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Full text of "Poetisas portuguesas; antologia contendo dados bibliograficos e biograficos acêrca de cento e seis poetisas"

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NUNO  CATHARINO  CARDOSO 


Poetisas 
Portuguesas 


ANTOLOGIA  CON- 
TENDO DADOS  BI- 
BLIOGRÁFICOS E 
BIOGRÁFICOS 
ACERCA  DE  CENTjÇ 
E    SEIS   PQÊTJ 


LISBOA 

LIVRARIA    SCIENTIFICA 

8í,  Rua  Nova  do  Almada,  8i 


Poetisas    Portuguesas 


Composto  e  impresso  na  Imprensa 
^  ^  de  Manuel  Lucas  Torres  ♦  •» 
R.  Diário  de  Noticias,  5g  a  6i,  Lisboa 


NUNO  CATHARINO  CARDOSO 


Poetisas 
Portuguesas 


ANTOLOGIA  CON- 
TENDO DADOS  BI- 
BLIOGRÁFICOS E 
BIOGRÁFICOS 
ACERCA  DE  CENTO 
E    SEIS    POETISAS 


\ 


LISBOA 

EDIÇÃO  E  PROPRIEDADE  DO  AUCTOR 

1917 


A  propriedade  literária  Oeste  livro  é 
garantida  ao  auctor,  em  Portugal, 
pela  lei  Õe  18-3-1911  e  no  Brazil 
pela  lei  n."  2577  õe  17-1-1912 


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PREFflei© 


Não  é  unicamente  nas  paginas  da  sua  Historia  Mi- 
litar, Marítima  e  Colonial,  que  Portugal  se  ufana  de 
contar  os  nomes  ilustres  de  exforçados  guerreiros  e 
de  audaciosos  navegadores,  os  quaes  pelos  seus  bri- 
lhantes e  imorredouros  feitos,  levaram  Camões  a  íêr 
escrito : 

E  julgareis  qual  é  mais  excellente 
Se  ser  õo  munòo  rei,  se  õe  tal  gente 

taes  e  tantos  foram  os  prodígios  de  valor  que  Por- 
tuguezes  operaram  desde  a  fundação  de  Portucale 
até  Chaimite,  Marraquene,  Coolela,  Magul,  etc.  Se 
compulsarmos  as  paginas  da  nossa  Historia  Literária, 
deparamos,  logo,  com  uma  série  de  nomes  de  Se- 
nhoras que,  pela  sua  inteligência  e  saber,  se  impõem 
ao  mundo  culto. 

Completando  esse  quadro  já  de  si  soberbo,  vemos 
que  não  é  somente  nas  letras,  mas  ainda  em  quasi 


VI  "- 


todos  os  ramos  d'actividade  intelectual,  que  se  teem 
distinguido  as  Damas  Portuguezas. 

Assim,  em  tempos  idos,  floresceram :  na  pintura^ 
Josépha  d'AYaIa,  Soror  Maria  da  Cruz,  a  duqueza 
D.  Anna  de  Lorena,  e  Luiza  Maria  Rosa ;  na  cerâ- 
mica, Ignacia  de  Almeida ;  na  avchitéctura,  Mar- 
garida de  Noronha ;  como  teóloga,  Izabel  de  Cas- 
tro ;  como  matemática,  a  Condessa  de  Serem  e  Al- 
buquerque ;  como  filosofas  e  humanistas :  Marianna 
d'Abrantes,  falecida  contando  apenas  17  anos  e  au- 
ctora  de  varias  obras  sobre  Retórica  Moderna  e  Fi- 
losofia Moral,  Joana  Michaela,  Umbolina  de  Távora  ; 
e,  finalmente,  como  literatas :  D.  joanna  da  Gama, 
auclora  dos  Ditos  de  Freira ;  Soror  Brigida  de  Santo 
António  (D.  Leonor  de  Mendanha),  D.  Feliciana  de 
Milão,  D.  joanna  Ignez  da  Cruz,  a  decima  musa,  co- 
gnome  que  Lope  da  Vega  também  deu  a  Oliva  de 
Nantes  e  que  anteriormente  havia  sido  posto  a  Ber- 
narda Ferreira  de  Lacerda,  auctora  da  Espanha  Li- 
bertada e  das  Saudades  do  Bussaco;  D.  Izabel 
Corrêa,  D.  Helena  da  Silva,  Soror  Maria  de  Mesquita 
Pimentel,  auctora  de  Cantos  religiosos,  Soror  Maria 
Baptista,  auctora  á'Obras  ascéticas;  Thereza  Mar- 
garida da  Silva  e  Horta,  auctora  de  Máximas  da 
virtude  e  formosura  com  que  Diophanes,  Cly- 


-VII 


meno  e  Hemireno,  príncipe  de.  Thebas  venceram 
os  mais  apertados  lances  da  desgraça;  D.  Maria 
do  Céo  e  D.  Maria  Magdalena  Eufemia  da  Gloria,  para 
não  falar  noutras  notabilidades  femininas. 

Que  brilhante  plêiade  de  nomes  ilustres  vem  de 
eras  remotas  até  nossos  dias! 

Que  magica  aureola  envolve  os  nomes  da  Rainha 
Santa,  convertendo  ouro  em  fragrantes  rosas ;  os  de 
D.  Filipa  de  Vilhena  e  D.  Marianna  de  Lancastre,  ar- 
mando cavaleiros  seus  próprios  filhos,  bem  como  os 
da  varonil  Duqueza  de  Bragança,  D.  Júlia  de  Gus- 
mão, e  da  arrebatada  e  lendária  Maria  da  Fonte! 


Mãe  de  tantos  Lusos  insignes,  a  Mulher  Portuguesa 
revive  sempre  pela  grata  lembrança  de  suas  obras  li- 
terárias e  piedosas  e  por  seus  feitos  militares  e  va- 
ronis. 

Como,  ainda  hoje,  séculos  passados,  é  suave  e  em- 
polgante ler  essas  cartas  de  Soror  Marianna,  a  Freira 
Portuguesa,  cartas  em  que  o  amor,  a  ternura  e  o 
sofrimento  em  cada  pagina  se  manifestam ! 

Como,  ainda  hoje,  é  grato  pensar  na  Rainha  D. 
Leonor,  a  fundadora  d'hospitaes  e  de  misericórdias, 
e  que  tantos  beneficios  espalhou  no  Paiz  l 

Como,  ainda,  volvidos  tantos  séculos,  nos  curvamos 


VIII  - 


reverentes,  ante  os  nomes  da  Condessa  de  Castelo 
Melhor,  da  Condessa  de  Penaguião,  de  D.  Luiza  de 
Faro,  de  Helena  Peres,  de  Deusadeu  Martins,  da  Pa- 
deira de  Aljubarrota;  de  Antónia  Rodrigues,  pelejan- 
do em  Mazagão,  de  D.  Izabel  de  Castro,  lactando  no 
cerco  de  Alcácer  contra  o  rei  de  Fez,  de  D.  Izabel 
de  Galvão,  em  Ceuta,  de  D.  Maria  Úrsula,  em  Am- 
boná,  intrépidas  guerreiras,  companheiras  de  Izabel 
da  Veiga,  Anna  Fernandes  e  Catharina  de  Sousa  que 
na  índia  deram  sobejas  provas  de  audácia  e  de  bra^- 
vura ! 


Como  se  no  século  XVI  não  bastassem  os  nomes 
de  Camões,  Bernardim  Ribeiro,  Cristovam  Falcão, 
Sá  de  Miranda,  António  Ferreira,  Diogo  Bernardes, 
Gil  Vicente,  João  de  Barros,  Damião  de  Góes,  Fer- 
não Mendes  Pinto  e  outros,  para  tornarem  em  ex- 
tremo gloriosas  as  paginas  da  Historia  Literária  da 
Pátria  onde  nasceram,  como  se  o  nome  do  Cantor 
dos  Luziadas  não  fosse  só  por  si  penhor  bastante 
para  representar,  belamente,  uma  literatura  inteira, 
surgem,  também,  os  nomes  notáveis  de  Paula  Vicente, 
filha  de  Gil  Vicente  e  sua  colaboradora;  da  Infanta 
D.  Maria,  filha  de  D.  Manoel  I  e  de  sua  terceira  mu- 


IX  — 


Iher,  Infanta  tão  letrada  e  conhecida  pelo  esplendor 
dos  Serões  da  infanta,  a  que  se  refere  Sá  de  Mi- 
randa, e  que  tanto  brado  deram ;  de  Publia  Horten- 
cia  de  Castro ;  de  Leonor  de  Noronha,  e  de  Joanna 
Vaz,  a  par  das  irmãs  Luiza  e  Paula  Sigea,  conjuncto 
este  de  damas  que,  sem  duvida  alguma,  teve  impor- 
tante papel  no  resurgimento  literário  que  nessa  época 
se  dá  em  Portugal. 

Os  conhecimentos  que  essas  Senhoras  possuíam, 
não  se  limitavam  ao  estreito  âmbito  que  algumas  pes- 
soas podem  supor. 

Conheciam  bem  —  línguas,  teologia,  filosofia,  e  hu- 
manidades. 

E'  deste  modo  que,  aos  desasete  anos  de  idade, 
Publia  Hortencia  de  Castro,  que  não  pertencia  á  fa- 
lange nobre  dirigida  pela  Infanta  D.  Maria,  tendo 
cursado  filosofia,  humanidades  e  teologia,  defende 
teses  em  Évora,  em  1563.  A  sua  erudição  era  tal,  que 
Filippe  II  —  que  assistiu  a  uma  prova  publica  em 
que  Publia  Hortencia  de  Castro  sustentou  das  mais 
dificeis  teses  teológicas  —  lhe  concedeu  uma  pensão 
vitaHcia. 

Não  nos  deverão,  todavia,  admirar  em  extremo  es- 
tes factos,  se  atendermos  a  que  Joanna  Vaz,  filha  do 
licenciado  ]oão  Vaz  e  uma  das  três  damas  da  In- 


-  X  - 


fanta  D.  Maria,  escrevia  em  árabe,  hebraico,  grego  e 
latim,  ao  Papa  Paulo  III. 

No  século  seguinte,  apesar  da  decadência  que  já 
se  nota  na  Literatura  Portuguesa,  ainda  se  destinguem, 
entre  outras,  Soror  Violante  do  Ceu,  auctora  das  Ri- 
mas [/árias  e  do  Parnaso  dos  Divinos  e  Huma- 
nos versos;  Soror  Marianna,  auctora  dessas  admi- 
ráveis cartas  dirigidas  ao  cavaleiro  de  Chamilly;  e  a 
Condessa  de  Ericeira  —  D.  Joanna  de  Menezes,  — 
muito  versada  em  castelhano,  latim,  italiano  e  francês 
e  que  escreveu  quatorze  volumes  em  que  tratou  as- 
suntos vários. 


Desejando  prestar  a  minha  homenagem  a  tantas 
Senhoras  Portuguesas  que,  de  meados  do  século 
findo,  até  hoje,  se  teem  notabilisado  como  Poetisas, 
(abro  três  justas  excepções,  tratando  da  Marqueza  de 
Alorna,  da  Viscondessa  de  Balsemão  e  de  D.  Fran- 
cisca Possolo  da  Costa,  que  viveram  num  periodo 
anterior  á  data  marcada  para  inicio  deste  trabalho), 
ou  que  simplesmente  teem  versejado  com  felicidade,  e 
que  tão  nobremente  teem  sabido  continuar  as  glorio- 
sas tradições  literárias  de  suas  antecessoras,  resolvi 
consagrar  ás  Poetisas  Portuguesas  o  primeiro  volume 


-  XI 


desla  Antologia,  na  qual,  Portugueses,  Brazileiros  e 
Estrangeiros  encontrarão  inúmeras  jóias  dispersas  do 
nosso  vasto  tesouro  poético. 

Da  inteligência,  saber  e  mérito  de  cada  uma  das 
Musas  de  que  se  ocupa  este  livro,  mais  do  que  eu 
possa  dizer,  falam  as  suas  composições  poéticas,  nas 
quaes,  a  cada  passo,  encontramos  sentimento,  graça, 
lirismo  e  beleza  que  nos  seduz  e  encanta. 

Como  poderiam  deixar  de  ser  notáveis  as  Senhoras 
que  nasceram  na  Pátria  que  se  honra  de  contar  na 
numero  de  seus  filhos  insignes : 

Garrett,  Herculano,  Castilho,  João  de  Deus,  An- 
íhero  do  Quental,  Camillo  Castello  Branco,  Eça  de 
Queiroz,  Ramalho  Ortigão,  Fialho  d'Almeida,  julio 
Dinis,  Gonçalves  Crespo,  Thomaz  Ribeiro,  Bulhão 
Pato,  Conde  de  Monsaraz,  Fernando  Caldeira,  D. 
João  da  Camará,  Sousa  Monteiro,  João  de  Lemos, 
Faustino  Xavier  de  Novaes,  Xavier  Cordeiro,  Soares 
de  Passos,  Gomes  de  Amorim,  Palmeirim,  Simões 
Dias,  Alexandre  da  Conceição,  Guilherme  de  Azevedo, 
Guilherme  Braga,  Abel  Botelho,  António  Feijó,  Luiz 
de  Araújo,  Rebello  da  Silva,  Mendes  Leal,  Pinheiro 
Chagas,  Latino  Coelho,  Oliveira  Martins,  Silva  Pinto, 
Sousa  Viterbo,  Consiglieri  Pedroso,  Innocencio  F.  da 
Silva,  Annibal  Fernandes  Thomaz,   Rodrigues  Sam- 


XIi 


paio,  Teixeira  de  Vasconcelos,  António  Ennes,  Ma- 
rianno  de  Carvalho,  Emygdio  Navarro,  Silveira  Ma- 
lhão, Alves  Mendes,  Rodrigo  da  Fonseca  Magalhães, 
José  Estevão  Coelho  de  Magalhães,  Júlio  César  Ma- 
chado, D.  Maria  AmaHa  Vaz  de  Carvalho,  Theophilo 
Braga,  Xavier  da  Cunha,  Fernandes  Costa,  Guerra 
Junqueiro,  Gomes  Leal,  Adolfo  Coelho,  Júlio  Dan- 
tas, Eugénio  de  Castro,  António  Corrêa  de  Oliveira, 
Aííonso  Lopes  Vieira,  Alberto  Bramão,  Augusto  Gil, 
Júlio  Brandão,  Alfredo  da  Cunha,  MarcelHno  Mes- 
<}uita,  Lopes  de  Mendonça.  Alberto  Pimentel,  Carlos 
Malheiro  Dias,  João  de  Barros,  etc,  etc. 

Antecedendo  as  produções  de  cada  uma  das  poe- 
tisas que  figuram  no  primeiro  volume  da  Antologia 
Portuguesa,  que  deverá  compor-se  de  6  tomos  e 
para  a  feitura  da  qual  já  consultei,  sem  um  momento 
de  desfalecimento,  cerca  de  mil  e  cem  obras  poéticas 
—  ha  uns  ligeiros  dados  biográficos  e  bibliográficos 
que,  propositadamente,  escrevi  numa  linguagem  sim- 
ples, desapaixonada  e  sem  hipérboles,  dados  que  ser- 
vem para  apresentar  cada  uma  das  Senhoras  a  quem 
me  refiro. 

Muitas  das  poetisas  de  que  trato,  por  demasiada- 
mente conhecidos  seus  nomes  e  apreciadas  suas  obras 
literárias,  não  careciam  de  apresentação,  se  desse  mo- 


XIII  - 


do  não  desejasse  reunir  muitos  elementos  dispersos, 
duma  matéria  que  entre  nós  tem  sido  pouco  versada 
(Vide  pag.  165  deste  trabalho),  e  tornar  mais  útil  e 
mais  interessante  esta  obra  que,  pelas  notas  biográfi- 
cas e  bibliográficas  que  insiro,  fornece  os  elementos 
necessários  para  se  poder  proceder  a  um  balanço  do 
movimento  intelectual  feminino  em  Portugal,  a  partir 
de  meiados  do  século  XIX,  até  nossos  dias,  designio 
que,  embora  não  completamente,  penso  ter  realisado. 

Ao  organisar  os  seis  volumes  que  constituem  esta 
Antologia  que,  pela  sua  orientação  e  conjuncto,  con- 
sidero uma  das  mais  completas  de  quantas  tentativas 
e  realisações  similares  se  íeem  efectuado  em  Portugal 
e  no  Estrangeiro,  não  tive  só  em  mira  prestar  a  mi- 
nha calorosa  e  respeitosa  homenagem  ás  Damas  Por- 
tuguesas e  aos  Poetas  Portugueses  como  também 
dotar  o  meu  Paiz  com  uma  obra  que  ele  ainda  não 
possuía,  não  obstante  tão  grande  lacuna  ser  ha  muito 
notada. 

Apezar  de  todas  as  meticulosas  investigações  e  do 
cuidado  que  puz  em  não  omitir  o  nome  de  qualquer 
poetisa  que,  de  todo  em  todo,  fosse  injustiça  deixar 
de  citar,  certamente   uma  ou  outra  omissão  haverá. 

A's  Senhoras  que  tendo  merecimento  e  direito  a 
figurarem  na  minha  obra,  nela  não  virem  o  seu  nome, 


XIV- 


peço  me  relevem  essa  falta,  que  só  o  desconheci- 
mento de  suas  produçí3es  poéticas  ou  a  dificuldade 
em  obter  dados  biográficos  me  levou  a  cometer. 

Se  não  fosse  um  tanto  ou  quanto  rebelde  a  clas- 
sificações e  se  uma  vez  estas  estabecidas,  não  trou- 
xessem melindres  (razão  porque  resolvi,  para  os  evi- 
tar, seguir  neste  livro  a  ordem  alfabética),  dividiria  as 
poetisas  a  que  me  refiro,  em :  Poetisas  falecidas  e 
Poetisas  vivas. 

Estas  ultimas,  subdividi-las-ia  em  dois  grupos. 

Como  esta  Antologia,  pela  sua  própria  natureza, 
não  é  um  livro  de  critica  literária,  embora  algumas 
das  poetisas  citadas  tenham,  é  certo,  mais  mereci- 
mento que  outras,  abstenho-me  de  taes  classificações 
que  deixo  ao  critério  e  preferencia  do  leitor. 

Concluindo  estas  explicações,  resta-me  apresentar 
a  todas  as  Senhoras  e  Pessoas  a  quem  tive  a  honra 
de  entrevistar  e  a  todas  as  Damas  e  Cavalheiros  que 
tiveram  a  amabilidade  de  me  prestarem  esclareci- 
mentos, a  expressão  mais  sincera  do  meu  grande  e 
profundo  reconhecimento  pela  forma  captivante  com 
que  umas  e  outros  se  dignaram  anuir  aos  meus  pe- 
didos. 

A's  Ex."^'  Senhoras  D.  Mecia  Mousinho  de  Albu- 
querque, D.  Zulmira  Franco  d'Almeida  Teixeira,  D. 


XV  - 


Maria  Jacintha  Teixeira  Bastos,  Q.  Esther  Amália  da 
Cunha  Delem,  D.  Maria  Figueiredo  Feio  Rebello 
Castello  Branco,  D.  Lia  de  Magalhães  CoUaço,  D. 
Branca  da  Silveira  e  Silva,  D.  Alda  Guerreiro  Ma- 
chado, D.  Emilia  Adelaide  Moniz  da  Maia,  D.  Maria 
0'Neill,  D.  Rosalinda  Celeste  de  Figueiredo  Santos, 
e  D.  Rosa  Varela  que  quizeram  enriquecer  esta  An- 
tologia, cedendo-me  valiosos  inéditos,  aqui  deixo  ex- 
presso o  preito  da  minha  maior  gratidão. 

Lisboa,  Junho  õe  1917. 

Nuno  Cathãrino  Cardoso. 


POETISAS  PORTUGUESAS 


ANTOLOGIA 


D.  MARIA  ANNA  ACHIOLI 

D.  Maria  Anna  Achíoli  nasceu  em  Torres  Veõras.  E'  filha 
ôe  D.  Lia  ôe  Magalhães  Collaço,  ôa  Casa  ôe  Conôeixa  e  òo 
òr.  Fonseca  Achioli,  ôescenôente  õe  uma  família  nobre  e 
ilustre  õe  Florença. 

E',  portanto,  D.  Maria  Anna  Achioli  bisneta  õos  conòes  Òe 
Condeixa  e  sobrinha  õos  conões  ô'Aviléz. 

D.  Maria  Anna  Achioli,  apezar  õe  muito  nova,  tem  já  a 
sua  viõa  esmaltaõa  por  titulos  õe  valor  literário  e  artístico. 

Obteve  20  valores  no  seu  exame  õo  quinto  ano  õe  portu- 
guez,  no  liceu.  E  na  pintura  foi  õiscipula  õilecta  e  notável 
õe  Maõame  Zoé  Wautelet  Batalha  Reis. 

As  suas  poesias  são  tão  singelamente  naturaes,  tão  im- 
pregnaõas  õe  canõura,  tão  filhas  õe  um  granõe  coração,  que 
bem  se  encarregam  essas  obras  õe  iniciarem  o  alvorecer  Õe 
uma  vocação  poética  õe  primeira  orõem. 

CHAPINHANDO 

Ao  Õe  leve,  na  viõraça 
bate  a  chuva  miuõinha 
e  ella,  a  Maria  õa  Graça 
finge  que  a  saia  arregaça 
e  ri  com  gosto,  a  tontinha ! 


Poetisas  Portuguesas 


A  cabeça  òescoberta 

e  a  chuva  tão  miuõinha . . . 

E  ella  a  rir.  Iravessa  e  esperta, 

pára  na  rua,  õeserta, 

e  os  pés  na  lama  chapinha. 

O  cabello  a  òesfrizar-se 
com  a  chuva  miuõinha. . . 
e  ella,  rinôo,  a  arregaçar-se, 
como  quem  sêòas  trajasse 
em  vez  Õe  curta  sainha. 

Ris,  pequena  enòiabraôa  ? 
E  a  chuva  cae  miuõinha .   • 
mas  olha  a  saia  encarnaôa 
que  ôe  tanto  arregaçaòa, 
se  não  vê,  a  pobresinha  ! 

Que  gosto  é  esse,  Maria  ? 
Cai  a  chuva  miuòinha. . . 
foge,  corre,  que  ella  é  fria 
e  eu  sei  que  alguém  choraria 
ao  saber-te  doentinha. 


Maria  Anna  Achioli.  Almanach  de  Lembranças^  1913,  pag. 
150. 


LAR  FELIZ 

Olha  o  sol  já  se  escon&eu, 
Não  tenho  tempo  a  perôer. 
Vem  o  Manei,  quer  comer. 
Toôo  o  õia  a  trabalhar, 
E'  tempo  Òe  õescançar  !• . - 
Tão  branco  e  tão  pequenino, 
Como  ôorme  o  meu  menino 
O  filho  que  Deus  me  ôeu ! 


Poetisas  Portuguesas 


Na  mesa  nova  õe  pinho 
Manchanõo  a  alvura  5o  linho 
Luz  o  veròe  cangirão, 
Dois  talheres,  copos  e  pão. 

Ah  !  mulher,  temos  bom  anno, 
Não  ha  fome  cá  n'alõeia, 
A  espiga  é  granôe  e  cheia, 
Cahiu  a  agua  ôos  Céus 
E  inchoua,  benza-a  Deus! 
E  a  gente  sempre  a  pensar 
Que  a  chuva  a  vinha  estragar, 
E  ás  terras  causar  õamno. . .    * 

A  comiòa  é  bem  frugal 
Batatas,  couves  com  sal ; 
Mas  na  terrina  alõeã 
Cheira  a  sopa  a  hortelã. 

—  Está  boa  a  ceia,  Maria ; 
Ah  !  .    Olha  lá,  meu  amor, 
Faz  hoje  um  ânno,  pois  não  ? 
Que  o  bom  õo  senhor  prior 
Me  Õeu  para  a  minha  mão 

A  cachopa  mais  bonita, 
A  moçoila  mais  catita 
Que  eu  vi  lá  na  romaria.  — 

E  os  copos  enchem-se  então 

—  <A'  nossa  e  á  ôo  petiz>,  — 
Fructo  õ'aquella  affeição, 
Enlevo  òo  lar  feliz  ! 


Maria  Anna  Achioli. 


4  Poetisas  Portuguesas 

D.  VIRGÍNIA  DA  C  SILVA  AGOAS 

Faleceu  contanôo  apenas  27  anos  òe  iôaõe,  Era  filha  5o 
empregado  Ôo  Ministério  òa  Fazenòa  —  Agoas. 

O  seu  volume  òe  versos,  Ouír'ora,  prefaciado  pelo  Dr. 
Canõiòo  õe  Figueiredo,  foi  comprado  por  mim  em  plena 
rua,  onde  se  vendia  por  preço  ridículo,  como  sucede  a  tan- 
tas outras  obras.  O  facto  apontado  é  a  prova  evidente  do 
pouco  interesse  que  uma  bôa  parte  dos  Portuguezes  tem 
por  assumptos  literários. 

E'  com  satisfação,  que  presto  homenagem  á  sua  auctora, 
que  em  vida,  tão  assidua  e  distinctamente  colaborou  no  in- 
teressante jornaí  Os  Echos  da  Avenida  que  já  conta  bastan- 
tes anos  de  existência  e  no  qual  se  encontram  as  biogra- 
fias e  retratos  de  pessoas  mais  em  evidencia  no  nosso  meio 
literário.  D.  Virgínia  Agoas  colaborou  também  nos  jornaes 
A  Tarde,  Folha  do  Sul,  de  Montemór-o-Novo,  etc.  Num 
certapien  literário  iniciado  pelos  Echos  da  Avenida,  em  1906, 
uma  das  suas  quadras  foi  das  mais  votadas. 

Esta  Poetisa  tinha  grande  vocação  para  a  pintura  e  para 
a  musica. 

Escreveu  ainda,  um  livro  de  contos.  Silvas,  prefaciado  por 
Carlos  Malheiro  Dias  e  que  á  semelhança  do  que  aconte- 
ceu com  o  seu  volume  de  versos,  foi  publicado  postuma- 
mente. 

SAUDADE 

Saudade  tem-se  de  uma  rosa  linda 

que  a  gente  vê  desfolhar  tristonha, 

Saudade  tem-se,  quanto  mais  se  sonha. . . 

De  um  bem  que  morre.   .  de  um  prazer  que  finda. 

Saudade,  causa  tanta  vez,  ainda, 
a  própria  Dôr  —  a  sensação  medonha. 
Mas  essa  é,  a  que  provem  risonha, 
do  recordar  de  uma  ilusão  infinda. 


Poetisas  Portuguesas 


Sauõaôe  —  encanto  e  lagrimas  —  existe 

ôe  um  sonho  bom  õe  um  sonho  belo  ou  triste, 

e  tuôo  envolve  em  sua  roxa  côr. 

Sauôaòe  !  —  ai  é  sentir  toòo  um  passaõo 
nitiòamente  e  sempre  reavivaõo, 
—  é  òerraòeira  pagina  õo  Amor. 

Virgínia  Agoas.  Outrora,  versos  póstumos.  Porto,  1913, 
pag.  11  e  12. 


IMACULADA 

Um  primor  ôe  arte  antiga  e  requintada 
essa  meôalha  Òe  subtis  lavores, 
que  eu  encontrei  um  õia  abanõonaõa 
no  banco  ôe  um  jaròim,  por  entre  flores. 

Na  tampa  õe  oiro,  oval  e  cinzelada, 
exibia  uns  iôilios  ôe  pastores, 
abraçanôo-se  á  luz  ôa  maôrugaôa, 
nos  mais  simples  e  canôiôos  amores. 

Encontrei-a,  —  e  uma  intensa  vontaôe 
levou-me  a  abril-a,  cheia  ôe  ancieôaôe, 
essa  meôalha  antiga  e  cinzelaôa.    • 

Vi  então,  mais  formosa  ôo  que  Ester 
um  retrato  ôe  ôeusa,  ou  ôe  mulher, 
e  uma  palavra  só  :  —  Imaculada ! 

Virgínia  Agoas.  Outr'ora,  pag.  15  e  16. 


Poetisas  Portuguesas 


DORMIR -ESPERAR  . 

Dormir,  ôormir  —  esquecer 
Coisa  boa,  que  inõa  existe  ! 
Dormir  é  quasi  morrer, 
Allivio  Õe  quem  é  triste. 

O  tormento  mais  amargo, 
o  mais  luminoso  amor, 
tuõo  cae  n'esse  letargo, 
sempre  pacificaôôr ! 

Dormir !  —  A  paz  para  a  alma  ! 

—  Tréguas  para  qualquer  ôôr ! 

—  Descanso  para  o  sentir ! 

—  Vaga,  que  instantes  acalma ! 
Morte  efémera  õo  Amor 
Esquecer  . .  Dormir,  Ôormir ! 

Virgínia  Agoas.  Outr^ora,  pag.  41  e  42. 


No  calvário  espinhoso  ô'esta  viôa, 
vou  caminhanõo  em  busca  ôe  uma  luz 
que  me  será  ôepois,  na  õespeòiõa, 
õerraôeiro  clarão,  õeposta  a  cruz. 

Virgínia  Agoas.  Outr'ora,  pag.  83. 


Poetisas  Portuguesas 


D.  MARIA  CECÍLIA  AILLAUD 

D.  Maria  Cecília  Aillauõ  nasceu  em  Coimbra,  senôo  filha 
òe  João  Peõro  Aillauõ,  negociante  vinõo  õe  França  e  que 
se  estabeleceu  naquela  ciôaôe. 

Em  1808  casou-se  com  o  õr.  Manuel  Mathias  Vieira  e  Fia- 
lho õe  Menôonça,  latinista  notável  e  poeta,  e  Òe  quem  en- 
viuvou em  1833. 

D.  Maria  Cecília  Aillauõ,  eõucaôa  no  Colégio  Õas  Urseii- 
nas,  foi  uma  pianista  muito  notável.  Teve  por  professor  o 
estuõante  Õe  matemática  ]oão  Evangelista  Torrianí,  a  quem 
D.  Frei  Francisco  õe  S.  Luiz  veiu  a  chamar  insigne  tocador 
de  piano  em  que  mostrava  particular  gosto  e  expressão. 

D.  Maria  Cecília  Aillauõ  foi  bastante  infeliz. 

Após  a  morte  õe  seu  mariõo,  faleceu-lhe  uma  filhinha. 
Em  1834,  õeixava  õe  existir  seu  filho,  aluno  õístíncto,  e  pre- 
miaõo  em  toõos  os  anos  õa  Universiõaôe  e  a  quem  õeõi- 
cava  particular  estima. 

Nos  escriptos  õe  D.  Maria  Cecilía  Aillauõ  preõomina 
sempre  granõe  sauõaõe  pelo  filho  e  granõe  amor  e  respeito 
pela  religião. 

D.  Maria  Cecília  Aillauõ  õeixou  muitos  escritos  originaes 
e  traõuziu  bastantes  trechos  Õe  auctores  eclesiásticos  e  pro- 
fanos, como :  Bossuet,  Massillon,  etc,  La  Harpe^  Buffon, 
Saint  Lambert^  Voltaire,  Rousseau,  Corneille,  Racine,  Mo- 
lière,  Chateaubriand,  Victor  Hugo,  Metestasio,  etc. 

Foi  também  auctora  Õe  meõitações,  pensamentos,  e  õe 
varias  poesias. 

A  sua  obra  principal  são  as  suas  óMemorias. 

Estes  apontamentos  foram  extractaõos,  em  parte,  õa  obra 
A  Mulher  em  Portugal  Õe  D.  António  õa  Costa.  Nas  Cartas 
Selectas  õe  Fonseca  Pinto  vem  também  um  interessante  ca- 
pitulo sobre  esta  Senhora  que  faleceu  em  1857. 

As  poesias  que  apresento  õ'esta  Poetisa,  õevo-as  á  ama- 
biliõaõe  õe  Carlos  Augusto  õe  Almeiõa.  Foram  traõuziõas 


Poetisas  Portuguesas 


pelo  òr.  Castro  Freire  que  foi  lente  òe  matemática  e  antigo 
Vice- Reitor  õa  UniversiõaÔe  ôe  Coimbra. 


A'  MEMORIA  DE  MEU  CARO  FILHO 
MANUEL  MATIAS  VIEIRA 

Tu  que  brilhar  fizeste 
Em  minha  noute  escura 
Doce  raio  õe  amor  e  luz  celeste ; 
Tu  que  na  terra  teu  amor  me  oeste 
^■'       Ah !  òe  mim  não  te  esqueças  lá  no  céu. 

Maria  Cecília  Aillauô. 


De  colina  em  colina  vagueando 

Do  sul  ao  aquilão, 
Meus  olhos  Òesôe  a  aurora  ao  occiôente 

Tuòo  correnõo  vão. 
Eu  òigo :  minha  vista  em  vão  procuro 
Em  sitio  algum  depara  com  a  ventura ! 

Estes  valles,  as  rochas,  os  palácios 

E  as  chossas  õe  pastor 
Para  mim  vãos  objectos  sem  encanto 

Não  tem  algum  valor. 
Sem  um  ser  que  vos  falta,  amenos  praòos, 
Rios,  bosques,  sois  ermos,  escalvados. 

Quer  o  giro  ôo  sol  vá  ter  principio 

Quer  esteja  a  findar 
Eu,  insensível  sempre  ;  pelos  ares 

O  vejo  caminhar : 
Quer  sumido  entre  nuvens,  quer  radioso 
Que  importa  o  sol  e  o  dia  ao  desditoso  ? 


Poetisas  Portuguesas 


Ainõa  que  em  seu  giro  eu  o  seguisse 
Dos  céus  pela  extensão, 

Meus  olhos  sequiosos  só  reviam 
O  vácuo,  a  solidão  : 

De  quanto  cobre  o  sol  naõa  apeteço 
Ao  munòo  inteiro  cousa  alguma  peço. 


Que  importa  no  momento  ôo  naufrágio 
Se  em  pomposo  baixel  se  ha  navegaôo, 
Ou  se  n'um  batel  ligeiro 
Solitário  e  passageiro, 
Se  tem  somente  a  praia  borõejaôo  ?  ! 
Maria  Cecília  Aillauò. 


D.  ANNA  DE  ALBUQUERQUE 

D.  Anna  õe  Albuquerque  foi  actriz  õo  teatro  òe  D.  Ma- 
ria II,  hoje  Teatro  Nacional,  onõe  fez  a  sua  estreia,  não  fa- 
zenôo  má  figura,  segundo  assevera  Sousa  Bastos,  no  seu 
livro  Carteira  do  Artisía,  que  ácêrca  òesta  Senhora  pouco 
mais  aõeanta. 

D.  Anna  õe  Albuquerque  abandonou  a  carreira  teatral, 
para  se  casar  com  o  general  e  par  ôo  reino  D.  Luiz  da  Ca- 
mará Leme. 

A  poesia  que  apresento  foi  publicada  na  Tragedia,  n." 
único  de  um  jornal  publicado  pela  sociedade  dos  artistas 
dramáticos  do  Teatro  de  D.  Maria,  destinado  a  socorrer  as 
victimas  dos  terremotos  em  Hespanha,  jornal  no  qual  cola- 
boraram, entre  outros,  António  Pedro,  Augusto  Rosa,  Rosa 
Damasceno,  Carolina  Falco,  Joaquim  de  Almeida,  Thomaz 
Ribeiro,  Eduardo  Coelho,  Fernando  Caldeira,  etc. 

D.  Anna  de  Albuquerque  colaborou  no  Almanach  dos  Pal- 
cos e  Salas,  de  1899  e  foi  directora,  segundo  me  informam, 
do  Almanach  D.  Luiz. 


10  Poetisas  Portuguesas 

Sae-nos  òo  coração  um  pranto  aròente 
um  mysterio,  um  perfume,  um  branôo  som, 
como  passa  no  ar  o  aroma  quente 
õas  aras  virginaes  ò'um  anjo  bom. 

E  o  nosso  amor,  os  nossos  ais  maguaòos, 
õa  nossa  õôr  as  expansões  tão  francas, 
irão  cair  aos  pés  õos  Òesgraçaõos 
como  um  Õiluvio  òe  violetas  brancas. 

Anna  ôe  Albuquerque.  Tragedia,  1885,  pag.  6. 


D.  MAFALDA  MOUSINHO 
DE  ALBUQUERQUE 

D.  Mafalõa  Mousinho  òe  Albuquerque  que  nasceu  em 
Lisboa,  é  como  sua  irmã  D,  Mecia  Mousinho  Ôe  Albuquer- 
que, ôe  ilustre  ascenõencia,  não  ôevenôo  nós  Portugueses 
esquecer  que  á  mesma  ilustre  familia,  cuja  nobreza  vem  ôo 
tempo  ôe  D.  Diniz  e  que  tem  ôaôo  a  Portugal  tantos  guer- 
reiros e  literatos,  pertence  Joaquim  Mousinho  ôe  Albuquer- 
que, o  heroe  ôe  Chaimite. 

Seu  avô  Luiz  Mousinho  ôe  Albuqnerque,  poeta  ôe  nome 
e  homem  ôe  Estaôo  notável,  foi  uma  ôas  figuras  ôe  ôesta- 
que  na  Revolução  Patuleia,  pela  qual  morreu  na  batalha  ôe 
Torres  Veôras. 

Seu  pae  FernanÔo  Mousinho  ôe  Albuquerque,  alem  Ôe 
ser  um  liberal,  foi  também  um  bravo.  Foi  um  ôos  mais  in- 
trepiôos  caôetes  que  a  ôivisão  auxiliar  que  foi  á  Hespanha, 
levou  para  combater  o  exercito  Carlista.  No  combate  ôe 
Chão  da  Feira,  foi  feriôo  ;  e  á  frente  ôo  Batalhão  Acadé- 
mico, caiu  varaôo  ôo  peito  ás  costas,  no  violento  combate 
ôo  Alto  do  Viso. 

Apesar  ôe  D.  Mafalôa  ter  tantos  motivos  para  justificaõo 


Poetisas  Portuguesas  11 


orgulho,  escolheu  e  firmou  quasi  toòos  os  seus  trabalhos 
literários  com  o  ôespretencioso  pseudónimo  ôe  Modtsta. 

Foi  nos  últimos  tempos  õo  granõe  poeta  Thomaz  Ribeiro, 
que  apareceram  os  primeiros  versos  òe  D.  Mafalòa  Mou- 
sinho e  que  tantos  encómios  mereceram  ao  falecido  auctor 
ôo  D.  Jaime,  que  tornou  conheciõa  Ôo  publico  D.  Mafalda, 
que  nessa  época  pouco  mais  era  que  uma  criança. 

Não  se  enganou,  pois,  Thomaz  Ribeiro,  quando  profetisou 
que  D.  Mafalda  Mousinho  de  Albuquerque  seria  uma  boa 
poetisa,  o  que  esta  Senhora  plenamente  justificou  com  a 
publicação  das  Nevadas  Penas,  aparecidas  sob  o  pseudó- 
nimo de  Rubem  de  Lara,  livro  tSo  querido  de  sua  auctora, 
bem  como  o  romance  Um  Rembrandu  obras  estas  em  que 
Rubem  de  Lara  e  Modesta  atingiu  a  maior  perfeição  nos 
seus  versos  e  na  sua  prosa  elegante. 

Em- 1906  publicon  o  seu  primeiro  livro :  Contos,  prefaciado 
por  D.  João  da  Camará. 

Em  1907,  Versos,  prefaciado  pelo  dr.  Cândido  de  Figuei- 
redo. 

Em  1908,  O  Coração  dum  Sábio,  em  que  defende  como 
remédio  social  o  divórcio. 

Em  1910,  Um  Rembrandt  e  finalmente  em  1913,  Nevadas 
'Penas,  obras  estas  que  abordam  assumptos  tão  diferentes, 
mas  que  nunca  ferem  a  nota  politica  a  que  D.  Mafalda  é 
completamente  extranha. 

Do  valor  literário  dos  trabalhos  de  D.  Mafalda  Mousinho 
de  Albuquerque  falam  nos  mais  elogiosos  termos,  as  chro- 
nicas  literárias  de  vários  jornaes,  firmadas  por  António  de 
Campos  Júnior,  Cândido  de  Figueiredo,  o  falecido  dr.  Adolfo 
Sarmento,  etc. 

SOMBRA 

Nem  eu  própria  sei  bem  porque  sou  triste, 

Porque  esta  imensa  dôr 
Me  annuvia,  e  me  mostra  quanto  existe 

Sombrio,  aterrador ! 


12  Poetisas  Portuguesas 

Bem  sei  que  para  toòos  ha  espinhos 

Nas  rosas  õo  viver ! 
Que  toòos  têm  nos  ariõos  caminhos 

Da  viõa,  que  soffrer  ! 

Que  nem  tuõo  é  sinistro  e  negro  e  feio 

Em  ôerreòor  Õe  mim ! 
Mas  não  sei  que  tristeza,  que  receio 

Gela  meu  peito  assim  ! 

Quando  em  pequena  ainòa,  me  acolhia 

Ao  regaço  òa  mãe, 
Dizem  que  poiícas  vezes  me  sorria ; 

E  eu  lembro-me  também ! 

Hoje,  em  mulher,  as  sombras  carregaram  ! 

E,  não  sei  bem  porquê, 
Inõa  as  minhas  tendências  não  muõaram : 

Ninguém  sorrir  me  vê ! 

MoÒesta.  (Mafalòa  Mousinho  Õe  Albuquerque).  Versos, 
Lisboa,  1907,  pag.  29  a  30. 


SEM  REMÉDIO 

Alta  noute.  Na  alcova,  a  lamparina 
Lança  uma  luz  serena,  incerta  e  baça. 
Pela  memoria  a  òesòitosa  passa 
Os  caprichos  õa  sua  infausta  sina. 

E  emquanto  triste  e  languiõa  õeslaça 
As  roupas  õe  cambraia  e  musselina, 
Sobre  o  peito  õe  novo  a  fronte  inclina, 
Como  a  estatua  õa  õôr  ou  õa  õesgraça 


Poetisas  Portuguesas  13 

No  braço,  envolto  em  renôas  perfumaòas, 
Duas  manchas  enormes,  azulaòas. 
Que  enfureciõo  alli  deixara  alguém, 

Trouxeram-lhe  a  sauôaôe  òentro  õ'alma, 
Da  viõa  pobre,  mas  suave  e  calma. 
Que  ella  gosára  ao  pé  õe  sua  mãe ! 

Moòesta.  (Mafalôa  Mousinho  ôe  Albuquerque).  Versos, 
pag.  87  e  88. 


POR  QUE  TE  AMO 

Amo- te,  porque  és  tu  a  luz  bemôita 
Que  as  trevas  õesta  viõa  me  alumia  ! 
Porque  és  tu  minha  única  alegria  ! 
Doce  conforto  õa  minha  alma  afflicta  ! 

Pharol  abençoado  que  me  guia 
Neste  mar  ò'amargura  e  õe  õesôita, 
Onõe  o  meu  coração  se  estorce  e  agita 
Numa  longa,  uma  intérmina  agonia ! . . . 

Amo-te,  porque  neste  ignaro  munôo 
O  meu  longo  Descrer  Õoiõo  e  profunõo. 
Não  m'o  expulsa  ôo  peito  mais  ninguém ! 

Porque  ninguém  no  munõo  se  compara 
Comtigo,  alma  õe  luz  formosa  e  rara ! 
Sublime  encarnação  õe  toõo  o  bem. 

Moõesta.  (Mafalõa  Mousinho  õe  Albuquerque).  Versos, 
pag.  148. 


14  Poetisas  Portuguesas 


/EQUO  ANIMO! 

Vós  o  sabeis,  senhora !  —  Com  certeza, 
O  sabeis  quasi  como  eu  próprio  sei !  — 
Que  para  mim  não  ha  mais  oura  lei 
Que  esta  ôa  vossa  glacial  frieza ! 

Mas  como  a  gente  a  tuôo  se  habitua, 
E'  para  mim  um  facto,  assente  agora, 
Que  hei-õe  seguir  por  toòa  a  viõa  fora, 
Observanõo  uma  lei  severa  e  crua ! 

E'  vosso  nome  o  raõioso  grito 
Que  aos  meus  lábios  acoòe  sem  cessar ! 
Se  òesviaes  òe  mim  o  vosso  olhar. 
Não  podereis  também  vêr  um  ôelicto. 

Neste  preito  õe  amor  tão  levantaòo. 
Que  se  póõe  chamar-lhe  aôoração ! 
Senhora,  que  me  õaes  a  inspiração ! 
Senhora,  que  sois  toõo  o  meu  cuiõaôo ! 


O  amor  nunca  se  mendiga 
E'  ou  não  é  ..  e  acabou! 
Deus  esta  lei  decretou 
Porque  toõa  a  gente  a  siga  ! 

Vêòes  portanto !  Não  peço 
Nem  por  sombras  o  impossível ! 
De  um  peito  nobre  e  sensivel 
Reclamo  o  que  lhe  mereço  ! 

Um  boccaòinho  òe  estima 
Com  tuôo  se  concilia 
Só  a  vossa  sympathia 
Toòo  o  meu  ser  reanima. . . 


Poetisas  Portuguesas  15 


Descei  a  mim  vosso  olhar 

—  Como  não  ha  outro  igual  — 
E  vereis  toòo  o  meu  mal 

Por  encanto  se  acalmar ! 

Olhar,  que  traga  somente 
Um  bocadinho  pequeno 
D'aquelle  affecto  sereno 
Onòe  abrigaes  tanta  gente  1 

Sou  como  a  ave  sem  ninho  ! 
Senhora,  õae-me  o  abrigo 
Do  vosso  olhar,  que  eu  prosigo 
No  meu  agreste  caminho ! 

E  Òepois  .    quanòo  cansaòo 
Do  frio  intenso  õo  inverno, 
Erguerei  meu  braòo  eterno. 
Em  qualquer  rocha  sentado  : 

—  Senhora  õos  negros  olhos 
E  õas  palavras  serenas ! 
Vêõe  estas  «Nevadas  Penas> 

Do  meu  caminho  òa  abrolhos! . . . 

Ruben  ôe  Lara.  Nevadas  Penas,  Lisboa,  1913,  pag.  3  a  6. 


PRECE 

Senhor !  ]á  que  a  tormenta  se  não  cansa 

De  contra  mim  rugir, 
Doixae-me,  inòa  que  ténue,  uma  esperança ! 
Deixae-mé,  como  um  iris  òe  bonança 
Vêr  o  seu  ôoce  e  placiôo  sorrir ! 


16  Poetisas  Portuguesas 

Dai-me,  Senhor,  emfim,  toõa  a  amargura ! 

—  Noite  sem  alvoraòa  !  — 
Irei  buscar  phantastica  ventura 
Na  aòoração,  na  ferviòa  ternura 
Que  me  escraviza  aos  pés  Ôa  minha  amaõa  ! 

E  a  minha  sorte  negra  hei  5e  soffrel-a, 

Senhor,  sem  me  queixar. 
Se  attenòerões,  Meu  Deus,  o  que  vos  peço ! 
Que  no  caminho  ouro  que  atravesso 
Nunca  me  falte  a  luz  òaquelle  olhar ! 

Ruben  ôe  Lara.  Nevadas  Penas,  1913,  pag.  45  e  46. 


UM  ENCONTRO 

Passava  òistrahiôo  . .  e  tu  bem  viste 
Que  o  pensamento  meu  não  era  ali, 
Quanôo  o  teu  rosto  emfim  reconheci 
No  olhar  com  que  insistente  me  meôiste  ! 

Ha  longos  annos  já  que  te  esqueci. 
—  Ao  tempo,  bem  vês  tu,  naõa  resiste !  — 
. .  .Se  o  meu  olhar  foi  summamente  triste 
Certamente  não  foi  porque  te  vi ! 

Que  importa  lá  que  os  annos  òecorressem 
E  que  os  factos  emfim  te  convencessem 
Que  era  simples  e  bom  meu  coração  ? 

E'  tarõe  !  Muito  tarõe !  —  Que  loucura 
Vir  agora  a  acorõar  uma  amargura, 
Hoje,  fora  Õe  tempo- . .  e  õe  razão.  • . 

Ruben  òe  Lara.  Nevadas  Penas,  Lisboa,  1913,  pag.  49e  50. 


Poetisas  Portuguesas  17 


D.  MECIA  MOUSINHO  DE  ALBUQUERQUE 

D.  Meda  Alousinho  Õe  Albuquerque  é  filha  ôe  D.  Mafalôa 
Augusta  Barbosa  õe  Miranòa  e  õe  Fernanõo  Luiz  Mousinho 
ôe  Albuquerque  que  foi  o  comanõante  õo  'Batalhão  Aca- 
démico no  Alto  do  Viso  e  neta  õe  Luiz  õa  Silva  Mousinho 
õe  Albuquerque,  auctor  õe  Ruy^  o  Escudeiro  e  Õas  Georgicas, 
õois  livros  bastante  conheciõos  e  apreciaõos. 

D.  Mecia  Mousinho  õe  Albuquerque  que  é  uma  õistincta 
poetisa,  tem  colaboraõo,  em  prosa  e  verso,  nos  jornaes  Oc- 
cidente,  Novidades,  Tarde,  Nacioual,  Dia  e  Nação. 

Alguns  õos  escriptos  õesla  ilustre  senhora  que  Õescenõe 
õe  Affonso  Sanches,  filho  bastarõo  õe  D.  Diniz,  teem  siõo 
firmaõas  com  o  pseuõonnimo  õe  Zoleica. 

D.  Mecia  é  auctora  õos  seguintes  trabalhos :  Tecedeira, 
poemeto  õestinaõo  a  uma  obra  õe  cariõaõe  e  que  renõeu 
mais  õe  1  conto  õe  réis ;  .4  Bandeira ;  Os  Mortos  de  Cha- 
ves, folheto. 

Tem  para  publicar  os  seguintes  trabalhos  literários  : 

Verso:  ^lusa  das  prisões ;  Versos  e  Farpinhas,  õe  cola- 
boração com  sua  filha  D.  Fernanõa  Mousinho  õe  Albuquer- 
que. 

Prosa :  Aventuras  de  Rudeguna. 

D.  Mecia  Mousinho  é,  juntamente  com  a  Senhora  Conões  - 
sa  õe  Ficalho  e  D.  Constança  Telles  õa  Gama,  õas  Senhoras 
Portuguezas  a  quem  os  presos  políticos  e  emigraõos  mais 
altos  serviços  Õevem.  E'  funõaõora  õe  uma  Associação  que 
tem  por  fim  conceõer  subsiõios  e  pagar  renõas  õe  casas,  a 
monarchicos  necessitaõos. 

No  Álbum  dos  Vencidos,  ha  um  capitulo  õeõicaõo  a  esta 
Senhora,  no  qual  se  faz  referencia  aos  serviços  que  aos  mo- 
narchicos tem  prestaõo. 

Rocha  Martins,  auctor  õo  D.  Manuel  21,  trabalho  que  a 
par  õos  õe  ]oaquim  Leitão,  muita  luz  lançam  nos  aconteci- 
mentos que  õeram  origem  ao  5  de  outubro  de  igio  e  nos 
que  se  lhe  seguiram,  no  seu  romance  histórico  Maria  da 

2 


18  Poetisas  Portuguesas 

Fonte  fornece  valiosos  elementos  para  o  estuõc  5a  família 
Mousinho  que  conta  tantos  guerreiros  e  literatos  ilustres. 

A  biografia  ôo  avô  ôe  D.  Mecia,  foi  feita  por  Xavier  Cor- 
òeiro. 

O  ultimo  trabalho  literário  òe  D.  Mecia  Mousinho  òe  Al- 
buquerque, ha  pouco  publicaõo,  intitula-seFr.r^wie«ío5//í5- 
loricos,  elegante  eòição,  em  que  ha  belas  poesias,  cheias 
ôe  Fé,  e  que  encantam  pela  forma  primorosa  por  que  estão 
escriptas,  como  os  leitores  poõerão  apreciar  no  soneto  òe- 
òicaôo  á  memoria  ôe  Aivaro-  l^inheiro  Chagas. 

DEPOIS  DO  BAILE 

INKDITA 

Terminou  o  baile     .  agora. 
Dos  seus  triumphos  ufana. 
Uma  formosa  munòana 
Expõe-se  ás  luzes  Ô'aurora 

A  belleza  soberana. 
Que  o  munõo  incensa  e  aõora  — 
E  onõe  o  tempo,  por  ora. 
Não  pôz  a  mão  ôeshumana, 

Desprenõe  o  negro  cabello. 

Ao  espelho  —  e  fica-se  a  vel-os  • . 

De  repente  perõe  a  côr ! 

E'  porque  na  ôensa  matta, 
-    Um  branco  fio  be  prata 
Apparece. .  ■  ameaçador ! 

Mecia  Mousinho  òe  Albuquerque. 


Poetisas  Portuguesas  19 


OCULTAS  MAGOAS 

Como  sombra  que  passa  fugitiva, 
Olhos  fitos  nas  peõras  òa  calçaòa  — 
Lá  vae  Ella  —  a  Conòessa  pensativa 
Em  seu  scismar  infinõo  mergulhaòa !. . . 

Os  tranzeunles  param  só  por  vê-la; 
E  caõa  um,  ao  contemplá-la,  õiz  : 
«Isto  não  é  mulher  . .  é  uma  estrelia!» 
«Um  ente  assim,  como  ha  Õe  ser  feliz  !> 

Ao  banquete  òe  finas  iguarias 

Onõe  as  flores  se  espalham  nos  crystaes, 

Occultanôo  profundas  agonias, 

A  Conòessa  engole  amargos  ais ! 

Mas  os  convivas  forçam-lhe  o  sorriso, 
E  caòa  um,  ao  contempla-la,  òiz : 
«Não  ha  mais  bella  flor  no  paraíso  !> 
«Um  ente  assim. .  •  como  ha  õe  ser  feliz  !> 

Vibra  òo  baile  no  ar  o  mago  encanto, 
Resplandece  a  alegria  nos  semblantes : 
Só  a  Conòessa  a  custo  gela  o  pranto 
Que  borbulha  em  seus  olhos  rutilantes ! 

As  òonzellas  cobiçam-íhe  a  frescura, 
E  caòa  uma,  ao  contempla-la  õiz  : 
«Tão  rica  e  formosa  . .  que  ventura  !> 
«Um  ente  assim . . .  como  ha  òe  ser  feliz  !> 

Mas  sobre  fria  e  solitária  lousa 

Altar  funéreo  ò'um  amor  aròente 

A  altas  horas  a  Conòessa  ousa 

Gemer. . .  carpir. . .  chorar  eternamente ! 


20  Poetisas  Portuguesas 

E  alevantanòo  o  seu  olhar  discreto, 
Triste  -O  coveiro,  ao  contempla-la  õiz 
<Só  eu  conheço  o  teu  pezar  secreto, 
Misera  amante     •  e  chamam-te  feliz  !> 

Mecia  Mousinho  5e  Albuquerque. 


A*  MEMORIA  DE  FREDERICO  PINHEIRO  CHAGAS 
[No  2,°  anniversano  da  sua  morte) 

Em  nome  Õas  senhoras  Portuguezas, 
Que  ôas  gloriosas  épicas  acções, 
Das  façanhas  antigas,  ôas  proezas, 
Guaròam  n'alma  as  sagraòas  traòicções. 

Uma  simples  coroa  ôe  tristezas 
Venho  trazer,  co'as  nossas  orações, 
A  esse  moço,  que  a  perfiòas  grandezas. 
Preferiu  o  sepulchro  sem  traições  ! 

Fiel  até  á  morte,  a  sua  espaõa. 

Reluzente,  leal,  immaculaòa. 

Não  se  dobrou  òe  vencedor  á  lei  — 

Inerte  . .  embora !  ainda  prestigiosa, 
Ensina  assim  á  Pátria  revoltosa. 
Como  se  guarda  a  fé  jurada  ao  Rei ! 

Mecia  Mousinho  de  Albuquerque.  Fragmentos  Históricos, 
Lisboa,  1917,  pag.  23  e  24. 


Poetisas  Portuguesas  21 


MARQUEZA  DE  ALORNA 

D.  Leonor  õe  AlmeiÒa  Portugal  Lencastre  e  Lorena,  4." 
Marqueza  ôe  Alorna  e  Condessa  òe  Oeyenhausen,  nasceu 
em  Lisboa  a  31  òe  Outubro  òe  1750. 

A  Marqueza  òe  Alorna  era  filha  ôe  D.  Leonor  òe  Lorena, 
filha  òos  Marquezes  òe  Távora  e  òe  D.  ]oão  òe  AlmeiÒa 
Portugal,  2.0  Marquez  òe  Alorna. 

Os  antepassaòos  Òe  D.  Leonor  òe  AlmeiÒa  Portugal  Len- 
castre e  Lorena,  são  òos  mais  ilustres.  Aos  Almeidas  refe- 
re-se  Camões,  no  canto  I,  estancia  4.». 

O  titulo  òe  Alorna,  Praça  òa  InÒia  Oriental,  foi  conceòiòo 
por  D.  João  V.  em  9-11-1748,  a  D.  Peòro  òe  AlmeiÒa  Por- 
tugal, 3."  Conòe  òe  Assumar  e  1."  Marquez  òe  Castello  Novo, 
Vice  rei  òo  EstaÒo  òa  Inòia,  cargo  que  também  exerceu  seu 
avô  D.  Francisco  òe  AlmeiÒa. 

O  Apeliòo  AlmeiÒa,  segunòo  refere  Frei  Dernaròo  òe 
Brito,  no  L.°  5."  Capitulo  6.°  da  i.^  parte  da  Chronica  de 
Cister,  Òata  òe  D.  Sancho  I,  em  que  Paio  Guterres  tomou 
o  Castelo  òe  Almeiòa  aos  Mouros. 

Paio  Guterres  é  neto  òe  Pelaio  Amaòo,  cavaleiro  princi- 
pal na  Corte  òo  Conòe  D.  Henrique. 

Além  Oestes,  muitos  outros  ascenòentes  notáveis  teve  a 
a  Marqueza  òe  Alorna. 

Na  noite  òe  3  òe  Setembro  òe  1758,  Òá-se  o  atentaòo 
contra  D.  José, 

Seu  Ministro,  o  Marquez  òe  Pombal,  que,  por  causas  va- 
rias e  factos  anteriormente  passaòos,  oòiava  a  fiõalguia, 
aproveita  tal  ensejo,  para  manòar  prenòer  o  Marquez  òe 
Gouveia,  o  Duque  Òe  Aveiro  e  o  Marquez  òe  Távora  —  D. 
João  òe  AlmeiÒa,  ~  2."  Conòe  òe  Alorna. 

Sua  esposa,  D.  Leonor  òe  Lorena,  e  suas  Òuas  filhas  D. 
Maria  õe  Almeiòa  e  D.  Leonor  òe  Almeiòa,  foram  enclau- 
suraòas,  no  Mosteiro  òe  San  Félix,  em  Chellas,  onòe  per- 
maneceram perto  òe  20  anos,  e  sofreram  os  rigores  òa 


22  Poetisas  Portuguesas 


prisão  que  lhes  eram  impostos  pelo  Arcebispo  òe  Laceòe- 
monia,  por  orõem  õo  Conõe  õe  Oeiras  —  Sebastião  José 
Òe  Carvalho  e  Melo,  mais  tarôe,  Marquez  õe  Pombal. 

Foi  em  Chellas,  na  prisão,  que  para  se  entreter,  Alcippe, 
—  assim  foi  Ôenominaòa  uma  òas  mais  celebres  poetizas 
que  Portugal  tem  tiòo,  se  õeòicou  ao  cultivo  Òas  Letras  e 
ôas  Musas. 

A  Marqueza  ôe  Alorna  —  teve,  por  òirector  espiritual,  D  . 
Frei  AlexanÕre  õa  Silva,  tio  òe  Garrett,  a  quem  por  muito 
tempo  foram  atribuiòas  as  obras  òo  auctor  Òo  Frei  Luiz 
õe  Sousa. 

Aòmiraòa  pelo  seu  4alento  e  rara  beleza  que  fez  sucesso 
na  Corte  õe  Vienna  ò'Austria,  onòe  esteve  acompanhanòo 
seu  mariõo,  o  conõe  òe  Oyenhausem,  Alcippe  brilhou  não 
só  nos  Outeiros,  onòe  acorriam  os  poetas  da  Arcádia  Lu 
sitana,  a  ouvi-la,  como  se  notabilisou  pelo  impulso  que  õeu 
á  nossa  literatura. 

Theophilo  Braga,  na  Carta  Prefacio  que  anteceõe  o  bem 
feito  e  conscencioso  livro  õe  D.  Olga  õe  Moraes  Sarmento 
ôa  Silveira,  Mulheres  Illustres,  —  A  Marquesa  de  Alorna  — 
obra  õonõe  extrahi  algumas  òas  notas  que  reproõuzo,  òiz 
õe  Alcippe,  «que  teve  o  òom  õe  encantar  os  granões  poetas 
õo  seu  tempo,  e  õe  iniciar  a  renovação  literária  Õo  Proto 
Romantismo,  reconhecenõo  e  õiriginõo  a  vocação  incipiente 
õe  Alexanòre  Herculano>. 

O  quaõro,  A  solidão,  que  fez  em  Vienna  õ' Áustria,  atesta 
os  seus  merecimentos  como  pintora  òistincta. 

As  obras  poéticas  e  traõuções  õe  Alcippe  formam  6  vo- 
lumes. 

A  já  numerosa  bibliographia  Alorniana,  foi  enriqueciõa, 
em  1916,  com  um  interessante  volume,  intitulaõo  A  Mar' 
que^a  de  Alorna,  õe  que  é  auctor  o  Senhor  Marquez  õ'Avila 
e  Bolama. 


Poetisas  Portuguesas  23 


SONETO 
Feito  na  cerca  onde  tabalhavam  uns  homens  na  agricultura 

Feliz  esse  mortal  que  se  contenta 
Com  a  herôaôe  õos  seus  antepassados, 
Que  livre  Òe  tumulto  e  òe  cuiòaòos 
Só  òo  pão  que  semêa  se  alimenta. 

D'entre  os  filhos  amaòos  afugenta 
A  õiscoròia  cruel ;  vê  õos  seus  gaõos, 
Sempre  gorõos,  alegres,  bem  trataõos, 
Numeroso  rebanho  que  apascenta. 

O  throno  mais  õitoso  é  comparável 
Ao  branòo  estabo  oeste  que  não  sente 
De  um  sceptro  õ'ouro  o  peso  formiõavel  ? 

O  que  vive  na  Corte  mais  contente 
Provou  nunca  um  prazer  tão  agraôavel 
Como  o  oeste  Pastor  pobre,  innocente  ? 

Marqueza  Õe  Alorna.  Obras  Poéticas,  Lisboa,  1844,  volu- 
me I,  pag.  16. 


SONETO 
Di^endo-me  uma  pessoa  que  eu  nunca  havia  de  ser  felij 

Esperanças  õe  um  vão  contentamento, 
Por  meu  mal  tantos  annos  conservaõas, 
E'  tempo  õe  perõer-vos,  já  que  ousaõas 
Abusastes  Õe  um  longo  soffrimento  : 

Fugi ;  cá  ficará  meu  pensamento 
Meõitanõo  nas  horas  malograõas, 
E  õas  tristes,  presentes  e  passaõas, 
Farei  para  as  futuras  argumento. 


24  Poetisafi  Pnr/n.gue^as 

]á  não  me  illuòirá  um  õoce  engano, 
Que  não  trocarei  ligeiras  fantasias 
Em  pesaõas  razões  òo  õesengano.  • 

E  tu,  sacra  VlrtuÒe,  que  annuncias 
A  quem  te  logra,  o  gosto  soberano, 
Vem  õominar  o  resto  ôos  meus  òias, 

Marqueza  õe  Alorna.  Obras  Poéticas,  volume  I.»  pag.  17. 


SONETO 
A  El-Rei,  estando  eu  muito  doente,  em  Chellas 

Um  moribunõo  esforço,  um  fraco  alento 
Inòicio  ò'uma  quasi  extincta  viõa, 
Envia  uma  infeliz,  triste,  abatiõa, 
DesÕe  o  leito  ôa  morte  ao  Régio  Assento. 

Moòéra,  oh  Soberano,  o  meu  tormento. 
Solta  o  Pae,  por  quem  choro  ôiviõiòa : 
Esta  voz,  já  sem  força  proferiòa, 
Faça  em  seu  peito  branòo  movimento. 

Quatro  lustros,  passaõos  na  amargura, 
Comprehenòe  somente  a  minha  iòaôe ; 
Entfo  no  quinto,  e  mais  na  sepultura. 

Ah  !  consente,  Monarcha,  por  pieõaôe, 
Que  mão  paterna  beije  com  ternura, 
Mate  o  ^osto  quem  morre  ôe  sauõaõe ! 

Marqueza  õe  Alorna.  Obras  Poéticas,  volume  I,  pag.  34. 


Poetisas  Portuguesas  25 


D.  MARIANNA  ANGÉLICA  DE  ANDRADE 

D.  Marianna  Angélica  Õe  Anòraòe  nasceu  em  Souzel,  em 
11  Ôe  Maio  õe  1840  e  faleceu  em  14  òe  Novembro  Òe  1882. 

Foram  seus  pães  D.  Maria  Francisca  Pereira  õa  Silva  e 
Joaquim  Aníonio  Serrano. 

Foi  em  homenagem  a  sua  maôrinha,  D.  Gertruões  Angé- 
lica õe  Anõraõe  Ligeiro,  viuva  õe  um  rico  proprietário,  e  com 
a  qual  viveu  õesõe  pequena,  que  D.  Marianna  Angélica  õe 
Anõraõe  aõoptou  os  apeliõos  que  usava. 

Esta  Senhora  foi  casaõa  com  o  ilustre  e  notável  homem 
Õe  letras,  Dr.  Canõiõo  õe  Figueireõo.  Desse  matrimonio 
houve  õuas  filhas,  senõo  uma  õelas  a  poetisa  D.  Rosalinõa 
õe  Figueireõo  Santos,  õe  quem  igualmente  me  ocupo  neste 
trabalho. 

D.  Marianna  Angélica  õe  Anõraõe,  foi  uma  senhora  muito 
'nstruiõa.  Deixou  õispersos  muitos  vestígios  õo  seu  talento, 
na  Ga^ieta  Setubalense,  õe  que  foi  reõactora ;  na  Vo^  Fe- 
minina^ jornal  a  principio  só  colaboraõo  por  senhoras;  no 
Aimanach  de  Lembranças^  etc. 

Foi  auctora  õe  uma  comeõia,  as  Esporas  do  Alferes  e 
traõuziu  vários  romances,  publicaõos  em  õiversos  jornaes. 

As  suas  proõuções  poéticas  constam  õe  õois  volumes : 
Murmúrios  do  Sado  e  Revérberos  do  Poente  —  (1882)  preía- 
ciaõos  por  Gomes  õe  Amorim.  Este  ultimo  livro  apareceu 
poucos  õias  ôepois  õe  ter  faleciõo  sua  auctora. 

Com  a  õeviõa  vénia,  transcrevo  o  que  se  a  acha  a  pag. 
259  õo  livro  Figuras  Literárias^  '  acerca  õos  Murmúrios  do 
Sado  : 

*0s  Murmúrios  do  Sado  são  a  traõução  completa  õos 
sentimentos  mais  íntimos  Õa  autora,  õas  suas  aspirações, 
õas  suas  crenças,  õas  suas  tristezas,  õas  suas  alegrias,  õos 
seus  õesalentos ;  são  as  capelas  õe  flores,  que  as  virgens 


Dr.  Oanii  do  de  Figueiredo. 


26  Poetisas  Portuguesas 

varsovianas  arremessam  á  corrente,  por  se  libertarem  òe 
ruins  cuiôaõos.> 

De  D.  Marianna  Angélica  ôe  Anòraõe  que  ôescenôia  òo 
poeta  Curvo  Semeôo,  também  trata  D.  António  õa  Costa  no 
seu  livro,  A  Mulher  em  Portugal. 

Um  ano  depois  òa  morte  òesta  Poetisa,  seu  esposo  reu- 
niu, em  folheto,  as  condolências  que  recebeu  òe  inõiviôua- 
liôaòes  em  õestaque  na  nossa  literatura. 

Se  não  estou  em  erro,  Camillo  escreveu,  a  esse  propósito, 
uma  sentiòa  carta  que  figura  no  mencionado  folheto  que  se 
intitula  :  Quator^e  de  Novembro. 

A  MINHA  ESTRELLA! 

Jamais  se  esconda  tua  luz  tão  bella, 
Formosa  estrella  de  meu  puro  céu  ! 
Ah !  que  se  um  dia  te  não  vejo  pura, 
Toda  a  ventura  para  mim  morreu ! 

Eu  te  procuro  quando  o  sol  nos  foge 
E  ainda  hoje  namorar-te  vim  ! 
Quando  te  vejo  scintillar,  querida, 
Esqueço  a  vida  n'este  enlevo  assim ! 

Esqueço  tudo  quanto  abrange  a  terra ; 
A  paz  e  a  guerra,  e  o  prazer  e  a  dôr! 
Deixando  aos  homens  a  ambição,  que  arrasta, 
A  mim  me  basta  teu  feliz  amor  ! 

Se  um  dia,  a  vista,  percorrendo  espaços. 
Não  visse  traços  de  tão  meiga  luz, 
Ficava  triste,  sem  amor,  sem  vida. . . 
No  chão  cahida  deporia  a  cruz  ! 

Marianna  Angélica  de  Andrade.  SMurmurios  do  Sado,  Se- 
túbal, 1870,  pag.  106  e  107. 


Poetisas  Portuguesas  27 


XXXIII 

MYSTERIOS  DO  TOUCADOR 

Cassilôa  foi  ao  baile,  e  tão  formosa, 
Que  fez  inveja  a  toôas  as  senhoras  ; 
Muito  embora  gentis,  encantaõoras, 
Nenhuma  era  tão  bella  e  magestosa. 

Tinha  a  cútis  rosaõa  e  setinosa, 
Tinha  no  olhar  o  brilho  õas  auroras, 
Tinha  as  formas  perfeitas  seôuctoras  ; 
E  ella  passava  altiva  e  õonairosa. 

De  walsas  e  sorrisos  fatigaõa, 
Assim  fallou  õepois  com  a  criaôa 
A  sós,  ao  toucador  venòo  as  feições  : 

<Fui  rainha  òo  baile  !  que  patetas 
São  os  homens !  Recolhe  nas  gavetas 
Os  òentes,  o  cabello,  os  algoòões      > 

Marianna  Angélica  ôe  AnÒraòe.   Revérberos  do  Poente, 
publicação  posthuma.  Porto,  1883,  pag.  93  e  94, 


D.  MARIANNA  BELMIRA  DE  ANDRADE 

D.  Marianna  Belmira  õe  Anôraôe  é,  segunõo  penso,  aço- 
riana. 

Em  1875,  publicou  em  Ponta  Delgada,  um  volume  5e  ver- 
sos, intitulado  Phantasias,  õo  qual  extrahi  a  poesia  que  apre- 
sento. 

Tem  colaborado  em  vários  jornaes,  como  A  Folha,  de 
que  é  directora,  D.  Alice  Moderno,  no  Almanach  de  Lem- 
branças, etc. 


28  Poetisas  Portuguesas 

Pertence,  pois,  D.  Marianna  Belmira  õe  Anõraòe,  ao  nu- 
mero õas  muitas  Senhoras  Açoreanas  que,  por  suas  virtu- 
des e  conhecimentos,  se  teem  ôistinguiòo. 

Lamento  bastante,  não  ter  nesta  ocasião,  os  elementos 
necessários  para  poõer  completar  a  biografia  Desta  Poetisa. 

A  MINHA  TERRA 
(na  montanha) 

Quão  bella,  quão  formosa  nos  parece 

A  terra  onõe  nascemos,  onôe  a  infância 

Alegre  nos  sorriu  ÕescuiÕosa . . . 

Toucaõa  c)'alvas  flores  ! . . .  Quanto  amamos 

Os  sitios  que  risonhos  percorríamos 

Nos  brincos  infantis ;  quanôo  a  innocencia 

Com  uma  luz  tão  pura  nos  lembrava,       ^ 

E  entre  as  illusões  ò'um  mago  sonho 

A  mente  acalentaòa  aòormecia  !. . . 

Por  isso  te  acho  bella,  ó  minha  terra, 

E  quanòo  a  primavera  nos  assoma 

A  rir  por  entre  graças  e  perfumes     • 

De  pé  sobre  alto  monte  flexuoso. 

Da  tarõe  ao  pôr  õo  sol  m'encontras  sempre. 

Alli  sob  a  ramagem  fluctuante 

Dos  alamos  fronòosos  que  me  cercam, 

A  vista  se  dilata  embevecida  ■ . . 

O  dorso  da  montanha  que  s'eleva 

Coberto  por  formosas  larangeiras. 

Ao  sopro  animador  da  guarda  amena 

Desata-se  em  festões  da  côr  de  neve.  •  • 

E  as  brisas  que  perpassam  entre  a  folhagem 

Correndo  pelas  copas  do  arvoredo, 

Agitam-no  qual  manto  prateado 

Das  auras  ao  capricho  estremecendo  . . 

As  aves  voejando  em  borborinho 


Poetisas  Portiiqaesas  29 


Aninham-se  entre  as  ramas  perfumaõas, 
Soltanõo  em  suas  notas  feiticeiras 
O  hymno  òa  sauõaõe  ao  fim  ôo  ôia. 

Alem  a  extensa  renque  ôe  rochedos 
Alçanõo-se  imponentes,  escarpaõos, 
Em  sua  côr  sombria  traõuzinõo 
Reflexos  ôa  poesia  granõiosa     • 
Emquanto  a  contrastar  co'a  nuõez  sua 
E  como  a  engrinalõar-llie  a  fronte  altiva 
Os  cimos  se  recobrem  Òe  verdura. 
Onôêa  o  arvoredo,  alvas  casinhas 
Avultam  aqui  e  alli  emolòuranõo-se 
Das  fayas  na  lustrosa  ramaria. 

Em  baixo  o  oceano  quêôo  e  lizo 
Estenôe-se  indolente  e  suspiroso. .  ■ 
Em  doce  languidez  beijando  a  base 
Da  villa  cujas  casas  agrupadas 
Alli  se  apinham  junto  á  verde  encosta 
Os  homens  que  desHsam  brandamente 
Deixando  após  de  si  longas  esteiras. . . 
Parecem  bellos  cysnes  resvalando 
A'  flor  do  crystalino  e  puro  lago.  -  ■ 

Marianna  Belmira  de  Andrade.  Phantaúas,  Ponta  Delga- 
da, 1876,  pag.  61  e  62. 

CONDESSA  DE  ALMEIDA  ARAÚJO 

(d.    HERMÍNIA  FRANCO  d'aLMEIDA  ARAUJo) 

A  Senhora  Condessa  de  Almeida  Araújo,  D.  Hermínia 

Franco  de  Almeida  Araújo,  nasceu  em  Lisboa. 

Era  a  filha  mais  velha  dos  Viscondes  de  Falcarreira.  Foi 

asada  com  o  Sr.  Joaquim  Palhares  de  Almeida  Araújo, 

rande  proprietário. 

Aos  dotes  de  formosura  e  coração,  aliava  a  Sr."  Con- 


30  Poetisas  Portuguesas 

ôessa  õe  Almeiòa  Araújo,  um  temperamento  veròaòeira- 
mente  artístico  que  muito  a  fez  sobresahir  no  nosso  meio 
intelectual. 

Ainôa  está  bem  viva  na  memoria  õ'aqueles  que  tiveram 
a  feliciõaòe  ô'assistir  a  alguns  õos  concertos,  promoviòos 
pela  Schola  Cantorum  (funõaõa  por  Alberto  Sarti,  no  pro- 
pósito õe  desenvolver  entre  nós  o  gosto  pela  musica  reli- 
giosa), a  agradabilíssima  impressão  que  receberam,  ao 
ouvir,  alguns  õos  trechos  que  tão  magistralmente  foram 
cantaõos  nelas  Senhora  Conõessas  õe  Almeiõa  Araújo  e 
õe  Proença  a  Velha,  õirectoras  õa  referiõa  Schola. 

Entre  as  composições  que  nestas  festas  õ'arte  foram 
cantaõas,  por  estas  Senhoras,  citarei  o  Stabat  Mater  õe 
Pergolesi,  A  Rissurei^áo  de  Lazaro,  õe  Perosi  e  Ala  porte 
du  Cloitre,  õe  Grieg. 

Foi,  ainõa,  nestes  concertos,  que  se  tornaram  celebres 
entre  nós,  pela  noviòaõe  e  pela  forma  porque  foram  exe- 
cutados, que  Alberto  Sarti  fez  ouvir,  alem  õe  algumas 
Oratórias  õo  Abaòe  Perosi,  Terre  Promise  Õe  Massemet» 
Rcquien  õe  Mozart ;  Sete  Palavras  õ'HaYÕn,  a  missa  de 
Palestrina,  a  Moabita,  õe  Thomaz  õe  Lima,  o  concertante 
õo  «Amor  õe  Perõição»,  etc. 

