso da saudade . . . 
Esse nome . . . (requintes d'amargura !) 
Esse nome que entfio balbuciaste . . . 
Foi o meu . . . mas o túmido oceano 
Entre nós se interpunha, e esse sorriso, 
— Sorriso derradeiro de teus lábios — 
Apagou-se ! . . . e eu nfio pude colhel-o! . .. 



i83 

Quem ha de aqui mostrar-me o teu jazigo? 
N'estas alas de tristes catacuodaas 
Uma cifra sequer, que nos alembre 
O christSo, que ali dorme, não descubro (I) 
Silencio gelladorF. . . mudez solemnel 
— Só perturbada pelo som medonho 
Da enxada do coveiro, sob os ossos 
Rangendo, descamados, — repetido 

Logo depois nas sepulchraes abobadas f 

• 

Vaidades d'este mundo ! van soberba ! 
Ostentação I grandezas! eis o escolho 
Onde certo o naufrágio vos espera f 



No berço, e no sepulchro, — dois extremos 
Da viagem do homem sobre a terra — 
Seus desígnios bem claros patentea, 
Iguaes todos formando a natureza. 
Mas na cega carreira o mortal cego, 
Da essência deslembrado, não receia 
Transgredir esta lei suave e doce \ 
Tão suave, tâo doce, que bastara 
Delicias a intomar sdbre o universo ! 



Ah ! se viesse meditar nas campas 
Um^hora ao menos o mortal na vida 1 1 



Oh ! dorf nem este ao menos me foi dado 
Consolo amargo de chorar sobre ella, 
E dizer em meu pranto, em meus gemidos 
«Aqui moram suas cinzas. . . aqui dorme 1 . . . » 



E quem se atreve a perturbar o canto, 
Último canto do mortal na terra? t 



184 



Oh ! e hSo-de teas ossos, anjo amado. 
Teus despojos mortaes ir ccmfaodir-se 
Na lobrega cisterna, c'os despojos 
Do feroz assassino, e do malvado, 
Que n'hora derradeira, inda descrente, 
Ao som de imprecações, rangendo os dentes 
Expirou maldizendo o Omnipotente? I 

O cordeiro e o tigre repousando 

Na mesma habitação ? I O crime horrendo 

E a virtude cândida abraçados?! 

A rola e o condor? f Barbara usança t 

Pouco digna d'um povo que se preza 

De crente, de christão e d'iliustrado. 

Acatae com mais zelo, ó maranhenses, 
Os despojos mortaes da humanidade I 

NSo me culpes, ó anjo, nSo ; que a custo 
Do próprio sangue te comprara as cinzas. 

(Oh ! ditoso que eu fora, se o podesse t) 
Tarde vim, mas assim estava escripto 
Do grande livro na mais negra página!. . . 

Ao menos no jazigo d*onde á força 
Teus restos arrancaram, hoje dormem 
(Breve o somno será, como o teu fora.) 
Os restos d'um amigo ^ ... Ah ! S'inimigo; 
O maior, mais jurado, esse o meu fora, 
So este enlace me forçara a amal-o. 

Mas tu sorris de gosto Já no empíreo. 
Tu és grata ao Senhor, e não te lembra 
O pézo que na terra abandonaste. 
Oh ! que sem esta ideia m'esta]ára 
De dor o coração ! . . . é d'ella filho 
O sorriso que ás vezes, como a furto 
Pelas faces me adeja macilentas. 

('amill'* tU Síh^ Ferraz. 



I 



185 

Doce religiSo t sem o teu bálsamo, 

Que seria o mortal nas amarguras ! 

Da vida? Este conforto táo suave 

Quem me daria? quem? se tu não foras? 

ElJa era a própria innocencia, 

A belleza, a castidade ; • 

Arraiava-lhe nas faces 

A flor mimosa da edade. 

i 

_ m 

Tinha a virtude no peito, 
Trazia a paz no semblante ; 
O meigo som de sua voz 
Era doce, insinuante. 

Um só volver de seus olhos. 
De seus lábios um sorriso 
Na terra aos mortaes lembrava 
Dilicias do paraiso. 

E qual o lyrio fragrante. 

Que rijo ferro ceifou. 

Tantos encantos n'um dia 

A dura Parca roubou t . . . t 

Ah ! foi um anjo, ' 

Que ao céu subiu... 
Toi uma roza, 
Que nSo se abriu. .. 

Foi um perfume, 
Que s'exhalou... 
— Uma harmonia, 
Que resoou ... 

Foi uma estrella. 
Que resplendeu, 
E n*um momento 
Despareccu. . . 



.»• 



1^ 



186 

Era anui ioeraie, 
Casta pómbÍDha ; 
Doce esperança, 
Só DO ceu tinha. 

Ouvia perto 
Piar abutre, 
Que da ínnocencia, 
Fero, se nutre. 

Ao céu voando, 
Symb'lo de amor, 
Fugiu ás garras 
De negro açor. 

E o anjo, c a roza, 
Mago perfume, 
E a harmonia. 
Que dons resume. 

E a fina estrella 
Resplandecente 
E a casta pomba 
Meigo — gemente. 

A pompa adornam 
Do Creador ; 
S2o alli gratas 
Ao seu Senhor. 

Gomo lia na pedra 
P*r*o aço rude. 
Em Deus ha iman 
Para a virtude. 



Maranhão, em 10 de março de 1842. 



i87 

Reodido esto tributo de saudade á carpida memória da 
irman» cuidou Jo3o Duarte em ir visitar os sítios onde 
nascera. Fez-se transportar para a fazenda de seu pae, 
onde ia retemperar o espirito ao rever os bosques e ba- 
nhar-se nas aguas do rio nativo. 

Variados attracti vos o convidavam n'essa digressão : — 
avivar saudosas recordações dos passados dias e dese- 
dentar a paixão da caça, muito a seu sabor; mas não tar- 
dou que pagasse caro a imprudência de expor-se ás 
intempéries e rigores do clima, quando já estava desbabi- 
tuado de tantos annos a elles. Âccometteram-n'o febres 
intermittentes mui rebeldes, que fizeram temer por sua 
vida. Tomou-se então para a cidade onde restabeieceu-se 
pelos desvelados cuidados de seu cunhado e medico as- 
sistente, o dr. José Miguel Pereira Cardoso (já fallecido). 

Gonhecendo-se completamente restabelecido da molés- 
tia, de que lhe ficou bepatisação chronica de figado e 
baço, com frequentes exacerbações, retirou-se para o 
Rio de Janeiro, onde o aguardava a noiva; e assim tanto 
o coração como os impulsos de uma nobre e bem jus- 
tificada ambição, tudo o impellia para abi. Nos fins de 
1842 acbava-se elle já na corte do império, onde contra- 
hiu laços matrimoniaes com a ex.°^ senr.* D. Ignez Amá- 
lia Sampaio, a cujos encantos prendeu-se desde que a 
vira na cidade do Porto. Touxe esse enlace não diminuta 
fortuna que juncta aos haveres que addiu da herança pa- 
terna, collocaram-n*o em independente e vantajosíssima 
posição e sem apprehensôes pelo futuro da familia. Âp- 
proveitou desde logo o conselheiro Manuel Alves Branco, 



i88 

então ministro da fazenda e presidente do conselho, os 
merecimentos do nosso comprovinciano, nomeando-o 
inspector da tbesouraria da província do Bio de Ja« 
neíro. 

Eleito em 1847 deputado pelo Maranhão, distingoia-se 
na sessão de 1848 por soa moderação, espirito recto e 
altamente cultivado, como assaz o patenteoa nás discas- 
sões em que tomou parte. A situação prenhe de perigos 
e a surda agitação que se notava em certas províncias, 
requeriam do governo muita circumspecção na escolha 
dos presidentes. O respeitável estadista que então geria 
os negócios, o insigne Paula Sousa, escolhera para admi- 
nistrar a Bahia o conselheiro João Duarte, e n'esta con- 
formidade sollicitou da camará temporária seu consenso 
para que o novo presidente entrasse desde logo no exer- 
cicio de seu cargo. 

Os debattes, que houve por essa occasião, foram irrefra- 
gavel testemunho do bom conceito que geralmente se 
formava do character e virtudes politicas d'este distincto 
maranhense, e que elle veiu ainda mais confirmar nos 
trinta dias em que administrou a Bahia; porque tenão a 
29 de setembro de 1848 subido ao poder opposta politica, 
o novo gabinete o exonerou d'essas funcções que eram de 
confiança. Mas foi sufiiciente tão brevíssimo prazo para 
que os bahianos concebessem as mais auspiciosas espe- 
ranças de sua administração, e elle conquistasse as sym- 
pathias geraes, angariadas pelas maneiras afifáveis, atten- 
ciosas e cortezes com que acolhia a todos sem distincção 
de gerarchias, de principios e nacionalidades; e o crite- 



i89 

rio, prudência e segurança com que resolvia as questões 
e negócios administrativos. A sua partida da cidade de 
S. Salvador teve um acompanhamento numerosíssimo e 
espontâneo — desde o arcebispo, dos mais altos funcdo- 
narios civis e militares, do corpo cathedratico da faculdade 
de medicina, até o mais humilde cidadão — todos á uma 
porfiaram em dar-lhe n'este solemne momento eloquen- 
tes demonstrações da alta estima em que o tinham. 

Chegado á corte com tão avantajada reputação, procu- 
rou o ministério neutralisar a má impressão occasionada 
por este acto, dando4he o titulo de conselho, e d'ahi a 
pouco nomeando-o thesoureiro geral da fazenda nacio- 
nal. Foi isto occasião para que se lhe descubrisse e apre- 
ciasse a aptidão e bom senso práctico em negócios de 
fazenda. 

Projectando, tempos depois, o ministro da fazenda, 
conselheiro Rodrigues Torres, fallecido visconde de Ita- 
boraby, organisar o banco nacional, ouviu muitas vezes 
o parecer de João Duarte, aproveitando muito de suas 
luzes na formação dos estatutos d*essa útil instituição de 
credito. Fundado o Banco do Brasil era indigitado pela 
voz pública para dirigil-o, como seu presidente, mais de 
um homem proeminente e encanecido nos negócios. Mas, 
desprezando o visconde de Itaboraby similhantes insinua- 
ções, foi buscar o conselheiro João Duarte Lisboa Serra 
para tão elevado quanto cubicado encargo. 

Até sua morte esteve elle á testa d'este estabeleci- 
mento para o qual entrara desde sua creação. Foi a elle 
a quem coube o alTanoso trabalho e a glória de pôr em exe- 



i90 

cução sua lei orgânica» de dar-lhe a primeira direcção, de 
iniciar practícamente e de fazer fanccíonar as rodas ainda 
novas e perras de tão complicado e grandioso mecbanis- 
mo ; o è ainda mais para louvar que em todo o decurso 
de sua longa gestão, a despeito da inexperiência e da 
novidade, não houve uma queixa, uma falta, o mais pe- 
queno transtorno. Já é islo por si só um documento in- 
contestável, honroso e irrefragavel de seus méritos, se os 
subsequentes actos da sua vida pública e particular não 
fossem de não somenos valia. 

Veiu a nossa província por sua vez honral-o, envian- 
do-lhe o diploma de seu deputado ao parlamento na le- 
gislatura de 1853-1856. 

Moderado nas opiniões politicas, como em todas as 
outras manifestações da vida pública e particular, não 
desdisse no parlamento do bom conceito que havia ad- 
quirido. Liberal de convicções e de principios, mas sem 
pertencer a nenhum grupo individual, não se encostava 
a parcerias, nem tornava-se echo das exaltações dos pa- 
ladinos do jornalismo ; e nem por isso deixava de sus- 
tentar suas opiniões. Convidado pelo conselheiro Carnei- 
ro Leão, fallecido marquez de Paraná, para tomar parte 
no' gabinete que este organisou em 1853, reíusou-o, pre- 
ferindo ao luzimento de tão alta posição a integridade de 
suas ideas politicas. 

Evitava deslustrar o mandato popular, entrando nas 
discussões mesquinhas e odientas de partido; mas quando 
appreseutavam-se na tela importantes questões de flnança 
e de legislação, não trepidava nem se fazia esperar, se- 



i9i 

Dão que desenvolvia desassombrado seu juízo com locu- 
ção fácil vernácula, elegante e precisa. 

Era o mesmo cidadão, o mesmo funccionarío, acarea- 
dor de estimas e respeito, fosse na lice parlamentar, na 
thesouraria, no banco do Brasil, no tracto familiar;— 
sempre plácido, cortez, sem affectação no seu dizer, de 
porte singelo e discreto, motivando sempre seu parecer, 
como para des^npenhar-se de seu mandato, levava o con- 
vencimento ao espirito do parlamento, explanando e des- 
fiando com lucidez os mais sólidos argumentos. 



IV 



O conselheiro João Duarte trabalhava mais do que se 
compadecia com sua constituição deteriorada desde 
1842. Assiduo e pontual nas repartições de que foi chefie, 
examinava quanto corria por ellas, e preparando todos 
os trabalhos com aquella brevidade que sua inteliigencía 
prompta lhe facilitava, ainda tinha horas para a intimidade 
do lar domestico, recreando-se no íntimo com a família a 
quem dedicava religioso culto, estremecendo a mulher e 
os filhos, com entranhado affecto, e preocupando-se com 
desvelo e carinho do seu futuro e bem estar d'elles. 

Não descurava também seus negócios particulares, 
dando emprego productívo a seus capitães, reconstruindo 
seus prédios, embellezando e tornando confortável sua 
habitação. Não impediam tantas occupações a que com- 
parecesse ás sessões das sociedades scientíficas, indus- 



Iriaes, d'instrucçâo e de charidade a que pertencia, ás reu- 
niões de emprezas que se organisavam então na corte 
com febril entbusiasmo e em cujas discussões e exames 
de conta tomava mui activa parte. 

Não ficava só n'isto sua incomparável actividade ; era 
por egual procurador dos que pediam sua protecção, 
quer apadrinhando pretenções de viuvas, de orphams, 
quer as dos naturaes de sua provincia, o que constituía 
para elle obrigação e dever. Por ellas esforçava-se com 
todas as veras e não descançava senão quando havia lo- 
grado o intento, já arranjando um emprego para este, já 
protegendo um estudante ou accudindo com sua bolça a 
um necessitado. 

Á contenção d'espirito com que abafava no peito leves 
desgostos, e realisava tantos trabalhos sem descançar e 
fazendo mais do que as forças lh'o permittiam e sem que 
ao menos as vigorasse com algum regimen hygienieo, 
appropriado, tomaram incremento seus padecimentos de 
fígado que complicaram-se com o dos rins, resultando 
d'elles a incurável infermidade que o levou á sepultura 
em 16 de abril de 1855. 

Foi-lhe bem dolorpso e prolongado o soflrimentol Ck>- 
nhecia o conselheiro João Duarte seu deplorável estado 
e mortificava-o a excruciante lembrança de que em breve 
aparlar-se-hia para todo o sempre da esposa ainda tão 
nova que ia ficar desamparada de seu natural prote- 
ctor, e de seus filhinhos na infância o quando mais ne- 
cessitavam de seus conselhos e direcção, e esta idea nunca 
mais o abandonou, como um veu negro que lhe enluctava 



.. i 



-í 



i93 



O coração t Um dia que assistia ao jantar da faimilia, accu- 
dín-lhe ella ainda mais despedaçadora, e excitando-lhe a 
pbantasia, traçou abi mesmo a lápis este cântico repas- 
sado da mais pura resignação evangélica quanto elevada 
unção moral : 



Morrer tfto moço ainda t quando i^nas 
Começava a pagar á pátria amada 
Um escasso tributo, que devia 
A seus doces extremos f 

Morrer tendo no peito tanta vida. 
Tanta idea na mente, tanto sonho, 
Tanto afan de servil-a, caminhando 
Ao futuro com ella t . . . 

Se ao menos de meus filhos eu podesse^ 
Educados por mim, legar-lhe o esforço . . . 
Mas, ah! que os deixo — tenras florezinhas, 
Á mercê dos tufOes. 

Vencerão das paixGes o insano embate? 
SuccumbirSo na lucta do egoísmo? 
As crenças, a virtude, o sentimento 
Quem lhes ha de inspirar? 

NSo te peço, meu Deus, mesquinhos gosos 
D'este mundo illusorio, mas suppUco, 
Tempo de vida — quanto baste apenas — 

Para educar meus filhos. 

* 

É curto o prazo, dae-me embora o fel 
Dos soffrímentos, sorverei contente, 
Lúcida a mente, macerae-me as carnes, 
Estortegae-me o corpo. 

PA?rnROii«-Tov. u. 13 



9 



i^ 



E apófi^ traaquillo, volverei ao seio 
Da eternidade. A fímbria do teu manto, 
Face em terra, beijando-o, — o meu destino 
Ouvirei de tens lábios. 

Rio de Janeiro— 1855. 

Não foi esta a única vez que as musas vieram visitar a 
este desertor do Parnaso, offertando-lhe as harmonias 
que modulava antes que o prosaismo lhe extagnasse a 
veia poética. Golpes bem dolorosos, não ia em muitos an- 
nos, já o haviam feito concilíar-se com ellas, e entoar can- 
tos que em nada desmentem aquelles e onde predomina a 
melancholia, porém melancholia suave e branda, como a 
sua Índole, seu character e seus ailectos. É no Correr das 
lágrimas que estão postas em todo o relevo suas feições : 
a saudade dos filhos que perdeu em tenra edade inspira- 
ram-lhe esses versos que são verdadeiras lágrimas dis- 
tilladas de um coração de pae extremoso e amantís- 
simo*. 

Ninguém melhor do que elle comprehendia e execu- 
tava os deveres a que a amisade obriga. Entre outros 
muitos testemunhos de quanto sobrelevava n'esta virtude, 
desenlranhando-se em obséquios, sem poupar esforços 
para servir aquelles que lhe eram caros, ahi está o affecto 
que o ligou em toda a vida ao poeta Gonçalves Dias. 

Foi elle quem descobriu-lhe o talento, quando, igno- 
rado de todos, frequentava a aula de latim no lyt:eu de 
Coimbra ; foi quem propoz aos companheiros de casa 

* Vej. nota C no fim. 



i95 

que o hospedassem ; quem se empenhou para que não 
abandonasse os estudos, e se retirasse para Caxias como 
pretendia. Depois, no Rio de Janeiro, a sua bolça e 
a sua meza bizarramente postas á disposição do poeta, 
que, cedendo ás instantes rogativas de João Duarte, não 
se despediu d'estes favores até que melhorou de sorte 
com o emprego de secretario do lyceu de Nictheroy, al- 
cançado por influição d'aquelle. Morava então Gonçalves 
Dias em «m segundo andar da rua da Misericórdia, quasi 
fronteiro á casa de seu amigo, de quem era commensal. 
Nas frequentes difficuldades pecuniárias recorria também 
ao amigo, sendo preciso da parte de Gonçalves^Dias, cuja 
delicadeza não soffria ser molesto a ninguém, inventar 
ardis para reembolçal-o das quantias obtidas a titulo de 
empréstimo. ^Quantos maranhenses valeram-se da sua 
posição e prestigio para verem-se approvados em exames 
preparatórios, e para se lhes relevarem faltas ? A uns sup- 
pria de mezadas, a outros hospedava, e a todos obse- 
quiava e servia, sendo a mór paite das vezes a única re- 
commendação a seu valimento o serem filhos do Mara- 
nhão. 

Testemunha presencial de muitos doestes factos durante 
os annos que residi no Rio de Janeiro e em que o fre- 
quentei, reforço meu asserto com os de dois cavalheiros 
respeitáveis e acima de toda a suspeita de lisonja. 

O juiz de orphams da capital do Maranhão, o dr. Ray- 
mundo Alexandre de Carvalho^ em um artigo necrologico 
em que pranteava tão chorado passamento, assim resume 
as qualidades que ornavam o alto espirito do conselheiro 



i96 

João Duarte : tNão se encontra em toda a vida do 

conselheiro Lisboa Serra um só facto que venha desmen- 
tir o seu procedimento. O homem que raciocinava, era o 
homem que obrava. Jamais durante o tempo em que foi 
representante da nação, se suscitou uma ideia tendente 
ao progresso moral e material do seu paiz que não fosse 
defendida pela sua eloquente voz, pela sua vigorosa ló- 
gica. Seus discursos são eternos monumentos d'essa 
verdade.» 

€ O Brasil era a sua pátria, elle a amava ; porém o 
Maranhão era o sen berço, elle a adorava, e por isso, no 
afanoso pA)pugnar pela felicidade commum, sempre esta 
porção do solo brasileiro lhe mereceu desvelos, amor 
e dedicação ^> 

c Poucos brasileiros, diz o sr. dr. Fábio ^, tem subido 
a posição tão elevada em tão verdes annos, e o que mais 
è, sem uma baixeza, sem uma deslealdade, e sem esse 
audacioso despejo que a tantos tem aproveitado. João 
Duarte não era e nem podia ser homem propriamente 
politico ; pois que lhe faltava a audácia de espirito, a du- 
reza de coração, e mesmo a fortaleza de character do ho- 
mem de partido. > 

tLiberal por convicção e espirito de justiça era ao mes- 
mo tempo dotado de indole tão branda e pacífica, que 
não lhe era permittido acompanhar os homens de sua 
crença no ardor das luctas e aggressôes partidárias. Preoc- 



1 Vej. o Observador, d.° 462 de 14 de maio de 1855. 
^ Vej. o Diário do Maranhão de 1 de junho de 1855. 



197 



cupavam-n'o demasiado os perigos da ordem para eotre- 
gar-se sem reserva á onda caprichosa dos partidos. » 

c Gomo politico era imparcial, recto e justiceiro até a 
severidade, só pela profunda consciência do dever, e im- 
maculada honestidade de seus costumes. Amigo leal e 
constante nunca esqueceu o amigo ausente, embora hu- 
milde e desfavorecido da fortuna. E quantos lhe não de- 
veram favores e finezas de primor?!» 

c Na qualidade de filho e de pae, de esposo e de irmão, 
ninguém pôde excedel-o, e poucos o igualaram, mas tam- 
bém é certo que poucos teem sido tão bem retribuídos 
sobre a terra. Até á sua hora extrema viu-se sempre ro- 
deado de cuidados e affeições ternas de uma família des- 
vellada e carinhosa, e ainda teve a consolação de dizer o 
último adeus ao seu irmão Joaquim Serapião da Serra 
que, ao rebate de sua enfermidade, voou apressurado dos 
confins do império para juncto de seu leito de dor. > 

«Sem exageração póde-se dizer de João Duarte que 
somente o não amaram os que nunca o viram e tracta- 
ram; e se tantos extranhos lamentam a sua prematura 
perda, o companheiro de sua infância que, como eu, lhe 
foi ligado pelos laços do sangue e da amisade, não pôde 
deixar de derramar lágrimas e flores sobre sua campa.» 

Accrescentarei como remate, que exemplos d'estes re- 
temperam os ânimos de seus conterrâneos e os incitam 
a imital-os, tendo virtudes tão nobres e insignes por he- 
rança de familia que se não deve desperdiçar antes con- 
servar e augmentar. 



xm 







Aimer le viai, le beao, chercher leur hannonie ; 
Écooter dans son cceor Técho de soo génie ; 



Voilá son bicn, sa vie et aon ambilion I 

ALPRBD Dl MUSSBT. 



Eis ahi um typo de poeta que se afastava dos mais. 
Nio veríeis nunca Trajano Galvão de Carvalho com a tris- 
teza, real ou affectada, como que a debuxar-lhe no rosto 
os pensamentos que lhe tumultuavam n*alma, como effei- 
tos do hysterismo lyrico. Essa adoração platónica a uma 
Ella, a uma Elvira sempre esquiva, e de mera convenção 
para muitos, não lhe aQnava a lyra, nem as manifestações, 
não menos chimerícas, das desordenadas paixões de By- 
roD e de Musset eram os bordões de seus versos. Não 
havia n'eUe nada de estudado, de postiço ou de insidioso. 
Simples na compostura e nos ailectos, desprete^cioso e 
despido de toda a ambição, importavam-lbe pouco vans 
exterioridades e nada lhe aprazia tanto como a obscuri- 
dade. Viver retirado e desconhecido eram suas delícias, 
seus anhelos. Contentava-se, por tanto, da vida agrícola 
rotineira e rude, como ainda hoje a vemos na nossa pro- 



202 

vincia, onde as fazendas estão separadas enlre si por largo 
tracto de legoas, passando-se a miado mezes sem qae fre- 
quentem a habitação rústica do fazendeiro outras pessoas 
que os próprios membros da familia, os escravos e o fei- 
tor. Era ahi, era no meio de profunda soledade, ^n sel- 
vática mansão, que Trajano sentia verdadeiro prazer, e 
deixava devaneiar seu espirito afeito a contemplações. Se 
dava acaso largas á phantasia e acertava compor versos, 
inspirados á sombra de nossas arvores seculares e copa- 
das, ou ao soluçar dos ribeiros, ao rumorejar das ramas 
da mangueira ou do bacuryseiro, não os reduzia á escri- 
ptura, satisfazendo-se com os haver imaginado, e uma ou 
outra vez com repetil-os a um amigo, e n'isso ficava. 

Se nascesse francez teria sido acabado bobemio» a quem 
Henrique Murger ou Chamfleury não ganharia, se na Itá- 
lia — um lazzaroni a espreguiçar-se ao sol aquecedor de 
Nápoles e ao queixoso murmúrio de seu formoso golplu), 
n'esse dolce far niente que resume para aquelle ente ex- 
cepcional todos os gosos e sensações imagináveis. Circum- 
dado por esse panorama sempre verde e brilhante, for- 
mado de ai*vores gigantescas e floridas, acalentado pelas 
harmonias e pompas d*essa luxuriosa e radiante natureza, 
e acariciado pelas brisas perfumadas por 'tão exquisitos 
e delicados aromas, enthusiasmava-se Trajano com tantas 
e tão donosas bellezas que lhe embriagavam e adormen- 
tavam a imaginação. Disse Forcade na Revue des deux 
mondes que muita gente deixa de escrever não porque lhe 
faltem os dotes para isso, mas resolução para o fazer. 
Cheguem á meza com o firme propósito de escrever suas 



203 



concepções que o realísarâol Rousseau deplora nas suas 
Confissões o ter deixado d'eQcber grossos volumes por não 
passar logo para o papel muita cousa que imaginara e 
traçara na mente. 

Era esse também o defeito de Trajano , porque a não 
ser a inércia, a desídia desacompanhada do incentivo da 
ambição de glória, teríamos bojo d^elle uma boa coilecção 
de poesias: pelas poucas e breves producçoes que dei- 
xou, é de crer que seria digno de Ggurar em lugar emi- 
nente do nosso Parnaso. 



II 



Nasceu Trajano Galvão de Carvalho aos 19 de janeiro 
de 4830 em Barcellos, sítio que demorava alli pelas cer- 
canias da villa de Nossa Senhora de Nazaretb, á margem 
do rio Mearím. Seus pães, Francisco Joaquim de Carva- 
lho e D. Lourença Virgínia Galvão, viveram unidos pouco 
tempo depois que era elle nado, perdendo o pae quando 
ainda não estava em edade de o conhecer. 

Seus padrinhos Raymundo Alexandre de Carvalho e sua 
mulher a ex.^ sr.* D. Maria Cecilia Bayma de Carvalho, que 
eram também seus tios paternos, propuzeram-se creal-o 
e educal-o, levando-o para sua casa d'elles, na Caxoeira 
Grande, próxima do Codó, onde medrou, folgando na 
companhia dos primos e adquirindo forças que lhe infun- 
diam os exercícios campestres e aquelles ares tão livres 
e salutiferos. D'ahi também é que lhe veiu de certo esse 
gosto tão pronunciado pelo nosso viver campesino e [)elo 



cultivo (la terra. Contava sete aimos e nâo coabecia ainda 
uma só lettra do alpbabeto ; que todo o seu tempo era 
para travessuras. 

Empoz o fallecimento do pae, sua mãe que era ainda 
joven, retlrou-se do Mearim com os Glhos que já estavam 
todos instando por educação, e veiu com eiles residir 
na cidade de San' Luiz, onde passou a segundas núpcias, 
casando com o negociante portoguez António Joaquim de 
Araújo Guimarães. 

Emprehenderam seu padrasto e mãe partir para Lis- 
boa, onde pretendiam dar aos filhos conveniente e com- 
pleta educação : mandaram pois buscar Trajano á fazenda 
dos tios. Para seus companheiros de folguedo e ainda 
mais para seus padrinhos, que o tinham agasalhado e 
creado, e que o consideravam como filho, foi muito sen- 
sível e amarga esta separação f . . . Que dia pranfeado por 
todos não foi o da partida f Não houve, porém, remittir 
nem deter esse golpe, aliás forçoso e útil para quem tanto 
estremeciam. Arrancou-se alQm Trajano doesse ninho sil- 
vestre, e lá se foi para a capital do Maranhão e d'ahi 
em março do mesmo anno de 1838 veiu para Lisboa, 
aonde chegados, o melteram no collegio de José Pedro 
Roussado. 

Se entrou tarde para os estudos, recuperou o tempo 
perdido com os rápidos progressos que n'elles fez, tanto 
assim que aos quatorze annos já sabia os preparatórios 
que se exigiam nas nossas academias de direito, nãoper- 
functoría e superficialmente, como hoje em dia acceitam 
e se contentam com elles os pães e instituidores. 



205 

Era o director do collegio forte do latim, na rhetoríca 
e na língua portugueza, e tinha nisso garbo, D'abi vinha 
que não dava por habilitado n'ellas a quem se não hou- 
vesse de seu vagar aperfeiçoado bem n'essas matérias e 
sem que lhe respondesse de prompto a todos os preceitos 
e dificuldades, e por isso também succedía que a maior 
parte de seus discípulos tomavam amor aos estudos clás- 
sicos e tomavam-se alguns grandes sabedores do idioma 
de Camões, cultivando-o com esmero, e apreciando suas 
riquezas com o conhecimento de quem tem a intelligen- 
cia tão bem desenvolvida quanto cultivada. 

Como os desejos da família eram que Trajano se for- 
masse em sciencia jurídica, entendeu o padrasto acertado 
mandal-o cursar as aulas em San' Paulo ; porque os ba- 
charéis das faculdades forasteiras não podem exercer no 
Brasil cargos de magistratura. 



Ill 



Em julho de 1845 já se achava Trajano em San'PaulO| 
mas não pôde logo matricular-se por ter ainda que es- 
tudar a história antiga e pátria, cujas aulas teve de fre- 
quentar. A sorte lhe foi ahi mofina. 

Trajano tocava flauta com muito gosto e tinha um so- 
pro harto melodioso e firme. Foi a sua desgraça, que 
pois o caloiro tomou-se figura indispensável e obrigada 
das serenatas dos veteranos, e isso bastou para que al- 
guns lentes o tivessem por vadio, e assentassem sem 



S06 



mais exame embaraçar-ibe a entrada na academia. De 
seu natural timido e irresoloto, não se atrevia a aTrtmtar as 
iras dos professores de instmcção secundaria e passar 
pelas provas públicas. Apoderou-se d*elle o temor, e pas- 
soo assim três annos a hesitar sem resolver-se a tomar 
qualquer accôrdo. 

Em 1848 já me achava no Bio a estudar medicina, e 
d*ahi tanto insisti com Trajano que por fim decidi-o a 
seguir para Pernambuco, e não descancei senão quando 
o vi a bordo de um dos paquetes que para alli partiu em 
princípios de 1849. Mal chegou a Olinda fez exames de 
preparatórios e matriculou-se na faculdade. Não teve 
d'ahi em diante estorvo na sua carreira, obtendo boas 
approvaçoes até o terceiro anno em que teve de amar- 
gar os efieitos de um epigramma allusivo ao nome pa- 
tronímico de um dos lentes, homem de lettras gordas. 
Picou-se elle d*essa travessura do estudante, de quem 
tomou desforra no acto. Resentiu-se Trajano tanto do r 
que não quiz continuar mais o curso, e n'es$e propósito 
veiu ao Maranhão a titulo de passar as ferias, e retirou-se 
para a fazenda dos tios e padrinhos que residiam por 
esse tempo no Alto-Mearim. 

Entregava-se ahi a leitura e a suas costumadas contem- 
plações da natureza: eram seus passatempos, matlejar ou 
ler, estudando com dedicação os mais celebrados clássi- 
cos, quer portuguezes, francezes, italianos ou latinos. 

Eslava n*este manso e descuidado viver, disfructando 
os innocentes prazeres da roça, quando em 1854 tomou- 
se a Pernambuco, instado e quasi que arrastado por 



ao7 

seu primo Raymundo Carvalho, que alli estudava. Obtido 
o grau de bacharel formado não quiz demorar-se na ca- 
pital ou sollicitar qualquer emprego, e foi-se de uovo para 
o Alto-Mearím, oude casou a 6 de fevereiro de 1856 com 
sua prima e companheira da infância D. Maria Gertrudes 
de Carvalho de quem houve duas filhas. Entregou-se ahi 
de todo em todo aos cuidados da agricultura que o deli- 
ciavam sobreposse, e ninguém o poude arrancar mais 
das brenhas. 

Não houve traças que se não concertassem para atra* 
hU-o á cidade, mas foram perdidos os esforços dos amigos 
para contrastarem-lhe as inclinações á vida rústica. Es- 
tando a concurso no lyceu da capital da província as 
cadeiras de história geral e lingua portugneza, lembra- 
ram-se de Trajano cujas habilitações para reger qualquer 
d*ellas eram reconhecidas, e em vista d'isto lh'o propoze- 
ram. Mo6trou-se a princípio disposto ao concurso, tanto 
que veiu á capitid, mais para aquiescer aos desejos dos 
amigos que o queriam em lugar onde se lhe despertasse 
o estímulo litterario, do que de impulso próprio. De fa- 
cto assim era ; porque bastou a circumstancia de terem-se 
opposto a essas cadeiras dois antigos collegas, para que 
desistisse do intento e se retirasse de novo para sua fa- 
zenda. 

Quiz eu entSo ver se o encartava na magistratura, e 
em 1658 obtive para elle a promotoria pública da comarca 
do Alto-Mearim onde residia ; mas nSo chegou a entrar em 
exercido e nem ao menos a prestar juramento do cargo. 

Concorreu o padrasto por sua vez aõ mesmo empenho. 



e para isso o cODsUlaiu em 1S61 ^eu procunMlor, dao- 
do-Ihe casa e serviço domestico gratuitos, alem da com- 
missão qae Ibe deiíaría sea trat>albo. Recusoo-se Tra- 
jano, pretextando motivos fateis. 

Em 1862 viu-se elle obrigado a vir com a lamilia para 
a cidade, a 6m de caidar de soa saude arruinada das 
contíDoas febres paludosas. Aproveitou então sea primo 
e cunhado, o snr. dr. Pedro Nanes Leal, tão amoldada 
opportaoidade para o fazer professor de ama das disci- 
plinas de seu acreditado colido e como qoe sea sotío. 
Foi de pouca dura esse arranjamento ; porque acbando- 
se no seguinte anno completamente restabelecido, tor- 
nou-se a seus rústicos lares. 

Não levava Trajano no seu retiro essa vida material e 
embrutecida dos mais dos nossos agricultores, desper- 
diçando o tempo que lhe sobrava da administFacão do 
grangeio rural em caçar, em occupar-se com a crea^o e 
tractamento de animaes domésticos, ou em conversas 

pueris; mas em ler e no curativo de sua gente e dos visi- 
nbos. Alma compassiva e charidosa, dedicou-se n'aquellas 
paragens afastadas de todo o soccõrro medico á leitura de 
obras de homeopathia e applicaçâo de dozes, como quem 
tinha adquirido com perseverante observação tal qual co- 
nhecimento das moléstias reinantes no seu sítio. É bem 
de vêr que errara de carreira e nascera medico. Abrasado 
do amor do próximo, não se refusava accudir a pobres 
e ricos n^aquella redondeza, e fazia-o desinteressada- 
mente e como quem tinha isso por obrigação restricta. 
Estou que foi n'esse infatigável zelo que adquiriu a en- 



209 

# 

fermiílade que o levou á sepultura. Appareceu-lhe em 
uma das nádegas um tumor acompanhado de febres, e 
elle, em vez de agazalhar-se e tractar-se convenientemen- 
te, foi accudir a um enfermo por baixo de copiosa chuva 
que cahiu durante toda a jornada. Cresceram então de 
gravidade os symptomas, e de volta a casa não se restau- 
rou mais, tomando a enfermidade a assustadora forma 
de febre typhoide e de pneumonia, arrebatando-o em 
14 de julho de 1864 ao amor e carinho de sua joven es- 
posa, e no meio d'aquella solidão e d'aquelle completo 
desamparo dos cuidados da scieucia ! 

Era Trajano dotado de Qno tacto e muito gosto littera- 
rio, de uma crítica judiciosa e illustrada com o estudo 
acurado e intelligente do bello em iitteratura, e assim nem 
sei como podia elle accommodar-se e alliar o amoras lettras 
com a convivência de gente rude e ignorante, n'aquelies 
sitios, onde só de longe em longe via por acaso homens 
de tal ou qual cultura. Era jubilado conversador, cheio de 
chistes picantes e de engraçadas observações, sendo para 
elle supremo prazer uma limitada e escolhida reuniãa. 
Na carência porém d'ella, vingava-se em pôr em apuros 
algum tolo ou desfructavel que lhe cahia a geito. Era 
capaz de enfiar horas, asseteando-o de perguntas e ou- 
vmdo sem pestanejar os disparates que sabiam aos car* 
dumes do bestunto do pobre diabo. 



FiirmoN-Toií. u. U 



210 



IV 



Escreveu pouco, e doesse encontra-se quasi tudo na 
collecçSo que tem por titulo — As três It/ras — volume 
publicado em 1863 por B. de Mattos, sendo que foram al- 
gumas d'essas poesias impressas antes, no Parnaso Ha- 
ranhense, outra collecçio editada em 1864 também pelo 
mesmo B. de Mattos. Alem d'essas ba uma ou outra em 
jomaes académicos, de Olinda ou de San' Paulo, e poucas 
inéditas, que possuo ^ 

Em prosa, conseguiu-se d'elle o juizo crítico que vem 
em seguida á 1.* edição das PostiUas de grammatica de 
Francisco Sotero dos Reis, um engraçado folhetim sobre 
a festa dos Remédios, que appareceu em 1856, no Z>ta- 
rio do Maranhão^ e outro artigo homoristico, no Pro- 
ffresso, mettendo a ridículo certos membros da assemblea 
provincial que tomaram parte na sessio de 1861 • 

PTessas composições aprecia-se o apurado cultor da 
boa linguagem, o purista desaiíectado, o metrificador na- 
tural e correcto. Respeitador da forma, nem por isso sa- 
crificou o conceito para escravisar-se a ella. O patriotismo 
e a cõr local s3o os tons que feriam mais alto as cordas do 
seu alaúde, explorando na poesia brasileira uma veia 
quasi ignorada ou raro trabalhada. Os costumes do cam- 
po, a vida da lavoura eram a sua musa. 

De todas essas poesias, nenhuma me parece mais de- 

^ Vej. a nota D onde vão publicadas. 



2ii 

iicada e graciosa do que a Creoúla. É uma verdadeira 
canç3o vasada nos moldes de Beranger, sobresahiudo 
D^essa pintura tão fiel e feiticeira a verdade de um typo 
nosso. 6 Quem é que tendo visitado nossas fazendas de 
lavoura, e que ao ler essa canção se não recorda de ter 
assistido a quadro debuxado tão ao vivo e com tanta sin- 
geleza e primor? 

A escrava arreiada de suas vistosas galas, e a pular-lhe 
prazer do rosto e do seio, esquece-se do captiveiro toda 
embevecida nos ruidosos folguedos da noite do sabbado. 
No terreiro da fazenda estão sentados os músicos em três 
troncos de arvores, de diversos comprimento e diâmetro, 
ocos e mal desbastados, cobertos de um lado de couro de 
boi destendido : são os tambores, os instrumentos músi- 
cos, imitados d' Africa. N'elles tangem esses professores 
boçaes e rudes com os punhos e os dedos de ambas as 
mãos, e os afinam ao calor da fogueira. Os escravos de toda 
a redondeza acham-se alli reunidos, convidados por esses 
sons fortes e estrugidores que atroam longe e lhes afagam 
os ouvidos e os alegram. Formados em círculo mais ou 
menos extenso, pulam suas danças que acompanham de 
cantilenas tão rústicas quanto o são os sons ásperos e 
irregulares dos tambores. São as delícias do infeliz africano 
essa vertiginosa rotação de calcanhares, esse movimento 
de quadris e nádegas, esse bracejar desordenado, esses 
esgares e momos, executados emquanto rodeia o circuito 
todo e termina cada um a sua vez de dança por dar uma 
embigada, a que chamam ptm//a, em um dos circumstan- 
tes, que o substitue n'esse extranho e fatigante exercício 



2it 



cboreographico. É a vaidosa creoula qaem diz ufana 
de si: 

Ao tambor, quando saio da pinha 
Das captivas, e danço gentil, 
Sou senhora, sou alta rainha, 
NSo captiva, de escravos a mill 
Com requebros a todos assombro 
Voam lenços, occultam-me o hombro, 
Entre palmas, applausos, furor 1 . . . 
Mas se alguém ousa dar- me uma punga, 
O feitor de ciúmes resmunga. 
Pega a taça, desmancha o tambor I 

Na quaresma meu seio é só rendas 
Quando vou-me a fazer confissão; 
E o vigário vô cousas nas fendas, 
Que quizera antes vel-as nas m2os 1 . . . 
Senhor padre, o feitor me inquieta; 
É peccado? . . . nSo, filha, antes peta . . . 
Gosa a vida. . . esses mimos dos céus. 
És formosa. . . e nos olhos do padre 
Eu vi cousa que temo nâo quadre 
Co'o sagrado ministro de Deus . . . 

(As Três Lyras, pag. !3) 

iDSpirou-ihe lambem um canto o escravo que foge 
para os mattosmaís incultos e longinquos afim d'evitar os 
duros tractos e o demasiado trabalho de seu deshumano 
senhor, ou para entregar o corpo á preguiça. Copiemos 
alguns trechos do CcUhambola para que apreciem suas 
bellezas : 



Nasci livre, fízeram-me escravo, 
Fui escravo, mas livre me fiz. 



213 

Negro, sim; mas o pulso do bravo 
Nâo se amolda ás algemas servis I 
Negra a pel, mas o sangue no peito, 
Como o mar em tormentas desfeito, 
Ferve, estua, referve em cachões t 
Negro, sim; mas é forte o meu braço 
Negros pés, mas que vencem o espaço, 
Assolando quaes negros tufões t 

Negro o corpo, afinou-se minh'alma 
No soffrer, como ao fogo o tambor; 
Mas altiva reergue-se a palma 
Com o peso, assim eu com a dor ! 
Com a lingua recolhe pascendo 
Tamanduá, de formigas fervendo, 
Tal de açoutes cingiram-me os rins : 
E eu bramia qual onça enraivada. 
Que esbraveja, que brame acuada 
Em um circo de leves mastins. 



Como reina a mudez na tapera. 

No meu peito a vontade é que impera. 

Aqui dentro só ella dá leis : 

Se commetto uma empreza gigante 

Co'o bodoque ou co'a flecha talhante 

A vontade me brada — podeis — . 

fidem, pag. 5) 

E Nuranjan, a pobre africana roubada de seus adus- 
tos paramos, lanceada pelas recordações saudosas da pá- 
tria esquivar-se dos folguedos : 

Tua irman, teus irmSos, teus parentes, 
No terreiro lá folgam contenta. 
Aos sons rudes do rudo tambor. 



E em que scisma Narai^an, soiilaria o Irisle, tracleada 
pelos grilhões do captiveiro?. . . 

Em que scisma? Olha mudo o deserto 
O roçado que alem se queimou . . . 
Ck)'um lençol d^vas cinzas coberto 
É qual gtrça que a flecha varou f . . . 

Altos troncos e gramma rasteira, 
E o cipó, que se abraça i palmeira, 
Mais a flor que se preade ao cipó» 
E o concerto das aves nos ramos> 
E de tarde na matta os reclamos,* 
No silencio U fazem» no pó ! . . . 

Oomo ó natural ebella essa imagem do roçado quei- 
mado e todo coberto de cinza, silencioso e deserto! 
O poeta continua : 

O roçado o que é? O sepulchro, 
Onde pousa a floresta que ardeu. 
Porque ardeu? porque o sórdido lucro 
Faz que o branco até zombe do ceu t 
Profanadas taes obras divinas. 
Este templo pendido em ruínas, 
Que a si próprio o Senhor levantou 

(Idem, pag. 24) 

Na poesia dedicada a seu primo e collega, o dr. Hay- 
mundo de Carvalho, nola-se entre os vigoiosos toques 
de còr local a mais suave melancholia» como n^estas estro- 
phes: 

Como é triste na selva a tapera 
Solitária do dia ao tombar : 
Como é triste o roçado onde impera 
O silencio, alta noite, ao luar : 



Gomo é triste do trooco o geoiido, 
Do machado incessante e mordido, 
Quando immenso baqueia no chSo : 
Como é triste no meio da matta 
Velha cruz, que algum crime delata, 
Assim triste é o meu coração ! 

