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Full text of "Revista do Instituto Historico e Geographico Brazileiro"

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ÂT  A-iv«<a 


f^aciíarti  (iTollege  l,iiirarn 


n.  í^c^to-n 


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REVISTA 

DO 


E 


BRAZILEIRO 

Fundado  no  Bio  de  Janeiro  em  1838 


TOMO  LXIX 


I^AnXK    .1 


Hoo  facit»  ut  longos  durent  bena  rmU  par  annos 
Bk  poninfc  sarft  posteritate  frui 


RIO   DE    JANEIRO 

1908 


REVISTA 


DO 


nrSTITUTO  inSTOEICO  e  geografhico 


REVISTA 


DO 


IinniTO  HISTOBIGO  E  mMFBIGO 


BRAZILEIRO 


Fundado  no  Hio  de  Janeiro  em  1838 


TOMO  LXIX 


PAnXB    I 


Hoc  facit,  ut  longoi  dareat  bana  gesta  per  annos 
Bi  poasint  aarft  posteritata  frui 


RIO  DE  JANEIRO 

1908 


491 


-^- 


-SAVatví^a 


i: 


wim*  iUN  .'.    i»t3 


A  um  m  DA  MISERmili  OO  RH)  DE  JAIEilíO 

SB.  joil  wíMu  rÀiimA 


No  trabalho  A  Santa  Casa  da  MiseHcoráia  Huminense^  Félix 
Ferreira  dá  esse  estabelocimento  como  fundado  cm  1545. 

No  artigo  ^o  se  segao,  loavando-se  em  docameutos  existentes 
'no  aVchivo  da^mesni^iinstituicãò'^  erudito  Br. 'José  Vieira  Fazenda 
contraria  â  opinião  daquelle '  adioir  e  prova  que  o  promotor  da  fun- 
dação deial  estabelecimento  foi  o  jesuíta  José  do  Anchieta. 

Corrige  ainda  o  Dr.  Vieira  Fazenda  o  engano  quanto  á  pa- 
droeira da  Misericórdia,  demonstrando  que  a  Senhora  do  Bom  Sue- 
cesso  não  exerceu  cjssfi  funcção  ató  1639. 

Encontra-se  iúais  no  mosmo'  artigo  uma  succinta  descripção  do 
tempU  e  do  Hospital  Velho. 

(Xota  da  Commissão  de  lUdacqão), 


li  Santa  Casa  da  Misericórdia  do  Rio  de  Janeiro 


FUNDAÇÃO 


Commemora,  mais  ama  tok,  a  benemérita  Irmandade  da 
Misericórdia  a  tradicional  ítota  da  Visita^. 

Vem,  pois,  de  molde  recordar  os  primórdios  e  antiguidades 
deste  santo  e  humanitário  instituto  a  quem  a  pobreza  enferma, 
os  orphãose  engeitados  devem  tantos  e  tão  importantes  serTiços. 

Qnem  transpõe  o  limiar  do  grandioso  hospital  da  praia  de 
Santa  Luzia,  divisa  logo,  á  direita  do  vestibulo,  duas  estatuas 
colossaes,  mandadas  fazer  pelo  grande  provedor  Josô  Clemente 
Pereira  :  a  primeira,  de  Arei  Miguel  de  Contreiras,  instituidor 
da  Misericórdia  de  Lisboa,  e  a  segunda,  do  padre  jesuíta  Josô  de 
Anchieta,  fundador  do  primitivo  hospital  da  Santa  Casa  do  Rio 
de  Janeiro. 

Dois  escriptores,  entretanto,  que  se  occuparam  desse  assum- 
pto, pretenderam,  em  vEo,  arrancar  de  Josó  de  Anchieta  a  gloria 
de  ter,  por  sua  iniciativa,  lançado  os  fundamentos  daqaillo  que 
todos  hoje  vêm  e  admiram,  gloria  authenticada  pelos  teste- 
munhos dos  coevos,  dos  chronistas  e  incontestável,  em  face  dos 
argumentos  quo  apresentarei. 

Na  yida  do  Venerável  Padre  Jasé  de  Anchieta^  refore  o 
padre  Simão  de  Vasconcellos  o  seguinte  :  «  Por  esto  tempo  e 
principio  do  anno  de  158S,  aportou  á  Cidade  do  Rio  de  Janeiro  a 
armada  de  Diogo  Flores  Baldez,  que  constava  de  dezeseis  velas. 
Foi  esta  armada  aaquella  Cidade  oausa  de  grande  temor,  mas  a 
José  causa  de  novas  maravilhas.  Appareoeu  de  repente,  nAo. es- 
perada, defronte  da  barra,  uma  légua  ao  mar,  lançando  abi  fetro. 


8  REVISTA  DO  INSTITUTO  lilSTORICO 

P«rtarbar!un-ie  os  moradores ;  não  tinham  noUotas  que  de 
Portogalou  d*outra  parte  hourease.  naqueUes  mares,  numeh)  de 
Telaa  tSo  ezceasíTo  ao  poder  da  terra. 

«Julgaram  que  eram  iaimigaa  e  cuidara  cada  qual  doa 
cidadSo»  de  oomp  haria  de  pôr  em  cobro  suas  ooisas  :  tudo  era 
eooftuSo  è  Mpaoto.  A'  iVilMo  áot  demais  «oa)o«»TaQi  também 
08  padres  do  Collegio  a  pôr  em  salvo  as  coisas  sagradas  da 
Bgr^ía.  Porém  José,  com  o  seu  alto  espirito,  fez  sooegar  a  todos  ' 
adisse  ;  ninguém  se  pertube,  aquella armada  n&o  6  inimiga  e 
olhando  do  alto  de  uma  janella,  donde  se  descobria,  aocrescentou : 
antes,  aquellas  náos  vos  tmum  um  homem,  grande  offloial  de 
carpinteiro,  que  ha  de  entrar  em  nossa  Companhia  e  nella  ha  de 
fluer  grandes  serviços  &  ReiigiSo  e  grande  aogmento  nas  vir" 
tades. 

«Aodicto  do  Joíô.  doou  em  sooogo  a  Cidade,  todos  espe. 
íaTMB  ooeasiSo  o  souberam  que  era  armada  castelhana,  de  três 
Biu&eepaohoes,  «omque  el-rel  Dom  Philíppe  11  mandava  asse ' 
f«»r  o  estreito  d«  MagalhSes  e  vinha  por  general  delia  Diogo 
noras  Baldes,  homem  de  grandes  parteí.  Poi  reeeblda  com 
«g^l  atogílft  ú.  grande  pertobaolo  passada  e  veie  lan«ar  ferro 
no  porto  ordinário  cora  paz  e  amigável  eonfraternldade. 

«  Aqui  se  Tio  o  grande  espirito  de  caridade  de  José.  Trazia 
«*a  annada  nuOloM  át^tta*  «  ntce*»itado*  da  demora  «  eontratUis 
d*  longa  viagam,  deu  trata  eomque  $e  lh$t  oeHgnatassê  eua  dê 
àospital,  ,«*  aUenUonao  havia  naquella  cidade,  a  esta  fez  trazer 
os  do«ites  e  d»$Un»m  os  Religiosos  para  servit-os  e  assistir  ás 
•oasouras  com  olrurglio,  medico  e  toJo  o  necessário  com  grande 
a«pe»  do  CoUeglo  j  e  para  oí  sSos  pobres  e  necessitados  man- 
dara dar  todos  os  dias.  na  portaria,  ama  arroba  de  carne  ou 
9Mn.  «om  toda  a  ferinha  nMesaarta  par-x  qaantos  viwsem  e 
andava  o  mesmo  padra  volante  pelas  casas  dos  que  necessitavam 
e  nso  podiam  vir  á  portaria  e  lhes  tirava  esmolas  particulares. 
ooosiUndocom  as  suas  palavras  a  todos  e;n  terra  estranha. » 

Bsi  sea  Samluario  Uai-immo,  refere  também  ft»i  Ages- 
tinho  de  tanta  Maria:  «  Pelos  aanos  de  1588  se  entende  («w 
prhMpw»  Om»  d»  lOnrUordim  do  Rio  do  Janeiro  OM  poucos 
aMosantesj  porque  neste  anno  chegou  iquelle  porto  uma  ar- 
BUdade  Castella,  que  e<«stava  de  dasesels  nAus  que  iam  três 


A  SANTA.CASA   DA  MISERICÓRDIA  9 

mil  hespaalioes  mandados  por  Phllippe  II  de  Hespanha  e  I  de 
Portagal  assegurar  o  estreito  de  Magalhães,  de  que  era  general 
Diogo  Flores  Baldez.  Com  os  temporaes  padeceu  esta  armada 
muitOf  porque  lhe  adoe3eu  muita  gente  e  assim  chegou  ao  Rio 
de  Janeiro  bem  necessitados  de  remédio  e  de  agasalho. 

€  Achava^se  naqueila  cidaule  o  venerável  padre  Josó  de  An- 
chieta visitando  o  GoUegío,  que  alli  tem  a  Companhia  fundado, 
no  anno  do  1567.  Como  o  venerável  padre  José  de  Anchieta 
era  Varão  Santo  levado  da  Caridade,  tomou  muito  por  sua 
conta  a  cura  e  o  remédio  de  todos  aquelies  enfermos,  dando 
traça  como  se  lhes  assignasse  unta  casa  em  que  pudessem  ser 
curados  todos  e  assistidos ;  para  o  que  destinou  alguos  Reli- 
giosos e  assistindo  tambcm  ello  aos  mais  com  as  medicinas, 
medico  e  cirurgião. 

€Çom  esta  occasião  teve  principio  o  Hospital  da  Cidade  de  S,  Se» 
bastião  do  Rio  de  Janeiro^  entendendo  muitos  que  ontSLo  tivera  prin- 
cipio a  Santa  Casa  da  Misericórdia  que  hoje  ô  nobilíssima.  Nesse 
tempo  como  dizem  os  Irmãos  daquella  Santa  Casa  novamente 
erecta  tomaram  por  sua  conta  acudir  também  ao  hospital,  o  que 
fizeram  com  grande  caridade  e  o  foram  aagmentando  no  mate- 
rial oom  tanta  grandeza  e  tâo  perfeitas  enfermarias,  como  hoje 
se  vôm,  aondo  se  curam  os  enformes  de  um  e  outro  sexo  com 
eximia  caridade.» 

Quanto  á  armada  de  Diogo  Piores,  refere  frei  Vicente  do 
Salvador:  «Foi  este  nomeado  pelo  Rei  General  delia,  para  piloto 
mór  Antâò  Paulo  Corso  e  Pedro  Sarmento  g>vernador  dos  fortes 
e  povoações.  Sahio  a  referida  armada  do  S.  Lucas  em  2o  de  se- 
tembro de  1581,  com  tfto  mio  tempo  que  depois  de  três  dias  ar* 
ribou  com  tormenta  ú,  bahia  de  Cadiz  oom  perda  do  três  navios, 
havendo  se  afogado  a  maior  parte  da  gente  e  tão  destroçada 
que  para  repararem  se  deteve  mais  de  40  dias*  Tornou  a  sahir 
com  deeesete  navios  e  chegou  ao  Rio  de  Janeiro  onde  invernou 
seis  mezes;  «  porque  ainda  que  chegou  a  25  de  março,  que  em 
Hespanha  é  a  primavera,  em  estes  portqs  é  o  principio  do  hin- 
verno,  em  que  se  não  se  pôde  navegar  para  o  Estreito. . .  e  pa* 
recendo  que  já  era  tempo  para  navegar  sahiram  da  barra  do  Rio 
a  2  de  otttabro  com  dezaseis  navios,  deixando  um  por 
inutil.> 


10  REVISTA    DO   INSTITUTO   HISTÓRICO 

Tomando  a  derrota  do  Estreito,  chegou  a  armada  ao  Rio  da 
Prata,  onde  se  levantou  um  temporal.  A  esquadra  esteve  22 
dias,  mar  em  travos,  sem  poder  pôr  um  palmo  de  vela.  Em  2  de 
dezembro  Diogo  Flores,  amainado  o  vento,  voltou  buscando 
porto  para  reparar  avarias.  Foi  a  Santa  Gatharina  e  alli  a  cabo 
de  22  dias  deixa  três  naus  com  ordem  de  voltarem  ao  Rio  do  Ja- 
neiro e  deu  outras  três  a  Equinon,  que  ia  por  governador  do 
Chile  para  levar  a  sua  gente  pelo  rio  da  Prata  ao  porto  de 
Buenos  Aires.  Em  6  de  janeiro  de  1583  tornou  a  Yoltar  do  Es- 
treito. Lék  foi  de  novo  a  armada  assaltada  por  terrível  borrasca. 

Pondo  de  parte  minúcias,  Diogo  Flores  retrocedeu  desani- 
mado, chegou  a  S.  Vicente  e  passou  ao  Rio  de  Janeiro  onde  en- 
controu D.  Diogo  do  Azega  que,  por  mandado  do  rei,  vinha  soo- 
correr  o  mesmo  Baidez,  etc.  Desta  segunda  vez,  ó  de  crer,  re- 
cebeu ainda  o  general  de  Anchieta  e  dos  Irmãos  da  Misericórdia 
todos  08  bons  officios  de  caridade. 

Que  o  general  hespanhol  se  mostrou  sempre  grato  a  An« 
chieta  prova  o  seguinte  facto,  narrado  por  seu  biographo,  o 
padre  Pedro  Rodrigues.  Ello  Baidez,  tratou  muito  famili- 
armente com  o  padre  José,  que  entoo  era  Provincial^  e  o  ia 
buscar  muitas  vezes  em  pessoa  ao  collegio  e  alcançou  muito  de 
sua  virtude.  Mandou  o  padre  José  ao  padre  João  Baptista  fosse 
pedirão  general  D.  Diogo  Flores  desse  liberdade  a  um  inglez 
que  ahi  prendera.  Não  tomou  bem  a  petição  e  mostrou-se 
bem  agastado  e  ezcusou-se  de  o  fazer.  O  padre  so  desculpou,  di- 
zendo que  seu  superior  o  padre  José  mandava  falar  na- 
quelle  negocio .  Ouvindo  o  goneral  falar  no  padre  Josó,  manso 
G  mudado  acudio  dizondo:  «  Solto-se  logo  e  fuça-so  assim  como  o 
padre  José  manda  ;  porque  nunca  Dp.us  queira  que  eu  deixe  do 
fazer  o  que  elle  mo  man*lar ;  poi^que  a  primeira'  vez  que  o  vi 
nunca  coisa  mas  abjecta  c  desprosivel  so  me  representou,  porém 
depois  olhando  bom  para  elle  nunca  em  pressnça  de  alguma  ma- 
gestade  me  senti  muis  apoucado  do  que  dcanto   delio.» 

Em  1577,  foi  Anchieta  eleito  Provincial,  cargo  que  occupou 
até  1588,  em  que  o  substituiu  o  padre  Marçal  Belliarte.  Segundo 
Simão  do  Vasconcellos,  em  1578,  o  Provincial  visitou  a  Capitania 
de  Pernambuco  (visita  a  respeito  da  qual  faltam  relações).  Nesse 
mesmo  anno,  partiu  para  o  Rio   de  Janeiro  e  daqui  para 


A   SANTA  CASA   DA  MISERICÓRDIA  U 

S.  Vicente,  onde  estava  a  4  de  agosto.  Em  82  e  83,  estava  no 
Rio  de  Janeiro,  onde,  graças  ao  prestigio  do  seu  cargo  e  suas 
essenciaes  virtudes,  poade  instituir  o  velho  Hospital  -da  Miseri- 
córdia. Em  5  das  kalendas  de  janeiro  de  84,  já  se  achava  na 
Bahia,  conforme  prova  a  carta,  esoripta  em  latim  no  volume 
19<»  dos  Annaes  da  Bibliotheca  Nacional  do  Rio  de  Janeiro, 
pag.  64. 

Daí  Narrativa  jET/H^/o/ar  do  padre  Fernão  Cardim  se  concluo 
que  Anchieta,  na  qualidade  ainda  de  Provincial,  acompanhou 
na  vista  da  província  o  padre  visitador  Christovâo  de  Gouvôa, 
nomeado  pelo  padre  geral  Cláudio  de  Aquaviva. 

Em  20  de  dezembro  de  1584  chegou  ao  Rio  de  Janeiro. 
Aqui  passou  o  Natal,  e,  em  uma  das  oitavas  deste,  assiste  à 
festa  em  honra  do  padroeiro  da  cidade,  o  martyr  S.  Sebastião, 
e  ao  auto  celebrado  d  porta  da  Misericórdia,  onde  se  armou  um 
iheatro  com  uma  tolda  de  uma  vela . 

AUI,  o  padre  Cardim,  por  ser  a  egreja  dosjesuitas  pequena, 
fez  sermão  sobre  os  milagres  do  santo  acima  e  as  mercês  que  o 
martyr  de  Narbona  havia  feito  á  sua  cidade. 

Nesse  tempo,  poude  o  venerando  jesuíta  vôr  que  a  semente 
lançada  em  terra  havia  se  transformado  em  frondosa  arvore,  a 
cuja  sombra  já  se  acolhiam  muitos  iafellzes.  Foi  sob  a  im« 
pressão  de  tio  agradáveis  resultados,  tendo  a  Misericórdia  um 
hospital  e  egreja  própria,  que  na  primeira  Informação  aqui  es- 
cripta,  segundo  Gapistrano  de  Abreu,  em  31  de  dezembro  1584, 
o  santo  varão  escreveu:  c  Em  todas  as  capitanias  ha  casas  do 
Misericórdia,  que  servena  de  hospitaes,  edificadas  e sustentadas 
pelos  moradores  da  terra,  com  muita  devoção,  em  que  se  dão 
muitas  esmolas,  assim  em  vida  como  em  morte,  o  se  casam 
muitas  orphãs,  curam  os  enfermos  do  toda  a  sorte  e  fazem 
outras  obras  pias,  conformo  o  seu  instituto  o  a  possibilidade  do 
cada  u.7ia  e  anda  o  regimento  delias  nas  principaes   da  terra.» 

Em  vista  do  exposto,  como  recusar  ao  venerável  padre  José 
de  Anchieta  o  papel  de  fundador  do  Hospital  da  Misericórdia  ? 
Como  pretender  recuar  a  época  da  instituição  da  Confraria  ao 
anno  de  1545  ? 

Contra  tal  anachronismo,  provarei,  protesta  a  verdade  da 
historia. 


12  REVISTA   DO  INSTITUTO   HISTÓRICO 

Em  minha  humilde  opinião,  foi  ainda  Anehieta  quem  obteve 
de  seu  amigo,  o  primeiro  prelado  eoolesiagtioo,  o  padre 
Bartholomen  Simões  Pereira,  a  proviaio  de  1  de  julho  de  1691, 
pela  qual  a  Irmandade  da  Miserioordia  flcoa  isenta  da  Jurii* 
dleção  parochial. 


Em  princípios  do  século  XYII,  a  administração  da  Miseri- 
oordia dirigiu  á  metrópole  o  seguinte  requerimento:  «Dizem 
o  Provedor  e  Irmãos  da  Santa  Casa  da  MiseriooiHiia  da  cidade 
de  8.  Sebastião,  partes  do  Brazil,  quo  ha  sê$senta  annos  que 
tem  feito  ea$a  com  o  seu  hospital  para  enfermos,  sacristia,  par- 
latorio  o  é  uma  das  boas  da  Costa  e  a  algumas  faz  vantagem 
notável  com  sempre  ter  sua  irmandade  guardado  o  compro* 
misso,  fazendo  muitas  esmolas,  casando  orphãs  e  dando  ordi- 
nárias, todos  os  sabbados  conforma  a  possibilidado  da  terra. 
B,  porquanto,  ató  agora  não  tem  pro^sões  para  ser  Misericórdia 
pede  a  Vossa  Magestade  lho  mande  passar  provitão  para  que 
aquella  casa  possa  gozar  de  todos  os  privilégios  o  graças, 
honras  e  liberdades  que  tem  e  gozão  as  Casas  desta  cidade 
de  Lisboa  e  a  da  vília  de  Setúbal  e  as  mais  do  Reino.» 

Philippe  III  de  Hespanha  e  II  de  Portugal  deu  ao  reque- 
rimento o  seguinte  despacho:  <  £u  El^Rei  faço  saber  aos  que  este 
Alvará  virem  que  havendo  respeito  ao  que  na  petição  atrás 
escripta  dizem  o  Provedor  e  Irmãos  da  Santa  Miserioordia  da 
cidade  do  Rio  de  Janeiro,  partes  do  Firazil  e  vistas  as  oausas 
que  allegam,  Hei  por  bem  e  Me  praz  que  elles  possam  gozar 
e  usar  do  todos  as  provisões  e  privilégios  concedidos  á  Casa 
da  Misericórdia  desta  cidade  de  Lisboa  e  isto  naquellas  coisas 
em  que  se  lhes  poderem  applicar  e  ás  justiças  a  que  este  Al- 
vará fôr  mostrado  e  o  conhecimento  pertencer  o  cumpram 
como  nelio  se  contém,  o  qual  Hei  por  bem  que  valha  como  oarta 
sem  embargo  da  Ordenação  do  segundo  livro  titulo  quarenta 
em  contrario.  João  Feo  o  fez  em  Lisboa  oito  de  outubro  de  mil 
seiscentos  e  cinco  e  Duarte  Corrêa  o  fez  escrever.» 

Estes  dois  documentos,  aliás  de  incontestável  authentieidade, 
pois  que,    no   segundo   delles,   está   armada   a   asaignatura 


A  8ANTA  CASA  DA  MISERICÓRDIA  13 

âulograplifb  do  ReJ«  iôtit  servido  para  06  pretender  sustentar 
(|U6  a  nossa  Misericórdia  data  do  anno  de  1545.  Já  monsenhor 
Piaarro  e  Duarte  Nanes  protestavam,  oomo  adeante  se  verá, 
quanto  i  veracidade  dos  seuenta  annos^  contraria  aos  factos 
h  sietioos. 

No  dia  8  de  julho  do  1880,  appareceu  no  Jornal  do  Com- 
merciú  erudito  e  curioso  artigo,  depois  reduzido  a  opúsculo  e 
firmado  por  F.  S.  Soube-se  depois  que  o  seu  autor  era  o 
emérito  b  dedicado  ohefe  da  secretaria  da  Misericórdia,  Fran- 
cisco Augusto  de  S&,  ctgo  nome  jamais  será  esquecido  por  todos 
qaantoe  trataram  com  tão  distincto  cavalheiro  e  exemplar  f  unc- 
etonario. 

Compulsando  os  livros  do  Arohivo  da  benemérita  instituído 
e  lendo  no  chamado  livro  dos  Privilegias  os  documentos  acima 
copiados,  aventou  com  toda  a  convicção  o  conceito  de  que  José 
de  Anchieta  nao  íôra  o  fundador  do  primitivo  hospital.  Rssa 
oplttlfto  foi,  com  maior  desenvolvimento,  seguida  também  de 
perto  pelo  operoso  autor  (Feiix  Ferreira)  da  Noticia  Histó- 
rica— A  Santa  Casa  da  Misericórdia  Huminense-^Fundada  no 
Século  X  7  —  {i894  —  1898) . 

As  raeões  de  um  e  outro  desses  dois  escriptores  não  podem 
satisfazer  a  quem  conhecer  um  pouco  a  historia  da  descoberta 
do  Rio  de  Janeiro  e  fundação  desta  cidade.  Por  ora,  aualy- 
sarei  o  que  escreveu  Francisco  de  Sá,  cuja  argumentação  não 
pôde  resistir  aos  mais  simples  commentarios.  Tomando  o  texto 
do  JSawÀuario  Mariano  : 

€  Fiea  este  (Hospital)  situado  dos  muros  a  dentro  daquella  ct- 
dade  e  junto  á  Casa  da  Misericórdia^  diz  o  referido  escriptor  de 
1880  :  <De  firme  propósito  para  esclarecer  o  ponto  duvidoso 
sobre  a  data  da  fundação  da  Santa  Casa  da  Misericórdia  do  Rio 
Janeiro  copiamos  textualmente  o  ultimo  periodo  da  nota  extra- 
hidado  Sanotuario  Mariano,  que  diz  fica  este  (o  hospital  creado 
pelo  Venerável  Anchieta)  situado  dos  muros  a  dentro  daquella 
cidade  e  junto  á  Casa  da  Misericórdia.  Do  que  citamos,  se  de- 
prebende  que,  quando  o  Padre  Anchieta  croou  o  seu  hospital, 
Já  a  Santa  Casa  existia.» 

Frei  Agostinho  de  Santa  Maria,  autor  do  Sancluario,  —  es- 
creveu o  seu  volume  X,  de  conformidade  com  a  relação  que  daqui 


14  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

lhe  foi  enviada  pelo  fi*aiici8cano  Frei  Miguel  de  S.  Francisco  e 
quando  ella  asseverava  que  o  hospital  estava  situado  junto  da 
Santa  Casa^  dizia  uma  verdade.  Frei  Agostinho  escreveu  aquelle 
volume  em  1713  e,  nesse  tempo,  com  toda  a  certeza,  o  hospital 
estava  Junto  da  Egrc^a,  em  cujo  adro,  como  se  refere  Fern&o 
Gardim,  em  1585,  se  representou  o  auto  de  S.  Sebastifto. 

Quando,  pois.  Santa  Maria  se  refere  á  sltuaçSo  do  hospital, 
trata  da  actualidade  (1713)  e,  por  não  algum,  pretendeu  sus-, 
tentar  que,  quando  o  venerável  Jesuíta  oreou  o  seu  hospital,  J& 
o  da  Santa  Casa  existia.  A  Egreja,  como  mais  tarde  provarei, 
foi  edificada  pelo  mesmo  tempo  mais  ou  menos  que  o  hospital. 

«  Nao  procedem  também,  continua  F.  de  Sá,  as  razões  apre- 
sentadas pelos  citados  historiadores,  de  quo  a  capitania  de  São 
Vicente,  povoada  pelos  portuguezes  muito  antes  que  a  do  Rio 
de  Janeiro,  só  principiou  a  ter  Casa  da  Misericórdia  no  anno  de 
1643  e  que  era  impossível  se  fundasse  outra  no  Rio  de  Janeiro 
antes  de  se  estabelecer  e  povoar  a  cidade  ;  porquanto  o  padre 
Nóbrega  dirigindo-se  ao  cardeal  D.  Henrique,  por  carta  de  1  do 
julho  de  1564,  disse  :  «  Esta  Capitania  (de  S.Vicente)  se  tem  por 
a  melhor  coisa  do  Brazil,  depois  do  Rio  do  Janeiro.» 

Em  primeiro  logar,  o  autor  da  missiva  não  se  refere  a  São 
Vicente  mas  positivamente  ao  Espirito  Santo,  capitania  de 
Vasco  Fernandes  Coutinho,  e  trata  de  condições  topographicas 
inferiores  ás  do  Rio.  Demais,  nessa  mesma  carta  se  encontra  o 
período  seguinte,  que  bem  serve  para  provar  não  haver,  por  esse 
tempo,  Ducleo  algum  de  população  na  nossa  bahia,  aliás  conhe* 
cidae  desde  os  primeiros  tempos  visitada  por  vários  viajantes, 
por  Martim  Affonso,  Thomé  de  Souza,  etc. 

Eis  o  trecho  :  €  Parece  muito  necessário  povoar^se  o  Rio  de 
Janeiro  e  fazer-se  nelle  outra  cidade  como  a  da  BalUa,  porque 
com  ella  ficará  tudo  guardado,  assim  esta  capitania  de  S.  Vi- 
cente (de  onde  foi  escripta  a  carta)  como  a  do  Espirito  Santo, 
que  agora  estão  bem  fracas,  e  os  Franceses  lançados  de  todo  Í5ra 
e  os  índios  se  poderem  melhor  sujeitar  e  para  isso  ó  mandar 
fnais  moradores  que  soldados, > 

Apoia-se  também  o  articulista  na  carta  escripta  na  Bahia, 
por  Anchieta,  em  9  de  Julho  de  1565,  cujas  primeiras  palavras 
são :  €  De  S.  Vicente  so  escreveu  largamente  o  que  aconteceu  á 


A  SANTA  CASA  DA  MISERICÓRDIA  15 

Armada  desta  Cidade  do  Salrador  que  foi  povoar  o  Rio  de  Ja- 
neiro  este  anno  passado  de  1564.  >  Exactamente,  porém,  nesta 
longa  misslTa  dirigida  ao  Dr.  Diogo  Mii^o,  corroborada  em  ra* 
rios  pontos  peia  do  paire  Quiricio  Qaaxa,  enviado  ao  mesmo 
Dr«  Mirfto  ( 13  de  julho  de  65),  não  se  encontra  ama  palavra 
que  nEo  seja  a  da  necessidade  do  povoamento  do  Rio  de  Janeirof 
até  então  entregue  ao  commercio  dos  Franceses. 

Quando  Thomó  de  Souza  resolveu  ( 1552 )  visitar  as  Gapi« 
tanias  do  Sul,  dizia,  escrevendo  ao  Rei  com  relaçSo  ao  Rio  de 
Janeiro,  por  elle  Tliomé  visitado: 

€  Parece-me  que  Vossa  Alteza  deve  mandar  /nzer  aUi  uma 
povoação  honrada  e  boa ;  porque  jék  nesta  costa  não  ha  rio  em 
que  entrem  Francezes  senão  neste.  E  tiram  delle  muita  pimenta 
e  M  sabedor  que  um  anno  tiraram  cincoenta  pipas ;  e  tirarão 
quantas  quiserem,  porque  os  mattos  a  dão  da  qualidade  destas 
de  cà,  de  que  Vossa  Alteza  deve  ter  informação.  £  escusar-se-hia 
com  esta  povoação  armada  nesta  costa .  E  não  ponha  Vossa  Alteza 
isso  em  traspasso. 

«...E  so  eu  não  fiz  fortaleza  esto  anno  no  dito  rio,  como 
Vossa  Alteza  me  escrevia,  foi  porque  o  não  pude  fazer  por  ter 
pouca  gente  o  não  me  parecer  siso  derramar-mo  por  t&ntas 
partes. » 

Quando  em  1560,  derrotados  os  flrancezes  por  Mem  de  Sà, 
opinaram  alguns  chefes  da  expedição  deixar  forte  guarnição  na 
ilha  de  Coligay  conquistada,  para  impedir  a  volta  dos  inimigos, 
hypotheso  que  se  realizou,  preponderou  o  voto  de  não  ser  oon< 
veniente  a  divisão  das  forças.  Nessa  conformidade,  ordenou  Mem 
de  SÀ  fosse  totalmente  arrazado  o  forte  o  recolhidos  aos  navios 
portuguezos  toda  a  artilharia  tomada  e  grande  quantidade  do 
despojos. 

Desta  vez  ainda  não  foi  realizado  o  povoamento  do  Rio  de 
Janeiro,  do  qual  se  apoderaram  de  novo  os  Francezes  até  1507. 

Pela  attenta  leitura  da  obra  de  Hans  Staden  se  conclue:  a 
principio  muitos  navios  portuguezes  traficavam  com  os  indi- 
geoas,  cm  boa  companhia  com  os  navios  francezes  e  a  bordo 
destes  últimos,  apezar  das  penas  severas  em  que  incorriam,  vi- 
nham engajados  marinheiros  portuguezes.  Admitto  por  hy- 
pothese  que  um  ou  outro  ficasse  entro  os  selvagens  ou  vivesse 


16  REVISTA   DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

om  harmonia  com  os  franoezes,  póde-se  admiUir  formassem 
tacs  elementos  dispersos  núcleo  ou  agremiação  que  se  pare- 
cesse com  a  Irmandade  da  Misericórdia  ? 

Logo,  a  asserção  de  existir  aqui  jà  em  1515  a  Santa  Casa, 
carece  de  todo  o  fundamento.  Esse  idéa  tem  tomado  yulto  e  até 
sem  grande  critério  tal  data  tem  sido  reproduzida  em  diversas 
publicaç9es-*entre  outras  o  mui  conhecido  Âlmanack  de  La- 
emmert. 

Demais,  em  nenhum  dos  trabalhos  publicados  de  1880  até 
hoje  se  encontra  o  menor  vestígio  que  patrocino  semelhante 
absurdo  histórico. 

De  tudo,  pois,  se  podo  concluir:  os  sessenta  annos  citados  no 
requerimento  referido  são  ou  um  ft*ucto  de  oxaggeração  ( ante^ 
lapso  de  memoria )  ou  podem  ser  explicados  também  por  ma- 
neii*a  mais  próxima  da  verdade. 

Isto  procurarei  analysar,  quando  tratar  das  opiniões 
de  Félix  Ferreira,  que  no  seu  trabalho,  aliás  de  muito  mereci- 
mento, insiste  pela  certeza  da  data  1545 ! 


Com  a  epigraphe  :  Quando^  como  e  por  quem  foi  fundada  a 
cidade  do  Rio  de  Janeiro^  escreveu,  no  Jornal  do  Commercio  de 
31  de  julho  de  1802,  Félix  Ferreira  extenso  e  curioso  artigo  sobre 
os  primeiros  tempos  de  nossa  historia. 

Segundo  este  escriptor,  só  a  Gonçalo  Ck>elho,  chefe  da  ex- 
pedição enviada  ao  Brazil  por  D.  Manoel,  em  1503,  cabo  a  gloria 
daquillo  que  foi  realizado,  em  1565»  pop  Estacio  do  Sá. 

A  povoação,  no  dizer  do  articulista,  fundada  por  Gonçalo,  na 
Praia,  hoje  da  Saudade,  esteve  sob  as  vistas  do  chefe  da  ex- 
pediçãOy  durante  dois  annos.  Ia  ella  om  via  do  florescimento, 
atô  que  foi  atacada  pelos  selvagens  que  trucidaram  todos  os 
habitantes,  inclusive  dois  frades  Arrabidos. 

Para  tal  fim,  sem  maior  exame  localiza  Félix  Porreira,  no 
Rio  de  Janoiro,  um  faeto  narrado  por  Frei  António  da  Piedado, 
na  Chronica  do  Arrábida  e  repetido  por  JaboaLão  no  sen  Orbe 
Seraphico^ 


A  SANTA  CASA  DA  MISBRIGORDIA  17 


Ora,  ezaotamente  esses  dois  chronistas  mencionam 
aooutecimenio  como  ocoorrido  em  1503,  em  Porto  Seguro. 
Conforme,  porém,  %  opinião  de  Capistrano  de  Abreu,  os  Arra- 
bidos  (Franciscanos)  Yieram  noa  primeiros  tempos  duas  vezes  ao 
Brazil:  uma,  em  1503,  á  Parahyba  do  Norte  e  a  outra,  em  1551, 
a  Porto  Seguro.  Quanto  aos  Religiosos  Franciscanos,  só  che- 
garam ao  Rio  de  Janeiro  em  1592,  quando,  pela  segunda  vez, 
governara  Salvador  (Corrêa  de  Sá,  sobrinho  de  Mem  de  Sá.  A 
ezplicacSo  de  Capistrano  de  Abreu  foi  dada  em  uma  nota  ás 
Informações  e  fragmentos  Históricos  do  Padre  José  Anchieta^  pa« 
blicados  em  1886,  na  Imprensa  Nacional. 

Por  ahi  já  se  deixa  ver  o  modo  superficial  por  que  o  histo- 
riographo,  encarregado  pela  Santa  Casa  de  escrever  a  Memoria 
Histórica,  pretendeu  explicar  os  primórdios  da  antiga  e  piedosa 
institui^.  B  porque,  segundo  informa  Frei  Agostinho  de  Santa 
Maria,  a  egreja  da  Misericórdia  teve  a  principio  a  invocação  de 
Noesa  Senhora  da  Copacabana,  Feliz  Ferreira,  suggestionado 
sempre  pelo  seu  enthusiasmo  para  com  o  chefe  da  expedi^  de 
1503,  condue  o  capitulo  da  íúndagSo  da  Santa  Casa  do  modo 
seguinte:  c  Ora,  si  essa  invoca^^o  (Copacabana),  se  desligou  da 
Santa  Casa,  náo  desappareoeu  das  cercanias  onde  Qonçalo  Coelho 
primeiramente  e  depois  delle  Mem  de  Sã  !  (sio)  lançaram  os  fun* 
damentos  da  extincta  VUla  Velha.  Copacabana  persiste  náo  s6 
no  aetual  bairro  que  se  está  desenvolvendo  tfto  promettedora- 
mente,  oomo  na  secular  capellinha  alli  levantada  onde  se 
venera  a  Senhora  cqja  imagem  seria  talvez  erecta  como  succes- 
sora  da  primitiva  Padroeira  da  nossa  Misericórdia.» 

A  fundação  da  capella  de  Copacabana,  na  antiga  praia  de 
Sacopenapan,  obedeceu  talvez  a  outras  razões  e  nada  tem  com 
Gonçalo  Coelho,  em  cujo  tempo,  com  toda  a  certeza,  não  se  cogi* 
tava  de  Misericórdia,  no  Rio  de  Janeiro.  A  ermida  supra  assim 
como  foi  fundada  alli  poderia  ter  sido  estabelecida  em  outra  qual- 
quer praia  das  redondezas  desta  cidade. 

No  intuito  de  sustentar  a  verdade  da  data  de  1645  para  a 
Amda(^  da  Santa  Casa,  guiando-sa  pelo  anno  de  1605,  exarado 
no  despaoho  régio,  exclama  com  toda  a  convicção  o  chronista 
da  Santa  Casa:  <  B  tanto  isto  é  verdade  que  nas  primeiras  cartas 
dirigidas  á  metrópole  por  três  vexes  sncoessivas  se  sustenta  que 

4&i^f^  Tomo  lxzx  ?•  i* 


18  REVISTA  DO  INSTITUTO   HISTÓRICO 

a  Casa  FiumiaoQâo  contava  nessa  époea  sessenta  annos  de  oxis- 
tencia,  o  que  equivale  a  coliocar  ( o  grypho  é  meu )  s%m  fundação 
efitre  os  annos  i5  Í5  a  Í548,  isto  é,  justamenie  gitando  a  incipiente 
cidade  ainda  se  achaca  na  Villa  Velha,  onde  Estado  de  Sd  (sio), 
.  concentrava  as  suas  farças  e  fazia  o  centro  de  suas  sortidas 
contra  ílrancezes  e  tamoyos.> 

Além  de,  na  nota  da  pagina  120,  Feliz  Ferreira  nSo  citar 
as  datas  de  taes  despachos,  adultera  o  chronista,  por  modo  im- 
perdoável, a  verdade  dos  factos.  Onde  foi  elle  descobrir  que  em 
1545  a  1548  Estacio,  em  Villa  Vellia,  fazia  desta  centro  do  ope- 
rações ?  03  francezes  de  Villegaignon  s6  vieram  ao  Rio  de  Ja- 
neiro em  1555,  quasi  dex  annos  depois.  Demais,  é  hoje  sabido  : 
Bstacio  de  Sá  veia  pela  primeira  vez  ao  Rio  de  Janeiro  em  1560, 
em  companhia  de  seu  tio  Mem  de  Sá,  quando  este  terceiro  Gover- 
nador Qeral  desalojou  os  francezes,  sob  a  chefia  de  Bois  Le 
Comte,  sobrinho  de  Villegaignon,  que  partira  para  a  França. 

Em  1545,  Estacio  era  seguramente  menino.  Ainda  ha 
poucos  dias,  deu-me  conhecimento  desse  facto  o  illustro  pro- 
fessor Capistrano  de  Abreu,  dizendo-me  que  o  sobrinho  de  Mem 
de  Sá  falleoera  com  24  annos  de  cdade  em  1567 ;  porque,  con- 
forme uma  carta  oncontrada,  por  elle,  Capistrano,  na  Biblio- 
theoa  Nacional,  soube  que  Estacio  tinha  de  edade  17  annos, 
quando  veio  ao  Brazil. 

Para  evidenciar  o  pouco  cuidado  com  que  Félix  Ferreira 
escreveu  a  introducção  da  sua  Noticia  Histórica  e  pôr  do  sobre- 
aviso o  leitor  contra  o  que  aquelle  sustenta,  basta  citar  o  se- 
guinte facto  por  si  eloquente  :  O  despacho  do  rei,  em  data  de  8 
de  outubro  de  1605,  n3u>  podia  ser  firmado  por  Felippe  II  de  Hes- 
panha  e  I  do  Portugal,  mas  sim  pelo  filho,  Felippe  III  de  Hes- 
panho  e  II  do  Portugal,  que  reinou  de  1598  a  1621 .  No  entre- 
tanto, Félix  Ferreira,  em  vários  pontos  da  Noticia  Histórica^ 
assignala  sempre  o  nome  do  primeiro  daquelles  monarchas»  faUe- 
eido  em  17  de  setembro  de  1598. 

Feitos  estes  reparos,  cumpre  entrar  em  matéria. 
Procurando  combater  a  opinião  de  monsenhor  Pizarro,  é, 
a  meu  vêr,  injusto  o  autor  da  Noticia  Histórica  A  Santa  Casa 
Fluminense.  Com  muito  critério,  o  autor  das  Memorias  Histó- 
ricas do  Rio  de  Janeiro  {Píiaxro)^  pondo  em  duvida  o$  sessenta 


A  SilNTA  CASA  DA  MISERICÓRDIA  19 

annos  da  petição^  disse:  cnSo  era  a  Misericórdia  tão  antiga,  como 
quizoram  afflrmar  o  Provedor  e  Irmãos  delia,  na  sapplioa,  de 
que  resultou  a  Provisão  de  8  de  outubro  de  1605,  alli  conser- 
vada>. . .«  Si  03  impetrantes  pretenderam,  sem  fundamento,  de- 
duzir a  origem  dessa  casa  da  era  de  1556,  em  que  no  Rio  de 
Janeiro  se  estabeleceram  os  primeiros  francezes,  não  podiam 
chegar  os  annos  a  mais  de  49 ;  e,  si  contaram  desde  a  fundação 
da  cidade,  eram  passados  apenas  38  annos,  segundo  a  data  da 
provisão  sobredita.» 

Fazendo  referencias  á  Misericórdia  de  Santos,  ainda  muito 
bem  escreveu  Pizarro  :  €  Si  aquella  Capitania  de  S.  Vicente, 
povoada  pelos  portuguezes,  muito  antes  que  a  do  Rio  de  Janeiro, 
principiou  a  ter  Casa  de  Misericórdia,  no  anno  de  1543,  como 
seria  possível  que  se  fundasse  outra  similhante  aqui,  antes  de  se 
estabelecer  e  povoar  a  cidade  ?> 

Já  o  mesmo  reparo  fizera  antes  o  Tenente  de  Bombeiros  An- 
tónio Duarte  Nunes^-no  seu  Almanach  Histórico  da  Cidade  de  São 
Sebastião  do  Rio  de  Janeiro^  manuscripto  (anno  de  1799)  ofTer^cidO 
ao  Instituto  Histórico  e  Qeographico  Brasileiro  por  Josó  Pedro 
Werneck  Ribeiro  de  Aguilar  e  em  1858  impresso  no  Volume  21 
da  Revista  do  mesmo  Instituto.  <  Sem  embargo,  diz  Duarte 
Nunes,  do  não  corresponder  a  datado  dito  alvará  (8  de  outubro 
de  1605)  á  do  cumpra-se  que  teve  nesta  cidade,  comtudo  devo 
suppôr  engano  (os  gryphos  são  meus)  de  quem  o  lavrou  ;  porque, 
computando  a  era  da  fundação  da  cidade  em  1567,  com  a  do  — 
cumpra-se  —  do  alvará  de  1630,  vem-se  a  conhecer  que  são  (com 
pouca  differença)  os  sessenta  annos  da  posse  que  allegam  no  re* 
querimento  e  daqui  infiro  que  a  crea^  desta  casa  principiou 
logo  depois  da  fundação  da  Cidade^  em  1568  ou  1569,  porque  a 
differença  que  ha  seria  a  demora  que  teve  o  requerimento  em 
ir  a  Lisboa  e  voltar.» 

Para  combater  a  prioridade  do  venerável  padre  Josô  de 
Anchieta  na  fundação  do  primitivo  Hospital  de  Misericórdia  e 
pôr  em  duvida  a  opinião  de  Pizarro,  baseada  nas  de  frei  Agos- 
tinho de  Santa  Maria  e  padre  Simão  de  Vasconcellos,  estabelece 
Folix  Ferreira  hypotheses  que  não  provou. 

Ora  diz  que  o  Hospital  de  Anchieta  era  differente  do  que 
a  Irmandade  da  Misericórdia  estava  construindo  (1582);  ora 


80  REVISTA  DO  INSTITUTO  HIST(MIIG0 

qao  O  Jesuíta  ià  assignal&u  oom  a  nada  mais ;  ora  qne  uma  casa 
pari^  agasalhar  tão  grande  namero  de  doentes,  oomo  trazia  a 
osquadra  de  Baldez,  nSo  se  improvisa  de  momento,  tSo  pouco 
se  encontra  de  um  dia  para  outro  em  uma  cidade  nascente, 
como  era  então  a  nossa,  que*  transferida  da  Villa  Velha  fsio), 
na  Praia  Vermelha  (sic),  para  o  morro  do  S.  Januário  ou  do 
GastellQ*  como  passou  posteriormente  a  denominarse,  «não 
poderia  em  quinxe  annos,  de  15Ô7  a  1582,  ter  casa  particular 
capaz  de  servir  tão  promptamente  de  hospital». 

As  considerações  que  se  seguem  apoiam  os  argumentos 
que  tenho  apresentado  para  Justificar  os  enganos  em  que 
incorreu  o  pperoso  Sr,  Feliz  Ferreira. Todas  as  vezes  que  eram 
fundadas  villas  e  cidades  nos  domínios  portuguezes,  institoia-se 
Jogo  1^  Santa  Casa  de  Misericórdia,  isto  é,  a  Irmandade  ou 
Corpora^o  com  os  fins  humanitários  estatuídos  no  oompn>« 
misso  da  Misericórdia  de  Lisboa,  (ormulados  por  Frei  Miguel 
de  Contreiras,  Os  encarregados  da  governação,  os  membros 
dos  Concelhos  e  os  homens  bons  davam-se  as  mãos  para  auxiliar 
tão  santo  instituto. 

Foi  o  que  aconteceu  aqui,  conforme  se  deprehende  das 
palavras  de  Gabriel  Soares  de  Souza,  quando  se  refere  ã  par- 
tida de  Mem  de  Sã  em  15Ô8,  depois  de  ter  permanecido  no  Rio 
de  Janeiro  perto  de  anno  e  meio. 

Estabelecida  a  agremiação,  tratavam  os  membros  delia  de 
construir  a  casa  ou  templo  onde  podessem  celebrar  actos  re- 
ligiosos. Quando  não  era  isso  possível,  por  falta  de  recursos, 
recorriam  os  Irmãos  da  Misericórdia  a  templos,  capellas  ou 
ermidas  alheias. 

Ainda  tal  facto  se  deu,  entre  nós:  os  Jesuítas  construíram 
logo  no  alto  do  monte  a  sua  capella  de  pàu  a  pique  (Annaes 
da  Bibliotheca  Nac.  Vol.  19).  Alli  se  celebravam  as  cere- 
monias  do  culto  offlciaes.  Os  Jesuítas  eram  então,  exclusiva- 
mente até  nomeação  do  P  vigário  Matheus  Nunes,  os  únicos 
curas  d*alma.  Salvador  Corroa  resolveu  levantar  um  templo  a 
S.  Sebastião,  no  morro.  As  obras  pararam  com  a  partida  desse 
lo  Governador,  continuaram  depois  no  seu  segundo  governo  e 
só  ficaram  terminadas  em  1583.  Nesse  anuo,  foram  para  alli 
trasladados  da  Cidade  Velha  os  restos  de  Estado  de  Sã,  que, 


A  SANf  A  CASA  DA  MISBRIGORDIA  21 

desde  1567,  repousavam  na  capella  sita  na  várzea  janto  ao  hoje 
morro  de  S.  João* 

Não  é  crível  qae  os  Irmãos  da  Misericórdia,  tendo  á  miú)  a 
pequena  egreja  dos  Jesuítas,  atravessassem  o  mar  para  ouvir 
missas,  ir  á  desobriga,  etc,  na  vellia  ermida  de  que  Í6ra  juix 
Francisco  Velho. 

Até  então  não  haviam  os  confrades  da  Misericórdia  podido 
construir  o  hospital  e  egreja  própria.  Ha  um  acontecimento 
extraordinário— a  chegada  de  Baldez  e  entiío  o  Venerável  Josô 
de  Anchieta  estabelece  o  Hospital  de  que  a  Irmandade  tomou 
conta. 

Dado  o  impulso,  faltava  a  egr^a  e  esta  foi  levantada  em 
seguida  a  1582 ;  serve  de  prova  o  testamento  de  Diogo  Martins 
Mourão ;  de  sorte  que  já  existia  em  1585,  quando  por  aqui 
passou  Fernão  Cardim.  Era  tão  pequena  como  a  dos  Jesuítas, 
pois  o  auto  de  S.  Sebastião  e  a  prégagão  foram  Mtos  em  um 
tablado  e  em  plena  rua  não  longe  da  praia. 

Tudo  isso  ó  possível  e  pôde  ser  provado  com  factos 
análogos  que  occorrem  nos  magistraes  trabalhos  de  Gosta 
Oodolphim  —  As  Mis&ricêrdias ;  de  Victor  Ribeiro  —  A  Santa 
Casa  de  Misericórdia  de  Lisboa;  de  Arthur  Vianna  —  A  Miséria 
cordia  do  Pard^  etc,  etc. 

£  os  ses&enta  annos,  dirá  o  leitor  ?  Ou  a  rubrica  do  rei  na 
Provisão  de  1605  é  mesmo  de  Felippe  III,  de  Hespanha,  ou  de 
seu  filho  e  sucoessor.  No  prim^ro  caso*  a  explicação  será  ama« 
e,  no  segundo,  outra  muito  mais  evidente  e  segura* 

E*  problema  que  vou  estudar,  tendo  em  mira  as  pálavraá 
de  Duarte  Nunes. 


Obedecendo  sempre  ã  mã  orientação  escolhida,  contintia 
Félix  Ferreira:  «  Destruída  a  aldeia  de  Gonçalo  Coelho  pelos  in- 
dómitos selvagens,  logo  que  o  navegador  se  ausentou  e  seguiu 
no  cumprimento  de  sua  missão  em  busca  do  caminho  de  Malaca, 
antes  de  um  quarto  de  século  aqui  vinha  Martim  Afbnso  abri* 
gar-se  na  enseada,  que  por  muito  tempo  lhe  conservou  o  nome 


22  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

onde,  segando  nos  informa  o  irmão  Pêro  Lopes  de  Souza,  fez 
constrair  dous  bergantins  de  (][uinze  bancoa  cada  um. 

«  Meio  século  depois  da  primeira  fundação^  ó  que  Mem  de  Sá 
tentou  a  segunda  na  Praia  Vermelha  (sio),  onde  se  acastelou 
posteriormente  (sic)  Estacio  de  Sá.  com  sua  gente  para  dar  repe- 
tidos combates  aos  ft*ancezcs  atô  conseguir,  afinal,  a  victoria  de 
1564  (sio),  seguida  da  transferencia  da  povoação  e  fundação 
offlcial  da  cidade.» 

Pretende  em  seguida  o  chronista  da  Misericórdia  «  que  de 
todos  esses  ephemeros  povoamentos^  incluindo  o  da  ilha  de  Ville- 
gagnorij  iam  ficando  residuos  em  torno  da  hahia^  de  forma  que 
antes  do  melado  do  século  XVI  a  população,  ainda  que  muito 
disseminada,  jã  era  saffictente  para  formação  de  uma  nova  ca- 
pitania »• 

AUade  a  algumas  sesmarias  concedidas  pelo  donatário 
Martim  Affonso  e  seus  loco-tenentes  e  entro  as  quaes  a  da  ilha 
Grande,  dada  ao  dezembargador  Manoel  da  Fonseca.  Não  cita, 
porém,  nenhuma  delias  no  interior  da  bahia  do  Rio  de  Janeiro. 
Fala  na  aldeia  de  S.  Lourenço,  concedida  muito  mais  tarde  ao 
Ararigboia,  bem  como  na  zona  de  Itaóca  e  na  sesmaria  de  Garcia 
Ayi^es,  em  Marapicú,  coisas  que  nada  tôm  com  o  assumpto. 
<  A'  vista  desta  rápida  resenha,  prosegue,  e  não  seria  difllcil 
addicionar  muitos  outros  exemplos  (porque  não  o  fez  ?)  de  aldeia- 
mentos  e  povoados ,  prosegue  o  autor  da  Memoria,  comprehende- 
se  perfeitamente  que,  muito  antes  da  fundação  offlcial  da  cidade 
do  Rio  de  Janeiro  era  relativamente  bastante  considerável  (?)  a 
população  fluminense  por  aquelles  tempos  e  a  ponto  de  rivalisar 
com  a  do  S.  Vicente.  » 

Cita  em  seu  apoio  a  carta  de  Manoel  da  Nóbrega,  a  qual  já 
provei  se  referia  ao  Espirito  Santo  e  não  a  S.  Vicente.  «  Si  em 
1560  o  padre  Manoel  da  Nóbrega  considerava  a  capitania  de 
S.  Vicente  (sic)  depois  do  Rio  de  Janeiro,  isto  ô,  ioferior,  como> 
nãoadmittirque,  quinze  annos  antes,  pelo  menos,  não  estivessem 
ambas  no  mesmo  pè  de  igualdade  e  por  conseguinte  pudessem 
ambas  ter  a  sua  Irmandade  da  Misericórdia  ?. . .  Tendo-se  fun- 
dado a  Misericórdia  de  Santos  em  1543,  não  poderia  fundar-se  a 
de  S.  Sebastião  em  1545  ?  E'  bem  possível,  atô  mesmo  por  $%mples 
imitação,  1^ 


A  SANTA  CASA  DA  AÍISBRICORDIA  23 

Mas  easa  imitação,  observarei,  só  poderia  ser  realizada* 
pelo  menos,  vinte  annos  depois,  isto  é,  em  1565,  quando  Estado 
de  Sá,  com  seus  180  companheiros,  por  ordem  régia,  lançou  os 
alicerces  da  cidade  de  S.  Sebastião  junto  ao  morro  Cara  de 
Cão. 

Para  combater  à  opinião  de  monsenhor  Pizarro  a  propósito 
de  Braz  Cubas,  ítmdador  da  Misericórdia  de  Santos  (1543),  men* 
ciona  ainda  Félix  Ferreira  um  documento  que  fornece  armas 
exactamente  contra  suas  opiniões  anteriores.  Esse  documento, 
também  citado  por  Azevedo  Marques,  ó  do  teor  seguinte: 

«  D.  Jeronymo  de  Athayde,  conde  de  Athouguia,  do  Con- 
selho de  Sua  Magestade,  capitão  general  do  Estado  do  Brazil, 
etc.  Faço  saber  aos  que  esta  previsão  virem  que  os  Irmãos  da 
Misericórdia  da  Viila  de  Santos,  capitania  de  S.  Vicente,  me 
representaram  por  sua  petição  que  por  não  haver  na  dita  villa 
casa  separada  da  Mixericordia  celebravam  seus  offieios  divinos  na 
Matriz  e  por  ser  grande  a  necessidade  que  aUi  ha  de  hospital, 
por  ser  o  posto  por  onde  frequenta  o  commercio  de  toda  a  ca- 
pitania, haviam  resolvido  fazer  casa  de  Misericórdia  e  hospital, 
mas  que  por  serem  todos  elles  pobres,  não  podiam  concorrer 
com  as  despezas  necessárias  para  aquellas  obras,  por  cujo  re- 
speito me  pediam  lhes  fizesse  mercê  em  nome  de  Sua  Magestade, 
que  Deus  Guarde,  conceder  para  as  ditas  obras  o  dinheiro  que 
existe  em  deposito  naquella  capitania  do  pedido  que  se  fez  por 
ordem  deste  governo  e  tendo  em  consideração  a  informação, 
que  sobre  este  particular  deu  o  procurador  da  Faztnda  Real 
deste  Estado  e  constar  da  certidão  da  mesma  capitania,  não 
haver  nella  mais  do  que  300$  em  deposito,  hei  por  bem  de  lhe 
conceder  de  esmola,  em  nomo  de  Sua  Magestade,  100$  para 
as  referidas  obras,  os  quaes  se  despenderão  com  assistência 
do  procurador  da  Fazenda  e  com  mandado  em  forma  que  se 
passará  em  virtude  desta  provisão.  Dada  na  cidade  do  Sal- 
vador da  Bahia  de  Todos  os  Santos  em  3  de  outubro  de  1654.» 
Pois  si  em  -Santos  as  coisas  se  passavam  desse  modo,  como 
admittlr  em  1545  melhores  condições  para  a  Misericórdia  do  Rio 
Janeiro  ?  Havia  também  aqui,  desde  os  principies  da  cidade,  a 
corporação  beneficente  pouco  numerosa  dando  esmolas  e 
levando    a  caridade    a    dojpicilios    d2^    n^cente   povoação. 


24  RBVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

ApreteDta-se,  repetirei,  oocasião  extraordinária,  a  chegada  da 
esquadra  de  Diogo  Piores  Baldez  e  os  Irmãos  da  Santa  Caia, 
segaindo  o  exemplo  de  Josô  de  Anchieta  o  ajudam  nesia  fitina 
e,  passada  a  crise,  tomam  a  si  o  encargo  do  estabelocímento 
fundado  pslo  venerável  jesuita.  Esse  facto  tem  em  seu  favor  a 
tradição. 

Isto  dea-se  também  no  Espirito  Santo,  onde  desde  1551 
existia  a  Confraria,  a  mesma  que,  em  1597,  prestava  honras 
fanebres  ao  supradito  Anchieta,  Aindador  do  nosso  velho  Hos- 
pital. 

Sem  querer  acompanhar  o  chronista  da  Misericórdia  Flu* 
minense  em  divagações  históricas  que  não  vêm  ao  caso  e  para 
provar  a  incerteza  de  sua  opinião  citarei  apenas  as  suas  ultimas 
palavras  com  que  parece  dar  as  mãos  &  palmatória  :  «  Dando 
de  barato  tudo  quanto  tenho  produzido  em  defesa  da  affirmaçã^ 
sustentada  pelas  petições  da  nossa  Misericórdia,  em  1605  e  em 
1671,  admittindo-se  mesmo  que  a  administração  deste  anno  se 
baseasse  no  que  encontrou  escripto  no  requerimento  daquelle  anno 
e  que  o  escriptor  desta  solicitação  se  houvesse  enganado^  esse 
engano  não  podia  ser  tamanho  como  quer  monsenhor  Pixarro, 
flrmando-se  no  que  escreveu  ílrei  Agostinho  de  Santa  Maria, 
bem  como  aquelies  que  o  seguiram  nos  seus  insustentáveis  argu» 
mentos,  esse  engano  seria  quando  muito  de  vinte  annos^  podendo 
Ur-se  na  petição  de  1605,  em  vez  de  sessenta  annoe  —  quarenta, 
o  que  remontaria  a  1564  (sic),  quando  Betado  de  Sã  (slc)  ainda 
se  encastellava  na  Villa  Velha  (sic),  eto 

E  foi  para  cbegar  a  tal  resultado  que  o  autor  da  Memoria 
escreveu  paginas  e  paginas  deturpando  os  fkctos  históricos 
e  enchendo-as  de  anachronismos  imperdoáveis  I  Essa  é  a  ver* 
dade  :  ou  houve  erro  na  petição  e  em  vez  de  sessenta  deve  ler-se 
quarenta  annos,  ou  não  está  certo  o  anno  do  despacho  e  em  vez 
de  1605  seja  1625  :  nem  isso  é  caso  unioo  de  engano  de  datas 
ou  de  numero  de  annos.  Haja  vista  o  celebre  testamento  de  Joio 
Ramalho,  que  tanto  tem  dado  de  si. 

Comparando  a  data  do  alvará  (8  de  outubro  de  1605)  com 
08  primeiros  Cwnpra-se  (1630),  António  Duarte  Nunes  suppOe 
talvez  houvesse  engano  de  quem  lavrou  o  documento  assignado 
pelo  Rei.   Para  deita  hypothese  formar  opinião  segura  seria 


A  SANTA  CASA  DA  MISERICÓRDIA  25 

mister  ter  presente  a  rubrica  aathentica  ou  um  fac  símile  de 
Philippe  III  de  Hespanha  e  II  de  Portugal  para  poder  comparar 
com  a  assignatura  régia  do  documento  da  Santa  Casa.  A  des- 
peito da  maior  iiligenciat  não  me  foi  possivel  encontrar  aqui  no 
Rio  de  Janeiro  o  que  tanto  desejava  e  vinha  muito  de  molde  (*). 

João  Feo,  entretanto,  cujo  nome  figura  no  precitado  docu- 
mento, foi,  em  verdade,  do  serviço  de  Philippe  III  de  Hespanha 
(II  de  Portugal).  Fez  elle  vários  alvarás  no  tempo  desse  mo- 
narcha,  como  tive  occasião  de  verificar  na  precisa  coUecção  (ma- 
nuscripta)  de  Leis,  constante  de  37  volumes  e  existente  no  ar- 
chivo  do  Instituto  Histórico  Geographicô  Brasileiro. 

Feo,  porém,  serviu  também  com  Philippe  IV  de  Hespanha 
e  III  de  Portugal.  Nas  Memorias  Historico-Genealogicas  dos 
Duques  Portuguezes  do  século  XIX,  de  João  Carlos  Feo  de  Car- 
doso Castello  Branco  e  Torres  e  visconde  de  Sanches  Baena,  a 
paginas  682,  vê-se  o  referido  Feo  assignando  em  9  de  novembro 
de  1626  um  alvará  com  referencia  a  D.  Luiza  da  Motta  Feo, 
viuva  de  Manoel  Lopes  Pinto. 

Este  João  Feo  nfto  deve  ser  confundido  com  João  Feo 
Cabral,  beneficiado  de  uma  das  egrejas  de  Cintra  e  proprietário 
do  offlcio  de  aljubeiro  do  Aljube  de  Lisboa.  Em  1624,  estava 
doido,  como  se  infere  da  pag.  672  das  referida*?  Memorias  Eis- 
toricO'Genealogicas  • 


1  Algum  tempo  depois  de  escriptas  estas  linhas  regressava  da  Eu- 
ropa o  Sr.  Dr.  José  Carlos  Rodrigues. O  illustre  director  do  Joimal 
do  Commercio  e  benemérito  mordomo  lo  Hospital  da  Misericórdia  em- 
pre8tou-me,da  sua  riquíssima  collrtcção,var  os  documentos  assignados 
pelos  ires  Philippes  de  Castella.  Do  detido  exame  comparativo  que  o 
Sr.  Dr.  Rodrigues  e  eu  fizemos,  chegámos  á  conclusão:  assignatura 
de  Philippe  111(1605)  do  documento  da  Misericórdia  é  completamente 
authentica. 

Mais  tarde,  foi  isso  corroborado  por  uma  carta  oscripta  por 
alto  funccionario  da  Torre  do  Tombo  ao  meu  amigo  o  Sr.  barão  de 
Vasconcellos.  Este  distincto  cavalheiro  havia  enviado  p  ira  Lisboa  uma 
copia  ou /y*o  st  miVe  que  eu  havia  tirado  do  livro  dos  priviltgios  da  Mi- 
sericórdia. 

\  mais  aceitavol  explicação  dos  sessenta  annos  ê  a  seguinte: 
muito.^  dos  auxiliar. ís  de  E<tacio  de  Sá  tinham  vindo  com  esto  di?  São 
Vicmtft.  Lá,  havi.im  sido  Irmãos  da  Misoricor«lia  ^\^  Sautoa  e,  che- 
gados ao  Rio  d*  Janeiro,  continuaram  a  obra  do  frei  Miguel  de  Con- 
treiras. 

Julgavam-se  confrade?  de  um  único  instituto,  tendo  só  em  vista 
a  fandação  da  1*  Mifdricordia  do  Brazil,  estabeiecida  por  Brai 
Guhas. 


26  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Não  foi  mais  feliz  ainda  Felix  Ferreira,  na  argumentado 
apresentada  contra  as  duvidas  de  Duarte  Nunes,  isto  é,  que  os  ses- 
senta annos  da  petição  dos  Irmãos  da  Misericórdia  podiam  estar 
certos,  porém  errada  a  data  8  de  outubro  de  1605.  Depois  de  in- 
terpretar os  nomes  dos  signatários  dos  diversos  -^Cumpra^se—^ 
todos  posteriores  a  1625,  assevera  F.  Ferreira  que  a  letra 
da  petição  era  de  Mar  ti  m  de  Sá,  que  governou  entre  os  annos  de 
Í607  o  Í608  ;  sem  se  lembrar  que  Martira  governou  por  duas 
vezes  o  Rio  do  Janeiro  e  que  poderia  ter  oscripto  om  1625,  o  que 
Ferreira  suppõe  ter  o  filho  de  Salvador  Correia  de  Sá  feito  vinte 
annos  antes. 

O  mesmo  acontece  com  a  assignatura  do  prelado  e-^clesias- 
tico  Matheus  da  Costa  Aborim.  Este  exerceu  o  cargo,  como  é  sa- 
bido, de  2  de  outubro  de  1607  a  8  de  fevereiro  de  1629  e  podia 
ter  posto  o  seu— cumpra-se— tanto  em  documento  do  tempo  de 
Philippe  III,  como  de  seu  filho  e  successor,  que  começou  a  reinar 
em  1621. 

Do  exposto,  salvo  melhor  juizo,  póde-se  concluir:  nem  Fran- 
cisco Augusto  do  Sá,  nem  Felix  Ferreira  conseguiram  tirar  ao 
venerável  padre  José  de  Anchieta  a  gloria  de  ter  iniciado  a 
creação  do  velho  hospital  da  Misericórdia. 

Os  confrades,  pois,  desta  grande  agremiação  bem  fizeram 
coUooando  a  estatua  do  inolvidável  jesuita  ao  lado  da  de  frei 
Miguel  de  Contreiras,  fundador  da  Misericórdia  de  Lisboa,  no 
vestíbulo  do  grandioso  edificio  da  praia  de  Santa   Luzia. 


CAPELLA 

Para  escrever  grande  parto  do  decimo  volume  do  Sancluario 
Mariano,  frei  Agostinho  do  Santa  Maria  mandou  de  Portugal 
pedir  seguras  informações  a  frei  Miguel  de  S.  Francisco,  natural 
do  Rio  de  Janeiro.  Eite  religioso,  que  exercera  por  três  vozes  o 
cargo  de  provincial,  havia  terminado  a  incumb«3ncia,  quando  os 
francezes,  em  1711,  saqueando  esta  cidade,  invadiram  o  Con- 
vento de  Santo  António,  destruindo  os  papeis  encontradjs  nas 


A  SANTA  CASA  DA  MISERICÓRDIA  27 

differentes  cellas.  Não  desanimou,  porém,  frei  Miguel,  que  deu 
principio  a  uma  nova  Relação  e  a  enviou  a  seu  destino.  Dahi  se 
infere:  tudo  quanto  relata  o  autor  do  Sanctuario  é  fundado  no 
testemunho  presencial,  e  os  factos  narrados  de  conformidade  com 
a  historia  e  a  tradição. 

Descrevendo  a  capella  da  Misericórdia,  assim  se  exprime  o 
supracitado  frei  Agostinho  :<  He  a  igreja  da  Misericórdia  formosa 
e  ricamente  adornada  e  ornada  de  ricos  ornamentos.  Tem  cinco 
capellas  e  a  maior  com  um  retábulo  dourado  magestoso  e  com  duas 
oapellas  de  cada  parte  ;  e  tem  uma  formosa  tribuna,  aonde  nas 
occasiões  festivas  se  expõe  o  Santíssimo  Sacramento  e  onde  está 
o  sacrário  de  onde  se  administra  o  Yiatico  aos  enfermos.  Das 
referidas  capellas  na  primeira  que  âca  da  parte  da  Epistola  está 
a  milagrosa  imagem  de  Nossa  Senhora  do  Soccorro.  Esta  capella 
e  a  que  lhe  fica  em  parallelo  da  parte  do  Evangelho,  dedicada  a 
S.  Thomô  ficam  no  mesmo  pavimento  do  Altar  Mór ;  porque 
delle  se  desce  por  seis  degraus  para  o  pavimento  do  corpo  da 
igreja. .  •  A  primeira  capella  depois  da  maior  e  que  fica  da  parte 
da  Epistola  ò  dedicada  á  Rainha  dos  Anjos  com  o  titulo  de  Bom- 
successo.» 

Ainda  mais  á  pag.  105  do  1°  livro  do  Tombo  encontra-se 
a  escriptura  de  6  de  abril  do  1648,  pela  qual  Manoel  Rabello  se 
compromettia  a  fazer  os  ornatos  do  altar  de  S.  Martinho,  do  lado 
do  Evangelho  e  defronte  do  de  Nossa  Senhora  do  Bomsuccesso,  de 
oonformidade  com  os  do  Altar-Mór. 

Do  exposto  se  concluo:  até  1713  não  era  padroeira  da  Mise- 
ricórdia a  Senhora  do  Bomsuccesso,  ouja  imagem  nSo  ocoupava 
o  logar  de  honra  e  só  foi  collocada  na  antiga  egreja  muito  depois 
desta  haver  sido  construída. 

Refere  ainda  frei  Agostinho  de  Santa  Maria:  <  Indo  de  Por- 
tugal para  aquelle  porto  do  Rio  de  Janeiro,  no  anno  do  1637 
ou  38,  o  padre  Miguel  da  Costa,  Presby  tero  do  habito  de  S.  Pedro, 
levou  em  sua  companhia  uma  imagem  de  Nossa  Senhora,  a  quem 
havia  imposto  ou  venerava  com  o  titulo  de  Bomsuccesso  ;  a  qual 
imagem  (depois  de  estar  já  assente  naquella  cidade)  coUocou  na- 
quella  egreja  (Misericórdia)  com  licença  do  Provedor  e  Irmãos 
daquella  casa.  E  quando  o  fez  (porque  estavam  as  capellas  delia 
já  occupadas  e  não  teria  mais  que  duas  do  corpo  da  egreja)  foi  na 


28  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

capella  e  altar  de  Nossa  Senhora  de  Capacavana  aonde  esteve 
alguns  annos.  O  mesmo  Padre  Miguel  da  Ck>sta,  que  muito  vene- 
rava esta  Santíssima  Imagem,  com  os  desejos  que  tinha  de  que 
fosse  servida  com  toda  a  veneração  e  culto,  que  lhe  era  devido, 
convocou  alguns  moradores  daquella  cidade  dos  que  achou  mais 
devotos  da  Senhora,  para  que  elles  a  festejassem  e  servissem 
como  mordomos  e  elle  era  o  Procurador  e  Thesoureiro.  Esses  de* 
votos  com  as  suas  esmolas  e  de  outros  mais  que  se  lhes  aggre- 
garam  flzeram  á  Senhora  outra  capella  particular,  que  ó  a  que 
fica  referida  e  se  vê  junto  d  porta  da  sacristia  e  próxima  d  capéUa 
mór>. 

Interpretando  mal  as  palavras  de  frei  Agostinho,  pre- 
tendeu Félix  Ferreira,  em  sua  Memoria  (pag.  129),  fosse  a 
Senhora  da  Ck}pacavana  a  primitiva  padroeira  e  da  nossa  Mi^ 
sericordia» 

Do  que  acima  vae  referido  se  concluo  que  a  imagem 
dessa  ultima  invocação  também  não  occupava  logar  especial 
e  sim  um  dos  altares  do  corpo  da  egreja  onde  foi  collocada 
a  Senhora  do  Bomsuccesso. 

Demais,  escreveu  ainda  frei  Agostinho  de  Santa  Maria : 
€  Agora  como  tratamos  da  casa  de  Misericórdia  do  Rio  de  Ja- 
neiro, aonde  a  Senhora  da  Copacavana  deu  lagar  no  seu  aUar 
á  Senhora  do  Bomsuccesso,  ô  bem  que  delia  não  deixemos  de 
fazer  memoria  ;  sem  embargo  que  delia  se  nos  devam  muito 
poucas  noticias. 

c  Do  que  fica  referido  no  titulo  antecedente  se  vô  que  no 
altar  da  Senhora  da  Copacavana  coilocou  o  Padre  Miguel 
da  Ckista  a  imagem  de  Nossa  Senhora  do  Bomsuccesso  ;  de 
onde  se  colhe  que  logo  nos  principios  daquella  casa  se  coi- 
locou em  sua  egreja  a  Imagem  da  Senhora  ;  e  porque  nos 
não  referiram  nada  delia  digo  o  que  se  me  ropresonta  e  é 
que  como  a  Senhora  é  tida  em  todo  o  Império  do  Purú  por 
um  grande  proJigio  poios  contínuos  milag^os  que  continua- 
mento  obra  niquella  sua  Sagrada  Imagem  Peruana,  poderia 
bem  ser  a  trouxesse  do  lá.  algum  portu^uez  como  a  trazem 
muitos  em  uns  relicários  de  prata  e  por  ella  poderia  mandar 
fazer  esta  Santa  Imagem  e  por  sua  devoção  a  coUocarla  na- 
quella  Egreja.  » 


A  8AMTA  CASA  DA  MISERICÓRDIA  29 

O  Ikoto  do  commercio  oom  o  Peru  é  attestado  pelas  se- 
cintes  palavras  de  Yarnhagen:  €  No  Rio  de  Janeiro  sabemos 
qae  esteva  D.  Fraacisco  de  Souza,  em  outubro  de  1598. 
O  commercio  tomara  aqui  um  prodigioso  incremento  com  a 
sajeiçSo  a  Castella,  que  franqueava  ao  Brazil,  por  meio  do 
Rio  da  Prata,  o  trato  oom  o  Peru,  de  cujas  minas  vinham 
negociantes  por  fazendas,  que  pagavam  á  vista,  por  preços 
enormes  e  só  quando  aqui  as  não  encontravam  iam  bus- 
oal-as  &  Bahia  e  a  Pernambuco...  A  consulta  de  29  de  no- 
vembro de  1605  orçava  a  entrada  do  que  descia  pelo  Rio  da 
Prata  para  o  Brazil  em  mais  de  quinhentos  mil  cru- 
■ados.  » 

Tudo  isto  é  perfeitamente  comprovado  pela  carta  de  Fran- 
cisco Soares,  escripta  do  Rio  de  Janeiro  a  um  seu  irmão, 
em  junho  de  1596,  e  impressa  em  inglez  em  1600.  Essa  mis- 
siva foi  por  mim  vertida  para  o  portuguez  e  reproduzida  no 
Boletim  da  Associação  Gommercial  (1904)  em  uns  apontamentos 
meus  sobre  o  antigo  commercio  do  Rio  de  Janeiro. 

Quando,  porém,  esse  movimento  se  incrementou,  Jà  a  nossa 
egreja  da  Misericórdia  estava  fundada  e,  si  algum  devoto  da  Se- 
nhora da  Copacabana  collocou  a  imagem  delia  no  referido  san- 
otuario  o  fez  em  um  altar  secundário,  repito,  e  nunca  na 
oapella-mór. 

Que  a  Senhora  do  Bomsuccesso  só  começou  a  ser  fes- 
tejada mais  tarde,  na  Misericórdia,  prova  ainda  frei  Agos- 
tinho, ílizendo  menção  da  tola  commemorativa  de  um  grande 
milagre  occorrido  em  11  de  setembro  de  1639,  dia  em  que 
se  ceMfrou  a  primeira  festa  de  Nossa  Senhora  do  Bomsuccesso, 

Esse  quadro  de  pouco  merecimento  artístico,  mas  de  valor 
histórico,  citado  em  1713,  pelo  autor  do  Sanctuario,  desappa- 
receu,  ha  poucos  anno0,  da  sacristia  da  Misericórdia.  Sobre 
elle  escrevi  algumas  notas,  em  um  dos  primeiros  números 
á'ÂNúiicia. 

Deixando  de  parte  pormenores  narrados  pelo  supradito 
autor  sobre  o  assumpto,  os  quaes  me  levariam  longe,  filarei 
apenas  uma  ultima  consideração.  A  Senhora  do  Bomsuccesso 
tinha  a  sua  confraria  de  todo  independente  da  Irmandade 
da  Miserioordia. 


80  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Eis  ainda  as  palavras  de  frei  Agostiako :  «  Nosta  forma 
continuaram  aquelies  devotos  da  Senhora,  até  vinte  de  setembro 
deí652,  em  que^  sendo  juiz  daquella  irmandade  da  Senhora,  Je- 
ronymo  Barbalho  Bezerra,  fez,  com  os  mais  Mordomos  e  Irmãos 
da  Senhora,  entrega  e  doação  daquella  Confraria  ao  Provedor 
daquella  Santa  Casa,  entregando-lhe  também  tudo  o  que  a  ella 
pertencia,  o  qual,  com  os  mais  Irmãos,  por  justas  causas,  accei* 
taram  a  entrega.» 

Desse  accordo  existe,  si  bem  me  recordo,  importante  do- 
cumento—a escriptura  transcripta  no  !<>  Livro  dos  Accordãos 
da  Santa  Casa  e  cugas  paginas,  como  as  de  todos  os  outros  livros 
do  importante  archivo  da  Misericórdia,  pacientemente  folheei, 
ha  annos,  com  consentimento  do  finado  provedor,  conselheiro 
Paulino  de  Souza. 

Foi  só  depois  de  1652  que  a  Irmandade  da  Misericórdia 
tomou  a  si  08  bens  da  Confraria  do  Bonosuccesso  e  o  encargo  de 
celebrar  a  respectiva  festa  que  so  devia  realizar  na  dominga 
infra  oclavam  da  Natividade. 

Entretanto,  essa  commemoraçâo  cahiu  por  vezes  em  des« 
uso,  e,  ení  nossos  dias,  desde  1861  a  1873.  Nesse  ultimo 
anno,  o  provedor,  conselheiro  Zacarias,  a  restabeleceu  e,  em 
documento  oâ9oial,proclamou  de  novo  a  Senhora  do  Bomsuc- 
cesso  padroeira  da  Misericórdia.  Refiro-mo  ao  discurso  por  esse 
illustre  brazileiro  pronunciado  por  ocoasião  do  lançamento  da 
pedra  fundamental  do  novo  templo  que  tem  de  ser  construído 
ao  lado  do  Hospital  Geral,  em  terreno  próximo  da  Faculdade  de 
Medicina. 

Qual,  porém,  a  imagem  venerada  no  altar-mór  da  primitiva 
egreja  da  Santa  Casa,  no  magestoso  retábulo  de  que  nos  fala 
(1713)  o  padre  Agostinho  de  Santa  Maria?  Por  muito  tempo 
tive  a  vaga  opinião  de  que  o  logar  de  honra  da  primitiva  ca- 
pella  fora  occupado  pelo  grande  painel  representando  a  Senhora 
da  Misericórdia,  o  qual  esta  na  antiga  portaria  do  velho  hos- 
pital, hoje  sala  do  banco  do  consultório  de  gynecologia,  a  cargo 
do  Sr.  Dr.  Feijó  Júnior.  Quando  para  alli  foi  removido  o  velho 
quadro  6  impossível  dizer. 

Pela  leitura  da  importantíssima  obra  do  Victor  Ribeiro 
(190^)  A  Santx  Casa  de  Misericórdia  de  Lisboa,  fiquei  convencido 


A  SANTA  CASA  DA   MISERICÓRDIA  31 

do  que  a  referida  tola  da  primitiva  padroeira  ô  talvez  repro- 
ducQao  mais  ou  menos  artística  do  grande  painel  de  Garcia 
Fernandes,  feito  em  1534,  e  que  existia  no  altar-mór  do  gran- 
dioso templo  da  Misericórdia  daquella  cidade,  mandado  con- 
struir por  D.  Manoel  e  concluído  por  D.  Jo&o  III. 

Esse  templo,  como  ó  sabido^  foi  quasi  completamente  des- 
traido  pelo  terremoto  de  1755.  No  tempo  de  Pombal  a  Miseri- 
córdia passou-se  para  o  templo  de  S.  Roque,  antiga  casa  dos 
jesuítas.  Dos  restos  da  egreja  do  tempo  do  D.  João  III  tomaram 
conta  os  Freires  de  Christo  que  lhe  deram  nova  invocação. 

A  teia  da  antiga  portaria  representa  o  grupo  da  Senhora  da 
Misericórdia  abrigando  sob  as  dobras  de  seu  manto  :  um  papa, 
vários  prelados,  a  figura  de  frei  Miguel  de  Contreiras,  um  rei, 
uma  raiuha,  fidalgos  e  homens  do  povo. 

Esse  grupo  figurava  também  em  uma  das  faces  das  ban- 
deiras de  todas  as  Misericórdias,  as  quaes,  pelo  alvará  de  24 
de  abril  de  1ÔB7,  eram  obrigadas  a  seguir  o  modelo  das  de 
Lisboa. 

No  frontão  do  novo  hospital  ostenta-se,  magnificamente 
executado,  o  grande  medalhão  representando  a  Senhora  da  Mi- 
sericórdia, pela  maneira  acima  referida. 

£  com  razão,  porque  foi  sob  os  auspioios  desse  titulo  que  os 
fundadores  da  Santa  Casa  da  Misericórdia  do  Rio  de  Janeiro  le« 
yantaram  de  pãu  a  pique  a  sua  primitiva  capella. 


Conforme  se  concluo  da  acta  de  1»  do  agosto  de  1671, 
sondo  Provedor  Thomô  Corrêa  de  Alvarenga,  a  humidade 
e  o  cupim  haviam  inutilizado  os  papeis  o  primeiros  livros  da 
Santa  Casa. 

E',  pois,  quasi  impossível  determinar  hoje  com  segurança 
o  anno  em  que  foi  construída  a  primitiva  egreja,  a  qual  j4 
existia  em  1585,  segundo  se  deprehendo  da  Narrativa  Epistolar 
do  jesuita  Fernão  Cardira. 

Felizmente,  porém,  da  destruição  escapou  o  primeiro  livro 
dos  Aecordoos   (1682-1658),  onde  se  encontra   mencioníwlo  um 


S2  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

dooamento  qae  serve  para  iodirectamente  provar  o  se^ruinte: 
foram  alada  os  companheiros  de  Bstacio  e  Mem  dé  Sá  os  qae 
levaram  a  cabo  a  coastrucgao  do  modesto  sanctaario  dedicado 
a  Nossa  Senhora  da  Misericardia. 

Reílro-me  ao  testamento  feito  em  2^  de  setembro  de 
1031  por  Diogo  Martins  Mourão,  íllho  de  Duarte  Martins  Moa- 
riU)  e  de  Jeronyma  Fartado  e  casado  com  Francisca  Serrão  de 
Thoar. 

Entre  as  disposições  de  altima  vontade  estão  as  verbas 
do  teor  segainte  :  €  Declaro  qué  sou  irmão  da  Santa  Casa  da 
Misericórdia,  de  que  foi  também  meu  pae  Duarte  Martins 
Mourão  dos  primeiros  que  ajudaram  a  faser  a  egreja  conforme  o 
tem  declarado  em  seu  testamento.  Peço  ao  Provedor  da  dita 
Casa  e  mais  irmãos  da  mesma  me  enterrem  como  irmão  que 
sou  da  dita  Santa  Casa  á  qual  deixo  para  o  Hospital  dez 
mH  réis. 

€  Deixo  em  capella  á  Egreja  da  Misericórdia  dois  lances  de 
casas  de  sobrado  com  suas  lojas  e  qaintaes  que  flcão  á  face  da  rua 
Direita  para  a  banda  do  poço,  eto.  Declaro  que  afora  das  ditas 
casas  qae  deixo  em  capella  âoa  outro  lanço  de  casas  pare^les  em 
meio  de  sobrado  e  lojas  com  seu  quintal  defronte  da  porta  tra* 
vessa  da  Misericórdia  que  fieão  ã  parte  de  minha  mulher  Fran- 
cisca Serrão  de  Thoar  emqoanto  fizer  nellas  moradia  como  suas 
que  são.» 

Abrindo  aqui  um  parenthesis,  é  bom  declarar  que  Diogo 
Martins  não  foi  sepultado  na  Misericórdia,  de  ciga  irmandade 
pedia  apenas  os  suffragios  e  acompanhamento ;  mas  sim  no 
Convento  de  Santo  António. 

Prova-se  isto  com  outra  verba  do  supradito  testamento,  na 
qual  «pede  ser  sepultado  no  templo  dos  Franciscanos,  na  ca- 
pella-mórdas  grades,  para  dentro,  na  cova  de  D.  Margarida 
mnlher  que  foi  de  Constantino  de  Menelau^  deftmto —  «a  qual 
tova  me  concedeu  o  Rvdmo.  Padre  Custodio  —  Frei  António 
dos  Anjos  a  mim  e  a  minha  mulher  Francisca  Serrão  de  Thoar 
como  se  vô  das  letras  escriptas  na  campa  que  está  sobre  a 
sepultura». 

Dahi  se  vê  que  a  mulher  do  governador  Menelau  fallecen 
o  foi  sepultada  no  Rio  de  Janeiro  e  obamavanie  Margarida;  que 


A  SANTA  CASA  DA  MISERICÓRDIA  33 

]á,  om  1631  era  fallocido  o  povoador  de  Cabo  Frio.  (Governou 
o  Rio  do  Janeiro  de  1613  a  ]617.) 

Mas  qaem  era  esse  Duarte  Martins  Mourão,  cujo  filho  se 
orgulhava  de  ter  por  progenitor  um  dos  fundadores  da  pri- 
mitiva capella  da  Misericórdia?  Por  duas  vezes  ó  o  nome  de 
Mourão  citado  por  frei  Vicente  do  Salvador»  na  sim  Historia 
do  Brazil:  a  primeira  entre  as  pessoas  que  da  Bahia  aoonKpa- 
nharam  Estacio  de  S&  ao  Rio  de  Janeiro,  taes  como  o  ouvidor 
geral  Braz  Fragoso,  Paulo  Dias  Adorno,  oommendador  de 
Santiago,  Melchior  de  Azeredo,  António  da  Costa,  Chdstovão  de 
Aguiar,  Domingos  Fernandes.  A  segunda,  a  propósito  do  Ara- 
rigboia,  quando  este  em  sua  aldeia  (1568)  foi  atacado  pelos 
Francezes  e  Tamoyos. 

«  A  este  vinhão  os  Tamoyos  ajudados  dos  Francezes  sal- 
tear e  prender,  para  fazerem  em  sua  terra  hum  solemne  ban- 
quete de  saas  carnes,  segundo  elles  o  mandarão  por  hum  men- 
sageiro dizer  ao  capitão-mór  Salvador  Corrêa  de  Sá,  o  qual 
temeroso  que  tomada  a  aldeia  tornassem  para  a  cidade  a  for- 
tificou muito  ã  pressa  e  mandou  aos  moradores  e  soldados  que 
estivessem  em  armas  e  não  menos  solicito  da  saúde  do  Índio 
amigo  lhe  mandou  logo  soccorro  de  gente  Portugueza,  ainda 
que  pouca,  animosa  e  governada,  por  Duarte  Martins  Mourão, 
seu  capitão.» 

Em  2  de  novembro  de  1566  obtinha  Duarte  Mourão  600 
braças  ao  longo  da  agua  e  800  para  o  sertão  em  Magé.  Em  14  de 
janeiro  de  1572,  com  Domingos  Mourâo  e  Estevão  de  FigueiredOt 
6.000  braças  no  rio  Acaramandahyba,  da  banda  de  cima.  Em 
6  de  agosto  de  1590,  terra  de  praia  de  Taipú  até  á  lagôa  de  Ma- 
ricá, 3.0Q0  de  costa  e  4.500  para  o  sertão.  Em  10  de  novembro 
do  mesmo  anuo,  sobejos  na  praia  e  costa  do  mar  entre  a  la- 
gôa e  Maricá.  Finalmente,  em  23  de  janeiro  de  1602,  terras  e 
campos  no  Cabo  Frio.  Tudo  consta  da  Relação  das  Sesmarias 
{Manuscripto  do  Archivo  do  Instituto  Histórico  e  impresso 
no  tomo  63^  parte  í»,  da  Revista  Trimensal  do  mesmo  Ins- 
tituto). 

Sendo  homem  importante  do  tempo,  não  á  diffloil  snppõr 
fizesse  parte  Martins  Mourão  das  primeiras  administrações 
da  Misericórdia    e  fosse  com  seus  companheiros  de  lutas, 

491—3  Tomo  lxix.  p,  i. 


34  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

povoadores  todos  do  Rio  de  Janeiro,  cooperador  de  Anchieta  na 
caridosa  e  elevada  missão  de  erguer  o  relho  hospital  e  a  an- 
tiga egreja« 

Eâta,  no  correr  de  tantos  annos,  tem  soffrido  varias  mo- 
dificações. Conforme  o  acoordão  de  8  de  julho  de  1697,  quando 
provedor  Manoel  de  Barros  Araújo,  achando-se  completamente 
perdida  a  cobertura,  contraeton-fle  um  novo  madeiramento  por 
500$,  86  a  parte  da  carpintaria,  correndo  a  expensas  da  Casa 
a  obra  de  pedreiro. 

Por  aeeordâo  de  9  de  janeiro  de  1705,  ílcou  resolvida  a  re- 
eonstme^  do  templo,  dando-se-lhe  maior  largura.  Em  1708,  es- 
tavam as  obras  concluídas,  conservando,  porém,  a  capella-mór  as 
suas  antigas  e  acanhadas  proporções.  Depois  da  ultima  recon- 
stmcçâo,  ficou  a  egreja,  por  mais  de  quinze  annos,  com  as  pa- 
redes rebocadas,  sem  pintura,  e  o  altar-mór  com  um  throno  de 
taboas,  cobertas  por  velludilho,  até  que,  em  1725,  se  tratou 
com  um  entalhador  novo  throno  e  mais  obras  de  talha,  por 
3.000  crusados,  recebendo  logo  o  artista  1.000,  por  conta.  Con- 
cluídas as  obras,  s^nstou-se  a  pintura  e  douramento  de  toda 
a  egreja  com  Francisco  Mauoel  de  Moraes,  por  750$000. 

Bm  1733,  foi  também  substituído  o  altar-mór  por  outro 
novo  da  provedoria  do  Dr.  Manoel  Correia  Vasqoes,  que  ajustou 
a*esculptnra  com  o  entalhador  Bernardo  Machado,  por  4d0$000. 
Em  3  de  agosto  de  1818,  reuntu-se  a  Mesa  e  Junta,  sob  a 
presidência  do  Provedor  Tenente-Coronel  Joaquim  Ribeiro  de 
Almeida  (por  alcunha  o  Padre  Eterno)  e  deliberaram:  <á  vista 
do  estado  de  mina  em  que  se  achava  a  Capella  Mór  e  o  perigo 
q«e  oflTereoia,  a  n&o  se  lhe  fazer  algum  reparo  e  á,  vista  do  es- 
tado de  finanças  em  que  se  achava  a  Casa,  Já  pela  grande  di- 
vida do  Real  Erário,  já  por  falta  de  legados  para  esse  fim»,  que 
se  tratasse  da  reedificando  da  mesma  capella-mór,  por  meio  de 
esmolas  dos  irmãos  e  bemfeitores. 

Em  11  de  outubro  seguinte,  foi  approvado  o  plano  apre- 
sentado A  Mesa  e  autori2on-se  o  Thesoureiro  a  mandar  demolir 
a  obra  velha  e  dar  começo  *á  nova,  que  flcou  concluída  em 
18S0,  com  muito  bom  effeito  architectonico  ;  pois  nao  só  se  deu 
maior  altura  ao  âmbito,  como  se  rasgou  uma  clarabóia  coroada 
por  um  peqaoio  Slmborio. 


A  SANTA  CASA  DA  MISERICÓRDIA  35 

Manda  a  verdade  declarar :  estefl  ultimos  apontamentos 
cDja  veracidade  coníéri  com  os  livros  da  Misericórdia,  são  ex- 
trahidos  de  umas  pagrinas  impressas  da  continuação  da  Memoria 
de  Félix  Ferreira,  as  qnaes  me  foram  dadas  pelo  illostrado  Dr. 
Pires  de  Almeida.  Elias,  poróm,  não  foram  incorporadas  â  obra 
do  finado  escriptor,  sendo,  por  isso,  inteiramente  desconhecidas. 

A  Egrei^k  da  Misericórdia  tem  passado  por  importantes  re- 
formas nsus  Provedorias  de  José  Clemente  Pereira,  Zacarias,  Co- 
tegipe  e  Panlino  de  Souza.  Tudo  isso  consta  dos  respectivos  re- 
latórios. 

Ultimamente,  o  templo  passou  por  grandes  melhoramentos, 
graças  A  iniciativa  da  actual  adminiijtração. 

Em  1623,  existia  por  traz  da  Kgreja  da  Misericórdia  um 
becoo  que  estava  em  matto  sem  sahida  e  sem  se  usar  delle.  Og 
Vereadores  daquelle  anno,  Diogo  Lopes  Pegado,  Francisco  da 
Costa  Homem,  Francisco  de  Siqueira  e  Francisco  Fernandes  Que- 
vedo cederam  á  Santa  Casa  essa  via  publica,  a  titulo  de  esmola. 

Em  uma  petição  dirigida  ao  Conselho,  allegara  a  Irman- 
dade «ter  necessidade  de  alargar  a  cerca  e  muro  para  augmento 
do  cemitério  ;  pois  já  não  tinha  logar  para  enterrar  os  mortos,  o 
que  não  podia  fazer  sem  ficar  dentro  um  becco  sem  sahida  que 
existia  entre  o  muro  da  Santa  Casa  junto  dos  chãos  que  foram 
de  Amaro  Affonso,  o  qual  becco  ficava  em  meio  e  de  cujos  chãos 
ella  Misericórdia  havia  já  comprado  seis  braças  para  o  referido 
fim  »• 

Outro  becco  separava  a  egrcja  do  quarteirão,  hoje  oo- 
cupado  pela  Faculdade  de  Medicina  (antigo  Recolhimento).  Para 
este  logradouro  dava  a  porta  travessa  do  templo.  Nas  alludidas 
paginas  impressas,  pretende  Félix  Ferreira  que  tal  becco  deeap- 
parecera  em  1708.  Essa  opinião  ó  nuUiflcada  pelos  trechos  de 
duas  escripturas  constantes  dos  livros  da  Misericórdia:  a  pri- 
meira de  1715,  pela  qual  consta  que  a  Santa  Casa  comprou  a 
Francisco  da  Silva  Costa  e  sua  mulher  Sebastiana  Antunes  cinco 
braças  de  chãos  na  travessa  que  vae  da  porta  da  Misericórdia 
para  Santa  Luxia  defronte  da  porta  travessa  daquella  egreja. 
Bsses  chãos  tinham  vindo  aos  possuidores  por  escriptura  de  dote 
de  seu  sogro  João  Gomes  Sardinha,  os  quaes  partiam  na  dita 
travessa  com  chãos  de  D.  Maria  de  Mariz. 


36  REVISTA    DO   INSTITUTO   HIíátORICO 

A  seguQda  escriptura  de  1716,  pela  qual  a  Santa  Casa  com- 
prou a  Clirístovâo  de  Almeida  Corrêa  seis  braças  de  chãos  de 
testada,  silos  em  uma  ilharga  da  Sanla  Casa  com  a  rua  em  meiOf 
1'ronleiras  d  capella  do  Apostolo  S.  T/tomá— quo  as  comprou  a 
Francisco  da  Silva  Costa  e  sua  mulher  Sebastiana  Antunes,  por 
oscriptura  feita  na  villa  de  Santo  António  de  Sá.  Partem  de 
uma  bania  com  chãos  que  foram  de  D.  Maria  de  Mariz,  ao  pé  da 
dita  Santa  Casa  e  pela  outra  fazem  canto. 

Convém  não  confundir  esses  terrenos  de  D.  Maria  de  Mariz 
com  os  que  outra  de  ogual  nome  legou  á  Santa  Casa,  no  canto  do 
becco  da  Musica,  onde  foi  levantado  o  sobrado,  ora  em  Tia  do 
demolição. 

No  quarteirão  occapatlo  hoje  pela  Faculdade  de  Medicina 
existiam  cm  1631  a  casa  de  residência  do  S-.vrgento-Mór  João 
Dantas,  a  logaia  pelo  Padro  Bartbolomeu  de  Oliveira  ã  Sanla 
Casa  e  outra  deixada  por  esto  sacerdote  ao  Prelado  Aborim,  o 
qual,  por  sua  vez,  a  deixou  ã  Misericórdia.  Preciso  é  nSo  con- 
fundir este  sacerdote  com  o  padre  Bartholomeu  de  Franca,  que, 
em  173S,  logou  casas  fronteiras  ao  Hospital. 

Estas  ultimas  davam  fundos  para  os  qaintaes  das  casas  de 
Lopo  Gago  da  Camará,  Domingos  Gomes  e  Manoel  Nunes  Fayal, 
sitas  em  outra  travessa,  mais  tarde  chamada  do  Recolhimento. 

Tudo  isso  vem  a  propósito  para  dar  ligeira  idéa  dessa  an- 
tiga zona  da  cidade,  cuja  topographia,  dífflcil  do  fazer-so  pela 
deficiência  de  muitos  documentos,  não  deixa  de  ser  curiosa. 


o  HOSPiTAL  V£LHO 

Para  se  ter  suffleiente  idéa  do  que,  ainda  na  primeira  me- 
tade do  século  passado,  era  o  antigo  Hospital  da  Misericórdia, 
existem  felizmente  dois  documentos:  o  relatório  apresentado  em 
1830  á  primeira  Camará  Municipal  e  a  Planta  Topographica 
levantada,  em  13:^9,  pelo  tâuente-coronel  do  engenheiros  Do- 
mingos Monteiro. 

Etn  virtude  do  art.  56  da  Carta  da  Lei  de  1  de  outubro  de 
1828,  a  qual  reformou  as  nossas  antigas  Municipalidades,   a 


A   SANTA  CASA   DA  MISERICÓRDIA  37 

Cí>mara  do  Rio  de  Janeiro  nomeou  os  cidadãos:  João  Silveira  do 
Pilar,  José  Martins  da  Cruz  Jobim,  António  Ildefonso  Gomes, 
João  Pedro  da  Silva  Ferraz,  António  Ribeiro  Fernandes  Fortes, 
Gypriano  José  de  Almeida  e  José  Augusto  Ce«ar  de  Menezes 
para  formarem  a  Commús(!ro  destinada  a  visitar  as  pris(!ies  civis, 
militares  e  ecclesíasticas,  os  cárceres  dos  conventos  dos  Regu- 
lares e  todos  os  estabelecimentos  públicos  de  caridade. 

Dando  cabal  cumprimento  a  essa  missão,  os  nomeados  apre- 
sentaram extenso  relatório,  do  qual  destacarei  os  principaes 
topleos,  oom  referencia  á  Santa  Casa:  «  O  hospital  da  Miseri- 
córdia, situado  junto  ao  mar,  nas  fraldas  de  uma  montanha,  e 
exposto  a  toda  a  violência  das  variações  e  transportes  do  ar, 
que  são  próprios  dos  paizes  marítimos,  occupa  uma  das  posi- 
ções mais  insalubres  desta  cidade  :  a  humidade,  causa  de  innu- 
merams  moléstias,  deve  ser  alli  excessiva,  por  ficar  o  estabe- 
lecimento pouco  elevado  do  nivel  do  mar,  porque  deve  receber 
deste  um  ar  mais  saturado  do  vapor  aquoso,  porque,  final- 
mente» ficando  junto  de  uma  montanha,  recebe  as  oxhalações 
de  vapor,  que  esta  transmitto  continuamente  &  atmosphera, 
além  do  flue  a  experiência  tem  mostrado,  ao  menos  na  Europa, 
a  respeito  de  todos  os  estabele8imentos,  onde  ha  grande  ajunta- 
mento de  homens,  situados  em  legares  expostos  a  uma  venti- 
lação excessiva  e  desegual,  como  são  o  cimo  da  montanha  c  o 
logar  em  que  se  acha  o  hospital,  por  ciusa  das  variações 
diárias  queelles  são  sigeitos  á  grande  mortalidade. 

«  A  commissão,  porém,  ainda  relevaria  a  má  situação  deste 
estabelecimento,  si  outras  coisas  contribuíssem  para  contraba- 
lançar 08  males  que  delia  procederão;  infelizmente,  nada  vimos 
digno  de  louvor,  nada  de  que  é  indispensável  para  um  bom 
hospital :  tudo  ô  mesquinho,  tudo  indica  uma  ignorância  abeo- 
luta  da  hyglene  daquellas  casas:  ventilação,  asseio,  commodi- 
dade  para  o  tratamento  o  distracção  dos  doentes,  tudo,  emfim, 
se  teve  em  pouca  conta  na  construcção  daqueile  miserável 
edificio,  feito  aos  pedaços,  desde  o  seu  principio,  á  medida  que  o 
exigia  o  accresoimo  da  população. 

<  Aconteceu-lhe  o  mesmo  que  a  essas  grandes  cidades  que 
attestam  a  imprevidência  humana  ou  o  poueo  apreço  em  quo  se 
(em  as  gerações  Alturas :  para  qualquer  parte  que  sò  volte,  não 


38  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

se  encontra  nelle  nada  qae  agrade»  nada  do  que  ó  dictado  pelas 
mais  simples  regras  de  hygiene :  o  payimento  inferior  está 
quasi  ao  ni^ei  do  terreno  circumyisinho  ;  ô  por  isso  muito  hú- 
mido, quando  era  necessário  que  o  soalho  tivesse  alguns  palmos 
de  elevado  e  que  por  baixo  pudesse  circular  algum  ar,  em  al- 
gumas partes,  sendo  simplesmente  ladrilhado,  o  tijolo  repousa 
immediatamente  sobre  a  terra  e  transraitte  toda  a  sua  humi- 
dade. 

<  Neste  payimento  estfio  yarias  enfermarias  :  a  dos  doidos» 
a  dos  invalides  e  doas  de  cirurgia. Nestas  ultimas  é  tal  a  aceumu- 
lacão  dos  doentes  e  a  fiJta  de  circulação  do  ar  que  os  enfer- 
meiros asseguram  que  durante  a  noite  lhes  é  penoso  entrar 
nellas  o  que  sfto  obrigados  a  abrir  as  Janellas,  preferindo  expor 
aquellos  desgraçados  ao  ar  nocivo  da  noite,  a  deizal-KM  perecer 
abafados. 

<  A  primeira  destas  salas  tem  de  comprimento  11  braças,  de 
largura  4  Vt*  ^  P^  qnando  muito  de  altura  e  contém  88  camaa 
efléctivas.  Ora,  sendo  o  preceito  dado  por  Tenon  e  oonfirmado 
por  todos  os  autores  que  têm  esoripto  sobre  hygiene  dos  hospi- 
taes,  que  uma  sala  com  13  toezas  de  oomprimento,  4  de  lar- 
gura e  14  pés  de  altura,  não  deve  conter  mais  de  18  doentes, 
segue-se  que  esta  só  pôde  oonter  9  ou  um  terço,  pouoo  mais 
ou  menos,  dos  que  contém.  Adverte-se  que  algumas  Teses  ella 
contém  40. 

«  Mette-se  um  angulo  escuro  onde  estão  8  doentes  e  segue-eo 
outra  enfermaria  com  14  braças  de  oomprimento,  4  de  largura, 
oomprehendido  o  espaço  ocoupado  por  uma  parede  do  meio, 
damo5-lhQ  14  pés  de  altura  que  de  certo  não  tem.  Segundo  o 
mosmo  preceito,  ella  não  pôde  conter  mais  de  26  doentes  e 
contém  65  effecti  vos . 

<  Bsta  sala  é,  demais,  um  subterrâneo  abaixo  do  terreno 
que  flca  ao  lado  do  morro  e  só  tem  janellas  da  parte  opposta 
ao  Norte.  Segue-se  a  casa  dos  inválidos:  é  um  pequeno  telheiro, 
conhecido  no  hospital  pelo  nome  de  galUnheiro^  no  qual  chove 
por  todos  os  1  idos  e  que  não  pôde  servir  para  residência  de  vi* 
vente  algum. 

«  B*  aqui  que  vimos  penetrados  do  maior  horror  17  doentes 
oondemnados  a  solfrer  até  4  morte  e  quem  poderá  orer  que  é 


A  SANTA  CASA  DA  MISERICÓRDIA  39 

no  Rio  éb  Janeiro,  na  Capital  do  Brazii,  que  se  encontram  seme. 
Ihantes  misérias  t  Mas  ainda  nio  é  tudo:  no  mesmo  pavimento 
eetfto  09  doidos  quasi  todos  juntos  em  uma  sala,  a  que  chamam 
madrez^  por  onde  passa  um  cano,  que  conduz  as  immundicies 
jàa  hospital.  Aqai  vimos  uma  ordem  do  tarimbas  sobre  que 
dormem  aquelles  miseráveis,  sem  mais  nada  do  que  algum 
colchão  podre,  algum  lençol  e  travesseiro  de  aspecto  hediondo  ; 
também  vimos  um  tronco,  que  é  o  único  meio  que  ha  de  conter 
00  furiosos,  resto  desses  tempos  bárbaros  de  que  a  medicina  se  . 
envergonha  hoje,  quando  se  procurava  conter  os  que  tinham  a 
daegraga  de  perder  a  razSo  com  os  azorragues  e  toda  sorte 
de  martyrios.  Ha  alguns  quartos  em  que  mettem  os  mais 
furiosos  em  um  tronco  commum  deitados  no  chão  onde  passam 
os  dias  e  as  noites,  debatendo-ee  contra  o  tronco  e  soalho,  no 
que  se  ferem  todos,  quando  ainda  não  vem  outro,  que  com  elles 
esteja  e  que  os  maltrate  horrivelmente  com  pancadas. 

«  Nas  enfermarias  de  medicina  encontra-se  uma  primeira 
sala,  onde  o  ar  não  pôde  circular,  porque  só  de  um  lado  tem 
janeUas  abertas  e  no  que  fica  em  face  ha  três  que  se  conservam 
Cachadas  para  livrar  os  quartos  oontiguos  da  infeccibo  da  sala. 

€  Da  parte  da  entrada  não  pôde  vir  sinão  um  ar  corrompido 
peias  enCarmarias  visinhas.  Do  lado  opposto  não  ha  uma  só 
Janelia,  mas  duas  espécies  de  ^vemas  onde  apenas  penetra 
alf  um  ar  e  luz  e  que  servem  também  para  gente  doente. 

<  Segue-se  a  grande  enfermaria,  oonstrulda  a  angulo  recto 
sobre  a  primeira,  eUa  lhe  truismitte  por  meio  de  uma  grande 
porta  de  communicação  todo  o  ar  que  jã  serviu  para  mais  de 
eem  doentes  e  que  vae  de  novo  alimentar  o  de  30  a  50  que 
eetio  da  maneira  que  dlMemos.  Algumas  janellas  das  que  estão 
do  lado  do  náar  ainda  se  fecharam  ató  o  meio  com  um  telheiro 
em  que  estão  as  catacumbas. 

€  As  camas  teem  entre  si  uma  distancia  de  quatro  a  seis 
palmos  e  no  intervallode  cada  uma  se  fizeram  nichos  na  parede 
para  guardar  os  vasos  de  precisão  doe  doentes  e  que  são  outros 
tantos  focos  de  infecção  para  toda  a  sala,  quando  era  indispen- 
sável que  se  fizesse  uma  latrina  para  todos  os  que  tivessem  forças 
suffieientes  para  lã  irem  e  que  só  os  impossibilitados  tivessem 
junto  de  si  os  vasos  necessários  hermeticamente  feshados» 


40  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

€  Esta  latrina  deverá  ser  ocmstraida  segando  o  methodo  de 
Darcet  e  se  poderá  aproveitar  para  estabelecer  a  corrente  de  ar 
no  tubo  de  appaliacao  a  chaminé  da  cozinha,  que  âea  ao  pé  desta 
enfermaria. 

«  As  camas  são  de  páu,  quando  deveriam  ser  de  ferro  por 
oansji  dos  insectos,  porque  elle  ó  de  duração  perpetua  e  porque 
não  transmitte  com  o  páu  os  principies  miasmaticos  ezhalados 
pelos  doentes.  A  roupa  da  cama  pareceu-nos  pouco  acseiada,  mas 
os  mesmos  doentes  nos  pareceram  menos  asseiados.  Os  colchões 
e  os  travesseiros,  dizem  que  servem  de  doente  a  doente  até  que 
se  corrompam  do  todo.  As  camas,  estando  tão  unidas  que  quasi 
que  se  tocam  em  algumas  partes,  não  teem  cortinados,  trastes 
desconhecidos  no  Hospital  e  que  consolo  para  um  desgraçado 
doente  estar  vendo  expirar  ao  pé  de  si  o  pobre  companheiro,  com 
quem,  ha  pouco,  conversava  1  Não  nos  animamos  a  proseguir 
com  receio  de  fatigaj»  a  vossa  paciência. 

«  No  resto  do  ediâcio  tudo  está  pouco  mais  ou  menos  da 
mesma  sorte  e  o  serviço  interior  corresponde  a  estas  misérias  pa- 
tentes. Nada  alli  vimos  do  que  é  necessário  para  a  salubridade  de 
um  bom  hospital :  enfermarias  comprimidas,  a  maior  parte  sem 
ser  forradas,  janellas  em  cima  muito  distantes,  salas  sem  venti- 
lação alguma,  como  por  exemplo  a  chamada  do  axou^e  que  não 
pede  servir  para  ente  que  respire,  latrinas  de  construção  tal, 
que  infeccionam  os  legares  circumvisinhos,  um  cano  que  empesta 
quasi  todo  o  Hospital  e  conduz  também  as  immundicies  do  Hos- 
pital Militar  e  com  tudo  isso  ha  de  mais  um  cemitério  ao  pé  dos 
doentes,  no  qual  se  enterram  todos  os  dias  para  cima  de  vinte 
cadáveres  quasi  á  íiôr  da  terra,  por  não  ser  possível  aproAindar-se 
muito ;  com  um  poço  que  não  devia  servir  nem  para  lavar 
roupa  e  que  se  acha  em  íogar  que  j&  serviu  também  de  cemitério. 
Domais  não  ha  agua  dentro  do  estabelecimento.  Não  ha  uma 
casado  banhos,  não  ha  recreio  algum  para  os  convalescentes. 

«Finalmente, os  construotores  de  semelhante  casa  parece  que 
tiveram  em  vista  a  opinião  paradoxal  de  Arthur  Young  que,  por 
motivos  de  economia  politica,  pretendia  que  aquellas  casas 
devem  ser  um  objecto  de  horror  para  o  povo,  aftm  de  diminuir 
o  mais  possível  o  numero  de  infelizes  que  tentasse  recorrer  a 
ellas  nas  suas  moléstias  ! 


A  SANTA  CASA  DA  MISERICÓRDIA  41 

<  Assim  dizia  o  economista  :  €  Tornae  o  povo  mais  pre- 
vidente e  diminuireis  o  numero  de  vadios.  Mas  oh !  delir io 
humano,  o  que  poderá  reservar  para  as  suas  precisões  extra- 
ordinárias um  desgraçado  trabalhador  que  apenas  ganha  para 
sustentar-se  a  si  e  a  sua  familia  ?  E  a  socic<iade  que  recebe  o 
beneficio  desse  trabalho  ha  de  abandonai- o  a  todos  os  horrores 
da  miséria  ? 

<  Façam  leis  severas  contida  os  vadios,  nóa  o  reclamamos  em 
beneficio  da  nossa  pátria  e  do  hospital  que  os  trata  em  grande 
numero  nesta  cidade,  mas  tenhamos  um  Estabeleoimento,  que 
é  indispensável  e  que  não  sirva  para  vergonha  nossa  aos  olhos 
de  todo  o  mundo.  » 


Conforme  roza  a  tradição,  os  terrenos  cm  que  foram  con- 
struídos o  velho  hospital  e  a  egreja  da  Misericórdia  perten- 
ceram a  um  particular,  que  os  cedeu  por  esmola  para  fun- 
dação da  Santa  Casa. 

Sou  do  opinião,  salvo  melhor  juizo,  que  esse  primeiro 
protector,  suggestionado  talvez  pelo  venerável  Anchieta,  fosse 
Gonçalo  Gonçalves  —  o  velho  — ,  assim  chamado  para  se  diíTe- 
renciar  de  outro  de  igual  nome,  também  mais  tarde  bemfeitor 
da  Misericórdia.  O  retrato  deste  e  de  sua  mulher  figuram  em 
um  dos  oorredores  do  Hospital  Novo. 

Que  Gonçalo  Gonçalves,  o  velho,  possuía  grande  zona  de 
terreno  no  sopó  do  antigo  morro  da  Só  ou  de  S.  Sebastião 
(Castello)  e  por  onie  foi  aberta  a  rua  outr*ora  Direita  e  hoje  da 
Misericórdia,  não  ha  menor  duvida.     * 

Em  seu  testamento,  feito  em  20  de  outubro  de  1620,  le- 
gava elle  á  Santa  Casa  o  restante  de  soas  propriedades  •— 
casas  de  pedra  e  cal  e  terrenos  que  iam  á  praia,  situados  no 
lado  impar  daquella  rua  e  as  quaes  ainda  fazem  parte  do  pa- 
trimónio da  Misericórdia.  Estavam  situados  em  frente  da 
pedreira  que  ainda  hoje  pôde  ser  vista  nos  fundos  dos  prédios 
116  a  128  da  mencionada  rua. 

Demais,  como  é  sabido,  no  segundo  governo  de  Salvador 
Corroa  de  Sá  (1592),  vieram  a  esta  cidade,  com  o  intuito  de 


42  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

fundar  convento,  os  pa4r68  capuchos  frei  António  doi  Mar- 
tyres  e  frei  António  das  Chagas.  O  governador  deu-lhei  a  es- 
colha de  differontes  localidades ;  mas  aquelles  religiosos  se  ooii- 
tentaram  com  a  ermida  de  Santa  Luzia,  situada  em  logar  di- 
verso da  actual  egreja  desta  santa  e  mais  nas  proximidades  da 
Misericórdia. 

De  accordo  com  o  prelado  ecclesiastico  Bartholomeu  Si- 
mOes  Pereira,  os  confrades  de  Santa  Luzia  resolveram  ceder 
aos  franciscanos  não  só  a  capelia  como  também  os  bens  patri- 
moniaes  a  esta  pertencentes. 

Além  disso,  obtiveram  os  religiosos  para  sua  clausura  ê  r#- 
colhimento  (diz  a  escriptura  de  28  de  fevereiíD  de  1592,  lavrada 
pelo  tabellião  Pedro  da  Costa)  c  todo  o  chão  que  ha,  começando 
de  uma  cruz  que  está  antes  da  dita  ermida  (Santa  Luzia),  vindo 
pelo  caminho  debaixo  e  partindo  com  os  chãos  de  Gonçalo  Gon^ 
çalves  e  dahi  irão  correndo  ao  longo  da  cerca  dos  padres  da 
companhia  ató  o  forte  já  dito  que  está  abaixo  da  Sé,  deixando  á 
mão  direita  o  caminho  e  rua  publica  e  do  dito  baluarte  irfto 
correndo  pelo  trasto  desta  cida^le,  partindo  com  elle  pela  banda 
de  baixo  atô  os  chãos  de  Anna  Barroso  e  dahi  rumo  directo  ao 
mar  ficando  sempre  o  caminho  livre  e  serventia  pela  praia  ao 
longo  e  irão  correndo  atô  dar  com  o  chão  do  dito  Gonçalo  Gon- 
çalves pela  parte  do  mar  e  dahi  irão  correndo  direito  A  cruz 
donde  começamos  a  demarcação,  etc.,  etc.» 

Ejse  documento,  reproduzido  no  Arohivo  Municipal,  anno 
1894,  pags.  52-54,  está  assignado  por  Salvador  Corrêa,  o 
administrador  ecclesiastico,  André  de  Leão,  J<mU)  de  Bastos, 
Estevão  de  Araújo,  Pedro  Gonçalves,  Domingos  Machado,  Julião 
Rangel,  Gonçalo  de  Aguiar,  Álvaro  Fernandes,  Bartholomeu 
Vaz,  Thomé  de  Alvarenga,  Gonçalo  Gonçalves,  Álvaro  Pemandes 
Teixeira,  Pedro  Gomes,  João  Dias,  Bartholomeu  Peres  Ferreira, 
Manoel  do  Brito,  Manoel  de  Torres,  cujos  nomes  figuram  tam- 
bém nos  antigos  livros  da  Misericórdia. 

Em  20  de  íovereiro  de  1607,  chegou  ao  Rio  de  Janeiro  o  cus- 
todio dos  Franciscanos  Frei  Leonardo  de  Jesus,  trazendo  em 
sua  companhia,  além  de  outros,  o  muito  conhecido  Frei  Vicente 
de  Salvador,  que  escreveu  a  sua  HiHoria  do  Brazil^  publicada 
pela    Blbliotheca    Nacional   (1889).    Frei    Leoniurdo    e  mui 


A   SANTA  CASA  DA   MISERICÓRDIA  43 

companheiros  foram  hospedados  nas  proximidades  da  Miseri- 
córdia, em  casa  de  Pedro  AfTonsOf  por  traz  do  Hospital, 
propriedades  que,  como  já  ylmos,  a  Misercordia  comprou,  mais 
tarde,  a  Amaro  AíTonso,  herdeiro  de  Pedro  AíTonso. 

Frei  Leonardo  não  achou,  porém,  conveniente  o  sitio  de 
Santa  Luzia,  doado  em  1592  e  acceitou,de  accôrdo  com  o  Gover- 
nador Martim  de  Sá,  outro  logar  qu«  se  chamava  então  o  outeiro 
do  Carmo  (hoje  morro  de  Santo  António),  defronte  da  várzea  e 
bairro  de  Nossa  Senhora  e  a  cavalleiro  de  uma  antiga  lagoa, 
onde  o  pae  de  Philippe  Fernandes  tinha  o  seu  cortume.  Aquello 
outeiro  havia  sido  doado  aos  Carmelitas,  que  delle  não  se  qui- 
zeram  utilizar. 

Feita  a  competente  escriptura  em  O  de  abril,  diz  Jaboatão,e 
tomada  posse  do  logar,  os  Religiosos  que  ató  então  assistiam  em 
a  Santa  Casa  da  Misericórdia,  logo  na  seguinte  segunda^feira,  dia 
de  Nossa  Senhora  dos  Prazeres  (25  de  abril),  se  passavam  para 
sua  nova  residência,  elevando  um  hospício  próximo  ao  logar  em 
que  está,  hoje,  a  Imprensa  Nacional. 

Dizem  os  chronifltas  que  Frei  Leonardo  do  Jesus  se  desgostara 
do  sitio  de  Santa  Luzia  pela  vizinhança  dos  Padres  da  Com- 
panhia de  Jesus.  E'  mais  provável  que  aquelle  Religioso  cedesse 
ás  insinuações  do  Governador  Martim  de  Sá,  então  Provedor  da 
Misericórdia,  o  qual  mostrara  a  Frei  Leonardo  a  necessidade 
que  tinha  a  Santa  Casa  dos  terrenos  para  ampliar  a  área  do  pri- 
mitivo hospital  e  o  cemitério  que  lhe  ficava  próximo. 

Mas,  perguntará  o  leitor,  a  contiguidade  dos  terrenos  per- 
tencentes a  Gonçalo  Gonçalves,  os  quaes  começavam  na  rua 
da  Misericórdia,  era  cortada  pela  ladeira  do  Collegio?  Não. 
A  primitiva  ladeira  tinha  outra  direcção,  feita  por  Mem  de  Sá, 
e  calçada  em  1620;  terminava  na  rua,  hoje,  da  Misericórdia, 
quasi  em  frente  dos  prédios  109  e  113  da  numeração  actual. 
Quem  noi-o  af&rma  é  o  vice-rei  conde  da  Cunha,  successor  de 
Gomes  Freire  de  Andrade,  conde  de  Bobadelia. 

Quando  aquelle  vice-rei  peiiu  e  obteve  da  metrópole  a  mu- 
dança da  residência  das  casas  da  praça  do  Carmo  (hoje  Repar- 
tição dos  Telegraphos  e  antes  Palácio  Imporia!)  para  o  Collegio 
dos  Jesuítas,  deu  nova  dii*acção  á  antiga  e  primitiva  ladeira. 

Na  carta  dirigida,  em  8  de  março  de  1767,  pelo  vice-rei  conda 


44  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

da  Cuaha  ao  ministro  FraDcLsco  Xavier  d3  Mendonça  Furtado, 
leio:  ta  esta  régia  casa  paz  nomo  de  Palácio  de  S.  Sebastião  por 
concorrerem  muitos  motivos  para  dever  ter  este  grande  nomo. 
Fica-s0  trabalhando  em  um  caminho  novo  para  sua  serventia ; 
porque  o  que  até  agora  teve  sendo  feito  para  redes  e  não  para  car- 
ruagens de  rodas  ora  excessivamente  áspero  por  íngreme  e  n&o 
tinha  romcdio  por  não  ter  terreno  para  onde  se  pudesse  pro- 
longar e  suavísar,  também  por  estreito  era  incapaz,  porgue  nâo 
cabia  por  elle  mais  que  uma  sege  e  com  aperto,  tendo  d  parte 
do  mar  o  despenhadeiro,  que  6  horroroso,  e  pela  da  terra  o  monte 
do  Castdllo,  que  se  nâo  podia  cortar,  por  ser  altíssimo  e  a  prumo 
sobre  o  mesmo  caminho.  O  novo  se  faz  pela  Misericórdia  que  será 
muito  suave  e  com  largura  bastante  para  se  poder  desemba- 
raçar as  carruagens,  etc.  {Códice  do  Archivo  do  Jnst.  Histórico 
e  Geo.  Brás,  Correspondência  dos  vice- reis  1763 — Í777,) 

Não  sei  como  conseguiria  o  condo  da  Cunha  fazer  subir 
carros  na  hoje  ainda  muito  Íngreme  ladeira  da  Misericórdia, 

Seu  sucoessor,  o  conde  de  Azambuja,  porém,  preferira  con- 
tinuar a  residir  na  nntiga  casa  da  Praça,  indicando  &  metrópole 
o  CoUegio  dos  Jesuítas  para  ahi  ser  estabelecido  o  Hospital 
Militar. 

Entre  outras  razões  escrevia  quo  a  nova  ladeira  era  de  tão 
difflcil  accesso  quo  para  se  ir  ao  alto  —  de  paquebote  —  era 
necessário  amarrar-lhe  as  rodas  com  cordas  ! 

Foi  nesse  ponto  occupado  pelo  aterro  da  ladeira  nova  que, 
a  mou  ver,  foi  levantado  o  primeiro  hospital,  grande  galpão 
de  taipa  do  mão,  coberto  de  sapo  feito  ás  pressas  para  ac- 
commodar  os  marinheiros  enfermos  da  esquadra  de  Diogo  Flores 
Valdez. 

Nas  proximidaiJes  do  morro,  tendo  casa  pela  parto  poste- 
rior, apresentava  fi*ente  voltada  para  a  praia  ou  antes  para 
o  antigo  forte   (depois  de  Santiago  e  ora  Arsenal  de  Guerra). 

Além  de  um  lanço  quo  ainda  hoje  existe  junto  ao  edifício 
antigo,  é  a  minha  opinião  justificada  pelo  documeuto  seguinte 
que  encontrei  no  livro  dos  Accórdãos(  1622-1658).  Ref!ro-me  ães- 
criptura  de  14  de  agosto  de  1626,  pela  qual  a  Misericórdia  com- 
prou, -a  Francisco  Fernandes,  chãos  partindo  com  casas  que  foram 
de  João  Gomes  Sardinha,  que  partem  com  esta  Santa  Casa  de 


A  SANTA  CASA   DA   MISERICÓRDIA  45 

uma  banda  e  da  outra  fazendo  canto  de  rua  com  a  ladeira 
e  calçada  que  vae  para  o  Gollegío  e  por  trás  com  as  casas  que 
foram  de  Amaro  Affonso  e  diversos  herdeiros,  os  quacs,  ora  são 
da  Santa  Casa.  Os  prédios,  parto  do  hospital,  de  João  Gomes 
SarJinha,  haviam  sido  pela  Misericórdia  permutados  com  outros 
legados  por  Gonçalo  d' Aguiar.  Essas  permutas  e  compras  foram 
feitas  no  tempo  da  Provedoria  do  Prelado  Ecclesiastico  Ma- 
theus  da  Gosta  Moreira,  também  bemfeítor  da  Misericórdia. 

Félix  Ferreira,  na  sua  Memoria,  diz  vagamente  que  o  padre 
Aborim  emprehondeu  grandes  obras  para  ampliar  o  velho 
hospital.  Que  o  administrador  ecclesiastico  ora  amante  de  con- 
strucQÕes  temos  a  prova  em  uma  petição  dirigida  ao  Conselho 
Municipal  e  existente  em  um  dos  livros  do  antigo  Senado  da 
Gamara. 

Diz  Simão  Pires,  pedreiro,  que  tem  cem  braças  de 
terra  no  districto  da  Carioca,  por  uma  carta  de  aforamento 
da  Gamara  qao  ora  apresentava  e  porque  elie  snpplicante 
não  tem  possibilidades  para  nellas  fazer  bemfeitorias  neces- 
sárias 03  queria  passar  ao  Senhor  Administrador  padre  Ma- 
theus  da  Costa  Aborim  por  lhe  serem  muito  necessárias  em 
razão  de  terem  feito  nellas  ambos  uma  olaria  para  se  fazer  ti- 
jolo e  telhas  para  muitas  obras  que  o  dito  senhor  queria  fazer 
e  fasta  nesta  cidade^  pedia  houvessem  por  bem  lhe  darem  li- 
cença para  traspassar  ao  dito  Matheus  e  darem-lhe  nova  carta 
com  as  originaes  obrigações  —  Daspacho  —  Qao  pagando  o 
foro  que  pagava  Simão  Pires  lhe  farião  aforamento  para  pre- 
fazer  o  tempo  qae  faltava  ao  dito  Simão  Pires  da  quantia  de 
dois  novos  annos  declarados  e  nomeados  na  primeira  carta  que 
o  ditoSímáo  Pires  teve  de  aforamento  desta  Gamara. ~  'Em 
29  de  outubro  de   1611. 

Antes  de,  succiotamente,  descrever  as  condições  topogra- 
pbicas  do  velho  hospital,  no  primeiro  quartel  do  século  jpassado, 
algo  dlret  acerca  das  suas  visinhanças. 

Situando  no  pequeno  largo  que  tomou  o  nome  de  Mise- 
ricórdia, tendo  em  frente  a  terminação  da  Ladeira  Nova,  a 
antiga  casa  de  caridade  estava  contígua  ã  cgreja  e  em  seguida 
a  esta  corria  a  flrontaria  do  ediâcio  do  Recolhimento  das  Orphãs 
(hoje  Escola  de  Medicina). 


46  REVISTA   DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Neste  ponto  desembocava  o  Becco  dos  Tambores,  cortando 
em  angulo  quasi  recto  o  becco  do  Calabouço,  em  cujo  Am  ficava, 
até  1835,  a  antiga  entrada  da  Casa  do  Trem,  depois  Arsenal  de 
Guerra.  Este  becco  (do  Calabouço)  não  era  mais  que  o  prolon- 
gamento da  antiga  rua  Direita,  da  Misericórdia  para  S.  Bento. 
Do  lado  opposto  do  hospitat  abria-se  o  Bec^co  do  Trem  e  junto  a 
este  viase  a  Casa  dos  Expostos,  construída  em  1821  (hoje  Biblio- 
theca  da  Faculdade  de  Medicina). 

E'  de  notar  que  não  havia  o  angulo  hoje  existente  no  edificio 
do  Arsenal.  O  local  occupado  por  um  janpo  do  quartel  de  arti- 
lharia, foi  demolido,  quando  ministro  da  guerra  José  Clemente 
Pereira,  de  sorto  que  o  becco  do  Calabouço  principiava  junto  do 
becco  do  Trem,  em  frente  à  portaria  do  Recolhimento,  piesente. 
mente  occupada  pela  casa  do  porteiro  da  Escola  de  Medicina. 

Quem  quizesse  passar  do  largo  da  Misericórdia  para  Santa 
Luzia  tinha  dous  caminhos  a  seguir  :  pelo  becco  do  Calabouço 
dobrava  o  becco  dos  Tambores  e  depois  o  do  RecoViimento  (por 
detrás  deste  edificio),  continuava  pela  rua  de  Santa  Luzia,  dei' 
xando  á  esquerda  o  cães  do  Vigário,  assim  chamado  por  ter  re 
sidoncia,  alli,  o  padre  Bernardo  José  da  Silva  Veiga,  parocho  de 
S»  José. 

O  becco  dos  Tambores  era  bastante  estreito  e  foi  alargado, 
demolidas  varias  casas  compradas  por  José  Clemente  Pereira, 
quando  teve  de  ampliar  o  Recolhimento.  Desse  logradouro  pu* 
blico,  doado  pelo  benemérito  provedor,  apoderou-se  o  governo, 
fazendo,  ha  annos,  construir,  alli,  o  edificio  do  Laboratório  de 
Hygiene. 

A  segunda  passagem  podia  ser  feita  por  baixo  de  um  arco 
(como  o  do  Telles)  formando  uma  espécie  de  tunnel  ciga  parede 
superior  era  o  soalho  do  !">  andar  do  Recolhimento.  Esta  pas- 
sagem alumiada  á  noite  por  um  lampião  de  aceite  de  peixe  era 
perigosa.  Alli  reuniam-se  mendigos  e  gente  da  peior  espécie, 
havendo  constantes  desordens  è  praticas  de  actos  de  pouca 
moralidade.  Foi  fechada  em  1837.  Ainda  hoje,  se  notam  os  ves- 
tígios do  arco  na  froate  da  dependência,  occopada  pela  Empreza 
Funerária  para  fabrico  de  caixões.  Por  essa  passagem  deixando 
â  esquerda  o  becco  do  Recolhimento  e  á  direita  o  lado  do  Evan- 
gelho da  Egreja  ia  se  ter  ás  catacumbas,  parte  das  quaes  ainda 


A  SANTA  CASA  DA   MISBRICOHDU  47 

86  notam  na  Botica  Velha  e,  costeando  o  lado  do  Hospital 
velho  da  parte  do  mar,  sahia-se  ao  lado  do  Cemitério  Novo^ 
eqjo  muro  principal  olhava  para  a  Praia  de  Santa  Luzia. 

Ck>mo  ô  sabido,  o  velho  cemitério,  que  fUncoionou  até  1829, 
estava  mais  para  junto  do  morro  do  Gastello,  perto  de  uma  das 
enfermarias  de  dmrgia,  situadas  no  pavimento  inferior  dà 
parte  do  velho  hospital,  demolido  para  construcçâo  das  obras 
do  novo,  e  encetadas  no  tempo  de  Jos6  Clemente.  Foi  no  referido 
anno  (1829)  que  a  Misericórdia  obteve  do  governo  do  primeiro 
Imperador,  mediante  certas  condições,  a  faculdade  de  ampliar 
a  área  do  primitivo  e  antiquíssimo  cemitério,  onde,  por  annos 
e  annos,  foram  sepultados  milhares  de  cadáveres. 

Voltando  ao  largo,  e  contemplando  a  fachada  do  templo, 
notarei  qne  esta  nada  roíhreu  em  suas  condições  de  architectura. 

Somente  as  duas  janellas,  gnamecidas  de  grossos  varões 
de  ferro,  ha  poncof  annos  foram  substituídas  por  balaustres  de 
mármore* 

Ck>nvém  lembrar  que,  no  átrio  da  egreja  foi  sepultado 
como  pedira  em  testamento,  o  provedor  Thomô  Corrêa  de  Al- 
varenga, cd^  serviços  á  Misericórdia  foram  dignamente  com- 
memorados  por  Félix  Ferreira,  em  sua  interessante  Ifsmorúx. 
Thomé  Corroa,  como  é  sabido,  governou  por  vezes  a  Capitania 
do  Rio  de  Janeiro,  e,  em  1661,  foi  o  bode  expiatório  das  iras  po- 
pulares, quando  substituía  Salvador  Benevides,  ausente  em  São 
Paulo,  no  entabolamento  das  minas.  ^  '  - 

A  fachada  do  hospital  velho  apresentava,  como  ainda  hoje, 
além  do  pavimento  térreo,  mais  dois  superiores  com  sois  ja- 
nellas.  Estas  foram  por  muito  tempo  de  peitoril,  guarnecidas,  a 
principio  de  rotulas,  de  madeira  e,  mais  tarde,  por  grades  de 
íSnrro.  Isto  vd-se  perfeitamente  no  retrato  dobemfeitor  capitão 
Manoel  Jorge  da  Silva,  fallecido  em  1820,  existente  na  respe- 
ctiva galeria. 

Até  &  provedoria  do  Dr.  Manoel  Corrêa  Yasques  (1734),  o 
hospital  apresentava  um  só  pavimento  superior.  Nesse  tempo, 
havendo  afiSnencia  de  enfermos  pensionistas,  a  mesa  deliberou 
constrair  um  segondo  andar,  passando  para  elle  a  Sala  do  Des- 
pacho e  destinando  o  primeiro  para  aquelle  alludido  âm.  Em 
tempos  mais  próximos,  no  primeiro  andar  funccionou  por  muitos 


48  REVISTA   DO   INSTITUTO  HISTÓRICO 

annos  a  secretaria,  da  qual  foram  chefes  o  velho  Caminha  e 
Daniel  Colonua.  Hoje,  estÀallí  um  dormitório  de  asyladas  e  no 
segundo  pavimento  funociona  a  maternidade,  a  cargo  do  Sr.  Dr. 
Feijó.  ( Enfermaria  n.  27.) 

Construído  aos  poucos,  conforme  as  rendas  da  Irmandade,  o 
augmento  da  população  e  a  affluencía  de  enfermos,  o  velho  hos- 
pital não  podis^  obedecer  a  um  só  plano  regular  ;  dahl,  os  prolon- 
gamentos e  accrescimos  que,  ainda  hoje,  na  parte  conservada  se 
notam. 

As  -primitivas  enfermarias  foram  oonstruidas,  como  re- 
feri, junto  ao  morro  do  Castello  e  separadas  da  egreja  por 
prédios. 

B'  esta  a  parte  mais  antiga.  Em  seguida,  por  meio  de 
compra  ou  de  doações,  a  Confraria  conseguiu  unir  as  antigas  de- 
pendências ao  lado  da  epistola  do  templo.  Essas  duas  partes 
completamente  melhoradas,  ainda  hoje  podem  ser  vistas. 

Mais  tardo,  segundo  se  lé  dos  livros  de  AccordOos^  foram 
oonstruidas  novas  enfermarias,  buscando  a  direcção  da  praia  de 
Santa  Luzia.  Esta  terceira  parte,  relativamente  mais  moderna» 
desappareceu  para  dar  logar,  como  disse,  ãconstrucção  da  mo* 
derna  e  sumptuosa  casa  hospitalar,  levantada  por  José  Cle- 
mente. 

Desta  ultima  porção  demolida  darei  idéa  soccorrendo-me  do 
mappa  de  Domingos  Monteiro,  do  que  por  muitas  vezes  ouvi  do 
Dr.  Pereira  Portugal,  antigo  director  do  serviço  sanitário,  de 
velhos  empregados  e  de  testemunhas  que  ainda  vivem.  Era 
constituido  por  um  vasto  parallelogramma,  em  ci\jo  centro  exis- 
tia um  pateo  ajardinado,  tendo,  no  meio,  profundo  poço.  Do  lado 
esquerdo  de  quem  entrava  existia  a  continuação  do  longo  corre- 
dor que  começava  na  portaria.  No  fim  delle,  havia  uma  porta, 
por  onde  a  noite  os  escravos  do  hospital  faziam  os  despejos,  na 
praia  próxima. 

Do  lado  esquerdo,  ainda  no  pavimento  térreo,  viam-se  os 
quartos  de  empregados  e,  no  lado  do  fundo  do  paraiielogramma, 
os  quartos  e  enfermaria  de  doudos.  Voltando  pelo  lado  do  morro 
oxistia  a  grande  enfermaria  de  que  falia  a  commissão  de  1830» 
cortando  em  angulo  recto  duas  outras  pequenas  salas,  também 
de  cirurgia. 


A  SAMTA  CASA  DA  MISERICÓRDIA  49 

No  pavimento  superior  eiistíam  as  enformarias  de  medi- 
cina, as  quaes,  no  dizer  de  Debret,  eram  em  numero  de  seis.  Não 
tinham  essas  salas  janellas,  mas  amplos  mezaninos,  collooados 
sem  grande  altura  das  paredes.  Nas  proximidades,  notavam-se 
outras  Tarias  dependências,  taes  como  deposito  de  utensilios» 
cocheira,  telheiro,  gallinheiro,  etc. 

Na  segunda  parte,  ainda  conservada,  existia  a  portaria  (hoje 
sala  do  banco  do  gabinete  de  gynecologia).  Alli  estava  postada 
uma  guarda  para  evitar  distúrbios  entre  empregados  do  hospital, 
enfermos,  convalecent€se  soldados  dos  quartéis  próximos. 

Ao  lado  esquerdo  de  quem  entra,  além  do  altar  de  que  j& 
falei,  vê-se  ainda  a  escada  da  antiga  secretaria  e  a  porta  da 
Casa  da  Fazenda  deitando  uma  janella  para  o  largo. 

Ao  lado  direito,  abre-se  a  porta  de  uma  sala  (clinica  gyne- 
cologica] .  Este  aposento  e  outro  quo  lhe  fica  próximo  eram  ou- 
trora occupados  pela  Botica  e  Laboratório.  Xo  segundo  delles, 
effectuava-se  depois  a  extracção  das  loterias.  Seguia-se  o 
grande  corredor,  tendo  á  esquerda,  além  da  sacristia  da  egreja 
e  o  pequeno  pateo  annexo,  a  dispensa  e  um  quarto  de  deposito. 
Esses  dois  compartimentos,  completamente  transformados, 
servem  hoje  de  sala  de  descanso  aos  Irmãos  da  Misericórdia,  em 
occasião  do  festividades. 

A'  direita^  estão  ainda  quatro  arcos  que,  com  mais  doze,  cir* 
culam  pelos  outros  três  lados,  pequeno  pateo,  em  cujas  galerias 
vêm  ter  diversas  accommodações,  que  em  outros  tempos  tiveram 
diversos  destinos,  bem  como  casa  da  lenha,  deposito  do  farinha, 
quarto  de  empregados,  etc. 

Existia  também  alli  uma  escada  antiga  que  dava  accesso 
ao  primeiro  pavimento.  Neste  notavam-se  diversos  quartos 
sobre  as  galerias  ou  corredores  do  patoo,  transformados  hoje 
emdarog  e  espaçosos  corredores. 

Nesse  andar  estão  hoje  aproveitadas  as  salas  onde  fun- 
ccionam  as  23  o  25  enfermarias,  para  os  quaes  se  sobe  por  ampla 
escada  moderna.  Ha  ahi  mais  outro  pavimento  superior  occu- 
pado  pela  enfermaria  das  velhas  (26),  circulada  de  amplas 
Janellas  por  onde  penetram  fartamente  ar  o  luz. 

Na  parte  primitiva  *do  velho  hospital  e  no  pavimento 
térreo  estava  a'  velha  cosinha  e  outras  muitas  dependências 
491  —  4  Tomo  lxix.  p.  i. 


50  REVISTA  DO  INSTITOTO   HISTÓRICO 

gujD  soria  fastidioso  mencionar.  Na  parte  superior  existem  liojo 
dormitórios  do  asyladas,  quarto  de  irmãs  de  caridade,  sala  de 
costuras  etc. 

Tal  era  em  rápida  e  qai;&  eafadonha  descripção  o  hospital 
Tellio  da  Misericórdia,  o  qual  terá  de  desapparecer;  mas  que 
em  todo  caso  presta  ainda  bons  serviços  á  pia  e  benemérita 
instituição. 

Em  differentes  paginas  da  Memoria  de  Félix  Ferreira  en- 
coutram-se  vagas  noticias  sobre  os  antigos  facultativos  do  Hos- 
pital o  seus  ordenados,  serviço,  enfermeiros,  receita  e 
despeza,  tratamento  dos  soldados  e  contracto  que  tem  a  Santa 
Casa  com  os  homens  do  mar,  despacho  marítimo,  serviço 
Amerario,  etc. 

Em  1798,  era  este»  segundo  o  Aimanach  de  Duarte 
Nunes,  o  pessoal  clinico  :  Médicos  —  os  Drs.  António  Fran- 
cisco Leal  o  José  Carlos  de  Moraes,  cirorgião-mor  João 
António  Damasceno,  dito  do  Banco  o  cirurgião  José  António 
Pereira  de  Godoy  (Bisavô  do  Dr.  Oscar  Godoy)  o  Boticário 
Joaquim  Custodio. 

Em  sua  obra,  Sigaud  apresenta  uma  estatística  do  movi- 
mento hospitalar  do  1821  a  1842,  a  qual  lho  Tora  fornecida  pelo 
Dr.  De  Simoni.  Notava  o  illustre  medico  francez  que  a  mor- 
tandade se  mantinha  em  grau  elevado  por  motivo  da  entrada 
tardia  dos  doentes  no  hospital,  grande  parte  delles  indo  (como 
ainda  hoje  acontece),  reclamar  soccorros  em  estado  adeautado 
das  moléstias. 

Sobre  preciosas  informações  acerca  da  estatística  da 
Misericórdia,  tanto  do  velho  como  do  novo  Hospital»  não 
posso  deixar  de  citar  o  paciente  trabalho  organizado  pelo 
Dr.  Pires  de  Almeida  e  publicado  no  Jornal  doCormniercio 
de  2  de  julho  de  1899,  sob  o  titulo  Movimento  do  Serviço 
Interno  e  Gratuito  do  Hospital  Geral  da  Santa  Casa  de 
Misericórdia  desde  o  Anno  Compromissal  de  1G98  —  1699  a 
1898  —  1899. 

Ao  terminar  estas  simples  notas,  tenho  a  declarar  que  não 
me  propaz  escrever  o  histórico  da  grande  o  trisecular  insti- 
tuição, mas  86  estudar  certos  pontos  obscuros,  devido  ã  falta  de 
documentos. 


A  SANTA  CASA  DA  MISERICÓRDIA  51 

Quem  precisar  de  mais  amplas  noticias,  é  dirigir-se  ao 
Dr.  Bernardo  Ribeiro  de  Freitaff,  a  qaem,  em  boa  hora,  a 
Administracçâo  actual  confiou  a  organisação  do  Tombo  da  Santa 
Casa  e  de  seu  riquissimo  e  precioso  Archivo. 

1905 

Dr.  José  Vieira  Fazenda. 


CARTA 

Ff..  Francisco  de  Menezes  paia  o  Duque  de  Cadaval 

SscripU  lo  Rio  dê  J&nairoi  sobre  a  iaV&sio  de  Dadero 
( 1710) 


(Copla  extrabida  do  Códice  Msa.  n.  00?,  de  As.  1^  a  167,  exitiente  na 
Real  Blbllotheea  Publica  da  Cidade  do  Porto  e  reprodaiida  no  Códice  do 
IneUtuio  Histórico  e  Oeographico  Brasileiro  com  o  tltnlo  —  Doewnenton  varíoB 
9còrê  o  BrazU  •  Diff'êr$ntei'Arehiv08)» 


Nota  —  O  aignaUrlo  desta  oarta  é  o  celobre  Trado  qae^antai 
façanhas  praticou  em  as  lutas  ontre  paulistas  o  emboabas. 

Famigerado  caudilho  do  dictador  Manoel  Nunes  Vianna,  foi,  por 
este  e  seus  sequaaes,  encarrega  lo  da  ir  a  Lisboa  obter  do  Rei  o  com- 
petente indulto. 

Satisfeita  sua,  misaiQ  volven  aqualle  religioso  trinitario  ao  Rio 
de  Janeiro,  sendo-lhe    prohibido  ragraisar  ás  Minas. 

Nesta  cidade  asaistiu  olle  á  invasão  franceza  de  Duclerc  (1710). 

Conforme  testemunho  dos  contemporâneos,  Frei  Meneses  pra- 
ticou actos  de  bravura,  fazendo  fronte  aos  invasores  na  altura  do 
morro  do  Desterro  (hoje  de  Santa  Theresa). 

Co 0)4)  ell^  mesmo  f^  declara  ao  Duaue  dp  Cadaval,  estava  resolvido 
a  ypH^Í  á  |f)et^t)Q)e  e  pcftlWr-s^  |  spa  co|iyant^.  Por  ispo  o  seu 
noma  nao  figura  entre  oa  combatentes  contra  os  soldados  de  Duguay 
Trouin. 

A  cafU  ppi  guestâp  cpntpin  pcirtiouU rodados  njÍQ  mancionadas 
nas  chrooícas  e  rfa  pcff«itaid(^a  do  caractar  desse  homem,  em  quem 
mais  assentava  a  farda  de  soldado  do  que  o  habito  de  sacerdote. 

Algumas  de  suas  previsões  infelizmente  so  realizaram  no  anno 
seguinte.  São  dignas  Me  nota  suas  consi(lorac<»e8  sobre  as  fortifícações 
da  cidade  o  a  construccão  da  prçtendida  muralha  que,  mais  tarde, 
edificada  nenhum  resultado  deu.  —  C^l  Votnmissão  de  Bfdaccâ^.} 


Carla  it  Fr.  Inmm  Je  Imms  pira  0  Dsque  de  Cadaval,  eeeripta 
do  tio  de  Janeiro,  flobre  a  invasão  de  Dnelerf 


Senhor  —  Acho-mo  nesta  torra,  porqne  assim  foi  Sua  Ma- 
gestado,  que  Deus  guarde,  servido,  e  como  a  V.Ex.*  fiz  presente 
anti^s  da  minha  parcida,  e  parece-me  forçoso  dar-lhe  noras 
delia  para  cumprir  com  a  minha  obrigaçfio,  olhando  também 
para  a  que  V.  Bx*.  tem  para  reparar  o  Reino,  razão  porque 
não  faço  este  aviso  a  outrem,  e  porque  sepultará  o  meu  erro,  se 
o  merecer,  ou  remediará  o  que  for  possível,  sem  me  entalar. 

Aqui  vierão  os  francezes  em  17  d' Agosto,  vindo  por  um 
avizo  de  um  pescador  do  alto,  que  apparecião,  de  que  se  re- 
solyeo  o  Governador  Francisco  de  Castro  de  Moraes  a  toear  a 
rebate  naquella  noute  e  nella  cuidadosamente  remetteo  a  guar- 
nição que  lhe  pareceo  necessária.  No  dia  seguinte  de  tarde  Com 
a  viração  costumada  quizerão  os  6  navios,  bnma  Balandra,  que 
era  1  de  60  peçan,  3  de  40,  e  hum  de  18  e  a  dita  Balandra,  entrar 
todos  com  bandeiras  inglezas  oomo  J&  presumíamos  mal  pela 
noticia  que  o  Paquete  havia  trazido  ás  fortalezas,  lh*o  impe. 
diram  para  que  deitassem  primeiro  lancha  fora  e  querendo 
continuar,  por  que  os  primeiros  tiros  forao  sem  baila,  lhe  tet 
outros  oom  huma  Colombrina,  que  lhe  fez  algum  damno,  e  os 
obrigou  a  leborarem-*se  para  fora,  e  se  flzerão  na  alta  do  mar,  e 
na  manham  seguinte  tomaram  o  rumo  do  sul.  Segundo  o  que  se 
vio,  vinha  a  entrar  e  assim  mo  disse  o  seu  General  e  os  mais  pri- 
sioneiros^ e  dizem  deixaram  do  o  íh.zer  por  ser  pouca  a  viração. 
He  certo  que,  se  o  fizessem,  nos  succederia  mal  pela  primeira 
tenção,  mas  havíamos  de  melhorar,  sem  duvida,  com  o  tempoi 
porque  as  fortalezas  estavão  muito  mal  prevenidas  d*Artilherla, 
por  ser  muito  pouca,  e  que  não  canço  a  V.  Ex*.  eom  a  nar- 
ração, a  qual  porei  em  papel  á  parte  o  a  que  estava  montada, 
com  tão  m&s  carretas,  como  a  experiência  mostrou,  que  muito 


50  REVISTA   DO   INSTITUTO   HISTÓRICO 

poucas  eatavão  capazes  para  dar  mais  de  doas  tiros  e  por  este 
estylo  estavâo  as  armas  de  pederneira  e  marrão.  Desenganado 
o  Governador  que  Já  nos  buscavão  03  Francezes,  que  o  não 
podia  c.*er,  dou  logo  ordem  a  montar  artilharia,  fazer  carretas 
e  mandar  serrar  reparos  para  cila  com  louvaTel  zelo  e  trabalho 
pessoal,  sem  se  poupar  dia  nem  noute,  e  fez  mais  naquelíes  dias 
até  os  primeiros  de  Setembro,  que  havia  feito  de  28  de  Junho 
até  os  17  d'Agosto,  que  foi  quando  veio  o  Paquete,  e  quando 
vierão  &  barra  os  Francezes  ;  c  atrevo-me  a  dizer  mais  que 
todos  os  Gk>vernadores  flzerão ;  he  verdade  que  a  paz  que  lográ- 
vamos, lhe  permittia  essa  omissão  ;  estes  navios  forão  para  a 
Ilha  Grande. 

Em  9  de  Setembro  appareceram  dous  destes  navios  na 
nossa  barra,  tocou-se  a  rebato  com  uma  peça  d'artilhai*iay 
por  signal  que  neste,  assim  como  no  primeiro,  acudiram 
poucos  de  fora  da  Cidade,  porque  se  não  ouvia  como  ou  adverti 
ao  Governador,  quoixando-se  de  que  não  vinhãOr  o  lho  disse:  eu 
moro  daqui  3  léguas,  e  não  ouvi  nom  um  rebato  c  esta  torra 
t&m  longos  de  maia  de  10  legoas,  e  oão  é  possível  ouvir-se.  Seria 
bom  que  houve.^se  mais  peças  ou  signaes  em  lugar  propor- 
cionados e  por  Odta  falta  nos  podia  succeder  muito  mal, 
83  os  Francezes  entrassem,  o  esto  risco  todo  provinha  da 
má  ordem  do  rebate.  Pertendoram  os  Francezes  deitar  gente 
em  terra  em  uma  praia  d'onde  chamavão  Sapopênopáo, 
distante  desta  Cidade  duas  léguas,  a  qual  tom  muito  máu  desem- 
barque assim,  porque  o  mar  é  nella  multo  furioso  e,  saltando,  não 
o  podem  conseguir  cem  se  molharem,  e  as  armas  com  muita 
segurança  nossa  os  pôde  destruir  e  impedir.  Os  Paizanos  da- 
quella  praia  aentindo-os,  lho  flzerão  alguns  tiros,  mas  o  certo 
que  os  inimigos  nâo  desembarcaram  naquella  neuto,  não  por 
serem  sentidos,  mas  confessa  que  foi  pela  imposibilidade.  Deste 
intento  do  inimigo  se  fez  avizo  ao  Governador,  que  logo  pòz 
gente  pronta  para  hir  tomar  o  encontro,  pixra  o  que^nomeou 
ao  Mestre  de  Campo  João  de  Paiva  Sôto-Maior:  como  se  reti- 
ravão  íoi  escusado  a  marcha. 

Bom  fui  conhecer- se  a  nica  ao  ioimigo  para  entrar, 
porque  até  aquelle  tomp3  havia  muitas  omissões,  porque 
dizião  que  o  inimigo  não  queria   desembarque,  porém  ainda 


CARTA   DE   KR.    FRANCISCO  DE   MENEZES  57 

se  faltou  ao  principal,  porque  um  Vassallo  leal  sem  lho 
tocar  por  obrigação  de  lugar»  me  consta,  advertio  repetidas 
vezes  que  do  inimigo  se  devia  suppôr  grande  resolução,  bons 
soldados  e  muitos  que  não  vinbão  de  tão  longe  para  fal- 
tarem ás  diligencias,  e  que  elles  erão  soldados  e  nós  bisonhos,  e 
como  os  successos  corrião  por  conta  de  Deos,  devíamos  prevê- 
nir^nos  porque  bem  poiião  bs  Francezos  ganhar  a  cidade,  e 
para  podermos  restaura-la,  seria  muito  necessário  fazer-se  re- 
serva de  armas  e  pólvora  fora,  para  o  que  nomeou  o  Campo  de 
Irajà,  distante  três  léguas  e  1/2  desta  Cidade,  sitio  proporcionado 
para  todo  o  alojamento  e  conservação  porque  ficávamos  senho- 
riando  a  terra  e  senhores  do  mar  por  onde  nos  entrassem  os 
mantimentos,  ficando  pobres  delles  os  inimigos  e  entrando  estes 
por  onde  o  fizerão,  era  onde  os  podíamos  esperar  para  que  não 
cheguem  ã  cidade,  a  qual  nunca  ganhava  em  vê-los,  porem 
como  esto  não  governava  cá,  e  só  quem  governa  tem  juizo, 
rião-80  muito  disto,  e  muito  mais  que  era  impossível  entrar-no3 
o  inimigo  por  terra,  porque  os  mattos  o  não  permittião,  ao  que 
instou  o  mesmo  dizendo  que  o  matto  se  não  defendia  por  si,  e  se 
era  ajuda  paranós.que  era  favorável  para  elles,e  fechou  dizendo 
que  erão  os  mattos  do  género  commum  de  dous  e  que  trácias- 
sem  de  os  prevenir  e  defende^*,  porque  o  iaimigo  não  podia 
entrar  por  outra  parte.  (Permita-me  V.  Ez^.  osta  oxtençãoque 
toda  é  necessária,)  porque  a  barra  que  os  nossos  suppunhão 
impenetrável,  disía  este  sujeito,  ó  a  parte  mais  fácil  e  de  menor 
vUoo  para  o  inimigo,  porque  tem  pouca  artilharia  e  menos  Arti- 
lheiros, porque  pouco  importa  ter  alguns,  se  estes  o  não  en- 
tendem, e  que  as  virações  mareiras  costumão  ser  fortes  em 
muitas  occasiões  o  que  se  perigasse  algum,  havião  entrar 
outros  c,  como  trazia  lanchas  de  desembarque,  sempre  se  re- 
mediaria. Ha  de  advertir  que  neste  tempo  não  se  sabia  se  havia 
mais  navios  que  os  qu3  digo,  pjrquo  como  havia  apparociio 
om  varias  partes,  assim  do  norte  como  o  sul,  havia  pre- 
snmpção  quo  orão  muitos  mais  e  a  razão  em  que  fundavão 
seu  dictame  era  que  o  inimigo  ainda  que  tivesse  bom  su- 
cceiso,  entrando  pela  barra  e  vencesse  a  Cidade,  que  nunca 
podia  lograr  o  intimo  que  trazia  de  senhorear  e  saquear,  por- 
que delxando-lhe  nós  por   força  de  desgraça  a  dita  Cidade, 


68  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

nonoa  passaria  delia,  teado  nós  aoade  noa  flzessemoi  fortes  e 
tivéssemos  munições  que  lhe  impediríamos  os  mantimentos  e 
oom  fiicilidade  a  restauraríamos,  e  na  dita  só  lhe  flcariio  as 
paredost  e  deste  modo  ficavSo  sem  despojo  e  sem  conserração, 
porque  lhe  faltava  os  meios  :  o  entrando  por  terra,  se  Deus 
lhe  desse  bom  sucoossoque  âcavão  senhoreando  um^  c  outra 
couza  e  oomo  este  era  o  seu  intento,  infaliveimento  os  meios 
haviio  de  ser  estes.  Sem  desfazerem  estos  fundamentos  nem 
apontarem  outros,  seguio-se  a  contraria  opet*ação  de  que  nas- 
ceu ver- se  esta  torra  arriscada,  porque  do  reponte  saltou  o 
inimigo  em  uma  Lagoa  ou  praia  pequena  quo  parecia  incapaz» 
e  resoluto,  em  uma  nouto  oom  lucernas,  marchou  até  se  alojar 
em  parte  que  se  segurou,  como  estavio  illusos  os  nossos  per- 
suadiram-se  que  o  inimigo  não  queria  marchar  14  léguas,  que 
tantas  são  para  esta  Gid  ide,  persuadiram  s^e  que  querião  fazer 
carnes  nos  campos  de  Santa  Cruz,  contíguos  àquelle  districto,  e 
nessa  oonsideração  destacou  o  Governador  um  destacamento  de 
30  homens  da  ordenança  e  por  Cabo  delles  a  Jerónimo  Barbalho 
a  unirse  com  o  Capitão  de  Cavallos  Josó Ferreira  Barreto,  que 
era  o  Cabo  que  guarnecia  aquella  marinha  na  qual  haveria  900 
armas  queoobrião,  ontre  outros  Gabos,  dous  Capitães  d'Infante- 
ria,  que  hião  com  animo  ou  ordem  para  fazer  embarcar  ao  ini- 
migo. 

A  ordem  que  tinha  o  Cabo  daqueila  guarn}<^o  polo  que 
soa,  era  para  impedir  o  desembarque,  porem  como  o  não 
advertio,  não  lhe  ordenou  o  que  havii  de  fazer,  entrado  que 
fosse,  o  que  se  coUige  de  escrever  o  dito  ao  Governador  que  o 
inimigo  era  entrando  e  lhe  ordenasse  o  que  havia  de  fazer,  a  que 
respondeu,  com  o  destacamento  que  digo,  foi  e  eu  vi  mandar 
sem  mais  ordem  nem  escripto  que  o  que  tinha  dito.  Continuou 
o  inimigo  na  marcha,  de  que  avisou  ao  Governador  ao  mesmo 
Cabo,  mandou  outro  destacamento  que,  dizem,  constaria  de  10 
homens,  por  Cabo  delles  ao  Tenente  General  da  fortifleação 
José  Vieira  Soares,  o  qual  hia  a  tomar*llie  caminho,  também 
não  levou  Regimento  para  o  que  havia  de  obrar,  variando  o  ini- 
migo ou  os  caminhos  ou  as  disposições.  Escando  o  dito  Tenente 
General  já  a  cavallo  para  marchar,  chegou  avizo  que  o  inimigo 
estava  mais  avizinhado  a  nós,  e  ainda  assim  não  houve  nova 


CARTA  DE  FR,    FRANCISCO  DE  MENEZES  69 

forma  nem  Regimanto,  lendo  o^to  que  a  íálta  dellet,  foi  mo- 
tivo para  que  os  menos  aaimogos  oanzassem  desordens,  d^onde 
naseeu  rermog,  apezar  do  noaao  sentiofiento,  Tencidas  pelo 
inimigo  as  impossibilidades  que  eu  ouvia  a  todos  que  havia 
nos  caminhos,  e,  para  dizermos  tudo,  marchou  o  dito  as  14  léguas 
em  os  4  dias  sem  impedimento  algum,  e  eu  o  vi  assim,  e  assim 
o  escreveo  o  General  Prancez  ao  Oapitão  de  Mar  e  Guerra  para 
dar  parte  ao  seu  Rei. 

Com  esta  noUcia  que  sérvio  para  desenganar  ao  Governa- 
dor e  a  todos»  e  pôde  ser  para  criar  muitos  receios,  logo  sem 
demora  montou  o  Governador,  seria  meia  noute,  a  cavallo,  a 
retirar  a  gente  da  marinha,  e  hi-la  formar  no  Campo  desta 
Cidade,  e  quando  amanheceo,  o  estavâo,  e  haveria  2.500 
homens,  porque  as  Fortalezas  e  algumas  Praias  estavEo  guar- 
necidas e  naquelle  tempo  andavão  fora  perto  de  500  armas»  que 
no  destacamento  e  guarnição  da  Marinha,  aonde  saltaram  os 
Prancezes,  havia  hido. 

Pela  manham,  principiou  o  Governador  numa  trincheira 
que  bastasse  para  íb.zer  aigum  reparo  aos  nossos.  Como  teve 
mais  tempo  desistio  desta  e  fez  outra  que  principiava  em  o 
monte  de  N.  Senhora  da  ConceiQão,  o  acabava  no  monte  de 
Santo  António,  ficando  no  meio  a  Igreja  de  N.  Senhora  do  Ro- 
sário e,  se  fizesse  3.*,  ainda  havia  do  sor  melhor,  qae  a  pressa 
nSo  dava  lugar  a  conhecer-se   os  defeitos. 

Guarnecia  com  6  peças  d'Artilharia  no  torno  diroito  e  no 
esquerdo  que  era  por  onde  o  inimigo  havendo  de  vir  seria  por 
elle,  guarneceo  com  2  e  uma  delias  ora  coiqo  pedreiro  com 
advertência  que,  se  esto  não  era  maior  que  o  derradeiro,  não 
era  menor,  e  isto  com  escândalo  geral  do  Rxorcito. 

Quando  o  Governador  partiu  de  Caza  para  o  alojamento 
que  digo,  foi  tal  a  confusão  nesta  Cidade,  e  verdadeiramente 
não  sei  como  o  diga,  foi  de  medo,  que  uma  pessoa  doendo-se 
do  desamparo,  e  prevendo  o  muito  que  faltava  para  o  Exer- 
cito, e  que  nada  se  previa  e  que  nos  faltavão  500  homens, 
entre  os  quaes  erão  muitos  Capitães  d'Iofanteria  pagos,  e 
Tenente  Genoral  da  Praça  e  o  da  Fortificação,  e  que  estes 
não  obravão  nada,  6  verdade  que  pela  desunião,  outros 
dizem  que   por  medo  de  quasi  todos,   mas    apegaram*se  a 


60  REVISTA   DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

dizer:  nós  não  temos  Regimento  nem  ordem  para  aoaometter  e 
constava  que  todos  esta  vão  espalhados,  e  tanto  que  um 
Capitão  pago  vi  eu  vir  só,  e  disse  que  vinha  dar  parte, 
e  eu  me  psrsuado  que  vinha  recolhendo-se,  para  maior  segu- 
rança disse  ao  Governador  que  se  lembrasse  da  gente  que  tinha 
fora,  porque  não  deixassem  de  obrar  por  falta  de  ordem  ou  que 
a  mandasse  recolher  e  enoorporar  com  o  Exercito.  O  Gover- 
nador disse  que  era  bom  que  fosse  o  Regimento»  e  que  lho 
mandassem  sem  dizer  a  forma,  replicou  o  Sujeito:  será  bom  que 
vá  assim,  e  assim  conveio  o  Governador  e,  adiantando-se  com 
pressa,  não  houve  tempo  para  mais. 

Pouco  importava  hii*  eate  Regimento  se,  nio  hia  assfgnado 
pelo  Governador,  e  como  a  occasião  presente  não  permittia  di- 
lações o  havia  mais  dependências  tão  importantes  ou  mais,  e 
se  via  que  delias  se  esquecia  o  Governador,  levado  de  outras 
attoncôes  lambem  precisas  e  communicar-lhe  estas,  parece  im- 
possível porque  se  ausentou  o  não  ora  fácil  acha-lo,  que  as 
partes  aonde  tinha  de  acudir,  erão  muitas  e  disparadas,  e 
elle  falto  de  oíllcjacs. 

Neste  aperto  mandou  oste  Vassallo  Leal  um  recado  ao  111°°". 
Bispo  que  acudisse  ao  Palácio,  que  assim  importava  ao 
•  serviço  do  Sua  Magestade,  que  Deos  Guarde,  e  foi  áquella  hora 
chamar  á  Gama  o  Ouvidor  Geral  e  lhe  disse  que  a  terra  estava 
em  grande  risco  pelas  circumstancias  referidas  e  que  olla  ora 
muita  :  que  viofse  para  o  Palácio  que  jd  havia  mandado  recado 
ao  senhor  Bispo  e  junt.imento  á  Gamara,  ao  Secretario  do  Es- 
tado, o  a  Jozé  Corrêa  de  Castro  quo  havia  chegado  do  gover* 
nar  S.  Thomó,  fará  que  consultassem  o  quo  se  devia  fazer. 
O  Ouvidor  rosolvoj  com  alguns  dos  quo  hivião  chegido  quo 
ainda  que  ora  diíllcultoso  o  achar-sc  o  Governador,  fossem  a  fazer 
diligencia,  por  cllo,  com  cíTeito,  foi  escutado  OuviJor  Gemi, 
José  Corrêa  do  Castra  o  a  pessoa  que  movia  diligencia  ;  no  que 
se  gastou  até  amanhecer,  até  quo  o  acharam  andando  na  for- 
matura do  arraial,  o  mesmo  vindo  achar  o  Governador  no 
Palácio  que  se  colhia  para  elle,  lhe  foi  com  bom  modo  e  ami- 
sado,  que  como  dito  tinha  a  causa  que  havia  para  não  ter 
mandado  o  Regimento,  expressando! he  algumas  couzss  para 
elle  que  todns  lhe  pareceram  boas  e  lhe  recommendou  segunda 


CARTA  DE   FR.    FRANCISCO  DE   MENEZES  61 

vez  que  o  mandasse  fazer  e  o  remettesse,  com  eHeito  foi  à  Se« 
oretaria  e  o  lançou»  cujo  theor  é  o  seguinte,  para  que  a  Y.  Ex.^ 
seja  tudo  presente.  —  P.  virA  V.  M.^^^na  retaguarda  do  ini- 
migo» de  modo  que  não  seja  presentido  delle  e  o  nSo  picará,  sal- 
vo elle  o  quizer  com  medos»  porem  no  caso  que  os  nossos  na 
vanguarda  do  inimigo  o  busquem  nestes  termos  a  todo  risco 
V.M^^.  o  accometta ;  e  sendo-llie  possível  vencer  a  marcha  do 
dito  inimigo  por  diflèrente  caminho  sem  que  nisso  corra  risco  o 
menor  Soldado,  V.  M.''*  o  façae  se  vá  encorporar  com  o  Tenente 
General  da  Fortificação  Joseph  Vieira  Soares  e  seguirá  a  ordem 
que  vocalmente  tenho  dado  ao  dito,  porque  ainda  que  lhe  não 
havia  dito  o  que  faria  em  novos  incidentes,  fiava-se  delle  e  de 
seu  valor,  acoeitasse  as  occasiões  que  o  tempo  lhe  desse,  mas 
quando  Deus  não  ó  sorvido,  nada  basta,  não  houve  mais  que 
desuniões,  sem  se  faier  nada  que  chegou  a  tanto,  que  Ignacio 
Henriques  Capitão  da  Guarda  do  Governador  que  se  havia 
offerecido  para  hir,  se  poz  em  termos  de  governar  alguma 
gente  e  mostrou  o  muito  desejo  que  tinha  de  ver  as  nossas 
armas  bem  succedidas  e  assim  o  vi  eu  em  uma  Carta  e  tudo  o 
que  mais  se  obrou,  e  o  que  deixou  de  se  obrar  também  vi. 

O  que  ouço  dizer  ó  que  nunca  se  fizera  Conselho  para  esta 
guerra,  nem  se  dispoz  batalha  ao  inimigo,  estando  elle  já  á 
vista,  que  á  nossa  fizerão  eUes  seu  conselho,  mas  a  n6s  não  nos 
foi  necessário,  mas  hia-nos  custando  muito  caro  e  eu,  como  não 
estava  longe,  não  lhe  vi  forma  alguma,  nem  soccorrer  aos 
poucos  por  livre  vontade  ou  obrigado  do  zelo  de  Vassallos  qui- 
zerão  tomar  o  encontro  ao  inimigo  c  sendo  estos  850  que  não 
forão  mais,  ainda  que  haja  quem  lho  queira  accrescentar  o 
numero,  nunca  chegarc^m  a  fazer-lhe  cara  mais  de  200  dos 
nossos  e  sempre  estes  forão  dos  que  não  orão  pagos  e  houve 
encontro  que  não  teve  mais  que  24,  o  se  conservou  com  1 1  como 
foi  no  Desterro,  o  que  supponho  constará  mais  claramente  das 
Gazetas  (ainda  que  pelo  impedimento  do  Governador  estão  in- 
capazes de  se  lerem  e  dar  credito)  e  nunca  o  Governador  soc- 
oorreo  aos  nossos  e  isto  mesmo  fiz  ató  o  fim,  que  durou  a  bulha 
duaa  horas  e  enti*ando  o  inimigo  na  cidade  que  a  teve  levada, 
vendo  o  Governador  não  sei  que  esperava,  até  que  um  mais 
ousado  se  foi  a  elle  para  acudir  ao  nosso   Estandarte»   que 


62  REVISTA   DO  INStrrUtO  HISTOniGO 

suppuDha  em  olla  no  corpo  d«  Guarda  que  havia  floadto  em 
Palaoio,  teye  a  fortana  que  com  a  tal  que  erA  de  estudantes, 
formaado-os  em  duas  travessas  fji*onteiras,  deu  3  eurgas  ao  iiii^ 
migo  para  lhe  fazer  horror,  enÉLmiando-lhe  ettava  guameoido  o 
lagar ;  pdrque  nao  tioha  geuÊe  para  esperar  o  iaiiMifo:  nisto  M 
gastou  largo  tempo,  nem  com  tacto  isto  acudio  o  GoTemador, 
nem  mandou  saccorrer  aos  pobres  rapazes,  qae  todot  o  erão 
sem  barba,  que  só  se  achavfto  com  alguns  negros  e  pardos  qoe 
na  oocasifto  se  lhe  ajuntaram  e  pareceu  a  todos  que  já  aio  tinha 
remédio  e  por  estarazSo  não  vier^  soccore-ros:  foi  necessário 
que  o  mesmo  que  havia  sido  causa  de  se  fazer  cara  ao  inimigo, 
quo  ficava  estacado,  recomendar  ao  dito  capitão  qne  continnaíase 
o  receio  ao  inimigo  com  tiros  suocessivos,  mae  qne  nSo  lhe 
dessem  carga  redonda,  porque  o  inimigo  os  nSo  rompesse  et 
deixada  esta  ordem,  se  foi  ao  exercito  e  achando  nelie  multe 
sentimento,  porque  sen  etceptuaçSo  de  pessoa,  suppanhfio  todos 
estar  a  cidade  tomada,  e  p3r  formaes  palavras  lhe  disse  o  Gk)- 
vernador:  estamos  mal,  temos  a  cidade  perdida,  a  que  respon- 
deu: perdido  est&  o  inimigo  9em  remédio,  porque  está  atacado 
oa  rua  direita  em  tal  parte:  e  com  gosto  perguntou  quem  lhe 
fez  isso  ?  A  companhia  dos  estudantes,  o  alguma  gonte  mais 
negra  e  paixla  que  ajuntei,  e  continuou  :  agora  é  necessário  fuo 
vá  uma  companhia  de  estudantes  de  soccore-ros  e  vá  um  troço 
de  gente  e  mais  grosso  pela  parto  de  S.  Bento  e  da  mesma  se 
lhe  burna  uma  peça  de  Artilharia  e  eu  o  vou  buscar  pela  teta* 
guarda  e  o  ficarei  de  modo  que  elle  se  dê  por  picado  com  adver- 
tência que  olie,  se  virar  a  cara  sobre  mim,  os  nossos  o  car- 
reguem. 

Até  aqui  náo  vimes  mal^  ordem  que  estas,  quo  nenhu- 
ma emanou  do  Governador  nem  ello  soccorreo,  até  este 
tempo  se  conservava  com  o  corpo  de  Exercito  na  trincheira, 
teia  que  esperando  o  inimigo,  ou  que  sappunha  que  elles  haviio 
deixado  retaguarda,  oomo  se  isto  nao  tinha  remédio  pam 
abrigar-se  mandando  exploradores,  e  eu  tiverap^,  seg^e^' 
nára,  ignorar  as  operações  que  o  inimigo  fazia  no  meu  pai2^, 
quando  sem  risco  podifto  ser  explorados. 

Não  duvido  que  ftiltasse  este  accordo  ao  Governador  oií 
a  quem  mandasse,  porqne  eu  sen  testemunha  que  no  di»  én 


CARTA  DE  FR.    FRANCISCO  DE   MENEZES  63 

bulha  (que  lhe   não  sei  outro  nome)   erão  8  horas  da  ma- 
nham,  não  havia  do  nosso  Exercito  noticia  do  poder   que  o 
inimigo  trazia,  e  ora  commua   a  opinião,  que   nenhum  dos 
nossos    os    tiahao  visto    porque   muito    os    receavão  e,  se 
03  vião,  era  tão  longe  e    tão  depressa,  que'  esta   lhe  não 
dava  lugar  a  formar  conceito,  e  as  novas  que  trazião  erão  in- 
formadas mais  de  medrosa  imaginação  que  da  potencia  visiva. 
Este  Portuguez  se  offereceu  ao  Governador  para  o  ir  fazer,  e  com 
effeito  o  íéz  de  modo  que  se  senhoreou  dos  que  erão,  e  não  só  o 
fez,  mas  lhe  deixou  umas  bem  de^jostas   emboscadas  que  de 
varias  companhias  havião  sido  mandados  muitos  can*ijód  de 
Arco  o  frecha  e  para  os  incitar  mais  prometteu  a  todo  o  soldado 
até  Ajadante  que  apresionasôe  ou  rendesse  ao  Cabo  dos  Francezcs 
cem  moedas  de  ouro  e  d'ahi  pai*a  cima   :^00  o  400  mil  róis  a 
qualquer  escravo  ou  negro,  e  recolheu-se  ao  Exercito  a  dar  conta 
ao  Governador  o  alegrar  a  todos,  dando-lhes  os  parabéns   da 
grande  viotoria  que  os  esperava  peios  poucos  que  erão  os  ini- 
migos, a  quem  avaliava  em  600,  havendo  quem  os  tinha  avaliado 
em  800   e  segunda  vez  havendo   no  Exercito  duvidas  e  huma 
pouca  de  gonto,  para  ali  aparecião  em  uns  montes  fronteiros  á 
nossa  trincheira,  não  mandou  ninguém  certificar-se,  cuja  falta 
supprio  o  dito  de  seu  motu  próprio  e  como  este  mesmo  não  lhe 
soíTreu  o  animo  estar  intrincheirado,  entrando-nos  o  inimigo,  não 
ficou  quem  fosse  explorar  o  campo  e  seguro  a  V.Ex.""  que  lhe  não 
havia  de  estar  na  duvida,  ou  entendo  que  cata  se  conservou 
para  terem  pretexto  para  se  conservarem  mais  decorosos,  que  a 
verdade  sabia  Deus  e  não  falta  quem  a  entenda. 

Com  esta  noticia  que  o  inimigo  estava  estacado,  mandou  o 
Governador  a  seu  sobrinho  Franciseo  Xavier  com  a  sua  com- 
panhia de  forças  ao  do  Corpo  da  Guarda,  e,  ao  aparecer,  o  ferio 
um  Prancez  em  uma  ilharga  levemente,  o  qual  hia  fugindo  a 
unir-se  com  os  seus,  que  ainda  se  conservavão  na  mesnrn  para 
só  alguns,  havião  roto  a  companhia  dos  estudantes ;  destes  uns 
avançaram  ao  Palácio  os  quaes  valorosamente  mataram  uns  os 
estudantes,  e  renderam  outros  os  que  legaram  com  murrão  que 
ali  acharam  e  os  ataram  ás  cadôas.  Emquanto  os  estudantes  em 
cuja  contenda  morreram  6,  veio  Gregório  de  Castro  Mora»;, 
Mestre  de  Campo  e  Irmão  do  Governador,  e  logo  de  uma  bala 


64  REVISTA   DO   INSTITUTO  HISTÓRICO 

morreo,  assim  que  apparecea  e  não  tevo  lagar  de  mostrar  o 
seu  valor  que  lh'o  suppunha.  Neste  couílicto  houve  algumas 
mortes  dos  nossos,  que  por  mal  ordenado  suocederam,  e  bem 
se  vio  o  que  nelle  faltou,  o  que  tinha  ordenado  os  quo  até 
aquelle  tempo  fiouve,  neste  não  assistio,  nem  bosoou  a  reta- 
guarda do  inimigo,  porque,  inteatando-o,  Ibe  veio  um  soldado 
mineiro  trazer  um  prisioneiro,  o  qual  levou  ao  Governador,  que 
lhe  recommendou  o  quanto  importava  segurar-lhe  a  vida  para 
sabermos  os  intentos  do  inimigo  e  a  gente  quê  trazia,  e  só  o  seu 
respeito  o  guardaria,  porque  o  vulgo  irado  o  pertsndia  matar  e 
sucoessivameate  lhe  foram  levando  prisioneiros  e  correndo  os 
nossos  feridos  por  necessitados. 

Neste  conflito  em  que  morreu  o  Mestre  de  Campo,  morreu 
valorosamente  o  Capitão  de  Cavallos  António  Dultra  e  enteada 
Y.  Bx.*"  que  esta  S.  Magestade  obrigado   a  reconhece-lo  assim 
para  que  não  desfoleçâo  os  que  servem,  porque  o  seu  mereci 
mento  foi  gi'ande,  aqui  me  não  leva  aíTeição  que  eu  nunca  o  vi 
senão  no  conflito  o  outra  vez,  quando  isto  andava  inquieto,  mas 
foi   valente  e  se  cá  houverão  muitos  como  elle,  não  duraria 
tanto  tempo  a  balha  o  seria  batalha  que  deixou  do  o  ser^  não 
porque  não  houvesse  occasião,  mas  que  todos  arecoavão,  elle  tem 
um  filho  pequeno :  sahio  ferido  em  duas  partes  o  Capitão  Jozél 
d' Almeida  do  3^.  Francisco  Ribeiro,  que  veio  da  torra  nova  o  qual 
se  houve  com  reconhecido  valor,  mais  algumas  pessoas,  como  o 
Ajudante  e  Luiz  de  Matos,   mas  nenhum  passou  a  excessos. 
Hum  Religioso  dos    3»%  filho    de  Angola,   que    aqui   se 
achava,  a  quem  chamão  Fr.  António  da  Conceição,  morrendo  o 
Mestre  de  Campo,  ficando  sem  quem  governasse,  cujo  desamparo 
lastimaram  os  Soldados,  sa  oífereceu  para  capitanear  e  o  fez 
com  muito  grande  valor,  assim  o  ouço  geralmente,  que  eu  o  não 
vi,  o  um  Clérigo  chamado  Josô  Machado,  filho  de  S.  Paulo,  depois 
de  fazer  grandes  façanhas:  huma  companhia  a  quem  faltava  ca- 
pitão (sem  lh'o  matarem)  mandou  o  Governador  que  a  cobrisse, 
eque  fosse  ter  encontro  ao  inimigo  á  misericórdia,  e  sempre  fez 
tudo  com  ooniiecido  valor.  Não  pareça  a  V.  Bx.»  affectação  mi- 
nha, porque  o  não  sei  fazer,  a  mesma  noticia  ha-de  achar  no 
Vulgo,  que  estes  são  os  que  fallão  verdade,   até  á  rua  direita 
não  appareceram  soldados  pagos  e  ofiioiaes  nem  ordens  nem 


CARTA  DE   FR.    FRAXaSCO   DE  MENEZES  G5 

soooorros,  porque  uni  que  houvo,  levou-o  os  Padres  Fr.  João  da 
Yiotoria  natural  deste  Reiao  e  o  Padre  Fr.  Igaaoio  de  Santa 
Oatharina,  ambos  Religiosos  de  Santo  António. 

Finalmente,  oonoluia-se  a  pendência  com  os  Franceses  leva- 
rem uma  porta  de  Trapiche»  que  serye  de  armazém  de  caixas 
6  feebar-se  dentro  e  render  as  armas  e  1)andeiras  e  ficarem  pri- 
sioneiros á  vontade  do  Governador  e  acharam-se  dentro  o  nos 
mais  que  havíamos  prisionado,  entrando  feridos  600,  que  sSLo  os 
que  hcge  se  achão,  depois  de  morrerem  muitos  quo  havião 
sabido  feridos. 

Quando  desembarcaram,  ajustaram  que  medissem  o  tempo, 
e  que  ao  mesmo  se  achassem  uns  commettendo  a  Cidade.,  e  ou- 
tros batendo  a  Fortaleza  de  Santa  Cruz»  porem  p  vento  ou  Deus 
fê-los  desencontrar,  de  modo  que  os  de  terra  chegaram  á  O*  feira 
19,  dia  de  S.  Januário,  e  os  Navios  a  âi,  dia  de  S.  Matheoi  o  sup- 
posto  s4  vierão  dous  e  a  Carcaça,  era  notável  o  medo  quo  se 
tinha  das  Bombas.  Vierão  chegando  a  dar  fundo  perto  da  for* 
taleia,  imaginando  que  os  tiros  delia  os  não  offendessemi  porem 
acharam  que  lhe  foi  preciso  levarem-se  para  mais  largo  espaço. 

Naquelia  nouto  lançaram  6  Bombas.  Como  a  distancia  era 
grande,  parece,  não  proporcionava  os  tiros  por  serem  as  ditas  de 
menos  conta,  conformo  ouvi  dizer.  Suspenderam-se  estas  bom- 
bas por  uma  carta  que  o  General  Francez  oífereeeu,  ou  lhe  ia* 
sinuaram,  como  é  mais  provável,  a  tempo  que  por  o  querer  re- 
mediar um  Vasallo  que  havia  principiado  a  destruição  delles,  of- 
ferecendO'Se  para  hir  reudel-as,queima«las  ou  mette-las  a  jÂque» 
que  o  Governador  o  não  quiz  consentir  e  porque  não  tivesse  a 
desculpa  do  gasto  que  S.  Mageetade  podia  fazer  sem  frncto,  se 
oífereeeu  a  faze-lo  ã  sua  cu^ta,  e  que  não  queira  mais  que  a  li- 
cença, e  sempre  S.  Mageetade  tioha  da  preza  a  parte  que  lhe 
toca,  e  não  tem  duvida  que  havião  de  vir  os  Navios,  porque  es- 
tavão  sem  gonte  de  guarnição.  Isto  se  tem  estraokado  muito 
nesta  terra  e  deu  motivos  a  varias  murmurações  que  por  outros 
caminhos  chegaram  a  V.  Ez. 

Assentaram  03  Franoezes  com  o  Governador  que  viria  para 
dentro  o  fato  dos  Prisioneiros,  e  que  nos  venderião  uma  Sumaoa» 
que  nos  tomaram  na  barra  com  as  bandeiras  inglezai  e  a  carga 
que  trazia  da  Bahia  e  juntamente  a  Carcaça  •  que  o  procedido 

^91—5  Tomo  lxix.  p.  i. 


66  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

seria  para  o  sastento  dos  prisioneiros.  Veio  a  parar  isto  em  rir 
ás  claras  a  Samaca  gue  oomproa  o  mesmo  Mestre  delia»  e  a 
carga  não  se  sabe  delia,  e,  se  sabe,  esoonde-se  e  a  oarcaga  dizem 
e  folao  nisto  rariamente,  e,  para  dizer  o  qao  sinto  tudo  sSo  con- 
veniências pouco  úteis  para  a  Corte.  Com  esta  entrega  se 
acabou  a  guerra  e  se  forão  os  Navios  que  estlverão  neste 
porto  tantos  dias  que  dava  a  entender  que  se  ^ostavão 
pazes  o  a  gento  assoUando-so,  que  tudo  se  compõem  das 
ordenanças,  e  as  fazendas  dostruindo-se,  e  nSLo  ha  safra  d*as- 
sacar  este  anno,  porque  vierão  no  tempo  de  moer,  e  se  os  Na- 
vios se  tomaram  ou  despediram  logo,  ainda  os  liomens  acudi- 
rião  á  sua  lavoura;  partiram  d'aquL  cm  18  d'oatabro,  e 
o  que  nos  deixaram  foi  umas  casas  queimadas  de  um  mer- 
cador, que  o  deixou  perdido,  mas  se  elles  entenderam  que  não 
havião  de  vencer,  deixarião  tudo  assollado,  mas  vinhão  dizendo 
que  querião  as  Fazendas  para  suas  quintas,  e  já  algumas  fica- 
ram escolhidas. 

Por  desgraça  pegou  o  fogo  em  a  Casa  dos  contos  em  uma 
pouca  de  pólvora  que  ardeo  e  mais  uma  morada  contigua  e  do 
mesmo  modo  o  Palácio  e  Alfandega ;  as  duas  moradas  primeiras 
não  podião  ter  remédio,  mas  o  Palácio  bem  se  lhe  podia 
acudir  e  facilissimamente  a  Alfandega,  porque  esta  era  a  ulti- 
ma, e  os  Francezes  ainda  não  esta  vão  por  render,  estavão  prezos 
em  uma  Caza  com  um  grosso  cordão  e  a  gente  que  havia  ainda 
no  Exercito  e  a  que  andava  por  demais  nas  ruas  bem  lho  podião 
valer,  se  houvera  accordo,  ou  se  quizessem,  e  quando  o  não 
remediassem,  acerto  podião  tirar-lhe  as  fazendas  que  tinhão 
dentro  e  os  livros,  mas  bem  pode  ser  que  fosse  provldenoia  di- 
vina para  se  principiarem  outros,  que  aquelles  por  velhos  estavão 
desencadernados. 

Meu  Senhor,  nesta  terra  não  ha  mais  que  desordens,  ninguém 
olha  para  conveniências  da  Coroa,  todos  lhe  roubão  o  que  podem 
Q  o  que  não  podem.  Esta  guerra  fez  gastar  muita  fazenda 
real  e  as  desordens  delia  teve  a  culpa  do  inceniio  em  que  se 
perdeu  muita  fazenda  e  fica  com  ella  caminho  aberto  para 
dizerem  que  se  queimou  o  que  lhe  parecerem  e  dar  despezas  á, 
sua  vontade  e  crescerão  dividas  á  Fazenda  Real  e  aqui  se  nome  a 
quem  lhe  deve  90.000  cruzados,  e  disto  ha  muito,  os  Almoxarifes 


CARTA  DE   FR.   FRANCISCO  DE   MENEZES  67 

dispõem  da  Fazenda  Real  como  sua,  mas  Dão  tem  culpa 
que  elles  não  dão  contas  nem  ha  quem  lh'as  tome. 

Não  é  o  men  animo  dizer  mal  do  Provedor,  porque  o  tenho 
em  boa  conta,  ainda  que  com  elle  não  tenho  trato,  tenho  no- 
ticia do  83U  procedimento,  mas  este  erro  yem  muito  atrasado  e 
melhor  constara  d'onde  nasce,  mandando  S.  Magestade  iníbr- 
mar-se  ;  o  mau  é  que  não  encontrará  muitos  que  o  fIsKão  com 
yerdado.  He  verdade  que  os  descaminhos  são  tantos  que  se  isto 
se  procurar  não  hão  de  poder  encobrir  tudo,  e  ainda  que  o  Ou- 
vidor Geral  é  na  terra  moderno,  consta-me  que  sabe  principal- 
mente dos  90.000  cruzados.  Grandes  rendas  tem  nesta  America 
a  Coroa,  porem  se  S.  Magestade  não  mandar  reformar  isto  por 
pessoa  que  seja  izenta  dos  Governadores  e  de  tal  supposição  e 
verdade  que  se  não  deixe  subornar,  brevemente  se  achará  sem 
nada  :  os  Governadores  são  os  que  dissipão  a  Fazenda  Real,  e 
emquanto  8.  Magestade  não  remediar  e  determinar  nova  forma 
de  despezas  e  que  os  Governadores  não  tenfaão  jurisdição  na  Fa* 
zenda  Real,  sempre  hade  ser  assim,  porque  com  a  dependência 
que  delles  tem  lhe  tapão  a  boca  com  o  que  pedem,  e  deste  modo 
se  vive  por  cá  inventando  cada  vez  novos  modos  de  dissiparem, 
O  Governador  vendo  que  o  inimigo  entrou  por  terra  as  14  le- 
goas,  que  digo  sem  advertir,  que  de  algum  modo  tem  a  culpa, 
porque  o  não  podia  conseguir  se  lh'o  quizessem  impedir,  porque 
deixada  a  impossibilidade  que  tem  pelos  maus  caminhos  ásperos, 
pastos  estreitos,  e  que  lhe  podemos  deixar  todo  sem  manti- 
mentos, e  a  maior  parte  sem  agua,  e  que  nos  alojamentos  se 
lhe  podia  impedir  sem  muito  risco  nosso,  até  a  dormir  em  bus- 
car-lhe  umas  peças  d*Artiiheria,  fazer-ihe  algumas  minas  e 
que  a  tudo  se  faltou  por  falta  de  Conselho  e  resolução,  isto  digoe 
eu,  outros  alargão-se  mais. 

Quer  remediar  o  damno  futuro  com  murar  a  cidade  pela 
parte  da  terra:  esta  obra  sempre  é  boa,  mas  parece-me  moito 
escusada  esta  despesa,  a  qual  hade  ser  muito  considerável, 
assim  pela  entidade  da  ub.^a,  como  pelos  descaminhos  que 
hade  dar  ao  dinheiro  quem  corre  com  ella,  que  tanto  que  ha 
em  que  mexer,  ha  caminho  aberto.  Nesta  cidade  não  podo 
entrar  inimigo  por  terra,  salvo  o  deixarem  como  agora:  isto 
sabem  todos  quantos  tem  conhecimento  desta  terra :  oella  ha 


68  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

mailft  sente,  e,  se  não  vai  nas  listas  do  Governador,  6  porqae 
ficaram  fora»  •  se  n&o  puxou  por  negros  e  carijós  ou  ladios,  que 
são  todos  bons  soldados,  estes  andio  occupados  nas  minas  por 
quem  governa,  e  isto  nâo  serve  a  Republica  e  para  estes  mattos 
no  08  mais  úteis  :  os  negros  esquecerão  o  tudo  isto  querem 
remediar  com  amofinar  a  Bl-Rei,  pedindo-llie  soldados  a  tempo 
que  nesse  Reino  sio  procisos  para  as  Fronteiras. 

S.  Magestade  tem  muita  gente  para  a  defensão  desta  torra 
e,  quando  lhe  fosse  necessária,  c&  a  tem  nas  minas,  que  kão*de 
acudir  com  presteza  e  pela  parte  de  terra  com  pouca  gento 
se  deíénde,  e  havendo  quem  governe,  porom  elles  querem  levar 
isto  a  poder  de  milagres  e  terços,  mas  por  isto  os  vi  na  occasião 
enfiados»  A  verdade  é  esta:  S.  Magestade  precisa  Fover  o  lugar 
de  Mestrd  de  Campo  em  quem  seja  soldado ;  este  morreu,  e  tem 
cá  Pranoisoo  Ribeiro,  que  ó  o  Mestre  do  Campo  da  terra  nova, 
que  está  incapaz  de  andar,  nem  eu  o  vi  sahir  fora  e  só  no  exer- 
cito o  vi,  e  para  se  pôr  a  cavallo  lho  trouxerão  um  banco  e 
ainda  chegaram  uns  ofllciaes  a  pô-lo  a  cavallo:  ou  o  não  co- 
nheço, nem  elle  nesta  occasião  mostrar  o  seu  valor,  que 
será  grande  soldado,  mas  ainda  que  o  tivesse,  a  idade  ou 
achaques  o  havião  de  escusar:  este  não  serve  a  S.  Magestade 
deste  nocdo. 

Nesta  terra  tom  S.  Magestade  um  vaierozo  soldado,  quo  é  o 
Tonente  Qeneral  da  Fortificação,  que  ô  José  Vieira  Soares,  quo 
nesta  occasião  o  vi  proceder  com  todo  o  valor,  desprezando  oe 
maiores  ris^sos :  eu  nunca  o  tractoi  nem  o  conheci  senão  neste 
guerra.  Tambam  procedeu  admiravelmente  o  Capitito  José  de 
Almeida,  do  3«  da  Colónia,  e  sahio  gravemente  ferido  ;  também 
o  não  conheci  senão  na  occasião  presente.  Dos  mortos  com  grande 
valor  o  Capitão  de  Cavallos  António  Dultra:  estes  são  os  a  quem 
a  fama  publica  valentes ;  fora  estes,  ha  outros  que  por  ordinários 
■e  lhe  não  sabe  o  nome,  e  também  ha  muitos  que  o  fkvor  de 
quem  governa  quer  fazer  valerozos,  ainda  que  na  occasião  o  não 
mostraram. 

Os  Navios  franceses  baterão  com  muitas  bailas  e  bombas  a 
Ilha  grande,  a  qual  o  Governador  com  boa  advertência  tinha 
guarnecido  ;  pouco  ou  nenhum  estrago  fizeram,  nunca  poderam 
saiter  em  terra,    por   lhe  sor  impedido  pelo  cabo,  que  era  o 


CARTA  DE  FR.   FRANCISCO  DB  MENEZES  69 

Capitão  João  Gonçalves  Vieira,  do  S.*"  da  Ck>loaia,  o  qual  é  vos 
ooQStaato  haver  obrado  com  grande  valor  e  admiração  de  todos 
e  s6  lhe  mataram  am  Alferes,  porque  se  oonservava  bem  en- 
trincheirado, c,  supposto  foi  desamparado  dos  Paizanos,  sempre 
se  defendeu  com  igual  animo.  Os  Paulistas  moradorei  de 
Taubuaté  e  de  Goratingaetá  pedindo  lho  soooorro,  lh*o  derio, 
e  com  isto  mostrarão  a  sua  lealdade  de  que  se  presumia 
mal  e  o  mesmo  derão  a  Parati,  que  guarnecia  o  Capitão  Fran- 
cisco de  Seixas,  que  não  sei  de  que  3.»  he. 

Com  o  aviso  que  o  Governador  mandou  logo  a  Santos  ouidan- 
do-se  fosse  por  là  o  acoomettimento  dos  inimigos,  se  preparou  o 
Governador,  que  houve  com  todo  o  lello  e  cuidado,  e  se  pos  de 
modo  que  não  entraria  o  inimigo.  Pedio  soocorroa  S.  Paulo« 
que  lhe  veio  logo  um  grande  e  com  louvável  zello,  porque  tudo 
o  que  era  capas  de  armas  veio,  e  mostraram  que  não  querião 
Rei  Francês,  no  que  tiverão  grandes  descommodos,  por  ser  muito 
o  tempo  que  esti verão  fora  de  suas  cazas  e  muitos  gastos. 

