m
í
PROFECIA
POLITICA,
Verificada no que está succedeíicfo
aos Portuguezes pela sua eéga
affeiçao aos Inglezes ;
Escrita depois do Terremoto ão ànno
de i7$5->'e publicada por jrdem
superior no amo :de 176a % em
Madrid.
-Traduzida do Hespai<fkòl.
Augurium ratio est & conjectura fotirri.
Ovni. Trist. L. 1. EU& -t.
'ma
LI SB O A,
-"Na Typo3RAFia Rollanbiaha«
1 8 o 8.
^.L
rjmmA
(3)
.A D VER T ENCIA
DO
EDITOR «ESPANHOL..- :
J. endo chegado ás minhas rnaos
este escrito por huma rara casua-
lidade , o puncipieia lêrsem mais
objecto que o da minha própria
instrucçaõ ? crendo mô açha-r-nel-
le senaó huma relação simples , e
nua dos dam nos que causou o ter-
remoto de 175-5- era* Portugal, e
algumas reflexões vagas sobre ©
seu governOo Fiquei porém adrni-
redo de vêr, contra o que espe-
rava j quaõ bem discorre seu au-
íhor sobre o systêma politico dá-
quelle reino; descobrindo a raiz,
e causa de todas as suas misérias^
e demonstrando naõ terem estas
a sua origem no physicó dos seus
-contratempos , mas sim no dama©
, ^L
I
I
1
moral da sua constituição , que
mo he outra, senão a dedeixsr-
se cegamente governar pelos In-
glezes ; sem reparar que estes lhe
vendem a sua protecção a preço
d'huma escravidão, como o temos
visto bem comprovado no mani-
festo que ultimamente se dêo á
iuz por ordem da nossa Corte.
-Deste principio inferio o su-
thor , ha seis itmos , todos os
damnos, e calamidades que neces-
sariamente deviaõ resultar a Por-
tugal ; c que por desgraça desta
monarquia sevanjá verificando. O
que me move© a publicar este es-
crito , com o titulo de Profecia
Politica , verificada no que está sue-
cedendo aos Portugueses pela sua
cega affeiçati aos Inglezes , &c.
cr)
p"R- E F AC1&
Jtl pezar de ter o reino de Por-
tugal feito hum grande papel na
Europa desde o finado reinado de
D. Pedro II. , sem embargo naõ
se conhecerão com individuação os
negócios desta monarquia. A Provi-
dencia me conduzio a este reino no
anno de 1752., & desde log.pcn.a-
char-me.no -centro da desordem po-
litica da Europa.. Vi huma monar-
quia anniquilada por huma serie
contínua- de revoluções, pertur-
bada com oçcultas. seitas , c em-
pobrecida pelas suas próprias, ri-
quezas.
Hum povo privado da devi-
da instrucçaõ : huma nação cujos
costumes a fazíaõ pouco civilisa-
da : hum estado governado por usos
asiáticos , . naó tendo de Europeo
mmê o nome , de monarquia se-
■w^n-íi
í
í
I
(6)
naó a forma, e de potencia senão
a sombra.
O que porém tinha mais des-
truido este estado no nosso sécu-
lo, era a cega confiança que tinha
n'huma naçaõ ambiciosa , cobiço-
sa da grandeza, e do poder, que
ofterece ao principio humamaõ
para soccorrer , e que opprime de-
pois com huma infinidade de bra-
ços.
A Inglaterra desfrutava por in-
teiro as minas de ouro do Bra-
sil; e Portugal naõ era mais que
o ecónomo das suas próprias ri-
quezas. Este estado se via cheio
de Inglezes opulentos, que pos-
suiaõ todas as riquezas do Reino,
e nada ficava aos Portuguezes de
propriedade, &c.
Finalmente as causas physi-
cas concorrerão com- as moraes :
os elementos suppríraõ ao que
mó alcançou a politica , abrio-se
a terra, e destruio os que a des-
truiaó..
4Èk-KZ2
Isto supposto, digo r que o
Reino de Portugal pode tirar hu-
ma grande vantagem das suas des-
graças ; e somente para provallo,
se compoz este discurso.
Acaso haverá quem julgue que
be mui succinta a relação do ter-
remoto , que serve de appendicej
mas persuado-me, que para satis-
fazer a ânsia que tem a Europa
de huma noticia individual deste
successo , basta pôr-lhe á vista os
factos , tendo podido fazer alguns
volumes , do que reduzo a pou-
cas folhas.
Que espectáculo da vicissi-
tude das cousas humanas nao offe-
rece á vista hum Reino inteira-
mente trastornado , huma capital
sepultada nas suas próprias ruinas,
milhares de casas abrazadas ,:_ hum
povo inteiro entregue ás chamas,
quarenta e cinco mil pessoas mor-
tas~~repentinamente , destruída a
fortuna de duzentos mil vassallos,
e por fim huma perda immensa , e
quasi incomprehensi vel !
i
(8)
A imaginação naõ tem de
trabalhar , porque todo o trabalho
he da penna; o mal está, em que
nesta espécie de relações , que pa-
recem exageradas, costuma-se sa-
crificar o principal ao accessorio;
eu porém reduzi este suecesso ao,
suecesso mesmo.
(9)
DISCURSO POLITICO.
Das utilidades que Portugal , pode-
x ria tirar das suas desgraças
JN em sempre he a politica a
-causa única das revoluções dos es-
tados.-Terríveis fenómenos mudaõ
Ás vezes a face dos impérios. Pó -
de-se dizer ,'/ que ás vezes estas
irregularidades da natureza sao
precisas ? ^ porque podem contri-
buir mais que qualquer outra ^ou-
sa á destruição de certos syste-
mas , que se dirigiaó a invadir o
universo.
Se os .governos ambiciosos
(■fatio dos que tudo referem a si
próprios , que vendo-se sós no
mundo , naõ tem outro objecta',
senão empobrecer a todos univer-
salmente ? nem outro principio,,
senão a dominação gerai.) naõ
■■i ■■
1
fossem commummente impedidos
por causas physicas , converter-
se-hia a terra n'huma mansão pe-
rigosa. Entaó poderia a politica
íazer-se senhora absoluta do mun-
do : os estados fracos ficariaõ sem
recurso algum ; o povo que che-
gasse a ser superior a outro, con-
servaria sempre a superioridade :
entre este estado , e o da monar-
quia universal, naõ mediaria in-
tervallo algum : creio que em cer-
to período de tempo seria escra-
vos globo, da terra : tudo se per-
deria entaõ, e todos os governos
seriaõ anárquicos.
Fallando somente dos meios
políticos , com independência das
causas extraordinárias, he en cer-
to modo evidente , que hum es-
tado, ao qual outro chegou a ser
superior , naõ torna a si quasi
nunca. Procede isto dequeosys-
tema geral da Europa se funda
sempre na vantagem actual ; e que
o estado que chegou a adquirir
( M >
esta vantagem , augmcntãtião as-
sim as suas forças verdadeiras , e
relativas, chegada vêr-se em cir-
cunstancias de nao perdella nun-
ca.
Parece que na politica somen-
te existe no nome a moderarão.
Os soberanos costumaõ querer ser
sempre tudo o que podem ; e pou-
cos exemplos ha de que podendo
hum estado ser superior a outro f
o rraõ tenha feito.
Por maia que se estabeleça
para todas as nações hum direito
de gentes politico-, e civil, go-
vernará seaipre Doiundo entre os
homens a lei do mais forte; por
isto disse hum dos grandes poe-
tas do nrçsso -século :
O primeiro -Rei ã$ mundo foi
hum Soldado^ nas suas empregas sem-
pre afortunado.
-Masaistodirád: O que! he
preciso que se abra -a terra, que
■trastorne províncias, que sepulte
cidades inteiras, para dissipar a
í
I
cegueira de algumas nações 5 c
tSar-lhes a conheceres seus verda-
deiros interesses ? Sim , sem temor
o digo, he necessário por algum
modo. Parece que ainda nos ele-
mentos ha huma espécie de ins-
tincto , para impedir que certos
povos ambiciosos se apoderem da
terra. Vcja-se como a physica tor-
na a estabelecer ás vezes certo ni-
vcl nos negócios poliricc s.
Com amicipsçaô de muito
tempo minava secretamente huma
tiaçaõ ambiciosa o poder de seus
visinhos j a sua industria , e o seu
commercio lhe tinhaõ adquirido a
superioridade sobre muitos esta-
dos. Huma maravilhosa , e bem
combinada polirica, que.guiava to-
tíos os seus desígnios, a tinha in-
sensivelmente, elevado ao poder
supremo por veredas extraviadas •
preoceupaçoes de moderação que
tinha sabido estabelecer ; hum sys-
tema de pacificação com que tinha
deslumbrado os olhos; as immen-
mm*
C r?0
^as riquezas do Brasil que pos-
suía inteiramente ; huma forte ma-
rinha ; o adiantamento das artes;
o estado florecente das .ena nu fac-
turas : N estes saõ os < instrumentos
de que se sérvio para dominar va-
i-los povos.
Já tinha tudo disposto para
cativar parte da Europa ? quando
o fenómeno.. acontecido' em Portu-
ga! frustrou todos os seus projec-
tos.
Mas huma perda de mais de
sessenta milhões de cruzados , a
suspensão das artes , e das fabri-
cas, como também a interrupção
das riquezas do Brasil, acabaõ de
atrazar pelo menos hum século a
dominação, a que se vê que aspi-
ra -a Inglaterra.
Poderia pois a politica só
ter diminuído até este ponto as
forças deste reino , e>ver-se-hia res-
tabelecido sem este fenómeno o
equilíbrio da Europa ? Na verdade
era quasi. indispensável hum acon-
tecimento .extraordinário.
s
*
J
( 14)
Deve suppôr-se como regra
geral , que os abusos introduzidos
n'hum governo desordenado por
espaço de muitos annos , destroem
insensivelmente a sua constituição,
e regularmente corrompem todos
os ,seus princípios : o caracter da
naçaõ, que segue sempre o sys-
tema -geral, se une com os seus
vicios políticos : os estados estran-
geiros , que occasionaõ esta des-
ordem, querem aprovei tar-se dei-
la , augmentando-a continuamen-
te ,-e-o mal chega a naõ ter re-
médio.
Quando os principies d'hum
estado chegarão a corromper-se ,
saõ quasi inúteis as novas leis.;
porque a reforma do primeiro abu-
so he sempre a origem d'outro a-
buso; e por mais que se faça, só
se consegue trocar hum mal por
outro mal, e subsiste sempre a cau-
sa da desordem do estado. Como
este governo se acha n'huma si-
tuação precária, quantos tratados,
(ir)
e quantas negociações fazem com
elle os outros estados , se conver-
tem sempre em seu prejuízo , ca-
da qual se aproveita da sua fra-
queza , e he o alvo. a que atiraõ
todos os estados da Europa. Hum
governo pois que se acha nesta si-
tuação , e que ameaça ruina por
todas as partes , naõ pode deixar
de tirar muita vantagem d%uni tras-
torno.y ou d'fautáa revolução,, e
quiçá he d único remedia que lhe
fica para renascer das suas pró-
prias cinzas : assim como as en-
chentes dos rios que trasbordaô,
saõ algumas vezes necessárias para
fazellos tornara entrar no seu lei-
to natural, donde íinhaõ safa ido ,
assim também ha casos em que pa-
ra restabelecesse hum estado , he
preciso quedem parte se anniquile,,
e que isto seja por meio de algum
acontecimento extraordinário.
Succedido o fenómeno , der-
rama-se huma nova luz nos enten-
dimentos . ,■ e destruídas as preoccu*
i
N
(76)
pações por meio do golpe funes-
to experimentado no governo po-
litico , e civil , descobrem-se as
-desordens, que o costume, e á se-
rie de huma infinidade de causas
estranhas com que estavaõ unidas,
naõ deixavaó ver.
Naó estamos já naquelies sé-
culos^ em que os legisladores mu-
davao a constituição dos estados
corruptos com a força só do seu
entendimento.
Como cada nação formasse
então hum ^mundoá parte , ou por
melhor dizer, como cada estado
se considerasse a si mesmo só no
universo, e que o systemad'buma
naçaõ fosse unicamente relativo a
ella mesma., achava o legislador
grande facilidade para a reforma.
Mas depois que se unio comsigo
mesmo-a Europa ; isto he^ depois
que os interesses políticos d'hum
estado viérao a ser os interesses
políticos d'outro estado, abrirão
os olhos todos os governos sobre
(17) :.; '
r menor mudança que medite fazer
qualquer dos seus visinhosj e co-
mo os vicios, e defeitos dos mais
fracos, entra õ na composição da-
quellas cousas que contribuem a
formar os mais fortes y resulta que
naõ se permitte aos estados , e
governos fracos sàhir de sua fra-
queza, e debilidade, porque d&
sua mediania , ou pequeno poder
depende a grandeza das mais prin-
cipaes , e poderosas monarquias.
Por isto hum governo corrupto*
está necessitado a naõ sahir dos
limites que lhe signala a sua pró-
pria desordem ; naõ servem para
sahir delia os meios de que poder
riaõ valer-se os grandes ministros:
porque o mais que podem fazer
hoje em dia , naõ he anniquilar os
vícios do systema actual, mas sim
usar de remédios palliativos para
conter a desordem, e arrimar hum
espeque á maquina, ( permitta-se-
me esta expressão familiar) para,
que naõ se desfaça totalmente^. £:
i
I
( 18)
caia por terra ; e isto succede por-
que huma multidão de causas com-
plicadas , e accidentaes , que nem
saó da sua inspecção , nem está em
sua maõ desviallas , os fazem pa-
rar, e lhes tirão a liberdade de o-
brar de mil maneiras.
Hoje em dia tudo he com-
binações na politica , e o que neu-
tro tempo se chamava grandes ras-
gos de estado , ou de politica ,
naõ he a propósito, nem^ervede
cousa alguma; e naõ occorrendo
algum acontecimento extraordiná-
rio, huma monarquia que se vio
huma vez abatida , permanece aba-
tida para sempre.
Cromwel , e Richelieu se ve-
riaõ hoje em dia precisados a pa-
ramos primeiros passos , naõ obs-
tante o seu grande talento , e ca-
pacidade ; e por mais que medi-
tassem com madureza os seus pro-
jectos, e preparassem as suas má-
quinas , logo se descobririaõ os
seus desígnios , e a sua politica ;e
is suas ' primeiras tentativas frudò
se levantaria contra elles para fa«
zellas inúteis, e aquellesdous su-
blimes entendimentos seriaõ mui
pouco a propósito hoje em dia pa-
ra os gabinetes dos príncipes. Já
naó assassina a politica , mas ma-
ta lentamente : hoje todo gover-
no mina, ouhe minado; e geral-
mente fallando, o mal vem sem-
pre de longe : do mesmo modo
como succede com aquellas enfer-
midades inveteradas , que quando,
se querem remediar , já naó he
tempo.
Hoje em dia se prepara a mi-
na de qualquer estado , e gradual-
mente o levao a ella , subminis-
trando-ihe insensivelmente os meios
de destruir~se y de maneira que
chega a arrumar-se- com arte
Só
a politica dos antigos Romanos
opprimía as nações, tazendo-as
mostrar-se no mundo em todo o seu
esplendor, de maneira que naó co-
nfaeciaõ a sua própria ruina senaó
I
, *<•**
í
i
■
I
quando já naõ tinhaõ remédio pa-
ra evitalla ; eis-ahi em duas pala-
vras qual era a situação de Por-
tugal antes das suas ultimas des-
graças, principiando pela do hor-
rível fenómeno-, que foi o espan^
to, e a admiração da Europa. An-
tes destas desgraças estava já a
monarquia Portugueza nos últimos
extremos : tinhaõ-a oslnglezes de-
baixo da sua dependência , e in-
sensivelmente a tinhaõ conquista-
do , sem se exporem sos riscos
das conquistas : eçtavaõ os Porta*
guezes atados ao carro da po-
litica Ingleza : naõ lhes ficava
meio , nem recurso algum para*
romper as suas cadeias, e em vez*
de poder rompellas , fortalecia
Portugal mais e mais cada dia as-
que o sujeitarão- ao systema da
Grã-Bretanha.
Jamais puzéraõ melhor os In-
glezes por obra a máxima que os
inclina a destruir, ou ao menos a
debilitar todos os demais systemasr
para dar forças ao seu. Nao tinha
alma, digamo-lo assim, o gover-
no Portuguez : estavaõ os seus
membros todos sem vigor: cada
parte esperava para mover-se que
lhe viesse o movimento da Ingla-
terra ;e n5huma palavra , estava tu-
do sem esperança,, nem remédio.
■§. i
jás cousas physicamente ■■necessárias
faltavao a Pêrtugal.
& sessenta "«mios a esta par»
t€ foi o grande systemados ingle-
ses y para sujeitar as nações que
devem contribuir ao seu engran-
decimento, têlías na dependência
das cousas physícas necessárias.^
destruindo a sua agricultura.
O methodo de que se sérvio o
governo Inglez para este fim , por
singelo que seja , naô deixa de en-
cerrar em si hum systema comple-
to de tyrannia , pois indirectamen-
í
i
m-wtlê*
!
<i
%
te se dirige á monarquia univer-
sal. Este methodo pois foi o de
ofFerecer, e fornecer aquellas cou-
sas em que consiste a primeira
subsistência dos povos, osquaes
intenta pôr debaixo da dependên-
cia , por muito menor preço do
que poderiaõ elles mesmos têlias
no seu continente. Foi Portugal
o que primeiro cahio no laço ,
deixando-se prover das cousas mais
necessárias , e desde aquelle pon-
to perdeo-se o seu estada civil .,
e politico, e sahíraõ as suas ri-
quezas do seu domínio. Resultou
disto, que dependendo esta mo-
narquia da de Inglaterra para as
cousas physicamente necessárias, se
fez sua escrava jj aturai; e resul-
tou também , como consequência
necessária da escravidão, reduzí-
rem-se a nenhum valor as terras
de Portugal, e achar-se sem pro-
ducções o continente, no que,
como se deixa ver, perdeo o es-
tado muitos milhões na cultura das
s
(*3>
terras: deixou-se de semear: dí-
minuio-se o numero de lavradores,
e minora cada dia esta classe de
gente, que deve reputar-se como a
base do governo politico, e civil;
de maneira, que as colheitas tem
sido escassíssimas no reino, e a~
bundantissimasem Inglaterra, aon-
de os Portugueses levaõ o seu di-
nheiro. De tudo isto nasceo , que
se perdeo a harmonia nas ordens
do estado , o equilíbrio nas classes,
e por consequência naõ pôde sos-
tér-se, faltando o apoio principal,
€ o estado recebeo a ferida na raiz
a mais essencial. .
Varias vezes ouvi perguntar,
porque tendo Portugal tantos meios
de ser poderoso , era o Reino
mais fraco da Europa ? Naõ víao
os que faziaõ semelhante pergun-
ta , que esta monarquia estava en-
tregue a hum povo que a devo-
rava , a hum povo que naõ lhe
deixava cultivar as suas riquezas
^nacionaes, e qua a obrigava a cor-
i
wmtiM
■i
i
i
(*4) , ., ,
Ter após huma riqueza fingida, da
.qual tirava toda a utilidade aln-
glaterra.
Naõ tinha Portugal no anno
de 1754 mercadorias de sua eo*
íheita : naô produzia o seu terre-
no senaõ alguns fructos : os dous
terços das cousas physicamente
necessárias lhos subministravaõos
Inglezes ; e a tal estado tinhaõ-es-
tes reduzido Portugal, quequasi
0 tinhaõ conquistado, sem mani-
festai lo ; demaneira, quenaõlhes
faltava senaõ tomar posse, cousa
.que teriaõ executado facilmente ,
se elles naõ tivessem opposto a si
mesmos varias considerações par-
ticulares , tiradas do systema ge-
01 da Europa.
r*5)
§ ii.
O commèrèio mniqullado em Pó?*
tugãk
Oênbòra a Inglaterra do coinmer-
cio dos Portuguezes 9 passava tu-
do pelas suas mâõs : erao os In~
glezes feitores, e abastecedores
de -Portugal , e tendo-se apodera*
do de tudo^ naõ havia negocio
algum que naõ se -fizesse pelo seu
canah Desde que a corte de Lon-
dres tomou taõ grande ascendente
sobre -a de Lisboa ^ e desde que
a Inglaterra se derramou (diga-
mo-lo assiíti ) em Portugal , nao
■fora 6 outra cousa os habitantes
deste reino 3 senaõ huns testemu-
nhas ociosos do grande commer-
cio , que se fazia em sua própria
casa , e huns tranquillos especta-
dores j, que naõ fízeraõ papel ai-
g*am no seu próprio theatro, con-
-eiitando-se com olhar da platêa
B
™rí*
I
i
i
i
. ( .»6 )
para a trágica scena da sua pró-
pria destruição.
Os Ingiezes iaõ ate Lisboa
para tirar-lhes o commercio do
Brasil. A carga , e o sortimento
das suas frotas , eraõ dos Ingie-
zes , as riquezas que traziaó á
Europa, o eraõ igualmente, naó
tendo de Portuguez este commer-
cio senaõ o nome ; e entre tan-
to, naõ obstante o immenso com-
mercio que se fazia em Portugal ,
se debilitava miseravelmente es-
te estado, porque todo o provei-
to o levava a Inglaterra. Desap-
pareciaõ os Ingiezes depois de te-
rem feito a sua fortuna, levanJo
huma grande parte das riquc/as
do reino , o que o empobrecia
continuamente y pelo que tei ia si-
do melhor que naõ se fizesse
ccmmercio algum , do que deixar
a sua utilidade a huma naçaõ es-
tranha. Hoje em dia he o com-
mercio que impõe leis á politica,
dimanando delle o poder de hum
C *7 )
estado; e quantas vantagens che-
ga a lograr huma naçaõ sobre ou-
tra nesta parte , se dirigem á ruí-
na da que as concede, de manei-
ra ? que naõ ha meio , nem mo-
deração ; ou destroe ? ou he des-
truído aqueliepovo, que faz o
•cornmercio com h tim a naçâÔ so-
mente.
§ ffi. , ,
Da nenhuma
industria -de :Púf<
Uigak
oder-se-hia diz^r dos -Porta-
guezes , o quç dizem vários au-
thores de certos povos da Africa;
isto he5 que náõ "tem artes: quê
tem em abundância metaes precio-
sos 5 que recebem iirimediatamen-
té das maôs da natureza : que to-
das as nações cultas se achaõ em
estado de negociar vantajosamen-
te com elles : que lhes podem fa-
x,er estimar muito cousas de. ire-
B 2
"^
I
I
«hum valor, e receber delles ou-
■tras de excessivo preço.