(Idem, pag. 16) 

Quereis agora apreciar o patriota? lede sua poesia— 
OBrasil — que abre o volume, e attentae n'estes versos: 

Eia, pois, esmalte o riso 
Os labioa que a dor crestou ! 
Go'um muniGco sorriso 
Deus p'ra muito te creou ! 
Que nação teve começo 
Táo grande, de tanto apreço, 
Táo subido, tanto assim? 
Se nSo dormes respeitado 
Á sombra do teu passado, 
Tens um futuro sem fim. 

(Idem, pag. 3) 

 mesma ideia enflora-lbe o estro na poesia inspirada 
pelo anuiversario da índepeudencia da nossa provinda 
natal, e assim termina o seu— Ao dia 28 de julho: 

o Branil é qual ceu que fulgusa 
Tachonado de estrellas a mil. 
Quando a lua nas trevas escuras 
NSo emmolda seu rosto gentil : 
Qual jardim onde luctam as rosas, 
As estrellas no ceu de vaidosas 
Se derramam em raios á flor. . . 
Quando a noite em estrdlas se arreia 
Quem teu brilho modesto escasseia, 
Maranhão, pobre estrclla sem luz?! 

(Idem, pag. 11) 



Si6 



Notae n'estas poucas poesias, que outro defeito não 
teem senSo o limitado número d'ellas, e onde admíra-se 
o correcto e elegante da forma em tudo egual á belleza das 
imagens, ao conceituoso da pbrase, ao esmerado e castiço 
da linguagem, e onde ha versos onomatopicos como este : 

E aos roucos brados da borrasca irosa 

(Idem, pag. 18) 

Apezar dos muitos quadros que tem a lua fornecido 
aos pincéis de centenares de poetas, ainda Trajano achou 
cores novas para assim retratal-a : 

Quem nSo te ama, ó pomba etherea. 

Rainha da soledade? 
Quem nSo tem na vida um tumulo, 

Ou no peito uma saudade? 
Se nSo paz, tu dás-nos tréguas 

Da vida na dura guerra, 
E és t2o querida na terra 

Quanto formosa nos céus! 

ÍA ItM, pag. 4i) 

Das mui poucas poesias inéditas que escaparam acaso 
ás chammas a que a desolada viuva, obediente á última 
vontade de Trajano, lançou seus escriptos apenas esbo- 
çados, tenho uma collecção que vae transcripta em outro 
lugar d'este tomo *. 

Vêde-me agora esta descripção do roçado, onde as 
cores graduadas com arte copiam do natural urna das sce- 
nas de nossos costumes campestres : 

' Vnj. a ruíla í> jã ril.ula 



217 



Raios de fogo dardejava a prumo 

O rei da luz ; do tijupar ao longe 

Com a briza a pindoba ciciava ; 

Do algodSo os alvíssimos capuchos 

Entre o verde das folhas refulgindo 

Como annel ao redor se retorciam 

De perlas embutido, e de esmeraldas : 

O sabiá plumoso, a azul pipira, 

O rubro taitairá — orpheu da matta — 

Mudeciam nos galhos entre as folhas : 

Á sombra do pau d'arco bi-florente 

Na branca areia a meiga sururina, 

O lúgubre mutum, a sirícora, 

E a tema pecuapá despem a calma 

£ o silencio da matta, a morna briza, 

O 'garapé vizinho, que murmura. 

Das arvores a sombra preguiçosa, 

Da cigarra a monótona cantiga 

E o fofo leito do arrelvado solo. 

Tem um nSo sei qué t2o suave e brando 

Que filtra- se nos membros, quebra as forças, 

£ nos convida ao repousar da sesta. 

Profundo era o silencio. E os machados, 
Que alternos soam na derruba ingrata 
Do próximo roçado descançavam. 
Nem da palmeira a sibilante queda, 
Nem do pau sancto que rechina e treme, 
Nem da aroeira que o machado morde, 
O ruinoso cahir que a terra abala, 
O silencio quebrava da floresta. 
É que do tijupar o pobre sipo 
Á pura refeição chamava o escravo ' 



\>j. » jã alliiflida nola fi. 



218 



No solao de Juvino é ainda a mesma inspiração que 
faz soar a lyra nacional do poeta : 



Já os caminhos se escarecem 
Da matta co'a sombra espessa, 
Vem as negras uma a uma 
Com seus cofos na cabeça, 
Qoal cantando vem alegre. 
Qual mais velha vem gemendo. 
Qoal em tom sentido e grave. 
Tristes encantos vem tecendo. 
Ante o feitor se pezaram 
Mil arrobas de algodSo : 
E ao duro lidar do dia 
Succede o duro ser2o. > 



Em nenhum dos géneros primava, porém, tanto como 
no satyrico. Que íino observador que era, como lhe ia di- 
reito o acerado escapello desseccar os aleijões sociaes, 
nâo para amputal-os, senão para descubríl-os. D'elle pos- 
suimos apenas hoje o Nariz Palaciano, satyra dirigida 
contra os lisongeiros soezes que na nossa provincia en- 
xameam nas escadas, ante-camaras e sallas do palácio do 
governo, e se curvam submissos ao mais leve aceno do 
presidente; e julgando-se felizes da preferencia, procuram 
sollicitos e anchos satisfazer os mais disparatados capri- 
chos d'esses vaidosos e desfructaveis mandões que por 
vezes nos teem flagellado. É do mesmo quilate o Sultão e 
Eunuchos com que zombeteou da mania que se desenvol- 
vera em Olinda entre a classe académica, por occasião de 
apparecerem publicados uns versos — A sultana do hai- 

' Vrj. noU r^|ro ciUda. 



ai9 

le — dedicados a certa deidade. Cada poetastro, julgando 
que a sua ella sobrelevava as mais em formosura, procla- 
mava seus dotes peregrinos nas columnas do Diário de 
Pernambuco, e a dava como a única e a verdadeira sultana 
do tal baile ; era um torneio quicbotesco essa praga poé- 
tica que já causava tédio. Trajano então procurou extin- 
guil-a de vez. Assim começa essa chistosa satyra. 

Onde ba sultana, ha eonachos, 
Ha sultão, "haréns, divans. 
Vós dizeis, jovens malucos, 
Entre outras mil. cousas vans, 
Que no baile houve sultana 



Venham punhaes e trabucos 
Hei de a verdade dizer ! 
Sois muitos ... oh 1 sois eunuchos. 
Que sultões ! . . . nSo podeis ser : 
Deixa de ser o primeiro 
Quero tem egual companheiro. 

No Pará os mamelucos 
NSo comem tanta banana. 
Gomo os poetas eunuchos 
Fazem versos á sultana ; 
Mas são versos amputados. 
Como os eunuchos — coitados! 

Ponho-roe, pois, de franquia. 
Dos poetas contra a teima. 
Aguardando a turba ímpia 
Nas pontas d'e8te diiemma : 
Ha sultana ? sois eunuchos. 
Não ha? Então sois malucos. 



Quem agora deixará de sentir prazer e de rir-se ao ler 
Nariz Palaciano a descrípção do desembarque do novo 



no 
presidente? 



Festivaes repicam os sinos, 
Troa no forte o canh2o. 
Correm velhos e meninos, 
Fenre todo o Maranhão : 
Vem doutores, vem soldados, 
£ os públicos empregados 
Com seu illustre inspector. 
Porque accorre tanto povo? 
Chegou presidente novo. 
Nosso Deus, nosso Senhor. . . 



Diz errada voz imiga 
Que impera so a barriga 
Nos negócios do paiz : 
O que a mente minha alcança, 
É que se o lucro é da pança, 
O trabalho é do nariz. 
Por isso no grande entrudo, 
Que chamam o governo cá, 
Folga muito o narigudo, 
Quando nos chega um bachá : 
Pencas agudas e rombas, 
Mil elephantinas trombas, 
N*esse dia tomam sol : 
Qual torneia, qual se achata 
Qual na ponta faz batata, 
Qual se enrosca, e é caracol. 

Por minha vontade, se não fosse o receio de alongar 
Homasiado este trabalho, transcreveria por inteiro esta 



til 



primorosa satyra, em nada inferior ás melhores de Nico- 
lau Tolentino, mas já que o nSo posso, darei ao meuos 
o trecho em que o poeta, depois de comparar a chusma 
dos lisongeiros palacianos, a uma exposição regional, con- 
tinua : 

E assim como entSo é d'aso 
A chamada feira erguer 
Aos céus o rumor confuso 
Dos que vem comprar, vender ; 
O anho bala, grunhe o cerdo 
Orneia o jumento lerdo, 
Brioso nitre o corsel. 
Tal a turba narigada 
Nos trombones a chegada 
Festeja do bacharel. 

Vem por entre esta harmonia 
O da corte homem cortez, 
Faz á esquerda cortezia, 
Á dextra mesura fez ! . . . 
Mil narizes sobem, descem ; 
(NSo de pudor) enmbecem 
No furor de cortejar. 
Vibram talhos de montantes 
D'e8sas espadas gigantes 
Que RoldSo soube jogar . . . 

Por mais que se ponha em guarda, 
Apesar de quanto diz, 
Vista beca ou vista farda, 
Por força leva nariz . . . 
Porque diz'em consciência. 
Pondo de parte a excellencia. 
Tu, presidente, o que és? 
Julgas-te inqualificável ? 
És um ente narigavél 
Da cabeça até os pés . , . 



Embora prudente e calmo, 
Se um nariz de guarnições. 
Poder suspender-te um paluio 
N'cste8 tempos d'eleiç6e5 
Yae tudo comtigo abaixo! 
Mais asneiras que um borracho 
Juro-te que has de fazer . . . 
Pois como do teu officio 
Terás o pleno exercício 
Se suspenso o has de exercer ! ? 

Ha mais d'elle nas Três Lyras a soberba traducçâo de 
Moysés no Nilo, de Victor Hugo, o Caçador e a Leiteira, 
de BeraDger, e a morte de J. B. Rousseau de Pompignan, 
e no segundo volume das Obras Posthumas de A. Gon- 
çalves Dias, a de Moysés, de Delavigne. Se Trajano se 
houvesse ao menos proposto a nacionalisar algumas flo- 
res estranhas, já que não sabia fazer valer seu engenho 
nem havia para elle incentivos que o podessem impellir 
a cultival-o e tornal-o produclivo, teria por certo feito 
grande serviço ás nossas lettras, porque possuia as quali- 
dades de um bom traductor — a fidelidade, o exacto co- 
nhecimento do texto original, c a felicidade em as tras- 
ladar para moldes portuguesissimos. 



XIV 









o trabalho nSo deslustra, antos enoobreoe e exalta a digni- 
dade do homem. 

AlfONTIKK 



N3o seria completa a obra do Greador se ao desco- 
brimento da America não precedesse o prodigioso invento 
de Guttemberg. 

O fiai lux á2i typographia, desfazendo a ignorância 
até nos sombrios e humildes antros da miséria e nos con- 
fins do mundo, tem levantado a humanidade á altura 
que a razão lhe assignala, e fez com que, caminhando de 
conquista em conquista até os nossos tempos, conseguisse 
que as ideas tenham sido transmíttidas de povo a povo 
com a celeridade do raio, e o homem scisme em com- 
petir com as aves no espaço, dando direcção ao a9ros- 
tato. 

Descoberta, em 1462, a arte de imprimir com caracte- 
res moveis, só em meados do século xvm era importada 
a primeira o£Qcina typographica no Rio de Janeiro, gra- 
ças á iniciativa e protecção do conde de Bobadela. Não 
viu o governo da metrópole com bons olhos esse pro- 

PA?miox-ToM. n. 15 



226 

gresso perigoso que se ia implantar na cabeça da coló- 
nia ; condemnou por isso o melhoramento, censurando 
o governador e ordenando-lhe fosse fechada essa oflScina. 
Veiu, porém, a invasão franceza contribuir para a ini- 
ciação entre nós d'essa conquista da civilisação ; porque 
reconhecendo o governo do príncipe regente, que tinha 
então sua sede no Rio, a necessidade indeclinável de pu- 
blicar suas ordens, mandou comprar em Londres uma ty- 
pograpbia que em setembro de 1808 foi remeltida para 
allí pelo custo de cem libras esterlinas. Foi essa a origem 
da primeira imprensa regular que tivemos no Brasil, e 
ninguém poderia então prever que em sessenta e quatro 
annoa faria no nosso paiz tão rápidos progressos, ella que 
só três séculos e meio depois de a haver inventado Gut* 
temberg é que foi introduzida entre nós I Só á corte, po- 
rém, foi concedido esse beneficio, ficando privado d'elle 
o resto do Brasil, até que em 1830 proclamou*se em 
Portugal uma constituição. Chegada tão auspiciosa e ines- 
perada noticia á capital do Maranhão a 5 de abril de 
1821, já no dia 19 prestavam as authoridades juramento 
ás bases provisórias d'esse pacto fundamental. Na vés- 
pera do dia do reconhecimento oíficial dos direitos do 
homopi, proclamados n'essa lei, sahiu á luz o primei- 
ro número do Conciliador do Maranhão, primeiro jor- 
nal que tivemos, vulgarisado a princípio em manuscri- 
pto e por centenas de cópias que d'elle se faziam. Foi 
no pavimento térreo da casa da relação, antigo collegio 
dos jesuítas, onde se preparou essa manifestação em- 
bryonaria do pensamento livre. O enthusiasmo patriótico 



827 

c O afogo de gosar dos benefícios consagrados nas ba- 
ses do código nacional induziu alguns mancebos a empre- 
henderem semelhante tarefa, entregando-se com admirá- 
vel ardor e dedicação ao trabalho de tirarem as cópias 
necessárias do jornal para as distribuir pelos ávidos lei- 
tores maranhenses. Foi, portanto, essa typocalligraphia o 
primeiro passo que demos para a civilisaçSo por meio 
da publicidade da idéa escrípta. 

A 31 de outubro doesse mesmo anno chegou-nos a 
primeira typographia ; mas como soia acontecer ao que 
estava peiado e viciado sob a regia tutela, sahiram tam- 
bém seus fructos infezados e chochos. Estabelecida no 
edifício onde hoje funcciona o hospital da Sancta Gaza da 
Misericórdia, deu-se-lhe, como instituição ofScial mian- 
tida pelo erário real, uma administração composta de 
três membros, sendo um d*elles dezembargador ; cpor 
ahi se pôde bem colligir da importância que a ella se 
ligava. Desde então começou ahi a ser impresso o Con- 
ciliador do Maranhão, e um ou outro soneto avulso. 
£ de 182G a primeira obra n'ella publicada em volume, 
destinada a descrever os festejos dados pela camará a 
fim de solemnísar a proclamação da constituição brasi- 
leira, e conhecidos vulgarmente por Noites do Barracão. 
Até 1 830 foi essa a única imprensa que houve jÊ Mara- 
nhão, tendo apenas mudado de nome desde a indepen- 
dência, appellidando-se Typographia Nacional Imperial. 
N'esse anno fundou Clementino José Lisboa a Typogra- 
phia Constitucional, e em 1835 João Francisco Lisboa 
e o sr. Frederico Magno d' Abranches estabeleceram de 



sociedade uma outra typographia, que passou depois a 
ser propriedade do sr. major Ignaclo José Ferreira, e 
serve-Ihe ainda de casco á sua officina já muito augmeo- 
tada e meltiorada, postoque ainda áquem dos recentes 
progressos da arte. 

Pouco adiantou-se entre nós a arte typographica até 
1847 : os prelos águias do nome do emblema que enci- 
ma essa pesada mole de ferro, martyrio dos mais robus- 
tos impressores, e outros ainda mais defeituosos, por 
serem de madeira, eram sós as machinas de onde sa- 
biam os nossos jornaes, os relatórios dos presidentes e 
mais um ou outro folheto que dão testemunho do atrazo 
em que até alli estávamos n'este ramo industrial. Con- 
soante aos prelos corria todo o trabalho typographico — o 
modo de dar tinta, de compor, de apertar as folhas, etc. 
Essa imperfeição, essa fadiga, esse desperdício de tempo 
estendia-se também aos menores serviços, desde a dis- 
tribuição dos typos nas caixas, á construcção doestas, á 
compaginação e composição de qualquer mappa, até a 
falta de methodo e ordem no trabalho, á nomenclatura 
dos typos por corpos em relação com as linhas e os es- 
paços, sendo também desconhecido o emprego dos file- 
tes, das cercaduras, dos ornatos, ele. 

O primeiro progresso, os primeiros melhoramentos, 
embora incompletos e imperfeitos, vieram incontestavel- 
mente com a typographia de F. de S. N. Cascaes, impor- 
tada de França em 1843. Constava de um prelo francez, 
typos e accessorios aperfeiçoados, mas nem por isso os 
productos d'esla oíTicina diíTeriam dos das outras; que 



OS operários eram rotineiros, pouco adestrados e nem sa- 
biam fazer uso de muitos d*esses objectos. Vendida essa 
typograpbia em fins de 18&6 aos srs. drs. Fábio Â. de Car- 
valho Reis, A. Theopbiio de Carvalho Leal e A. Rego, crea- 
ram elles em janeiro de 1847 O Progresso, primeira folha 
diária que viu o Maranhão, e cujos redactores eram. Ag- 
gremiaram n'essa ofiQcina um pessoal de escolhidos e brio- 
sos operários, tendo por cheffe António José da Cruz que 
era tido pelo mais hábil dos nossos typograpbos. Foi esta, 
e não a offlcína de Magalhães, como por mal informado 
diz o sr. José Maria Correia de Frias na sua aliás curiosa 
Memoria sobre a typographia Maranhense j (1866) a que 
primeiro introduziu os prelos americanos 6 outros aper- 
feiçoamentos até então desconhecidos na província. Não 
se limitou a typographia do Progresso a só imprimir esse 
jornal, que lhe tomava muito tempo, senão que também 
publicou seis volumes de romances, eem 1849 a segunda 
edição dos Armaes Históricos do Estado do Maranhão por 
B. P. de Berredo, alentado in-S."" de 600 páginas. Em 1848 
sabiu concorrentemente com elles o almanach da provín- 
cia pelo dr. A. Rego. Foi esse estabelecimento também 
o viveiro que produziu os melhores operários typographi- 
cos que ainda hoje contribuem para que os livros ftipres- 
sos no Maranhão sobrelevem aos das demais províncias, e 
ainda aos da corte do império, em elegância, nitidez e cor- 
recção. Foi n'essa oíBcina que Bellarmino de Mattos con- 
cluiu o seu aprendizado, desenvolveu-se e adquiriu peia 
arte esse gosto e amor que sempre por ella manifestou, 
e lhe deram a merecida reputação de Didot Maranhense. 



330 



II 



A arvore genealógica do homem de trabalho começa 
no estábulo de Bethiem. Seu berço é um presepe, e seus 
pergaminhos os callos que os grosseiros instrunuentos lhe 
produzem nas mãos, imprimindo-lhe n'ellas em iudele- 
veis ftharacteres os valiosos e insuspeitos documentos 
de sua nobreza. Bellarmino de Mattos foi um d'esses 
soldados da indústria. 

Na povoação do Âxixá, que se debruça sobre a mar- 
g^n esquerda do Mony, e é segundo distrícto de paz da 
villa de Icatú, nasceu elle em 2 i de maio de 4830. 

Seis annos depois veiu sua mãe, D. Silvina Rosa Fer- 
reira, com toda a familia para a cidade SanXuiz no em- 
penho de educar os Olhos, e taes foram os temores de 
que se possuiu quando a revolta dos balaios assoUava 
aquellas paragens, que tractou de vender os poucos bens 
que alli tinha, Qxando de vez a sua residência na capital. 

Aos sele annos entrou Bellarmino para a eschola pú- 
blica de instrucção primaria da freguezia de Nossa Se- 
nhora da Conceição, regida então pelo sr. Alexandre 
José Rodrigues que, apezar de bastante idoso, uão se 
despediu ainda de todo da ulil profissão d'educador. 

Com três annos de assidua applicação tinha-se Bellar- 
mino habilitado para passar por um exame d'instrucção 
primaria, limitada, como era, a poucas matérias, e em 
que foi approvado plenamente. 

Sabendo aos dez annos ler e escrever correntemente. 



231 

cuidou sua mãe em applical-o a uma arte mechauica, e 
para isso melteu-o em 1840 de aprendiz na Typogra- 
phia da Temperança, de que era proprietário Mamiel 
Pereira Ramos. No cabo de dois amos estava elle em 
estado de principiar a ganhar á vida» e entrou de ope- 
rário para a pequena offlcina de Satyro António de Fa- 
ria que lhe dava 200 réis diários por seu trabalho, e 
sem embargo de tão exígua retribuição» não distrahia 
d'elia um ceitil que fosse e entregava-a integrahnente a 
sua mãe. Assim o vemos trabalhar desde os doze annos 
para ajudar a manutenção de sua familia : e foi esse o 
seu empenho, o seu pensamento, a meta de seus esforços, 
o amor por que sacríãcou-se até acabar os dias de tão 
laboriosa existência. Sendo despedido d'e98i typographia, 
que tinha tão pouco que fazer que seu proprietário bas- 
tava para satisfazer as encommendas, passoa-se para a 
de Francisco de Salles Nunes Gascaes que nas diflScal- 
dades monetárias soccorria-se ao expediente de pagar 
as ferias dos operários com vales que não achavam curso 
no mercado. Não via o pequeno typographo o fructo 
do seu trabalho, e despersuadido das vans promessas do 
dono da oflicina, dispunha-se a procurar em outra parte 
serviço remunerado, quando foi esse estabelecimento 
vendido aos redactoi*es do Progressos e mudado para 
umas casas térreas na rua Gomes de Sousa, confrontes á 
em que residia o principal redactor, o h*. dr. Fábio Ale- 
xandrino de Carvalho Reis. Foi ahí que conheci esse ope- 
roso artezano que se distinguia por sua aptidão e activi- 
dade, e em tão verdes annos — e nem ainda lhe despon- 



ta^i o buço — mosIniTa o comedimento e pontualidade 
do brioso e sisudo operário. 

Foi por taes e tantos predicados que soobe grangear a 
estima dos que o conheceram de perto, e fiquei ai fneodo 
d'die o bom cabedal que sempre merecea-me. 

Passou a typographia do Projjrr»so em 1849 a ser pro- 
priedade de António José da Cruz, d^antes sen administra- 
dor, conservando comtado o nome e continuando a impri- 
mir-se n'ella o jornal, que de diário, passara a sahir trez 
Tezes por semana e já redigido pelo sr. dr. Carlos Fer- 
nando Ribrât) e mais tarde também pelo sr. dr. José 
Joaquim Ferreira Yalle (boje visconde do Desterro). 

Com o desravolvimento material e as crescentes exi- 
gências da noan sociedade foram augmentando por egúal 
e proporcionalmente os salários dos empregados nas di- 
versas indústrias, menos dos das typographias, que con- 
tinuavam mesquinhamente retribuídos. Vendo Bdlarmi- 
no de Mattos, que o que ganhava não era suficiente 
para ajudar a mãe, não se conteDtava só em trabalhar 
de sol a sol por conta da officina, e continuava, d*ahi até 
as 9 horas da noute, empregando-se na composição de 
orações e outros repositórios milagreiros de que é tão 
sedenta a beata credulidade. Tinham muita procura esses 
pequenos avulsos, com cuja venda engrossava o seu 
salário. Terminado este serão voluntário, não vinha 
para casa descançar ou entregar-se a qualquer passa- 
tempo que fosse agradável diversão a tão aturado labor; 
trazia comsigo outra tarefa. Não havia no mercado pa- 
pel d'impressão do formato do Progresso, pelo que era 



233 

forçoso emendarem-se as folhas. Bellarmino, em obse- 
quio a seu antigo mestre e ora patrão, tomava sobre si 
esse affanoso encargo, e acurvado até alta noute sobre 
a meza, não ia procurar o repouso sem que tivesse gru- 
dado pelo menos uma resma de papel. Nem por isso 
agradecia-ihe António José da Cruz tamanho favor, per- 
míttindo-lhe que imprimisse gratuitamente os avulsos 
que seroava. Pedia-lhe, pelo contrário, o preço que cos- 
tumava levar a qualquer estranho ; mas o joven operá- 
rio condescendente e bondoso, nem assim deixava de 
prestar com boa sombra e com a mesma dedicação esses 
serviços gratuitos, e nunca o abandonou ainda mesmo 
quando em occasiões difiQceis lhe não podia aquelle pagar 
as ferias com a pontualidade exigida por' quem tem so- 
mente o dia de hoje. Não é que lhe não fossem offere- 
ddas por muitas vezes maiores vantagens, dentro ou 
íóra da provincia. Teve propostas convidativas e tenta- 
doras de mais de uma ofiQcina do Rio de Janeiro; mas o 
apego ao torrão natal, e o amor á familia e gratidão ao 
mestre o prendiam de tal modo que a sua constante 
resposta ás mais lisongeiras ofiertas era fonnal recusa. 
A opposição do Progresso era então molesta a cer- 
tas influencias politicas e ao presidente da provincia. Ace- 
naram ao proprietário da typographia com um emprego — 
quasi sinecura. Estava velho, cançado, e o jornal não lhe 
deixava nem para as despezas do seu custeio, e por isso 
em dificuldades pecuniárias que todos os dias cresciam. 
Assim faltou-lhe a necessária fortaleza para resistir ás ten- 
tações, não estando por outro lado obrigado aos actuaes 



234 

redactores por compromissos ou contracto formal. Tado 
isto contribuiu para que se deixasse arrastar pelo canto 
da sereia e suspendesse a impressão do Progresso. Os 
operários que, como jovens, se apaixonavam facilmente 
e tomavam as partes do mais fraco, desgostaram-se so- 
bremodo doesse procedimento, e assim que os srs. 
drs. Carlos F. Ribeiro e José Joaquim Ferreira Valle fun- 
daram uma imprensa por conta própria, passaram-se to- 
dos, e entre elles Bellarmimo de Mattos, para esta offici- 
na, de cuja administração foi este encarregado. 



III 



Em princípios de 1854 achava-se Bellarmino atarefado 
com a fundação d^essa nova offlcina. Fazendo de madii- 
nista, ajustava as peças, assenta va-as e ordenava tudo co- 
mo melhor lhe parecia. Alargavam-se-lhe os horizontes e 
com a inteira confiança que depositavam n'elle os pro- 
prietários, entendeu que devia prover o novo estabeleci- 
mento de todo o material necessário e com os que inventa- 
ram os progressos da arte. Para realisar esse pensamento 
applicava-se com infatigável ardor a estudar e a confron- 
tar os specimens de fundições americanas, francezas e 
belgas, para d'elles colher dados e formular pedidos de 
typos, de vinhetas, de linhas, de prelos e de mais peças 
de onde proviessem aperfeiçoamento no trabalho e eco- 
nomia na mão d'obra. Foi elle quem, abandonando os 
rolos de camurça, fez os de coUa e mellaço, segundo uma 



235 

receita que vinha no Mamial Roret^ por mim traduzida 
para seu uso, e também é a quem deve-se a introducção 
do pequeno prelo de provas, tão expedito para as obras 
avulsas, como drculares e avisos. Substituiu nos jomaes 
as linhas divisórias, que eram até então de madeira, pelas 
de latão, e assim como estas fez outras reformas na arte 
typographica maranhense, servindo-Ihe só de guia seu 
talento e applicaçao ; que nao veiu de fora nenhum typo- 
grapho que lhe ensinasse, nem tinha compêndios que o 
auxiliassem. 

Solerte no trabalho e na escolha, paciente na observa- 
ção, e attento ás notícias que lhe chegavam dos aperfeiçoa- 
mentos, que nos paizes mais adiantados eram empregados 
na arte a que se dedicava com paixão e eotbusiasmo, ze- 
lava ao mesmo tempo os interesses de seus committentes, 
agenciando obras com que podesse cobrir as despezas da 
typographia a seu cargo. 



IV 



Corria em mais de meio o anno de 1856 com prenúncios 
de ser crítico ; porque as massas populares agitavam-se 
com a promessa de ser respeitada a liberdade das umas. 
Despertara a opposição do vergonhoso lethargo em que 
jazia desde 1849, e preparava-se com alacridade e affan 
a terçar com os adversários. EUa que vivera até então 
sem intervir nas luctas eleitoraes, desacoroçoada de arcar 
com as forças e as prepotências do governo, e escar- 



236 

mentada das violentas perseguições e ao mesmo passo 
da inefflcaia de seus esforços que se quebravam de en- 
contro á vontade authoritaria do poder, e aos meios po- 
derosos a que este recorre para triumphar, abandonou o 
campo. E a ordem que o general Sebastiani notava com 
júbilo em Varsóvia, reinava-tambem na nossa provincia 
desde muitos annos. 

Dava a opposição signal de vida apenas no jornalismo 
que, alimentando os fieis, os trazia arregimentados e na 
expectação de melhor futuro. 

Appresentava-se o governo imperial n'aquelle ensejo 
pregoeiro de ideas de conciliação confirmadas por alguns 
actos de justiça para com homens notáveis da politica 
opposta. Para que se não podesse duvidar das boas inten- 
ções do gabinete, as defendiam na imprensa os que es- 
tavam nos segredos do presidente do conselho, e seus 
delegados manifestavam nas provindas ser esse o seu de- 
sejo* e sua missão d'clles. Assim não houve desconfiar da 
sinceridade de taes promettimentos e os partidos prepa- 
raram-se no Maranhão para o pleito eleitoral. 

Rodearam o presidente da provincia os grupos em que 
estavam fraccionados os maranhenses, menos um d'elles 
que duvidou sempre da veracidade d'esse delegado do 
ministério Paraná, e conservou-se arredio de palácio e 
fora das boas graças presidenciaes ; mas nem por isso 
deixou de chamar a quartéis suas forças, de expedir seus 
agentes para arrolar votantes e de trabalhar activamente 
nos ciubs, na correspondência com as influencias do inte- 
rior da provincia, na propaganda por moio da Concilia- 



a37 

ção, jornal que fundaram seus corypheus para que ficas- 
sem bem patentes suas intenções e proceder. Approxi- 
mavam-se os dias das eleições com aquella agitação que 
é própria em taes occasiões. Era já conhecido que o pre- 
sidente favorecia sem rebuço determinadas candidaturas; 
mas ainda assim havia muita gente que estava inclinada 
a que os votos dos cidadãos seriam respeitados, sahindo 
das urnas a expressão genuina da vontade da maioria. Se 
na capital as ameaças do recrutamento, de demissões e 
de processos para uns, se as largas promessas de recom- 
pensas para outros, produziram seus maléficos efieitos 
amedrontando os timidos e corrompendo os menos fir- 
mes em seus principíos, foi comtudo respeitada a lei elei- 
toral nas suas fórmulas : votaram todos os cidadãos qua- 
lificados, que se apresentaram nas egrejas parocbiaes, e 
as listas depositadas nas urnas lidas e apuradas. Guarda- 
ram-se abi as apparencias para melhor encobrír-se em 
todo o resto da província o abuso do poder, a compres- 
são exercida sobre o povo, a quem tolheu-se por todos os 
meios e modos a livre manifestação do voto. 

O jornalismo da opposição, pondo em relevo e analy- 
sando os arbítrios e irregularidades praticados por toda a 
parte, acompanhava seus assertos de documentos que 
testificavam a intervenção directa e indébita do presi- 
dente no pleito, e d'est*arte assoalhava os meios ille- 
gitimos e illegaes a que se soccorréra para vencer. Ante 
os clamores da imprensa que lhe tirara a máscara e o 
emparelhava aos mais façanhudos caudilhos políticos, 
inquietava-se o presidente; mas não foi isso estorvo que 



240 



Bellarmino de Mattos com seus companheiros se re- 
Tugiara na própria casa do sr. dr. Carlos F. Ribeiro até 
que viu garantida sua liberdade com a sabida do pre- 
sidente, cuja presença era uma constante ameaça á segu- 
rança individual dos operários das typographias onde se 
imprimiam jomaes opposicionistas. Mal suspeitava a des- 
mandada authoridade que o golpe profundo com qoe 
pretendia ferir a imprensa reflectiria contra si próprio! 

Não estava, entretanto, ocioso no seu bomisio o admi- 
nistrador da Typograpbia do Progresso, nem Ibe con- 
sentia a dignidade comer com seus operários o p3o da 
cbaridade sem que o retribuisse com o seu trabalho: es- 
tava isson os seus hábitos e character, e custa va-lbes obre- 
posse ter tão perto de si seus instrumentos sem que os 
podesse manejar I Conceber a mudança de parte da ofi- 
cina para a casa do sr. dr. Carlos e leval-a a effeito foi 
acto quasi simultâneo. Ás horas mortas da noute, quando 
todos dormiam, reinava profundo silencio e era quasi 
deserta a rua Gonçalves Dias (outr'ora de SancfAnna) 
sahia cauteloso com seus companheiros, e alguns escra- 
vos de seu hospedeiro, e assim conseguiu transportar 
para o interior do pavimento térreo das casas da re- 
sidência do sr. dr. Carlos F. Ribeiro quanto bastava 
para comporem e imprimirem obras de pequeno for- 
mato. 

Se estes operários estavam bem aposentados e liber- 
tos de privações, não succedia outro tanto a alguns que, 
vivendo do dia presente, como elles, teriam por certo de 
padecer fome, se lhes não valesse uma quantia que levan- 



24i 

teí entre amigos generosos. Foi n'essa conjunctura que 
Bellarmíno de Mattos pensou na fundação d'uma socie- 
dade de auxílio mútuo para proteger os typographos nas 
doenças, na faUa de trabalho e em outras eventualidades 
da vida que os podiam lançar em extrema penúria, ou 
quando acaso se vissem perseguidos pelas autborídades 
e poderosos da terra. 

Barra em fora o presidente demittido, e empossado o 
barão de Coroatá da administração da província, na 
qualidade de seu vice-presidente, voltou a confiança e a 
tranquilidade aos typograpbos. Os dois infelizes, que já 
estavam com praça no corpo de policia, obtiveram im- 
mediatamente baixa e entraram para suas respectivas 
officinas. 

Passada a tormenta, não se esqueceu Bellarmíno de 
Mattos de realisar a generosa ideia que concebera nos 
dias de infortúnio. Appresentou-me as bases d*uma so- 
ciedade de operários, encarregando-me da organisação 
dos estatutos, que depois de discutidos por seus collegas, 
deram em resultado, a 1 1 de maio d*esse mesmo anno 
de 1857, a installação da Associação Typographica Mch 
ranhensBj que ainda boje funcciona e vae, segundo me 
consta, prosperando e dando os fructos que delia se pro- 
mettia seu principal fundador. 



V 



Os dois grupos opposicionistas, que eram representa- 
dos no jornalismo pelo Progresso e pelo Estandarte, se 

PAirnRON-ToM. n. 46 



coDgraçaram fundindo-se em um s6» e com elles seus jor- 
uaes. 

D'essa communhão dinterôsses nasceu a Imprensa 
que príDcipiou a ser publicada a 4 de junho de 4857 scto 
a redacção dos srs. drs. G. F. Ribeiro e J. J. Ferreira 
YaUe, ua typograpbia de que eram proprietários. Em 
princípios de 1858 ha\dam-se elles retirado do M aranhSo : 
o dr. Yalle de muda para o Rio de Janeiro e o dr. Carlos 
F. Ribeiro temporariamente para o Amazonas, como se- 
cretario do presidente d'essa província. Arrendara este 
a typograpbia a Bellarmino de Mattos com o ónus de sus- 
tentar a Imprensa. Instancias de amigos e o desejo de 
ajudar o laborioso operário, a quem eu prestava de an- 
nos algum auxilio, já annotando a Memoria MHorica 
do sr. dr. MagaMes sobre a revolução do MaranbSo de 
1839, publicada na Revista Trimensal e que Bellarmino 
de Mattos reimprimiu n'um volume ; já vertendo do ita- 
liano os libretos das operas do repertório das companhias 
lyrícas que tivemos desde 1856 ; já redigindo-lbe essa serie 
de Almanachs administrativos que sahiram de 1858 a 
1870 ; já aconselhando-o e animando-o emfim com o meu 
pequeno cabedal de experiência. Tudo isto, pois, acabou 
commigo o tomar sobre os hombros a pezada cruz da 
redacção de um jornal politico envolvendo-me por mo- 
mentos n'esse vertiginoso e violento torvelinho da nossa 
politica militante t 

Conhecendo que um jornal meramente politico não sa- 
bia do acanhado âmbito dos raros leitores que se interes- 
sara por taes questões fora das epochas febricitantes de 



eleições, dei-lbe diversa direcção e o tomei quanto me 
coube nas forças interessante e noticioso, já dando conta 
de todo o movimento politico e litterario que ia pelo mun- 
do, já dedicando uma parte ás noticias commerciaes e 
locaes : occupava-me também nos artigos principaes da 
reformação da nossa agricultura, da alimentação da ca- 
pital, de mostrar as vantagens da empreza de navegação 
a vapor nos nossos rios e de outros assumptos de não 
inferior alcance. 

A politica, que em nosso paiz infelizmente tudo domina, 
e põe-nos em desaccôrdo de vistas e meios, fez com que 
o sr. dr. Carlos F. Ribeiro, de volta da sua commissão, se 
pronunciasse a favor dos actos da administração do major 
Primo d'Aguiar, que eram por mim censurados na /m- 
prensa. Por esse motivo tive de ceder-lhe o posto a 16 
de março de 1861, indo reviver o Progresso» que entrou 
a ser publicado pelo sr. José Maria Corrêa de Frias. A 
17 de julho foi inesperadamente interrompida a publica- 
ção d'este jornal. Os agentes policiaes e os amigos do 
presidente Primo d' Aguiar ameaçaram indirectamente oá 
proprietários das typographias independentes, fazendo- 
Ibes entrever perseguições aos operários, quebramento 
de prelos, etc, etc. 

O sr. Frias, que tinha ainda fresca na memória a vio- 
lência exercida contra seus operários, e que na qualidade 
d*estrangeiro se temia d'uma deportação para fora do 
império, como lhe havia dado a entender certo palaciano, 
e o que não era novo nos nossos annaes policiaes, recu- 
sou-se a continuar a impressão do Progresso. 



2U 

N3o ha que incrimíDar seo procedimento, antes eu^ 
parte interessada, nunca dei-me por offendido, e nem 
toco hoje n'isto senão por ser o facto do domínio públi- 
co. Depois, nâo é sabido como se organisava entre 
nós um processo summario que nada ficava a dever aos 
da inquisição, imputando-se, a quem desejavam perder, 
e da noite para o dia, mn crime cujos documentos e 
depoimentos ficavam depositados no sigiilo das nossas 
secretarias, sahindo d'ahi somente as cópias que serviam 
de base ás informações reservadas para o governo impe- 
rial?! 

Despedido o jornal d'essa typographia imparcial e ho- 
nesta, a qual d'ellas recorrer? Ás imprensas, cujos pro- 
prietários appoiavam a administração ? Sobre ser um dis- 
late, motejariam com certeza de tanta inépcia e simpleza. 
Não procurei também a que era arrendada por Bellar- 
mino de Mattos, apesar de saber por seus operários que 
fora o seu primeiro impulso ofTerecer-me seus prelos 
para publicar o Progresso ; mas (|ue o proprietário, não 
lh'o consentiria se tal lhe propozesse. Allingiu Bellarmino 
o motivo por que me não dirigi a elle, e veiu abrir-se en- 
tão commigo, referindo-me as inúteis tentativas que fizera 
para obter de seu locador consentimento a que publicasse 
o meu jornal. Aventei-lhe então a ideia de estabelecer uma 
typographia própria. Na sua pobreza de meios e conhecida 
timidez recuou ante uma empreza que lhe parecia de todo 
em todo inexequível por grandiosa. Servindo-me dos 
bons resultados por elle mesmo obtidos até alli, demon- 
strei-lhe a possibilidade de comprai- a credito uma typo- 



graphia, tomaDdo do BaDco Gommercial, cujos directo- 
res hoDravam minha Qrma, quantias para esse Qm. 

Depois de hesitar por algum tempo, e tomar conselho 
de outras pessoas, resolveu-se aQnal a acceitar meus 
offerecimentos. Achou facilmente quem se prestasse de 
bom grado a reforçar minha firma, e assim não tardou 
que fizesse por via das casas commerciaes de Júlio Du- 
chemin e de Alix Foumier & Rordorf a primeira encom- 
menda de um prelo e mais utensilios typographicos. 

Em 1863 já possuia elle uma officina com taes pro- 
porções que era acanhado o prédio da rua Gonçalves Dias 
para conter a typographia do sr. dr. Carlos F. Ribeiro, 
de cuja conservação e guarda estava incumbido, e a sua 
tao copiosa em prelos, em outras machinas e em caixas 
de typos de diversos pontos e characteres. Accrescia que a 
um material tão vasto, correspondia o pessoal de operá- 
rios muito superior ao de todas as outras. Teve portanto 
de passar seu estabelecimento para a rua da Paz, onde 
ainda ha pouco se achava. 

Proprietário de uma typographia tão completa e afre- 
guezada, nem por isso deixou seus hábitos de trabalho. 
Ás seis horas da manhan de todos os dias, ainda dos san- 
ctificados e domingos, já era visto a trabalhar, como ope- 
roso jornaleiro, até as dez horas da noite, sendo o último 
a retirar-se de seu estabelecimento. Acudia a tudo e tudo 
lhe passava pelas mãos, multiplicando-se, como se fosse 
dotado do dom da ubiquidade. Quem observasse esse 
mancebo cheio de corpo, de tez morena e rosto redondo, 
sem outra roupa sobre os hombros mais do que uma ca- 



Biizola de malha de algodSo, com as calças e mãos sujas 
de tínta, ajudado de lunetas por ter-se-lhe enfraquecido a 
vista com os contínuos serões, dirigindo todos os traba- 
lhos, coníundil-o-bia com qualquer de seus operários. N2o 
entrava para o prelo folha que lhe não passasse uma e 
muitas vezes pela vista, não escapando a essa attenta ins- 
pecção lettra gasta pelo uso, menos limpa, virada, ou 
cuja alteração fosse marcada nas provas, que a não Gzesse 
retirar. Não era só nisso que caprichava, senão que tam- 
bém esforçava-se por que os-productos de sua typogra- 
phia sahissem escoimados de erros, tanto que duas, três, 
e mais provas que lhe pedissem os authores, fomecia-lh*as 
com toda a satisfação, sem que exigisse paga pelos accres- 
cimos e alterações que sempre distrahem os composito- 
res, correspondendo isso ás vezes a novos trabalhos. 

De seus prelos sahiram em tão poucos annos tantas 
obras, tão aprimoradas oa elegância, na nitidez e execução 
artistica, tão alentadas nos volumes, tão raspáveis nos 
preços, que distinguiu-se o Maranhão como a parte do Bra- 
sil onde a arte typographica estava mais adeantada, sendo 
os productos de sua oíDcina collocados entre os primei- 
ros tanto em qualidade, como em aceío e barateza. Catalo- 
guemos de relance o que de mais notável sahiu de seus 
prelos n'esses poucos annos : a serie de almanachs que 
andam por uns treze volumes; Aspostillas granunaticaes 
de Sotero; As poesias de A. Franco de Sá, as comedias 
do dr. Luiz M. Quadros, as de Joaquim Serra, seu poe- 
meto. Um coração de mulher, seus Versos^ as traducções 
de E. Laboulaye ; O mundo caminha, traduzido de Pelle- 



247 

tan ; Estatística da provinda do Ceará (2 vol com muitos 
mappas); Obras de João Fhmcisco Lisboa (4 vol.); 
Curso de litteratura, por F. Sotero (4 vol.) ; Gramnuh 
tica portugueza (1 vol.) ; a traducção dos CommerOarios 
de JuIio César (6 fascículos); Obras posthumas deÀntODío 
Gonçalves Dias (6 vol.); Impressos, pelo sr. Andrade (2 
vol.); Parnaso Maranhense (1 vol.); Três lyras,(^ vol.); 
a traducção de Eloa de de Yigny pelo sr. dr. Gentil ; Motins 
políticos pelo sr. dr. Raiol (4 vol.) ;]Historía da Indepen- 
dência do Maranhão, pelo ex."^ sr. dr. Luiz António 
Vieira da Silva (1 vol.) ; Commentarios da Constituição, 
pelo dezembargador Sousa (2 vol.); Impressões e gemi- 
dos, por José Goriolano de Sousa e Lima (2 vol.) ; Cofi- 
fidencias, poesias do sr. dr. F. C. de Figueiredo (1 vol.) 
Curso elementar de mathematicas, pelo sr. dr. Jo3o Co- 
queiro ; Os Miseráveis e o Homem que ri de Victor Hugo ; 
uma serie de romances traduzidos e que deitam por uns 
doze volumes ; sendo a mór parte d'estas obras em oitavo 
grande fràncez ou quarto portuguez, e bastante volumo- 
sas. Foi também encarregado da impressão de mais algu- 
mas obras, cujos authores eram domiciliários no Pará, 
DO Ceará, no Piauhy e em Pernambuco, alem de relatórios 
de companhias e de presidentes de provincia, mappas, 
contas correntes, etc, que affluiam a essa typographía, 
attrabidos seus authores ou edictores do bem acabado de 
tudo quanto publicava Bellarmino de Mattos. É que se 
náo pagava elle só dos louvores que lhe teciam por toda 
a parte, do premio que lhe foi conferido na ExposiçSk) na- 
cional, realisada no Rio de Janeiro em 1867, e nem for- 



248 



mava de tudo isso sua Capua ; porque mirava alem do 
seu nome e dos fugazes triumphos do dia de hoje — ao 
aperfeiçoamento da arte, que era seu ídolo e seus enle- 
vos. Dotar sua pro\'incia com um estabelecimento modelo 
era o seu pensamento mais querido e sua única ambição ! 
Que aceio, que perfeição e gosto de trabalho artístico ! 
Suas edições, tanto as de luxo, como as communs, ahi 
estão para affirmal-o. 