António  de  Albuquerque,  como  conheceu  o  erro  em  que 
havia  cabido  de  se  auzentar  de  S.  Paulo,  aonde  Francisco  do 
Castro  avizou  das  novas  do  Paquete  e  que  havia  mã  presum- 
pção  dos  Paulistas  e  desprezar  a  mesma  noticia  que  lhe  mandou 
o  Mestre  de  Campo  Gregório  de  Castro  (  que  morreo  na  occa- 
sião  presente),  o  qual  estava  nas  Miuas  por  ausência  do  mesmo 
António  d*Albuquerque  escrevendo^ihe  que  elle  tinha  aviso  de 
seu  irmão  o  Governador,  que  se  espera  vão  por  instantes  os 
Franceses  no  Rio,  ou  em  Santos  pelo  que  se  recolhia  acudir,  e 
que  as  Minas  não  necessitavão  de  nada,  estavão  sujeitas,  que 
saria  muito  conveniente  não  se  ausentar  de  S.  Paulo  aonde 
estava,  como  o  não  entondeo  assim,  foi  para  as  Minas,  e  chegado 
a  ellas  teve  a  certeza  da  chegada  do  inimigo  :  voltou  logo  para 
S.  Paulo  com  muito  trabalho,  e  deixou  ordem  para  com  aviso 
seu  partisse  um  d."*  com  um  Capitão-Mór  para  esta  cidade, 
outro  para  Parati,  que  ó  perto  do  mar,  outro  para  S.Paulo,  tudo 
se  escusou  com  o  bom  successo  que  Deus  nos  deu  em  duas  horas 
depois  de  tudo  concluído,  e'  passados  mais  de  15  dias  proveo  o 
Governador  em  Capitão  a  seu  Sobrinho  e  alguns  postos  mais  ; 
veio  reparar  assim  no  tempo  em  que  fez  o  provimento,  como 
nas  pessoas  de  que  ha  bastantes  queixosos. 


70  REVISTA   DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Seguio-se  a  esta  victoria  uma  novena  de  festas  sempre  com 
luminárias  a  que  obrigou  o  Governador  em  varias  Igrejas  com 
Senhor  exposto  e  sermão,  o  que  alguns  chamarão  sátiras  ao 
Divino,  porque  consta  vão  de  que  por  milagre  se  venceo  e  eu  não 
vi  milagre  mais  escusado,  porque  nós  éramos  muitos  ( se  todos 
brigassem  ou  tivessem  essa  ordem  )  e  elLes  muito  poucos,  festas 
de  Cavalio  e  no  fim  uma  procissão  de  triampho  com  carros 
triumphantes.  Em  um  delles  hia  nma  figura  com  uma  bandeira 
alvorada  com  as  armas  do  Governador  e  ao  pô  delias  as  Armas 
d*El-Rei  de  Franga,  e  os  mais  Estandartes  Francezes  os  ievavão 
figuras  a  cavallo  assas  pizados  :  tudo  parecia  não  só  escusado, 
mas  vergonha  nossa,  que  tudo  mostravão  ao3  Prisioneiros,  huni 
se  rião,  entendo  quem  aprazivel  gosto  tinha,  d'onde  inflrião  o 
quão  temidos  havião  sido ;  outros  chora  vão,  não  entendo  porque, 
mas  não  lhes  faltavão  motivos  ;  outros  se  escuzaram  de  ver,  e 
alguns  pregantaram  se  Portu^;al  havia  conquistado  a  EI-Rei 
de  França  e  despojara  do  seu  Reino  :  estas  festas,  de  todos 
forão  estranhadas,  só  serviram  de  mostrar-se  aos  Francezes,  a 
muita  gente  que  a  Cidade  tinha,  sem  entrar  as  das  mais  povoa- 
ções, porque,  como  no  conílito  a  não  virão,  ficaram  na  duvida 
se  era  por  medo  ou  por  não  ter  tanto  de  que  agora  lhe  fica  o 
conhecimento  para  olreeeio. 

O  General  Francez  a  quem  chamão  Duderc  está  no  Col- 
legio,  ó  fatal  homem;  e  eu  assim  o  experimentei,  porque 
estando  ajustando  a  íórma  do  Quartel  que  o  Governador 
me  havia  encarregado,  porque  eu  não  vim  no  que  elle 
quiz,  me  disse  estando  sem  nenhum  partido  que  o  negocio  para 
oUe  não  estava  acabado  e  que  para  elle  não  havia  empreza  que 
por  diíficultosa  deixasse  de  emprohende-la,  ao  que  eu  lhe  re* 
spondi  pelo  mesmo  theor.  Aponto  ist  j  para  dar  a  conhecer  o  seu 
animo.  Com  elle  vem  cavalheiros  de  grande  supposição  e  Cabos 
do  mesmo  género  o  uns  que  deixaram  de  o  ser  em  França,  para 
virem  na  occasião  e  muitos  guardas  marinhas  :  eu  disse  e 
apontei  ao  Governador  o  ao  Ouvidor  que  seria  conveniente  que 
estes  ao  monos  o  General  sem  se  faltar  ã  palavra,  se  podião 
impossibilitar  de  voltarem  á  França,  mandando-se  para  Ben- 
guela e  Caoonda,  outros  para  Moçambique  para  onde  ha  aqui 
Navio,  outros  para  Cabo-Verdo,   terras  onde  se  vivo  pouco  e 


CARTA  DE   FR.    FRANCISCO  DE  MENEZES  71 

agora  partio  nm  navio  do  António  de  Albuquerque  para  Angola, 
que  podia  levar  alguns,  que  Portugal  aoommoda-lhe  que  eate 
General  não  torne  á  França  e  não  se  lhe  tàz  injuria,  porque  são 
4!onqui8ta8  nossas,  e  não  nos  acommoda  tê-los  nesta,  o  se  morre- 
rem naquellas,  seria  por  conta  e  risco  seu,  e  peor  nos  íázem 
aos  nossos  prisioneiros  que  rendendo-os  em  as  nossas  fronteiras 
08  mandão  de  Castella  para  França,  que  não  é  província  sua, 
porem  como  o  não  vejo  fazer  não  deve  ser  bom  o  meu  diotame, 
porque  o  Governator  tudo  quanto  tem  entendido,  tudo  tem 
obrado  e  confesso  ser  bom  servidor  d'£l-Rei,  principalmente 
para  a  paz,  e  nunca  lhe  conheci  erros  da  vontade,  só  lhe  noto 
não  ouvir  nem  querer  consultar  o  que  ouve* 

Ouço  aqui  fallar  em  que  se  quer  fortificar  a  Ilha  das  Cobras» 
oiijo  trabalho  será  muito  prejudicial  a  esta  terra«  porque  é  uma 
ilha  junto  &  Cidade  em  lugar  emminente  a  ella  em  uma  ponta 
e»  se  o  inimigo  entrar  as  Fortalezas,  em  a  ganhando,  já 
assolla  a  cidade,  e  mais  facilmente  achando  lugar  em  que 
monte  artilharia,  se  não  uzar  da  nossa,  que  para  se  defender  e 
guarnecer  a  dita  Ilha,  ha  de  mister  mais  de  2.500  homens,  e  se  se 
nãohade  guarnecer  de  gente,  para  que  se  fortifica?  e  se,  a 
guarnecer,  empobrece  a  cidade,  e  expoem-se  a  que  se  não  possa 
retirar,  porque  podom  sor  impedidos  dos  inimigos  :  e  esta  ilha 
se  pode  conservar  como  está,  e  para  oífender  ao  inimigo  que- 
rendo a  occupar,  da  mesma  Cidade  se  fará,  porque  nelLa  tem  o 
monte  de  S.  Sebastião,  emmincnto  a  dita  ilha  e  o  de  S.  Bento, 
que  lhe  fica  tiro  de  peça  ou  da  Conceição  com  pouca  mais  diífo- 
rença,  aondo  se  pôde  fazer  iluas  cidadclias  que  não  só  dofendão 
a  Illia  mas  sir vão  para  guardar  e  defender  a  Própria  Cidade  o 
se  recollião  as  melhores,  feitas  estas,  pouco  importa  que  o 
inimigo  entro  na  Cidade,  quo  logo  se  sujeita  c  me  parece  que  é 
a  única  obra  nova  quo  hado  mister  esta  cidade.  Eu  não  me 
obrigo  a  acertar,  mas  devo  dize-lo  o  parece  me  se  so  ponderar, 
e^ta  fortificação  da  Ilha  que  se  não  fará,  e.  fazendo  se,  será  pela 
parte  do  mar  aonde  só  6  conveniente  para  oflender  os  Navios 
que  quizerem  bombear  a  cidade. 

As  Fortalezas  da  barra  são  as  que  bastão,  mas  não  tem 
a  artilharia  necessária,  e  a  que  pode  ser  nem  Artilheiros, 
e  não  se  faz  diligencia  para  que  os  haja,  porque  eu  conheço 


j 


72  RRVI8TA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

60ta  torra  ha  annos  e  nuoca  Ti  faser  exorcioio  a  Ar4i- 
Iharla,  e  a  pólvora  apodrece  como  succede  a  soldadesca.  A 
Barra  tem  8  fortalesas  e,  se  se  fortificar  tudo,  não  bas- 
tará quanto  o  BraEil  tem,  porqae  é  costa,  o  que  seria  bom 
conservar  o  que  tem  mal  prevenido,  que  estando  na  terra 
das  madeiras,  não  tem  as  carretas  reparos,  e  o  mesmo  achei  em 
Pernambuco,  e  que  ve&hfto  cabos  para  a  guerra,  qne  para  a  pas 
ha  quantidade. 

Eu  lulo  passei  as  Minas,  porque  António  de  Albuquerque  me 
escusou  diiendo  que  maior  serviço  faria  eu  a  S.  Magestade 
ficando  nesta  terra ;  foi  meu  irmio  Pr.  Jerónimo  Pereira  a  buscar 
alguma  cousa  que  escapou  das  perdig^os  e  determino  com  o  &vor 
de  Deus  recolher-me  ao  meu  convento  nesta  primeira  Frota. 

António  d*Albuquerque  foi  a  S.  Paulo,  nomeou  a 3  capitSes 
de  Infantaria  pagos,  passou  as  Minas  e  nomeou  outros  ainda 
que  estio  sem  patentos  mas  devia  tratar  por  onde  havia  de 
sahir  com  que  se  lhe  pagar.  Ató  agora  n&o  tratou  de  cousa 
alguma ;  supponho  que  não  teve  occasião  ou  tempo.  Os  quintos 
ainda  estão  com  a  mesma  forma,  que  não  pode  ser  peor,  porem 
assim  accommoda  a  quem  por  cá  está,  masS.  Magestade  cada 
vezoom  menos  lucros.  Aigora  se  diz  aqui  publicamente  que 
Francisco  de  Castro  manda  para  a  Parahiba,  que  ó  aonde  ha 
o  registo  do  ouro  e  aonde  pende  tudo,  a  seu  irmão  Capitão 
Francisco  de  Moraes ;  fará  tudo  muito  bem  feito  e  emendará  os 
erros:  6  verdade  quo  ninguém  o  suppord,  porque  o  lugar  ó  sus- 
peito, o  Provodor  irmão  do  Governador  não  será  mau.  mas  não 
parece  bem.  O  negocio  desta  terra  feito  para  as  Minas  cada  vez 
tem  mais  abrolhos ;  ainda  quos.  MagostadefVanquea  o  caminho, 
taes  intelligencias  lhe  poom  que  tudo  se  virá  acabar  de  todo  e 
só  virá  a  servir  para  os  quo  govornão  e  mexem  e.  se  ello 
hado  ser  assim,  melhor  será  que  S.  Magestade  o  faça  por  sua 
conta.  Já  que  o  Reino  está  tão  empenhado.  Agora  tem  inven- 
tado o  Governador  que  haja  uma  Companhia  do  Mineiros  nesta 
terra ;  veja  V.Ei.»  como  pôde  ser  isto,  uns  quo  são  almocreves 
da  estrada,  os  que  d'qui  escapão,  que  sempre  tem  passagem, 
tanto  que  ha  moedas,  não  tornão. 

A  estrada  da  Bahia  se  conserva  impedida,  mas  é  para  que 
renda  mais,  porque  todos  entrão  e  difflcuUosamente  terá  isto 


CARTA  DE   FR.    FRANCISCO   DE   MBNBZES  73 

remédio  em  qasmto  não  governar  pessoa  de  consciência  e  deseje 
servir  a  S.  Majestade  e  a  Ooroa.  Elias  estfto  qnietas,  mas 
reoeio-lhe  alguma  inquietaçio  se  lhe  lerantarem  o  3/,  porque 
nelias  nSo  ha  senão  gente  qoe  entra  e  sahe  eom  negocio  e  mo- 
radoresde  S.  Paulo  que  vem  buscar  ouro  para  se  reoolherem 
em  suas  eazas  e  muito  poucas  pessoas  assistentes,  e  estes  n&o 
devem  ser  soldados. 

Os  mercadores  que  são  os  que  povoão  oom  continuo  curso  as 
Minas  se  os  fizerem  soldados,  âcão  impossibilitados  e  os  Paulistas 
se  os  ftierem  solteiros  ha  poucos,  os  casados  hão  de  hir-se  e 
todos  senão  se  inquietarem,  fuglião,  e  despovoão-se  as  Minas 
que  o  estavão,  porque  quem  se  receava»  hia  para  ellas  viver, 
e  quem  necessitava,  agjra  poem-se  em  termo  de  fugirem  todos 
delias,  e  não  ha  metter-lhe  na  cabeça  que  as  Minas  as  povoon 
a  isenção  e  o  commercio,  este  evitado  tudo  se  desva- 
neceu. 

Nas  Minas,  estando  como  estão  quietas,  não  é   necessário 
3.<>  pago,  bastará  quo  o  haja,  e  03  Capitães  sejão  em  districtos 
repartidos  para  quando  for  necessária  alguma  diligencia  a  Aise- 
rem  que  no  Sertão  não  hado  haver  invasão  dos  inimigos,  e 
estes  Capitães  podem  ser  dos  que  residem  e  ter-lhe  S.  Magestade 
respeito  ao  serviço  que  fizeram  que  sempre  será  a  maior  parte 
com  escravos  seus  e  cuido  que  só  servira  para  alguma  prisão  oii 
observância  de  alguma  ordem,  o  para  guardado  Governador 
bastará  que  hajão  duas  Companhias,  como  esta  terra  tinha 
quando  ou  a  conheci  o  todo  o  Brasil;  o  mais  é  talhar  obra, 
gastar  tempo,  atropelar  os  Yassallos,  podendo  aproveita-lo  em 
grangear  para  a  Coroa  muitos  milhões  e  cobrar  a  multa  fazenda 
que  S .  Magestade  tem  perdida  nas  Mimis,  como  eu  apontei  a 
D.  Fernando  Martins  Mascarenhas,  que  não  emporta  em  pouco, 
mas  o  Governador  tem  muito  a  que  acudir,  não  pôde  tudo  : 
finalmente  matérias  de  tanta  importância  deiza-Fas  &  disposição 
de  um,  (^  não  as  querer  ver  bem  snccedidas,  muito  perdoo  S.Ma- 
gostado  em  o  Bispo  não  hir  ás  Minas  como  lhe   ordenava,  mas 
havia  de  ser  ouvindo-o  e  servindo-se  do  seu  parecer»  que  6  um 
sorvidor  d'El-Rei,  e  tem  claro  entendimento,  mas  estes  não  são 
os  que  servem  ;  parece-me  que  não  hade  ser  António  de  Albu- 
querque o  que  hade  servir  a  S.  Magestade  de  lhe  aocresoentar 


74  REVISTA  DO     INSTITUTO    HISTÓRICO 

as  rendas  nas  Minas,  vejoo  muito  divertidQ  oom  o  negocio  e  fiii^- 
se  muito  dependente  dos  homens. 

Agora  quando  ohegou  ás  Minas  mandou  pedir  ao  Capitão- 
Mór  e  Superintendente  do  Rio  das  Velhas  oavallos  para  virem 
a  Parati  buscar  300  cargas,  e  porque  neste  tempo  lhe  chegou  a 
nova  dos  Francozes,  se  aproveitou  para  comboiar  mantimento 
para  escravos  seus  que  tem  a  minerar  em  outras  minas.  S.  Ma- 
gestade  deu  liberdade  aos  Governadores  para  negociarem,  hade 
logo  encontrar-lh'o,  porque  elles  o  obrigaram:  até  agora  sempre 
governavão  e  negodavão,  mas  era  com  receio,  sempre  tinhSo 
mão  em  si,  agora  tem  o  mesmo  soldo  que  S.  Magestade  lhe 
accrescentou  quando  lhe  prohibio  o  negocio,  e  vfto  pondo  isto 
em  taes  termos  que  já  não  ha  negocio  senão  o  sen,  negros  só 
são  para  quem  governa  e  tudo,  mas  elles  vão-se  conservando 
porque  impedem  cartas  para  ess3  Reino  e  d&o-lhe  a  côr 
que  qaerem,  e,  se  vão  algumas,  vem-lhe  á  mão,  ou  a  noticia, 
e  vingão-se. 

António  d'Albuquerque  as  Impedio  no  Paquete,  agora  o  fás 
Francisco  de  Castro  e  as  Gazetas  ou  RolaçOes  das  operações  do 
inimigo  e  das  nossas  e  também  a  algumas  pessoas  que  lho  pa- 
recem falarão,  e  querendo  a  Camará  escrever  a  Bl-Rei  a  não 
tem  deixado,  parece  até  querer  notar  a  carta,  se  Sua  Magestade 
não  acudir  a  isto  não  sabarã  o  que  cã  se  passa,  c  querendo 
mandar  um  Procurador  lh*o  não  deixa  embarcar,  cã  se  governa 
despoticamente,  e  ho  mal  quasi  sem  remédio. 

Sobre  estas  guerras  não  quer  que  vá  carta,  eu  faço  esta  o 
entrego-a  ao  Capitão  do  Paquete. 

Todos  os  annos  esta  Costa  do  Brasil  6  infestada  pelos  Fran- 
cezes  G  sempre  dolla  levão  um  grndo  cabedal  o  vera  com  toda 
segurança,  porque  sabem  não  ha  com  que  se  lho  faça  mal  isto 
haver  mister  remédio;  ou  bem  vejo  que  S.  Magestade  teve  aqui 
uma  GuarJa-Costa,  o  que  lho  fez  oxccssivos  gastos,  mas  se 
S.  Magestade  castigara  isto,  estaria  capaz  do  pôr  agora  outra. 

Eu  escrevo  esta  que  bom  mostra  o  ser  minha,  porque  vai 
desencadornada,  oscrupoliso  se  não  der  esta  conta,  se  a  V  Ex* 
lhe  parecer  alguma  couza  destas  convenientes  o  remedeie,  e  se 
informe,  a  mim  desculpa-me  o  zello,  o  o  ser  para  V.  Ex." 
me  anima,  só   ro.i^o   a    V.  Ez.«   me    não   dô  por  Author,  não 


CARTA  DE   FR.    FRANCISCO  DB   MENEZES  75 

porque  falte  á  verdade,  maB  tenho  cá  em  qae  se  me  (Saga  mal, 
razão  porque  me  nio  aooommoda,  e  porqae  perderá  por  minha 
a  informaçfio. 

N08S0  Senhor  oonserre  a  V.  Ex.*  a  vida  para  oonserracio 
do  Reino  e  protee^^  dos  seus  Capellãei  e  o  guarde  por  muitos 
e  felizes  annos.  Rio  de  Janeiro  6  de  Novembro  de  1710. 

De  V.  £x>  Ex.»»  Sr.  Duque  do  Cadaval.  Humilde  Greado 
Fr,  Francisco  de  MensMes. 


CARTA 


VíWmR»!  do  Brtzil  Conda  dt  Cunlii 

A  FRANCISCO  XAVIER   DE  MENDONÇA  FURTADO,  ACERCA  DOS  MOTIVOS 
QUE   TEVE    PARA    PEDIR   NOMEAÇÃO    DE   SUCGESSOR 

(1767) 


(Ezirabida  do  Códice  do  Inatitato  Histórico  G«ographico  BrftxUoiro  — 
Doe.  —  STÍ  ~  Archivo  do  Conselho  Ultraniarioo  —  Rio  dê  Janeiro  ^  Com$- 
pandmêia  doê   Vieê-Reia  —  i763  -  ÍTTÍ,) 


A  presente  carta  é  a  juatificação  do  Conde  da  Cunha,  mal  apre- 
ciado por  algana  historiadores.  Gomo  poderia  elle  continuar  a  go- 
vernar bem,  tendo  contra  a  si  os  militares,  os  commerciantes,  os 
membros  da  Relação  e  o  próprio  clero,  inclusive  o  Bispo  ? 

(Xota  da  Commissão  de  Redacção,) 


Oarta  do  7io6«Bei  do  Braiil  Conde  da  Ouha  a  Franelsoo  Xavier  de 
ICendoBça  Fiurtado,  aoeroa  doi  motWos  que  teye  para  pedir 
nomeaçio  de  BiMcetsor. 


Iltmo.  o  Exmo.  Snr.  —  Na  ultima  occasião  em  que  tive  a 
honra  de  me  pôr  aos  reaes  pez  de  £1  Rey  Nosso  Senhor,  lho  pedi 
(com  aquella  perturbação  que  naturalmente  costumo  ter  na  sua 
real  presença)  que  fosse  servido  mandar-me  um  sucoessor  logo 
que  lho  constasse  que  por  cauza  de  minha  curta  capacidade 
obrava  alguns  desacertos,  e  porque  a  Praça  do  Lisboa  e  a  desta 
terra,  descobriram  em  mim  muitos  que  eu  não  sabia  que  o  erão, 
pois  00  de  que  elles  me  podem  criminar  serão  tão  somente,  os 
de  se  terem  executado  flelmento  as  reaes  ordens,  que  Sua  Ma- 
gestade  foi  servido  dar-me  na  sua  regia  carta  de  16  de  Dezem- 
bro de  1753,  para  serem  prezes  e  sequestrados  os  eztraviadores 
dos  seus  reaes  direitos,  não  me  podia  persuadir  que  observando 
eu  religiosamente,  o  que  na  mesma  real  oarta  se  me  ordenava 
eicedia  a  minha  obrigação,  porém  para  me  capacitar  de  que  não 
sirvo,  nesta  parte,  a  meu  amo  tão  bem  como  devia,  basta-me  o 
ver  que  o  mesmo  Senhor  me  manda  promover  o  zelo  com  que  o 
sirvo,  com  a  prudência  e  a  dissimulação,  e  como  não  obstante 
esta  determinação,  não  alcanço  o  como  a  posso  praticar,  peço  a 
El  Rey  Nosso  Senhor,  que  se  alguns  dos  meus  serviços  tem  ai* 
gum  merecimento,  por  remuneração  delles,  me  íaça  a  merco  de 
me  mandar  suocessor,  pois  também  por  outros  motivos  que 
nesta  referirei  se  vô,  que  com  bastante  cauza  peço  esta  graça, 
que  também  ô  preciza  para  o  bem  commum  e  quietação  d'esta 
Capital. 

O  primeiro  motivo  consiste  o  que  em  outras  ocoaziões  tenho 
dito  a  V.  Ex*.,  que  os  meus  muitos  annos,  os  esquecimentos 
que  ellee  me  cauzam,  os  achaques  que  padeço,  e  o  não  poder 
oom  o  excessivo  pezo  deste  governo  me  obrigava  a  pedir  sucoes- 
sor» aftm  de  que  Sua  Magestade  podesse  ser  mais  bem  servido. 


80  REVISTA   DO   INSTITUTO   HISTÓRICO 

Isto  ó  O  que  tenho  pedido  nas  minhas  supplicas,  sendo  tão 
verdadeiras  como  justas,  porem  como  ainda  ha  outi*os 
motivos  graves  que  parece  sor  necessário,  que  por  cauza 
delles  Sua  Magestade  queira  mudar  de  Governador,  os  devo 
relatar  a  Y.  £z*.  para  que  cheguem  á  real  prewnga  do  mesmo 
Senhor. 

Segundo  motivo  é  sera  duvida ,  ser  necessário  que  o  Governa- 
dor seja  bem  quisto  com  todos,  especialmonte  com  os  militares ; 
e  com  estes  por  infelicidade  minha  o  não  posso  conseguir,  não 
obstante  o  estarem  todos  fardados  e  pagos,  ató  do  que  lho 
ficaram  devendo  meus  aateoessoresi  alóm  do  que  tem  sido  muito 
accresceutados  nos  postos,  at tendidos  por  mim  em  todos  os  seus 
particulares,  e  estimados  como  nunoa  nesta  terra  so  vio.  Estes 
mesmos  a  quem  tantos  beneficios  tenho  feito  me  desejam  ver 
vendido,  porque  só  se  lembram  da  liberdade  que  houve  no  tempo 
do  Condo  de  Dobadclla,  e  ainda  a  apotocem  para  poderem  gozar 
aquella  soltura  e  desobodiencia  em  que  se  criaram e  viveram  não 
menos  que  trinta  annos  completos  ,  peio  que  todos  esperam  que 
meu  saccessor  queira  seguir  aquelle  systema. 

Terceiro,  os  Ministros  desta  Relação  que  deviam  ocmcorrer 
para  a  boa  harmonia  do  mesmo  Tribunal,  e  para  a  boa  arreca- 
dação da  Real  Fazenda,  se  uniram  ao  Chancdlicr  João  Alberto 
Castello  Branco,  pura  protegerem  homens  indignos,  o  outros  de* 
vedores  em  quantias  graves  à  Real  Fazenda  ;  estes  procedi  mea- 
tos  foram  tão  excessivos  que  ató  na  mesma  Relação  e  fora  delia 
fizeram  algumas  desattençõos  ao  Procurador  da  Coroa,  e  ainda 
que  a  scena  vao  prezontemonte  mudada,  e  a  meu  entender  mi- 
ihorada  com  a  posse  do  novo  Chancollor  elles  me  temem  o  me 
desejam  fura  desta  terra,  mas  podará  ser  que  succedendo  assim 
elles  se  emmendem  e  venham  a  ser  muito  bons  iMinistros;  porem 
jã  agora  por  nenhum  modo  poderão  ser  meus  bons  amigos:  e  pelo 
que  tenho  dito  a  alguns  dolles  sobre  o  seu  procedimento  me  de- 
zejam  ver  fora  daqui,  e  se  Gonçalo  Jozt^  e  o  Procurador  da  Coroa 
ficarem  nesta  terra  depois  de  eu  sahir  delia,  os  hão  de  apedre- 
jar por  terem  servido  até  ao  prezento  com  muita  honra,  e  um 
grande  zelo  da  Real  Fazenda  e  isto  com  desinteresse  o  verdade  • 
polo  que  rogo  a  V.  Ex».  os  pa troei  u.í  para  que  possa  haver 
muitos  Ministros  que  os  queiram  imitar. 


CARTA  DO  VICE-RBI   DO  BRAZIL  81 

Quarto,  o  Bispo  (se  me  ó  permittido  repetir  alguns  dos 
fiíetos  que  com  elle  tem  sucoedido)  posso  dizer  o  muito  que  se 
tem  interessado  pelo  Thesoureiro  da  Casa  da  Moeda  Alexandre 
de  Faria»  o  intento  que  teve  de  intimidar  o  Desembargador 
Procurador  da  Ck>roa  para  que  não  applicasse  as  contas  que  a 
este  homem  se  deyiam  tomar,  o  muito  que  a  este  Prelado  custou 
largar  a  prata  que  a  Sua  Magestade  pertencia,  e  que  estava  no 
deposito  eodeziastico,  as  vergonhosas  diligencias  que  ali  se  fize- 
ram  para  a  não  darem  que  tudo  é  notório;  pelo  que  claro  está 
que  também  este  Bispo  me  não  gostará,  ainda  que  aparente- 
mente mostra  ser  meu  amigo. 

Quinto,  a  Camará  Ecclesiastica  e  Clero  que  poucos  erão  os 
oabedaes  desta  Capitania,  para  o  quo  elles  lhe  tiravam  com  as 
habilitações  dos  que  se  queriam  ordenar,  e  estes  por  não  pode^ 
rem  prezentemente  conseguir  as  ordens,  julgam  uns  e  outros 
que  eu  lhe  causei  este  prejuízo,  que  só  quando  me  auzentar 
poderão  milhorar  de  fortuna,  pelo  que  todos  elles  me  não 
gostam. 

Sexto,  tendo  os  frades  vivido  sempre  (nesta  Capitania)  com 
escandaloza  liberdade,  e  vendo  que  esta  se  lhe  tem  quartado 
alguma  couza,  no  meu  tempo,  e  neste  experimentam  o  emba- 
raço de  não  poderem  tomar  noviços,  se  persuadem  de  que  eu 
sou  o  que  lhe  tenho  feito  este  damno  que  tem  experimentado,  e 
por  esta  cauza  também  com  elles  estou  mal  quisto. 

Sétimo,  ó  infalível  que  nem  os  homens  de  negocio  hão  de 
deixar  de  continuar  os  contrabandos,  nem  eu  ao  que  deva  obrar 
para  os  evitar,  porque  isto  é  o  que  Sua  Magestado  prezente- 
mente me  ordena,  e  como  elles  mal  quistando-me  nas  duas 
praças  conseguem  o  perdão  dos  seus  excessos,  pode  Sua  Ma- 
gestade estar  na  certeza  que  estes  homens  se  queixarão  sempre 
de  mim,  sem  deixarem  de  extraviar  os  diamantes  —  ouro  —  e 
direitos  das  fazendas. 

Oitavo,  também  é  certo  que  nenhum  Governador  se  pode 
bem  quistar,  não  tendo  com  que  pague  a  quem  manda  tomar 
oâ  géneros  que  preciza,  para  manter  e  prover  as  praças  do  sul 
e  satisfisuser  o  soldo  das  tropas ;  e  porque  a  falta  das  frotas  tem 
oauzado  um  grande  embaraço  na  commercio,  se  experimenta 
uma  grande  diminuição  no  rendimento  da  Alfandega,  e  com 

491  —  6  Tomo  lxix.  p.  i. 


82  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

estes  motíToe  oomo  pode  um  GoTemtdor  remediar  estas  fitltas 
de  meios  para  ser  hem  quisto,  oom  a  mesma  tropa  e  eom  os  ne- 
gociantes a  quem  não  poderá  pagar  f :  a  meu  suocessor  não  será 
difficii  o  remediar  este  fiilia,  porque  se  lhe  permittirá  logo  o 
poder  se  Taier  da  casa  da  moeda,  liberdade  esta  que  o  Oonde  da 
Bobadella  teve,  e  de  que  também  usaram  oom  iargoeia  os  Go- 
vernadores interinos,  e  que  eu  não  pude  conseguir  não  obstante 
o  tei-a  pedido  ha  três  para  quatro  annos,  sem  merecer  nem  a 
resposta  desta  representação ;  pelo  que  naturalmente  por  este 
motivoy  tombem  me  hirei  mal  quietando  cada  vez  mais. 

Nono,  sabe-se  que  a  maior  rua  deste  terra  e  a  mais  po- 
pulosa ó  a  dos  Ourives,  e  que  este  innomeravel  gente  se  sus- 
tonteva  daqneiies  offlcioe  de  que  já  não  pode  usar,  e  todos 
suppdem  que  foi  arbítrio  a  sua  eztinc^,  pelo  que  de  mim  se 
queizam  incessantemente,  e  este  só  motivo  basteva  para  me 
malqnister,  e  íkier  aborrecido  no  Rio  de  Janeiro. 

10«,  neste  Capitulo  mostrarei  ultimamente  outros  motivoe 
pelos  quaes  se  vô  claramente  que  com  tedos  me  tentio  mal* 
quistado,  e  que  por  este  causa  me  parece  ser  necessário  que 
para  este  terra  venha  com  brevidade  Governador  que  se  possa 
íázer  amaio. 

Toios  os  offlciaes  da  Alflindega  vendo  o  cuidado  em  que 
nella  esteu  e  no  seu  despacho,  se  não  satisfskzem  deste  novo 
zelo,  os  da  Fazenda,  como  pela  nova  regulação  perdem  os  offi« 
cios  de  que  se  susteotevam,  persuademnse  que  eu  fui  o  arbitro 
deste  novidade  e  se  queixam  de  mim. 

Os  da  Casa  da  Moeda  com  as  necessárias  e  importentoi  dili- 
gencias que  tenho  feite  nella,  e^tos  mais  que  todos  me  desejam 
o  sucoeHKV  que  peço ;  e  porque  em  descaminhos  da  Real  Fá« 
lenda  tenho  achado  cúmplices  alguns  offlciaes  militares,  que 
tenho  prezos  e  lhe  estou  averiguando  as  culpas  particularmente, 
tombem  estes  e  seus  camaradas  anciosamente  desejam  novo 
governo. 

Estes  grandes  motivos  me  impossibilitam  para  me  poder 
bem  quistar,  o  que  será  multe  fácil  a  qualquer  outro  que  me 
Tier  succeder,  porque  conhecendo  estas  gentes  que  elle  não 
podia  ter  parto  nos  meut  desacertos  se  poderá  fazer  muito 
amado  o  que  muito  importa  ao  real  serviço  de  Sua  Magestadot 


CARTA  DO  VICE-REI  DO  BRAZIL  83 

qne  não  tem  conquista  tão  importaate  como  esta,  a  qual  achei 
perdida  por  todos  os  modos,  e  por  todas  ais  suas  partes  mais 
importantes,  porque  não  haria  nelia  mais  que  dezordens  — 
insultos  —  ruinas—  pobresas— e  roubos»  sendo  nestes  a  Fazenda 
Real  a  mais  prejudicada,  as  conquistas  do  Sul,  V.Ez*.  sabe  o 
deplorável  estado  em  que  estavam,  e  como  tudo  se  reformou ; 
satisí^bço-me  com  que  o  digam  as  pessoas  que  na  praça  de 
Lisboa  e  na  desta  Capitai  me  malquistaram ;  e  para  que  o  be- 
neficio (que  com  tanta  despeia  da  Real  Fazenda  e  trabalho  meu) 
possa  permanecer,  conheço  que  ó  preciso  novo  Governador  como 
todos  desejam,  para  que  com  a  sua  prudência  e  dissimulagãOt 
venha  consolar  os  que  ainda  lamentam  a  perda  que  tiveram  na 
Iklta  do  Conde  de  Bobadella,  e  na  brevidade  do  Gk)vemo  in- 
terino. 

Deus  Guarde  a  V.Ez^.  muitos  annos^Rio  de  Janeiro  a  7  de 
Julho  de  1767—  Senhor  Francisco  Xavier  de  Mendonça  Furtado. 
Coi/kl4  da  Cunha. 


TRASLADO 

DE 


âdIa  de  deligODCía  sobre  a  arribada  do  navio  N.  í  do  kario 
e  M  AntdDio 


(  1645 ) 


^Bibllolhec*  Public»  piorení^  —  Cod,  C.V.I.  2—2  f.  ÍW) 


Este  traslado  comprova  o  que  disse  o  nosso  consoeio  Sr.  Ca- 
pistrano  di  Abreu  em  sua  notável  obra  denominada  «Gapitolot 
de  Historia  Colonial  (1&00  a  1800)»,  pag.  98. 

(Nota  da  ÇammissSo  de  Redacção,) 


Tniliii  íeiíi  Alto  de  itUieicii  lOtR  t  arriiwli  a  esta  Ma  to  HaTia 
ekaialG  Nima  Snlion  «o  Rezarit,  e  Saitt  AiMe  me  talio  ia 
tmiMiUa  ia  Amadi  de  Pernantraco,  le  m  foi  w  Capital  Hír. 
o  Csniel  HíMine  Semo  te  Paira  e  Capltio  le  Mar  e  Saem  to 
llto  Mo  Mo  ilTei  e  Mestre  e  Filoto  Maioel  Ferreira  Lina. 


Aono  do  Naaeimento  de  Nosso  Senhor  Jezas  Ghristo  de  mil 
seisoeiíios  eqnareotae  cídoo,  ao  primeiro  dia  do  mez  de  Betem-* 
bro  do  dito  anno,  nesta  Cidade  do  Salvador  Bahia  de  todos  os 
Santos,  nas  Gazas  dos  Contos  delia,  o  Provedor  mor  da  fa- 
seada de  Soa  Mageatade  deste  estado  do  Braiil,  Pedro  Ferrai 
Barreto,  mandou  a  mim  escrivão  da  ditta  Real  ftkzenda,  e  de 
saa  cargo  ao  diante  nomeado,  Aaiaar  a  ponaria  que  se  segue  do 
dito  António  Telles  da  Silva,  Governador  e  CapitSo  geral  deste 
estado,  em  que  lhe  ordena  tire  testemunhas  para  se  informar  da 
Cansa  que  ouve  para  arribar  a  esta  porto  o  Navio  chamado  Nossa 
Senhora  do  Rosário,  que  hindo  em  oompanhla  da  Armada  que 
mandou  a  Pernambuco,  de  que  foi  por  OapitiLo  mór  o  Coronel 
Hironimo  Serrão  de  Paiva,  e  por  Capitão  de  Mar  e  Guerra  do 
mesmo  Navio  João  Alves  Soares,  e  Mestre  e  Piloto  Manoel  Fer- 
reira Uma,  arribara,  e  chegara  a  este  porto  em  vinte  nove  de 
Agosto  próximo  passado,  e  dos  mais  particulares  que  a  dita 
Portaria  conthem;  perguntando  o  ditto  Capitão,  e  Mestre»  e  Pi- 
loto, e  os  mais  oflQciaes,  e  Marinheiros  do  dito  Navio  que  pare- 
oesse»  elhe  mandasse  dar  os  traslados  autênticos  de  tudo,  para 
os  inviar  a  Sua  Magestade,  que  Deos  Guarde,  e  lhe  fez  todo  pre- 
sente, em  comprimento  do  que  autuei  a  dita  portaria,  e  ajuntei 
aqui,  e  he  a  que  se  segue,  Oongalo  Pinto  de  Freitas,  escrivão 
da  fkzenda  Real  deste  estado.  Provedoria  mor  delia  por  soa 
Magestade  o  escrevi. 


88  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 


PORTARIA 

Porquanto  chegou  arribado  a  este  Porto  o  Navio  Santo 
António,  de  que  he  Capitão  de  Mar  e  Guerra  João  Alves  Soares, 
hum  dos  que  forão  na  Armada  que  mandei  a  Pernambuco  a  cargo 
do  Capitão  mor  Hieronimo  Serrão  de  Paiva,  e  convém  saber  se 
a  cauza  de  sua  arribada  navegação  que  teve  assim  a  ditta  Ar- 
mada como  a  de  Salvador  Corrêa  de  Sãa  do  Porto  de  Tamanda- 
ré  donde  havião  chegado,  até  6  Porto  do  R<icife,  couza  porque 
no  de  Tamandaré  se  não  fez  Concelho  para  se  rezolver  o  que  fos- 
^e  mais  conveniente  e  de  maior  segurança,  em  razaõ  do  tempo 
e  das  agoas,  modo  com  que  ambos  estiverao  sobre  o  Recife, 
tempo  que  ali  se  detiverão,  motivo  porque  levavão  anchora, 
que  derrota  levou,  hua  e  outra  Armada  e  modo  de  velejarem, 
sua  navegação,  e  donde  ficarão  ambos,  o  Provedor  mor  da  fa- 
zenda do  Sua  Magestade  deste  Estado  foça  logo  fazer  hum  Auto 
perguntando  exactamente  nelle  tudo  o  assima  refferido,  e  mais 
circumstancías  tocantes  a  este  particular,  assim  ao  ditto  Capitão 
de  Maré  Guerra  do  ditto  Navio  Santo  António,  como  ao  Piloto, 
contra  mestre.  Marinheiros  e  mais  pessoas  que  nelie  vem,  dan- 
do-se-Ihe  a  todos  Juramento  para  que  com  a  verdade  que  deste 
Auto  rezultar  seja  tudo  prezente  a  Sua  Magestade,  para  cego 
effeito  o  mandava  copiar  pelas  vias  que  se  lhe  pedirem. 
Bahia  primeiro  de  Setembro  de  mil  seiscentos  e  quarenta  e  cinco. 

Inquerição  que  fez  o  Provedor  mór  da  fazenda  pela  porta- 
ria do  Senhor  Governador. 

Ao  primeiro  dia  do  Mez  de  Setembro  de  mil  seiscentos 
quarenta  e  cinco,  nesta  Cidade  do  Salvador  Bahia  de  todos  os 
Santos,  na  Caza  dos  Contos,  o  Provedor  da  fazenda  de  Sua  Ma- 
gestade deste  Estado,  Pêro  Ferraz  Barreto,  comigo  escrivão 
delia  tirou  as  testemunhas  seguintes  que  pelo  contheudo  no 
Auto  e  Portaria  junta  forão  porguntadas.  Gonçallo  Pinto  de 
Freitas  o  escrevi. 

O  Capitão  João  Alves  Soares,  de  idade  que  disse  ter  de  vinte 
e  quatro  annos  pouco  mais  ou  menos,  a  que  o  Provedor  mór 
deu  juramento  dos  Santos  Evangelhos,  sob  cargo  do  qual  pro- 
meteo  dizer  verdade. 


TRASLADO  DR  HUM  AUTO  DE  DELIGENCIA  89 

E  perguntado  pelo  contheado  no  Aato  e  Portaria  do  Senhor 
Governador,  que  tudo  lhe  foi  lido  e  declarado,  disse  elle  dito 
Capitão,  que  estando  a  Armada  de  que  he  Capitão  mór  Hiero- 
nimo  Serrão  de  Paiva,  e  em  que  elle  testemunha  hia  por  Capi- 
tão da  Não  Santo  António,  no  porto  de  Tamandare,  surta  dentro 
do  Recife,  a  honde  lançarão  os  Mestres  de  Campo  agente  em 
terra,  em  nove  do  mez  de  Agosto  próximo  passado,  lhes  veio 
recado,  em  como  o  Galleao  do  General  das  frotas  Salvador 
Corrêa  de  Sáa  e  benavides  com  a  frota  estava  surto,  duas,  ou 
três  legoas  do  ditto  Porto,  e  ao  outro  dia  que  fotSio  dez  do  ditto 
mez,  sahio  a  Armada  a  encontrarse  com  o  ditto  General,  o  qual 
sem  aguardar  a  tomar  falia  nem  fazer  Concelho,  foi  vellejando 
na  volta  do  Cabo  de  Santo  Agostinho,  e  hindo  assim  ambcs  as 
Armadas  tirado  a  do  Almeirante  Paulo  de  Barros  que  ficava 
no  porto»  porque  ainda  sinão  esperou,  forão  dar  fundo  no  porto 
de  Pernambuco,  de  íironte  do  Recife»  e  em  onze  do  ditto  mez  ã 
noite,  e  naquella  noite  naõ  ouvera  mais,  que  estarem  as  Ar- 
madas surtas,  e  tanto  que  amanheceo  virão  que  estavão  fora 
seis  Embarcações  Holandezas  de  alto  bordo,  em  que  entravão 
hum  Pingue  e  hum  Pataxe,  e,  as  mesmas  embarcações  tinhão 
visto  ã  noite  antes  de  surgirem  e  amanhecendo  em  doze  do 
ditto  mez,  vio  elle  Capitão  sahir  da  Capitania  de  Salvador  Corroa 
hum  Barco  da  Companhia  da  Armada,  em  que  ao  despois  soube 
foraO  chamados,  o  Capitão  mor  Hieronimo  Serrão,  digo  íorãe 
huns  Embaixadores  que  o  ditto  General  mandava,  sem  até  então 
ter  chamado  os  Capitães  da  Armada,  e  despois  de  despedido  o 
ditto  Barco,  forão  chamados  o  Capitão  mor  Hieronimo  Serrão 
com  todos  08  seus  Capitães  a  Capitania  de  Salvador  Corrêa, 
donde  lhe  foi  dilto  pelo  mesmo  General,  o  que  lhes  parecia  que 
se  devia  fazer,  a  que  todos  responderão  que,  como  já  tinha  man. 
dado  os  Embaixadores  a  terra,  naõ  se  deliberavaõ  sem  sua  vinda 
e  resposta  dos  Holandezes,  nem  saberem  o  que  continha  a  Em- 
baixada, mais  que  levarem  as  Cartas  que  o  Senhor  Governador 
mandava  para  os  do  Concelho  de  Holanda,  assim  por  huma 
Armada  como  a  outra  e  huma  que  o  dittio  General  Salvador 
Corroa  de  Sá  disse  lhe  escrevera,  e  outra  do  Capitão  mor  Hiero- 
nimo Serrão.  E  estando  neste  Concelho,  apareceo  a  Não  Almei- 
rante de  Paulo  de  Barros  com  mais  um  Barco  de  Sua  Magestade, 


90  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

que  havia  ficado  no  porto  de  Tam&ndare,  que  tronxe  Cartas 
dos  Mestres  de  Campo  que  estaraS  em  terra  Martim  Soares  Mo- 
reno, e  André  Vidal  de  Negreiros,  em  que  avizarão,  e  erão  de 
pareoer  que  aqueilas  Armadas  era  miihor  estarem  a  balrarento 
do  Gabo  de  Santo  A^stinho  ou  no  porto  de  Tamandare,  ou  Ilha 
de  Santo  Aleixo,  ou  andarem  de  hna  Tolta  noutra  a  balrarento  do 
ditto  cabo  até  passar  este  mez  de  Agosto,  em  que  aquella  Costa 
era  muito  verde.  E  logo  o  ditto  General  Salvador  Corroa  pro- 
pez  se  se  poderia  seroar  aquelie  porto  para  lhe  nSo  poder  entrar 
socorro,  e  se  acentou  que  não  era  possível,  e  assim  mais  que 
se  acentou,  que  se  esperasse  ate  o  outro  dia  pelos  Embaixadores, 
e  que  então  se  viria  para  balravento  do  Cabo  como  parecia 
aos  Mestres  de  Campo,  visto  dizer  o  ditto  General  que  naõ  havia 
de  brigar  com  as  Náos  dos  Holandeses  que  estavfio  fora,  e 
ainda  quellex  o  quizessem,  o  havia  de  fazer  sempre  com  ban* 
deira  branca,  porque  nâo  tinha  ordem  de  Sua  Magestade  nem 
do  Governador  para  pelleijar  com  os  Holandeses.  B  com  isto» 
se  foi  cada  hum  para  seu  Navio,  e  amanheceo  em  trero  do  ditto 
mez  de  Agosto  sem  serem  vindos  os  Embaixadores  e  ao  meio 
dia  veio  hum  Batel  dos  Holandeses  sem  trazer  os  Embaixadores, 
antes  lhe  vinhaõ  pedir  o  foto  e  aviados  dos  mesmos  Embaixado- 
res por  Cartas  suas  sem  trazerem  reposta  alguma  da  Embaixada, 
e  deixando  hir  o  dito  Batel  sem  lhe  dar  o  foto  nem  criados,  mas 
antes  os  despedio,  dando  hum  Anel  de  preço  ao  Cabo  do  Batel, 
e  Patacas  aos  Marinheiros,  e  Salvando-os  com  três  peças  de 
Artelharia.  E  isto  sabe  elle  Capitão  no  que  toca  as  Patacas  » 
Anel  por  lho  dizer  o  Padre  Frei  António  da  Cnu,  Relegioeo  Clt« 
pocho  da  ordem  de  SaO  Francisco,  que  estava  na  CÉipitasla,  e  o 
passou  o  General  para  a  mão  delle  Capitão  •  neste  dia  sucedee 
ventar  vento  rijo  sueste  com  que  alguns  Navios  se  foriU>  fozen- 
do  a  Vélla,  e  parecia  perderem  Amarras,  e  a  Capitania  de  Sal« 
vador  Corrêa  se  féz  também  a  Vóila  pela  hua  hora  depois  do 
meio  dia,  donde  por  lhe  escacear  o  vento  tornou  a  dar  Aindo 
mais  perto  da  terra  e  pelas  quatro  horas  da  mesma  tarde  se 
tornon  a  fazer  ã  Vélla  na  volta  do  mar,  entendendo  elle  Capitão 
que  de  huma  e  outra  ves  perdera  Ancoras,  e  assim  lho  afirmou 
despois  o  ditto  General.  E  pelas  cinco  horas  da  tarde,  vendo  elle 
Capitão  que  o  Capitão  mor  Hleronimo  Sernlo  mandara  fozer 


TRASLADO  DE   HUM   AUTO  DB   DELIGBNGIA  91 

á  VéUa  a  Charrua  do  Calabar  Náo  da  sua  Armada,  que  estava 
pela  proa  a  delle  Capitão,  e  que  largara  hama  Amarra,  elle 
Capitão  levoa  também  ferro,  tirando  primeiro  a  Anohorae 
amarra  da  ditta  Charrua,  e  fazendo-39  tambam  na  volta  do  mar 
oom  o  batel  da  ditta  Charrua,  a  qual  andava  á  Vôlla  com  Navios 
da  ditta  Armada  por  se  serrar  a  noite  lhe  não  pode  dar  o  Batel» 
nem  amarra  e  arribando  á  Capitania  lhe  disse  Salvador  Corroa 
o  seguisse,  porque  na  meia  noite  havia  de  virar  na  volta 
terra.  E  declara  elle  Capitão,  que  antes  de  serrar  a  noite 
vio  que  se  não  tinha  levado  do  porto  a  Capitania  de  Hieronimo 
Serrão,  e  sua  Almiranta  e  duas  Cravellas  e  dous  ou  três 
Navios  da  íh)ta,  e  seguindo  toda  esta  noite  o  farol  da  Ca« 
pítania,  amanheoeo  em  quatorze  do  dito  mez  com  ella  com 
nebrina  etc.  Despois  do  moio  dia  se  aoharião  dezaoete  Navios  em 
que  não  enu)  de  Guerra  mais  que  Capitaina  e  Almirante  de 
Salvador  Corrêa,  e  ello  Capitão  que  pelas  três  horas  da  tarde 
se  foi  a  Capitaina  em  hum  Batel  que  delia  lhe  mandarão  e  fa- 
lando com  Salvador  Corrêa  lhe  disse  quo  lhe  desse  licenoa  para 
hir  bttsoar  seu  Capitão  mor,  que  conforme  ao  assento  que  estava 
tomando,  havia  de  estar  para  balravento,  e  Sua  Senhoria  se  so- 
taventeava  muito,  ao  que  o  ditto  General  lho  ordenou  dando-lhe 
Cartas  para  o  Senhor  Governador,  e  para  os  Mestres  de  Campo 
e  para  o  Capitão  mor  Hieronimo  Serrão.  E  dizendo-lhe  elle  Ca- 
pitão que  se  não  achasse  seu  Capitão  mor,  e  Armada  a  balra- 
vento, como  queria  hir  por  ser  bom  Navio  de  VóUa,  que  nesse 
cazo  havia  de  tornar,  conforme  o  seu  Regimento*  á  Bahia  da- 
treição,  ao  que  o  Piloto  delle  Capitão  Manoel  Ferreira  Lima  re- 
plicou que  não  havia  de  tornar  &  dita  Bahia,  por  não  tor  pra- 
tica do  Porto,  a  que  respondeo  Salvador  Corrêa  se  Vm**.  quer 
vir  comigo  ã  noite  estamos  lã  e  elle  Capitão  lhe  disse  que  se 
sua  Senhoria  lhe  ordenava,  o  faria  e,  se  naõ,  segueria  sua  viagem 
para  balravento,  porque  hir  á  Bahia  da  troição  era  o  derradeiro 
remédio.  E  então  Salvador  Corrêa  se  foi  a  balravento  para  a 
ditta  Bahia,  e  elle  Capitão  na  volta  do  mar  tratando  de  vir 
para  balravento  buscar  a  sua  Capitaina  e  então  lhe  deo 
ditto  General  as  Cartas  e  papeis  e  entregou  o  frade  Capucho  re« 
ferido  com  dous  Escravos  mais  que  viahão  com  tenção  de  saltar 
em  terra  de  Pernambuco.  E  navegando  elle  Capitão  onze  diaa 


92  REVISTA  DO   INSTITUTO  HISTÓRICO 

om  difer6nto3  rumos  sempre  para  balrarento,  veio  avistar  a 
torra  das  alagóas  e  vindo  correndo  a  costa  qara  buscar  a  sua 
Armada  na  paragem  de  Tamandaró  ou  Ilha  de  Santo  Aleixo» 
ouve  vista,  junto  ao  porto  Calvo,  do  hum  Navio  cora  três  em- 
barcações pequenas,  e  chegando  ao  reconhecer  acharSo  ser  o 
Navio  Holandez  com  três  sumacas,  o  tratando  ainda  de  hir 
buscar  a  sua  Armada  ate  á  Bahia  da  treiçâo  o  seu  Mestre  o  Pi- 
loto Manoel  Ferreira  Lima  lhe  fizera  protestos  que  nao  sabia  o 
porto  e  que  o  Navio  não  estava  capaz  por  fazer  muita  agoa,  e 
estava  aberto  pela  Proa  e  então  olle  Capitão  por  todas  as  razões 
referidas,  e  ver  dar  á,  bomba,  se  veio  a  esta  Bala  para  concertar 
o  Navio,  e  seguir  a  ordem  que  lha  der  o  senr.  Governador,  e 
chegou  aqui  a  vinto  nove  do  passado.  E  esta  he  a  cauza  de  sua 
arribada,  e  mais  não  disse  do  oontheudo  no  Auto  nem  do  costume, 
e  assignou  com  o  Provedor  mor,  e  eu  Oonçallo  Pinto  de  Freitas 
o  escrevi,— Ferraz.— João  Alves  Soares. 

Manoel  Ferreira  Lima,  Mestre  e  Piloto,  e  Senhorio  om 
parte  do  Navio  nossa  Senhora  do  Rozario,  e  Santo  António,  de 
idade  que  disse  ser  do  quarenta  o  cinco  annos,  pouco  mais  ou 
menos,  a  quem  o  Provedor  mor  deu  juramento  dos  Santos  Evan- 
gelhos, sob  cargo  do  qual  prometteo  dizer  verdade. 

E  perguntado  pelo  contheudo  no  Auto  e  Portaria  do  Se- 
nhor Governador  que  lhe  foi  lida  e  declarada,  disse  elle  Mestre 
que  estando  em  nove  de  Agosto  a  Armada  desta  Bahia  dentro 
no  porto  de  Tamandaré,  veio  recado  por  hum  Barco,  em  como 
Salvador  Corrêa  vinha  com  a  sua  frota,  a  qual  ã  noite  ainda 
apareceo,  e  amanhecendo  em  dez  veio  saindo  a  armada  para 
fora  e  virão  que  Salvador  Corrêa  hia  navegando  na  volta  de 
Pernambuco,  e  neste  dia  pelas  quatro  horas  da  tarde  a  Capi- 
tania de  Hieronimo  Serrão  de  Paiva  o  foi  salvar  abatendo  a 
bandeira,  o  tirandoa,  o  pondo  hum  rabo  de  gallo.  E  ao  outro 
dia  onze  do  mez  de  noite  derão  as  Armadas  fundo  de  fí*onte  do 
porto  de  Pernambuco,  passando  a  noite  em  quietação  com  f&roes 
acêzos,  eem  amanhecendo  em  doze  virão  que  esta  vão  a  par  delles 
cinco  Nãos,  e  hum  Perigue,  todos  com  as  Véllas  dalto  Holan- 
dezes  e  aparelhados  para  se  poderem  fazer  á  Vélla.  E  pelas  outo 
horas  vio  clle  testemunha  que  ã  nossa  Capitania  chegara  Iium 
Barco  dos  nossos,  e  nelle  dizem  que  sahirão  oa   Emba^adores 


TRASLADO  DE  HUM  AUTO  DE  DELIGBNCIA  93 

que  Salvador  Ck)riêa  mandava  para  a  terra,  e  ao  despedir 
salvou  com  cinco  ou  sete  pessas,  e  o  Barco  foi  a  Capitania  Holan- 
deza,  e  detendo-se  ham  espaço  o  vio  tornar  a  sahir  para  terra  e 
o  Holandez  os  Salvar  com  cinco  ou  sete  pessas,  e  neste  dia  não 
vio  mais  que  alguns  Barcos  Holandezes  andarem  por  entre  a  nossa 
Armada  e  o  Pirigue,  e  vio  chamar  a  Concelho  á  Capitania  de 
Salvador  Corrêa  os  Capitães  da  Armada  de  Hieronimo  Serrão. 
E  amanhecendo  em  treze  tempo  sueste  rijo  e  ao  meio  dia 
pouco  mais  ou  menos  veio  de  terra  hum  Batel  Holandez  á 
Yélla,  que  vinha  buscar  o  fato  e  criados  dos  Embaxadores,  e 
Salvador  Corrêa  lho  não  dera,  e  os  brindava,  e  lhe  disse  a  elle 
testemunha  que  os  Framengos  que  ali  vinhão,  vierão  disfor- 
cados  em  habito  de  marinheiros,  mas  que  hum  era  o  Almeirante, 
e  alguns  Capitães  e  ou  vio  dizer  que  Salvador  Corrêa  lhe  dera 
hum  Anel  de  sua  Mulher  de  preço,  e  patacas  aos  Marinheiros,  e 
estando  o  ditto  Batel  a  bordo  veio  carregando  o  tempo  de  ma- 
neira que  se  fez  o  GalleSo  á  Yélla,  e  foi  dar  fundo,  por  não 
poder  dar  por  devante  junto  a  terra  onde  esteve  com  risco  lhe 
entrou  a  viração,  e  se  fez  outra  vez  a  Yélla  em  que  devia  de  per- 
der anchora  e  amarras.  E  declara  que  emquanto  esteve  no 
perigo  dispersou  duas,  ou  três  pessas  por  vezes,  e  hindo-se  assim 
na  volta  do  mar  salvou  com  sete  pessas  sem  baila,  a  que  de  terra 
nem  dos  Navios  Holandezes  se  lhe  respondeo,  e  neste  tempo 
avizou  o  Capitão  n^ór  Hieronimo  Serão  a  Náo  Charrua  do  Ca- 
labar  que  se  levasse,  e  fazendo-o  ella  deixou  a  amarra  pela 
mão,  e  elle  testemunha  lha  tomou,  e  levou-a  despois  com  o 
seu  Navio,  se  fez  á.  Yélla  pelo  seu  Capitão  de  mar  e  guerra 
lho  mandar  e  que  seguisse  a  Capitania  de  Salvador  Corrêa, 
como  o  fez  deixando  no  porto  ainda  surtos  o  Capitão  mór 
Hieronimo,  e  sua  almiranta  e  duas  Caravellas  da  Armada,  e 
potLcos  Navios  mais,  e  nesta  tarde  chega  vão  á  falia  com  Sal- 
vador Corrêa  e  o  salvarão  com  sete  pessas,  e  elle  lhes  or- 
denou que  o  seguissem,  porque  até  a  meia  noite  havia  de 
hir  na  volta  do  mar,  c  despois  tornar  na  da  terra,  o  que  não  fez 
senão  na  madrugada,  em  que  elle  testemunha  também  virou 
com  elle  e  amanhecendo  com  nebrina  perto  da  Ilha  de  Tama- 
racà,  na  volta  da  terra,  o  sendo  pelas  dez  horas  do  dia,  cha- 
mara elle  Salvador  Corrêa  ao  Capitão,   e  a  elle  Mestre  e 


94  REVISTA  DO  INSTITUTO  HI9T0RICX) 

Piloto  que  fossem  a  bordo  da  sua  Capitaiaa  e  lhes  mandoa 
para  isso  hum  Batel  em  que  forão,  e  lhes  disse  que  se  querião 
hir  para  a  Bahia  da  treição  para  honde  elie  hia,  folgaria  muito 
e  elie  Piloto  lhe  disse  que  lhe  parecia  bem,  ao  que  o  seu 
Capitão  João  Alves  Soares  respondeo  que  se  queria  vir  para 
balrravento  buscar  a  sua  Capitaiaa,  o  elie  Pilloto  lhe  pro- 
testou diante  do  mesmo  Geueral  que,  se  o  havia  de  fazer, 
o  fizesse  logo,  p  >rque  se  não  atrevia  dospois  a  fazeUo,  por 
não  ser  pratico,  ao  que  o  seu  Capitão  lhe  respondeo  que 
viria  para  bordo,  e  faria  o  que  elie  quizesse.  B  então  Sal^ 
yador  Corroa  se  pos  a  escrever  para  o  Senhor  Governador, 
Mestres  de  Campo,  e  mais  Cartas  que  com  hum  frade  de 
Saõ  Francisco,  e  dois  Negros  lhe  meteo  no  Navio  para  lan- 
çar em  terra  em  Tamandaré,  para  o  qual  effeito  os  levava 
elie  mesmo  e  sendo  das  quatro  para  cinco  horas  da  tarde» 
hindo  Salvador  Corrêa  para  balravento  com  quinze  Navios 
da  sua  frota  somente,  elie  Pilloto  e  Mestre  se  veo  embarcar 
com  o  seu  Capitão,  frade,  e  negros,  e  se  vierão  na  volta  do 
mar,  honde  andarão  onze  dias  em  diferentes  voltas  e  ra- 
mos, forçando  o  Navio  para  balravento,  e  avistarâo  a  terra 
das  alagoas,  e  tornarão  na  volta  de  Tamandaró  correndo 
a  Costa  buscando  a  sua  Armada,  e  defronte  do  porto  Calvo  ou- 
vera  vista  de  huma  Não  e  três  sumacas  e  chegando  perto  delias 
as  reconhecerão  serem  Holandesas,  e  por  virem  e  se  íázerem 
na  voltado  seu  Navio,  confirmou  mais  serem 'Holandezes  e  por 
esse  respeito  se  forão  desviando  delles,  por  não  terem  ordem  de 
pelle^arem  com  elles,  os  vierão  seguindo  todo  aquelle  dia,  e  lhes 
amanheoeo  ao  outro  de  Tamandaré  para  esta  Bahia  sem  ver 
terra.  £  então  lhe  ordenou  o  Capitão  fossem  a  Bahia  da  treição, 
e  elie  Pilloto  lhe  respondeo  que  estava  prestes  para  isso,  se  lhes 
desse  pessoa  que  soubesse  o  porto  como  lhe  tinha  ditto  di- 
ante do  Qoneral  Salvador  Corrêa,  e  que  mal  o  poderia  faEer  e 
agora  estando  com  o  Navio  aberto  com  as  bombas  nas  mãos, 
então  se  rezol  verão  em  vir  na  volta  desta  Bahia  e  sendo-lhe  per- 
guntado pelo  Provedor  mór,  que  rezão  tivera  para  n&o  hir  ao 
porto  de  Tamandaré,  ou  Ilha  de  Santo  Aleixo,  conforme  seu 
regimento,  disse  que  o  Capitão  lho  não  mandara  e  por  isso  o  não 
fizera,  e  por  se  rezolYer  o  ditto  Capitão  que  pois  ali  andavão 


TRASLADO  DB  HUM  AUTO  DE  DBUGENCIA  95 

aqaellAS  embarcaoSes  Halaodezas,  não  andava  a  aaa  Arnouida 
na  Ck>8ta,  e  rindo  na  volta  deata  Bahia  ohegarâo  aqui  em  vinte 
Aove  do  passado,  abertos  e  faaendo  agoa  como  se  via.  £  mais  não 
disse  nem  do  costume,  e  assinou  com  o  Provedor  mór,  e  eu  Gon- 
çalo Pinto  de  Freitas  o  escrevi^Perraz— Manoel  Ferreira  Lima. 

Manoel  Fernandeá,  Marinlieiro  Vezinho  de  Magarellos,  junto 
da  Cidade  do  Porto,  de  idade  que  disse  ser  de  vinte  e  sete  annos, 
pouco  mais,  ou  menos,  a  quem  o  Provedor  mór  deu  Juramento 
dos  Santos  £  vangellios,sob  cargo  do  qual  prometeo  dizer  verdade. 

£  perguntado  pelo  Auto  e  Portaria  do  Senhor  Governador,  que 
todo  lhe  foi  lido,  disse  que  he  verdade  que  estando  dentro  em 
Tamandaré  toda  a  Armada  que  foi  desta  Bahia,  em  nove  de 
Agosto,  tiverão  novas  da  Armada  de  Salvador  Corrêa  de  São, 
o  em  dez  do  ditto  sahio  a  Armada  e  ouve  vista  da  Capitaina  de 
Salvador  Corrêa,  que  andava  á  Véila,  e  ouvio  dizer  que  surgira 
de  noite,  e  que  perdeira  hoa  amarra  e  naqneile  dia  a  tarde  se 
encontrou  a  Capitaina  da  Bahia  oom  a  de  Salvador  Corrêa,  e 
salvou  com  sete  possas  e  tiiou  a  sua  Bandeira  e  ficou  oom  hum 
rabo  de  gallo,  e  a  de  Salvador  Corrêa  respondeo  oom  três,  e  ao 
outro  dia  onze  do  mez  chegarão  os  mais  Navios  da  Armada  da 
Bahia  a  salva-lo  e  ella  lhe  respondia  com  hua  pessa  de  Arte- 
Iharia,  e  no  mesmo  dia  a  noite  surgirão  todos  deflronte  do  Recife, 
onde  estavão  da  banda  de  fora,  quatro  Nãos  Holandezas,  hum 
Pataxo,  e  hum  Pingue  e  amanhecendo  em  doze  vio  hir  hum 
Bareo  nosso,  a  Capitaina  de  Salvador  Corrêa,  que  dizem  levou  oe 
Bmbazadores  para  terra,  e  ao  tempo  de  sua  sabida  disparou 
cinco,  ou  sete  possas,  e  hindo  o  Barco  a  bordo  dos  Holandeze{>»  se 
deteve  couza  de  meia  hora  e,  quando  se  apartou  delia,  lhe  des- 
pararão  cinco,  ou  sete  pessas,  e  neste  dia  não  ouve  mais  que 
andar  o  Pingue,  e  alguns  Bateis  dos  Hdandezee  entre  a  nossa 
Armada,  fallando  por  ser  dia  de  bonança  e  em  treze  amanheceo 
o  vento  sueste  rijo,  com  que  algumas  Nãos  hião  desgarrando, 
e  pelo  meio  dia  veio  hum  Batel  de  terra  Holandez  a  Capitaina 
de  Salvador  Corrêa,  que  ouvio  dizer  que  vinha  pedir  o  fato  e 
Criados  dos  nossos  £mbaxaálores,  e  logo  eetando  a  bordo  vio  largar 
a  Capitaina  &  Yella  na  volta  do  Sul,  e  por  não  poder  tomar  por 
davante  surgio  junto  da  terra,  e  por  vezes  atirou  três  pessas 
alhe  aouditem,  ate  que  o  vento  se  melhorou,  oom  que  se  tornou 


96  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

a  fkzer  á  Vella,  e  passando  pelos  Holandezes  os  Salvou  com  sete 
pessas,  e  elles  lhe  não  responderão,  e  Capitaina  de  Hieronimo 
Serrão  avizou  á,  Charrua  do  Galabar,  que  estava  pela  sua  Proa 
que  se  levasse,  porque  se  queria  elle  também  levar.  B  levandosse 
a  ditta  Charrua,  largou  a  sua  amarra  por  mão  e  foi  na  volta  do 
Sul,  e  outros  com  ella  e  então  se  levou  o  Navio  de  Joaõ  Alves 
Soares  em  que  hia  elle  testomimha,  e  tomou  a  amarra  da  ditta 
Urca  Calabar  e  a  levou  com  sigo  o  se  forão  na  volta  do  Mar 
seguindo  a  Capitaina  de  Salvador  Corrêa,  e  a  Capitaina  de  Jero* 
nimo  Serrão  e  Almirante  e  o  Navio  do  Picouttos  e  duas  Cra- 
vellas  âcaraõ  surtos.  E  chegando  á  falia  da  Capitaina  perto  da 
noite  lhes  disse  o  Qeneral  que  o  seguissem  tó  a  mela  noite  na 
volta  do  mar,  e  a  seguirão  to  pela  manhãa  em  que  já  tinhao 
virado  na  volta  de  terra,  e  ftiUando  ao  Qeneral,  e  dizendo-Ihe  que 
querião  hir  a  buscar  a  sua  Capitaina  e  Armada  lhes  disse  que 
fossem  a  bordo  da  Capitaina,  o  Capitão  e  Mestre  e  lhes  mandou 
hum  Batel  em  que  fossem,  como  na  verdade  forão  e  tornario  de 
lá  Junto  da  noite  a  vista  de  Tamaracà,  e  lhes  disse  o  Piloto, 
quando  veio,  que  se  fizesse  na  volta  do  mar,  porque  Salvador 
Corroa  hia  na  volta  da  Bahia  da  treição,  e  logo  navegarão  onze 
dias  em  diferentes  voltas  e  rumos  forsejando  sempre  para  bal- 
ravento.  E  então  abrío  o  Navio  agoa  e  a  primeira  terra  que 
forão  ver  foi  a  das  Alagoas,  e  tornando  a  correr  a  terra  pelo 
cabo  de  Santo  Agostinho  na  altura  do  porto  Calvo,  ouverão 
vista  de  huma  Náo,  e  três  Sumacas,  as  quaes  forão  reconhecer, 
e  virão  claramente  serem  Holandezes,  e  muito  mais  se  firmarão 
vendo  que  ató  noite  lhe  vierão  dando  cassa  e  o  seguirão. 
E  vendo-se  ao  outro  dia  sem  a  Não  e  Sumacas,  e  dizendo 
o  Capitão  que  navegasem  para  a  Bahia  da  treição,  lhe  disse  o  Pi- 
loto que  isso  ouvera  de  fazer  quando  estava  com  Salvador  Corrêa, 
como  então  lhe  requerera  e  não  agora  que  não  tinha  pratico,  e 
fazia  o  Navio  muita  agoa,  e  que  assim  não  podia  vir  se  não  na 
volta  da  Bahia,  como  flzerão,  e  chegarão  aqui  em  vinte  nove  do 
passado  e  Al  não  disse  e  do  costume  que  he  Marinheiro  do  mesmo 
Navio,  e  assinou  com  o  Provedor  mor ;  e  eu  Gonçalo  Pinto 
de  Freitas  o  escrevi.  —  Ferraz.—  Manoel  Fernandes. 

Domingos  Duarte,  marinheiro  do  dito  Navio,  vezinho  de 
Peniche,  de  idade  que  disse  ser  de  vinte  quatro  annos  pouco 


TRASLADO  DE  HUM  AUTO  DE  DELIGBNCIA  97 

mais  oa  menos,  a  quem  o  Provedor  mor  deu  o  juramento  dos 
Santos  Evangelhos,  sob  cargo  do  qus^l  prometeo  dizer  verdade. 
Perguntado  pelo  contheudo  no  Auto  e  Portaria  do  Senhor 
Governador,  que  tudo  lhe  foi  lido  e  declarado,  disse  elie  teste- 
munha que  he  verdade  que  estando  em  nove  de  Agosto  reco- 
lhidos os  Navios  da  Armada  da  Bahia  no  porto  de  Tamandaré, 
lhe  chegarão  novas,  que  aparecia  a  Capitaina,  e  Almiranta  e 
Arota  de  Salvadpr  Corrêa  de  Sàa,  e  ao  outro  dia  em  dez  do  ditto 
sahio  a  Armada  para  fora  e  encontrarão  a  Armada  pelo  meio 
dia,  e  a  nossa  Capitaina  salvou  a  de  Salvador  Corrêa  com  sete 
'pessas,  e  tirou  a  Bandeira,  e  pos  hum  rabo  de  gallo,  e  Salvador 
Corrêa  lhe  respondeo  com  cinco  possas,  o  forão  navegando  até  o 
outro  dia  onze  do  mez  a  noite  em  que  todos  derão  fundo  no  porto 
de  Pernambuco,  a  honde  esta  vão  da  banda  de  fora  quatro  Náos 
Holandezas,  hum  Pataxe,  e  hum  Perigue,  o  naquelle  dia  se- 
guinte que  foi  de  bonança,  pelas  oito,  nove  horas,  chamou  o' 
General  um  Barco  nosso,  em  que  mandou  Embaixadores  &  terra 
e  disparou  pessas  de  Artelharia ;  e  o  Barco  foi  a  bordo  da  Capi- 
taina dos  HoUandezes,  aonde  esteve  hum  pouco,  e  á  sabida  os 
Holandezes  o  salvarão  também  com  três  pessas,  e  se  foi  para 
terra,  e  neste  dia  não  ouve  mais  que  andarem  os  Holandezes 
com  Bateis  e  Pingue,  por  entre  a  nossa  Armada  reconhecendo 
tudo,  e  amanhecendo  ao  outro  dia  treze  de  Agosto  vento  sueste 
e  rijo,  sendo  horas  do  meio  dia,  viera  de  terra  hum  Batel  de  Ho- 
landezes, segundo  se  diz,  a  buscar  o  fato  e  Criados  dos  nossos  Em- 
baixadores ;  e  também  se  diz  que  o  General  lhos  não  quiz 
mandar,  c  ouvio  dizer  que  dera  hum  Anel  a  hum  dos  Holan- 
dezes, o  Patacas  a  outros,  e  logo  neste  tempo,  estando  ello 
ainda  a  bordo  largou  a  Capitaina,  e  se  fez  na  volta  do  Sul,  e  por 
não  poder  tomar  por  devante,  tornou  a  dar  Aindo  tão  perto  de 
terra,  que  atirou  duas  ou  três  pessas  que  lhe  acudissem,  e  me- 
Ihorando-se  o  vento  por  sima  da  terra,  largou  a  amarra  por  mão 
e  se  foi  na  volta  do  mar  com  alguns  Navios  seus  que  ja  andavão 
á  Vélla.  E  neste  oomenos  mandou  Heironimo  Serrão  ã  Náo  Ca- 
labar  que  estava  por  sua  Popa,  se  levasse  para  elle  também  o 
fazer  e  a  ditta  Charrua  Calabar  largou  a  amarra  por  noão  que 
o  Navio  delle  testemunha  levantou  e  recolheo,  e  logo  se  fez 
também  ã  Vella  na  volta  de  Salvador  Corrêa,  deixando  ainda 

491  —  7  ToM0.  LXix  p,  1. 


98  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

surto  no  porto  ao  Capitão  mor  Hieronimo  Sen*ão  e  sua  Almi- 
ranta,  o  Navio  de  Picoatos,  e  duas  Caravellas,  e  chegando  á 
Capitaina  este  Navio  delle  t^^stemunha  perto  da  noite,  llie  deo 
por  ordem  o  Qenoral  o  segui ssem  te  a  meia  ooiie,  por  que  entaõ 
havia  de  virar  na  volta  de  terra,  e  hiado  te  pela  maohãa  que 
virou  se  achar&o  6  vista  de  Tamaraca,  e  perguntando  a  Capi-*- 
taina  para  honde  hião,  lhe  mandou  o  General  hum  Batel,  e  que 
íbssem  1&  o  Capitão  e  Mestre  como  forão  e  tornarão  à  tarde  e 
lhes  disse  o  Piloto:  alhos  vamos  na  volta  do  mar,  que  Salvador 
Corrêa  vai  para  a  Bahia  da  treiçaG,  como  de  effeito  foi  com 
algumas  dezoito  véllas  da  sua  frota,  e  nenhuma  da  nossa  Ar- 
mada da  Bahia,  e  navogarfto  onze  dias  sós  por  diferentes  rumos, 
até  virem  avistar  as  Alagoas,  e  tornando  a  voltar,  na  volta  do 
cabo  de  Santo  Agostinho  de  fronte  do  porto  Calvo,  ouverão  vista 
de  hama  NAo,  e  três  Sumacas  para  as  quaos  se  deixarão  hir 
entendendo  ser  da  nossa  Armada,  o  quando  reconhecerão  que 
eraO  Holandezes,  virarão  na  volt-x  do  mar  para  lhes  ganhar  o 
balravento,  e  a  ditta  Não,  e Sumacas  lhes  vierão  dando  cassa  ate 
ã  noite,  omqae  se  mllhorouo  seu  Navio.  E  quando  amanhecee 
nad  apareceo  nada,  o  então  o  Capitão  João  Alves  Soares    re*- 
quereo  ao  Piloto  que  fossem  na  volta  da  Bahia  da  treição,  e  o 
Piloto  IhiB  disse  que  isso  ouvera  elle  de  fazer,  quando  lho  re- 
quereo  e  estavão  com  Salvador  Corrêa,  e  não  agora  que  tinha 
o  Navio  aborto  fttzenio  muita  agoa,  o  não  tendo  pratico  da  ditta 
Bahia,  o  que  assim  hora  necessário  virem  na  volta  desta  Bahia 
a  concertar,  donde  farião  o  que  o  Senhor  Governador  ordenasse 
e chegarão  a  ella  a  vinte  nove  lio  passado.  K  osta  foi  a  cauza  de 
sua  arribada  e  mais  naõ  disse  nem  do  costume,  e  assinou  com  o 
Provedor  mor,  e  eu  Gonçalo  Pinto  de  Freitas  o  escrevi.  — 
FerráB— de  Domingos  +  Duarte,  testemunha.  O  qual  Auto  Por- 
taria do  Governador,  e  Capitão  Geral  destr  Estado,  o  deligencia 
que  por  ^Ma  delle  se  fez  eu  Gonçalo  Pinto  de  Freitas,  escrivão 
ÚBk  ílikénáK.Real  por  Sua  Magestade  âz  traladar  do  próprio  que 
fica  em^iâou  poder  a  que  me  reporto,  com  que  este  concertei  e  o 
sobesorcvi/  o  assinei  por  duas  vias  na  Bahia  em  treze  de  Setembro 
de  mil  seSeentos  quaren^  e  cinco  —  Gonçalo  Pinto  de  Fr^iias. 


REaiMJENTO 


POKNBGIOO  AO 


(kvernador  à  Rio  k  hmn 

(éiUM  4e  7  ie  jaMiN  4e  167») 


(Archivo  da  Torre  do  Tombo  —  Livro  dos  Regimentos  do  Con- 
selho Ultramarino,  fls.  190  v.  Documento  mandado  copiar  pelo 
Dr.  Norival  Soares  de  Freitas,  em  missão  do  Instituto  Histórico  nas 
bibliothecas  e  archivos  de  Portugal). 


Raforindo-s^  a  esto  regimouto  o  ao  dado  ao  governador  de 
Pernambuco  disse  João  Francisco  Lisboa  (pag.  336,  Jorn,  Timon, 
volume  3^):  «cada  um  delles  cm  vinte  c  nove  artigos,  o  de  Per- 
nambuco de  19  de  agosto  de  1670  e  o  do  Rio  em  9  de  janeiro  de 
1679,  segundo  lemos  cm  uma  cópia  existente  no'Archivo  do  ex- 
tincto  Gonsalho  Ultramarino  e  remettida  pelo  governador  de  Qoyaz 
em  officio  de  20  de  julho  de  1803.  Porém  como  o  regimento  já 
transcripto  do  governador  geral  e  datado  em  23  de  janeiro  de 
1677,  refere  a  artigos  do  regimento  do  Rio  da  Janeiro,  ou  existiria 
outro  anterior  ou  a  data  attnbuida  ao  ultimo  é  «m  erro  de  cópia, 
que,  todavia,  ainda  não  podemos  verificar  e  que  torna-ae  aliás  de 
pouca  consequência  estando  eleitor  prevenido». 

fisse  regimento  é  de  valor  por  se  ver  a  importância  que  ao 
Governo  merecia  o  Rio  de  Janeiro,  máxima  depois  da  fundação 
da  colónia  do  Sacramento  e  das  luctas  com  os  liospanhoes.  Destas  foi 
viòtima  D.  Manoel  Lobo  quo  morreu  prisioneiro  dos  castelhanos. 

(Xota  da  CommisscM  de  licdacção.) 


BegimMito  forneoldo  ao  Ckyemdor  do  Bio  do  Jftuolro,  datado 
do  7  do  Janolro  do  1879 


Ea  o  Príncipe  oomo  Regente  e  governador  dos  Reynoã  de 
Portugal  e  Algarves  tàço  saber  a  vos  Dom  Manoel  Lobo  fidalgo 
da  minha  casa  que  ora  emvio  por  governador  da  capitania  do 
Rio  de  Jaoeiro  que  hey  por  bem  que  emqaanto  a  governardes 
guardeis  o  Regimento  seguinte  : 

1  —  Partireis  desta  cidade  em  direitura  ao  Porto  de  Sao 
Sebastião  do  Rio  de  Janeiro  aonde  fareis  a  vossa  assistência 
e  delia  não  sahireis  para  parte  algua  sem  expressa  ordem 
minha  por  que  volo  mande  fora  das  que  aquy  vão  declaradas. 

2  ~  Tanto  que  chegares  a  dita  cidade  apresentareis  ao  go- 
vernador que  nella  está  Patente  que  vos  mandey  passar,  e  os 
mais  despachos  que  levais  para  logo  vos  entregar  o  governo  o 
que  fora  na  forma  costumada  sendo  presentes  as  pessoas  que 
neste  auto  he  estillo  acharem-se  ordinaviamente  e  da  entrega 
se  farão  autos  que  se  me  hão  de  emviar  para  a  todo  o  tempo 
constar  que  se  prooedeo  comforme  a  ordem  que  sempre  se  pra- 
ticou em  autos  semilhantes. 

8  —  Logo  que  vos  for  entregue  o  governo  ireis  pesoalmente 
visitar  e  ver  as  fortalezas  da  dita  capitania  e  os  Armazéns ;  e 
ordenareis  que  se  foça  emventario  pello  escrivão  de  minha  fo« 
zenda  de  todaa  as  cousas  que  nelles  estiverem,  MunioSes  Armas 
e  artilharia  que  houver  de  que  me  emviareis  a  copia,  e  jun- 
tamente a  planta  de  todas  as  fortificações  que  estilo  em  pee  da 
capitania  do  nosso  distrícto,  e  fortalezas ;  e  estas  vizltareis 
cada  seis  mezes  dando-me  conta  da  folta  que  houver  nellas, 
quando  vos  não  seja  pos^vel  remediallas  para  que  vos  vm  o  que 
pedirdes  para  seu  fornecimento  advertindo- vos  que  a  Artilharia 
tenha  suas  mantas  pello  grande  damno  que  os  reparos  recebem 
sem  estarem  cnbertos.^ 


102  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

4  —  A  principal  caufla  gue  obrigou  aos  Senhores  Reys  meus 
predecessores  mandarão  povoar  aquella  capitania  e  as  mais  do 
estado  do  Brazil  foy  a  redação  do  gentio  delias  de  nossa  santa 
fee  oatholica,  e  assy  tos  emcomendo  fiiçacs  guardar  aos  nova- 
íáente  comyertidos  os  privilégios  qoe  llies  sfio  comcedMos  t^ 
partindo  lhes  terras  oomforme  as  leys  que  tenho  feito  sobre  saa 
liberdade  e  fazendo  lhes  todo  o  mais  íáyor  qae  for  Justo  de  ma- 
neira que  emtend&o  que  em  se  fazerem  christãos  não  somente 
ganhão  o  espiritual»  mas  também  o  temporal»  e  seja  exemplo 
para  outros  se  comverterem,  e  em  seus  Aggravos  e  yexaçoes 
e  proToreis  comforme  Minhas  leys  e  Provisões  dandome  conta 
do  que  se  fizer  como  também  as  Aldeãs  que  ha  quem  as  admi- 
nistra no  espiritual  e  temporal,  e  se  o  faz  de  modo  que  vSo  em 
aiigmento  e  nio  em  diminuição. 

5  —  Da  mesma  maneira  vos  encomendo  muito  o  bom  trata- 
mento dos  menistros  que  se  ocupSo  na  comverção  e  doutrina 
dos  gentios  favoreoendo-os  e  ajudando-os  em  tudo  o  que  para 
esse  effeito  for  necessário,  tendo  com  elles  a  conta  que  he  rezão 
fiizondo-lbes  fazer  bom  pagamento  das  ordinárias  que  tem  de 
minha  fazenda  para  sua  snsteotagão  e  porque  de  todo  o  bom 
effeito»  me  averey  por  bem  servido  de  vos :  o  mesmo  usareis 
com  os  vigários  das  Igr^as  e  mais  eclesiásticos  da  dita  Capitania.. 

6  —  Das  casas  da  Misericórdia  e  Hospitaesqnehanaquella  ca- 
pitania  vos  emcomendo  também  muito  tenhaes  particular  cuida- 
do pello  serviço  que  se  faz  a  Deos  nosso  senhor  nas  obras  de  oha* 
ridade  que  em  hua  e  outra  cousa  se  ezercitão  favorecendo  a  seus 
offlciaes  íkzendo-lhes  pagar  as  ordiaarias  que  tiverem  de  minha 
íkzenda  e  as  dividas  e  legados  que  lhes  perteacorem  para  que 
por  esta  causa  não  deixem  de  comprir  com  suas  [obrigações. 

7  ^  Informar-voâ  heis  dos  offeciaes  de  Justiça  guerra  e  &- 
zeoda  que  ha  na  dita  cupitania  porque  cartas  e  Provisões  ser- 
vem os  postos  e  oíilcios  é  me  dareis  conta  de  todas  as  -pessoas 
que  08  ezercitão  de  propriedade  ou  de  serventia,  emviando-me 
Rellação  das  que  o  fazem  e  por  que  provimentos. 

8  -^  Informar-vos  heis  das  rendas  que  tenho,  e  pertencem 
a  minha  fiuenda,  e  a  forma  em  que  se  arrecidão  e  dispendem, 
e  da  que  o  Provedor  toma  conta  e  resão  e  das  pescas  que  a  tem 
a  seu  cargo;  segundo  a  de  seu  Regimento  de  que  particular- 


REGIMENTO  AO  GOVERNADOR  103 

mente  me  dareis  conta  ;  E  pareoendo-vos  necessário  reoenciar 
as  dos  feitores  e  Almoxarifes  e  podereis  fazer  com  asistencia  do 
Provedor  da  fazenda  ao  qual  ordenareis  também  tome  as  contas 
dos  Almioxarifes  que  servirão  e  remeta  ao  meu  Concelho  Ultra- 
marino os  trealados  delias  na  forma  do  estiUo  e  não  consintirels 
se  paguem  dividas  nem  soldos  atresadoa  sem  provisão  minha 
como  por  muitas  vezes  tenho  mandado. 

9  —  Atendereis  com  muito  cnidado  o  vigilância  n^  guarda 
e  defença  de  todos  os  Portos  daquella  capitania,  e  fprtalesas 
prevenindo  as  fortificações  da  Marinha  e  aaa  artelharia» 
pólvora  Armas  e  tudo  o  mais  que  puder  ser  necessário  de 
maneira  que  em  nehua  parte  vos  acheis  desapercebidos. 

10  —  Também  vos  emformareis  de  toda  a  Artelharia  que 
ha  nas  praças  de  nosso  distrioto  assy  a  que  estiver  cavalgada, 
como  apeada  calibres  e  serviço  que  tem,  armas  e  monições 
que  houver,  e  se  esta  tudo  carregado  em  receita  aos  officiaes 
a  que  toca,  e  quando  não  o  fareis  carregar  assy  as  que  forem 
em  nossa  companhia  como  as  que  eu  mandar  ao  diante,  para 
que  carregadas  em  receita  se  tirem  conhecimentos  em  forma, 
que  mandareis  por  vias  todos  os  annos  da  pólvora  que  se  dis- 
pender  e  as  armas  que  faltarem  para  que  se  possam  prover 
de  novo  e  para  este  effeito  dareis  as  ordens  necessárias  aos 
officiaes  de  nosso  districto,  e  que  estes  tenham  as  ditas  armas 
limpas  e  concertadas  para  o  que  se  oíferecer. 

11  •— Muito  vos  emcomendo  que  os  moradores  da  dita 
capitania  sejam  repartidos  em  ordenança  por  companhias  com 
capitães  e  mais  offldaes  necessários  e  que  todos  tenham  suas 
Armas,  fasendo-os  exercitar  nos  dias  que  vos  parecer  na  forma 
que  se  dispõem  no  Regimento  geral  das  ordenanças  o  que  íkreis 
oomprir  assy  na  gente  de  pee  como  na  de  oavallo ;  e  pêra  que  se 
faça  com  prompta  execu.ão  vos  emcomendo  muito  que  asistaes 
as  mais  vezes  que  puderdes  aos  Alardes  que  mandares  fazer 
pois  he  o  meio  mais  prompto  de  se  acodir  a  defensa  da  capi- 
tania ;  e  quando  os  moradores  não  tenham  todas  as  armas  com 
que  hão  de  servir  assy  de  pee,  como  de  cavallo  me  dareis  ponta 
para  se  vos  emviarem  advertindo  que  os  officiaes  da  gente  me- 
leciana  não  hande  vencer  soldo  nem  ordenado  algum  a  custa  de 
minha  fazenda,  nem  das  camarás  excepto  os  sargentos  mores. 


104  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

12  —  Hey  por  bem  que  todos  os  offlciaes  majores  soldados  qne 
me  servem  naquella  capitania  sejâo  pagos  com  toda  a  pontuali- 
dade pello  Rendimento  de  minha  fasenda  e  mais  consignações  qne 
'se  cobram  para  esse  effeito  para  o  que  fareis  passar  as  mostras  e 
nella  serão  obrigados  todos  a  traserem  suas  Armas  limpas  e 
concertadas,  não  comsentindo  que  haja  pragas  fantásticas  e  pro- 
cedereis comtra  aquellas  pessoas  que  as  passarem,  ou  comsen- 
tirem  na  forma  que  se  dispõem  no  Regimento  das  fronteiras. 

13  —  As  mesmas  mostras  se  fará  aos  Artelheiros  que  me 
servem  nessa  capitania,  e  seus  offlciaes  tomando  noticia  dos  que 
são  sufflcientes  ordenando4he  que  para  os  que  o  não  forem  de 
todo,  se  faça  nos  dias  que  parecer  exames  e  haja  barreira  aonde 
se  exercitem  com  pega  de  menor  calibre,  e  a  despesa  que  se  fizer 
na  pólvora  o  bailas  deste  exercício  o  fareis  levar  em  conta  as 
pessoas  de  cujo  recebimento  sahirem,  e  quaudo  nesses  portos 
hajam  navios  do  meus  váçallos  obrigareis  aos  comdestavels  e 
Artelheiros  delles  vão  também  ao  exame  á  Barreira  p\ra  que 
a  competência  faça  adestrar  a  todos. 

14  —  Tratareis  muito  que  se  augmente  a  [dita  capitania,  o 
qu)  seus  mora^lores  cultivem  e  povoem  palia  terra  dentro  o  que 
pudor  ser  fÍB^endo  cultivar  as  terras  e  que  se  edifiquem  novos 
emgenhos,  e  aos  que  de  novo  reedificarem,  ou|flserem  Iheslman- 
darais  guardar  seus  previllegios,  e  aquelles  que  tiverem  terrai 
de  sesmarias  obrlgarôis  que  as  cultivem  e  abrãoe  os  que  a  não 
cultivarem  na  forma  da  ordenação,  o  Regimen(o|da8>e8marias 
mandareis  proceder  contra  elles  como  se  dispOe  na  mesma  orde- 
nação do  Regimento,  e  também  procurareis  que  se  não  dem  mais 
terras  de  sesmarias  que  aquellas  que*cadahum  poder  cultivar. 

15  —  E  porque  eu  mandey  passar  Provisão  para  que  os  go- 
vernadores nem  Ministros  de  Justiça,  guerra,  e  fasenda  se  não 
emtremetão  nos  negócios  mercantis  e  menos  nos  contratos  pro- 
hibindo-lhes  não  terem  logeas  publicas  em  suas  casas,  nem 
menos  tomarem  sobre  sy  dividas  alheas,  por  ser  tudo  isto  hum 
dos  grandes  inconvenientes  e  damnos  que  recebem  meus  vá- 
çallos hey  por  bem  que  vos  guardeis  a  dita  provisão  e  a  fareis 
guardar  para  o  que  se  vos  dará  a  copia  delia  com  este  Regi- 
mento sem  embargo  de  achares  registada  nos  livros  de  minha 
fazenda  e  camará  da  dita  cidade  de  são  sebastião. 


REGIMENTO  AO  GOVERNADOR  105 

16  —  Encarrego-Y08  muito  o  bom  tratamento  que  deveis 
faser  aos  offlciaes  de  jostioa  e  fasenda  da  mesma  capitania 
deixando  obrar  na  administração  de  justiça  e  fasenda  na  forma  dr 
seus  Regimentos  ;  emcomendando«Ihes  de  oomo  devem  procedee 
em  seus  cargos ;  e  quando  de  sua  parte  haja  omissão  lho  adver- 
tireis, e  comtenuando  nella  me  dareis  conta  para  resolver  o  que 
for  servido,  e  para  os  negocies  que  tocarem  a  meu  serviço,  os 
podereis  mandar  chamar  a  vossa  casa,  todas  as  vezes  que  vos 
parecer  sem  lhes  admottir  escusa. 

17  —  E  porque  comvem  ao  meu  serviço  que  cada  hum 
em  sua  jurisdição  guarde  o  que  lhe  he  ordenado  nSo  consln- 
taes  que  nessa  capitania  tomem  os  ecelesiasticos  mais  Júris- 
diçio  que  a  que  lhes  tocar,  nem  Donatários  —  havendo-os  —  e 
tendo  nisto  muita  vigilância  e  cuidado  ;  e  vos  nem  meus  offl- 
ciaes de  justiça  lhes  tomeis  nem  quebreis  seus  previllegios 
nem  Doações  antes  em  tudo  o  que  lhes  pertencer  lhos  fareis 
comprir  e  guardar. 

18  —  Podereis  prover  os  officios  de  Justiça  e  fazenda  que 
vagarem  no  tempo  de  vosso  governo  no  intre  por  seis  meses 
somente  por  não  parar  o  curslo  dos  negócios  pertencentes  a 
Justiça  e  fazenda  e  dareis  conta  ao  governador  gorai  do  es* 
tado  tanto  que  negarem,  e  provendo  elle  os  taes  officios  nas 
pessoas  que  vos  apresentarem  os  taes  provimentos  lhes  poreis 
o  cumpra-se  e  entrarão  a  serviilos,  porem  de  acabados  os  seis 
meses  de  vosso  provimento  assy  o  governador  geral  oomo  vos 
me  dareis  conta  por  quem  vagaram  òs  ditos  officios  seu  Ren- 
dimento  e  se  âcarão  filhos  dos  proprietários  e  quem  os  floa 
servindo  dando  me  logo  conta  pela  primeira  embarcação  que 
vier  ao  Reyno. 

19  ^  Provereis  os  postos  melecianos  das  ordenanças  de 
vosso  governo,  e  seu  distrioto  nas  pessoas  mais  idonias,  e  ca* 
pases  sem  dependência  do  governador  do  estado,  e  os  providos 
mandariU)  tirar  a  este  Reyno  dentro  de  hum  anno  a  ooníirma^^ 
por  my  como  esta  disposto,  e  dos  i>ostos  de  guerra  assy  como 
vagarem  dareis  parte  ao  governador  do  estado»  quaes  sejão,  e 
por  que  vagarâo  e  lhe  emviareis  emformação  do  sugeitos  bene- 
méritos que  houver  no  vosso  governo,  para  que  sendo  tudo 
presente  ao  governador  me  pAiponhatres  pessoas  qu^  lhe  pare* 


106  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

cer  para  o  dito  posto,  que  tenhfio  m  reqaesitos  a  annos  de  ser- 
tíqqb  que  dtopoem  o  Regimeato  das  flroatoiras,  •  o  goTernado  ^ 
geral  e  tob  me  dareU  oonta,  e  aoa  oapikàes  do  iDOftotaria  que 
Tagareia,  oem  voa  nem  elle  prorereis  as  companhias  e  serTirão 
oa  AlíSnret  delias  goveroando-as  emqaanto  eu  nSo  proyer  as 
dites  companhias  nem  menod  podereis  fttser  capitães  de  passa- 
gem por  ser  cootra  as  minhas  ordens. 

SO  —  Hey  por  bem  que  não  possaes  criar  ofllcio  algam  do 
noYo  assy  de  jnstica  como  de  fhsenda  ou  guerra,  nem  aos  cria 
dos  acrescenteis  ordenados  ou  soldos,  e  menos  possaea  dar 
interinamente  soldo  de  reíbrmados  praças  mortas  oa  escudo  de 
yentagem ;  e  fásendo  o  contrario  —  o  que  vos  não  espero  —  se 
DOS  dará  em  culpa,  e  sereis  obrigado  a  pagar  por  vossa  (ázenda 
o  que  assy  mandares  despender  contra  a  forma  deste  capitulo. 

21  —  As  pessoas  que  deste  Reyno  forem  degradadas  para 
assa  capitania  e  as  mais  de  vossa  Jurisdição  oixienareis  que 
tanto  que  a  eila  chegarem,  se  lhes  asente  praça  naquollas 
partes  aonde  lhes  ordenarão  vão  comprir  seus  degredos,  e  que 
sojão  confrontados  com  Pays  terras  sinais  e  annos  de  degredo  ; 
o  posto  que  hão  de  vencer  soldo  não  poderão  ser  ocupados  em 
postos  ou  offloios  na  forma  da  ordenação  as  taes  pessoas  fós  de 
offlcios  se  lhes  passarão  com  todas  estas  declarações  para  que 
lhes  não  sirva  de  premio  a  pena  do  delioto  como  mais  em  par- 
ticular o  mandey  declarar  por  carta  do  31  de  mayo  de  670  qoe 
ordenei  se  registasse  nas  partes  necessárias  de  que  me  dareis 
conta  de  assy  se  houver  executado. 

22  »  Por  ser  de  grande  inconveniência  a  meu  serviço  e 
(iBkser  damno  o  comercio  dedtrangeiros  nesji  c\pitania,  houve  por 
bem  de  llio  prohebir  conforme  as  leys  e  prohibições  que  mandey 
passar,  e  purque  convém  muito  qno  os  que  sem  licença  minha 
e  contra  a  forma  do  capitulo  das  psises  celebradas  emtre  está 
coroa  e  a  da  InglatBrra  o  dos  estados  de  Holiaada  forem  tratar  e 
comerciar  a  dita  capitania  sejão  castigasios  comforme  as  ditas 
leys  prohlbições  :  os  que  assy  forem  oomprehendidos  procedereis 
comtraelles  naformi  delias  e  contra  os  Imglesos,  e  Holandeses, 
como  se  declara  no  capitulo  das  inesmas  pases  do  que  se  vos 
emviãoas  copias.  B  com  os  vaçallos  de  El-Rey  christianisbimo 
que  forem  aos  Portos  desse  governo  e  seu  districto  mandareis 


REGIMENTO  AO  GOVERNADOR  107 

ter  toda  a  boa  correspondência  e  reciproca  amisade,  como»  se 
ooQthem  no  capitulo  do  tratado  qae  com  este  Regimento  se  vos 
da,  mandando  aos  offlciaes  de  Tossa  jurisdtçSo  que  assy  o  exe^ 
cntem.  E  sucedendo  al^^am  navio  francos  derrotar  nossos  ma- 
res e  ser  lhe  necessário  tomar  os  de  no^o  districto  o  valerse 
de  algam  fornecimento  oa  ajada  ordenareis  qae  se  lhe  não  falte 
com  a  correspondência  qae  ped3  hna  boa  amisade  de  aliança 
qae  tenho  com  el  Rey  de  ft'ança,  mas  por  nenhn  modo  se  lhes 
premita  comprar,  nem  vcmler  fasendas  algumas  péllo  damno 
que  disso  poderá  resultar,  e  he  o  mesmo  que  mandey  ordenar 
ao  governador  do  estado  em  carta  de  13  de  setembro  de  663 
pella  minha  secretaria  de  estado. 

23  —  E  porqae  a  Pas  celebrada  entre  esta  coroa  e  a  de 
oastella  não  declara  o  reciproco  comercio  que  ha  de  haver  em- 
tre  ambas  e  somente  no  Artigo  do  tratado,  que  vaçallos  de  hua 
e  outra  coroa,  poderão  usar  e  exercitar  com  toda  a  segurança 
comercio  por  mar  e  por  terra  assy  e  da  maneira  que  se  usava 
em  tempo  do  senhor  Rey  Dom  Sebastião  quando  os  vacai  los  de 
Castella  forem  sem  licença  ao  porto  dass3  governo,  mandareis 
proceder  contra  elles  na  forma  das  teys  o  prohibiçOos  que  são 
passadas,  mas  aos  navios  que  vierem  das  índias  occideiitaes, 
Rio  da  Prata,  Buenos  Ayres  com  prata,  ouro  ou  outras  flskzen- 
das,  como  não  sejão  fasondas  da  Kuropa,  e  índia  ocidental,  lhes 
mandareis  dar  entrada,  e  poderão  comerciar  levando  em  troca 
08  escravos,  e  géneros  dessa  capitania,  e  pagando  os  direitos 
costumados,  e  os  mais  que  se  dedarão  nas  ordeas  que  se  pas- 
sarão em  19  de  Agosto  de  651  —  30  de  julho  de  653,  28  de  ja- 
neiro de  654,  9  de  mxrço  do  mesmo  anno  28  de  setembro  de 
656,  e  9  de  novembro  da  660  por  assy  comvir  a  meu  serviço. 
E  quando  se  não  obra  esto  comercio  por  parte  do  castelhano, 
poreis  tolo  o  cuidado  e  diligencia  p^ra  vor  se  por  via  de  Por- 
tuguezes  desse  governo  S3  pode  Abrir  o  do  Rio  da  Prata  e  Bue- 
nos Ayres  peios  meyos  mais  convenientes  que  possa  ser,  o  que 
vos  terei  a  particular  serviço. 

24  —  Tereis  particular  cuidado  do  procurar  de  todos  os 
Mestres  dos  navios  que  forem  deste  Reyno  a  essa  capitania,  se 
levãoas  ordens  ou  cartas  minhas  ou  despacho  do  meu  Conselho 
Ultramarino  porque  consto  que  o  não  havia»  e  não   vos  entre* 


j 


108  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

gando  hua  e  outra  oousa  fareis  alguma  demostracSo  para  ex- 
emplo ao  diante,  em  matéria  de  tanta  importância  em  que 
delles  nao  recebem  dano  ou  dillação. 

35  —  Sereis  advertido  que  todos  os  negócios  de  Justiça, 
guerra  e  ftuienda,  mehaveis  de  dar  conta  pello  meu  Gonsellio 
Uitramarino  aonde  honde  yir  as  ordens  derigidas,  a  quem  pre- 
vativamente  tocão  todas  as  matérias  das  conquistas  e  o  mesmo 
advertireis  aos  Menistros  de  vossa  jurisdição  e  assy  vos  como 
elles  nao  comprireis  as  ordens  que  forem  passadas  por  outros 
Tribnnaes  excepto  as  que  se  expiderem  pela  secretaria  de  estado, 
e  expediente,  e  pela  mesa  daconciencia  c  ordens  que  tocarem 
ao  eclesiástico,  defuntos  e  absentes ;  e  as  pessoas  que  forem  pro- 
vidas  em  beneficios  e  vigairarias  que  houverem  do  vencer  or- 
denados por  conta  de  minha  fazenda  serio  obrigadas  a  levar 
Alvarás  de  mantimento  passados  pello  Conselho  Ultramarino 
para  lhe  serem  asentadas  e  sem  elles  se  lhes  nao  asentarSo  as 
taes  ordinárias ;  e  assy  guardareis  as  cartas  passadas  pello 
desembargador  do  Paço  ao  ouvidor  geral  dessa  capitania  que 
também  ha  de  levar  Alvará  de  maatimento  expedido  pello 
Ck)nselho  Ultramarino  para  vencer  seus  ordenados  e  sem  elle 
lhes  não  asent^rão,  e  assy  comprireis  a3  provi::ões  e  Alvarás 
X^assados  pello  meu  concelho  da  faseada  sobre  as  licenças  dos 
navios  emqucnto  eu  não  mandar  o  contrario. 

26  —  E  se  omquanto  me  servires  nesse  governo  sucederem 
alguas  cousas  que  por  este  Regimento  não  vão  providas  e 
comprir  faser-se  nella  obra  como  seija  Ruyna  de  alguma  for* 
tifloação  a  co^o  reparo  se  deva  promptamente  acodir  por 
correr  risco  detença,  mandareis  faser  o  tal  reparo,  o  me 
dareis  conta  do  seu  custo  e  ao  governador  do  estado ;  e  dos 
outros  casos  que  tiverem  dilação  dareis  a  mesma  conta,  não 
obrando  sem  resolução  sua  emquanto  eu  ordeno  o  que  mais 
convier  a  meu  serviço. 

27  —  Houve  por  b3m  de  mandar  largar  a  meus  vaçallos 
o  lavor  das  minas  de  ouro  desse  estado,  com  declaração  que 
elles  pagassem  os  quintos  a  minha  fasenda  por  ella  se  não 
achar  em  estado  de  poder  acodir  a  essas  despesas,  e  lhes  íkser 
a  elles  mercê,  para  o  que  se  lhes  passou  Regimento,  assy  vos 
emoomendo  que  avendo  pessoas  que  queirão  tratar  do  desço- 


REGIMENTO  AO  GOVBBNADOH         109 

Crlmeato  das  minas  os  íáTorecaes  para  que  se  animem  a 
descobriUtui*  e  lhes  ftica  por  isso  as  meroes  que  hoaver  por  bem 
28  —  Tanto  qae  tomardes  posse  desse  governo  me  enviarei 
logo  hum  pee  de  lista  da  infantaria  que  achardes  nessa  Praça 
e  suas  anexas  emtrando  as  primeiras  planas  oom  o  que  cada 
hum  vem,  e  por  que  patentes  Alvarás  e  provisões.  E  o  mesmo 
fitrels  nos  Offlciaes  da  Artelharia  comdestables  e  Artilheiros 
e  assy  htia  RellacSo  do  que  emporta  a  folha  eclesiástica,  e 
secular  emtrando  as  tenças  que  nesse  governo  se  pagfto  e  a 
Rellaçfio  com  destin<^  das  pessoas  do  que  cada  hum  vence  e 
por  que  ordens,  e  os  que  tiverem  escudos  de  ventagem  quantos 
seJSU)  e  de  que  tempos  os  vencem  assy  offlciaes  como  soldados, 
e  porque  Alvarás  e  Provisões,  e  outra  Rella<^  dos  gastos 
extraordinários  que  nio  entrSo  na  dita  folha,  livranças  repato 
das  fortalezas  despeza  da  artilharia  concertos  de  Armas  e 
Armasens ;  E  quanto  se  paga  a  mesericordia  dessa  cidade  da 
oura  dos  soldados,  e  a  quem  se  entrega  este  dinheiro, 
è  por  que  ordem  se  faz  este  pagamento  e  lista  dos  soldados 
doentes  que  em  hum  anno  por  outro  emtrão  no  dito  Hospital, 
e  se  nos  socorros  que  fazem  os  soldados  se  desconta  algua 
cousa  para  o  mesmo  Hospital  e  quanto  importara  por  anno  ; 
E  outra  semilhante  Rellação  me  enviareis  muito  por  menor 
de  todas  as  despesas  que  fiser  o  senado,  e  a  ordem  que  para 
isso  tem  ou  sejfio  por  conta  de  minha  fazenda,  ou  pella  das 
camarás  delias,  e  subsídios  que  tiverem  impostos,  e  quanta  he 
a  ordinária  que  se  da  aos  capuchos  flranceses  e  com  que  ordem 
ftcar&o  ahy,  e  quantos  assistem  :  e  por  que  neste  governo,  e 
seu  destricto  ha  vários  offlciaes  de  Justiça  fasenda  e  guerra  que 
tem  seus  Regimentos,  e  outros  tem  estos  muito  confusos  e 
émcontrados  com  varias  Provisões  e  Alvarás  e  cartas  e  por 
esta  rezSo  se  não  observa  e  ser  comvenient<j  assy  pello  que 
toca  a  meu  serviço  como  para  bem  da  justiça  e  bom  governo 
desses  povos  emmendarem-se  e  reformarem-se  tendo-se  con- 
sideraçio  ao  tempo  presente ;  vos  emcomendo  e  mando  que 
também  façaes  tresladar  todos  os  Regimentos ;  ordens,  cartas, 
alvarás  e  decretos  que  se  tenlião  passado  asy  meus  como  dos 
senhores  Reys  meus  predecessores  e  do  governador  geral  do 
estalo»  e  outras  psssoas  que  tivessem  ordens  minhas  para  as 


110  RBVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

pasmr  e  os  mais  papeis  que  a  «sto  pertemserem  enviados  dos 
governadorefl  vossos  antooessoros.  E  esta  doligencia  maudarels 
fazer  desde  o  tempo  que  achareis  noticia  dos  litros  e  papeis 
antigos  que  houver  assy  nos  offlciaes  de  Justiça  fasenda  ou 
Camará  dessa  capitania  ate  o  preseatj,  e  os  mais  papeis 
Rellações  e  pees  de  lista  que  por  eslie  capitulo  vos  ordeno  e 
mando  ;  sereis  obrigado  a  mandar  tirar  e  remeter  ao  meu 
Conselho  Ultramarino  dentro  de  hum  anno  desde  o  dia  em 
que  tomares  posse  com  vosso  parecer  e  informac&o  e  dos  offe- 
oiaes  que  em  tenderes  o  podem  dar  para  melhor  se  reformarem 
as  ditas  ordens  e  Regimentos.  B  sendo  caso  —  o  que  de  vos 
não  espero  ^  que  haja  omissão  nesta  matéria  tereis  entendido 
qoe  paanmdo  o  auno.  e  não  tendo  noe  satisfeito  ao  que  vos 
ordeno  por  este  capitulo  Hey  por  meu  serviço  que  logo  o  con- 
celho Ultramarino  me  possa  consultar  este  governo  de  que 
agora  nos  fls  merge  e  eu  nomear  pesoa  que  vos  va  suceder 
alem  do  que  mais  ordenar  ;  e  para  este  effeito  e  bem  desta 
deligeneia  tanto  de  meu  serviço  ordeno  aos  offlciaes  de  justiça 
(Suenda  ou  guerra  dessa  capitania  cumprão  vossas  ordens  e 
mandadoe  como  devem  e  são  obrigados. 

^  —  B  porque  sobretudo  o  quo  por  este  Regimento  vos 
ordeno  conâo  tereis  em  todas  as  matérias  assy  do  eclesiástico, 
como  de  Justiça  fasenda  ou  guerra»  e  as  mais  tocantes  ao 
bom  governo  dessa  capitania  tal  procedimento  como  he  a 
comfiança  que  faço  de  vossa  pesoa,  para  vos  encarregar  delle ; 
vos  ordeno  e  mando  que  de  todas  mo  deis  particular  conta, 
e  das  que  sucederem,  e  entenderes  comvem  ter  eu  noticia  assy 
no  que  a  experiência  vos  mostrar  ser  necessário  para  bom 
governo  dessa  capitania,  como  dos  procedimentos  das  pessoas 
que  nellas  me  swvem,  o  que  fareis  em  todos  os  navios  que 
partirem  desse  Porto  e  não  empedireis  aos  oâeciaes  da  Camará 
Menistrofl  oíTeciaes  de  justiça  fasenda  o  guerra  de  oscreveropi 
ainda  que  aeião  queixas,  peilo  que  cumpro  a  meu  serviço  e 
administração  da  mesma  Justiça.  E  quando  se  vos  pessão  infor- 
mações as  mandareis  com  toda  a  claresa  o  distincção  que 
puder  ser. 

E  este  Regimento  cumprireis  como  nelle  se  conthem,  em 
tudo  o  que  nelle  ha  declarado  sem  duvida  algua,  e  sem  em- 


REGIMENTO  AO  GOVERNADOR  Hl 

bargo  de  quaesquer  outros  Regimentos  ou  Provisões  em 
contrario  e  de  nâo  ser  passado  pella  chamcellaria,  o  qual 
mandareis  registar  nos  livros  de  minha  fasenda,  e  nos  da 
camará  enviando-me  certid&o  de  como  fica  registado,  Manoel 
Roiz  de  Amorim  o  fes  em  Lisboa  a  sete  de  janeiro  de  seis 
centos  e  setenta  e  nove  o  secretario  André  Lopes  de  Laura 
o  fiz  escrever  •  —  Príncipe. 


PROVISÃO  DO  príncipe 

SOBRE  SESMARIA 

(1675) 


(Cod.  CIX^  2-5  Bib.  Pub.  d'Bvora) 

(Doe.  mandado  copiar  pelo  Dr.  Norival  Soares  de  Freitas,  em 
mssáo  do  Instituto  Histórico  nas  bibliothecas  e  archiyos  de 
Portugal.) 

401—8  ToMôtxix  P.i. 


DemoaiCra  0ft«  docruBesto  o  respeito  trilmUdo  pela  metrópole 
aof  iadividttaa  (^úe  pSSkÚiátci  sesiaariad  na  antiga  Capitania  de 
S.  Thomé.  De  facto  D.  Pedro  TI,  regente,  concedea  ao  !<>  Visconde  de 
Âsaeca  e  a  João  Corrêa  de  81  (amboé  fllhoá  de  Salvador  Benevides)  a 
donatária  sob  certas  oondiçOes,  da  referida  capitania.  Dessa  regea 
doaoào  originaram-se  acontecimentos  que  podem  ser  apreciados  na 
obra  do  Snr.  Augusto  de  Carvalho  e  anm  opaaculo  pnbhcado  em  1900 
sobre  uma  questão  da  Camará  Municipal  de  Campos  com  a  Ordem 
Benediotina. 

(Nota  da  Gommisião  de  Redacção;) 


FroMo  lo  Fmcioe  solire  Sninula 


CIX 
Cod. B.  P.  d'ETor* 


Ea  O  Prlndpe  eto.  Faço  saber  ao0  qne  egta  m*  ProTis^  Ti- 
rem q*  havendo-se  visto  no  meu  Cons."»  Ultramarino  o  treslado 
aatentioo  dos  Autos  q^  se  prooessar&o  na  Oaredr.»  Q.*^  do  Rio 
de  Janr"^.  entre  p/*'  embarg>'o8  offl.**  da  Cam.*  daquella 
Cap.''^*  e  os  possuidores  de  Sesmarias  da  Paraiba  do  Sul  o  em- 
barga Salv  ^  Corrêa  de  Sà  p'  seu  Proo»'  Thome  de  Sz».  Corr». 
se  resolTeo  no  dito  Oons.«  q^  não  erão  de  receber  os  d^.  emb»". 
visto  sua  matéria  e  o  que  sobre  isso  respondeu  o  Proo*  da  Coroa 
a  q""  se  deo  vista.  Pelo  q"*  mando  ao  d*  Ouv^^  O*'  da  d»  Cap.°^ 
do  Rio  de  Janr°.  dè  á  execução  p'  sy  ou  pelo  Min®  q*  nomear 
as  doaçSens  embargadas  p^  se  fundarem  as  V .^  na  Gap*"^*  q*  foi 
de  Qil  de  Góes  de  q"*  ítd  servido  fazer  m"^  ao  Visconde  d'Asseoa 
e  a  seu  Irmão  João  Corr»  de  S&,  Donatários  delias ;  com  decla- 
ração q*  das  d*'  Y."  se  Cará  medição  e  demarcação  na  forma 
das  suas  doaçCas  e  sem  prejui»)  das  pessoas  q^  nas  d*'  terras 
tiverem  as  suas  Sesmarias,  por  q^.  se  lhes  não  tira  a  posse 
delias  na  forma  em  que  lhe  fòriío  dadas  pelos  Donatários  anti- 
gos. E  esta  se  cumprirá  m^  inteiramente  como  nellase  contem 
a  qual  valerá  como  carta  sem  emb^.  da  Ord.  do  L.  29  n<>.  40 
em  contr<».  e  se  passou  p'  duas  vias.  Pascoal  d^Azevedo  a  fez 
em  Lz*.  a  28  de  Nov«.  de  675.  O  Secretario.  M.^  Barreto  de 
Sampaio  a  fiz  escrever.— PriVtctpe. 


ALVARÁ 


PELO  QUAL  É  NOMEADO  DUARTE  CORRÊA  VASQUEANNES 

PARA  O  EXTABOLAMEXTO  DAS  MIXAS 

NA  AUSÊNCIA  DE  SALVADOR  CORRÊA   DE  SÁ  K   BENEVIDES 

(1644) 


(Archivo  da  Torre  do  Tombo  -^  Livro  dos  Regimentos  do  Conselho 
Ultramarino,  fl.  40  v.  Documento  mandado  copiar  pelo  Dr  Norival 
Soares  de  Freitas  em  missão  do  Instituto  Histórico  nas  bibiiothecas 
e  archivos  de  Portngal). 


Não  0Ò  no  entâbolam^nto  das  minas  substituiu  Martim  Corrêa 
Vasquoannes  a  seu  sobrinho  Salrador  Corrêa  de  Sá,  mas  também  no 
governo  do  Rio  do  Janeiro.  Sabe-se  que  não  obstante  as  vantagens 
promettidas  aos  doas  pela  metrópole  as  minas  de  S.  Panlo  não  deram 
o  resultado  que  se  esperava. 

(Xoia  da  Commissão  de  íífdaeção,) 


Akará  p»lo  qual  6  nomoado  Dui^rte  Oerria  y^sqnean&es  para  o  eu- 
tabolamraio  das  muai  na  ausoiioU  da  Salrador  Corria  ip  Si 
eBaneyidaa. 


Eu  El-Rey  íi^^o  saber  aos  que  este  Alvará  Tirem  qae 
eu  informado  qae  convém  muito  a  mea  aerylQO  e 
ao  benelloio  oomnm  da  meiu  Reinos  e  senhorios  e  dos 
naturais  deites  e  proveito  de  minha  teenda  âonqaiatarem<4e 
beneficlarem-se  e  administrarem-sa  as  minas  de  ouro  e 
prata  e  oatros  metaes,  descubertas  a  par  desoubrir  nos 
dístrictos  das  duas  cappitanias  de  aSo  Paulo  e  sSo  Visente  daa 
partes  do  Brazil,  euio  descubrimento  e  entabolamento  emcarre- 
gei  a  Salvador  Corrêa  de  Saa  e  Benevides*  peia  contança  qoa 
tenho  de  soa  pessoa,  e  experienoia  qoa  tem  das  cousas  daqnelias 
partos,  e  pellas  que  conoorrem  em  soa  pessoa  verdade  a  zelo  que 
tem  do  men  servisao,  e  esperar  deite  que  neste  oegooio  me  ser«- 
virà  a  toda  a  minha  satisútçio  e  contantamepto.  B  porque  o  dito 
Salvador  Corrêa,  depois  da  ter  entaboladas  as  ditas  minas,  ha 
de  voltar  para  este  Reino  oom  a  flrota  que  teva  a  seu  cargo,  da  . 
que  he  general,  e  ter  a  mesma  confiança  de  Duarte  Corrêa  Vai* 
queannes,  seu  tio,  em  quem  coneorrem  ai  mesmas  partes,  Hey 
p(M^  bem  que  o  dito  Duarte  Corrêa  sirva  o  dito  cargo  nas  auaen.* 
das  e  impedimentos  de  dito  Salvador  Corrêa  e  huie  ám  mesmos 
poderes  e  Regimentos  que  lhe  mandei  dar  para  as  ditas  minas, 
epor  des^ar  de  lhe  Huser  gragaemeroe  pete  tiabalho  que  jémíú 
ha  de  ter,  e  ajuda  que  a  de  dar  neste  negocio  ao  dito  Salvador 
Corrêa  de  Sá.  Hey  outrosy  por  bem  de  lhe  fazer  mercê  ao  dito 
Duarte  Corrêa  que  ajudando  ao  dito  Salvador  Corrêa  e  a  desco- 
brir e  entabolar  as  minas  e  polas  em  suas  perfeições  de  modo 
que  Rendão  para  minha  fazenda  em  cada  hum  anno  quatrocen- 
tos mil  cruzados  de  ouro  de  minerais  e  betas  e  nfto  de  lavagens 
livres  de  todos  os  gastos  e  custos,  do  Gk)verno  da  cappitania  do 
Rio  de  Janeiro  por  seis  annos  e  de  promessa  de  bua  comenda 


120  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

ejffoctiva  de  lotte  do  cento  e  vinte  mil  rs.,  com  f^uldade  qae  a 
possa  nomear  em  seu  íllho,  e  para  minha  lembrança  e  sua  guar- 
da lhe  mandei  dar  este  Alvará  que  a  sen  tempo  se  comprira 
como  nelie  se  oonthem,  o  qual  Hey  por  bem  que  valha  como 
carta  posto  que  o  efiTeito  delle  haja  de  durar  mais  de  hum  anno 
sem  embargo  da  ordena^^  em  contrario.  Pasohoal  d* Azevedo 
o  fez  em  Lixboa  a  22  de  junho  de  Bj°  Rny  —  Rey  —  e  eu  o  secre- 
tario António  de  Barros  Caminha  o  fiz  escrever. 

A'  margem  do  registo  do  alvará  acima  trasladado  encon- 
tra-se  também  registada  a  seguinte  Apostilla: 

Tendo  respeito  a  que  pello  alvará  atras  escrito,  de  vinte  e 
dous  de  junho  do  presente  anno  de  seis  oentos  e  quarenta  e  qua- 
tro, que  se  passou  a  Duarte  Corrêa  Yasqueanes,  se  lhe  concedeu 
que  servisse  no  descubrimento  das  minas  de  São  Paulo  e  Sao 
Vicente,  nas  abzencias  de  Salvador  Corrêa  de  sá  e  Benevides  ; 
B  que  ajudando  no  mesmo  desoubrimento  e  entabolamento  delias 
de  modo  que  rendessem  quatro  centos  mil  cruzados,  livres  de 
todo  o  custo ;  lhe  faria  eu  mercê  do  cargo  de  Governador  do  Rio 
de  Janeiro  por  seis  annos,  e  de  promega  de  hua  comenda  de  lote 
de  cento  e  vinte  mil  réis,  com  faculdade  de  a  poder  testar  em 
seu  filho ;  E  em  consideração  do  mais  que  ora  por  sua  parte  se 
me  representou,  Hey  por  bem  de  declarar  qae  conforme  ao  ser- 
viço que  for  fazendo,  terei  respeito  para  lhe  fazer  mercê  sem 
ser  necessário  chegarem  a  render  as  mesmas  Minas  os  quatro- 
oentos  mil  cruzados  referidos ;  E  esta  apostilla  com  o  dito  alvará 
se  oomprirao  inteiramente,  sem  davida  nem  contradição  algua, 
a  qual  vallerá  como  carta  sem  embargo  da  ordenação  do  2^  livro 
titulo  40  que  dispõem  o  contrario.  E  desta  apostilla  e  alvará 
referido  pagara  o  novo  direito  se,  conforme  ao  Regimento,  o 
dever.  Paschoaldazevedoa  fez  em  Lisboa  a  S3  de  novembro  de 
644.  E  eu  o  secretario  Afonço  de  Barros  Caminha  a  fiz  escrever. 


CARTA  DB  FORAL 

POVOAÇÃO,  NATURIZAMEiNTO,  NO  ESTADO  DO  GRÃO  PARA, 

E    RIO    DAS    AMAZONAS    NO    MARANHÃO, 

DE  QUE  SUA  MAGESTADE  FAS  MERCÊ  AO.  CAPITÃO  PEDRO  SULTMAN, 

IRLANDEZ    DE    NAÇÃO,    E    AOS    MÃES    DE    SUA    FACÇÃO 

REZIDENTES    NA    ILHA  DE  SÃO  CHRISTOVÃO 

(1644) 


(Arehivo  da  lorre  do  Tombo  —  Livro  dos  Regimentos  do  Conselho 
Ultramarino,  fí,  37,  Documento  mandado  copiar  pelo  Dr.  Noriyal 
Soares  de  Freitas  em  missão  do  Instituto  Histórico  nas  bibliothecas  e 
archivos  de  Portugal). 


Curiosa  é  rata  carta  foral,  em  que  o  Gorar  no  da  metrópole 
concod  >  sesmarias  c  direitos  d '  portuguezes  a  estrangeiros*- 

Pedro  SuUman  e  seiu  patricios  viviam  na  ilha  de  S.  Cbristovão 
(África)  e  começaram  a  s  r  perseguidos  piUos  inglezes. 

Sultman  pediu  t  ^rras  do  BrazU  ao  Rei  de  Portugal,  que  as  con- 
cedeu com  grandes  privilegies, 

(Xota  da  Commissão  da  Redacção.) 


OftrtA  de  foralp  PoTOaçio,  Bâturliamonto,  no  Estado  do  srao  Pará, 
e  Bio  das  Amaionas  no  Uaranhão  do  qno  Sna  Vaitostado  fas 
morco  ao  oapitSo  Pedro  Snltman  Irlandei  de  nação,  e  aos  mães 
de  sna  boglo  residentes  na  Ilha  de  sio  Ohrlstovio. 


Dom  João  per  graça  de  deus  Rey  de  Portugal  e  doe  algar- 
ves  daqaem  e  dalém  mar  em  Africa  senhor  do  Brazil,  de 
Gaine  e  da  conquista  navegação  comercio  de  Bthlopia,  Arábia 
Perçia  e  da  índia,  etc,  faço  saber  a  todos  os  que  esta  minha 
carta  de  foral,  Povoação  e  Doação,  e  naturizamento  dado  a 
Pedro  SuUman  Irlandez  catholioo  reaidente  na  Ilha  de  são 
Chviatovão,  virem  e  aquém  o  conhecimento  pertencer,  Que  por 
parte  do  dito  capitão  Pedro  Sultman,  em  seu  nome,  e  dos  mães 
Irlandezes  de  sua  companhia,  e  familiaridade,  abbittadores  da 
ditta  Ilha,  me  foi  proposto,  Que  elles  ei^o  verdadeiros  catho- 
licos,  reconhecendo  a  sancta  Madre  Igreja  de  Roma,  e  vivendo 
debaixo  de  sua  obbediencia,  profeçando  a  sancta  fé  oatholica,  e 
por  sua  proâção  padecerão  grandes  persiguiçoes  e  trabalhos,  e 
pello  aperto  das  guerras,  e  terra«  forão  povoar  e  abbltar  a  ditta 
Ilha  de  lâo  Christovão,  cento  e  setenta  legoas  da  costa  do  meu 
estado  do  Brazil,  que  esta  occupada  e  abbitada  de  Irlandezes;  B 
elle  Pedro  Sultman,  levara  a  sua  custa,  e  por  sua  conta,  muitos 
lavradores  e  soldados,  pêra  povoarem  e  romperem,  e  abrirem  a 
terra,  e  recrescendo  as  guerras  entre  Inglaterra,  e  os  seus 
naturaes  de  Irlanda,  os  Inglezes  senhores  da  ditta  Ilha,  por 
serem  mais  em  numero  e  poder,  e  de  diversa  profl^,  os  per-* 
çiguirâo,  e  tiranizarão,  de  sorte  que  elle  capitão,  E  Principal 
delles,  e  muitos  dos  dittos  Irlandezes,  que  serião  quatro  centos» 
e  entre  elles  çincoenta,  ou  sessenta  cazados,  com  sua  familia, 
dei6javão,e  detremina vão  saísse,  c  ir  povoar  a  outra  Provín- 
cia, em  que  profeçassem  livremente  a  sancta  fee  oatholica,  os 


124  REVISTA   DO   INSTITUTO  HISTÓRICO 

quaes  lhe  derSo  seu  aprazimento,  que  se  ajuntara  nesta  carta* 
o  foral,  oom  a  qual  recorrera  a  my,  como  Príncipe  tão  catho- 
lico,  e  favorecedor  e  protector  de  todo  o  catholico  desterrado, 
e  em  particular,  da  ditta  Nação,  reoebendoos,  e  dando-lhes 
neste  Reino  comentos,  e  mosteiros  de  Rilligiosos,  e  RiUigiosas  ; 
B  siminarios  de  sua  nação,  com  grandes  esmoUas  e  particular 
piedade;  E  assy  me  pediâo  lho  flzesso  a  mesma  mcrçe  e  amparo. 
Para  que  nas  minhas  Províncias  do  Brazil,  de  que  muitas  os- 
tavão  dezabitadas  por  falta  de  moradores,  lho  fizesse  merçe, 
ou  na  Província  Do  Maranhão,  ou  do  Grão  Pará,  e  Rio  das  Ama- 
zonas, de  lhes  assinar,  e  conceder  terras  para  abbitarem  e  po- 
voarem nella,  e  a  deffonderião,  e  se  daríão  annos  como  aos  mães 
Vasallos,  e  collonias  da  diUa  Provinoia,  reconhecendo-me,  como 
Rey  e  senhor  natural,  acodindo  com  seus  direitos,  e  tributos, 
como  os  mces  Portuguezes  naturaes  ;  E  mandando  ver  sou  ro- 
quorimento,  depois  de  rezol ver  de  os  amparar  o  admittir,  e  fa- 
zer merçe  no  que  pedião,  Mandey  que  pello  Doutor  Thomé  Pi- 
nheiro da  Veiga  do  meu  Conselho  Dezembargador  do  Paço  o 
Procurador  da  Coroa,  ajustar  a  forma,  clauzulas  e  condições, 
com  que  se  lhes  concedesse,  e  selebrasse  a  ditta  merçe,  foral  e 
Doação,  as$y  com  o  ditto  Capitão,  como  com  os  de  sua  compa- 
nhia ;  E  Visto  tudo  o  que  me  roprezentou,  e  ajustou  oom  a 
mayor  informação  e  parecer  dos  do  meu  conselho,  segundo  a 
forma  em  que  os  senhores  Reis  meus  antecessores,  gaardariío 
nas  terras  do  Reino,  De  novo  conquistadas,  as  derão  a  povoar 
por  seus  foraes,  a  seus  vasallos,  e  o  que  nas  capitanias  do  Bra* 
zil  se  tem  observado,  para  sua  povoação,  e  abbittação,  e  honra 
dos  vasallos  beneméritos ;  E  quorendo  fazer  graça  e  merçe  ao 
ditto  Pedro  Sultmam,  e  aos  dittos  Irlandezes  catholicos  de  sua 
oompanhia  e  conducção  ;  Hey  por  bem  e  me  praz,  do  minha 
certa  sçienoia,  poder  Real,  absollotto,  sem  embargo  das  leis, 
regimentos  e  prohibições,  e  capittulios  de  cortes,  por  que  ho 
deffezo,  e  se  não  permitta  a  nação  nenhuma  estrangeira,  nem 
de  Espanha,  nem  pessoas,  nem  navios,  entrar  nem  abbittar  nas 
dittas  partes  do  Brazil,  De  lhes  conceder,  como  faço,  ao  ditto 
Capitão  e  aos  mães  de  sua  companhia,  até  cento  o  trinta  abbitta- 
dores  da  ditta  Ilha,  por  hora,  que  possam  entrar,  povoar, 
e  abbittar  na  dita  capitania  do  Pará,  na  forma  deste  foral,  e 


CARTA  DE   FORAL  125 

carta  de  povoação  e  Doação,  que  lhes  concedo  na  maneira 
segointe  : 

Primeiro  que  o  ditto  Pedro  Saltman,  e  os  dittos  Irlandeses 
de  sua  companhia,  que  forem  catholicos  (que  he  a  razão  prin- 
cipal porque  lhes  faço  esta  merçe  e  acolhimento)  tanto  que  fo- 
rem entrando  na  ditta  terra,  com  ministro,  ou  ministros  que  eu 
ordenar  para  sua  conducção,  vão  em  direitura  ao  porto  da  ci-. 
dadedeBetlem,  onde  rezide  o  meu  governador,  e  se  lhes  de 
todo  o  acolhimento,  e  tempo  necessário,  ate  lhes  assinar  as 
terras,  e  lugares  de  sua  abbittação  e  povoação.  Aonde  seirão 
assentados  e  escritos  em  hum  livro  que  para  esse  eífeito  ha- 
verá na  camará  da  ditta  cidade,  assistindo  o  Capitão  mor  e  o 
ouvidor  geral  da  ditta  Provinda  que  lhe  nomear  ;  B  pello  ditto 
acto,  Logo  lhes  faço,  e  hei  por  feita  merçe  de  os  naturalizar  nel- 
les,  e  seus  descendentes,  e  haver  por  Portuguezes  naturaes  vas- 
sallos  e  súbditos  desta  Coroa,  e  obbedientes  a  saneia  se  apposto- 
liça,  como  Bons,  e  verdadeiros  christoes,  com  todas  as  graças, 
Previlegiose  liberdades,  e  eizenções  que  tem  agora  os  natnraes 
destes  Reinos  de  Portugal,  e  seus  domínios,  como  se  o  foi^  por 
origem  naçimento,  e  abbittação,  e  elles  como  taes  vassallos 
subdittos  por  sy'  e  seus  deçendentes,  me  reconhecerão  por  Rey 
e  senhor,  como  os  mais  vasallos  naturaes,  renunciando  outro 
qualquer  senhorio,  natureza,  e  domínio,  e  como  se  cada  hum 
fora  naçido  no  Reino,  e  fizera  preito  e  omenagem  particular,  e 
juramento  de  fedilidade,  como  pella  assinação  do  ditto  livro,  se 
entenderá,  feita  a  todos,  para  todos  os  previlegios. ;  E  assy  pelo 
contrario,  incorrendo  nas  penas  de  infedilidade,  e  crime  de 
le2a  magestade,  divina  e  humana,  como  os  mães  vasallos,  e 
subdiitos,  so jeitos  a  minhas  leis  e  justiça,  o  da  sancta  Inquisi- 
ção, e  cençura  Ecclesiastioa,  em  todo  por  todo,  assy  casados 
com  filhos,  como  solteiros,  e  que  eazassem  na  terra,  e  com  mo- 
Iheres  que  vão  do  Reino,  ou  quaesquer  outras,  ou  de  sua  Ilha,  e 
terras. 

E  nesta  conformidade,  o  ditto  capittão  poderá  levar  em 
cada  húa  das  dittas  viagens  que  declarou  que  podia  fazer  no 
anno,  sessenta,  ou  setenta  dos  dittos  Irlandezes,  cazaea  de  sua 
companhia  dos  dittos  cento  e  trinta,  eos  mães,  para  quç 
depois  lhe  der  faculdade,  procurando  que  serão  os  ipaes  que 


126  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTORICSO 

pader  0er  oazadoB,  ou  easem  na  terra ;  E  tanto  qm  entra 
rem  na  sobreditta  forma  na  ditta  capitania  e  cidade  do  Pará, 
a  metade  pouoo  mães  oo  menos,  a  que  vier  melhor,  e  mais  a 
prasimento  seu,  e  do  ditto  caplttSo,  serSo  recebidos  por  oi- 
dadõet,  e  moradores  da  ditta  cidade,  seus  arrabaldes,  e  termo, 
e  suas  Aldeãs,  onde  melhor  lhes  estiver  abblttar,  com  todos 
os  previllegios  e  liberdades  dos  mais  cidadões,  para  entrarem 
nos  cargos  da  governança,  na  paz,  e  na  guerra,  com  todas 
perrogatiras  dos  naturaes ;  para  o  que  Hey  por  bem  que  dontf 
dos  mais  nobres  casados,  entre  logo  hd  por  vereador,  outro 
por  Almotaçe,  sendo  em  tudo  tavorecidos  ;  para  o  que  o  Go- 
vernador, e  ouvidor,  e  pessoa  que  mandar  a  ditta  eonducção 
com  o  ditto  capitibo ;  e  dous  de  sua  companhia,  e  duas  pes^ 
soas  mães  da  cidade,  Ikçâo  repartiç&o  de  terras  bastantes, 
com  largneta,  no  ditio  distrioto,  em  gitios  mais  aooomodados, 
e  de  mães  fertilidade  que  lhes  assinem,  que  serfio  todas  as  que 
puderem  cultivar  e  abrir,  para  sy,  e  serem  suas  próprias,  di- 
zimo a  deus,  como  taes  virem  a  seus  herdeiros,  e  disporem 
delias  como  próprias,  como  os  mães  naturaes,  repartindo-as 
com  a  ditta  largueza,  que  de  presente,  e  adiante  puderem 
redduzir.  A  cultura,  e  para  seus  gados,  quintas,  e  abegoarias, 
o  mães  sem  prejuízo  dos  abbitadores  da  cidade,  que  pudef 
ser,  de  maneira  que  tenhSo  as  terras  que  puderem  apro- 
veitar, como  os 'mães,  ficando  com  tudo  da  companhia  do  ditto 
seu  capitão,  como  os  das  ordenanças,  como  adiante  se  declara. 
O  qual  capit&o  com  a  outra  a  metade,  pouoo  mães  ou 
menos,  por  hora  poderei  ftmdar  outra  povoaçfto,  e  villa  prin- 
cipal com  os  seus  e  qb  mães  da  terra,  que  de  presente,  ou 
adiante  nella  quizerem  abbitar  pelo  Rio  e  terra  acima,  enl 
çitio  competente  algúas  legoas,  que  se  chamará  slo  Joio,  a 
que  dareis  as  armas,  e  Inçinias,  cem  os  Previileglos  das  mães 
villas  do  Reino,  e  do  ditto  Estado,  para  o  que  o  ditto  Gover- 
nador, e  capitão,  e  as  sobredittajs  pessoas,  verão  o  citio  mães 
aocomodado,  e  í^nda^o,  e  deffencão,  •  correspondência  da 
ditta  cidade  do  Parft,  e  menos  contradição  do  gentio  da  terra, 
o  terrenho  de  Agoas,  e  fertilidade  tal,  que  se  possa  substentar 
e  floreçer ;  B  o  ditto  Governador  em  meu  nome»  a  levitntará 
em  YiUa,  c<«  Peilourinho,  Gamara,  Jurisdição,  e  (bral»  e 


CARTA  DE   FORAL  127 

Previliegios  do  Pará  ou  são  Luís ;  £  oom  as  dittas  pessoas  lhe 
assinará  de  termo,  e  districto,  as  legoas,  e  terras  bastantes  para 
todos  os  dittos  povoadores,  e  os  que  com  elles  quizerem  habbi- 
tar,  e  aos  qae  eu  adiante  der' faculdade  com  largueza  bas- 
tante, não  8ó  de  logradouros,  e  pastos  do  comu  da  Villa,  mas 
para  lavoura,  planta.  Engenhos,  pastos  de  gado,  e  quintas,  e 
Aldeãs*  e  se  repartirem  com  os  povoadores,  e  as  abrirem  como 
suas  para  sempre,  na  forma  sobreditta,  e  como  os  mães  na- 
turaes. 

B  do  ditto  Pedro  Sultman,  hey  por  bem,  se  lhe  assine  húa 
legoa  em  quadro,  de  terra,  que  seia  sua  própria,  para  seu  uzo, 
e  dispor  e  fazer  delia,  e  seus  fructos,  e  rendas,  como  cousa 
própria,  haforar.  Arrendar,  dar,  ou  vender,  como  lhe  estiver 
melhor,  com  o  reconhecimento,  e  obrigação  das  pessoas  â  que 
fis  meroe  de  terras  no  ditto  Estado,  naquella  villa,  e  fora  delia» 
e  em  todas  as  mães  partes,  se  guardarem  em  todo  minhas 
leis,  e  ordenações»  no  crime,  e  no  eivei,  e  seu  governo,  na 
paz,  d  na  guerra,  com  seus  juizes,  vereadores,  e  Procurador, 
Almotaçeis,  e  Escrivães,  e  Alcaide,  e  mais  oíficios,  como  nas 
mães  do  Reino,  e  do  ditto  Estado,  fazendo  suad  EUeições,  Pos- 
turas, e  acordos,  e  bordem  de  governo. 

Para  o  que  esta  primeira  vez,  para  instrucção,  e  crea^o 
dos  officiaes,  Hey  por  bem,  que  a  pessoa  que  faz  com  o  ditto 
capitão,  ou  la  estiver  Assistindo  o  ditto  capitão,  chamem»  os 
dittos  povoadores,  com  os  mães  que  nesse  acto  se  acharem 
para  virem  votar  em  offlciaes,  a  som  de  campa,  e  facão  Ellei- 
^  na  forma  da  ordenação,  tomando  os  vottos,  e  appurando 
os  pellouros  o  ditto  julgador,  com  o  ditto  capitão  E  esta  pri- 
meira EUeição,  será  hum  juiz  dos  povoadores,  e  outra  dos  da 
terra  para  se  instruírem  nas  leis,  e  governo»  E  hum  escrivão 
natural,  e  os  mães  vereadores,  Almotace,  e  Escrivão  dos  po- 
voadores» e  os  mães  offlcios,  B  dahi  em  diante  sem  disthição 
de  huns  e  outros,  e  virão  os  EUeitos  a  confirmar  ao  Oover* 
nador  em  meu  nome,  sem  pagarem  outjos  direitos  dos  offl- 
ciaes. 

E  poderão  os  Portuguezes  e  mais  pessoas  da  terra  a  que 
estiver  bem  vir  abbittar  na  ditta  villa»  e  suas  Aldeãs,  E  os 
Irlandezes  ir  abbittar  com  os  naturaes  em  suas  povoações»  sem 


128  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

80  prohibir  a  huns,  nem  a  outros,  a  Elleiçâo,  o  a  abbitiacão, 
como  as  mais  villas  ontre  sy,  e  o  mesmo  na  comonicagão, 
tratto,  e  cazamontos,  e  contrair  domiçillio  sem  distinção  ;  K 
outro  sy  poderSo  do  Reino  e  da  Ilha  onde  estão,  e  de  sua  terra 
levar  por  via  do  Reino,  levar  suas  molhares  e  filhos,  e  as  que 
com  elles  se  contratarem  de  casamento,  e  com  bordem  da  ca- 
mará e  governador,  se  deixarão  ir,  e  assy  os  casaes,  e  pes- 
soas natnraes  do  Reino,  que  com  elles  quizerem  hir  abbittar, 
e  povoar,  com  seus  previlegios. 

£  ao  ditto  capitão  Pedro  de  Sultman,  Hey  por  bem  de  fazer 
merçe  que  seia,  e  se  chame  Alcaide  mor  da  ditta  villa,  desde 
que  chegar  a  ella,  com  os  direitos,  perrogativos,  e  privilégios 
que  tem  os  Alcaides  mores  por  minha  ordenado,  e  que  por 
ella  lhe  compete,  fò.zendo-me  preito  e  omenagem,  ou  em  mãos 
do  meu  Governador,  para  que  se  lhe  passará  carta  minha ; 
B  outro  sy,  seija,  e  se  chame  seu  capitão  e  dos  de  sua,  com- 
panhia, onde  quer  que  estiverem,  como  capitão  da  ordenança, 
com  seu  Tenente,  e  os  do  Pará.  com  o  regimento  das  dittas 
ordenanças ;  E  isto  em  sua  vida  por  hora,  assy  Alcaidaria  mor, 
como  a  capitania,  e  com  subordinação  Ao  Qovernador,  e  Go- 
vernador Qeral  do  Estado,  e  seu  ouvidor,  na  forma  das  outras 
villas,  e  povoações  da  Província. 

E  hey  por  bem  que  estes  primeiros  cinco  annos  possa  no- 
mear hu  ouvidor  confirmado  pello  Governador,  que  seia  natural. 
A  que  venhão  as  appellações  e  .  aggravos,  e  nelle  tenhão 
fim,  até  dez  mil  réis  de  Alçada  no  cível,  e  quatro  nas  penas, 
e  dous  annos  de  degredo  nos  crimes,  e  dez  mil  réis  em  dinheiro 
nelles,que  será  posto  por  elle»  e  se  nomeará  por  my  ;  E  isto 
nos  moradores  da  dita  villa  e  termo  que  nella  tiver^n  con- 
tráhido  domiçillio,  ou  nelle  cométterem  o  delicto,  ou  naturaes, 
ou  estrangeirob,  E  nos  Escravos,  e  Plebeyos  em  que  cabe  penna 
vil,  até  Assou tes,  e  degredo  por  dous  annos. 

E  huns  e  outros  da  ditta  companhia,  pagarão  inteiramente 
08  disimos  e  permiçias  e  mães  cousas  devidas  á  Igreja,  e  sedes, 
assy  e  da  maneira  que  pagão  os  naturaes,  com  todo  o  reco, 
nhecimento,  e  obrigação  da  Igreja,  e  Perlados,  e  herdem  dos 
sagrados  cânones,  sem  exeição  no  costume  em  contrario,  em 
todo,  e  por  todo,  como  os  mães  naturaes. 


CARTA  DE   FORAL  j  29 

E  de  oairos  direitos  Reaes,  o  contribaiçõoa  serSo  isentos, 
DO  que  de  novo  cultivarem,  e  abrirem,  e  Eagenhos  que  flze- 
rem  de  Açúcar,  e  mães  lavouras,  na  forma,  e  pelloB  annos 
que  são  isentos  os  que  Eddiâcão  Abem  de  novo,  e  rompem 
as  terras  por  foral  dos  do  estado  ;  E  Hey  por  bem  de  os  isentar 
mães,  ate  nove  annos,  pagando  os  mais  direitos,  e  Alfandegas, 
assy  na  Ilha,  como  no  Reino,  onde  manejarem  suas  merca- 
dorias, e  fruotos  da  terra,  e  aoquiridos,  c  mercancias,  para 
o  que  se  lhes  dará  todo  o  favor,  e  embarcações,  e  a  suas  todo 
o  bom  despacho  para  as  dittas  fazendas,  e  mercancias,  e  fructos; 
E  pela  mesma  maneira,  para  manejarem,  e  trazerem  os  da 
ditta  provincia,  os  seus  fretes,  e  despacharem  nas  minhas  Al- 
fandegas, onde  despachão  os  mães  natoraes,  pagando  seus  di- 
reitos na  terra,  B  Reino,  salvo  os  sobredittos  do  seu  foral,  ou 
por  outras  provisões,  lhe  fazer  merçe  do  os  isentar. 

E  serão  obrigados  a  guardar  inteiramente  os  regimentos  e 
prohibições  do  ditto  Estado  do  Brazil,  para  não  admittirem 
navio  nem  pessoa  estrangeira,  da  nenhúa  qualidade,  nem  de 
sua  nação,  sem  expreça  hordem  minha,  nem  de  Castella,  nem 
outra  nação,  nem  navegação  para  ella,  salvo  para  este 
Reino  e  suas  Ilhas,  na  forma  dos  regimentos  e  ordenações, 
e  hordeos  dadas  nesta  matéria,  sem  differença  nenhúa  dos 
outros  mães  vassallos,  e  os  mães  que  for  servido ;  E  por 
firmeza  de  tudo  lhe  mandey  dar  esta  carta  de  foral,  e  naturi- 
zamento,  por  my  assinada  e  cellada  com  o  çello  pendente  ; 
Belthezar  Gomes  a  fez  em  lixboa  aos  quatro  de  março,  Anno 
do  Nasimento  de  nosso  senhor  Jesus  Ghristo  de  mil  e  seiscentos 
6  quarenta  e  quatro  ;  Balthazar  Roiz  de  Abreu  a  fiz  escrever. 
—  El-Rey. 


POSTILLA 

O  que  tudo  se  entendera,  com  declaração,  que  a  sobre- 
ditta  gente  que  o  ditto  Pedro  Sultman,  levar  em  sua  com- 
panhia, seja  toda  de  nação  Irlandeza,  sem  entrar  pessoa  algua 
de  outra  nação,  E  o  Governador  do  Maranhão,  logo  que  en* 
trarem  naquelle  Estado»  tome  a  todos»  e  a  cada  hu^m  par- 
491  —  0  Tomo  lxiz.  í.  i. 


130  REVISTA  pO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

ticular,  juramento  de  .omenagem»  e  fidelidade  no  ditto  livro 
nesta  carta  e  para  este  effoito  ordenado ;  E  desta  postilla  se 
porÀ  verba  nos  registos ;  Lixboa  a  dezassete  de  janho  de 
mil  e  seiscentos  e  quarenta  e  quatro.— fiey. 

Archivo  da  Torre  do  Tombo.   Livro  dos  Regimentos  do 
Conselho  Ultramarino,  íls.  37. 


Repnento  que  a  de  usar  o  Send  da  Frota 

SALVADOR  CORRÊA  DE  SA 

(1644) 


(Arehwo  da  Torre  do  Tombo,  Liwo  dos  Regimentos  do  Conselho 
Ultramarino,  fl»i3  v.  Docamento  mandado  eopiar  peloDr.  NoriTal 
Soares  de  Freitas,  em  misefto  do  Instituto  Historioo  nas  bibliothecas 
•  arohlTOB  de  Portugal). 


Sobr.í  a  niaioria  dost.)  repri mento  dado  ao  general  da  frota  Sal- 
vador Benevides,  veja-Sí  o  que  escreveu  o  illustrado  Dr.  Vieira 
Fazenda  no  Boletim  Co7mnercialf  annos  de  10O4«5-6,  sobre  o  coui- 
niercio  do  Rio  d*  Janeiro  nos  S'Culos  16*  c  17*. 

(Xota  da  Commissão  de  Redacção*) 


Retíieito  ie  me  a  it  m  o  Beienl  la  mta  SalTalor  Corro  de  8i 


Ea  El-Rey  faço  saber,  a  vos  Salvador  Corrêa  de  Sá  y  bena- 
Yides,  fidalgo  de  minha  c^isa,  que  por  jostas  considerações  de 
meu  serviso  bem  de  meãs  vassalos  e  melhor  segurança  da  na- 
vegação do  Estado  do  Brazil.  Mandei  ordenar  hda  frotta  para 
dar  escolta,  aos  navios  da  navegaçSo  para  que  se  possão  opor, 
a  qualquer  acometimento  dos  enemigos  e  meus  vassalos  logrem 
com  segurança  as  rezultas,  dos  cabedaes  que  nelles  meterem. 
Ouve  por  bem,  de  vos,  nomear,  por  general  da  ditta  frotta 
pela  experiência  que  tendes  das  couzas  do  mar,  e  vosso  zello, 
en  meu  servisso  e  por  confiar  de  vos  quo  em  tudo  procedereis 
conforme  vossa  obriga(^  e  por  Almirante  a  Diogo  Martins  Ma- 
deira na  qual  se  guardará  o  Regimento  seguinte  : 

Primeiramente  os  n%vios  que  ou  verem  de  servir  nesta 
frotta  de  Cappitana  Almirante  delia,  serão  meus,  que  eu  Man- 
darej  nomear,  dos  de  Minha  Armada  Real,  comprados,  provi- 
dos e  Armados,  por  conta  dos  fretes  e  avarias  dos  assucares  e 
fazendas  que  nelles  se  carregarem,  e  será  cada  hfi  delles  de 
porte  de  seiscentas  tonelladas,  bem  artilhados,  com  cem  in* 
lentes  cada  hum,  e  seu  capitão  de  mar  e  guerra  com  hfi  AI, 
feres  e  sargento  nos  quaes  se  meterá  somente  duas  partes  da- 
carga,  para  que  com  os  frettes  e  avarias,  que  se  hão  de  pagar 
pela  maneira  ao  diante  declarada,  se  supra  o  gasto  da  infantaria 
do  mar. 

2  —  Averá  na  dita  frotta  hfi  sargento  mor  e  h(l  ajudante 
pessoas  de  valor  e  de  servissos.  E  se  pello  tempo  em  diante  a 
experiência  mostrar  que  se  necessita  de  outro  Ajadante  man- 
dareis prover  delle. 

3  —  Averá  também  hfi  auditor  que  conhesa  de  todas  as 
cauzas  çiveis  e  crimes,  das  pessoas  que  andarô  enbarcadas, 
nestas  frottas  que  forem  dependentes  da  gente  delias,  e  forem 


134  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

criadas,  depois  de  terem,  aaentado  praça,  nas  dittas  frottas, 
com  o  mesmo  poder  e  jurisdiccão  que  tem,  e  de  qae  se  aza  nas 
ArmaJas  da  lodia  o  qual  eu  mandarey  nomear,  e  asy  a  pessoa 
que  com  elle  ba  de  sernr  de  escrivão. 

4  -  -  Averá.  tão  bem  hum  feitor  que  sirva  juntamente  de 
Almoxarife  para  areoadar  e  feitorizar  o  direito  da  avaria  que 
se  a  de  arecadar  das  caixas  de  asuquar  e  fazendas  que  se  car- 
regarem em  todos  as  navios  da  fh>ta  para  sustento  e  pagas  da 
gente  de  Guerra  e  monições,  vosso  soldo  e  do  Almirante  e  dos 
mais  ministros  qae  nella  servirem. 

5  —  Sendo  os  donos  dos  navios  que  servirem  na  dita  frota 
de  tal  valor  partes  e  experiência  que  possão  ser  capitães  de 
mar  e  guerra  nelles,  os  aprovarei,  e  não  concorrendo  nelles 
estas  partes,  ou  não  o  querendo  ser,  poderão  nomear  pessoas 
em  quem  ellas  concorrâo  a  qual,  tendo  estes  requesitos  será  por 
mira  aprovado. 

6  —  Aos  cappittais  e  soldados.e  capitães  qae  em  seas  navios 
servirem  de  mar  e  guerra  nestas  f^ottas,  lhe  averei  o  servisse» 
quo  nellas  me  fizerem»  como  se  fosse  feito  nas  Armadas  Reais 
deste  Reino,  e  aos  homens  do  mar  terei  também  respeito,  nas 
ocaziões  de  seus  acressentamentos. 

7  ^  Os  Baixeis  qae  onverem  de  navegar  para  as  ditas  partes 
serão  ao  menos  do  porte  de  duzentas  tonelladas,  com  dez  pes- 
soas de  Artilliarla,  as  quais  serão  mandados  examinar  pelo  Ck)n- 
selho  Ultramarino,  e  os  que  forem  de  menor  porte,  não  averão 
avarias,  porem  as  qne  se  lhe  deverem,  se  hirão  depositando  na 
mão  do  feitor  para  a  compra  de  dous  bons  galeõis  que  sirvão 
de  cappitana  e  Almirante  da  dita  ft*otta  para  qae  por  este 
modo,  se  vão  extinguindo  as  embarcações  pequenas,  e  os  Arma- 
dores se  disponhão  a  íl&bricallas  do  major  porte  que  for  possível 
porque  disso  não  somente  lhe  rozultarão  seus  interesses  mas 
maior  segurança  em  sua  navegação  e  reputação  do  Reyno. 

8  —  Partirá  a  ftota  do  Porto  desta  cidade  ate  os  derra- 
deiros dias  do  mez  de  setembro  de  cada  anno,  para  a  Bahia  e 
e  daly  pêra  o  Rio  de  Janeiro  e  daqaella  cappitania  voltarão  os 
navios  pêra  a  Bahia  qae  ouverem  de  vir  em  companhia  da 
frota  ate  o  derradeiro  de  março  para  qae  elles  e  os  da  Bahia 
salft^bA  abril,  qae  são  as  monções  mais  aprovadas  em  respeito 


REGIMENTO  DO  GENERAL  DA  FROTA       135 

de  vir  a  ft*otta  mais  coiiBervada,  e  em  que  se  acha  a  Armada 
Real  fora,  vindo  por  altura  de  quarenta  e  hum  grãos  e  meio  dei- 
xando os  navios  do  Porto  e  Viana  recolhidos  em  seus  porttos  e 
com  os  mais  vireis  seguindo  nossa  Rotta  ate  o  porto  desta  cidade. 

9  —  E  porque  obrigando  aos  vassalios  a  que  deste  Reino  na- 
veguem em  ft*ottas  pêra  o  Brasil  ajuntandosse  pêra  este  eíTeito 
no  porto  desta  cidade,  lhe  seria  de  grande  dagno  e  perjuizo 
asy  pelo  Risco  que  correrão  em  rezão  dos  tompos  e  dos  ene- 
migos  que  de  ordinário  andão  nestes  mares,  como  tão  bem  por 
lhe  ser  necessário  hirem  pellas  Ilhas  fazer  suas  escallas  e  pro- 
vimentos de  farinhas  vinhos  o  outros  géneros  que  hão  de  levar 
as  ditas  partes  ;  e  juntamente  para  que  possão  os  ditos  navios, 
ter  tempo  de  fazer  nollas  suas  oarregaçoís  para  que  ao  tempo 
da  chegada  da  flrotta  e  de  sua  partida  para  este  Reyno,  se  achem 
prestes,  e  não  tenham  detença;  Hey  por  bem  que  pêra  as  ditas 
partes  do  Brazll  possão  os  ditos  navios  navegar  em  todos  00 
tempos  que  quiserem  o  lhe  bem  estiverem  sem  esperar  pelas 
ditas  frottas,  porem  a  volta  para  este  Reyno,  não  poderão  vir, 
senão  em  sua  conserva  para  se  evitar  o  dano  que  ao  pode 
seguir  de  em  rezão  de  vir  só  caírem  em  mãos  dos  enemigos  e 
nem  vós  nem  o  governador  gerai  do  dito  Estado,  ou  Gappitao 
mor  do  Rio  de  Janeiro  lhe  poderão  dar  licença  em  contrario 
salvo  quando  for  pêra  se  trazer  algum  aviso,  muito  de  meu 
servisse  e  para  este  effeito  se  elegerão  as  embarcaçõis  mais  pe- 
quenas que  ouver  para  que  possão  com  mais  brevidade  vir  a 
este  Reyno,  e  trazerem  o  dito  aviso. 

10  —  Na  carga  dos  ditos  navios  prefferirão  os  que  forem 
de  msOor  porte  e  aos  de  menor  porte  se  darã  so  meia  carga 
porque  assy  virão  as  fazendas  dos  particulares  e  carregadores 
mais  seguros,  e  os  Armadores  procurarão  avantajarse  nas 
fabricas  que  fiserom  aos  que  forem  de  maior  porte  ass^ 
por  se  não  arriscar  a  ficarem  sem  carga,  como  também 
por  gozarem  do  beneficio  da  avaria  que  não  hão  de  lograr 
se  os  ditos  navios  não  forem  ao  menos  de  duzentas  tonel- 
ladas  e  daby  pêra  sima  como  fica  dito  no  cappltulo  sétimo 
deste  regimento. 

11  —  Sendo  os  ditos  Baixeis  de  duzentas  tonelladas  e  des 
peças  de  artilharia  averao  de  flretes  da  Bahia  por  cada  sio- 


136  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

coenta  e  quatro  arobas  qae  he  húa  tonellada  portogeta  doso 
mil  rs.  e  os  de  treseatas  tonelladas  e  quinze  possas  quatone 
mil  rs.  e  06  de  quatrocentas  tonelladas  e  vinte  pessas  dezaseis 
mil  rs.  e  vindo  do  Rio  de  Janeiro  haverio  pela  mesma  ordem 
que  flea  dito  dous  mil  rs.  mas  por  tonelladas,  e  avaria  quer 
sela  da  Bahia,  quer  sela  do  Rio  de  Janeiro,  será  de  hum  tostão 
por  cada  arroba. 

12  —  E  Porque  cada  hum  destes  navios  ha  de  carregar  ao 
menos  seiscentas  caixas  de  assnear,  que  a  vinte  arrobas  eada 
eaiza  como  he  custnme,  fozem  doze  mil  arrobas,  e  pagando  a 
testio  de  avaria  por  arroba  importiU)  três  mil  cruzados,  e  desta 
avaria,  ha  de  aver  o  dono  do  navio  a  quarenta  ni.  por  cada 
tostão  e  06  sesenta  rs.  que  âcio  se  aplicSo  pêra  o  sustento  e 
soldo  do  capitão  e  soldados  que  hão  de  hir  embarcados  em  cada 
hum  para  a  sua  defença,  que  hão  de  ser  vinte  e  sinco  que  im- 
portSo  seteeentos  e  vinte  mil  rs.  não  bastão  e  he  necessário  sup- 
prir-se  esta  falta  pelos  melhores  e  mais  suaves  meios  que  ser 
possa  ;  Hey  por  bem  que  eo  cada  hum  dos  ditos  navios  (de  mais 
dos  asucares  que  ouver  de  carregar)  se  earregem  quatrocentos 
quintaes  de  pao  Brazil  por  conta  de  minha  faienda,  dos  quaes 
se  pagará  quatrocentos  rs.  de  firete  por  cada  quintal  e  destes 
quatrosentos  rs.  haverá  o  dono  do  navio  duzentos  rs.  e  os 
outros  duzentos,  se  aplicarão  também  ao  sustento  e  soldo  da 
gente,  e  os  navios  que  carregarem  no  Rio  de  Janeiro  ou  em 
qualquer  outra  parte  do  estado  do  Brasil  que  não  trouxerem 
pao,  pagara  cinco  tostões  de  eada  tonellada  que  carregar  para 
iguda  de  custo. 

13 —E  porque  os  navios  que  hão  de  navegar  para  a  Bahia 
somente  hão  de  carregar  quatrosentos  quintaes  de  pao,  cada 
hum  por  conta  de  minha  íkienda  em  rezão  do  pao  do  Rio  de  Ja- 
neiro ser  de  qualidade  que  não  tem  conta  neste  Reino,  de  que 
06  donos  dos  ditos  navios  não  hão  de  aver  mais  que  duzentos  rs. 
de  frette  por  cada  quintal  eomo  fica  dito  no  cappitulo  ante- 
cedente no  que  se  lhe  flcão  ocupando  perto  de  trinta  tonelladas 
con  pouca  utilidade;  Hey  por  bem  que  a  cappitana  da  dita  frota 
e  Almiranta  delia  carregue  cada  húa  pelo  menos  duzentas  tonel- 
ladas de  pao  Brazil,  o  qual  o  meu  governador  geral  do  dito 
Estado,  e  Provedor  mor  de  minha  (kienda  em  elle  e  a  nos,  pela 


REGIMENTO  DO  GENERAL  DA  FROTA  137 

parte  qne  nos  <oca  fareis  carregar  em  oada  hum  dos  ditos  navios 
inyiolayelmente. 

14  —  E  porquanto  nestes  princípios  he  força  permitirse  a 
navegado  das  embaroagOes  de  menor  porte  de  duzentas  tonel- 
ladas  até  ellas  se  acabaram  e  se  fsiserem  outras  de  major  porte, 
como  fica  declarado  neste  Regimento  considerando  também  que 
se  de  todo  se  lhe  prohibir  que  não  naveguem  para  as  partes  do 
Brazil,  não  tão  somente  ficarão  meus  vassalos  com  dano  consi- 
derável nos  cabedaes  que  nas  ditas  fábricas  tem  metido  mas 
tão  bem  se  não  dará  vazão  a  saca  dos  asuqueres  do  dito  Estado ; 
Hey  por  bem  que  as  ditas  embarcações,  como  ja  fica  declarado, 
possão  navegar  pêra  as  ditas  partes,  ató  S3  extinguirem,  e  que 
indo  a  Bahia  se  lhe  de  de  frotte  a  dose  mil  rs.  por  tonellada, 
e  hindo  ao  Rio  de  Janeiro  a  quatorse  mil  rs.  com  que  tãobem 
se  evita  o  dano  que  pode  rezultar  aos  carregadores  da  dilação 
esperando  com  a  carga  não  a  querendo  meter  nos  navios  de 
major  porte  porem  do  dito  fírete  serâo  os  mestres  de  tais  em- 
barcações obrigados  a  entregar  ao  meu  feitor  e  Almoxarife 
dous  mil  rs.de  oada  tonellada  para  ajuda  do  sustento  da  infiinteria 
que  nos  mais  navios  armados  os  ha  de  comboiar,  E  vos  mando 
que  nas  licenças  que  ouveres  de  dar  a  estes  navios  para  carregar 
seião  preferidos  aquelles  que  tiverem  algúa  artelharia  e  forem 
novos,  e  nos  pareserem  melhores  pêra  acompanhar  a  frotta. 

15  —  Sendo  necessário  valerense  alguns  dos  navios  de  par- 
ticulares de  algúa  artilharia  minha,  ou  sendo  necessário  meter 
lha  para  sua  melhor  defença  e  guarnição  venserão  cada  duas 
peças  que  asim  levarem  o  soldo  de  um  marinheiro  pêra  também 
se  dispender  nas  couzas  necessárias  á  conservação  e  aumento 
das  ditas  frottas. 

16  ^  Com  o  soldo  dos  marinheiros  se  não  alterará  couza 
algúa  o  qual  se  lhe  pagará  na  forma  que  sempre  se  fez  De  tudo 
o  que  tocar  ao  direito  de  avaria  se  cobrará  no  Estado  do  Brazil 
para  pagas  da  gente  de  guerra  e  mais  despezas  que  forem 
necessário  fazerense  cõ  os  navios  da  frotta  a  metade,  e  a  outra 
ametade  se  pagará  neste  Reyno,  o  qual  dinheiro  ha  de  cobrar 
e  despender  o  feitor  e  Almoxarife  com  ordem  do  meu  general» 
e  para  a  cobrança  se  ha  de  fazer  um  livro  de  Receita  nume- 
rado e  Rubricado  pelo  auditor,  e  se  lhe  ha  de  carregar  em  Re- 


i38  REVISTA  DO  INSTITUTO   HISTÓRICO 

ceita  tudo  o  que  assy  oobrjir,  o  qaal  será  obrigado  a  dar  fianga 
nesta  cidade,  ató  quantia  de  três  mil  cruzados,  e  de  cada  viagem 
que  fizer  dará  conta  dos  meus  contos  do  Reyno  e  caza  e  tirará 
quitaçáo. 

17  —  Outro  sy  Hey  por  bem  que  a  despeza  que  o  dito  feitor 
e  Almoxarife  fizer,  pelo  toca  ao  vosso  soldo  que  são  dous  mil 
cruzados  cada  anno  sem  nenhúa  liberdade  mais,  e  o  Almirante 
trezentos  mil  reis  cada  anno,  que  se  Repartirão  aos  mezes, 
e  asy  os  soldos  do  auditor,  sargento  mor,  ajudante,  cappitaes. 
Alferes,  sargentos  e  mais  offlciaes  que  serão  os  que  pellos 
mesmos,  cargos  lhe  pertencerem  sei^á  pella  maneira  seguinte, 
a  saber,  no  Brazil  da  terça  parto  de  .seus  soldos  e  neste  Reino  as 
duas  partes,  tomando  quitações  das  tais  pessoas  com  as  decla- 
rações costumadas  para  a  conta  do  dito  feitor  e  Almoxarife, 
e  por  esta  mesma  maneira  a  Infanteria  o  mantimentos  delia 
que  tudo  ha  do  sahir  do  dito  direito  da  avaria. 

18  —  E  porque  pode  acontecer  ser  necessário  fazeremse 
outras  despezas  extraordinárias  na  Cappitana  e  Almiranta  da 
dita  frota,  mando  ao  dito  feitor  e  Almoxarife  que  he  húa  s6 
posfloa  que  por  despachos  nossos  as  faça  e  com  vossa  asistençla 
lênbrando  vos  que  não  sejão  as  tais  despezas,  senão  aqueilas  que 
forem  presizamente  necessárias  e  não  sendo  utis  e  necessárias 
se  lhe  não  levarão  en  conta. 

19  —  Outro  sy  haverá  outro  livro  da  despeza,  também 
numerado  e  Rubricado  pello  mesmo  auditor  e  servirá  de  es- 
crivão da  Receita  e  despeza  o  mesmo  que  ha  de  servir  na  audi- 
toria, no  qual  se  lansarão  todas  as  despezas  que  se  fizerem 
asinadas  por  vos,  e  pello  dito  feitor  e  Almoxarife  declarandose  o 
em  que  a  dita  despeza  se  fez,  e  a  cauza  que  ouve  pêra  se 
íkzer,  e  isto  alem  da  ordem  por  escrito  que  haveis  de  passar 
para  que  a  dita  despeza  se  faça  e  no  livro  da  Receita  em  que  se 
ha  de  carregar  ao  dito  feitor  e  Almoxarife  tudo  aquilo  que 
cobrar  da  avaria  se  dõc'arara  tambimi  em  cada  assento  o  que 
cobrou  quanto  de  cada  pessoa  decl.iranduas  por  seus  nomes,  dia, 
mez  e  ano,  dos  quacs  as  'nttos  hâo  de  proceder  as  quitações  que 
se  ao  de  dar  as  partes  que  pagarem  a  dita  avarii  para  sua 
guarda  asinados  pelo  escrivão  e  pello  dito  feitor  e  por  vos  para 
que  por  este  modo  vos  seja  prezente  o  dinheiro  que  tem  en- 


REGIMENTO  DO  GENERAL   DA  FROTA  139 

trado  em  poder  do  ditto  feitor,  o  que  se  tem  despendido,  e  o 
que  âca  ainda  em  seu. 

20  —  O  dito  feittor  e  Almoxarife  terá  de  ordenado  cada  anno 
duzentos  m!I  réis,  tendosse  consideração  ao  muito  trabalho  que 
ha  de  ter  no  exercido  deste  officío  andando  enbarcado  e  sendo 
obrigado  a  dar  fiança  e  contas  cada  anno  o  qual  se  poderá, 
pagar  eni  sy  próprio  do  mesmo  Rendimento  da  avaria,  e  o 
escrivão  de  seu  cargo,  que  o  ha  de  ser  também  da  auditoria 
haverá  de  ordenado  em  cada  hum  anno  oitenta  mil  réis,  de 
que  também  houvera  pagamento  pelo  mesmo  modo  que  o  vos 
aveis  de  haver,  e  os  mais  offlciaes  e  soldados,  os  quais  feitor  e 
escrivão  sendo  necessário  encarregaios  de  outros  officios,  nem 
por  isso  haverão  outro  ordenado,  mais  que  hum  só  por  ser  asy 
conforme  as  minhas  leis  e  Regimentos. 

21  —  Para  que  não  haja  demoras  que  obrigem  a  despezas 
inúteis  ;  Hey  por  bem  e  vo8  mando  que  com  toda  a  brevidade 
possível  procureis  abreviar  a  viagem  asy  da  hida  como  da  volta 
para  que  se  possa  fakzer  a  viagem  da  frotta  todos  os  annos. 

22  —  E  para  que  isto  não  tenha  nenhu  estrovo  e  melhor  se 
possa  conseguir,  Hey  por  bem  e  mando  a  todas  as  justiças  asy 
deste  Reyno,  como  do  dito  Estado,  íação,  breve  e  summaria- 
mente  pagar  os  fretes  ou  dividas  pertencentes  a  estas  viagens 
aos  mestres,  mercadores,  pajssageiros  e  mais  interessados  que 
vierem  nas  dittas  ft*ottas  constando  do  que  liquidamente  lhe 
deverem 

23  —  E  porquanto  para  a  dofença  e  segurança  dos  navios 
marchantes  convém  que  os  donos  delles  lhe  metam  armas  para 
a  geote  do  mar  que  nelles  hão  de  trazer.  Hey  por  bem  que 
tragão  nos  ditos  navios,  tantos  mosquetes  e  chuços  quantas 
forem  as  pessoas  que  nelles  trouxerem. 

24  *  E  Hey  outro  sy  por  bem  que  nem  neste  Reino,  nem  no 
estado  do  Brazil  se  possa  fabricar  navio  ou  caravella  que  s  eia 
de  menos  de  duzentas  tonelladas  e  dahy  pêra  sima  porque  nen- 
hua  a  de  navegar  nas  ditas  írottas  de  menos  porte,  depois  que  se 
acabarem  as  que  jà  estão  fabricadas,  e  as  caravellas  que  assyse 
fabricarem  de  porte  de  duzentus  tonelladas  serão  armadas  com 
doz  peças  de  Artilharia  como  os  navios  do  mesmo  porte,  e  isto 
se  entendera  nas  caravellas  e   navios  que  ouverem  de  nave- 


140  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

gar  pára  o  Brazil,  porqae  para  oatros  irattos,  poderâo  fabricar 
os  navios  que  lhe  estiver  a  conta. 

25  —  Os  navios  que  forem  ao  Rio  de  Janeiro  e  mais  partes 
do  sul  virão  demandar  com  a  carga  que  tiverem  a  cidade  da 
Bahia  no  tempo  que  por  nos  lhe  for  ordenado,  pêra  virem  daly 
em  nossa  conserva,  medindo  o  tompo  de  tal  modo  que,  nem 
Yonhlko  muito  antes  da  partida  da  frotta  para  evitar  os  gastos 
e  despezas  que  podeão  fazer  na  Bahia,  sendo  muita  a  detença» 
nem,  tãobem,  que  venbão  sendo  nos  já  partido. 

26  *  E  porque  as  couzas  do  mar  são  insertas  e  ha  cazos 
que  se  não  podem  prevenir  antesipadamente,  Hey  por  bom  que 
vos  com  o  Almirante  do  dita  frotta,  auditor  e  sargento  mor,  e 
cappitão  de  mar  e  guerra  da  cappitana  disponhaes  nos  taes 
cazos  o  que  se  venser  por  mais  votos,  lembrandovos  que  mi- 
nha tenção  he  tratar  se  sempre  do  milhor  acerto  em  meu  ser- 
visso,e  não  se  podendo  por  algum  asidente  juntar  o  conselho  na 
forma  referida  rezolvereis  o  cazo  com  a  maior  parte  dos  que  se 
poderem  ajuntar  fazendosse  de  tudo  papeis  pêra  se  me  dar  conta 
sendo  necessário,  e  sendo  cazo  quo  se  aparte  aAlmirante  poderá 
rezolver  os  cazos  não  cuidados  com  o  Mestre  Pilloto,  e  ao  dito 
Almirante  dareis  uma  copia  deste  Regimento  pêra  se  saber 
como  se  ha  de  haver  om  semelhante  cazos. 

27  —  E  porque  podo  acontesser  que  tenhais  boa  ocasião 
de  voltar  com  brevidade  com  a  frotta  para  este  Reino,  e  vos 
possa  ser  de  impedimento  não  terdes  en  quantidade  os  offlciaes 
de  calafates*  carpiu  toiros,  ferreiros,  madeiras,  embarcaçoeis  pe- 
quenas gente  de  mar  e  tudo  o  mais  de  que  se  necessita  para  se- 
melhantes jornadas ;  Hey  por  bem  que  as  possais  ao  governador 
geral  e  aos  cappitais  e  mais  mioistros  de  guerra  e  fazenda  das 
cappitanias  e  porttos  a  que  fores  ter  aos  quais  mando  volos  dem 
e  pagandose  lhes  seu  estupendio  tendo  consideração  a  que  como 
isto  he  para  tempo  tão  breve  nunca  pode  ficar  de  prejuízo  a  nin- 
gem,  antes  en  grande  beneficio  de  meus  vassallos  a  que  prinsi- 
palmente  atendo  e  que  nos  dem  assy  para  isto  como  para  tudo 
o  mais  de  que  necessitardes  toda  ainda  e  favor  que  nelles  for. 

28  —  E  porque  minha  tenção  he  evitar  toda  a  ocazião  de 
competências  em  matérias  de  jurisdição  que  podem  prejudicar 
ao  bem  e  conservação  das  frottas.  Hey  por  bem  e  mando  aos 


REGIMENTO  DO  GENERAL  DA  FROTA      141 

ministros  da  justiça  e  fazeoda  do  Bstado  do  Brazil,  Utias  e  de 
outra  qualquer  parto  donde  chegar  a  dita  frotta,  se  não  intro- 
motão  em  couza  elgua  das  dispostas  e  declaradas  neste  Regi- 
mento antes  mando  a  todos  em  geral  e  a  cada  hum  em  parti- 
cular, e  aos  ministros  e  offlciaes  de  guerra  que  nas  ditas  partes 
asistirem,  que  apor tando-vos  com  a  dita  frotta  em  seus  portos, 
vos  dem  toda  ainda  e  favor  que  vos  for  necessário  para  melhor 
conseguirdes  o  que  neste  Regimeato  vos  ordeno  os  quaes  o  gar- 
darão  como  se  com  cada  hum  delles  em  particular  falara. 

29  —  E  sendo  cazo  que  no  mar  se  encontre  esta  minha 
frotta  com  as  nãos  da  índia  em  que  venha  ou  va  cappitam  mor 
delias  faiuo  a  frotta  e  nãos  salva  de  três  peças  igualmente  hna 
a  outra,  e  a  frota  seguira  o  farol  e  derrota  das  nãos,  e  isto  nao 
vindo  nellas  YisQ  Rey,  porque  vindo  abatera  a  frotta  a  bandeira 
e  abatida  a  tornara  a  arvorar,  e  sendo  quaesquer  outros  navios 
que  venhSo  das  ditas  partes  que  não  seião  nãos  da  india  lhe  fa- 
reis farol  e  dareis  Regimento. 

30  —  E  encontrandosse  a  frotta  com  a  Armada  Real  levara 
a  cappitana  hna  flâmula  no  tope  em  lugar  de  bandeira  e  a  Al- 
mirante outra  no  mastro  do  traqueto,  e  as  salvas  an  de  ser  as 
da  cappitana  do  mar  oceano  de  menos  hua  peça  as  sinco  com  que 
a  hão  do  salvar  e  as  da  boca  de  menos  hua  boa  viagem  respon- 
dendo com  trombettas  ou  charamellaa  a  ella,  e  a  Almiranta  da 
frotta  o  mesmo,  a  Almirante  da  Armada  Real,  e  os  mais  navios 
da  frotta  e  a  cappitana  e  Almiranta  deve  responder  somente  com 
trombettas  ou  oharamellas  sem  Artilharia  nem  boa  viagem 
da  boca. 

31  —  fi  sendo  cazo  que  vos  encontreis  com  esquadras  ou 
navios  de  onimigos  desta  coroa  âo  de  vos  que  procedereis  do 
maneira  que  tenha  eu  multo  que  vos  agradecer  e  folgue  de  vos 
hontrar  e  fazer  mercê  e  da  mesma  maneira  o  hey  por  muy  re- 
comendado ao  Almirante  da  frotta  a  quem  vos  de  minha  parte 
o  fareis  saber  e  aos  mais  cappitais  para  nas  ocaziois  que  se  offe* 
reçerem  vos  aludem  e  procedão  como  lhes  espero  e  tenha  ocazião 
de  lhe  fazer  merçe  conforme  aos  servisses  que  me  flzerem,  e  va« 
gando  por  esta  cauza  alguns  cargos  na  frotta  de  justiça  guerra 
e  fazenda  nomeados  neste  Regimento  que  eu  não  possa  prover 
com^  a  brevidade  que  convém  ;  Hey  por  b^  que  vos  provejais 


142  RBVISTÀ  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

neste  ínterim  de  serventia  os  de  justiça  e  fazenda  em  taia  pes- 
soas que  conhesão  todas  as  mais  que  não  antepondes  respeitos 
particulares  a  merecimentos  próprios,  e  os  de  Guerra  os  devem 
servir  as  pessoas  a  que  toca  fazello  por  fiilta  de  seus  maiores 
porquanto  estes  senão  podem  prover  de  serventia. 

32  —  Todo  o  disposto  e  declarado  neste  meu  Regimento  vos 
hey  por  muy  encarregado,  lenbrando  vos  que  fio  de  vossa  possoa 
que  obrareis  nestes  particulares  de  tal  maneira  que  fique  de 
exemplo  aos  mais  para  qae  á  nossa  imitação  haja  quem  siga  o 
procedimento  que  de  vos  espero  e  da  mesma  maneira  o  Hey  por 
encarregado  as  mais  pessoas  nelles  declaradas  para  que  proçe- 
dão  como  convém  a  meu  servisse  e  ao  bem  de  meus  vasaUos. 
Paschoal  de  Azevedo  o  fez  em  lisboa  a  zzb  de  março  de  BJc  Rii^ , 
ea  o  secretario  Aflònsso  de  Barros  Caminhão  fiz  escrever. Rey. 
o  Marquez  de  Montalvão  ^  Regimento  de  que  se  a  de  azar 
nas  Viagens  das  frottas  do  Brazil. 


PELO   QUAL   É   CONCEDIDO     A    SALVADOR     CORRÊA   DE   SA  E 

BENEVIDES    FAZER   MERCÊS   AOS   QUE 

SE   DISTINGUIREM  NO  DESCOBRIMENTO    DAS  MINAS 

(1646) 


(Archivo  da  Torre  do  Tombo.  Lwro  de  Regimentos  do  Conselho 
Ultramtkrinoy  fl,  4í) 

(Doe.  mandado  copiar  pelo  Dr.  Noriyal  Soares  de  Freitas,  em 
missão  do  Instituto  Histórico  nas  bibliothecas  e  archiTos  do 
Portugal.) 


136  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

coenta  e  quatro  arobas  que  he  hua  tonellada  portugesa  doso 
mil  rs.  e  os  de  tresentas  tonelladas  e  quinze  possas  quatorze 
mil  rs.  e  os  de  quatrocentas  tonelladas  e  vinte  possas  dezaseis 
mil  rs.  e  vindo  do  Rio  de  Janeiro  haverão  pela  mesma  ordem 
que  ílsa  dito  dous  mil  rs.  mas  por  tonelladas,  e  avaria  quer 
sela  da  Bahia,  quer  seia  do  Rio  de  Janeiro,  será  de  hum  tostão 
por  cada  arroba. 

12  —  E  Porque  cada  hum  destes  navios  ha  de  carregar  ao 
menos  seiscentas  caixas  de  assucar,  que  a  vinte  arrobas  oada 
oaixa  como  he  custume,  fazem  doze  mil  arrobas,  e  pagando  a 
tostão  de  avaria  por  arroba  importão  três  mil  cruzados,  e  desta 
avaria,  ha  de  aver  o  dono  do  navio  a  quarenta  rs.  por  cada 
tostão  e  os  sesenta  rs.  que  flcãose  aplicão  pêra  o  sustento  e 
soldo  do  capitão  e  soldados  que  hão  de  hir  embarcados  em  cada 
liam  para  a  sua  defença,  que  hão  de  ser  vinte  e  slnco  que  im- 
portão setesentos  e  vinte  mil  rs.  não  bastão  e  he  necessário  sup- 
prir-se  esta  falta  pelos  melhoi*es  e  mais  suaves  meios  que  ser 
possa  ;  Hey  por  bom  que  en  cada  hum  dos  ditos  navios  (de  nutfs 
dos  asucares  que  ouver  de  carregar)  se  carregem  quatrocentos 
quintaes  de  pao  Brazil  por  conta  de  minha  fazenda,  dos  quaes 
se  pagará,  quatrocentos  rs.  de  í^te  por  cada  quintal  e  destes 
quatrosentos  rs.  haverá  o  dono  do  navio  duzentos  rs.  e  os 
outros  duzentos,  se  aplicarão  também  ao  austonto  e  soldo  da 
gente,  e  os  navios  que  carregarem  no  Rio  de  Janeiro  ou  em 
qualquer  outra  parte  do  estado  do  Brazil  que  não  trouxerem 
pao,  pagara  cinco  tostões  de  cada  tonellada  que  carregar  para 
ajuda  de  custo. 

13  —  E  porque  os  navios  que  hão  de  navegar  pira  a  Bahia 
somente  hão  de  carregar  quatrosentos  quintaea  de  pao,  cada 
hum  por  conta  de  minha  fozenda  em  rezão  do  pao  do  Rio  de  Ja- 
neiro ser  de  qualidade  que  não  tem  conta  neste  Reino,  de  que 
os  donos  dos  ditos  navios  não  hão  de  aver  mais  que  duzentos  rs. 
de  frette  por  cada  quintal  como  fica  dito  no  cappitulo  ante* 
çeiente  no  que  se  lhe  íioão  ocupando  perto  de  trinta  tonelladas 
con  pouca  utilidade;  Hey  por  bem  que  a  cappitana  da  dita  frota 
e  Almiranta  delia  carregue  cada  húa  pelo  menos  duzentas  tonel- 
ladas de  pao  Brazil,  o  qual  o  meu  governador  geral  do  dito 
Estado,  e  Provedor  mor  de  minha  fazenda  em  elle  e  a  nos,  pela 


REGIMENTO  DO  GENERAL  DA  FROTA  137 

parte  qae  no9  ^oca  fareis  carregar  em  eada  ham  dos  ditos  navios 
inyioiayelmente. 

14  —  E  porquanto  nestes  prinoipios  he  força  permitlrse  a 
navegado  das  embaroagOes  de  menor  porte  de  duzentas  tonel- 
ladaa  até  ellas  se  acabaram  e  se  fazerem  outras  de  major  porte, 
como  fica  declarado  neste  Regimento  considerando  também  que 
se  de  todo  se  lhe  prohibir  que  não  navegaem  para  as  partes  do 
Brazil,  não  tão  somente  flcai^  meus  vassalos  com  dano  consi- 
derável nos  cabedaes  que  nas  ditas  fabricas  tem  metido  mas 
tão  bem  se  não  dará  vazão  a  saca  dos  asuqueres  do  dito  Estado ; 
Hey  por  bem  que  as  ditas  embarcações,  como  ja  fica  declarado, 
pos^o  navegar  pêra  as  ditas  partes,  até  S3  extinguirem,  e  que 
indo  a  Bahia  se  lhe  de  de  firatte  a  dose  mil  rs.  por  tonellada, 
e  hindo  ao  Rio  de  Janeiro  a  quatorse  mil  rs.  com  que  tãobem 
se  evita  o  dano  que  pode  rezultar  aos  carregadores  da  dilação 
esperando  com  a  carga  não  a  querendo  meter  nos  navios  de 
major  porte  porem  do  dito  Arete  serao  os  mestres  de  tais  em- 
baroaç(!les  obrigados  a  entregar  ao  meu  feitor  e  Almoxarife 
dous  mil  rs.de  cada  tonellada  para  ajuda  do  sustento  da  infonteria 
que  nos  mais  navios  armados  os  ha  de  comboiar,  E  vos  mando 
que  nas  licenças  que  ouveres  de  dar  a  estes  navios  para  carregar 
seiSo  preferidos  aquelles  que  tiverem  algúa  artelharia  e  forem 
novos,  e  nos  pareserem  melhores  pêra  acompanhar  a  frotta. 

15  —  Sendo  necessário  valerense  alguns  dos  navios  de  par- 
ticulares de  algúa  artilharia  minha,  ou  sendo  necessário  meter 
lha  para  sua  melhor  defença  e  guarnição  venserão  cada  duas 
peças  que  asim  levarem  o  soldo  de  um  marinheiro  pêra  também 
se  dispender  nas  couzaa  necessárias  á  conservação  e  aumento 
das  ditas  íirottas. 

16  — -  Com  o  soldo  dos  marinheiros  se  não  alterará  couza 
algúa  o  qual  se  lhe  pagará  na  forma  que  sempre  se  fez  De  tudo 
o  que  tocar  ao  direito  de  avaria  se  cobrará  no  Estado  do  Brazil 
para  pagas  da  gente  de  guerra  e  mais  despezas  que  forem 
necessário  fazerense  cõ  os  navios  da  frotta  a  metade,  e  a  outra 
ametade  se  pagará  neste  Reyao,  o  qual  dinheiro  ha  de  cobrar 
e  despender  o  feitor  e  Almoxarife  com  ordem  do  meu  general, 
e  para  a  cobrança  se  ha  de  fazer  um  livro  de  Receita  nume- 
rado e  Rubricado  pelo  auditor,  e  se  lhe  ha  de  oarregar  em  Re- 


136  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

coenta  e  quatro  arobas  que  he  hôa  tonellada  portugota  doso 
mil  rs.  o  os  de  tresentas  tonelladas  e  quinze  possas  quatorze 
mil  rs.  e  os  de  quatrocentas  tonelladas  e  vinte  pessas  dezaseis 
mil  rs.  e  vindo  do  Rio  de  Janeiro  haverão  pela  mesma  ordem 
que  ílea  dito  dous  mil  rs.  mas  por  tonelladas,  e  avaria  quer 
seia  da  Bahia,  quer  seia  do  Rio  de  Janeiro,  será  de  hum  tostão 
por  cada  arroha. 

12  —  E  Porque  cada  hum  destes  navios  ha  de  carregar  ao 
menos  seiscentas  caixas  de  assucar,  que  a  vinte  arrobas  oada 
oaiza  como  he  custume,  fazem  doze  mil  arrobas,  e  pagando  a 
tostão  de  avaria  por  arroba  importão  três  mil  cruzados,  e  desta 
avaria,  ha  de  aver  o  dono  do  navio  a  quarenta  rs.  por  cada 
tostão  e  os  sesenta  rs.  que  ílcão  se  aplicão  pêra  o  sustento  e 
soldo  do  capitão  e  soldados  que  hão  de  hir  embarcados  em  cada 
hum  para  a  sua  defença,  que  hão  de  ser  vinte  e  sinco  que  Im- 
portão setesentos  e  vinte  mil  rs.  não  bastão  e  he  necessário  snp- 
prir-se  esta  falta  pelos  melhores  e  mais  suaves  meios  que  ser 
possa  ;  Hey  por  bom  que  en  cada  hum  dos  ditos  navios  (de  mais 
dos  asucares  que  ouver  de  carregar)  se  carregem  quatrocentos 
quintaes  de  pao  Brazil  por  conta  de  minha  fazenda,  dos  quaes 
se  pagará  quatrocentos  rs.  de  frete  por  cada  quintal  e  destes 
quatrosentos  rs.  haverá  o  dono  do  navio  duzentos  rs.  e  os 
outros  duzontos,  se  aplicarão  também  ao  sustento  e  soldo  da 
gente,  e  os  navios  que  carregarem  no  Rio  de  Janeiro  ou  em 
qualquer  outra  parte  do  estado  do  Braiií  que  não  trouxerem 
pao,  pagara  cinco  tostões  de  cada  tonellada  que  carregar  para 
ajuda  de  custo. 

13  —  E  porque  os  navios  que  hão  de  navegar  pira  a  Bahia 
somente  hão  de  carregar  quatrosentos  quintaes  de  pao,  cada 
hum  por  conta  de  minha  fozenda  em  rezão  do  pao  do  Rio  de  Ja- 
neiro ser  de  qualidade  que  não  tem  conta  neste  Reino,  de  que 
os  donos  dos  ditos  navios  não  hão  de  aver  mais  que  duzentos  rs. 
de  frette  por  cada  quintal  como  fica  dito  no  cappitulo  ante- 
çeiente  no  que  se  lhe  ficão  ocupando  perto  de  trinta  tonelladas 
con  pouca  utilidade;  Hey  por  bem  que  a  cappitana  da  dita  frota 
e  Almiranta  delia  carregue  cada  húa  pelo  menos  duzentas  tonel- 
ladas de  pao  Brazil,  o  qual  o  meu  governador  geral  do  dito 
Estado,  e  Provedor  mor  de  minha  fazenda  em  elle  e  a  nos,  pela 


REGIMENTO  DO  GENERAL  DA  FROTA  137 

parte  qoe  nos  ^oca  fareis  carregar  em  eada  hum  dos  ditos  nayios 
inviiHayelmente. 

14  *E  porquanto  nestes  principies  he  força  permitirse  a 
navegado  das  emtoroagões  de  menor  porte  de  duzentas  tonel - 
ladas  até  ellas  se  aoabarom  e  se  fazerem  outras  de  major  porte, 
como  fica  declarado  neste  Regimento  considerando  também  que 
se  de  todo  se  lhe  prohibir  que  não  naveguem  para  as  partes  do 
Brazil,  não  tão  somente  ficarao  meus  vassalos  com  dano  consi- 
derável nos  cabedaes  que  nas  ditas  fabricas  tem  metido  mas 
tão  bem  se  não  dará  vazão  a  saca  dos  asuqueres  do  dito  Estado ; 
Hey  por  bem  que  as  ditas  embarcações,  como  ja  fica  declarado, 
possão  navegar  pêra  as  ditas  partes,  até  S3  extinguirem,  e  que 
indo  a  Bahia  se  lhe  de  de  frette  a  dose  mil  rs.  por  tonellada, 
e  hindo  ao  Rio  de  Janeiro  a  quatorse  mil  rs.  com  que  tãobem 
se  evita  o  dano  que  pode  rezultar  aos  carregadores  da  dilação 
esperando  com  a  carga  não  a  querendo  meter  nos  navios  de 
major  porte  porem  do  dito  flrete  seião  os  mestres  de  tais  em- 
barcações obrigados  a  entregar  ao  meu  feitor  e  Almoxarife 
dous  mil  rs.de  cada  tonellada  para  ajuda  do  sustento  da  iníánteria 
que  nos  mais  navios  armados  os  ha  de  comboiar,  E  vos  mando 
que  nas  licenças  que  ouveres  de  dar  a  estes  navios  para  carregar 
seião  preferidos  aquelles  que  tiverem  algúa  artelharia  e  forem 
novos,  e  nos  pareserem  melhores  pêra  acompanhar  a  ftrotta. 

15  —  Sendo  necessário  valerense  alguns  dos  navios  de  par- 
ticulares de  algúa  artilharia  minha,  ou  sendo  necessário  meter 
lha  para  sua  melhor  defénça  e  guarnição  venserão  cada  duas 
peças  que  asim  levarem  o  soldo  de  um  marinheiro  pêra  também 
se  dispender  nas  couzas  necessárias  á  conservação  e  aumento 
das  ditas  frottas. 