Parte  õestas  notas  obtive-as  õo  livro  Horas  d' Arte,  õe 
Alíreõo  Pinto  (Sacavém). 

Em  1912,  após  uma  curta  existência,  minaõa  por  granões 
õesgostos,  faleceu  a  Senhora  Condessa  õe  Almeiõa  Araújo» 
a  õistinctissima  auctora  õum  pequeno  e  mimoso  livro  õe 
versos  —  Villancetes  —  cuja  beleza  e  sentimento  faciimente 
os  leitores  õesta  Antologia  avaliarão. 

Estes  Villancetes  foram  escriptos,  no  ultimo  ano  Õe  sua 
viõa,  mais  como  expansão  d'alma  ferida,  que,  propriamente, 
como  manifestação  poética. 

Compilados  postumamente  por  sua  irmã,  a  distincta  poe- 
tisa D.  Zulmira  Franco  Teixeira  e  prefaciados  por  Júlio  Dan- 
tas, é  para  lamentar  que  poucos  conheçam  os  Vtllancetesi 
por  não  ter  a  edição  entrado  no  mer  ca£c. 


Poetisas  Portuguesas  31 

VILLANCETE 

Para  sempre  ouvir  lamentos, 
Para  sempre  ouvir  gemiôos, 
De  que  serve  ter  ouvidos  ? 

VOLTAS 

Os  meus  ouvidos,  outrora, 
Anôavam  mal  costumados : 
Ouviam  sempre  trinados, 
Cantigas  a  toda  a  hora. 
Mas  para  ouvir  só  agora 
Lamentações  e  gemidos, 
De  que  serve  ter  ouvidos  ? 

Ai,  meu  Deus,  mais  me  valera 
Ensurdecer  de  uma  vez, 
Pois  não  ouvindo,  talvez 
Meu  coração  não  soffrera. 
Não  ouvir,  ai  quem  me  dera  ! 
Senhor,  para  ouvir  gemidos, 
De  que  serve  ter  ouvidos  ? 

Condessa  de  Almeida  Araújo  (D.  Hermínia  Franco  d'Al- 
meida  Araújo).  Villancetes,  Lisboa,  1912. 


VILLANCETE 

A  desgostos  sempre  afeita, 
Nem  eu  já  me  lembro  bem 
Do  gosto  que  um  gosto  tem. 

VOLTAS 

Se  para  sof frer  nasci, 
Não  posso  ter  outra  sorte : 
Soffrerei  até  á  morte, 


32  Poetisas  Portuguesas 

Morrerei  como  vivi 
Tantos  òesgostos  soffri, 
Que  nem  já  me  lembro  bem 
Do  gosto  que  um  gosto  tem. 

Bem  quizera  em  caba  õia 
Recordar  gostos  passaòos : 
Nos  òias  amargurados 
Algum  consolo  teria. 
Ai,  que  viòa  õ'agonia 
Que  nem  já  me  lembro  bem 
Do  gosto  que  um  gosto  tem. 

Conôessa  õe  Almeida  Araújo.  'Viliancetes.  Lisboa,  1912. 


D.  MARIA  CHRISTINA  DE  ARRIAGA 

D.  Maria  Christina  de  Arriaga  era  a  filha  primogénita  de 
D.  Maria  Christina  Pardal  Caldeira  de  Arriaga  e  de  Sebas- 
tião ]osé  de  Arriaga  Brun  da  Silveira  e  Peyrelongue,  ultimo 
morgado  da  família  Arriaga. 

Nasceu  na  cidade  da  Horta  e  faleceu  em  21  ou  22  de 
maio  de  1915.  Do  que  foi  em  vida  esta  virtuosa  Senhora,,— 
que  tanto  protegeu  os  pobres  e  os  infelizes,  e  que  a  tantos 
outros  predicados  juntava  o  de  uma  inteligência  viva  e  de 
um  espirito  cultivado,  di-lo  o  jornal  O  Telegrapho,  diário 
noticioso  da  Horta,  onde  a  morte  de  D.  Christina  de  Ar- 
riaga foi  muito  sentida. 

D.  Maria  Christina  de  Arriaga  era  irmã  de  José  de  Arria- 
ga, escriptor  bastante  conhecido  e  do  dr.  Manuel  de  Arria- 
ga, auctor  dos  Cantos  Sagrados  e  das  Irradiações,  o  vene- 
rando e  probo  primeiro  Presidente  da  Republica  Portu- 
guesa, a  quem  devo  parte  d'estes  apontamentos,  que  me 
foram  dados  com  a  distincta  e  captivante  amabilidade  que 
lhe  eram  peculiares. 


Poetisas  Portuguesas  33 


Esta  Senhora  era,  por  sua  avó,  D.  Maria  òa  Pieõaõe  Ca- 
bral õa  Cunha  Gooõolfim  õe  Ia  Rocca,  ôescenôente,  entre 
outras  pessoas  notáveis,  ôe  :  El-rei  D,  Affonso  terceiro,  15.* 
neta;  õo  rei  ôe  Leão,  Ramiro  2.",  õuas  vezes  neta ;  õe  D. 
Hugo  Capeto,  Duque  Õe  França,  Conõe  õe  Paris  e  Õe  Or- 
leans,  12."  neta. 

D.  Maria  Christina  õe  Arriaga  foi  uma  poetisa  notável. 

Em  õezembro  õe  1910,  publicou,  õe  colaboração  com  seu 
sobrinho  Roque  M.  õe  Arriaga,  M.  Emilio,  Marcelino  Lima  e 
Osório  Goulart,  um  folheto,  Paginas  Soltas,  cujo  proõucto 
se  õestinava  ao  Albergue  Nocturno  õa  ciõaõe  õa  Horta  que 
õesta  Senhora  recebeu  granõe  impulso.  Cariõosa  por  exce- 
lência, era  raro  o  õia,  e  isto  suceõeu  õurante  anos,  que  não 
visitasse  o  asylo  õe  Menõiciõaõe,  onõe  levava  consolo  aos 
velhos  e  Unitivos  á  miséria. 

Alem  õesse  folheto,  escreveu  um  livro  õe  versos  —  Flo- 
res d' Alma,  senõo  também  auctora  õe  muitos  pensamentos 
que  pela  sua  elevação  e  conceito  são  õignos  Õe  nota. 

Serviu-me  ainõa  õe  auxilio,  para  traçar  estas  ligeiras  no- 
tas biográficas,  uma  obra  monumental  que,  ha  pouco  tem- 
po, foi  ofereciõa  ao  õr.  Manuel  õe  Arriaga  que  teve  a  gen- 
tileza õe  m'a  Õeixar  consultar. 

Nesse  volume  que  é  õe  õesusaõo  formato,  õe  217  pagi- 
nas, e  que  foi  compilaõo  por  António  Manuel  õa  Silva,  com 
elementos  postos  á  sua  õisposição  pelo  Sr.  Roque  õe  Ar- 
riaga, acham-se  reuniõos  inúmeros  artigos  õe  jornaes,  ilus- 
trações, folhetos,  etc,  que  sem  Õuviõa  alguma  virão  a  cons- 
tituir, um  õia,  um  preciosa  elemento  õe  estuõo,  acerca  õo 
õr.  Manuel  Õe  Arriaga  e  õe  sua  familia. 

UM  SEGREDO 

Quanõo  a  brisa  vem  beijar 
O  linõo  cálix  õa  flor, 
Lembro-me  que  traz  õo  sol 
Alguns  segreõos  õ'amor. 


34  Poetisas  Portuguesas 

Elle  moranDo  tão  longe 
Lá  nesse  azul  õa  amplibão, 
Talvez  faça  confiòente 
A  suave  viração. 

De  lá  offerece  seus  raios, 
A  sua  luz  e  calor ; 
E'  como  prova  eviòente 
Que  á  floresinha  vota  amor. 

E  o  amor  não  meõe  õistancias 
P'ra  sua  acção  exercer, 
Naõa  ò'elle  está  isempto, 
Tuòo  poôe  submetter. 

Venõo  a  briza  perpassar 
Beijanôo  o  cálix  õa  flor, 
Lembro-me  trará  õo  sol 
Algum  segreòo  ò'amor. . . 

Maria  Christina  ò' Arriaga.  Na  Ala  do  Bem,  n."  1.  Dezem- 
bro õe  1910.  Paginas  Soltas,  pag.  20.  Horta,  1910. 


D.  MARIA  RIBEIRO  ARTHUR 

D.  Maria  Ribeiro  Arthur  nasceu  em  Lisboa.  E'  viuva  òo  co- 
ronel ôe  infantaria,  Bartholomeu  Sesinanòo  Ribeiro  Arthur, 
auctor  òe  vários  livros  curiosos,  entre  os  quaes  citarei: 
(íírte  e  Artistas,  3  vol.;  Da  Legião  Portuguesa  ao  serviço 
de  Napoleão,  etc. 

Em  D.  Maria  Ribeiro  Arthur,  que  é  uma  senhora  muito 
instruiõa,  teve  seu  mariòo  uma  granõe  auxiliar,  nalguns  ôos 
seus  trabalhos  literários. 

No  jornal  O  Repórter,  òe  1896,  escreveu  esta  Poetisa  os 
seguintes  artigos :  Veraneando  e  Recordações  de  Peniche 


Poetisas  Portuguems  35 


€  no  jornal  Branco  e  l^égro  :  aEnire  o  Cabo  Carvoeiro  e  as 
Berlengas,  Viagens  no  Paij,  Peniche,  Pelas  Margens  do 
Mondego^  Margens  do  Lima,  Saudades  do  Lima,  etc. 

Também  colaborou  no  Jornal  da  Infância  onòe  publicou 
va  rias  poesias,  Universo,  etc. 

Actualmente,  resiòe  D.  Maria  Ribeiro  Arthur,  em  Louren- 
ço Marques,  onÒe  vive  em  companhia  ôo  seu  filho,  o  En- 
genheiro SesinanÕo  Ribeiro,  Arthur  sub-Ôirector  ôo  Cami- 
nho De  Ferro. 

A  MINHA  PÁTRIA 

Minha  Pátria,  és  tão  formosa 
como  as  pétalas  õa  rosa 
que  nasce  no  solo  leu ! 
Como  é  azul  o  teu  céu, 
sauòoso  o  teu  arrebol ! 
As  tuas  flores  õe  matiz 
tão  variaõo  e  feliz, 
que  mimosas,  que  gentis 
á  viva  luz  Òo  teu  sol ! 

Que  noites  tão  perfumadas! 
que  linòas  as  maõrugaõas  l 
Tens  nos  teus  praõos  bellezas, 
tens  nos  teus  campos  riquezas 
que  poucos  como  tu  tens ; 
mas  um  Tejo  tão  formoso, 
um  Ave  a  gemer  sauÒoso, 
um  Douro  tão  alteroso 
como  tu  não  tem  ninguém ! 

E  a  rainha  õo  occiòente 
recostanòo-se  inòolente 
pelas  montanhas  em  flor, 
a  sorrir-se,  toõa  amor, 


36  Poetisas  Portuguesas 

quando  a  bafeja  o  luar, 
p'ra  o  namoraòo  que  a  véla, 
que  a  faz  tão  rica  e  tão  bella, 
e  que  prostraõo  aos  pés  ò'ella 
Ih'os  vai  submisso  beijar! 

Tens  as  veigas  ôo  teu  Minho, 
e  no  teu  Algarve  um  ninho 
ô'amor,  sob  o  sol  arõente, 
tens,  erguiôo  altivamente, 
á  liberôaôe  um  paòrão 
sobre  as  fraguas  ôo  teu  Douro, 
que  salpica  areias  ò'ouro : 
o  teu  seio  é  um  thesouro, 
a  tua  voz  uma  canção  1 

Como  te  amo  pátria  qu'riõa 
que  foste  tão  alto  erguiòa 
na  Ivra  ôo  teu  Camões, 
que  ouviste  as  meigas  canções 
ôo  mimoso  DernarÔim 
ôe  Garrett  as  harmonias, 
õe  Castilho  as  meloôias, 
soltas  por  formosos  ôias 
sob  a  olaya  Ôo  jarôim. 

Que  tiveste  um  Herculano 
para  com  trabalho  insano, 
pelo  pátrio  amor  levaôo, 
ir  Ôo  abysmo  ôo  passaôo 
tua  historia  levantar 
e  nas  paginas  ôa  historia 
que  é  para  ti  toôa  a  gloria» 
ôe  que  heroes  a  memoria 
se  vê  altiva  brilhar ! 


Poetisas  Portuguesas  37 

Oh  pátria,  eu  amo-te  tanto 
que  por  ti  quizéra  um  canto 
soltar,  um  canto  õivino, 
mas  como  é  pobre  meu  hymno 
para  ti  meu  Portugal, 
que  o  rouxinol  amoroso 
escutas,  meloòioso 
soltanõo  o  trinar  sauõoso 
òebaixo  òo  laranjal ! 

Maria  Ribeiro  Arthur.  O  Universo  lllustrado.  Semanário 
ôe  Instrucção  e  ôe  Recreio,  Lisboa,  1879,  pag.  127  e  128. 


D.  MARIA  HELENA  JERVIS  DE  ATHOUGUIA 
E  ALMEIDA 

D.  Maria  Helena  Jervis  õe  Athouguia  e  Almeiõa  nasceu 
na  ciõaôe  õo  Funchal.  Pertence  a  uma  familia  ilustre  òa 
Ilha  ôa  Madeira  —  os  Jervis  Ôe  Athouguia, 

Tenõo  ficaôo  órfã  Ôe  pae  aos  nove  anos  õe  iõaõe,  fof 
resiòir  para  o  campo,  na  encantadora  alòeia  õe  Nossa  Se- 
nhora ôo  Monte,  um  õos  pontos  mais  linõos  õa  formosa  e 
fértil  Ilha  õa  Maõeira,  local  este  que,  sem  õuviõa  alguma, 
contribuiu  pela  sua  fascinante  belesa,  para  que  no  juvenil 
espirito  õa  Poetisa  õe  que  agora  me  ocupo,  se  õesenvol- 
vesse  o  gosto  e  o  amor  pela  poesia,  que  tão  expontanea- 
"lente  lhe  brotaram  õ'alma. 

Trinta  e  tal  anos  esteve  D.  Maria  Helena  Jervis  õe  Athou- 
:  guia  e  Almeiõa  fora  õa  sua  terra  natal. 

As  impressões  que  recebeu  esta  õistincta  Senhora,  ao 
!  tornar  a  ver  a  alõeia  onõe  passara  parte  Õos  primeiros 
anos  õe  sua  mociõaõe,  exprime-as  numa  linguagem  simples 
e  comovente  na  sua  poesia  intutulaõa  iV/<m  dia  chovoso. 

Apesar  õe  D.  Maria  Helena  Jervis  Õe  Athouguia  haver 


38  Poetisas  Portuguesas 

enviuvaòo  e  contratempos  Ò3  varia  natureza  a  terem  afas- 
taòo  ôo  convivio  ôas  Musas  e  õos  estuõos,  que  sempre  fo- 
ram o  seu  enlevo  e  a  que  com  tanta  meticulasiôaòe  e  cons- 
ciência se  aplica,  em  1909,  apareceu  a  2.»  eôição  Òo  seu  livro 
Òe  versos,  Mosaicos,  prefaciaòo  por  Sena  Freitas. 

O  proõucto  òa  venôa  òesta  obra  que  sahiu  sob  o  pseu- 
Ôonimo  õe  Bertha  de  Athaide,  õestinava-se  a  socorrer  tu- 
berculosos pobres. 

A  3.*  eõição  ôos  Mosaicos  que  Ôeve  aparecer  em  breve, 
contem  bastantes  poesias  ineõitas. 

De  rêve  en  rêve 
L*amour  nous  prenõ 

En  riant. 
De  rêve  en  rêve 
L'amour  s'enfuit 

En  pleurant. 

Bertha  ôe  Athayôe.  Mosaicos,  2.»  eÒição,  pag.  65. 


A  LAGRIMA 

S.iUt  lacrimae  reram. 
(Eneida). 


VIRGI.  IO. 


Nasce  no  berço  a  lagrima 
Tão  õoçe  e  crystallina 
Como  o  orvalho  ôo  céu ; 
E  morre  sobre  a  campa, 
Amargurada  e  triste, 
Como  ôa  treva  o  véo. 

E'  que  na  infância  a  lagrima 
E'  filha  õo  sorriso  ; 
Tem  prismas  õa  Alvoraòa 
Que  vem  Ôo  Paraíso 


Poetisas  Portuguesas  39 

Mas  a  que  òesce  ao  túmulo 
Deriva  Õa  sauôaõe 
Vem  õas  existências  finõas, 
ReÒime  a  humaniõaõe. 

Nos  lirios  e  nas  rosas, 
Em  seus  formosos  cálices, 
Ha  lagrimas  também ; 
Penosas  õeslisanòo 
Quanõo,  no  seu  canteiro 
As  colhe  õa  haste  alguém. 

Do  naôa,  nos  abysmos, 
Pois  o  pranto,  não  é 
Filtraòo  pela  õôr 
Dos  martyres  ôa  fé  ? 

Lá  no  munòo  ôos  munôos 
Caòa  estrella  que  nasce 
Caminha  e  resplandece, 
Deixa  canôente  o  sulco 
No  pranto  maguaõo 
D'um  astro  que  esmorece. 

Bertha  òe  Athayõe.  'íMosaicos,  2.'  eõição,  pag.  107  e  108. 


REMINISCÊNCIA 

Eu  me  lembro  ainòa  era  pequenina  — 
D'uma  noite.  - .  que  noite  sem  luar  ! 
Cahia  tanta  chuva. . .  tanto  frio  . . 
Que  toôos  se  acolhiam  junto  ao  lar. 

Não  se  viam  estrellas  reluzentes 
Espreitando  ôe  Vénus  os  amores  ; 
Nem  õas  faõas  se  ouviam  as  ballaôas, 
Nem  òos  campos  brotavam  lindas  flores. 


40  Poetisas  Portuguesas 

E  no  horror  õ'essa  noite  procellosa, 
Minha  mãe  me  ensinava  uma  oração, 
Para  o  vento  amainar,  õo  mar  as  onôas, 
E  ôesviar  õo  munõo  a  maldição. 

E  òepois,  no  meu  berço  Ô'innocencia, 
Embalavam-me  os  anjos  a  sorrir. . . 
Quanòo  eu  também  alegre  e  já  sem  meòo, 
Sorria-me  para  elles  a  õormir. 

Dertha  Òe  Athayõe.  Mosaicos,  2.»  eôição,  pag.  97  e  98. 


«AZUL»  "^ 

(D.   ZULMIRA  DE  ALMEIDA  FRANCO  TEIXEIRA) 

D.  Zulmira  ò'Almeiõa  Franco  Teixeira  nasceu  no  Rio  òe 
Janeiro.  E'  filha  ôe  D.  Carolina  Augusta  Ferreira  ò'Almeiôa, 
Viscondessa  õa  Falcarreira  e  ôe  Pompilio  Augusto  Gonçal- 
ves Franco,  Visconde  õo  mesmo  titulo,  Fidalgo  Cavaleiro 
da  casa  Real,  Comendador  das  Ordens  de  Christo,  da  Con- 
ceição, etc,  e  uma  das  figuras  mais  insinuantes  õo  seu 
tempo  e  que  tantos  benefícios  proõigalisou,  protegendo  os 
pobres  e  desamparados. 

Pelo  lado  materno  é  D.  Zulmira  ò'Almeida  Franco  Tei- 
xeira aparentada  com  as  famílias  do  Conde  de  Carvalhiôo 
e  do  Visconde  de  Ferreira  d'Almeida,  o  importante  e  co- 
nhecido banqueiro  brazileiro. 

D.  Zulmira  Teixeira  que  é  casada  com  o  Sr.  Luiz  Virgílio 
Teixeira,  antigo  Deputado  da  Nação  e  1."  Secretario  de 
Legação  que  durante  muitos  anos  prestou  serviço  nas  Le- 
gações de  Portugal,  em  Madrid  e  nò  Rio  de  Janeiro,  é  neta 
de  ]osé  Gonçalves  Franco  —  fundador  da  primeira  casa 
Bancaria  Portuguesa,  do  seu  tempo,  que  foi  pae  do  Vis- 


Poetisas  Portuguesas  41 


conôe  õa  Falcarreira  e  òo  Marquez  õe  Franco  que  lhe  su- 
cederam na  gerência  Ôe  seus  importantes  negócios. 

Apesar  õe  uma  ou  outra  vez  terem  siõo  publicadas  na 
Ilustração  Portuguesa,  Jornat  da  Mulher^  Diário  de  Noticias, 
Dia  e  noutros  jornaes,  poesias  òe  D.  Zulmira  õ'Almeiõa 
Franco  Teixeira  que  tem  usaòo  sempre  o  pseudónimo 
A^uL  a  maioria  Õas  inúmeras  composições  poéticas  que, 
ôiga-se  òe  passagem,  sua  Ex.^  produz  com  extraordinária 
facilidade,  está  inédita,  devendo  uma  parte  desses  versos 
figurar  numa  luxuosa  obra  em  que  trabalha  ha  bastante 
tempo  esta  Poetisa. 

A  este  livro  está  assegurado,  por  certo,  grande  êxito  no 
nosso  meio  literário  e  artístico,  successo  para  que  contri- 
bue  não  só  as  apreciáveis  e  belas  produções  de  sua  au- 
ctora,  como  também  as  assignaturas  òe  distinctos  Mestres 
que,  inspiranòo-se  nos  versos  Òe  D.  Zulmira  Teixeira,  fir- 
mam as  aguarelas,  pasteis,  sanguíneas  e  musicas  que  Òeve- 
rão  ornar  esta  Obra  que  ficará  senòo  um  granòe  e  notável 
Repositório  d'Arte. 

NO  ANNO  DE  1917 
(inédito) 

O'  coração  humano !  Obra  divina, 
Sacrário  de  clemência  e  de  doçura 
Emprestado  por  Deus  á  creatura 
E  aonde  a  clara  face  Elle  reclina : 

O  que  é  feito  de  ti,  ó  pequenina 
Parcela  de  uma  essência  forte  e  pura  ? 
Como  te  ha  de  encontrar  quem  te  procura 
Hoje,  na  humanidade  que  se  arruina  ? 

Só  vejo  —  ó  dôr !  —  por  esse  mundo  vasto, 
Nuvens  de  fogo,  e  em  sanguinário  rasto, 
.  Crimes  dos  homens  que  perdidos  vão  . . 


42  Poetisas  Portuguesas 

E  o  coração,  fonte  Ôe  amor  constante, 
MuÒaõo  é  errefeciòo  a  caòa  instante, 
Na  taça  venenosa  õa  ambição. 

<Azul>  (D.  Zulmira  õ'A!meiôa  Franco  Teixeira). 


O  OUTOMNO 

Dias  òe  Outomno,  õias  sem  eguaes  ! 
O  sol  tem  fogo,  mas  não  queima,  aquece. 
Se  já  òo  trigo  não  se  avista  a  messe, 
Chilreiam  ainõa  alegres  os  parõaes. 

Sob  os  troncos  erectos  õos  pinhaes 

—  Braços  õa  natureza  em  muòa  prece 
A  urze  côr  òe  rosa  até  parece 
Tapete  òe  aòornar  paços  reaes. 

Nos  castanheiros  riem  os  ouriços. 
E  Òeixam  tremulanòo,  moviòiços, 
Cahir  o  fructo  novo,  cheio  e  são. 

E  eu  julgo-me  òoiraòa  e  fina  abelha 

—  Scismo  na  tua  bocca  tão  vermelha 
Ao  vêr  meòronhos  rubros  pelo  chão. 

«Azul>  (D.  Zulmira  ò'Almeiòa  Franco  Teixeira). 


TU  E  SÓ  TU 

De  ti  só  veio  a  minha  musa  triste. 
Para  ti  vae  o  meu  cantar  magoaòo ; 
As  tristes  notas  ôo  meu  triste  faòo 
São  para  ti,  ó  Bem  que  me  fugiste  : 


Poeíisas  Portuguesas  43 


Em  ti  só  vivo  e  lá  comtigo  assiste 
Meu  pobre  coração  alanceaôo  : 
Para  ti,  o  meu  sonho  illuminaôo, 
E's  a  essência  òe  tuòo  quanto  existe. 

Só  os  teus  õeôos  ò'oiro  me  susteem 
O'  meu  eterno  mal  meu  õôce  Bem 
Quero  òeixar-te  e  sinto  que  não  posso .    . 

Se  ao  menos  juntos  e  na  mesma  cova 
Poôesse,  aberto  n'uma  seiva  nova, 
Florir  n'um  livro,  caôa  beijo  nosso  ! 

«Azul»  (D.  Zulmira  Franco  òe  Almeiõa  Teixeira). 


SOL 

(inédito) 

Ninguém  òeve  ôizer  «Esse  õia  linôo  !> 
Por  que  faz  sol  e  que  athmosphera  é  calma 
Devemos  consultar  os  olhos  ô'alma, 
—  Olhos  que  só  a  ventura  vae  abrinòo. 

Que  nos  importa  o  Ceu  e  o  mar  infinòo, 
Do  lirio  a  flor  ou  ôa  palmeira  a  palma 
A  fonte  que  refresca  e  nos  acalma 
Ou  a  espiga  que  õe  pão  nos  vae  nutrinòo  ? 

O  que  poõe  affligir  a  noite  escura 

A  quem  n*ella  se  encontra  ou  se  aventura 

Ou  que  as  estreitas  fujam  ôe  onôe  estão  ? 

Que  nos  importa  um  temporal  õesfeito, 
Se  sentimos  calor  dentro  ôo  peito. 
Se  é  Õia  claro  em  nosso  coração  ? 

tAzul»  (D.  Zulmira  Franco  ô'Almeiõa  Teixeira). 


44  Poetisas  Portuguesas 

VISCONDESSA  DE  BALSEMÃO 

(d.   CATHARINA  MICHAELA  de  SOUSA  CÉSAR 
D  li   LENCASIPE) 

A  Visconõessa  õe  Balsemão,  D.  Catharina  Michaela  Ôe 
Sousa  César  ôe  Lencastre,  primeira  VisconÕessa  õo  citaòo 
titulo,  nasceu  em  Guimarães  a  29  òe  Setembro  òe  1749. 
Foram  seus  pães  D,  Rosa  Maria  ôe  Viterbo  César  Õe  Len- 
castre, filha  ôos  segunòos  viscondes  Ò'Asseca  e  Francisco 
Filippe  òe  Sousa  òa  Silva  Alcoforado. 

Foi  casaôa  com  o  primeiro  Visconôe  õe  Balsemão,  Luiz 
Pinto  õe  Sousa  Coutinho,  antigo  governaôor  õa  Capitania 
õe  Matto  Grasso  e  õiplomata  e  estaõista. 

Acerca  õa  VisconÕessa  õe  Balsemão  que  foi  amiga  in- 
tima õa  Marqueza  õe  Alorna  {Alcippe)  e  õe  D.  Francisca 
Possolo,  outra  poetisa  notável  õessa  época,  õiz  o  Diccio- 
nario' Popular  Õe  Pinheiro  Chagas : 

«Cheganõo  á  capital  õa  Grã  Bretanha,  conheceu  D.  Ca- 
tharina quanto  era  õeficiente  a  instrucção  que  havia  rece- 
biõo  e  buscanõo  õiversos  pretextos  para  se  afastar  õa  so- 
cieõaõe,  viveu  por  mais  õe  um  anno  em  completo  isolamento 
entregue  ao  estuõo  õas  línguas  e  litteratura  ingleza,  fran- 
ceza  e  italiana>. 

«Depois  õesse  tempo  õe  reclusão,  a  que  voluntariamente 
se  conõemnára,  appareceu  nas  reuniões  õa  corte  e  em  sua 
própria  casa  se  juntavam  os  homens  mais  õistinctos  õe 
Lonõres,  e  pela  convivência  com  as  illustrações  õ'essa 
granõe  ciõaõe  alargou  os  conhecimentos  que  havia  aõqui- 
riõo  õurante  o  seu  isolamento>. 

Ao  regressar  a  Portugal,  teve  granõe  numero  õe  aõmira- 
õores,  senõo  a  sua  casa  frequentaõa  por  õistinctos  cultores 
õa  poesia  e  õas  belas  letras. 

Poucas  foram  as  proõucções  poéticas  õa  VisconÕessa  õe 
Balsemão  que  foram  publicaõas. 

O  Soneto  Mesericordia  que  reproõuso,  foi  feito  por  D. 


Poetisas  Portuguesas  45 


Catharina,  em  4  õe  Janeiro  õe  1821  (òia  em  que  faleceu), 
ôepois  õe  ter  cumpriõo  os  últimos  õeveres  religiosos  que  a 
sua  consciência  lhe  ôictou. 

O  Saceròote,  que  assistia  aos  últimos  momentos  ôa  Vis- 
conõessa  òe  Balsemão,  e  a  quem  ela  peôiu  que  lesse  essa 
composição,  não  pouõe  passar  alem  Òa  2.»  quaôra,  pois 
que  ao  começar  a  ler  o  primeiro  terceto,  faleceu  D.  Catha- 
rina. 

Os  trabalhos  mais  notáveis  õa  Visconõessa  õe  Balsemão, 
são: 

Ode  ao  Marque^  de  Pombal,  o  seu  soneto  â  morte  de  Go- 
mes Freire  e  as  suas  proõuções  inspiraõas  pela  Revolução 
Õe  1820. 

Pela  forma  porque  nas  suas  composições  õescrevia  o 
amor,  foi  cognominaõa  a  Sapho  Portuguesa. 

MESERICORDIA 

Granõe  Deus!  que  Õo  alto  õ'esse  throno, 
Lanças  o  braço  ao  peccaõor  contricto  ; 
Escuta  Õo  remorso  humilõe  grito, 
Das  tuas  leis  perõôa  o  abanõono. 

Tu,  õa  graça  efficaz  único  Õono, 
Que  nunca  a  pena  igualas  ao  õelicto, 
Dá-me  socego  ao  coração  afflicto. 
Tão  próximo  a  jazer  no  eterno  somno ! .   . 

Bem  õebaixo  õe  magica  apparencia 
Encobri  os  requintes  Õa  malõaõe. 
Mas  qual  é  hoje  a  triste  consequência  ? 

Ah !  Senhor !  recebei-me  com  pieõaõe !  . . 
Tiraste-me  õo  abysmo  õa  impruõencia, 
Dai-me  uma  venturosa  eterniõaõe. 

Visconõessa  õe  Balsemão  (D.  Catharina).  Àlmanack  Luso 
Brasileiro  para  1858,  pag.  237. 


46  Poetisas  Portuguesas 


SAPHO 

Sapho  ao  mar  se  precepita 
Por  impulso  ôa  paixão, 
Vinga  em  si  o  alheio  crime 
Da  perfiòa  ingratiõão. 

Muitos  annos  respeitaòo 
Foi  o  peneôo  fatal, 
Mas  por  força  õ'um  exemplo 
Logo  um  mal  causa  outro  mal. 

Se  fizessem  assim  toõas, 
Que  se  vêem  ôespresaõas, 
Forão  ôe  victimas  tristes 
As  brancas  onõas  coalhaòas. 

Sem  ti  que  vale  a  firmeza, 
O'  santa  conformiõaòe  ? 
Tu  a  perõoar  ensinas 
Loucuras  òa  humaniòaõe. 

Viscondessa  õe  Balsemão  (D.  Catharina).  Almanack  de 
Lembranças  Luso- Brasileiro  para  o  anno  õe  1863.  Lisboa, 
1862.  pag.  376. 

UMA  PAIXÃO 

Inòa  existe,  cruel,  inòa  em  meu  peito 
Se  nutre  òa  paixão  o  fogo  activo ; 
Inôa  contra  o  teu  gosto  por  ti  vivo, 
Fazenôo  o  sacrifício  mais  perfeito. 

Inôa  te  aõoro,  ainôa  te  respeito. 
Venõo  em  ti  õe  meus  males  o  motivo, 
Porem  o  coração,  õe  amor  captivo. 
No  captiveiro  vive  satisfeito. 


Poetisas  Portuguesas  47 


Se  ás  vezes  contra  ti  queixumes  solto, 
Do  que  fiz  insensato  então  me  aõmiro, 
E  aos  meus  antigos  sentimentos  volto. 

Só  por  ti  vivo,  só  por  ti  respiro  ; 

Sahirá  com  a  minha  alma  em  pranto  envolto, 

Teu  nome  uniòo  ao  ultimo  suspiro. 

Visconôessa  õe  Balsemão  (D.  Catharina).  Almanack  de 
Lembranças,  1857,  pag.  227. 


D.  HORTENCIA  PAULINA  DE  LIMA 
BARBOSA 

Apesar  õe  D.  Hortencia  Paulina  õe  Lima  Barbosa,  ter 
«scripto  ôiversas  vezes,  na  Grinalda,  jornal  Ôe  poesias 
ineõitas,  publicaòo  no  Porto,  nos  anos  òe  1855  a  1869, 
pouco  sei  acerca  besta  Poetisa  a  quem  Innocencio  se  não 
refere  no  seu  Diccionario. 

Esta  Senhora  viveu  em  Ponte  Òa  Barca,  localiòaòe  ôon- 
í>e  ôatou  algumas  ôe  suas  proõucões  poéticas. 

Na  Grinalda  que  é  um  jornal  curioso  e  bastante  apre- 
ciaôo,  e  que  teve  seis  anos  õe  existência  (caso  raro  entre 
nós,  em  publicações  õesta  natureza)  alem  òe  Nogueira 
Lima  e  J.  M.  B.  Carneiro,  seus  redactores,  colaboraram : 
Guerra  Junqueiro,  Alexandre  Braga,  Alexandre  õa  Concei- 
ção, Alberto  Pimentel,  Augusto  Luso,  Camillo  Castello 
Branco,  Custodio  José  Duarte,  D.  Clorinda  M.  Ernesto 
Pinto  de  Almeida,  Faustino  Xavier  de  Novaes,  Francisco 
Joaquim  Bingre,  Sousa  Viterbo,  Guilhermino  de  Barros, 
João  de  Deus,  José  Maria  de  Sousa  Monteiro,  José  Ramos 
Coelho,  Júlio  Diniz,  Furtado  Dantas,  J.  Guilherme  Lobato 
Pires,  J.  M.  Barbosa  Carneiro,  J.  M.  Nogueira  Lima,  Ma- 
nuel Duarte  d*Almeida,  D.  Maria  Amália  Vaz  ôe  Carvalho 


48  Poetisas  Portuguesas 

D.  Mariana  Belmira  Ôe  Anòraôe,  D.  Maria  Peregrina  õc 
Sousa,  Soares  òe  Passos,  Theophilo  Braga,  Thomaz  Ri 
beiro,  etc. 

A  PASTORA 

Sou  pastora,  sou  feliz 
Meus  rebanhos  apascento ; 
Na  veròe  relva  me  sento, 
Colho  as  rozas  côr  ôe  Hz, 
Os  jasmins  e  brancos  lirios. 
Louros  verões  e  martirios. 

Vejo  as  margens  encantaôas 
Do  meu  Lima,  tão  formoso* 
Deslisanòo  preguiçoso 
Sobre  as  areias  õouraõas  ; 
Vejo  o  sol  no  céu  brilhante 
De  mil  raios  fulgurante. 

Góso  as  noites  tão  saudosas 
Em  que  a  lua  prateaòa. 
De  mil  estrelles  cercada, 
Corre  as  campinas  vistosas ; 
Vejo  nascer  linòa  aurora. 
Que  com  seu  brilho  namora. 

As  auras  vejo  brincando 
Co'  as  flores  lindas  mimosas, 
As  folhinhas  graciosas 
Sobre  a  terra  debruçando. 
Pela  manhã  orvalhadas, 
A'  tarde  do  sol  crestadas. 

Sou  pastora,  sou  feliz. 
Meus  rebanhos  apascento  ; 
Na  verde  relva  me  sento, 


Poetisas  Portuguesas  49 


Colho  as  rosas  côr  Òe  Hz, 
Os  jasmins  e  brancos  lirios 
Louros  verões  e  martírios. 


Hortencia  Paulina  ôe  Lima  Barbosa.  A  Grinalda,  pag.  21 
e  22,  terceiro  anno,  Porto,  1860. 


D.  MARIA  JACINTHA  TEIXEIRA  BASTOS 

D,  Maria  Jacintha  Teixeira  Bastos  nasceu  em  Lisboa. 

E'  filha  õe  D.  Marina  CanÔiÔa  Villaverôe  Teixeira  Bastos 
e  5o  faleciõo  publicista  e  poeta  Francisco  ]osé  Teixeira 
Bastos,  auctor  õas  Vibrações  do  Século,  Õos  Rumores  Vt4l- 
caniços  e  ò'outros  trabalhos  literários  õe  valor. 

Dos  quinze  para  os  õezaseis  anos,  escreveu,  esta  Senho- 
ra, uns  contos  para  creanças,  os  quaes  foram  publicaiios 
em  vários  jornaes  òa  província. 

Datam,  aproximadamente,  õessa  época,  as  poesias  que 
insiro,  e  que  senõo  íneõítas,  ôevo  á  amabiliôaòe  Ôe  sua  au- 
:tora,  queé  casaõa  com  o  õistincto  aòvogaõo  Dr.  João  Va- 
erio  òas  Neves  Pereira,  caricaturista  õe  merecimento. 

O  FUTURO 

(tnedito) 

Que  é  o  futuro  ? 
Enigma  escuro 
P'ra  nossa  alma  ! 
Na  víõa  calma 
Que  se  õisfructa, 
Ninguém  prescruta 
O  que  elle  trará. 

E'  boa  a  viõa 
.     Na  sua  liõa. 


50  Poetisas  Portuguesas 


Com  tantos  sonhos, 
Doces,  risonhos 
Se  vae  passanôo, 
Não  nos  lembranòo 
Qual  elle  será. 

Granôes  castellos, 
Linòos  e  bellos, 
P'ra  que  os  fazemos? 
Se  nós  sabemos 
Que  p'ra  o  futuro 
O  íaõo  ouro 
Destrui-Ios-ha. 

Futuro  incerto ! 
Será  ôe  certo 
No  fim  a  morte. 
Com  esta  sorte 
Triste  que  temos 
Nunca  sabemos, 
Como  elle  virá. 

Maria  jacintha  Teixeira  Bastos. 


MEU  CORAÇÃO 

(inédito) 

Está  ôoiòo  !  Mas  que  querem  ? 
Ficou  assim,  coitaòo, 
N'um  õia  malfa<>aÒo, 
Por  uns  olhos  que  ferem. 

Olhou -os  sem  pensar 
Que  uns  olhos  tentaòores 
PoÕem  matar  õ*amores 
Aquelle  que  qs  fitar. 


Poetisas  Portuguesas  51 

Não  mais  teve  alegria 
Prenõeu-se  e  assim  ficou 
E  aqueile  que  o  matou 
Ao  vê-lo  assim  sorria. 

Doiõo  !  Quer-se  matar ! 
Não  ha  um  só  momento 
Que  o  seu  negro  tormento 
O  òeixe  socegar, 

Maria  Jacintha  Teixeira  Bastos. 


D.  ELISA  TOSCANO  BATALHA 

D.  Elisa  Toscano  Batalha  nasceu  em  Portel,  uma  ôas 
mais  soberbas  localiòaões  òo  Sul  õe  Portugal,  vila  alente- 
jana, onõe  viveu  por  largos  anos,  e  que  ôista  umas  oito 
léguas  õ'Evora, 

Ha  anos,  publicou  o  seu  primeiro  livro  Òe  versos,  ao  qual 
ôeu  o  titulo  õe  Crepúsculos. 

Passanõo  a  residir  na  Capital,  tem  esta  Senhora  colabo- 
raòo,  em  prosa  e  verso,  em  vários  jornaes  e  revistas. 

Para  o  Jornal  da  Mulher,  alem  õe  varias  poesias,  escre- 
veu D.  Elisa  Toscano  Batalha  um  ligeiro  estuòo  histórico, 
baseaõo  numa  novela  Castelhana,  Jaritla,  cujo  enreõo  se 
prenõe  com  certas  passagens  õa  nossa  historia  Pátria. 

Esta  õistincta  Poetisa,  que  tem  um  fervoroso  culto  pela 
Literatura  que  aõora,  trabalha  numa  serie  òe  crónicas  e 
artigos  que  se  referem  á  sua  terra  natal  e  arreõores,  escri- 
ptos  que  tenciona  publicar  num  õos  jornaes  òe  Lisboa. 

Em  1915,  o  seu  soneto  que  cito.  Meu  Tormento,  obteve  a 
segunòa  classificação,  num  concurso  aberto  pelo  meneio - 
naòo  Jornal  da  Mulher. 


52  Poetisas  Portuguesas 

MEU  TORMENTO 

<Como  sofre  !>  —  me  òiz  5oce  e  excessiva 
E  tomanõo-me  as  mãos  —  «que  õesalento  ! 
Vê-se  que  ôa  òesgraça  o  cruel  vento, 
Aqui  soprou,  com  inclemência  viva, 

EncaneciÔa  tem  a  pensativa 
Fronte  (assim  posta  quasi  n'um  momento) 
Ah  !  vamos,  faça  meu  o  seu  tormento 
Conte- me  essa  occorrencia  pungitiva! 

E  calou-se.  Entretanto,  eu  òigo  assim : 
Bemòita  seja,  teve  Òó  òe  mim, 
Commoveu-a  a  minha  alma  angustiada  ! 

Quer  saber  as  razões  ?•  .  pueris  talvez. . . 

Olhe,  certo  vai  rir-se  ôesta  vez, 

E'  que  eu  amei  . .  amei  sem  ser  amaõa  ! 

Elisa  Toscano  Batalha.  Jornal  da  Mulher,  n.'  97,  ôe  30-5- 
1915,  5.*  anno,  pag.  1409. 


AN]INHO  INFORTUNADO 

E'  pequenita.  Só  teas 
Dez  annos  e  é  fraquinha  ; 
Alva  loira,  õelgaôinha. 
Costuma,  õe  quanòo  em  quanòo, 
Peòir-me  a  sua  esmolinha. 

Parece  não  ter  ninguém  ; 
Vejo-a  sempre  sósinha. 

Pobresita !  quanòo  peòe, 
Não  insiste,  não  se  exceôe. 


Poetisas  Portuguesas  53 

E  é  só,  com  moòeração, 
Que  co'a  ôor  nos  olhos  seus, 
Peôe,  pelo  amor  õe  Deus, 
Um  boccaõinho  ôe  pão. 

Ontem,  òiante  Òe  mim, 
Alguém  lhe  fallou  assim  ! 

—  A  tua  mãe  onôe  está  ? 
Porque  não  vai  ela  aqui, 
Caminhando  a  par  ôe  ti, 

E  a  terna  mão  te  não  õá  ? 

Porque,  õe  negro  vestida, 
Vagueias  tu,  sem  guariba. 
Pelo  munôo,  ao  Deus  ôará  ?  — 

Ao  que  ela,  então,  responôeu  ! 

—  A  minha  mãe  está  no  ceu, 
Acompanha-me  õe  lá.  — 

Elisa  Toscano  Batalha.  Echos  da  Avenida,  Lisboa,  Julho 
õe  1916. 


DE  VOLTA  AO  CURRAL 

Campina  em  fora,  pela  estraõa  real, 
Eles  lá  vêem.  Buscam  o  õoce  Abrigo 

—  Formosos  bois  — 

Vêem  õo  pascigo. 
Vêem  no  passo  lento  natural. 

Entretanto,  refulgem  já  no  Ar 
Estrellas ;  por  isso  ele,  o  bom  amigo 
Maioral  (um  honraôo  servo  antigo) 
Grita,  õe  vez  em  vez,  p'ra  os  animar. 


54  Poetisas  Portuguesas 

E  a  sua  ruõe  voz  (mas  carinhosa) 
Casa-se  aqui,  então  c'o  som  ôolente 
Dos  chocalhos  e  esquiías.  Belamente, 
Numa  ingénua  toaòa  harmoniosa   ■ . 

Mas  eis  chegam  emfim.  Corre  o  maioral 
A  abrir  ôe  par  em  par  o  amplo  portão, 
E  eles  lá  entram  todos,  Òe  gangão, 
P'ra  ôentro  õo  vastíssimo  curral. 

D'aqui  vão  p'ra  cabana,  sem  õemora, 
E  ali,  ôepois,  os  levam  a  tomar 
O  seu  logar  á  farta  mangeõora, 
Aonôe  os  prenôem. 

Chamam-nos  (é  òo  maioral  a  voz) 
Chega  cá  Baixel !  eh !  chega  Galante ! 
Pachá,  Formoso! ■    »  Emfim,  toòos  e  toôos 
—  Que  graça !  —  logo  vão,  no  mesmo  instante. 
Bonacheirões,  um  e  outro  e  outro  após     . 

Então,  estanôo  toÔos  já  afinal 
No  seu  logar,  comenôo  a  sã  ração 

E  tuõo  assim  sereno 
Ceia  o  maioral :  toicinho  e  pão  moreno, 
Numa  òoce  e  perfeita  quietação. . . 

Elisa  Toscano  Batalha.  Jornal  da  Mulher,  3."  ano,  n,"  16 
Õe  30-5-1913,  pag.  573. 


Poetisas  Portuguesas  55 


MERCEDES  BLASCO 

(d.  conceição  victoría  marques) 

Mercedes  Blasco  nasceu  no  baixo  Alemtejo  como  a  mes- 
ma õeclara  no  seu  livro,  Memorias  de  uma  Actrij,  publica- 
do em  1908  (2."  eòição),  obra  òonõe  extraí  alguns  Õos  Òa- 
Òos  que  figuram  nestas  notas  biográficas. 

Também  usou  em  cartazes  teatraes,  os  nomes  õe  Judit 
Mercedes  Blasco  e  Õe  Judit  Mercês. 

O  verõaõeiro  nome  õe  Merceôes  Blasco,  é  Conceição 
Vicioria  Marques. 

Até  aos  7  anos  òe  iôabe  viveu  com  seus  pães  na  Anda- 
luzia. 

Depois  passou  a  resiòir  no  Porto,  onõe  se  instruiu. 

Seu  pae,  José  Maria  Marques,  tinha  especial  empenho 
em  que  a  filha  cursasse  Medicina. 

O  temperamento  irrequieto  e  a  atracção  profunda  que 
sobre  Mercedes  Dlasco  exercia  a  vida  teatral,  não  lhe  per- 
mitiu fazer  esse  curso,  tendo  sido,  todavia,  aluna  da  Escola 
Normal. 

Um  belo  dia,  sendo  ainda  menor,  foge  de  casa  pela  se- 
gunda vez  —  mau  grado  o  horror  que  seu  pae  tinha  pelo 
teatro  —  e  faz  a  sua  estreia  artística  no  teatro  Chalet,  do 
Porto,  sendo-lhe  confiados  os  primeiros  papeis. 

Em  Lisboa,  trabalhou  nos  teatros  da  Trindade  e  Avenida. 
Mercedes  Blasco  fez  parte  da  companhia  do  teatro  da  Trin- 
dade, desde  outubro  de  1890  a  maio  de  1899. 

Entre  outras  peças  representou :  Mam'^elle  Nitouche, 
Moira  de  Silves,  Piparote,  Miss  Helyette,  O  burro  do  Sr. 
Alcaide,  etc. 

As  suas  principaes  creações  que  lhe  mereceram  a  popu- 
laridade de  que  gosou,  foram :  o  Morgadinho  do  brasileiro 
Pancracio,o  Diabo  Eléctrico,  Miss  Helyette,  28  dias  de  Cla- 
rinha,  Solar  dos  Barricas,  Mam^^elle  Nitouche,  etc. 

Inteligente  e  dotada  de  uma  bonita  voz,  Mercedes  Blasco 


56  Poeíisaè  Portuguesas 

ez  sucesso,  não  só  nas  peças  mencionaòas  como  tamben 
cantando  faõos  e  canções. 

Representou  no  Pará,  e  em  MaÔriò  nos  teatros  Lara 
Moderno  e  Romea.  Em  Lisboa,  também  trabalhou  no  Rea 
Coliseu  òe  Lisboa,  Aveniòa,  Rua  bos  Conòes,  D.  Amélia,  etc 

A'  bibliografia  teatral  portuguesa  —  ôe  que  neste  momen 
to  me  lembro  terem  siòo  publicaòas  as  obras :  JSo  Theain 
e  na  Sala,  por  D.  Guiomar  Torrezão  ;  O  l^htatro  em  Fralda 
por  Olòemiro  César ;  liecordaçôes  aa  Scetia  e  de  Fora  d' 
Scena,  por  Augusto  Rosa ;  Impressões  de  Theaíro,  por  Bra: 
Burity ;  Estros  e  Palcos^  por  Luciano  Corõeiro ;  A  Litera 
tura  dramática  em  Portugal^  por  ].  M.  õe  AnõraÔe  Ferrei 
ra  ;  alem  òos  volumes  sobre  o  actor  António  Peôro,  Angeli 
Pinto  e  Palmira  Bastos  —  o  livro  òe  Merceões  Blasco  i 
mais  um  elemento  que  se  vem  juntar. 

BOHEMIA 

No  seu  olhar,  tão  negro  e  revoltoso, 
Luzia  a  chamma  õe  infernal  malícia . . . 
Um  riso  branõo,  um  rastro  òe  caricia, 
Brincava- lhe  no  lábio  apetitoso. . 

E  o  manòolim  trilhava  òôcemente 
Sôb  a  pressão  arõente  òos  seus  òeòos, 
A  murmurar-lhe  uns  òivinaes  segreòos.   . 
SeguinÒo  assim  religiosamente, 

Uma  canção  singela  e  òesolaòa 
D'um  estribilho  languiôo  e  fremente, 
Recorõação  òe  tempo  mais  risonho, 

—  Talvez  òa  infância  pura  e  Òescuiòaòa  — 

Que  ela  cantava  òistrahiòamente. 

A  alma  a  errar  pela  ampiiòão  ôo  Sonho !     . 

Merceòes  Blasco.  Musa  Hysterica,  Lisboa,  1908. 


Poetisas  Portuguesas  57 

CASTA... 

Quanõo  a  vejo  passar,  como  o  luar  serena, 
Luzindo- lhe  o  puõor  no  meigo  olhar  escuro, 
Tenho  a  visão  gracil  òa  palliõa  assucena, 
Brotanòo  altiva  e  sã  ôas  peôras  ò'um  monturo. 

O  oiro  ôo  cabello  enrosca-se  vaiòoso, 
Deijanõo-lhe,  egoísta,  a  nuca  õe  setim. .  • 
Das  faces  o  palor  òá-lhe  ao  perfil  gracioso. 
Um  mysticismo  iòeal  õe  virgem  ôe  marfim. . . 

E  vae  seguinôo  alem,  sem  sombra  ôe  amargura 
Roçanõo  a  poõriõão  e  o  vicio  a  caõa  esquina ! 
E  naõa  vae  manchar-lhe  a  virginal  canòura 
Do  riso  que  lhe  encrespa  a  bôcca  purpurina  ! 

Por  isso,  ao  vêl-a  ir,  como  o  luar  serena, 
Luzinôo-lhe  o  puõor  no  meigo  olhar  escuro. 
Tenho  a  visão  gracil  ôa  palliõa  assucena, 
Brotanòo  altiva  e  sã  òas  peõras  õ'um  monturo. 

Merceões  Blasco.  oMusa  Bysterica. 


D.  ESTHER  AMÁLIA  DA  CUNHA  BELÉM 

D.  Esther  Amália  ôa  Cunha  Belém  nasceu  em  Coimbra,  a 
25  Òe  ]ulho  ôe  1856. 

E'  filha  õe  D.  Magõalena  Emilia  õo  Carvalhal  õe  Miranõa 
õa  Silveira  Vasconcellos  e  õo  Dr.  António  Manoel  õa  Cunha 
Belém,  cirurgião  em  Chefe  õo  Exercito,  e  auctor  õe  muitos 
rabalhos  literários  e  scientificos. 

Colaborou  no   Almanach  das  Senhoras,  no  Almanach  D 

uíf,  na  Creche,  no  Diário  lllustrado  (onõe  publicou,  alem 
^Q  poesias,  perfis  e  biografias),  e  na  Lisboa  Creche. 

Lisboa  Creche,  é  um  pequeno  e  interessantíssimo  jornal 


53  Poetisas  Portuguesas 

que  foi  publicaôo  em  Lisboa  em  Maio  ôe  1884  ;  foi  seir 
eòitor  Daviò  Corazzi. 

Teve  por  directores  artistico  e  literário,  respectivamente, 
Rapliael  Borôallo  Pinheiro  e  o  Dr.  Xavier  Ôa  Cunha,  inôi- 
viôualiòaôes  consagradas  no  munõo  intelectual. 

Neste  jornal  miniatura  que  é  ilustrado  e  que  traz  o  fac- 
simile  5a  assignatura  ôe  caòa  escriptor,  colaboraram,  entre 
outros,  em  prosa  e  verso  : 

D.  Esther  ôa  Cunha  Belém,  D.  Guiomar  Torrezão.  Dr. 
Cunha  Belém,  D.  António  ôa  Costa,  Brito  Aranha,  Camillo 
Castello  Branco,  Christovão  Ayres,  Barros  Lobo,  Eôuarôa 
Viôal,  Gomes  ôe  Amorim.  Fernanôes  Costa,  Fernando  Cal- 
Ôeira,  Fernanôo  Palha,  Francisco  Palha,  Fonseca  Benevi- 
Ôes,  Gervásio  Lobato,  Guilherme  Ennes,  Guilhermino  de 
Barros.  Lopes  ôe  Mendonça,  Oliveira  Ramos,  Andrade 
Corvo,  Pinheiro  Chagas,  Jaime  Victor,  Júlio  César  Machado, 
Palmeirim,  Moura  Cabral,  Pedro  Vidoeira,  Ramalho  Ortigão, 
Virgílio  Machado,  Visconde  de  Benalcanfor,  VisconÔes  ôe 
Castilho,  (António  e  Júlio),  Visconôe  ôe  Ouguella,  Xavier  Ôe 
Carvalho,  etc. 

Lisboa  Creche  foi  ôeôicaôa  a  sua  Magestaôe  a  Rainha 
Senhora  D.  Maria  Pia.  Destinava -se  a  auxiliar  as  Creches. 

D.  Esther  ôa  Cunha  Belém  fez  os  seus  primeiros  versos, 
contanôo  apenas  ôez  anos  ôe  iôaôe. 

As  suas  produções  poéticas  nunca  foram  reuniôas  em 
volume. 

JOÃO  DE  DEUS 

dNSDtTO^ 

Na  Festa 

Vem  trazer-te  a  mociôaôe 
Cantos,  flores  —  que  o  tempo  foge  ! 
Diz  o  mestre  com  bonôade  : 
—  A  vida  é  o  dia  de  hoje. 


Poetisas  Portuguesas  59 


Na  Morte 

Murcham  as  flores,  geme  a  lyra 
Como  a  ventura  se  esvai  ! 
Morre  o  poeta  e  suspira  : 
—  A  vida  é  folha  que  cai. 

Esther  Amália  õa  Cunha  Delem. 


AS  ROSAS  DA  RAINHA 

Como  a  Rainha  Santa  a  historia  grato  encanto 
Sublime  e  angelical  ô'amor  e  Ôe  pieõaõe 
Um  õia  meigamente,  abrinòo  o  régio  manto 
Em  rosas  transformara  o  pão  5a  cariòaôe  ; 

Hoje,  outra  existe  assim,  Ôe  quem  meigos  sorrisos 
Faz  bálsamo  que  extingue  alheias  funôas  Ôôreô  ; 
Que  em  luz  converte  as  trevas,  as  lagrimas  em  risos 
Em  agasalho  o  frio,  e  em  cuiõaòo  as  flores. 

Esther  Amália  ôa  Cunha  Belém.  A  '^Prece,  Lisboa,  1884. 


A  CRECHE 

A  Creche :  —  um  tepiõo  ninho 
ToÔo  formaôo  õe  Amor ! 
Onòe  as  meigas  crianchinhas 
Revivem  ao  seu  calor  ! 

E'  como  um  ceu  constellaòo 
D'essas  estrellas  formosas 
Onòe  sorriem  os  anjos 
Onòe  florescem  as  rosas. 

Esther  Amália  òa  Cunha  Delem.  Lisboa  Creche,  (Maio  Òe 
84). 


60  Poetisas  Pòríugueòas 

PARA  OS  ORPHÃOS 

Aos  pobres,  coitaòinhos. 
Christãos  õaí  uma  esmola 
O'  mães,  ôai-lhes  carinhos 
Dai-lhes  ó  pátria  a  escola ! 

E  assim  tornemos  riõente 
O  seu  Òestino  escuro 
A's  pombas  õo  presente, 
A's  águias  òo  futuro  !. 

Esther  Amália  ôa  Cunha  Delem.  Para  os  Pequeninos.  1885 
(Jornal  a  favor  òa  Associação  protectora  òas  crianças). 


D.  MARIA  RITA  CHIAPPE  CADET 

D.  Maria  Rita  Chiappe  Caôet  nasceu  no  Algarve,  seguníx 
supõe  Innocencia  ôa  Silva.  D.  António  Òa  Costa  julga-: 
lisboeta  (pag.  304  õa  éMulher  em  Poríus^alj. 

Faleceu  em  5  òe  õesembro  Ôe  1885, 

D.  Maria  Rita  Chiappe  Caõet  foi  professora  5e  francês  < 
gerente  ôa  livraria  Lalement.  Colaborou  em  inúmeros  jor 
naes  e  almanacks. 

Em  1870,  publicou  um  livro  intitulaôo  Versos.  E\  também 
auctora  ôe  Sorrisos  e  Lagrimas  (poesia),  e  Flores  da  In 
fancij.  contos  e  poesias  moraes,  ôeôicaôos  á  mociôaôe  por 
tuguesa. 

Os  Contos  da  Mamã  e  o  Theatro  das  Creanças  constituen 
uma  graciosa  colecção  õe  onze  pequenas  comeôias  ôesti 
naôas  á  infância. 

Foi  esta  Senhora,  segunôo  creio,  a  percursora,  entre  nós 
ôa  lAteratura  Infantil,  para  a  qual  tem  escripto  numeroso; 
livros:  D.  Maria  Amália  V.  ôe  Carvalho,  D.  Maria  0'Neill 


Poetisas  Poftiiguesas 

D.  Maria  Feio,  D.  Emília  òe  Sousa  Costa,  D.  Maria  Sofia 
Machaòo  (Santo  Tyrso),  etc. 

Alem  õas  obras  citaòas,  o  nome  òe  D.  Maria  Rita  Chiappe 
Caõet  está  ligaòo  a  muitas  outras  composições  originaes, 
imitações  e  traduções. 

A  VARINA 

Nas  longas  praias  sem  cessar  banhadas 
Das  claras  aguas  ôo  sereno  mar, 
Meu  pobre  berço  õe  varina  tive, 
Que  as  vagas  vinham  com  amor  beijar. 

Ah !  foram  ellas  que  affagaram  ternas 
Tranquillos  sonhos  Ôe  infantil  viver. 
Que  me  ensinaram  co'murmurio  branõo 
A  lei  õo  Eterno  a  respeitar  e  crer. 

Que  bellos  sonhos  na  primeira  iõaòe 
Minh'alma  pura  e  juvenil  creou  ; 
Que  meiga  esp'rança  no  futuro  aguarõa 
Quem  o  trabalho  com  prazer  buscou. 

Que  importam  liõas,  se  á  faôiga  affeito 
Meu  braço  póõe  com  aròor  liõar ; 
Se  o  pão  bemôito  que  o  trabalho  offrece 
Vem  a  meus  pães  consolações  prestar. 

Ah  i  se  o  meu  rosto,  como  as  jovens  õamas, 
Mimo  e  alvura  que  ostentar  não  tem  ; 
Se  a  brisa  aòusía  que  ôo  norte  sopra 
As  faces  toôas  requeimar-me  vem. 

Em  troca  õ'isso  sinto  o  peito  forte, 
Livre  e  robusto  palpitar  õe  arÒor, 
E  em  meu  caminho  segreòar-me  escuto 
Vozes  que  faliam  õe  um  porvir  õe  amor. 


62  Poetisas  Portuguesas 

Quanôo  ao  romper  Õa  maõrugaòa  acoròo, 
Ergo-me  e  sinto  o  coração  feliz, 
Minha  alma  pura  Õe  prazer  trasborda 
E  a  Deus  meu  peito  com  fervor  bemòiz. 

Oh  !  sim  que  ao  brilho  òa  nascente  aurora, 
Na  luz  serena  que  raiar  se  vê, 
Sente  a  varina  palpitar-lhe  o  peito, 
E  Dentro  õ'elle  vigorar-se  a  fé. 

Não  gasto  enfeites,  meu  vestir  singelo 
Não  tem  veluòos,  ouropel,  setim  ; 
O  breve  lenço  que  o  meu  seio  encobre. 
As  largas  abas  òo  chapéo  varim. 

A  saia  curta,  õebruaôa  apenas 
De  orlas  vermelhas  sobre  um  runôo  azul. 
Eis  meu  aõorno,  Òa  varina  a  gala, 
Minha  riqueza,  meu  trajar  taful. 

Porém,  que  importa  s'inõa  assim  não  troco 
A  sorte  minha  por  um  throno,  oh  I  não ! 
Eu  sou  feliz  n'esta  pobreza  honraòa, 
Trabalho  e  ganho  com  prazer  meu  pão  ! 

Não  sonho  flores,  nem  setins,  nem  jóias, 
Vale  mais  que  ellas  meu  gentil  rubor, 
Que  sob  os  trajos  õe  varina  humildes 
Mais  sobresae  õa  mociõaõe  a  flor. 

O  único  sonho  que  na  mente  aífago, 
Única  esp'rança  que  minh'alma  tem, 
Toõa  a  ambição  que  n'este  peito  encerro. 
Que  a  par  ôas  crenças  vegetou  também, 

E'  ô'esse  lucro  que  o  suor  me  custa, 
Ténue  parcella  para  mim  guarõar. 
Pingentes  õ'ouro  comprarei  com  ella, 
E  a  cruz  penõenõo  õe  gentil  coliar. 


Poetisas  Portuguesas  63 


Oh !  se  o  consigo,  mais  feliz  na  terra 
Mulher  alguma  viverá  ôo  que  eu, 
Que  importam  liôas  que  o  prazer  esmalta, 
Doces  trabalhos  que  abençoa  o  ceu ! 

Tomo  a  canastra  que  o  meu  peixe  leva, 
E  na  ciòaòe  que  topar  visinha. 
Vou  pelas  ruas  pregoanDo  alegre : 
<Biba,  bibinha,  quem  a  quer  bibinha  ?!...» 

Maria  Chiappe  Caõet,  Feríos,  Lisboa,  1870,  pag.  17  a  19. 


D.  LUTHGARDA  GUIMARÃES  DE  CAÍRES 

D.  Luthgaròa  Guimarães  õe  Caires  nasceu  em  Vilia  Real 
í>e  Santo  António. 

E'  filha  ôe  D.  Maria  Thereza  õe  Barros  Guimarães  e  ôe 
José  Roôrigo  Guimarães  que  foi  um  granòe  amaõor  õe 
musica. 

Pelo  avô  õesta  Senhora  —  Daniel  Baptista  õe  Barros  — 
teve  D.  Luiz  I  especial  estima,  õatanõo  esta  amizaõe  õo 
tempo  em  que  o  pae  õe  El- Rei  D.  Carlos  I  anõava  embar- 
caõo  como  simples  guarõa  marinha. 

O  meio  culto,  em  que  õesõe  bem  nova  viveu  e  se  eõucou 
a  ilustre  Poetisa  õe  quem  estou  falanõo,  influiu,  por  certo, 
bastante,  para  que  no  seu  espirito  germinasse  o  gosto  pelo 
cultivo  õas  Leiras  e  õas  Belas  Artes,  estuõos  estes  que 
tanto  õesvelo  e  atenção  merecem  a  D.  Luthgarõa  Õe  Cai- 
res, esposa  Õo  muito  conheciõo  aõvogaõo  Dr.  João  õe 
Caires. 

Esta  Õistincta  Poetisa  tem  colaboraõo  no  Diário  de  No- 
ticias, Capital,  Brasil  e  Portugal  onõe  publicou,  alem  õe 
carias  poesias,  um  conto  —  O  Conspirador  —  e  no  Secuio, 
onõe  escreveu  interessantes  artigos  sobre  assumptos  so- 
ciaes.  Entre  eles,  merecem  especial  referencia : 


64  Poetisas  Portuguesas 

Abaixo  a  penitenciaria  (que  contribuiu  para  a  abolição 
òa  mancara  aos  presos),  e  A  Mulher  na  Sociedade. 

D.  Luthgarôa  Õe  Caíres  é  auctora  òos  seguintes  trabalhos^, 
literários : 

Em  verso  :  Glicineas,  Papoulas,  2.»  eÕição,  A  Bandeira 
Portuguesa  (exgotaòa),  Pombas  feridas  (plaquete),  Sombra?" 
c  Cinjas,  2."  eôição,  A  Revolta,  peça  em  1  acto,  adaptação 
em  verso,  õe  uma  scena  simbólica,  escripta  em  prosa,  por 
Nelly  Roussel  que  permitiu  que  fosse  ampiiaòa,  o  que  D. 
Luthgarôa  õe  Caires  levou  a  efei*o,  visto  a  peça  em  ques- 
tão ser  excessivamente  pequena  para  poôer  ser  represen- 
tada. 

Em  prosa  :  -4  Dança  do  Destino. 

A  auctora  òas  Sombras  e  Cinjas,  trabalha  actualmente-: 
nas  seguintes  obras :  O  Dr.  "Vampiro,  romance,  Castellos 
de  Estreitas,  poesia,  e  As  ires  arvores 

A  historia  oeste  ultimo  livro  é  muito  curiosa.  Nas  ires- 
arvores,  serão  publicaòos,  alem  õe  alguns  contos  ineõitos, 
o  nome  õas  pessoas  que  teem  contribuiõo  com  roupas  e 
õinheiro  para  a  meritória  obra  õe  cariõaõe  que  D.  Luth-í 
garoa  õe  Caires,  com  tanta  õevoção,  iniciou  ha  3  anos,  ves- 
tinõo  e  Õistribuinôo  brinqueõos  ás  crianças  õos  hospitaes 
e,  em  especial,  ás  Õo  Hospital  D.  Estephania,  funõaõo  pela 
Rainha  õo  mesmo  nome,  a  esposa  õo  Rei  D.  Peõro  V,. 
hospital  este,  a  principio,  só  õestinaõo  á  infância. 

Toõos  os  meses,  esta  bonõosa  Senhora  compra  brinque- 
õos e  rebuçaõos  que  leva  aos  seus  protegiõos- 

A  granõe  festa  õa  õistribuição  õas  õaõivas  que  tanta 
alegria  causa  aos  pequeninos  õoentes,  realisa-se  no  õia  õe- 
Natal,  senõo  a  promotora  õesta  bemfazeja  e  simpática  obra^ 
auxiliaõa  por  õeõicaõas  Amigas. 

Para  bem  se  avaliar  õos  primores  õo  coração  õe  D.  Lu- 
thgarôa õe  Caires,  basta  õizer  que  parte  õo  proõucto  Ôa 
venõa  õos  seus  trabalhos  literários  é  õestinaõa  a  estes 
actos  õe  cariõaõe. 


Poetisas  Portuguesas  65 


AVE,  MARIA 

Avè,  Maria,  Mater  dolorosa. 
Cheia  de  graça  e  ôivinal  fulgor ! 
Maria  Santa,  estrella  raòiosa, 
Mãe  òe  Jesus,  o  nosso  Reôemptor. 

O  Senhor  é  comvosco,  Virgem  Santa, 
Bemdita  Sois,  Vós,  Casta  flor  Dos  céus ! 
Que  perlas  finas,  õe  amargura  tanta. 
Vós  não  chorastes,  pelo  amor  õe  Deus  I 

Entre  as  mulheres,  Mãe  immaculaõa, 
Bemdito  é  o  fructo  õa  mais  casta  estrella  ; 
No  Ceu,  na  terra.  Sois  abençoaõa, 
E  entre  as  mais  santas,  a  mais  pura  e  bella. 

Do  Vosso  ventre,  tão  bemôito  e  santo 
Jesus  nasceu,  nosso  ôivino  Guia, 
Por  quem  Ôepois,  correu  o  Vosso  pranto, 
VenÔo-o  expirar  na  Cruz,  Santa  Maria  ! 

Luthgarõa  Guimarães  õe  Caíres.  Glycinias,  Lisboa,  1910, 
ag.  29  a  32. 


A  VAGA 

AÕoro-a !  como  se  aõora 
O  que  seõuz  e  fascina,  — 
A  vaga  õiamantina 
Que  me  atrahe  ê~me  enamora. 

Quanõo  louca  ôesarvora, 
E  quanõo  altiva  õomina, 
Quanõo  arrebata  e  extermina, 
Quanõo  ruge. . .  e  quanõo  chora. 


66  Poetisas  Portuguesas 

Amo  a  sereia  anõolante, 
A  preguiçosa  bacchante, 
Gemenòo  queixas  ôe  amor. . . 

Embora  o  seio  turbado. 
Sob  o  seu  manto  prateaòo 
Alimente  a  morte  e  a  ôôr !. . . 

Luthgaròa  Guimarães  òe  Caires.  Glycinias,  pag.  49  a  5í 


LOURDES 

Era  ao  entarõecer.  Luz  opalina. 
Como  eu  fiquei  ali  extasiaòa ! 
Perante  a  Virgem  branca  immaculaõa, 
Na  sua  gruta  mystica  e  òivina. 

Como  lagrima  pura,  crystalina, 
Corria  um  fio  õe  agua  abençoaòa. 
E  uma  rosa  moõesta  e  õeslumbraõa, 
Na  rocha  tremulava,  pequenina  . . 

Oh  !  Mãe  Celeste !  Até  as  próprias  rosas. 
Mesquinhas  oscilanòo  ao  vosso  labo, 
Se  curvam,  vaciliantes,  receosas! 

E  o  vosso  olhar,  õescenôo  iiluminaòo, 
Por  sobre  as  multidões  angustiosas, 
Reòime  a  culpa,  e  limpa  ôe  peccaõo. 

Luthgaròa  Guimarães  õe  Caires.  Glycinias,  pag.  203  a  20íi 


Poetisas  Portuguesas  67 


ANTE  UMA  CAVEIRA 

Quem  foste  ?  Tu  que  és  hoje  uns  restos  õo  passado  ? 
Um  martyr  ?  um  banõiòo  ?  O'  tu  que  foste  alguém  ! 
Quem  sabe  se  inòa  existe  um  peito  angustiado 
que  chore  a  tua  falta. . .  um  coração  õe  mãe !. . . 

Nas  órbitas  sem  luz,  talvez  que  uns  linôos  olhos, 
outrora  com  amor,  chorassem  combalidos. . . 
Talvez  que  o  teu  caminho,  erriçaòo  õe  abrolhos, 
o  regassem  òe  pranto  os  teus  olhos  perdidos ! 

E  hoje,  fria  caveira,  insondável  mistério, 
nem  a  terra  te  abraça  o  teu  craneo  gelado  ! 
Nem  sequer  tens  lugar  num  triste  cemitério, 
onde  a  saudade  vá  chorar  o  teu  passado ! 

Luthgarõa  Guimarães  de  Caires.   Sombras  e  Cin:j[as,  1." 
edição,  Lisboa,  pag.  53  e  54, 


D.  MARIA  JOSÉ  DA  SILVA  CANUTO 

D.  Maria  José  da  Silva  Canuto  nasceu  em  Lisboa,  em  28 
õe  Janeiro  de  1812  e  faleceu  em  20  de  Janeiro  de  1890. 

Foi  jornalista,  poetisa  e  professora  de  ensino  primário. 

Colaborou  em  diversos  almanachs,  na  Revolução  de  Se 
lembro,  no  Occidente,  no  Patwrama  e  na  Revista  Universal 
Lisbonense,  na  qual  escreveram  entre  muitos  outros  ho- 
mens ilustres :  António  Feliciano  de  Castilho ;  Alexandre 
Herculano;  António  Augusto  Teixeira  de  Vasconcellos ; 
Pereira  da  Cunha  ;  António  õe  Serpa ;  Silva  Túlio  ;  Filippe 
Folque ;  Francisco  Palha ;  Silveira  Malhão  ;  Ferreira  Lapa  ; 
AnÕraõe  Corvo  ;  João  õe  Lemos ;  Costa  Cascaes  ;  FraÕesso 
da  Silveira;  Casal  Ribeiro  ;  Correia  Calòeira  ;  Augusto  Pai- 


68  Poetisas  Portuguesas 

meirim ;  Gomes  õe  Amorim  ;  Fernanôes  Thomaz,  Visconõe 
òe  Sá  ôa  Banôeira,  etc. 

D.  Maria  José  òa  Silva  Canuto  publicou  os  seguintes 
trabalhos:  Escavações  e  Conferencias  Pedagógicas. 

Foi,  principalmente,  á  instrução  que  esta  Senhora  òeôi- 
cou  o  máximo  Õe  seu  esforço  e  inteligência. 

Morreu,  õepois  Ôe  uma  constante  lucta  pela  viòa,  con- 
tando 82  anos  Õe  iõaõe. 

Se  os  últimos  tempos  õe  sua  longa  existência  não  foram 
completamente  angustiosos,  Õeve-o  a  Rosa  Araújo,  —  o 
iniciaõor  õos  granões  melhoramentos  Õa  ciõaõe  Õe  Lisboa 
—  que  lhe  conceõeu  um  subsiõio  anual,  que  em  parte  lhe 
minorou  a  õesgraça  Õe  se  ver  entrevaõa. 

MAGDALENA 

A  que  outr'ora  opulenta  e  raõiosa 
Õe  belleza  e  õe  amor  não  saciaõo, 
leito  ebúrneo,  õe  arminhos  recamaõo, 
a  seus  cultos  sagrara  caprichosa. 

Eil-a. .    aos  pés  õe  }esus  .    tão  lacrimosa  ! 
De  oõorifica  unção  lh'os  tem  banhaõo, 
com  as  áureas  maõeixas  enxugaõo. 
EsplenõiÕa  na  õôr  !  sempre  assombrosa ! 

A  que  outr'ora  aos  murmúrios  responõia 
õe  menestréis  acorões  com  harpejos, 
que  a  seus  festins  opíparos  reunia. 

Muõa  as  turbas  perpassa,  ouve  os  motejos, 
Amor  celeste  a  mente  lhe  alumia  ; 
pranto  e  morte  fixaram  seus  õesejos  ! 

Maria  José  õa  Silva  Canuto.  Almanach  das  Senhoras,  1878, 
pag.  153. 


Poetisas  Portuguesas  69 


D.  LUCINDA  DO  CARMO 

D.  Lucinõa  ôo  Carmo  nasceu  em  Lisboa. 

A  22  ôe  Setembro  ôe  1882,  encetou  a  sua  carreira  artis- 
tica,  representanòo,  pela  primeira  vez,  no  Theatro  Gymna- 
sio,  senôo  a  peça,  em  que  tomou  parte.  Estação  Calmosa, 
comeõia  em  3  actos,  traòuziõa  por  José  Augusto  Ferro. 

As  principaes  creações  artísticas  e  peças  em  que  mais  se 
tem  salientado  D,  Lucinòa  ôo  Carmo  que  no  meio  teatral 
português  gosa  òe  justificaõo  renome,  e  que  conta  geral  es- 
tima e  simpatia  òo  publico,  são : 

Niíoiiche,  Lili,  Carraça,  Doutora,  Notte  do  Calvário,  Fei- 
ticeira, Innocencia,  A  Sombra,  Cigarra,  Intimo,  etc. 

No  teatro  D.  Maria  Pia,  ôa  ilha  õa  Maôeira,  e  nos  Açores, 
representou  D.  Lucinòa  õo  Carmo  toòo  o  seu  reportório, 
alcançan&o  extraorõinario  successo. 

Fazenôo  parte  õas  companhias  Furtaòo  Coelho  e  Rosa  e 
Brasão,  representou,  respectivamente,  no  teatro  ôa  Comedia 
de  Madrid,  õurante  um  mes,  bem  como  no  Rio  ôe  Janeiro 
e  em  S.  Paulo. 

Em  Paris  e  em  Maôriô,  onôe  esta  Actriz  tem  estaôo  em 
viagens  ôe  estuôo,  assistiu  a  representações  em  que  toma- 
ram parte  os  mais  iminentes  artistas  Ôo  munôo. 