Tinha a imaginação e o coração de um verdadeiro ar- 
tista e eram essas excellencias que lhe infundiam o en- 
thusíasmo e a fé no cultivo fervoroso de sua arte, esfor- 
çando-se com todas as veras por levantal-a entre nós á 
altura em que está na Europa e nos Estados Unidos. 

Era esse o seu constante sonho e para realisal-o um dia 
munia-se de bons espécimens de impressões e de typos 
das ofScinas mais acreditadas de Yíenna d'Âustria, de 
Paris, de Londres, de Bruxellas, de Lisboa e de Nova 
York. Quando se lhe deparava um d'esses exemplares, 
não cabia em si de contente, nem socegava em (juanto se 
não applicava a estudal-o e examinal-o com aquella curio- 
sidade e heróica paciência que o physiologista e o geó- 
logo empregam em devassar os segredos das funcções 
orgânicas da natureza. 

Mirava e remirava a obra, examinava-a por miúdo, me- 
dindo-a a compasso, comparava-a e analysava-a por partes, 
e d'ahi é que lhe veiu a perfeição e a boa disposição dos li- 
vros publicados em sua oílicina — essa symetria harmó- 
nica das paginas, respeitadas as proporções artísticas da 
cabeça e pé, da medianiz e margem d'ellas, a egual des- 



849 

tribiiiçao da tinta e do aperto na impressSo, de maneira 
que nao Geasse uma palavra ou' um typo fora do nivel dos 
outros, ou o olho lllegivel por sujo ou gasto. Attentae em 
quaesquer páginas das obras mais esmeradas, publicadas 
por elle, que não Dotareis ahi esse desagradável aspecto 
de espaços mal collocados, uns mais extensos que outros, 
ou enfileirados em diagonaes e triângulos, arremedando 
os cheios de crochets ou das rendas de crivo, nem as li- 
nhas de composição de uma página cahindo sobre o inter- 
lineamento do seu verso. A plástica é n'ellas respeitada e 
seu aceio e elegância nada deixam a desejar. 

Não attendia só á belleza material de seus trabalhos : 
foi também um dos mais enthusiastas fomentadores do 
movimento bibliographico que se manifestou n'essa qua- 
dra, facilitando aos editores e authores todos os meios 
para darem á luz da publicidade suas obras, quer acceí- 
tando longos praso*s nos pagamentos, quasi sempre em 
pequenas e deseguaes parcellas ; quer recebendo exem- 
plares por conta d'estes, ou tomando a seu cargo a venda 
da edição. Satisfazia-se com modestos lucros e nem sfe 
queixava ou apoquentava os remissos e maus pagadores. 
Contríbuia para essa bondade extrema sua índole branda 
e seu natural acanhado e condescendente, que o levava 
a dispensar favores a freguezes e estranhos. Era também 
um mãos abertas, um passa-culpas para seus subordina- 
dos e operários que nem por isso abusavam, deixando 
de o ajudar ou de lhe obedecer, supprindo assim a amiza- 
de e gratidão, que lhe consagravam, a energia que faltava 
áquelle. Cresciam-lhe com a boa nomeada os lucros e 



com elles o desejo de dar mais amplas proporções ao 
seu estabelecimento e de iotrodozír n'eUe os melhoramen- 
tos mais aperfeiçoados, sendo mn d'elles e de que tinha 
como necessidade indeclinável — o da acquisiçSo de um 
prelo mechanico para satisfazer e accudir a todas as pu- 
blicações de que o encarregavam. Encommendou-o para 
França, e como tivesse chegado concorrente com o que 
o sr. José Maria Correia de Frias, não menos intelligente 
e dedicado typographo, comprara no Rio de Janeiro para 
seu uso d'elle, foi-lhe este laborioso e honrado collega 
de grande préstimo, assentando-lhe e ensinando-lhe a ma- 
nejar essa machina. 

Com a posse de prelo tão expedito e que accelerava as 
impressões, accudiu a Bellarmino de Mattos a ideia de ap- 
plicar-Ihe o vapor, como motor de todos os seus prelos, 
bem como a de adquirir mais dous, um maneiro e outro 
para os trabalhos chromo-typographicos, de que tinha já 
feito magníficos ensaios. Foi n'esse intento que encarre- 
gou-me, depois de achar-me eu aqui em Lisboa, àe indagar 
o preço de uma loco-movel de fácil applicação, econó- 
mica em combustível, e outrosim do de machinas de ca- 
landrar e assetinar papel, examinando os aperfeiçoamen- 
tos que fossem apparecendo na Imprensa Nacional de Lis- 
boa, para o pôr ao corrente d'elles e habilital-o a fazer 
encommenda do que lhe parecesse mais útil e vantajoso. 

Quando já podia eu andar e estava em estado de 
dar-lhe as mais desenvolvidas e positivas informações, 
veiu a noticia do seu fallecimento repentino interromper 
laes averiguações. 



251 



VII 

Tão ulil e occupada existência devia de ser poupada 
peios desgostos e discorrer serena e sem tropeços no 
estádio traçado por sua infatigável actividade, dedicada 
ao trabalho e á familia, ao desenvolvimento de suas fa- 
culdades e ao aperfeiçoamento da arte para que tinha 
irresistível vocação ; mas não quiz sua desdita que assim 
fosse, fazendo que se extorcesse em as agonias da mais 
atroz adversidade. Já é sorte d'aquelles que mereciam 
forros de desventuras, verem-se afifrontados, perseguidos 
e vencidos por ellas I Victimas da eallúmnia e inveja 
das mediocridades, que não podem enxergar com bons 
olhos os que excedem, uma linha que seja, da sua vulga- 
ridade, empenham-se ellas por tanto emrebaixal-osao seu 
nivel. Participou assim Bellarmíno de Mattos da sorte a 
que não estão isentos, senão mais expostos, os indiví- 
duos de verdadeiro merecimento, e veiu a pesada mão do 
inimigo fado feril-o sem compaixão n'aquilIo que mais ze- 
lava e se esforçava por manter illezo e puro — na sua 
honra I No meio de suas occupações, dentro mesmo da 
sua oflQcina, que lhe era templo, e quando estava mais ata- 
refado, mais oberado de dividas, e sorriam-lhe os trium- 
phos e o futuro todo esperanças, entorpeceram-lhe os 
voos, abatteram-lhe os esfriritos e despedaçaram-lbe o 
coração ! Descarregou-lhe dimproviso a justiça humana 
tremendo botte: ás 10 horas do dia 10 de julho de 1866 
cercava-lhe a polícia a casa com grande aparato de fõrç^a, 



252 

como se fosse a de um scelerado que promettesse grande 
resistência, e o arrastou á prisão onde gemeu mais de seis 
mezes t 

N3o entrarei na appreciaçao dos factos e das circum- 
stancias que os aggravaram, porque ainda sao mui recen- 
tes, e iria isso fazer sangrar feridas, que desejo fechadas, 
e levantar queixas de um ou outro a quem pareceria as- 
sentar-lhe de molde o reparo, e d'ahi viria contra mim 
com embargos de parcialidade. Cinjo-me, pois, ao mister 
de narrador, procurando apenas expungir de tão feia nó- 
doa a memória de nosso artista ; se é que^i consciência de 
seus concidadãos, consultada duas vezes, não proclama 
bem alto sua innocencia ; se o Supremo Tribunal de Jus- 
tiça, para onde o procurador da coroa recorreu em ulti- 
ma instancia, não confirma essa duplicada sentença de 
absolvição, lavrada pelo jury uma e outra vez. 

Satisfar-me-hiam de sobra essas reiteradas provas, 
se não tivesse por mim mesmo inhabalavel convicção da 
inculpabilidade de Bellarmino de Mattos, cujos bons sen- 
timentos conhecia, e como que por assim dizer apalpava 
todas as horas, e de que era abonador seu procedimento 
confirmado por sua honradez e morahdade em circum- 
stancias mui variadas e algumas até bem criticas. 

Vamos ao que deu motivo á sua prisão e processo. 
Fallecendo em dias de julho de 1865 o cónego Rocha 
Vianna, cura da Sé, sem familia ou herdeiros forçados, 
foi encarregado Bellarmino de Mattos pelo juiz competente 
de arrecadar e pôr em segurança os objectos de seu uso. 
Não podia recahir melhor a escolha do que em Bellarmino 



de Mattos, chegado ao floado pelos dictames da gratidão e 
da amizade, e cujo irmão era quasi um filho de Rocha 
YiaDna, que o mandara educar e depois o manteve, tudo 
á sua custa, na faculdade do Recife, onde se graduou em 
sciencías jurídicas. Quando antes de formado succedia ir a 
ferias, ou quando depois de bacharel o chamavam á capi- 
tal negócios de seu cargo, era hospedado pelo cónego, 
que tomava muito interesse por tudo quanto respeitava 
a esse bacharel, em vista do que todos os que sabiam 
d'essas particularidades o indigitavam como universal 
herdeiro de seu protector. 

Sabia Bellarmino de Mattos, sabiam algumas pessoas, 
que o cónego Rocha Vianna fizera testamento poucos me- 
zes antes, mandando para esse fim chamar a toda a pressa 
da villa do Munin o sr. dr. Raymundo Abilio Ferreira 
Franco, seu protegido e juiz municipal d'esse districto. 
Disse-o elle por essa occasião a alguém que o cónego o 
tinha feito vir á cidade, para lhe cuidar do testamento. 
Se bem que Bellarmino de Mattos estivesse em dia com 
estas occurrencias, ignorava comtudo onde parava simi- 
Ihante documento ; porque todo entregue a seus traba- 
lhos e longe da residência da familia, não tivera ensejo 
então para conversar com o irmão que pouco se demo- 
rou na capital, tornando-se logo para sua comarca, sem 
mesmo despedir-se d'elle. No dia seguinte ao do fal- 
lecimento do cónego Rocha Yianna, perguntando o sr. 
dr. António Rego e eu a Bellarmino de Mattos se o fi- 
nado deixara testamento, elle nol-o assegurou aíSrma- 
tivamente, accrescentando que não o encontrara nem nos 



254 

moveis de Rocha Vianna, nem do BaDCo ou em mãos 
de pessoas da confiança do cura. Revolvendo então os pa- 
peis do finado, deparou com uns apontamentos por lettra 
d'elle. Inexperiente e completamente ignorante das pra- 
xes forenses, e levado pelo espirito de bem fazer ; por- 
que segundo esses apontamentos dava o cónego liber- 
dade a seus escravos, em cujo número estava incluída 
uma mulatinha que creára com muito mimo, foi ter Bel- 
larmino de Mattos com o tabellião Saturnino Bello, a qoem 
mostrou o papel, pedindo-lhe que o approvasse e se para 
isso era forçoso despender alguma cousa, elle prompti- 
ficava-se a fazel-o. Declarando-lhe este que tal docu- 
mento não produzia obra em direito, retirou-se Beliar- 
mino de Mattos e nem consta que fosse batter a outra 
porta para egual fim. A mim referiu-me elle esta circum- 
stancia, no mesmo dia em que occorreu, mostrando-se 
contrariado e declarando-me que muito o contristaria se 
por ventura não apparecesse o testamento e tivessem de 
ficar escravos esses indivíduos a quem o cónego tractára 
como livres, lendo por elles paternal affeição. Quem as- 
sim procedia, não tinha decerto intenção criminosa. 

Avisando elle ao irmão sem mais demora do falleci- 
mento do cónego, acudiu o sr. dr. Raymundo Abilio 
Ferreira Franco, mediando só o espaço de tempo estricta- 
mente necessário para chegar-lhe a notícia e vir á cida- 
de, trazendo comsigo o testamento que apresentou ao 
juiz municipal supplente em exercido, que o abriu e 
fez executar, empossando o herdeiro nos bens do cónego 
Rocha Vianna. Bellarmino de Mattos não teve parte ai- 



255 

guma n^esta herança, e nem resgatou dividas ou deixou 
de as coDtrahir para supprir seu estabelecimento do que 
lhe era necessário; continuando eu e o sr. Joaquim Coe- 
lho Fragoso a sermos, como de antes, os saccadores e en- 
dossadores de suas lettras. 

Tinha elle, porém, um crime imperdoável para al- 
guém : deixara de publicar a CoaUção e da sua imprensa 
C(»necou a sahír o Conservador. Se houve, todavia, n'isso 
culpa, foi somente minha, que lhe aconselhei que cessasse 
a publicação d'esse jornal que era um sorvedouro de boa 
parte do rendimento de sua indústria sem que o partido, 
de que era orgam, contribuísse desde o seu primeiro nú- 
mero quer com quantias ou comassignaturas que dessem 
para correr com as despezas de sua publicação, e comtudo 
via-se elle na dura necessidade de pagar de seu bolço, 
além das ferias dos operários que se occupavam exclusi- 
vamente da composição d'esse jornal, o papel e mais 
custeio d'impressão, e até aos distribuidores d'ellel 
^Podia elle, que fundara seu estabelecimento a credito, e 
que devia ainda parte de seu custo fazer desde feve- 
reiro de 1862 até princípios de 1866 tão crescida despe- 
sa, sem que recebesse como compensação de tantos sacrí- 
fidos o mais diminuto iavor, nem ao menos o de uma 
simples patente de alferes da guarda nacional que se pro- 
digaUsava com tanta facilidade e profusão, não obstante 
coadjuvar elle esse grupo com o seu voto e o de outros 
typographos que o ouviam e com imprimir gratuitamente 
quantas circulares queriam expedir os directores do parti-* 
do? Queixava-se Bellarmino com razão e conhecia que^ 



156 



a coDliDoar assim aimiDar-se-bia: mas Dão tinha coragem 
para pôr nm cravo n'essa roda folal. Pondo de lado qoaes- 
qner conâderações, acoDselbei4he essa medida saltadora 
e ò acoroçoei para que a efleitaasse. Apparecendo-lhe de- 
pois o redactor do Qmsertador para que lhe potriicasBe 
este jomaU Dão se quiz prestar a isso em atteoção amim 
que era bastante maltractado D^essa folha. Sabendo por 
mn de seos typ(^raphos de tal recusa, instei com eOe para 
qae desistisse d'ella, por ser isso offensivo e contrário 
a meos princípios de liberdade d^impreosa; p(ns que te- 
nho para mim que se ella se demazia e descabe pan a 
licença, n'esse mesmo excesso acha sen próprio castigo; 
e que se ella calnmnía o homem justo e innocente, em 
vez de provir d'ahi damno a este, serve-lhe de OMlinbo 
onde se contrasteiam soas boas partes moraes, sendo 
muito melhor que se vulgarise uma falsidade para que a 
gente se possa expungir d ella, do que ande segredada 
e encoberta. Manifestei-lhe de novo este parecer que sem- 
pre tive, e indozi-o a que imprimisse o Qmsemador em 
quanto houvesse ponctualidade oo pagamento, e impnz- 
Ihe até que o fizesse, trazendo-Ihe á lembrança os dissa- 
lx)res que padeci e sacríficios pecuniários que impuz-me 
quando pozeram-me tropeços na publicação do Progres- 
so. Em vista disto, e sendo a uoíca pessoa a quem suppu- 
nha dever guardar attenções e a quem ouvia em taes ne- 
gócios, começou a publicar o referido jornal. 

DevoMdo quasi um anno depois do facto da abertura 
do testamento, foi Bellarmíno pronunciado com seu ir- 
mão por ordem exarada em oflicio da presidência da pro- 



257 

vincia, com dacta de 28 de maio de 1866; sendo comtudo 
elle a víctíma preferida para essa gemonia onde tortu- 
raram-Ibe a alma por tanto tempo I 

Visiteí-o na cadeia pública — estava abattido, em pran- 
tos, com o rosto sulcado pelas lágrimas que já havia der- 
ramado, e ao qual subia de instante a instante o rubor da 
vergonha. N3o o preocupavam alli o desconforto, a falta 
de liberdade, o immenso prejuizo que estava soffrendo 
com a sua ausência da typographia, nem as saudades da 
familia que amparava e amava extremecidamente, e de 
quem nunca se havia separado, e ainda menos os meios de 
defeza de um crime que não commettéra, mas a sua honra 
atirada á discussão e ao escameo da praça pública, mas o 
bom conceito que se esforçara sempre por manter e que 
de repente, em um lanço da sorte, via manchados e anni- 
quilados. Ainda o alentava no meio de tamanha affronta 
a esperança que nutria de que os tribunaes haviam de 
lavar-lhe tão negra mancha;. conGava na justiça d'elles, 
e tinha inabalável convicção que bem averiguado o facto 
e esmiuçadas as provas e debattido o processo, sua inno- 
cencia seria demonstrada e reconhecida, brilhando a luz 
da verdade com todo o seu fulgor. E assim succedeu. 
Quem acompanhou sem prevenções esse processo em to- 
das as suas phases, havia de ter lobrigado em sua marcha 
a mão da vingança, tramando tudo ás occultas, espalhando 
dinheiro para comprar testemunhas e aproveítando-se dos 
menores incidentes para fazer manobrar os invisiveis cor- 
déis de que dispunha I 

Sendo affiançavel o crime que imputavam a Bellarmi- 

PAimioif-ToH. n. 47 



«58 

DO, requereu elle fiança para se livrar solto e acudir ao 
seu trabalho ; mas nunca pôde obtel-a perante o cbeffe de 
policia, que protelou este processo tanto assim que mais 
de um mez esteve paralysado. Conhecendo Bellarmioo de 
Mattos que redundava essa demora em prejuízo de seus 
co-reus, suspensa a marcha do processo principal de modo 
a não entrarem em julgamento na próxima sessão do ju- 
ry, desistiu a 18 de agosto d'este incidente. Em 30 do 
mesmo mez foi submettido a julgamento e unanimemente 
absolvido no dia seguinte, tendo a sessão durado qoasi 
vinte e quatro horas I Appellou o juiz de direito d'esta 
sentença do jury, e como a appellação impedisse os eflei- 
tos da absolvição, continuou Bellarmino detido, e por isso 
requereu de novo fiança perante o juiz de direito appel- 
lante. Consumiram-se nisto alguns mezes sem que alcan- 
çasse despacho definitivo, achando sempre o juiz ídsu£B- 
ciente a quantia arbitrada. 

Foi assim esgotada a lista dos advogados do lOro da 
capital, passou-se a dos sollicitadores, e um processo de 
fiança que pôde ser concluido em algumas horas, levou 
mezes e mezes, despendendo o requerente muita sonmia 
de dinheiro, sem que nunca chegasse á conclusão negó- 
cio tão simples. Vendo que havia n'isto propósito de re- 
tel-o preso e prejudical-o em seus interesses, requereu 
Habeas corpus á relação, o que lhe foi negado, conce- 
dendo-se-lhe no emtanto proslar fiança perante o presi- 
tente d'esse tribunal. Nomeou então este os dois árbitros 
que deviam avaliar a fiança, e como discordassem estes, 
foi depois escolhido um terceiro para desempatar. Ar- 



259 

bilrada a fiança em 19:000j$000 de réis, foi ella prestada 
por Bellarmino de Mattos ; mas contestada, desistiu d'ella 
para que não fosse causa de delongas no curso natural 
do processo. 

A 1 4 de dezembro de 1866 foi decidido pela relação que 
procedia a appellação, não pelas razões do juiz appellante ; 
mas porque o primeiro quesito não fora posto conforme 
ao Ubello, e faltava a certidão de incommunicabilidade do 
conselho de jurados e a assignatura de dois officiaes de jus- 
tiça, como requer o código do processo criminal. Cumpre 
observar que quando o presidente do tribunal do jury 
leu os quesitos, o advogado da deffeza, o ex."^ sr. sena- 
dor Luiz António Vieira da Silva, reclamou contra o pri- 
meiro sem que fosse attendido. 

Teve pois Bellarmino de Mattos de responder, no dia 
18 de dezembro de 4866, a novo jury, cuja sessão esten- 
deu-se ao seguinte dia, concluindo por sentença de ab- 
solvição dos réus, não usando o advogado da deffeza 
na formação do conselho da faculdade de recusar juizes. 
Presidiu ao jury o sr. dr. Braulino Cândido do Hego Men- 
des. 

Foi posto Bellarmino em liberdade logo depois da pu- 
blicação da sentença que o absolvia, a despeito de ter 
appellado d'ella o promotor público, como lhe cumpria. 
O tribunal da relação não acceitando as allegações apre- 
sentadas pela promotoria confirmou a sentença de ab- 
solvição por accordam de 7 de maio de 4867, votando a 
favor d'elle magistrados laes como os srs. dezembarga- 
dores Gonçalves Campos, Innocencio de Campos e An- 



a60 

tomo de Barros c Vasconcellos. D*este accordam, porém, 
maDifestou revista o dezembai^dor Ayres do NascímeD- 
to, promotor da jostiça. Este extremo recurso foi entre- 
tanto desprezado unanimemente pelo supremo tribunal 
de justiça por accordam de 8 de junho de 1868. 

Depois de por tantos contratempos esgotarem todos os 
meios de reter na cadeia pública o resignado e laborioso 
operário, vollou elle livre e purificado para sua ofl&áoa ; 
mas já não era o mesmo, as cans prematuras de im>foiido 
desgosto alvejavam-lhe alguns pontos da cabeça; a ale- 
gria fugiu-Ihe para sempre, vindo a miúdo visital-o a me- 
lancholia que Ibe annuviava o rosto com profunda tristeza 
— symptoma de concentrada dor. Como que aquelleinjiísto 
labéu fora ferro em braza com que lhe marcaram na fron- 
te as lettras sinistras e indeléveis de um supposto crime. 
Pobre moço que ainda em meia >ida sonora até is fezes 
o cálice da amargura que despíedada mão lhe entornara 
nos lábios! 

Trabalhava e trabalhava sem tréguas e com o mesmo 
afinco : encontrando, porém, mui sérios e fortes embara- 
ços antes que po«lesse dar aos serviçi)s de sua officina 
aijuella regulaiidaJe e ordem que hará estabelecido e 
que em sua ausência deNípparecéra. Via-se. por outro 
lado, na impreterível obriíração de saldar seus débitos 
que pelos mesmos motivos estavam atrazados e cresci- 
dos. 

Se bom que dotaJo de robusta constituição soBria ha- 
\ia ann-K »le uns d:irir«>s t]ue ile<anp.ireciam â acção dos 
niedic;!fUHní'K, i-iri n'ap[>are'!TtMU á mais leve trans- 



gressão de bem ordenada dieta. Com a reclusão nos 
quartos da cadeia pública, quentes e expostos ao sol, to- 
mou incremento a enfermidade ao ponto de dar-lhe sé- 
rias apprehensões e bem fundados receios. Fosse que 
ella desapparecesse depois com alguma applicação tópica 
e repercutisse em orgams nobres, ou fosse metastase sem 
causa conhecida, a 26 de fevereiro de 1870 começou a 
sentir dormência e torpor nas pernas, que se lhe do- 
bravam ante quaesquer irregularidades do terreno. Eram 
os prodromos da paralysia, que capitularam os practicos 
de SanTuiz do Maranhão, que o assistiram, de progres- 
siva ou reflexa de Grave, ou com mais acerto de béri beri 
das índias orientaes» que já ia desapercebidamente cei- 
fando vidas até que hoje, pela frequência e extensão do 
mal na província, se lhe conhecem perfeitamente os sym- 
ptomas e a marcha. 

Ás 10 horas da noite d'esse fatal dia, áquella mesma 
hora em que costumava entrar para casa e descançar de 
sua tarefa diurna, principiaram-lhe as agonias da morte 
que já o enlaçava, premia e lhe ia exhaurindo o fluido vi- 
tal. N'esse supplício de Lacoonte sentiu elle que se lhe ia 
tolher a voz, e chamando por sua velha mãe, a sr.^ D. Sil- 
vina Rosa Ferreira, toda lacrimosa e desolada, disse-lhe: 
— € Não chore, só Deus sabe o pezar que sinto ao con- 
siderar que morro, deixando-a n'este mundo entregue 
aos azares da sorte, sem legar-lhe ao menos bens que a 
resguardem de privações i Mas tenha coragem, que meus 
irmãos não a deixarão pedir esmola. É a única consolação 
que levo commigo». Foram as derradeiras notas que vi- 



brou aquelle coração, impulsa peio nobilíssimo estímulo de 
todos os actos de sua vida, e pensamento que incessante 
o preoccupava e a que immolou até suas mais cbaras af- 
feições ; porque Bellarmino amava com todo o affecto de 
sua tema e bem formada alma uma rapariga, pobre como 
elle, alimentando castamente essa paixão — seu primeiro 
e único amor — e comtudo isso não a satisfez, e quando 
pensava em casar, fazia-o desistir d'esse risonho proje- 
cto a ideia de que era o arrimo de sua familia i Ás duas 
horas da manhan do dia 27 de fevereiro, esse agonisar de 
cinco horas e em que a razão foi a última luz a se lhe 
apagar, desprendeu-se o espirito de Bellarmino de Mat- 
tos d'este mundo de que só conheceu as fadigas e agru- 
ras! 

Glorifiquemos no operário intelligente e dedicado os 
grandes sentimentos, que n'elle venciam os mais — o 
amor do trabalho, da sua arte e o da familia — que foram 
os moveis de todos os seus actos, o pião ao redor do qual 
voluteavam seus pensamentos e obras — o lenuna que 
trazia gravado com lettras de ouro no coração — a dama 
d'aquelle esforçado paladino. Para estas ideias capitães 
convergiam e gravitavam suas aspirações e ambições; 
era para elle a encarnação sublime que consubstanciava, 
confundia e resumia em um só verbo, era em fim o pri- 
meiro dogma de seu credo. 

Paro aqui com esta incompleta e tosca narrativa para 
dar espaço á oblata que llie rendeu um poeta n^estas es- 
trophes do poemeto onde canta as glórias do torrão na- 
tal: 



263 



A quinta estrella finalmente surge. 
Deixae qae ea prenda no estreito elo 
as glórias dos poetas á do artista, 
a intelligencia ao prelo. 



Joncto a Gonçalves Dias, Jo9o Lisboa 
o alumno pôde vir de Guttenberg. 
Bellarmino de Mattos, d^essa campa 
em que descanças, te ergue. 



Vem, traze o teu emblema de typographo. 
— o rdlo, o prelo, as cbi^as, as yinbetas — 
e te encarna n'aque]1a estrella lUtima, 
alli oitre os poetas. 

Tu foste a providencia das escholas, 
e da litteratura que tropeça 
foste a columna forte — braço válido 
que ajudava a cabeça. 

Deixa pois que eu te preste o meu respeito, 
a ti que não temeste entrar na lucte : 
a cabeça que pensa e ordena é nobre, 
e o braço que executa. 

Celso os Magalhães. 
(Do Pttiz n.^ 62, de 19 de maio de 1870.) 

 imprensa jornalística da provinda, e parle da de fora 
d'ella foi lambem unisona em carpir sua sentida e eterna 
ausência *, c o sr. dr. Fábio Alexandrino de Carvalho 

Veja-sc no fim d'cslc tomo a nota E. 



264 



Reis, cujo coração palpita saudoso das margens dos nos- 
sos rios, e da bahia de San 'Marcos, veíu jundar aos lou- 
vores profanos a oração da egreja, mandando sufltagar a 
alma de Bellarmino de Mattos com missa solemne em 
uma das egrejas do Rio de Janeiro, e a cujo acto compa- 
receu a Associação Typc^raphica Fluminense represen- 
tada por uma conmiissão. 

Se não bastam os livros que imprimiu para rememo- 
rarem-lhe o nome e sua vida, abi está também o estabele- 
cimento que foi obra sua, filho de suas fadigas perseve- 
rantes, que sua família, reconhecida pelo muito que elle 
fez por ella, conserva-o como património honroso ; e des- 
de o seu prematuro fallecimento que nos frontespicios dos 
livros que sabem d'esses prelos lê-se no lugar que a lei 
ordena se declare o nome da ofiScina : = Typographia 
de B. de MUios, 



XV 



o CONSELHEIRO 







I 



K nos eaminhot da justiça eienia 
Gradua firme os passos. 

O brilho da soa alma nSo mareia 
A los do sol, nem do carvio se tisna; 
Morre pelo dever aostero e crente 
Confessando a Tirtnde. 

GoMCALTis Dus — CaUoSf pag. S63. 



SÓ parece que ao escrever Gonçalves Dias O homem 
forte tinha ante si o original, cujos traços biographicos vou 
aqui esboçar. Não desconheço a grandeza do assumpto, 
nem a gravidade que ha em ir talvez despertar paixões 
mal sopitadas e que ainda refervem. Entrar na apreciação 
de factos que ha quem se offenda de os ver assoalhados, 
sobre ser diíQcil é delicada e árdua tarefa ; e também por 
isso não passam estes ensaios senão de imperfeito regis- 
tro que assignala apenas o papel em que cada personagem 
figurou nos acontecimentos do nosso paiz; cabendo só á 
rasoura do tempo obtundir e extinguir os ódios e inveja 
dos contemporâneos, para que então reparta a história 
com mão imparcial o quinhão de glória e de castigo que 
de justiça pertença a cada qual. 

Ha de haver quem faça talvez reparo na inclusão da 



268 

biographía do conselheiro Furtado n^esta galeria; porque 
Dão attentam em que, embora nascesse no Piauby, foi ma- 
ranhense em todas as suas relações e actos sociaes, perten- 
cendo sua sepultura ao Maranhão, onde lhe raioa )i luz 
do espirito, viveu desde a edade de dois annos, e onde 
ensaiou os primeiros passos e recebeu os primeiros ru- 
dimentos de leitura, vinculando-se á nossa província pe- 
los estreitos e indestructiveis laços da reciprocidade deafie- 
ctos e interesses de familia. São as recordações saudosas 
dos jogos da infância, da casa de nossos pães, do sítio 
onde brincámos com os nossos companheiros da mesma 
edade, da arvore em que nos debruçávamos, do rio onde 
banhavamo'-nos, do panorama que descortinávamos ao 
accordar, e de que nos despedíamos ao cahir do dia ; são 
estas primeiras impressões agradáveis que nos Acampara 
sempre gravadas no coração, e por isso mesmo hão de 
convir de certo commigo que seria deflBcientissimo este 
trabalho, se o respeitável e immaculado busto do int^ro 
magistrado e grande estadista brasileiro não aviltasse 
n'elle. 

Correm os tempos tão caplivos de depravidade moral 
que o mais vidente e arguto politico não poderá aventar 
com segurança qual o paradeiro da humanidade n'essc 
estádio cenagoso que as insoflfridas ambições percorrem 
ufanas e contentes. Frouxas as mollas sociaes pelo ma- 
terialismo, que é achaque da nossa epocha, confunde-se 
e perverte-se tudo. O nivel moral descabe cada vez mais 
e as raças humanas vão degenerando na mesma progres- 
são. Ante enfermidades tão fataes atemorisam-se e con- 



269 

turbam-se os espíritos reflexivos que se empenham em 
descobrir remédio contra esses males dos problemas so- 
claes que emergem de toda a parte. 

Contaminados d'essa infecção sacrificam os mais ho- 
mens ao luxo, aos confortos, ás honrarias e riquezas, a 
esse complexo emíim de exterioriodades e de gozos pas- 
sageiros — a dignidade vendida a troco de azínhavradas 
lantejoulas ; a independência no achatinar cargos lucrati- 
vos ; a justiça, moeda sem curso e sem valor n'essa per- 
muta infame da consciência ; a honra e ainda a pátria se 
tanto for preciso ! O servilismo, as intrigas e a difiamaçao 
teem alta nas cotações d'esse mercado, e as Mctímas 
mais gratas ao culto do novo idolo de Baal são os afie- 
ctos c os sentimentos ainda os mais nobres e Íntimos. 

Carregaria com demasiada franqueza e azedume as 
cores, mas são estas as lepras que maculam e canceram 
esta epocha, sublime a despeito de tudo isto e ainda 
mais pelos esforços que empregam os espíritos bemfase- 
jos e puros por guarecel-a de \1rus tão destruidor her- 
dado pelo passado achacado e gasto. Nas monarchias 
mixtas não tem contribuído pouco para este deplorável 
estado o antagonismo das suas oppostas forças — sobera- 
nia popular e de um só — procurando cada uma cercear 
o poder da outra e invadir-lhe os domínios, desconfia- 
da 6 receiosa reciprocamente de suas intenções de pre- 
domínio exclusivo, e d'ahí a hostilidade — a lucta na re- 
gião dos poderes supremos. 

Por isso também succede que quando apresenta-se, de 
maravilha, um indivíduo bastante forte e intrépido para 



270 

ergaer-se como antemural entre as doas partes contendo- 
ras, reprovando por seu notável e peregrino procedimento 
o do commum. dos homens em cujo meio vive, e indican- 
do ao mesmo tempo por seu exemplo e por seos actos 
de virtude civica, como cumpre servir a pátria, folgam 
aquelles que não estão de todo gafos da epidemia, es- 
tremecendo-ihes o coração de puro amor da pátria. 

Era uma d'essas raras excepções o conselheiro Fran- 
cisco José Furtado. O Brasil ha de sempre ufanar-se 
ao relembrar aquella firmeza e inteireza de cbaracter, 
aquella rectidão e energia de proceder, como magistrado, 
como administrador de provincia, como estadista e como 
cidadão e homem particular. 

Tinha sobre tantas e tão excelças qualidades, a de pos- 
suil-as naquella medida que nem excede do justo e ra- 
soavel, ou se retrahe em escassa e estéril parcimonia. 
De têmpera rija não dava quartel a esses desfallecimen- 
tos que por quebradas accommettem outros homens; e 
mesmo nas fragilidades, que são partilha do nosso or- 
ganismo, era temperado, contendo-os aquelle espirito 
vigoroso e aquella inabalável vontade dentro dos limites 
que a razão lhe indicava. 

Seu exterior, postoque sympathico e affayel, inspi- 
rava comludo respeito e acatamento. De estatura elevada 
e erecta, acompanhava-a corpulência regular e propor- 
cionada. Sua compostura e ademanes cheios de nobreza, 
sem estudo nem affectação, estavam de harmonia com 
seu porte e physionomia, de que eram traços mais notó- 
rios a larga e espaços a fronte.e os negros e brilhantes oDios 



271 

de onde transloziam os raios de inteltigenda que refracta- 
vam d'aquella cabeça bem organisada, e o queixo saliente 
por sobrepor-se a mandibula inferior á arcada dentaria 
superior; mas a tez clara, os cabellos negros, luzidios 
e crespos nas extremidades, o nariz nao vulgar, e a ani- 
mação e vigor de expressão disfarçavam esse desvio or- 
gânico e tomavam Furtado bem apessoado e de presença 
agradável. 

Sem aprazer o fausto e submetter-se aos caprichos das 
modas, gostava de andar trajado com grave elegância, 
esmerando-se sobretudo no asseio de quanto punha sobre 
si. Com ser delicado e cortez para com todos, e prazen- 
teiro, gracejador e familiar com os amigos, nem por isso 
passava-lhes culpas, antes advertia-os e admoestava-os 
quando assim o entendia, sem dar todavia entrada a fa- 
miliaridades desrespeitosas. Sua conversação sempre va- 
riada e recreactiva, ia desde as mais obscuras e áridas 
questões da sua sciencia até a alta litteratura e a philoso- 
phia que cultivava com particular devoção, sem que dei- 
xasse também de ler os poemas, os dramas e os roman- 
ces de nota, de que dava segura opinião com cultivada e 
sensata crítica. 

Quem o tractasse de perto ou ponderasse n'esse con- 
jancto de excellencias, reconhecia n'elle o homem supe- 
rior que tem o espirito adornado com oque ha de mais 
selecto nos productos da intellectualidade e se preza, 
zelando ao mesmo tempo sua dignidade e renome. 

Tomou em 1848 pela primeira vez assento na ca- 
mará dos deputados como representante do Maranhão, e 



quando contava 30 annos de edade. Assisti por essa oo 
casião, como espectador, ás discussões que alii se levanta- 
ram a respeito de incompatibilidades eleitoraes, e a que se 
oppunbam fortemente os mais vigorosos e ilhistrados 
oradores do partido conservador. Pareciam esgotados os 
argumentos pró e contra quando Furtado obteve a pala- 
vra em deffeza d'esse projecto. Era sua estreia parlamen- 
tar; e apesar da commoção e acanhamento, suas palavras 
bem inteliigiveis precipitavam-se rápidas como lhe acen- 
diam as ideias. Á phrase castigada junctavam-se os ra- 
ciodníos lógicos, bem deduzidos e conformes á herme- 
nêutica. Terminada a sessão e ao sahir das galerias en- 
contrei Moraes Sarmento, aferidor competente, quando 
as paixões não lhe perturbavam o juizo, que disse-me 
entbusiasmado : cTão brilhante estreia assignalaao repre- 
sentante maranhense um dos primeiros lugares entre os 
nossos luminares do parlamento, logo que a continuada 
práctica das discussões lhe infunda o necessário sangúe- 
frio ; porque tem todas as condicções para isso e um the- 
souro de conhecimentos que espanta em tanta mocida- 
de I» Não passou a legislatura d'essa primeira sessão: fo- 
ram dissolvidas as camarás e o deputado liberal votado 
durante doze annos ao ostracismo e guerreado pelo go- 
verno nas subsequentes eleições até a de 1860. Quando 
tornou a occupar uma cadeira na camará temporária, 
mandado de novo a ella pela província do Maranhão, já o 
esmeril das luctas, a descrença e as injustiças da nossa 
politica toda individual, tinham-lhe embotado o enthu- 
siasmo e reprimido os voos de sua imaginação ; dando- 



>73 

lhe, porém, comojusta retribuição dos enfraquecidos do- 
tes tríbunicios, riquissímas colheitas scieutíficas, uma so- 
lida erudição e essa energia e força de vontade que o es- 
tudo e a meditação sobre os negócios públicos, e a eipe^ 
ríencia de muitos annos tão utilmente empregados au* 
gmentam a quem já as possue mstinctivas. 



n 



Nasceu Francisco José Furtado aos 13 de agosto de 
1818 na sertaneja e remontada cidade de Oeiras, então 
capital do Piauhy,' onde seu pae, o cirurgião do mesmo 
nome, exercia clinica. 

Sua mãe D. Rosa da Costa Alvarenga, oriunda de uma 
das mais illustres familias piauhyenses, ainda vivia até 
3 de outubro do 1872, na cidade de Caxias, cega, em 
uma edade avançada, curtindo em perennes trevas e na 
soledade tantas e tão pungentes angústias. Alentava-lhe 
a resignação evangélica o espirito, ainda que os espinhos 
do infortúnio lhe atravessassem de contínuo o coração, 
estalando-lhe fibra por fibra as cordas mais sensíveis de 
mãe e esposa eitremosissuna ! Assim foi que perdeu o pri* 
meiro esposo, quando o filho tinha só dois annos, depois o 
segundo, Raymundo Teixeira Mendes, morto ás mãos de 
atrozes sicários, e por fim o fructo doestas segundas nú- 
pcias quando lhe alegravam os dias <as notícias de suas 
prosperidades na carreira de engenheiro, e por dobradas 
magoas ainda teve de supportar o golpe da perda do mais 

PiímoH^ToH. n. 19 



velho, o conselbeiro Fartado, refugiando-se oestes der- 
radeiros aoDos na própria dor que a consumia! Qual 
altiva sapucaya poupada do machado destruidor vibrado 
pelo rude escravo, e cujo tronco foi tostado e as ramas 
calcinadas pelo incêndio devorador que exhauríu-lhequasi 
de todo a seiva, ella pendida para a sepultura, aguardava 
a hora em que tinha de descançar de tamanhos e t3o re- 
petidos abalos de acerbas desventuras i 

Da puerícia do conselheiro Furtado basta referir que 
em 1827 foi de muda para a cidade de Caxias em com- 
panhia de sua mãe e do padrasto, Raymundo Teixeira 
Mendes, com quem aquella havia casado em 1826. 

N'esta cidade aprendeu ello primeiras lettras e todos 
os preparatórios exigidos paia a entrada em nossos cur- 
sos jurídicos. Sua penetração, ardor e progressos nos 
estudos foram taes que aos quinze annos os havia coo- 
cluido, seguindo em 1833 para Olinda, em cuja academia 
foi logo matrículado. 

Se a fácil e prompla comprehensão, a portentosa io- 
telligencia, e a muita aptidão o collocaram desde logo na 
primeira plana entre os que mais sobresahiam no curso 
jurídico, aonde aliás notavam-se muitos engenhos supe- 
riores, ainda sobrava-lhe ócio para entregar-se ao estudo 
da philosophia transcendente, de lodos os ramos de litte- 
ratura e aos devaneios e passatempos próprios de una 
ardente mocidade. 

Veiu em 1837 salteal-o ahi a cruel notícia de que ha- 
via sido assassinado a 'io de outubro d esse anno, na ci- 
dade de Caxias, seu padrasto a quem muito devia e es- 



tremecia como pao ; ficando impune o mandatário do ho- 
micídio, potentado d'aquellas paragens e terror d'ellas *. 

Este funesto acontecimento d3o contribuiu pouco para 
que Furtado tomasse tão cedo parte nas discussões polí- 
ticas, e redigisse, no seu quarto anno, de coUaboraçSo 
com seus collegas Fábio Alexandrino de Carvalho Reis, 
João Pedro Dias Vieira, Borges, Vilhena e Carvalho Mo- 
reira (hoje barão do Penedo) o Argos Olindense, de onde 
lhe resultou, como já fica dicto na biographia do conse- 
lheiro João Pedro Pias Vieira (pag. 95 d'este tomo) mal- 
querenças e rancor d'alguns lentes. Para evitar que o 
desfeiteassem no acto, como acontecera ao dr. João Pe- 
dro, tomou o accõrdo de retirar-se para San' Paulo, onde 
continuou o curso até concluir os estudos e tomar o grau 
de bacharel formado. 

De volta em 1839 á capital do Maranhão, não intimí- 
dou-o a rebellião que assolava em especial o território de 
Caxias, e partiu immediatamente para onde estava sua 
mãe, e lá assistiu ao cerco que puzeram os rebeldes á ci- 
dade e foi, como tantos outros habitantes, prezo por elles 
quando ella se rendeu. 

Foram tão úteis e valiosos seus serviços n'essa qua- 
dra calamitosa que em 1840 o nomearam, em recompensa 
d'elles, juiz municipal da comarca, vindo por isso a ser- 
vir no seguinte anno de juiz de direito interino. 

Apezar dos seus 23 annos de edade, tinham já suas 
sentenças aquelle séllo de justiça, de sciencia e de severa 

1 Veja-se no quarto tomo d'esta obra o trecho da biographia de 
Joáo Francisco Lisboa onde relato este facto. 



276 

honestidade que soube imprimir em todos os actos de 
sua vida. Nao foi pois a juventude motivo para que o ve- 
nerassem menos seus comarcões, que viram logo no jo- 
ven magistrado um fiel executor das leis, cujos passos 
não tropeçavam nas asperezas da senda do dever e do 
direito. 

Seu tirocínio na vida pública foi antes o exercício me- 
dido e seguro de quem parecia já bastante experimentado 
no fôro. É também esse o condão dos grandes engenhos 
que acham luz onde para outros só ha trevas, e estrada lisa 
e plana onde os demais cahem ou estacam, e enxei^m 
n'ella embiques por toda a parte ! 

Nos paizes governados pelo systema representativo, to- 
dos os cidadãos, quaesquer que sejam suas habilitações, 
podem e devem concorrer com seu quinhão de luzes para 
esclarecer e dar conveniente direcção á cousa pública. 
Este dever de todos, como que loca mais de perto aos que 
se dão ao estudo das leis, impeilíndo-os a tomar parte 
na politica — válvula pela qual se lhes expande a supera- 
bundância de seiva e abrem espaço á satisfação das mais 
vastas aspirações que foram seus sonhos dourados e que- 
ridos nos bancos da academia, onde cada mancebo ante^ 
de experimentar os desenganos e apalpar os espinhos que 
brotam no caminho da existência tão cheia do trabalhos e 
pezadumes põe mira nos mais altos cargos do estado e 
suppõe-se talhado para os maiores commettimentos ! 

Era já Furtado praça antiga na politica ; portanto acto 
natural e consequente n'elle que, ao chegar á província, 
fosse alistar-se nas bandeiras do partido liberal, hastea- 



a77 

(las tão galhardamente por João Fraacisco Lisboa, Joa- 
quim Franco de Sá e outros. 