16  —  Com  o  soldo  doe  marinheiros  se  não  alterará  couza 
algúa  o  qual  se  lhe  pagara  na  forma  que  sempre  se  fez  De  tudo 
o  que  tocar  ao  direito  de  avaria  se  cobrará  no  Estado  do  Brazil 
para  pagas  da  gente  de  guerra  e  mais  despezas  que  forem 
necessário  fazerense  c5  os  navios  da  frotta  a  metade,  e  a  outra 
ametade  se  pagará  neste  Reyno,  o  qual  dinheiro  ha  de  cobrar 
e  despender  o  feitor  e  Almoxarife  com  ordem  do  meu  general, 
e  para  a  cobrança  se  ha  de  fazer  um  livro  de  Receita  num^ 
rado  e  Rubricado  pelo  auditor,  e  se  lha  ha  de  eanogar  em  Re- 


Este  doetimenio  rem  corroborar  o  que  no  Conselho  Ultramarino 
•jn  3  da  maio  ée  1677  disae  Salvador  Corrêa  de  Sé  e  Benevides. 
(Vide  volume  63  da  líevista  o  artigo  com  o  titulo  «Subsidio  para  a 
Historia  das  Minas»») 

(Xota  da  Commiss&o  de  Jicdacção,) 


Ált«r&  ptlo  q9«l  í  ooftcodiAo  a  tolraAor  Oorrla  te  84  i  («a^ 
Tites   e    g««8  te86o&te&t«B   r^aUnwioi  UviAoi^  te   iw 

prodaslrem  as  minas  te  ouro  o  prata 


Eu  BURey  faço  saber  aos  qnc  este  AlTara  Tirem  que 
sendo  eu  informado,  que  convém  muito  a  meu  seryisso,  e 
ao  beneficio  comum,  de  meus  Reinos,  e  senhorios,  e  doi 
naturaes  delles,  e  proveito  do  minha  fazenda,  conquista- 
rem-se,  benaftciarem-se,  e  administrarem-se,  as  minas,  de  ouro, 
prata,  e  outros  metais,  descubertajs  e  por  descubrir  nos  dis- 
tritos das  duas  cappitanias  de  São  Paulo,  e  sam  Visente, 
das  Partes  do  Brazil,  E  pela  confiança  que  tenho  de  Sal* 
vador  Corrêa  de  Sá  o  Benevides,  fidalgo  de  minha  oaza, 
general  da  frotta  do  ditto  Estado  que  neste  negossio  ma 
servira-a  a  toda  minha  satisfação  e  contentamento  e  de  tal 
maneira  que  me  possa  eu  haver  delle  por  bem  servido,  oomo 
ate  agora  o  fez,  nas  couzas  de  que  o  encarregei,  E  por  de- 
zejar  muito  de  lhe  fazer  honra  e  merçe  pellos  servisses 
que  nesta  empresa  espero  que  me  faça;  Hey  por  bem  e 
me  praz  de  fazer  merçe  ao  dito  Salvador  Corrêa  de  Sft 
que  Rendendo  as  ditas  minas  quatrocentos  mil  cruzados  cada 
anno  de  ouro  de  mineraes  e  betas,  e  nSo  de  lavagens  livres 
de  todos  os  custos  e  despezas,  haja  elle  e  todos  seus  de- 
sendentes  de  juro  e  herdade  quatro  mil  cruzados  de  Renda 
cada  anno,  no*  Rendimento  das  mesmas  minas,  e  o  senhorio 
e  jurisdição  do  primeiro  lugar  que  povoar  tendo  sincoenta 
vizinhos  para  sua  caiza,  e  subindo  á  Renda  das  ditas  minas, 
a  quinhentos  mil  cruzados,  na  maneira  asima  Reíbrida  fi- 
cara com  a  dita  Renda  dos  quatro  mil  cruzados  e  com  o 
titulo  de  conde  do  dito  lugar,  com  condição  que  ordenara 
a  fiibrica  e  mineiros  e  todo  o  mais  neçassario  ao  des- 
eubrimento  e  entabolamento  das  ditas  minas  a  sua  custa  e 


j 


150  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

para  minha  lembrança  e  soa  guarda  lhe  Mandei  dar  eate 
Alvará  que  a  seu  tempo  se  comprira  como  nelle  se  oontem, 
o  qual  Hey  por  bem  que  valha  como  carta,  posto  que  o 
effeito  delle,  haja  de  durar  mais  de  hum  anno  sem  en- 
bargo  da  ordenaçSLo  em  oontrario.  Bertolamen  daraujo  o  foz 
em  lixboa  a  oito  de  junho  de  BJ  xxzxxiii  e  eu  o  secretario 
António  de  Barros  Caminha  o  fiz  escrerer,  Rey. 


CARTA 

DS 

ANTÓNIO  TELLES  DA  SILVA 

A  SUA  MAGBSTADB 
(  1645 ) 


(líib.  Pub,  Eborense -^Cod,  CV.^IÍ^»  f.  i85) 


Netta  carta  o  Governador  Telles  da  Silva  dá  parte  ao  Rei  oomo 
Henrique  Dias,  de  accordo  com  elle  Oovernador,  deixou  do  ir  com 
aeuB  negros  para  Angola,  como  queria,  o  seguiu  para  Rio  Real. 
A  convite  de  Vieira,  depois  de  chegados  a  Rio  Real,  passaram-se  os 
negros  para  o  lado  de  Paraambnco.  Quando  a  gente  de  Vieira  come- 
çou a  agitar-^o,  Telles  da  Silva  enviou  embarcados  dous  terços  sob 
o  commando  de  Martim  Soares  Moreno  e  André  Vidal  do  Negrei- 
ros. Como  é  sabido,  os  dons  mestres  de  campo  a  23  de  Julho  de 
1645  desembarcaram  próximo  de  Serinhaem.  A  4  de  Agosto  ren- 
deu-se  o  forte  hoUandez  e  a  3  de  Setembro  Hoogstraten  entre- 
gou-lhes  o   forte  de  Pontal. 

(Xota  da  Commissão  de  Bedaoção,) 


CARTA  DE  ANTÓNIO  TELLES  DA  SILVi  A  SUA  MABESTASE 


SeàhQt 

Por  eyitar  alguns  deseoncertor  que  os  soldados  pretos  -d* 
Henriqae  Dias  fasiSo  nesta  praça  e  aliriar  a  inftmtaria  que 
assiste  de  f  nami^^o  no  porto  do  Rio  Real  lhe  ordsnei  qae 
se  íbsse  oom  todos  para  elle  nSo  lhe  admetindo  as  causas  oom 
que  qtiasi  repugnava  por  suas,  oonTeniencias»  sentido  desta 
mudança  e  de  eu  o  nSo  hayer  enviado  a  Angola  eomo  per- 
tendia,  e  de  outros  motivos  de  muito  menor  momento  se 
passou  em  hnma  noite  oom  os  dittos  seus  soldados  &  parte  dos 
Holandeiss  e  suspeitando  o  Mestre  de  Campo  André  Vidal  de 
Negreiros  que  neste  aoeidente  se  aehou  por  aquellas  partes 
donde  havia  hido  com  licença  minha  a  partieulares  próprios 
que  seriSo  demonstrações  exteriores  suas  para  graagear  mais 
favor  mandou  em  seu  seguimento  ao  Capitão  mor  Dom  An- 
tónio Felipe  Camarfio  com  huma  tropa  de  índios  bastante  ao 
redusir  por  violência  quando  nILo  quisesse  ohedeoer*lhe»  e  su- 
geitarse  á  segurança  oom  que  da  minha  parte  lhe  prometia 
perdão  do  excesso  e  melhoramento  de  sua  pessoa  de  que  me 
deu  logo  conta  pela  Carta  ei^a  cópia  envio  a  Vossa  Magss- 
tade,  chamei  a  Concelho,  e  conslderando-se  nelle  o  animo  que 
o  dito  Henrique  Dias  trasia  de  hir  dar  em  huma  povoação 
de  Escravos  fugitivos  a  que  chamão  Mocambo  dos  Palmares 
nos  oonílns  do  Rio  de  Sam  Prancisoo  e  que  era  provável  que 
dissimulasse  a  jornada,  assim  pela  ambição  da  preza  como 
por  saber  que  lhe  não  havia  eu  de  dar  licença  para  ella  se 
teve  por  conveniente  que  se  não  mandasse  mais  gente  em  seu 
alcance,  tanto  por  lhe  não  acrecentar  a  desconfiança,  como  por 
que  a  não  tivessem  os  Holandeses  de  que  se  alterava  com  sua 
entrada  nas  terras  que  possuem  o  sooego  da  paz  em  que  es- 
távamos, de  que  se  fez  o  assento  cuja  cópia  envio  a  Vossa  Ma- 
gsstade,  e  crendo  eu  na  opinião  de  todos  pela  tardança  do  dito 


154  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Capitão  mor  e  ser  grande  a  distancia  dos  Palmares,  que  se 
congregaria  com  Henrique  Dias  para  aqnella  asaltada,  temendo 
que.  por  ambos  haverem  excedido  se  deixariSo  ficir  por 
aquellas  Brenhas  donde  se  lhes  não  podia  dar  castigo,  nem 
elles  podi^  conduzir  os  Escravos  aos  moradores  ájk  Cam- 
XMinha,  mandei  o  P«  Joaõ  Lais  Religiozo  da  Companhia  de  Jezns 
com  outro  companheiro  seu  a  Reduzlllos,  e  ambos  se  tor- 
narão sem  os  poder  desistir,  e  ante  o  tempo  que  forão  dezacete 
deste  prezenbe  mez  de  Julho  me  chegou  hum  avizo,  de  como 
chegando  noticia  destaa  duas  Tropas  aos  dittos  moradores  de 
PernaObuoo  e  vendo  que  com  seu  favor  se  podião  levantar  e 
acciamar  naqueila  Capitania  a  Vossa  Magestade  os  mandarão 
persuadir  ocultamente  neste  fim,  c  elies  como  sugeitos  de 
menos  descurço  que  vallor  imaginando  indeacretamente  que 
acertavão,  baixarão  á  Campanha  a  tempo  que  os  moradores 
delia  se  havião  já  rezolnto  a  negar  declaradamente  a  obediência 
aos  Holandezes,  e  tomar  as  Armas  em  deffença  do  sua  liber- 
dade, com  esta  nova  me  enviarão  os  dittos  moradores  Por- 
taguezcs  huma  suplica  firmada  por  todos,  reprozentandome  ò 
manifesto  perigo  a  que  íicavão  expostos,  o  deprecando-me  os 
socoorresse  como  a  leaes  Vassallos  que  erSo  de  Vossa  Mages- 
tade. £  Imaginando  eu  que  seria  rdvolução  daquelles  povos 
ocoa9Íonada  do  alguma  exasperação  do  trato  dos  Holandezes 
que  se  poderião  sooegar  por  tal  intelligenoia  que  elles  ficassem 
seguros  da  roina  que  temião  os  liolandezes  obedecidos  e  eu 
sem  dar  motivo  a  se  entender  em  nenhum  tempo  de  mim 
que  dava  impulços  a  esta  sua  acQão,  chamei  logo  a  Conoellio 
todos  os  Ministros  superiores  da  Guerra,  o  politico,  e  Pro* 
lados  do  todaa  as  Religiões  o  nelle  fiz  a  proposta  ouja  copia 
envio  a  Vos^a  Magestade  para  que  consto  a  Vossa  Magestado 
o  modo  com  que  procedi  noste  caso  o  a  in viola vol  observância 
com  que  de  minli»  parte  so  conservarão  sempre  as  capitula- 
ções das  pazes,  que  ainda  que  eu  entondia  que  na  realidade 
as  não  oífendia  este  socorro,  antes  as  confirmava  na  tençaõ 
com  que  deveria  mandar,  pois  era  a  valor  aos  nossos  em 
favor  dos  Holandezos,  todavia  respeitava  mais  o  temor  das 
apertadas  ordens  do  Vossa  Magestade  que  a  mesma  razão 
e  necessidade  prezente,  mas  todos  se  levantarão,  e  por  assen- 


CARTA   DE   ANTÓNIO    TELLES  DA  SILVA  155 

timento  comnm  votarão  uaiformemente  qae  devia  eu  mandar 
aocorrer  com  toda  a  brevidade  aquelies  Povos,  pois  sendo 
tam  grande  o  empenho  em  que  se  aohavão  era  maior  a  iaha- 
manidade  que  com  elles  se  uzaria  faltando-lhes  a  prote^ 
que  taõ  justamente  devião  esperar  das  Armas  de  Vossa  Ma- 
gestade  e  que  sendo  oouza  tSo  praticada  entre  todos  o^  Prin- 
oepes  do  mundo,  e  ainda  entre  os  mais  bárbaros  darem  favor 
a  qnaesquer  naçSes  e  Estrangeiras  que  se  quiserem  valier  de 
sua  tutella,  se  não  haveria  Vossa  Magestade  por  bem  servido 
de  mi,  se  a  negasse  aos  Vassallos  de  Vossa  Magestade  em  um 
acto  tão  nacido  de  sua  confidencia  o  lealdade,  estimulado  agora 
tanto  mais  das  violências  de  dominio  Estrangeiro,  quanto  era 
maior  o  da  Liberdade  aos  olhos  de  um  Rey  natural  de 
que  sorião  privados,  alôm  de  outras  muitas  razoes  mui 
vehementes  que  todos  me  propuzerão,  e  coneiderando-as  eu 
vondo-me  vencido  nos  votos,  o  que  pareceria  que  podendo  não 
faltar  ao  exacto  cumprimento  das  capitulações,  faltava  a  obri* 
gação  de  amparar  aos  Vassallos  do  Vossa  Magestade  maior-* 
mente  quando  o  intento  não  era  fazer  hostilidade  alguma  aos 
Holandezes  sanão  livrar  aos  nossos  por  meio  puramente  de- 
fencivos  da  oprcção  pubUca  em  qne  ficavão  e  reconciliai) os 
com  os  Holindezes  prosontindo  também,  que  se  cnzergavfto 
algumas  demonstrações  de  que  se  eu  duvidasse  de  mandar  este 
socorro  se  occazionarfa  nesta  praça  outro  movimento  peor  do 
qne  o  prezente  por  ser  a  maior  parte  dos  soldados  deste  Exer- 
cito, o  moradores  desta  Cidade,  naturaes  de  PernaGbuco,  e 
retirados  de  todas  aquellas  Capitani<is,  me  pareceo  tomar  por 
rezolução  evitar  o  excesso  que  se  receava  com  mandar  reme- 
dear  o  socedido,  quo  suposto  que  se  pudera  reprimir  por 
outro  meio  tive  por  mais  acertado  o  de  condecender  com  a 
suplica  dos  dittos  Portuguezes,  e  acordo  geral  de  todo  o 
Concelho  e  enviar  o  ditto  socorro,  pois  com  ello  se  devertia 
mais  suavemente  qualquer  dozordem  nesta  Praça,  e  apa- 
ziguava todo  o  tumulto  naquella  Capitania  de  que  tudo  se  fez  o 
auto  cuja  copia  autentica  envio  também  a  Vossa  Magestade. 
A  este  mesmo  ponto  entrou  nesta  Bahia  hum  navio  Ho- 
landez  com  dois  Embaixadores  dos  do  Concelho  do  Supremo 
Governadores  em  Pernambuco,  hum  pulitico,  e   outro  Qover- 


156  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

nador  do  oabo  de  Saoto  Agostinlxo  os  qaaes  me  offerecerâo  a 
Carta  cuja  oopia  traduzida  por  alies  mesmo,  eavio  auten- 
tica a  Vossa  Magestade  dandome  conta  do  sucesso  que  tenho 
refferido,  e  pedindo-me  quizesse  mandar  recolher  as  Tropas, 
que  naquella  Campanha  anda  vão  pelos  meios  e  demonstrações 
que  me  parecessem  mais  oonstrangentes,  e  vendo  eu  o  que 
ellei  pediãot  e  protestavão  era  o  mesmo  que  se  havia  re- 
soluto, que  era  mandar  este  socorro  fazendo-mo  com  elle  me- 
dianeiro, entro  uma  e  outra  nagão,  e  dezejando  mostrar-lhes 
a  benevolência,  e  affecto  com  que  os  quizer  fazer,  obedecer 
o  respeitar,  lhes  respondi  com  a  Carta  cuji  oopia  autentica 
envio  a  Vossa  Magestade.  Mas  atteodendo  eu  á  prevenção  que 
os  Ilolandezes  havião  feito  do  quatro  mil  Tapuas  Bárbaros  que 
tinhao  no  Maranhão,  o  que  sou  socorro  que  fosse  nao  levasse 
poder  bastante  a  sugeitar  por  violência  aos  que  presistissom 
em  suas  obstinação  e  repugnância,'  ficaria  infhictuosa  esta 
jornada,  me  pareceo  enviar  a  aquella  Capitania  hum  golpe 
de  Infantaria  a  cargo  dos  dous  Mestres  de  Campo  Martim 
Soares  Moreno,  André  Viáú  do  Nagreiros,  sugeitos  do  cuja 
prudência  fiei  iodo  o  acerto,  assim  na  correspondência  com 
os  liolandezes,  como  no  socego  e  quietação  dos  moradores 
como  ultimo  âm  desta  Missão  e  para  ella  me  vali  de  huns 
navios  que  neste  posto  aprestava  para  impedir  o  socorro  que 
Vossa  Magestade  foi  servido  mandar-me  escrever  por  Carta  de 
dezaceis  de  Fevereiro  próximo  passado,  que  de  São  Lucas  man- 
dava El  Rey  de  Castella  ao  de  Congo,  fazendo  delies  Capitão  mor 
ao  Coronel  Hieronimo  Serrão  de  Paiva  pessoa  de  muita  satisfa- 
ção, e  por  esto  meo  espero  em  Nosso  Senhor  se  soceguem  as 
inquietações,  e  fiquem  os  Holandezes  seguros  de  seos  receos. 
Mas  porque  pode.  Senhor,  acontecer  que  desta  resolu^^ 
que  tomei,  se  me  forme  diante  de  Vossa  Magestade  alguma  oulpa 
que  diminua  o  zello  com  que  procurei  acertar  na  indefferença  e 
pezo  das  obrigações  que  conoorrem  juntas  nesta  matéria  de  tanta 
considera^,  me  pareceo  justificar,  prostrado  humildemente  aos 
Reaes  pés  de  Vossa  Magestade,  a  pureza  com  que  desde  que  en- 
trei neste  Governo  pretendi  estreitar  nelle  os  vincules  da  ami- 
zade, e  boa  correspondência,  que  Vossa  Magestade  se  sérvio 
mandar-me  expressamente  que  tivesse  com  os  Holandezes;  por- 


CARTA   DE    ANTÓNIO    TELLES  DA   SILVA  IÒÍ 

que  se  meu  animo  fora  romper  com  elles  e  restaurar  a  Vossa 
Magestade  as  Praças  de  Pernaõbuco,  grandes  foi^o  as  oocazioes 
que  me  offerecerão  oom  suas  dizigualdades  em  tempos  mais  op- 
partanos,  porque  os  procedimentos  que  nestas  partes  tiverão, 
despoisda  felice  acclamação  de  Vossa  Magestade,  forão  sempre 
mais  de  Inimigos  declarados,  do  que  de  amigos  fingidos,  pois 
no  mesmo  tempo  como  tudo  ho  prezente  a  Vossa  Magestade  em 
que  os  Estados  geraes  estarão  ajudando  com  suas  Náos  as  Armas 
de  Vossa  Magestade  nesse  Reino,  e  os  nossos  Embaixadores  que 
ontros  Govwnadores  que  forão  deste  Estado  emviarão  ao  ReciíFe» 
mandando  nelle  retirar  da  Campanha  as  Tropas  que  actualmente 
lha  talavãocomperdataõsemcivel  de  seus  súbditos,  e  protesta- 
rão, vendo  aprestar  huma  Armada,  que  as  não  mandasem  invadir 
porto  algum  dos  senhorios  de  Vosaa  Magestade  ásua  mesma  vista 
a  expedirão,  e  partio  oom  vós  de  hir  dar  em  índias  a  conquistar 
Angola,  e  chegando  eu  a  esta  praça»  mandando  pedir  ao  Conde  de 
Nasau  e  aos  de  seu  Concelho  supremo  Cartas  e  ordens  para  que 
naquelie  Reino  cessasem  também  as  Armas  e  so  gozasse  da  paz 
que  neste  estado,  me  responderão  que  era  jurisdição  aeparada 
e  independente  da  sua  de  maneira  que  tiverão  poder  para  em- 
prender  a  facção  antes  da  retiflcação  das  pazes  havendo-se  j& 
publicado  tregoas  neste  Estado  e  não  o  tiverão  despois  de  confir- 
madas parasuspenderem  a  guerra,  e  o  damno  de  seus  effeitos 
naquelie  Reino,  e  menos  o  concurço  dos  socorros,  que  até  hoje 
se  lhe  emviarão  sempre  do  Reciffe.  De  ci;^^  cavilação  e  engano 
com  que  acometerão  e  conquistarão  também  as  Ilhas  de  São 
Thomee  cidade  de  São  Luiz  no  estado  do  Maranhão  lhes  re- 
sultou o  escrúpulo  que  para  dar  sombra  a  estes  eflèitos  de  sua 
amizade,  quizerão  conceber  da  nossa  chiando  a  mandalla  ezpri- 
mentar  como  testefica  bem  a  oarta  que  oscreveo  um  Comissário 
seu  por  nome  João  Gzening  que  a  esta  Cidade  veio  comprar  fari- 
nhas que  lhe  mandei  por  ser  manifesta  a  esterilidade  grande  que 
delias  havia  como  elle  muito  bem  vio,o  qualpedindo-lhadeíkvor 
António  da  Fonceca  de  Ornellas  para  o  Director  de  Loanda  para 
donde  hia  por  mandado  de  Vossa  Magestade  diz  neila.  Assim  que 
mais  se  me  mandou  a  esta  Commissão  a  experimentar  a  amizade 
quepor  necessidade,  mas  elles  aconheoerão  melhor,  queizando- 
le-me  despois  do  Capitão  Agostinho  Gardozo  que  transcedendo  ás 


168  REVISTA  00  INSTITUTO  HISTÓRICO 

ordem  oom  que  o  eaviel  ao  Rio  Real  chegou  á  Campaaha  a  caia 
de  hum  súbdito  seu  a  quem  dizem  que  tomara  algamas  fa« 
zdndas  e  de  hum  Domingos  da  Rooha  que  para  esta  Bahia 
fuglo  com  hum  Barco  de  asucares,  porque  no  mesmo  tempo  e 
instante  mandei  logo  meter  ao  G  apitão  em  hua  áspera  prixSo, 
donde  m/eí  com  elle   de   maior  rigor  que  me  foi   licito,  ate  o 
remeter  a  Vossa  Megestade,  e  lhes  fiz  restituir  todos  os  asucares 
que  no  ditto  Barco  vinlião,  e  a  correspondência   oom  que  mo 
agradecerão  foi  mandarem  infestar  oom  suas  Náos  estes  mares 
donde  renderão  hum    Navio  nosso  que  sahia  da  Capitania  do 
Espirito  Santo  carregado  de  asucares,  e  roubando-ihe  logo  tudo 
o  que  levava  entre  as  cobertas  como  se  forão  piratas  o  remete- 
rão por  prezo  para  o  Reoiffe  donde  fora,  te  os  poucos  Portu- 
guezes  que  nelle  bião  o  não  tornarão  a  rocobrar,  do   que  se  in- 
fere evidentemente  ser  ordem  particular  que  o  Capitão  da  Não 
trazia,  e  não  excesso  seu  como  a  queria  relevar  pois  ocultava  o 
furto  se  sentira  que  era  culpa  de  que  dei  contra  a  Vossa   Ma- 
gestade,  remetendo  os  mesmos  seis  flamengos,  que  o  levavão 
naj  Caravellas'  do  Sabastião   Vaz,  e   Braz  Vicente   Negrão, 
que  desta  Cidade  partirão   em  quatro  de  Fevereiro    do  anno 
passado  de  seiscentos  quarenta  e  quatro ;  e  queixando-me  eu 
por  hum  Embaixador  deste  atrevimento,  e  protestando  pela  Jus* 
tiça,  recompença  de  todo  o  damno  que  delle  resultasse  ao  fu- 
turo, chegou  a  Pernaõbuco  hum  Pataxo  de  Angola  co  m  os  Por- 
tuguezes  expulços  da  quele  Reino  que  havião  escapado  d* Asso- 
lação do  ARaial  do  Bengo,  e  reprezeotando  o  dito  Embaixador 
ao  Conde  de  Nasau,  e  aos  do  sou  Concelho  a  aleivozía  e  traição 
com  que  os  Dircitores  de  Loanda  se  ouveriío  com  o  Governador 
P.°  Cezar  do  Menezes  debaixo  da  palavra  e  segurança  das^api- 
talações  que  do  novo  havião  com  elle  celebrado  para  que  se  lhes 
desse  o  castigo  que  merociõo,  e  se  restituísse  aos  nossos  o  que 
se  lhes  havia  i*oubado,  que  ora  o  mais  precioso  de  todo  o  Reino; 
elles  lhe  responderão  também    que  não  era    aquelle  Governo 
subordinado  ao  seu;  escasando-se  com  este   dezabrimento  de  dar 
remédio  a  tantas  Iniolencias  como  os  que  os  miseráveis  mora- 
dores  daquelle  Reino  tolorão  de  que  não  foi  a  menor  chegarem 
a  tratar  ao  dito  Governador  P.<»  Cezar  na  umildo  prizao  em  que 
o  meterão  com  as  maiores  indecencias  que  sua  qualidade  podia 


CARTA  DE  ANTÓNIO  TELLES  DA  SILVA  159 

padecer,  e  a  retrlbulç&o  que  tomei  destas  eso  andalos  íbl  mandar 
enforcar  a  ham  soldado,  e  a  hum  mercador  desta  Capitania  que 
passando  &  Campanha  cometeiAo  nella  alguns  insultos  sem  se 
me  íiBkzer  queixa  alguma  por  sua  parte  que  tal  foi  a  pontualidade 
com  que  procurei  acreditar  comos  Holandezes  abeneyolencia 
deste  Governo.efé  de  nossa  boa  veziohanQa,  etal  adifferen^a  com 
que  elies  a  corresponderão  em  tudo  o  que  lhes  premetioo  tempo 
preferindo  sempre  os  Respeitos  de  sua  conciencia  aos  de  nosia 
amizade  e  singeleza  e  se  tendo  eu  todos  estes  piutivos,  e  em 
oucaziões  em  que  esta  praça  se  achava  cam  maiores  forças  que  as 
que  havia  em  Pornaobuco  para  tomar  satisfação  de  todos  elles, 
como  de  violências,  que  tão  positivamente  cometerão  contra  a  fó 
publica,  estatuto  das  Capitulações  me  não  descuidei  hum  ponto 
de  as  guardar,  ainda  na  menor  acção,  bem  se  verifica,  Senhor, 
que  não  concorreria  eu  nesta  de  socorrer  aos  Portnguezes,  por 
intento  de  vir  a  rompimento  com  os  Holandeses,  S3  não  mera 
mente  por  obrigaçío  preciza  e  natural  de  dar  auxilio  a  quem 
adcclama  o  de  Vossa  Magestade,  e  ser  medianeiro  entre  elies,  o 
03  Governadores  daquelle  Concelho  Supremo,  porque  se  minha 
tenção  fora  recuperar  Pernãobuco  menos  diâcultoza  era  a  facção 
por  intrepreza  subjeita  que  por  disposições  tão  oocazionadas  a  um 
sucesso  infelice  como  pudera  ser  o  prezente  se  eu  mandara  estas 
tropas  senloellasde  negros  e  de  tam  pouca  confiança  poiá  estava 
mais  certa  a  boa  fortuna  no  conhecimento  das  poucas  forças  que 
o  Reciffe  tinha  que  na  contigencia  de  se  saber  o  intento  e  resul- 
tarem delle  as  das  nossas  consequências  que  deixão  considerar  em 
matéria  tão  grande,  e  em  que  suas  mesmas  impossibilidades  são 
a  maior  abjno  e  ju^tidcação  da  sinceridade  do  meu  animo,  o  do 
cuidado  com  que  só  tratei  de  obedecer  a  Vossa  Magestade  na  infa- 
lível observância  das  pazes  com  os  Holandezes  de  que  me  pareoeo 
dar  esta  devida  conta  a  Vossa  Magestade  com  toda  a  brevidade 
deste  successo,  e  suas  dependências,  e  noticias  precedentes  para 
que  tudo  seja  prezente  a  Vossa  Magestade.  Quarde  Nosso  Senhor 
a  Real  pessoa  de  Vossa  Magestade  como  a  Christandade,  e  todos, 
seus  Vassallos  havemos  mister.  Bihia  a  dezanove  de  Julho 
de  mil  seiscentos  quarenta  e  cinco,  António  Telles  da  Silva. 


TRASLADO  DE  UK  ASSENTO 


QUK  SB    TOMOU    EM    PRESENÇA    DO    GOVERNADOR    DESTE    ESTADO 

DO  BRAZIL  SOBRB  A  OARTA  QUE  S8CRETE0 

O  TENENTE  DB  MESTRE  DE  CAMPO  GERAL  ANDRÉ  VIDAL 

DB  NEGREIROS  IM  QUE  DÁ  CONTA  Dl  SER  FUQIDO 

HENRIQUE  DIAS 

(1645) 


(Bibliotheca  Publica  Eborense  Cod.  GVI  ^  2^B  f.  iQ4). 
49  ->  11  Tomo  uuz  p*  i. 


Este  documento  esclarece  um  ponto  da  historia  da  guerra  hol- 
landesa.  Por  alie  se  proTa  a  fuga  de  Han^igi^e  Dias,  a  28  de  Março 
de  1645,  da  estancia  do  Rio  Real  para  Pernambuco.  Henrique  quei- 
xou-se  do  Governador  por  não  lhe  dar  licença  para  Ter  a  família. 
Nunca  lhe  deram  nada  da  fazenda  rea^.  Serviram -se  delia  como  si 
fora  capiivo.  Bssas  queixas  foram  traasmittidas  a  Anlonio  Telles  da 
Silva  por  André  Vidal  de  Negreiros  que,  segundo  communicou, 
mandou  o  Gamarão  com  os  seus  indios  no  encalço  do  Henrique  Dias. 

(SoUik  <Í0  Commissão  de  Bedaoção.) 


Traslado  de  ham  asaento  que  se  tomou  em  presença  do 
OoTornador  deste  estado  do  Brasil  sobre  a  carta  que 
eacreTeo  o  Tenente  de  Mestre  de  Oampo  Ger&l  André 
Vidal  da  Negreiros  em  que  da  conta  de  ser  fugido 
Henrique  XMas» 


Km  os  trinta  e  hum  dia0  do  mes  do  Março  de  seiscentOj^ 
quarenta  e  oinco»  nesta  cidade  do  Salvador*  Bahia  de  todos  o» 
Santos,  nospftçosdo  Sua  Magestade  mandou  o  Sr.  Governador 
e  Oapitto  geral  deste  Estado  António  Telles  da  Silva  chamar 
à  sua  presença  os  Mestres  de  Campos  João  de  Araújo  e  Francisco. 
*  Rebello  e  oe  Tenentes  de  Mestre  de  Campo  geral  P"*  Corrêa 
da.Qama  si  António  de  Freitas  da  Silva  e  os  Sargentos  moreai 
Joio  Rodrigues  de  Sousa,  Domingos  Delgado  e  Qaapar  de  Soas» 
Uohoa,  e  o  Provedor  mor  da  fazenda  de  Sua  liagestade  Sehaa* 
tiio  Panis  de  Brito,  e  o  Doutor  António  da  Silva  e  Souza,  Ou- 
vidor geral  Provedor  mor  dos  deftmtos  e  auzei^tes,  e  Procure- 
dor  da  Ikienda  eCoroadeite  Estado,  e  sendo  todos  assim  Juntos 
he  mandou  ler  hnma  carta  que  havia  recebido  do  Tenente  de 
Mestre  do  Campo  geral  André  Vidal  de  Negreiros  qoe  está  na 
flronteira  do  Uo  fteal,  em  que  diz  que  em  vinte  e  oinco  deste 
mez  de  Margo  pelas  duas  horas  depois  d«  meia  noite,  fogiu  Hen- 
rique Dias  daqoella  estancia  com  toda  a  sua  gente,  e  que  vai 
alrllha  deUa  na  volta  de  Pemambuoo  e  que  como  tioha  a  es- 
trada provida  eom  osssus  soldados  não  foi  sentido,  nemo  soube 
senio  depois  de  claro  dia,  e  que  antes  da  Aiglr  se  q[ueizava  do 
Senhor  Governador  por  nSo  lhe  dar  licença  para  vir  ver  suas  filhas 
e  molhar  que  estava  morrendo  e  que  nomca  lhe  derSo  nada  da 
flazenda  Real,  mais  que  servirem-se  delle  como  se  fora  cativo, 
e  que  a  semana  antecedente  o  quizera  mandar  prezo  por  estas  e 
outras  liberdades  que  dizia,  mas^-nlinca  lhe  pareceu  que 
huma  eouza  tão  mal  íbita,  mais  que  como  negro  que  era 


164  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

merecia  ham  grande  castigo  para  exemplo  dos  mais;  que  logo 
maadaya  o  Camarão  ti*as  delle  com  os  seus  índios  para  que  o 
tragão  prezo,  ea  bom  recado,  aiaiaque  custara  algumas  mortes, 
de  huma  e  outra  parte,  que  considerassem  os  ditos  Ministros  o 
que  lhe  paiH3cia  se  devia  fazer  no  cazo  e  lhe  dessem  seus  pra- 
zei^s. 

B  vista  a  ditta  Carta,  e  conciderado  o  cazo  votar&o  cada  hum 
o  que  llie  pareceo,  e  concordarão  que  o  Tenente  de  Mestre  do 
Campo  geral  André  Vidal  de  Negreiros  tinha  feito  o  que  naqaelle 
fragante  se  podia  fazer»  e  que  posto  que  ocaso  era  feio»  o  mere- 
cedor de  grande  castigo,  sa  o  prendessem,  por  hora  não  se  podia 
mandar  mais  gente  em  seu  seguimento,  por  que  se  tinha  animo 
damnado  em  se  passar  aos  Holandeses,  já  tinha  tempo  de  estar 
do  Rio  de  São  Francisco  para  Pernambaco  de  vinte  e  cinco  desto 
to  agora  que  cá  chegou  o  avizo,  e  em  tornar  iá  estaria  mais  longe 
e  que  se  o  prenderem  então  se  tratará  do  castigo  que  merece, 
e  quando  o  não  prendão  e  deserto  se  saiba  que  foi  para  os  Holan- 
dezes,  ou  se  passou  a  Pernambuco  a  roubar  e  fazer  outros  ' 
maleficios,  será  bom  avizar  aos  mesmos  Holandeses  que  vai  le- 
vantado e  ftigido,  para  que  se  o  prenderem  prender  o  cas- 
tiguem como  tal. 

E  o  Senhor  Governador  so  conformou  com  o  mesmo  parecer 
e  resolveu  que  assim  se  fizesse  e  mandou  disto  fazer  este  assento 
que  a«sinou  e  os  ditos  ministros,  e  eu  Gonçalo  Pinto  de  Freitas, 
escrivão  da  fazenda  de  Sua  Magestade  o  esorivi  António  Telles 
da  Silva,  João  de  Araújo,  Francisco  Rabello,  P»  Corrêa  da 
Gama,  António  de  Freitas  da  Silva,  João  Rodrigues  de  Souza 
Domingos  I)elgado,  Gaspar  de  Souza  Uchoa,  Sebastião  Panis  de 
Brito,  António  da  Silva  o  Souza;  o  qual  acento  em  Gonçalio 
Pinto  de  Freitas  escrivão  da  fazenda  de  Bi  Rei  nosso  Senhor 
deste  Estado  de  Brazil  fiz  trasladar  do  próprio  que  fica  cm  meu 
poder  no  que  derem  dos  assentos  das  Juntas  e  concelhos  a  que 
me  reporto  com  que  este  treslado  concertei;  e  sobescrevi  e  as- 
sinei na  Bahia  em  primeiro  de  Abril  de  mil  seisoentose  quarenta 
e  cinco,  Gançalh  Pinto  de  BVeitas, 


TKASLADO 

DO 

Asseoto  qoe  se  fez  sobre  as  coQsas  de  PeroaAkco 

(1645) 


(Bib.  Pub.  Eboretiae  —  Cod.  CV) 


(Basta  ler  este  documento  para  conhecer  o  sou  valor.  £*  uma 
pagina  em  que  se  patenteia  o  proteito  dos  Brazileiros  contra  ò  do- 
mínio dos  Hollandeses). 

(Nota  da  Commissão  dê  Bedacção.) 


TrasIaJo  i%  Assento  qm  8e  fei  sobre  as  ooaias  h  Pernaobico 


Anno  do  Nascimento  da  Nosso  Senhor  Jezos  Christo  de  mil 
e  seis  centos  e  quarenta  e  cinco  em  os  dezoito  dias  do  mez  de 
Julho  do  dito  anno  nesta  Cidade  do  Salvador,  Bahia  de  todos  os 
Santos  nos  paços  de  Sua  Magestade  os  Senhores  António  Telles 
da  Silva,  Ooyernador,  e  Capitão  geral  de  Mar,  e  terra  deste  es- 
tado do  Brazil,  mandou  ajuntar  a  sua  presença  os  Provinciaes* 
e  Prelados,  das  quatro  Religiões  desta  Cidade,  Companhia  de 
Jezns,  São  Bento,  Carmo,  e  São  Francisco,  e  os  quatro  mestres 
de  Campo  deste  Exercito  Martin  Soares  Moreno,  João  de  Araújo» 
André  Vidal  de  Negreiros,  Francisco  Rebello,  e  os  três  Tenentes 
de  Mestre  de  Campo  Oeneral,  Pedro  Corrêa  da  Gama,  João  de 
Lucena  de  Vasconcellos,  e  António  de  Freitas  da  Silva,  e  os  Sar- 
gentos maiores  Gaspar  de  Souza  Uchoa  e  António  de  Brito  de 
Castro,  e  o  Proved  >r  m.>r  d;*  fiz  mia  i)  Sua  \íag;ís-xle.  desjie 
estadot  Pedro  Ferraz  Barreto,  o  o  Licenciado  Sebastião  Paruy  de 
Brito,  que  té  agora  exercitou  o  dito  cargo,  e  o  Doutor  António 
da  Silva  e  Souza,  Provedor  mor  dos  defuntos,  e  anzentes  desta 
estado,  que  hora  serve  o  cargo  de  ouvidor  geral  e  os  Juizes  or- 
dinários Vereadores,  e  mais  Oíficiaes  da  Camará  desta  Cidade, 
e  alguns  homens  principaes  do  povo,  e  governança  delia  aomo 
forão  o  Coronel  da  gente  da  Ordenança  Jerónimo  Serrão  da 
Paiva,  e  o  Alcaide  mor  António  da  Silva  Pimentel,  e  o  Doutor 
Francisco  Bravo  da  Silveira,  os  Capitães  Paulo  de  Barros,  Paulo 
Cardozo  de  Vargas,  Felipe  d^^  Moura  de  Albuquerque,  e  Diogo 
da  Aragão  Pereira,  a  sendo  todos  juntos  lhes  mandou  ler  a  pro« 
posta  seguinte  : 


168  RBVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

PROPOSTA  DO  SENHOR  OOVIRNADOR 

De  Pei*Q&obaoo  chegarão  esta  noite  Corrôos  com  avizo  que 
me  íázem  os  moradores  daquella  Capitania,  de  como  oão  podendo 
já  sofrer  as  intoleráveis,  rioloncias  tirania,  sogei^^o  dos  Holan- 
deses, considerando  o  excesso  grare,  com  que  de  noYO,  se  lhes 
duplicava  o  pezo  dos  tributos,  e  a  insolência  de  seu  domínio,  se 
fuzia  mais  iacomportavel  a  Iqjusta  direcção  de  sen  governo,  e 
qne  nesta  miserável  fortuna,  a  que  se  vião  reduzidos,  se  lhes 
impossibilitava  tanto  mais  o  remédio,  e  ainda  a  esperança  de 
melhora  quanto  era  mayor  desejo  da  liberdade,  o  o  natural  sen- 
timento, de  que  sendo  elles  Vassalos  de  El-Rey  Nosso  Senhor  es- 
tivessem padeoendo  havia  tantos  annos  o  prlvão  deste  nome,  e 
a  ignominia  de  conquistador  de  outra  nação,  e  s6  a  elles  não  ti- 
vessem aloda  chegado  os  venturozos  effoltos  da  Mllz  acclama^o 
de  Sua  Magestade  que  Deos  Quarde  levado  sdestos  dous  Incita- 
mentos de  sua  opressão  e  lealdade,  se  dellberariLo  todos  a  igualar 
os  intentos  a  dezesperação,  e  a  negar  a  obediência  aos  Holan- 
dezes,  querendo  antes  morrer  gloriosamente  em  deffenção  da 
liberdade,  e  restauração  de  sua  pátria,  do  que  o  poder  das  inju* 
rias,  que  naquelle  cativeiro  padeoião,  reprezentandu*me  o  es- 
tado  om  que  flcão  Implorando  os  socorra,  com  toda  a  brevidade 
pois  he  tão  grande  o  perigo  da  vingança  que  temem  dos  Holan  ~ 
dezes,  como  a  obrigação  que  me  occore  de  lhes  não  faltar  com  a 
Proteção  que  tão  justamente  devem  esperar  das  Armas  de  seu 
próprio  Rey  e  Senhor,  e  ooosiderando  eu  este  success?,  e  que 
ainda  que  nelle  se  me  offerocia  ocoazlão  tão  disposta  para  poder 
tomar  dos  Holandezes  a  devida  recompença  das  disiguaes  corres- 
pondências, de  seu  procedimento  nestas  partos,  pois  quando  este 
governo  estava  com  aquelle  logrando  a  mayor  pas  mandando  re- 
tirar as  tropas  da  Campanha,  e  cessar  nella  todo  o  acto  de  hos- 
tilidade, e  confirmando,  com  estas  demonstrações  de  benevo- 
lência a  conservação  da  amizade,  em  que  nos  víamos  elles  a  es- 
tlmavão  tão  pouco,  que  de  baixo  dessa  mesma  segurança  nos 
mandarão  invadir,  e  occupar  o  Reino  de  Angola,  Ilha  do  São 
Thomé,  e  Cidade  de  São  Luiz,  no  estado  do  Maranhão,  chegando 
a  infestar  com  seus  Navios  esta  costa,  e  a  vender  nella  um 
nosso,  que  sahia  carregado  de  Asuqueres  da  Capitania  do  Espi- 


COUSAS  DB  pernAobuco  169 

rito  Santo  oomo  he  notório,  sendo  todas  estas  aoçSes  tSo  dignas 
de  eu  me  nSo  esquecer  delias,  com  tado  he  tão  apertado  o  yin- 
ciiio  da  fé  pablica,  e  palavra  Real  oom  qae  Saa  Magestade  se 
sérvio  que  se  oontrahissem  as  pazes,  e  rateftcassem  as  Capitu- 
lações delias,  oom  estados  das  Provincias  unidas  e  tão  inviolável 
a  observância,  oom  que  expressamente  me  manda,  que  as  guarde, 
que  não  dão  lugar,  a  se  relaxarem  por  nenhum  acontecimento 
assim  impostas  estas  duas  obrigações,  tão  precisas  que  neste  ac' 
cidente  concorrerão  Juntamente  de  socorrer  aos  moradores  de 
Pernãobuco,  e  não  íkltar  ã  conservação  das  pases  vendo-me  in- 
diferente na  consideração  de  ambas,  e  das  graves  consequências, 
que  de  qualquer  delias  podem  rezultar,  dezejando  tomar  reso- 
luç^  com  tal  acerto,  que  experimentam  nella  tanto  os  Portu- 
guezes,  a  humanidade  com  que  lhes  quizera  valer,  como  os  Hol- 
landezes  a  sinceridade,  e  pureza  de  animo  com  que  pertendo 
perpetuar,  com  elles  a  amizade  que  professamos ;  me  pareceo 
mandar  chamar  a  este  Conselho  a  iodos  os  Perlados  das  Reli- 
giões, e  Ministros  Superiores  da  Guerra,  Politica,  (kzenda,  e  Jus- 
tiça que  se  achão  presentes,  e  fozer-lhes  esta  proposta  em  que 
todos  votem  livremente  o  que  sentem  nesta  matoria,  e  se  he 
justo  mandar-se  este  socorro  o  não  mandar-se  para  que  me  de- 
libere no  que  mais  convier  ao  serviço  de  Sua  Magestade  segu- 
rança daquelles  Povos,  e  estabelidado  da  paz  com  os  Holandezes, 
que  he  o  que  só  pretendo  e  protesto. 

E  logo  lhes  mandou  ler  a  Carta  que  recebo  dos  moradores 
de  Pernãobuco  cujo  traslado  é  o  seguinte: 

CARTA 

Os  Affelictos  moradores  de  Pernãobuco  oppremidos  ã 
tantos  annos  de  moléstias  tiranias  da  Nação  Holandesa,  a  quem 
estão  sugeitos,  com  exemplos  tão  notórios  do  sua  crueldade, 
como  por  muitas  vezes  temos  exprimentado  em  tempos  pas- 
sados vendo  de  hum  General  chamado  Sigismnndo  para  destruir 
e  n^tar  os  miseráveis  moradores  tomou  hua  pequena  occazião 
de  virem  a  evta  campanha  Soldados  do  Porto  do  Calvo  que  então 
governava  o  Conde  de  Banholo,  e  com  este  mào  animo,  partio 
o  dito  General,  de  Sesinhaen  oom  Tapuyas,  que  para  esse  eífeitò 


170  REVISTA   DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

mandou  descer  o  sertSo,  o  sahiu  até  Matiope  distancia  de  trinta 
legoas  matando  degolando,  o  entregando  aos  ditos  Tapuyas 
homens,  meninos,  o  mulheres  para  em  sua  prezença  fazerem 
extraordinárias  tiranias,  e  na  mesma  maneira  succedeu  em 
goyana,  que  três  dias  naturais  largarão  o  gentio,  c  soldados 
destruir  o  povo  fazendo  em  molhe rcs  Cazadas,  e  donzellas,  tais 
vitupérios  quais  única  no  mundo  sevirão  fazer  a  nação  Herética 
nenhuma,  e  alem  d'outras  muitas  crueldades  que  cada  dia  es- 
tamos  padecendo  agora  de  novo  dezejosos  os  índios  de  nos  verem 
acabados,  e  destruídos,  como  inimigos  da  Christandado,  com 
falsidades  arguirão  entre  os  Hollandozes,  que  hojd  governão, 
mentirosos  levantamentos  com  que  os  ditos  Governadores  man- 
darão descer  do  sertão  quatro  mil  Tapuyas  e  os  tem  no  Rio 
Grande,  cora  ordem  que  a  todo  tempo  que  tivessem  recado 
seu,  viessem  matando,  e  abrazando  este  povo;  e  inteirados  os 
de  sua  danada  tenção  há  vista  de  tantas  crueldades  monidos  da 
natural  de  ffunção,  cinco  dias  antes  de  fazermos  esta  a  vossa 
Sinhoria  nos  levantamos  geralmente  em  toias  as  partes  de 
Pernãobuco  e  nos  puzemos  em  detTença  como  melhor  podemos 
tratando  só  de  remediar  as  vidas  fazendo  por  escapar  o  ímpeto 
deste  tirano  golpe,  e  assim  ficamos  neste  risco  com  tanta 
afllição  qual  Vossa  Sinhoria  poderá  considerar  como  tão  Ga-* 
tholico  lhe  pedimos  e  requeremos  hua  e  muitas  vozes,  da  parte 
de  Deos  e  de  El  Rey  nos  socorra,  e  acuda  alibertar  as  vidas 
como  Vassallos  de  El  Rey,  Dom  João,  e  tão  grande  risco 
em  que  nos  vemos  que  se  Vossa  Sonhoria  nos  não  acudir 
com  muita  brevidade  e  abrigar  do  desamparo  em  que  nus  vemoa 
clamaremos  justiça  aos  céus,  e  mandaremos  pedir  socorro  a 
El  Rey  de  Hespanhae  a  outros  Reys  Gatholicos;  que  assim  o 
premitem  semilhantes  extremos,  o  que  não  esperamos  de 
Vossa  Senhoria  antes  que  logo  nos  acudx  aremediar  as 
vidas  doeste  miserável  povo,  no  que  fará  muito  grande  serviço 
a  Deos  e  o  £1  Rey  Nosso  Senhor,  o  nos  assinamos  em  nome  de 
todo  o  Po70,  João  Fernandes  Vieira,  Bernardin  de  Carvalho, 
Bastião  do  Carvalho,  Manoel  Calvacante,  António  Calvacante, 
Cosmo  de  Crasto  Pasços,  João  Posçoa  Bezerra,  Gonçalo  Cabral 
de  Caldas  Diogo  Dias  Leite,  Gaspar  Antunes  dos  Reis  Gosmo 
do  Rego  Barros,  Arnáo   de  Olinda   Barreto,    Miguel  Bezerra, 


COUSAS  DE  PERNAOBUCO  171 

Vicente  Cerqueira,  Padre  Matheus  de  Souza  Uchoa,  António 
Borges  Uchoa  Gonçalo  de  Sooza  Velho,  Luiz  da  Costa  Se- 
polveda  Manoel  Alvares  Deos  dará,  Amaro  Lopes  Madeira,  o 
Vigário  Francisoo  da  Costa  Falo£o,  Jerónimo  da  Rootia,  João 
Veiho  de  Souza,  João  Pimenta,  Aiberto  Lopes  da  Rocba  João 
Pessoa  Baralho,  Simão  Furtado  de  Mendonça,  Manoel  Pereira 
Corte  Real,  Manoel  Jaime  Bizerra,  Álvaro  Fragozo  de  Albu- 
querque, Pedro  Marinho  Falcão,  João  Gomes  de  Mello,  Lioen- 
ciado  António  Pereira,  João  Paes  Cabral,  Francisoo  Berengel  de 
Andrade,  Francisco  Bezerra  Monteiro,  Alyaro  Teixeira  de 
Mesquita,  Josó  Gomes  de  Mello,  o  Padre  Diogo  Roiz  da  Silva, 
Prey  Anselmo  da  Trindade,  Dom  Abbade  de  São  Bento, 
Diogo  de  Araújo,  Paulo  de  Araújo  de  Azevedo,  Feliciano 
de  Araújo  de  Azevedo,  Francisco  Gomes  Moniz,  João  Soares 
Lopo  Curado  Gano^  Amador  de  Araújo,  Gonçalo  da  Rocha, 
Simão  Lopes,  Manoel  de  Queiroz  de  Siqueira,  Padre  Vigário 
João  de  Abreu  Soarez,  Frei  Pedro  de  Albuquerque,  Gonçalo 
de  Barros  Pereira,  Domingos  Gomez  de  Brito,  Franoisoo  Gomes 
de  Abreu. 


CARTA    QUE   ESCRKVErXo    OS   MORADORES    DE    PERNAOBUCO 
AOS  HOLLANDEZES  PA  BOLÇA 

Mui  nobres  senhores.  Os  moradores  deste  estado  súbditos  de 
vossas  senhorias  opremidos  há  tantos  annos  de  agravos  e  males 
e  moléstias,  vondo-se  matar,  destruírem  tempos  passados^  com- 
tanto  Tigot  que  sem  indícios  de  culpas,  padecião  inocentes, 
entre  outros  exorbitantes  cazos  que  nelles  succederâo  sempre 
ossofrerâo  com  muita  paciência  guardando  toda  a  fidelidade,  per- 
mitida, e  agora  estando  quietos  tratando  de  suas  vidas  e  fa- 
zendas, nas  veio  á  notisia  por  ditos  de  muitos  judeos  desse  Re- 
cife que  Vossas  Senhorias  pertoúdião  arruinas  a  todos  òs  ditos 
moradores  portuguezes  imputando-lhe  culpas  graves  com  que 
nosconfiscassem  nossas  fazendas,  e  os  premitissem  a  outros  da 
na^  Flamengo,  que  para  esse  effeito  tinham  mandado  vir  de 
Hollanda;  e  como  taes  ditos  sé  comegarão  geralmente  entre  os 
ditos  judeos  há  muitos  tempos  levantamentos  de  traições  contra 


172  .     REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

este  povo,  que  Vossas  senhorias  sempre  experimentarão  serem 
falsos  nem  mostrar&o  occasião  provável»  de  que  muitas  vezes 
nos  queixamos  sem  Vossas  Senhorias  prohlblrem  semilhantes, 
oocasiôes  com  que  sempre  vivemos  veceosos,  e  agrora  com  o 
rigor  das  prisões  que  Vossas  Senhorias  mandai^  fazer  aos 
principaes  moradores,  e  temerosos  do  risco  das  vidas  nos  re- 
tiramos aos  Maios,  deixando  nossas  mulheres,  filhos,  e  fazendas 
por  nfto  estar  sujeitos  a  má  inclinado  de  pessoaes  pouco  nossas 
alfeiçoadas  sugeitando^nos  antes  aos  rigores,  e  incomodidades 
de  trabalhos,  moléstias,  que  ficamos  padecendo  com  tonçSo 
dever  o  fim  de  semilhante  rigor,  pondonos  em  extremos  de 
huã  dezesperacão  agora  de  novo  nos  veio  anoticia  que  Vossas 
Senhorias  mandarâo  fixar  hun  Edital,  que  dentro  em  cinco 
diaz  paressesem  em  sua  presenoa  os  retirados,  exceptuando  al- 
gumas pessoa  como  autores  da  culpa,  no  que  flcamoscertos  duma 
prezun(^,  que  de  nos  tem  e  o  credito  que  Vossas  Senhorias  dao 
asemelhantes  maldades,  com  que  mais  ficamos  comentrentados 
considerando,  que  a  culpa  pode  cahir  em  cada  qual  dando  mais 
limitade  tempo,  para  nos  recolhermos,  que  mal  bastará  para 
chegar  á  noticia  de  todos,  porque  alguns  com  o  medo  estarão 
tSo  longe,  que  antes  do  tempo  a  não  tenhão;  Vossas  Senhorias 
considerem  bam  oremedio  de  nossa  quieta^  sem  deixar  ca- 
minhoz  por  onde  nos  fiquem  receios,  e  assim  lhe  requeremos 
huã  e  muitas  vezes  da  parte  de  Deos  a  quem  havemoz  de 
chamar  justiças;  e  aos  Reis  e  Príncipes  Catholicos  do  mundo  pro« 
testando  portodas  as  perdas,  e  ruínas,  que  Vossas  Senhorias  nos 
devem,  dividas  e  fazendas,  sem  haver  mais  causas,  que  os  ditos 
levantamentos  de  falsidades  e  de  pessoas  forçadas,  que  Vossas 
Senhorias  mandarão  prender  que  por  remir  vidas  deram  o  que 
mais  acommodar  a  seu  remédio,  o  que  Vossas  Senhorias  devem 
attentar,  querendo-nos  conservar  como  são  obrigados;  cujas  pes- 
soas Deos  Guarde.  Vinte  dois  de  junho  de  seis  centos  e  quarenta 
e  cinco.  João  Fernandes  Vieira,  António  Gavalcanty.  João  Pes- 
soa, António  Bezerras  Manoel  Gavalcanty,  Cosmo  Crasto 
Paços. 

E  assim  mais  mandou  ler  outro  papel  que  com  adita  Carta 
veio  de  que  o  traslado  he  o  seguinte. 


COPIA  DA  CARTA 


QUK    ÍJS    DO    SUPREMO    CONCELHO  GOVERNADORES   EM    PERNAMÍIUCO 

ESCREVERÃO    AO   SENHOR 

ANTÓNIO    TELLES    DA    SILVA,    GOVERNADOR 

E  CAPITÃO  GENERAL  DESTE  ESTADO,  POR  DOUS  EMBAIXADORES 

QUE    A    ESTA    CIDADE    MANDARÃO 


(1645) 


(Bibliotheca  Publica  Eborense  -^Cod.  CVJ  —  ^  —  ^^ 


Esta  carta  esclarece  pontos  da  historia  do  domínio  hollandes» 
Dahi  a  sua  importância.  Delia  se  vê  a  resposta  altiva  e-  politica 
que  aos  emissários  do  Supremo  Concelho  de  Perna mbnco  deu  o 
QoTernador  Geral  Telles  da  Silva. 

(Nota  da  CammiêMão  d$  AtdoooSoJ 


Copla  da  carta  gno  os  do  supremo  conoeiho  governador  es  em  Per 
naml)xico  escreverão  ao  senbor  Antonk  Telles  da  SilTa,  gover- 
nador e  capitão  general  deste  Estado,  por  dous  embaisadores 
que  a  esta  cidade  mandarão. 


Com  quanta  pontualidade  as  pazes  confirmadas  entre  o 
Serenissimmo  Rey  de  Portugal  Dom  João  o  quarto,  e  os  mui  pode- 
rosos Senhores  do  estados  geraes  das  Províncias  unidas,  que  os 
moradores  destas  Capitanias  comprirão  em  tudo»  e  em  cada  hum 
dos  Artigos  delias,  consta  pellas  Cartas  e  Embaixadores  da  boa 
correspondência  a  Vossa  Excellencia,  enviados,  e  o  devem 
testemunhar  todos  os  que  da  Bahia,  e  outras  partes  vierão  a 
estas  Capitanias  pelo  menos  nâo  se  achará  quem  mostre  sombra 
de  alguma  falta;  o  mesmo  sempre  se  esperou  da  sua  Magestade 
e  da  Vossa  Excellenciu,  e  nunca  se  pode  recear  que  da  sua 
parte  se  permetisse,  que  seus  Vassallos,  fizessem  ou  intentassem 
cousa  que  fosse  contra  contratos  tão  formaes  como  aquelles  ;  e 
ainda  que  alguns  Portuguezes,  Vassallos  dos  ditos  mui  Poderosos 
Senhores  quebrando  sua  âdelidade  jurada,  intentarfto  huma 
conjuração  publica,  o  tomarão  armas  contra  este  estado  tanto 
que  veio  ásua  noticia,  que  o  Gamarão,  e  Henrique  Dias  oom 
seus  índios,  e  negros  em  companhia  de  outros  Portuguezes, 
chegarão  da  Bahia  a  estas  Capitanias  de  pancada  sem  licença  e 
sem  a  pedir,  oontra  o  direito  publico,  e  geral  ajuntando  suas 
tropas,  e  armas  com  as  dos  levantados  movem,  e  fazem  hama 
guerra,  mais  oomo  deshumanos  ladrões  e  piratas,  que  oomo  os 
soldados  usSo  em  Europa,  não  podemos  prezumir,  que  esta  gente 
decâra  por  ordem  ou  permissão  de  Sua  Magestade,  onde  Vossa 
Excellenoía  contra  seus  federados  taes  autos  intentarão;  Graças 
a  Deos  não  nos  falta  ordem,  nem  forças  bastantes  oom  que  obrigar 
a  estes  amotinados,  que  senão  saião  da  soa  devida  obediência, 
e  obrigação,  e  para  fazer  despejar  os  de  fora,  oom  total  ruina 
sua ;  eomtodo  para  que  todo  o  mundo  saiba,  quanto  foi,  e  ainda 
o  nosso  deseje  de  viver  oom  toda  a  pas  e  quietação  oom  Sua 


176  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Mag60tade,  e  seus  Vassallos  assim  como  nossos  saperiores  oon- 
tinuamente  nos  enoomendão»  e  para  tirar  as  sospaitas  que  os 
Róis,  Prinoipes,  e  Potentados  por  a  chegada  desta  gente  poderão 
presumir,  e  que  oonstas.se  a  disculpa  de  Sua  Magestade  o  de 
Vossa  Exoelleocia,  e  se  provasse  que  não  tom  dado  a  origem  a 
esta  conjuração  nem  a  sustenta  e  uniamos  em  nome,  e  da  parte 
dos  ditos  mui  poderosos  Senhores,  os  Estados  Qeneraes,  Sua 
Alteza,  o  Príncipe  de  Orange,  e  os  nobres  Senhores  da  outorgada 
Companhia  das  índias  ocidentaes,  commandado  e  Ordem  plenária 
a  declarar  a  Vossa  Ezcellencia  todos  os  Artigos  allegados,  o 
pedir  que  Vossa  Exoellencia  sega  servido  que  logo  com  a  chegada 
destes  nossos  Deputados  por  públicos  éditos,  ou  outras  demon- 
straçSes  constrangentes  mande  ao  dito  Gamarão,  Henrique  Dias 
o  a  outra  qualquer  cabeça  que  estiver  nessas  Capitanias,  se 
recolhão  logo,  com  todas  suas  tropas,  e  gente-úe  guerra,  e  sejão 
castigados  oom  todo  o  rigor,  e  não  obedecendo  sejão  elles  todos, 
e  cada  hum  delles  declarados  por  inimigos  de  Sua  Magestade 
por  quanto  não  achamos  outra  via  por  onde  os  ditos  mui  pode- 
rosos Senhores.  Sua  Alteza  e  os  nobres  Senhores  desta  Illustre 
Companhia,  se  dê  a  satisfação  que  esperamos  de  Vossa  Exoel- 
lencia que  esta  vão  assinados  do  Vossa  Excellencia  mui  affciçoados 
amigos  Henric,  Hamel,  Adriam,  Van-Bullestrata,  PieterDan- 
senbas ;  Recife  a  sete  de  Julho  de  seis  centos  quarenta  e  cinco 
annos ;  por  ordem  dos  mui  nobres  Senhores  do  Supremo,  e 
segredo  Conselho,  estava  firmado  D.  van  Walbeng,  este  he 
o  traslado  da  Carta  flamenga,  que  os  mui  nobres  Senhores  do 
I  Supremo  e  segredo  Concelho  nos  derfto  em  eonússão,  de  entregar 

I  a  Sua  Exoellencia  Bahia  de  todos  os  Santos  aos  vinte  do  mez 

!  de  Julho  de  seis  centos  e  quarenta  e  oinoo,  Balthaiar  Bande 

í  Hoogestratera. 

Reposta  que  deu  o  Senhor  António  Telles  da  Silva  Qover- 
nador,  e  Capitão  Geral  deste  Estado  do  Brazil,  ã  Carta  acima  e 
outros  trasladadas. 

Os  Senhores  Balthazar  Vande  Voorde,  Conselheiro  da  Justiça, 
e  Theodoro  Vanhoo  Estratem  Comendador  no  cabo  de  Santo 
Agostinho  digníssimos  deputados  de  Vossas  Senhorias  me  derão 
a  C^rta  em  que  Vossas  Senhorias  se  servirão  repre^Bentar-me  o 
Inconsiderado  movimento  com  que  esses  moradores  se  delibe- 


COPIA  DA  CARTA  177 

rarão  a  ne^rar  a  obediência  a  Vossas  Senhorias,  nora  que  en 
senti  como  devo,  e  sentira  ainda  com  maior  extremo  do  que 
o  signifiquei  aos  ditos  Senhores  Deputados  se  nSo  Tira  a  justis- 
sima  segurança  com  que  Vossas  Senhorias  orem  que  não  podia 
ter  impulsos  deste  governo,  acção  tao  indigna  por  tantas  cicun- 
stancias  da  fidelidade  e  valor  dos  Portugueses,  e  suposto  que  eu 
pudera  justificar  melhor  esta  merecida  opinião  da  nossa  fé 
com  00  procedimentos  da  correspondência,  que  havemos  tido 
neste  estado  deduzindo-a  desde  seus  principies  para  mostrar  a 
Vossas  Senhorias  e  ser  prezente  a  todos  os  Reis  e  Potentados 
do  mundo,  que  foi  sompre  da  nossa  parte  esta  amizade  tão  firme 
nas  experiências  como  a  de  Vossas  Senhorias  encarecida  nesta 
aua  Carta,  com  tudo  por  não  magoar  mais  o  sofrimento  e  ílaizer 
manifesto  ás  gentes  das  occasiões  em  que  positiva  e  declarada- 
mente se  violou  pelos  súbditos  de  Vossas  Senhorias  na  maior 
ignorância  confiança  nossa  a  pureza  das  tregoas,  e  capitulação 
das  pazes  contrahidas,  e  ratificadas  entre  a  Magestade  Serenís- 
sima de  El  Rey  meu  Senhor  e  os  altos  poderes  dos  Senhores  Es- 
tados gerais  das  províncias  unidas,  quero  antes  deixar  no  si- 
lencio de  nossa  mesma  vizinhança  os  deireitos,que  nella  puderão 
desculpar  qualquer  intento,  do  quo  fundar  o  meu  em  lembrar 
a  Vossas  Senhorias  todos  os  que  tem  precedido,  e  em  particular 
a  expedição  da  Armada  para  Angola,  ao  mesmo  tempo,  em  que 
os  Senhores  Estados  geraes  estavSo  capitulando  em  Portugal 
com  suas  Nãos  as  Armas  desta  Coroa  e  nesse  Recife  os  nossos 
Embaixadores  fazendo  retirar  as  tropas  que  tanto  erão  temidas 
na  campanha  e  aproveitarão  a  não  mandassem  invadir  porto 
algum  dos  de  El  Rey  meu  Senhor  despachando-a  a  sua  mesma 
vista,  com  vós  de  hir  dar  em  índias  de  Castella  a  conquistar 
aquelle  Reino,  a  entrada  e  ocupai  das  Ilhas  de  São  Thomô  Q 
Cidade  de  São  Luiz  do  estado  do  Maranhão ;  o  excesso  com  que 
chegarão  a  mandar  infestar  esta  costa,  e  arrender  nella  um 
Navio  nosso  que  sabia  carregado  de  Assucares  da  Capitania  do 
Espirito  Santo,  a  esperiencia  que  mandarão  fleizer  de  minha  fé 
pelo  Commissario  João  Greving  com  sombra  de  pedir  farinhas 
na  esterilidade  em  que  esta  Cidade  se  achava  oomo  elle  mesmo 
testeflcou  em  huma  carta  sua,  em  que  diz  assim  que  mal?  se 
me  mandou  a  esta  comissão  a  experimentar  a  amizade,  que  por 
491—12  Tomo  lxix  i».  i. 


178  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

neadMidAdey  caatella  oom  que  og  Diretoreg  de  Loanda  capitalarfio 
oom  o  Governador  P.»  Cezar  de  Menezes,  a  aleivozia  e  aso* 
lação  do  nosso  arraial  do  Bengo  a  ezpulcio  dos  mizerayeifl 
moradores  daqnelle  Reiao,  as  indeoendas  com  que  tratarão  ao 
dito  Governador  P."*  Cezar  sendo  hum  General  de  Sna  Mages- 
tade  tão  vituperadas  em  sna  qualidade,  e  posto  oomo  contrarias 
a  toda  a  humanidade,  e  estilos  Militares,  não  digo  eu  de  Nações 
politicas,  de  Europa  mas  ainda  das  mais  barbaras  do  mundo,  e 
finalmente  o  desabrimento,  oom  que  nesse  Ck)noelho  Supremo 
00  respondeo  sempre  a  todas  as  Embaixadas,  com  quepertendi  que 
naquelle  Reino  cessassem  também  todo  oacto  de  hostilidade  dizen- 
dome  que  era  jurisdição  separada  e  independente  da  sua,  esque- 
cendo-me  também  da  pontualidade  com  que  ã  vista  destes 
dezenganos  qualifiquei  mais  a  f é  e  singeleza  de  animo»  com  que 
tenho  procedido,  pois  mandando-me  Vossas  Senhorias  fazer 
queixa  do  Capitão  Agostinho  Cardoso,  e  de  hum  Domingos  da 
Itocha  que  para  esta  Cidade  fogio  com  um  Barco  de  Assucres 
08  fiz  Jogo  restituir  metendo  ao  dito  Capitão  em  huma  áspera 
prizão  até  o  remeter  a  Sua  Magestade  e  ultimamente  sendo  eu 
informado  que  hum  soldado,  e  hum  morador  desta  Capitania 
chamados  João  de  Campos,  e  Domingos  Velho  o  Segismundo 
passarão  a  essa  de  Pernãobuco  e  âzer£U>  nella  alguns  insultos,  os 
mandei  logo  enforcar,  sem  mais  incitamento  que  o  da  fé  publica 
da  amizade,  que  professamos,  e  juntamente  nos  devemos,  e  se 
havendo-me  o  tempo  oilèrecido  todos  estes  motivos  tão  merese- 
dores  de  toda  a  devida  recompença  me  nSo  quiz  nunca  lembrar 
mais  que  das  Expressas  e  apertadíssimas  ordens  com  que  Sua 
Magestade  se  sérvio  mandar-me,  que  guardasse  estabellecesse,  e 
çoncervasse  com  Vossas  Senhorias  os  efeitos  da  reciproca  paz  e 
alianças  que  tinha  assentado  com  os  altos  poderes  dos  Senhores 
Estados  geraes,  bem  se  verifica,  que  ainda  na  opinião  de  sol- 
dado, quando  não  quizesse  respeitar  as  obrigações,  e  consequên- 
cias de  estado,  não  devia  eu  deixar  perder  tantas  occaziões 
passadas,  e  muito  mais  opportunas,  para  na  prezente  dar 
sombra  aos  intentos  de  quatro  Portuguezes  desarmados,  e  a 
fugida  de  um  negro  descontente,  e  união  de  outro  quais  rebe- 
lado para  huma  facção  tão  árdua,  e  de  dependências  tão  diffl- 
çultosai,  donde  se  infere  evidentissimamente  que.  nem  por 


COPIA  DA  CARTA  179 

pençamenfos  podia  mie  governo  ser  oculta  cansa  deste  acidente 
como  Vossas  Senhorias  devidamente  o  oonfessio,  e  mo  qais 
mostrar,  na  repiti^  destas  particularidades  para  esta  satis- 
íáçio  que  privadamente  dou  a  Vossas  Senhorias  de  meu  natural 
affecto  e  obrigação  deste  lugar,  e  para  que  Vossas  Senhorias* 
tenhão  verdadeira  noticia  da  ausência  de  Henrique  Dias  elle  se 
passou  hua  noite  do  porto  do  Rio  Real,  donde  estava  á  parte  de 
Vossas  Senhorias,  e  mandando-se  em  seu  alcance  ao  GapitSo  mor 
dos  índios  Dom  António  Felipe  Camario,  vendo  eu  que  tardavio 
ambos  havendo  sido  imaglnaç&o  de  todos,  que  hiria  dar  na 
pouvoa(^  e  mocambo  dos  Palmares  do  Rio  de  Sfio  Francisco, 
mandei  em  seu  seguimento,  por  n&o  parecer  que  alterava  o 
sooego,  da  paz  commeter  na  campanha  tropas  de  Inftmtaria 
deus  Religlozos  da  Gompanhiade  Jezas,aredu2iloseâe  nenhum  lhe 
quiz  obedecer,  ou  por  estarem  temerozos  do  castigo  ou  já  inficio- 
nados do  intento  dos  moradores  dessa  Capitania,  segundo  agora 
colíjo,  e  delles  não  tive  mais  noticias  que  as  que  Vossas  Se- 
nhorias se  servirão  mandar-me. 

Agora  me  chegarão  avizos  dos  mesmos  Portugueses  reme- 
tendo-me  hum  manifesto  das  couzas  que  os  constragerik)  a  levan* 
tar-se,  e  implorando>me  os  socorresse  como  a  verdadeiros 
Vassallos  que  erão  de  El  Rey  meu  Senhor  por  ficarem  expostos 
ao  rigor  e  fereza  de  quatro  mil  Tapuyas  que  Vossas  Senhorias 
tinhão  já  no  Rio  grande  a  inclemência  das  brenhas  para 
donde  se  havião  retirado,  deixando  suas  molheres,  e  famílias  á 
indignação  e  vingança  de  Vossas  Senhorias,  com  temor  dos 
perigos  que  Vossas  Senhorias  hião  fazendo  íUlminando-lhes, 
graves  culpas,  para  lhes  confiscarem  as  fazendas,  tudo  por  indu- 
ção e  maldade  dos  índios  inimigos  tão  pérfidos  da  Chrlstandade, 
couza  que  eu  não  crera  da  prudência  de  Vossas  Senhoriafrpois 
chegarão  a  dar  credito  as  simulações  de  homens  tão  desaforados 
e  temidos,  que  afflrmarão  a  Vossas  Senhorias  que  andavão  na 
Campanha  pessoas  que  os  Senhores  Deputados  virão  nesta  praça 
e  suposto  que  eu  me  persuado  que  nas  disposições  deste  sucôsso 
seria  mais  officaz  o  amor  da  liberdade  desses  povos,  e  a  magoa 
de  se  verem  agora  privados  do  bem  de  hum  Rey  natural  que 
Deos  nos  havia  dado,  do  que  á  exasperação  dos  receios  em  que 
ficão  com  tudo  considerando  eu  por  huma  parte  o  fim  com  que 


180  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Vossaa  Senhorias  me  esoroyerão,  e  03  ditos  Senhores  Depatadofi 
mo  propuzorão  e  rogar&o  mandasse  recolher  os  ditos  Capitão 
mor  Camarão,  e  Henrique  Dias  e  apaziguar  esses  Portagnezes 
tumultaozos  pelos  meios  que  me  parecesse  mais  idóneos  e  por 
outra  a  opressão  publica  em  que  se  me  reprezentarâo  sentindo 
não  ter  o  remédio  tão  propinqno  como  o  dezejo  pois  he  certo 
que  se  estes  dous  Capitães  não  me  obedecerão  persuadidos  menos 
se  sogeitarâo  violentados  e  mais  em  paizes  e  brenhas  tão  des- 
tantes,  e  em  qae  todos  elles  andão  tão  versados,  condescendendo 
com  promptissima  vontade,  ao  que  Vossas  Senhorias  mesmos 
são  servidos,  e  quereodo  eu  mostrai*  em  todo  o  tempo,  e  parte 
qual  he  a  fidelidade  dos  Portuguezes,  e  a  sinceridade  cândida, 
que  neiies  resplandece  para  com  todos   seus  oonfedrados,  e  qne 
não  sabem  attentar  para  conveniências  próprias  por  mais  que  o 
tempo  as  offereça  e  sejão  de  maior  importância  pela  menor 
(luebra,  ou  falência  que  delias  possa  rezultar  om  sua  sempre 
incontrastavel  confidencia  e  pactos    de  Aliança,  e  união  como 
outras  Nações,  me  pareceo  tomar  por  resolução  ser  eu  hum 
medianeiro  commum,  e  socegar  com  a  interposição  de  minha 
authoridade  as  inquietações  intrínsecas  dessa  Capitania  oomo 
dezapaizonado  amigo,  e  bom  vezinho,  e  assim  me  pareceo  dizer 
por  esta  a  Vossas  Senhorias  que  fico  tratando   como  Remédio 
mais  efilcaz  do  enviar  a  essa  Capitânia  com  toda  a  brevidade 
que  me  for  possível  pessoas  de  tal  prudência  que  por  sua  dispo- 
sição, o  inteligência  em  nome  de  Sua  Magestade  El  Rey  meu 
Senhor  se  aquietem  estes  movimentos,  e  soceguem  de  todos  os 
Portuguezes  para  o  qne  vão  prevenidos,  do  mineira  que  quando 
nãD  quelrão  sjjeitir  se  por  suavidade  e  bom  modo,  os  constran- 
jão  por  violência  a  obedecer  a  seu  pezar  a  Vossas  Senhorias,  e  se 
fique  continuando  daqui  em  diante  nelles  a  sojelçao  que  devem 
espei*ar  da  benevolência  de  Vossas  Senhorias,  e  entre  nós  a  boa 
correspondência  e  demonstrações  de  amizade,  que  confio  em 
Nosso  Senhor  se  perpetuo  e  conserve  entre  estas  nossas  duasNações 
como  tão  amigas,  e  conformes  que  são,  Quarde  Nosso  Senhor  as 
mui  nobres  pessoas  de  Vossas  Senhorias. 

Bahia  19  de  Julho  de  1645  annos. 
As  quais  cartas ;  Eu  Gonçalo  Pinto  de  Freitas,  escrivão  da 
fazenda    fiz   trasladar  das  próprias  que  estão  na  Secretaria 


COPIA  DA    CARTA  181 

do  Senhor  Governador,  a  que  me  reporto,  e  as  conferi  so- 
bescrevi,  e  assinei  na  Bahia  em  22  de  Jalho  de  mil  seiscentos 
e  quarenta  e  dnco,  Gonçalo  Pinto  de  Freitas,  Bernardo  Vieira 
Ha/vaico» 


COFIA  DE  HDIA  CARTA 


QUE   ESCREVERÃO  DE   PERNAMBUCO 

MARTIM  SOARES  MORENO  E  ANDRÉ  VIDAL  DE  NEGREIROS 

A  ANTÓNIO  TELLES  DA  SILVA 


1645 


(Dib.  Puh.  Eborense  ^Cod.  OVl-^S  —  »^f.  i98} 


( o  presente  documento  orientará  o  leitor  sobre  yarioi  pontos 
da  historiado  dominio  hoUandez  uo  Brazil  c  de  sua  importância  não 
é  licito  duvidar  atteuto  o  papel  quo  repr^^sentaram  os  83TU  signa- 
tários . 

(Xota  da  Commissão  da  Redacção,) 


Ctpia  le  tuna  arta  une  mrnn  la  Caimka  de  Fenaitiiin  a  Mntra 
le  Caipo  HartiD  soarei  Moreno,  e  Anilre  Yiial  de  Necreini,  ao 
OOTenalor  Gapitio  geril  le  Mar  e  Terra  leite  Eitalo  lo  Brazil 
Aitoiio  Tellei  la  Silva  e  le  oitni  m  ellei  eiTlano  ao  Recife. 


Senhor 


Presente  he  a  Vossa  Senhoria  o  ef&caz  aperto  com  qne  os 
que  Qoyernão  o  Recife  enviarão  a  toda  a  deligencia  a  Vossa  Se- 
nlioria  sua  Embaixada,  significando  nelia  a  alteração  que  João 
Fernandes  Vieira  tinha  movido  nesta  Capitania,  e  como  em 
oorpo  de  gente  lhe  fazia  guerra,  impedindo-lhe  os  mantimentos, 
e  a  liberdade  de  seu  trato,  e  como  também  rogarão  a  Vossa 
Senhoria  por  cansa  sua  se  servisse  interpor  sna-Authoridade 
com  o  meio,  que  a  Vossa  Senhoria  parecesse  mais  conveniente 
rezervando  a  sua  elei^  para  effectivamente  socegar  e  por  em 
paz  commua  tal  alvoroço  para  conservação  de  hum  e  outro 
estado. 

Da  mesma  maneira  serã  bem  mais  prezente  a  Vossa  Se- 
nhoria a  lastimosa  a  encarecida  Carta  que  estes  moradores  no 
mesmo  dia  da  Embaixada  a  Vossa  Senhoria  fizerão.  mostrando  a 
ultima  razão  natural,  com  que  se  puzerão  em  deftenca  com 
paos  tostados  por  não  poderem  aotrer  já  a  insolência  de 
tantas  injurias  que  com  desaforo  e  sem  recato,  que  com  atre- 
vimento, e  sem  petjo,  lhe  fazião  no  maior  aperto  da  honra 
mais  publico  agravo,  não  fazendo  reparo  na  ozurpação  dos 
bens,  no  mão  tratamento  das  pessoas  que  tcdas  trazião  em 
sinal  de  seu  Cativeiro  hua  vara  de  medir  por  bordão  mas 
íázendo  o  grande  do  impedimento  o  posto  ao  exercício  divino 
da  inaudita  lacivia,  com  que  ã  vista  dos  honrados  Paes  stru- 
pavão  as  bem  criadas  donzellas  e  ái  vista  dos  corridos  por  en- 
vergonhados.  Maridos  manchavão  a  virtude  das  respeitadas 


186  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

doDas,  encarecendo  por  ultima  razão  a  petição  gae  a  Vossas 
Senhorias  fazião  de  socorro  com  o  protesto  de  que  lhe  seria 
força  buscarem  Rey  Catholico,  inda  que  contrario,  remédio  a 
seus  males,  quando  da  parte  de  Vossa  Senhoria  se  lhes  de- 
negace.  Com  tão  grandas  novidades  se  sérvio  Vossa  Senhoria 
i^liamar  a  Concelho,  em  Claustro  pleno,  os  mais  doutos  Padres, 
os  Letrados  mais  escolhidos,  os  Mestres  de  campo  de  maior  ex- 
periência, 08  Sargentos  maiores  de  mais  madura  disposição,  os 
Capitães  de  maior  prudência  com  os  homens  bons  de  toda  essa 
Republica  e  a  todos  propoz  Vossa  Senhoria  assim  a  suplicada 
Embaixada,  como  a  agonia  da  Carta  de  seus  Portuguezes,  que  em 
mizerayel  aperto  de  hereges  intrusos  na  terra  que  não  her- 
darão imploravão  socorro  a  seu  Rey  huma  das  Colunas  da 
Christandade,  porque  poderião,  e  a  buscavão  em  Vossa  Senho- 
ria dados  na  piedade,  no  valor,  no  illustre  herdado  por  Vossa 
Senhoria  de  seus  claros  progenitores,  lhe  não  podia  faltar  em 
afflição  tão  gi*ande  e  que  votando-se  com  toda  a  ponderação  que 
cazos  de  tanta  importância  pedião,  consideradas  as  mais  fortes 
razões,  assim  naturaes  como  estadistas,  por  toda  se  concluir  sem 
discrepância  de  voto  algum  e  ainda  por  communs  requerimentos 
e  protestos  dos  Letrados  devia  Vossa  Senhoria,  com  toda  quanta 
deligencia  pudesse,  acudir  a  tantas  mil  almas  Portuguezas  e 
Christãas,  que  com  tanta  anciã  lhe  pedião  amparo  para  se  exa- 
mirem  do  cruel  cutello  que  herege  ameaçava  suas  gargantas, 
maiormente  quando  Vossa  Senhoria  tinha  tão  fácil  occazião  na 
Embaixada  que  lhe  ezpunhão  os  do  Recife  e  em  satisfação  da 
qual  pela  urbaoidade  comprometida  nos  concertos  da  paz,  podia 
Vossa  Senhoria  compor  hua  e  outra  queixa  rednzindo  ambas  a 
hua  amiga  conformação,  mas  que  sempre  Vossa  Senhoria  ficava 
obrigado,  suposta  a  eleição  do  meio  mais  conveniente  que  se 
deixav^k  na  de  Vossa  Senhoria  que  esta  fosso  de  que  Vossa  Se- 
nhoria mandasse  sempre  tal  poder  que  obrigasse  aos  Governa- 
dores  no  Recife  a  não  uzar  de  sua  natureza  conhecida  tanto  & 
custa  de  nosso  inocente  sangue,  e  não  sei  se  á  do  nosso  sofredor 
brio  pois  he  certo  que  se  não  enxergasse  este  poder  chamariio 
dobradamente  nossos  Partuguezes,  e  despois  de  seguros  os  des  • 
pedaçarião,  como  muitas  vezes  íizerão. 

Resoluta,  Senhor,  esta  Consulta,  oom  ella  respondeo  Vossa 


CARTA  A  ANTÓNIO  TELLES  DA  SILVA  187 

Senhoria  na  obtorga  e  despacho  da  Embaixada,  e  em  breyes 
dias  nomeou  nossas  pessoas  para  que  oom  Carta  sua  viéssemos  a 
esta  Província  a  por  em  paz  tantas  e  tâo  crecidas  alterações  e 
mandaado  Vossa  Senboria  aparelhar  algumas  das  embarcações 
que  çostum&o  fazer  escalla  nessa  Bahia,  nos  mandou  basear  a 
terra  de  Tamandaró  nesta  Capitania,  a  qual  chegados,  nos  foi 
publico  não  só  o  aberto  que  nossa  gente  padecia  andando  com 
sen  Governador  Joaõ  Fernandes  Vieira,  escondido  pelos  matos, 
zoas  que  estes  mesmos,  Senhor,  que  impetrarão  e  interpuzerão 
a  autboridade  de  Vossa  Senhoria  na  conveniência  de  sua  paz 
nos  ataUayavão  e  eeperavio  com  exercito  formado  em  Cam- 
panha, tendo  entfto  de  prezonte  chamado  com  simulado   trato 
a  trinta  e  taotos  Portognezes  moradores  no  Rio  grande  a  sua 
Igrqja  e  aeUa  a  sangue  frio  os  despedaçavão  sem  perdoar  á  de- 
oreplta  velhice  nem  à  infttncia  inocento,  acutilando  atrevidos  as 
Imagens  sagradas,  até  sacrílegos  profanando  a   contaminada 
Igreja,  porem  suas  atrevidas  mãos  na  Rainha  dos  Anjos  cujas 
roupas  roubarão,  e  9  divino  rosto  ferirão,  passando  a  tantas 
insQleodAã  que  uM  hum  Velho  Hermitão  que  com  hum  menino 
se  veio  lhes  a  hua  Ermida,  acerbamente  matarão,  como  tam* 
heis\  o  teerão  a  hum  Sacerdote  de  Missa,  deflorando  na  varge 
muitas  e  aobres  donzellasã  vista  de  seus  agonisados  Paes,  sem 
se  doerem  dos  suspiros,  dos  clamores,  dos  gemidos  de  tantos  ma^ 
goados,  n^as  antes  para  mais  incitar  a  justiça  divina  mandarão 
recusar  nas  pacientes  gimidoras  os  brutos,  os  indómitos  Cabou* 
colos»  que  a  todo  o  desaforo  contumeleavão,  manoyavão  e  exer- 
oitarfto  apetites  de  seu  desenfreado  natural. 

Certo,  Senhor,  afflrmamos  a  Vossa  Senhoria  não  puderiamos 
nunca  crer,  se  bem  a  experiência  nos  persuado,  taes  insultos  taes 
traições  nem  tão  livres  desaforos,  e  confessamos  a  Vossa  Se- 
nhoria que  ainda  informados  nos  não  persuadimos  atô  que 
a  notoriedade  com  a  fé  de  tantas  e  tão  fldedignsts  pessoas  que  a 
recontavão  nos  fez  ter  por  certo  o  que  duvidávamos  com  tanto 
que  havendo  nos  de  marohar  aquella  jornada  a  Serinhaem 
soubemos  que  nesta  villa  o  Holandez  nos  aguardava  de  mão 
armada  em  hua  força,  em  outra  caza  fora  e  em  hum  reduto 
feito  eoi  hua  Igreja,  pela  qual  razaõ  consultando  entre  nós  o 
nono  ouvidor  g^»  e  noMos  OapltSai,  eouvienoios  piarohar  a 


188  REVISTA  DO  INSTITUTO   HISTÓRICO 

oautellados  da  traição,  e  prevenidos  ao  suoeaao,  e  que  man- 
dássemos ( como  mandamos )  a  Carta  de  qne  vai  a  oopia  pri- 
meira a  Vossa  Senhoria  ao  Comendor  dos  Holandezes,  manifes- 
tando lhe  a  cansa  do  nossa  vinda,  e  estranhando  a  novidade  de 
snas  Armas  a  que  responderão  com  a  Carta  original  que  por 
terra  he  hida  a  Vossa  Senhoria,  paleando  nella  neutralidades 
que  a  nos  nos  formarão  bem  findadas  desconfinnças  para  nos 
rezolver  com  os  momentos  dos  Governador  P«.  Cezar,  em 
Angola,  a  não  poder  dar  numa  por  desculpa  não  cuidávamos  e 
assim  chegados  d  Villa  que  nos  esperou  em  arma  com  bandeiras 
de  Guerra  tendidas,  nos  determinamos  a  não  deixar  suas  forças 
nas  espaldas,  e  sendo  logo  hospedados  oom  Embaixada  saa  que 
continha  ameaços  de  bailas,  minas  e  cutiladas,  lhe  respondemos 
com  a  cortezia,  com  a  mansidão,  com  os  protestos  da  paz 
por  Vossa  Senhoria  tão  encomendada,  que  tudo  lhe  sérvio  de 
maior  lavareda  para  suas  soberbas,  mas  como  virão  que  nossos 
soldados  hião  com  a  derrota  em  suas  forças  do  Exercito  de  suas 
arrogâncias,  derão  no  de  pedir  quartel  as  suas  vidas  que  com 
toda  a  benevolência  lhe  concedemos  com  as  mais  capitulações 
de  qne  vai  a  copia  segunda. 

Rendidos  forão  mais  de  cento  e  trinta  ;  nestes  entrarão  se- 
centa  índios  que  por  serem  muito  Portuguezes  na  lingua  nas- 
cidos e  criados  muitos  nessa  Bahia  o  todos  Baptizados  oom 
a  profissão  da  Igreja  Romana,  e  Vassallos  de  Sua  Magestade 
haverem  tomado  armas  oom  os  Infiéis  inimigos  nossos  haverem 
feito  atrozes  injurias  aos  Christãos  moradoi-es  daqueiia  Villa, 
como  consta  por  huma  petição  por  elles  assinados,  mãdamos 
delles  padecer  morte  natural  a  trinta  e  nove,  e  os  mais  perdo* 
amos  por  menores,  de  que  já  nos  peza,  por  alguns  delles  bave- 
rom  fugido  para  o  Recife,  os  bastimentoe  que  se  acharão  não 
forão  de  sustancia  de  que  se  possa  fazer  menção  as  Armas,  si 
que  forão  quazi  tantas  como  soldados  e  vierão  a  muito  bom 
tempo  para  guarnição  das  mesmas  forças  de  que  fizemos  Ca- 
pitão mor  Álvaro  Fragozo  de  Albuquerque,  pelo  muito  que 
merece  nesta  e  em  outras  muitas  ocasiões  de  que  lhe  passamos 
patente  de  que  vai  copia  terceira. 

Desta  Villa  marchamos  a  Bojuco  com  muitíssimo  trabalho 
pelas  innimdaçOes  dos  Campos^  e  pelf»  grandes  tereicOs  a  qi|e 


CARtA  A   ANTÓNIO  TELLES  DA  SILVA  l89 

he  SDgeito  este  território,  eomtuJo  chegados  oatendemos  com 
algumas  cousas  de  que  necessitava  esti  povoação  por  ser  muito 
populoza,  cujo  governo  demos  por  então  a  João  Carneiro  do 
Kariz  e  depois  confirmamos  em  Amador  de  Araújo. 

Aqui  tivemos  dous  avizos,  hum  que  Jeão  Fernandes  Vieira 
era  chegado  ao  cabo  que  distava  trea  legoas,  e  outro  de  que 
o  Holandoz  do  forte  de  Nazaret,  com  o  corpo  de  gente  que  ha- 
via sabido  em  companhia  do  Capitão  de  Gavallos  João  de  Van- 
derlens  que  se  lhe  tinha  agregado  campeava  livre  com  asso- 
lação dos  moradores  com  o  que  rezolvemos  hir  o  Mestre  de 
campo  André  Vidal  de  Negreiros  fosee  logo  com  alguns  homens 
ligeiros  a  prender  João  Fernandes  Vieira,  como  tudo  se  obrou 
na  forma  determinada,  e  o  Mestre  de  Campo  Martim  Soares  se 
ficou  segurando  os  moradores  e  referiando  os  excessos  destes 
Senhores  de  Holanda,  e  o  Mestre  de  Campo  André  Vidal  fez  o 
que  hia  e  levando  prezo  a  João  Fernandes  Vieira  que  lhe  ma- 
nifestou o  como  o  Exercito  do  Holanda  o  perseguira,  de  maneira 
que  não  tendo  jã  para  onde  se  recuar  estando  situado  nas  ta- 
boeas  se  pos  em  deffença,  e  naturalmente  rechaçou  a  estes 
Senhores  com  perda  de  trezentos  mortos  e  feridos ;  marchando 
pois  o  dito  Mestre  de  Campo  com  seu  prezo  tanto  avante  como 
no  lugar  da  Moribequa  que  dista  outras  três  legoas  do  Cabo 
achou  ali  tal  clamor,  descompostura  e  pranto,  desconsolação 
e  ritiro  de  molheres  que  podemos  significar  a  Vossa  Senhoria 
nio  ouvi  mais  lastimoso  acto  porque  ver  molheres  nobres  com 
filhas  donzellas  meninos  de  peito,  e  outros  de  tenra  idade  re-^ 
tirados  a  pé  distancia  de  três  legoas  que  tanto  fica  a  varge, 
roubados  os  vestidos,  mal  tratadas  as  pessoas,  enxovalhada  a  ho<^ 
nestidade,  todas  emlodadas,  banhadas  em  lagrimas,  cheias  de 
mortaes  acoidenies,  he  couza  digna  de  toda  a  compaixão  que 
provoca  os  mais  sofk^edores  corações,  e  os  mais  humildes  so- 
geitos  como  nesta  occazião  fez  não  só  em  nos  em  quem  fazia 
reparos  a  prudência,  e  suspendia  a  paixão  que  sua  de  Vossa  Si- 
nhoria  trazíamos  da  conserva^^ão  da  paz  mas  nos  mesmos  mo- 
radores, cuja  dor  por  propia  lhe  irritava  a  razão  para  demandar 
o  castigo. 

Aqui  trabalhou  ò  Mestre  de  Campo  muito  sobrenatural- 
mente e  não  sei  se  com  demaziado  sofrimento  por  não  encon- 


190  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

traf  a  ordem  de  Vossa  Senhoria,  e  eom  iodo  o  exoesso  conso- 
lara ali  hum  rancho  com  acarretadas  razSes  impedia  aoollá 
hum  pranto  com  mimos,  e  com  afagos,  atemorizara  em  oatra 
parte  hum  ramor  qae  Já  formara  apostada  anlio,  qaando  da 
Varge  chegarão  noras,  que  nâo  contente  o  Exercito  Holandez 
com  os  roubos,  afrontas  que  haria  feito  lerara  ainda  prezas 
quatro  qualificadas  molheres  amarradas  aos  Caralios  com  o  que 
08  moradores  de  todo  deliberados,  e  Juramentados  entre  si 
tomando  seu  Goremador  Jo&o  Fernandes  Vieira  sem  o  Mestre 
de  Campo  lhe  poder  impedir,  forSo  logo  a  buscar  o  Exercito 
contrario  com  o  que  bem  cheios  de  aftwntas  buscarão  a  honra 
aonde  lha  lerarào  riolentada,  e  porque  a  hora  em  qae  arran- 
carão erSo  J&  quatro  da  tarde,  e  o  Mestre  de  Campo  le  presu- 
adio  não  puderão  encontrar  o  qoe  buscarão  ajantoa  a  mais 
gente  que  pode  por  ter  pouca  consigo,  e  seguindo  o  aloaaoe  dof 
nossos  por  maior  diligencia  que  fez  os  não  pode  topar,  qu* 
tanto  exporea  o  brio  o  excesso  do  agraro. 

Aquelia  noite  sondo  muito  churoia  e  de  temirel  tempes- 
tade fez  o  Mestre  de  Campo  albergue  no  engenho  de  Dona 
Cosma  Ja  na  rarge  para  antes  de  amanhecer  mandar  com 
sua  gente  a  rer  se  podia  impedir  o  encontro,  e  sendo  Ja  dons 
terços  do  quarto  da  lua  muito  escuro  porem  pelo  tempo  muito 
deflouitozo  pela  impossibilidade  dos  eaminhos  marchou  com  sua 
gente  a  toda  a  preça  ao  Rio  de  Capibaribe  para  ali  obrar  sea 
intento  mas  quiz  a  Justiça  dirina  que  he  o  mais  certo  que  nad 
bastarão  os  excessos  de  sua  deligencia  para  impedir  despacho 
do  queixume,  que  do  Céo  alcançou  porque  quando  Ja  chegou 
ao  Rio  achou  que  a  retaguarda  da  gente  da  terra  hJa  Ja  pas- 
sando com  a  agoa  pelo  pescoço,  para  o  engenho  do  Torlão 
aonde  o  Exercito  contrario  se  tinha  posentado  aquella  noite« 
tendo-lhe  Ja  morto  duas  espias,  que  tinhão  ao  largo  sem  to- 
car em  arma. 

Como  o  Mcscre  de  Campo  rio  quo  este  sucesso  ef  a  mais 
que  ordinário  tratou  de  ajuntar  assi  a  sua  gente  que  rinha  de 
ragar  em  razão  da  lama  para  que  com  essa  pouca  incorporada 
tratar  de  remediar  o  que  pudessi,  e  logo  no  intre  ordenou  ao 
Dezembargaior  Francisco  Braro  da  Silreira  Auditor  gmieral 
passMe  em  hum  Garallo  ligeiro  o  Rio,  e  a  tod«  a  pressa  note- 


CARTA  A  ANTÓNIO  TELLES  DA  SILVA  191 

floafse  a  todos  da  retaguarda,  e  a  vangarda  não  rompessem  em 
Qaerra  com  es  Senbores  Holandezes  o  que  eilí3  logo  fez  e  dando 
a  execução  e  ordonado  com  todo  a  di4goacia  e  agilidade  correo 
o  flo  da  gente  que  molbada  do  Rio  hia  com  pouco  folgo  t@rri- 
tando  raivas  de  chegar,  e  tolos  por   huma  boca,  e  todo^   llie 
responderão  hiâo  buscar  suas  honras  que  lhe  iovavã o  furtadas 
com  as  mulheres  dos  homens  que  os  governciva,  e  quando  Ja 
chegou  a  vanguarda  vio  que  em  hum  boqueirão  que  dezem- 
boca  em  hum  grande  terreiro  em  frente  o  engenho  do  torião 
duas  sentinelias  Holandezcis   toca  vão  arma  a  vanguarda  por- 
tugueza  que  marchava  em  carreira   como  formigas,  de  ma-- 
neira  que  suposto  o  contrario  estar  alerta  lhe  deu  lugar  a  nossa 
gente  da   espera   que  fez  para   ajaatar   bua  única  Compa- 
nhia para  o  Exercito  Holandez  se  formar  em  quadro  com  duas 
Companhias  volantes  de    mosqueteiros  nos   lados    que    logo 
os  moradores  envlstirão  aj   mesmo   passo  que    o   contrario 
reforçava  suas  mangas,  e  a  nos  nos  hia  socorrendo  a  gente  que 
hia  entrando  de  maneira  que  se  aqui  se  perdião  vinte  passos 
acolá  se  cobra  vão;  coatiauando  assim  o  aperto  da  Querra  sahio 
de  hum  lado  a  Companhia  do  João  d )    Albuquerque  que  com 
pouca  gente  se  havia  emboscado  e  entrado  taborda  que  pelo 
mesmo  lado  encuberto  do  mato  hia  picar  a   retaguarda  e  de 
todo  topou  cem  homens  do  Holandez  emboscados  que  imagi- 
nando-se  cortados  se  puzeram  em  fugida  em   cujo  alcance  se 
lançarão  matando  e  ferindo,  e   a  este  mesmo  instante  fizerâo 
entrada  no  terreiro  pela  frente  os  Capitães  António  Jacome,   e 
António  Leite,  e  António  Gonçalves  Picão,  e  João  de  Magalhães 
para  ver  se  podlão  por  em  paz  porem  em   ocazião  que  ja  não 
havia  remédio  de  maneira  que  junto  estes  motivos  com   os  de 
huma  voz  que  gritou  à  espada  o  Exercito  contrario  se  poz  em 
fugida  com  quinhentos  homens  todo:?  mosqueteiros,  e  cravinei- 
ros,  que  consigo  tinha  gente  velha  e  bem  exercitada  no  Brazil 
da  primeira  de  sua  conquista  o  contrario  se  retirou  de  Rondão 
para  a  Caza  forte  do  engenho  em  cujas  janellns  tinha  já  prepa- 
rados ciocoenta  homens  de  mão  posta  que  ílzerão  apartar  os 
nossos  do  ímpeto  que  leva  vão,  ferindo  e  atropelando  os  Holan- 
dezes que  se  ílzerio  fortes,  juntamente  na  Caza  que  o  era  muito 
por  arte  porque  sendo  de  pedra  e  eal  e  paredes  dobradtus  tinha 


192  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

tres  sobrados  de  aadames  de  janelas  de  barandas  em  roda  que 
pódio  gaaraição  do  mais  de  trezentos  homeas  como  tiaha  o  para 
maior  segurança,  porque  os  alioeroes  ficasem  mais  seguros  lhe 
fizerão  suas  estacadas  fortes  gaarnecidas  de  Mosqueteiros  o 
que  fiz  a  dar  e  receber  cargas  tam  a  miúdo  que  era  hum  espanto 
ver  o  valor  com  que  os  nossos  Portuguezes  envestirão  a  peito 
descuberto  e  íkzer  tiroi  as  seteiras  de  hua  muralha  e  o  pior  he 
que  os  s3nhores  Holandezes  que  por  esta  maneira  lhe  matarSo 
muitos  com  as  feridas  do  naris  até  o  cabelo  e  porque  entre  nos 
havia  dous  outros  mortos  e  alguns  feridos  tratarão  de  en vestir 
a  sua  estacada  oomo  flzer&o  com  machados  derubarão  parte,  e 
entradas  nos  baixos  da  primeira  varanda  lhe  applicavão  os 
materiaes  para  lhe  por  fogo,  neste  estado  e  aperto  se  virão  os 
Holandezes  quando  a  todoo  oorror  chega  o  Mestre  de  Campo  An- 
di*é  Vidal  de  Negreiros,  o  reunindo  e  estranhando  a  todos  03 
soldados  os  tiros  que  tazião  tomou  logo  um  a  tambor,  e  hum 
soldado  com  huma  bandeira  branca  na  mão  e  se  foi  andando 
para  o  engenho  para  assim  remir  aos  que  nelle  esta  vão,  do  fogo 
que  se  lhe  aplicava  mas  oomo  elies  nunca  mudem  de  natureza 
pagavão  esta  boa  obx*a,  ao  Mestre  de  Campo  com  huma  carga 
serrada  com  que  logo  lhe  matarão  o  da  Bandeira  e  lhe  ferirão 
com  duas  pelouradas  o  cavallo  o  que  tudo  naõ  bastou  para 
deixar  de  lhe  conceder  o  quartel  das  vidas  que  logo  lhe  pedirão 
com  partido  de  serem  enviados  a  suas  terras  pela  Bahia. 

Os  Rendidos  e  mortos  forâo  quatrocentos  entre  cabououlos,  e 
tramengos  os  prizioneiros  de  conta  forão  o  seu  Oovernador  das 
Armas  Henrique  Bús,  hum  Sargento  maior,  o  Capitão  JoãoBelar, 
o  Capitão  mor  dos  Cabouculos  que  todos  vão  a  /ossa  Senhoria. 

De  Serrinhaem  escrevemos  aos  Governadores  do  Supremo  do 
Recife  a  Carta  que  vai  copia  quarta  que  enviamos  pelo  Alferes 
Manoel  António  e  porque  cá  o  detiverão  alguns  dias  lhe  envia- 
mos, segunda  Carta  depois  do  sucesso  do  turlão  de  que  vai  copia 
quinta,  a  todas  respondem  sem  poder  negar  seus  decretos  oomo 
a  Vossa  Senhoria  serã.  prezente.  Estes  senhores  tem  mandado 
decer  quantidade  de  gentio  e  ja  nos  tem  feito  muitas  crueldades 
com  que  nos  vemos  em  estado  que  se  acaso  trataremos  de  nos- 
querer  retirar  nos  matarão  a  todos  e  quantas  mil  almai  tem 
esta  Província,  pelo  que  consideradas  as  razoes  naturaes  as  de 


CARTA  A  ANTÓNIO  TELLES   DA  SILVA  193 

todo  O  direito  caaooioo  eivei,  e  ainda  os  mais  delicados  de  es- 
tado, parece  coaza  dura  que  huns  mercadores  com-  hama  so- 
ciedade e  companhia  de  mercancia  separados  dos  senhores 
Estados  de  Holanda  faça  tantos  acintes  tantas  traições,  e  uzem 
de  termos  iSo  elicitos  como  os  de  Angola,  São  Thome,  Maranhão* 
navegação  destas  costas  e  ainda  dos  prezenteíi  aqui  relatados  con- 
tra hum  Príncipe  Soberano  cujo  sangue  ec^jas  Armasse  fizerSo 
sempre  tanto  respeitar,  e  que  ajusta  de  publicidade  de  tão  de- 
maziados  feitos  continue  o  sofrimento  com  a  certeza  de  evi* 
dente  perigo  ponderados  senhor  tantas  táo  justas  e  tão  eficazes 
razoes  nos  pereceo  antes  expor  a  jusUça  de  Y .  Mg«.  e  do  Vossa 
Senhoria  o  fundamento  de  nossa  cauza  fiando  da  Mizericordia 
divina  avogará  nossa  defensa  que  arriscar  a  Christandade  de 
huma  tam  dilatada  Provinda  ainda  de  tantos  milhares  de  ino- 
centes, e  sobre  tudo  de  perder  a  oucazião  que  Deos  houvera 
razão  nos  dã  de  restituir  a  V.  Mg^.  as  terras  que  com  o  sangue 
de  seus  Vassallos,  e  despeza  de  sua  Real  fazenda  conquistarão 
ainda  que  por  comua  repartição  dos  Princepes  da  Europa,  os 
senhores  Rey  seus  predecesores  e  isto  para  semear  neste  novo 
mundo  a  ceita  de  Calvino  e  escrever  o  sol  da  de  Jezus  Christo 
pelo  que  fasendo  da  necessidade  virtude,  da  virtude  obrigação 
nos  resolvemos  pois  a  obrigação  he  tam  super  abundante  e  a 
causa  delia  por  parte  destes  senhores  tantas  vezes  a  romperem 
Guerra  e  desembuçar  a  vergonha  que  emmascarada  por  obe- 
diente sufria  ató  não  poder  mais  e  assim  lhe  mandamos  sitiar 
atacar  por  todas  as  partes  o  Recife  aonde  os  temos  metidos  ou 
os  encarcerou  seu  peccado  e  ruindade  e  deixando  o  sitio  posto 
o  pusemos  também  na  fortaleza  de  Nasaret  a  quem  quizemos  logo 
escalar  pois  nos  ameaçava  a  sua  armada  no  mar  e  depois  de  tiros 
e  combates  mortes  e  outros  sucessas  de  guerra  de  que  se  não 
&Z  menção  entendendo  seroados  nossos  intentos  se  venderão  a 
partido  com  as  capitulações  de  maiores  favores  que  ja  mais  se 
fizerão  que  nos  lhe  concedemos  por  que  vejão  que  quando  ti- 
ranos uzavão  com  nosso  crueldades  nos  vencedores  lhe  fazemos 
mimos  e  mercês.  Os  rendidos  são  mais  de  dozentos  todos  lu- 
zidos soldados  o  forte  muito  valente  de  cava  e  faxina,  estacada 
e  baluartes  com  dez  peças  de  artelharia  de  bronze  de  m9  e  doze 
t6  vinte  e  quatro,  alguns  mantimentos  de  Carne  de  Porco,  Ari- 
491  —  13  Tomo  lzix  r»  z. 


J 


194  REVISTA  00  INSTITUTO  HISTÓRICO 

nhãs  de  sentelo  muaiçõds  poaoas  pesgoaB  de  ooata  algumas  em 
partiòulAr  .  o  sargento  maior  Tlieodoro  o  Capitão  de  Ga-* 
yalios  Gaspar  de  Venderley,  o  Teneate  Joio  Beque  tem 
seu  Irmão  Joio  Bequo,  e  oatros  Ajudantes  e  pesssoas  de  nome 
na  Guerra  os  quaes  hiao  para  êssa  Bahia  exoepto  os  que  quise- 
rem âcar  na  forma  de  suas  capitulações  tamliem  temos  o  for« 
teeinho  da  barra  oom  três  pegas  de  ferro  para  maior  ainda  lhe 
tomamos  com  o  Ajudante  Barreiros  que  he  Capitão  duas  ÍAn- 
tíias,  h«ma  que  Tinha  de  socorro,  e  outra  que  hia  de  ariso. 
Neste  estado  ficamos  Vossa  Senhoria  se  sirva  como  quem  he  tam 
boa  testemunha  do  ofléreeido  representar  a  Sua  Majestade 
nossa  justiça  para  que  oom  eila  nos  acuda  Deos;  Guarde  a  Voesa 
Senhoria  muitos  anoos  Nasare  pontal^  e  Porte  do  Santíssimo 
Sacramento  seis  de  Setembro  de  seis  centos  quarduta  e  cinco 
Martin  Soares  Moreno,  André  Vidal  de  Negreiros. 

Cópia  da  primeira  Carta  que  oâ  Mestres  de  Campo  Martin 
Soares  Moreno  e  André  Vidal  de  Negreiros  mandario  aos  Go- 
vernadores ao  Recife  e  escripta  em  Serinhaem. 

Das  graves  alterações  e  encorporadas  sedições  que  es  Por* 
toguezes  levantarão  nesta  Capitania  tomarão  Vossas  Senhorias 
motivo  para  representar  ao  Senhor  António  Telles  da  Silva* 
Governador  e  Capitão  Geral  do  Brazii,  sua  perturbação  e  a  todo 
o  encarecimento  lhe  pedio  mandasse  socegar  aquelie  alvorosso 
pelos  meios  que  lhe  parecesse  mais  constrangentes  a  este 
mesmo  tempo  por  todos  os  moradores  desta  Província  foi 
exclamado  perante  o  mesmo  Senhor  emparo  e  ajuda  para  serem 
livres  das  aflrontas,  das  mortes  dos  roubos,  dos  strupos  que 
actualmente  padecião  com  que  deliberarão  animados  procla- 
marem sua  liberdade  e  em  Exercito  formado  com  pios  tostadee 
pela  impossebelidade  a  que  esses  tinhão  reduiido  seu  cativeiro 
querião  defender  suas  honras  por  tantas  vias  manchando  flraude 
da  jura  divina  quando  este  ja  de  tanto  sangue  frio  derramado 
fazendo  presente  outros  a  Sua  Senhoria  e  obrigação  em  que 
estava  de  os  socorrer  e  sgudar  ou  j&  por  Português  Catholtco  de 
ssu  mesmo  sangue  e  nação  ou  por  que  compadecido  de  suas 
mizerlas  pois  quando  não  forão  estes  bastará  no  mais  apertado 
termo  de  rm&o  natural  e  ainda  da  mais  politica  de  estado  implo* 
rarem  seu  auxilio  para  lhe  não  faltar  fechando  por  ultima  razão 


CARTA  A  ANTÓNIO  TELLES  DA  SILVA  195 

qae  quando  Saa  Senhoria  lhe  não  acudisse  oorreria  por  sua 
oonta  dá-la  Deos  de  elleã  buscarem  Principe  estranho  o  que  o 
seu  natural  lhe  negava  :  ponderadas  pelo  Senhor  Governador 
OapitSo  Geral  tão  apertadas  e  orgentes  razões  com  a  devida 
cortesia  com  que  devia  responder  a  Vossas  Senhorias  adver- 
tindo nos  meios  mais  oonstrangentes  que  Vossas  Senhorias 
rezervavão  a  sua  eleição  e  a  efflcacia  dos  apertados  gemidos  de 
seus  Portuguezes  resolveo  por  meio  único  e  singular  na  forma 
da  Embaixada  mandar  socegar  tão  grande  Inquietado,  mas 
porque  a  união  Portugueza  era  grande  se  bem  maior  a  dér,  e 
da  parte  de  Vossas  Senhorias  ameassava  execução,  determinou 
viesse  a  esta  Proviocia  taes  pessoas  e  tal  poder  que  igualmente  a- 
braee  a  prudência  e  a  guerra  para  a  effectiva  quieta^  pedida  e 
dezejada,  nesta  forma  Senhores  somos  enviados  governando  nosso 
poder  á  petiçflío  de  Vossas  Senhorias  a  conveniência  soa  dando- 
Ihe  nossa  iguda  na  conformidade  de  nossa  paz,  e  aliança  tratada 
com  a  despesa  que  Vossas  Senhorias  poderão  ter  entendido  em 
que  não  &zemos  reparo  e  apenas  pizamos  esta  terra  quando  do 
Rio  formoso  nos  ferem  os  ouvidos  e  iastimão  o  Cora^  os 
inocentes  com  gemidos  de  quarenta  Portuguezes  nossos  Oatho- 
Íleos  e  naturaes  mortoe  a  sangue  frio  em  uma  Igreja  onde 
com  fingidas  caricias  foram  chamados  por  Ministros  de  Vossas 
Senhorias  sem  reparar  na  autoridade  ancian  do  velho  nem  na 
inocência  pueril  do  menino  que  nos  peitos  de  sua  Mãi  devorou 
o  gentio  como  sustento,  como  também  na  Vargea  de  São  Lou- 
renço os. suspiros  das  nobres  donzellas  que  violentadas  stru- 
pavão  08  gentios,  e  soldados  de  Vossas  Senborias,  procedendo 
a  mortes,  e  descompostas  lacivias,  c5  outras  multas  que  seus 
Ministros  de  Vossa  Senhoria  mandarão  executar  em  ipojuca 
com  tam  publica  crueldade  chegando  a  espedaçar  um  velho 
Irmitiío  e  hum  menino  na  sua  mesma  Igreja  contaminando  e 
profiittando  os  lugares  sagrados  ferindo  os  santos  e  com  mãos 
sacrílegas  despindo  a  Rainha  dos  Céos  a  Virgem  Sagrada  e 
Nossa  Senhora;  cazos  todos  inauditos  que  digo,  que  tàxem 
tremer  por  inauditos  os  mais  acerbos  corações  e  o  fazem  recear 
e  desconfiar  os  mais  generosos  peitos  e  como  nós  vimos  que 
tendo  Vossas  Senhorias  interposta  autoridade  do  Senhor  Go* 
veroador,  e  Oaq[iitão  general,  inovarão  tantas  variedades  de 


196  RBVISTA   DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

cousas,  e  ainda  formarão  hum  Eiercito  tam  cupioso  qne  aotual- 
mente  tem  esta  campanha  seado  força  avistar  menos  com 
Vossas  Senhorias  nesse  Recife  na  forma  de  nossa  ordem  nos 
determinamos  com  effeito  a  não  deixar  nas  Costas  poder  algum 
que  nos  possa  acresentar  magoa  a  magoaa,  e  assim  com  a 
cortezia  e  agazalho  que  profeçamos  levamos  comnosco  a  solda- 
desca desta  Viila  de  Serinhaen  até  com  Vossas  Senhorias  assen- 
tarmos o  que  mais  convenha  a  servisse  de  Deos  e  de  nossas 
Republicas  e  pedimos  a  Vossas  Senhorias  queir&o  dar  e  remediar 
o  excesso  de  seus  soldados  sem  permittirem  que  de  sua  parte  se 
de  causa  a  hum  rompimento  guerreiro  porque  da  parte  de 
Deos  e  de  Gl-Rey  Nosso  Senhor  Dom  João  o  quarto  que  Deos 
Guarde,  e  da  dos  Senhores  Mstados  que  Deos  aumente,  reque- 
remos e  protestamos  a  Vossas  Senhorias  hua  o  muitas  vozes  a 
concervação  do  nossa  tratada  paz,  que  só  trazemos  por  guia, 
e  inviolável  ordem  que  nos  fica  autentica  para  satisfação  dos 
Príncipes  da  Europa  e  para  que  o  seja  maior  a  Vossas  Senhorias 
Uie  enviamos  a  cópia  dos  quartéis  que  nesta  Capitania  temoe 
mandado  fixar,  Deos  Quarde  a  Vossas  Senhorias,  Francisco 
Bravo  da  Silveira. 

Copia  da  Carta  segunda  que  os  mesmos  Mestres  de  Campo 
mandarão  ao  Gk>vernador  do  Recife  depois  da  Batalha  do  En- 
geniio  de  Turlão. 

Pelo  Ajudante  Manoel  António  fizemos  pi^ezente  a  Vossa 
Senhoria  como  er.imos  chegados  a  esta  Capitania,  e  enviados 
pelo  General  do  Bratil  o  Senhor  António  Telles  da  Silva  a  rogo 
de  sua  Embaixada  do  Vossas  Senhorias  pelos  meios  mais 
urgentes  havemos  de  meter  em  paz  e  quietação  as  alterações 
que  se  tinhão  levantado,  e  também  das  muitas  novidades  não 
merecidas  nem  esperadas  que  achamos  já  no  lastimoso  clamor 
das  nobres  Donzellas  strupadas  a  poder  da  violência  despojadas 
ã  tirânica  crueldade,  ja  na  lamentação  dos  moradores  do  Rio 
grande  cujas  quarenta,  dos  mais  nobres  hum  simulado  chama- 
mento a  hua  Igi*eja,  despedaçou  a  sangae  frio,  com  hum 
Clérigo  Sacerdote  de  Missa  e  dous  homens  ontem  nas  salinas,  e 
já  da  profana  obstinação  com  que  nossos  templos,  e  Imagens 
sagradas  foi^io  maltratadas  ati3  sacrílegos  roubarem  as  roupas 
da  Virgem  sagrada  Mãy  de  Deos  com  tal  ezceoso  e  demazia 


CARTA  A  ANTÓNIO  TELLES  DA   SILVA  197 

que  faz  impedir  a  declaração  pelo  respeito  e  como  pslo  aperto 
destas  rasõas,  e  por  Vossas  Senhorias  terem  sea  Exercito  em 
Campanha  nos  obrigou  a  defeza  natural,  e  estilo  da  Milícia  a 
não  deixar  em  nossa  vangaar  Ja  poder  de  qae  nos  pudéssemos 
rocentir  até  ajustarmos  com  Vossas  Senhorias  a  melhor  conve* 
nicncia  para  mais  firme  estabelecimento  de  nossas  pazes  pois 
este  he  único  intento  de  nossa  vinda.  Seguindo  pois  nossa 
missão  a  esto  Recife  ja  com  João  Fernandes  Vieira  prezo  peia 
mão  do  Governador  André  Vidal  de  Negreiros,  que  na  Viila  do 
Cabo  com  doze  ho.nens  de  sua  guarda  aprisionou,  achamos 
tal  retirada  de  mulheres,  de  meninos,  de  Clérigos  que  roubados 
e  afrontados,  o  fazião  desta  vargea,  publicando  as  tiranias,  as 
iqjuriasque  padecei^o  do  Capitão  João  Blar,  e  sua  soldadesca, 
que  não  contente  com  o  relatado  ainda  para  maior  contumelia 
levou  consigo  com  incrível  desprezo  três  nobilíssimas  mulheres 
metendo-as  em  suas  Casas,  e  as  demais  de  que  os  moradores 
abrigados  da  dor  e  irritados  da  sem  razão  sem  nos  o  podermos 
remedear  tomarão  seu  Governador  João  Fernandi^s  Vieira,  e  a 
todo  o  Ímpeto  nos  deixai'ão,  e  por  mais  que  fomos  em  seu 
seguimento  de  noite,  lhe  não  pudemos  dar  alcance,  senão  des- 
pois  de  terem  ja  brigado  no  Engenho  de  Izabel  Gonçalves  e 
já  nelle  sitiado  o  Governador  das  Armas,  e  sua  soldadesca  de 
Voflsa  Senhoria.  Perparádo  o  material  necessário  nas  Casas  baixas 
do  dito  Engenho  para  lhe  dar  fogo,  o  que  toda  força  acudimos 
interpondo  nossas  pessoas  a  salvação  da  gente  como  o  fizemos 
guardada  a  cortezla  devida  ainda  que  nos  custou  muito  por  da 
parte  de  Vossas  Senhorias  se  plejir  com  bailas  encravadas, 
ervadas,  e  cotn  palanquotas,  e  porque  estas  sedições  crescem 
com  as  hostilidades,  que  da  p^irte  da  Vossas  Senhorias  com- 
nosco  se  uzão  lhe  fazemos  prezente  a  Vossa  Senhoria  a  procla- 
mação e  ratificação  de  nossas  pazes  de  que  protestamos  perante 
Deos  e  Vossas  Senhorias  hua  e  muitas  vezes  c  da  parte  de 
El-Rey  Nosso  Senhor  D<.»m  Joilo  o  quarto,  e  da  dos  Senhores 
Estados,  e  ainda  do  tolos  os  Príncipes  nossos  aliaios,  Vossas 
Sjuhorías  não  entrem  em  romplmecito  de  nossa  celebrada  paz, 
e  nos  não  dem  occazião  com  suas  offenças  a  romper<aos 
em  Guerra,  parecem  bastão  os  de  tanto  clamor  que  ainda 
desoulpão  e  deixam  crer  os  motivos  de  João  Fernandes  Vieira, 


198  RBVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

pois  DOS  eonsta  tratou  só  de  deffender  o  sangue  de  tantos  ino- 
centes, e  podendo  faier  com  suas  Armas  sua  gente,  o  nfto  íéz, 
antes  andou  de  hum  em  muitos  sitios,  vendo  se  podia  escusar 
a  peleja,  até  não  ter  mais  para  onde  recuar,  e  ser  força  o 
defender-se. 

Queirao  Vossas  Senhorias  ver  este  nosso  papel,  e  olkalo 
com  a  consideração  que  convém  a  nossos  Repúblicos  porque 
até  mesmo  o  Céo  parece  se  oflTonde  de  nosso  sufrimento.  Deos 
Guarde  a  \ossas  Senhorias  Francisco  Bravo  da  Silveira.  A  qual 
Carta  dos  Mestres  de  Campo,  e  tratados  dos  protestos  que  man- 
darão aos  Holandozes.  Eu  Gonçalo  Pinto  de  Freitas  escrivão 
da  fazenda  Real  deste  Estado  do  Brazil  por  Sua  Magestado  fiz 
trasladar  das  próprias  que  para  isso  me  deu  o  Governador 
Capitão  geral  do  dito  Estado  a  quem  as  tornei  e  a  ellas  me 
reporto,  e  delias  este  traslado  e  concertei,  e  o  sobescrivi,  e 
assinei  por  duas  vias  na  Bahia  em  treze  de  setembro  de  mil 
seiscentos  e  quarenta  e  cinco.  Gonçalo  Pinto  de  Freitas. 


REGIMENTO 

QUE    HA   DE    USAR    NAS    MINAS     DE    SÃO    PAULO    E    SiO   VIGENTE 

DO    ESTADO    DO    BRAZIL 

SALVADOR    CORRÊA    DE    SÁ    E    BENEVIDES 

(1644) 


(Archivo  da  Torre  do  Tombo,  Livro  dos  Regimentos  do  Conselho 
Ultramarino,  fs.  4ív,  Documento  mandado  copiar  pelo  Dr.  Xorival 
Soares  de  Freitas,  em  missão  do  Instituto  Histórico  nas  bibliotheo<ts  d 
arohii>os  de  Portngal), 


Este  re^^imento  jastifioa  o  quo  diss^  Pedro  Taquos  de  Almeida 
Paes  Lome  na  sua  inrormação  sobre  a.s  minas  de  S.  Paulo  e  dos 
sertOes  da  saa  eapitania  desd  ^  o  anno  iU  1597  atA  o  de  1772  c  o 
qae  sobro  as  Minas  do  Brazil  escreveu  o  nosso  i Ilustre  consócio 
Pandiá  Calogeras   (1904). 

(Xota  da  Comniis$ão  de  Redacção.) 


Begime&to  de  que  h*  de  xusar  nas  minas  de  São  Paulo  e  Slo  Vioente 
do  Estado  do  Brasil  Salvador  Corrêa  de  Sá  e  Benevides  . 


Eu  El  Rej  faço  saber  aos  que  este  meu  alvará  virem,  que 
ea  mandei  passar  outro,  em  qainse  de  agosto,  do  anno  de  603 
sobre  largar  a  meus  vassallos  as  minas  que  nas  partes  do 
Brazil  bavia  descobertas  e  por  descobrir,  e  a  forma  e  modo  em 
que  na  fobrica  delias  e  seu  descobrimento  se  havia  de  prooeder 
do  qual  o  treslado  ho  o  seguinte: 

Eu  El  Rej  faço  saber  aos  que  este  meu  alvará  virem  que 
eu  sou  informado  que  nas  partes  do  Brazil  são  descobertas  Ai- 
giias  minas  de  ouro  e  prata  e  que  facilmente  se  poderão  des- 
.  cobrir  outras,  e  querendo  nisso  fazer  graça  e  meroe  a  meus 
vassallos  e  por  outros  Respeitos  de  meu  servisso,  Hey  por  bem 
e  me  praz  de  largar  as  ditas  minas  aos  descobridores  delias 
e  que  elles  as  possão  benificiar  e  aproveitar  a  sua  custa  e  des- 
peza  pagando  a  minha  ftizenda  o  quinto  somente  de  todo  o  ouro 
e  prata  que  das  ditas  minas  se  tirar  salvo  de  todos  os  custos 
depois  dos  ditos  metaes  serem  fundidos  e  apurados  e  no  descobri- 
mento repartição  e  tudo  o  mais  tocantes  as  ditas  minas  se  guar- 
dara o  Rerimento  seguinte  ; 

Qualquer  pessoa  que  quiser  descobrir  minas  se  aprezentara 
ao  provedor  delias  que  tenho  ordenado  que  htya  nas  ditas  par- 
^  e  lhe  declarara  como  quer  fazer  o  tal  descobrimento  e  la- 
vrar e  tirar  os  metaes  que  nellas  forem  achados  a  sua  própria 
custa  do  que  pagara  o  quinto  forro  de  todas  as  despezas  a 
minha  fazenda  sem  ella  ter  obrigação  de  lhe  dar  pêra  isso  oouza 
algua  de  que  se  fará  asento  pelo  escrivão  do  dito  Provedor  em 
hum  livro  que  pêra  isso  haverá  asignado  e  numerado  por  elle 
e  em  que  a  tal  pessoa  asinara,  e  com  sertidão  do  dito  asento 
mando  ao  Governador  do  dito  Estado,  Cappitais  das  Cappltanias 
delle  Provedor  mor  de  minha  flizenda  quaesquer  outros  ofllciaea 


202  REVISTA   DO  INSTITUTO   HISTÓRICO 

assy  delia  como  da  ju3tíQa  que  lhe  deixem  dosoobrir  as  ditas 
minis  e  lhe  de  toda  ainda  e  favor  que  pêra  isso   for  necessário. 

£  tanto  que  for  descoberta  algua  mina  se  Registrara  loj2:o 
pello  dito  escrivão  com  todas  as  declarações  e  oonfrontaçoens  ne- 
cessárias ao  pé  do  asento  que  devia  fazer  quando  o  descobridor 
delia  se  apresentou  ao  Provedor  das  minas  na  maneira  atras 
declarada. 

E  depois  de  o  discobrldor  tirar  metal  da  dita  mina  será 
obrigado  apareser  com  elle  e  a  o  manifestar  ao  Provedor  pre- 
sente sen  escrivão  dentro  de  trinta  dias  ;  E  por  juramento  que 
lho  será  dado  declarara  como  o  dito  metal  de  ouro  on  pratta 
he  da  própria  mina  que  tem  registada  e  achandosse  não  ser 
delia  será  castigado  como  for  justiça  o  pagara  todas  as  perdas  e 
dannos  que  se  seguir  em  aquellas  pessoas  qae  pedirem  parte  na 
dita  mina  e  sendo  passados  os  trinta  dias  ditos  sem  fazerem  a 
dita  roanifestaç&o  do  metal  que  tiver  tirado  não  gozara  do  pre- 
vilegio  de  descobridor  salvo  se  alegar  e  justificar  tal  cauza  • 
empedimento  ao  Provedor  porque  pareça  que  deve  ser  Relevado. 

Ao  descobridor  do  beta  do  metal  de  ouro  ou  prata  se  lhe  dará 
nella  huma  mina  de  oitenta  varas  de  comprido  e  quarenta  de 
largo  medidas  pela  vara  de  cinoo  palmos  de  que  se  uia  neste 
Reino  e  se  lhe  dará  mais  na  mesma  beta  oHtra  mina  de  sesenta 
varas  de  comprido  e  trinta  de  largo  em  lugar  apartado  que  elle 
escolher.  B  a  vendo  porem  entre  bua  e  outra  distanoia  de  duas 
minas  de  sesenta  varas  eada  hua  e  querendo  o  dito  descobridor 
on  outra  pessoa  a  quem  se  der  Repartiçam  e  mina  tomar  mais 
em  largo  que  em  comprido  o  poderão  fttzer  oomeseando  de 
hum  em  ontro  e  pelo  dito  modo  se  Repartirão  as  minas,  entre  as 
pessoas  qua  na  dita  Betta  desouberta  as  vierem  pedir  para 
Delias  trabalharem. 

Conoorrendo  duas  ou  mais  pessoas  no  descobrimento  de 
algna  mina  o  que  primeiro  achar  e  tirar  delia  metal  se  enten- 
dera ser  descobridor  e  gozara  do  privilegio  ainda  que  outro 
tenha  primeiro  buscado  a  dita  mina  e  betta  com  tanto  que  o  nfio 
va  tirar  da  beta  que  for  seguindo. 

E  acontecendo  que  duas  ou  mais  pessoas  busquem  a  ditta 
betta  em  divorsas  partes  e  achem  metal  no  mesmo  dia  sem  se 
poder  abreguar  quem  o  aohou  e  tirou  primeiro  aquelle  sêrâ 


REGIMENTO  A  SALVADOR   CORRÊA  203 

havido  por  descobridor  que  primeiro  apareser  com  o  dito  metal 
ante  o  Provedor  e  sendo  ausente  o  manisfestara  perante  o  juiz 
da  terra  se  o  ouver  e  uão  o  hivendo  perante  duas  pessoas  dignas 
de  fé  de  que  cobrara  certidão  para  constar  por  ella  ao  prodedor 
como  elle  foi  o  primeiro  descobridor  e  se  fará  disso  asento  no 
livro  das  minas. 

O  descobridor  da  mina  poderá  buscar  e  cavar  toda  a  betta 
que  descobrir  e  tirar  delia  metal  emquanto  nfío  ouver  quem  lhe 
peça  mina  na  mesma  betta,  mas  avendo  quem  lhe  pessa  e  que  se 
demarque  a  abalize  será  obrigado  a  dentro  em  quinze  dias,  es- 
colher, signalar,  e  demarcar  as  suas  oitenta  varas  em  comprido 
no  lagar  e  parte  que  quiser,  e  depois  de  foi  ta  a  dita  escolha  não 
poderá  varear  nem  f^zer  outra  e  o  que  primeiro  pedir  a  mina 
e  Repartição  ao  descobridor  delia  medira  e  demarcará  a  sua 
mina  dentro  em  dous  dias  e  o  mesmo  farão  os  outros  que  susesi- 
vãmente  após  ello  a  vierem  pedir  e  não  o  fazendo  alguns  delles 
aasy  o  seguinte  em  ordem  poderá  demarcar  livremente  sua  mina 
como  se  o  outro  que  sé  não  quiz  demarcar  no  dito  tempo  não 
estivera  diante  e  nenhuns  dos  sobreditos  depois  de  ser  feita 
huma  vez  a  sua  demarcação  poderá  varear  nem  mudar  os 
marcos  e  balizas  para  outra  parte  sob  pena  de  perder  o  direito 
que  na  dita  mina  tiver. 

As  quarenta  varas  que  ao  descobridor  se  consedem  e  as 
trinta  aos  mais  que  pedem  minas  e  Repartição  em  largo  e  qua- 
drada não  serão  obrigados  a  demaroalas  até  que  haja  quem 
venha  pedir  minas  repartição  daquella  parte  e  avendo  quem 
a  pessa  será  o  descobridor  obrigado  a  demarcar  a  sua  quadra  no 
mesmo  termo  de  quinze  diase  os  outros  a  quem  for  dado  mina 
dentro  de  três  dias  para  a  parte  que  quizerem  sem  poderem 
varear  do  que  hua  vez  escolherem  e  não  se  demarcando  neste 
termo  o  que  pedir  a  demarcação  poderá  tomar  e  balizar  sua 
mina  para  a  parte  que  mais  quizer  da  beta  descuberta  deixando 
ao  descobridor  vinte  varas  em  largo  e  aos  outros  a  quem  forem 
dadas  minas  quinze  varas  comtanto  que  o  que  assy  se  demarcar 
e  tomar  mina  descubra  betta  de  novo  na  parte  em  que  se 
demarcar  e  a  Registe. 

E  quando  se  pedir  demarcação  de  quadra  e  largura  da  mina 
do  descobridor  ou  de  outra  pessoa  a  quem  for  dada  será 


204  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

demarcada  a  dita  quadra  por  cortei  direito  fazendo  quatro 
cantos  iguais  e  direitos  e  dentro  ficara  o  estaca  e  sinal  da  sorte 
que  se  deu  pêra  se  cavar  a  mina. 

As  Balizas  e  marcos  do  que  nestas  demarcações  se  ha  de 
uzar  para  saber  cada  hum  o  que  he  seu,  se^to  de  pedra  ou  terra 
levaLtida  bem  amassada  em  altura  de  hum  cavado  de  modo 
que  o  tempo  as  nao  desfaça  o  se  possi  sempre  saber  o  que  a 
cada  hum  pertence  os  quais  marcos  se  porã3  sendo  prezeute  o 
Provedor  e  seu  escrivão  e  o  que  assy  o  nâo  fizer,  perdera  a  mina 
que  lhe  for  dada  para  quem  a  pedir  como  que  se  fosse  vaga. 

E  para  que  a  medida  das  varas  que  cada  hua  a  de  haver 
cm  toda  será  sertã  e  igual  onie  a  terra  das  minas  for  montuosa 
e  mais  alta  em  hua  parto  que  outra  se  porá  hua  vara  ou  lança 
da  altura  que  for  necessário  no  lugar  mais  baixo  da  dita  mina 
e  do  alto  da  vara  se  deitara  hum  cordel  do  tamanho  da  medida 
das  varas  que  a  mina  a  d )  ter  e  assy  direito  se  medira  até  par- 
to de  sima  da  terra  onde  chogar  o  dito  cordel  e  ahy  se  porá  ou 
baliza. 

E  se  para  se  desmontarem  o  alimparem  as  minas  for  neces- 
sário mudarense  os  marcos  ou  balizas  delias  o  poderão  fazer 
sendo  presente  o  Provedor  e  seu  escrivão  com  as  mais  partes  a 
quem  tocar  as  quais  não  querendo  ser  presentes  sendo  para  isso 
Requeridas  se  procedera  na  mudança  dos  ditos  marcos  as  suas 
Re  verias. 

E  porque  algumas  vezes  se  pedem  minas  e  demarcaçõis  na 
parte  a  quadra  e  largura  das  minas  que  ao  descobridor  e  aos 
mais  se  tem  dado  e  medido  com  tensão  de  lhes  empadir  quo  não 
possão  por  aly  dezemtulhar  o  que  das  suas  minas  sae  e  a  essa 
conta  os  avexão  e  obrigão  a  lhe  pagarem  e  delxalos  por  aly  dei- 
tar seus  entulhos  ou  lhe  venderem  suas  quadras  que  he  grande 
prejuízo  dos  que  lavram  as  ditas  minas  ;  Hey  por  bem  e  mando 
que  o  que  vier  pedir  a  tal  demarcado  das  ditas  minas  seja 
obrigado  a  dar  em  beta  fixa  do  metal  dentro  de  quarenta  dias 
do  em  que  se  lhe  fizer  a  dita  demarcado  e  não  bastará  achar 
metal  como  muitas  vezes  se  acoatesse  no  que  o  dito  Provedor 
fárà  grande  diligencia  o  não  dando  no  dito  tempo  em  beta  fixa 
do  met'\l  não  poderá  empedir  e  tolher  ao  outro  dono  da  mina 
lansar  para  a  dita  parte  seu  entulho  mas  se  ao  dito  Provedor 


REGIMENTO  A  SALVADOR    CORRÊA  205 

parecer  por  outros  siaaea  e  experiências  que  aly  ha  beta  fixa  e 
que  por  estar  muito  funda  ou  peila  callidade  da  terra  se  lhe  não 
pode  chegar  nos  ditos  quarenta  dias  lhe  dará  mais  algum  para  o 
poder  seguir  e  buscar  a  dita  beta  não  passando  de  outros  qua- 
renta dias. 

E  para  que  aja  mais  pessoas  que  enteadão  em  descobrir  e 
lavrar  minas  aquelles  a  que  nas  minas  descobertas  for  dado 
sorte  e  Repartição  a  não  poderão  vender  aos  descobridores  e 
senhorios  das  minas  principais  antes  de  terem  descuberto  metal 
fixo  sob  penna  do  compilador  perder  o  preço  que  por  ella  dor  e 
o  vendedor  o  direito  que  na  dita  mina  tiver. 

Se  depois  que  se  for  cavando  a  mina  em  altura  ouver  deífe- 
rença  sobre  a  medida  e  pertença  delia  entre  dous  senhorios  por 
se  não  poderem  dar  os  poucos  direitos  poderão  os  donos  das  mi- 
nas que  estam  da  parte  de  sima  o  da  debaixo  pedir  hum  ao 
outro  que  lhe  de  igualdade  e  direitura  para  correr  com  a  sua 
obra  o  qual  será  obrigado  a  lha  dar  atravessando  um  pao  na 
boca  da  dita  mina  e  atando  no  meio  delle  hum  cordel  com  hum 
chumbo  o  qual  abaixara  até  onde  se  vay  lavrando  o  metal  e  aly 
onde  o  chumbo  assentar  se  fará  hum  sinal  estando  prezentes  as 
partes  o  qual  servirá  de  marco  o  daly  pêra  baixo  se  poderá  hir 
íkzendo  o  mesmo  e  as  partes  serão  obrigadas  a  flsizelo  quantas 
vezes  hum  vizinho  o  pedir  ao  outro  dentro  em  vinte  e  quatro 
oras  e  não  o  comprindo  assy  dentro  no  dito  termo  o  dono  da 
mina  ou  o  que  em  ssu  nome  fizer  a  obra  o  Provedor  fará  a 
dita  medida  a  reveria  da  parte  quo  sendo  requerida  não  quiz 
es(ar  prezente. 

Tendo  Algaa  pessoa  mais  quantidade  de  varas  das  que  lhe 
são  consedidas  qualquer  outra  lhe  poderá  pedir  as  que  tiver  de 
maise  elle  será  obrigado  a  lhas  largar  dentro  en  dez  dias  esco- 
lhendo primeiro  a  parte  em  que  quizer  que  lhe  fiquem  as  varas 
que  lhe  forãó  consedidas  comtanto  que  sejão  juntas  e  contíguas 
o  não  apartadas  em  diferentes  partes  e  dizendo  que  tem  vendi- 
do a  dita  demazia  não  será  ouvido  e  o  Provedor  lha  fará  largar. 

E  o  que  pedir  as  ditas  demazlas  ou  sejão  de  mais  varas  ou 
de  mais  minas  das  que  cada  hum  pode  ter  não  terá  mina 
na  mesma  Beta  nem  ao  derredor  em  distancia  de  lego  a 
e  meia. 


J 


206  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Neohama  pessoa  poderá  bussar  minas  e  betas  na  repartição 
de  outrem  conforme  as  varas  que  llie  farão  consedidas  de  com- 
prido e  largo  sem  primeiro  lhe  pedir  que  se  d3marqu6  e  Balize 
em  quadra  da  maneira  asima  dita  e  satisfeito  poderá  buscar 
Beta  dentro  da  sua  repartição  e  não  na  alliea. 

Sendo  descoberta  bota  de  que  o  descobridor  se  dera  o  privi- 
legio que  por  a  descobrir  se  lhe  consede  por  este  Regimento 
e  depois  se  descobrir  e  achar  alguma  beta  Junto  ao  logar  onde 
a  primeira  se  descobrio  ou  ao  Redor  delia  por  espaço  de  legoa  e 
meia  o  que  achar  a  tal  beta  não  poderá  gozar  do  previlegio  de- 
descobridor  como  o  primoiro  somente  poderá  tomar  nella  huma 
mina  de  sessenta  varas  em  comprido  e  trinta  em  largo  na 
parte  e  lugar  que  delia  escolher. 

Qualquer  pessoa  poderá  buscar  e  seguir  mina  em  herdade 
e  terra  alhea  contanto  que  o  que  a  achar  e  os  que  a  lavrarem 
dem  âança  a  pagarem  o  danno  que  por  resão  da  dita  mina 
vierâo  dono  da  tal  herdade. 

Ninguém  poderá  ter  mais  que  huma  mina  das  ditas  sessenta 
varas  deniro  do  termo  de  legoa  e  mela  e  poderá  ter  as  ditas 
varas  repartidas  nas  betas  que  ouver  na  dita  distancia  não  as 
tendo  primeiro  escolhidas  e  tomadas  em  mina  inteira  na  bet« 
descobridora  ou  em  outra  salvo  comprando  algmna  mina  porquê 
com  titulo  de  compra  poderá  ter  mais  que  huma  e  o  mesmo 
swa  se  vendendo  a  sua  tomar  outra  mina  na  beta  ou  betas  que 
de  novo  se  descobrirem. 

Se  dentro  na  dita  distancia  de  legoa  e  mea  se  descobrirem 
algumas  betas  de  metal  pobre  poderá  ter  nellas  huma  mina  o 
que  tiver  outra  na  beta  principal  e  Rica  porque  sendo  de  prata 
custume  he  mesturar-se  o  metal  pobre  com  o  Rico  para  qae 
na  fundição  corra  o  Rico  e  se  derreta  melhor  e  assy  poderá 
mais  ter  e  lavrar  todas  as  betas  que  se  achar  dentro  nas  suoui 
quadras  e  marcas. 

Qualquer  beta  que  se  dono  for  lavrando  ou  s^a  a  principal 
ou  a  que  a  que  depois  achou  em  sua  quadra  e  Reparti^  poderá 
hir  seguindo  ainda  que  va  entrando  pelas  quadras  alheas  sem 
lhe  poder  S3r  posto  empedimeato  al>rum  até  que  a  tal  beta 
que  assy  vay  seguindo  entre  na  beta  principal  ou  quadra 
aleha. 


REGIMENTO  A  SALVADOR  CORRÊA       207 

Acliandosse  bettas  nas  ilhargas  da  beta  principal  e  estando 
tão  perto  que  os  donos  delias  se  não  pu^^ão  todos  quadrar 
em  meio  deixando  a  huma  o  outra  parto  espaço  se  possa  deitar 
entulho  e  terra  que  se  tira  das  minas  o  da  beta  mais  antiga 
se  quadrara  e  demarcara  primeiro  ainda  que  o  não  Requelrão 
e  estando  algum  dos  ditos  donos  das  minas  ja  demarcado  não 
poderá,  variar  nem  demarcar-se  para  outra  parte  co:iio  fica  dito. 

Yindosse  huma  beta  ajuntar  e  encorporar  em  outra  como 
muitas  vezes  acontesse  farçea  companhia  entre  os  donos  que 
lavrarem  as  ditas  betas  para  que  beneficiem  e  lavrem  do  meãs 
e  partao  aproveitando  a  hum  como  ao  outro  ainda  que  hnma 
das  betas  seja  mais  larga  e  prinsipal  por  ser  de  menos  e  con- 
veniente partirse  tudo  entre  elles  por  igual  parte  do  que  será 
averiguar  qual  das  betas  he  melhor  e  mais  larga. 

Os  que  ouverem  de  cavar  minas  primeiro  que  nellas  metão 
gente  as  assegurarão  e  desmontarão  de  moio  que  não  aja  pe- 
rigo noB  que  nellas  entrarem  a  trabalhar  e  não  o  fazendo  assy 
encorrerSo  nas  penas  que  por  direito  merecerem  e  pagarão 
todo  o  dano  que  dahy  rezultar  as  partes  danificadas. 

Cada  pessoa  no  Repartimonto  da  sua  mina  fará  caminho 
en  todas  as  betas  que  nelle  se  acharem  para  que  se  possa  ver 
e  andar  de  humas  minas  em  outras  o  para  que  esta  obra  se  faça 
como  convém  o  Provedor  com  hum  oficial  mineiro  pratico  e 
entendido  entrarão  nas  ditas  minas  e  verão  como  se  lavrão  e 
seguiuo  e  se  lhes  fazom  paredes  e  repairos  necessários  par 
que  não  caião  em  prejuízo  dos  que  nellas  trabalhão  e  das 
minas  dos  vizinhos.  £  o  dito  Provedor  obrigará  com  as  pessoas 
que  lhe  parecer  a  se  fazerem  os  concertos  que  nisto  forem  ne- 


E  porque  pode  acontesser  que  o  descobridor  da  beta  por 
cauza  da  sua  pobreza  não  possa  chegar  ao  metal  e  os  outros  que 
nelle  tem  suas  minas  e  repartiçõis  não  querem  trabalhar  nellas 
ate  verem  o  metal  que  o  descobridor  tira  o  que  he  contra  meu 
servisse  e  bem  das  mesmas  partes,  Hey  por  bem  e  mando  que 
todos  os  que  na  dita  beti  tiverem  parte  serão  obrigados  a  dar 
ajuda  ao  descobridor  para  cavar  na  sua  mina  ate  altura  de 
dez  braças  pagando  elle  a  quarta  parte  do  gasto  que  nisso 
so  fizer  e  tanto  qae  elle  chegar  ao  metal    tao  lhe  poderão  as 


208  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

oairas  partes  pedir  perante  o  Provedor  das  minas  tudo  o  que 
para  a  dita  ajada  lhe  derão. 

Se  os  que  em  algama  mina  tiverem  repartição  tem  poeto 
seus  maroos  e  balizas  na  parte  e  lugar  por  onde  a  beta  não 
corre  e  vierem  outros  depois  a  registrar  a  mesma  beta  demar-* 
cando-a  e  abalizando-^  por  onde  na  verdade  corre  e  descobrirem 
a  acharem  nelia  metal  serão  preíTeridos  aos  primeiros  a  que 
as  minas  forão  dadas  não  sendo  elies  os  descobridores  prinsi- 
pais  por  quanto  estes  por  rezão  de  seu  privilegio  podem  tomar 
a  demarcar  e  balizar  suas  miacusasy  o  prinsipal  de  oitenta  varas 
como  a  sobre  saltada  de  sesenta  na  parte  e  lugar  por  onde  a 
beta  realmente  corre  e  o  mesmo  poderá  fazer  qualquer  outro 
que  descobrir  bota  dentro  da  distancia  de  logoa  o  meia  a  que 
se  dará  somente  huma  mina  do  sesenta  varas  como  fica 
dito. 

E  porque  das  minas  se  não  lavrarem  nem  estarem  povoa- 
das se  seguira  muito  prejuízo  a  minha  fazenda  e  dano  a  meus 
vassallos  ordeno  e  mando  que  se  nãa  dem  senão  a  pessoas  que 
as  hfigão  de  povoar  e  beneficiar  as  quais  não  as  lavrando  den- 
tro de  sincoenta  dias  depois  de  serem  registadas  se  haverão  as 
ditas  minas  por  perdidas  e  despovoadas  e  o  mesmo  se  guardara 
com  os  descobridores  se  dentro  do  dito  termo  depois  de  regis- 
tadas minas  não  beneficiarem  o  para  se  ter  huma  mina  por 
povoada  andarão  nella  contino  dois  escravos  ou  quatro  traba- 
lhadores ou  por  o  dono  dz  mina  ser  pobre  andara  continua- 
mente no  dito  trabalho. 

Se  algua  pessoa  pedir  mina  como  despovoada  e  vaga  por 
serem  passados  os  sincoenta  dias  sem  nella  se  ftizer  beneficio 
algum  o  Provedor  sitada  o  parte  es^«ando  em  lugar  certo  onde 
possa  ser  ou  por  éditos  de  trinta  dias  sendo  auzente  sem  se  saber 
delle  ouvira  o  que  cada  um  hum  alegar  por  sy  e  tomara  emfor- 
maçãodo  estado  em  que  a  dita  mina  estiver  e  da  causa  porque 
esta  despovoada  de  que  mand  ira  fo,zer  autos  em  que  pronunciar 
o  que  conforme  a  este  Regimento  com  justiça  lhe  parecer  tendo 
particular  advertência  em  que  não  aja  nisto  conluio  nem  se 
tome  a  mina  por  vaga  do  que  a  tem  sem  para  isso  aver  causa 
muy  bastante  e  de  sua  pronunoiação  poderão  as  partes  appeiar 
ou  aggravítíP, 


REGIMBNTO  A  SALVADOR  CORRÊA       209 

O  que  provido  de  mina  por  rezão  do  se  aver  por  vaga  e  des- 
povoada será  obrigo  dentro  de  três  meses  abrir  nella  altura 
de  seis  bragas  e  estando  ja  aberta  em  a  mesma  altura  doseis 
braças  abrira  outras  seis  mais  ao  fundo  sob  pena  de  se  perder  a 
dita  mina  e  se  dar  por  vaga  a  quem  a  pedir. 

E  porque  podeaoontesser  que  o  que  tem  Registado  a  mina 
e  demarcada  a  nfto  poderá  lavrar  no  tempo  atras  deolarado 
por  ÍUta  de  ferramenta  ou  de  alga*»  outra  causa  para  isso  ne. 
cessaria  o  dito  Provedor  lhe  poderá  reíbrmar  o  tempo  que  lhe 
parecer  com  respeito  da  qualidade  e  possibilidade  da  pessoa 
não  entrevindo  nisso  malida  ou  animo  de  dilatar. 

Tendo  huma  pessoa  duas  minas  em  diversas  partes  e  dis- 
tancia de  legoa  e  meia  será  obrigado  a  lavralas  ambas  sob  pena 
de  se  lhe  poderem  tomar  por  despovoadas  ou  aquella  que  não 
lavrar  salvo  se  huma  for  Rica  e  a  outra  pobre  porque  em  tal 
caso  tendo  povoada  a  mina  Rica  não  se  lhe  poderá  tomwr  o  pobre 
do  metal. 

Tendo  duas  ou  mais  pessoas  alguma  mioa  misticamente  ou 
por  partir  qualquer  delias  que  a  lavrar  será  insto  &sollo 
em  nome  de  todos  para  que  se  não  possa  pedir  por  despovoada. 

E  porque  o  melhor  lavor  das  minas  he  ouro  e  prata  quando 
as  betas  são  fixas  e  ítmdas  e nãose  lavrarem  nem  cavarem  a 
pique  senão  em  traves  por  ser  assy  a  obra  mais  forte  e  mais 
segura  para  as  que  nella  trabalharem  poderem  chagar  melhor 
ao  metal  como  a  experiência  tem  mostrado  em  muitas  partes  do 
Peru  e  nova  espanha  trabalharão  quanto  for  possível  os  que 
lavrarem  minas  de  as  abrirem  só  cavando  as  por  baixo  em 
traves  pêra  o  que  poderão  comessar  a  boca  da  tal  socava  donde 
melhor  lhes  parecer  ainda  que  seja  longe  das  suas  minas  e 
qualquer  dono  de  mina  descoberta  será  obrigado  a  dar  entrada 
ao  da  mina  que  estiver  por  cavar  por  tempo  de  sincoenta  dias 
que  poderão  bastar  para  pela  dita  socava  se  abrir  hum  poço 
por  bnde  a  dita  mina  se  possa  servir. 

E  antes  de  se  comessar  a  socava  se  pedira  ao  provedor  que 
aslnale  e  demarque  o  caminho  direito  por  onde  se  a  de  abrir 
ató  a  mina  e  quando  se  delle  trosser  em  prejuízo  dalgum  o 
Provedor  fará  que  a  socava  corra  direita  e  que  se  satisfaça  o 
dano  a  pessoa  que  o  Recebeo  e  entretanto  que  se  trabalhar  na 

491  —  14  Tomo  lx«  p.  i- 


210  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

socava  para  chegar  a  mina  não  se  poderá  pedir  nem  tomar  por 
despoToada  a  dita  mina  continoandoBse  porem  sempre  na  obra 
da  dita  socava  sem  entre  vir  nisso  malicia  nem  simalaçam. 

O  que  nas  quadras  das  saas  minas  acliar  algumas  bettas 
ou  lUmos  delias  podelo  ba  seguir  o  lavrar  e  ter  por  suas  assj 
como  a  mina  principal  a  que  vay  derlgido  pella  dita  socava  po- 
rem Hâo  poderá  nas  ditas  bettas  que  ass/  descobrir  lavrar  mais 
em  larga  nem  em  comprido  que  o  que  se  contem  na  sua  demar- 
cado e  quadra. 

E  sendo  casso  que  buscandoese  em  a  socava  a  mina  e  betta 
principal  se  achem  no  caminho  outras  bettas  princlpaes  a  que 
assy  as  descobrir  terá  tanta  parte  nellas  quanta  paresser  que 
tem  a  betta  a  que  vay  deregido  sem  embargo  de  atras  ficar 
declarado  que  dentro  de  legoa  e  mea  não  possa  hua  pessoa  ter 
moitas  minas  o  que  não  haverá  lagar  quando  a  beta  que  se 
achar  for  já  descoberta  e  Registrada  ou  alguma  mina  lavrada 
porque  então  passa  adiante  com  a  socava  deixando  o  metal  ao 
senhorio  da  ditta  betta  sem  fazer  maior  caminho  assy  de  alto 
como  de  largo  do  que  leva  com  a  socava  e  avendo  sobre  isso 
alguma  duvida  o  Provedor  vera  tido  com  algumas  pessoas  pra- 
ticas e  entendidas  e  a  determinara  oomo  lhe  paresser  justiça. 

O  Provedor  asinara  e  demarcara  a  quadra  e  largura  que 
ha  de  levar  a  socana  porque  por  ella  se  não  possa  abrir  outra 
sem  pediremse  huns  aos  outros  querendo  porem  lavrar  algua  a 
sua  mina  pella  socava  alhea  será  obrigada  a  lhe  dar  a  quarta 
parte  do  metal  que  tirar  sem  dolla  descontar  custo  algum. 

Ao  que  descobrir  em  quebrada  seca  ou  com  agoa  se  lhe 
dará  hnma  mina  como  descobridor  de  sesenta  varas  em  com- 
prida o  aos  mais  que  vierem  pedir  se  lhe  darão  de  quarenta 
varas  susesl vãmente  pella  ordem  que  as  pedirem.  E  porque  nas 
minas  que  se  abrem  em  quebradas  Regatos  ou  Rios  caudais  ordi- 
nário he  darse  por  quebrada  tudo  o  que  banha  a  agoa  quo 
nas  quebradas  he  pouco  Hey  por  bem  que  nellas  se  de  de  largo 
as  minas  sois  varas  de  cada  parte  pondo  huma  estaca  ou  baliza 
no  meio  do  Rio  da  agoa  donde  comessara  a  dita  medida  para 
cada  huma  das  partes. 

O  que  descobrir  mina  ou  Regato  a  tomara  iior  descobridor 
de  sesBQuta  varas  de  comprido  e  o  quo  banhar  o  Regato   em 


tlEGIMENTO  A  SALVADOR  CORRÊA  211 

largo  e  poderaeha  alargar  pella  vargea  em  campo  seis  varas 
pella  parte  que  quizer  para  por  ahy  enxugar  e  despejar  a  agoa 
o  qual  despejo  fará  primeiro  que  tudo  com  a  obra  fixa  e  segara 
buscando  metal  na  sua  mina  ate  chegar  a  pedra  e  não  a  fa- 
zendo assy  não  poderá  ter  as  ditas  seis  varas  e  quem  quizer 
lhas  poderá  tomar  e  o  dito  descobridor  será  obrigado  a  dar 
minas  e  demarcar  com  quem  lhas  pedir  as  quaes  serão  de  sin- 
coenta  varas  em  comprido  e  da  mesma  medida  serâo  as  minas 
sobresaltadas. 

Se  descobrir  ouro  em  Rio  caudal  poderá  o  descobridor  to- 
mar huma  mina  de  oitenta  varas  e  aos  mais  se  darão  de  se- 
tenta varas  e  averão  mais  seis  varas  de  largo  para  beneficio  e 
fabrico  década  mina, 

O  que  descobrir  ouro  em  vargeas,  campos,  seiTas,  oiteiros, 
fontes.  Rios,  quebradas  o  Regatos  poderá  tomar  huma  mina  o 
descobridor  de  trinta  varas  em  quadra  e  os  que  depois  pedirem 
Repartição  se  dará  mina  de  viate  varas  e  cada  hum  e  a  estas 
minas  chamão  menores  e  sendo  curta  a  terra  em  que  estas 
minas  se  acharem  o  Provedor  fiiça  nellas  repartição  com  demi* 
nuição  da  medida  conforme  a  gente  que  para  ellas  ouver  para 
que  todos  ajão  sua  parte  e  quinhão  e  o  descobridor  poderá  so- 
mente gosar  da  mina  sobresaltada. 

E  porque  nestas  minas  menores  se  evite  os  inconvenientes 
de  os  mineiros  dizerem  cada  ora  que  fazem  novos  descobrimen- 
tos Hey  por  bem  e  mando  que  feito  hum  se  não  admita  outro 
de  nenhuma  parte  da  quebrada  Rio  ou  campo  onde  se  descobrir 
dentro  de  meia  legoa.  . 

O  entulho  e  matto  que  se  tirar  e  cortar  para  se  lavrar  as 
minas  se  lansara  em  parte  donde  a  corrente  da  agoa  em  que  a 
mina  se  lavra  o  não  possão  levar  nem  empedir  o  lavor  e  sem- 
pre será  dentro  de  quadra  da  mina  de  quem  o  tirar  e  avendo 
nas  ilhargas  outras  minas  que  o  defendão  farsea  repairos  de 
terra  e  Rama  que  R  ecolham  o  sustentem  o  dito  entalho  em 
modo  que  a  corrente  da  agoa  a  não  possa  levar  e  avendo  entre 
as  partes  sobre  isso  algumas  duvidas  o  Provedor  tomando  o 
pareser  de  pessoas  entendidas  e  praticas  as  determinara. 

Qualquer  pessoa  que  buscar  ouro  em  quebrada,  Regato,  Rio 
caudal  ou  qualquer  outra  parte  seguira  a  busca  até  dar  na 


212  RBVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

pedra  porque  de  senão  fazerem  assy  se  siguíra  não  se  desoo- 
brir  muitas  vozes  o  ouro  qae  ss  asenta  na  pedra  e  carando  ate 
chegar  a  ella  se  entendera  que  foi  abjuacado  e  se  escusara  tra- 
balhar se  aiy  mais  em  vão. 

Nenhuma  pessoa  poderá  tomar  mina  para  lavrar  en  nome 
do  outrem  nem  como  seu  procurador  e  só  o  poderá  fazer  sendo 
criado  ou  salariado  para  a  lavrar  em  nome  de  quem  a  tiver 
c  quem  ílzer  o  contrario  perdera  o  direito  que  na  dita 
mina  tiver  e  pagara  sinooeota  cruzados  para  aocuzador  e 
capptivos. 

E  para  que  as  minas  possão  ser  melhor  beneficiadas  o  apro* 
veitadas  e  se  fazerem  engenhos,  cazas,  asentos  e  mais  couzas 
necessárias  os  senhorios  delias  se  poderão  aproveitar  de  todas 
as  madeiras  campos  e  Rossios  de  que  se  logriLo  e  uzão  os  mora- 
dores da  vi  lia  ou  lugar  em  cujo  limite  estiverem  sendo  os  tais 
campos  comuns  e  do  conselho  e  não  de  Particulares  e  assy  pode* 
rão  trazer  nas  defezas  prados  e  campos  públicos  que  estiveram 
por  todos  asentos  das  minas  todas  as  bestas  gados  que  servirem 
e  forem  necessários  para  beneficio  delias  e  sendo  em  defezas  par- 
ticulares pagarão  aos  donos  delias  o  pasto  que  se  estimar  e 
avaliar  sem  lho  poderem  empedir  e  vedar. 

B  pello  grande  prejuízo  que  se  seguira  a  se  empedir  o 
lavor  das  minas  Hey  por  bem  que  os  donos  delias  não  possão 
ser  presos  por  dividem  emquanto  uellas  trabalharem  nem  penho- 
rados nos  escravos,  ferramentas,  mantimentos  o  mais  pretextos 
que  para  lavor  e  beneficio  delias  forem  necessários  e  as  justiças 
a  qu(^  p3r tecer  farão  que  pagem  elles  suas  dividas  com  o  pro- 
cedido e  ganho  quctivereni  das  ditas  minas. 

O  Provedor  terá  particular  cuidado  de  as  vizitar  as  mais 
vezes  que  poder  ser  com  o  seu  escrivão  para  ver  se  estão  lim- 
pas e  seguras  e  comessadas  forttes  se  se  lavrão  sem  prejuízo 
de  outras  minas  dos  vezinhos  e  se  se  guardão  nelias  todo  o  oon- 
theudo  nesse  Regimento  paressendo  lho  necessário  levar  com* 
sigo  mala  alguma  pessoa  pratica  e  entendida  nesta  matéria  e 
poderá  fazer  e  não  consentira  aver  nas  ditas  minas  gente  ostosa 
e  vadias  e  obrigara  aos  que  andarem  nelias  para  trabalhar  que 
comeífeito  o  facão  e  de  outra  maneira  não  as  consentirá  estarem 
nellos. 


REGIMENTO  A  SALVADOR  CORRÊA  213 

O  Provedor  thesoureiro  e  escrivão  e  quaisquer  outros 
officiais  que  forem  das  ditas  minas  não  poderão  ter  parte  nem 
companhia  nellas  nem  tratarão  com  metal  algum  por  sy  nem 
por  outrem  sob  penna  de  perdimento  de  sua  fazenda  e  privação 
de  seus  officios  e  na  mesma  penna  de  perda  de  sua  fazenda 
eneorrerão  os  que  lhe  derem  parte  ou  tiverem  companhia  e 
huns  e  outros  serão  wibarcados  para  o  Reino  e  não  poderão 
tomar  mais  as  ditas  partes. 

O  Governador  do  dito  Estado  com  parecer  do  Provedor 
mor  da  fazenda  e  Provedor  das  minas  o  dos  mestres  da  fundição 
mandará  fazer  huma  caza  a  custa  do  minha  fazenda 
no  lugar  que  parecer  mais  acommodado  assy  por  rezão  do  sitio 
como  de  agoa  e  lenha  para  a  fundição  o  qual  vira  todo  o  metal 
de  ouro  e  prata  que  das  minas  se  tirar  para  nella  se  fundir  e 
tanto  que  entrar  na  dita  caza  se  pezara  perante  o  Provedor 
thesoureiro  e  escrivão  de  que  se  fará  acento  em  livro  e  depois 
que  for  fimdldo  e  apurado  se  Registara  ao  pe  do  dito  asento  e  se 
marcara  todo  com  as  Minhas  Armas  Reais  deste  Reino  e  se  fará 
conta  do  que  pertence  a  minha  íleizenda  pello  quinto  que  a  ella 
se  deve  o  qual  se  pagara  logo  no  mesmo  metal  que  se  fundir  e 
se  carregara  em  receita  em  ham  livro  que  para  isso  haverá  sobre 
o  thesoareiro  pello  escrivão  do  Provedor  que  Hcy  por  bem  que 
sirva  tambemoom  o  dito  thesoureiro  emquanto  eu  não  mandar  o 
contrario  e  se  meterá  em  huma  arca  de  três  chaves  das  quais 
terá  huma  o  thesoureiro  e  outra  ao  escrivão  e  a  terceira  o  Prove- 
dor e  sem  estarem  todos  três  prezentes  se  nãapoderaa  dita  Arca 
abrir  nem  fechar  e  dentro  delia  estará  a  marca  de  minhas  armas 
com  que  todo  o  ouro  e  prata  se  a  de  marcar  donde  se  não 
tirara  nem  metera  sem  estarem  prezentes  todos  os  sobreditos 
três  officiais. 

Os  donos  das  minas  podei^  ter  suas  marcas  particulares 
para  marcarem  o  metal  que  lhes  pertencer  alem  da  marca  que 
a  de  ter  das  minhas  armas  como  esta  dito  e  por  conta  delles 
farão  todas  as  despegas  que  se  fizerem  na  fundição  do  metal. 

E  nenhuma  pessoa  de  qualquer  sorte  e  condição  que  seja 
poderá  ter  fora  da  caza  da  ftmdição  vender,  trazer,  doar  nem 
embarcar  para  qualquer  outra  parte  nietal  algum  de  ouro  e 
prata  que  das  ditas  minas  so  tirar  sem  ser  marcado  com  as 


214  REVISTA  DO  INSTITUTO    HISTORICX) 

ditas  minhaa  armas  da  maneira  assima  declarada  sob  peaa  de 
morte  o  do  perdi  mento  de  sua  fazenda  as  duas  partes  para 
minha  camará  Real  e  a  terça  pà.rte  para  o  aouzador. 

Achandosse  algum  metal  do  ouro  ou  prata  fora  da  caza 
da  fundição  ou  dentro  nelia  sem  se  lhe  saber  dono  certo  será 
entregue  ao  thesoureiro  e  se  lhe  fará  delle  Receita  por  depozito 
com  todas  as  declarações  necessárias  e  que  com  o  thesourciro 
asinara  o  Provedor  para  a  todo  o  tempo  se  saber  o  que  he  e 
se  entregar  a  quem  pertencer  o  a  justiça  mandar. 

Terá  o  Provedor  muita  adrertencia  em  nâo  consentir  que 
na  caza  da  fundição  entrem  pessoas  de  sospeita  e  desnecessá- 
rias nem  que  delia  se  tire  fazenda  alguma  sem  sua  licença 
para  ver  se  tudo  ostá  na  forma  devida  e  ordenara  que  nisto  aja 
muita  vigia  e  para  esse  effeito  e  para  as  mais  diligencias  que 
forem  necessárias  em  couzas  tocantes  as  ditas,  minas  Hey  por 
bem  que  haja  hum  meirinho  e  três  guardas  a  que  o  Provedor 
dará  ordem  do  que  hão  de  fazer  os  qnais  haverão  de  ser  orde- 
nado o  que  por  outra  provisão  minha  serã  declarado. 

Todas  as  duvidas  que  se  moverem  entre  quaisquer  partes 
sobre  as  ditas  minas  ou  couzas  tocantes  a  ellas  o  Provedor  as 
determinara  summariamente  indo  pessoalmente  ver  as  couzas 
sobre  que  forem  as  contendas  nas  quais  lera  alçada  ate  quantia 
de  sesenta  mil  rs.  e  passando  delia  para  appellaçao  e  aggravo 
para  o  provedor  mor  de  minha  fazenda  do  dito  estado  e  porem 
so  a  cauza  for  tal  que  impida  ou  possa  impidir  o  lavor  das 
minas  o  dito  Provedor  para  cumprir  sua  sentença  sem  em- 
bargo de  se  ter  apellado  delia  dando  a  parte  em  cujo  favor  for 
dada  fiança  a  tomar  ou  pagar  tudo  o  em  que  a  outra  for  me- 
lhorada o  nas  contendas  que  não  forem  desta  calidade  se  sobes* 
tara  até  no  cazo  da  appellaçao  se  dar  anal  determinação  na 
mor  Alçada. 

E  porque  convém  muito  a  meu  servisse  hir  se  me  dando 
particular  informação  do  descobrimento  e  lavor  que  se  flzer 
nas  ditas  minas  e  do  proveito  que  delias  se  rezulta  a  minha 
fazenda  e  aos  descobridores  delias  encomendo  e  mando  ao  dito 
Provedor  que  em  cada  hum  anno  ftiça  fazer  huma  folha  muito 
distinta  o  declarada  de  tudo  o  que  no  tal  anno  for  descoberto 
nas  minas  e  de  todo  o  ouro  e  prata  que  delias  se  tirou  e  levçu 


REGIMENTO  A  SALVADOR  CORRÊA  215 

a  caza  da  fundição  e  qae'  ficou  em  limpo  depois  de  fundido  e 
quanto  importou  o  que  delie  pertenceo  a  minha  fazenda  e  quanto 
as  partes  a  qual  folha  será  feita  pello  dito  escrivão  e  assignada 
pello  Provedor  e  thesourolro  e  se  a  experiência  do  tempo  for 
mostrando  que  ha  algumas  couzas  e  que  se  deve  prover  assy 
em  mudar  ou  declarar  as  conthendas  neste  Regimento  como 
em  acrescentar  outras  do  novo  o  dito  Provedor  me  avizara 
delias  para  eu  mandar  o  que  ou  ver  por  men  servisse. 

E  porque  atras  neste  Regimento  se  trata  somente  das 
minas  de  ouro  e  prata  sendo  cazo  que  nas  ditas  partes  se  achem 
algumas  de  que  se  tire  cobre  nelias  haverá  lugar  o  qae  nelle 
se  contem  com  declaração  que  as  pessoas  que  o  tirarem  serão 
obrigadas  a  venderem  a  minha  fazenda  todo  o  que  lhes  ficar 
depois  de  pagarem  o  quinto  pelo  preço  que  comumente  valer  e 
avendo  pescaria  do  pérolas  quaisquer  pessoas  o  poderão  fazer 
tendo  para  isso  licença  do  dito  provedor  das  quais  pagarão  o 
quinto  a  minha  fazenda  e  avendo  eu  por  bem  que  as  ditas  pé- 
rolas se  tomem  porá  mi  serão  as  partes  obrigadas  a  vendellas 
pello  preço  que  vallerem  a  dinheiro  ou  por  desconto  dos  di- 
reitos deoutfas  pérolas  que  pescarem. 

Terá  o  governador  Muito  Particular  cuidado  de  saber  se  o 
Provedor  das  minas  thesoureiro  e  escrivão  e  quaisquer  outros 
officiaes  delias  cumprem  com  as  obrigações  de  seus  cargos  e 
ílEkzem  nelles  o  que  devem  e  achando  que  o  não  fazem  assy  pro- 
cedera contra  os  culpados  como  for  justiça  e  me  avizara  iavian- 
do*me  os  treslados  de  suas  culpas. 

E  Mando  ao  dito  Governador  e  a  todos  os  offlciais  das  ditas 
partes  do  Brazil  assy  da  justiça  como  da  fazenda  que  cumprâo  e 
guardem  e  fazam  inteiramente  cumprir  e  guardar  este  Regi- 
mento o  qual  farão  publicar  nos  lugares  públicos  delias  para 
que  venha  a  noticia  de  todos  e  se  Registara  nos  livros  das  co- 
marcas das  cappitanias  e  assy  se  Registara  nos  livros  do  meu 
Conselho  Ultramarino  e  Hey  por  bem  que  valha  tenha  força  e 
vigor  como  se  fosse  carta  feita  em  meu  nome  por  mim  asina- 
da  e  passada  pella  Ghancellaria  posto  que  por  olla  não  passe 
sem  enbargo  das  ordenaçõis  que  o  contrario  dispõem  Manoel 
Roiz  o  fez  em  Valhadolid  a  quinze  dagosto  de  mil  e  seissentos 
e  três  E  cu  o  secretario  Luis  de  Figueiredo  o  fis  escrever. 


216  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

E  este  Regimento  se  oumpriri  tão  inteiramente  como 
nelie  se  contem  sem  davida  nem  contradição  algaa.  Pasohoal 
dAzeyedo  o  fez  em  Lisboa  a  z  de  Jnnho  Bj"^  R  i  i  i  j.  £  eu  o 
secretario  António  de  Barros  Caminha  o  íiz  escreyer  —  Ray. 


NOTICIAS 


QUE  DÁ  AO  P.   M.*  DIOOO  SOARES  O  ALFERES  JOSÉ   PEIXOTO 

DA    SILVA  BRAOA  DO  QUE  PASSOU  DA  PRIMEIRA 

BANDEIRA,  QUE  ENTROU  AO  DESCOBRIldENTO 

DAS   MINAS    DOS    GUAYASES    ATÉ    SAHIR    DA    CIDADE 

DE  BELÉM  DO    ORÃO-PARÂ 


(Bib.  Pub.  Eboren$e  —  Cod.  CV,) 


Os  documentos  que  se  seguem  até  a  pagina  909  constituem  a 
preciosa  colleccão  denominada  de  Diogo  Soares.  Consta  do  roteiros 
de  bandeirantes  e  sertanistas,  recolhidos  por  aquolle  opToso  sacer- 
dote da  Companhia  do  Jesus,  Como  é  sabido.  Soares  o  Domingos 
Cappací,  também  da  Companhia  de  Jesus,  vieram  aoBrazil  cm  vir- 
tude do  Alvará  do  18  de  Novembro  de  1739  com  a  missão  de  demar- 
car terras,  levantar  plantas  o  proceder  a  trabalhos  astronómicos, 
etc.  Para  tal  íira  o  Rei  D,  João  V  determinou  aos  diversos  Gover- 
nadores das  Capitanias  dessoui-lhes  todo  o  apoio.  Os  referidos 
documentos  foram  copiados  por  Varnhagen  nos  Archivos  de  Portu* 
gal  c  a  Revista  os  publica  na  ordem  do  Códice  existente  no  Archivo 
do  Instituto. 

{Xota  da   Com  missão  de  Redacção,  ) 


NOTICIA  —  !.•  PRATICA 


Que  dá  ao  P.  M®.  Diogo  Soares  o  Alferes  José  Peixoto  da  Silva 
Braga,  do  que  passou  na  Primeira  Bandeira,  que  entrou  ao 
doBcobrimento  das  Minas  do  Guayses  até  sahir  na  Cidade  de 
Belem  do  Grâo-Par&. 


Sahi  da  Cidade  de  S.  Paulo  a  três  de  Julho  de  1723  em 
companhia  do  Capitão  Bartholomeu  Bueno  da  Silva,  o  Anhan- 
guera  de  alcunha,  que  era  o  cabo  da  Tropa  com  39  cavallos, 
dois  Religiosos  Bentos,  Fr,  António  da  Conceição,  e  Frei  Luiz 
de  SanfAnna,  um  Franciscano  Fr.  Cusme  de  Santo  André,  e  152 
armas,  entre  as  quaes  ião  também  20  Índios,  que  o  Sr.  Rodrigo 
Cezar,  General  que  então  era  de  S.  Paulo  deu  ao  cabo  Bar- 
tholomeu Bueno,  para  a  conducção  das  cargas  e  necessário. 
Doa  brancos  quasi  todos  erão  filhos  de  Portugal,  um  da  Bahia, 
e  cinco  ou  aeis  Paulistas  com  os  seus  índios,  e  negros  c  todos  á 
Bua  custa. 

2.— Passado  o  Rio  Theató  fomos  pousar  neste  dia  junto  ao 
matto  do  Jundiahy,  quatro  legoas  distante  da  Cidade  de 
S.  Paulo  ;  na  manhaã  seguinte  entramos  no  Matto,  e  gastámos 
nelle  quatro  dias.  Sabidos  do  Matto  passámos  o  Rio  Mogy, 
que  he  rio  de  canoa,  e  muito  peixe  tem,  e  dá  mostras  de  ouro, 
mas  com  pouca  conta  ;  aqui  falhamos  um  dia,  e  no  seguinte, 
marchando  sempre  ao  Norte,  demos  com  um  rio  também  de 

Canoa,  a  que  posemos  o  nome 

e  nelle  pousamos  esta  noite.  E'  o  caminlio  todo  campo 
com  alguns  capões  de  mattos,  bons  pastos  e  bastantes 
agoadas. 

3.— No  dia  seguinte  passamos  o  rio  em  um  váo  com  agoa 
pelos  peitos,  e  fomos  pousar  no  meio  do  campo  distanoia  de 
três  para  quatro  legoas  ;  6  todo  bom  caminho,  bons  pastos, 
•   muita  caça,  e  tem  alguns  Córregos  com  bastante  peixe. 


220  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Desbe  ponto  fomos  dormir  distancia  de  quatro  legoas  Janto  a 
um  Córrego,  que  entra  como  os  mais  do  Rio  Qrande.  Daqui 
passámos  no  outro  dia  a  fazer  pouso  nas  margens  de  um  riacho, 
que  passámos  na  manhaã  seguinte  encostados  a  uns  p&os, 
e  presos  com  uns  cipós  para  vencermos  a  muita  violência 
e  grande  força  d*agoa,  com  que  corria.  Neste  pouso  falhámos 
um  dia,  sendo  a  causa  o  requerer  toda  a  Tropa  a  Anhanguera, 
lhe  âzesse  a  resenha  que  lhe  tinha  promettido  antes  fazer 
em  Mogy,  e  a  que  tinha  já  faltado,  flsousou-se  este  com  a 
promessa,  de  que  em  chegando  o  Capitão  João  Leite  da  Silva 
Ortiz,  seu  Genro,  que  nos  tinha  ficado  atraz,  e  era  o  oulro 
descobridor,  a  faria,  e  caso,  que  este  não  chegasse  a  tempo 
competente,  a  fsiria  elle  cabo  no  Rio  Grande. 

4.— Com  esta  esperança  marchou  toda  a  Tropa,  sete  dias  ou 
oito  dias,  sempre  por  campos,  e  mattos  grossos,  e  pousando 
sempre  á  beira  de  Córregos,  e  rios :  não  faltou  em  todos  elles 
caga  e  peixe.  Deste  ultimo  pouso  fomos  ao  Rio  Grande, 
passamo-lo  em  canoas  feitas  de  páos  de  samauma  depois  de 
dormirmos;  e  falharmos  nelle  dois  dias,  esperando  se  nos 
fizesse  a  resenha  promettida,  mas  faltou  como  sempre,  o  Anhan- 
guera. Partio  deste  sitio  toda  a  Tropa  ainda  junta,  mas  já 
desconfiada,  e  foi  dormir  distancia  de  quatro  legoas  junto  a 
um  Córrego,  que  desagoa  no  Rio  Grande.  Aqui  nos  começou 
a  faltar  o  mantimento,  e  assim  nos  foi  preciso  marchar  cinco 
dias  passando  com  o  que  dava  a  espingarda,  pássaros,  macacos, 
palmitos,  e  algum  mel. 

5.— No  fim  destes  cinco  dias  chegámos  ao  rio  das  Yelhas,que 
entra  no  Rio  Grande,  é  caudeloso,  tem  bastante  peixe,  mas  sem 
mostras  de  ouro.  Falhámos  nelle  dois  dias,  pescando,  e 
caçando  por  ter  bons  mattos,  e  para  provimento  da  viagem. 
Aqui  nos  deixou  o  Anhanguera  adiantando-se  com  parte  de 
tropa,  ficando  a  mais  expedindo-se  para  o  seguir.  Neste  tempo 
e  ausente  já  o  cabo,  chegou  João  Leite  com  a  sua  gente,  por 
cuga  causa  fiilh&mos  mais  esse  dia.  No  seguinte  seguimos  com 
João  Leite  ao  Anhanguera,  e  depois  de  quatro  dias  de  marcha 
o  achámos  oom  ranchos  feito  entre  o  matto,  passámos  do  ca- 
minho alguns  córregos,  que  nos  permittit^o  o  vadealos  por 
3er  tempo  de  seca* 


NOTICIA  —    1.*  PRATICA  221 

6.— Avistada  a  Tropa  com  o  cabo  lhe  pedio  João  Leite, 
que  fizesse  a  resenha  promettida  taatas  vezes  não  só  em 
8.  Paulo,  mas  no  Certão,  porque  avia  desconfiada,  e  temia  se 
malojiri^a-âse  por  esta  causa  a  empreza  que  ambos  tinhão  offe- 
recido  não  86  ao  General  Rodrigo  Gezar,  mas  ao  mesmo 
Soberano.  Respondeu-lhes  que  a  resenha  era  escusada,  porqua 
os  Amboabas,  assim  phamão  aos  Reynoes,  não  era  gente  que 
lho  merecesse.  Com  esta  resposta  desconfiados  não  só  os 
Amboabas,  mas  ainda  os  poucos  Paulistas,  que  nos  acompa^ 
nhavão,  determinarão  voltar-se  logo  para  S.  Paulo,  mas 
aòudindo  a  isto  João  Leite,  os  obrigou  oom  rogos,  e  com 
promessas,  e  muito  mais  com  o  seu  natural  agrado,  a  que  o 
não  desamparassem. 

7.~Reduzida  a  Tropa  se  poz  em  marcha  depois  de  quinze 
dias  do  falhas,  que  se  gastaram  nestas  desordens,  como  também 
em  fazer  algum  provimento  do  que  permettia  o  matto,  e  como 
este  não  era  muito,  nem  todos  tinhão  quem  lhe  caçasse, 
obrigou  a  alguns  a  matarem,  e  comerem  um  cavallo  que  tinha 
quebrado  uma  perna,  e  eu  fui  um  dos  que  nos  aproveitamos 
delia.  Aqui  quisemos  falhar  mais  alguns  dias  por  entrarem 
Já  as  agoas,  e  temer-mos  não  só  os  rios,  e  córregos,  mas  a 
falta  de  mattos,  e  com  ella  o  necessário,  e  preciso  para  o  sus* 
tento.  Resolveu  porem  o  cabo  a  marchar  em  ódio  dos  Am- 
boabas de  quem  era  o  voto.  Seguio  a  tropa,  e  fomos  dormir 
nesse  dia  Junto  de  um  córrego,  que  tinha  algum  peixe  com 
melhores  pastos,  e  bastante  matto.  Aqui  desconfiámos  de  todo 
persuadidos,  que  o  Anhanguera,  nos  queria  acabar  no  meio 
daquelles  mattos,  e  alguns  houve  que  se  resolvião  a  ficar, 
lançando  rossas,  e  plantando  alguns  poucos  pratos  de  milho, 
que  tinhão  ainda  para  o  seu  sustento  :  mas  o  Capitão  JdU) 
Leite,  os  tornou  de  novo  a  animar,  o  reduzir  a  que  passassem 
avante  como  passai^. 

8.— Passados  alguns  dias  de  marchas,  e  nelles  alguns  rios, 
e  Córregos  com  assaz  tmbalho,  e  perigo,  por  serem  as  agoas 
muitas,  e  maior  a  fome,  nos  fomos  arranchar  perto  da  meia 
ponte.  £*  a  Meia  Ponte  um  rio  caudeloso,  tem  bastante  peixe, 
bons  pastos  e  muito  matto.  Passado  este  rio  em  umas  pe- 
quenas Canoas,  que  fizemos  de  cascas  de  arvores,  fomos  dormir 


222  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

na  outra  banda  do  rio»  que  nos  hospedou  toda  a  noite  com 
uma  formosa  trovoada,  que  durou  até  a  manhaã  seguinte  com 
tanta  agoa,  que  não  nos  deu  logar  a  podermos  faser  ranchos, 
e  por  isso  me  vaii  de  uma  tolda,  que  tinha  comigo.  Da  Meia 
Ponte  distancia  de  dois  dias  de  viagem  se  deixou  flcar  Fr.  An* 
tonio  com  animo  de  lançar  rossa  com  des  negros,  um  sea 
sobrinho,  e  um  mulato,  com  outro  branco  Paulista*  que  com» 
sigo  tinha.  Sen  tio  toda  a  Tropa  naquella  noite  a  falta  do 
dito  Religioso,  deu-se  parte  ao  Anhanguera,  mandoa-o  este 
persuadir  a  que  voltasse  e  marchasse  adiante,  como  faiiSo 
os  mais.  Mas  teve  por  resposta  vista  que,  a  falsidade  que  S.  M"**. 
tinha  asado  com  todos,  faltando  a  tudo,  o  que  lhes  tinha  pro- 
mettido  em  S.  Paulo,  lhe  nâo  era  possível  o  pode-lo  acom- 
panhar, que  elle  determinava  plantar  algum  milho,  com  que 
se  podasse  recolher  a  Povoado. 

9. ^Desenganado  o  Anhanguera,  marchou  com  a  mais  tropa 
e  julgando,  que  indo  sempre  ao  Norte,  como  até  ali  tinha  feito, 
lhe  ficavam  jáatraz  oa.Guayazes,  que  procurava,  mudou  de 
rumo,  e  seguio  a  Nordeste  4''  do  Norte. 

Passar&o  de  cento  e  tantas  léguas,  as  que  andamos  a  este 
rumo  sem  mais  sustento,  que  o  que  dava  o  matto,  e  esse 
pouco.  Nestes  dias  lhe  fugirão  ao  cabo  oito  Índios  dos  seus» 
publicando  primeiro  todos,  que  iamoe  errados,  porque  os  Quaya- 
zes  nos  flcavfto  já  atraz.  Destes  índios  forão  apanhados  depois 
de  alguns  dias  só  três,  que  trouxe  presos  João  Leite,  que  se 
expedio  a  buscal-os  com  dois  negros  e  quatro  brancos  :  trouxe 
também  nesta  volta  comsigo  a  Frei  António,  que  nos  ficava 
distante  perto  de  oitenta  iegoas  :  mas  ainda  que  veio  Frei  An- 
tónio, nem  por  isso  desamparou  a  sua  rossa,  porque  deixou 
nella  o  sobrinho  comquasi  todos  os  negros.  Nesta  occasiio  de- 
mos em  uSs  grandes  chapadas  íkltas  de  todo  o  neceesario,  sem 
mattos,  nemmantimentoB,  só  sim  com  bastantes  córregos,  em 
que  havia  algum  peixe,  dourados,  trayras,  e  upiabas,  que  forão 
todo  o  nosso  remédio,  achamos  também  algum  palmito,  do  que 
chamão  jaguaroba,  que  comíamos  assado,  e  ainda  que  é  amar* 
goeo  sustenta  mais,  que  os  mais. 

Aqui  nos  começou  agente  a  desfliillecer  de  todo:  morreriLo* 
nos  quarenta   e  tantas  pessoas  entre  brancos  e  negros,  ao 


NOTICIA   —   1.*  PRATICA  223 

desamparo,  e  o  eu  ficar  oom  vida  o  devo  ao  meu  cavallo,  que 
para  me  montar  nelle  pela  nimia  ík^aqueza»  em  que  me  achara, 
me  era  preciso  o  lauçar^me  primeiro  nelle  de  braços  leTantado 
sobre  o  primeiro  copim  que  encontrava. 

10.-*Vendo-se  o  Cabo  nessa  miséria,  e  temendo  a  falta,  e 
mortandade  de  gente,  e  muito  mais  considerando  o  erro  que 
tinha  dado  no  rumo  que  entfto  seguia,  se  valeu  do  Ceo,  e  foi  a 
primeira  vez  que  o  vi  lembrar-^  de  Deos,  promettendo,  6 
fazendo  varias  novenas  a  Santo  António  para  que  nos  deparasse 
algum  gentio,  que  conquistado,  nos  valêssemos  dos  mantimen- 
tos que  lhe  achássemos,  para  remédio  da  fome,  que  padecia* 
mos.  Passados  quinze  dias  com  bastante  moléstia,  e  trabalho, 
demos  em  uma  picada  nos  mesmos  campos,  seguimol-a  nove 
dias,  achando  nella  alguns  ranchos  feitos  de  pâu  e  ramo8« 
com  alguns  grSíosde  milho,  já  nascidos:  no  fim  destes  nove  diaâ 
chegamos  a  uma  Serra,  cujas  vertentes  desagoão  para  o  Norte, 
e  lançando  adiante  quatro  índias  a  farejar  o  gentio  os  seguimos 
ires  dias  de  viagem.  Éramos  só  dezeseis  com  o  Cabo,  porque  a 
mais  tropa,  e  bagagem  a  deixamos  atraz  oom  os  doentes. 

Na  noite  do  terceiro  dia  avistámos  as  rancharias  do  Gentio, 
e  seus  fogos  :  embosoamo-nos  no  matto  para  lhe  dar-mos  na 
madrugada,  mas  sendo  sentidos  dos  cachorros,  que  tinhfto  mui« 
tos,  e  bons,  quando  os  avançámos,  nos  receberam  com  os  seus 
arcos  e  frechas. 

11.— Náo  demos  um  só  tiro  por  o*rdem  d  o  Cabo,  de  que 
resultou  o  fugir-nos  quasl  todo  o  gentio,  o  envestif  um  deiles 
ao  sobrinho  do  Cabo  com  tal  animo,  que  lançando^ihe  a  mão  á 
rédea  do  oavailo  lhe  tirou  a  espingarda  da  máo,  e  da  cinta  o 
traçado,  e  dando-lhe  com  ella  um  famoso  golpe  em  um  dos 
hombros,  e  outro  no  braço  esquerdo,  fngio  levando-lhe  comsigo 
as  armas.  Desembaraçado  do  Tapuia  o  Paulista  correu  sobre 
elle  sem  mais  effeito,  que  recuperar  a  espingarda  que  lhe 
largou  o  Tapuia,  retirando-se  oom  o  traçado. 

Nesta  mesma  occasiáo  outro  Tapuia  em  uma  das  suas  por- 
tas ferio  levemente  no  peito  com  uma  ft!echa  a  um  Francisco 
Carvalho  de  Lordelo,  e  acodindo  outro  lhe  deu  na  cabeça  oom 
um  porrete  de  que  cahlo  logo,  eahindo*lhe  dou  outra  porretada 
outro  Tapuia,  que  appareceu  denovo,  deixando-o  já  por  morto. 


224  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

E*  para  admirar,  que  em  todo  este  oonâicto  nSo  fizeasè 
ao(^  alguma  mais  o  noaso  Cabo,  que  o  andar  sempre  ao  longe, 
gritando,  e  requerendo-nos,  que  atirássemos  só  ao  vento  por 
não  atemorisar  o  gentio. 

Foi  Deus  servido  levar-mos  os  ranchos  chovendo  sobre  nós 
as  fireohas,  e  os  porretes. 

12.— Retirario-se  para  o  matto  os  Tapuias,  mas  sem  nunca 
no8  perderem  de  vista,  e  tanto,  que  querendo  darmos  sepul- 
tura ao  Carvalho  persuadidos,  a  que  estaria  morto,  procuraram 
em  duas  avançadas  que  nos  derâo,  o  tira-lo  e  oomô-lo,  e  ven- 
do-se  rebatidos  nos  pedirão  por  acenos  lhe  déssemos  ao  menos 
a  metade  para  a  comerem,  por  ser  diversa  a  língua  da  geral. 
Retirado  o  dito  Francisco  de  Carvalho,  o  achamos  com  a  boca, 
narizes,  e  feridas  cheias  de  bichos,  mas  vendo  que  lhe  palpitava 
ainda  o  coragfto,  e  que  tinha  outros  mais  signaes  de  vida,  o 
recolhemos  na  rancharia,  curando-lhe  as  feridas  com  ourina,  e 
ftimo,  e  sangrando-o  com  a  ponta  de  uma  faca,  por  não  termos 
melhor  lanceta  :  aproveitou  tanto  a  cura,  que  o  Carvalho  pela 
noite  tornou  em  si,  abrio  os  olhos,  mas  não  pôde  ftillar,  senão 
no  dia  seguinte  :  o  regimento  que  teve,  não  passou  d'um 
pouco  de  angu,  e  algumas  batatas,  das  que  achámos  nas  ran« 
charlas. 

13.— Em  todo  esse  tempo  nos  não  deixou  o  gentio,  perse- 
guindo-no8  os  negros,  que  nos  ião  conduzir  algumas  batatas  de 
vinte  e  cinco  batataes  que  tinhio  grandes,  e  exoellentes  no 
gosto  :  destes  negros  nos  mataram  um,  e  um  cavallo,  o  que 
visto  pelo  Cabo  se  fez  forte  em  um  dos  ranchos,  que  lhe  pare- 
ceu melhor,  mandando  recolher  todo  o  milho,  que  se  achou,  a 
um  payol,  a  que  poz  guardas,  como  o  fez  também  a  sete  ín- 
dios, que  cativámos,  mandando-lhe  lançar  a  todoe  suas  corren- 
tes, ezcetuando  um  indio  torto,  também  cativo,  a  que  ao  depois 
deu  liberdade.  Recolhido  no  seu  rancho  o  Anhanguera  mandou 
logo  buscar  os  doentes,  e  mais  bagagem. 

Neste  tempo  se  tinha  humauisado  Já  mais  o  gentio,  busoan- 
do-nos,  e  servindo-nos  sem  arco  e  frecha,  e  admirando  moito  as 
nossas  armas.  Oífereoerão-nos  paus,  trazendo-nosem  um  destes 
dias  dezeseís  india^  ainda  moças,  muito  claras  e  bem  feitas, 
Aio  éramos  mais  os  brancos,  em  slgaal  de  amizade.  Repugnou 


NOTiaA  —  1.*  PRATICA  225 

O  Cabo  a  aceita-las,  contradizendo  todos  os  mais  companheiros, 
c  eu  fai  o  que  mais  o  persuadia  a  aceita-las,  dizendo-lhe,  que 
na  consideração  de  sermos  tão  poucos,  e  estes  fracos,  e  mortos 
de  fome,  e  muito  o  gentio  o  não  esoandalisassemos,  e  que  postas 
em  guarda  as  ditas  índias  com  as  mais,  que  se  achavão  já  prezas, 
podíamos  facilmente  cathequisar  a  todo  o  mais  gentio,  não  só  a 
ajuste  das  pazes,  mas  a  darem-nos  alguns,  que  nos  ensinassem 
o  verdadeiro  caminho  dos  Quayases.  Mas  a  nada  disto  se  mo- 
yen  o  Anhanguera  com  a  ambição  de  querer  para  si  todo  o 
gentio,  motivo,  porque  escusou  sempre  a  resenha,  e  porquê 
desconfiado  o  gentio  desapareceu  logo  no  outro  dia :  temeroso, 
que  ao  entrar  nova  ^ente  nas  rancharias,  erão  os  doentes, 
e  bagagens,  os  queríamos  matar  para  os  comermos  a  todos; 
assim  no-lo  certiâcarão  as  índias,  que  se  achavão  entre  nós. 
Desesperado  o  Cabo  com  a  ausência  do  Gentio,  largou  o  torto 
com  algumas iácas,  tesouras,  e  outras  galanterias,  para  que  as 
persuadisse  a  voltar,  mas  o  torto  foi,  e  nunca  mais  o  vimos. 

14— Chama-se  este  Gentio  Quirizá,  vive  aldeiado,  usa  de 
arco,  frecha,  e  porrete,  é  muito  claro,  e  bem  feito;  anda  todo  nu, 
assim  homens  como  mulheres.  Tinhão  19  ranchos  todos  re« 
doudos,  bastantemente  altos,  e  coberto  de  palmito,  com.  uns 
buracos  juntos  ao  chão  em  logar  do  portas  ;  em  cada  um  destes 
vivião  20  e  30.  cazaes  juntos,  as  camas  erão  uns  cestos  de  bu- 
ritis, que  lhes  servião  de  colchão,  e  cobertor ;  erão  pouco  mais 
de 600  almas;  estava  situada  toda  esta  aldeia,  junto  d*um 
grande  córrego  com  bastante  peixe,  e  bom:— no  2<>  dia,  que 
marchamos  a  busca-la,  encontrámos  um  rio  caudaloso,  em  que 
havia  muito  peixes  cayjus,  palmito,  e  muita  e  grande  caça^ 
que  nos  sérvio  de  muito.  Nesta  aldeia  achamos  200  mãos  de 
milho,  vinte  e  cinco  batataes,  muitas  araras,  e  também  alguns 
periquitos,  que  nos  servião  de  sustento,  e  de  regalo  :  tinhão 
também  bastante  copia  de  cabaços,  e  panelas,  e  uma  grande 
multidão  de  cães,  que  matarão  quando  fugirão,  e  se  retiram  de 
todo,  só  afim  de  não  serem  sentidos  das  nossas  armas,  como 
experimantámos  depois  nas  Bandeiras,  que  se  lançaram-a 
espia-los . 