Vem de muito longe esta
-inacção de Portuga] ; mas sempre
a originou a Gra-Bretanha. Crom-
wel , por meio de hum tratado
vantajosíssimo á sua-naçaõ, anni*
quilou em certo modo a monar-
quia Portugueza , antes que exis-
tisse ; fez-se este tratado entre as
duas nações, quarenta annos an-
tes do descobrimento das minas;
istp he., antes que Portugal fi-
zesse papel na Europa, c" nelle
se estipulou, que a Inglaterra ha-
via de subministrar os géneros pa-
ra se vestirem os Portuguezes :
desta maneira cortou Cromwel o
nervo do systema politico desta
naçaô , e com hum só golpe ar-
rumou o seu governo. Desde en-
raõ ficáraó desterradas as artes do
reino , destruirão se insensive4-
jnente as manufacturas, entorpe-
reo-se a industria , que a final
chegou a ser nenhuma : o alento
que se dava aos Inglezes , rece-
bendo os seus tecidos , abateo a
actividade natural dos Portugue-
zer. cahio a naçaõ tfhuma espé-
cie de Vethargo : a ociosidade , e
a preguiça se foraõ apoderando
dos corações rmô deixando nel-
}ç$ asilo ás (temais paix6è§ , eau-
gmentoa-se a indolência dos Por-
tuguezes á proporção do augmen-
to que recebia a avareza dos In-
glezes. Os panos ,-e lenharias que*
a Grã-Bretanha ■ subministra- an-
nualmemte aos Portuguezes; de-
vem avaliasse arn vinte milhões*
de cruzados por anno; naõ igno-
rando ninguém, que a França na©
vende annualmente em Portugal
cincoenta peças de pano.
Sendo o vestido , e o alimen-
to duas cousas igualmente neces-
sárias em qualquer naçad , segue^
se forçosamente, que subminis*-
trando-as aos Portuguezes , con-
seguio a Inglaterra tellos na maior;
dependência-, e sujeição.
i
3
I
L ^V
BEL
I
I
(30)
§ IV.
.M00 systema de política em Por~
tugak
JL endo-se subtrahido este reino
da dominação de Espanha , se lan-
çou nos braços dos Inglezes, cren-
do que necessitava no mundo de
hum allUdo de reputação, cujas
forças marítimas pudessem deslum-
brar a mesma potencia, cuja do-
minação acabavao de sacudir ;
mas he de admirar, que huma só-
reflexão , que devia offerecer-se
desde logo aos Portugueses , naõ-
os conduzisse a finalizar a- obra,
para o que naõ tinhao outra cou-
sa que fazer, senão dar hum pas-
so para traz, e examinar as cau-
sas dáquelle mesmo suecesso.
Toda a Europa sabe que o
projecto , a execução , e o bom
exko da revolução de Portugal ,
foi obra dos Portuguezes sos , «m
soccorro algum estranho. Sabe-se
igualmente",- que naõ servirão ,
riem tireraõ efFetto quantos meios
lhes tinha submiflistrado- a Ingla-
terra. Sendo isto assim , como po-
diaô suppôr os Portuguezes que
a Gra-Bretanha havia de ter bas-
tantes forças para impedir que
tornassem a entrar na aommaçao
de Espanha , naÓ teado podido
tirallos delia a mesma Inglater-
ra > Por ventura, he mais \mtt
'fazer que huma mçaõ se liberte da
dominação de outra , do que estor-
var que torne ao poaer oa mes-
ma ? Sem embargo , aproveuando-
«e a Inglaterra daquella espécie
de embriaguez, tudo ■ prpmetKo ,
para tudo conseguir, bao infini-
tas as reflexões que se me spre-
sentaS agora por todas as partes :
quando huma naçaõ recobra a sua
liberdade politica, he huma pro-
va certa de ter-se corrompido o
governo, que a tinha em escrava-
í
I
s
i
I
■
«o;- c-por conseguinte, que nad
se acha já no seu primeiro esta-
do^ de vigorj neste caso, a na-
ção , que alcançou por si mesma
a liberdade . he bastante forte
para conservalla , e de nada lhe
servira o seu primeiro esforço,
senão se lhe segue outro para con-
servasse livre sem soccorro de
hum alhada poderoso : d'ourra
sorte torna a cahir por outro la-
do na mesma escravidão de que
samo. ^
As allianças nao sa6 outra
cousa senão comrnercios- políti-
cos; e o alliado que entra com
mais poder he o que saca delias
mais proveito. Depois da revolu-
ção de Portugal, tem sido este
reino mais escravo da Inglaterra
do que nunca o foi da Hespanh*:
parece que os Iftglezes nao ofFe-
recêrao a Portugal, na sua revo-
lução, huma rnaõ amiga, e libe-
ral , senão para opprimillo depois
$om< imraa, infinidade dq braços:
X 33) . - •
t) que se vio logo , pais a tinai
os destruirão com o peso do seu
^vstema económico.
Antes do acontecimento, que
arruinou otimamente Lisboa, na©
tinha Portugal vo7xdeiiberativa por
si mesmo: todas as suas resoluções
as dictava o gabinete de Londres^
e também os .passos que haviaô
de dar nas cortes estrangeiras os
Ministros Portuguezes, os pres-
crevia a Inglaterra. Naõ tinha Pot'~
uigal tropas de terra , nem de^
mar : tinha perdido aquelle mo-
vimento de sã politica, sem o qual
cahe qualquer governo na ukima
debilidade. Que systema taõ in-
feliz ! Descançai em mim , dizia
aos portugueses a Gra-Bretanha.;
fiai-vos nas minhas armadas oa-
vaes , e naõ façais a ninguém a
guerra , que -eu a faixei por vós.
Naõ ha politica mais eirada que
a de manter-se constantemente
em paz, quando todas as poten-
cias 4a Europa estão em^uerra^
i
!
;<
-XV
a
I
e assim , ainda que as perturba-
ções que sobrevem nas demais na-
ções, naõ interessem pessoalmen-
te r he preciso tomar aiguma par-
te , a naõ ser que os inconvenien-
tes da guerra sejaõde mais peso
que os da paz. Engana-se muito
hum estado quando cie que as
victorias que se conseguem a 200
léguas do seu continente , naõ o
interessaõ em. nada, pois no mun-
do politico suecede o mesmo que
no physico, em que o primeiro mo-
vei dá hum movimento geral.
Ha na politica huma força
ínotriz geral 5 que se derrama, e
estende por todas as partes : es-
ta força , ou he directa, ou indi-
recta , e por reflexão , e em qual-
quer parte da Europa que augmen-
te ó seu poder hum estado , di-
minue necessariamente o de algum
outro. Por esta ra/aõ , he do in-
teresse de todos os estados man-
ter o equilíbrio, porque delle de-
pende a sua segurança , e a dis-
tribuiçao geral do poder 'politi-
co-, interessa "-a todos os reinos 5»
e republicas da Europa.
Nas guerras geraes -convém
roais aos estados pequenos do que
aos grandes, tomar parte nellas,
ainda que seja somente para poi-
se da dos roais fracos contra- os
mais poderosos ; e sem esta po-
litica adquirem estes cada dia mais,
e mais forças , e absorvem final-
mente aquelles ,; porque jamais
falta ás grandes monarquias hum,
ou outro pretexto para declarar a
guerra aos estados , com quem até
entaõ nao tiveraó desavença algu-
ma. Os estados 'poderosos naÕ.a-
tacaô os que saõ menos podero-
sos , sehaõ porque estes nao esta3-
em estado de deíender-se. -Erã
pois máo o systema politico de
Portugal, porque tinha interesse
a Inglaterra em que naõ -fosse boixie
i
-\v
i
C íO
§ V.
'Que a or:gem das riquezas de Por-
tugal era ma , e viciada.
LA sessenta annos a esta parte
<S3Õ as minas de ouro o manancial
das riquezas de Portugal. Sendo
isto certo, naõ ha necessidade de
-ser grande politico : bastará sa-
ber calcular para fazer parente ,
X]ue hum estado quejixa toda a
sua administração nas minas, de-
ve perecer indefectivelmente. O
ouro, e a prata saõ huma rique-
za fictícia, e imaginaria: saò hu-
raa representação , ou signaes mui
duráveis, como convém á sua na-
tureza : quanto mais se mui tipi i-
caõ , mais perde do seu valor ,
porque representaõ menos cousas.
^ Logo que se conquistarão o
Peru, e o México, abandonarão
os íispanhoes as riquezas natu-
raes pelas de representação , ou
nsignal , que por si mesfflas se én-
viíeciaõ : o ouro, e a prata eraó
até entaó mui raros na Europa ;
e senhora a Espanha repentina-
mente de huma quantidade des-
tes dous metaes, concebeo espe-
ranças que jamais teria tido sem
elles ; sem embargo de tudo is-
to , naõ deixou de duplicar-se o
dinheiro na Europa, o que se co-
nheceo por ter-se auginentado do
dobro o preço de quanto se com-
prava : em dobrado tempo tor-
nou-se novamente a duplicar o di-
nheiro , e diminuio também o seu
valor de metade , o <jue succedeo
desta maneira.
Para tirar o ouro das minasv
e para preparallo como convinha ,
era necessário algum gasto: sup-
ponho que este fosse na propor-
ção de hum a 64: assim pois as
frotas que traziaõ á Espanha a
mesma quantidade de ouro , tra-
ziaõ hum género que na realida-
de valia ametade menos, e cus-
I
, ( 3*-)
tava amerade mais; e se se segue
a conta de dobro em dobro , a-
char-se-ha a causa do menor po-
der que originarão as mesmas ri-
quezas.
Neste razoamento se encon-
tra hum extracto da historia da de-
bilidade de Portugal. Filippe II.
(diz hum author politico) fez a
famosa quebra que todo o mun-
do sabe, depois do descobrimen-
to do México. Filippe IV. (diz
outro escritor da mesma classe )
se vio precisado a fazer moeda
de muita liga , para supprir aos
empenhos do estado.
Mas ainda que este vicio phy-
sico naô estivesse na natureza das
mesmas riquezas, huma só refle-
xão politica bastaria para curar os
Soberanos da mania ( digamo-lo
assim ) de ter estes funestos the-
souros. Se os que descobrem a-
bundantes minas de ouro quizes-
sem considerar , e subir até ao
principio das cousas, encontrariam
patpavelmente a ruína, e anrnqui-
laçaõ. do seu poder nas mesmas
minas. O- ouro he o mesmo po-
der , porque subministra aos es-
tados os meios de augmentar as
suas forças. Se hum Monarca que
descobrisse minas abundantes qui-
zesse ajuntar dentro do seu rei-
no todo o ouro que extrahisse dei-
las, sem dar porção alguma aos
demais Soberanos , poderia elie
só ter mais dinheiro que todos os
demais juntos, e poderiaõ as suas
immensas riquezas levallo á mo-
narquia universal ; mas , que suo
cederia ? Armar-se-ina contra elie
toda a Europa para destrusllo ,
antes que elie pudesse destruir os
demais ; e se para evitar a sua mi-
na meditada por todos os estados 5
lhes desse parte do producto das
suas minas., cahiria por outra par-
te no inconveniente que tinha que-
rido evitar ; porque fazendo-o pas-^
sar aos demais governos^ augmen-
tando continuamente a massa das
'VV
(40). ..
suas riquezas, diminuiria neces-
sariamente o seu próprio poder ,
e no espaço de hum século naõ
se acharia em proporção de força
relativa com os demais governos
da Europa. Se os exemplos fos-
sem capazes de emendar os Sobe-
ranos , nenhum haveria que naõ
estabelecesse por máxima funda-
mental o naõ permittir abrir as
minas, visto que se pode pro-
var que desde a creaçaô do mun-
do , todos os estados que fixáraô
«este ponto a sua administração,
<:ahíraõ na debilidade , e na im-
potência. Pode pois ter-se por má-
xima certa, -que as riquezas das
minas devem repurar-se por qui-
méricas para os estados que as
possuem , <los quaes pode dizer-
se, que propriamente fallando, naó
saõ mais que os ecónomos , ou dis-
pensadores de seus próprios the-
souros , pertencendo somente o
terreno, e a substancia aos povos
industriosos que as fazem valer.
A'4*í
Tomemos o mesmo Portu-
gal por exemplo : o preto que
trabalha nas minas de ouro do Bra-
sil , deve o seu vestido atingia*
terra, que lho subministra: logo
estas minds saò relativas álngla*
terra , até que seja pago o vesti-
do: para trabalhar as minas he ner
cessar io hum cabedal para pretos :
supponhamos que este cabedal he
de vinte milhões de cruzados^
o seu juro que he de 320 , ou
400 contos de réis , e que deVe
sahir das minas, diminue por for-
ça a somma da sua extracção. Ao-
crescente-se a isto a subsistência
de quasi cem mil pessoas entre
pretos, e brancos, que dependem
das minas do Brasil ; subsistên-
cia que naõ vem do mesmo esta-
do, e que he preciso recebella
dos estrangeiros: ajunte-se tam*
bem ao referido o vestuário 5 e
as demais espécies relativas ao
luxo que subministra a Inglaterra
aos habitantes do Brasil : e ac-
i
i
s
I
I
(4»)
erescentem-se por fim as necessi-
dades geraes da naçaô, que tendo
deixado perder as artes desde o
descobrimento das minas j se vio
obrigada a prover-se das nações
estrangeiras; do que tudo se in-
fere , que o ouro que se extrahe
das minas he relativo aos demais
governos : que riqueza pois pô-
de ser aqueiia, cuja posse envol-
ve em si a ruina do próprio esta-
do l
§ VI.
Que a fazenda real de Portugal es-
tava inteiramente arruinada.
caba-se de ver que as rique-
zas de Portugal traziaô comsigo
hum vicio physico, o qual arras-
tava necessariamente o estado a
huma destruição geral das suas
rendas rcaes.
Nos annos de 175^ • e 17J4
se reduziaõ todas as tique/as de
Portugal em espécie y ou dinhei~
(4?.y -Ifcw 4
ro physico y a oito milhões de
cruzados ; e ainda huma grande
parte desta somma era de má moe-
da, cheia de liga, por cuja ra-
zão naõ queriaô" acceitalla os es^
trangeiros : circunstancia única , a ..
que deve atribuir se orno ter fi-
cado aquelle reino sem hum real
em espécie ; o que porém he mais
extraordinário , e quasi parece in-
. crivei , he que o Rei^ de Portu-
gal ,. possuidor das minas de ou-
ro mais abundantes 9 Monarca que
toda a Europa crê taõ rico , e taa
endinheirado 5 se visse precisado
no fim do antio de i?i3 a tomar
emprestado de huma irmandade
oitocentos mil cruzados para soe-
correr as suas necessidades. He
também certo que nos dez annos
anteriores acfde 175 4 tinaa feita
Portugal bancarrota énr quasi to-
das as nações da Europa , e que
só á Inglaterra devia vinte mi-
lhões de cruzados; de maneira que
jà naquelle anno tinha, chegada
i
í
( 44 >
rortugaí a estar insolvente. O go-
verna naõ tinha erário , nem ha-
via hum real no thesouro publi-
co: qualquer naçaó que o tivesse
querido atacar, o teria certamente
dominado , porque naõ lhe er*
possível- soportar as despezas da
primeira campanha.
- He verdade que nada disto
deve a^mirar-nos se subimos ao
primeiro principio, pois já vimo*
x\ue as artes, as manufacturas, e
até as cousas da primeira neces-
sidade faltavaõ inteiramente em
Portugal. Naõ he possível que Ihi-
ja hum systema de fazenda real
n'hum reino onde a despeza ex-
cede á renda : nos estados suece-
de o mesmo que aos particulares ,
que naõ podem deixar de arrui-
nar-se quando gastaõ muito mais
do que tem, e este era pontual-
mente o estado de Portugal. Pro-
duziaõ as suas minas de ouro 24
milhões cada anno, e recebia de
mercadorias estrangeiras 28 ; do
( 45 )
quç resultava que de todo o pro-
dueto das minas , naõ ficava hum
real no reino; e além disto fazia-
se Portugal devedor de quatro mi-
lhões annualmente : dir-se-ha tal-
vez que esta destruição , e falta
de dinheiro naõ diziaõ respei-
to ao Soberano, mas sim aos par-
ticulares \ ao que se responde ,
que se engana lastimosamente a-
quelle que pensa , que houve em
algum tempo hum Rei ricode hum
povo pobre: as rendas reaes naõ
tem senaõ dois movimentos, hum
que as leva ao Príncipe , e o ou-
tro que as torna a trazer aos vas-
sallos: quando estes se vêm obri-
gados a prover-se das nações es^
trangeiras pa^a o seu alimento, e
vestuário , esgótaõ continuamen-
te as rendas reaes, e a final vem
a sueceder que nem os vassallos,
nem o estado , nem o Principe
tem riquezas.
/ * €ffi
•>*—
o
i
i
3
m
(4ó)
§ VII.
Reflexões sabre o influxo que tinto ao
as minas de ouro do Brasil no sys-
tema geral da Europa.
tem embargo da grande illustra-
çaõ do nosso século, e das luzes,
e noticias que se adquirirão na po-
litica,* póde-se dizer que de ses-
senta annos a esta parte ha como
huma espécie de encanto em qua-
si todos os gabinetes da Europa,
que naõ deixa conhecer aos sobe-
ranos os seus verdadeiros interes-
ses. -Falia -se continuamente dos ne-
gócios geraes: tem cada naçaõ hum
conselho politico: sustenta cada
estado poderosos exércitos: decla-
rasse a guerra, faz-se a paz, torna-
se a principiara guerra, etorna-se
também a fazer a paz: combina-
se incessantemente o poder dos
estados, calcula-se o seu poder, rne-
de-se, digamo-lo assim, a força
( 47 )
politica de cada governo; e sem
embargo de tudo isto , nao se eo-
:ontra o ponto fixo do poder ge-
ral , e vem a ser, a meu parecer,
quenaÓ se repara que em tanto que
as riquezas do Brasil se inclmaó
todas para hum.. lado, ha de cahir
precisamente parah>este lado só o
poder politico da Europa. Os an-
tigos governos tinhaõ mais recursos
que os nossos, porque nelles po-
dia muitas vezes a virtude por si
só elevar- o seu poder até ao mais
alto gráo? e hoje em dia se arrui-
naria necessariamente hum estado
que nao tivesse mais que virtude;
deve .entendesse , que se falia a-
qui -daquella virtude politica \ que
•formou o caracter das primeiras
republicas,
,No século em que vivemos
-mudou inteiramente de semblante
.a politica: o Reino que- he mais
rico .por si mesmo, chega de ne-
cessidade a ser o mais poderoso,,
€ isto he conforme a nacuresa da
i
WT&
I
t
M
*»-
I
(48)
mesma cousa ; e hc necessário que
seja assim n'hum século em que
lia nações inteiras, que se vendem
a outras para fazer a guerra , em
que para ter grandes amigos , po-
derosos alliados , hábeis generaes,
e bons soldados, naõ he preciso
senaõ pagallos : n'hum século por
fim, cm que se vende t> valor , e
em que tudo lie mercadoria, até a
mesma honra: o que tudo he pre-
ciso que assim sueceda , abrindo,
como abre, o ouro , quasi todos
os gabinetes, desenredando, como
desenreda, todas as negociações,
« labyrintos políticos, e fazendo,
como faz , quasi todos os trata-
dos : n'huma palavra , a força de
hum estado depende hoje em dia
do cheio, ou do vazio dos seus
cofies de dinheiro, e o poder po-
litico mede-se pelo numero dos
milhões.
Antes que se descobrissem as
minas do Brasil, tinha a Inglater-
ra feito os maiores esforços , pa-
(49) .
*a fazer hum dos príncipaes papeia
da Europa; mas como. estivessem
ainda sepultados na terra -os mate*
riaes que haviaõ de servir ao edi-
fício da sua grandeza, cornava a
cahir sempre .no 'seu primeiro es*
tado -de debilidade-: foi pois para
a Inglaterra o descobrimento das
minas como hum a revolução 9 e
aquella monarquia , que até então
tinha caminhado ás apalpadellas,
teve logo regras ? e princípios se-
guros para o seu poder , e fixou
desde aquelle tempo o ponto em
que havia de estribar o seu engran-
decimento. Estavaõ todos corno a-
tónitos-, e admirados ? ao ver que
hum dos reinos mais pequenos da
Europa 5 com hum continente «, e
li uma poyoaqat> inferior á de ou-
tros muitos estados , dava a lei
aos 'mais vastos -governos 5 e vem
a ser, que^oaõ se reparava que o
mesmo estado tinha adquirido por
via da sua industria , a chave do
mais rico thesouro do universo %
C que com a inteira posse do ou-
ro do Brasil, fazia inclinar a seu
arbítrio a balança nos systemas po-
líticos da Europa : este he o eni-
gma do poder, e grandeza , que
até agora nos sorprezou tanto.
Faila se continuamente da
constituição do governo de Ingla-
terra , que na verdade deve con-
siderasse como huma das melho-
res, principalmente n'hum sécu-
lo em que a combinação do po-
der politico , e civil dos outros
estados he inferior ao seu ; mas
interiormente , este formoso sys-
tema , que tanto se exalta., nao
influe quasi nada na pratica do
seu governo,, e póJe-se dizer, que
he a republica ideal de Platão ,
que nunca existio senaõ no pen-
samento daquelle filosofo: nao se
pôde negar que he o mais bello
espectáculo de theorica qué ha no
universo : mas he lastima que nao
produza nos Inglezes as virtudes
próprias de hum cidadão , ou que
( f% ) .
âo menos nao lhes tire òs vtàòf
que saõ causa de naõ te lias. Que**
rer que tenhaõ sempre os homens
a republica ria sua imaginação , e
diante de seus olhos 5 que sacri-
fiquem Continuamente os seus in-
teresses particulares ao "befn ge*
■Tal da sociedade^ he pedir-lhes
cousas impassíveis; e nliunia pa-
lavra , he mõ ter ctfnhéciment®
algsm do côraçaS humairo , e ig-
norar a força, e exteíssaõ das pai-
xões. Os legisladores que formaô
systeruas para os homens , 'deve*
riaõ ( quanto o permittíssem aquel-
íes primeito^ princípios 5 qtie nao
he justo 9 nem possível abando-
nar ) accommodar-se á fraqueza
humana; e nâõ o fazendo assim ,
enfraquecem 5 e se inutiMsaô os
mesmos systemas.