D'esse tempo até 1848 foi eleito successi vãmente pre- 
sidente da camará municipal de Caxias, deputado á assem- 
blea provincial onde representou um papel condigno de 
seus créditos e intelligencia. Exerceu também por diver- 
sas vezes cargos policiaes, no seu districto, conseguindo 
por medidas efQcazes e por sua actividade, e cbaracter 
justiceiro e firme que os crimes diminuíssem n'elle e Ca- 
xias deixasse por então de ser considerada pelos facíno- 
ras valhacouto seguro e campo livre onde exercitassem 
suas malfeitorias. Viajava-se n'esse tempo com inteira 
confiança por todo esse recôncavo, e á noute os transenn. 
tes percorriam a salvo a cidade, certos de que a policia 
não dormia nem pouparia a nenhum criminoso ^ 

A 8 de maio de 1848 casou com D. Marianna Martins 
dos Santos, sendo felicitado seu consorcio e apertados 
os nós da tema affeição, que os unia, com o nascimento 
de dois filhos e seis filhas, todos ainda boje vivos. 

Correram mui disputadas as eleições populares do 
1847, renhindo-se os partidos com incrível fúria. Entre 
os que mais se excederam a pleiteal-as em Caxias, distin- 
guiu-se o próprio juiz de direito da comarca, que se apai- 
xonou a ponto de querer provocar desordens, de desres- 
peitar e d*insultar as demais authoridades, urdindo no acu- 
me de seu desvairamento uma sedição militar, para o que 
instigava a guarnição de Caxias. A policia soube a tempo 

1 M. Ferdinand Dcnis confirma-o jia pag. 404 da sua ediçáo da 
Voyage au mrd du Brèsil do p. Yves d'Evreax. 



278 

d'estes manejos, linha nas mãos os flos do Irama crimi- 
noso, 6 julgando imminente o perigo, não trepidou usar 
dos meios que a lei lhe facultava para desarmal-o, asse- 
gurando assim a ordem e a tranquilidade do distrício. 
A autboridade policial, então em exercício, estava a cargo 
de quem, embora muito joven, tinha madureza e a força 
d^ánimo de um homem provecto e enérgico. Tomando 
parecer do dr. Furtado, seu amigo, instaurou processo 
por essa tentativa de revolta, e provado o crime, prendeu 
o reu, sendo a pronúncia sustentada pelo juiz municipal. 
O espirito de partido quiz depois desfigurar o Cacto, 
vilipendiando o dr. Furtado, a quem imputou esse acto, 
postoque legal, mas em que não foi, aliás, parte; por isso 
que estava com a vara de j uiz do direito. ^0 que ha, porém, 
n'este mundo sublunar que a politica respeite ou a que 
faça justiça, quando delira, e nega a César o que é de Cé- 
sar? Mas o que ha de estranhavel e reprovado na prisão 
de um magistrado que transgride as leis, ameaça pertur- 
bar a ordem pública e o socêgo de seus concidadãos? 
êNão proclama a nossa Constituição que a lei é egual 
para todos ; e o crime não nivela o grande e o pequeno, 
o magistrado e o mais humilde plebeu? Deviam a autbo- 
ridade policial e o juiz sustentador da pronúncia so- 
metter-se a considerações e resguardos de classe, dei- 
xando de executar a lei, com grave quebra da justiça e 
da ordem, dando azo ao mesmo passo áquelle magis- 
trado para executar seu criminoso plano de sedição, ani- 
mado pela impunidade, que ia dar-lhe lodo o presti- 
gio na opinião de seus acostados e cúmplices, para mais 



depressa alear-se fogo á mina cujas consequências a nin- 
guém era permittido calcular, podendo passar da cidade 
a toda a comarca ou á provincía inteira?! Dado que o 
dr. Furtado não tivesse parte directa n'esse acto, foi 
comtudo um dos melhores serviços, que seus amigos, por 
seu influxo, prestaram á provincia; e nem fugiu de tomar 
a responsabilidade moral d*elle, sem que se temesse ou 
embaraçasse com os baldoes da opposição, e que viesse 
a mentira desfigurar tudo, classificando de violência e fru- 
cto da exacerbação politica o que apenas era justiça ; que 
elle com a consciência tranquilla deixou á verdade que 
um dia sobre-nadasse aos artiOcios partidários, esponjan- 
do-lhe a toga de magistrado d'essa nódoa com que pre- 
tendeu debalde macnial-a o rancor politico em um mo- 
mento de desabafo e exaltação. 



III 



Eleito o dr. Furtado deputado pela provincia do Ma- 
ranhão, foi d'ahi a pouco para o Rio de Janeiro» e a 17 
de maio de 1848 já estava com assento pela primeira vez 
na camará temporária fazendo parte da sétima legislatura 
(1848-1851). 

Que respeitável e brilhante reunião de homens públi- 
cos foi essa I Âchava-se alli agremiado o que havia em 
um e outro partido de mais conspícuo pelos talentos e 
luzes. 

Quantas reformas e problemas socíaes iam propor-se 



alli, e que discussões transcendentes e desenvolvidas com 
toda a sdencía foram então ventiladas por algons espíiilos 
elevados f 

Em fevereiro de 1848 proclamara a França a republica 
e cada paquete que chegava da Europa ia surpreben- 
der-^nos com a noticia do movimento revoludonaiio de um 
ou outro povo que procurava conquistar a liberdade; 
mostrando d'esta forma que o velbo mundo tomára-se acti- 
vo laboratório de idéas, cujos productos, novas ccMiibiDa- 
ções ou metamorphoses são para os estacionários e reac- 
tores outras tantas rebelliões. Doesse tòto diqiariíam os 
raios que iam aqueça* e alumiar todo o universo taesk- 
do a humanidade estremecer e esperançar-se. Os povos 
aguardavam o momento, que lhes estava marcado pela 
Providencia, para destruírem as muralhas que os eodau- 
suravam, detendo-os na marcha do progresso. 

Se DO meio d'essa insurreição e da convulsão que ia 
pelo mundo, conservava-se o Brasil cahno e occupado do 
seu engrandecimento, é que disfructava tanta liberdade 
quanta lhe bastava para efifeituar as evoluções periódi- 
cas que melhoram as condições dos povos na sua mar- 
cha ascendente para a perfectibilidade. Ainda assim não 
estava o vulcão popular sereno senão na apparencia, an- 
tolhando-se aos mais videntes que bastaria o menor des- 
cuido, ou desequilibrio das forças que continham a eru- 
pção para que ella irrompesse com violência das camadas 
inferiores, conflagrando o paiz todo. 

Melhor que em nenhuma outra parte sentiam-se esses 
symptomas premonitores na pro>incia de Pernambuco, 



28i 

onde reinava extraordinária exaltação patriótica, requin- 
tada por questões de nacionalidade, e por queixas e lás- 
timas de estarem os estrangeiros na posse exclusiva do 
commércio, e evaporada com entbusiasmo fora do com- 
mom quando tinham de commemorar as epochas nacio- 
naes. Reflectiam-se esses sentimentos no corpo legislativo 
entre os representantes d'aquella província. Â naciona- 
lisaçSo do commércío a retalho foi alli trazida á discus- 
são, servindo de thema aos mais renhidos e calorosos de- 
bates. Foi esse o grito de guerra que concitou os patriotas 
mais exaltados e o lemma do pendão que os reunia. 

Não eram, como se pôde bem imaginar, a occasião e o 
lugar propícios a quem estreava sem querer empregar 
os recursos, aliás fáceis, das recriminações de erros pas- 
sados, e de protestações patrióticas, onde a eloquência 
dos adjectivos retumbantes e sonoros enchendo a phrase, 
sempre escutados com agrado pelas turbas, são de um 
effeito magico e dão, sem produzirem resultado algum, 
foros de eloquente ao que d'elles usa. 

Reclamavam aliás as graves questões que se suscita- 
vam, estudo, calma, meditação e argumentação mui cer« 
rada, baseada na sciencía e desfiada pela lógica. Entre- 
tanto, se vinham a ponto essas qualidades oratórias em 
tal conjunctura, não podiam certo captivar a attenção e 
benemerência do público. Quem se entregava com lisura 
a essa tarefa, sem um nome conhecido e bem reputado, 
estava perdido, porque notava nas bancadas de seus col« 
legas o fastio, a desattenção, vindo o ruido suffocar-Uie a 
voz. Que de estorvos não surgem ante o inexperiente ora* 



<]or e quanta força de voDiade lhe nio compre empregar 
para veocel-os e superar seu acanhamento natural I No en- 
tanto foi Furtado bem succedido, e benevolamente acolhi* 
da sua estreia parlamentar, quer oo discurso da sessão de 
5 de agosto (1848) sobre a extradicção, quer oo de QxaçSo 
de forças em que propoz e sustentou brílbantemeote a se- 
guinte these : convém empregar todos os meios para sop* 
prir no nosso exercito a deíBciencia numérica por meio da 
instrucçSo e do armamento aperfeiçoado. As razões e ar- 
gumentos que enunciou no desenvolvimento d'este prio- 
cípio novo então para nós, e de vantajosas consequoocias, 
mereceram-Ibe louvores dos próprios adversários. £ra 
isso de bom agouro e tinha mais o valor da espootaoei- 
dade, visto como ainda não era praxe adoptada pelo dogio 
mútuo, como de obrigação, comprimentarem-se os serzi- 
dores de phrases no fim de suas estiradas arengas I olo; 
que não havia ainda sido importado do estrangeiro com 
a febre amarella, a cholera morbus e o beri-beri, essees- 
tylo parlamentar de apparato e todo convencional. Era até 
então o deputado sobretudo legislador c representante da 
nação ; se bem que um ou outro já aspirasse ás honras de 
comediante nos gestos e posturas, e fizesse sortimento 
d*essa phraseologia bombástica, vaniloquia e sesquípedal, 
e já despontasse a medo o melhodo estafador de amontoar 
e moer palavras por uma ou duas horas para ter-se a van- 
glória de vel-as no outro dia alinhadas em doze col- 
luranas do typo quasi microscópico do Jornal do Com- 
tnercio, como é de uso n'esles últimos annos. Também 
não era moda esse bracejar descompassado e posições 



283 



de aotemão estudadas ao espelho : a Iríbana brasileira 
não era ainda, para alguns, palco onde representam pa- 
peis, guardados para os corredores os ajustes de negó- 
cios de politica de campanário. Os achaques eram até 
então mais leves e desculpáveis. 

N'essa sessão fez o deputado maranhense parte de im- 
portantes commissões, coUaborou para a organisação do 
orçamento da receita e despeza, e foi de grande auxilio 
por sua lealdade e cordatos pareceres em especial ao mi- 
nistro da justiça, conselheiro Campos Mello, que lhe deveu 
também a elaboração de mais de um documento o£Qcial. 

Nas reuniões dos deputados da maioria, em casa do 
presidente do conselho, foi por egual sempre consultada 
a sua esclarecida opinião em assumptos de muita ponde- 
ração. 

Iam comtudo os negócios políticos caminhando rapi- 
damente para temerosas crises ; por decreto de 5 de ou- 
tubro foi adiada a sessão, e pelo de 19 de fevereiro do 
seguinte anno (1849) dissolvidas as camarás i A situação 
tinha soílrido uma completa mudança, o que succede não 
raro no nosso paiz, onde a lógica do absurdo é o regula- 
dor dos acontecimentos políticos na vida pública. Subiu 
ao poder novo gabinete composto dos homens mais proe- 
minentes da opposição parlamentar. A revolta de Per- 
nambuco, instigada pela compressão e falta de tino dos 
homens que haviam ultimamente governado aquella bella 
província, ao passo que punha em difiSculdades o minis- 
tério, desculpava seu predomínio no paiz o£Qcial e tantos 
e tão poderosos meios de acção com que o armavam. Foi 



284 

com esse desmesurado arsenal que conseguiu do suflra- 
gio uma camará unanime. 

Se não foi attentado á livre manifestação da vontade da 
nação, o que não cabe para aqui averiguar, foi de certo um 
erro politico e um golpe fatal nos princípios constitocio- 
naes e cujas consequências funestas ainda boje seolímos. 

O partido que ascendia ao poder com tamanbo prestí- 
gio e com o appoio da coroa não se mostrava satisfeito só 
com o estrondoso triumpbo eleitoral e com eichiir da 
representação nacional todos os seus adversário^, menos 
um único que pôde escapar d'esta systematica persegui- 
ção; mas cobiçava também os cargos públicos, exerci- 
dos por liberaes, para dal-os aos que lhe eram affectos, 
como meio de adquirir proselytos. 

Furtado, sectário decidido e inabalável das idéas libe- 
raes, não foi poupado d'essa proscripção geral, infligiu- 
do-se-lbe por amor das suas opiniões dobrado castigo — 
o da remoção e o da sabida forçada da terra de suas 
affeições. Por decreto de 20 de setembro de 1848 tinha 
sido nomeado juiz de direito da comarca de Caxias, e 
mal entrara em exercicio do cargo quando já a 19 de de- 
zembro era removido para uma das varas de direito da 
capital do Pará, onde serviu atè fins de 1856 como juiz 
criminal, dos feitos da fazenda, e auditor de guerra. 

IV 

Eram consideradas estas transferencias simuladas de- 
portações, attculatorias do espirito do nosso regimen con- 



285 

stilucíonal, e uma invasão do poder executivo, porque a 
amovilibidade do magistrado tira-ihe a independência, re- 
duz o poder judiciário a mais uma roda que se engata no 
funccionalismo público sujeito á vontade do governo, e 
entra por conseguinte no movimento ordinário doesse ma- 
chinismo ao serviço do poder central. Essas remoções, 
tão frequentes outr*ora, são hoje mui raras e considera- 
das como i'ecurso extremo em proveito da própria justiça. 

Resignou-se Furtado a esse desterro e iá se foi com 
toda a família para o Pará, onde por suas inestimáveis 
virtudes de homem particular e de magistrado soube em 
pouco tempo conquistar a estima geral dos habitantes 
d'essa provincia, que o acatavam e depositavam n'elle 
tanta conflança que, sem embargo de manifestar de pú- 
blico suas opiniões e exercer com toda a franqueza e 
isenção seus direitos políticos e de partidário, votando 
nas listas liberaes e assistindo ás reuniões do partido, nem 
por isso os contrários o respeitavam menos e deixavam 
de considerar suas sentenças como emanação puríssima 
da justiça e das leis. 

Essa residência de seis annos fora de nossa provincia 
foi para elle occasião de pôr em relevo, e com todo o ex- 
plendor e evidencia suas excellencias moraes, seus gran- 
des recursos scientificos, sua nobreza de princípios e fi- 
delidade ás ideias que abraçara, seu amor ao trabalho e 
á familia, e o culto que consagrava á amizade. 

Entre outros actos de que se lembram ainda os paraen- 
ses e apontam em abono da rectidão do seu espirito e 
hombridade de character, são dignos de reparo o despa- 



286 

cho favorável ao requerimento de am escravo qae pro- 
punha para sua alforria quantia equivalente á em que 
fora avaliado na partilha judicial. Não havia lei expressa 
que o assistisse, mas Furtado desenvolveu mui sólidos 
argumentos em favor de sua opinião e contra a do herdeiro 
que offerecia valor superior ao da avaliação para ser-Ihe o 
escravo abandado. Indo em recurso ao tribunal superior» 
este confirmou o deferimento do juiz do Pará, que era 
contrário á practica seguida, fundada no parecer do con- 
selho doestado, appoiando um aviso do ministério da jus- 
tiça sobre questão de liberdade, e assim veíu sua sentença 
servir de arresto e como prenúncio da humanitária e sem- 
pre memoranda lei de 38 de setembro de 1871. 

Iniciou a maioria da assembléa provincial do Pará um 
processo para a demissão de certo juiz municipal, seu 
desaffecto ; mas não consentindo o ânimo brioso do dr. 
Furtado que se practicasse tão grave attentado contra a 
independência do poder judiciário sem contestação, diri- 
giu ao presidente da provinda uma representação, que 
foi assignada sem suggeslão estranha por todos os ma- 
gistrados da província independente de suas opiniões po- 
hticas. Contestava com bons fundamentos a esse corpo 
legislativo o exercicio do direito que lhe confere o acto 
addicional, allegando, alem de outras razões mui proce- 
dentes, o abusivo intento d'ella. 

Como esses rochedos contra que vêem quebrar-se furio- 
sas as encapeliadas ondas do oceano, e que não se abalam 
com o incessante e violento embate, senão que as areias 
depositadas por ellas na sua base servem-lhe de antepa- 



287 

ro, ha assim também naturezas privilegiadas, que resistem 
intactas ás adversidades e opposições que as ferem, c na 
lucta, robustecem cada vez mais seus princípios e opí* 
nioes. Furtado era d^essa tempera. Com a perseguição e 
abattimento a que parecia condemnado o partido liberal, 
erystalisavam-se-lhe na alma com mais solidez suas dou- 
trinas; e ausente da nossa província, avigorava-se-lhe 
o amor ao Maranhão e cresciam-lhe as saudades d'elle, 
tornando-se de dia para dia mais incomportáveis e fun- 
das. Postoque honrado e bemquisto dos paraenses, prezo 
a muitos pelos vínculos da amizade e obséquios, seus 
pensamentos e coração estavam nas praias do Bacanga e 
suas aspirações no resurgimento da politica liberal. 

Proclamava, em 1856, o gabinete de San' Christovam a 
politica de conciliação, e entre os actos que practicou 
como penhor da sinceridade d'essas ídéas foi o de trans- 
feril-o n'esse mesmo anno para a vara de juiz especial 
de commércio da capital do Maranhão. 

I:i em pouco mais de um ánno que estava residindo 
com sua familia na nossa cidade de San' Luiz, onde exercia 
com aquella inteireza e incansável empenho e actividade 
sua operosa judicatura, quando em outubro de 1857 teve 
de partir para a provincia do Amazonas na qualidade de 
seu presidente. 

Âo saber João Francisco Lisboa, na Europa, d'esta no- 
meação escreveu-me: — «Julgo que doshomens da nossa 
terra o Furtado é o que nos convém mais para presi- 
dente e muito mais do que para ministro, e tenho que o 
será, e tomara que não seja para já.» tSerá preciso des- 



288 

bastar e limpar primeiro o terreno dos abrolhos que n'elle 
semearam ha aonos para cá, aOm de qae não tropece em 
difficuldades de todo o género logo aos primeh*os pas- 
sos. Por outra é mister que ao começar, já lhe nao seja 
preciso tomar medidas acerbas e irritantes, por enten* 
derem com interesses pessoaes. — Essa tareEat deve ser 
desempenhada por algum vice-presidente ou presidente 
adhoc e que n3o tenha outra missão mais do que a pre* 
paratoria para quem lhe succeder, cuja marcha deve ser 
serena e calma. » Se avaliava com justeza o que se devia 
esperar de Furtado, predisse também o alto lugar que 
d*ahi a annos occupou. 

Provinda nova era a do Amazonas: estava alli tudo por 
crear, e sob a direcção de um administrador da esphera 
de Francisco José Furtado, que, mesmo sem meios e sem 
que fossem attendidas suas reclamações pelo govômo 
imperial, mostrou de quanto era capaz; e com as qualida- 
des que possuia para esse cargo, teria ella prosperado e at- 
tingido a muito em todos os ramos administrativos. ^Mas 
que havia elle de fazer em paragens tão apartadas da sede 
do governo geral, internadas, e cujas rendas eram es* 
cassissimas, e o pessoal official inhabil, e elle carente dos 
meios para poder vulgarísar a instrucção ainda a mais 
rudimentar? A boa vontade e os esforços de Furtado 
iam contrarestar-se de encontro ao impossível! Apezar 
d'isso e da nenhuma protecção do governo imperial, pro- 
curou Furtado ser útil á provincia, cujos destinos e in- 
teresses lhe estavam conQados. 

Collocando-se superior ás dissenções politicas, sem 



289 

pender para nenhum dos partidos que n*ella contendiam, 
trilhava desassombrado e intemerato a senda da justiça, 
e teve ainda ensejo de mostrar practicamente o espírito 
imparcial que o animava. Procedeu-se sob seu governo a 
eleições municipaes, que são a chave das outras, e no 
emtanto não interveiu n'ellas, e nem ao menos deixou 
suspeitar quaes as lisLns de vereadores e juizes de paz 
que lhe eram sympalhicas. Acolhia o mérito e gratificava 
os serviços, sem que o individuo preponderasse nas suas 
decisões, de modo que ambos os lados políticos confia- 
vam n'elle e tinham seus actos como pautados por tão leal 
e honesto proceder. 

Seu maior empenho era dotar aquelle immeoso terri- 
tório com todas as instituições por que estava urgindo a 
civilisação, e com os melhoramentos materiaes que de- 
viam desenvolver as riquezas naturaes d^aquella maravi- 
lhosa e fertílissima região. 

Convidar e prender á vida social as innumeras hordas 
selvagens que habitam as margens d'esses vastíssimos 
rios, inexplorados em parte, e as expéssas e impervias 
charnecas e dilatados sertões; aldeal-as por meio da ca- 
techese branda, evangélica e amorosa; attrahil-as á vida 
social por toda a sorte de bom agazalho e protecção; in- 
fíltrar-lhes nos ânimos rudes — noções do bem e da moral 
religiosa, estabelecendo entre elles c as povoações mais 
florescentes relações commerciaes que criam necessida- 
des e obrigam os homens a viver em commum e aspirar 
aos gosos e confortos da vida permanente e estável, tal 
era o principal propósito e o iman que atirahia seus estu- 

pAMTBtO!»-T01l. II. 19 



290 



dos e seus mais caros pensamentos; foram lambem esses 
seus desejos mais constantes no transcorrer de sua pre- 
sidência. 

Por mais de uma vez escreveu-me desenvolvida e de- 
tidamente sobre tal assumpto, inquirindo o que eu bavia 
colhido das chronicas antigas sobre o systema dos jesuí- 
tas no aldeamento e catechese dos indígenas, para ver 
se d'abi podia rebrílhar-lhe alguma luz que Ibe esclare- 
cesse suas ideas a tal respeito. 

Foi, pois, com esse pensamento que estabeleoea duas 
casas de educação para os indios, uma para cada se- 
xo. Não lhes deu comtudo as proporções que tenciona- 
va, porque, apesar de suas repetidas sollicitaç5es, não 
obteve auxílio do governo imperial. No emtanto a idea 
de começar a catechese e civilisação pelos Gibas e pdos 
pequenos, como núcleos primordiaes do aldeamento dos 
adultos, sobre ser útil e de fácil execução, afructana se- 
guramente, se a houvessem continuado a fomentar e 
proteger. 

Já que não podia fazer mais, delineou o instituto e no 
discurso com que inaugurou a 25 de março de 1858 a 
casa d'educaDdos do Amazonas appreseiitou entre bellas 
e philosophicas proposições, o seguinte: c A civilisação 
dos indígenas é a maior e a mais importante questão 
do Amazonas. Não é somente uma obra de charidade e 
humanidade, è também um dever legal e cofisiituci(h 
nal 

tPara restituir e garanlir-llies a liberdade é indispen- 
sável arrancal-os á ignorância e á vida selvagem, in- 



29i 

struindo-os c tractando*os com a humanidade e disvelos, 
a que sua desgraça e o terem sido os primeiros possui^ 
dores d'esta terra, lhes dâo direito. 

c Paliando perante amazonienses não me demorarei 
em refutar a errónea opinião — que o indio é incapaz 
para o trabalho e para a civilisação. Todos os serviços, 
n'esta provinda, feitos por elies, protestam eloquente- 
mente contra similhante calúmnia. 

«Mas dizem — ha uma lei fatal da civílisação que con- 
demna os selvagens a uma destruição inevitável. 

 civilisação que é insepará- 
vel da justiça e do direito, que aspira a garantil-o em to^ 
das as suas manifestações, que proclama a inviolabilidade 
da vida humana, não pôde admittir e legitimar, como 
uma lei sua, o mais brutal abuso da força —a destruição 
do homem, o assassinato, em beneficio da cubica ignó- 
bil e atroz. 

«Os mais elevados e nobres sentimentos, como os ín- 
terésses materíaes, clamam pela catechese e civilisação 
dos indigenas. 

« O acolhimento e carinhos aos 

filhos tranquilisarão os ânimos desconfiados e hostis dos 
pães; estes não olharão mais os homens civilisados como 
seus inimigos, e acceitarão de bom grado a vida social, 
como um beneficio e não como uma calamidade. 

«Sem essas medidas e a colonisação, que ha de se- 
guil-as, continuarei a ver perdidas para a felicidade d'esta 
bella provincia e do Império immensos prodígios da crea*» 



292 

çao que debalde solicitam o braço do homem para dar- 
Ihes uma segunda creação. 

«Foi sem dúvida por taes motivos que um dos meus 
illuslres antecessores, o dr. João Pedro Dias Vieira, iui- 
ciou a idéa doeste azylo, e os dignos representantes da 
provincia a acolheram presurosos. Â esse distíncto admi- 
nistrador e á assembléa provincial cabem a glória do es- 
tabelecimento, que eu tenho a honra e a satisfação de 
abrir hoje. 

cPeza-me não poder dar-lhe as proporções que de- 
manda o seu grandioso fím. Nutro, porém, a grata espe- 
rança, dexjue os paternaes e philan trópicos sentimentos 
do magnânimo Monarcha, que preside aos destinos do 
Império, e o seu illustrado governo virão bem cedo 
ajudar o patriotismo dos amazonienses, prestando os 
meios de dar a este estabelecimento o desenvolvimento, 
de que carece, e que os escassos recursos da provincia 
não comportam. » 

Goncluia, deplorando não poder dar a Ião útil institui- 
ção o incremento que estava a requerer seu grandioso 
fim; mas consolava-se de que a semente germinaria 
transformando-se em arvore frondosa onde se haviam de 
abrigar os filhos do deserto. Quinze annos são devolvi- 
dos e a incapacidade, a inépcia e o deleixo dos que lhe 
succederam a abandonaram, e a planta cedo desappare- 
cerá secca e morta ! 

Tendo encontrado os iiidios do Cacuhy alborotados, 
accommodou-os e trouxe-os á ordem sem empregar uma 
medida sequer de violência, como de antes se praclicava. 



Alcançou lambem acabar com os vexames, de que eram 
victimas, e com os abusos empregados pelos particulares 
e pelas próprias authorídades policiaes contra esses pa- 
riás da civilísaçSo. Propoz a creaç3o de colónias na- 
cionaes no rio Madeira, e com o mesmo designio de 
povoar e explorar este caudaloso afflaente do Amazo- 
nas, projectou a navegação d'elle mantida pelos cofres 
públicos. 

Pretendia d'est'arte facilitar as communicações com a 
província de Matto-Grosso e a Bolivia, de onde viria o 
augmento da riqueza pública. Lembrou lambem a aber- 
tura de um caminho militar para a provincia de Matto- 
Grosso e para as republicas cisplalinas — idéa que será 
um dia aproveitada por seu alcance, como pela necessi- 
dade que d'ella temos. 

Outro assumpto de sérias cogitações e que nao des- 
amparava, reclamando sem cessar para elle a attenção 
e providencias governativas, era o de repararem-se as 
fortalezas arruinadas e de conslruirem-se outras em pon- 
tos estratégicos para onde deviam ser removidos os ma- 
leríaes de guerra das que nSo podiam prestar serviços 
por suas péssimas posições, de reforçarem-se as guarni- 
ções das fronteiras e de manler-se uma flotilha nas aguas 
do Amazonas, não só para exploral-as como para alli cru- 
zar e fazer-nos respeitados dos vizinhos. 

Tudo isto foi desprezado e os acontecimentos encarre- 
garam-se desgraçadamente de nos mostrar d'ahi a pou* 
cos annos quão útil ter-nos-hia sido essa estrada estraté- 
gica e quanto cabedal de vidas e de dinheiro, e desper- 



dicio de tempo teríamos poupado por occasião da guerra 
do Paraguay i 

As previsões e receios do conselheiro Furtado quanto 
ao Peru, realisaram-se também. Vae essa republica au- 
gmentando todos os dias a sua esquadra, e não fazem 
muitos annos que dous dos seus vapores de guerra, trans- 
gredindo as nossas leis fiscaes e desdenhando das ordens 
do presidente da província do Pará; navegaram rio acima! 

A inércia, o adiamento e a imprevidência habitoaes 
aos nossos governos em tudo quanto sabe fora da política 
interna são os escolhos onde soçobram o patriotismo e 
os desejos de alguns cidadãos para bem servirem e serem 
úteis á causa pública. 

Applicado ao desenvolvimento interno da província, 
«^pediu importantes regulamentos, taes como o da in- 
strucção pública, que a reformou e melhorou grande- 
mente; deu começo a um templo para matriz, e fez 
construir um espaçoso cemitério público, com o qual poz 
cobro á profanação dos corpos sepultados até allí em 
campo aberto. 

Não vendo todavia satisfeitas suas iterativas sollicita- 
ções e não podendo levar a effeito suas ideas e planos, 
por absoluta falta de meios, procurou Furtado a primeira 
opportunidade para exonerar-sc de uma commissão que 
lhe estava compromettendo a reputação e de onde só ad- 
vinham-lhe desgostos e tédio. Em breve achou plausível 
pretexto na retirada do gabinete que o havia nomeado; 
tanto mais que lhe não consentia a lealdade que servisse 
,com o (jue SMCCcdera áquelle : instou portanto por sua 



demissão, allegando que, delegado de conGança do mi- 
nistério que acabava de resignar o poder, lhe não era 
decoroso servir com o que o substituíra, cujo program- 
ma era outro. Em maio de 1859 viu satisfeito esse dese- 
jo, retirando-se por seu pedido da proviucia do Amazo- 
nas, cuja população se mostrou pezarosa de sua ausência. 
Se não deixou seu nome ligado a alguma obra ou institui- 
ção ephemera por temporan, e gerada na vaidadesinha de 
aparentar serviços, também não o perseguiram as maldi- 
ções de nenhum partido nem deixou após si indeléveis si- 
gnaes de um mau governo, como soe acontecer a tantos ou- 
tros e em províncias muito mais importantes e adeantadas. 



V 



Desapressado de encargo que tanto lhe pezava, tor- 
nou-se de novo á sua provinda do Maranhão, ao seu lar 
e ás funcçues da vara conunercial. 

Veiu encontrar o foro ancioso de sua presença, e ra- 
mas de autos sem andamento 1 Atirou-se a elles, e postos 
por ordem de antiguidade, foi-os preparando e despa- 
chando successivamente sem que llie valessem empe- 
nhos, ainda dos que lhe eram mais merecedores de at- 
tenções, para que apromptasse este ou aquelle antes de 
outros mais antigos na conclusão. Em poucas semanas^ 
graças á sua actividade e constância no trabalho, estava 
tudo em dia, como de antes, como depois; que sempre 
foi esse o seu timbre, no Maranhão e na corte. Não se 



296 

demoravam os requerimentos nas suas mãos, nem 09 
processos commerciaes, por mais complicados e volu- 
mosos, envelheciam na sua banca. Estava também certo 
o negociante, por mais relacionado e poderoso, que o iria 
ferir o gladio da justiça se o magistrado deparasse pro- 
vas de criminalidade na sua fallencia ! 

Com ser juiz, não abandonava a politica militante, que 
de modo algum lhe enfraqueceu os créditos de justiceiro 
e imparcial, provando assim que o homem politico, que 
se não deixa vencer pela paixão, fica livre para poder 
exercer seus direitos de cidadão, não incompatíveis nem 
oppostos á justiça. Provou assim que a magistratura e a 
poJilica podem andar associadas e parallelas, no homem 
honrado, sem que jamais se toquem, se empeçam nem 
se prejudiquem. 

Embora estivesse ausente, aprescntaram-n'o seus ami- 
gos á candidatura senatorial quando no Maranhão tractava- 
se em 1858 de eleger quem fosse preencher a vaga dei- 
xada no senado pelo barão de Pindaré. Foi elle incluído 
na chapa da o[íposição, sendo o mais velado d'ella, se 
bem que ficasse vencida pela que linha o appoio do go- 
verno. 

No seguinte anno deu-se de novo outra vaga no senado 
em representante de nossa piovincia, e como o corpo 
eleitoral já estivesse formado, e reinasse tal qual diver- 
gência entre os clieffes do partido predominante, de onde 
resultou não organisarem chapa senatorial, deixando o 
campo livre a seus candidatos para cada um sollicitar 
votos de per si, usando de sua influencia, fácil seria á 



297 

opposição, cerrando fileiras, lograr a inclusão de um can- 
didato na lista tríplice. 

O conselheiro Furtado, que já se achava na capital e 
cujos alvitres o partido ouvia e respeitava, apresentou 
em lugar do seu o nome do sr. dr. Fábio A. de Car- 
valho Reis, um dos mais predilectos amigos a quem tinha 
particular devoção. 

Gompunha-se a opposição de dois grupos, que tendo 
trabalhado em commum conseguiram triumphar nas elei- 
ções de 1858 em alguns collegios eleitoraes da província. 
Foi portanto accordada e acceita por ambos a chapa se- 
natorial, mas por occasião da votação obrou um d'elles 
de má fé, cambiando votos com um dos candidatos con- 
trários em prejuízo do sr. dr. Fábio, cujo nome figuraria 
no segundo lugar da lista tríplice, se em Yianna e em 
mais um ou outro ponto onde esse grupo tinha elemen- 
tos, se houvesse comportado com a lealdade dos colle- 
gios de Caxias e da capital. Como é bem de ver deu-se 
rompimento formal entre os dois grupos que, além d'isso, 
não eram homogéneos em planos e vistas, e assim ficou 
cada um com sua autonomia e desobrigado como d*anles 
do convénio, para seguir seu destino e obrar por si. 

Estava por esse tempo na presidência da pro>incia o 
sr. conselheiro João Silveira de Sousa, homem que al- 
liava á uma intelligencia superior e variados conheci- 
mentos extrema cordura e espirito tolerante. Mantinha 
sobre posse boas relações com o sr. dr. Furtado desde 
quando aquelle fora secretario do governo do Pará, pre- 
zava e considerava alguns opposicionistas, e reconhecia 



ao mesmo lempo que o partido, que appoíava sua admi- 
nistração, não preponderava na provinda, principalmente 
depois das divergências e desconfianças reciprocas nas 
eleições senatoriaes. A separação dos liberaes do gropo, 
que os tinha atraiçoado, veio conspirar para que os 
partidários da administração pactuassem com elles, oia 
em princípios, mas para se prestarem mútuo appoio nas 
eleições de deputados que estavam próximas. Coaibina- 
dos os elementos, retemperada a disciplina do partido 
govemista, foi completo e fácil esse triumi^o que deu en- 
trada na camará dos deputados aos drs. Furtado e Fábio 
A. de Carvalho Reis, representantes das ideas liberaes. 



VI 



Principia aqui o período mais brilhante e laborioso da 
carreira politica de Francisco José Furtado. Se por esse 
lado desannuviavam-se-lhe os horisontes, alargando-se- 
lhe e transluzindo esplendorosos, ia-se-lhe diluir em an- 
gústia e dor o coração ! Seu lar domestico, que lhe fora 
até alli conchego e consolarão, onde encontrava carinhosa 
reciprocidade de affeclos e dedicadíssimo amor, tornou- 
se-lhe sollílario, triste e amargurado ! D. Marianna, anjo 
tutelar d'essa mansão modesta e tranquílla, voou para 
onde a chamavam os clierubins, deixando ao amantíssimo 
esposo os embaraços e cuidados de familia, de que ella 
o descançava inteiramente, e saudades que nunca mais 
se lhe extinguiram. Sua desvellada esposa soílreu muito 



299 

durante o período da gravidez, e soccumbiu no dia 10 
de julho de 1860 em consequência de uma paralysia pro- 
gressiva de marcha violenta, que sobreveíu ao parto. 

ÂchoQ, porém, o desamparado esposo na sua parenta, 
D. Joaquina dos Santos quem se encarregasse dos filhos, 
cuidando-os e vigíando-os como se lhes fosse mae. Des- 
apparecia-lhe assim um dos maiores inconvenientes da 
viuvez, podia entregar-se á politica e ausentar-se a que- 
bradas da familia, composta de creanças. 

Resolveu-se então a pleitear as eleições, e tendo obti- 
do os suffragios dos eleitores do segundo districto da 
provincia, tomou assento na camará temporária a 26 de 
abril de 1861. la patentear o muito saber e experiência 
que havia adquirido n'este demasiado longo período de 
ostracismo a que o haviam condemnado seus princípios, 
e fazer rebrilhar o seu grande mérito na práctica dos ne* 
gocios e nas discussões. 

Foi n*essa sessão um dos mais notáveis discursos de 
Furtado aquelle em que analysou o programma do mi- 
nistério (1.^ de julho), dando-lhe golpes vigorosos de que 
nunca se pôde este recobrar, e na seguinte sessão tomou 
parte nas discussões de direito constitucional que ahi se 
ventilaram, sustentando brilhantemente em um d'elles — 
que desdenhar dos princípios é uma abdicação do pensa- 
mento e lamentável empirismo. 

Entrou a operar-se n*esse tempo a approximação dos 
conservadores e liberaes moderados, acabando pela fu- 
são d'elles e organisação do partido progressista. Foi*lhe 
a principio terrível adversário o sr. conselheiro Zacha- 



% 



300 

rias, que veiu depois a ser o mais decidido deíTensor 
d'essa liga. (Vej. a obra do sr. conselheiro Tito Franco 
de Almeida — O conselheiro Francisco José Furtado — 
na pag. 161.) A altitude e importância que assumiu o dr. 
Furtado nos negócios públicos estavam a indigital-o para 
uma das pastas, e na formação do ministério de 24 de 
maio de 1862 foi por tanto nomeado ministro e secreta- 
rio doestado dos negócios da justiça. Desde a nascença 
que denunciava esse ministério symptomas de pouca via- 
bilidade: quatro dias depois resignava o poder. Se- 
gundo os preceitos constitucionaes perdeu o conselheiro 
Furtado a cadeira na camará temporária, e por isso teve 
de proceder-se a nova eleição, sendo n'ella reeleito por 
unanimidade de votos, e diga-se em seu abono e louvor, 
sem pressão, nem recommendação que partisse do admi- 
nistrador da província. 

O corpo legislativo achava-se então dividido em pe- 
quenas fracções sem que do seu seio se podesse tirar om 
governo que contasse com maioria. N'eslas circumstancias 
era força consultar a opinião do paiz e assim foi a ca- 
mará dissolvida. 

De volta á província para entrar na lice eleitoral, viu-se 
de novo assoberbado com os cuidados de familia. Quan- 
do estava completamente descançado por esse lado, po- 
dendo continuar na carreira pública, tornou-o a maltractar 
a adversa fortuna. A respeitável esposa do seu amigo e 
parente, o sr. João Pedro dos Santos, que tinha os filhos 
do conselheiro em sua companhia, finou-se quasi de re- 
pente. Vi pela segunda vez esse homem, cuja força de von- 



30i 

tade e energia de espirito eu nunca linha enconlrado 
abattidas, submerso na mais profunda dôrecom os olhos 
annuviados de lágrimas I 

Era-lhe forçoso desde então ou renunciar á politica ou 
procurar uma companheira que o substituísse em casa, em 
suas ausências temporárias, e foi com esse desígnio que 
recebeu-se em segundas núpcias com a ex."**sr.* D. Rosa 
Senhorinha Lamagner Vianna (fevereiro de 1862). 

Âo dar-me parte de simllhante resolução muito antes 
de realisal-a, disse-me que fora sempre seu propósito per- 
manecer viuvo em homenagem á memória de quem lhe 
fora mais do que dedicadíssima esposa, uma fiel deposita- 
ria dos seus mais recônditos pensamentos, que adivinha- 
va e esforçava-se por satisfazer ainda quando elle Ih^bs 
occultava, mas que os Glhos obrigavam-n'o a dar de mão 
a tal resolução, e já que os annos e a saciedade dos gosos 
lhe haviam embotado as paixões, podéra com toda a 
calma e reflexão escolher para esposa uma senhora que 
lhe era egual na edade e lhe diziam própria para encarre- 
gar-se de suas filhinhas. Alliviado por esse lado, podia 
partir para o Rio de Janeiro tranqulllo e sem preoccupa- 
çôes. 

Foi em 1863 reeleito o conselheiro Furtado deputado 
pelo segundo districto de nossa província, sendo n'essa 
sessão escolhido pela maioria presidente da assembléa 
geral, funcç^o que desempenhou desde fevereiro até 24 
de julho de 1S64, quando entrou para o senado na qua- 
lidade de seu membro. 

Não foi sua ausência da provincia impedimento para 



que seu<; amigos o apresentassem candidato ao prehen- 
chimento da vaga deixada no senado por morte do conse- 
lheiro Joaquim Vieira da Silva e Sousa e flgurasse o nome 
do conselheiro Furtado em primeiro lugar da lista trípli- 
ce. Por carta imperial de 30 de julho doesse mesmo anno 
já havia sido escolhido senador. 

A intelligencia, circumspcção, ordem, methodo e im- 
parcialidade com que dirigiu os trabalhos da camará tem- 
poraria n'este trecho de cinco mezes acarearam-lhe a es- 
tima e a admiração de todo o corpo legislativo sem dis- 
tincção de partidos, levantando-se alli uma só voz de 
amigos e adversários políticos e essa para o louvar! 

Nao quizeram portanto seus antigos pares despedir-se 
d*elle sem testemmiharem-lhe sua gratidão e apreço, 
offerecendo-lhe um lauto banquete, proposto e promovido 
entbusiasticamente pelo sr. dr. Evaristo Ferreira da Vei- 
ga, deputado por Minas-Geraes e um dos mais encarni- 
çados consen^adores d'essa legislatura, e por cons^^inte 
seu declarado adversário politico. Foi este acto uma das 
mais eloquentes e solemnes proclamações das grandes 
virtudes que ornavam aquelle eminente cidadão. 

Vinte e um dias depois de sua entrada para o senado, 
era chamado pelo Imperador para organisar o célebre 
gabinete de 31 de agosto: empunhadas as rédeas do go- 
verno, ia este illuslre brasileiro mostrar a todas as luzes 
seu profundo saber c o quanto era apto para dirigir os 
negócios do estado. 



303 



vn 

o gabinete de 31 d'agosto tomava a direcção dos Dego- 
eios públicos em desfavoráveis e difiBceis circamstaDcías. 
Para qualquer lado que se voltasse descortinava perigos 
ou embicava em difQcuIdades de todo o género. Lega- 
ram-lbe as administrações passadas, no interior — erros 
accumulados durante o longo predomínio conservador, 
que na sua imprevidência deixou desorganisadas e ca- 
rentes de meios as repartições de marinha e guerra, sem 
exercito nem vasos; as finanças pouco lisongeiras, o cre- 
dito público abalado e ameaçado de uma crise bancaria 
imminente e funestíssima em seus resultados; no exte- 
rior estremecidas as nossas relações com a Inglaterra, 
rotas com o Estado Oriental, e a guerra em começo de 
operações, como a única solução possível aos actos vio- 
lentos e exigências exorbitantes d'esses ingratos e trucu- 
lentos visinhos. Era, portanto, crítica e periclítante a 
situação. Ia o dr. Furtado addir uma herança que nem a 
beneficio de inventario podia ser herdada; mas a salva- 
ção da pátria, o futuro do partido liberal, condemnado 
a estéril opposiç.ão e affastado do poder desde 1848 re- 
clamavam do conselheiro Furtado tão penoso sacrificio ; 
porque se conseguisse conjurar tantos males, readquiriria 
seu partido as boas graças da coroa, que ser-lhe-hia so* 
breposse grata. 

Foram estas as considerações que o forçaram e o con- 
strangeram a acceitar a presidência do conselho. 



30i 

Encontrou o liourado patriota os primeiros tropeços 
logo na formação do gabinete ; pois que não foi senão com 
muito custo que achou companheiros que se quízessem 
associar á sua fortuna e compartir com elle dos árduos 
trabalhos do poder, que não mettia então cobiça. Goube- 
Ihe com a presidência do conselho a pasta da justiça ; e veo- 
(lo-se embaraçado no prehenclumento das outras, foi obri- 
gado a valer-se da constante amizade do conselheiro João 
Pedro Dias Vieira, que, sem embargo do desaire que lhe 
proviria de continuar como ministro d^estrangeiros do 
gabinete que succedía ao de que fizera parte n'esse mes- 
mo encargo, annuiu ao convite do amigo. 

Contava o conselheiro Furtado com o patriotismo e 
honestidade de character d^alguns que, por idóneos e in- 
fluentes no partido, convidara para companheiros, mas 
que se esquivaram, uns por excessiva modéstia, não 
confíando em suas forças para arrostarem os perigos da 
situação, outros por suspeitarem ephemera a duração 
do gabinete e não quererem gastar-se, compromeltendo 
seu nome I Foi esta a primeira decepção que experimen- 
tou como chelTe do gabinete. Entretanto as espessas e 
carregadas nuvens que obscureciam o firmamento da 
pátria iam-se condensando e abaixando-se de dia a dia. 
Ainda os novos ministros nâo estavam seguros e bem 
orientados dos negócios que corriam por suas secretarias, 
que já rebentava uma tremenda crise bancaria. Por cerca 
das 10 horas da manhan do dia 10 de setembro encer- 
rou a casa bancaria Souto & C.^ suas transacções; e esse 
estabelecimento lâo afroguezado e acreditado, e ao qual 



305 



estavam confiadas tantas fortunas, fechou suas portas! 
Ouçaaios aqui o sr. conselheiro Tito Franco de Almeida, 
um dos illuslres biographos do conselheiro Furtado, e 
que como testemunha presencial do occorrido, 6 mais 
competente do que eu para o narrar. 