Em  1891,  entrou  para  o  nosso  primeiro  teatro  ôramatico» 

0  Teatro  Nacional,  fazenôo  parte  ôa  Companhia  Rosa  e 
Brasão. 

Em  1898,  foi  D.  Lucinôa  ôo  Carmo  nomeaôa  sociataria 
ôe  1.*  classe  ôo  mencionaôo  teatro,  onôe  se  tem  conser- 
jvaôo  até  hoje. 

Em  Maio  ôe  1912,  foi-lhe  confiaôa  a  regência  ôa  7.^  Ca- 
[ôeira  ôa   Escola  de  Artt  de  Representar  que  funciona  no 

1  Conservatório  ôe  Lisboa. 
E'  nessa  caôeira,  que  se  preparam  os  alunos  para  as 

[provas  íinaes  que  são  publicas  e  em  que  os  ôiscipulos  mais 
[classificaôos  ôisputam  prémios. 

Em  1911,  publicou  D.  Lucinôa  Ôo  Carmo,  uma  ôas  pou- 


70  Poetisas  Portuguesas 

cas  actrizas  portuguezas  que  se  teem  òeòicaõo  á^soesia,  o 
seu  primeiro  livro  (prosa  e  verso)  intitulado  Fora  de.  Scena. 
Como  escriptora,  colaborou  no  Almanach  dos  Palcos  e 
Salas,  Illustrado  e  ôas  Senhoras. 

AS    PALMAS 
(monologo) 

Quanto  eu  gosto  òe  as  ouvir ! . . . 


Fazem-me  logo  sorrir 

Por  mais  triste  que  me  sinta  : 

—  E  não  ha  quem  me  Desminta  ; 
(Pelo  menos  se  esse  alguém 
Viver  õa  arte  também 

E  artista  fôr,  ôe  õireito.) 
São  as  palmas  o  mór  preito 
Que  o  artista  sempre  anhela, 
A  ovação  —  a  mais  singela  — 
Sempre  a  nossa  alma  arrebata 
Porque,  em  summa,  ella  é  tão  grata 
Que  nos  deslumbra  e  extasia 
Como  a  pura  luz  ôo  õia ! 
O  templo  5a  Arte  aôoraôo 
E  por  tantos  profanaôo 
Quantas  vezes  se  anniquila 
Com  a  asneira  que  fusila 
Sem  que  alguém  lhe  tenha  mão  ? 
E  cá  fora  a  multiòão 
Sempre  bôa,  complacente, 
Tal  profanação  consente, 
(Pois  só  pensa  em  ôivertir-se) 
E  acha  graça,  fica  a  rir-se ! . . . 

Que  santos,  que  ingénuas  almas, 

—  Cae  o  pano     .  inòa  òão  palmas !  - 


Poetisas  Portuguesas  71 

Se  um  artista  é  õe  valor, 
(Aquelle  que  seja  Acior) 
Que  prazer  ha  ôe  sentir 
Ouvinõo  rir,  se  elle  rir, 
E  chorar,  se  elle  chorar  !  ? . . . 
Ouvinõo  esturgir  no  ar 
As  palmas  e  as  ovações, 
Que  mil  gratas  sensações 
D'alegria  ha  òe  sentir  !  ? .   . 


Ha  õe,  por  força,  sorrir. 
Ha  Õe,  por  força,  animar-se. 
Ha  õe,  emfim  enthusiasmar-se  ! 
Eu,  por  mim,  naõa  conheço 
A  que  õê  maior  apreço 
Do  que  ouvir  uma  ovação. 
P'las  palmas,  a  õevoção. 
Em  mim  toca  o  fanatismo. 
—  E  até  quanõo  o  paroxismo 
Da  morte,  se  me  abeirar 
Eu  prometto  não  chorar 
Se  no  outro  munõo  as  almas 
Me  receberem  com  palmas  !  •    ■ 

Lucinõa  õo  Carmo.  Fora  de  Scena,  Lisboa,  1911,  pag.  115 
í  117. 


D.  AUGUSTA  FERNANDES  PESSOA 
DE  CARVALHO 

D.  Augusta  Fernanões  Pessoa  õe  Carvalho  nasceu  em 
Bucellas,  em  1886. 

Apesar  õe  ter  resiõiõo,  até  1910,  nessa  localiõaõe,  e  Õe 
não  ter  tiõo  professores  que  lhe  ensinassem  as  verõaõeiras 
regras  Õe  metrificação,  as  suas  proõucções  poéticas  lêem- 


72  Poetisas  Portuguesas 


se  com  muito  agraòo,  lai  é  a  singeleza  e  naturaliòaôe  t>e 
que  são  revestiòas. 

Foi  no  òiario,  Novidades,  que  D.  Augusta  Pessoa  òe  Car- 
valho fez  a  sua  estreia  literária. 

No  Jornal  da  Mulher,  têm  vinòo,  por  varias  vezes,  poe- 
sias firmaòas  por  esta  Senhora. 

Os  seus  versos  anòam  Mspersos,  senòo  para  lamentar 
não  se  acharem  ainòa  reuniõos  em  volume. 

SONHANDO 

Em  linôa  noite  estrelada 
Que  é  o  que  eu  penso  sosinha 
Na  janela  òebruçaõa  ? 
Aòivinha. .  • 

Que  pensamento  risonho 
Vae  minha  mente  afaganõo  ? 
Que  riòente  e  alegre  sonho 
Vou  sonhanõo? 

Não  sabes,  queres  que  òiga  ? 
Mas  eu  sei  lá  o  que  penso 
Que  iòeias  a  mente  liga 
Com  mais  senso    . 

Eu  comparo  o  pensamento 
Quanòo  assim,  na  soliõão 
Ao  espantoso  movimento 
Dum  tufão. 

Não  ha  naõa  que  não  venha 
Perpassanòo  velozmente 
Transformar  em  õensa  brenha 
Nossa  mente. 

São  sauòaões,  são  lembranças. 
São  tristes  recorõações. 


Poetisas  Portuguesas  73 

São  meigas  ternas  esperanças 
Aos  milhões. 

Lembram  maguas  já  passaòas 
Despertam  sonhos  riòentes, 
Mil  iõeias  são  chocaõas 
Tão  õifrentes  ■  • 

Mas  Oura  tuõo  um  momento 
Anõa  tuôo  a  esvoaçar, 
Como  as  folhinhas  que  o  vento 
Traz  no  ar. 

E  quanõo  emíim  despertamos 
D'aquele  louco  rever, 
Que  projecto  é  que  formamos 
A  valer? 

Ai  pergunta  embaraçosa 
De  que  eu  livrar-me  consigo, 
Um  projecto. . .  cor  Òe  rosa. . . 
Que  não  ôigo. 

Augusta  Pessoa  òe  Carvalho.  Jornal  da  Mulher,  II  ano, 
n.»  43,  pag.  259. 


D.  DOMITILLA  DE  CARVALHO 

D.  Domitilla  òe  Carvalho  nasceu  em  Travanca  òa  Feira, 
òistricto  òe  Aveiro.  E'  filha  òe  D.  Margariõa  òe  Carvalho  e 
òe  Manuel  Roòrigues  òe  Carvalho,  òe  quem  ficou  órfã,  con- 
tanòo,  apenas  um  ano  òe  iòaòe. 

Ao  ^eu  talento,  perseverança,  e  exíorço  próprio  òeve  D. 
Domitilla  òe  Carvalho  a  sua  formatura  que  fez  com  alta  òis- 
tinção  na  UniversiòaÕe  òe  Coimbra,  nas  antigas  Faculda- 
des de  Medicina,  Matemática  e  Filosofia. 


74  Poetisaê  Portuguesas 

Os  estuòos  preparatórios  fe-los  D.  Domitilla  ôe  Carvalho 
em  Bragança,  Castelo  Branco  eLeiria  onõe  concluiuo  curso. 

D.  Domitilla  òe  Carvalho  foi  a  primeira  senhora  que  fre- 
quentou a  Universiòaõe  ôe  Coimbra.  Tão  inteligente  como 
moõesta,  alcançou  nesta  Universiôaõe  as  maiores  Òistin- 
ções: 

Na  Faculdade  de  Filosofia,  um  premio  e  8  accessits  ; 

Na  Faculdade  de  Matemática,  2  prémios  e  accessits  nas 
restantes  cadeiras; 

Na  Faculdade  de  Medicina,  accessits  em  toòas  as  cadei- 
ras Ôo  1.°  e  2."  ano  e  prémios  em  toÒas  as  caòeiras  ôo  3.°, 
4."  e  5.'  ano. 

Foram-lhe  também  conferidos  o  Premio  Barão  CasteUo 
de  Paiva  (trabalhos  anatómicos),  e  o  Premio  Alvarenga  (ma- 
téria medica). 

Não  resisto  á  tentação  de  aqui  transcrever  uma  ou  outra 
passagem  do  prefacio  com  que  Affonso  Lopes  Vieira  abre 
o  volume  de  versos,  de  D.  Domilla  de  Carvalho,  publicado 
em  Coimbra,  em  1909. 

«Tenho  a  honra  de  pertencer  á  geração  contemporânea 
em  Coimbra  da  senhora  ilustre  que  assina  este  livro.> 

«Eu  me  recordo,  como  todos  que  no  meu  tempo  eram  sen- 
síveis, da  graça  moderna  que  imprimia  á  velha  escola  o  seu 
vestido  de  estudanta.»  . 

«Relembro  a  admiração  profunda  com  que  os  cursos  a 
que  ela  pertencia  falavam  da  condiscípula  fraternal,  que 
conquistou  sempre,  com  o  mais  franco  aplauso  dos  cama- 
radas e  a  rendida  homenagem  dos  professores,  as  mais  su- 
bidas distinções  e  prémios,  honrando  desta  vez  quem  os 
conferia.» 

<E,  sobretudo,  á  minha  lembrança  acode  que  já  então 
essa  rapariga  modesta,  de  uma  formosura  simpática  e  de 
uma  gravidade  risonha,  que  atravessava  sozinha  os  nossos 
grupos,  guardada  pelo  nosso  respeito  e  pela  sua  alma,  me 
fazia  entender  perante  a  desordem  actual  do  feminismo,  o 
que  ahi  ha  de  verdadeiro  e  de  proporcionado.» 


Poetisas  Portuguesas  75 


«O  incanto  õesta  mulher  está  em  que  ella  ficou  a  mais 
feminina  ()as  criaturas,  õepois  õa  sua  longa  jornaõa  através 
ia  sciencia.» 

Do  valor  õe  seus  Versos  que  eu  também  consibero  ôos 
melhores  õe  quantos  Senhoras  Portuguesas  teem  feito, 
ainõa  é  o  auctor  òas  Canções  do  Sol  e  do  Vento,  quem 
õiz : 

«Se  tivesse  feito  só  estes  versos  —  ôos  mais  sinceramen- 
te compostos  e  interessantes  que  mulheres  portuguezas 
têm  publicaõo  —  teria  feito  pouco.  A  vulgariòaôe  Òas  li- 
sonjas  não  é  para  aqui,  Elias  seriam  bem  mesquinhas  para 
a  mulher  gloriosa  que  uma  faculbaôe  òe  meõicina,  violen- 
tando os  preconceitos  terríveis  õe  uma  escola  e  õe  um  país, 
pretenõeu  unanimemente  contar  entre  os  seus  membros.» 

A  Acaõemia  õe  Sciencias  õe  Portugal,  que  ha  pouco  aca- 
ba Õe  comemorar  o  seu  primeiro  decenario,  honrou-se,  ins- 
crevendo no  numero  õe  seus  sócios,  a  Doutora  D.  Domi- 
tilla  õe  Carvalho. 

Esta  Senhora  foi  õirectora  õo  liceu  feminino  D.  Maria 
Pia,  cargo  que  õeixou  a  seu  peõiõo,  para  simplesmente 
nele  exercer  o  Õe  professora. 

D.  Domitilla  õe  Carvalho  trabalha,  actualmente,  num  ou- 
tro livro  õe  versos,  certamente  um  novo  primor  literário,  _ 

PORQUÊ? 

Já  que  os  nossos  Õestinos  são  õiversos 
E  vae  finõar  a  luz  que  me  alumia. 
Quero  õizer-te  em  meus  sentiõos  versos 
Aquillo  que  fallanõo  não  õiria. 

Has  õe  saber  emfim  quanta  agonia, 
Quanta  amargura  e  quantos  ais  õispersos 
Se  traõuzem  em  toõos  os  meus  versos  — 
Se  os  teus  olhos  os  lerem  algum  õia . . . 


76  Poetisas  Portuguesas 


Como  é  que  senõo  tu  melhor  que  um  santo, 
TenÕo  um  conforto  a  òar  a  toõo  o  pranto, 
Tenôo  sempre  um  allivio  para  a  õor, 

Como  é  que  n'est^  magoa  õoloriòa, 
Senòo  tu,  como  és,  a  minha  viòa, 
Assim  me  õás  a  morte,  meu  amor? 

Domitilla  õe  Carvalho.  Verbos,  Coimbra,  1909,  pag.  105  e 
106. 


FLOR  QUE  MORRE 

No  hospital 

E'  linòa  como  os  anjos.  Na  pureza 

Do  seu  olhar  macio,  avelluôaõo 

Ha  sempre  a  mesma  febre  e  a  mesma  reza 

Que  o  meu  peito  recolhe  apieòaòo. 

Com  gesto  òe  quem  peòe  e  essa  tristesa 
De  quem  presente  o  fim  amarguráõo. 
Ergue  as  mãos  pequeninas  òe  princeza 
E  sorri  para  toòos  com  agráõo. 

Com  aquella  iòeal  resignação 

E  a  mesma  fé  em  Deus  nosso  Senhor, 

Ha  Òois  annos  que  a  vejo  Doentinha. 

Quanôo  presa  õe  immensa  compaixão 

Do  seu  leito  me  acerco :  <—  Está  melhor?» 

Ella  responõe  sempre  «—  Melhorsinha. . .» 

Domitilla  òe  Carvalho.  Versos,  Coimbra,  1909,  pag.  39  e 
40. 


Poetisas  Portuguesas  77 


ORPHAS 

Vi-as  passar,  as  meigas  criancinhas, 
Vestes  ôe  luto  em  almas  õe  açucenas. 
E  sorriam  !  Também  as  avesinhas 
Vão  levanõo  a  cantar  as  suas  penas. 

Sorriam,  sim,  contentes,  a  brincar 
Lá  iam,  como  as  aves  pelo  ceu 
Alegremente  em  banôo,  a  chilrear. . . 
Mas  õe  vê-las  sorrir,  chorava  eu  ! 

Domitilla  õe  Carvalho.  Versos,  pag.  47. 


MINHA  SINA 

AnÕei  por  largo  tempo  a  imaginar 
A  Suprema  alegria  Õe  te  ver ! 
Tanto  cuiõaõo  puz  em  te  guarõar 
E  só  te  encontro  para  te  perõer ! 

Seguia-te  õe  longe.  Era  um  prazer, 
Um  casto  bem  p'ra  mim  o  recorõar 
Essa  altivez  õe  porte  singular 
Na  esperança  Õe  um  õia  te  merecer. 

Tinha-te  sempre  a  ti  no  pensamento. 
Só  a  tua  lembrança  õava  alento 
A'  õesolaõa  viõa  que  me  arrasta  ! 

Bem  sei  que  não  tens  culpa,  é  minha  sina. 
Vae  atraz  õ'essa  luz  que  te  fascina 
Sê  feliz,  meu  amor,  isso  me  basta  ! 

Domitilla  õe  Carvalho.  Versos,  pag.  83  e  84. 


J78  Poetisas  Portuguesas 


POBRE  MORTA 

I 

Entrou  na  viòa  agreste  e  acciòentaòa 
—  Revolto  mar  òe  lutas  inconstantes  — 
Sem  ter  alguém,  a  pobre  abanòonaòa, 
Que  lhe  guiasse  os  passos  vacillantes. 

Sem  um  raio  òe  luz  n'esta  jornada, 
Nem  uns  laços  Òe  amor  cariciantes 
Que  a  prenõessem  á  viôa  n'uns  instantes, 
Por  vezes  quiz  matar-se  a  Desgraçada  ! 

Mas  hoje,  quanòo  a  morte  percorria 
O  seu  corpo  òe  cera  emagreciòo, 
Quanòo  em  gelos  òe  toòo  arrefecia, 

Ella  ergueu  para  mim  os  olhos  baços 
E  sem  força  na  voz,  ôiz  num  gemiòo : 
«Não  me  òeixe  morrer,  òê-me  os  seus  braços ! 

II 

Vi- a  ôepois,  a  pobresinha,  fria, 
Sobre  a  mesa  òe  peòra  revoltante 
Em  que  o  ouro  escalpelo  principia 
A  òissecar,  num  gesto  torturante 

E  ella  que  em  viòa  tanto  horror  sentia 
Pelo  theatro,  pobre  morta  errante, 
Do  repouso  òo  tumulo  òistante, 
Resignaòa  parece  que  sorria- . . 

Não  me  poòe  esquecer  a  immensa  Òôr, 
Um  mixto  òe  pieòaõe  e  òe  terror, 
Que  senti  ao  fitá-la  com  esforço  : 


Poetisas  Portuguesas  79 

Lábio  roxo,  cabello  òesgrenhaôo, 

Mas  sobretudo  o  olhar !  o  olhar  paraôo, 

Tenho- o  cravaõo  em  mim,  como  um  remorso. 

Domililla  ôe  Carvalho,  Versos,  pag.  41  a  44. 


D.  MARIA  DE  CARVALHO 

D.  Maria  õe  Carvalho  —  a  ilustre  Poetisa  que  tanto  honra 
as  Letras  Portuguesas  —  nasceu  na  Chamusca. 

Os  três  sonetos :  No  Minho,  O  Lampeão  e  o  Velhinho, 
que  figuram  nesta  Antologia,  foram  pela  primeira  vez  pu- 
blicados, ha  muitos  anos,  nas  Novidades  que  Òeles  õisse : 

«Cae-nos  na  nossa  banca  be  trabalho  estes  sonetos.  Não 
sabemos  quem  seja  o  auctor.  Mas  seja  quem  íôr,  publica- 
mo-los por  sentirmos  que  vamos  õar  a  lume  qualquer  coi- 
sa que  ha-õe  ficar  na  lingua  portuguesa.» 

Estas  proôucções  que  tantos  elogios  mereceram,  foram 
«nviaõas  para  o  citaôo  jornal,  contra  vontaôe  òe  sua  au- 
ctora,  que,  singelamente,  as  assignou  com  as  iniciaes  õo 
seu  nome  e  apeliõo. 

Poucos  òias  õepois  õe  publicados  (ViÔe  o  artigo  de  Joa- 
quim Leitão,  na  Liberdade)^  D.  João  da  Camará  dizia  numa 
das  suas  crónicas  Õo  Occidente  : 

«Dei  estes  três  sonetos  para  ensaio  de  dicção  ás  minhas 
alunas  do  Conservatório,  e  disse-lhes  :  Decorem-nos  por- 
que de  facto  decoram  três  sonetos  que  ficam  na  historia  da 
literatura  portuguesa». 

Em  1915,  D.  Maria  de  Carvalho  publicou  um  interessante 
livrinho  As  Sete  Palavras,  ao  qual  a  critica  fez  justas  e 
merecidas  referencias. 

Em  1916,  apareceu  o  seu  segundo  livro  de  versos.  Sone- 
tos, volume  que  contem  verdadeiras  jóias  poéticas,  como 
os  leitores,  pelas  numerosas  citações  que  faço,  poderão 
avaliar. 


! 


80  Poetisas  Porluguem^^ 


NO  MOINHO 

Ha  na  várzea  um  moinho  que,  isolado, 
Traballia  alegre  para  toòa  a  gente, 
Aproveitando  as  aguas  ôa  torrente 
Que  espuma  nos  açuôes.  Levantado 

Sobre  a  verdura  rústica  do  prado, 
Que  o  sol  inunda,  preguiçosamente, 
Ergue  a  risonha  e  pittoresca  frente. 
Esse  moinho  branco,  enfarinhado. 

Arrulham  pombos  no  beiral  vermelho 
Do  seu  telhado,  e  ladrão  cão,  já  velho, 
Aos  camponios,  que  passam  no  caminho     . 

Quem  me  dera  que  tu  .    fosses  moleiro  ! 
E  eu  te  pudesse  ter  por  companheiro, 
Na  doce  e  branca  paz  d'esse  moinho. 

Maria  de  Carvalho.  Sonetos,  Lisboa  1916,  pag.  43. 


O  LAMPEAO 

Na  moribunda  luz  bruxoleante 
D'aquelle  pobre  lampeão  de  rua, 
Triste,  isolado,  na  parede  nua, 
Achei  um  não  sei  quê,  vago  e  tocante. 

Mais  triste  ainda  sob  o  alvor  da  lua . 
E  puz-me  a  comparalo,  n'esse  instante, 
A'  saudade  confusa  e  palpitante, 
Que  sempre  em  nós  symbólica  fluctua. 

Pois  se  tivesse  olhar  o  sentimento, 
Que  nos  faz  acudir  ao  pensamento 
A  lembrança  do  tempo  já  passado, 


Poetisas  Portuguesas  81 

Devia  ser  assim  —  olhar  sem  viõa  — 
Como  a  luz  fraca,  trémula,  penôiõa, 
Do  pobre  lampeão  quasi  apagaôo. 

Maria  òe  Carvalho.  Sonetos,  pag.  9. 


VELHINHO 

Muito  velho,  asseaôo  e  pobresinho, 
Peòe-me  sempre  esmola  ás  terças  feiras 
Eu  chamo- lhe,  sorrinôo,  o  meu  velhinho, 
E  converso  com  elle  horas  inteiras. 

Falla-me  ò'um  fiõalgo,  seu  paôrinho, 
Que  lhe  õeu  um  casal  e  algumas  leiras ; 
Antes  õe  empobrecer  teve  um  moinho 
E  milho  loiro,  aos  montes,  pelas  eiras. 

E  estas  longas  historias  alõeãs, 
Tão  humilòes,  tão  rústicas  e  sãs, 
]á  eu  sei  como  o  velho  as  principia  : 

—  «Quanòo  eu  era  rapaz.   •»  e  ao  terminar 
E'  certo  ouvil-o  sempre  confirmar : 
E'  como  ôigo  a  vossa  senhoria.» 

Maria  òe  Carvalho.  Sonetos,  pag.  37. 


ESQUECIMENTO  . 

Ao  ver  o  mal  por  toõos  aõmittiôo, 
Como  regra  a  que  a  viòa  está  sujeita  — 
Ao  trocar  a  illusão  pela  suspeita. 
Quem  poôerá  negar  haver  sofriôo  ? 


82  Poetisas  Portuguesas 

Depois,  no  coração  fortaieciòo 

Vae-se  fazenõo  a  paz,  quanõo  se  acceita 

A  crua  viòa  assim,  tal  como  é  feita 

No  munôo,  sempre  egoísta  e  corrompido. 

Mas  õe  tuòo  o  que  aõmitto,  soffro  e  vejo, 
—  Tão  contrario  ao  que  sinto  e  ao  que  Õesejo 
O  que  mais  me  perturba  e  me  entristece, 

O  que  afinal  impéõe  que  eu  me  illuõa, 
E'  a  maneira  auôaz  por  que  se  muòa, 
E  a  fácil  rapiõez  com  que  se  esquece. 

Maria  õe  Carvalho.  Sonetos,  pag.  17. 


VIDAS 

Algumas  viòas  ha  em  que  parece 
Pesar  não  sei  que  estranha  malòição  ; 
Ha  viõas,  em  que  a  òôr  nunca  se  esquece 
De  esmagar  lentamente  o  coração. 

Dias  e  ôias,  em  que  se  envilhece 
Como  se  fossem  annos  òe  afflição ; 
Horas  e  horas,  em  que  se  apetece 
O  gelaòo  repouso  ò'um  caixão. 

E  julga  sempre  o  munbo  que  avalia 
As  razões  òe  tristeza  ou  òe  alegria, 
Que  tenta  òescobrir  em  caõa  viòa 

E  fala  sem  receio  òe  enganar- se  !. . . 
Como  se  a  òôr  puòesse  avaliar-se, 
Fora  òo  coração  em  que  é  sentiòa  ! 

Maria  òe  Carvalho.  Sonetos,  pag.  35. 


Poetisas  Portuguesas  83 


IV 

Soffre-se  tanto  pela  viõa  fora, 
Que  o  desalento  õeve  perõoar-se. 
Saber  luctar,  viver  e  conformar-se, 
E'  ôifficil  missão  para  quem  chora. 

O  rapiôo  heroísmo  õ'uma  hora 
Poucas  vezes  consegue  sustentar- se, 
E'  um  sublime,  um  canòiòo  Disfarce 
Da  fraqueza  mortal  que  nos  õevora, 

O  próprio  Christo,  sobre  a  Cruz  exangue, 
-  O  corpo  esbelto  gottejanòo  sangue. 
Jóias  vermelhas  n'um  sagrado  engaste.    . 

Teve  um  momento  òe  tamanha  magua 

Que  soluçou,  —  os  olhos  rasos  õe  agua  : 

—  Meu  Deus !  meu  Deus  !  porque  me  abandonastes  ? 

Maria  ôe  Carvalho.  .15  Sete  Palavras,  Lisboa,  1915,  pa^.  21. 


D.  MARIA  AMÁLIA  VAZ  DE  CARVALHO 

D.  Maria  Araalia  Vaz  òe  Carvalho,  a  ôistinctissima  Es- 
riptora  e  Poetisa,  ôe  que  neste  momento  me  ocupo,  nas- 
eu  na  ciòaõe  ôo  Porto,  segunôo  afirma  o  Diccionario  Fra- 
co Jllustrado  òe  Jayme  Seguier  e  em  Pintéus,  segundo 
jsevera  o  Diccionario  Portugal 

Sua  Excellencia  é  filha  ôe  D.  Christina  òe  Almeiõa  e  Al- 
iquerque,  senhora  assas  inteligente  e  culta,  e  ôe  José  Vaz 

í  Carvalho,  inòiviòualiõaòe  não  menos  ôistincta. 

A  minha  aòmiração  pelo  talento  e  vastíssimos  conheci- 
-sntos  que  possue  D.  Maria  Amália  Vaz  òe  Carvalho,  é 


84  Poetisas  Poríuguef^as 

tanto  maior,  quanto  é  certo  que  á  notável  escriptora,  af 
ma  o  Sr.  Christovam  Aires,  no  Boletim  da  II  classe  da  Ai. 
demia  de  Scicncias  de  Lisboa  —  «naõa  foi  ensinaõo.>  «F; 
taram-lhe  aquelles  mestres,  tantas  vezes  atrofiantes  e  esl 
rilisaôores,  que  toòos  nós  guarõamos  entre  as  recoròaçõ 
õa  nossa  infância.» 

Foi  auxiliada  pela  sua  granòe  inteligência  e  proõigio 
memoria,  lenõo,  lenõo  imenso,  analisando,  raciocinanõc 
fixanõo,  que  D.  Maria  Vaz  òe  Carvalho  se  transformou 
apreciaòissima  e  notável  historiadora,  jornalista,  peõago 
e  moralista,  que  nacionaes  e  estrangeiros  admiram  e  v 
neram. 

São  de  D  Maria  0'Neill,  as  palavras  que  transcrevo, 
um  seu  folheto  intitulado  Uma  Satisfação  á  Ex.'"^  Sr.* 
Maria  Amália  Vízf  de  Carvalho  (Lisboa,  1911): 

<0  seu  olhar  de  águia,  penetrante  e  fino,  educado  p 
ella  na  constante  observação  dos  homens  e  das  cous; 
abrange  n'um  relance  os  mais  complicados  problemas  ps 
cologicos  e  especulativos,  mas  longe  de  se  irritar  e  romp 
em  justificada  diatribe  contra  os  erros  e  fraquezas  da  h 
manidade,  o  sorriso  benévolo  que  lhe  enfeita  os  lábios  ô 
monstra  que  a  experiência  adquirida  não  lhe  tornou  seve 
o  juizo,  nem  duro  o  coração,  como  quasi  sempre  succeò( 

A  mocidade  de  D.  Maria  Amália  Vaz  de  Carvalho  foi  pa 
sada  no  velho  solar  de  Pintéus,  que,  a  breve  trecho,  se  co 
verteu  num  centro  intelectual,  onde  homens  de  nome  n 
letras  (isto  succedia  ainda  no  período  romântico),  iam  prt 
tar  a  sua  homenagem  de  admiração  e  respeito  a  D,  Ma 
Amália  Vaz  de  Carvalho,  a  juvenil  Poetisa  que  aos  de^ 
nove  anos  de  idade,  escreveu  o  seu  primeiro  livro,  U' 
Primavera  de  Mulher,  obra  que  para  a  Literatura  Por 
guesa  foi  logo  mais  que  uma  esperança.   Foi  ahi  em  | 
teus,  que  Gonçalves  Crespo,  o  mimoso  e  admirável  p<i 
das  Miniaturas,  e  dos  Nocturnos  conheceu  D.  Maria  Arai 
Vaz  de  Carvalho  com  quem  anos  depois,  se  consorcio^. 

Do  valor  dos  trabalhos  literários  de  D.  Maria  Amaliai 


Poetisas  Portuguesas  85 

òe  Carvalho,  escriptos  tcõos  numa  linguagem  sã,  clara,  ver- 
nácula, bela  e  profunôa  ou  simples,  consoante  o  assumpto 
ôe  que  trata,  e  a  òespeito  Òe,  ha  muito,  ter  o  seu  nome  con- 
sagrado esta  ilustre  e  notável  Escriptora  que  é  a  auctora  õa 
obra  mais  vasta  e  mais  valiosa  que  Senhoras  Portuguesas 
se  poôerão  orgulhar  õe  ter  proòuziòo,  fala  a  honrosa  ex- 
cepção que  a  Academia  de  Siencias  de  Lisboa,  em  sessão 
ôa  11  classe,  e  por  proposta  ôe  Henrique  Lopes  õe  Men- 
donça, abriu,  elegenòo  D.  Maria  Amália  ôe  Carvalho,  para 
o  seu  grémio,  ôisíinção  esta  só  conceõiõa,  em  Portugal,  a 
esta  Senhora  e  a  D.  Carolina  Michaelis  ôe  Vasconcelos. 
-  E'  bem  proveitoso,  para  quem  com  consciência  queira 
apreciar  as  proôuções  literárias  ôe  D.  Maria  Amália  Vaz  ôe 
Carvalho,  ler  o  parecer  que,  sobre  a  sua  canôiôatura,  foi  ela- 
boraôo  por  Teixeira  ôe  Queiroz,  e  assignaôo  por : 

Raymunôo  A.  ôe  Bulhão  Pato,  Júlio  M.  ôe  Vilhena,  ]osé 
Ramos  Coelho,  José  Leite  ôe  Vasconcellos,  Henrique  Lo- 
jies  ôe  MenÔonça,  J.  FernanÔes  Costa,  Jaime  Moniz,  Joa- 
'3uim  Coelho  ôe  Carvalho,  Gama  Barros,  Aniceto  ôos  Reis 
jonçalves  Viana,  António  Canôiôo,  Teófilo  Braga,  Christo- 
;'am  Aires  e  Francisco  Teixeira  ôe  Queiroz,  (relator). 
[.   Este  parecer  que  figura  a  pag.  484  a  493  ôo  citaôo  Bole- 
tim, baseia-se,  principalmente,  no  importante  estuôo  histo- 
.ico  ôesta  Escriptora,  O  Duque  de  Palmela,  obra  em  3vo- 
ames.  Como  se  os  Acaôemicos  que  firmam  a  proposta  e 
íarecer  referiôos,  não  fossem  só  por  si,  bastante  garantia 
;o  mérito  Ôe  D.  Maria  Amália  Vaz  ôe  Carvalho,  que  no  ci- 
[lÔo   Boletim  apresenta  um  interessante  estuôo  histórico, 
leòito  até  então,  intitulado,  A  Murque:^a  de  Alorna  —  A 
Kiedade  e  a  literatura  do  seu  tempo,  trabalho  que  não  che- 
3u  a  concluir,  ainôa  se  lêem  no  mesmo  Boletim,  aprecia- 
res feitas  pelo  Sr.  Conôe  Ôe  Sabugosa,  Santo  Thirso,  Hen- 
que  Lopes  ôe  Mendonça,  etc. 

Não  obstante  só  em  1912,  A  Acaôemia  ter  aberto  as  suas 
irtas  a  D.  Maria  Amália  Vaz  ôe  Carvalho,  (visto  precon- 
|itos  ôe  varia  natureza  e  entre  eles  a  infração  ôos  Esta- 


86  Poetisas  Por/nr/nasa,^ 

tutos  o  não  terem  permitiòo  fazer  antes),  já  D.  Luiz  I  ma- 
nifestara vontaòe  Òe  ver  esta  Senhora  eleita  para  essa  õouta 
Corporação,  como  no  seu  belo  livro  Gente  d' Algo,  afirma  o 
Sr.  Conõe  òe  Sabugosa,  um  òos  frequentaõores  òos  salões 
òe  SM  Catharina,  onòe  D.  Maria  Amália  Vaz  òe  Carvalho 
tem  reuniòo  tuòo  quanto  ha  òe  mais  selecto  nas  letras  por- 
tuguezas. 

Sob  qualquer  aspecto  que  possa  ser  encaraòa,  a  perso- 
naliòaòe  òe  D.  Maria  Amália  Vaz  òe  Carvalho  é  notável. 
E',  ainòa,  o  Sr.  Cristovam  Aires  que  escreve  : 
<E  nem  por  isso  Maria  Amália  òeixou  nunca  òe  ser  í 
mais  simples  a  mais  bonòosa  a  mais  singela,  a  mais  òoce 
entre  as  mulheres  portuguesas.» 

«Nos  seus  belos  olhos  luminosos,  muitas  vezes  o  fulgoi 
òo  génio  é  embaciaòo  pelas  lagrimas  que  a  òôr  humana 
nas  suas  ramificações  infinitas  lhe  vae  levar  a  caôa  passo 
tão  intensa  é  a  comunhão  òa  sua  alma  com  o  sofrimentc 
òos  humilòes,  òos  òesòitosos.  òos  pequeninos.> 

«Quem  um  òia  sentiu  a  Òore  caricia  òa  sua  voz-  quen 
viu  òe  perto  em  toòa  a  sua  soberania,  a  bonòaòe  inegua 
lavei  Òa  sua  alma,  fica  preso  para  sempre,  mais  òo  que  ac 
seu  talento  e  ao  seu  saber,  a  quanto  tem  òe  infinitamenti 
santo,  simples  e  òoce  essa  fulgurante  e  rara  encarnação  ò< 
òp  Mulher.»  (Pag.  V  òo  citaòo  Boletim). 

Para  concluir  estes  ligeiros  òaòos  biographicos,  resta-mi 
apresentar  a  nota  òos  numerosíssimos  e  valiosos  trabalho 
òe  D.  Maria  Amália  Vaz  òe  Carvalho,  que  outr'ora  firmot 
vários  folhetins  publicaòos  em  jornaes,  sob  o  pseuòoninK 
òe  Valentina  de  Lucena  : 

Uma  Primavera  de  Mulher  (poema),  1867,  Vo^es  do  Erm 
(versos),  1876,  Mulheres  e  Creanças  (notas  sobre  eòucação] 
1880-87,  Contos  e  Fantasias,  1880,  Contos  para  nossos  filho 
(òe  colaboração  com  seu  mariòo,  Gonçalves  Crespo),  8  eôi 
ções.  Arabescos,  1880,  Urn  como,  1885,  Cartas  a  Luija  (Mo 
ral,  eòucação  e  costumes),  1886,  Alguns  homens  do  meu  tem 
fo  (impressões  literárias),  1889    As  Crónicas  de  Valentinc 


Poetisas  Portuguesag  87 


1890,  Cartas  a  uma  Noiva,  Pelo  mundo  fora,  1896,  Arte  de 
viver  na  sociedade  ou  manual  da  vida  elegante,  4  eòições, 
Vida  do  Duque  de  Palmela,  3  volumes  1898-904,  Em  Portu- 
s^al  e  no  esírangeiro  (ensaios  críticos),  1899,  Figuras  de  hon- 
tem  e  de  hoji',  1902,  Cérebros  e  corações,  1903,  4s  nossas  filhas 
(carta  ás  mães),  2  eòições  1905-906.  Ao  correr  do  tempo,  1906, 
No  meu  cantinho  (Homem,  factos,  ideias),  1909,  Duquesa  de 
Palmela  (In  Memoriam),  1910,  Impressões  de  Historia,  1911, 
Cousas  de  Agora,  1913. 

Jornaes  em  que  sua  Ex.^  colaborou  : 

Jornal  do  Comercio,  ôo  Rio  òe  janeiro,  em  que  escreve 
ha  34  anos.  Diário  Popular,  Jornal  do  Comercio,  Repórter, 
(i4rtes  e  letras  (jornaes  ôe  Lisboa),  Actualidade,  Porto,  Co- 
mercio do  Porto,  Pai^  (Rio  òe  Janeiro),  etc. 

Depois  òe  ter  manòaòo  o  original  para  a  imprensa,  soube 
por  pessoa  òa  família  Òe  D.  Maria  Amália  Vaz  òe  Carvalho, 
que  esta  Senhora  nasceu  em  Lisboa,  na.  Rua  Òos  Poyaes 
òe  S.  Bento. 

A  ANDORINHA 
D'onòe  partiste,  anòorínha, 
minha  alaòa  forasteira, 
que  á  terra  òa  larangeira 
vens  peòir  luz  e  calor? 
D'este  clima  abençoaòo, 
chamou-te  ao  longe  o  carinho? 
terás  so>  sobre  o  teu  ninho, 
e  lá  òentro  muito  amor  1 

Aqui  onòe  a  primavera, 

se  enfeita  òe  róseo  manto  ; 

onòe  òas  aves  o  canto 

verte  harmonias  sem  par ; 

onòe  á  noite  se  estrelleja 

e  palpita  o  ceu  profunòo, 

e  áureas  visões  Òe  além-munòo, 

brincam  nas  onòas  òo  mar ; 


88  Poetisas  Portuguesas 

aqui  onôe  em  caòa  flôr, 

treme  vivo  e  scintillante 

um  prismático  Diamante, 

que  a  aurora  chorou  ôos  céus ; 

onôe  tuôo  se  illumina 

òe  mil  ignotos  fulgores  ; 

onôe  pululam  amores, 

sob  o  amante  olhar  õe  Deus; 

onôe  exhala. acres  effiuvios 
a  rama  ôos  loureiraes, 
e  se  une  á  flor  ôos  myrtaes 
ôa  vinha  o  verôe  festão ; 
aqui  não  terás  sauôaôes 
n'este  ceu  que  a  luz  esmalta, 
nem  ôos  terraços  òe  Malta 
nem  õas  brisas  ôe  Ceilão. 

Vens  talvez  ôa  velha  Athenas 
onôe  em  ruínas  marmóreas 
viste  esculpiôas  historias, 
que  não  sabes  ôecifrar  ? 
Deixaste  acaso  o  teu  ninho 
entre  os  mysterios  òo  Egypto, 
e  a  uma  esphinge  ôe  granito, 
peôiste  para  o  guarôar  ? 

Viste  os  brancos  minaretes  ? 
viste  as  cúpulas  reôcnôas? 
e  as  verões  profunôas  onôas, 
e  os  floriõos  arrozaes  ? 
Conta-me  as  tuas  viacens, 
filha  ôa  luz  e  ôa  aurora 
que  vens  ôescançar  agora 
á  sombra  ôós  laranjaes! 

Maria  Amália  Vaz  ôe  Carvalho.  Fofes  do  Ermo,  1876,  pag. 
lli  a  113. 

M 


Poetisas  Portuguesas  '  89 


D.  JOANA  DE  CASLELBRANCO 

D.  Joana  õe  Castelbranco  que  pertence  á  família  Velosa 
Ôe  Castelbranco,  nasceu  na  Ilha  òa  Maõeira,  freguezia  ôo 
Fayal,  onôe  passou  a  sua  infância  e  juventude. 

Desõe  bem  nova,  que  D.  ]oana  õe  Castelbranco  verseja. 

Apesar  õ'isso,  só  em  1908  publicou  em  Lisboa  o  seu  1." 
livro  òe  versos,  As  minhas  flores. 

Posteriormente,  reuniu  esta  Senhora,  em  volume,  sob  o 
titulo  ôe  Fluctuaçôes,  algumas  õas  suas  poesias. 

Tem  coiaboraôo  em  vários  almanachs  e  jornaes. 


TRISTEZA 

Sou  como  a  flor  já  mirraòa 
aos  raios  õo  estio  arôente  ; 
sou  como  a  onõa  fermente, 
gemenõo  alem  sem  guariòa  ; 
Sou  como  a  folha  òo  outomno, 
que  morta  no  chão  existe, 
sou  como  a  lagrima  triste 
òo  coração  òesprenòiõa. 

Sou  como  a  nuvem  que  passa 
tolòanõo  o  ceu  tão  formoso ; 
sou  como  o  ai  pieõoso 
que  foge  ao  seio  õescrente. 
Sou  como  a  noite  gelaòa 
em  negro  manto  envolviòa, 
sou  como  folha  cahiõa 
levaòa  pela  corrente. 

Minha  alma  é  muòa  e  sombria 
como  o  jazigo  òa  morte. 
Lucto  e  pranto  é  minha  sorte 
no  albor  òo  meu  viver. 


90  loetisas  Portuguesas 

Sinto  empanar  os  meus  gosos 
nuvens  òe  õor  e  tristeza  ! 
Correr  após  a  incerteza  . . . 
luctar  sempre. . .  e  só  morrer  ! 

Joanna  Õe  Castelbranco.  ^5  Minhas  Flores,  Lisboa  1908» 
pag.  14.     • 


D.  CAROLINA  DA  V.  CASTELLO  BRANCO 

D.  Carolina  òa  V.  Castello  Branco  foi  uma  õas  senhoras 
que  colaborou  na  Miscelânea  Poética,  jornal  ôe  Poesias  pu- 
blicadas Òesõe  Julho  Ôe  1851  a  Agosto  õe  1853  (2.^  Colec- 
ção), Porto  1852, 

No  citaõo  jornal,  figuram  versos  òe :  D.  Ana  Amália  Õe 
Sá,  D.  Antónia  Gertuões  Pusich,  D.  Maria  Feliciõaõe  òo 
Couto. Brown  {Soror  Dolores),  D.  Maria  Peregrina  õe  Sou- 
za, A.  C.  Louzaõa,  António  Feliciano  õe  Castilho,  AugustaJ 
Luso,  A.  Lima,  A.  P.  Calõas,  Augusto  Pereira  Soromenho,| 
Faustino  Xavier  õe  Novaes,  D.  João  õe  Azeveõo,  João  Õ€ 
Lemos,  J.  Freire  ôe  Serpa  Pimentel,  Nogueira  Lima,  Pe- 
reira õa  Cunha,  Camillo  Castello  Branco,  etc,  etc. 

A  pag,  201  ôa  mencionaõa  Miscelânea  Poética,  ha  umaf 
poesia  ôe  Camillo,  intitulaõa  Meditação,  Ôeôicaôa  a  sua  ir- ' 
mã,  Carolina  Castello  Branco, 

A  pag.  73  õo  referiõo  jornal,  encontrei  a  poesia  que  transa 
crevo  e  que  é  firmaõa  por  Carolina  õa  V.  Castello  Branco. 

HavenÔo,  na  familia  õe  Camillo,  o  apeliõo  Veiga,  (o  gran» 
Õe  romancista  teve  uma  tia  chamaõa  D,  Rita  Emilia  õa  Veiga 
Castello  Branco),  será  a  irmã  de  Camillo,  a  senhora  a  quem 
me  refiro  ?  Esse  da  V.  corresponderá  a  da  Veiga  f  Será  umt 
mera  coincidência  o  facto  que  aponto  ? 

Não  tenho  elementos  para  esclarecer  este  interessante 
caso  que  em  pouco  se  cifra. 

Para  o  resolver,  porém,  parece-me  que  bastava  saber: 


Poetisas  Portuguesas  91 

» 
primeiro  :  se  a  irmã  òe  Camillo,  D.  Carolina  Castello  Branco 

que,  Ôepois  õe  se  casar  com  o  meõico  Francisco  José  õe 
Azevedo,  passou  a  assignar-se  D.  Carolina  ô'Azeveòo  Cas- 
tello Branco  (Romance  do  Romancista,  pelo  Sr.  Alberto  Pi- 
mentel, pag.  37),  alguma  vez  usou  o  apelido  Veiga;  segunõo  : 
se  fez  versos. 

Quanto  a  esta  ultima  parte,  parente  próximo  Òe  Camillo, 
informou-me  que  D.  Carolina,  não  foi  poetisa. 

Tenõo  recorrido  a  uma  outra  fonte  segura  e  ò'auctori- 
saõa  opinião  sobre  assumptos  Camillianos,  naòa  consegui 
apurar. 

Aqui  fica  posto  o  problema,  para  quem,  com  mais  tempo 
e  elementos  õo  que  tenho  e  disponho,  o  queira  solucionar. 

Se  esta  Poetisa  tiver  sido  a  irmã  de  Camillo,  grande  se- 
rá a  minha  satisfação,  por  ter  provocado  o  conhecimento 
desse  facto.  Se  tal  se  não  der,  registada  fica  a  coincidência 
que  leva  ás  duvidas  que  apresento. 

SCISMAVA 

Passo  aqui  tardes,  sósinha, 
Nestes  prados  verdejantes 

A  scismar : 
N'alma  sinto  as  fundas  maguas. 
Ao  murmúrio  d'estas  aguas 

Murmurar. 

Quando  assim  me  vejo  triste 
D'um  penar  d'intima  pena  ■ 

Choro  então ; 
Que  eu  não  amo  a  natureza 

Na  solidão. 

Amo-a  sim,  embalsamada 
Nos  perfumes  que  lhe  aspira 
A  alma  em  paz  ; 


92  Poetisas  Portuguesas 


Mas  se  a  Õor  punge  òe  aguõa 
A  natureza  também  muòa 
Não  me  apraz 

Sei  que  a  õor  tem  ôesafogo 
No  alaúôe,  terno  amigo 

Tam  fiel. 
Faço  trovas,  mas  as  trovas 
São  amargas,  ouras  provas 

De  agro  fel ! 

Carolina  òa  V.  Casteilo  Branco.  Miscellanea  poética,  2. 
collecção,  Porto,  1852.  pag.  73. 


D.  CATHARINA  MÁXIMA  DE  FIGUEIREDO 
ABREU  CASTELLO  BRANCO 

D.  Catharina  Máxima  òe  Figueiredo  Abreu  Casteilo  Bran- 
co nasceu  em  Guiães  (pequena  alôeia  õo  õistricto  òe  Vila 
Real),  cognominada  a  Cintra  Transmontana. 

Esta  Senhora  tem  uma  ascendência  muito  ilustre,  como 
se  lê  no  livro  Os  Estrangeiros  no  Lima,  obra  rara  e  curio- 
sissima  òe  que  é  auctor  Manoel  Gomes  òe  Lima  Bezerra, 
e  que  foi  publicada  em  Coimbra  em  MDCCLXXXV. 

No  mencionado  livro,  diz-se  que  os  •< Abreus  são  Òas  fa- 
milias  mais  antigas  e  ilustres  òo  Reino.>  «Segundo  alguns 
auctores,  provem  da  Casa  Real  de  França  pela  linha  e  va- 
ronia  òe  Filippe  e  Carlos,  Conòe  òe  Evreux.> 

Nesta  familia,  tem  havido,  segunôo  menciona  o  referido 
volume,  muitos  eruditos,  preòestinaòos,  heroes  e  santos. 

Assim,  citarei,  por  exemplo,  os  nomes  òe  Frei  Manoel  do 
Cenáculo,  arcebispo  de  Évora ;  D.  Luiz  Álvaro  de  Figuei- 
redo, arcebispo  da  Bahia  ;  Bernardo  d'Abreu  Casteilo  Bran« 
CO,  desembargador  muito  culto. 


Poetisas  Portuguesas  93 


Apezar  õe  D.  Catharina  Máxima  Ôe  Figueiredo  Feio  só 
se  õeõicar  á  literatura,  nos  poucos  momentos  que  as  suas 
ocupações  caseiras  lhe  òeixavam  livres,  foi  uma  poetisa 
Òistincta. 

O  que  acabo  ôe  escrever,  faz-me  pensar  quantas  Sevi- 
gnès  e  Georges  Sano  Portuga!  poderia  contar,  se  o  nosso 
meio  fosse  propicio  á  revelação  e  òesenvolvimento  õe  mui- 
tos talentos  e  vocações  que,  por  certo,  se  teem  õefinhaõo 
e  peròiòo ! 

Aos  õezaseis  anos  publicou  esta  Senhora  o  seu  primeiro 
volume  òe  versos,  inMtulaòo  Poesias. 

E'  também  auctora  ôe  um  romance.  Amor  de  Mãe,  pubti- 
cabo  em  folhetins,  e  ôe  mais  ôois  volumes  cujos  titulos  são : 
Fragmentos  de  Prosa  e  Verso  e  A  Ultima  Estancia,  livro 
qué  foi  prefaciaôo  por  Xavier  RoÔrigues  Corôeiro,  o  notá- 
vel poeta,  auctor  ôo  Tasso  e  ôa  Doida  de  Albano. 

O  fragmento  òa  poesia,  O  Firmamento,  que  reproôuzo,  é 
extractaôo  oeste  livro.  Na  opinião  ôe  um  ôos  nossos  ho- 
mens ôe  letras  mais  notáveis,  poôe  esta  composição  poé- 
tica figurar  a  par  Ôa  ôe  igual  titulo,  ôe  Soares  Ôe  Passos. 

Tenôo  siôo  Soares  ôe  Passos  acusaôo  ôe  plagiário,  Theo- 
philo  Braga  provou  na  Revista  Literária  e  Scientifica,  ôe 
O  Século  ôe  ôezembro  ôe  1904,  que  a  poesia  Firmamento 
foi  feita  pelo  auctor  ôo  Noivado  do  Sepulchro  e  não  por 
Lourenço  ôe  Almeiôa  e  Meôeiros. 

O  FIRMAMENTO 

E'  noute !  •  •    sobre  o  munôo  aôormeciôo, 
Fulge  tranquillo  o  céo,  profunôo  e  bello ! 
Eis  a  extensão  immensa. .    inôefeniôo 
Abysmo.  • .  ôe  razão  constante  anhelo  ! 

Seus  limites  quaes  são  ?  Onôe  termina 
Esta  série  ôe  estreitas  rutillaníes?.  - . 
Nos  paramos  ô'um  Deus  ;  mansão  ôivlna, 
Povoaôa  ôe  aéreos  habitantes  ? 


94  Poetisas  Portuguesas 

São  munôos  ;  õa  attracção  no  eterno  laço 
Sustidos  pelo  impulso  que  não  cança  ; 
Giranôo  sem  ôestino  n'esse  espaço, 
Que  o  espirito  nosso  não  alcança?. . . 

Mas  tantos,  tantos  munôos  ?  !  Esta  iòeia 
Que  esmaga  o  pensamento  e  a  voz  tem  presa, 
Mais  nos  oífusca  a  luz,  porque  a  alma  anceia. 
Deixanõo-nos  no  vago  a  incerteza. 

Que  tormento,  meu  Deus!  Não  ser  possível 
Haver  õa  gloria  vossa  a  comprehensão !  ? 
Ser  tuòo  a  tantos  olhos  o  invisível, 
O  vácuo  òa  insonõave!  confusão  !  ? 

Catharina  Máxima  òe  Figueiredo  Feio.  A  Ultima  Estancia, 
Porto,  pag.  17. 


COMPREHENDES? 

Sabes  porque  no  valle  os  brancos  lirios  choram 
Quanôo  o  fogo  õo  sol  lhes  não  bafeja  a  tez  ?  . . 
Vês  a  rola  sentiòa,  entre  as  selvas  que  enfloram, 
Gemer  õo  seu  amor  a  longa  viuvez  ?.  • . 

Busca  em  a  natureza  a  õefinição  recta 

Oos  mysterios  õa  viõa ;  o  fim,  a  aspiração ; 

E  se  póões  após  õiz  se  n'alma  õiscreta 

Entram  õo  seu  segreõo  a  justa  comprehensão  ?    „. 

Catharina  Máxima  õe  Figueireõo  Feio.  A  Ultima  Estancia, 
Porto,  pag.  52. 


^ 

4 


Poetisas  Portuguesas  95 


D.  FLORA  CASTELLO  BRANCO 

D.  Flora  Castello  Branco  é  filha  õe  D.  Anna  Rosa  Cor- 
rêa e  ôo  Visconòe  ôe  São  Miguel  õe  Seiõe  —  Nuno  Cas- 
tello Branco  —  falecido  em  23-1-1896.  • 
.  Neta  mais  velha  õe  Camillo  Castello  Branco  e  Õe  D.  An- 
na Placiôo,  D.  Flora  Castello  Branco  que  resiõiu,  Õurante 
muito  tempo  em  São  Miguel  õe  Seiõe,  era  irmã  õe  Camillo, 
Nuno  Placiõo",  Rachel,  Simão,  Manoel  e  Estella  ôe  São  Mi- 
guel õe  Seiõe  Castello  Branco, 

E'  para  lastima*r  que  os  versos  õesta  Poetisa  que  chega- 
ram a  ser  compilaõos  pelo  õistincto  e  infatigável  Camillia- 
nisía  sr.  Alberto  Pimentel,  não  tenham  siõo  publicaôos  em 
volume,  até  hoje. 

MEU  VIVER 

Ai !  como  é  triste  o  viver 
De  quem  se  sente  captiva 
Como  uma  pomba  feriõa 
Que  na  prisão  vae  morrer. 

D'antes  eu  ia  contente 
Colher  boninas  õa  aurora 
Por  esses  praõoá  em  fora 
Banhaõos  Õo  sol  poente, 

Guiava- me  a  liberõaõe, 
BuscanÕo  fructas  e  flores  ; 
Não  tinha  meu  peito  amores, 
Desconhecia  a  Sauôaõe  ! .   . 


Erguia  os  olhos  aos  Céos, 
Enlevaõa,  mas  um  õia 
Levou-me  toõa  a  alegria 
Aquelle  supremo  Aõeus ! 


96  Poetisas  Porcur/i^'-'"^ 

Ai !  como  é  triste  o  viver 
De  quem  se  sente  captiva 
Como  uma  pomba  feriòa 
Que  na  prisão  vae  morrer ! . . . 

Flora  Castello  Branco.  Occidente,  n."  1006  õe  10-12-1906, 
pag.  267. 


M1NH'ALMA 

Chora,  alma,  que  no  pranto 
Da  espr'ança  meõra  a  flor  ; 
Tem  coragem,  sae  ovante 
D'esta  mais  que  humana  õor !  . 

Vejo  alem  òe  amargos  õias 
Aurora  santa  raiar ; 
Espera,  alma,  não  chores. 
Que  a  ventura  ha  õe  tornar  ! 

Flora  õe  Castello  Branco.  Occidente,  n."  1004  Õe  20-1 1  - 1< 
pag.  250. 


D.  LEONOR  DE  FIGUEIREDO  ABREU 
CASTELLO  BRANCO 

D.  Leonor  õe  Figueireõo  Abreu  Castello  Branco,  nasc€ 
em  Guiães. 

Era  filha  õe  D.  Genoveva  Moreira  õe  Azeveõo  e  õe  ]os4 
Maria  õe  Figueireõo  Abreu  Castello  Branco  e  irmã  õe  D. 
Catharina  Máxima  õe  Abreu  Castello  Branco,  poetisa  a  què; 
se  refere  esta  Anthologia,  e  tia  Õa  õistincta  poetisa  e  es* 
criptora  õe  quem  também  se  occupa  este  trabalho,  D.  Ma-.: 
ria  Feio  (D.  Maria  Figueireõo  Feio  Rebello  Castello  Branco)/ 

Parte  õas  poesias  Õesta  Senhora  que  õescenõe  õe  pes* 


Poetisas  Portuguesas  97 

soas  illuslres,  e  que  suponho  ser  aparentada  com  Camillo 
Castello  Branco,  quanòo  mais  não  seja,  por  parte  ôo  Dr. 
Francisco  Correia  Botelho,  conservador  em  Vila  Real  (con- 
clusão a  que  teria  o  maior  empenho  em  chegar,  se  as  mi- 
nhas inúmeras  e  opostas  ocupações,  me  não  deixassem  uma 
parcela  minima  õe  tempo,  para  tratar  ò'assumptos  literá- 
rios), foi  publicado  em  diversos  jornaes  e  almanachs,  pos- 
suindo sua  sobrinha  o  manuscripto  com  as  melhores  pro- 
ôucções  poéticas,  de  D.  Leonor  de  Figueiredo  Abreu  Cas- 
tello Branco,  as  quaes  um  dia  o  publico  terá  ocasião  de 
aoreciar. 

LAURA 

Deitada  á  beira  do  abysmo 

Coitadinha,  adormeceu. 

Por  cama  tinha  uma  pedra, 

Por  docel  o  azul  do  ceu ; 

Somente  por  cabeceira : 
I'  Uns  cabellos  annelados 

\  Côr  da  flor  da  canelleira, 

Quasi  nua,  n'uns  trapinhos 
Parte  do  corpo  envolvido, 
Banhado  o  rosto  de  cera 
Talvez  do  pranto  vertido. 
Mas  que  farta  cabeceira 
Eram  seus  bastos  cabellos 
Côr  da  flor  da  canelleira. 

Pendido  um  braço  no  abysmo, 
O  outro  sobre  um  rochedo, 
Assim  dormia  serena 
A  creancinha  sem  medo  ; 
Só  tendo  por  cabeceira 
Uns  cabellos  annelados 
Côr  da  flor  da  canelleira. 

eonor  de  Figueiredo  Abreu  Castello  Branco. 


98  Poetisas  Portuguesas 

D.  MARIA  FIGUEIREDO  FEIO  REBELLO 
CASTELLO  BRANCO 

(d.   MARIA  feio) 

D.  Maria  Figueireòo  Feio  Rebello  Castello  Branco  nasceu 
em  Guiães,  alôeia  Irasmontana. 

E'  filha  õe  D.  Catharina  Máxima  Õe  Figueiredo  Abreu 
Castello  Branco,  poetisa  õe  talento,  e  ôe  Sebastião  Pereira 
Rebello  Feio  que  era  ôotaôo  õe  uma  bonõaõe  invulgar. 

Os  primeiros  versos  õe  D.  Maria  Feio  õatam  õos  onze 
anos.  Foram  publicados  no  Ahnanach  de  Lembranças. 

Apesar  õe  tão  precocemente  ter  principiaõo  a  revelar-si 
em  D.  Maria  Feio  a  inclinação  pelas  letras,  só  muitos  ano"^ 
Depois  pouõe  novamente  entregar-se,  á  literatura  e  aos  es- 
tuõos  sociaes  e  humanitários,  os  quaes  constituem  hoí 
quasi  o  exclusivo  fim^ôa  sua  viõa. 

Tenõo  siõo  bastante  infeliz  e  havenõo  soíriõo  muito, 
Maria  Feio  resolveu  õeõicar-se,  ôe  alma  e  coração,  aos  vaà 
les  õe  que  enferma  a  socieõaõe,  e  em  especial  á  causal 
ôignificação  õa  mulher,  que  aõvoga  com  são  critério. 

São  õe  D.  Maria  Feio  as  seguintes  palavras  que 
ram  a  pag.  Ill  õo  seu  livro  Alma  de  Mulher.,  publicaõo  ai 
1915: 

«Que  as  nossas  armas  Õe  combate  sejam  somente  o  sea 
timento  que  enternece,  a  õoçura  que  cativa,  a  graça  qtt 
atrae,  a  bonõaõe  que  converte,  que  õomina  e  vence.» 

Não  sei  que  mais  aõmirar,  no  seu  livro  Calvário  de  Mu 
Iher,  obra  em  que,  a  traços  firmes,  faz  na  parte  õolorosa, 
sua  autobiografia,  se  a  linguagem  imparcial  õe  que,  sempr 
usa,  se  as  granões  conclusões  que  lira  n'esse  livro  que,n 
õizer  õe  Magalhães  Lima,  é  uma  tese  õe  psicologia  e  Õ 
sociologia  muito  importante,  para  a  obra  õa  civilisação. 

Tenõo  liõo  o  Calvário  de  Mulher  que  é  õeõicaõo  a  ]ea 
Finot  e  relacionatiõo  iõeias,  lembrei-me  então  õessa  granZ 


Poetisas  Portuguesas  99 


iveròaôe  que  Novicow  òiz  no  seu  livro  Emancipação  da  Mu- 

«CaÕa  talento  ôe  mulher  que  não  chega  ao  seu  pleno  de- 
sabrochar é  um  passo  a  menos  para  a  obra  õa  civilisação.> 

Como  poòerão  os  talentos  Desabrochar  em  Portugal,  se 
o  trabalho  òas  escriptoras  é  ainõa,  em  geral,  peor  remune- 
raõo  que  o  õos  escriptores  ?  ! 

D.  Maria  Fei  escreve  ha  8  anos,  mas  sem  remuneração 
oficial  ou  particular  ! 

Por  este  e  outros  factos,  é  que  eu  aòmiro  a  coragem 
ôalgumas  õas  nossas  Intelectuaes  que,  sem  incentivos,  e 
atravez  5e  mil  òificuíòaões  e  inôiíerentismos,  sulcam  o  re- 
volto mar  õas  letras. 

A  obra  ôesta  Poetisa,  poôe  ser  encarada,  sobre  diversos 
aspectos. 
Como  escriptora,  é  auctora  õe  : 

Alma  de  Mulher,  1915,  (notas  Õe  um  õiario  intimo  õe  re- 
;  flexões;  Calvário  de  Mulher,  1915;  Ferííat/e5,  (assumptos 
;  sociaes  e  políticos) ;  Corações  Infantis ;  Argumentos.  Neste 
■  folheto,  ha  valiosas  cartas  escriptas  por  D.  Carolina  Michae- 
lis  õe  Vasconcellos,  D.  Virgínia  Õe  Castro  e  Almeiõa,  Teó- 
filo Draga,  Justino  õe  Montalvão  e  Sousa  Costa,  õirigiõas  a 
esta  Senhora. 
I      Como  jornalista,  tem  colaborado  na  Capital,  Primeiro  de 
Janeiro,  Lucta,  Comercio  do  Porto,  Vanguarda,  Novidades, 
etc, 

I  Alem  õe  um  belo  livro  õe  versos  em  que  trabalha  e  cujo 
titulo  deve  ser  Sonho  de  Amor,  tem  para  publicar  as  seguin- 
tes obras : 

Arte  e  Artistas,  (apreciações  sobre  arte  e  artistas  em  Por- 
tugal) ;  A  Belesa  da  Mulher,  (estudo  sob  o  ponto  Õe  vista 
imoral);  Contos  Verdadeiros ;  Vo^es  do  Coração,  La':; aros 
ie  Magdalenas,  (estuõos  sobre  o  efeito  õa  avariose). 
i  Como  conferencista,  também  é  apreciável  a  obra  õesta 
i,  Senhora. 


100  Poetisas  Portuguesas 

FÉ 
(inédito) 

Minha  alma  num  anòor  5e  sete  estrelas, 
Subiu  á  torre  iòeal  Ôa  sua  Egreja. 
Talvez  õa  terra  nenhuma  alma  a  veja 
Mas  ela  vê  do  alto  a  toõas  elas. 

De  lá,  num  explenõor  ôe  Eucarestia, 
Como  arco  iris  canõiôo  õe  abril 
Envia  a  chuva  proõiga  e  subtil 
Do  amor  que  fulge  em  nimbos  õe  poesia. 

E  ás  pobres  almas  que  anõam  lá  na  guerra 
Como  anòorinhas  loucas  sem  beiral 
Em  vez  òe  peòir  para  a  alma  Ôa  terra 

Quizera  ouvir  òizer  em  communhão 
Que  lhe  inspirasse  a  Fé  no  mesmo  Iõeal. 
Bemõita  seja  a  tua  õevoção. 

Maria  Feio. 


A  CANÇÃO  DO  MAR 

(inédito) 

o  verõe  mar  ôas  esperanças 
O  mar  verõe  õa  sauõaôe  ! 
Vai  e  vem  e  torna  a  vir 
Traz-me  a  onõa  õa  bonõaõe. 

Onõinas  que  sois  o  espelho 
Onõe  se  mira  o  sol-pôr 
Trazei-me  Õe  longes  terras 
A  Galera  õo  amor. 


Poetisas  Portuguesas  101 

Galera  ò'ouro  e  òe  sonho 
Sempre  a  nascer  e  a  morrer 
Como  a  luz  õa  lua  cheia 
Que  nasce  para  bem  querer. 


Quem  me  dera  no  mar  alto 
Anbar  sempre  a  navegar 
Levanôo  á  proa  os  meus  sonhos 
Sempre,  sempre,  a  timonar. 

Iria  aboròar  õecerto 
Aquela  ilha  õe  Amores 
Onõe  a  bqnõaõe  poòesse 
Ser  padroeira  Ôe  õores. 

Remae,  remae,  sonhos  belos 
Timoneiro  anòa  õepressa 
Que  bem  poòe  vir  a  morte 
Antes  que  o  òia  anoiteça. 

E  emquanto  sonhas  no  sonho 
De  Amor  e  bem  querer 
O  mar  se  irá  engalhanõo 
Em  trovas  òe  aõormecer. 


Maria  Feio. 


D.  EMÍLIA  AUGUSTA  DE  CASTILHO 

D.  Emilia  Augusta  òe  Castilho  era  filha  òe  Alexanòre  Ma- 
gno òe  Castilho,  bacharel  formaòo  em  matemática,  e  òe  sua 
mulher  senhora  francesa  que  òesposou,  quanòo  emigraòo 
constitucional. 

D.  Emilia  Augusta  òe  Castilho  nasceu  em  Lisboa,  a  22  òe 
Setembro  òe  1841. 


102  Poetisas  Portuguesas 

Aòoraõa  por  seu  talentoso  pae,  teve  brilhante  eòucação, 
e,  ôesõe  a  meninice,  tornou-se  o  encanto  e  aòmiração  5e 
sua  familia  e  òos  íntimos. 

Escreveu,  por  brincaõeira,  alguns  versos  infantis  que,  por 
vezes,  foram  publicados  no  Almanach  de  Lembranças  fun- 
Õaõo  por  seu  pae  em  1850. 

Era  muito  formosa,  como  mostra  o  belo  retrato,  a  oleo, 
existente  em  casa  õo  eruòito  investigador  Sr.  Visconde  5e 
Castilho,  auctor  õe  varias  obras  ôe  merecimento,  entre  as 
quaes  mencionarei  Lisboa  Antiga,  8  volumes. 

D.  Emilia  õe  Castilho  foi  casada  com  seu  primo  co-irmão, 
Alexandre  Magno  de  Castilho,  capitão-íenente,  engenheiro 
hydrografo,  sócio  da  Academia  Real  das  Sciencias  de  Lis- 
boa, auctor  de  importantes  obras  scientificas,  e  filho  do  Dr. 
José  Feliciano  de  Castilho  Barreto  de  Noronha,  do  Conse- 
lho de  Sua  Magestade  Fidelíssima,  etc. 

Esta  Senhora  de  cujo  talento  muito  havia  a  esperar  mor- 
reu na  Figueira  da  Foz,  a  20  de  Maio  de  1860,  contando 
apenas  19  anos.  Deixou  uma  filha  que  morreu  sendo  ainda 
criança. 

VISÃO 

Dormia  !  O  socego  da  noute  reinava 

Em  torno  de  mim  ! . . . 
Somente  ao  Altíssimo  o  mar  elevava 

Seu  hymno  sem  fim  I. .  • 

E  eu  vi  uma  fada,  tão  branca,  tão  bela  • . 

Ao  leito  chegar ; 
Na  testa  tão  pura,  cravada,  uma  estreita 

Lhe  vi  scintillar.    . 

«f.evanta-te,  disse  com  voz  maviosa 

Levanta-te  e  vem  !  • . » 
Ergui- me,  seguí-a,  sahio  graciosa 

Sahi  eu  também. 


Poetisas  Portuguesas  103 


Anòámos  um  pouco ;  em  frente  a  uma  porta 

A  faòa  parou ; 
Com  um  volver  ô'olhos  que  inflamma  e  transporta 

Que  entrasse  ordenou. 

Em  misero  leito,  finava,  gemia. 

Formosa  mulher  . . 
E  não  lhe  acalmava  mortal,  agonia 

Um  ente  sequer ! .  . 

Senti  um  thesouro  surgir  em  meu  peito, 

De  õó  e  õe  amor  !   .  ■ 
Senti  svmpathia,  tristeza,  respeito 

Por  tão  viva  òôr  !   .  - 

A  faòa  arrancou-me  ôe  scena  tão  triste  ; 

E  olhanõo  p'ra  mim, 
«Não  é  ainôa  naõa  o  quaòro  que  visife, 

Ha  muitos  assim !» 

E  fomos  seguinòo  mil  ruas  escuras 

Da  lua  ao  alvor  ; 
Mostrou-me  em  silencio  cruéis  Desventuras 

E  abysmos  ôe  ôôr  ! 

Mostrou-me  choupanas,  anõrajos,  ôeshonra, 

Miséria,  affiicção  !. .  - 
Velhinhos  sem  cama,  mulheres  sem  honra. 

Crianças  sem  pão  I 

Exhausta  e  aflicta,  me  afasto  e  pergunto 

Com  trémula  voz : 
<Quem  sois,  5e  tão  raras  bellezas  conjuncto, 

Dizei,  quem  sois  vós  ? 

«Eu  sou  a  Cariõaòe,  me  õiz  ôôcemente ; 

E  quiz-te  mostrar 
Que  inúmeras  õôres,  com  mão  provi&ente. 

Se  poõem  curar. 


f: 


104  Poetisas  Portuguesas 

Agora  que  as  viste,  minora  a  sentença 

Lançaõa  por  Deus ! 
Do  bem  que  fizeres  terás  recompensa, 

Na  terra  e  nos  ceus.> 


Sumio-se,  e  sosinha  me  achei,  no  meu  leito ! 

Foi  sonho  ?. . .  Oh  !  que  não. 
Tarefa  tão  santa  gostosa  te  acceito, 

Brilhante  visão ! 

Emilia  Augusta  ôe  Castilho.  Almanach  das  Senhoras,  1859, 
pag.  382  e  383. 


D.  CACILDA  PINTO  COELHO  DE  CASTRO 

Desòe  criança,  D.  Cacilõa  ôe  Castro  revela  gosto  e  pro- 
pensão pelo  estuõo  e  pelas  letras. 

Ainòa  òe  saias  curtas  —  e  na  iôàõe  em  que  o  iôeal  é 
brincar  e  o  aprenòer  uma  maçada  —  já  D.  Cacilòa  ôe  Cas- 
tro lia  e  estudava,  sem  òescanso. 

Apesar  òa  sua  grande  aplicação  ao  estudo,  e,  talvez,  por-^^ 
isso  mesmo,  poucos  professores  a  satisfaziam. 

Preferia  estudar  sem  auxilio,  fa^endo-o  com  orientação 
própria.  ,^ 

Tudo  quanto  sabe  deve-o,  pois,  a  si  mesma  e  á  sua  inte-  ,;|; 
ligencia.  :í| 

Bem  nova,  contando  apenas  15  anos  de  idade,  publicou^ 
o  seu  primeiro  livro  Silhuetas,  volume  de  contos  que  se^ 
acha  exgotado  e  que  a  critica  recebeu  com  louvores  e  jus- 
tiça. 

Sempre  alheada  da  politica,  D.  Cacilda  de  Castro  tem  es- 
cripto  e  colaborado  em  quasi  todos  os  jornaes,  revistas  e^ 
almanachs  que  se  tem  publicado  em  Porti^al,  desde  09| 


Poetisas  Portuguesas  105 

mais  obscuros,  até  os  mais  conheciòos  como  o  Portugal» 
jornal  em  que  não  colaboravam  senhoras. 

Em  Julho  òe  1911,  foi  representada  no  Theat}^o  da  IS  aí  u- 
resa,  na  Estrella,  com  geral  agraõo  e  sucesso,  uma  peça  em 

I  acto,  Merlim  e  Viviana,  que  esta  Senhora  escreveu  em 

II  bias,  a  peòiõo  õe  Aõelina  Abranches. 

Esta  Ôelicaòa  peça  teve  não  só  belo  õesempenho,  como 
luxuoso  guaròa-roupa. 

Um  ano  Õepois,  D.  Cacilòa  õe  Castro  escreveu  uma  outra 
peça  teatral,  Òe  Grano  Guignol,  intitulada  Esta  Mascara 
que  cedeu  a  Alexandre  de  Azevedo  que  a  fez  representar 
no  Iheatro  de  Sá  da  Bandeira,  do  Porto,  onde  foi  rece- 
bida com  as  mais  carinhosas  frases,  pela  critica  portuen- 
se. 

Entre  essas  apreciações  destacarei,  a  de  Simões  Coelho, 
o  critico  do  jornal  A  Montanha. 

Nesse  mesmo  ano,  isto  é  em  1912,  a  auctora  de  Merlim  e 
Viviana,  escreveu  expressamente  para  a  festa  artística  da 
actriz  Aurora  Abranches,  uma  outra  mimosa  peça,  Manhã 
de  Neve  que,  como  as  anteriores,  obteve  grande  êxito. 

A'  excepção  de  Esta  Mascara,  todas  as  peças  citadas,  es- 
tão publicadas. 

A  D.  Cacilda  de  Castro  cabe  a  satisfação  de  ter  sido  quem 
primeiro  fez  ouvir  e  representar  no  teatro  portuguez,  o  verso 
natural. 

Apesar  do  bom  acolhimento  que  sempre  tem  sido  dispen- 
sado aos  trabalhos  desta  Senhora,  D.  Cacilda  de  Castro 
ainda  se  não  animou  a  dar  á  publicidade  novos  lavores  li- 
terários começados. 

NAS  ruínas  do  convento  DE  ALMOSTER 

Pesado  e  firme  o  alpendre  do  convento 
Oppõe  ao  tempo,  o  vulto  denegrido. 
Dentro  do  velho  claustro  somnolento 
Tem  cada  altar  um  écho  dolorido. 


106  Poetisas  Portuguesas 

Pela  nave  ôesòobra-se  um  lamento  ; 
E  na  estante  õo  cravo  carcomiõo 
Repousa  ainòa,  o  ultimo  fragmento 
De  um  cântico  nas  trevas  õiluibo  .  • 

Rumoreja  na  cerca  o  arvoreôo, 
Esparsas  orações  quase  em  segreòo  . 
E  por  toõo  o  mosteiro  a  Õesabar 

Passam  noviças  num  passinho  breve, 
Que  òe  ar  contricto  e  ôe  cabeça  leve, 
As  sombras  hoje  vem  corporisar. 

Cacilõa  õe  Castro.  Jornal  da  Mulher,  Lisboa,  I  ano,  n."  II 
òe  5  ôe  õezembro  ôe  1910,  pag.  93. 


O  GAROTO  DOS  OLHOS  AZUES 

E'  vel-o  sempre  no  Chiaòo 

Ôe  perna  ao  léo,  Ôe  pé  ôescalço, 

toôo  contente  e  esfarrapaôo  ! 

No  nosso  encalço 

peôinôo  esmola, , 

com  o  ar  feliz  ôe  quem  a  ôá  • 

Coitaôito ! 

Vivo  e  saltitante,  lembra  um  passarito 

fugiôo  ôa  gaiola ! 

Cinco  annos  terá . . . 

não  mais  ôecerto  ; 

e  assim  pequeno  e  tão  esperto, 

a  gente  tem 

ôe  parar 

a  olhal-o  bem. 


Poetisas  Portuguesas  107 


E  vê-lhe  na  cara  suja,  a  protestar 

immaculaôos : 

os  linòos  olhos  azues, 

muito  azues. . .  e  sombreaõos  ! 

De  um  azul  que  me  recorõa 
o  azul  ôos  olhos  teus 
quasi  innocentes  também 
quanôo  se  fixam  nos  meus. 

E  contente, 

òou-lhe  a  esmola 

que  elle  espera  impaciente     - 

receanõo  que  eu  lhe  fuja ! 

—  Porque  te  evoco  a  ti, 
na  graça  õ'aquellè  olhar, 
e  no  contraste  que  ri 
n'aquella  carita  suja  .  • 

Cacilòa  òe  Castro.  Novidades  (jornal). 


SUPOSIÇÃO 

Porque  as  õuviôas  me  affligem 

e  receio  . . 

E  não  creio 

«o  que  os  teus  olhos  me  òizem 

Se  o  que  õizes  não  consigo 

entender. . . 

e  te  òigo 

o  que  não  quero  òizer  ; 

se  estremeço 

quanòo  te  vejo  chegar  ! 