Bem" podem pois exagerar se
©s eíFekos 5 qtie produz aiibetd a-,
■de : por mais que se faça, ese<iíga,
naõ se pode assegurar , queexístf
«o mundo «cnae o seu ftome X beai
Q %
i
í
jjz
3
êxdrrnnada , naõ he outra cousa
senão huma sombra sem corpo.,
e huma formosa quimera , sobre a
qual se fabricaõ os mais bellos
edifícios de raciocínios políticos.
A servidão sim que he anti-
ga , e inveterada enfermidade, de
que está infecto quasi todo o gé-
nero humano, e he como a idola-
tria pratica da religião civil dos
estados : podendo-se dizer que
tem cada governo o seu bezer-
ro d'ouro, perante quem dobra o
joelho.
Quantas disputas se levantaõ
hoje em dia no nosso mundo po-
litico sobre a independência dos
vassallos de hum estado, compa-
rada com a independência dos de
outro, sao somente sobre os dif-
ferentes gráos da que cada hum
tem; pois desde que os homens
se sujeitarão a leis politicas, a-
penas se pode dizer que deixou
de haver escravidão, de hum, ou
d'outro modo , em parte alguma da
à
C >~3 )
terra, e a que tem os Inglezo?
he de mui disíincta natureza das
outras nações , porque sao escra-
vos da sua própria liberdade.
A agricultura da Gra-Breta-
nha facilitou aos seus habitantes
muitas vantagens ; mas estas te-
riaô sido quiméricas sem as minas
de ouro do Brasil , sem cujo re-
curso, por mais que se tivessem
esforçado os Xnglezes sobre aquelv
te importante ponto r o mais que
teriaõ conseguido, teria sido fa-
zer circular as riquezas da nação ,
mas nao augmentallas até taô .al-
to gra'o.
O trigo nao produz ouro ,
mas o ouro produz trigo , por-
que facilitando as cornmodidades
dos lavradores , dá á agricultora
hum movimento, que naõ tinha
antes da introducçaô daquelle m^
tal. Estabeleça-se? por exemplo,
huma somma de 50 milhões era
hum estado que se forme de no«-
y® r, e introduzir-se-ha. sensivd>
mm í^bbrs
^A.
(J4) . ,
mente nelle huma agricultura re-
lativa, a esta somma ; e se se do-
bra o capital, augmentar-se-ha á
proporção o producto das terras.
Assim como se foi espalhan-
do na Grã-Bretanha o ouro do
Brasil , a terra foi produzindo
mais, e mais : este augmento fez
baixar o preço do juro dodinhei-
ío; e os colonos que tiveraõ mais
facilidade de adcjuirillo , a tive-
raõ também maior para fazer va-
ler as terras, Accrescentou-se de-
pois huma nova circulação de ri-
quezas á primeira, e vivificou mui-
tas partes da agricultura que esta-
vaõ paralyticas, e sem movimen-
to. Augmentou-se finalmente o
consumo á proporção do dinhei-
ro que havia em espécie, e á pro-
porção daquelle augmento fez-se
riquíssimo o estado.
Esta mesma abunianciasub-
ministrou aos Ihglezes os meios de
fazer da sua agricultura hum obje-
cto de commereio : este commercio
£ tf >
lhes facilitou formar hurna podèra*
sa marinha-, , e sobre esta marinha
estabelecerão os fundamentos de
todo o seu poder.
Obstar~se-ha talvez , que ain-
da que o Brasil naõ tivesse sub-
ministrado as suas riquezas. á In-
glaterra ? lhe teria procurado as
mesmas vantagens a sua própria
agricultara ; mas atrevo-me a dizer,
que se engana manifestamente o
que assim pensa > e o provarei com
a- seguinte reflexão* Por multipli-
cados que sejaé --os -meios de que
se valhaõ os mais hábeis governos
para se apoderarem das- riquezas
dos seus visinhos, que nao tem
minas, he indispensável que estas
mesmas riquezas , depois d?hurft
certo período de tempo, tornem
ao mesmo paiz donde sahiraõ , sem
o que perder-se-hia a Europa em
poucos séculos , succedendo mui-
tas vezes que pela debilidade , c
pelas crises ( digamo-lo assim ) que
padecem os mesmos estadas > tor*
(5-0
»aÕ a entrar nas suas riquezas.
Os estados que tem minas saã
os únicos que podem dar , sem
recobrar jamais, porque naó tem
meios para isto. Os progressos das
artes em Inglatrrra nascerão dos
mesmos princípios , que os da a-
gricuitura, tendo posto em movi-
mento o ouro do Brasil a indus-
tria dos Inglezes, que tinha esta-
do entorpecida até que chegou
aquelle metal, que sérvio • , como
huma chuva de ouro , para regar
as manufacturas Inglezas , e que
as fez brotar novos ramos com ex-
traordinário vigor.
Desde aquella época fabricou
incessantemente a Inglaterra para
Portugal , e ajudando-se ao mes-
mo tempo do seu bem combina-
do systemade artes, e manufac-
turas, chegou a ser huma das mais
poderosas monarquias ; mas com
esta. differença , que o mais que
podia ter conseguido com a sua
Industria só.., teria, .sido causar ai-
gumas mudanças, e prejuízos tios
systemas políticos da Europa., de-
pois do que se teria visto preci-
sada a conter-se nos seus antigos
Hmites ; mas eooi o ouro do Brasil^
e o consumo de suas manufacturas
em Portugal, pode levar adiante
as suas vastas ideas, e ambição.
Ha cousas taõ extraordinárias
na politica , .que quasi saõ incom-
prehensiveis , .porque se oppóe-m
ao senso commum , < e á razaõ r hu-
ma -delias :he , ..porque alguns. .es-
tados d-a .Europa, que ,-.-estaõ.'-álerta
incessantemente .-para .prevenir .o
rninimo prejuízo -que. -lhes queirao
occasionar outras potencias yc-cui-'
daõ até dos-apice-sdos-'Seus'iíitercs-
ses-, movem disputas sobre-ass-um-
ptos de- nenhuma- entidade , e im-
portatVeia,ou rompem talvez a. guer-
ra por mui leves motivos , por que
razão estes mesmos estados deíxàõ^
€ deixarão gozar pacificamente a In-
glaterra de todas as riquezas do
.Brasil .? Quando se descobrirão -es-
Cf 8)
tas minas, devera ter sollicitadoa
França, que era huma das poten-
cias mais interessadas naquelle des-
cobrimento, obrigar Portugal por
todos os meios possíveis a fechai-
las , ou ao menos a repartir com
ella o seu produeto. O que sem
duvida enganou os Francezes , foi
o calculo que fizéraõ dos poucos
meios que tinha Portugal para be-
neficiar as minas , naõ se tendo per-
suadido que o poderia executar
hum estado despovoado, e dos mais
pobres da Europa \ mas deveriaõ
ter considerado ao mesmo tempo,
que a Inglatetra havia de subminis-
trar aos Portuguezes quanto neces-
sitassem para beneficallas , como
fim de levar todo o produeto. Com-
mettida esta falta , restava ainda
aos Francezes o recurso desobri-
gar Portugal a repartir as suas ri-
quezas novamente descobertas com
as outras nações , pois somente
com a repartição delias, feita pro-
porcionalmente entre os estados
dá Europa , se teria iitipedido a
mal , que depois se vio , de terem
vindo parar todas aquellas rique-
zas n?hurn só estada ; e o descobri-
mento das minas teria sido indilFe*
rente para a 'Europa 9 naÕ tendo
resultado outro efifei to no sy&terra
geral , senaõ o de augmentar as
riquezas, com proporção relativa
a todos os estados. Desde o des-
cobrimento das minas teráô sabi-
do do firastí novecentos e ses-
senta milhões de cruzados 9 como
pode demonstrar- se pelas listas de
cada huma das frotas que viéraô
á Europa , as quaes se a eh a6 tias
mãos d^ f todos ém Portugal , eto*
do este immensd capital passou
quasi por inteiro ^Inglaterra ? e
com elle fund áraõ os Inglezes o
colosso tdo seu poder , e grandeza^
com que alimeritáõ a sua arrogân-
cia , e tem como admirada a Eu*-
ropa,
Perguntar-se-ná talvez x e que
se fez de taõ enorme quantia |
m
i
i
í
(to)
pois he cerro que nao existe hoje
em dia em .Inglaterra ? Ao que res-
pondo , que a mesma razaõ de naõ
existir na Gra-Bretanha , be a cau-
sa do poder, e abundância deste
reino. Sc se exarninaô as listas ge-
raes dos gastos da Inglaterra , lei-
tos desde o anno 96 do século pas-
sado, ve-r-se-ha que subioa seis-
centos e oitenta milhões de cru-
zados o que consumio no extraor-
dinário de guerras estranhas , sub-
sídios , tenças, exércitos, e arma-
das. Sem embargo disto, augmen-
tou depois continuamente o capi-
tal da nacaõem dinheiro: o que
dimanou do ouro do Brasil , que
a tudo supprio.
Os Portugueses déraó meios
á Inglaterra para conceder avul-
tados subsídios a Saboya-, para
comprar alliançasem Allemanha,
para manter numerosos exércitos,
para formar huma formidável ma-
rinha ;e nluima palavra, para obrar,
negociar, penetrar ^e averiguar os
( 6i )
.negócios do mundo politico-, e
para nelle fazer o principal papel
As minas do Brasil facilitarão
aos Inglezes os primeiros elemen-
tos-do seu commercio, pois co-
mo ninguém ignora , o continen-
te de Inglaterra produz mui pou-
cas matérias primeiras; e a naá
ter acudido continuamente á Gra-
Bretanha o ouro de Portugal, pa-
ra buscar , e -comprar nos paizes
estrangeiros o necessário para as
manufacturas Inglezas. , jamais te-
riaõ estas, chegado ao estado flo-
:. recente em que hoje as vemos.
Nao he dizer isto , que an-
tes da dita época ^naõ tivesse a In-
glaterra industria , e commercio
próprio; mas esta industria, e es-
te commercio tinhaó limites., ern
vez que depois da posse das minas
depuro do Brasil, naó osconheeecv
He pois evidente que 'a naõ
ter a Grã-Bretaoha o recurso do
Brasil, teria de sejeitar-se, ou a ar-
■ minasse desde logo , gastando
•>!»
í
i
I
3
1
I
(«O
roais do que as suas rendas lhe
permittissem , ou a permanecemos
limites em que a teve sua pobreza
por espaço de dez séculos.
Do que deixamos dito nao
deve inferir-se que naõ faça mais
que passar pela Inglaterra o ouro
do Brasil: sahe huma parte , efi-
ca outra dentro dos domínios da
Grã Bretanha ; mas he taõ com-
mum nelles amoeda Portugueza,
com© a do próprio paiz , e taó
conhecida em Londres a eifigie do
Rei de Portugal como a do de In-
glaterra.
O governo Inglez paga as
suas tropas com cruzados , e o
serviço da monarquia se faz qua-
si inteiramente com o ouro do
Brasil.
Tem-se usado em varias oc-
casiôes de distinctos meios para
atalhar o extraordinário poder dos
Inglezes; mas nunca se empregou
o único que, pode produzir bom
cffeito ; de maneira que parece te-
'uâ
( 63 )
retn convindo os mesmos inimi-
gos da Inglaterra em submimstrar-
lhe os meios de adquirir mais tor-
ças , a fim de polia em estado
de atacar vantajosamente as outras
potencias da Europa.
Nós pasmamos de ver que
resiste , e resistio a Inglaterra a
tantos esforços dos seus inimigos ;
mas naõ reparamos, que nunca *e
acertou em dar-lhe o golpe onde
convinha; e como os estados sao
como os corpos humanos , que tem
partes solidas, e mortaes , e par-
tes que naõ o saõ , todas as re-
tidas, que naõ se daÕ naquellas,
podem curar» se com o tempo.
Assim pois naõ se deve pen-
sar em abater o formidável poder
da Inglaterra , em quanto naõ se
destruírem os princípios, por on-
de se elevou; isto he, em quanto
naõ se dividir o produeto do Brasil,
ou naõ se fechar o manancial das
suas riquezas.
O estado lastimoso ús ror-
■
<ugal ^poís do terremoto do a imo
ee i7jy, parece que heo raais pro-
porcionado, para fazer abrir os o
Ihos aos .Portugueses , corno tam-
tem as outras nações da Euro-
pa •• ha instantes decisivos, con-
jecturas , e acontecimentos im-
previstos de tal natureza , que se
na habilidade para servir-se dei-
Jes , e naó os deixar perder., po-
dem con verter-se em universal pro-
veito. SaÕ muitas as nações oue
tem interesse em reflectir sobre a
situaçaõ de Portugal , menos ar-
nnnaao com as desgraças que o
ceo fez chover sobre elle, do que
com o seu máo systema politico,
o qual se conviessem em mudal-
iç os Portuguezes , ajudados de
a.gumas potencias amigas, pode-
na renascer aquelie reino das suas
próprias cinzas.
ra^SIfnd°IStOCerto> conside-
rando bem as cousas politicas, pd-
de-se assegurar que nada perdeo
lortngalnas suas espantosas de*.
J
( fiy )
graças, causadas pelo terremoto.;
a destruição de muitas casas , e
edificios, a de huma infinidade ue
mercadorias pertencentes quasi to-
das aos estrangeiros , o incêndio
dos trastes r e a perda de alguns
vassallos ociosos, que nem erao la-
vradores, nem artífices , nao por
dem formar hum vasio no systera*
geral do governo: assim pois, qual-
quer potencia que faça conhecer
.aos Portuguezes que quasi tudo
o que perderão era fructode pai-
zes estrangeiros, lhes mostrara
que somente perderão os mate-
riaes da sua própria ruína, e is-
to mesmo lhes manifestará que tem
ainda outra maior calamidade de
que lihertar-se ; mas para poder
persuadillos he preciso primeiro
que tudo curar aquella nação das
suas antigas preoccupaçÔes poli-
ticas ; e se isto nao se logra, se-
rá huma perda sem contrapeso ,
tanto pelo que respeita a Portu-
gal, como ás outras nações da .bttr
;.
a
(66)
topa, i excepção .dos Ingleses, que
saberáó desiorrar-se de tudo com
as minas do Biasil.
Deve pois principiar-se a dis-
sipar em Portugal o fantasma po-
litico, que lie a base daquelle mi-
nistério,, persuadindo-lhe que pô-
de existir o Reino , e ser flore-
cente, e poderoso independente
da sua alliança com a Inglaterra-
e se esta verdade naõ se Jhe per-
suade,., seráõ inúteis quantos pas-
sos se dem pelos ministros estran-
geiros em Lisboa a favor daquel-
Ja corte.
Ha certas cousas na politica
que se tem sempre por seguras ,
so porque liuma vez se crêraó'
quando Portugal se eximio do do-
mínio da Hespanha , podiaá pare-
cer verosímeis as razões de bus-
car a protecção da Inglaterra ; mas
estas razoes naõ subsistem já
nem se quer na apparCncia , por-
que o mundo politico mudou in-
teiramente de face ; mas á íngla-
•w. ^rj
terra impotta-lhe manter a illj-
Tdò .até da obrigação forçada e^
que está de apoiar com torças
?ertos estados , cuja rmna caba-
ia também aSua , soabepersua-
dir a Portugal, que f este lhe man-
cas vanV^o^
«ue lhe tem concedido sobre as
outras nações, ella o protegera,
Jlasuaparte.todasasvezesque
aWa- potencia pensar em inva.
diUo, oumokstallo-, masbemis.
Sr ir mui pouco versado nos ne--
«ócios para cahir neste laço-,. *
La naó conhecer, que soomte
resseda Grã^Bretanha _ e nao o
rportugalh.oqued.ctaaqueH
las refiexóes ,. oquefaz^e ará
proteger aos Portugueses,* com-
Sa^uaalliança a qualquer pre-
L, e naÓ hum principio de des-
fnteresse, de generosidade, ou de
conveniência reciproca» .
Procurou também a Inglater-
ra com extraordinário cuidado por
I
■A
I
i
lan rcl ° sempre da sua parte
e .par, ,1 b d a uniaõ com I? ^
Jha , porem até o mais apaixor».
jo pode conhecer depois daíral
t^açadePor/galnoCcv
°\ * '> ? > .V*e os desígnio* oue
a Hespanha pel0 espaço
damenr^ ■ í° ^ ° minimo f"«-
dksf, aIn;e,rriente convencido
Por aquelle momento Z ti?,»
£fr::-.^-td
'tquistar Portugal, se tivesse sido
essa a sua antiga máxima de! po-
litica, como suppóe â Inglaterra ?;
Com dois mil homens só que ti-
vesse feito entrar no reino, se te-
ria apoderado delíe ; mas portou-
se a corte de. Madrid de mui dis-
tincta maneira : tomou parte na
desgraça dos Portuguezes : dêo or-
dens para soccorrellos-, para en-
viar-lhes viveres, dinheiro, &c;
época mui notável na Europa , e
que deve destruir para sempre a
-preoccupaqaõ geral de que/anhe-
la , e anhelou a Espanha a occa-
siaõ favorável de apossar-se da-
quelle antigo pedaço separado da
sua monarquia,
Naô he de admirar que hu-
rna naçaõ , que se exime da obe-
diência do seu Soberano , torne
todas as precauções necessárias
para naõ tornar ao estado de que
sahio ; mas quando 9 e onde se
terá visto , que por evitar hum
perigo duvidoso , ou imagitiario5
S
C7o)
se recorra a huma ruina certa, e
real ? Póde-se assegurar, que Por-
tugal, por evitar a sua perda , se
perdeo miseravelmente , pois os
•Inglczes, com pretexto de proteger
aquelle reino , o privarão, e privao
do seu commercio , e da sua indus-
tria, tiráraô-lhe, e tíraõ as suas
riquezas , destruirão lhe , e des-
troem lhe os seus exércitos-, e an-
niquiláraõMhe, e anniquilaõ a sua
marinha. Que maiores males lhes
poderia fazer o inimigo ? A inda que
.Portugal tivesse tornado a entrar
em poder da >Espanha , teria per-
dido tanto o seu estado politico?
Quando hum governo se a-
podera das riqúezasde outro , ten-
do-o na mais absoluta dependên-
cia das cousas physicamentc neces-
sárias, naõ somente perde quan-
to se tem insinuado, mas tamhem
a liberdade civil , que só existe no
nome; e assim pois teria sido me-
lhor para Portugal teilo qualquer
potencia conquistado com as ar-
*nâs, porque neste caso só teria
pensado nos meios de romper, e
libertar se das cadeias, em vez que
bo outro naó hz roais que arras-
callas,, e soportar o seu peso com
paciência, (
Está cheia a historia de nações
que sacudirão o tjugo "do? que as
conquistarão á força de armas ; mas
quasi nunca se vio sahir hurna na-
çaõ daquella espécie de escravi-
dão em que a poz outra, destruin-
do as suas artes, e o seu commer-
cio , porque tendo- lhe tirado as.
suas riquezas lhe cortou o nervo
do seu poder civil „ ^ politico.
Í9aó podia ,, nem devia a In-
olaterra^ por causa dliuma infini-
dade de considerações tiradas do
systema geral ., valer-se da força 7
e das amas pára destruir Portu-
gal , e assim lhe foi preciso ser-
*vir-se para executallo, d5ÍTuni sys-
tema económico de princípios des-
truetivos : era precizo manifestar
este systema sob o aspecto ? e ap-
(72)
■parencias mais vantajosas , e fazer
que o adoptassem os Portuguezes
sem embargo de ser-Ihes por ex-
tremo prcjudicial.Conscguio-o ta 6
telizmenre a Grã-Bretanha á força
de artificios, e daquella eloquên-
cia , que lhe he natural quando se
trata dos seus interesses, que che-
gou a encantar Portugal com as
máximas seguintes, com as quaes
reduz.o este reino á mina , e fa-
talidade em que o temos pintado.
I. Que o ouro he huma merca-
doria como as outras.
II. Oue Portugal, cujo terre-
no he naturalmente estéril, „ao pôde
produzir o que fe necessita para a
subsistema dos seus halitantes.
III. Que a agricultura era imi-
ti ne.quelle Remo , c que cstavao
obrigados os demais estados da I
ropa a sitbmimstrar-lhe as cousas
physicameiit* necessárias.
IV. Que Portugal voo tem
necessidade de exercito de terra , nem
de esquadras de mar ; e que toda a
s
I
1 ^to
( n )
Ègropa esta interessada em' fnant eh
4o no estado em que se acha,
V. Que o ouro que se tira das
minas àa America , conduzido d Eu*
repa j e levado depois ao Oriente pe- ,
lo commercio da índia , se consome
como as outras mercadorias.
VI. Que por mais^que digaS ?
os Portugueses saÕ mais ricos hoje
em dia, que antes do descobrimento
das suas minas*
VIL Que Portugal nao rtem ne-
cessidade de manufacturas y visto que
com o seu ouro pode ter todas as merca-
dorias fabricadas mais baratas do que
podiaô fabricar- se no seu Reino.
VI IL 'Que ainda que os Por tu-
guezes quizessem estabelecer manufac-
turas y nao o poder iao conseguir, por-
que o clima do paiz he opposto ao
estabelecimento delias.
IX. Que he conveniência o fa-
cilitarem os • Inglezes a Portugal qs
meios de extrahir o seu, ouro , pois
sem isto os negócios da Europa ir iao
muito mal
D
i
"%V
(74)
y\. Que desde a alUança de Por-
tugal com a Inglaterra se introduz w
entre os Pcrtuguezes hum luxo , que
he infinitamente proveitoso d nação.
XI. Que Portugal nao pôde pas-
sar sem o auxilio dos outros estados
da Europa , e especialmente da In-
glaterra.
XI í. Que a frequência dos es-
trangeiros cm Portugal, he necessá-
ria , que esta he a que fez mais so-
ciáveis os Portuguezes , e os pojz
de nivel com as outras nações culta r.
Xill. Em fim, que he neces-
sário na ordem geral das cousas , que
algumas nações estejao inteiramente
ociosas, em quanto outras trabalhão, e
que assim o tem ordenado aP revidem ia.
Estas máximas encerraô hum
corpo completo de meios seguros,
e ínralliveis para arruinara monar-
quia Pcrtugueza, e assim produ-
zirão o seu eíFeito. Vou pròvallo
demonstrativamente máxima por
máxima.