«Foi o signal do rebate geral para corridas sobre as 
casas bancarias; operários, viuvas, velhos, inválidos, em- 
pregados públicos, militares, capitalistas, todos apressa- 
vam-se a salvar seus capitães.» 

«Ás 3 horas da tarde grande massa de povo inundava 
a rua Direita (1.^ de Março) em frente á Praça do Com- 
mércio, e a rua da Alfandega, em face aos bancos. Só ás 
9 horas da noute pôde a força pública fazer dispersar a 
multidão. » 

«A força policiai salvaguardava as casas bancarias de 
qualquer attentado'.» 

O pezar e a indignação dos prejudicados e os receios 
de todos estavam debuxados nos rostos e desabafavam- 
se nos clamores^ nas lástimas e na facilidade com que to- 
mavam consistência os mais disparatados boatos. A agi- 
tação era geral, e formavam-se aqui e alli grupos, disse- 
minados pelas ruas e praças, e as reuniões succediam-se 
em um ou outro ediQcio da cidade do Rio de Janeiro. 
Pairava sobre ella grande calamidade que trazia a popu- 
lação inteira aftlicta e perturbada i 

Não faltaram alvitristas, uns convictos, e outros espe- 
culadores da desgraça púbUca, que n'essa apertada con- 

* Vej. O conselheiro Francisco José Furtado, Biographia e Es- 
tudo de Historia politica contemporânea (1867) — pag. 189. 

PiwnEO!«-Toji. u. ÍO 



306 

junctura não viessem a terreiro com suas panacéas e con- 
selhos, nos jornaes, nas reuniões, nas próprias secreta- 
rias do governo, tendo cada qual por melhor e salvadora 
a medida que propunha. 

O mesmo banco do Brasil insistiu em que fosse acceito 
seu alvitre. O conselheiro Furtado sobranceiro a tudo, 
impávido e calmo, sem esmorecer ou se turbar ante as 
ameaças ou a fúria dos interessados que refervia por 
toda a parte, descriminava o que havia em tudo isto de 
exagerado para se não precipitar, e convocando o conse- 
lho doestado, assentou com elle nas medidas que lhe pa- 
receram mais legaes e eíEcazes para desfazer a borrasca 
presente, e impedir que outra se formasse mais tarde. 
A 17 d'esse mesmo mez fez baixar o decreto n.* 3:308, 
suspendendo e prorogando por 60 dias, contados de 9, 
os vencimentos das lettras, notas promissórias, e quaes- 
quer outros titulos commerciaes pagáveis na côrle e pro- 
vincia do Rio de Janeiro, assim como os protestos, re- 
cursos em garantias e prescripções; applicando aos ne- 
gociantes não matriculados as disposições do artigo 898.° 
do código commercial, referentes ás moratórias, que co- 
mo as concordatas, poderiam ser concedidas amigavel- 
mente pelos credores que representassem dois terços do 
valor de todos os créditos; determinando mais que as 
fallencias dos banqueiros e casas bancarias, occorridas 
dentro d'esses 60 dias, fossem reguladas por decreto 
especial ; e tornando finalmente por deliberação dos pre- 
sidentes de provinda estas medidas extensivas a outras 
praças do Império. 



307 

Foi por assim dizer magico o effeito doeste decreto. 
Os jornaes de todas os matizes políticos, até o sizado e 
reservado Jornal do Commercio, em seus artigos princi- 
paes, foram unisonos em applaudir tão sábias providen- 
cias como em declarar que ellas fizeram desapparecer o 
pânico, dando alento e tranquilidade aos ânimos abatti- 
dos e perturbados, isentando ao mesmo tempo os esta- 
belecimentos bancários da pressão que sobre elles pesa- 
va: foi o sol da esperança que alumiou esses espíritos 
obcecados e entorpecidos. Ahi estão todos os boletins 
commerciaes d'esses memoráveis dias que melhor o tes- 
tificam. 

O decreto de 20 também de setembro, sob n.*' 3:309, 
veiu estabelecer regras, como promettera no anterior, 
para o processo de fallencia dos bancos e casas commer- 
ciaes. 

Com tâo previdentes e acertadas medidas conjurou o 
ministério de 31 de agosto o perigo e salvou o paiz do 
tremendo cataclysmo de uma banca-rota geral que amea- 
çava alluil-o, e submergil-o em breve n'uma total e hor- 
rorosa rui na. 

Chegado o dia 9 de novembro em que os agoureiros, 
pessimistas e timidos, presagiavam novas e mais ame- 
drontadoras calamidades por ser o prazo fatal em que 
expirava o da suspensão dos pagamentos, não houve o 
menor abalo e as transacções fizeram-se com aquella re- 
gularidade e confiança recíproca dos mais dias ! 

A contenção d'espirito, as noites de insomnia e o tra- 
balho forçado a que se entregou o conselheiro Furtado, 



308 

n'aquclles dias calamitosos, produziram seus terríveis 
effeitos, provocando-lhe uma congestão cerebral de que 
felizmeute restabeleceu-se em pouco tempo; mas nem 
por isso acaatelou-se de medroso e desdeu da sua habi- 
tual actividade de espírito e de corpo. No fim de poucos 
dias de tractamento e dieta, abandonando as prescrípções 
medicas e as instantes advertências dos amigos para que 
se abstivesse por um ou dois mezes de trabalhar, apre- 
sentou-se na sua secretaria, objectando com unperturba- 
vel segurança ás amicissimas admoestações das pessoas 
que o cercavam e estimavam — que seu posto de howa era 
na sua repartição e que o dever impunha-lhe a obrigação 
de votar-se, mesmo com risco da própria vida, ao bem 
de seu paiz. 

Ainda o gabinete de 31 d'agoslo não estava de todo 
forro da crise bancaria quando o veiu saltear a notícia de 
que tinham rompido as hostilidades contra o Uruguay. As 
desintelligencias entre o nosso paiz e a republica fronteira 
começaram muito antes de subir ao poder esse minis- 
tério, e a declaração do bloqueio aos portos orientaes era 
fundamentada pelo nosso diplomata, o ex."*^ sr. conse- 
lheiro Saraiva, em não ter o governo de Aguirre respon- 
dido á nota de 9 de maio era que se pedia satisfação das 
violências contra súbditos brasileiros e d^invasòes do nosso 
território por suas tropas. Marcara o nosso enviado ex- 
traordinário em seu tdti matam de 4 de agosto o prazo 
de seis dias para satisfazer o governo do Uruguay áquel- 
las justas exigências, araeaçando-o de reccorrer a repre- 
zalias se não fosse atlendido. Negadas arrogantemente 



309 

essas satisfações e devolvido o documento oflScial, foram 
desde o dia li doesse mez bloqueados os portos por nossa 
esquadra, e a guerra, ipso facto, declarada! 

Insisto em recordar estas datas e chamo a attençSo 
dos leitores para ellas, porque tenho ouvido a muita 
gente por desmemoriada ou de má fé lançar esse funesto 
acontecimento e as tristes consequências que d'elle deri- 
varam á conta do gabinete de 31 de agosto, e attribuir 
ao conselheiro Furtado essa situação, sendo que já estava 
ella creada e começadas as hostilidades vinte dias antes 
da ascensão do ministério de que foi organisador I 

*0s que pretendem agourentar-lhe a glória, parecem 
também olvidar que veiu elle encontrar a nossa força de 
terra reduzida apenas a oito mil homens, pouco eieidta- 
dos, peior equipados e com péssimo armamento, não des- 
toando d'ella a nossa marinha, que tinha mui poucos va- 
sos, todos de madeira, peia maior parto desarvorados e 
podres; e assim emparelhava com aquelia em tudo mais: 
os nossos arsenaes da corte e das províncias marítimas 
desprovidos de tudo, e tidos e havidos por viveiros só 
próprios para n'elles saciarem sua cobiça os directores e 
os felizes e protegidos fornecedores. 

Era esse o estado deplorável das nossas cousas de 
guerra, e com tão apoucados e miseráveis recursos teve 
o gabinete de 31 de agosto de metter mãos á obra, fazer 
frente ao inimigo, repellil-o do nosso território e perse- 
guido no seu próprio ! Porém á actividade e esforços do 
presidente do conselho, secundado pelo seu collega da 
marinha, à boa escolha de generaes, ao valor c patriolis- 



:m 



mo (lo nosso povo devemos o ter-se Ifirminado essa cam- 
panha em cinco mezes, sendo todos os attaques coroa- 
dos da mais completa e esplendida victória. 

A 2 de janeiro de 1865 assenhoreava-se o nosso exer- 
cito da fortaleza de Payssandú e a 20 de fevereiro estava 
concluída a guerra com a rendição de Montevideu, capital 
da Banda Oriental, e estabelecidas as convenções de paz 
entre as partes belligerantes. E de entre todas as pelejas 
que ferimos n'essa lucta nenhuma foi tao gloriosa para 
as nossas armas como a de Payssandú. 

Depois de cincoenta e duas horas de vivo e bem sus- 
tentado fogo e de tenaz resistência, sobresabindo rio 
decurso da acção o nosso almirante, o visconde de Ta- 
mandaré, que era sempre o primeiro e o mais ousado 
nos accommettimentos, tomámos á bayoneta e corpo a 
corpo, essa praça forte, não manchando comtudo os 
trophéus com nenhumas reprezalias. N'esse feito de ar- 
mas foi a nossa bravura egual á nossa generosidade, 
pois soltámos todos os prisioneiros, tomando por único 
flador de seu futuro comportamento a simples palavra 
d*elles I 

Conseguiu assim o ministério de 31 de agosto conchiir 
em tão pouco tempo a campanha do Uruguay, bem como 
debellar a guerra civil que talava desde muitos annos 
aquella republica, e restabelecer alli o império das leis, a 
ordem e um governo sympathico á maioria da nação, 
cujo chefie, o general Flores, era por seu character e pa- 
triotismo um penhor de tranquilidade c prosperidade para 
aquellos povos. 



3ii 

Não roí tão completo nosso regosijo e satisfação, por- 
que se lhes vieram misturar os desgostos e recrímÍDaçôes 
partidárias. A opinião pública proDunciou-se contra as es- 
tipulações do convénio de 20 de fevereiro, lavrado em 
Montevideu pelo nosso diplomata. Accusavam-n'o de não 
haver n'elle estipulado as satisfações que o brio nacional 
exigia, nem resguardado os interesses dos fronteiros. 
Esta censura feita pela imprensa, manifestada verbalmente 
por cidadãos importantes, e abraçada pelo conselheiro 
Furtado e pelo ministro dos estrangeiros, conselheiro 
Dias Vieira, deu em resultado a exoneração do sr. conse- 
lheiro Paranhos (hoje visconde do Rio Branco) d'essa 
missão, nomeado em seu lugar o sr. conselheiro Francisco 
Octaviano de Almeida Rosa. 

Se por um lado estávamos desassombrados d'esta 
guerra e de complicações com a Inglaterra, por outro 
emergiam novas e mais perigosas occurrencias para ag- 
gravar tão precária, quanto desgraçada situação. 

No princípio de outubro o vaso de guerra nort'-ame- 
ricano Wassuchets aprisionou no porto da Bahia o vapor 
Florida, dos rebeldes do sul, e que se acolhera á protec- 
ção da nossa bandeira, considerada neutral, por termos 
sempre guardado a mais restrícta imparcialidade n*essas 
luctas civis dos Estados Unidos. Dirigiu o nosso governo, 
sem mais detença nem tergiversação, uma nota bastante 
enérgica ao presidente d*aquelle estado, queiíando-se da 
offensa. Entendeu o gabmete que em questões de honra e 
dignidade nacional não havia procurar rodeios nem envol- 
vel-a com esses véus diplomáticos que quasi sempre en- 



31á 

redam e obscurecem os negócios. O resultado de Ião 
liso e franco proceder correspondeu ás intenções do 
governo brasileiro, por isso que o norr-anoiericano apres- 
sou-se em dar-nos a mais plena satisfação, já em hon- 
rosa nota reversa], já punindo o commandante do Was- 
suchets. 

Volvamos de novo para a campanha cisplatina. Ainda 
estávamos empenhados n'ella quando da parte do Para- 
guay surgiram perigos mais graves e ameaçadores, e 
mais invencíveis e formidolosas diflSculdades. A II de 
novembro de 1864 fez o dictador do Paraguay aprisionar 
nas aguas fronteiras á cidade de Assumpção, sede do go- 
verno, o vapor mercante Marquez de Olindaj cMi todo o 
seu carregamento e passageiros, entre os quaes contavam- 
se o presidente da província de Matto-Grosso, coronel 
Gameiro de Gampos, irmão do ministro da fazenda, a 
família d'aquelle e outros funccionarios da secretaria, da 
thesouraria, e de outras repartições d'aquella província, 
que iam com suas respectivas famílias, haveres e baga- 
gens, como lambem quantiosas somraas do thesouro na- 
cional, destinadas para supprimentos. Descançado nos 
tractados e nas relações de boa amizade, seguia o va- 
por para a cidade de Cuiabá, navegando esse rio aberto 
ao nosso tráfego. Queixando-se o ministro brasileiro, 
residente em Assumpção, desse acto insólito e selvá- 
tico, sem que lhe houvesse ao menos precedido declara- 
raçâo de guerra, enviou-Ihe Lopez os passaportes no dia 
15, não perniiltindo coniludo que a nossa legação sahisse 
d'alli, e a nâo lerem sido os esforços e a oUlciosa inter- 



313 

vpnção do ministro americano, talvez que se nao tivesse 
ella retirado incólume i 

Depois de tão incrível e revoltante aleivosia, estava sem 
regresso declarada a guerra, se Lopez nao se encarregasse 
de o fazer invadindo em seguida a provincia de Matto- 
Grosso, matando os habitantes inermes, que lhe não ofTe- 
reciam resistência, saqueando e incendiando as povoa- 
ções por onde passava com sua horda de bárbaros. Que 
recursos militares tinhamos nós para oppor ao aguer- 
rido inimigo, senão uma flotilha mingoada e desmantella- 
da e poucos esquadrões, já cançados da próxima lucta? 
Foi n'essa extremidade e penúria de tropas que recorreu 
o conselheiro Furtado ao patriótico e bem succedido ex- 
pediente de chamar ás armas os brasileiros» promulgan- 
do-se o decreto dos Voluntários da Pátria, que é mar- 
cado com a dacta sempre memorável de 7 de janeiro 
de 1865 (n.^ 3:371). 

Foi outra medida de não menor alcance, a de assegu- 
rar a livre passagem de nossas forças e a fácil acquisição 
de fornecimentos no território das republicas Oriental e 
Argentina, ameaçadas tanto como o nosso paiz pelo am- 
bicioso déspota. N'esse intuito negociou o hábil diplomata 
brasileiro o tractado da tríplice alliança, que depois de ou- 
vido o parecer do gabinete de 31 de agosto, reunido em 
conselho, foi assignado a 5 de março pelos plenipotencia- 
rios das três partes interessadas. 

Foi esse tractado tão bem combinado, pesados c atten- 
didos os interesses recíprocos, que o único lado vulne- 
rável que lhe poderam descobrir os adversaiios políticos 






* 



t 



314 

do gabinete de 31 de agosto para aggredil-o, foi o ter-se 
estipulado que o comaiando supremo dos exércitos at- 
ilados seria confiado ao presidente da republica argen- 
tina, quando este estivesse presente a qualquer opera- 
ção que fosse emprehendida pelos exércitos reuoidos. 
Similbante censura, sobre ser improcedente, era espada 
de dois gumes que ia ferír ainda mais fundo os conserva- 
dores que, no afogo de molestar o ministério, não se re- 
cordavam que em 185ã foram por um gabinete de sua 
parcialidade e composto dos mais autborisados de seus 
membros, entregues os nossos exércitos a Urquisa, sim- 
ples governador de província, rebellado contra o dieta- 
dor Rosas, e que subordinados a este paudilbo, represen- 
tamos um papei bem secundário I Não fez portanto n'essa 
occasíão o ministério liberal mais do que imitar os que 
de presente improperavam um acto, de que aliás se Dão 
podia prescindir em tal aperto, alem de ser obvio, e con- 
dição indeclinável e natural, que o cheffe de um estado 
não estivesse ás ordens de um simples general. 

Não fomos na verdade eíDcaz e poderosamente auxilia- 
dos por nossos alllados, e nem podíamos contar com isso, 
embaraçados, como se achavam, em casa com dissenções 
politicas, e dispondo de mais a mais de fracos meios, mas 
já não era pouco terem os nossos exércitos e vasos de 
guerra os movimentos desafogados n'esses territórios e 
seus rios, fornecendo-se também n'elles de viveres, for- 
ragens c cavalhadas. 

Não se illudia o governo com as promessas pomposas 
dos alllados, nem com as suas bravatas, tanto que poz 



3i5 



peito em levantar com a máxima brevidade, o nosso 
exercito em grande pé de guerra, para que podesse ar- 
rostar os cento.e trinta mil liomens de Lopez, e crear uma 
esquadra que lhe desafiasse suas temidas fortalezas. 

Ia no entretanto produzindo o desejado efifeito o decreto 
dos Voluntários da Patiia, que fez vibrar os corações 
de lodos os brasileiros, despertando n'elles com vigor o 
sacrosanto sentiniento do amor da pátria e os brios para 
deflfender nosso paiz com toda a bravura e perseverança. 
A esse rebate inesperado e magnético erguiam-se intré- 
pidos cidadãos aos milhares como que da terra, e cor- 
riam açodados e contentes aos campos de batalha. 

Sem violência, sem coacção, sem a menor pressão, e 
só por esse convite que abalou a todos, formaram-se bata- 
lhões, nos quaes se viam hombreando com o operário, 
com o rústico, com o popular inferior por sua condição, 
cõr e nascimento, o capitalista, o medico, o advogado, 
os Tilhos de familias abastadas, nivelados todos pelo en- 
thusiasmo patriótico. Appellou lambem o governo para 
os guardas nacionaes, e accudiram batalhões e batalhões 
d^elles, não menos bisonhos, mas egualmente bravos e 
animados do mesmo sentimento que impulsou aquelles 
a exporem-se aos desconfortos, fadigas e perigos da guer- 
ra. Tive já opportunidade de fazer em outra parte a apo- 
logia d^esses heroes que tomaram as armas de pura es- 
pontaneidade e inflammados pelo sagrado amor da pátria 
em perigo *. 

> Vrj. LocttbraçOes (1774), no arligu Gttara do Paraguay — 
pag. 170. 



3i6 

Apesar de ser esse decreto referendado por todo o 
mÍDisterío, a idea partiu do conselheiro Furtado. Foi 
elle quem a suggeriu, e quem venceu a reluctancía e 
resistência oppostas pela rotina, convencendo-a de sua 
vantagem e exequibilidade com argumentos que 11)6 ins- 
piravam sua fé e conGança no patriotismo e brios de 
seus concidadãos. O tempo veiu em breve fazer justiça 
e testificar a boa opinião que tinha do povo, cujas pul- 
sações de coração sentira elle batter bem de perto, e cuja 
bravura não cede no confronto c^om a de nações que tim- 
bram d*ella, e não sei se não as sobreleva na obediência 
passiva com que executa as ordens de seus superiores, 
e na paciência com que soffre sem queixumes privações 
de toda a espécie, a fadiga, a inedia, as diflSculdades de 
marchas perigosas e forçadas por charnecas e mattas es- 
pessas, por vastos alagadiças e tremedaes, ou por mon- 
tes fragosos e de difficil ascensão, como succedeu D'esta 
homérica lucta. 

Não foi só com esse acto sem precedente nos nossos 
annaes * que a rotina militar sentiu-se oíTendida e não me- 
nos irritada, como também por serem conflados os cora- 
mandos dos batalhões e das companhias de voluntários 
e da guarda nacional a paizanos, e por serem chamados 
ás fileiras olllciaes qne estavam respondendo a proces- 
sos militares. Mas o valor c deslimidez d'alguns d'en- 
tre os primeiíos, e em especial dos srs. dr. Pinheiro Gui- 

1 É honrosa excepção a experiência feila pelo conselheiro Joa- 
quim Vieira da Silva e Sousa, quando administrava o Rio Grande 
do Nurtc. (Voj. pag. 78 d 'este lo mo). 



347 

marães, barão de Penalva, CuDha Júnior, que de simples 
professores ou funccionarios públicos passaram a dirigir 
soldados nos campos de batalha, vieram com seus feilos 
d'armas desmentir de um modo victofioso as previsões 
e vãos receios dos velhos militares e reforçar a opinião 
do conselheiro Furtado — de que a inteliigencia e a von- 
tade suprem a disciplina e os exercidos dos quartéis. 
Deram também razão da suspensão de processos milita- 
res, entre outros, dois ofDciaes superiores que da Bahia, 
onde estavam respondendo a conselho de guerra, vie- 
ram occupar seus postos no exercito e ahi prestaram va- 
liosos serviços. £ ainda mais para notar que um doestes, 
o tenente coronel Pedra, salvou com o corpo do seu com- 
mando o grosso do exercito de uma surpreza dos inimi- 
gos que lhe traria, senão o destroço, multo desaire, se 
os não detivesse com bravura e Qrmeza acima de todo o 
louvor, dando assim tempo a que as nossas forças se re- 
cobrassem do pânico da repentina investida com que es- 
tavam longe de contar. 

Aopasso que o ministério cuidava com todo o ardor de 
reforçar os nossos exércitos e abastecel-os de copiosos 
e possantes meios, levantou um empréstimo avultado na 
praça de Londres, e tractou de adquirir armamentos aper- 
feiçoados e todas as machinas de guerra modernamente 
inventadas; mandou fazer na corte encpuraçados e encom- 
mendou no estrangeiro monitores, artilberia, etc, etc. 
Foi com esses preparativos bellicos que depois Azemos 
e concluimos a guerra do Paraguay. Os arsenaes da 
corte atulharam-se de operários. D'ahi a poucos mezes 



318 



saliia dos nossos estaleiros o — Tatnandaré — primeiro 
e ale bem pouco tempo o único encouraçado constraido 
na America do Sul. Nas poucas avarias que em Ti^queo- 
tes combattes soQreu das balas inimigas bem deixou ver 
quanto em solidez de construcçâo e na boa escolha dos 
materiaes é superior aos que comprámos na velha Eu- 
ropa e na America do Norte. 

Desenvolveu o conselheiro Furtado n'essa epocha pas- 
mosa actividade, chegando-lhe o tempo para conferen- 
ciar mais de uma vez por dia com os membros do minis- 
tério, de que era alma, auxiliando-os com seu parecer 
e guiando-os com suas luzes, sem exercer comtado pres- 
são sobre elles de modo a oHender-lhes o melindre; mas 
alvidrando o discutindo com elles sobre importantes as- 
sumptos administrativos com intelligeucia, perspicuidade 
e dialéctica, acompanhadas de maneiras graves e corte- 
zes. Achava-se em toda a parte onde se tornava neces- 
sária a sua presença, e com a ponctualidade em que lhe 
era habitual, estava presente aos repettidos conselhos, no 
Paço; frequentava osarsenaes, os quartéis; ora a casa de 
um collega do ministério, ora a de outro, nâo faltando 
egualmente ás sessões do parlamento, onde tomava parte 
nas discussões, e ainda em suas vigílias procurava adqui- 
rir conhecimentos mililares que o habilitassem a compre- 
hender os assumptos tendentes â guerra, a dar opiniões 
acertadas e a propor em conselho medidas aproveitáveis 
n este ramo de serviço público. 

Nem por isso descurava dos negócios da justiça, sendo 
mui digno de memória o derreto de 14 de dezembro 



de 1864 (n.^ 3:310) que emancipou do capliveiro os 
africanos livres ao serviço do Estado e dos particulares, 
a pretexto de os civilisarem I Foi o golpe que feriu de 
morte e sem regresso o nefando tráfego de nossos simi- 
Ihantes, trancando-lhe para sempre a porta — e também 
uma das medidas precursoras da lei de 28 de setembro 
de 1871. 

Animado de eguaes princípios liberaes quiz resguar- 
dar os cidadãos de prisões arbitrarias e de punições pro- 
longadas, e acautelara segurança individual contra a vin- 
gança e a violência das authoridades policiaes subulternas. 
Foi com similhante intuito que expediu a 2 de janeiro de 
1863 iim aviso circular contendo providencias, a fim de se 
cohibirem e evitarem os abusos, até ahi t3o frequentes, 
rontra a liberdade individual, quer por prisões preven- 
tivas, quer por demora da formação de culpa ou falta do 
andamento do processo, com grave damno do cidadão, 
que com taes atropellos não podiam muitas vezes prestar 
fiança nos crimes que a admiltiam, ou se livrar solto nos 
casos em que é isto permittido. 

Pela simples leitura d^aquella lei e d'este aviso reco- 
nliec4í-se o espirito liberal de quem os dictou, e que o 
conselheiro Furtado era tão amante da liberdade na theo- 
ría como na práctica. 

Não ficou só em referendar a lei n.° 1:237 de 24 de 
setembro de 1864, reformando a legislação hypotheca- 
ria e estabelecendo as bases das sociedades de credito 
real, como facilitou-lhe a execução, expedindo para esse 
fim o decreto n.® 3:453 de 24 d'abril do seguinte anno. 



320 

Contrariava os planos do presidente do gabinete o mi- 
nistro da guerra que não queria ceder de suas inveteradas 
preoccupaçôes, e teve por melhor retirar-se e sar substi- 
tuído na pasta pelo visconde de Camamú. A escolha do 
general em cheffe para dirigir as operações foi o ponto 
capital do desaccõrdo com o conselheiro Beaurepaire. 
Antevendo nMsso os conservadores vantagem para sua 
causa, designavam o marquez de Caxias como o único 
general capaz de planos e a quem a fortuna favorecia sem- 
pre, coroando-o a victória de tropheus. Repetiram tantas 
vezes no jornalismo e fora d'elle, insistindo n'essa idéa, 
que conseguiram crear como uma opinião, que a final 
fez tal impressão no espirito de alguns amigos do conse- 
lheiro Furtado, que elle, para arredar de si a pecha de 
parcial e eivado* de rancor politico em questão de tanta 
magnitude e gravidade, propoz em conselho a nomeação 
do marquez para commandar nossos exércitos, e d^ahi 
passou depois a sondal-o. 

Recusou o marquez acceitar o commando, allegando 
a inimizade que havia entre elle e o actual ministro da 
guerra. Ouvidos estes motivos, lembrou-lhe seccamente 
o conselheiro Furtado com aquella hombridade, que 
tanto o characterisava, que a disciplina e a pátria não 
distinguiam pessoas nem calhegorias, e ficasse preve- 
nido de que, se o serviço público reclamasse sua pre- 
sença nos campos do Paraguay o governo o compelle- 
ria a isso. Foi, pois, o bravo dos bravos, o temerário e 
legendário general Osório, o escolhido para essa missão. 
Ia elle pôr-se â frente dos nossos exércitos quando Lo- 



32i 

pez estava com toda a pajança que ihe davam sea formi- 
dável exercito quasi intacto e fresco sem derrotas nem 
fadigas de contra-marchas, sem a choiera-morbas, as fe- 
bres de máu character e a varíola que dizimavam e des- 
alentavam os nossos soldados, e sobre todas essas van- 
tagens com o prestigio das fáceis e bem succedidas in- 
vasões. E que tinha o general Osório ás suas ordens 
para oppor a tão numeroso e forte inimigo? As nossas 
poucas e fatigadas tropas e esses reforços de corpos com- 
pletamente alheios á disciplina e táctica militar. 

Foi todavia com esse simulacro de exercito que desa- 
lojou o inimigo do nosso território e o foi provocar no 
seu próprio, realisando o sempre memorável e incrível 
feito do Passo da Pátria, que foi como o prologo da 
gloriosa e heróica epopea que nossas armas escreveram 
com sangue e á custa de muitos sacrificios durante essa 
lucta titânica. Em hora feliz a emprehendeu o general 
para conQrmar o alto conceito que gosava e a acertada 
nomeação do conselheiro Furtado. Segniram-se a esta 
outras victõrias; mas o ministério de 3i d'agosto não 
chegou a participar dos seus louros; que a 8 de maio de 
1865 já havia deixado o poder, coagido das ambiciosas 
e insoffrídas maquinações politicas i 

Quando a pátria, convellida por tantas desgraças e mi- 
séria, perigava e reclamava a união de todos os brasilei- 
ros, depostos quaesquer interesses e ódios, para só cui- 
darem de a salvar; quando o povo dava o exemplo, 
sacrificando enthusiasmado e contente a própria vida, 
os nossos representantes postergavam seu mandato, e 

PAMmON-TOH. o. Si 



32ã 



obdarados peia ambição, conspiravam e coocertavam en- 
tre ú nos meios de embaraçar e abalar o gabinete para 
derribal-o do poder. 

Teve então o conselheiro Furtado ensejo para sondar 
as chagas sodaes que conhecia de notícia e pelos efféitos. 
As ambições impacientes e sem freio, muitas d'eUas sem 
razão de ser, tripudiavam na esperança de empolgarrai 
as pastas. Accumularam-se á surda e hypocrita hostilidade 
as exaggeradas pretensões de alguns suppostos partidá- 
rios e amigos, que só o são na próspera fortuna. Ne- 
nhum d'esses pagava-se de promessas ou sofiria delon- 
gas na realisação d^eilas. Os jomaes da corte, cujos re- 
dactores se diziam iiberaes, ou guardavam silencio como 
o Correio Mercantil, ou aggrediam com toda a franqueza 
o ministério, como o Diário do Rio de Janeiro. Na ca- 
mará temporária tramavam-lhe outros a queda, presu- 
mindo-se cada qual com força e aptidão para empunhar 
o timão do poder e maneal-o no meio de tantas dificul- 
dades. Na primeira votação a que em maio procedeu-se 
na camará dos deputados, conheceu o conselheiro Fur- 
tado que a maioria de um voto, obtida pelo dr. Camillo 
Armond (barão de Prados) para presidente do corpo le- 
gislativo, não representava o appoio decidido, franco e 
compacto de que carecia o governo n'aquellas tristes e 
melindrosas circumstancias. 

Pediu e instou pela demissão, mostrando n'esta obe- 
diência aos preceitos conslitucionaes seu civismo, hones- 
tidade e amor pelas cousas do paiz que periclitavam e eii- 
giam o concurso homogéneo e harmónico dos poderes 



323 

do estado. Seu character, moralidade e patriotismo não 
consentiam tamb^n qae procedesse de outro modo. 

Facii lhe fora formar uma maioria artificial, empregan- 
do os meios corruptores tão correntes e de que muitos 
dos ministérios anteriores tanto abusaram; mas isso 
repugnava aos seus principios e precedentes. Sem apego 
ás grandezas humanas nunca litigou por ellas, podendo 
n'elle mais do que a ambição seu inquebrantável amor 
da pátria e reconhecida e proverbial probidade e cohe- 
rencia de principios. Não houve portanto instancias que 
o demovessem do propósito de passar as rédeas do go- 
verno a quem lograsse melhor fortuna, harmonisasse as 
divergências, e com prestigio nas camarás, d'ellas obti- 
vesse auxílio para conduzir a bom porto a nau do estado, 
que trapeava, combattída de medonho temporal. 

A despeito de tudo isto, continuou a camará tempo- 
rária desacorde e indisciplinada sem dar quartel nem 
tréguas aos ministérios que se foram succedendo ; não 
aproveitando a umd'elles a medida extrema e arriscada de 
dissolução quando estávamos arcando com uma guerra 
estrangeira. 

Aquelles que confiavam na intelligencia, energia e in- 
deíBctivel zôlo do conselheiro Furtado ; que o tinham apre- 
ciado e sabiam aquilatar, como mereciam os extraordi- 
nários serviços que fez n'estes poucos mezes de sua labo- 
riosíssima € escabrosa gerência dos negócios públicos, de- 
cidindo ser^o e impávido, e sempre com óptimos resul- 
tados as mais dehcadas, difiiceis e complicadas questões, 
taxavam de nimiamente escrupuloso seu procedimento ; 



3!g4 

dado que leal e conforme aos preceitos constítucionaes. 
Os mais conhecedores dos nossos homens previram qae 
isso não atalharia os males que esse estadista desejava 
prevenir. Bem depressa realisaram-se estes bem funda- 
dos receios; porque não desappareceram os obstáculos 
que elle se promettia ver desfeitos com sua ausenda da 
governança, senão que outros ainda maiores foram crea- 
dos pelos subsequentes gabinetes. 

Ao ministério de 31 de agosto succedeu o de 12 de 
maio, cujo organisador, o marquez de Olinda, fezconsí^ 
séu progranmia na conciliação de todos os partidos, no 
arrefecimento das paiiões politicas e na concórdia dos bra- 
sileiros, concentrada a acção do governo em um só pon- 
to — a guerra — que era o desígnio, o empenho, a única 
meta de seus esforços. Não o cumpriu, no entanto, antes 
fomentou dissençoes politicas, desbaratou mais de réis 
30.000:000}$000 dos dinheiros públicos, e o exercito 
estacionou por muito tempo inactivo no Estero Bellaco 
por falta de recursos e supprimentos I 

Fez mais e ainda peior; arrefeceu o enlhusiasmo pa- 
triótico e seccou esse abundante manancial de belligeran- 
tes, declarando desnecessário o levantamento de novos 
corpos de voluntários. Semeou a intriga e o desconten- 
tamento nos nossos arraiaes, implantando n^elles a dis- 
córdia e vinganças politicas. 

Doestes e de outros actos dignos de censura e execra- 
ção praticados uns dentro do paiz e outros no próprio 
theatro da guerra, advieram males de que ainda se não 
guareceu de todo o império, sendo que foi o mais fatal 



d^elles — a prolongada duração da ruinosa campanha do 
Paraguay. 

Faça-se o parallelo entre esse dilatado período e os 
oito mezes da fecunda gerência do gabinete de 31 de 
agosto, e ver-se-hão ainda mais realçar os relevantíssimos 
serviços prestados por este. Sua melhor apologia está 
n'estas poucas e verdadeiras palavras com que o senador 
Furtado terminou o seu discurso na sessão de 1 i de ju- 
lho de 1867. 

c Sr. presidente, os membros d'este ministério (31 de 
agosto) no pouco tempo que governaram, não fizeram 
certamente tudo quanto desejavam em beneficio do paiz ; 
diz-lhes porém a consciência que fizeram quanto era ra- 
zoavelmente possível. 

«Acabaram em menos de seis mezes uma guerra com 
o governo do Estado Oriental. Deixaram muito material 
de guerra accumulado, mandaram vir outros ; elevaram o 
exercito a 35:000 homens alem de uns mil voluntários 
e guardas nacionaes ja aqui na corte, e em algumas pro- 
víncias, que esperavam transportes que os conduzissem 
ao theatro da guerra ; deixaram a esquadra com 45 vasos 
de guerra, sendo 33 a vapor, tripulados por quatro mil 
e tantos homens, deixaram 2 encouraçados nos estaleiros, 
e mandaram construir outros fora. Com esses elementos 
reunidos pelo ministério de 31 de agosto, foi ainda que 
se aniquilou a esquadra de Lopez na brilhante jornada 
de Riachuelo, derrotada e inutilisada a columna invasora 
dos paraguayos em latahy e Uruguayana.» 



326 



VIII 

Desligado o conselheiro Furtado das obrigações que 
o relinbam na corte, foi sen primeiro cuidado tornar-se 
ao Maranhão para onde o estavam impelindo as sauda- 
des dos amigos e de sua família. Contava ahí descan- 
çar e reparar as forças perdidas por tantas fadigas e 
pelos desgostos que em seu agitadíssimo governo o as- 
saltaram. N3o logrou de todo em todo esse desejado in- 
tento. 

A primeira decepção por que passou,^ foi a manifesta 
frieza d'aquelles que se julgavam offendidos por não te- 
rem obtido bom despacho ás suas pretenç5es. Era mais 
um trago de fel que sorvia f Não havia elle no entanto 
aberto precedentes que fizessem suppor que, investido 
do poder supremo, se occupasse de questões de campa- 
nário, quando de antes e em nenhum tempo foi procura- 
dor officioso nem consumiu inútil tempo nas ante-camaras 
dos ministros e secretarias d'eslado. 

Tinha elle bastante mérito real para não soccorrer-se a 
esse vergonhoso expediente, e nem carecia cortejar por 
essa forma as influencias politicas da sua província, por 
isso que possuía dotes e importância para fazer-se valer 
por si, e assaz dignidade para não rebaixar o mandato, 
pondo-se ao serviço e na dependência de quaesquer go- 
vernos. 

Nem sequer prestava o conselheiro Furtado nos negó- 
cios (lo paiz a niinima allenrâo ás intrigas de bairro, se- 



não que reprovava nos outros essa política mesquinha e 
baixamente interesseira de pequenas localidades em que 
se malbarata o tempo que deve ser consagrado aos sé- 
rios e graves negócios do paiz. 

Não houve, pois, obrigações que o desviassem por um 
momento d'esta senda, e em vez de fazer veniaga de seu 
voto para alcançar deferimento a pretenções particulares, 
manifestou-se constantemente com toda a hombridade e 
honradez, procedendo sempre n'essa louvável conformi- 
dade por entender que para isso é que lhe haviam os 
povos confiado o mandato de seu representante. 

N3o sei como houve agora quem esperasse d'elle outro 
procedimento, quando estava divertido por negócios de 
maior monta, que o traziam todo occupado, e sua posi- 
ção elevada tomava mais patentes seus actos i ' 

N*essa quadra em que o paiz estava em perigo e á 
beira de um abysmo não havia para elle outras cogitações 
que não fossem — a guerra — era o centro para onde 
ellas convergiam, preoccupando-o tudo quanto se pren- 
dia a este momentoso assumpto, que tomava o primeiro 
lugar em suas conversas particulares e em seus discursos 
no senado, já analysando as operações militares, discu- 
tindo os meios, já censurando os erros e expendendo sua 
opinião como lh'a suggeria a lealdade e o patriotismo. 
Nas suas correspondências com os amigos occupava-se 
também do mesmo assumpto. 

Assim, escrevendo-me acerca dos planos de guerra 
que foram apresentados, quando ministro, pelo visconde 
(hoje marquez) de S. Vicente e pelo general Caxias, dizia : 



328 



< Encontrei felizmente hoje a cópia tfesses tão apregoa- 
dos pianos. Não podia crel-os perdidos ; pois qoe noDca 
perdi um papel importante. 

< Quanto ao do Pimenta Bueno, servindonne da pró- 
pria cópia que elle apresentou no Senado, analyseMbe 
a parte principal em meu discurso proferido na sessão 
de 1865. 

< Nem elle, nem alguns dos seus amigos, nem pessoa 
alguma, respondeu-me. 

< Quanto ao do Caxias, que ultimamente foi lembrado 
por João Cândido, seu arauto em Buenos Ayres, se for 
provocado, hei de analysal-o. 

cEsse não tem uma palavra sequer sobre o mdhor lu- 
gar para a invasão do Paraguay ; cifrava-se na orgamsa^ 
do eiercito. Rejeitél-o, primo, porque o meio de haver 
gente era somente o recrutamento forçado; secundo, 
porque não havia a devida proporção entre as armas. Era 
emfim plano de quem mostrava desconhecer a importân- 
cia das armas scientificas (artilheria e engenharia) na arte 
da guerra ! 

« Eis o resumo d'esse aleijão. 

Armas Officiaes e praças 

Artilheria 2:60! 

Eogenheria. 421 

Artífices loO 

Cavallaria iO:774 

Infantería 31:155 

45:101 



Em uma guerra em que tiahamos de attacar fortale- 



329 

zas, eotre eilas a maior da America, 571 homens de ar- 
mas scieatificas e 150 artiflces apenas ! . . • 

c Se no começo da gnerra tivéssemos mn general, que 
não fosse Osório, n3o teriamos ainda passado o Paraná 
(1868), quando depois com forças muito superiores ás 
suas, com uma esquadra encouraçada, ainda se nSo achou 
occasiSo de forçar Lopez a uma batalha, nem tolher uma 
só de suas evacuações, quando aUás encontrou Lopez 
com diminuto exercito.» 

Em carta de 20 de dezembro : c O correspondente de 
Buenos Ayres, o cantor do general Caxias, diz em dacta 
de 16, na segunda coluitma do Jornal do Commercio de 
hoje «—Do exercito de Lopez e na direcção da serra que 
dizem ter elle tomado, pôde quasi garantir-se que n3o 
irão acima de 4:000 homens de todis as armas. 

«NSo penso que o resultado dos attaques de 6 e 1 1 se- 
jam eguaes aos da tomada do Estabelecimiento.» 

— «O Paraguayo, coronel Martinez, diz o correspon- 
dente, prisioneiro na península de Humaitá, dizia ainda 
hontem que calculava em 130:000 homens os que o Pa- 
raguay tinha perdido no começo da guerra, sendo uma 
terceira parte victimas do cholera e da varíola. Será extra- 
nho que custasse ao Brasil, aniquilar esse grande poder 
militar, que pelas condições do terreno em que se de- 
fendia, pôde considerar-se gigantesco? 

«E nada obstante Osório, á frente de um exercito de 
paisanos, e ajudado de uma esquadra de madeira, e quan- 
do Lopez estava em sua pujança, passou o Passo da Pa- 
tria, afugentou-o d*alli, e bateu-o a 2 e 21 de maio. 



330 

«Essa fõrça (de 4:000) destroçada, etc. sem artílheria, 
sem chefifés, com escassas munições, iucapaz de resistir 
a mna só divisão brasileira, é tudo que resta do exercito 
paraguayo que começou a guerra com 70:000 soldados, 
e foi renovando-se iucessautemente e em proporção das 
perdas que sofibía. 

«Este — em proporção das perdas que soSiia — é uma 
grande peta. 

«Os factos de 6 e i i provam o que penso desde a mar- 
cha do flanco e tomada do latahy, — que Lopez já então 
não tinha gente para uma resistência eificaz aos allia- 
dos. 

«Veremos, se esses 4:000 desmoralisados, sem artí- 
Ihería, sem cheffes, com munições escassas ainda mangam 
com o primeiro general da America do Sol. 

«Depois do reconhecimento de 2 de novembro feito 
pelo Osório, diz o cantor de Caxias em Buenos Ayres:— 

« — Todavia o general em cheffe manifestou-se menos 
contente com os dados adquiridos, pois sobre elles podia 
basear-se com precisão o plano do attaque, que estava até 
então vagamente traçado (!). » 

Terminadas as sessões legislativas, não dava folga ao 
espirito, e reassumia logo o exercício da vara commer- 
cial, occupando-se com admirável cuidado do exame apu- 
rado dos processos, e decidindo-os com aquella justiça 
que tanto o caracterisava. 

Estava n'esta honrosa tarefa, esperando que lhe che- 
gasse a sua vez de occnpar um lugar na relação, quando 
circumstancias imperiosas e imprevistas o obrigaram 



33t 

a abandonar a carreira da magistratara. Não possuía o 
conselheiro Furtado bens de fortuna. Para manter sua 
numerosa família, era-Ihe forçoso fazer rigorosa econo- 
mia, e todas as vezes que lhe sobrevinham despezas ex- 
traordinárias, taes como a da doença e funeral de sua 
primeira esposa, a do seu segundo matrimonio e a do 
transporte de toda a familia para a corte, em que teve de 
despender quantias avultadas, pedíu-as a uma casa com- 
mercíal da nossa província, cujos cheffes eram seus con- 
tra-parentes e amigos mui dedicados, desde a sua mais 
tenra edade. Depois do fallecimento do principal sócio 
d'essa casa, declarou^se ella, em 1869, fallida em razão 
de especulações mal concebidas. 

Sabendo o conselheiro Furtado d'esta fatal occurrencia, 
escreveu inunediatamente aos administradores da massa 
fallida, assegurando-lhes que tractava com todo o empe- 
nho de solver seu debito no mais curto praso que lhe 
fosse dado fazel-o, e desde logo lançou as vistas para a 
profissão de advc^ado tão lucrativa na corte. 

Pediu e obteve em març^ de 1870 sua aposentadoria 
com as honras de dezembargador da relação do Rio de 
Janeiro, e assentou banca de advogado, associando-se ao 
sr. conselheiro Tito Franco d'Âlmeida. Foi este o único 
e verdadeiro movei de similhante resolução. Podia ter 
contrahido um empréstimo, o que na praça do Rio de 
Janeiro ou na do Pará, ou mesmo na do Maranhão, ser- 
Ihe-hia fácil, mas entendia que como jmz commercial não 
lhe flcava isso bem, e assim repelliu uma tal idea. Podia 
recorrer a sua segunda esposa, que possuía bens de for- 



tuna ; mas levava a delicadeza ao extremo de nem ao me- 
nos indagar qaanto ella possuía on de querer que coo- 
corresse com os gastos de casa, no Maranhão, dado que 
nSo houvesse communhSo de bens, e vivesse elle a maior 
parte do tempo no Rio de Janeiro. Assim procedia para 
que ninguém ousasse suspeitar, nem ao de leve, que ha- 
via contrahido segundas núpcias com outro pensamento 
que não fosse o de dar ás filhas quem as zelasse e cui- 
dasse de sua educação. 