E  entristeço 

por  te  não  encontrar  . 


108  Poetisas  Portaauesas 


E  também : 
—  e  isto  é  o  peior  — 
Porque  te  encontro,  melhor 
que  ninguém ! 

Porque  eu  gosto  òe  te  ouvir 
se  me  falias  . . 
E  me  fico  a  sorrir 
se  te  calas : 

Ninguém  vês 

que  em  tão  pouco  veja  amor  ! 
Mas  tu  és  capaz  õe  o  supor. . 
e  eu  talvez. . . 

Cacilôa  õe  Castro. 


CÉLIA  ROMA 

(D.   ALICE   LAURENCE  ORAM) 

Célia  Roma  é  o  anagrama  com  que  D.  Alice  Laurenc#i 
Oram,  a  talentosa  jornalista  e  poetisa  que  nasceu  em  Lis-, 
boa,  tem  firmaòo  as  suas  poesias  e  alguns  òos  seus  tra- 
balhos literários. 

Aos  òes  anos  õe  iõaõe,  f  unõou  no  seu  colégio  Õe  Campo- 
liõe,  um  jornalzinho  no  qual  segunõo  a  própria  expressão 
õesta  Senhora,  publicava  verços  erraõos  e  contos  invero- 
simeis. 

A  mociõaõe  Õe  D.  Alice  Oram  foi  passaõa  num  meio 
culto.  Em  sua  casa,  em  Cintra,  õurante  os  meses  õe  verão 
e  por  vezes  nos  õe  inverno,  reunia-se  quasi  tcõas  as  noi- 
tes um  grupo  õe  escriptores  e  poetas  ilustres ;  e  foi  ouvin- 
õo-os  e  aõmiranõo-06  —  <a  um  canto  õa  sala,  silenciosa  e 
esqueciõa»  —  que  D.  Alice  Oram  apreõeu  a  pensar  e  eõu- 
cou  o  seu  espirito. 


Poetisas  Portuguesas  109 


Entre  muitos  outros  nomes  Õe  pessoas  notáveis  que  se 
reunião  em  sua  casa,  citarei  os  õe  Eça  Ôe  Queiroz,  Rama- 
lho Ortigão,  D.  João  ôa  Camará,  Silva  Pinto,  Latino  Coe- 
lho, Thomaz  ôe  Carvalho,  Alberto  Braga  e  Bernardo  Pin- 
ôela. 

Desses  saudosos  tempos  õa  sua  infância,  conserva  ainòa 
D.  Alice  Oram,  como  preciosa  relíquia,  um  òos  seus  cader- 
nos òe  colegial,  no  qual  existem  uns  chistosos  bouts  rimes, 
escriptos  pelo  punho  Ôe  Eça  ôe  Queiroz,  Alberto  Braga  e 
ôe  ]aime  Batalha  Reis,  nosso  Ministro  na  Rússia. 

E',  principalmente,  como  jornalista  que  D.  Alice  Oram  é 
conheciôa. 

Tem  a  seu  cargo,  actualmente,  alem  ôa  informação  tele- 
!  gráfica  e  por  carta,  para  quatro  jornaes  inglezes  e  a  repre- 
,  sentação  em  Portugal,  ôo  Associeted  Press  of  America,  a 
reportagem  para  o  Dailly  Mail,  ôe  LonÔres,  que  ôeviôo  á 
•  granôe  activiôaôe  e  exforço  ôe  D.  Alice  Oram,  foi  o  pri- 
■  meiro  jornal  estrangeiro  que  ôeu  a  noticia  Ôe  ter  rebentaôo 
a  Revolução  5  Ôe  Outubro. 

O  que  se  passou  em  Portugal,  nesses  ôias  sangrentos  ôe 
Outubro  ôe  1910,  noticiou-o  em  longas  columnas,  e  telegra- 
mas, o  citaôo  jornal  lonôrino  que,  reconheciôo  —  pela  for- 
ma rigorosa  ôas  informações  ôa  sua  corresponôente  e  pelo 
moôo  corajoso  como  se  portou,  nesses  Ôias  ôe  revolução, 
D.  Alice  Oram,  que  para  colher  entre  a  aluvião  ôe  boatos 
contraôictorios,  fieis  e  históricos  pormenores,  não  ôuviôou 
atravessar,  entre  fogo,  os  pontos  e  ruas  sitiaôos,  —  en- 
viou-lhe,  como  premio,  ôe  seus  bons  serviços  um  cheque 
ôe  100  libras,  acompanhaôo  ôe  honrosas  referencias  feitas 
á  sua  pessoa. 

Alem  ôos  referiôos  jornaes,  foi  também  corresponôente 
Ôo  Echo  de  Paris  e  ôe  La  Vie  Finandère  de  Paris,  missão 
que  ôeclinou,  visto  não  lhe  chegar  o  tempo  para  tantos  tra- 
balhos. 

Como  traôuctora,  tem  D.  Alice  Oram  o  seu  nome  ligaôo 
ás  versões : 


110  PoetÍBas  Portuguesas 


Oliver  Twist,  òe  Dickens,  varias  õe  William  Dlack  e  Aca- 
ôon  Hill  e  Contos  õe  Gabriel  õ'Anunzio ;  alem  õas  citaôas, 
traòuziu  mais  alguns  tomos  Ôa  colecção  òe  literatura  poli- 
cial, õe  Conen  Doyle  que  tanta  voga  obteve  entre  nós,  no- 
velas que  também  tiveram  por  Iraõuctores  Augusto  Gil,  Lo- 
pes õe  Menõonça,  Manoel  õe  Maceõo  e  Christovam  Aires, 
(filho). 

No  antigo  teatro  õe  D.  Amélia  representou-se,  em  1905, 
peça  Clairière  Õe  Donnay  e  Descavel  igualmente  traõuzi? 
por  D.  Alice  Oram. 

A  varias  outras  emprezas  teatraes  estão  entregues  veí 
soes  õe  peças  õe  Pinero,  Suõerman,  e  õe  Jules  RenarÕ,  fei«J 
tas  por  Célia  Roma.  | 

Como  poetisa  e  contista,  a  obra  literária  õesta  Senhorá| 
anõa  espalhaõa  por  varias  revislas  Õ'arte  e  jornaes.  Uma| 
õe  suas  poesias  publicaõa  na  Crónica  mereceu  õe  Gomes^ 
Leal  que  não  conhecia,  a  esse  tempo,  sua  auctora,  as  maií 
calorosas  apreciações,  achanõo  o  auctor  õas  Claridades  do} 
Sul,  que  quem  tão  bem  fazia  versos,  não  Õevia  escrever^ 
prosa. 

NUVENS 

Do  mar  as  nuvens  leves  vão  subinòo 

Em  renõilhaõo  veu, 
Brancas  teias  õe  aranha,  revestinõo 

O  ciaro  azul  õo  ceu. 

Depois,  impelle-as  rapiõas  o  vento, 

Correm  sem  õescançar. 
Tão  altas  quasi  como  o  pensamento 

De  quem  vive  a  sonhar. 

Alegres  sonhos  meus,  haveis  passaõo 

No  ceu  õa  minha  viõa. . . 
Assim  as  nuvens  õo  azul,  em  vôo  ousaõo, 

Vão  lambem  õe  fugiõa. 


Poetisas  Portuguesas  Hl 

Errantes  peregrinas  ôos  espaços, 

A'  luz  òo  fim  òo  õia, 
Pintam  na  tela  azul,  a  largos  traços, 

QuaÔros  õe  phantasia ; 

Castellos  negros,  rochas  escarpadas, 

Sobre  tranquillos  mares, 
Com  tintas  õas  auroras  irisaõas 

Das  regiões  polares  • . . 

E  vejo  n'essa  vaga  nebulosa, 

Um  munôo  povoaôo 
Peias  òivinas  sombras  côr  òe  rosa 

Dos  sonhos  òo  passaôo. 

No  anceio  òe  alcançal-os,  n'um  momento 

De  um  munòo  ao  outro  passo, 
Pela  escaòa  fugaz  òo  pensamento 

Subo  atravez  òo  espaço. 

E  minha  alma  inconstante  e  fugiòia, 

Veloz  como  Atalanta, 
Vae  azul  fora  em  busca  òa  alegria 

E  a  par  òas  nuvens  canta. 

Sem  ver  que  o  corpo  preso  á  terra  chora, 

E  geme  e  òesfallece, 
Nem  que  a  raòiante  luz  ò'aquella  aurora 

Breve  òesapparece. 


Célia  Roma. 


112  Poetisas  Portuguesas 


D.  LAURA  DA  FONSECA  CHAVES 

D.  Laura  õa  Fonseca  Chaves  nasceu  em  Lisboa.  E'  filha] 
òo  Dr.  João  Henrique  Dias  Chaves,  já  falecido,  e  ôe  D.  Pa-| 
trocinia  ôa  Fonseca  Chaves. 

D.  Laura  Chaves  que  é  auctora  õe  primorosos  versos  q\ 
encantam  pela  sua  naturaliôaõe,  graça  e  sentimento,  como^' 
se  verá  pelas  poesias  que  transcrevo,  fa-los  sem  pretenção, . 
por  mero  passatempo.  Só  muito  instaòa,  aceôeu  a  sererari 
publicaòos  no  Brasil  e  '^Portugal,  Almanach  das  Senhoras^ 
e  no  Jornal  da  Mulher  onõe  as  suas  proòuções  poeticasj 
teem  siôo  muito  bem  acolhidas.  <| 

Alem  õessas  poesias  e  õe  muitas  outras  que  estão  ine^^l 
õitas,  esta  Senhora  é  auctora  òe  òiversas  peças  teatraes»^ 
em  prosa  e  verso,  que  foram  representadas  por  amado-;?,' 
res.  / 

Nas  suas  poesias  que  abordam  assumptos  muito  diferen-, 
tes  e  nos  seus  restantes  trabalhos  literários,  predomina  a| 
nota  satírica,  nota  que  esta  Poetisa  tem  cultivado  com  exito.| 

D.  Laura  Chaves  que  pertence  ao  grupo  das  jovens  Poe- 
tisas Portugue;?as  que  figuram  nesta  Antologia,  é,  pelos 
seus  merecimentos  e  talento,  uma  das  mais  lídimas  espe- 
ranças da  Literatura  Portuguesa. 

raciocínio  de  criança 

A'  Helena 

—  O'  mãesinha,  ouve  lá,  explica-me  isto,  sim? 
Dizem  que  tudo  morre,  e  custa-me  a  entender. 
Pois  o  paesinho  e  tu  um  dia  hão  de  morrer 
E  tudo  quanto  existe  ha  de  acabar  assim  ?  — 

—  Dizem  que  os  mortos  vão  —  e  eu  acho  isto  esquisito, 
Mettidos  em  caixões.  Que  lindos  caixõesinhos 
Devem  levar  p'rá  terra  as  flor's  e  os  passarinhos  ! 
Quando  eu  morrer  também  irei  assim  bonito  ?  — 


Poetisas  Portuguesas  113 


-  Que  patetinha  és,  sempre  tens  caôa  iõeia  ! 

A  morte  naõa  poupa,  é  má,  é  muito  feia  ! 

Lhe  respondeu  a  mãe  n'um  tom  grave  e  profundo. 

O  pequeno  ficou  apreensivo,  muõo, 

Depois  õisse  a  sorrir :  —  Se  morre  tuôo,  tuõo. 

Mas  que  granòe  caixão  ha  õe  levar  o  munôo ! 

Laura  Chaves.  Jornal  da  Mulher,  n.°  103  õe  30-11-1915, 
|5.*  ano,  pag.  1553. 


SONETO 

\o  sair  òa  taberna,  aos  borõos  pela  rua 

■/ae  caminhando  incerto  o  pobre  borrachão. 
;  N"uma  voz  avinhada  embirra  com  a  lua 
1^^'or  pôr  sombras  na  terra  e  confundir-Ihe  o  chão, 

I  Jisto  tropeça  e  cae :  p'rali  fica  deitado 
^)  corpo  n'um  novelo  —  um  horror  que  faz  dó ! 
|'!ão  consintas  ó  Deus,  que  um  ser  por  ti  creado 
|ienha  por  leito  a  rua^  e  por  coberta  o  põ ! 

I  ão  vês  que  o  infeliz  não  tem  pão  para  dar 
|os  filhos  e  á  mulher  !  Se  bebe  é  p'ra  olvidar 

I  fome  que  os  tortura  e  os  vae  ceifando  a  eito ! 

I I  que  pregaste,  Deus,  na  terra  a  egualdade 
^,\  como  o  rico  cumpre  essa  tua  vontade  ! 
l3ísfaz  o  mundo,  vá !  que  está  muito  mal  feito ! 

? 'Laura  Chaves.  Jornal  da  Mulher,  6."  ano,  n.°  115.  Lisboa, 
íí  11-1916,  pag.  1818. 


114  Poetisas  Portuguesas 


^ 


À 


O  AMOR  E  O  TEMPO 

Voava  pelo  espaço  o  Amor  alegremente 
Pensanõo  em  fazer  mal  á  pobre  humaniôaòe, 
Quatiòo  a  tolher-Ihe  o  vôo,  apar'ceu  ôe  repente 
O  tempo,  que  a  sorrir  o  olhava  com  bonõaõe. 

Ao  ver-se  preso  assim,  Cupiòo  Descontente 
Murmurou  n'um  òesõem  replecto  õe  malbaõe 
<Afasta-te  Ò'aqui,  velho  tonto  e  ôemente 
E  òeixa-me  passar  que  eu  quero  a  liberõaòe  !» 

«Ah,  não  me  tens  respeito»  exclamou  o  tempo  iraòo 

«Pois  eu  para  evitar  que  sejas  malcreaôo 

Hei  òe  seguir-te  sempre  onôe  quer  que  tu  vás  I 

E  õesõe  então  o  Amor  não  anõa  satisfeito, 
Não  leva  naôa  ao  fim,  naôa  lhe  sae  com  geito, 
Porque  o  tempo  õestroe  tuôo  quanto  elle  faz  I 

Laura  Chaves.  Jornal  da  SMulher,  n."  110  ôe  30-  6-916,! 
ano.  pag.  1710. 


:t 


A  TEMPO 

O  baile  ia  acabar.  A  orquestra  executava 
N'um  murmúrio  òe  sonho  uma  valsa  onòolante 
Eu,  triste  no  seu  hombro  a  cabeça  pousava 
Deixanõo-me  levar  semi-morta,  anelante. 

N'isto  ele,  aproveitando  esse  meu  òevaneio, 
Chegou-me  muito  a  si  ôizenõo  com  aròôr  : 
«Deixa  o  teu  coração  palpitar  sem  receio 
«Porque  eu  ha  muito  sei  que  tu  me  tens  amor  !» 


Poetisas  Portuguesas  115 

Ao  ver  que  me  arrancava  o  meu  segreõo  assim 

Tive  um  meòo  cruel  òe  não  ter  mão  em  mim, 

Mas  não  qu'ren()o  mostrar-lhe  o  meu  granòe  embaraço 

Sustentei  sem  temer  o  seu  olhar  arõente 
E  õisse-lhe  a  sorrir,  muito  serenamente : 
<Não  fale  mais,  senão       perõemos  o  compasso! 

Laura  Chaves.  Jornal  da  Mulher,  5°  ano,  n."  102, Lisboa. 
30-10-1915. 


D.  BRANCA  DE  GONTA  COLAÇO 

D.  Branca  òe  Gonta  Colaço,  a  inspirada  e  conheciôissima 
Poetisa  Portuguesa,  nasceu  em  Lisboa.  Filha  õo  granòe 
poeta  Thomaz  Ribeiro,  D.  Branca  õe  Gonta  Colaço  que  é 
casada  com  o  notável  artista  ]orge  Colaço,  tem  sabiõo 
continuar  nobremente  as  gloriosas  tradições  literárias  òe 
seu  pae. 
Esta  Poetisa  é  auctora  òos  seguintes  livros : 
Matinas,  1907,  (exgotaòo) ;  Canções  do  meio  dia,  19Í2 ; 
.Poetas  d' Honrem,  1915. 

Como  conferencista,  a  obra  Òe  D.  Branca  òe  Gonta  Co- 
flaço  é  também  muito  apreciada. 

Poetas  d'Eonteni,  assim  se  intitula  uma  òe  suas  confe- 

Cfencias,  que  por  duas  vezes  fez  nas  elegantes  salas  da 

lUga  Naval  Portuguesa,  òe  Lisboa,  ante  uma  selecta  assis- 

(lencia. 

Dessa  conferencia,   diz  no  Jornal  da  Mulher  (n."  84  de 

5  de  ]unho  de  1914),  o  sr.  António  Batalha  Reis,  o  dis- 

;  inctissimo  oenologo   e  escriptor  que  tão  considerado  é 

)ela  sua  competência  e  saber  : 

«Tornar  saliente  a  religiosa  unção,  com  que  ouvimos  a 

onferente  recitar  algumas  producções  dos  Poetas  d'Hon- 

;m  —  entre  as  quaes  sobresahiu,  com  inconfundível  bri- 

10,  a  Borboleta  de  Thomaz  Ribeiro,  é  ainda  uma  veròaòe 


116  Poetisas  Portuguesas 


bem  veròaôeira.  Mas  tuõo  isto,  que  quer  aparentar  alguma 
couza,  —  não  é  naòa,  por  fim  òe  contas !  E  não  é  naòa 
porque,  em  tuõo  que  se  poòesse  òizer,  —  rezultaria  sem^ 
pre  a  irremediável  falta  õe  sublime  enlevo  que  imprimit 
naturalmente,  nos  ouvintes,  —  a  suave,  carinhosa  e  insi* 
nuante  voz  òe  Branca  òe  Gonla  que  chega  aos  nossos  ou- 
viòos  como  um  canto  celestial,  —  que  nos  ôelicia,  —  en- 
canta, —  prenòe  e  nos  conòuz,  branòamente,  a  um  veròa- 
òeiro  extasis,  completamente  òivino  e  único!» 

Esta  apreciaòa  conferencia  foi  mais  taròe  publicaòa  ent' 
volume,  eòição  feita  a  peòiòo  e  a  expensas  òo  ilustre  Câ» 
monianista  e  Acaòemico  Dr.  Carvalho  Monteiro. 

Deòicaòo  a  uma  obra  òe  cariòaòe,  a  eòição  òos  Poet0 
d  Hontem  que  consta  òe  5^5  exemplares  numerados^  e  quê 
não  chegou  a  entrar  no  mercaòo,  exgotou-se  em  poucos 
Òias. 

Em  1916,  realisou  esta  insigne  Poetisa,  na  mesma  Liga 
Naval  òe  Lisboa,  agremiação  onòe  se  teem  feito  ouvir,  ein 
belas  conferencias,  entre  outros,  Fernanòo  òe  Sousa,  Cu- 
nha e  Costa,  Anselmo  Vieira,  Alfreòo  Pimenta,  Pereira  ôe 
Matos,  Gomes  Mota,  Freitas  Branco,  Hipólito  Raposo,  An- 
tónio SarÒinha,  etc,  etc.  —  nova  e  brilhante  conferencia  que 
mais  taròe  repetiu  no  Porto  e  em  Coimbra  e  cujo  titulo  erai; 
o  amor  da  Pátria  na  obra  de  Thoma^  Ribeiro. 

O  ultimo  trabalho  literário  òe  D.  Branca  òe  Gonta  C0* 
laço  foi  publicaõo  em  1917.  Destinaòo  a  socorrer  uma  fa- 
mília necessitaòa,  intitula-se :  A'  margem  das  Chronicas. 

NIHIL! 

Morrer! 

Oh,  quem  nos  òéra ! 

Achar,  na  morte, 
a  paz,  que  sobre  a  terra  em  vão  buscamos ! 
Chegar  òepressa  ao  porto,  onòe  esperamos 
esquecer  os  balòões  Òa  nossa  sorte  ' 


I-oetisas  Portuguesas  117 

Morrer  i 

Mas,  —  ao  morrer,  para  onòe  vamos  ? 
(Ha  lá  ninguém  que  a  Ôuviba  supporte !) 
Na  viõa,  ao  menos,  qualquer  sonho  é  norte.    - 
—  e  ha  sempre  uma  illusão  que  nós  amámos  ! 

Pobre  Õo  nosso  peito  exhausto,  enfermo, 
que  sangra  até  por  ver  chegáõo  o  termo 
ôa  pena  que  na  terra  tem  cumpriòo  ! 

Valera  talvez  mais  não  ter  esperanças  ! 
Viver,  na  inconsciência  Òas  crianças ... 

Valera  talvez  mais  não  ter  nasciòo  ! .  ■ 

Branca  õe  Gonta  Colaço.  Matinas,  Lisboa,  1907,  pag.  59 

e  60. 


PRELUDIO 

Passei,  olhou. . .   -  não  succeõeu  mais  naòa. 
Taròe  ao  serão,  no  familiar  cantinho, 
pensei  ôe  novo,  um  pouco  interessada, 
n'aquelle  olhar,  seguinòo  o  meu  caminho  ! 

Ao  outro  òia,  eu  estava  ôebruçaõa 
a  ver  o  azul  õo  már  sereno  e  liso-    • 

—  passou  !  —  Olhei-  • .  não  succeõeu  mais  naõa 

—  mas  õe  então,  na  minh'alma  alvoraçaõa, 
porque  anõa  o  choro  a  batalhar  com  o  riso  ?  ! 

Branca  õe  Gonta  Colaço.  Matinas,  pag.  84. 


118  Poetisas  Portuguesas 


MEU  AMOR  ! 

II 

Negar-te  um  beijo  a  ti,  é  significativo 
Õ'uma  affoiteza  enorme,  ou  õ'um  mortal  receio  ?  ! 
E*  fingir  que  õesprezo  aquillo  porque  anceio !  ■ 
E'  quasi  recusar- me  aquillo  porque  vivo  ! 

Não  é  coragem,  não !  —  Afflige-me  este  enleio 
que  sinto  ao  pé  òe  ti,  não  sei  porque  motivo 
Quero  òizer-te  sim  —  o  õôce  lenitivo, 
e  sempre  vem  o  não  metter-se  ôe  permeio ! 

Longe,  faço  a  mim  mesma  uma  promessa  aròente 
õe  unir  a  minha  bôcca  á  tua,  brandamente, 
n'um  beijo  que  afinal  não  é  crime  nenhum! 

Mas  vejo-te,  e  não  sei  que  tenho,  mal  te  vejo  ! 

Nem  sei  se  é  valentia  o  recusar-te  um  beijo 

se  um  granõe  mêòo,  amor  de  não  te  õar  só  um  .  . 

Branca  òe  Gonta  Colaço.  Matinas,  pag.  51  e  52. 


HISTORIA  SILENCIOSA 

Do  tempo  pelo  rio  crystalino, 

na  barquinha  veloz  òo  seu  ôestino 

elle  ia  a  ôeslisar. 
Viu-a  na  margem  ao  passar,  e  ao  vê-la 
ambicionou  a  companhia  ò'ella.  • 

que  não  se  fez  rogar  ! 

E  proseguiram  juntos  a  ôesciòa 
òa  placiõa  corrente  õ'uma  viôa 
ôe  mutuo  bem  querer ; 


Poetisas  Portuguesas  119 

sorrinôo  alegres  aos  clarões  õa  aurora 
entristecenõo  levemente,  á  hora 
triste,  ôo  entaròecer  . . 

Mal  falaram.  As  almas  que  se  aôoram, 
é  ô'olhar  para  olhar  que  se  namoram 

n'um  extasis  sem  fim  ! 
Um  ôesejo  reflecte  outro  õesejo, 
ôepois  os  lábios  unem-se  n'um  beijo  . 

e  vão  sonhanõo  assim !  •  • 

Quando  o  fim  ôa  viagem  alcançaram, 
á  mesma  sombra  a  repousar  ficaram 

na  mesma  primavera  • . 
E  entraram  a  sorrir  no  Esquecimento ; 
que  é  o  Qranõe  Sahará  ôo  firmamento 

onòe  o  silencio  espera  . 

Branca  ôe  Gonta  Colaço.  Canções  do  Meio  dia,  Lisboa, 
1912,  pag.  65  a  68. 


PEDINDO  ESMOLA 

Uma,  Esmolinha,  sim  ? 

Eu  sei  que  vos  consola 
õar  pão  e  lume  a  um  lar  onôe  a  miséria  entrou ! 
Por  isso  vim  confiaôa  a  vós,  peòir  esmola, 
E  alinhavei  sorrinôo  a  ephemera  sacola 
ô'uns  versos  que  choranôo  o  coração  ôictou. 

Branca  ôe  Gonta  Colaço.  A'  Margem  das  Chronicas, 
Lisboa,  1917,  pag.  3. 


120  Poetisas  Portuguesas 


D.  LIA  DE  MAGALHÃES  COLLAÇO 

D,  Lia  õe  Magalhães  Collaço  nasceu  em  Lisboa.  E'  filha 
òe  Jerónimo  õe  Magalhães  Collaço,  filho  òos  Conôes  ôe  Cò- 
õeixa. 

Esta  Senhora  que  é  mãe  òa  poetisa  D.  Anna  Achaioli,  ca- 
sou muito  nova,  tenõo  feito,  em  solteira,  versos  cheios  òe 
simpliciõaôe  e  sentimento. 

Depois  Òe  casaõa,  porem,  fizeram-lhe  os  extremos  ma- 
ternaes  cortar  as  azas  õa  sua  granõe  imaginação,  trocanôo 
as  suas  inspirações  poéticas  pelos  òeveres  ôe  mãe  cari- 
nhosa. 

Seu  pai,  bacharel  em  õireito  pela  Universiôaôe  ôe  Coim- 
bra resiôiu  çi  maior  parte  ôa  sua  viôa  em  Pariz  onõe  con- 
quistou uma  posição  ô'elite  no  munôo  aristocrático. 

Dotaôo  ôe  um  espirito  vivo,  subtil  e  acentuaôamente  sar- 
cástico, foi  um  ôos  mais  aprimoraôos  rajffinés  ôa  elegância 
parisiense,  e  poôe  òizer-se  sem  perigo  ô'errar  que  foi  tão 
aôoraôo  pelas  mulheres  como  temiõo  pelos  homens. 

Teve  sete  Ôuelos  em  que  ficou  venceôor  e  a  sua  atituôe 
cavalheiresca  fez  com  que  figurasse  com  elogio  no  livroí 
Les  hommes  d'épée.  I 

A  Jerónimo  Collaço  também  se  referiu  Ramalho  Ortigão,! 
nas  Farpas.  V. 

Sua  filha  D.  Lia  heròou  ôele  por  completo  a  figura  e  al| 
aguôeza  õe  espirito,  substituinôo  apenas  a  cáustica  irónica  ^ 
paterna  por  um  charme  especial  que  faz  ôesta  Senhora  uma 
ôama  ôe  trato  muito  interessante. 

OS  TEUS  OLHOS 
(inédito) 

N'esses  teus  olhos,  Maria, 
Oceanos  ôe  luz  pura, 
Eu  vejo  tanta  canõura 
Tanta  luz,  que  a  luz  ôo  ôia. 


Poetisas  Portuguesas  121 

Não  tem  aquella  magia, 
Não  tem  aquella  òoçura. 
Não  tem  o  amor,  a  branòura, 
D'esses  teus  olhos  Maria. 

Lia  Magalhães  Collaço. 

« 

SEM  TITULO 

(inédito) 

No  álbum  de  António  Teixeira  Carneiro 

Não  julgues  que  m'importa  que  o  avarento 
Tenha  a  seu  laõo  mil  outeiros  õ'oiro, 
Não  penses  que  eu  espero  outro  thesoiro, 
Sem  ser  o  mergulhado  em  crú  tormento. 

Não  julgues  que  a  beleza  me  fascina, 
Não  creias  que  m'importa  a  fiòalguia  ! 
Aòmiro  Joanna  ò'Arc,  essa  heroina, 
De  patriotismo  e  nobre  galhardia. 

Não  aprecio  o  Rei  pelo  seu  veto, 
Enternece-me  a  luz  õo  meu  affecto  : 
Inebria-me  um  granõe  sentimento, 

-ftlegra-me  òo  campo  a  soliòão, 

E  assim  seguinõo  sempre  o  coração, 

Maravilham-me  as  chammas  õo  talento  ! 

Lia  Magalhães  Collaço. 


122  Poetisas  Portuguesas 


D.  MARIA  DA  CONCEIÇÃO  PEREIRA 

DA  CUNHA  j 

D.  Maria  Õa  Conceição  Pereira  ôa  Cunha  nasceu  em  Lis- 
boa em  15  õe  Março  ôe  1893,  e  faleceu  contanòo  apenas 
17  anos,  em  5  òe  Maio  ôe  1910,  õeixanòo  imersos  na  maior 
ôôr  —  seus  pães  D,  Maria  José  õe  Pina  Manique  Pereira 
Ôa  Cunha,  trineta  õo  celebre  Intendente  Pina  Manique,  e 
o  sr.  Peõro  ]osé  õa  Cunha,  oficial  Õe  Engenharia  e  Reitor' 
ôa  Universiõaôe  Õe  Lisboa.  ? 

D.  Maria  ôa  Conceição  Pereira  ôa  Cunha  que  era  neta  òo  i^ 
antigo  õirector  Õo  Portugal  Velho  e  ôa  Nação,  o  jornalista  Au- 
gusto Porfírio  õe  Carvalho  Pereira,  começou  por  instincto, 
visto  nunca  ter  tiôo  professor  ôe  poética,  a  fazer  versos  ões- 
õe  os  10  anos,  como  mostra  o  volume  õe  suas  poesias  pu- 
blicaõo  postumamente  pelas  suas  amigas  D.  Laura  Chaves 
e  D.  Maria  Canôiõa  Parreira,  Poetisas  a  que  igualmente  se 
refere  este  livro. 

Alem  õesses  versos,  D.  Maria  õa  Conceição  Pereira  õa 
Cunha  fez  muitos  outros,  que  rasgava  õepois  ôe  os  haver 
recitaôo  em  familia.  Outro  tanto  suceõeu  com  relação  a  al- 
gumas ôas  varias  comeôias  que  escreveu  e  que  foram  re# 
presentaôas  em  teatros  particulares.  f 

Dotaõa  ôe  granõe  habiliõaôe  para  o  teatro,  qualiõaõe  esta 
que  revelou,  õesôe  bem  nova,  no  Colégio  de  São  l.ui^,  on- 
õe  foi  eôucaõa  e  se  familiarisou  com  a  lingua  franceza,  o 
que  lhe  permitia  versejar  n'essa  lingua  com  granõe  facili- 
Ôaõe,  como  se  constata  ôe  algumas  õe  suas  proõuções  poé- 
ticas, ~  foi  D.  Maria  õa  Conceição  Pereira  õa  Cunha  uma 
ingénua  ôe  qualiôaões  raríssimas  como  õemonstrou,  na 
peça  õe  ]ulio  Dantas  —  Rosas  de  todo  o  ano,  e  noutras  pe- 
quenas comeôias  que  representou  no  mencionaôo  Colégio, 
e  fora  ôele. 


Poetisas  Portuguesas  123 


A  MORTE  DA  MICAS 

A  morte  entrara  aii !  No  quarto  a  luz  õo  ôia 
Brilhava  frouxamente  !  Ella,  que  agonisava 
N'um  sesto  convulsivo  a  roupa  arrepanhava 
Como  a  querer  reter  a  viõa  que  fugia  . . 

Depois  p*ra  nós  volveu  o  amorteciòo  olhar  ! 

A  custo  Descerrou  a  bocca  õesmaiaôa 

E  òisse  n'uma  voz  já  um  pouco  velaòa : 

«Que  mal  fiz  eu  a  Deus  para  assim  me  abanôonar?» 

Mas  a  Virgem  que  é  mãe,  ouvinòo  este  lamento 

Confragiôa  ôe  õôr,  á  terra  então  òesceu 

A  trazer-lhe  na  morte  o  alivio  ao  seu  tormento ! 

Mais  tarõe  houve  quem  visse  illuminar-se  o  espaço 
Era  Nossa  Senhora  a  subir  para  o  céo 
Levanõo  a  alma  õ'ella  occulta  no  regaço. . 

Laura  Chaves. 


QUADRAS 

Mal  sabes  tu  a  razão 
Porque  é  que  a  estrella  caõente 
Apenas  surge  no  ceu 
Se  some  tão  òe  repente 

E'  que  eu  pergunto-lhe  sempre 
Se  anõo  no  teu  coração  ? ! 
E  ella  então  foge  depressa 
Com  ôó  õe  õizer  que  não !     - 

Ave-Marias  õão  Õores 
Paòre- Nossos  alegrias 
Que  extranho  rosário  o  meu 
Só  feito  õ'Aves-Marias. . 

Maria  ôa  Conceição  Pereira  òa  Cunha. 


124  Poetisas  Portuguesas 


DES  VERS  FAITS  A  MON  CCEUR! 

Mon  coeur  était  petit  comme  les  jeunes  roses 
Un  peu  timiôe  et  tenõre  ainsi  que  les  violletes 
II  repliait  en  lui  ões  tenòresses  secrètes 
Sans  les  òire,  mon  coeur,  savalt  òe  õouces  choses. 

Alors,  il  a  senti  le  chaste  et  òoux  besoin 

De  verser  sa  tenòresse  au  fonò  õ'un  autre  coeur  ; 

Et  friieuK  et  tremblant  ò'éspérance  et  õe  peur 

Mon  cceur  alia  frapper  à  la  porte  õu  tien. 

11  le  sentit  três  bon,  aròent  et  généreux 

Mais  une  voix  brutale  a  retenti  souõain  :  = 

«)e  ne  veux  pas  Õe  vous,  partez,  mon  cceur  est  plein !» 

Et  mon  cceur  répartit,  òéçu  et  malheureux. 

Mais  aujourò'hui  mon  coeur  frappera  õe  nouveau 
Et  si  tu  me  reõis,  «mon  coeur  est  plein,  partez», 
Au  lieu  Ôe  revenir  enõolori,  blessé, 
Mon  coeur  prenòra  le  tien  ôans  un  suprême  assaut  !> 

II  entrera  surnois  comme  font  les  voieurs 
Et  saura  lui  chanter  õe  si  pressantes  choses 
Versera  tant  õ*amour,  Ò'éspérance  et  ôe  roses 

Qu'  un  jour  il  será  seul  à  vivre  õans  tou  cceur ! 
Maria  õa  Conceição  Pereira  õa  Cunha.  Janeiro  õe  1910. 


Poetisas  Portuguesas  125 


D.  MARIA  DA  CUNHA 

D.  Maria  õa  Cunha  era  portuguesa,  não  obstante  ser  fi- 
lha òe  uma  senhora  brazileira  e  õe  Francisco  Zorro,  ôe  na- 
cionaliõaòe  hespanhola. 

Desôe  muito  nova,  esta  Senhora  que  nunca  ligou  impor- 
tância ás  suas  poesias,  versejava. 

Tenõo  siôo  um  Ôia  entregues,  por  um  seu  tio,  ao  Dr.  Can- 
ôiõo  õe  Figueireõo,  (Viõe  Diário  de  Noticias  õe  25  õe  Ja- 
neiro Õe  1917),  as  suas  composições  poéticas,  as  quaes  o 
notável  mestre  õa  língua  portuguesa  mostrou  e  õeu  a  apre- 
ciar ao  Conõe  Õe  Monsaraz  e  ao  Dr.  }ulio  Dantas,  resultou 
Ôesse  facto  a  publicação  õo  primeiro  livro  õe  versos  õe  D. 
"íaria  õa  Cunha. 

Trindades  se  chama  essa  encantaõora  e  valiosa  obra  que 
conta  2  eõições.  Alem  õe  soberbas  poesias,  regista  os  mais 
calorosos  elogios  feitos  pelo  auctor  õa  Musa  Aíemtejana  e 

{  Ceia  dos  Cardeaes,  como  se  verá  õa  transcripção  que 

iSSO  a  fazer.  No  citaõo  Diário  de  Noticias,  õiz  o  õr.  Can- 

5o  õe  Figueireõo. 

«Quanõo  porem  tive  lazeres  para  a  leitura  õaqueles 
versos,  a  minha  surpreza  foi  enorme :  estava  ali  inõiscuti- 
velmente  um  altíssimo  talento  feminino,  realçaõo  por  vasta 
cultura  literária  e  possuiõor  õa  mais  perfeita  técnica  õo 
verso  ;  e,  com  receio  õe  que  a  auctora  tomasse  o  meu  con- 
ceito na  conta  õas  amabiliõaões  vulgares,  que  aos  homens 
òevem  as  mulheres  formosas  e  õe  talento  como  ela,  õei 
conta  õa  minha  surpreza  a  õuas  auctoriõaòes  literárias,  que 
não  conheciam  a  poetisa,  e  que  absolutamente  confirmaram 
elevaõo  conceito  que  os  versos  me  sugeriam  :  ]ulio  Dan- 
3  e  o  Conõe  õe  Monsaraz.» 

«Os  õois  laureaõos  poetas  õeram-me  por  escripto  o  seu 
.recer,  com  que  se  prefaciou  o  livro  Trindades  » 
«Monsaraz  achou  brilhantíssima  a  estreia,  pela  mais  com- 


126  Poetisas  Portuguesas 

pleta  correcção  métrica,  ampla  fantasia,  rica  Õe  côr  e  so| 
noriôaôe,  traço  firme  e  tintas  preciosas      > 

«Júlio  Dantas  escreveu  que  as  Trindades  revelaram  um 
talento  poético  õe  primeira  oròem,  pois  tuòo  ha  nelas :  es- 
pontanieõaôe,  sentimento  musical,  plástica  òo  verso,  técnica 
perfeita,  conhecimento  ôe  língua,  movimento,  cor. .  » 

«Ha  até  sonetos,  —  õiz  Júlio  Dantas,  —  que  poõem  até 
consiõerar-se  obras  primas. > 

Quanto  havia  ainòa  a  esperar  òo  talento  ôe  D.  Maria  ôa 
Cunha,  se  a  morte  a  não  houvesse  arrebatado,  em  plena 
mociôaòe,  õo  numero  õos  vivos !  Longe  ôa  sua  pátria,  ôa 
qual  ôesalentos,  ôesgostos,  e  talvez,  até,  injustiças,  a  afas- 
taram, D.  Maria  ôa  Lunha,  faleceu  repentinamente  em  S. 
Paulo  (onôe  lhe  tinha  siôo  garantiôa,  por  varias  pessoas 
importantes,  uma  colocação  vantajosíssima  no  magistério), 
a  10  ôe  Janeiro  ôe  1917. 

Com  a  sua  morte  fica  ineôito  e  incompleto,  segunôo 
penso,  O  Livro  da  Noite,  cujo  prefacio  em  belos  alexanôri-" 
nos  fez  successo  no  Brazil,  onôe  seus  versos  são  igual-  .„ 
mente  muito  apreciaôos.  * 

Na  Época,  ôo  Rio  ôe  Janeiro,  um  ôos  principaes  jornaes 
brazileiros,  ôo  qual  é  corresponôentee  enviaôo  especial 
em  Lisboa  a  ôistincta  escriptora  e  jornalista  D.  Virgínia 
Quaresma  que  também  faz  parte  ôa  reôacção  ôe  A  Capitaly 
Ôe  Lisboa,  publicou  D.  Maria  ôa  Cunha  algumas  ôe  suas 
aprecíaôissimas  poesias,  que  não  figuram  nas  IrindadeSyí^ 
taes  como :  -^ 

(l4  Fiandeira  (muito  elogiaôa  pelos  críticos),  e  Salomé,  ^ 
3  sonetos  feitos  e  inspíraôos  pela  musica  Ôe  Strauss.  ' 

Não  é  só  como  poetisa  que  é  notável  a  obra  õe  D.  Maria 
ôa  Cunha. 

Como  jornalista,  escreveu,  a  peôiõo  õe  vários  reôactores 
ôe  jornaes  brazileiros,  algumas  crónicas. 

Foi,  ainôa,  uma  conferencista  brilhante,  como  atestam 
as  suas  conferencias  feitas  no  Rio  Ôe  Janeiro :  ^i 


Poetisas  Portuguesas  127 


Como  cantam  os  velhos  povos  da  Europa  sentados  á  som- 
bra das  Lendas  e  A  Itália  Artística,  que  Alberto  ôe  Oliveira 
classificou  das  mais  lindas  e  das  mais  bem  feitas  de  quan- 
tas, portugueses  teem  feito  no  Brai^iL 

PROÉMIO 

Ao  meu  livro  singelo  e  òesprenòiõo, 
Cheio  õe  aspirações  e  õe  sauõaões, 
Livro  õe  quem  viveu  sem  ter  vivido, 
Diz-lhe  bem  este  nome  õe  <Trinõaões>. 

Branõo  cahir  Õa  noite,  hora  õe  mágoas! 
Penumbras  que  se  estenõem  lentamente. 
Vozes  tristes  õas  plantas  e  õas  aguas. 
Sonhos  õispersos  pelo  ar  Õormente, 

Aves  cansaõas  procuranõo  o  õono, 
Ovelhas  loiras  quasi  ao  abanõono. 
Visões  õe  paz,  õe  amor  que  não  existe, 

Lucilações  õa  estreita  vespertina, 
Rumorejar  õe  ninhos  em  surõina. . . 
Eis  o  meu  livro,  simples,  vago  e  triste, 

Maria  õa  Cunha.  Trindades,  Lisboa,  1909,  pag.  9  e  10. 


CROMO 

Passa  na  rua,  õonairosa  e  esperta, 
Varinazinha,  posta  a  mão  na  anca  ; 
Como  ha  calor,  a  camisinha  aberta 
Deixa  entrever  a  pele  fina  e  branca. 

Cabelos  loiros,  presos  sob  o  lenço, 
Saia  roõaõa  pelo  calcanhar, 
Dou-lhe  õez  anos,  quanõo  muito,  e  penso 
Que  uma  avezinha  lhe  ensinou  o  anòar. 


128  Poetisas  Portuguesas 


Oh  !  que  gentil,  esbelta  figurinha  ! 

Uns  olhos  granões,  côr  õe  agua  marinha, 

Sorriso  alegre  como  o  sol  õe  v'rão ! 

Deixá-la  ir!  Se  lhe  òizeis  que  é  linòa, 

Desfaz-se  o  encanto :  peròe  esse  ar  que  a  alinôa, 

Pragueja  e  insulta  como  um  carrejão. 

Maria  ôa  Cunha.  Trindades,  pag.  43  e  44 


O  INFANTE  DE  SAGRES 
(quadro  de  malhôa) 

No  concavo  õa  rocha  o  Infante  cisma,  e  crava 
Ao  longe,  no  horisonte,  o  olhar  perscrutador ; 
O  largo  oceano  em  volta  amansa  a  fúria  brava, 
Como  um  leão  õomaòo  aos  pés  õo  õomaõor. 

Embebe-se  num  sonho  altivo  e  refulgente  : 
Surge  õo  Mar  òa  Noite  o  Atlântico  õa  luz, .  -. 
As  quinas  tremulanõo  ao  vivo  sol  Õo  Oriente.   ■ 
Em  terra  õe  infiéis  a  reõentora  cruz     . 

Hão  õe  partir  em  breve  ousaõas  caravelas ; 
Ha  Õe  guiar  seu  leme,  e  enfunar- lhes  as  velas. 
Da  sua  funôa  crença  o  sopro  genial !. .  ■ 

E'  nisto  que  êle  cisma,  e  nem  sequer  õuviõa 
Que  a  frota  há-õe  voltar  . .  A  gente  é  ÕestemiÕa, 
Granões  almas  õe  heróis,  filhes  õe  Portugal ! 

Maria  õa  Cunha.  Trindades,  pag.  41  e  42. 


Poetisas  Portuguesas  129 


MEIO  DIA 

O  sol  subiu.  Agora  é  quasi  a  prumo : 
Hora  Ôa  sesta  abençoaôa  e  santa ! 
Sai  òos  casais,  prometedor,  o  fumo, 
Os  gaôos  õormem,  a  cigarra  canta. 

A'  luz  òo  sol,  a  rosa  brava  Õeita 
Um  cheiro  forte  que  entontece  a  gente ; 
Nos  milharais,  a  cotovia  espreita, 
A  arvéioa  salta  na  agua  transparente. 

E  no  silencio  que  se  fez,  profundo, 
Ouvem-se  as  folhas  cahir  no  chão, 
E  o  palpitar  ôo  insecto  moribundo. 

Dormita  á  sombra  o  lavrador  aldeão. 
Em  quanto  o  sol,  progenitor  do  mundo, 
Aloira  os  trigos  e  amadura  o  pão. 

Maria  da  Cunha.  T7'indades,  pag.  103  e  104. 


VIRTUDES  TEOLOGAIS 

;;  Eu  creio  em  ti,  Senhor,  quando,  ás  tardes  contemplo 

;;  O  campanário  tosco  e  simples  de  uma  aldeia, 

l  E  as  casinhas  em  volta  ao  pequenino  templo, 

1  A'  sombra  da  tua  cruz,  ó  Mártyr  da  Judeia. 

:  Espero,  espero  em  ti,  quando  a  estrelinha  de  alva 

}  Vem  espiando  no  céu  o  despertar  dos  ninhos; 

f  Astro  núncio  do  dia,  a  quantos  ela  salva  ! 

1  Olhar  da  madrugada,  irmã  da  flor  dos  linhos  !. . . 


130  Poetisas  Portuguesas 

Mas,  quanòo  escuto  rir  um  banòo  òe  crianças, 
Quanôo  beijo  na  face  um  õ'êsses  pequeninos, 
Fazem  bem  á  minha  alma  os  risos  cristalinos ; 

Da  infância  õescuiôosa  avivam-se  as  lembranças, 
E  eu  amo-te,  Senhor,  que  bás  á  orfanòaõe 
Esse  Ôom  Òe  viver  ôo  passado  —  a  Sauòaôe. 

Maria  òa  Cunha.  Trindades,  pag.  79  e  80. 


CLAUDIA 

N'aquelle  tempo,  junto  ao  pórtico  sagrabo 
Do  rei  magnificente  e  sábio,  Salomão, 
Jesus  anunciava  ao  povo  beslumbraòo 
As  glorias  ba  humilbaòe  e  o  luar  bo  Perbão. 

Falava  bevagar  .    bizeres  tão  suaves 
Como  o  rumorejar  ba  verbe  Galileia  : 
Amava  a  canbibez  bos  lírios  e  bas  aves, 
Ensinava  a  sua  alma  á  velha  raça  hebreia. 

O'  boce  «Dôa-Nova> !  Em  quanto  Ele  pregava 
E  o  sol  batia  em.  cheio  os  cebros  bo  Hebron, 
No  alto  ba  torre  Antónia,  imóvel,  cogitava 

Cláubia,  mulher  be  Pôncio,  a  romana  bevassa ! 
Turbara-a  estranhamente  o  rabi  casto  e  bom, 
Que  a  chamava,  talvez  á  luz  ba  sua  graça ! 

Maria  ba  Cunha.  Trindades,  pag.  34  e  35. 


foetisQs  Portuguesas  131 


SOROR  DOLORES 

(d.    MARIA  FELICIDADE   DO  COUTO   BROWN) 

D,  Maria  Feliciòaõe  òo  Couto  Drown  que  usou  os  pseu- 
?)onimos  õe  Soror  Dolores  e  A  coruja  trovadora  nasceu  no 
Porto,  em  10  òe  ]aneiro  Õe  1890. 

Foi  casada  com  o  negociante  Manoel  õe  Clamouse  Brown. 

Os  seus  primeiros  versos  foram  publicaõos  em  eõição 
particular,  (sem  local  õe  impressão  e  õata),  apenas  õesti- 
naõa  a  brinòes. 

Foram  firmaõos  com  o  pseuõonimo  õe  A  coruja  trova- 
dora. (Viõe  Capitulo  VI,  pag.  163  õo  livro  õo  senhor  Alberto 
Pimentel  —  Os  Amores  de  Camillo^. 

Na  época  em  que  Soror  Dolores  versejava,  ainõa  era  feio 
€  notaõo  senhoras  õeõicarem-se  á  literatura. 

A  única  Diversão  elegante  õo  Porto  antigo  era  nesse 
tempo,  em  que  as  õamas  iam  á  missa  embiocaõas  na  man- 
tilha õe  lapim,  o  Jardim  de  S.  Lazaro.  A  elle  se  refere 
numa  poesia  Soror  Dolores. 

Penso,  ser  ta.  preconceito,  que  levava  esta  Poetisa  a  es- 
crever nas  obras  que  oferecia : 

Para  não  passar  a  outra  mão. 

Segunõo  õiz  D.  António  õa  Costa,  em  1850,  esta  Senhora 
iPUblicou  um  livro  intitulaõo  Soror  Dolores. 

Em  1854,  eõitava  um  outro,  ]'iraçóes  da  Madrugada  (3.» 
íôição  refunõiòa  Õe  suas  poesias),  que  também  não  chegou 
»  entrar  no  mercaõo. 

A'  SENHORA  MARIETTA  GRESTI 

O  rouxinol  entre  as  flores, 
Gorgeanõo  seus  amores, 
Não  tem  voz  mais  argentina 
Nem  respira  mais  ternura. 
Nem  meloõia  mais  pura. 
Do  que  tu,  Gresti  õivina. 


132  Poetisas  Portuguesas 

Uma  aura  perfumaôa, 
Lá  ôo  Oriente  sopraôa, 
Onòe  linõa  faõa  mora. 
CultivanÔo  seus  rosais, 
Não  murmura  meiga  os  ais 
Como  a  tua  voz  sonora. 

Quanòo  a  harpa  òe  Sião, 
De  sublime  inspiração, 
Solemnes  cantos  vibrava, 
Mais  que  tu  não  commovia, 
Nem  a  compaixão  movia, 
Nem  o  remorso  acordava. 

O  aõeus  que  á  pátria  ôiz 
O  proscripto,  que  infeliz 
Para  sempre  a  vai  ôeixar, 
E'  um  grito  penetrante, 
Tem  um  echo,  é  semelhante 
Ao  pungir  òo  teu  cantar ! 

Deve  assim  no  espaço  ethéreo 
Ser  um  anjo  õe  mysterio 
Moòelanòo  hymnos  õ'amor ; 
Deve  assim  vibrar  sonoro 
N'esse  eterno,  angusto  coro, 
Quanõo  louva  o  Creaòor. 

E*s  o  génio  ôa  harmonia, 
Que  puòeste,  por  magia, 
Essa  voz  ao  ceu  roubar ; 
A  mulher  não  poõe  tanto  ; 
Não  tem  o  conõão  ò'encanto 
De  toõos  arrebatar ! 

Soror  Dolores.  Âlmanach  de  Lembranças  Luso  Brasileiro 
para  1856,  pag.  242. 


Poethas  Portuguesas  133 


D.  EMÍLIA  EDUARDA 

D.  Emilia  EõuarÒa  nasceu  em  Lisboa  em  1  òe  Janeiro 
ôe  1845. 

Representou,  pela  primeira  vez,  no  Theatro  Therpsicore, 
na  rua  ôa  Conceição,  á  Praça  õas  Flores,  onôe  no  õizer  òe 
Sousa  Bastos,  agraòou  extraorõinariamente  nas  três  co- 
nieòias  õe  papeis  muito  òiferentes  que  teve  a  seu  cargo. 
nessa  noite. 

Depois  òe  enviuvar,  entrou  para  o  Theatro  Òo  Gymnasio. 
Ahi  fez  a  sua  estreia,  representando  a  comeòia  em  um  acto 

A  esposa  deve  acompanhar  seu  marido^  traòução  òe  ]ulio 
César  Machaòo,  peça  em  que  também  alcançou  veròaòeiro 
sucesso.  (Viòe  Carteira  do  Artista,  por  Sousa  Bastos). 

Como  actriz,  fez  Emilia  Eòuaròa,  que  era  inteligentíssima, 
parte  òas  companhias  organisaòas  pelas  emprezas  ]osé 
Ricaròo,  Taveira,  Rente,  e  Garraio. 

Em  1895,  pertencenòo  á  Companhia  Taveira,  foi  ao  Rio 
òe  Janeiro,  onòe  alcançou  sucesso. 

Em  Lisboa,  trabalhou  nos  teatros  õo  Gymnasio,  Varie- 
òaòes  e  Príncipe  Real. 

Em  1898,  fazia  parte  òo  elenco  òa  companhia  òo  Theatro 
I  Carlos  Alberto  òo  Porto,  ciòaòe  onÒe  viveu  muito  tempo. 
I  A  primeira  poesia  que  o  actor  António  Peòro  recitou  foi 
I  feita  por  D.  Emilia  Eòuaròa. 

No  Almanach  dos  Palcos  e  Salas,  òe  que  é  proprietário 
o  sr.  Arnalòo  Boròallo  que  teve  a  amabiliòaòe  òe  me  pres- 
tar alguns  esclarecimentos  sobre  assumptos  theatraes,  es- 
creveu D.  Emilia  Eòuaròa  alguns  contos  e  poesias. 

Em  1895,  publicou  esta  Senhora,  no  Porto,  um  livro  inti- 
ulaòo  Contos  Simples,  que  D.  João  òa  Camará  prefaciou. 

N'UM  ÁLBUM 

Um  formoso  bouquet  òe  flores  mimosas 
—  Lirios  òo  vai  e  pétalas  òe  rosas  — 
Eu  venho  aqui  òepôr. 


134  Poetisas  Portuguesas 

Fui  roubal-as,  ó  õoce  primavera, 
Ao  teu  casto  seio,  onôe  Flora  gera 
O  seu  primeiro  amor ! 

;■  Inibria  o  perfume  que  rescenôe 

—  A  flor  õo  campo,  que  5e  côr  esplenôe, 

Delicaba  e  gentil ; 
Os  jasmins  brancos  a  pura  neve 
Graciosos  penòem  a  haste  branõa  e  leve 

A  sauòarem  abril. 

E  sobre  a  flor  òe  fina  transparência 

—  Flor  etherea,  sacrário  0'innocencia 

Que  até  o  sol  ôescora,  — 
VinÔa  òo  céu,  tremente  e  crystalina, 
Vi  cair  uma  pérola  õivina 

Do  áureo  manto  ôe  aurora. 

Emilia  Eõuaròa.  Almanach  dos  Palcos  e  Salas,  para  1895jj 
(7.0  anno),  pag.  31. 


D.  JÚLIA  EUGENIA  SILVA  DE  PEREIRA 
LÚCIO  ESCORCIO 

D.  Júlia  Eugenia  Silva  õe  Pereira  Lúcio  Escorcio  nasci 
em  Lisboa. 

E'  filha  õe  D.  Maria  òel  Rosário  Matilae  Lazara  Francisca 
ôa  Silva  Montãno  Castãneôa  y  Domingues  òe  Pereira  e  õe 
Zacharias  }osé  Pereira. 

Esta  ilustre  Poetisa  que  é  casaõa  com  o  importante  in- 
õustrial  sr.  João  Nicolau  Lúcio  Escorcio,  publicou,  em  1913, 
o  seu  primeiro  livro  —  Suspiros,  obra  em  prosa  e  verso,  es- 
cripta  em  4  línguas  (português,  hespanhol,  francez  e  in- 
glez).  Foi  prefaciaõo  pelo  escriptor  Aõriano  Anthero. 

Em  1917,  publicou  esta  Senhora,  um  novo  livro  —  O 


Poetisas  Portuguesas  135 

Protector  de  Inglaterra,  —  õrama  em  3  actos,  õe  Don  José 
Maria  ôe  Ortiga  Marejon,  que  aõaptou  para  português,  em 
verso  elexanòrino. 

Alem  Òesta  peça  que  foi  entregue,  no  Theatro  Nacional, 
para  ser  representada,  D.  Júlia  Eugenia  Silva  õe  Pereira 
Lúcio  Escorcio  traòuziu  o  õrama  em  3  actos  —  Campo  de 
Arminho,  Õe  D.  Jacinto  Benavente,  original, que  õeve  ser 
representaõo  no  Theatro  Republica. 

Esta  Escriptora  tem  colaboraõo  na  Illustração  ^Portugue- 
sa,  Heraldo  da  Madeira,  Jornal  da  Madeira  e  no  Jon  aí 
da  Mulher. 

O  NOSSO  AMOR 

Não  sei  como  este  amor  teve  começo, 
Nem  qual  Õe  nós,  primeiro  o  inspirou. 
Tu  ou  eu  ?  eis  o  segreõo. . .  e  õesconheço. 
Qual  õe  nós  õois,  primeiro  o  outro  amou. 

Por  mais  longe  que  eu  olhe  no  passaõo 
Vejo-te  sempre  preso  á  minha  viõa. 
Tu  foste  õesõe  sempre  o  meu  cuiõaõo, 
E  õesõe  sempre  foste  a  minha  liõa. 

Olhaste-me  e  eu  olhei-te  e  foi  bastante. 
Não  precisa  õe  mais  o  coração. 
Para  saber  que  fica  n'um  instante, 
A*  mercê  õ'essa  eterna  conõição. 

Lembro-me  só  que  n'um  brilhante  outomno, 
Sereno  e  calmo  como  os  há  por  cá, 
Eu  comecei  a  ter  noites  sem  somno, 
E  õias  sem  cantar. . .  amava  já  ! 

Júlia  Eugenia  Silva  õe  Pereira.  Suspiros,  Lisboa,  1913, 
pag.  12. 


136  Poetisas  Portaauesas 


A  UM  CRUCIFIXO 


Foi  olhanòo-te  um  õia,  absorta  e  triste, 
O'  òoce  imagem,  minha  companheira. 
Que  eu  me  volvi  á  crença  veròaòeira, 
Aquella  em  que  na  infância  tu  me  viste. 

Chorava  ao  contemplar-te.   .  tu  sorriste, 
Ao  veres-me  tornar  á  fé  primeira ; 
E  ao  teu  sorriso,  a  alma  toôa  inteira. 
Ficará  presa,  emquanto  ella  existe. 

No  teu  olhar  Òe  amor  e  òe  peròão, 
]esus !  eu  vi  a  minha  reõempção, 
Qual  uma  estrella,  a  rebrilhar  nos  céus ! 

Mentiu,  Petrarcha !  o  teu  saber  profundo. 
Não  só  a  Dor  —  existe  n'este  munõo. 
Existe  a  Fé  !  a  òoce  Esperança     .  e  Deus ! 

Júlia  Eugenia  Silva  Òe  Pereira.  Suspifos,  pag.  58, 


PECCADORA 

Oh  !  n'ini)uUei  Jamais,  one  fomme  qui  tombe  ; 

Qui  liait  Bou*  quel  fardeau,  la  pauvre  âms  succombe  ! 

Quanòo  te  vi,  mulher,  peròiòa,  rastejanòo, 
De  anòrajos  vis,  teu  corpo  esqualiõo  coberto ; 
Os  cabellos  ao  vento  e  sujos,  òescompostos, 
Cavaòa  a  face,  o  olhar  amorteciòo  e  incerto. 

Quanòo  te  vi,  chegaòa  ao  extremo  òa  miséria, 
Sem  pão,  sem  honra,  enferma  e  rota  e  sem  abrigo, 
Lembrei-me  que  ]esus,  remiu  a  Magòalena  • 
Dastava-te  a  òesgraça  e  a  òôr,  por  teu  castigo! 

Júlia  Eugenia  Silva  òe  Pereira.  Suspwos,  pag.  92. 


Poetisas  Portuguesas  137 


D.  IZABEL  FERREIRA 

D.  Izabel  Ferreira  nasceu  em  Lisboa.  E'  filha  òe  D.  Emí- 
lia Maria  Pereira  (Dama  Drazileira),  e  òe  António  Bernar- 
ôino  Ferreira. 

Desôe  criança,  revela  esta  Senhora  granòe  inclinação 
pelo  estuõo  õas  letras  e  musica. 

Os  seus  versos  anòam  Òispersos  por  vários  jornaes  e 
almanachs. 

No  Mundo  Elegante,  publicou  osta  Poetisa  alguns  con- 
tos em  prosa. 

MÃE 

Ter  mãe,  é  ter  carinho,  é  ter  amor 
maõrugaõa  Õ'abril,  sorriso  e  flor ; 
aòormecer  nas  pétalas  õ'um  sonho, 
para  acoròar  n'um  existir  risonho. 

Ter  mãe,  é  ter  arrimo  e  protecção 
Um  estro  que  nos  guia  —  aòoração ;  — 
é  receber  n'um  beijo  seu  a  esp'rança, 
aureola  òivinal,  luz  õe  bonança ! 


Não  ter  mãe,  é  viver  na  escuriòão  ! 
A  noite  õe  invernia,  a  soliõão  ! 
é  o  ruõe  calvário  õe  uma  cruz, 
sem  um  sorriso,  um  raio  Ôe  luz  ! 

Não  ter  mãe,  assistir-lhe  á  agonia, 
é  uma  cruòelissima  elegia. . . 
é  morrer  òe  tortura  e  ôe  afflicção, 
sentinõo  esphacelar-se  o  coração  ! 

Izabel  Ferreira.  Almanach  das  Sí-nhoras,  1906,  pag.  339 


138  Poetisas  Portuguesas 


O  PODREZITO 

]esus  ao  encontrar  meigo,  sorrinôo, 
um  pequenito  nu,  esfarrapado, 
interrogou  n'um  õoce  tom  magoado  : 
não  sentes  filho,  o  frio  qu'está  cahihõo  ?  ! 

A  creancinha  erguendo  a  fronte  loira, 
olhar  cheio  õe  azul,  e  crença  e  luz, 
madrugada  serena,  encantadora, 
respondeu  a  sorrir  ao  bom  Jesus  : 

—  Não  canta  o  passarito,  o  bosque,  a  flor  ? 
a  planta,  a  luz,  o  dia  que  se  esvae ! 
também  tu  canto  e  rio,  ó  bom  senhor, 
sou  feli^,  tenho  mãe  e  lenho  pae  ! 

Izabel  Ferreira.  Almanach  das  Senhoras,  1901,  pag.  255^ 


D.  LUIZA  FERREIRA 

D.  Luiza  Ferreira  é  filha  de  D.  Emiiia  Maria  Pereira  f 
Ôe  António  Bernardino  Ferreira.  | 

Irmã  da  Poetisa  D.  Izabel  Ferreira,  as  suas  produçõe^ 
que  também  são  mimosas,  teem  sido  publicadas  em  vario^ 
jornaes  e,  em  especial,  no  Almanach  das  Senhoras,  onôe 
assiduamente  tem  colaborado.  > 

19  D'AGOSTO  -^ 

A  primavera  é  como  a  mocidade, 
Manhã  cheia  de  sol,  toda  florida  ; 
Depois  o  outono  vem  ..  tarde  da  vida! 
E  da  manhã  gentil,  resta  a  saudade  ! 

Luiza  Ferreira.  A'manach  das  Senhoras,  para  1909,  pag. 
230. 


Poetisas  Portuguesas  139 

» 

3  DE  MARÇO 

O  ôeslisar  ô'esta  viòa 
não  é,  não,  feito  ôe  rosas, 
cnõe  vão  poisar  subtis 
as  borboletas  formosas. 

E'  um  caminho  ô'agruras, 
toôo  gemiòos  e  Ôores, 
Onòe  òesmaiam  esp'ranças, 
onDe  vão  morrer  as  flores . 

Ha  mais  espinhos  que  aromas, 
mais  tristezas  que  alegrias 
sauõaões  que  choram  R'alma, 
as  mais  cruéis  agonias ! 

Luiza  Ferreira.  Almanach  de  Lembranças,  Ôe  1904,  pag. 
199, 


í  A  CREANÇA  E  A  VELHINHA 

\ 

l  No  meu  cantar  ôe  creança 

\  Não  ha  sombras  ôe  amargura ! 

ÍEu  chego,  e  trago  a  esperança 
Da  mais  risonha  ventura. 
í_ 

£  —  E  eu  que  parto  ôentro  em  breve, 

i  Levo  comigo  a  sauôaôe 

f  Dos  sonhos  ôa  mociôaôe, 

i  Que  o  tempo  ôesfez  em  neve  ! 

Luiza  Ferreira.  Almanach  das  Senhoras,  1907,  pag.  210. 


140 


Poetisas  Portuguesas 


D.  MARIA  IZABEL  GAMITO 


D.   Maria  Izabel  Gamito  nasceu  na  Ilha  ôa  Maòeira. 
filha  õe  D.  ]ulia  Gamito  (já  faleciòa),  e  õe  Salvaòor  Gamito.i 

Aos  onze  anos  õe  iôaôe,  numa  inspiração  simples  ôeí 
criança,  compunha  esta  Senhora  os  seu  primeiros  versos.! 

As  suas  poesias,  que  não  se  encontram  ainôa  reuniõas 
em  volume,  teem  siôo  publicaõas  no  Diário  de  Noticias,  òi, 
Maòeira  ;  Noticias  d' Évora  ,  'Diarin  dos  Açores  ;  O  Conini' 
bricense ;  Primeiro  de  Janeiro^  òo  Porto  ;  Diário  Illustrado ; 
Correio  da  Noite  ;  Echos  d' Avenida  ;  Mala  da  Europa ;  A^ 
Chronica,  5e  Lisboa ;  e  La  Temporada,  ôe  Maôriõ.  D.  {sa<| 
bel  Gamito  que  é  uma  ôelicaòa  poetisa,  colaborou  tamber 
em  vários  almanachs,  entre  os  quaes  citarei  o  Almanach  dai^ 
Senhoras. 

PALAVRA  SANTA 

Esp'rança  é  canto  õos  astros 
Que  ouvimos  p'la  viòa  fora, 
E'  palavra  que  sorri 
A'  nossa  alma  que  chora, 

O  veu  branco  onòe  se  prenõem 
Toõos  os  sonhos  òa  gente 
Esp'rança  é  o  õivino  anceio 
D'aquelle  que  vive  e  sente. 


Palpitam  risos  vermelhos. 
Fogem  tristezas  ao  vento 
Esp'rança  é  átomo  ò'oiro 
Cahinôo  no  Soffrimento ! 


■fe- 


Maria  Izabel  Gamito.  Lisboa,  1915. 


Pnetisas  Portuguesas  141 


INVERNO 

Cáe  neve.  Canta  o  vento  nos  caminhos 
A  gelaõa  canção  õa  Invernia  ; 
A  folhagem  õespeôe-se  õas  arvores 
N'um  convulsivo  choro  òe  agonia. 

Cáe  neve  e  chuva.  Esforcem-se  os  açuões 
No  espumante  arquejar  õas  suas  aguas  ; 
Flores  e  aves  abraçam-se  morrenòo 
No  sombrio  estortôr  õas  granões  Maguas  ! 


Cáe  neve.  Canta  o  lume  na  lareira 
A  õoiraòa  canção  õas  suas  brazas. 
Ha  rocas  õ'onÕe  o  linho  se  õesprenõe 
N'um  alegre  agitar  õe  brancas  azas. . . 

E  a  avó,  que  tem  as  neves  õa  velhice, 
Conta  ás  netas  —  sua  viõa  e  seu  calor 
Aquella  historia  já  contaôa  e  linõa 
D'uma  Princeza  que  morreu  õ'amôr  . 

Maria  Izabel  Gamito.  Lisboa,  1912. 


VELHOS     . 

Ser  novo,  sim  é  ser  a  Luz  e  a  Viõa, 
E'  ter  rosas  na  alma  õeslumbraõa, 
E'  ser  feliz  !  Que  a  õôr  é  para  os  novos, 
Lagrima  que  não  chega  a  ser  choraõa. 

Risos  õe  sol,  bemõito  meio  õia 
Que  Deus  nos  pôz  nas  almas  a  sorrir ; 
Ser  novo  é  ser  a  synthese  Õa  Viõa, 
Razão  õo  Amor  e  razão  õo  Existir ! 


142  Poethas  Portuguesas 


Ser  velho  é  ter  sauõaões  ôe  si  mesmo 
De  rastos  nas  escarpas  òa  Ancieòaòe. 
—  Os  velhos  são  menòigos  ôo  Passaòo 
I  A  menõigar  o  pão  õa  Mociòaòe!  — 

Maria  Izabel  Gamito.  Lisboa,  1914. 


GIESTA 

(d.  branca  da  sílveira  e  silva) 

D.  Branca  òa  Silveira  e  Silva  que  usa  o  pseudónimo 
Giesta,  nasceu  em  Lisboa. 

E'  filha  òe  D  Maria  Henriqueta  òa  Silveira  e  ôo  general 
António  Maria  òa  Silva. 

Em  1911  e  1912,  foram  publicaôas  no  Diário  Illustrado  e 
nas  Novidades,  as  suas  primeiras  poesias  ainòa  com  um ; 
certo  cunho  òe  infantiliôaõe.  | 

Em  1913,  iniciou-se  no  Jornal  O  Dia,  um  interessantissimol 
torneio  poético  travaòo  entre   Giesta  e  Abê  (pseuòonimo  - 
então  usaòo  por  um  òos  nossos  mais  mimosos  poetas  — 
D.  Alberto  Bramão),  òebate  que  pela  suspensão  òo  jornal 
referiòo,  foi  continuado  no  Diário  de  Noticias. 

Entre  os  òois  campeões,  que  tiveram  a  rara  fortuna  òe 
constatar  que  nenhum  fora  venciôo,  trocaram-se  25  sonetos 
acompanhados  òe  alguma  prosa. 

Este  original  torneio  foi  encerraòo  com  uma  oòe  òe  Abê 
publicada  no  n."  11.  de  Outubro  de  1914,  da  revista  Vida 
Mundana,  de  que  foi  redactor  e  proprietário  Luiz  Trigueiros. 

Em  4  de  Março  de  1915,  foi  levado  á  scena  no  Theatro, 
do  Gymnasio,  a  peça  em  um  acto,  em  verso.  Amor  de  Ma-- 
rinheiro,  original  desta  ilustre  Poetisa  e  que  obteve  da  im- 
prensa justificados  aplausos. 


Poetisas  Portuguesas  143 

A  um  òos  nossos  primeiros  theatros  foi  entregue  uma 
ova  peça  òesta  Senhora,  em  3  actos,  e  em  alexandrinos, -v, 

-  Sangue  A^ul,  —  género  regional.  "       ' 
Em  preparação  tem  D.  Branca  ôa  Silveira  e  Silva,  entre 

utros  trabalhos,  uma  peça  histórica.  Frei  Gtl  de  Santarém, 
juaimente  escripta  em  alexandrinos.  Esta  òistincta  Es- 
riptora  e  Poetisa  tem  colaborado  no  Diário  de  Noticias, 
xhos  da  Avenida,  Dia  e  Nação  onõe  publicou  um  artigo 
ititulaõo :  A'  memoria  da  Rainha  Senhora  D.  Maria  Pia. 

SAUDADE 

(inédito) 

auòaôe !. . .  Quanta  vez  o  teu  nome  sagrado, 

-  sem  nome,  que  traduz  a  mais  lenta  tortura  — 

;m  ser  comprehendido  é  por  nós  murmurado,  ^ 

pmo  inconscientemente  a  criança  o  murmura  !. . . 

'uantas  vezes  Saudade,  és  tu  banalisada 

;las  almas  que  nunca  ao  teu  pungir  se  abriram, 

le  em  qualquer  recordar  te  imaginam  gravada, 

;ie  julgam  conhecer-te  e  nunca  te  sentiram  !. . . 

L 

íi)de  viver  em  nós  a  suave  lembrança 

f  alguém  que  nos  deixou  mas  voltaria  um  dia; 

saudade  côr  de  rosa,  ou  verde  como  a  esperança, 

ce  recordação  que  embala  e  acaricia. 

Mas  tu,  a  eterna  dòr  por  um  eterno  ausente, 
liaudade  fatal,  a  saudade  que  mata, 
firtirio  que  trucida  a  alma  lentamente 
hm  noites  de  vigília  em  prantos  se  desata, 

"és  triste  como  a  cruz  que  vela  um  condemnado 
luz  que  em  negro  templo  alumia  um  sacrário  ; 
éroxa  como  a  flor  que  recorda  o  teu  fado 
€  veste  que  Jesus  levou  para  o  Calvário. 


144 


Poetisas  Portugansas 


A  verõaôeira  és  tu,  SauÔaòe  roxa  e  triste : 
não  merece  o  teu  nome  a  sauòaòe  que  espera 
SauÔaòe. . .,  é  a  õor  fatal  que  no  peito  onõe  existe, 

veste  Ôe  luto  a  viõa,  a  esmaga  e  dilacera. 
Sauòaõe,  é  isto,  —  só  —  :  Mar  imenso  e  profunõo 
aonôe  a  alma  se  afunda  e  morre  para  o  Munòo. 

Giesta.  1916. 


DIA  DE  ANNOS 


Annos  são  rosas  que  murcham, 
astros  cadentes  que  correm  ; 
annos  são  prantos  que  nascem, 
annos  são  risos  que  morrem. 

São  o  despertar  das  horas 
que  passamos  a  sonhar  ; 
são  illusões  que  nos  fogem 
com  saudades  a  voar. 

São  folhas  secas,  esparsas, 
porque  os  vendavaes  as  partem  ; 
são  corvos  negros  que  chegam, 
são  andorinhas  que  partem. 

Annos  são  ondas  revoltas 
CHie,  depois  de  encapelar, 
se  desfazem  num  rochedo 
para  nunca  mais  voltar. 

Giesta.  Ahnanach  das  Senhoras^  de  1915,  pag.  15. 


Poetisas  Portuguesas 


145 


ESTRELA  DO  NORTE 

íiNEono) 

(N'um  álbum) 

Ha  tantas,  tantas  estrellas, 
pelo  céu,  a  scintillar  .  ■ 
E  no  munõo,  ha  tantos  olhos 
onôe  poisa  o  nosso  olhar.    . 

Caminheiro  vagabunòo 
que,  õe  noite  se  peròeu, 
para  encontrar  o  caminho, 
perscruta  os  astros  ôo  ceu 

As  almas  tristes,  errantes, 
que  anôam  no  munõo  sem  par, 
nos  olhos  0'alguem  procuram 
a  sua  estrella  polar.   . 

Mas  quanto  tempo  se  passa 
buscando  o  fanal  òa  sorte  ?  ! 
—  Se  ha  tantos  milhões  õe  estrellas, 
Mas  —  uma  só  —  é  õo  Norte  ! .   . 


l   Giesta.  1914. 


D.  JÚLIA  DE  GUSMÃO 

D.  Júlia  õe  Gusmão,  a  inteligente,  simpática  e  instruiôa 
'í  2nhora  ôe  que  neste  momento  se.occupa  esta  Antologia, 
f-  isceu  em  Lisboa,  a  21  ôe  Outubro  õe  1835. 
í  Apesar  õisso,  a  sua  letra  é  õe  tal  maneira  firme  e  o  seu 
•«  zer  tão  elegante  e  apropriaõo,  que  ninguém  Õirá  partirem 
l  10 


146  Poetisas  Portuguesas 

esses  escriptos  òe  quem  já  conta  81  anos  ôe  iòaòe,  muitas 
vezes  perturbaòos  por  granòes  desgostos,  como  foi  o  b; 
perõa  ôe  sua  queri^a  mãe. 

Foram  seus  pães  D.  Maria  José  ôe  Mello  e  Joaquiir 
Victor  Õa  Silva  Teixeira  ôe  Gusmão,  1."  Oficial  Ôo  Ministe 
rio  ôa  Justiça. 

Aos  10  ou  11  anos,  começou  D.  Júlia  ôe  Gusmão  a  es 
crever  linhas  rimaôas,  ôas  quaes  só  tinham  conhecimentc 
sua  mãe  e  seu  pae  que  se  comprazia  em  emenôar-lhe  o? 
erros  Ôe  metrificação. 

Quanôo  essas  linhas  começaram  a  merecer  o  nome  ôt 
versos,  alguns  foram  publicaôos  em  varias  revistas,  a  pe 
ôiôo  Ôe  amigos  ôe  seu  pae,  que  com  ôesvanecimento,  lhe 
havia  mostraôo  as  proôuções  poéticas  ôe  sua  filha. 

Passaôos  anos,  um  ôia,  encontrou-se  esta  Poetisa  num 
sala  com  Thomaz  Ribeiro,  que  tenôo-lhe  ouviôo  recita 
algumas'  ôe  suas  poesias,  peôiu  licença  para  as  publicai 
Apareceram  na  Revolução  de  Setembro,  acompanhaôas  ô' 
uma  elogiosa  carta  Ôo  auctor  ôos  Sons  que  Passam,  ôirigiò 
a  Matheus  Ôe  Magalhães,  encarreganôo-o  ôe  apresentara 
poesias  ôe  D.  Júlia  ôe  Gusmão  no  jornal  ôe  que  ele  er, 
então  folhetinista. 