Qundo n'hurn estado^se ad-
**
minem semelhantes maxiíftas, tu^-
do vai perdido, e ninguém con-
cederá que nao tendo hum povo mo-
do de governar-s.e , e este viciado >
seja preciso seguilio.
De hum século a esta parte
temos visto vários governos apon-
to de perecer pelas desordens in-
troduzidas na sua constituição; mas
também os vimos emendaiias , e
com a sua reforma fazerem-se na-
ções poderosas. Será pois possível
cue esta regra seja boa para todas
as outras naç<k&> e má somente pa-
ra Portugal ?
Naõ ignoro que quando hum
^ovo tem estabelecido hutn certo
modo de conduzir- se , he hum pou-
co peiigoso mudallo;mas naõ he es-
te o caso em que se acha Portu-
gal : este Reino está cheio de gen-
te, que vio nascer este systema,
^ que padece os damnos deiie.
Naõ ha sessenta annos , que esta
naçaõ se conduzia por máximas
diametralmente oppostas.
\
s
\
fflF
^ J ( 76 )
lodo o mundo sabe, que es-
-te povo se manteve mais de mil
.annos só com a sua industria , e
valor , sem o soccorro de mina al-
guma de ouro. Que nova fatalida-
de pois se derramou sobre elle ?
que encanto he este? que illusaõ?
Se as antigas máximas foraõ boas
.até Pedro II. porque haõ de ser
más agora ? Alguém me respon-
derá, que hoje está o escado so-
bre outro pé, e systema que na-
quelle tempo ; se porém este sys-
tema hemdo, se se dirige á destrui-
ção da uberdade da nação , que
duvida poderá haver cm dcstruillo ?
Em matéria de governo poli-
tico , e civil 9 he máxima segura
de estado , que se quando corri-
gindo os abusos, saõ maiores os
inconvenientes que resultaó , he
forçoso deixallos como estavao ;
mas quando elles saõ superiores aos
inconvenientes, nao deve haver a
menor duvida, em que seja pre-
ciso reíormallos , porque 110 go-
(77 )
verno succede o mesmo que em
todas as outras cousas do mundo?
que o maior sempre arrasta o me-
noiv
§. V1ÍL
Que o ouro he hama mercadoria co-
mo as outras.
Segundo o systenia que se acab&
de expor, o ouro hehuma merca-
doria , da qual se desfazem os Por-
tuguezes em beneficio dos Ingle-
ses, como os Hollandezes da sua\
pimenta com o restante da Eu-
ropa.
Se se considera o ouro como
metal , he certo que he huma mer-
cadoria ; mas também está deter-
minado ? que as suas qualidades o
fazem -superior a todas. O ouro
representa tudo : he o signal da ri-
queza, e do poder: dura mais qus
as outras mercadorias, e muito tem-
po depois de consumidas estas , \$&~
conserva no mesmo estado.
r^w
!
í
3
I
(72)
Destas breves leflexóesse de-
duzem consequências mui funestas
para a nação que se desfaz do ou-
ro , pois facilita ás outras- os meios
mais seguros de fazellas superio-
res , e mais poderosas.
Em nenhuma historia se lè,
que hurna nação se tenha servido
desta, ou daquella mercadoria pa-
ra destruir hum Reino; mas a ca-
da passo se achaó exemplos , de
que. o ouro d'hum estado que pas-
sou a outro ,. servia para subju-
gallo.
Se o ouro he mercadoria tal ,
se he hum género como os outros,
por que razão todos os príncipes
da Eurooa fizéraô leistaõ rigoro-
sas para impedir que saia dos seus
estados? e pelo contrario, por-
que animaõ , e daó recompensas
aos que de outras nações o intro-
duzem nas suas ?
Os Portuguezesincorrem aqui
n'huma contradicçaõ manifesta : he
çejtis-simo , que a primeira maxi-
C 79 ) . r
tm do governo politico hs r que
o dinheiro naõ saia do estado : to-
dos os soberanos do mundo con-
cordaõ sobre este ponto , ainda que
em outras cousas do governo naõ
sejao uniformes*
N'hum reino rico, e opu-
lento em si, que tem grandes en-
tradas , e cuja posição, e com-
mercio se avarrtajaõ sobre as na-
ções que commerceao com clle ,
pode muito bem es-t^belecer-se o
fazer do ouro mercadoria ;. por-
que se hum primeiro giro o fa#
sahir fora , torna logo a entrar
por outro giro ? e quasi sempre
com augmento. He mais hum ra-
mo , que estes estados accrescen-
taõ ao seu commercio,
M»s nlium reino ,. que pela
situação dos seus negócios deve
a todo o tirando , e ao qual nin-
guém deve nada ; que nao tem
senaõ huma porta por onde sahe
o seu dinheiro, cujo ouro vai sem
remissão augmentar as riquezas de
\
outras nações, em tal reino nao;
deve ser considerado este metal
como mercadoria.
§ IX.
Que senda Portugal estéril por na-
tureza , naS pode bartar para a
subsistência dos, seus habitantes.
kJe fosse verdade o que os par-
tidários do systema- Ifiglez asse-
guraõ sobre a esterilidade de Por-
tugal , eu confesso que seria hurtv
dos fenómenos mais extraordiná-
rios da natureza,e hum caso novo na
mundo : isto he , que depois de
ter produzido a natureza dois mi-
lhões de homens n'hum continen-
te , se negasse a dar-lhes a pre-
cisa subsistência.
Naõ conhecem os que fabri-
cafí taes systemas, quaó absurdas
saõ as suas proposições. A con-
servação tem huma intima relação
com a-creaçaõ: a primeira he sem-
(St )
.pre" consequência da segunda.; -e
este systema he superior a tu-
dos os systemas, porque he o da
natureza mesma. Se suppomosque
Portugal padece hum a estei;ilida-:
de -natural', he preciso também
suppor, que, sempre a padecei,;
porque a qualidade pbysica nun-
ca se altera tanto , que cause ta-
manhas :revoíu.ções,, de sorte que
huni paiz que tenha produzido a
-subsistência .necessária^ deixe de-
pois de produzi 11 a.
Além de que seria hum ca-
so mui extraordinária, que todos
os historiadores tivessem convin-
do de nao dizer~nos , que- este rei-
no na (5 podia dantes subsistir por
si mesmo ; mas suecede muito re-lò
contrario, pois nos dizem que ion-
-ae de ser escasso de alimentos,
abunda delles ,para sortir os seus
lisinhos.
Se alguma má influencia se
espalhou em Portugal, ioi certa-
mente depois do tratado de Croín-
9 if w
í
i
I
Wei ; antes dc^ta época tinha em
6i este reino aquilio de que* pre-
cisava ; de sorte que o ar que o
esterilisou, veio de Inglaterra.
Naõ ignoro que o terreno de
Portugal he menos abundante de
certas causas, que alguns outros
paizes da Europa ; mas também sei,
que a sua supposta esterilidade
tem a sua raiz no s-ysterna de agricul-
tura de Inglaterra. Depois que
com a arte se achou o meio de
sjpprir a natureza, e que a agri-
cultura , como todas as outras par-
tes da administração, se sujeitou
á razão do calculo, todos os pai-
zes do mundo se podem fazer fér-
teis até hum mesmo grão,; por
exemplo : hum estado, cujo terreno
he três vezes menos bom que o de
outro, naõ tem mais do que aug-
mecttar do triplo a cultura das suas
terras, c porá o seu produeto ao
nivcl com as que saõ três vezes
melhores. Este he o systcma de
agricultura dos Suissos. Quantos
(»3)
estados ha na Europa m^nos fér-
teis que Portugal, que sem em-
bargo daó-com abundância a sub-
-sisiencia aos seus habitantes?
::§ x
Que todos os estados devem sortir
-Portugal do que necessita.
Jtixpõe-se -a -tantos riscos hum po-
vo, que recebe de outras nações as
cousas necessárias para a sua sub-
sistência, que por muitos que re-
sultem do meíhodo contrario, de-
ve-se-lhe dar a preferencia. Go-
mo todo governo se acha tfhutna
posição violenta , cada governo
(ainda em tempo de paz ) deve con-
siderar-se n'hum estado de guer-
ra respectiva , e pôr-se em esta-
do de naõ precisar das outras na-
ções. E assim como o objecto dos
vassallos he a sua fortuna parti-
cular, o de hum estado deve ser
•o se-u engr^ndecimemo^geraL
i
. ( *4 ) .
A primeira máxima da guer-
ra he ter mantimentos : huma pra-
ça atacada , que carece delles, naõ
se pode sustentar; e naó ha ne-
cessidade ae empregar as armas
contra ella , porque está perdida
sem remédio.
Sem muito exame se conhe-
ce a difierença, , que ha entre as
nações que podem subsistir por
si mesmas, e as que rirão a sua
-primeira subsistência das estran-
geiras. A -França, e a Inglaterra
-existiriaõ ainda que o resto do
mundo se anniquilasse respectiva-
mente a ellas. A razaõ he mui
singela, porque estas duas nações
-tem dentro de si as cousas mais
necessárias para a vida , e nao
■devem este beneficio tanto á sua
natural posição , e terreno , quan-
to á sua politica , e agricultura.
Nao basta a hum povo ter
metaes com que acuda ás suas ne-
cessidades , necessita ter ainda no
seu território as cousas de primei-
ra subsistência para a vida. A bticn
Imperador da China apresentou
hum particular hunias pedras pre-
ciosas ^ que tinha sacado de huma
mina y mas -aquelte Príncipe *a
marido^ fechar dizendo, que naõ
queria que o seu povo se occu-
passe nrhuma cousa, «que por si
mesma naõ .-era boa nem para co-
íiier, nem paia vestir.
Ha huma grande diferença
entre as cousas necessárias, e os
-meios de ad-quirillas. Estes estaõ
sujeitos a huma infinidade de ac-
cideates; e com os mesmos com
que se .concede algumas yezes^u-
rna cousa, naõ se pôde lograr ou-
tras vezes, '
Por mais que se altere o sys-
tema geral da F.uropa , qualquer
estado que tenha em si as cousas
de primeira necessidade , achará
sempre dentro de si próprio os
meios de reparar os golpes , que
lhe dêm os seus visinhos. Bas ta-
lhe para sua defeza despertar ©
!
( 86 )
valor dos seus povos, e Ievan-
tal-los se estaõ abatidos ( cousa fá-
cil de executar quando se trata da
vida , e fortuna delles); mas o
que naõ se pode recobrar de re-
pente , he a industria que a na-
ção tiver perdido. Saõ precisos
alguns séculos para que torne a
alcançar por si mesma numa sub-
sistência, que está costumada a re-
ceber de tnaó estranha; e terá de
vencer para este fim , naõ somen-
te as circunstancias politicas, mas
ainda as mesmas paixões dos ho-
mens ; porfie quando a ociosi-
dade, a preguiça , e a aversão ao
trabalho lançarão raizes n'hum po-
vo , naõ saõ cousas que se cor-
rijaõ em hum anno. He impossi-
vel reformar de repente huma na-
ção: saõ precisas algumas gera-
ções: e neste tempo ninguém po-
de impedir a hum estado ambicio-
so que ponha em execução os pro-
jectos perniciosos que tiver me-
ditado.
(*7)
I Por mais que se combmefei
os differentes modos de governo^
por mais que se estabdeçaõ no-
vos, sy&temas de politica v será
sempre verdade que se achará em
.hutna situação precária todo o po-
vo , que naó tirar do seu próprio
território o que lhe he physica-
. .mente necessário: as melhores leis
seráõ inúteis > supérfluos todos os
regulamentos de policia ., e o seu
ooverno politico, e civil hum en-
te de razão.
As superfluidades se .podem
muito bem receber dos estrangei-
ros, porque sem ellas pódern pas-
sar os povos; mas o " preci sãmen-
te necessário deve achar-se den-
• tro do estado.. Nào ha systètna de
politica que possa supprir a sua
.falta; quero "dizer , a privação do
paó j e do vestido.
Do que fica dito se deduz ^
que naó se, precisa difama grande
revolução para ver arruinado o go-
verno de PoftugaL.Bastaquedua%
*mM
(S8)
ou três colheitas faltem á "Ingla-
terra ; porque o supérfluo desta
província heo que abastece do ne-
cessário a Portugal. E na verdade
que naô será nenhum milagre ver
esta falta de colheitas na Gra-Bre-
tanha.
§ XI.
Que Portugal nao tem necessidade de
exercito de terra , nem de esqua-
dras de mar ; e que toda a Euro-
pa está interessada em mantello
na situação em que se acha.
JtLu me persuado facilmente qut
o systema presente da Europa he
favorável ás máximas com que se
governa hoje em dia Poirugal ^
mas deixará de ser hum grande des-
acerto do governo deste estado o
ter deixado perder a sua milícia^
nao ter nem exercito 5 nem solda-
dos; n'huma palavra, nao ter for-
ças com que defender-se? Pcisua-
diraõ-se os Portuguezes ? que o
(*9\ ,
systema da Europa ha de ser sem-
pre o mesmo? Nao poderá pade-
cer huma revolução geral esta par-
te do mundo? Na6 poderáo mu-
dar os interesses dos seus prínci-
pes? Desgraçada a politica", que
mo vê as cousas sena6-.no ponto
actual. Este defeito encheo a ter-
ra de males, e derribou mais d'hurn
trono ; porque quando as cousas
tem tomado já hum certo curso*
nao parece que pode chegar o caso
de mudar-se;e ólha-se sempre co- -
mo impossível qualquer outro sys^
tema que se aparte do que ha»es*
tabelecido. .
Mas para vero contrario lenv-
bremo- nos somente do que succedea
na Europa de hum século a esta
parte, e veremos que tudo o que
a politica julgava então como im-.
" possive! succedeo depois. Segundo
estavao então as cousas, parecia
impossível que a Borgonha chegas-
se a ser província da França ^ e
muito menos o ELoussillpn. Tanir
li
t
3
I
. C 90 >
pouco parecia regular que adquiris-
se huma parte íaõ considerável d*
Flandres, porque tudo isto pare-
cia contrario aos direitos de cada
principe em particular , eao equi-
líbrio geral da Europa. Do mes-
mo modo parecia impraticável , que
a Alsacia pudesse obedecer a ou-
tros príncipes , quenaô fossem os
seus antigos Senhores , pois esta
desmembraçaõ , ao mesmo tempo
que diminuía as forças do Impé-
rio > augmentava a? âa potencia a
que se aggregav*. Quem havia de
crer, segundo os mesmos princí-
pios, que hum principe da casa
de Bourbon havia de oceupar o
trono de Hespanha, quando rodos
os políticos estarão prognostican-
do ,. que se isto chegasse a suece-
der , a liberdade da Europa ficava
destruída?
O mesmo systema tinha per-
suadido como huma cousa imnos-
siycl, que alralia pudesse ser do*
minada por hum dos ramos da ca-
(9*),
sa de França, quando os interes-
ses desta monarquia , .eosde Hes-
panha chegassem a ser huns ; e
pelos mesmos princípios se jui-
pavacomo imaginaria a adquisiçao
da Lorena para a França. Esta é-
poea se considerava- como a aa es-
cravidao universal da Europa : es-
tas ideas fazia6 que a pragmática
sancçaÔ de Carlos V. fosse olhada
como o fundamento do equilíbrio
da Europa } e naÓ obstante tudo
isto, os bens da casa de Aus«aA
se víraó divididos. Nada dorete-
rido parecia que devesse sueceder;
mas sem embargo , tudo suecedeo.
Se hum politico no meiado do
século 'passado tivesse prognosti-
cado as alterações acima declara-
das , seria tido por hum visioná-
rio, ou por hum louco. Mas os
interesses dos príncipes daquelle
tempo riaô sao os mesmos que os~
dos príncipes actuaes. Os gover^
nos que naquelle tempo applicar
vaõ todos os seus esforços.a,dHUfc
I
ti!
I
( j* )
puir o poder de certos estados, ho-
je procurao por todos os meios
possíveis o seu augmento , e prós-
peridade.
Os soberanos naõ saó infal-
íveis em matérias de- politica e
enganao-se grosseiramente os que
se figurão que naô podem errar :
muitas vezes se allucináraõ sobre
os seus próprios interesses, e es
seus erros occasionáraõ funestas
consequências para os seus esta-
dos. Na historia moderna achaÕ-se
bastantes exemplos do que vou di-
zendo. A casa de Áustria se vio
muitas vezes abandonada daquellas
potencias , que tinhaõ mais interes-
se em naó separar-se nunca delia;
N'òutras occisiôes a Hollanda se
unio com a França para abater as
forças de huma potencia maríti-
ma , que em boa politica devia
procurar ver aagmWrtadás.
Todos sabem que a Inglater-
ra naó pôde ter outro svstema
que o de obrar de concerto' com a
( 93 )
Hollanda para oppôr-se ao engran-
decimento da França; e sem em-
bargo houve tempo era que os
Lnglezes, e os Francezes se uni-
rão para arruinar inteiramente a-
quella republica.
Toda a Europa está ingres-
sada em que o Turco naõ adian-
te as suas conquistas; e todo o
mundo vio que a maior parte dos
Soberanos lhe deixarão lazer mui-
tas. Os Venezianos nas guerras,
de Cândia, 'e da.Moréa, se víraõ
.abandonados ao furor dos Musul-
maos. Em summa , os systémas
daquelles tempos já nao existem;
e aos de agora chegará o dia em
que lhes sueceda o mesmo. E
que suecederá então a Portu-
gal, se entre tanto naõ cultiva
as. suas terras , e naõ adianta as
suas manufacturas.
(94)
§ xir.
*Que o ouro que se tira das minas da
America , conduzido á Eurcpa , e
levado depois uo Oriente pelo canal
ac cemmercio da Índia , se consome
como as outras mercadorias.
ntes do descobrimento das mi-
nas do Brasil , fazia a Europa com
pouca diflerença o mesuro coni-
inèfcio, que hoje em dia faz com
as índias Orientaes : aquclle com-
bíercio se fazia do mesmo modo
que o de agora: istohe, levando
lá metaes que se trocavas por
mercadorias; que he o modo com
•que em todos os tempos commer-
ciou esta parte do mundo com à-
quella.
He pois evidente, que se a
Europa naó tivesse achado o modo
de remediar os inconvenientes da-
quellecommercio7já naõ se acharia
( 9P
*ieíla huma onça de ouro , nem de
prata: he pois evidente, que ex-
trahindo sempre riquezas d'huma
espécie, e naô as supprindo com
outras da mesma natureza , ha de
chegar o caso de se esgotarem to-
talmente , nao obstante , a expe-
riência provou o contrário.
O estabelecimento das com-
panhks da índia antes do desco-
brimento das minas de ouro do
Brasil , nao diminuio a somma fixa9
e permanente das riquezas.Fizéraó-
se estes estabelecimentos sem que
delles lhe resultasse mudança^ al-
guma ; porque a Europa conside-
rada como hum sé corpo , tinha
iiurn recuso geral, que contrape-
sava os inconvenientes do com-
jnercio da índia, e era, como o
he ainda hoje em dia *, o produc-
to dus minas de Espanha,
Sempre se fez com prata "o
commercio da índia , e até de mui
poucos annos a esta parte naô se
levava lá ouro algum. 'Assim naS
l
I
i
•*»
1
91
J
I
- < ?6 )
se ia perder na índia o metal de
Brasil, como se suppõe no sys-
tema Inglez , pois pelo contrario
íkava na Europa,, e anniquilava
pela mesma razaõ Portugal.
Desde o Reinado de Philip-
-pe II. teraó sahido das minas de
Hespanha mais de três mil milhões
•de patacas , e com este cabedal taõ
enorme fez a Europa o commer-
cio da índia -, pois de todo elle
talvez naó passara'õ de cincoenta
milhões os que ha hoje em dia
cm Hespanha.
Póde-se saber com pouca dif-
ferença o prbducto das minas de
ouro-, e prata da America ; mas
naõ a diminuição destes metaes,
porque varia muitíssimo.
A maior parte dos estados da
Europa evitaó com pragmáticas o
seu consumo. O luxo , as modas ,
os caprichos de certos povos saõ
causa de que se use mais o ouro,
e a prata n'hum século que neu-
tro. Nos reinados anteriores tudo
■(97)
era irso,e agora tudo lie doura-
do. Já naõ se usaõ os trastes de
ouro, e prata que foraõ de moda
durarite muitos annosy e até os
templos contribuem a haver va-
riaqaó tias riquezas do nosso mun-
do politico 5 porque he positivo
que consomem mais -prata n?hmís
tempos que n'outroSo
Só pelo preço das mercado-
rias, e do trabalho pessoal se po-
de calcular o augménto do oura
D3 Europa, separadamente do com-
m e rc i o da I nd i a 5 qu e h e a se pui-
tura das nossas riquezas.
Trabalhei muito tempo pa«
-ra descobrir a proporção que ';hâ
entre o augmento das riquezas de
hum estado 5 e o relativo aíígmeií-
to do preço do seu trabalho pes*
soai , e descobri ( ao menos me
pareceo descobrir ) que n5huma
monarquia , como por exemplo, a
França, isto he, n'hum reino otv
de o primeiro capital das rique*
m$ fosse de cento e oitenta trai
i
i
I
■
■I
( 98 )
íhões de patacas ; o numero dos
seus habitantes de dezesete mi-
lhões; onde as classes de gente
estivessem divididas com o mes-
mo methodo ; onde o
governo
tivesse os mesmos princípios; on-
de a actividade dos vassallos es-
tivesse no mesmo gráo ; o com-
niercio no mesmo periodo; se o
clima for com pouca differença se-
melhante , que houvesse o mes-
mo luxo , o mesmo gosto , as
mesmas paixões, &c. digo que o
augmento de vinte milhões , ac-
crescentados a primeira massa ge-
ral, faria que subisse hum quin-
to mais. o preço do trabalho pes-
soal.
Resulta disto, que sendo ex-
acto o meu computo, seria facii
descobrir em que parte da Euro-
pa estaõ hoje os thesouros do Bra-
sil, e bastava para isso comparar
o preço da industria de todos os
estados antes do descobrimento
das minas Portuguezas,com o que
tom hoje era dia-
C 99 ) ,; ,
Poder-se-hia descobnf Cúít&
este thermometro politico o gráo
das riquezas de cada nação 5 e cal-
cular por conseguinte o do" seis
poder.
Se o ouro: do Brasil .passas-
se somente pelas oiaõs dos Euro-
peos sem deixar-lhesfructo algum
como se suppõe no systerna Xn-
glez, fixaria hum equilíbrio inal-
terável no preço do trabalho pes-
soal , e jamais augmentaria 9 nem
diminuiria a industria ; mas to-
dos sabemos que -succede o con-
trario.