Tão diversas e fortes contensões moraes muito cootri- 
buiram para que a saúde se lhe derrancasse rapidamente, 
concorrendo não pouco para isso as insomnias, que o 
perseguiam desde muitos annos, o excesso de trabalho e 
estudo durante essas vigílias. As pessoas, que conviviam 
com o conselheiro Furtado, notavam que seu corpo des- 
cahia progressivamente, enfraquecido por tantas causas 
deprimentes e pelas maguas que lhe escniciavam funda- 
mente o coração. 

Aquelle homem que se mostrava prazenteiro e ás vezes 
zombeteador na intimidade e reuniões das famílias de seus 
amigos particulares, apresenta va-se agora n'ellas silencio- 
so e taciturno ; e aquella fronte proeminente e polida, onde 
vinham reflectir-se as concepções de sua vigorosa intelli- 
gencia, tinha já prematuras rugas do mortal desgosto que 
lhe envenenava a existência, não que o conselheiro Fur- 
tado se deixasse vencer por elle, antes procurava esque- 
cel-o no admirável afinco com que trabalhava, no senado 
e no foro, onde deixou ainda no último periodo da sua 
carreira luminoso vestígio de sua brilhante passagem. 



333 • 

Quando disculia-se do senado, em 1869, o projectoda 
camará dos deputados estabelecendo recurso á coroa nas 
condemnações ex informada consciência, levantou-se o 
conselheiro Furtado para appoial-o. O homem liberal era 
de parecer que se acabasse com esse arbítrio de que dis- 
punham os bispos, e seu discurso é um modelo de elo- 
quência substancial e de sciencia canónica. Foram novos 
lauréis que veiu ajuntar á sua coroa de parlamentar. 

São no foro da corte seus libellos considerados monu- 
mentos de sciencia jurídica, que dão a medida de seus 
profundos conhecimentos e intelligente estudo da legis- 
lação do nosso paiz. 

Convidado em abril de 1870 para patrono pelos três 
dezembargadores que tinham sido suspensos e responsa- 
bilisados pelo governo, obteve o conselheiro Furtado 
n'essa defifeza o mais completo triumpho e êxito tão feliz 
quanto é possível ambicionar-se e de que ainda se recor- 
dam com satisfação os que tiveram a dita de ouvil-o. 
Ck)nseguiu pela força da dialetica e de seu saber a absol- 
vição d*esses magistrados. O tribunal, regorgitando de es- 
pectadores que foram convidados pela importância e no- 
vidade da causa e anelavam apreciar o conselheiro Furta- 
do por esse lado de seu talento, estrugiu com os applausos 
que acolheram o illustre advogado ao terminar a sessão. 
Sahiram todos da sala das audiências, transportados pela 
abundância e solidez dos argumentos, e pela exposição 
clara, lógica e concisa da matéria, dando também a co- 
nhecer que elle comprehendia as cousas com a rapidez e 
a vastidão de vistas de homem d'estado, e as examinava e 



334 

ameu(lava-com a paciência do erudito. Foi esse o florio de 
sua coroa de orador e o seu cauto do cysne. Âccommettido 
violentamente de uma angina pectoris, provocada pelo 
excesso de tão demorada e vigorosa discussão e peio res- 
friamento ao sabir do tribunal, cahiu de cama* Foram 
baldados os esforços da medicina, que não poupou meios 
para salvar tão nobre e utilissima vida. 

Seus amigos, que nunca mais abandonaram a cabeceira 
de seu leito de dor, conceberam por vezes esperanças que 
cedo se desvaneceram; porque a rebeldia e gravidade da 
enfermidade de tudo zombou, e ao meio dia de 23 de ju- 
nho de 1870 já havia sido riscado do número dos vi- 
vos I 

Chegava a consternação a todos quantos sabiam doeste 
funesto successo, e ao ter-se d*ella conhecimento no Se- 
nado, foi suspensa a sessão em testemunho de dó, pro- 
nunciando por essa occasíão o ex.°^ sr. visconde (ho^ 
marquez) de Abaete, seu presidente, um discurso apolo- 
gético acerca do illustre finado e do qual transcrevo estes 
trechos: «Senhores! mais um dos membros d*esta au- 
gusta camará, que pela nobreza de seu character, e pelos 
seus talentos, tanto a honrava, acaba de pagar á morte o 
tributo fatal. 

«Na dor que me opprime e que a minha voz mal se 
prestaria a exprimir, repetirei as palavras com que esta 
infausta notícia foi-me communícada pelo sr. conselheiro 
Tito Franco de AUneida em caria que dirigiu-me no dia 
23 do corrente mez. 

— Hoje ás duas horas e meia da tarde, perdemos o 



335 

nosso amigo conselheiro Furtado víctíma de orna broncho- 
pneumonía. Rodeado de orphans, só om amigo podia dar- 
lhe esta triste notícia. — 

cFoi presidente de várias províncias, e administroa-as 
com zelo, sabedoria e justiça. 

«Foi deputado em diversas legislaturas, e mais de uma 
vez mereceu a honra de ser eleito presidente da camará 
temporária a que pertencia. 

aFoi nomeado senador por carta imperial de 30 de ju- 
nho de 1864. 

«Foi ministro da justiça por duas vezes, a primeira no 
gabinete de 24 de maio de 1862, e a segunda no de 31 
de agosto de 1864, em que áquelle cargo reuniu o de 
presidente do conselho. 

«Foi n'este segundo ministério que o nosso illustre col- 
lega, cuja perda lamentámos, mostrou tudo quanto pôde 
esperar-se de um espirito illustrado e previdente, firme 
e enérgico na occasião do perigo, e fortalecido sempre 
por uma fé viva nas instituições do estado, e no patrio- 
tismo de seus concidadãos. Surprehendido pela guerra 
desleal, com que nos accommetteu o ex-dictador do Pa- 
raguay, o nosso illustre coUega teve a glória de referendar, 
como presidente do conselho, essememoravel decreto de 
7 de janeiro de 1865, que a despeito da mcredulidade de 
muitos, fez como por encanto brotar da terra com admi- 
ração e regosijo de todos, essas bravas legi9es de volun- 
tários da pátria, que a par da iòrça de primeira Unha e 
da guarda nacional, elevaram á maior altura a honra de 
nossas armas, e desaffrontaram a da nação ultrajada pelo 



336 

tyranno d'aquella republica, por meio de uma victória 
completa e estrondosa. 

f Senhores, serviço é esle tao assignalado e a que o Bra- 
sil tem-se mostrado tão reconhecido, que não ha nem ex- 
pressões para encarecel-o, nem mercês para bem galar- 
doal-o. 

c Senhores, um cidadão tão íUustre já não existe. 

c Ficaram-nos d*elte os filhos, para serem dignos her- 
deiros do seu nome, a saudade para choral-o, os exem- 
plos para imital-o, e a memória dos serviços para per- 
petuado na história. 

c Gonsidero-me mais uma vez orgam fiel dos sentimen- 
tos d'esta augusta camará, declarando que a notícia que 
acabo de communicar-vos é recebida pelo senada com o 
mais profundo pezar.» 

O senador Leilão da Cunha requereu verbalmente que 
não houvesse n*aquelle dia sessão, como prova do senti- 
mento que acabrunhava seus membros com a noticia que 
acabavam de ouvir. 

Consultado o senado, foi approvado o requerimento. 

Fechou-se para o íllustre finado a campa, deixando 
honrosissimo legado aos filhos em um nome puro e res- 
peitado, na bençam de seus concidadãos e na pobreza ! Foi 
juiz, administrador de provincia, presidente do conselho 
de ministros em uma quadra em que outros se poderiam 
ter locupletado, e suas mãos impollutas nunca tocaram 
senão no que lhe advinha de seus honorários. Nem por 
isso ficaram seus oito ^ filhos na miséria, que os amigos 

^ Sáo todos do primeiro matrimonio e seus nomes : D. Mathilde, 



337 

e o governo accudiram em auxilio d*elle^. O Grande 
Oriente Brasileiro resolveu prestar-lbes uma mensalidade 
de 120^9(000 réis, como homenagem a essa estrella que 
desapparecéra de seu Grmamento maçónico ; e o governo 
imperial decretou uma pensão de i:200j9íOOO réis an- 
nuaes repartidamente pelas filhas do prestante cidadão. 
O sr. dr. Fábio Alexandrino de Carvalho Reis, o amigo 
constante e verdadeiro desde os bancos da academia, e 
cujo mútuo afiecto não houve circumstancia na vida que 
o entibiasse, lembrou-se de uma subscripçao entre os ami- 
gos e smceros admiradores do conselheiro Furtado. O 
resultado de ideia tão applaudida e feliz foi coroado de 
completo resultado. Eis como o correspondente do Rio de 
Janeiro para o Jornal do Commercio de Lisboa (n.^ 5:318 
de 21 de julho de 1871) dá conta d'ella : — c A subscripçao 
para as seis filhas do conselheiro Furtado, promovida 
n'esta corte e nas províncias do império pelo dr. Fábio 
A. de Carvalho Reis, auxiliado pelos conselheiros Chris- 
tiano Ottoni, Tito Franco de Almeida, Octaviano de Al- 
meida Rosa e Marianno Procopio Ferreira Lage e outros, 
mcHitou a 46:837<9(000 réis, que o sr. Deocleciano Bruce, 

D. Francisca (casada hoje com o dr. Franklin Mendes Vianna), 
D. Hermínia, D. Ifarianna, D. Henriqueta, D. Zulmira, dr. Alarico) 
José Furtado (ex-adido da legação brasileira de S. Petersburgo 
e o sr. Godofredo José Furtado (no quinto anno medico). Deixou 
mais duas filhas naturaes que ieye quando cursava a academia de 
Olinda — D. Rosa e D. Carlota — que desde pequenas foram para a 
casa da m2e do conselheiro Furtado e serviam-lhe de companheiras 
inseparáveis, dedicadas e zelosas, consolo de seus cançados e amar* 
gurados dias, e na sua cegueira guias fieis e devotíssimas. 

PáirmoN-ToM. n. 2S 



338 

corretor da praça, converteu em cíncoenta e orna apoli* 
ces da divida pública oo valor Dominai de 50:40(MKX)0 
réis, sem levar estipendio algom por seu trabalho.» 

N3o foi a pobreza e a honradez o miico legado que dei- 
xou o conselheiro Furtado ; pois consta-me que se en- 
controu entre seus papeis um caderno, onde sua vida 
íntima. n'estes últimos annos, é relatada com a expansão 
de quem falia a seus filhos com o coração aberto ás gran- 
des virtudes que possuia e practicava. A elles só pertence 
devassar esse sacrário que é segredo para todos nds. 
Também deixou umlivro, espécie de Diário, onde resumia 
desde 1865 as impressões de suas leituras, e transcrevia 
alguns trechos de obras de direito público e constitucio- 
nal, ou lançava reflexões consoantes a suas idéas, bre- 
ves juizos sobre factos políticos de dentro e de fora do 
império, sobre alguns homens e sobre a guerra, e suas 
visitas ao paço imperial, etc. N'esses ligeiros e imperfeitos 
apontamentos descobre-se que o preoccupava seriamente 
o futuro do partido, pois véem-se abi notadas as reu- 
niões do centro liberal, os nomes dos membros a ellas 
presentes e ausentes, e o que ahi se passava. 

Transcrevo mui poucas d'essas notas fugidias e só para 
dar os últimos toques á physionomia do nosso grande 
estadista, que não teve infelizmente tempo para desen- 
volver todos os seus recursos, mostrar os thesouros de 
seu saber, e produzir todos os fructos que em outras cir- 
cumstancias e mais perdurável governo podia d'elle co- 
lher o Brasil. 

Tractando de demonstrar a instabilidade do dominio li- 



339 



beral traz as dactas dos diversos gabioetes e os nomes dos 
que os compozeram e ajuncta : 

c Qae poderão fazer gabinetes transitórios e sujeitos a 
várias crises mais oo menos transitórias? 

c Fez^se no entanto (refere-se ao dominio de 2 de fe- 
vereiro de 4844 a 28 de setembro de 1848) a lei de elei- 
ções de agosto de 1846, e tentaram-se as várias reformas 
da lei de 3 de dezembro sem que as conseguissem levar 
ao cabo. 

c O {Hrimeiro d'esses gabinetes teve oito mudanças de 
nomes em diversas crises, inclusive o do prqprio organi- 
sador. O segundo durou um anno e dias, e modificou-se 
cinco vezes ! O terceiro, menos de dez mezes, e soflfreu 
depois de organisado nove mudanças, passando pela 
pasta do império cinco ministros. O quarto não chegou a 
três mezes e teve duas mudanças. O quinto quatro mezes 
menos dois dias. 

4 

c Nada menos que cincoenta e três ministros no célebre 
primeiro quinquennio ! 

cNo segundo dominio de 1864 a 1868 houve quatro 
gabinetes em que succederam-se quarenta ministros. O 
primeiro e segundo duraram oito mezes, e no terceiro e 
quarto conseguiram desorganisar os liberaes.» 

Eis como se expressa sobre o abandono das urnas per 
los liberaes, em 1868. « Observei a alguns amigos na reu- 
nião que bouve em casa do dr. Dias da Cruz, que o aban- 
dono era expediente que só na impotência de luctar ou 
em mminrate e gravíssimo perigo podia ser rasoavel. 

c O partido que abandona as umas, ou se co&deniBna 



:í40 



a um longo ostracismo ou pelo menos indirectamente se 
prepara para uma revolução. 

c Que magnífica situação estragaram a ambição e a 
deslealdade de alguns conservadores, que se ligaram aos 
liberaes em 1862! E os infelizes liberaes carregaram 
com os erros e desatinos de que foram em grande parte 
víctimas desde 12 de maio de 1865 até 12 de julho de 
1868 1 

« O último d'esses gabinetes de tal modo desmante- 
lou e desorganisou esse grande partido, que a múão, que 
surgiu na camará temporária a 18 de julho, não foi bas- 
tante para que podessemos luctar com vantagem n'estas 
eleições. 

c Os conservadores podiam vencel-as sem o luxo das 
arbitrariedades a que se soccorreram. » 

Seu espirito liberal e patriótico mostrava-se aflOicto 
com a situação politica e a tendência hostil que se mani- 
festava por toda a parte, e então presagiava elle inevi- 
tável uma borrasca, e assim o diz : «A. revolução trium- 
phante trará a divisão do nosso império, e a anarchia 
será sua consequência : vencida, teremos grandes desgra- 
ças, e mais cedo ou mais tarde reviverá, e a monarchia, 
se não se pozer á frente das tendências modernas, fazen- 
do-lhes concessões rasoaveis, não lhe poderá resistir e 
succumbirá. 

«As ideias republicanas, que eram apenas compartilha- 
das por mui poucos homens e alguns mancebos enthu- 
siastas, que não formavam partido, vão ganhando terre- 
no. Tudo me induz a crer que brevemente, se a mesma 



3ii 

corrente de ideias continuar, o partido republicano se 
organisará. 

c Temo mesmo qae a duração dos conservadores no 
poder, e não será perciso muito tempo, impedirá que o 
partido liberal, chamado ao poder, possa conter uma 
grande parte d'elle. 

c Custa comprehender a cegueira do imperador, aliás 
espirito atilado e culto, character frio, circumspecto e 
inimigo de medidas violentas e aventurosas t 

< A monarchia vae-se, dizia Chateaubriand, cujas ad- 
vertências nunca foram ouvidas. 

cBesoam-me tristes e com frequência estas pala- 
vras!» 

(1868, outubro 11, oito horas e meia da noite.) 

Para elle a responsabilidade da coroa c é uma necessi- 
dade no systema constitucional». 

«A declaração em 1628 de Carlos I de Inglaterra, que 
não tinha que responder por seus actos senão a Deus, 
marcou os primeiros degraus pelos quaes lord Straflbrd 
e finahnente o próprio rei subiram ao cadafalso. 

Beferindo-se em outro lugar aos que entre nós se cha- 
mam homens hábeis e finos, escreveu: cDá-se de ordi- 
nário esta classificação aos que enganam e trahem os 
outros, acceitando e representando todos os papeis que 
aproveitam a seu interesse individual». 

Não deixarei por fim em olvido um testemunho da 
muita modéstia que characterisava o conselheiro Furtado. 
«Esta tarde mandou-me o meu amigo Fábio a traducção 
da minha biograi)hia que vem na Historia geral dos ho- 



342 

mens vivos e mortas do século xm, tom. ui, impressa em 
Genebra— 1860-4868*. 

cEstá em geral exacta. Achei» porém, muito exaggerada 
a expressão rara ifOeUigencia com que obsequioo-me o 
author. 

<A minha biographia pelo conselheiro Tito Franco 
d* Almeida é mais completa; postoque peque também 
do mesmo mal, desculpável no author pela muita ami- 
zade que me consagra.» 

Como já disse, era n'estes últimos tempos habitual 
n'elle a tristeza que lhe vinha ensombrar os pensamentos 
ainda no meio das festas de familia. N'estas negras e me- 
lancholicas linhas resume elle seu estado c Agosto 3 — 
6 horas da manhã — mm anniversario. 

« Completei hoje 50 annos de edade. O que tenho 
feito?. .. 

«Acordei ás 4 horas e 20 minutos da madrugada, ou- 
vindo próximo musica militar, foguetes e vivas. Não pu- 
de distinguir a quem estes eram dados. 

(( Não tenho tempo para resumir, perpassando as pha- 
ses da minha vida, que ha muito corre triste e melancho- 
lica, sendo um trabalho contínuo de todas as horas a 
minha distracção e divertimento I 

,a[/ma hora da noute. Reuniram-se aqui as familias de 
Fábio e do Tito, minha cunhada D. Ignez Teixeira Mendes 
e a familia. Retiraram-se depois da meia noute. Nossos 
filhos dançaram muito. 

* Aclia-se Iraiiscripln iia nola F in tine. 



343 

«O festejo do meu anoiversario, a que dSo havia an- 
nuido, Dão me alegrou. Lembranças de minha primeira 
mulher e de minha mâe assaltaram-me de continuo o es- 
pirito.» 

Eis-ahi como as saudades do passado pungiam vi- 
vazes o coração de quem nem os doces e inuocentes 
passatempos de familia podiam por momentos distrahir 
d'ellas! 

É que os presagios da morte davam-lhe já d'esses 
remotos avisos que muitas vezes saiteam os homens 
sem que possam comprehender e explicar-se as mudan- 
ças que soffrem no organismo e no espirito. 

Recebi d'elle uma photographia, mezes antes do seu 
fallecimento : o descamado do corpo, as pálpebras infe- 
riores mais tumefactas que de costume, o acabrunha- 
mento e a tristeza pintados no seu rosto, e os sulcos 
mui pronunciados na fronte denotavam que aquella ro- 
busta natureza estava prestes a tombar no eterno abysmo 
que abrin-se mui cedo para tragar esse prestante e res- 
peitável patriota! Sua morte foi geralmente pranteada, 
e o préstito que acompanhou o féretro, concorridissimo, 
silencioso e triste, como que o opprimia uma grande dôr, 
uma desgraça nacional, e para mais honrar esse sahimen- 
to, fez-se representar em uma das arcas do caixão o ven- 
cedor do Paraguay, o consorte da nossa princeza impe- 
rial. 

A posteridade começou para elle n*esse mesmo dia. 
No jornalismo de todos os matizes políticos, pela bocca 
eloquente do presidente do Senado, pela confissão expon- 



344 

lanea dos próprios adversários políticos ^ O sr. dr. Gao- 
dido Mendes de Almeida, que depois veiu occupar a ca- 
deira que o conselheiro Furtado deixou vaga no Senado, 
seu inimigo pessoal e irreconciliável desde que ambos, sa- 
bidos dos bancos da academia, encontraram-se em Caxias, 
em campos adversos por suas ideas e principios, foi o 
próprio a propor na camará temporária o encerramento 
da sessSo de 24 de julho (1870) antes de começarem os 
trabalhos, em signal de dó pelo passamento de tão egré- 
gio cidadão, expressando-se nos seguintes breves e sin- 
ceros termos : 

O sr. Cândido Mendes (pela ordem): «Sr. presidente, 
deu-se bontem á sepultura o corpo de um cidadão dis- 
tíncto que occupou n*esta casa o cargo de seu presidente, 
e que dilrante sua vida prestou ao paiz relevantes servi- 
ços quer como magistrado, quer como presidente de pro- 
vinda, e principalmente como ministro da coroa e presi- 
dente do conselho: refiro-me ao conselheiro Francisco 
José Furtado, senador por minha província. (Apoiados). 

«A exemplo do que se tem praticado em outras occa- 
siôes eu requeiro qne se consigne na acta de hoje o pro- 
fundo pezar que esta augusta camará sente por tão la- 
mentável accontecimento (apoiados), e que ao mesmo 
tempo, como testemunho do mesmo pezar, se levante a 
sessão. (Apoiados). 

«Eu como antigo collega do illustre finado, desde as 
primeiras lellras até os estudos superiores, e sobretudo 

* Viil»; nu Apcmlirc a nula — G. 



34o 

como deputado pela província do Maranhão, que elle ião 
dignamente representava (apoiados), e interpretando 
com fidelidade os sentimentos de meus honrados colle- 
gas da deputação, tanto presentes como ausentes . . . 

ciOs srs. Gomes de Castro e Jansen do Paço: — Apoia- 
do.» 

cO sr. Cândido Mendes: — . . . assim como os senti- 
mentos da província inteira, entendi dever fazer o pre- 
sente requerimento cuja approvação soUicíto da camará. 
(Apoiados.) 

€0s srs. Salles e Costa Rodrigues. — Muito bem.» 
cA moção foi approvada unanimemente.» 
Realisou-se assim para com o conselheiro Furtado a 
sentença de Tácito: — Suum cuique decus posteritas re- 
pendil. 



5 



NOTAS 



o BRIGADEIRO 



FELICIANO ANTÓNIO FALCÃO 



NoU A 

... m poB^ fiiiienl — {Hf. 29 

Por occasiSo de serem depositados na egreja de Saii'JoSo Baptista 
os restos mortaes do distíncto maranhense, o general Feliciano An- 
tónio FalcSo, vindos de Pernambuco, onde elle fallecéra, foi reci- 
tada a seguinte nénia : 

Ao ill.*^ sr. tenente José António Falcão, seu prezado irmão, em 
testemunho de amizade e sympathia, 



o. r>- o. 

Qn» te Um Urta laleraot 

SflKulaT qai taoti talem geonère paraolM? 

Semiwr hooof, aoiMoqae tuom, laodesqoe manebant 

Vma. Mnêid. L. I* 



350 

O que Yedes alii, òoneorso ílloBtre? 

O que vedes? Sflo restos — , sSo despcijos 

,De om valente gnetreiío» 
Gaja yida ceifou, na flor dos annos, 

A inexorável morte! 
Sio, sim, de om general — mimdos ossos, 
Qoe na terra natal vem ter repouso t 

Paleio egrégio, maranhense bonrador 

Modelo de tirtodes, 
Dêb armas abraçando a vida ilhistre. 

Soube illnstrar seu nome t 
Cbêio de vidi, n'alma fiie ferfia 
O ardor malcial tSo nobre e augusto! 
0izei, soldados, vós que militastes 

Gora o gnerrriro intrépido. 

Que exenqpk» vos deu dle? 
Náo foram sempre de valor, de bonra? 
N8o era para vós um pae e amigo? 

Inteiro, justo e prdio 
Náo reprimia o vido? e á virtude 
NSo trântava o merecido pr«nio? 

Quer na guerra, ou na paz, o heroe preclara 
Sempre deu cópia do seu génio illustre! 



Quando a mSo fratricida, atroz, horrenda. 

Nas plagas maranhenses, 
A discórdia ateou, e o solo inteiro 

Cobriu de negro lucto, 
Que assombro de valor ! No posto nobre, 
A facção debellando em prol da ordem. 
Dos rebeldes, ou antes — assassinos — , 
Nas balas sibilantes 
Denodado encarava 
O termo da existência, 
Sem que o frio terror jamais podesse 
Elntorpecer seu brio! 



351 



Á espada do guerreiro 
Eqi parte coube do triumpho a glória 
Dous lustros nem sequer foram passados ; 

Na Veneza d'America, 
Nesse do império rimo florescente, 

A hydra da anarchia 
Ergue audaz a cerviz,— negra —, hedionda; 
Exige o Throno, que o guerreiro illustre 
(lorra da glória a partilhar os louros. 

Sempre prompto e fiei ouye o reclamo, 
N2o hesita em partir; e Pernambuco 
Em breve o tem sacrificando a vida 

Só pelo bem da pátria ! 

Dizei, Pernambucanos,* 
Que louros lhe tocaram da victória? 

Com vosso testemunho 
Ahi'stáo do Monarcha as recompensas ! 

Decepada a tormenta bellicosa 
Nesse bello torrSo do grande Império, 
Eis soa a guerra do Brazil nas raias 

Contra Rosas o déspota — , ' 
Esse vizinho turbulento e altivo ! 

EUe zombava do valor dos bravos; 
Mas em breve dos bravos conhecera 

A inclyta coragem ! 

Alçando destemidos 

O pavilhSo da pátria 

Do estado oriental no próprio solo ; 

Em vergonhosa íiiga 
Pozeram logo espavorido o monstro I 
QuSo distincto se fez n'este combate 
O maranhense illustre? 
Que feitos de valor? que acçóes briosas? 
Nova glória adquire, — que o eleva 
Dos generaes á ciasse ! 



E; quando aindi dieío de «peraaças 

Dtpatiiodoeefdto^ 
Cheio de Tida quer prastar á pátria 
Os aenriçoB, qae a pátria lhe eii|ia, 

A morte á pátria o ronha! f 
Nem nos foi dado o triile teetwimnho 
Veák faigiibre, hmentaiel aeemt 
Que a Ptefnambneo dettlMTa a eorte. 

PievdeeI», ó pátria, «n kwo. 
Que com denodo soaleniaTaotiiroiio: 
Irmfoi^ perdestes im irmio tio caio: 
Yõs, amigos, emfim, mir oobre amífo. 

Paleio j4 nlo existe 1 ... S6 seus restos 

Nos sio Ii0(je legados» 
Seus restos^ oqo a^eeto nos eompríme 

Oeoraçiodemagoa, 
E pranto amargo nos reroea aos olhosl 
Emboral Deus o qnix; porém sen nome 
Nos maranhenses peitos ju eseripto, 
E aos Tindooros, irio seos altos feitosl 

Se a Tida resistir nio pôde á morte, 
Também esta apagar nio pôde nonea 
Acções heróicas, que apregoa a fama 
Que sâo dadivas feitas pelo tempo 

Ásgoraçôes fdtoras. 

Recebe ô campa as cimas 
Do exímio general. E Deos em glória 
Tenha sua alma na mansão dos justos. 

Maranhão, IG de agosto de 1855. 

AUGUSTO CBAR DOS UBIS RAIOL. 



353 



Ah ! vibrem, vibrem as tremulas 
Cordas do meu alahude, 
Quacs na torre os dobres fúnebres, 
Que o sino plangente e rude 
De triste vibrando está t 



Ah ! voem meus ais harmónicos 
Nas azas da fresca brisa, 
Meus versos corram quaes lágrimas 
Dos olhos que o choro pisa. 
De noiva que viuva é já ! 

Maranháo, berço de génios, 
Formosa filha dos mares, 
Ah ! troca por vestes lúgubres 
As galas de teus folgares, 
Ah ! nâo folgues nunca mais ! 

Ah I chora que o varáo integro 
Dos teus filhos o mais forte. 
Que as balas provocou rúbidas, 
Na guerra vencendo a morte, 
Yenceu-o a morte na paz. . . 

Falcáo. . . destino malévolo 
Persegue os filhos de Marte! 
Cede á morte em leito inglório, 
Tendo-o á vista em toda a parte. 
De Arbellas o vencedor: 

' Na pagina 38 das Três Ljfras, enconlra-se orna poesia de Trajano Galrio dê 
CannJbo 

PAJfTBKOX-TOM. u. Í3 



flp* 



354 

Cae Pompea em plagas baiiMins 

AsmJoa^TOaasanipw; 

De Mareagoo iieroe,qae indómito 

Tangia da morte os hymnos, 

Monreaf... aospooeos.». dedór!!! 

Falcão! ... ae, fenoendo os asenlos 
Seus nomes enehem o maaáo, « 
Foi a scena mais entendida, 
Náo foi génio mais praftmdo, 
Nio foi peito mais viril. • • 

Qaem na lide mais intrépido, 
Quem mais sisado no plano. 
Quem no yencer foi mais rápido. 
Na victória mais humano. 
Que tu, génio do Braâl? 

Foi lua espada um prodígio 

No referver da batalha, 

A morte poisava rábida 

No gume, que o sangue orvalhn. 

Dos que vâo morder o cbâo : 

Imbravecido no prélio, 
Similhava onça faminta, 
Que se rodeia de victimas; 
E de sangue toda tincta 
Ferve-lhe inda o coração. 

E pende inerte o leu gladio 
Dés que o punho não lhe aperta 
A mSo, que o regia valida 
Nos estos da guerra incerta. 
Onde o teu génio primou. 



355 

Ah ! d'esses teus olhos d'agiiia. 
Onde a víctória Iiízia, 
O lume brilhante e vívido 
Que o sol vencer contendia. 
Para sempre se apagou t . . . 

A voz que troava ríspida. 
Como o clangor das trombetas. 
Nos casos de guerra vários 
Movendo mil bayonetas, 
Para sempre. • . emmudeceu I . . . 

Esse peito --incérro nítido 
De mil inquebraveis brios—- 
Das virtudes tabernáculo. 
De impulsos de feitos pios. 
Jamais náo pulsa. . . morreu ! ! 

TaAJAKo Galvão de Garválbo. 
(Trez /yros— pag. 38 a iO) 







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o CONSELHEIRO 



JOÃO DUARTE LISBOA SERRA 



Nota B 
. . . etcrevenun seus eollegats f «hjm m sei An — ftf. tSO 

Do folheto Tributo de saudade , á memória de soa suspirada ir* 
man D. Leonor Francisca Lisboa Serra, impresso no Mai^anhlo, na 
typograpfaia Monarchica GonstiCncional de P. de S. N. Cascaes (anno 
de 1842) transcrevo estas peças : 



Morta, ha três annos ! . . . a companheira fiel da minha infimda ! 
Três annos da sua eternidade sem yer correr nm lágrima dos olhos 
do seu irmão predilecto, d'aquelle com quem desde o berço traçava 
ditosos planos de nma vida de encantos, d'aqnelle qne entre todos 
elegera para guarda e companhia, se por ventara o céo lhe negas- 
se nm esposo digno das suas virtudes ! 

E morreu longe de mim ! . . . e balbuciou talvei o meu nome- 
entre as agonias da morte! ... e me estendeu seus braços moribun- 
dos!. . . mas (oh! dor!) o oceano estava entre n6s! ! . . . 

A extrema agonia lhe foi por certo mais cruel, porque deixava 
na terra uma saudade por mitigar. . . — porque debalde se afadiga- 



358 

ya por ver a seu lado aquelle que devia cerrar soas pálpebras e 
mandar ao seu coração palavras de paz e de religião t . . . 

Mimosa Leonor ! IrmS idolatrada ! . . . E quem poderia prever 
que o abraço fraternal da nossa despedida seria o último sobre a 
terra ? t . . . — seria o abraço do tumulo? ! . . . ah f que a tudo renun- 
ciara por acolher no meu seio o teu último suspiro t . . . Mas tSo jo- 
ven ! . • • quando tudo parecia sorrír-te t . • . quando cada kion 
que decorria te via ornada dq nov^ fp^ças, de novas virtudes! • . • 
aos treze annos da existência, como me poderia ennevoar o pensa- 
mento uma só idéa Inetnosa? f . . . 

No mfií\ Qi^^o mi(igavj^ as sauda^e^i, ^e^i^if^o passo a passo o 
teu deseovolvkDèiito.*-I^as8ou-8e um anino — tem quatone annos, 
dizia comigo mesmo, e na minha imaginação estavas fielmente retra- 
tada aos teus quatorze annos de idade. • . Completaste três lustros, 
volveram-se mais três annos, e lá estavas desenhada na minha phan- 
tasia com ademans senhoris, eom xm coração pejado de virtudes, 
com uma alma nobre, e um parecer cândido, puro, encantador. • . 
P0UC09 dias áe^lam 4e^offrer antes de |b apertar de novo contra o 
meu peito ~ de recomeçar as scenas da nossa innocencia. . . E com 
q^e 4nc^ 1^, aguf^tlava eu. esse monentolt... m^ a^l tojiper- 
teoc^s. ^ ^;t^mi^s^. e te compadecias talvez da fieu engano t . . . 
i>em esUilliiu^tappdeipasef agradável; porque mesmo po seio da 
bemaventurança as minhas lágrimas seriíUQ doces para ti, derrama- 
riáo suavidade no teu ser angelical. . . eellas ainda não tinháo hume- 
decido as minhas pálpebras ! ! três annos tens por ellas esperado. . . 
recebe-as» poiS| atinjo meu idolatrado ; que me estalara o coração se 
pertendesse reprímil-as. . . e do seio maternal, onde por certo te 
acolheSn l^tnça ainda uma vista compassiva sobre o teu companheiro 
da infância. 

Desgraçado! mil vezes desgraçado o que se attreveu no verdor 
dos apfios, ^ afrancar-se despiedoso dos braços da sua Camilia ido- 
latrada e longe d'ella viu nasoer e sumirem-se muitos s6es! — Des- 
graçado ! — porque jamais deixará de sentir um grande vazio no 
coração, — porque jamais estará a sua alma sem uma dor pungente, 
sem o espinho de uma saudade, sem a áncia de um desejo inexe- 
quível ! ! 

Jofen incauto, — ao desabrochar da vida, — com o peito apinha- 



359 

do de sentimenlos que tendem a exhalar-se, elle emproa os seus af- 
fectos. . . e o doce nome de amigo já lhe roçoa pelos lábios e pelos 
ouvidos. . . e já no seu coraçilo existe um sentimento profundo» 
que o prende e encanta, como a melodia dos anjos, como o aroma 
do incenso queimado nos altares, — vestígio que deixam n'um co- 
ração bem formado os benefícios e obséquios = a gratidáo.= 

É esta a idade das impressões, — a idade em que se adquirem 
amigos para toda a vida. . . e o malfadado a viu passar longe da 
pátria ! . . . e o oceano que o separa hoje da sua família se entre- 
porá amanha enlre elle e os amigos de toda a sua vida ! ! . . . 

Voltou ao seu paiz natal; — como um raio voa, ejá franqueia o 
limiar da casa paterna. Sflo de fogo as suas primeiras sensações. . . 
mas ai ! que mudanças não vai alli encontrar ! t . . . 

Entre os muitos braços, que lhe cingem o coUo, procura ancioso 
um, que por ventura o devera apertar com muito fervor. . . não o 
encontra. . . e pallidez mortal se estampa em suas feições. . . ia es- 
capar-lhe um nome com a inílexáo de uma pergunta, porém a voa 
se lhe embarga. . . Corre, como que maquinalmente, a um aposento 
oiitr'ora cheio d'encantos, onde so deslisaram os dias da sua infância 
em suave correspondência de pensamentos e vontades. . . lá só en- 
contra solidão! . . . apenas um éco repetindo as suas vozes, lhe res- 
ponde «Leonor! . . . minha cara irmã! . . . porque náo vens abra- 
çar-roe ? I . . , 

E o segundo instante é de dor, e de afflicçâo. . . e as palavras de 
alegria, que sahiSo de todos os lábios, e o riso, que adejava em todos 
os semblantes estSo agora trocados em profundo silencio só inter- 
rompido por soluços do fundo d'alma ! 

E já não se atreve a voltar aos braços d'onde fugira, e constran- 
gido, e receioso evita até aquella familiar conversação tfio doce ou- 
tr'ora, e hoje encarecida por tão longa ausência!. . . Evíta-a, sim, 
porque receia novos golpes, e em cada palavra parece-lhe ouvir o 
annuncio do nova desgraça! ! . . . 

E se, depois que resignado bem-disse a providencia, do cen- 
tro dos parentes que lhe restam, estende a vista em tomo de si . . . 
uma idea lhe gela o coraçSo ... a quem dará elle o doce nome de 
amigo?. . • É estrangeiro na terra que o viu nascer ! 



ã- 



360 

Abre «dtSo o livro da nu esusteocU^ Spm aos primapoB 4£^ 
da iua ÍBfaneiay inaa «âconto tinto jd^ as págíiias,qiie mais 

dooradas se Uie aQgoiaittm nos. sonbos da phantasUI • • .. . 

86 lhe resta om pensamenJo — : vago» indflfimto, firaaioedfls* 
maiado.oomo os nttimos rauis do 8ç^...ó.q pensafnmlodo ái^ 
toro. 

GoioAra^ jnnho de IMI. . » . 

J. D. LisaoiíL SamA. 



A ilL*^ e ex."" sr.* D. Maria Cecília Aillaud Vieira» snbUise 
délo de todas as virtudes durisUb, em nma carlaiiie raandoQ ao 
raçio estas memorandas reflexiOes) : 

#VV ••'■ #■ 9 •• • ••9e#*vA# •• •• 9 e##9##S vV^ v#09w# w#v#99V99#«' 

Qne sou eu, que sei eu, qae posso ea prestar eonsolaçOesYI O, 
que soa na verdade, é bem experiente em qnasi toda a aorta de 
amaifuras da vidai (Digo qm$i todaa^ pois que de aipuosas Ini 
isenta, eomo, por exemplo, ter um máu filbol) O ^pie sei, é que sd 
e unioamente na letifiao tenho achado bálsamo piia.todas as mi* 
nhãs faridaa, e o que posso, para prestar consolaçio. ás pessoas a 
qnem estimo, e que soffinem similhantes golpe% é indiear^lbss o re- 
médio único que tenho achado para os meus, sendo aliás, tio pr^ 
fundos, e de tal uaturesa que, sem eila, seriam de morte ! Sim, 
de morte t Eu nSo teria acreditado que fosse possivd viver eu 
n'este mundo sem meu filho ! . . . E ha sete annos que vivo sem eUe ! 
Porque o que é impossível aos homens é possível a Deus; e é elle 
que me tem confortado. Não ó buscando os lAo usados como ridi- 
culos recursos da dtsttxu^ e do esquedmenUk Esses rejeito eu, e 
abomino, e acho que elles sâo a deshonra da natureza humana : 
buscar a distracção e o esquecimento d'aquelles que tanto nos ama- 
ram ! ! ! Seja esse o recurso dos ingratos. A minha maior consola- 
ção ó embeber-me na sua memoria, que me é reproduzida por to- 
dos os olijectos que lhe pertenceram, e de que muito de propósito 
me tenho rodeado, e aqui mesmo n'este logar em que estou escre- 
vendo, e que foi o da morada de meu caro filho, estou cercada de 
taes objectos que parece que aspiro e respiro estas memorias. Mas 
também é certo que sem contra- veiieno, esta continua respiraçio 



361 

podia dar a morte. Ora cis-ahi o poder da religião com que os te- 
nho combinado. Seria longo, e talvez impertinente, o descrever-lhe 
o modo por que o meu coração imaginou esta combinação ; mas 
V. ex.', poderá, querendo, entrar n^este gabinete, e ver com os seus 
olhos quaes são os meios de que me tenho servido para achar con- 
solação tendo perdido no mundo tudo o que mais amava (e mais 
quanto mais, de que a mim mesma !!!...) 
S. C. 15 de junho de 1841. 



Amor da pátria ! filial piedade. 

Que n'almas bem nascidas tanto pôde t 

Ternura fraternal ! e tudo a um tempo 

Do amante coração tocando a fibra. 

Saudosas harmonias n'eile excita. . . 

£ que prazer depois de ausência dura 

Como ao peito de um pae prezado e caro, 

Unir o peito que por elle arqueja ! 

E sentir coar n'alma brandamente 

Um bálsamo suave, um doce néctar. 

Que de ausência o veneno ardente acalma, 

E adoça de saudade o fel amargo I 

Oh ( um bálsamo ! um néctar ! entornados 

Por carinhosas mãos onde se acordam 

Os almos dias da fagueira infância. . . 

Pelas mãos d'uma irmã ! . . . Porém que susto 

'Slremecer fe/ meu peito ? E a minha lyra 

Porque os sons desafina, e abaixa e geme ? 

Que morno orvalho as cordas lhe humedece? 

Ah ! são lágrimas tuas, caro Jonio ! 

Eu já t'as comprehendo, ellife são justas ! . . . 

Estro imprudente do imprudente amigo 

* o roeu vordadeiro, leal e mui saudoso amijco António Joaquim Ribeiro Gomes 

de Abreu, escnnendo no meu álbum os sublimes >ersos da sua despedida, bem claro 

mostra a parlo (MU* loniou na minha pena. 

J. D. L. S. 



36t 

Tentoa levar toa alma eomo em sonhoft 
Com ella peneirar do Edkm Teáaáo, 
Bo maisTlrtoeeo amor no santeario í 
Ifhnoeo Seraphkn «li se vià ; 
Sorria^Hie aos Saèioe a ionoeeneía 
E aureola i'ç8treUas o coroara ; 
No peito um coraçSo TlriicaTam 
De Joniq meio sangae, e oMia vida. . . 
Ta correste ancioso. . . abriste os braços. . . ! 
Mas tocaram teus lábios em cypreste! t 
Mas tea peito bateu em pedra dura 
De mudo e feio tumulo 1 1 . . • 

Teu amargo penar minha alma poRge! 
Do teu peito os affectos encontiitdos 
O meu qual fogo eléctrico repassam ! • . • 

• 

Coimbra, junho de^ 1841. 

ÂNTOifto Joaquim Rnsmo Goim mt Abrk0. 

(Seguia-se aqui a poesia de Gonçalves Pias.— Á morte prematnn 
de D. Leonor F. L. S. — que JoSo Duarte fazia preceder de algumas 
linhas encarecendo os merecimentos do poeta ainda então desco- 
nhecido. Achando-se ella nos Primeiros Cantos escusado é repro- 
duzil-a.) 

DS J*OÀO TDTJj/^JEinrEl 3JISBO.A. 0SRRA. * 

Na hora das trevas, na mansão das' dores 
(Ihora o triste mortal que andrajos cercam ; 
É grande a sua dor, seu mal é forte I . . . 

« Embora seja ; 
« É maior o desgosto que me opprime : 

* Extracto d'elle apenas as peças principaes e escríptas em Coimbra. 



3ft3 

« Esse chora da sorte a desfortuna, 

« Choríi a falta de meios com que possa, 

c Sein mendigar o p2o, suster seus dias; 

« Eu s6 lamento 
« A ausência d'um amigo que m'é caro. 
« Adeus meu Serra. . • o dizer suíTocam-me 
« Suspiros que do peito sflo vencidos • . • 
« Apenas offertar-te um ai saudoso 

« Pôde o amigo teu 

Porto, 7 de novembro 1840. 

António Augusto Nunes Lima. 



Bem quízera oflertar-te, em grato mimo, 
Gentil capella de assucena e rozas ; 
De sonoro alaúde ao meigo accento 
Alegres hymnos entoar fagueiro, 
— E o purpúreo clarão roubando á aurora 
Pintar com traços de oiro imagem bella. 

Mas ai t nas minhas mSos a linda rosa 
Mttda-se em ramo de cypreste escuro, 
O alaúde gentil em som de morte. 
Na cdr das tre\'as o pincel doirado. 

O amor foi para mim como um relâmpago : 
Os mimos, que me deu, roubou-m'os logo ; 
O copo do prazer, toquei-o apenas; 
O fel da ausência envenenou-roe os lábios ; 
Desbotott-me a saudade á flor da vida. 

No mundo, êxul, triste e solitário, 
A harpa entoei das campas. — Meus gemidos 
Manso á noite corriam. — Minhas lágrimas 
Alimpava-as ao musgo das ruinas ; 



— MeQetlfó«nasandide;«^eofraiil6Éauurfo 
Apa(puidooBorríriiaiiee1iidMvlie; ' 
Ioda n» berpo já úogáKmmtakiAÊêé^ * 
Hoje o berço pi880ii;-^e'a fbsdiiloans» 
Fiooa-meiíBiNraeift aditai. --^Bn ftoitmÉúgi 
AtettotitiSilyi^dãeiiilside^' ^ -^ ^ 
FkNT tio yçott, deBboML cíeoMiyfo^ 
— Qae.nMl ao peito a ^oni, ^ésbãm-wm o^apinlio 
De ausenda triste. ^ Ioda ittnadiÉÉí-^de talo 
Uma página mais no tino negro 
Da eusteocia do Baido,^e it'elk o tMcT' '*^' '^ 
Y«tdadein> e leal de eitima eterna. 

8 de janeiro de 1841. 

José Fanas m Sbifa PknmL. 