15— Aqui  nos  detivemos  três  mezes  sem  nelles  nos  dá  o  cabo 
milho  nenhum*  reservando-K)  todo  para  si  só,  e  para  a  sua 
491  —  15  Tomo  lxix  p.  i. 


226  REVISTA   DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

comitiva,  desculpando  esta  sua  tiraunia  com  dizer-Dos  lhe  era 
preciso  para  as  Bandeiras,  que  havia  de  lançar,  mas  supposto 
lançou  duas,  nem  por  isso  foi  muito  o  milho,  de  que  os  proveu ; 
não  faltou  este,  nem  farinhas  aos  seus  cavallos,  e  a  sua  comi- 
tiva. Bu  só  tive  a  fortuna  de  me  darem  17  espigas,  e  se  tive 
mais  algum  milho  o  devo  ao  trabalho,  c  perigo,  com  que  o 
recolhi  das  rossas,  quo  tinha  deixado,  o  gentio  de  reAigo ; 
assim  o  íizerão  todos  os  mais  não  se  isentando  do  mesmo  tra- 
balho ainda  os  religiosos,  porque  se  o  quiaerão,  o  carregarão, 
e  tirarâo  por  suas  próprias  mãos,  escoltados  sempre  de  outros 
por  medo  do  gentio.  Antes  do  nos  ausentarmos  nos  fugiram 
quatro  doa  índios,  que  o  Cabo  tinha  prezas,  e  nuuca  mais  so 
virão. 

16— Na  demora  que  azemos  n^sta  aldeia,  vendo  toda  a  Tropa 
que  o  Cabo  sobre  faltar  a  resenha  tantas  vezes  promettida. 
tinha  a  culpa  de  perdermos  o  gentio,  se  amotinou,  e  tanto  que 
se  resolveram  dois  bastardos  e  um  mulato  Mamaluco  com  alguns 
Paulistas  a  querer-lhe  tirar  a  vida,  e   levantar  a  seu  irmão 
Simão  Bneno  por  cabo,  por  ser  de  melhor,  e  mais  dócil  con- 
dição. Eu  que  soubo  a  sua  resolução,  não  obstante  o  não  mo 
merecer  o  Anhanguera,  fiz  todo  o  possível  pelos  dissuadir  de 
aimilhante  intento,  insinuando -lhe  o  muito  que  devião  a  João  - 
Leite.    Dissuadidos  os  Bastardos,  e  seus   sequazes,  seguimos 
viagem  costeando  o  córrego  da  ranoharia,  ou  aldeia,  ató  dar-mos 
em  um  rio,  que  fomos  costeando  também  pela  parte  do  norte 
a  buscar  nuvo  gentio,  que  nos  podesse  ensinar  o  caminho  dos 
Gnayases.  Nestas  marchas  gastámos  76  dias,  andando  dois  delles 
sem  achar  agoa,   de  sorte,  que  quando  chegámos  ás  margens 
d*um  rio,  foi  tal   a  alegria  em  nós,    que   cobrámos    nova 
alma,  e  tanto,  que  nem  os  cavallos  havia  que  os  tirasse  da  agoa 
por  mais  pancadas  que  para  isso  lhe  da  vão.  Aqui  falhámos  12 
ou  15  dias,  esperando  por  João  Leite,  que  nos  tinha  ficado  atras 
em  busca  das  índias,  e  não  chegava. 

17— Neste  sitio  ouvindo  dizer  ao  cabo  nos  licava  já  perto  o 
Maranhão  me  resolvi  a  deixa-lo,  e  rodar  rio  abaixo  buscando 
alguma  terra  já  povoada,  por  não  perecer  a  fome  e  sede  no 
meio  daquelles  mattos.  Seguirão*me  três  camaradas,  que  forão 
José  Alves,  Francisco  de  Carvalho,  seu  irmão,  Manoel  de  Oliveira, 


NOTICIA   —    1,*  PRATICA  22t 

Paulista,  6  João  da  Matta«  filho  da  Bahia,  ainda  rapaz.  Jozô 
Alves,  com  um  negro,  e  uma  negra,  sen  irmão  com  um  só 
negro,  eu  com  ires,  e  um  mulato,  que  forão  todas  as  peças, 
que  nos  escaparam  da  viagem  do  Anhanguera,  entrando  eu  com 
seis  n^ros,  e  o  mulato,  o  Alves  com  cinco,  e  o  irmão  com  três. 
Repugnou  o  cabo  a  que  sahissem  comigo  os  dois  irmãos  sem  que 
primeiro  lhe  satisâzessem  quarenta  e  seis  mil   róis,  que  devião 
o  João  Leite,  que  jã  era  chegado  com  Frei  António,  paguei  por 
elles,  porque  lhe  não  vi  outro  remédio.  Porem  João  Leite  ven- 
do-me  ausentar  insistiu,  e  com  elle  Frei  António  quanto  lhe  foi 
possível,  a  que  não  cm  desamparássemos ;  mas  as  insolências  do 
cabo  que  dizia  publicamente  havia  de  enforcar  aos  Amboabas, 
me  obriganLo  a  dar  gosto  a  João  Leite,  e  a  Frei  António.    O 
certo  era,  que  o  Anhaguera  tinha  passado  ordem  a  um  dos  seus 
Tapuias  para  matar  ao  Alves  por  uma  bem  leve  causa,  o  peior, 
foi,  que  vendo  o  mesmo  Anhanguera,  que  eu  o  deixava,  me 
catheqoisou  um  negro  bom  matteiro,  chamado  Pascoal,  e  o 
deixou  ficar  comsigo.   Vendo-me  sem  elie  voltei  ao  sitio  do 
cabo  distancia  de  meia  legoa,  rogando-lhe  me  restituísse  o 
negro ;  respondeu-me  que  o  negro  não  estava  em  seu  poder, 
'  nem  sabia  delle*  Fiz  então  procuração  a  Frei  António  para  que 
o  tomasse  a  si,  e  me  remettesse  o  procedido  delle,  caso  que 
o  vendesse,  a  minha  mulher  Leonarda  Peixota,  &  Cidade  de 
Braga.  Soube  João  Leite,  desta  procuração,  e  estranhando  esta 
aoção  de  seu  sogro,  me  mandou  offerecer  um   moleque  por 
Estevão  Maçaste  Franoez,  em  logar  do  negro,  que  aceitei  logo 
por  ser  preciso  mais  gente  para  remar  nas  canoas ;  publicando 
neste  tempo  o  cabo,  que  j&  que  nos  iamos,  e  o  deixávamos, 
morreríamos  naqaelles  rios,  e  maitos,  por  nosso  próprio  gosto, 
sendo  que  melhor  seria  o  matar-nos,  que  o  deixar- nos  pe- 
recer entre  as  agoas ;  não  duvido  que  nos  quizesse  herdar  os 
negros,  como  tinha  feito  a  todos  os  mais  sócios. 

18  —  Feitafl  duas  canoas,  e  dado  o  meu  cavallo  a  Frei  Luiz, 
para  m*o  dizer  em  missas  a  N.  S.^  da  Boa  Viagem,  por  lhe  ter 
morrido  o  seu— rodamos  rio  abaixo  pelo  interesse  do  peixe,  e 
oaga,  que  era  muita;  passados  oito  dias  de  prospera  viagem  dêmos 
na  barra  d'outro  Rio,  que  vinhão  da  mão  direita,  e  terras  de 
Portugal,  tão  grande,  como  o  porque  rodávamos;  passada  esta 


228  REVISTA   DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

barra,  e  dopois  do  quatro  dias  avistámos  outra  barra  d*um  rio 
mais  pequeno,  quo  viaha  da  mesma  parte  direita,  e  desta  a  15 
ou  ^  dias,  buscando  sempre  o  Norte,  que  ora  o  rumo  a  quo 
corria  o  nosso,  dêmos  em  outro  rio  maior,  que  vinha  da  parte 
esquerda,  em  que  achámos  com  as  cheias  innumeraveis  jan- 
gadas feitas  de  buritis,  que  tinhão  rodado  com  ellas  signal  de 
haver  gentio  perto.  Navegámos  adiante,  e  depois  de  oinco  ou  seis 
dias  avistámos   alguns  recifes  de  pedras,  e  náo  poucas  ca- 
choeiras, que  passámos  junto  á  terra  da  parte  direita,  cirgando 
as  canoas  por  entre  os  penedos,  mas  não  com  tanta  cautela, 
que  não  topasse  uma  em  uma  pedra,  e  aê  partisse  pelo  meio. 
perdendo  nella  duas  canastras  com  ropas,  ouro,  e  prata,  tachos, 
espingardas,  traçados,  ansoes,  linhas,  e  outros  trastes  neces- 
sários no  sertão,  e  que  nello  se  precisão  ;  entre  estes  foi  mais 
sensível  a  perda  a  d'um  pacote  de  chumbo  com  duas  arrobas, 
escapando  outro  com  o  mesmo  numero,  e  um  pequeno  barril 
de  pólvora,  que  veio  boyando  acima ;  escaparam  também  três 
espingardas  de  oito  que  trazíamos,  o  tudo  o  mais  se  perdeu. 
19  —  Passado  este  perigo  fomos  na  outra  canoa  buscar  a 
parte  esquerda  por  baixo  da  cachoeira,  onde  o  rio  fazia  re- 
manco  com  umaexccllonte  praia  :    nella  matámos  dois  porcos, 
que  nos  servirão  de  matalotaoro  para  a   viagem,  o  fizemos  de 
novo  outra  Canoa  com  tros  machados,  e  duas  enx6s,   que  tam- 
bém nos  escaparam,  vertendo  sangue  as  mãos  por  ser  de  tam- 
boril duríssimo  o  pàu  de  que  a  Azemos,  gastámos  na  sua  fa- 
brica 12  dias  abrigados  á  sombra  daquelles  mattos,  e  como 
pordemos  os  ansoes,  e  linhas,  perdemos  também  gosto  ao  peixe, 
e  nos  valiamos  do  palmito  bocajuba,  que  depois  de  esfolado,  o 
feito  em  uns  pequenos   pedaços   secávamos  ao  fogo,  e  seoo  o 
socavamos  em  uma  pedra,  e  o  oomiamos  em  mingáos,  servin- 
do-nos  de  tacho  ou  panella  uma  pequena  bacia  de  arame,  que 
também  nos  escapou.  Feita  a    Canoa  seguimos* nossa  derrota, 
e  passados  tros  dias  de  viagem  dêmos  com  um  pàu  cortado  na 
beira  do  mesmo  i*io  :    abordamos  as  Canoas   a  expiar  algum 
maeaco  pai*a  comer-mos  e  matar-mos  a  fome,  que  éra  já  muita 
quando  descobrimos  um  arraial  de  gentio  pouco  menos  distante 
que  um  ou  dois  tiros  de  espingarda ;  era  o  arraial    grande,  e 
teria  mai9  de  trinta  ou  quarenta  ranchos  redondos*  Visto  nos 


NOTICIA   —    !.•   PRATICA  229 

tornámos  logo  a  embarcar,  fbgindo  a  todo  o  remar  por  não 
sermos  sentidos  delles,  e  tanto  qae  fomos  dormir  distancia  da 
qaatro  ou  cinco  legaas  rio  abaixo,  arrancliando-nos  no  matto 
da  parte  esquerda,  onde  achámos  algum  palmito  Indayá» 
maa  foi  tal  a  perseguição  dos  morcegos  nessa  noite,  que  sobre 
nos  tirarem  o  somno,  nos  cuatou  muito  a  livrar  delles ;  por- 
que como  vínhamos  Já  nús,  tanto,  que  fechávamos  os  olhos,  se 
prega  vão  logo  em  nós,  e  nos  sangra  v2lo  de  sorte,  que  acordá- 
vamos banhados  todos  em  sangue,  motivo  porque  desampa- 
rámos mais  cedo  do  que  queríamos  aquelle  sitio. 

20  —  Daqui  rodámos  rio   abaixo   e  demos   em  um  junipa- 
peiro,  com  cuja  fruta  nos  regalamos  dois  dias,  e  no  flm  destes 
eomo  a  fome  era  muita  entramos  pelas  sementes  das  ditas 
frutas ;  mas  estas  nos  poserão  em  tal  estado,  e  impedirão  de 
tal  sorte  o  curso,  que  nos  considerámos  mortos,   valemo-nos 
d'uos  pequenos  paus,  e  com  elles  em  logar  de  cristel  obrigámos 
a  natureza  a  alguma  evacuação.    Falhamos  neste  ponto  4  ou  5 
dias,  que  gastámos  em  buscar  alguma  caça  para  comer-mos,  e 
para  que  nos  não  fiiltasse  também  o  peixe,  Hzomos  do  virote 
d*uma  espada,  que  cortámos  a  enxó,  um  formoso  ansol,  e  agu- 
sado  com  uma  pedra  tirámos  bastante  peixe,  servindo-nos  de 
linha  um  pouco  de  ambó,  era  o  peixe  exoellente,  muito,  e 
grande,  e  tanto  como  o  do  mar  :  matámos  também  aqui  muitos 
barbados  que  postos  de  moquem,  nos  serviram  de  nova  matalo- 
tagem  para  o  oaminho— Caminhámos  rio  abaixo  e  depois  d*alguns 
dias  nós  quebrou  a  outra  Canoa  em  uma  pedra,  que  estava  na 
beira  d'nma  grande  correntesa,  em  que  demos,  aqui  se  nos  aca- 
bou de  perder  tudo,  e  eu  como  não  sabia  nadar,  me  peguei  á 
mesma  Ganóa,  valendo-me  d*um  cipó,  com  que  me  atei  a  ella  e 
ítai  sahir  em  um  recife  de  pedras :    peior  succedeu  a  um  dos 
meus  negros,  que  rodou  pela  cachoeira  abaixo  mais  de  dois  ou 
três  tiros   de  espingarda  levado   da  correnteza  da  agoa,  e 
quando  o  supúnhamos  já  morto  o  achámos  sentado  sobre  um 
grande  penedo,  que  havia  no  meio  do  rio,  tinha  este  um  quarto 
bom  de  legoa  de  largo.    Perdemos  também  aqui  o  nosso  esti- 
mado ansol,  que  nos   roubou  um  formoso  e  grande  peixe,  e 
assim  ficámos  só  a  palmito  e  janipapo,  e  esses  quando   os 
ochâTamos. 


230  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

21  —Neste  pooBo  concertámos  a  Canoa,  e,  rodando  pelo 
rio  mais  de  quinze  dias  abaixo  nos  vimos  obrigados  em  todos 
elles  a  domir-mos  nas  soas  Ilhas,  que  erão  muitas,  enterradas 
na  areia  por  medo  do  gentio,  que  era  InnumeraTel,  e  o  mais  6 
sem  poder-mos  dar  um  só  tiro,  para  remédio  da  fome,  que  nSo 
era  pouca.  Aqui  vimos  varias  barras  d'oatros  rios  pequenos, 
que  d^uma  e  d'outra  parte  se  mettião  no  em  qne  rodávamos  : 
passadas   estas  descobrimos  a   poucas  legoas  a  barra  d 'ura 
grande  rio,  que  vinha  da  mão  direita,  dormimos  essa  noite  entre 
uma  e  outra  barra,  mas  sahindo  na  manhaS  seguinte  costeando 
o  rio  pela  mesma  parte  direita,    pela  eztraordiaaria  largura, 
que  aqui  tinha,  dêmos  com  um  grande  palmital,   e  nelle  com 
três  gentios  Junto  á  praia,  pegou  um  dos  companheiros  na  es« 
pingarda,  tirou  a  um,  e  ferio^o,  ferido  aoudio  logo  todo  o  mais 
gentio,  que  andava  ao  Corredio,   {Sic)  dando  taes  urros,  e  to- 
cando tfto  horríveis  tararacas,  que  parecia  se  nos  abrira  naquelle 
sitio  o  iaferno,  valeu-nos  n^  ter  este  gentio  de  Canoa,  atra- 
vessámos logo  o  rio,  fugindo  quanto  então  nos  (bt  possivel; 
aqui  nos  vimos  perdidos  novamente  porque  as  ondas,  e  mar- 
retas ei^o  taes,  ao  atravessar  da  corrente,  que  tememos  muito 
nos  submergissem,  chegámos  bem  cauçados,  e  quasi  mortos  a 
uma  Ilha,  e  prendendo  as  Canoas  em  uma  das  suas  pontas  nos 
ÍOmos  arranohar  na  outra  enterraodo-nos  na  areia  para  evitar 
o  gentio  se  viesse  sobre  nós. 

S2  —  Passado  este  susto,  depois  de  dois  dias  de  viagem  sem 
mais  sustento,  que  o  dos  coquinhos,  que  nos  davão  alguns  pal- 
mitos, com  algum  palmito  indaia,  onde  se  achava»  dêmos  em 
um  outro  novo  perigo,  topando  no  meio  do  rio  com  um  redfe 
de  pedras,  em  que  a  minha  Canoa  se  vio  perdida,  porque  sabida 
das  pedras  deu  em  um  Juplá,  aonde  depois  de  17  ou  18  voltas,  que 
nelle  deu  a  mesma  violência  d*agoa,  alançon  fora  :  a  outra 
tomou  melhor  caminho  foi  encostada  á  terra,  e  passou  sem  susto: 
dormimos  esta  aoite  na  beira  do  mesmo  rio  janto  a  um  matto, 
com  não  menos  fome,  e  chuva  que  foi  muita  e  durou  toda  a 
noite.  Passados  dois  dias  de  viagem  matamos  uma  anta  mas 
tão  magra,  que  por  tal  nos  esperou  um  tiro,  de  que  cahio,  e 
mal  assada  se  comeu  :  nessa  noite  dámoi  em  trilha  de  brancos 
com  que  cobrámos  sem  duvida  novos  alentos  :  e  vimos  entrar 


NOTICIA  —  1.*  PRATICA  281 

no  nosso  da  parte  esqnerda  um  rio,  que  ao  depois  soubemos  ser 
o  Aragoay,  e  o  porque  navegávamos  o  Tooátis*  Seguimos  a 
dita  trilha  por  ser  esta  sempre  a  beira  do  rio,  e  dando  dahi  a 
três  dias  com  oito  ilhas,  nos  vimos  perplexos  por  não  saber- 
mos o  Canal,  que  seguiríamos,  buscámos  então  a  terra,  e  junto 
a  ella,  e  d'nns  penedos  quizemos  varar  as  canoas,  e  não  pode- 
mos pela  pouca  agoa  que  ali  havia. 

23  *  Falhamos  aqui  qnatro  dias  buscando  algum  palmito, 
ou  caça,  que  era  pouca,  e  como  a  fome  era  mais,  mandei  ao 
meu  mulato  a  matar  alguma  coisa  para  comer;  voltou  este 
sem  nada,  mas  só  com  o  seguro  de  ter  achado  picada  certa  de 
branco,  peguei  da  espingarda,  e  assim  nú,  como  estava,  segui 
a  dita  picada,  acompanhado  só  do  Paulista,  e  a  menos  de 
quarto  de  legoas  avistámos  uma  Missão  dos  R.  R.  P.  P*  da  Com- 
panhia que  formava  de  novo.  Vendo-nos  um  dos  Padres  nds,  e 
com  armas,  fugio  logo,  e  deu  aviso  ao  mais  persuadido  que  era 
Gentio  Manas,  que  também  usa  de  armas  de  fogo  pelo  eommer- 
cio  qne  tem  com  os  Hollandezes,  e  são  nossos  inimigos.  Acudio 
promptamente  o  Capitão  mór,  que  se  achava  entre  os 
Padres,  com  toda  a  sua  soldadesca  armada,  e  tocando  caixas ; 
aoudião  também  os  indios  com  os  seus  arcos,  e  frechas  :  lan- 
çando em  terra  as  armas,  e  batendo  as  palmas  em  signal  de  paz 
nos  veio  buscar  logo  o  R.  P.  Marcos  Coelho,  que  era  o  superior 
da  Missão,  e  vendo  que  éramos  Portagaezes  nos  levou  oomsigo 
com  extraordinária  alegria  e  amor,  e  ouvindo-nos  contar  o 
que  tínhamos  padecido  não  podia  reter  as  lagrimas,  e  assim 
sabendo,  que  tínhamos  mais  oompanheiros  os  mandou  logo 
boflcar  pelos  seus  Índios  em  uma  das  suas  Canoas,  e  chegados 
por  não  haver  na  pequena  Capeila  outro  sino,  aos  recebeu  com 
três  alegres  repiques,  que  formavão  os  golpes  d'nm  pequeno 
ferro  em  uma  pedra, 

^  —  Nesta  primeira  e  amorosa  hospedagem  começámos  a 
matar  logo  a  fome:  não  faltou  feijão  e  peixe,  e  como  um  e  outro 
era  temperado»  não  deixou  de  o  estranhar  por  muito  tempo  o 
estômago.  Durou-nos  esta  alegria  só  quinze  dias,  porque  no  fim 
delles  nos  remetteu  ao  Pará  o  dito  Capitão-Mór  Domingos  Por- 
tella  de  Mello,  gastando  20  dias  na  viagem.  Chegados  ao  Pará, 
se  deu  parte  ao  Governador  João  da  Maia  da  Gama,  veiu  oste 


j 


232  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

TÔr-nos  logo  ao  porto,  e  ouviado  os  tragioos  sucoeasos  da  viagem, 
qae  trazíamos,  nos  nao  dea  credito,  aates  iatontou  prender-nos 
para  justificarmos,  se  os  negros,  que  o  trazíamos  crão  nossos,  ou 
íúrtados  á  mesma  Tropa,  de  que  tínhamos  desertado;  respondi- 
lhe  que  oathequísasse  os  negros  e  que  seoathequísados  confessas* 
sem  não  serem  nossos,  nos  castigasse,  o  que  não  obstante  e 
menos  a  miséria  em  que  nos  Tia,  pois  estávamos  todòe  nús,  e 
com  a  pelle  só  sobre  os  ossos,  nos  deixou  ficar  na  mesma  praia, 
e  porto  das  canoas  sem  resolver  nada,  e  sem  mais  sustento,  o 
cama  que  a  que  nos  derão  os  cavacos  e  cascas  dos  paus  do  esta- 
leiro Real. 

Porem  emendarão  logo  na  manhaã  seguinte  os  particulares 
a  indispensável  foJta  deste  sen  Governador,  vindo-nos  buscar  á 
praia  do  estaleiro  o  R,  Cónego  JoSo  de  Mello,  com  mais  algumas 
pessoas  graves  da  Cidade,  e  compadecidos  do  miserável  estado 
em  que  nos  vião,  nos  levarão  a  todos  para  suas  oazas.  Eu  tivo 
a  do  mesmo  R.  Cónego  João  de  Mello  ;  José  Alves  foi  p{ira  a  de 
Manoel  de  Góes  oom  seu  irmão ;  Manoel  d*01íveira  para  a  de 
João  de  Souza,  filho  de  Basto,  e  João  da  Matta  para  a  de  João 
da  Silva,  filho  de  Guimarães  ;  ->-  No  Pará  adoeci  depois  d*algun8 
meze3d*uma  febre  que  me  poz  em  perigo,  e  tanto  que  degene- 
rando em  maleitas  estive  ungido  ;  durarão-me  estas  oito  mezes 
emquanto  estive  de  cama  levaram  alguns  dos  negros  mão  cami- 
nho, porque  um  me  morreu  de  bobas,  e  o  mulato  de  veneno  que 
lhe  deu  uma  Tapuia  :  e  assim  me  embarquei  só  com  dois 
para  o  Maranhão  ;  destes  conservo  ainda  um,  porque  o  outro 
me  foi  preciso  vendel-o  para  comprar  dois  cavallos  que  me  con- 
duziram a  estas  Minas,  gastando  no  caminho  dez  únicos  mezes 
com  alguns  dias  falhos ;  e  desde  que  deixamos  o  grande  Anhan- 
guera  até  Deus  nos  trazer  ao  Pará  quatro  mezes  e  onze  dias, 
entrando  nestes  as  flUhas. 

26  —  Lembra-me  que  antes  de  dar-mos  no  Jupiá,  quando 
íbgimos  do  gentia  de  que  fallo  acima  nos  ns.  21  e  22,  por  ser  o 
rio  muito  largo,  e  quasi  morto,  nos  lançamos  á  matroca  aquella 
noite,  prendendo  uma  Canoa  á  outra,  e  dormindo  todos  os  mais 
eu  por  mais  temeroso  e  acautelado  vigiei  toda  a  noite,  e  não 
me  valeu  de  pouco  ;  porque  ouvindo  roncar  ao  longe  o  mesmo 
rio,  os  aooordei  gritando,  que  tínhamos  perto  cachoeira,  e  assim 


NOTICIA  —  !.•  PRATICA  233 

foi  porque  varados  em  uma  liha,  Timos  logo  na  madrugada  o 
perigo  de  que  escapámos  de  noite:  porque  a  cachoeira  era  horrí- 
vel, e  tão  alta,  que  teria  500  palmos,  e  entre  penedo  hruto,  que 
a  fazia  mais  formidável,  e  com  tantas  ondas,  fumaças,  e  cachões 
que  parecia  um  inferno ;  passamos  por  cima  d*uns  recifes  lan- 
çando as  Canoas  pelo  Canal  á  fortuna:  sahiram  estas  abaixo  da 
cachoeira  cheias  de  agua,  e  rombos,  tiramol*a,  então  a  nado,  e 
concertadas  como  podòmof,  seguimos  nossa  derrota.  Estes  sao, 
R.  Senhor  os  trabalhos,  as  misérias,  e  as  grandes  conveniências 
que  tirei  das  novas  Minas  dos  Guayazes,  etc. 

Minas  Geraes  —  Passagem  das  Congonhas,  25  d*Agosto  do 
1734.  —  José  Peixoto  da  Silva. 


NOTICIAS  PRATICAS 


NOVO  CAMINHO  QUE  SE  DESCOBRtO  DAS  CAMPANHAS 

DO  RIO  GRANDE  E  NOVA  COLÓNIA  DO  SACRAMENTO  PARA  A  VILLA 

DE  CORITIBA  NO  ANNO  DE   1727 

POR  ORDEM  DO  GOVERNADOR  E  GENERAL  DE  S.  PAULO 

ANTÓNIO  DA  SILVA  CALDEIRA  PIMENTEL 


(jBtb,  Pub.  JZ^orente  —  Cod.  CV) 


NOTICIAS  PRATICAS 


Do  noTo  oaminlio  que  se  descobrio  das  Campanlias  do  Rio 
Grande,  e  nova  Ck)lonia  do  Sacramento  i»ara  a  Villa  da 
Coritiba  no  anno.  de  1727  por  ordem  do  Governador  e 
General  de  S.  Panlo,  António  da  SilTa  Caldeira  Pi- 
mentel. 


NOTICLV  —  I»  PRATICA 

Dada  ao  R.  P.  M.  Diogo  Soares,  pelo  Sargento  Mór  da  Cavallaria 
Francisco  de  Sonza  e  Faria,  primeiro  descobridor,  e  abridor  do 
dito  Caminho. 

Justa  com  o  General  de  S.  Paulo  a  abertura  do  Caminho  e 
provido  das  instrucções  e  ordens  necessárias  para  se  me  assis- 
tir na  Fazenda  Real  de  Santos,  com  gente  e  muniçOes;  me 
embarquei  na  dita  Villa,  para  de  Parnaguá  com  35  pessoas, 
entre  Índios  e  brancos  em  a  pequena  Sumaca  do  M.»  João 
Martins  Roza  ;  Gastei  três  dias  nesta  viagem,  e  na  Villa  de 
Pamagud  um  mez,  fazendo  nella  alguma  gente  mais  para  a 
diligencia  em  que  ia. 

De  Pamaguá,  junta  a  gente,  me  embarquei  com  ella  para  a 
Villa  de  S.  Francisco,  gastei  cinco  dias  na  viagem,  e  um  mez 
na  dita  Villa,  procurando  nova  gente  que  me  quizesse  seguir. 

Da  Villa  de  S.  Francisco  passei  na  mesma  Sumaca  a  Ilha 
do  S.t&.Catharina:  gastei  na  viagem  oito  dias,  e  nove  na  dita 
Ilha,  e  adquirida  nella  alguma  gente  mais,  passei  com  toda 
ella,  que  seriao  Jà  9õ  pessoas,  por  terra  a  Villa  da  Laguna» 
onde  gastei  dois  mezes,  não  só  para  dar  descanço  a  toda  a 
tropa,  prepara-la  do  necessário,  e  prover-me  de  novos  Práticos* 
mas  lambem  para  consultar  ao  CapitSo-Mór  da  dita  Villa, 
segundo  as  instrucções  que  trazia  do  S.  Paulo. 

Sabido  da  Laguna  marchei  com  toda  tropa  pela  praia  a 
buscar  o  Rio  Araranguá,  e  nelle  o  sitio  a  que  chamão  os  Con- 
ventos, distantes  da  Laguna,  e  ao  Sul  delia  pouco  mais  de  15 
léguas. 


238  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Neste  sitio,  e  em  11  de  Fevereiro  de  1728  dei  principio  ao 
caminho  rompendo  mattos  fechados,  e  dando  a  pouoo  mais 
d'ama  legoa  com  um  pântano,  que  teria  meia  de  largo,  em  que 
me  foi  preciso  fazer-lhe  uma  boa  estiva  para  o  podermoi  pas- 
sar ;  passado  elle  dei  quasi  a  meia  legoa  com  nm  grande  ri- 
beirão que  desagua  no  Araranguá,  se  chama  Cangioassú,  e 
como  não  dava  váo  lhe  Hz  uma  boa  ponte  de  12  braças  e  meia 
de  comprido,  e  braça  e  meia  de  largo. 

Passado  o  Cangicassú  busquei  logo  a  margem  do  Rio  Aran- 
ranaguã,  e  seguindo-a  passei  nella  vários  córregos  e  ribeiros 
Dftzendo  em  uns  pontos,  e  desbarrancando  outros  para  os  poder 
passar.  Chegado  ao  logar,  que  chamão  as  Itaypabas  passei  o 
Araranguá,  que  terá  no  dito  sitio  pouco  mais  de  90  braças  de 
largo ;  passado  o  rio  caminhei  sempre  ao  Norte,  cortando 
mattos  em  toras  alagadissas,  estiva  ndo-as  com  assas  trabalho, 
e  com  não  menos  fazendo  pontes  em  alguns  rios,  até  que  anda- 
das cinco  léguas  me  foi  preciso  buscar  outra  vez  o  Rio  Araran- 
guá, por  me  livrar  dis  serras,  e  morrarias  altíssimas  em  que 
dei,  e  me  era  impossível  o  subilas. 

Segui  rio  acima,  e  o  tornei  a  passar  nas  cabeceiras,  em  o 
sitio  onde  chamão  a  Orqueta,  e  aonde  principião  os  morros  da 
serra  chamada  Paranapiacaba,  e  de  que  nascem  muitos  e  vá- 
rios ribeirSes  todos  de  pedras.  Entre  os  morros  achei  um  espi- 
gão por  onde  subi  com  toda  a  tropa,  depois  de  11  mezes  de 
contínuo  trabalho,  fazendo  o  caminho  a  talho  aberto,  e  é  o 
único  por  onde  se  pode  subir  a  serra.  Desde  os  Conventos  até 
este  sitio  que  terão  23  léguas  tudo  são  mattos,  e  terras  alago- 
dissas,  cortadas  de  vários  córregos,  e  rios,  em  que  entre  pontes 
e  estivas  passarão  de  73  as  que  lhe  fiz,  tudo  a  força  de 
braço,  e  só  com  65  pessoas,  e  32  cavalgaduras,  por  me  ter  fu- 
gido, e  desamparado  a  mais  gente,  e  parte  desta  a  devo  ao 
General  de  S.  Paulo,  que  me  mandou  de  novo. 

Subida  a  Serra  dei  logo  em  campos  e  pastos  admiráveis,  e 
nelles  immensidade  de  gado,  tirado  das  Campanhas  da  nova 
Colónia,  e  lançado  naquelle  sitio  pelos  Tapes  das  aldeias  dos 
P.  P,  Jezuitas  no  anno  de  1712. 

Nestes  campos  me  demorei  seis  mezes  esperando  por  nova 
recluta,  qoe  tinha  pedido  a  S.  Paulo,  e  sustentando-me  nellas 


NOTICIAS  PRATICAS  239 

do  mesmo  gado. morto  a espingardat  além  de  500  e  tantai  vacas» 
qae  reservei,  e  levei  comigo  para  a  viagem.  Em  todo  o  tempo 
qne  aqai  estive  me  animei  a  correr  uma  grande  parte  de  toda 
aqaella  Campanlia,  em  que  passIU),  segundo  jalgo*  de  duzentas 
mil  as  vacas  que  neila  lia,  tem  muitas,  e  boas  agoas,  bastante 
caça,  alguns  pinheiros,  e  umas  pedras  de  coco  quo  arrebentão 
com  o  sol,  e  dentro  outras  pedrinhas  que»  parecem  diamantes  j4 
lapidados,  umas  roxas,  outras  brancas,  amarellas;  cór  de  vinho, 
e  algumas  esverdiadas. 

Destes  campos  segui  viagem  arrumado  sempre  a  serra  do 
mar,  e  a  pouco  mais  de  7  legoas  de  caminho  achei  uma  grande 
cruz  feita  de  um  pinheiro  e  este  letreiro  nella  Maries  16  de 
Denembro  anno  de  i727  pipe  Capitolo  Aéreos  Omopo.  Descida  a 
Cruz  e  adorada  com  toda  a  veneração,  lhe  mandei  tirar  o  titulo, 
olhepuzeste  I.  N.  R.  J.  e  junto  á  mesma  cruz  em  um  bom 
padrão  de  páu  este  outro  —Viva  El-Rei  de  Portugal  D.  João  o 
&>,  — anno  1729. 

Deste  sitio  a  que  dêmos  o  nome  da  Cruz  dos  Tapos^  segui 
viagem  encostado  sempre  á  serra»  e  a  pouco  mais  do  quarto  de 
légua  demos  com  um  rio  com  matto  diurna  e  outra  parte,  a 
que  chamei  o  Rio  dos  Porcos,  e  até  elle  chega  o  gado  de  que 
acima  fallo.  Passado  este  Rio  segui  caminho  6  léguas  ao  nor- 
deste, em  que  achei  um  sitio  em  uma  lomba  que  chamei  a  Boa 
Vista,  aqui  fiz  uma  grande  rancharia,  que  depois  chamarão  as 
Tajttcas,  e  destas  é  que  Christovão  Pereira  d* Abreu,  dali  a  dois 
annos  entrando  comigo  ao  mesmo  caminho,  fez  nelle  o  atalho 
que  agora  tem. 

Das  Tajucas  fui  sempre  acompanhando  a  mesma  Serra  do 
mar,  e  achando  sempre  campos  com  alguns  capões  de  matto  e 
não  poucos  ribeirões,  ató  chegar  ao  grande  Cambiera,  ou  Morro 
de  Sta.  Anua,  fi^)nteiro  a  Uha  de  Santa  Catharina  neste  me  foi 
preciso  gastar  alguns  dias  para  abrir  um  grande  matto,  que 
teria  6  legoas  de  comprido,  e  aberto  dei  com  um  rio,  a  que 
chamei  S*^  Luzia. 

Deste  rio  segui  viagem  por  os  Campos,  e  passando  nelles 
algumas  restingas  de  mattos  dei  um  outro  campo  mais  alto,  e 
alegre,  de  donde  avistei  um  morro,  que  pelo  roteiro  que  levava 
dos  Gertonystas  antigos  julguei  ser  o  rico^e  sempre  procurado 


240  REVISTA  DO  INSTITUTO  ttlSTORICO 

morro  Tajó,  e  o  mesmo  pareceu  ao  moa  Piloto  ,  bons  desejos 
tive  de  os  socavar,  mas  a  fome  e  miséria  em  que  nos  viamos 
todos,  nos  obrigoa,  nfio  só  a  deixar  o  morro,  mais  ainda  a 
mesma  serra  do  mar,  pela  muita  aspereza,  oom  que  um  e  outro 
nos  ameaçava,  e  assim  fugindo  a  morte,  e  abrindo  novo  cami- 
nho por  mattos  grossos,  distancia  de  quatro  legoas  sahimos 
com  nSo  pouco  trabalho  nas  primeiras  cabeceiras  do  rio  Urnru- 
guay,  e  passámos  nellas  com  duas  braças  de  largo. 

Deste  passo  seguindo  rio  abaixo  dei  com  pastos  admira* 
veis  d*uma  e  outra  parte  do  rio  que,  pelo  passar  15  vezes» 
lhe  paz  o  nome  de  Passaquinze,  e  tornando  a  procurar  o 
morro  do  BirimbÀo,  que  era  a  nossa  balisa  do  caminho,  me  fui 
afastando  mais  da  serra  e  avisinhando  mais  para  o  campo, 
cortando  varias  restingas,  e  passando  alguns  córregos  até  sahir 
pela  ponta  de  outra  serra  a  que  chamarei  Serra  Negra,  e 
que  vae  afossinhar  sobre  o  rio  Passaquinze,  e  este  é  o  logar  em 
que  Christavão  Pereira  sahio  com  o  seu  atalho. 

Deste  sitio  passei  ao  campo  chamado  dos  Coritibanos,  cami- 
nhando sempre  por  campos  em  que  ha  algumas  restingas  e  ca- 
pOes  de  mattos,  e  nestes  nSo  poucos  córregos  e  rios. 

Dos  Coritibanos  segui  viagem,  c  passado  um  campo  alto 
entrei  em  um  matto  grosso  chamado  Espigão,  fiz  nelle  nSo 
só  estivas  e  algumas  pontes  mas  também  um  bom  cami- 
nho aberto  &  força  de  braço.  Passado  o  matto,  cheguei  a  um 
rio  em  que  achei  Jà  canoas,  e  passando  nellas  segui  por  campos  e 
mattos  ató  o  matto  grande  de  S.  João,  e  passado  este  com 
assas  moléstia  e  trabalho,  segui  por  campos  e  mattos  até 
outro  rio  que  chamei  de  S.  Lourenço,  que  ter&  de  largara  20 
braças,  e  passado  este  tornei  a  seguir  por  campos  e  restingas 
até  outro  rio,  que  por  muito  negro  e  fundo  lhe  chamão 
o  Rio  Una,  nelle  fiz  alguns  pastos,  e  lhe  deixei  uma  boa  canoa 
de  pinheiro,  e  só  nelle  achei  indicies  de  gente. 

Passado  o  Una,  e  seguindo  sempre  por  campos  e  restingas 
cheguei  ao  Rio  Grande  pequeno,  o  destes  aos  Campos  Oeraes 
da  Coritiba  e  Rio  do  Registo  em  dia  de  Nossa  Senhora  da  Luz 
de  1730,  sahindo  de  S.  Paulo  a  20  de  Setembro  de  1727. 

Todo  este  caminho  desde  a  Serra  da  Vacaria  até  os 
Campos  Geraes  de  Coritiba  é  em  seu  tempo,  isto  é,  de  Março 


NOTICIAS  PRATICAS  241 

ató  Setembro  abundante  de  caga  e  pinhão,  principalmente 
Antas  e  Porcos.  O  mel  é  em  tanta  abundância,  que  não  só 
serve  de  regalo,  mas  de  sustento  às  tropas  :  todo  elle  é  sadio 
e  de  63  pessoas  com  que  entrei,  só  morreu  um  negro  meu 
é  outro  de  Manoel  de  Sá  Corrêa,  de  pura  fome  e  miséria  : 
também  morrerão  nelLe  um  branco,  e  um  índio  pelo  muito  pi- 
nhão e  mel  de  que  se  fartaram. 

B'  o  que  se  me  offerece  dizer  e  informar  por  ora  a 
V.  Rma.,  debaixo  do  Juramento  do  meu  cargo.  Porto  do  Rio 
Grande  de  S.  Pedro,  21  do  Ferereiro  de  1738.  —  Francisco  de 
Sousa  e  Faria. 

ROTEIRO 

DO  CBRTÃO  E  MINAS    DE    INHANGUERA,    VINDO    DA  VILLA  DO 
CORITIBA  PAKA    ELLAS 


Partlndo-se  da  povoação  de  Coritiba,  pa^sandose  o  rio 
Grande  da  dita  povoação,  se  vai  logo  buscar  o  rio  Grande 
pequeno,  que  é  o  que  chamão  Iguassú-merim,  e  passando  este 
se  irã  alongando  mais  para  o  campo  largo,  por  não  ir  rompendo 
mattos  por  cima  da  serra. 

Dahi  começarão  a  buscar  o  rio  Negro,  chamado  Una, 
que  é  rio  de  Jangada  por  ser  fundo.  Passando-se  este  rio 
caminhando  pelo  rumo  du  Sudueste,  darão  com  um  ribeirão  que 
cortando  um  pinheiro  alto  passarão  por  cima  delle ;  o  qual 
ribeirão  foi  agoada  do  Gentio  Gabelhudo,  e  o  Rio  pela  lingua  da 
terra  Inhanguera. 

Logo  passarão  outro  ribeirão  pequeno  chamado  Itupeba 
e  avistarão  logo  a  uma  serra  que  corre  para  o  poente,  não  alta, 
que  pôde  estar  desviada  da  nossa  serra  do  mar,  2  léguas  o  meia 
pouco  mais  ou  menos. 

Pela  ponta  desta  serra  passarão  e  darão  com  faobina 
dos  Certanistas  do  tompo  do  gentio,  chamada  Garcelhos,  e 
logo  aviitarâo  o  morro  Negro,  chamado  pela  lingua  da 
terra  Biturúna,  o  qual  morro  vae  afossinhar  sobre  o  rio 
Uruguay» 

491—10  Tomo  j-xix  r.  i. 


^42  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Este  morro  negro  tem  um  campo  ao  pó  mui  grande,  mui 
razo,  e  com  moitissimos  veados^  maltas  Emas,  muitos  Cervos, 
e  muitos  Botiás,  que  dão  muito  e  boa  farinha,  e  por  baixo  dos 
Botiàs  tem  muita  erva  mimosa. 

Desta  Serra  Negra  caminho  de  Leste  nao  poderão  errar  o 
morro  chamado  Ta^ó,  que  é  o  que  se  vae  buscar. 

Peio  pó  da  Serra  Negra  corre  um  ribelr&o  que  vae  buscar 
as  cabeceiras  do  dito  morro  Taijó,  o  qual  morro  ó  baixo,  re. 
doudo,  e  agudo  çom  sua  campina  ao  pó,  e  tem  este  feitio. 

Tem  também  sua  campina  da  banda  do  Norte,  e  da  banda 
do  Sul  matto  grosso  carrasquenho,  pelo  pó  deste  morro  podem 
buscar  ouro  ;  e  quando  se  queirão  alongar  para  os  mattos  do 
mar,não  seja  pela  parte  do  Sul,  seja  pela  parte  do  Nordeste,  que 
dali  maaão  as  cabaceiras  todas  do  Pajay-merim,  que  n&o  pode- 
rfto  deixar  de  achar  ouro. 

Estas  s&o  as  chamadas  Minas  de  lohanguera,  tão  afamadas 
como  as  antigas,  e  ficfto  no  certão  da  Enseada  das  Guaroupas  e 
Ilha  de  Santa  Catharina. 

As  Serras  da  Costa  do  mar  vão  acabar  e  afossinhar 
perto  a  um  rio  chamado  Taramandy,  o  qual  está  abaixo  da 
Laguna  40  léguas  pouco  mais  ou  menos ;  deste  Rio  ao  Rio 
Grande  de  S.  Pedro  *da  Costa  do  mar  fazem  35  legoas  pouco  mais 
ou  menos,  e  doado  acabão  estas  Serras  para  adiante  se  não  tem 
mais  terras  aUas,  nem  serra  aiguma,  até  o  dito  Rio  Grande  e 
sua  Campanha, 

Na  dita  paragem  onde  acabão  estas  serras  do  mar  ó  que 
se  sobe,  por  ter  menos  diffioaidade  a  chegar  ao  campo,  no  qual 
se  dará  com  pinhejraes,  e  na  dita  paisagem  vindo  mais  para 
a  banda  da  Laguua  farão  diligencia  por  umas  pedras  toscas 
as  quaes  chamão  pedras  de  coco,  estas  arrebentão  com  o 
sal,  e  do  âmago  lhe  sahem  umas  pedras  pequenas  toscas,  a 
outras  lizas,  uma  cor  de  bagos  de  romã,  outras  roxas  e  oqitraSí 
brancas  como  cristai,  e  todas  estas  pedras  são  finas  dcy^is  de 
lavradas. 

Para  se  descobrir  e  entrar  para  as  minas  de  Inhanguera» 
é  mais  perto,  e  mais  fácil  entrar  por  este  caminho  donde 
acabão  as  serras  do  mar  como  fica  dito,  dq  quo  pela  Yilla 
de  Coritiba. 


NOTÍCIAS  PRAtlCAS  243 

Este  roteiro  ó  o  mesmo,  que  diz  trouxera  comsigo  o 
Sargento-mór  Francisco  de  Souza  e  Faria,  que  se  o  seguira 
abrindo  o  caminho  a  onde  acabão  as  serras  e  não  em  Ara- 
ranguà,  nunca  experimentaria  em  perto  de  três  annos  que 
gastou  nelle,  as  fomes  e  as  misérias  que  são  notórias,  verdade 
6  que  culpão  nesta  parte  ao  Capitio-mór  da  Laguna,  que  por 
seus  particulares  interesses,  llie  quiz  fazer  ímpossirel  a  jornada 
e  o  caminho,  Ílausilitando-Ihe  a  entrada  pela  parte  mais  difficuN 
tosa  que  ha  para  esta  abertura. 


NOTICIA  —  2/  PRATICA 

DADA  AO  P.  M.  DIOGO  SOARES  SOBRE  A  ABERTURA 
DO  NOVO  CAMINHO   PELO    PILOTO  JOSÉ  lONAClO,  QIE    FOI  E    ACOM- 
PANHOU   EM    TODO    ELLE 
AO  MESMO  SARGENTO  MÔR  FRANCISCO  DE  SOUZA  E  FARIA 


NOTICIA— 2.»  PRATICA 


Dada  ao  P.  M,  Diogo  Soares  sobro  a  abertura  do  novo  caminho 
pelo  Piloto  José  Ignacio,  que  foi  o  acompanhou  em  todo  elle  ao 
mesmo  sargenlo-mór  Francisco  de  Souza  e  Paria. 


Subidti  a  Serra,  e  sahiDdo  no  alto  delia  se  dà  logo,  R>^*.  Sr., 
com  um  campo  admirável,  que  á  uivei  da  mesma  Serra,  e 
abunda  de  capões,  pinheiraes,  e  em  partes  de  mattos  carras- 
qaentaos,  com  muitos  e  rarios  córregos»  de  que  a  maior  parte 
desagoSo  otm^o  dentro,  caminho  de  noroeste  e  poente* 

I^go  da  sabida  do  matto  ao  Norte  distancia  de  um  quinto 
de  légua  pouco  mais  ou  menos  se  vê  uma  cruz  ao  pó  d^uma 
lomba,  e  beira  de  um  riacho,  que  corre  como  os  mais  ao  poente, 
mais  adiaato  ao  mesmo  Norto  se  passa  logo  outra  Lomba  não 
menos  alta  quo  a  passada,  tem  varias  pedras  no  cume,  e  pelo 
pó  lhe  possa  um  riacho,  que  nasce  na  girande  serra  do  mar. 

.  Passada  esta  Lomba  caminho  de  Noroeste,  e  distancia  d'uma 
legoa  se  encontra  outra  cmz  em  um  alto  que  se  chama  Ar- 
raial Grande,  de  onde  continuando  ao  Norte  achamos  outras 
cruzes  a  pouca  distancia  umas  das  outras,  até  chegarmos  a 
uns  pequenos  morretea  que  se  avistSo  da  Real  grande,  distáo 
delia  3  legoas. 

Passados  estes  morretes  seguimos  ao  Nordeste,  encostados 
sempre  á  Serra,  achando  sempre  os  mesmos  vestfgios  de  Fap^, 
e  por  entre  os  capões  algumas  picadas  Já  abertas,  e  seguidas, 
muitas  Lombas,  riachos,  e  catingas,  emAm  terra  toda  enchar- 
cada, por  respeito  das  muitas  lages  que  em  si  tem.  Neste  mesmo 
caminho  2  legoas  dos  morretes  a  Lesnor  leste  está  o  ribeirão 
das  Lages,  com  multo  bôa  passagem,  e  pouoo  mais  de  meia 
legoa  adiante  ao  Nordeste  e  dos  Porcos,  com  não  menos  igual 
passo  entre  dois  morros,  um  e  outro,  não  sendo  tempo  de  agoas, 
oão  tem  de  ftando  mais  que  3  palmos. 


248  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Seguido  avante  6  legoas  ao  Nordeste  dêmos  em  uma 
Lomba  bastantemente  alta,  que  chamámos  a  Boa  Vista,  e  dalla 
vimos  na  costa  do  mar  a  LAgoa  de  Guarupaba  que  está  íhm- 
teira  aos  morros  de  Santa  Martha.  A  dita  Lomba  corre  coisa 
de  meia  legoa  Leste  Oeste,  e  floa  Noroeste  Sueste  com  a  dita 
Lagoa  Gaarupaba :  pelo  Sul  desta  mesma  Lomba  ha  bastante 
matto,  e  nelle  caminho  f^ito,  e  no  alto  uma  espaçosa  chapada 
com  uma  formosa  cruz. 

Desta  Lomba,  seguindo  sempi^e  a  serra,  e  o  mesmo  rumo, 
dêmos  com  vários  morretes,  em  que  ach&mos  um  bom  caminho 
feito  a  fouce  e  machado,  mas  durou  pouco,  por  que  nos  mette- 
mos  logo  em  uns  taes  matagaos  do  taquari  miúdo,  e  tSo  fechado 
que  apenas  divisávamos  a  Serra  que  era  a  nos^a  balisa  :  nSo 
nos  faltarão  antas,  mas  muito  pouco  pinhfto,  por  causa  da  hu- 
midade, e  fragosidade  da  Serra.  Chegamos  finalmente  a  uma 
baixa  que  fica  entre  dois  morros  dos  quaes  o  que  fica  para  a 
parte  da  Serra  ô  o  mais  alto,  e  se  chama  o  morro  do  Incêndio  : 
com  o  mesmo  nome  de  Incêndio  lhe  passa  pelo  pé  um  ribeirôo 
que  corro  a  Leste  Sudoeste*  e  distará  pouco  mais  de  6  lagoas 
da  Boavista. 

Passado,  e  seguido  avante  ao  mesmo  rumo  por  campos  sem- 
pre, e  alguns  capões  de  matto,  entramos  logo  a  mui  pouca  dis- 
tancia de  caminho  no  matto  doe  desertores.  Consta  este  de  vá- 
rios campinhos,  mattos  carrasquenhos,  terras  encharcadas,  e 
descidas  e  subidas  d 'alguns  morros. 

Passado  o  matto  dêmos  logo  em  outro  muito  mais  grosso* 
e  nelle  com  o  rio  das  santas  que  distará  5  legoas  do  morro  do 
Incêndio ;  corre  ao  Noroeste,  e  tem  de  largo  na  passagem  15 
braças,  o  4  palmos  do  fundo.  Tem  todo  este  matto  muita 
caça,  multo  pinhão,  excellcntes  pastos,  boa  cera,  mas* muito 
pouco  mel. 

Passado  o  rio  das  Antas  nos  avesinhamos  mais  á  Serra  su- 
bindo e  descendo  grandes  morros,  atô  darmos  em  um  campo 
quechamão  da  retirada  :  terá  este  pouco  menos  de  legoa  de 
comprido,  e  em  partes  meia  de  largo  ;  deste  campo  seguimos 
ao  Noroeste  afastando-nos  da  Serra,  e  a  pouco  mais  de  2  lé- 
guas dêmos  no  Rio  da  Vaca  com  4  braças  de  largo,  e  de 
fundo  só   2  palmos  :    seguimos  o  mesmo  Rio,  qne   corre  ao 


NOTICIA  — •2.*  PRATICA  249 

poente,  e  depois  de  o  passarmos  15  yeees  chegámos  ao  de 
Santo  André  com  12  braças  de  largo,  e  de  fundo  pouco  mais 
de  O  palmos.  Este  Rio  de  Santo  André  á  o  mesmo  Rio  da  Vaca, 
esó  nesta  ultima  passagem  muda  o  nome ;  não  falta  por  aqui 
caça,  e  mel,  tem  algum  pasto,  campos  queimados,  e  algumas 
restingas  do  matto  grosso  :  Dista  o  campo  da  retirada  do  Rio 
da  Anta  6  legoas,  e  o  da  Vaoa  pouco  mais  de  7  de  Santo  André. 

Passado  este  a  pouco  mais  de  2  legoas  camintio  de  Norte 
e  Noroeste,  chegamos  a  um  campo  que  cham&o  Santa  Luzia, 
e  caminhando  por  elle  meia  legoa  ao  Ponente  dêmos  no  ribeirão 
da  Faxina  e  é  em  si  pequeno,  mas  para  se  passar  necessita  de  es- 
tiva, porque  atoUa  muito. 

Passado  este  4  legoas  ao  Noroeste  corre  ode  S.  Thomô 
com  10  braças  de  largo,  e  4  palmos  de  fundo  na  passagem 
mas  encantilado  d'uma  e  d'outra  parte  ;  e  caminhando  avante 
chegámos  ao  ribeirão  do  Norte  distante  do  de  S.  Thomé  p^moo 
mais  de  legoa  e  meia:  4  legoas  ou  5  ao  Pouente,  cominhando 
sempre  pelo  mesmo  campo  pass&mos  o  ribeirão  dos  Cavallo0 
com  10  braças  de  largo,  e  13  palmos  de  fundo,  quando  ha 
aguas. 

Noste  Ribeirão  dão  flm  os  campos  de  Santa  Luzia,  que  estão 
cercados  todos  de  grandes  morros,  e  terão  em  circuito  20  le- 
goas ;  tem  porém  em  si  muitas  catingas,  capões,  pinheiros,  e 
taquaras  o  por  baixo  muHa  congonha,  e  algum  mel,  pouca  caça, 
e  em  parte  nenhuma :  é  tudo  terra  enchuta,  e  com  muitos 
bons  pastos  para  gados. 

*  Quasi  pelo  meio  dos  ditos  campos,  passa  o  Rio  da  Vaca,  ou 
o  Passaqainze,  buscando  sempre  o  Poente,  e  engrossando-se  do 
cada  vez  mais.  A  Serra  desde  o  campo  da  retirada  até  o  ribei- 
rão dos  Cavallos  corre  a  Lesto,  o  deste  ribeirão  começão  Já  os 
campos  de  Tayó,  como  também  a  avistar-se  o  dito  morro  quasi 
ao  Noroeste  :  seguindo  avante  pelos  mesmos  campos  a  Leste  e 
Oesnoroeste  chegámos  outra  ves  a  passar  o  ribeirão  dos  Caval- 
los por  cima  d'uns  paus  que  lançamos  para  isso;  d*uma  e  d'oatra 
parte,  haverá  entre  estas  duas  passagens  pouco  mais  de  12  lé- 
guas :  3  legoas  mais  adiante  caminho  de  Leste  o  tomá- 
mos a  passar  em  outra  semelhante  ponte,  e  seguindo  daqui  ao 
Nornoroeste  em  basca  no  Tayò  dêmos  com  o  Birirobáo,  e  assim 


250  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

deve-se  advertir,  qne  no  traressio  desta  primeira  e  seg^anda 
passagem  do  ribeirão  dos  Cavallos,  adonde  virem  dois  ribeirões 
que  correm  para  a  Serra,  ambos  de  lages,  reparem  qoe  o  morro 
que  delies  se  avista  a  Loesnoroeste,  estando  o  tempo  claro  nâo 
é  o  Tajó,  mas  o  Birimbáo. 

Pica  este  Birimbào  sobre  a  serra  do  mar  e  delle  nasce  uma 
outra  serra  que  corta  ao  sudoeste,  e  parece  negra  ;  ohama-se  a 
Serra  do  engano,  terá  de  comprido  5  legoas,  e  olhando^se  de 
longe  para  eUa  parece  qua  se  divide  do  morro  do  Birimbào,  mas 
Ô  engano,  porque  toda  é  a  mesma:  tem  ao  pé  seus  campestres, 
e  captes,  e  para  mais  conheconça  alguns  pés  de  Botiàs  grandes, 
o  que  se  não  acha  desde  a  ultima  passagem  do  ribeirão  dos  Ca- 
vaUos  at6  ã  ponta  do  Sudoeste  desta  Serra  do  engano,  que  se- 
rão pouco  mais  de  8  legoas:  neste  travessio  se  passão  5  ribei- 
rões, que  em  tempos  d*agoas,  são  rios  de  2  e  3  braças  de 
l\indo,  e  12  e  15  de  largo. 

Seis  legoas  mais  avante  caminho  do  pouente  demos  com 
um  campo  razo  j&  queimado,  e  nelle  com  muitas  cruzes.  Aqui 
volta Jã  a  Serrado  mar  caminho  de  nornordeste,  e  daqui  se 
avista  também  ao  mesmo  rumo  outra  serra  quasi  tão  alta 
como  a  do  Engano,  lançada  de  Leste  Oeste,  chama-se  a  Serra 
da  Onça,  terá  de  comprido  5  legoas,  e  tem  por  conhecença  uma 
lomba  que  despede  da  ponta,  e  olha  para  o  nascente. 

Pela  ponta  desta  lomba  ó  que  seguimos  caminho  por  cam- 
pestres o  restingas.  Da  berra  do  Engano  a  esta  Serra  da 
Onça  haverá  18  legoas,  e  no  travessio  7  ribeirões  grandes,  mas 
tudo  campos,  ficando-lhe  os  mattos  da  serra  sempre  á  vtsta, 
os  quaes  vem  afossinhar  no  mesmo  campo,  formando  outros 
quando  rematão. 

Duas  legoas  mais  adeante  da  ponta  da  dita  Lomba,  e  ca- 
minho de  noi*deste,  entramos  na  restinga  grossa,  tem  3  legoas 
de  travessia,  pouco  matto  grosso,  sem  pasto  algum  de  capim, 
mas  muito  e  boa  folha  de  taquara. 

Sabidos  deste  matto  passamos  7  campinas  com  bellos  pastos, 
distancia  de  legoa  e  meia,  e  no  (Lm  delias  o  rio  das  Canoas  que 
costuma  ser  o  desembarque  dos  que  rodão  de  Curitiba  pelo  rio 
grande  abaixo.  Legoa  e  meia  mais  adiante  chegamos  ao  alto  da , 
Lomba  grande,  da  qual  se  vê  próximo  á  parte  do  nascente  uma 


NOTICIA   —  2. •PRATICA  251 

l&rguesa  grande  de  matta»  qae  segundo  julgo  vio  feneoer,  na 
Serra  do  Mar:  tem  a  dita  Lomba  grande  om  despenhadeiro 
para  a  parte  do  Nascente,  e  olàsundo  delia  para  a  parte  do  Sueste 
se  vô  estar  sobre  a  Serra  do  Mar,  um  morro  só,  quasi  redondo, 
do  feitio  de  uma  oella:  floa  a  dita  Lomba  no  matto  de  S,  Joio, 
ò  qual  terá  de  traressia  7  ou  8  legoas ;  no  meio  deste  matto 
ha  um  ribeirfto  que  oorre  para  o  nascente  o<Hn  grande  bar- 
rooada,  d\ima  parte,  e  outra,  muita  pedra,  e  4  bragas  de  largo 
com  só  2  palmos  de  Aindo,  e  se  chama  o  Ribeirio  de 
S.  Joio. 

Qoasi  na  sabida  deste  matto  floa  outro  ribeirão  que  ohamib 
o  Criste,  oom  4  palmos  de  fundo  na  passagem,  e  7  braças  de 
largo:  passado  este,  subimos  uma  ladeira,  e  continuando  pelo 
mesmo  matto,  caminho  de  nomoroeste  qnasi  nm  quarto  de 
legoa  chegamos  a  Desejada.  E*  .esta  uma  campina  que  terá  2 
legoas  de  circuito,  com  muito  e  bom  pasto,  tem  porém  um  pan« 
tanal  que  a  cinge  quasi  toda  pelo  Norte,  e  no  mais  estreito  uma 
grande  estiva  com  128  pranxOes:  aqui  ha  também  um  ribeiro 
chamado  o  Desejado  com  pouco  mais  de  5  braças  de  largo,  e  de 
íhndo  só  3  palmos,  e  daqui  é  que  começa  o  matto  do  Desenganei 
e  a  pouco  mais  de  2  legoas  o  ribeiro  do  mesmo  nome  :  passado 
este  caminho  de  nornordeste,  e  O  legoas  de  distancia  por  mattos 
e  campinas,  chegamos  a  outro  ribeiro  chamado  de  S.  Lourenço, 
terá  IO  braças  de  largo,  e  4  palmos  de  fundo,  e  daqui  principia 
o  Oampo  Alegre. 

Entrado  nelle  caminho  de  nordeste,  e  distancia  de  2  legoas, 
Uca  o  rio  do  mesmo  nome  do  Campo,  tem  5  braças  de  largo,  e  3 
de  ftmdo,  e  deste  a  legoa  e  meia,  e  sempro  do  mesmo  rumo  âca 
e  ribeinU)  de  Bartholomeu  com  8  braças  de  largo,  e  só  3*  palmos 
de íhndo  no  sitio  em  que  o  passamos:  mais  adiante  caminho  do 
norte  fica  o  rio  Qrande  pequeno ;  terá  de  largo  12  braças,  e 
pouco  mais  de  5  palmos  de  fundo,  e  distará  do  de  S.  Bartho- 
lomeu 5  legoas. 

Seguindo  o  mesmo  rumo  do  norte  7  legoas  mais  avante 
demos  no  rio  Grande  da  Coritiba,  e  passado  este  sahimos  com  o 
caminho  pouco  mais  de  9  legoas  distante  da  mesma  villa,  junto 
ao  Capio  Bonito,  que  é  uma  legoa  digo  das  Fazendas  do  Sar- 
gento raór  de  Santos,  Manoel  Gonçalves  d'Aguiar. 


252  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Isto  6  o  qne  poeso  iaformar  a  V.  Rma»,  segando  o  que 
obserrei  neste  caminho,  no  que  tooa  as  alturas  nSo  posso  diaer 
nada,  porque  nem  as  misérias  que  pafisei  nelle,  Jantas  oom  a 
fiBilta  de  mantimento,  nem  a  pouca  saúde  que  sempre  tive  me 
deriU)  logar  algum  para  a  mais  minima  observação.  Porto 
do  Rio  Grande  de  S.  Pedro  29  de  março  de  1738,  José  Ignacio. 

Desta  laformaçSo  se  colhe  com  evidencia  a  facilidade  com 
que  se  asseverou  ao  General  de  S.  Pulo,  e  este  á  Corte,  que  a 
sabida  do  matto,  e  entrada  do  campo  da  Vacaria  no  alto  da 
Serra»  estava  em  28  e  20  de  latitude  Austral,  motivo  que  obri- 
gou a  crer-ae  de  que  estes  campos  e  gados  entestavão  não  só  com 
a  Ilha  de  Santa  Catharina,  que  segundo  o  Roteiro  Português 
está  na  mesma  altura,  mas  ainda  cora  a  Villa  de  S.  Francisco» 
porque  nem  este  Piloto  tomou  altui*a  alguma,  nem  a  ilha  est& 
na  em  que  diz  o  nosso  roteiro  Portuguez,  mas  muito  mais  ao 
norte,  como  o  está  também  o  morro  de  SanfAnna»  ou  Gambi- 
rera,  distante  tantas  legoas  quantas  diz  o  primeiro  descobridor 
do  rio  dos  Poieoi  até  onde  chega  o  gado. 

Ougamos  agora  ao  coronel  Christovão  Pereira  d*Abreu,  e 
ao  seu  Piloto»  qae  foriU>  os  segundos  que  entrarão  ao  caminho» 
•  oomferidas  as  soas  com  as  minhas  observações  feitas  não  só 
na  ilha  mas  no  rio  Ararangaá,  se  verá  manifestamente  o  erro 
daquelle  informe,  além  de  que,  se  da  ilha  de  Santa  Catharina  ã 
laguna  ha  18  legoas»  e  desta  ao  rio  Araranguá  15  legoas  ou  13»  e 
o  dito  caminho  sahe  no  alto  da  serra  ao  sul  do  rio,  como  é  pos- 
sivel  enteste  com  a  ilha  de  Santa  Catharina  ? 


NOTICIA.  —  3/    PRATICA 

DADA  PELO  CORONAL  GHRISTOVAO  PEREIRA  DE  ABREU,  SOBRE 
O  HESMO  CAMINHO  AO  R.    P.   M*.    DIOGO  SOARES 


NOTICIA  —  3.»  PRATICA 


Dada   pelu  coronel  Christovâo  Pereira    d' Abreu,   sobre  o    mesmo 
caminho,  ao  R.  P.  M.    Diogo   Soares 


Pede-me  V.  Rma.  o  informe  do  novo  caminha  qao  abri 
peio  oertâo  para  a  Yilla  de  Coritiba,  as  utilidades  que  so  podem 
seguir  delle,  e  também  osseus  inconvenientes.  Melhor  poderá  íV 
zer  esta  deligencia,  se  me  achara  aqui  com  um  mappa  que  fiz  do 
dito  caminho,  e  dei  ao  Exm.  Sr.  Conde  de  Sarzedas,  Gover- 
nador e  capitão  general  que  foi  da  Capitania  de  S.  Paulo,  mas 
na  falta  delle,  direi  o  que  tiver  presente  na  minha  lembrança, 
certo,  de  que  a  prudência  de  V.  Rvma.  disculpará  os  meus 
erros. 

£*  bem  sabido»  que  por  tdâtA  de  gados,  e  principalmente 
de  cavalgaduras,  se  não  tem  desfrutado  mais  os  grande,  e  ricos 
thesouroSy  oom  que  a  providencia  divina  dotou  e  enriqueceu 
nesta  America  os  vastos  domínios  que  S.  Magestade  nella 
possuo,  e  que  nas  goucas  que  ha  pelo  seu  grande  valor  con- 
somem os  vassallos  muita  parte  dos  seus  cabedaes. 

Querendo  dar-lhe  remédio  António  da  Silva  Caldeira  Pi- 
mentel, que  Governava  S.  Paulo,  discorreu  mandar  abrir  o 
caminho  para  por  elle  se  introduzirem  destas  campanhas  na- 
quella  Capitania,  e  nas  das  Minas,  gados  e  cavalgaduras,  (to 
sorte  que  se  utilisassem  osVassallos,  e  augmentasse  a  Fazenda 
Real  de  S»  Magestade. 

A  esta  diligencia  forão  sempre  oppostos  vários  moradores 
das  ilhas  de  Santos,  Parnaguá,  e  Coritiba,  e  da  mesma  sorte 
os  da  Villa  da  Laguna,  e  de  Sta.  Catharina,  estes  porque  vi« 
vendo  retirados,  ou  por  crimes,  ou  por  outros  iguaes  motivos, 
como  régulos  sem  obediência  nem  terror  algum  de  justiça,  re- 
oeosos  de  que  eom  a  abertura  do  novo  caminho  perderião  as 
suas  liberdades,  o  fazião  impossível;  e  aquelles,  porque  senda 


256  KKVISTA   DO   INSTITUTO   HISTÓRICO 

S^enhores  d^aiguiuas  J imitadas  fazenlajs,  queba  aos  Caaipi>6  dt^ 
Ooritiba,  temião  o  flcar  com  muito  meuos  valor,  o  por  segui- 
rem a  sua  opiQíào,  publícaudo  com  arestos  íalsos  de  Paulistas 
antigos  serem  aquellos  Certoes  impraticáveis,  querendo  tam- 
bém persuadir-nos,  que  b'endo  aquollas  terras  confinantes  com 
aa  Aldeias  dos  P.  P.  Castelhanos,  poderíamos  sul*  invadidoà 
pelo  Oonnollas  aldeiados. 

Contra  todas  estas  opposições  resolveu  o  dito  (ioueral  An- 
tónio da  Silva  Caldeira,  mandar  penetrar  o  dito  Certâo,  prin- 
cipiando deste  Rio  Grande  de  S.  Pedro,  o  a  e^ta  diligencia 
despachou  ao  Sargento- mór  Francisco  d(s  Souza  e  Faria,  man- 
dando-lhe  assistir  com  todo  o  necessário  por  conta  da  Kaeeuda 
Real»  e  dando-ilio  ordens  amplas,  para  que  as  Gamaras  da  todas 
as  ViUas,  e  Capitães-móres  delias  lhe  dessem  toda  a  gente,  u 
o  mais  que  lhes  pedisse. 

Neste  tempo  me  achava  eu  na  nova  Colónia  do  Sacramento, 
o  tendo  esta  noticia,  me  puz  Logo  a  caminho  a  ver  o  estado 
em  que  se  achava  esta  diligencia,  e  chegando  á  Villa  da  Laguna 
achei  ao  dito  Francisco  de  Souzx  com  alguma  gente,  mas  quasi 
impossibilitado  a  dar  a  execução  ao  que  se  lhe  ordenava,  por- 
que oCapitão-mór  da  dita  Villa,  ou  pelos  motivos  já  ditos,  ou 
por  oontemplação  dos  moradores  das  Villas  de  Santos,  Parna- 
guá,  eCoritiba,  com  quem  era  aparentado,  simuladamente  lhe 
fttzia  impossível,  principalmente  na  gente»  porque  tanto  se  lhe 
alistava  de  dia  como  lhe  fugia  de  noite;  o  vendo-o  eu  neste  es- 
tado, cuidei  em  applicar-lhe  o  remédio,  fazendo-o  primeiro 
oongraciar  o  dito  Francisco  de  Souza,  com  o  Capitão* mór  a 
qoem  não  íiUlava,  e  tive  a  fortuna  de  que  oLle  se  puzesse  a  ca- 
minho com  boa  ordem  e  a  gente  necessária  em  Fevereiro  do 
728. 

Deizando-o  nestes  termos  me  recolhi  à  Colónia,  cuidando  em 
fazer  vma  tropa  de  cavallos,  c  bostas  muares  para  metter  pelo 
novo  caminho,  e  na  consideração  de  que  o  acharia  feito,  parti 
daquella  Praça  com  800  cavalgaduras,  e  cheguei  a  este  porto 
nos  fins  d'Outubro  de  1731,  e  passando  a  parte  do  Norte  achei 
varias  pessoas  com  um  grande  numero  do  animaes  para  entra« 
rem  ao  dtto  caminho,  e  sem  embargo  de  haver  noticia  certa, 
que  06  descobridores  tiohão  sahido  fora,  nenhum  se  auimava  a 


NOTICIAS   A   DIOGO  SOARES  257 

i88o;  assim  por  se  dizer  que  o  tal  caminho  necessitava  de  refor- 
mado, e  de  muito  beneficio,  como  pot  umas  vozes  vagas  que 
corrião  do  haver  gentio  dos  P.  P.  em  cima  da  Serra,  o  que 
me  resolvi  a  ir  em  pessoa  examinar  levando  comigo  só  três 
peisoas,  confiado  em  trazer  cartas  do  Provincial  das  Missões 
para  o  General  de  S.  Paulo,  e  para  quem  commandasse  o  dito 
gentio,  e  chegando  acima  da  Serra  me  demorei  dois  dias,  s^b 
ver  mais  que  campos  e  gados. 

Voltando  desta  diligencia  deixei  a  tropa  da  banda  do  Norte, 
passei  a  Santos,  e  a  S.  Paulo  a  fisLlIar  ao  General  António  da 
Silva  Caldeira,  como  também  a  buscar  nova  providencia  de 
gente,  armas,  ferramentas,  e  munições,  para  a  dita  entrada 
com  novas  ordens  do  dito  Qeneral,  que  mo  deu  liberalmente, 
e  com  effelto  chegando  de  volta,  e  seguindo  00  ramos  dos  pri- 
meiros descobridores  entrei  pelo  Rio  Araranguá  com  um  Pi- 
loto, e  sessenta  e  tantas  pessoas,  occupando  muita  parte  delia 
no  beneficio  do  caminho,  em  que  gastei  dilatado  tempo  em  até 
sahir  a  Serra,  por  serem  mattos  muitos  espessos,  morros,  rios* 
córregos,  e  pântanos,  em  que  precisamente  se  havião  de  fazer 
pontes  e  estivas. 

Feita  esta  diligencia  mandei  marchar  as  tropas  divididas 
em  trossos,  que  entre  a  minha,  e  a  dos  particulares  erão 
perto  de  três  mil  cavalgaduras,  e  cento  e  trinta  e  tantas 
pessosas  ;  sahidas  esta  me  acampei,  o  mandei  ver,  e  examinar 
logo  o  caminho  dos  primeiros  descobridores,  o  vendo  que  a 
pouca  mais  distancia  tornava  a  entrar  em  grandes  asperezas, 
por  se  encontrar  sempre  a  serra,  e  que  precisamente  dava  uma 
grande  volta  pelo  rumo  que  levava,  determinei  buscar  outro  s 
entrando  mais  pela  campanha,  o  receando  já  a  grande  demora 
que  poderia  ter,  tomei  a  providencia  de  levar  comigo  perto 
de  500  vacas  qne  mandei  colher  naquelles  campos,  e  nesta 
forma  ftii  continuando  a  minha  diligencia,  que  conclui, 
gastando  nella  treze  mezes,  e  topando  em  partes  como 
o  caminho  ou  picada  dos  novos  descobridores:  cheguei  a 
Villa  de  Coritiba.  deixando-o  na  ultima  perfeição  com  estivas, 
canoas  em  rios,  e  mais  da  300  pontes,  de  sorte,  que  em 
menos  d*um  mez  gente  escoteia  a  pé  podia  passar  todo  o  em 
que  gastei  13. 

491  —  17  Tomo  lxix  p,  1. 


258  REVISTA  DO   INSTITUTO  HISTÓRICO 

Sabida  a  Serra  se  compõem  aquellas  terras  d'ama  apra. 
zivel  vista,  com  campos  mui  dilatados,  cruzados  todos  de 
vários  córregos  de  cbristallioas  aguas,  que  correndo  para 
liCste,  formão  vários  rios  caudelosos,  que  sem  duvida  irão 
desagoar  no  Grande  Rio  da  Prata,  ha  também  nelles  muitas 
qiadeiras,  bons  mattos,  e  grande  numero  de  pinbaes. 

Logo  a  subir  se  topa  com  gados  que  cbegSo  aomente  aeom- 
panhando  o  caminho  ató  a  cruz  chamada  dos  Tapes,  por  um^ 
que  ali  acharão  os  primeiros  abridores,  .mas  entrando  para 
dentro  se  topa  um  grande  numero  do  dito  gado  em  campos 
nçioi  dilatados,  que  vâx)  confinar  com  uma  grande  Serra,  em 
uma  grande  distancia  que  se  mette  de  per  meio  com  as 
terras  das  aldeias  dos  P.  P.  da  Companhia,  a  qual  Serra  fez 
uma  quebrada  com  mattos  mui  espessos,  e  ó  por  onde  os  di- 
tos P.  P.  ha  poucos  annos,  com  muito  trabalho,  e  força  do 
braço,  e  machado,  abrirão  caminho  para  passar  os  primeiros 
gados,  o  que  aei  pelo  mandar  examinar  por  duas  possoas  de 
quem  me  fiava. 

{Istando  eu  naquellea  campos  por  varias  vezes  do  dia  vi 
pegar  fogos,  e. a  primeira  me  deu  algum  cuidado,  e  toda  a 
tropa,  por  entender-mos  seria  gentio,  mas  mandando*se  exa- 
minar se  não  achou  signal  algum  disso,  e  viemos  a  en- 
tender, que  nascia  do  grande  numero  de  christaes  que  ha  por 
aqueJUes  campos  e  córregos,  não  só  de  varias  cores,  mas  lapi- 
dados, e  tão  finos,  que  com  a  força  do  sol  pegão  fogo,  ou  d*uns 
cocos  de  diUèrentes  tamanho  formados  pela  natureza  por  fora 
d' uma  fina  pederneira,  e  por  dentro  de  uma  pinha  de  cristãos 
jã  lapidados,  que  ao  arrebentar  com  o  sol  faz  o  m^mo 
efifeito. 

Além  do  referido  com  que  a  natureza  formou  e  creou 
aquellas  terras  tem  admiráveis  paragens  para  creações  de 
giidos,  e  tem  mais  a  ezcellencia  de  serem  tão  salutiferas,  que 
em  todo  o  tempo  que  gastei  naquelle  sertão  não  houve  uma 
sangria,  nem  me  morreu  mais  que  um  homem,  que  jã  entrou 
mui  doente.  São  também  muito  farta  de  todo  o  género  de  caça, 
mel  e  pinhão,  e  mui  férteis  para  todo  o  género  de  plantas^ 
como  eu  experimentei  nos  campos  dos  Coritlbanos,  onde  tive 
alguma  demora. 


NOTICIAS  A  DIOGO  SOARES  259 

Sobre  tudo  isso  promettem  muitos  haveres,  e  nSo  meoos 
augmento  para  a  Fazenda  de  S.  Magestade,  pois  só  as  cavalga- 
duras que  entrarão  em  minha  companhia  renderão  para  a 
mesma  Fazenda  mais  de  10  mil  cruzados,  e  se  tivera  conti- 
nuado, se  com  a  occasi&o  da  guerra  do  Rio  da  Prata  não  fora 
preciso  vedar  o  dito  caminho  para  não  divirtir  assim  a  gente 
como  os  cavallos,  de  que  se  podia  necessitar,  e  isto  sem  experi- 
mentarem já  tanta  mortandade  nelles,  como  eu,  e  os  que  forão 
comigo  experimentámos,  assim  (lor  estar  o  dito  caminho  já 
perfeito,  como  por  se  povoarem  os  campos  de  viamão,  e  se 
descobrir  nelles  novo  atalho  á  subida  da  serra,  que  ô  onde  se 
experimentava  a  maior  perda,  sem  que  possa  haver  inconve- 
niente algum  que  o  embarace. 

Porque  o  affectado  temor,  que  nos  querem  introduzir  os 
apaixonados  de  sermos  invadidos  pelos  Tapes,  se  não  pode 
recear  em  nenhum  tempo,  assim  pela  estreita  garganta  por 
onde  sabemos  entrão  naquellas  terras,  com  50  armas  se  lhe 
pôde  cortar  o  passo  :  como  por  ser  aquella  nação  tão  traidora, 
como  cobarde,  incapaz  de  por  si  só  combaterem  com  outra 
alguma,  como  á  poucos  annos  se  vio  nas  differenças  que  tiverão 
com  os  Paragaes  que  bastarão  só  500  destes  para  passar  á  es- 
pada 4000  para  mais  de  Tapes. 

Menos  nos  devemos  persuadir  que  peção  socoorro  aos  Hes- 
panhoes,  pelo  grande  ciúme  que  os  P.  P.  teem  de  que  estos 
lhe  entrem  nas  Aldeias,  temendo  perde-las  ;  finalmente  parece 
indigno  de  vir  á  imaginação,  que  por  temor  de  semelhante  gente 
haja  S.  Magestade  se  deixar  usurpar  os  seus  dominios,  e  perder 
as  grandes  conveniências,  que  pelo  dito  caminho  podem  resultar 
á  Sua  Real  Fazenda  e  vassallos. 


NOTICIAS    PRATICAS 


MINAS   GERAES  DO  OURO  E  DIAMANTES 

QUE  Vk  DO  R.P.  DIOGO  SOARES  O  CAPITAO-MÓR  I.UIZ  BORGES  PlXTO, 

SOBRE  OS  SEUS  DESCOBRIMENTOS  DA  CEI.EBRE 

CASA  DA  CASCA  COMPREIIENDIDOS 

NOS  ANNOS  DE  1726-27  E  28,  SENDO  GOVERNADOR  E  CAPITÃO 

GENERAL  D.    LOURENÇO  D*ALMEIDA 


NOTICIA-  1.»  PRATÍCA 

Que  d&  ao  R  P.  Diogo  Soares,  o  Gapitão-mór  Lais  Borges  Pinto, 
sobre  os  seus  deacobrimeatos  da  celebre  oasa  da  casca  oompre- 
hendidos  nos  annos  de  1726-27  e  28,  sendo  GoTernador  e  Capitão 
General  D.  Lourenço  d'AImeida. 


I*RIMBIRA.  TIÂOBIC 

Sahl  do  Arraial  da  Gnarapiranga  nos  princípios  d*Abril  de 
1726,  com  97  armas  toda><  A  minha  casta,  e  providas  de  fkcSeSi 
patronas,  pólvora,  e  ohambo,  o  Pratico  a  oitava,  e  os  mais  á 
propor^ :  sahio  também  comigo  o  R.  P.  Manoel  da  Silva 
Borgos,  que  sempre  nos  disso  Missa  a  meia  oitava  de  esmola. 
A  primeira  marcha  qae  fizemos,  foi  á  barra  do  Xipotó,gastAmos 
nella  dois  dias  por  est  ir  por  a^uella  parte  já  feito  todo  o  ca- 
minho, é  todo  matto  geral  com  bastantes  rossas,  fazendas  e 
lavras,  e  algnmas  n^  tem  dado  pouco  ouro.  Passado  o  Guará»* 
piranga,  e  o  Xipotó,  no  sitio  de  Manoel  Valente,  comecei  a 
romper  o  matto,  que  ha,  e  grosso,  buscando  o  sul,  e  costeando 
o  Xipotó ;  depois  de  IS  ou  13  dias  de  boa  marcha,  voltando 
quasi  ao  sueste,  fui  dar  com  um  quilombo  de  negros,  que  ttve 
ao  principio  por  alguma  aldeia  de  gentio  pela  forma,  rossas  e 
ranchos,  de  que  estava  provida:  forão  cercados,  en vestidos,  e 
mortos  quatro,  e  os  restantes  se  amarrarão  para  serem  remet-  . 
tidos  a  seus  Senhores. 

2  —  Ficava  este  quilombo  n&9  cabeceiras  d*um  córrego,  que 
cham&o  o  Turvo,  e  desagoa  no  Guaraplranga  6  tegoas  abaixo  do 
Xipotó,  e  antes  do  sumidouro.  Daqui  fui  buscar  logo  as  cabe- 
ceiras do  rio  dos  (Coroados  seguindo  o  rumo  do  susudoeste:  gastei 
na  viagem  17  dias,  é  tudo  matto  grosso  com  bastante  caça  e 
vargeria.  Nestas  eabecettas  íhi  ameaçado  do  gentio  chamado 


264  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Lopo,  que  habita  ncllas,  e  por  todo  o  rio  Lopo,  qoe  lhe  dá  o 
nome.  Este  rio  é  o  que  vem  do  Pinlio  novo,  e  Velho,  a  se  passa 
nelles  no  cAminho  geral  do  Rio  de  Janeiro  para  estas  Minas,  o 
com  outra  cabeceira,  ou  riacho,  que  nasce,  e  corre  da  ponta  da 
tromba  da  serra  da  Casca,  forma  por  entre  a  mesma  serra,  e  o 
morro  redondo,  que  lhe  fica  quasi  ao  Oesnoroeste,  o  dito  Rio 
Lopo,  que  recebendo  em  si  da  parte  do  Leste  ao  Rio  Fundo  com 
mais  alguns  córregos  se  vai  metter  no  Parabuna  e  esta  na 
Parahyba. 

3  —  Das  Cabeceiras  dos  Coroados  abri  picada  costeando  o 
mesmo  rio  e  encostado  sempre  a  serra  com  bastante  trabalho  e 
perigo  ;  cheguei  ao  Rio  da  Casca  que  desagoa  nelle,  e  nasce  na 
mesma    Serra,  gastando  neste  caminho  81  dias. 

Fiz  rossas  na 'sua  barra  de  uma  e  outra  parte  do  rio^  e  para 
mais  deligcncias,  que  nelle  fiz,  não  achei  o  ouro  que  precisou 
aos  paulistas  a  deixarem  as  suas  casas  pelo  «eu  descobrimento, 
porque  ó  tudo  vargeria  e  matto  grosso. 

Desta  barra  dos  Coroados  correndo  abaixo  o  mesmo  rio  dei 
em  um  córrego,  a  que  puz  o  nome  Poço  grande,  gastei  7  dias 
nesta  picada.  Puz*lheuma  cruz  por  mostrar  algumas  ílsiiscas 
d'ouro. 

Não  passei  adianto  por  me  faltar  já  o  mantimento  e  temer 
ao  gentio,  c  assim  atravessando  os  Coroados,  vim  com  a  nova 
picada,  e  mais  direita,  sahir  ao  quilombo  por  entre  maito  fe^ 
chado,  e  vargerias.  No  quilombo  lancei  novas  rossas,  e  delle 
parti  com  toda  a  tropa  para  a  Gnarapiranga,  trazendo  comigo 
os  negros,  que  tinha  deixado  nello  com  guardas,  e  sahindo  nos 
principies  de  abril  chegou  nos  de  Outubro  do  mesmo  anno. 

SEGUNDA  VIAGEM 

No  anno  seguinte  de  1727  sahi  segundo  vei  aos  17  de  Maio 
com  44  armas,  vinte  cargas,  e  sem  o  R.  P,  Manoel  da  Silva 
Borges,  que  seguiu  diversa  picada.  Passei  o  Gnarapiranga  no 
Sitio  do  Medeiros,  o  Xipotó  no  do  Velloso,  e  abrindo  picada  até 
o  primeiro  bi^açode  um  pequeno  rio,  que  entra  no  mesmo  Xi- 
potó da  parte  do  Leste,  ti*es  legoas  abaixo  do  Velloso,  reparti 


NOTICIAS  A  DIOGO  SOARES  265 

nelle  a  gente,  elevando  comigo  só  dezoito  armas,  foi  costeando 
o  rio,  e  o  Xipotó,  basoando-lhe  as  cabeceiras,  nellas  achei 
o  Mello,  que  trouxe  então  comigo  para  me  servir  de  Pratioo, 
e  valerme  também  com  algumas  armas. 

Pela  mesma  picada  voltamos  ao  Sitio,  onde  tínhamos  repar- 
tido a  gente,  e  achávamos  Já  no  quilombo. 

2— Nesta  picada  que  Az  para  o  Mello,  achei  signaes  de  gen- 
tio ;  e  com  efiEéito  tinhSo  morto  ao  mesmo  Mello  no  seu  mesmo 
sitio  a  uma  india,  e  nos  mattos  visinhos  dois  mulatos.  Do  qui- 
lombo fui  buscando  o  caminho  e  picada,  que  tinha  deixado 
feita  no  anno  antscedeute,  e  para  ella  as  rossas  do  Rio  da 
Casca ;  cheguei  aellas  depois  de  alguns  dias  de  viagem  a  26  de 
Julho  dia  de  N.  S.  de  SaQt*Anna,«e  achei  já  nellaR.  P. 
M^moel  da  Silva,  com  a  mais  tropa,  que  o  acompanharão. 

Aqui  me  deixou  o  Mello,  deixaado-me  também  só  sete  ar- 
mas, por  lhe  ser  preciso  voltar  as  ua  oasa,  e  não  sem  risco 
pela  noticia  que  teve  de  lhe  fugirem  delia  os  negros  na  sua 
ausência. 

3— Nestas  rossas  acheijà  colhido  os  milhos,  e  feita  nova 
matalotagem,  marchei  abrindo  picada  ató  o  pó  da  Serra,  onde 
cheguei  depois  de  quatro  dias  de  marcha  ;  Subia  no  primeiro 
de  agosto  com  insuportável  trabalho,  em  que  gastei  7  dias,  e 
quatro  em  a  descer,  para  que  ó  altíssima;  passada  esta,  subi 
logo  outra  Serra,  entrando  por  uma  quebrada  delia,  mas  não 
com  tanta  facilidade  que  não  gastasse  três  dias  em  a  subir  e 
descer  ;  e  deixando  outra  a  mão  esquerda,  que  tem  a  ponta  ao 
Sul  e  corre  como  as  mais  qiiasi  ao  Norte,  dei  em  um  grande 
ribeiro,  a  que  dei  o  nome  de  Rio  Fundo:  e  costeando  por  elle 
abaixo  sempre  ao  Sul  encontrei  outro,  que  se  mete  no  mesmo 
Rio  Fundo,  da  parte  de  Leste,  e  nascem  ambos  nas  ditas  serras 
da  parte  do  Sul,  e  um  e  outro  desagoa  no  Rio  e  Lopo  e  este  na 
Parabuna. 

Gastei  nesta  picada  57  dias  com  os  de  falha  que  forão  nove, 
para  descanço  da  Tropa. 

Restabelecida  a  Tropa  passei  na  barra  este  rio,  e  costeando 
o  Fundo  um  ou  dois  dias,  me  resolvi  a  voltar  pelo  evidente 
perigo  do  gentio,  que  habita  por  todo  o  Rio  Lopo,  e  tanto  que  Já 
nos  cahião   noa  ranchos,  e  nas  picadas  as  folhas  das   suas 


266  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

queimadas,  e  assim  seguiu  pela  mesma  picada  o  caminho  das 
serras,  e  antes  delias  tive  algumas  das  folhas  aoima  ditas,  e 
descobri  também  no  mencionado  ribeiro,  que  entra  no  Rio 
Fundo,  boas  mostras  d'ouro. 

4— Tornei  a  subir  a  Serra,  e  vendo,  que  era  já  tempo  de 
planta  precisa  para  sustento  da  Tropa,  busquei  entre  as  duas 
serras  as  cabeceiras  do  Poço  Grande,  e  nellas  lancei  uma  rossa ; 
oocupou-se  neste  servigo  alguma  gente,  em  quanto  eu  com  a 
mais  marchava  ás  rossas  da  casa  da  casca  a  prover- me  de  man- 
timentos, conduzido  esto  á  cabeça  dos  negros  segui  logo  a  mes- 
ma serra  pela  volta  que  faz  ao  Norte,  e  desci  por  uma  quebrada 
gastando  na  viagem  cinco  dias. 

Nestes  dei  com  as  oaBeceiras  do  Rio  Abatipó,  e  correndo 
por  elle  abaixo  lhe  encontrei  as  aguas  mortas,  e  vermelhas  em 
bastante  distancia,  e  vi,  que  estas  despediâo  ao  depois  em 
uma  grande  e  forte  correnteza,  que  segui,  e  esperimontei 
achando  nella  alguns  signaes  de  ouro. 

No  ílm  desta  correnteza  passei  o  Rio  para  a  outra  parte  de 
Leste,  e  socavando-o  também  achei  ouro.  Passado  este  dei  em 
outro  rio,  que  nao  sei,  se  é  o  que  chamão  Capibari  e  desagoa 
no  Ribeirão  do  Carmo,  ou  Rio  Doce,  se  braço  ou  cabeceira 
Rio  Tapeba,  porque  lhe  nSo  vi  a  barra. 

õ^Passado  este  busquei  logo  o  Taplba,  e  depois  o  Rio  CnyetÒ, 
mas  antes  de  chegar  a  ellè,  me  vi  precisado  a  voltar-me  por 
medo  e  receio  do  gentio,  que  nelle  habita,  e  é  innumeravel,  de 
que  eiuo  signaes  certos  as  muitas  panella  que  achamos  suas 
por  todo  este  caminho  a  lem  de  que  já  me  achava  a  8  de  outu- 
bro, visinho  ás  aguas,  e  era  preciso  plantar  as  rossas  da  Casca 
e  quilombo  para  sustento  da  Tropa,  porque  as  da  serra  se  tinhao' 
plantado  no  mesmo  teioapo  que  andei  nesta  derrota,  e  asam 
volteia  Casca  em  oito  dias,  o  desta  ao  quilombo  em  cinco,  dei  lo 
ao  Xipotó  em  três,  e  desta  ao  Guarapiranga  em  um  que  foi  aos 
^  de  outubro,  deixando  tudo  preparado  e  prompto  para  no  anno 
seguinte  fazer  nova  viagem  com  as  plantas  das  três  rossas 
pelas  mesmas  picadas  antecedentes,  e  passar  a  buscar  os  Rice 
Arary,  Preto  e  Pardo,  e  descer  a  ver  na  parte  do  Norte  a  oele- 
bre  Bituruna,  onde  dizem  ha  muito  ouro,  e  sítios  capazes  de 
uma  boa  Povoaçáo. 


NOTICIAS  A  DIOGO  SOAhES  267 


TEROBIRA  VIAGEM 

Nesta  terceira  viagem,  qae  emprehendi  para  os  meuâ  des- 
cobrimentos determiaava  sahir  no  principio  de  Mayo  de  1728» 
e  estando  Já  preparado  com  50  armas,  poucas  para  o  fim  que 
intentava,  todas  como  sempre  a  minha  custa,  o  com  o  mais 
necessário  de  pólvora,  chumbo  e  bala,  me  resolvi  a  dar  parte  ao 
general  D.  Lourenço  d* Almeida,  e  valer-me  juntamenta  da  sua 
actividade,  e  protecção  para  me  por  prompta  mais  alguma  gente, 
pois  a  expedição  a  que  agora  sabia,  era  muito  mais  arriscada  que 
as  duas  antecedentes,  e  o  sitio  habitado  de  innumeravel  gentio  : 
mas  como  as  ordens  que  para  isso  se  derao,  nSo  sortissem  efléito 
algum,  &ltando-me  não  s6  a  gente,  mas  consumindo-se-me 
nestas  demoras  o  tempo,  e  os  mantimentos,  que  tinha  promptos, 
me  resolvi  a  deixar  a  viagem  do  Arary  e  Rio  Pardo,  e  com 
élles  a  da  Bituruna,  e  assim  costeando  novamente  a  Xipotó, 
busquei  outra  ves  o  Mello  resoluto  a  lançar  fora  daqusUes  mat- 
tos  um  bon^  lote  de  gentio  ooroado,  que  nos  dias  antecedentes 
tinhão  morto  a  taes  brancos,  e  com  effeito  o  flz  gastando 
dais  mezes  com  esta  viagem  por  me  entrarem  mais  cedo  as 
aguas,  e  não  me  darem  logar  a  poder  passar  adiante.  —  Luix 
Borges  Pinto* 


NOTICIA  —  2/  PRATICA 

DADA  PELO  ALFERES  MOREIRA  AO  P.  M*.  DIOGO  SOARES 

DAS  SUAS  BANDEIRAS  NO  DESCOBRIMENTO 

DO     CELEBRADO     MORRO    DA     ESPERANÇA      EMPREIIENDIDO 

NOS  ANNOS  DE  1731   E   1732 

SENDO  GENERAL  D«  LOURENÇO  DE  ALMEIDA 


notícia  —  2.»  PRATICA 


Dada  pelo  Alferes Moreira  ao  ?•  M.  Diogo  Soares 

das  suaa  Bandeiras  no  descobrimento  do  celebrado  Morro  d« 
Esperança  euiprehendido  nos  annos  de  1731  e  1732,  sendo 
General  D.  Lourenço  d' Almeida. 


1.  —  Sahi  da  Villa  de  N.  Sdf^.  da  Piedade  no  Pitangul  a  15 
d* Agosto  de  1731,  com  20  armas,  todas  á  minha  custa.  Cheguei 
ao  Bamboy,  que  ô  ultima  Fazenda  do  Rio  de  S.  Francisco, 
rio  acima,  depois  de  20  dias  de  viagem,  abrindo  em  todos  elles 
picada  por  mattos  carrasqucnhoB»  campos  cobertos,  e  catan* 
dubas  :  a  poucas  marchas  passei  o  Lambary,  que  é  um  rio, 
que  nascendo  emparelhado  com  o  do  Pitangui,  entra  nelle  oito 
Idgoas  abaixo  da  Villa  do  seu  mesmo  nome  :  mas  como  perdi 
o  rumo,  e  temi  as  agoas  foi-me  preciso  o  voltar  pela  mesmi^ 
picada,  em  que  gastei  15  dias. 

2.  —  Tornei  a  tentar  fortuna,  vendo  que  se  demoravSo  as 
agoas,  nos  princípios  de  Setembro  sahindo  pela  picada  antiga, 
que  vai  do  Pitangui  para  S.  Paulo,  mas  abrindo-a  de  novo 
por  estar  já.  cerrada  com  o  matto  cheguei  ao  Cururú  em  23 
dias  com  marchas  pequenas,  e  algumas  falhas,  depois  de 
passado  outra  vez  o  Lambary. 

B*  o  Cururú  um  brejo  grande,  distar&  pelo  caminho  velho 
de  S.  Paulo  da  Villa  do  Pitangui,  donde  sahi  só  três  dias  de 
viagem.  Passado  o  Cururú  cortei  ao  Pouente  a  buscar  o  Rio^ 
Grande  com  intento  de  emprehender  o  descobrimento  do  Morro 
da  Esperança,  de  que  dizem  os  Certanistas  antigos  ter  muito 
e  excellente  ouro.  Depois  soube,  que  fora  lançada,  e  plantada 
esta  rossa  por  outros  aventureiros  do  mesmo  Morro,  mas  sem 
effeito.  Situado  fiz  logo  duas  canoas,  rodei  nellas  rio  abaixo 
dia  e  meio  de  viagem  achando  d'uma  e  outra  parte  do  Rio 
varias  i*ancharias  que  ao  depois  me  constou   tinhão  sido  de 


272  REVISTA  IX)  INSTITUTO  HISTÓRICO 

duis  Tropas  qu«  sahirão  do  Rio  dos  Mortos  para  os  Quayases, 
pola  parte  em  que  a  serra  das  Carrancas  faz  a  primeira  cabeça  do 
Rio  Graode,  e  passado  o  Piauy  entraram  peia  primeira  bocayaa, 
onde  sabe  um  dos  braços,  oa  primeira  cabeceira  do  Rio  do 
S»  Francisco,  e  buscando  o  oampo  dos  Cayapós,  forão  sabir  A 
estrada  de  S.  Paulo,  nu  sitio  a  que  chamão  de  Lanboso. 
S.  —  A  parte,  que  rodei  do  Rio  Grande  é  limpa  o  boa,  mas 
para  baixo  tem  innumeraveis  cachoeiras  principalmente  até  o 
sitio,  onde  chamão  o  somidoiro  que  fica  abaixo  da  barra  do 
Rio  Sapuoay  oito  dias  de  viagem.  São  chapadas  tudo,  e 
morrerias.  Da  rossa  ou  sitio  em  que  ne  arranchei  lancei  uma 
bandeira,  que  se  recolheu  no  ftm  de  cinco  mezes  de  passados 
innumeraveis  trabalhos,  perigos,  fomes,  e  todas  as  mais  misé- 
rias, que  costumamos  experimentar  em  semelhantes  emprezas 
os  Gertanistas.  Busoon-me  esta  na  rossa,  não  me  achou  ja 
nelia  por  me  ter  recolhido  a  Pitangui  suppondo-a   perdi  a. 

4.  —  Nesta  retirada  que  foi  da  rossa  para  o  Pitaagui  en« 
centrei  perdido  naqnelles  mattos  ao  Capitão  Thomaz  de  Souza, 
natural  das  Ilhas,  que  com  outra  bandeira  buscava  a  altura 
dos  Guayases  com  o  signal  de  três  morros,  em  que  nasce  um 
formoso  Rio,  que  chamão  o  'Rio  das  Velhas,  desagoa  no  Par- 
nahiba,  este  no  Rio  Grande ;  recolhemos  ambos  ao  Pitangui 
onde  ohegamoe  a  23  de  Junho  véspera  de  S.  João.  Descansámos 
na  Villa  alguns  dias,  os  que  bastaram  para  nos  prover-mo.s 
de  pólvora,  e  munição,  e  voltando  ao  oertão  seguimos  ã  minha 
mesma  picada,  e  a  primeira  que  eu  nelia  abri,  passamos  o 
Bamboy,  e  nos  fomos  arranchar  no  Piauy  :  gastamos  nesta 
derrota  23  dias  por  respeito  dos  cavalloi,  em  que  conduzíamos 
00  trastes  e  mantimentos. 

5.  —Do  Piauy  lancei  uma  bandeira  que   me  gastou  hum 
-  mez  e  foi  buscar  o   Morro,   onde   as  carrancas  atravessão  o 

Rio  Grande,  e  socavado  o  morro,  aohou  não  ser  o  da  Espe- 
rança, eomo  dizia  o  Guia  :  emfim  não  consegui  então  aquelle 
descobrimento ;  porque  quando  o  quiz  emprohender  de  novo 
me  desamparou  o  Guia,  indusido  d' um  Bautista  Maciel 
Paulista,  que  se  acha  situado  no  Piauy,  e  o  mais  foi,  que 
não  m)  me  privou  do  guia.  mas  ainda  de  cinco  escravas 
menos,   a  quem  induzio  também  a  me   deixarem;  e  assim 


NOTICIA   —2.*   PRATICA  27B 

veado-me  som  gente,  e  sem  meio  para  a  dezejada  oonquista 
me  tornei  a  reoolher  ao  Pitangui  sem  mais  lacro,  que  o  que 
V.   R.  pôde  inferir  destas  misérias. 

6.  —  E'  de  advertir,  que  da  Bocayna,  ou  primeira  oabeceira 
do  Rio  do  S.  Francisco  a  estrada  gerai  de  S.  Paulo  para 
03  Guayases,  cortando  os  campos  dos  Cayapós,  são  onze  dias 
de  viagem ;  e  da  barra  do  Rio  Grande  ao  Sapuoay  seri 
um  mez  por  matto,  e  só  quinze  dias  pelo  rio.  Do  Sapucay 
ao  Morro  da  Esperancei  serão  ires  dias  :  neste  corta  o  Rio 
a  Serra  íicando-lhe  esta  sempre  &  mfto  direita ;  fronteira  ao 
morro  da  Esperança  fica  o  Bituruna—  gaassu,  este  morro 
exhala  fogo,  e  ha  muitas  tormentos  nelle :  dizem  que  tem 
muito  ouro,  e  que  pouco  abaixo  delle  está  uma  boa  aldeia  de 
Gentio.  Do  morro  da  Blturuna  á  primeira  bocayna  da  serra 
talhada  serão  oito  dias  de  viagem,  e  desta  &  segunda  bocayna 
quando  muito  meia  iegoa.  Entre  o  Piauy,  e  a  terra  ha  um 
grande  tremedal,  em  que  são  innumeraveis  os  mosquitos  tem: 
porem  muito  peixe  e  algumas  poagàs  de  ouro.  Os  rios 
dê  canoas  são  os  rios  Grande  e  pequeno,  o  Lambary,  o  Rio 
Verde,  o  Juruoca  e  o  Sapucay,  que  é  maior  que  este  nosso 
rio  das  velhas,  e  com  muito  mais  cachoeiras,  mas  tem  bom 
peixe,  a  agua  ó  limpissima,  e  muito  clara.  O  Alpsres  Moreira. 


491  —  18  Tomo  lxiv  p*  i. 


XOTICIA  —  3.'  PRATICA 

QUE  L>A  AO   R.    r**.   DIOGO    SOARES  O  MESTRE  DE  CAMPO 

JOSÉ    HEBELLO    VERDXQÂO.   SOBRE  OS  PRIMEIROS  DESCOBRIMENTOS 

TAS  MINAS  GERAES  DE  OURO 


NOTICIA  —  3.»  PRATICA 


Quo  dá  ao  R.  P.  Dio<;o  Soaro.s  o  Mf^stre  do  Campo  Jozó  Rebollo 
P.Tdijrão,  sobre  os  primoipos  descobrimentos  das  Minas  Ooraes 
do  Ouro. 


Manda-me  Y.  Revm",  quo  por  serviço  de  S.  Mag.  que 
Deo0  Gde.  e  como  habitador  dos  mais  antigos  destas  Minas, 
o  informe  dos  primeiros  descobrimentos  digo  descobridores 
delias  principalmente  do  celebro,  e  precioso  Ribeirão  de  Ouro 
Preto,  e  dos  mais  que  nelle  entrão  ató  formar  o  famoso 
RibeirSo  de  N.  Snr*.  do  Carmo  ;  com  particular  individuações 
do  qne  neista  matéria  souber,  e  como  para  semelhantes  em- 
pregos é  a  minha  obediência  cega  direi  o  que  se  informou 
ao  primeiro  Oenerai,  que  com  esta  incumbência  passou  ás 
Capitanias  de  S.  Paulo,  de  quem  vim  por  Secretario  do  seu 
Governo. 

2.  —  Tendo-se  feito  presente  a  S.  liAagestade  o  muito  alto  e 
poderoso  Rei  D.  Pedro  2.«  de  gloriosa  memoria,  qne  para 
estes  oertões  tinhão  vindo  os  primeiros  descobridores  do  ouro, 
foi  o  mesmo  Senhor  servido  mandar  a  Arthur  de  Sà  e  Me- 
nezes, ás  Capitanias  de  S.  Paulo  para  lhe  pôr  em  arrecadação 
08  seus  Reaes  quintos,  e  passar  igualmeute  a  estes  grandes 
e  preciosos  oertdes,  e  dar  as  primeiras  normas  precisas  ao  au- 
gmento  da  Sua  Real  Fazenda,  o  que  com  eíTeJto  fez  indo  pri- 
meiro a  S.  Paulo  onde  se  informou  dos  homens  e  certanistas 
mais  práticos,  e  fidedignos,  do  principio  que  ti  verão  estas  mi- 
nas, e  sitio  em  qne  se  achavão,  e  com  as  suas  informações 
formou  o  Regimento,  que  fundamos  nesta  Capitania,  com  a 
experiência  do  que  vimos,  e  experimentamos  nestas  Minas,  o 
ô  o  mesmo,  que  hoje  se  observa  uellas,  remetteodo-se  pri« 
meiro  ao  Conselho  Ultramarino,  segundo  o  que  ordenou  o 
mesmo  Soberano  ao  Desembargador  Josà  Vaz  Pinto,  primeiro 
superintendente  das  mesmas  Minas. 


HEVISTA   DO  INSTITUTO  HlSTOniGO 

278 

3.  —  Pelas  noticias  que  derão  em  S.  Panlo  os  primeiros 
Certanistas,  quo  yierão  do  descobrimento  das  esmeraldas  oom 
o  Capitão-Mór  Fernando  Dias  Paes,  e  principalmente  pela  d*um 
Duarte  Lopes,  quo  bzendo  experiência  em  um  certo  Ribeirão, 
que  disse  desaguava  no  Rio  Guarapiranga,  de  que  com  uma  bateya 
tirava  ouro,  e  tanto  que  chegava  em  Povoado  a  fazer  delle  varias 
peças  lavradas  para  o  uso  de  sua  casa,  se  animario  os  moradores 
de  todas  aquellas  Villas  a  formarem  uma  Tropa  com  o  intento 
de  buscarem  e  descobrirem  a  paragem,  ou  certão  da  dezejada 
casa  da  casca,  onde  disião  era  muito  e  precioso  o  ouro. 

4.  —  SabiriLo  estes  do  Povoado  no  Verfto  de  1694,  trazendo 
por  seus  primeiros  cabos,  Manoel  de  Camargo,  sen  cunhado 
Bartholomeu  Bueno,  seu  gearo  Miguel  d'Almeida,  e  Joio  Lopes 
Camargo,  seu  sobrinho,  que  ainda  hoje  existe  nestas  Minas. 
Chegados  a  Itaberaba  flzerfto  na  sua  serra  as  suas  primaras 
experiências,  e  descobrirão  nella  o  primeiro  ouro  ;  mas  oomo 
este  descobrimento  nSo  fosse  de  grande  lucro,  pfosegnlo,  o 
dito  Manoel  de  Camargo,  oom  seu  filho  Sebastifto  de  Camafgo, 
a  sua  primeira  derrota  da  ideada  casa  da  oasoa,  mas  anios 
de  chegar  a  ella  teve  a  infelicidade  do  o  matar  o  seu  gentio« 
deixando  só  com  vida  ao  tiiho  com  mais  alguns  negros,  oom 
quo  este  retrocedeu  a  viagem,  retlrandose  o  gentio  para  o 
matto,  oomo  natural  delle. 

5.  —  Depois  deste  primeiro  descobrimento  se  animou  a  em. 
prehender  segundo  um  Miguel  Qarcia,  descobrindo  na  íbz  da 
Swra  da  Itatiaya  um  ribeirão  a  que  deu  entSo  o  nome,  e  se 
chama  agora  o  Qualaxas  do  Sul  ;  mas  como  neste  descobri- 
mento recusarão  oa  Paulistas,  ou  naturaes  de  S.  Paulo,  a  dar 
partilha  nas  lavras  aos  de  Taubaté,  desconfiados  astes  lan» 
çarara  sua  Bandeira,  e  por  cabo  deila  a  um  Manoel  Garcia,  e 
oom  tanta  f^iicidaJo  que  em  breve  tempo  descobriram  o  oe* 
lobrado  o  rico  ouro  preto.  Com  osta  notícia  chegou  de  Po« 
voado  tanta  gente,  que  apenas  se  repartiram  três  braças  dn 
torra  a  cada  um  dos  mineiros  por  cuja  cansa  lançou  nova  Ran« 
deira  um  António  Dias,  e  correndo  a  mesma  Sorra  de^cobrio 
o  ribeiro  que  hoje  ohamão  do  mesmo  nome,  que  com  a  con« 
tinuação  e  disposição  que  lhe  derio,  ó  agora  uma  continuada 
ru^,  e  forma  a  rica  Yilla  de  Ouro  Preto. 


NOTICIAS  A  DXOGO  SOARES  279 

6.  •—  Com  a  mesma  emulado  fez  8ua  tropa  o  P.*  João  da 
Faria»  e  em  breve  tempo  descobrio  o  Ribeiro  de  sea  aome: 
porém  ooma  os  qoa  tiabão  mais  armas,  e  mais  séquito  erão 
seiw^  nestes  desoobrimeiítos  os  mais  bem  aquinhoados,  deter- 
minaram os  mal  contentes  formarem  noras  Bandeiras:  uma 
dietas  deseobrio  e  socavou  o  Ribeiro  que  oluanão  Bento  Roiz, 
Bome  do  Cabo,  de  tanta  grandeza,  que  tiraram  nel^  algumas 
batesradas  da  duzentas  e  trezentas  oitavas:  sendo  a  pinta  geral 
de  doas,  e  três  oitavas ;  e  foi  tanta  a  gente,  que  concorreu, 
qqe  no  anno  de  IÔ97,  valeu  o  alqueire  de  milho  sessenta  e 
quatro  oitavas»  e  o  mais  &  proporção. 

7.  -**  Outra  Bandeira  fez  também  o  Capitão  João  lopes  de 
Uma,  morador  no  Tibaya  de  s.  Paulo,  levando  ooQudgo  ap 
P.^  Manoel  liOpes,  seu  irmão ;  o  Buá,  de  alcunha^  e  desço- 
bilram  o  fiunoso  ribeirão  do  Carmo,  que  mandou  r^partir^  es- 
tando já  em  S.  Paulo,  o  meu  General,  nomeando  para  M^o 
por  Quarda-M6r  destas  Minas  ao  Sargento-Mór  Manoel  iiopes 
de  Medeiros  ;  O  ouro  deste  novo  ribeirão  se  avaliou  então  por 
melbor,  que  a  do  ouro  preto,  por  este  der  miUs  agro,  e  de  se 
ftier  em  j^daços  ao  pâr-se-lhe  o  cunho,  tanto  que  se  Julgou 
por  inútil,  çhegando*se  a  vender  a  oitava  por  doze  e  treze  vin- 
téns, na  Cidade  da  S.  Paulo,  motivo  porque  se  abandonou  três 
vezes  aquelle  descobrimento,  como  ou  presenciei. 

8.  —  Este  ribeirão  do  Carmo  se  repartio  coisa  de  duas  legoas 
em  15  de  Agosto  de  1700,  dando  o  descobridor  a  esperanoa  do 
que  para  baixo  se  seguião  maiores  pintas,  e  assim  se  tem  ex- 
perimentado em  tantos  annos,  que  se  tem  lavrado  o  dito  Ri- 
beirão. Passados  dois  annos  se  descobrio  também  o  Ribeirão 
de  António  Pereira,  nome  do  descobridor  ;  a  que  chamão  hoje 
Qualaxos  do  Norte :  e  como  este  descobrimento  foi  só  nas  ca* 
beceiras  do  dito  ribeiro,  passou  a  descobril-o  uo  n^eio  Sebastião 
Roiz  da  Qama,porque  o  seu  fim  ou  barra  a  descobrio  um  João 
Pedroso,  descobridor  ^também  do  Rio  Brumado,  e  da  do  Semi- 
douro,  que  não  derão  menos  riqueza.  Estes  rios  desagoão  ambos 
no  de  Miguel  Oaroia,  ou  Qualaxos  do  Sul,  e  todos  no  RibelrSq 
do  Carmo  Junto  ao  Forquim» 

9.  —  No  mesmo  Ribeirão  do  Carmo  desagoa  o  Ribeiro  do 
Bom  Successo,  que  descobrio  o  Coronel   Salvador  Fernandes 


280  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Fartado,  deu  muita  grandeza,  e  foi  o  sou  descobrimento  um 
anno  depois  do  de  Ribeirfio,  e  o  mesmo  Coronel  o  repartio  por 
ordem  do  meu  General,  com  este  exemplo  continuaram  os  mais 
Mineiros  a  proseguir  os  seus  descobrimentos,  Ribeirio  abaixo: 
e  o  primeiro  que  o  investigou,  foi  o  GapitSo  António  Rodova- 
lho, distancir  de  dez  léguas  pouco  mais  oa  menos,  hoje  do  Ouro 
Preto,  e  enUo  6  dias  de  viagem,  e  se  situou,  onde  V.  R."^ 
me  acha  agora  situado.  Passou  mais  abaixo  JoSo  Lima  Bom- 
íistnte,  e  se  sitiou,  onde  hoje  é  a  Freguezia  do  Bom  Jesus  do 
Ifonte,  chamado  commummente  Forquim,  e  o  que  depois  foi 
mais  abaixo,  foi  o  P.^  Alvarenga,  que  investigou  muita  parte 
deste  Cert&o.  O  ultimo  de  todos  que  se  situou  neste  Rio  foi 
Francisco  Bueno  de  Camargo,  grande  Certanista,  e  lançou  o 
seu  primeiro  sitio  junto  a  barra,  em  que  este  Rlbeir&o  se  íd- 
corpora  com  o  Rio  (luarapiranga,  maior  que  todos  os  mais, 
e  que  desagoa  nelle  por  três  grandes  bocas. 

10.  Todos  estes  descobrimentos  se  íiserSo  do  anno  de  1700 
para  diante.  Esta  informação  a  dou  a  V.  R."**  por  me  achar 
morador  nessas  Minas,  e  neste  Ribeir&o  do  Carmo  ha  perto  de 
32  annos,  e  como  V.  R.»*  me  nio  encarrega  a  noticia  das 
mais  partes,  a  não  dou,  o  que  íkrei  sendo  necessário.  D.* 
G/<»  a  V.  R.»*  Sr.  Ribeirio  abaixo,  2  de  Janeiro  de  1733, 
José  Rehello  Perdigão, 


NOTA  PRIMEIRA 

Depois  de  alcançada  esta  noticia  que  ao  depois  experi- 
mentei ser  verdadeira,  se  me  dice  no  arraial  de  S.  Caetano 
3  legoas  antes  do  do  Forquim,  e  aonde  fiz  esta  mesma  di- 
ligencia que  os  primeiros  seus  descobridores  forâo  sim  o  dito 
António  Rodovalho  da  Foncooa,  mas  acompanhado  do  Capitão 
Francisco  Alvares  Correia,  e  Sebastião  de  Fieltas  Moreira,  e 
que  estando  arranchados  no  Pissarão  cam  suas  rossas,  as 
deixaram  ;  e  entraram  a  descobrir  pelo  RibeiriLo  abaixo  tudo, 
o  que  corre  até  o  Forquim,  e  que  a  primeira  rancharia, 
que  tiohão    feito,  fora  no    morro  Grande,  oode   e:?tiveram 


NOTICIA  A  DIOGO  SOARES  281 

alguns  mezos  lavrando  o  dito  Ribeirot  donde  passaram   de 

pois  ao   Forquim    arranchando-8C   e  lavrando  nelle,   e  qae 
isso  haveria  pouco  menos  de  30  annos. 


NOTA    SEGUNDA 

o  Ribeiro  a  que  esta  Noticia  chama  de  Miguel  Garcia 
mm  primeiro  descobridor,  não  é  o  verdadeiro  Gualazos  do 
Sul,  ainda  qne  é  cabeceira  sua  ;  porque  este  nasce  na  Serra 
da  Itatiaya»  e  o  Garcia  unido  com  o  do  ouro  branco  entra 
no  do  Gualaxo  pela  parte  direita  junto  ao  sitio,  onde  hoje 
tem  as  suas  lavras  o  Dr.  Guido.  O  mesmo  succede  ao  Gua- 
laxo do  Norte,  com  o  de  António  Pereira,  que  sendo  diver- 
sos Ribeiros  correm  a  unir-se  com  o  mesmo  nome.  Notas 
Ao  estas,  que  nSo  mudSo  a  sustancia  desta  noticia,  mas  sâo 
precisas  para  algum  escrupaloso,  etc. 


NOTICI\  —  4.  \  PRATICA 

QUE  T)A  AO  R.   P.   DIOGO  SOARES  O  SARGENTO  MÓR    JOSÉ    MATTOS 
SOBRE  OS  DESCOBRIMENTOS  DO  FAMOSO  RIO  DAS  MORTES 


NOTÍCIA  —  4.»  PRATICA 

Que  dá  ao  R.    P.  Diogo  Soares,  o  ISargento-aiôr  José   Maltos  sobre 
os  descobrimentos  do  Famoso  Rio  das  Mortes. 


O  que  posso  iaformar  á  V.  Revma.  sobre  o  qae  me 
ordeaa,  é,  quo  oo  aono  de  1702,  pouoo  mais  ou  meãos,  des- 
cobrio  Thomó  Portos  d'£l-Rei  juoto  ao  sitio,  em  que  boje  está  a 
Villa  do  S.  José,  um  Ribeiro  que  ello,  como  substituto,  do 
Guarda-mór  Garcia  Roiz  Paes,  repartio  entre  si,  e  alguns 
Taubatoaoos,  onde  formaram  todos  um  arraial,  a  que  dorão 
o  uomo  de  Santo  António,  levantando  nelle  uma  pequena 
Capella  com  a  invocação  do  mesmo  Santo,  e  nesta  teve 
principio  a  primeira  Freguezia  deste  districto. 

2.  No  anno  de  1704,  com  pouca  differenca,  morando 
sobro  o  Rio  das  Mortes  desta  parte,  aonde  hojo  é,  e  foi 
sompro  o  porto  da  passagem,  António  Garcia  da  Cunha  Ta- 
batiano,  que  por  morto  do  dito  Thomó  Portos,  sen  sogro, 
succedeu  em  Guarda-mór  para  a  repartição  das  terras  mi- 
neraes,  assistia  na  sua  visinhança  um  Lourenço  da  Costa» 
natural  do  S.  Paulo,  que  sorvia  ao  dito  António  Garcia  de 
bou  escrivão  das  datas ;  osto  descobrio  o  Ribeiro  que  corre 
por  detraz  dos  morros  dejta  Villa  de  São  João,  para  a  parto 
do  Noroeste,  e  foi  repartido  entre  varias  pessoas  oom  o  nome 
do  S.'  Francisco  Xavier,  e  tem  dado,  e  dá  ainda  hoje  ouro,  e 
n^  só  no  principio  do  seu  descobrimento,  mas  em  alguns  annos 
depois  so  lhe  acharam  em  algumas   paragens  pintas  ricas. 

3.  Neste  mesmo  tempo  um  alho  de  Portugal  chamado 
Manoel  João  Barcellos,  descobrio  pelo  morro  desta  Villa,  em 
que  hoje  so  minera  muito,  e  bom  ouro,  o  foi  o  primeiro 
quo  se  descobrio  polo  campo  fora  dos  ribeiros,  e  suas  mar- 
gens. Descoberto  e  repartido  o  dito  morro,  o  primeiro  que 
nelle  se  poz  a  faiscar  foi  um  Sr.  Pedro  do  Rosário,  da  Ordem 


286  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

de  S.  Panlo  e  a  seu  exemplo  os  mai«  que  tinhSo  na 
dita  repartição  sua  parte,  acharam  estes  pela  raiz  do  capim 
muitas  e  boas  manchas,  a  que  naquelle  tempo  chamavão  pa- 
nollas,  de  300,  500  e  700  e  mais  citaras  com  tanta  flMilidade 
que  convidados  delia  alguns  dos  visinhos,  e  outros  vindos 
de  fora,  uns  pedindo  alguns  restos  do  dito  moiTO,  e  outros 
assoeiaudo-se,  formarão  arraial  ao  pá  do  mesoio  morro,  pela 
paragem  que  está  da  Matriz  atô  ao  mesmo  morro,  com  uma 
Gapelia  dedicada  a  N.  S.  do  Pilar,  que  depois  foi  a 
segunda  ft*eguezia,  e  assim  lhe  deram  o  nome  de  Arraial 
Novo  de  N.  S.  do  Pilar  em  razão  do  Arraial  de  Santo 
António  ser  primeiro,  pelo  que  ficou  sondo  arraial  velho 
nome  que  perdeu  creando*o  Villa  no  anno  de  1718,  ò  Condo 
d^Assumar,  D.  Pedro  d' Almeida,  sendo  Governador  e  Gene- 
ral destas  Minas,  e  dando-lhe  o  nome  de  S.  José  quatro 
annos  depois  da  erecção  desta  por  D.  Braz  Balthazar  da 
Silveira,  seu  antecessor  no  anno  de  1714,  debaixo  do  titulo 
de  S.   João  d'El-Rei. 

4.  Nesta,  e  na  de  S.  José,  e  seus  termos  se  lavra 
atô  ó  presente  por  terra,  e  pelo  mesmo  rio  das  Mortes,  e 
suas  margens,  e  se  tem  topado  em  difforontes  tempos  com 
boas  pintas,  o  grandes  manchas ;  porque  da  outra  parte  do 
rio,  aonde  chamam  o  Córrego,  que  também  ó  descoberto 
desde  o  principio  destas  Minas,  se  tem  dado  varias  catas 
de  grandes  conventos,  como  também  por  matto  dentro  da 
Villa  de  S.  José,  e  ainda  na  mesma  VlUa  com  boas  e  ricas 
Guapiaras. 

5.  Nesta  rossa  de  S.  João  se  tem  achado  polo  pó  do 
morro  delia  varias  manchas  de  consideração  na  primeira 
fbrmação,  e  na  que  chamam  segunda  muito  maiores  pxo- 
í\indanão*a  alguns  dos  mineiros,  que  a  tem  lavrado  pela 
baixa  do  mesmo  morro,  que  corre  da  parte  do  Ribeiro  da 
Villa  para  o  poente,  por  alguns  signaeSi  que  toparão  na 
primeira  formação  ;  como  também  pela  vargem,  que  se  estendo 
pelo  mesmo  Ribeiro  da  Villa  até  onde  chamão  o  Tejuco,  se 
tem  extrahido  muito  ouro* 

6.  Tanibem  no  mesmo  rio  das  Mortes  no  sítio  a  que 
chamão  o  Cuyabã  se  tirou  estes  annos  próximos  uma  grande 


NOTICIA  A  DIOGO  SOARES  287 

mancha  de  pedaços  d*ouro,  no  mesmo  anno  de  1730  tirou  o 
CapitSo  Jofto  Ferreira  dos  Santos,  uma  ezeessiya  grandeza» 
harendo  tirado  no  mesmo  Cuyabá,  5  ou  6  antes,  em  todos 
elles  bastante  ouro:  no  mesmo  anno  de  1730  teve  a  mesma 
íòrtnna  João  d^Oliveira,  e  seus  sócios,  tirando  igual  gran- 
deza a  de  João  Ferreira  dos  Santos,  e  só  com  a  diíTerença, 
que  este  o  achou  no  yeio  do  Rio,  e  aquelle  no  barranco 
do  mesmo  Rio,  e  no  sitio,  que  partia  com  o  veio,  que 
lacrou  o  dito  João  Ferreira  dor  Santos ;  e  assim  por  todos 
06  barrancos  de  ama  e  outra  parte  se  tira  actualmente  bas- 
tante ouro.  Como  também  pelo  veio  do  mesmo  Rio  nas  suas 
Itaybas,  ou  ilhas  cobertas  d'agoa,  tirando-se  de  mer- 
gulho ;  porque  onde  as  nâo  ha  de  faísca  com  Oanôas  ar- 
madas de  uns  ferros  á  maneira  de  colheres. 

Todo  este  louvor  se  faz  excessivo  trabalho,  valendo«so 
todo  para  esgotar  a  agoa  da  força  de  negros  com  bateas 
ou  outros  engenhos  de  rodas  e  rodas  sobro  rodas  mas  com  ser 
igual  o  trabalho  o  proveito  é  de  peuoos  porque  os  haveres  só 
são  para  quem  Deus  os  tem  determinado  eto. 

A'  pag.  zn  —  Noticia,  2»  pratica  *  Nota  (2),  ha  esta 
lacuna: 

€  Chegando  ao  Rio  Grande  com  bastante  dias  de  viagem 
me  arranchei  em  uma  rossa  que  achei  plantada  nelle :  re- 
colhi o  mantimento,  rossei  e  plantei  de  novo  outro  •>  Depois 
soube  etc... 


NOTICIAS  PRATICAS 


COSTA   E   POVOAÇÕES  DO  MAR  DO  SUL 

B  RS8P03TA  QUE  DBU   O  8AR0BNT0-MÓH  DA   PRAÇA  DB  SANTOS  MANUBL 

GONÇALVBB  DB  AGUIAR,   ÁS   PBROUNTAS 

QUE  LIIB   FBZ  O  GOVERNADOR   B  CAPITÃO-OBNBRAL  DA  GIDADI 

DO     RIO     DB    JANBIRO     E    CAPITANIAS     DO    0UL. 

ANTÓNIO  DB     BRITO     B     MENEZBS,    80RRB     A      GOSTA     B     POVOAÇÕB.S 

DO  M£!JMO  NOMB 


491—19  Tomo  lxix  p.  i. 


KotitiM  pmicag  li  CMtii  e  FDTOKfin  lo  Mar  ii 


NOTICIA-  1.»  PRATICA 

E  resposta  que  líen  o  Sar-ento-mór  da  Praça  de  Santos,  Manoel 
Gonçalves  do  Aguiar,  ás  perguntas  que  lhe  fea  o  Governador  e 
Capitão  General  da  Cidade  do  Rio  de  Jaiíeiro,  e  Capitanias  do 
Sul,  António  de  Brito  e  Menezes,  sobre  a  costa  e  povoações  do 
mesmo  mar. 


1.»  PE  Ra  UNTA 

Se  a  entrada  da  Ilha  de  Santa  Catharína  ó  fácil  a  toda  a 
casta  de  navios,  ou  se  necessita  de  monção  alguma,  assim  de 
ventos,  como  de  correntes  de  aguas? 

RESPOSTA 

Digo  que  a  dita  entrada  da  Ilha  de  Santa  Catharina  é  sim 
fácil  a  toda  a  casta  de  embarcação,  mas  não  tanto,  que  possão 
estas  passar  da  Ilha  de  Ratonez,  onde  costumavão  dar  fundo  os 
navios  Francezes,  que  ião  e  vinhão  do  mar  do  sul  em  tempo, 
que  tínhamos  guerras  com  eUes,  como  ainda  agora  o  •stão 
também  fazendo,  uns  a  refrescar-se,  e  fazerem  agoada,  e  lenha, 
e  outros  a  esperarem  o  tempo  das  monções  chegando  ali  antes, 
ou  depois  delias ;  porque  dos  Ratonez  até  a  Povoação  só  podem 
entrar  Samaoas,  ou  Patachos  pequenos,  que  demandem  pouca 
agoa,  porque  em  partes  tem  somente  duas  braças  de  fundo,  o 
que  se  entende  entrando  os  ditos  navios,  pela  barra  do 
Norte,  que  entrando  pela  do  Sul  só  Sumacas  grandes,  ou  Pa- 
tachos pequenos  podem  chegar  á  Povoação,  sahindo  por  uma 
barra  e  entrando  por  outra,  tudo  por  dentro  d%  Ilha  e  terra 


292  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Também  na  barra  do  Sul  costumão  dar  ftindo  os  Francezes 
entre  uma  Ilha  que  fica  na  boca  da  mesma  barra,  e  a  Ponta  da 
terra  flrme.  onde  puzerio  um  marco  ou  padrão  que  amda  h(we 
extete  sobre  adita  Ponta  daa  Pedra»,  e  ahl  fezUto  agoada,  e 
lenha,  mas  com  nSo  pouco  risco  do  darem  i  costa,  entrando 
iCue^  ventos  Sueste  ou  Sul.  Para  se  buscar  ^ta  l^a  nio 
2e  necessita  de  monção,  e  menos  o  esperar  mar6s.  mas  com 
torrS^mpo  se  navega  para  cila  por  (kzer  um  como  cabo 

H Aflta  Gosta  do  Sul . 

sem  embargo  de  que  revirando  os  ventos  Sues  no  seu 
tempo  dar*  detrimento  a  se  alcançar. 

a.*  PERGUNTA 

se  os  navios  que  estão  ancorados  no  Porto  da  Ilha  estão 
seguros  de  todos  os  ventos,  o  do  todo  o  mar? 

RESPOSTA 

Respondo,  que  os  navios  na  Ilha.  e  porto  dos  Ratonez  estão 
seiruroBdos  ventos  tendo  boas  amarras,  e  do  mar  muito 
melhor,  por  estarem  entre  a  terra  arme,  e  a  Ilha  onde  so- 
ment^  ha  mat  quando  venta.  E' verdade  que  no  Porto  da 
Povotc-al)  tem  as  Sumacas  o  Patachos,  que  nelle  «tão  muito 
mais  abrigo,  assim  dos  ventos,  cómodo  mar. 

3.»  PBRGUNTA 

Se  ha  abundância  de  peixe,  e  se  tem  capacidade  para  se 
fazerem  nella  pescarias  de  Baleias  ? 

RESPOSTA 

Não  ha  duvida,  que  ha  na  dita  Ilha  bastante  peixe  i«ira  so 
moradores  que  nella  morão.  o  tanto  que  fazem  suas  secas ;  que 
^írcgâo  as  Suniacas.  que  ali  vão  para  negocio,  mas  se  se  po- 
^r^combasunte  gente,  terão  o  preciso  para  o  sustento 
líf^ra  secas  só  as  poderão  fazer  no  tempo  do  P^^aq"^  ^o 
íuercspeit.  a  pescaria  das  baleias,  respondo,  que  nao  tema 
dUaíha  capacidade  alguma  panv  isso  ;  porque  pelos  baixos  que 


NOTICIAS  A   DlOr.O  SOARES  203 

tem  nao  entrão  baleias  nella.  Só  no  Rio  de  S«  Francisco  se 
poderá  fazer  uma  boa  pescaria,  e  melhor,  e  mais  suave  que  a 
do  Rio  de  Janeiro.  A  mesma  so  pôde  fazer  em  Santos  com 
não  menos  commodidade. 

4.»  PERGUNTA 

Se  a  Ilha  ó  sadia,  se  tem  bons  ares,  e  boas  agoas  ? 

RESPOSTA 

E'  sem  questão,  que  de  todas  as  terras,  que  ha  povoadas 
nesta  costa,  é  esta  a  Ilha  a  melhor,  e  a  mais  sadia,  e  com  as 
melhores,  e  mais  saudáveis  agoas,  e  com  os  ares  semelhantes 
aos  de  Portugal,  assim  na  Ilha,  como  na  sua  terra  íirme. 

5.*  PERGUNTA 

Se  a  terra  é  montuosa,  ou  campina  das  a  que  chamão 
Massapé  ? 

RESPOSTA 

Digo  que  a  terra  da  Ilha  é  toda  Lavradia,  tem  algamas 
campinas,  e  os  montes,  e  serras  que  tom  so  lavra  ao  pé  delias ; 
não  é  massapé,  ma?  é  uma  terra  de  areia  grossa  que  sempre 
está  (Vesca,  e  ])or  isso  produzem  nellas  todos  os  mantimentos 
por  sor  a  mais  delia  com  pedregulho  miúdo. 

6.*  PERGtJNT.V 

Se  do  tempo  em  que  foi  povoada  lho  íicou  algum  gado^,  que 
moradores  tem,  e  se  farão  mais  em  outros  tempos,  que  frutos 
dá,  o  de  que  se  sustentão  seus  moradores  ^ 

RESPOSTA 

Não  ha  duvida,  que,  do  principio  que  foi  povoada  esta 
Ilha  atô  o  presente,  sempre  teve  moradores,  o  o  gado  sempre  o 
conservarão,  ou  pouco  ou  muito  antes  que  França  tivesse 
guerra  comnosco  havia  mais  do  que  hoje  tem  poros  seus 
corsários  lhe  matarão  quasi  todo  em  um  campo  chamado 
Aracatuba,  que  flca  na  barra  do  Sul  na  terra  firme. 


294  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Este  gado  teve  sea  principio  na  Ilha,  pelo  lerar  a  ella  da 
Villa  de  Coritiba  um  morador  da  mesma  Ilha:  passando-o  em 
balças  pela  mesma  costa  do  mar.  Os  moradores  que  actual- 
mente tem  nâo  passâo  de  vinte  e  dois  oazaes.  Dá  todos  os 
frutos  do  Brazil,  e  também  os  da  Europa,  como  trigo,  uvas,  a 
flgos.  O  de  que  por  ora  se  sustentão  é  mandioca  em  ftirinha, 
milho,  feijão,  ftimo,  e  peixe. 

7.»  PERGUNTA 

Se  a  Ilha  pela  parte  do  mar  tem  algam  desembarcadoiro» 
ou  se  a  terra  ó  em  alguma  parte  baixa  com  capacidade  para 
elle? 

RESPOSTA 

Em  toda  a  Ilha,  assim  pela  parte  do  mar,  como  pela  da 
terra  ha  varias  enseadas  com  suas  praias  de  areias,  onde  se 
pôde  facilmente  desembarcar,  e  nas  mais  das  ditas  parages  tem 
terra  raza,  sem  embargo  de  que  pela  parte  do  mar,  s3ndo  o 
tempo  ruim,  não  se  desembarcará  sem  perigo»  principalmente 
nSo  sendo  pratioo. 

8.*  PERGUNTA 

Se  a  Ilha  da  Galé  tem  porto  em  alguma  parte,  agoa,  e 
lenha  ? 

RESPOSTA 

A  Ilha  da  Galo  ó  rocha  toda  do  feitio,  e  forma  de  uma  Galo 
que  lhe  dá  o  nome  e  assim  não  tem  porto  algum,  agoa,  ou 
lenha. 

9.»  PERGUNTA 

Se  a  Ilha  do  Arvoredo,  que  também  ahi  fl&a  tem  algumas 
das  ditas  cousas  ou  propriedades  ? 

RESPOSTA 

A  Ilha  do  Arvoredo,  que  est&  fronteira  a  da  Galé,  é  sim 
maior  que  elia,  e  coberta  toda  de  arvores  ;  tem  alguma  agoa, 
mas  pouca,  e  sem  porto  nenhum,  por  ser  tudo  pedras  em  roda. 


NOTICIAS  A  DIOGO  SOARBS  SÔ5 


10>  PBÍIGUNTA 

Se  a  terra  flrnie  froateira  &  Ilha  de  Banta  CAtliarina  a  que 
chaiúto  Maodtíy  é  monttio0&,  coberta  de  tnattô,  abundante  de 
Agoas,  6  de  boná  ares  ? 

11K3P0STA 

A  terra  quo  fica  fronteira  á  Ilha  de  Santa  caihari&a  nito  le 
chama  Maodiiy,  mas  Mariguy :  esta  tem  seas  montes  não  muito 
altos  :  tem  vargens  lattudiaá  todas  cobertas  de  mattos,  tem 
aboadanciu  de  agoas  com  vários  rios,  e  com  os  loesmos  ares  que 
06  da  Ilha  por  estar  &  vista  uma  da  outra. 

11.»  PERGUNTA 

Que  coisa  é  a  Bnseada  das  Guaroupas,  e  se  defronte  delia, 
ou  da  Ilha  da  Galé,  ha  também  alguma  Bafaia  f 

RESPOSTA 

A  Enseada  das  Giiaroupasi  é  uttta  enseada  eapaa  de  reééMr 
em  si  uma  armada,  e  aonde  pôde  fkíèr  ésti  a^a^  e  lenh&,  mn 
hottò  adooi^as  é  afnafras  :  e  de  nma  llbotà  ()úe  teiíl  da  dit& 
Shséadá  pái^a  a  terfa  podem  estAr  Sttffièu^  se^nras  de  todds 
os  ventos  amarradas  com  qualquer  cabo:  mas  nem  pc^i*  Mo  6 
capaz  de  se  povoar,  por  que  as  suae  serras  vem  ter  ao  mar,  e 
assim  não  tem  terras,  mais  quo  s6  praias. 

De  fronte  da  Uha  da  Galo  fica  uma  Bnseada  ou  bahia,  a  que 
chamão  da  tojuca  a  Lés-sudoeste  delia ;  e  esta  Enseada  ou 
Bahia  poucas  embarcações  dão  fundo  nella,  porque  os  f  erraoa 
são  sempre  ali  continues,  e  eon  grande  força,  alem  de  ter 
também  bastantes  lages  sobre  agoadas. 

12.*  PERGtJNtA 

911  entre  o  Rio  TamàúdaM  e  Mandtiy  ha  gentio  algum,  e  te 
M  r^ssgate  f  Sle  ós  tátíipoÉ  Ma  perto,  e  tl^  ha  ftedétt  gééô  í 


296  REVISTA  DO  INSTITUTO   HISTÓRICO 


RESPOSTA 

Em  toda  esta  costa  do  mar  do  sul  nSo  ha  rio,  que  se  obama 
Tamandaré,  Dom  Manduy  :  86  abaixo  da  Povoação  da  Laguna 
ha  um  rio  chamado  Taramandy  30  léguas  pouco  mais  ou  menos 
ao  sul  da  dita  Povoação  ;  e  ao  Norte  deste  rio  está  ontro  a  qae 
chamão  Ibopetaba ;  e  nem  em  um  nem  om  outro  ha  já  gentio, 
nem  fbmo  delle,  e  nelles  tudo  são  campos  até  o  pé  das  serras 
com  muitas  e  varias  Lagdas. 

13."  PERGUNTA. 

Se  ha  noticia,  que  os  castelhanos  neste  oertão,  ou  nesta 
visinhança  venhão  buscar  a  Erva  chamada  Congonha,  ou  fazer 
alguma  descoberta,  de  que  tenhão  noticia  os  Paulistas  ? 

RESPOSTA 

Pelas  noticias  que  me  derão  os  moradores  da  Laguna  no 
anno  de  1716  em  Janeiro  que  ali  estive  sei,  que  os  Castelhanos, 
donde  se  provião  das  congonhas  era  da  Cidade  a  que  chamão 
Paraguay,  e  outros  legares  circumvesinhos,  e  princijBalmente 
das  aldeias  dos  P.  P.  da  Companhia  Castelhanos,  que  todos  flcão 
pelo  rio  de  Buenos  Aires  acima  e  da  nossa  parte,  e  que  ahi 
fazião  negocio  para  a  levarem  para  a  outra  banda  da  parte 
do  Peru ;  e  sobre  fazerem  alguma  descoberta  não  ha  noticia 
alguma. 

14.*  PERGUNTA 

Se  fazendo-se  uma  fortaleza  na  Terra  arme,  ou  na  Ilha  de 
Santa  Catharina  defendera,  e  impedirá  a  entrada  do  seu  porto 
a  todas  as  embarcações  ? 

RBBPOGTA 

Ainda  que  se  fizessem  não  só  uma  fortaleza,  mas  quatro, 
era  impossível  o  impedir-se  a  entrada  de  navios,  e  defender 
aquelle  porto,  ou  fossem  na  terra  firme,  ou  na  Ilha,  principal- 
mente na  barra  do  Norte,  que  ô  a  melhor,  e  a  mais  segura  ; 
porque  onde  os  Navios  dão  fundo  nos  Ratones  ha  de  ter  mais  de 


NOTICIA  A  DIOGO  SOARES  297 

nma  legoa  de  largo  ;  e  só  na  paragem  onde  chamão  o  estreito, 
ou  na  terra  firme,  ou  na  Ilha,  é«  que  se  poderá  faier  uma  boa 
fortaleza  para  defesa  da  Povoaçfto ;  porque  de  qualquer  das 
partes  a  descobre*  por  ser  um  tiro  de  mosquete  seguro  de  pon- 
taria de  uma,  e  outra  parte. 

15.*  PKRGUNTA 

Que  Rios  ha  desde  a  Ilha  de  Santa  Catharína  até  o  Porto 
ou  Rio  Grande  da  Lagoa  de  S.  Pedro  ? 

RBSPOSTA 

Da  Ilha  de  Santa  Catharina  até  a  Laguna  ha  3  rios  : 
o  I  ."^  junto  á  Uha,  a  que  cbamâo  Ivay,  o  2.<»  que  sabe  de  uma 
Lagoa  chamada  Blariqnira,  o  3.«  queé  a  barra  da  Laguna. 
Deste  ao  porto  de  S.  Pedro  ha  outros  3.  O  I  .'^  é  o  rio  Ara- 
ranguá,  o  2.o  o  Ibopetuba,  e  o  S.**  o  Taramandy.  Antes  de 
chegar  ao  dito  Porto  ha  também  uma  lagoa  que  terá  de 
oomprido  14  ou  15  legoas  pouco  mais  ou  menos  chamada 
Boripú,  que  em  occasiio  d*agoa8  abre  barra.  Em  todos  estes 
rios  nao  entrSo  nem  ainda  lanchas,  excepto  no  da  la^na,  em 
que  cntrão  também  Sumacas* 

16.*  PERGUNTA 

Que  distancia  ha  do  Rio  Taramandy  ao  Porto  de  S.  Pedro, 
que  qualidade  tem  este  Porto,  se  tem  terras  altas,  ou  campinas, 
se  tem  muito  gado,  boas  agoas,  bons  ares,  e  se  ó  fértil,  e  habi- 
tado de  gentio,  que  fluça  algum  resgate  ? 

RBSPOSTA 

Do  Rio  Taramandy  a  barra  do  Rio  Qrande,  e  Porto  de 
S.  Pedro  fazem  30  legoas.  As  qualidades  das  terras,  segundo  as 
noticias,  que  me  deráo  vários  moradores  de  todas  aquellas 
Povoações,  que  cruzarão  estas  Campanhas  no  tempo  do  Gentio, 
sâo  as  melhores,  e  as  de  mais  fertilidade,  que  tem  todo  este 
Brazíl,  o  que  tudo  melhor  consta  das  certidões,  que  me  derâo 
Gamaras,  e  moradores  de  todas  as  Povoações  desta  costa,  em 


298  REVISTA  DO  INStlTUTO  HISTÓRICO 

daas  òòeasiões,  que  fai  a  ellas  em  diligenoias  do  serriço  de 
S.  Mageatade.  a  1.*  por  ordem  de  Francisco  de  Castro  Moraes, 
sendo  Governador  e  Capitfto  General  da  Cidade  do  Rio  de  Ja- 
neiro, sobre  haverem  informado  a  S.  Mageatade  de  ser  capaz 
a  enseada  daa  Guaroupas  para  nella  se  ftmdar  uma  cidade,  — 
a  2.*  por  mandado  do  Governador  e  Capitão  General  Francisco 
de  Távora,  acerca  dos  mesmos  particulares,  e  outros  mais  do 
serviço  de  S.  Mageatade  que  umas  e  outras  certidões  remetti 
aos  ditos  Governadores,  das  quaes  constSo  as  conveniências  que 
se  podem  ter  de  as  povoarem  S.  Magestade  e  seus  Vassalloa, 
como  também  das  qualidades  das  terras. 

SSo  as  mais  destas,  campos,  e  por  alguns  rios  tem  algumas 
madeiras  boas,  e  de  toda  a  casta.  O  gado,  que  ha  nellas  é  só 
da  outra  parte  do  Rio  chamado  de  Buenos  Aires.  Dizem-me, 
que  iUdo-Se  por  um  rio  dentro,  a  que  chamSo  Cabopoana,  por 
onde  pode  navegar  a  maior  Sumaca,ou  Patacho,  se  vai  matando 
da  mesma  embarcação  o  gado  preciso  para  o  sustento,  e  que 
este  lio  éorta  por  toda  a  campanha  até  dar  perto  dos  Cas- 
telhanos. 

Dizem  mais  que  as  agoas  todas  até  a  Barra  do  Rio  Grande 
g&o  doees,  os  ares  os  mesmos  de  Buenos  Aires,  e  com  muita 
mais  ventagem  a  sua  fertilidade,  porque  os  veados,  e  mais 
caça  é  como  o  gado,—  o  peixe  tanto,  que  pôde  carregar  ftottas, 
e  que  nos  Lagamares  se  apanha  só  com  cestos  :  são  pouco 
habitadas  da  Gentio,  e  só  ao  pé  da  Serra,  e  antes  de  chegar  a 
qUa  se  voem  bastantes  fumaças  de  Gentio  bravo,  mas  este  não 
oommercea  oom  ninguém. 

1?.*  PERGUNTA 

Se  a  lagoa  tem  mais  de  18  ou  13  legoas,  em  que  logar  fica. 
•e  tem  peixe,  e  se  é  habitada  de  Gentio  ? 

RESPOSTA 

A  lagoa  a  que  hoje  chamão  Laguna  tem  10  legoas  de 
comprido,  e  fica  ao  Sul  da  Ilha  de  Santa  Catharina  15  legoas, 
e  é  tão  abundante  de  peixe,  que  todos  os  annos  sahem  delia  três 
e  quatro  embarcaçóes  carregadas,  é   podeito  sahir  mais  se 


NOTICIAS   A   niOGO  SOARES  299 

houvessem  nella  moradores  bastantes  para  fazerem:  tem 
actualmente  triata  oasaes,  e  a  povoa^^o  o  TituLo  de  Santo 
António  da  Laguna,  que  ó  Orago  da  Matriz.  Foi  o  seu  primeiro 
Povoador  o  Capitão-mór  Domingos  de  Brito  Peixoto,  com  mais 
alguns  camaradas,  e  assim  n&o  ha  nella  mais  gentio  algum  mais, 
que  o  que  assiste  oom  os  moradores. 

18.*   PERGUNTA 

Se  o  Porto,  e  entrada  do  Rio  Grande  de  S.  Pedro  é  fácil  em 
todo  o  tempo  a  toda  a  embarcação,  que  altura  tem  de  fundo  e 
que  distancia  do  boca  ? 

RESPOSTA 

A  entrada  do  Rio  Grande  de  S.  Pedro  é  ao  presente 
difflcultosa,  por  não  ter  agora  entrado  na  dita  barra,  Sumaca 
alguma  grande;  mas  será  muito  fácil  a  qualquer  Sumaca  ou 
Patacho  o  entrar  nella  se  levar  bom  pratico,  e  se  governar  pelo 
mappa,  qu3  agora  fiz  desta  Costa,  principalmente  navegando 
na  monção  de  Setembro  atô  Janeiro  do  N.  para  o  S.  A  altura 
que  tem  entre  os  bancos  íóra  da  barra  são  3  braças,  e  obra  de 
legoa  e  meia  ao  mar  tem  duas  braças  e  meia  de  ftindo,  em  um 
banco  que  tem,  mas  não  quebra  nelle  o  mar,  de  sorte  que  tenhão 
as  embarcações  perigo  nelle  :  sem  embargo  de  que  eu  fallei 
nesta  Villa  de  Santos  com  um  Inglez,  e  me  disse  haveria  8 
aunos,  pouco  mais  ou  menos  entrara  no  dito  Rio  Grande  com 
uma  fragatinha  corrido  do  tempo,  vindo  do  mar  do  sul,  o  que 
sahira  com  bom  suocesso.  Terã  este  porto  na  barra  pouco  mais 
de  legoa,  mas  dentro  pôde  estar,  e  andar  a  maior  nao  que 
houver. 

19.*  PERGUNTA 

Depois  de  entrada  a  barra,  que  forma  ioma  a  terra  ?  á  que 
rumo  corre,  e  se  lhe  entrão  muitos  Rios  f 

RESPOSTA 

A  Costa  corre  Nordeste  Sudoeste,  e  o  mesmo  corre  a  terra. 
O  Rio  dentro  corre  ao  noroeste,  recebendo  em  si  6  rios,  e  uma 
Lagoa,  alem  de  vários  riachos,  de  que  se  nfto  faz  conta. 


300  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

20.«  PBROUNTA 

Qae  gentio  povoa  esta  marinha,  e  se  o  que  liabita  o  fundo 
desta  Enseada  tem  tido  algum  commeroio  com  algumas  embar- 
cações nossas,  e  se  fez  algum  resgate  com  ellas,  se  tem  ouro, 
e  ák  mostras  de  haver  grande  abundância  delle,  como  também 
de  gados  para  se  fazer  courama  ? 

RESPOSTA 

O  Gentio  que  habita  esta  marinha  chega  até  Castilhos, 
Maldonado,  o  Monte  Vodio;  6  gentio  livre,  o  os  mais  delles  das 
Aldeias  dos  Padi'es  da  Companhia  Castelhanos:  uns  em  quanto 
tivemos  guerras  vinh&o  acompanhar  aos  Castelhanos  que 
estavão  de  guarda  em  Monte  Vedio,  e  Maldonado,  como  também 
o  fazião  03  das  Aldeias:  outros  nesse  mesmo  tempo  negociavão 
com  os  Francezes,  receosos  sempre  de  que  os  Portuguezes 
passassem  aos  doâ  Portos  a  povoa-los,  e  assim  quasi  todos  os 
mezes  se  achavão  nelles  três,  e  quatro  navios  carregando  d® 
courama,  e  cebos,  que  lhes  vendião  os  Índios  :  o  que  sei  pela 
noticia  de  um  mesmo  Castelhano,  que  esteve  em  um  dos  ditos 
navios  Francezes  naquelles  portos,  o  qual  se  acha  hoje  casado 
no  Rio  de  S.  Francisco  em  que  o  deixou  um  navio  Francez 
voltando  dos  mesmos  portos:  e  não  tenho  noticia  nem  até  ao 
presente  a  h4,  de  que  embarcação  alguma  Portugueza  passasse 
aos  ditos  portos  a  commerciar  com  o.^  Castelhanos,  ou  índios  ; 
só  o  que  sei  é  que  alguns  moradoros  da  Laguna  forão  ao  centro 
desta  campanha  a  resgatar  algum  gado,  e  cavalgaduras,  e  com 
t^eito  fizerão  o  dito  resgate  com  os  Índios,  e  as  conduzirão  para  a 
mesma  Laguna,  trazendo  em  sua  companhia  alguns  dos  índios, 
que  tornarão  a  voltar  para  as  suas  toldarias,  o  campanhas. 

A  noticia  que  tenho,  e  me  d')r&o  os  moradores  da  Laguna 
sobre  o  ouro,  é  que  das  cabeceiras  do  rio  a  que  ch:imão  Tecuary 
havia  bastante  copia  delle,  e  que  as  o  buscassem  em  todos  os 
mais,  que  desagoão,  como  este  no  mesmo  Rio  Grande  o  acharião, 
segundo  as  disposições  das  terras,  ;y  o  não  estar  )i  descoberto 
fora  por  estimarem  mais  que  o  Ouro,  o  gentio  para  so  servirem 
doUe,  como  também  por  não  ter  ma*s  valor  entre  elles  que  320 


NOTICIAS  A   DIOGO  SOARES      ^  301 

a  oitava,  e  menos  qaintado.  Também  me  disserâo  que  em 
direitura  do  mesmo  rio  grande  na  serra  chamada  Botucarayba 
havião  minas  de  prata,  por  noticias,  que  havia  dado  um  Índio 
apanhado  naquellas  partes  a  Francisco  Dias  Velho,  e  ao  Capitao- 
mór  Domingos  de  Brito  Peixoto  ;  e  com  eífeito  forão  estes  com 
uma  boa  tropa  a  certificar-se  do  dito,  e  subindo  peia  serra 
chegarão  perto  do  morro,  onde  o  Índio  dizia  havia  a  prata,  mas 
ouvindo  alguns  tiros  4e  espingardas,  e  mandando  explorar  o  que 
)seria,  acharam  situados  já  naquella  mesma  parte  aos  P.  P. 
Joznitas  Castelhanos  com  os  seus  índios  com  caminhos  feitos  de 
Carros,  e  cavalgaduras  em  que  conduzião  a  prata  para  as  suas 
Aldeias,  e  como  forâo  sentidos,  vendo  ser  maior  o  poder  dos 
ditos  P.  P.,  o  receando  o  ficarem  todos  mortos  na  empreza,  se 
retiraram  logo  par  <  a  Laguna,  e  certificaram  que  desde  as 
cabeceiras  do  Rio  (irando  a  estas  minas  pozerão  15  dias  só  dê 
viagem,  e  6  unicamente  na  volta  pulo  medo  de  que  os  seguissem. 
No  que  toca  a  abundância  de  gado  dizom-me  que  em  tempo 
de  secas  descem  inumerável  ao  dito  Rio  a  beber  agoa,  e  que  no 
mais  do  tempo  para  se  fazer  courama  é  fácil  sahir  a  campanha 
a  faze-la  principalmente  havendo  cavallos,  o  que  os  mesmos 
índios  nos  vendem,  excepto  no  Rio  Cabopoana,  como  já  disse  em 
que  pelo  gentio,  que  o  habilitava,  ser  bravo,  é  mais  diíficultosa 
a  courama. 

21.»   PERGUNTA 

Em  que  parte  se  pode  fazer  uma  Povoação  conveniente 
assim  para  se  aproveitar  de  toda  a  utilidade,  como  para  o 
augmento  da  nova  Colónia,  e  promptidão  para  os  seus  soocorros, 
assim  dentro  deste  Porto  do  Rio  Grande  como  fora  da  Costa  do 
mar,  ou  perto  da  Ilha  de  âanta  Catharina? 

RESPOSTA 

Duas  paragens  julgo  próprias  para  duas  Povoações  que 
sirvão  de  soccorro,  e  utilidade  a  nova  Colonix  do  Sacramento, 
no  Rio  Grande  de  S.  Pedro,  dizem  todos  os  que  nelle  estiverão, 
e  cuidaram  aquellas  campanhas,  Rios,  mattos,  e  serras,  que  não 
só  se  pode  fazer  uma  cidade  muito  grande,  mas  de  grandes 
conveniências  para  sua  Magestade,  e  seus  Vassalios,  segundo 


302  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

oonsta  das  Certidões  das  Gamaras,  e  moradorea  das  Povoações 
ddsta  Gosta,  em  que  affirmio  haver  nelle  ouro  e  pedras  de  valor, 
achadas  por  yezes  naquellas  terras,  como  também  abuadancia 
grande  de  prata,  e  muito  maior  de  gado,  que  com  facilidade 
se  pôde  conduzir  da  campaaha,  e  crear  aaquelles  campos 
havendo  moradores,  que  o  domestique.  Do  peixe  se  podem 
carregar  muitas  embarcações  que  o  trausportem  á  Colónia 
quando  o  não  quainiiO  levar  por  terra  em  cavallos  ou  carros, 
por  sar  tudo  campanha  rasa,  e  de  bons  caminhos  para  isso. 

ESsta  mesma  bondade  dos  caminhos  facilita  á  mesma  Colónia 
iodo  o  socorro,  que  se  lhe  queira  fajser  por  terra  em  caso  de 
necessidade,  por  que  pode  succeder  ser  em  tempo,  que  nSo 
possam  sahir  daquelle  porto  as  embarcações  destinadas  para 
isso  por  neisasitarem  da  ooigunção,  tempo,  e  marés.  Verdade 
ó  que  nSo  pode  entrar  por  ora  navio  na  dita  barra,  mas  segundo 
me  parece,  de  se  povoar,  e  houver  navegação,  £»rá  a 
Continuação  t^\U  o  que  agora  se  julgar  dificultoso,  como 
suceedeu  ao  princií^o  na  barra  da  Laguna,  que  sendo  peri- 
gosa ao  principio  a  entrada,  hoje  a  faz  Bem  receio  qualquer 
Sumaoa. 

B*  preciso  porem  se  faça  na  barra  do  mesmo  rio  uma  Torre, 
eu  no  Pontal  do  Norte,  ou  no  Sul  para  divisa  não  só  das  em- 
barcações que  a  buscarem  por  ser  tudo  terra  raza,  mas  ainda 
para  impedir,  o  reprezar  os  soldados  que  desertao  da  Colónia. 

A  outra  parte  própria  para  o  socorro  da  Colónia  ó  a  ilha 
de  Santa  Gatharina  pela  facilidade  com  que  se  lhe  pode  aeodir 
daqnèila  Ilha  por  mar,  e  em  todo  o  tempo,  assim  com  madein» 
que  as  tem  exeellentes,  como  com  mantimentos  que  os  produs 
de  todo  o  género  com  abundância.  Povoando-se  esta  Ilha  po- 
derão formar  nella  seus  moradores  alguns  Bngenhos  de  assuear, 
porque  as  suas  canas,  são  tão  pingues  e  assucaradas,  que  qual- 
quer pingo  delias  se  íiiz  em  assuear;  a  sua  entrada  não  de- 
pende de  monção,  de  dia  ou  de  noite  a  pode  tomar  qualquer 
navio,  e  sahir  delia;  e  para  a  sua  defesa  bastara  uma  única 
fortaleza  no  Estreito,  e  para  impedir  dos  inimigos  as  lenhas, 
e  as  aguadas  com  uma  companhia  de  Infstn teria  paga  entre 
aquelles  mattos  se  consegue  fibcilmente  como  o  tem  jã  conse« 
gvsiào  por  vezes  os  poucos  moradores  que  ali  se  aehão. 


NOTICIA  A  DIOGO  SOARES  303 

Isto  ó  O  que  respondo  ás  perguntas  que  se  me  íáiem  com 
declacaçSo,  que  da  Laguna,  ultima  povoação  desta  Costa  do  Sul 
até  a  Cidade  do  Rio  de  Janeiro  vi,  oorri,  e  examinei,  e  sondei 
em  pessoa,  e  do  Rio  Grande,  sua  campanha  ató  dentro  de  Buenos 
Aires  me  informei  de  pessoas  âdedignas,  que  cursarão  todas  a- 
quellas  campanhas  moitos  annos,  o  que  tudo  constará  das  cer- 
tidões que  tenho  por  vezes  remettido  aos  Srs.  Governadoree  do 
Rio  de  Janeiro  de  todas  as  Gamaras,  e  moradores  das  Vilias,  e 
Povoações  desta  Costa  Jurados  aos  Santos  Evangelhos,  ede 
como  todo  o  referido  passa  na  verdade  o  juro  também  aos  mesmos 
Santos  Evangelhos.  Praça  de  Santos,  2ò  de  Agosto  de  1721  — 
Manoel  Gançalveê  d*Aguiar. 


Declaro  que  o  Rio  Grande  de  S.  Pedro  terá  de  distancia 
da  barra  ás  suas  cabeceiras  50  legoas  pouco  mais  ou  menos,  se- 
gundo dizem  as  pessoas  que  por  melhor  andaram,  e  em  partes 
6  tão  largo,  que  se  não  vô  terra  d*uma  para  outra  parte,  e 
parece  tudo  um  mar. 

Declaro  também,  que  a  Ilha  de  Santa  Catharina  tem  de 
comprido  9  legoas  pelo  rumo  de  N.  S.  e  de  largo  em  partes 
terá  3  legoas  pouco  mais  ou  menos,  e  me  parece,  que  se  S.  Ma- 
gestade  a  povoar  será  de  mais  utilidade  a  Povoação  a  fortaleza 
feita  na  barra,  e  terra  firme  na  ponta  do  Estreito,  em  que  em 
algum  tempo  esteve  a  primeira  povoação,  e  por  causa  de  gentio 
bravo  que  então  ainda  ali  havia,  a  pasmarão  para  a  Ilha,  na 
mesma  ponta  da  terra  firme  se  pode  fazer  também  a  Povoa^^o 
por  receio  dos  iaimigos,  sem  embargo  de  que  os  navios  onde 
dão  ÍUndo,  que  ó  na  Ilha  dos  Ratões  pouco  mal  lhe  podem  fazer 
por,  distarem  3  legoas  da  Povoação,  e  menos  o  podem  íi&zer  pela 
barra  do  Sul  distante  5  legoas  da  mesma  Povoação. 


NOTICIA  —  2/   PRATICA 

QUE  DÁ  AO  P.   M.   DlOOO    SOARES,  O  CAPITÃO  GHRISTOVÃO 

PEREIRA,  SOBRE  AS    CAMPANHAS  DA  NOVA 

COLÓNIA,  £  RIO  GRANDE  OU  PORTO  DE  8.    PEDRO 


491  —  20  Tomo  lxix  p.  i. 


NOTICIA  —  2.*  PRATICA 

Qae  dá  ao  P.  M.  Diogo  Soares,  o  Capitão  Christovão  Pereira,  sobra 
as  Campanhas  da  nova  Colónia,  e  Rio  Grande  ou  Porto  de  S. 
Pedro, 


Pede-me  VR.°^*  o  informe  da  capacidade  destas  terras  ató 
o  Rio  Graade,  Lagana  e  Ilha  de  Santa  Cathariaa,  e  das  utili- 
dades que  delias  se  podem  segair,  assim  aos  vassallos,  como  á 
Coroa,  e  Fazenda  Real,  e  supposto  me  sobra  o  desejo  de  acertar, 
me  falta  a  capacidade  para  discorrer,  mas  na  cooâaaQa  dd  que 
VR.>'*'^discuIpará  os  erros  nascidos  da  minha  ignorância,  e  obri- 
gado da  obediência,  exporei  o  que  tenho  visto,  e  palpado  em  onze 
ah  nos  que  tenho  do  experiência  destas  campanhas,  e  o  qae  sente 
a  rudez  do  meu  discurso,  e  mo  ficará  grande  gloria,  e  desvani- 
timento  se  limitado,  e  aperfeiçoado  no  utlI  engenho  de  VR.^'<^ 
cirardelle  algum  fruto. 

Comp5e-se  este  Paiz  d*um  clima  muito  ameno,  saudável,  e 
criador  de  riquissimas  e  férteis  terras  em  que  produz  em  grande 
maneira,  e  com  vantagem  mui  crescida  todos  os  frutos  da 
Europa,  assim  Trigos,  como  vinhos,  liaho  e  toda  a  Casta  de 
frutas,  que  pôde  causar  inveji  as  de  qualquer  parte  do  mundo, 
oom  perto  de  cento  e  cincoenta  lagoas  de  Campanha  até 
o  Rio  Grande  toda  cruzada,  da  rios,  revestidos  de  soberbos 
o  vistosos  arvoredos,  que  servem  de  sombra  ás  suas  correntes 
compostas  de  riquissimas  e  salutiferas  agoas,  nascidas  d'uma 
serra,  que  começando  do  Maldonado  vai  cortando  a  Campanha, 
correndo  ao  Nordeste  até  altura  de  Castilhos,  a  qual  com  ri- 
quíssimos, e  amenos  valles  pelo  meio,  da  generoso  iogar  a  que 
se  possa  crusar,  e  communicar  d*uma  a  outra  parte. 

Em  Castilhos,  ou  pouco  mais  adiante,  correndo  ao  Noroeste 
vai  buscar  as  Cabeceiras  do  Rio  Grande,  e  logo  da  parte  do 
Norte  se  torna  a  restttuir  a  costa,  e  a  vai  acompanhando  até 


308  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

S.  Paulo,  deitando  pelais  suas  fraldas  da  parte  domar  vistosos 
e  aprasiveis  Campos  em  distancia  de  80  iegoas  desde  o  Rio 
Grande  até  a  Yiila  da  Laguna,  que  crusão  três  caudolosos  rios, 
nascidos  da  mesma  Serra.  O  Primeiro  chamado  Taramandy  na 
lingoa  do  gentio,  30  Iegoas  distante  do  Rio  Grande  a  que  se 
segue  o  2""^  20  Iegoas  mais  adiante  chamado  Ibopetuba,  e  logo  em 
distancia  do  15  iegoas  se  segue  o  Terceiro  a  que  chamSo  Ara- 
ranguá,  todos  d'agoa  doce  e  nestes  meios  abundância  de  lagoas, 
e  mattos  com  providencia  do  lenhas,  o   vistosos  campos. 

E  tornando  ao  Rio  Grande  não  digo  ó  uma  das  mais  vis- 
tosas coisas,  que  criou  a  natureza,  por  não  parecer  encarecido, 
ou  cahir  na  censura  de  ignorante  ;  mas  expondo  a  sua 
grandeza,  deixarei,  o  louvor  á  ponderação  de  VR"'*.  Corre  de 
Oeste  a  Leste,  e  na  entrada  distancia  pouco  menos  de  2  Iegoas, 
com  meia  de  largo,  para  a  parte  do  Norte  faz  uma  barra,  ou 
praia  de  areia  com  uma  enseada  em  que  podem  ancorar 
grande  numero  de  Navios,  boa  tença,  seis  ou  sete  braças  de 
fundo,  todo  limpo,  encostado  a  uma  planície,  que  lhe  fica  supe- 
rior, a  que  alguns  que  ali  tem  chegado,  puzerão  o  nome  de 
Cidade,  e  não  sem  mistério  pelo  que  naquelle  logar  se  pôde 
fazer  com  um  rio  de  excellente  agoa  doce,  que  permanente  por 
um  lado  se  mette  no  Rio  Grande. 

Neste  logar  é  a  única  parte  em  que  se  pode  povoar,  o 
passar,  e  ainda  que  tem  bastante  largura,  não  é  diifioultoso  o 
passar  nelia  anlmaes  em  razão  de  que  com  marô  vasia  tem 
bancos  em  que  descanção»  e  tem  jã  passado  muitos  com  felici- 
dade conduzidos  pelos  mercadores  da  Laguna,  e  eu  passei 
alguns  em  minha  companhia. 

Pouco  mais  acima  entra  nesto  Rio  na  parto  do  Sul  uma 
lagoa  de  extremada  grandeza,  a  que  chamão  Braço,  na  boca 
estreita,  e  logo  para  dentro  vai  alargando  até  se  perder  de  vista 
d' uma  a  outra  parte,  e  vem  entrando  a  Campanha  para  o 
Sudoeste,  distancia  pouco  mais  ou  menos  de  30  Iegoas  aonde 
recebe  em  si  vários  rios  sahidos  da  Serra,  e  entre  elles  o  mais 
principal  se  chama  Sabolhaty. 

Da  parte  do  Norte  faz  um  saco  a  moio  de  enseada,  que 
arrimada  a  falda  da  Serra  entra  pela  Campanha  também  perto 
de  30  Iegoas  até  o  Rio  chamado  Taramandy:  logo  para  dentro 


NOTICIA  A  DIOGO    SOARES  309 

faz  um  bolso  que  a  vista  não  aloança,  a  que  chamão  Rio  Grande 
de  que  não  posso  dar  mais  noticia,  que  a  que  adquiri  de  algumas 
pessoas  antigas  na  Villa  ds  Lagana,  que  me  disserão  entrava 
pela  terra  mais  de  60  legoas,  e  que  nas  suas  cabeceiras  en- 
travão  vários  rios,  com  muitos  mattos,  e  terras  muito  vistosas 
onde  se  podião  fazer  muitas  PoYoacods,  e  rendozas  fazendas, 
e  por  noticia  de  algum  gentio  so  afflrmava  haver  nellas  abun- 
dância de  Ouro,  e  pedra?  de  valor.  Bom  desejo  tive  de  examinar 
a  sua  grandeza  mas  faltarão-me  os  meios  para  o  poder   fazer, 
sendo  o  principal  de  que  se  necessita,  embarcação  capaz,  porem 
qual  ella  seja,  se  pôde  considerar  d'um  Corpo  que  tem  seme- 
lhantes braços. 

Da  barra  também  não  poderei  dizer  mais  que  o  que 
alcancei  de  alguns  homens  maritimos,  que  levados  dos  seus 
interesses  se  animaram. 


o  PRIMITIVO  NOME  DO  BRAZIL 


POR 


DOMINSOS  DE  CASTRO  L0FE8 


o  PRIMITIVO  NOME  DO  BRAZIL 


AO    ILLUSTRE     MBSTRE     DR.     VIEIRA    FAZENDA 

São  acoordes  todos  os  modernos  historiadores  de  nossa  pá- 
tria em  declarar  que  Vera-Oruz^  ou  ilha  de  Vera-Crus  foi  o 
nome  que  recebeu  ella  immediatamente  após  o  seu  descobri- 
mento. 

Citemos,  para  corroborar  a  nossa  asserção,  os  mais  conhe- 
cidos desses  actuaes  expositores; 

«  O  nome  de  Vera-OruM  foi  posto  á  terra,  quarta-feira  22  de 
Abril.»  Moreira  Pinto,  Epitome  da  Historia  do  BrazU. 

€  O  (nome)  de  Vera-CruM  foi  dado  &  nova  terra  descoberta.» 
R.  Villa-Lobos,'. i7ú(orta  do  Braxil. 

€  Suppoz  Cabral  que  a  terra  descoberta  fosse  uma  ilha;  con- 
decorou-a  com  o  nome  de  V^ro-Cnij,  que  dentro  em  breve 
mudou  no  de  Santa  Cruz.i^  Padre  Raphael  M.  Qalanti,  Lições  de 
Historia  do  Brazil, 

€  £  porque  esse  dia  fosse  o  do  oitavario  da  Paschoa,  deu 
Cabral  o  nome  de  Paschoal  ao  monte  primeiro  descoberto ;  e, 
quanto  á  terra,  o  de  Yera-Cruz^  mudado  depois  para  o  de  Terra 
de  Santa  Cruz  e  mais  tarde  para  o  de  Brazih  António  Vieira  da 
Rocha,  Resumo  da  Historia  do  Brazil, 

<  Cabral  deu  á  nova  terra  o  nome  de  Yera^Cruz^  que  depois 
foi  mudado  no  de  Terra  de  Santa  Cruz,  e  mais  tarde  substituído 
pelo  nome  actual  de  ^ra^t7.>  Dr.  Joaquim  Maria  de  Lacerda, 
Peqi*eHa  Historia  do  Brasil» 

<  A  nova  terra  descoberta  fi>i  sapposta  uma  ilha,  recebendo 
por  isso  (?!)  o  nome  do  Vera^Cruz;  mais  tarde,  reconhecendo-se 
o  erro,  foi  esse  nome  mudado  pain.  o  de  Terra  de  Santa  Cruz . 
Este  ultimo  nome  também  não  prevaleceu,  sendo  mudado  para  o 


314  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

de  BrazUt  peia  grande  quantidade  de  pao-brazil  existente  na 
nova  terra.»  Sara  VillareB  Ferreira,  Pontos  de  Historia  do 
BraxU. 

€  Finda  a  ceremonia  religiosa  (a  M  missa),  reunia  Cabral  um 
conselho  de  offlciaes  da  expediç&o,  e  resolveram  mandar  a 
Lisboa  GasiM&r  de  Lemos,  commandante  do  navio  de  manti- 
mentos, levar  a  D.  Manoel  a  notieia  do  descobrimento  da  terra 
de  Yera^rux^  que  suppunham  ser  uma  ilha.»  Mattoso  Maia, 
Lições  de  Historia  do  BrazU. 

«A  terra  supposta  ilha  foi  chamada  de  Vera-Cruz^  ao  depois 
Santa  CriAz.  Prevaleceu  porém  o  nome  de  BrazU. i^  João  Ribeiro, 
Historia  do  Brazil, 

«A  torra  que  suppunham  erroneamente  os  ousados  descobri- 
dores fosse  uma  ilha,  chamou-se  a  principio  Vera^Cruz,  depois 
Santa  Cruze  finalmente  Brazil.»  Sylvio  Romero,  A  historia  do 
Brazil  ensinada  pela  biographia  de  seus  heroes. 

«Cabral  reputou  a  terra  que  descobrira  uma  grande  ilha  e 
chamou-a  ilha  de  Vera-Cruz^  nome  dado  em  recordação  da  festa 
que  celebra  a  igreja  no  dia  l^  de  Maio ;  esse  nome  trocou-se 
em  breve  pelo  de  Terra  de  Santa  Cruz  e  poucos  annos  depois 
pelo  de  Brazil^  em  consequência  da  madeira  preciosa,  etc.» 
Dr.  Joaquim  Manoel  de  Macedo,  Lições  de  Historia  do  Brazil. 

«Pelas  informações  que  pareciam  dar  os  naturaes  se 
julgou  ser  a  terra  uma  ilha  —  outra  Antilha  mais.  Nesta 
hypothese,  Cabral  a  denominou  Ilha  da  Vera-Cruz,  comme- 
morando  por  este  nome  a  festa  que  no  principio  do  mez 
Immediato  devia  celebrar  a  Igreja.»  Yarnhagen,  Historia  Geral 
do  Brazil. 

Não  ohBtante'ser^hoje  conhecimento  elementar  e  comesinho, 
como  o  mostram  os  compêndios  supracitados,  que  Vera-Cruz 
foi  a  primitiva  denominação  do  Brazil,  é  de  notar  que  nenhum 
dos  antigos  historiadores  da  nossa  pátria  houvesse  referido  tal 
denominação,  mas  sim  e  sempre,  em  vez  delia,  a  de  Santa  Cruz, 
que  igualmente  figurava  nos  primeiros  mappas  geographicos  do 
XYI  século,  mais  recentes  da  data  do  descobrimento  do  nosso 
earo  torrão,  quaes  os  de  Cantino  (1502),  João  Ruijsch  (1508),  Jo- 
hannes  Schôaer  {Glohus  de  Johannes  Schôner,  I5I5),  MaioIIo 
0519),  etc. 


o  t>RlMlTÍVO  NOME  DO  BRAZIL  315 

Vejamos: 

Na  Primeira  Parte  da  Chrônica  dô  Serenissimo  Senhor  Rei 
D.  Emanuel,  escrita  por  Damião  de  Góes,  e  no' Ôapitulé  £V, 
intitalado:  De  como  a  frota  partio  do  porto  de  Betketem,  &  do  des- 
cobrimento da  terra  de  Sacta  Crus^  a  que  chamão  do  BrazU,  le- 
se o  seguinte: 

«Estando  ja  sobrancora  se  aleuantoa  de  noite  hum  tem* 
poral,  com  que  correrao  de  longo  da  costa  até  tomarem  hum 
porto  mui  bom,  onde  Pedraluarez  surgio  com  as  outras  nãos,  êí 
por  ser  tal  lhe  pos  nome  Porto  seguro. .  .Antes  que  Pedralilareí 
partisse  deste  lugar,  mandou  poer  em  terra  huma  Cruz  dtt 
pedra,  quomo  por  padrSo,  com  que  tomatta  posse  de  toda  aquella 
prouincia,  pêra  Coroa  dos  rognos  de  Portugal,  a  qual  pos  nome 
de  Sacta  Cruz,  posto  que  se  agora  (orradaméte)  efaamie  do 
Brasil,  por  caso  do  pao  vermelho  que  delia  vem,  a  que  ehaiâSo 
Brasil.  > 

Gabriel  Soareii  de  Souaía,  no  Roteiro  do  Brarfi  (obra  cviã 
authenticidade  é,  alUs,  contestada  peio  Dr.  Zeferino  Cândido,  nd 
capitulo  VIII  do  seu  livi'o  Brasil,  commemorativo  do  Qtiarto 
Centenário  do  nosso  descobrimento,  e  que  por  Franclseo  A<folpho 
de  Varnhagen  foi  publicada  sob  o  titulo  Tratado  Desthripiito  de 
Brazil  em  1587,  edição  castigada  pelo  estudo  e  exame  de  mitUeiÊ 
códices  manuscriptos  existentes  no  Brazil,  em  Portugal,  tiespanha 
e  Prança,  e  accrescentados  de  alguns  commentarios)  escreve 
estas  palavras: 

«Esta  terra  se  descobriu  aos  $5  dias  do  mez  de  Abril  de  1500 
annospor  Pedro  Alvares  Cabral,  que  neste  tempo  ia  pòi^càpfiAè* 
môr  para  a  índia  por  mandado  de  £1-Rei  D.  Manoel,  èm  6aJo 
nome  tomou  posse  desta  província,  onde  agora  é  a  capitania  M 
Porto  Soguro,  no  logar  onde  jA  esteve  a  ilha  de  Santa  Crtiis, 
que  assim  se  chamou  por  se  aqui  arvorar  uma  muito  grande, 
por  toatidado  de  Pedro  Alvares  Cabral,  ao  pé  da  qual  mandou 
dizer,  em  seu  dia,  a  3  de  Maio,  uma  solemne  missa  oom  muita 
festa,  pelo  qnal  respeito  se  chama  a  villa  do  mesmo  nome,  e  a 
provineia  muitos  annos  foi  nome&da  por  de  Santa  Cru»  e  dô 
maitos  Nova  Lusitânia.» 

fiada  nos  diz,  com  relaç&o  ao  primitivo  nome  da  nossa 
terra,  o  Padre  João  de  Souza  Ferreira,  no  Capitulo  II  da  sua 


31G  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

America  abreviada  (Como  se  descobrio,  o  que  delia  toca  d  Oorôa  de 
Portugal,  eío.) 

Em  compensação,  a  Historia  do  Braxil^  de  Frei  Vicente  do 
Salvador,  que  antes  do  dito  padre  floresceu,  refere,  no  Capitulo 
segundo^  Do  nome  do  Brasil-.  «O  dia  que  o  Capitão-Mór  Pedro 
Alvares  Cabral  levantou  a  Cruz,  que  no  capitulo  atraz  dissemos 
era  a  três  de  Maio,  quando  se  celebra  a  Invenção  da  Santa  Cruz, 
em  que  Chriato  Nosso  Redemptor  morreo  por  nós,  e  por  esta 
causa  poz  nome  á  terra,  que  havia  descuberta,  de  Santa  Cruz,  e 
por  este  nome  foi  conhecida  muitos  annos.» 

Citemos  também  Sebastião  da  Rocha  Pitta,  o  qual  diz  no 
lÂvro  Primeiro  da  Historia  da    America    Portugueza: 

€  Nella  surgindo  as  nãos,  pagou  o  General  a  aquoUa  ribeira 
a  segurança,  que  achara  depois  de  tfto  evidentes  perigos,  com 
lhe  chamar  Porto  Seguro,  e  à  terra  Imanta  Cruz,  pelo  Estan- 
darte da  nossa  Fó,  que  nella  arvorou  com  os  mais  exemplares 
júbilos,  e  ao  som  de  todos  os  instrumentos  e  artliheriada 
Armada,  eto.» 

Qual,  porém,  o  motivo  por  que  todos  esses  antigos  autores 
que  a  historia  de  nossa  terra  escreveram,  calaram  desta  o 
nome  primevo— <ytfra-Oru;r,  nome  que  somente  nos  modernos 
compêndios  de  historia  do  Brazil  âgura  ? 

Fácil  e  prompta  será,  sem  duvida,  a  resposta  por  parte 
dos  eruditos  e  profundos  mestres  na  matéria.  Mas  não  ô  a 
estes  qne  se  dirigem  estas  toscas  linhas,  sinão  aos  menos 
apparelhados,  que  não  hajam,  como  nós,  para  elucidar  á  nossa 
incompetência  este  ponto,  esmerilhado  o  assumpto,  o  qual 
naquelies  modernos  compendies  não  ó  esclarecido,  nem  mesmo 
tratado,  e  poderá,  por  isso,  suscitar  duvidas  e  causar  em- 
baraços para  responder  &  interrogação  que  acima  formulamos. 

E  de  facto.  Em  Novembro  de  1905,  tivemos  a  honra  de 
terçar  armas,  pelas  columnas  do  órgão  niteroiense  A  Capital, 
com  um  distincto  critico  do  mesmo  apreciado  contemporâneo, 
o  qual,  no  correr  da  discussão,  escreveu  a  locu^  seguinte: 
€a  Terra  de  Santa  Cruz  de  Í500, ...» 

Replicando  nós  que,  em  lõOO,  o  Brazil  ainda  se  não 
chamava  terra  de  Santa  Cruz,  mas  sim  Vera-Crtiz,  e  ilha  de 
Vera-Crus,  redarguiu  o  nosso  digno  contendor,  contrapondo-nos 


o  PRIMITIVO  NOME  DO  BRAZIL  317 

a  seguiate  passagem  do  João  de  Barros,  por  elle  tirada  — - 
GxpUcou—á  ArUhologia  Nacional ,  coliectanea  collegial  organi- 
zada pelos  Drs.  Fausto  Barreto  e  Carlos  de  Laet:  «. . . .  mandou 
arvorar  uma  cruz  mui  grande  no  mais  alto  logar  de  uma 
arvore,  e  ao  pé  delia  se  disse  missa,  a  qual  foi  posta  com 
solemnidade  de  bênçãos  de  sacerdotes,  dando  este  nome  á  terra 
Sanla  Crus,  quasi  como,  etc» . 

£  accresceotou  o  nosso  nobre  antagonista:  «Isto  osoreveu 
João  de  Barros,  que  vivia  ao  tempo  da  descoberta  do  Brazil, 
referindo-se  ao  anno  de  1500,  tendo  sido  a  missa  a  que  se 
refere  o  citado  esoriptor,  celebrada   no  mez  de  Maio. 

«  Assim  sendo,  como  de  facto  o  é,  não  sei  si  errei,  mas,  Si 
tal  aconteceu,  fll-o  emexcellente  companhia». 

Ora,  temos  azo  de  responder  ao  nossso  gentil  adversário 
(jã  que,  na  occasião,  não  lográmos  o  prazer  de  ser  acceita  peF 
A  Capital  a  nossa  tréplica),  aclarando,  ao  mesmo  tempo,  o 
ponto  que  nos  ocoupa,  contido  na  interrogação  que,  ha  pouco, 
azemos. 

João  de  Barros  não  empregou,  é  certo,  a  expressão  Vercí- 
Cruz,  mas  sim  Sancta  Cruz^  não  só  no  trecho  exemplificado, 
que  vem  no  Livro  Quinto^  Capitulo  II  da  !■  Década^  como 
tambom  no  summario  do  dito  capitulo,  onde  se  lê:  «^  seguindo 
a  sua  derrota  descobrio  a  grande  terra  a  que  commummente 
chamamjs  Brasil^  a  qual  elle  pos  nome  Sancta  Cruz  ». 

Vivou  o  chronlsta  do  Emperador  Clarimundo  de  149Ô  a 
1570.  Como  se  sabe,  quando  escreveu  a  sua  Ásia  (Dos  fectos  que 
os  portugueses  fiíeram  no  descobrimento  e  conquista  das  terras  e  dos 
mares  do  OrieMe)^  mais  conhecida  por  Décadas  (que  assim  se  de- 
nominam os  vários  tomos  da  obra,  continuada  por  Diogo  do 
Couto),  e  quando  escreveu  a  sua  historia  da  Terra  de  Sancta 
Orut,  que  se  perdeu,  bem  como  se  perdeu  a  America  Portugueza^ 
de  Manoel  de  Faria,  Já,  o  Brazil.  é  bem  de  ver,  estava  desco- 
berto, havia  uns  tantos  annos  (pois,  em  1500,  João  de  Barros 
tinha  quatro  annos  de  idade).  Em  todo  oaso,  o  autor  das 
Décadas  sabia  que  a  nova  terra  foi  tomada  por  uma  ilha;  tanto 
assim  que,  nessa  mesma  í*  Década,  diz  o  Tito  Livio  portoguez: 

«  A  qual  terra  estavam  os  hómôs  tam  crentes  em  nã  auer 
algua  arme  oocidental  a  toda   a  costa  de   Africa,  que  os  mais 


I 


318  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

dos  pilotos  se  afflrm&aâ  ser  algua  graaáe   ilha,   assi   como 
as  terceiras,  etc». 

Por  que  então  não  disse  eila,  seado  recente  o  ftKsto,  que  assa 
sappostailha  foi,  a  priacipio,  chamada  Vera^Orus  ?  Ignoraria, 
acaso,  João  de  Barros,  ignorariam  os  outros  antigos  historiadores 
do  Brazil,  por  nói  citados,  essa  primitiva  denominação  f 

Tudo  faz  crer  que  sim,  e  difEleil  nio  ser&  hoje  prorar,  como 
Tamos  ílatzê-io. 

A  í»  Década  de  João  de  Barros,  convém  otervar,  foi 
publicada,  a  primeira  vez,  em  Lisboa,  em  1558|  Isto  é»  mais 
de  meio  século  após  o  descoMmento  da  nossa  terra,  e^por  con- 
seguinte, o  tempo  suflloiente  para  ser  esquecida  uma  denomi- 
nação ephemera. 

Nem  mesmo  o  €  livro  impresso  mais  antigo  que  existe» 
narrando  o «  Descbrimento  do  Brazil»  e  descripto  pelo  Dr. 
José  Carlos  Rodrigues,  na  noticia  que  a  respeito  desse  acon- 
tecimento publicou,  a  3  de  Maio  1905,  no  Jornal  do  Commerdo 
e,  depois,  em  folheto,  nem  mesmo  esâe  livro  dá  a  locução  Vera- 
Crus  como  o  primitivo  nome  do  Brazil. 

Páeêi  nuovamenie  riirouaii  —  assim  se  intitula  tal  livro, 
para  o  qual  muito  concorreram  as  noticiai  sobre  as  nave- 
gações da  época,  do  almirante  Domenico  Maliplero,  celebre 
historiador  da  Republica  de  Veneza,  Sérvulo  Angelo  'l>e- 
vigiano,  embaixador  veneziano  junto  aos  reis  dá  Hespanha, 
o  Lourenço  Gretieo,  ciigo  verdadeiro  nome  era  Oiovanni  Matteo 
Cretico,  embaixador    veneziano  em  Lisboa. 

E'  o  Paetf ,  que  constituo  também  o  livro  IV  de  uma  collecção 
de  viagens  de  Prancanzano  Moutalboddo,  homem  culto  e  pro« 
fessor  de  literatura  em  Vicencia,  a  transcrip^  de  um  opús- 
culo intitulado  LibreUo  de  Tutta  la  Navigoiione de  Rede  Spagna. 
De  le  Isole  ei  Terreno  Naouamenio  Trowui^  que  foi  dado  & 
estampa  por  Albertino  Veroellese,  de  Lisona,  a  10  de  Abril  de 
1504,  no  qual— capítulos  LXIII  a  LX Vil— vem  a  narrativa  do 
deacobrimento  do  Brazil. 

Mas  em  nenhum  desses  capítulos  figura,  repetimos,  a  ez« 
pressão  Yera-Cruz. 

Como^  pois,  explicar  que  só  os  modernos  autores  de  historias 
do  Braxil  Mem  na  prima  designação  V#ra-Crti^  que  lhe  foi  dada  t 


o  PRIMITIVO  NOME   DO  BRAZIL  319 

Em  que  fonte,  em  que  dooumeato  fon^meUes  i^aquisar  e 
liaorir  essa  desigoação,  quai|4o  os  vetustos  e  des^ngauados 
textos  pass^r^m  em  slianaio  tal  appelUdo? 

£i0  que  aitingimofto  escopo. do  preeeata  artigo,  o  ponto 
que  mqito  oouvirá  seja  eaclaneoido  naq  futuras  edIçSes  das 
nossas  Jiistorias  patpias,  i^Im  de  evitar,  talvez,  a  mesAia 
ofekjecQãjO  que  im>3  offereoou  j^VA  Cc^tal  o  nosso  jov^n  e 
affarel  contradictor. 

Dois  cutâneos  e  jLoooutrastay eis  testQiw^^hos  noa  dizem  foi 
Vera-Ctiu  o  nome  que  primeiro  teve  a  terra  defa9her.ta.B0r 
Cabr^al.  São  esses  preciosos  cipielios  as  duas  cartas,  escriptas  a 
l^»  de  Maio  de  1500,  em  que  o  cbrooista  Pere  Vaz  de  Gamintta 
e  «o  bacharel  mestre  Joham  Moo  e  cirurgyaae»  d'  el-rei,  os 
quaes  fwKiam  parte  da  expediglbo  do  almirante  portnguaz,  no- 
ticiaram a  D.  Manoel  o  desoobfHmeato  da  nova  terra;  é  ac;8^ta 
de  Gaminba  datada  de  Uha  da  Vera-Cruz,  e  de  Vêra-Cruz^  sim- 
plesmente*  a  do  mestre  João. 

Jouveram  ató  ao  século  XIX  na  Torre  do  Tombo,  q^ifi& 
ignorados,  tâo  impartantes documentos;  sóentâo  foi  que  ÀycâS 
do  Casal  e,  poBteriormento»  Varnhagen  oa  deseopovaram».  cada 
documento  por  seu  turno. 

Diz  Varnhagon  {op  cU,  no<.  6*);  «Sendo  mui.  couUeeijla  a 
carta  do  Fero  Vaz  de  Caixúalia,  que  desde  que  foi  pela  primeira 
vez  publicada  por  Gazal  ha  sido  reproduzida  em  vaii^ias  obs^Sf 
contentar-noft-hemos  por  agora  de  incluir  aqui  a  do  physico 
oftestre  Jioão,  qoe  demos  em  outro  logar  a  conhecer,  apenas  ti- 
yemjQsa  fortunado  a  descobrir  na  Torro  áoTombo  em I,Júiboa« 
(Corp.  Ghron.  P.  9^m.  2,  doe.  2> 

E,  reíèriado-se  á  dita  carta  de  Caminha,  declara  Manoel 
Ayres  de  Cazai,  logo  na  1*  edição,  hoje  muito  rara,  da  sua  Co- 
rographia  Br<Mi/tca,apparecida  em  1817:  cO  original  conserra- 
se  no  Arquivo  Real  da  Torre  do  Tombo,  gaveta  8,  mac-  ^41-  8.> 

Está,  pqis,  explicada  a  razão  pela  qual  os  historiadores  do 
BrazU  anteriores  ao  século  XIX  omittiram  o  nome  Y^ra-Cruz^ 
dado  primitivamente  ao  nosso  paiz. 

Ainda  quanto  ao  primitivo  nome  da  no^sa  terra,  adverte 
Vaçahagen:  «Tapubemnos  coosta  que  o  aspecto  e  novidade  4^ 
cores  das  grandes  araras,  enviadas  a  Lisboa,  impressionaram 


320  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

ahi  a  alguns  de  tal  modo  que  oliegaram  a  deôigaar  com  o  nome 
de  Terrados  Papagaios  o  novo  descobrimento.» 

Mas  de  curta  duração,  é  sabido,  foi  aqaella  designação  pri- 
meva de  Vera-Oruz^  para  logo  substituída  pela  de  Santa  Cruz, 
O  próprio  D.  Manoel,  na  carta  escripta  em  Santarém,  aE9 
de  Julho  de  1501,  communicanio  aos  reis  de  Hespanha,  seus 
sogros,  não  só  o  descobrimento  da  nova  terra,  como  todo  o  suc- 
cedido  na  viagem  de  Cabral,  pela  costa  d*  Africa  até  ao  mar 
Vermelho,  occuUou  esse  primeiro  nome. 

Bem  como  o  Roteiro  do  Brazil^  de  Gabriel  Soares  de  Souza, 
a  authenticldade  dessa  carta,  trasladada  para  o  hespanhol  no 
tomo  III  de  Lo5  Yiages  menores,  de  Don  M.  F.  de  Navarrete,o 
qual  declara  que  ella  cezistia  em  Saragoça  no  archiro  da  antiga 
deputação  de  Aragão,  destruído  na  guerra  da  Independência, 
cópia  tirada  por  D.  Joaquim  Traggia»,  é  contestada  pelo  Dr, 
Zeferino  Cândido,  no  capitulo  IX  do  seu  citado  trabalho. 

Transcrevamos,  comtudo,  ainda  que  apocrypha  a  r4gia 
missiva,  cujo  original  portuguez  se  perdeu,  mas  por  colher  ao 
nosso  ponto,  o  que  nella  relatava,  através  a  traducção  hespa- 
nhola,  D.  Manoel,  o  Venturoso: 

<B1  dicho  mi  capitan  con  trece  nãos  partió  de  Lisboa  &  nueve 
de  Marzo  dei  ano  pasado.  En  las  octavas  de  la  pascua  segulente 
llegó  à  una  tierra  que  nuevamente  descubrió,  ã  la  cHal  puso 
nombre  de  Santa  Cruz^  en  la  cual  halló  las  gentes  desnudas 
como  en  la  primera  inocência,  mansas  y  pacificas.» 