Mais  tarôe,  em  1867,  esta  Senhora  publicou  um  livro! 
versos  —  Flores  Singelas  —  prefaciaôo  por  Pinheiro  Cha 
gas,  que  a  pag.  10,  ôiz: 

«Eu  tenho  a  firme  convicção  ôe  que  este  volume  ha 
obter  successo  porque  tem  a  granôe  qualiôaôe  que  falt 
maior  parte  ôos  livros  ôe  poesia  contemporânea,  é  verôí 
Ôeiro,  é  espontâneo,  é  o  ôesborôar  ingénuo  ôe  uma  aitn 
que  não  quer  represar  as  suas  sensações  e  que  as  ôeix 
ôesabrochar  e  fulgir  ao  sol  ôa  poesia,  como  as  flores  «n 
valhaôas  pela  aurora,  e  surprehenôiôas  pelo  astro  explen 
ôiôo». 

Em  1900,  foi-lhe  confiaôa  a  ôirecção  ôo  Q^lmanachéí 


Poetisas  Portuguesas  147 

Senhoras  onõe  õeixou  muitos  escriptos  seus,  em  prosa  e 
verso. 

Em  1911,  por  falta  òe  sauôe,  õeixou  esse  cargo,  que 
exerceu  sempre  com  a  maior  meticulosiõaòe  e  õeõicação. 

Entre  muitos  jornaes  e  revistas  em  que  colaborou  D, 
Júlia  òe  Gusmão,  poõerei  citar :  Almanach  das  Senhoras  e 
òe  Lembranças,  Diário  de  Noticias,  Archivo  Lisbonense, 
Boudoir,  õMundo  Elegante  e  Brapl  e  Portugal. 

Nesta  ultima  revista,  escreveu  um  artigo  acerca  õa  morte 
ôa  sua  granõe  amiga  D.  Amélia  ]anny,  o  qual  ôepois  publi- 
cou em  folheto. 

Alem  òoutras  traõuções,  fez  a  ôe  Le  Disparu  ôe  A.  Dau- 
ôet. 

ALÉM 

Nos  raios  òo  luar,  no  brilho  òe  uma  estrella, 
no  perfume  subtil  òo  jasmineiro  em  flor, 
no  branco  ciciar  òa  brisa  que  á  noitinha 
perpassa  junto  a  mim  n'um  sopro  acar'ciaòor, 

Eu  julgo  presentir  o  frémito  ò'uns  lábios, 
um  som  meigo  e  sauõoso,  um  echo,  a  voz  ò' Alguém 
que  Deus  chamou  a  si,  que  além,  no  ceu  existe, 
sorrinòo  para  mim  òo  mysfrioso  Além ! 

E  a  voz  que  eu  julgo  ouvir  no  lume  Òas  estrellas, 

nos  raios  òo  luar,  na  emanação  òa  flor, 

no  ciciar  òa  brisa,  o  som  que  me  inebria, 

eu  creio  •  •    vem  òo  Além  fallar  ò'um  santo  amor. 

Além ,!  ponto  òe  esp'rança  !  irraòiação  òivina  ! 
orvalho  matinal  nas  anciãs  òe  soffrer  ! 
pharol  a  illuminar  na  senòa  òa  existência 
o  pouco  que  me  resta  ainõa  a  percorrer  I 

]ulia   òe  Gusmão.  Almanach  das  Senhoras,  Lisboa,  1909, 
39."  anno),  pag.  376. 


148  Poetisas  Portuguesas 


N'UM  JAZIGO 

Ha  sauôaôes  õe  sauòaôes, 
e  são  as  mais  lancinantes  ! 
Quem  me  õera  ter  agora 
sauôaôes  que  eu  tinha  ô'antes  ! 

Ajoelhaôa  em  teu  jazigo, 
Oranôo,  pensanôo  em  ti, 
eu  sinto  enorme  sauôaôe 
ôe  sauôaôes  que  soffri. 


]ulia  ôe  Gusmão.  Almanach  das  Senhoras,  1901,  pag.  338. 


IVALDA 

(d.    ALICE    MONTEIRO   LEITE) 

D.  Alice  Monteiro  Leite  nasceu  na  ciôaôe  ôo  Porto. 

E'  filha  ôe  D.  Emilia  C.  G.  Monteiro  e  Ôe  EôuarÕo  F.  Leite, 

Seu  avô  António  Luiz  Monteiro,  natural  ôe  Coimbra  ser- 
viu como  voluntário  õa  Rainha  e  foi  um  dos  mil  e  qui- 
nhentos bravos  que  desembarcaram  no  Mindello  e  entraram 
no  Porto  com  D.  Peôro  IV. 

Pelos  seus  feitos  militares,  foi-lhe  conferiôo  pelo  aluôiôo 
monarca,  o  grau  ôe  Cavalleiro  da  Torre  e  Espada,  senôo  a 
primeira  pessoa  agraciaôa  com  tal  Ôistinção,  na  Invicta  Ci- 
dade, onôe  morreu  (exercenôo  o  cargo  ôe  tabelião),  e  está 
sepultaôo. 

Sobre  o  seu  tumulo,  ha  as  seguintes  palavras  que  foram 
escriptas  a  seu  peôiôo  : 

«Esta  viôa  Ôeixo  contente:  servi  a  minhaPatria,  ameia 
minha  gente». 


Poetisas  Portuguesas  149 

Desõe  criança,  que  D.  Alice  Monteiro  Leite  sente  pro- 
pensão pelas  letras. 

Tenòo  feito  os  seus  primeiros  estuõos  nos  melhores  co- 
légios Õo  Porto,  não  pouõe  por  falta  òe  sauõe  matricular-se 
num  curso  superior,  como  era  seu  òesejo. 

Por  outro  laõo,  seu  pae  citava-lhe,  sempre,  o  exemplo 
ôe  escriptores  morrerem  õe  fome,  em  Portugal,  e  que  ver- 
bos só  Junqueiros  os  beviam  fazer. 

Apesar  Òe  tão  juôiciosos  conselhos,  Ivalda  (tal  é  o  pseu- 
dónimo que  esta  Senhora  escolheu  para  firmar  algumas  òe 
suas  poesias  e  escriptos  em  prosa,  publicaòos  em  jornaes 
portugueses  e  brazileiros),  não  òesanimou  em  absoluto : 

«Calaòa  e  òesconsolaòa,  mais  procurava  então  viver  a 
sós  comsigo  mesma,  estuòanòo  as  obras  òo  granòe  poeta 
<Guerra  Junqueiro),  relenõo-as,  òecoranòo-as,  procuranòo 
òecifrar-lhe  os  mais  Íntimos  segreòos,  as  mais  alaòas  ins- 
pirações òo  genio>. 

Assim,  òeu  principio  a  um  poema,  que  tem  quasi  con- 
cluiôo  e  que  se  intitula :  A  Terra. 

Provanòo  que  Ivalda  aproveitou  com  a  leitura  òo  auctor 
òos  Simples  e  òa  Morte  Òe  D.  João,  òi-lo  o  seu  trabalho 
literário  a  que  me  refiro. 

Por  ser  granòe  o  trecho  que  òesse  poema  li,  não  posso, 
como  queria,  òar  òele  um  specimen.  Porém,  nas  poesias 
Semente  pequenina  e  Quero  sonhar...,  os  leitores  encon- 
trarão certa  compensação  á  falta  que  aponto. 

A  actual  guerra,  nas  suas  variaòissimas  manifestações, 
em  que  o  cumulo  òa  barbariõaòe,  òo  sofrimento  e  òa  he- 
roiciòaòe  a  caòa  passo  se  chocam,  forneceu  a  esta  ilustre 
Poetisa  e  Escriptora  tema  para  uns  curiosos  e  bem  feitos 
artigos,  que  tem  publicaòo  com  o  pseuòonimo  que  usa,  em 
vários  números  Òo  Commercio  do  Porto. 


150  Poetisas  Portuguesas 


SEMENTE  PEQUENINA 

Eu  vi  uma  semente  pequenina 
Que  sonhou  ser  na  fria  escuriôão, 
A  Flôr  gentil  —  a  Forma  peregrina 
Da  sua  concepção. 

Nasceu  a  folha.  O  Sonho  òa  semente 
Foi  crescenôo  como  ella  . .  Então  pensava 
Não  era  só  a  flôr  somente, 
Aquillo  a  que  aspirava  . . 

Mais  tarôe  a  flôr,  encerrando,  esconòiôa. 
A  pura  essência  õ'essa  aspiração, 
Fez-se  Perfume  —  foi,  n'uma  outra  viôa, 
A  luz  ò'um  sonho,  a  voz  õ'um  coração  ! 

Ivalõa.  Lisboa,  17  Òe  Setembro  Ôe  1915. 


QUERO  SONHAR.    . 

Quero  sonhar  um  sonho  tão  suave 

Como  um  beijo  õe  flôr  : 
Sonho,  em  que  o  pensamento  seja  ave ; 

Beijo,  que  seja  amor ! 

As  aves  também  sonham  quanõo  cantam 

A'  tarôe,  ao  pôr  õo  sol.   . 
Ha  trinados  õ'amor,  que  nos  encantam. 

Na  voz  õo  rouxinol ! 

E  eu  oiço  dentro  em  mim  também  um  canto 

Que  sempre  me  enamora  ; 
Que  me  õiz  o  que  ri  e  sente  e  chora 

Sem  eu  ver  riso  ou  pranto ! 


Poetisas  Portuguesas  151 


Que  me  conta  os  segreôos  òos  vallaòos, 

Os  segreôos  ò'amor.  • . 
Diz-me  se  a  ave,  voanòo  sobre  os  praôos, 

Inveja  alguma  f!ôr. . . 

Se,  ainòa  rasteira  e  humilõe,  a  hera  aspira 

A  erguer-se  para  os  céus, 
E  Õepois,  ao  mirar-se,  se  suspira 

D'amor  nos  sonhos  seus . . . 

Se  o  lyrio  ao  ver  a  abelha  ancioso. 

Tonto  òe  meõo  e  ôôr, 
Venòo-a  roubar-Ihe  o  néctar  precioso 

—  Alma  gentil  õa  flor  ! 

Se  tuòo  que  na  terra  existe  e  vive, 

Do  loôo  á  creatura 
Anceia,  sonha,  morre  e,  emfim,  revive 

Na  própria  sepultura.    . 

Diz-me  os  segreôos  que  a  natura  esconòe 

E  só  quem  soffre  vê. •  - 
Que  palpitam  na  flor,  na  ave,  e  mesmo  aonõe 

Ninguém,  ninguém  os  crê  ! 


Quero  sonhar  a  viõa  que  presinto 

Em  torno  a  mim, 
E  quero  ouvir  o  palpitar,  que  eu  sinto. 

Em  tuôo,  emfim ! 

A  viôa  tem  encantos  reservaôos 

Que  eu  quero  ter 
Com  os  meus  olhos  ô'alma,  enamoraôos 

De  tanto  vêr  ! 


Ivalõa. 


152  Poetisas  Portuguesas 


D.  AMÉLIA  JANNV 

(a    poetisa    do    MONDEGO) 

D.  Amélia  Janny,  era  natural  òe  Coimbra,  ciôaõe  onõé^ 
faleceu  a  19  Ôe  março  õe  1914,  contanòo  73  anos  õe  iòaôe. 

Desta  Poetisa  ôiz  o  senhor  Pedro  Eurico  (Pinto  Osório), 
no  seu  livro  Figuras  do  Passado,  Lisboa  1915,  pag.  210: 

«A  senhora  D.  Amélia  Janny  provém  ôe  uma  família  que 
tem  os  mais  ilustres  pergaminhos  literários,  ôe  que  poõe 
orgulhar-se  esta  vila ! '  De  uma  família,  em  que  os  ôotes 
privilígiaôos  õa  intiligencia  e  õo  talento  foram  património 
comum  ôe  toôos,  cujos  nomes  aínôa  anôam  na  memoria 
ôos  vivos  !» 

«O  Sábio  D.  Francisco  ôe  S.  Luiz  —  Carôeal  Saraiva; 
António  Correia  Calôeira,  eloquente  parlamentar  e  ôistin- 
tíssimo  homem  publico  ;  o  poeta  Luiz  Correia  Calôeira,  têm 
os  seus  nomes  inscriptos  nas  folhas  ôe  ouro  ôa  historia,  ôa 
literatura  e  ôa  politica  ôo  nosso  paiz  !> 

«Frei  Luiz  Saraiva  irmão  ôo  Carôeal,  foi  lambera  homem 
muito  inteligente  e  instruiôo  ! 

E  num  artigo  acerca  ôa  morte  õe  D.  Amélia  ]anny  ôiz  O 
Dia  Ôe  8-7-1914: 

«Ella  fazia  versos  pelo  menos,  ha  58  annos,  pois  que  aos 
14  ôa  sua  eõaôe  como  poetisa  fora  apresentaôa  a  António 
Feliciano  ôe  Castilho  em  1856,  ficanôo  ôesôe  então  consa- 
graôa,  e  senôo  Xavier  Corôeiro  o  paôrinho  ôa  apresenta- 
ção.> 

«E  foi  uma  poetisa  de  verdade,  no  sentiôo  ôe  se  restrin- 
gir ao  sentimento,  pois  que  hoje  mais  ôo  que  nunca,  se  torna 
mister  ôifferençar  entre  poetas  ôe  sentimento  e  poetas  õe 


1  PoQte  de  Lioia. 


Poetisafi  Portuguesas  153 

arie ;  e  se  aquelles  vão  passando,  ô'estes  muitos  temos  hoje, 
perfeitíssimos  na  forma,  talentosos  na  concepção,  que  en- 
tusiasmam e  recebem  incensos  õa  critica,  e  mais  ainõa  õo 
noticiário,  embora  noticiário  e  critica  por  vezes  sejam  sus- 
peitas pelas  camaraderies  òas  clientelas.  > 

D.  Amélia  Janny  tomou  parte  no  celebre  sarau  realisaõo 
no  Teatro  Académico,  em  maio  ôe  1862,  festa  em  que  esti- 
veram alem  òa  Acaòemia,  Castilho  e  Teófilo  Braga,  que  re- 
citaram versos ;  Guerra  Junqueiro  que  pela  primeira  vez 
aparecia  ante  a  Acaòemia,  e  que  também  recitou,  e  Anthero 
õo  Quental  que  leu  alguns  õos  seus  versos,  que  òepois  in- 
cluiu nas  Odes  Modernas. 

Das  Figuras  do  Passado  (pag.  215),  transcrevo  o  que  Òisse 
Castilho,  òe  D.  Amélia  Janny,  quanõo  òessa  festa,  õaõo  que 
o  auctor  ôesse  livro  extratou  òa  Conservação  Preambular 
do  D.  Jaytne,  l.a  eòição,  1862: 

«Como  que  simbolisanòo  a  Musa  òo  Monôego,  uma  gen- 
til poetisa,  veio,  nova  Sapho,  merecer  n'este  certamem  co- 
roa òe  louros  e  murtha.> 

«Ditosa  filha  òe  Coimbra  !  com  os  teus  òonosos  vinte  anos 
em  flor ;  com  a  tua  voz  suave  e  timiòa,  como  o  aroma  exa- 
laòo  òa  tua  alma  1» 

«Amélia  Janny  1  peròoa-me,  se  hoje  òiante  òo  maior  pu- 
blico, te  renovo  os  meus  aplausos.> 

Os  primeiros  versos  òe  D.  Amélia  Janny  foram  publica- 
ôos  no  n."  11  òo  Cysne  do  Mondego.  Publicou  poesias  nos 
Prelúdios  Liiterarios ;  Estreia  Literária;  Portugal  Pitto- 
resco  ;  Panorama  Photographico  de  Portugal  (jornaes  lite- 
rários òe  Coimbra) ;  Almanachs  das  Senhoras,  Luso  Brasi- 
leiro, òo  Commercw  do  Lima,  eíc,  etc. 

D.  Amélia  Janny  nunca  reuniu  em  volume  as  suas  poe- 
sias. 

Ultimamente  estava  òisposta  a  faze-lo,  ajuòaòa  pela  ilus- 
tre escriptora  e  poetisa,  a  Senhora  Marqueza  òe  Pomares, 
òesignio  a  que  a  morte  poz  termo. 

No  Brasil  e  Portugal  (essa  bela  revista  que  infelizmente 


154  Poetisas  Portuguesas 

òeixou  õe  se  publicar),  5e  1-4-1914,  escreveu  D.  Júlia  õe 
Gusmão  um  artigo  comemoranòo  o  passamento  õe  sua 
granòe  amiga  —  A  Poetisa  do  Mondego. 

AOS  ANNOS  DE  MINHA  MÃE 

A  ti,  que  òebruçaòa  no  meu  berço,         -^ 
Por  noites  Õe  amargura  e  Õe  agonia. 
Velaste,  coração  em  ôôr  submerso, 
Abrazaòa  na  febre  em  que  eu  arôia ; 

A  ti,  que  me  ensinaste  entre  mil  beijos, 
A  louvar  o  Senhor  em  caôa  aurora, 
Que  encerraste  as  esperanças  e  os  òesejos 
Em  vêr-me  alegre  e  forte  õ'hora  em  hora  ; 

A  ti,  que  òa  affeição  fazenõo  escuõo, 
Affrontaste  o  rigor  õe  atros  õestino. 
Que  ao  õeixares,  por  mim,  família  e  tuõo 
O  teu  seio  õe  mãe  soltava  um  hymno  ; 

A  ti,  ó  minha  Mãe  1  martyr  obscura. 
Que  percorreste  a  via  Õolorosa, 
Forte  õo  teu  amor,  com  mão  segura, 
A  amparar-me,  a  sorrir-me  carinhosa  ; 

A  ti,  que  eu  vejo  sempre,  se  a  õoença 
Me  entristece,  me  abate  e  curva  a  fronte, 
}unto  õe  mim,  qual  brilha  em  noite  õensa. 
Uma  estrella  surginõo  no  horisonte  ; 

Livro  em  cujas  paginas  eu  leio 

Um  poema  õe  amor  e  õe  ternura, 

Voz  —  como  outra  não  ha  — ,  seguro  esteio, 

Reprehensão  que  sorri ;  perõão  que  Oura  ; 


Poetisas  Portuguesas  155 


Olhar  em  que  se  espelha  o  affecto  immenso, 
Onõe  vão  reflectir-se  as  minhas  òôres  ; 
Abrigo  sem  igual,  luz  Ôo  que  eu  penso, 
Mystica  urna  ôe  immurchaveis  flores, 

A  ti,  no  Òia  ôos  teus  annos,  òera 
A  alegria,  que  em  prantos  consumiste, 
Os  folgueòos  õa  tua  primavera. 
Em  vez  Õa  tua  viôa  amarga  e  triste ! 


Amélia  Janny.   Fiouras  do  Passado,  por  Peõro  Eurico-, 
Lisboa,  1915,  pag.  217  e  218, 


CAMARÁ  ARDENTE 

No  luxuoso  salão  õe  purpura  forraòo, 
Avista-se  uma  urna  em  peòestal  ôoiraôo. 

Sobre  ella  onòeia  e  treme  a  chamma  òe  mil  lumes ; 
Respiram-se  no  ar  suavíssimos  perfumes  ; 

E  sobre  o  pavimento,  em  profusão  Òe  cores. 
Alastram-se  festões  Õe  peregrinas  flores. 

Em  õesalinho,  solta  a  farta  e  longa  trança, 
Suspira  ajoelhaõa  e  muribunõa  a  Esperança  ; 

E  Õefronte,  gentil  e  bello  como  a  aurora. 
Na  urna  õebruçaõo,  o  Amor  soluça  e  chora, 

E  quanõo  esmorecia  o  som  õa  résa. 
Trahiõa  a  meia  voz  Õos  lábios  õa  Tristcijfa. 

E  se  iam  apaganõo  os  últimos  clarões 
Dos  cirios  funeraes  e  õas  mortas  illusões  ; 


156  Poetisas  Portuguesas 

Então,  com  mão  febril,  fechei  o  athauõe 
Onõe  ficava  morta  a  minha  Juventude ! 

Amélia  Janny.  Figuras  do  Passado,  por  Peõro  Eurico, 
pag.  206  e  207. 


SONETO 

O  sino  repicara  alegremente 
Chamanòo  á  festa  a  gente  òo  povoaòo ; 
Para  ouvir  um  oraòor  muito  afamaòo, 
íuõo  ia  ligeiro  e  impaciente, 

Vivera  ali,  creança  e  aòolescente, 
Pelos  montes  errante,  a  guaròar  gaòc  : 
Orôenára-se  á  custa  õo  morgaõo. 
Homem  pieòoso,  bemíazejo  e  crente. 

Ficara  bom  :  nunca  esquecera  aquella, 

Que  ao  peito  seu,  tão  pobre  e  amanôo-o  tanto, 

Tanta  vez  o  levara  a  essa  capella  ! 

Sobe  ao  púlpito,  emfim,  sob  esse  encanto ; 
Mas  na  turba  só  vê  a  imagem  õ'Ella, 
E  desce,  sem  fallar,  banhaõo  em  pranto  1 

Amélia  Janny.  Almanach  das  Senhoras,  1908,  38.°  ano, 
Lisboa,  1907,  pag.  218. 


Poetisas  Portuguesas  157 


D.  GERTRUDES  FERREIRA  LIMA 

(humilde  camponeza) 

D.  Gertruões  Ferreira  Lima  era  natural  ôe  Santo  Antão, 
uma  õas  ilhas  que  no  archipelago  õe  Cabo-Verôe  formam 
o  grupo  de  Barlavento,  ao  qual  pertence  também  a  ilha  Òe 
S.  Vicente,  notável  pela  sua  magnifica  situação  geográfica, 
importantes  ôepositos  ôe  carvão  e  amplíssimo,  seguro  e 
belo  porto. 

Falar  Òe  D,  Gertruões  Ferreira  Lima  que  foi  uma  se- 
nhora muito  inteligente  e  instruiõa,  eôucaòa  no  extincto 
colégio  õas  Urselinas,  em  Coimbra,  é  recorõar  os  primeiros 
anos  Õa  infância  passaõos  na  minha  terra  natal,  nessa  al- 
cantilada e  muito  pictoresca  Suissa  Caboverdiana- 

Falar  õa  ilha  Õe  Santo  Antão,  é  trazer  á  memoria  a  bra- 
veza celebre  e  inõomita  õo  seu  mar,  que  por  vezes,  vem 
beijar  as  primeiras  casas  õa  Villa  D.  Maria  Pia  e  as  lan- 
chas que,  para  fugirem  á  fúria  õa  suas  vagas,  são  arrasta- 
õas  até  á  rua  principal  Õa  povoação. 

Falar  õo  seu  mar,  é  ainõa  lembrar  essas  gigantescas 
onõas  que,  galganõo  o  granõe  pareõão  õo  cães,  se  õesfa- 
2em,  em  altas  colunas  õa  mais  branca  espuma. 

Falar  õas  suas  tempestaões,  é  avivar  a  lembrança  õesses 
ôestemiõos  marinheiros,  tão  familiarisaõos  com  os  perigos 
õa  sua  profissão. 

Falar  õas  suas  interessantes,  e  quasi  sempre  formosas 
ribeiras,  é  recorõar  esses  singulares  e  perigosos  caminhos, 
talhaõos  nos  montes,  montanhas  e  rocheõos,  mais  aõquaõos 
a  passagem  Ôe  animaes,  que  Õe  gente,  assim  como  as  pri- 
mitivas e  simples  povoações  e  logares,  que  no  seu  percurso- 
se  encontram.  Lembrar  esses  caminhos,  é  rememorar  ver- 
õaõeiros  abysmos  em  que  a  vista  se  perturba,  e  aos  nossos 
ouviõos  chega  o  sussurro  longínquo  e  lúgubre  õo  mar  Ões- 
fazenõo-se  õe  encontro  ás  peneõias ! 

Falar  õa  Ilha  õe  Santo  Antão  õe  Cabo-Verõe  é  evocar 


158  Poetisas  Portuguesas 

as  historias  ingénuas  õe  jitecéras  e  gongons,  (feiticeiras  e 
ôuenòes),  por  mim  ouviôas  quanòo  criança. 

Falar  õa  Ilha  òe  Santo  Antão  é  registar  alguns  nomes 
ilustres  õe  seus  filhos,  como  Roberto  Duarte  Silva,  chimico,  | 
notável,  que  foi  professor  em  Paris,  onòe  era  muito  consi- 
òeraõo  ;  os  õistinctos  meõiccs  Drs.  Bernaròo  ]o£é  òe  Oli- 
veira, Joaquim  Esmeralôo  Nobre,  ]oão  Gualberto  Pinto  e 
Oliveira  Teixeira ;  o  engenheiro  Lima  ;  e  os  oficiaes  ò'ar- 
tilharia  Viriato  Gomes  õa  Fonseca  e  Luiz  Nobre  õe  Mello ; 
o  mais  jovem  õos  professores  õa  Universiõaõe  õe  Lisboa, 
Dr.  Martinho  Nobre  òe  Mello,  logar  que  alcançou  em  bri- 
lhante concurso  publico ;  o  poeta  Januário  Leite,  etc,  etc, 
não  õevenôo  também  ôeixar  õe  mencionar  os  nomes  õ'ou- 
íros  não  menos  ilustres  Caboverõianos,  como  o  Dr.  Fran- 
cisco Freõerico  Hopffer,  coronel  meõico,  e  ilustre  homem 
òe  sciencias,  Acaõemico  e  publicista ;  }osé  Maria  õe  Sousa 
Monteiro,  òistinctissimo  Acaõemico  e  escriptor,  auctor  õe 
Sonetos,  ^Poemas  Mysiuos,  O  uuto  dos  Esquecidos,  etc. ;  o 
Marquez  õe  Fontes  (Dr.  António  Maria  õe  Fontes  Pereira 
òe  Mello  Ganhaõo) ;  os  Drs.  João  Augusto  Martins  ilustre 
meõico  e  escriptor,  auctor  õo  livro  Cabo-  Verde,  Madeira  e 
Guine ;  Dr.  Freitas  e  Cosia,  Dr.  Jorge  Portella  e  Praõo. 
Dr.  Júlio  José  Dias,  Dr.  João  òe  Sousa  Machaõo  e  Dr. 
Henrique  õe  Vasconcellos,  poeta,  prosaõor  e  Õeputaõo  por 
Cabo-Verõe ;  os  oficiaes  õ'Armaòa  Christianos  José  òe 
Senna  Borcellos,  Acaõemico  e  auctor  õos  Subsídios  para  a 
Historia  de  Cabo-  Verde  e  Guine  e  Borja  õ'Araujo ;  os  ge- 
neraes  Sérvulo  õe  Paula  Meõina  e  Henrique  õ'Almeiõa 
Leite ;  José  Barbosa,  leaõer  õo  partiõo  Unionista  e  Vera 
Cruz,  1."  senaõor  por  Cabo-Verõe  ;  Simplício  João  Roõri- 
gues  õe  Brito  consiõeraòo  primeiro  pintor  òa  Corte  õo  Bra- 
zil ;  Simão  Manoel  Alves  Juliano,  cujo  ousto  figura  na  pra- 
ça òo  Comercio  õo  Rio  õe  Janeiro,  como  um  õos  benemé- 
ritos òa  navegação,  etc,  etc. 

Como  poetas  citarei  os  nomes  õe  Meõina  e  Vasconcellos  ; 
Eugénio  Tavares;  José  Lopes;  Guilherme  Dantas;  José 


Poetisas  Portuguesas  159 

BernarÕo  Alfama,  etc.  e  tantas  outras  inõiviòualiòaôes  que 
nos  vários  conhecimentos  humanos  se  teem  òistinguiôo. 

A  titulo  õe  curiosiôaõe  õou  o  nome  õe  alguns  nacionaes 
e  estrangeiros  que  se  teem  ocupaòo  õe  Cabo-Verõe  : 

João  ôa  Silva  Feijó ;  Félix  António  õe  Brito  Capello ; 
Lopes  õe  Lima,  António  AlfreÕo  Barjona  õe  Freitas  —  que 
foi  õistincto  governaõor  õe  Cabo-Verõe;  o  general  Au- 
gusto Fructuoso  Figueireõo  õe  Barros,  antigo  e  muito  ilus- 
tre secretario  Geral  õe  Cabo-Verõe,  a  quem  essa  provin- 
da muito  õeve ;  João  Carõoso  Júnior,  sócio  õas  Acaõemias 
ôas  Sciencias  õe  Lisboa  e  õe  Portugal,  auctor  õos  Subsídios 
para  a  Matéria  Medica  e  Terapêutica  das  Possessões  Ultra- 
marinas Portuguesas,  e  õas  Cryptog arnicas  das  Ilhas  de 
CaboVerde,  etc. ;  Ernesto  õe  Vasconcellos  ;  AlfreÕo  õa  Costa 
Anòraõe  ;  Chelmiki ;  Francisco  A.  õe  Varnhagen ;  Dr.  Bru- 
ner ;  Darwin ;  Dr.  SchmiÕt ;  Dampier ;  Eveleight ;  Melikon  ; 
Saint  Claire  õe  Ville ;  Stubel,  Frieõlaenõer,  etc,  etc. 

D.  GertruÕes  Ferreira  Lima  foi  uma  õas  cclaboraõoras 
5o  Almanach  Luso- Africano  para  1895;  também  publicou 
ji/arias  poesias  no  Almanach  de  Lembranças. 

SAUDAÇÃO 

Eu  vos  sauõo  magestosas  serras, 
Montes  e  valles,  verõejantes  plagas ! 
õoce  mysterio  que  na  gruta  encerras, 
perfumes  õa  tarõe,  harmonias  vagas ! 

Eu  vos  sauõo  laranjaes  floriõos 
ribeiro  manso  que  o  luar  pratea  ? 
celestes  lumes  õa  ampliõão  cahiõos 
fronõente  ramo  que  p'ra  Deus  s'altea ! 

Eu  vos  sauõo  murmurosas  aguas, 
que  meigas  falias  segreõaes  ás  flores, 
õo  peito  triste  minoranõo  as  aguas 
e  o  curtimento  õe  profunõas  õôres  ! 


160  Poetisas  Portuguesas 

Eu  vos  sauòo,  toòos  vós,  n'est'ancia, 
e,  hoje,  a  mente  n'esta  augusta  hora : 
relembra  mais  a  minha,  òôce  infância, 
prazer  suave  que  minh'alma  aôora. 

Ah !  que  sauòaõe  n'este  peito  enfermo 
òa  pobre  mãe  que  foi  gentil  e  meiga  ! . . . 
amor  õivino  que  enflora  o  ermo, 
matiz  rizonho  que  tapiza  a  veiga  ! 

Oh  !  como  sinto  um  turbilhão  ò'iòeias 
aqui  sosinha  contemplanòo  os  montes, 
Virentes  cumes,  crystalinas  veias, 
ouvinôo  meigo  o  sussurrar  õas  fontes ! 

E*  que  hoje  lembro  com  tristeza  infinòa 
riôentes  plainos,  outro  campo  bello, 
affectos  puros,  como  a  aurora  linòa, 
ou  como  òas  aves  o  cantar  singelo. 

E  vós,  perfumes  òe  manhã  festiva, 
fulgente  estrella  òe  pallôr  formoso, 
quebrae-me  as  peias  porque  sou  captiva 
levae-me  áquelle  Portugal  formoso. 

Humilde  Camponeza  (Gertruões  Ferreira  Lima).  Ahtiú 
nach  de  Lembranças^  para  1893.  pag.  214. 


ALBERTINA  DE  LUCENA 

(d.    MARIA  DE   MONTAURY  DO  NASCIMENTO) 

D.  Maria  Albertina  õe  Montaury  òo  Nascimento  nasceu  e 
Lisboa  a  6  òe  julho  òe  1879,  senòo  a  mais  nova  òos  filhí 
Peòro  Augusto  õo  Nascimento,  já  faleciòo  e  Òe  D.  Mar 
Leopolòina  òe  Oliveira  Òe  Montaury.  Por  sua  mãe,  é  âç 


Poetisas  Portuguesas  161 


ôe  Marco  António  õe  Azeveõo  Coutinho  Ramos  õe  Mon- 
taury,  senhor  ôo  morgaòo  õe  Chorozeira,  na  freguesia  õe 
Alõeiagavinha,  concelho  Ôe  Alemquer,  Fibalgo  õa  casa  5e 
El-Rei  Dom  João  V7I.  e  õe  sua  esposa  D.  Antónia  Canòiôa 
Ò'01iveira,  irmã  ôo  Senaòor  õo  Império,  òiplomata  e  mi- 
nistro ôo  Estaõo  brazileiro  —  o  granôe  matemático  Canôiôo 
Baptista  ôe  Oliveira  ;  bisneta  ôe  Marco  António  ô'AzeveÔo 
Coutinho,  moço  ôa  Camará  ôe  D.  Maria  I,  em  cuja  quali- 
ôaòe  acompanhou  a  Família  Real  ao  Brazil,  Fiôalgo  Caval- 
leiro  ôa  Casa  Real  e  ôe  D.  Catharina  Ramos  Ôa  Silva  ô'Eça, 
senhora  ôo  citaôo  Morgaôo  Ôe  Chorozeira  ;  terceira  neta  ôe 
João  Baptista  ô'Azeveôo  Coutinho  ôe  Montaury,  governa- 
ôor  ôo  Ceará  Granôe,  Tenente  General  e  Governaôor  ôas 
Armas  ôa  Corte  ôo  Rio  ôe  Janeiro,  etc;  quarta  neta  ôe  Mar- 
co Antoiio  ôe  Azeveôo  Coutinho  ôe  Montaury,  general  e 
governaôor  ôo  Rio  ôe  Serra  ;  quinta  neta  ôe  Marco  Antó- 
nio ô'Azeveôo  Coutinho,  Enviaôo  Extraorôinario  e  Ministro 
plenipotenciário  nas  Cortes  ôe  Paris  e  Lonôres,  Fiôalgo  Ôa 
Casa   Real,    Secretario  ôos  Negócios   Estrangeiros   e   ôa 
Suerra,  (o  1."  que  houve  nestas  Repartições),  e  ôe  Nicole 
:  lulie  ôu  Poeta,  Conôessa  ôe  Thiange  e  Marqueza  ôe  Mon- 
f  aury  (origem  ôos  Montaury  em  Portugal) ;  sexta  neta  ôe 
jíBartholomeu  ô'Azeveôo  Coutinho  Governaôor  ôa  Provin- 
da ôa  Beira  e  Fiôalgo  ôa  Casa  Real;  sétima  neta  ôe  Jorge 
ie  Azeveôo  Coutinho  ôe  Mesquita ;  oitava  neta  ôe  Sebas- 
ião  ôe  Lucena  ôa  Azeveôo  Coutinho,  Alcaiôe  Mór  ôe  Portel, 
I  Guarôa  Mór  ôe  Lisboa  no  tempo  ôa  peste  ;  nona  neta  Ôe 
^'asco  Fernanôes  Ôe  Lucena,  Alcaiôe  Mór  ôe  Pernambuco. 
Em  homenagem  á   varonia  ôa  casa  ôe  sua  mãe,  que  é 
ucena,  é  que  D.  Maria  Albertina  ôe  Montaury  ôo  Nasci- 
lento  usa  o  pseuôonimo  ôe  Albertina  de  Lucena.  Pela  casa 
li  Chorozeira    esta  Senhora  entre  outros  antepassaôos 
;;istres,  conta  a  Mathias  Ayres  Ramos  ôa  Silva  ô'Eça,  que  na 
ia  qualiôaôe  ôe  Familiar  ôo  Santo  Oficio,  protegeu  muito 
infeliz  António  José  ôa  Silva,  o  judeu,  poeta  satírico  no- 
vel e  a  ultima  victima  ôa  inquisição  em  Portugal. 

11 


162  Poetisas  Portuguesas 


D.  Albertina  de  Lucena  tem  colaboraôo  na  Nação,  òe  qi 
é  muito  ilustre  Director  o  apreciado  Jornalista  Sr.  Joãií 
Franco  Monteiro,  que  teve  a  amabiliôaòe  òe  me  íornecg 
estes  elementos,   nos  Echos  da  Avenida,  na  Semana  lllui 
irada,  e  no  Almanach  de  Lembranças. 

Durante  õois  anos,  D.  Albertina  de  Lucena  teve  um  jo» 
nalsinho  que  era  unicamente  escripto  por  ela :  a  principie 
feito  á  mão,  òepois  em  copiografo.  O  Vigilante  se  intitU' 
lava  esse  curioso  semanário. 

Os  seus  primeiros  versos  õatam  òos  òesasete  anos. 

^  ]Á  TARDE 

Encontraram-se  um  òia  n'uma  estraõa 
Dois  pobres  que  se  haviam  conhecido 
Em  tempos  õe  ventura ;  hoje  sem  naòa 
Choravam  tobo  o  bem  que  era  perõiõo. 

Passa  o  Destino,  e  olhanòo-os  òesòenhoso 
Ergue  a  voz,  com  solemne  magestaòe 
Dizenòo-lhes :  —  «Sou  eu  o  Poderoso 
Que  esmaga  a  mais  indómita  vontade. 

«Eu  fiz  de  vós,  quem  éreis,  e  quem  sois  ; 
De  felizes,  tornei-vos  desditosos  ;   .  » 
Os  velhinhos  olharam-no,  e  os  dois 
Apertaram-se  as  mãos  silenciosos 

«Eu  sei  que  fui  cruel,  despiedado; 
Dizei  hoje,  uma  vez,  o  que  é  que  quereis ; 
Sou  clemente,  farei  que  o  vosso  fado 
Inda  possa  mudar,  pedi,  vereis  !> 

Mas  os  pobres,  serenos,  alheiados. 
Apenas  levaram,  cheios  d'espanto. 
Os  olhos  para  o  Céu ;  tristes,  pezados 
Uns  olhos  todos  magua,  todos  pranto. 


Poetisas  Portuguesas  163 

E  o  Destino  insistiu  :  —  «Então,  peõi ! 
Serei  o  vosso  pai,  bem  tarôe,  embora». 
Elles  então  òisseram  :  —  Pai,  parte 
E  tarõe  já  ;  ôeixai  chorar  quem  chora  !> 

Albertina  õe   Lucena.  Novo  Almanach  de  Lembranças, 
para  1917,  pag.  148. 


BERTHA  LUPI 

Apesar  òe  não  ter  obtiòo  a  tempo,  os  elementos  òe  que 
carecia  para  poõer  fazer  mais  õetalhaõamente  a  biografia 
besta  illusíre  Poetisa,  não  quiz  õeixar  õe  incluir  o  seu  nome 
sntre  os  ôas  Senhoras  que  cito. 

1  D.  Dertha  Lupi  é  uma  ôas  Damas  que  tem  escripto  na 
^agina  Feminina  que  o  iJiar.o  Nacional  publica  ás  5." 
eiras. 

í;  Entre  muitas  outras  Senhoras,  teem  colaboraòo  em  prosa 

í' verso,  nessa  interessante  pagina  literária  e  artística,  õe  que 

[í  ôirector  o  Dr.  Annibal  Soares :  D.  Domitilla  õe  Carvalho, 

5).  Branca  õe  Gonta   Colaço,  D,  Maria  õe  Carvalho,  D. 

\ecia  Mousinho  õe  Albuquerque,  D.  Maria  Leonor  Reis, 

;>.  Alice  Monteiro  Leite,  D.  Albertina  Paraizo,  D.  Canõiõa 

yres  õe  Magalhães,  D.  Elisa  Baptista  õe  Sousa  Peõroso, 

'.  Maria  Magõalena  Trigueiros  õe  Martel,  Marqueza  õe 

io  Maior,  D.  Isabel  õ'Ornellas,  Conõessa  õe  Vinho  e  Al- 

■  eòina,  D.  Maria  Emília  Telles  õa  Silva,  D.  Maria  Õe  Len- 

istre  (Alcáçovas),  e  D.  Maria  õe  Sampaio  Forjaz  õe  Tri- 

ueiros. 

DISTRAHIDA 

Oiço  ás  vezes  Õizeres  agastaõo 
Que  sou,  sem  ter  emenõa,  Õistraiõa ; 
Que  vivo  em  munõo  á  parte  e  ignoraõo 
Em  terra  que  te  é  õesconheciõa. 


i 


164  Poetisas  Portuguesas 

Que  tenho  sempre  o  espirito  afastado 
De  tuòo  o  que  me  cerca,  aborreciòa, 
Com  o  pensamento  em  mim  só  concentraõo. 
Distante,  alheia  ás  coisas  ò'esta  viõa. 

Talvez  tenhas  razão,  talvez  a  õôr 
De  ver  tanta  malòaõe  sem  remeõio  — 
Me  traga  ao  coração  este  amargor. 

Talvez  eu  queira  então  no  meu  torpor. 
Fugir  Õo  munòo  que  me  causa  teõio 
E  viver  só  meu  sonho  toòo  amor. . . 

Dertha  Lupi.  Pagina  Feminina,  5o  Diário  Nacional,  }k 
2-2-1917. 


-I 


1 


AO  ESPELHO  CRUEL 

Por  ti,  ó  espelho,  eu  tinha  antigamente 
Uma  paixão  pueril  e  orgulhosa, 
Queõava-me  esqueciõa  em  tua  frente 
Horas  sem  fim  a  contemplar- te,  ociosa. 

Acreditava  então  òe  boa  mente 
Que  eras  sincero  e  a  sorrir  venturosa, 
Só  a  ti  aõorava  ingénua  e  crente 
Como  enlevaòo  quer  a  artista  á  rosa. 

E  agora,  agora.   .  Como  foi  não  sei. 
Que  se  acabou  a  minha  fé  em  ti 
Que  ò'antes  eras  meu  prazer  e  lei ! 

Muôa|ste  tu,  ou  fui  eu  que  muõei  ? 
Se  eií  nunca  em  minha  viõa  te  menti 
Porque  mentias  no  que  acreditei  ? 

Dertha  Lupi.   Pagina  Feminina,  Òo  Diário  Nacional, 
15-3-1917. 


Poetisas  Portuguesas  165 


D.  CLORINDA  MÁXIMA  DE  MACEDO 

Senòo  os  dicionários  portugueses  ò'um  granõe  laconismo 
10  tocante  a  biografias  ôe  Senhoras  Portuguezas,  falta  que 
)rincipalmente  se  nota  acerca  Òas  que  viveram  num  pe- 
ioôo  relativamente  moòerno  (não  quero  já  falar  òas  bio- 
jrafias  õe  muitas  Senhoras  contemporâneas  òistinctas,  so- 
)re  as  quaes  naõa  òizem),  tem-se  me  tornaõo,  por  vezes, 
)astante  arõua  a  tarefa  Ô'obter  elementos,  que  me  permi- 
am  escrever  algumas  linhas  referentes  a  õeterminaõas 
'oetisas  òe  que  trata  este  livro. 

Assim,  òe  D.  Clorinòa  Máxima  òe  Maceõo,  sei  apenas, 
ue  õatava  bo  Porto  muitas  Òas  suas  proòuções  que  foram 
ublicaòas  em  vários  aimanachs  e  jornaes,  taes  como :  O 
^erilampo,  etc.  e  que  em  1878  publicou  um  volume  òe  ver- 
3S  intitulaòo  Sombras,  prefaciaòo  por  Gomes  Leal. 
!  Do  valor  òesses  versos  avaliarão  os  leitores  pela  poesia 
Ue  apresento. 

UM  QUADRO 

Quanòo  o  sol  vae  a  sumir-se 
alem  Ò'aquelle  pinhal. . . 
e  o  rouxinol  vae  carpir-se 
nos  ramos  ôo  salgueiral ; 

quanòo  alta  vaga  espumosa 
vem  junto  á  rocha  quebrar 
e  que  escuta  a  voz  sauòosa 
ôo  bronze  chamanòo  a  orar 

quanòo  a  estrella  vespertina 
fulgura  no  céu. .  •  além • 
e  por  Òe  traz  òa  coUina 
se  eleva  a  lua  também     . 


166  Poetisas  Portuguesas 

eu  sinto  elevar-me  a  mente 
ao  seio  õo  creaòor, 
ante  esse  quaòro  imponente 
ôe  poesia,  paz  e  amor ! 

Prostrada,  então  curvo  a  fronte 
aos  pés  õ'esse  immenso  altar, 
que  tem  por  tecto  —  o  horisonte  ; 
por  órgão  —  a  voz  õo  mar  ; 

a  luz  Òa  lua  —  por  cvrios  ; 
o  puro  céo  —  por  missal 
e  o  branòo  aroma  ôos  lyrios 
—  por  incenso  perennal ! 

E  assim  —  minha  alma  esqueciòa 
òo  peso  òa  negra  cruz, 
ascenòe  ôe  novo  á  viõa . . . 
tem  esperanças,  crença  e  luz  ! 

Clorinõa  Máxima  òe  MaceÔo.  Sojnbras,  Porto,  1878,  pa 
123  a  125. 


D.  ALDA  GUERREIRO  MACHADO 

D.  AlÒa  Guerreiro  MachaÒo  nasceu  em  S.  Thiago  ôe  C 
cem,  onôe  resiôe  actualmente. 

E'  filha  ôe  D.  Catharina  Maria  F.  Guerreiro  e  ôe  Mam 
Ôo  Espirito  Santo  Guerreiro,  que  foi  um  entusiasta  pe 
artes.  Cultivou  como  verôaôeiro  artista  a  pintura  ôe 
ôeixou  certo  numero  ôe  boas  telas. 

Tenôo  D.  Alôa  Guerreiro  Machaôo  siôo  eôucaôa 
seus  pães  na  veneração  ôas  granôes   obras  ôe  toôo! 
géneros,  foi  ôesse   moôo  que  se  lhe    ôespertou  o  g( 
pela  poesia,  a  que  ôe  preferencia  se  fem  ôeôicaôo. 


Poetisas  Portuguesas  167 

A  causa  ôa  instrução  popular  merece  lambem  especial 
atenção  a  esta  Poetisa,  que  por  meio  õe  artigos  e  òo  ensino 
tem  tentaôo  combater  o  analfabetismo. 

As  poesias  Õ'esta  Senhora  acham-se  õispersas  em  varias 
revistas,  em  jornaes  5a  província  e  na  Encyclopedia  das 
Famílias,  curioso  mensario  que  já  conta  31  anos  ôe  exis- 
tência e  òe  que  é  proprietário  o  sr.  Manuel  Lucas  Tor- 
res. 
D.  Alôa  Guerreiro  Machaôo  é  auctora  õuma  bela  serie 
,;  Õe  sonetos  sobre  Fiouras  Históricas  Portuguesas,  proòu- 
%■  ções  que  estão  íneõitas, 

1^     Por  esse  motivo  e  por  constituirem  um  género  ôe  poesia 
"t  pouco  cultivaõo  em  Portugal,  é  tanto  maior  a  minha  satis- 
fação em  poòer  publicar  nesta  Antologia  quatro  ôessas  mi- 
mosas composições  poéticas. 

Ao  contrario  Ôo  que  tem  feito  esta  Senhora,  que  se  ocu- 
pa exclusivamente  ôe  Figuras  d'Outrora,  D.  Mecia  Mousi- 
nho ôe  Albuquerque,  D.  Emilia  Maia  e  D.  Branca  ôe 
Gonta  Colaço,  teem  tomaôo,  por  vezes,  para  tema  Ôe  al- 
gumas ôe  suas  poesias,  Individualidades  históricas  d'aciuali- 
dade. 

A  publicação  ôesses  sonetos,  em  volume,  será  uma  iôeia 
feliz,  que  fará  reviver  muitos  nomes  ilustres  Ôa  Nossa  His- 
toria Pátria. 

SAUDADE 

Sauôaôe,  paixão  ô'alma  amarga  e  triste 
Complemento  ôo  amor  nasce  ôa  ausência. 
Floresce,  vive,  cresce  e  fina  essência 
Exala ;  acre  e  subtil  só  na  alma  existe. 

E'  ôôr  que  tem  ôoçura  ;  ela  consiste 
N'um  afecto  que  abrange  uma  existência. 
Se  um  coração  prenôeu  com  violência 
Ao  soffrer  Ôesse  mal  ninguém  resiste. 


168  Poetisas  Portuguesas 

Quem  não  soífreu  um  õia  essa  amargura 
Que  òa  recorôação  sempre  se  evola  ? 
Ninguém  busca  fugir-lhe  era  loucura. 

Sauôaòe  é  flor  mimosa,  e  na  corola 
O  gérmen  se  encerrou  õa  desventura 
E'  uma  õôr  que  mata  e  nos  consola  ? 

Alõa  Guerreiro  Machaõo, 


D.  HENRIQUE 

(l.-tEDlTO» 

Era  um  sábio  o  infante !  lõéias  arrojaòas  ! 
Um  sábio  e  um  heroe !  A  fronte  pensativa 
Austera,  nobre  e  grave,  alevantava  altiva 
Na  sombria  altivez  ôas  almas  inspiraòas. 

Quinhentos  annos  ha  !  Nas  rochas  escarpadas 
De  Sagres,  julgo  ver- lhe  a  sombra  fugitiva! 
—  Deu  nome  a  Portugal !  Foi  sua  iniciativa 
Sondar  a  vastidão  das  aguas  aniladas. 

A  sua  vista  d'aguia,  o  sol  do  seu  olhar, 
O  mundo  illuminou ;  rompeu  os  nevoeiros 
Que  envolviam  então  as  terras  d'alem-mar. 

Navegador  audaz,  primeiro  entre  os  primeiros 
Trabalhou  e  venceu  e  poude  triumphar, 
N'este  pais  de  heroes,  Nação  de  Marinheiros ! 

Alda  Guerreiro  Machado. 


Poetisas  Portuguesas  169 


NUNO  ALVARES 

(inédito) 

Cheio  ôe  misticismo  em  meio  ôo  acampamento, 
Alevantanôo  o  olhar,  Nuno  Alvares  fitava 
O  sèu'stanõarte  branco  a  balouçar  ao  vento ! 
De  súbito,  porem,  com  altivez  braõava  : 

Por  S.  ]orge !  E  cinginõo  á  cinta  o  armamento, 
No  anceio  õe  combater,  o  pendão  que  alvejava 
Revia  enterneciõo  inõa  por  um  momento, 
Partinõo  após,  correnõo,  á  guerra  que  o  tentava. 

)eu  exemplo  Òe  arrojo  ás  hostes  lusitanas, 
lonseguinòo  vencer  as  tropas  castelhanas  ! 
:m  campanhas  viveu  !  Guerreiro  infatigável ! 

las  um  õia  òeixou  a  espaòa,  o  elmo,  a  cota, 
^estiu-se  òe  burel,  o  heroe  õ'Aljubarrota 
foi  morrer  n'um  claustro,  o  Santo  Conòestavel  1 

)a  Guerreiro  MachaÕo. 


DUARTE  D'ALMEIDA 

(inédito) 

Na  batalha  õe  Toro  a  gente  portugueza 
Cairá  berrotaòa.  O  alferes-mor  então 
N'um  rasgo  òe  inergia  e  não  vulgar  braveza, 
N'um  esforço  supremo,  ergueu  o  pavilhão. 

l       Uma  lança  contraria  apanha- o  ôe  surpresa, 
ií ,      Certeira  vem  ò'um  golpe  e  arrebatou-lhe  a  mão. 
Mas  não  caiu  em  terra  á  mingua  ôe  ôefêsa 
O  penôão  nacional ;  em  meio  ôa  confusão. 


170  Poetisas  Portuguesas 

Inôiferente  á  ôôr,  levanta-a  novamente, 

Na  mão  esqueròa,  firme,  esse  heróico  solòaòo, 

Um  novo  golpe  a  corta,  e  a  resistir,  ardente, 

Entre  a  gente  que  o  fere,  então  arrebatado. 

Nos  Dentes  a  prenòeu,  cainõo  finalmente  ! 

E  á  pátria  veiu  morrer  õe  fome  . .  <o  õecepaõo  !» 

AlÕa  Guerreiro  Machaôo. 

• 

EGAS  MONIZ 
(inédito) 

Do  Portugal  antigo  um  nobre  cavaleiro 
De  nome  Egas  Moniz,  um  vulto  glorioso, 
Simbolo  õe  honradez,  fiel  e  generoso. 
Rebrilha  ainôa  hoje  e  impôe-se  ao  munôo  inteiro. 

Cercado  o  nosso  rei  em  sitio  traiçoeiro 
Pelo  rei  de  Leão   -  um  homem  valoroso. 
Vassalo  dedicado,  altivo  e  corajoso 
Escravo  do  dever,  leal  e  verdadeiro. 

Tinha  a  Affonso  VII  a  palavra  empenhada 

Por  Affonso  primeiro ;  e  ao  vê-la  assim  quebrada 

Por  decisão  d'el-rei,  que  julga  humilhação 

A  clausula  que  impôz  o  reino  de  Leão, 
Com  filhos  e  mulher,  partiu  de  animo  forte. 
Caminho  de  Toledo,  a  oferecer-se  á  morte ! 

Alda  Guerreiro  Machado. 


D.  EMÍLIA  ADELAIDE  MONIZ  DA  MAIA 

D.  Emilia  Adelaide  Moniz  da  Maia  nasceu  no  Rio  de  Ja- 
neiro em  1848,  sendo  portuguesa  pelo  facto  de  ter  casado 
em  Portugal,  com  José  Rufino  Moniz  da  Maia  que  falecei 
em  1899,  no  posto  de  general. 


Poetisas  Portuguesas  171 

Contanõo  esta  Senhora  apenas  quinze  anos  ôe  iôaòe, 
apareceu  publicada  na  Revista  Popular,  ôo  Rio  õe  Janeiro 
(pag.  251),  uma  poesia  sua,  intitulaòa  Supplica,  que  mereceu 
òos  poetas  brazileiros  òessa  época,  e  òe  Carlos  José  õo  Ro- 
sário, escriptor  e  proprietário  ôa  citaõa  revista,  as  mais  hon- 
rosas referencias. 

D.  Emilia  Maia  é  não  só  uma  poetisa  ôistincta  como  ainòa 
uma  Senhora  muito  caritativa. 

Não  posso  esquivar-me  ao  prazer  ôe  citar  alguns  factos 
por  onòe  se  poôe  aquilatar  Ôos  seus  botes  ôe  coração  e  es- 
pirito. 

Assim,  em  26  Ôe  março  ôe  caôa  ano,  comemoranôo  a  ôata 
em  que  nasceu  seu  mariôo,  ôá  lím  boôo  a  12  viuvas  po- 
bres ;  no  mesmo  Ôia  costumava  também  manôar  ôistribuir 
no  quartel  õe  caçaôores  2,  onôe  seu  esposo  começou  a  car- 
reira militar,  como  aspirante,  um  premio  ôe  12  mil  reis,  Ôes- 
tinaôo  ao  solôaôo  melhor  comportaôo,  recompensa  que, 
pela  extincção  Ôesse  regimento,  é  actualmente  ôaôa  no  ôe 
Infantaria  2. 

Esta  Poetisa  é  auctora  Ôos  seguintes  trabalhos  literários: 
Fleurs,  obra  em  francez  publicaôa  em  1878 ;  .4.*  sete  pala- 
vras de  Nosso  Senhor  Jesus  Christo,  1916,  folheto  ôestinaôo 
a  um  fim  ôe  cariôaôe,  bem  como  Angelus.  livro  ôe  poesias 
ineôitas  que  tem  no  prelo ;  Trenas,  volume  ôe  versos  apare- 
ciôo  em  1912,  (ao  qual  se  referiram  em  termos  muito  elogio- 
sos, A  Nação,  ôe  27-4-1913;  O  'Bia,  Ôe  19  e  23-8-1913  e 
os  Echos  da  Avenida,  ôe  6-4-913) ;  parte  ôa  eôição  Oeste  li- 
vro ofereceu- a  sua  auctora  ás  pessoas  ôas  suas  relações, 
tenôo  siôo  a  outra  parte  venôiôa  no  Brazil ;  com  o  proôucto, 
comprou  D.  Emilia  Maia  um  enxoval  que  ofereceu  a  uma 
órfã  nasciôa  e  batisaôa  na  sua  freguesia  natal,  Candelária. 

D.  Emilia  Maia  foi  uma  ôas  Senhoras  que  escreveu  no 
semanário  A  Voj  Feminina,  funôaôo  em  1868,  e  que  teve 
por  colaboraôoras   D.  Marianna  Angélica  ô'Anôraôe,  D 
Guiomar  Torrezão,  etc. 

No  Almanach  das  Senhoras,  ha  muitas  proôucções  poe- 


172  Poetisas  Portuguesas  t|i 

ticas  òesta  ilustre  Dama,  mãe  õo  actor  Fernanòo  Maia,  ge- 
rente Ôo  teatro  õe  D.  Maria,  e  que  faleceu  bem  novo,  quanòo 
tuõo  lhe  fazia  prever  um  futuro  glorioso. 

A'  muita  amabiliòaòe  besta  ilustre  Poetisa  òevo  a  ce- 
dência õo  precioso  autografo  õo  granõe  poeta  brazileiro 
Gonçalves  Dias,  o  qual  com  o  maior  õesvanecimento  torno 
conheciõo. 

E'  bem  singela  a  narração  õo  facto  que  õeu  origem  a 
que  este  Poeta,  quanõo  õa  sua  estaôa  em  Lisboa,  tivesse 
enviaõo  ao  pae  õe  D.  Emilia  Maia,  a  carta  que  reproõuzo. 

Senõo  esta  Senhora,  uma  fervorosa  aõmiraõora  õo  auctor 
õos  Primeiros  Cantos  e  Õos  Segundos  Cantos  (vem  aqui  a 
propósito  õizer  que  na  primeira  õas  obras  citaõas,  se  en- 
contra a  conheciõa  poesia  Minha  terra  tem  palmeira .,  com- 
posta em  Coimbra  em  1843,  e  que  tão  celebre  se  tornou 
em  Portugal  e  no  Brazil),  escreveu  uma  poesia  intitulaõa 
Americana  que  õeõicou  a  Gonçalves  Dias,  que  responõeu 
com  a  carta  referiõa  e  com  uma  poesia,  Emilia,  que  poõe 
ler- se  a  pag.  430  õas  Obras  Posthumas  Õe  Gançalves  Dias, 
compilaõas  por  António  Henrique  Leal  (São  Luiz  õo  Ma- 
ranhão 1868). 

D.  Emilia  Maia,  é  igualmente  uma  traõuctora  õistincta, 
como  os  leitores  verão  pelo  soneto  Santa  There^a  de  Jesus. 

Ao  evocar  o  nome  õo  granõe  lirico  Gonçalves  Dias,  tão 
precocemente  faleciõo,  vem-me  naturalmente  á  memoria 
os  nomes  õessa  pleiaôe  brilhantíssima  õe  poetas,  juris- 
consultos, romancistas,  historiaõores  e  críticos  que  o  Bra- 
zil possue,  taes  como :  Casimiro  õ'Abreu,  Alberto  õe  Oli- 
veira, Olavo  Bilac,  Raymunõo  Corrêa,  Machaôo  Õe  Assis, 
Fagunões  Varella,  Junqueira  Freire,  Alvares  õ'AzeveÕo, 
Mário  Artagão,  Luiz  Guimarães,  Fontoura  Xaxier,  Riiy  Bar- 
bosa, ]osé  õe  Alencar,  Bernarõo  Guimarães,  Aluizio  õe 
Azeveõo,  Affonso  Celso,  D.  Júlia  Lopes  õe  Almeiõa,  D. 
Aõelina  Lopes  Vieira,  Ccelho  Netto,  Lúcio  õe  Menõonça, 
Graça  Aranha,  Sylvio  Romero,  Tobias  Barreto,  José  Veris- 
simo,  Clóvis  Bevilacqua,  EucliÕes  õa  Cunha,  etc,  etc. 


Poetisas  Portuguesas 


173 


V_ 


174  Poetisas  Portuguesas 


DOR  SUPREMA 

Na  estraòa  solitária  o  arvoreòo 
enlaça  as  ramas  como  verõe  manto. 
Entre  as  folhas  occulta,  triste  canto 
gorgeia  a  tutinegra  quasi  a  mêõo. 

O  ceu  nublaòo  õe  um  aspecto  treõo 
vae  orvalhanòo  a  terra  com  seu  pranto : 
em  carreira  veloz  passa  entretanto 
carro  que  leva  sepulchral  segreòo  . . 

Bem  uniòas  na  ôôr,  n'um  só  gemiòo, 
òuas  mulheres  vão  n'aquelle  Horto 
guarôanõo  o  seu  thesouro  enternecibo : 

Uma  ò'elias  em  funõo  òesconforto 
como  a  Mãe  ôe  Jesus :  em  pranto  ungido, 
leva  nos  braços  o  seu  filho  morto  ! 

Emília  Maia.  Penas,  Lisboa,  1912,  pag.  70. 


O  AMOR  DE  DEUS 

<TRAnUCÇÃO  DE  UM  SONSTO  DS  S.ta  thEREíA  DE  JESiS; 

Eu  não  vos  amo  meu  Deus,  por  esperar 
O  goso  que  me  tenôes  promettiòo. 
Não  me  move  o  inferno  tão  terniõo. 
Para  que  eu  õeixe  por  isso  Òe  pecar, 

Mas  move-me  tão  somente  o  contemplar, 
Pregaõo  n'uma  cruz,  escarnecido, 
O  teu  corpo  õesnuòo  e  tão  feriôo, 
E  a  angustia  mortal  òo  teu  olhar ! 


r^ 


Poetisas  Portuguesas  175 


Move-me  emfim,  teu  amor  õe  tal  maneira 
Que  sem  mesmo  haver  Ceu  eu  te  aõorara 
E  sem  haver  inferno  eu  te  temera ; 

Que  pelo  teu  amor  tuôo  perõera, 
E  se  o  goso  que  espero  não  sonhara, 
Com  o  mesmo  afan  minh'alma  te  quisera. 

Emilia  Maia. 


MEU  DEUS,  MEU  DEUS,  PORQUE 
ME  ABANDONASTE? 

IV 

No  Ociòente  o  sol  já  se  esconôia 
E  Christo  sobre  a  Cruz  abanòonaôo, 
Divagava  o  olhar  angustiaòo, 
Pela  turba  que  o  escarnecia. 

A  formosa  cabeça  lhe  penôia 
Sobre  o  peito  ôe  chagas  consteiraôo, 
E  òe  ôôres  cruéis  atormentaõo, 
N'uma  angustia  mortal,  estremecia. 

Ergue-se  o  peito  nas  vascas  òa  aíflicçãO' 
E  fica-se  em  õolorosa  contracção 
Como  um  lyrio  penòiòo  sobre  a  haste. 

E  n'essa  soliôão  perõenòo  a  vi&a, 

Ao  Pae  invoca  em  voz  amorteciõa  : 

«Meu  Deus,  meu  Deus,  porque  me  abandonaste  ?  !» 

Emilia  Maia.  Ás  Sete  palavras  de  Nosso  Senhor  Jesus 
iristo  no  Calvário,  Lisboa,  1916. 


176  Poetisas  Portuguesas 


D.  CÂNDIDA  AVRES  DE  MAGALHÃES 

D.  Canòiõa  Ayres  5e  Magalhães  é  filha  ôe  D.  Maria  £)• 
Carmo  Vaz  ôe  Carvalho  e  òo  coronel  õe  Cavalaria,  socii 
õa  Acaòemia  õas  Sciencias  õe  Lisboa  e  ilustre  poeta  e  pro 
saòor  Christovam  Ayres  õe  Magalhães  Sepúlveda,  o  notí 
vel  auctor  õa  Historia  do  Exercito  Português  (14  volumet 
e  õe  muitas  outras  obras  õe  real  valor,  õe  que  tratare 
quanòo  noutro  tomo,  continuação  õesta  Antologia,  me  oo) 
par  Õos  Poetas  Consagrados. 

D.  Canõiõa  Ayres  õe  Magalhães  que  é  sobrinha  Õa  muft 
notável  escriptora  Sr.^  D.  Maria  Amália  Vaz  õe  Carvall» 
publicou  os  seus  primeiros  versos  em  1906,  na  Illustraçi 
Portuguesa,  onõe  também  escreveu  umas  curiosas  poes| 
sobre  õitas  infantis. 

Tem  ainõa  colaboraõo  na  Revista   Transmontana,  Jon 
da  mulher,  e  Diário  Nacional,  e  sobretuõo,  na  Águia, 
gão  literário  õa  Renascença  Portuguesa.  Nessa  bela  revijf 
portuense,  publicou  esta  ilustre  Poetisa  alguns  capitu|| 
õ'um  trabalho  (por  concluir),  e  que  pelo  seu  lirismo  e 
lesa  õe  forma,  lembram  bastante  as  poesias  õe  Uma 
mavera  de  Mulher,  e  õas  Vo^es  do  Ermo. 

Figura  também  no  livro  In  õMemoriam,  em  que  escrevi 
ram  õistinctas  escriptoras  e  escriptores,  e  que  foi  õeõica? 
pelo  sr.  Christovam  Ayres,  a  seu  filho  José  Vaz  õe  Caní 
lho,  o  soneto  Risopara  os  outros,  que  incluo  nesta  colec^ 

D.  Canõiõa  Ayres  õe  Magalhães  faz  versos,  õesõe  p' 
quena. 

No  'Brasil  e  Portugal  Õe  1914,  n'um  artigo  escripto  p( 
D.  Maria  0'Neill  acerca  õo  auctor  Õa  Historia  da  CavalU 
ria  'Portuguesa,  achei  O  seguinte  curioso  pormenor  reí» 
rente  a  sua  filha  D.  Canõiõa : 

No  colégio  õas  Francesinhas  õe  São  Luiz,  onõe  a  aucto: 
õos  Nimbos,  conheceu  aos  nove  anos  D.  Canõiõa  Ayn 
õe  Magalhães,  via-a  sempre,  com  os  bolsos  õo  bibe  chei( 
ôe  versos. 


Poetisas  Portuguesas  177 


RÍSO  PARA  OS  OUTROS 

Puòe  entrar  n'esse  quarto  onõe  morrias 
amanòo  a  Viòa !   •    O  teu  olhar  buscava 
lêr,  em  quem  Ôo  teu  leito  se  abeirava, 
que  não  era  õe  morte  o  que  sentias. . . 

E  quanôo,  ainôa  a  fallar,  já  não  sorrias, 
porque  essa  luz  na  Morte  se  apagava. . 
eu  puòe  rir. .  n'um  riso  que  emballava 
A  illusão  em  que  tu  aòormecias     . 

E  rio  ainòa. . .  e  já  te  vi  morrer ! 
E'  que  na  viõa  o  riso  é  um  òever  : 
(causar  tristeza  aos  outros  faz  remorso. . .) 

Depois. . .  choro  baixinho  e  ás  escuras, 
a  Òescançar  õo  riso  em  que  me  esforço 
por  esconôer  tão  funõas  maguas  ! 

Canôiôa   Ayres  Ôe  Magalhães.   Almanach  Illustrado  (õa 
'arceria  Pereira),  para  1912,  pag.  64. 


MOCIDADE... 

Não  ter  amor,  esperança  ou  fé  que  alente 
Não  ter  sequer  um  bem  que  nos  sorria, 
nem  consolo,  nem  paz. . .  e  não  ter  guia 
na  viõa  que  promette  e  assim  nos  mente ; 

Sentir  ôentro  õe  nós,  sempre  gemente, 
o  coração  faminto  õa  alegria, 
como  um  cego  que  pela  luz  ôo  ôia 
viva  a  chorar  na  sua  noite  ingente  ; 

Braõar,  erguenõo  os  braços  para  a  Morte  :  — 

<—  Em  ti  conhecerei  quem  me  conforte, 

«Oh !  leva  quem  não  Õeixa  uma  sauõaõe. .   > 

12 


178  Poetisas  Portuguesas 

E  volver-nos  ôe  longe  a  Morte :  <  -  E'  ceõo !» 
«E's  moço,  ainõa  cumpre  o  teu  õegreòo  !» 
Para  quantos  é  isto  a  Mociòaõe. .  • 

Canõiòa  Ayres  òe  Magalhães.  Pagina  Feminina,  ôo  Z)í| 
rio  Nacional,  ôe  18-1-1917. 


LAGRIMAS 
(EPiCRAPHE  DO  LIVRO  Lagrimos) 

«In  Memoriam»  de  meu  irmão  o  Dr  José  Vjf  de  Carvalh 
Ayres  de  Magalhães 

I 
Não  ha  na  terra  lagrimas  mais  santas, 
nem  mais  abençoaòas, 
õo  que  essas  tristes  lagrimas  pieòosas 
que  choravam  por  nós  olhos  amigos.  • . 
Por  isso  é  que  os  Antigos 
—  almas  videntes,  almas  religiosas 
que  por  òivino  instincto  se  guiavam, 
depunham  com  fervor  e  com  ternura 
òentro  òa  sepultura, 
que  ia  esconder  aos  sofíregos  olhares 
esse  alguém  que  partia, 
um  vaso  Òe  crystal  que  recolhia 
as  lagrimas  em  fio 
õos  que  ficavam  na  desolação.  ■  • 
E  a  doce  fé  deixava-lhes  suppor 
que  essas  lagrimas,  symbolo  e  expressão 
da  saudade  e  do  amor, 
iam  servir  de  eterna  companhia 
na  eterna  solidão. . . 

Cândida  Ayres  de  Magalhães. 


Poetisas  Portuguesas  179 


SAUDADE 

A  sauõaôe  começa  no  momento 

em  que  a  gente  já  sabe  que  não  oura 

o  bem  que  nos  seòuz  ; 

e  í>a  própria  sauòaôe  sae  a  luz 

que  embelleza  essa  hora  fugiõia, 

e  ôá  encanto  a  tuõo  em  que  tocar, 

como  a  belleza  triste  òo  luar 

como  a  sauòosa  luz  òo  fim  ôo  Ôia     . 

Canôiõa  Ayres  òe  Magalhães.  Pagina  Feminina,  òo  Dia- 
o  Nacional,  òe  1-3-1917. 


D.  MARIANNA  ANTÓNIA  PIMENTEL 
MALDONADO 

D.  Marianna  Antónia  Pimentel  Malòonaòo  nasceu  em 
Lisboa  em  1772  ou  1774  e  faleceu  em  1855. 

Esta  Senhora  era  irmã  òe  3oão  Vicente  Pimentel  Malòo- 
naòo, notável  poeta  òa  Escola  Arcaciica  e  auctor  òos  Apo- 
logos,  coleção  òe  cem  fabulas  que  a  Garrett  mereceram  as 
mais  encomiásticas  referencias. 

Esta  Poetisa  colaborou  com  3  sonetos  publicaòos  sob  o 
pseuòonimo  òe  Uma  Senhora,  no  Jornal  Poético  ou  collec- 
ção  das  melhores  composições  em  todo  o  género,  dos  mais  in- 
signes poetas  portugueses,  tanto  impressas  como  inéditas  of- 
ferecidas  aos  amantes  da  Nação,  por  Desiòerio  Marques 
Leão,  publicação  feita,  com  licença,  em  Lisboa,  em  1812,  e 
|10  Portugue^  Constitucional,  òe  Pato  Moniz.  Nos  versos  Òe 
I.  M.  òa  Costa  e  Silva  vem  uma  poesia  òesta  Poetisa,  que 
|;screveu  numerosas  poesias  que  estão  ineòitas.  ' 

D.  Marianna  Antónia  Pimentel  Malòonaòo  publicou: 


180  Poetisas  Portuguesas 

Ode  ao  triste  anniversario  da  trafica  morte  de  Gomes 
Freire  de  Andrade,  publicação  apareciòa  sem  o  nome  õa 
auctora. 

A  GRÃ  BRETANHA 
(soneto) 

Não  tanto  hum  òia  Roma  libertaõa 
Do  jugo  òe  tyrannos  oppressores, 
Mais  graças  Òava,  õava  mais  louvores 
Do  granõe  Bruto  á  vingaõora  espaòa  ; 

Quanto,  ó  nossa  benéfica  Alliaõa, 
Graças  õevemos  òar-te  ainôa  maiores : 
Teu  braço  nos  vingou  òe  vis  traiòores, 
Nos  trouxe  a  liberõaõe  òesejaòa. 

Bem  que  ò'Elisa  já  no  seio  aròia 

O  fogo  òe  justíssima  vingança 

As  chammas  lhe  abafava  mão  impia  : 

Em  ti  os  olhos  fita,  em  ti  òescança  ; 
Tu  arrancaste  o  sceptro  á  tyrania, 
Quebraste  os  ferros,  que  nos  punha  França. 

Por  huma  Senhora.  Jornal  Poético,  por  Desiõerio  Mar- 
ques Leão,  Lisboa,  1812,  pag.  278. 


D.  ZULMIRA  DE  MELLO 

(n    ZULMIRA  DA  COSTA  l.E  FERRKÍRA  FRKIRE  DE  ANDRADE) 

D.  Zulmira  òa  Costa  òe  Ferreira  Freire  òe  Anòraòe  nas- 
ceu na  pictDresca  e  bela  província  Òo  Minho,  na  alòeia  ôe 
Ajuòe,  òe  Povoa  òe  Lanhoso. 

E'  filha  òe  José  Augusto  Pereira  õa  Costa  e  òe  D.  Erme- 


Poetisas  Portugueêas  181 


linôa   JuIia  õe  Ferreira  õe  Mello  Freire  òe  Anõraõe,  òa 
Casa  ôas  Agras. 

Seu  avô  materno,  José  Joaquim  òe  Ferreira  õe  Mello 
Freire  õe  Anõraõe  que  manteve  relações  literárias  com 
Camillo  Castello  Branco,  era  muito  Õaõo  a  assumptos  õ'arte, 
senõo  â  sua  livraria  no  Solar  õas  Agras,  uma  õas  primeiras 
õa  província. 

Foi,  sem  òuviõa  alguma,  esse  ambiente  õ'arte  e  as  lei- 
turas que  D.  Zulmira  õe  Mello  (nome  com  que  tem  assi- 
gnaõo  as  suas  proõuções  poéticas),  fez  na  livraria  òe  seu 
avô,  que  tão  ceòo  lhe  õespertaram  a  granõe  inclinação  pe- 
las letras  e  pela  poesia,  que  com  tanto  gosto,  carinho  e  fe- 
ieciõaõe  tem  cultivaõo  òesòe  bem  nova. 

Esta  Poetisa,  não  tenòo  aõormeciòo  á  sombra  õos  lou- 
ros colhiõos  e  õesejanòo  aperfeiçoar- se,  não  hesitou  em 
peõir  a  João  Penha  (poeta  septagenario  que  á  similhança 
í>e  Gomes  Leal  e  Camões  chega  á  velhice,  pobre  òe  òi- 
nheiro  e  confortos),  ensinamentos  e  conselhos,  ao  que  elle, 
benevolamente  aceõeu,  tenòo  no  jornal  A  Chronica,  ao 
apresentar  a  sua  õiscipula,  frases  bem  justas  e  elogiosas 
para  D,  Zulmira  òe  Mello,  que  õurante  bastante  tempo  co- 
laborou nessa  publicação,  onòe  figuram  muitos  nomes  ilus- 
tres. 

A  maioria  òas  poesias  ôesta  Senhora  nunca  foi  publicaõa. 
I  Darão  um  belo  livro,  que  sua  auctora  pensa  intitular  J''lo 
\res  de  Sonhv,  ou  Rosas  de  todo  o  anno. 

A  ascenòencia  Òe  D.  Zulmira  òe  Mello,  como  escreveu  o 
|sr.  Conòe  õe  Valenças,  é  õas  mais  nobres  e  antigas. 

D.  Soeiro  Raymundo,  rico  homem  e  um  õos  fiòalgos  mais 
|y;alorosos  õa  corte  õe  D.  Sancho  I  —  acompanhanõo  Ri- 
haròo  I,  Coração  òe  Leão,  Rei  òe  Inglaterra,  e  Freòerico 
parbara  Roxa,  Imperaõor  òa  Allemanha  e  Philippe  Augusto 
[el  õe  França,  na  cruzaõa  que  estes  reis  emprehenõeram 
[>ara  a  conquista  õa  lerra  Santa,  -~  õeu  taes  provas  òe  va- 
'que  mereceu  o  titulo  õe  Bravo  dos  Bravos 
'or  ter  õaòo  um  assalto  á  porta  òo  muro  òa  torre  cha- 


182  Poetisas  Portuguesas 

maôa  Mello,  õe  que  fala  o  velho  Testamento  no  Paralipo- 
mon  LIIl  Cap.  XXXII  e  em  que  hasteou  na  torre  a  banòeira 
ôas  cruzaòas  Coração  Ôe  Leão,  abraçanòo  D.  Soeiro  Rav- 
munòo,  lhe  ôeu  aquele  epíteto,  aòquirinòo  o  apeliòo  Mello. 

Em  1204,  D.  Soeiro  Raymunòo  povoou  a  quinta  a  que  poz 
o  nome  òe  Mello,  povoação  elevaõa  a  vila  por  D.  Affonso  V, 

Foi  ahi  que  ôepois  se  estabeleceu  o  solar  õos  Mellos,  ôe 
quem  ôescenôem  os  Caôavais,  os  Sabugosas,  os  Conões 
ôe  Vila  Real  e  outras  famílias  ilustres. 