Thesooro inexgotafel de^éslieiaa é o «eatiineBloipvo da ni- 
side: sem eUe o homem i^te noéno daiaeíedaleiioaQfiiiiii 
oomo em nm deserto, e o toragie <entemlf»immú^nafffiiiB» 
cia» que nada pôde jmendier. Só ama amisade sineera e eito- 
mosa pôde collocar o homem sobranceiro á sorte e aos desfinos: 
debalde o infortúnio fitará em nôs sen carrancudo aspecto, e a des- 
graça, carregando com mâo de bronze sobre nosso peito andado, 
debalde o tentará esmagar, porqne a amisade com a dextra com- 
passiva nos ajudará a supportar o peso dos males, enxugarnios-ha 
o pranto, e adoçará nossas mágoas ... Se a fortona porém algo- 
ma vez nos hospedar com o sorriso sobre os hbios, a amisade nos 
fura então sentir na felicidade dobrado encanto, pob qoe nio pôde 
nossa alma saborear mais que metade da yentora, o C uSo encontra 
outro, a quem oommonicar seos gotos e seos impulsos ... Tms 
ideas nos esvoaçaram pela mente, quando a nossa vista, cahindo 
por acaso sobre este albom, nos reeordoo o hsongeiro convite de 
um fid amigo, a que depositássemos ama do nosso affecto no soi 
livro predilecto, onde cada lembrança representa am amigo, e ca- 
da página escripta, uma página da vida, dourada com o pincel da 



365 



ainisade. Oh! Recordação eterna e maviosíssima! Tu me Irazes a 
convicção de que assim como em seu « album • escrevo esta aflec- 
tuosa lembrança, também no seu C. terá a amisade escripto o meu 
nome em caracteres indeléveis. Oh ! quantas delicias não entorna 
em meu peito tão doce convicção?! Amisade! Deusa benéfica! 
Deixa-me queimar incenso em teus altares; tu vertes no C. do ho- 
mem uma porção do maná dos anjos, tu nos dás uma amostra dos 
gozos celestiaes.. . Delicias de alma, quão breves passais!... A 
idea suavíssima da amisade succedeu a da ausência, e a da saudade 
que me punge no mais intimo do peito. Ha pouco me atrevia a ar* 
rostar com a sorte, porque a amisade, companheira fiel do meu C. 
com seu impenetrável escudo me aparava os golpes da desventura ; 
porém se o amigo se ausenta o C. indefezo será ferido pela des- 
graça, e a égide protectora da amisade se mudará em agudo punhal 
de saudade, para me abrir no peito novas feridas e acabar de dila- 
cerar-me o G. angustiado • . . Embora : se o Oceano tempestuoso 
das paixões, que perturba a vida dos humanos não valeu a desunir 
nossos corações, ligados em estreito laço pela amisade e sympathia, 
também o oceano das aguas, interpondo-se no meio de nós não va- 
lerá a embaraçar que os ais sentidos, que a dor arrancar do peito, 
achem echo no C. sensivel do amigo leal ; e esta certeza adoçará 
nossos pezares. Sim, o som de nossos ais vencerá as distancias ; e 
06 votos que formarmos pela felicidade um do outro, irão ajuntar- 
se no throno do Eterno, obterão talvez uma vista de olhos com- 
passiva sobre o profundo pélago de nossas amarguras. 
Coimbra, ii de janeiro de 1841. 

Bernando db Serpa Pimentel. 



NdUO 

... fàt exlrenoso e anaiilissiHO— pag. 194 

Achando-se a poesia — Ao correr das lágrimas — na pag. 141 do 
Parnaso Maranhense (1861), dispenso-me de a reproduzir aqui, sub- 
stituindo-a pelo seguinte artigo: 



3(í8 



regeu eilo os destinos d'esta província, porqae uma inesperada roa- 
dança no govómo trouxe, como consequência, a de todos os seus 
delegados ; mas esses trinta dias foram bastantes para elle desen* 
volver uma administração justiceira e sábia, que annunciava á 
Bahia um futuro esperançoso; esses trinta dias foram bastantes 
para elle rodear-se de sympathias, de amigos, de admiradores ; e 
quando se retirou, ficava o seu nome escripto com caracteres inde- 
léveis no coraçáo do povo bahiano. 

Tratava-se de crear o banco nacional : o membro do gabinete, 
encarregado da sua organisacâo, descobriu no conselheiro Lisboa 
Serra uma intelligencia capaz de o ajudar em tarefa tâo árdua ; e, 
depois de constituído, não quiz entregar a sua infância a outra ta- 
tclla senão á d'aquelle mesmo, sobre quem havia pesado em gran- 
de parte, o trabalho da sua instituição : coube portanto ao coose- 
Iheiro Lisboa Serra a presidência do banco nacional. 

Deixou entáo, cercado do respeito e da affeiçâo dos seus subor- 
dinados, de ser thesoureiro do thesouro nacional, cujo exercício ha- 
via reassumido, desde que voltara da Bahia ; e seus bons servi- 
ços, prestados n'essa repartição, foram remunerados com o titulo 
de conselho. 

Elle não gosava somente da estima e consideração do governo, 
mas também das sympathias e do amor do povo, em testemunho do 
que os suffragios dos maranhenses o levarão por duas vezes a ca- 
mará quatrienal, como seu representante. 

Para um homem de 36 annos, e que linha apenas 12 de residên- 
cia na corte, é muito ! 

Vão quebrar-se os elos d.i cadeia dourada, que prendia o passado 
fecundo e puro do homem virtuoso a um porvir ainda mais puro e 
mais fecundo : uma nuvem negra passou sobre a face do astro, que lia 
pouco se erguera no oriente c já difíundia uma luz tâo vigorosa, 
tão sua: a morte pousou á raiz da arvore cheia de seiva e de vida. 
que em poucos annos havia crescido, florido e fnitilicado mil vezes. 

Morreu o cons<^Uieiro Lisl)oa Serra no vigor da idade, entr^ os 
sorrisos do uma fortuna lisonjeira I e pôde nos uUiiui>s instantea 
dVsta vida transi loria volver s<mi pejo os olhos para a corrids 
senda : (rara satisf^i^^lo ! ) o st'u passado não tinha uma nódoa, o seu 
ct^ra^^ão um remorso sei]uer p;\ra azedar- lhe o inevitável cálice, a 
que está sujeita a humanidade inteira. Assim morrc o justo ! 



369 

N'elle o homem particular e o público disputavam o amor e as 
bençáos dos seus concidadSos e da pátria. 

Extremoso para com os seus parentes, sincero e constante para 
com os seus amigos, lhano, affavel, officioso e accessivd a todos, 
elle sabia insinuar-se nos corações dos que o communicayam e aca- 
bava por dominai -os. 

NSo por van ostentação, nem para lisongear o seu amor próprio, 
elle ambicionava fazer bem aos seus similhantes: mas sim pelo 
santo desejo de buscar a verdadeira felicidade dos que o cercavam : 
os seus olhos náo estavam ermos de pranto, emquanto outros cho- 
rassem/ os seus lábios nSo se sorriam, emquanto outros gemessem, 
o seu coração sensível nSo se alegrava, emquanto outros se deba- 
tessem com os horrores do pezar. Não é preciso irmos longe para 
encontrarmos vestígios bem recentes e vivos da sua mAo piedosa : 
o Maranhão, onde vivemos, que nos vé e nos conhece a todos, j)óde 
por si só dar um testemunho eloquente da sua caridade. Quantas 
famiUas elle nSo levantou da indigência, quantos orphâos não am- 
parou, quantas viuvas não soccorreu, a quantos pobres com mão 
desconhecida não ministrou o pão quotidiano? 

Dispondo na corte de grande e justa preponderância, conquistada 
pelos seus reconhecidos merecimentos, não foi para si que d'eila se 
valeu, mas para o infeliz, para o desfavorecido, que nunca invoca- 
ram debalde a sua protecção. Elle era incansável, multiplicava-se 
para beneficiar. 

As suas cinzas tem direito a um eterno reconhecimento, e sobre 
ninguém esse direito pesa com mais rigor do que sobre o Maranhão^ 
onde são innumeras as pessoas, que lhe devem finezas grandes, fa- 
vores de alta monta. 

Eis o homem particular. 

Quer o considerem como funccionario púbhco, quer como homem 
meramente politico, não encontram na vida do conselheiro Lisboa 
Serra senão motivos para o admirar. 

As mudanças successivas de empregos de uma certa ordem para 
outros de uma ordem superior provam exuberantemente que elle 
crescia de dia em dia na confiança do governo, confiança esta, que 
tocou ao apogeu com a sua nomeação para a presidência do banco 
nacional. 

Como homem politico as ideas sans e humanitárias, que elle pro- 

pAjmreoN-ToM. u. fi 



370 

fessava e sempre buscou realisar, bastam para pôr em relevo os 
sentimentos patrióticos do seu coração generoso. Estranho i sor* 
dida e mentida politica de personalidades e egoismos — apanágio 
das inediocridades — elle bebia os princípios doesta sciencia na phi- 
losophia e no evangelho : para elle o fim da politica era o bem es- 
tar moral e material da sociedade por meio da ordem, da liberdade 
e da igualdade. Detestava essa liberdade phrenetica e delirante, que 
substitue o govômo pela anarchia, a moralidade pela depravação, a 
religiSo pela impiedade, a virtude pelo crime : abominava a igual- 
dade absoluta, esse dogma absurdo e subversivo, que, pretendendo 
reorganisar a sociedade, a desorgauisa e aniquila : queria uma liber- 
dade justa e limitada, uma igualdade rasoavel e compativel com a Ín- 
dole e conservação da sociedade. 

Esta era a sua convicção politica íntima, profunda, convicção 
que resalta em todos os seus escriptos, em todos os seus discursos: 
era o escopo, a que sempre se dirigiu firme e resoluto, sem embargo 
de ver a seu lado estes ou aqueiles homens, porque elle reconhecia 
que em politica m ideas são tudo, e os homens pouco. 

Passando das theorias aos factos, não se encontra em toda a vida 
do conselheiro Lisboa Serra um só, que venha desmentir o seu 
pensamento : o homem, que raciocinava, era o homem que obrava. 
Jamais, durante o tempo, em que elle foi representante da nação, se 
suscitou uma idea tendente ao progresso moral e material do seu 
paiz, que não fosse defendida pela sua eloquente voz, pela sua vi- 
gorosa lógica. Os seus discursos são monumentos eternos d'esta ver- 
ti ade. 

O Brazil era sua pátria, oUe o amava ; porém o Maranhão era o 
seu berço, elle o adorava, por isso, no afanoso propugnar pela feh- 
ciilaile com muni, sempre esla porçâ«) do S4.>lo brazileiro lhe mereceu 
mais desvelos, maior dedicarão. 

Kis o homem pública). 

Esta existência curta, mas preciosa e rica, sobre cujas phases 
príncipes hei passado uma vista rápida, des\ aneceu-se ao sopro 
jielador da morte! .. . É doloroso ver-si- um passado tão bello, um 
presente tão brilhante e um futuro tão risonho sumirem-se n'um 
instante, como o fumo, que se desfaz nos aresí Morreu um cidadão 
l»enemerilo, um pai extremoso, um amigo fiel, um esposo dedicado. 

O corpo voltou á sua origem, o nome ficou impresso nas páginas 



37 i 

eternas do coração, e a alma cândida voou asinha a repousar no seio 
do Senlior. 

A humanidade perdeu um thesouro, o Brazil um ornamento e o 
Maranhão uma glória . . . 

O que resta? 

Chorar sobre a campa do justo 

Sirvam estas linhas pobres, mas nascidas do coração e escríptas 
por um homem, que nSo sabe lisongear e que nunca recebeu favo- 
res do ex.'"<' conselheiro Jo2o Duarte Lisboa Serra, de lenitivo ás 
dores e saudades dos seus parentes e amigos, especialmente o te- 
nente coronel Joaquim SerapiSo da Serra, a quem tocou o dever 
triste de cerrar-lhe os olhos. 

Maranhão, iO de maio de 1855. 

fí. A. Vallr de (Carvalho. 



i 



TRAJANO GALVÃO DE CARVALHO 



NoU D 

aljvMs (poesias) iiediUs qie pMsio — pa|. 210 e 216 



Nos cerros viçosos da America extensa 
Uma arvore gigante brotou e cresceu : 
Arreiga na terra profundas raízes. 
Seu tope ás alturas aspira do ceu t • . 

No tronco, nos ramos a seiva lhe ferve, 
Qual sangue nas veias do joven tupi ; 
Innoxia da vida acenava ás procellas 
Dizendo orgulhosa, arrancai-me d'aqui ! 

Mil aves nos ramos mil cantos teciam 
Co'a brisa pabreira que as vinha embalar. 
Os dardos do sol despontava acintosa. 
Mil tribus á sombra se vinham sentar. 

Crescia . . . crescia — Mas lá do occidente 
Esquadra feliz que a tormenta esgarrou 
Os olhos acaso volvendo depara 
Co'a pobre; e surrindo á raiz lhe poisou. 

Guerreiros que de aço seus membros vestiam. 
Que trazem nas mSos temerosos trovões. 
As aves perseguem nos ramos mais altos 
Acossam as tribus por invios certões. 



374 



Quiz Eteus que os guerreuros os gládios trocassem 
Por eorvas enchadas de inglório suor, 
Qoe o peito do bravo poisasse colono 
N<o anzos de glória, mas do ooro p fervor. 

E a: planta cresda — referve-lhe a seiva. 
Qual smina nasi veia^ do jofVQn ti^; 
E dis o colimo—- «tens frnctos e sombra 
Nâo sCo mais das tribos — sfo só para mi». 

Go'o6 membros dispersos das profàgas tribos 
Pilados^ infectos lhe esterca a raii. 
De mofos a cinge feimdloe avaros 
Qoe a íortem aos olbos de estianho pais. 

No tronco lhe inxerta borbolha afiricana 
Eodimaem veneno o inxerto volves; 
E o tronco deânba,iiefajtieo peade» 
Qoal Índio qoe a ssrpe raivosa mordes. 

E os filhos nascidos á sombra das ramas 
firgoèram-se om dia — o colono ftigio: 
Regado com sangoe de peitos briosos 

O mórbido tronco de novo floriu. 

No tronco oos ramos refer>'e*lhe a seiva, 
Qoal sangue nas veias do joveo tupi : 
Inno3da da vida surri ás proceUas, 
Dizendo orgulhosa «arrancai-me d'aqoi». 

Mas (li!) qoe esses filhos, qoe amal-a deveram, 
Cercando-a piedosos de amor filial. 
Por causa dos froclos famélicos travam 
Sacril^ lucta incessante .. . inda mal ! . . 

Em veide a regar com soor de seo rosto 
IW|;aram-na impios de ii^fosto suor, 
E o peito do bravo já poka colono 
Náo aozos dr skwia. mas do ooro o lerror. 



375 



E todos almejam senlar-se no tope 
E improvidos chamam as iras do ceu : 
E o tronco definha, rachytico pende 
Qual Índio que a serpe raivosa mordeu t 

Olinda— 1852. 

N'este tempo, em minha terra, 
No meu pátrio Meary, 
Reverdece a erguida serra, 
Folga a matta, o prado ri. 
De novas flores se arreia 
O pau-d*arco que alanceia 
Vaidoso as nuvens do ceu : 
E o ledo canto, que a briza 
Nos silvedos improvisa. 
Diz que Christo hoje nasceu ! . . 

Já o sol a luz declina 
Por detraz da matta agora. 
Já suspira a s^vurina 
Canta em coro a síricora : 
Já desce a sombra do monte, 
Já nas orlas do horisonte 
Pallida estrella reluz : 
E ao collo da noite escura 
Branda a tarde se pendura 
Fulgindo com dúbia luz. 

Eis que o crepúsculo desata 
Seu raro manto nos céus, 
Punge a saudade, e da matta 
Erguem-se hosannas a Deust 
Do rio na borda falsa 
Na tecida e densa balsa 
Geme a tema pequapá : 
E aos carmes que a bríza Icce 
Juncta o canto que intristece 
Ma(*oado o sabiá. 



#■ 



37g 

i 

É a saadade um oamposto 
De enoootndas wooíãçOm 
Do crepu8c'lo traz ao rosto 
Barâadas aa feíçOes. 
Que o crepoBciilo e a saudade 
Tâem ambos a mesma idade 
Nasceram de mn só nascer ; 
Ata aqnelle o dia á noite 
A sandade nm mesmo açoite 
Faz da dor e ^ pmer. 

Tado lá respira festa 
Singeiezy lediee» amor, 
A captiva já se apreeta. 
Afina a chamma o tambor : 
Eis se fecha a vasta roda, 
Já começa, á pátria moda, 
Tosco e bárbaro folfar : 
Tambor sôa, a onça ruge 
D'além os echos estruge 
Do negro o rode cantar. 

Go'o tambor a monte aturdem, 
Esqnecem qne escnros sSo, 
Que saudades ali surdem 
Do tambor ao coração 1 . . 
Folgam míseros f nos ferros 
No seu ríspido desterro 
Co'o folgar do seu paiz ! . . 
Nem sentem no ledo peito 
Tropellado o seu direito 
A pesar-lhe na cerviz ! . . 

Assim festejam cativos 
O que os ferros nos quebrou, 
O que trilhando os altivos, 
O home ao homem nivelou ! . . 
E que haja quem protervo 
Rasgue injusto com vil nervo 



377 

As carnes a seu irmão. 
Que a liberdade lhe mate, 
Que lhe a vida desbarate, 
E que se chame chrístão tf.. 

Nasceu Ghristo hoje na palha, 
E morreu morte de cruz. 
Para que além da mortalha 
Nos lumiasse outra luz ; 
Tragou insultos, affrontas 
Çacaladas, férreas pontas 
Deixou no peito imbeber, 
Abrevou-se de vinagre 
Pode fazer um milagre 
Porém quiz antes soffrer . . . 

E divagam, rédea solta, 
Os crimes á luz do sol. 
Toda a terra anda revolta; 
Areada, sem pharol . . . 
Conculca o impio sem susto 
A nobre fronte do justo, 
SuíToca-lhe a grande voz : 
Já parece que o remorso. 
Que dos vicios anda a corso, 
Corrompeu-se como vós t ! t 

Agora, agora nascido 
E já pregado na cruz 1 . . 
Oh f meu Deus de ira vestido 
Cospe-nos raios a flux . . . 
Tu, que mil mundos fizeste. 
Desmantela, arraza este, 
Evoca um mundo melhor, 
Varre, extingue a raça humana 
E este mundo que se damna. 
Como fizeste a Gomhor ! . . 



Olinda, 25 de dezenibro de 1852. 



378 



i 



A vida é ladeira eançada, esMoBa, 
Que hemos gravados co'a croz de viogar ; 
É agua banoila de fonle lodosa, 
Qoé 06 duros euidados aio deixam ssDtar. 

Eq[ielho impanado oo'o balo da morte, 
Qae incertas Tentaras nos pinta iniel ; 
Estrella que a nurem eárfeodo do norte, 
Aos olhos esconde do pohiebaiieL 

É flcM* mdindrosa, qne ponoo se iaviça, * 
Nas orlas da campa iarrando a nàx^ 
E perde o períame, d'eq[»inhos se arríça, 
E pende na terra o já mnrdio matiz. 

E, pois, com o peso da croz nSo verguemos 
Na senda difl^ do asp'ro alcantil; 
As aguas da vida ao Senhor presentemos 
fiem claras, coadas, em limpo gomil. 

O espelho retrate sem manchas noss'alma 
Tão pm^, tSo bella, qnal Deus no-la deu 
Que a nuvem desfaz-se, a procella se acalma, 
E brilha serena a estrella no ceu. 

E, pois, que é forçoso que a rosa descaia 
Do mundo nas lides, nos seus furacões, 
Releva que ao menos crestada nSo r,aia 
Do hálito impuro de torpes paixões ! 

Olinda — Agosto, i852. 



379 



Ea dizia — ai néscio que era — 
E eu dizia no mea coração : 
Esta vida vivida na terra 
É de risos fagueira estação, 
É um trémulo ceu de folgares, 
É um sonho continuo de amores, 
É perfume de róseo botão I . . 

Como estrellas na lúcida coppa 

Lucitremem da noite co'a voz. 

Como batte na rápida popa 

Uma vaga, outra, e outra, outra apoz, 

O prazer ao prazer se incadeia 

A ventura, á ventura ladeia 

E se enlaçam em rígidos nós ! . . 

E eu me disse : fruamos a vida, 
Esse sonho soúhemos de amor, 
E na haste que aos ventos trepida 
Da ventura colhamos a flor. 
E ainda tenro com lúbricos passos 
Enredei-me do mundo nos laços 
Como a pomba nas unhas do açor. 

Cada vaga que ao longe luzia 
Coroada de spuma, entre mim 
«O prazer ali vem» eu dizia 
Ah ! gosemos, gosemo-lo em fim ! 
E eu nadava com nova afibiteza, 
Mas vaga que á vaga reveza 
Era sal, era travo ruim ! . . 

Oh ! prazer, oh 1 dulcíssimo ingano 
Do remorso antegosto falaz, 
Da sereia és o canto inhumano 



380 

Qae deleita, que náufragos fu; 
É8 soniaos em lahkw traidoras 
És eamlnho juneado de floras 
Onde a serpe se oeenlta sagaz. 

E qual agnia que as atas odhendo 

Sobra a preza de soluto me 

E as venturas que w-se tecendo 

N'almay rasga, dispersa, destnie» 

Desengano erael d'este geito 

ímpias garras ferrouHne no peito, 

E os meus sonhos? ai néscio qne ea Ml«« 

Meaiy— laSi. 

^ XNCO±t'X'Jb) SOB J** 3PZ3Nra?0 

Quando da matta no silencio aognsto 
O tronco annoso, que no chio, baqneia. 
Dá om gemido prolongado, immenso^ 
Lngobre, sordo. 

A matta treme, mas o som sÍb extingue 
Por entre os ramos; porque o velho tronco 
Nasceu, floriu, fructificou donoso 
Cumpriu seu múnus. 

Mas quando a flor que vicejou nas selvas 
Sem nome, agreste, roas singela e pura 
Se nos depara — inda botão — cabida 
Pallida, murcha : 

Quando os perfumes que o botão guardava 
Dentro do seio — como em coffre d'oiro— 
Ahl se gelam, como o estro ao bardo 
Morto em agraço : 

Quando o botão, cijgo destino fora 
Pompear nos prados, refulgir nas aras, 
E ornar da virge'as perfumadas tranças. 
Murcha na lama. 



381 

A quem de dór se lhe n2o parte a alma? 
Qae coraçSo se niSo afoga em lágrimas? 
Que lábios férreos ficarSo fechados, 
Ermos de prantos? 

Sim, como a flor cortado o nosso amigo 
Eil-o sem vida jmicto á campa fria ! . . . 
Mais om instante. . . e a campa vae cerrar-se 
Ah ! para sempre. 

Morrer tão joven. . • sem poder ao menos 
Oavir no extremo arranco a santa bençfio, 
A santa benção de seus pães, que o alente 
No duro passo ! . . . 

A sua mSe. . . Alli n'esses altares 
Yôde a mSe que também perdeu seu filho. . . 
Ouvi as Tozes que do peito arranca 
Com dor immensa : 

•Vinde, oh ! vós todos, que passaes acaso, 
«Vós» indifTrentes, vinde, vinde todos, 
•Gontemp1ae-mc, e dizei, se ha dor na terra 
«Como esta dor!. ..• 

Sorrisos e prantos e raios e sombras 
E goivos e rosas e a brisa a fugir. . . 
Imagens da vida, saudades pungentes, 
Crepusc'los incertos do incerto porvir. . . 

• 

De prantos e raios fez Deus uma c'rda. 
De risos e sombras o mundo outra fez: 
E a c'rda do mundo cingiu-a Lucullo; 
De raios a c'n)a quem cinge? — Moysés. 

Oh ! bardo, se a vida que vives na terra. 
Juncada de goivos em prantos correu. 
Do bardo nas fontes os goivos sSo louros, 
E 08 prantos da terra s2o risos no céu. 



«Bon, rota de uêm pvpofeâ • Mia 
«QoMi Mira ot gaivN le «fcOMm da 



£ toda en yiços e seífi, e perlàmes 
E eraosimoNsdaleiTaedoeeQ... 
Naseém indâ ht pooeo da amora co*o8liiiiies 
iirílha... e jámorelnpaideol.. 



Saudosa mnnirafa noa itíkê a brisa» 
£ a noite ladirjina os despojos da Ito, 
E alnasereDanoeqNiçodesliia 
Saudades radiando e o sen baço frigor. 



Porque tantas galas e a vida despiste * 
Tio eedo, a florinba do bomoio rosal? 
Qaem pôde esfioRiar*te do galho» em qne abriste 
Tea seio de aromas — thesonro do laBe? 

Porque» ô folhinhas pnrporeas mimosas 
Nassas dos ventos inconstantes fngis? 
E a rosa qoem dea qoe entre todas as rosas 
Nas orlas da campa lançasse a raia? 

Ail trístel... Dlopóde valer-te a b^esa 

Da cór de setim, nem o garbo gentil. 
Nem todos os mimos, nem toda pureza, 
Que guardas no seio, nem graças a mil ! . . . 

E toda era viços, e seiva e perfumes, 
E era os amores da terra e do ceu. . . 
Nascera inda ha pouco da aurora co*os lumes 
E sol inda brilha ... e já murcha pendeu 1 . . . 

Nao era da terra a florinha singela 
Que a teara nSo pôde ter flores assim. . . 
Na eterna mansão reflorece mais belU 
Nas tranças doiradas de algum Cherubim. 

Olinda — Janeiro— i853. 



:í83 



Olinda, oh ( quanto és beU:i adormecida 
Na encosta da montanha á beira-mar! 
As ondas sonorosas qne marulham, 
As brisas que sussurram no palmar, 
E a lua que te argenta a face linda. 
Parece que murmuram: dorme, Olinda! 

II 

Á sombra das florestas 
Marim — a bella indígena — 
Vivia sempre em festas 
Selvagens, mas louçans: 
Alegre, e nSo cuidosa 
No seu futuro ríspido. 
Quebrava o corpo airosa 
No guáu entre as cunhans. 

De caitutus e pacas 
Mui farta a traz o indio : 
Pulsando os seus marácas 
Bemfadam-na pagés : 
Nâo teme a força imiga 
Das tribus feras, barbaras ; 
Pertence á tribu antiga 
Dos bravos calietés. 

Na marge os pés descança 
Do Biberibe humillimo. 
Que volve a onda mansa 
No meio de um paul : 
E diz, trepando á crista 
Do monte : é meu dominio 
Tudo o que alcança a vista 
Do norte até ao sul t . . . 



381 

Mas — ai! que da forbma 
A roda é niiiito vária. •• 
O Yeoto â YéUa infona 
Ás naus do Portagoes I. . . 
TraTada a ema guerra 
A triba morre... içdómiU» 
Domioa o hiao a torra/ 
Mas nSo aos Cahetéet 

A sorte ao luso apoia... 
Marim — em leito altero — 
Pttdea o da arasoya 
Teddo croata... 
No dorço do aito monte. 
Em Tez da mie indígeiía, 
Folgoa a filha insoiíte, 
Olinda— a marabá. 

m 

Olinda ohl qoanto ós bella adormecida 
No meio do cocai que aos pés te nasce! 
A fragata gentil, qne alem velija, 
E o nauta que os cançados olhos pasce 
Nos teus montes, e diz : oh ! sé bem vinda 
Parece que murmuram : dorme, Olinda ! 



IV 

Cubiçam-te invejosas 
Audazes naus do Batavo, 
E tomam-te orgulhosas 
Das mSos do Hespanhol. 
E os feros reis dos mares 
No teu regaço lúbrico, 
Á sombra dos palmares. 
Sorriem do ardor do sol. 



•^ — -"-c— r--*-«^«W«P 



385 

E tu dos sens abraços, 
No leito do adultério. 
Embalas em teus braços 
O filho do Hollandez : 
Do extranho o filho saga 
Teu sangue e leite soffrego, 
E a face tua amiga 
Precoce decrepidez. . . 



Eis surgem poucos bravos. 
Tocando armas intrépidos I . . • 
Grilhões que eram de escravos 
Fundidos sâo... canhões I 
Morrer. . . sim, determinam. . . 
Vencer. . . fora prodigio. 
Pois vencem. . . que fulmmam 
Inteiros esquadrOes f 



Com batas e tacapes, 
Espadas, flechas rápidas 
Juncado o Gaararapes 
De Batavos ficou I . . . 
E apoz os ledos cantos, 
E os hymnos da victória. 
No pó dos templos sanctos 
Olinda se assentou. . . 



Olinda, oh ! quanto és bella adormecida. 
Rainha da soidfto, entre minas! • . • 
O sino, que da tdrre mal segura. 
Pausado manda aos céus preces divinas, 
E o orgam que no templo sda ainda. 
Parece, que murmuram : dorme, Olinda I . . • 

PAJimoN-ToH. n. 



\ 



386 



VI 



Ao clarSo da lua pallida. 
Alta noite entre as ruinas, 
Em que a face poisas mórbida, 
E lentamente te íinas, 
Triste bardo, obscuro, pobre. 
Sobre o pó que ora te cobre 
Gomtigo chorei teu mal 

Sentado ahi solitário 
Ao som da lyra, e do pranto 
Das nocturnas brizas húmidas, 
Nos lábios floríu-me um canto. 
Como o lyrio branco e pulchro 
Que nasceu junto ao sepulchro 
Do que dorme além. . . no vallc. 

Accorda, Olinda, levanta-te 
D'entre os corruptos miasmas, 
Ergue, agita os membros gélidos. 
Eis a hora dos phantasmas!. • • 
Nâo ouves do Sul ao Norte 
Um som confuso ... ora forte. 
Qual tufão que açoita o mar. 

Ora fraco, surdo, ténue, 
Qual trovSo que morre ao longe, 
Ou como as preces do túmulo 
Que psaimeia o pobre monge? 
Pois. . . é o sangue que circula. 
Seiva de vida que pula, 
É o Brazil a respirar : 

É o rodar da nova ma chi na 
Da nascente sociedade, 
É da indústria c do commércio 
A nobre rivalidade, 



387 

Que nos desbrava os desertos, 
SSo dos génios os concertos, 
É o pulsar dos corações. 

É o incenso dos thuribuk» 

Que crepita nos altares, 

É o tombar de grossas arvores 

Nas florestas seculares 

Que em mil naus converte a arte^ 

É o Brazil que toma parte 

No banquete das Nações I 

Eia, Olinda, á lutta fervida 
Que na officina se travai. . . 
Do teu rosto as manchas lividas, 
E os vergOes que tens de escrava 
Só o trabalho é que os apaga 
Da fronte e pulsos, que alaga 
Profícuo e nobre suor ! . . • 

Sus ! com musculoso frémito 

Sacode o pó que te impura, , 

Póe-te em pé, Olinda, affronta-te 

Co'o porvir, nobre e segura. 

Que o trabalho regenera, 

Como ao prado a primavera. 

Como o orvalho á linda flor ! . . . 

VU 

Olinda, oh f quanto és bella adormecida 
Na encosta da montanha á beira-marl 
Do opulento Recife o murmurinbo, 
Do Brazil o confuso vozear, 
E o sol que vem doirar-te a £ice linda. 
Tudo, tudo te brada: acorda, Olinda! 

MaranhSo — Maio — 1855. 



388 



jovmo 

(O aenlior 40 «èteaiNM) 

s 

lovoro 

Ó Crioula, asses teus olhos 
De luz tSo meiga e lascha,! 
SSo qnaes pombinhos ipie trazem 
De amores tema missiva. 

CKZARIBU 

Ai pobre de mim coitada 
Qae sou negra e son captiva 

JOVUIO 

És captiya, mas dominas, 
Tens da belleza o condão : 
Ea son branco, mas capliyo 
Hei no peito o coração.. 

GEZARINA 

Vou cumprir minha tarefa, 
Três arrobas de algodáo. 

JOVINO 

Alli na malta ao murmúrio 
Do regato que deriva 
'Num leito molle de relvas 
De seres forra quem priva? 

GEZARINA 

Ai! triste de mim coitada 
Que sou negra e sou captiva! 



389 



JOVINO 



Hei de pôr-te de sapatos, 
Luvas de seda na mão. 
Se quizeres ouro e per'las 
Não pedirás nada em vão. 



GEZARINA 



Vou cumprir minha tarefa, 
Três arrobas de algodSo. 



JOVINO 

És escrava — serás livre. 
Erguerás a frente altiva 
Entre os que ora te desprezam, 
Se me não fores esquiva ! . . . 

GEZARINA 

Ai I triste de mim coitada 
Que sou negra e sou captivat 

CANTO II 

Já os caminhos se escurecem 
Da matta co*a sombra espessa. 
Vem as negras uma a uma 
Omi seus cofos na cabeça. 
Qual cantando vem alegre. 
Qual mais velha vom gemendo. 
Qual, em tom sentido e grave. 
Tristes cantos vem tecendo. 
Ante o feitor se pesaram 
Mil arrobas de algodão : 
E ao duro lidar do dia 
Succedc o duro serão. 



390 



JOVINO 



Ó Feitor» lá no terveiío 
Forma toda a escra? atura. 

FETTOR 



Olál cheguem^ae lodoa. 
Aqui hoQYe travessura. 



• • 



JOVUCO 

Mande w cordas e baneo. 
S^a o castigo exemplar. • • 
Sae á frente, Geiarinat 
Yae-te no banco asMntar. 
FiMCira, esquiva e donaella. 
Nii^iiem me peça por elfau 



Por amor do vosso pae ! 
Soa castigada sem culpa. 
Men Senhor, ah ! perdoae! 



JOVB» 



Faceira, esquiva e dcuetta» 
Ninguém me peça por ella. 



Eu det conta da tanli» 
XuKU ia mal a ninguém» 
Sou humilde e sou cteancn» 
T^ml» odto» donde vem? 



391 



JOVIXO 



Faceira, esquiva e donzella 
Ninguém me peça por ella. 

ANTOMO 

Jorra o sangue, insopa a terra 
Olhe. • . a pobre vae morrer. . . 
Minha (ilhat . . . o que inda falta. 
Meu Senhor, eu vou soffrer! 

JOVUíO 

Faceira, esquiva e donzella. • • 
Ninguém me peça por ella. 

ANTÓNIO 

Meu Senhor, eu nada valho, 
Ah! sou negro. . . mas sou pae. . 
Por amor dos vossos filhos 
Oh ! meu Deus, ah ! perdoae ! 

JOVINO 

Faceira, esquiva e donzella. . • 
Ninguém me peça por elia. 

CANTO 111 

Âpoz os ciSes que ladravam 
Na floresta escura hnva 
Jovino, abrindo caminho 
Go'o facfio, lá se embrenhaval . • . 

JOVINO 

Ilekô ! meus cSes bons de raça I 
Heis de me dar moita caça! . . • 



3M 

Parte dos cáes á direita, 
Parte á esquerda latiam; 
A um lado pende Jovino, 
A outro os negros corriam. 

JOVINO 

Hekó f meus cSes bons de raça I 
Heis de me dar muita caça! 

E no meio da espessura 
Do emaranhado cipó, 
T) Senhor de mil escravos 
De repente se achou só. 

JOVINO 

Hekó ! meus cSes bons de raça ! 
Heis de me dar muita caça ! 

JOVINO 

Quem vem lá, quebrando o matto. 
Olá! quem é que está hi? 

ANTÓNIO 

Tu andas após das antas, 
Mas eu ando após de ti ! . . . 

JOVINO 

António — o negro fugido. . . 
Tu, infame calhambola ! ! 
Nem mais um passo ou desfeixo 
Sobre ti esta pistola ! I 
Busquei- te por toda a parle 
Ora sim hei de amarrar-te. 




393 



ANTÓNIO 

Âmarrar-me?. . . isso é inaís fino. 
Bala também aqui ha. 
Vós estaes a descoberto, 
E eu atraz de um jatobá. 

Branco só vós é que sois ; 

Mas liomens somos nós dois. 

JOVINO 

Como? oh negro! pois attreves-te, 
Ousas um branco attacar? ! 
Mtíus negros aqui n2o tardam, 
Pensas tu que has de escapar? 
Busquei -te por toda a parte 
Ora, sim, hei de amarrar-te? 

ANTÓNIO 

Se um brado só levantardes 
Morto vos deitarei já! 
Vós estaes a descot>erto, 
E eu atraz de um jatobá. . . 

Branco só vós é que s(fis ; 

Mas homens somos nós dois! . 

Treme Jovino de cólera. 
Dos beiços sangue lhe corre. 

JOVINO 

Pois que o queres, insolente, 
Infame, captivo morre!. . . 

Busquei-te por toda a parte ; 

Mas agora hei de matar- te. 
Raivoso desfecha o tiro, 
Risadas o nrgro dá... 



394 



ANTONIU 



Vós estaes a descoberto, 
E eu atraz de um jatobá. 

Branco só vós é que sois; 

Mas bomens somos nós dois t . . • 

CANTO IV 

Díp-se tiros no terreiro. 

Tangido ronca o tambor, 

Vinte negros battem matto 

Em procura do Senhor : 
A caçar elle sahiu, 
Nunca mais ninguém o viu 

E aos negros que vêem do matto 
Perguntam : qu'he do Senhor? 
Respondem tristes, limpando 
Da negra testa o suor : 

A caçar elle sahiu 

Nunca mais ninguém o viu ! . . . 



Meary — Feverei ro — 1 855. 

• 



ThAJANO GaLVAo de CARVALUa 



Alem do Juizo critico sobre as PostUlcís grammaticaet de F. Solero 
dos Heis, transcripto nas notas á biographia do referido Sotero de 
páginas 319 a 3â5 do primeiro tomo do Pantheon Maranhense, co- 
nheço d'elle apenas um crilica chistosa de uma sessão da assem- 
bléa provincial do Maranhão impressa no Progresso de 1860, e um 
folhetim do Diário do Maranhão, (1856) motejando d'um fogo de 
artificio por occasião da novena de Nossa Senhora dos Remédios. 



BELLARMINO DE MATTOS 



Nota E 
... en carpir a soa sentida e eterna ansencia — pag. 263 

Lé-se no prímeiro artigo principal do Paiz n.^ 2G de 3 de março 
de 1870. 

Bellarmino de Mattos. — Cobrem-se de luto a imprensa e a 
arte typographica do Brazil, e choram a perda de um dos seus mais 
enérgicos, animosos e robustos obreiros, Bellarmino de Mattos. 

Foi no dia 26 de fevereiro ás 10 horas da noute, á hora justa- 
mente em que eile costumava repousar das lides diárias, que come- 
çou o seu doloroso agonisar, suprema luta da vida com a morte, 
cujo fatal desfecho deu-se 5 horas depois, ás 2 da manhA de 27. 

Aceommettido violentamente por gravíssimas moléstias, n2o lhe 
valeram esforços da medicina, desvelos da familia que o idola- 
trava, dedicação extremosa de amigos que se lhe acercavam do leito. 
Tudo foi debalde. O mal no seu rápido e terrível progredimento 
cada dia mais prostrava aquelle corpo de tâo vigorosa formação, 
cada hora apresentava novos symptomas que augmentavam a con- 
sternação de seus parentes e amigos. 

E assim em seis dias foi cortada existência t2o preciosa para as 
artes, tâo útil para sua familia. 



Bellarmino de Mattos foi um grande artista. 

Este nome de artista, que se baratea a esmo, elle mereceu com to- 



396 

dos os fulgores de sua pureza, e o conservou em todo a brilho até 
baixai* á campa. 

Prototypo do verdadeiro artista, artista pela cabeça, artista pelo 
coração^ nunca tendo- aviltado a arte por especulação, talvez se ex- 
cedesse na dedicação com que a serviu. 

Vegetava a arte typographica, como todas as outras, n'esta dòide, 
os seus productos eram a negação do progresso que por toda a parte 
este ramo da indústria ostentava. Nada promettia-lhefuturomeJhor, 
até quando elie poz-se á frente da grande revolução que ii'ella se 
operou. Foi elie quem lhe deu o forte impulso que a elevou á posi- 
ção em que hoje se acha, tâo adiantada como onde mais o estiver 
no paiz. Foram de suas mãos que primeiro saíram esses trabalhos 
da typographia maranhense que arrancaram um brado de admira* 
ção dos entendidos, esses livros que excediam a tudo que no mes- 
mo género se fazia nas typographias brazileiras, e que não receiavam 
a confrontação com os melhores impressos europeus. 

Esta glória, que nunca se lhe negou em vida, ninguém lhe dispu- 
tará depois de morto. 

Mas quanto não lhe foi ella cara ! 

Tinha apenas 10 annos quando foi iniciado n'essa arte, de que 
depois havia de ser o mais brilhante ornamento, o mais esforçado 
propugnador. 

Logo relevou-se no joven aprendiz o futuro mestre a quem es- 
tava reservado o primeiro lugar no templo: a assiduidade no tra- 
balho, esforços para aperí*iiçoar-se, e amor da classe foram quali- 
dades que nolavehnente se lhe manifestaram, e grangearam-lhe a 
amisade dos companheiros e a estima dos chefes. 

Em poucos annos estas qualidades requintaram -se, e a ofiQcina, 
de que já era o director, tornou-se o centro dos melhores operários. 
Todos queriam trabalhar nVlIa, todos procuravam de preferencia 
sua casa, porque sabiam encontrar ali um companheiro de trabalho, 
um amigo dedicado, um mestre incansável que lhes havia de Irans- 
miltir os conhecimentos adquiridos pela mais perseverante prática 
dirigida por clarissima intelligencia, os segredos da arte que á for- 
ça de vontade havia só por si devassado. 

E também era este o alvo de seus desejos. Dotado de felicíssima 
penetração, niío podia desconhecer que para a grande reforma da 
arte, em que constantemente meditava, era preciso reformar os ar- 



397 

tistas — fazer dos que então havia, ignorantes e imperfeitos, um cor- 
po de operários morigerados, trabalhadores e conhecedores da arte. 

Gustasse-lhe isto a tranquillidade do espirito, soíTresse privaçOes, 
arcasse com sacrifícios, affrontasse mesmo ameaças e perseguições, 
tudo arrostaria para a transformação da classe esquecida e despres- 
tigiada em uma classe respeitada e que honrasse a provincia. 

Nâo nos sobra o tempo para acompanharmo-lo nas lutas que sus- 
tentou para realisar este nobilíssimo intento, nem somos para isso 
o mais competente. Âquelle que n'esta grahde obra foi-lhe principal 
conselheiro e auxiliar não deixará de traçar o quadro d'esse lidar em 
que o illustre artista, sem solicitar nem receber o minimo auxilio 
do governo, fez prodigios de dedicação e perseverança. Elle que 
sentia quasi como próprias as enK)ções d'aquelle espirito superior, 
ora contemplando, arrebatado da mais santa alegria quando via 
transposto algum passo difficil, ora sereno combatendo com indis- 
criptivel tenacidade os entraves que se lhe oppunham ; elle, que lhe 
prestou a sua intelligencía, o seu nome e seu credito para empe- 
nha-lo na grande empreza, nSo deixará de tributar a homenagem 
que os verdadeiros filhos da imprensa náo podem recusar áquelle a 
quem esta e as lettras mais devem na nossa província. 

O illustre escriptor a quem nos referimos, todos o sabem, é o 
sr. dr. António Henriques Leal 

O seu nome não podia ser esquecido n'este logar. Foi elle quem, 
também artista pelo brilhante talento, descobrindo em B. de Mattos 
os raros dotes necessários piura a regeneração da arte typographica, 
estendeu-lhe mão protectora e o habilitou para a grande reforma 
por tanto tempo meditada. 

Desde então a mais íntima e fraternal amisade ligou o protector 
e o protegido, o artista e o escriptor. 

Firme n'este apoio, a que veiu unir-se o de um outro amigo não 
menos dedicado, enthusiasta intelligente do homem trabalhador, o 
nosso collaborador o sr. Joaquim Coelho Fragoso, B. de Mattos não 
teve mais hesitaç(!(es, e como Colombo, sem contar os perigos, con- 
fiando em si, metteu hombros á árdua empreza. 

Não lhe surprehenderam os dissabores que o assaltaram, pois 
elle sabia qual a sorte reservada aos iniciadores das grandes idéas. 

Lutou muito, mas venceu. 



398 

Em breve conseguiu vcr-se, formado por si mesmo, nm editor 
notável pela perfeiçSo das obras, escolha de livros cuja publicação 
de motu próprio emprehendia, peia animação que dava ás letras. 

Em breve a declaração em qualquer impresso, livro, jornal ou 
mera folha avulsa, que vinha de sua casa era uma garantia de niti- 
dez, elegância e correcção. 

O seu nome, cercado da mais brilhante aureola, toroou-se conhe- 
cido dos melhores cultores da arte. 

Esplendida compensação, digna de quem tanto havia traba- 
lhado. 

Satisfeito por ter conseguido formar um núcleo de óptimos ope- 
rários, certo de que haveria quem o substituísse e que a arte tjpo- 
graphica nSo mais desceria, amadurecia-lhe na mente, como a últi- 
ma demSo á obra concluída, a idéa da creaçáo de uma sociedade 
que fosse o amparo do artista que a moléstia privasse do tralalho 
e a protectora dos que a intolerância perseguisse. E assim o sem- 
pre louvável sentimento de caridade e factos n2o mui remotos, que 
pelos próprios soffrímentos conhecia, erSo o duplo incentivo para 
esta instituição. 