Para provar a dissipaçá'6 des-
te metal ? diz^se^ que desde o
descobrimento das minas de ouro
do Brasil f o maior luxo formou
novos ramos de oommercio y que
contribuirão para que a Europa se
desfaça da excessiva quantidade
desta mercadoria da America-;, mas
naõ posso persuadir-me , que este
novo commercio tenha seguido a
proporção do ouro , porque a&
E %
■i
iTiais das vezes se tem poraugmen-
5 to de commercio o que he mera-
mente effeito da sua variação. O
commercio sempre gira sobre si
mesmo , e as suas alterações saó
xjflasi sempre no modo , e naõ no
seu cabedal , pois lhe tocaõ mui-
to menos do que se crê. Se se for-
ma hum novo ramo, toma-se lo-
go por augmento o que he somen-
te variação , sem reparar em que
estes novos ramos oceupaó o lu-
gar dos antigos.
Os caprichos , os gostos , as
modas, e as fantasias, que saó o
manancial continuo das novas es-
peculações de commercio, se suc-
cedem humas a outras; mas naõ
se augmentaõ : sempre se estabe-
lece o novo commercio sobre o
antigo , porque se se forma hum
ramo , destroe-se outro.
Cada naçaõ tem huma espé-
cie de medida geral de gastos ,
da qual naõ acerta a sahir. Pôde
yarialla de muitos modos y porque
( lor)
sueccáe que as cousas- frívolas- oe-
cupaÔ o lugar das úteis , e he cons-
tante que as nações que gastao
mais em superfluidades y econorai-
sao mais no necessário.
Em todo o orbe se dérao
sempre a ma5 a prodigalidade.^ e-
a avareza ; quando hurn-a guarda
por hum lado, a outra despeidi-
p por outro.
Qm por mais que- se diga \ os Por-
' tuguezes sao mais ricos hoje \ em
dia , do que antes do descobrimen-
to das minas do BrasiL
alsa^ supposiçao 9 p&is as rique-
zas sao relativas. A mesma quão.-
tidade de ouro j e prata ?< que faz
que hum estado seja mui rico em
hum tempo , pódè fa&er que se-
ja mui pobre n'outro?: porque ã'
riqueza de hum povo consiste -na
proporção dâ que tem comparada
i
KJWflHi
C 102 )
som a dos outros, ou no preço
das suas próprias mercadorias. Se
somente houvesse hum estado no
inundo, seria indifferenre a dimi-
nuição, ou o augrnenro dos seus
metaes. Nunca seria mais rico ,
nem mais pobre, porque naõ ha-
veria nenhum que fosse msisrico,
nem mais pobre que elle. Pode
chegar hum estado a ser ameta-
de mais pobre do que era , aug-
mentando-se em dobro as suas ri-
quezas, e hasta para isto que aug-
mentem os outros assuas com ex-
cesso a esta proporção , sendo mui
indifferente em si , que o cabedal
geral das riquezas da Europa se
augmente, ou diminua, isco he,
que o total tfham século seja de
dois mil milhões , e de vinte mil
n'outro; porque no primeiro caso
a njçaô que possue a maior par-
te dos dois mil milhões, será taô
rica como a que tivera maior par-
te dos vinte mil no segundo. A
occssiva quantidade de metaes
( JoO
sx5 serve de embaraço ? e o rrie&-
mo papel podem fazer vinte mi-
lhões como vinte mil:
Pelo que diz respeito a Por-
tugal y engana muito a- compara^'
çaô que se faz do estado actual
das suas riquezas com o estado eii*
que estavaõ ha dois séculos , se-
parado tío das riquezas das outra?-
potencias daquelle tempo. A com-
paração deveria ser das riquezas
daquellè tempo com as de agora*,
feita com as riquezas que agora
tem a-Europa. Se se observaõ nes-
ta comparação todas estas propor-
çc&s relativas, vêr-se-ha que a mo-
narquia Portuguesa he hoje em
dia mais pobre que nunca, Rofn-
peo o equilíbrio o descobrimen-
to das suas minas r e se empo*
breceo a si mesma , porque enri-
que ceo muito as outras nações. He
evidente que o reino he surnma-
mente pobre r e já disse doutra
parte, que o estado deve aos es-
trangeiros cousa de viate milhões
S
k\^l
I
I
I I
I
oe cruzados : apenas haverá ■ sek
efiectivos em todo Portugal; com
que ainda ihe>faltao qtiarorze mi-
lhões para chegar a ter hum real
próprio. O seu povo he o mais
miserável da terra, as mercadorias
as mais caras, e no continente ha
províncias cujos habitantes jamais
víraõ em moeda de ouro a effigie
do, seu 'Soberano. Ouvirão dizer,
ou lêraô que Portugal tinha mi-
nas, de ouro : mas desfruta© me-
nos as riquezas do Brasil que as
vassallos dos outros Príncipes da
Europa.
§ XIV.
Que Portugal páde com o seu ouro
ter as mercadorias fabricadas por
melhor preço, que aqueíle por qm
elle as poderia fabricar.
JLíSte lie hum laço que a Ingla-
terra armou a Portugal , repetindo-
líve incessantemente , para que
JSbitais.de raaiw £a :t uc as 2 Nós ;
yôs daremos das nossas por mcltet
preço, que aquelle por que pode-
ríeis JbbÀctàk*. Bsta -'economia-
prejudicial teve 9 e tem como en-
cantado o ministério r e sobre este
ponto ^eai iyiçr-i ■ n^i - adiantou
mais,
! Qt>ando-se.:-queria estabelecer
alauma manufactura se principiava
por calcular -se - se poderia fabri-
car taó barato como em Inglater-
ra , donde se tirava o .género fa-
bricado,r ecomo se- vi s se- que- era
sempre mais caro o- trabalho -pes-
soal,di*i^se que ganhava a nação
em servir-se 'das -manufacturas In-
.-glezas-,- e «qúe, pela mesma razão
naõ se estabelecia© em PortugaL
íHecousa^notavel que entre os mui-
tos ministros que -se suecedêrao
desde o estabelecimento desta po-
lítica ? que fez adoptar manhosa-
mente a corte de- Londres à de
^Lisboa, nenhum ? notasse-, que *®
-preço do trabalhador 'nacional era
:©usa> imaginaria > ;è :.que .pe-
jjf*ffli
lo contrario o augmenro do tra-
balho pessoal formava maior cir-
culação , e que o ouro ficava den-
tro do JReino. He mui estranha
que naó se visse que huma pata-
ca por dia , dada a hum obreiro
do paiz, nao sahindo do estado,
podia combinar-se cada instante
de infinitos modos com vantagem
sua; e que hum real dado a hum
artífice estrangeiro causava huma
perda efectiva ■ : sendo certo que
toda combinação vantajosa da moe-
da se acaba- no. instante em que
sahe do estado. íJDesditosa a nação
cujo ministério vive taó atrazado,
«o systema eccnomicOo
*■'( 107 >
§ '."XV.
\'Que o clima se oppce ao estabeleci*
mento de manufacturas em*Põf-
t,
Imbuído hum governo de rnâxi*
mas erróneas ? acha sempre pretex-
tos para oaó fazer o que devêns,
e ria'6 os achando na politica 5 vai
buscallos no elima0 Se dous / ou
três ministros Pottuguezes^ que se-
guirão caminhos errados para esta-
belecer manufacturas , ou alguns
particulares sem engenho , sem ta-
lentos , e sem capacidade , naõ' sa-
hiraõ bem do projecto destes es-
tabelecimentos 9 actribuia-se a cul-
pa ao clima 9 e naô se lerabravâo
que tendo tido eíFeito nos tempos
antigos os mesmos estabelecimen-
tos , podiao teilo também ■depois,
pois o clima d'hum século se dif-
ferença pouco de outro. He çvr*
4$mèk conforme isto, que se se
w
i
I
J
I
C ff» )
--tivessem tomado medidas exactas,
€ adequadas , - se íeriaò estabele-
cido manufacturas em Portugal co-
mo nos outros reinos.
-Ainda se viaõ noannode 1754
em differentes províncias as relí-
quias dos teares, que até meiados
do século passado puzéráõ a mo-
narquia Portugueza em estado de
oaõ necessitar das outras ; e co-
mo nos poderemos persuadir que
as laas daqueMe clima , que du-
rante tanto tempo contribuirão a
manter as manufacturas , se consi-
derassem depois como hum obstá-
culo , quando se pensou em res-
rabelecellas ?Busque-se pois a cau-
sa dess^ fenómeno na politica da
Inglaterra , e descobrir-se-ha a sua
origem nos manejos secretos da
corte de Londres com a de Lis-
boa.
Haverá 36 annos que tendo
resolvido no reinado de D.Joaó
V. hum hábil ministro Português
estabelecer > manufacturas naquel-
1 Ie' Reino , tomou medidas adequa-
das para ser hemsuccedidonasua
empreaa. Escavaô vencidos todos
os obstáculos , e ia já cedei á po-
litica, a imaginada ingratidão do
< terreno } quando dous--.mil.- gui-
néos dados- a tempolhe restituirão
a sua - antiga maligna influencia.
Qppoz^se sempre desde entaõ o
clima ao estabelecimento das ma»
nufacturas j.naõ devemos! porém at-
tribuir esta mudança ao ar., mas
i sim ao dinheiro , ou á cobiça»
■"Que he grande^mofitúgem ú dar álti-
glaterra meios a Bortagal .para
■ extrãbir- o ouro do t Brasil , e qut
sem* este recurso estafiâõempemr
estado, os negócios da Europa.
JL ode succeder que ríssemos tudo
-pelo contrario: he verdade que o
augmento deste metal alentou mui-
i m a. indimna -geual : ., e que pelo
n
f IIO >
novo consumo de que foi causa ^
augmentou também vários ramos
do commercio universal. Mas com-
pensão acaso estas vantagens ou-
tras infinitas desordens .., que cau-
sou na Europa.
Se retrocedemos ao principio:
de todas as nossas guerras de ses-
senta annos a esta parte, descobrir-
se-ha a sua origem nas riquezas do
Brasil , porque huns príncipes que
antes do descobrimento destas mi-
nas se viaõ precisados a manter-
se nos estreitos limites da impos-
sibilidade, que lhes prescrevia a sua
natural pobreza , ricos depois com
os thesouros do Brasil , inquieta-
rão toda a Europa.
He também verdade , que an-
tes desse descobrimento tinhaò
guerras os povos da Europa , mas
eraõ de distincta natureza das
nossas. Vencida humanaçaõ esta-
va acabada a guerra , porque naõ
tinha meios de refazer-se : era ver-
dadeira a sua perda: o seu pro-
(m y
fúo sangue era o que se derrama-
va : com as batalhas se dava fim
ás batalhas, e entre nós nascem aa
guerras das mesmas guerras»
Desde que se vio a Europa
inundada das riquezas da Ameri-
ca, pudéraõ os Príncipes satisfa-
zer mais facilmente a sua ambiqaõ«
Estimulada esta paixão pelos mes-
mos meios de polia em movimen-
to^ causou mais dissensões que nos
tempos antigos : formarão as mi-
nas de ouro na nosso mundo po-
litico hum novo manancial de ca-
lamidades humanas , pois houve
príncipes, desde que hetaõcom-
nuim aqueíle metal , que tivéraõ
meios de comprar nações inteiras
parai enviallas a destruir outras, e
era todas a§ .partes acharão os so-
beranos instrumentos mercenários
da sua ambição.
Náõ me deterei neste assum-
pto, cuja grande extensão podia
dar-mo para escrever muitos vo-
lumes^ e assim direi somente que
5
i
I
(IT2)
nas nossas ultimas guerras se pa-
garão quasi sempre com prata do
México as tropas Francezas em
Itália , e com ouro do Brasil as
do Duque de Saboya 5 e as In-
glezas.
Pode- se ter por certo , que
•se as minas do novo mundo naó
tivessem produzido taõ immensas
riquezas y jamais se teriao visto
na Europa estas guerras que des-
truirão tantas nações , causarão
tantas inquietações^ e arruinarão
tantos povos , porque naõ saõ as
guerras como os outros negócios
da politica ? e naõ se põem ex-
ércitos em campanha com syste-
mas theoricos, mas sim com cou-
sas effectivas 5 e reaes.
Antes que regule hum Mo-
narca as operações da guerra , he
preciso que conte com o seu the-
soureiro, sendo a fazenda o prin-
e o exercito o accessorio*
pois antes de se irem matar os
homens ^ querem saber por que
preço. A falta de dinheiro poe
hum exercito na maior consterna-
ção ; e pelo contrario 9 a vista
do ouro avigora os soldados , e
he quasi sempre a alma das viera-
rias. Pela riqueza da caixa mili-
tar se deve. calcular o gráo de va-
lentia da tropa.
He impraticável ó projecto de
diminuir a ambição de quasi to-
dos os príncipes* eo único meio
quç poderia pôr limites aos seus
insaciáveis dçsejos d.e se engran-
decerem, era o de huma certa mie--
dida de riquezas.
Sobre a quantidade de rique-
zas geraes se funda -a das calami-
dades humanas, e quanto maior
seja aquelia* tanto maiores seráo
os males do mundo. Pode-se as-
segurar que seria a Europa mais
feíiz se nao se tivessem desço-
to ta6. abundantes minas- Se se
tivessem- mudado menos as for-
tunas dos estados, nao teriaõ si-
do taõ frequentes as revoluções
I
i
»--•»
»!mr">i
I
nao se teria familiarisndo tanto a*
gente com os homicídios , e com-
os outros horrores que' acompa-
nhaó sempre as guerras. Have-
ria por conseguinte mais quieta-
ção nos espíritos ( pois os ho-
mens hefdaõ as paixões de seus
pais ) mais bondade , mais recti-
dão , mais franqueza no trato ;;
'menos vicios, menos corrupção r
e por conseguinte mais honra ,
mais probidade , e n5huma pala-
vra , mais virtudes.
§ XVII.
Que desde a aUiançn dos Porticzue-
zes com a Inglaterra^ se estabe-
lecei) em Portugal hum grande
luxo que lhe he necessário.
uem entrar nas discussões susci-
tadas entre os politicos sobre o lu-
xo, direi unicamente que nao he
igual a sua utilidade para todos
os povos.
( ny)
0 luxo he nalgumas monar-
quias da Europa hum negocia de
estado \ entra na politica, do go-
verno \ e vem a ser huma das mais
firmes xolumnasda coroa ■■;■ mas pa-
ra isto saõ precisas algumas cir-
cunstancias particulares, e muitas
causas segundarias. Em Inglaterra^
por exemplo ,, onde está estabele-
cido o Iuxo.no fructodo trabalho
do lavrador , augmentao poderia
monarquia, e he huma mó!a mais-
oaqueiíe governo , ■ que. dá novo-
vigor ao- estado politico.- Para con^
seguir isto 5hç indispensável que
o estado tire quasi tudo da sua
própria colheita; ehe regra geral
infallivel ,. que quando humana-
caõ naõtem as primeiras matérias
do seu luxo r lhe he sempre pre-
judicial , porque a vantagem da
trabalho pessoal naô pode contra-
pesar aquclle primeiro inconve-
niente.
Nao saó os pó>os ricos os,
que devem temer mais/os ef&itos-
WÈÈ I
■>!■
S
I
I
do luxo, porque em geral tem em
si recursos com que compensaõ os
seus prejuízos ; mas os estados-
pobres arruinaõ-se , porque lhes-
faltaõ meios de supprir os pre-
juizos que continuamente lhes cau-
sa.
Ha hum meio seguro para
saber se se deve favorecer o lu-
xo n'hum estado , e vem a ser o
de examinar se o povo tem den-
tro de si, e facilmente as cousas
physicamcnte necessárias^ porque
he preciso desterrallo quando he
precária a primeira subsistência.
He verdadeira , e segura máxima
politica, a de que as artes úteis
sao primogénitas dns artes agra-
dáveis, e que he necessário 'que
precedao aqnclhw a estas, e as-
sim se estabelece hum erro quan-
do se dá corno regra geral , sem
dis.tincçaô aiguma , a de que o lu-
xo he necessário em todos os es-
tados monárquicos.
Se pode. chegar a ser uiil-a
% "7')f
alguns estados por alguma dispo*
siçaõ particular, causa por outro
lado tantos prejuízos a outros mui-
tos governos , e estes prejuízos
tem tantas consequências para a
sociedade , que talvez de dester-
rallo do mundo resultaria univer-
sal beneficio.
Por mais que a politica quei-
ra tirar vantagens até dos vícios
mesmos, nunca pôde contribuir
a corrupção i grandeza de hum
^povo j e suppor que naõ faraó gran-
des progressos os vícios n'huma na-
ção, que tem bum grande luxo, he
naó conhecer a cadeia que une as
paixões entre si.
Os homens se pagaõ muito
clasextenoridades, e o governo po-
litico depende por algum modo do
vestido dos vassajlos.
A5s vezes huma estofa, con-
fundindo as classes , e estados das
pessoas , causa ao estado hum pre-
juízo universal.
A deosa Minerva } inteaca»-
Iffi
1
t
i
^1
I
í
ao estabelecer na terra hum go-
verno perreuo, quiz que cada clas-
se de homens se distinguisse com
hum vestido diíFereme.
GíFerece-nos a historia neste
assumpto huma anecdota mui no-
tável, que prova que o luxo foi
sempre o principio da corrupção
de todos os governos.
Refere Suetonio : « Que sò-
» mente intentou JulioCesar apo-
•» derar-se da liberdade da sua pa-
» tria, porque nao sabia de que
» maneira pagasse as dividas que
» tinha contrahido com o seu ex-
» cessi-vo luxo. Muitos tomarão
» meramente o seu partido por
» íalta de meios para manter o
»- luxo em que se tinhaõ empe-
» nhado, e porque esperavaõ ga-
» nhar na guerra com que manter
» o seu primeiro fausto. »
Ao mesmo tempo que sedi-
irnnue o luxo n'hum estado , se li-
smtaõ os desejos dos cidadãos ,
porque desapparecem infinitas su-
(119)
perfluidades,que dantes se repu*
tavaõ como outras tantas cousas
necessárias ; e livres os homens
deste confuso tropel de. fantasias,
tem menos vivas as paixões.
Naõ consiste b prejuízo que
do luxo resulta a hum estado em
que se introduza junto do Prínci-
pe, e dos grandes. Odarrino pro-
cede de que fazendo-se geral o
contagio. , passe aos que natural-
mente deveriaô ter somente o phy-
sicamente necessário. Quando ã
delicadeza, e o apego i commó-
didade transcende á plebe, entaS
sim que tudo deve reputar-se por
perdido.
« Quando o luxo se apodera
» de huma naçaõ ( diz hum Au-
» thor) chega a ser hum mal qua-
» si incurável Assim como a de-
» masiada authoridade he nociva
» aos Reis, assim o luxo-he n©-
» eivo a huma naçaõ. Habituan-
j> do~se a considerar como preci-
» sas as cousas mais supérfluas ?
n
Wfâli
1 I III i
h
í
i
» hwentaõ-se cada dia novas pre-
» cisões , que destroem as fami-
» lias, e impossibilitaõ os parti-
» culares de contribuir aos gas-
» tos necessários para o publico. »
que
A isto accrescentarei
quando o luxo chega a apoderar-
se de huma naçaõ , acaba se a har-
monia entre as classes. Os que pe-
la sua situação estavaõ dantes con-
demnaçlos a hum trabalho forte ,
e penoso, debilitados pelo luxo-,
arrojão de si hum peso que lhes
parece naõ poderem soportar , e
immediatamente se estabelecem
hum sem-numero de oíficios , e
profissões frívolas.
•Para que hum estado naõ de-
caia , he forçoso que a parte do
povo, que tem a seu cargo a prin-
cipal subsistência , esteja isenta
da corrupção , que certo luxo traz
sempre comsigo. Esta falta de ad-
ministração civil he a causa de
que tantos declinem insensivelmen-
te ; e por fim pereçaõ, sem que
^•- ,-
se possa sinalar a época da sua qué-
*da.
Em Portugal todo o género
de luxo concorria a debilitar a mo*
-narquia, porque tinha a sua prin*
eipal origem íóra do reino,
Í XVItt
Que Portugal nao fade deixe f dê ne-
cessitar dos outros estados da Èés
ropa , e especialmente de Íngla>
terra.
%Aie desgraça succcde® â este
reino , que já nao pode obrar por
si mesmo, e que para manter- se
necessita dos outros estados ? Len-
do a historia de Portugal vê-se 5
que o edifício daquella monarquia
se eriglo (i) sem o auxilio das ou-
tras nações,
( i ) A verdade da historia he que o
Rei de Castella e Leão D. AtTonso VI.
casou sua filha D. Theresa com Henrique
de Lorena , que tinha vindo coino aventurei*
£ f*. !
0W
t
í
í
( íit )
Todos sabem que Afíbnso
Henrique, primeiro Rei de Por-
tugal , conquistou aos Mouros,
Lisboa , Mafra , Cintra , Óbidos ,
Beja , Elvas , Coimbra , Évora , C^c.
Sancho primeiro unio a Por-
tugal hum novo reino , e restabe-
leeeo as cidades de Valença , e
Montemor. Sancho II. tomou aos
Mouros a província do Alemtéjo.
Aífbnso III. conquistou Odemi-
ra , Monforte , Valença do Minho ,
Viana , Castro , Portalegre , ^i/-
A? Viçosa , £ Monção. Diniz fun-
dou varias cidades novas j e já
J
I
ro servillo na guerra contra os Mouros ,
é lhe assignou em dote tudo o que esn
Portugal tinha ganhado sotoffi os lUouros
com o titulo de Conde , e com condição que
fosse vassallp dos Reis de Castella , e vies-
se ás Coites do reino , e á guerra com suas
armas , e gente , todas as vezes que fosse
•visado : as primeiras conquistas deste Con-
de Henrique , e de seu filho D. Affonso
primeiro , que tomou o nome de Rei de
Portugal , se tízeraó sem duvida , com au-i
xiliu das armas do liei ds CastelU.