Pelos  Freire  õe  Anõraõe,  provem  õos  ConÕes  òe  Trans- 
tâmara  e  õe  Trava. 

SOMNAMBULA 

N'um  castello  sombrio  como  a  õor 

Em  que  gemia,  perpassanõo,  o  vento, 

Dias  ôe  choro,  noites  õe  tormento 

Triste  eu  passava,  immersa  em  funõo  horror. 

Junto  á  porta,  um  Õragão,  sempre  em  furor, 
Olhos  em  braza,  me  guarõava  attento  ; 
De  súbito,  resôa,  estranho  evento  ! 
D'entre  o  arvoreõo  uma  canção  õ'amor. 

Aõormece  o  Õragão,  feroz,  meõonho, 
D'aquelia  harpa  ao  som  mavioso  e  linõo, 
E  eu  venõo  tuõo  azul,  o  ceu  risonho, 

Atraz  Õo  novo  orpheu,  sempre  fuginõo, 
Pelos  meanõros  Õo  paiz  Õo  sonho, 
Somnambula  õ'amor  o  fui  seguinõo 

Zulmira  õe  Mello. 


Poetisas  Portuguesas  183 


I 


PHANTASIA 

Oh  ôoce  e  branòa  lua,  quem  me  òera 
Possuir  um  alcaçar,  fulgurante 
D'esmeralõas,  opalas  e  Òiamante 
Em  teus  reinos  õe  luz  e  ôe  chimera  ! 

Levaòa  em  bergantins  ôe  folhas  ô'hera, 
Ir  eu  quizera  á  região  Òistante, 
Onõe  és  a  soberana  triumphante, 
OnÔe  a  Poesia,  o  eterno  ^onho,  impera  ! 

N'um  paço  õefenõiòo  por  Õragões, 
Guarôar  eu  òesejava  as  mariposas, 
Brancas,  brancas,  õas  minhas  illusões  ; 

Desfolhar  lirios  e  jasmins  e  rosas, 
E  ao  som  vago  õe  murmuras  canções 
Vestir  õe  azul  imagens  vaporosas  . 


Zulmira  õe  Mello. 


  DEIRA-MAR 

I  Vão  passanõo  as  gaivotas,  embalaôas 

I  Nas  salsas  onõas  õ'esse  mar  õe  rosas ; 

I  Brancos  flocos  õe  espumas  vaporosas 

I  Lhes  tremulam  nas  azas  orvalhaõas  ; 

l 

f,  E  õa  praia  as  conchinhas  variegaõas 

Alvejam  pelas  Õunas  arenosas, 

Quaes  fragmentos  õe  peõras  preciosas 

Dispersos  pelas  onõas  praleaõas. 


184  Poetisas  loriuuueíius 


Ao  pôr  òo  sol,  já  quanòo  o  ceu  e  o  mar 
Se  confunòem,  minha  alma  õe  viòente 
Embebia-se  em  funõo  meõitar : 

Reminiscências,  que  evocava  a  mente, 
Das  vagas  ao  constante  murmurar 
Nas  brumas  se  esvaiam  lentamente  . 


Zulmira  òe  Mello. 


D.  MARIA  JOSÉ  FURTADO  DE  MENDONÇA 

D.  Maria  José  Furtado  õe  Menòonça  resiòiu  outr'ora  em 
Celorico  õa  Beira. 

Colaborou,  escrevenòo  folhetins  em  verso,  no  jornal  O 
T>istricto  da  Guarda. 

Nos  almanachs  antigos,  é  vulgar  aparecer  o  nome  ôesta 
Senhora  (que  foi  sogra  õo  falecido  aòvogaôo  Dr.  Aureliano 
õe  Mattos),  firmanõo  poesias  e  charaõas. 

Em  1898,  publicou  um  livro  õe  versos,  Piores  de  Inverno^, 
que  foi  prefaciaôo  pelo  Dr.  Canõiõo  õe  FigueireÕo. 

Esta  Senhora  também  é  auctora  Õo  Q.4uto  da  Vida  de  S. 
Sebastião,  eõitaõo  no  Porto  em  1862. 

O  REI  DE  THULE 

(VERSÃO  UVBE) 

Outr'ora  em  Thule  reinou 
Um  bom  rei,  tão  extremoso, 
Que  até  morrer  foi  cioso 
Da  mulher  que  õesposou. 
Quanõo  esta  o  munõo  ôeixou. 
Entre  õores  cruciantes. 


Poetisas  Portuguesas  185 

Chamou  por  alguns  instantes 
O  Rei,  e  ôeu-lhe  um  legaõo, 
Áureo  vaso,  cravejaõo 
De  rubins  e  õe  Òiamantes. 

Quanòo  o  bom  rei  viu  perõiõo 
Dos  seus  amores  o  objecto, 
Desõe  logo  o  seu  affecto 
Concentrou  no  vaso  q'riòo. 
Tinha  por  elle  bebiòo, 
Dos  verões  annos  na  flor, 
O  òoce  néctar  Òo  arr^or 
Que  õocemente  o  embriagou. . . 
Por  isso,  jamais  òeixou 
O  precioso  penhor. 

Se  uma  sauòaôe  o  pungia, 
Mirava  o  vaso  aòoraõo  : 
Tinha-o  na  mesa  a  seu  laõo, 
Só  por  elle  é  que  bebia. 
Apesar  õ'isío,  sentia 
Que  as  forças  lhe  iam  faltanõo ; 
Repartiu  seus  bens ;  mas  quanòo 
Pensou  no  vaso  queriòo. 
Rompeu  em  pranto  sentiòo, 
Largo  tempo  soluçando. 

E  logo  em  tom  resoluto 
Os  seus  cortezãos  chamou, 

—  E  nenhum  ò'elles  notou 
Seu  pranto,  já  agora  enxuto !  -- 
«Antes  òos  õias  õe  luto, 

-  Diz-lhes  com  voz  commoviõa, 
«Quero  a  corte  reuniõa 

«No  castello  junto  ao  mar, 
«Para  ahi  vos  offertar 
«Um  festim  ôe  òespeõiõa. 


186  Poetisas  Porlagaesa^ 

Dito  e  feito :  a  fiõalguia 
]á  cercava  a  lauta  mesa ; 
Mal  òisfarçaõa  tristeza 
Nos  semblantes  transluzia 
Notavam  que  o  rei  bebia  . . 
Bebia.   .  e  sempre  seõento  ; 
Similhante  ao  avarento 
Que  a  alma  tem  no  thesouro, 
Libava  no  vaso  ô'ouro 
O  seu  ôerraõeiro  alento. 

Não  pôòe  mais  resistir ! 

Atirou  o  copo  ao  mar, 

Via-o  nas  onòas  boiar. . .  « 

Fugia  .    tornava  a  vir  . .  \ 

Emfim,  ao  vel-o  afunõar 

Ergueu  a  tremula  mão 

N'um  <aõeus»  e  a  commoção 

InÔa  prantos  lhe  arrancou  ; 

Depois,  seus  olhos  cerrou, 

Cahiu  sem  viôa  no  chão. 


Maria  José  FurtaÒo  õe  Menõonça.  Flores  de  Inverno,  LiSh 
boa.  1898,  pag.  133  a  136. 


D.  ARSENIA  BETTENCOURT  MIRANDA 

D.  Arsenia  Bettencourt  Miranòa  é  natural  òa   Ilha  Ôa| 
Maõeira. 

As  suas  composições  poéticas  acham-se  ôispersas  ej 
òifferentes  jornaes  õa  sua  terra  natal. 

No  Álbum  Madeirense,,  compilado  por  Francisco  VietóiiJ 
também  foram  publicados  alguns  versos  õ'esta  Poetisa. 


Poetisas  Portuguesas  187 


ANHELOS 
(fragmento) 

Minha  alma,  que  peões,  que  queres  ? 
Que  Òesejas  que  anhelos  são  os  teus  ? 
E'  ôebalõe  que  imploras  a  Deus 
Uma  hora,  um  lampejo  õe  luz ; 
Densas  trevas  fenvolvem,  te  cercam, 
E,  por  ellas  a  custo  seguinõo, 
Vaes  terríveis  angustias  sentindo, 
Dôr  acerba  que  a  voz  não  traòuz. 

Doces  sonhos  me  v'em  por  momentos 
Esta  viòa  alegrar,  colorir, 
Cuiòo  então  nessas  horas  fugir. 
Triste  munòo,  p'ra  longe  ôe  ti ! 
Esquecendo  òa  viòa  os  pezares, 
Vou  transpondo  a  sorrir  o  espaço, 
Não  sentindo  a  fadiga,  o  cansaço. 
Que  me  prostram,  me  matam  aqui  ! 

Alta  noite  no  ceu  vejo  a  lua 
A  mirar  a  cidade  dormente, 
Prateando  a  ligeira  corrente 
Indo  ao  longe  embalar-se  no  mar  ! 
E  eu  escuto  ness'hora  encantada, 
Uns  sons  vagos  de  grata  harmonia, 
De  saudades,  d'amor,  de  poesia, 
Que  me  v'em  docemente  inspirar  ! 

Arsenia  Bettencourt  Miranda.  Álbum  Madeirense. 


188  PoelUas  Portuguesas 


D.  ALICE  MODERNO 

D.  Alice  Moõerno  nasceu  em  Paris  em  11  õe  Agosto  ôe 
1867. 

E'  fillia  ôe  D.  Celina  Pereira  òe  Mello  Maulaz  Moòerno| 
€  õe  João  Roòrigues  Moòerno.  i 

Descenbe  esta  ilustre  Escriptora  e  Poetisa  ôo  celebre  j 
liberal  António  Januário  Moõerno,  õa  Ilha  ôa  Maòeira,  aoj 
qual  se  refere  o  Tomo  V,  pag.  244,  325  e  478  õos  Docu-^^ 
mentos  para  a  Historia  das  Cortes  Geraes  da  nação  poriu-.i 
guesa.  ''\ 

Tenòo  vinôo  para  Portugal  em  1875,  D.  Alice  Moõerno  ; 
foi  a  primeira  senhora  que  cursou  o  Liceu  ôe  Ponta  Del-j;j 
gaõa,  onõe  vive  e  funõou  um  jornal  litei»rio,  A  Folha,  no^ 
qual  tem  colaboraõo  inõiviõualiõaões  ilustres  nas  Letras  l 
Portuguesas, 

Esta  Senhora  é  auctora  òos  seguintes  trabalhos  Htera^J 
rios :  ^ 

Verso:  Aspirações,  Trillos,  Os  Martyres  do  Amor,  AsylA^ 
de  ãAlendicidade,  No  Adro  (obras  exgotaõas),  e  Versos  á^íf 
mocidade.  '^ 

Prosa:  Pessoas  e  coisas,  O  Dr.  Lun^  Sandovaí,  Açores  i 
(õescripção  õo  archipelago),  Recreio  das  Salas  (revista  lite-  - 
raria),  etc,  etc. 

Pertence  ao  Instituto  Ôe  Coimbra,  e  International  Wo-^ 
men  Union,  õe  Lonõres. 

Muitos  õos  seus  versos  foram  traõuziõos  em  alemão, 
sueco,  francez,  inglez,  hespanhol  e  italiano. 

Em  1907,  a  Alma  Feminina  ôe  que  foi  ôirectora  D.  Vir- 
gínia Quaresma,  abriu  um  concurso,  em  que  eram  premia- 
õos  os  poetas  portugueses,  que  melhor  formassem  um  so- 
neto com  õuas  quaôras  que  lhes  eram  õaôas. 

Entre  os  40  concorrentes,  foram  apenas  premiaôos  nesse 
certamem,  D.  Alice  Moõerno,  D.  Domitilla  õe  Carvalho  e  D. 
Branca  õe  Gonta  Colaço. 


Poetisas  Pof^tuguesas  189 

Ha  pouco,  num  outro  concurso  poético  realisaòo  pelo 
Jornal  da  Mulher,  coube  a  utn  soneto  ô'esta  Poetisa  o  pri- 
neiro  premio. 

MINIATURA 

Só  òuas  cousas  õiviso 
Que  sejam  inõa  mais  bellas 
Do  que  o  brilho  õas  estrellas, 
Do  que  a  harmonia  òo  mar  : 
—  E'  o  imam  òo  teu  sorriso 
E*  a  luz  õo  teu  olhar ! 

Alice  Mo!)erno.  Aspirações.  —  Primeiros  versos  -  Pont>j 
Delgada,  1886,  pag.  69  e  70. 


LAGRIMAS 

Eu  quizera  poõer  guaròar  n'um  cofre 
Talhabo  em  ôiamante  ou  rubi, 
;  As  transparentes  lagrimas  õe  aljofre 

Que  hei  ôerramaôo,  meu  amor,  por  ti 

•'  Alice  Moderno.  Aspirações,  pag.  213 


CREANÇAS 

N'utrta  festa  escolar 

Eu  quero  muito  ás  creanças. 
Essas  alminhas  òe  luz, 
Esses  ramos  òe  esperanças 
Esses  irmãos  òe  ]esus. 


190  Poetisas  Portuguesas 

Dentro  em  sua  alma  impoUuta 
Esplenôe  e  brilha  o  canôor, 
Como,  ao  funòo  ôe  uma  gruta, 
A's  vezes,  nasce  uma  flor. 

Sempre  que  as  vejo,  suaves, 
Irrequietas,  buliçosas, 
Mais  travessas  òo  que  as  aves, 
Mais  fragrantes  õo  que  as  rosas, 

Digo :  Senhor  I  Não  as  tisne 
Do  vicio  o  labéu  fatal ! 
Deixa-las  ser  como  um  cysne 
No  seu  lago  õe  crystal ! 

Deixa-las  ser  sempre  puras, 
Deixa-las  ser  sempre  bellas, 
Como  são,  lá  nas  alturas, 
As  lucilantes  estrelias! 

Alice  Moòerno.  Versos  da  Mocidade,  Ponta  Delgaôa,  191  Ij 
pag.  13-14. 


VISCONDESSA  DAS  NOGUEIRAS 

(d.  mathilde  izabel  de  sant'anna  e  vasconcellos 
MONIZ  de  Bettencourt) 

A  Visconòessa  òas  Nogueiras  (D.  Mathilõe  Izabel  òe 
SanfAnna  e  Vasconcellos  Moniz  õe  Bettencourt),  nasceu 
na  Ilha  õa  Maõeira  a  14  òe  Março  õe  1806  e  faleceu  em 
23  õe  õezembro  õe  1888. 

Esta  Senhora  que  pertencia  a  uma  antiga  e  nobre  famí- 
lia maõeirense,  era  filha  Õe  D.  Francisca  Emilia  Teixeira 
òe  Menezes  e  õe  }osé  Joaquim  õe  Vasconcellos. 

Foi  casaõa  com  o  Visconõe  õas  Nogueiras  Qacintho  òe 


Poetisas  Portuguesas  191 


infAnna  e  Vasconcellos),  escrivão  ôa  Mesa  Granôe  õa 
fanõega  õo  Funchal,  e  á  qual  se  refere  a  pag.  8  Õo  livro 
Hestado  genealógico  õe  João  Carlos  Feio. 
Poetisa  e  Dama  muito  õistincta,  òela  trata  o  Dicciona- 
0  ôe  Innocencio  òa  Silva,  e  Bulhão  Pato,  a  pag.  279  Ôo 
Dlume  2.0  õas  suas  Memorias. 

Mãe  Ôo  Visconòe  òas  Nogueiras,  representante  ôe  Por- 
gal  nos  Estaôos  Uniòos  õa  America  (auctor  ôo  volume 
i  versos,  Amor  e  Pátria)^  D.  Mathilôe  õe  Sanfanna  e 
asconcellos  escreveu  com  as  iniciaes  M.  S.  A.  V.  os  se- 
lintes  livros : 

O  cura  de  S.  Lourenço,  1855,  romance  ;  O  Soldado  de  Al- 
barrota,  1857,  romance  histórico  ;  Dia'ogo  entre  uma  avó 
sua  neta,  para  uso.  õas  crianças  õe  cinco  a  Ôez  anos, 
)rovaõo  peio  conselho  superior  Ôe  instrucção  publica, 
!62. 

TraÔuziu  :  As  Casíellãs  de  Rossilon  ;  e  Genoveva  ;  verteu 
jra  francês,  Eurico  o  Presbítero,  õe  Herculano. 
Os  versos  ô'esta  ilustre  Poetisa  nunca  foram  compilaôos 
n  volume. 
Colaborou   em  muitos  jornaes  e  no  Álbum  Madeirense. 


UMA  NOITE  DE  LUAR 
(fragmento) 

Já  ôe  estreitas  recamaõo 
A  noite  estenõeu  o  veo, 
Fulguram  astros  brilhantes 
No  panorama  õo  ceu  ; 
E  sobre  a  praia  arenosa 
Rola  a  vaga  preguiçosa. 

Nuvem  não  ha  que  escureça 
O  azul  Ôo  firmamento. 
Roçam  apenas  nas  folhas 


192  Poetisas  Portuguesas 

As  leves  azas  ôo  vento ; 
Canta  em  loureiro  visinho 
O  rouxinol  num  raminho . 

E  o  fugitivo  planeta 

Que  o  ceu  Ôeixára  apressaòo, 

Quanòo  alli  viu  girar 

Do  sol  o  carro  òouraôo, 

Agora,  vagando  errante, 

Nos  mostra  a  face  radiante  : 

Tem  já  metaòe  cruzaôo 
Das  celestes  regiões, 
Onõe  formam  as  estrellas 
Formosas  constellações, 
Que  variam  na  figura 
Por  sua  forma  e  altura  : 

O  frouxo  pallor  que  esparge 
Sobre  o  lago  prateado 
Deixa  na  face  õas  ondas 
Um  novo  ceu  retratado, 
Onde  se  mira  vaidosa 
Da  noite  a  princeza  airosa. 

Viscondessa  das  Nogueiras.  Álbum  Madeirenst 


ONDINA 


Tal  é  o  pseudónimo  usado  pela  auctora  do  volume  ò* 
versos.  Pombas  Feridas,  impresso  em  Paris,  em  1906. 

De  Onditia  que  nasceu  numa  das  ilhas  do  Archipelaff 
Açoreano,  diz  o  Brajil  e  Portugal  : 

<Ondina  não  é,  pois,  só  ilustre  e  fidalga  pelos  seus  sen 
timentos  e  merecimentos ;  é  nobre  e  ilustre  também  pel 


Poetisas  Portuguesas  193 


ua  ascenôencia  e  pelo  seu  casamento.  Pois  apesar  õ'isso, 
andina  é  tão  moôesta  que,  poõenõo  usar  brazões  ilustres 
!  assignar  os  seus  escriptos  com  um  titulo  nobilissimo,  é 
>e  uma  simpliciòaõe  aõmiravel,  e  assigna  verõaòeiras  ma- 
aviihas  com  um  moõesto  e  simples  pseuDonimo». 

«Bem  õotaõa  pelo  nascimento,  pela  intellectualiôaôe, 
)elo  talento,  pela  poesia,  pelo  coração,  não  o  é  menos 
>elas  graças». 

«Vénus,  se  a  visse,  õespeõiria  òecerto  uma  õas  três 
^ymphas  que  a  acompanham  sempre,  e  aòmitiria  em  seu 
ogar  a  graciosa  e  gentil  Ondina.  Ou  se  não  tivesse  coração 
jara  õespeôir  uma  õas  trez  Graças,  ella  ficaria  Decerto 
íenòo  a  quarta  e  passaria  a  ser  a  Graça  do  sorriso».  O  seu 
iorriso  não  tem  rival.  E'  simplesmente  ôelicioso,  estontea- 
i»or,  macio  — ,  como  uma  musica,  um  affago,  uma  aza  •   . » 

l  Ignoro  se  esta  Poetisa  chegou  a  publicar  um  livro  em 
|Ue  trabalhava  e  cujo  titulo  era  :  Espumas. 

POMBAS  FERIDAS 

Vão,  ás  vezes,  as  pombas  pelo  espaço, 
pelo  espaço  azulino  a  palpitar. . . 
aos  bandos,  aos  cardumes,  foragiôas, 

as  azas  estenòiõas, 
por  sobre  torreões,  jarõins,  o  mar. 

Vão  em  õemanòa  òos  paizes  quentes, 

fabricar  outros  ninhos  mais  além 

Vão  fuginòo  aos  nevões,  ao  inverno,  á  cheia. 

buscar  Roma  ou  }uõea, 
jaròins  ò'Asia,  talvez  Jerusalém. 

Ruflanôo  as  azas,  vão,  com  mil  arrulhos, 
beijos  õanõo  com  os  roséos  biquinhos  . 
e  as  nuvens  côr  õe  prata  atravessando 

n'um  doce  enlevo  brando, 
—  ao  ar,  á  luz,  ao  sol.  pelos  caminhos. 

13 


194  Poetisas  Portuguesas 

Mas,  ás  vezes,  nos  bosques  sussurantes, 
um  caçaõor,  nas  sombras  ôa  espessura, 
Òispára  contra  as  pobres  emigrantes  • 

Das  azas  palpitantes 
gotas  sanguíneas  chovem  lá  õa  altura ! 

Feriòas  vão  • .    e  comtuòo  vão  voanôo 

as  peregrinas,  tristes,  a  arrulhar. .  • 

e  as  que  passam  nas  peõras  õas  estraõas 

plumas  ensanguentaòas 
vêem  ás  vezes  recortando  ar. 

Leitor,  —  também  nas  folhas  oeste  livro  ~ 
que  eu  compuz,  como  ao  vento  uma  canção, 
muitas  plumas  sangrentas  vão  cainòo. 

Parecem  cair,  rinòo. . . 
—  mas  tombaram  choranòo  o  coração. 

Onòina.  Pombas  Feridas,  Paris,  1916,  pag.  15  e  16. 


D.  MARIA  0'NEILL 

(d.  MARIA    DA  CONCEIÇÃO  INFANTE   DE  LA  CERDA 
PEREIRA   d'eÇA  CUSTANCE  o'NEILL) 

D.  Maria  0'NeiII  (nome  com  que  assigna  os  seus  trab; 
lhos  literários),  nasceu  em.  Lisboa. 

E'  filha  ôe  D.  Maria  Carlota  Infante  Òe  Lacerõa  Perei 
õ'Eça  e  Ôe  Carlos  Torlaôes  0'Neill,  ha  pouco  faleciôo. 

Esta  õistincta  e  ilustre  Poetisa  e  Escriptora  que  õesceni 
ôe  famílias  nobres,  é  sobrinha  òo  Visconõe  õe  Santa  M 
nica,  auctor  õo  In  Metnoriavi  e  õo  Fabulario^  e  neta 
general  José  António  Pereira  Ò'Eça  (sobrinho  ôo  Con 
òas  Antas),  comandante  õo  Asilo  òe  Invaliõos  Militares,  € 
Ruma,  õe  quem  era  amicíssima  e  pela  memoria  õo  qi 
tem  a  maior  veneração. 


lottisas  Poríagueauè  195 

Sào  õo  seu  livro  ôe  contos  —Vida  Real,  —  as  enterneci- 
ôãs  palavras  que  passo  a  transcrever  : 

íQuem  lhe  visse  a  estatura  aprumada  e  marcial,  a  ruga 
que,  perpenõicular,  lhe  sulcava  a  testa,  os  olhos  verões  e 
penetrantes  como  gumes  toleòanos,  tinha  a  consciência  òe 
€star  õeante  õe  um  forte,  mas  não  poòia  suppôr  que  sob 
aquelle  peito,  arcaõo  e  amplo,  òe  velho  caçaòor  se  abri- 
gava um  coração  ò'imensa  e  quasi  feminil  sensibiliõaôe. 
.  Nas  Cartas  da  Guerra  (colecção  õe  sonetos  inspirados 
'por  um  sonho),  òiz  ainòa  ôe  seu  avô,  esta  Senhora : 

Foi  Ião  iageuuo,  sliivo  e  puro  ser, 
Que,  atravessando  largamente  a  vidr., 
A  terminou  sem  bem  a  conhecer. 
Foi  cheio  de  bondade  e  de  tslento, 
Comaigo  austero,  mas  co'ob  outros  nâ  . 
Olhando  sempre  o  azul  do  Firmamento 
Passou  na  terra  tem  fitar  o  chão. 

Se  percorrermos  as  restantes  obras  òesta  Escriptora, 
i  nelas  sempre  acharemos  uma  palavra  ôe  sauôaôe  para  o 
í  seu  «melhor  e  mais  ôeôicaôo  ami20>. 

Tenôo  siôo  apresenlaõo  a  D.  Maria  0'Neill,  uma  ôas 
nossas  intelectuaes  que  maior  numero  ôe  lavores  literários 
tem  proôuziôo,  puôe  ôe  perto  apreciar  a  serie  ôe  variaôos 
conhecimentos  que  possue,  o  que  lhe  permite  aborôar  os 
géneros  literários  mais  opostos,  como  facilmente  verifiquei 
ouvinòoa,  e  lenôo  a  sua  vasta  obra  literária. 

Não  é  unicamente  como  escriptora  que  ôeve  ser  enca- 
rada a  personaliôaôe  ôesta  conhecida  e  apreciaôa  Poetisa. 

Quem  tenha  tiôo  o  prazer  ôe  falar  e  ôe  conviver  com  D . 
Maria  0'NeiIl,  notará  logo  que,  á  sua  extrema  simpliciôads 
í  despretenção,  se  alia  um  profundo  amor  pelo  trabalho  e 
pelo  próximo. 

Humanitária  e  sempre  disposta  a  sacrificar-se,  é  ôuma 
||ranôe  deôicação  para  com  toôos  que  ôo  seu  auxilio  ca- 
ecem.  * 


196  Poetisas  Portuguesas 


Como  jornalista,  escreveu  em  vários  jornaes  muitos  < 
interessantes  artigos  sobre  assumptos  sociaes,  literários  í 
artísticos. 

Citarei  apenas :  No  Intransigente,  jornal  funôaòo  por  Ma 
chaòo  Ôos  Santos  —  uma  entrevista  com  o  Ministro  õa: 
Colónias;  no  'Braijiii  e  'Portugal,  òe  1914,  sob  o  titulo  õ< 
Os  nossos  Artistas,  uma  colecção  òe  curiosos  escriptos 
com  os  quaes  tenciona  formar  um  volume. 

Aos  òez  anos  òe  iòaòe  escreveu  O  Morgado  do  Juncal 

Em  1908,  apareceu  o  seu  primeiro  livro  òe  versos 
Nimbos.  obra  que  foi  prefaciaòa  pelos  ilustres  AcaÒemicoí 
José  òe  Sousa  Monteiro,  seu  mestre  e  granòe  amigo,  e  Du 
Ihão  Pato  que,  a  pag.  Xi  e  XIV  ôo  prefacio,  òiz : 

«Maria  0'Neill,  nas  suas  composições  prima  mantenòt 
sempre  a  simpliciòaòe  e  correcção  pouco  vulgar».  «A  su; 
linguagem  nas  locuções  flexíveis  e  graciosas,  é  corrente 
elegante  e  moòerna». 

«Termino,  sauòanòo  a  auctora  òos  Nimi-us  pelo  seu  ele 
vaòo  talento  e  felecitanòo-a  peia  sua  primorosa  estreia». 

Sousa  Monteiro  finõa  oeste  moòo  a  sua  carta  acerca  òo 
Nimbo s : 

«Do  muito,  òo  muitíssimo  que  tinha  para  n'este  grat 
assumpto  òizer,  òirei  apenas  isto»  : 

«Expliquei  já  o  porquê  òesta  abstenção  custosa.  No 
mestres,  como  nos  pães  a  gloria  òe  seus  filhos,  se  reflect 
a  gloria  òos  òiscipulos». 

Directora  òo  Almanach  das  Senhoras  e  òo  Almanach  l 
lustrado  (òa  Parceria  Pereira),  tem  colaboraòo  nos  jornae 
e  revistas  :  Jornal  da  õMulher,  Zig-Zag,  Correio  da  Europt 
Bem  Publico,  Sátira,  Serões  (outra  bela  revista  cuja  publ 
cação  é  para  lamentar  ter  finôaòo),  Illustraçáo  Português* 
etc,  etc. 

D.  Maria  0'Neill  é  auctora  òos  seguintes  trabalhos,  ei 
verso :  Nnnbos,  Tudo  Perdido  (poema),  Carias  da  Guern 
Fora  as  Congregações.,  Aos  Políticos,  e  São  João  nas  rua 


Poetisas  Portuguesas  197 

E  em  prosa  : 

llliisão  desfeita,  Psalmos  de  Amor,  1910  ;  Cma  satisfação 
â  Ea'.'^"  Senhora  D.  Alaria  Amália  Vaif  de  Carvalho,  1911  ; 
*Vvi  drama  de  ciiimes,  Lucta  de  Sentimentos,  A  Marquesa  de 
Vale  Negro,  1914,  (romances);  Vida  l^eal^  1915;  para  a 
Biblioteca  da  Infância,  escreveu :  Horas  de  Folga,  Recrea- 
res Infantis,  Para  ler  nas  férias,  Por  bom  caminho,  Para 
divertir,  Alegrias,  Historias  famosas,  bem  como  7  folhetos 
para  a  colecção  Um  imitador  de  Sherlock  Holmes. 

Alem  ò'estes  trabalhos,  tem  traôuziõo  vários  livros,  como 
Lea,  Dama  das  Camélias,  etc. 

Apesar  õ'outras  ocupações  lhe  tirarem  tempo  e  socego, 
D.  Maria  0'Nei!l,  que  fez  a  sua  estreia  literária  em  1907, 
trabalha  actualmente  nas  seguintes  obras  : 

Claudia,    Psycologia   de    uma    americana^    Milagres   de 

Santo  António,  A  TJibora,  romances  ;  Mulheres  e  reticencias. 

contos  ;  Folhas  mortas,  versos  e  Contos  da  Mamã. 

í    Tem  também  promptos  vários  ôramas  e  peças  teatraes 

i:ujos  títulos  são :  Amor  serôdio  —  comeòia  òo  tempo  Òo 

[Vlarquez  õe  Pombal ;  Scenas  da  Revolução  —  òrama  em  3 

chs  ;  Sombra  do  Passado,  iõem,  iôem ;  Scenas  do  Campo, 

^...i,  iòem ;  Um  primo  do  ISrasil,  e  Xeque  Mate,  comedias. 

j  Esta  ultima  é  uma  aòptação  em  verso.  Do  seu  livro,  Um 

rama  de  ciúmes,  õiz  o  Dr.  Canõiõo  õe  Figueireôo  na  Chro- 

ica  literária,  õo  Diário  de  Noticias:  «]á  vimos  muito  tarõe 

ara  falar  Oeste  romance  firmaôo  por  um  òos  nomes  mais 

ustres  e  mais  simpáticos  òa  actual  pleiaõe  õe  escriptoras 

ortuguesas». 


«A  acção  õe  Um  drama  de  ciúme,  não  poõe  ser,  como  se 
:,  mais  impressiva  e  impolgante.» 
<Ha  quaõros  traçaõos  com  enexceõivel  maestria.» 
í .  Acerca  õo  mesmo  livro  e  õa  Lucta  de  sentimentos,  expri- 
le-se  oeste  moõo  Fernanões  Costa,  auctor  õo  Eterno  Fe- 
nino  e  õoutros  belos  livros,  numa  notável  carta  aberta 
blicaõa  no  Dia  õe  31-7-913: 


198  PoptiRúfi  Portiiaup.^ns 


«Encontrei  nas  Õuas  obras  qualiõaòes  ingenitas  que  mij 
impressionaram  vivamente.  A  leitura  õe  muitos  ôos  seus  ca 
pitulos  não  se  poòe  fazer  sem  commoviôo  interesse,  sem  ur 
forte  prazer  literário,  sem  se  estar  reconhecendo,  ôe  cont 
nuo,  a  imperativa  aptiòão  artística  e  a  innegualavel  vocaçã 
romântica  òa  escriptora  engenhosa  que  os  ôelineou  e 
creveu.  Movem-se  os  seus  personagens  com  õeliberaõa  n; 
turaliòaõe,  com  impressionante  faciliôaõe  õe  gente  viv 
surprehenòiõa  pela  intelligente  e  sagacíssima  observaõor 
em  animaõos  instantâneos  ôa  existência  real  e  veròaôeir 

«A  ôialogação  é  espirituosa,  é  saltitante,  é  fértil,  éprofu 
õa,  é  cómica  ou  õramatica,  conforme  as  circunstancias  a 
clamam,  na  absoluta  e  completa  proprieõaõe  com  os  caso? 

«Estes  são  preòicaõos  salientes  òos  seus  trabalhos 
campo  ôa  literatura  imaginosa,  onõe  V.  Ex.^  marcanbo  o  s 
logar  com  afirmações  ôe  talento  e  òe  graciosa  e  energi 
espontaneiòaòe,  que  ninguém  imparcialmente,  lhe  póõe  cc 
testar.  E  muito  mais  alto  subiriam  as  Demonstrações  ôo  s 
gran^ôe  merecimento  artístico,  se  V.  Ex.^  cultivasse  as 
peciaiiõaôes  literárias,  em  que  já  é  òistincta,  n'um  meio  i 
outra  forma  propicio  ao  òesenvolvimento  progressivo  ôel 

A  obra  literária  õe  D.  Maria  0'Neill  tem  siõo  õevi^ 
mente  apreciaõa,  como  tive  ocasião  õe  verificar  por  u 
bela  e  elogiosa  coleção  õe  autógrafos  que  possue,  firr 
õos  pelos  nomes  mais  em  eviõencia  na  Literatura  Por 
guesa. 

O  ineõito  que  publico,  faz  parte  õos  versos  õe  que| 
compõe  o  seu  livro  a  publicar  —  Folhas  Mortas. 

Por  esta  poesia  poõerão  facilmente  os  leitores  iulgar| 
beleza  õas  restantes  proõuções  õas  Folhas  Mortas. 


Poetisas  Portuguesas  199 

FLIRT 

(INEDIIO) 

Quer  que  lhe  ôiga  o  que  é?  Um  jogo  õe  malôaôe 
Que  arrasta  muita  vez  mais  longe  a  vontaõe  : 

E',  sabenõo-se  isenta,  avassallar  alguém 
E  sugeita-lo  após  com  risos  e  õesôem  : 

Nc.o  ter  em  conta  alguma  o  coração  alheio, 
Mas  õar  granõe  valor  a  um  Oito,  um  galanteio  : 

Trazer  sempre  após  si  uns  ocos  tagarellas 
Que  pasmam  alta  noite  em  frente  ôas  janellas. 

Fechadas,  já  se  vê,  que  a  mulher  troça- os  rinôo, 
E  õiz  depois  que  o  rol  õos  parvos  é,  infindo  ! 

Eu  nunca  o  quiz  fazer.  E'  vil  dissipação. 

Um  sacrário  respeita-se :  —  O  que  é  o  coração  ? 

laria  O'  Neill. 


O  QUE  SÓ  TERMINA  COM  A  MORTE 

Perdidas  illusões  que  tanto  amei, 
Fulgente  enxame  ao  seio  acarinhado. 
Vós  me  fallaes  ainda  do  passado 
E  me  fazeis  sorrir  do  que  chorei. 

Curou-me  o  tempo  o  coração  lanhado, 
Mas  deixou-me  a  lembrança  do  que  errei 
Porque  não  peque,  no  que  já  pequei 
Crendo  ser  ouro  o  que  só  é  dourado. 

Se  olho  as  antigas  crenças  com  piedade 
Um  ecco  do  que  fui  me  vibra  n'alma 
Ao  folgar  juncto  a  mim  a  mocidade. 


200  Poetisas  Portuguesas 

Mas  commove-me  vê-la  em  tanta  calma 
Correr  ôespreveniõa  á  realiõaôe 
Que  finõa  tuòo  menos  a  sauòaòe. 

Maria  ò'Eça  0'NeiU.  Nimbos,  Lisboa,  1908,  pag.  200. 


UM  SONHO 

Sonhei  que  me  mataste  e  tive  pena 
Da  ôôr  que  õe  fazê-lo  sentirias  • . 
Não  te  rias,  meu  anjo,  não  te  rias 
Nossa  alma  poõe,  se  Ôe  affectos  plena, 

Olhar  a  morte  impaviõa  e  serena 
E  succumbir  a  alheias  agonias. 
O  mais  pungente  ò'essa  triste  scena 
Era,  acredita,  ver  que  padecias. 

Tenòo-me  morto  tu  õepois  choraste  , . 
Ouvi-te  alli,  sem  me  poõer  mover 
Sentindo  em  ôôr  o  coração  estalar! .  ■ . 

Sonho  maldito  que  o  Senhor  afiaste  : 
Ter-te  junclo  de  mim,  ver-te  soffrer 
E  não  ter  voz  para  te  consolar. 

Maria  d'Eça  0'Neill.  Nimbos,  pag.  4. 


APÓS  UMA  JORNADA  D'AMARGURA 

Eu  sei  mui  bem.  Senhor,  que  não  mereço 
De  que  ao  meu  peito,  nunca  descançado, 
Baixeis,  Consolador  Immaculado 
A  suavisar-me  a  dôr  de  que  padeço. 


Poetisas  Portuguesas  201 


Se  ô'ira,  muita  vez,  n'alma  estremeço 
Contra  o  õestino,  que  é  por  Vós  manõaòo, 
Basta  pensar  no  meu  Jesus  amaôo 
Para  volver  á  paz  òe  que  careço. 

Se  em  Vós  a  minha  mente  ôoloriòa 
Sempre  tiver  amparo  e  achar  guarida 
Nas  batalhas  õa  viòa,  hei  òe  vencer!  — 

E  quanôo  Òesça  emfim  á  sepultura 
Apóz  uma  jornaõa  õe  amargura 
Como  eu,  Senhor,  acharei  bom  morrer, 

Maria  ò'Eça  0'NeilL  N^imbos,  pag.  35. 


D.  ÁGUEDA  LEONOR  ALVARRÃO  PACHECO 

D.  Agueòa  Leonor  Alvarrão  Pacheco  nasceu  em  Elvas. 

Irmã  òe  D.  Maria  ]osé  Alvarrão  Pacheco  Simões,  e  òe 
D.  Henriqueta  Pacheco  é  filha  òe  D.  ]ulia  Victoria  Alvarrão 
Pacheco,  e  òo  general  Paulo  Eòuaròo  Pacheco,  ambos  já 
faleciòos. 

Esta  ilustre  Poetisa,  que  professa  um  veròaòeiro  culto 
pela  literatura,  é  auctora  òe  belos  versos  em  português  e 
em  francês,  òe  alguns  contos,  comeòias  e  òiversos  artigos, 
trabalhos  estes  quasi  toòos  publicaòos  nos  jornaes  òe  Lis- 
boa :  Diário  de  Noticias,  Diário  Illustrado,  Echos  da  Ave- 
nida, etc. 

D.  Agueòa  Pacheco  tem  também  colaboraòo  nos  Aima- 
nachs  òas  Senhoras  e  Luso  Brasileiro  e  no  jornal  ^'l  Folha 
òe  que  é  òirectora  e  proprietária  a  conheciòa  escriptora  D. 
Mice  Moòerno. 

Nesse  jornal,  foi  publicaòo  um  artigo  seu  intitulaòo  JFe- 
mnismo,  que  mereceu  a  honra  òe  ser  Iranscripto  em  va- 
los perioòicos  Òcs  Açores. 


202  Poetisas  Portuguesas 

Entre  as  poesias  mais  apreciadas  besta  Senhora,  posso, 
mencionar :  A  Duquesa  de  Bragança,  A  morte  de  Cleópatra- 
e  os  sonetos  Trovejando  e  Porque  ? ;  Myrtes,  T>u  trouble 
partout  e  a  versão  õo  Triste  monge,  òe  Gomes  Leal,  etc. 

Nos  versos  em  francês  usa  D.  Agueõa  Pacheco  o  pseu- 
õonimo  õe  Eleonor  de  S.  Y. :  nos  contos  o  õe  Edelwiss. 


PORQUE?! 

Meu  Deus !  porque  não  ôás  á  pobre  criatura 
Uma  parcela  só  ôo  teu  poôer  imenso  ? ! 
Se  a  toõos  cabe  em  õote  o  sofrimento  intenso, 
E  a  viõa  inteira  é  ôor,  tristezas  e  negrura  ; 

Se  os  bons  momentos  são.  ■    momentoe,  naba  mais, 
Se  na  terra  não  pousa  a  perfeita  ventura ; 
E  se  o  cansasso  vem  após  tanta  amargura, 
A  ponto  be  par'cer  que  somos  imortais ; 

Porque  não  bás  Senhor,  na  tua  alta  bonbabe, 

A'  pobre  criatura  a  quem  a  bor  invabe 

Um  meio  simples,  bom,  para  fugir  bo  munbo  ? 

Porque  não  beixas  tu  que  a  viba,  ao  menos,  seja 

Um  livro  que  se  lê  emquanto  se  beseja, 

E  que  se  fecha,  emfim,  quanbo  o  sofrer  é  funbo  ? 

Agueba  Pacheco. 


TROVEJANDO 

Estraleja  o  trovão  no  cinzeo  espaço, 
Resfriam-se  bo  ether  as  camabas, 
'Scurecem  bas  montanhas  as  quebrabas, 
E  envolvem  tobo  o  vale  em  negro  abraço. 


Poetisas  Portuguesas  203 

No  rio  —  que  se  estenõe  em  longo  braço  — 
De  grossa  chuva  as  gotas  apressadas 
Repetem,  sobre  as  aguas  assustadas, 
Liquiõos  õiscos  õe  perfeito  traço. 

Gemem  os  choupos  e  os  pinheiros  mansos 
Ao  peso  enorme  õa  cauôal  tormenta  ; 
Fogem  as  aves,  tremem  mesmo  os  gansos  ; 

Somente  a  luz  ôo  sol,  toõa  beleza, 
Surginôo  emfim  por  entre  a  cor  cinzenta, 
Ri  õo  pavor  ôa  térrea  natureza. 

Agueôa  Pacheco.  1910. 


D.  HENRIQUETA  GUILHERMINA 
ALVARRÃO  PACHECO 

D.  Henriqueta  Guilhermina  Alvarrão  Pacheco  nasceu  em 
?lvas. 

Era  a  irmã  mais  nova  õas  poetisas  D.  Maria  ]osé  Alvar- 

lo  Pacheco  Simões  e  D,  Agueõa  Pacheco. 

Esta  Senhora  que  foi  casaòa  com  seu  primo  Manuel 
Joaquim  Desiôerio  Pacheco,  oficial  Ôistincto  e  professor  õo 
Colégio  Militar,  faleceu  em  1905. 

Dotaõo  òe  uma  intiligencia  viva  e  clara,  e  ôe  belas  quali- 
õaôes,  possuia  granôes  aptidões  artísticas. 

D.  Henriqueta  Pacheco  apreciava  muito  as  Belas  Artes 
e,  em  especial,  a  musica. 

Escreveu  em  prosa,  uma  comedia  de  sala,  num  acto,  in- 
ti'ulada  Uma  partida  de  damas,  comedia  que  se  represen- 

u  varias  vezes,  em  soirées,  sendo  muito  aplaudida. 

Nas  suas  produções  poéticas,  simples  e  pequenas,  ha 

:uns  versos  de  muito  realce  e  colorido. 


204  Poetisas  Portuguesas 

A  TARDE 

Declina  o  õia  !  no  horisonte  linõo 
Vermelhas  nuvens  perpassanõo  vão, 
E  o  sol  fulgente  a  occultar-se  quasi, 
já  òesmaiaõo  nos  alumbra  então  ! 

Vai  pouco  a  pouco  agonizando  placiôa 
Douraòa  chama  òesse  facho  intenso  ; 
E  o  veu  òe  trevas  òe  uma  noute  amena 
Cae  òesôobraõo,  silencioso,  imenso !  i 

Como  òa  noute  o  tenebroso  manto 
'Scurece  o  praòo,  o  campanário,  a  cruz  ! 
Assim  'scurecem,  em  minh'alma  os  brilhos 
Quanbo  os  teus  olhos  não  me  òão  a  luz! .    • 

Trás  me  sauôaôes,  esta  aragem  tépida, 
Suspiros,  cantos,  òe  um  amor  celeste ; 
Bálsamo  puro  no  meu  peito  aròente  • . 
Suave  orvalho  na  campina  agreste !  ! 

Henriqueta  Pacheco.   Almanach   Illustrado,  Literário  e 
Charaôistico  para  1886,(2."  anno),  Extremoz,  1885,  pag.  228. 


D.  MARIA  ]OSE  ALVARRÃO  PACHECO 
SIMÕES 

D.  Maria  José  Alvarrão  Pacheco  Simões  nasceu  em  El- 
v%s,  senòo  a  filha  primogénita  õe  D.  ]ulia  Victoria  Alvar- 
rão Pacheco,  já  faleciòa  e  õo  general  Paulo  Eõuarõo  Pa- 
checo, antigo  comandante  geral  da  Arma  de  Artilharia 
cargo  de  confiança  e  espinhoso. 

Esta  Senhora  conta  na  sua  familia  grande  numero  de  li- 
teratos. Alem  do  seu  marido,  o  coronel  òe  Infantaria  sr. 


Poetisas  Portuguesas  205 


Luiz  Henrique  Pacheco  Simões,  oficial  muito  ilustraòo  e 
■abalhaõor  e  consiõeraõo  escripíor  militar,  e  ôe  seu  filho 
'lario  César  Pacheco  Simões  (mais  conheciòo  pelo  nome 

erário  ôe  Mário  Pacheco),  professor  efectivo  õo  liceu  Al- 

.3  Martins,  òe  Vizeu,  auctor  õos  livros  Òe  versos :  Horas 
Claras,  Himnos  á  vida  e  ao  amor,  Livro  de  Trovas,  Dálias 
^  Canções  do  meu  lar,  e  õe  suas  irmãs  D.  Agueôa  e  D. 

enriqueta  Pacheco,  ainòa  se  teem  ôeòicaõo  ás  letras, 
seus  cunhaõos,  os  apreciados  escriptores  Luiz  Leitão  e 
sua  esposa,  D.  Maria  Pacheco  Leitão,  auctora  òe  Ivonne  e 
Pitais,  Estimulas  (serie  ôe  contos  vertiôos  ôo  francez  e 
ôestinaôos  ás  creanç.as  Ôas  escolas  primarias),  e  Um  Evan- 
geli^ador  da  Bondade  e  Beleza,  folheto  no  qual  reuniu  Õi- 
versos  artigos  publicaôos  em  ôiferentes  jornaes,  e  pelos 
quaes  se  poôe  avaliar  ôa  missão  altruísta  e  ôos  iôeaes  òe 
Luiz  Leitão. 

Desòe  muito  nova  que  esta  ilustre  Poetisa  verseja.  Po- 
rem, só  mais  taròe  consentiu  que  fossem  publicaôas  algu- 
mas òe  suas  poesias.  Fe:  em  188!,  no  Eborense,  a  sua  es- 
treia literária. 

Tem  colaboraôo  nos  jornaes,  almanachs  e  revistas :  Porta 
Férrea,  òe  Coimbra ;  Folha  de  óMafra ;  O  Meridional,  òe 
Montemor-o-Novo;  Jornal  das  Senhoras,  òe  D.  ]ulia  San- 
ôoval ;  Folha,  Jornal  da  Mulher,  Diário  de  Noticias,  Alma- 
nach  das  Senhoras,  Alma  Feminina,  Revista  do  Bem.  ôirigi- 
òa  por  Luiz  Leitão,  e  no  Tiro  e  Sport,  onòe  no  numero  359 
òo  13."  ano,  referente  a  31  òe  Julho  òe  1907,  teve  esta  Se- 
nhora a  satisfação  ôe  ver  publicaòa  na  secção  Sala  das 
Pérolas,  a  sua  traòução  ôo  monologo  òo  fim  òo  primeiro 
acto  òo  òrama  —  Hernâni,  Òe  Victor  Hugo,  trecho  que  vem 
acompanhaôo  òo  retrato  ôe  D.  Maria  José  Alvarrão  Pa- 
checo e  òe  palavras  muito  elogiosas,  e  que  mereceu  as 
melhores  referencias  ôe  abalisaôos  poetas  e  escriptores,  a 
quem,  previamente,  havia  siòo  mostraòa  pelo  professor  e 
ilustre  oficial  òe  Engenharia  sr.  Marrecas  Ferreira. 

Foi  também  na  Sala  das  Pérolas  que  apareceu  a  traòu- 


206  Poetisas  Portuguesas 

ção  em  alexandrinos,  bo  monologo  ôe  Carlos  V,  feita  por 
Pinheiro  Chagas. 

Alem  òa  bela  tradução  òo  Hernâni,  que  os  leitores  ôesta 
Antologia  poderão  apreciar,  esta  Poetisa  tem  feito  outras, 
como  õe  Freôeric  Passy,  SuUy  Proô'home ;  õe  Theophile 
Qautier,  verteu  um  conto,  O  ninho  de  rouxinoes. 

Em  1913,  publicou  D.  Maria  José  Alvarão  Pacheco,  um 
folheto  em  verso,  sob  o  titulo  òe  Sombra  e  cMisterio ;  esta 
Senhora  pensa  fazer  uma  selecção  òe  seus  versos,  para  os 
reunir  em  volume,  o  que  será  mais  um  bom  serviço  que 
presta  á  Literatura  Portuguesa  que,  desse  modo,  ficará  en- 
riquecida com  valiosas  produções  poéticas  (até  hoje  disper- 
sas), entre  as  quaes  avultam  alguns  inéditos. 

Do  valor  dos  versos  de  D.  Maria  José  Alvarrão  Pacheco, 
avaliará  quem  ler  as  Novas  Alvoradas. 

NOVAS  ALVORADAS 

Porque  abates,  mulher,  a  tua  nobre  fronte 
Aos  pés  do  teu  senhor,  ao  peso  que  te  esmaga, 
Se  o  teu  sentir  é  santo  e  a  tua  voz  affaga 
E  se  é  tão  lindo  e  vasto  o  teu  vasto  horisonte  ? 

Porque  te  algemam  dize,  qual  servidor  ingrato 
Se  tu  és  livre  e  és  águia  a  revoar  no  espaço  ? 
Com  que  direito  a  lei.  ousando  erguer  o  braço, 
Trucida  o  teu  talento  e  o  teu  sonhar  maltrata  ? 

Porque  os  olhos  fechaste  ás  gerações  passadas, 
E  és  tu  que  tens  na  mão  as  gerações  futuras, 
Porque  não  tens  também  em  teu  poder  seguras 
A  liberdade  e  a  luz  das  novas  alvoradas  ? 

Porque  te  envolve  ainda  o  baixo  servilismo 
Que  faz  nascer  o  engano,  a  falsidade,  a  treva  ? 
Quando  é  que  o  sol  rompendo,  ao  teu  caminho  leva 
O  clarão  sem  egual,  que  mate  o  vil  egoismo  ? 


Poetisas  Portuguesas  207 


5e  tuôo  em  teu  sentir  Õesperta  uma  cohorte 
)e  mil  Òeôicações !  Como  é  que  ninguém  sabe 
iue  o  teu  valor  immenso  até  nem  mesmo  cabe 
"ío  logar  que  lhe  ôesse  a  gratiõão  mais  forte  ?  ! 

ião  curves  a  cabeça  !• . .  Estuõa  lê,  meôita  ! 
transforma  o  campo  inculto  em  jarõim  perfumaòo ! 
frabalha,  aprenõe,  ensina  !  até  que  vás  ao  laõo 
)esse  ente  que  comtigo  o  mesmo  chão  habita, 

:m  vez  òe  inõifferente  ou  revoltaòa,  apura 
^  forma  a  novas  leis  que  possam  sustentar-te. 
desponta  já  o  sol  que  õeve  illuminar-te, 
íasga,  mulher,  os  véus  õa  tua  noute  escura ! 

•ío  munõo.  o  teu  logar  não  é  a  vã  chimera 

lue  se  òesfaz  qual  fumo  ! .   .  e  é  bello  o  teu  caminho  1 

Ensina-o  bem  a  pomba,  entrelaçanòo  o  ninho, 

z  com  arôente  afan,  no  seu  covil,  a  fera. 

3  teu  logar,  mulher,  é  junto  a  quem  paòece ! 
l  é  junto  á  prole  ingénua  !  • . .  E's  tu  tal  como  o  porto 
)nòe  o  cançaõo  nauta  encontra  almo  conforto 
luanõo  a  tormenta  vem  e  o  ceu  azul  'scurece, 

or  mais  que  ao  longe  paire  o  teu  pensar  inquieto, 
or  mais  que  ao  longe  vás  em  nova  e  crua  liòa 
ia  òe  puxar-te  ao  lar  ignota  mão  queriòa  ! 
io  lar  te  ha-òe  levar  o  veròaõeiro  affecto     • 

ias  não  ao  lar  que  existe !     .  ao  lar  ainòa  òistante 
\as  não  ao  falso  ninho,  onõe  ha  grilhões  ainòa ! 
lO  lar  onòe  a  mulher  por  uma  aurora  linòa 
>os  novos  iòeaes,  encontre  a  luz  brilhante ! 

Maria  ]osé  Alvarrão  Pacheco.  Echos  da  Avenida,  n."  996, 
e  5.Xn-1909,  XXanno. 


208  Poetisas  Portuguesas 


FRAGMENTO  DO  «HERNÂNI» 

(de  VICTOR  HUOO) 

(acto  primeiro  —  scENA  IV  —  Hemant,  só) 

Tu  o  òisseste,  ó  rei !  õo  teu  séquito  sou  ! 

Dia  e  noite  te  busco ;  atraz  Õe  ti  eu  vou, 

Caôa.  passo  que  ôás,  logo  o  meu  passo  o  segue 

Em  mim,  a  minlia  raça,  a  tua,  em  ti,  persegue. 

De  olhos  fixos  no  rei,  punhal  sempre  na  mão, 

Vê  tu  que  senòa  aponta  o  meu  fatal  conòão  ! 

E  agora  és  meu  rival !     .  Apenas  um  instante. 

Entre  amar  e  oòiar  eu  fiquei  vacillante, 

Pois  no  meu  peito  aròente  oh !  crê !  não  ha  logar 

Para  o  meu  oõio  insano  e  o  meu  amor,  a  par ! 

Ia  esquecenòo  já,  quanto  te  oõeio,  amanòo ; 

Porém  tu  vens  lembrar  o  meu  sentir  nefanõo. 

E's  tu  quem  me  òespería !  és  tu  que  vens  òizêr : 

«Acorõa,  sonhaõôr,  seguir-me  é  teu  õevêr.> 

E  o  meu  amor  inclina  a  trémula  balança, 

E  vem  cair  também  õo  laòo  òa  vingança  ! . . . 

Do  teu  séquito  sou !  Tu  o  disseste,  ó  rei ! 

Caminha  pois  e  vê,  que  aíraz  õe  ti  irei. 

Nunca  os  teus  cortezãos  servis  ou  palacianos. 

Nem  serviõores  teus  õo  seu  mister  ufanos. 

Irão  junto  õe  ti,  fieis  ao  seu  senhor. 

Como  eu  irei,  ó  rei,  com  tão  seguiõo  arõôr  ! 

Os  que  te  cercam,  crê,  cubicam  só  granõezas ! 

Frívolas  honras,  luxo  !  o  fausto  e  as  riquezas. 

E  os  granôes  õe  Castella  os  poõerios  vãos. 

Que  póõem  õar  á  larga,  as  tuas  regias  mãos. 

Eu  não !  Eu  quero  mais !  Não  sou  tão  fraco  e  louco. 

Que  vá  prenõer-me  a  ti  e  õesejar  tão  pouco  ! 

Se  a  tua  mão  õestróe  na  minha  viõa  a  paz 

A  minha  ha  õe  vingar  o  teu  arrojo  auõaz ! 


I 


Poetisas  Portuguesas  209 


Eu  quero  mais !. . .  Se  em  óòio  o  peito  me  incenõeias, 

Quero  o  sangue  que  tens  a  circular  nas  veias  ! 

Quero  a  tua  alma,  a  viôa  e  tuõo  que  um  punhal 

Revolve,  arranca  e  extingue  em  coração  venal !. . . 

Caminha  tu  na  frente  ;  atraz  irei :  não  cança 

O  passo  meu  á  voz  õ'esta  infernal  vingança. 

Irei  onõe  tu  vás !  Imperturbável,  só, 

ft  lucta  intentarei  num  guerrear  sem  ôó  : 

Tu  não  ôarás  sequer,  um  passo  em  pleno  õia, 

Sem  que  eu  te  espreite  e  mostre  a  fronte  mais  sombria 

Nem  volverás  òe  noute,  o  teu  altivo  olhar 

Sem  que  o  persiga  o  meu,  em  fogo,  a  rebrilhar  1 

Maria  ]osé  Alvarrão  Pacheco.  Tiro  e  Sport,  n.°  359  Ôe  31 
òe  Julho  Õe  1907,  ano  XIII. 


D.  ALBERTINA  PARAIZO 

D.  Albertina  Paraizo  nasceu  na  ciõaôe  òo  Porto. 

A  sua  mociõaõe  foi  passaõa  em  contacto  com  talentosos 
loetas  e  escriptores ;  conviveu  muito  com  António  Nobre, 
luctor  òo  Só  e  õas  Despedidas,  Eõuaròo  Coimbra,  õos 

ispersos,  e  António  Fogaça,  ôos  Versos  da  Mocidade. 

Do  mesmo  moôo  que  os  Poetas  Brazileiros  Alvares  ôe 
kzeveôo,  faleceu  contanôo  21  anos  õe  iòaõe;  Junqueira 
reire,  22  ;  Casimiro  ô'Abreu,  23;  Castro  Alves,  24  ;  Aure- 
ano  Lessa,  31  e  Fagunòes  Varella,  34 ;  —  António  Nobre, 
òuaròo  Coimbra,  Cesário  Verôe,  António  Fogaça  e  José 

uro,  auctor  õo  Fel  e  AlfreÔo  Serrano,  auctor  ôa  Manhã 
^ourada  —  morrem  em  plena  primavera  Õa  viõa ! 

Entre  as  varias  publicações  Ôe  que  esta  mimosa  Poetisa 
m  siõo  õirectora,  citarei :  Jornal  da  Mulher,  Almanach 
xs  Senhoras  Portuenses,  cujo  primeiro  ano  foi  publicaõo 

14 
\ 


: 


210  Poetisas  Portuguesas 


em  1885,  e  o  Almanach  das  Senhoras  Portuguesas  e  Brasi- 
leiras. No  primeiro  oestes  Almanachs,  escreveram,  entre 
outras  pessoas  : 

D.  Alice  MoÔerno,  D.  Maria  José  òa  Silva  Canuto, 
D.  Alberto  Dramão,  António  Fogaça,  Hamilton  õ'Araujo, 
Eõuarõo  Coimbra,  António  Nobre,  Bulhão  Pato,  ConÒe  õe 
Sabugosa,  Eugénio  Õe  Castro,  Francisco  Palha,  Gomes 
Leal,  Guerra  Junqueiro,  ].  Leite  òe  Vasconcellos,  Joaquim 
õe  Araújo,  Júlio  César  Machaõo,  Manoel  Duarte  õ'Almeiõa, 
Visconõe  õe  Monsaraz,  Oliveira  Martins,  Roõrigues  õe 
Freitas,  Teixeira  Bastos,  etc,  etc. 

O  Almanach  das  Senhoras  Portuguesas  contem  artigos  Õe 
D.  Maria  Amália  Vaz  õe  Carvalho,  Alberto  Pimentel,  An- 
thero  õo  Quental,  Canõiõo  õe  Figueireõo,  Brito  Aranha 
Eça  Õe  Queiroz,  Fernanões  Costa,  J.  AnõraÕe  Corvo,  Mar- 
celino Mesquita,  Pereira  Calõas,  Ramalho  Ortigão,  Santo? 
Valente,  Theophilo  Braga,  Visconõe  õe  Ouguella,  VisconÒí 
õe  Sanches  õe  Frias,  Coelho  õe  Carvalho,  Christovam  Aires 
Xavier  õa  Cunha,  etc. 

D.  Albertina  Páraiso  é  auctora  õe  um  belo  livro  òe  ver 
SOS  —  Rosas  e  Musgos,  que  abre  com  um  autografo  Ô 
João  õe  Deus. 

Esta  Senhora  tem  colaboraõo  Õesõe  muito  nova  em  inii 
meros  almanachs,  revistas  e  jornaes ;  nalguns  sustentei 
õurante  anos,  secções  õiarias,  lenõentes  a  eõucar  e  instru 
sensatamente  a  mulher  portuguesa,  muito  lhe  õevenõo  pc 
isso,  a  causa  õa  eõucação  feminina. 

No  jornal  o  Dia,  esteve  a  seu  cargo  uma  secção  assíf 
interessante  —  <Joias  e  Flores». 

D.  Albertina  Paraizo  vive  actualmente  muito  em  especil 
para  o  resurgimento  õas  InÕustrias  Portuguesas,  senõo[ 
organisaõora  õe  uma  exposição  permanente,  na  qual 
encontram  representaõas  as  mais  curiosas  e  típicas  inõuj 
trias  regionaes,  õo  paiz  como  tive  ocasião  õ'apreciar  qual 
õo  procurei  esta  ilustre  Poetisa  no  seu  escriptorio  õa  rj 
õo  Alecrim,  que  toõa  Lisboa  conhece.  ú 


Poetisas  Portuguesas  211 

A  MINHA  MÃE 

Para  algaem  sou  o  lyrio  entre  09  abrolhos. 
GONÇALVES  CRESPO. 

A  ti,  ó  Santa,  côr  õe  jaspe  e  arminho. 

Aza  e  conforto  ôo  meu  pobre  ninho, 

Para  quem  tenho  as  perfeições  ôos  astros ; 

A  ti,  qu^  nunca  em  tuas  ôoces  preces, 
Minha  primeira  amiga,  tu  me  esqueces 
E  a  quem  eu  sempre  hei  õe  aõorar  õe  rastros ; 

A  ti,  que  instillas  o  frescor  Õas  rosas 
A's  minhas  longas  febres  tormentosas. 
Na  Santa  Uncção  õos  beijos  que  me  ôás, 

A  ti,  que  estás  mais  alta  que  as  Rainhas, 
N'um  céu,  toõo  borõaõo  Õe  anõorinhas, 
CoroaÕo  õe  cecéns  e  õe  lilaz  ; 

A  ti,  em  cujo  rosto  apenas  leio 
Poemas  õe  martyrios  que  o  teu  seio 
Encerra  Santamente,  ha  largo  espaço  ; 

A  ti,  estes  versitos  Õe  creança  : 

Rosas  simples,  que  prenõo  á  tua  trança, 

Musgos  verões,  que  ponho  em  teu  regaço. 

Albertina  Paraizo.  Musgos  e  Rosas,  Lisboa,  pag.  25  e  26, 


MARES 


Lá,  no  profunõo  e  tumultuoso  mar, 
O  nácar  gera  a  pérola  luzente. 
Que  brilha,  como  o  palliõo  luar 
No  seio  õ'uma  noite  transparente. . . 


212  Poetisas  Portuguesas 


Assim  também,  no  mar  ôas  minhas  máguas, 
A  ôôr  gerou  o  pranto  abençoaõo, 
Que  ôesliza  atravez  as  ouras  fragoas 
Como  um  celeste  bálsamo  sagraõo. .  • 

Albertina  Paraizo.  Musgos  e  Rosas,  Lisboa,  pag.  39. 


MADONA 

Não  sei  se  eram  mais  bellas,  mais  formosas^ 
As  MaÒonas  õe  Sanzio  celebradas ; 
Nem  se  os  vultos  ôas  granões  Amorosas, 
Coroaôas  õe  Mirthos  e  õe  rosas, 
Tinham  as  tuas  formas  òelicaõas. 

Sei  que  na  minha  esthetica  mais  pura 
Tu  tens  a  torturaôa  linha  iòeal, 
Duma  suave  e  biblica  figura, 
Illuminanòo  as  folhas  õ'um  missal  ■ 

Albertina  Paraizo.  Musgos  e  Rosas,  pag,  71. 


NAUFRÁGIO 

Como  caõaver,  frio  e  regelaôo. 
Sobre  as  aguas  errantes,  no  alto  mar, 
De  fragua  para  fragua  arremessado. 
Sem  nunca  a  paz  Òo  tumulo  encontrar,. 

Tal  no  meu  peito  um  vulto  inanimaõo 
—  O  coração !  —  extincto  rouxinol, 
Vae  boianõo,  boianõo  amortalhaõo 
Nas  penas  que  lhe  servem  õe  lençol  . 

Albertina  Paraizo.  Musgos  e  Rosas,  pag.  129, 


Poetisas  Portuguesas  213 


DOLOROSA 

Dizer  quizera  ao  coração  —  revive  !  — 

Para  poôer  amar; 
E  as  õoces  crenças,  que  eu  outr'ora  tive, 

Tornal-as  a  encontrar ! 

Depois,  aòormecer,  trémulamente, 

A'  luz  Õo  teu  olhar, 
Ter  a  visão  ôum  munòo  transparente 

E  nunca  òespertarí 

Albertina  Paraizo.  Musgos  e  Rosas,  pag.  89. 


D.  MARIA  CÂNDIDA  DE  BRAGANÇA 
PARREIRA 

D.  Maria  Canôiõa  ôe  Bragança  Parreira  nasceu  em  Lis- 
boa. 

E'  filha  ôe  D.  Henriqueta  õe  Bragança  Parreira,  e  ôe  An- 
tónio Maria  ôe  Oliveira  Parreira,  antigo  professor  Ôe  linguas 
€  historia  ôo  liceu  Camões,  e  auctor  ôe  vários  trabalhos  li- 
terários apreciaôos,  como  os  Luso  Árabes. 

Apesar  Ôesta  Senhora  se  ôeôicar  mais  a  escrever  peque- 
nas peças  teatraes,  Ôo  género  revista  e  opereta,  ôo  que  á 
poesia,  conta  já  ôuas  eôições  o  seu  livro  Fersos,  prefaciaôo 
por  Lopes  ôe  Menôonça. 

Em  1916,  õe  colaboração  com  D.  Magôalena  Trigueiros 
ôe  Martel  Patrício  e  João  ôe  Vasconcellos  e  Sá,  escreveu  o 
Sarau  dos  Românticos,  que  com  tanto  êxito  e  brilhantismo 
foi  levaôo  á  scena  numa  recita  ôe  cariôaôe,  realizaôa  em 
4-6  no  Teatro  Politeama,  recita  em  que  tomaram  parte  Se- 
nhoras e  Cavalheiros  ôa  mais  ôistincta  socieôaôe  ôe  Lisboa. 

i 


214 


Poetisas  Portuguesas 


Dessa  noite,  guarôo,  como  por  certo  succeòe  a  toõa  a  se- 
lectissima  assistência,  que  por  completo  enchia  o  Politeamar^ 
a  mais  grata  e  viva  lembrança. 

E  ainõa  hoje  (õecorriôos  mais  õe  õois  anos  após  essa 
òata),  não  sei  que  mais  aòmirar,  se  o  fino  gosto  que  pre- 
siõiu  á  feitura  ôas  engraçaõas  e  òelicaõas  peças  que  nesse 
serão  5'arte  e  encanto  espiritual  me  foi  õaôo  ver  repre- 
sentar, se  o  bom  õesempenho  que  amaôores  tão  õistinctos 
ôeram  aos  seus  papeis,  se,  finalmente,  o  aspecto  feérico  que 
apresentavam  em  conjuncto,  os  balcões,  os  camarotes,  as 
frisas  e  a  sala. 

E  agora,  fechando  o  parêntesis  que  abri,  e  ponõo  ponto' 
a  amenas  õivagações,  ôirei  que  D.  Maria  Canõiõa  Par- 
reira —  a  inteligente  aluna  òo  3.°  ano  òo  curso  òa  Facul- 
òaõe  òe  Direito  òa  Universiõaòe  òe  Lisboa  —  é  a  única 
senhora  a  quem  o  ano  passaòo  foi  conferida  uma  õistinc- 
ção  nesse  estabelecimento,  para  a  matricula  no  qual  se 
habilitou  em  21  meses,  tempo  que  levou  a  fazer  os  7  ano»|| 
que  constituem  o  Curso  õo  Liceu. 

LEMBRAS-TE? 

A  oliveira  era  velha  ! 
Mas  no  seu  tronco  risonho 
E'  que  eu  te  contei  um  Òia 
Como  nascera  o  meu  sonho. 


Eu. . .  era  a  viòa  futura  . . 
EUa. .    a  viòa  que  passou- . . 
Porém  o  sonho  òesfêz-se. . . 
E  a  oliveira  ficou. 

Maria  Canòiòa  Parreira.  Versos,  Lisboa,  pag.  55. 


Poetisas  Portuguesas  215 


SUPLICA 

«Não  vás  !  não  quero  eu !  ôizia-te  zangaõa, 
«Tu  não  póôes  partir  õeixanôo-me  assim  triste  ! 
«E'  òemais  !  E'  cruel !  Então  em  que  consiste 
«Esse  tão  granõe  amor,  se  eu  fico  abanòonaõa  ? 

«Se  partes,  nunca  mais  terás  no  meu  olhar 
«O  mesmo  amor  profunôo,  a  mesma  ancieôaòe, 
«Acabarei  também  eu  por  me  habituar, 
«Por  não  sentir  Òe  ti  a  mais  leve  sauôaôe  !» 

Dizia- te  isto  altiva  e  cheia  òe  despeito, 
Nervosa,  a  Disfarçar  a  granõe  commoção, 
E  palliòa,  a  tremer,  levava  a  mão  ao  peito 
Como  a  qu'rer  comprimir  lá  õentro  o  coração  ! 

Mas  n'isto  o  teu  olhar  cruzou-se  com  o  meu, 
Li  n'elle  tanta  ôôr  que  temi  o  castigo ! 
E  n'um  impulso  òoiòo  a  rir  e  a  chorar  . .  eu 
Peôi-te ;  —  «Parte,  amor !  mas  leva-me  contigo.> 

Maria  Canôiòa  Parreira.  Versos,  pag.  61. 


SAUDADE 

Ao  despedir  ine  de  Lagos 

Essa  palavra  studade 
Aquelle  que  a  inyentou, 
A  primeira  veas  que  a  dijse 
Curo  certeza  que  chorou. 

I..  VIEIRA. 

Desòe  que  contei  partir 
Tanta  tristeza  me  invaòe 
Que  eu  sei  emfim  traôuzir 
Essa  palavra  saudade. 


216  Poetisas  Portuguesas 


Sauòaôe !  —  Prazer  sombrio 
Só  quem  a  experimentou 
Comprehenòe  o  que  sentiu 
Aguelle  que  a  inventou . . . 

Foi  sensação  Õe  tristeza  ? 
Quem  sabe  ?  talvez  sorrisse 
De  magoa,  òôr  e  surpreza 
A  primeira  ve^  que  a  disse. 

Mas  se  foi  o  coração 
O  único  que  fallou  . . 
Não  sorriu,  õe  certo,  não, 
Com  certeza  que  chorou . . . 

Maria  Canòiòa  Parreira,  Versos,  pag.  101. 


D.  MARIA  MAGDALENA  VALDEZ  TRIGUEI- 
ROS DE  MARTEL  PATRÍCIO 

D.  Maria  Magòalena  Valõez  Trigueiros  òe  Martel  Patricio 
nasceu  em  Lisboa. 

E'  filha  Ôe  D.  Maria  Henriqueta  õe  Mascarenhas  GoÒinho 
Valôez  e  õe  João  Campelo  Trigueiros  õe  Martel. 

Esta  Senhora,  que  é  casaõa  com  o  õr.  Francisco  António 
Patricio,  publicou  em  1915,  Le  Livre  du  Passe  Mort^  obra 
que  contem  formosos  versos  que  foram  inspiraõos  no  seu 
granõe  amor  pelo  PassáÕo  e  pelas  coisas  frívolas  e  femi- 
ninas que  encantam  a  sua  sensibiliõaõe,  e  que  o  seu  espi- 
rito aõora. 

Le  Livre  du  Passe  Mort  foi  acolhiõo  pelos  nossos  inte- 
lectuaes  e  por  toõa  a  Imprensa  Portugueza  com  mereciôas 
palavras  õe  louvor. 

Neste  original  livro  faz  a  õistincta  Poesia  õe  quem  me 


I 


Poetisas  Portuguesas  217 

estou  ocupanôo.  a  reconstrução  òo  Passáòo,  numa  lingua- 
gem harmoniosa,  apropriada  e  evocadora. 

Para  bem  se  avaliar  õa  inôole  òe  Le  Livre  du  Passe  Mort, 
cujos  capítulos  são : 

A  la  beaufé  mouraníe  des  choses  du  passe!  (que  com- 
prehenõe  os  sonetos,  Vieilles  soies,  Vieux  miroirs,  Vieux  bi- 
joux,  Vieux  Evantails,  Vieux  cristaux  et  porcelaines,  etc.) ; 
Oraisons  au  Charme  qui  s'evolle  des  belles  choses  fragiles  ;  A 
la  couleur  triste  et  f^aie  des  heures  qui  secoulent ! ;  Rêves  et 
impressions  fugitives!  (que  se  compõe  Õos  sonetos  Femse  à 
Vheure  ou  les  belles  choses  sont  plus  belles  /,  Seville  à  Vheure 
oii  les  jardins  sont  embautnés,  et  Lheure  oii  la  paix  tombe., 
divine,  sur  nos  champs  /,  etc.)  Evocations  du  vieux  passe  — 
que  comprehenòe  Dans  les  temps  heroiques  de  la  Grece 
dorée  —  (Impressions  õe  la  Danse  ôes  Faunes  et  ões  Ba- 
chantes  ôe  Tremisor),  La  Belle  Epoque  Romaine  sous  VEm- 
pire  d'Hardrien  (impressions  õe  la  vallé  õe  Tibur),  Dans 
les  temps  mysterieux  du  Moyeu  Age  \  Dans  les  splendeurs 
de  la  Renaissance  Italienne  !  (souvenirs  õe  la  cite  Ões  mar- 
bres  et  ôes  lys,  etc.  —  reproduzo  o  que  a  este  respeito  õiz 
sua  auctora,  que  modestamente  o  firma  com  o  nome  de 
Maria  Magdalena  : 

«A  toutes  les  íemmes,  dont  les  ames  três  femenines,  peu- 
vent  seules  comprendre  le  charme  et  la  beauté  des  choses 
frivoles  et  fragiles,  que  nous  adorons,  je  dedie  ces  vers  faits 
pour  elles,  comme  des  pauvres  oraisous  que  j'adresse  à  tout 
ce  qui  est  beau  et  doit  mourir.  •  > 

D.  Maria  Magdalena  trabalha  num  interessante  livro  em 
que  o  seu  temperamento  creador,  original  e  verdadeira- 
mente artístico,  por  certo  se  revelará  mais  uma  vez.  Rendas^ 
se  intitula  essa  obra,  certamente  um  novo  triunfo  para  a  sua 
auctora. 

I  Ao  falar  nesta  distincta  Poetisa,  é  justo  lembrar  ainda  o 
jpapel  que  bem  recentemente  tomou,  ajudada  por  distinctas 
ie  dedicadas  amigas,  na  encantadora  festa  do  Mercado  Re- 
<írional.,  realizada  a  favor  dos  Soldados  Portugueses. 