Vem  de  molde  apontar  alguns  equívocos  do  finado  e  pro- 
vecto professor  Dr.  Mattoso  Maia,  o  qual,  no  capitulo  III  do  seu 
compendio  já  por  nós  referido,  diz  que  cem  Julho  desse  mesmo 
anno  de  i500^  D.  Manoel  commnnicára aos  soberanos  da  Europa 
que  o  capitão-mór  de  uma  expedição  portugueza  para  a  Aflia 
tinha  descoberto  no  Novo  Mundo  uma  ilha  grande  e  boa  para 
refrescarem  e  fazerem  aguada  suas  armadas  da  índia,  e  que  a 
essa  terra  se  tinha  dado  o  nome  de  ilha.  de  vbra-cruz  » 

Relativamente  á  substituição  do  nome  Vera^Cruz  pelo  de 
Santa  Cruz,  expende  o  Dr.  Zeferino  Cândido,  no  capitulo  III  do 
seu  mencionado  livro  BrazU,  as  seguintes  considerações: 

«Santa  Cruz  é  nome  posterior  (ao  de  Vera-Cruz),  mas 
muito  próximo  da  descoberta.   Mantém  a  palavra  essencial  e 


o    PRIMITIVO  NOME  DO  BRÂZIL  321 

apenas  diverge  no  qualificativo.  Bacontram-se  ainda  outras 
íórmas,  todas  contemporâneas,  que  couser  vam  a  palavra  cara- 
cterística, como  i7Aa  da  Cruz,  terra  da  Cruz.  Neste  oscillar  do 
appellativot  uma  forma  prevaleceu— 6fanto  Cruz»  B*  muito  pro- 
.vavei  que  a  preferencia  se  baseie  n*uma  selec^^  religiosa.  Vera- 
Crus  estabdlecia  de  prefere  acia  uma  data,  e  nesse  sentido  en- 
volvia um  erro,  ou  apenas  inculcava  uma  recordaçfto ;  ílAa  e 
terra  da  Oruz  tinham  o  desprimor  de  aíkstar  da  preoocupação 
religiosa  e  envolver  uma  questSo  geográfica.  Santa  Oruz  tinha 
realmente  condições  vigorosas  para  triumphar. 

cA  palavra  BrazU  é  também  coevft.  Bncontra-se  cartogra- 
flcamente  estampada,  em  synonymia  com  Santa  Cruz,  desde 
1504,  pelo  menos.  B*nome  de  origem  oommercial.» 

Foi,  talvez,  em  virtude  dessa  «selecção  religiosa»,  que  Cabral 
e  D.  Manoel  desprezaram  logo  o  nome  Vera^Cruz,  preferindo- 
lhe  o  de  Santa  CruM» 

Confirmando  essa  preferencia,  que  patenteava  o  espirito  re- 
ligíoso  da  época,  pondera  João  de  Barros,  na  sua  jã  citada  i* 
Década  :  «Porem  como  o  demónio  per  o  sinal  da  Cruz  perdeo  o 
dominio  que  tinha  sobre  nós,  mediante  a  Paixã  de  Christo 
Jesu,  consumada  n*  eila:  tanto  que  daquella  terra  começou  do 
viro  páo  vermelho  chamado  brasil,  trabalhou  que  este  nomo 
ficasse  na  boca  do  pouo,  que  se  perdese  o  de  Sancta  Cru». 
Como  que  importaua  mais  o  nome  de  hu  páo  que  tinge 
panos,  que  daquelie  pão  que  deu  tintura  a  todolos  Sacramentos 
per  que  somos  salvos,  per  o  sangue  de  Christo  Jesu  que  nelle 
foy  derramado.» 

Frei  Vicente  do  Sal  valor,  que  escreveu  a  sua  Historia  d(y 
BrazU  cerca  de  um  século  ("1627;  após  o  apparecimento  da  1» 
Década^  de  João  de  Barros,  comprova  também  essa  selecção,  essa 
preferencia  religiosa,  nas  seguintes  palavras,  cópia  quasi  tex- 
tual das  do  autor  da  Ásia  e  accrescentadas  ao  trecho.  Já  por  nóa 
transcripto  da  sua  Historia  do  BrazU: 

«...  porem  como  o  Demónio  com  o  signal  da  Cruz  perdeo 
todo  o  Dominio,  que  tinha  sobre  os  homens,  receando  perder 
também  o  muito,que  tioha  em  os  desta  terra,  trabalhou  que  se 
esquecesse  o  primeiro  nome,  e  lhe  ficasse  o  de  Brasil,  por  causa 
de  hum  pauassim  chamado  <ie  odrabrasada.e  vermelha,  comque 

491— 2i  Tomo  lxix  p.  i 


322  RfiVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

tiogeni  paaoa,  que  o  daquaUe  di7iao  páa,  que  deo  tinta  e  vir^ 
tude  a  todos  os  Sacrameatos  da  Igrotía,  etc.» 

A  cseleog&o  religíjsa»,  de  que  MaoDr,  Zeferiao  Cândido» 
fez,  d  provarei,  trocar  em  breve  a  primitiva  denominação  V&ra- 
Oru*  pela  de  Sanla  Crus,  Mas  o  motivo  pelo  qual  os  antlgoii 
liistoriadures  de  nossa  pátria  silenciaram  esse  primeiro  nome, 
foi,  certamente,  porqne  o  ignoravam;  qne  só  aos  pósteros  o  re- 
velaram Ayres  de  Casal  e  Yarnhagen,  na  benemérita  exca- 
vaçSo  das  cartas  de  Caminha  e  de  mestre  João. 

Rio  de  Janeiro,  1906? 


nriDioB 


Matérias  contidas  no  tomo  LXIX,  parte  I 


PA08, 

A  Santa  Casa  da  Misericórdia  do  Rio  de  Janeiro,  pelo  Dr.  José 

Vieira  Fazenda.. ,     .     .     . 5 

Carta  de  Frei  Francisco  de  Menezes  para  o  Dnque  de  Cadaval.       53 

Carta  do  Yice-Rei  do  Bri|zil,  .  Conde  da  Cunha,  a  Francisco 
Xavier  de  Mendonga  Furtado,  acerca  doa  motivos  que  iere 
pi^li, pedir  snccessor.    ,•»•••,«..,•.       77 

TrasU^Q  de  nin  auto  de  diUgencia  sobre  a  arribada  do  navio 

Nossa  Senhora  do  Rosário  e  Santq  Ântonto 85 

Kegimento  fornecido  ao  Governador  do  Rio  de  Janeiro,  (datado 

de  7  de  janeiro  de  i079). 99 

Proviaão  do  Príncipe  aobrc)  Sesmaria •     .    .      113 

Alvará  pelo  qual  é  nomeado  Duarte  Corrêa  yasqueann?8  para 
o  entabolamento  de  Minas  na  aoaencia  de  Salvador  Corrêa 
de  Sa  e   Benevides. 116 

Carta  de  foral  povoação,  naturi  ta  mento»  no  Fstado  do  Grão 
Pará  e.rio  do  Amazonas  no  Maranhão,  de  que  Sua  Ma- 
gestade  faz  mercê  ao  capitão  Pedro  Sultman,  Jrlaedez  de 
Naçfio  e  aos  mais  de  sua  facção  residentes  na  ilha  de  SSo 
C^stovão. 121 

Regimento  qu ;  ha  de  usar  e  general  da  Frota  Salvador  Corrêa 
>    de  Sá 131 

Alvará  pelo  qual  é  concedido  a  Salvador  Corrêa  de  Sao  Be- 
nevides fazer  mercê  aos  que  se  distinguirem  no  descobri- 
mento das  Minaa 143 

Alvará  pelo  qual  é  concedido  a  Salvador  Corrêa  de  Sá  Bene- 
vides e  seus  desoendentea  rendimentos  tirados  do  que  pro- 
duzirem aa  minas  de  ouro  e  prata •      147 


1 


324  índice 

41  .  • 

Curta  de  António  Telles  da  Silva  a  Sua  Mageetade.     .     .     .      511 

Traslado  de  um  asaânto  que  se  tomou  em  presença  do  Go- 
vernador deste  Estado  do  Brazil  sobre  a  carta  que  escraTeo 
o  tenente  de  Mestre  de  Campo  General  André  Vidal  da  Ne- 
greiros em  que   dá  oonta  de  ser  fugido    Henrique  Dias.      161  \ 

Traslado  do  assento  que  se  fez  sobre  as  cousas  de  Pernambuco.      165 

Copia  da  carta  que  os  do  Supremo  Conselho  Governadores  em 
Pernambuco  escreveram  ao  Sr.  António  Telles  da  Silva, 
GoTernador  o  Capitão  Geral  deste  Bstado,  por  dons  em- 
baixadores que  a  esti  cidade  mandara  o 173 

Copia  de  uma  carta  que  escreverão  de  Pernambuco  Martim 
Soares  Moreno  e  André  Vidal  de  Negreiros  a  António  Telles 
daSiWa 18? 

Regimento  que  ha  de  usar  as  Minas  de  São  Paulo  e  São  Vi- 
cente, do  Estado  do  Brazil,  Salvador  Corrêa  de  Sá  e  Be- 
nevides       199 

Noticias  que  dá  ao  Padre  Mestre  Diogo  Soares  o  alferes  José 
Peixoto  da  Silva  Braga  do  que  passou  da  primeira  ban- 
deira, que  entrou  ao  descobrimento  das  Minas  dos  Guayases 
até  sahir  da  cidade  de  Belém  do  Grão  Pará 217 

Noticias  praticas  do  novo  caminho  que  se  descobria  das  cam- 
panhas do  Rio  Grande  e  Nova  Colónia  do  Sacramento  para 
a  villa  de  Coritiba  os  annos  de  1727  por  ordem  do  Go- 
vernadsr  de  São  Paulo  António  da  Silva  Caldeira  Pi- 
mentel  29& 

Noticias  praticas  das  Minas  Geraes  do  Ouro  e  Diamantes  que 
dá  do  R.  E.  Diogo  Soares  o  Capitão-Mór  Luiz  Borges 
Pinto  sobre  os  seus  de^^cobrimentos  d?  celebre  oasa  de 
casca  comprehendldos  nos  annos  de  1726-27  e  28  sendo  Go- 
vernador e  Capitão  General  D.   Luiz  de    Almeida.     .     .      861 

Noticias  praticas  de  Costa  e  povoaçGes  do  Mar  do  Sal  e  res- 
posta que  deu  o  sargento- môr  de   praça  de  Santos   Ma-  j 
noel  Gonçalves  de  Aguiar  ás  perguntas  que  lho  fez  o  Go- 
vernador e  Capitão  General  da  cidade  do  Rio  de  Janeiro  J 
e   Capitania  do  Sul  António  de  Brito  e  Menezes  sobre  costa                                       • 
e  povoações  do  mesmo  nome •      29^  * 

O  primitivo  nome  do  Brasil,  por  Domingos  de  Castro  Lopes.      311 


491  —  Rio  de  Janeiro  —  Imprensa  Naeional  —  1908 


Fins  do  Instituto*—  Revista* —  Admissão  de  sócios*— 
Sessões*—  Correspondências* 

o  Instituto  tem  por  fim  colligir,  estudar,  dWulgar,  investigar  e  ar- 
chiTar  os  documentos  concernentes  á  historia,  geographia,  athnographia  e 
archeología,   principalmente  do  Brazil. 

Publica  desde  1839  uma  Rtívista,  a  qual  no  fim  do  aano  torma  um  tomo 
em  duas  partes:  ai*  constando  dos  documentos  relativos  ao  Brazil  e  a  2* 
comprehende  os  trabalhos  de  sócios  e  as  actas  das  sessões,  assim  como  os 
discursos  do  Presidente  e  do  Orador  e  o  relatório  do  1°  Secretario,  apre- 
sentados nas  cessões  anni versarias. 

Os  sócios  são: —  efTectivos  em  numero  de  50,  correspondentes  em  numero 
de  100,  honorários  em  numero  de  50,  beneméritos  em  nnmero  de  10  • 
bemfeitores,  havendo  uma  classe  de  presidentes  honorários,  i  qual  só  podem 
pertencer  o  chefe  do  Estado  e  os  chefes  de  outras  nações. 

Admittem-se  como  sócios,  tanto  os  nacionaes  coroo  os  estrangeiros,  medi- 
ante oirereciniento  de  obras  e  aprosentação,  por  escripto,  da  respectiva 
candidatura. 

Os  sócios  do  Instifuto  têm  como  distinctivos  um  oollar  e  medalha  de 
ouro  e  uma  roseta  de  côr  azul  celeste. 

As  sessões  ordinárias  do  Instituto,  a  que  podem  assistir  todos  os  sócios, 
realizam-se  mensalmente  de  Abril  a  Outubro,  á  noite. 

A  corre3pon<tencia  e  todas  as  remessas  ilevem  ser  dirigidas  ao  1^  Secre- 
tario e  encaminhadas  para  o  Instituto,  aberto  todos  os  dias  das  II  horas  da 
manhã  ás  5  da  tarde. 

Presidente  do  Instituto 

(1908) 

Barão  do  Rio-Branco. 

Gommissão  de  redacção  da  Revista 

(X908) 

Max  Fleruss. 

Conde  de  Affonso  Celso. 

Alfredo  Nascimento. 

Augusto  Olympio  Viveiros  de  Castro. 

Alfredo  Ferreira  de  Carvalho. 

l""    Secretario  Perpetuo  do  Instituto 

Max  Fleiuss. 

Thesoureiro  do   Instituto 

Arthur  Ferreira  Machado  Guimarães. 

Bibliothecario  do  Instituto 

Dr.  José  Vieira  Fazenda. 


-áLVISO 

Art.  54  dos  Estatutos  : 

€  Os  sócios  que  satisflzorem  a  jóia  e  as  cuiitribuiçoes  torão  di- 
reito a  ura  exemplar  da  Revista  fio  Instituto,  desde  o  dia  da  sua 
admissão  era  diaate,  pagando  o  porto  do  Correio. 

§  I .»  Aqutíllo  que  dever  as  preataçõoa  de  tros  annos  perderá  o 
direito  do  reoober  a  Revista, 

§  2.<>  O  V  Secretario  flca  incumbido  da  sua  distribuição  aos  sócios 
e  a  outras  pessoas,  residentes  no  Brazil  e  fóradelle.» 


] 


REVISTA 


10Ú 


ITUTO  fllSTOfilGO  E  GEOGBAPfflCO 

BRAZILEIRO 

Fundado  no  Elo  ás  Jsndra  em  1B33 


TOMO  uix 


■•AnrAt  II 


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j 


REVISTA 


DO 


INSTITUTO  HISTÓRICO  E  GEOaRAFHICO 


REVISTA 


DO 


E 


BRAZILEIRO 


Fundado  no  Rio  de  Janeiro  em.  1833 


TOMO  LXIX 


t^AItTK  II 


lloo  fácil,  Qt  longos  darent  boné  gwu  pe»  ^niiot 
Bt  poasint  a«ra  post«ritato  frai 


liVSTm/njití^ 

Í^BIEXXI  OCTOflIUSj 


4â83-.í 


RIO   DE   JANEIRO 

1908 


/!lU-x'1'2^ 


DA  INDEPENDÊNCIA  A  RBPDBLICA 


PBLO 


DR.  EOaYDES  DA  CUNHA 

Sócio  effectivo  do  Institato  Histórico  e  Qeographiop 

Brasileiro 


Esto  trabalho  do  nosso  illustrado  consócio  Dr.  Euclydes  da 
Cunha  foi  cscripto  em  maio  do  1901  o  publicado,  então,  no  Estado 
de  S.  Paulo,  com  o  titulo  —  O  Bràzil  no  Século  XIX, 

Deliberando  a  Gommídaio  de  Redacçto  inoluil-o  na  Revista, 
prcstou-se  gentilmente  o  autor  a  refundil-o  e  ampliai- o  na  sua 
maior  parte,  augmentando  assim  o  seu  valor. 

(Xota  da  Commissão  de  Redacção,) 


DA  INDEPENDÊNCIA  Á  REPUBUCA 


Chegamos  ao  século  XIX  na  plenitude  da  expansão  territo- 
rial, expressa  nos  Tratados  de  Madrid  (1750)  e  Santo  Ildefonso 
(1777).  Apagara-se  a  linha  ideal  da  concordata  de  Tordesillas» 
e  a  penetração  colonizadora,  j&  seguindo  a  rota  accelerada 
das  bandeiras,  já  o  passo  tardo  dos  missionários,  irradiara 
por  três  quadrantes  —  para  o  norte,  buscando  os  thalwegs  do 
Oyapock  e  do  Amapá  ;  para  o  occidente,  a  encontrar  as  missões 
do  Equador  e  as  terras  bolivianas,  e  para  o  sul,  procnrando  o 
Prata,  onde  se  erigira  a  balisa  extrema  da  colónia  do  Sacra- 
mento. 

O  grande  tracto  de  terras  retratava  desde  então  a  configu- 
rando actual  do  Brazil.  Mas  indefinida  e  dubla.  Firmada  a  leste 
e  ao  sul  pela  desmedida  faixa  de  uma  costa  massiça,  pelo  poente 
e  norte  derivava  em  traços  indecisos,  raro  modelados  pelas 
conformações  geographicas  e  ambíguos  no  fugitivo  de  linhas 
imaginarias  lançadas  em  regiões  desconhecidas,  ou  scindindo  as 
cabeceiras  de  rios  problemáticos. 

Extremava  a  desmedida  fronteira  um  único  ponto  astrono* 
mioamente  determinado  na  foz  do  arroio  do  Chuy,  ao  Sul  (33® 
45'L.  S.;53o25'05"  L.  O.  G.). 

Partia  dalli  num  traçado  fiexuoso,  pela  lagoa  Mirim,  inter- 
ferindo saocessi vãmente  as  cabeceiras  dos  Rios  Negro  e  Ibicuhy, 
ctga  correnteza  a  conduzia  ao  Uruguay.  Desatava-se  depois  pelo 
Pepiri,  buscando-lhe  as  nascentes;  alcançava-as ;  transpunha-as; 
descia  pelo  Santo  António  até  ao  Iguassú,  seguindo-o  ató  ao 
Paraná ;  e  alongando-se  ao  arrepio  da  corrente  deste  attingia  a 
confluência  do  Igurey.  Subia-o  «té  ás  cabeceiras,  volvendo  ao 


8  REVISTA   DO  INí=!TITUTO  HISTÓRICO 

ocoidente  e  depois  em  cheio  para  o  norte,  quasi  ao  acaso,  diva- 
gante  entre  vertentes  indecisas  até  ao  Parasruay.  Proseguia 
inflectindo  outra  vez  ao  norte  pelo  Paragnay  acima  ató  ás  cer- 
canias da  Bahia  Negra,  onde  o  deixava,  illogicamente,  para 
formar  as  lindes  da  Bolivia  demarcadas  pelos  mais  apagados 
pontos  determinantes,  rompendo  pelo  meio  das  «  corixas »  ala- 
gadas que  salpintam  vasta  região  de  nível,  até  á  foz  do  Jaarú, 
onde  uma  recta  para  o  occidente  —  um  capricho  de  oartographo 
—  a  distendia  ató  á  confluência  do  Quaporé  com  o  Sararé. 
Descia  em  dilatada  longura  por  esta  divisa  firme  ató  um 
ponto  no  Madeira,  módio  entre  a  sua  foz  e  a  do  Mamoré  — 
para  se  estirar  de  novo  no  desconhecido,  em  longo  e  imaginoso 
traçado  rectilíneo,  procurando  as  fontes  problemáticas  do 
Javary,  seguindo  ao  som  das  aguas  ató  á  eàtrada  no  Amazonas. 
Depois  novas  lindes  imaginarias,  em  que  mal  se  fixa  o  traço  se- 
guro do  Japurá,  atóattingir,  numa  inflexão  definitiva  para  leste, 
o  c  divortium  aquarum  »  do  Amazonas  e  o  Orinoco. 

Seguindo  esta  extensa  moldura,  mal  delimitando  o  theatro 
da  nossa  existência  naquelle  século,  a  carência  de  divisas  arcifl- 
nias  prendeu-nos,  na  phase  decisiva  da  nossa  organização 
nacional,  a  sérios  problemas  de  organização  do  território. 

Os  limites  com  o  Uruguay  só  se  firmaram  em  1857,  depois 
dos  successivos  accordos  de  12-10-1851  e  15-5-1852  em  que 
intervieram  o  marquez  de  Paraná  e  o  visconde  de  Uruguay. 

Com  a  Republica  Argentina  originaram  a  questão  quasi 
secular  das  Missões,  em  que  uma  troca  de  nomes  dos  rios  extre- 
menhos  tendo  annullado  todo  o  esforço  do  visoonde  do  Rio 
Branco,  em  57,  se  destinava,  depois  de  longas  negociações»  á 
solução  pela  arbitragem  em  nossos  dias  (1895),  e  a  reviver  no  de 
um  digno  herdeiro  o  nome  daquelle  grande  estadista. 

Depois  de  uma  campanha  victoriosa,  fixamos  definitivamente 
as  fronteiras,  com  o  Paraguay,  desde  a  foz  do  Iguassú  á  do 
Apa,  passando  pelas  magistraes  das  serras  de  Maracajú  e 
Amambahy,  conforme  o  Tratado  de  9  de  Janeiro  de  1872,  nego- 
ciado com  admirável  brilho  pelo  barâo  de  Cotegipe. 

As  extremaduras  extensíssimas  da  Bolivia,  poróm,  mal 
reguladas  pelo  Tratado   de  27  do  Março  de  1807^  do  Conselheiro 


DA  INDEPENDÊNCIA  A  REPUBLICA  9 

Lopes  Natto,  onde  se  trocoo  o  critério  geographico  das  linhas 
naturaes  que  nos  garantiam  a  posse  dos  tributários  meri- 
dion  ies  do  Amazonas,  pela  l>ase  indefinida  do  uli  possideiis, 
destinavam-se  a  chegar  indeterminadas  ao  século  XX,  sob 
o  aspecto  ameaçador  das  questões  incandescentes  do  Acre 
travadas  em  torno  da  linha  imaginaria  que,  partindo  de  uma 
coordenada  fixa  naqnelle  tratado  (lO^  20'  L.  S.)»  ha  margem 
esquerda  do  Madeira,  se  alonga  ás  cabeceiras  do  Javary. 

As  do  Pcrú  accordaram-se  pelo  Tratado  de  23  de  outubro 
de  1851,  sob  o  principio,  expresso,  da  posse,  tragando-se,  defi- 
nitivamente, em    1874. 

As  do  Equador  o  da  Colômbia  ficaram  insolúveis  durante 
o  cori*er  do  século.  Autepunham-se-lhes,  como  preliminar  indis- 
pensável, as  questões  do  limites  entre  estas  republicas  e  a 
do  Peru.  Quanto  ás  da  Colômbia,  adscriptas,  por  sua  vez,  a 
sérias  duvidas  com  a  Venezuela  o  ò  Equador,  encerravam 
germens  de  complexo  litigio  nas  paragens  desconhecidas  do 
alto  Rio  Negro. 

Attingido  o  norte,  liquidamos,  pelo  Tratado  de  5  de  maio 
de  1859,  negociado  por  Pereira  Leal,  as  nossas  divisas  com  a 
Venezuela,  restando-nos,  adeante,  no  rumo  de  leste,  duas  outras: 
—  com  a  Guyana  Ingleza,  vizando  a  posse  do  território  neutro 
de  Pirara,  e  com  a  Franceza,  relativa  á  região  contermina  que 
se  desdobra  entre  o  Amapá  e  o  Oyapock. 

Velha  de  três  séculos,  porque  podemos  consideral-a  nas- 
cente desde  1605  com  La  Revardiòro;  transitando  em  successivos 
tratados  e  convénios  que  fora  longo  rememorar;  parando 
no  statu  quo  do  arranjo  de  5  de  julho  de  1841,  constituindo 
o  t  Contestado»;  permanecendo  inextricável  a  despeito  das  ne- 
gociações entaboladas  de  1853  a  1856 ;  revivendo  mais  tarde  na 
republica  extravagante  de  Cunani  (1887) ;  provocando,  em  1895, 
um  choque  pelas  armas  entre  nacionaes  e  franeezes  —  aquella 
ultima  destinava-se  á  mais  bella  consagração  do  principio  civi« 
lisador  da  arbitragem  rematando,  nos  ultimes  dias  do 
século  (1900),  á  luz  do  vigoroso  espirito  dobarão  do  Rio-Branco, 
todo  esse  longo  trabalho  de  reivindica^  do  solo. 


10  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

E  flBemos,  oerto,  muito,  nesse  reatar  e  corrigir   tantas 

linhas  oonfinaes  enleadas,  ou  partidas  pelo  repentino  abalo  d  o 

dominio  hespanhol  dissociando-se,  de  chofre,  em  nore  estados. 

Porque  no  flm  da  quadra  colonial  não  havia  curar-se  do 

laes  oompromisflos,  entregues  ao  futuro.  O  Brazil  era  amplo 

demais  para  os  seus  três  milhões  de  povoadores  em  1800. 

Além  disto,  ft  contiguidade  territorial,  delineada  numa  costa 

inteiriça,    contrapunha-se  completa    separa^^  de    destinos. 

00  vários  agrupamentos  em  que  se  repartia  o  povoamento  rare- 

léitoi  evolvendo  emperradamente  sob  o  influxo  longínquo  dos 

alvarás  da  metrópole,  e  de   todo  desquitados  entre  si,  não 

tinham  uniformidade  de  sentimentos   e  ideas  que  os  impel- 

lissem  a  procurar  na  continuidade  da  terra  a  base  physica  de 

ama  Pátria. 

Formações  mestiças,  surgindo  de  uma  dosagem  variável 
4e  três  raças  divergentes  em  todos  os  caracteres,  em  que  as 
comHnações  dispares  e  múltiplas  se  engraveciam  com  o  influxo 
diflérenoiador  do  meio  phjslco,  de  par  com  as  mais  oppostas 
ooadições  geographicas,  num  desdobramento  de  35  grãos  de 
latitude,  ^  chegavam  ao  alvorar  da  nossa  edade  com  os  traços 
deaunciadores  de  nacionalidades  dístinctas. 

Dixem-n'o  todos  os  suocessosdos  tempos  anteriores. 
O  drama  da  Inconfidência  terminara  recentemente  no  sul. 
sem  que  o  seu  desenlace  trágico  oommovesse  o  norte,  onde« 
por  sua  ve2|  em  quadra  mais  remota,  a  lueta  contra  os  bata- 
vos ae  abrira  e  se  encerrara  com  o  divorcio  completo  das  gentes 
meridionaes. 

Entretanto,  sobre  wím  divergências  de  ordem  politica 
reinava  inteira  uniformidade  nas  situações  mental,  moral 
•  sooial  da  colónia.  As  duas  primeiras  tinham  o  lastro 
uniforme  das  crenças  catholicas  triplamente  inquinadas  pelas 
superstições  medievas,  pelo  fetichismo  indígena  e  pelo  animismo 
aítíoano ;  e  a  ultima,  caracterizando  um  estado  semi-barbaro 
em  que  todo  mérito  estava  na  coragem  pessoal  e  todo  prestigio 
na  gloria  militar,  repousava  sobre  a  escravidão. 

Dest*arte,  insulados  no  paiz  vastíssimo  om  que  se  per- 
diam, os  nossos  patrícios   de  ha  cem  annos,  tinham  frágeis 


DA  INDEPENDÊNCIA  A  REPUBLICA  H 

laços  de  solidariedade.  Dlstaadavsi-os  o  melo;  8eparayam-n*os 
profundamente  as  discordâncias  ethnicas.  A  directriz  da  nossa 
historia  retorcia- se  sem  uma  caracterização  precisa,  em  movi- 
mentos paroellados,  estrictamente  locaes.  E  punha-se  de  mani- 
festo um  corollarlo  único  :  a  formação  de  algumas  republicas 
turbulentas,  sem  a  afflaidade  fortalecedora  do  uma  tradição 
secular  profunda. 


Alguém,  porôm,  ci^Ja  missão  prejudicial  ô  hoje  ponto  incon- 
troverso, mau  grado  o  brilho  de  uma  gloria  discutivol,  la 
realizar,  sem  o  querjr,  completa  transmutação  em  nossos 
destinos. 

Napoleão,  que  se  propunha  derramar  sobre  a  terra  o  fulgor 
da  elaboração  cmancipadora  da  Encyelopedia  num  lampejar  de 
fuzilarias,  lançou,  cm  1807,  as  tropas  de  Junot  sobre  a  Penín- 
sula Ibérica.  E  foi,  como  se  sabe,  um  rude  passeio  militar... 

O  immortal  sargeatão  entrou  pelas  ft*onteira8  desguar» 
necidas  de  Portugal,  e  apavorou  o  mais  inoíTensivo  dos  reis. 

O  príncipe  regente  da  terra,  D.  João  VI,  não  se  modelara 
para  aquelle  transe. 

Representara,  desde  1792,  em  que  assumira  a  regência  de 
Portugal,  iníblicissimo  papel  nas  agitações  da  Europa,  oscu- 
lando entre  as  mais  oppostas  attitudes.  Partidário,  a  principio, 
da  Liga  contra-revolucionaria,  abondonara-a,  depois  da  paz  de 
Basilóa,  para  cortejar  o  Directório.  Volvera-so  depois  ã  velha 
alliança  ingleza  applaudíndo  o  revido  fulminante  de  Nelson; 
para  a  deixar  logo,  numa  curvatura  lastimável  ã  aureola  im- 
perial do  menor  dos  grandes  homens,  emergente  do  18  de  Bru- 
mário. Completara,  afinal,  a  fraqueza,  prendendo-se  ás  clau- 
sulas humilhantes  do  tratado  de  Madrid  (1801)  e  pagando  ã 
peso  de  ouro  a  própria  neutralidade,  até  surgir,  em  1806,  a 
conjunctura  do  bloqueio  continental,  acarretando-lhe  novas 
oscillaçOcs  o  novos  desastres. 

Titubeando  entro  a  Inglaterra  e  o  seu  tenaz  adversário, 
despertara  o  desquerer  deste  ultimo.  Procurara  serodiamente 
afastal-o,  enviando  os  passaportes  ao  ministro  britannico  vis- 


12  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

coDde  de  Strangford,  o  extremando-so  no  excesso  de  zelo  de  deter- 
minar o  sequestro  das  propriedades  inglezas  em  Portugal. 

Mas  deflnira-se  tarde.  O  próprio  chefe  da  esquadra  britan- 
nica,  que  começara  o  bloqueio  do  Tejo,  Sidney  Smith,  remetteu- 
lho,  ironicamente,  o  numero  docMonitonr»  em  que  se  estampava 
o  Tratado  de  27  de  Outubro  do  1807,  de  Fontainebleau,  dividindo- 
Ihe  o  reino  entre  a  Franga  e  a  Hespanha  ;  o,  simultaneamente, 
a  noticia  da  invasão  íranceza. 

Não  a  aguardou.  Fugiu  — para  escrerermos  o  verbo  que 
lho  sombreia  a  memoria,  empanando  o  significado  mais  verda- 
deiro de  uma  hábil  retirada.  Embarcou  com  a  família  e  a 
corte  alarmada  (29  de  novembro  de  1807)  nos  restos  de  uma 
frota  que  abrira  esteiras  nos  lAares  nunca  dantes  navegados, 
e,  passível  do  mais  caprichoso  joguetear  do  destino,  comboiado 
pelos  próprios  navios  inglezcs,  inimigos  da  véspera,  seguiu 
para  o  Brazil. 

Ora,  estes  factos,  vertiginosamente  desencadeados  no  passo 
do  carga  do  uma  invasão,  iam  ter  consequências  memoráveis. 

Lançavam  á  nossa  terra  o  único  estadista  capaz  de  a  trani- 
i)gurar. 


De  facto,  na  situação  em  que  nos  achávamos  imprópria vamo- 
nos  por  egnal  ao  império  de  um  caracter  forte  o  aos  lances  do 
um  reformador  de  génio.  O  primeiro  seria  novo  estimulo  ás 
revoluções  parciaeá,  acarretando  á  desaggregação  inevitável ;  o 
ultimo  agitar-se-ia  inútil  como  um  revolucionário  incompre- 
hendido.  Precisávamos  de  alguém  capaz  de  nos  ceder,  transito- 
riamente, feito  um  minorativo  ãs  scisões  esboçadas,  o  anel  do 
alliança  da j^^. tradição  monarchica,  mas  que  a  não  soubesse 
implantar  ;  e  não  pudesse,  por  outro  lado,  impedir  o  advento 
das  aspirações  nacionaes,  embora,  apparecessem,  paradoxal- 
mente, no  seio  de  uma  diotadura  dcsvigorada  e  frouxa. 

E  D.  João  VI,  um  medíocre,  foi  um  predestinado.  Aveaiso  a 
bravuras,  alma  ingénua  ornada  de  uma  placabilldade  burgueza, 
abatido  ademais  pelas  desordens  de  um  lar  infeliz,  entristecido 
pela  figura  da  velha  rainha  D.  Maria  1,  que  enlouquecera  -*  a 


DA  INDEPENDÊNCIA   Á   REPUBLICA  13 

iQercia  foi-lhe  attribnto  preemioeDto :  permittia  que  lhe  agisse 
intacta,  sobre  o  animo,  a  vontade  de  alguns  homens  superiores 
queorodeiavam. 

ReTelam-n'o  todos  os  factos  subsecutivos  &  sua  chegada  a 
Bahia,  em  22  de  janeiro  de  1808. 

Alli,  o  sen  primeiro  acto  foi  um  golpe  sulcando  a  fundo  todo 

0  regimen  colonial,  pela  franquia  dos  portos  brazileiros  ao  com- 
mercio  das  nações  amigas,  que  ooram  todas,  exceptuada  a  França. 
Mas  na  Carta  Rôgia  de  28  de  janeiro  daqnelle  anno,  que  a  esta- 
tuiu, reflete-se,  exclusiva,  a  suggestão  directa  do  nosso  primeiro 
economista,  José  da  Silva  Lisboa,  visconde  de  Cayrú. 

Gomipletou-a,  depois  de  chegar  ao  Rio  de  Janeiro,  com  a  de 

1  de  abril,  desafogando  as  actividades  e  derogando  a  lei  do  5  de 
janeiro  de  1785,  que  ordenara  o  fechamento  de  todas  as  fabricas, 
extravagante  traço  legal  sublinhando  a  ociosidade  indígena. 

Estes  dois  decretos,  equivalentes  a  duas  revoluções  liberaes, 
bastavam  a  ennobreeer-lhe  o  nome.  Relegam  a  segundo  plano 
todas  as  falhas  de  uma  educação  imperfeita  que,  ligadas  ao  do- 
sadorar  os  mínimos  rigores  da  pragmática,  o  tornaram  inferior 
&  própria  dignidade  real,  jungindo*o  para  sempre  ao  humorismo 
nem  sempre  justo  dos  chronistas,  ou  historiadores  do  anecdotas. 
Porque  quem  lhe  restaura  hoje  a  figura  —  expungida  de  sem 
numero  de  pormenores  lastima velmentc  hilares  e  enquadrada, 
de  preferencia,  logo  em  principio,  naquelles  decretos  decisivos 
e  quasi  revolucionários,  aprecia-a  sob  outro  aspecto. 

Foi,  em  primeiro  iogar,  um  stoico. 

Não  o  abatera  o  súbito  declinio  de  uma  pátria  em  despenhos 
do  fastígio  ephemoro  em  que  a  alcandorara  a  dictadura  de  Pombal ; 
não  o  abalara,  depois,  a  troca  de  uma  capital  sumptuosa  pelo  Rio 
de  Janeiro  de  então,  grande  aldeia  de  45.000  almas,  salpintada 
de  mangues,  invadida  pelas  marés,  que  lhe  intumesciam  as 
lagoas,  e  construída  desageitadamente  com  as  suas  viollas  em  tor- 
eioollos,  orladas  de  gelosias  de  urupema,  pelas  quaes  embitesgava, 
o  paupérrimo  trem  real  de  velhas  seges  de  cortinas  decouro, 
recordando  os  últimos  frangalhos  de  uma  opulência  extincta. 

Depois,  um  convencido  e  um  sincero. 

Se  não  traçou,  pelo  próprio  punho,  no  manifesto  de  1  de  maio 


14  REVISTA  DO   INSTITUTO  HISTÓRICO 

O  compromiBso  do  «levantar  a  voz  do  seio  do  novo  império  que 
ia  orear»,  comprchendeu-o,  lucidamente. 

Pelo  menos  deixou  vacillante  o  juizo  da  historia,  inclinaado-o 
de  preferencia  ao  parecer  de  um  contemporâneo  illustre«  Luckok, 
quando  escreveu  que  elle  «possuía  mais  sentimento  e  energia 
do  caracter  do  que  ordinariamente  lhe  attribuiam  amigos  e 
inimigos  >»• 

E'  o  qae,  de  facto»  delatam  todos  03  actos  subsequente!  que 
vamos  apontar  apenas,  neste  relancear  o  passado  da  nossa  terra. 

Foi  a  principio  uma  reação  contra  o  inimigo  longínquo . 

Uma  expeiição  militar  fulminante,  ao  mando  do  general 
Marques  d'i:ivas,  dirigiu-se  para  a  Guyana  Franoeza,  chegando, 
a  15  do  dezembro  ás  cercanias  de  Cayenna.  Assediou-a ;  o 
expugnou-«  a  12  de  janeiro  do  anno  seguinte  (1809),  expulsando 
o  governador  Victor  Ilugues  e  toda  a  guarnição.  Deste  moda 
a  nossa  primeira  acção  externa  no  século  XIX  tem  todos  os  pontos 
de  contacto  com  a  ultima:  áquoUe  choquo  armado  da  dictadura 
real  contrapor-se-ia,  em  1901,  victorlosa  pela  arbitragem,  contra 
os  mesmos  adversários  e  no  mesmo  campo,  a  acção  pacifica  da 
Repablica. 

A  segunda  extremou-se  no  sul,  e  prolongar-se-ia  intermiten- 
temente ató  aos  nossos  dias.  Traha,  ao  parecer,  mal  encoberto 
anhelo  da  esposa  de  D.João,  D.  Carlota  Joaquina,  que  imagi- 
nara restaurar,  no  vice-reinado  doPrania,  o  throno  oastelhano 
desabado  na  Europa  com  Fernando  VII.  Mas  realizou  se  ao 
reclamo  do  próprio  governador  hespanhol.  General  Blio,  que, 
depois  da  revolução  emancipadora  de  25  do  maio  de  1810,  em 
Raenos  Aires,  se  viu  cercado  no  anno  seguinte  na  praça  de 
Montevideo  pelas  tropas  argentinas  o  orientaes  do  General 
Rondeau  e  Josô  Artigas.  Depois  de  alguns  combates  inúteis — om 
que  o  Capitão  General  do  Rio  Grande,  D.  Diogo  do  Souza, 
invadindo  o  Kstado  Oriental,  desbaratou  os  guerrilheiros  que  se 
lhe  antepuzeram— ,  a  lucta  terminou  (1812),  pela  intervenção  do 
ministro  Rademaker,  dedicado  físcal  da  politica  britannica,  e 
teve  como  resultado  mais  próximo  ligar-nos  á  convivência 
perigosa  dos  caudilhos,  de  que  Artigas  foi  o  primeiro  molde. 

Fallecendo  por  este  tempo  o  condo  de  Linhares,   ministro 


DA  INDEPENDÊNCIA  A  REPUBLICA  15 

quo  estimulara  estas  duas  aventaras  gaerreiras,  poade  D.  JoKo 
applicar-se  à  administração  interna  do  paiz. 

Começou  a  reagir,  então,  effloazmente,  sobre  os  nos«o8  deíi* 
tinos,  por  uma  série  de  medidas  que,  reflectidas  mais  tarde  m 
ordem  politica,  com  a  resolução  do  16  de  dezembro  de  1815,  el0- 
vando  o  Brazil  á  categoria  de  Reino,  tiveram»  segundo  outra 
ordem  de  idéas,  uma  significação  mais  alta  no  propelliram  o 
nosso  desenvolvimento  intcllectual. 

Foi  a  sua  acção  realmente  útil. 

Propiciara-a  de  algum  modo  o  meio  em  que  se  ezffi*citava* 

O  espirito  nacional,  apozar  da  situação  inferúNr  da  massa 
da  oolonia,  começara  a  despertar  alguns  annoi  antes» 

Revolam-n'o  alguns  nomes  expressivos. 

Conceição  Yelloso,  o  nosso  primeiro  botânico,  fôra  na 
própria  metrópole  um  vulgarizador  de  trabalhos  utilíssimos. 
Vicente  Seabra,  Nogueira  da  Gama  e  José  Bonifaoio  de  Andrada 
e  Silva,  induiam-SG  entre  os  lentes  da  Universidade  de  Coimbra 
e  Escola  de  marinha  de  Lisboa.  José  da  Silva  LisbOa  era  um 
digno  discípulo  de  Adam  Smith  e  oriterioso  oommentaáor  de 
Burke.  HippolJto  José  da  Costa,  no  Correio  BraHiimisê^  pnbli« 
cado  em  Londres,  agitava  com  brilhantismo  raro  dois  sérios 
problemas  —  a  independência  politica  e  emancipa^^  dos  escra- 
vos. Arruda  Camará,  Josó  de  Sá  Bettencourt  e  Josó  Vieira  Ck)uto, 
nos  sertões  de  Pernambuco,  Bahia  e  Minas,  abriam  em  nossa 
terra  as  primeiras  veredas  ã  soiencia  fora  das  picadas  tortuosas 
das  bandeiras. 

Silva  Alvarenga,  Tenreiro  Aranha,  Villela  Barbosa  e  Souza 
Caldas,  esboçavam  a  nossa  vida  litteraria.  £  sobre  todos,  de 
muito  superior  ã  sua  época,  grande  mathematioo  •  eeo^ 
nomista  notável,  aquella  rara  mentalidade  do  hísgo  Aieredo 
Coutinho,  caracterizando,  no  versar  os  mais  dispares  assumptos, 
o  traço  essencial  do  nosso  espirito  vesado  ás  generalizações 
brilhantes   em   detrimento  das  especializações   fecundas. 

Ora,  o  attributo  preexcellente  da  dictadura  real  consistia 
em  favorecer  esse  germinar  da  expansão  civilisadora. 

Fundou  a  Imprensa  Régia ;  e  a  Gazeta  do  Mio,  ovgun 
official,  appareceu  iniciando  a  imprensa  no  Brazil. 


16  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Alli  se  imprimiram  paginas  que  ainda  hoje  delettreamos 
com  vantagem :  o  cDicoionario  da  Lingua  Portugaeza»,  de  A. 
Moraes  e  Silva  e  a  c  Ghorographia  Brasilica»,  de  Ayres  de 
Casai;  livros  que  com  a  «Historia  do  Brasil»,  de  Southey 
(1822),  os  volumes  descriptivos  do  príncipe  de  Newied,  os  tra- 
balhos de  ArrndaCamara,  as  primeiras  linhas  de  Martius,  os 
esoriptos  de  Aug.Saint-Hilaire,  Eschwege,  Varnhagen,  Feldner, 
e  as  memorias  históricas  de  Pizarro,  ou  Annaes  do  Rio  de  Ja- 
neiro, de  Balthazar  Lisboa  —  delinearam  o  primeiro  quadro  da 
nossa  cultora. 

Concorrentemente,  outros  pioneiros  substituíam  o  bandei- 
rante 6  o  missionário  no  desvendar  a  terra,  prolongando  os 
esforços,  até  então  esparsos,  de  Qabriel  Soares,  Lacerda  e 
Almeida  e  Alexandre  Ferreira.  Eram  uns  nomes  extranhos 
—  Mawe,  Koster,  Waterton...— batedores  de  outros  mais 
illustres,  nacionalisados  todos  entre  nós  pelo  carinho  com  que 
olharam  para  uma  natureza  portentosa.  O  agasalho  que  encon- 
travam denunciava  novos  estímulos  no  governo. 

Havia  pouco  ainda,  no  começo  do  século,  um  governador 
fluspicaz  lançara,  zeloso,  um  decreto  de  expulsão  «contra  um 
tal  Barão  de  Humboldt »,  individuo  suspeito,  que  andava  pelas 
extremas  septentrionaes  do  Amazonas.  • . 

Mudavam-se  evidentemente  os  tempos.  A  oóne  attrahia 
os  abnegados  naturalistas,  alguns  dos  quaes,  sob  o  razoável 
pretexto  de  enriqueoerem  as  coUecções  do  Museu  Nacional, 
reoemoreado,  se  tornaram  pensionistas  do  Estado. 

Renovou-sedo  mesmo  pajsso  o  movimento  artístico  quo, 
apenas  iniciado,  ao  norte,  durante  o  domínio  hollandez,  por 
Eckhout  e  Pieter  Post,  e  escassamente  animado  por  alguns  ta- 
lentos nacionaes,  sem  cultura  —  teve,  desde  1816,  o  amparo 
permanente  da  Academia  de  Bailas  Artes,  que  a  recente  paz  com 
a  França  apparelhara  de  todos  os  elemontos  de  successo  com 
avinda  de  Joacbim  Le  Breton,  membro  do  Instituto,  que  a  dirigiu, 
auxiliado  por  um  pintor  notável,  Debret,  por  um  artista  ci^o 
nome  se  vincularia  ã  nossa  historia  numa  progénie  i Ilustre, 
Nicolau  Taunay,  por  um  architecto  de  génio,  Grandjean  de 
Montigny  e  o  escuiptor  Marc-Ferrez. 


DA  INDEPENDÊNCIA  A  REPUBLICA  17 

Volvendo  a  outros  ramos  administrativos,  fundou,  d.  João, 
as  Aoademias  de  Marinha  e  Artilharia,  o  Archivo  Militar  e 
^frizemos  esta  circumstancia  digna  de  nota—  desfazendo-se 
dos  seus  livros,  a  Bibliotheca  Nacional ;  e  gisou  o  primeiro  es- 
boço de  um  Jardim  Botânico,  futuro  Índice  da  nossa  flora. 

Rematou  tudo  isto  com  a  creação  da  primeira  instituição  de 
credito  do  paiz,  o  Banco  do  Brazil. 

Bsta  imperfeita  resenha,  diz  tudo  p(.r  si  mesma.  Traduz 
inestimável  legado  que  outros  factos,  sem  a  mesma  altitude, 
não  empanam. 

Nestes  incluem-se  todos  os  renovamentos  das  supérfluas 
velharias  de  uma  sociedade  desfibrada,  em  que  a  burocracia  se 
tornara  e  ideal  da  vadiagem  paga :  a  Mesa  de  Consciência  e 
outras,  que  nos  forramos  de  citar,  entre  as  quaes  uma  Inten- 
dência Qeral  da  Policia,  centralisada  na  corte,  como  se  pela  vasti- 
dão do  Brazil  um  Pina  Manique  titânico  pudesse  alongar  dois 
braços  de  Briareu...  E,  mais  nefasto  ainda,  despontando  com 
a  « Ordem  da  Torre  e  Espada  »,  um  prodigalizar  fabuloso  de 
oommendas  em  tal  cópia  que,  segundo  Armltage,  ultrapassaram 
as  doadas  por  toda  a  dynastia ;  iniciando-se  nesta  terra  a 
mais  achamboada  das  aristocracias  e  e3<io  dissipar  de  «  honras  >, 
que  tanto  desaira  a  honra  purae  simples. 

Accrescente-so  a  annexação  inútil,  da  Banda  Oriental, 
(16  de  julho  de  1821),  constituindo  a  provinda  Cisplatina,  que 
devíamos  perder  mais  tarde  depois  de  longas  fainas  guerreiras, 
e  teremos  completado  a  única  face  obscura  do  quadro.  Releva^ 
entretanto,  considerar  que  neste  lance  a  politica  exterior  de 
D.  João  VI  feriu,  por  acaso,  a  questão  mais  séria  deste  conti- 
nente. Aprovei tando-se  das  discórdias  entre  os  orientaes  de  Josô 
Artigas  eos  argentinos,  para  firmar  desde  1817,  com  a  espada 
do  Barão  da  Laguna,  o  seu  domínio  em  Montevideo,  ella  lançara 
as  primeiras  linhas  de  uma  opposição  ató  hoje  victoriosa  contra 
o  pensamento  da  raconstituiçao  do  Vice-reinado  platino,  que  se 
planeara  desde  1811,  na  Junta  Ooveroativa  de  Buenos  Aires,  e 
erigiu-se  ató  aos  nossos  dias  como  ideal  preeminente  do 
patriotismo  argentino. 

43:83  ^  2  Tomo  lxix.  p.  ii. 


18  RB  VISTA  DÓ  INSTITUTO  HISTÓRICO 

  dictadura  de  D.  João  VI  encerrara  com  esta  abção  ex- 
terna a  sua  phase  reconstractora  e  utll. 

Iam  assaltai-^  e  abatel-a  dois  movimentos  inopinados  —  a 
revolução  de  17,  em  Pernambuco,  e  a  de  Portugal,  em  1820. 

A  primeira,  i,  parte  as  causas  secundarias  e  immediatai 
de  uma  revolta  militar,  estampando  o  rotulo  falso  das  agi- 
tações nacionaes,  tinha  origens  profundas. 

Domingos  Theotonio  Jorge  e  o  impetuoso  Barros  Lima,  o 
<  Leão  Coroado  »,  assassinando  o  commandanto  militar  do  Re- 
cife, e  expulsando  o  capitão  general  António  Pinto  de  Miranda 
Montenegro,  agiam,  heróes  autómatos,  sob  o  impulso  incoercível 
das  tendencial  nativistas,  sob  o  disfarce  republicano,  cujos 
chefes  reaes,  o  commerciante  Domingos  Martins,  o  padre  Miguei 
Joaquim  de  Almeida  e  o  mallogrado  padro  Roma,  secundados 
pelo  seminarista  Martiniano  de  Alencar,  pertenciam  a  profissões 
pacificas  por  excollencia. 

Depois  de  um  successo  epbemero,  em  que  à  Junta  Revo- 
lucionaria, legando-nos  exemplo  que  não  foi  esquecido,  adoptou 
como  mais  urgentes  medidas  o  augmento  do  soldo  ás  tropas,  o 
accesso  de  três  postos  aos  officiacs  revoltosos  e  o  tratamento 
oílicial  de  vós^  o  revide  legal  vibrado  polo  pulso  vigoroso  do 
conde  dos  Arcos,  governador  da  Bahia,  sopeou-a,  niaculando-ie 
depois  com  levar  ao  patíbulo  os  rebeldes  supplantados. 

D.  João  VI  vencera,  porém,  a  tempo  de  attender  a  outros 
antagonistas,  que  lhe  surgiam  na  própria  pátria  com  a  revolução 
liberal  de  24  de  dezembro  de  1820,  no  Porto. 

Na  revolta  portugueza  o  que  apparece  no  primeiro  plano 
é  a  corrente  generalizada  do  constitucionalismo  que  ia  assober- 
bando a  Europa,  depois  da  Restauração.  Mas  os  seus  reagentes 
mais  enérgicos  eram  outros.  Resumiam-se  na  circumstancia  cte 
haver-se  deslocado  o  throno  para  o  Brazil  instituindo,  aqui,  a 
autonomia  económica,  preliminar  da  autonomia  politica  è  còl- 
looando  o  reino  ém  situação  visivelmente  inferior. 

Houvera,  de  fticto,  uma  troca  de  papeis  :  Portugal,  empo- 
brecido desde  a  franquia  dos  portos,  aggravada  com  o  escoar-se- 
Ihe,  de  Lisboa  para  o  Rio,  as  rendas  da  realeza  e  do  seu 
séquito  '  era  a  colónia  de  Y^cto. 


DA  INDEPENDÊNCIA  Á  REPUBLICA  19 

Assim,  aquella  a^tagão  era  menos  a  lucta  por  um  prin- 
cipio que  a  revolta  de  uma  nacionalidade  illudida  e  melindrada. 

A  nora  chAgou  ao  Rio  de  Janeiro  trazendo,  desde  o  Pará, 
a  sobrecarga  aggravante  da  adhesão  das  tropas  lusitanas  dai 
provincías.  £  reviveu  na  alma  timorata  do  rei  antigas  e  des- 
lembradas commoçôes  —  a  resonancia  longínqua  do  tropear 
dos  granadeiros  de  Junot. . . 

D.  João  VI  não  balanceou  a  crise.  Tergiversou,  entretanto, 
irresoluto,  entre  os  brazileiros,  que  o  attrahlam,  e  portuguezes, 
que  o  intimavam  a  acceitar  a  constituição  da  Junta  revolucio- 
naria de  Lisboa  e  a  voltar  para  o  Reino. 

Jurada  aquella,  e  marcadas,  de  accordo  com  o  que  estatuirá 
(7  de  março  de  1821),  as  eleições  de  deputados  ás  Gôrtes,  novas 
vacillaçT^es  no  deixar  a  terra  a  que  se  affeiçoara,  originaram 
sanguinolentos  recontros  nas  ruas  do  Rio  de  Janeiro  entre  os 
nacionaes  e  as  tropas  auxiliares  portuguezas. 

Por  fim,  encerrando  a  sua  carreira  politica  do  mesmo 
modo  por  que  a  inaugurara,  com  uma  fuga  ou  com  uma  hábil 
retirada,  oscillante  entre  dispares  desígnios,  com  as  mesmas 
peripécias  dolorosamente  ridículas,  que  temos  por  excusado 
reviver,  partiu,  a  2Q  de  abril,  para  Portugal,  deixando  ao 
filho,  D.  Pedro  de  Alcântara,  uma  corda  que  Julgava  passível 
de  ser  preada  por  um  aventureiro  qualquer. 


Houve,  entSo,  na  nossa  historia  uma  antinomia  notável. 

O  nativismo  nacional  que,  á  parte  a  breve  irritação  per- 
nambucana, tolerara  o  absolutismo  da  realeza,  começou  de  ser 
rudemente  aferroado  pelo  liberalismo  portuguez. 

Contravindo  ao  espirito  superior  do  pensamento  politico 
que  as  inspirara,  as  Cortes  de  Lisboa  planearam  revogar  as 
reformas  feitas  anteriormente  e  adoptaram  quanto  ao  Brazil  o 
programroa  extravagante  de  rocolonização  :  votaram  a  sup- 
pressão  das  escolas  e  tribunaes  superiores ;  a  dissolução  do 
governo  geral  do  Rio,  completada  cora  a  tentativa  de  revocação 
do  príncipe  D.  Pedro;  e  fraccionando  a  administração  inteira, 
com  o  impor  a  cada  provinda  a  oorrespondenciti  directa  da  me- 


20  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

tropole  remota,  phantajiiaram  um  Brazil  aoterior  a  Thomé  de 
Souza. 

Não  trancaram  os  portos  porque  o  commorcio  gorai  era, 
em  ultima  analyse,  o  commercio  inglez. 

A  minoria  do  representantes  brazileiros  om  Lisboa  —  em 
quo  se  destacavam  um  orador  impetuoso  e  vibrante,  António 
Carlos,  um  pensador  por  egual  poeta  e  mathematico,  Viliela 
Barbosa,  um  argumentador  tenaz,  Lino  Coutinho,  e  aquelle 
perfil  esculptural  de  Diogo  Feij  j,  e  o  lúcido  Arai^Jo  Lima,  Ver- 
gueiro e  outros  —  mal  se  oppoz  áquelle  recuo. 

Protestando,  pela  voz  de  António  Carlos,  e  abandonando  um 
posto  inútil,  emigraram  os  deputados  para  a  Inglaterra,  ou  de- 
mandaram a  Pátria. 

Aqui,  a  discordância  dos  partidos,  espelhando  todos  os  cam- 
blantea,  do  nativista  exaltado  ao  reaccionário,  se  engravecia 
com  o  antagonismo  crescente  dos  dois  elementos  nacional  e 
portuguez.E  no  baralhamento  das  paixões  vivamente  acirradas 
pelas  noticias  gravíssimas  de  ultra-mar,  o  primeiro,  scindido  de 
facções,  sem  coiHmando  porque  havia  chefes  demais,  certo  não 
pulsearia  o  ultimo,  mais  unido  e  centralizado  pela  divisão 
auanliadara  do  goneral  Jorge  de  Avilez,  onde  so  csteiava  de 
resistência  da  metrópole. 

Dado  o  divorcio,  que  até  aquelle  tempo  isolara  os  vários 
agrupamentos  em  que  se  subdividia  o  paiz,  punha*se  de  mani- 
festo o  seu  desmembramento. 

AS  revoltas  parciaes,  que  iriam  irromper  repellindo  a 
ameaça  recolonisadora,  sujeitar-se-iam  a  destinos  vários  nos 
diversos  pontos  do  território,  e  na  melhor  hypothese  presa- 
giavam,  a  exemplo  do  que  succedera  no  Vioe-Reinado  do  Prata, 
a  formação  de  minúsculos  estados,  entregues  ás  intrigas  im- 
punes do  extrangeiro,  ou  á  phantasmagoria  de  uma  liberdade 
sangrando  sob  a  espora  dos  caudilhos. 

Impediu-o  o  Príncipe  Regente. 

Menos  pelo  valor  pessoal  quo  pelo  prestigio  da  posição, 
fez-se  arbitro  entre  os  partidos,  e  o  inclinar-se  para  os  natu- 
raes  propiciou-Ihes  o  iriumpho,  creando  á  monarchia  o  seu  mais 
elevado  destino  úa  nossa  terra. 


PA  INDEPENDÊNCIA  A  REPUBLICA  21 

D.  Pedro  de  Bragança  talhara-ae,  realmente,  para  aquella 
crise.  Mediano  cm  tudo  —  parte  soldado,  rei  em  parte,  em 
parte  condotieri^essa,  ausência  de  uma  linba  firme,  no  caracter, 
dava-Ihe  plasticidade  para  se  amoldar  ao  incoherente  da  socie- 
dade em  que  surgia.  A  situação  histórica  só  lhe  exigia  a  indole 
cavalheiresca,  brilhante  e  arrebatada,  a  bravura  impetuosa  e, 
por  fim,  a  própria  inconstância  que  o  levaria,  tempos  depois, 
após  representar  o  seu  papel  revolucionário,  a  abandonar  o 
paiz,  ao  despontar  a  phase  roconstructora  de  1831. 

A  exemplo  do  pae,  ia  agir  sob  a  influencia  dos  homens  de 
valor  que  o  circundavam. 

Tinhamol-os,  felizmente. 

José  Bonifj.cio  chegara  da  Europa  com  renome  feito  de 
proeminente  cultor  da  philosophia  natural,  o  tornara-se  a 
figura  dominante  de  um  grupo  de  patriotas  apercebidos  para 
as  exigências  complexas  do  momento. 

Mas  como  entravamos  em  periodo  forçadamente  demolidor 
e  critico,  coube  ao  jornalismo  os  primeiros  passos  na  empreza. 

Gonçalves  Ledo  e  Januário  da  Cunha  Barbosa,  no  Reverbero  ; 
fr.  Francisco  de  Sampaio  e  Soares  Lisboa,  no  Correio  do  Rio, 
esboçaram  a  reacção  nati vista,  deslocando  para  o  á.mago  das 
agitações  nacionaes  o  que  ellas  ainda  não  haviam  tido,  o  vigor 
moral  da  opinião  publica.  E  como  nas  provindas,  desde 
Maranhão  até  S.  Paulo,  outros  jornaes  seftindaram,  reforçando- 
lhes  os  esforços,  a  imprensa  fez-se  instrumento  preexcellente 
da  lacta  iniciada,  genoralizando-a  a  todos  os  ângulos  do  paiz  e 
favorecendo  um  movimento  de  conjuncto  que  ainda  não  existira. 

Eivada  de  uma  metaphysica  dissolvente,  e  desse  lyrismo 
politico,  que  tanto  compromettera  a  elaboração  recente  do 
século  XVIII,  o  seu  papel,  embora  exclusivamente  critioo* 
traduziu-se  como  uma  redistribuição  de  alentos  e  não  dilatou  a 
energia  centrífuga  além  dessa  propa<iranda  tenaz. 

Porque  se  lhe  contrapunha,  no  Rio,  a  força  central  da 
realeza. 

Não  vacinemos  em  reconhecei-o. 

Somos  o  único  oaso  histórico  de  uma  nacionalidade  feita 
por  uma  theoria  politica.  Vimos,  de  um  salto,  da  homogenei- 


22  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

dade  áa^  colónia  para  o  regimea  coDstitucionaL  Dos  alvarás  para 
aa  leis.  E  ao  entrarmos  de  improviso  na  orbita  dos  nossos 
destinos,  fizemol-o  com  um  único  equilíbrio  possível  naquella 
quadra:  o  equilíbrio  dynamlco  entre  as  aspirações  populares  e 
as  tradições  dyaasticas.  Somente  estas,  mais  tarde,  permit- 
tiriam  que  entre  os  «£zaltados>,  utopistas  avantajando-se  de- 
masiado para  o  futuro  ató  entestarem  com  a  Republica  pre- 
matura, e  QB  «Reaccionários»,  absolutistas  em  recuos  excessivos 
para  o  passado,  repontasse  o  influxo  conservador  dos  «Mode- 
rado6>,  da  Regência,  o  que  equivalia  a  conciliação  entre  o 
Progresso  e  a  Ordem,  ainda  não  formulada  em  axioma  peio 
mais  robusto  pensador  do  século. 

DesVarte,  a  lucta  da  Independência  teve,  no  englobar 
elementos  destruidores  e  reconstructores,  o  caracter  positivo 
de  uma  revolução. 

£  desenrolou-se  com  uma  finalidade  irresistível. 
Mas  o  principio  foi  esparso,  dispartindo  nos  mesmos  actos 
sem  solidariedade,  tão  oaracteristicos  da  nossa  historia.  As 
fJuntas  Governativas»,  qqe  para  logo  se  fundaram  constituindo- 
se  em  pequenos  estados,  volviam  ao  aspecto  exacto  dos  tempos 
ooloniaes,  numa  espécie  de  decomposição  espontânea.  Algumas, 
como  a  de  Pernambuco,  mesmo  reassumindo  a  attitude  batalha- 
dora, tendo  supplantado  o  elemento  portuguez  na  cCapitulaçâo 
do  Beberibe»,  (outubro  de  1821),  subtrahiam-se  ao  influxo  do 
governo  do  Rio,  revivendo  o  antigo  sonho  da  existência 
autónoma.  Outivas,  as  demais  do  norte,  volvendo  a  obedecer  ao!( 
antigos  dominadores,  fiicilitavam  o  programmadarecolonisaçao. 
Apenas  quatro  —  Minas,  S.  Paulo,  Rio  de  Janeiro  e  Rio 
Grande  do  Sul—  acceitaram  desde  logo  o  governo  do  príncipe. 
Nessa  instabilidade,  é  claro  que  o  pensamento  libertador, 
adstrioto  á  contingência  de  captar  o  beneplácito  preliminar  dos 
aggrupamentos  de  novo  dissociados,  tinha  um  signiflcado  duplo: 
confundiam-se,  penetrando-se  entrelaçados,  o  ideal  da  indepen- 
dência e  o  da  unidade  nacional. 

E  coube  ao  Sul  levantal-o,  a  começar  pelo  Rio  de  Janeiro, 
onde  chegavam  directamente  os  decretos  retrógrados  da  metro« 
polé. 


DA  INDEPENDEIÍCIA  A  REPUBLICA  23 

Occorrera  ademais,  alli,  ama  transigência  forçada,  contra- 
produoente  no  irritar  os  ânimos:  as  tro]^  de  Avilez  haviam, 
desde  Jqnho,  imposto  o  juramento  da  Coostituição  das  Cortes 
portuguezas,  combatida  pelos  deputados  brazileiros,  e  a  forma- 
ção de  uma  Janota  governativa  destinada,  como  as  patras^  a 
agir  em  coirrespondencia  directa  com  o  governo  de  Lisboa. 

F9Í  no  regimen  transitório  desta  victoria  ephemera,  gue 
entraram  09  decretos  recolonisadores:  declara vam-se  indepen- 
dentes do  Rio  os  goyarnos  das  provincias  e  supprimidos  todos  os 
tribunaes  superiores. 

Impunha-se,  por  fim,  a  partida  improro^vel  de  D.  Pedro 
para  a  Europa. 

Esta  ultima  clausula  rompeu  a  represa  d%  revolta. 

Sublevou-sea  multidão  no  Rio,  (9  de  janeiro  de  1822), 
estimulada  pela  propaganda  anterior  de  Gonçalves  Ledo  e  Janu- 
ário Barbosa,  chefiada  pelo  presidente  do  senado  da  camará, 
José  Clemente  Pereira,  impondo  ao  príncipe,  talvez  yacillante, 
a  permanência  no  Brasil. 

Impondo,  ó  o  termo.  A  representação  de  oito  mil  assigna- 
turas,  qu6  lho  foi  lida,  não  çra  um  pedido;  era  uma  intimativa. 

Redigira-a  um  luctador,  que  não  tem  o  rQuome  mere- 
cido, fr.  Francisco  de  Sampaio;  e  o  sacerdote  rebelde  fora 
singularmente  í^anco  na  primeira  phrase  que  traçara:  <  a  par- 
tida de  S.  A.  seria  o  decreto  que  teria  de  sanccionar  a  indepen- 
denciç.  do  Brazll.  ^ 

O  príncipe  cedeif ;  e  este  rompimento,  não  já  da  solidariedade 
politica,  senão  da  do  sangue,  completado,  três  dias  depois,  pela 
capitulação  da  divisão  auxiliadora  de  Avilez,  apoio  material  da 
acção  longínqua  de  ultramar,  foi  o  traço  mais  intenso,  i^aquell^ 
quadra,  da  reacção  nati vista. 

Aq  mesmo  tempo  deâniam-^e  as  provincias.  A  Junçta  de 
S.  Paulo,  ci:go  presidente,  Oyenhausen,  se  norteava  pela, 
vontade  firme  de  José  Bonifácio,  ligara-se  em  manifestq  en^r^ 
gico  aos  SUCC68SOS  anteriores  —  e  no  norte,  a  antiga  fidelidade  ^ 
metrópole  partia-se  ( 19  de  fevereiro )  precisamente  na  terra 
onde  era  clássica,  a  Bahia,  levantada,  em  ma«sa  qontrf^  9 
general  Madeira  de  Mello. 


24  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Estava  declarada  a  campanha  libertadora. 

Dado  o  primeiro  choque  victorioso  contra  o  exercito  estran- 
geiro, antes  mesmo  que  a  sua  repercussão  nas  províncias  se 
coroasse  de  idêntico  sucoesso,  o  governo  recem-organizado» 
dirigido  por  José  Bonifácio,  começou  a  deliberar,  sobranceando 
os  tumultos,  como  se  o  não  rodeiassem  as  maiores  dificuldades. 

Caraoterizaram-n*o  três  medidas  radicaes,  de  prompto  decre- 
tadas: a  chamada  dos  representantes  das  províncias  para  concer- 
tarem nas  reformas  urgentes  ;  a  preliminar  do  <cumpra-se»  do 
príncipe  d.  Pedro  imposta  á  effectividade  das  leis  portuguezas; 
e  por  fim,  medida  mais  séria,  a  convocação  de  uma  Assembléa 
Constituinte  (decreto  de  3  de  junho). 

Emquanto  isto  succedía,  o  príncipe,  numa  viagem  trium- 
phal  a  Minas,  em  março,  onde  á  sua  chegada  se  apagaram 
nocivas  discórdias  emergentes,  representava  o  seu  papel  real 
o  único  —  o  da  acção  de  presença-—  como  se  nas  transformações 
sociaes  se  torne  também  preciso,  ás  vezes,  essa  mysteriosa 
força  catalytioa,  que  desencadeia  asaí&nidades  da  matéria. 

O  titulo  que  anteriormente  lhe  fora  offerecido,  numa  data 
que  se  tornaria  ainda  mais  celebre,  (13  de  maio)  de  «  Defensor 
perpetuo  do  Brazil »,  j&  valia  por  um  pallido  euphemismo, 
escondendo  o  de  Imperador,  em  que  desfechariam  todos  os 
acontecimentos. 

Ampliou-o  a  proclamação  de  l  de  agosto.  Ahi  elle  se  declara 
defensor  da  independência  das  províncias,  e  pede  cqua  o  grito  de 
união  dos  brazileiros  ecoe  do  Amazonas  ao  Prata». 

Redigida  por  Gonçalves  Ledo,  agitador  que  recorda  um 
girondino  desgarrado  em  nossa  terra,  ella  foi  por  isto  mesmo 
altamente  expressiva.  Expunha  o  único  destino  da  monarchia 
entre  nós,  o  de  agente  unificador  ;  e  como  este  seria  nullo  sem 
o  alento  das  expansões  populares,  o  pensamento  do  futuro 
imperante  devia  realmente  vibrar  na  penna  de  um  nervoso 
chefe  liberal. 

E'  inexplicável,  por  isto,  quoaquella  data  tenha  escapado 
&  consagração  do  futuro.  Falta-lhe  talvez  a  exterioridade  de 
outras,  menos  eloquentes  e  mais  raidosas:  a  de  7  de  setembro, 
por  exemplo. 


DA  INDEPENDÊNCIA  A   REPUBLICA  25 

Com  efTeito,  o  interessante  episodio  da  viagem  que  levara  o 
príncipe  a  S.  Paalo,  com  o  mesmo  intuito  da  ida  anterior,  a 
Minas,— em  nada  modifloou  o  curso  natural  dos  factos.  Apenas 
teve,  deante  da  comprehensão  tarda  e  rudimentar  do  povo,  a 
clareza  suggestiva  das  imagens,  e  deu-lhe  a  minúcia  singular- 
mente valiosa  de  umsymbolo,  o  tope  nacional,  auri-verde, 
substituindo  a  velha  divisa  portugaeza  quando  esta  foi  violenta- 
mente despedaçada  peio  régio  itinerante  ao  receber,  sobre  a 
collina  do  Ypiranga,  a  noticia  das  decisões  arbitrarias  das  Cortes, 
que  lhe  annullavam  todas  as  reformas  praticadas. . . 

€  Independência  ou  morto!  »,  brcvdou  varonilmente,  no  meio 
da  comitiva  electrizada.  E  a  revolução  teve  afinal  uma  for- 
mula synthetica,  armada  ao  apercebimento  immediato  do  povo, 
oncautando-o  pela  nota  romântica  e  theatral,  e,  como  tantas 
entras  por  egual  detonantes,  desferindo  o  repentino  surto  da 
energia  potencial  das  idéas. 

Proseguiu  dalli  por  deante  vertiginosamente. 

Acclamado  e  coroado  (12  de  outubro  e  1  de  dezembro  de 
1822)  Imperador  constitucional,  d.  Pedro  I  não  lhe  cerrara  o 
cyclo inflexível.  Dilatarão. 

O  movimento   libertador  teve,  então,  o  inconveniente  da 
própria  força  adquirida  ;  e    agindo   num    meio    inconsistente  ' 
conduziria  a  resultados  desastrosos. 

Era  forçoso  regulai  o. 

Foi  a  notável  missão  de  José  Bonifácio,  cujo  ministério 
salvou  a  revolução,  com  uma  politica  terrível,  de  Saturno: 
esmagando  os  revolucionários. 

Sombreamn*o,com  eíTeito,  ante  uma  observação  superficial, 
medidas  odiosas:  destruiu  a  liberdade  de  imprensa,  suppri- 
mindo  os  jornaes  que  o  applaudiam  na  véspera;  e,  com  rigor 
excessivo,  arredou  da  scona  ruidosa,  om  que  eram  prota- 
gonistas. Clemente  Pereira,  Gonçalves  Ledo  e  Januário  da 
Cunha  Barbosa,  desterrando-os  para  o  Rio  da  Prata  e  para 
a  França. 

C  que  o  grande  homem  vingara,  num  lanço  genial,  o  fastí- 
gio de  uma  crise.  Iniciava  a  funcção  reconstractora  urgente, 
sobre  o  terreno  movei  das  paix5es. 


26  REVISTA  PO  INSTITUTO   HISTÓRICO 

Mostra-o  suocesso  capital,  subsequente:  a  Assembléa  Geral 
Constituinte,  reunida  a  3  de  maio  de  1823. 

A'  parte  as  desordens  que  a  agitaram  numa  curta  exis- 
tência de  seis  mezes,  atô  12  de  novembro,  quando  foi  dissol- 
vida por  « lia  ver  perjurado  na  defeza  da  pátria  e  da  dynastia  », 
previa-se  que,  ainda  quando  transcorressem  calmos,  os  seus 
trabalhos  provocariam  agitações  profundas. 

Porque  nma  constituição  sendo  uma  resultante  histórica 
de  componentes  seculares,  accumuladas  no  evolver  das  idéas  e 
dos  costumes,  ó  sempre  um  passo  para  o  futuro  garantido  pela 
energia  conservadora  do  passado.  Tradicional  e  relativa,  des- 
pontando de  leis  que  se  não  fazem,  senão  que  se  descobrem  no 
conciliar  novas  aspirações  e  necessidades  com  os  esforços  das 
gerações  anteriores,  é  um  traço  de  alliança  na  solidariedade  dos 
povos. 

E  nós  iamos  partil-o. 

Com  effeito,  legislar  para  o  Brazll  de  1823  —  agrupamentos 
ethnicae  historicamente  distinctos  —  seria  tudo  menos  obedecer 
á  consulta  lúcida  do  meio.  £ra  trabalho  todo  subjectivo,  ou 
capricho  de  minoria  erudita  iniiiferente  ao  modo  de  ser  da 
maioria.  Porque  a  nossa  única  tradição  generalizada  era  a  do 
ódio  ao  dominador  recente  ainda  em  armas,  e  esta,  servindo  como 
recurso  de  momento  no  propagar  a  rebeldia,  extinguir-se-ia  com 
a  yictoria,  deixando  aos  formadores  da  nova  pátria  um  problema 
formidável:  erguer,  unido,  ao  regimen  constitucional,  novo  na 
própria  Europa,  um  povo  disperso,  que  não  atravessara  uma  só 
das  phases  sociaes  preparatórias.  Um  salto  desmesurado  e 
perigoso.  A  execução  temerária  da  mais  grave  das  revoluções, 
essa  paradoxal  revolução  <  pelo  alto  >,  que  o  génio  de  Turgot, 
poucos  annos  antes,  concebera,  como  recurso  extremo  para  salvar 
Luiz  XVI,  aos  rumores  profundos  de  89. 

Invertidas  as  suas  fontes  naturaes,  as  reformas  liberalis- 
simas,  ampliando  todas  as  franquias  do  pensamento  e  da  activi- 
dade, iriam  a  descer  a  golpes  de  decretos,  &  maneira  de  deci- 
sões tyranicas. 

Impol-as  um  grupo  de  homens,  que  mais  do  que  represen- 
tantes deste  paiz,  eram  representantes  de  seu  tempo.  Despeadoi 


DA  INDEPENDÊNCIA  A  REPUBLICA  27 

das  tradiQõdfl  aacionaes,  qae  a  bem  dizer  n&o  existiam,  arreba- 
taya-08,  exclusiva,  a  miragem  do  futuro. 

Mas  esta  deu-lhes  intuição  genial,  esclarecendo-us  na  tarefo 
extranha  de  formar  uma  nacionalidade  sem  a  própria  base 
orgânica  da  unidade  de  raga. 

Porque  estávamos  destinados  a  formar  uma  raça  histórica, 
segundo  o  conceito  de  Littré,  através  de  um  longo  curso  de 
existência  politica  autónoma.  Violada  a  ordem  natural  dos 
fEictos,  a  nossa  integridade  etbnica  teria  de  manter-se  garantida 
pela  evolução  social.  Condemnavam-nos  á  civilisação.  Ou 
progredir,  ou  desapparecer. 

E  nas  aperturas  desta  alternativa  a  intervenç&o  monarchlca 
foi  decisiva,  opportuna  e  benéfica. 


Os  trabalhos  da  Constituinte  principiaram  malignados,  desde 
os  primeiros  dias,  pelo  lyrismo  revolucionário  dos  que  a  com- 
punham. Insurgindo-se  contra  o  ministério  Andrada,  no  impu- 
gnar as  medidas  repressivas  que  este  resolvera,  a  opposição 
accarretou-lhe  a  queda,  após  successivos  revezes:  retirando-lhe 
a  confiança,  ao  eleger-se  a  mesa,  toda  com  adversários ;  favore- 
cendo a  absolvição  dos  desterrados  políticos ;  e  repellindo  um 
imponderado  projecto  de  suspeição  contra  os  portnguezes  domici- 
liados, que  tivera,  lastima veimen te,  o  apoio  da  palavra 
infiammada  de  António  Carlos. 

Apeada  do  poder,  a  trindade  illustre  dos  Andradas  appellou 
para  os  recursos  que  condemnara  na  véspera.  Aproveitando-se 
da  liberdade  de  imprensa,  restaurada  pelo  novo  governo,  de 
Carneiro  de  Campos  (Marquez  de  Caravellas}  fez  de  seu  jornal, 
o  Tamoyo^  orgam  de  um  radicalismo  infrene;  e,  emparceirando-se 
com  08  exaltados  da  Constituinte,  rodeou  a  nova  situaçfto  de  toda 
a  espécie  de  empeços  —  erigindo-se,  por  fim,  inspiradora  da  lei 
que  incompatibilizaria  de  todo  aquella  Assembléa  com  o  impe- 
rante: a  que  tornava  independente  do  veto  imperial  o  código 
orgânico  que  se  elaborava. 

Era  collocal-o  sob  o  golpe  de  Estado. 

De  fiioto,  ao  appareoer,  em  30  de  agosto,  o  projecto  oonsti- 


28  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

tucional,  quasi  aborticio  ou  temporSo,  precipitado  nas  votações 
atropelladas  ou  tangidas  pelos  ultra-radtcaes,  estava  prompto 
o  ambiente  que  o  afogaria.  O  antagonismo  pessoal  de  D.  Pedro  I 
08tentara-se  já  na  protecção  desafiadora  que  elle  dera  aos  officiaes 
e  soldados  portuguezes  da  Bahia,  onde,  entretanto,  se  traçara  a 
legenda  patriótica  do  2  de  julho;  o,  se  não  occorressem  as  difflcul- 
dades  de  oommunicaçoes,  lord  Cochrane  e  Qronfeld  não  com- 
pletariam a  rota  pacificadora  do  norte,  do  Maranhão  ao  Pará 
(junho  a  agosto  de  23),  nem  Frederico  Lecor( Barão  da  Lacuna) 
debellaria  em  Montevideo  (18  de  novembro)  a  ultima  resistência 
das  forças  addictas  á  metrópole. 

Porque  o  divorcio  do  Imperador  e  da  Assembléa  attingira  o 
desenlace  tempestuoso  da  dissolução  desta,  logo  apósá  formação 
do  ministério  contra-revohicionario  de  Villcla  Barbosa  (marquez 
de  Paranaguá)  (12  de  novembro  de  1823). 

Ao  mesmo  tempo  foz-se  o  avesso  da  situação  anterior:  os 
cascos  dos  batalhões  portuguezes,  do  Rio,  aggremiados  cm  São 
Cbristovam,  tornaram-se  a  ultima  garantia  dj  throno,  tendo  sido 
um  dos  seus  commandantes  o  portador  do  decreto  dieta toriaU 
Comminou-se  o  desterro  aos  Andradas,  Montezuma  e  outros 
patriotas  ferventes.  E,  como  suppletivo  do  rompimento,  a 
multidão,  no  Rio,  entre  alegrias  inexplicáveis,  realizou,  pela 
primeira  vez,  a  sua  symbiose  moral  com  um  triumphador  do  dia, 
applaudindo-o. 

Felizmente  nos  livraram  de  todos  os  cífeitos  da  contra - 
revolução,  de  um  lado,  o  temor  Je  um  levante  nas  provincial 
c  de  outro,  a  própria  indole  sonhadora  e  cavalheiresca  do 
monarcha,  que  não  abdicara  o  sou  papel  de  cortezão  pertioaz 
da  Liberdade. 

Aàsim,  congregou  os  melhores  espíritos  que  o  rodeavam  — 
Carneiro  de  Campos,  Villela  Barbosa,  Carvalho  o  Mello,  Nogueira 
da  Gama,  Pereira  da  Fonseca  (marquez  de  Maricá),  e  outros, 
oommettendo-lhes  a  tarefa  de  escrever  em  um  Código  Or- 
gânico. 

Aquelles  eruditos,  olhos  fixos  na  Europa  e  no  constitu- 
cionalismo nascente,  não  a  elaboraram.  Reuniram  as  me- 
lhores conquistas  Uberaes,  joeirando-^as  dos  exaggeros  dQmo* 


DA   INDEPENDÊNCIA  Á   REPUBLICA  29 

oratiooSt  e  sobrelevaram,  por  fliUt  inattingiveis,  sobre  a  cultura 
do  paiz,  na  Constituição  jurada  a  25  de   Março  de    1824. 

Tinham  cravado  um   marco,  ao  longe,  no  futuro. 

A  nossa  historia  dahi  por  doante  recorda  um  fatigante 
esforço  para  o  alcançar. 

A  carta  outorgada,  que  ainda  hoje  seria  um  código  li- 
beral, despertou,  incomprehendida,  revoltas.  Mas,  nestas, 
quem  lhes  destrama  a  meada  dos  factos  secundários,  verifica 
apenas  a  incompatibilidade  dos  vários  grupos  brazileiros  para 
a  existência  autónoma  e  unida.  A  de  24,  em  Pernambuco, 
teve  o  lastro  único  das  tendências  separatistas.  A*  primeira 
vista,  surge  daqnella  anomalia  do  regimen  constitucional  imposto 
sobre  asruinas  de  uma  constituinte» aquelle  bizarro  contrasenso 
da  Uberdade  doada  arrogantemente  por  um  decreto  ;  mas  o 
que  vislumbram  as  linhas  do  «  Desengano  Brazileiro  >,  de  Soares 
Lisboa,  ou  os  períodos  explosivos  de  frei  Caneca,  o  terrível 
pamphletario  do  «Typhlis»,  jornalistas  e  representantes  naturaes 
de  Pernambuco,  é  o  eterno  perigo  da  unidade  politica  contras- 
tando com  a  heterogeneidade  da  raça. 

De  sorte  que  a  ephemera  <  Confederaçlio  do  Equador  » 
ligando  as  províncias,  de  Alagoas  ao  Ceará,  precisamente  no 
tracto  do  terras  em  que  as  vicissitudes  da  historia  mais  se  uoi- 
formisaram  nas  luctas  contra  os  hollandezes,  ô  um  caso  franco  de 
diiferenciação  ethnica. 

Dirigida  per  um  dos  patriotas  da  revolução  de  1817,  Paes  de 
Andrade,  reflete-lhe  os  mesmos  estímulos ;  e  ao  ser  esmagada 
pelas  forças  combinadas  de  F.  Lima  e  Silva  e  lord  Cochrane, 
deixou,  a  exemplo  de  todas  as  revoltas  infelizes,  na  memoria  de 
seus  martyres,  os  germens  de  outros  elementos  revolucionários. 

Estes  reuniram-secom  um  traço  legal  nas  camarás  de  1826, 
que  a  constituição  instituirá,  e  onde  se  agruparam,  sob  todos  os 
matizes,  federalistas  e  republicanos. 

A  maioria,  do  liberaos  monarchistas,  adeptos  do  regimen 
parlamentar  inglez,  deliberava  no  tumulto. 

Excusamo-nos  de  o  pormenorizar.  Archivou-o  o  jorna- 
lismo da  época.  Aevelaram-n'o  as  perturbações  do    governo. 

Cahiodo  o  ministério  Paranaguá,  que  durara  três  annos,  o 


30  REVISTA  DO  mSTlTUTO  HISTÓRICO 

qne  lhe  saccedeu  (16  de  Janeiro  de  1827),  do  ▼iscoade  de  8.  Leo* 
poldo,  teve  $,  existência  inútil  de  alguns  mezes  atô  ao  primeiro 
ministério  parlamentar,  de  Pedro  de  Araújo  Lima,  marquez  de 
Olinda  (novembro  de  1887). 

Dahi  por  deante  o  desequilíbrio  goremamental  vai  aooen- 
toando-se  nam  crescendo,  até  ao  desabamento  de  31  • 

O  imperador  vacilla,  sondando  a  opinião,  proeurando-a 
mesmo  entre  os  liberaes  extremados,  com  chamar  ao  governo 
José  Clemente  Pereira  (15  de  junho  de  1828) ;  e  volta-se, 
intermitteniemente,  para  o  homem  qne  lhe  moaopoliz&ra  a 
confiança,  Paranaguá . 

Intervêm  factos  externos  acirrando  a  crise. 

A  Banda  Oriental  levantase,  á  voz  de  La  valida,  píDtegido 
pelo  governo  de  Buenos- Aires,  e  trava-se  a  mais  inglória  das 
nossas  guerras  numa  successão  de  combates  inúteis,  onde 
apenas  sobrosahem  as  victorias  de  Rodrigo  Lobo  contra  o  almi- 
rante Brown.  Os  exaltados,  no  Rio,  tomam-se  qnasi  sócios  dos 
orientaes  rebeldes.  O  fracasso  do  marquez  de  Barbacena,  em 
Itozaingo,  (28  de  fevereiro  de  1827),  no  recontro  desegual  com  o 
exercito  de  Alvear,  provoca-lhes  singulares  Jubilas,  como  se  por 
ama  intuição  profunda  prefigurassem  os  perigos  da  volta 
triumphante  de  um  general  victorioso  para  a  pátria  anarchizada, 
depois  de  cnrsar,  nos  pampas,  a  escola  tradicional  da  caudi- 
Ihagem.  E,  quando,  depois  da  guerra,  a  esquadra  do  barão 
de  Roussin,  exigiu  imperativamente  a  entrega  de  alguns  navios 
francezes  preados  no  bloqueio  do  Prata,  a  coi^unctura  em  que 
se  encontrou  o  governo,  dobrando-se  á  intimativa,  feriu  fhndo 
as  susceptibilidades  patrióticas  e  arrancou  da  fronte  do  Impe- 
rador a  sua  aureola  de  valente. 

Elle  estava,  além  disto,  em  situaçSo  que  o  impropriava  a 
afoltar-se  com  a  adversidade  crescente.  De  posse  da  corõa 
portugueza  por  morte  de  D.  João  VI  (1826),  repartia-se 
em  preoccupaçoes  oppostas.  Mas  embora  o  animasse  o  desejo 
de  transpor  o  mar  para  fazer-se  paladino  do  constitucionalismo 
em  Portugal,  tentou  ainda  em  1831  (19  de  março)  um  ultimo 
esforço  de  reconciliaçSo,  abraçando-se  ao  partido  liberal,  com 
o  ministério  de  Carneiro  de  Campos. 


DA  INDEPENDÊNCIA  A  REPUBLICA  SI 

Era  tarde.  Nas  eleições  de  1830  haviam  iriumphado,  em 
maior  Damero  ainda,  radicaes  e  federalistas;  e  a  imprensa,  com 
um  vigor  que  nanca  mais  teria  no  Brazil,  dirigida  >éla  Avírora 
fluminense,  de  Evaristo  da  Veiga,  tom&ra  a  direcção  do 
movimento,  tornando-o  irreprimível,  generalizandose  nas 
províncias  com  o  «Observador  Constitucional»,  de  Lll^ero 
Badarô,  em  S.  Paulo,  com  o  «  Uiiiversal »,  em  Minas,  e  no 
norte,  com  o  Bahiano,  de  Rebouças. 

O  ministério  Carneiro  de  Campos  durou  uin  mez. 

O  paiz  era  ingovernavel .  O  baralhamento  das  idõas  princi- 
piava a  alastrar-se  nas  ruas  em  desordens  sanguinolentas 
entre  nacionaes  e  portuguezes,  de  que  foi  modelo  à  tormentosa 
<  noite  das  garrafádas  »  (13  e  14  de  março  de  1831). 

Nesta  emergência,  o  imperador  appellou  mais  uma  vez  para 
Villela  Barbosa,  constituindo  um  ministério  de  senadores,  velhos 
serventuários,  leaea,  mas  ^agilimos. 

Foi  o  pretexto  de  maiores  tumultos. 

O  povo  do  Rio  enviou  uma  deputação  a  S.  Christovam  exi- 
gindo a  reposição  do  ministério  anterior.  Repellindo-a  nobre- 
mente D.  Pedro,  a  multidão  aivorotou-se  e,  captado  o  apoio  da 
tropa (7  de  abril),  confiou  a  um  dos  chefes  militares,  o  major 
Miguel  de  Frias,  nova  intimativa   imperiosa. 

Era  o  desfecho.  D.  Pedro  I  abdicou  no  imperador  infante, 
confiado  á  tutela  de  José  Bonifkcio,  repatriado  em  1830,  e, 
embarcando  na  náo  ingleza  «  Warspite  »,  cerrou  a  primeira 
phase  da  soa  carreira  aventurosa. 


O  7  de  abril  era  Inevitável. 

Tinha  dez  annos  o  embate  entre  as  correntes  monarchica 
e  democrática  e  como  a  divergência  das  idéas  at tingisse  a  úm 
maximum  gravíssimo,  empunha-se  o  domínio  de  uma  delias. 

Maã  —  embora  o  favorecessem  todos  os  resultados  de  uma 
acção  que  abatera  não  só  o  príneipio  mooarohico,  como  também, 
'pelo  caracter  militar  que  assumira,  o  prestigio  da  auctorídadé 
civil— o  liberalismo  triumphante  não  foi  levado  ás  suas  ultimas 
consequências.  Porque  entro  as  forças  adversas  dos  íbderaiistasi 


32  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

extremados  o  triumphantes  (partido  Liberal  Exaltado)  e  rea- 
ccionários absolutistas  (partido  Restaurador  ou  Caramurú), 
surgira,  ierlius  gaudet,  na  lucta  que  não  compartira,  fortalecido 
pela  situação  neutral  entre  aquelles  rivaes  que  se  maniatavam, 
um  outro,  o  Liberal  Monarchista  (partido  Moderado),  que, 
conciliando  as  conquistas  dos  combatentes  da  véspera  com  as 
reservas  da  sociedade  conservadora  retrahida,  lhes  repellira  por 
egual  as  tendências  exclusivas,  evitando  dois  perigos  extremos 
que  se  fronteavam :  a  Republica  prematui*a  e  o  Absolutismo 
revivente. 

O  papel  da  Regência,  ponto  culminante  da  nossa  historia 
politica,  instituiu-se,  assim,  como  um  ponderador  das  agi- 
tações nacionaes :  um  volante  regulando  a  potencia  revolta  de 
tantas  forças  disparatadas.  Comprehenderam-a'o  os  homens 
extraordinários  que  ao  assumirem  naquelle  momento  o  governo 
<  se  temiam  de  si  mesmos,  do  enthusiasmo  sagrado  do  patrio- 
tismo e  do  próprio  amor  da  liberdade»,  que  os  armara. 

Nem  careciam  para  isto  de  aquilinos  lances  de  vistas. 

Os  perigos  da  situação  nfto  lhes  demandavam  a  cogitação 
mais  breve.  Assoberbavam-nos.  Estadeiavam-se,  francos,  impres- 
sionadoramente.  E  entre  olles,  peior  do  que  uma  dictadura  real, 
surgia  a  aspiração  federalista,  collímando  o  rompimento 
definitivo  dos  frágeis  elos  entre  as  províncias. 

Um  extrangeiro  illustre,  Augusto  de  Saint-Hilaire,  depois 
de  caracterizar  o  estado  revolto  das  republicas  platinas,  volvia 
naquella  ópoca  o  olhar  para  o  Brazil,  e  aponta va-lhe  idêntico 
destino,  se  fossem  satisfeitos,  pelo  regimen  federal,  os  desejos  de 
mando  das  patriarchias  aristocráticas,  que  o  retalhavam  :  . .  • 
<que  os  brazileiros  se  acautelem  contra  a  anarchia  'le  uma 
multidão  de  tyrannetes  mais  insupportaveis  do  que  um  déspota 
único.»  (l) 


(l)  Deanto  do  quadro  lastimavol  da  politica  nacional,  têm  ainda 
hqjp  a  mais  porlVita  opportunidado  as  palavras  austeras  do  frraudc 
naturalista,  em  32:  «Les  brésiliens  ne  sauraient  ótablir  chez  eux 
le  système  iêdôral  sans  co um. sncr  par  rompr  •  les  laiblos  liens 
qui  les  unisscnt  encore  Impatietits  de  toutc  supcriorité,  plusieuts 
chefs  hautaiiis  de  ces  patriachies  aristo^ratiques  dont  Ic  Brésil  cst 
couvcrt,  appellent  sans  doute  U  fédéralisme    de  tous  leurs   v<»ux ; 


DA  INDEPENDÊNCIA  Á  REPUBLICA        33 

Ora,  a  missão  da  Regência  consistia  em  afastal-os% 

Contratta  em  tanta  maneira  com  as  rerolta»  anteriores 
qqe  o  7  de  abril  passou  em  julgado  como  ut%e  jottmée  de  dnpes  : 
Uludidof  08  Eialtados  que  o  precipitaram,  o  exercito  que  ds 
amparou  e  a  própria  nação  para  quem  a  abdicação  íõra  uma 
surpresa.  (1) 

Mas  o  conceito  é  falso.  Dos  víctoriosos  da  véspera  desponta- 
riam 08  três  maiores  homens  do  tempo,  Evaristo  da  Veiga, 
Bernardo  Pereira  de  Vssconcellos  e  o  padre  Diogo  António 
Feijó;  e  o  general  que  chefiara  o  movimento,?,  de  Lima  e  Silva, 
seria  membro  immutavel  dos  triumviratos,  de  31  a  35. 

O  que  houve  foi  o  caso  vulgar  nas  revoluções  triumphantes: 
o  radical,  extincta  a  sua  funcção  demolidora,  fazia-se  conserva- 
dor, no  governo,  e  vibrava  a  auctoridade  resem-adquirida  con- 
tra 06  que  o  haviam  auxiliado  a  destruir  a  auctoridade  antiga. 

Mudavam  por  coherencia. 

Adivinhando  a  missão  histórica  do  império,  Evaristo  salvou 
o  principio  monarchico,  identificado,  então,  com  a  unidade  ák 
pátria ;  prevendo  a  anarchia  em  que  esphacelaria  o  paiz, 
Feijó  restaurou,  por  um  milagre  de  energia  incõinparavel,  a 
auctoridade  civil. 

Completam-se.  São  dois  nomes  que  são  dois  Índices  de  uma 
época  inteira. 

O  ultimo,  sobretrdo,  domina  inteiramente  o  quadro. 

Recorda  o  heróe  providencial,  de  Thomaz  Carlyle. 

Ministro  da  justiça,  na  primeira  Regência  Permanente 
Trina,  soffreiou  rijamente  todo  o  Ímpeto  da  torrente  revolucio- 
naria. 

O  S6U  primeiro  golpe  foi  contra  os  companheiros  da  vés- 
pera» aupplantando  (14  e  15  de  julho)  fortes  levantamentos 
militares  que  estalaram  no  Rio.    Foi  um  golpe   fulminante. 


^aÍ8  que  tes  hrésiliens  se  ticnncnt  en  garde  contre  une  dêception 
qui  les  conduirtHt  a  ranarchit  et  aux^  vexations  d'une  foule  âe 
petits  tyrans,  mUlc  fois  plus  insupportaòles  que  ne  Veet  un  teul 
dcspote.» 

(l)  Joaqtdm  Nabuco  — í/m  estadista  dò  Império,  T.i^. 
4323—  3  Tomo  lxix.  p.  ii. 


34  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Reprimiu  as  desordens;  dissolvea alguns  corpos  indisciplinados; 
fragmentou  os  demais,  destacando-os  para  as  provindas» 

Nunca  se  vira  auctoridade  egual.  Ella  golpeiou  de  espanto 
o  próprio  governo,  det,erminando  a  sabida  do  alguns  ministros 
assombrados  e  a  entrada  de  Bernardo  de  Vasconcellos  e  Lino 
Coutinho. 

Diogo  Pejyó  proseguiu,  inílexivel.  Tendo-se  apenas  armado 
de  estoicismo  raro,  que  o  fevava  intremulo  ás  decisões  mais 
arriscadas,  creou  a  Guarda  Nacional  (18  de  Agosto  de  1831)  e 
com  ella,  logo  depois  (7  de  outubro),  reprimiu  novo  levante  do 
corpo  de  infantaria  de  marinba,  que  foi  por  sua  vez  dissolvido, 
depois  de  severamente  corrigido,  sendo  entregues  os  negócios  da 
marinha  a  um  lente  da  academia  militar  destinado  a  longa 
carreira,  Rodrigues  Torres. 

Deste  modo,  em  poucos  mezes  a  anarchia  emergente  da 
indisciplina  militar,  dobrava-so,  jugulada  sob  mãos  inermes  de 
um  padre.  Eo  governo  poudo  devotar-se  á  organização  adminis- 
trativa creando  o  Tbesouro  Nacional  e  thcsourarias  provinciaes; 
sanccionando  e  procurando  applicar,  ainda  que  inutilmente,  a 
primeira  lei  de  repressão  do  trafico  (7  de  novembro  de  31)  ;  e 
reorganizando  as  Escolas. 

Edificava  sobre  o  solo  vibrante  da  revolução. 

O  anno  do  1832  antolhou-selhe  repleto  de  ameaças. 

Os  três  partidos  que  se  enterreiravam  nas  camarás  tinham 
elementos  que  se  contrabalançavam.  Aos  Moderados  diri- 
gidos por  Evaristo,  Vergueiro,  Limpo  de  Abreu,  Carneiro  Leão 
e  Paula  de  Souza,  contrapunham -se  os  Exaltados,  de  Paes  da 
Andrade,  de  Bernardo  Pereii*a  de  Vasconcellos.  dos  Franças,  da 
Bahia,  e  de  Miguel  de  Frias,  emquanto  o  cCaramurú»  enfeixava 
os  nomes  tradicionaes  de  Josô  Bonifácio,  Paranaguá»  Cayrú  e 
Martim  Francisco. 

Na  imprensa,  o  Republico,  de  Borges  da  Fonseca,  e  a 
Aurora^  batiam-so  sob  ataques  convergentes  dos  jornaes  federa- 
lidtas  (o  Exaltado,  a  Matraca  o  a  Sentinella,  de  Cypriano  Barata) 
e  raaccionarios  (o  Caramurà^  o  Tempo  e  o  Diário  do  Rio), 
E,  fora  destes  dois  campos,  a  Sociedade  Federal,  a  Socie- 
dade  Militar,  dos  absolutistas,  e  a  notável  Sociedade  Defensora, 


DA  INDEPENDÊNCIA  Á  REPUBLICA  35 

dé  Evaristo,  transmittiam,  aggri^ayadas,  ao  povo,  estas  diver- 
gências insanáveis. 

A  3  de  abril  rebentou  novo  motim,  impellido  por  Miguel  de 
Frias,  liberal  extremado;  foi  supplantado.  Segnia-se-llie,  dias 
depois,  um  outro,  desencadeado  pelos  absolutistas  e  dirigido 
por  um  allemão  aventureiro,  o  conde  Von  Bulow.  Foi  completa- 
mente supplantado.  O  inflexível  ministro  da  justiça  firmava 
definitivamente  a  ordem.  De  sorte  que,  a  exemplo  do  anno 
anterior,  os  trabilbos  do  governo  e  das  camarás  puderam 
traduzir  se  em  medidas  fecundas,  em  que  sobresabem  a  sanccão 
do  novo  Código  do  Processo  Criminal,  á,  luz  das  modificações 
profundas  que  o  constitucionalismo  imprimira  na  antiga 
legislação  portugueza;  a  reforma  das  Ordenações;  a  instituição 
do  jnry  e  o  abandono  de  uma  velharia  colonial,  a  Casa  da 
Supplioação. 

Os  poderes  constituídos  galvanizados  pelo  animo  inflexível 
de  Diogo  Feijó  atravessaram,  afinal,  mais  firmes,  todo  o  anno 
de  33,  extremando-se  mesmo  em  actos  de  energia  inúteis  e 
oondemnaveis:  a  destruição,  pela  justiça  snmmaria  do  empastel- 
lamento,  da  imprensa  adversa;  e,  a  15  de  dezembro,  a  prisão  do 
José  Bonifácio,  suspenso  do  cargo  do  tutor  da  família  dynastíca. 

O  partido  Moderado,  preponderou  por  fim,  incondicional- 
mente, desde  34. 

Pertence-lhe,  inteira,  a  lei  de  3  de  agosto,  daquelle  anno,  o 
Acto  Addicional.  Ahi  ha  um  transigir  cauteloso  com  o  liberalismo 
attonuado,  senão  com  as  próprias  tendências  federalistas  : 
8ubstituem-se  os  conselhos  pelas  Assembléas  provinciaes ;  sop* 
prime-se  o  Conselho  de  Estado  e,  como  um  minoratívo  a  estas 
franquias,  faz-se  a  concentração  do  governo  na  Regoncia  Una,  o 
institue-se  o  Poder  Moderador. 

Uma  proposta  dos  separatistas  para  que  os  presidentes  das 
províncias  se  escolhessem  numa  lista  tríplice  das  respectivas 
assembléas,  cahiu,  impugnando-a  Evaristo  da  Veiga,  o  grande 
inspirador  dos  Moderados  que  lhe  lobrigara  nas  entrolhinhas  o 
fraccionamento  do  paiz, 

Justiâcavam-n'o  todos  os  factos,  além  dos  que  occor- 
riam  na  capital.  As  revoltas  nas  províncias  desata vam-se  em 


36  RBVISTA  DO  INSTITUTO  HLSTORICO 

datas,  Tinoaladas  em  série :  no  Ceará  (1831-1832),  otn  Pernam- 
buco (1832-1835),  no  Pará  (1835-1837),  na  Bahia  (1837-1838),  no 
láaranhSo  (1838-1841)  e  abrangcndo-as,  sommando-as,  a  longa 
agitação  no  Rio  Grande  (1835-1845). 

Debeilada  a  primeira  pela  Regência  Ti*ina,  as  duas  seguintes 
deparariam  adversário  mais  tenaz. 

Diogo  Feijó  fora  eleito  regente  (18  de  outubro  do  1835). 

Mas  parecia  mudado. 

As  luctas  ferozes  que  compartira  liaviam-n*o  tornado  vacil- 
lante  sobre  o  futuro.  As  clausulas  que  impoz  pira  aoceitar  o 
governo,  uma  das  quaes,  a  S**,  prevô  a  bypothese  da  soecessão 
das  províncias,  mostram-n'o  salteado  de  desânimos.  Compre- 
bendera,  talvez,  a  enormidade  do  problema  que  sa  propunha 
atacar;  e  que  os  tumultos  federalistas,  os  mais  lógicos  entre  os 
que  abalavam  o  paiz,  tinham  génesis  inacccssivel,  exgindo  ope- 
rac^io  mais  séria  do  que  cargas  das  bayonetas.  Uma  daquellas 
revoltas,  a  do  Pará,  vencida  pelo  general  Soares  de  Andréa,  em 
1836,  dera  um  typo  novo  á  nossa  historia— o  «cabano».  Symbo- 
lisava  o  repontar  de  questão  mais  séria,  que  passou  despercebida 
A  sua  visão  aguda,  o  se  destinava  a  permanecer  na  sombra  até 
aos  nossos  dias. 

Era  o  crescente  desequilíbrio  entre  os  homens  do  sort&o  e  os 
do  litoral.  O  raio  civilisador,  refrangendo  na  costa,  deixava  na 
penumbra  os  planaltos.  O  massiço  de  um  oonlinente  compacto 
e  vasto  talhava  uma  physionomia  dupla  à  nacionalidade  nas- 
cente. Ainda  quando  se  fundissem  os  grupos  abeirados  do  mar, 
restariam,  ameaçadores,  affeitos  ás  mais  remotas  tradições, 
distanciando-se  do  nosso  meio  e  do  nosso  tempo,  aquelles  rudes 
patrícios  perdidos  no  iosulamento  das  chapadas.  Ao  «cabano», 
substituiriam  no  correr  do  tempo  o  «balaio»,  no  Maranhão,  o 
€chimango»,  no  Geará,  o  «cangaceiro»,  em  Pernambuco,  nomes 
diversos  de  uma  diathese  social  única,  que  chegaria  até  hoje, 
projectando  nos  deslumbramentos  da  Republica  a  sUhouêtU 
trágica  do  «  jagunço»...  Observe-se,  comtudo,  de  passagem, 
que  nâo  escapou  de  todo  ao  discortino  excepcional  de  Peijó  o 
meio  preexcoUente  para  remover-se  em  parte  esta  fatalidade 
physica.  Na  lei  de  31  de  outubro  de  1835,  a  primeira  que  pro- 


DA  INDEPENDÊNCIA  Á  REPUBLICA  37 

malgou  ao  asgumir  a  Regência  Una,  tracam-se  as  primeiras 
linhas  do  nosso  desenvolvimento  económico:  anctorisava-se  a 
constr acção  de  uma  estrada  de  ferro  para  ligar-se  a  Capital  do 
Império  ás  provinoias  de  Minas  e  S.  Paulo.  Mas  o  bello  pensa- 
mento governameotal  avantajava-se  demais  i,  própria  sociedade. 
Foi  inviável.  Ao  grande  homsm  íloou,  porém,  a  gloria  de  baver 
adivinhado  esse  antagonismo  formidável  do  deserto  e  das 
distancias,  que  ainda  hoje  tanto  impece  o  pleno  desdobramento 
da  vida  nacional. 

Vencida  a  «cabanada»,  curou  o  regente  da  insurreigão  rio- 
grandense,  dirigida  por  um  campeador,  Bento  Gonçalves  da 
Silva, com  quem  naodesadoravahombrear  um  outro  predestinado 
a  maior  fama,  Giuseppe  Garibaldi. 

A  pcção  do  governo  foi,  entretanto,  frouxa»  permittindo 
que,  apezar  de  aprisiona  io  o  pnmeiro  em  sangrento  combate 
de  três  dias  (2,  3  e  4  do  dezembro  de  1836)  se  avantajassem  os 
«Farrapos»,  sobr anccii*os  ao  revoz,  ao  ponto  de  proclamarem  um 
mez  depois  a  Republica  de  Piratinim,  sendo  eleito  presidente  o 
próprio  general  prisioneiro. 

As  vacinações  governamentaes  favoreciam-n*o8. 

Bento  Gonçalves,  conseguindo  evadir-se  do  Forte  do  Mar,  na 
Bahia,  dera-lhos  novo  alonto;  e  o  melhor  chefe  legalista,  Bento 
Manoel,  que  se  notabilizara  em  1818  na  campanha  contra  Artigas, 
com  elle  se  bandeou  numa  defecção  lastimável. 

Ao  mesmo  tempo,  aggravavase  nas  camarás  a  opposição 
liberal  dirigida  por  Bernardo  de  Vasconcellos,  Epara  malignar 
as  coisas,  a  morto  de  D.  Pedro  (1836),  que  se  âgurava  circum- 
stancia  favorável,  destruindo  de  golpe  as  esperanças  dos  reaccio- 
nários, occasionara  a  alliança  destes  com  a  opposição  parla- 
mentar, creando-se  o  partido  «Conservador»,  triumphante  nas 
eleições  daquelle  mesmo  aono  e  maniatando  de  todo  o  go- 
verno. 

Diogo  Feijó  avaliando  a  situação  resolveu-a  com  a  autiga 
rectitude.  Nomeou  ministro  do  império  o  seu  principal  adver- 
sário, o  chefe  opposicionista,  Arauio  Lima  ;  e  no  dia  seguia  te 
(19  de  setembro  de  1837)  entregou-lhe  o  cargo  da  Regepcia, 
altimando<se  a  missão  histórica  do  partido  Moderado. 


áÊ 


38  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Desapparecia  nobremente  e  no  momeato  opportuno. 

Nobilitara  a  lei ;  resuscitara  a  autoridade  ;  dignificara  o 
governo. 

Deante  de  sua  alma  de  romano,  quebrara-se,  amortecida, 
a  vaga  de  uma  Revolução. 

Ficava-lhe  adeante,  um   remanso  :    o  segundo  império. 


€  Depois  do  1836  a  historia  politica  do  Brazil  se  resume  na 
lucta  dos  dois  partidos,  o  conservador  e  o  liberal.  »  (Barão  do 
Rio- Branco.) 

Mas,  desde  logo,  ô  claro  o  descambar  do  principio  demo- 
crático, até  então  predominante.  A  regência  de  Ararsjo  Lima 
esboça  a  reacção  monarchica,  favorecida  inesperadamente  pelos 
dois  maiores  paladinos  das  franquias  liberaes,  E.  da  Veiga  o 
B.   de  Vasconcellos* 

O  ultimo  traçou  com  incomparável  lucidez  a  sua  nova 
altitude : 

«Fui  liberal,  entfio  a  liberdade  era  nova  nopaiz  ;  estava 
nas  aspirações  de  todos,  mas  não  nas  leis,  não  nas  idôas  praticas: 
o  poder  era  tudo  :  fiii  liberal.  Hoje,  porém,  ô  diverso  o  aspecto 
da  sociedade:  os  princípios  democráticos  tudo  ganharam  e  muito 
comprometteram  ;  a  sociedade,  que  então  corria  risco  pelo 
ppder,  corre  agora  risco  pela  desorganização  e  pela  anarchia. 
Gomo  então  quiz,  quero  hoje  servil-a,  e  por  isto  sou  regressista. 
Não  sou  transíuga,  não  abandono  a  causa  que  defendo  no  dia  de 
seus  perigos,  de  sua  íY^queza;  deixo-a  no  dia  em  que  tão  ;^guro 
ô  o  seu  triumpho  que  atti  o  excesso  a  comprometto.» 

Ahi  está  todo  o  ementário  da  época.  Não  temos  em  toda  a 
nossa  vida  politica,  em  tão  poucas  linhas,  programma  tão  vasto. 

O  grande  homem  aprumando-se  na  encruzilliada  a  que  che- 
gara a  phase  preparatória  da  Regência,  trancava  a  passagem 
para  a  Republica.  O  Império  surgiria  com  a  maioridade 
antecipada,  e  inconstitucional,  feito  anhelo  commum  dos  liberaes 
de  António  Carlos  e  conservadores  de  Paranaguã. 

Foi  o  que  sucoedeu  a  23  de  julho  de  1840. 

A  maioria  do  paiz  estava  em  paz»  Debellara-se  na  Bahia  a 


DA   INDEPENDENQA  A  REPUBLICA  39 

«Sabiaada»  (1838)  e  a  ephemera  «Repablica  Bahiense»  ;  e  no 
Maranhão  os  «Balaios»  fagiam  deante  de  um  general  íbliz, 
L.  A.  de  Lima  e  Silva  (Caxias),  cajá  espada  seria  a  escora 
de  am  reinado.  No  sul,  mau  grado  dois  lidadores  eguaes  no 
destemor  e  no  brilho,  separados  depois  por  uma  variação  de 
soenario,  David  Canavarro  e  Garibaldi,  os  rebeldes  recuavam 
ante  a  firmeza  do  general  Andréa  (Barão  de  Caçapava). 

Decahiam  as  paixões.  A  própria  imprensa  abdicara  de  si  o 
papel  agitador  que  monopolizara.  Dois  Jornaes,  o  Brazil^ 
do  Justiniano  Josô  da  Rocha,  e  o  Maiorista,  de  Salles  Torres- 
Homem,  bem  escriptos,  phrases  limadas,  sem  o  affogo  e  a 
sinceridade  dos  anteriores,  bastavam  ás  exigências  politicas. 
Percebia-se  a  infiltração  do  arthritismo  monarchico  no  corpo 
fatigado  do  paiz.  Vão  surgir  ainda  algumas  revoltas,  as  in- 
timas. E  nestas,  nas  de  Minas  e  S.  Paulo  (1842)  suflocadas 
por  Lima  e  Silva,  nos  combates  de  Santa  Luzia  e  Venda-Orande  ; 
na  de  Pernambuco  (1848),  o  que  se  observa  ô  apenas  o  desaponta* 
mento  partidário.  Os  rebeldes  timbram  no  conclamar  a  ádheSão 
ao  tbrono.  Batem-se  saudando  a  realeza. 

Imprimira-se  uma  inflexão  na  directriz  da  nossa  historia. 

Era  obrigatória.  O  nosso  desenvolvimento  social  fora  até 
allí  quasi  nuUo.  A  vida  nacional  ativera-se  aos  interesses 
absorventes  da  politica. 

A  cultura  litteraria,  permanecera  inapreciável.  A  philoso- 
phica  papagueava  no  eclectismo  massudo  do  Padre  MonfAlverno. 
Os  talentos  que  appareciam,  resumamol-os  em  Araújo  Porto- 
Alegre,  Gonçalves  de  Magalhães  e  Gonçalves  Dias,  tinham 
educação  alienígena,  através  da  preliminar  obrigada  de  uma 
viagem  á  Europa,  de  onde  nos  vinham  os  únicos  contingentes 
da  sciencia,  emmalados.  Nas  sciencias  restringiamo-nos  á  figura' 
solitária  daquelle  notável  Padre  Custodio  Alves  Ferrão  (1 842) 
incomprehendido  e  inútil  nas  salas  desfrequontadas  do  Maseo 
Nacional  incipiente. 

Seguindo  o  exemplo  de  Saint-Hilaire,  alguns  eleitos*  sal- 
tavam, envoltos  na  indiíTereaça  geral,  num  ponto  qualquer  da 
costa,  e  iam  descerrar  as  opulências  de  uma  natureza  sem  par, 
immensa  pagina  da  historia  natural  que  não   sabíamos   lêr. 


40  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

D*OrbigDy  segue  para  Matto  Qrosao ;  Pedro  Clauaen  (1841) 
para  Minas;  Helmreichen  (1846)  para  Bahia;  Gardner,  para  o 
extremo  norte  ;  Pisais  delineia  o  nosso  primeiro  mappa  geolo«* 
9ÍQ0  ;  Castelneau  (1843)  afunda  nos  planaltos,  e  mais  iUustre 
que  todos,  Willíam  Lund,  de  seu  retiro  tranqtuillo  da  Lagôa 
Santa,  principiara  a  abalar  o  mundo  sciantiflco  oom  as  suas 
extraordinárias  descobertas» 

Ninguém  os  percebia. 

$ob  o  aspecto  intellectual,  reduzidos  á  litteratura  apressada 
dos  jornaes  o  ás  rimas  de  um  o  outro  poeta  de  talsnto,  esta- 
ríamos ÁqvLQjn  da  dictatura  real  e,  sem  maguar  a  historia, 
pcder-se-ia  dar  a  D,  João  VI  o  titulo  de  Mecenas,  se,  desde  1838, 
a  ÍUnd^ção  do  Instituto  Histórico  e  Gêographico  BraiUetro^  sob 
a  direcção  do  marechal  R.  da  Cunha  Mattos  e  cónego  Ja« 
Quacio  Barbosa,  não  se  erigisse  como  um  centro  de  conver^ 
gencia  das  energias  dispersas  do  espirito  nacional •  A  simples 
lista  de  seus  primeiros  sócios,  onde  a  par  dos  nomes  estran- 
geiros, decorativos,  de  Chateaubriand  e  de  Humboldt,  se 
destacam  os  de  Marques  Lisboa,  Vasconcellos  Drumond,  Maciel 
Monteiro,  Pedro  de  Angelis,  Ladislau  Monteiro  Baena,  paciente 
compilador  da?  Eras  da  Província  do  Pard^  Visconde  de  S.  Leo- 
poldo {Ánnaes  da  Provinda  de  S,  Pedro  do  S^l)^  Ignacio  Accloli 
(Memorias  históricas  e  politicas  da  Bahia) ^  Marquez  de  Maricá, 
Pedro  de  Alcântara  Bellegarde,  Joaquim  Caetano  da  Silva  e  um 
moço,  Varnhagen,  que  seria  mais  tarde  o  Visconde  de  Porto 
Seguro  —  ô  por  si  só  bastante  çzpressiya  no  revelar  uma  viva- 
cidade espiritual  amplamente  generalizada.  Mas  aperreavam-n*a 
as  desordens  dispersivas  dos  partidos. 

Na  própria  ordem  pratica,  as  mais  imperiosas  medidas 
despontavam  aborticias.  A  idéa  de  bater-se  a  distancia  o 
abrevjar-se  a  enormidade  da  terra  pelas  linhas  férreas,  resur- 
gira  em  1840,  no  privilegio  concedido  a  um  estrangeiro  pertinaz, 
ThQu^z  Cockrane.  Mas  elucido  profissional  agitou-se  debalde 
no  meio  da  sociedade  desfallecida,  até  ao  mallogro  completo 
de  seu  pensamento   progressista. 

Açsim,  a  nossa  evolução,  por  sor  cstrictamente  politica,  era 
probleipatica.  Pelo  menos  illusoria.  Estava  numa  minoria  edu- 


DA   INDEPENDÊNCIA  Á  REPUBLICA  41 

cada  á  européa.  O  resto  jazia  no  ponto  om  qae  o  largara  a 
metrópole,  obscuro  e  dúbio— amalgama  proteiforme  de  brancos, 
pretos  e  amarellos,  uns  e  outros  pratica  e  moralmente  prejudi. 
cados  pela  escravidão  crescente  com  o  trafico,  que  se  não 
extinguira. 

De  sorte  que  embora  a  Regência,  com  ser  electiva,  exem^ 
plificasse  a  praticabilidade  da  Republica,  foi  providencial  a 
attitude  dos  que  lhe  prorogaram  o  advento.  Seria,  então, 
artificial  e  forçada.  Contravinha  ã  situação  social. 

Esta,  soindida  de  crises,  viera  desde  a  constituição  de  24, 
que  impuzera  (permitta-se  nos  a  antilogia)  a  liberdade,  numa 
ascensão  vertiginosa  para  que  se  não  apparelhara. 

O  segundo  Império  foi  uma  parada.  Digamos  melhor, 
uma  situado  de  equilíbrio. 

Predominara,  logo,  em  boa  hora,  o  elemento  conservador. 

Na  camará  de  43,  uma  figura  isolada,  António  Rebouças, 
nnlco  a  representar  a  phalange  liberal  decahida,  appareoia 
como  uma  evocação  do  passado.  Fundindo  duas  raças,  aquelle 
aryaQO  bronzeado  desdobrou,  inútil,  deante  dos  reaccionários 
tranquUlos,  a  sua  solida  envergadura  de  luctador.  Era  um 
incomprehendido.  Falava  uma  lingua  morta  no  recinto  onde, 
entretanto,  eclipsando  os  grandes  nomes  do  Senado,  surgiam 
Maciel  Monteiro,  Abrantes,  Wanderley,  Euzebio  de  Queiroz  e 
Nabuco. 

E*  que  a  regressão,  segundo  o  ideal  de  Bernardo  de  Yas« 
coQcellos,  íôra  completa. 

Começando  a  governar  com  os  liberaes  —  António  Carlos, 
Martim  Francisco,  Limpo  de  Abreu,  A.  Coutinho  e  Hollanda 
Cavalcanti  —  o  imperador  fizera-o  por  gratidão  aos  batedores 
da  maioridade. 

Este  ministério  não  durou  um  anno. 

A  reacção  monarcbica  desmascarou-sv3  logo  com  o  Marquez 
de  Paranaguá  (23  de  março  de  41)  exaggerandose  até  golpear  o 
Acto  Addicional:  restabeleceu-se,  por  uma  lei  ordinária,  o  Con- 
selho de  Estado;  e,  por  uma  outra  de  3  de  dezembro,  foi  entregue 
a  distribuição  da  justiça  a  um  complicado  appnrelho  policial. 

Carneiro  Leão  (depois  Marquez  de  Paraná)  ( 80  de  janeiro 


42  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

de  43),  um  convencido  que  attrahiria  todos  os  resentimentos  do 
monarcha  para  lhe  amparar  melhor  o  throno,  continuou  este 
esforço.  E  ao  entregar  cm  44  o  governo  aos  liboraes  do  Vis- 
conde de  Macahé,  yia-se  que  o  fazia  monos  pelo  decahir  do 
programma  conservador  que  por  um  resenti  mento  pessoal  do 
imperador. 

Com  effeito,  a  preoccupação  absorvente  de  estancar  as 
reformas  ia  nivelando  os  partidos.  Tinha-se  andado  demais.  O 
próprio  António  Carlos,  desequilibrado  no  estontoamento 
da  altura  a  que  se  chegara»  atirava  no  seio  da  representação 
nacional  um  brado  de  espavorido: 

—  Senhores  !  a  constituição  foi  feita  ás  carreiras  I 

Era  preciso  parar,  ainda  que  repellindo  as  melhores  figuras 
do  passado:  Feijó e  Vergueiro,  duas  tradições  vivas  e  ballissimas, 
compromettidos  nas  revoltas  que  irromperam  em  42«  em  Minas 
o  S.  Paulo  foram  desterrados.  Desfechou-se  em  45  o  ultimo 
golpe  no  federalismo,  no  Rio  Qrande. 

Por  fim,  o  partido  liberal  sahiu  em  1848  do  poder  para  a 
rovoluçSLo  do  Pernambuco.  Desenhou -se  o  perfil  do  ultimo 
revolucionário,  Nunes  Machado.  E  a  crise  extlnguiu-se  de  vez— 
dominado  o  horizonte  politico  (29  de  setembro  de  48)  pelo  Mar- 
quez de  Olinda,  a  quem  o  cargo  de  ultimo  regente  dera  quasi  a 
magestade  de  um  rei. 

Começava  a  política  imperial. 


Nobilitou-a,  a  principio,  uma  medida  civilisadora. 

Uma  questão  incommoda,  a  da  escravidão,  viera  desde  o 
século  anterior  (1758)  com  o  «Ethyope  Resgatado  »»  de  M.  Ri- 
beiro da  Rocha,  Intormittentemente  revivida.  Em  1810, 
Yelloso  de  Oliveira  aprcsentava-a  a  D.  João  VI,  com  a  idéa  da 
libertação  dos  nascituros.  Hippolito  da  Costa,  agitara-a,  pelo 
Correio  Brasiliense^  discutindo  a  emancipação  gradual.  O  Vis- 
conde da  Pedra  Branca,  um  sentimental,  levantara-a,  sem 
resultado,  nas  Cortes  de  Lisboa,  em  21.  Em  1825,  José  Bonifácio 
apresentava  notabilissimo  projecto  sacrificado  nas  desordens  do 
tempo. 


DA  INDEPENDÊNCIA  Á  REPUBLICA  43 

Sobreviera  por  fim  a  inílaencia  da  Inglaterra  ( 1826),  visando 
refrear  o  trafico,  a  partir  de  1830.  Depois  a  lei  inexecutada  do  7 
de  novembro  de  31,  inspirada  por  um  projecto  anterior  e  malo- 
grado dos  irmãos  Ferreira  França 

Snccedea  um  hiatus  durante  a  Regência  e  comego  da  maio- 
ridade, até  ao  bill  Aberdeen  (1845).  A  nova  intervenção 
ingleza,  poróm,  malestreara-se  com  estatuir  a  captura  do 
negreiro  mesmo  nas  aguas  territoriaes  e  o  seu  julgamento  nos 
tribunaes  britannicos.  Foi  contraproducente:  o  traficante,  em« 
boscado  no  resenti mento  nacional,  tornou-se  um  (luasi  vingador 
da  nossa  soberania  melindrada  e  ferida. 

A  Inglaterra,  porém,  insistiu  ao  ponto  do  infiuir  excepcio- 
nalmente no  ministério  do  Visconde  do  Monte-Alegre,  em  que 
se  rccompuzera  anteriormente  o  do  Marquez  de  Olinda. 

A  lei  de  4  de  setembro  de  1850  immortalizon  Euzebio  de 
Queiroz  o,  severamente  applicada,  avantajouse  ás  balas  dos 
cruzeiros  inglezes. 

O  grande  mérito  de  Monte- Alegre  está  no  haver  pairado  a 
cavalleiro  das  explorações  que  se  exercitaram  sobro  o  melindre 
nacional.  A  pressão  das  armas  inglezas  era  inilludivel. 
Não  havia  obscurecol-a  e  ao  seu  caracter  irritante.  Mas  ora 
também  uma  intimativa  austera  da  civilisação. 

O  mesmo   se  dirá   de  um   outro   acto,    subsecutivo  :   a « 
intervenção  nos  negócios  do  Prata  (1851),  depois  de  um  longo . 
afastamento  em  que  um  nome,  Ituzaingo,  se  escrevia  isolado, 
desairando  o  nosso  prestigio  no  exterior.  O  ministro  dos  estran- 
geiros, Paulino  de  Souza  (visconde  do  Uruguay)  approveitou . 
um  lance  magnifico  para  ampliar,  de  golpe,  o  campo  da  acção 
innegavelmente  civilisadora  da  diplomacia  imperial. 

Realmente,  as  tropelias  de  D.  Manoel  Rosas,  que,  desde 
1835,  submottia  a  Confederação  Argentina  a  tyrania  deplorável— 
desencadeia vam-se  próximas  demais  das  nossas  fronteiras. 
Constituíam  ameaça  de  complicações  inevitáveis. 

O  velho  sonho  imperialista  do  YiceRoinado  entontecia  a 
alma  do  tyrano,  levando-o  a  intervir  intermittentemente  nos 
negócios  do  Estado  Oriental  do  Uruguay,  ha  longo  tempo  scin-' 
dldo  pela  rivalidade  dos  caudilhos  Manoel  Oribe  e  Fructnoso 


44  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Rirera.  Rosas*  inclioando-se  ao  primeiro,  em  1851,  ao  ponto 
do  fornecer-lbe  tropas  para  assediar  Moatevidéo,  desvendara  os 
seus  intuitos.  Mas,  contravintia  á  politica  tradicional  do  Brazil, 
essencialmente  baseada  na  manutenção  da  autonomia  não  só 
do  Uruguay,  como  do  Paraguay  a  quem  nos  ligáramos  por 
uma  alliança  em  25  do  dosembro  de  1850.  De  sorte  que  a 
Tríplice  Alliança  de  29  de  maio  de  1851,  entre  o  Império,  o 
Uruguay  e  a  provinda  de  Entre  Rios  dirigida  pelo  general 
Urquiza,  instituindo-so  para  debellar  a  diotadura  tumultuaria 
da  Mashorca  do  Buenos  Aires,  que  ameaçava  alastrar-se  pelas 
nações  visinbas —  foi  ao  mesmo  passo,  um  acto  de  defcza  na- 
cional, e  um  lance  superior  do  liberalismo  incomparável  na 
politica  exterior.  Tão  certo  ó*  que  os  20.000  soldados,  do 
marechal  duque  de  Caxias,  reforçados  pelos  marujos  de  Grep- 
feld,  não  foram  repelllr  apenas  as  arremettidas  do  allucinado 
quo  no  carimbo  das  notas  oíficiaes  completara  o  disUco— mu#- 
ran  los  selvagens  unitários  I  ~  com  insultos  ao  infame  governo  do 
Brazil^  senão  tambom  para,  do  accordo  com  o  art.  l*"  do  con- 
vénio de  29  do  maio,  «manter  a  independoncia  da  mesma  Repu- 
blica do  Uruguay,  fazondo  sahir  do  torritorio  desta  o  general 
Oribe  o  as  tropas  argentinas  que  ellc  commaudava.» 

A  campanha  rematada  com  o  melhor  êxito,  em  Monte- 
Caseros  (13  de  fevereiro  de  1832),  do  que  resultaram  a  queda  do 
tyrano  o  o  reaccender-se  a  nossa  gloria  militar  depois  do  eclipse 
parcial  de  luzaingo,  tove  dois  notáveis  eíTeitos  :  a  libertação  do 
Uruguay  e  a  navegação  franca  no  estuário  do  Prata. 

Firmou  um  inconveniente  único:  a  Alliança  de  12  de 
outubro  de  1851 .  negociada  polo  marquez  de  Paranã,  que  nos 
arrastaria  outra  vez  cm  armas,  mais  tarde,  para  o  sul.  Entre- 
tanto o  triumpho  de  Caseros  dera-nos  prestigio  para  naqaella 
cccasião  resolverem-se  decisivamente  muitos  assumptos  deli- 
cadoK,  entre  os  quaes  o  da  neutralidade  completa  e  definitiva  da 
Ilha  de  Martim  Garcia,  quo  chegou  lastimavelmonte  indefinido 
ató  aos  nossos  dias. 

Este  ministério,  poróm,  o  a  sua  segunda  recomposição,  em 
1852,  com  a  presidência  do  visconde  de  Itaborahy,  realizara 
trabalhos  tão  nutavois  que  não  ha  insistir  naquolle  breve  deslise. 


DA  INDEPENDÊNCIA   Á   REPUBLICA  45 

Começou,  na  ordem  pratica,  a  tarofa  da  unidade  nacional, 
batendo  de  frente  o  obstáculo  da  extensão  do  território,  com  as 
primeiras  linhas  de  estradas  de  ferro  e  navegação.  O  decreto  de 
20  de  Junho  de  1852,  estabelecendo  as  garantias  de  juro,  iniciou, 
praticamente,  a  industria  fjrro-viaria,  que  para  logo  se  delineou 
no  norte  com  a  estrada  do  Recife  a  S.  Francisco  (decreto  de  19  de 
outubro  de  1853)  e  no  sul  com  a  de  D.  Pedro  II  (decreto  de  9  de 
outubro ^853.)  Antes,  porém,  sem  nenhuns  favores  do  governo, 
a  iniciativa  individual  deânira-se  na  vontade  triamphante  do 
I.  Evangelista  de  Souza  (Barão  de  Mauá)  ;  e  os  17  kilometros 
da  Unha  do  Orão-Pará  investiam  com  as  encostas  da  Serra  do 
Mar,  nos  primeiros  passos  da  conquista  magestosa  dos  planaltos, 
ouvindo-se  o  primeiro  silvo  da  locomotiva  na  America  do  Sul. 

O  governo  secundou  este  renascimento.  Regulou  a  fortuna 
publica  pela  omissão  bancaria  de  1853,  código  commercial,  leis 
do  terras  e  reforma  do  Thesouro.  Creou  as  provindas  do 
Amazonas  e  Paraná.  Expandia  a  vida  internacional  organizando 
a  diplomacia.  Abriu  o  livre  transito  do  Paraguay,  com  o 
Tratado  de  25  de  dezembro  de  1850.  E,  por  í!m,  deu  vigoroso 
impulso  á  corrente  immigratoria  que,  esboçada  com  D.  João  VI 
(colónias  Leopoldina  e  Nova  Friburgo),  D.  Pedro  I  (S.  Leopoldo), 
e,  em  1840,  oom  a  fundação  do  Petrópolis,  teria,  desde  1850,  á 
vinda  de  Hormann  Blumenau,  um  traçado  oontinuo,  de  que 
restam  como  pontos  determinantes  Blumenau,  Joinville,  Mando 
•Novo,  S.  Lourenço,  Teutonia  e  outras. 

Nunca  uma  situação  trabalhara  tanto. 

Abandonando  o  poder,  em  õ  de  setembro  de  1855,  fazia-o  sem 
um  golpe  adverso,  como  que  assaltado  de  fadigas. 

Entregava-o  ao  homem  que  lhe  fora  inspirador  encoberto 
nas  administrações  interna  e  externa,  o   Marquez  de  Paraná. ' 


O  grande  estadista  chegava  ao  poder  como  um  triumphador. 
Fora  a  alma  dosministorios  anteriores-jà  Ba  presidência  perigosa 
de  Pernambuco  annullando  os  restos  do  movimento  de  1848,  oom 
setembristas  de  Pedro  Ivo,  já  na  missão  ao  Prata  amparando  a 
feac^o  de  Urquiza. 


46  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Conquistara  o  mando,  em  que  pcze  ao  desquerer  do  Impe- 
rador, que  lhe  extranhava  o  génio  áspero,  altivo  e  auctoritarlo. 

Mas,  por  uma  circumstancia  notável,  foi  através  do  seu 
espirito  independente  que  se  transmittiu  pela  primeira  vez  a 
induenoia  directa  daquelle  nos  acontecimentos  políticos. . 

De  facto,  o  seu  principal  programma  —  o  da  Conciliação 
dos  partidos  —  executado  em  todos  os  pontos,  reflectia  uma 
inspiração  do  alto,  um  «pensamento  augusto»  no  dizer  de 
Araújo  Lima.  B  a  anomalia  de  se  ter  apeado  o  governo  anterior 
tão  enigmaticamente  sem  nenhum  conílícto  partidário,  reforça  a 
prcsumpção. 

Além  disto  o  cansaço  a  que  se  referiram  Euzebio  de 
Queroz  e  Rodrigues  Torres  (Visconde  de  Itaboraby),  como 
motivo  único  do  abandono  do  logar  em  que  tanto  se  haviam 
nobilitado,  era*o,  de  facto,  não  já  somente  delles,  senão  do  paiz. 

Chogava-se  alli  depois  de  trinta  annos  de  luctas.  Urgia 
um  armistício.  Salles-Torres-Homem,  quebrada  a  pena. do 
«  Libello  do  povo  »,  definiu,  depois  o  caso : 

« Entro  a  decadência  dos  partidos  velhos  que  acabaram 
o  seu  tempo  e  os  partidos  novos  a  quem  o  porvir  pertence, 
virá  assim  interpor-se  uma  época  sem  physionomia,  sem  omo- 
çOes,  S3m  crenças,  mas  que  terá  a  vantagem  de  romper  a 
continuidade  da  cadeia  de  tradições  funestas  e  de  favorecer 
pela  sua  calma  e  por  seu  silencio  o  trabalho  interior  de  reor- 
ganização administrativa  o  industrial  do  paiz.» 

Foi  o  que  aconteceu.  Atreguados  os  despeitos  partidários, 
indistinctos  liberaes  e  conservadores,  no  período  de  1853-1858, 
com  os  ministérios  successi vos  de  Paraná,  Caxias  e  Olinda,  a  ca- 
racterização do  governo  ô  «antes  moral  que  material ;  o  traço 
predominante  de  sua  politica  é  o  arrefecimento  das  paixões 
que  produziam  as  guerras  civis». 

O  caracter  de  unidade  desta  longa  administração  foi  tão 
firme  que  ao  fallecer  em  setembro  de  56,  o  homem  cuja  vontade 
de  ferro  a  equilibrara,  apezar  do  abalo  produzido  não  se  lhe 
sentiu  o  vácuo.  Permanecera  imraortal  sobre  a  solida  archite- 
ctura  governamental  construída,  tornando-se  uma  espécie  de 
Presidente    do  Conselho  posthumo  dos  dois  gabinetes  (Caxias  e 


DA  INDEPENDÊNCIA  Á  REPUBLICA  47 

Olinda)  que  o  substitairam.  Rodeara-se  de  homens  que  iam 
bastar  a  todas  as  exigências  do  Império  ató  quasi  a  Republica  : 
Caxias  o  mais  prudento  dos  heróes ;  Limpo  de  Abreu  (Abaete) 
vindo  desde  a  Regência  galgando  todas  as  posições  som  desejar 
nenhuma  ;  J.  Mauriclo  Wanderley,  fervente  auctor  da  lei  liber- 
tadora de  5  de  junho  de  54  destinado,  entretanto,  a  ser  mais 
tarde  um  paladino  da  escravidão ;  Nabuco  de  Araújo,  que  reor- 
ganizara a  justiça  e  o  direito ;  J.  M.  da  Silva  Paranhos,  remo- 
vido sucessivamente  da  sciencia  para  o  jornalismo,  para  a 
diplomacia  e  para  a  politica  ;  Couto  Ferraz,  que  refundiu  a 
instrucção  publica;  Pedro  Bellegarde,  que  nobilitou  o  exercito. 

Fora  deste  circulo,  outros,  adversários  ou  adeptos,  mas  cres- 
cendo no  ambiente  propicio  que  se  formara:  Josó  António 
Saraiva,  Silles  Torres  Homem,  J.  Maria  do  Amaral,  Teixeira  de 
Freitas,  Fernandes  da  Cunha,  CansansSo  de  Sinimbu,  Justiniano 
da  Rocha,  e,  sobre  todos,  se  não  o  afastasse  a  morte  prematura, 
um  gigante  intellectual,  a  nossa  mais  completa  cerebração  no 
século,  Joaquim  Gomes  de  Souza,  o  «Souzinha»,  jurista,  medico 
e  poeta,  íegando-nos  sobre  o  calculo  infinitesimal  paginas  que 
ainda  hoje  sobranceiam  toda  a  mathematica. 

I^lstá  ahi  a  significação  moral  do  governo  de  Paraná. 

Lembra  uma  arregimentação  de  forças,  adextrando-se  para 
commettimentos  ulteriores  mais  sérios. 

Na  ordem  pratica  refundiu  a  instrucção  pelos  novos  es- 
tatutos dos  cursos  jurídicos,  e  Faculdades  medicas,  regulamen- 
tando o  ensino  primário  e  creando  o  A.  dos  Cegos.  Am- 
pliou o  desenvolvimento  económico  melhorando  a  Companhia 
de  Navegação  do  Amazonas,  organizando  a  Estrada  de  Ferro 
de  Pedro  II  e  concedendo  a  de  Santos  a  Jundlahy  que  seria  a 
aorta  de  toda  a  existência  económica  de  S.  Paulo.  (Dec.  de  26 
de  abril  de  1853.)  Firmou  a  paz  exterior,  repellíndo  o  erro'  da 
intervenção  activa  no  Prata,  e  ligando-se  em  tratado  de 
commcrclo  com  a  Argentina.  Adheriu  dignamente  aos  principies 
do  direito  marítimo  do  Congresso  de  Paris  (1856).  Completou 
a  lei  destructiva  do  trafico  com  a  de  Wandelrey,  que  prohlbia 
o  corameroio  interprovincial  de  escravos. 

Suggeriu  a  reforma  hypothocaria,   e,  mais  clvilisadora  e 


48  REVISTA   DO  INSTITUTO   HISTÓRICO 

arguente,  a  judiciaria  —  reconstituindo  o  direito,  dedtruido  pelo 
odioso  apparellio  policial  da  lei  de  3  de  dezembro  de  1841 . 

Completou  estes  actos,  com  um  que  devia  dalli  em  diante 
reagir  p3derosamente  sobre  toda  a  politica—  a  lei  eleitoral  dos 
CircQlos,  destinada  a  grapliar  com  um  rigorismo  de  cópia  a  von- 
tade nacional. 

Mas  o  que  dd  ao  Marquez  de  Paraná,  a  linha  superior  de 
um  estadista  6  ter  compreliendido  que  na  nossa  gens  com- 
plexa, sem  tradições  profundas,  e  democrática  apenas  pela  ca- 
rência de  uma  selecção  histórica,  a  existência  dos  partidos  era 
por  sua  natureza  ephemera,  adscriptos  ao  mallogro  ou  ao  successo 
das  necessidades  de  occasião  que  representavam.  A  politica  nacio- 
nal da  época  tinha  que  se  adaptar  ás  oxigancias  de  momento 
e  a  todas  as  combinações  concretas,  a  todas  as  surprezas  de 
uma  pátria  em  formação  accelerada;  e  partiria  as  molas  de  um 
partido  moldado  em  formulas  prefixas. 

A  conciliação  dos  partidos,  gastos  no  attricto  de  suas  próprias 
luotas,  era  lógica.  A  loi  eleitoral  dos  «Circulos)>,  o  seu  comple- 
mento indispensável. 

Com  effeito,  o  que  houvera  desde  22  ató  âquelle  tempo, 
fora  uma  convergência  de  forças.  A  principio  a  dispersão  revo- 
lucionaria, o  ideal  da  independência,  revolto  ou  esparso  em 
f^tcçõôs,  patrulhas  senoi  numero  mal  arregimentadas  sob  o 
prestigio  de  um  príncipe.  Depois,  em  31,  a  delimitação  dos 
Inctadores,  nos  três  partidos  definidos  da  Regência .  Subseoutiva- 
mento,  com  o  despertar  do  prestigio  monarcbico  de  37,  nova 
concentração  em  dois  partidos  únicos. 

Mas  este  movimento,  que  se  ostenta  em  nossa  historia, 
Gomum  rigor  do  traçado  geométrico,  numa  composição  me- 
eanica  de  forças  —  o  quo  accentuadamente  reflecte  é  a  victo- 
rla  dos  elementos  conservadores  sobre  os  progressistas:  um 
continuo  amortecimento  do  principio  democrático ;  uma  re- 
volução triumphante  que  a  pouco  e  pouco  so  gasta  e  se  re- 
mora,  perdendo  num  curso  de  34  annos  (1822-1 86'J)  toda  a  ve- 
locidade da  corrente,  atô  desapparecer,  afinal,  de  todo,  no 
remanso  largo  do  Império. 


DA  INDEPENDÊNCIA  A  REPUBLICA  49 

Tinhamoa  por  isso  nocessidade  de  alguém  qtie  se  nao  des- 
lumbrasse pelo  quadro  uoioo  da  ordem  iuaugurada,  e  pudesse, 
sondando  o  sentimento  do  povo,  despertar  a  pouco  e  pouco  o 
elemento  progressista,  que  tombara  na  sangueira  das  revoltas 
infelizes. 

Foi  a  missão  do  marquez  de  Paraná. 

Com  eile  extiogairam-so  partidos  em  cu^o  antagonismo 
havia,  desde  48,  a  forca  dispersiva  do  ódio ;  e  sob  o  seu  influxo 
iam  apparecer  partidos  modelados  pela  força  constructora  das 
idóas. 

O  creador  da  Conciliação  —  e  esta  nada  mais  foi  do  que  a 
absorpçao  do  partido  liberal  exhausto  pelo  conservador  pi^jante 
—  seria  o  creador  posthumo  da  Liga,  de  62,  que  nada  mais  foi 
do  que  a  absorpçao  da  maioria  do  partido  conservador  «cindido 
pelo  liberalismo  revivente.  A  eleição  por  districtos,  de  cada 
deputado,  erguendo  deante  das  velhas  influencias  históricas, 
sobretudo  conservadoras,  o  prestigio  nascente  dos  chefes  ou 
influencias  regionaes,  alastraria  de  facto  sobro  todo  o  paiz, 
as  responsabilidades  politicas.  Seria  realmente,  consoante  a 
phrase  do  um  Jornalista  da  época,  o  triumpho  á\  causa  terri- 
torial, «contra  o  entrincheiramento  ã  beira  mar  do  velho  regí- 
men. » 

Pelo  menos,  extlnctos  os  <  deputados  de  enxurrada  >,  con- 
forme a  ironia  fulminante  de  Paraná,  os  novos  eleitos  retra* 
tariam  com  mais  fidelidade  a  vontade  do  paiz. 

Deste  modo  o  grande  homem  demarca  um  trecho  decisivo 
da  nossa  historia  constitucional;  e  centralisa-a.  Enfjixa  as 
energias  do  passado  e  desencadeia  as  do  futuro. 

Separa  duas  épocas. 

Foi  o  ponto  culminante  do  Império. 

Depois  delleo  que  dizem  todos  osfactoi  ó  o  decahir  continuo 
do  principio  monarchico  até  1889,  gastando  na  descenção  quasl 
tanto  tempo  quanto  para  a  subida. 

Realmente,  a  Republica,  que  não  devemos  confundir  com 
a  bella  parada  commemorativa  de  15  de  novembro  de  1889,  tinha, 
lançados,  os  seus  primeiros  fundamentos. 

4323  —  4  Tomo  lxix  p.  ii. 


50  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

O  prfQcipio  democrático  renasoea  da  lei  dos  cCircuIos». 
Triumphou  ruidosamente  nas  eleiçOes  de  1860. 

Poaco  antes,  faltando  o  ponto  de  apoio  do  homem  em  que 
se  esteiara,  a  situação  se  revelara  âactuante,  prevendo-se  uma 
transmutação  de  scenario. 

Caxias,  fk*agil  para  a  herança  que  o  esmagava,  cedeu  o 
governo  ao  marquez  de  Olinda,  e  este,  ligando-se  a  Souza 
Franco,  um  intransigente  liberal  de  48,  trahiu  na  hybridez  desta 
alliaaça,  o  enfraquecimento  conservador.  Apeou-se  do  poder 
assim  como  o  gabinete  que  lhe  succedeu,  do  visconde  de  Abaete, 
com  o  pretexto  de  divergências  sobre  reformas  bancarias,  mas 
de  facto  pela  falta  de  um  apoio  na  sociedade  inconsistente. 
O  imperador  recuzara-lhes  tenazmente  o  recurso  de  dissolução 
da  camará,  como  se  temesse  uma  consulta  ao  paiz. 

Era  a  <  época  sem  physionomia  »,  de  Timandro,  que  findava. 
Esboçavam-se,  dúbios  ainda,  três  partidos:  o  liberal  revi  vente,  o 
conciliador  decahido,  e  o  conservador  extreme.  Os  governos 
vacillavam  entre  uns  e  outros  aggremiando  ao  mesmo  passo  a 
adhesão  e  as  desconfianças  de  todos. 

Na  imprensa  soava  uma  palavra  nova,  que  era  uma 
palavra  de  combate.  Francisco  Octaviano  apparecia  no  Correio 
Mercantil^  na  attitnde  correcta  que  sempre  manteve,  vibrando 
sem  perder  a  linha  da  sua  organização  finamente  aristocrática, 
golpes  mortaes  «no  monopólio  do  governo  entregue  a  mãos 
desfollecidas».  Era  a  primeira  voz  do  espirito  novo  re- 
nascido. 

Nesta  situação,  o  ultimo  ministério  reaccionário  de  Diogo 
Ferraz  (10  de  agosto  de  1859)  organisou-se  como  uma  torsão 
violenta  para  a  ordem  aitiga,  mal  combatida  no  parlamento 
por  Landulpho  Medrado,  Tito  Franco  e  Martinho  Campos. 

Aquelle  refluxo,  porém,  occorria,  quando  o  termo  legal  da 
camará  de  1856,  entregava  ao  povo  um  pleito  que  a  monarohia 
evitava. 

E  o  resultado  foi  admirável. 

Mostram-no  as  eleiçOes  no  Rio,  que  Já  então  era  a  mi- 
niatura do  Brasil. 

€  Essa  eleição  de  1860,  pode*se  dizer  que  assignala  uma 


DA  INDEPENDÊNCIA  A  REPUBLICA  51 

époea  em  nossa  historia  politica ;  oom  ella  recomeça  a  encher 
a  maró  democrática. . .  »  (I) 

De  facto,  toda  a  agitação  daquelle  anno  decisivo  se  fez  em 
roda  de  três  nomes  qae  viotoriosos  nas  urnas»  faziam  mais  do 
que  resascitar  o  partido  liberal  lentamente  destruído  nnma 
Incta  de  quarenta  annos  :  Francisco  Octayiano,  Theophiio 
OttonS  e  Saldanha  Marinho.  O  primeiro,  um  atheniense  dos  tró- 
picos, sonhador  e  poeta,  ficaria  abraçado  á  legenda  histórica  do 
liberalismo  ;  o  segando,  oij^o  papei  foi  o  de  detonar  a  expansid 
popular  pela  eloquência  explosiva,  que  o  incompatibilizaria 
depois  com  a  lucta  no  parlamento,  permaneceria  para  sempre 
dúbio,  com  a  sua  feição  de  rebeliado.  O  ultimo,  porém,  dará  ot 
primeiros  passos  de  longo  itinerário. . . 

Abria-se  uma  éra  nova. 

O  ultimo  gabinete  reaccionário  eahira  como  que  ao  baqtM 
de  uma  reTolução.  Não  aguardara  a  abertura  das  camarás. 
E  o  que  lhe  succedeu,  de  Caxias,  eomeçando  com  elementos 
incolores  (Y.  de  Inhambupe)  ou  francamente  oonaeryadores 
(Paranhos  e  Sayão  Lobato),  a  brere  trecho  transigiu  com  a 
nora  ordem  de  coisas,  vinculando-^e  numa  recomposição  for- 
çada, á  opinião  Tiotoriosa,  por  intermédio  de  um  deputado* 
José  António  Saraiva,  destinado  a  reunir  oe  attributos  mais 
nobres  dos  nossos  homens  políticos. 

£'  que  o  velho  militar  —  cabo  da  guarda  do  Império 
—  aquilatara  a  crise. 

Mudavam-se  os  tempos.  No  pagamento  formara*se  a  Ug a 
dos  liberaes  com  os  conservadores  moderados  (1862)  e  um  novo 
partido,  cProgressista  »,  enterreirava  a  veiba  phalange  reaceio- 
naria  de  £.  Queiroz,  Itaborahy  e  Ufugaay.  Fora,  irradiando 
pelo  paiz  e  fulgurando  na  capital,  na  <  Actualidade »,  de 
Laâtyette  R.  Pereira,  Pedro  Luiz  e  Flávio  Famese,  o  ultra-. 
Hberaiismo  avassalava  os  espirites,  visando  oonolusões  extre* 
mas.  Desenhava^se  no  seenario  politico  a  triplioo  organizado 
partidária  de  1831,  Mas  a  componente  maior  tendia  visivelmante 
para  a  demooraeia. 


(1)  Josqttim  N ábaco  -«  Um  e9ta€tiata  do  Império. 


52  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Naquelle  m&smo  anno  am  faoto  Beoundario  objectivara  o 
noYO  ramo  das  idéajs. 

Inaagaroa-se  a  estatua  de  D.  Pedro  I« 
Bra  opportuno  lanoe  para  reacoender-ge  a  tradição 
monaroMoa,  deletreando-ie  a  pagina  histórica  da  ladependencia. 
O  sentimento  popolar,  porém,  derivou  á  cadencia  dos  versos 
desafiadoras  da  M&ntira  de  Branãe^  de  Pedro  Luiz ;  e  da  eephera 
superior  da  politica»  a  palavra  que  desceu  pelo  orgam  do  sena- 
dor Nabnco  de  ArangOt  timbrara  noaffirmar  que  o  monumento, 
longe  de  signiflear  a  glorificação  de  um  reinado,  traduzia  apenas 
a  Justiça  de  um  povo  livre,  que  não  esquece  os  serviços  pre- 
stados. 

Entalhava-se  a  orthodoxia  monarchica.  Pedia*8e  em  todos 
os  tons  a  representação  das  minorias ;  oondemnavam*se  as 
patriarohias  governamentaes  das  camarás  unanimes ;  e,  em 
pleno  senado,  uma  phrase  histórica— O  rei  reina  e  não  governa^ 
soava  como  um  refr^  ameaçador  e  extranho. 

Por  fim,  a  politica  imperial,  que,  havia  pouco,  perdera  um 
ministério  ante  uma  manifesta^  popular,  perdeu  um  outro 
batido  pelo  parlamento.  O  gabinete  Caxias  cabiu  (21  de  maio 
de  68)  e  com  elle  a  situação  conservadora  no  poder  desde  48. 

A  camará  quasi  toda  de  liberaas  e  dissidentes  readquirira, 
depois  de  um  esbulho  de  14  annos,  o  direito  de  dispor  do 
governo* 

Equilibravam-se,  porém,  no  seu  seio,  os  dois  partidos 
extremos,  e  esta  egualdade  levava  paradoxalmente  ao  desequi- 
líbrio. O  ministério  de  um  Inctador  de  pulso,  Zacharias  de  Yas- 
concellos,  onde  apparecia  um  heroe  das  campanhas  do  sul,  o 
Barão  de  Porto- Alegre,  durou  apenas  três  dias.  Nesta  emer- 
gência, o  Imperador  appellou  de  novo  para  o  marquez  de  Olinda 
e  o  antigo  regente  formou,  então,  o  único  ministério  possível, 
o  «  gabinete  dos  velhos  »,  venerandos  aposentados  de  31,  entre 
os  quaes  sô  havia  um  moço,  á  volta  dos  cincoenta  annos,  Can- 
sansão  de  Sinimbu. 

BBte  governo  emoliente,  inapto  para  dominar  a  camará, 
diSBolvea-a» 

O  paiz  ia  outra  vez  definirn» ;  e  fel*o  incisivamente.  Am- 


DA  INDEPENDÊNCIA  A  REPUBLICA  63 

pliando  a  de  60,  a  eleição  de  63  levantou  liberaes  e  democratas, 
numa  maioria  desproporcionada  e  alarmante. 

Por  outro  lado,  o  espirito  popular  desatava-se  em  rebeldias 
desde  muito  deslembradas.  Foi  o  que  succeden  por  oooasião  da 
questão  dos  salvados  da  barca  Prinee  of  Wales  e  consequentes 
represálias  da  fragata  inglesa  Farte  â  entrada  da  barra. 

Amotinou-se  a  multidão  no  Rio.  Tomou  lhe  a  frente  Theo- 
philo  Ottoni.Um  protesto  ameaçador  arrebentou  Junto  do  throno; 
e  o  ministério  Olinda,  num  esvabimento  de  sombras— as  ultimas 
sombras  do  passado  —  extinguiu-se  ante  a  palavra  ooroscante 

do  tribuno. 

* 
*     * 

Ao  reassumir  o  governo  (15  Janeiro  64),  Zacharias  de  Yas* 
conoellos  podia  dizer  que  reatava  o  seu  ministério,  de  três  dias, 
de  24  de  maio  de  62.  A  situação  antecedente  Í5ra  um  desvio 
morto,  removendo  da  larga  estrada  que  se  abrira  um  em  1860  ; 
todos  os  elementos,  cc^o  papel  findara. 

A  camará  de  64  reflectia  a  um  tempo  a  victoria  democrática 
e  o  rejuvenescimento  do  espirito  nacional.  Lá  estavam: 

F.  Octaviano,  Tavares  Bastos,  o  pensador  irónico  da^ 
u  Cartas  de  um  solitário»  ;  Pedro  Luiz,  o  lyrico  iconoclasta  da 
«  Ode  a  Tiradentes  »  ;  José  BoniftMdo,  o  moço  ;  o  romancista 
Joaquim  Manoel  de  Macedo  ;  Feitosa,  o  jornalista  vibrante  de 
48  ;  o  barão  de  Prados,  um  dos  raros  scientistas  brasileiros  do 
tempo ;  Martinho  de  Campos,  que  se  tornaria  o  terror  de  todas 
as  situações;  Urbano  Sabino  Pessoa  e  Pelippe  Lopes  Netto,  duas 
figuras  vingadoras,  dois  nomes  que  recordavam  um  único,  o  de 
Nunes  Machado,  sacriflcado  16  annos  antes  ;  Liberato  Barroso, 
Christiano  Ottoni,  Souza  Dantas,  Silveira  Lobo;  e,  obscuro  ainda, 
um  predestinado,  Affonso  Celso. 

Sobre  todos,  dominando-os,  centros  attractivos  em  tomo 
aos  quaes  Já  se  desenhavam  os  dois  partidos  em  que  se  fraccio- 
naria a  Uga,  Theophilo  Ottoni  e  Saraiva. 

O  elemento  conservador,  supplantado,  só  tinha  um  nome— 
Junqueira. 

Apezar  disto,  o  ministério  progressista,  fortalecido  de  taes 
elementos,  numa  camará  quasi  noaiUmei  ia  dobrar-se  á  presido 


64  RBVISTA  DO  INSTITUTO  HISTOBICO 

do  próprio  moTimeato  liberal,  cahindo  de  ixnproTiso  a  29  de 
agosto  daqaelle  anão, 

E'  que  o  liberalismo  avançando  diBtanciara-ae  doa  alliados 
da  yespera.  A  seisão  da  ligd.,  como  a  da  Ck)aciliaçio,  opera- 
ya-se  ante  o  expandir  dademocracia.  B,  dividida  em  dois  partidop, 
o  '(histórico»,  oom  os  elementoi  radieaea,  e  o  «progressista»,  com 
08  moderados,  reproduziam  estes,  ante  o  conservador  inalte- 
rável, a  triplico  physionomia  partidária  da  Regência.  Abria-se, 
ao  parecer,  na  nossa  historia,  o  circulo  phantasista  do  viço. 

Mas  era  ama  semelhança  exterior. 

Ia  operar-se  um  movimento  opposto.  Ao  envez  da  arregi- 
mentação  em  torno  dos  elementos  moderados  e  conservadores— 
o  destaque  cada  vez  maior  e  irresistível  do  liberalismo. 

Pelo  menos,  a  uniflcaçao  successiva  dos  três  grupos  já  nâo 
se  íária  em  torno  da  bandeira  reaccionária. 

Levava  um  outro  norte.  Não  se  tratava  mais  de  fluer 
parar,  como  em  1837,  uma  revolução,  que  preenchera  o  seu 
destino. 

la-se  oomeçar  uma  outra. , . 


Impediu-a  ou  remorou-a,  porém,  um  facto  esporádico —  a 
guerra  com  o  Paragoay. 

Tinha,  certo,  antecedentes  que  permittiam  prevel-a.  £ra« 
sobretudo,  uma  resultante  do  fácies  geographUo  impondo-nos  as 
communicaçoes  com  Matto-Grosso  peio  longo  desvio  contornean  te 
de  Prata. 

Desta  drcurnstancia  Jã  haviam  resultado  graves  attrictos. 

Garantia  a  passagem  o  Tratado  de  25  de  dezembro  de  1850. 
A  situação  moral  do  Paraguay,  porém,  que  sahira  da  rigida 
dictadura  do  dr.  Francia  para  a  tyrania  de  um  verdugo  inapto 
a  avaliar  o  esforço  do  estadista,  certo  íeroz,  mas  talvez  único 
para  resuscitar  um  paiz  que  o  jesuitismo  matara,  annulava 
todos  os  convénios. 

Os  dons  Lopes,  em  cujo  espirito  o  sonho  do  vice-reinado  se 
ampliava  oom  o  da  conquistado  Matto-Groaso,  predispunham-se 
ha  muito  para  a  lucta.  Organizaram  um  exercito  despropor- 


DA   INDEPENDÊNCIA  A  REPUBLIC.i  55 

eionado  —  o  maior  exercito  permanente  que  ainda  houve  na 
America  do  Sul  ;  ouriçaram  as  ribas  do  Para<iruay  de  fortalezas 
extremiibdas  pelos  fortes  Olympio  e  Hamaytá ;  e,  desde  1853, 
Carlos  Lopes  provocara  um  rompimento,  enviando  ao  ministro 
brazileiro,  Leal,  os  passaportes,  sob  o  pretexto  de  se  dedicar 
elle  á  intriga  contra  o  Supremo  Governo.  Salvaram-nos,  então, 
da  luct^i,  duas  circumstancias:  a  tibieza  do  almirante  Pedro 
Ferreira,  que,  sendo  enviado  a  exigir  prompta  reparação  do 
insulto,  quedara  inerte,  tolhido  pelo  temor  de  uma  intervenção 
anglo-francoza;  e  o  solido  critério  do  marquoz  de  Paran<l,  que 
iniciava  o  governo  de  todo  entregue  á  obra  da  reorganização 
nacionaL 

Esto  desastre  diplomático  teve  depois  (185Ô)  o  correctivo  da 
missão  Paranhos  (visconde  do  Rio-Branco),  firmando  com  o 
plenipotenciário  Berges  um  tractado  de  livre  transito  fluvial. 

A  regulamentação  do  convénio,  porém,  annullava-o.  A 
travessia  era  uma  tortura  através  de  fiscalização  humilhante, 
impondo  continues  desembarques  e  insidiosos  exames  dos 
passaportes  crivados  de  vistos  irritantes  ;  além  de  outros 
entraves  que  determinaram,  em  57,  a  ida  de  outro  plenipo- 
tenciário nosso,  José  Maria  do  Amaral,  á  Assumpção,  com  o 
resultado  único  de  contemplar  deporto  a  altaneria  de  Lopes  l"", 
extranhando-lhe  o  ter  ido  até  lã  em  um  vapor  armado  em 
guerra. 

Por  fim,  nova  intervenção  de  Paranbos  (visconde  do  Rio- 
Branco)  originou  o  Tratado  de  12  de  Fevereiro  de  1858,  fran- 
queando o  rio  Paraguay  a  todas  as  naç5es. 

São  antecendetes  expressivos.  Revelam  no  animo  do 
paraguayo  o  aohelo  da  lucta,  para  que  procurava  apenas 
um  pretexto. 

Ora,  este  antolhou-se-lhe  em  64. 

O  Tratado  de  12  de  outubro  de  51— contracto  unilateral 
que  nos  fizera  protectores  platónicos  do  Uruguay,  contem- 
plando, neutros,  as  arrancadas  entre  blancos  e  colorados-^ 
prendera-nos  ás  discórdias  platinas.  Tornara-nos,  margeando  o 
palco  de  uma  revolução  chronica,  espectadores  dos  escândalos 
entre  os   caudilhos,  e  estimulara  entre  os  rio-grandenses  as 


56  REVISTA  DO  INSTITUTO   HISTÓRICO 

mais  peccamíDOsas  algaras,  as  famosas  «  calirornias»,  copia  das 
tnontoneras  platinas,  om  quQ  succossivos  grupos  iavadiam  a 
eatnpanha  oriental,  aggravando-iiie  os  tumoltos.  Desse  modo, 
a  nossa  neutralidade  era  oSloial  apenas  ;  col laborávamos 
também  a  golpes  de  lanças  e  patas  de  cavallos  naquello 
regimen  olassicode  tropelias  ;e  é  comprehensivei  que  nos  envol- 
vêssemos, por  fim,   seriamente,  nas  desordens. 

De  facto,  em  61,  sobrevieram  as  noticias  de  vexames 
e  torturas  de  toda  a  sorte  exercidas  sobre  os  brazileiros,  nas 
luctas  do  Uruguay,  onde  um  revolucioaario,  o  general  Flores, 
colorado,  se  insurgira  contra  o  presidente  blanco,  Aguirre.  E  a 
opinião,  no  Rio,  ainda  abalada  pela  recente  questão  ingleza, 
inflammou-se.  Não  se  cogitou  que  os  brazileiros  torturados, 
amatulando-se  com  as  tropas  daquelle  general,  haviam  trocado 
a  bandeira  da  pátria  pelo  poncho  do  caudilho.  Eram,  aânal, 
soldados  de  Flores,  e  o  Qoverno  orlentil,  repellindo«09,  não 
podia  distinguil-os  nas  fileiras  adversas. 

Estas  circumstancias  attenuavam  os  attontados  comettidos, 
permittindo afastar-se,  sem  desaire,  umconâicto  inútil. 

Mas  os  factos  precipitaram-se.  Enviado  ao  Uruguay,  Sa- 
raiva, a  despeito  de  seu  animo  superior  e  nimio  tolerante,  não 
poude  evitar  o  rompimento.  O  presidente  Aguirre  repeliiu  uma 
intervenção  que  era,  de  feito,  um  apoio  ao  cabecilha  rebelde. 
Devolveu  o  uUimaium  de  4  de  agosto  e  aprestou-se  para  a 
refrega;  emquanto  os  navios  do  almirante  Tamandaré  singravam 
ameaçadoramente,  as  aguas  do  Uruguay. 

Solano  Lopes  aproveitou  então  o  momento  que  lhe  vinha  a 
talho  para  uma  aspiração  antiga.  Offereceuasua  mediação  em 
Junho.  Logo  depois,  om  setembro,  protestou  contra  o  auxilio 
que  se  dispensava  a  Flores.  Num  e  noutro  caso  a  sua  attitude 
foi  irritantíssima.  A  nota  extravagante  que  dirigiu  ao  diplomata 
brazileiro  em  Asuncion,  Vianna  de  Lima  (barão  do  Jaurú),  em 
que  se  intitula  garbosamente  defensor  da  independência  e  do 
equilíbrio  politico  das  republicas  platinas,  repassava  se  de  tão 
altaneiras  ameaças  que  valia  uma  declaração  formal  de  hostili- 
dades. Completou-a  o  aprisionamento  (12  do  novembro  do  64) 
do  vapor  commerclal  Marquez  de  Olinda,  onde  se  embarcava 


DA  INDEPENDÊNCIA  A  REPUBLICA  57 

O  coronel  Carneiro  de  Campos,  presidente  do  Matto^Grosso.  Assim 
a  campanha  do  Uraguay,  desfechada  pelas  ba^^onetas  do  general 
Mena  Barreto,  ultimando-se  com  as  tomadias  de  Paysandú  e 
Montevideo  e  pela  deposição  de  Aguirre,  sabstituido  pelo  nosso 
alliadò  general  Flores,  foi  apenas  o  preludio  de  uma  outra 
maior. 

Mas  passemos,  Á  carreira,  sobre  uma  pagina  tristemente 
gloriosa. 

A  guerra  do  Paraguay  é  um  desvio  na  nossa  historia. 
A  sua  causa  mais  próxima  está,  talvez,  na  interferência  de  duas 
vontades,  injustificáveis  ambas.  De  um  lado  o  delírio  de  grandezas 
de  um  déspota  minúsculo  de  mais  para  a  sua  própria  ambiçSo, 
de  outro  a  diversão  temerária  de  um  Imperador  constitucional, 
por  ventura  impressionado  com  o  scenario  da  politica  interna 
do  seu  paiz. 

O  primeiro  era  mais  lógico.  Aquelle  anhelar  por  um  grande 
império  baseava-se,  afinal,  nas  scisões  do  outras  republicas  pla- 
tinas e  na  nossa  relativa  fraqueza  militar.  Os  noventa  mil 
homens  de  I^pes  toroavam-lhe  factivel  aempreza. 

Faltou-lhe,  pOrera,  a  envergadura  e  o  lance  do  vista  de 
um  conquistador.  Comprometteu  logo  a  sua  causa  com  duas 
invasões  desanrosas  :  a  de  Estigarribia,  no  Rio  Qrande,  avan- 
çando no  desconhecido  até  pcrder-so  na  rendição  de  Uru- 
guayana ;  e  a  mais  infeliz,  de  Robles,  em  Corrientod,  que  mais 
do  que  a  alliança  da  Argentina,  poz  ao  nosâo  lado  o  grande 
prestigio  moral  de  Bartholomeu  Mitre. 

Com  estes  dois  erros  estava  perdido  aos  primeiros  passos.  O 
que  houve  depois  foram  cinco  annos  de  memoráveis  con/lictos. 

Não 08  descra veremos.  Fora  perdermos  a  linha  essencial  dos 
acontecimentost  que  trilhamos. 


Durante  a  campanha,  assistiu-se  na  politica  interna  do 
paiz  a  um  espectáculo  naturalmente  previsto:  a  lenta  ascensão 
do  partido  coxmervador,  ostensivamente  estimulada  por  D.  Pq- 
dro  H, 


68  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTORIGO 

O  governo,  genuinamento  liberal  de  Pranoisco  José  Furtado, 
onde  se  destacavam  Liberato  Barroso,  Dias  Vieira  e  o  general 
Beeurepaire  Rohan  cahira  (abril  de  65),  substituído  successiva- 
mente,  oom  applausos  de  todos  os  reaooiooarios,  que  compre- 
hendiam  a  necessidade  de  uma  transição  pouco  violenta,  pelos 
progressistas  do  marquez  de  Olinda  e  de  Zacharir^s  de  Vascon- 
ccellos ;  até  que,  com  a  retirada  deste,  em  16  de  julho  de  68, 
se  definisse  ás  claras  a  situação  com  a  subida  dos  conservadores 
de  Rodrigues  Torres,  sendo  dissolvida  a  Camará,  quasi  tod  a 
liberal,  que  o  combatera  para  logo  violentamente  com  a 
palavra  vigorosa  de  Josó  Bonifácio. 

Ora,  esta  reviravolta,  illogica  e  contrastando  com  todos  os 
successos  anteriores,  como  um  inesperado  refluxo,  fora  deter- 
minada por  um  incidente  mínimo  que  dispensa,  pela  eloquência 
do  próprio  enunciado,  maiores  commentarios:  o  governo 
de  Zacharias,  e  com  elle  a  situação  liberal,  cahira  em  virtude 
de  um  pedido  de  demissão  do  general  Caxias,  então  ã  frente  do 
exercito  victorioso,  esclarecido  por  uma  carta  ao  próprio 
ministro  da  guerra,  em  que  o  velho  militar,  conservador  da 
velha  guarda,  num  espelhar  de  resentimentos  inexplicáveis,  se 
declarava  tacitamente  incompatível  com  o  gabinete  «que  visava 
quebrantar-lhe  por  diversos  modos  a  força  moral  ». 

Esta  oiroamstancia  diz  tudo. 

No  opinar  entre  aquella  auotorídade  militar  e  a  legalmente 
superior,  do  ministro,  a  politica  do  Imperador  desvendava  se 
inteiramente,  franca,  sem  que  a  tolhesse  a  círcumstancia  de  ter 
sido  o  ministério  Zacharias  o  organizador  da  victoria  da  iucta 
com  o  Paraguay,  graças  à  actividade  admirável  dos  ministros 
da  guerra  e  da  marinha,  Angelo  Ferraz  (barâo  de  Uru- 
guayana)  e  Affonso  Celso  (visconde  de  Ouro  Preto). 

Mas  não  foi  uma  sorpreza.  A  politica  nacional,  illudida  pela 
preoccupação  absorvente  da  campanha  externa,  desviara-se, 
transitoriamente,  de  seu  rumo  histórico. 

Pronunciara-se  Já,  em  todos  os  tons,  uma  palavra,  <  impe- 
rialismo», que  a  pouco  e  pouco  ia  imprimindo  um  traço  cesa^ 
riano  no  platónico  poder  moderador,  e  forjando  a  extravagância 
de  uma  autocracia  constitucional. 


DA  INDEPBNDENaA  A  REPUBLICA  59 

Falseado  de  todo  em  todo  o  processo  eleitoral,  que,  &  breve 
reyiyiscencia  impressa  pelo  marquez  do  Paraná,  bastara  para 
originar  a  victoria  democrática  em  186),  o  poder  dynastico 
completando  a  sua  faculdade  privativa  da  escolha  dos  depositários 
do  poder  executivo  com  a  cumplicidade  das  camarás  nomeadas, 
iniciava  uma  reacção  extemporânea,  sem  o  traço  superior  e 
opportuno  das  de  1837  e    1848. 

Perceberam-na,  desde  65,  os  próprios  representantes  dos 
partidos  monarchicos ;  e  o  alinhar-se-lhes,  ao  acaso,  as  pbrases, 
equivale  a  retratar  com  fidelidade  aquelle  período  artificial  e 
retrogrado  forrando-nos  a  uma  missão  de  Tácito. 

Souza  Carvalho,  naquelle  mesmo  anno,  dera  o  grito  de 
alarma  appellando  para  o  palliativo  de  eleição  directa. 

Tito  Franco  indicava,  logo  depois,  em  67,  a  causa  única  da 
decadência  do  paiz  <  no  polichinello  eleitoral  daasando  segundo 
as  phantasias  dos  ministérios  nomeados  pelo  imperador.»  Sayão 
Lobato,  antigo  reaccionário,  caracterizava  em  phrases  yigorosas 
o  contraste  da  esplendida  architectura  governamental  com  os 
vicios  e  abusos  que  derrancavam.  Josô  de  Alencar,  compro-- 
mettia  a  sua  próxima  escolha  para  ministro,  ferretoaado  com 
attlcismo  incomparável  todo  o  regimen.  Para  Josô  António 
Saraiva,  o  paranympho  da  Liga  do  1862,  <o  poder  dictatorial  da 
oorôa  era  uma  verdade  só  desconhecida  pelos  néscios  ou  pelos 
subservientes  aos  interesses  illegitimos  da  monarchia.  »  Um 
caracter  austero,  d.  Manoel  de  Mascarenhas,  pronunciara  em 
pleno  Senado  uma  phrase  cruel:  «Morreram  os  costumes,  o 
direito,  a  honra,  a  piedade,  a  fé,  e  aquillo  que  nunca  volta 
quando  se  perde,  o  pudor.»  Completou-o,  no  mesmo  recinto. 
Silveira  Lobo,  deplorando  a  morte  do  systema  representativo 
6  chegando  temerariamente  á  conclusão  de  que  <  o  vicio  não 
estava  nos  homens,  mas  sim  nas  suas  instituições.»  Para 
Francisco  Octaviano,  o  império  constitucional  «era  a  ultima  ho- 
menagem que  a  hypocrisia  rendia  ao  século»,  e  a  phrase  ficou 
celebre. 

Tavares  Bastos,  o  paladino  da  ft-anquia  do  Amazonas,  num 
quasi  ostracismo,  na  Europa,  volvia  o  ultimo  brilho  de  seu 
grande  espirito  para  a  Republica,  para  a  qual  se  dirigiria  em 


60  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

breve»  ostensivamente,  um  outro,  José  Maria  do  Amaral.  O 
visconde  de  Camaragibe  e  o  grupo  conservador  do  norte  previam 
á  desaggregaçao  do  paiz  na  condemnavel  concentra^  qne  se 
formava.  António  Prado,  João  Mendes  de  Almeida,  Duarte  de 
Azevedo,  conservadores  do  sul,  estadeavam  em  phrases  ainda 
mais  amargas  o  desquerer  pelo  throno. 

Por  fim,  alguém  culminou  sobre  esta  situação  moral. 

O  conselheiro  Nabuco  de  Araújo,  enfeixando  num  plano  su- 
perior todos  os  desânimos  e  todas  as  revoltas  da  nacionalidade 
trahida,  abalara  o  Senado  com  um  sorites  formidável,  conden- 
sando em  pbrase  que  é  um  prodígio  de  synthese  toda  a  politica 
do  tempo: 

«O  poder  moderador  pôde  chamar  a  quem  quizer  para  orga- 
nizar ministérios;  esta  pessoa  faz  a  eleição  porque  ha  de 
fazela ;  esta. eleição  faz  a  maioria. 

Ahi  esta  o  systema  representativo  do  nosso  paiz !» 

£  nesse  torvelinho  retalhado,  de  desapontamentos  e  tristezas 
e  desânimos  e  revoltas,  —  dois  Ilberaes,  obscuros  ainda,  sem 
phrases  afogueadas,  quasi  sem  ruido,  transpunham  tranquilla- 
mente  as  fronteiras  da  Republica  :  Francisco  Rangel  Pestana 
o  Henrique  Limpo  de  Abreu. 

De  sorte  que,  ao  irromper  a  reacção  monarchica»  resusci- 
tando  uma  rígida  figura  de  37,  antigo  companheiro  de  Feijó,  o 
visconde  de  Itaborahy,  estava  descoberta  a  estrada  que  a  con- 
tornaria. Além  disto,  o  partido  liberal  unira-se  de  choft*e,  oomo 
se  o  abalo  da  queda  lhe  annullasse  as  discórdias  intestinas,  em 
torno  dos  seus  melhores  representantes.  E,  delidos  os  resenti- 
mentos  pessoaes  da  véspera,  sopeado  o  radicalismo  de  muitos 
que  como  os  Ottoni  e  Silveira  Lobo  propunham  a  eliminação  do 
poder  moderador,  num  perigoso  avançar  para  a  frente—firmou, 
no  terreno  partidário,  sob  as  grandes  responsabilidades  de 
Zaoharias,  Theophilo  Ottoni,  Nabuco,  Souza  Franco,  Octaviano 
o  Paranaguá,  o  protesto  do  abstencionismo,  ante  a  mentira 
eleitoral,  e  no  terreno  politico  o  Manifesto  de  1869,  com  estes 
cinco  compromissos : 

a  reforma  eleitoral,  única  capaz  de  se  oppor  ao  absolutismo 
emergente ; 


DA  INDEPENDENOA  A  REPUBLICA  61 

a  reforma  Judiciaria,  desbancando  a  Justiça  russa  instituída 
em  41  pelo  Código  de  3  de  dezembro ; 

a  aboli(^  do  recrutamento  e  da  Guarda  Nacional,  que  ab- 
dicara o  seu  nobre  papel  da  Regência  e  se  tornara  a  guarda 
pretoriana  das  urnas ; 

e,  afinal,  a  emancipaçSo  dos  escravos.» 

Rematou  com  um  dilemma  entre  cujas  pontas  oscíllaria 
dalll  por  deante  todo  o  edificio  monarchioo  : 

<0u  a  Reforma  ou  a  Revolução.»  ^ 

Mas  opinava  logo : 

<  A  reforma  para  ooi^urar  a  revolucSo. 

<  A  revolução  como  consequência  necessária  da  natureza  das 
coisas,  da  ausência  do  systema  representativo,  do  exclusivismo 
e  olygarchia  de  um  partido. 

<  NSo  ba  que  hesitar  na  escolha. 
€  A  Reforma ! 

<  E  o  paiz  será  salvo.» 

Ora,  agindo  no  centro  dos  acontecimentos  em  que  eram  auto 
res  e  actores,  sem  a  visão  de  conjuncto  permittlda  por  um  afas- 
tamento do  fioenario,  os  reformadores,  ainda  addiotos  ao  throno 
pela  força  prodigiosa  da  inercia,nSo  podiam  perceber  que  aquella 
condicional  era  serôdia.  As  duas  palavras  nâo  extremavam 
mais  uma  alternativa.  Gonjugavam-se:  reforma  e  revulução. . . 

Foi  o  que  00  acontecimentos  depois  revelaram. 

O  governo  de  Itaborahy,  um  anachronismo  palmar,  em  cpjo 
tirocínio  de  quasidois  annos  s6  ocoorreu  um  successo  apreciável, 
o  termo  da  guerra  do  Paragnay  (1  de  março  de  70),  completado 
pela  missão  do  ministro  dos  estrangeiros,  visconde  do  Rio-Branoo, 
incumbido  de  organizar  o  governo  nacional  do  Paraguay—cahiu 
por  evitar  o  problema  emancipador,  appenso  em  additivo 
proposto  pelo  senador  Nabuco  de  Araújo  á  lei  do  orçamento 
daqnelle  anno.  Provocara  ao  mesmo  tempo  a  formação  da 
dissidência  conservadora  dirigida  por  Jeronymo  Teixeira  Júnior 
e  composta  de  elementos  —  Ferreira  Yianna,  Junqueira,  João 
Mendes,  Duarte  de  Azevedo  e  Perdigão  Malheiro  —  que  dariam 
em  breve  áquelle  partido  o  compromisso  anómalo  de  se  bater 
por  todas  as  ideias  liberaes. 


62  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

O  marqaec  de  S.  Vicente  (Pimenta  Bueno),  que  lhe  saccedeu, 
tentou  uma  conciliação  impossível,  mau  grado  a  sua  robusta 
mentalidade.  Suspeito  ao  liberalismo,  com  reflectir,  numa 
passividade  de  espellio,  o  desejo  claro  manifestado  sem  rebuços 
pelo  Imperador,  de  obstar  a  todo  o  transe  quaesquer  reformas 
no  apparelho  das  eleições;  suspeito  á  velha  guarda  conservadora 
j&  dirigida  por  Paulino  d;3  Souza  (Andrade  Figueira,  Josó  de 
Alencar,  A.  Prado  e  Francisco  Belisario),  pelos  seus  antigos 
projectos  emancipadores  discutidos  no  Conselho  de  Estado  desde 
o  ministério  Zacharias  —  viu-se  em  situaçfto  instável.  NSo 
puderam  firmal-o  ministros  da  estatura  excepcional  de  Salles 
Torres  Homem  (visconde  de  Inhomerim),  JoSo  Alfredo  Correia 
de  Oliveira, Oiymplo  Gomes  de  Castro,  Pereira  Franco  e  Teixeira 
Júnior. 

Abandonou  o  governo  legando-nos,  como  unioo  testemunho 
de  sua  passagem,  a  fundação  do  Conservatório  dramático.  • . 

E'  que  a  conciliação  planeada—  um  outro  <  pensamento  au- 
gusto >  imprópria va-a  não  a  falta  de  um  marqvez  do  Paran&, 
mas  a  transformaç&o  das  coisas. 

A  monarchia  preenchera  o  sen  papel.  As  reformas  liberaes, 
erigindo-se  para  logo  no  pensamento  da  eleiçio  directa  e  da 
emancipação  dos  escravos,  embora  acabassem  por  senhorear  o 
espirito  do  próprio  Imperador,  iriam  abalar  toda  a  architeotura 
monarchica.  Peroebera-o  o  visconde  de  Itaborahy,  graças  á 
visão  exercitada  em  moio  século  de  actividade  politica.  Mortos 
Araújo  Lima  e  Eusébio  de  Queiroz,  elie  era  o  ultimo  dos  yelhos 
constructores  do  regimen .  Conhecia  todas  as  falhas  e  o  gasta« 
mento  inevitável  do  apparelho  extraordinário  dentro  do  qual  se 
constituirá  a  nossa  nacionalidade.  B  oomprehendia,  avassallado 
de  espantos,  que  elie  não  resistiria  ao  empuxo  dos  novos  ideaos. 
«Não  queiramos  aluir  de  chofre  os  fundamentos  em  que  se  acha 
assentada  a  associação  brazilelrat»  exclamara  no  parIameato« 
em  1870,  com  a  intuição  profunda  de  nm  vidente. 

Com  elfelto,  no  seu  ministério  eshoçou-se  ó  deoli&io  do 
Império. 

Dahi  por  deante  o  triumpho  demoeratieo  não  se  manifestara 
mais,  como  em  62,  por  uma  liga  de   liberalismo  nifriro^ 


bA  INDEPENDÊNCIA  A  REPUBLICA  63 

attrahindo  ao  seio  os  conservadores  adeantados.    Proseguirá 
isolado. 

Destaca-se-Ihe  dos  flancos  um  partido  novo  —  o  republicano  . 
Difficilmente  se  depara  em  nossa  historia  acontecimento  mais 
lógico. 

O  manifesto  de  3  de  dezembro  de  1870  íéz-se,  realmente» 
a  segunda  pagina  do  manifesto  liberal  de  1868. 

Mas  inclinada  ao  outro  vértice  do  dilemma. 

O  programma  alli  exposto  foi  o  que  devera  ser— um  libeilo. 

Fazia-se  o  processo  de  um  reinado. 

E  em  que  peze  aos  ezaggeros  da  metaphysica  politica,  que  as 
debilita,  aquellas  linhas,  as  primeiras  linhas  escriptas  da  his- 
toria da  Republica,  graphavam  um  dictado  antigo. 

Entre  as  suas  assignaturas^a  de  Joaquim  Saldanha  Marinho, 
nome  já  tradicional,  as  de  Christiano  Ottoni  e  Flávio  Fámese, 
vindos  das  tendas  liberaes,  as  de  Lafayette  Rodrigues  Pereira  e 
Salvador  de  Mendonça,  as  de  Quintino  Bocayuva,  Aristides  Lobo 
e  Francisco  Rangel  Pestana,  que  proseguiriam  até  á  vietoria, 
e  outras,  que  se  apagariam  na  obscuridade  —  faltava  uma  que 
seria  a  mais  expressiva  de  todas,  «  de  Theophilo  Ottoni,  o 
agitador  destemeroso  de  6â* 

As  linhas  anteriores  justiâcam  oasaerto. 

O  novo  pensamento  politico,  inearacteristico  e  mal  vinculado 
Às  tendências  separatistas  nas  insurreioC^s  inooherentes  que 
vieram  até  1817;  inopportuno  em  1822  e  1831,  por  contrariar  o 
interesse  maior  da  unidade  da  pátria  ;  repellido  em  1837-1848 
por  que  ainda  se  tornara  indispensável  a  acção  exclusiva  da 
força  centrípeta  da  realeza ;  evolvendo,  imperceptível,  e 
perdendo  o  caracter  separatista  com  esposar  os  resentimentos 
alastrados  pelo  palz  inteiro  na  trégua  partidária  de  1853-1858 ; 
aflorando,  por  fim  no  violento  revide  de  1862,  que  uma  guerra 
externa  abrandou,  desviando  as  preoocupações  nacionaes  :  — 
depois  dessas  vicissitudes,  em  1870,  impunha-se.  Para  vencer 
tinha  a  força  das  novas  aspirações  sociaes  t&o  vigorosas  que 
se  reflectiam  nos  próprios  partidos  dynasticos^  talhados  em 
dissideaoíAs  que  se  degladiavam,  desangrando-se,  sem  pouparem 
dos  golpes,  como  vimos,  a  própria  figura  imperial. 


64  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

lavertiam-se  os  papeis:  o  perigo  separatista  estava naquella 
concentração  golpeada  de  crises.  E  o  partido  republicano  cres- 
cendo desde  logo,  mercê  dos  contingentes  snccessivos  que  lhe 
ad vinham  de  todos  os  deailludidos  e  de  todos  os  desesperados  dos 
doisontros^o  que  aconteceria  até  as  vésperas  do  15  de 
novembro  «  começava  a  esboçar,  de  facto,  uma  outra  <  Con- 
ciliação »,  mas,  esta,  agora,  definitiva  —  a  Republica.  Sahira, 
das  divagações  do  manifesto  de  70,  para  o  terreno  da  propa- 
ganda. Deliaeavam-se  em  S.  Paulo,  em  linhas  cada  voz  mais 
nítidas,  até  se  imprimirem  profundamente  na  nossa  historia 
politica  os  perfis  de  Américo  Brasilieose,  Rangel  Pestana, 
Américo  de  Campos,  Campos  Salles,  Prudente  de  Moraes  e 
Venâncio  Ayres. 

Ao  mesmo  tempo,  o  povo  tomava  um  logar  na  represen- 
tação nacional. 

Ouviu-se  dentro  da  Gamara  dos  deputados  uma  palavra 
extranha  com  a  tonalidade  imponente  dessas  vozes  propheticas 
que  anunciam  a  rnina  dos  impérios. 

Não  era  a  dialéctica  vibratil  de  Zacharias,  a  argumentação 
fria,  sulcada  de  súbitos  lampejos  de  génio,  de  Nabuco,  a  fluência 
cantante  de  José  Bonifácio,  ou  o  período  artístico  e  sonoro  de 
Salles  Torres  Homem,  a  que  se  havia  affeiçoado  o  nosso  parla- 
mento. Mas  uma  eloquência  quasi  selvagem  na  sua  esplendida 
rudeza,  na  energia  nunca  vista  com  que  reinvidicava  os  direitos 
populares,  e  nas  suas  rebeldias  da  fórmi»  e  nas  suas  grandes 
temeridades  de  conceitos. . . 

Silveira  Martins  desdobrava,  improvisamente  —  passando 
fugaz,  num  faigor  instantâneo  e  desappareoendo  --  a  sua  esta- 
tura athletica  de  Danton. 

*     « 
O  governo  do  visconde  do  Rio-Branco  (  7  de  março  de  71) 
sobreveiu,  então,  como  uma  longa  trégua  oiviiisadora. 

Antes  diplomata  que  politico,  o  grande  homem  fez  o  mi- 
lagre de  dirigir  utilmente  o  paiz  até  1875,  no  mais  dilatado 
ministério  que  tivemos. 

E  fel-o,  sobretudo*  porque  não  representava  nenhum  dos 
dois  partidos  monarohlcos. 


DA  INDEPENDÊNCIA  Á  REPUBLICA         65 

DemoDstra-0  o  caracter  antinomico,  mas  expressivo,  de 
uma  situação  conservadora  ezgottando  qaasi  por  completo  o 
programma  liberal  —  e  appellando  indistinctamente  para  a 
dissidência  do  seu  próprio  partido  e  para  a  boa  vontade  dos 
adversários,  liberaees  e  republicanos. 

Estes  últimos  podiam,  com  eflèito,  permanecer  espectantes, 
como  o  fizeram. 

O  governo  do  estadista  que  tinha  a  investidura  única  da 
parte  san  de  sua  terra  —  ia  desbravar-lhes  o  caminho. 

Desarraigou  a  escravidão  do  paiz  pela  lei  de  28  de  setembro 
do  187],  em  que  o  secundou  brilhantemente  o  ministro  predes- 
tinado a  vibrar  o  golpe  decisivo  de  13  de  maio,  João  Alfiredo 
Correia  do  Oliveira;  abateu  pela  reforma  judiciaria  de  20  de 
setembro  de  71  a  lei  tyrannica  de  3  de  dezembro  de  41,  <  a  velha 
arvore  de  Bernardo  de  YaconcelUos  o  do  visconde  de  Uruguay,  a 
cuja  sombra  cresceu  o  império  (1) »  e  nisto  o  coadjuvou  Sayão 
Lobato,  penitenciando-se  do  aforro  com  que  outr*ora  se  ajustara 
áquelle  velho  apparelho  de  escravização  civil ;  sulcou  a  fundo  a 
dictadura  espiritual,  que  se  esboçava,  reprimindo  severamente, 
até  ao  extremo  da  prisão  os  dois  bispos  de  Olinda  e  Pará— e  para 
a  empreza  perigosa  que  ia  divorciar  a  causa  monarchica  da 
egreja,  o  partido  republicano  armou-o  com  o  montante  for- 
midável de  cGanganelli»  (Saldanha  Marinho). 

Dissolveu  em  1872  a  Camará  em  que  preponderava  a  massa 
emperrada  de  seu  próprio  partido,  dirigida  por  Paulino  do 
Souza  Júnior,  que  seria  ató  ao  fim  do  Império  a  sombra  realci- 
trante  de  Itaborahy.— Neste  acto  parecia  provocar  um  rompi- 
mento com  aqaelle,  ondes0bresahiam  António  Ferreira  Vianna, 
Domingos  de  Andrade  Figueira,  Francisco  Belisario,  António 
Prado  e  Josó  de  Alencar. 

Mas  não  rompia ;  avantajavanse. 

Era  uma  translado  para  o  ÍUturo. 

Refundiu  a  instrucção  publica,  profissional  e  superior,  orç- 
ando em  algumas  escolas  ( a  Polyteohnica  e  Militar,  recem-for- 


(1)  Consellioiro  Nabuco  do  Araújo. 
4323  —  5  Tomo  lxix  p.  u. 


66  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

madas  pela  divisão  da  aatiga  Escola  Ceatral)  cadeiras  espeoiaes, 
acompanhando  o  ascender  continuo  das  sciencias,  e  fundou  a  de 
Minas.  Iniciou  a  tarefa  complexa  do  levantamento  da  nossa 
oartaitineraria  e  geológica,  que  seria  abandonada  pelos  governos 
que  lhe  succ adoram.  Realizou  a  primoira  estatística  geral  do 
Brazil.  Attendeu  ás  indicações  de  todos  os  competentes  : 
André  Rebouças  demonstrar .i  as  vantagens  da  subvenção 
ou  garantia  de  juros  ás  companhias  de  estradas  de  ferro,  e  a 
lei  de  24  de  setembro  de  1873  organizou-se  logo  retravando-se 
á  campanha  contra  um  velho  inimigo— o  deserto.  £  as  linhas 
férreas  que  em  71  attingiam  a  732  kilometros,  subiram  a  1500 
kilometros  em  trafego,  em  75  ;  alóm  de  8180  em  construção, 
ou  estudos,  e  1700  concedidos,  recebendo  todas  um  impulso  que 
nunca  mais  parou. 

Vincularam-se  as  provindas  pelo  tolegrapho  submarino  cos- 
teiro, outro  elo  illudindo  a  vastidão  do  território;  emquanto 
por  outro  lado  se  expandiram  as  linhas  tclegraphicas  terrestres 
(2081  kilms.  em7U  9281  em  75). 

Laaçou-se  o  primeiro  cabo  transatlântico;  e  a  24  de  junho 
de  1874  estávamos  a  alguns  minutos  da  civilisação,  receben- 
do-se  o  primeiro  telegramma  da  Europa. 

Planeou-se  garantir  o  Rio  Qrande  contra  uma  visinhança 
agitada,  com  as  primeiras  estradas  do  ferro  estratégicas. 

Subiu  a  mediada  immigração,  quadruplicada,  a  30.600  tra- 
balhadores por  anno. 

Por  âm,  as  curvas  no  diagramma  do  nosso  commercio 
geral  directo e  de  exportação,  deprimidas  ambas  ha  longo  tempo 
aprumaram-se  em  73  a  um  ponto  a  que  só  chegaram  de  novo 
em  79;  acontecendo  o  mesmo  com  as  rendas  geraos.  E  o  cambio 
que  cahira  em  68  a  14,  e  estacionara  em  1870  em  23  Vi>  elevon-se 
numa  continuidade  invariável,  chegando  ao  parem  73  ;eem 
75  a  altura  que  tiunca  mais  alcançaria,   28   %. 

Na  politica  exterior  attenuaram-se  as  consequências  preju- 
ciaes  do  Tratado  de  Alliança  com  o  Uruguay  o  a  Republica 
Aj^gontina  (  1»  de  maio  de  1805 ),  que  dava  a  parte  do  leão  á 
ultima,  nos  eHeitos  da  campanha  do  P<iraguay,  —  firmando-se 
a  linha  do  Pilcomayo,  que  ao  mesmo  passo  resguardava  o 


DA  INDEPENDÊNCIA  A  REPUBLICA  67 

território  da  nação  vencida  e    resalvava   os  direitos  da  Bo- 
lívia. 

•  • 

Dei>oi8  do  ministério  Rio-  Branco,  desonhou-se  pela  terceii*a 
vez  no  acenar io  politico  uma  dessas  «épocas  sem  physionomia», 
presagas  de  transformações  profundas.  Mas,  evidentemente, 
estas  se  effectuariam  fora  do  apparelho  monarchioo. 

Dizia-o  o  curso  impressionador  da  historia. 

As  nossas  phases  sociaes  tinham-se  desdobrado  com  um 
rytlimo  perfeito,  onde  a  disperáão  o  convergência  successivas 
dos  acontecimentos  denunciavam  ao  mais  inexperto  espirito  o 
rigorismo  inflexível  da  lei  universal  da  vida. 

A  principio  o  aggregado  diíTuso,  a  nebulosa  humana,  des- 
prendida do  colonato,  sciudida  de  ideaes  revolucionários  em 
uma  larga  dissipação  de  movimento,  reíleotindo,  no  periodo  de 
IS0H-IS31,  o  proccsius  geral  de  todas  as  existências  orgânicas. 
Depois,  do  1831  a  1837,  a  delimitação  dos  lutadores  nos  três  par- 
tidos definidos  da  Regência,  traduzindo-se  a  tendência  para 
uma  phase  mais  definida,  a  par  de  uma  distribuição  mais  in- 
tegra e  lieterogenea  do  prestigio  governamental,  até  então 
enfeixado  na  autoridade  de  um  príncipe.  Subsecutivamente, 
com  o  crescer  da  reac^o  monarchica,  de  37,  compensadas  a 
simplicidade  maior  do  governo  e  a  complexidade  maior  da 
sociedade,  evidenciouHie,  inilludivel,  a  rellectir-se  tangível* 
mente  no  binário  conservador  e  liberal,  a  marcha  gradual 
para  o  equilíbrio,  dns  duas  forças  co-existentes»  democrática 
e  reaccionária,  que  persistiam  desde  a  Independência.  Por 
fim,  em  1848,  e  sobretudo  com  o  marquoz  do  Paraná,  na 
quadra  que  uma  intuição  de  génio  rezumiu  na  palavra  Conci- 
liação^ a  harmonia  completa  dos  lutadores,  ultimando-se  intei- 
ramente a  admirável  evolução  monarchioa. 

O  império  constitucional  attiogira,  de  facto,  o  termo  de 
suas  transformações;  e,  de  accordo  com  a  própria  lei  evolutiva 
que  o  constituirá,  iria  desintegrar-se  submettido  por  sua  vez 
ao  meio,  que  dominara,  o  aos  excessos  de  movimentos  que 
este  adquirira. 