^- ^9X
havia cousa de trezentos ahfiòs>
que aquella monarquia se tinha
formado na Europa, mantendo-sè
sem ajuda dos estrangeiros , quan-
do Joaô primeiro emprendeo a con-'
quista de Africa. 'Elte por si só
formou o projecto , e somente com
os meios que extrahio de Portu-
gal , o pôz em execução* foaõ IL
fez conquistas -sem 'mais soccor-
ro que o de seus vassallos : e 'es-
tava tao longe de valer- se dos de
outros estados para effeituar os
seus designios, que sómeotepor*
que Christovaô Colombo" era es-
trangeiro 5 naó -quiz adóuttftr ò-offe-
rccimento que lhe fez da Ameri-
ca. He certo que as grandes , e
decisivas determinações de estado:
daquella monarquia se tomarão
sem assistência dos dernais pol-
vos.
O descobrimento do ouro do
Brasil foi o que chamou os estran-
geiros a Portugal , pois antes da-
q.ueUa época úm havia naçaõqufc
F 2
i
i
~^mm
( I24 )
coubesse o caminho daquelle rei-
no.
Em quanto duráraõ as dis-
putas de Portugal com os Mou-
ros, naõ houve potencia que inter-
viesse nos seus negócios particu-
lares: mas apenas descobrirão os
Portugueses tamanho thesouro ,
logo todos acudirão a reparti lio
entre si. -
§ XIX.
Que o trato dos estrangeiros fez
mais sociáveis os Portugueses , e
os igualou com as nações cultas.
oucos vocábulos ha , cuja signi-
ficação seja mais vaga que a da
palavra sociedade. Desta se tem or-
dinariamente huma idéa geral que
confunde sempre a ordem das cou-
sas , flgurando-secommurr.mcnte ,
que para que hum povo seja mais
sociável y hc preciso que seja tao
alegre, e festivo como outro j sem
nunca deter-se ern reflectir , que
ha alguns delies cujas virtudes,
moraes, e civis procedem da sua'
simplicidade , e lisura. E assim ás
vezes se reputa por mais sociável
huma nação , que na realidade se
tornou mais barbara do que dan-
tes era ; pois naõ ha diwida que
sempre vai decahindo hum po^-
vo, que chega a extraviar-se da
vereda daqueUas virtudes , que por
largo tempo tinhaõ sido como a
base do seu principal caracter.
A palavra sociedade hé sem-
pre voluntária. O que para hum
povo he sociedade ? he commum-
mente libertinagem para outro;
Hurrí Author Chinez reputa por
hum prodígio de continência , que
hum homem chegue a ver-se cara
& cara n'hum quarto separado com
huma mulher, sem violalla. Que
legislador poderia estabeleceria fre*
quencia de ambos os sexos naquel-
le paiz ?
Com a frequência dos estran*
( n* )
geiros em Portugal, huma multi-
dão de costumes , modas , enfei-
tes , e divertimentos públicos des-
• conhecidos, antes naquella monar-
quia ,. concorrerão a promover o
gosto daquelle povo , que saloio
entaõ pela primeira vez do reti-
io em que tinha vivido desde o
tempo dos Mouros. Viraõ-se re-
ciprocamente, e entaõ notáraô-se
naquelle governo huma infinidade
de excessos, e irregularidades ci-
vis.
A separação dos dois sexos
impede no Oriente a extincçaõ dos
governos poli ticos : e com effei-
to, em que viriaõ a parar aquel-
le.s. estados mal seguros, se os o-
dios> as inimisades, os zelos, as
idéas fantásticas , os caprichos ,
n'huma palavra , as paixões gran-
des, e pequenas das mulheres pu-
dessem entremetrer se no systema
do estado ? Tudo se perderia ir-
remediavelmente : de sorte que es-
te costume preserva aquelies es-
( ™7 ) , r
ta dos de males maiores que todo
o beneficio 3 que poderia seguir-sc-
lhes das melhores leis.
Ninguém ha que ignore que
os Portugueses tinhaõ dos Mou-
ros os seus- antigos- costumes- ;■ e
que o seu governo politico tinha
por norma aquelles mesmos cos-
tumes. Ainda que nesta monarquia
Christá naõ houvesse serralhos,
havia naõ obstante huma clausu-
ra civil de mulheres f connaturali-
sada já naquellâ Baçaõ.
O- único meio que encontra
Platão para conservar os costumes
de Hum povo , he o de apartar dos
nacionaes os estrangeiros. O ca-
so naõ he averiguar se os^ usos r
e costumes de huma naçaõ estra-
nha saõ melhores 5 mas sim saber
se estes usos convém ao povo em
que os querem introduzir.. Ao mes-
mo tempo que hum modo de a-
presentar-se nas concurrencias , de
explicar-se, de ves;tir-se > de à-
jjinta^se ,, introduz novos gostos
!
N
* C I28 >
n nim> povo ; produz nelle sempre
novas paixões. Como huma naçad
adopte os divertimentos, as mo-
das, os adornos doutra, mui ce-
do conrrahirá também os seus vi-
cios, e defeitos. '
A origem das paixões he em.
todas as partes a mesma : e assim
sempre que se empreguem os mes-
mos meios para exeitallas, póde-
sq ter a certeza de que resultarão
os mesmos effeitos. Isto suppos-
to, quando pelo trato dos estran-
geiros chegap a corromper-se em
algum povo os costurpes , ficao
por conseguinte as leia sem bas-
tante vigor para poder manter o,
governo politico.
Aponte-<;e-me hum só gover-
no sequer no mundo que naõ te-
nha decahido pela corrupção dos
costumes. As máximas dos Roma-
nos, e naõ as suas conquistas fo-
?aõ as que formarão o seu gran-
de poder, pois naõ somente at-
tçndiaõ os censores da republi-
(120
ca aos excessos capitães, mas tsm-
bem aos roais mínimos descuidos.
-Este era o segredo da grandeza
daquelle povo;; e a decadência da
republica se seguio iromediatamen-
te á de pravaçaõ dos costumes dos
seus concidadãos.
Nao faltará quem diga que
os Romanos vivi a 5 sob hum go-
verno que tinha por principio furr^
damentaí a -virtude-, e-que naõ a
requerem os estados monárquicos
-modernos. Mas se /a virtude naõ
he nos nossos governos taõ abso-
lutamente necessária, os costumes
o saõ~ sempre. Porque como , ou
por que regra se poete presumir
que possa hum estado chegar, a
fazl*r-se poderoso, nem ainda a
conseguir manter-se em certo gráo
de mediania, quando domina neí~
le a corrupção geral; quando naõ
conhece a moderação dos desejos^
a sobriedade, nem a# temperança;,
^quando a delicadeza , e o delei^
te cativa todos os corações ; quan-
1.
i
i
ào o fausto, a preguiça, a ocio-
sidade, e o abandono prevalecem
como vícios da moda ; quando os
deleites dos sentidos, e as com-
modidades da vida humana saó
os únicos bens a que todos aspi-
raó ?
Esta, esta he z pintura de
Portugal desde que com o trato
estrangeiro chegou aquelle povo
a ser o que se chama sociável.
§ XX.
Que a disposição das cousas requer
que estejao ociosas nações bit eiras ,
em quanto outras tralcâhao, por-
que assim o resolveo a Providen-
cia. Div ma.
V/uando se demonstra evidente-
mente- a falsidade do systema
•que estabelecerão em Portugal os
ínglezes ; quando se aperraõ , e
se deixaó sem sahida os seus par-
tidários, reduzindo-os como i a-
( ijO' _
górria , c deixando-os sem saroí?
que replicar : fazem-se fortes re«
correndo ao •■seu •ultimo árgumen*
to. Assim o dispêz , dizem elles ,f
a Providencia: e ficaâ ufanos dan-
do já por sua a victor ia/ Os po-
líticos que discorrem assim ,í pó-
denvse comparar aos máos^poe tas
cómicos , que sempre recorrem a
alguma deidade ~, quando insta a
solução das suas composições thea-
traes. Chegando hum ministério
a a d o p ta r se mel h a n te s modo s de
discorrer.., vem fâ -ser inúteis todas
as máximas de governo -assim po-
litico como civil.
Segundo este plano da Pro-
videncia, o povo mais idiota po-
deria T^êr-se ta 6 bem governado
como a naçaõ mais illustrada ; sen-
do esta cabalmente a doutrina
dos.Musulmaós, que vivem per-
suadidos que hum rígido destino
dispoz todas as cousas de modo,
que nada tem de fazer a politica.^
Haverá quem possa sugpar
i
í
i
que tia sábia mente da Providen-
cia, atalaia vigilantíssima da con-
servarão de todos os governos ,
tenha cabido a idéa de que hou-
vesse na terra hum que continua-
mente se estivesse destruindo a
si próprio ; que se abandonasse
gostoso a voracidade d'outrcm ;
que se debilitasse, se abatesse,
e se prostrasse; que continuamen-
te Fosse consumindo elle mesmo
o seu poder politico, ^ civil.
Antes que Portugal descobris-
se as suas minas , os seus natu-
raes , achando-se sem mais recur-
so que o commercio, e a cultura
das terras, eraõ trabalhadores, e
industriosos : do que se infere que
somente necessitaõ hoje <£m dia
do estimulo da emulação. Sem du-
vida devia ser a Providencia a que
naquellcs tempos passados manda-
va que trabalhassem; e conforme
o systema Inglez a mesma Provi-
dencia he quem agora quer que
este. povo esteja ocioso. Naó he
Iml . ...
isto morar das cousas mais sagra-
das, e pretender reduzir a syste-
tua a Providencia mesma ?
Sem embargo , todos os es-
tados da Europa, como se. a to-
dos resultasse o maior beneficio
da anniquiiaçaõ da industria da na-
ção Lusitana, adoptarão , e abri-
garão o systemalnglez; ou o que
em substancia vem a ser o mesmo,
naõ houve quem se oppuzesse a
elte. Erro que causa admiração
ter-se commettido n'hum seeuio taô
illustrado como o nosso !
Seja-me licito retroceder hum
pouco , e deter me a considerar
nesta espécie de geral lethargo
huma cousa , que naõ creio tenha
havido até agora nenhum author
poiitico que a tenha notado : e
permitta-se-me ao mesmo tempo
que ponha presente a historia do
nosso mundo , o nó gordiano da
Europa, qm até agora ninguém
desatou , e que descubra , n'huma
palavra , o enigma do systema ge-
ral.
I
■à
s
i
i
I
l
( 134)
Formou Henrique IV, Rei de
França, o grande projecto de es-
tabelecer na Europa huma paz fi-
xa , e permanente : e ainda que
o seu desígnio fosse digno d' hum
bom Rei , contribuio mais a acre-
ditallo de amante da humanidade,
que de intclligente no conheci-
mento dos homens.
O abbade Saint-Pierre, author
Francez , que muito depois publi-
cou hum plano semelhante de pa-
cificação , escreveo sobre o mes-
mo assumpto cousas muito boas,
mas somente para serem lidas ; ten-
do-se comparado o seu projecto com
huma arma, que pelo bem acaba-
do delia, se conserva em algum ga-
binete de curiosidades , sem que
possa servir para outra cousa ; pro-
põe o dito author ajunta d'huma
dieta geral que arbitrariamente im-
pedisse tedaías guerras : c sobre
este principio se engolfa n'hum
mar de vantagens, que resultariaõ
á Europa ; como se a formação
(135)
d5huma dieta, pudesse mudar a na-
tureza ; diminuir as. paixões dos
homens ; desterrar a ambição ? e
transformar os príncipes de homens
em anjos.
He isto fazer o papel de po-
litico, ou o de apostolo ? Cha-
ma-se isto n'huma palavra , pre-
gar o evangelho , a cujas leis ha
por desgraça nossa tao poucos que
se sujeitem.
Naõ percebo como haja quem
possa persuadir-se que hum a dieta
geral ^eria sufficiente para obrar
semelhante milagre, quando a ca-
da passo estamos rendo nos nos-
sos congressos , que huma cadeira
collocada fora* do seu lugar cor-
respondente , hum criado d'hum
plenipotenciário maltratado por ca-
sualidade r rompem as negociações
mais importantes da Europa.
Além deste aaõ faltarão ou-
tros engenhos delicados 9 que te-
nhaõ formado outros projectos de
pacificação, fazendo para istoxal-
I
t
ctilos do poder de cada estado; das
suas riquezas respectivas ; das suas
forças; -do valor, e espirito mar-
cial dosdiffertntes povos; da in-
fluência que o clima pode ter para
infundir-lhes mais , ou menos alen-
tos &c. , pondo , digamo-lo as-
sim , contrapeso a algumas mo-
narquias parareduzilias a equilí-
brio com outras. De maneira que
se pode dizer com razaõ , que
ainda que semelhantes systemas
manifestarão até onde alcança o
entendimento humano; nem por
isso deixarão de agitar o mundo
novas revoluções , e discórdias a
pezar de combinações taõ bem
dispostas.
Tampouco os vínculos do
sangue bastarão para subministrar,
por; via dos matrimonia , remé-
dio mais proveitoso a mal tama-
nho , abrindo caminho á tranqui-
lidade geral ; porque se isto tivesse
podido conduzir a semelhante fim,
haveria já muito tempo que osso-
beranos da Europa gozariao de hu^
ma profunda paz, sendo, como
saô ,. quasi todos parentes huns
dos outros.
Pelo que diz respeito aos
tratados, que alguns considerarão
como o melhor meio para afiançar
a tranquillidade publica , sou de
parecer que naõ ha meio algum
que seja mais inefficaz que os mes-
mos tratados, pois de cem annos-
a esta parte apenas houve hum
que tenha tido inteiro comprimen-,
to. Nunca falta huma. porta secre-
ta , ou interpretação por onde a?
char sahida ; e qiiasi.se poderia
julgar que a maior parte desses
tratados tinhaõ sido dictados"por
probabiiistas, sese attende ás-res*-
tricções mentaes de que abundaõ»
Além disto , os Soberanos saô
sempre considerados como meno~-
res: todos sabem que naõ podem
fazer cousa alguma contra o in-
teresse do seu estado , naô igno-
rando tampouco ninguém que d
ÍWW&lí
5
i
J
(i3«>
que n'hum tempo he vantajoso ,
deixa de o ser rfoutro. Agora sim \
quem duvidará que segundo esta
máxima, naõ se podem annullar to-
dos quantos tratados se concluirão
no mundo ?
Fica pois só o meio das ar-
mas, pois ha hum século que se
principiou a crer , que meramente
com a guerra se pode conseguir
a paz. Hoje em dia principinó as
hostilidades : toma-se a expedição
de muitos correios como huma
prova de que os ministros entra-
rão na lide ,. e viéraõ já ás maõs :
e depois de ter precedido huma
infinidade de despachos , deixaó
ambas as partes a cargo de cem
mil homens o terminar os escri-
tos. De hum século a esta parte
cançáraõ a Europa tantos sítios r
e batalhas, que se delles pudesse
resultar a paz, ha muito tempo
que viveríamos quietos: mas a ex-
periência nos demonstra que de-
pois de trinta batalhas dadas, no?
(" I39 ) t.^
achamos com pouca dilrerença n®
mesma situação que dantes.
He de admirar que entre tan-
tos homens grandes , que trabalhai
sobre o systema geral de pacifi-
cação y nao tenha havido nem se
quer hum que tenha dirigido as
suas miras para a industria , a qual?
desattendida em alguns estados y
e aperfeiçoada em outros até o
gráo mais alto r occasiona conti-
nuas variações no sys tema gerai
da Europa»,
Ponto he este, que se algu*
ma vez se considera > foi unica^
mente olhando-o como causa ac-
eessoria , e naô como principal.
Nos tempos primitivos em
que o lavrador era soldado , e a
soldado lavrador; em que as artes
ainda toscas, incultas , e imper-
feitas, de nenhum modo influiao
no poder dos estados, teria sido
cousa mui inútil querer buscar hum
systema de pacificação na indus-
tria dos povos j mas desde que a
j
i
'
ii
I
C 140 )
guerra tira desta todos os seus ar-
bítrios; desde que naõ saõ os ho-
mens que pelejaõ, mas sim as ma-
quinas ; desde que o soldado de-
ve á industria as armas, as rique-
zas o estado, e os recursos o Prín-
cipe, depois que a industria su-
gerio meios de construir cidades
ambulantes, que atravessando o
Oceano, passaó a novos mundos
para fazer novas conquistas ; de-
pois que as artes , e officios che-
garão a ser os interesses mais es-
timáveis das monarquias; depois
que as que possuem mais cousas
desta espécie, vem a ser as mais
florecentes ; desde então para cá ,
digo , só pode cada nação por
si fundar a sua segurança na pro»-
porção relativa da industria geral.
Fazendo hum3 séria reflexão , com-
prehender-sc-ha claramente que a
industria só de alguns povos, at*
trahindo a si as riquezas dos de-
mais , fez inclinar o svstema da
Europa para a parte que mais as
favorece.
( I4I )
Em quanto Luiz XIV. Rei
de França, naõ promoveo, e aug-
srientou a industria dos seus vas-
sallos , ninguém lhe attribuio o
pensamento da monarquia univer-
sal. Naõ ha duvida , que aquelle
projecto de conquistar o mundo foi
unicamente bum fantasma politico,
inventado pelos seus emulas;, -mas-
ninguem fallou de tal projecto qui-
mérico, em quanto aquelle Prínci-
pe naõ augmentou as artes em
seus domínios : porque he hum
axioma certo de politica, que hu-
Ria naçaõ , que pela sua industria
attrahe a si os thesouros d outros
estados , ha de chegar a termo de
poder-lhes dar a ler.
Hum author mui célebre diz,
que a historia do luxo das nações
seria huma obra mui curiosa , e
importante ; mas a da sua pregui-
ça , e ociosidade o seria muito
mais. Alli se descobriria a uniaõ,
e raiz da maior parte dos grandes
suecessos que tantas vezes mu--
-\\
( 14* ) Al1. r
dáraó a face da terra. Alh se fa-
ria patente como hum povo indus-
trioso se foi apoderando insensi-
velmente das riquezas d'outro, que
o era menos, e aproveitando-se da
sua ociosidade , lhe minou todo
o seu poder. ISPhuma palavra, des-
cobrir-se-hia a historia geral das
revoluções do mundo.
Todo povo deve adiantar a
sua industria quanto possa. Esta
máxima he das mais importantes,
e delia depende unicamente a se-
gurança de todas as nações. Hu-
ma vez que a industria fixar as ri-
quezas das nações , conforme cor-
responder a cada huma delias ,
conseguir-se-ha insensivelmente a-
quella tranquillidade geral , que se
procura estabelecer em vao por
meio d'outros systemas: de modo
que se pôde dizer , qi\e todas as li-
nhas da industria do nosso mando po-
litico devem dirigir -se a hum centro \%
e que deste ponto fixo depende todo
o equilíbrio da Europa j pois o centro
1
X 143 ) ]
«wãÕ he outra cousa senão a abundância
das tpusas necessárias d vida , de
que nasce a tranquilíidacle geral.
Paliemos agora circunstancia-
damente do motivo por que Portu-
gal se acha sem riquezas , e aclare-
mos , se he possível, o principio
•da sua ruina. Além das causas ge-
raes por que este reino devia ern-
pobrecer-se necessariamente, havia
outras que lhe era^ particulares,
Suppondo huma naçaõ composta de
dous milhões de habitantes, que
naõ tem manufacturas próprias, pó-
de-se calcular que gastará annual-
mente vinte milhões de cruzados a
razão de i o cruzados cada indivi-
duo, Tium por outro, que por for-
ça haô de passar a mãos de outras
potencias. Naõ obstante qsíq cal-
culo, sabemos que Portugal (que
cabalmente se acha no caso) gas-
tava mais de quarenta milhões de
cruzados só neste ramo. E que
naõ sabia fazer com muito , o que
outras nações fazem €.qo) "pouca.
A causa de taõ grande difrerençâ
he a que vou explicar.
Os Inglezcs empregavaô mais
de cem navios grandes somente
para o commercio de Lisboa , e do
Porto, que fazem hum capital de
quasi dezeseis milhões de cruza-
dos , cujo juro pagava Portugal á
Inglaterra a razaõ de trinta por
cento por anno ; porque hum ca-
pital de navios, que se gasta con-
tinuamente, e que he forçoso re-
novar cada vinte annos, naõ pode
deixar de levar estejuro, cuja som-
rna sobe a quatro milhões oitocen-
tos mil cruzados a cargo de Por-
tugal. A marinha Inglezaoccupa-
va para este commercio mais de
vinte mil marinheiros, cuja subsis-
tência deve Sohir por forçado fun-
do com que a Grã-Bretanha com-
mercea em Portugal ; o que pela
parte mais diminuta faz hum ren-
dimento de dous milhões e quatro-
centos mil cruzados.
O frete das fazendas, aba-
tido o juro dos navios, e o sa-
lário dos marinheiros , se pode
regular em quatro milhões ; e a
commissaõ da venda em hum mi-
lhão e duzentos mil cruzados. Es-
ta partida naó admira aos que fo-
rem instruídos do modo como os
Inglezes fczem este commercio ;
pois he constante, que osPortu-
guezes nada recebem em direitu-
ra de Inglaterra , e que vem a~
quelles até á mesma tisboa ti/ar-
lhes das mãos a commissaõ.
Todas ^estas sommas juntas
formão hum total de doze milhões
-e quatrocentos mil cruzados que
paga Portugal á Inglaterra todos
-os annos y o que augmenta de hum
trinta e cinco p>of cento o preço
das cousas que necessariamente se
gastaõ em Portugal. Isto bem en-
tendido sem contar o que im por-
tão as expedições das mercadorias^
porque aqui naõ se trata senaõ das
sommas que os Portugirezes podiao
forrar indo por si mesmos buscar
G
!
í
X 146 )
á fonte as cousas que necessitas-
sem. Defeito de economia , sobre
o qual está fundado o maior lucro
que os Inglezes tiraõ de Portu-
gal.
Até aqui naõ vimos senaõ os
damnos que padece Portugal pela
má forma do seu commercio ;mas
o fundo delle he ainda muito peior.