218  Poetisas  Portuguesas 


Esta  Ôeliciosa,  interessante  e  pictoresca  òiversão,  em  que 
figuraram  ilustres  Senhoras  e  gentis  Meninas  e  Rapazes  õa 
nossa  primeira  socieòaôe,  vestinõo  os  caracteristicos  trajos 
ôe  õiferentes  regiões  òo  Paiz  e  õa  Iliia  õa  MaÒeira,  pertence 
ao  numero  õas  festas  cuja  grata  impressão  perõura  e  que 
òo  mesmo  moõo  que  o  Mercado  Regional,  realizaõo  no 
Porto,  a  instituição  ôas  Madrinhas  de  Guerra  (iòeia  que 
partiu  Òe  D.  Sophia  Burnay  ôe  Mello  Breyner),  e  a  Festa 
da  Flor  levaòa  a  efeito,  com  granõe  sucesso  e  brilhantismo, 
em  Lisboa,  Porto,  Coimbra  e  outras  ciõaôes  e  terras  ôe 
Portugal  —  serão  lembraòas  com  sauôaòe,  não  só  por  to- 
dos aqueles  que  a  elas  assistiram,  como  também  com  gra- 
tiôão  pelas  inúmeras  famílias  a  quem  tão  simpáticas  e  bem- 
íazejas  iniciativas  proporcionam  inúmeros  benefícios.       3 

No  Mercado  Regional,  realisaôo  em  Lisboa  nas  salas  ôa 
SocieÕaõe  Nacional  õe  Belas  Artes,  tomaram  parte,  alem 
ôe  D.  Maria  Magôalena  Trigueiros  e  D.  Zulmira  Franco  Teí 
xeira  (auctora  ôe  belas  e  alusivas  quaôras  que  acompanha 
vam  as  flores  que  se  venôiam) : 

D.  Maria  L.  ôe  Brito  Rocha  e  Mello,  D.  Helena  ôe  Brite 
Rocha  e  Mello,  D.  Anna  ôa  Cunha  e  Menezes  Pinto  Carôosc 
(Lumiares),  D.  Maria  Luiza  Barroso  ôa  Camará,  D.  Fran- 
cisca Seabra  ôe  Lacerôa,  D.  Maria  ôe  Brito  ôa  Rocha  < 
Mello,  D.  Emilía  Cabral  ôa  Silva,  D.  Maria  ôe  Roure,  D.  So 
fia  Peôreira,  D.  Maria  Carlota  ôe  Paiva  Raposo,  D.  Alber 
tina  ôa  Camará  Roôrigues,  D.  Constança  ôe  Berquó  (Loulé) 
D.  Maria  Viana  ôe  Lemos  ôa  Costa  ôe  Albuquerque  Sale 
ma,  D.  Maria  ôa  Conceição  Viana  Machaôo  Castello  Branc< 
(Caria),  D.  Ema  Ferreira  ô'Almeiôa,  D.  Helena  ôe  Queric 
Macieira,  maôemoiseles   Levy,   Tavares   Pinto   ô'Avellai 
WaÔôington,  Zaguri,  Amzalak,  D.  Maria  ôe  Sola  Telles  ô 
Castro  Lopes,  D.  Izabel  ôe  Aguiar  ôe  Castro  e  Sola  (Fran 
cos),  D.  Maria  Clara  Telles  ôa  Silva  Ôe  Castro  e  Sola,  E 
Maria  ôo  Carmo  ôe  Menôonça  Pessanha  (Rezenôe),  D.  Ma 
ria  Luiza  Ôe  Vasconcellos  e  Sousa  Alves,  D.  Helena  ôa  Ca 
mara  Viterbo  (Ribeira),  D.  Alice  Bettencourt,  D.  Angelin 


Poetisas  Portuguesas  219 

Plantier,  D.  Olga  Buzaglo,  D.  Maria  Lima  Pefers,  D.  Octa- 
via  Sassetti,  D.  Maria  òa  Maòre  õe  Deus  Sampaio  Mello  e 
Castro  e  D.  Palmira  Navarro  Viana  Bastos. 

L'HEUSE  ROUGE 

DéSsechée  au  grano  loin  se  Ôeroulait  la  plaine 
Telle  une  vaste  mer  aux  enormes  vaisseaux 
Et  c'etait  les  hameaux,  eblouissants  õe  chaux, 
Voiliers  proõigieux  õe  cette  mer  lointaine. 

Le  soleil  flamboyait  õans  sa  granõeur  paienne, 
Acablés  Õe  chaleur  peisaient  les  animaux, 
Et  le  soleil  brulait  et  bergers  et  troupeaux, 
La  terre  s'embrasait  Õe  rougeur  incertaine . . . 

La  terre  s'enõormait  pesante  õe  someil, 
Défaillant  aux  baisers  farouches  õu  soleil, 
La  cigale  chantait  õans  Tepaisseur  Õu  foin. 

L'heure  rouge  flambait  en  chansons  õe  lumière, 

E  cette  heure  semblait  être  Theure  õernière, 

Que  les  cloches  sonnaient  õans  les  clochers  au  loin  ! 

Maria  Magõalena.  Le  Livre  du  Passe  Mort. 


ORAISON  AUX  DENTELLES 

}áÕore  la  souplesse  fine  ões  õentelles  . . 
En  les  touchant  parfois  Ões  Õoigts  impatients 
Le  õoux  frémissement  ões  tissus  anciens 
Me  fait  trouver  une  âme  aux  choses  irreélles ! 

Jáõore  la  souplesse  fine  ões  õentelles  . . 
Des  femmes  Õ'autreíois  aux  profils  patriciens, 
Ont  broõé  patiement,  õe  leurs  õoigts  magiciens, 
Ces  rêves  transparents,  aux  grâces  éternelles ! 


220  Poetisas  Portuguesas 


Vous  õurerez  toujous  òentelles  òu  passe, 
Car  sur  vos  vieux  Õessins,  un  parfum,  éffacé, 
Vous  òonne  Ia  fraicheur  comme  une  eau  qui  jallit. 

Et  Ia  calme  Beauté  qui  se  meurt  õans  votre  âme, 
Nous  reparait  en  grâce,  et  charme,  sur  la  femme, 
Dentelles  õe  Venise,  Irlanôe  ou  Chantilly  ! 

Maria  MagÔalena,  Le  Livre  du  Passe  Mort. 


D.  MARIA  DO  CARMO  PEIXOTO 

D.  Maria  òo  Carmo  Peixoto  é  filha  òe  D.  Maria  Aòelaiôe 
N.  òe  Abreu  Peixoto  e  òe  ]osé  õa  Cunha  Abreu  Peixoto.^ 

Os  versos  òesta  Senhora  nunca  foram  reuniõos  em  vo- 
lume, o  que  é  para  lastimar,  pois  formariam  um  apreciável 
cônjucto,  em  que  predominaria  a  beleza,  originaliòaòe  e 
graça. 

As  poesias  õesta  Senhora  teem  siõo  publicaòas  em  va 
rios  jornaes,  como  a  Nação,  Jornal  do  Comercio,  etc. 

DEIXÁE  QUE  EU  SONHE... 

Se  a  Crença  que  me  anima  e  acalenta 
Se  o  Amor  e  o  Bem,  tuòo  que  é  bello 

E'  mentira  na  Viõa. . . 
Se  é  tuõo  um  sonho,  o  que  me  faz  viver  . . 
Oh !  õeixae-me  sonhar  a  viõa  inteira 

Quero  viver  illuòiôa ! 

Quero  viver  no  Sonho  e  na  Chimera 

Se  me  chamarem  louca,  o  que  me  importa  ? ! 

Se  sou  feliz  assim  ? ! 
Eu  quero  acreditar  que  o  Amor  existe  . .  ' 

Que  a  virtuòe,  não  é  uma  mentira  . . 

Que  a  viõa  não  tem  fim ! 


Poetisas  Portuguesas  221 


Acreôito  nas  almas  côr  õ'arminho 
E  que  mesmo  nas  almas  õesôltosas 

Negras  como  o  Horror.. . 
Ha  um  cantinho  branco,  aonôe  occultos, 
Fallanôo  mui  baixinlio  -  •  existe  o  Bem 

A  Crença  e  o  Amor  !  • . 

Não  me  rasgueis  o  veu  õa  illusão 
E  õeixae-me  sonhar. . .  Se  é  mentira 

Se  a  viõa  não  é  isto.  • . 
Não  me  acoròeis-   .  Cuiõaõo  !  a  viõa  é  breve  ! 
Ah !  õeixae-me  sonhar  . .  Que  eu  só  Desperte 
Um  õia  aos  pés  õe  Christo  ! 

Maria  òo  Carmo  Peixoto. 


A  UNS  OLHOS     . 

Teus  linõos  olhos  raõiosos 
Não  sei  que  fatal  conòão 
Possuem,  que  o  coração 
Nunca  mais  senti  bater 
Depois  õe  os  ver ! 

Ha  uns  olhos  que  ôão  viôa 
Ha  outros  que  morte  õão 
Teem  esse  fatal  conòão 
Os  teus  olhos,  meu  amor 

Mas  Senhor ! 
Como  é  bom  assim  morrer 

Depois  òe  os  ver  ! 

Maria  òo  Carmo  Peixoto. 


222  Poetisas  Portuguesas 


D.  EUGENIA  REGO  PEREIRA 

D.  Eugenia  Rego  Pereira  nasceu  na  Ilha  òa  Maòeira. 

Tem  colaboraôo  em  õiversos  jornaes  òessa  Ilha  e  no 
meaòamente  no  Diário  da  õMadeira,  òe  que  é  õistincto  õl 
rector  José  Cruz  Baptista  Santos,  auctor  òas  Rosas  e  Jas 
mins. 

Ao  ilustre  poeta,  bem  como  ao  meu  amigo  ]orge  õa  Silva 
Freitas,  aqui  òeixo  expresso  o  meu  sincero  agrabecimento 
por  algumas  indicações  que  me  forneceram  acerca  õas 
Poetisas  Maòeirenses. 

AO  CAIR  DA  TARDE 

Vae  aos  poucos  o  sol  esmorecenõo 
Entre  as  nuvens  Òoiraòas,  setinosas ; 
E  as  aves  o  espaço  percorrendo 
Vão  no  ar  como  pétalas  õe  rosas. 

Choram  as  fontes,  e  as  flor's  tremenôo 
Na  haste  se  baloiçam  õeleitosas, 
Longe,  o  pastor  o  gaõo  recolhenòo 
Entoa  triste  umas  canções  sauòosas. 

Uma  vaga  tristeza  nos  invaõe. 

Em  noss'alma  se  espalha  uma  sauòaòe, 

Echo  õistante  ôe  passaòo  hymno. 

E  o  sol  em  fogo,  treme  agonisante, 
Depois.   .  a  noite  apaga-o  n'um  instante, 
Como  lagrima  ao  riso  cristalino. 

Eugenia  Rego  Pereira.  Funchal. 


Poetisas  Portuguesas  223 


ECHOS  QUE  PASSAM 

Noite  Ôe  estio  arõente.  —  Pelas  alõeia, 
Nas  eiras  cantam  linõas  raparigas 
Loiras,  õa  côr  bo  oiro  Òas  espigas, 
O  amor  que  as  almas  moças  incenõeia. 

A  lua,  hóstia  Òe  luz,  no  ceu  vagueia, 
Ao  som  plangente  e  terno  Õas  cantigas, 
Sentinôo  reviver  canções  antigas 
O  pensamento  vôa,  devaneia. 

E  õeixa-nos  sonhar.  —  E  a  sonhar  vamos 
Passaõo  fora,  á  infância  que  lembramos. 
Mas,  sonhos  òe  luar,  tuõo  acabou  ! 

Ao  longe,  o  echo  morre  docemente, 
E  òá-nos  a  illusão  que  é  o  som  dolente 
Dos  cantos  que  o  passaõo  nos  levou, 

Eugenia  Rego  Pereira.  Madeira. 


D.  LUIZA  MARIA  PEREIRA 

D.  Luiza  Maria  Pereira  é  natural  da  Ilha  da  Madeira. 

Os  seus  versos  vêem  publicados  na  obra  «Flores  da  Ma- 
eiran  «poesias  de  diversos  auctores  Madeirenses  colligi- 
as  pelo  Dr.  José  Leite  Monteiro  e  Alfredo  César  d'01i- 
'eira>. 

A  2.^  serie  das^  Flores  da  Madeira  entre  outros  nomes 
e  poetas,  menciona  os  de : 

Januário  Justiniano  de  Nobega,  João  Fortunato  d'01iveira^ 
oão  da  Nobega  Soares,  João  C.  Coutinho  Gorjão,  José 
mtonio  Monteiro  Teixeira,  José  Mareia  da  Silveira,  etc. 


224  Poetisas  Portuguesas 


TRIBUTO  DE  SAUDADE 

Ergue-te,  pomba,  õo  gelaõo  leito  ; 

Vem  escutar  a  minha  voz  sauôosa  ; 

Vem  ver-me  o  pranto  que  hoje  aqui,  chorosa, 

Por  ti  rebenta  õe  meu  triste  peito. 

Dos  puros  lábios  o  ingénuo  riso 
Venho  buscar,  para  apagar-me  a  õor 
Que  me  õeixára  Òa  mubez  o  horror 
Em  troca  òo  terreno  paraiso. 

Em  quantos  peitos  a  viuvez  deixaste  ! 
Em  quantos  olhos  borbulhando  o  pranto 
Que  em  vão  reclama  ò'essa  voz  o  encanto, 
Que  ôéste  a  Deus  e  n'alma  nos  gravaste ! 

Eras  ôo  ceu,  angélica  assucena  ! 
Teus  òias  a  virtuôe  numerou  ; 
Dos  anjos  a  symQathica  ternura 
Na  bella  fronte  o  berço  te  gravou. 

Ai  berço,  berço  õe  flores 
Que  a  materna  mão  creou ; 
Ai  berço  aonõe  a  virtuôe 
Seu  perfume  ensinuou ! 

Bebeu  teu  seio  esse  aroma 
Que  no  sepulchro  fechaste, 
E  ás  almas  que  acarinhaste 
Esse  néctar  ainda  assoma ! 

Eras  õo  ceu,  sympathica  assucena  ! 
Envia  ao  seio  õo  amaõo  esposo 
Esse  perfume  õ'alma  que,  choroso, 
Ella  procura  para  a  viva  pena. 


Poetisas  Portuguesas  225 


Solta-lhe  n'alma,  que  a  sauôaõe  rala, 
O  hálito  que  a  viõa  lhe  afagava  ! 
Essa  òoçura  que  o  alimentava 
Mate-lhe  o  fel  que  nos  seus  ôias  cala. 

Luiza  Maria  Pereira.  Flores  da  Madeira,  1871. 


D.  MARIA  DA  COSTA  PEREIRA 

D.  Maria  õa  Costa  Pereira  beni  como  outras  Senhoras  a 
quem  faço  referencia  nesta  Antologia,  nasceu  na  riõente  e 
bela  Ilha  ôa  Maôeira, 

Nas  <^ Flores  da  Madeira»,  obra  que  já  varias  vezes  citei, 
ha  colaboração  ôesta  Poetisa. 

O  1."  volume— 1."  serie  —  òa  mencionaõa  publicação 
[jpareceu  em  1871  e  a  2.'  serie  em  1872. 

Entre  os  Poetas  mencionados  nesse  trabalho,  leem-se  os 
liomes  &e : 

António  Policarpo  ôe  Passos  Sousa,  Alfreòo  César  ò'01i- 
eira,  Alipio  Augusto  Ferreira,  Diogo  Derenger  }unior, 
|',òuaròo  E.  ôe  Carvalho,  Francisco  Vieira,  etc. 

A  MINHA  IRMÃ 

I 

Da  natureza  fecunõa 
Na  primavera  gentil, 
Quanòo  òo  seio  õo  Eterno 
Chovem  thesouros,  a  mil, 

E  o  grémio  òa  terra  exhala 
Perfumes  gratos  nas  flores, 
Tuõo  é  esperança  e  ventura 
E  tuòo  respira  amores, 

15 


226  Poetisas  Portuguesas 

Da  tua  existência  o  òia 
Primeiro  a  luz  conheceu ; 
As  impressões  ò'esta  quaõra 
Tu'alma  toÊas  bebeu. 

11 

Hymnos  !• . .  hymnos  teus  annos  me  peòem  ! 
No  meu  seio  a  amizaõe  os  contêm ; 
Mas  a  lyra,  instrumento  òe  máguas, 
Para  o  goso  já  forças  não  tem, 

Hymnos!.. 4  hymnos  talvez  maguassem 
De  teu  peito  a  feriõa  ternura ; 
Do  pesar  ouve  os  sons  que  conheces, 
Co'a  amargura  se  justa  a  amargura. 

Para  erguer  os  punhaes  òe  teu  seio, 
O  meu  seio  não  ôeixam  curvar 
Os  que  o  meu  cruelmente  laceram ; 
Só  me  resta  comligo  chorar ! 

Tuas  òores  são  minhas  e  tuas ; 
Meus  pezares,  sombrios,  são  teus ; 
Do  martyrio  a  c'rôa  e  a  palma 
Para  nós  guaròa  o  seio  õe  Deus. 

Maria  õa  Costa  Pereira.  Piores  da  Madeira,  1862. 


D.  BEATRIZ  PINHEIRO 

D.  Beatriz  Pinheiro  nasceu  em  Vizeu. 

Foi  no  liceu  ôessa  ciõaôe,  onõe  fez  com  muito  brilhe 
curso  complementar  òe  sciencias  e  letras,  no  qual  obt 
ôistinções  em  quasi  toõas  as  õisciplinas. 

Os  primeiros  trabalhos  literários  õesta  ilustre  Poe 


Poetisas  Portuguesas  227 

ram  publicados  quanòo  frequentava  os  últimos  anos 
liceu  ;  apareceram  na  revista  acaôemica  A  Mocidade, 
lõaôa  nessa  ciõaòe  por  seu  conôiscipulo  Carlos  ôe  Le- 
is, poeta  e  professor  com  quem  anos  ôepois  se  uniu  por 
;os  matrimoniaes. 

Nessa  ciôaôe,  crecu  D.  Beatriz  Pinheiro,  ajuõaôa  por 
u  esposo,  a  revista  ôe  arte  e  critica,  Ave  A^ul  que  ourou 
is  anos.  Na  secção  Sala  de  Visitas  ôesta  interessante 
/ista,  figuram  versos  õe :  Fausto  Gueões  Teixeira,  Euge- 
)  Òe  Castro,  Manoel  ôa  Silva  Gaio,  Carlos  õe  Mesquita, 
irrea  ôe  Oliveira,  Affonso  Lopes  Vieira,  Camillo  Pessanha, 
Thomaz  õe  Noronha,  etc. 

Foi,  principalmente,  a  partir  õe  1900,  que  esta  Senhora 
lis  activamente  se  preocupou  com  o  problema  õa  eman- 
>ação  õa  mulher  pela  instrução  e  pelo  trabalho,  como 
k/elou  em  muitos  artigos  e  crónicas  que  em  Portugal  e 
)  estrangeiro  õespertaram  bastante  interesse,  tenòo  al- 
ns  õeles  õaôo  origem  a  larga  polemica  como  a  que  sus- 
itou  o  faleciõo  paõre  e  escriptor  Senna  Freitas,  na  Tri- 
na. 

Os  artigos  a  que  aluõo,  foram  publicaõos  na  Ave  A^ul, 
òe  D.  Beatriz  Pinheiro  colaborou,  escrevenõo  muitos 
ntos,  que  tiveram  a  honra  ôe  ser,  quasi  toõos,  traõuzi- 
s  e  ôivulgaôos,  em  revistas  õe  Itália,  por  A.  Mari. 
m  verso,  alem  õa  Oração,  e  õos  sonetos  Psiché,  Cri- 
ida  e  as  folhas  de  um  Álbum  (uma  õas  suas  primeiras 
nposições  poéticas),  escreveu  os  poemas  Q4nheUa  e  Os 
j  cavaleiros  que  Thomaz  Camizzaro  e  Phileas  Lebesgue 
teram,  respectivamente,  para  verso  italiano  e  para  prosa 
laòa  franceza. 

)s  trabalhos  literários  õesta  Poetisa  foram  carinhosa- 
tite  apreciaôos  na  Imprensa  Portuguesa  por  Roôrigo 
oso,  TrinõaÕe  Coelho,  Teixeira  Bastos,  Luiz  Trigueiros, 
H)lfo  Portela,  José  Agostinho,  }ulio  õe  Lem.os,  José  õe 
|;eõo.  Augusto  õe  Castro  e  por  outros  escriptores  cujos 
hes  me  não  lembro  neste  momento. 


228  Poetisas  Portuguesas 

A  eles  se  referiram  também  as  revistas  estrangeiras,  ( 
labria,  Iride  de  Reggio,  Esperta,  õe  Caserta,  VHumai 
Nouvelle,  Verbeine,  Mercure  de  France,  etc. 

Igualmente  tiveram  palavras  òe  encómio  para  esta  5 
nhora : 

A.  Paôulla,  Prospero  Peragallo,  L.  Zuccaro.  V.  Çmile 
chelet,  Thomaz  Camizzarro  e  Any  René  ò'Yvemont,  que 
Mercure  de  France  escreveu  : 

—  «Beatriz  Pinheiro  ['Aòa  Negri  ôu  Portugal. . . » 

J'ai  retenue  au  hasarô  une  õelicieuse  Oraison  (Orai 
emquanto  meu  filho  õorme)  õigne  õe  João  ôe  Deus,  la  t 
laõe  òes  Trois  Cavaliers  (Os  três  cavaleiros)  qu'on  ôi 
õe  folklore,  Psiché,  Anhelia,  õ'un  souple  si  õelicieusem 
subjectif  et  pantheistique>. 

Como  prosaõora,  õe  D.  Beatriz  Pinheiro,  õisse  Any  R' 
õ'Yvemont,  na  Verbeine  :  J'ai  lu  et  relu  bien  ões  fois  /J 
almas,  (Deux  ames)  Nouvelle  õe  Beatriz  Pinheiro,  oúj 
sentiments  sont  sufisement  ciselés.  Duas  almas  est  um 
tit  chef  õ'oeuvre  õigne  õe  nos  meilleurs  ecrivains>. 

Por  ocasião  õo  caso  Calmon,  coaõjuvaõa  por  um  gr 
õe  senhoras  que  a  escolheram  para  presiôente  õa  Ui 
de  Senhoras  Liberaes  de  Viijfeu,  funõou  D.  Beatriz  Pinhe 
como  protesto  contra  a  eõucação  congreganista,  a  Es< 
Liberal  João  õe  Deus,  para  raparigas  pobres. 

D.  Beatriz  Pinheiro  foi,  õurante  três  anos,  professor? 
Liceu  Maria  Pia.  Actualmente,  é  professora  õe  Litera 
Portuguesa  no  Curso  especial  õe  Eõucação  Femininé 
sócia  õe  mérito  õa  Associação  õas  Escolas  Moveis  Joã 
Deus,  por  proposta  õe  Magalhães  Lima  ;  é  sócia  corresi 
õente  õo  Instituto  õe  Coimbra,  por  proposta  õo  Dr.  I 
narõino  MachaÕo. 


Poetisas  Portuguesas  229 


CRISÁLIDA 

Des  ailes  !  des  ailes  !  des  ailea  ! 
TH.    GAUTIER. 

Nas  horas  õe  silencio,  olhos  fechaòos 
Ao  beijo  hypnotico  õo  luar  bemõito, 
Que  azas  leves  são  essas  que  eu  agito 
Por  longínquos  caminhos  ignoraòos  ? 

Que  azas  fluiòas  são  essas  que,  se  fito 
Do  alto  õelas  os  munôos  afastados, 
Meus  olhos  logo  sinto  õeslurabraôos 
Na  luz  õessas  pupillas  õo  Infinito  ?  ! 

Azas  leves,  mais  leves  òo  que  a  aragem. . . 
E  fluiòas,  vaporosas  como  a  imagem 
Dum  clarão  sobre  as  aguas  fugiòias. . . 

Azas  que  me  arrebatam,  céus  em  fora, 
Para  onôe  o  sonho  vive  e  onôe  a  Luz  mora, 
Ao  êxtase  õas  òivinas  alegrias ! 

eatriz  Pinheiro. 


HINO  AO  SOL 
(do  poema  Anhelia) 

Oh  Sol  que  com  teus  raios,  mal  assomas. 
Azulas  toõo  o  ceu  e  a  terra  aloiras : 
Que  o  chão  mal  tocas  com  as  fulvas  comas 
E  a  poeira  ôo  chão  p'ra  logo  òoiras : 

Oh  Sol,  que  és  tuõo  quanto  ha  na  Terra : 
Que  és  flor  e  és  fruto,  que  és  perfume  e  és  còr : 
Sol,  cujo  seio  a  viõa  toõa  encerras, 
3ue  a  viòa  não  é  mais  òo  que  calor : 


230  Poetisas  Portuguesas 

Oh  Sol  que  estes  meus  olhos  enxugavas, 
Quanòo  elles,  razos  ò'agua,  mal  te  viam .   . 
A  ver  se  com  teu  hálito  secavas 
A  fonte  ôonõe  as  lagrimas  nasciam  : 

Oh  Sol  que  no  meu  lábio  agora  cantas, 
Meu  sangue  aqueces,  nos  meus  nervos  vibras 
Sol  que  p'ra  o  Ceu  õa  Terra  me  levantas 
E  que  entre  o  Ceu  e  a  Terra  me  equilibras : 

Claro  Sol !  Vivo  Sol !  Oh  Sol  Õivino ! 
Pela  luz  cujo  rasto  agora  sigo, 
Em  que  anôava  perõiõa  sem  Destino, 
Oh !  Sol !  eu  te  bemòigo  ! 

Beatriz  Pinheiro. 


A'  MEMORIA  DO  POETA  DAS  PENINSULARES 
DR.  SIMÕES  DIAS 

Poeta  Ôo  Amor,  que  o  puro  Amor  cantaste 
E  tão  ceòo  fugiste  ao  nosso  amor, 
D'o!hos  fitos  no  vivo  resplenòor 
Do  sonho  que  na  terra  não  achaste  : 

Se  /i,  onõe  o  teu  sonho  realisaste, 
Tu  que  foste  na  terra  um  sonhaòor. 
Algum  ecco  perôiôo,  algum  rumor 
Ainòa  chega  õo  munõo  que  Deixaste  : 

Que  o  perfume  òas  rosas  òesfolhaòas, 
Que  a  essência  òas  lagrimas  choraõas 
Na  cova,  onõe  o  teu  corpo  repousou, 

Num  claro  raio  ôe  luz  p'ra  ti  voanòo 

Te  façam  o  ether  brando  inõa  mais  branõo 

Lá,  onõe  o  teu  espirito  voou. 

Beatriz  Pinheiro.  Ave  A^ul,  Revista  õe  Arte  e  CriticaJ 
rie  I,  fascículo  n."  4,  Vizeu,  15-4-1899,  pag.  146.     » 


Poetisas  Portuguesas  231 

D.  ANNA  AUGUSTA  PLÁCIDO 

(viscondessa  de  CORRÊA  BOTELHO) 

D.  Anna  Augusta  Placiõo  nasceu  na  ciõaôe  ôo  Porto,  em 
setembro  Òe  1833. 

Faleceu  contanôo  62  anos  Òe  iõaõe,  em  São  Miguel  ôe 
Seiôe,  aos  19  õe  setembro  ôe  1895. 

Era  filha  ôo  comerciante  portuense  José  Placiòo  Braga 
—  uma  Ôas  victimas  ôo  celebre  naufrágio  ôo  vapor  T^orto, 
suceôiôo  na  tarôe  ôe  29-3-1852— e  ôe  D.  Anna  Augusta 
Vieira,  natural  também  ôo  Porto. 

Dos  ôoze  filhos  oeste  consorcio,  em  1862,  apenas  resta- 
vam quatro,  no  numero  Ôos  quaes  se  contava  D.  Anna 
Placiôo,  que  a  este  facto  aluôe  no  aômiravel  prologo  ôo  seu 
livro  Luiji  coada  por  ferros,  que  foi  escripto  como  é  sabiôo, 
na  caôeia  ôa  Relação  ôo  Porto. 

D.  Anna  Placiôo  consorciou-se,  em  primeiras  núpcias, 
com  o  rico  comerciante  portuense  Manoel  Pinheiro  Alves, 
Ôe  quem  enviuvou  em  15  ôe  ]ulho  ôe  1863,  tenôo  haviôo 
ôesse  matrimonio  um  filho  Manoel  Placiôo  que  faleceu  na 
Povoa  ôe  Varzim  em  17  ôe  setembro  ôe  1877,  contanõo 
apenas  19  anos  ôe  iôaôe ;  a  sua  morte  foi  muita  sentiôa 
por  Camillo,  que  nas  Scenas  da  Hora  final  escreveu  a  pro- 
pósito oeste  acontecimento  algumas  ôas  suas  mais  belas 
paginas  ôe  prosa. 

No  ôia  9  ôe  março  Ôe  1888,  Camillo  casou  no  Porto,  na 
sua  casa  ôa  rua  ôe  Santa  Catharina  n.°  458,  com  D.  Anna 
Placiôo,  ôe  quem  teve  os  seguintes  filhos :  ]orge  Camillo 
Castello  Branco  —o  primogénito  que  mais  tarôe  enôoiôe- 
ceu  e  a  quem  por  ôecreto  ôe  23-5-1889  foi  conceôiôa  uma 
pensão  vitalícia  anual  Ôe  um  conto  õe  reis ;  e  Nuno  Cas- 
tello Branco,  agraciaôo  com  o  titulo  ôe  Visconôe  ôe  São 
Miguel  ôe  Seiôe,  faleciôo  em  23-1-1896. 

D.  Anna  Placiôo,  Senhora  muito  culta,  versaôa  em  lite- 
ratura esoíreòora,  escreveu:  Linj  coada  por  ferros ;  no  jor- 


232  Poetisas  Portuguesas 


nal  O  Leme,  òe  seu  filho  Nuno,  publicaòo  em  Seiòe,  co- 
meçou, sob  o  pseuòonimo  Ôe  Lopo  de  Sousa,  um  romance 
—  Núcleo  de  Agonias,  trabalho  este,  em  que  ha,  como  na 
Z,uf  coada  por  ferros,  veròaôeiros  traços  revelaòores  õe 
òôre  passagens  que  são  claras  notas  autobiográficas. 

Traduziu :  A  Marcelle,  òe  AmaÔée  Acharõ,  com  o  titulo, 
Como  as  mulheres  se  perdem^  Porto,  1874, 

No  mesmo  ano,  e  òo  citaòo  auctor,  A  vergonha  que  mata  ; 
em  1875,  Aprender  na  desgraça  alheia,  trabalhos  em  que 
usou  o  pseuòonimo  já  citaõo ;  A  vida  futura,  òe  Lescoeur, 
1877  (versão  revista  e  prefaciaòa  por  Camillo),  e  O  Papa  e 
a  liberdade,  òe  R.  Constant,  etc, 

D,  Anna  Placiòo  também  usou  na  Gaveta  litteraria  òo 
Porto,  òo  pseuòonimo  òe  Gastão  Vidal  de  Negreiros. 

Colaborou  em  inúmeros  jornaes. 

Foi  por  causa  òe  D.  Anna  Placiòo  que  Camillo  òeu  en- 
traòa  na  caòeia  òo  Porto  em  1-10-1860,  òonòe  sahiuabsol- 
viòo  em  Outubro  òe  1861, 

No  cárcere,  escreveu  o  mais  fecunòo  romancista  portu- 
guês alguns  òos  seus  melhores  livros,  senão  os  mais  per- 
feitos e  belos : 

Amor  de  perdição,  Romance  de  um  homem  rico,  Annos  de 
prosa,  alguns  òos  Do^e  casamentos  felizes,  etc. 

Para  bem  avaliar  òa  enorme  influencia  que  D.  Anna  Pla- 
ciòo exerceu  sobre  Camillo,  que  pela  primeira  vez  que  a 
viu  —  já  noiva  —  num  baile  òa  Assemblêa  Portuense  lhe  cha- 
mou a  sua  mulher  fatal,  é  muito  útil  e  interessante  a  lei- 
tura òas  seguintes  obras  òe  Camillo :  Memorias  do  cárcere, 
Annos  de  prosa.  No  bom  Jesus  do  Monte,  Eusébio  Macário, 
Os  brilhantes  do  brasileiro,  Scenas  itxnocentes  da  comedia 
humana  e  Ao  anoitecer  da  vida,  livros  em  que  D,  Anna  Pla- 
ciòo é  trataòa,  por  Rachel,  Adriana,  Henriqueta,  Ludovina, 
Leonor,  etc. 

A  lista  citaòa  ficaria  incompheta,  se  não  mencionasse  oS 
trabalhos  òo  eruòito  investigaòor  sr,  Alberto  Pimentel,  cu- 
jos titulos  são  :  éMemorias  do  tempo  de  Camillo,  Romance 


Poetisas  Portuguesas  233 


do  Romancista,  e  sobretudo  o  seu  conscencioso  estuòo  Os . 
Amores  de  Camillo.  Quem  ler  as  obras  citaòas  ficará  com 
uma  iòeia  completa  e  nitiòa  Õos  vjranòes  Òramas  amorosos 
ccorriôos  na  viõa  òo  maior  romancista  português. 

A'  poesia  Maldita,  que  reproòuzo  nesta  Antologia,  res- 
ponõeu  Camillo  com  uma  outra  intitulaôa,  Maldita  porque  ? 
que  começa  e  termina  oeste  moõo : 

Maldita  I  Que  importa  que  o  mundo  te  brade, 
Qae  a  infâmia  na  fronte  te  escreva  :  «maldita  !• 
O  Chriíito,  no  Itntjo  da  dor  infinita, 
Também  foi  meldito  da  raça  precita, 
E  Ohristo  era  um  Oeus. 


Bemdita,  bemdita,  6  martyr  tu  lejas, 
Que  um  dia  sonhaste  ventura  no  amor  ! 
Cabisttt  da  altura  dos  teua  devaneios 
Cahiste  e  clioraste ;  e  a  chorar,  pasmam  cheios 
Tena  dias  de  dôr  ! 

Camillo  Castello. Branco.  Ao  anoittcer  da  vida. 

Provanõo  o  seu  afecto  por  D.  Anna  PlaciÕo,  vou  repro- 
j)uzir  a  seguinte  quaòra  escripta  pelo  auctor  ôe  Um  Livro 

Duas  Épocas  da  Vida,  copiaôa  õo  n."  521,  õe  4-2-1906 
jKII  anno),  pag.  2  òa  Mala  da  Europa. 

A  RACHEL 

fULTIMOS    versos) 

Eu  deixei  de  viver,  quando  os  meus  olhos 
Deixaram  de  le  v@r,  ó  minha  amada  ! 
Ceguei,  morri  I  De  mim  que  reata  agora  ? 
O  estortor  da  alma  atormentada. 

IE'  òo  livro  Camillo  inédito,  õo  Visconõe  òe  Villa  Moura 
Iseguinte  trecho  õe  um  autografo  òe  Camillo : 

«Os  incuráveis  soffrimentos  que  se  vão  complicanõo 

os  os  òias  levam-me  ao  suiciôio,  único  remeõio  que 

s  posso  òar.  Roòeaõo  õe  infeleciõaões  õe  espécie  mo- 

senõo  a  primeira  a  insânia  ôe  meu  filho  Jorge,  e  a  se- 


234  Poetisa/i  Portuguesas 


gunõa  os  õestinos  ôe  meu  filho  Nuno,  naòa  tenho  a  que 
me  ampare  nas  consolações  Ôa  família.  A  mãe  oeste  õois 
õesgraçaõos  não  promete  longa  viõa ;  e,  se  eu  puòesse 
arrastar  a  minha  existência  até  ver  Anna  Placiôo  morta, 
infallivelmente  me  suiciòaria.> 

<Não  Deixarei  cahir  sobre  mim  essa  enorme  desventura^ 
—  a  maior,  a  incomprehensivel  á  minha  granõe  compre-! 
hensão  òa  òesgraça.» 

«Esta  Deliberação  òe  me  suiciòar  vem  õe  longe,  com  um 
presentimento.  Previ  òesòe  os  trinta  annos  este  fim.  Re- 
ceio que  chegaôo  o  supremo  momento  não  tenha  a  firmesa 
õe  espirito  para  traçar  estas  linhas». 

Camillo  tomou  a  resolução  a  que  se  refere  esta  carta  em 
1-6-1890. 

D.  Anna  Placiôo  faleceu  5  anos  òepois. 

Acerca  òa  morte  õe  Camillo,  viòe  um  artigo  õo  auctor 
ôesta  Antologia,  intitulado  Camillo  e  os  seus  amigos,  a  sahirj 
num  interessante  livro  colaboraòo  por  escriptores  portu- 
gueses e  brazileiros,  obra  que  se  òeve  á  iniciativa  õo  sr  | 
Ventura  Abrantes. 

MALDITA  !  ^ 

Malõita !  malõita !  eis  a  voz  que  eu  escuto 
Nas  sombras  õa  noite,  se  geme  o  tufão ;  ^ 

Ao  longe  lá  ouço  bramir  a  tormenta,  f 

Não  menos  meõonha  no  meu  coração. 

Malõita  !  malõita  !  me  braõam  os  raios. 
RaianÕo-me  a  fronte  sinistro  fulgor. 
E  eu  palliõa  e  triste  qual  anjo  repulso 
Debalõe  levanto  as  mãos  ao  Senhor ! 

Malõita  !  malõita !  os  ferros  me  Õizem 
Que  inertes  assistem  á  minha  afflicção  ; 
E  a  estreita,  que  passa  ligeira  se  esconõe 
Deixanõo  nas  trevas  bramir  o  trovão. 


Poetisas  Portuguesas  235 


Malôita  !  malòita !  os  echos  repetem 
D'um  munôo  feroz  que  exulta  á  victoria ; 
Malõita  tu  sejas  mulher  infamada 
Por  culpa  que  é  n'outras  suprema  gloria. 

Anna  Placiôo.  Os  Amores  de  Camillo,  por  Alberto  Pimen- 
tel. Lisboa,  1899,  pag.  313. 


A  CAMILLO  CASTELLO  BRANCO 

{l5  DE  AGOSTO  DE   iSSg) 

Passou,  meu  Deus,  foi  um  sonho 
De  que  é  ôoce  o  despertar, 
Das  negras  feias,  visoens, 
]á  nem  me  quero  lembrar. 
Tornei  a  achar  o  remanso 
Do  meu  tão  ôoce  sonhar  . . 

Volto  quasi  á  paz  serena 

Dos  meus  òias  infantis ; 

O  meu  anjo  me  segreõa 

Mistérios.  • .  que  não  se  ôiz 

Vejo  o  futuro  coroaòo 

Pela  esperança  a  que  me  affiz. 

E'  muito  para  a  minh'alma  ; 
Importa  òa  viòa  o  ceu  ; 
Sobre  os  falsos  ôons  òo  munòo 
Lançarei  cerrado  veu. 
Das  ambições  a  mais  nobre 
E'  chamar-te  um  ôia  meu. 

Anna  Augusta.  Livre  PeHsame;jfo,  Coimbra,  maio  õe  1895, 
n."  2,  pag.  46. 


236  Poetisas  Portuguesas 


MARQUEZA  DE  POMARES 

{d.   MARIA  MANUELA  DE  BKITO  E  CASTRO  DE  FIGUEIREDO 
E  MELO  DA  costa) 

A  Marqueza  òe  Pomares,  senhora  muito  õistincta,  é  filha 
ôe  D.  Maria  Ignez  òa  Luz  òe  Carvalho  Daun  e  Lorena  e  ôe 
António  ôe  Brito  e  Castro  ôe  Figueireôo  e  Melo  ôa  Costa, 
õoutor  em  Cânones  pela  Universiôaôe  ôe  Coimbra,  fiôalgo 
cavalleiro  ôa  Casa  Real,  comenôaòor  ôa  orôem  ôe  Christo, 
€tc. 

Casou  em  30  ôe  junho  ôe  1864  com  D.  Luiz  Maria  ôe  Car- 
valho Daun  e  Lorena,  Marquez  ôe  Pomares,  Moço  Fiôalgo 
ôa  Casa  Real,  Par  ôo  Reino  vitalício,  etc. 

Depois  ôa  morte  ôe  seu  esposo,  a  Senhora  Marqueza  ôe 
Pomares  vive  muito  afastaôa  ôa  socieôaôe,  ôeôicanôo-se 
especialmente  a  sua  numerosa  família,  e  aos  seus  pobres  e 
protegiôos. 

Esta  Senhora  que  é  extremamente  caritativa,  já  em  1876 
foi  iniciaôora  ôe  uma  importante  obra  ôe  cariôaôe,  a  que 
se  refere  num  curioso  artigo  publicaôo  na  Pagina  Femini- 
na, ôo  T>iario  Nacional,  ôe  24-5-1917,  a  ilustre  Marqueza 
ôe  Rio  Maior,  que  ultimamente  tem  escripto  no  citaôo  jor- 
nal, explenôiôos  artigos  evocaôores  Ôe  Lisboa  antiga  : 

«Quanôo  se  õerar:i  as  granôes  innunôações  ôo  Tejo,  em 
1876  e  1877,  tiveram  logar  muitas  festas  Ôe  cariôaôe  ôa  ini- 
ciativa ôe  S.  M.  a  Rainha  Sr.^»  D.  Maria  Pia.» 

«Uma  ô'ellas  foi  organizaôa  pela  sr."  Marqueza  ôe  Poma- 
res, no  theatro  ôe  D.  Maria  II,  nas  noites  Ôe  25  e  26  ôe  ja- 
neiro ôe  1877,  e  revestiu-se  ôe  um  raro  explenôor.> 

«Representou-se  o  Frei  Lui:^  de  Sousa,  que  creio  nunca 
mais  tornou  a  ser  tão  bem  representaôo  por  amaôores.> 

A  Senhora  Marqueza  Ôe  Pomares  é  auctora  ôe  um  livro 
em  prosa.  Os  pobres  e  ricos  (Coimbra,  1906),  cujo  proôucto 
reverte  a  favor  ôa  Creche  e  ôo  Asilo  Ôa  Infância  ôesvaliôa 


Poetisas  Portuguesas  237 


ôe  Coimbra,  único  volume  ôe  suas  obras  que  entrou  no 
mercaõo,  e  ôe  ôois  livros  òe  versos.  Intitula-se  um  ôelès, 
salvo  erro,  Sob  a  Cru^. 

E'  para  lamentar  que  o  granõe  retrahimento  Òesta  bon- 
òosa  Senhora  não  permita  a  òivulgação  õas  suas  obras  poé- 
ticas, õo  merecimento  bas  quaes  se  avaliará  pelo  soneto 
Saudade,  que  copiei  õo  livro  A  Tachyi^raphia  ou  Stenogra- 
phia  (sem  mestre),  por  Manuel  Joaquim  õa  Costa,  Lisboa» 
1909,  pag.  87. 

SAUDADE 

Toõos  guarôam  comsigo  uma  sauõaõe ; 
E'  raro  quem  na  viôa  uma  só  tenha. 
Ha  sauõaõe  que  õá  pena  tamanha 
Que,  uma  só,  faz  na  viõa  a  soleõaõe. 

Nem  frios  õa  velhice,  nem  vaiõaõe. 
Transformam  coração  em  oura  penha, 
Em  quanto  õa  õemencia  não  lhe  venha 
Esquecer  tempo,  affectos  e  verõaõe. 

Sauõaõe  não  é  só  memoria  triste 

De  ausentes,  õa  ventura  além  perõiõa ; 

E'  veneno  subtil,  e  que  resiste 

Ao  tempo,  que  nos  leva  amor  e  viõa. 

Em  quanto  o  homem  pensa  em  quanto  existe 

E'  fibra  Õentro  õ'alma  já  partiõa ! 

Marqueza  õe  Pomares.  Sob  a  Cru^. 


238  Poetisas  Portuguesas 


D.  FRANCISCA  DE  PAULA  POSSOLO 

D.  Francisca  ôe  Paula  Possolo  õa  Costa  nasceu  em  Lis- 
boa a  4  Ôe  outubro  õe  1783  e  faleceu  em  19  ôe  Julho  õe 
1838. 

Esta  ilustre  Poetisa  era  filha  òe  D.  Maria  ôo  Carmo  Cor- 
reia õe  Magalhães  e  òe  Nicolau  Possolo. 

E'  auctora  Ôe  :  Henriqueta  de  Orleans  ou  o  Heroísmo,  no- 
vela aparecida  em  1819;  ôeum  folheto  em  que  reuniu  al- 
guns ôos  seus  sonetos  liberaes,  recitaõos  no  teatro  õe  S. 
Carlos  em  1826,  quanôo  õa  promulgação  õa  Carta  Consti- 
tucional ;  Francilia,  pastora  do  Tejo,  volume  õe  poesias  que 
contem  sonetos,  oões  anacrionticas  e  horacianas,  canções, 
elegias,  e  epistolas. 

Deixou  ineõitas :  uma  novela  e  a  traôução  õa  Pluralidade 
dos  mundos,  õe  Fontenelle  e  õuas  comeõias,  Ricardo  ou  a 
força  do  destino  e  Claves.  Traõuziu  Connna  õe  maõame  Õe 
Stael  e  a  Carta  do  Conde  de  Las  Cases  a  Lociano  Bonaparte. 

Amiga  intima  õa  Marqueza  õe  Alorna,  a  quem  o  auctor 
õa  Harpa  do  Crente  e  õas  Lendas  e  Narrativas,  chamava  a 
Mulher  Extraordinária,  D.  Francisca  Possolo  era  muito 
consiõeraõa  por  Castilho  que  foi  um  õos  numerosos  fre- 
quentaõores  õos  seus  salões,  onõe  se  reunia  a  elite  õo  seu 
iempo. 

JURAMENTO  DE  AMOR 
(madrigal) 

Não  te  engano  Marilia  (repetia 
o  loiro  Anfrizo  á  õuviõosa  amante) 
amar-te-hei  sempre.  E  oeste  amor  constante 
o  meigo  juramento  lhe  escrevia. 
Mas  o  pranto  suave,  que  a  ternura 

aos  olhos  lhe  chamava 

Õa  mimosa  escriptura 


Poetisas  Portuguesas  239 

as  começadas  letras  apagava  ; 
e  p'ra  maior  Ôesgraça;  oh !  sorte  oura ! 
tentanõo  renovar  o  que  escrevera 
pobre  Anfrizo  !  já  tuõo  lhe  esquecera. 

Francisca  õe  Paula  Possolo  õa  Costa.  Poesias,  Novo  Al- 
manach  das  Senhoras  para  1878,  pag.  154, 


EPISTOLA 

(FRANCISCA  possolo) 

Francilia  de  Alcipe  (Marque^jfa  d^Alorna) 

«Zoilos,  treinei  I  Posteridade  és  minha.» 
BOCAGE, 

Se  á  musa  õe  Francilia  é  òaòa  a  gloria 
D'erguer  na  voz  õa  lyra  o  nome  egrégio, 
O  nome  illustre  õa  extremaòa  Alcipe ; 
Se  á  cantora  immortal,  irmã  òe  Phebo, 
Póõe  ser  grato  o  som  Õe  humilôe  canto ; 
Alcipe,  honra  ôe  Lysia,  acolhe  meiga 
A  pura  offrenòa  õa  singela  musa, 

Versos,  que  o  coração  remette  aos  lábios, 
Filhos  õa  natureza,  eia,  animae-vos ; 
Da  gratiõão  nas  azas  côr  õe  neve 
Aõejai,  versos  meus,  õ'Alcipe  aos  lares ; 
De  Alcipe,  cuja  lyra  magestosa, 
O  nom.e  õe  Francilia  aos  céus  manõanõo. 
Impõe  silencio  aos  Zoilos ;  e  os  colloca, 
A  par  õo  nome  seu,  na  Eterniôaõe. 

Zoilos,  receios,  timiõez  inerte, 
Prejuízos  fataes,  fyrannos  õo  estro ; 
Da  mente  que  até  hoje  escravisaste, 


240  Poetisas  Portuguesas 

Apartai-vos,  fu^;  cantou-me  Alcipe;  ^ 

Alcipe  honrou  meu  nome,  honrou  meus  versos 
D'AIcipe  ôivinal  a  lyra  eterna 
Meu  nome,  os  versos  meus  salvou  ôo  Lethes. 

Francisca  ôe  Paula  Possolo.  Almanach  das  Senhorai 
1882,  pag.  122  e  123. 


D.  MARIA  ADELAIDE  FERNANDES  PRATA 

D.  Maria  Aòelaiõe  Fernanões  Prata  nasceu  no  Porto  er 
1825,  e  faleceu  em  Lisboa  a  18  ou  19  ôe  março  õe  1881. 

Os  seus  escriptos,  em  prosa  e  verso,  anòam  espalhado 
por  almanachs,  jornaes  e  revistas  õa  época. 

Entre  as  varias  publicações  em  que  colaborou,  citarei 
Esperança,  jornal  ôe  recreio  literário,  hoje  muito  raro  e  er 
que  escreveram  alem  õe  Camiilo,  D.  Anna  Placiôo,  D.  Mari 
Peregrina  ôe  Sousa,  Ramalho  Ortigão,  Theophilo  Draga 
Sousa  Viterbo,  Alberto  Pimentel,  Guilherme  Braga,  João  ôi 
Deus,  etc. 

Os  ôois  volumes  oeste  jornal,  que  tinham,  respectivamen 
te,  381  e  142  paginas,  apareceram  á  venõa  no  2.»  leilão  ôoí 
livros  que  pertenceram  ao  faleciôo  bibliograío  Dr.  RoÔrigc 
Veloso,  o  paciente  auctor  ôe  inúmeras  investigações  lite 
rarias  que  ôeixou  registaôas  na  Aurora  do  Cavado,  jorna 
seu  que  contou  trinta  e  tal  anos  ôe  existência. 

D,  Maria  Aôelaiôe  Fernanôes  Prata  é  auctora  Ôe  um  livre 
õe  poesias,  O  filho  de  Deus.  Verteu  Ôe  Ossiam  o  poema  em 
6  cantos,  Fingal. 

O  FILHO  DE  DEUS 

Mesmo  ôo  Salvaôor,  n'essa  hora  extrema. 
Os  Summos  sacerôotes  motejavam, 
Dizenôo-lhe  —  «se  és  Deus,  ôa  cruz  Ôesce, 
«Obra  agora  um  proôigio  e  em  ti  creremos !» 


Poetisas  Portuguesas  241 


Então,  amargo  fel,  cruéis  solõaõos, 
Aos  incenõiôos  lábios  lhe  chegavam. 
Mas  elle  sem  queixar-se,  ao  Ceo  rogava. 
Pelos  que  até  á  morte  o  atormentaram. 
«Perôoae-lhes,  õizia,  ó  Pae  celeste 
«Que  miseros,  não  sabem  o  que  fazem  !     • 
«Frágeis  entes  Ôa  terra  !  que  são  elles  ?  ! 
«Ténue  porção  ò'argilla  que  não  poòe, 
«Sem  uma  luz  celeste  apresentar-se, 
«Ante  a  face  Ôivina  õo  Altíssimo. .  » 
E  junto  á  cruz  vê  já  com  turbos  olhos, 
Uma  mulher  que  chora  amargurada  ! 
Era  a  Virgem  saudosa  e  sem  conforto, 
A  Mãe  que  vê  morrer  o  filho  caro  ! 
E  o  ôiscipulo  amaõo  que  em  seu  peito, 
Outr'ora  reclinara  a  fronte  pura, 
^:!le  fixa  também  ;  á  Mãe  õizenòo  :  — 
-  «Angélica  mulher!  eis  o  teu  Filho  ! . . . 
E  eis  alli  tua  mãe,  Ôisse  ao  mancebo. 
Após,  affiicto,  um  ai  solta  õe  morte, 
Clamanõo :  por  que  ó  Pae  me  abanôonaste  ? . . . 

Maria  Aõelaiõe  Fernanões  Prata.  O  Filho  de  Deus,  pag. 
;i  e  142. 


D.  ANTÓNIA  GERTRUDES  PUSICH 

D.  Antónia  Gertrudes  Pusich  nasceu  na  Ilha  õe  S.  Nico- 

1,  òe  Cabo-Veròe,  em  1805. 

pra  filha  òe  D.  Anna  Maria  Izabel  Nunes  e  ôe  António 

[sich,  ilustre  governaôor  õessa  província. 

:sta  õisiincta  Poetisa,  Escriptora  e  Jornalista,  faleceu  na 
õe  São  Dento,  em  Lisboa,  em  1883,  contanõo  78  anos 
iõaõe.  Na  casa  em  que  habitou,  e  que  õefronta  com  o 
rcaôo  õe  São  Bento,  foi  colocaõa  uma  lapiõé  comme- 
rativa,  com  os  seouintes  õizeres  : 

16 


242  Poetisas  Portuguesas 

N'Esía  Casa 

Falleceu  A  Illustre  Escriptora 

E  Poetisa 

D.  Antónia  Pusich 

Que  muito  honrou  a  Pátria  \ 

Com  o  seu  talento  I 

i 

Alem  òesta  lapiõe,  ha  em  Lisboa,  apenas,  mais  7,  perpe- 
tuanõo  a  memoria  ôe  :  Alexanòre  Herculano  ;  Visconòe  òe 
Almeiòa  Garrett ;  Visconòe  òe  Castilho  ;  Bocage ;  Innocen- 
cio  Francisco  José  õa  Silva ;  Luiz  õe  Camões,  e  Camillo 
Castello  Branco. 

Não  obstante  esta  Senhora  ser  filha  òe  um  almirante, 
neta  òe  tenentes  generaes  e  òe  ter  siòo  casaõa  com  um  mi- 
litar òistincto,  vaivéns  õa  sorte  fizeram-na  passar  òa  abas* 
tança  para  uma  situação  òificil  que  pouco  menos  era  que| 
miséria. 

A  seu  cargo,  ficou  a  eòucação  òe  suas  filhas.  Foi  com  c 
proòucto  òa  penna,  que  numa  lucta  encarniçaôa,  constantí 
e  corajosa,  D.  Antónia  Gertruòes  Pusich  fez  face  á  situaçãc 
angustiosa  òe  sua  viòa  —  lucta  tanto  mais  òesigual  e  ex 
tenuante,  quanto  é  certo  que  em  Portugal  o  trabalho  inte 
lectual  é,  como  se  sabe,  pessimamente  compeyisado.  * 

Em  inúmeros  jornaes,  publicava  oòes,  elegias,  poemaíj 
mil  artigos  em  que,  principalmente,  aòvogava  a  causa  ôo 
oprimiòos  e  òos  fracos. 

Em  varias  Assemblêas  publicas,  onòe  por  vezes  se  òis 
cutiam  interesses  vitaes  para  o  Paiz,  mais  òuma  vez  se  ou 
viu  a  sua  voz.  r 

Funòou  os  jornaes  Assembleia  Litteraria,  'Bemficencia 
q4  Crufada. 

Esta  inteligente  Caboveròeana  é  auctora  òe :  Os  do 
mysterios,  OHnda,  ou  Abadia  de  Cumnor  Place,  (poema  e 
5  cantos,  Lisboa  1847) ;  Elegia  á  morte  das  infelizes  victimc 
assassinadas  por  Francisco  de  Mattos  Lobo,  na  noite  de  2 
7-1841 ;  Júlia,  òrama  ;  .4  conquista  de  Tunis,  iòem  ;  Espar^ 


Poetisas  Portuguesas  243 

o  monte,  comeõia ;  Ashaverus  \  Regedor  de  parochia  ;  Cons- 
inça  ou  o  amor  tnaternal,  Õrama  em  3  actos,  o  qual  era  a 
listoria  õo  seu  viver  õomestico. 

Constança  e  Regedor  de  parochia  foram  representados 
m  1849,  nos  teatros  ôo  Gymnasio  e  òa  Rua  õos  Conòes. 
-  Publicou  em  1872,  uma  curiosa  biografia  acerca  5e  seu 
iae,  oficial  ò'Armaõa,  õistincto  escriptor  e  antigo  governa- 
lor  õe  Cabo-Verôe,  cargo  õe  que  foi  ôsposto  em  1820 
juanôo  õo  pronunciamento  realisaòo  na  ilha  Ôe  S.  Thiago. 
\  junta  governativa  enviou  António  Pusich  para  a  ilha  õo 
ilaio  e  õ'ali  veiu  para  Portugal,  onõe  as  Cortes  o  não  que- 
iam  õeixar  õesembarcar,  visto  ter  siõo  fiel  ao  Rei  que  teve 
>e  ficar  por  seu  fiaõor.  Abrangiõo  peio  òecreto  õe  16-9-1833 
oi  õemitiõo.  E'  auctor  õa  Descripção  hydrografica  das  lUias 
\e  ('.abo-  Vf.rdc,  e  õas  Memorias  physico  politicas. 

MADEIRA 

^^AUDAÇÃO  I  YRICA) 

Salve !  linõa  Maõeira,  ilha  õitosa ! 

E's  Õo  Oceano  a  flor ! 
E's  õas  ilhas  princeza  a  mais  formosa, 

Mimo  õo  Creaõor ! 

Tens  mil  plantas,  mil  flo^s  preciosas, 

Teu  solo  a  alcatifar  ; 
Onõe  teus  pés,  submissas,  respeitosas, 

Vem  as  onõas  beijar. 

Verõe  é  teu  rico,  magestoso  manto ! 

Tens  õiaõemas  õe  luz  !.    . 
O  seio  teu,  õa  natureza  encanto. 
Mil  encantos  proõuz ! 

Não  é  õe  Itália  o  sol  tão  claro  e  bello, 

Mais  puro  que  o  teu  sol : 
Manhãs  õe  Portugal  (que  tanto  anhelo) 
Dão-te  o  linõo  arrebol ! 


244  Poetisas  Portuguesas 


Que  noutes  tão  amenas  tens,  Maôeira  ! 

Tens  aguas  õe  cristal ; 
Tens  no  frescor  Ôa  brisa  mais  fagueira 
Perfume  òivinal !  • 

Em  throno  alto  e  seguro  te  sustentas  ; 

Tens  o  céu  por  õocel. . . 
Para  pintar  os  campos  que  alimentas 

Quem  tivera  pincel  1 

Oh !  não !. . .  pincel  não  poõe  o  mais  sublime 

Pintar  o  brilho  teu  ! 
A  poesia  te  cante,  ella  se  exprime 

Co'a  linguagem  õo  ceu  ! 

Mas  não  te  cante  vate  òolorosa 

Avezaõa  a  carpir ; 
Cantem-te  os  filhos  teus,  ilha  ôitosa  ; 

Dá-lhes  leõo  porvir ! 

Que  eu  possa  apenas  com  rasteiros  traços. 

Com  òebil,  triste  voz, 
Sauòar  teus  lares,  òemanõar  espaços 

Cumpre  ao  génio  veloz. 

Como  ás  nuvens  sobranceiros 
Se  erguem  teus  montes,  assim 
Teus  génios  subão,  ligeiros. 
Com  azas  õe  cherubins  1 

Em  som  òivino  entoando 
Suaves  hymnos  ò'amor. 
Vão  teu  nome  eternizando 
A'quem  e  alem  Òo  equaôor! 

Não  achem  povos  no  munòo 
Que  te  não  saibam  prezar ; 
Que  no  teu  solo  fecunõo 
Não  quizessem  repousar ! 


Poetisas  Portuguesas  245 


E  mais  tarõe  á  lusa  historia 
Pagina  Õe  oiro  offerecer, 
Onõe  no  esplenòor  õa  gloria 
Possão  teu  nome  escrever ! 

Antónia  Gertrudes  Pusich.  Almanach  de  Lembranças  Lii- 
t^o-lSra^ileiro  para  1856,  pag.  206  e  207. 


I  D.  CLOTILDE  RAFAELA  DE  BATTAGLIA 

RAMOS 

D.  Clotilôe  Rafaela  õe  Battaglia  Ramos  nasceu  em  Lis- 
boa, a  24  òe  Outubro  ôe  1882,  e  faleceu  no  Estoril,  a  17 
ôe  ]aneiro  õe  1904,  contanõo  apenas  22  anos  òe  iõaõe. 

Filha  mais  nova  òo  insigne  lirico  João  Òe  Deus  (o  maior 
poeta  òo  amor,  segunòo  afirma  Marco  António  Canini  em 

II  Libro  deirAmore),  era  irmã  òe  ]oão  òe  Deus  Ramos  e 
Òo  Visconòe  òe  S.  Dartholomeu  òe  Messines,  auctor  òa 
Breve  noticia  sobre  a  Ordem  do  Santo  SepulchrOy  da  Re- 
publica de  S.  Marinho  (exgotaòos),  e  òos  Pensamentos  de 
To  Ho  de  Deus. 

Aos  Òez  anos  òe  iòaòe,  compoz  uma  poesia.  A'  Manhã 
iourada,  inspiraòa  na  òe  igual  titulo  òe  Alfreõo  Serrano, 
ersos  que  òeòicou  a  seu  professor  Freitas  e  Costa,  a  quem 
ne  refiro  a  paginas  158  oeste  trabalho. 

Pelas  quaòras  que  insiro,  cheias  òe  sentimento,  natura- 
òaòe  e  belesa,  fácil  é  calcular  a  situação  òe  Òestaque 
ue,  sem  Òuviòa,  viria  a  ocupar  nas  letras  portuguesas  D. 
lotilòe  Ram.os,  se  a  morte  tão  cruelmente  a  não  houvesse 
rostraòo  em  plena  juventuòe ! 


246  Pnedsrifí  Port: 


QUADRAS 

Na  íorça  õa  minha  magua 
Não  sei  bem  o  que  é  a  Ôor ; 
Os  olhos,  quanõo  chorosos, 
Não  é  que  vêem  melhor. 

Ninguém  fale  em  suas  maguas 
A  quem  mais  maguas  não  tem. 
Só  tem  maguas  ô'outras  maguas 
Quem  maguas  tiver  também. 

Por  uns  olhos  que  fugiram, 
O  lume  õos  meus  peròi : 
Porque  nem  elles  me  viram 
Nem  eu  também  mais  os  vi ! 

Chamam-te  òoiòa  em  nf.o  teres 
O  pensar  que  os  outros  têm  ! 
Deixa  lá  falar  quem  fala, 
Faze  tu  por  pensar  bem. 

Quanõo  os  teu  olhos  õiziam 
Coisas  que  os  meus  encantavam, 
Sei  que  os  teus  olhos  sentiam, 
Sei  que  os  teus  olhos  choravam. 

Vão-se  as  penas  que  se  teem 
Nos  suspiros  que  se  òão 
Mas  se  assim  vão,  assim  vêem, 
Voltam,  assim  como  vão  ! 

Infeliz  5'esse  que  pensa, 
Não  crê  em  naõa  e  em  ninguém. 
Creanças  que  tenões  crença, 
Ensinae-me  a  crer  também  ! 


Poetisas  Portuguesas  247 


Leve-me  breve  o  Senhor, 
Naôa  no  munòo  me  tem  ; 
Já  que  peròi  teu  amor. . . 
Que  perca  a  viòa  também. 

Tolòam  o  céu  nuvens  negras 
Que  se  õesfazem  em  agua- . . 
Desfazem-se  nos  meus  olhos 
As  nuvens  õa  minha  magua  1 

ClotilÒe  Ramos.    <Piíala  da   Europa,   n."  523   òe  25  Òe 
18-2-1906,  XII  ano,  pag.  2. 


D.  MARIA  CAROLINA  RAMOS 

D.  Maria  Carolina  Ramos  fez  a  sua  estreia  literária  em 
1916,  publicanòo  no  Âlmanach  lllustrado,  Ôa  Parceria  Pe- 
reira, as  quatro  inspiraòas  quaôras  que  reproòuzo. 

A  sua  apresentação  foi  feita  em  calorosas  frases,  por  Al- 
bino Forjaz  õe  Sampaio,  ha  pouco  eleito  para  a  Acaõemia 
ôe  Sciencias  õe  Lisboa,  o  conheciõo  e  estimaõo  auctor  õa 
Gente  da  rua,  Palavras  cynicas,  Lisboa  trágica  e  õe  muitos 
outros  trabalhos  que  tanta  aceitação  teem  tiõo. 

D.  Maria  Carolina  Ramos  é  aluna  òa  Escola  Meôica  òe 
Lisboa. 

QUADRAS 

Sonhava  alto  e  sonhanôo 
Ouviu-me  õizer  alguém 
—  «Ai  tu  não  me  Desprezavas 
Se  fosses  pobre  também.» 

Mas  õepois,  julgo,  accorõei 
Nunca  mais  aòormeci, 
E  toòa  a  noite  pensei 
Pensei,  mas  somente  em  ti. 


248  Poetisas  Portuugesas 

Naòa  ha  que  tanto  canse 
Nem  ha  naòa  que  mais  custe, 
Que  procurar  uma  alma 
Que  á  nossa  alma  se  ajuste. 

Quem  a  encontra  é  feliz, 
Tuòo  tem  realisa&o. 
—  Mas  quanta  gente  ahi  passa 
Sem  nunca  a  ter  encontrado  . . 

Maria  Carolina  Ramos.  Almanach  Illustrado,  para  1916. 


D.  ZULMIRA  RAMOS 

D.  Zulmira  Ramos  representou  como  actriz,  em  Lisboa, 
nos  teatros  õa  Trinôaòe  e  ò'Aveniòa  e  no  Porto  no  teatro 
Carlos  Alberto. 

Segunòo  me  informam,  resiõe  actualmente  no  Drazil. 

Colaborou,  escrevenòo  versos,  no  Almanach  dos  Palcos  e 
Salas. 

MAIO 

Vem  rompendo  a  manhã ;  o  sol  õoiraòo 
clarêa  as  cumiaõas  Ôos  outeiros, 
Gorgeia  o  pintasilgo  em  tom  magoaôo 
nos  ramos  enlaçados  dos  vimeiros. 

Nasce  o  dia.  Do  pincaro  escalvado 
descem  aguas  aos  trépidos  ribeiros. 
Emana  um  cheiro  agreste,  embalsamado, 
da  mata  rumorosa  de  salgueiros. 


No  centro  da  cidade  onde  se  agita 
o  despotismo  vil  que  ao  ódio  incita, 
é  rara  a  animação  dos  bons  romeiros ; 


I 


Poetisas  Portuguesas  249 

mas,  na  campina,  em  festivaes  cortejos, 
caminham,  entre  oitos  e  gracejos, 
enverganôo  os  seus  fatos  õomingueiros. 

Zulmira  Ramos.  Almanach  dos  Palcos  e  Salas,  Lisboa, 
1913,  pag,  42. 


D.  EMÍLIA  ACCIAIOLV  REGO  SÉNIOR 

D.  Emilia  Acciaioly  Rego  Sénior  nasceu  na  Ilha  ôa  Ma- 
ôeira. 

E'  auctora  õe  um  pequeno  livro  òe  versos  cujo  titulo 
ignoro. 

Foi  uma  Ôas  colaboraòoras  ôa  interessante  publicação 
«Flores  da  Madeira»,  obra  que  consta  ôe  õois  volumes,  e 
que  foi  publicaõa  por  Alfreõo  César  ò'01iveira  e  José  Leite 
Monteiro. 

Entre  os  Diversos  nomes  que  figuram  nesse  repositório 
poético,  leem-se  os  õe :  Luiz  õa  Costa  Pereira,  Luiz  A.  Ri- 
beiro ôe  Menôonça,  Luiz  António  }arôim,  Luiz  õ'Ornelas 
Pinto  Coelho,  Marceliano  Ribeiro  ôe  Menôonça.  Maurício 
Carlos  Castello  Branco  e  Manoel  Luiz  Viana  ôe  Freitas. 

O  ARCO  íris 

GÉNESIS  IX,    l3. 
I 

Formoso  arco  celeste 

Qu'nos  céus  te  vais  curvanôo, 
E  o  alto  firmamento 

De  mil  cores  matizanôo  ! 
Aquelle  que  com  Seu  sopro 

Tão  acima  te  elevou, 
E  com  variaôas  tinctas 

Sabiamente  te  pintou, 


250  Poetisas  Portuguesas 


II 

Aquelle  que  te  sustenta 

Com  tanto  brilho  e  belleza, 
Foi  coberto  em  sua  viòa 

Com  o  manto  òa  pobreza, 
Aquelle  que  te  curvou 

Do  moõo  o  mais  magestoso, 
Foi  conôemnaõo  a  morrer 

Como  um  facinoroso. 

III 

Com  o  seu  sangue  innocente 

O  seu  rosto  foi  manchaòo  — 
Esse  precioso  sangue 

Que  por  nós  foi  õerramaôo. 
Toõo  o  calis  ò'afflição 

Sobre  elle  se  exgotou ; 
E  para  nos  libertar 

Em  tormentos  expirou. 

Emilia  Acciaioly  Rego  Sénior,  Flores  da  Madeira. 


D.  MARIA  LEONOR  REIS  | 

D.  Maria  Leonor  Reis  nasceu  em  Lisboa,  a  14  òe  marçQ 
ôe  1900. 

Esta  Poetisa,  talvez  a  mais  nova  õas  que  figuram  nesta 
Antologia,  é  filha  õe  D.  Elisa  Albertina  òa  Silva  Lobo  Reis 
e  òo  conheciõo  e  ilustre  pintor  Carlos  Reis,  e  neta  Òo  es- 
criptor  António  Augusto  Ôa  Silva  Lobo,  antigo  reòactor  ôa 
Gaveta  de  Noticias,  òo  Rio  òe  ]aneiro  e  reòactor  em  chefe 
Òo  Diário  do  Senado  brazileiro. 

Datam  òos  oito  anos  as  suas  primeiras  tentativas  poéti- 
cas. «Aos  Òoze  fazia  as  suas  primeiras  òescripções  òe  pas 


Poetisas  Portuguesas  251 

seios  que  òava  com  seus  irmãos,  õescripções  estas,  que  se 
caracterisavam  pelo  humorismo  com  que  òescrevia  situa- 
ções cómicas,  riòiculas  ou  alegres,  õesses  passeios>. 

Aos  quinze  anos  compoz  o  seu  primeiro  soneto. 

D.  Maria  Leonor  Reis  que  se  òeòica  com  verõaôeiro 
amor  ao  cultivo  õa  poesia,  tenòo  siõo  animaôa  a  publicar 
alguns  õos  seus  sonetos,  por  D,  Branca  Colaço  e  pelo  sr. 
conôe  ôe  Sabugosa,  fez  a  sua  estreia  literária  em  1917,  co- 
laboranôo  na  Pagina  Feminina,  Õo  Diário  Nacional. 

Tenciona  "reunir  as  suas  proòuções  poéticas  num  pequeno 
volume,  que  conta  publicar  em  breve. 

O  meio  extremamente  intelectual  e  artístico  em  que  vive, 
por  certo  contribuirá  muito  para  que  as  suas  produções  ve- 
nham em  breve  a  ser  contadas  entre  "as  melhores  feitas 
por  Poetisas  Portuguesas. 

ASSIM  TE  FOSTE!... 

Porque  te  foste  oh!  Musa  inspiradora 
E  me  deixaste  em  troca  o  desalento? 
Porque  de  mim  fugiste  no  momento 
Em  que  eu  quizera  recordar  a  hora 

D'aquelle  dia,  em  que  uma  doce  aurora 
Me  segredou  fazendo  juramento : 
Eu  vir  a  ter  mais  tarde  algum  talento 
Se  versejasse  pela  vida  fora  ?  !     . 

Porque  fugiste  então  e  me  deixaste 
Sem  amparo  se  ssmpre  me  guiaste  ? ! 
Sem  tão  nobre  columna  a  que  m'encoste  ?  ! 

Agora  .  do  meu  sonho  feito  em  nada 
Só  me  resta  a  expressão  desalentada  : 
«Assim  como  vieste. . .  assim  te  foste» !  . . 

Maria  Leonor  Reis.  Pagina  Feminina,  do  Diário  Nacional, 
de  19-3-1917. 


252  Poetisas  Portuguesas 


ASSIM  TE  PODES  IR... 

Quizeste  ôivertir-te  á  minha  custa 
Quizeste  que  eu  ficasse  arreliaòa : 
Por  isso  tu  fugiste  arrebatada 
Por  tua  cruelòaõe  oh !  Musa  injusta  ! 

De  ti  já  não  me  importo !  Estou  robusta 
D'aquelia  pieguice  já  passaõa. . . 
Pôòes  viver  ôe  mim  muito  afastaòa 
Que  a  tua  ausência  já  me  não  assusta ! 

Fica-te  em  paz  no  sitio  onòe  estiveres 
Que  eu  viverei  melhor  se  tu  viveres 
Longe  ôe  mim  sem  nunca  mais  te  ouvir ! . . . 

A  este  òesamparo  muito  afeita 
Tu  òeixas-me  õizer-te  satisfeita: 
«Como  vieste. . .  assim  te  póòes  ir  !> . . . 

Maria  Leonor  Reis.  Pagina  Feminina,  òo  Diário  Nacional, 
Ôe  19-3-1917. 


D.  ANNA  AMÁLIA  MOREIRA  DE  SA 

Francisco  Gomes  õe  Amorim  òiz  a  pag.  366  e  367  òa  se- 
gunda eòição  õo  primeiro  volume  òos  Contos  Matutinos 
(Lisboa  1866),  o  seguinte: 

«Em  Õezembro  òe  1849  appareceu  no  Periódico  dos  Po- 
bres do  T^orto  uma  poesia,  assignaòa  por  uma  senhora,  á 
rosa  encarnada.  Em  seguida  vieram  no  mesmo  jornal  òois 
poetas,  cantando  a  rosa  branca,  e  proclamando-a  superior 
á  outra.  A  dama  da  rosa  encarnada  voltou  ao  campo,  de- 
clarando aos  seus  contrários  que.  depunha  a  lyra  por  não 
poder  sustentar  a  luta.  Os  dois  cantaram  a  victoria,  mas  a 


Poetisas  Portuguesas  253 

mim  (que  tinha  então  22  annos)  ferveu-me  o  sangue,  e  en- 
tendi que  me  não  salvaria  se  não  saisse  a  terreno  em  õe- 
fesa  õos  opprimiõos ! 

«ManÔei,  pois,  para  o  Periódico  dos  Pobres  a  composição 
a  que  se  refere  esta  nota,  e  as  mais  que  se  lhe  seguem  até 
pag.  206.  Ignorando  se  os  nomes  òos  poetas  portuenses 
eram  verôaõeiros,  ou  se  os  encobria  o  pseuõonimo,  as- 
signei-me  Grão  Magriço. 

«Os  cantores  òa  rosa  branca  não  gostaram  Òe  que  eu  me 
mettesse  nas  suas  contenòas,  e  responõeram-me  com  aze- 
õume  ;  eu  repliquei  também  asperamente  e  a  questão  che- 
gou ao  ponto  õe  eu  tirar  passaporte  para  ir  ao  Porto  salòar 
as  contas  com  elles.  Devo  ao  meu  falleciòo  amigo  e  mestre 
Garrett  o  haver-me  livraòo  õesta  riòicula  questão  com  o  tre- 
menòo  sermão  que  me  pregou  ao  saber  a  minha  resolução. 

«Felizmente  ainõa  não  havia  caminhos  òe  ferro,  n^m  se 
òava  um  passo  neste  paiz  sem  o  auxilio  Ò'um  passaporte  ; 
aliás  quem  sabe  se  veríamos  renovaôas  em  Portugal  as 
guerras  Õe  York  e  õe  Lencastre,  que  por  iguaes  motivos 
assolaram  a  Inglaterra ! 

«Faço  estas  confissões  como  verôaõeiros  actos  õe  peni- 
tencia, e  õeclaro  solenemente  que  nunca  procurei  saber 
se  a  Õama  õa  rosa  encarnada  era  um  mytho,  ou  se  real- 
mente existiu  a  ex."»^  sr.^  D.  Anna  õe  Sá. 

«Eu  não  fui  o  único  a  tomar  a  sua  õefesa.  Depois  Õe 
mim,  alguns  poetas  õe  Lisboa  publicaram  nos  jornaes  Õo 
Porto  poesias  contra  a  rosa  branca ;  e,  seguinõo  o  meu 
exemplo,  os  partiõarios  õa  sr.^  D.  Anna  õe  Sá  escolhiam 
os  nomes,  com  que  assignavam  os  seus  versos,  entre  os 
õoze  õe  Inqlaterra>. 

D.  Anna  õe  Sá  existiu  õe  facto.  Em  18'61,  publicou  na 
Porto,  um  volume  õe  versos  intitulaõo  Murmúrios  do  Vi- 
{elta. 

D.  Anna  õe  Sá  é  a  mesma  pessoa  que  D.  Anna  Amália 
Moreira  õe  Sá. 


254  Poetisas  Portuguesas 


SAUDADE 


Saud  ide  !  goútú  «margo  d'>nfHli<es 
Ueliciovo  pungir  d'acerbo  espinho  ! 


Sauòaõe !  sentir  acerbo 
De  penetrante  sofírer ! 
E'  poeta  o  que  no  peito 
Uma  vez  te  viu  nascer: 
E'  poeta,  oh !  sim,  poeta. 
Quem  te  soube  comp'ren()er ! 

Sauõaõe !  nome  caòente, 
De  suave  inspiração .' 
Exprime  òôr  e  ternura, 
O  viver  òa  soliôão, 
Harmonia  que  òo  peito 
Geme  era  lúgubre  canção  ! 

Quem  ha  que  ôiga  —  sauòaõe 
Sem  também  òizer  —  amor  ? 
—  Es§e  nome  sempre  preso 
A'  lyra  ôo  trovaõor ! 
O  melhor  òos  sentimentos. 
Que  nos  õéra  o  Creaòor  ! 

Sauòaòe       òiz  o  meu  peito, 
Diz  —  sauõaòe,  a  mais  não  ser ! 
Eu  amo  a  flor  oeste  nome, 
Por  também  lhe  pertencer ; 
Amo  tuòo,  que  saubaòe, 
Sauòaòe  póòe  òizer, 

Anna  Amália  Moreira  De  Sá.  Murmúrios  do  Vtjella,  Porto, 
1861,  pag.  105  e  106. 


Poetisas  -Portuguesas  255 


D.  ESMERALDA  DE  SANTIAGO 

D.  EsmeralÒa  õe  Santiago  nasceu  na  ciòaòe  ôo  Porto, 
nõe  resiõe. 

\    E*  filha  õo  ôistincto  meõico  oftalmologista  Dr.  Manoel 
opes  Santiago. 