Ora,  esta  dissolução  é  tão  demonstrável»  que  até  teve,  e  era 


68  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

necessário  que  o  tivesse,  o  seu  primeiro  symptoma  no  rotratar 
com  a  fidelidade  de  um  decalque  03  estádios  anteriores.  Assim 
a  liga  de  1862,  surgindo  do  excesso  do  movimento  do  meio,  nas 
eleições  de  1860  —  e  logo  depois  delia  o  schisma  dos  «progres- 
sistas» e  «históricos»,  deante  dos  «conservadores»  transformados, 
reproduziram  successivamente  os  tumultos  desordenados  dos 
primeiros  dias  das  lutas  da  liberdado  e  a  triplice  pbysionomia 
politica  da  Regência. . . 

Mas  a  nova  concentração  do  forças  já  não  se  podoria  fazer 
em  torno  do  regimen  imperial.  Os  seus  mais  eminentes  susten- 
táculos, Juxtapor-se-iam,  sem  o  pensarem  o  sem  o  quererem,  á, 
nova  directriz  dos  acontecimentos— d estacando-se,  como  expres- 
sivo exemplo,  o  próprio  ministério  Rio-Branco  tão  accentuada- 
mente  demolidor  e  reconstructor,  ao  mesmo  passo  que  com  as 
suas  medidas  administrativas  memoráveis  derivara  para  o 
campo  das  agitações  politicas  as  energias  ronasoentcs  da 
sociedade. 

Depois  delle— a  attitudo  curiosíssima  do  partido  liberal  em 
todo  o  período  que  vae  de  1878  a  1880  —  de  Cansanção  de  Si- 
nimbu ao  ultimo  ministério  do  conselheiro  Saraiva—Já  agi- 
tando esterilmente,  como  reforma  unioa,  a  pseudo* reforma 
liberal  da  eleição  directa  e  censitária.  Já  estonteando  a  opinião 
com  os  seus  vários  governos  inco!ierentes  sustentados  de  ordi- 
nário com  o  amparo  do  elemento  conservador,  e  cahindo  todos 
batidos  por  violentas  moções  de  descontiança  dos  próprios 
liberaes— seria  bastante  incisiva  no  delatar  o  artificialismo  de 
um  regimen  theorioamento  extincto,  e  implicativo  das  novas 
aspirações  sociaes. 

E\  porém,  uma  historia  recente  do  mais.  Acotovellam-se, 
vivos  ainda,  alguns  no  í^istigio  da  Republica,  outros,  na 
glorificação  de  um  exílio  virtual  imposto  pela  inflexibilidade 
de  suas  convicções — os  seus  principaes  actores. 

Como  facto  predominante  dessa  politica  artificial,  espe- 
lhada no  invariável  contraste  entre  os  velhos  principios  que  a 
alentavam  e  a  situação  verdadeira  do  paiz,  o  historia lor  fu- 
turo coramentar.1,  sorrindo,  a  abdicação  graciosa  e  bellissima  de 
13  de  maio  do  1888,  em  que  o  ministério  conservador  do  con- 


DA  INDEPENDÊNCIA  A  REPUBLICA  69 

solheiro  João  Alfredo  cor  toa  as  ultimas  amarras  do  Império, 
abandoaando-o  na  caudal  IrresMivel  das  idéas  republicanas. .  • 


Depois  disto  a  Republica  não  podia  ser  uma  surpreza, 
inexplicável  estribilho  dos  que  enfermam  da  nostalgia  desse 
passado  brilhante,  que  também  yeneramos  porque  é  toda  a 
justificativa  do   nosso  regimen  actual. 

Vimos,  nas  varias  phases,  a  traços  largos  esboçadas,  o 
constante  despontar,  cahir  o  renascer  de  uma  aspiração  dis- 
persa em  movimentos  isolados;  supplantada  a  principio  pelo 
pensamento  primordial  da  autonomia  politica,  depois  pela 
preoccapação  superior  da  unidade  nacional.  Impertinente  em 
1822,  inopportana  em  1831,  aborticia  cm  1848,  era-o  a  Republica, 
sobretudo  porque  se  não  podia  inverter  a  série  natural  da  evo- 
lução humana. 

Aspiração  politica,  requeria  que  lhe  propiciasse  o  ad- 
vento  o  desenvolvimento  social. 

A  sociedade  não  a  repellia ;  prorogava-a. 

E  a  partir  de  1875   começou  a   incorporal-a. 

Mudáramos   muito. 

Deanto  da  grande « maioria  indifTerente  o  amorpha  que 
ainda  existe  —  como  um  prolongamento  da  colónia  —  for- 
mando o  caput  moriuum  do  grande  organismo  deste  paiz,  só 
so  alevantara  até  1875,  através  de  agitações  exclusiva- 
mento  politicas,  o  espirito  critico  da  metapbysica  revolu- 
cionaria de  que  ó  impeccavel  modelo  o  próprio  manifesto  re- 
publicano do  70.  Mas  este,  que  illusoriamente  preside  o  ascender 
crescente  do  novo  ideal  politico  até  15  do  novembro  de  89,  res- 
valara a  segundo  plano. 

A  propaganda  republicana  ( evitamos  descrevel-a,  inaptos 
para  synthetizal-a,  em  meia  dúzia  de  linhas,  com  o  incon- 
vodiente  de  citar-lhe  os  protagonistas,  na  maioria  ainda 
yivos)  fazia-se  por  si  mesma. 

Attribuir-lhe  o  sucoesso  á  palavra  dos  tribunos,  ao  Jor- 
nalismo doutrinário  ou  agitador,  ao  enthusiasmo  de  uma  mo- 
cidade robusta,  á  indisciplina  militar,  e  por  fim   ao   levante 


70  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

de  um  exercito  que,  como  o  de  7  de  abril,  nada  mais  foi  que 
a  ordenança  passiva  da  nação  em  marcha  —  equivale  a  attri- 
bair  a  maró  montante  ás  vagas  impetuosas  que  ella  alteia. 

Porque,  de  facto,  o  que  houve  foi  a  transfiguração  de 
uma  sociedade  em  que  penetrava  pela  prlmoira  vez  o  im- 
pulso tonificador  da  philosophia  contemporânea.  E  esta, 
oerto,  não  a  vamos  buscar  nosso  tão  malsinado  e  incompre* 
hendido  positivismo,  que  ahi  está  som  a  influencia  que  se 
lhe  empresta,  immovel,  crystallizado  na  alina  profundamente 
religiosa  e  incorruptível  de  Teixeira    Mendes. 

As  novas  correntes,  forças  conjugadas  de  todos  os  principies 
o  de  todas  as  escolas  —  do  comtismo  orthodoxo  ao  positivismo 
desafogado  de  Littró,  das  conclusões  restrictas  de  Darwin  ás 
generalizações  ousadas  de  Spencer  —  o  que  nos  trouxeram,  de 
facto,  não  foram  os  seus  principies  abstractos,  ou  leis  incompre- 
hensiveis  á  grande  maioria,  mas  as  grandes  conquistas  libe- 
raes  do  nosso  século  ;  o  estas  compondo-se  com  uma  aspiração 
antiga  e  não  encontrando  entre  nós  arraigadas  tradições  monar- 
ohicas,  removeram,  naturalmente,scm  ruido^no  espaço  de  uma 
manhã  —  um  throno  que  encontraram. 

Este  abalara-se  de  ha  muito.  O  nobre  espirito  do  homem 
que  o  occupava  com  a  sua  preoccupaçSo*  absorvente  de  perquirir 
anciosamente  as  coisas  da  sclencia,  com  o  seu  anhelar  o 
titulo  de  phllosopho,  com  o  anceiar  pela  camaradagem  nobili- 
tados dos  pensadores  do  seu  tempo,  com  a  sua  indifferenca 
superior  pela  força  organizada,  que  lhe  escorava  o  império,  com 
o  estimular  os  decretos  libertadores,  que  lhe  destruíram  o  apoio 
da  propriedade  territorial  —  tornou-se  no  termo  da  vida  o 
exemplo  vivo  da  transmutação  de  seu  próprio  paiz. 

E*  natural  que  fosse  o  seu  ultimo  ministério  conservador 
que  realizasse  a  13  de  maio  de  1^88  a  mais  alta  das  reformas 
IJberaes. 

Não  tinham  mais  significação  os  nomes  dos  partidos. 
Existiam  pela  forçi  cia  inorcia.  Tond>se  pr.'ndido  ao  curso  ir- 
reprimível da  propv-iganda  abolicionista,  iniciada  activamente 
om  1884,  a  monarchia  obtivera  uma  estabilidade  momentânea, 
derivando  ao  som  da  c  )rrenleza  democrática. 


DA  INDEPENDÊNCIA  A  REPUBLICA  71 

De  sorte  qao,  em  1889,  qu  ando  o  seu  ultimo  ministério  li- 
beral tentou  a  ultima  reacção  conservadora,  cahiu—porquo  não 
podia  mais  parar. 

O  3**  reinado  osteiado  na  esplendida  envergadura  do 
visconde  de  Ouro  Preto  seria  uma  represa  na  torrente. 

Foi  o  que  se  viu  a  15  de  novembro  do  1889:  uma  parada 
repentina  e  uma  sublevação ;  um  movimento  refreado  de 
golpe  o  transformando-se,  por  um  principio  universal,  em  força; 
e  o  desfecho  feliz  do  uma  revolta. 

Porque  a  revolução  já  estava  feita» 


O  nosso  século  XIX  acaba  naquella  data. 

NSo  devemos  constringil-o  no  inexpressivo  de  uma  ezacçSo 
numérica. 

Teve  ura  remate  bastante  incisivo  para  caracterizar 
uma  época,  porque  a  Republica,  de  facto,  desvenda  uma  outra 
éra.  Recente  ainda,  nâo  ha  lobrigar-se-lhe  o  determinismo 
próprio. 

Todos  08  successos  da  sua  brevíssima  vida  de  dez  annoi  não 
resaltam  ainda  na  escala  superior  da  historia. 

Cerremos  esta  pagina. 


o  DUQUE  DE  CAXIAS 


J.  CAPISTRANO  DE  ABREU 

Sócio  níTectivo    ilo   Institnto    Histórico   e   Ocograpliico 
Hraziloiro 


o  presente  artigo,  di>  nosso  illusirado  consócio,  Sr.  J.  Ca- 
pistrano  do  Abreu,  foi  publicado  na  Gazeta  de  Xoticias,  sein  nome 
do  auctor,  de  i  de  agosto  de  i903,  de  onde  o  extrabimos. 

(Xota  da  Comtnissão  de  Redacqão.) 


o  DUQUE  DE  CAXIAS 


Ha  nm  século,  em  Magé,  na  baixada  do  Rio  do  Janeiro, 
naiicea  Luiz  Alves  de  Lima,  a  25  de  agosto,  dia  de  S.  Luit,  rei 
de  França,  de  quem  tomou  o  nome.  Descendia  de  notável  família 
em  que  cruzavam  o  elemento  francez,  o  elemento  portuguez  e 
o  elemento  nacional;  pelo  lado  paterno  como  pelo  lado  materno 
dclla  sahiram  onze  generaes,  no  decurso  de  três  gerações. 

A  22  de  novembro  de  1808  sentou  praça  de  cadete  no  regi- 
mento de  seu  avô  José  Joaquim  de  Lima  e  Silva  ;  aos  quinze 
annos  foi  promovido  a  alferes;  terminados  vantajosamente  os 
estudos  na  Real  Academia  Militar,  passou  a  tenente,  ainda  cm 
tempo  de  D.  João  VI. 

A  retirada  do  velho  rei  para  a  Europa  foi  o  despertar  de 
um  sonho  agradável  que  durara  treze  annos.  Metrópole  e  reino, 
o  Brazil  voltava  a  colónia.  E  as  cortes  portuguesas,  com  uma 
coherenoia  democrática,  honrada  mas  imprudente,  começaram 
a  obra  de  regeneração  pelo  throno  e  pelas  camiadas.  No  Bratll 
fbram  logo  feridos  em  seus  interesses  os  altos  dignitários  que 
circumdavam  o  joven  príncipe  regente,  e  em  contacto  continuo 
com  este  podiam  incitar  e  incitaram  sen  temperamento  impe- 
tuoso e  impulsivo.  Após  breve  hesitado,  o  representante  de 
el-rei  trabalhou  contra  o  próprio  pai;  quem  devia  garantir  obe- 
diência e  fidelidade  á  metrópole,  encabeçou  o  levante  contra 
cila;  a  autoridade  foi  derrocada  pelos  órgãos  da  autoridade. 
Não  seria  a  ultima  vez  na  historia  da  dynastia. 

Desde  quo  tinha  a  diri^nl-a  o  príncipe  regente,  aftuitados  os 
elementos  que  podiam  alTrontal-a,  a  idéa  de  independência 
lavrou  subitanea  no  Brazil  inteiro.  Na  Bahia,  as  tropas  da  nie 
tropole  resiâtiram  com  vantagem  por  algum  tempo  aos  filhos  da 


76  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

terra,  redozidas  a  S6U8  únicos  recursos.  Soccorros  mandados  do 
Rio  realentaram  os  espíritos  dos  patriotas;  a  esquadra  começou 
o  bloquoio  do  porto  da  capital;  a  2  do  julho  de  23,  desanimados 
e  derrotados,  partiram  para  além-mar  os  últimos  defensores  do 
poderio  lusitano.  A  resistoncia  na  Bahia  teve  ainda  o  resultado 
do  benefício  de  levar  a  esquadra  4s  alongadas  regiões  do  NE,  evi- 
tando assim  que,  em  nossa  historia,  houvesse  separação,  como 
succedeu  geralmente  na  America  hespanhola,  ou  que  ficasse 
ainda  na  grande  colónia  livre  alguma  pequena  dependência  da 
metrópole,  como  succedeu  á solitária  Cuba  até  nossos  dias. 

Na  Bahia,  Luiz  Alves  avistou-se  com  guerra  pela  primeira 
voz.  Seus  assentamentos  mencionaram  feitos  de  28  de  março, 
3  de  maio  e  3  de  junho  do  23.  AUi  conquistou  um  dos  titules 
que  mais  prezava,  o  do  veterano  da  independência.  A  22  de  ja- 
neiro do  anno  seguinte  teve  a  patente  de  capitão. 

Ao  movimento  de  independência  contra  Portugal  adheriram 
também  as  terras  da  banda  oriental  do  Prata,  incorporada  ao 
Brazil  pela  força  das  armas,  polo  cansaço  dos  motins  e  guer- 
rilhas, pelas  combinações  diplomáticas  e  pelas  afflnidades  geo- 
graphicas.  Em  comoço  de  25  parecia  resolvido  de  vez  o  litigio 
secular,  levantado  pela  fundação  da  colónia  do  Sacramento,  e 
sempre  pendente  e  irritante,  apezfir  de  tantas  campanhas  e 
tantos  tratados ;  quem  sô  attendesso  ás  manifestações  offlcíaes 
juraria  a  indissolubilidade  da  união  entre  brazileiros  e  orientaes. 

Como  illudiam  taes  apparoncias  vorlflcou-se  desde  abril  do 
mesmo  anno.  Trinta  e  três  patriotas,  entre  estes  João  António 
de  LAvalleja,  desembarcaram  no  porto  das  Yaccas,  junto  á  Co- 
lónia, internaram-se,  angariaram  adeptos,  o  já  em  setembro 
e  outubro  ganhavam  as  batalhas  do  Rincon  de  las  Oallinas  o 
Sarandy  sobre  as  tropas  imperiaes.  Ao  apoio  quasi  unanimo  da 
população  aggregaram-so  auxilies  e  soccorros  vindos  do  outro 
lado  do  rio,  primeiro  claniestlna,  mais  tarde  publicamente, 
depois  do  imperid  declarar  guerra  &s  províncias  platinas.  O 
bloqueio  de  Buenos  Aires,  fructo  desta  declaração,  teve  em  re- 
sposta a  oreação  de  luna  esquadra  de  pequenos  vasos  que  zombou 
da  nossa  alterosa  Armada,  e  dezenas  de  corsários  que  feriam  a 
golpes  redobrados  e  terríveis  nosso  commercio  marítimo,  des- 
respeitando  nossos  mares. 


o  DUQUE  DE   CAXIAS  77 

O  theatpo  da  guerra  passou  do  Uruguay  para  o  Rio  Grande 
do  Sul,  e  as  operações  bollicas  poderiam  protrahir-se  iadofinida- 
menie,  se  a  iatervenção  ingloza,  om  1828,  não  trouxesse  coin  a 
paz  a  creação  da  Repablica  Oriental^  iadependoiite  ao  mesmo 
tempo  do  BrazlL  e  da  Confederação  Argentina. 

Luiz  Alves  tomou  parte  nesta  campanha  do  sul,  ao  qual  de- 
via depois  tornar  mais  de  uma  vez,  sempro  com  mais  glorioso 
renome  o  p/estando  novos  serviços  à  pátria.  De  lá  voltou  m  ijor. 

Como  major,  chegado  a  esta  capital,  commandou-o  batalhão 
do  imperador,  e  assistiu  bem  de  pert  j  aos  successos  da  abdi- 
cação de  D.  Peiro  I.  Embora  seu  pae  fosse  um  dos  chefes  mas 
infensos  ao  fundador  do  império,  ollo  conservou-se  ao  lado  do 
soberano  até  o  ultimo  momento.  Compre hendeu  quanto  havia 
do  artidcial  na  aceitação,  e  suggeriu  meios  de  jugulal-a  ;  mais 
D.  Pedro  sentia-so  contrafeito  entre  seus  súbditos,  quo  lhe  não 
perdoavam  o  peccado  original  de  estrangeiro,  nem  acreditavam 
mais  na  sinceridade  do  seu  constitucionalismo;  via-se  alheio,  se- 
gregado do  povo,  tão  outro  das  multidões  enthusiasticas  do  22. 
Ao  mesmo  tempo  occorriam  em  Europa  successos  que  lho  pro- 
mettiam  nova  e  mais  brilhante  carreira  no  velho  mundo.  Pre- 
feriu partir  quando  lhe  seria  facil  ficar,  e  talvez  fosse  melhor, 
tanto  para  elle  como  para  o  paiz. 

Com  a  partida  de  D.  Pedro,  desencadearam-se  as  forças  re- 
volucionarias desde  o  Amazonas  ao  Prata.  Um  dos  logares  mais 
ílagellados,. si  não  pela  amplitude,  certamente  pela  frequência 
das  convulsões,  foi  essa  multo  heróica  e  leal  cidade.  E  ninguém 
mais  fez  para  arrancal-a  ao  cahos  elementar  do  que  Luiz  Alves 
de  Lima,  commandante  da  policia  militar  durante  longos 
annos. 

Esta  commissão  espinhosa,  desempenhada  brilhintomente, 
deixou  vestígios  bem  profundos  em  seu  espirito.  Ahi  aprendeu 
como  ódiíHcil  governar,  como  qualquer  pronunciamento,  que  se 
parece  resolver  uma  rliíflculdade  momentinoa,  na  realidade  ac- 
cresccnta  aos  antij^os  novos  problemas  mais  árduos.  Sobretudo 
aprendeu  a  iientificar-se  com  seus  subordinados,  a  não  querer 
para  si  glorias  o  triumphos  de  que  a  parte  maior  não  lhes  cou- 
be^ise. 

Teve  de  abondonar  algum  tenrpo  este  posto  para,  já  tenente- 


78  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

coronel,  acompanhar  om  39  o  ministro  da  gaerra  ao  Rio  Grande 
do  Sul. 

Reben.tara  um  movimento  revolucionário  em  Porto  Alegre 
a  20  de  setembro  de  35.  O  presidanto,  homem  de  incontestável 
coragem,  não  achou  quem  o  ajudasse  a  resistir  nem  allí,  nem 
na  cidade  do  Rio  Grande,  ond  s  reconhecendo  isto,  embarcou 
sem  demora  para  a  corto. 

Os  revoltosos  tomaram  conta  da  capital ;  a  força  publioa 
passou  para  sen  lado  ;  oi  recursos  do  Governo  cahiram  om  suas 
mãos ;  a  maior  parte  da  província  tacita  oa  explicitamente  ad- 
heriu.  Um  novo  presidente,  mandado  logo,  chamou  a  ai  parte 
dos  levantados,  reoccupou  a  cidade  de  Porto  Alegre  que  nunca 
mais  sahiu  da  legalidade,  e  o  combate  de  Fanfa  (4  de  outubro 
de  36)  pareceu  terminar  a  revolta,  pois  nelle  foram  vencidos  e 
presos  alguns  dos  cabecilhas  mais  influentes. 

Desde  o  principio  os  legalistas  da  província  disseram  que  os 
sediciosos  tinham  om  vista  separar-se  da  commuuhão  brazileirae 
proclamara  republica.  Negou-  o  Bento  Gonçalves  uma  e  muitas 
vezes  por  documentos  solemnes  em  que  acclamou  a  constituição 
e  o  joven  imperador.  E  parece  que  era  realmente  sincero,  pois 
s6  depois  delle  preso  em  Fanfa,  seus  amigos  e  companheiros  pro- 
clamaram a  republica  em  Paratini  a  6  de  novembro. 

E*  duvidoso  se  isto  lhes  deu  novos  olemontos  de  vitalidade  e 
resistência.  Mas  Bento  Manoel,  o  vencedor  d)  Fanftt,  não 
achando  asou  gosto  o  novo  presidente  mandado  para  substituir 
seu  parente  José  de  Araújo  Ribeiro,  mais  tarde  visconde  do  Rio 
Grande«  prendeu  oprosidento;  Ciçapava,  evacuada  pelas  forças 
legaes,  foi  tomada  com  os  abundantes  matérias  bellicos  que 
possuía,  cahin  em  poder  da  Republica  a  cidade  do  Rio  Pardo, 
chave  da  campanha,  e  a  nova  forma  de  governo,  ou  governizo, 
como  então  se  dizia,  consolidou-se  por  muito  tempo. 

Bento  Gonçalves,  na  ausência  eleito  presidente  da  republica^ 
ÍUgiu  das  prisões  da  Bahia  e  novamente  poz-se  ú,  frente  de  seus 
partidários.  Em  manifesto  de  2ò  de sdtembro  de  35  declarara  por 
único  objecto  «  sustentar  o  throno  do  joven  monarcha  o  a  inte- 
gridade do  iraperiu  >.  Agora,  a  29  de  agosto  de  3S,  exprimia-se 
de  outro  modo :  «Desligado  o  povo  rio-grandense  da  communhão 
brazileira,  reassume  todos  os  direitos  de  primitiva  liberdade,  usa 


o  DUQUB  DE  CAXIAS  T9 

desses  direitos  imprescindíveis,  constitaindo-fle  republica  inde- 
pendente, toma  na  extensa  escala  dos  Estados  soberanos  o 
logar  que  lhe  compete  pela  safflcienoia  de  seus  recursos,  ciyiU- 
saçao  e  naturaes  riquezas,  que  lhe  asseguram  o  exeroicio  pleno  e 
inteiro  de  sua  independência,  eminente  soberania  e  dominio« 
sem  si:^jeiQão  ou  saoriâcio  da  mais  pequena  parte  dessa  mesma 
independência  ou  soberania  a  outra  nação,  governo,  ou  potencia 
estranha  qualquer.  Igual  aos  Estados  soberanos  seus  irmãos,  o 
povo  rio-grandense  não  reconhece  outro  juiz  sobre  a  terra,  além 
do  auctor  da  natureza,  nom  outras  leis,  alóm  daquellas  que 
constituem  o  código  das  nações.» 

O  ministro  da  guerra,  a  quem  Luiz  Alvos  acompanhoui  pa- 
rece não  ter  achado  particularmente  grave  a  situação,  pois,  che- 
gando na  província  em  fins  de  março,  já  em  fins  de  maio  se  re- 
tirava para  esta  capital.  E*  de  suppor  que  esta  visão  rápida  não 
fosse  perdida  para  o  joven  sisudo  tenente*coronel  e  desde  Já 
pensasse  nos  meios  de  desatar  ou  cortar  o  nó,  se  algum  dia  lhe 
coubesse  tal  iocumbencia.  Hypothese  aUás  pouoo  provável 
então,  pois  ningem  pensava  que  o  governioho  durasse  ainda 
muito  tempo. 

Neste  mesmo  anno  elevado  a  coronel,  Luiz  Alves  foi  enr 
carregado  de  pacificar  a  provinda  do  Maranhão,  no  caracter  do 
presidente  e  commandante  das  armas. 

A  13  de  dezembro  de  38,na  villa  da  Manga  de  Igara,  o  va- 
queiro Ray mundo  Qomes,  vulgo  Cara  preta^  €  figura  insignifi- 
cante, quasi  negro,  a  que  chamamos  fula,  baixoi  grosso,  pernas 
arqueadas,  tosta  larga  e  achatada,  olhar  timido,  humilde  »,  que 
tinha  a  habilidade  de  fazer  pólvora,  arrombou  a  cadeia  da  villa 
e  soltou  os  presos.  A  2  de  janeiro  de  39,  no  Breôo,  Manoel  Frao- 
cisco  dos  Anjos  B'erreira,  vulgo  Balaio^  eoliocansa  á.  frente  de  re- 
bellados  e  começa  a  semear  destruições  e  mortes.  Um  preto 
Cosme,  que  se  assigna  <D.  Cosme,  tutor  e  imperador  das  liber- 
dades bemtevis  »,  chega  a  alliciar  três  mil  escravos.  Taes  as 
cabeças  mais  salientes  desta  conclusão  conhecida  por  Baiaia<ki, 
de  nome  de  um  dos  seus  chefes. 

D.  Cosme,  intitulando-se  « tutor  e  imperador  das  liberdades 
bemtevis  »,  como  negro  pernóstico  fugfdo  das  cadeias  da  capital, 
insinuava-se  representante  do  partido  que  tinha  por  orgam  na 


80  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

impransa  o  periódico  Bemievi.  Mas  a  desordem  só  teve  alguma 
cousa  de  politica  no  Piauhy,  onde  encarnou  sérios  esforços  para 
sacudir  o  jugo  de  ferro  do  barão  da  Parnabyba.  No  Maranhão 
foi  obra  social  ou,  se  a  palavra  parecer  muita  ambiciosa,  eth- 
nographica.  Bra  um  protesto  contra  o  recrutamento  bárbaro, 
começado  desde  a  guerra  da  Gisplatina  em  ^5,  contra  as  prisões 
arbitrarias,  contra  os  ricos  prepotentes,  contra  todas  as  vio- 
lências que  cabiam,  sobre  os  pobres  desamparados  negros,  indios, 
brancos  miseráveis.  Duas  ftlhas  de  Balaio  tinham  sido  defloradas 
por  um  official  da  força  publica,  e  dahi  sua  avidez  de  vingança, 
a  sanha  de  desaggravo.  O  Cara  preta  levantou-se  para  libertar 
am  irmão  preso 

Gente  desta  não  se  inspira  em  politica,  porque  sua  acção  ó 
contra  a  politica.  Podem  os  Balaios  pedir  que  se  aeabe  com  as 
prefeituras,  qne  se  respeite  a  Constituição,  quo  se  expulsem 
portuguezes,  tudo  isto  não  passa  de  oitivas  mal  decoradas. 
Sua  verdadeira  inspiração  é  matar,  destruir,  queimar  e  dei- 
xar-se  matar  como  tinha  sido  na  Gabanagem  do  Pará  o  entre  os 
Cabanos  de  Pernambuco,  como  ia  succedendo  com  os  Quebra- 
kilos  da  Paraliyba  e  ainda  não  ha  muito  veriflcou-se  nos  santos 
de  Canudos. 

Entretanto,  essa  massa  cahotica  por  duas  vezes  tomou 
Caxias,  cidade  opulenta  e  populosa  situada  a  meio  caminho  dos 
que  viajam  do  Maranhão  a  Bahia,  e  eram  muitos  ntquella  ópoca, 
pios  a  navegação  a  vela  não  offereoia  segurança  na  costa  de  N. 
E.,  graças  ao  regimen  dominante  de  ventos;  esta  massa  caho- 
tica invadiu  duas  provindas,  intimidou  a  tal  ponto  a  cidade  de 
S.  Luiz  que  o  presidente  mandou  encravaras  peças  de  arti- 
lharia para  não  cahirem  em  seu  poder. 

«  Meu  il lastre  antecessor,  escreveu  mais  tarde  Luiz  Alves 
de  Lima,  entregando-me  a  presidência  desta  provinda,  asse- 
gurou-me  que  seis  rebeldes  naquella  época  a  devastavam,  nu- 
mero sempre  crescente,  e  nunca  maior  antes  daquella  data,  por 
que  se  alguns  se  entregavam  ou  eram  capturados,  outros  em 
maior  copia  se  levantavam  e  os  substituíam;  e  isto  mesmo  se 
deduz  de  sua  correspodencia  official,  qúe  na  secretaria  deste  go- 
verno se  acha.  Mostrou-me  depois  a  minha  própria  experiência 
que  bem  longe  estava  de  ver  exaggerado  este  computo,  como  a 


í 

i 


o  DUQUE  DB  CAXIAS  81 

'|>rincipio  jalgnei,  a  poDto  de  acreditar  que  só  ozisUam  três  a 
qaatro  mil.  Se  calcalarmos  em  mil  os  seus  mortos  pela  guerra, 
fome  e  peste,  sendo  o  Dumero  dos  capturados  e  aprisionados, 
durtfite  o  meu  governo,  passante  de  quatro  mil  e  para  mais  da 
três  mil  os  que  reduzidos  i.  tome  e  cercados  foram  obrigados  a 
:depor  as  armas  dep}is  da  publicação  do  decraio  de  amnistia, 
'temos  pelo  menos  oito  mil  rebeldes;  se  atestes  addicionarmos  três 
mil  negros  aquilombados  sob  a  direcção  do  infame  Cosme,  os 
quaes  só  de  rapina  viciam,  assolando  e  despovoando  as  fozendas, 
temos  onze  mil  bandidos,  que  com  as  nossas  tropas'  lactaram 
fidos  quaes  houvemos  completa  victoria.  Eite  oalculo  ô  pára 
-menos  e  não  para  mais:  toda  esta  provinda  o  sabe.» 

Partindo  do  Rio  a  S2  de  dezembro  de  39,  só  a  5  de  fevereiro 
4o  anno  seguinte  poude  Luiz  Alves  cbegar  a  sôu  destino,  por 
causa  do  contratempos  do  diversa  ordem  que  o  detlTeram.  A  7 
tomou  posse  e  começou  logo  a  reparar  os  numerosos  abusos  que 
encontrou,  dispoz  as  forças  em  trás  columnas  priocipaes,  de  que 
deviam  separar-se  columnsus  volantes  para  atacar  os  diverâòB 
pontos  onde  os  Balaios  apparecessem.  A  7  de  março  sahiu  pela 
primeira  voz  da  capital,  indo  por  Icatú  até  Vargem  Grande. 
Mais  outras  viagons  fez  sempre  que  lhe  pareceu  necessario« 
ora  a  um,  ora  a  outro  ponto,  como  em  Itapicurúmirim  onde 
reprimia,  severamente*  parte  da  força  publica  levantada,  por 
atrazo  em  pagamento  de  soldados* 

A  mais  longa  de  suas  excursões  foi  a  Caxias,  a  antiga  prin» 
oeza  de  Itapicurú,  duas  vezes  violada,  que  o  recebeu  como  um 
salvador. 

Graças  á  mobilidade  das  forças  avulsas,  ã  habilidade  com 
que  harmonisou  seus  movimentos,  ã  providencia  com  que  im'« 
pediu  a  paisagem  dos  Balaios  porá  o  Para  e  Goyaz,  foi  por  toda 
a  parte  victorioso  e  em  pouco  tempo  foram  apparecendo  os  li** 
neamentos  da  nova  ordem.  A  deserção,  o  desanimo  se  estabe*- 
leceu  entre  00 combatentes  do  desespero ;  a  amnistia  facilitoúD 
desfecho.  A  29  de  janeiro  de  41,  Luiz  Alves  proclamou  a  pro- 
víncia pacificada. 

No  meio  destas  labutações  não  se  esqueceu  que  além  de 
chefe  militar  era  também  chefe  civil.  Reuniu  a  Assembléa  e 
com  ella  coUaborou,  começou  edificios,  mandou  explorar  rios. 
4323  —  6  Tomo  lxix.  p.  ii. 


82  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

A  13  de  maio  entregou  o  poder  ao  sea  succes^or,  oom  um: 
relatório  em  que  so  lô: 

«  Posto  seja  a  guerra  uma  calamidade  publica,  e  ainda  mais 
a;  guerra  civil,  também  é  âs  vezes  um  meio  de  civilisac&o  para 
o  ftituro,  e  a  par  de  seus  males  preisentes  alguns  germens  de 
beneficio  deixa.  Pela  rapidez  dos  movimentos  e  continuas 
marchas  communicam-se  os  homens,  eslreitam-se  as  relações  e 
08  animes  inertes  se  vigoram.  Algumas  pontes  se  levantaram 
no  theatro  das  operações  militares  ;  citarei  por  exemplo  a  de 
Paulica,  de  mais  de  cem  pés  de  comprimento,  feita  toda  pelos 
soldados  da  2^  columna,  sem  nada  despender  a  fazenda  publica* 
As  villas  se  entrincheiraram  e  a  faxina  limpou  as  mattas  de  ve- 
getação ociosa  que  as  invadia  e  sobre  ella  accumulava  os  va- 
pores contrários  á  saúde;  activaram-se  os  correios,  augmentou- 
se  a  necessidade  de  correspondência,  e  esta  repartição  rende 
hoje  mais  que  em  outros  tempos.» 

Diz  ainda  melancolicamente:  c  Não  me  ufano  de  haver  mu- 
dado os  corações  e  sufEòcado  antigos  ódios  de  partido,  ou  antes 
de  famílias,  que  por  algum  tempo  so  acalmam  e  como  a  peste 
se  desenvolvem  por  motivos  que  não  prevemos  ou  que  não 
nos  6  dado  dissipar.» 

Entretanto,  occorreu  nesta  capital  um  sucoesso  das  mais 
graves  consequências.  O  rdgento,  eleito  por  um  quatriennio, 
devia  governar  até  42 ;  o  herdeiro  da  corda,  pela  Gonstitui^o, 
3ó  podia  subir  ao  throno  aos  dezoito  annos,  Isto  é,  em  43.  Isto 
pareceu  muito  tempo  ao  partido  inimigo  do  regente  e  come- 
çou a  agitar  a  idéa  de  reconhecer-se  a  maioridade  do  imperador 
antes  do  prazo  legal.  Neste  sentido  foi  apresentado  um  projecto 
ao  parlamento,  que  o  rejeitou  ;  mas  os  maioristas  souberam 
captar  o  assentimento  do  joven  monarcha,  e  adiadas  as  Cama- 
rás, quando  o  lanoe  parecia  irremediavelmente  perdido,  decho- 
flre,  como  por  magica,  tudo  sahiu  á  medida  dos  desejos  dos  con- 
spiradores.  A  23  de  julho  de  40,  D.  Pedro  II  começou  areinar, 

O  ministério  organizado,  como  é  natural,  de  maioristas,  entre 
os  quaes  avultavam  os  dous  irmãos  Aniradas,  figuras  lendárias 
da  independência  e  do  primeiro  império,  tinha  a  esperança  e 
julgava-se  capaz  de  serenar  os  animes,  sempre  agitados  no  Rio 
Grande  do  Sul. 


o  DUQUE   DE   CAXIAS  83 

Enganara-se  o  ministro  da  guerra  em  39,  S3  pensou  com 
sua  apparição  fugaz  tor  modificado  vantajosamente  a  situa- 
ção. 

Km  julho,  oom  a  tomada  de  Laguna,  a  republica  rio-gran- 
dense  conquistava  afinal  um  porto  de  mar,  que  ató  então  não 
conseguira,  graças á  esquadra  legal;  proclamada  a  republica  ca- 
tharinense,  encontrava  outro  sócio  de  aventuras ;  uma  marinha 
apparelhada  ás  pressas  por  José  Garibaldi,  desfraldou  seu  pavi- 
lhão no  oceano.  No  interior,  Porto  Alegre  continuava  cercada. 
Em  diversos  recontros,  como  em  Forquilha  e  Taquary,  os 
legalistas  levaram  a  melhor ;  nem  por  isso  a  posição  do  gover- 
nixo  se  tornara  precária,  o  o  facto  de  tanto  tempo  haver  resiS' 
tido  ao  império,  dava-lhe  força,  e  uma  confiança  extraordinária 
no  futuro.  Só  em  Santa  Catharina  a  legalidade  restabeleceu- sq 
facilmente  de  uma  só  vez,  a  republica  extinguiu-ae  mais  de- 
pressa ainda  do  que  nascera. 

O  ministério  maiorista  mandou  ao  Rio  Grande  do  Sul  um 
emissário,  o  benemérito  paulista  Francisco  Alvares  Machado, 
incumbido  de  encarecer  a  maioridade,  os  novos  homens  que  se 
achavam  á  frente  da  governança  e  pregara  boa  nova  da  con- 
ciliação  e  da  paz.  Pondo-se  em  correspondência  e  depois  em 
contacto  directo  com  os  inimigos  do  império,  Alvares  Machado 
convenoeu-se  de  qne  passara  a  óra  da  intransigência,  e  voltou 
com  um  ramo  de  oliveira.  Para  levar  a  termo  sua  missão  pa- 
cificadora, foi  nomeado  presidente  da  província,  ao  mesmo 
tempo  que  o  general  João  Paulo  dos  Santos  Barreto  seguia  para 
commandar  em  chefe  o  exercito  logal. 

Tomaram  ambos  posse  em  novembro  de  40.  Logo  as  felici- 
dades começaram  a  sumir-se,  os  equivocas  se  desfizeram,  as 
promessas  ficaram  burladas. 

Bento  Gonçalves  desejou  sinceramente  voltar  &  communhão, 
mas,  como  tantas  vezes  so  observa,  o  chefe  só  era  obede- 
cido porque  obedecia  &s  vontades  dos  que  se  diziam  seus  sub- 
ordinados. Por  detrás  do  velho  militar  agitava-se  um  ele- 
mento novo  e  insoffddo,  que  queria  a  republica  ainda  antes 
de  Fanfa,  e  este  elemonto  triumphou.  Já  a  7  de  dezembro 
Alvai*es  Machado  declarava  rotas  as  negociações  e  prepara va-se 
para  luctar.  João  Paulo  pisou  o  território  occupado  pelos  re* 


84  REVISTA   DO  INSTITUTO   HISTÓRICO 

baldes,   mostrando  quo  podia  fazel-o  sem  ser  anniquilado  im- 
mediatamente  como  òUos   blasonavam. 

A  esta  primeira  decepção  do  ministério  maiorista,  jan- 
tou-se  logo  outra  ainda  mais  mortificante,  a  de  ser  desp3- 
dido  depois  de  apenas  oito  mez js  do  exercido  o  ver  chamado 
ao  poder  o  partido  contra  o  qiial  montara  o  golpe  de  Es- 
tado. Foi  este  o  verdadeiro  motivo  das  sedições  quenoanno 
seguinte  rébentiram  em  S.  Paulo  e  Minas  Oeraes  e  foram 
encommendadas  para  Pernambuco  e  Ceará. 

De  esmàgal-a  €m  S.  Paulo  foi  imcumbido  o  barSo  de 
Caxias  que,  desembarcando  em  Santas,  transpoz  a  serra  de 
Onbat&o,  dirigiu-se  a  Sorocaba  e  alii  de  um  só  golpe  re- 
stabeleceu a  ordem.  Mais  devagar  andou  em  Minas  Oeraes, 
onde  o  incêndio  tivera  tempo  para  se  propagar ;  mas  ahi 
a  batalha  de  Santa  Luzia  mostrou  breve  que  passara  o  tempo 
das  revoluções  fáceis  o  quo,  se  a  regência  fora  a  tempes- 
tade, o  império  podia  e  queria  sor  a  bonança. 

Estas  duas  campanhas  tão  rapidamonte  ganhas  legiti- 
maram a  promoção  do  barão  do  Caxias  a  marechal  de  campo, 
e  indicaram  seu  nomo  como  o  do  homem  capaz  de  chamar 
novamente  os  rio-grandonscs  ao  seio  da  pátria  grando  pela 
qual  tantas  vezes  derramaram  seu  sangue  desde  a  ópoca  co- 
lonial. 

A  situação  era  em  summa  a  mesma  que  deixara  Alvares 
Machado.  As  tropas  mandadas  pelo  interior  sob  o  commando 
do  eneaiporado  Labatut,  general  de  Napoleão,  não  deram  o 
quo  se  esperava.  Os  combatos  tanto  tinham  do  numerosos 
como  de  pouco  decisivos.  S3  a  gente  da  legalidade  não  des- 
animava, 06  defensores  do  governicho  não  so  sentiam  exhaustos  ; 
aquelles  não  podiam  ser  desapossados  do  litoral,  estes  conti- 
nuavam a  dominar  na  campanha. 

Caxias  tomou  posse  da  presidência  e  do  commando  do  exer- 
cito a  9  de  novembro  do  42.  A  11  do  janeiro  do  anno  se- 
guinto,  atravessa  o  rio  S.  Gonçalo  sob  os  olhos  de  Netto,  que 
não  o  poude  impedir.  Bonto  Manoel,  o  vencedor  de  Fanfa, 
volta  ao  serviço  e  em  Ponche  Verde  mostra  que  a  victoria 
continuava  £(Ua  fiel  companheira.  A  discórdia  se  introduz  entre 
ot  fundadores  da  republica.    A  fh>nteira  occupada  tira  ao 


o  DUQUE  DE   CAXIAS  85 

ioimigo  os  recuraos  dequo  so  alimentava;  encerrado  dentro, 
do  próprio  território  é  por  ílm  obrigado  a  bator-so.  O  com« 
bate  de  Porongo,  em  novembro  de  44,  produz  o  desejado 
effeito  sedativo.  Começam  a  sorio  as  negociações.  Al  de  março 
de  45,  Caxias  proclamava  pacidcada  a  província  do  Rio  Orande 
do  Sul. 

Abrindo  a  assembléa  provincial,  assim  apreciava  o  que 
tinha  feito: 

4  Em  9  de  novembro  de  1842  tomei  posse  da  presidência 
desta  provinda  e  do  commando  em  chefe  do  exercito  eqd  oi>e- 
rações,  para  que  tinha  sido  nomeado  por  carta  imperial  de 
28  de  setembro  daquelie  anuo.  A  revolução  que  nesta  pro- 
víncia fizera  sua  explosão  em  SO  de  setembro  de  1825,  por 
motivos  que  a  historia  um  dia  relatará,  adquirira  na  suajá 
t&o  longa  duração  novos  incrementos,  redobrava  suas  espe- 
otativas  e  refazia  suas  forças,  sem  que  nada  annanciasse  o  fim 
de  sua  torrente,  apezar  do  muito  que  para  isso  se  fazia. 

«Assim   achei  a   província  como  bem  o  sabeis. 

«No  campo  era  o  pleito,  e  o  exercito  imperial  me  cba* 
mava  á  sua  frente  para  abrirmos  a  campanha. 

«  Depois  de  dar  todas  as  providencias  para  que  minha  au- 
sência da  capital  da  provincía  não  transtornasse  a  marcha 
dos  públicos  negócios,  sahi  no  dia  25  de  janeiro  de  1843  para 
o  exercito,  e  de^e  logo  encetei  as  operações,  não  como  o 
único  meio  de  chamar  os  dissidentes  ã  ordem,  mas  como  um 
meio  auxiliar  da  politica  de  conciliação  que  empregava  e 
que  sempre  empreguei  em  iguaes  casos  para  poupar  sangue 
de  irmãos;  porquanto  repetidos  exemplos  nos  têm  mostrado 
que  nascendo  a  divergência  e  a  desordem  das  idéas  e  das 
padxões  do  tempo,  o  tempo  as  gasta,  e  a  palavra  e  a  per- 
suasão que  as  propagam  também  por  sua  vez  as  destroem, 
e  por  fim  reunem-se  os  homens  em  uma  mesma  crença,  ab- 
jurando sons  passados  preconceitos,  filhos  do  tompo  e  da  íklta 
de  experiência,  e  muito  mais  ainda  quando  os  ligam  os  santos 
laços  da  con fraternidade. 

«Com  este  pensamento  fiz  a  guerra,  que  durou  ainda  dous 
annos  da  minha  presidência ;  o  com  este  pensamento  desen* 
volvido  e  posto  em  acção  sem  jamais  ser    desmentido,  está 


86  REVISTA   DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

em  paz  esta  parte  do  império  ;  e  em  tão  boa  e  conaolidada 
paz,  qae  após  nove  aimos  e  meio  de  uma  gaerra  qae  apenas 
terminou  em  28  da  fevereiro  de  1845,  francamente  se  pôde 
atravessar  toda  esta  vasta  campanha,  sem  se  encontrar  um 
só  homem  armado  que  ainda  dispute  sobro  exaggeradas  idéas, 
que  já  o  tempo  consumiu. 

€  Todas  as  autoridades  civis  estão  restabelecidas  no  exer- 
cício de  suas  fancçdos  constitucionaes ;  a  paz  reanima  todos 
os  ramos  da  publica  felicidade ;  e  o  espirito  novo,  nascido 
do  seio  da  desordem,  enriquecido  oom  a  dolorosa  experiência 
do  passado,  apregoa  as  vantagens  da  monarchia  constitu- 
cional representativa. 

«Esta  tão  extraordinária  metamorphose  é  devida  cm 
parte  ao  caracter  fhinco  e  leal  da  maioria  do  povo  rio-gran- 
dense,  caracter  qno  sampre  conservaram  os  legalistas  e  os  dis- 
sidentes. No  campo  os  conheci ;  gente  brava,  digna  de  íàzer 
parte  da  união  brasileira  !  Alóm  de  que  são  todos  os  bra- 
sileiros humanos,  sinceros,  enthusiastas  e  aferrados  ao  seu  paiz, 
ílBbods  em  perdoar,  em  esquecer  e  em  conformar-se  com  as 
occurrencias  do  tempo.» 

Os  serviços  íbitos  na  pacificação  do  Rio  Grande  tiveram 
como  galardão  ser  elevado  a  conde  de  Caxias  o  promovido  a 
marechal  de  campo  effectivo.  A  província  elegeu-o  na  lista 
tríplice  para  senador,  e  desde  46  ató  a  morte  representon-a 
no  Senado. 


Em  junho  de  51  o  conde  de  Caxias  foi  nomeado  novamente 
presidente  e  commandante  do  exercito  do  Rio  Grande  do  Sol. 
Não  se  tratava  agora  de  lucta  civil,  mas  de  garantir  a  indepen- 
dência do  Urngaay,  ameaçada  por  Manoel  Oribe,  instrumento 
de  Rosas,  o  dictador  e  tyranno  argentino.  Tomando  posse  de 
seus  cargos  em  Porto  Alegre  a  30  do  mesmo  mez,  começou  os 
preparativos  pnra  invadir  a  fh)ntoira«  Ponde  transpol-a  a  4 
de  setembro.  No  quartel  general  de  Gunbapem  assim  deAniu  a 
seus  soldados  a  missão  que  iam  cumprir : 

«  Não  tendes  no  Estado  Oriental  outros  inimigos  senão  os 
soldados  do  general  D.  Manoel  Oribe,  e  esses  mesmos  em* 
quanto   illudidos  empunharem  armas  contra  os  interesses  de 


o  DUQUE   DB  CAXIAS  87 

É  aaa  pátria  ;   desarmados  ou   yencido6,  sao  americaaos»  são 

■  nossos  irmãos  e  como  taes  os  deveis  tratar.  A  verdadeira  bra- 

Iji  Yura  do  soldado  é  nobre,  generosa  e  respeitadora  dos  principies 

B  de  liumanidade.   A  propriedade  de  quem  quer  que  soja;    na- 

^  cíonal,  estrangeiro,  amigo  ou  inimigo,  ó  Inviolável  o  sagrada; 

e  devo  ser  tao  religiosamente  respeitada  pelo  soldado  do  ezer- 
iu  cito  imperial  como  a  sua  própria  honra.  O  que  por   desgraça 

li  a  violar,  será  considerado  indigno  de  pertencer  ás  Aleiras  do 

^  exercito,  assassino  da  honra  e  reputarão  nacional  e  como  tal  se- 

^  vera  e  inexoravelmente  punido.  > 

Continuou  a  marcha  para  Montevideo;  lâuo  foi,  porém,  pre- 
ciso que  entrasse  em  acção,  porque  as  forças  de  Oribe  foram  se 
rendendo  a  Justo  Urqniza,  governador  de  Entre  Rios,  creatura 
do  Rosas,  agora  revoltada  contra  o  creador. 

A  esta  rápida  companha  na  banda  oriental  do  Prata,  se- 
guiu-so  a  guerra  contra  Rosas,  que,  desde  anno? ,  cobria  de 
sangue  e  ruinas  as  terras  argentinas,  de  que  se  constituirá 
tyranno,  defendendo-as  contra  os  cimmundos  e  asquerosos 
unitários».  Justo Urquiza,  declarado  douco,  traidor  o  selvagrai 
unitário  >,  em  lei  promulgada  pela  cHonrada  Sala  de  Represen- 
tantes »,  conhecia  bem  a  fragilidade  do  colosso,  nas  apparencias 
inabalável,  e  mais  prestigioso  e  íorte  ainda  depois  de  ter  bar* 
lado  a  intervenção  armada  de  França  e  de  Inglaterra. 

Baiston  a  passagem  de  Toneleros,  realisada  por  nossa,  es- 
quadra, e  a  batalha  de  Monte-Caseros  (3de  fevereiro  de  52), 
onde  combateu  uma  divisão  brasileira  mandada  por  Marques  de 
Souza,  íhturo  conde  de  Porto  Alegre,  para  apeal-o.  Rosas  fugiu 
para  bordo  do  vapor  inglez  Centaur,  acolheu-se  ã  hospitaleira 
loglaterra  e  ahi,  annos  mais  tarde,  terminou  plaoidamente  sua 
negregada  existência.  Hoje  procuram  rehabilital-o. 

Tão  rápidas  andaram  as  duas  campanhas  libertadoras  que 
já  a  4  de  junho  de  52  o  conde  de  Caxias  entregava  em  Jaguarão 
o  commando  interino  do  exercito  ao  barão  de  Porto  Alegre. 
Neste  mesmo  anno  foi  elevado  a  marquez  de  Caxias  e  a  tenente 
general. 

A  nova  situação  resultante  da  derrota  de  Oribe  e  Rosas 
liquidou-se  sem  difficuldades  particulares  na  Confederação  Ar- 
gentina ;  o  mesmo  se  não  deu  no  Uruguay,  terreno  apropriado  & 


88  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

caudilhagom  e  guerrilhas'  por  sua  situação  entre  dous  paize^, 
donde  lha  Têm  incitamentos  incessantes  para^  novas  perturba^ 
(0OS.  para  onde  se  recolhem  os  guerrilheiros  quando  se  vêm 
mal  amparados  em  sua  desditosa  pátria. 

O  oombate  de  Quinteros  (28  de  jan^ro  de  58)  assegurou  por 
algum  tempo  o  predomínio  dos  Blanoos,  pois  todos  os  chefeà 
colorados  feitos  prisioneiros  foram  summariameote  degollados ; 
mas  o  general  Flores,  que  emigrara  para  a  Argentina  e  lá 
parecia  esquecido  de  suas  antigas  ambiç5es,  renovou  a  façanha 
dos  Trinta  e  três,  desembarcando  com  poucos  paittldarios  no 
Rincon  de  Ics  Galllnas  a  14  de  abril  4e  d3« 

A-  revolu^o  rebentou  violenta.  OLgoverno  oriental  denan- 
oiou.ao.do  Brasil  a  parte  ostensiva  tomada  por  brasileiros  na 
empreza  do  Flores.  Novas  queixas,  recriminações  de  parte  a 
parte^  o  avivamento  de  antigias  íbridas  levaram  a  umasituaçSo 
tensa  que  terminou  pelo  ulHmatum  Saraiva,  a  alliança  do 
Brazil  com  Piores,  o  bombardeamento  de  Paysandú,  a  queima 
acintosa  em  Montevidóo  de  todos  os  tratados  o  convenções  assi* 
gnados  entre  o  Brazil  e  a  Banda  Oriental,  a  victoria  de  Flores 
e  a  entrega  de  Montevideo. 

Foi  o  prolo;>o.  do  drama  sanguinolento  que.  ia  começar; 
Francisco  Solano  Lopez,  dictador  do  Paraguay,  interveiu.a 
favor  da  Republica  Orienti^U  e  vendo  desprosada  sua  interveun 
ção,  apossou-se  do  vapor  Marquex  de  Olinda  que  ia  para  Guyabá., 
invadiu  o  sul  de  Matto  Grosso,  penetrou  pelo  território  ar^ 
gontino  de  Entre  Rios  e  Corrientes  e  atravessando  o  Uruguay 
apossou-se  da  parte  do  Rio  Qrande  do  SuL 

Foi  declarada  a  guerra,  em  que  o  Brazil,  a  Argentiúa  o  o 
Uruguay .  entraram  alliados.  A  batalha  naval  do  Riachuelo,  o 
combate  de  Yatahy  e  a  tomada  do  Uruguayana  prenunciaram 
campanha  rápida,  cheia  do  encontros  decisivos.  Puro  engano: 
o  tratado  da  tríplice  alliança  ó  de  1  de  maio  de  65,  a  morte 
de  Lopez  o  o  ftm  da  guerra  só  occorreram  em  março  de  70* 

Desde  o  começo  foi  lembrado  o  nome  do  marquez  de  Caxias 
para  o  commaado  em  chefe  das  forças  braziieiras.  Gonside^* 
rações  politicas  da  parte  d<)s  governantes,  melindres  pessoaes 
da  parte  do  velho  general  arredaram  esta  solução.  Foi  preci- 
so o  desastre  de  Curupaity  para  impol-a. 


o  DUQUE    DE  CAXIAS  89 

O  marquez  se  apresentou  em  Tuyuti  em  novembro  de  1866, 
e  desde  lo^o  foi  fazendo  o  que  lhe  permitiiam  sua  situação  de 
subordinado  ao  commaodo  em  chefe  do  general  Mitre  (fruoto 
do  tratado  da  tríplice  alliança),  o  cholera  que  devastara  o  exer- 
cito, a  natureza  traiçoeira  do  terreno  inhospito,  o  mais  flel  e 
seguro  alliado  do  dictador  sanhudo.  Quando  o  general  Mitre 
chamado  à  pátria  pela  morte  do  vice-presidente,  deixou^o 
commandante  geral  do  exercito  alliado,  poude  cootinuar  a  obra 
com  maior  vigor.  De  sju  commando  doa  Permanentes  na  mo«- 
cidade  ílcara-lhe  a  convicção  quo  maia  vale  organanizar  victo* 
rias  do  que  ganhal-as,  e  é  preferível  ser  Carnot  a  ser  Bona- 
pirte.  Mas  sabia  também  ganhal-as:  Itororó,  Lomas  Yalentinas 
bastariam  para  proval-o,  se  restasse  alguma  duvida  possí- 
vel, 

A  S4  de  dezembro  de  68  os  commandaotes  do  exercito  alli- 
ado escreviam  a  Lopez:  €  O  sangue  derramado  na  ponte  de 
Itororó  e  no  arroio  Avahy  devia  ter  persuadido  V.  Bx.  a  potqpar 
as  vidas  dos  seus  soldados  no  dia  21  do  corrente,  nSo  os  for^ 
çando  a  uma  resistência  inútil.  Sobre  a  cabeça  de  V.  Bx.  deve 
cahir  todo  esse  sangue,  assim  como  o  que  tiver  de  correr  ainda, 
se  y.  Ex.  julgar  que  o  seu  capricho  deve  ser  superior  á  salvação 
do  que  resta  do  povo  da  Republica  do  Paraguay.  Se  a  obsti- 
na^  cega  e  inexplicável  for  considerada  por  V.  Ex.  prefe- 
rível a  mllharee  de  vidas  que  ainda  se  podem  poupar,  os 
abaixo  assignados  responsablllsam  a  pessoa  de  V.  £x.  perante 
a  Republica  do  Paraguay  e  o  mundo  civilisado  pelo  sangue 
que  vai  correr  a  jorro  e  pelas  desgraças  que  vão  augmentar  as 
que  já  pesam  sobre  este  palz.  > 

E  o  dictador  respondia-lhes :  <  VV.BBz.  julgam  dever  re- 
oordar-me  que  o  sangue  derramado  em  Itororó  e  Avahy  deveria 
ter»me  determinado  a  evitar  o  que  correu  no  dia  21  do  cor- 
rente. VV.  EBx.  esqueceram  sem  duvida  que  estes  mesmos 
actos  podiam  de  antomão  provar  quão  certo  é  o  que  acabo 
de  ponderar  sobre  a  abnegação  de  meus  compatriotas,  e  que 
cada  gotta  de  sangue  que  cae  em  terra  é  uma  nova  obrigação 
cootrahida  pelos  que  vivem  ...  VV.  ÊEx.  não  tém  o  direito 
de  accusar-me  perante  a  republica  do  Paraguay,  porque  de- 
fendi*a,   defendc-a  e   continuarei  a  defendel-a.   Ella  me  impõe 


9Ò  REVISTA   DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

este  dever  e  eu  me  orgulho  de  leval-o  até  á  ultima  extremidade, 
e  do  mais,  legando  á  historia  meus  actos,  só  a  meu  Deus 
devo  coutas.» 

Depois  desta  tentativa  frustrada,  rondida  Augustnra, 
occupada  a  capital  do  Paraguay,  o  marques  de  Caxias  deu 
sua  missSo  por  terminada.  Continuar  a  guerra  era  oolla- 
borar  com  Lopez  para  o  anniquilamento  da  nação.  Prendel-o 
era  tarefo  somenos,  de  capitão  do  matto,  para  quem  tinha  atrás 
de  si  o  seu  passado  altivo.  A  rato  velho  gato  novo,  dtz  a 
sabedoria  popular  e  que  seria  difiicil  achar  um,  e  de  facto 
se  achoa. 

A  14  do  janeiro  de  69  Caxias  mandou  seguir  uma  expedido 
para  Matto  Grosso,  a  19  tomou  o  vapor ;  a  24  chegou  a  Monte* 
vidéo.  No  dia  9  de  fevereiro  escreveu  a  ordem  do  dia  de  des- 
pedida, a  15  chegou  a  esta  capital.  Foi  nomeado  duque  de 
Caxias  pelos  relevantes  serviços  prestados  na  guerra  do  Para- 
guay. Jd  era  marechal  do  exercito  eiffectivo. 


Eleito  e  escolhido  senador  pelo  Rio  Grande  do  Sul,  Caxias 
alistouse  no  partido  de  Vasooncellos,  Paraná  e  Eusébio.  Con- 
vidado para  entrar  em  mais  de  um  gabinete,  recusou  sempre, 
até  Paraná  consegair  fazel-o  ministra  da  guerra  a  6  de  Junho 
de  55. 

Foi  um  decennio  memorável  o  de  50.  O  imperador  contava 
vinte  e  cinco  annos  e  a  nação  sontia-se  igualmente  moça.  Ter. 
minara  o  período  revolucionário,  guerras  estrangeiras  felizos 
varreram  a  atmosphera,  a  extinção  do  trafico  tolhia  novos 
insultos  da  soberania  nacional,  encurtava  a  distancia  do  velho 
mundo  com  a  navegação  a  vapor  do  Atlântico.  Mauã  canali- 
sava  mllhOes  esterlinos,  silvavam  as  primeiras  locomotivas,  as 
lettras  rasgavam  os  clássicos  andrajos  coloniacs,  fallava-se  em 
opera  nacional,  em  theatro  nacional,  João  Caetano  figurava 
de  novo  Moysés,  três  poemas  épicos  andavam  om  elaboração, 
havia  quem  escrevesse  tragedias,  na  commissão  scientlfica  do 
Norte  não  se  admittiu  um  só  estrangeiro,  porque  brailleiros 


o  DUQUE  DE   CAXIAS  91 

bastavam  e  haviam  de  fazer  melhor  obra  qae  os  pobres  Mar- 
tías  e  Saint-Hilalre,  o  Instituto  Histórico  fitava  sem  acanha- 
mento o  Instituto  de  França,  afinal  delia-se  a  macula  original 
da  nossa  gente,  a  capagada  e  vil  tristeza»,  de  que  já  se  quei- 
xava o  épico  lusitano  e  Paraná,  o  político  realista  e  pratico, 
se  empenhava  em  conciliar  os  partidos  políticos. 

Paraná  pensava  em  conciliação  de  partidos  o  parecia  dese- 
jal-a  realmente.  Caxias  ajudou-o  por  sua  parte,  fazendo  na  pasta 
da  guerra  todo  o  bem  que  poudea  seus  camaradas,  reformando 
as  partes  carunchosas  do  exercito,  procurando  tornal-o  real- 
mente cfflcaz.  Depois  da  morte  do  poderoso  marquez,  assumiu 
a  presidência  do  conselho  e  presidiu  ás  novas  eleições,  em  que 
pela  primeira  voz  foi  executada  a  lei  dos  circules,  essa  lei  de 
que  esperava  maravilhas  a  ingenuidade  nunca  escarmentada  de 
nossos  estadistas  de  boa  fé. 

Pela  segunda  vez  organisou  gabinete  com  Paranhos  em 
março  de  61  e  esteve  á  frente  dos  negocies  ató  abrirem-se  as 
Gamaras,  em  maio  do  anno  seguinte.  Na  realidade  era  tão  pouco 
politico  que,  ao  começar  a  guerra,  interrogado  por  um  ministro 
liberal  se  queria  partir  para  o  Rio  Grande  do  Sul,  declarou  estar 
prompto  a  seguir  sem  demora,  se  fosse  nomeado  ao  mesmo 
tempo  presidente  da  provinda,  porque  só  com  este  titulo  teria 
competência  para  mover  a  guarda  nacional,  sem  a  qual  nada 
poderia. 

Encarregado  do  commando  do  exercito,  esqueoeu-se*  inteira- 
mente da  politica,  mas  seu  exemplo  não  foi  seguido,  nem  por 
amigos,  nem  por  inimigos.  Principalmente  a  partir  de  68« 
quando  com  aquôda  inesperada  do  partido  liberal  rebentou  uma 
intemperança  de  linguagem,  um  fogo  de  paixão  que  se  propagou 
até  á  Sibéria  senatorial,  não  lhe  pouparam  golpes ;  contrista  ler 
o  discurso  em  que  se  defende  das  misérias  que  lhe  assacaram. 

Antes  annos  de  dura  guerra  do  que  mezes  de  gabinete,— 
dizia  amargamente,  resumindo  experiências  dolorosas.  Nem 
mesmo  a  vaidade  poderia  leval-o  a  voltar  de  novo  a  governar, 
pois  a  nada  mais  podia  aspirar  depois  da  morte  da  duqueza, 
D.  Anua  Luiza  Carneiro  Vianna.  «  Perdi  o  maior  bem  que 
neste  mundo  gozava,  a  minha  virtuosa  companheira  de  41 
annos,  no  dia  23  de  março  de  1874.» 


92  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Eairetanto,  em  1875,  depois  da  quôda  do  gabinete  que  com 
o  voto  de  Caxias  iibertoa  o  ventre  escravo,  teve  de  organisar 
ministério  por  instancia  do  Imperador,  anoioso  para  ver  e  ser 
Yisto  nos  Estados-Unidos,  e  que  dizia  não  fazel-o  oom  sega- 
rança  se  não  doixasse  o  Bstado  nas  mãos  firmes  do  pacifloador 
de  quatro  províncias,  do  lidador  da  libertação  de  três  nações  vi« 
zinhas.  Emquanto  o  Imperador  andou  por  fora,  montava  guarda 
ao  Throno.  A*  sua  ohegada,  pediu  para  ser  rendido,  pois  suas 
enfermidades  não  lhe  permittiam  mais  taes  serviços. 

O  modo  por  que  o  soberano  exigiu  a  retirada  «do  resto  do 
ministério»  foi  a  a£Qronta  final.  Desde  então  não  fez  mais  que 
vegetar.  Mas  na  agonia  lenta,  que  terminou  na  (kzenda  de 
Santa  Mónica  a  7  de  maio  de  1880,  elle  que  assegurara  ou  ver* 
berara  ser  mais  militar  que  poliiloo,  quii  provar  que  ao  menos 
uma  vez  podia  ser  mais  politico  do  que  militar  :  rejeitou  todas 
as  honras  e  pompas  ofllciaes,  quiz  ser  enterrado  como  obscuro 
paisano. 

Agosto  1003. 


JTJIjI  o  S     Js/rEÍZTL,X 


NUMISMÁTICA  BRAZILEIRA 


DR.  ALFREDO  DE  CARVALHO 

Soeio  correspondente   do  Instituto  Histórico  e  Qeograpbico 
Brazileiro 


96  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

mento  demonstrada  a  utilidade  do  oommettimento  do  Sr.  Meili, 
em  face  da  pobreza  quasi  absoluta  da  nossa  litteratura  numis- 
mática. De  faoto,  não  rcalizala  a  promessa  feita,  em  1880, 
por  Teixeira  do  Aragão,  do  consagrar  um  quarto  volume 
da  sua  excollente  Descripção  Geral  e  Histórica  das  Moedas  de 
Portugal,  ao  numario  brazileiro,  apenas  possuíamos  ca  lacunosos 
«apootamcntos  e  catalogo»  que,  sob  o  tilulo  de  Moeda  do 
Brasil,  João  Xavier  da  Motta  deu  á  luz  nove  annos  depois.  Quem 
procurava  esclarecimentos  mais  minuciosos  tinha  que  respigar 
trabalhosamente  informações  esparsas  por  grande  numero  de 
obras  e  catálogos,  na  apparencia  alheios  ao  assumpto,  cnjdk 
bibliographia  methodica  occupa  as  primeiras  paginas  do  vo- 
lume  citado. 

Vem  após  uma  relação  das  principaes  Leis,  Alvarós,  Cartas 
Regias,  Decretos,  Provisoas,  Portarias  e  Avisos,  de  1604  a  1823, 
referentes  ao  meio  circulante  no  Brazil-Golonia  na  qual  está 
condensada  toda  a  legislação  sobre  a  matéria. 

A*  parte  deseriptiva,  profusamente  entremeiada  de  notas 
históricas,  serve  de  introdução  um  golpe  de  vista  retrospe- 
ctivo sobre  o  numerário  portuguez  tendo  curso  no  Brazil  de 
1500  a  1688«  A  leitura  deste  capitulo  ó  sammamonte  instru* 
ctiva:  nelle  se  nos  mostra  como,  em  um  período  de  quasi  dois 
séculos  as  suocessivas  e  frequentes  reduoç5es  de  padrão  foram 
enfraquecendo  a  moeda  e  elevando  o  valor  do  metal. 

Passando  a  tratar  do  numario  propríamente  brazilotro,  o 
autor  nos  ministra  dados  novos  e  curiosos  sobra  o  primeiro 
dinheiro  metaliico  fabricado  no  Brazil :  as  famosas  moedas  obsi* 
dionaes  cunhadas  no  Recife,  pelos  Hollandezes,  em  1645-46 
o  1654. 

Em  íins  do  mesmo  século  XVII,  a  exportaçSo  do  dinheiro 
de  contado  para  a  metrópole,  por  motivos  perfeitamente  expli- 
cados no  sucoulento  capitulo  —  Rasão  dos  estabelecimentos  de 
casas  de  Moeda  no  Brasil,  attingiu  proporções  taes  que  a  colónia 
ficou  quasi  inteiramente  privada  de  numerário. 

Deliberou  então  El-Rey  D.  Pedro  H  autorizar  por  Carta 
Regia  de  8  de  março  de  1694,  a  cunhagem  de  cMoedas-Provin* 
ciaes>,  que  deviam  circular  somente  no  Brazil^  não  podendo 


Moeda  obsidional  de  1640 


Ensaio  monetário  da  primeira  moeda  brazileira 


Poça    de  quatro  mil  réis  de  D.  Pedro  íí, 
cunhada  em  Pernambuoo 


Escudo  de  ouro  de  D.  João  V 


Moeda  mineira 


A  NOMISMATICA  NO  BRA2IL  97 

ser  exportadas.  Afim  deooDflervar  naoolonia  o  novo  dinheiro, 
foi  aqui  prohibido,  por  Alvará  de  10  de  Dezembro  de  1695,  o 
ourso  das  moedas  do  reino  e  aos  ourives  qae  trabalhassem,  ou 
fundissem  metaes  preciosos  amoedados. 

Os  valores  estabelecidos  para  o  novo  numerário  foram  de 
nove  espécies :  três  de  ouro  (4$000,  2$000.  e  1$000)  e  seis  de 
prata  (640,  320,  170,  80,  40,  e  20  réis). 

As  primeiras  disbinguiam-so  das  do  reino  pola  inscripçao 
—  Et  Brastlce  DomintM;—  para  as  de  prata  foi  adoptada  a  dl- 
yvÊ^  —  Subq,  Sign.  Nata  <Sfto6.  ^-ciga  significação  tem  sido  di- 
versamente interpretada. 

A  Casa  da  Moeda,  primeiramente  estabelecida  na  Bahia, 
alli  funcoionoa  por  espaço  de  quatro  annos ;  transferidos  entfto 
para  o  Rio  de  Janeiro  o  sen  pessoal  o  material,  trabalhou  nesta 
cidade  de  17  de  março  de  1600  a  13  de  outubro  de  1700  e  mu- 
dada finalmente  para  Pernambuco,  laborou  no  Recife  até  5  de 
abril  de  1702. 

No  decurso  do  século  XVIII  a  produoçao  fabulosa  das  Jaildas 
auriferas  de  Minas  Geraes,  S.  Paulo,  Goyaz  e  Cayabá  levou  & 
metrópole  um  caudal  de  riqueza  inestimável. 

Afim  de  amoedar  o  ouro  proveniente  do  imposto  de  20% 
{quinto)^  e  que  sob  esta  forma  era  de  preferencia  exportado 
para  o  reino,  institoiram-se  casas  de  moeda  em  diiferentes 
pontos  das  regiões  mineiras,  assim  como  no  Rio  de  Janeiro 
e  na  Bahia.  As  espécies  e  variedades  de  moedas  nellas  fabri- 
cadas, até  a  Independência,  sfio  tão  numerosas  que  se  nos  torna 
impossível   mencional-as. 

ToOas,  porém,  mereceram  circumstanciada  descrlpçao  no 
trabalho  do  Sr.  Meili  e  acham-se  representadas,  nos  seus  prin- 
cipaes  typos,  nas  bellissimas  estampas  que  o  acompanham  e 
completam. 

L*  sobretudo  digna  de  nota  a  magnifica  serie  de  eseudot  de 
ouro,  cunhados  na  Bahia,  no  Rio  de  Janeiro  e  em  Villa-Rica, 
durante  o  reinado  de  D.  João  Y,  com  a  effigie  do  monarcha  ;  as 
cinco  espécies  desta  serie,  pelo  seu  alto  valor  intrínseco  e  a  sua 
perfeição  artística,  são  das  maia  procuradas  pelos  collecciona* 
dores.  O  mesmo  acontece  com  os  enormes  dobrões  de  cinco 

4323    —  7  Tomo  lxix  p.  ii 


98  RBVlStA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

moedas,  íábiicados  em  Villa*Rica  de  1724-27,  com  perto  de  54 
grammas  de  peso  e  o  valor  nominal  de  2Q$000. 

Dentre  o  numerário  cunhado  no  reinado  de  D.  José  I 
(1750-77),  salleataremos  iómente  as  denominadas  moedas  mi-- 
neiras,  espeeialmente  adaptadas  ao  commercio  do  oaro,  a  cujo 
preço  em  vinténs  (32  uma  oitava)  correspondiam  as  suas  de- 
signações de  valor:  600,  300,  150  e  75  réis. 

A  historia  das  moedas  do  reinado  de  D.  Maria  I  (1777-1805) 
abrange  dois  capítulos  relativos  aos  dois  períodos:  o  em  4ue 
governou  com  o  consorte  D.  Pedro  III  (1777-86)  e  o  segando 
(1786-1805)  em  que  governou  só. 

Igual  divisão  soSreu  naturalmente  o  governo  de  D.  João  VI, 
primeiro  como  Príncipe  Regente  (1805'18)  e,  por  fim,  como  rei 
(1818-»). 

Do  primeiro  destes  reinados,  o  Sr.  Meili  descreve  278 
moedas  de  ouro,  prata  e  cobre,  cunhadas  no  ou  para  o  Brasil . 

Não  escapou  ás  suas  pesquizas  o  avultado  numero  de  ca- 
rimbos postos  em  moedas  nacionaes  e  estrangeiras,  durante  o 
reinado  de  D.  João  VI,  aflm  de  lhes  modificar  o  valor. 

Estas  contramarcas  são  frequentes,  principalmente  nos  pesos 
hespanhóes,  que  corriam  pelo  valor  de  960  réis,  e  receberam  o 
carimbo  constante  das  armas  do  reino,  entre  dois  ramos  de 
louro,  tendo  por  baixo  9ô0  e  no  reverso  a  esphera  armiilar. 

Das  barras  de  ouro  de  kí,  que  tiveram  larga  ciroulaçio 
nos  districtos  auríferos,  descreve  o  Sr.  Meili  diversos  exem- 
plares provenientes  das  casas  de  fundição  de  Villa-Rica,  Sabarã 
8  Serro  Frio.  Estes  fragmentos  do  precioso  metal  acbam-se 
completamente  revestidos  de  marcas  constantes  das  armas  do 
reino,  tendo  por  baixo  o  nome  da  localidade  da  oílicina  fundi- 
dora,  do  nomero  da  barra,  do  anno  da  AmdlçSo,  da  palavra 
Toque  e  o  respectivo  algarismo,  e  dos  algarismos  do  peto  e  si- 
gnaes  particulares. 

Comquanto  reservasse  para  o  terceiro  volume  o  estudo  da 
moeda  fiduciária,  o  Sr.  Meili  consagrou  neste  um  pequeno  ca- 
pitulo ã  fundação  do  primeiro  Baneo  do  BratU^  estabelecido 
pelo  Alvará  de  12  de  outubro  de  1808,  enumerando  brevemente 
as  notas  por  elle  emittidas. 


Moeda  de  ouro  D.  Maria  I  e  D.  Pedro  III 


^iíH^ 


Moeda  de  D.  João  VI 


Moeda  de  cobre  ^e  D.  João  VI 


Barras  de  ouro.  Casa  de  F^undição  de  Saberá 


A  NUMISMÁTICA  NO  BRAZIL  99 

Valiosa  oontribaição  para  o  estudo  da  nossa  historia  eco- 
nómica oonstitae  o  eapitalo  intitulado  Producção  total  das  Catas 
de  Moeda  do  Brazil,  de  1703  a  1822. 

Segando  os  dados  pacientemente  reunidos  pelo  Sr.  Meili, 
p  valor  do  numerário  produzido  durante  aquelle  período  ele- 
Tou-se  ás  seguintes  sommas: 

Ouro 245.640:998$000 

Prata 40.460:8Ô6$300 

Colrre 5.000:000|000 

Sm  1905,  sahiu  á  luz  o  segundo  volume  d'  O  Meio  Circulante 
no  Brazil,  comprehendendo  As  Moedas  do  Brazil  Independente 
(1822-1900). 

Gomo  o  primeiro,  forma  um  álbum  copiosamente  illustrado 
com  gravuras  de  245  moedas  do  Império,  26  da  Republica  e  223 
fichas  emittidas  por  particulares  ou  sociedades. 

E'  talvez  ainda  mais  completa  do  que  aquelle,  nâo  faltando 
no  texto  e  nas  estampas  uma  só  das  espécies  cunhadas  desde 
a  Independência,  a  começar  pela  famosa  moeda  de  ouro,  de 
1822,  com  a  efflgie  de  D.  Pedro  I  e  que  tanto  desagradou  ao 
monarcha,  por  não  trazer  o  qualificativo  de  Imperador  Consli-^ 
tudonal,  até  ás  de  nickel  da  emissão  de  1901,  logo  tão  abun- 
dantemente falsificadas. 

A  parte  descriptiva  é  igualmente  fertilissima  em  notioia3 
históricas,  económicas  e  financeiras,  e  dados  sobre  as  alterações 
do  padrãp  e  as  oscillações  do  cambio, 

De  permeio  a  estes  dois  volumes  appareceu,  em  1903,  o 
terceiro,  relativo  à  Moeda  Fiduciária  no  Brazil,  1771  até  1900, 
de  formato  um  tanto  maior. 

Gomprehende  o  teito  duas  grandes  secções—  Emissões  le^ 
gaes  e  Emissões  illegaes^  subdivididas  em  vinte  e  seis  capitules 
respectivamente  occupados  com  a  legislação  e  mais  noticias 
relativas  a  toda  a  casta  de  papel  moeda  que  tem  circulado 
no  nosso  paiz  desde  1771,  quando,  em  virtude  do  regimento  de 
2  de  agosto,  começaram  a  correr  em  Minas-Geraes  os  famosos 
bilhetes  de  extracção  dos  diamantes,  até  os  vales  de  troco  de 
ouro  actualmente  emittidos  pelas  alfandegas. 


100  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Combiaando  a  leitura  destes  capítulos  oom  o  exame  das 
estampas,  que  em  numero  de  192  representam  1637  espécies 
differentes,  obtem-se  um  golpe  de  vista  assas  instructivo,  não 
só  sobre  a  evolução  dos  nossos  processos  financeiros,  como  sobre 
os  progressos  das  artes  graphicas  e  do  aperfeiçoamento  esthe- 
tico. 

A  partir  das  notas  do  primitivo  Banco  do  Brazil,  desmesa- 
radaSt  grosseiras,  feias,  faoil  e  frequentemente  falsifloadas, 
chega-se  através  de  um  sem  numero  de  emissões  interme- 
diarias às  cédulas  do  Thesouro  Nacional  boje  circulantes,  per- 
feitas, elegantes,  commodas,  mas,  ainda  igualmente,  objecto  de  . 
fraude. 

Ck>mpletam  excellentemente  esta  primeira  secção  d*  A  Moda 
Fiduciária  no  Brazil,  prestabilissimos  quadros  dos  Bancos  de 
emissão  que  tôm  existido  de  1806  a  1896,  outros  coafrontativos 
das  emisiSes  do  Ooverno  e  dos  Bancos  com  o  cambio,  de  1808  a 
1900,  attentas  as  modificações  do  padrão  monetário  occorridas 
em  1833  e  1848,  e  uma  lista  dos  valores  de  papel-moeda  legal- 
mente em  circulação  em  fins  de  dezembro  de  1900,  na  impor- 
tância de  699.631 :719$000,  ou  uma  módia  de  44$000  para  cada 
habitante  do  paiz. 

A  segunda  secção— i^mm^^i  illegaes^  comprehendo  os  bi- 
lhetes de  Estados,  municipalidades,  emprezas  de  omnibus,  barcas 
e  bondes,  e  de  companhias  e  particulares,  abrangendo  o  pro- 
digioso total  de  1283  espécies. 

Estas  emissões  abusivas,  illegaes  ou  criminosas  de  títulos 
de  credito  (quer  dizer  de  divida)  ao  portador,  denominados  apó- 
lices, cautelas,  cupões,  estampilhas,  ficas,  fichas,  livranças, 
obrigações,  recibos,  sellos,  vales,  e  alcunhados  no  Ceará  de 
Borós,  em  Pernambuco  de  Caleareos,  Sampaios  e  Baja  Paus,  no 
Maranhão  de  Debentures^  em  Minas*Geraes  de  Barrosque$,  não 
são  tão  modernas  como  em  geral  se  presume.  O  Sr.  Meili  nos 
mostra  que  já  circulavam,  de  1837  a  1859,  em  S.  Paulo,  Rio 
de  Janeiro,  Minas-Geraea,  Pernambuco,  Maranhão  e  Pará. 

Em  appendice  menciona  ainda  o  sábio  e  operoso  numisma- 
tista  specimens  de  annuncios,  reclames,  bilhetes  de  loterias,  e 
de  rifa,  e  fichas  de  jogo. 


Moeda  carimbada  no  Ceará 


Primeira  moeda  de  D*  Pedro  I,  sem  a  palavra  Const. 


Primeira  moeda  de  D.  Pedro  II 


A  NUMISMÁTICA  NO  BRA2IL  101 

Como  complemento  indispensaTel  a  obras  deste  género  sa- 
lientam-se  as  centenas  de  magoiâcas  estampas,  representando 
milhares  de  moedas  e  cédulas,  que  acompanham  os  três  yo« 
lames  publicados.  Executadas  com  admirável  perfeição  pelo 
processo  photo-oallographico,  o  mais  flel  que  desejar  se  pôde, 
estas  estampas  constituem,  já  por  si,  um  verdadeiro  curso  de 
historia  da  nossa  cultura. 

Um  quarto  volume,  consagrado  ás  medalhas  e  condeco* 
rações,  e  Já  no  prólo,  completará  em  breve  esta  obra  grandiosa 
e  sem  rival  na  litteratura  das  demais  nações  latino-amorlcanas. 

Julho  1906. 


o   BRAZIL  SOCIAL 


DR.  SILVIO  ROMÉRO 


Sócio   eíTectivo    do     Instituto    Histórico   e    Goographico 
Brazileiro 


i 


Sob  o  titulo  «-O  lirasil  Social — iniciou  o  illustre  consócio 
Dr.  Sylvio  Roméro  um  estudo  de  que  o  pre^ento  numero  da  Jíe- 
vista  do  Instituto  publica  os  primeiros  capítulos  e  dos  quaes  se 
pôde  justamente  avaliar  a  importância  do  trabalho. 

(Nota  da  Cotnmissão  de  Redacção) 


o  BRAZIL  SOCIAL 


O  PROBLEMA. 

Porque  continuo  firme  na  snpposição  de  ser  a  critica  uma 
parto  da  lógica  que  nutre  intimas  relações  com  a  sociologia 
em  todas  as  suas  manifestações»  persisto  em  afUrmar  que  o 
gonero  de  critica  quo  mais  o  Brazil  ha  mister  »  é  o  da 
critica  social,  de  preferencia  a  individualmente  psychologica. 
Esta,  dizem  certos  phantasistas  de  agora,  tem  o  privilegio 
de  entrar  na  indole  dos  escriptores..,  mas,  a  despeito  de  tantas 
penetrações,  não  tem  feito  a  nação  adiantar  um  passo,  jã  não 
digo  no  seu  progresso  litterario  e  intellectual,  mas  simples* 
mente  na  comprehensão  da  sua  própria  indole,  de  seu  próprio 
caracter. 

Por  isso  se  me  antolha  vantajoso  traçar  um  quadro  do 
verdadeiro  estado  do  paiz  como  elle  hoje  se  apresenta  de 
facto  após  quatrocentos  annos  de  contacto  com  a  civilisação 
européa.  NSo  serã  uma  dessas  telas  phantasistas  o  aéreas, 
como  as  que  os  nossos  governos  hão  costume  encommendar 
periodicamente  para  mostrar  o  paiz  nas  Exposições  interna- 
cionaes.  Será  cousa  mais  simples  e  mais  modesta  para  nosso 
uso  interno  firmada  por  documentos  irrefragaveis,  meditada 
em  longas  lucubrações  e  presidida  por  um  patriotismo  que  não 
pede  meças   aos   mais  ardentes. 

E'  um  acto  de  coragem  e  de  amor  que  já  agora  a  velhice 
me  impõe  como  o  ultimo  preito  prestado  á  pátria,  em  nome 
da  verdade,  em  prol  de  seu  futuro. 


106  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

E*  um  facto  positivo,  claro,  eviCleatissimo  por  todos  re- 
conhecido e  proclamado,  que  as  três  classes  que  tôm  mais 
de  perto  dirigido  a  vida  mental  e  publica  do  povo  brazi- 
leiro  —  03  poUticos^  os  Jornalistas  e  os  litteratos^  lôvaram-na  a 
um  tal  gráo  de  confusão,  pessimismo  e  desanimo,  que  nem  elles 
mesmos  tomam  mais  pé  no  meio  dos  desatinos  que  accumu- 
laram.  (1)  Só  se  ouvem  pragas  e  esconjures  ;  apontam-se 
panaoéas  capazes  de  curar  as  fundas  chagas  da  nação  ;  sur- 
gem de  todos  os  lados  prophetas  e  guias,  com  suas  bandei- 
rolas de  improvisados  estadistas  e  salvadores  de  povos. 

Nunca  se  viu  tanta  desordem  forrada  de  tanta  filáucia. 
Causas  ânancelras  e  politicas,  estas  incomparavelmente  mais . 
a  miude,   são  invocadas  para  a  explicação  dos  nossos  males 
que  avultam  cada  vez  mais. 

O  cambio,  a  hyperproducção  do  café,  as  especulações  dos 
bancos  estrangeiros,  a  queda  da  monarchia,  o  militarismo,  o  re- 
gimen presidencial,  os  despotismos  olygarchicos  dos  Estados,  os 
gastos  supérfluos  dos  governos,  os  roubos  nas  repartições  pu- 
blicas, a  pluralidade  das  magistraturas,  os  impostos  interesta- 
doaes,  a  falsidade  das  eleições,  os  defeituosos  programmas  e 
metbodos  do  ensino  publico,  a  falta  de  confiança  em  o  novo  re« 
gimen,  a  revolta  da  armada,  a  do  Rio  Grande,  a  de  Canudos.  •• 
todas  estas  cousas  e  outras  muitas  tém  sido  invocadas  como 
causa  de  nossos  males.  Mas  é  evidente,  para  quem  sabe  en- 
xergar, que  não  passam  de  symptomas  e  effeitot  de  uma  causa  su- 
perior  que  se  não  tem  querido  vêr  ou  se  não  tem  tido  a  pre- 
cisa coragem  para  assignalar  ao  povo,  ao  seu  governo,  ás  suas 
classes  dirigentes  para  que  mudem  de  rumo  e  tratem  resoluta- 
mente, se  fõr  possível,  de  arrancar  as  raises  do  mal. 

Se  a  lista  das  falsas  eajtsas  é  enorme,  a  dos  falsos  remédios 
não  é  menor. 

Bolsa  do  café  ou  monopoUo  das  vendas  deste  pelo  Estado, 
creação  de  bancos  de  credito  agrícola,  suppreasão  dos  impostos 
interestadoaes,  unificação  da  magistratura,  reforma  do  ensino, 


(1)  No  Brazil  muitas  vnes  at  tr«8  qualidades  andam  jantas  mo 
megmo  individuo. 


o  BRAZIL  SOCIAL  107 

reforma  da  Constituição  Federal  (aqui  variam  immoDsameate 
as  opiniões  acerca  das  bases  a  propor),  restauração  da  monar- 
chia  e  até  a  dictadura  milUar^  reclamada  em  altas  vozes  das 
columnas  de  vários  jornaes  e  até  da  tribuna  do  Congresso  Fe- 
derai, . .  todas  estas  cousas  têm  sido  simultânea  ou  successi vã- 
mente invocadas  como  antídoto  á,  enfermidade  que  nos  devora. 
Houve  até  politico,  litterato,  jornalista,  tido  na  conta  de  grande 
sabedor,  que,  com  todo  o  desembaraço  nos  aconselhou  a  renuncia 
da  independência  e  a  submisãão  ao  protectorado  dos  Estados- 
Unidos, . .  Tanto  é  profunda  a  incapacidade  desses  levianos 
directores  da  opinião  brazileira  t 

Entretanto,  se  algumas  dessas  medidas  são  razoáveis,  não 
passam  todas  ellas  de  palliativos  mais  ou  ou  menos  inefflcazes 
para  solver  as  dificuldades  do  presente  e  preparar  o  caminho 
do  futuro.  Algumas  são  manifestos  erros,  passos  em  &lso  por 
estreitos  atalhos. 

Urge  enfrentar  a  situação  nacional  como  ella  é  em  si 
mesma,  no  seu  caracter,  na  sua  Índole,  na  sua  estruotura  in- 
terna, na  substancia  intima  de  sen  ser,  na  trama  fundamental 
da  sua  organisaçãe,  nos  seus  elementos  formativos,  na  essência 
intrínseca  que  a  constituo.  Quem  o  íizer  terã  a  plena  vidência 
da  raiz  de  todos  os  sophismas,  de  todos  os  enganos,  de  todos  os 
iUusorios  engodos,  de  todos  os  cálculos  falhos,  de  todas  as  de- 
cepções amargas  que  ahi  andam  a  encher  d^alto  a  baixo  a  his.- 
toria  brazileira,  -nomeadamente  a  do  século  próximo  ando 
e  começos  do  actual. 

£sse  é  o  ponto  a  esclarecer,  o  estudo  que  deve  ser  feito. 
Dessa  falha  inicial,  do  desconhecimento  da  indole  exacta  de  nosso 
povo,  orlginam-se  nelle,  especialmente  na  classe  que  se  diz  diri- 
gente e  nada  de  facto  dirige,  as  seguintes  consequências,  fontes 
de  grandes  males  e  de  cruéis  desenganos  para  a  nação  inteira: 
1*,  não  se  ver  a  antinomia  profunda  entre  o  estado  real  do 
paiz,  quasi  todo  ainda  inculto  e  mergulhado  no  maior  atrazo,  e  o 
tempo  presente,  a  época  do  carvão  de  pedra,  do  vapor,  da  ele- 
ctricidade, da  grande  cultura,  da  grande  industria,  da  concur- 
rencia  universal,  da  grande  offlcina  de  trabalho,  e  producção 
mecânica  por  apparelhos  de  todo  género  ;  época  de  vertiginoso 


108  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

movimento  que  não  espera  pelos  retardatários ;  2«,  não  se.  re- 
parar em  a  não  menor  antinomia  que  lavra  entre  o  povo  quasL 
inteiro  e  ama  pequena  elite  de  intellectuaes^  como  se  eiles  próprios 
appeliidam,  cheios  de  todas  as  vacuidades,  de  todas  as  fumaças  e 
protenQoes  de  grandeza,  que  a  scmi-cultura  sóe  sempre  inspirar ; 
3<^,  não  se  levar  em  conta  a  ainda  menos  inilludivol  antinomia 
existente  entre  essa  mesma  elite  de  nossos  directores,  políticos^ 
Jornalistas  e  litteratos,  e  os  seus  collegas  entre  os  povoa  verda- 
deiramente cultos  ;  porque  estes  tacs  são  realmente  a  floração 
de  velhas  e  aperfeiçoadas  civilisações  e  os  nossos  não  passam 
de  superfetaçoes,  de  arremedos  do  estrangeiro,  sem  base 
séria  no  meio  que  os  cei*ca ;  4*,  a  illusão,  oriunda  das  três 
falhas  notadas,  do  possuirmos  as  mesmas  qualidades,  os  mesmos 
predicados  dos  povos  que  suppomos  poder  imitar  e  que,  para  os 
igualar  ou  sobrepujar,  não  ó  mais  preciso  que  copiar-lhes  as 
leis,  as  constituições,  os  planos  de  governo  e  está  tudo  feito ;  5% 
o  amargo  peaiimismo,  a  turbulenta  gritaria  de  que  se  apoderam 
todos,  quando,  falhos  os  seus  cálculos,  e  não  poderiam  deixar  de 
falhar,  vêem  que  não  adiantaram  um  passo  e  a  desordem 
moral  é  cada  vez  maior ;  6^,  finalmente,  a  peior  consequên- 
cia de  tudo  isto,  a  teima  de  julgar  politica^  e  sanavel  por 
meios  politicos,  uma  questão  orgânica,  ethnica,  de  psychologia 
popular,  uma  questão  profundamente,  essencialmente,  unica- 
mente da  estructura  social  do  povo. 

E'  desmontando  em  todas  as  peças  a  sociedade  brazileira 
que  se  ha  de  achar  a  chave  do  enigma  :  porque  a  na^^ 
marca  passo  num  eterno  messianismo  que  se  não  realisa  ;  por- 
que as  panacéas  dos  politicas  de  nada  valem  senão  para  au- 
gmentar  a  confusão. 

Não  são  de  hoje  as  duras  desillusões  de  nosso  povo  após 
o  fracasso  das  promessas  phantasticas  de  quantos  o  têm  diri- 
gido ou  explorado  sem  ensinar-lhe  o  caminho  da  própria  re  - 
generação.  Todos  os  planos  sonhados  pelos  que  hão  tido  nas  mãos 
os  seus  destinos,  uns  úteis,  outros  de  valor  contestável,  têm 
sido  levados  a  effeito  sem  que  a  éra  das  venturas  promet- 
tidas  se  tenha  traduzido   em  realidade. 

O   paiz  tem  avançado  Qo  andar  de  kagado,  pela  força  do 


Ò  BRAZlL  SOCIAL  109 

tempo,  das  cousas,  das  ciroamstancias  e  por  um  pouco  de 
boas  qualidades  que  repoisam  no  fundo  das  camadas  populares, 
raramente  por  impulso  emittido  por  seu3  chefes.  £'  que 
estes,  até  nas  medidas  mais  acertadas,  andam  quasi  sempre 
ás  cegas.  A  presampção  os  traz  illudidos. 

Não  é  inútil  lembrar  aqui  alguns  dos  mais  famosos  passos 
do  que  se  poderia  chamar  o  grande  processo  de  desillusãò 
que  vem  desabusando  as  gentes  brazileiras  desde  os  fins  do 
século  XYIII.  Por  elles  se  verá  que  até  algumas  reformas 
sociaes  e  económicas  não  produziram  os  resultados  promettidos, 
por  causa  do  predomínio  que  em  tudo  quanto  6  nosso  tem 
sempre  exercido  a  politica^  melhor  fora  dizer  a  politiquice^ 
da  peior   qualidade. 

«  O  que  nos  falta,  dizia-ae  nos  fins  do  século  alludido,  é  re- 
vogar as  leis  que  nos  fecharam  as  fabricas  de  tecidos  e  obraS 
de  metal.»  O  desideratum  se  cumpriu  etaes  industrias  não 
prosperaram!... 

<  O  que  nos  vae  salvar,  dissese,  nos  primeiros  annos  do  sé- 
culo XIX,  é  a  abertura  dos  nossos  portos  aos  navios  de  todas  as 
nações.»  O  desejo  cnmpriu-se  e  ainda  hoje  não  temos  marinha 
mercante  de  longo  curso,  ou  sequer  de  cabotagem ;  não  possui- 
mòs  um  commercio  nosso,  nacional,  não  passando  o  paiz,  sob 
tal  aspecto,  de  uma  feitoria  estrangeira,  na  qual  um  doe  pro- 
blemas mais  difficeis  (tenho  deste  duras  provas)  ó  empregar  um 
rapaz  brazileiro. . . «  Não,  tudo  isto  é  secundário ;  o  que  ô  mister 
fazer  ó  a  independência  politica  do  paiz»;  proclamou-se  na  dé- 
cada seguinte.  A  independência  se  fez  ;  aqui  a  desillusãò  co- 
meçou logo  no  anno  seguinte.  Os  agitadores  de  profissão  so- 
nhavam com  farta  mesa  á  custa  do  orçamento.  Grupos  inteiros, 
verdadeiros  clans  políticos  se  preparavam  para  viver  á  sopa  dos 
orçamentos  municipaes,  provinciaes,  ou  geraes. 

Era  difflcilimo  achar  logar  para  tanta  gente. 

A  industria  politica  cresceu  a  olhos  vistos,  o  funccionalisrno 
triplicou  ;  era,  poróm,  impossível  contentar  a  todos,  apezar  da 
espoliação  em  larga  escala  feita,  no  interior  das  provindas, 
das  fortunas  dos  reinóes. 

A  bancarrota  das  i Ilusões   foi  geral.   <  Mas  sabemos  onde 


110  REVISTA  DO   INSTITUTO  HISTÓRICO 

está  a  raiz  dos  males,  bradava  o  troço  de  patrioteiros  do  tempo, 
é  no  imperador  que  não  é  de  cá,  não  ô  um  do3  nossos. .  •  Urge 
pôl-o  fora.  • .»  B  a  cousa  foi  por  diante.  Pedro  I  demandou  as 
plagas  de  seu  paiz  natal  e  deizou-nos,  pode-se  dizer,  entregues  a 
nós  mesmos.— Abre-se  o  fomoso  período  regencial  de  que  se  pôde 
dizer  algum  bem  attendendo  ao  quasl  milagre  histórico,  deTido  a 
raros  homens  meritórios,  de  termos  escapado  a  tantas  lou- 
curas, sempre  renascentes  nesse  período  de  nove  annos. 

O  que  então  se  passou,  o  que  se  praticou  em  todo  o  paIz  no 
decurso  de  trinta  e  quatro  revoltas  não  anda  escripto  ;  nem  o 
será  jamais.  E'  preciso  ter  propositalmente  conversado  com 
homens  slzudos  de  todas  as  províncias,  testemunhas  directas 
dos  factos,  como  ainda  se  encontravam  entre  1860  e  70,  para  se 
ter  idéa  mais  ou  menos  adeqnada  do  que  foi  a  quadra  disten- 
dida de  1830  a  40  e  annos  próximos.  Nâo  podia,  assim,  ser  mais 
esmagadora  a  decepção.  Não  parou  ella,  antes  cresceu,  com  as 
descentralisaçOes  do  Acto  Addicional ;  nem  cessoa  com  a  reacção 
de  1836-37. 

O  atropello  causado  pelas  facções,  o  parco  prestigio  dos 
chefes  do  bando  mais  em  evidencia,   o  desengano  de  todos 
na  própria  força  —  levaram-nos   a  pedir  um  rei^  um  tnonar- 
cha,   um    dictador  na  pessoa  dum  menino    de    14  annos  I 
Sempre  a  politioagem  curando  de  complexos  interesses  sociaes^ 
que  escapam  ao  grosseiro  empirismo  dos  mais  hábeis  e  ás 
malversações  dos  menos  escrupulosos.  O  novo  reinado  não  foi 
mais  feliz,  nem  no   seu  período   de  arroxo   que   se  estendeu 
até  1857-58 ;  nem  nas  phases  liberalisantes  posteriores  ;  não 
foi  mais  feliz,  nem  podia  sel-o,  na  tarefa  impossível  de  solver 
graves  questões  intimas,  da  essência  mesma,  da  oonstituição 
social  do  povo  com  recipes  políticos  de  3*  ou  4*  ordem,  sem 
attender  a  tendências  ingenitas  nacionaes.  que  cumpria  cor- 
rigir pela  prolongada  acção  educativa,  grandemente  diflOicíl 
aliás. 

Reformas  sobre  reformas  de  vários  abusos  e   achaques 
políticos  foram  tentadas  e  levadas  a  effeito  em  quasi  todas 
as  ordens  dos  serviços  públicos,  ensino,  eleições,  magistratura,   . 
regimen  judiciário.  O  resultado  negativo  de  todas  ellas,  como 


o  BRAZIL  SOCIAL  111 

eopias  servis  de  insiitaicdea  estrangeiras  mettidas  no  re- 
activo dissolvente  do  caracter  brasileiro,  não  se  fazia  mnito 
esperar  e  cada  vez  mais  se  avolumava  a  descrença  nacional. 

Ninguém  comprehendia  oomo  era  que  um  dos  povos  mais 
eminentes,  mais  cheios  de  altas  qualidades,  de  prestimosos  pre- 
dicados, segundo  a  crença  geral  ainda  hoje  muito  corrente ; 
do  posse,  além  disso,  do  paiz  mais  rico  e  mais  fértil  de  todo 
o  planeta,  consoante  ainda  a  crença  geral,  andava  mergu- 
lhado em  tamanha  pobreza,  em  tal  atrazo  qae  até  o  mais 
ossificado  optimismo  nfio  ousava  contestar. . .  Como  sóe  acon- 
tecer em  casos  taes  e  entre  gentes  de  tal  índole,  não  po- 
deria existir  senão  um  culpado:  o  governo  ;  e  nelle  acima  de 
todos  o  Imperador,  com  o  seu  poder  pessoal  incontrastavel 
e  o  seu  terrível  systemade  corromper  os  caracteres.,.  Polí- 
ticos, litteratos  e  jornalistas,  durante  50  annos  não  tiveram 
outra  linguagem,  não  se  pejaram  de  repetir  essa  frioleira, 
esse  pleonasmo  demagógico  dos  ineptos  gritadores  de  todos 
os  tempos.  Sempre  o  processo  simplista  de  arranjar  um  bode 
expiatório  para  os  erros  e  fraquezas  de  uma  nação  inteira  t 

Afinal  quasi  todos  accordaram  em  attribuir  á  existência 
da  escravidão  nas  plagas  brazilicas  os  desastres  de  todo  o 
nosso  viver.  O  Imperador  foi  dos  mais  solícitos  em  dar  ou- 
vidos a  esses  rumores  e  em  ajudar  a  extirpar  do  seio  da 
nação  o  cancro  secular  que  a  corrtna,  na  phrase  dos  declamadores 
do  tempo.  Coincidia  a  abolição  geral  da  escravidão  com  a 
crise  do  assucar,  principal  fonte  da  riqueza  de  todo  o  norte 
do  paiz,  desde  o  Espirito  Santo  até  ao  Maranhão,  batido  na 
concurrenoia  do  mercado  do  mundo  pelo  assombroso  desen- 
volvimento da  producção  da  beterraba.  O  desbarato  da  velha 
assucarocracia  do  norte  do  Brazil,  phenomeno  singularmente 
curioso  e  de  extraordinário  alcance  para  toda  a  grade  população 
daquella  extensíssima  zooa,  não  tem  sido  devidamente  estu- 
dado, porque,  entre  nós,  a  incompetente  philancia  dos  po- 
litiqueiros não  deixa  margem  alguma  para  cousaa  sérias. 
Vociferações,  tendentes  todas  a  aplainar  os  seus  arranjos,  ó 
quasi  tudo  o  que  se  lhes  ouve.  O  alludido  desbarato,  sobre  o 
qual  se  ha  de  tornar  nestas  paginas,  foi  ainda  mais  intenso 


112  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

do  que  a  da  aristocracia  agrícola  dos   Estados  do  Sal  da 
União  Americana,  após  a  guerra  de  secessão. 

O  abalo  produzido  pelo  fechamento  de  qaasi  todos  os  mer- 
cados europeas,  devido  à  caus)^  citada,  ainda  mais  aggravado 
se  tornou  com  a  suppressão  repentina  dos  braços  em  la- 
voura tão  dura  e  áspera  como  ó  essa  predominante  da  região 
referida.  A  decadência  resalta  de  toda  parte. 

A  caféocracia  do  sul  tinha  de  passar  por  qaasi  ignaes 
perturbações.  Achou,  ó  certo,  um  quasi  succedaneo  do  escravo 
no  colono;  mas  essa  situação  nova  estava  e  está  muito  longe 
de  se  equiparar  á.  primitiva. 

Despezas  extraordinárias,  difflculdades  praticas  creadas 
pelo  novo  operariato  agrícola,  levaram  e  estão  levando  à  liqui- 
dação crescido  numero  de  fazendas;  o  numero  das  famílias  pros- 
peras da  aristocracia  cafeeira  do  sul  se  viu  grandemente  reduzi- 
do. Quasi  igual  á  decadência  dos  senhores  de  engenho  nortistas.  E* 
evidente  que  a  abolição  do  captiveiro  não  poderia  apparecer, 
depois  de  taes  provanças  a  esses  que  se  suppunham  victimas 
dessa  medida,  senão  como  um  acto  maleâco,  um  feito  pre- 
judicial. Foi  mais  um  élo  na  cadeia  das  desillusoes  nacionaes. 

Naturalmente  a  culpa  de  tantos  contratempos  estava  prin- 
cipalmente nas  instituições  politicas :  na  monarchia.  Era  mister, 
era  urgente  pôl-a  abaixo.  Dito  e  feito ;  porque  nestes  povos 
nos  quaes  a  classe  agitadora,  que  vive  principalmente  do  Es- 
tado, sob  todas  as  formas  imagináveis,  é  numerosíssima  o 
medra  na  razão  da  intensidade  das  perturbações  politicas,  basta 
se  interessar  ella  por  uma  questão,  para  que  esta  triumphe. 
Politicões  e  literateiros,  traço  que  dirige  as  avançadas  da 
imprensa,  levantam  tal  berreiro  que  o  grosso  do  povo,  alheio 
a  quasi  tudo  que  o  devia  mais  intimamente  interessar*  cede 
sem  saber  mesmo  de  que  se  trata. 

A  nação  tinha  adormecido  monai^chica  e  na  bella  manhã  de 
15  de  novembro  de  1889  acordou  republicana  I  Era  muito  rápido 
para  ser  sério,  era  único  em  todo  o  mundo  para  não  inspirar 
desconfianças  ao  observador  imparcial  dos  factos  sociaes.  A  bes- 
tialixação^  na  phrase  graphica  do  mais  sincoro  dos  republicanos 
do   dia,    porque    tinha    a  sinceridade  da  loucura,  a  besHali- 


o  BRAZIL   SOCIAL  118 

zação  foi  geral.  Ninguém  se  moreu,  Díngaem  luctou,  ninguém 
86  bateu  por  uma  iQstitui(^  que  era  a  irmã  gémea  de  noflsa 
independência,  que  tinha  tantos  annos  de  vida  quanto  temos 
nós  de  povo  liyre  1  setonta  annos  de  regimen  autónomo  em 
quatrocentos  quasi  de  tutela,  desde  os  primeiros  passos  que 
demos  no  caminho  do  destino  que  conduz  os  povos.t.  desflze- 
ram-se  como  a  novoa  riipida  nas  manhãs  estivaes,  ou  a  leve 
poeira  ceio  apagada  de  sob  os  pés  do  viandante  ignorado  do 
sertão. 

Um  tal  phenomeno,  singularmente  estranho  aos  olhos  do 
historiador,  demanda  para  o  oxplicar,  ou  um  povo  em  tão  alto 
gráo  de  cultura  tine  conscientemente  resolva,  com  segurança, 
acerto  e  firmeza,  os  mais  complicados  problemas  de  seu  Tiver ; 
ou  uma  multidão  quasi  amorpha,  sem  um  caracter  firme,  in* 
toansigente,  definido,  dos  que  não  torcem  á  mercê  dos  ca- 
prichos dos  especuladores,  uma  espécie  daquelie  povo  rebanho 
sem  aprisco  e  sem  pastor,  de  que  Mava  o  poeta,  fácil  de  ser 
guiado  e  illudido  pelos  grupos  de  poUUcians  que  o  devoram. 

Gonta-se,  e  Deus  queira  que  não  tenha  sido  verdade,  que, 
quando  foi  de  15  de  novembro  de  1889,  um  ofilcial  chilenoj  do 
navio  de  guerra  daquella  na^  surto  naquella  data  no  porto 
do  Rio  de  Janeiro,  dissera,  ao  assistir  á  indifferença  da  popu- 
lação diante  do  que  se  passava  e  da  facilidade  com  que  se  depo* 
zera  a  monarohia:  não  éum  povo,  é  uma  horda. 

Palavras  duras,  que  encerram  mais  verdade  do  que  ã  into- 
ressada  cegueira  dos  vivedoros  da  politica  alimentaria  mantida 
no  Brazil  pôde  parecer. 

Gomo  quer  que  soja,  a  Republica  6  agora  e  por  emquanto,* 
a  ultima  desillasão  do  pobre  povo  brazileiro.  Sua  constituição 
espúria,  copiada  da  constituição  dos  Estados-Unidos  por  alguns 
rhetoricos  que  andaram  sempre  a  confundir  phrases  e  pala- 
vriados  com  idóas  ;  sua  loucura  financeira  por  occasfão  do  fa- 
moso encilfiamento ;  suas  revoltas  da  armada,  do  Rio  Grande, 
de  Ganudos,  e  outras  e  outras  acarretando  tremendas  despesas 
ao  Thesoaro,  o  dando  lugar  ãs  mais  repugnantes  scenas  de  cruel 
ferocidade ;  seus  câmbios  sempre  baixos,  revelando  a  extraor- 
dinária depreciação  da  moeda ;  sua  bancarrota,  que  trouxe  a 
4323—  8  Tomo  í.xix.  p,  h. 


114  RliVKrA    DO    INSTITUTO    HISTÓRICO 

moratória  do  fuftdingloan  ;  seus  pesadíssimos  imposios  do  todo 
o  género  a  Toxarom  o  povo ;  o  dospoUsmo  das  olygarchiat 
estadoaes,  opprimindo  toias  as  olassos ;  a  desorganização  de 
todos  os  serviços  admioistrativoa;  ai  roubai  fieiras  nas  reparti^ 
çim  fijcao9,  denunciadas  quasi  diariamente  pela  imprensa ; 
todas  estas  chagas  visíveis  a  olhos  nús,  que  andam  a  afeiar  o 
corpo  da  Republica,  levantaram  um  tão  formidável  coro  de  im- 
precações, como  se  não  tinha  ainda  ouvido  outro  igual  em  toda 
a  existência  da  nação. 

Por  cima  do  tudo  isto— ,  a  quela  completa  do  credilo 
agrícola^  O  relrahinienlo  do  capiial^  a  desordem  económica  do 
todas  a9  classes,  aggravada  na  dos  agricultores  de  cjifó  —  pela 
ht/perproducção  o  subsequente  baixa  dos  preços  desse  principal 
ramo  de  nossa  oxportação,  tem  levado  o  pais  ás  bordas  do  deses- 
pero. As  maldições  ochòam  por  todos  os  lados,  o,  para  aggra- 
var  ainda  mais  a  appUcação  geral,  as  populações  do  olnoo  Es- 
tados do  norto  ainda  ha  pouco  morriam  á  mingua,  ou  expatria- 
vain-so,  acossadas  por  uma  das  mais  terríveis  sêccas  que  em 
quatro  séculos  tem  açoitado  aqueila  desventurada  zona.  (1) 

Qrita-se,  por  isso,  agora  por  soccorro  de  todas  as  bandas  e 
em  todos  os  tons  ;  levantam*se  planoj  ;  procuram-se  remédios; 
buscan-se  soluções  para  es  graves  problemas  que  nos  ameaçam 
<ragar. 

Na  ossificada  teima  do  supiK>r  uma  simples  e  passageira 
crise  poliiica,  que  nos  esU  a  affl^ir,  esse  estado  elironico  de 
agitação  da  alma  braziieira,  os  politieões  que  nos  dirigem 
acham -se  em  ebulição  intensi  ao  oíFortar  á  nação  as  costuma- 
d  )S  drogas  que  lhe  dão  sempre  a  inj<erir.  A  restauração  mo- 
narchica  é  a  solução  d*alguns  ;  a  revisão  da  Goostitsi;^  é  a  re- 
ceita d*oatros.  E  como  se  me  antolha  evidente  não  ser  politico 
o  problema  brazileiro  da  actualidJide,  julgo  de  todo  desastrada 
a  aventara  da  nova  restaara^,  que  virá  perturbar  ainda  mais 
o  nosso  detestável  estado  geral. 


(1)  Não  va  (uecdi*  que  estas  paginuts  estão  seudo  oscriptas  eiu  maio 
fU)  1904  ;  (!umpre,  poiviii,  advertir  ciut»  o  Hai/í-IU»  r^tá  sr  in  pt-t  n«lo 
agora  om  VJJl  o,  lí>O.S. 


o   BRA/.IL   SOCIAL  115 

A  nioDarchIa,  como  forma  autoritária,  leva  certas  vanta- 
gens na  directo  dos  povos  mal  constituídos  organicamente ; 
mas  6  preciso,  mesmo  entre  elles,  que  ella  encontre  certas  bases 
que  de  todo  nos  faltam. 

A  reforma  dà  Constituição  pódo  o  deve  ser  feita  no  sentido 
Cipecial  de  precaver  a  unidade  do  paiz  o  tornar  possível  a  serio 
de  medidas  sociaes,  capazes  do  trazer  não  a  cura  do  todos  os 
nossos  males,  porque  vários  de  clles  são  incuráveis  ;  sim  a  extir- 
pação do  alguns  o  a  meltiora  da  maior  parte. 

Eis  a  tarefa  a  tentar,  o  caso  a  resolver. .  • 

II 

os  METIiODOS  H   PROCESSO  DA  ESCOLA  DE  LE  PLÂY 

Duas  especiaes  circumstancias  puzcram-me  no  encalço  das 
idéas  que  vão  ser  expostas:  a  observação  attonta  dos  factos 
passados  no  período  republicano,  que  se  vae  atravessando,  e  o 
conhecimento  mais  intimo  das  doutrinas  e  ensinamentos  da 
chamada  escola  da  Sciencia  Social^  áo  Le  Platj^  H.  de  Tourtille^ 
Ed,  Demolins^  P,  Rottsiers^  A.  de  Prèville^  P,  Bureau  o  tantos 
outros,  aos  quaes  se  devem,  a  meu  vêr,  os  melhores  trabalhos 
existentes  sobre  a  índole  das  nações. 

A  Republica  teve  a  vantagem  de  revelar  este  querido  povo 
brazileiro  tal  qual  ó,  entregue  a  si  próprio,  ou  aos  seus  natu- 
raes  directores,  o  que  vem  a  ser  a  mesma  cousa. 

Os  vícios  e  eflbitos  de  sua  cstractura  social  tornaram-se 
patentes  aos  observadoi^es  imparciaos  o  cultos. 

Atô  a  Independência,  o  Brazil  tinha  apparecido  sempre  sob 
a  tutela  da  realeza  portugueza  que  o  havia  dirigido,  gniado, 
aiteiçoado,  por  assim  dizer,  ao  sabor  de  seus  planos  e  desejos, 
até  onde  governos  podem  influir  na  estructura  das  massas  so- 
ciaes sobre  que  lhes  cumpre  velar. 

No  regímen  passado,  igual  tutela  tinha  sido  exercida  pela 

monarohia  nacional  que  se  poderia  considerar,  em  mais  de  um 

sentido,  uma  continuação,  um  prolongamento  da  realeza-mãe. 

Poder-se-ia  diz?r  que  havia  uma  força  estranha  a  estorvar  o 

povo  no  seu  andar  normal.   Hoje   este  obstáculo  jaz  desfeito. 


116  REVISTA  DO    INSTITUTO  IIISTORÍCO 

Não  existo  mais  tal  embaraço,  ou  tal  desculpa.  O  observador 
não  encoDtra  tropeços  do  caminho. 

As  doutrinas  do  evolucionismo  spenceriano  tinham-me  posto 
na  pista  do  desdobramento  dos  vários  ramos  da  actividade  hu- 
mana; tinham-me  despertado  a  attonção  para  as  formações 
dispares  doi  povos  mestiçados.  nomeadamente  os  da  America 
do  Sul,  e,  por  esse  caminho,  havia  sido  conduzido  ás  conclusões 
a  que  cheguei  em  todos  os  meus  osqriptos  acerca  de  minha 
pátria.  Os  processos  da  escola  de  Le  Play  fizeram-jme  penetrar 
mais  fundo  na  trama  interna  das  formações  sociaes  e  completar 
as  observações  exteriores  de  ensino  spenceriano.  E'  uma  confir- 
mação, em  ultima  instanciai,  de  conclusões  obtidas  por  outros 
meios  e  estradas. 

*  A  historia  destes  dezoito  annos  de  Republica  tem  servido» 
aos  espíritos  som  preoccupações  mesquinhas,  para  aclarar  toda 
a  historia  colonial,  regencial  e  imperial  do  Brazil.  O  periodo  da 
Regência  sobretudo  se  esclarece  com  uma  intensa  luz  nova.  A 
cohesão,  a  unidade,  a  estabilidade  constitucional  do  paiz,  a  in- 
tima organisação  da  nação  oram,  em  grande  parte,  puramente 
illusorias.  A  Republica  manifestou  o  Brasil  tal  qual  ó  :  e  por 
isso  é  o  governo  que  lhe  convém,  com  a  condição  de  ser  vasado 
em  moldes  conservadores,  num  unitarismo  contido  por  um  forte 
governo  central.  E'  o  que  se  vae  ver  na  luz  do  systema  de  Le 
Play  e  Henri  deTourville. 

Claro  ó  que  de  tal  doutrina  não  tenho  a  fazer  aqui  uma  ex- 
posição esmeuçada  :  apenas  as  linhas  principaes  para  a  compre- 
hensão  do  leitor. 

Os  homens  cultos  dentre  os  nossos  médicos,  engenheiros, 
magistrados,  advogados,  offlciaes  de  curso  de  terra  e  mar,  que 
são  08  verdadeiros  inlelleciuaes  do  Brazil,  têm  quasi  geralmente 
andado  ao  par  d'outras  doutrinas,  as  do  positivismo,  do  evolu- 
cionismo, do  socialismo,  por  exemplo,  e  não  tôm  lançado  as 
vistas  sobre  os  belios  trabalhos  da  escola  de  Le  Play,  cij^o  nome 
uma  ou  outra  vez  ha  sido  citado,  com  evidente  desconhecimento 
de  seu  ensino.  Que  eu  saiba,  6  esta  a  primeira  vez  que  entrenós 
se  faz  um  appollo  mais  serio  a  esse  methodo  e  systema.  Não  é 
que  lhe  aooeite  todas  as  idéas. 


o  BRAZIL  SOCIAL  117 

Sobro  o  ooncoito  de  raça,  verbi  grafia,  a  colobre  escola,  sup- 
poDho  eu,  confunde  o  sentido  anthropologico  cora  o  sociológico  ; 
porque  parece  nao  ligar  importância  ao  primeiro  e  só  admittir 
o  segundo.  Pigura-se-me  Isto  uma  simples  illusão  francesa. 
Também  n&o  lhe  acceito  de  todo  a  classificação  dos  phcnomenos 
sociaes,  que  me  parece  mais  uma  nomenclatura  de  problemas  6 
questões. 

Como  quer  que  seja,  os  méritos  da  escola,  a  despeito  desta 
ed'outras  divergências,  se  me  antolham  preciosissimos  para 
quem  quer  conhecer  a  fundo  um  paiz  qualquer  e  a  gente  que  o 
habita. 

Em  primeiro  logar,  lança  mão,  para  tal  fim,  de  processos  do 
acurada  observação  local,  estudando  em  monographias  espeeiaet 
cada  região  do  paiz  sob  as  mais  variadas  ftu^es,  conforme  ama 
enumeração  de  questões,  que  são  outros  tantos  aspectos  fanda- 
mentaes  da  vida  social.  Só  depois  de  reunida  grande  massa  de 
documentos  do  género  é  que  os  grandes  mestres  do  systema  se 
atrevem  a  formular  quadros  geraes  desta  ou  daquella  naciona- 
lidade e  estabelecer  as  leis  de  seu  desenvolvimento.  Neste  gé- 
nero í^  dignos  de  detida  leitura  os  livros  de  Edmond  Demo- 
lins,  P.  Rousiers,  Poinsard  e  outros. 

A  enumeração  ou  classificação  dos  problemas  sociaes  deve 
partir  dos  factos  mais  Íntimos  e  indispensáveis  ã  vida,  sem  os 
quaes  nem  a  própria  subsistência  da  gente  a  estudar  seria  pos- 
sível. Taes  são  os  meios  de  existência,  que  so  chamam  logar ^ 
trabalho^  propriedade,  bem  moveis,  salário,  economias^  ou  pou- 
panças. Entre  estes  seis  grupos  de  m^ios  de  existência,  que  dão 
logar  a  variadíssimas  questões,  como  se  pôde  vêr  em  Henri  de 
Tourvllle,— La  Nomenclature  Sociale,  ou  cm  Maurico  Vignes,— 
La  Science  Sociale  d^aprés  les  Principes  de  le  Play,  entre  estes 
meios,  dizia,  e  o  modo  de  existência  (alimentação,  habitação,  ves» 
tuario,  hygiene,  recreações)  que  vôra  após,  colloca-so  0  assumpto 
dos  assumptos,  a  questão  da^J  qiiostões,— a  família.  Esta  é  a 
base  de  tudo  na  sociedade  humana  ;  porque,  iMm  da  funcção  na- 
tural de  garantir  a  coatinuidado  das  gcraçõos  successivas, 
forma  o  grupo  próprio  para  a  pratica  do  modo  de  existência,  o 
núcleo  legitimo  da  maneira  normal  do  empregar   cs  rocuraos 


118  REVISTA  DO  INSTITUTO   HISTOllICO 

creados  pelos  meios  de  viver.  Em  seguida,  saocedem-se  asphases 
da  existência ,  o  patronato ^  o  commercio,  as  cultvras  intellectuaes, 
a  religião,  a  visinhança,  as  corporações,  a  ccmmuna,  as  uniões  de 
communaSf  a  cidade,  a  comarca,  a  província,  o  Estado,  a  expansão 
da  raça,  o  estrangeiro^  á  historia  da  raça,  a  posição,  a  hierarchiã 
da  raça.  Ao  todo  viate  o  cinco  grupes  de  factos  o  problemas  so- 
ciaes. 

O  estudo  destea  assumptos,  no  tempo  e  no  espaço,  tem  dado 
logar  a  algumas  conclusões  estáveis.  Desfarte,  a  humanidade 
mais  ou  menos  em  conjuncto  tem  atravessado  três  grandes 
edadcs  sociaes  :— a  edade  das  producções  espontâneas  o  dos  ap- 
parelhos  ou  instrumentos  manejados  pelo  braço ;  a  edade  das 
machinas,  movidas  pelos  animaesy  pelos  ventos,  pelas  aguas  cor* 
rentes ;  a  edade  do  carvão  de  pedra,  do  vapor  e  da  electricidade, 
applicados  d  producção  das  subsistências  e  ao  serviço  dos  tranS" 
portes. 

As  revoluções  operadas  na  vida  social  por  essas  varias  al- 
terações introduzidas  no  regimen  do  tral)alho  são  da  mais 
considerável  importância. 

A  familia,  estudada  quer  historicamente,  quer  na  actuali- 
dade, apresenta  quatro  modalidades  typicas,  do  maior  valor 
para  quem  quizer  oomprehendor  a  indole  das  sociedades  a  que 
servem  ellas  de  base.—  Uma  sociedade  vale  pelo  que  vale  nolla 
a  familia.  Os  quatro  typos  são:  familia  patriarchal,  familia 
quasi'patriarc7ial,  familia-tronco  (souche),  familia-instavel^  aocei- 
tando  as  modificações  feitas  nas  doutrinas  do  Le  Play  por  seus 
discípulos. 

O  velho  mestre  só  tinha  olassiíicado  a  familia  em  tros  typos 
e  acertadamente  foi  corrigido  neste  ponto.  Eis  a  definição  daa 
quatro  modalidades,  conforme  Maurício  Vigues  :  «  A  fumilia  pa- 
triarchal ó  aquella  na  qual  os  pais  não  pensam  em  preparar  seus 
filhos  para  que  elles  venham  a  crear  uma  posição  livre  ;  porque 
a  extensão  do  solo  disponível,  o  Araco  crescimento  da  população 
e  das  necessidades  permittem  aos  filhos  ficarem  na  indivisão. 
Quando  estas  circumstancias,  que  facilitam  a  vida  em  commum 
nos  domínios  paternos,  vêem  a  dcsappareoer,  quando  o  numero 
dos  casios,  reunidos  cm  um  mesmo  sitio,  fica  fora  de  proporção 


o  BRAZIL  SOCIAL  119 

com  a  producUvidade  das  terras,  ou  da?»  offleinas  de  trabalho, 
quando  o  equilíbrio  entro  as  subsistências  que  estas  produzem 
e  a  população  que  nellas  reside  é  roto,  6  preciso  que  algumas 
famílias sedostaqaom.  Lim.tase  assim  a  familia  patriarchal  a 
cinco,  ou  quatro,  ou  três  casaes  e  seus  filhos.  Um  dia,  sob  o 
impulso  das  mesmas  cansas,  a  familia  se  reduz  a  dois  casaes,— 
o  do  pai  e  o  do  herdeiro  escolhido  para  continuador.  Estamos* 
assim,  cm  face  da  familia  quasi-paíriarchal .  A  transmis^o 
integral  da  ofHolna  de  trabalho  a  um  só  filho  é,  neste  caso,  com 
effeito,  um  Ycstlgio  da  transmissão  integral  em  proveito  do 
todos;  a  transmissão  individual  substituiu  a  transmissão  integral 
coUectiva.  Os  filhos  que  não  herdam  em  bens,  recebem  sua 
quota  em  dinheiro ;  mas  como  não  foram  criados  com  o  pensa- 
mento do  deixarem  a  terra  natal,  nada  os  prepara  no  sentido 
do  vencerem  na  luta  pela  vida.  Saliidos  de  uma  communidado, 
continuam  a  contar  com  cila,  a  appelbr  para  cila  cm  seus 
embaraços  c  em  seus  desânimos. 

A  familia-tronco  f  souche )  não  ^,  como  a  precedente, 
uma  1-oducrão  da  família  patriarchal.  As  sociedades  que 
t^m  este  género  de  familia  por  base,  as  sociedades  de  formação 
particularista^  se  originaram  nas  costas  da  Scandinavia,  cm 
consequência  da  invenção  da  barca  a  velas  e  das  condições  de 
iniciativa  e  isolamento  impostas  a  essas  gentes  enérgicas  pela 
pesca  marítima.  Tal  familia  funda-se  na  educação  individua- 
lista dada  aos  filhos.  Eita  educação  os  leva,  ás  vezes,  a  aban* 
donarem  o  pai  para  melhor  trabalhar,  empregar  melhor  as 
próprias  forçaa.  A's  vezes,  um  filho  consente  em  ficar,  sob 
a  promessa  de  lhe  ser  integralmente  transmlttida  a  oflflcina 
do  trabalho.  Outras  vezes  recusa  ;  porém,  at(5  neste  caso,  a 
familia  não  perde  o  seu  caracter  fundamental ;  porque  o  iso- 
lamento  dos  pais  o  a  sahida  de  todos  os  filhos  originam-se  do 
desenvolvimento  das  qualidades  de  iniciativa  e  de  coragem  dos 
últimos  e  tendem  ao  progresso  da  actividade  geral  e  das  vir. 
tudos  cívicas.  Na  familia-tronco,  os  filhos,  collocados  entre 
dois  deveres,  o  do  piedade  filial  e  o  de  labor  social,  sacri- 
ficam o  primeiro,  em  consequência,  alias  dos  incitamentos  dos 
próprios  pais,  que  renunciam  a  guardar  perto  de  si  seus  des» 


120  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

cendentes,  reclamados  pela  pátria  o  pelo  trabalho.  E,  pois,  se 
o  individuo  yoluntariamento  se  desprende  da  familia  ô  para  con- 
sagrar mais  intensamente  sua  actividade  ao  augmeoto  das  ri- 
quezas e  das  forças  goraes. 

Os  hábitos,  oriundos  do  espirito  da  familia,  cedem  o  passo 
aos  costumes  impostos  pelo  devotameato  á  sociodade. 

Não  é  em  tão  boas  razoes  que  se  funda  a  família  instável. 
Nesta  faltam  dois  característicos  ossenciaos,  existentes  na  fa- 
milia precedente:  falta  a  educação  viril  dada  aos  filhos;  e, 
além  disso,  se  não  existe  a  transmissão  hereditária  integral, 
não  ó  porque  os  filhos  recusem  prestar-so  a  ella,  por  trazerem 
em  si  as  largas  esperanças  e  os  vastos  pensares,  cuja  realisação 
ô  incompatível  com  o  apego  á  profissão  paterna,  não  ;  é  porque 
a  transmissão  integral  se  tornou,  ou  inútil  pelo  retalhamento 
da  propriedade,  ou  impoasivel  em  consequência  do  influxo  dis- 
solvente da  legislação  e  do  principio  da  partilha  igual  em  bens. 
Se  08  filhos  não  ficam  junto  aos  pais,  ó  que  temem  perder  a 
liberdade,  porque  esse  dever  lhes  pesa,  e  não  porque  os  pais 
lhes  aconselhem  a  procurar,  ou  lhes  tenham  ensinado  a  achar 
fora  uma  posição  independente  ;  é,  ainda,  porque  nenhum  filho 
pôde  contar  com  a  transmissão  integral  em  seu  favor,  em  rasLo 
do  estado  de  desmembramento  excessivo  das  propriedades,  ou 
da  má  legislação.  A  familia  instável  deriva,  portanto,  da  falta 
de  espirito  familiar,  da  falta  de  domínios  agglomorados  e  do 
principio  da  igualdade,  em  espécie,  imposta  por  uma  legislado 
retrograda.» 

Estes  quatro  géneros  de  familia,  oriundos  de  certas  e  de- 
terminadas particularidades  ethnicas  e  históricas  o,  muito  de 
perto,  de  condições  cspeciaes  de  logar,  trabalho^  e  propriedade^ 
dão  origem  a  duas  categorias  de  sociedades  Iiumanas  :  as  socie- 
dades deformação  eommunaria  (communautaire)  e  as  sociedades  de 
formação  particularista . 

As  sociedades  de  form  ição  eommunaria^  expressão  esta  que 
se  não  deve  confundir  com  o  termo  communisla  no  sentido  que 
hoje  lhe  dá  certa  ramificação  do  moderno  socialismo,  comprehen* 
dem  as  diversas  variedades  de  gontes  que  procuram  resolver  o 
problema  da  existência,  apoiando-se  na  conectividade,  na  com- 


o  BRAZIL  SOCIAL  121 

mnnhão,  no  grapo,  quer  da  família,  quer  da  triba,  quer  da 
classe,  qnor  dos  poderes  públicos,  do  município,  da  província, 
do  Estado.  As  do  formação  particularista  encerram  as  diversas 
variedades  que  buscam  resolver  o  problema  da  existência, 
apoiando-s6  unicamente  na  energia  individual,  na  iniciativa 
privada,  e  tira  o  nome  do  flucto  de  nellas  conservar  o  parti-^ 
eular  toda  a  independência  em  relação  ao  grupo. 

Pondo  de  parte  as  sociedades  simples  de  caçadores  e  pesca' 
dores  selvagens,  cujo  característico  principal  ô  não  ter  família, 
as  sociedades  complexas,  em  cujo  numero,  abrindo  a  lista,  devem 
ser  contadas  as  gentes  pastoris  do  Oriente  e  os  pescadores  pro- 
gressivos da  Scandinavia,  pertencem  a  uma  ou  a  outra  das 
duas  categorias  citadas.  As  communarias,  que  são  em  muito 
maior  numero  do  que  as  particularistas^  apresentam  três  mo- 
dalidades typicas,  conforme  a  espécie  de  í^milia  que  lhes  serve 
de  apoio:  communaria  de  fàmilia,  tendo  por  fundamento  a  família 
patriarchal ;  communaria  de  familia  e  de  Estado,  tendo  por  base 
u  fomilia  quasi  patriarchal;  communaria  de  Estado,  armada  na 
familia  instável.  As  duas  primeiras  predominam  no  Oriente 
asiático  e  onropôo  ;  a  ultima  no  meio  dia  ocoidental  da  Europa 
e  na  America  do  Sul. 

As  sociedades  de  formação  particularista  apresentam  duas 
modalidades :  ou  dá-se  a  escolha  de  um  continuador  do  patri- 
mónio o  da  officina  de  trabalho,  o  que,  além  da  forte  educação 
moral  e  do  grande  espirito  de  iniciativa,  faz  a  sociedade  re- 
vestir-se  dum  bello  aspecto  patriarchal  no  largo  sentido  ;  ou, 
com  a  plena  liberdade  de  testar  da  parte  dos  pai9,  os  filhos 
nem  sequer  pensam  em  lhes  succedor,  contentando-se  com  as 
qualidades  de  caracter  que  herdam.  A  primeira  modalidade 
t  corrente  na  Europa  Scandinava,  na  Inglaterra,  na  Hollanda, 
na  planície  Saxónica;  a  segunda  nos  Estados-Unídos. 

Sob  o  ponto  de  vista  especifico  do  trabalho,  que  vem  a  ser 
a  grande  mola  que  move  e  afeiçoa  as  sociedades  humanas, 
cumpre  não  perder  de  vista  que  varias  tem  sido  as  phases 
atravessadas  pela  espécie,  partindo  ella  do  simples  apanha- 
mento  de  substancias,  que  se  prestavam  ao  alimento,  e  dos 
produçtos  espontâneos   da  caça  o  da  pesca,  que  demandavam 


i 


122  RFA'ÍSTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

rudimentares  esforços,  passando  pela  recoUa  ou  coUecta  da  arte 
do  pattoreio  o  das  producções  fructiferas  arbore.^centes,  seguindo 
pela  cultura  maior  ou  menor,  até  chegar  á  cultura  intonsa  e 
vastíssima  e  ás  industrias  complicadas  dos  tempos  hodiernos. 

Cada  um  destes  géneros  de  trabalho,  cada  uma  destas  offl- 
cinas  de  producçSo,  cada  uma  destas  maneiras  de  agenciar  os 
moios  de  existência  trazia  o  traz  consequências  especiaes  inde- 
léveis, difflcilimas  de  apagar,  porque  cilas  constituem  o  subsíra- 
dum  intimo  das  sociedades. 

Claro  <3,  por  outro  lado,  que  a  humanidade,  tomada  em  seu 
todo,  ou  considerada  em  seu  conjuncto,  não  atravessou  toda 
ella  ao  mesmo  tempo  e  de  parceria  cada  uma  das  phases  de^sa 
gradação.  As  situações  reciprocas  dos  povos  divergem. 

A  posição  do  Rrazil,  seu  verdadeiro  estado  social,  escla- 
rocido  com  esto  critério  intimo  dos  elementos  primários  e  es- 
senciaes  da  vida,  ó  que  mo  proponho  a  elucidar. 

Infelizmente  só  em  traços  largos  e  em  linhas  geraes  ;  porque 
um  estudo  regular  e  completo  do  Brazil,  sob  tal  methodo, 
exigiria  três  ou  quatro  volumes,  firmados  em  duzentas,  ou 
trezentas  monographlas...  que  não  existem,  que  estão  por 
fazer. . . 

Seria  preciso  estudar  acuradamente,  sob  múltiplos  aspectos, 
cada  um  dos  povos  que  onti^ram  na  formação  da  na^o  actual ; 
dividir  o  paiz  em  zonas  ;  em  cada  zona  analysar  uma  a  uma 
todas  as  classes  da  população  o  um  a  um  todos  os  ramos  da 
industria,  todos  os  elementos  da  educação,  as  tendências  es- 
peciaes, os  costumes,  o  modo  de  viver  das  famílias  do  diversas 
categorias,  as  condições  de  vizinhança,  de  patronagem,  de 
grupos,  de  partidos ;  apreciar  especialmente  o  viver  das  po- 
voações, villas  e  cidades,  as  condições  do  operariado  em  cada 
uma  delias,  os  recursos  dos  patrões,  o  com  outi*o8  problemas, 
dos  quaes,  nesta  parte  da  America,  d  rhetorica  politicante  dos 
partidos  em  lucta  nunca  occorreu  cogitar. 


o  BRAZIL  SOCIAL  123 

III 

03  FACTORES  E  SUAS  ACHEGAS  TRADICIONAES 

E  porque  a  tal  ou  qual  civilisação  do  que  tanto  hoje 
infaDiilmeute  nos  orgalhamos  6  no  Brazil,  em  suas  manifes- 
tações mais  elevadas»  producto  transplantado,  figura-se-me 
preferível,  antes  de  dividir  o  paiz  cm  zonas  para  examinal-as, 
dar  logo  do  principio  noticia  corta  do  estado  social  dos  factores 
que  constituíram  as  actuaes  gentes  braziloiras.  Sâo  antecedentes 
históricos,  indispensáveis  ao  conhecimento  intimo  das  gerações 
do  hoje,  principalmente  se  se  tiver  em  vista  penetrar  na  índole 
de  tacs  factores  sob  o  aspecto  social  e  não  dar  simples  e  incon- 
gruontes  descripções  dos  usos  externos,  quo  nada  quasi  adiantam 
e  para  nada  quasi  prestam.  Outro  critério,  outro  alvo,  outro 
intuito  devem  trazer  diverso  resultado. 

No  primeiro  livro  da  Historia  da  Litteratura  Brasileira^ — 
já  alguma  cousa  âcou  dita  acerca  do  assumpto,  sob  um  ponto 
de  vista  muito  geral,  e  não  no  peculiar  sentido  especifico  a  que 
ora  seallude. 

£*  verdade,  o  eu  não  o  ignoro,  que  o  bom  tom  da  critica, 
da  historiographia,  das  dissertações  politicas,  de  tudo,  em 
summa,  que  se  escreve  no  Brazil  a  respeito  de  cousas  da  terra, 
ó  o  do  tratar  o  paiz  e  a  sua  gente  como  se  isto  aqui  fosse  feito 
de  pedaços  da  AUemanha,  da  Inglaterra,  da  Suissa,  da  França, 
no  que  ellas  contam  de  mais  culto,  do  mais  progressivo,  de 
mais  adiantado.  Ao  geral  dos  nossos  escriptoros,  das  três  ca- 
tegorias principaes  que  nos  têm  andado  a  illudir  e  a  que  já 
se  fez  mais  de  uma  vez  aliusão,  este  paiz  nâo  é  o  Brazil  re.vl 
que  o  estudo  e  a  verdade  revelam,  senão  um  Brazil  phantas- 
magorico  imaginado  por  elles  para  uso  de  seu  incorrigível 
dilettantismo. 

Não  pôde  haver  maior  inconveniência  aos  olhos  dessa  gente 
do  quo  lembrar  o  incommodo  problema  das  origens.  • . 

Perturbar  a  auto-idolatria  da  sublime  prosápia  desses 
arjmnos  puro  sangue  é,  perante  elles,  praticar  um  acto  da 
maior  indisoreção,  do  mais accentnado  desaso... 


124  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Em  que  peze,  porém,  ús  alterosas  pretenções  desies  despei- 
tados praguejadores,  creio  ser  possirei  ainda  affirmar  não  ter 
sido  a  sciencia  inventada  para  iisongear-lhes  a  vaidade  ;  tem 
ella  outros  desígnios. 

E*  ainda  licito,  para  conhecer  um  povo,  sondar-Ihe  as 
origens,  mazimé  se  o  problema  a  solver  é  o  da  exacta  deter- 
mina^^de  sna  estructura  social. 

Ou  se  admitta,  ao  que  me  parece  mais  aoertado,  os  dois 
slgniíioados  diversos  do  termo  raça,  o  anthropologico  e  o 
sociológico^  ou  só  se  acoeite  este  ultimo,  a  questão  ethnogra- 
phica  ô  a  base  fundamental  de  toda  a  historia,  de  toda  a  poli- 
tica, de  toda  a  estructura  social,  de  toda  a  vida  esthetica  e 
moral  das  nações. 

E,  quando  se  queira  reduzir  toda  a  extensão  do  assumpto 
ao  que  se  convencionou  chamar  de  raça  sociológica^  maior  será 
a  gravidade  do  problema ;  porque  maiores  ficarão  sendo  as  re- 
sponsabilidades dos  que  têm  a  seu  cargo  a  direcção  dos  povos. 
Sim  ;  se  o  conceito  de  raça  não  pertence  ã  historia  natural  do 
homem,  não  é  um  phenomeno  anthropologico,  e,  sim,  mera- 
mente  um  producto  da  historia  civil,  um  facto  sociológico, 
vale  isto  afflrmar  que  a  raça  como  formai,  por  assim  diser, 
consciente  do  próprio  homem,  é  um  resultado  de  selecção  vo- 
luntária, ô  alguma  cousa  que  se  faz,  que  se  prepara,  que  se 
dirige,  que  se  aífeiçôa  ao  sabor  dos  desejos  daquelles  a  quem 
mais  de  perto  cabe  a  fúncção  do  organizar  e  dirigir.  No  pri- 
meiro caso,  trata-se  de  alguma  oousa  de  inconsciente,  de  me- 
cânico, de  nec3ssario,  cujos  defeitos  só  mui  lentamente,  por  pro- 
cessos adequados,  ô  possível  muito  de  leve  corrigir. 

No  segundo  estamos  em  face  dum  phenomeno  histórico, 
humano,  social,  cujo  processus  ó  susceptível  de  ser  acompa- 
nhado com  discernimento  e  convenientemente  modificado  ao 
«abor  dos  nossos  planos,  dos  nossos  desejos,  dos  nossos  ideaes. 
Num  caso,  a  vontade  humana  6  quasi  impotente  ;  noutro  é  ella 
o  elemento  principal  o,  se  lhe  não  agradar  o  resultado,  é  por- 
que não  soube  ou  não  quiz  tomar  a  sério  a  sua  própria  missão. 
Dos  dois  significados,  pois,  do  termo,  o  de  consequências  mais 
jjravespara  os  directores  de  povos  novos,  como  o  brazileiro,  é 


o  BRAZIL  SOCIAL  125 

exactamente  aqaelle  a  que  se  apegam  os  preteaciosos  que 
temem  yer  desfeitos  oertos  cálculos  da  vaidade  em  pyoà  da 
realidade  das  fontes  donde  dimanam. 

E  nSo  é  sem  razão  indicar  aqui  em  prevenção  aos  incautos 
donde  e  quando  proveio  essa  idolatria  pela  intitulada  raça  so- 
ciológica ou  histórica  em  ódio  ao  vordadeiro  sentido  naturalis- 
tico  da  cousa.  Foi  de  certo  tempo  a  esta  parte.  Vários  escri- 
ptores,  e  entre  elles  até  os  que  no  concoito  anthropologioo  da 
raça,  como  Taine  e  Renan,  tinham  feito  repousar  a  base  mais 
segura  de  seus  estudos  do  linguistica,  de  critica  religiosa,  de  lit- 
teratura  e  de  esthetica,  entraram  a  se  desdizer  e  a  reduzir  o 
mais  possivel  o  valor  da  originaria  distincção  das  raças  humanas. 
Era  e  ó  evidentemente  um  capricho  para  encobrir  e  desculpar  os 
defeitos  nacionaes.  Neste  intuito  tanto  mais  tem  procurado  en- 
curtar o  valor  do  flsicto  anthropologioo,  quanto  tem  alargado  o  do 
facto  histórico.  Já  alguns  têm  chegado  a  asseverar  :  não  existem 
e  atô  nunca  existiram  raças  anthropologicamente  distinctas  e 
livres  de  mesclas,  têm  existido  o  existem  ainda  hoje  apenas 
raças  historicamente  formadas. 

Eis  ahi  a  pretencão  em  toda  a  sua  nudez.  Aqui  anda  erro 
conscientemente  arranjado  e  applaudido.  Para  chegar  a  isso  pre- 
param de  propósito  a  confusão  e  chegam  ao  ponto  de,  por  so- 
phisma,  para  o  desacreditarem,  estender  o  conceito  de  raças 
aos  simples  ramos,  simples  garfos,  meras  variedades  de  um 
grupo  ethnico  qualquer,  no  claro  empenho  de,  p3la  exageração 
da  cousa,  mostrar-lho  a  sem  razão. 

Nada  disto,  poróm,  colhe  perante  a  sciencia,  severa  em 
seus  methodos  e  estudos.  Falam-nos  abusivamente  de  i*aca  por- 
tugueza,  hespanhola,  francoza,  italiana,  alleman,  ingleza,  hol- 
landeza,  noruegnense,  sueca,  flamenga,  polaca,  latina,  grega... 
meras  variedades  da  raça  aryana,  para,  pelo  absurdo,  mostrando 
as  condições  históricas  em  que  se  formaram  essas  nações,  entre 
si  sempre  emmaranhadas,  chegarem  ã  negação  do  facto  geral: 
a  distinção  originaria  dos  aryanos  em  face,  não  dos  membros  es- 
parsos do  seu  mesmo  grupo,  senão  diante  de  semitas, 
uralo-altaicos,  malaios,  drawidianos,  polynesios,  negritos,  afri- 
canos, americanos. 


12G  REVISTA   DO   INSTITUTO  HISTÓRICO 

O  absurdo  é  patonto. 

O  valor  da  historia,  ninguom  o  contesta  om  bom  juizo,  na 
caldcação,  diga-sc  assim,  das  populações  aryanas  entre  si  o  ató 
com  populações  mais  antigas  na  Europa  e  na  Ásia  para  a  for- 
mação das  nacionalidades  em  que  veio  a  dividir-se  a  grande 
raça.— Hindus,  Persas,  Hellenos,  Italiotas,  Coitas,  Germanos, 
SIavos  primeiro,  e,  depois,  francezes,  hespanhóes,  portuguezes, 
allemãeSfiDglezes,  suecos,  norueguenses,  flamengos,  hoiiandezes, 
russos,  polacos  — são,  por  certo,  prodactos  da  historia,  estes 
muito  mais  do  que  aquolles. 

Se  historia,  poróm,  explica  quasi  por  si  só  a  formação  de 
cada  uma  das  variedades,  por  exemplo,  cm  que  se  dividiram  os 
diversos  ramos  da  grande  raça  aryana,  já  não  consegue  com 
igual  facilidade  dar  o  porque  da  distincçao  dos  alludidos  ramos 
o  muito  monos  a  razão  da  diíTerença  entre  a  citada  raça  e  as 
outras  raças  inconfundíveis,  que,  com  ella,  formam  oconjuncto 
do  goncra  humano.  Sim,  se  6  relativamente  fácil  mostrar, 
historicamente,  como  se  formaram,  verbi-gratia,  as  variedades 
do  ramo  latino,  portuguezes,  hespanhóes,  francezes,  italianos, 
já  não  6  historicamente  facll  explicar  porque  Latinos  e  Germâ- 
nicos, Celtas  e  Hellenos,  SIavos  e  Iranianos,  Hindds  o  Ligures 
(admittindo  que  estes  últimos  sejam  aryanos)  se  distanciaram 
tanto  entre  si  ;  o  muito  menos  commodo  é,  pelo  mesmo 
processo,  dar  os  motivos  da  radical  diirerouciação  entro  os 
Aryanos  o  os  Malaios  e  os  Negros  d'Africa  o  os  Polynesios. . . 
Este  é  que  é  o  facto  contra  o  qual  não  valem  esconjuroSi 
despeitos  e  sophismas. 

A  Aimosa  acção  da  historia,  por  mafs  que  se  tenha  agitado 
o  homem  nos  ultimes  dez  ou  doze  mil  annos,  que  tantos  deve 
haver  desde  a  civilisação  do  Egypto,  da  Chaldôa,  da  Assyria, 
de  Babylonia  c  mesmo  da  China,  por  mais  que  tenha  destruído 
e  misturado  povo,  não  conseguiu  ainda  apagar  as  inconcussas 
verdades  da  Anthropologia  c  da  Ethnographia. 

Pôde  ser  que  ainda  o  venha  a  conseguir;  mas,  por  emq^uanto, 
é  cedo  para  falar  nisso. . .  Tal  o  forte  motivo  pelo  qual  ó  neces- 
sário contar  sempr3  em  nossa  própria  historia,  em  nossa  pró- 
pria vida  com  o  factor  ethnologico.  A*  espera  da  mais  ou  monos 


-i 


o  BRAZJL   SOCIAL  127 

pbaDtaslica  extincçâo  total  das  diíFereoças  othnicas  entro  as 
Dações,  a  humanidado  Acará  talvez,  não  dez,  mas  trinta  ou  cia* 
Goenta  ou  cem  mil  annos,  o  ató  lá  a  anthropologia  terá  sempro 
razão  o  direito  de  se  fazer  ouvir.  Verdado  6  que,  nos  uUimos 
quatro  séculos,  depois  quo  os  europêos  correram  todos  os  maros 
e  terras  o  se  arrogaram  o  direito  do  tomar  conta  das  regiões 
que  dizem  ocoupadas  por  selvagent  e  gentes  inferiores^  muito 
tem  sido  feito,  na  crença  dos  sonhadores,  no  sontiJo  da  indis- 
tiocçSo  almejada.  Olhando-so,  porém,  de  mais  porto  para  o 
íkcto,  a  grandeza  do  resultado  ac  roduz  a  bem  pouco,  porquanto, 
não  conseguindo  anniquilar  o  negro  e  o  amarello^  poude  apenas 
o  branco  desbaratar  quasl  por  toda  a  parte  o  vermelho^  pondo, 
porém,  cm  seu  logar,  na  America  do  Sul  principalmente,  um 
variegadissimo  contingente  de  mestiços^  mais  variados  de  cores, 
segundo  a  expressão  de  Quatrefages,  do  que  a  multidão  de  gatos 
que  babitam  nossos  tolbados. . . 

Gomo  quer  que  seja,  e  om  todo  caso,  o  tal  processo  do  igua- 
lisação,  ató  onde  ó  possivol,  é  um  processo  de  morto  o  anni- 
quilamento  directo  ou  indirecto.  O  diVdcf o  é  posto  em  pratica 
pelos  aoglo-saxonios,  a  gente  colonisadora  por  excoUencia  ;  o 
indirecto^  que  é  o  do  cruzamento,  foi  e  continua  a  ser  mais  do 
gosto  dos  ibero-latinos,  o  segundo  grupo  notável  do  gentes  colo- 
nisadoras  do  Renascimento  a  esta  parte.  Pelo  primeiro  methodo 
tem  desapparecido  quasi  geralmente  os  indígenas  dos  Estados- 
Unidos  e  de  varias  zonas  da  Oceania. 

O  mesmo  tentarão  íazer,  ahi  com  muitissimo  menor  êxito,  aos 
negros  d* Africa,  logo  quo  a  península  osti  vor  quasi  toda  na  posse 
de  inglezes  e  aiiemãcs,  iguacs  os  uUimos  aos  seus  parentes 
neste  particular.  Não  é  que  uns  e  outros  destruam  om  directas 
e  monstruosas  hecatombes  os  selvagens  ou  os  tratem  peior  do 
que  03  hespanhóes  e  portuguezes.  B*  que  cream  nos  paizes  sub- 
mettidos  e  conquistados  uma  ordem  de  cousas  em  que  as  raças 
inferiores  não  se  podem  manter.  Prestam  serviços,  como  animaes 
de  earga,  emquanto  se  formam  as  cidades,  os  canaes,  as  estradas, 
oi  portos,  a  drenagem  do  solo,  o  desbravamento  das  mattas,  as 
Unhas  telegraphicas  ;  porém  não  cruzam,  definham  e  morrem. 
Os  restos  que  ficam,  como  os  negros  nos  Estados  Unidos,  vivem 


128  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

debaixo  da  perpetaa  suspeição,  ilhados  da  popnlaçio  branoa.  B' 
o  resultado  a  quo  chegam,  por  via  de  regra,  povos  escuros  em 
ccmtacto  esobo  domiaio  direoto  das  gentes  xantochroides  do 
norte  da  Earopa.  Esses  belios  exemplares  hamanos  de  pelle 
alva,  cabellos  louros  e  olhos  azues  são  iaconscien temente  um  fer- 
mento de  morte  para  os  pobres  selvagens.  Não  assim  os  melano^ 
ehraide»  do  Meio^Dla.  Estes  são  gentes  de  tez  morena,  cabellos 
pretos,  olhos  negros  ou  pardos,  o  são  já,  sem  a  menor  duvida, 
resultado  de  misturas  de  brancos  com  berberes,  altaioos,  mongo- 
lóides e  negros  no  imraenso  laboratório  circular  do  Medi- 
terrâneo. Inconscientemente,  espontaneamente,  sentem-se  attra- 
hidos  pelas  Venos  escuras  das  terras  tropioaes.  Cruzam  oom 
ellis.  B*  um  processo  indirecto  de  riscar  povos  do  livro  da  vida, 
apagando-lhes  os  caraoteristicos  ethnicos ;  mas  ó  mais  humano  e 
não  digo  mais  meritório;  porque  não  são  cousas  filhas  de  reflexão 
consciente.  E  este  tem  sido  o  caso  dos  portuguezes  no  Brazil  por 
quatrocentos  annos  ;  e  ha  de  ser  e  está  sendo  em  grande  escala 
o  dos  italianos,  que  de  S.  Paulo,  para  onde  principalmente  têm 
convergido,  hão  de  espalhar-se,  já  cruzados  e  integrados  nas 
populações  da  terr^,  por  todo  o  planalto  central  do  paiz. 

Emquanto,  poróm,  este  ultimo  facto  so  não  dá,  releva 
tratar  de  nossos  fiictores  ethnicos  como  elles  nos  são  fornecidos 
pela  historia  e  pela  acção  diuturna  da  vida  durante  os  quatro 
séculos  decorridos  da  descoberta  ató  a^ora:  portugueus,  indios^ 
e  africanos.  Eis  ahi  os  três  povop,  anthropologica  c  ethnographi- 
camente  distinctos,  que  nos  têm  vibdo  a  forjar,  a  amalgamar  na 
incude  e  no  cadinho  da  liistoria,  cujo  estado  intorno  o  social  6 
preciso  sondar,  agora  por  methodo  novo,  para  ser  poesivei  o 
exacto  conhecimento  da  alma  brazi leira  de  hoje. 

De  nós  outros  é  que  se  pôde  dizer  desde  Já,  e  cada  vez  mais 
se  poderá  afflrmar  no  futuro,  que  vamos  formando  uma  raça 
histórica^  em  o  sentido  geralmente  da'io  a  esta  expressão.  Um 
ft^agmento  da  bella  e  valorosa  raça  aryana,  já  de  si  muito  desfi- 
gurado e  constituindo  um  caso  disso  que  se  chama  raça 
histórica,—  os  portuguezes,  —  alliou-se  a  duas  raças,  genni-* 
namente  anthropologicas,  completamente  diversas  e  sob  varies 
aspectos  :  indios  americanos  e  negros  da  Afí^ica. 


^i 


o  BRAZIL   SOCIAL  129 

Releva  ainda  uma  yez  confessar,  não  ser  igual  ao  que  de- 
fendo o  ponto  de  vista  de  Le  Piay  e  seus  continuadores  neste  de-^ 
bate.  Assim  como  saa  classiflcação  social  não  se  me  antolha  uma 
verdadeira  classiílcaçSo  de  phenomenos  sociológicos,  senão  uma 
bella  serie^  uma  excellente  nomenc! atura  de  problemas  e  questões 
da  scienciaf  assim  também  me  parece  que  não  assignalam  ú.  dif- 
ferencia^o  das  raças  humanas  as  causas  verdadeiramente  pri- 
mitivas  e  ílnndamentaes . 

Não  ó  que  desconheçam  essa  differenciação ;  é  que  apre- 
sentam como  modificações  do  um  typo  único  sob  o  influxo  dos  ca- 
minhos seguidos  pelos  vários  grupos  em  que  aquelle  typo  se 
Araocionou.  Eis  o  que  diz  Ed.  Demolins  :  «Laraoe  n'est  pas  une 
cause,  c*est  une  conséquence.  La  cause  première,  et  decisive  de 
la  diversité  des  peuples  et  de  la  diversitâ  des  races,  c*est  la  route 
que  les  peuples  ont  suime.  G*est  la  route  qui  orée  la  race  et  qul 
tsj^  le  type  social»  (1). 

Sim ;  a  raça  ô  uma  consequência,  mas  consequência  de 
causas  multo  anteriores  e  muiio  mais  fortes  do  que  quaesquer 
caminhos.  A  diversidade  das  raças  provém,  creio  eu  :  1«  do  ap- 
parecimento  dos  primitivos  grupos  humanos  Já  do  si  diíferen- 
ciados  em  centros  também  divergentes ;  2*  da  permanência 
delles  nesses  sítios  que  operaram  oomo  consolidadores  das  diffe- 
renças  nativas  ;  S^  as  migrações  posteriores  que  serviram  para 
preparar  as  differenciações  das  variedades  em  que  se  vieram  a 
fraccionar  os  Tarios  grupos  primitivos ;  4<»  a  permanência  dila- 
tada dos  emigrados  em  novos  meios. 

As  duas  primeiras  causas  explicam  as  divergências  radicaes 
das  raças  mães  ;  as  duas  ultimas  as  distincções  das  variedades  em 
que  se  ftragmeniou  cada  raça  primltíva.  Os  caminhos  de  Ed.  De- 
molins, que  se  acham  no  terceiro  grupo,  com  terem  seria  impor- 
tancia,  não  representam  o  principal  papel  no  assumpto. 

Feitas  estas  reducções  e  expostos  estes  preliminares,  é  tempo 
de  convidar  o  leitor  a  uma  explicação  mais  directa  do  methodo 
de  Bd.  Demolins  e  de  sua  escola  ao  caso  brazileiro. 


(1)  Commeiit  ia  roato  crée  lótypj  social,  I,  pag.  Vlí. 
4323  —  9  Tomo  lxix.  p.  ii. 


130  REVISTA  Dó  INSTITUTO  HISTÓRICO 

E*  mister  começar  pelo  indío.  Elle  representa  na  popu- 
lação do  paiz  o  elemento  mais  antigo,  mais  adaptado  ao  6ólo« 
mais  aclimado,  mais  conhecedor  das  varias  zonas,  mais  nume- 
roso durante  dois  séculos;  aquelle  quo,  a  despeito  do  luctas  pos- 
teriores, foi  o  arrimo  primário  a  que  se  acostou  o  invasor,  direi 
meliior,  os  invasoresi,  porquanto,  sendo  já  em  1500  constante  o 
trafico  de  africanos  e  crescido  o  numero  de  escravos  negros  em 
Portugal,  deve-se  admittir  a  opinião  de  YarnLagen,  o  qual 
acreditava  na  vinda  de  gente  desta  procedência  ao  Brazil, 
desde  a  viagem  de  Pedro  Alvares  Cabral.  Por  taes  motivos  o 
Índio  se  me  antolha  como  o  leito  sobre  o  qual  se  distendeu  a 
população  futura,  ou,  se  quizerem,  o  velho  tronco  em  que  se 
vieram  enxertar  os  elementos  estranhos. 

O  portuguez  e  o  negro  nSo  destruíram  senão  limitadamente 
oselyioola  americano.  Cruzaram  com  elle.  Assimilaram -no  0 
foram  por  elle  assimilados.  O  drama  dessa  fusão,  dessa  dspla 
operação  ethnico-social,  até  hoje  mal  descripto  e  mal  compra- 
hendido  pelos  historiadores  e  sociólogos  brazlleiros,  será  pa- 
ginas adiante  esboçado. 

Os  estudos  americanos  em  geral,  na  Europa  ou  ao  conti- 
nente, têm  peccado  todos  por  alguns  vioios  Intrínsecos  q^e  os  têm 
corrompido  e  tornado  ató  agora  perfeitamente  inutei^  para 
dolles  se  tirar  uma  consequência  qualquer. 

Os  missionários  e  colonos  intelligentes  do  século  XVI,  que 
deixaram  noticias  escrlptas  dos  nossos  selvagens,  eram  dema- 
siado incompetentes  para  uma  observação  regular,  capaz  de  sor« 
prehender  os  mais  Íntimos  factos  sociacs  o  a  fuodajnental  psy- 
chologia  dessas  gentes  rudes. 

E,  todavia,  6  onde  se  encontram  hoje  as  natações  de  mór 
valia  acerca  de  tudo  que  lhos  diz  respeito.  Fizeram  meras  des- 
cripções;  mas  nelles  vae  hoje  o  investigador  sociólogo  achar  os 
materiaes  mais  ou  menos  adequados  p^ra  suas  conclusões. 

Já  não  é  o  mesmo  o  caracter  e  o  prestiqio  dos  escriptos  dos 
colonos  o  missionários  dos  séculos  XVilyB  XVIIi.  Inimisados, 
brigados  uns  com  os  outros,  por  motivo  exactamente  dos 
indi)s,  seus  relatórios,  memorias,  cartas  o  noticias,  sobre  o 
tbeina  de  suas  desavenças  e  luctas,  revestem  as  cores  de  estu- 


o  BRAZIL  SOCIAL  131 

dadas  apologias  oa  desdenhosas  caricaturas.  E*  mister  nesso 
cahos  respigar  com  parco  afan  o  desconfiado  critério. 

Os  naturalistas  e  ethnologos  do  secnlo  XIX,  a  despeito  de 
todas  as  suas  pretenções,  nada  mais  têm  feito  até  agora  do  que 
alguns  estudos  das  linguas  e  dos  usos  e  costumes  mais  ou  menos 
exteriores,  dos  quaes  têm  precipitadamente  feito  brotar  classi- 
ficações, classificações  e  mais  classificações.  Entendem  elles  que 
com  aJgons  róes  de  raças  e  linguas  e  de  linguas  e  raças  está  tudo 
feito.  E  até  os  mais  eminentes,  como  Martins,  von  Steinen, 
Ehrenrcieh,  não  saliiram  d*ahi.  Que  dizer  dos  de  segunda  ou 
terceira  ordem,  como  H*  von  Ihóring  e  E.  Qoeldi?.  Este  ultimo 
era  conferencia  realisada  em  1896  sob  o  pomposo  titulo  —  £!srado 
actual  dos  conhecimeniofí  acerca»  dos  Índios  do  Brazil^ —  não  sae 
do  safaro  terreno  das  classificações.  Mas  ahi  mesmppommette 
o  lapso  de  não  citar  Rodrigues  Peixoto,  que  rocti  doou  a  çlassi-: 
ficação  de  Prichard,  Baptista  Caetano,  que  corrigiu  a  de  Hervás 
e  de  Martins. 

Fala,  é  certo,  em  Capistrano  de  Abreu,  de  quem  dá  apenas 
o  nome,  sem  declarar  que  ello  emendou  a  classificado  de  von 
den  Steinen  e  ampliou4ho  os  estudos  do  bacahiry...  E'  gente 
quo  ainda  hoje  se  suppõe  em  mundo  yirgem  e  em  terreno  por 
ella  conquistado.  (1) 

E*  pena  que  esses  naturalistas  sejam  tão  alheios  ás  questões 
sociológicas.  Ainda  hoje  pensam  que,  com  o  classificarem  os 
Índios  brazileiros  om  quatro  grupos  principaes,  —  Gês^  Ka- 
raiòas^  Nú-Aruacks^  e  Tupis,  ou  em  cinco,  segundo  Capistrano 
de  Abreu,  que  a  estes  junta  o  grupo  importantíssimo  dos  Ca~ 
rirySf  está  tudo  feito.  Completo  engano. 

O  reduzir  a  quatro  ou  cinco  grupos,  povos  primitivos  da 
Ásia,  da  Africa,  ou  da  Europa,  ou  da  Oceania,  ou  da  America 
não  faz  caminhar  um  passo  o  saber  positivo  da  humanidade*, 
nem  esclarece  n'uma  linha  os  problemas  sociaes. 

Ainda  menos  adiantam  as  impertinentes  questões  continua* 
damente  levantadas  pelos  auctores  brazileiros  durante  quasi 


(i)  Vide  Jioletimdo  Museu  Paraense,  vol.  11,  n.  4;  dozombro  do 
1898,  pag.  397  e  seg. 


132  REVISTA  DO  INSTITUTO   HISTÓRICO 

todo  O  correr  do  secnlo  XIX,  a  respeito  dos  gentioíi.  Radaziam- 
se,  por  via  de  regra,  ás  seguintes:  se  houve  ou  não  injustiça  no 
modo  como  os  colonisadores  trataram  os  indios ;  se  estes  eram 
Ott  não  civilisados ;  quaes  os  meltiores  processos  para  o  con- 
seguir ;  80  iam  em  progresso,  ao  tempo  da  descoberta  do  paiz, 
ou  estavam  retrogradando ;  se  eram  os  donos  da  terra  com 
direito  de  repeliir  os  invasores ;  se  eram  ou  nfto  os  genuínos 
representantes  do  povo  brazileiro...  Parece  incrível  que  se 
gastasse  tanto  papel  e  tinta  em  discutir  taes  fi*ioleiras. 

Ainda  em  melados  do  século,  os  mais  empenhados  no  debate 
nfto  etam  os  medíocres  escriptores  da  occasião  ;  eram  os  me- 
lhores talentos  e  as  maiores  illustrações,  Gonçalves  Dias,  Gon- 
çalves de  Magalhães,  J.  Francisco  Lisboa  e  F.  A.  VarnhageD. 

'  Os  dois  poetas  tomaram  o  partido  dos  caboclos  e  os  dois 
historiadores  o  dos  portuguezes.  Os  themas  discutidos  foram 
èstes,  seguàdo  J.  F.  Lisboa,  que  lhes  chamava  importafUes 
questões.  €08  selvagens,  que  os  primeiros  exploradores  encon- 
traram no  Brazil,  eram  um  povo  bruto  e  ferozt  destituído  de 
toda  e  qualquer  virtude,  ou  degeneraram  da  primitiva  grandeza 
e  magnanimidade  ao  contacto  da  escravidão  a  que  os  sujeitaram! 
Eram  ellcs  proprietários  da  terra  que  pis9.vam,  e  —  com  direito 
exclusivo  á  sua  posse, — tinham  por  ventura  ode  repeliir  os 
invasores  europeus  que  pretendiam  turbal-a?  Foi  deveras  uma 
desgraça  para  estas  regiões  que  na  lucta  travada  entre  uns  e 
outros,  a  victoria  se  declarasse  pelo  arcabuz  e  pela  ospada, 
contra  a  flecha  e  o  tacape  ? 

Qual  era  a  população  provável  do  Brasil  ao  começar  a  oo- 
lonisação  portugueza?  Podia  ella  computai^-se  por  milhões? 
Foram  os  portuguezes  que  a  ferro  e  fogo  anniquilaram  tantas  e 
florescentes  aldeias?  A  nação  brasileira  actual  de  qaemddBoende, 
dós  portuguezes,  ou  dos  selvagens  ?  Foram  estes  os  que  deram 
a  base  para  o  nosso  caracter  social  ?  Será  a  coroa  da  nossa  pros- 
peridade o  dia  de  sua  inteira  rehabilita^  ?»  (U 

Taes  os  pontos  esclarecidos  por  F.   Lisboa  em  resposta  a 
Gonçalves  Dias,  em  1854. 


(1)  Obras  do  João  Francisco  Lisboa,  íl,  pag.  idd;  edicao  deiddS. 


o  BHAZIL   SOCIAL  133 

Pouco  depois,  P.  A.  do  VarnhageD,  maU  acaloradamente 
ainda  quo  o  seu  predecessor  do  Maraoh&o,  debatia  estes  capí- 
tulos contra  os  selvagens:  cEram  os  que  percorriam  o  nosso 
território,  &  chegada  dos  christãos  europeus,  os  seus  legítimos 
donofl?  Viviam,  independentemente  da  falta  do  ferro  e  de  co- 
nhecimento da  verdadeira  religião,  em  um  estado  social  inve- 
jável? Esse  estado  melhoraria,  sem  o  influxo  externo  que 
mandou  a  Providencia  por  meio  do  chriatianismo  ?  Havia  meio 
de  06  reduzir  e  amansar,  sem  empregar  a  coacção  pela  forca  ? 
Houve  grandes  excessos  de  abuso  nos  meios  empregados  para 
essas  reducções  ?  Dos  três  principaes  elementos  de  povoacãOi 
Índio,  branco  e  negro,  que  concorreram  ao  desenvolvimento 
de  quasi  todos  os  paizes  da  America,  que  predomina  hoje  no 
nosso  ?  Quando  se  apresentam  discordes  ou  em  travada  lucta 
estos  três  elementos  no  passado,  qual  delles  devemos  suppor 
representante  histórico  da  nacionalidade  de  hoje?»  (1) 

Eis  ahi:  parece  odoscretear  de  preparatorianos  em  dicidir 
quem  foi  maior  Alexandre  ou  Gezar,  Annibai  ou  Napoleão.  • . 

São  debates  sem  alcance,  insolúveis  ou  impertinentes.  Não 
ó  isso  que  havemos  mister.  A  questão  é  uma  só:  qual  o  estado 
de  cultura  do  indio,  ou  quaes  as  suas  qualidades  sociaes  e  como 
6  com  que  entrou  na  forma(^  do  povo  brazileiro.  Tudo  o  mais  ^ 
pintar  n'agua. 

E  o  seu  estado  social  tem  de  ser  procurado  no  que  é  Ainda- 
mental  na  vida:  trabalho,  propriedade,  família,  organização  da 
existência.  A  Sciencia  Social  chegou  neste  ponto  a  couclusões 
certas,  cujo  valor  e  veracidade  tenho  confirmado  nos  escriptos 
dai  melhores  autoridades  oxistontos  a  cerca  dos  costumes  dos 
selvagens  brazilefros.  Podemse  eleger  os  principaes  Gabriel 
Soares  e  Fernão  Cardim,  representando  o  quo  hqk  de 
mais  selecto  no  assumpto  em  todo  o  século  XVI,  quando  os 
chronistas  diziam  sine  ira  ac  studio  q  que  viam  ;  Francisco 
Lisboa  e  Adolpho  Varnhagen^  symbolizando  a  sciencia  brazileira 
de  meiados  do  século  XIX,  principalmente  naa  investigações 
históricas  em  que  ainda  não  foram  excedidos:   e,  finalmente, 


(1)  Historia  Geral  do  Brazil,  II,  pag.  XI;  edição  de  1857. 


134  REVISTA  DO  INSTITUTO   HISTÓRICO 

Cauto  de  Magalhães  6  Capistrano  de  Abreu,  falando  estes  pela 
mesma  sciencia  nos  ultimos  annos  do  alludido  século ;  podem-se 
eleger,  dizia  estes  notáveis  espíritos,  todos  elles  confirmarão  as 
conclusões  que  vão  ser  ora  referidas. 

Habituado  a  estudos  do  género,  segundo  o  methodo  de- 
scripto,  habituado  a  sondar  a  organização  social  atravéz  dos  factos 
desconexos  acòumulados  pelos  viajantes,  com  a  simples  leitura 
do  livro,  aiíás  magnifico,  de  Crevaux,  Voyages  dans  VAmérique 
du  Sud,  Edmond  Demolins'chegou  a  este  resultado,  quanto  aos 
selvagens  desta  parte  do  mundo,  resultado  aqui  reproduzido, 
resumindo  fortemente  as  paginas  do  illustre  escriptor. 

Vamos  agora  apreciar,  pondera  elle,  o  ultimo  gráo  de  desor- 
ganização social  om  que  possa  cabir  a  humanidade. 

O  typo  que  nos  vae  olTerocer  este  espécimen  é  o  índio  das  fio- 
restas  da  America  do  Sul. 

A  região  differe  dos  esteppcs  e  das  savanas,  sob  o  ponto  de 
vista  do  clima  e  das  producções  vogetaes  e  animaes.  O  trabalho 
deve  àhi  estar  organizado  de  modo  divergente  .Éo  que  se  vae  vêr. 
Nos  solos  fiorostaes,  as  populações  não  podem  se  entregar  nem  â 
arte  pastoril,  nem  á  caça  em  ponto  grande^  a  caça  de  animaes 
em  numerosas  manadas;  não  lhes  resta  como  meio  principal  de 
existência  senão  a  pequena  caça.  Tem-se  a  isto  de  juntar  a  pesca 
fluvial  e  a  collecta  de  fructas  selvagens,  que  são  ainda  uma 
espécie  de  caça.  Gomo  a  arte  pastoril,  a  caça  e  a  pesca  desse  gé- 
nero são  um  trabalho  de  simples  collecta^  attrahente,  portanto. 
O  attractivo  da  caça  e  da  peaca  devo  ser  ass^gnalado,  porque 
mostra  como,  em  certos  casos,  pastores  podem  facilmente  se 
transformar  em  caçadores  o  mostra  também  a  immensa  difiicul* 
dade  do  transformar  caçadores  cm  agricultores  e  industriaes. 

A  caça  não  exige  nenhuma  previdência  :  a  presa  de  cada 
dia  fornece  o  alimento  desse  dia.  Deve  até  ser  consumida  mais 
ou  menos  immediatamente,  porque  não  pôde  se  conservar  por 
maito  tempo.  Ê  um  género  de  trabalho,  pois,  acccessivel  ao 
geral  dos  homens. 

Se  por  esses  caracteres  geraes  a  caça  e  pesca  se  parecem 
com  a  arte  pastoril,  differem  delia  por  muitas  condições  essen- 
ciaes  que  modificam  completamente  o  typo  social. 


o  BRAZIL   SOCIAL      ''  135 

1«.  Superioridade  da  mocidade  em  face  da  velhice. —  A  cata 
o  a  preza  da  caça  exigem  qualidade  eapeciaes:  agilidade,  dos* 
treza,  força,  qualidades  estas  que  se  encontram  mais  pecnii^ 
armente  nos  moços.  Estes  podem  cedo  bastar-se  a  si  mesmos, 
o  são  levados  a  constituir  vida  á  parte,  afim  do  guardarem 
para  si  o  fructo  de  sou  trabalho  o  ezonorarem*se  dos  dereres 
d*assistencia  para  com  os  velhos  pães.  E  um  modo  de  trabalho 
que  dá  &  mocidade  a  superioridade  sobre  a  velhice:  a  aucto- 
ridado  e  a  influencia  passam  dos  pães  aos  filhos. 

^.  Desenvolvimento  do  individualismo.— A  arte  pastoril  con- 
serva juntos  todos  os  membros  da  familia;  a  grande  caça  dos 
animaes  em  manadas,  como  o  bisão,  reúne  ainda  os  homens;  a 
pequena,  a  dos  animaes  esparsos,  nem  ao  menos  dá  para  formar 
os  clans  de  caçadores,  como  entre  os  Pelles  Vermelhas,  Cada  um 
tem,  ás  mais  das  vezes,  interesse  em  isolar-se,  em  fazer  a  ca- 
çada por  sua  própria  conta:  qualquer  caçador  ô  um  concur- 
ronte.  Esta  tendência  ao  individualismo  é  ajudada  pelas  faci- 
lidades que  a  pequena  caça  offerece.  O  joven  pastor  não  é 
tentado  a  separar-se  da  grande  communidade  patriarchal, 
porque  não  pôde  viver  som  rebanho,  nem  arranjal-o  facilmente. 
E\  pois,  quando  outros  motivos  não  existissem,  retido  no  lar 
pela  difflculdade  material  de  afastar-se.  A  auctoridade  paterna 
é,  deste  modo,  singularmente  fortificada  pela  natureza 
das  cousas. 

B'  inteiramente  o  inverso  entre  caçadores ;  os  trabalhos  para 
a  collocação  dos  que  se  retiram  são  os  mais  elementares  e 
menos  custosos  imagináveis.  As  habitações  não  passam  de 
palhoças  de  páos  e  ramos,  cobertas  de  palha. 

Os  moveis,  por  causa  das  mudanças  frequentes,  são  mais 
rudimentares.  Os  apparelhos  de  caça  e  pesca  es^  no  mesmo 
caso.  Tudo  os  leva  a  separarem-se. 

Deve-se  ter,  porém,  todo  o  cuidado  cm  não  confundir  esse 
individualismo  amorpho  o  dissolvente,  que  deforma  os  sel- 
vagens, com  o  forte  parlicularismo,  que  caracterisa  os  povos 
mais  progressivos  da  terra.  O  primeiro  reduz  a  sociedade  a 
uma  espécie  de  pulvorisação  individual,  o  outro  assegura  ao  par- 
ticular, ao  cidadão  —  a  maior  somma  de  independência  em  feioe 


136  RBVI^TA  DO  INSITTUTO  HISTÓRICO 

40  Estado,  sem  lhe  retirar  a  aptidão  para  c&nsHluir  aêsaciações^ 
quer  na  vida  privada,  qaer  na  vida  pablica.  A  differença 
6  radical  e  não  deve  ser  esquecida. 

2^,  Limitação  dos  meios  de  emsíência , — A  caca  esgota-se  com 
facilidade;  a  sabsistencia  torna-se  diíflcil  e  a  questão  da  alimen- 
^ção  transforma-ae  em  preocupagão  grave.  A  incerteza  dos 
paeios  de  existência  dà aos  selvagens  um  estômago  particular- 
mente complacente.  Podem  âcar  muitos  dias  sem  comer  e 
absorver  depois,  se  a  collecta  é  abundante,  uma  quantidade  pro- 
digiosa de  alimentos.  Estas  circumstancias  fazem  nascer  as 
Çtierras  incessantes  de  tribus  contra  tribus  e,  nalguns  pontos,  o 
cannibaHsmo, 

Nem  ao  menos  podem  elles,  os  selvagens  desta  parte 
America  preparar  e  levar  a  eíTeito  as  formidáveis  invasões  em 
busca  de  novos  céus  e  novas  terras,  pelas  dií&culdades  espe- 
çiaes  do  meio  e  mais  ainda  pela  falta  de  cavallos  e  d*outros 
animaes  deconducção.  Volttam-se  entíio  contra  os  seus  próprios 
similhantes. 

4<^.  Necessidade  e  difficuldade  das  migrações  periódicas.—  A 
caça  forca  o  selvagem  a  migrações  periódicas.  Tem  elle  de 
seguir  08  animaès  em  seus  diversos  esconderijos,  ora  afundando- 
se  na  matta  para  alcançar  os  claros  e  descampados  onde  se 
reúnem  certos  animaes,  ora  vindo  á  margem  dos  rios  a  pescar 
os  peixes  andadores,  como  o  cumaru,  ou  recolher  os  ovos  das 
tartarugas.  Se,  porém,  o  caçador  ô  obrigado  a  taes  migrações,  é 
lhe,  por  outro  lado,  diíficilimo  leval-as  a  effeito.  Bmquanto  tudo 
é  caminho  na  savana  e  no  esteppe,  tudo  6  obstáculo  nas  mattas- 
As  veredas  não  são  íi*anqueadas  e  a  vegetação  as  toma  rapida- 
mente impraticáveis.  Por  isso  varias  tribus  tlcam  muitas  vozes 
sem  relações  entro  si  e  encontra-se  não  raro  um  dialecto  para 
cem  Índios  i 

Taes  são  as  circumstancias  que  desenvolvem  nestes  selva- 
gens, mais  ainda  do  que  entre  os  caçadores  de  bisões  e  de  bú- 
falos, um  costume  que  mais  accontila  a  desorganização  da  íámilia^ 
—  o  abandono  dos  velhos,  dos  doentes,  das  crianças,  e,  em  geral, 
todos  os  que  não  se  podem  transportar  focilmente. 

A  despeito  dessas  dlfflculdades  que  assaltam  de  vez  em 


o  BRAZIL  SOCIAL  }37 

quando  os  eaoadores,  elles  preferem  esse  reinado  atirahente  daa 
prodaoQões  espontâneas  do  solo  e  das  agaas.  Sontem  repugnância 
inveneivel  etu  passar  para  o  regimen  da  cultura  o  por  isso  só  a 
mais  elementar  e  que  tenha  os  caracteres  da  simples  collecta^ 
quasi  t&o  singela  como  a  pesca  e  a  caga,  existe  entre  elles  :  a  da 
mandioca,  do  milho,  da  banana,  do  inhame. 

Póde-se  diaer  destes  selvagens  que  praticam  vagamente  o 
regimen  da  propriedade  Wibál^  quanto  ao  sólo ;  —  da  proprie- 
dade fomiliál  ou  grupai^  quanto  á  choupana  (ou  óca)  e  da  proprie- 
dade individual^  quanto  aos  instrumentos  rudimentares  de  tra- 
balho. Mas  se  o  sólo  é  de  todos,  a  extensão  de  percurso  accessivel 
a  cada  grupo  é  restricta. 

Esta  limitação  provóm,  em  primeiro  logar,  das  difflculdades 
da  circulação  que  predem  os  caçadores  em  um  território  relati- 
vamente limitado,  ^,  em  segundo  logar,  da  natureza  das  pro- 
ducções  espontâneas,  que  são  susceptíveis  de  esgotarem» se 
facilmente,  forçando  os  grupos  a  defenderem  com  energia  contra 
ps  visinhos  o  accesso  de  seu  território  de  caça. 

A  verdadeira  propriedade  do  selvagem  é  a  sua  destreza^  sua 
forfia,  sua  agilidade,  que  são  coisas  exclusivamente  pessoaes,  que 
não  se  transmittem.  A  grave  questão  da  transmissão  da  pro' 
priedade  não  existe.  Nenhum  laço,  nem  até  material,  liga  as 
gerações  entre  si,  tornando-as  solidarias.  O  mão,  o  dissolvente 
individualismo  triumpha. 

Tudo  está  mostrando  que  essas  gentes,  tendo  ficado  caçado- 
ras e  pescadoras,  não  puderam  constituir  a  família  patriarchal, 
typo  característico  dos  pastores.  O  excrcicio  da  auctoridade  pa- 
terna ó  obstado  pela  superioridade  que  a  caça  outorga  aos  moços 
sobre  os  velhos.  A  pulverisação  do  apagada  e  rudimentar 
fUmilia  instável  substituo  a  forte  cohesão  da  família  patriarchal. 
•  Nesia  a  estabilidade  é  garantida  pela  perpetuidade  em 
torno  d*um  mesmo  lar,  movei  ou  fixo. 

Não  existe  solução  de  continuidade  entre  as  successivas 
gerações. 

Aqui  é  o  inverso :  a  iociperfeita  familia  se  dissolve  perio- 
dicamente, fragmentando-se  para  se  reconstruir  momenta- 
neamente em  torno  de  novos  lares,  tão  pouco  estáveis  quanto  os 


138  REVISTA   DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

procedentes.  NSo  á  mais  uma  arrore  secular,  é  uma  planta  do 
vida  ephemora.  E*  facto  conhecido  que  os  povos  de  famílias 
patriarchaes  transmittem  sucoessivamente  as  tradições  e  as 
lendas  mais  antigas  do  suas  raças.  Ainda  hoje  a  lembrança  de 
Timur,  do  famoso  TamerlOo,  ó  viva  debaixo  das  tendas ;  conser- 
va-se  em  cantos  repetido  entre  os  Mongóes.  N&o  se  dá  o  mesmo 
com  os  solvagens,  que  não  tôm  passado,  porque  seu  lar  é  ins- 
atvel,  não  se  presta  á  conservação  e  transmissão  das  velhas 
recordações  da  raça.  Quem  conhece  as  tradições  dos  selvagens 
da  America,  da  Austrália,  ou  da  Nova  Zelândia?  (1) 

Vê -se  bem,  por  estes  factos,  quo  a  perpetuidade  do  lar  con- 
stituo para  as  raças  um  solido  fundamento  de  suas  nacionali- 
dades. Os  pacs  em  conservando  junto  a  si  até  ã  morte  todos  os 
filhos,  ou  ao  monos  um  dellos,  inculcam  naturalmente  o  conjun- 
cto  dos  onslnamentos,  das  idólas,  dos  hábitos,  das  tradições  que 
receberam  polo  mesmo  modo.  Cada  geração  se  prende  intima- 
monte  a  todas  as  que  a  precederam.  Ck>mprehend6-se,  sem  que 
soja  mister  insistir,  a  que  fica  reduzida  a  auctoridade  paterna 
n'um  regimen  que  afasta  tão  prematura  e  tão  completamente 
os  filhos  dos  pães.  A  funoção  do  pae  limita -se  aos  encargos  maíii 
estrictamente  indispensáveis :  a  procreação  e  os  cuidados  mate- 
riaes  da  infância ;  a  mocidade  fica  fora  do  sua  influencia,  a  edade 
madura  escapa-lhe  de  todo.  A  organização  da  família  humana 
tende  a  modelar-se  pela  dos  animaes.  Os  fílhos  são  pequenos 
selvagens  alheios  a  quaesquer  praticas  .moraes  ;  a  religião  se 
reduz  a  superstições  grosseiríssimas,  ao  terror  dos  mãos  espí- 
ritos, cujo  influxo  se  conjura  com  feiticeírlas  o  sortilégios.  Este 
género  de  incipiente  família  instável  acarrota  oomsigo  outra 
consequência  grave:  deixa  sem  refugio  e  sem  amparo  os  orphãos, 
os  doentes,  os  velhos,  em  uma  palavra,  os  fracos,  os  incapazes, 
ao  passo  que  o  lar  patriarchal  esta  sempre  aberto  para  rooolher 
os  inválidos  da  vida:  podem  nunca  sahir  ou  voltar  sempre  em 
caso  de  infortúnio. 


(1)  Os  selvagens  transmittem  apenas  de  geração  em  geração  in- 
significantes  concepções  mythicas.  Posso  amrmar,  modificando  cm 
parte  as  asserções  de  Demolins, 


o  BRAZIL  SOCIAL      •  i39 

A  organisação  dos  poderes  pttblicos  é  análoga  á  da  família. 
Diverge,  portanto,  entre  caçadores  e  pastores.  Bntre  esies  o 
mecanismo  dos  poderes  públicos  ó  concentrado  na  família;  entre 
caçadores,  desaggregada  elia  e  reduzida  &  expressão  mais  sim- 
ples, ô  Imprópria  para  prehencher  as  mesmas  funeções.  Nâo 
são  os  velhos,  considerados  incapazes,  que  poderiam  assumir  o 
pesado  encargo  de  resistir  aos  incessantes  ataques  das  tribu 
visinhas.  Para  isso  ó  mister  ser  moço,  vigoroso,  emprehen- 
dedor.  O  poder  pertence  aos  mais  fortes.  Estes  o  exercem  arbi> 
trariamento,  como  soe  acontecer  com  toda  auctoridade  que  re- 
pous:&  na  força  e  tem  por  intuito  principal— a  guerra. 

O  poder  6  despótico  e  cruel;  cada  tribu  ô  organizada  para 
a  defesa  e  para  o  ataque,  e  deve  estar  prestes  para  o  que  dér 
o  viór.  E  não  é  sem  razSo  que  as  tabas  e  ocas  selvagens  sao 
ornamentadas  por  horrorosos  trophéos.  O  estado  permameute 
de  guerra  desenvolvo  a  forma  de  auctoridade  mais  arbitraria ; 
a  franqueza  extrema,  a  instabilidade  da  familia  tornam  essa 
auctoridade  invasora,  o  que  não  priva  que  tal  poder  seja 
também  essencialmente  instável.  S*  a  força  que  faz  os  chefes; 
ó  a  força  que  os  derriba:  elles  fazem  tremer,  porém  elles 
tremem  também.  Todos  os  viajantes  que  visitaram  os  sel- 
vagens notaram  esse  traço  de  seus  costumes  (1). 

Este  quadro  é  verdadeiro  em  suas  linhas  geraes.  Mas  duas 
considerações  attenúam,  até  corto  ponto,  as  suas  cores,  que 
poderiam  ser  mais  carregadas:  é  que  o  illustre  escriptor,  de 
um  lado,  obedecendo  ao  preconceito  da  unidade  originaria  de 
todos  os  homens,  vô  nos  selvagens  da  America  do  Sul  gentes 
que,  na  origem,  possuíram  a.  familia  patriarchal,  vindo  a  trocal-a 
pela  instável  no  correr  de  míllenios  em  sua  nova  residência  ;  e, 
d*outro  lado,  conhece  os  alludidos  alarves^  como  lhes  chamava 
Gabriel  Soares,  pelo  livro  do  Dr.  Greveaux,  onde  se  acham 
descriptos  os  Índios  já  algum  tanto  cultos  do  plató 
das  Ouyanas  e  do   valle  do   Amazonas,  em  contaoto   com 


(l)  Les  grandes  Routes  des  Peuples(E8sai  de  Géographie  Sociale)* 
—Les  Routes  de  l'Antiquité,  pag.s.  163  e  seguintes.  Fiz  uma  conso- 
lidação resumida. 


140  REVISTA  DO  INSTITUTO   HISTÓRICO 

OS  brancos  desde  mais  de  ires  scoulos.  Se  Edmond  Deroolins 
Dão  fosâe  fiel  á  sua  preoccupaç&a  inicial  o  conhecesse  os  sel- 
vagens pelo  citado  G.  Sjares,  por  exemplo,  ou  Gardim,  ou 
outros  escriptores  do  primeiro  século  da  cjoqulsti,  haveria  de 
vér  que,  no  Brazil,  muitos  delles  nilo  passaram  de  meros  a/xi- 
nkador^s;  que  não  chegaram  a  constituir  nem  mesmo  a  família 
instavfil  existente  n*outras  raças;  que  não  Unham  conceito  certo  de 
propriedade;  que  não  formavam  tribut  organisadas  e  apenas 
simples  grupos  (tabas),  subdivididos  em  clans  rudimentares 
(óoas),  tendo  por  base  quasi  indistincta  promiscuidade  o  não  o 
parentesco.  O  individualismo  dissolvente  era  ainda  mais  accen- 
tuado  do  que  pareceu  ao  sábio  sociólogo  franoez. 

Sua  descripção,  poróm,  ó  acceitavel  como  o  retrato  das 
raças  mais  adiantadas  dentre  os  indios  brazileiros  (1).  E  como 
muitos  dos  traços  de  nossa  psychologia  nacional  de  hoje  estão 
alli  em  garmen !  E  como  somos  levianos  em  não  estudar  as 
nossas  origens  para  conhecer  donde  partem  nossos  defeitofl  e 
procurar  corrigil-os ! 

E  como  somos  superdciaes  em  buscar  fora  a  fonte  de  nossos 
males,  attribuindo-os  aos  governos,  quando  ella  está  em  nós 
mesmos,  o  aqui  todos  dalto  a  baixo,  governos  e  povos,  provêm 
da  mesma  origem  e  padecem  da  mesma  doença:  o  vicio  origi- 
nário e  oonstitaicional ! 

Mas  não  se  antecipem  factos  e  conclusões.  Urge  proseguir. 
B'  tempo  de  apreciar  o  factor  Africano,  um  dos  elementos  essen- 
eiaes  e  predominantes  na  formação  brazileira. 

O  negro  acha-se  nas  mesmas  condições  do  selvagem  da 
America  do  Sul.  «Le  typedes  chasscursdes  forôts  afrioaines 
doit  ôtre  placo  h  la  suite  du  type  quo  nous  venons  de  de- 
orire»  (2).  O  inconsciente  da  historia  ligou  os  dous  typos  no 
Brasil. . .  Haverá  nisto  mero  acaso ?  Não  o  sei  dizer. 

Se  acerca  dos  indios  tiveram   logar  pequenas  discussões 


(1)  D;âxo,  para  não  sobrocarroprar  demasiado  estas  paginas,  de 
transcrever  trechos  comprobativos— do  G.  Soares,  F.  Varnhagen,  F. 
Lisboa,  Oouto  do  Magalhics  o  Capistrano  de  Abreu. 

(2)  Demolins,  op.  cit. 


o  BRAZIL  SOCIAL  141 

algum  tanto  ingénuas,  a  respeito  dos  negros  o  silencio  tem 
sido  na  sciencia  do  paiz  absolutamente  completo. 

Maita  estranheza  causaram  em  varias  ródás  nãoionaes  o 
haverem  a  Hiitoria  da  Liiteraiura  e  OS  Esiudos  sobre  a  Poesia 
Popular  Brasileira  reclamado  contra  o  olvido  proposital  feito 
nas  lettras  nacionaes  a  respeito  do  contingente  africano  e  pro* 
testado  contra  a  injustiça  dahi  originada. 

Entre  nós,  nos  derradeiros  tempos  sobretudo,  alguns  espi« 
ritos,  intelligentes,  honestos  e  desabusados  têm  estudado  os 
Índios  sob  vários  aspectos. 

Dos  negros  6  que  ninguém  se  quiz  j&mais  oocupar,  commet- 
tendo-se,  assim,  a  mais  censurável  ingratidão. 

Qual  a  carta  ethnographioa  d*  Africa  ao  tempo  do  descobri- 
mento do  Brazil,  época  em  que  começou  este]a  importar  escravos 
d*alem-mar?  E  no  século  XVII,  que  nos  forneceu  centenas  de 
milhares  de  africanos?  E  no  XVIII,  que  proseguiu  fartamente 
na  messe  r  £  no  XIX,  ató  1850,  que  se  excedeu  no  terrível 
commercio?  Qual  então  a  classificação  das  raças,  a  situação 
politica  de  vários  estados  do  continente  fronteiriço  ?  Qual  o 
gráo  de  cultura  em  que  se  achavam?  Qual  a  organização  social 
dessas  gentes  ?  Quaes  as  tribus  de  que  nos  trouxeram  captivos  ? 
E  em  que  numero  ?  Que  lhes  devemos  na  ordem  económica, 
social,  politica?  Ninguém  o  sabe  ainda  hojel...  Ninguém  ja- 
mais quiz  sabôi-o,  em  obediência  ao  prejuízo  da  côr,  com  medo 
de,  em  mostrando  sympathia  em  qualquer  gráo  por  -esse  im- 
menso  elemento  da  nossa  população,  passar  por  descendente  da 
raça  africana,  de  passar  por  mestiço L,.  Eis  a  verdade  nua  e 
orúa.  £'  preciso  acabar  com  isto;  ô  mister  deixar  de  temer 
preconceitos,  deixar  de  mentir  e'  rdstabelocer  os  negros  no 
quinhão  que  lhes  tiramos :  o  logar  que  a  elles  compete,  sem  a 
menor  sombra  de  fovor,  em  tudo  que  tem  sido,  em  quatro  se- 
oulos,  praticado  no  Brazil. 

E  o  que  mais  admira,  o  que  é  mais  censurável,  sem  duvida* 

è  que  o  não  tenham  já  feito  tantos  negros  intelligentes,  tantos 

mestiços  illustrados,  que  abundam  em  elevadas  posições  no  paiz. 

Preferem,  como  os  velhos  que  se  pintam,  illudirem-se  a  si 

proprioB:  darem-se  por  latinos,  celtas  e  creio  que  ató  heUems, . . 


142  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Não  pôde  haver  nada  mais  cómico.  Sim;  nada  mais  para 
fazer  rir  sobre  a  terra  do  que  apreciar  o  aplomb  com  qne  a  mes- 
tiçada  nacional,  na  soa  immensa  escala  chromatica,  em  rea- 
niões,  sociedades,  congressos,  grupos,  academias,  assemblóas, 
tropas  de  torra  e  mar,  todo  e  qualquer  ajuntamento,  em  summa, 
em  que  appareçam  de  cem  brazileiros  para  cima,  caso  em  que  a 
proporção  dos  misturados  para  os  brancos  suppostos  puros  é 
sempre  de  noventa  e  cinco  a  noventa  e  novo  por  cento,  nada  mais 
cómico  do  que  o  sério  com  que  a  immensa  mestiçada  fabula  de  si 
própria  pouco  mais  ou  menos  como  se  constituísse  uma  reunião 
de  fidalgos  anglo-saxões  ou  de  antigos  Eupatridas  do  mais  puro 
sangue...  Ah!  Deus !  Quando  se  acabará  essa  cegueira  e  nosso 
povo,  para  seguir  firme  o  seu  caminho,  tratará  de  conhecer  suas 
origens  sem  illusões  e  sem  preconceitos? 