As nações mais incultas da Ásia ,
os povos mais estúpidos , n'huma.
p^avra , os mesmos Iroquezes tem .
melhor systema de commercio que
os Portuguezes : os Turcos em
troca de muitas das suas primei-
ras matérias , e de algumas das
suas manufacturas vem quasi a e-
quilibrar a sua entrada com a sua
sabida , e o mesmo vem a suece-
der com os Chinezes, e Japone-
zes. Mas entre a Inglaterra, e Por-
tugal toda a perda está da parte
delta nação. As lás que os Ingle-
zes compraÕ neste reino v©ltaó pa-
ra elle depois de fabricadas com
hum lucro para a Inglaterra de qua-
( 147 )
trocentos por cento sobre o sen
primeiro valor. Isto he, que cada
parte desta mercadoria que tiver
occasionado a entrada de hum mi-
lhão no reino , depois de fabri-
cada , e vendida em Portugal ^
faz que saião delle cinco milhões*
Naõ obstante ser tamanha es-
ta perda , ainda he maior a que
occasionao as sedas, porque este
reino compra de maõs, estrangeiras
a primeira matéria fabricada , e
assim saõ immensas as sommas que
os Inglezes sacaõ do que intro-
duzem deste género no Brasil-, e
em Portugal. Tampouco saõ me-
nores as que tiraõ das estofas de
pelio, como cameloter, durantes
&c. O algodão fabricado ihes dá
também infinito proveito 5 pois he
constante , que quatro onqas des-
ta matéria , cujo primeiro valor
intrínseco he de menos de 8o réis,
depois de trabalhada em tela fina
se pode vender por mais de qua-
tro patacas.
, V^ . X
^ .«Hi
i
i
3
< 148 )
Naõ me parece ser necessá-
rio advertir, que todas estas mer-
cadorias fabricadas naõ deixaõ tan-
to beneficio aos mercadores parti-
culares que as vendem em Portu-
gal , como ao geral da naçaõ on-
de se fabricaõ. Os grandes ga-
nhos para hum governo já cstaõ
feitos desde logo que a matéria
ioi fabricada. O fabrico sérvio pa-
ra occupar huma infinidade de vas-
sallos, e empregar muitas mãos;
.0 que conttibue a dar huma no-
va circulação ás riquezas do paiz,
a aperfeiçoar a agricultura , e por
conseguinte a augmentar a povoa-
ção.
O ramo de quincalharia , e
o seu commeixio em Portugal, he
outra fonte de riquezas para a In-
glaterra. Rum arrátel de ferro fa-
bricado se vende aos Portuguezes
por cincoenta vezes mais do que
vale no seu primeiro custo , e a
relojoaria só de Inglaterra he bas-
tante para empobrecer a Portugal,
.f 149-5 ; .
Hum mostrador de relógio r erat1
que haja cousa de . dois vinténs
de matéria r se vende muitas ve-
zes em Lisboa por mais de dez-
eseis mil réis : isto quer dizer 7
que hum capital de quatrocentos
mil réis em Inglaterra , ou no com-
mercio de relojoaria destinado pa-
ra Portugal, dá aos í nglezes de ga-
nho' cousa de quatrocentos mil
cruzados.
Em fim , até o papel em que
se escrevem •%$ leis deste reino ,
serve da instrumento para empo-
brecello. Oslnglezes, osHollan-
dezes, e os Genovezes estiveraô-
na posse de vendello aos Porto*
guezes trezentos por cento mais
caro do que o seu primeiro va-
lor,
O luxo de que já temos fat-
iado , he outro dos mananciaes;
mais copiosos para os Inglezes,
que andaõ buscando pelas outras-
Rações os meios de estimular a
vaidade dos Portuguezes : : de sor*-
i
ta
S
i
ti
J
Ur
ri
, ( iyo )
te que cada moda estrangeira he
hum novo imposto sobre as rique-
zas do estado; e o capricho y a
velleidade , e a inconstância dos
povos he huma nova mercadoria
para a Grã-Bretanha.
A desordem do commercio
de Portugal influc também no seu
governo politico; e assim vê-se,
que a Inglaterra dá o vestuário
para a tropa : de modo , que se
arruina o estado por aquella par-
te que o deve defender; e ainda
naô pára aqui o abandono, por-
que até as mesmas munições de
guerra as subministrnõ os Ingle-
zes , e he hum artigo dos mais
vantajosos para o seu commercio.
Naõ quizeraõ cahir na con-
ta os Portuguezes de que as som-
mas immensas,de que se despojao
para estas provisões , saõ as pri-
meiras brechas por onde foi ata-
cado o. seu governo politico : po-
dendo-se demonstrar o mesmo do
abastecimento da marinha j pois
( 1*1 > .
os mastros, velais , enxárcias, pez,
alcatrão , e demais aprestos, en-
riquecendo taÕ- consideravelmente
a Inglaterra ,. vaó continuamente
destruindo Portugal.
Parece incrível o deleixo que
temos referido; mas ainda he maior
o do commercio económico. Bas-
tava este só para anniquilar Por-
tugal. O commercio de grãos pôz
nas mãos dos ínglezes a chave
deste reino : o trabalho do lavra-
dor Inglez se converte em rique-
zas physicas, e reaes; e cada co-
lheita vale á Inglaterra huma mi-
na de ouro.
Mas para que nos canqamos
em individuar estas matérias, quan-
do huma só palavra he bastante
para dar huma: idea da desordem
geral da monarquia Portugueza ?
Tome-se huma nota dos géneros
que introduzem os ínglezes em
Portuga! , e ver-sc-ha que tfhuma
somnia de quarenta milhões de
cruzados , apenas ha dous de gri-
í
i
i
meiras matérias: todo o restante
he o producto da industria.
A difFcrença do juro legal do
dinheiro entre Inglaterra, e Por-
tugal he outro dos desconcertos-
que padece o seu commercio. ris-
te grave darrmo tem a sua raiz na
falta de confiança^ que tem fempre
huma naçaõ, que naõ entende bem
os seus interesses. Por exemplo :
o dinheiro naõ vale em Inglaterra
senaõ.a dous e meio por cento de
juro , e em Portugal vale a dez.
Vista esta desigualdade conhece-
se que naõ saõ precisas nenhumas
mercadorias para despojar este es-
tado das suas riquezas ; pois so-
mente o credito de vinte particu-
lares Inglezes o podem conseguir.
Supponha-sehumasomma de cinco
milhões tomados de empréstimo
em Londres, e girados depois so-
bre Lisboa; estes deverão causar
huma extracção taõ exorbitante ,
que o capital da divida será pa-
go pelos juros, cada dez annos ,.
ficando a divida sempre em p&,
Este methodo he excellente
para dobrar o preço das mercadorias^
e huma arte para multiplicar ao in-
finito os proveitos que os Jngle-
zes tiraõ de Portugal ; porque
quanto menos recebe huma n&çaé
a fiado da outra, tanto menos ca-
ra compra a industria delia. O pra-
zp naó he outra cousa senaõfeum
arbítrio seductivo de commcrcio ^
pois ainda que o juro naõ se es-
tipule em certos contratos de cre-
dito j sempre vai embebido no pre^
ço da mercadoria.
O que mais aniquilou a ino-
narquia portugueza foi o estabe*
"cimento de tantos Ingleses na sua
capital. Lisboa está juncada dei-
-les ^ assim como das suas merca-
dorias. Quando hum Inglez que-
bra em Londres 5 embarca -se pa-
ra Portugal a £mde refazer-se daâ
suas perdas ; e quando hum Ir-
landez pela sua miséria naô sabe
<qae fazer na sua pátria > em ve&
fi
kP
n.x
{ k/4 )
âc k a Londres fazer serviços
para que alli o enforquem , to-
ma o caminho de Lisboa para pro-
var melhor fortuna.
He certo que todos os go-
vernos da Europa fazem o que po-
dem para attrahir a si os estran-
geiros. Esta he huma máxima ex-
ceilente ; porque os estrangeiros
multiplicando o numero dos habi-
tantes, contribuem-a aperfeiçoar a
industria , e "augmentaô o consu-
mo dos géneros. Mas para isto he
preciso que haja industria que a-
perfeiçoar, e géneros que consu-
mir; e huma e outra cousa falta
em Portugal. Nunca se discorreo
nesta monarquia., que sendo a sua
situação inteiramente distincta da
dos outros Reinos da Europa , de-
via governar-sc por máximas intei-
ramente distinctas.
Antes do terremoto se conta-
vaõ quinze mil estrangeiros em
Portugal. Isto hc huma bagatclla,
pois naô ha cidade capitalna Eu-
topa que naõ tenha muitos mar&
Naõ obstante este curto numero
causava grande damao a este rei-
no j porque como nelle naõ hou-
vesse com que alimentar-, nem
vestir os seus próprios habitantes^
c em o a s ua ag ri cu 1 tu r a 5 as s u as ai>
tes , e manufacturas naõ podiaõ es-
tar em mais deplorável estado y era
preciso receber d'outras nações as
cousas necessárias : deste modo os
quinze mil estrangeiros que sub-
sisti ao no estado , lhe eraõ pesa-
dos em vez de lhe serem úteis ;
porque faltando nelle com que ves-
tir-se, e alimentar-se, era forço*-
so que o estado cem as -suas ri-
quezas contribui se ao seu susten-
to , do mesmo medo que ao das
seus -habitantes náturaes.
O que allucinou o governo
Po r tu gu e z nes te p o n t o v h e a per-
suasaõ em que está de que os es-
trangeiros tiraõ a sua subsistência
da sua própria industria ; mas naõ
cepãra que o valor desta subsis-
i
icncia sáíiio já do estaco; e que
9. sua industria naó faz mais que
restituir ao governo o mesmo que
-este lhes tinha antidpado. He cer-
to que os estrangeiros correspon-
dem., e cumprem como estado em
tudo aquillo que tomaõ delle..; mas
deixaô em descoberto o estado
£omsigo mesmo, pois o produeto
do que temaó d'outras nações , he
para ellas, enaõ p<ara aquella on-
-de immediatamente se consome,
-O mesmo luxo destes estrangei-
tos he também gravoso a Portu-
gal , porque a primeira compra das
-matérias que o fomentaõ se fez com
o ouro desta potencia.
O damno que a Inglaterra fez
6 Portugal fazendo-lhe abandonar
a sua industria , e a sua agricul-
tura, ainda he maior do que nos
podemos figurar ; pois he regra
geral , que' quando hum estado
destroe n'outro estado as artes me-
cânicas, com o mesmo golpe an-
niquila as liberaes ; o que trans-
í 157 )
4orna sempre qualquer systerma da
^politica. A prova se vê neste rei-
no , pois desde que a Inglaterra
formou o. projecto de destruir a
>$ua agricultura , o entendimento
dos seus naturaes se reduzio á es-
terilidade , como o seu terreno^
e por mais que a Europa se te-
^nha illustrado com tantos desco-
brimentos, a ignorância desta na-
ção foi sempre em augmento, ao
4tiesmo tempo que o systema In-
glez foi cobrando novas forças 5
,e em quanto a nova luz das scíen-
cias se vai espalhando sobre a ter-
ça , Portugal só permanece nas
trevas da sua primeira ignorância.
O Norte, aquelle paiz opaco
onde tudo he matéria, fez gran-
des progressos. -nas- sciericias^ eo
influxo destas alcançou todas as
nações do mundo, mçnos Portu-
gal , onde naó pôde penetrar ; e
assim se pode dizer com verdade,
que elle he o paiz inculto dos po-
&os cultos da Europa,*
^
J
Esta ignorância naó he effei-
to certamente do seu clima, pois
Talvez he o mais a propósito da
Europa para produzir grandes en-
genhos ; como com efTeito os pro-
duzia nos tempos de JoaÕ II., e
do Rei Duarte, tanto que forao
a admiração do universo.
Assentemos pois , em que as
sciencias entraó no piano de hum
bom systema politico; e assim ve-
ja-se como por tdlas cultivado
com tanto esmero a França-, e a
Inglaterra , adiantarão tanto nas
artes liberaes, e adquirirão tanta
distincçaó entre as outras nações
da Europa.
Na6 he fácil conceber como
a monarquia Portugueza pôde ca-
hir no abatimento em que se a-
cha , naõ tendo padecido nenhu-
ma daquellas grandes revoluções
que transtornaó os estados ; mas
cessa a causa da admiração, se se
considera que he impossível , que
dei.xe de decahir huma naçaõ igno-
rante.
O império das sciencias an-
da sempre acompanhado do impé-
rio da terra. Nas quatro famosas
revoluções do mundo, que saõ o
século de Alexandre , o de Au-
gusto , o dos Médicis, e o de
Luiz XIV. , em que as- artes , e
as sciencias renascerão do nada?
em todas as quatro mudou a ter-
ra de semblante; o que prova que
as revoluções das sciencias andao
sempre unidas com as da politi-
ca ; de sorte , que seria mui fácil
provar que as nações que mais cul-
tivarão as sciencias, e as artes?
saõ as que sempre se avantajarão
ás outras. As sciencias pois saõ,
sem que o pareça , as que tacita-
mente dirigem os princípios da
politica. Supponha-se, ainda mais,
huma naçaõ inteiramente ignoran-
te da geometria, e será impossí-
vel achar nellà a menor ord^nv no
seu governo politico, e civil; e
pelo contrario, vemos que em todos
os estados, onde houve grandes filo-
s
i
3
l
sòfos , floreccraõ ao mesmo tempo
políticos insignes.
He cousa digna de notar-se,
■que quasi todos os famosos filó-
sofos, poetas, sábios oradores,
pintores, arquitectos, litteratos,
advogados, engenheiros, generaes,
políticos &c. foraõ contemporâ-
neos em França no reinado de Luiz
XIV. Parecia que aquelle Prínci-
pe tinha semeado huma nova se-
mente de engenho , e talento uni-
versal na nação, que produzia ho-
iricns grandes ^m todas as mata-
rias.
Nos reinados precedentes ti-
nha estado a França n'huma escu-
ridão, e trevas continuas; mas na-
quelle tudo foi Juz , e claridade,
e nunca se tinha conhecido Trin-
ei pe mais hábil na arte de fazer
cousas grandes.
Por certo que nao pôde deixar
de causar admiração o considerar,
que este monarca nao somente en-
riquecia os vassallos próprios, que
C 161 )
mostravaó talento , mas também
procurava saber quaes eraõ os qae
sobresahiao entre os vassallosdos
outros Soberanos da Europa, para*
recompensallos com o louvável fim
de dissipar a ignorância, que se
tinhs derramado no universo , imi-
tando o grande Hercules, que em-
prendeo elle só aHmpar a terra
de monstros. He cousa sabida ,
que Colbert , por ordem do Rei*
seu amo, ao enviar-lhes regalos,
lhes escrevia , que visto que o Rei
naõ era seu Soberano, lhes pedia.*
que levassem a bem fosse seu bem-
feitor.
As sciencias necessitaó abso-
lutamente de recompensas , e naa
se conhecem muitos meios , que se-
jaó mais a propósito para promo-
ver o gosto dos homens para as
b-eílas artes, fora do de satisfazer
a sua cobiça , porque he tal a es-
tructura do coração humano , que
os vicios mais vis sa6 os que mui-
tas vezes servem de alicerce á&
grandes virtudes*
s
i
J
Todas as partes que compu-
nhaô o governo politico , e civil
de Portugal , tinhaô experimenta-
do os effeitos desta ignorância ge-
ra!, e cada raraodelle estava co-
mo impedido, e paral\*tico. Este
defeito de administração tinha des-
truído ainda até a esperança de ter
grandes reformadores ; porque co-
mo se pôde presumir, que possaõ
nunca formar-se homens de estado
nlwm. Reino , do qual estejaõ co-
mo desterradas as sciencias y e on-
de naô se viaja para adquirillas?-
Os governos políticos se vaõ
aperfeiçoando, ao mesmo tempo
que as sciencias de especulação
c.ommunicaõ novas --luzes aos en-
genhos y e ao mesmo tempo que
se enviaõ sujeitos para viajar, e
ver as outras coites.
No systema geral da Euro-
pa , que tem a sua origem na das
bel las artes , ha huma progressão
contínua; de sorte, que se hum
estado naõ procura manter-se por
oé3>, ... ;
esta parte rfhum grão igual ao^
outros, ficará sempre atrazado. Ha-
via muito que se esperava em Por-
tugal hum Colbert ; mas pergun-
to, poderia produzir aquella mo-
narquia hum talento semelhante?
Decida-se esta questão.
Avinda dos grandes ministros
se vai preparando muito de ante-
mão ? e nao he cousa que se effei-
tue de repente , pois ás suas lu-
zes devem ter precedido outras lu-
zes , q«e lhes sirvaS de guia., e he
precisa huma preparação locaL
Na.6. foi Colbert que intentou o
magnifico sistema , que deo tanto
poder ao Reino dà -França; e^ de-
ve-se-lhe somente a execução do
que Henrique IV. tinha deixado-
delineado. Se aquelle ministro" naó
tivesse achada aberto o caminho,
talvez nunca teria descoberto meio
para effeituar taó grandes cousas,
visto que rara vez o mesmo esta-
dista que inventa, chega a pôr em
execução.
5
I
J
( 1*4 )
Como em Portugal na 6 se*
tivesse cuidado de que floreces-
sem as sciencias , naó se tinha
tampouco disposto cousa alguma
para ô systema politico, nem de-
lineado plano algum de governo;
nem se quer alguns esboços que
fossem a propósito. E ainda que
tivesse nascido hum Cblbert em
Portugal, nunca teria havido hum;
Henrique IV. que o tivesse pre-
cedido &c.
Finalmente, dos mesmos Por-
tuguezes depende abrir hoje em
dia. os olhos á vista do seu peri-
go > e até as próprias desgraças
podem offerecer-lhes meios para
sahirem do seu deleixamento po-
litico. Que mQmento taõ decisivo
para aquella nação ! Antes deste
acontecimento, qualquer reforma
que tivesse intentado a sua poli-
tica se teria fundado em falso ;
porque quando os princípios dlium
governo chegarão a corrompcr-se ;
quando a constituição delle se foL
( i6y.)
amoldando, e formando segundo
os abusos ; quando as preoccupações
antigas concorrerão para crear no-
vas faculdades productivas; quan-
do li um excessivo luxo se apode-
rou da naçaô ; quando máximas
depravadas occupáraõ o lugar que
devêraõ oceupar as boas ; quando
o povo perdeo a vereda dos seus
antigos costumes; enraõ , digo >
todas as leis , por sábias , por
prudentes , e acertadas que sejaõ,
saó inefficazes , e de nenhuma uti-
lidade. O único remédio he , que
a Providencia suprema arroje, di-
gamo-lo assim , hum raio que des-
trua tudo.
Portugal se acha hoje em dia ,
como hum povo, que acaba de nas-
cer; pois a desdita geral igualou:
as fortunas dos particulares. O ter-
remoto afroxou o luxo , princi-
piando pelos seus próprios alicer-
ces. Huma calamidade publica une
commummente os corações, e os
unimos entre si. Que cousas nau
( i66)
pôde fazer em semelhante caso
hum reformador ? O leitor pode
infetillo melhor , do que eu ex-
piicailo.
Mas aquella monarquia , em
vez de aproveitar-se de tantos, e
taõ grandes recursos, como as suas
desgraças lhe subministráraõ suc-
cessivamente para sacudir o jugo
vergonhoso que a oppritne , se foi
pelo contrario sujeitando mais , e
mais a elle , e apertando mais a
cadeia que lhe prende a sua liberda-
de. E costumada a Inglaterra des-
de muito tempo a converter em
beneficio próprio as maiores des-
graças alheias , medita já concluir
o edifício do seu poder sobre as
cinzas daquelle infeliz reino , a-
proveitando-se para isso da mes-
ma cegueira, com que a naçaõ Por-
tugueza se entrega ao ambicioso
arbítrio da Ingleza.
( i«7 )
KELAÇAÕ HISTÓRICA
do Terremoto de Lisboa.
xNaõ houve no mundo monarquia
mais exposta ? que a 'de -Portugal,
a grandes revoluções, pois se se
abre a historia politica daquelle
reino, encontraõ-se a cada passo
successos extraordinários ; e se se
passa á sua historia natural ? no
ta-se que naõ houve nação algu-
ma na Europa , que tenha pade-
cido mais raros fenómenos.
Vio-se Lisboa varias vezes
destruída por causas sobrenaturaes.
Do interior da terra sàhíraõ fogos
soterraneos , que a abrazáraõ quasi
inteiramente ; espantosos furacões
derribarão os edifícios , e trans-
tornarão inteiramente aquella ca-
pital: no século decimo-quinto
hum terremoto arruinou huma gran-
de parte dos edifícios daquelle po-
vo.
< i68 )
Dificilmente se poderá deter-
minar a razaõ das causas por que
estes fenómenos saó mais frequen-
tes em Portugal do que n'outras par-
tes, a naó serque se queira dizer que
procede de que em Portugal ha
huma só estação , sentindo-se mais
calor do que frio. Naó pode a ter-
ra estar exposta a enfermidades co-
mo o corpo humano ? Naõ neces-
sita da alternativa do frio, e do
calor ? Acaso huma estação sem-
pre igual naõ pode ir preparando
de hum a c.tro século as causas
destas revoluções physicas ?
Como quer que seja , já ha-
via mais de dous séculos que Lis-
boa naõ experimentava nenhum
destes fenómenos, quando no dia
primeiro de Novembro de 175-5
tornou aquella cidade a ligar a in-
terrompida serie das suas primei-
ras desgraças (1).
( 1) Quanto a diíer-se que nos dous sé-
culos antes do presente , naõ houve ter*
( i69)
Peias 9 horas e 20 minutos
da manha sentio-se hum espanto-
so estremecimento , que derribou
a maior parte das Igrejas y e mui^
tos edifícios , palácios , e casas
particulares. Acompanhou este tre*»
mor de terra hum ruido tremendo,
que parecia sáhir do centro da ter-
ra , ainda que procedia s<5mente
da queda dos edifícios $ e hura
instaure depois principiou a cida-
de a arder toda envchammas.
Ainda que eín varias rei aqdeU
se , publicou que tinhao sido in-
cendiários òs que tinhao lançado
o fogo, carece de probabilidade*
Por mais viciosos qu-e sejaõ os ho^
remotos em Portugal engana-se o autbòr^
pois neste houve htim no anno de 1724,1
e no anno de 1700 houve outro: no sé-
culo anterior a 27 de Outubro de 1 699 ,
houve hum , e no aóno de i óoo houve
outro : e no século precedente houve hu<n
a 27 de JúJho de 1598 , outro a 7 de
janeiro de 1575 , outro a 28 de Janeiro
de 1551 , e outro a 7 do ifleswro mez nè
anno de 1531,
H
i
í
C 170 )
mens, por mais cobiça que tenhaõ
de adquirir riquezas pelos cami-
nhos mais breves, sempre subsis-
tem aquelles primeiros instantes
de susto, que naõ dependem dos
mesmos homens , e nos quacs a
avareza, e a ambição emmudecem
á vista de huma morte próxima*
E he cousa evidente, que jamais
houve instante mais critico, pois
o primeiro vaivém do terremoto
foi tamanho, que se receou hum
transtorno gerai.