Tenòo  siõo  sempre  muito  aplicaòa  ao  estudo,  seus  pães 
'pensaram  em  que  cursasse  meòicina,  não  tenòo  porém  che- 
-gaòo  a  frequentar  a  antiga  Acaõemia  òo  Porto,  por  não 
sentir  vocação  para  a  carreira  que  iiie  propunham. 

D.  EsmeralÒa  òe  Santiago  que  é  bastante  nova,  verseja 
ôe  os  15  anos, 

dm  1914,  fez  a  sua  estreia  literária  na  lllustração  Portu- 
guesa, semanário  em  que  tem  colaboraòo. 

A  maior  parte  òa  sua  obra  poética  está  ineòita. 

Inste  se  intitula  o  livro  òe  versos  que  tem  para  publicar, 
prefaciaòo  por  ]ulio  Dantas. 

OUTR'ORA  E  HO]E 

I 

QuanÒo  eu  era  creança,  uma  inocente 
Contanòo  Õ'anos  uma  Òuzia  apenas. 
Nas  taròes  estivaes,  calmas,  serenas, 
Oihanòo  o  céu  embeveciòamente, 

Ficava-me  a  cismar !. . .  E  o  rir  õolente 
Das  estrelas,  fulginòo  ás  centenas 
Em.  granões  gotas,  meòias  e  pequenas 
Apoz  cerrar  a  noite  suavemente. 

Vinha  acoròar  minh'alma  enterneciòa  1 . . . 
Agitava-me  então  extranha  viõa, 
Ajoelhava  crente,  e  uma  oração 


256  Poetisas  Portuguesas 

Voava  ôos  meus  lábios  para  os  céus, 
Onòe  eu  via  a  imagem  ôo  bom  Deus, 
N'uma  aureola  ò'Amor  e  Õe  Perõão  ! 

II 

Pobre  òe  mim ! . . .  já  hoje  assim  não  é  ! . . . 

E  se  á  noite  contemplo  o  firmamento 

E*  só  tristeza  e  òôr  e  soffrimento 

Que  invaòe  a  minha  alma  que  em  Deus  crê  ! . . . 

E'  certo  que  conservo  a  mesma  fé 
Que  outr'ora  me  elevava  o  pensamento 
Junto  õo  Creaòor,  nem  um  momento 
Ela  me  abanõonou,  e  julgo  até 

Que  ela  augmentou,  com  minha  õesventura  ; 
Mas  este  imenso  Amor,  òoce  tortura 
Que  me  consome  e  abraza  sem  cessar, 

Fez-me  esquecer  Õe  toôo  a  oração !. . . 

E  meu  esfacelaòo  coração 

—  Só  lagrimas,  Senhor,  sabe  rezar  ! 

Esmeralda  õe  Santiago,  lllustraçáo  Portuguesa,  n."  448^ 
21  õe  Setembro  õe  1914,  pag.  382. 


D.  ROSALINDA  CELESTE  DE  FIGUEIREDO 
SANTOS 

D.  Rosalinõa  Celeste  õe  Figueireõo  Santos  nasceu  em 
Lisboa. 

E'  filha  õe  D.  Mariana  Angélica  õe  AnõraÕe,  poetisa  ilus- 
tre a  quem  me  refiro  a  pag.  25  a  27  oeste  trabalho  e  õo  Dr. 
António  Canõiõo  õe  Figueireõo. 


Poetisas  Portuguesas  257 


Esta  Senhora  foi  uma  boa  e  òeòicaõa  auxiliar  ôe  seu  pae, 
em  muitos  trabalhos  literários. 

Alem  õe  varias  obras  clássicas  que,  para  a  livraria  Tava- 
res Caròoso,  D.  RosalinÔa  Santos  traõuziu,  fez  ainõa  tra- 
òuções  òe  folhetins  no  Diário  de  Noticias,  õurante  quatro 
anos,  e  na  Vanguarda. 

Tenõo  contrahiõo  núpcias  com  o  capitão  õe  Infantaria 
sr.  Henrique  Figueireòo  Santos,  esta  ilustre  Poetisa  a  quem 
ôevo  a  gentileza  ôe  me  ter  fornecido  os  ineòitos  que  re- 
produzo, abanõonou  as  letras,  õeõicanòo-se  exclusivamente 
a  cuiõar  ôos  seus. 

Como  poetisa,  nunca  òesejou  colaborar  em  jornal  algum  ; 
no  entanto,  a  leitura  òas  suas  poesias  agra&a  bastante. 

Os  versos,  õesta  Poetisa,  como  os  õe  D.  Maria  õa  Gloria 
Teixeira  õe  Vasconcellos,  são  íntimos,  e  inspiraõos  peio 
amor  õe  seus  lares,  que  cantam  numa  linguagem  simples 
e  bela. 

POMBAS 
(inédito) 

Como  vos  quero,  mansas  pombinhas  i 
Não  ha,  na  terra,  mais  linõas  aves  ! 
As  vossas  penas  tornam  as  minhas 
Como  o  ar  puro,  leves,  suaves. 

Nas  horas  õ'ocio,  sois  meu  enlevo, 
.  Penas  õe  neve,  penas  õoiraõas ! 
Umas  seõosas,  outras  relevo. 
Também  ha,  negras  e  bronzeaõas  ! 

Mil  atractivos  tem  meu  pombal. 
Ninhos,  borrachos,  amor  e  arrulhos ! 
Não  ha  ôiscorõias  ;  caõa  casal 
Lembra  o  meu  ninho,  lar  seranjarulhos .   . 

17 


258  Poetisas  Portuguesas 


E  quantas  vezes,  as  sentinelas, 
(Eles,  os  pombos),  não  vou  ronòar! 
Guarõam,  atentos,  os  ninhos  Òelas, 
Empoleiraòos,  sem  arrulhar ! 

Pombinhas  brancas!  pombas  morenas! 
Meu  passatempo !  cuiôaôos  meus ! 
Quero  ir  convosco,  nas  vossas  penas, 
Quanòo  voarôes,  um  òia  aos  céus ! 


RosalinÒa  Celeste  õe  Figueiredo  Santos. 
AO  MEU  RUI 

(lNED'XO) 

]á  três  annos  tens 
Aurora  em  botão 
E  tuõo  illuminas 
Com  esse  clarão ! 

Teus  olhos,  meu  Rui, 
Tão  bellos,  risonhos, 
Só  õizem  esp'ranças, 
Ternuras  e  sonhos  ! 

As  flôr's  á  porfia, 
]á  anòam,  vê  lá  ! 
Tiranòo-te  espinhos, 
Que  o  munôo  tem  cá ! 

E  querem,  vaiòosas. 
Encher- te  o  caminho, 
E  as  asas  tornarem-te 
Bem  leves,  anjinho ! 


Poetisas  Portuguesas  259 

Mimosa  criança! 
E'  tua  bellêza 
Teu  riso,  que  encanta 
E  afasta  a  tristeza  ! 

Ventura,  anelos, 
P'ra  ti  só  ôesejo ; 
Criança,  és  um  sonho  ! 
Criança,  és  um  beijo  ! 

Rosalinõa  Celeste  òe  Figueireòo  Santos. 


D.  MARIA  OLGA  DE  MORAES  SARMENTO 
DA  SILVEIRA 

D.  Maria  Olga  òe  Moraes  Sarmento  ôa  Silveira  nasceu 
em  Setúbal. 

E'  filha  õe  D.  }ulia  Canõiòa  õe  Moraes  Sarmento  e  òe 
Francisco  Máximo  òe  Moraes,  oficial  superior  òo  Exercito, 
já  faleciôo. 

Pelo  laòo  materno,  é  neta  òo  general  CanòiÒo  Higino  òe 
Moraes  Sarmento  que  òescenòia  òas  famílias  mais  ilustres 
õe  Traz-os-Montes.  Nela  paterna  òo  faleciôo  major  Justi- 
niano Máximo  òe  Moraes,  que  por  feitos  militares  foi  lou- 
vaòo,  acha-se  exposta  na  Socieòaòe  òe  Geographia  òe 
Lisboa  á  espaòa  ò'honra  que  D.  Maria  II  lhe  ofereceu. 

D.  Maria  Olga  òe  Moraes  Sarmento  òa  Silveira  foi  casaòa 
com  o  meòico  naval  òe  1.^  classe  Manuel  João  òa  Silveira^ 
morto  no  combate  òo  Cuamato,  contanòo  apenas  34  anos 
òe  iòaòe. 

O  nome  Òesta  òistincta  escriptora  é  bastante  conheciòo 
e  apreciaòo,  não  só  em  Portugal,  como  em  Maòriõ,  Paris 
(sua  resiòencia  habitual).  Rio  òe  Janeiro,  S.  Paulo  e  na  Ar- 
gentina, onòe  tem  siòo  muito  bem  acolhiòas  as  conferen- 
cias que  fez  nesses  paizes. 


260  Poetisas  Portuguesas 


Em  1913,  foi  eleita  sócia  ôo  Instituto  õe  Coimbra.  Em  6 
ôe  maio  õe  1908,  A  Acaôemia  õe  Sciencias  õe  Portugal  que 
conta  entre  os  seus  sócios  os  nomes  ilustres  õe  Teófilo 
Braga,  Santos  Lucas,  Alfreòo  5a  Cunha,  Augusto  òe  Mi- 
ranDa,  António  Cabreira,  Ramos  õa  Costa,  Belo  òe  Moraes, 
Silva  Amaôo,  Dr,  Júlio  Henriques,  João  Caròoso  Júnior, 
Costa  Sacaõura,  Abel  Botelho,  Alberto  Bramão,  Anselmo 
Õe  Anõraõe,  Costa  Mota,  Ernesto  õe  Vasconcelos,  Queiroz 
Veloso,  Bruno,  Cunha  e  Costa,  Júlio  Neupart,  Freitas  Bran- 
co, Magalhães  Lima,  Marquez  õo  Funchal,  Rocha  Martins, 
Teixeira  Lopes,  Veloso  Salgaõo,  Ventura  Terra,  Alfreôo  Õe 
Mesquita,  Moreira  ôe  Sá,  Viana  õa  Mota,  Severo  Portela, 
Bento  Carqueja,  Augusto  õe  Lacerõa,  Carneiro  õe  Moura,^ 
paõre  Himalaia,  Conõe  õe  Sabugosa,  Visconõe  õe  Sanches 
õe  Frias,  Maõame  Curie,  D.  Domitila  õe  Carvalho,  Analotc 
France,  Camile  Saint  Saens.  Henri  Turpin,  L.  Phileas  Lebes- 
gue,  Pierre  Prevost,  Prospero  Peragallo,  Ribeiro  Y.  Rovira,^ 
etc,  etc,  elegeu  sócio  a  D.  Olga  õe  Moraes  Sarmento  õa' 
Silveira.  Investigaõora  profunõa  e  meticulosa  D.  Olga  õe 
Moraes  Sarmento,  é  uma  õas  figuras  õe  mais  realce  na  li- 
teratura feminina  portuguesa  na  qual  se  õestacam  os  no- 
mes õe  D.  Maria  Amália  Vaz  õe  Carvalho,  D.  Carolina  Mi- 
chaelis  Õe  Vasconcellos,  D.  Emilia  õe  Sousa  Costa,  D.  Marj 
ria  0'Neill,  D.  Virgínia  õe  Castro  e  Almeiõa,  D.  Anna  õJ 
Castro  Osório^  D.  Angelina  Viõal,  D.  Alice  Pestana  (Caie!)/ 
D.  Clauõia  õe  Campos,  D.  Maria  Paula  õ'Azeveõo,  D,  Ma- 
ria Beneõicta  Mousinho  õe  Albuquerque  e  Pinho,  D.  Con- 
ceição Eça  õe  Mello,  D.  Mafalõa  Mousinho  õe  Albuquerque, 
D.  Maria  Feio,  etc.  Prosaõora  e  poetisa  brilhante,  õirigiu 
ôurante  muitos  anos  a  revista  Sociedade  Futura. 

Em  1906,  publicou:  o  Problema  Feminista;  em  1907,  A 
Marquesa  de  Alorna,  obra  a  que  me  refiro  a  pag.  22  õestaí 
Antologia ;  em  1909,  A  Infanta  D.  Mana  e  a  Corte  Poriu 
guesa  (Conferencia  realisaõa  no  Instituto  õe  Coimbra  e$\ 
4-5-1909) ;  no  mesmo  ano,  Arte,  Literatura  e  Viagens  e 
nalmente  em  1912,  La  Pairie  Bresilienne. 


Poetisas  Portuguesas  261 


Para  estas  obras  tiveram  os  jornaes  portugueses  e  es- 
trangeiros (merece  especial  referencia  um  artigo  òe  Maxime 
Fromont,  no  Mercure  de  France),  as  mais  rasgadas  e  enthu- 
siasíicas  apreciações. 
São  õo  Dia  òe  25IV-1912,  as  seguintes  palavras: 
«A  õistinctissima  senhora  D.  Olga  òe  Moraes  Sarmento, 
que  em  Paris  foi  alvo  òas  mais  calorosas  homenagens  por 
occasião  òa  sua  conferencia,  tem  siõo  muito  festejaòa  pela 
alta  socieòaôe  òe  Maòriõ  e  pela  elite  intellectual  òa  capital 
òo  visinho  reino,  senòolhe  feita  uma  recepção  gentillis- 
sima>. 

«Uma  outra  excepcionalissima  òistincção,  que  muito  fol- 
gamos òe  registar  aqui,  teve  a  sr.'  D.  Olga  Òe  Moraes  Sar- 
mento :  a  Infanta  D.  Isabel,  não  poòenòo  assistir,  por  in- 
commoòo  òe  sauòe,  á  conferencia,  conviòou-a  a  passar  a 
taròe  òe  sexta  feira  no  seu  palácio,  a  fim  òe  lhe  lêr  e  á 
íamilia  real  esse  tão  bello  trabalho  litterario». 

O  trabalho  a  que  se  refere  este  artigo  é  La  Patrie  Bre- 
silienne. 

NEVER  MORE... 

O  sol  ôescae  no  poente  e  as  nuvens  côr  òe  rosa 
Formam-se  em  turbilhões  cercanòo-!he  o  áureo  leito. 
Que  torrentes  òe  luz  1  que  surprehenòente  effeito ! 
No  emtanto  triste  òesce  a  noite  silenciosa. 

Assim  eu  vi  cahir,  entre  illusões  ôesfeito, 
O  amor  que  illuminou  minha'alma  òescuiòosa. 
Foi  um  occaso !  e  apoz  a  treva  angustiosa 
Invaòiu  torvamente  o  vácuo  òo  meu  peito. 

[Toòavia  o  sol  volta  abrinòo  a  porta  ao  òia, 
Mas  o  amor. . .  oh  !  o  amor. . .  a  òivinal  poesia, 
[Que  nos  perfuma  o  ser,  não  voltará  jamais! 


262  Poetisas  Portuguesas 

Não  voltará  jamais !  e  uma  atroz  sauõaõe 
Repete  ao  coração  esta  fatal  verôaôe 
Como  ironia  cruel  aos  sonhos  iòeaes. 

Maria  Olga  Òe  Moraes  Sarmento  õa  Silveira.  Almanach 
das  Senhoras,  òe  1913,  pag.  247. 


D.  ELVA  ÇDUARDA  DA  CUNHA  SERRÃO 

D.  Eiva  Eõuarôa  ôa  Cunha  Serrão  nasceu  na  Figueira  òa 
Foz. 

E'  filha  òo falecido  escrivão-notario  ]u!io  Augusto  Gaspar 
õa  Cunha  Serrão  e  õe  D.  Mabilia  Augusta  õo  Reis  Serrão. 

TenÕo  viviòo  muitos  anos  no  Alemtejo,  fez  a  sua  estreia 
literária  no  jornal  A  Vo^  d^Estremoj. 

As  suas  poesias  teem  siôo  publicadas  nos  Almanachs  das 
Senhoras  e  õe  Lembranças  e,  sobretudo,  no  jornal,  Sucessos^ 
ô'Aveiro. 

A  obra  desta  Senhora,  como  de  tantas  outras  de  quem 
falo,  nunca  foi  reunida  em  volume. 

SONETO 

—  Deixae  chegar  a  mim  os  pequeninos  ! 
Disse  Jesus  sorrindo  santamente 
E  dos  seus  doces  olhos  peregrinos 
Rolou  na  face  a  lagrima  tremente  .    . 

E  a  afagar- lhe  os  cabelos  finos 
E  o  rosto  branco  de  expressão  ridente, 
Fitava  os  olhos  d'elles,  azulinos, 
Emquanto  lhes  falava  mansamente  ■ 

Na  sua  meiga  voz,  suave  e  calma, 

Tentava,  em  vão,  encher-lhes  bem  a  alma 

De  tudo  o  que  é  bondade,  o  que  é  meiguice. . . 


Poetisas  Portuguesas  263 

Mas  foi  õebalôe.  A  pequenina  grei 
Quanõo  mais  tarõe  um  banõo  sem  ter  Lei 
Não  recoròou  o  que  ]esus  lhe  õisse. 

Eiva  Serrão.  Almanach  de  Lembranças,  ôe  1910,  pag.  142. 


SONETO 

Na  Ôelicaôa  haste  —  òebruçaõa 
Nas  suas  folhas  tenras,  setinosas, 
Vi  uma  linõa  rosa  nacaraõa 
Entre-abrinÕo  as  pétalas  viçosas.  • . 

E  o  vento  a  sacuòil-a  —  balouçaòa 
Na  hastesita,  em  curvas  caprichosas, 
Ficava  a  rosa  um  pouco  reclinaõa, 
Penôiôas  suas  pétalas  mimosas  ■   ■ 

E  n'essa  posição  tão  peregrina 

A  inclinar  a  coma  pequenina 

Com  õesusaôa  graça  e  compostura  • . 

Fazia-me  lembrar  —  ao  vêl-a  airosa  — 
Uma  õama  gentil,  pretenciosa, 
Fazenõo  gravemente  uma  mesura     . 

Eiva  Serrão.  Almanach  das  Senhoras,  õe  1910,  pag.  356. 


D.  MARIA  PEREGRINA  DE  SOUSA 

D.  Maria  Peregrina  5e  Sousa  nasceu  no  Porto  em  13  Õe 
fevereiro  òe  1809. 

Colaborou :  no  Archivo  Popular,  Revista  Universal  Lis- 
bonense, Bra^  Tisana,  Pirata,  Aurora,  Lidador,  íris,  Òo 
Rio  õe  ]aneiro,  Grinalda,  etc. 


264  Poetisas  Portuguesas 


Na  Revista  Universal  Lisbonense  usou  D.  Maria  Peregrina 
õe  Sousa  o  pseuòonimo  ôe  Obscura  portuense. 
Castilho  foi  aòmirabor  Õesta  Senhora. 

PARÁBOLA  DA  MINHA  VIDA 

Em  jarõim  me  vi  formoso, 
Tão  alegre,  tão  mimoso, 
Que  outro  nunca  vi  assim : 
Longas  ruas  espaçosas, 
Flores  mil,  toõas  viçosas. 
Julguei  vêr  n'este  jarõim. 

Era  então  òe  maôrugaòa  : 
Nebrina  òe  côr  rosaòa 
No  começo  õ'este  òia 
Mil  encantos  presentava ; 
Os  õesares  occultava. 
As  bellezas  òiffunõia. 

Vem  o  õia :  esclareceu 
Pouco  a  pouco  terra  e  ceo. 
Ruas  que  vira  vistosas, 
Vi  tristonhas,  apertadas ; 
Murchas,  sêccas,  õesfoihaòas 
Vi  as  flores  mais  formosas. 

Só  meòravam  lá  martYrios, 
Chagas  vivas,  roxos  lirios  ; 
Os  suspiros,  ais  singelos, 
Tristes  lagrimas  penõiõas ; 
As  sauòaòes  õenegriôas, 
Malmequeres  amarellos. 

Quasi  estava  já  no  fim 
Do  symbolico  jaròim, 
Eis  me  falta  arrimo  e  luz ! 


Poetisas  Portuguesas  265 


Em  terra  cahi  prostraòa 
De  sauòaôes  roõeaòa 
Abracei  funérea  cruz. 


Maria   Peregrina  ôe  Sousa.  A  Grinalda,  II  ano,  Porto, 
1857,  pag.  17  e  18. 


I 


D.  GUIOMAR  TORREZÃO 

D.  Guiomar  Torrezão  nasceu  em  Lisboa  a  26  õe  novem- 
bro õe  1844  e  faleceu  em  22  ôe  outubro  õe  1898. 

Nos  primeiros  anos  Òe  sua  existência  luctou  com  muitas 
òificulòaões  esta  Senhora  que  foi  uma  granõe  trabalhadora. 

Aos  oito  anos  õe  iòaõe,  ficou  órfã  õe  pae,  restanõo-lhe 
apenas  sua  mãe  que  extremecia,  õois  irmãos  pequenos  e  a 
avó  que  pouco  tempo  õepois  faleceu. 

Dotaõa  õe  granõe  força  õe  vontaõe,  intiligente  e  muito 
estuõiosa,  poucos  anos  õepois  era  professora  õe  instrução 
primaria  e  õe  francês. 

Tinha  pouco  mais  õe  õezasseis  anos  õe  iõaõe,  quanõo 
escreveu  a  sua  primeira  obra  literária,  Uma  alma  de  mulher- 

E'  auctora  õos  trabalhos :  Rosas  Pálidas,  No  Theatro  e 
na  sala,  Meteoros,  Paris,  Família  Albergaria,  Flavia,  Bata- 
lhas da  vida,  A  comedia  do  amor,  Idilio  á  inglesa,  etc. 

Para  o  teatro  õo  Gymnasio  escreveu  Educação  Moderna, 
comeõia  e  Naufrágio  do  Brigue  Colombe,  peça  õestinaõa  a 
um  teatro  õo  Brazil. 

D.  Guiomar  Torrezão  também  traõuziu  muitas  peças  tea- 
íraes,  como  :  Condessa  Sara,  Dois  garotos.  Menina  dos  te- 
lelefones,  etc,  etc. 

Folhetinista  õistincta,  colaborou  no  Repórter,  Diário  11- 
lustrado,  Gaveta  Setubalense,  etc. 

Em  1871,  funõou  o  Almanach  das  Senhoras  que  õirigiu 
õurante  muitos  anos,  tenõo-lhe  por  sua  morte,  suceõiõo  no 
aluõiõo  cargo,  sua  irmã  D.  Felismina  Torrezão. 


266  Poetisas  Portuugesas 


RelacionaÒa  com  os  escriptores  mais  em  eviòencia  òo 
seu  tempo,  o  nome  õesta  ilustre  Poetisa  e  Escriptora  é  so- 
bejamente conheciòo  nas  letras  portuguesas. 

A  MINHA  MÃE 
(no  dia  dos  seus  anos) 

ó  minha  mãi  quem  puõera 
cingir-te  a  fronte  òe  flores ! 
e  ajoelhar  aos  teus  pés, 
sanctuario  òos  meus  amores ! 

Ai !  quem  puòera  n'um  raio 
ôo  sol  manòar-te  minha  alma. 
A  sauõaõe  é  um  martyrio, 
mas  um  martyrio  sem  palma  ! 

E  tu  és  na  minha  viòa 
a  ôoce  luz  òe  uma  fé, 
que  nunca  póòe  extinguir-se, 
que  brilha  sempre  õe  pé ! 

Ó  minha  mãi  quem  puôera 
voar. . .  voar  para  ti ! 
e  ôizer-te  em  meigo  enlevo 
surri  meu  anjo  ! . . .  surri  I 

Guiomar  Torrezâo.  Almanach  das  Senhoras,  para  1872,  2." 
ano,  Lisboa,  1871,  pag.  127. 


D.  ROSA  VARELLA 

D.  Rosa  Varella  nasceu  na  freguezia  õe  Ganfei,  concelho 
õe  Valença  õo  Minho. 

E'  filha  Õe  D.  Maria  Rosa  õe  Sousa  Varella  e  õe  Domin- 
gos Gonçalves.  Professora  oficial  em  Loivo  õe  Cerveira , 


Poetisas  Portuguesas  267 


concluiu  o  curso  para  o  magistério  primário  oficial,  na  Es- 
cola Normal  òe  Braga,  em  4  ôe  Julho  òe  1904. 

Fez  a  sua  estreia  literária  em  1913,  ano  em  que  publicou 
o  seu  primeiro  livro  (prosa  e  verso),  Ondas  do  Minho,  im- 
presso em  Vianna  òo  Castello. 

Em  1917,  eôitou  um  volume  õe  poesias, //ar/ja  ia  Tumba. 

Tem  colaborado  nos  jornaes :  Correio  Litterario,  òe  Lis- 
boa, Comercio  do  Lima,  õe  Ponfe  Òe  Lima,  Vbf  de  Cerveira 
e  nos  Echos  de  Cerveira. 

D.  Rosa  Varella  que  consagra  os  poucos  momentos  que 
tem  òe  seu,  á  literatura,  trabalha  num  romance  intitulaòo 
Flor  das  Campas  e  Jem  no  prelo  um  novo  volume  òe  versos 
—  Revoadas  —  òo  qual  faz  parte  o  soneto  Lei  Universal 
que  abaixo  transcrevo. 

LEI  UNIVERSAL 

(iNEDlTO) 

Desfralòa-se  uma  vella  aventureira, 
Sulcanòo  altiva  as  aguas  agitaòas. 
Por  sobre  ela  a  águia  em  revoaòas, 
Vejo  o  espaço  transponòo  altaneira. 

A'  mente  trazes  coisas  já  passaòas, 
Águia  austera  viril  e  sobranceira, 
Que  òeixas  ao  passar  como  uma  esteira, 
Cortanòo  a  névoa  òas  manhãs  nevaòas. 

Sobes  com  altivês  alem  õa  serra, 
E's  senhora  suprema  ò'ampliòão, 
Foges  ás  sombras  tumulares  òa  terra. 

Mas  não  foges  á  morte  esse  òragão, 
Que  a  viòa  a  toòo  o  ser,  cruel  encerra , 
E  ao  naòa  faz  volver  a  creação  ! 

Rosa  Varella.  Do  livro  Revoadas. 


268  Poetisas  Portuguesas 


PROVAÇÕES  DA  VIDA 

(o  QUE  NOS  ESPERA) 

Da  creança  o  negro  õestino, 
Que  oura  malòaõe  encerra, 
Mais  vale  o  eterno  somno, 
No  frio  leito  ôa  terra. 

E'  ave  que  livre  esvoaça, 
E  cantanõo  poisa  na  flor : 
No  silveõo  busca  agasalho 
Onòe  a  espera  o  caçaòor. 

Rosa  Varella.  Ondas  do  Minho,  Vianna,  1913,  pag.  15. 


DESVENTURAS 

Desventuras  cá  neste  munòo  o  que  importa  ? 
Neste  munòo  ha  venturas,  prazeres,  paixões, 
E  efémeras  risos  Da  sorte  que  volta. 
Delicias,  òesgraças...  òa  sorte  os  bal&ões- 

Se  chora  a  miséria  que  importa  então !  ? 
Afasta  o  õitoso  a  vista  com  teõio, 
E  é  inútil  implorar  a  compaixão, 
Crime  é  peõir  para  a  òesgraça  remeõio. 

O  remeõio  está  nessa  fria  moraòa, 

Aonôe  tuòo  finòa  no  esquecimento, 

E  se  resume  a  viôa  nesse  pó  ôo  naòa, 

E  nossos  pobres  ò  ramas  nos  vais- vens  òo  tempo. 

Rosa  Varella.  Harpa  da  Tumba,  Vianna,  1917,  pag.  87. 


Poetisas  Portuguesas  269 


D.  MARIA  DA  GLORIA  PEREIRA  TEIXEIRA 
DE  VASCONCELLOS 

D.  Maria  ôa  Gloria  Pereira  Teixeira  õe  Vasconcellos  nas- 
ceu na  quinta  ôe  Pascoaes,  em  Amarante. 

E'  filha  ôe  D.  Carlota  Gueôes  Teixeira  ôe  Vasconcellos  e 
õe  João  Pereira  Teixeira  ôe  Vasconcellos. 

Irmã  ôo  poeta  Teixeira  ôe  Pascoaes,  tenl  esta  ôistir.cta 
Poetisa  que  é  casaõa  com  o  sr.  José  Monteiro  Carvalhal,  co- 
laboraôo  na  Revista  de  Coimbra,  na  Chronica,  na  Alma  /^e- 
w/muae,  ultimamente,  na  Águia,  bela  revista  mensal,  ôe  li- 
teratura, arte,  e  sciencia,  filosofia  e  critica  social,  na  qual 
tem  escripto ;  Aarão  ôe  Lacerôa,  Afonso  Duarte,  António 
Carneiro,  António  Sérgio,  Augusto  Casimiro,  Aurélio  ôa 
Costa  Ferreira,  Eurico  ôe  Seabra,  Gomes  Leal,  João  Lúcio» 
Leite  ôe  Vasconcellos,  Leonarôo  Coimbra,  Mário  Deivão, 
Phileas  Lebesgue,  Teixeira  Lopes,  Teixeira  ôe  Pascoaes^ 
Teófilo  Braga,  Visconôe  ôe  Vila- Moura,  etc,  etc. 

Esta  Senhora  usou  o  pseuôonimo  ôe  Maria  Estella^  como 
se  vê  ôo  bonito  soneto  que  incluo  nesta  coleção. 

D.  Maria  ôa  Gloria  Teixeira  Ôe  Vasconcellos  tem  em  pre. 
paração  um  interessante  volume  ôe  versos  que  tem  por  ti- 
tulo :  O  Livro  de  minha  filha,  obra  em  que  ha  belas  poe- 
sias, repassaôas  ôe  ternura.  Viôe  pag.  257  ôesta  Antologia. 

PRIMEIROS  CUIDADOS 

Com  a  tua  linôa  cabeça 
Tombaôa  sobre  o  meu  peito 
Chegaôinha  ao  coração 
Que  batia  com  mais  geito. 

Com  teus  braços  enrolaôos 
Ao  meu  pescoço,  Maria  ; 
Teus  granôes  olhos  febris 
Fechaôinhos  á  alegria. 


270  Poetisas  Portuguesas 


Murchinha  como  uma  flor 
De  baixo  ô*um  sol  arôente. 
Como  é  triste  para  uns  braços 
Suster  um  filho  òoente  ! 

Ai,  são  como  o  sol  õ'inverno 
As  alegrias  ôa  Mãe ! 
Tão  òepressa  tem  òe  rir 
Como  ha-õe  chorar  também. 

Sêr  Mãe  é  tornar  a  ser 
Mais  uma  vez  pequenina. 
Quantas  vezes  eu  não  sei, 
Se  sou  a  Mãe,  se  a  Menina ! 

Ser  Mãe  é  olhar  a  infância 
Que  em  creança  se  não  viu. . . 
Como  nos  volta  nos  filhos 
Aquillo  que  nos  fugiu ! 

Maria  Teixeira  õe  Vasconcellos.  A  Águia,  Revista  mensal 
Ôe  Litteratura,  Arte,  Sciencia,  Filosofia  e  Critica  Social,  n.« 
38,  Porto,  Fevereiro  ôe  1915,  pag.  62. 


SONETO 

No  azul  immenso  o  meu  olhar  cançaòo, 
Como  elle  gosta  lá  ôe  repousar ! 
De  ver  o  munòo  está  tão  õesgraçaõo 
Que  se  desfaz  em  lagrimas  no  ar. 

Para  alem  ôo  infinito  constellaôo. 
Ha  uma  estrella  que  me  quer  levar, 
Astro  õe  estranha  luz  illuminaõo. 
Que  vem  sobre  o  meu  peito  repousar! 


Poetisas  Portuguesas  271 

Nas  azas  õ'essa  estrella  vou  voanõo 
Mas  sempre  minha  Mystica  sauòaôe 
De  roxas  nuvens  tuôo  vae  tolõanôo. 

Desfaz-te,  ante  meus  olhos,  roxo  veu ! 
Quetuôo  encobres,  õize-me  a  verôaòe, 
Se  para  além  õo  Ceu,  ainôa  ha  mais  Céu  ? 

Maria  Estelia.  A  Chronica,  nS  61,  3.»  anno.  Lisboa,  março 
òe  1902. 


D.  MARIA  AMÉLIA  VAZ 

Esta  Senhora  é,  como  a  Visconõessa  òas  Nogueiras  (D. 
MathilÒe  Izabel  Ôe  SanfAnna  e  Vasconcellos  Moniz  ôe 
Bettencourt),  D,  Maria  Helena  Jervis  ôe  Athouguia  e  Al- 
meiôa,  D.  ]oanna  Castelbranco,  D.  Arsenia  Bettencourt  Mi- 
ranôa,  D.  Leolinõa  Jaròim  Vieira,  D.  Emilia  Acciaioli  Rego 
Sénior,  D.  Luiza  Maria  Pereira,  D.  Maria  õa  Costa  Pereira, 
e  D.  Eugenia  Rego  Pereira,  —  natural  õa  Ilha  òa  Maòeira, 

D.  Maria  Amélia  Vaz  tem  colaboraòo  assiòuamente  em 
almanachs,  Õiferentes  jornaes  e,  especialmente,  no  Diário 
da  Madeira. 

MORTINHA 

Veste  Õe  neve  a  creancinha, 
Que  vae  mortinha  a  enterrar. 

Com  um  sorriso ! 
A  flor  õ'um  èia  que  jaz  penbiòa. 
Emmurcheciôa,  irá  brilhar 

No  Paraiso. 

E  a  acompanhal-a  ao  cemitério 
Um  coro  ethereo  !  Um  banõo  linòo, 
Aquelle  banòo ! 


i 


272  Poetisas  Portuguesas 

Linòas  creanças  inòa  innocentes 
Pensam  contentes,  que  vae  òorminòo. 
Seguem  cantando. 

No  campanário  repica  o  sino, 
Parece  um  hymno  o  seu  tocar 

Alegremente. 
Rozas  ôesfolham  p'lo  cortejo 
E  tem  ensejo  òe  a  beijar 

O  sol  poente. 

Lá  n'um  casal,  ó  òôr  pungente. 
Amargamente  a  mãe  chorava 

O  ouro  açoite 
Da  negra  morte.  Mas  uma  estrella 
Pouõe  alguém  vêl-a  a  mais  brilhava 

No  ceu  á  noite. 

Pois  é  geral,  ahi  na  alòeia, 
A'  bocca  cheia,  tJiz  a  gente  : 

Essas  estrellas 
Que  se  estão  venòo  no  azul  prezas 
Serão  accesas  eternamente 

Pelos  anginhos  • 

Amélia  Vaz.  Santa  Cru^,  1912. 


D.   MARIA    RITA   CORRÊA   DE  SÁ  BENEVl 
DES  VELASCO  DA  CAMARÁ 

D.  Maria  Rita  Corrêa  òe  Sá  BeneviÕes  Velasco  òa 
mara  nasceu  em  2  òe  Outubro  Òe  1821  e  faleceu  em  30  *< 
Janeiro  Òe  1868. 

Irmã  ôo  sétimo  Visconòe  òe  Asseca,  Salvaòor  Corrêa  òf 
Sá,  e|a  filha  òe  D.  Rita  òe  Castello  Branco,  terceira  filhi 


Poetisas  Portuguesas  273 

ôos  primeiros  marquezes  ôe  Bellas  e  Õo  Visconde  ôe  As- 
seca,  António  Maria  Corrêa  õe  Sá  Beneviôes  Velasco  õa 
Camará. 

Esta  ilustre  Senhora  foi  casaòa  com  D.  José  Maria  õa 
PieòaÕe  Ôe  Lencastre,  segundo  filho  õo  quarto  Marquez 
ôe  Abrantes  e  ôa  Marqueza  D.  Helena  Ôo  Santíssimo  Sa- 
cramento Ôe  Vasconcellos  e  Sousa,  filha  ôos  Marquezes  ôe 
Castello  Melhor. 

A  SOLEDADE 

Voe  soll  I 

Que  voz  õolorosa,  que  tristes  gemiôos 
Os  echos  retumbam  ô'antiga  Sião  ?  ! 
Rachel  lamenta  Ôos  filhos  perôiôos  ? 
Não  ha  consolal-a,  por  que  elles  não  são  ? 

São  ais  e  sauôaôes,  que  solta  Maria, 
Chamanôo  entre  angustias  seu  caro  Jesus. 
Debalôe  o  procura  com  tanta  agonia  ! 
Do  filho  que  resta  !     .  no  monte  uma  cruz ! 

A  cruz,  que  sua  alma  consola  e  tortura ! 
Agora  na  terra  seu  único  amor  . . 
Oh  vós,  que  provastes  ôa  viôa  a  amargura, 
Dizei  se  ha  tormento  que  eguale  essa  ôôr ! 

O  archanjo,  se  agora  baixasse.  Senhora, 
SauÔanõo  teu  nome  ôa  parte  ôe  Deus, 
Esse  ave  festivo  calara  Ô'outr'ora, 
Seus  ais  compassivos  unira  co'os  teus. 

Nem  «Deus  é  comtigo»  teria  juntaôo, 
Que  Deus  já  parece  ôe  ti  se  ausentou. 
Deixou  mesmo  o  filho,  foi  surôo  a  seu  braôo  ; 
Do  seu  ôesalento  Jesus  se  queixou. 

Mas  ah !  se  outr'ora  te  ôisse  Bemdicta, 
Não  menos  agora  t'o  Ôeve  ôizer  ; 
Que  a  benção  celeste  por  Deus  foi  preôicta 
A  quem  sobre  a  terra  chorar  e  soffrer. 

18 


274  Poetisas  Portuguesas 

BemÕize,  pois,  Virgem,  as  maguas  que  soffres. 
Que  eterna  ventura  no  céu  te  òarão ! 
Com  ellas,  abrinõo  òas  graças  os  cofres, 
Alcança  conforto  p'ra  os  filhos  òe  AÔão. 

Maria  Rita  Corrêa  ôe  Sá.  Parnaso  Mariano,  (2.*  eòição), 
Coimbra  1890,  pag.  181. 


D.  MARIA  VELEDA 

D.  Maria  VeleÔa  nasceu  em  Faro,  a  26  òe  fevereiro  ôe 
1871.  Foram  seus  pães  ]oão  Diogo  Frederico  Crispia, 
oriundo  òe  uma  familia  ingleza,  òe  comerciantes,  que  se 
estabeleceram  no  Algarve,  e  D.  Carlota  Perpetua  òa  Cruz 
Crispin. 

Tenôo  ficaòo  órfã  òe  pae  aos  onze  anos,  começou  a  tra- 
balhar aos  quinze  anos,  para  ajuòar  a  viver  sua  mãe  e  um 
irmão  mais  novo,  Òeòicanõo-se  òesòe  essa  iôaòe  ao  pro- 
fessoraòo. 

Aos  òezanove  anos  fez  a  sua  estreia  literária  num  lorna 
provinciano  —  O  Districto  de  Faro. 

Colaborou,  ôepois,  em  vários  jornaes  òe  Lisboa  e  òa  proi 
vincia,  como  o  Diário  lllustrado,  O  Globo,  o  Repórter, 
Vanguarda,   O  Século,  O  Heraldo,  O  Lidador,  etc,  etc,  e 
em  òiíerentes  revistas  como  A  Tradição,  A  Sociedade  Fu 
iura,  A  Mulher  e  a  Creança,  etc. 

As  suas  proòuções,  quer  em  prosa,  quer  em  verso,  fo 
ram,  a  principio,  exclusivamente  literárias ;  mais  taròe,  po* 
rém,  revestiram  um  caracter  acentuaòamente  feminista  e  òi 
propaganõa  em  favor  òa  eõucação  infantil. 

A  sua  activiòaòe  literária  aòquiriu  nova  feição  òesòe  19 
em  que  começou  a  colaborar  em  òiversos  jornaes  politic 
Òe  caracter  republicano,  passanòo  òesòe  logo  a  ser  solici» 
taòa  para  colaborar  com  os  homens  mais  em  òestaque 
nesse  partiòo. 


Poetisas  Portuguesas  275 


Na  propaganda  òo  mesmo  iõeal,  D,  Maria  Veleòa  discur- 
sou em  comidos  e  fez  conferencias. 

Dos  seus  numerosos  artigos  politicos,  o  que  adquiriu 
maior  notoriedade  foi  um  que  publicou  na  Vanguarda,  de 
que  era  director  Magalhães  Lima,  e  que  se  intulava  :  A  pro- 
pósito, e  que  obteve  grande  êxito  e  teve  três  edições  suces- 
sivas. 

As  suas  conferencias  mais  notáveis  foram  reunidas  em 
volume,  intitulado  A  Conquista,  prefaciado  por  António 
José  d'Almeida.  Publicou  diversas  plaquetes  —  A  Emanci- 
pação feminina,  etc.  Manteve,  em  Serpa,  uma  publicação 
mensal,  Côr-derosa,  contos  moraes  para  creanças. 

Como  poetisa,  a  sua  obra  anda  dispersa  por  inúmeros 
jornaes,  revistas  e  almanachs. 

D.  Maria  Veleda  foi  durante  muitos  anos  colaboradora 
assidua  do  Almanach  das  Senhoras. 

Actualmente,  tendo  abandonado  por  completo  a  propa- 
ganda politica  e  feminista,  e  estando  afastada  da  literatura, 
dedica-se,  exclusivamente,  á  sua  missão  de  amiga  das 
crianças,  vivendo  só  para  elas,  como  Delegada  da  Tutoria 
Central  da  Infância  e  Directora  professora  da  Obra  Mater- 
nal, da  qual  foi  fundadora,  e  onde  são  recolhidas  creanças 
do  sexo  feminino  que  estejam  ao  desamparo  ou  em  perigo 
moral,  sendo  este  segundo  cargo  exercido  gratuitamente. 

PÉTALAS 

Déste-me  um  dia,  sorrindo 
Tua  alma  para  a  guardar. . . 
—  E  era  um  hymno  a  tua  voz. 
Era  um  ceu  o  teu  olhar. 

Guardei-a  junto  da  minha, 
Em  tão  estreita  união, 
Que  por  fim  já  não  sabia 
Se  eram  duas  ou  não. 


276  Poetisas  Portuguesas 

Mas  quizeste  rehavel-a, 
Tiveste  õe  a  espeõaçar. . . 
—  Tinhas-m'a  òaõo  sorrinòo, 
E  levaste-m'a  a  chorar. 

Maria  Veleõa.  Almanach  das  Senhoras,  para  1901,  pag.  83. 


MATER  DOLOROSA 

Lançae-me  á  vala.  Amigos  !  Que  me  importa 
Apoõrecer  com  párias  lá  no  funòo  ! . . 
—  Ha-ôe  ser  como  um  farõo  sujo,  immunôo, 
O  caôaver  òa  vossa  infeliz  Morta. 

Atirae-me  e  esquecei-vos  ()'esse  õia, 
Que  eu  não  quero  Õeixar-vos  um  Ôesgosto  . . 
Esquecei  o  meu  riso,  a  voz,  o  rosto . . . 
Essa  máscara  alegre  que  illuòia, 

E  quanòo  não  houver,  emfim  ninguém 
Que  o  meu  nome  recorde  ou  me  lamente, 
Vós  vereis  arrastar-se,  lentamente, 

Caminho  ò'essa  vala,  uma  velhinha, 
Carregaõa  õe  flores  —  coitaòinha. . .  — 
E  chorando  por  mim  —  a  pobre  Mãe  ! 

Maria  Velleôa.  Almanach  das  Senhoras,  para  1903,pag.  123. 


D.  VIRGIiNIA  VITORINO 
Desta   inspirada  Poetisa,  auctora  ôo  soneto  Incerteza, 


sei,  apenas,  o  que  a  seu  respeito  õiz  com  justiça,  O  Século  ^1 
{edição  da  Noite)^  Ôe  4-6-1917  : 
<Faz  hoje  a  sua  estreia  literária,  no  nosso  jornal,  uma 


Poetisas  Portuguesas  277 

nova  poetisa,  a  sr.»  D.  Virgínia  Vitorino,  que,  em  plena 
mociòaõe  —  tem  apenas  20  anos  —  se  Kveia  na  posse  ôe 
toòos  os  segreòos  òa  mais  õificil  õe  toòas  a  formas  poé- 
ticas :  o  soneto.  Desôe  hoje  é-nos  licito  contar,  entre  as 
nossas  ilustres  cultoras  òo  verso,  mais  um  talento,  que  é 
uma  autentica  e  raôiosa  esperança». 

INCERTEZA 

Mentes-me  muito  sim.  ]á  m'o  tens  oito 
E  eu  tinha-o  já  também  aòvinhaòo. 
Mas  que  me  importa  a  mim  esse  pecaõo 
Se  té  desculpo  até,  se  te  acreòito  ? 

Qual  será  ôé  nós  õois  o  mais  culpaõo  ? 
Tu  que  mesmo  a  mentir  és  tão  bonito, 
Muôanòo  em  graça  o  teu  maior  õelito, 
Ou  eu,  porque  te  tenho  acreòitaòo  ? 

Tu  vaes  ôizenòo  aquilo  que  não  sentes ; 
Eu  anõo  presa  a  ti,  n'esta  ancieòaõe 
De  saber  o  motivo  porque  mentes. 

Enganamo-nos  ambos  sem  pensar : 
Tu  a  mentir,  òizenôo-me  a  verõaôe, 
Eu  crendo  em  ti,  mâí8  sempre  a  õuviòar. 

Virgínia  Vitorino,  Século,  (edição  ôa  noite)  òe  4-6-1917. 


D.  LEOLINDA  JARDIM  VIEIRA 

D.  Leolinõa  Jardim  Vieira  é  natural  5a  Ilha  òa  Madeira. 

Poetisa  e  cantora  de  notáveis  recursos,  casou  com  o  Dr. 
"João  José  Vieira,  jornalista  e  antigo  director  do  extíncto 
Diário  Popular,  do  Funchal. 

Esta  Senhora  foi  uma  das  colaboradoras  do  livro  Flores 
da  cMadeira. 


278  Poetisas  Portuguesas 

NUM  ÁLBUM 

Nos  jarõins  mais  formosos  tão  línõas  vegetam 

Alegres  florinhas, 
e  vezes  mãos  ferinas  a  morte  ôecretam 

ás  innocentinhas  !.  •  - 

Succeõe  que  nos  montes  nasce  a  flor  inculta 

e  morre  ignoraôa 
na  escarpa  òe  um  outeiro,  lá  quasi  sepulta, 

mas  não  maltrataòa. 

Tal  como  a  flor  Ôas  serras,  singela  lembrança 

Venho  aqui  õepôr,  — 
fraco  penhor  õe  affecto,  um  signal  õ'esperança, 

ô'eternal  amor. 

Leolinõa  JarÔim  Vieira.  Flores  da  Madeira. 


D.  ANGELINA  VIDAL 

D.  Angelina  Viõal  é  filha  Òo  notável  maestro  Joaquim 
Casimiro  e  viuva  õo  meòico  naval,  Dr.  Luiz  Augusto  ôe 
Campos  Viõal,  faleciòo  na  Guiné  em  21-7-1894. 

Começou,  bem  ceòo,  a  sua  carreira  literária  que  tem  siòo 
sempre  agitaòa,  como  a  sua  viòa. 

Escriptora,  Professora  inscripta  no  Lyceu  e  no  Conser- 
vatório, Sócia  efectiva  ôa  Associação  ôa  Imprensa  Portu- 
guesa, Sócia  benemérita  Òa  Associação  õos  Trabalhadores 
ôa  Imprensa,  Membro  õe  Honra  õa  Liga  Internacional  Po- 
lonesa õos  Amigos  õa  Polónia,  etc,  a  obra  õe  D.  Angelina 
Viõal  como  escriptora,  professora,  jornalista,  poetisa  e  ora- 
Õora  é  invulgar  e  revelaõora  Ôe  profunôa  eruõição. 

Porém,  Õe  naõa  lhe  tem  serviõo,  praticamente,  o  seu 
granõe  talento  e  as  inúmeras  ôistinções  que,  em  concursos 
literários  internacionaes,  os  seus  trabalhos  teem  obtiôo. 


Poetisas  Portuguesas  279 


Quantas  vezes,  na  sua  solitária  resiôencia  õa  rua  õe  S. 
Gens,  acompanhaõa  pelos  seus  fies  companheiros  —  os 
seus  cães  e  por  um  ou  outro  õeõicaôo  amigo  —D.  Angelina 
Viòal  ao  ver-se  ôesamparaõa  e  òoente,  terá  feito  amargas 
reflexões  acerca  ôos  homens,  ela  que  tanto  trabalhou  em 
favor  ôe  uma  humaniòaòe  perfeita ! 

Não  poucas  vezes,  por  certo  se  terá  lembraôo  òa  frase 
õo  granõe  Affonso  õe  Albuquerque. 

D.  Angelina  Viôal  foi  proprietária  e  reòactora  dos  jor- 
naes  :  Syndicato,  Justiça  do  Povo  e  A  Emancipação. 

Colaborou  no  domingo  JHustrado,  Bocage,  Partido  do 
Povo,  O  Tecido,  A  Lii^,  O  Trabalho,  Partido  Operário,  Lu\ 
do  Operário,  Constructor,  Liberdade,  ^Vulcão,  Marselhesa, 
Tribuna,  Officina,  Vo{  do  Trabalho,  Vanguarda,  Alma  Fe- 
nina,  A  Chronica,  Gabinete  dos  Reporters,  Livre  Pensamento 
(Maõriõ),  Diário  Metallurgico,  Revolução,  Caixeiro,  Com- 
mercio  de  Lisboa,  Vo{  do  Operário,  etc,  etc. 

D.  Angelina  Viôal  é  auctora  õos  poemas  :  Liberdade, 
Morte  de  Satan,  O  Marque^  de  Pombal  á  lu^  da  philosophia, 
O  Ultrage,  Semana  da  Paixão,  consagrado  á  rainha  D. 
Amélia  (braõo  eloquente  a  favor  òos  marinheiros  conõe- 
mnaõos),  A  noite  de  espirito,  ôeòicaôo  a  ]oão  Òe  Deus,  e 
premiaòo  num  concurso  internacional ;  ícaro,  igualmente 
premiado  num  concurso  realisaôo  no  Rio  Qranòe  õo  Sul ; 
Nas  florestas  da  vida  {{a  propósito  Õa  catástrofe  ôe  Cour- 
rières),  Lisboa,  1906 ;  Jesus  no  templo  e  Espiraes  de  dor. 

Por  almanachs  e  jornaes  anõam  ôispersos  um  sem  nu- 
mero õe  suas  poesias,  que  ôariam  um  valioso  volume. 

Em  prosa,  alem  õe  inúmeros  artigos  em  que  tem  versaõo 
quasi  toõos  os  ramos  ôos  conhecimentos  humanos,  é  au- 
ctora õos  aômiraveis  Contos  de  Crystal  e  Contos  negros, 
que  só  por  si  bastariam  para  noutro  paiz  em  que  a  litera- 
tura fosse  amaôa,  consagrarem  quem  os  architectou. 

Para  o  teatro,  escreveu  esta  notável  Senhora  :  Caminho 
errado,  comeõia  em  3  actos,  em  verso ;  Castigar  os  que 


280  Poetisas  Portuguesas 

erram,  iõetn,  iòem,  em  prosa;  Nobresa  d'alma,  Licção  Mo- 
ral e  Conselheiro  cocado. 

Ao  terminar  estes  singelos  ôaõos  biográficos,  tenho  es- 
perança que  ainòa  surgirão  melhores  òias  para  D.  Angelina 
Viòal  que,  por  certo,  não  será  esqueciòa  principalmente 
pela  Associação  òa  Imprensa  e  por  aqueles  a  quem  o  seu 
granòe  coração  e  elevaòo  espirito  sempre  beneficiou. 

CONFRONTO 

<Pae,  porque  me  abanòonas?»  exclamava 

O  ôoce  Nazareno  agonisante, 

E  seus  olhos  sem  luz  na  luz  filava 

Do  paternal  império  Deslumbrante. 

Mas  õo  céo  impassível  não  baixava 
O  rocio  ôa  pieõaõe ;  e  Òo  semblante 
Da  victima  serena,  ôeslisava 
A  supplica  õe  um  pranto  soffocante. 

Deus,  o  cúmplice  horrível  ò'este  crime, 
Deixava-o  espeòaçar,  qual  branòo  vime 
Que  o  tufão  colossal  prosta  e  retalha. 

Mas  eis,  n'este  momento,  junto  á  cruz. 
Alguém  chorava  a  òôr  ôo  bom  Jesus  ; 
Era  um  paria  infamaòo,  era  a  canalha  i 

Angelina  Viòal.  Almanach  Republicano,  para  1880  (6  ' 
anno)  pag.  99. 


CANÇÃO  DO  ENGEITADO 

Sem  ter  ninguém  eu  anôo  assim 
Sempre  a  mau  trato,  ao  sol  ao  frio 
Enfermo  ou  são,  ninguém  sentiu 
Um  só  carinho  ou  ôôr  por  mim. 


Poetisas  Portuguesas  281 

Amos,  ganhões,  ovelhas,  cães, 
N' esses  cazaes  e  choças  varias, 
Almas  christans  ou  alimárias 
Toõos  são  filhos-   .  teem  mães ! 

Trigaes  òo  campo,  aguas  õa  fonte 
Cepas,  ginjaes,  pinheiros,  tilias 
Ouvi  Õizer  que  têm  famílias.  •  • 
Eu  nunca  a  tive,  eu  anõo  a  monte.   . 

Levanôo  as  cabras  n'esses  trilhos 
Passo  por  baixo  Ôos  pomares, 
E  penso  então,  toòo  em  pezares : 
A  flor  é  mãe,  os  fructos  filhos. 

Beijos  õe  mãe,  como  serão  ? 
Era  Òe  peòra  a  mãe  que  tive  ? 
Ai !  se  eu  soubesse  onõe  ella  vive 
Guarõava-a  aqui,  no  coração. 

Quanõo  recolho  á  noite  os  bois 
Peço,  a  chorar,  a  caõa  estrella ; 
Dize,  onôe  está  ?  Só  quero  vêl-a, 
Chamar-lhe  mãe  morrer  õepois ! 

Angelina  Viòal.  Lisboa,  Novo  Almanach  de  Lembranças 
Lu^o-'Brapleiro,  para  o  anno  õe  1908,  pag.  54. 


A  PENA  DE  MORTE 

Sou  õemocrata  e  mãe ;  procuro  um  norte 

De  Liberõaõe  e  Gloria ! 
Aceito  essa  revolta  ardente  e  forte 

Que  faz  tremer  a  Historia, 
Porem  conòemno  o  imman  õesvario 

Que  mata  a  sangue  frio ! 

Angelina  Viõal.  Vi^eu  Ilustrado,  pag.  201. 


282  Poetisas  Portuguesas 

VISCONDESSA  DE  VILLA  MAIOR 

(d.   SOPHIA    de  ROURE   AUFFDIENER   PIMENTEL) 

A  sr.*  Visconõessa  ôe  Villa  Maior  nasceu  em  Lisboa,  a 
17  òe  março  ôe  1821. 

Era  filha  õe  D.  Emilia  Auffòiener  e  òe  João  õe  Roure. 

Esta  ilustre  Dama  foi  casaõa  com  o  Visconde  òe  Villa 
Maior,  Júlio  Máximo  ôe  Oliveira  Pimentel,  reitor  òa  Uni- 
versiôaôe  ôe  Coimbra  e  auctor  ôo  Douro  lllustrado. 

Esta  Poetisa  foi  mãe  Ôa  sr.»  Marqueza  ôe  Bellas  e  Ôe 
Emilio  Pimentel  que  fez  as  estampas  com  que  seu  pae  or- 
nou o  livro  citaôo. 

A  Senhora  Visconõessa  ôe  Villa  Maior  escreveu  um  livro 
muito  interessante  e  que  foi  aprovaôo  pelo  Conselho  ôe 
Instrucção  Publica  —  Poesias  lyricas  selectas  de  Lui^  de 
Camões  (1876).  A  esta  obra  se  refere  Seabra  ôe  Albuquer- 
que na  Bibliographia  da  Imprensa  da  Universidade,  ano 
Ôe  1876. 

De  D.  Sophia  ôe  Roure  Auffòiener  Pimentel  fala  O  Par- 
naso Mariano,  coli9Íôo  por  Abilio  Augusto  òa  Fonseca  Pinto, 
Conimbricense  muito  ilustre. 

A  SENHORA  DA  AGONIA 

Vós,  Senhora  ôa  Agonia, 
Dos  homens  consolaôora, 
Tenôe  ôó  ôa  peccaôora, 
Oh  Virgem  Sancta  Maria  !  •* 

De  luz  carecem  as  flores  ; 
Sem  luz  extingue-se  a  viòa  ; 
O  iris  Òe  paz  promettiõa 
Sem  luz  não  tivera  cores. 

Sem  a  graça,  luz  formosa 
Das  almas,  tuòo  era  pranto 
No  munôo.  A  luz  e  o  encanto 
D'esta  terra  tembrosa. 


Poetisas  Portuguesas  283 

Ella  em  negra  escuriôaòe, 
Ella,  a  canòiõa  Joanninha 
De  mal  ò'amor  se  definha, 
De  longa  acerba  sauõaõe. 

Dae,  Senhora  ôa  Agonia, 
Dae  á  triste  luz  e  esp'rança  ; 
Dae-lhe  ôias  Õe  bonança 
Oh  Virgem  Santa  Maria  ! 

Sophia  Pimentel.  Parnaso  Mariano,  2.»  eòição,  Coimbra,. 
1890,  pag.  100. 


D.  AMÉLIA  DE  GUIMARÃES  VILLAR 

D.  Amélia  õe  Guimarães  Villar  é  filha  ôe  D.  Margariòa 
Guimarães  Villar  e  õe  José  ]oaquim  Marques  Villar. 

Nasceu  na  freguezia  õe  Victoria  õa  ciõaõe  õo  Porto,  em 
6-10-1890. 

Em  1908,  principiou  a  escrever  algumas  quaõras,  no  se- 
manário õe  Aveiro,  Os  Successos. 

Para  satisfazer  a  vários  peõiõos,  tem  colaboraõo  nos 
jornaes :  A  Vo^  do  Leça,  A  Scenielha,  A  manhã,  A  madru- 
gada, A  semana  lllustrada  e  Pontas  de  Fogo. 

Em  1909,  publicou  esta  Õistincta  Poetisa,  o  seu  primeiro 
livro  Õe  versos  —  Tímidas  Aspirações,  que  está  exgotaõo, 
bem  como  o  seu  monologo,  Um  mau  engano,  eõitaõo  em 
1910. 

Em  1916,  apareceu  o  seu  livro  õe  poesias  Lagrimas,  pre- 
faciaõo  pelo  ilustre  poeta  Campos  Monteiro. 

Este  ultimo  trabalho  também  teve  o  mais  elogioso  aco- 
lhimento feito  pelos  principaes  jornaes  õo  norte,  entre  os 
quaes  mencionarei :  O  Primeiro  de  Janeiro,  Cotnercio  do 
Porto,  Jornal  de  Noticias,  etc. 

O  soneto  Miragem,  que  figura  nesta  Antologia,  é  copiaõo 
1  õo  livro  Lagrimas. 


284  Poetisas  Portuguesas 

Em  1916,  obteve  o  soneto  a  que  me  refiro,  num  concurso 
poético  realisaõo  pelo  Correio  Literário^  õe  Lisboa,  o  pri- 
meiro premio,  entre  175  concorrentes. 

VERSOS 

No  teu  peito  ao  meu  amor 

oeste  guariõa. 
Amo-te  mais  que  ao  munõo. 

E's  minha  viòa. 

Repara  :  —  O  amor  que  sinto 

No  meu  peito, 
E'  o  mais  louco,  o  mais  puro, 

O  mais  perfeito. 

Amélia  õe  Guimarães  Villar.  Tímidas  Aspirações. 


MIRAGEM! 

Vejo-te  em  toòa  a  parte,  a  toôo  o  instante  l 
Teus  lábios  a  sorrir,  nesse  sorrir 
Que  sabe  comover  e  confundir 
Meu  coração  num  goso  Delirante. 

Vejo-te  em  sonhos,  vivo,  tam  flagrante. 
Como  uma  rosa  Õ'ouro  a  reflorir !  - . . 
Vejo-te  em  sonhos  !     .  Como  é  bom  Òormir. . . 
Miragem  tam  sublime  e  tam  amante ! 

E  vejo-te  no  mar  n'esse  quebranto 
Da  sua  magestaôe  e  galharòia, 
E  nos  lamentos  ôos  pesares  seus ! 

E  vejo-te  no  ceu,  cheia  Òe  encanto  ! 
Tam  bela  como  os  olhos  Òe  Maria  !. . . 
Tam  pura  como  as  lagrimas  òe  Deus  ! 

Amélia  òe  Guimarães  Villar.  Lagrimas,  Porto,  1919,  pag. 
52. 


Poetisas  Portuguesas  285 


ADITAMENTO 


I 


D.  FLORENCIA  DE  MORAES 

D.  Florencia  õe  Moraes  nasceu  em  Vila  Real. 

E'  filha  õe  D.  Anna  Pereira  Òe  Moraes  e  õe  José  Correia 
õe  Moraes. 

Esposa  õo  Dr.  Abel  ]osé  Fernanões,  juiz  ôo  Ultramar, 
D.  Florencia  õe  Moraes  tem  estaõo,  acompanhanõo  seu 
mariõo,  em  S.'»  Antão  õe  Cabo-Verõe,  em  Pangin  e  em 
Moçambique,  onõe  resiõe  ha  8  anos. 

E'  auctora  õe  :  "Vo^es  da  Índia  (poema)  e  Fé  e  Vagar,  pe- 
quenos livros  õe  sonetos  em  alexanõrinos ;  tem  prompto,  a 
entrar  no  prelo,  um  novo  livro  õe  versos.  Em  1911,  publi- 
cou em  Vila  Real  um  pequeno  opúsculo,  em  verso,  Para 
as  crianças. 

Tem  colaboraõo  na  Aurora  da  Liberdade,  Povo  do  Norte^ 
Districto  de  Dila  Real,  Novidades,  Evolução,  e  nalguns  jor- 
naes  õe  Cabo-Verõe  e  Inõia. 

Devo  estes  apontamentos  á  granõe  amabiliõaõe  õum  pa- 
trício õesta  Senhora,  o  conheciõo  e  apreciaõo  jornalista  e 
escriptor,  Dr.  Sousa  Costa,  auctor  ôa  Pecadora,  Fructo  pro- 
hibido,  Coração  de  mulher,  Sempre  virgem,  etc. 

SONETO 

—  O'  meu  paiz  sauõoso,  onõe  ha  poentes 
õe  sangue  e  õe  viuvez  em  caõa  outomno 
em  ti  quero  õormir  o  ultimo  somno 
õe  amor  e  morte  sob  a  cruz  õos  crentes. 


286  Poetisas  Portuguesas 


E  tu,  coração  meu,  tem  bem  presente 
as  horas  ôe  sauôaõe  e  õe  abanòono, 
como  um  Õoente,  occiòental  outomno, 
passaòas  sob  os  inõicos  poentes. 

A  noite  e  a  viõa,  esse  mysterio  enorme 
que  junto  ao  seio  ôe  ignoto  òorme, 
como  o  Iõeal  que  ôentro  em  nós  habita, 

vae  ôum  a  outro  polo,  como  os  ventos, 
na  rosa  colossal  ôos  pensameutos, 
ôispersos  pela  abob^ôa  infinita. 

Florencia  ôe  Moraes.  Vojes  da  índia. 


^ 


! 
: 


índice 


Pag. 

Prefacio V  a  XV 

Achioli  {Maria  Anna)  —  Chapinhanôo 1 

Lar  feliz 2 

Agoas  ( Virgínia  da  C.  Silva)  —  Sauôaòe 4 

Imaculada 5 

Dormir,  esperar 6 

No  Calvário  espinhoso  õesta  viôa 6 

Aillaud  (Maria  Cecília)  —  A'  memoria  õe  meu  caro 

filho  Manoel  Matias  Vieira 8 

De  colina  em  colina  vagueanòo 8 

Albuquerque  [Anna  de)  —  Sae-nos  òo  coração  um 

pranto  arõente 10 

Albuquerque  {Mafalda  Mousinho  de)  —  Sombra  ....  11 

Sem  remeõio 12 

Por  que  te  amo 13 

/^quo  animo! 14 

Prece. 15 

Um  encanto 16 

Albuquerque  {Mecia  Mousinho  ie)— Depois  òo  baile*  18 


*  Esto  lignal  indica  qao  as  poesias  a  que  se  refere  tSo  inéditas. 


'^'^88  Poetisas  Portuugesas 


Occultas  magoas 19 

A'  memoria  ôe  Freôerico  Pinheiro  Chagas..  20 

Alorna  {Marquesa  de)  —  Soneto 23 

Soneto 23 

Soneto.  . . 24 

Andrade  (Mariana  Angélica  de)  —  A  minha  estrella.  26 

Mysterios  ôo  toucaõor 27 

Andrade  (Marianna  Belmira  de)  —  A  minha  terra. . .  28 

Araújo  {Condessa  de  Almeida)  —  VUIancete 31 

Villancete 31 

Arriaga  {Maria  Christina  de)  —  Um  segreòo 33 

Arthur  (Maria  Ribeiro)  —  A  minha  Pátria     .    35 

Athouguxa  e  Almeida  {Maria  Helena  Jervis  de)  —  De 

rêve  en  rêve ^ 38 

A  lagrima 38 

Reminiscência 39 

A^iul  —  No  anno  ôe  1917  * 41 

O  outomno 42 

Tu  e  só  tu 43 

Sol  • 43 

Balsemão  (  Viscondessa  de)  —  Misericorõia 45 

Sapho 46 

Uma  paixão 46 

Barbosa  {Hortencia  Paulina  de  Lima)  —  A  pastora  .  4» 

Bastos  (Maria  Jacintha  Teixeira)  —  O  futuro  *  . .  •  •  49 

Meu  coração  * 50 


Batalha  (Elisa  Toscano)  —  Meu  tormento 52 

Anjinho  infortunado 52 

De  volta  ao  Curral • 53 

Blasco  (Mercedes)  —  Bohemia 56 

Casta 57 


C«,u.o  iMaria  José,  _  Mag5ale„a 
^■'"■""' <^"""^''^'')- As  palmas.. 

"^^"^K-S-'-''°-^ 


Poetisas  Portuguesas^  289 

Belém  (Ejilier  ^,„a„c  da  Cu,,/,.^       ,  - 

J=  rosas  ôa  raSha      ^'  "  '"'^  »^  Deus'.  58 

Ç^  Creche 59 

Para  os  orphãos..' .' ' 59 

•"^''"Atír^.'^:"--«^^)-A„.Ma„;'::." 

Lourdes "■ ^g 

Ante  uma  caveira.'.".'.*.';; ' " ' 66 

67 

68 
70 
72 

FÍor;qu7morr^7'^°''^"^ 75 

Orphãs ■ j? 

Minha  sina  ....'; 77 

Pobre  morta 77 

Velhinho....: lo 

Esquecimento. .  ...'.* 81 

Viôas Jj 

Soffre-se  tanto  peia  viôa  'fora! ." 82 

Carvalho  (Maria  Amália  Var  de)       a  .  ^    • 

.    ,  „  ^  ^'  ~"  A  anõorinha . . 

-^<eWra„co  (Jo„,a  ,e)  _  Tristea  . 

astello  Branco  {Calharim  Mmí„,„  j    c- 

"^"°ms^?í':?!'.::.«- -•-.';■  .■;■;;';.■.• 


83 
87 

89 

91 


93 
94 

95 
96 


97 
19 


290  Poetisas  Poriagueêas 


Casiello  Branco  (Maria  Figueiredo  Feio  Rebello)  — 

Fé* 100 

A  canção  õo  mar  • 100 

Castilho  {Emitia  Augusta  de)  —  Visão 102 

Castro  {Cacilda  Pinto  Coelho  de)  —  Nas  ruinas  õo 

convento  õe  Almoster.. 105 

O  garoto  õos  olhos  azues 106 

Suposição 107 

Célia  Roma  —  Nuvens 110 

Chaves  (Laura  da  Fonseca)  —  Raciocínio  õe  criança  112 

Soneto 113 

O  amor  e  o  tempo 114 

Atempo     .   114 

A  morte  õa  Micas •  •  123 

Colaço  (Branca  de  Gonla)  —  Nihil ! 116 

Preluõio 117 

Meu  amor 118 

Historia  silenciosa 118 

Peõinôo  esmola  119 

Colaço  (Lia  de  Magalhães)  —  Os  teus  olhos  * 120 

Sem  titulo  * 121 

Cunha  (Maria  da  Conceição  Pereira  da)  —  Quaòras  123 

Des  vers  faits  a  mon  cceur ! 124 . 

Cunha  (Maria  da)  —  Proemio 127 

Cromo 127 

O  Infante  òe  Sagres 128 

Meio  òia 129 

Virtuòes  íeologais 129 

Clauõia 130 

Dolores  (Soror)  —  A'  senhora  Marietla  Gresti 13l| 

Eduarda  (Emilia)  —  N'um  álbum 133" 

Escareio  (Júlia  Eugenia  Silva  de  Pereira  Lúcio)  — 

O  nosso  amor  . . . . : 1  - 


Poetisas  Porfuguesas  291 


A  um  crucifixo 136 

Peccaòora 136 

Ferreira  {Isabel)  —  Mãe    137 

O  pobrezito 138 

P^erretra  (Lui^a)  —  19  Ôe  Agosto  138 

3  õe  março 139 

A  creança  e  a  Velhinha 139 

Gamito  [Maria  IjabelJ  —  Palavra  santa  140 

Inverno 141 

Velho 141 

'  ^:esta  —  Sauaaòe  * 143 

Dia  D'annos 144 

Estrella  Do  norte  * 145 

Gusmão  (Júlia  de)  —  Além 147 

N'um  jazigo 148 

Ivalda  —  Semente  pequenina 150 

Quero  sonhar 1 50 

Janny  {Amélia)  —  Aos  annos  Ôe  minha  mãe 154 

Camará  arôente  155 

Soneto 156 

JAma  {Gertrudes  Ferreira)  —  Sauôação 159 

Lucena  {Albertina  de)  —  Já  tarde  . . . . , 162 

Lupi  {Tiertha)  —  Distrahiòa 163 

Ao  espelho  cruel 164 

Macedo  {Clorinda  Máxima  de)  —  Um  quaôro 165 

Machado  {Alda  Guerreiro)  —  Sauòaôe 167 

D.  Henrique  * 168 

Nuno  Alvares  *    1 69 

Duarte  Ôe  Almeiôa  * 169 

Egas  Moniz  *     170 

'aia  {Emilia  Adelaide  Moni^  da)  —  Autografo  ôe 

Gonçalves  Dias  * 173 


r, 


292  Poetisas  Portuguesas 


Dôr  suprema 174 

O  amor  òe  Deus     174 

Meu  Deus,  meu  Deus,  porque  me  abando- 
naste?   175 

oMagalhães  {Cândida  Ayres  de)  —  Riso  para  os  ou- 
tros   177 

MociÕaÕe 177 

Lagrimas 178 

Sauõaôe 179 

^Maldonado  {Marianna  Antónia  Pimentel)  —  A'  Grã 

Bretanha 180 

Mello  {Zulmira  de)  —  Somnambula 1 82 

Phantasia.. 183 

A'  beira-mar 183 

Mendonça  {Maria  José  Furtado  de)  —  O  rei  õe  Thule  184 

Miranda  {Arsenia  Bettencourt)  —  Anhelos 187 

Moderno  Alice  —  Miniatura 189 

Lagrimas 189 

Creanças 189 

Nogueiras  {Viscondessa  das)  —  Uma  noite  ôe  luar..  •  191 

Ondina  —  Pombas  feridas 193 

(JNeill  {Maria)  —  Flirt  * 199 

O  que  só  termina  com  a  morte 199 

Um  sonho 200 

Após  uma  jornada  ô'amargura 200 

Pacheco  (Águeda  Leonor  Alvarrão)  —  Porquê  ?  . . . .  202 

Trovejando 202 

'Pacheco  {Guilhermina  Alvarrão)  —  A  tarde 204 

Pacheco  Simões  (Maria  José  Alvarrão)  —  Novas  al- 
voradas    206 

Fragmentos  do  Hernâni. 208 

Paraií^o  {Albertina)  —  A  minha  mãe •   .  •  211 


Poetisas  Portuguesa;^  ^'ií%,293 


Mares 211 

MaÕona 212 

Naufrágio • 212 

Dolorosa 213 

'Parreira  (Maria  Cândida  de  Bragança)  —  Lembras- 
te?     .  214 

Suplica .... 215 

SauôaÒe 215 

Patrício  [Maria  Magdalena  Valde^  Trigueiros  de  Mar- 
te!) —  Lheure  rouge 219 

Oraison  aux  õentelles. 219 

Peixoto  (Maria  do  Canuo)  —  Deixae  que  eu  sonhe.  220 

A  uns  olhos 221 

Pereira  (Eugenia  Rego)  —  Ao  cair  õa  tarõe  .  j  • . .  •  222 

Echos  que  passam 223 

Pereira  {Lui^a  Maria)  —  Tributo  ôe  sauôaõe 224 

Pereira  [Maria  da  Costa)  —  A  minha  irmã     225 

Pinheiro  [Beatri^)  —  Crisálida. 229 

Hino  ao  sol 229 

A',memoria  ôo  poeta  õas  «Peninsulares»  Dr. 

Simões  Dias 230 

Plácido  {Anna  Augusta)  —  Malõita  ! 234 

A  Camillo  Casíello  Branco 235 

Pomares  [Marquei(a  de)  —  SauÒaòe 237 

Possolo  [Francisca  de  Paula)  —  Juramento  õe  amor  238 

Epistola 239 

Prata  [Maria  Adelaide  Fernandes)  —  O  filho  ôe  Deus  240 

Pusich  [Antónia  Gertrudes)  —  MaÔeira 243 

Ratnos  [Clotilde  '%afaela  de  'Bataria)  —  Quaõras- .  246 

Ramos  [Maria  Carolina)  —  Quaõras  247 


294  Poetisas  Portuguesas 

Ramos  (Zulmira)  —  Maio 248 

Rego  Sénior  (Emilia  Acciaioly)  —  O  arco  iris 249 

Reis  [Maria  Leonor)  ■—  Assim  te  foste  ! 251 

Assim  te  poões  ir 252 

Sá  {Anna  Amália  Moreira  de)  —  Sauõaõe 254 

Santiago  (Esmeralda  de)  —  Outr'ora 255 

Hoje 256 

Santos  {Rosalinda  Celeste  de  Figueiredo)— Vomhzs*  257 

Ao  meu  Rui  * 258 

Silveira  [Maria  Olga  Moraes  Sarmento  da)  —  Never 

More 261 

Serrão  [Eiva  da  Cunha)  —  Soneto 262 

Soneto..  .  263 

Souja  [Maria  Perigrina  de)  —  Parábola  òa  minha 

viôa 264 

Torre^ão  [Guiomar)  —  A  minha  mãe 266 

Varela  [Rosa)  —  Lei  universal  * 267 

Provações  õa  viõa 268 

Desventura 268 

Vasconcellos  i Maria  da  Gloria  Teixeira  de)  —  Pri- 
meiros cuiòaòos 269 

Soneto 270 

FíTf  [Maria  Amélia)  —  Mortinha . .  • .  271 

oxioriniT  OjIioíoiT     -rrO  oiiorínil  otc'/,' 
aitnEÍfit  ?.n\\6  ;?itnf.'lní  í>rX-/- 


Poetisas  Portuguesas 


295 


Vidal  (Q^ngelina)  —  Confronto 280 

Canção  Ôo  engeitaòo.  • . . .  > 280 

A  pena  õe  morte 281 

Villa  Maior  (Viscondessa  de)  —  A  Senhora  õa  Ago- 
nia   282 

Villar  (Amélia  de  Guimarães)  —  Versos 284 

Miragem , .  284 


ADITAMENTO 
Moraes  (Florencia  de)  —  Soneto  . . . 


285 


ERRATAS  PRINCIPAES 


Pag. 

onde  sele 

deve  ler-se 

7 

Metestasio 

Metastasio 

15 

Doixae-me 

Deixae-me 

52 

Só  teus 

Só  tem 

56 

ez 

fez 

74 

D.  Domilla 

D.  Domitilla 

160 

Õos  filhos  Peõro 

õos  filhos  Ôe  Peõro 

217 

moyeu 

moyen 

219 

rheuse 

rheure 

cfinuiniá  Dtuii  vvi   i^ww 


PQ  Cardoso,  Nuno  Catharino 
9033  Poetisas  portuguesas 
C3 


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