Depois  de  proferido  o  citado  rebate  sobre  o  esquecimento 
em  que  sempre  no  Brazil  se  deixou  o  estudo  de  nossas  origens 
africanas,  appareceram  uns  pequenos  escriptos  na  Bahia  acerca 
de  fêiticismo  dos  pretos  daquelia  zona  e  de  alguns  levantes  que 
alli  se  deram,  por  elles  promovidos,  em  fins  do  século  XVIII  e 
nas  primeiras  quatro  décadas  do  século  seguinte. 

Não  deixam  de  ter  algum  interesse  essas  achegas  para  o 
conhecimento  das  alludidas  origens  ;  mas,  evidentemente,  por 
esse  caminho,  iremos  ter  ás  producções  anecdoticas  ao  gosto  das 
Já  referidas  a  respeito  dMudios.  O  que  havemos  mister  ó  co« 
nhecer,  á  luz  dos  novos  processos  da  sciencia  social,  o  estado 
exacto  das  sociedades  africanas  que  enviaram  representantes  ao 
Brazil  e  a  parte  com  que  entraram  na  formação  da  nova  nacio- 
nalidade aqui  ftiodada.  Esta  ó  a  questão;  o  mais  é  esgrimir 
no  ar. 

Felizmente,  na  falta  do  e3tudos  brazileiros,  existe  o  admi^ 
rave!,  o  magnifico  livro  de  A.  do  Préville,—  Lcs  Sociétés  A/W- 
caines ;  leur  origine  —  leur  évolulion  —  leur  avenir,  que  derrama 
uma  luz  intensíssima  no  assumpto. 

O  auctor  é  um  dos  mais  autorizados  discípulos  da  escola  de 
Le  Play,  um  dos  mais  eminentes  companheiros  de  H.  de  Tour* 
villc,  Ed.  Demolins,  P.  de  Rousiers. 

O  objecto  do  livro  é  como  se  fosse  um  assumpto  estricta- 


o  BRAZIL  SOCIAL  143 

mente  nacional ;  e  por  isso  é  aqui  resumido  em  saas  tbesea 
capitães. 

O  continente  africano,  espécie  de  pia  giganU$ca^  como  lhe 
chamava  Livingstono,  é  nm  plató  alto  cercado  quasi  comple- 
tamente por  montanhas,  próximas  da  costa. 

Divide-se  em  quatro  regiões  perfeitamente  distinctaSt  qae 
sao  outras  tantas  ssonas  sociâes  igualmente  definidas. 

Cada  uma  dessas  zonas  é  o  habibat  de  raças  e  sociedades 
divergentes. 

A  seguir  do  norte  para  o  sul  a  successao  das  regiões  é  a  se- 
guinte, segundo  as  próprias  expressões  de  A.  de  Próville: 

A  zona  dos  Desertos  do  norte,  que  ô  sêcca,  onde  a  vegetação 
arborescente  é  qaasi  nuUa  ou  pouco  considerável;  constitae  um 
todo  de  vastos  desertos  ou  csteppes  mais  ou  menos  pobres  ;  con- 
fina com  a  Ásia  de  que  é  nm  prolongamento. 

A  zona  do  planalto  central,  ou  área  equatorial,  onde  as 
chuvas  quotidianas  asseguram  uma  humidade  constante,  favo- 
rável ao  crescimento  das  arvores,  é  um  inamenso  massiço  de 
florestas  luxuriantes  e  pantanosas,  no  qual  abundam  a  grande  e 
a  pequena  caça. 

A  iona  dos  Desertos  do  sul,  que  reproduz  a  seccura  crescente 
da  do  norte. 

E,  finalmente,  a  zona  montanJiosa,  situada  a  leste,  formada 
por  um  cmaranbamento  de  yalles  florestaes  e  de  cumiadas 
hervosas. 

Cada  uma  dessas  grandes  zonas  se  subdivide,  sob  o  ponto 
de  vista  do  clima,  dos  recursos  da  vida,  e,  portanto,  do  trabalho 
e  da  organização  social,  em  varias  regiões.  De8t*arte,  a  dos  de- 
sertos do  norte  que  nSo  interessa  directamente  a  este  estudo, 
por  não  ser  habitada  por  negros  e  sim  pelos  brancos  Berberes, 
divide-se  em:  região  dos  pastores  cavalleiros,  região  dos  pastores 
cameleiros,  região  dos  pastores  cabreiros,  região  dos  pastores  va* 
queiros^  seguiodo  do  norte  para  o  sul. 

A  zona  montanhosa  de  lôste  que  merece  peculiar  attenção 
a  quem  estada  as  raças  negras,  por  ser  uma  espécie  de  offieina 
gentium  no  continente  preto,  por  ser  o  ponto  alli  primeiro  po- 
voa  lo  por  ellas  e  donde  ainda  hoje  irradiam  para  oeste  e  sul, 


144  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

"posaao:  —  pequeninos  plaiós  liêrvosos^  próprios  para  a  industria 
píistorilf  terrenos  de  pastoreio  artificial  e  cultura  ;  paragens  ad^^ 
quadas  d  caça  ;  terras  próprias  para  a  eollecta  de  fiructos  espon- 
tâneos do  solo. 

A  zoDa  dos  desertos  do  sol  apresenta  as  seguintes  modal  i* 
dades: —  savanas^  esteppes  pobres ^  territórios  de  caça. 

A  zona  do  eentro,  que  6  a  região  da  mata  equatorial,  mais 
pujante  ainda  do  que  a  do  Amazonas,  que  lhe  ô  fronteiriça, 
divide-se  em  quatro  regiões  distinctas:  a  da  mandioca^  a  da  ba» 
fuxna,  a  do  tocusso  (èleusine)^  a  do  sorgho  (dourah)^  do  sul  para 
O  norte. 

Pondo  de  parte  os  Árabes,  que  se  têm  mettido  na  Africa 
pelo  menos  desde  três  ou  quatro  séculos  antes  de  Ghristo,  mais 
ou  menos  intensamente,  o  com  assignalada  aotiridade  desde  o 
século  VII  da  nossa  éra ;  sem  íàlar  nos  Europeos^  que,  desde  o 
século  XV,  têm  fundado  feitorias  e  colónias  em  suas  costas  ; 
excluindo  os  Egypdos  e  Berberes,  contados  entre  as  gentes 
brancas,  ou  quasi,  e  os  Hottentotes^  que  sSo  incluídos  entre  os 
povos  amarellos,  os  habitantes  das  três  zcuas  de  Leste,  Centro  e 
Sul  são  pretos,  ramificados  em  três  grupos:   Baniús,  ChUúkes^ 
Bthiopes.  Estes  últimos  se  subdividem  em  Abyssinios  e  Oallas;  pa- 
recem uma  formação  mestiça,  devida  a  antiquíssimos  crasa* 
mentos  com  os  primitivos  Aditas.  Os  Abyssinios,  por  sua  posição 
próxima  ao  Egypto,  e  outras  vantagens  naturaes,  civUisaram-se 
até  certo  ponto  e  escapam  ás  considerações  feitas  por  A.  de 
Préville  sobre  o  complexo  das  gentes  pretas  africanas.  Não 
assim  os  GcUlas  e  menos  ainda  os  Bantús  e  ChUuhe».'-  As 
raças  negras,  tomadas  em  coojuncto,  mostram  muitos  pontos 
de  semelhança  com  os  indios  do  Brazii  e  diversos  pontos  de  di- 
vergência. Entre  estes  avultam  o  facto  de  serem  varias  dellai 
dadas  á  industria  do  pastoreio  nas  regiões  de  leste  e  sul  e  o 
facto  de  se  dedicarem  algumas  aos  trabalhos  agripolas.  Póde-se 
atô  dizer  que  o  negro  só  deixa  de  ser  pastor  onde  não   p6do 
absolutamente  dar-se  a  esse  género  de  vida,  na  lona  do  centro, 
infestada  pela  í^mosa  mosca  tjsétzé,  mortal  aos  rebanhos,  e  s6 
não    exerce  a  cultura,  onde  é*lhe  também  impossível  nessa 
mesma  zooa  na  parte  da  mata,  quasi  impenetrável.  Infoliz- 


o  BRAZL  SOCtAL  145 

mente  o  império  da  tséljtê  orça  por  10  milhOes  de  kilometros 
quadrados,  um  terço  da  Africa,  igual  à  Europa  inteira,  e  8ó  a 
extensão  da  intensa  mata,  sobe  a  cerca  do  um  milhão  do  kilo- 
metros. 

Grande  porção  das  gentss  negras  yive  oircumscripta  nestes 
limites,  entregue  á  caça  o  a  collecta,  com  todos  os  inconveni- 
entes próprios  destes  meios  de  viver,  e,  onde  é  possível,  a  um 
rudimentar  cultivo  do  solo. 

O  maior  numero  dos  africanos  vindos  para  o  Brazil  foi  da 
zona  typica  snb-equatorial. 

Mas,  acompanhando  Préville,  veja  o  leitor  o  caracter  so- 
cial do  preto,  zona  por  zona  o  v&,  desde  já,  reparando  nos 
poDtos  de  semelhança  existentes  entre  esse  caracter  e  o  do  vá- 
rios grupos  das  populações  brazileiras. 

Começando   pela   originalíssima    região   montanhosa  de 
Leste,  o  primeiro  núcleo  de  populações  negras  a  despertar  a 
attenç&o  é  a  dos  que  se  dão  ao  pastoreio  nos  platós  cobertos   de 
hervao.  A  vida  pastoril,   porém,   nessas   paragens  está  mui 
loDge  de  se  paracer  com  a  dos  pastores  nómades,   organisados 
em  famílias  patriarchaed,  do  immenso  esteppe  central  asiático, 
com  a  dos  nómades  do  grande  deserto  do  norte  africano  e  até 
com  a  dos  esteppes pobres  dos  bottentotes  no  sul  do  continente. 
Os  pequenos  platós  hervados  das' montanhas  de  Leste  são  dema- 
siado estreitos  para  darem  logar  ao  regimen  nómade,  que  é 
substituído   pelo   do  mudança   simples  de  pastagens  óu  retiros. 
Os  francezes  chamam  a  isto  le  regime  de  transhumance^  le  pâ^ 
turage  transhumantf  c^est-d^dire  qú*on  établit  deux  stations  pour 
les  traupeaux,  Vune  d^hiver^   Vautre   d'été,  segundo  as  próprias 
palavras   do  autor  que  vou  compendiando.    Temos  o    facto 
entre  nós  em  nossa  enormíssima  zona  pastoril,  que  abrange 
todo  o  Brazil  central,  desde  o  alto  norte  nas  margens  do  Rio 
Branco  em  o  massiço  da  Guyana  até  á  fronteira  da  Republica 
do  Uruguay,  com  excepção  apenas  do  corte  produzido  pelo  Ama- 
zonas; temos  o  facto,  muito  commum  principalmente  na  região 
typica  que  vai  do  Paraguaçú   da  Bahia  ao  Itapecurú  do  Ma- 
ranhão sem  o  termo  technico.  Em  Sergipe,  chama-se:  mudar  o 
gado  de  pasto  ou  de  solti. ;   em  Minas   diz-se  mudar  o  gado  de 
4323—10  Tomo  lxix  p.  ii. 


â 


146  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

retiro,  ao  que  me  asseverou  o  Dr.  Carlos  Lindenberg,  iiias- 
trado  agrioaltor  e  oiiador  estabelecido  na  cidade  da  Campanha. 
Em  Portugal  tradui-Be  transhiumance  por  deamb%U€íção . 

Na  vastíssima  extensão  do  Brazil  pastoril,  porém,  o  pheno- 
meno  se  dá  em  escala  muito  menor  e  aem  as  oonseqeaencias  acar- 
retadas peculiarmente  em  Africa  na  região  de  que  se  trata. 
Alli  a  &milia  tende  a  tornarão  sedentária  em  uma  das  resi- 
dências, ordinariamente  a  de  inverno,  mais  própria  para  a 
conservação  dos  lacticiuios,  e  a  enviar  uma  parte  de  seus 
membros  com  os  rebanhos,  quando  estes  se  deslocam  para  a 
estação  de  estio.  Só  por  este  íkcto  fica  ella  cortada  em  duas, 
pelo  menos  durante  uma  parte  do  anno. 

A  posse  dos  pequenos  platós  tem  sido  desde  os  primórdios 
disputada,  dando  origem  a  perpetuo  estado  de  guerra,  man- 
tido peia  estreiteza  dos  alludidos  planaltos.  B'  mister  manter-se 
a  gente  nelles  contra  os  ataques  de  no70s  invasores  e  oontra  as 
reivindicações  incessantes  dos  antigos  possuidores  esparsos  nas 
\i8inhanças«  Não  ó  só  este  estado  de  defensiva  o  resultado  da 
residência  nos  apertados  sítios ;  ella  estimula  também  ã  offen- 
siva:  não  raro  as  pastagens  se  tornjkm  insofficientes  e  ó  preciso 
occupar  as  do  visinho.  O  rebanho  pelas  epidemias  reiu&se 
muitas  vezes  a  nada:  é  necessário  íkier  a  razzia  nos  mais 
próximos.  Sob  o  influxo  dessas  necessidades  de  defeza  e  de  ata- 
que,— um  grupo  se  desprende  da  familia  sedentária:  ó  o  doã 
cofnhaitenteSf  dos  guerreiros,  dos  moços.  B  eis  a  offlciaa  de  tra- 
balho da  familia  dividida  pelo  menos  em  três  offlcinas  isoladas: 
a  do  pae^  que  flca  no  ponto  mais  favorável  das  pastagens,  o 
mais  defensável;  a  dos  pastores  ou  hraalde  trabalho,  composto 
de  jovens  de  ambos  os  sexos«  encarregados  de  vigiar  os  rebanhos 
nos  pastos  de  estio  ou  de  inverno ;  a  dos  guerreiros  ou  kraal  mi' 
litar,  dedicado  ã  defeza  do  solo  e  ás  expedigOes  de  razsias.  Em 
tal  meio  a  guerra  é  uma  questão  de  vida  o  morte,  ó  um  modo  de 
trabalho^  O  serviço  das  armas  exerce  sobre  o  grupo  sooial  pre* 
ponderancia  irrecusável.  A  familia,  o  dan^  a  nação  são  consti- 
tuídos para  a  guerra.  Os  meninos  de  ambos  os  sexos  permanecem 
longe  do  lar  ató  ã  idade  de  quatorze  annos  nos  kraals  de  pasto- 
reirOf  pertencentes  ãs  varias  íiamilias .  Quando  o  filho  de  um  chofe 


o  BHA^ZIL  SOCIAL  1^7 

local^  am  chefe  de  clan^  attíoge  aquella  idade,  |em  de  eotrar  no 
serviço  da  guerra,  seguido  de  todos  os  seus  companheiros  á^ 
mesma  idade.  Cada  ps^  d&  a  seu  filho  algamas  cabeças  de  gado 
para  seu  uso  pessoal,  e  todos  juntos  partem  para  o  hraaf,  occupa« 
dos  yelosBl  Morans  ou  Jovens  guerreiros,  da  suWi visão.  As  pas- 
toras acompanhf^m  ainda  ahi  os  pastores:  ficam  com  elles  no 
hraal  guerreiro,  como  dantes  no  hraal  de  gado,  para  os  serviços 
domésticos  e  preparo  dos  alimentos.  E  eis  ainda  neste  segundo 
pstado  a  mistura  dos  sexos,  longe  da  rudimentar  família,  que  fica 
sempre  fora  da  formação  da  mocidade.  O  El-láoratp  não  exerce 
outro  oficio  além  do  da  guerra.  Suas  armas,  son  escudo,  sua 
tenda  de  couro,  todos  os  sous  petrechos  são  fabricados  pelo  Eh 
GonOf  misero  escravo, habitante  das  aldeias  conquistadas,  ao  qual 
incumbem  também  todos  os  trabalhos,  alóm  d^^  gua^rda  do  rer 
banho  do  acampamento,  e  é  conservado  na  mais  complatã^  ab- 
jecção. O  joven  soldado  não  ficii  ocioso,  O  campo  movei  não  é  res- 
guardado ppr  nenhuma  fortificação;  sua  segurança  repousa  na 
vigilância  das  sentinellas  regularmeate  coUocadas. 

No  intervallo  de  suas  horas  de  gu^^rda  o  M-Moran  deve 
aprender  a  melodia  selvagem  do  canto  de  guerra,  escutar  em 
silencio  intermináveis  discursos,  ou  íazel-os,  se  lh*o  mandam; 
aprender  em  manobras  mothodicas  nas  cercanias  do  acampa- 
mento o  man^o  das  armas,  e,  sobretudo,  instrair-a^  na  graQ4e 
arte  de  furtar  com  destreza  os  utensílios,  o  marfim,  ou  os  re- 
banhos. Este  ponto  é  capital;  porque  se  se  deixa  agarrar,  sua 
cabeça,  fincada  em  uma  estaca,  virá  a  ornar  a  portt^  de  uma 
aldeia  inimiga.  Os  bandos,  sempre  ambulantes  dos  El-Morant^ 
servem  de  gns^ição  ao  paiz;  espreitam  todas  as  passagens,  que 
os  soldados  conhecem  admiravelmente  por  tel-as  percorrido, 
quer  effeoti vãmente  no  correr  das  expedições  quer  pelos  olhos 
do  alto  de  algum  cumis  elevado.  Cahem  t^es  bandos  de  improviso, 
ao  sul,  á  leste  e  ao  oeste,  nos  pontos  que  o  grande  conselho,  as- 
sistido pslo  grande  niagico  ou  Jjybon^  designa  como  objectivo  d§iS 
raxzias,  ou,  quando  chamados  em  socorro,  mediante  salário,  por 
algum  chefe  de  sua  raça,  residente  em  terras  afastadas,  intervêiqi 
em  seu  £avo^  eontra  os  rivaes  sustentados  por  outro^  ))^ndos, 
formados  pelo  mesmo  mod«AQ* 


148  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Quando  a  raszia  é  bem  saccedida,  ou  o  salário  em  rezes  é 
pago  ao  bando,  trata-se  da  partilha  do  espolio,  tiradas  de  an- 
temão numerosas  cabeças  de  gado  em  proveito  do  Lyhon^  o  ma- 
gico, oiyos  conselhos  são  tão  preciosos.  A  divirilo  do  restante 
oocasiona  brigas  sangainolentas.  Os  valentões,  os  insolentes, 
consultando  apenas  a  própria  avidez,  apoderam-se  dos  animaes, 
segundo  sua  conveniência  e  desafiam  os  companheiros  a  vil-os 
tomar.  A  regra  é  que  se,  contra,  todos  conseguem  defender  du- 
rante três  dias  a  preza,  ella  não  será  mais  disputada.  E*  então 
que  se  dão  as  verdadeiras  batalhas. 

Sucumbem  mais  guerreiros  nestas  desavenças  do  que  du- 
rante a  sortida  em  terra  inimiga. 

Matar,  porôm,  por  este  modo  é  permittido;  porque  todo  o 
homem  que  nâo  sabe  garantir  a  sua  pelle,  não  merece  senão  o 
esquecimento. 

Sorprehende-se  aqui  a  profunda  differença  existente  entre  as 
raças  originadas  dos  pastores  nómades  e  as  formadas  nos  pe. 
quenos  platós  hervados.  O  logar  do  patriarcha  está  vasio  e  a 
partilha,  fim  natural  das  operações  da  communidade,  effectua-se 
com  a  força  do  braço. 

Foi  do  rebanho  do  pae  que  os  El-Morant  tiraram  a  primeira 
subvenção  em  gado,  necessária  á  sua  administrado  no  acampa- 
mento; é,  em  troca,  o  rebanho  paterno  que  se  enriquece  com  os 
animaes  capturados  por  seas  filhos,  ao  menos  em  grande  parte. 
Contribue,  desta  arte,  o  emigrante  militar  para  conservar  o  lar 
donde  sahio,  viveiro  de  guerreiros,  atô  á  morte  do  pae.  Quando 
esta  se  dá,  o  mais  velho,  o  mais  antigo  dos  El-Morans  sabidos 
de  casa,  é  chamado  ás  pressas  e  toma  posse  da  suocessão  que  lhe 
toca  inteira.  Sae  com  saudades  da  corporação  militar,  casa-se 
logo  que  chega  a  sazão  em  que  nascem  os  bezerros.  B'  um  caso 
de  iransmisião  integral  do  património^  bem  diverso,  porém,  do 
que  se  dá  nas  íkmilias  patriarchaes  em  que  persiste  a  indivisão 
para  todos,  passando  ao  mais  velho  apenas  a  autoridade  moral^  e 
também  divergente  do  que  se  dá  nas  fumUias  —  troncos,  base  das 
sociedades  de  formação  particularista ,  nas  quaes  o  herdeiro  é 
antes  associado  d  gestão,  é  um  escolhido  por  certas  qualidades.  O 
pastor  dos  pequenos  planaltos  não  conhece  seus  filhos  e  nenhum 


o   BRAZIL  SOCIAL  149 

destes  é  preparado  para  a  succesinLo;  porque  as  officinas  do  ira- 
halho  em  que  elles  se  formaram  s&o  alheias  &  direcção  dos 
cheíbs  de  fomiliar  A  razão  que  limita  a  um  só  o  numero  dos 
herpeiros  ó  uma  idôa  de  lucta  constante  contra  os  visinhos  para 
a.conserYação  dos  pequenos  platós  de  pastagem,  id^  inspirada 
pela  própria  estreiteza  desses  platós. 

Neste  género  de  sociedade,  nesta  espécie  de  paizes  de  re- 
cursos limitados,  importa  limitar  também  o  numero  dos  oasaes 
estabelecidos  no  território.  As  noiras  são  compradas  por  nm 
certo  numero  de  vaccase  o  costume  tem  estabelecido  que,  até  & 
morte  do  pae,  os  filhos  não  as  podem  possuir  como  próprias,  o 
que  retarda  ató  lá  os  casamentos. 

Ck>m  o  systema  de  vida  em  commum  para  a  mocidade  dos 
dois  sexos* o ^ií-iforan acharia  mulher  grátis;  mas  os  filhos 
oriundos  desta  união,  os  bastardos  nascidoii  nos  hroids  de  guerra» 
pertencem  ao  pai  da  mulher.  A  casa  que  se  quizesse  assim 
ítindar  seria  um  lar  sem  filhos,  e,  portanto,  caduco ;  seria  em 
proveito  do  ayó  materno  e  de  seu  futuro  herdeiro  que  os  moços 
trabalhariam,  quer  dizer  pilhariam  no  futuro ;  seria  elle  que 
receberia  o  preço  do  casamento  das  filhas.  Em  taes  oondlções 
pode-se  praticar  a  união  livre,  mas  não  o  casamento,  o  au- 
gmento  normal  dos  lares  estabelecidos,  direito  que  pertence  só 
ao  filho  mais  velho  e  só  pela  morte  do  progenitor. 

O  primogénito,  uma  vez  transformado  de  El^Moran  em 
EI^Morua^  em  chefe  de  casa  e  seohor  de  rebanho,  não  sonhara 
mais  com  proezas  pessoaes ;  seu  cuidado  será  multiplicar,  com 
o  rebanho,  o  enxame  de  defensores  do  solo  e  roubadores  de 
gado.  Tendo  vivido,  oomo  se  viu,  longe  das  vistas  do  pae,  num 
meio  turbulento  e  brutal,  não  recebeu  nenhuma  formação 
moral,  nenhuma  tradição:  não  aprendeu  a  honrar  senãoa  íorça 
material  e  a  coragem  feroz. 

O  antigo  chefe  da  familia,  que  não  tomava  mais  parto  na 
guerra,  morto  de  moléstia  ou  velhice  e  não  no  brilho  da  força, 
em  meio  de  façanhas,  n(U>  preitava  mais  para  nada»  Por  isso  não 
obtém  as  honras  fúnebres,  reservadas  aos  heróes  cabidos  na 
lucta.  O  herdeiro  toma  nos  hombros  esse  cadáver,  que  nenhuma 
aureola  ennobrece,  e  o  lança  fora  do  recinto  da  casa  atraz  do 


150  REVISTA  DO  INSTITUTO   HISTÓRICO 

oorral  dos  animaes.  Depois  as  hyenas  e  aves  de  rapina  deixam 
alli  apenas  alguns  ossos  limpos  em  qae  o  caminhante  dà  com  o 
pó,  oa  que  os  meniaos  do  hraal,  rindo,  atiram  uns  nos  outros 
em  seus  brinquedos. 

Nos  lares  desses  montanhezes,  pois»  desorganisados  pela 
guerra,  não  existem  respeitosas  tradições  firmadas  na  memoria 
dos  maiores  ;  nâo  existe  culto  domestico,  religifto  na  íkmilia  ; 
e,  como  ó  mister  ao  homem  um  culto,  o  poYo  inteiro  entrsgar- 
se-á  ás  superstições  da  magia,  é,  influencia  dos  Lybons  ou  faxe* 
dor9s  de  chuna^  que  se  gabam  de  poder  refk^escar  &  Tontade  ai 
pastagens,  impedir  a  mortandade  dos  animaes,  predizer  a  tí- 
etoria  ou  a  derrota. 

Que  contraste  pasmoso  com  o  typo  patriarchal,  existente 
entre  os  pastores  nomadesl  Que  diflérença  entre  esse  patriarcha 
sempre  presente^  formado  no  lar  pelos  antepassados,  revestido 
da  autoridade  tradicional»  afeiçoando  seus  desoenduites  ao 
molde  de  que  eile  mesmo  é  um  exemplo  e  este  El  Morua,  cujos 
filhos  e  filhas  correm  aventuras  ao  longe  e  crescem  debaixo  da 
dirocçfto  única  dos  camaradas,  tomados  por  chefes  por  causa  do 
vigor  do  seu  braço! 

Que  difEérença  entre  o  antepassado  reverenoiadOv  ao  qual, 
vivo  ou  mortO)  se  dirigem  os  signaes  do  mais  absoluto  respeito, 
a  inclinação,  Siprostação  e  este  chefe  de  hraal  que  sou  herdeiro, 
naturalmente,  sem  o  mais  leve  remorso,  vae  atirar  á  estrada! 

Donde  nasce  esta  opposiçfto  tão  completa  nas  idéas  e  nos  há- 
bitos? Provêm  em  grande  parte  de  uma  simples  difliérença  na 
organisaçfto  do  trabalho,  da  separação  completa,  nos  pequenos 
piatós  em  questão,  entre  a  offlcina  de  trabalho  dos  filhos  e  a 
do  pae.  Mas  para  dar  a  explicação  completa,  do  ultimo  flMsto  que 
é  puramente  africano,  é  forçoso  admlttir  a  ausência  de  tradições 
patriarchaes  anteriores  no  seio  da  raça  que  povoou  aqnelles 
sitios  e  nellesJ4se  entrega  á  industria  do  pastoreio  transhu- 
mant» 

Resta  examinar  a  sorte  dos  filhos  mais  moços^  por  occasião 
da  morte  do  pae,  quando  o  mais  velho  toma  posse  do  rebanho. 
Biles,  os  irmãos  mais  moços,  nada  podem  pretender  na  sttcoessão ; 
porém  dahi  por  diante  todo  o  gado  conquistado  por  elles  lhes 


o  BRAZIL  SOCIAL  151 

pertencerá.  Ficarão  ainda  algrom  tempo  em  serviço,  reunindo 
recarsos,  aguerrindo-se  cada  vez  mais,  tomando  sobre  os  sens 
jovens  camaradas  uma  inâuencia  crescente.  Quando  jnlga  a  oc- 
casião  opportuna,  o  vete /ano  entre  elies,  e  com  o  recarso  dos 
companheiros  d^armas,  desce  das  alturas,  condaziodo  diante  de 
si  seu  pequeno  rebanho* 

Levando  suas  boas  amigas,  toma  uma  direc^  já  segnida 
por  seus  predecessores  e  invade  algumas  aldeias  das  terras 
baixas,  onde  os  negros,  expulsos  em  épocas  passadas  das  alturas, 
vivem  da  eollecta  e  de  exigua  cultura.  Impõe  tarefas  e  tributos 
para  sustentar  seu  gado,  suas  gentes  e  a  elle  mesmo;  toroa-se 
senhor  do  solo,  toma  o  governo  e  ítinda,  desVarte,  uma  dessas 
chefarias  de  aldeia  encontradas  por  toda  parte  n*Afrioa  pelos  via 
jantes,  desde  as  bases  das  montanhas  de  leste  até  ao  divisor 
das  aguas  do  Congo. 

Uma  vez  estabelecido,  esse  invasor  tenta  aoorescentar  seu 
império  pelo  commercio  e  pela  guerra,  pela  politica,  pelas  ali- 
anças com  os  chefes  visinhos  da  mesma  raça  e  os  bandos  de  seus 
antigos  camaradas.  Tal  é  a  origem  de  um  grande  numero  de  reis 
negros^  de  quasi  todos  aquelles  que  são  senhores  de  aldeias  com- 
prehendidas  na  zona  montanhosa  e  mesmo  dos  que  se  encontram 
até  ao  coração  do  plató  central,  ainda  de  posse,  em  signal  de 
nobreza,  e  a  detpeito  das  difflonldades  do  logar,  de  alguns  ani** 
mães  que  se  tornam  quasi  selvagens. 

Bsses  chefes  implantam-se  âtcilmente  no  meio  das  popii<* 
iaçOes  das  terras  baixas,  porque  estas  populações  são  oompUta- 
mente  desorganisadas  sob  o  ponto  de  vista  social,  porque  a  con* 
stituição  da  família  se  acha  nellas  inteiramente  arruinada,  em 
razão  das  mudanças  a  que  foram  forçadas,  das  conquistas  que 
soffreram;  ao  passo  que  os  emigrantes  dos  pequenos  platóe  her- 
vosos  sahem  de  um  dan  mais  ou  menos  solido,  estão,  pelas  oir- 
cumstancias  afeitos  a  uma  disciplina  seria.  Esses  chefes,  im- 
postos pela  força,  são  considerados  como  senhores,  por  direito 
de  conquista,  da  região  sobre  a  qual  se  extende  sua  acção.  Não 
constituem,  porém,  a  propriedade  privada  do  selo,  desconhecida 
em  suas  pastagens.  Usarão  do  poder  para  fazer  respeitar  o  ter- 
ritório, para  manter  nelle  uma  certa  ordem  proveitosa  a  seus 


152  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

iotoresses,  para  compelir  o  povo  ú,  cultura,  se  a  collecia  e  a  caça 
não  forem  sufflcieates. 

Não  recuarão  diante  de  nenhuma  repressão  sanguinária,  de 
nenhuma  explosão  barbara.   Não  podendo  mais  roubar  gados, 
farãoirazzias  de  escravos.  Não  se  aoham  no  caso  de  ensinara 
seus  súbditos  as  qualidades  que  não  receberam  em  sua  edu- 
cação: o  respeito  da  mulher,  a  autoridade  paterna, a  compaixão, 
o  culto  privado.  Sua  corte  sorá  dissoluta,  seu  governo  absoluto 
e  feroz;  a  influencia  dos  feiticeiros  serã  para  elles  omnipotente, 
o  trafico  dos  escravos  se  organisarà    sob  sua    direcção.    Tal  é  0 
quadro  geral  da  África  negra,  Jã  desde  essas  mais  adiantadas 
gentes  da  região  montanhosa  de  leste,  quadro  que  se  vae 
cada  vez  mais  tornando  escuro,  á  medida  que  se  vae  eston- 
dendo  ás  populações   das  outras  zonas,  ainda  mais  desorga* 
nisadas. 

K  este  ó  o  caso  dos  habitantes  das  regiões  baixas,  visinhas 
dos  pequenos  planaltos  hervosos,  que  o  autor  passa  a  examinar 
por  meudo.  Não  o  acompanharei  nesta  excursão,  altamente  in- 
strnctiva,  porque  mais  urgente  é  o  estudo  das  gentes  do  sul  e  do 
centro,  d'onde  ao  Brazil  veiu  a  môr  parte  dos  africanos  impor- 
tados. Limito-me,  sempre  com  Próville,  seguido  quasi  pelas 
mesmas  palavras,  a  dizer  que  as  populações  das  terras  baixas  vi- 
sinhas dos  planaltos  de  pastagens  foram  d*alli  repellidas  e  for- 
çadas, em  novos  sitios,  a  trabalhos  diiferentes  dos  do  pastoreio, 
vindo  a  soffrer  uma  tríplice  deformação:  a  primeira  pela  neces- 
sidade de submetterem-so  a  chefes  militares;  a  segunda,  como 
vflneida?,  pekt  privação  de  seus  meios  primitivos  de  existência ; 
a  terceira  sob  a  acção  de  novos  modos  de  trabalho  impostos 
pela  natureza  dos  legares  que  as  receberam  após  a  derrota.  A 
caça,  a  collecta  de  fructas,  a  cultura  impuzeram-se-Uies,  con- 
forme a  natureza  dos  Jiabitats. 

Mas  nem  todos  os  repellidos  da  grande  região  do  Leste, 
ponto  inicial  dessa  vibração  que  põe,  segundo  a  phrase  do  autor, 
em  movimento  e  desloca  perpetuamente  as  populações  negras, 
como  o  comprovam  todos  os  exploradores,  têm  íicado  nas  re- 
giões baixas  visinhas. 

Muitos  se  têm  dirigido  para  o  Sul  ou  para  o  Oeste,  onde  os 


o  BRAZIL   SOCIAL  153 

seus  destinoi  tôm  sido  assas  diyergentes,  conforme  as  novas  re* 
sidencias. 

Deste  numero  sâo  as  gentes,  que  formam  o  grande  grupo 
ethnico  denominado  Baniu,  das  quaes  provieram  em  mór  escala 
09  negros  passados  ao  Brazii,  não  s6  Bantús,  do  sul«  como  do 
centro. 

Nas  savanas  da  zona  meridional  âsaram-se  mais  ou  menos 
muitos  grupos  desses  emigrados,  que  são  geralmente  denomi- 
nado Ca/re^,  cujos  principaesrepresentaotes  são  ^ti/ús,  Mauhdesj 
Makololos,  Beihcuanas^  Damaras^  Eerreros,  Ovambos,  Amboellas 
e  outros  menos  famosos. 

Jà  de  si  desastradamente  organisados  no  seu  remotíssimo 
viver  nas  altas  regiões  de  leste,  ainda  mais  imperfeitas  são  as 
linhas  geraes  de  seu  estado  social  nas  bellas  savanas  do  sul 
africano. 

As  deformações  aocentuaram-se  notavelmente  no  correr  da 
longa  o  morosisaima  retirada  através  das  hervagens  das  mon- 
tanhas. Para  resistirem  aos  que  os  impelliam  a  sahir,  para  des- 
locarem-se  e  pôrem-se  em  marcha  em  boa  ordem,  salvando  os 
gados,  para  abrirem  caminho  em  meio  de  populações  hostis  que 
era  mister  desalojar  de  posições  de  difficil  acoesso,  os  actuacs 
habitantes  d'Africa  austral  foram  obrigados  a  submetter-se  cada 
vez  mais  a  uma  disciplina  militar  implacável.  O  que  se  chama 
a  sociedade  civil,  da  qual  o  casal  do  chefe  da  família,  do  El» 
Morua,  é  uma  representação,  como  se  viu,  foi  nesses  pobres  emi- 
grados absorvidos  pelo  commando  militar  absoluto. 

Estes  grupos  não  se  podem  mais  denominar  nem  famílias, 
nem  clans,  nem  tribus:  são,  como  dizem  os  missionários  do 
Zambeze—,  regimentos.  Os  chefes  locaes  são  Indunas  ou  capitães. 

Só  elles,  e  isto  raramente,  são  consultados  pelo  rei ;  formam 
um  consaho  de  guerra^  que  julga  os  delictos  e  só  applioa  duas 
espécies  de  penas:  a  mutilação  o  a  morte. 

Quando  uma  sociedade,  pondera  o  auctor,  que  vou  seguindo 
quasi  literalmente,  se  transforma  a  esse  ponto,  quando  todas  as 
suas  forças  vivas  so  concentram  nas  mãos  dos  que  governam, 
sendo  estes  puramente  militares,  é  que  ella  atravessou  circum- 
stancias,  nas  quaes  a  íUmilia  se  tornou  insufAciente  para  ga- 


154  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

rantir  aos  seus  membros  a  satisfaçSo  das  primeiras  neoessi- 
dades:  o  pão  quotidiano  e  a  segurança  da  existência.  Compre- 
hede-se,  sem  esforço,  a  dificuldade  que  se  mostrou,  desde  o  co- 
meço da  longa  migração,  para  conduzir  separadamente  os  re- 
banhos pertencentes  a  cada  El^Morua  ou  chefe  de  fi.milia;  for- 
çoso era  jantar  os  animaes  em  um  só  comboio  que  os  bandos  ar« 
mados  pudessem  proteger. 

No  fim  de  longos  prazos  de  jornadas  e  lactas,  era  impossível 
proceder  a  partilhas  e  especialmente  repartir  ae  perdas^  consi- 
deradas como  soflfridas  por  todos. 

De  tudo  resalta  a  neoesssidade  de  formar  series  de  rebanhos 
eommans,  cujo  admnistrador  é  o  chefe  de  guerra,  o  que  ordena 
os  moTimentos  e  deve  assegurar  a  alimentado  dos  combatentes. 
De6t*arte,  pòie^se  dizer  que  se  achavam  invertidas  as  posições: 
na  montanha,  como  se  viu, os  rebanhos  conseguidos  pelos  kraals 
de  guerra,  pelos  diversos  El^M&ruas  iam  engrossar  os  rebanhos 
dos  chefes  de  familia,  dos  diversos  Bl^Moruas ;  agora  é  o  con- 
trario: subsiste  só  o  rebanho  pertencente  ao  campo  de  guerra, 
engrossado  pelos  rebanhos  particulares  dos  chefes  de  casa.  E* 
uma  transformação  radical,  prenhe  de  consequências  graves. 

Despojado  da  gestão,  que  era  sua  funcção  própria,  o  chefe 
de  fámilia  retoma  a  lança,  entra  na  fileira  e  vae  perdendo  aos 
poucos  suas  qualidades  de  previdência  postas  em  pratica  em 
tempo  do  pastoreio  deambtdante^  e  agora  inúteis  no  meio  de  um 
verdadeiro  regimento.  Só  ao  envez  disso,  o  chefe  encarregado 
de  tudo  dirigir,  de  fazer  viver  toda  a  partida,  conserva  essa  qua- 
lidade da  previdência.  Ck)ncentra  em  suas  mãos  os  interesses  de 
todos,  dirige  o  rebanho  e  reúne  em  torno  de  si  as  mulheres  que 
se  encarregam  da  manipula^  do  leite.  Este  chefe  toma-8e« 
além  de  patrão  gerais  um  director  do  trabalho  ;  toma-se,  por 
isso,  muito  poderoso,  conserva  a  hereditariedade  em  sua  fkmi  - 
lia,  á  qual,  e  só  a  ella,  as  oircumstanclas  conservam  a  idóa  de 
previsão  e  de  governo.  B  assim  a  raça  de  pequenos  patrões 
com  suas  casas  independentes  dos  pequenos  platós  hervosos 
chega  aos  pastos  da  zona  do  sul  transformada  em  regimento^ 
com  um  pequeno  numero  de  capitães  hereditários,  senhores 
de  tudo»  dos  guerreiros,  das  mulheres,  dos  rebanhos... 


o  BRAZIL  SOCIAL  Í  5S 

Nas  pastagens  mais  uniformes  da  Africa  austral  acbam-ae 
mudadas  as  condições  do  trabalho,  ao  mesmo  tempo  que  o  oa^ 
racter  da  raça. 

O  regimen  de  simples  deambulação  {transhumanoe)  Já  nSo  é 
mais  possível  para  o  gado,  porque  a  alternativa  das  estações 
9Qcci9k  e  hnmiáA  prodvt  ao  mesmo  tempo  as  mesmas  modificações 
na  região  inteira.  A  Tida  nómade,  qual  a  praticam  os  moradorw 
dos  desertos  do  norte,  ó  impossível  ao  caflra,  como  Já  se  disse, 
porque  a  existência  dos  pastores  nómades,  mongóes,  semitas, 
berberes  ou  aryanos,  hontem  como  hoje,  suppõe  o  laço  patri- 
archal  na  família  e  na  tribu,  o  respeito  das  tradições,  dos  maio- 
res, a  autoridade  dos  anoiios,  a  solariedade  baseada  no  paren- 
tesco, cousas  todas  estas  que  Jamais  ot  negros  possuíram,  nem 
até  nos  famosos  platôs  da  região  montanhosa  de  Lesta  e  ainda 
menos,  se  é  possível,  nas  regiõe»  do  sul  e  do  centro. 

O  capitão  nao  ó  um  patriarcha;  é  um  explorador  e  um  do- 
minador íbroz,  que  usa  das  qualidades  de  um  mando  que  poude 
conservar,  não  como  pae  devotado,  sim  como  senhor  interes* 
seiro  e  implaeaTel. 

Seu  regimento  é  para  elle  uma  cousa  que  lhe  pertenee, 
não  é  sua  fttmilia. 

8e  as  grandes  migrações  são  interdietas  aos  poTos  cafres, 
em  virtude  de  sua  constitui^  social,  se  o  pastoreio  deambu- 
lante,  que  corrige  a  desigualdade  das  estações,  lhes  escapa, 
forçoso  lhes  á  o  reduzirem  seus  rebanhos  ao  numero  minimo 
de  cabeças  que  a  terra  pôde  alimentar  na  esta^  secca,  a  mais 
desvantajosa.  Não  se  pôde,  pois,  viver  exclusivamente  de  gado 
e  deve-se  recorrer  á  cultura^  aliás  fooil  e  remuneradora  pelas 
condições  favoráveis  do  clima. 

Os  pastos  são,  em  geral,  nas  savanas  do  sul  limitados  por 
espaços  inflBstados  de  abrolhos  e  espinhaes  ou  por  verda 
deiras  florestas  que  tornam  as  eommunicações  difflceii  de  uns 
para  outros.  Cada  dan  habita  separadamente  as  vastas  ilhotas 
aptas  ao  pastoreio.  Retida  pelas  fronteiras  naturaes  e  pela  re- 
sistência dos  visinhos,  a  oabiida  tornvse  sedentária  e  entrega-se 
á  cultura.  B  como  a  guerra  ô  constante  nas  fh>nteira8,  entre 
essas  gentes  arregimentadas,  todo  homem  é  soldado,  o  que  vale 


156  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

dizer,  que  á  malher  incumbe  o  trabalho  da  terra.  03  bomens, 
nos  intervallos  dag  expedições,  passam  os  dias  a  fumar  e  a  beber 
em  roda  do  kraal  e  das  cabanas  do  capitão,  A  mulher  Tem  a  ser» 
desta  íórma»  o  verdadeiro  trabalhador  e  productor  entre  os 
eaí^es. 

Ora  as  necessidades  das  primitivas  retiradas  guerreiras  já 
tinham  grupado  as  mulheres  era  torno  do  chefe  e  sob  a  saa 
direcção. 

Comprehende-se  que  esse  mandão  poderoso  reclame  o 
maior  numero  possível  de  taes  trabalhadores.  Nas  expedições 
de  guerra  — não  se  captura  somente  o  gado  do  inimigo, 
leva-se  também  uma  parte  da  popula(^o.  Os  homens^  são 
massacrados,  salvo  os  que  podem  fUglr  a  tempo  do  campo  de 
batalha;  as  mulheres  tornam*-se  escravas;  os  flihos,  levados  com 
ellas,  reparam  as  perdas  que  os  continues  combates  infligem  aos 
vencedores. 

Os  meninos/ criados  no  exercito,  tomarão  nelle  logar  mais 
tarde  ;  as  meninas  serão  mais  tarde  desposadas  pelos  Indunas 
(capitães),  ou  pelo  rei.  Até  doze  annos  todos  os  meninos,  nas- 
cidos na  tribu  ou  tomados  de  íóra,  são  alimentados  exclusiva- 
mente de  leite.  Desde  que  podem  andar,  vão  duas  vezes  por  dia 
todos  Juntos  ao  kraal  do  capifâo,  e  sob  a  inspec^^o  deste  ofll- 
oial,  tomam  por  si  mesmos  sua  refeição  nas  tôtaj  das  vaocas. 

Só  por  este  traço  tão  característico  póde-so  avaliar  o  que 
resta  da  família ! . . .  Um  capitão  do  bando  a  substituo  nas  Ain- 
cções  mais  necessárias  e  mais  intimas !...  Tome-se  nota  do  facto. 

Acima  desses  capitães  de  bando^  origem  certa  de  nossos  ca- 
pUães  de  matto  eáe  muitos  outros  mandões^  que  sempre  infes« 
taram  todo  o  interior  do  Brazii,  onundos  delles^  dos  coct^^i^s  sei» 
vagens  e  de  certos  chefes  de  solares  portuguezes,  acima  de  taes 
capitães  esta  o  rei,  capitão  dos  capitães.  A  autoridade  superior, 
poróm,  exercida  pelo  rei  não  chega  a  contrabalançar  a  influencia 
de  que  gozam  os  capitães  sobre  cada  uma  de  suas  companhias, 
influencia  que  não  ó  o  resultado  d*uma  intimidado  de  momento, 
mas  uma  verdadeira  força  social,  ligada  á  fUncção  de  patrão  e 
de  director  do  trabalho,  exercida  pelos  taes  capitães.  Infelizmente 
a  destruição  da  famiUa  levou  as  cousas  a  este  triste  resultado. 


o  BRAZIL   SOCIAL  157 

O  capit&o  facilmente  percebe  o  poderoso  laço  que  o  .prende 
a  seus  homens,  serve  fielmente  o  rei,  por  causa  das  distribui- 
ções de  rôzes  feitas  por  elle  depois  da  viotoria,  cujo  principal 
elemento  foi  o  agrupamento  sob  suas  ordens  d'um  grande  numero 
de  companheiros.  Mas  quando  se  sente  bastante  rico  e  bastante 
forte  para  escapar  ao  mando  real,  um  rebento  de  ambíç^  brota 
em  seu  cérebro.  Quando  se  julga,  por  modos  vários,  preparado 
para  a  empreza,  emigra,  deserta  com  sua  companhia  e  seu  re- 
banho e  vae  por  sua  conta  occupar  uma  terra  afajstada,  cujos 
habitantes  submette. 

Estes,  privados  de  seus  gados,  são  coagidos  a  nutrir  por 
meio  de  tributos,  cobrados  sobre  suas  culturas,  suas  caças,  suas 
ooUectas,  o  bando  invasor  que  fica  formando  uma  espeeie  de 
casta  superior,  tendo  só  ella  direito  ao  rebanho  de  bois.  Os  pa- 
rentes do  feliz  capitão,  seus  guerreiros  notáveis  e  os  filhos, 
filhas  e  ató  sobrinhas  destes  —governam  as  aldeias  e  íázem 
entrar  os  impostos*. .  Por  este  methodo  ô  que  tôm  tido  origem 
os  afamados  governichos  africanos  de  Mahololos,  Matabeles,  Zulus 
e  outras  gentes  do  continente  tenebroso. 

A  devastação,  o  roubo  dos  gados,  a  escravidão  dos  que 
escapam  têm  sido  o  viver  normal  das  gentes  negras  desde  os 
mais  remotos  tempos.  E*  regra  que  tem  sido  descripta  por  todos 
os  que  as  têm  visitado  desde  o  século  XV  ate  hoje. 

A  formado  exclusivamente  militar  dos  povos  que  habitam 
a  região  das  savanas,  vencedores  ou  vencidos,  é  a  causa  da  fra- 
gilidade do  laço  nacional  entre  elles.  Este  laço  é  quebrado  nos 
vencidos  pela  suppressão  do  kraal  de  gado  do  seu  capitão ;  nos 
vencedores  pela  deserção  constante,  e,  por  assim  dizer,  clássica 
dos  respectivos  capitães.  E'  uma  espécie  de  endémica  traição  po^ 
litica  de  que,  parece,  varias  amostras,  como  sobrevivência,  tém 
appareoido  nos  modernos  tempos  entre  os  régulos  brazileiros  e 
seus  mais  chegados  capitães.  Em  Africa  o  facto  tem  sido  e  ó 
ainda  hoje  corrente. 

Tornado  Inhosi,  istoé,  m,  o  antigo /ncíuna,  ou  capitão^  in- 
forma Préville,  que  tenho  estado,  repito,  a  compendiar,  acha-so, 
por  sua  vez,  nas  condições  do  Inhosi^  por  elle  abandonado,  a 
saber,  tondo  sob  suas  ordens  officiaes^  possuidores  cada  um  de 


158  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

seu  kraal  de  gados,  aos  quaes  Impõe  a  autoridade  que  elle 
acaba  de  sacudir  por  sua  conta.  Estes,  após  prazo  mais  oq  menos 
curto  ou  longo,  conforme  as  circumstancias,  pelo  exercício 
mesmo  de  suas  funoçOes  patronaes,  são  fustigados  a  ter  para 
com  o  seu  rei  ou  Inkosi  exactamente  a  mesma  oonducta,  o 
mesmo  proceder  que  elle  próprio  tinha  seguido  com  vantagens: 
eyadirem-se  traiçoeiramente  para  o  norte,  pois  é  invariavel- 
mente nesta  direcção  que  se  têm  feito  os  movimentos  dos  bantús, 
depois  de  sua  segunda  pátria  nas  savanas  meridionaes. 

O  verdadeiro  centro  de  agrupamento,  de  recrutamento  so- 
cial, o  ponto  inicial  e  persistente  oommum  a  todos  os  membros 
da  agglomeração,  entre  os  Cafres,  ô,  claramente,  o  rebanho  que 
possuo  o  rei  ou  o  capitão. 

Por  Isso  nas  guerras  incessantes  que  são  o  focto  predomi- 
nante da  zona,  os  rebanhos  são  sempre  a  attracção  e  o  lucro  do 
combate:  o  vencido,  despojado  do  seu  gado,  é  condemnado,  por 
isso  mesmo,  á  morte  nacional, 

A  importância  que  tem  para  o  vencedor  nada  deixar 
escapar  de  rebanho  e  de  gente  da  população  inimiga,  é  que  dictou 
as  regras  da  táctica  cafre:  emquanto  o  centro  âca  immovel« 
guardando  as  rezes,  as  duas  alas  do  exercito  se  extendem  ã  di- 
reita e  á  esquerda  em  um  vaato  movimento  rotatório,  afim  de 
encurralar  completamente  o  adversário.  Mas  nem  todos  os 
povos  vencidos  são  destruídos;  um  grande  numero,  até  de  an- 
tigos cafres,  é  simplesmente  reduzido  ã  escravidão.  O  exercito 
dos  senhores,  acampado  em  torno  da  residência  real  e  submet- 
tido  a  dura  disciplina,  escreve  E.  Reclus,  citado  em  Próville,  o 
exercito  dos  senhores,  infinitamente  mais  reduzido  em  numero 
do  que  as  populações  escra visadas,  só  pelo  terror  pôde  dominar: 
apparece,  ora  n'u:n  ponto  ora  n'outro,  devastando  campos,  pi- 
lhando os  animaes. . .  Gentes,  outr*ora  sedentárias,  tomaram-se 
hordas  de  fUgitivos,  abandonando  aldeias  e  culturas  quando  se 
approxima  o  exercito  do  rei.  O  trabalho  das  minas  é-lhes  inter- 
dicto  para  que  se  não  enriqueçam;  a  caça  do  elephante,  nas 
regiões  mais  ao  norte  em  que  elle  apparece,  lhes  ó  vedada,  por 
ser  uma  occupação  nobre  e  escravos  não  deverem  se  igualar  aos 
senhores... 


Q  BBAZIL  SOaAL  169 

Alguns  deflses  destroços  de  gente  deixaram  de  oriar  gado ; 
03  Mandandas^  habitantes  das  plaoioies  situadas  perto  do  rei 
de  Gata,  puzeram-se  a  criar  cachorros,  na  esperança  de  gueao 
menos  esta  carne  deepresad^  não  lhes  será  tomada  por  seus 
oppressores. 

£  são  estas  as  gentes  consideradas  a  raça  affe^Uva  por  so- 
nhadores phantasistas,  preoccupados  em  arranjar  trindades, 
trios e  trilogias!... 

O  caracter  social  dos  bantús  meridionaes  está,  eridente* 
mente,  ainda  mais  deteriorado  do  que  o  dos  seus  parentes 
das  regiões  altas  de  lóste. 

Não  são  elles,  poróm,  os  únicos  habitadores  africanos 
do  sul  do  continente.  Nos  esteppes  de  sudoeste  residem  os 
EoUentotes,  que  não  são  negros,  como  já  âcou  dito,  e  no  desertp 
de  Kalahari  e  yisinhanças  os  Bushmanos. 

Daquelles  nada  ha  a  dizer  que  intsresse  ao  Brazil ;  dos 
outros,  dos  quaes  nos  vieram  não  poucos  exemplares,  basta  re- 
ferir que  esses  Íncolas  de  magros  terrenos  de  caga,  impróprios 
para  o  pastoreio  e  para  a  cultura,  andam  reduzidos  á  maior  des- 
organisação  pelas  diíflculdades  d'  uma  vida  quasi  sempre  er* 
rante  e  semrecursos  certos  E'  uma  poeira  de  homens,  diz  o 
illustre  escriptor,  sem  laço,  sem  resistência  contra  as  incursões 
dos  estrangeiros.  De  tempos  immemoriaes  os  Bushmanos  foram 
um  oelleiro  d*  escravos  para  os  Hottontotes  e  Cafres. 

£'  tempo  de  passar  á  zona  equatorial  do  centro,  o  grande 
império  da  tiéué,  a  região  sem  rebanhos,  sem  pastores,  a  re- 
gião da  rudimentar  cultura,  da  pura  collecta  e  da  grande  e 
pequena  caça,  a  verdadeira  África,  viveiro  d^escravos  para  a 
America,  durante  perto  de  quatro  séculos  e  durante  mais  de 
quatro  mil  annos  para  o  Velho  Muudo. 

A  rápida  vista  lançada  sobre  as  gentes  de  lóste  foi  exigida 
pelo  facto  de  ali  estarem  em  gérmen  as  fontes  dsus  populações 
afiicanas,  segundo  a  melhor  critica;  o  leve  olhar  atirado  aos 
povos  do  sul  foi  imposto  pela  necessidade  de  mostrar  a  pri- 
meira deformação  dos  africanos  negros,  logo  ao  sahir  dç  seu 
ponto  de  partida  e  pelo  facto  de  que  muitos  milharejs  dos  escravos 
importados  no  Brazil  foram  dali  provindos. 


160  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

A  apreciação,  porém,  do  caracter  social  das  gentes  do 
oentro,  dos  africanos  sub-equatoriaes,  impoe-se  a  quem  quer 
que  pretenda  saber  duas  linhas  acerca  da  formação,  da  cons- 
titaiçSo  e  do  caracter  da  sociedade  brazLleira.  Em  que  peze 
a  fátuo  pretenciosos  de  todas  as  formas  e  feitios,  ali  está 
uma  das  fontes  caudaes  que  despejaram  no  Brazil,  durante 
quasi  quatrocentos  annos,  numerosisimos  contingentes  para  a 
argamassa  de  sua  população.  Assim  o  quizeraro,  assim  o  te- 
nham. N&o  é  mais  do  que  viver  séculos  do  trabalho  alheio,  es- 
crayisando  duas  raças,  e  depois  pretender  arrancar  as  paginas 
da  historia  para  phantasiar  fidalguias.  Não  é  mais  do  que 
fazer  do  paiz  um  vastíssimo  harsm  de  Índias,  pretas,  mulatas 
cor  de  canella,  e  morenas  cor  de  jambo,  segundo  o  lyrismo 
dengoso  dos  D.  Juans  colonisadores  e  patrícios,  e,  agora,  impor 
silencio  ao  sangue .  •  •  A  enormíssima  mestiçada  brasileira  labuta 
numa  situado  psyohologica  verdadeiramente  original:  tem  ódio 
ao  branco  e  procura  por  todos  os  modos  passar  por  branca !  — 
E*  curioso.  Falta-Ihe  a  coragem  de  dar-so  pelo  que  realmente  é. . . 

A  immensa  zona  africana  do  centro,  manancial  da  mór 
parte  dos  vinte  e  tantos  milhões  de  negros  escravos  que  im- 
portamos, divide-se  em  quatro  regiões,  caracterisadas  pela  plan- 
ta, cujo  producto  serve  de  base  á  alimentação  das  respectivas 
populações  :  a  mandioca,  a  hanana^  o  tocusso  {éleusinê]^  o  sôrgko 
[dourah). 

Servir  de  base  ã  alimentação  é,  talvez,  nm  simples  mado 
de  dizer,  porque  a  verdadeira  base  se  encontra  na  caça.  Va- 
mos lidir,  pois,  com  gentes  caçadoras,  ao  geito  mais  ou  menos 
dos  Índios  brazileiros:  e  digo  mais  ou  menos,  porque  em  Africa, 
n:x  região  ora  estudada  existe  a  grande  caçada  dos  enormes 
quadrúpedes  que  não  se  encontra  entre  nós,  como  jã  notei,  pa- 
ginas atraz. 

As  populações  africanas,  quer  as  berberes  do  norte,  quer 
as  abyssinias,  quer  as  negras  estudadas  de  láste  e  sul,  dão-se 
como  se  viu,  ú,  arte  pastoril  c  modiflcam-se,  conforme  as  va« 
riações  impostas  pela  natureza  a  esse  género  de  trabalho.  Na 
zona  do  oentro  uma  modificação  ainda  mais  radical  se  eifectua 
nas   gentes  negras. 


o  BRAZIL  SOCIAL  161 

Ahi  desappareGem  os  grandes  auxiliares  do  homem  :  o  boi, 
o  cavailo,  o  camello.  a  cabra.  Raros  exemplares  desta  e  do  boi 
são  conservados  num  e  noutro  ponto*  com  enormes  difficul- 
dades.  Alguns  cães,  também  difflcilmente  conservados,  e  aves 
constituem  a  provisão  de  animaes  domésticos.  A  causa  deste 
phenomeno  estranho  ô,  como  Já  disse,  repetindo  sempre  Pré- 
ville,  o  quot  ainda  uma  vez  o  noto,  o  leitor  deve  sempre  ter 
em  vista,  ô  a  mosca  tzétzé^  também  chamada  mosca  do  éle^ 
phantôy  cuja  picada  ô  causa  do  morto  certa  para  o  boi^  o  cavallo 
Q  o  cão.  O  homem  é  immune.  Mas  é  forçado  a  viver  sem  o  au- 
xilio dos  principaes  animaes  domésticos,  auxilio  indispensável, 
ató  certo  ponto,  até  para  os  mais  elementares  trabalhos  de 
simples  coUecta^  de  pequena  cultura,  do  mera  extrac(^,  de  fa- 
bricação e  de  transportes  (1). 

Na  vastíssima  zona  do  centro  esta  o  theatro  do  uma  orga- 
nisação  social  particular.  As  cabildas  que  passaram  as  fronteiras 
dos  domínios  da  tzéué  foram  aquellas  que,  não  se  podendo 
manter  nas  regiões  visinhas,  se  acharam  compellidas  a  penetrar 
e  a  ficar  na  terrível  zona.  Tiveram  de  transformar-se  quanto 
aos  meios  de  existência  e  a  estructura  social. 

A  grande  caçada,  isto  é,  a  caçada  aos  grandes  animaes,  os 
buffklos,  rhlnocerontes,  hippopotamos  e  elephantes,  exige  agru- 
pamentos numerosos,  que  se  podem  chamar  clans  fie  caça.  B* 
recrutamento  que  se  faz  fora  dos  laços  do  sangue ;  porque  as 
fiimilias  estão  Jã  desorganisadas  de  antemão,  quer  anterior- 
mente a  seu  recalcamento  para  dentro  das  mattas  equatoriaes, 
quer  pela  pratica  diária  da  caça  aos  pequenos  animaes  ;  porque 
não  se  deve  esquecer  que  as  grandes  caçadas  slo  relativamente 
pouco  numerosas  e  vão  se  tornando  cada  vez  mais  espaçadas. 


(1)  Cumpro  chamar  a  attonção  para  a  palavra  coUecta,  Segundo  a 
escola  de  Lo  rlay  existem  certo»  trabalhos  de  fácil  producção  arbores- 
cente^ fructos,  tâmaras,  castanhas,  nozes,  amêndoas,  etc,  trabalhos 
que  os  francezes  denominam  de  simple  cueillettè.  Ora,  a  melhor 
traducção  de  cueillette  seria  —colheita,  se,  em  portugnez,  esta  pa- 
lavra não  se  applicasse  também  aosproductos  dos  mais  complicados, 
difBceis  e  penosos  trabalhos  da  cultura  da  terra.  Por  isso  verto 
sempre  o  termo  francez  por  coUecta^  quando  temo  referido  sentido. 

4:?23— 11  Tomo  lxix  p.  ir. 


162  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

No  valle  do  Congo,  como  no  do  Amazonas,  os  efléitos  dessa 
especia  de  trabalho  sSo:  a  imprevidência,  a  superioridade  ou- 
torgada á  mocidade  sobre  a  velhice,  o  desenvolvimento  do  es- 
pirito de  máo  individualismo  dispersivo,  o  relaxamento  do 
berço  familiar,  a  poIygamia«  a  cultura  pelas  mulheres,  a  indillé- 
rença  dos  pais  para  com  os  filhos. 

A  familia  assim  desorganisada,  não  tom  acçSo  sobre  os  in- 
divíduos que  oompOem  o  olan  ou  bando  da  grande  caça ;  não 
pode,  além  disto,  lhes  dar  a  mínima  protecção  contra  o  chefe 
ao  qual  os  submettem  as  necessidades  do  trabalho.  Este  chefe 
é  naturalmente  vigoroso ;  e  o  habito  do  perigo  inspira-lhe  o 
despreso  da  vida  alheia.  A  disciplina  torna-se  inexorável  e  o 
poder  absoluto  do  director  não  pode  solfrer  nenhuma  opposição. 
As  cabildas  de  caçadores  reunemnso  ao  som  sinistro  de  enormes 
tambores,  espalhados  nas  mattas.  Taes  cabildas  têm  numorosis- 
simos  ensejes  para  mutuamente  se  guerrearem, 

A  caça  se  desloca  diante  da  perseguição  de  que  é  objecto  ; 
o  elephante  torna-so  raro,  choga  a  desapparecer  de  certos  sítios, 
exactamente  os  que  são  habitados  pelos  caçadores  mais  intre-- 
pidos;  a  occupação  por  estes  de  novos  territórios;  o  encontro 
das  cabildas  ou  clans ;  as  queixas  frequentes  que  esses  homens 
violentos  têm  a  levantar  uns  contra  os  outros  ;  a  penúria,  em 
fim,  todas  essas  circumst^neias  sio  causas  constantes  de  guerra. 
Os  chefes  de  caçadoi^es  tornam-se  chefes  de  guerreiros  ;  os  bandos 
de  caçadores  tornam-se  tropas  de  combatentes.  A  guerra  é  para 
elles  uma  variante  da  caça  ;  e  é  bradando  —  Bobo,  bobo^  carne, 
carne,  que  se  lançam  sobre  o  inimigo. 

Quanto  ã  mais  notável  de  todas  as  caçadas,  a  do  elephante, 
dã  ella  logar  á  operação  da  partilha  que  exige  a  presença  do 
ohefe.  A  graxa  e  a  carne  utilisadas  são  em  quantidade  enorme. 
A  carne  é  dividida  em  manias  que  são  moqueadai,  exacta- 
mente como  faziam  os  Índios  do  Brazil,  dos  quaos  os  negros  em 
assumpto  de  caça,  coUecta  e  lavoura  nada  tiveram  a  aprender  o 
sim  muito  a  ensinar.  Uma  parte  cabe  a  cada  caçador  ;  a  parte 
do  chefe  é  um  terço  ou  metade  do  animal  todo,  conforme  os 
casos.  Cabem-lhe,  além  disso,  certas  partes  do  íkto,  mocotós, 
orelhas,  pedaços  delicados,  na  opinião  dnssas  gentes,  e,  demais, 


o  BRAZIL  SOCIAL  163 

todo  O  marfim,  O  commercio  a  que  este  dá  logar  é  antiquUsimo ; 
6  foi  eUe  então  oomo  hoje  o  attrativo  das  caravanas  para  o  in- 
terior da  Africa.  Quasi  todo  anda  nas  mãos  dos  chefts  on  pe* 
quenos  reU  E'  um  monopólio  que  llies  dá  ImmeQSo  poder,  dç 
<mde  nascem  graves  oonsequenoias. 

A  imprevidência  dos  caçadores  e  o  apparecimanto  da  pena- 
ria gerai  trazem  aos  chefes  repetidas  occasiões  de  utilisarem  a 
riqueza,  oriunda  desse  privilegio,  comprando  géneros  que  re- 
vendom  aos  homens  e  mulheres  de  sua  aldeia,  dos  quaes  quasi 
espontaneamente  se  constituem  senhores,  especialmente  dos  me- 
ninos. As  caravanas,  traficadoras  de  marfim  desde  a  mais  re-^ 
mota  antiguidade,  desde  sete  ou  oito  mil  annos  atraz,  fornecem 
uma  sahida  segura  para  os  escravos  qua  o  rei  não  utilisa  dire- 
ctamente, além  daquelles  que  ollas  constantemeate  prêam  por 
sua  conta.  £'  no  commercio  do  marfim,  pois,  que  se  deve  pro 
curar  a  origem  do  trafico  dos  negros  para  o  Egypto,  Núbia, 
Arábia,  índia,  As^yria,  Babylonia,  Pérsia,  Judéa  o  Phenioia 
desde  os  mais  longinquos  tempos. 

E  eis  o  resultado  geral,  no  centro  da  Africa,  da  influencia 
do  trabalho  da  caça  sobre  os  populações:  modificação  da  familia 
e  de  todos  os  agrupamentos  sociaes  no  sentido  da  escravidão. 

Mas  esta  synthese  das  sociedades  da  zona  central,  da  região 
da  caça,  tomadas  em  oonjuncto,  não  dispensa  a  caracterisação 
das  gentes  do  cada  uma  das  quatro  porções  em  que  aquella  zona 
se  subdivide. 

Cumpre,  antes  de  ir  adiante,  não  deixar  em  esquecimento 
um  traço  de  grande  valor. 

A  religião  dos  negros  oaçadores  da  mata  é  muito  mais  som- 
bria do  que  a  dos  pastores  pretos  de  leste  e  do  sul. 

Os  feiticeiros  não  são  mais  os  fazedores  de  chuva  ;  são  fa- 
brioantes  de  filtros  e  de  encantamentos,  destinados  a  fascinar 
a  caça,  a  afugentar  as  feras.  São  mestres  eméritos  na  fabri- 
cação de  venenoe,  cujo  emprego  se  liga  â  arte  da  caça,  o  elles 
estendem  ás  suas  artimanhas  magicas  e  feiticerias  de  caracter 
vario.  As  myatoriosas  trevas  da  floresta,  cujos  impenetráveis 
labyrintos  podem  homisiar  a  morte  a  cada  passo,  o  isolamento 
e  a  falta  de  aipoio  resultantes  da  profunda  desorganisação  da 


164  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

fiuniliat  arrebatam  o  caçador  ]^ra  os  (errores  supersticiosos, 
entretidos  caidadosamente  pelos  feiticeiros.  Estes  empregam 
todos  08  meios  para  entreter  taes  pavores,  simulando  appari- 
çlies  sinistras,  phantasmas  medonhos,  e  nSo  se  esquecendo  de 
daremrse  sempre  como  tendo  o  preciso  poder  para  ooqjurar  os 
génios  malignos  que  infestam  as  florestas. . . 

A  immensa  zona  das  maias  africanas  se  divide  em  quatro 
regiOes  especiaes,  oomo  J&  se  disse  e  repitiu.  Cada  uma  destas 
subdivisões  não  é  influída  só  pelo  clima  e  pela  espécie  de  cul- 
tura que  suppre  na  alimentagSo,  as  deficiências,  que  se  vSo 
cada  vez  tornando  maiores,  da  caça ;  soffre  também  cada  uma 
delias  o  influxo  especial  das  populações  que  as  cercam  e  nellas 
entram.  Dest*arte  a  chamada  regi&o  da  inandioca  ;  que  é  das 
do  oentro  a  mais  meridional,  é  invadida  pelos  Cafres  do 
sul ;  as  denominadas  da  banana  e  do  iociuso  pelas  cabildas  di- 
reotamente  decidas  das  montanhas  de  leste,  de  GaUas  e  Chilu- 
?tâê  ;  a  intitulada  do  $6rgho^  colonisada,  ha  millenios,  pelos 
ChUuhes^  tem  sempre  permanecido  sob  a  pressão  das  incursões 
dos  Berberes.  Dahi,  sob  a  ioflaencia  desses  três  factores,  dif- 
íérenciações  mais  ou  menos  accentuadas. 

O  enorme  valie  do  Gongo,  especialmente  na  margem  es- 
querda do  portentoso  rio,  e  a  bada  do  Ogouô  ou  Qabão  são  as 
terras,  por  ezcellencia,  da  mandioca. 

A  cultura  desta  planta  é  a  mais  própria  para  os  que  se 
iniciam  na  arte  agrícola:  exige  muito  pouco  trabalho  edá 
grandes  resultados.  Nella  tudo  se  aproveita:  o  amidon«  a  fé- 
cula, as  folhas,  os  brotos. 

Tem  apenas  o  defeito  de  cançar  depressa  a  terra  o  que 
força  os  negros,  neste  mesmo  sentido,  aliáSt  jã  influídos  pela 
caça  que  esoassôa,  a  mudarem-se  de  um  sitio  para  outro.  Esta 
necessidade  de  mudanças  perpetuas  oppõe-se  á  constituição 
da  propriedade  e  contribuo  para  manter  a  instabilidade  das  fo^ 
milias.  Os  Cafres  militarisados,  cuja  desciip^  J4  fcH  dada, 
facilmente  se  estabeleceram  desde  remotos  tempos  e  estabe- 
lecem ainda  hoje  nas  terras  oecupadas  pelos  caçadores  a  os 
Ibrçam  à  cultura.  Os  vencedores,  segundo  o  costume  cafre, 
attribuem  a  seu  capitão,  tomado  rei,  a  posse  do  solo. 


o  BRAZIL  .SOCIAL  165 

Fundam  novas  aldeias  e  as  povoam  de  captivos,  homens 
e  mulheres  capturados  nos  matos,  e  de  fúgitiyosy  que  procuram 
escapar  a  um  senhor  e  caem  sob  o  domínio  de  outro. 

O  rei  colloca  é,  frente  de  soas  aldeias  seus  principaes  guer- 
reiros e,  de  preferencia,  os  membros  de  sua  parentellat  homens 
ou  mulheres.  Ha  assim,  uma  continua  fermentação  de  povos 
em  toda  a  zona  ;  a  instabilidade  de  todas  as  aggremiaçOes  po- 
liticas ô  completa. 

As  consequências  de  um  tal  estado  de  cousas  refleotem-se 
immediatamente  na  organisaçfio  da  familia,  se  este  nome  se 
pode  dar  ao  fraquíssimo  agrupamento  pelos  laços  de  sangue  por 
ventura  ainda  subsistente  entre  estes  negros. 

Não  sendo  mais  retidos  em  torno  do  hraalf  porque  nSo  pos- 
suem mais  rebanhos,  os  pretos  da  zona  centrai  seguem  a  mOe^ 
quando  ella  se  separa  de  seu  homem  ou  vae  morar  noutra 
aldeia.  Este  laço  materno  se  estende  até  ás  sobrinhas  e  primas 
germanas  nas  famílias  dos  chefes  que  se  arrogam  uma  certa 
posse  territorial.  Mas  entre  o  resto  da  população  quebra-se  em 
cada  geraçlio,  porque  não  se  apoia  em  nenhuma  posse  da  tem  ; 
porquanto  o  rápido  esgoUimento  ou  cansaço  do  solo,  jã  notado  em 
géneros  do  cultura  dirigidos  sem  o  menor  methodo,  impede  a 
constituição  das  propriedades  particulares  originadas  do  tra- 
balho. 

O  direito  territorial  dos  chefes  ó  um  direito  de  guerra,  re- 
pousa no  poder  militar  por  ellos  exercido. 

Homem  ou  mulher,  o  chefe  de  aldeia  não  faz  cultivar  para 
si  só:  o  poder  de  que  se  acha  investido,  deveo a  um  chefo  su- 
perior, a  quem  obedeoe ;  entrega  ao  capitão  ou  kilola  uma 
parte  da  coUecta ;  ô  até  por  causa  da  percepção  deste  imposto 
que  ó  investido  de  auctoridade.  O  hiMa^  por  seu  turno,  é  en- 
carregado especialmente  de  recolher  os  tributos  das  aldeias  para 
os  levar  ao  rei.  K  uma  vasta  machina  hierarchica  destinada  a 
obrigar  o  povo  a  ciUHvar  para  os  conquistadores* 

Mantidos  estes  pela  cohesão  militar,  ocoupam  as  posições 
de  mando.  A  população  está,  pois,  dividida  emduas  classes:  uma 
inferior^  forçada  ao  trabalho  por  ordem  alheia,  desorganisada 
pela  constitui^  social  qne  deve  á  caça,  e  uma  superior,  que 


166  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

força  a  outra  á  cultura,  dlrige-lho  o  trabalho  e  recebe  os  pro- 
ventos. Graças  ú.  disciplina  que  a  mantém,  osta  olasso  substitue 
£ioilmente  os  chefes  caçadores,  e  forma  eâpeoies  de  dynastiat 
qne  se  conservam  no  poder  pelo  rigor.  A  recepção  do  imposto 
tom  logar,  em  todos  os  grilos,  cora  um  enorme  apparolbo  mi- 
litar e  com  o  barulho  ensurdecedor  de  tambores. 

E*  verdadeiramente  o  senhor  que  recebe  a  qnota  do  hu- 
mildes servidores ;  estes,  delegados  dos  moradores  das  aldeias, 
prostram-se  diante  do  chefe,  esfregando-se  com  o  pó  do  chão.  A's 
vezes  o  rei  se  resolve  a  dar  uma  volta  por  seus  dominios  e  a 
receberas  contribuições  em  casa  dos  súbditos. 

Emprehende  continuamente  expedições  para  punir  o  atraso, 
a  negligencia  ou  a  recusa  do  imposto  e  muita  vei  toma  este  pre- 
texto para  executar  terríveis  razzias.  O  poder  do  tyrannno  sobre 
seus  capitães  oa  kihlas  só  se  mantém  por  uma  disciplina 
de  ferro:  a  etiqueta  é  severa  e  as  mais  leves  íkltas  aio 
punidas.  Só  existem  duas  espécies  de  pena  :  a  mutilação  e  a 
morte! 

Cumpre  notar,  aânal,  que  os  negros  da  região  da  mandioca^ 
ooftumados  à  lavoura,  foram  sempre,  em  todos  os  tempos,  pro- 
curados poios  tralioantos  de  escravos.  As  Antilhas,  o  Brazil,  os 
E&tados  Unidos  forne)eram-se  ali  dos  negros  chamados— Conpot, 
feios,  accrescenta  Préville,  mas  robustos  e  trabalhadores.  Esse 
mercado  está  hoje  fechado ;  e,  todavia,  a  exportação  por  terra 
continua  em  vasta  escala  para  o  Oriente  e  para  outras  regiões 
da  própria  Africa. 

A  região,  ehamada  da  banana^  é  aquella  em  que  a  floresta 
snb-equatorial  africana  ô  mais  mde  e  intensa. 

Ahi  param  os  invasores  bantús  ou  cafres  meridionaes. 

Deve  existir  um  grave  motivo  que,  na  Africa  Central,  íto 
parar  aquelles  guerreiros  e  oe  impede  de  levarem  mais  adiante 
toa  eolonisação  agrícola.  E'  o  que  se  vao  vér. 

A  região  do  que  se  trata,  situada  debaixo  do  equador,  esten- 
dendo-se  ao  norte  e  ao  sul,  mais  naquella  do  que  nesta  direcção, 
recebe  nma  enormíssima  quantidade  de  chuva,  durante  todo  o 
anno  e  todos  os  dias.  A  zona  inteira,  alôm  de  sua  proximidade 
tia  linha  dos  eqninoxios,  está  collocada  no  ponto  em  que  se  én- 


o   BRAZIL  SOCIAL  167 

.contram  as  três  series  de  inclinações  ou  declives  que  formam 
os  grandes  accidentes  da  Africa  interior. 

A  immensa  ourva-norte,  doscripta  pelo  Cougo,  ó  determi- 
nada pela  linha  na  qual  vêm  morrer  as  descidas  dos  platós  dos 
desertos  do  sul,  a  queda  meridional  das  oumiadas  entre  Nilo- 
Congo-Tchad  e  os  últimos  contrafortes  da  zona  montanhosa  de 
leste. 

£\  por  certo,  posição  que  oonvem  a  um  massiço  de  matas 
Yirgens. 

A  altura  e  a  dimensão  das  arvores,  no  âmago  da  floresta, 
dão  abrigo  a  uma  tão  inexcrioavel  vegetação,  mais  baixa,  que  se 
emaranlia  sob  suas  sombras ;  e  é  tal  o  cerrado  de  troncos,  ramos, 
lianas,  cipós,  matos  e  folhas ;  tão  espesso  o  conjnncto  de  tal 
agglomeração  de  páos  de  todas  as  formas  e  tamanhcs,  que  im- 
possível quasi  ó  a  travessia,  o  que  explica  a  razão  pela  qual  as 
terras  que  se  avisinham  do  alto  da  curva  do  grande  rio  não 
tenham  habitantes  em  grande  extensão  e  tenham  âcado  sempre 
fora  das  explorações  tentadas  aates  de  Stanley  e  Schweiníúrth. 
Taes  difflculdades  impediram  o  pas:)0  aos  exploradores  eu- 
ropeus e  aos  próprios  bantús. 

Sob  o  ponto  de  vista  da  cultura,  considerável  dificuldade 
origina-se  da  fulta  de  estação  secca  e  vem  a  ser  o  pullular  con- 
tinuo das  liervas,  nomeadamente  das  altas  e  fortes  gramíneas 
equatoriaes,  nas  clareiras  derrubadas  da  floresta.  Asroçagens 
e  sachaduras  para  supprimir  hervas  são  de  nenhum  effeito, 
porque  estas,  sob  a  ac(^  da  humidade  constante  entretida 
pelas  chuvas  diárias,  pullulam  e  crescem  por  encanto.  São 
um  obstáculo  para  quaesquer  plantações  que  se  quizesse  con- 
fiar á  terra. 

Por  isso,  na  região  florestal  vrisinha  do  equador  o  principal 
alimento,  tirado  do  reino  vegetal,  não  ô  devido  á.  cultura  e 
sim  fornecido  por  uma  essência  arborescente^  que  é  a  banana, 

A  região  das  matas  equatoriaes  e  da  banana  atravessa  a 
Africa  inteira,  desde  a  zona  dos  grandes  lagos  próximos  ás 
terras  altas  de  leste,  até  ao  golpho  de  Guiné.  Fica  entre  as 
terras  oongolezas,  próprias  ao  cultivo  ia  mandioca,  e  as  re* 
glões  situadas  ao  norte,  nas  quaes  predomina  a  lavoura  de  ce- 


168  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

reaea.  Pode  mr  dividida,  por  sua  vez,  em  dois  climas  diffe- 
rentes. 

Nas  regiões  mais  baixas,  como  s&o  as  meridionaes  confl-* 
nantes  com  as  terras  da  mandioca,  domina  o  regimen  florestal 
puro:  nas  partes  mais  altas,  nas  qnaes  a  regifto  das  matas  se 
approxima  das  montanhas  de  lôste  e  de  oeste,  nota-se  modiA« 
oa^  de  clima  em  sentido  mais  favorável  á  vida. 

A  zona  inferior  e  paramente  florestal  oonstitae  um  im- 
menso  tarritorio  de  caga, 

B'  a  lúgubre  e  phantastiea  floresta  descripta  i>or  Stanley, 
pondera  Prôville,  e  a  qual  o  explorador  americano  attribuiu 
uma  extensão  de  840.0(X)  kilometros  quadrados  sem  levar  em 
conta  seu  immenso  prolongamento  para  o  oeste. 

Nestas  florestas  virgens  inextricáveis,  que  parecem  sem 
limites,  vagam  as  liordas  ameaçadoras  dos  selvagens  A9%$$ibas^ 
dos  ferozes  Pahuins^  Fans  ou  Ossyéboi  cujas  incursSes  no  Ck>ngo 
Francez  e  no  Gongo  Portuguez  sâo  de  vulgar  noticia. 

Outra  raça,  curiosissima,  ali  residente  ó  a  dos  Pygmeus. 

As  terras  mais  altas,  mais  seccas,  posto  que  snjeitas  ás 
chuvas  equatoriass,  sSo  próprias  para  as  bananeiras,  plantadcu 
ou  limpas  de  mato  em  vista  da  coUeeta  dos  fructos.  A*  bananeira 
devo  Juntai*-se  outra  arvore  preciosa,  a  palmeira  de  aseitê 
{iSasis  guineensis)^  productora  do  conheeidissimo  ateite  de  dêndê 
edo,  menos  vulgar  no  Brazil,  mnho  de  dendê  chamados  também 
aseite  e  pinho  de  palma.  O  óleo  serve  para  variados  arranjos 
eulinarios ;  o  vinho  p5o  ao  alcance  dos  negros,  por  um  slmplis- 
simo  trabalho  de  mera  coUecta,  a  bebedeira  diária  e  geral.  (1) 

Nestas  terras,  que  devem  ser  elassi  doadas  entre  as  de 
eollecta^  a  banana  e  o  óleo  de  dendô  constituem  o  fundo  da  ali- 
mentação, associados  a  diversos  produotos  espontâneos: 
inhame,  batata  doce,  milho  e  á  eaça^  fkcto  constante  de  toda 
a  zona  central  africana.  £*  um  viver  mais  fácil  do  que  o  dos 


(i)  Vide,  alóm  de  A.  de  Prévillo,  sobre  eita  zona  —  Um  anno 
no  CongOy  oor  Jayme  Pereira  de  Sampaio  Por  jaz  de  Serpa  Pimentel, 
Lisboa,  1899;  e  mais  — As  Colónias  Portug^iezas,  por  Ernesto  J.  de 
G.  e  Vasconcellos,  Liabaa,  i896;  e  maia  — A  raça  negra  soh  o  ponta 
i6  tiêta  da  civilisação  da  Africa  por  A.  P.  Nog^aeira,  1881. 


o  BRAZIL   SOCIAL  169 

simples  caçadores  da  mata  pura  e  dos  bantús  do  sul,  planta- 
dores de  mandioca  e  disciplinados  pelo  trabalho. 

As  gentes  da  zona  da  banana  acham-se  organisadas  em 
olans  baseados  sobre  o  trabalho  da  collecta. 

SSo  curiosos  exemplos  destes  povos  com  tal  organisação 
ds  famosos  reinos  de  Dahomey^  na  extrema  occidental,  o  Mombutú 
na  extrema  oriental  da  zona  de  que  se  trata.  São  anthropo^ 
phagos. 

Como  em  toda  zona  central  africana,  a  família  entre  os  ne- 
gros que  fazem  da  coUecta  da  banana  a  base  principal  de  sua  ali- 
mentaç&o,  apresenta  um  minimo  de  cohesSo  e  fixidez ;  o  prin- 
cípio de  agrupamento  nâo  é  para  elles  a  tradícção  patriarchal 
inexistente,  ô  o  trabalho  da  collecta,  ao  qual  concorrem  utilmente 
os  meninos  o  as  mulheres.  Por  outro  lado,  6  preciso  ser  forte 
para  defender,  contra  os  viandantes  e  os  risinhos  e  principal- 
mente contra  o  invasor,  attrahido  pela  abundância,  uma  safira 
sempre  pendente^  que  não  custa  a  fazer  brotar  e  crescer  e  que 
garante  fartamente  o  pão  de  cada  dia.  E'  mister  ser  numeroso 
para  ser  forte. 

D'ahi  o  agrupamento  em  grandes  aldeias  de  cabildas  que 
se  arregimentam  em  torno  de  um  chefe,  cnjo  poder  é  jastifi* 
cado  pela  necessidade. 

A  força  de  cohesão  quo  dá  o  agrupamento  em  grande  nu- 
mero não  é  empregada  somente  na  defensiva.  Comprehende-so 
bem  que  um  povo  dado  ao  mesmo  tempo  á  collecta  da  banana 
e  do  dendê,  á caçado  elephante  e  do  buffalo, sempre  em  armas, 
sempre  prestes  para  o  que  der  e  Tier,  deve  emprehender  sem  a 
menor  cerimonia  expedições  contra  as  naçõos  visinhas .  As  de- 
vastações dos  de  Dahomoy  são  famosas.  Não  o  sio  menos  os 
dos  de  Mombatú.  A  lóste  e  sul  desse  reino,  nos  paizes  que  mar- 
geam  o  Bomocandi  o  Kibali,  residem  negros  dados  ã  cultura, 
possuidores  de  algumas  cabras  e  sem  chefes  poderosos.  São  os 
Afon/Víf  considerados  pela  aristocracia  bananal  dos  Mombutús 
como  raça  inferior.  Os  chefes  do  pavoroso  reino,  de  per.neio  com 
as  sortidas  para  prêar  buífalos  e  elephantes,  ordenam  amiu- 
dadas razzias  entre  aquellas  gentes  desprezadas.  Ao  grito  de 
carne !    carne !  atiram-se  sobre  os  pobres  stlvagens  e  voltam 


170  REVISTA   DO  INSTITUTO   HISTÓRICO 

trazendo  oabrai  e  oaptiTos.  E,  como  os  de  Mombutú,  não  pre- 
cisam de  auxiliares  para  suas  levissimaa  culturas,  nem  desejam 
de  modo  algum,  para  augmentar  o  numero  de  seus  guerreiros, 
que  indivíduos  estranlios  ao  clan  sejam  admittidos  a  compar- 
tilhar da  collecta  de  suas  bananeiras  e  de  seus  elais,  a 
sorte  dos  prisioneiros  6  decidida  por  outra  íòrma  :  são  comidos  I 
As  ceremonias  do  saoriftcio  têm  muitos  pontos  de  contacto  com 
as  dos  selvagens  do  Brazil.  Idêntico  é  o  hediondo  espectáculo 
dos  trophéos  de  craneos  que  orlam  de  lado  a  lado  as  longas 
ruas  dai  aldeias. 

Nada  ô  mais  adequado  para  impedir  uma  sociedade  por  esse 
caminho  do  canibalismo  do  que  a  organis  ição  em  clan  defensivo 
como  essa  que  é  imposta  aos  negros  que  vivem  da  collecta  da 
banana.  Esta  forma  de  sociedade  ó  adaptada  ao  clima  equato- 
rial de  uma  sô  estação,  onde  a  safra  dos  ftuctos  está  sempre  pen- 
dente, 

O  exclusivismo  gerado  por  este  modo  de  agrupamento,  o 
soberano  desprezo  para  com  todo  o  individuo  que  não  faz  parte 
da  cabilda  transpiram  de  tudo  e  em  tudo  se  fazem  sentir.  Tal  ó 
o  caso  em  toda  a  região  entre  os  Akkas,  Pahuinos,  Balolos,  Aia- 
neunas,  U-Gandas,  Mombutús  e  Dahomeys  mesmo  depois  da  des- 
truição dos  fortes  reinos  dos  três  últimos  povos  inglezes  e  fran- 


A  observação  dos  factos  que  influem  positivamente  nas  so- 
ciedades, pondera  ainda  o  escriptor,  dã  a  explicação  das  causas 
de  tão  estranhos  costumes.  Gomprehende-se  a  cohesão  que 
liga  as  sociedades  que  vivem  da  collecta,  o  poder  absoluto,  ex- 
tenso, oentralisado  na  mão  dos  chefes,  que  sobre  ellas  se  alo« 
vantam,  a  ferocidade  e  os  appetites  repugnantes  como  esses 
dessa  espécie  de  negros.  Desde  osopó  das  montanhas  de  leste  ató 
ao  golpho  de  Guiné,  desde  os  Mombutús  e  U-Gandas  ató  Ofl  Da- 
hwneys  e  Yoruhas^  o  espectáculo  é  o  mesmo:  o  agrupamento  dum 
grande  numero  de  mulheres  em  torno  dum  chefe  de  casa  perpe- 
tuamente bêbedo  de  vinho  de  palma,  as  razzias  de  captivos  nas 
regiões  próximas  ao  reino,  a  policia  disfarçada  e  presente  por 
toda  parte,  o  numero  excessivo  de  fúnccionarios  e  a  ins' 
tabilidade  de  suas  posições,  a  guarda  do  rei  e  seus  regimentos 


o  BRAZIL   SOCIAL  171 

de  guerreiros  e  de  amazonas,  os  hedioodoa  trophéos  de  oraneos 
à  roda  do  paço  real  emâm,  os  massacres  e  sangrentas  orgias 
oostameiras  aptas  a  conservarem  o  canibalismo  em  estado  tra- 
dicional e,  por  assim  dizer,  oonstitucional. 

Essas  truculentas  gentes,  que  actualmente  chegam  atô  esta- 
cionar nas  yizinlianças  do  Atlântico,  devem  sua  origem  a  an- 
tigas e  formidáveis  migrações  vindas  do  oriente  atra  vez  das 
florestas  equatoriaes. 

A.  de  Préville  falia  com  segurança  de  uma  numerosa  e  irre- 
sistível invasão  que  chegou  até  ao  mar,  no  século  XVI.  Neste 
ponto  posso  vir  em  auxilio  do  meu  prestimoso  guia. 

EUe  quer  se  referir  á  tremenda  invasão  de  1558  que  le- 
vantou todo  o  antigo  Império  do  Gongo,  visitado  em  íins  do  sé- 
culo XV  por  Diogo  Câo. 

De  irrupções  anteriores  áquella  faliam  os  velhos  João  de 
Barros,  Manoel  de  Faria  e  Souza,  Ruy  de  Pina  e  Duarte  Pacheco. 
Da  de  1558  tratam  Duarte  Lopes,  Frei  Luiz  de  Souza^  Qarcia 
Mendes,  Gastello  Branco,  que  eram  contemporâneos, 

€  Dapois  de  estabelecidas  relações  dos  portuguezes  com  os 
reis  do  Ck>ngo  e  seus  súbditos,  escreve  Forjaz  de  Serpa  Pimentel 
consolidando  as  narrativas  de  antigos  escriptores,  depois  de  es* 
tabelecidas  relações  dos  portuguezes  com  os  reis  do  Gongo  e  seus 
súbditos,  invadiram-no  em  1558  as  tribus  selvagens  dos  Ajahkas^ 
MaJacaSf  Mazacas,  Yakkas,  Djaggos  OU  Gingas,  as  quaes  per- 
corriam, guiados  por  valentes  chefes,  a  Aílrica  Central  de  leste 
a  oeste,  lançando  a  morte  e  o  extermínio  por  toda  a  parte. 
Chegaram  até  Banza  iV*  Bati  ou  Ambasse  (a  S.  Salvador  dos 
Portuguezes),  onde  destruíram  tudo  até  a  própria  cathedral  e 
os  templos  christãos  que  os  portuguezes  Já  aili  tinham  erigido, 
não  encontrando  resistência  porque  o  rei  do  Congo,  a  sua  corte, 
os  missionários,  a  população  inteira  da  cidade,  á  approximação 
dos  invasores,  se  haviam  refugiado  numa  das  ilhas  que  os  por* 
tugnezes  oooupavam  no  Zaire  (o  Congo  dos  mappas  modernos) 
pouco  acima  de  Bòma  e  d'onde  só  sahiram,  reconstruindo  a  ca- 
pital depjis  de  El-Rey  de  Portugal  ter  mandado  em  seu  soc- 
corro  uma  expedição  sob  o  commando  de  Francisco  de  Gouveia, 
expedição  que  conseguiu  expulsar  os  Yakkas  do  paiz,  deixando 


172  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

porém,  já  O  império  negro  do  Coogo  em  rápida  e  progressiva 
decadência.»  (1) 

£'  a  conflrma^o  completa  do  facto  assignalado  por  Préviile 
e  a  porfeita  jastiflcação  das  idéas  a  que  elie  chegou  por  diverso 
caminho, 

Campre-me,  apenas,  accresoentar  que  de  taes  tmcolentos 
invasores  da  África  occidental,  a  despeito  de  sua  fereza,  os  ne- 
gociantos  de  escravos,  os  negreiros  enviaram  durante  trezentos 
e  cincoenta  annos  alguns  milheiros  de  exemplares.  Que  bella 
acquisi^o !  Que  interessantes  exemplares  da  raça  affecHva  I 

Poucas  palavras  mais  a  respeito  dos  pretos  das  regiões  do 
oGusso  o  do  sôrgho  e  estará  ílnda  esta  resenha  das  gentes  afri- 
canas que  ajudaram  a  formar  a  populaçio  brazileira  no  espaço 
de  cerca  de  quatro  séculos. 

Comecemos  pelos  primeiros. 

Nas  terras  baixas  de  Guiné,  a  producçSo  em  ponto  grande 
da  banana  e  do  oleo  de  palma  pôde  BStender-se  até  ao  1^  gráo 
de  latitude  norte  e  chegar  em  certas  paragens  até  ao  lO^*;  na 
parte  oriental,  porém,  da  vasta  regifio  própria  para  estes  pro- 
duotoso  4<»  gráo  norte  é,  em  regra,  o  limite  ao  seu  desenvol- 
vimento, por  causa  da  altitude  das  terras.  Álóm  do  Rio  Uellé, 
acaba  a  região  da  collecta  e  entra-se  no  paiz  denominado  San^ 
deh,  habitado  pelos  Niam-Niams^  terríveis  bárbaros  que  to- 
maram parto  nas  invasões  do  século  XVI.  O  ceatro  do  paiz 
constituo  as  cumiadas  e  espigões  que  dividem  os  affluentes  do 
Nilo  Branco  e  do  lago  Tohad  e  dos  do  rio  Ubanghi.  Privados 
dos  rebanhos  por  causada  tzétzé,  privados  da  banana,  dodendô 
eda  mandioca,  os  Niam-Niams  arrojam-se  com  todo  o  ardor  á 
caça,  abundante  na  região.  Javardos,  macacos,  esquilos,  tre- 
padores vários,  concorrem  com  os  elephantes,  leopardos,  veados 
e  cabras  montezes.  Mas,  nem  sempre  ha  a  fartura ;  ao  contrario. 
Ha  estações  no  anno  em  que  o  elephante  deixa  os  platós  e  em- 
brenha-se  nas  florestas,  onde  é  difflcilimo  préal-o.  Os  pequenos 


(í)  J.  P.  deS.  Forjaz  de  S^rpa  Pimentel  —  um  anno  no  Con<^o, 


o  BRAZIL  SOCIAL  173 

e  tímidos  aoimads,  por  outro  lado,  espantados  na  mata,  com  o 
barulho  feito  pelo  elephante,  quando  sopra,  se  espoja  nos  brejos, 
quebra  os  ramos  seccos  ao  passar,  sacode  as  arvores  om  que 
se  coça,  fogem,  a  grande  e  a  pequena  caça  se  redozem  conside- 
ravelmente. 

Os  Niam^Niami  ou  comedores^  atiram-se  a  tudo :  inhames, 
raízes,  comestíveis,  cortiços  de  abelhas  selvagens,  (cera  e  mel), 
ratos,  rans,  lagartas. . .  ,n&o  esquecendo  as  formigas  de  azas  (tér- 
mites) das  quaes  extrahem  um  óleo  brilhante  sem  máo  gosto. 
Surge  a  antropophagia  e  com  ella  o  costume  de  comer  o  fiel 
companheiro  do  homem  :  o  cão  I. . . 

Nesta  zona,  porém,  desmentindo  o  facto,  sempre  notado  do 
reduzido  numero  das  gentes  puramente  caçadoras,  a  população 
é  numerosa.  Igual  desmentido,  pondera  o  guia  que  vou  se- 
guindo, se  nota  entre  os  Bantút  dá  região  da  mandioca  e  os 
descendentes  de  Gallas  da  região  da  banana.  E'  que  estas 
plantas  supprem  fartamente  as  falhas  da  caça.  Na  região,  ora 
estudada,  esse  papel  ó  representado  pela  planta  chamada  pelos 
abysslnios  dakwsa  {tsada  agussa),  conhecido  pelos  portugueses, 
affirmo  eu,  desde  o  tempo  em  que  estabeleceram  suas  primeiras 
relações  com  a  Ethiopia,  em  tempos  de  D.  João  29,  denominada 
por  elles,  imitando  o  termo  abexim,  ou  tocuãsa-tacussa.  Os  fran- 
oezes  chamam-lhe  eleusine,  conservando- lhe  o  nome  soientifico 
{eleuiina-coracana)  porque  só  a  conhecem  pelos  livros.  Os  negros 
trouxeram  o  tocusso  ao  Brazil,  em  cujo  norte  existem  planta- 
ções delle  (l). 

E'  uma  planta  da  família  das  gramíneas,  não  da  tribu  das 
panicéas  e  sim  da  das  chloridéas,  E'  o  trigo  do  Sandeh;  mas,  um 
trigo  pobre  em  amidon  e  qualidades  nutritivas;  é  recurso  ali 
dos  caçadores,  tanto  mais  quanto  sua  cultura  é  facillima  e  pôde 
ser  feita  quasi  exclusivamente  pelas  mulheres.  Cada  um  tem 
que  tomar  cuidado  de  sua  colheita  e  por  isso  estabelece-se  no 
meio  das  suas  culturas.  Não  existem  cidades  nem  aldeias ;  cada 
logarejo  contém  duas  ou  três  famUias,  isto  é,  duas  ou  três  pa» 


(1)  Vide  Gaminhoá  ^  Botânica. 


174  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Ihoças,  em  cada  uma  das  quaes  Tive  uma  mulher  com  os 
filhos,  e,  mais,  a  casa  do  marido.  O  pai2  ô  cheio  de  numerosos 
contrafortes  que  partem  das  montanhas  de  leste,  separados 
por  valles  florestaes,  perfeitamente  intransponiveis  e  defen* 
sáveis. 

Com  tal  disposição  natural  dos  logarôs,  a  aoçao  dissolvente 
produzida  pelo  trabalho  da  caça  tem  formado  um  reiniculo  ou 
▼ice-reiniculo  de  cada  um  desseB  planaltos.  E'  uma  multidão  de 
pequenos  povos  governados  com  o  mais  infrene  despotismo  por 
pequenos  chefes.  Rei  (bié)  ou  vice-rei  {bainki),  o  chefe  traça  para 
si  uma  vasta  propriedade,  ciiltÍTada  por  suas  mulheres  que  são 
numerosas,  e  por  escravos  tirados  de  raças  submettidaá.  A 
Mbanga^  residência  do  regulo,  se   reconhece  logo  entre  as  di- 
versas cabanas,  espalhadas  no  plató,  pelos  numerosos  escudos 
suspensos  nas  visinhanças,  nas  arvores  ou  em  postes,  pelos  sons 
das  cornetas  de  marfim,  pelo  retumbar  do  grande  tambor  sus- 
penso na  praça.  Alguns  guerreiros  de  escol  noite  e  dia,  ás  or- 
dens do  senhor,  montam  guarda  nesta  praça  cercada  pelas  re^ 
sidendas  reaes.  Cabanas  circulares  com  tectos  cónicos  d'altura 
excepcional  servem  para  qiorada  do  rei,  de  cada  uma  de  suas 
mulheres,  de  corpo  de  guarda,  de  thesouro  e  de  celeiros.  E'  o 
rei  que  espreita  a  apparição  dos  bandos  de  elephantes,  faz  dar 
pelo  tambor  signal  da  batida  e  apoderasse  por  isso  de  todo   o 
marfim  e  metade  da  carne.    Conduz  frequentes  expedições  de 
guerra  contra  as  aldeias;  dá  o  exemplo  da  cultura,  fikzendo  pro- 
duzir seus  campos,  comendo  o  tocuss j  o  oíTertãndo  a  seus   hos- 
pedes e  visitantes  a  excellente  cerveja  feita  daquelio  grão.  E* 
quem  faz  os  casamentos. 

Quando  alguém  se  quer  casar— faz  o  pedido  ao  resito,  que 
lhe  arranja  mulher  a  gelto.  Os  pães  da  noiva  não  são  consul- 
tados, nem  recebem  nada  do  fhturo  genro.  A  explicação  desta 
singularidade,  em  desacc<»do  com  o  que  se  passa  em  toda  a 
AMca,  provém  de  ser  a  mulher  votada  ao  trabalho  de  cultura, 
OQja  iniciação  e  superintendência  geral  pertence  ao  rei,  e  nesta 
qualidade  de  alto  patrão  dos  operários  agrícolas,  que  são  as 
mulheres,  arroga-se  o  direito  de  collocal-as  como  lhe  parece 
conveniente.  Etites  reis  são  conquistadores,  que  se  consideram 


o  BRAZIL  SOCIAL  175 

verdadeiros  donos  de  seus  súbditos,  formam  yerd&deiras  dynas- 
tias  e  exercem  um  poder  rigorosameote  despótico ! 

€  O  chefe  Mukia  (um  dos  taes  regalos  do  Sandeh  visitado 
pelo  moderno  viajante  grego  Potagos)  o  chefe  Mukia,  escreve  o 
viajante  citado  em  Prévílle,  mandou  chamar  os  homens  que 
deviam  me  acompanhar ;  tendo-os  atirado  por  terra,  baten-os 
desapiedadamente,  ordenando-Ihes  o  combaterem  até  a  morte, 
se  preciso  fosse,  por  mim  e  por  seu  irmto  mais  mogo  que  ia 
acompanhar-me  em  seu  iogar.  Ajuntava  que  se  elles  nos  aban* 
donassem,  fal-os-ia  morrer,  a  elies,  a  suas  mulheres  e  a  seus 
filhos... 

O  medo  que  inspiram  taes  régulos,  ajunta  outro  vkijante, 
oDr.  Schweinfurth,  também  referido  no  meu  gvia  neste  as- 
sumpto, o  ten-or  que  inspiram  a  seus  súbditos  ó  inacreditável; 
conta-se  qae,  no  só  intnito  de  lembrar  o  direito  de.  vida  e  de 
morte  de  que  se  acham  investidos,  esccdhem  uma  victima  na 
multidão,  lançam-lhe  um  laço  ao  pescoço  e  abatem-lhe  a  ca- 
beça com  a  sua  própria  mão  !• .  .B'  mais  um  traço  da  crueldade 
negra  que  parece  apta  a  esclarecer  a  grande  affectividade  de 
que  são  dotadas  essas  gentes. 

Mais  duas  ou  três  paginas  a  respeito  das  popalaç?^  da 
região  do  sôrgho  e  estará  completo  este  inquérito  sobro  os  afri- 
canos pretos,  caudalosissima  fonte  de  que  se  alimentou  a  for- 
ma<$o  de  vários  povos  americanos. 

Em  toda  a  região  da  tzéiMé,  a  caça,  substituindo  o  trabalho 
pastoril,  forma,  sob  o  ponto  de  vista  social,  pondera  ainda  Pré- 
viile,  uma  espécie  de  tela  geral  na  qual  se  vêem  desenhar  as 
modificações  occasionadas  por  outras  influencias. 

Nas  regiões,  já  percorridas,  da  mandioca,  da  ban^-naQ  do  (o- 
cuisso,  a  humidade  do  clima  e  a  curteza  das  estações  seooas  des- 
envolvem a  vegetação  arborescente  de  preferencia  a  qualquer 
outra;  geram  a  floresta  e  dão,  ipso  facto,  á  caça  a  preferencia 
sobre  todos  os  ontros  modos  de  vida. 

E!ssa  região,  porém,  tem  um  limite  caracterisado  ao  norte 
da  zona  Cbutral,  peia  parada  dos  povos  aathrc^of^agos  e  de  saas 
culturas  de  toeusso.  Ao  sahir  das  florestas  virgens  e  das  bana- 
neiras, a  recolta  do  máo  trigo  dos  caçadores  é  já  indicio  da  mo- 


176  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

deração  das  estações  hamidas  que  dão  ao  grio  tempo  de  se 
formar.  O  clima  melhora  progressivamente  no  sentido  da  reda- 
cção da  humidade  ;  a  mata  cede  o  passo  a  cultura  at6  as  fron- 
teiras dos  grandes  desertos  septentrionaos,  onde  se  torna  ella 
de  novo  impossivel,  por  motivos  oppostos  aos  da  r^ião  florestal. 
A  cultura  preponderante,  na  zona  de  que  se  trata,  ó  o  sôrgko 
(dawrah)^  lambem  chamado  milho  da  índia  e  milho  de  Guiné. 
E*  o  cereal  dominante  na  Africa  e  Ásia,  em  toda  a  immeasa 
área  comprehendida  entre  as  terras  equatoriaes  e  os  desertos 
seccos  que  atravessam  essas  duas  partes  do  mundo.  Em  toda  essa 
enorme  porção  da  terra  o  milho  da  índia  pôde  ser  considerado 
como  a  base  da  alimentação  vegetal  do  homem.  Entre  os  pró- 
prios pastores  árabes  do  Soldão  o  pão  ou  bolo  de  sôrgho  é  de 
extrema  importância,  quanto  mais  entre  as  populações  pretas 
privadas  de  gados  ainda  por  causa  da  terrível   tjsétsé. 

A  primeira  consequência  das  condições  do  logar  vem  a  ser: 
pela  ausência  do  pastoreio  e  da  caça  como  meio  seguro  de  exis- 
tência, os  homens  não  podem  entregar-se  senão  ã  cultura  ;  tra- 
balham nos  campos  com  suas  mulheres  e  filhos.  A  poljgamia 
i  Ilimitada  em  uso  entre  os  caçadores  não  tem  mais  razão  de 
ser,  o  numero  das  esposas  entre  estes  povos  agricultores  parece 
reduzir-se  a  três.  O  laço  social  que  reúne  as  fJBLmilias  ó  baseado 
nas  necessidades  da  cultura, 

O  trabalho  determina  então  a  reunião  em  aldeias,  e  í)siz  ap- 
pareoer  o  chefe  natural  nesses  pequenos  clans. 

Entre  os  chefes  de  familia  que  vivem  separados  uns  dos 
outros  cada  um  em  sua  cabana,  a  massa  é  imprevidente.  Depois 
da  collecta,  durante  a  estação  secca  em  que  nada  se  tem  a  fazer» 
o  maior  numero  desses  pretos  vive  largamente  sem  a  menor 
economia.  As  mulheres  batem  no  pilão  durante  todo  o  dia  e 
assam  continuamente  os  bolos  de  massa.  Enorme  quantidade  de 
grão  que  deveria  durar  até  á  colheita  seguinte,  é  posta  a  fer- 
mentar para  a  fabrico  de  uma  grande  provisão  de  cerveja. 
Yive-se  a  beber,  a  mandriar,  a  Jogar,  e  antes  do  fim  do  anuo 
os  grandes  potes  da  predilecta  bebida  estão  vazios  e  ató  os  grãos 
que  serviam  de  semente  acabados.  Surge  a  necessidade,  a  pe- 
núria. Come*se,  então,  toda  a  casta  de  alimárias. 


o  BRA/JL  SOCIAL  177 

Quando  volta  a  sazão  das  chuvas  o  o  tempo  do  proceder  a 
Dúvas  plantações,  a  maioria  dos  negros,  nem  sequer  possuo  se- 
mentes para  plantar  cm  suas  roçi-is.  S'  quando  intervém  o  in* 
dispensável  patronato,  (1)  Algum  velho  ccoDomico  empresta  aos 
esbanjadores  sob  condições  vantajosas.  O  devedor  torna  se  por 
um  certo  numero  de  dias  servo  do  credor,  que,  tendo  sabido 
guardar  grande  cópia  de  sementes,  tem  necessidade  de  braços 
supplementares  para  bem  utilisal-a. 

O  velho,  quando  é  previdente,  está  em  condições  de  eco* 
nomisar,  o  numero  do  boccas  cm  sua  casa  tem  diminuído  com  o 
estabelecimento  dos  moços  que  vão  fazer  vida  ú,  parte  ;  em  sua 
provisão  do  grãos  ha  um  stock  disponível ;  e,  quando  tem  ca- 
sado filhas,  a  moeda  em  ferros  de  enxada,  pás  e  cavadores  (é  a 
moeda  da  terra)  está  agglomerada  em  seu  thesouro.  Surge-lhe 
a  olientella  de  todos  os  lados ;  os  sous  devedores,  que  se  tornam 
outros  tantos  jornaleiros  o  servidores,  cercam-no. 

Seu  prestigio  augmenta.  Acreditam  que  entretém  relações 
o  jm  o  feitiço  do  sitio.  (2) 

Nas  proximidades  da  aldeia  avulta  uma  moita  de  mato,  ou, 
ás  vezes,  uma  grande  arvore,  escapa  da  queimada,  por  cuidadoso 
asseiro,  e  cercada  d'um  parapeito  de  terra.  E'  o  templo  do  fei- 
tico.  Depois  do  trabalho  do  dia  e  a  refeição  da  tarde,  os  habi- 
tantes da  aldeia,  sentados  á  porta  de  soas  cabanas,  fumando 
enormes  caximbos,  gozam  da  fresca  do  crepúsculo.  De  repente» 
fortes  barulhos  fazem-se  ouvir  do  lado  do  bosque  sagrado.  Todas 
as  vistas  se  voltam  para  lá.  Luzernas  movediças,  cabeças  me- 
donhas, vultos  ameaçadores  apparecem.  A*s  vezes  uma  voz  si- 
nistra se  escuta,  denunciando  um  furto,  ou  qualquer  outro  crime 
com  tremendas  imprecações  e  ameaças  aos  culpados.  S'  o  fer- 
reiro da  aldeia,  que,  por  ordem  do  velho  chefe,  sen  principal 


(1)  Patronage  ó  o  termo  francez ;  siçuifica,  é  claro,  a  acção  pro- 
tectora (lo  patrão  ;  pódc-se  também  tracluzir  por  iirotccrão,  patroci- 
'fíio,  padroado.  Kscrevrria,  uo  caj-o  do  texlo,  palronagem,  8o  não 
Uv(8'0  medo  da  fúria  pur  .-^la  que  se  apoderou  ai^^ora  dos  aristarchos 
do  Rio  de  Janeiro. 

(2)  Fetiche  ó  o  termo  francoz,  tirado  do  nosso  feitiço.  E  dizer  que 
do  torna  viagem,  tem  .ido  traduzido  por  fetiche I 

4323— lá  T«.M<)  Lxix.  P.  it 


178  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

cliente,  simula  a  appariçao  do  feitiço.  Na  manhan  seguinte 
encontrará  perto  do  bosque  sagrado  as  ofTertas  dos  indivíduos 
amedrontados:  cabaças  de  mel,  gallinhas,  eto. 

Tal  é  um  dos  processos  do  governo  do  velho  rico  ou  myeré. 
Um  myeré,  se  6  só  n*uma  aldeia,  ou  os  tnyerés  reunidos  em 
conselho  quando  ha  diversos,  formam  o  poder  publico  da  terra. 
Esses  myerés  são  simples  patrões  necessários ;  porque  tôm  a 
suficiente  previdência  e  salvam  a  população,  todos  os  annos, 
da  fome.  Em  comparação  aos  chefes  de  tantas  e  tantas  outras 
gentes  afiricanas,  que  foram  estudadas,  constituem  uma  bella 
excepç&o.  Mas,  a  medalha  tem  reverso,  pondera,  afinal,  o  illustre 
analysta. 

Para  percebel-o,  basta  levar  um  pouco  mais  longe  a  obser- 
vação dos  ftictos,  concernentes  á  vida  publica  entre  os  negros 
do  sôrgho. 

A  familia  do  myeré  participa  da  sorte  commum  a  todas  as 
da  aldeia,  que  são  perfeitos  typos  da  família  instável:  os  filhos 
estabelecem-se  á  parte  desde  a  mocidade,  e  nenhum  delles  herda 
exclusivamente  a  posição  criada  pelo  pao  em  seus  velhos  diais. 
A  situação  patronal  instável  ó  periodicamente  desfeita  pela 
morte.  E  ainda  mais  radicalmente  é  destruída  entre  esses 
negros,  do  que  n^outras  sociedades  que  têm  o  mesmo  regimen, 
porque  elles  nem  ao  menos  possuem,  como  próprio,  o  solo  que 
cultivam  ou  mandam  cultivar.  Nenhuma  influencia  séria  por- 
tanto, se  pôde  perpetuar  na  aldeia  e  menos  ainda  estender  de 
uma  aldeia  a  outras,  ligar  entre  essas  minúsculas  sociedades 
esparsas  as  relações  que  pôde  criar  e  manter  a  existência  de 
nma  aristocracia  rural,  que  transmitta  integralmente  a  he- 
rança paterna  a  uma  serie  de  herdeiros  escolhidos»  adestrados 
no  governo  dos  negócios  locaes.  Por  isto  as  aldeias  da  região  do 
sôrgho  são  constituídas  isoladamente  e  a  raça  que  as  habita 
desconhece  todo  liame  nacional. 

Nenhuma  cohesão,  nenhum  accôrdo,  existe  entre  ellas;  a 
região  inteira  está  dividida  em  pequenas  commuuidades  ia- 
dependentes  que  vivem  entro  si  em  uma  completa  anarchia. 
Por  isto,  ainda  fácil,  foi  aos  arabe^^  vaqueiros  das  ft-onteiras 
o  fundarem  no  sul  das   seus  desertos  a  multidão   de  sulta* 


o  BRAZIL  SOQAL  170 

natos  alli  existentes,  juntando  milhares  e  milhares  de  al- 
deias negras  sabmettidas  a  tributo  e  a  razzias  de  escravos. 
E  eis  porque  na  ZDna  central  aft*icana  a  regiSo  do  sôrgho  foi 
sempre  e  é  ainda  hoje  o  principal  theatro  do  trafico  dos  negros. 
Homens,  mulheres,  e  até  os  meninos  habituados  á  cultura 
são  procurados  e  assaltados  em  massa  para  os  trabalhos  agrí- 
colas dos  oásis  do  grande  deserto  quando  não  são  nas  pró- 
prias aldeias  reduzidos  á  mais  dura  escrayidão.  A  raça  dos 
Bongos,  dos  Mitus^  dos  Belandas  tem  quasi  desapparecido  de- 
vido a  uma  exploração  desenfreada  e  a  desvastações  inauditas. 
Os  escravos  Bambarras  figuraram  outr*ora  em  avultado  nu- 
mero á  bordo  dos  navios  negreiros  carregados  para  a  America. 
Cultivam  hoje  os  campos  do  Dahomey  e  os  oásis  do  Adar  e  de 
Marrocos.  Os  árabes  e  seus  mestiços  musulmanos,  os  reis  pretos 
da  costa  de  Guino  exploram  estas  populações,  cujo  fracciona- 
mento paralyza  n*ellas  toda  resistência.  E  esse  fraccionamento  ó 
a  consequência  d'uma  constituição  social  que  leva  á  instabilidade 
de  todas  as  posi^^.  Tal  ó  e  tem  sido  durante  dezenas  e  dezenas 
de  séculos  o  estado  real  das  populações  negras  da  Africa. 

O  grande  sociólogo  francez,  nas  precedentes  paginas 
resumido  e  condensado,  attribue  tão  deprimente  situação  ao 
que  elle  chama  a  grande  singularidade  das  gentes  negras  :  não 
haverem  em  parte  alguma  da  terra  e  em  tempo  algum  da  his- 
toria chegado  a  conhecer  a  organização  patriarcTuil  da  famUi%, 
Para  a  escola  de  Lo  Play  ó  a  excepção  única  conhecida: 
todas  as  raças  aryanas,  semitas,  uralo-altaicas,  mongólicas» 
todas,  ató  as  americanas  das  Montanhas  Rochosas,  México  e 
Peru,  passaram  por  um  organisador  período  patriarchal;  as 
gentes  pretas  nunca. .  • 

A  essa  oiroumstanoia  finalmente  attribue  o  illustre  scien- 
tista  o  que  denomina  o  grande  facto  social  africano:  o  trafico 
de  escravos  desde  a  mais  remota  antiguidade  ató  aos  dias  de 
agora. . . 

Depois  vêr-se-ha  a  consequência  de  tudo  isto  na  psy- 
chologla  geral  dos  brazileiros. 


A  CAPITARIA  DO  CAKJTA 


DR.  MANUEL  DE  MELLO  CARDOSO  BARATA 

Sócio  honorário   do    Instituto   Histórico   e  Qeographico 
Braziloiro 


1 


Pablicando  a  Capitania  do  Camutâ^  estudo  devido  á  competên- 
cia do  illustra  Io  consócio  Dr.  Manuel  do  Mello  Gardoao  Barata, 
a  Commissão  de  Redacção  archiva  nas  paginas  da  Bevista  mais 
um  curioso  trabalho  do  modesto,  mas  proficiente  hiatoriographo 
paraense. 

(Nota  da  Commissão  de  Redacção.) 


A    CAPITANIA   DO  CAMUTÁ 


(breve  noticia  histórica) 

Faz  hoje  270  annos  que  fallecen  om  Villa  Viçosa  de  Santa 
Craz  do  Camatá,  aonde  fora  á  procura  de  melhora  de  saade,  o 
primeiro  governador  e  capitão  general  do  Estado  do  Maranhão 
(1626-1636),  Francisco  Coolho  de  Carvalho,  que  foi  sepultado  na 
igreja  de  S.  João  Baptista,  matriz  daquella  povoação.  Era  elle 
filho  de  Feliciano  Coelho,  antigo  governador  de  S.  Thomé  e^  de- 
pois, da  Parahyba  (1595),  e  oommendador  da  Villa  de  Côa ;  e  de 
sua  mulher  D.  Maria  Monteiro. 

Antes  de  tomar  posse  do  governo  do  Estado,  Francisco 
Coelho  de  Carvalho  militara  em  Pernambuco  contra  os  hollan- 
dezes. 

Antorisado  pelo  alvará  de  19  de  março  de  1624  (1)  e  cart^ 


(i)  Ea  RI  Rey  faço  sabor  aos  qne  este  Alvará  virem  que  por  justas 
conçoderações  do  meu  soniiço  quo  mo  raouorão  líoy  por  bem  que 
francisco  Goelbo  do  Carualiio,  quo  trnho  nomeado  por  çoucrnador 
do  Maranhão,  com  parecer  do  Prouedor  de  minha  íazenda  daquella 
conquista,  possa  Rej)artir  as  terras,  <*  (>apitanias  daquelle  Estado, 
aos  pouvadores  e  cultivadorn.s  qiin  pedirem,  sondo  pessoas  d*^  sus- 
tancia,  E  cabedal,  que  cumpro  sor.Mn  taas  para  Benr^ticio  das  ditas 
terras,  c  cípitanias,  E  com  obripação  de  havorem  de  pedir  comíir- 
mação  ddlas  no  Conselho  de  minha  fazenda  dentro  de  dous  annos 
primeiros  seguintes,  Koste  so  cumprira  inteiramente  como  se  nelle 
comthem,  o  qual  valerá  como  Cirta,  e  não  passará  pela  ClianccUaria 
sem  embargo  das  ordenações  do  sep^undo  Liuro,  numero  trinta  E  noue, , 
quarenta,  que  dospoein  o  contrario,  francisco  da  Brtu  o  fcs  em* 
Lisboa  a  dezanoue  de  Março  de  seis  centos  e  vinte  quatro,  Diogo 
Soares  o  fes  escrever.»  (Carta  de  doação  da  cipitania  do  Camutá  a 
Feliciano  Coelho  de  Cirvalho,  16'í;.  Chancellaria  do  Felip.pe  III, 
Liv.  35,  foi.  95,  no  Archivo  da  Torre  do  Tombo.  Por  copia,^  que  pos- 
sui mos. 


184  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

rógiade  14  de  maio  de  1633  (2),  Francisco  Coelho  concadcu  a 
capitania  do  Camutá  a  seu  filho  Feliciano  Coelho  de  Carvalho, 
que,  tendo  vindo  com  elle  de  Portugal,  servira  no  Maranhão  e 
Pará,  e  commandára  a  expedição  mandada  em  1G32  contra  o 
forte  inglez  de  Cumaú,  tomado  do  assalto,  na  noite  de  9  de 
julho  desse  anno,  pela  intrepidez  do  capitão  Pedro  Baião  de 
Abreu.  A  carta  de  doação  dessa  capitania  foi-lhe  passada  em  14 
do  dezembro  de  1633  (3),  em  compensação  da  do  Caetó,  que  lhe 
havia  sido  doada  pelo  mesmo  governador,  S3a  pae,  em  1627. 

Por  carta  de  25  de  maio  de  1622,  Felippe  III  fez  mercê  a 
Gaspar  de  Sousa,  que  fora  governador  geral  do  Brazil  (1613-1616), 
de  €  huma  capitania  nas  terras  da  dita  oonqnista  do  Maranhão 
ou  Pará,  conforme  ao  sitio  e  parte  que  elle  escolhesc  o  com  a 
mesma  Jurisdição  o  obrigam  com  que  foram  conoelidas  as 
outras  capitanias  do  Estado  do  Brazil  pêra  que  benoflciase  e  fi- 
zese  povuar,  da  qual  morce  lhe  passou  portaria  om  22  de 
agosto  do  dito  anno,  com  declaração  que  com  ella  se  prezentaria 
sua  nomeação  authentica  do  sitio  c  parte  que  escolheso  para  a 
dita  capitania  de  que  se  lhe  passaria  carta  de  doação...»  (4).  Fal- 


(2)«. . .  o  as  mais  capitanias  desst*  Kstad ^  E  Jo  Pará  so  repartirão 
lo^o  a  particulares  quo  tenhão  cabedal  para  as  pouoar  c  cultiúar, 
Kodazindo<is  ao  menor  distrito  para  quo  oh  donatários,  a  que  se  iiser 
mercii  doUas,  po.>são  milhor  cumprir  com  suas  obriírações,  princi- 
palmente com  a  da  Tortifícação,  dandosse  huas  a  pcs-^oas  quo  por 
merco  minha  tenhão  pormeça  diillas,  comforme  seus  despachos,  e 
procedendossc'  em  so  repartir  as  mais  com  formo  as  ordens  quo  nos 
estão  dadas,  c  ao  que  Aca  dito.»  (Idem,  ibidem.) 

Conseguinti^mente,  não  tem  razão  Varnhagen,  quando  diz  que 
«Ao  ter  conhecimento  dos  planos  de  Bmto  Maciel,  acerca  do  estabe- 
lecimento de  novas  Capitanias  no  Estado,  assentou  o  governador 
(Francisco  Coelho  do  Carvalho)  que  poderia  doar  desde  logo  duas, 
uma  ao  mencionado  seu  lilho  (Feliciano  Goeliio  do  Carvalho),  o  outra 
ao  sou  irmão  António  Coelho  de  Carvalho,  dcscmbarf^ador  do  PaQO, 
—  fundando-so,  para  iisso,  abusivamente,  no  disposto  em  húas  pro- 
visões régias  (o  alvará  oa  provisão  de  19,  e  não  de  17,  de  marco  de  ÍG24 
c  a  carta  r(''gia  de  14  de  maio  de  1633,  mencionados),  que  o  autori- 
savam  a  dar  terras  de  sesmarias,)^ 

(Hist.  Geral  do  Brazil,  2*  ed.,  t.  II,  p.  711). 

(3)  «  Dada  nesta  Cidade  de  são  Luiz  do  Maranhão  sob  meu  aignal 
E  senete  de  minhas  armas  aos  quatrose  dias  do  mez  de  Dezembro. 
António  Gonçalves  teixeira,  tabalião  a  fes  de  mil  e  seis  centos  e 
trinta  e  três  annos.  O  governador  francisco  Coelho  de  Carualho.» 
(Carta  de  doação,  citada). 

(4)  (^.arta  de  doação  da  capitania  do  Caete  a  Álvaro  do  Sou^a. 
Chancellaria  rio  Felippe  IH,  Liv.  27,  lol,  82,  no  Archivo  da  Torre 
do  Tombo.  Por  copia,  quo  possuímos. 


A  CAPITANIA   DO    CAMUTÁ  185 

lecQu  porém  Gaspar  de  Sousa,  som  qae  tivesse  escolhido  as  terras 
qae  deviam  constituir  a  capitania  promettida.  Álvaro  de  Souza, 
seu  filho  mais  velho  e  herdeiro  da  soa  casa  e  dos  seojs  serviços 
ao  rei,  fez  peti(^,  em  10  de  outubro  de  1C33,  dizendo  que  <  em 
conformidade  da  dita  mercê  e  sentença  de  Justificação  lhe  fizesse 
mercê  mãodar  paasar  doação  da  dita  capitania.,,  e declarou 
que  elle  escolhia  para  a  dita  sua  capitania  as  terras  que  jazem 
desde  os  Rios  tury  athe  oRio  cayte.»  (5)  A*  vista  disto  foi-lhe 
passada  a  carta  de  doação  da  capitania  do  Gaetá,  em  13  de 
fevereiro  de  1634  (6),  ficando  portanto  sem  effeito  a  doação 
dessa  capitania  anteriormente  feita  a  Feliciano  Coelho* 

Da  aldeia  de  Santa  Cruz  do  Camutá  fez  Feliciano  Coelho  ca- 
beça  da  sua  capitania,  como  lho  fora  determinado  por  seu  pai 
na  carta  de  doação,  €  por  ser  o  lugar  mais  defenaauel  de  todos 
que  ha  nas  ditas  terras»,  e  deu-lhe  o  titulo  do  Viila  Viçosa  de 
Santa  Cruz  do  Camutá,  em  1Ô35.  £rigiu-lhe  a  modesta  igreja 
matriz,  já,  referida,  sob  a  invocação  do  S.  João  Baptista,  ees« 
tabeleceu  um  engenho  para  fabricar  assucar  (7). 

O  primitivo  assento  dos  Índios  dessa  aldeia,  os  tupinambás» 
não  foi  esse,oomo  se  tem  dito.  Mas,  deixemos  por  agora  de  lado 
este  ponto,  que  nos  levaria  mais  longe  do  que  desejamos.  Basta 
dizer  que  elles  foram  para  ahi  mudados  em  1620,  de  outro  sitio, 
fora  do  rio  Tocantins ;  o  ã  sua  nova  aldeia  se  continuou  a  dar  o 
nome  do  Camutá,  da  soa  primeira  situação.  Foi  então  a  novi^ 
aldeia  missionada  pelo  padre  capucho  de  Santo  António,  Fr. 
Christovam  de  S.  Josô,  que  nella  ergueu  uma  cruz  de  madeira, 
donde  lhe  veiu  o  nome  de  Santa  Cruz  do  Camutá.  Passou  depois 
(1643)  á  administração  dos  frades  carmelitas  ;  destes,  a  dos  je- 
suítas (1655),  que  foram  substituídos  pelos  capuchos  da  Piedade 


(5)  Idem,  ibidem. 

(6)  «  Dada  nesta  cidade  de  lixboa  a  treze  dias  do  mez  de  fcveroiro 
lais  de  cerneira  a  fez  anno  no  nacimento  do  nosso  senhor  Jessu 
christo  de  mil  seis  centos  e  trinta  e  quatro  annos.»  (Idem  ibidem). 

(7)  A  principal  cultura  e  layoura  da  terra  era  o  tabaco  de  que  se 
faziam  annualmente  cerca  de  dois  mil  rolos,  ou  quatro  mil  arrobas.  A 
canna  de  assucar  dava  em  gran  I3  abundância,  como  também  algodão, 
urucucú  e  laranjas.  Nas  cercanias  da  cidade  de  Balem  havia  então 
dois  enprenhos.  Não  s»  fazia,  poróm,  assucar  por  falta  de  caldeiras  e 
outros  utcnsilios;  fazia-se  aguardente. 


186  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

1003);  e,  finalmente,  depois  de  remcttidos  estes  para  Portugal 
(1750),  passou  ella  a  ser  parochiada  pelos  meroenarios. 

O  P.^  José  de  Moraes  (8)  refere  que,  sendo  a  aldeia  assolada 
por  uma  epidemia  de  bexigas,  o  padro  jesuíta  Manuel  Nanes  a 
mudara  para  ò  sitio  de  Parajó,  que  é  o  da  actuai  cidade  de 
Gamutâ,  segando  Cândido  Mendes(nota  ao  texto  daquelleauctor), 
a  qual  foi  elevada  a  esta  categoria  por  lei  provincial  n.  145,  de 
24  de  outubro  de  1848.  Não  nos  diz  José  do  Moraes  o  anno,  em 
que  se  fez  a  mudança.  Mais  de  um  missionário  jesuíta  daquelle 
mesmo  nome  entraram  no  Pará,  de  1655  a  1680,  tendo  sido  um 
delles  companheiro  do  P/  António  Vieira  e  reitor  do  coUegio 
desta  miSGÕo  (1655). 

Pelo  que  podemos  conjecturar,  parece  que  a  aldeia  fOra 
para  alli  mudada  pelos  annos  do  1670—1690. 

O  logar  abandonado  ficou  desde  então  denominado  «Camuld* 
tapera*. 

Pouco  depois  da  mort3  do  governador,  seu  pai,  partiu 
Feliciano  Coelho,  em  outubro  de  1636,  para  Lisboa,  onde  re- 
quereu e  obteve  a  confirmação  da  doação  da  sua  capitania,  por 
carta  de  26  de  outubro  de  1637  (9) . 

No  dizer  dessa  carta, a  capitania  do  Caiiiutá  ceram  as  terras 
que  ha  Entre  o  Rio  Pará  ( Tocantins )  e  o  primeiro  Braço  do 
Rio  das  amasonas  ( Xingu ),  com  as  legoas  que  ou  ver  do  estreito 
que  cie  chamâo  do  Camutã  atte  sahir  ao  Rio  Corupá  (costa  de 
de  Gurupá,  margem  direita  do  Amazonas),  que  podem  ser 
quarenta  legoas,  pouco  mais  ou  menos,  por  Rumo  direito,  e  por 
o  dito  rio  do  Corupá  assim  para  o  de  paranahiba  ( Xingu )  as 
legoas  que  costumão  tor  todas  as  capitanias  de  que  tenho  feito 
mercê  naquellas  terras  damerioa.  Respondendo  osta  arrumação 
pello  Rio  do   Pará  (Tocantins)  assima  p:\ra  o  sul  pella  parte 


(8)  «Historia  da  r.onipanhia  «lo  J  >sus,  in  Momorios  para  a  Historia 
do  extincto  Estado  do  Maranhfio,  por  (landitlo  Mim  loa  de  Almeida, 
T.  I,  p.  499-500. 

(0)  «  ...  Da  Ia  nosta  ci<lnde  de  Lixboa,  aos  vinte  sois  dias  do  moz 
do  outubro,  Bertolarnen  da  J^aujo  n  fez  Anno  do  Nassiinento  do  Nosso 
Senhor .Tcssu  Christo  d'  Mil  e  sois  centos  E  trinta  o  sotte..  AfTonso 
deBarros Caminha  a  foz  oscrov^r  El  Rey.  Concertada  Manoel  Oodinha 
da  Silva.  (Chancollaria  do  D,  Follipo  [II,  Livro  35,  foi.  95,  Archivo 
do  Torre  do  Tombo,  Por  copia  que  possnimo^). 


A  CAPITANIA  DO   CAMUTA  18T 

de  loeBie  onde  se  aoaba  o  lemite  que  ea  tenho  nomeado  para  a 
Capitania  do  Pará.  •  . 

Bem  aasy  mais  seiuo  do  dito  fóliçiano  Coelho  de  Caraalho  e 
seuA  guQwaorei  ajs  Ilhas  que  oaaer  na  maneira  anima  dita  atte 
desE  Lagoas  ao  Mar  na  firontarla  £  de  maroaçfto  das  ditas  qna* 
ronta  Legoas  de  costa  (Agente)  de  sna  Capitania,  as  quais  se  Bn- 
tenderfto  medidas  palia  maneira  que  âea  dito  e  emtrarSo  pello 
oertao  e  torra  firme  a  dentro  pello  modo  aasima  dito,  E  dahy 
por  diante  tanto  quanto  poderem  emtrar  B  forem  de  minha 
conquista  daquella  terra.  •  •»  • 

Por  esta  delimita^  se  tô  que  a  capitania  deFdiManoOoelhe 
abrangia  o  yasto  tracto  de  terras  comprehendido  entre  a  margem 
esquerda  ou  Occidental  do  rio  Tocantins  e  a  direita  oa  oriental 
do  Xingu.  A  sua  costa  ou  íirente  era  a  tàM  septentrional  desse 
continente,  desde  a  Ponta  de  Tatuoca,  de  Jupatitnba,  do  Li- 
meeiro  ou  do  Frechai  (nomes  que  se  lhe  tem  dado),  extremo  da 
margem  oocidental  da  fiMs  do  Tooantius,  até  o  rio  das  Areias 
(10),  hoje  Marajó-miri  ou  Marajoi,  afiluente  da  margem  direita 
do  Amavmas,  três  léguas  superior  &  boca  do  canal  de  Tajipará 
que  demora  dose  léguas  abaixo  da  cidade  de  GurupA. 


(10)  «...Também  aqui  advirto  ao  leitor  que  passando  pelo  rio  Li- 
mooiro,  fazendo-se  nma  linha  imaginaria  ate  o  rio  das  Areias,  tudo 
o  que  ftca  a  mão  direita  era  pertencente  ao  Barão  da  Ilha  Grande 
(donatário  da  capitania  da  ilha  Granie  do  Joanes),  e  o  que  fíca  á  mão 
esquerda  tocava  ao  donatário  do  Camutá,  Francisco  de  Albuquerqna 
Coelho  de  Carvalho  (o  quinto  e  ultimo  donatário),  cujas  terras  começão 
da  boca  do  rio  Tocantins  até  o  rio  das  Areias,  por  costa,  com  algumas 
ilhas,  e quarenta  loa:ua8 para  o certão...  Da  Aruoará  (Portel),  se  a^- 
guissemos  a  costa  da  terra  firme,  poderíamos  Ir  sahir  á  boca  do 
rio  das  Areias,  ao  largo  do  Gurupé...  E  sahindo  nesse  famoso  rio 
(Amazonas),  objecto  da  nossa  descri pção,  a  poucos  passos  topamos,  á 
mão  esquerda,  com  a  boca  do  rio  aas  Areias...»  (P^,  José  do  Mo- 
raes, líist,  da  Comp,  de  Jesus,  in  Memorias  para  a  Hist,  do  esetincto 
Estado  do  Maranhão,  T.  i,  pp,  501—502). 

«Navegando  já  pela  Costa  austral  do  rio  das  Amazonas  acima  se 
atravessarão  peía  ordem  seguinte  as  bocas  do  igarapé  das  Areias, 
do  rioPionrui,  edoiguarapé  das  Aningas,  até  aportar  em  a  villa  e 
fortalexa  de  Santo  António  de  Garupa,  que  fica  treze  léguas  acima  da 
boca  superior  do  Tajepurú.»  (João  Vasco  Manoel  di  Braun.  Roteiro 
choropraphiro,   i  784) . 

«O  rio  das  Áreas,  que  desagua  no  Amazonas  junto  á  entrada  sep- 
tentrional do  Estreito  Taygipurú,  he  navegavid  por  largo  espaço 
através  de  matos  cria'Ioeem  terreno  plano,  povoado  de  caça.»  (Aires 
do  Casal,  Corographia  brasilica,  1817  T.  11,  pp.  304—305). 


188  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

O  qae  então  se  oham&ya  <  estreito  do  Camuia»  é  o  canal  qae 
corro  entre  a  supra  determinada  costa  e  as  ilhas  adljaoentes, 
atravessando  as  bailias  dos  Bocas  ou  de  Oeiras»  de  Portel  c  de 
Melgaço,  donde  sae  com  o  nome  de  Tajipurú,  o  yai  desembocar 
no  Amasonas.  Bssas  bahias  são  alimentadas  pela  ooQjancção  dos 
rios  Cupij6,  Araticú,  Panai va  ou  Panaúa,  Jacundá,  Pacajá  o 
Uanapú  ou  Quanapú,  e  muitas  igarapés  ou  ribeiros,  que  docon* 
linento  do  Gamutá  surgem  pela  margem  meridional  delias. 

A  linha  de  fundo  da  capitania  devia  correr,  de  um  lado, 
pela  margem  esquerda  do  Tocantins  acima,  até  o  limite  da  capi- 
tania do  Pará  (margem  direita),  que  era  o  primeiro  salto  deste 
rio  (a  cachoeira  das  Guaribas,  oincoonta  léguas  acima  da  sua 
foz);  de  outro,  pela  margem  direita  do  Xingd  c  as  legoas  que 
costnmao  ter  todas  as  capitanias  de  que  tenho  feito  mercê 
naquella  costa  damerica  ».  (11) 

£sta  capitania  oomprohendida  assim  as  duas  capitanias  em 
que  Bento  Maciel  Paronte,  no  seu  conhecido  €  Memorial  >,  havia 
proposto  a  divisão  dessas  terras,  que  ello  considerava  ilhas  : 
uma,  entro  os  rios  Tocantins  e  Pacajá,  com  vinte  léguas  de  lar« 
gura  e  quarenta  de  comprimonto ;  outra,  entre  esto  ultimo  rio  e  o 
Xingu,  com  vinte  léguas  de  frente  o  quarenta  e  cinco  de  fundo. 

Feliciano  Coelho  nao  tornou  do  Lisboa  &  sua  capitania,  cujo 
governo  confiou  a  seu  loco- tenente  e  capitão-mor  Cipriano  Maciel 
Aranha. 

Succedeu-lhe,  em  1G46,  na  donatária  da  capitania  seu  irmão 
António  de  Albuquerque  Coelho  de  Carvalho,  que  foi  nono  go- 
vernador e  capitão  general  do  Estado  do  Maranhão  (I(j67-1671). 

Ao  terminar  o  seu  governo,  em  1071,  António  de  Albu- 
querque mandou  oxhumar  da  igreja  de  S.  Juão  Riptistado  Ca- 


(11)  Equivocou-so  Varnhagcn,  dizondo  qno  osla  capitania  «devia 
começar  dos  coiiCms  da  capitania  do  Pará  ;  coaCms  quo  cm  13  do  abril 
de  anno  {Í033)  foram  decretados  ser  na  l»  caxoeira  do  Tocantins, 
devendo  a  doação  chegar  até  as  terras  dos  Tapuyassus  »  (Obr.,  t. 
e.  p.  cit.) 

Os  confínsd.i  capitania  do  Pará,  ou  a  primeira  cachoeira  do  To- 
cantins, era  taiàibem  o  limite  sul  ou  do  fundo  da  capitania  do  Ca- 
mulã.  As  tf'i'ras  dos  Taptiymsus  ou,  antes,  o  rio  dos  Tapuyussus 
(Curupntuba),  marirem  esquerda  do  Amazonas,  era  o  limite  d.i  capita- 
nia do  cabo  do  Norte,  deBmto  Maciel  Parente,  c  não  da  do  Camutá. 


A  CAPITANIA   DO    CAMUTÁ  189 

mu  tá  os  restos  mortaes  de  seu  pai  Fi-aucidco  Coelho  de  Carvalho, 
eos  levou  comsigo  para  Lisboa. 

ADtonio  de  Albuquerque  Coelho  de  Carvalho  veio  a  suoceder 
tambeni  na  donatária  da  capitania  de  Cumá,  no  Maranhão,  por 
ter  casado  em  segundas  núpcias  com  sua  prima  D.  Ignez  Maria 
Coelho  do  Carvalho,  filha  e  herdeira  do  desembargador  António 
Coeltio  do  Carvalho,  a  quem  a  dita  capitania  fora  doada  por  sou 
irmão  o  governador  Francisco  Coelho  de  Carvalho,  por  carta 
passada  na  cidade  de  Belém  em  12  de  junho  de  1627,  e  confir- 
mada por  Phillppe  III,  por  carta  «  Dada  nesta  cidade  de  Lisboa 
aos  quinze  dias  do  mez  de  Margo  do  Aono  do  nascimento  do 
nosso  Senhor  Jesus  Christo  de  mil  seis  centos  trinta  e  novo».  A 
doação  da  capitania  de  Cumá  foi  confirmada  em  D.  Ignez  Maria 
Coelho  de  Carvalho  por  carta  de  6  de  outubro  de  1648. 

As  duas  capitanias,  de  Camutá  e  de  Cumá,  ficaram  assim  reu- 
nidas  no  senhorio  de  António  de  Albuquerque  Coelho  de  Carvalho. 

A  este  succedeu  na  donatária  das  duas  capitanias  seu  filho 
Francisco  do  Albuquerque  Coelho  de  Carvalho,  que  falleceu  a 
14  de  abril  de  1720,  cm  Lorvão,  co;narca  do  Coimbra  (12). 

Por  este  donatário  foi  concedido  ã  Camará  do  Camutá  uma 
sesmaria  de  terras,  para  seu  património,  por  carta  de  data  de 
37  de  maio  1713,  cujo  auto  de  posse  foi  lavrado  em  20  de  no- 
vembro do  mesmo  anno. 

Tendo  fallecido  sem  filhos,  deixou  iostituido  por  testamento 
seu  universal  herdeiro  a  seu  irmão  segundo,  António  de  Albu- 
querque Coelho  de  Carvalho  (segundo  do  nome),  a  quem  foi 
passada  carta  de  confirmação  das  duas  capitanias  em  2  de  no- 
vembro de  1722.  Foi  este  António  da  Albuquerque  Coelho  do 
Carvalho  decimo  segundo  capitão-mór  do  Pará  (IG85— 1690)  e 
decimo  quarto  governador  o  capitão  general  do  Estado  do  Ma- 
ranhão (1690—1701). 

Por  patente  de  7  de  março  do  1700,  foi  nomeado  gover- 
nador .do  Rio  de  Janeiro.  Exercia  elle  este  cargo,  quando,  sendo 
oreada,  por  carta  regia  de  9  de  novembro  daquelle  anno,  a  ca- 
p  itania  de  São  Paulo  e  Minas  do  Ouro  (Minas  Geraes),  até  então 


(i2)  Gazeta  de  Lisboa ^  n.  IS,  ile  2  du  iiiaiu  de  1720. 


190  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

aonexada  &  do  Rio  de  Janeiro,  foi  elie  nomeado  gorernador  e 
capitão  general  da  nova  capitania,  por  carta  da  mesma  dat^  e 
patente  de  83  de  novembro  do  mesmo  anno.  No  sen  governo 
foram  creadas  (1711)  as  Tillas  de  Ribeirão  do  Carmo,  Villa 
Rica  6  Villa  Real  do  Sabarã,  e  elevada  á  categoria  de  cidade  a 
villa  de  São  Paulo  (171^).  Chegando-lho  a  noticiada  inva^U)  do 
Rio  de  Janeiro  pela  esquadrado  DugayTrouin,  marchou  k 
A*ente  das  suas  tropas  em  soccorro  da  cidade,  que  encontrou  jã 
abandonada  pelo  seu  governador,  Francisco  de  Castro  Moraes, 
acampado  com  as  forças  da  guarnição  no  sitio  do  Eagenlio-Novo. 

Este  havia  assignado  a  capitulação  imposta  pelo  almirante 
francez,  no  dia  10  de  outubro  de  1711,  véspera  da  chegada  do 
António  de  Albuquerque. 

Voltando  á  sua  capitania,  passou  o  governo  delia  a  D.  Braz 
Baltazar  da  Silveira,  no  dia  23  de  agosto  de  1713,  e  tomou  ao 
Rio  de  Janeiro. 

D'aqui  partiu,  por  via  da  Bahia,  para  Lisboa,  aoade  chegou 
a  7  de  março  do  anno  seguinte,  depois  de  ter  resistido  victorioei^ 
ao  ataque  dos  piratas  de  Argel,  a  não  N.  S.  do  Carmo,  em  que  ia 
de  viagem.  Foidepois  nomeado  governador  de  Angola,  cigo  go- 
verno exerceu  desde  22  de  março  de  1722  até  5  de  abril  de  1725, 
em  que  alli  falleoeu,  e  foi  sepultado  na  igreja  dos  padres  capu- 
chinhos. 

Suocedeu-lhe  nas  duas  donatárias  sen  filho  mais  velho 
Francisco  de  Albuquerque  Coelho  de  Carvalho  (segundo  do 
nome),  aquém  foi  confirmada  a  doação  por  carta.  «  Dada  em 
Lx*  Occiai  aos  Yinte  e  quatro  dias  do  mez  de  março  Anno 
do  nascimento  de  N.  Sr.  JezuChristo  do  mil  setecentos  trinta 
e  cinco.  » 

Foi  o  seu  ultimo  donatário. 

Os  melhoramentos  da  capitania  nenhum  cuidado  mere- 
ceram aos  seus  donatários  ou  loootenentes,  que  se  limitavam  a 
colher  o  fructo  da  terra  peio  braço  do  indio  servo,  objecto  de 
continua  disputa  entre  os  donatários,  os  capitães  generaes  e  os 
missionários.  A  carta  regia  de  3  de  março  de  1684  determiuava 
ao  governador  Francisco  fie  Sá  de  Menezes  <  que  não  tire  Índios 
da  Capitania  do  Camutá. . .  »,  e  a  de  17  de  janeiro  de  1699  ad- 
vertia ao  superior  das  missões  que  <  tenhaes  entendido  que  a 


A  CAPITANIA  DO    CAMUTÁ  191 

jurisdição  chamada  temporal,  que  se  tos  conoedeo  se  não  en- 
tende em  forma  que  por  virtude  delia  fiquem  os  índios  das  al- 
deãs das  Capitanias  do  Gamutá  e  Cumá,  de  que  he  Donatário  o 
dito  António  de  Albuquerque  Coelho  de  Carvalho  isemptos  da 
sua  jurisdição,  nem  para  quo  possaes  de  algum  modo  impedir 
■cus  mandados,  que  sempre  se  prezumem  justificados,  e  quando 
acheis  o  contrario  o  deveis  fazer  prezcnte  ao  dito  Donatário, 
ou  ao  seu  Capitão  Tenente,  por  modo  de  requerimento,  e  não 
de  jurisdição,  para  que  vos  defira  como  for  de  justiça,  e  não 
vola  fazendo  recorreis  a  mim  para  rezolver  o  que  for  servido, 
porque  deata  forma  se  evitarão  estas  contendas,  e  inconveni- 
entes...». Em  1731  era  tal  o  desamparo  da  villa  do  Gamutá, 
que  nem  egroja,  nem  casa  de  camará  e  cadeia  tinha ;  pro- 
pondo-se  por  isso  um  morador  do  logar,  Bento  Bonito  Vam- 
zeller,  a  edifical-as  &  sua  custa,  pela  recompensa  de  postos  de 
commando»  Disto  faz  menção  o  curioso  documento,  que  trans- 
crevemos : 

«Dom  Joãc-etc.  Faço  saber  a  vós  Governador,  e  ca- 
pitam General  do  Estado  do  Maranhão  que  vendosa  o 
que  me  escreveo  o  Bispo  do  Pará  em  carta  de  onze  de 
septembro  do  anno  passado,  cuja  copia  com  esta  se  vos 
em  via,  assignada  pelo  secretario  do  meu  conselho  ultra- 
marino, sobre  a  total  ruina,  e  miserável  estado,  a  que 
se  acha  reduzida  a  Villa  do  Camutá,  e  o  oferecimento 
que  fez  Bento  Bonito  Banzeler  (Vanzeller)  para  edificar 
a  Igreja  da  mesma  Villa  a  sua  custa,  e  fazer  casa  da  Ga- 
mera  e  cadêa  pondo  todos  os  materiaes  necessários, 
mandandolhe  eu  dar  somente  os  ofilciaes  precisos  com 
condição  de  o  prover  no  posto  de  capitão-mor  da  orde- 
nança daquella  capitania,  e  de  lhe  dar  a  Administração 
da  Aldeã  de  índios,  que  se  fundou  junto  da  dita  Villa 
em  sua  vida  e  de  seu  filho.  Me  pareoeo  ordenar  vos  in- 
formeis ouvindo  o  Donatário  da  Villa,  e  o  capitão  mor 
actual  interpondo  o  vosso  parecer.  Kl-Rey  nosso  Senhor 
o  mandou  pellos  Doutores  Manoel  Fernandes  Varges  e 
Gonçalo  Manoel  Galvão  de  Lacerda,  conselheiros  do  seu 
conselho  ultramarino,  e  so  passou  por  duas  vias.  Dio- 
nysio  Cardoso  Poreyra  a  fes  em  Lisboa  Occidental  a 


192  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

quatro  de  Janeyro  de  mil  setesentos  e  trinta  o  dous.  O 
Secretario  Manoel  Caetano  Lopes  de  Laire  a  fes  es- 
crever». 

Não  sabemos  se  Yanzjller  obtere  despacho  favorável,  e  se 
foz  as  obras  propostas;  não  oncontramos  documento  que  nos  es- 
olareccsso. 

Tendo  D.  Josó  I  rosolvido  reunir  aos  beus  da  coroa  todoi  os 
dominios  ultramarinos,  doados  pelos  reis  soas  predeoessores  a 
alguns  particulares,  foi  oxtincta  a  capitania  do  Camutá  e  cncor- 
porada  na  coroa,  como  também  a  do  Cumà ,  por  carta  regia  do  I 
de  junho  do  1754,  por  meio  de  uma  índomnisação  paga  a  Fran- 
cisco do  Albuquerque  Coelho  de  Carvalho,  em  pensão  annual  do 
trcs  mil  cruzados. 

Belém  do  Pará,  15  de  setembro  de  1006. 


i 


REFLEXÕES  SOBRE  O  CONCEITO  DÂ  HISTORIA 


DR.  PEDRO  AUGUSTO  CARNEIRO  LESSA 

Sucíj  circctivo  (lo  Instituto  Histórico  o  Gcographico 
Brazileiro 


4323  —  i3  Tomo  i.xix.  v.  Ii. 


Reproduzindo  n^ste  tomo  da  lievista  o  trabalho  do  consócio 
Dr.  Pedro  Augusto  Carneiro  Lassa,  já  publicado  alhures,  a  Com- 
missão  de  Redacção  tivo  om  vista  archivar  nestas  paginas  mais 
nma  demonstração  sup3rior  do  ominentj  homem  de  letras,  per- 
mittindo  a  sua  leitura  aos  que  não  puderam  ainda  apreciar  as 
esclart^cidas  considerações  sobro  o  conceito  da  Historia  e  aos  que 
desejarem  de   prompto   relel-as. 

(Xoia,  da  Commistão  de    liedacção.) 


  HISTORIA  ANTES  DE  BUCKLE 


Na  Qrocia  e  em  Roma,  consistia  a  missão  do  historiador  em 
narrar  os  acontecimentos  memoráveis.  Obra  d'arte,  o  não  de 
scienoia,  a  historia  so  escrevia  geralmente  para  perpetuar,  en* 
carecendo,  os  feitos  militares,  ou  políticos  (I) ;  e  seu  priacipal 
merecimento  estava  em  reproduzir  tradições  e  chronicas,  muitas 
vezes  infleis»  sob  os  primores  li  tterarios  do  ostylo  descriptivo. 

Dionysio  do  Halicaraaso  nota  uma  cor  la  semelhança  entre 
a  forma  animada  e  pittoresca  da  Hisioria  de  Heródoto  c  a  dos 
poemas  de  Homero  {i) .  A  profunda  concisão  de  Thucydides  e  a 
perfeição  attica  de  Xonophonte  fizeram  da  Historia  da  guerra  do 
Peloponeso  e  da  Retirada  dos  Dez  Mil  inimitáveis  modelos  de 


(l)  Tácito  deplorava  não  poder  iii 'luir  nos  sou.s  Annnes  os  assum- 
ptos que  faziam  o  objocloda  historia,  qual  a  entendiam  os  antigos  ro- 
manos: «  Não  se  devem  comparar  os  meus  Anna''s  com  as  antigas  his- 
torias do  povo  romano.  Nesse  tjmpo,  iiavia  para  contar  grandes 
guerras  o  granies  hatallias;  muitas  cidades  tomadas  por  força,  o 
muitos  reis  vencidos  ou  ditos  pi*ir>ioneiro>;  c,  se  alguma  voz  so  fazia 
munção  djs  nv;gocios  domésticos,  era  para  relatai*  livremente  as  dis- 
córdias dos  cônsules  com  os  tribunos,  os  d.  bates  sobre  as  leis  a:4;rarias 
easc3ntendas  do  povo  com  os  «grandes.  Mas,  o  meu  objecto  c  muito 
somenos,  e  pôde  8  !r  talvez  que  também  assim  seja  a  minha  gloria; 
pois  escrovj  de  uma  época  ejn  <[uo,  quasi  sempre  tem  havido  paz,  ou 
poucas  vez  s  tom  si  lo  pjrtu»kÍ3ada  ;  e  na  qual  não  posso  dar  noticia 
senão  do  desgraças  int.rnas,  e  d)  governo  de  um  príncipe  que  nunca 
ambicionou  estender  o  s  íu  império. . .  A  deseripção  de  diversos  povos 
edillerentjs  paizcs,  a  varie. lide  das  batalhas,  e  as  acções  iilustres 
dos  grandes  capitães,  naturalmente  prondom  o  enlevam  a  attenção 
dos  Ifitores;  mas,  eu  não  poso  nem  tenho  para  contar  senão  ordens 
e  decretos  atrozes;  continuas  accusações;  perfilas  violações  da 
amizade;  ruina  e  de>gra<vas  de  muitos  iunocentes  ;  o  ao  mesmo  tempo 
quaes  foram  as  suas  causas;  objectos  estes  que,  por  soreni  quasi  em 
tudo  semelhantes,  chegam  por  fim  a  enfastiar.»  (Annaes,  liv.  4^% 
XXXli  eXXXlll). 

(2)  Historia  de  Heródoto,  trad.  de  Miot,  pref.,  XXXVIU. 


196  REVISTA   DO   INSTITUTO   HISTÓRICO 

narração.  Sallustio,  de  quem  dizia  o  poeta  Marcial «prtmiis  ro« 
mana  Crispas  in  historia,  exige  do  historiador,  como  primeira 
condição  do  successo,  tuma  linguagem  á  altura  dos  aconteci- 
mentos» (3).  Som  embirgo  das  suas  qualidades  de  homem  de 
acção,  dos  seus  dotes  do  incomparável  cabo  de  gusrra,  Gesar  foi 
exímio  na  grammaticae  na  rhotorica;  e  tão  rigoroso  era  o 
sou  classicismo,  que  aconselhava  a  ovitar  as  expressões  novas  ou 
incorrectas,  com  a  mesma  solicitude  com  que  o  marinheiro  deve 
fugir  das  penedias  (4).  E'  por  isso  que  Cicero,  segundo  o  testo- 
munho  de  Suetonio,  admirava  o  estylo  puro  dos  Commenlarios, 
ao  ponto  de  reoommendar  que  ninguém  «bordasse  sobro  essa 
talagarça»  (5).  Tito  Livio  éa  eloquência  romana:  tendo  vindo 
Já  muito  tarde— quando  a  libardade  ora  apenas  uma  tradição  — 
para  exercitar  os  seus  talent:)8  oratórios,  o  achando  intordicta 
a  tribuna  das  arongas  forenses,  transportou  o  rostro  para  as 
Décadas,  o,  no  dizer  de  Taino,  «tV  /xU  hislorien  pour  resler 
orateur»  {6).  Quinto-Curcio,  um  simples  rhotorico,  a  nenhum  os- 
oriptor  cede  na  descripção  das  batalhas.  A  energia,  a  profun- 
deza e  o  brilho  do  estylo  de  Tácito,  que  «a  poesia,  o  ódio  e  o 
estudo  inílamaram  e  sombrearam»,  só  se  encontram  uma  voz 
na  historia  (7). 

Mas,  sob  as  formas  attrahontes  ou  empolgantes  deisa  con- 
summada  arte  de  descrever,  não  se  procure,  pois  frequente- 
mantc  seria  vão  esforço,  apurar  a  fldelídade  das  infv>rmações. 
Inquirir  a  verdade  dos  factos.  Não  se  observavam,  porque  so 
ainia  não  conheciam ,  os  cânones  da  heurística,  da  diplomática 
eda  critica  de  Interpretação,  sem  os  quaes  ninguém  hoje  se  a- 
vontura  ã  árdua  tarefa  da  historiogt*aphia  (d).  Ilaros  historia- 
dores, ao  roconstruirem  os  factos  políticos  e  militares  da  vida 


liv.  2. 


(3)  Caliliva  IJI, 

(4)  Momuisen,  Ilistona  HomanatVoi,  7',  liv.  5.o,  cap,  Xllt 

(5)  Suotonio,  Os  Dose  Césares,  Júlio  César,  L.  VI, 

(6)  Essai  sur  Tite^Lice,  iutroducção,  §  1,«. 

(7)  Taino,  obra  citada,  conclusão.  g2.". 

(8)  I.anj^lois  o  S.^ig-nobos,  Tntmhirtion  av.v    E\itãcs   Ifisforiquss  ^ 


A  HISTORIA  ANTES   DÊ  fiUCKÍ.B  197 

de  um  personagem,  de  uma  família  illustre,  ou  de  um  povo  em 
determinado  período  (o  cifrava-se  nisso  a  lustoria),  procediam 
a  um  escrupuloso  exame  das  provas,  ou  se  davam  ao  ímprobo 
labordó  cirandar  meticulosamente  os  documentos.  Quão  poucos 
poderiam  repetir»  convencidos,  as  palavras  de  Thucydides!  «  No 
qie  toca  &  verdade  dos  factos,  diz  o  autor  da  líiHoria  da  guerra 
do  PeloponesOf  não  dei  credito  As  primeiras  pessoas  que  en- 
contrei, nem  a  minhas  Improsaõas  pessoaes;  narrei  &ómente 
os  acoot^i mentos  de  que  fui  espectador,  ou  sobre  os  quaes 
adquiri  informações  procísas  ode  certeza  absoluta»  (9).  Na 
Anabatê,  Xenophoote  descreve  factos  de  que  hi  tostomunUa, 
porquanto  fez  parte  da  expedição  de  Cyro,  o  moço,  a  qual  cora- 
maniou  depois  da  morte  de  Gloarcho,  o  por  isso  a  sua  narrativa 
se  acceita  como  verdaieira ;  mas,  na  Cyropedia^  tanto  desde- 
nhou averdade,  que  é  hoje  opinião  unanimo  não  passar  a  Historia 
de  Cyro  de  um  romance  moral  (10).  Bm  vordade,  aquille  joven 
príncipe,  dutado  pela  natureza  do  todos  os  encantos  imagináveis 
do  espirito  e  do  corpo,  educado  no  seio  de  um  povo  singular, 
que  a  tudo  antepunha  a  utilidade  publica,  e  de  til  arto  for- 
mwa  o  cjra^o  de  seus  Alh)â,  que  eUo)  não  commoUiam 
jamais  actos  censuráveis,  nom  tiuham  nunca  motivo  para 
corar;  aquellos  bárbaros,  tão  zelozos  cultores  da  Justiça  que 
nas  escolas  só  ensinavam  as  normas  do  direito,  tão  imbuidos  dos 
preceitos  da  mais  pura  ethica,  que  escrupulosamente  prati- 
cavam todas  as  virtudes  mais  tarde  preconisadas  p3lo  chrístia- 
nismo ;  aqnelle  perfeito  o  clovadissimo  estoicismo,  quo  nos  ÍH? 
antever  em  cada  Persa,  sectário  da  religião  mazdeista,  o  mais 
bem  acabado  pvototypo  do  mystico  medieval  (II);  tudo  isso  por 
certo  pólo  constituir  o  ornato  o  o  onsinamento  moral  do  um 
livro  destinado  á  educado  da  juvontude,  mas  destoa  profunda- 


da Ti-a  lucção  do  Lóvôsqae,  liv.  I»,  XXII. 

(10  .Tá  or.inçoso  Laharpe  comparava  a  Cyropedia  ao  Telemaco  de 
Fi^nelon,  no  Diantnto  Pve/tmi7iar  quo  procede  a  trada»ção  de  Sue- 
Innio.  RofiRuet  ó  um  dos  poucos  historiadoros  que  dão  credito  á 
Cyropedía  {I)is?ours  sur  rifistoivt'  Univfrsi^lle,  pari 3  primeira, 
7*  epoc:i). 

(II)  Cyvopediay  liv.   1.'' 


198  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

menie  da  severidade  do  historiador.  So»  para  escrevera  Reti- 
rada dos  Dez  Mil,  Xenophonte  fez  de  Thucydides  o  seu  modelo» 
qnaoto  á  fidelidade  da  exposição,  na  Cyropedia  imitoa  o  pae  da 
historia,  o  qual  com  fabulas  e  lendas,  entretecidas  nos  fkctos^ 
oompoz  03  seus  nove  livros,  consagrados  ás  nove  musas,  e  que 
mais  se  assemelham  aos  cantos  de  uma  epopéa  do  que  aos  capí- 
tulos de  uma  historia. 

Nfio  obstante  o  manifesto  desdém  de  Quintiliano,  ao.  alludir 
ás  historias  gregas  (12),  os  historiadores  romanos  não  foram 
menos  descaroaveis  para  com  a  verdade.  Difílciimente  compre- 
heademos  hoje  o  modo  como  Tito  Livio  se  preparou  para 
escrever  a  historia,  a  sua  absoluta  ausência  de  curiosidade 
quanto  aos  documentos  e  testemunhos  com  que  devia  cimentar 
as  suas  narrativas.  Bra«lhe  fácil  ir  ao  thesouro  publico  e  ao 
templo  das  Nymphas,  para  lêr  sobre  as  taboas  do  bronze  as  leis 
regias  e  tribunicias,  os  antigos  tratados  celebrados  com  as  nações 
vencidas  pelo  povo  romano,  os  decretos  do  senado  e  os  plebis- 
citos ;  cumpria-lhe,  ao  menos,  recorrer  aos  annaes  preparados 
pelos  pontífices,  que  minuciosamente  foram  annotando  todos  os 
acontecimentos  merecedores  de  transcripção  na  historia  romana; 
mas  Tito  Lívio  teve  por  indigno  de  si  proceder  a  essas  pesquisas, 
aliás  tão  fáceis  a  um  cidadão  romano ;  nem  sequer  visitou  os 
legares  onda  se  passaram  muitos  dos  foitos  militares,  por  elle 
descriptos*  Dahi  os  equívocos,  os  erroa,  as  falsidades,  que 
abundam  nas  Décadas  (13).  Sallustio  escreveu  somente  para  re* 
velar  a  admirável  perfeição  do  sou  estylo,  o  por  isso  «explorou 
a  historía,  como  se  fora  a  sua  província  d'  Africa,  como  egoísta 
e  artista  de  génio»,  tratando  apenas  dos  factos  susceptíveis  de 
de8cripç5es  brilhantes  pela  forma  (14).  Asioio  Pollião  contesta  a 
fidelidade  dos  Commeniarios  ^  notando  que  Cosar  diminuo  as  fa- 
çanhas dos  seus  companheiros  d'armas,  e  altera,  encarecendo, 
os  proprioá  feitos  (15).  Cícero,  conta-nos  Plutarcho,  tinha  for- 


(12)  Instit,,  Orat,,  ÍI,  4. 

(13)  Tainc,  obra  citada,  parte  1«,  cap.  2<^, gO.*^ 

(14)  Taúíí?,  conclusão,  §2.0 

Íl5)  Suelonio,  Júlio  Cesav,  LVI. 


A  HISTORIA    ANTES    DE  BUCKLB  199 

mado  o  plano  de  escroYer  uma  historia  de  Roma,  na  qoal 
pr6teodia  indair  parte  da  historia  grega,  com  qaasi  todas  at 
saas  fabulas  (16). 

A  historia,  para  os  gregos  e  romanos,  ó  om  género  litte* 
rario.  A  amplificação  oratória,  as  flcgSes,  o  maravilhoso  épico» 
inçam  as  narrativas,  desfigurando  os  factos,  e  subtrahindo-os  fc 
justa  apreciação  dos  mais  claros  e  seguros  entendimentos.  O  que 
oonstitue  a  sedueçSo  da  historia  na  antigaidade  ó  a  lingua,  e 
ostylo,  a  arte  da  composição,  a  movimentação  dramática»  íbnte 
iaezgottavel  de  emoções  e  do  prazer,  a  nos  mostrar»  em  quadros 
animados  da  mais  vivida  eloquência,  as  grandes  e  fortes  vir* 
tndes  do  heroísmo  e  do  patriotismo  (17). 

Alguns  historiadores  desse  período  alimentavam  a  preteni^ 
de  fkzer  da  historia  um  vasto  repositório  de  licçQes  politicas  e 
moraes,  a  «mestra da  vida»  (18).  Polybio  e  Plutarcho  foram 
insignes  no  género.  Jã  Xenophonte  tinha  sido  um  iniciador,  e 
Sallustio  fes  preceder  a  cada  uma  de  suas  obras  {Qailma^  seu 
hellum  caiiUnarium,  e  Jugurtha^  sen  bêllum  jugmrthinum)  um  dis^ 
curso  da  mais  enaltecida  moral,  tão  destoante  da  vida  de  quem 
foi  expulso  do  senado  por  suas  escandalosas  immoralidades. 

A  antiguidade  clássica  não  fez  da  historia  uma  sciencia. 
Nem  quanto  a  essa  doutrina  (para  a  maior  parte  dos  pensadores 
ainda  hoje  impossível)  que,  muitos  séculos  depois»  se  chamou  a 
philosophia  da  historia,  conseguiu  roais  do  que  rudimentar  e 
grosseiro  esboço.  Apenas  o  génio  proítindo  de  Thucydides  teve 
uma  percepção  fugas  das  leis  a  que  estão  SQjeicos  os  phenomenos 
súoiaes:  acreditava  o  autor  da  Historia  da  guerra  do  Pelopornsê 


(10)  Vida  de  Cícero,  UW, 

(17)  Vacherot,  La  Science  et  la  Conscienee,  lí,  Les  historiens* 

(18)  K*  a  concepção  que  ainda  neste  século  domina  o  espirito  de 
alguns  histopiadorog.  No  tumulo  de  Alexandre  H»»rculano,  no  convento 
dos  Jeronymos,  veem-so  as  seguintes  palavras,  que  lá  tivemos  occasião 
de  li^r,  e  foram  trasladadas  de  um  dos  sous  escriptosu  Aqui  jaznm 
homem  que  conquistou  para  a  grande  mostrado  futuro,  para  a  his- 
toria, algumas  verdades  importantes.»  E  Oliveira  Martins  comaça  a 
s^a  Historia  de  Por  tugai»  diiendo:  «â  historia  c  sobretudo  uma  licção 
moral  ;  eis  a  conclusão  qm»,  a  no^>so  vôr,  s^ae  de  todos  os  eminentes 
progressos  ultimamente  realizados  no  foro  d»»  «ciências  sociaes» 
(Advertência), 


1 


200  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

que  seu  eftudo  seria  atil  a  todos  qae  quizessem,  partindo  do 
oonhecimeato  dos  factos  passados,  comprehender  oâ  factos  fu- 
turos, qud  cseguQdo  as  leis  humanas  ser£o  semelhantes,  ou  aná- 
logos» (19).  Mas,  lançadas  aocidentalmente  essa  e  outras  obsor- 
vaçõai  de  admirável  justeza,  o  historiador  grego  prosegue  em 
sua  narratira,  sem  indacçõeíi,  sem  systematizar  os  factos, 
explicando,  quando  muito,  os  acontecimentos  como  um  politico, 
pela  natureza  das  instituições,  pelo  papel  desempenhado  pelos 
partidos,  polo  conflicto  dos  interesses,  pelo  Jogo  das  paixões,  pela 
eloqaencia  dos  homens  do  Estado  e  pela  táctica  dos  homens  de 
guerra  (20).  Ainda  é  a  personalidado  humana,  a  vontade  indivi- 
dual ou  collectiva,  que  occupa  a  soena  da  historia,  como  em  He- 
ródoto. NSo  se  nota  mais  a  sensibilidade  ingénua,  a  imaginação 
juvenil  do  Heródoto,  para  quem  a  queda  de  um  raio  sobre  os 
bárbaros  reunMos  junto  aos  muros  do  templo  de  Minerva 
Pronéa,  e  o  despenharem-se  com  fracasso  dois  rochedos  do  cumo 
do  monte  Parnaso,  são  os  maiores  prodígios,  os  mais  porten- 
tosos acontecimentos,  que  p6de  narrar  um  historiador  (21). 
O  auctor  da  Historia  da  guerra  do  Pelopaneso  não  se  eleva  ás 
causas  naturaes  dos  íkctos,  nem  nos  dá  as  leis  a  que  alludiu  no 
começo  de  sua  chronica,  em  um  rasgo  assombroso  do  génio. 
Continuador  do  methodo  histórico  de  Thucydides  é  Polybio,  que 
procura  explicar  a  superioridade  politica  e  mUitar  de  Roma, 
comparando-lhe  as  instituições  com  os  dos  outros  povos.  Mas, 
toda  a  philosophia  de  Polybio  eitá  condensada  nesta  formula: 
cCumpre  estudar  a  constituição  de  um  Estado,  como  a  causa  pri- 
mordial dos  bans  e  mãns  successos  em  tudo.  E'  dessa  consti- 
tuição, como  de  uma  fonte,  que  derivam  as  empre^zas  e  seus 
effeitos»  (22).  Sallustio,  Tito  Lívio,  Tácito,  todos  os  historiadores 
romanos,  nos  dão  uma  única  explicação  da  grandeza  e  da  deca- 
dência de  Roma:  a  cidade  cresceu,  elevou  «se,  dominou,  em 


(19)  Liv.  1^  xxir. 

(20)  Vachero(,  obra  citada. 

(21)  Historia  do  Heródoto,  liv.  S\  XXXVIl   e  XXXVIII,  trad.  de 
Miot. 

(28)  Polybio,  HistúHa  Geral,  VI. 


A  HISTORIA   ANTES    DE    BUCKLE  201 

consequeDcía  de  saas  virtudes  e  por  uma  predestinação  divina  ; 
decaliiu,  perdeu  a  liberdada  e  o  império  do  mando,  em  conse- 
quência da  dissolução  dos  costumes,  produzida  pelo  luxo  (23). 
Não  passa  dessa  rudimentar  consideraoao  a  philosopiíia  da  his- 
toria em  Roma, 

Nâo  se  pretenda  tam  pouco  descobrir  nos  historiadores  gregos 
e  romanos,  a  coordenação  metliodica  dos  factos,  a  systomatização 
scientifica  dos  elementos  preparados  pelo  historiador,  para  as 
generalizações  das  scioncias  sociaes.  Taine  caracterizou  bem  a 
historia,  tal  como  foi  compreliendida  pela  antiguidade  clássica, 
dizendo  que  ella  nos  oíTorece  unicamente  uma  saccessão  de 
acontecimentos,  c  não  classes  de  factos  (24).  Preoccupados  com 
os  feitos  bellicos  e  as  acções  dos  j^liticos,  os  historiadoras  do  pe« 
rlodo  greco-romano  poucas  ou  neuhumas  informações  nos  mi- 
nistram sobre  a  industria,  o  commercio,  os  costumes  domésticos, 
a  religião,  a  scioncia,  as  lettras,  as  artes  liberaes  e  mecânicas, 
sobro  t.dos  aquelles  factos  estudados  hoje  pelos  historiadores, 
como  o  conteúdo  principal  da  hiatoria. 

f;  lendo  Ottfried  Muller,  ThirlwalJ,  Grotí>,  Niebuhr,  Mom- 
rosen,  Curtius,  Fustel  de  Coulanges,  que  bom  conhecemos  e 
comprehendemos  a  Qrocia  e  Romi. 

A  edado  media  nos  legou  alguns  toscos  esboços  de  historia 
universal,  modelados  pelos  escriptos  de  Eusébio,  Orosio  e  outros 
historiadores  catholicos . 

A  pratica  das  glosas,  tão  util  ao  desenvolvim3nto  do  direito 
no  periodo  medieval,  transplantada  para  o  estudo  e  composição 
da  historia,  foi  fecunda  em  resultados,  especialmente  na  sua 
spplicação  ás  collecções  de  documentos  o  ás  dissertações  cri- 
ticas {2ò).  E  cifrou-S)  nisso  o  progresso  da  historia  na  edado 
media»  quo,  facilmente  se  oomprehende,  a  nenhum  principio, 
doutrina,  mothodo,  ou  classificação  scientifica,  subordinou  as 
investigações  ou  a  exposição  do  historiador. 


(23)  Vacherot,  obra  citada,  I.  Tainc,  obra  citada,  introducs^âo. 

(24)  Obra  citada,  conclusão, 

(25)  Laniílois  e  S^ignobos,  obra  citada,  liv.  3<*,  cap.  5. 


202  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

NarenaacBiiga,  Macbiav6l  bosqnejoa  a  sua  original  conce- 
pção da  historia,  baleada  em  um  abstruso  semi-fatalismo.  O 
principio  cardeal  da  tbeoria  do  famoso  secretario  florentino  6  o 
movimento  das  espheras.  A  direcção  dos  astros,  o  curso  das  es- 
tações, a  passagem  da  vida  para  a  morte,  tudo  é  preestabelecido 
e  dominado  pela  evolação  circnlar  do  universo.  Também  o 
homem  e^  soô^i^o  ^  osse  principio:  multiplica-se  cegamente, 
invade  a  terra;  e,  quando  o  mundo  regorgita  de  habitantes,  as 
espheras  o  despovoam  pelas  pestes,  fomes  e  inundações,  para  que 
a  humanidade  recomece  a  sua  faina.  O  movimento  circular  unif- 
versal  veriftca-sono  seio  das  sociedades ;  os  Estados  se  organizam 
e  corrompem-so,  como  os  individues;  passam  da  monarchia  i 
aristocracia,  e  desta  ã  democracia,  para  regressarem  á  pri^ 
meira  forma  de  governo.  Todas  essas  continuas  mutações  são 
resultantes  do  impulso  communicado  pelas  espheras,  e  os  ho- 
paens  nunca  poderão  adivinhar  o  fim  definitivo  do  universo  (86). 

Admittido  o  principio,  mal  se  comprehende  a  inoongruencis 
da&  deducçOes.  Acreditam  muitos,  diz  Machiavel,  que  Deus  e  a 
fortuna,  ou  o  destino,  regem  as  cousas  deste  mundo,  e  de  tal 
arte  que  toda  a  prudeneia  humana  ó  impotente  para  lhes  deter, 
ou  regular,  o  curso ;  a  concepçãoé  acoeitavel  com  uma  limitação: 
€  a  fortuna  dispõe  da  metade  de  nossas  acções,  mas  confia  a 
outra  metade  ao  nosso  livre  arbítrio»  (27).  TitoLivio  ô  o  guia» 
o  mestre  de  Machiavel,  que  repete,  convencido,  estas  palavra 
do  historiador  romano:  ^Ohcceicat  ânimos  fortuna^  etftn  vim  $uam 
ingruentem  reftingi  non  vu;t.>  Os  homens  podem  secundar  o 
destino,  mas  nunca  obstar  aos  seus  decretos  (28) •  Os  factoi 
históricos  se  repetem,  porquanto  os  mesmos  desejos  e  as  mesmas 
paixões  dominam  em  todos  os  tetnpos  e  em  todas  as  regiões,  o 
que  permitte  aquelles  que  estudaram  os  acontecimentos  do  pas- 
sado prevôr  os  que  o  futuro  reserva  ás  nações,  e  applicar-Ihee 
os  remédios  j&  experimentados  eom  suooesso,  ou  imaginar  novas 


(26)  Machiavel,  iMuvve$  Politiques,  app,  pag.  573. 

(27)  O  Principe^  cap.  25. 

(28)  Discurso  sobre  !^ito  Livio^  liv.  29,  cap.  29. 


A  HISTORIA  ANTES  DK   BUCKLE  203 

corabioacSes.  Demais,  nSo  raro  ó  dado  ao  homem  conbeoer  o 
futuro  de  um  modo  sobrenatural.  A  atmosphera  está  repleta 
de  intelligencias  celestes,  que,  tomadas  de  piedade  pela  miséria 
dos  mortaes,  os  instruem  sobre  os  factos  vindouros  por  meio  de 
prognósticos  (29).  laso  não  quer  dizer  quo  as  religiões  sejan^ 
Terdadeiras.  Em  todos  os  tempos  o  dogma  religioso  é  umaen* 
genhosa  falsidade,  engendrada  pelos  bomens  em  proveito  da 
seus  interesses  (3J).  Quanto  ao  engrandecimento  e  á.  decadencii^ 
das  sociedades,  só  ha  uma  explicação  aooeitavel,  ó  a  dos  his- 
toriadores romanos,  adaptada  ao  principio  ftindamental  da 
doutrina  de  Macbiavei:  o  luxo,  a  sensaalidade  e  os  vioioe 
extinguem  a  economia  e  todas  as  virtudes,  que  oonstituem  v 
grandeza  e  o  sustentáculo  dos  Estados.  Já  o  poeta  satyrieo 
Juvenal  tinha  afflrmado  essa  verdade:  < Gul<n 

et    scevun'    armis   Lujsuria     incubuitf 
victum  que  ulciscitur  orhem  >  (Sat.VI). 

Com  a  nossa  hodierna  concepção  da  natureza  da  sciencia, 
difflcilmonte  poderíamos  dar  a  denominação  de  theoria  scienti- 
íica  da  historia  a  esse  amalgama  informe  de  erros,  preconceitos» 
penetrantes  observações  admiráveis  o  verdades  empíricas,  que 
se  nos  deparam  no  Príncipe  e  nos  Discursos  sobre  Tito  Livio. 

A  doutrina  de  Bossuet  é  o  polo  opposto  á  de  Machíavel.  E, 
como  seria  Imperdoável  ousadia  traduzir^  ou  resumir,  o  que  es- 
creveu a  águia  de  Meaux,  transcrevamos  um  trecho  do  Discurso 
sobre  a  historia  universal^  em  que  está  condensada  a  sua  theo- 
ria providoncialista  da  historia:  €Ce  long  enchatnement  des  causes 
particuliéres  qui  font  et  défont  les  empires  dépend  des  ordres  secrets 
de  la  ditine  Providence,  Dieu  iient  du  plus  haut  des  cieux  les  rênes 
de  tous  les  royaumes*  Ilatous  les  cceurs  en  sa  main:  taniôt  il  reiient 
les  passions^  taniôt  il  leur  lâche  la  bride,  et  par  là  il  remue  tout  le 
genre  humain,  Yeut-il  faire  des  conquérantsí  il  fait  marcher 
répouvante  devant  eux,  et  il  inspire  à  eux  et  d  leurs  soldais  une 
hardiesse  invincible.  VeutHl  faire  des  légis  lateurs  í  il  leur  envoie 


(29)  Discursos  sobve  TitoLirio.  liv.  !<>,  cap,  56, 

(30)  01  ra  citada,  passim. 


204  REVISTA   DO  INSTITUTO   HISTÓRICO 

son  esprit  de  sagêsse  et  de  prêvoyancef  il  leur  fait  préeenir  le$ 
maux  qui  menaceni  les  soldais,  et  poser  les  fondements  de  la 
trunquillité  publique»  Il  connait  la  sagesse  humaine,  toujours 
courie  par  quelque  endroit:  il  réclaire,  il  éíeni  ses  vues,  et  puis  il 
Vabandonne  d  ses  ignorances,  il  Vaveugle,  il  la  precipite,  il  la  con* 
fond  par  elle-même:  elle  s^envelopi^e,  elle  s" embarrasse  dans  ses 
propres  subtilités  et  ses  prècautions  lui  sont  un  piêge,  Dieu  exerce 
par  ce  moyen  ses  redoulablesjugjmenls,  selon  les  régies  de  sa  jus- 
ti  e  toupurs  infaillible ;  c^est  lai  qui  prepare  les  effets  dans  les 
causes  les  plus  /loignéei,  et  qui  fi'appe  ces  grands  coups  doni  le 
contre^coup  porte  si  ioin:  quand  il  veut  lãcher  le  demier  et  ren- 
verser  les  empines^  tout  esi  foible  et  irréguHsr  dons  les  conseils, 
VEgypíe,  aulrefois  si  sage,  marche  enivrée,  étourdie,  et  chance- 
lente,  parce  que  le  Seigneur  a  répandu  V esprit  de  vertige  dans  ses 
conseilsi  elle  ne  sait  plus  ce  qu^elle  fait ;  elle  est  perdue.  Mais, 
que  les  hommes  ne  s^y  irompent  pas:  Dieu  redresse  quand  illui 
plalt  le  sens  égaré ;  et  celui,  qui  insultait  d  Vaveuglement  des  au» 
três  tombe  lui-même  dans  des  ténèbres  plus  épaisses,  sans  quUl 
faille  sou^ent  autre  chose  pour  lui  renverser  le  sens  que  ses  lon- 
guês  prospèritès ,  Cest  ainsi  que  Dieu  régne  sur  tous  U^  peuples, 
Ne  parlons  plus  de  hasard  ni  de  fortune,  ou  parlons  en  seule* 
ment  comme  d^un  nom  donl  nous  couvrons  notre  ignorance:  ce 
qui  est  hasard  à  Cêgard  de  nos  conseils  incertaúis,  est  un  dessein 
concerte  duns  un  conseil  plus  haut,  c^est-à-dire  dans  ce  conseil  éter- 
nel  qui  renferme  tout  es  les  causes  et  tous  les  effets  dans  un  même 
ordre.  De  cetle  sorte  tout  concourt  à  la  même  fin^  et  c^esí  fouie 
d*enlendre  le  tout  qae  nous  irouvons  du  hasard  ou  de  Virrigularitè 
dans  les  rencontres  particulières>  (31).  Dous  intervom  oa  dirooção 
das  cousas  humanas,  obrigando  constaatemoDto  a  natareza  a 
aahlr  das  leis  pjr  elio  próprio  estabelecidas  ;  ô  um  senhor  abso- 
luto, despótico,  cuja  vontade  constituo  o  único  vinculo  que 
mantém  a  ordem  no  universo.  Com  razão  observa  Laurent,  que, 
os  milagres  por  meio  dos  quaes  Deus,  tal  como  o  concebe  Bos- 
suet,  subverte  a  regularidade  dos  factos  históricos,  se  asseme- 


(31)  Parle  ttrce  ra,  oip.  7,  fim. 


A  HISTORIA   ANTKS   DE  BUCKLE  206 

Iham  aos  golpes  de  Estado  de  um  monarcha  voluntarioso,  qao  se 
compraz  em  violar  as  leis  que  promulgou  (32).  A9  ioooQ^eqaea- 
cias  da  douiriua  de  Bossuet  são  manifestas.  O  homem,  ozpuls 
do  paraíso,  foi  entregue  ao  seu  próprio  arbítrio  ;  suas  inclinações 
se  corromperam,  seus  desmandos  tocaram  o  extremo,  o  a  iniqui  - 
dado  cobriu  a  superflcio  da  terra.  Tal  ó  o  resultado  da  .direcção 
pi-ovidenoial!  Deus  se  arrepende  do  ter  creado  os  homens.  Medita 
contra  elles  uma  vingança  terrível,  o  diluvio  universal.  Então 
Doas,  que  croou  todos  os  sores,  destroe  a  mais  bolla  parte  de 
sua  obra,  e  o  Omnipotente  por  esse  movlo  se  vinga  do  miserá- 
veis creaturas,  abandonadas  por  seu  oreador.  No  celebre  dia  em 
que  o  sol  detém  o  seu  curso  por  ordem  do  Josué,  Deus  se  distrao 
no  alto  do  céo,  atirando  pedras  sobre  os  infelizes  fugitivos,  para 
lhes  completar  o  extermínio.  Jurusalóm  e  Babylonia  cahom  — 
uma  em  seguida  a  outra,  de  acjordocom  a  palavra  dos  prophe- 
tas;  mas,  Deus  faz  convergir  todos  os  rigores  de  sua  colora  contra 
os  Chaldeus,  ao  passo  que  aos  Juleus  dispensa  um  castigo  pa« 
ternal.  Toda  a  indulgência  para  com  os  seus  eleitos  ;  toda  a 
cruellade  para  com  o  resto  do  género  humano.  De  resto,  o  povo 
de  Deus,  objecto  da  mais  carinhosa  educação  por  meio  de  mi- 
lagres, a  ouvir  frequentemente  a  palavra  dos  prophetas,  acaba 
por  desconhecer  as  prophecías,  ri-se  dos  milagres,  e  mata  o  Filho 
do  Deus,  vindo  ao  mundo  para  salval-o !  Os  maiores  personagens 
da  historia,  César,  Alexandre,  todos  os  grandes  conquistadores, 
são  instrumentos  da  providencia:  €Dieu  ne  les  envoie  sur  la  terre 
que  dans  sa  fureur,^  A  historia  6  um  vasto  campo  de  carnificinas. 
Quando  dois  povos  se  guerream.  Deus  quer  vingar-se  de  um 
delleS)  ou  de  ambos  (33).  A  philosophia  da  historia  do  Bossuot  ó 
um  tecido  do  preconceitos  e  incongruências.  Nada  mais  absurdo 
do  que  o  esforço  para  oonciliaro  livre  arbítrio,  que  Bossuet  não 
podia  negar,  com  esse  provídenoíalismo,  segundo  o  qual  €Dieufa%t 
louty  il  voitj  de  Vêternilé  louí  ce  qu^il  faiL*  Indiscutivelmente  não 
temos  aqui  uma  thooria,  que  possa  pretender  os  foros  da  sciencia. 


(32)  líistoivede  VhumanitiK  Philusopliie  Ao  Tliisioiro,  liv.  I.,  cap.  f. 

(33)  Lauront,  ibidem. 


.*.n 


206  HEVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Vioo  allnentoa  a  preteagSo  de  fandar  a  philosophia  da  his- 
toria, e  para  muitos  a  Seianja  Nuova  foi  o  inicio  dessa  doutrina. 
No  ooQoeito  do  pliilosoplio  italiano,  as  nações  passam  por  ires 
edades,  que  se  repetem  eterna  e  necessariamente  t  a  edade 
citeifia,  a  heróica  e  a  humana.  Ha  três  espécies  de  naturezas, 
de  que  derivam  três  espécies  de  costumes,  que  produzem  três 
espécies  de  dirtHio  natural^  que  dSo  origem  a  três  espécies  de 
governo  {Zi).  Para  communicarem  entre  si  os  costumes,  leis  e 
goTomo,  08  homens  formaram  três  espécies  de  línguas  e  de  ca- 
raderes.  A  primeira  natureza  foi  dominada  pela  imaginado* 
poética  ou  creadora^  divinizou  os  seres  materlaes,  o  se  cara- 
cterizou por  uma  íbroz  barbaria.  A  segunda  produziu  os  heróes, 
de  origem  divina.  A  terceira  foi  humana,  inteiligente ;  reco- 
nheceu a  consciência,  a  razSo  o  o  dever  (35).  Os  primeiros  cos- 
tumes tiveram  o  caracter  religioso  que  se  attribue  a  Deucalião 
e  Pyrrha.  Os  segundos  foram  os  de  homens  susceptíveis,  e  que 
facilmente  se  encolerisavam  por  quoatOes  de  honra,  taos  como 
Achilles.  Os  terceiros  foram  subordinados  á  noçfto  do  devevy  e 
íkziam  consistir  a  honra  no  cumprimento  dos  deveres  civis. 
O  primeiro  direito  foi  imposto  pelos  deuses.  O  segundO'^^  direito 
da  força  submettida  à  reiigifto.  O  terceiro— o  direito  dictado 
pela  razão  humana  desenvolvida.  O  primeiro  governo  foi  a  theo- 
eracia ;  tudo  era  ordenado  pelos  deuses  ;  foi  a  edade  dos  orá- 
culos. Em  seguida  veio  o  ^ov^rtio  heróico  ou  aristocrático.  Mais 
tardo  se  estabeleceu  o  governo  humano^  em  que  predominava 
a  eguaidade  civil  e  politica.  A  primeira  língua ^  lingua  divina 
mentalf  compunha-se  de  oeremonias  sacras,  signaes  silenciosos. 
Depois  os  homens  adoptaram  a  linguagem  das  armas,  e  afinal 
a  linguagem  articulada,  de  que  usam  hoje  todas  as  naç9es  (36). 

AS  nações  reproduzem  eternamente  eiS  três  edades.  £'  a  fa- 
mosa lei  dos  ricorsi,  em  virtude  da  qual  a  edade  media  repetiu 
a  edade  antiga.  Os  três  poriodos— (ftv^no,  heróico  e  humano^  se 


(34)  Micholut,  (Euvres  choisies  de  Vico^  lomo  2®,  pag.  Jf61. 

(35)  Obra  cilada,  paj?.  2^2 . 

(36)  Paga.  265  e  2ôy. 


A  HISTORIA  ANTES  DE  BUCKLB  207 

nos  deparam  nas  dnas  edades,  o  qae  Vioo  tenta  mostrar,  des- 
cendo a  uma  eomparagio  minnciosa  entre  os  íhctos  antigos  e  os 
medieyaes  (37).  Ha  apenas  três  exoepçQes  a  essa  lei  :  Carthago, 
Captta  e  Nomancia  não  repetiram  as  tros  edades,  —a  dMnai  a 
herêica  e  a  humana.  Os  Garthaginezes  foram  detidos  em  sen 
desenroivimento  histórico  pela  súbiilexa  peculiar  ao  espirito  afri^ 
cano^  aggravada  pelos  hábitos  do  eommercio  martltma.  Gáptta 
também  abria  uma  excepção  á  iel  dos  rieorsi,  em  consequência 
da  extraordinária  doçura  do  seu  clima.  E  Numanoia  parou  na 
edade  heróica  a  um  aceno  do  SoipiSo  (38). 

Os  ftustos  históricos,  seguado  a  Stienxa  Nuoii>a,  são  o  pro* 
dueto  de  dois  factores:  a  ao^  dos  homens  e  a  intervenção  da 
Providencia,  que  muitas  vezes  contraria  a  vontade  humana,  e 
sempre  lhe  ô  superior.  Na  theoria  de  Viço  não  ha  logar  para  o 
fatalismo^  porquanto  os  homens  são  dotados  do  Uvre  arbítrio. 
Também  não  6  admittido  o  acaso,  porquanto  os  mesmos  fiictos^ 
repetindo  se,  produzem  regularmente  os  mesmos  eífeitos  (30). 

A  idéa  fiosa  de  Vioo,  observa  com  raiãoVacherot,  é  desco- 
brir o  immutavel  no  variável,  a  unidade  na  diversidade,  em 
uma  palavra  a  lei  no  facto,  apprehender  os  mesmos  traços,  os 
mesmos  caracteres,  nessa  variedade  de  actos,  pensamentos,  in^ 
stitulções,  costumes  e  linguas,  que  nos  apresentam  es  aanaes  do 
mundo  (40). Tal  é  o  escopo  que  procurou  attíngir  <  o  génio  re- 
ligioso e  melancholico  »  do  auctor  dos  principies  de  philosophia 
da  historia.  Aleançou-0?  Responde-nos  Laurent  em  poucas  pa- 
lavras (41).  Comparemos  a  nossa  edade  com  a  edade  média,  ou 
com  a  antiga,  ou  estas  duas  entre  sí,  o  vijamos  se  os  três  pe- 
ríodos repetem  os  mesmos  factos,  e  na  mesma  ordem  de  suc- 
ces^o  das  três  épochas, — divina,  heroieae  humana.  Seria  uma 
tarefa  ingrata,  por  infantil,  demonstrar  que  o  presente  differe 


(37)  Pags.  347  e3t>3. 

(38)  Michelet,  citado,  pag.  365. 
(39;  Pag.  382. 

(40)  La  scietice  et  la  canscietice,  lí,  Les  kistorient , 

(41)  LaPhilosophie  deVHisioire,  pags.  82  a  85. 


208  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

do  passado  quanto  aos  costumes,  á  religião»  às  instituições  poli- 
ticas e  jurídicas,  ás  idéas  scientiâcas,  sio  progresso  das  artes,  à 
industria  e  á  guerra.  E  reconhecer  essa  verdade  intrangivol  6 
negar  a  lei  liistorica  dos  corsi  e  ricorsi,  isb  é,  todaa  phiiosophia 
da  historia  do  Viço. 

Em  phiiosophia  Viço  é  um  precursor  do  ilegel,  assim  como 
na  historia  é  um  precursor  do  Niebuhr.  No  conceito  do  auctor 
da  Scienza  Nuova^  o  que  precede  o  produz  tudo  o  que  ha  c  o  es- 
pirito :  o  espirito  do  homem  produz  a  idéa,  a  vontade  do  homem 
produz  o  facto.  A  idóa  o  o  facto  partem  do  mesmo  centro ; 
deve,  pois,  haver  entre  o  facto  o  a  idóa  analogia  e  harmonia 
necessárias,  ou,  segando  a  linguagem  de  Hegel,  identidade  da 
natureza  humana  e  da  historia  (42).  No  systema  de  Hegel  o  real 
e  o  ideal  são  duas  manifestavoes  de  uma  razão  absoluta^  que 
perpetuamente  sa  transforma;  o  principio  de  sua  phiiosophia  ó 
que  €ludo  o  que  é  real  é  racional ^  e  tudo  o  que  é  racional  é  real » 
(43).  A  raiOo  absoluta  começa  a  existir  como  ente  puro,  ente  em 
5i,  ou  lógica ;  manifesta-se  depois  como  natureza;  e  finalmente 
se  volta,  ou  dobra,  sobre  si  mesma,  conservando  os  elementos 
que  adquiriu  fora  de  <i,  e  transforma-se  em  espirito»  Abstrusa 
concepção,  que  levou  Scheliing  e  Hartmann  a  perguntarem : 
porque  a  razão,  u  puro  pensamento,  do  sua  natureza  essencial- 
mente contemplativo,  teria  renunciado  a  afortunada  paz  do  re- 
pjuso,  para  se  entregar  aos  tormentos  de  um  fieri  perpetuo, 
aos  trabalhos  de  um  operoso  querer,  ac^  infortúnios  da  exís* 
tenciareal  í  D'onde  procede  para  a  idéa^  para  a  razão,  aquelle 
impulso  espontâneo  que  a  deixa  escurecer  o  eterno  esplendor 
que  lho  é  apanágio,  e  precipitar-so  na  confusa  agitação  da  rea- 
lidade? (44). 