O certo he , que o incêndio
se originou ao cahirem as ca-
ías , que como cada huma delias ti-
vesse lume, o communicáraõás ma-
térias combustíveis. BuSta reflec-
tir sobre a natureza do elemento
do fogo , para persuadi r-se que
teria sido hum fenómeno dnda
ruaior que o do terremoto , se
tendo desabado de hum golpe tan-
tos milhares de casas, naõ tives-
se o fogo pegado em alguma parte.
Ainda que o movimento foi
c m x
inteiramente universal \ sem êtíi-
bari*o ? fez-se muito mais sensível
nalguns bairros do que neutros.
Para a parte do Tejo colheo em
certo modo o terremoto a cidade
ao soslaio 5 mas a ^ua maior vio^
lencsa foi desde a Moeda até á
paragem onde está a forca 9 e foi-
se minorando em duas aks , que
corriaõ hum a até '«Belém , e a ou-
tro até ao Beato António. :De$âe ®
espaço , que media-entre a casada
raoeda , ea forca 5 subio até ao
castello -que está situado na maior
altura de Lisboa ye por conseguin-
te a maior parte da antiga cidade
-dos Mouros*
■■Emmerâ-çàfi ios 'mortos \
K
1 aô he possível determinar o nu-
mero das pessoas que morrerão em
Lisboa neste terremoto ; sendo a
razaó principal disso ? que aqioelh
cidade mó tinha enumeração ce¥-
í-a da sua .povoação j outro dos
ti i
i
i
i
rnuitos defeitos da administração
cio governo, e o que até o armo
de 1748 se dizia acerca da povoa-
ção de Lisboa, se fundava unica-
mente no erro do povo, pois se
assegurava commummeme, que na-
quella capital havia quinhentas mil
almas.
Mas houve hum Inglez , que
apostou huma grande quantia de
dinheiro, que naõ chegavaõ a Tre-
zentas mil ; e desde logo se créo
que a mesma corte de Londres ti-
nha tido parte na aposta , sendo
a curiosidade deste particular só
hum pretexto politico de estado.
Com effcito importa muito a hum
governo , estreitamente unido com
outro, saber com certeza a sua
povoação , pois este he o mais se-
guro norte pari guiar-se em todos
os projectos poluicos.
Como quer queseja, por meio
desta aposta se logrou fazer humi
enumeração pontual dos moradores
de Lisboa casa por casa , e $c
( 173 ) . . '
averiguou que naõ havia tnais de
duzentas e sessenta mil pessoas
com pouca differença , contando
os estrangeiros.
Mas como o governo naõ fe&
caso desta indagação , nem tam-
pouco se registou formalmeiKs,
para que no vindouro constasse ã;
povoação daquella cidade , foi pa-
ra o estado politico como se naô
se fizesse , sem que houvesse mais
que alguns particulares, que fossem
informados pontualmente do nume-
ro de habitantes de Lisboa , sub-
sistindo assim sempre o erro -po-
pular ; pois quasi todos os recur-
sos que poderiaõ ter ficado ao go-
verno Portuguez eraõ defeituosos
em si, ou por natureza, ou por-
que os inutilizou a mesma desgra-
ça, e transtorno do terremoto.
De sorte, 'que. -este. próprio
fenómeno oceultou para sempre o
verdadeiro cumulo de males que
occasionou, sem que possa jamais
saber-se , nem naquelle reino , neca
,
i
3
( i74 )
em nenhum da Iiuropa o numero
cabal das pessoas que perecerão
bo terremoto. Naõ ha duvida que
cada particular nao ignora quan-
tos parentes lhe faltarão cntad ;
mas repito que o esrado naõ che-
gará nunca a saber em geral os
vassallos que perdeo.
Nao obstante r o ministério
o teria podido conseguir, obri-
gando a cada particular a dar hu-
ma razaô exacta dos mortos, que
lhe pertenciaõ. Mas por outra par-
te a politica se oppõe a esta enu-
meração , porque seria informar
assim ao mesmo tempo as outras
potencias do quão despovoado ti-
nha ficado Portugal j sendo-o já
tanto dantes.
Varias relações , que pouco
depois se enviarão de Lisboa, es-
critas as mais delias por ministros
estrangeiros , assegurava^ que o
numero dos mortos era de cem
mil; mas conhece-se que o terror
fpattko dictou semelhantes relações.
( m3 , .
naó sendo estranho que hum in-
dividuo que acaba de sah.ir de pe-
riao raô grande, dê tudo por perdi-
do e escreva no mesmo conceito.
Com somente reflectir que a
extensão daquella cidade he sum-
mamente dilatada, e que todaei-
la está cheia de jardins, e se pa-
da por ai ws montanhas , se infe-
re quão estranha catástrofe teria
sido que tivesse perecido a terça
parte dos seus moradores 9 para o
que seria necessário que a terra,
tragasse .toda aquella capital. _ A
maior mortandade foi nas igrejas,
pois fundindo-seas abobadas ^se-
pultarão a maior parte dos con-
correntes. Por fortuna na 6 > era ain-
da a hora precisa , em que se cos-
tumaõ dizer as missas cantadas em
Lisboa, em. cujas Parochias mô
principiao senão is dez horas ,
pois o primeiro vaivém do tremor
ée terra principiou ás nove e vin-
te minutos pouco mais , ou me~
aos, A esta circunstancia se deve
i
( *7« )
o ficarem em Lisboa trinta mil pes-
soas mais com vida.
Outra circunstancia foi cau-
sa de mó perecer gente da nobre-
za ; e nem também mu ira da se-
gunda classe. Está geralmente es-
tabelecido em Portugal o uso de
que as pessoas de alguma distinc-
çaõ tenhaõ em sua casa Oratório
para dizer missa ; e a gente da
visinhança, que carece desta com^
modidade acode áquellas casas em
que a ha, pois os donos naõ re-
cusaõ a entrada a ninguém: rara
vez principiaõ estas missas antes
das. onze , de sorte que ás nove
cada hum está ainda em sua casa.
Outra circunstancia salvou a
muitos indivíduos; e consiste em
que naquelle reino, comotaó tem-
perado , está a gente no campo
até o mez de Novembro, sem vir
á cidade para ouvir missa nos dias
de festa, porque tem também Ca-
pellas nas casas de campo.
Finalmente, segundo as re-
■{■177} . '
laçoes que parecem mais etâcm f
e feitas por sujeitos sem interesse
pessoal em augmentàr ^ ou dimi-
nuir a perda , suppôe-se que o
numero dos mortos foi de vintes
cinco a trinta mil indivíduos : e
até se comprehendcrá que he o
mais a que se poderá estender , se
se.calcular a perda dos Portugue-
ses pela dos estrangeires. Geral-
mente se Sabe que todosv os mi-
nistros, á excepção do de Hespa-
nhã, èaínraô livres do perigo- ^
o de França , que naô perdeo fiem
se quer hum criado, teve tempo,
para tirar todos os seus trastes.
Quiçá naõ houve desde o
principio do mundo desgraça ,dt~
gamo-lo assim , mais feliz. No
bairro âo Remvteres 9 que he o que
mais padeceo, e cujo transtorno
foi mais geral , só perecerão três,
ou quatro estrangeiros , e assim
dos demais bairros. Advertio-se en-
tão qu^ o mais forte da desgra-
ça o experimentou a gente com-
j
"( m )
-irarm-do povo; salváraó-se todas
as. pessoas réaea, e a maior parte
da- nobreza ? e apegas houve in-
dividuo algum de caracter, que
naõ tivesse a fortuna de mó ver-
se envolto naqueila catástrofe las-
timosa ; mas se o numero de pes-
soas que pereceo naquella occa-
siao foi menor do, que provavel-
mente se devera temer , o das
casas., e edifícios arruinados foi
maior do que se podia pensar .j
pois em toda a cidacle foi geral,
e quasi igual no vaivém ; e ainda
que o damno for maior em alguns
bairros do qut noutros , sem em-
bargo he constante que o estraço
foi universal quanto aos edifícios.
De modo, que de quasi vinte mil
casas que compunhaõ esta capi-
tal , apenas ficáraó tres mil que se
podessem habitar com segurança*
pois ainda que muitas .naõ tenhaõ
sido inteiramente destruídas, co-
mo os seus alicerces se resentiraõ
tanto , ao menor impulso poderão
vir ao chaõ.
• ( '179 ) : *
:hto supposto- , . pôde- se' fàfc~e*
hum juizo prudente da perda na-
cional relativa aos edifícios , deste
trmdo. Pelo palácio real. Pátrias
cal , alfandega ^sete-casas^e thea-
iro real, dez milhões de cruzados.
Esta perda embora poderá cha-
mar-se quimérica, naõ tornando. il
restabelecer os edifícios ; mas pe-
lo contrario acabará de arruinara
nação , porque os principaes ma-
tefiaes ^kveráó vir de p a izes es-
trangeiros
Quanto á raina das casas dos
particulares , He indefinivel a grife
to fixo ? mas considerando que fa-
raó humas 4oze mil as arruina-
das, póde-se regular a sua perda
em pouco mais de quatorze mi-
lhões de patacas , avaliada tum*
por outra em duzentas moedas; mas:
o real, ou o quimérico desta perda
depenlerá do modo de reedificai la §3»
como já temos dito.
-Tampouco he fa^H regular a
valor dos trásies que se queima-
1
ÍS
VMTBm
■t.
tta : o certo lie , que depois do
reinado de Pedro II , e dodesco-
hrktícrkp das minas de ouro, se
tinha introduzido em Portugal
hum grande luxo de trastes ; d?
sorre que cada palácio era hum
tíiesouro particular, tanto em pin-
turas, e tapeçarias, como em ou-
tros effeitos preciosos ; e assim
póde-se prudentemente discorrer
quão immensa terá sido esta per-
da.
A do dinheiro de contado
naõ pode ser das maiores , pela
pobreza em que se achava este
Reino; comprehendido o do erá-
rio real , e o dos particulares na-
cionaes , e do Brasil ( que alli
chamaó commummente Mineiros" )
poderá ser ern tudo de dez mi-
lhões de cruzados.
Acrescente-se a esta partida
a de jóias, pedrarias, e prata la-
vrada , tanto da coroa, como de
particulares, de igrejas , e com-
munidades , e achar-se-ha huina
X iSr)
sonrma que excede toda imagina-
ção; pois além de ser a corte de
dsboa a mais rica da Europa em
pedras preciosas, e terem pereci-
do todas, á e&cepçaõ dasque tra-
ziaô naquella hora as pessoas reaes
sobrç si ; as duas ruas , onde mora-.
vaõ os mais ricos ourives de pra-
ta, e de ouro^ foraõ as* que mais
soffrêraó no tremor , e no incên-
dio.
A perda que nesta desgra-
ça sofFrêraó as naçâes estrangei-
ras he mais fácil de regular ; por*
que como cada bumsabia qual era
o seu cabedal antes deste aconte-
cimento,, naó he preciso mais que
juntar as partidas particulares para
saber a sõmma geral. Esta pois che-
ga, conforme hum calculo segu^
ro que se me mostrou , e sem
exageração alguma,, a quarenta e
eito milhões de patacas , tanto em
dinheiro, como em mercadorias^
repartidas deste modo :
j
i
í
i
I
A Inglaterra, Irlanda ., e
Escossia. . • •■ 3a
Hamburgo. ......... 8
Itália. 5
Hollanda. ......*.. i
Suécia c 5
AUeroaiiha . . . oj
França. . i
O damno que disto se se-
guio a tantas nações , o resarciráo
facdmente com a sua industria «,
cornmercio , e actividade; mas os
infelizes Portuguezes, que estaõ
privados de tudo isto , naõ hr>ó
de achar ta5 fácil o remédio ao
seu tua!. Naô obstante podiao ain-
da convalecer de perdas taõ MH
•roensas , se para isto soubessem ap-
plicar os meios convenientes.
Estes saõ fáceis, e se redu-
zem a dous únicos pontos y que
saõ empregar com vigor a indus-
tria dos seus habitantes , e naõ ad-
mittir os saccorros dolosos , e in-
teresseiros das nações estrangeiras.
( *g3 ) r .,
:'& Portugal recorre aos liigtezes
para restabelecera sua capital; se
contra o seu próprio interesse fe-
cha os ouvidos á voz da razão ,
tudo vai perdido ? e em vez de
resarcir-se das suas calamidades ^
se engolfa mais nellas para sempre.
Os Inglezes saberáó entaõ recorra
pensar-se com usura das suas per-
das á custa dos Portúguezes.
Trabalhem estes para que o
ouro do Brasil oao passe á Ingla-
terra , e para que sirva somente
para remédio de seus males y- e en-
tão conhecerão que naõ sao incu-
ráveis ; e que só com a melhor ad-
ministração dos seus thesouroSí po-
derá restabelecer-se a sua monar-
quia no antigo estado de poder , em
que algum tempo se vio.
O zelo , e a compaixão me
sugerirão ^stas reflexões a tavor
desta monarquia infeliz. As razoes
em que se fundão, creio que per-
suadirão a todas as nações euro-
peas; á excepção da Ingleza 5 e
i
ra
í
( 1*4 )
da Portugueza : a<juella pelo setr
interesse, e esta pelas suas preoc-
cupações, e pelo seu erradomodo
de^ pensar em matérias de poli-
tica.
F I M.
1
( 2*5 )
ÍNDICE.
Advertência doEO-
tor HespanhoL ■--.--
PREFACIO. - - - - -
DISCURSO POLITICO.
Das utilidades que Portugal
poder ?a tirar dai suas des-
graças. - - - - ■ - -
§. I. As cousas physicamente
necessárias faltavao a Por-
tugal, ------
§ II. O commercio anmquilado
em Portugal. - - - ' -
§ III. Da nenhuma industria
de Portugal - - - -
§ IV. Mdo systema de politi-
ca em. Portugal. -
§ V. Que a origem das rique-
zas de Portugal era.md , e
viciada. - - - - - -
§ VI. Que a fazenda reul de
Portugal estava inteiramente
arruinada.
§ Vil. Refieocoes sabre o in?
21
n
17
3°
I
I
- - 42
:xmm
{ i«6 )
fluxo que tinhao as miras de
ouro do Brasil m systema ge-
ral da Europa. - - - - 46
§ VIII. Que o oura he huma
mercadoria como as outras. 77
§ IX. Que sendo Portugal es-
téril por natureza, nao po-
de bastar para a subsistência
dos seus habitantes. - - .- 80
§ X. Que todos os estudos de-
vem sortir Portugal do que
necessita. - - ■ - - - 83
§ XI. Que Portugal nao tem
necessidade de exercito de ter-
ra j nem de esquadras de
mar ; e que toda a Europa
estd interessada em mantello
na situação em que ?e acha. 88
§ XII. Que o ouro que se ti-
ra das minas da Âmerka ,
conduzido d Europa , e leva-
do depois ao Oriente pelo ca-
nal do cêmmercio da Índia 5 se
consome como as outras mer-
cadorias, ------94.
§ XIII. Que por mais que se
"M-Ti
104.
I-©f
( 187 )
diga y os Portugueses sao
mais ricos hoje em dia , do
que antes do descobrimento,
das minas do Brasil - - l'Oi
§ XIV. Que Portugal pode com
o seu ouro ter as mercado-
rias fabricadas por melhor
preço 9 que aquelle por que
elle as^f aderia fabricar, -
§ XV. Que o clima se oppoe
ao estabelecimento de manu-
facturas: em Portugal. - %
§ XV í. Que he grande vanta-
gem o dar a Inglaterra meios
a Portugal para extrabkr o
ouro da Brasil, :e que sem :
este recurso estariaõ em peior
estado os negócios da Europa. 1&9
§ XVII. Que desde a allianca
dos Portugueses com a In-
glaterra, se estaheleceo em
Portugal -hum grande luxo
que lhe he necessário. - - 114
§ XVIII. Que Portugal naS
pode deixar de necessitar dos
outros estados da Europa y e
t
&$
TH
i
i
í
(188)
especialmente de Inglaterra, 121
§ XIX. Que o trato dos es-
trangeiros fez mais sociáveis
os Portuguezes , e os igua-
lou com as nações cultas. - 124
§ XX. Que a disposição das
cousas requer que estejao 0-
ciosas nações inteiras , em
quanto outras trabalhai), por-
que assim o resolveo a Pro- K
vidência Divina. - - - - 130
RELAÇÃO histórica do ter-
remoto de Lisboa do anno de
1755* ------ 167
Enumeração dos mortos. - - 171
LIVROS Imprejfbs por Francisco RollAnp,
Imprcssor-Livreiro em Lisboa , a& Largo êo
Loreto.
A,
tias moderno, com 24 Mappas. (
Aventuras de Telemaco , em. 8.
-Amigo do Príncipe , e da Pátria , ou o bom
Cidadão, em 8. Í779.
Adeiiá de Senange , ou Cartas do Lord
Sydenham , traduzidas em Vulgar , em S.
Adágios , e Provérbios , da Língua -Portug.
em 8.
Arte Poética de Horácio , trad. e illust.
por Cândido Lusitano > em 8.
.Bom Lavrador , e Boa Lavradora, em 8. 3 V.
Belizario de Marmontei , em 8.
Gollecçaó de Peças importantes , &c. em 8.
1806.
Choupana índia, em 12. 1806.
Costumes dos Israelitas, e. dos Christãos,
em 8, 3 Vol.
Collecçaó de Historias , Anecdotas , em S.
. 3 vo!. 1799»- ; * *
Coiiecçaõ de Decretos , e Edifaes , &c.
em 4. 1808.
Calendrier de Lisbonne pour 1'an de 1808,
em 12, ;' -
Diccionario da Língua Poitugueza , em 4,
Desgraças da Inconstância 3 em 12. 2 Vol.
1807.
Diálogos dos mortos , em 8.
Diccionario abreviado da Bíblia , em $•
Desvarios da razaó , &c. em 8. 3 Vol.
Eneida ds Virgilio, por João Franco Barreto ,
em 8. 2 Vol. 1808.
Escolha de Anecdotas , antigas , c moder-
nas , em 8. 1 806.
Emma , ou a Filha do Desgosto, em 12
2 Voi. 1807.
Emília , e Affonso , noveila, em 8.
Evangelho em triunfo , em 3. 8 Vol.
Escolha das imitares Novel las , e Contos
moraes , em 8. 7 Vol.
Elogios dos Reis de Portugal , em 8.
Escola fundamental de ler , escrever, e con^
tar em 1 2. 1807.
Elementos da Civilidade , em 8.
Fabulas de Esopo , em â. -
Filosofa por Amor , ou Cartas de dous A-
inaiues apaixonados , em 12. 2 Vol. 1806.
Historia Romana, em 8. 4 vol. 1806.
Historia de Bonaparte , em 8. 4 v"l.
Historia Geral de Portugal por M. La Clede,
em S. 16 Vol.
Historia de Portugal por Damião António,
em 8. 20 Vol.
Historia Universal de MiMot, em 8. gr. 9 Vol.
Historia Ecclesiastica de Ducreux , em 8. gr.
1 1 vol.
Historia de Theodosio o Grande , em 8.
Historia da Virtuosa Portugueza , em 8.
Historia da virtuosa , e infeliz Clara Har-
iowe , por Richardson , em 8. 6 Vol.
Historia galante do Joven Siciliano , em 8.
Historia de Carlos XII., Rei de Suécia,
em 8. 2. Vol. 1807.
Historia de Mafoma , em 3. 1808.
Irma , ou as Desgraças de numa joven Orfa #
Historia indiana, em 8. 4 Vol. iík>4«
í-içdes da Natureza, em 12. iSoj.
Livro dos Meninos , traduzido ào Francês, 8»
Laura de Anfrifo , em 8.
Ajulher feliz , dependente èo mundo , e da
fortuna , em S. 3 Vol. 1807.
Mil e íiuma Noites , Contos AraMcos
duzidos em vulgar , em 12. 8 Vol.
Mil e hum quarto d'hora, Historias da Tar-
taria , em 12. $ Vol. 1806.
MedícinaDomesticadeBuchan, em 8.10V.
Misce lia nea curiosa, e proveitosa, em 8. 7 Vol.
Noites Romanas no Sepulehro dos Scipiões,
l em 8. 2 Vol. 1808.
Noites dToung , Tradúcçaô" de Vicente Car-
los d'01iveira , em 8. 2 Voi.
Noites Clementinas , em 8.
Naufrágio de Sepúlveda, Poema de Jeronym©
Corte-Real , em 8.
Noticia da Mythologia , ou Historia do pa-
ganismo , em 8.
Numa Pompilio,por Mr.Florian, em 12, 2 V.
Origem , e Orthograíia da Língua Portugue-
za , em S.
Oíiicio da Semana Santa , em 12.
Obras escolhidas de Garaccioli , em 8. 9 Vol.
Obras de Sá de Miranda » em 8. 2 Vol.
Obras Poéticas de Valadares , em 8. 2 vol.
Panegyricos , e Discursos Evangélicos , 4. vol.
Paulo, e Virginia , em 12. 1806.
D. Quixote, traduzido em Portuguez, em 8.
6 Vol.
. 2 vol. 1 806*.
Rimas de Manoel Mathias, em
Reflexões sobre a vaidade dos Homens, em S.
Secretario Portuguez , aug-mèntado com
dois Supplemuntos 8. grande. 1801
i
I
í!
Sciencia dos Costumes , ou Filosofia morai»
em 8. 1788.
Syntaxe Latina , explicada segundo o moder-
no systema filosof. 8.
Tratado completo de Anatomia , por Mr.
Sabatier. Em 8. 6 vol.
Tratado das doenças Cirúrgicas, em S. $ vol.
Tratado das Aguas das Cal dais. 8.
Tratado das Obrigações da Vida Çhristã ,
em 8. 2 vol.
Thesouro de Pregadores por Fr. António de
Pádua e Bellas , em 8. 2 vol.
Theatro Estrangeiro , em 8. 6 Num.
Viajante Universal , ou Noticia do Mundo
antigo , e moderno , em 8. 45 Vol.
Viagens de Antenor pela Grécia, e Ásia,
em 8. 6 Vol.
Vida privada , e publica de Luiz XVI. Rei
de França , em 8. 2 Vol.
Vade mecttra do Medico , ou Breve Resu-
mo de Medicina Pratica , em 8.
Vida de D.Joac5 de Castro, por Jacintho Frei-
de de Andrada : com estampas , 1786.
Victor, ou o Menino da Selva, em 12.
2 Vol. 1807.
Verdadeiros Interesses da Pátria , em 3.
(
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