Foi n*este Ínterim que um presidente levantou roSo ousada con- 
tra a imprensa. Então elle e outros que tinham o mesmo pensa- 
mento uniram-se e foi creada a associaçlo typographica, a cajá 
benigna sombra muitos operários feridos pelo infortnm*o se tem 
acolhido, bemdizendo os seus fundadores. 

E quando havia adquirido esta invejável posição artistica, quando 
a arte, que tudo llie devia, ainda muito esperava d*elle, eni plena 
força da virilidade, sem haver, sequer, transposto os 40 annos, fal- 
tou- lhe o lume da vida. 

Deu-Ihe o' destino curta existência, em troca da extensa glória 
que lhe coube em partilha. 

Debruçada sobre o seu tumulo chora desolada a familia de qu<*m 
foi o chefe carinhoso, o amparo, o conselheiro e o guia: 

Choram os seus irmãos de arte, que nVlle sempre encontraram 
um l>om ronijvanhtMro e desvelado mestre: 

Choram os seus amigos, que s^ibíam quanto era rico de senti- 
mentos nobres aquelle generosíssimo coração, cujos impulsos mui- 
tas vozes o levaram aos mais penosos sacrifícios. 

Envolta cm on^po v»uii a imprensa depositar em sua campa uma 



399 



corôa de saudades, demonstração t2o singela quanto ó profunda a 
sua gratidão. 

Homenagem & memoria de Bellarmino de Kattos. — Dis- 
curso recitado ao baixar o corpo á sepultura, pelo orador da asso- 
ciação typographica, o sr. João da Matta Mendes : 

Senhores. — Com a maior facilidade confunde-se com o pó o rei 
da creação ! . . . um só sopro do Omnipotente faz recolher- se ao 
templo do nada aquelle que ha pouco ostentara seu domínio ou es- 
tendendo seu poder na terra, ou elevado de sua intelligencia até aos 
céus t Terrível decepção, verdade espantosa que nos obriga a desper- 
tar do somno em que nos coUocamos, e nos descerra o ouvido para 
melhor testemunharmos o horrível soYn da realidade. Nasce o ho- 
mem e com elle a esperança, vive o homem e com elle a sorte que, 
sinistra, o acompanha até precipita-lo no tumulo. 

Não ha dia em que a morte com seu eloquente silencio não ve- 
nha sellar o direito que adquiriu sobre a humanidade, nem ha dia 
em que um amigo, pai ou parente nos não venha fazer vibrar as 
cordas mais sensíveis de nossos corações ! 

Hoje vemos desenrolar-se diante de nós o quadro horrível que 
demonstra esta verdade ! Lamentamos a morte de um amigo e irmão 
de arte, a quem a Providencia preparou para traçar com mão vi- 
gorosa a linha do progresso. Oito dias de uma moléstia rebelde fo- 
ram bastantes para arrancar do theatro do mundo o artista distincto, 
que desde 1838 lançou-se na arena do trabalho ; íilho da arte, irmão 
do progresso, o sr. Bellarmino de Matos, humilde como o povo de 
quem era 61ho, levantou-se até á altura de formar para seu nome a 
roais invejável reputação. 

Ainda com 40 annos de idade, mas já cançado do luctar do tra* 
balho, parece que Deus quiz premiar-lhe o muito que fez pela no- 
bre arte que professou, chamando-o para junto de si. 

Sim, a arte sente um golpe, um golpe profundo com a perda de 
um de seus filhos predilectos, e nós que o conhecemos, nós que de* 
baixo de suas vistas exercemos a arte a que nos orgulhamos de per- 
tencer, nós, que tão repetidas vezes tivemos occasião de apreciar 
suas virtudes, não podemos deixar de levantar a voz cm nome da 
sociedade de que fazemos parte, para protestarmos nossa eterna 
lembrança e saudade. 

O Deus, a quem adoramos, se compadeça de sua alma c cm prc- 



400 

mio do muito que fez pela humanidade, lhe dê o descanço eterno» 
a recompensa do justo. 



27 de fevereiro— 1870. 



Artigos da imprensa. 



João da Mattà Mbrdes. 



Do Publicador Maranhense. 

Passamento. — A arte typographica está coberta de iuto. Ao 
amanhecer de hontem falleceu senão o primeiro, ao menos um dos 
seus primeiros cultores, — o hábil e perito typograpbo Bellarmino 
de Mattos. 

Os convites para o enterro bem como este foram feitos pelo con- 
selho director da associação typographica. Era esta a vontade do 
fallecido. Foi numeroso o acompanhamento que conduziu o cadáver 
á sepultura. 

Do Vinte e oito de julho : 

Cheios do mais profundo sentimento, pranteamos a perda de um 
bom filho, excellente irmão e verdadeiro amigo. 

A parca, sempre inexorável, nSo pára no seu sangrento caminho 
de destruição; não escolhe sobre quem descarregar seus golpes tre- 
mendos t 

^~ Bellarmino de Mattos, já não pertence ao numero dos vivos ! 

Yictima de tenaz enfermidade, que foi rebelde a todos os recur- 
sos de que podia lançar mão a sciencia, em poucos dias foi seu 
nome occupar lugar no vasto e interminável cathalogo dos mortos. 

O gabinete maranhense de leitura 28 de julho, instituido a 28 de 
julho de 1869, acaba de perder no fmado um dos mais prestimosos 
de seus sócios protectores : lugar que, desde sua instalação, foi um 
dos primeiros a dignamente occupar. 

Os consócios do finado, pungidos por inexprimível sentimento, 
lamentam perda tão irreparável e acompanham a sua desolada fa- 
mília na justa dor que a opprime. 

A redacção do Vinte oito de Julho abunda em taes sentimentos, 
enviando de sua parte — uma palavra de consolação e lenitivo 
áquelles a quem o illustre finado era tão charo por tantos titulos; 
bom como a seus dignos irmãos de arte. 

A terra lhe seja leve I 



401 

Do Monitor: 

Bellarmino de Mattos. — Ha realidades cruéis para o humano 
entendimento : somos agora, infelizmente, testemunha de uma, que 
punge-nos a alma de dor acerba. 

Ali está um tumulo recentemente fechado, encerrando os precio- 
sos restos de um artista superior, de um d'esse8 privilegiados entes 
a quem todo elogio é parco. 

Bellarmino de Mattos, o typographo modelo, morreu, como de 
ordinário costumam morrer os grandes homens, sem fortuna, sem 
glória, sem tradições. 

Porém, nos enganamos : teve a fortuna de ser bom cidadáo, bom 
filho, bom amigo; a glória de regenerar a arte entre nós, e as tra- 
dições do seu nome serão eternas, porque os echos alem da cam* 
pa sâo immortaes ! 

A terra lhe seja leve. 

Sua honrada família desfolhando saudosos goivos sobre a campa, 
receba também nossos pezames, repassados de dor e saudade I 

Paiz, - 5 de março de 1870.— N.» Í8. 

Da Nação: 

FaUecimento. — Acaba a província, talvez o Brazil, de expe- 
rimentar uma grande perda. 

Na manhã de 27 do mez findo rendeu alma ao Greador um dos 
mais beneméritos artistas maranhenses. 

O incansável typographo, Bellarmino de Mattos, já não existe. 

Yictima de um cruel padecimento, que só torturou-o por oito 
dias, morreu. 

E com elle sumiu-se na valia do sepulchro um apostolo da arte, 
um obreiro infatigável, um artista intelligente, um dos mais anti- 
gos e sólidos proprietários de typographia. f 

Á sua consternada família nossos sentidos pezames. 

Do Constitucional : 

FaUecimento. — Acaba de falleccr Bellarmino de Mattos, pro- 
prietário do melhor estabelecimento typographico do Maranhão. 

Bellarmino de Mattos, sem ofTensa de alguns habilitados e dístin* 
ctos de sua classe, era um grande typographo e o mais apreciado 
por sua intelllgencia e verdadeiro conhecimento de arte. 

Paktiiion-Tom. n. 16 



402 



Morreu raoço, morreu quando mais precisava viver. 

A terra lhe seja leve. 

A sua família damos os pezames. 

Do Apreciável : 

Rendeu alma ao seu Creador depois de poucos dias.de atroz pa- 
decimento a !26 de fevereiro, tendo sepultura no cemitério dos Pas* 
SOS na tarde de 27, o typograplio Beilarniíno de Mattos. 

Perdeu a arte typographica um de seus ornamentos quer como 
typographo, quer como editor. 

A sua ex."* máe e irmãos enviamos nossos pezames. 

Da redacção do Diário do Gi^am Pará: 

Falleceu também a 27 o sr. Bellarmino de Mattos, proprietário 
da ofiQcina typographica em que se imprime o Paiz. Sua morte 
causada por cruel enfermidade crcou peral consternação. Perdeu a 
arte typographica uma das suas glorias, poisque todas as obras 
que sabiam de sua officina tinham o cunho da perfeição, pelo que 
seu nome era conhecido náo só em todo o império como em algumas 
partes da Europa. Foi um dos instituidores da associação typogra- 
phica Maranhense, que táo importantes serviços ha prestado aos 

seus associados. 

Pat3, — 8 de março de 1870.— N.« 29. 

Belém do Pará, { do abril do 1870. 

O Club Scirutificv acaba de soíTror uma dor puiig<^nl«\ uma cru- 
ciante magoa! 

Mais um nome no catalogo dos quo doi\:un osla vida de misé- 
rias, e menos um nome na lista dos dos nossos sócios honorá- 
rios. 

Bellarmino do Mattos já nJo portonce a este mundo! 

Fatal e c<>ntristadora roalidad»»! 

liellarmino de Mattos era uiu oidadáo prestante: Maranhão or- 
gulba-se de lhe ter dado o berço. 

A morte, lançando por terra esse vanTo illustre, veio ainda mais 
um \ez provar que nada somos n*este mundo. 

Bt'llarmino de Mattos era sócio honorário do Club Scieníi/i^, 
que lhe é devedor de muitos obséquios. 



403 



Bellarmino de Mattos era um cidadão útil á sua pátria e incan- 
sável lidador do progresso. 

Sua dedicação, esforços e sacrifícios; seu amor ao trabalho; sua 
perseverança em emprezas grandiosas, como sua alma, grangearam- 
jhe a estima e consideração de seus considadSos; porque ninguém 
no Brazil ignora que a elle, quasi exclusivamente, deve a província 
do Maranhão o estado de progressivo desenvolvimento em que se 
acha a arte typographica. 

Cidadão útil ao seu paiz e de intelligencia elevada, tanto que 
comprehendeu o que é a imprensa, é hoje chorado por todos aquel* 
que lhe conheceram as virtudes domésticas e sociaes. 

Nós também, pranteando a morte de um cidadão tão prestimoso 
e illustre pelo trabalho, e dando os pezames á sua ex.*^ família, fa- 
zemos votos ao supremo árbitro dos destinos da humanidade para 
que sua alma descance em paz, goze o premio de suas virtudes! 

Do Pharol (de Caxias), n.» 4 de 2 de abril de 1870. 



031.0m.A.S I 
(Ao Marmnhio) 

Eq amo a ilha verde eomo t êtmarakU entra 
flocos de neve, oa como z esbelta palmem per- 
dida nas solidões do oeeano. 

Nuxo KLYAnw— Folhas sdttos. 



O mar é largo e verde : as ondas inquietas 

brincando se entrechocam, e as lúcidas palhetas, 

que o sul batendo n'agua, faz d'ella resaltar, 

do céo na face azul vam fulgidas brilhar. 

Nos paramos infindos as nítidas espumas 

se espalham, similhando as tão nevadas plumas 

que a garça, quando vôa por cima de algum lago, 

das azas cair deixa. Um canto puro e mago, 

por sobre as ondas trémulas se eleva, e corre e voa, 

e aos pés de Deus mais puro e harmónico resoa. 

No ceo de azul as nuvens, em grupos, em novellos 



seaMihiiB dof eodeiroi ■hÍMmuMoi T^M 
de hn, qw pdoB nmpw fleuma, pdn pndn 
no v nvolvlaum, do TCOfa) lM4)adat. ' 
Tudo é dewrto a nrto, ii mm tio aÓBMnto 
n anilsde sigam bareo a Tált tna^anids, 
oifaaa de alsuii'aTe "■■""'" q« atnrida 
Tae úma-iatr, bm loat^ boiar nan inartdL 
Olhai «o Norte. 

Além, na extrema etifumaçada 
do mar, eomo a odaliaca do manto rebuçada, 
deaUca^ae uma aombra, umk eocanUda ilh^ 
do Ooeuio a mais fonnoea, h mais dilecU filIuL 
O AUaotia], que o c«po lhe cinge, cubi[oso 
se roja ás soas plantas tremente, marulhoso, 
e a cinta lhe apertando em .imontso enlace 
de goaoa e ddicias em langnidei deefiu-ae. 
Oir-ie-hia iioda moga ■ quem o temo amaote 
cenaase de caricias, e dwdo, palpitante, 
o aomno lhe guardasse, beijando-lbe oa Testidoe, 
oo aeu amor somente immersos os sentidos. 

Os aatraa, aa estreitas no céo, para melhor 

olha-la, se detffn(am e dizem: — Linda flor,- 

qoem és, ilha de amores, terrestre paraíso 

a qoem a vaga implora a gra;a de am sorriso? 

Quem és, que assim tio bella te mostras, tão (ormosaf 

Accaso alguma concha nevada ou cAr de rosa 

que, pelo mar boiando, viesse aqui parar, 

por nSo poder nos céos ir pura se encravar I 

E a ilha, respondendo enamorada, dii : — 

— aeu tenho um nome lindo, me chamam S. Luiz. — 

Chegai mais perto d'ella. Que vádesF a verdun 
que como uma esmeralda reluE, brilha e fulgura; 
do palmeiral contínuo os leques que brandeiam 
ao sopro dos Tavonios, que ali revoluteiam; 
dois riosi^duas fitas azoes, que destacadas 



4<)5 



o corpo lhe ornamentam, gemendo apaixonadas, 
— assim sobre o vestido que a joven feiticeira, 
após o baile, esquece pousado na cadeira, 
a fita dos enfeites, o atacador, ou o cinto 
em lindos arabescos desenham um labyrinto. 
Que vedes mais? ao longe o continente verde 
onde cançada a vista dilata-se e se perde. 

Por cima d'isso tudo, em mar de azul e oiro, 

nos ares se balança um esplendido thesom*o, 

uma coroa augusta, um magico diadema, 

que em si contem a história de um povo e seu poema. 

As nuvens que perpassam de longe estão a vel-a, 

com medo que mareiem o brilho d'essa estrella. 

De cima Deus sorri, e, vendo a maravilha, 

se orgulha e diz aos astros: — «Aquella é minha filha. 

A c'roa é toda de oiro e os rútilos brilhantes, 

que estSo cravados n'ella, scintilam coruscantes, 

lançando tantas chispas que formam em deredor 

uma divina aureola, um santo resplendor. 

D'entre essas pedras todas explendidas formosas, 

ha cinco que destacam-se maiores, magestosas, 

ha cinco a quem o sol, de pejo, não encara, 

ha cinco cuja luz ao infinito aclara. 

II 

Na primeira, que ostenta-se brilhante, 
se encarna o vulto másculo e gigante 

de inspirado cantor. 
Poeta, foi buscar as harmonias 
oa harpa de David, e as melodias 

na lyra do Senhor. 

Homero, se escutasse os seus harpejos, 
se de sua lyra os languidos adejos 

ouvisse uma só vez, 
ante a voz do poeta extasiado 
sem dó nenhum teria espedaçado 

a cythara a seus pést 



40g 

Q ciUedoitto Osfian, que eantat» 

nas mftfitanhat da Eftf ^^ i 6 ^6 eatosvft 

o poema de Fk^ú, 
pedirút ao senhor que lhe mindaiea 
«08 aeus oHioa a hix p'ra que avíataaiB 
. o eantor 



E Laiz de Camões, o lusitano, 

que esse poema altiTO e sobrehnmaiio 

traçoQ eom hábil mio, 
se o visse dir-lhe-hia:— «IrmSo dileelo, 
vem a meus braços, doge^me este peito. 

vem, ta és mea irmio». 

Quem o escutasse a desferir as notas^ 
que das mansões etheráas ignotas, 

desciam ao lábio sen, 
julgaria ama cbnva ser de perohu^ 
— tal era o brilho d'essas vozes cernias, 

d'e8se canto do oéol 

Hoje deseança. O leito mortuário 
é o oceano, as vagas o sudário 

do cantor immortal 
A estrella de seu nome, diamantina, 
da c'rôa em que se encrava inda illumína 

a sua terra natal. 

O seu nome. . . quem ha que o desconheça 
e que, por um momento só, se esqueça 

do rei das harmonias? 
As florestas, os mares, as cascatas 
o repetem chorando, e o indio e as mattas, 

e elle é — Gcnçalves Dias! 



407 



III 



WCtáe a segunda estrella. O nome respeilado, 
que enxerga-se atravez do foco iiluminado, 
do lindo diamante, rutila — João Lisboa, — 
nome que encerra em si um sceptro e uma coroa. 
Não cVôa de monarcas, não sceptro de algum rei 
que podem decair, se o povo diz : — descei I 
porem outra mais nobre, porem outi'o maior, 
o sceptro e a coroa de poeta e prosador. 

Yède-lhe a face augusta, severa e pensativa, 
aosgosos e prazeres parece que se esquiva, 
e, todo entregue ao'studo do mundo se despega; 
e vae buscar no céo a luz que Deus lhe entrega; 
a luz da intelligencia, do génio, do talento, 
a realeza única que varum monumento. 

Elle era liberal. Sua magica palavra, 
bem como o raio ígneo que os cedros escalavra, 
troava na tribuna, e o povo que o escutava 
do democrata o vulto sorrindo abençoava 
Abri o seu — Timon — e vôde a precisão 
com que elle descrevia as chagas da nação, 
e a crítica mordaz, o inimitável sal 
com que zurzia os homens da luta eleitora], 
ao povo ignorante mostrando os seus defeitos, 
aconselhando sempre das urnas os eleitos, 
Sua penna manejada com arte, com primor, 
fazia lembrar — Cicero —o válido orador. 
\>rsado na moderna, na media, e antiga história, 
sendo glória escreveu a vida de outra glória. 

Das águias é costumo querer em campo aberto 
as azas estender, fitar o sol de perto. 
Da culta Europa os génios de longe lhe acenavam, 
e as festas da sciencia as olhos lhe oiTuscavam, 



e a sede do túier, qoe os brios lhe aocendia, 
ronboo-o dt sot patrí^i» levoa-o á Eoropt iria. 
Ali de soa família ansente, elle morrea; 
sea coipo boje descaoça na tem onde oasem» 
e a estraUa de seu nome, das glórias na oQvte, 
eom letras de oiro e los soletra— Mo iii(oal— 

IV 

Folge a teiteira e8trella.-SaQdai-a» brisas langeidas, 
qae vindes lá da Italiá viver cá no Biasil; 
a fiponte desencrespa, oh! lindo mar Adriatíoo! 
deixa qoe eUa mire-se em in'agQa de 



Soltai vossos períàmes» oht flores eâr de puporal 
qoe em Mantna vegetaesy sorrindo ao eéo anl : 
formai lindas eoróas e vinde belias, cândidas, 
eingir o basto a un génio da Ameriea do Sol I 

Poeta Mantoano, soergoe-te do tomnlo 
e vem saudar de perto mn vate, tea inoio^ 
qoe devasson-te o eoíire d'essas bsilsns lki%idi^ 
qne em tea poema eneontram-se com tanta proftisCo. 

E vós, ilhas da Grécia, esparsas no archipelago, 
vinde encarar também a ilha vossa irmS, 
que espera ter nas folhas da história litteraria 
ama formosa pagina, nevada, alva e louçS. 

Quebrai as vossas campas, rompei vossos sudários, 

beroes da decantada Illiada immortal, 

saudai a linda estrella a reluzir no ether, 

e a rebrilhar do oceano nas agoas de chrystal. 

o nome que soletra-se na estrella formosíssima, 
e que scintilla envolto em magico fulgor 
é — Odorico Mendes — de Homero e de Yirgilio 
o interprete fiel, eximio tradactor. 



409 

Poeta, soube unir com arte e gdsto e mérito, 
do verso ao pensamento belleza e expressão; 
e tendo praticado té hoje o mais notório 
milagre, o mais sublime, de força e concisão. 

A morte repentina o roubou a sua pátria, 
e alem, por entre névoas, repousa na Inglaterra, 
e a estrella de seu nome — um raio sobre a Itália, 
um outro sobre a Grécia — reluz na sua terra. 



A quarta estrella brilha fulgurante, 
e nem ba treva que lhe empane a face; 
tal é o resplendor do génio ousado, 
que n'ella se encarnou. 

Surge, sombra de Newton, surge, abraça 
d'essa creança o vulto magestoso, 
que igual a ti seria se a existência 

tSo breve não lhe fosse. 

E tu, Blaise Pascal, que descobriste 
com teu génio somente e tua vontade, 
esses segredos que a sciencia estéril 
dos números encerra. 

Levantaste da tumba em que te deitas, 
dormindo o somno eterno, socegado, 
vem a mSo apertar (que nXo te abaixas) 

ao moço maranhense. -j 

Vinde vós todas, sombras respeitáveis 
de Laplace, de Euclydes, de Pythagoras, 
saudai a estrella que a fulgir nos ares 
reluz — Gomes de Sousa - 



410 

Que fôrça de talento se aninhava 
n'es8a joven cabeça 1 Deus fonnando-a, 
da própria obra admirou-se e disse: 

— «É muito para o mundo».- 

Vinte e um annos apenas, e já tinha 
entliesourada na cabeça fervida 
tanta sciencia, que seria insânia 

exigir-se ainda mais. 

Era pequena a terra p'ra conte-lo, 
A envergadura de suas azas largas 
só podia encontrar no espaço infíndo 
diâmetro bastante. 

Elle está lá e no infinito paira, 
do sol fitando a luz incandescente, 
mas de seu nome a estrella que scintilla 
illumina sua pátria. 



VI 



A quinta estrella finalmente surge. 
Deixai que eu prenda n'uni estreito élo 
as glórias dos poetas á do artista, 

a inteliigencia ao prelo. 

Nem desdoura que a par de tantos génios 
um também se colloque de outra esphera; 
o artista possue o seu reinado.. 

aonde o braço impera. 

Já longe vai o tempo em que somente 
tinham valor dos nobres os brazões, 
nobreza herdada, estulta que cobria-se 
de sedas e galóes. 



411 

Hoje a nobreza existe na ferrugem 
que cobre a niáo callosa do operário, 
consiste no talento, e o poeta ó nobre, 
como é o estatuário. 

Junto a Gonçalves Dias, João Lisboa 
o alumno pôde vir de Gutemberg. 
Bellarmino de Mattos, d'essa campa, 

em que descanyas, te ergue. 

Vem, ou vem, tu que tanto te esforçaste 
Para honrar tua pátria estremecida. 
Tu que, em tua officina trabalhando 
lhe deste tanta vida. 

Vem, traze o teu emblema de typographo — 
o rolo, o prelo, as chapas, as vinhetas — 
e te encarna n'aquella estrella última, 
ali entre os poetas. 

Tu foste a providencia das escholas, 
e da litteratura que tropeça 
foste a colurana forte, braço válido 
que ajudava a cabeça. 

Deixa pois que eu te preste o meu respeito, 
a ti que nSo temeste entrar na luta; 
a cabeça que pensa e ordena é nobre, 
e o braço que executa. 

A ti, oh minha pátria ! meu canto pobre e rude 

perdoa se esta oíTerta vae marear teu brilho; 

ella é de coraçáo e tem uma virtude — 

dictou-a um peito franco que te ama o que é teu filho 

7 de maio de 1870. 

Gelso Magalhães. 

(Paiz, n.o G2 de 19 de maio de 1870.) 



i 

i 

■* 

4 



o CONSELHEIRO 



FRANCISCO JOSÉ FURTADO 



Nota F 

Historia geral dos hooens tívus e mortos no século 1 9.^ impressa em Genebra 

em 1860-1868— pag. 342 

Senador; ex-ministro da justiça; ex-presidente do conselho de 
ministros; ex-presidente da camará dos deputados; ex-presidente 
da provincia do Amazonas ; officia) da ordem da Rosa etc., etc. 

«Nasceu Francisco José Furtado aos 3 de agosto de Í8i8 na ci- 
dade de Oeiras, antiga capital da província de Piauhy. 

«Em 1839, depois de ter brilhantemente concluido os seus estu- 
dos na faculdade de direito de S. Paulo, recebeu o grau de bacharel 
em sciencias jurídicas e sociaes. Encetou a sua carreira politica em 
1840 como advogado na cidade de Caxias, provincia do Maranhão, 
onde residia sua familia, nomeado juiz municipal do mesmo termo, 
ahi exerceu interinamente a vara de juiz de direito até abril de 
1841, quando pediu e obteve demissão por desintelligencias com o 
presidente da provincia. 

«Abandonando a magistratura entregou-se á advocacia até que em 
1846 foi de novo nomeado juiz municipal de Caxias, e logo em 
1848 juiz de direito. 

«Eleito deputado pela provincia do MaranhSo em 1847, quando 
subia ao poder o partido conservador, partido hostil ás suas ideas 



414 

liberaes, foi Furtudo removido como juiz de direito para a capital 
do Pará, onde também exerceu os importantes cargos de juiz dos 
feitos da fazenda e auditor de guerra até 1856, quando foi remo- 
vido a pedido para a vara de juizo especial do commercio da ca- 
pital da província do Maranhão. 

«Presidiu a provincia do Amazonas de 1857 a 1859. Reeleito em 
4861 deputado pela provincia do Maranhão abi organisou com o se- 
nador Dias Vieira a liga ou fusão dos liberaes com os conservadoreaC 
moderados, idea que a camará dos deputados adoptou. 

«Derrubado em maio de 1862 o ministério de 2 de março pelos 
esforços d'este novo partido, o conselheiro Furtado fez parte, como 
ministro da justiça, do gabinete de 24 de maio organisado pelo se- 
nador Zacharias. Dissolvido poucos dias depois este ministério pela 
opposição desordenada que lhe fizera o partido conservador, voltou 
Furtado ao Maranhão a exercer as funcções de magistrado ; sendo 
logo reeleito deputado por quasi unanimidade para a cadeira que 
deixara vaga na camará dos deputados quando acceitára a nomea- 
ção de ministro de estado, segundo as leis do paiz. 

«Dissolvida a camará dos deputados em 1863 pelo gabinete de 30 
de maio, foi de novo reeleito o conselheiro Furtado, presidindo en- 
tão a camará dos deputados de 3 de fevereiro a 30 de julho de 
1864, quando foi escolhido senador do império. Furtado conservou- 
se sempre fiel aos princípios liberaes, defendendo-os já na imprensa 
e já na tribuna. 

•Chamado ao poder pela retirada do gabinete de 15 de janeiro, 
Furtado organisou o de 31 de agosto de 1864, exercendo as func- 
çóes de presidente do conselho e ministro da justiça. 

«Este ministério leve de iuctar com os maiores e as mais impre- 
vistas difficuldades; dez dias depois de sua organisarSo dpclarou-se 
a assustadora crise financeira de 10 de setembro; e teve principal- 
mente que sustentar a guerra contra a republica do Uruguay e a 
do Paraguay, que por surpresa invadiu o império no mez de de- 
zembro, não tendo então o Krazil marinha nem exercito. 

«Em tão criticas circumstancias nCio hesitou o gabinete Furtado; 
reprimiu a crise financeira promulgando medidas enérgicas, e pre- 
parou-se para a guerra com grande actividade e energia. Confiando 
no patriotismo dos brazileiros, em vez de recorrer ao recrutamento, 
creou os corpos de voluntários da pátria, e por esse meio augmen- 



415 



toti consideravelmente o exercito; e fazendo ao mesmo tempo re* 
parar os navios da esquadra, comprou outros e mandou construir 
novos. 

«Em menos de seis mezes terminou a guerra com a republica do 
Uruguay; e quando a 8 de maio de 1865 largou o poder, o gabinete 
Furtado deixou em armas cerca de 40:000 homens e uma esquadra 
que em li de junho destroçou a do Paragaay em Ríachuelo. 
* «Atarefado com os preparativos para a guerra, este ministério 
nSo deu de mão os negócios internos; declarou livres os africanos 
introduzidos no império depois da aholiçSo do tráfico, regularisou 
as questdies hypothecarias, etc. etc. 

«Perante a immensa opposiçSo originada na ambição dos parti- 
dos, o gabinete Furtado preferiu renunciar o poder a prorogar ou 
dissolver as camarás, por isso que estando o paiz empenhado em 
uma grande guerra, qualquer d'essas medidas poderia pór obstácu- 
los á continuação da mesma guerra. 

«Magistrado intelligente e integro, seu nome é um dos mais es- 
timados e venerados no seu paiz, e a sua rara intelligencia dá- lhe 
grande aptidão para as funcções administrativas, e na tribuna como 
na imprensa a sua linguagem é sempre correcta e elegante, suas 
opiniões sinceras e emittidas com grande franqueza e simplicidade. 

«O conselheiro Furtado distingue-se ainda mais e muito entre os 
seus contemporaneos políticos pela firmeza de princípios, culto pro- 
fundo que vota á verdade, e pelo amor com que serve a sua pátria.» 
(Traduzido por António Hennoch dos Reis.)^ 



NoU G 

... pela confissão espontânea e sincera dos próprios adversários políticos! 

pag. 344 

O Diário do Rio de Janeiro, orgam do partido conservador, no 
seu numero de 24 de julho (1870) consagrou á memoria do sena- 
dor conselheiro Francisco Josó Furtado este bello artigo editorial 
devido á pena do ex."*" sr. dr. António Ferreira Yianna, então seu 



li « 




4i€ 

radaolor. • lioje irweador nrmdeote At eamià flnBíflínl di cMiw 
dop&tado geiíl e advogado do Iteo At HMBft^M»: 

•Dqpoi» de lisongeiías cqpegmças» a fy a P Bcen a 
f^ #^ainiii cniei reatídads : moamiÊm o 
José PMado, aenador pela pnrrhieia do MvaDliiaf 

«Aisda botttoBi era m doa enaoMBÉoa da 
kqje «i eadaw— p6l 

«É j—to que iliciiliemoa leapeitoBoa a Duarte 
e ^ÊgMíÊík dor ^n pviige o eonçio doa 
dTaíqMlie iUttBlie braiileíro. 

«Mo tiveBMa a fiortama de conheoer 
FMida; e ae dvaale a aaa nda aio lhe 

eoaao aa recoMnriaaMa bcje á afWMiat 

rBam para die o aol da Tcrdade e da JHtífal 
andeeen á beira da sepidtnra. 

•O finado jimeCava doas Yiitiidea que qMMí 

a finnesi e a BDoderaçio. Dedicado a an partMe^ 
ajwlíça qae jimais ínanoioiKa ás fiitifiai de 
aoa inierâaaea de aeos am^oa. 

•QBaado o nnoa lòra da magistratiiii» piufandu M • 
ponr. O eoneUieiro Parlado tioiía Iodas as 
fae ae leqMRm para «Bi graadejvis: 
■MMfgador» severo seas craridade» Iwuefoio asaafiaqMsaiy # 
siiel ás aedttec0es da aaúsade, oa ás tenlaçQes de deipÃiL Seapre 
adma das paixões que se agiUTam em ttaio d'elle, todos adonra- 
Tam aqoeUa constância impertorbarel, aqnella impassibilidade sem 
estremecimentos. 

«A magistratnra perdea táo bello modelo, e a advocacia nSo lere 
tempo pan recolher os edi6cantes exemplos de abo^açáo e de eo- 
ragem com que teria de illastrar esta nobre profissio. 

•Foi uma grande perda. 

•Magistrado, deixa á soa família e á pátria ama repolaçio lasoia- 
CQlada; contra ella o odío e a inveja nSo levantaraa sospetta, e a 
aieivosia nem sequer cogitou em duvidar de soa pureaa. 

•Estadista, lòi a imagem da abnegaçiof Descei sepultara eooi a 
siaipliddade da virtude. Emquanto todos se nobilitavam cooi Immh 
ras e dignidades, eUe se occultava para nio ser lembrado! Os ser- 
viços lelevaBtes qoe prestou durante a dwa guerra coolra o Para- 




4V 



^aiy, nâk) tiveram outra recompensa que o reconhecimento nacional 
e a satisfação, graça divina de ver subjugado o cruel inimigo da 
pátria. 

•Almas da têmpera d'aquclla não se deixam attrahir por vaido- 
sos ouropéis. O único biasáo que lhe competia, elle o deixava bri- 
lhante: —o de servidor da pátria. 

•O conselheiro Furtado nâo sendo orgulhoso era comludo altivo; 
cedia á razão, mas não sabia transigir com caprichos. Tinha a cora- 
gem, hoje rara, de assumir toda a responsabilidade de seus actos; 
nAo se desculpava com influencias estranhas. Se pedia desculpa de 
seus erros, náo os imputava a outrem. 

«A sua illustre familia fica na mais digna pobreza. Se os thesou- 
ros da nação não se fecharam para suavisar as privações de tantos 
servidores da pátria, esperámos que o governo será prompto em 
ahril-os para manter dignamente a familia do illustre fmado, que, 
no ministério de que foi presidente , concorreu com tanta actividade 
quanto patriotismo para armar o império em dcfeza de sua honra 
e integridade. 

«Quanto á sua alma, nós rogámos a Deus, que, pelo precioso san- 
gue de Nosso Senhor Jpsus Christo, a chame á betnaventurança 
eterna.» 

Dizia também n'estcs termos o Jornal da Tarde (conservador) do 
dia seguinte ao do fallecimento do conselheiro Furtado : 

«Falleceu no dia 23 do corrente, ás duas horas e meia da tarde, 
e sepultou-se hontem o conselheiro Francisco José Furtado. 

•É sempre motivo de pezar para a nação a morto de um esta- 
dista distincto e das elevadas qualidades do illustre morto, qual- 
quer que seja o partido a que pertença. 

•O conselheiro Francisco José Furtado collnborou na imprensa 
e elevou-se no parlamento desde a assembléa legislativa da sua pro- 
víncia até o senado, tendo tido a honra de presidir a camará dos 
senhores deputados; honrou a magistratura, distínguiu-se na admi- 
nistração, e chamado primeiro ao cargo de ministro e secretario de 
estado, e depois ao de presidente de conselho de ministros, assigna- 
lou a sua entrada nos conselhos da coroa com a instituição dos vo. 
luutarios da pátria, cm que poucos contíavam, e sem a qual, no en- 
tretanto, não teríamos conquistado as glórias que conquistámos nos 
campos de Paraguay. Aos que duvidavam do i^xíto d 'essa institui- 

Fantuiox-Tom. n. s7 



4 IH 



ção, respondia elle cheio de fé : « — Se a naçáo nâo acudir a esie 
appéllo, quando se trata de vingar a sua honra ultiajada pelo estran- 
geiro, seria necessário confessar que estamos perdidos. — » Qi^gaiii- 
sacio eminentemente enérgica e patriótica, náo podia eUe doridar 
da energia e patriotismo de seus patrícios, que tio dignamente cor- 
responderam á confiança n'elles depositada. 

«Homem inteiramente dedicado ao seu partido, e que fazia re- 
cordar alguns dos grandes typos da opposiçio liberal do primeiro 
reinado, o conselheiro Francisco José Furtado sabia ooociliar os 
deveres da politica com as relações pessoaes; tinha muitos amigoe en- 
tre os seus adversaríos, e por isso o seu tumulo é orvalhado pelo 
pranto da família, a que elle legou honra e pobreza, dos eo-reli- 
gionaríos, que perderam um dos seus mais importantes chefies, e de 
todos os que conheceram de perlo um brasileiro tio distioclo.» 

Quanto aos discursos dos ex."'* srs. marquez de Abaete e Cân- 
dido Mendes de Almeida, prof*^rídos em uma e outra casa do parla- 
mento, ficaram já apontados nas páginas 334 e 344 d'este tomo. 

Na primeira columna da primeira pagina da Reforma de 26 de 
julho vinha a seguinte notícia : 

Clab da reforma 

«Em sessão de hontem o — Club da Reforma, para significar os 
seus senlimentos pela morte do conselheiro Francisco José Furta- 
do, consócio do Club e um dos mais eminentes cheflfes do partido 
liberal, resolveu: 

«I.» Que todos os membros tomassem luclo por sete dias. 

«2.* Que uma commissão fosse dar os pezames á familia em nome 
áo olub. 

«3." Que a commissão ailministrativa mandasse celebrar missas 
pelo repouso eterno do illustre íiiiado no mesmo tlia e egreja.. em 
que o ílzesse a familia.» 

Em seguida tnizia este bem escripto artigo. 

..Rio, 26 do julho de 1870.* 

Funeral 

«No dia 23 ao meio dia, baixou a sepultura o senador Francisco 
Jo?e Furtado. 



^9 

«Ás onze horas da manliã o cortejo funeiíre eslava postado desde 
a ma do Riachuelo até o alto de Saiita Thereza, onde jazia o cadá- 
ver em meio da família e de numerosos amigos. ^ 

«Era desolador o espectáculo que ofTerecia o interior d'aquella 
casa, situada n'uma das collinas da rua do Oriente, aonde fora o 
illustre senador procurar allívio aos seus males c achou a morte 
inexorável ás lágrimas de uma esposa e cinco filhos, inílexivel aos 
votos da amizade, rebelde aos esforços dos mais distinctos médi- 
cos, como os drs. Pertence e Moreira, que eram a sciencia devota- 
da á cabeceira do enfermo. 

«Náo se pôde descrever a scena luctuosa de uma familia que se 
desfaz em pranto sobre o corpo inanimado de seu cheífe, que fóra- 
Ihe o arrimo, a esperança, a glória, c o resumo de todos os amores. 
Alli estavam a viuvez, a orphandade, a pobreza honrada, de joelhos 
ao pé de um ataúde, de mãos postas a invocar a misericórdia divina 
entre os gemidos da mais acerba dor. Ao pranto da familia, que cho- 
rava o esposo exemplar, o pae estremecido, misturava-se o dos 
amigos e de muitos cidadãos, que comprehendiam a grande perda 
da sociedade brasileira. 

«N'aqaelle cadáver de um homem pobre, rodeado de tantas an- 
gustias, viam todos um servidor do estado, que o servira nos mais 
elevados cargos com rara abnegação, e deixara na magistratura, no 
parlamento e no estreito circulo dos nossos estadistas um vácuo 
diflScil de preencher. 

«O sentimento público sagrou-o benemérito da pátria. Depois da 
morte de Theophilo Ottoni, não houve igual manifestação de dor 
n*esta cidade. 

«Mais de duzentos carros espalharam-se em derredor da triste 
habitação até á base da montanha. Cidadãos de todas as classes af- 
fluiam em multidão, e o pezar estava no semblante de todos, sem 
distincção de partidos, digamo-lo em honra d*elles. 

•Por parte de Sua Magestade o Imperador esteve presente o 
sr. conde de Iguassú ; por parte de sua alteza o sr. condo d*Eu, o 
seu camarista dr. Martins Pinheiro. Compareceram muitos senado- 
res, deputados, magistrados, e grande numero de pessoas do com- 
mércio. 

«O grande Oriente e todas as oflicinas mandaram commissOes. 

•Ao sahir u féretro foi conduzido ;ili'' o carro funvbre pelos srs. 



410 

eomelheiros Carnetm de Cainpos» J. Liberato Bênmiê Finlo Lina» 
ooHegas do illnstre finado no gabinete de 31 de agoalo^ peloe aent- 
dofe% Sonsa Franco e Octaviano e pelo dezembargador MegaHHw 
Gaalro. 

•Ao entrar no eemlterío de S. Joio Baptista» levatam-no ao ^* 
mo jaiifo oa srs. presidente do senado visconde de Abeelé, oonde 
de IgnassO. dr. Martins Plidieiro» senadores Cansansto de Sinimbu, 
Pbmpen e Nnnes Gonçalves. 

•Entre os adversários políticos, qne n'e88a ooêasiie aoleauie d*- 
ram significativas demonstrações de verdadem ealiBa e apiéfo ao 
senador Furtado, é-nos grato mencionar os nones do sr. barto>4ê 
Cotegipe» ministro da marínba, e dos srs. depnáadoa Caifdido Ifan* 
des e Augusto O. Gomes de Castro. 

•As manifestações do senado e da caman Éemporaria, oe 4t* 
quentes artigos do JHario âo Rk tão JbnMl dm Tmri^ qun ftt^ 
bli^mos» ex|irimiram fielmente o sentimento geral da popn h f fi ii 
* «Honra ao espirito nacional, que se mostra neonhecído aoa asr> 
viços de um brasiluro digno de todas as homenagem. 

•Na mudez de nossa dor, apenas podemos ajoelbar-noa jvnetoâ 
campa do nosso amigo, do nosso chdfe, mestre e modelo defrandea 
viifndee» e erguer os olhos ao eeo. . .• (Refwwm n.* 165 de 16 éi 
juttio de 1870). 

A respeito do eonadheíro Furtado ha mais a seguiale ohni: 
O oonseOieiTO Frmnoiaoo Joaó Fortikdo.— BMfrqMi « cs^ 
fwis 4m àíif ertia politkm nmUm p o nm ê&, pelo conselheiro Tito Fraaeo 
de Almeida, Rio de Jaiíeirri, 1867. — É um volume in-8.* de 482-vni 
pAg. e com o retrato lio bi<igraptui<)o no rosto. Foi commemoradi a 
peida de lâo illustre estadista em varíos jornaes das províncias, 
quer de um e outro crt^io; mas baldadus foram os nossos csfòitos 
para harel-c^s à mio, consefuindo de um am^ apenas o que 6ca 
lrms4TÍplt\ 



INDIOE 



r>G 



Ali vrrlencia IX 

VI O brigailMÍro ('VlicíaiK» AiitfHiio FaloSo 1 

Vil O scíiailni* Joa(iiiiii) Fi-anco de Sá .'{1 

VIU O si'nador coiiselIuMro Joaquim Vieira ila Silva o Sousa . 6o 

IX O senador consi»lheiro JoSo Pedm Dias Vieira \H 

X O dr. Joaquim Gomes de Sousa 107 

XI Anlonio Jonquim Franco de Sá {\7 

XII O coiisí-llieiro JíkÍo Duarte LisÍMia Serra 171 

XIII Trajano fiídvão de (liuvalho 11»!) 

XIV Ilellarmino de MaUí»s ISi 

XV í) senador couselliein» Francisco Jus»* Furtado 2<m 

Notas ;;i7 



FIM 1)0 TOMO II 



ERRATA 



AO 



TOMO PRIMEIRO »0 PINTHEON MARANHENSE 



PAG. LIN. 

6 40 

> âo 

48 48 



494 
» 
349 
353 
360 



4 
3 

6 
4 

38 



34 

> 

:)6 
5:4 

76 

438 30 

433 38 

4.'>3 5 

> 43 

• 33 

7 

33 

43 

9 

5 

47 



ERROS 

Pm vpz de da d'ella \e:i-&e 

o monarcha 

dobramente 

o meritório 

iinimaram-n'o 

is vícios 

grande formato 

Ilamaracú 

nella 

supersticiosos 

A (irecia 



veo 

laureada 

Maria Carolina. 

treze dias 

mi inseparáveis. 

Francisca 

José Brito 

Brilo 



F.MP.NDAS 

delia 

^p monarcha, 

dobradameote 

r^im o meritório 

por animaram-no 

vícios 

grande, formato 

Itamarncá - 

delia 

os snpersli('ío!iOS 

Da Grécia o génio 

vôo 

honrada 

Maria Cberubina 

(reie men>s e treze dias 

inseparáveis 

Rosa Francisca 

José Bento 

José Benio 



RéctiAcaçao. — Por mal informado e fundado na prácdc^i sempre seguida 
no nosso paiz, onde costama o governo imperial remunerar os tions serviços dos juizes 
de direito que obteem aposentadoria, gralificando-os com as honras de dezerobarga> 
dor, fui indnrido a dizer na nota da pag. 363 do 4.** tomo que o dr. Cassio fora um 
d'clles; mas hoje sei que se não deu esse acto de toda justiça com o nosso probo, in- 
tegro e distincto comprovinciano por ter contra si o peccado de suas opiniões politi- 
cas. Apresso-me também a declarar que testemunha quasi occular, por telo ouvido 
muitas vezes da própria bocca do barão de Pindaré, informa-me que o documento 
queimado na reunião da casa do senador Costa Ferreira o a que me refiro na pag. 160 
(tomo i), não foi a resposta dirigida a Feijó; mas a carta em que este instava com o 
senador para que acceitassc a regência. Ou por que não quizesse o padre José Bento 
Leite Ferreira de Mello (que é este o nome do senador por Minas, um dos assignata- 
rios da proposta da maioridade e depois assassinado) qoe ficasse um documento e 
qual o liberal preferido por Feijó para substituil-o, ou ponpe contivesse queixas, cen- 
suras e apreciações dos homens e da situação politica, desfavoráveis ao partido e a al- 
guns personagens, o certo é que o padre Jo^ê Bento fel-o assim desapparecer. 



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