Niebuhr  approxima-so  mais  da  verdade,  e,  no  dizer  do 
Taine,  a  sua  vista  penetrante  da  natureza  humana  e  o  seu 


(48)    Lerulinier,    Introdtirtion  G^hièraie  à  VHistoire  du    Droit, 
pag.  M>. 

(•í3)  O.  Carie,  La  rita  dei  diritlo  vci  su<n  rapporti  rolla  r/íu  so- 
cta^c,  pa*r.  37ti. 

(44)  Carie,  pjijr-  ^í^^- 


A  HISTORIA  ANTES   DB  BUCKLE  209 

exiroordioario  conhecimento  dos  factos  o  coUocam  entre  os 
génios  modernos.  Para  elle  nada  é  subitaneo  nas  instituições 
humanas,  que  so  formam  e  desenvolveni  gradualmente,  não 
em  virtude  de  vontades  arbitrarias,  mas  pela  força  das  situ- 
ações;  o  homem  não  se  conserva  o  mesmo  por  um  só  instante, 
e  a  historia  é  a  narração  desses  continues  e  ininterruptos 
movimentos  (45). 

Para  alguns  Voltaire  é  o  verdadeiro  creador  da  philo- 
sophia  da  historia.  Não  que  tenha  escripto  uma  theoria  philo- 
sophica :  O  Ensaio  sobre  of  costumes  não  merece  tal  denomi- 
nação. E*  um  misto  de  considerações  philosophicas,  factos 
insignificantes  e  anecdotas  satyricas,  um  beUo  cJmos^  como 
já  disse  um  critico  reputado  (46).  Mas,  observam  os  qae  nas 
obras  de  Voltaire  descobrem  uma  concepção  scientifica  da 
historia,  em  vez  de  começar  por  uma  doutrina,  para  a  impor 
depois  aos  factos,  o  auctor  do  Seoiao  de  Luiz  XIV ^  da  Historia 
de  Carlos  XII  e  áo  Império  da  Rússia  sob  Pedro  o  Grande^ 
comprehendeu,  com  o  seu  maravilhoso  bom  senso,  que  a  dou- 
trina devia  decorrer  naturalmente  do  estudo  dos  íkctos.  Im- 
porta inquirir  os  f^tos,  como  única  base  solida  para  a  philo* . 
sophia  da  historia.  Antes  de  Voltaire  a  historia  era  incompleta, 
pois  só  abrangia  os  acontecimentos  politioos  e  religiosos.  Foi 
elle  quem  incluiu  na  historia  os  costumes,  as  lettras,  a  philo- 
sophia,  todos  os  elementos,  em  8umma«  que  reflectem  a  vida 
da  humanidade  (47). 

Mas,  qual  a  coneepçãa  scientifica  da  historia  de  quem 
cynicamente  escreveu  estas  palavras:  €  Rêduisez  Vhistoire  à  la 
vérité,  vous  la  perdes  ;  c'est  Alcine  depauillée  de  ses  presiiges  >  9 
Ora  todos  os  factos  são  dominados  pela  Providencia:  €  la  prom, 
mdence  fait  tout ;  providence,  tantôt  terrtble,  et  tantôt  favo» 
rahle^  devant  laquelle  il  faut  également  se  proslerner  dans  la 
gloire     ou     dans    Vopprobrc,     Ainsi   pensait  mon  oncle,    ainsi 


(45)  Taine,  obra  citada,  pag.  116 

(4l5)  E.  Fagiiet,  Vix-IIuitième  Siècle,  Eludes  Littéraires,  pag.  268 
(47)  Laurent,  Philosophie  de  VHistoire,  pags,  85  e  86, 
4323  ~  14  TOMG  Lxix.  p.  u. 


210  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTQRIGO 

pénsent  tou8  les  sages »  (48).  Ora  pelo  destino,  pelo  aeaso. 
pela  oéga  fatalidade:  <  N*y  a-M7  pas  vitiblemetU  une  destinée 
qfU  faU  Vaccroissemênt  et  la  ruine  des  Estais  ?  (49)  »  ;  Une  fa- 
taUté  aveugle  gouverne  les  affaires  du  monde>  (50).  00  factos 
hifltoricoB  estSo  scú^itos  ao  acaso,  doutrina  que  Frederico  11, 
o  grande  amigo  de  Voltaire,  resaniu  nesta  phrase:  «  Plus  on 
vieillit,  pPus  on  se  persuade  que  sa  sacrée  Magesté  le  Hasard  faU 
les  trois  quarta  de  la  hesogns  de  ce  nUsérable  univers  (61). 
ProYideDoia  ou  acaso,  nenhuma  das  duas  idéas  oíferece  om 
fundamento  racional  a  uma  explicação  scientífica.  À  pro« 
yidencia  exprime  ama  vontade  superior  ás  leis,  e  sem  o  co- 
nhecimento destas,  isto  é,  das  relagões  necessárias  derivadas 
da  natureza  das  cousas,  do  que  ó  commum,  constante,  per- 
manente, na  producção  dos  phenomenos,  não  temos  scienoia. 
O  acaso  é  a  antithese  directa  da  lei.  Attrihoimos  ao  aeaso 
aqnUlo  que  não  sabemos  como  subordinar  a  uma  lei  (59). 

Voltaire  foi  incapaz  de  um  sysfcema:  <  ee  grand  espril^ 
e^est  un  chãos  d*idées  claires^  (53). 

No  Espirito  das  Leis  e  nas  Qoimderações  sobre  as  eausas 
da  grandeza  dos  romasios  e  de  sua  decadência,  Montesquieo 
fee  admiráveis  observações  sobre  a  historia  politica.  Não 
tentou  escrever  sobre  a  philosophia  da  histiNria  propriamente 
dita,  não  estadou  as  leis  a  que  estão  sojeitos  os  &ctos  históricos 
em  geral,  redusindo  as  leis  obtidas  a  um  principio  superior, 
fundamental.  O  famoso  livro  decimo  quarto  do  Sspiwiio  das  Leis 
nos  mosira  apenas  a  influencia  do  caracter  e  das  paixões  sobre 
as  leis,  e  a  do  clima  sobre  as  paixões  e  o  caracter  do  espirito. 
Mas,  Montesquieu  não  íkz  depender  a  vida  social  unicamente  de 
clima:  diversas  cousas  governam  os  homens,-*o  clima,  a  reli- 
gião, as  leis,  as  máximas  de  governo,  os  exemplos  do  passado,  os 


{48)  La  Defense  de  mon  onde,  cap.  i.« 
(49)  Introd,  a  VEssai  sur  les  mo^utê,  L  I, 
{50)  Siècle  de  Louis  XV,  cap^  i.® 

(51)  Laurent;  obra  citada,  pap:.  91. 

(52)  Stuart  Mill,  Système  de  Logique,  vol.  29,  pag,  48. 


A   HISTORIA   ANTES    DE  BUCKLB      '  211 

oo8tam68(S4).  Montesquieu  ô  aoima  de  tudo  legislador,  e  para 
elle  06  bons  legisladores  sEo  os  que  se  oppõem  aos  vioios  do 
clima,  e  os  maus  os  que  favorecem  as  tendências  naturaes  deri- 
vadas das  causas  physioas  (55).  Se  algumas  vezes  exaggera  a  in- 
fluencia do  clima,  ao  ponto  de  se  não  poder  explicar  dentro  de 
sua  theoria  a  diversidade  de  espirito,  de  caracter,  costumes  e 
instituições,  entre  povos  visinhos,  como  os  athenienses  e  os  the- 
banos  na  antiguidade,  os  gregos  e  turcos  na  épocha  actaal  (56), 
logo  se  nos  revela  o  legislador,  com  a  sua  confiança  nas  iDsti- 
tuiçoes,  acreditando  poder  melhorar  os  homens  e  as  sociedades 
pela  força  das  idóas. 

Nem  no  Espirito  das  Leis,  nem  no  estudo  sobre  a  grandeza  e 
a  decadência  dos  romanos^  se  nos  depara  uma  theoria,  uma  phi- 
losophia  da  historia.  São  considerações y  como  bem  diz  Taine,  um 
eonjuneto  de  notas,  e  não  um  systema.  E  uma  sequencia  de  ob- 
servações, ou  ponderações,  por  mais  interessantes  que  sejam, 
não  é  uma  philosophia  da  historia  (57) .  Montesquieu  não  des- 
cobriu leis  geraes  da  historia,  não  deu  á  sua  theoria  um  prin- 
cipio fundamental,  superior  ;  apenas  explicou  as  razões  parti- 
culares de  certos  factos,  formulou  algumas  leis  especiaes.  Para 
elle  o  espirito  de  uma  lei  é  o  eonjuneto  das  relações  que 
prendem  essa  lei  a  diversos  phenomenos,  e  ezplioam-lhe  o  appa- 
recimento  e  a  existência.  E,  porque  as  formas  de  governo  incon- 
testavelmente influem  no  caracter  das  leis,  elle  se  occupa  lar- 
gamente com  os  governos,  dividindo-os  em  monarchla,  despo- 
tismo e  republica,  e  subdividindo  esta  em  democracia  e  aristo- 
cracia. Não  que  as  formas  de  governo  tenham  a  influencia 
prejponderante  que  o  empirismo  politico  lhes  attribue.  As 
formas  de  governo  são  effeito,  e  não  causa,  do  caracter  de  um 
povo;  8,  pois,  fora  inútil  transplantar  leis  e  instituições  poli- 
ticas de  uma  nação  para  o  seio  de  outra,  differente  no  que  toca 


(53)  Paguei,  Diat-ffuitième  Siècle,  pag.  219 

(54)  De  VEsprit  de»  Lois,liv,  XÍX  cap.  IV. 
(5õ)  Obra  citada,  liv.  XIV,  cap  V. 

(56)  Laurenty  obra  citada,  pag.  ili. 

(57)  Taine,  obra  citada,  pag,  179,  5»  «dição. 


212  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

á  raça,  ás  qaalidades  iatellectuaes  e  moraes,  aos  antecedentes 
históricos  e  ás  condições  physicas  (58).  A  proclamação  desta  ver- 
dade já  era  bastante  para  fandar  a  gloria  immarcessíTel  de  um 
escriptor. 

Peio  seu  liyro  —  Esquisse  d'un  tableau  kistorique  des  progrés 
de  VetprU  humain^  Condorcet  merece  um  logar  saliente  entre 
08   que  pretenderam  crear  a  philosophia  da  historia.  A  sua 
idéa  fundamental  está  exposta  logo  na  introdução  da   obra. 
E*  sua  inten^  traçar  um  quadro  em  que  succintamente  nos 
apresenta  as  sociedades  humanas  em  todos  os  estados  por  que 
tém  passado,  com  todos  os  progressos  que  tôm  feito  para  a  ver- 
dade ou  para  a  felicidade,  para  chegar  &  conclusão  de  que  não 
ha  limite  ao  aperfeiçoamento  das    faculdades   humanas.   A 
perfectibilidade   do   homem   é   infinita;   os   progressos   dessa 
perfectibilidade,  de  hoje  em  deante  independentes  da  com- 
pressão de  qualquer  poder,  tem  como  termo  único  a  duração  do 
globo  em  que  nos  coUocou  a  natureza.  Condorcet  divide  as 
phases  por  que  tem  passado  a  humanidade  om  nove  épocas.  Na 
primeira,  os  homens  viveram  em  hordas,  ou  ajçgremiações  sel- 
vagens e  errantes  de   caçadores  e  pescadores.  Nesse  periodo 
rudimentar  Já  havia  uma  auctoridade  publica,  uma  certa  orga- 
nisação  da  familia  e  uma  linguagem  articulada.   Caracteriza-se 
a  segunda  época  pela  passagem  do  primitivo  éístado  ao   dos 
povos  agricultores  :  estabeleceu-se  a  propriedade,  introduziu-se 
a   desegualdade  das  condições,  inventaram-se  as  artes  mais 
simples,  adquiriram-se  as  mais  rudimentares  noções  da  sciencia. 
Na  terceira  época  inventou-ae  a  escripta  alphabetica.  A  quarta 
comprehende  os  progressos  realizados  pela  Grécia  até  a  divisão 
das.  sciencias  no  século  de  Alexandre.   A  quinta  abrange  os 
progressos  das  sciencias  na  Qrecia  e  em  Roma,  desde  sua  divisão 
até  sua  decadência.  A  sexta  e  a  sétima  são  duas  phases  da 
edade  média  :  a  primeira  termina  com  as  cruzadas,  a  segunda 
coma  inven^^  da  imprensa.  A  oitava  época  vai  da  invenção 
da  imprensa  ao  periodo  em  que  as  sciencias  e  a  philosophia  sa- 


(58)  Flint,  La  Philosophie  de  VHistoire  de  Fra/nce,  pag.  52. 


A  HISTORIA  ANTES    DE   BUCKLE  213 

cadiram  o  Jogo  da  auctoridadOt  moTímento  que  Descartes  tere 
a  honra  de  iniciar,  segando  nos  diz  Condoroet.  Começa,  flnal- 
mente,  a  nona  época  com  essa  revolução  intellectual,  para  aca- 
bar com  a  revolução  politica  de  1789. 

Como  se  vê,  nem  os  acontecimentos  escolhidos  para  assi- 
goalar  o  começo  de  cada  periodo*  ou  para  dividir  as  épocas 
da  historia  da  humanidade,  são  todos  do  mesmo  valor,  têm 
exercido  a  mesma  influencia,  nem  sequer  pertencem  á  mesma 
ordem  :  ora  o  que  distingue  uma  época  ó  um  íà<^to  industrial, 
ora  um  facto  politico,  ora  um  acontecimento  religioso  (59). 
Imbuido  das  prevenções  do  sectarismo  íknatico  do  seu  tempo, 
Condoroet  reputa  o  christianismo  uma  impostura,  a  monarchla 
e  a  egreja  duas  instituições  essencialmente  perniciosas.  Dahi 
uma  palpável  contradicção  na  sua  doutrina  :  a  que  fica  redu- 
zido o  continuo  aperfeiçoamento  do  homem,  o  progresso  inces- 
sante e  illimitado,  a  infinita  perfectibilidade,  que  tão  enthusi- 
asticamente  preconiza  Condoroet,  si  as  mais  importantes  e  dura- 
douras instituições  são  obstáculos  a  esse  progresso  ineessanU  e 
illimitado^  &zem  recuar  a  humanidade,  ou  pelo  menos  lhe  pa- 
ralyzam  o  movimento  ascendente  para  a  verdade  ou  para  a  feli- 
cidade % 

Por  xun  bem  entendido  determinismo,  Condoroet  basôa  o  pro- 
gresso moral  sobre  o  desenvolvimento  intellectual :  o  interesse 
mal  comprehendido  6  a  causa  mais  frequente  das  acções  con- 
trarias ao  bem  geral ;  a  violência  das  paixões  é  na  maior  parte 
dos  casos  o  effeito  de  hábitos  a  que  nos  entregamos  por  um 
erro  de  calculo,  ou  por  ignorância  e  falta  de  reflexão  (60).  Na 
decima  época,  a  em  que  estamos,  o  progresso  intellectual  ha  de 
produzir  como  resultados  —  a  extineção  da  desegualdade  entre 
as  nações,  a  egualdade  entre  as  classes  da  um  mesmo  Estado  e 
o  aperfeiçoamento  real  do  homem  sob  o  aspecto  intellectual, 
moral  e  physioo.  Neste  ponto  de  sua  theoria,  as  extravagâncias 
de  Condoroet  attingem  os  limites  do  ridículo  :  a  medicina,  a 


(59)  Flint,  obra  citada,  pag.  102. 

(60)  Progrès  de  Vesprit  huniain^  dixième  époque. 


2l4  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

bygiene,  a  economia  politica  e  a  arte  do  goyerno  não  tâm  a 
efflcacia  de  prolongar  oonsideravelmeate  a  vida  humana,  ou  de 
llie  assegurar  uma  duraç&o  cujo  termo  se  não  pôde  caleolar* 
como  pensavaaqoella  nobre  victima  dasselvageriaede  1789  (61). 

A  theoria  do  progresso  eontinao  e  illimitado  é  cabalmente 
refatada  pelo  próprio  Condorcet,  qne  não  raro  dos  deaoroFe 
factos  históricos  que  são  obstáculos  ao  progresso,  ou  recuos 
para  as  trevas  do  passado.  Nota-se  na  Rsquisse  d'un  tabhau  hiê^ 
íorique  des  pregtés  dê  Petprit  hummin^  o  mesmo  defeito  das  obras 
de  Voltaire,  de  Rousseau,  de  Diderot,  de  todos  os  escriptoresdo 
século  XVIII  em  França  :  ezoellentas  na  arte  de  de^trnir,  eram 
incapazes  de  uma  constraoção  systematica  em  qualquer  pro- 
Tincia  do  saber.  Foram  todos  um  pouco  desequilibrados  (62). 

Herder,  o  aator  das  Idéas  sobre  a  philosophia  da  historia  da 
humanidade^  no  sentir  de  Lanrent  ó  um  poeta,  e  não  um 
historiador,  ou  um  philo&opho.  Mas,  o  qne  ô  certo  é  que  as  suas 
Idéas  constituem  um  dos  mais  famosos  subsidies  prestados  ao 
tontamen  de  formar  a  philosophia  da  historia*  Herder  a  prin- 
cipio se  diz  deista,  e  manifesta-se  um  espirito  profiindamente 
religioso,  dominado  por  uma  conflança  illlmitada  na  sabedoria 
eterna  e  na  bondade  infinita  do  Creador.  Entretanto,  não  ad- 
mitte  o  proTidencialismo  na  historia,  contradicção  que  tanto 
irrita  a  vaniloquente  philosophia  de  Laareut,  para  quem  a  phi- 
losophia da  historia  tem  por  base  estas  duas  idéas :  o  pro- 
gresso e  ô  governo  providencial,  A  idéa  de  progresso  envolve  o 
conceito  de  que  os  homens  e  os  povos  preparam  por  si  mesmos  o 
seu  destino  ;  a  idéa  de  governo  providencial  quer  dicer  que  a 
humanidade  tem  no  sen  creador  um  guia,  que  a  dinga  e  educa, 
sem  lhe  supprimir  o  livre  arbítrio,  doutrina  que  só  podem  ac- 
oeitar  os  espíritos  aflbitos  A  vacuidade  e  ás  incongruências  da 
fòtdk  pseudo  -  philosophia  do  auetor  dos  Estudos  sobre  a  Hts* 
toria  da  Humanidade.  Com  esta  observação  não  pretendemos 
significar  que  não  exista  na  theoria  de  Herder  a  oontradicgão 
apontada  por  Laupent. 


(61)  Flint,  obra  citada,  paga.  116  o  il7. 
(GS)  Faguet,  Dix-Euitame  8iMe,^g.  868. 


A   HISTORIA  ANTES    DE  BUCKLB  215 

E'  absurdo,  no  conceito  do  historiador  e  philosopho  aliemão, 
suppôr  que  Deus  dirige  os  actos  dos  homens  e  dos  poTos,  e  íd- 
terrem  incessantemente  no  drama  interminavQl  da  historia, 
permittindo  a  pratica  de  aocSes  boas  e  más,  o  appareoimento 
da  homens  santos  e  perrersos,  tudo  predispondo  para  um  des- 
fecho determinado.  Para  os  sectários  do  proyidencialismo  na 
historia  as  mais  hediondas  atrocidades,  os  crimes  mais  abjectos, 
commettidos  pelas  nações  sob  um  i^retezto  qualquer,  inyentado 
porseas  Toluatariosos  conductores,  todas  as  carniflcinas  da  his- 
toria, nada  mais  são,  e  como  taes  se  justificam  perílsitamente, 
de  que  meios  de  que  se  utilisa  a  Provideneiupara  realisar  seus 
altos  desígnios.  O  bom  seuso  de  Herder  se  revolta  contra  essa 
ooncepgSo  abstruaa  :  c  é  ultrajar  a  magestade  divina,  suppôr 
que,  para  estender  o  reinado  da  verdade  e  da  justiça,  ella  só 
disponha  deste  meio  :  o  jogo  oppressor  e  as  mãos  ensanguen- 
tadas dos  romanos  ».  Para  os  sectários  do  providencialismo,  os 
conquistadores  são  os  instrumentos  de  que  se  servem  a  bondade 
infinita  de  Deus  e  a  sua  eterna  sabedoria,  para  a  realização  do  bem . 
Para  Herder  apparecem  entre  as  nações  os  Alexandres,  os  Césa- 
res, os  Attilas,  do  mesmo  modo  oomo  existem  os  lobos  e  os  tigres 
ao  lado  dos  bois  e  dos  carneiros:  são  produotos  da  natureza» 

€  Toda  a  historia  da  humanidade,  diz  Herder,  é  uma 
pura  histma  natural  das  forças  humanas,  de  acçOes  e 
inclinações,  que  dependem  dos  tempos  e  dos  lugares.  >  O 
homem  ó  um  ser  subordinado  á  natureza,  e  delia  dependente. 
Herder  attribúe  ao  meio  cósmico  e  ã  organização  physiolo- 
gica  uma  influencia  decisiva  sobre  a  psyohioa  humana.  De- 
mais, o  homem  não  ó  um  ser  isolado  ;  está  sujeito  ã  lei 
da  solidariedade ;  para  a  formação  de  cada  um  de  nós 
contribuem  os  antepassados,  os  mestres,  os  amigos,  os  compa- 
triotas, a  raça  com  todas  as  suas  qualidades  (63).  O  fiictor  pre- 
ponderante 6  a  naturezgí :  mil  annos  de  disciplina  não  modifi- 
cariam o  caracter  do  negro,  ou  do  chim ;  não  toiam  o  primeiro 


(63)  Flint,    Philosophie   de  Vfíistoire  en  Allemagne,  cap.  IV. 

(64)  Stnart  Mil],  Augusto  Comie  e  o  Poritivismo,  trad.   de  GIó- 
msac^au,  pag.  O* 


216  REVISTA   DO  INSTITUTO   HISTÓRICO 

attenuar  suas  paixões  grosseiras  e  ríoleatas,  nem  o  segando  11- 
bertar^se  da  tradição  e  do  habito.  Foi  o  solo  da  Europa,  acciden- 
tado,  coberto  de  bosques,  cortado  por  numerosos  rios,  golphos, 
montanhas  e  valles,  que  formou  o  espirito  activo  e  emprehen- 
dedor  do  europeu.  E*  por  isso  que  Laurent  denomina  a  doutrina 
de  Herder  —  a  do  fatalismo  da  natureza.  Mas,  Herder  n&o  su- 
bordina a  sua  theoria  a  um  principio  fundamental.  Ha  nas  Idéas 
sobre  a  philosophia  da  hisUn^  da  humanidade ,  como  reconhecem 
geralmente  os  críticos  de  Herder,  falta  de  precisSo  nos  conceitos, 
de  vinculo  que  ligue  as  partes  do  todo,  harmonizando  as,  de 
principies  que  dominem  as  magniâcas  exposições  dos  aspectos 
parciaes  da  historia.  Qual  a  lei  fundamental  da  historia?  A  su- 
jeição do  espirito  humado  ao  fatalismo  da  natureza?  Nâo  :  Deus 
oreon  o  homem  para  o  progresso.  O  progresso  ?  Nfio  :  o  homem 
está  adstricto  ás  fatalidades  do  meio  cósmico.  A  doutrina 
de  Herder  quasi  nos  leva  á  conclusão  do  Machiavel :  a  metade 
das  nossas  acções  pertence  ao  livre  arbítrio,  a  outra  metade  ás 
imposições  da  natureza. 

Um  pouco  antes  de  Buokle  na  Inglaterra,  já  em  França  o 
philosopho  extraordinário  com  o  qual  mantém  uma  certa  affl- 
nidade  o  historiador  ioglez,  tentara  determinar  a  lei  funda- 
mental da  historia,  e  erigida  â  categoria  de  sciencia;  mas,  o 
génio  assombroso  do  Augusto  Gomte  e  a  admirável  solidez  de 
seas  conhecimentos  scientifleos  não  lograram  evitar  á  philosophia 
positiva  a  sorte  dos  ensaios  anteriores  do  mesmo  género.  Au< 
gusto  Comte  naufragou  como  os  seus  antecessores,  c  de  toda  a 
sua  vasta  obra  colossal  nos  resta  unicamente  (oo  que  toca  á  phi- 
losophia da  historia)  a  indicação  do  methodo. 

O  ponto  de  partida  do  systema  de  Comte  ô  que  o  homem 
só  conhece,  e  só  pode  conhecer,  phenomenos,  e  que  esse  mesmo 
conhecimento  é  relativo,  e  não  absoluto.  Não  conhecemos  a  essên- 
cia, nem  o  modo  real  de  producção,  de.nenhum  facto,  mas,  uni- 
camente, as  relações  de  successão  ou  de  semelhança  dos  factos 
entre  si,  relações  que  são  constante.^,  ou  sempre  as  mesmas  em 
condições  idênticas.  As  semelhanças  constantes  que  ligam  os 
phenomenos  entre  si»  e  as  succeasões  constantes  que  os  unem 
como  consequentes  a  antecedentes,  se  denominam  leie.  As  leis 


A  HISTORIA  ANTES  DE   BUCKLE  217 

dos  phcnomenos  —  eis  tado  o  qoo  delles  sabemos.  Saa  essõocía  e 
suas  causas  ultimas,  quer  effleieotes,  quer  ânacs,  são  para  nós 
impeaetraveis  (64).  Só  podemos,  pois,  averiguar  quaes  são  as  leis 
a  que  estfk)  subordinados  os  factos  históricos,  e,  si  a  liistoria  é 
uma  scioDcia,  qual  é  a  lei  fundamental,  a  que  as  suas  leis  espe- 
ciaes,  ou  derivadas,  podem  reduzir-se. 

No  systema  de  Comte,  a  phiiosopliia  da  historia  ó  uma  parte 
da  sociologia.  l<:sta  scienciaé  dividida  em  duas  partes  :  a  está- 
tica e  a  dynamica.  A  primeira  limita  o  seu  estudo  ás  condições 
de  existência  o  de  permanôncia  do  estado  social ;  abstrahe  do  pro- 
gresso, da  evoluçio,  das  modificações  por  que  passam  as  socie- 
dades. B*  a  theoria  do  consensus  ou  dependência  mutua  dos  phe- 
nomenos  sociaes  (65).  Ensina-nos  que  certos  attributos  geraes  da 
natureza  humana  tornam  possível  a  existência  social,  e  que  o 
homem  tem  uma  inclinação  espontânea  para  a  sociedade  de  seus 
semelhantes,  que  procura  instinctivamente,e  sem  se  preoccupar, 
o  que  se  dã  depois  de  um  certo  gráo  de  adiantamento,  com  as 
vantagens  ou  interesses  que  se  lho  doparam  na  vida  collectiva. 
Ao  lado  dos  sentimentos  egoístico.^  tem  o  espirito  humano  uma 
certa  benevolência  natural,  o  altruísmo,  sentin  ento  m  .is  fraco 
do  que  as  inclinações  pessoae^,  mas  sufficiente  para  manter  a  so- 
ciedade. O  trabalho,  que  é  umainjuncção  da  natureza  humana, 
sob  o  estimulo  d  is  duas  correntes  de  sentimentos,  modifica  e  me- 
lhora as  condições  do  individuo  e  da  aggramiação.  Pouco  a  pouco 
se  vai  formanlo  o  espirito  de  progresso,  om  antagonismo  com  o 
espirito  conservado/,  que  alimentam  os  instinctos  pessoaes,  e 
dahi  a  lacta  universal  entre  as  duas  ordens  de  tendências.  Con- 
stitue-se  a  família,  que  é  a  escola  ondo  os  homens  aprendem  o 
desinteresse,  e  contrahem  os  hábitos  da  conducta  que  exigem  as 
relações  sociaes.  Finalmente,  um  outro  phenomeno  verificado 
em  todas  as  sociedades  é  a  especialisação  das  ftmcções,  que  cada 
vez  mais  estreita  entre  os  homens  os  vincules  do  interesse  e  da 
sympathia  (60).  Tal  é  o  campo  da  estática. 


(64)  Staart  Mill—  Augtistc  Comte  e  o  Positirismo,  trad.  de  Clô- 
mcnccau,  pap:.  6. 

(65)  Obra  citaila,  pag.  89. 

(66)  Stuart  Mill,  obra  citada,  pags.  9,0  e  94. 


â 


220  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

exemplo,  notoa  com  muita  felicidade  que  em  nenhum  tempo , 
nem  em  paiz  algum,  se  descobriu  um  deus  do  peso.  Verifloa-se 
a  mesma  cousa,  em  geral,  ató  do  domínio  dos  assumptos  mais 
complicados,  quanto  aos  phenomenos  bastante  elementares  e 
basta)ite  familiares  para  impressionarem  expontaneamente  o 
menos  preparado  observador  pela  perfeita  invariabilidade  de  suas 
relações  effeotiyas.  Na  ordem  moral  e  social,  que  uma  vâ  oppo- 
síq&o  pretende  hoje  yedar  systematicamente  &  philodophia  po- 
sitiva, tem^se  tido  necessariamente  a  noção  das  leis  naturaes 
no  que  concerne  aos  phenomenos  mais  simples  da  vida  quoti- 
diana, como  evidentemente  exige  a  oonducta  geral  de  nossa 
existência  real,  individual  ou  social,  que  nunca  teria  podido  com- 
portar qualquer  previdência,  si  todos  os  phenomenos  humanos 
tivessem  sido  rigorosamente  attribuidos  a  agentes  sobrenaturaes, 
porquanto  desde  então  a  oração  teria  logicamente  constituído 
o  único  recurso  imaginável,  para  influir  sobre  o  curso  habitual 
das  acções  liumanas. 

Pelo  contrario,  importa  notar,  a  esito  respeito,  que  foi  o  es- 
boço espontâneo  das  primeiras  leis  naturaes  peculiares  aos 
actos  individuaes  ou  sociaes  que,  ficticiamente  applicado  a  todos 
os  phenomenos  do  mundo  externo,  forneceu  no  começo,  de 
accôrdo  com  as  nossas  precedentes  explicações,  o  verdadeiro 
principio  fundamental  da  philosophia  theologica.  Assim,  o 
germon  da  philosophia  positiva  é  tao  antigo,  no  Aindo,  quanto 
o  da  philosophia  theologica,  sem  embargo  de  se  ter  desenvol- 
vido muito  mais  tarde.  Tal  noção  importa  em  muito  &  perfeita 
racionalidade  de  nossa  theoria  sociológica,  porquanto,  não  po- 
dendo a  vida  humana  offerecer  nenhuma  verdadeira  creação, 
mas  uma  simples  evolução  gradual,  não  se  comprehenderia  o 
surto  ílnal  do  espirito  positivo,  si  desde  os  tempos  primitivos  se 
não  tivessem  verificado  os  seus  primeiros  rudimentos  neces- 
sários (68)  .» 

Stuart  Mill,  que  adoptou  muitas  verdades  ensinadas  por  Au- 
gusto Comte,  por  quem  professava  a  mais  profunda  admirado 
fBLZ  restricções  á  J0»  fundamental  da  historiai  €  Não  se  deve  crer 
que  a  mathematica,  desde  que  começou  a  ser  cultivada,  tenha 

(68)  Cours  de  philosophia  positive,  tomo  4^,  paga.  694  e  695,  t*  e4i 


A  HISTORIA  ANTES  DE  BUCKLE  221 

jamais  passado  pela  phase  theologica.  ProvaTelmente  nunca 
houve  homem  convencido  de  que  era  a  vontade  de  um  deus  que 
impedia  as  linhas  parallelas  de  se  encontrarem,  ou  que  fazia  da 
somma  de  dois  e  dois  quatro,  assim  como  nunca  houve  quem 
supplioasse  aos  deuses  a  graça  de  tomarem  o  quadrado  da  hy- 
pothenusa  igual  a  uma  quantidade  maior  ou  menor  que  a  somma 
dos  quadrados  dos  cathetos.  Os  crentes  mais  devotos  tôm  reco^ 
nhecido  nas  proposições  da  natureza  dessas— uma  classe  de  ver- 
dadesi  independente  da  omnipotência  divina».  (69) 

Littré,  o  mais  illustre  dos  disdpulos  de  Gomte,  reputando 
empirica  a  lei  dos  três  estados,  propunha  a  substítuição  da  desco- 
berta do  mestre  por  uma  outra  do  diwipulo  (70).  A  historia  da 
numanidade,  no  entender  de  Littré,  se  divide  em  quatro  épocas, 
a  mais  antiga  ô  a  em  que  os  homens  soffrem  o  império  prepon- 
derante das  necessidades;  em  seguida  vem  a  edade  das  religiões, 
do  desenvolvimento  da  moral  e  das  primeiras  creações  civis  e 
religiosas;  a  terceira  ó  a  idade  das  artes,  na  qual  o  sentimento 
do  bello  engendra  as  construoçoes  e  os  poemas;  finalmente  se 
abre  a  edade  da  sciencia,  em  que  a  razão  se  consagra  ás  investi- 
gações da  verdades  abstracta.  E'  mais  uma  divisão  da  historia, 
que,  como  tantas  out.as,  tem  o  grave  defeito,  assignalado  por 
Flint,  de  partir  do  presupposto  de  que  os  desenvolvimentos 
especiaes  da  actividade  hnmana  formam  períodos  succes* 
sivos  ia  historia,  quando  a  verdade  á  que  esses  desenvolvi- 
mentos se  realisam  simultaneamente  (71).  Entretanto,  o  facto 
de  um  discípulo  como  Littré  propor,  á  guiza  de  correcção,  uma 
lei  fundamental  da  phiLosophia  da  historia,  tão  dissonante  da  do 
mestre,  j&  bastava  para  nos  prevenir  o  espirito  contra  a  theoria 
do  philosopho  franoez. 

Em  verdade,  a  reflexão  sobre  os  factos  liistoricos,  desde  a 
mais  alta  antiguidade,  nos  convence  de  que  as  idéas  theologicas, 
metaphysicas  e  positivas  têm  sempre  coexistido.  As  três  ordens 
de  concepções  não  assignalam  períodos  suocessivos  do  pensa- 


(69)  Obra  citada,  pag.  48,  2»  edição. 

(70)  Paroles  de  Philosophie  Positive,  e  Auguste  Comte,  pag8,49  e  50. 

(71)  La  fhUosophie  de  Vhistoire  en  Francc,  pags.  339  e  340,  trad . 


de  Carrau 


222  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

mento  humano,  porém  modalidades  synchronioaSt  foeto  que 
díTersas,  direcções  yarias,  posto  que  coevas,  das  idéas  que  for- 
mamos sobre  os  foctos.  Si  desde  os  tempos  primitivos  o  homem 
formou  idéas  positivas  sobre  os  phenomenos,  apprehendeu-lhes 
numerosas  leis,  de  ordens  differentes  de  conhecimentos,  como 
reconhecem  Comte  e  Stuart  Miil,  no  período  actual,  denominado 
positivo,  as  concepções  theologicas  e  metaphysicas  subsistem  per- 
feitamente ao  lado  das  verdades  scientificas.  Dahi  a  doutrina  de 
Spencer,  para  quem  ca  religião  e  a  soiencia  são  necessariamente 
correlativas»,  representam  dois  modos  antitheticos  da  con- 
sciência, que  não  podem  existir  separados:  i^o  os  poios,  negativo 
e  positivo,  do  pensamento,  um  dos  qnaes  não  pôde  crescer  era 
intensidade  sem  augmentar  a  do  outro»  A  certeza  da  existenda 
do  poder  insondável  tem  sido  sempre  o  flm  que  a  intelUgencia  ha 
procurado  attingir.  (72) 

O  próprio  Comte  reconheceu  essa  verdade,  quanto  tentou 
constituir  a  sua  religião  positiva^  que  Plint  qualifica— eitrava- 
gante  contubernio  do  fetichismo,  do  scepticismo,  do  cathoiicismo 
e  da  sciencia.  Que  melhor  argumento  poderia  ministrar  o  Ain« 
dador  daphilosophia  positiva  contra  a  lei  dos  ires  estados  do  que 
a  oonflssâo  de  que  a  humanidade  ia  entrar  em  um  quarto  estado^ 
no  qual  a  sciencia  e  a  religião  deviam  coexistir  por  toda  a  oon- 
tinuação  da  historia  ? 

Si  tal  é  a  verdade  em  relação  ao  theologismo,  isto  é,  ao  ele- 
mento religioso,  mais  ainda  nos  convence  o  estudo  da  natureza 
do  espirito  humano  de  que  a  nossa  intelUgencia  nunca  poderá 
resigaarse  á  abstenção  de  qaaesquer  cogitações  sobre  as  causas 
primarias  e  as  causas  finaes. 

Tudo  nos  leva  a  crer  que  esse  conjuncto  de  especulações 
sobre  os  seres  que  não  podemos  conhecer  pelos  processos  scienti- 
flcos,  e  especialmente  sobre  a  Causa  Ultima,  que  Augusto 
Comte  reunio  sob  a  denominação  de  metaphysioa,  ha  de  ser 
perpetuamente  uma  fonte  ínezhaurivel  de  consolações  ou  de  es- 
peranças, de  incertezas  ou  de  angustias,  para  esta  miserável  e 
torturada  impotência  do  espirito  humano. 

{72)Lêt  Premiert  Prineipes,  pags.  04  •  9b,irad.  d6CaceIlM,8» 
edição. 


  HISTORIA  m  corno  DE  BOCELE 


O  rápido  esboço  do  capitulo  anterior  eomprova  a  affir- 
mação  com  que  Backle  inicia  a  Historia  da  CiviH$açao  na 
Inglaterra^  que  ó  um  dos  ensaios  mais  admiráveis  no  sen- 
tido de  determinar  as  leis  da  liistoria,  de  alçar  a  historia 
á  dignidade  de  soiencia,  oa  de  constituir  a  soienoía  da 
historia. 

Desde  o  periodo  greoo-romano  se  tem  oolligido  os  uinaes 
politieos  e  militai-es  de  todas  as  grandes  nações  da  Eurofa  ; 
começaram  depois  a  se  aocamular  eopiosos  dados  históricos 
sobre  a  legislação,  a  religião,  a  scieoeia,  as  lettras,  as 
bellas-artes,  os  inventos  úteis  e  os  costumes;  foram  exa- 
minadas antiguidades  de  toda  espeeie ;  elevou-se  a  economia 
politica  á  categoria  de  sciencia ;  a  estatística  e  a  geogra- 
phia  physica  têm  feito  progressos  maravilhosos;  estuda- 
ram-se  as  acções  e  os  traços  caracteristieos  dos  povos  ci- 
vilisados  e  a  vida  de  numerosas  aggremiações  selvagens  em 
todos  os  pontos  do  globo;  tornou-se  possível  comparar  as 
condições  da  humanidade  eia  todas  as  phases  da  civUisação, 
e  nas  mais  variadas  ctrcomstancias.  Mas,  se  exceptuarmos 
algumas  observações  empiricas,  algumas  reflexões  moraes  e 
politieafl  de  utilidade  pratica,  qual  o  sueco  idóal  extrahido 
de  tão  abundantes  materiaet,  no  que  o^oerne  ao  domínio 
da  historia?  Que  induoções,  que  genaralisações,  que  leis« 
que  principies,  se  formularam,  que  mereçam  a  denomi- 
nação de  soiencia  da  historia?  Os  próprios  historiadores, 
com  poucas  excepções,  têm  limitado  a  sua  tarefa  &  narração 
dos  acontecimentos.  Raros  os  que  tentaram  subir  até  as 
leis  geraes,  e  entre  estes  quasi  todos  guiados  por  processos 


224  REVISTA   DO  INSTITUTO  HISTORIC» 

lógicos  sabjectivosi   dominados   por  preoonceitog,  e  sem  uma 
oxacta  comprehensão  d^  natureza,  da  sciencia. 

Foi  deanbe  dessa  riquoza  de  materiaes  o  dessa  escassez 
de  Yordades  scieniiftcas,  que  o  historiador  britannico  se  ar- 
rojou  ao  tentamen,  como  elle  próprio  qualifica  a  sua  arris- 
cada e  traballiosa  empreza,  de  elevar  o  importante  ramo 
das  investigações  históricas  ao  niyel  das  soiencias  que  se  oc- 
cupam  com  a  natureza. 

Com  uma  nitida  visão  do  seu  assumpto,  começa  Buckle 
por  uma  indagagSo  primordial,  que  nesta  ordem  de  idôas 
necessariamente  nos  deve  ministrar  o  fundamento  de  qualquer 
theoria  que  aspire  aos  foros  de  soientifica:  os  nossos  aotos, 
individuaee  e  sociaes,  e  consequentemente  os  factos  histó- 
ricos, são  governados  por  leis  âxas,  ou  o  producto  do  livre 
arbítrio?  A  nossa  vontade  ó  livre,  independente  da  acção 
de  qnaesquer  outros  factores,  ou  obedece  aos  moveis  e  mo- 
tivos? Eis  o  problema,  cuja  solução  nos  levará  a  admittir 
e  estudar  as  sciencias  que  têm  por  objecto  os  phenomenos 
sociaes,  ou  a  repellir  in  limine  quaesquer  investigações  nesse 
sentido. 

Não  ha  muito  que  a  philosophia  contemporânea  pela  booca 
de  Fouillée  proclamava  ser  a  questão  do  livre  arbítrio  e  do 
determinismo  o  problema  philosophico  por  eafcellenda.  A  ado- 
pção de  qualquer  das  duaa  theorias  repercute  em  todas  as 
sciencias  que  estudam  o  homem,  individualmente  considerado 
ou  em  conectividade  (73).  Se  professarmos  o  livre  arbítrio, 
será  a  mais  rematada  incongruência  qualquer  pretensão  de 
estudar  soientificamente  os  factos  dependentes  da  vontade  hu- 
mana; e  consequentemente  deveremos  repellir,  por  impos- 
síveis, todas  as  sciencias  sociaes,  como  o  direito,  a  economia 
politica,  a  politica  e  a  moral  social,  ou  iremoi  até  ao  im- 
comparavel  dispauterio  de  conceber  um  conjunoto  de  sciencias 
constituídas  sobre  factos  caprichosos,  leis  que  governam 
phenomenos   arbitrários,    regularidade   e  previsão    naquiUo 


(73)  Hamon^-D^tcrmíniímc  et   respotisabiliiê;  pag.  i». 


A  HISTORIA  NO  CONCEITO  DK   BUCKLB  225 

que  aó  dej^ale  da  vontade^  superior  a  todas  as  circamstaa- 
cias  internas  e  externas,  que  podiam  gerar  a  ordem  e  per- 
mittir  a  previsão. 

Mais  historiador  do  que  psychologo,  maia  preoccupado 
com  a  ostatistica  do  que  com  a  observação  do  que  se 
passa  no  èspiínto  liumano,  Bucklo  liaure  o  seu  principal  ar- 
gumento em  í^LVor  da  thoso  scientiQca  do  dotermisismo  na 
regolaridado  de  certos  factos,  que,  se  fosse  uma  verdade  o 
livre  arbítrio,  seriam  absolutamente  inexplicáveis.  A  unifor- 
midade, ou,  em  dadas  condições,  o  augmento,  ou  a  dimi- 
nuição lenta  e  gradual,  com  que  se  verificam  os  crimes  e 
os  suicídios,  o  até  factos  insigaificantes,  que  parecem  es- 
capar a  qualquer  lei,  como  a  omissão  do  endereço  nas 
cartas  postas  no  correio,  não  têm  explicação  plausível  dentro 
da  theoria  do  livro  arbítrio.  Mas,  tão  grave  é  esta  questão, 
e  tal  é  a  sua  influencia  sobre  tudo  o  que  interessa  ás  sci» 
encias  sociaes  particolares,  á  sciencia  social  fundamental  e 
á  philosophía  da  historia,  do  cuja  constituição  adeante  tra« 
taremos,  que  importa  esclarecer  um  pouco  mais  este  ponto 
capital.  Tanto  mais  se  faz  mister  a  nossa  explanação,  quanto 
ó  incontestável  haver  homens  illustrados,  que,  por  deficiência 
de  ínstrucção  philosophica,  como  nota  Schopenhauer,  reputam 
o  livre  arbítrio  um  facto  de  certeza  immediata,  o  o  pro- 
clamam como  verdade  indiscutível,  não  acreditando,  om  sua 
ingenuidade,  que  sôriamente  alguém  possa  pôl-o  om  duvida 

(71). 

Pensa  Buokle  que  o  homem  nos  tempos  primitivos,  não 
tendo  ainda  descoberto  a  uniformidade  com  que  se  produzem 
os  phenomcnos  da  natureza,  attribula  tudo  ao  acaso.  A  ob- 
servação quotidiana  dos  factos  e  a  comparação  lhe  foram  a 
pouco  e  pouco  suggerindo  %  idéa  da  estabilidade  nos  processos 
da  natureza.  Da  primeira  concepção  deffluio  a  doutrina  do 
acaso  no  mundo  externo,  a  que  corresponde  a  do  livre  arbítrio 
no  mundo  interno ;  da  segunda,  a  doutrina  das  relações  ne- 


(74)  Essai  sur  U  libre  arbitre,  cap.  2, 
4323  —  iõ  Tomo  lxix.  p.  ií. 


226  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

cessarias  entre  os  factos,  da  qual  derivou  a  doutrina  da 
predestinação.  O  livre  arbítrio  e  a  predestinação— eis  os 
dois  principios  oppostos,  o  em  lucta  durante  um  longo  espaço 
de  tempo. 

Hoje  podemos  dizer  quo,  na  explicação  do  mecanismo  da 
vontade  humana,  ha  duas  escolas  em  renhida  controvérsia,  a 
do  livre  arbítrio  o  a  do  determinismo.  No  conceito  da  primeira 
o  livre  arbítrio,  liberdade  moral,  ou  liberdade  volitiva,  quer 
dizer  que,  não  obstante  a  pressão  continua  e  multiforme  do 
meio  exterior  e  a  lucta  interna  dos  diversos  motivos,  a  de- 
cisão final  entre  duas  possibilidades  oppostas  pertence  exclusi- 
vamente à  vontade  do  individuo  (75).  Por  outras  palavras, 
o  livre  arbítrio  é  o  poder  que  tem  a  nossa  vontade  do  se  deter- 
minar, de  se  decidir,  ora  virtude  de  sua  própria  iniciativa,  su- 
perior a  qualquer  influencia  extranha,  interna  ou  externa,  ou 
o  poder  que  tem  o  eu  de  ser  elle  próprio  o  autor,  o  creador  de 
seus  actos  (76). 

Para  os  sectários  do  determinismo  todos  os  phenomenos  do 
universo,  tanto  os  physicos  como  os  moraes,  são  determinados 
por  causas  superiores  á  nossa  vontade.  Divide-se  a  theo- 
ria  do  determinismo  em  tros  sub-theorias:  a  do  deter- 
minismo mecânico,  a  do  determinismo  physiologieo  e  a  do 
determinismo  psychologico  (77j .  O  determinismo  mecânico  parte 
do  principio  de  que  a  energia  no  seio  do  universo  ô  sempi*e  a 
mesma,  toda  a  força  se  resolve  em  movimento  e  todo  movi- 
mento em  força,  o  pretende  explicar  por  essa  tlieoria  mecânica 
todo  o  mecanismo  da  vontade.  Esta  doutrina  até  certo  ponto  se 
confunde  com  a  do  fatalismo,  segundo  a  qual  tudo  ostã  previa- 
mente regulado,  o  homem  nada  póie  modificar  pela  sua  activi- 
dade, só  lhe  cumpro  submotter-se,  resignar-se,  deante  do  poder 
mysterioso  o  superior  (Dous  ou  o  destino),  contra  o  qual  toda 
lucta  é  impossível  (7S).  Os  sectários  do  determinismo  mecânico, 


(75)  Enrico  Forri,  Sociolofjia  crimincU,  pag.  262,  Paris,  1893. 

(76)  Rayot,  Lcçons  de  pi^ychologie,  pags.  447  c  448. 

(77)  Cepeda, E/tiw cílio'  de  Droit  NatuveU  trad.  de  Oiiclair,  pag.  32. 

(78)  G,  Renard,  L'homme  est-il  libre  t  pag.  13. 


A  HISTORIA  NO  CONCEITO  DE  BUCKLB  227 

bem  como  os  fatalisi»,  não  vêm  qae  o  homem  0x0106  um  poder 
de  diree^»  limitado  mas  incootestaTel,  sobre  as  forças  iuUa« 
raes.  O  determinismo  physiologioo  só  admitte  instinetos,  stfitl* 
mentos,  iaelinaçJSes  e  paixões,  e  explica  todos  os  antos  toIoih 
tarios  pelo  temperamento,  peio  ambiente,  pela  sensibilidade  ^79). 
O  determlnsmo  physiologico  abstrahe  dos  motivos  consistentes 
em  idéas  oa  razões  de  ordem  superior,  como  o  dever,  a  jostíga^ 
a  solidariedade  humana,  a  abnegação,  motivos  a  que  o  homem 
obedece»  contrariando  seus  moveis  sensíveis  (80)«  Finalmente,  o 
determinismo  psych(riogico,  em  antagonismo  oom  o  meoanleo  e 
physiologico,  enstna-nos  que  a  vontade  não  está  adstricta  a  essa 
força  cega,  manifestação  da  energia  do  universo,  nem  nniear- 
mente  aos  instinctos,  inclinações  e  sentimento,  mas  obedeoe 
também  ás  idóas  e  aos  raciocínios,  qae  riio  motiwi  determi-« 
nantes  de  nossas  volições*  E*  a  doutrina  verdadeira,  e  acceitA 
por  todos  03  psychologos,  philosophos  e  pensadares«  qne  tdm 
aproíúndado  esta  difficil  e  complicada  questão.  O  priBieiro  dos 
argumentos  exhíbidos  em  fitvor  do  livre  arbítrio  repousa  em 
uma  grosseira  confosio,   facilmente  dissipaveL   Se  interro- 
garmos a  nossa  consciência,  affirmam  os  adeptos  do  livre  ar- 
bítrio, obteremos  a  resposta  de  que  podemos  fazer  a  fue  qui* 
zermos.  Cada  homem  faz  o  çiue  quer,  não  ha  duvida  alguma, 
desde  que  se  lhe  não  depare  um  obstáculo  material.  Mas  eomo 
observa  Schopenhauer,  essa  ó  a  a  liberdade  ph^sica,  o  poder  de 
agir^  que  nada  tem  com  a  nossa  intrincada  questão.  O  que  a 
consciência  proclama  é  a  Uberdade  dos  actos^  com  a  preeupposiçãe 
da  liberdade  das  volições ^  mas  sobre  esta  ultima  liberdade—  a 
das  nossas  volições—  a  consciência  nenhum  testemunho  offerece 
em  ííivor  da  theoria  do  livre  arbítrio.  Isso  não  nos  deve  sar-' 
prehender,  por^iuanto  a  eonsciencia,  nota  o  philosopho  allemão» 
tal  qual  habita  no  fundo  da  generalidade  dos  homens,  é  uma 
cousa  demasiadamente  simples  e  acanhada  para  poder  explicar 
questões  dessa  ordem.  O  problema  é  outro  e  muito  diverso.  O 
problema  ô  este:  nás  queremos  as  nossas  voHçõesí  Qiteremes  o  qtte 


(79)  Cepeda,  ob.  cit.,  pag.  34. 

(80)  Cepeda,  pag.  35, 


228  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

queremosf  Âs  nossas  determinações,  as  nossas  resolagõjs,  sio  o 
producto  exclusivo  de  nossa  vontade,  independente  e  soperior 
ás  circumstanoias  externas,  aos  moveis  e  aos  motivos  ?  Ou  as 
nossas  volições  são  o  produoto  destes  dois  factores—o  caracter, 
a  organisaçao  mental,  a  constituiç&o  psychica  de  cada  um,  e  os 
moveis  o  motivos?  Quando  um  homem  afflrma:  ueu  posso  fazer 
o  que  quizor,  caminhar  para  a  direita,  ou  para  esquerda,  oon*- 
forme  quizer,  porquanto  sou  livre»,  afflrma  uma  verdade  irre- 
futável. Apenas  prosappõe  a  liberdade  da  vontade,  o  admitte 
implicitamonto  que  a  decisão  Já  está  tomada  (81).  Os  nossjs 
actos  dapendem  do  nossas  volições,  do  nossa  vontade.  Mas,  essas 
volições,  essa  vontade,  ^u)  independentes  de  quaesquer  circum- 
stanoias, do  quasqner  forças,  internas  ou  externas  ?  Eis  o  pro- 
blema. E  a  solução  nnica  admissível  no  estado  actual  da  scie- 
oncia  á  a  de  Buclsle,  como  hoje  reconhecem  todos  os  homens  oom- 
petentes  neste  assumpto. 

Em  verdade,  a  observa^  quotidiana  dos  factos  nos  arrasta 
a  confessar  que  os  homens  são  resultantes  dos  tempos  e  dos  Io- 
gares  em  quo  vivem,  estreitamente  solidários  com  tudo  o  que  os 
cerca,  os  precede  e  os  segue  (82).  A  hereditariedade,  ou  meio  in- 
terno, determina-lhes  o  caracter  o  o  temperamento.  O  meio  cos* 
mico,  o  meio  individual  e  social,  actuam  sobre  o  caracter  e  o  tem- 
peramento, e  08  modificam.  A  influenciado  ultimo  iRnctor  éfte- 
quenlemento  proclamada:  não  ha  quem  duvide  da  acção  dos  ha- 
bites, dos  costumes  da  sociedade  em  que  vive  o  individuo,  dacon- 
dição  social  em  que  nasceu,  ou  se  conserva,  da  profissão,  da  hy- 
giene,  da  educação,  da  instrucção,  das  instituições  e  das  leis  (83). 

A  voli';ão  6  uma  resultante  destes  dois  factores:  a  consti- 
tuição psychica  e  òs  motivos.  Submetter-se  a  este  ou  áquelle 
motivo,  não  á  facto  que  depende  do  livre  querer  de  cada  um. 


(81)  Fssai  sur  U  libre  avhiirr,  parrs.  íííí  o  34. 

(82)  Piopor,  La  rir  soriale,  la  morale  et  le  pvonrH.  papt?»  2^, 
cap.  2'>.  x-    uf         1  » 

(81)  Hfliiion,  obra  cila«la,  pa«?.  22.  Voja-sr  eflpooialmenle  o  excol- 
lento  livro  do  Dp.  M.  Bombarda,  proíessor  de  medicina  em  U»l>oa,— 
A  consciência  eo  livre  arbítrio  {.dip,  5'. 


A  HISTORIA  NO  CONOBITO  DE   BUCKLE  229 

08  motÍTos  não  tôm  uma  força  iatrínsoca»  sonipre  a  mesma 
I^ara  todas  as  vontades.  Saa  energia  depende  da  organiâaçfto 
mental  dos  individoos:  o  qae  para  um  homem  civilisado,  e  de 
coracSo  b3m  formado,  constituo  motivo  preponderante,  pôde 
nao  passar  de  um  motivo  secundário,  on  absolutamente  nullo, 
para  um  cérebro  rude  e  dominado  por  necessidades  pbysiplo- 
gicas  o  tendências  inferiores.  Mas,  oljectam  os  propugnadores 
do  livre  arbítrio,  a  vontade  humana  tem  em  si  um  principio 
activo,  capaz  de  resistir  a  todos  os  moveis  e  motivos  imagi- 
náveis, do  abstrahir  dessas  forças  determinantes,  do  sobrepôr-se 
a  ellas,  e  dominal-as ;  os  motivos  nâo  impeliem  necessariamente 
a  nossa  vontade.  Na  soa  linguagem  pittoresca,  Schopenhauer 
reproduz  essa  objecção  sob  a  forma  de  alguns  exemplos.  Para 
provar  o  livre  arbítrio,  um  iiomem  toma  um  revolver  carregado, 
e  declara  que  depende  exclusivamente  de  sua  livre  vontade* 
sem  a  influencia  de  motivo  algum,  suioidar-se  ou  nfto.  Esquece-se 
de  que  a  condição  capital  para  que  se  dê  tal  facto*  ó  a  inter- 
venção de  um  motivo  de  força  esmagadora  e  por  isso  mesmo  ra* 
rissimo,  de  um  motivo  que  possa  sobrepujar  o  amor  á  vida  ou 
o  temor  da  morte.  Só  depois  que  um  tal  motivo  entra  em  jogo, 
é  que  a  nossa  vontade  se  determina,  resolve  a  pratica  do  acto, 
que  antão  é  uma  consequência  necessária.  Diz  um  outro  defensor 
do  livre  arbítrio:  posso  dar  aos  pobres  tudo  o  que  possuo,  e 
tornar-me  pobre.  Poderia,  respondo  o  philosopbo,  se  tivesse  um 
caracter  diverso,  se  levasse  a  abnegAçao  até  á.  santidade ;  mas, 
nesse  caso  nada  poderia  impedir  a  pratica  desse  acto,  que  se 
daria  necesariamnte , 

Uma  illusão  da  consciência,  muito  commum,  pároco  op« 
pôr-se  ao  determinismo  psychico:  do  facto  de  podermos  pensar 
(note-se  bem—  pensar)  na  realisaç<ão  de  duas  acções  completa- 
mente oppostas,  tiramos  a  conclusão  de  que,  em  um  determioado 
caso,  podemos  querer  eguaimente  dois  actos  contrários.  Schope. 
nhauer  desfaz  essa  illusão  por  meio  desta  bella  e  significativa 
prosopopea:—  Eu  podex*ia,  diz  a  agua,  levantar-me  ruidosa- 
mente em  vagalhões  immensos,  tragando  navios  alterosos,  açoi- 
tando os  mais  elevados  rochedos.—  Sim,  responde  o  philosopbo, 
se  fosse  agua  do  mar,  agitada  por  uma  tempestade  violenta. 


230  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

—Eu  poderia  preoipitar-me  em  uma  carreira  vertiginosa,  arras- 
tando  Da  minha  paragem  troncos  de  arvores,  blocos  de  granitos, 
«adaveres  de  liomens.—  Sim,  poderia  tudo  isso,  mas  precisava 
ser  uma  grossa  torrente,  que  se  despenhasse  de  aleantilada 
montanha.  —  Eu  poderia  esparzir-me  pela  atmosphera  em  li- 
geiros flooos  niveos,  tão  brilhantes  como  os  raios  do  sol.  —Po* 
deria,  se  fosse  repuxo  de  jardim,  em  dia  de  oáo  anilado,  sob  os 
revérberos  de  um  sol  vivamente  fulgurante.  —Eu  poderia  re- 
flectir com  a  maior  nitidez  as  mais  puras  formas,  os  contornos 
das  imagens  mais  beilas.  —  Sem  duvida,  se  fosse  agua  de  lago, 
orystallina  e  pura,  não  encrespada  a  fftce  pela  mais  ligeira  brisa. 

Quando  suppomos  que  em  uma  determinada  hypothese  po- 
díamos ter  tomado  duas  resoluções  completamente  oppostas, 
esquecemos  todas  as  circumstanclas  que  rodearam  a  nossa  vo- 
lição, abstrahimos  da  força  que  determinou  a  nossa  vontade,  do 
elemento  que  iníiuio  decisivamente  na  deliberação.  A  acção 
desse  elemento,  o  facto  de  termos  obedecido  a  esse  motivo,  a 
eircumstaneia  de  ter  sido  elle  o  preponderante,  não  dependia 
da  nossa  vontade,  era  um  corollario  das  condições  do  nosso  es- 
pirito, da  nossa  organisação  mental. 

Em  ultima  analyse,  a  única  liberdade  que  tem  o  homem  ô 
a  de  agir  ( liberdade  dos  actos )  de  acoordo  com  a  sua  vontade, 
suas  predilecções,  suas  inclinações,  de  conformidade  com  os  seus 
maceis  e  motivos  (84).  E,  sendo  assim,  o  determinismo  não 
destróe  a  individualidade,  a  personalidade,  o  conjuncto  das  qua- 
lidades peculiares  a  um  individuo,  e  que  o  distinguem  dos  outros 
individues  da  mesma  espécie.  Exactamente  por  haver  uma 
riqnesa  admirável  de  foctores  que  distinguem  a  constituição  psy- 
ehlca  dos  indivíduos,  e  uma  grande  abundância  de  idéas  e  sen- 
timentos, de  uidinações  e  paixões,  que  actuam  como  forcas 
propulsoras  da  vontade,  e  por  não  conhecermos  previamente 
quaes  os  factores  e  os  motivos  que  hão  de  predominar  em  um 
determinado  caso,  6  que  não  podemos  prever  com  segurança 
os  phenomenos  voluntários,  excepto  dentro  de  certos  limitos. 


(84)  Hamon,  pai?.  47. 


A  HISTORIA  NO  COXCBITO  DE  BUCKLE  231 

Um  outro  argumento  decisivo  contra  o  livre  arbitrio  nos 
fornecemos  estadistas,  legisladores,  jurisconsultos  e  moralistas, 
de  todos  os  tempos.  A  existência  das  leis  nâo  teria  absoluta- 
mente explicação,  se  a  vontade  humana  fosse  independente  doa 
motivos.  Que  homem  sensato  se  lembraria  de  dirigir,  de  go- 
vernar, o  livre  arbitrio  ?  As  leis  tôm  por  base  a  presumpçao  de 
que  a  vontade  está  sujeita  ú.  coacção  dos  motivos  •  Um  codil^o 
penai  ó  simplesmente  uma  serie  de  motivos,  creados  polo  legis- 
lador, para  o  flm  de  dominar  os  moveis  e  motivos  conducentes 
ao  crime  (8*3).  Os  mais  notáveis  criminalistas  estão  accordes 
neste  ponto:  para  Beccaria  a  pena  é  um  motivo  sensível  op- 
posto  ao  delicto ;  para  Feuerbach  um  dos  fins  da  peaa  é  a  coacção 
pfiychologica  ;  segundo  Romagnosi,  uma  das  funcções  da  pena  é 
a  contra-impulsão  á  impulsão  do  crimo  (86).  O  legislador 
serve-se  das  próprias  paixões,  das  mesmas  tendências,  que  levam 
ao  crime,  para  afastar  o  homem  da  pratica  dos  actos  delictuosos. 
A  cobiça,  a  sensualidade,  o  instincto  de  destruição,  querem  sa- 
ciar-se:  o  legislador  estabelece  penas  que  vão  ferir  o  delinquente 
exactamente  no  património,  na  liberdade  ( cuja  privação  lhe 
tolhe  os  gozos  materiaes),  na  vida,  isto  é,  nos  próprios  instinctos 
que  eile  quiz  satisfazer.  A  representação  das  consequências  do 
delicto  contrabalança,  ou  sobrepuja,  as  vantagens,  os  resultados, 
a  utilidade  collimada  ;  e  assim  a  ameaça  do  castigo,  a  commi* 
nação  da  pena,  actua  como  motivo  para  vedar  a  perpetração  do 
crime.  Se  algumas  vezes  a  pena  deixa  de  ser  efficaz,  e  se  trans- 
gridem as  leis  penaes,  isso  prova  a  regularidade  com  que  actuam 
os  diversos  factores  que  concorrem  para  formar  o  caracterisaí 
a  nossa  constituição  psychica.  O  moralista  não  raciJcina  de  outro 
modo,  quando  se  esforça  por  nos  desviar  da  pratica  do  mal,  por 
meio  da  representação  das  consequências  prejudiciaes  decorrentes 
da  infracção  dos  preceitos  ethicos,  consoquencias  que  são  as 
sancções  da  moral. 

Como  todos  os  deterministia,   Buckle  tora  sido  increpado 
pelos   que  não  conhecem  a  doutrina  —  de  tor  preconisado  um 


(85)  Essai  snr  le  libre  arbitnu  appendico  l». 

(80)  Ilamon — DHerminisme  et  responsabilité^i^ai!^,  2uC. 


232  REVISTA   DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

priaoipio  philosophioo  cujos ooroUarios  são  immoraes.  Acceito  o 
determinismo,  euppoem  taes  coQSoree  que  temos  eliminado  as 
noções  de  imputabilidade,  responsabilidade,  mérito  e  demérito, 
pena  e  recompensa,  e  consequentemente  os  fundamentos  da 
moral  o  do  direito.  Nenhuma  supposicSo  mais  errónea.  Sendo 
os  nossos  actos  voluntários  a  resultante  do  caracter  individual, 
ou  organisação  mental  de  cada  individuo,  e  dos  motiros,  e  fa- 
zendo-se  mister  uma  certa  correlação  entro  a  vontade  e  os  mo- 
tivos, isto  ó,  que  08  motivos  tenham  a  forca  do  propulsar  um 
determinado  caracter,  e  que  esse  caracter  esteja  formado  de  tal 
modo  que  sobre  elle  influam  esses  motivos,  nós  temos  o  senti- 
mento claro  e  seguro  da  imputabilidade  de  nossas  acções.  O  de- 
terminismo não  nega  a  individualidade,  a  personalidade;  pelo 
contrario,  explica  scienUAcante  por  que  a  constituição  psychica 
dos  individues  varia,  e  distingue  cada  homem  dos  seus  seme- 
lhantes. Ninguém  ainda  so  lembrou,  observa  Schopenhauer,  de 
se  desculpar  da  pratica  de  um  acto  condemnavel,  attribuindo-o 
exclusivamente  aos  motivos:  todos  estão  certos  de  que  a  imper- 
feição  do  seu  caracter  contribuiu  para  a  producção  do  acto  cen- 
surável. Cada  um  de  nós  está  convencido  de  que,  sob  a  pressão 
dos  mesmos  motivos  que  o  levaram  a  praticar  um  acto  immoral, 
outro  individuo  de  mais  aperfeiçoada  organísaçao  mental, 
de  melhor  educação  e  do  intoUigencla  mais  esclarecida  o 
capaz  do  reflexão,  teria  procedido  diversamente.  As  acções  vo- 
luntárias de  um  individuo  decorrem  do  seu  caracter,  do  con- 
juncto  de  attributos  que  o  distinguem,  e  consequentemente  lhe 
são  imputáveis.  Lançam -se  na  conta  de  cada  um  de  nós.  Não 
devemos  responder  por  esses  actos?  Juridicamente  a  questão 
nos  parece  hoje  impossível.  A  responsabilidade  do  delinquente 
repousa  exclusivamente  na  imperiosa  necessidade  da  defesa  so- 
cial, reconhecem  todos  os  criminalistas  contemporâneos  aucto- 
risados:  o  delinquente  respondo  pelo  delicto,  impõe-se-lho  uma 
pena,  porque  a  conservado  da  sociedade  o  exige.  Ora,  já  vimos 
que  a  idéa  de  pena  com  exclusão  do  determinismo  psychico  só 
pôde  aninhar-se  no  cérebro  de  um  insensato.  Consequente- 
mente, o  determinismo  não  destróe  a  responsabilidade ;  o  que 
se  não  comp/ohende  é  a  responsabilidade  som  o  determinismo. 


A   HISTORIA  NO  CONCEITO  DE   BUCKLE  233 

Mas,  dir-se-ha:  a  que  ficam  reduzidas  as  idéas  de  mérito  e 
demérito  em  face  do  determinismo  ?  Quando  uma  acção  foi  jal- 
gada  moralmente  bôa,  dizemos  que  o  agente  moral  é  digno  de 
estima  e  recompensa,  eis  o  mérito.  No  caso  contrario,  jul- 
gamos o  agente  digno  do  desprezo  e  de  punição,  eis  o  demérito 
(87).  Louvamos  e  estimamos  o  individuo  que  procede  de  acoordo 
com  oa  preceitos  da  ethica ;  desprezamos  e  punimos  a  quem 
transgride  essas  normas  salutares,  ostabeiecidas  em  pro- 
veito do  individuo,  da  sociedade  e  da  humanidade.  Mas, 
não  6  3ô  no  dominio  dos  factos  moraes  que  discriminamos 
o  que  6  utii  do  que  nos  prejudica,  ou  não  nos  inte- 
ressa. Honramos  e  admiramos,  louvamos  e  estimamos  todos 
03  que  se  distinguem  por  um  talento  scientifico,  artístico  ou 
litterario,  pela  habilidade  no  oxercicio  de  uma  profissão» 
por  uma  preciosa  qualidade  physica  ou  intelloctual.  Ninguém 
liberalisa  prémios  ou  encómios,  recompensa  monetária,  ou 
sequer  alguns  momentos  de  attenção,  ao  mau  poeta.  Prestamos 
todas  as  nossas  homenagens  de  estima  e  admiração  áquelles 
que  por  seus  dotes  oaturaes,  por  sua  constituição  mental,  se 
iC\m  distinguido  na  arte  de  exprimir  as  idéas  e  sentimentos 
humanos  sob  a  forma  eterna  do  verso.  Entretanto,  sabemos 
que  nenhum  desses  artistas  é  o  autor  do  seu  génio,  que  todos 
elles  devem  a  ezcellencia  na  sua  arte  &  natureza  e  ás  circum- 
^tanclas.  Lamartine,  que  não  equiparamos  ao  rude  burilador 
de  versos  sem  génio  e  sem  inspiração,  poude  dizer  de  si  próprio 
com  verdade: 

Je  chantais^  mes  amiSy  comme  Vhomme  respire^ 
Comine  Voiseau  gémit,  eomme  le  vent  soupire, 
Comme  Veau  murmure  en  coulant . 

B  Hugo  escreveu  em  rela^  ao  sou  próprio  génio  : 

Tout  souffle,  tout  rayon^  ou  propice  ou  fatal, 
Fait  reluire  et  vibrer  mon  âme  de  cristal, 
Mon  âme  aux  mille  toix^  que  le  Dieu  que  fadore^ 
Mit  au  centre  de  tout  comme  un  écho  sonore. 


(87)  E.  Saisset,  Príncipes  de  la  Morale,  pag.  361. 


234  REVISTA  no  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Uma  mulher  nos  attrahe  pelos  oncanios  de  sua  belleza. 
Não  é  eila  a  autora  d\,  perfeição  das  linhas  de  seu  rosto. 
Vamos  por  isso  desprezal-a,  ou  confuadil-a  com  as  que  não  têm 
o  dom  fatal  de  que  nos  falia  Byron  ? 

As  perfeições  moraes  são  estimadas  e  applaudidaa  do  mesmo 
modo  que  as  perfeições  intellectuaos.  As  imperfeições,  as  falhas* 
08  vicies,  os  defeitos  moraes,  são  votados  ao  desprezo  e  ã  re- 
pulsão, do  mesmo  modo  que  as  imperfeições  intelleciuaes  (88). 
Tanto  umas  como  outras  não  nos  devem  provocar  odio^  mas 
oompaizão.  e  o  descijo  de  corrigil-as,  de  eliminal-as^  nos  limites 
do  possível.  O  determinismo  não  nos  leva  &  inércia  do  f^ita- 
Jismo. 

O  determinismo  pftychico  é  a  theoria  regeneradora  da  huma* 
didade,  a  doutrina  do  bem,  da  moral,  da  salvação.  Conhecedor 
da  dualidade  dos  factoros  que  produzem  as  nossas  volições,  n&o 
mais  se  limitará  o  homem  a  conselhos  inefflcazes,  a  vãos  precei- 
tos, ã  simples  formulação  de  regras  de  condncta,  que  são  ovtrofl 
tantos  motivos  contradictoriamonte  oíferecidos  pelos  adeptos  do 
livre  arbítrio  como  meios  de  dirigir  a  vontade  humana.  Sabendo 
que  os  actos  moraes  dependem  da  correlato  desses  motivos 
com  a  organização  mental,  e  quaes  os  elementos  que  infloem 
na  formação  do  caracter,  procuraremos  evitar  o  mal,  cortando- 
lhe  as  raizes ;  eliminar  o  vicio,  estancando-lhe  as  fontes  ;  ex-* 
pungir  o  crime,  dando  caça  aos  seus  antecedentes  necessários, 
mais  remotos  e  recônditos.  Os  individues  e  as  sociedades  por 
seus  orgams  se  esforçarão  por  attenuar,  quanto  possível,  as  as- 
perezas do  meio  physico,  e  por  melhorar  todas  as  eondições 
individuaes  e  soeiaes  de  que  depende  o  aperfeiçoamento  do  es- 
pirito humano. 

Se  o  determinismo  psychologico  é  a  expressão  da  verdade, 
Bnckle  tem  razão,  quando  logo  no  limiar  do  seu  magestoso 
edifício  oolloca  esta  epigraphe  sigaiftcativa :  «Temos,  pois,  que 
o  homem  modifica  a  natureza,  o  a  natureza  —  o  homem  ;  o 
dessa  reciproca  influencia  devem  necessariamente  decorrer  todos 


(88)  Renard,  obra  citada,  pags.  90  a  97 


A  ÍIISTORTA   NO  CONCEITO  DE   BUCKLE  235 

OS  acontecimontos  »  (89) .  Podemos  appliear  o  methodo  seienti- 
fico  ao  estado  dos  factos  volantarios  prodazidos  pelas  agremia- 
ções humanas,  generaliziír  depois  de  observar,  e  assim  conhecer 
as  leis  a  que  esses  factos  estão  sujeitos.  E,  sendo  assim,  do 
conhecimento  do  passado  podemos  colher  elementos  que  nos 
aatorisem  a  prever  o  faturo. 

Não  (hltam  escríptores  que  neguem  a  possibilidade  da  pre- 
visão em  relação  aos  fictos  soeiaes.  Refuta-os  Speneer  esma*- 
gadoramente  por  meio  de  uma  distincção  que  cumpre  lembrar, 
o  que  faremos,  servindo-nos  dos  mesmos  exemplos  do  pensador 
britannico.  Ninguém  contesta  o  desenvolvimennto  da  mecâ- 
nica, uma  das  sciencias  mais  adeantadas  actualmente,  mais 
próximas  da  perfeição,  e  que  comportam  predicçOes  mais  se- 
guras e  precisas.  Os  astrónomos  se  utilisam  dos  princípios  da 
mecânica  como  basode  suas  Infaliiveis  previsôos.  Supponha-se 
que  se  trate  de  fazer  explodir  uma  mina.  Os  principies  da  me- 
cânica nos  autorizam  a  predizer  que  cada  um  dos  fragmentos 
descreverá  uma  curva ;  que  todas  as  curvas,  embora  differentes 
entre  si,  serão  da  mesma  espécie ;  que,  desprezados  os  desvios 
produzidos  pela  resistência  do  ar,  teremos  partes  de  ellipses 
bastante  excêntricas  para  se  confundirem  com  as  parábolas. 
Tudo  isso  podemos  prevôr  com  segurança.  Mas,  que  nos  é  per- 
mittido  saber  previamente  em  relação  ã  sorte  particular  de 
cada  um  dos  fragmentos  ?  A  parte  esquerda  do  bloco  sob  o  qual 
se  coUooou  a  pólvora  saltará  em  um  s6  pedaço,  ou  om  muitos  ? 
Este  fhtgmento  será  lançado  á  maior  altura  do  que  aquelle 
outro?  Será  detido  em  seu  curso  por  um  obstáculo?  Eis  ahi  per- 
guntas a  que  a  dynamica  não  responde,  por  não  ter  dados  sobre  os 
quaes  possa  formular  as  suas  predicçoes.  E  assim  uma  das 
sciencias  mais  exactas  só  nos  pormitte  previsões  geraes  em  re- 
la^ a  um  assumpto  de  sou  domínio.  O  processo  geral  do  phe- 
nomeno  pode  ser  conhecido  previamente  ;  as  particularidades 
não.  Dá-se  o  m:^smo  com  a  anthropoiogia.  Nasce  uma  creança. 
Podemos  prever  o  que  lhe  reserva  o  faturo  ?  Morrerá  em  tenra 


(89)  Tradarção  d»  Baillot.  vol.  1«,  papr.  24. 


236  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

edade  ?  Viverá  algum  tempo  para  suocombir  à  escarlatinat  on 
á  coqueluche?  Cabirá  de  uma  escada?  Impossível  absolota- 
meate  prever  qualquer  desses  factos.  Se  desses  factos  pessoaes 
passarmos  aos  que  Spencer  denomina  quasi-biographicos,  al- 
gumas conjecturas  serfto  possíveis.  E*  licito  afirmar  que  o 
recem-nascido  aos  três  annos  não  será  um  matliematico,  nem 
aos  des  um  psychologo»  nem  um  estadista  na  puberdade.  Se 
eliminarmos  os  factos  biographioos  e  quasi^biographiooSp  ainda 
nos  restar&o  muitos  factos  que  poderemos  prever  com  segu- 
rança, e  tacs  s&o  os  relativos  ao  crescimento,  ao  desenvolvi- 
mento, á  estructura  e  ás  diíferentes  funcções  do  corpo  humano. 
Também  a  historia  nos  oíTerece  duas  ordens  de  factos,  os  con- 
tingentes e  os  necessários,  os  imprevisíveis  e  os  previsíveis  (90). 
Só  os  uliimofl  offerocem  base  para  generalizações.  A  theoria  do 
determlnijmio  psychico  não  nos  leva  á  conclusão  absurda  de  que 
tudo  se  pode  prever  no  domínio  dos  factos  sociaes.  Mas,  iSsO 
não  quer  dizer  que  haja  factos  dependentes  do  livre  arbítrio  e 
outros  regulados  por  leis  fixas,  para  nos  servirmos  da  expressão 
do  Buckle.  Significa  uoicamente  que,  devido  ã  extrema  compli- 
cação das  cansas  e  condições  do  certos  pheaomenos,  não  lhes 
conhecemos  as  leis,  e  esses  são  os  phenomenos  denominados  im- 
propriamente contingentes. 

Bnokle  precisava  começar  pela  afilrmação  do  determinismo, 
porque  todo  o  seu  estudo  sobre  a  historia,  o  seu  methodo  e  os 
seus  principios,  decorrem  logicamente  da  estreita  relação  entre 
os  actos  humanos  e  as  leis  physicas,  são  applicações  do  prin- 
cipio do  determinismo  psychologico.. 

As  leis  fundamentaes  da  historia  no  conceito  de  Buckle,  e  se- 
gundo elle  próprio  as  formulou,  são  as  seguintes :  <  1.'— os  pra- 
grossos  do  género  humano  dependem  do  suooesso  das  investiga- 
ções no  domínio  das  leis  dos  phenomenos  da  natureza,  e  da  pro- 
porção em  que  se  divulga  o  conhecimento  dessas  leis  ;  2.*'-  para 
que  poifsam  começar  essas  investigações,  é  mister  que  exista  o  , 


(90)  Spencer,  Introdnction  à  la  science  sociale,  pags.  56  a6t. 
Paul  Mongeollo,  Les  probíèmes  de  Vhistoire^  prefacio  de  Yvea  Quyot, 
pag.   VII, 


A   HISTORIA  NO   CONCEITO  DE  BUCKLE  237 

espirito  de  duvida,  o  qual,  proTOcando  as  pesquizas  soientifloas, 
ô  por  soa  turno  alimentado  por  ellas ;  3.*—  as  deseobertag 
assim  obtidas  aagmentam  a  inâaenoia  das  verdades  intellectuaes, 
e  diminuem  relativamente,  n&o  absolutamente,  as  verdades 
moraes,  porquanto  estas,  não  podendo  ser  tâo  numerosas,  s&o 
mais  estacionarias  do  que  as  verdades  iotelieotuaes  ;  4.*  —  o 
grande  inimigo  desse  movimento,  e  consequentemente  o  grande 
inimigo  da  civilização,  6  o  espirito  protector,  isto  é,  a  convicção 
de  que  a  sociedade  só  pôde  prospei-ar,  se  o  Estado  e  a  Bgreja 
dirigirem  os  nossos  passos  mais  insignificantes,  o  Estado  pela 
determinação  do  que  devemos  fazer,  a  Egreja  polo  ensino  do 
que  devemos  crer»  (91).  Taes  são  na  phrase  do  historiador 
inglez.  as  proposições  nuiis  essendaes  para  a  sã  inielliffoncia  da 
hisioriat  proposições  que  eilo  julga  ter  demonstrado  pela 
inducção  e  pela  deduoção . 

Terá  o  erudito  e  genial  escriptor  formulado  as  leis  ftinda* 
mentaes  da  historia,  as  bases  da  philosophia  da  hisioria«  como 
emprehendeo,  tão  convencido  da  effleacia  do  seu  methodo  e  da 
superioridade  de  suas  forças  intelleetnaes? 

O  progresso  do  género  humano  (é  a  primeira  lei)—  depende 
do  successo  das  investigações  no  domínio  das  leis  qne  regem  os 
phenomenos  da  natoreza,  e  da  propor^  em  que  se  espalham  os 
conhecimentos  dessas  leis. 

Eoi  primeiro  lugar,  importa  saber  o  que  é  o  progresso 
do  genei*o  humano.  Nada  mais  vago,  mais  indefinível,  do  qne 
a  idáa  que  se  faz  geralmente  acerca  do  progresso.  No  sentido 
commum,  o  progresso  é  uma  expressão  subjectiva,  que  de- 
signa as  modificações  que  satisfazem  as  nossas  preferencias 
(98).  Algumas  vezes,  empregamos  o  vocábulo  para  exprimir  o 
augmento,  ou  a  qnilidade superior,  dos  prodnctos  das  industrias ; 
outras,  para  significar  o  desenvolvimento  dsts  sciencias,  das 
letras,  d\s  artes,  ou  as  modificaçSes  que,  directa,  ou  indirecta- 
mente, conduzem  á  felicidade  (93).   No  sentido  objectivo  que 


(91)  Trad.  de  Baillot,  toI.  4,  cjp.  XV. 

(92)  Laa^lais  e  Feignob  s,  obra  citada,  pag.  249. 

(93)  Sptncer,  Essaís  surle  prxigrès,  paga.  3  e  seguintes. 


â38  RBVISTA  DO  INSTITUTO  HiatORIGO 

lhe  deo  Speooer»  o  progreflBO  podo  ser  definido  :  o  augmento  de 
variedade  e  de  ooordenação  dos  pheaomeaos,  ou  a  passagem  da 
esiructura  homogénea  para  a  ostractura  heterogénea.  O  termo 
é  tâo  yago  como  a  palavra  citnlisação,  que  para  alguns  ligniflca 
unicameioite  o  desenvoivlmeato  das  sciencias,  da  literatura  e  dai 
artes,  o  para  outros  abrange  a  industria,  o  eommerciOt  todos  os 
ramos  actividade  útil,  não  faltando  historiadores  que  a  em- 
pregam  como  expresiMio  apropriada  para  repi*esentar  tudo  isso  e 
também  a  vida  domestica,  o  culto  religioso,  os  usos  e  eostames, 
os  utensilios  e  a  alimentação  (94). 

Que  quer  dizer  o  progresso  do  género  humano  de  que  nos 
falia  Buckle?  O  progresso,  ou  a  civilização  (não  raro  expressões 
synonymas)  que  oomprehende  todas  as  modiieaçSes  úteis,  que 
nos  dão  o  bem  estar,  e  que  traduzem  uma  elevação  intellectual 
e  moral,  ou  o  progresso  em  determinado  ramo  da  actividade 
humana? 

Buokle  nos  responde,  primeiramente  definindo  a  elviiizaçao 
que  6  o  triumpho  do  espirito  sobre  os  agentes  exteriores  e 
depois  consagrando  algumas  paginas  á  no^o  do  progresso. 
Reproduzamos-lhe  as  phrases :  cSe  perguntarmos :  que  ô  o 
progresso  ?  a  resposta  parecerá  muito  simples  :  ó  um  duplo 
desenvolvimento,  moral  e  intellectual ;  o  primeiro  se  refere 
aos  nossos  deveres,  o  segundo  aos  nossos  oonheeimeutos».  Con- 
fessemos que  a  resposta  pôde  talvez  ser  muito  simples,  mas,  com 
certeza,  não  é  satisfaotoria.  «Esse  duplo  movimeuto  moral  e  in- 
telectual, continua  Buckle,  ó  essencial  á  idéa  de  civiHsação,  e 
encerra  toda  theoria  do  progresso  mental.  Cumprir  o  sen 
dever,  eis  a  parte  moral ;  saber  como  se  desempenha  o  homem 


(94)  Guinplowiz»  Sooiologie  vt  Politique,  pa^.  00.  Plint  não  ad- 
mitte  a  synonymia  entro  os  terinos  —  civilisação  e  progresso.  «O  bom 
senso  naturald)  género  humano,  diz  o  illustre  escriptor  Inglez,  ab- 
solutamente não  tom  o  direito  de  ailirmar  quo  a  civilização  seja  o 
progresso,  ou  mesmo  do  considerar  o  pro<riT8.sO  um  caracter  es- 
sencial e  universal  da  civilisação  ;  ò,  peloa  factos  que  devo  ser  pro- 
vada, a  verdade  ou  a  falsidade  dessas  proposições ;  o  os  factos  nos  con- 
vencem precisamente  de  que  aml)as  são  lalsas.  Uma  grande  rarte  da 
civilização  do  mundo  ae  conserva  estacionaria,  ou  (^atá  em  declinio. 
A  civilisação  progre.ssiva  c,  não  a  regra,  mas  a  excepção.  A  civilisação 
progrcí-siva  è  a  única  que  encerra  a  noção  do  progresso».  {PhilO' 
sopkie  de  Ihisioire  eu  France  :  cap.  X.) 


A  HISTORIA  NO  CONCEITO  DB  BUCKLE  2^9 

do  seu  ddV6r,  eis  a  parte  Intelleotaal.»  Ma;»«  uma  grave  questão 
se  offereoa  logo  ao  espirito  do  escriptor  brítanDico  :  dessas  doas 
partes»  ou  elementos  do  progresso  meatal,  qual  é  a  maUí  impor- 
tante? Cumpre  sabel-o  para  subordinar  o  elemento  inferior  ao 
superior.  Se  o  desenvolvimento  da  civilisagão  e  a  felicidade  doe 
homens  dependem  mais  do  senso  moral  que  das  aoquisições  da 
intoUigenoia,  naturalmente  é  esse  o  estalão  de  que  nos  devemos 
utilisar  para  medir  o  progresso  da  sociedade  ;  se,  pelo  contrario, 
tudo  está  subordinado  ao  augmento  dos  nossos  conhecimentos,  6 
a  actividade  intellectual  a  nossa  craveira.  Depois  de  uma  longa 
argumentação,  afflrma  Bnckle  que  o  progresso  da  intelligencia, 
das  noções  soientiflcas  (ou  intellectuaes,  como  elle  denomina),  ó  a 
progresso  por  ezcellenoia,  e,  pois,  a  medida  do  progresso  do 
género  humano. 

Sendo  assim,  ou  o  progresso  a  que  se  refere  Buckle  na 
formula  da  sua  primeira  lei  da  historia  abrange  todas  as  modi- 
íicações  úteis,  intellectuaes  e  moraes,  que  constituem  o  pro- 
gresso  no  sentido  amplo;  ou  exprime  unicamente  o  augmento 
do  nosso  património  intellectual. 

Sendo  o  fim  do  historiador  britannico  tragar  a  lei  Ainda- 
mental  da  historia  da  humanidade,  e  não  a  lei  especial  de  deter- 
minado ramo  do  progresso  humano,  é  na  primeira  aocepção 
que  devêramos  tomar  o  vocábulo. 

Mas,  nesse  caso  a  lei  de  Buckle  tom  contra  si  os  mais  elo- 
quentes protestos  da  historia  universal.  Em  todos  os  paizes  do 
Oriente,  o  mormente  na  Grécia  o  em  Roma,  as  instituições  po- 
liticas, a  legislação  e  a  jurisprudência,  a  religião,  a  moral,  a 
vida  domestica,  a  architectura,  a  esculptura,  a  pintura,  a 
dança,  a  musica,  a  poesia,  as  industrias  não  aguardaram  o  de* 
senvolvimento  das  scioncias  physicas  para  progredir,  nem  se 
desenvolveram  na  proporção  em  que  se  foi  divulgando  o  co^ 
nhecimento  das  leis  naturaes.  Não  ha  uma  só  grande  idéa  mo- 
derna, uma  concepção  phiiosophica,  uma  theoria  do  pensamento 
que  não  tenha  os  seus  primórdios  na  concepção  de  algum  philo* 
sopho  da  Hellade  (95).  Nas  artes  <o  ponto,  aonde  chegou  o 


(96)  Latino  Coelho,  A  Oração  da  Coroa ^  pag.  35. 


240  REVISTA   DO  INSTITUTO   HISTÓRICO  ' 

génio  gi*ego,  deve  fleguramente  reputar-0e  o  limite  superior 
da  humana  inspiração»  (96) .  Da  Hellade  receberam  os  romanos 
a  philosophia  e  as  artes,  a  que  nunca  deram  o  maravilhoso  de- 
senvolvimento que  entre  elles  teve  a  jurisprudência.  Entretanto» 
as  sclenoias  physicas  apanas  ensaiavam  os  seus  primeiros  passos, 
e  jaziam  immersas  em  um  retardamento  que  contrastava  com 
a  brilhante  cultura  de  outros  ramos  do  saber.  A  verdade  é, 
como  nos  diz  Stuart  Mill,  e  o  próprio  Gomte  o  reconheceo  em 
uma  pagina  que  reproduzimos  no  capitulo  anterior,  que  desde 
os  tempos  mais  remotos  tem  havido  um  desenvolvimento  simul- 
tâneo em  todos  os  domínios  da  lotelligencia  humana,  ora  pre- 
ponderando un,  ora  outro. 

Se  a  lei  de  Buckle  somente  eomprehonde  o  progresso  intel- 
lectiial,o  desenvolvimento  das  sclenoias,  começa  pelo  defeito 
de  não  ser  uma  lei  universal,  e  multo  menos  fundamental,  da 
historia  da  humanidade.  Seria  uma  lei  especial,  talvez,  do 
progresso  das  sciencías.  Mas,  então,  já.  antes  de  Buckle  alguém 
que  lhe  era  superior  em  génio  e  profundeza  de  conhecimentos, 
tinha  mais  precisamente  formulado  a  proposição.  De  facto,  que 
ficaria  sendo,  em  tal  bypotheae,  a  lei  do  historiador  inglez, 
senão  a  these  de  Augusto  Gomte,  segundo  a  qual  o  progresso 
das  sdencias  que  so  oocupam  com  o  homem  e  com  a  sociedade 
depende  do  desenvolvimento  das  sciencías  physicas,  assim  como 
o  destas  do  das  sciencías  inferiores,  na  ordem  hierarchica  ge- 
ralmente conhecida  ? 

A  segunda  lei  do  Buckle  não  é  menos  falsa.  B'  a  expressão 
de  um  fikcto  que  se  tem  dado,  que  pôde  se  verificar,  mas  não 
uma  lei  fundamental  da  historia.  Tem  razão  Littró,  quando 
assevera  que,  nem  com  relação  aos  indivíduos,  nem  com  re- 
lação ás  épocas,  se  pôde  reputar  o  scepticismo,  ou  o  espirito 
de  duvida,  uma  condição  necessária  das  primeiras  investigações 
das  leis  naturaes  (97). 

Buckle  impressionou-se  por  certos  factos  da  historia  da 
Hespanha,  onde  a  Bgreja,  auxiliada  pela  íDquisição,  fazia  uma 


(9())    Obra  citaria,  pap.  353. 

(97)  Líkscience  au  point  de  vue  philosophique ,  pag.  487. 


i 


A  HISTORIA  NO  CONCEITO  DE    BUCKLE  241 

guerra  de  extermínio,  só  explicável  pela  eetapidez  do  fanatismo 
a  todos  03  pensadores  e  homens  de  scíencia ;  e  por  esse  modo 
conservou  na  ignorância,  que  sempre  lhe  ó  tão  agradável, 
aquella  nobre  e  infeliz  nação.  Generalizando  precipitadamente, 
vicioso  habito  de  que  severamente,  mas  com  razão,  o  Inorepa 
um  seu  compatriota  iiiustre  (98),  Buckle  formulou  uma  lei 
geral  da  historia,  desmentida  a  cada  passo  pelos  factos.  Catho- 
licos  sinceros,  protestantes  fervorosos,  como  Descartes,  Newton, 
Haller,  fizeram  avançar  as  scienoias  naturaes  (99).  Na  edade 
média,  cegamente  si^eita  a  todos  os  dogmas  theologioos,  as  es- 
peculações da  alchimia  produziram  descobertas  importantes»  e 
prepararam  o  caminho  para  muitos  progressos  da  chimíca  (100) 
Ainda  na  idade  média,  as  crenças  religiosas  não  impediram 
Alberto  o  Grande  de  conceber  methodos  e  verdades  scientifieas 
muito  dissonantes  das  idéas  erróneas  qye  o  cercavam  ;  Vicente 
de  Beauvals  de  se  consagrar  ao  estudo  da  natureza,  de  inves- 
tigar no  dominio  da  astronomia,  da  botânica,  da  zoologia ; 
Rogério  Bacon  de  ser  o  propugnador  do  methodo  experimental 
naquella  época  de  trevas,  de  indicar  os  meios  de  extrahir  o 
phosphoro,  o  manganez  e  o  bismutho,  de  indirecta  ou  directa- 
mente dotar  a  civilização  com  inventos  preciosos,  eomo  os 
relógios,  as  lentes  e  os  espelhos  reflectores,  de  ter  ama  intuição 
do  poder  do  vapor,  e  de  algumas  das  principaes  doutrinas  da 
chimica  moderna,  de  insistir  sobre  a  necessidade  do  emprego 
das  mathematicas  como  auxiliar  das  outras  sciencias,  e  de 
iniciar  os  processos  para  o  estudo  da  refracgão  da  luz  (101). 

Dir-se-á :  todos  esses  homens  foram  perseguidos,  peia  VgrctJa* 
Sim  foram  perseguidos,  mas  eram  todos  catholicos  sinceros  e 
fervorosos,  e  isto  basta  para  mostrar  que  o  espirito  theologico 
n&o  ó  incompatível  com  o  estudo  das  leis  naturaes.  Os  primei- 
ros pensadores  da  philosophia  grega  não  eram  emaneipados 


(98)  The  Encyclopedia  Britatmica,  artigo  de  Flint  sobro  Buckle, 
vol.  IV. 

(99)  Littré,  obra  citada,  ibidem, 

(100)  Obra  citada,  ibidem, 

(101)  White,  Histoire  de  lalutle  entre  la  science  et  latheolagie^ 
cap.  XII. 

4323  —  16  Tomo  lxix.  p.  xl. 


242  REVISTA  DO  INStlTUTO  fíldtORÍCX) 

da  tradição,  ou  da  auotoridade  mythologica»  que  denominaria  mos 
theologica,  se  empregássemos  a  terminologia  de  Augusto  Gomte. 
Entretanto,  a  mais  arrojada  concepoSo  do  século  XIX  no  do- 
mínio das  sciencia  biológicas  foi  claramente  enunciada  por 
Anaximandro  no  que  se  chamou  o  seu  famoso  paradoxo:  a 
theoria  de  Darwin  sobre  a  transformação  e  descendência  das 
espécies  (102).  Um  dos  sábios  mais  eminentes  do  século  passado, 
Pasteur,  que  tanto  aprofandou  as  investigaç^eâ  das  leis  natura- 
es,  nâo  era  dominado  por  nenhum  espirito  de  duvida  )^elJgiosa. 
Não  foi  elle  quem  disse  em  uma  occasião  solenno  que  <a  Scien- 
cia e  a  anciã  de  comprehender  são  ofTeitos  dos  estímulos  que 
põe  em  nossa  alma  o  mysterio  do  universo  i  ?  O  estudo  doi 
phenomenos  physicos  não  provém  da  dúvida  religiosa,  mas, 
sim,  de  uma  curiosidade  ínstinctiva,  que,  desenvolvida  pelo 
trabalho  e  pelo  successo,  toma  um  caracter  de  amor  do  verda- 
deiro e  (ie  paixão  pela  verdade  (103). 

A  terceira  lei  de  Buokle  é  um  paradoxo,  que  o  historiador 
inglez  tenta  demonstrar  por  uma  serio  de  paradoxos,  explicá- 
veis unicamente  pela  excentricidade  britannica. 

A  moral,  conjuncto  de  preceitos  impostos  á  actividade 
voluntária  do  homem,  e  que  tem  por  fim  a  conservação  e  ò 
desenvolvimento  do  individuo  e  da  sociedade,  é  a  principio 
empírica,  e  faz  parte  das  religiões.  A'  proporção  que  se 
augmenta  o  conhecimento  do  homem  e  da  sociedade,  vamos 
comprehendendo  a  razão  de  ser  das  regras  ethicas,  as  leis,  no 
sentido  scientiâco  do  termo,  que  servem  de  base  aos  preceitos. 
A  moral,  de  simples  arte  que  era,  se  transforma  em  arte  e 
sciencia  ao  mesmo  tempo,  como  succede  ã  medicina,  á  nave- 
gação, ã  metallurgia,  à  agricultura.  Todas  as  artes,  todas  as 
praticas^  são  empíricas  em  sua  origem.  Com  o  progresso  dos 
oonhecimentos  scientidoos  vão— se  elevando  ã  cathegoria  de 
soiencias,  ou,  melhor,  cada  arte  se  vae  baseando  sobre  uma,  ou 
mais  sciencias  (104).  A  posse  dessa  verdade  incontestável  basta 


(102)  Latino  Coelho,  obra  citada,    pag.  287. 

(103)  J^ittré,  obra  citada,  pag.  488, 

(104)  Bain,  Logíque  dédiíctive  et  indtictwe,  trad.  de   Compàyre, 
vol.  1°»  pags.  41  e  42  da  2*  edição. 


A  HISTORIA  NO  CONCEITO  DE  BUCKLE  243 

para  repellirmos  o  erro  de  Backle.  Necessariamente  a  trans- 
forma^ da  pratioa  em  uma  arte  illuminada  pelas  scienoias 
ha  de  aogmentar,  não  só  o  numero  dos  preceitos,  como  a 
qualidade  daa  determinações.  O  próprio  Buckle,  em  contradioção 
com  a  sua  lei,  o  reconhece,  quando  escreve  esta  phrase  :  <as 
leis  moraes  estão  firme  e  invariavelmente  subordinadas  ás  leis 
iAtelleetoaes»  (105)  Quanto  mais  profundamente  conhecemos  a 
natureza  do  homem,  Individual  e  socialmente  considorado, 
mais  seguras  hão  de  ser  as  nossas  indicações  moraes,  os  nossos 
preceitos  pai-a  conservação  e  desenvolvimento  da  vida  humana 
B'  uma  verdade  que  nos  parece  evidente. 

A  mesma  moral  empírica  é  susceptível  de  progresso.  Não 
se  pôde  em  áã  consciência  negar  a  immensa  superioridade  da 
moral  christã  sobre  a  do  paganismo.  Buckle  não  trepida  em 
afflrmar  a  ineffieaeia  absoluta  das  melhores  regras  ethicaa» 
quando  desacompanhadas  dou  progressos  scientlficos.  Mas,  a 
isso  responde  a  historia  da  propagação  do  christianismo.  Não 
foram  as  naç5es  mais  adeantadas  as  que  primeiro  abraçaram  a 
moral chrisrtã ;  não  foram  a  Grécia  e  Roma;  foram  os  bárbaros 
(106).  E  negar  o  progresso  dos  barbares  pela  adopção  do 
ehristianismo  ô  certamente  um  paradoxo. 

As  sociedades  mais  esclarecidas,  cujo  progresso  sctentiíico 
6  maior,  são  melhores,  mais  humanas,  mais  justas,  mais  tole- 
rantes, reconhece  Buckle.  Que  quer  Isso  dizer,  senão  que 
representam  um  aperfeiçoamento  moral,  que  são  mais  morali- 
sadast  Como,  pois,  desconhecera  connezão  entre  o  progresso 
moral  e  o  intellectual  ? 

A  quarta  preposição  de  Buckle  è  formalmente  refutada 
pelo  ftctos  que  se  passam  hoje  em  todos  os  paizes  cultos,  na- 
Buropa  inteira  e  na  America. 

O  Estado,  em  vez  de  contrariar  o  desenvolvimento  das 
idencias  naturaes,  e  de  todas  as  outras,  ministra-Ihe,  pelo  con- 
trariOy  todas  espécie  de  subsidies.  Quando  na  Allemanlia,  na 
França,  na  Inglaterra,  na  Itália,  na  Bélgica,  na  Áustria,  na 


(105)  Vol.  lo.  pag.  253. 

(106)  Laurent,  obra  citada,  pag.  23i. 


244  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Hollanda,  Suiasa,  Estadoa-Unidos,  por  toda  parte,  o  Estado, 
direotamente  na  maior  parte  das  vezes,  indirectamente  em 
outros  casos,  crôa  naiTorsidades  e  academias,  dota-as  de  la- 
lx)ratorios  e  instramentos  aperfeiçoados  para  o  estado  das  sden- 
cias  que  inquirem  os  pT^enomenos  physicos^  assim  como  para  o 
cultiTo  de  quaesqaer  oatros  ramos  do  saber  ;  quando  em  todos 
esses  Estados  ha  plena  liberdade  para  as  inyestigações  sd- 
entiflcas  ;  quem  ousaria  repetir  o  paradoxo  de  que  o  espirito 
protector  do  Estado  é  o  grande  inimigo  do  progresso  inteUectual 
Apresentar  esse  paradoxo  como  lei  fundamental  da  historia  da 
humanidade,  transformar  em  lei  uuiyersal  um  fi&cto  que  se  tem 
dado  em  algumas  épocas,  mas  que  não  tem  o  caracter  de  constân- 
cia e  permanência  que  constituo  a  lei»  toca  ás  raias  do  absurdo. 

NSo  diremos  o  mesmo  do  espirito  protector  da  Egrqja.  O  que 
se  tem  dado  ó  isto  :  quando  se  propala  uma  descoberta  da 
sciencia,  que  oontraria  os  textos  bíblicos,  a  principio  a  Egr^a 
declara  uma  guerra  cruel  aos  propugnadores  da  idôa  nova ; 
depois  offerece  uma  doutrina  opposta,  com  fundamento  nos 
liyros  sagrados  ;  em  seguida  tenta  uma  concilia^  entre  os 
textos  e  a  verdade  scientiflca  incontestável ;  finalmente,  a  sci- 
encia triumpha  (107).  Foi  o  que  se  deo  com  as  theorias  sobro  a 
estructura  do  globo  terráqueo,  sua  configuração  e  seus  limites, 
sobre  os  cometas,  sobre  a  edade  da  terra.  Mas,  a  verdade  ó  que 
não  podemos  vôr  hoje  na  Egreja  esse  espirito  protector,  inimigo 
do  progresso  das  scienolas  naturaes,  de  que  nos  falia  Buckle^ 
Pelo  contrario,  nos  institutos  cajá  direcção  lhe  esta  confiada, 
a  Bgrega  actualmente  auxilia  a  acção  do  Estado  no  desenvol- 
vimento e  propagação  das  verdades  das  sciencias  naturaey. 

Posto  que  a  não  indúa  entre  as  quatro  proposições  que 
denomina  as  leis  fúndamentaes  da  historia,  Buckle  enun- 
oia  uma  outra  asserção,  que  no  seu  entender  é  €  a  base  da 
phUosophia  da  historia  ».  Essa  base  da  philosophia  da  historia  ó 
na  grande  divisão  da  civUização  em  européa  e  não  européa^  (108). 


(107)  WMte,  obra  citada,  pag.  154,  onde  se  rèm  diversos  exem« 
pios. 

(108)  VoL  lo,  pag.  173. 


A  HISTORIA  NO  CONCEITO  DE  BUCKLE  245 

A  tendência  da  historia  na  Europa  tem  sido  no  sentido 
de  subordinar  a  natureza  ao  homem  ;  fora  da  Europa— no  sen- 
tido de  subordinar  o  homem  á,  natureza.  Nos  paizes  bárba- 
ros» accresoenta  Buckle,  ha  diversas  excepções  a  esse  prineipio  ; 
nos  paizes  civilizados  nenhuma.  Se  qaizermos  comprehender 
a  historia  da  índia,  por  exemplo,  devemos  ater-nos  ao  es- 
tudo do  mundo  externo,  ou,  mais  propriamente,  dos  tàciore» 
physlcos,  que  são  quatro:  o  solo,  o  clima,  a  alimentação  e 
o  aspecto  geral  da  natureza.  Se  quizermos  comprehender 
a  historia  de  um  paiz  europeu,  como  a  França,  ou  a  Ingla- 
terra, o  homem  deve  ser  o  nodso  principal  objecto  de  estudo. 
NSo,  porque  a  pressão  da  natureza  nos  paizes  da  Europa  deixe 
de  ser  muito  sensível  ;  mas,  porque  vae  diminuindo  sucoes- 
sivamente,  de  geração  em  geração,  ã  medida  que  augmenta 
o  saber  do  homem,  e  este  se  apparelha  dos  meios  de  prever 
os  phenomonos  da  natureza,  e  consequentemente  de  prevenir 
um  grande  numero  de  males. 

Com  toda  a  razão  diz  Littró  que  o  asserto  de  Buckle,  lon- 
ge de  ministrar  a  base  da  philosophia  da  historia,  ó  um  erro. 
Para  se  poder  dividir  a  civilização  em  européa  e  extra-européa, 
ÍOra  mister  que  a  civilização  europôa  fosse  autochtone.  Mas, 
a  Europa  inteira  se  conservava  ainda  barbara,  quando  a 
Chaldéa,  a  Phenicia,  a  Assyria,  e,  muito  antes,  o  Egypto  bri- 
lhavam com  esplendor  das  artes  e  do  commercio,  fundavam 
grandes  cidades,  levantavam  esplendidos  monumentos,  labo- 
ravam os  metaes  e  ensinavam  o  resto  da  humanidade  a  lôr, 
a  escrever,  a  contar  e  a  medir.  Foi  na  extremidade  da  Ásia, 
nessa  Grécia,  meio  européa,  meio  asiática,  que  surgio  a  ci- 
yilização  européa,  destinada  a  se  tornar  universal.  A  pro- 
posição de  Buckle  só  é  verdadeira,  quando  restringida  a  um 
período  recente  ;  mas,  então  foge  e  se  esvaece  por  outro  lado, 
porquanto  a  civilização  emanada  da  Europa  se  implanta  na 
America,  na  Austrália,  começa  a  transformar  a  Índia,  mara- 
vilha o  Japão,  regioes^-tolas  essas— em  que,  segundo  o  sup- 
posto  axioma,  a  natureza  ô  mais  potente  que  o  homem  009). 


(109)  Obra  citada,  pags.  493  e  494, 


246  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

A  theoria  dos  agentes  physicos  por  si  só  nfto  explica  a  diffe- 
rença  de  progresso  entre  as  nações  da  Europa  e  as  de  outras 
regiões,  cujo  solo,  clima,  alimentação  e  aspecto  geral  da  na- 
tureza, se  não  po^em  considerar  obstáculos  ao  desenvolvimento 
da  ciYilisaçSo.  Nem  se  quer  a  diversidade  originaria  das  raças, 
cuja  indueocia  Buckle  nega,  ou  despreza,  e  a  que  Renan  liga 
tao  grande  valor  (110),  nos  dá  uma  razão  satisfactoria  dessa 
desegualdade  de  cultura.  Os  Árabes,  nómades  e  ídcuUos,  em* 
quanto  permaneceram  nos  seus  desertos,  olevaram-se  ao  mais 
alto  gráo  de  civilisação,  quando  reinavam  em  (Córdova  e 
Bagdad  (111).  Na  falta  de  uma  explicação  racional,  o  melhor 
é  appellarmos  para  as  felizes  conjuncturasy  com  que  já  se  tem 
procurado  occultar  a  ignorância  das  leis  que  regem  o  pheno- 
meno  (112). 

Não  poucas  das  inducções  de  Buckle  sobre  a  influencia  dos 
foctores  physicos  são  exageradas. 

No  sentir  do  historiador  inglez  o  aspecto  geral  da  na- 
tureza tem  uma  influencia  decisiva  na  formação  das  reli- 
giões. Não  somente  os  phenomenos  physicos  permanentes* 
taes  como  as  montanhas,  os  rios,  a  fauna  e  aflora,  como  os 
terremotos,  os  vulcões,  as  tempestades,  os  furacões  impres- 
sionam a  imagina^  do  homem,  ao  ponto  de  determinar  no 
taveis  dissemelhanças  na  religião.  A  cruel  superstição  do- 
minante na  índia  e  a  religião  amável  dos  gregos  têm  soa 
razão  de  ser  na  disparidade  apontada.  Buckle  esqueoeo-se 
de  que  na  Europa»  cujo  aspecto  physico  geral  forma  um  con- 
traste com  o  da  Índia,  a  mesma  superstição,  a  mesma  reli- 
gião sanguisedenta,  existiu  em  epochas  remotas.  Os  Druidas 
mancharam  o  solo  da  França  e  o  da  Inglaterra  com  os  mes- 
mos sacriflcios  cruentos  dos  sacerdotes  hindus  (113). 

O  clima  quente  é  um  dos  elementos  mais  favoráveis  á 
expansão  da  cultura  humana,  diz  Buckle. 


(110)  Bistoire  généraU  des   langues  sémitiques^   tomo  1^. 

(111)  Laarent,  pag.  219. 

(112)  Littré,  pag,  490. 
(ii3)  Laarent,  pag.  224. 


A  HISTORIA  NO  CONCEITO  DE   BUCKLE  24? 

To<Ias  as  oivili8l^fões  primitivag  tiveram  seu  berço  em  re* 
giões  fsivoreddas  por  um  alto  grau  de  calor,  e  onde,  codío- 
qoentemente,  a  terra  é  mais  fertU. 

Na  America  foram  o  México  e  o  Peru  os  primeiros  paizes 
qne  attiogiram  a  um  certo  grau  de  civilisacão.  Como  explicar 
o  facto  de  n|Lo  ter  tido  o  Brasil  uoia  oiyilisa^o  ade^ntadat 
como  a  do  México  e  do  Peru?  Buckle  forja  uma  theoriík 
curiosa»  e  ciyo  único  assento  é  uma  noção  falsa  da  geogra- 
phia  physica  do  nosso  paiz.  Os  ventos  aliseos,  que  vêm  de 
leste  e  dominam  a  oosta  oriental  da  Asíierica  do  Sul,  atraves- 
sam o  oceano  Atlântico,  e  por  isso  chegam  á,  terra  sobre- 
carregados dos  vapores  accumulados,  em  sua  ffissagem.  Esses 
vapores,  periodicamente*  se  condensam  em  obuvas  que, 
não  podendo  transpor  a  cadeia  gigantesca  doa  Andes,  89 
precipitam  sobre  o  Brazil,  e  o  inundam  em  torren<^  for- 
midáveis. As  chuvas,  alliadas  i  vasta  rede  âavlal,  e 
acompanhadas  do  calor,  d&o  ao  solo  uma  ^tividade  prodigiosa, 
que  nenhuma  parte  do  mundo  pôde  egualar.  Dahi  ^  profosão 
maravilhosa  e  incrivel  da  ftbona  e  da  flora  brazileiras.  Uma 
grande  extensão  do  paiz  se  compõe  de  florestas  espeesas,  oiija« 
arvores  magnificas  se  desentranham  em  fructos  com  uma  pro? 
digalidade  inexgottavel.  E,  para  que  nq^Mi  falte  a  esta  terr^  4# 
promissãp,  as  florestas  sfto  circamdadas  de  prados  ext^n^issin^i^t 
que,  regorgitando  de  calor  e  de  hamidade,  fonuM^m  aUn^antp  ^ 
innumeros  rebanhos  de  gado  selvagem.  Em  m^o  dassa  pompa, 
desse  esplendor  da  natureza,  não  ha  logar  para  o  homem,  red«r 
zido  á  insigniflcaoeia  pela  m^gftstade  que  o  c^?oa.  As  forçaa  con- 
tranaji  são  tão  formidáveis,  que  o  homem  nunea  lhes  poude  re- 
sistir á  menor  presâo.  Ahi  está  como  se  explica  a  ausência  da 
ama  einlisagio,  aborígene,  ou  exótica,  no  Brazil.  As  montanhas 
são  tão  altas,  que  não  podemos  vingal-as  ;  os  rios  tão  Icurgos» 
que  nio  podemos  transpôl-os  (114). 

Nós  a  lactarmos  eom  os  terríveis  effeitos  das  sêooas  perlo- 
dicas,  a  oavirmos  seguidamente  lamentar  a  devastação  dae 


(lM)Vol.  !•,  pw.  l»ai2Ç. 


248  REVISTA  DO  INSTITiJTO  HISTÓRICO 

nossas  mattaa  e  a  falta  do  terras  fortsis,  poucas  relatíTamente  i 
extensão  cborognraiphiea  do  nosso  território,  e  C3m  esses  porten- 
tosos tliesonros  ao  alcance  da  mão,  e  no  seio  dessa  fabulosa  fe* 
racidade ! 

A  ezaggeraoSo  de  Bnckle  ó  desculpável,  quando  vemos  um 
escriptor  brazileiro  descrever  o  seu  palz  com  hyperboles  ainda 
mais  arrojadas,  oom  amplificações  rhetoricas  ainda  mais  falsas, 
O  escriptor  bahiano.  Rocha  Pitta,  na  sua  famosa  Historia  da 
America  Portugueza^  conta-nos  que  o  Brazil  «  ô  uma  vastíssima 
região,  felicíssimo  terreno,  em  cuja  saperfloie  tudo  (Ao  fiructos, 
em  cujo  centro  tudo  são  the^ouros,  em  cujas  montanhas  e  costas 
tudo  são  aromas  ;  tributando  os  seus  cxmpos  o  mais  útil  ali- 
mento,  as  suas  minas  o  mais  fino  ouro,  os  seus  mares  o  âmbar 
mais  selecto ;  admirável  paiz,  a  todas  as  luzes  rico,  onde  prodi- 
gamente proAisa  natureza  se  desentranha  nas  férteis  pro* 
ducQôes,  que,  em  opulência  da  monarchia  e  beneficio  do  mundo, 
apura  a  arte,  brotando  as  suas  cannas  espremido  néctar,  e 
dando  as  suas  fructas  sazonada  ambrósia,  de  que  foram  mentida 
sombra  o  licor  e  vianda  que  aos  seus  falsos  deuses  attrlbuio  a 
culta  gentilidade.  Em  nenhuma  outra  região  se  mostra  o  oéo 
mais  sereno,  nem  madruga  mais  bella  a  aurora  ;  o  sol  em  ne- 
nhum outro  hemispherio  tem  os  raios  tão  dourados,  nem  os  re- 
flexos nocturnos  tão  brilhantes ;  as  estrellas  são  as  mais  be- 
nignas, e  se  mostram  sempre  alegres;  os  horisontes,  ou  nasça  o 
sol,  ou  se  sepulte,  estão  sempre  claros ;  as  aguas,  ou  se  tomem 
nas  fontes  pelos  campos,  ou  dentro  das  povoações  nos  aque- 
ductos,  são  as  mais  puras  :  ô  emfim  o  Brazil  terreal  paraiso  des- 
cobertOt  onde  tôm  nascimento  e  curso  os  maiores  rios ;  domina 
salutifiaro  clima ;  influem  benignos  astros,  e  respiram  auras  sua. 
vissimas,  que  o  fazem  fértil  e  povoado  de  innumeraveis  habita- 
dores.» 

Ao  passo  que  distribuo  aos  agentes  physicos  um  papel  tão 
importante,  Buokle  reputa  completamente  inefflcaz  a  acção  do 
governo  e  das  classes  dirigentes  para  o  melhoramento  da  socie- 
dade. Em  apoio  dessi  inducção  exhlbe  uma  sórie  de  argumentos, 
notáveis  pela  excentricidade.  Em  primeiro  logar,  os  homens 
que  governam  uma  na^o,  em  geral,  são  habitantes  do  pais,  im-^ 


A  HISTORIA  NO  CONCEITO  DE   BUCKLB  249 

biiidofi  doa  seus  preconceitos,  eiucados  nas  suas  tradições,  nutridos 
de  saa  litteratara ;  e,  portanto»  as  suas  medidas  legislativas  sSo 
effeitos,  en&o  causas,  do  progresso  social.  ICm  segundo  logar, 
todas  as  grandes  reformas,  por  elles  promovidas,  consistem, 
nSo  em  fazer  alguma  cousa,  mas  em  desfazer  o  que  estava 
feito.  São  esses  os  principaes  fundamentos  da  af9rmaQSo  de 
Buckle,  e  é  o  próprio  escriptor  britannico  o  primeiro  a  llies 
provar  a  falsidade.  Tudo  o  que  escceveo  Buckle,  sobre  as  re- 
formas e  o  merecimento  de  Richelieu,  cujo  governo  foi  €  tão 
felii  quanto  progressivo,  >  e  a  sua  apologia  de  Aranda  e  Florida 
Blanca  na  Hespanlia,  bastam  para  refutar  o  primeiro  argumenta. 
Segundo  o  testemunho  da  historia,  e  especialmente  da  historia 
contemporânea,  o  Estado,  ora  tem  dirigido  e  propulsado  o  movi- 
mento social,  fazendo  adeantar  a  civilisação,  exercendo  fanoQõds 
inovadoras  no  sentido  do  progresso,  ora  é  um  elemento  conser- 
vador ;  e,  então,  não  raro  desempenha  um  papel  benéfico,  impe- 
dindo as  alterações  politicas  e  sociaes  precipitadas,  ainda  não  com- 
prehendidas,  e  que  seriam  perniciosas,  como  reconhece  Buckle. 
Fora  inutii  lembrar  as  reformas  salutares  (em  meio  de  tantas 
outras  funestas)  realizadas  pela  iniciativa  do  governo,  em  nosso 
paiz—  por  exemplo,  para  provar  que  a  acção  dos  homens  que  go- 
vernam, ora  é  favorável  ao  progresso,  ora  contraria,  não  sendo 
permittido,  consequentemente,  formular  como  lei  histórica  a 
inefflcacia  do  governo  em  relação  ao  progresso  social.  O  segundo 
argumento  de  Buckle  envolve  manifesta  contradicção.  Não  po- 
deriam 08  governos  limitar  as  suas  funoções  a  desfazer  o  que 
está  feito  :  a  sua  esphera  de  actividade  se  restringiria  até  desap- 
parecer.  Deante  das  tendências  socialistas  dominantes  em  nossa 
época,  e  quando  o  Estado  cada  vez  mais  alarga  a  sua  activi- 
dade, creando  instituições,  regulamentando  factos  sociaes,  mani- 
festando, em  summa,  a  sua  força  impulsora  o  geradora  em  as- 
sumptos de  que  antes  não  cogitavam  os  governos ,  a  proposição 
do  historiador  inglez  dispensa  uma  impugnação  Amdamentada. 
No  conceito  de  Buckle,  em  synthese,  os  factos  históricos 
têm  duas  ordens  de  antecedentes  ;  a  influencia  dos  factores  phy- 
SÍCO0,  da  natureza,  sobre  o  espirito  do  homem,  e  a  influencia  da 
intelligeocia  humana  sobre  esses  agentes.    E\  como  ae  vé, 


250  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

uma  appiicação  da  theoria  do  determinismo.  A  natureza,  em 
contacto  incessante  com  o  nosso  espirito,  excita  as  nossa* 
paixões,  estimula  a  nossa  imaginação,  impressiona  diversa- 
mente a  nossa  intelligencia,  dando  aos  nossos  actos  uma  direoção 
que  sem  essa  inâuencia  elles  nao  teriam.  O  espirito  humano  por 
sua  Tez  modifica  a  natureza,  reage  conforme  o  grau  de  resis- 
tencia  dos  agentes  physioos ;  e,  quando  não  encontra  obstáculos 
no  mundo  externo,  desenvolve-se  segucdo  as  condições  de  sua  or- 
ganização. Qual  das  duas  influencias  éa  preponderante  f  A  do 
bomam  sobro  a  natureza  ?  A  da  natureza  sobre  o  homem  ?  Na 
Buropa,  responde  BucIUe,  ó  a  intelligencia  humana  que  predo- 
mina. Fora  da  Europa,  em  geral,  é  a  natureza,  a  qual  tanto  im- 
pressiona a  imaginação  do  homem.  Para  conhecer,  pois,  o  de^ 
senTolyimento  da  civilização  europóa,  importa  primeiro  que 
tudo  estudar  as  leis  fnerUaes,  que  se  dividem  em  inteUectuaes  e 
moraes,  como  já  vimos.  Dessas  duas  espécies  de  lois,  as  pri- 
meiras prevalecem,  são  as  mais  importantes.  Todo  o  progresso 
do  género  humano  depende  das  leis  intelle<^tMes^  isto  ó,  da 
descoberta  das  verdades  scientiflcaa*  Leis  inteUectuaes  e  leis 
moraes,  na  linguagem  de  Buckle,  significam  progresso  scientifico 
e  progresso  moral.  A  intelligencia  humana,  applicada  án  inves- 
tigações soientiflcas,  é  a  fonte  de  todo  o  progresso,  porqoanto 
domina  a  natureza,  transforma  os  agentes  physioos,  que  con- 
verte em  elementos  de  bem-estar  para  o  homem,  e  extingue  afi 
superstições— causa  de  tantos  males,  e  especialmente  das  luctas 
e  perseguições  religiosaSt  As  doutrinas  moraes,  immoveis,  invu- 
riaveis,  as  mesmas  em  todos  os  tempos,  em  nada  concorrem 
para  o  nosso  bem-estar,  e  ató  parecem  incapazes  de  qualquer 
contribuição  para  esse  fim.  Assim  como  as  religiões,  a  litte- 
ratura  e  a  politica,  na  theoria  de  Buçkle,  têm  um  papel  insi- 
gnificante, uma  acção  quasi  nulla,  em  relação  ao  progresso  da 
género  humano  :  são  effeitos,  e  não  oausas,  das  iddas  (domi- 
nantes, em  um  periodo  histórico.  A  sciencia  «  eis  o  elemento 
dominador  da  historia,  a  fonte  única  do  progresso  da  huma- 
nidade. 

Apresentar  assim  a  phUesophia  da  historia  de  Buckle  ^  um 
^pirito  refiectido,  e  conhecedor  àfk  historia,  é  refatar-lhe  an 


A  HISTORIA  NO  CONCEITO  DB  BUGKI-E  251 

leis  fdndamentees,^  ded  acções  tiradas  do  prinoipio  verdadleiro 
do  determinismo.  0^  íactosda  historia  antiga  e  os  faotos  da  his* 
toria  contemporânea  oppõem-se  formalmente  á  divís&o  de  toda 
a  historia  da  hunianidade  em  européa  e  não  enropéa.  A  civili- 
sacão  da  Europa  foi  precedida  da  civilisação  das  nações  do  Ori- 
ente. A  Europa  ainda  estava  mergulhada  em  um  estado  próximo 
do  selvagem,  quando  a  China,  a  índia,  o  Egypto«  a  Assyria,  a 
Phenicia,  a  Media,  a  Pérsia,  j&  contavam  muitos  séculos  de  ci- 
vilisação (115).  Foi  nos  planaltos  da  Asía  Central  que  os  primi- 
tivos Aryas,  ou  Indo-europeos,  formaram  o  núcleo  dessa  civili- 
sação, que  depois  se  espalhou  e  desenvolveo  pelos  hindus,  pelos 
persas,  e  mais  tarde  pelos  gregos,  romanos  e  celtas  (116).  Hoje 
os  descendentes  desses  mesmos  Aryas,  ou  indo-europeos  repre- 
sentam e  propagam  a  civilisação  européa  nas  duas  Américas, 
na  Oceania,  em  todas  as  partes  do  globo.  Qae  significa,  pois,  a 
divííâo  da  historia  da  humanidade  em  enropéa  e  extra-européa  ? 
Será  pormittido  er{gir  um  facto  transitório  á  categoria  de  lei 
fundamental  da  historia  universal  ? 

Considerar  as  investigações  no  domínio  das  sciencias  que  es- 
tudam os  phenomenos  physicos  a  base  unioa  da  civilisação  eu- 
ropéa, ou  de  qualquer  outra,  é  substituir  arbitrariamente  por 
uma  concepção  individual  a  idéa  representada  por  esse  vooa* 
bulo.  O  progresso  do  género  humano  não  depende  exclusivamente 
do  suocesso  das  investigações  das  sciencias  physicas.  Reduzir  a 
civilisação  ao  progresso  das  sciencias  que  se  occupam  com  o 
mundo  physico  é  mutilar  essa  idéa  complexa.  Taes  sciencias,  ou 
quaesquer  outras,  em  seu  desenvolvimento  reflectem  apenas  uma 
das  faces  da  vida  da  humanidade,  que  se  desdobra  em  muitos 
outros  ramos  de  actividade,  todo^  conducentes  ao  bem-estar  do 
homem,  que,  segundo  Buckle,  4  o  flm  da  civilisação.  Dentre 
tantos  elementos  o  progresso  moral  nunca  se  poderá  di^r  so' 
menos.   Para  a  felicidade  humana,  qual  a  concebemos  geral- 


(115)  Entre  outros  os  seguintes  anctores  de  obras  didácticas: 
Victor Duruy,  Histoire  Gênêrale ,  e  Consiglieri  Pedroso,  Compendio 
de  historia  univencU. 

(110)  O.  Carie,  Lavita  dei  diritto  nei 9Uoi  rapporti  cdla  tiUk  $^ 
etoZtf,  Ht.  lo.  cap.  1^. 


252  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

mente«  nao  basta  domar  a  natureza,  aproveltar-lhe  as  forças  em 
nosso  beneficio.  O  aperfeiçoamento  das  instituições  politicas  e 
sociaes,  o  cultivo  dos  sentimentos  altraistioos,  o  adoçamento  das 
relações  exclusivamente  moraes,  a  ednca(^  qne  torna  o  homem 
justo,  bom,  tolerante»  generoso  e  amável,  ftizem  parte  da  civi- 
lisação^  e  nunca  se  poderiam  Julgar  fttctores  menos  importantes 
do  bem  estar  da  humanidade  que  o  desenvolvimento  seientifloo. 

Mas,  dir-se-á  talvez:  se  o  progresso  moral  não  acompanha 
o  progresso  intellectual,  Buckle  tem  raiao  ao  menos  em  uma  das 
suas  inducções.  Não:  a  moral  não  é  estacionaria ;  a  doutrina  e 
ofl  sentimentos  ethicos  não  são  invariáveis,  fixos,  immoveis«  em 
meio  dos  progressos  das  sciencias.  Se  o  século  XIX  foi  um  pe- 
ríodo notável  pelas  descobertas  sclentificai  e  inventos  indns 
triaes,  não  deixou  de  ser  uma  edade  de  progresso  moral:  a  guerra 
se  fez  menos  deshumana;  todos  os  povos  cultos  aboliram  a  es- 
cravidão, a  roais  immoral  das  instituições  civis ;  a  posição  da 
mulher  se  nobilitou  ;  no  fhndo  das  propagandas  das  varias  sub- 
escolas  em  que  se  divide  o  socialismo  ha  uma  idéa,  ou  um  senti- 
mento moral.  Posto  que  menos  do  que  as  lei$iwtéUectua&$^  at  leis 
nwraes  progrediram.  Em  outras  épocas,  a  cultura  moral  foi  su- 
perior &  scientifica.  Um  exemplo  temos  nos  Judeus, povo  de  quasi 
nuUa  cultura  intelleciual,  mas  de  uma  doutrina  moral  adeanta- 
dissima.  Provam-no  o  decálogo  e  as  prescripções  da  lei. 

Ainda  no  século  XIX,  o  Estado,  mais  do  que  os  individuos, 
foi  o  grande  propulsor  das  investigações  scientificas.  O  seu  es« 
pirito  protector  não  impedio,  favoreceo  o  desenvolvimento,  em 
proporções  nunca  antes  observadas,  das  sciencias  que  estudam 
os  agentes  naturaes. 

Buckle  não  constituiu  a  philosophia  da  historia.  As  suas 
generalizações  não  traduzem  leis  históricas.  Nem  com  a  sua 
extraordinária  erudi<^,  nem  com  o  seu  admirável  poder  mental, 
logrou  mais  do  que  um  ensaio,  um  tentamen,  superior  ã  maior 
parte  dos  estudos  do  mesmo  género,  pelo  principio  de  que  partio, 
e  pelo  methodo  que  empregou. 

Esse  mesmo  methodo  e  esse  mesmo  principio,  applicados  ao 
estudo  dos  foctos  liistorioos,  tôm  sido  fecundos  em  resultados, 
{nas  para  o  dominip  de  outras  sciencias. 


A  HISTORIA  NO  CONCEITO  DE  BUGKLE  253 

Pttla  própria  natureia  das  ooasas,  a  philosopMa  da  historia 
éimpoesivel. 

A  fidta  do  historiador  britaimioo»  explioayel  pelo  arrojo  do 
sen  génio,  piOTeio  de  nio  ter  observado  o  preoeito  scieatiflco  que 
mais  tarde  Da  Bois-ReymoDd  íbrmaloa  no  seu  famoso—  Ignara» 
bimus,  completado  por  Yirchow  com  o  nio  menos  celebre— I2tf<- 
tringamur  (117). 

Igncrabimus  et  reêiringamur^ 


(117)  llaeckel.  '^Leê  preuveê  du  tratuformiême.  eap.  VIU 


Mais  algumas  theorias.  O  conceito  real  da  historia 


Fustel  dd  Coulanges,  admirável  pela  discreçâo  e  segurança 
de  seas  estudos  históricos  (118),  ea  cujas  investigações  se 
devem  subsídios  tão  preciosos  para  as  inducções  do  direito  e  de 
outros  ramos  da  soiencia  social,  era  severo  para  com  os  philo- 
sophos  da  historia.  Não  via  nenhum  fundamento  scientiâco, 
nem  methodo  baseado  nos  princípios  da  logioa,  nessas  vastas 
construcç5es  abstractas,  que  constituem  os  ensaios  da  philo- 
sophia  da  historia;  e  votava-as  ã  mesma  aversão  que  os  positi- 
vistas alimentam  contra  as  concepções  puramente  metaphysicas 
(119). 

Em  verdade,  que  ô  a  philosophia  da  historia?  A  doutrina 
que  pretende  ensinar-nos  as  leis  que  presidem  á  evolução  dá 
humanidade.  A  darmos  credito  aos  phílosophos  da  historia,  a 
sua  theoria  abrange  o  curso  inteiro  da  historia  do  género  hu- 
mano. Elies  nutrem  a  pretensão  de  determinar  donde  veio  a 
humanidade,  e  qual  a  direcção  que  ha  de  seguir  no  futuro  (120). 

Indicar  o  objecto  de  tal  doutrina  é  implicitamente  mostrar 
à  impossibilidade  de  sua  constituição  scientiflca,  porquanto  não 
podemos  conhecer  o  coi^juncto  dos  factos  que  formam  o  todo  da 
historia  da  humanidade,  nem  induzir,  ou  generalisar,  para 
prever  o  futuro,  tomando  por  base  os  factos  do  passado  e  do 


(ií8)  La  cite  antique,  IlUtoire  des  Institutions  Polititíues  de  Vafi' 
oienne  Franee^  Recherches  sur  quelques  problémet  d'hí8Unre.  Uma 
parte  desses  trabalhos  foi  escripta.  ou  redigida,  por  seus  discípulos. 

(119)  Langlois  e  Seignobos,  obra  citada. 

(120)  Oumpiowiez  Sooiologieet  Politique,  16  e  Précisde  Politique, 
liv.  V,  §1. 


256  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

presente.  Tal  processa  lógico,  admissível  em  relação  a  orga^ 
nismos  menos  complexos,  e  sôdes  de  phenomeaos  de  incessante 
repeti^,  é  inapplicavel  a  um  ser  dotado  de  tal  complexidade, 
que  08  seus  actos,— effei tos  das  causas  múltiplas  que  concorrem 
para  a  formação  da  psychica  humana,  e  da  infinita  e  variável 
riqueza  de  idéas  e  sentimentos  que  constituem  os  motivos  de- 
terminantes de  nossas  volições,—- são  por  seu  turno  causas  de 
novos  ílactos  históricos,  reproduzlndo-se  o  phenomeno  em  uma 
continua  progressão. 

A  prova  desta  verdade— temol-a  noinsuccesso  das  principaes 
e  mais  preconisadas  concepções  da  philosophia  da  historia. 

A  doutrina  providencialista  responde-nos  categoricamente 
ás  perguntas:  donde  vimos,  para  onde  vamos.  Ha  um  livrinho, 
dizia  Joufflroy,  que  se  faz  decorar  ás  crianças,  o  quai  contem 
uma  solução  para  to  ias  as  questões  que  se  tem  formulado  sobre 
a  origem  e  o  destino  da  humanidade,  todas  sem  excepção.  Per- 
gunte-se  ao  menino,  que  aprende  o  seu  catechismo,  donde  vem 
a  espécie  humana,  elle  o  sabe;  para  onde  vae,  elle  o  sabe;  como 
vae,  elle  o  sabe  (121).  A  dialéctica  e  a  eloquência  do  génio  de 
Bossuet  fizeram  com  esses  elementos  uma  theoria  seductora 
para  certa  ordem  de  espíritos.  Mas,  que  tem  de  commum  essa 
doutrina  com  as  investigações  da  sciencia?  Ck)useguio-se  €  o 
grande  triumpho  final»  da  philosophia  da  historia,  que,  no 
dizer  de  Fllnt,  outro  providencialista,  consistirá  em  descobrir  e 
provar  o  plano  divino,  que  reduzira  a  um  denominador  commum 
o  chãos  apparente  das  acções  humanas  de  que  se  occupa  a  his- 
toria, e  mostrará  uma  harmonia  e  um  cosmos  nesse  chãos  ? 
Para  responder  affirmativamente,  fora  necessário  começar  por 
onde  começam  os  providencialistas,  isto  é,  acceitar  unicamente 
como  a  expressão  da  verdade  histórica  os  livros  sagrados,  e 
abstrahir  da  historia  das  nações  que,  antes  dos  Hebreus,  Já  go- 
savam  de  uma  civilisação  intelleotualmente  superior  á  deste 
povo.  A  historia  da  Pérsia,  a  do  Egypto,  a  da  índia,  são  elimi- 
nadas pelos  providencialistas,  como  se  essas  nações  não  ti- 


(121)  Premien  mélanges  phihsophiquês,  pagt.  330  e  374,  e  3*  •dição. 


MAIS  ALGUMAS   THBORIAS  257 

Tessem  existido  (122).  Para  admittir  a  intervenção  miraoulosa 
da  Providencia,  o  a  pbilosophia  da  historia  dos  providencia- 
listas,  é  mister  abstrahir  de  alguma  cousa  que  ainda  paza  mais 
do  que  a  historia  de  todas  essas  nações,  isto  ô,  de  tudo  o  que 
sobre  o  nosso  systema  planetário,  sobre  a  terra,  os  seus  ele- 
mentos, e  o  homem,  nos  ensinam  (em  opposição  aos  livros  que 
sorvem  do  base  á  doutrina  do  providencialismo)  a  astronomia, 
a  goographia  phydici,  a  geologia,  archeologia  prehistorica,  a 
anthropologia,  a  meteorologia,  a  phyaica,  a  chimica,  a  medi- 
cina, a  hygieoe,  a  philologia  comparada,  a  egyptologia,  a  assy- 
riologia.  As  theorias  theologicas  sobro  a  formação  do  universo, 
sobre  a  edade,  a  estructura,  a  configuração,  os  limites  e  a  po- 
sição do  nosso  globo,  sobre  a  antiguklado  do  homem  e  sua 
condi(^  primitiva,  sobre  a  therapeutioa  e  a  psychiatria,  para 
não  alludir  a  muitas  outras,  estão  em  formal  opposição  (como 
implicitamente  têm  sido  obrigados  a  reconhecer  os  sectários 
do  providencialismo  miraculoso)  com  os  resultados  das  investi- 
gações scientificas,  com  as  verdades  baseadas  sobre  a  obser- 
vado dos  factos.  Importa  ainda  abstrahir  da  lógica  e  dos 
princípios  elementares  de  justiça,  para  acceitar  a  explicação 
theologica  da  historia,  qual  nol-a  dão  todos  aquelles  que  tudo 
reduzem  ao  arbítrio  da  Providencia,  superior  ás  próprias  leis 
que  promulgou. 

O  providencialismo  não  miraculoso,  a  doutrina  de  LAurent, 
Rocholl,  o  tantos  outros,  ó  uma  concepção  subjectiva,  um  ten- 
tamen  de  concialiação,  que  não  satisfaz  a  fô,  nem  a  sciencia  ; 
não  se  filia  aos  livros  sagrados,  nem  se  submette  aos  methodos 
scicntiflcos.  Laorent  repelle  vehemente  a  intervenção  miracu- 
losa da  Providencia  na  historia  ;  mas,  quando  se  lhe  diz  que 
ness^  caso  devemos  estudar  as  leis  dos  factos  históricos,  pro- 
curar descobrir  o  que  ha  de  commum,  de  constante,  de  perma- 
nente, de  uniforme,  na  vida  da  humanidade,  não—responde 
vivamente  o  notável  jurisconsulto,  e  medíocre  pbilosopho:  ad- 
mittir  leis  na  historia  ó  admittir  na  historia  o  fatalismo,  a 


43á?3-i7  Tomo  lxix.  p.  ii 


258  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTOUICO 

negação  de  Deas  e  do  livre  arbítrio.  Tudo  se  explioa  no  provi- 
dencialismo  não  miraculoso  pela  immanenoia  de  Deus  na  huma- 
nidade. E  isso  basta  para  revelar  o  caracter  não  scientifico  da 
doutrina. 

Uma  theoria  philosophica  da  historia,  ensinada  por  emi- 
nentes pensadores,  e  muito  vulgarisada,  é  a  que  assenta  sobre 
a  lei  fundamental  do  progresso  continuo,  necessário  e  universal. 
Temos  aqui  uma  inducçâo  sem  base  scientiflca.  O  que  a  his- 
toria nos  mostra  sao  progressos  parciaes  e  intermittentes  (123), 
com  períodos  estacionários,  e  roodos  para  o  passado.  Gomo 
nos  certificarmos,  perguntaremos  com  Gumplowicz,  da  direo^^o 
do  €fio  vermelho  do  progresso^^  de  que  será  sempre  ama 
linha  recta?  de  que  não  mais  descreverá  curvas,  nem  que- 
bradas? de  qne  não  se  partirá,  nem  se  perderá  nas  pro- 
fundezas da  historia?  Ao  lado  da  tendência  para  o  pro- 
gresro,  ha  em  a  natureza  hnmana  uma  tendência  conser- 
vadora: —  é  o  que  nos  ensina  a  observação.  Prevalecerá 
a  primeira  dessas  forças  continua  e  universalmente,  vencendo 
os  obstáculos  dos  agentes  naturaes,  dos  erros  e  das  ruins  pai- 
loes  dos  homens  ?  A  humanidade,  já  o  disse  um  pensador  no- 
tável, p6de  ser  comparada  a  um  immenso  polypeiro,  enjas  rs^ 
miflcaç56S  correspondentes  ás  diversas  raças  se  estendem  in- 
cessantemente pelo  oceano  das  edades.  Os  factos  revelados 
pelo  estudo  dos  principaes  ramos  dessa  arvore  ethnica  nSo  são 
sufflcientes,  pelo  menos  até  ao  presente,  para  nos  permittir 
traçar  a  linha  dos  destinos  humanos.  A  historia  é  um  continuo 
devenir,  um  fieri  perpetuo :  e,  pois,  pela  sua  própria  natureza 
escapa  á  determinação  de  um  principio  director.  Os  pheno- 
menos  históricos  não  se  repetem,  como  os  dos  corpos  inorgâ- 
nicos, os  dos  organismos  individuaes,  e  os  dos  próprios  orgar 
nismos  sociaes. 

A  evolução  de  Spencer,—  consistente  na  integração  da  ma- 
téria, acompanhada  de  uma  dissipação  'e  movimento,  durante 
a  qual  a  matéria  passa  de  uma  homogeneidade  indefinida,  in- 


(123)  LaAglois  e  Seignobos,  liv.  3».  cap.  4^. 


MAIS   ALGUMAS  THEORÍAS  259 

coherente,  para  uma  heterogenidade   definida,  coherente,  e  o 
movimento  soffre  uma  transformação  parallela,  —  acceitavel 
em  relação  aos  organismos  indlviduaes  e  sociaes,  tem  o  ca- 
racter de  simples  hypotliesd,  quando  applicada  á  vida  da  es- 
pécie liumana.  Mera  deducçio  de  princípios  que  regem  o  des- 
enrolrimento  de  outros  seres,  nSo  se  apoia,  nem  pôde  apoiar- 
se,  no  processo  inductivo.  Nem  se  diga  que  o  conliecimento  do 
individuo  e  da  sociedade  nos  autorisa  a  formular  a  lei  ftinda- 
mental  reguladora  do  desenvolvimento  da  espécie.  Assim  como, 
nâo  bastou  conhecer  o  bomem  individualmente,  para  constituir 
a  flciencia  social,  também  não   é  sufflciente  estudar  a   soci- 
edade, para    constituir  a  sciencia  da  evolução  da  humanl- 
edade,  ou    para   prever  a  sua   evolução    futura.     As    soei- 
dades,  como  os  indivíduos,  se  têm  formado,  crescido,  attingido 
á  maturidade,   e  decahido.  A  Oreclae  o  povo  romano  da  an- 
tiguidade clássica  só  têm  de  commum  com  a  Grécia  e  a  Itália 
dos  nossos  dias  a  identidade  do  solo  e  dos  agentes  natnraes 
( 124  ).  A  evolução  da  liumanidade  se  dará  do  mesmo  modo? 
Sobre  este  mesmo  globo   existirão  homens  com  idéas  e  senti- 
mentos diversos  dos  nossos?  Ou  desapparecerão  as   sociedades 
humanas  da  superfície  do  planeta  ?  A   evolução  leva  todo  o 
corpo  orgânico    ao  equilíbrio,  ponto  fatal  em  que  começa, 
em  sentido  inverso,  o  phenomeno  complementar  e  correlativo 
da  evolução,  a  dissolução.    Dar-se-ha  esse  phenomeno  com  a 
humanidade  ?  O  estado  de  privai  absoluta  de  movimento» 
a  morte,  que  termina  a  evolução  dos  corpos  orgânicos,  será 
o  typo  da  morte    universal,  em   cujo  seio  a  evolução  da 
espécie  irã  absorver-se  ?  Até   onde  vae  a  analogia  entre  a 
evolução  dos  organismos  individuaes  e  a  evolução  da  humani- 
dade ?  Devemos  considerar  como  o  fim  de  tudo  «  um  espaço  in- 
finito, povoado  de   soes  exiinotos  e  votados  ã  eterna  immobi* 
lidade  >   ?  Ou  esse  fim  apparente  será  o  inicio   de  uma  vida 
nova,  o  signal  da   eclosão  de  mundos  futuros,   de  que  nada 
no  passado  nos  pôde  dar  umo  idóa?  São  perguntas,  diz  Garo,  a 


( 124 )  Gaston  Deschamps  —La  Grèoe  d^aupuréfhui. 


260  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

qae  a  theoria  da  evolação  não  p6d6  rosponder,  e  Spencer  nos 
deixa  debruçados  á,  margem  da  eternidade,  c  interrogando  em 
Yão  com  o  pensamento  o  infinito  tenebroso  »  ( 125  }. 

Taine,  em  França,  e  Mommsen,  na  Allemanha,  sem  cre- 
arem  explicitamente  uma  philosophia  da  historia,  de  tal  arte 
escreveram,  o  primeiro  —  as  Origens  da  França  Contemporânea, 
e  o  segando  —  a  Historia  Romana^  que  bem  rerelaram  a  fili- 
ai de  sua  theoria  h  idéa  fundamental  da  concepção  histórica 
de  Hegel,  assim  como  Buckle  já  se  tinha  inspirado  na  Idéa  de 
uma  historia  universal^  de  Kant,  que  lançou  neste  opúsculo  as 
bases  da  doutrina  determinista,  desenvolvida  pelo  historiador 
britannico  (126).  Segando  a  theoria  de  Taine  e  Mommsen,  e 
que  é  também  a  de  Ranke,  todo  facto  histórico  real  6  ao  mesmo 
tempo  racional.  Os  phenomenos  sociaes  têm  sua  razão  de  ser 
no  desenvolvimento  da  sociedade,  em  cujo  proveito  se  veri- 
ficam. Ao  historiador,  pois,  cumpre  filiar  as  instituições  ásne- 


( 125 )  E.  CATO—Le  progrés  sooial^  IV. 

( 126 )  Caaaará  surpreza  aos  que  não  têm  aprofundado  estes  es- 
tudos que  o  autor  do  Kxame  da  critica  da  razão  pratica,  depois  de 
basear  toda  a  sua  doutrina  moral  e  jurídica,  e  a  sua  metaphysica, 
sobre  a  noção  de  cau»a  racional  e  livre,  ou  sobre  a  liberdade  voli^ 
Uva,   admitta   em  seguida  a   theoria    determinista    como  o  funda- 
mento da  explicação  da   historia.  Entretanto,  na  introducção  do 
opúsculo  citado  no  texto,  Kant  escreveu:  «  Quaesquer  que  sejam  as 
nossas  divergências  sobre  a  liberdade  da  vontade,  considerada    sob 
o  ponto  de  vista  metaphysico,  é  evidente  que  as  manifestações  dessa 
▼ontade,  isto  é,  as  acções  humanas,  estão  sujeitas  ao  império  das 
leis  universaes  da  natureza,  do  mesmo  modo  c^ue  os  outros  pheno- 
menos physicos,  sejam  quaes  forem».  E  o  que  ainda  ó  mais  interes- 
sante é  o  facto  de  Kant  haver  otfc^recido  como  prova  da  sua  theoria 
determinista  da  historia  os  dados  estatísticos  sobre  que  mais  tarde 
se   apoiou  Buckle,  cuja  philosophia  parece  a  nogação  da   metaphy- 
sica do  philosopho'de'Koenigsberg.  Kant  apresenta-nos,   para  pro- 
var a  sujeição  aa  vontade  aos  factores  physicos  c  aos  motivos,  a  uni- 
formidade ou  as  alterações  graduaes  o  lentas,  que  se  notam  na  cs- 
tatistica  dos  casamentos  e  nascimentos,  o  accrescenta:  «  Os  regis- 
tros annuaes  em  que  so  coni^ignam  esses  factos  nos  grandes  paizes 
provam  que  elles  se  produzem  de  um  modo    tão  conforme  ás  leis  da 
natureza  como  as  variações  da  temperatura.    Essas  variações    iam- 
bem  são  factos  tão  irregulares  nas  suas  particularidades,  q^ue  não 
podemos  prevê  1-os  individual  e  oircumstanciadamente  ;  todavia,  con- 
siderândo-os  em   uma  serio  inteira,  verificamos  que  nunca  deixam 
de  fazer  cresceras  plantas,  correr  os  rios,  nem  de  produzir  outras 
harmonias  da  natureza^  segundo  um  curso  uniforme  e  ininterrupto  » 

Opusoolo  citado,  introduegão). 


MAIS  ALGUMAS  THEORIAS  261 

cessidades  socíaes,  que  foram  chamadas  a  satisfazer  em  sna 
origem   (127).  c  Em  1789,  —  é  assim  que  Taiae  começa  a 
descrever  o  antigo  regimen,  —  três  espécie  de  pessoas,  os  ec« 
desiasticos»  os  nobres  e  o  rei   occupavam  a  sitaaçSo  eminente 
com  todas  as  suas  vantagens,  autoridades,  bens,  honras,  ou, 
pelo  menos  privilégios,  isenções,  graças,  pensões,  preferencias 
e  o  mais.  Se   desde  tão  longo  tempo  essas  pessoas  occupavam  eâse 
logar  é  porque  durante  muito  tempo  o  tinJuim  merecido  >  ( 128 ). 
O  clero  conquistou  a  sua  posição,  satisfazendo  uma  necessidade 
sentida  por  uma  nação  subordinada  a   um  regimen  duro  e 
ítío,  effeito  das  luctas  e  da  organisação  politica.  A  religião  que 
pregava  a  resignação,  e  inspirava  a  paciência,  a  doçura,  a  hu- 
manidade, a  abnegação,  a  caridade,  e  promettia  o  reino  de 
Deus,  devia  necessariamente  penetrar  e  dominar  o  espirito 
dos  homens  suffocados  e  esmagados  sob  tal  estructura  social. 
Por  outro  lado,  no  seio  de  um  Estado  que  se  despovoava  e  dis- 
solvia, a  Egreja  constituía  uma  sociedade  viva  e  disciplinada, 
unida  por  uma  doutrina  em  tomo  de  um  escopo.  Foi  o  clero  o 
guarda  da  litteratura,  das  sciencias,  da  theologia,  da  língua 
latina,  das  artes  e  das  industrias,  do  amor  ao  trabalho  e  do 
habito  do  trabalho  regular.  A  esses  beneflcios  deve  o  clero  o 
devotamente  que  grangeou.    Pela  protecção  que  dispensava 
a  quantos  se  acolhiam  aos  castellos  e  mansões  da  nobreza»  em 
uma  época  na  qual  <  não  ser  assassinado  e  ter  uma  vestimenta 
de  pelle   durante  o  inverno   era  para  um  grande  numero   de 
homens  a  suprema  felicidade  »,  explicam-se  o  poder  e  o  prestigio 
da  segunda    ordem  do  Estado.  O  rei  ó  o  chefe    neoessario 
para  organisar  a  defesa,  para  libertar  o  paiz  das  invasões 
estrangeiras,  para    luctar    contra   os  papas,    e  os  reis  das 
nações  inimigas.   Assim  foi  uma  necessidade  social  que  deo 
vida  a  cada  um  dos  elementos  que  formaram  a  estructura 
da    sociedade  franceza  e  a   sua  constituição   politica,   antes 
de  1789.   Ouçamos  a   Mommsen,   O  processo   explicativo  é  o 
mesmo.  A  arme  crença  na   unidade  e  na  omnipotência  do 


(127)  Langlois  e  Snignobos,  obra  citada,  pags.  247  e 248. 
(  128)  L'Ancien  Jiégim  e^liv,  !•,  cap.  I^. 


262  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Estado  ora  a  baae  dus  constitaiçoes  doi  povos  itálicos,  e 
punha  nas  mãos  de  um  chefe  único  um  poder  formidável,  cujos 
effeitos  36  fazl  im  sentir,  não'  somente  sobre  os  inimigos  do 
paiz,  como  sobre  os  próprios  cidadãos.  Naturalmente  se  davam 
abusos  e  oppressões,  e,  como  consequência  necessária,  appare- 
ceram  tentativas  no  sentido  de  limitar  esse  poder.  Dahi  a  abo- 
IíqEo  da  realeza,  e  o  estabelecimento  do  poder  consular.  A  pro- 
funda modifioaçãoToi  o  resultado  áo  €  desenvolvimento  natural 
das  cousas  »,  e  a  prova  est&  em  que  mudança  idêntica  se  realisou 
de  um  modo  análogo,  na  constituição  de  todos  os  povos  itaio- 
grecos.  Não  foi  só  em  Roma,  foi  também  entre  os  Etruscos,  os 
Apulios,  os  Sabellios,  em  todos  os  povos  itálicos  e  gregos,  que 
08  magistrados  vitalícios  se  substituíram  pelos  magistrados 
annuaes.  O  organismo  da  antiga  politica  itálica  e  grega  pro- 
duziu por  si  mesmo,  por  uma  espécie  de  necessidade  natural, 
a  extineção  do  poder  vitalício  (129).  Caminhos  diversos,  aoci-* 
dentes  vários,  circumstanoias  múltiplas,  se  nos  apresentam 
oomo  causas  apparentes  dessas  e  outras  transformações  radioaes 
a  causa  efflciente  ó  uma  necessidade  natural  da  sociedade.  E, 
assim,  onda  Bossuet  divisa  signaes  evidentes  da  interven^  da 
Providencia,  a  ca&tigar  os  crimes  e  os  peccados  dos  homens,  a 
revelar  a  sua  affeição  a  um  povo  eleito,  a  exaltar  e  abater  as 
nações,  ora  guiando-as  para  a  gloria  e  a  felicidade,  ora  des- 
norteando-lhes  os  planos,  esourecendo-lhes  os  destinos,  e  fazen- 
do^as  cambalear  oomo  crianças  e  ébrios,  Mommsen  e  Taine  só 
descobrem  uma  ordem  natural,  oimentada  por  necessidades  in- 
ooerciveisl  Mas,  a  theoria  do  caracter  racional  da  historia  ó 
Iklha  e errónea  como  todas  as  outras.  Para  nos  convencermos 
desta  verdade,  basta  generalisarmos.  Appliquemos  o  prin- 
oipio  a  quaesquer  transformações  politicas,  de  que  nos  dã  no- 
ticia a  historia,  ou  que  se  tenham  realisado  no  periodo  contem- 
porâneo, e  facilmente  havemos  de  vêr  que  os  erros  e  as  ambições 
erlminosas  dos  homens  constituem  um  factor  histórico,  não 
raro  preponderante,  e  que  não  ó  licito  omittir.  A  observação 


(129)  Historia  Romana,  liv.  í»,  cap.  i^. 


MAIS  ALGUMAS  THBORIAS  263 

dos  factos  mostra-nos  que  a  evolução  politica  e  social  nem 
sempre  tem  nm  caracter  racional,  A  falsidade  da  tbeoria 
resalta  com  toda  a  evideaola,  qaaado  atteademos  &  acçSo  na 
historia  áo^  grandes  homens.  Longe  de  nós  a  convicção  de  que 
seja  verdadeiro  o  paradoxo  de  Carlyle  para  quem  <  a  historia 
universal  consiste  essencialmente  nas  biographias  reunidas  dos 
heróes»  (130).  Bem  sabemos  que  os  grandes  homens  são  pro- 
dactos  do  meio  social:  antes  que  um  grande  homem  possa 
refazer  uma  sociedade,  é  preciso  que  a  sociedade  o  faça.  Im- 
possível, nota  Spenoer,  um  Aristóteles  descendente  de  pães  cujo 
angulo  facial  meça  cincoenta  gráos,  ou  um  Beethoven  em  uma 
tribude  oannibaes.  Mas,  a  theoria  de  Macaulay  (131),  acceita 
por  Buckle,  e  a  única  admissível  pelos  discípulos  de  Taine  e 
Mommsen,  peoca  pela  exaggeração  opposta  &  de  Carlyle.  O 
papel  dos  grandes  homens,  no  pensar  de  Macaulay,  ô  comparável 
ao  das  pessoas  que,  eollocadas  em  uma  eminência,  recebem  os 
raios  do  sol  um  pouco  antes  quo  o  resto  da  humanidade:  o  sol 
i  Ilumina  as  montanhas,  quando  está  ainda  abaixo  do  horizonte, 
e  os  grandes  espirites  descobrem  a  verdade  um  pouco  mais  cedo 
que  a  multidão.  Tale  a  medida  de  sua  superioridade.  São  os 
primeiros  a  reflectir  uma  luz  que,  sem  o  seu  auxilio,  vae  dentro 
em  pouco  tomar-se  visível  para  os  que  estão  coUocados  na 
planície».  A  verdade  está  com  Stuart  Mill,  em  um  meio  termo: 
nem  os  grandes  homens  podem  tudo,  nem  deixam  de  poder 
alguma  cousa,  para  o  bem  ou  para  o  mal.  Sem  o  poder  mental 
de  Sócrates,  de  Platão  e  de  Aristóteles,  provavelmente  não 
teríamos  tido  aquellas  proftindas  concepções  philosophicas,  que 
ainda  hoje  os  cérebros  mais  potentes  nada  mais  fazem  que 
desenvolver.  Sem  Milciades  e  Themistocles  a  Qreoia  não  teria 
contado  as  victorias  de  Marathona  e  SaUmina.  Não  sabemos  de 
que  modo  conciliar  a  theoria  das  necessidades  sociaes  como 
origem  dos  factos  históricos  com  a  influencia  exercida  na  im- 
plantai^ e  organisação  do  regimen  imperial  em  Roma  por 


(180)  Carlyle— If^íWros,  trad.  de  Izonlet,  conferencia  !»• 
(131)  Essai  sur  Dryden^  Melcmges^  I,  186. 


264  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Gcsar,  quo,  no  conceito  do  próprio  Monunsen,  ardente  admi- 
rador das  qaalidados  pessoaos  do  incomparável  cabo  de  guerra 
e  eximio  estadista,  foi  c  o  unioo  génio  crcador  que  Roma  pro- 
duzia»; <  o  homem  único,  que  é  difflcil  descreTer»;  c  homem 
perfeito»;  que  nâo  olvidava  nunca  um  só  dos  elementos  de  quo 
dependia  o  tuccesso  do  seus  planos,  e  €  previa  todas  as  even- 
tualidades»; nem  soqnor  se  illudiu  sobre  a  parte  que  cabe  «em 
todas  as  cousas  homanas  á  fortuna,  isto  6,  ao  acâso»;  roor- 
ganison  o  systema  militar  romano;  reformou  as  finanças; 
melhorou  a  agricultura;  remodelou  a  organisacâo  politica  das 
províncias  e  as  instituições  municipaes;  e  organisou  o  império, 
que  plasmado  por  seu  génio  maravilhoso,  «/b»  mais  um  pro- 
dueto  inanimado  da  arte  que  uma  creação  da   natureza  (132). 

Deante  do  insuccesso  destas  geniaes  construcções  da  phiio- 
sophia  da  historie,  que  se  deve  dizer  das  theorias  dos  historia- 
dores e  philosophos  que  se  nâo  elevaram  a  t&o  vastas  e  pro- 
fundas generalisações,  das  theorias  que  bem  se  poderiam  deno« 
minar  secundarias? 

Fiel  &  politica  dontrinaria,  ou  do  Justo  meio^  que  procurava 
conciliar  as  demais  theorias,  formando  uma  doutrina  politica 
ecclectica,  assim  como  o  ecclecttsmo  philosophico  já  tentara  a 
alliança,  ou  a  fosão,  dos  mais  desencontrados  systemas  de 
philosophia,  Guizot  escreveu  a  Historia  da  civUisação  na  Eu- 
ropa e  a  Historia  da  Cívilisação  na  França^  com  o  intuito,  com  a 
id(^a  preconcebida,  de  descobrir  no  passado  uma  Justificação, 
uma  demonstração,  da  logitimidade  das  diversas  formas  poli- 
ticas que  tinham  regido  a  sociedade  (133) .  Quizot  não  pretendeu 
crear  uma  philosophia  da  historia;  não  expoz,  nem  formulou, 
uma  só  lei  universal  da  historia.  Ck>mo  bem  nota  Stuart  Mill, 
o  historiador  francez,  limitando  os  sons  estudos  ã  Europa  mo- 
derna (134),  não  podia  remontar  ás  investigações  sobre  as  leis 


(132)  Historia  JRomana,     liv.  5°    cap.  XI, 

(133)  Veja-so  Fliwi— La  philosophie  de  Vhistoire  cn  Fraiic^,  cnp.  X. 

(13<)  Os  traballios  históricos  do  Guizot  sobre  a  or^anis.nção  ro- 
mana s2o  olemontos  para  a  sua  Ihooria  doutrinaria  sobre  a  Europa 
moderna. 


MAIS    ALGUMAS  THEORIAS  265 

que  presidem  á.  evoluçSo  do  toda  a  humanidade.  A  parte  pbilo- 
sophjca  da  historia  de  Gaizot  consistia  em  descobrir  as  causas 
próximas  da  organisação  da  sociedade  moderna.  B  a  conclusão 
final  de  toda  a  sua  obra  se  resume  na  proposição  de  que  a  the« 
orla  politica  dos  doutrinários  ó  a  verdadeira,  porquanto  harmo- 
nisa  todas  as  demais  theorias.  O  feudalismo,  a  aristocracia,  a 
theocracia,  a  monarchia,  a  democracia,  todas  essas  formas 
politicas  têm  existido,  o  consequentemente  são  legitimes.  O 
único  facto  da  duração  de  um  systoma  de  governo  prova  a  sua 
legitimidade:  o  que  6  absurdo,  ou  iniquo,  não  póie  subsistir  por 
muito  tempo.  Na  theoria  de  Guizot  não  temos  sequer  um  ensaio 
de  philosophia  da  historia. 

Michelet  escreveu  a  Introducção  d  historia  universal,  para 
demonstrar  que  a  historia  é  o  triumpho  incessante  e  progres- 
sivo do  homem  sobre  a  natureza,  do  espirito  sobre  a  matéria,  da 
liberdade,  em  summa,  sobre  a  fatalidade.  E*  verdade,  segundo 
a  doutrina  de  Michelet,  que  o  poder  da  liberdade  vae  augmen- 
tando,  e  o  da  natureza  —  diminuindo,  ã  proporção  que,  acom- 
panhando o  curso  do  sol  e  as  correntes  magnéticas,  avançamos 
da  índia  para  a  França.  Na  índia  a  natureza  domina  o  homem. 

Na  França  a  libei*dade  vence  a  natureza.  Esta  liberdade, 
siijeita  aos  agentes  physicos,  que  na  índia  os  factores  naturaes 
esmagam,  e  que  se  nos  revela  tão  completa  quanto  possível  na 
França,  o  paiz  da  liberdade  politici  e  da  egualdade,  <  palinuro 
do  navio  da  humanidade  >,  esta  liberdade,  que  depende  das  fa- 
talidades da  natureza,  é  uma  das  mais  contradictorias  conce- 
pções que  o  estudo  da  historia  poderia  engendrar  no  espirito  de 
um  litterato,  sem  a  envergadura  do  philosopho. 

Com  o  encanto  particular  do  seu  estylo,  íbito  do  simpli- 
cidade, clareza  e  seductora  elegância,  Renan,  melhor  do  que 
ninguém,  expoz  na  Historia  geral  das  línguas  semiticas  o  prin- 
cipio da  diversidade  das  raças  como  lei  fundamental  da  his- 
toria. Os  Aryas  e  os  Semitas,  quando  se  estabaleccm  em  uma 
região  qualquer,  encontram  invariavelmente  raças  semi-sel- 
vagens,  que  exterminam,  e  das  quacs  apenas  fo  conserva  a  me- 
moria em  lendas  e  mythos.  As  partes  do  globo,  não  povoadas 
pelas  grandes  raças,  a  Oceania,  a  Africa  meridional,  a  Ásia 


266  REVISTA  DO  INSrriTUTO  HI8TORICO 

aeptentrional,  ficaram  entre^rues  a  casa  humanidade  primitiva. 
Depois  apparecem  as  primeiras  raças  civilisadas,  mas  cuja  civi- 
lisação  ó  impregnada  de  um  caracter  material:  distinguem-ie 
pelo  pouco  desenvolvimento  dos  instinctos  religiosos  e  poéticos, 
grande  aptidão  para  as  artes  manuaes,  espirito  positivo  voltado 
para  os  negooioSt  para  o  bem-estar  e  para  os  deleites  da  vida, 
e  ausência  de  espirito  publico  e  de  vida  politica.  Essas  primeiras 
raças  civilisadas  contam  três  a  quatro  mil  annos  de  historia 
antes  da  óra  christã.  Sua  oivilisacão  desappareceo  sob  os  esforços 
dos  Semitas  e  dos  Aryas;  conserva-se  unicamente  na  China. 
Finalmente,  apparecem  as  grandes  raças  nobres,  os  Aryas 
e  os  Semitas,  vindos  da  Bactriana  e  da  Arménia,  cerca  de  dois 
mil  annos  antes  de  Ghristo.  laferiores  a  principio  ás  nações  civi- 
lisadas que  encontram,  no  concernente  &  civilisaçio  exterior  e 
material,  os  Aryas  e  os  Semitas  revelam  uma  superioridade  ex- 
traordinária quanto  ao  vigor,  &  coragem,  ao  génio  poético  e 
religioso.  Os  dois  grandes  ramos  da  raça  branca  não  são 
eguaes.  Os  Semitas  têm  uma  missão  religiosa;  e,  uma  vez  rea* 
lisada  esta  missão,  decaem  rapidamente,  e  deixam  a  raça  ary- 
ana  a  dirigir  só  os  destinos  do  género  humano.  Os  Aryas,  ou 
indo-europens,  são  os  povos  predestinados  para  o  progresso  das 
sciencias,  para  as  investigações  reflectidas,  independentes,  se- 
veras, corajosas,  philosophicas,  em  uma  palavra,  da  verdade. 
(135).  A  theoria  de  Renaa  tem  contra  si  os  factos.  Não  ha 
entre  os  Semitas  e  os  Aryas  a  differenca  de  aptidões  assignalada 
pelo  grande  orientalista.  Os  Árabes,  genuínos  representantes 
da  raça  semítica,  revelaram  uma  notável  capacidade  para  o 
cultivo  das  sciencias  em  um  período  histórico  celebre  pelo 
atrazo  e  estacionamento  da  civilisacão  indo-européa.  Foram 
elles  que  na  edade  média  ensinaram  á  Europa  a  álgebra,  ou 
arithmetica  generalisada,  deduzida  por  elles  do  principio  de 
Diophante;  que  mediram  e  conheceram  a  extensão  da  terra; 
que  organisáram  o  catalogo  e  a  nomenclatura  das  estrellas  visí- 
veis; que  determinaram  a  obliquidade  da  ecliptica«  verificaram 


(136)  Bistoire  généraU  des  laumties  «^mitt^ue»,  tomo  IS  pag.  4SM. 


MAIS  ALGUMAS  THE0RIA8  267 

a  preoessão  dos  equinócios,  fixaram  a  daração  do  anuo  solar; 
que  aperfeiçoaram  os  instrumentos  de  astronomia;  que  consti- 
tuiram  a  chimica,  e  descobriram  seus  principaes  reagentes;  que 
aprofundaram  e  desenvolveram  a  dynamica  e  a  hydrostatioa; 
que  applicaram  as  descobertas  scientifloas  ao  meUioramento  dos 
processos  industriaes,  ao  aperfeiçoamento  da  agricultura  e  dus 
manufacturas  (136).  Os  Phenioios,  cognominados  os  Ingleies 
da  atUiguidade,  oeiebrls&ram-sepor  sua  habilidade  para  a  nave- 
gação e  para  o  oommercio;  e  os  Garthaginezes,  mais  um  ramo 
dos  semitas,  durante  mais  de  um  século,  na  lucta  com  os  ro- 
manos, revelaram  as  suas  qualidades  militares,  sem  que  Annibal 
fosse  inferior  a  Scipião.  A  superioridade  actual  dos  Aryas,  em 
rela^^o  aos  Semitas,  nao  nos  auctorisa  a  formular  uma  lei  fun- 
damental da  historia,  que  tradoza  a  permanência,  a  constância, 
a  universalidade  e  a  perpetuidade,  desse  facto.  Os  Aryas  appa- 
recém  na  historia  oomo  bárbaros,  ou  semi-sel vagens.  E,  ainda 
que  a  differença  entre  os  dois  ramos  da  raça  branca  tivesse  sido 
uma  realidade  no  passado,  nenhuma  razão  scientifica  teríamos 
para  affirmar  a  sua  duração  por  toda  a  existência  da  espécie 
humana. 

Thiers.  •  .  haverá  legar  para  este  em  uma  synopse  da 
philoeophia  da  historia?  Thiers  ( 137)  na  historia  é  o  adorador 
da  força  vencedora.  Os  graves  e  imperdoáveis  crimes  da  revo- 
lução franceta  e  áo  império  são  factos  necessários.  Com  razão 
Laurent  denominou  esta  doutrina  histórica— a  do  íktalismo 
revolucionário.  Um  sorriso  perpetuo  para  aquelles  que  a  for- 
tuna favorece,  nunca  uma  só  palavra  de  sympathia  ou  de  pie- 
dade para  os  esmagados,  nem  um  signal  de  respeito  aos  infor- 
túnios immereoidos,  ou  um  movimento  em  favor  da  grandeza 
intellectnal  e  moral,  nunca  uma  censura  áã  baixezas  bffloiaes: 
é  a  idolatria  da  força  ( 138) . 


(136)  Draper— Xm  oon/ftf«  de  la  soienoe  et  de  lareligton,  cap.  4«. 

(137)  Bistoire  de  la  Révolution  F^ctnçaiêe,  e  Histoire  du  Consulai 
$t  de  VEmpire, 

(138)  Lanfrey,  citado  por  Laurent,  obra  citada,  pag.  156. 


268  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

As  theorias  de  Bunsen,  Lotze,  Bagohot,  e  tantos  outros, 
ou  são  variantes  das  que  já  conhecemos,  ou  conciliaQões  ilus- 
tradas, ou  nos  dão  apenas  uma  das  faces  por  que  deve  ser  estu- 
dada a  historia. 

Bourdeau  ô  apenas  um  erudito,  um  simples  compilador; 
mas,  o  seu  livro  —  V  Mstoire  et  les  historiens  —  offerece  no- 
tável utilidade  pela  abundância  de  conhecimentos  sobre  os  his- 
toriadores, riqueza  de  observações  e  inducções,  nem  fempre 
verdadeiras,  pela  clareza  e  pelo  methodo.  A  exposição  dos 
factos,  nota  Bourdeau,  não  constituo  uma  sciencia;  unicamente 
nos  apresenta  os  materiaes  de  uma  sciencia.  A  idôa  abstracta 
da  ordem  e  das  causas  dos  phenomenos,  eis  o  fim  de  todas  as 
eciencias.  Para  que  entre  estas  se  possa  inclair  a  historia,  é 
mister  descobrir  as  leis  históricas^  o  que  quer  dizer — as  lei« 
peculiares  a  esta  sciencia.  Os  historiadores  até  hoje  o  não  têm 
logrado.  A  razão  é  que  attribuem  a  producção  dos  factos  a  uma 
destas  três  causas,  todas  exclusivas  da  idéa  de  lei:  o  livre  ar- 
bítrio, a  direção  divina  e  os  caprichos  da  fortuna,  ou  do  acaso. 
Nenhuma  delias  é  acceitavel.  A.  sciencia  deve  aftistal-as,  a  ave- 
riguar quaes  são  as  influencias  geraes  e  fixas  que  determinam 
08  &.cto8  históricos.  Bourdeau  se  aventura  a  esse  árduo  e  teme- 
roso commettimento.  E,  depois  de  observar  que  é  impossível 
por  emquanto  formular  as  leis  da  historia,  porque  a  sciencia 
ainda  não  esta  constituída,  tenta  indicar  como  será  possível 
descobrir  essas  leis.  Bm  primeiro  logar,  cumpre  estabelecer  leis 
especiaes  ás  diversas  sérios  da  factos,  e  em  seguida  uma  lei 
geral  que  abranja  a  totalidade  dos  factos.  As  leis  especiaea 
são  de  duas  categorias:  do  ordem  e  de  relação.  As  leis  de  ordem 
nos  mostram  o  que  á  producção  dos  factos  tem  de  geral  na  ex- 
tensão, e  de  persistente  na  duração,  o  que  ha  de  oommum  e  de 
constante  nos  phenomenos.  As  leis  de  relação  nos  apresentam 
a  filiação  dos  eíleitos  ás  causas,  averiguação  diffloiiima  no 
dominio  dos  factos  históricos,  que  são  produzidos  por  um  con- 
juncto  de  infiuencias  varias.  Acima  das  leis  de  ordem,  que  dis- 
põem 06  factos  por  series  em  rasÃo  de  sua  similhança,  e  das 
leis  de  relação,  que  ligam  as  series— umas  ás  outras— por  um 
laço  de  causalidade,  as  sciencias  procuram  formular  uma  lei  su- 


MAIS  ALGUMAS    THEOHIAS 

prema,   que  resuma  as  precedentes,  e  as  redaza  â  unidade. 
Exemplo   desta   alta   generalisacão   ô  a   lei  da  grayitação, 
irredoctivel,  superior  a  todas  as  inducções  relativas  aos  phe- 
nomenos  que    explica,   e   comprehensiira    de   todas   as  leis 
particulares  ou  inferiores.  Qual  a  lei  geral  da  historia  ?  A  do 
progresso.  Ha  uma  necessidade   racional  do  progresso.   Nâo 
se  ooncebe  a  razão   humana   senão  como  um  principio  pro- 
gressivo de  actividade.  A  espécie  humana  obedece  á  lei  do 
progresso,    assim  como   os   movimentos  dos  corpos   celestes 
obedecem    á  lei  da  gravitação.   Necessariamente,  fatalmente, 
a  humanidade     gravita    para  a    perfeição.    Suppondo  pos- 
sível uma   formula    mathematica  para   a   lei  do    progresso, 
Bourdeau  a  propõe,  e  análoga  á  da  gravitação:  assim  como 
esta  age  na  razão  directa  das  massas,  e  na  inversa  do  qua- 
drado das   distancias,   assim  o  progresso  parece  (curiosa  lei!) 
effectuar-se  na  razão  directa  da  somma  dos  melhoramentos 
e  descobertas  anteriormente  realisadas,  na  inversa  dos  obs- 
táculos que  se  oppôemã  sua  diffusão  no  mundo.  A  industria, 
a  arte,  a  sciencia,  os  sentimentos  effectivos,  todas  as  manifesta- 
ções da  actividade  humana  obedecem  ã  lei  geral  do  progresso 
Mas...  confessa   Bourdeau,  ha  influencias  perturbadoras   do 
progresso,  que  se  não  realisa  por  toda  a  parte  e  sempre  com 
a   regular    uniformidade    de    uma  lei  simples.   Nos  férteis 
valles  do  Nilo,  do  Euphrates,  do  Ganges  e  do  Yang-tse-Kiang, 
a  civilisação  desenvolve-se  rapidamente;  nas  regiões   acci- 
dentadas  da  Europa  ostenta  uma  grande   riqueza  de  formas; 
nos    desertos  d^Asla  e   d' Africa  as  condições  climatéricas  e 
geograpbicas  impõem  a  immobiiidade.    Demais,    coincidências 
fortuitas,    necessidades    latentes,    tolhem  ou  impossibilitam, 
suspendem  ou   fazem  retrogradar  a  civilisação.  Eis  uma  ver- 
dade, que  Bourdeau,  e  com  elle  todos  os  que  estudam  a  his- 
toria  reconhecem.    A   lei  de  Bourdeau  é  uma  deducção  da 
natureza  do  principio  progressivo  da  razão.  Essa  deducção 
será  confirmada   pela  inducção,  baseada    úa  observação  im- 
parcial dos  ftbctos?  Neste  ponto  é  lastimável  a  inópia  de  factos 
e  argumentos  com  que  o  auctor  emprehende  cimentar  a  sua 
theoria.Pelo   estudo  dos  factos  históricos  podemos  prevôr  o 


270  REVISTA  IX)  INSTITUTO  HISTORIGO 

íútaro  da  eyola^o  da  humanidade  ?  Quanto  aos  fiactos  sin- 
gulares, aos  accidentee»  responde  Bourdeau  que  não:  só  po- 
demos prever  os  phenomenos  regulares.  Quaes  í»bo  esses  phe- 
nomenos  denominados  regulares  ?  São  os  factos  de  ordem  eco- 
nomica,  moral,  politica,  jurídica,  isto  ó,  são  Actos  cujas  leia 
formam  o  conteúdo  de  varias  sciencias  sociaes,  mas  não  da 
historia,  e  muito  menos  da  philosophia  da  historia,  pois 
não  se  comprehende  a  philosophia  de  uma  sciencia  que  ainda 
não  existe,  ou  que  é  impossível,  pelo  menos,  no  estado  actual 
dos  conhecimentos  humanos.  Tal  é  a  conslusãoa  que  fatal- 
mente nos  leva  o  estudo  reflectido  da  theoria  de  Bourdeau, 
assim  como  o  de  todas  as  demais  doutrinas  em  que  se  tem 
tentado  reduzir  a  liistoria  a  uma  sciencia,  ou  con- 
stituir a  philosophia  da  historia  (139). 

A  fdncQão  da  historia  consiste  em  colligir  e  classificar 
methodicamente  os  factos,  para  mialstrar,  os  materiaes  que 
servem  de  base  às  induccQes  da  sciencia  social  fundamental 
edas   sciencias  sociaes  especiaes. 

Quaesquer  que  sejam  as  divergências  sobre  o  conceito  da 
sciencia  social  geral,  ou  sociologia  ;  admitta-se  a  sociologia 
classiflcante  com  Littré,  Roberty,  Qreef,  Lacombe  e  Wagner,  ou 
a  sociologia  biológica  com  Spencer,  Lilienfeld.  Schãffle,  Fouillée 
e  Reno  Worms,  ou  a  sociologia  dualista  com  Hauriou,  Giddings, 
Ward«  Mackenzie  ;  entenda-se  que  ó  uma  sciencia  constituída, 
ou  de  formação  incipiente  (e  é  esta,  segundo  nos  parece,  a 
verdade);  o  que  hoje  se  não  pôde  contestar  é  que  ha  uma  scien- 
cia social  fundamental.  A  vida  em  commum  ô  uma  lei  para  o 
homem,  como  pára  certaus  espécies  de  animaes.  Não  diremos 
com  Espinas  que  todos  animaes  estão  sujeitos  a  essa  necessl- 


(139)  E'  a  mesma  oonclasão  a  que  chega  um  notável  escriptor  bra- 
zileiro,  o  Dr  Carlos  de  La<^t,  posto  que  estude  os  factos  e  as  theo- 
rias  sob  um  aspecto  differente:  «  A  philosophia  da  historia  ainda 
não  é  uma  soiencia.  Nt^m  jamais  o  poderá  ser  em  todo  rigor  dada- 
lavra,  opina  illnstrado  professor,  pois  para  que  sciencia  exista ,  ha 
mister  de  princípios  certos,  evidentes,  e  de  tal  manoira  conhecidos 
que  pela  razão  sejam  applicaveis  a  conclusões  não  menos  legitimas 
e  cyidontcs  do  que  os  mesmos  principi os;  •  u  este  resultado  jamais 
chagará  a  philosophia  da  historia»*  (Em  Jlfincu,  O  grande  probUma 
histórico,  pag.  3i8.) 


MAIS  ALGUMAS  THBORIAS  271 

dade.  Bastar-nos-ha  recordar  os  exemplog, .  tão  conliacidos,  de 
existência  gregária,  qae  nos  offerecem  as  formigas,  os  castores 
eas  abelhas.  Assim  limitada  a  proposição  de  Espinas,  póde-se 
repetir  com  elle  que  o  meio  social  é  nma  imposi^o  da  biologia, 
ama  condição  necessária  da  conservação  e  da  ronovação  da 
espécie.  (140).  Os  mais  profundos  espíritos  da  antiguidade  clás- 
sica já  não  alimentavam  dissentimentos  sobre  esta  verdade. 
Platão,  o  precursor  do  racionalismo,  que  considera  as  leis  so- 
ciaes  deducçQBS  das  idéas—  arclietypos,  reveladas  pelo  logos  ou 
verbo  divino,  n*0  Estado  ou  A  Republica  firma  nitidamente  a 
these  de  que  ha  um  organismo  social,  creado  pela  necessidade. 
No  admirável  dialogo  entre  Sócrates  o  Adimanto,  o  Estado  nos 
apparece  como  um  producto  natural,  a  resultante  de  forças 
incoerciveis,  uma  organização  subordinada  a  leis«  no  sentido 
scientifico  do  termo  (141).  Verificando-a  pelo  methodo  experi- 
mental, Aristóteles  desenvolve  a  theoria  de  Platão.  A  cidade, 
no  conceito  do  Stagirita,  ô  uma  producção  da  natureza,  um  ser 
vivo :  €  é  evidente  que  a  cidade  pertence  ao  numero  das  cousas 
creadas  pela  natureza,  que  o  homem  ó  naturalmente  um 
animal  politico,  destinado  a  viver  em  sociedade. . .  Vô-se  de  um 
modo  evidente  porque  o  homem  ô  um  animal  sociável  em  mais 
alto  grão  que  a  abelha  e  todos  os  animaes  gregários.  A  natureza 
nada  íkz  em  vão.  S6,  entre  os  animaes,  o  homem  tem  o  dom  da 
palavra.  A  voz  ó  o  signal  da  dor  e  do  prazer,  e  por  isso  foi  ou- 
torgada também  aos  outros  animaes,  cuja  organização  é  susce- 
ptível de  dôr  e  de  prazer.  Mas,  a  palavra  tem  por  fim  fazer 
comprehender  o  útil  o  o  prejudicial,  e,  consequentemente,  o 
justo  e  o  injusto.  • .  Na  ordem  da  natureza,  o  Estado  vem  antes 
do  individuo»  (142). 

Os  sociólogos  contemporâneos,  quando  ensinam  que  a  vida 
social  ô  uma  injuncgão  da  natureza  humana,  uma  resultante 
das  tendências  e  necessidades,  dos  attributos  physieos  e  moraes 


(140)  Des  sodeíés  animales ;  Introduction  historique . 

(141)  Traducção  de  Bastieu,  liv,  2°,  V. 

(142)  La  Politique,  tradacçio  de  Tfaarot,  cap.  1*^  fS    40  e  11. 


272  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

do  homem,  reproduzem  uma  verdade  professada  ha  mnitog 
séculos. 

O  estudo  das  leis  a  que  ostá  sujeito  o  organismo  social  faz 
o  objecto  da  sociologia  e  das  scioacias  sociaes  particulares.  Se 
estudamos  o  que  ha  de  uniforme,  geral  e  permanente,  na 
génese,  na  estructura  e  na  evolução  das  sociedades,  temos  a 
sociologia,  ou  sciencia  social  fundamental.  Se  estudamos,  certos 
phenomenos  especiaes,  certos  aspectos  particulares  da  sociedade, 
por  exemplo—  a  sociedade  considerada  sob  o  aspecto  da  riqueza, 
da  direcção  dos  interesses  públicos  iuternos  e  externos,  ou  da 
manutenção  da  ordem  necessária  á  conservação  e  desenvolvi- 
mento da  conectividade,  tomos  a  economia  politica,  a  politica, 
ou  o  direito.  A  sociologia  está  para  com  as  eciencias  sociaes 
especiaes,  na  mesma  relação  em  que  a  biologia  para  com  as 
sclencias  que  se  occupam  com  a  vida  sob  aspectos  especiaes, 
como  a  zoologia  e  a  botânica,  tendo  a  biologia  por  objecto  os 
phenomenos  essenciaes  e  universaes  da  vida,  S3ja  qual  fôr  a 
sua  manifestação,  ou  o  corpo—  vegetal  ou  animal—  que  lhe 
sirva  de  sede. 

A  historia  contém  os  factos,  cuja  comparação  nos  leva  ás 
induoções  da  sociologia  e  das  sciencias  sociaes  particulares. 
A  philosophia  da  historia  foi  substituída  pela  sociologia.  Fouillée 
não  hesita  em  dizer  que  a  philosophia  da  historia  precedeu  a 
sociologia,  do  mesmo  modo  o  na  mesma  relação,  em  que  a 
alchimia  havia  precedido—  a  chimica,  a  astrologia —  a  astro- 
nomia. Não  procuramos  hoje  formar  uma  theoria  pcientiíica 
sobre  a  evolução  da  humanidade,  não  nutrimos  a  pretensão  de 
prever  o  futuro  mais  distante  da  espécie  humana. 

Limitamos  a  nossa  aspiração  scientifica  a  conhecer  a  so- 
ciedade. Isto  6  possível.  Para  alcançar  este  destãeratum,  dis- 
pomos das  duas  series  de  processos  lógicos,  dos  dois  instru- 
mentos únicos  que  a  sciencia  pôde  admittir,  a  induoção,  a  ge- 
neralisação,  obtida  pela  comparação  dos  factos,  e  a  deducção,  a 
extracção  pelo  raciocínio  de  verdades  geraes  menos  extensivas, 
comprehendidas  virtualmente  em  verdades  geraes  superiores. 

E*  a  historia  que  nos  apresenta  os  factos  que  servem  de 
fundamento  ás  geúeralisações  da  sociologia.   Sem  tão  solida 


MAIS  ALGUMAS   THEORIAS  273 

base,  a  sociologia  oada  mais  poderia  conter  que  especulações, 
hypotheses,  asserções  mais  ou  menos  approximadas  da  verdade, 
como  tem  acontecido  ás  diversas  theorias  da  philosopliia  da 
historia. 

A  sociologia  não  se  confUnde  com  a  philosophia  da  liistoria, 
como  querem  alguns.  Do  numero  destes  é  Barth,  para  quem  as 
transformações  social  constituem  os  assumptos  peculiai*es  á 
historia,  e  assim  a  philusopbia  da  historia,  para  explicar  a 
evolução  da  humanidade,  precisa  conhecer  as  transformações 
sociacs,  e,  vice-versa^  a  sociologia,  para  explicar  as  transfor- 
mações sociaes,  precisa  conhecer  a  evolução  histórica  (143). 
Assimilar  a  sociologia  &  philosophia  da  historia  importa  con- 
fundir a  sociedade  com  a  humanidade.  Comprehonde-se  uma 
scioncia  consagrada  ao  estude  das  agremiações  humanas,  e  qae, 
dentro  de  oertos  limites,  procura  saber  como  se  formam  essas 
agremiações,  que  elementos,  ou  forças,  concorrem  para  a  pro- 
ducção  do  phenomeno,  de  que  partes  se  compõe  o  todo,  e  como 
se  tem  desenvolvido  a  vida  collectiva,  sem  uma  sciencià  que 
pretenda  descortinar  os  factos  futuros  da  vida  da  espécie  hu- 
mana. O  ideal  da  sociologia  é  mais  modesto,  e  por  isso  mesmo 
realisavel.  A  formação,  o  desenvolvimento,  a  decadência  e  a 
extincção  das  sociedades  são  factos  que  se  têm  repetido  innu* 
meras  vezes  na  historia.  A  evoluçio  da  espécie  humana  é  um 
phenomeno  único,  de  que  nem  siquor  podemos  saber  a  que  phase 
corresponde  o  momento  actual.  Não  admira  que  Barth  tenha 
confundido  a  sociologia  com  a  philosophia  da  historia,  quando 
Augusto  Comto,  depois  de  di\ridir  a  sociologia  em  estática  e 
dynamica,  tratou  nesta  ulima  parte  de  formular  leis  que  se 
fossem  verdadeiras,  constituiriam  a  philosophia  da  historia. 
A  falsa  lei  dos  ires  estofloa  evidentemente  é  uma  generalisação 
de  caracter  histórico,  e  não  sodiologico,  pois  abrange  a  vida  de 
toda  a  humanidade. 

A  missão  da  historia  não  se  restringe  a  fornecer  os  mate- 
rlaes,  methodicamente  dispostos,  para  as  inducçõos  sociológicas « 


(143)  La  philosophir   de  Vhistòirc  au  poitU  de   vue   sociologiqne , 
L'Année  sociologique,  1898,  pag.  116. 

4323  —  18  Tomo  lxix.  p.  u. 


274  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Subsidio  precioso,  (e  aqai  nos  parece  impoasiTel  qualquer 
contestaçSo  por  aqaelles  mesmos  que  negam  a  existência  de 
uma  soiencia  social  e  fundamental),  abundantes  e  seguros  re- 
cursos para  as  indncQoes,  ou  para  as  verificações,  das  soiencias 
sociaes  especiaes  ainda  nos  proporciona  a  historia. 

O  methodo  da  sciencia  económica  não  pôde  mais  ser  o  pre- 
oonisado  por  J.  B.  Say:  «  a  economia  politica,  como  as  soiencias 
exactas,  se  compõe  de  um  pequeno  numero  de  princípios  ftinda- 
mentaes,  e  de  um  grande  numero  de  corollarios,  ou  deducções, 
desses  principies  (144).  Se  a  observação  dos  factos  não  basta 
para  nos  dar  leis  scientiflcas  no  dominio  desta  sciencia  social,  se 
a  multiplicidade  das  oircumstancias  que  revestem  os  pheno- 
menos  económicos  torna  muitas  vezes  difflcil  a  induc(^,  a 
mera  applicacSo  do  methodo  deductivo  expor-nos-hia  a  converter 
a  sciencia  económica  em  puro  exercício  mental,  ou  nas  peri- 
gosas ilIosOes  de  que  nos  ftillA  Thorold  Rogers,  um  dos  mais 
convencidos  propugnadores  do  processo  inductivo  como  instra- 
mento  complementar  do  methodo  económico  (145).  Adquire- se 
uma  idéa  exacta  da  utilidade  da   historia  para  o  desenvol- 
vimento da  economia  politica,  quando  se  lê  a  excellente  historia 
económica  de  B.  SoheeI  (146).  O  conhecimento  dos  erros  do  sys- 
tema  económico  architeotado  pelos  gregos  e  romanos,  dos  pre- 
conceitos que  na  antiguidade  clássica  e  na  edade  média  domi- 
navam os  governos  em  relação  á  moeda,  e  dos  inconvenientes 
oriundos  da  applicadlo  de  taes  idéas,  corrigindo  as  nossas  theo- 
rias  concernentes  ao   assumpto,  é  uma  prova  do  quanto  nos 
aproveita  o  estudo  dos  Au)tos  históricos  na  constituição  desta 
sciencia.  Cumpre  nfio  esquecer  a  observação  de  Stuart  Mill 
sobre  o  methodo  historioo :  nas  investigações  sobre  os  factos  so- 
ciaes, ora  procuramos  saber  qual  o  efléito  que  resulta   de  orna 
dada  causa,  presnppostas  certas  condições,  ora  6  nosso  intento  co- 
nhecer essas  condições  ou  circumstancias  geraee,  qoaes  as  causas 


(144)  Traité  d*éoonomie  politique,  disoours  préliminaire. 

(145)  Interprétation  économique  de  Vhistoire. 

(146)Sohõnberg,  Mmnuale  di  eoofMmia  politioa,  vol.  1°  ,  traduz  o 
traballio  de  Scheel . 


MAIS  ALGUMAS   THKORIAS  275 

quo  produzem  e  os  pbenomeaos  que  oaracteriaam  os  ostadoâ  de 
sociedade  èm  gerai  (147).  A  historia  nos  auxilia  em  uma  e  outra 
ordem  de  averiguações. 

A  experimentação  oòmo  methodo  da  politiea  ofiEérooe  pe^* 
rigos  manifestos  (148):  a  sociedade  não  é  anima  vitis.  Masi  por 
isso  mesmo  que  esse  processo  preparatório  das  indoeções  tão  ntí 
appiica  a  este  ramo  das  scienciassooiaee,  mais  palparei  se  fius 
a  necessidade  da  observação  dos  factos  históricos  como  base  da 
theoria  {Politica,  pois  os  phenomenos  observados  no  presente 
não  bastam  para  se  generalisar  no  domínio  de  uma  soiencia  tão 
complicada,  que  a  própria  historia  não  ministra  materiaee 
SQffleientes  para  a  formulação  de  leis  seguras^  senão  em  pe* 
queno  namero  de  casos.  Negar  a  necessidade  da  observação  hi6« 
torica  para  constnicção  da  soioucia  politica,  fora  proclamar  a 
inutilidade  da  experiência  dos  negócios  públicos  para  a  boa  di« 
reoção  do  Estado,  e  justificar  os  arrojados  ensaios  dos  theoristas 
ambiciosos,  apoiados  em  deducções  ainda  não  verificadas.  O 
saber  sò  de  experiências  feitú^  preconisado  pelo  epieo  Insitanot 
não  é  outra  coisa  senão  uma  doutrina  baseada  na  observação 
dos  factos.  As  inducçoes  politicas  são  indispensáveis  para  a  ve- 
rificação das  deducções,  das  hypoteses,  das  theorias,  e  sem  o  es- 
tado da  historia  não  ha  inducçoes  possíveis  neste  dominio  das 
scienoias  sociaes.  A  arte  de  guiar  todas  as  tendências  sociaes  des- 
encontradas, imprimindo-lhes  novas  direcções  communs  e 
médias,  com  a  minima  resistenoia  oollectiva  e  a  minima  perda 
de  forças,  e  tal  no  sentir  de  Sohãffle  ó  a  politica  pratica  (149), 
precisa  ser  cimentada  pplas  generalisações  scientifioas,  e  estas 
só  podem  definir  da  historia. 

A  moral  social  e  o  direito  elevaram-se  á  dignidade  de  sci- 
enoias, depois  que  os  seus  princípios  e  as  suas  deducçõee  pas- 
saram, rectiflcando-80,  pelo  cadinho  do  methodo  inductivo.  B 


(ÍAl)  Système  de  Logique,  vol.  2o,  pag.  509. 

(148)  Lóon  Donnat  a  propõe  na  Politique  expéHmentaley  obra  de 
um  theorista,  quo  potico  9o  oooupa  com  a  pratica  de  suas  Hqõc». 

(149)  Struuurof  e  vita  dei  corpo  sociale,  trad.  (b  L.  Ludovict»,  vol. 
i,  pag.  464. 


276  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

tão  copiosos  já  são  os  subsídios  da  historia  para  as  generalisaçdes 
oa  verificações  do  direito,  que  não  nos  faltam  exemplos  e  pro- 
vas da  utilidade  prestada  poios  estados  históricos  a  esse  ramo 
das  sdenciassociaes.  Quem  poderia  hoje  oonvencer-se  de  que 
conhece  a  natureza  e  o  fundamento  da  propriedade,    sem  ter 
formado  o  seu  coaoeito  sobre  essa  instituição  em  face  das  inte- 
ressantes investigações  históricas  de  Summer  Maine,  Laveleye  e 
outros  ?  E'  lendo,  por  exemplo,  Laveleye  que  vemos  a  evolução 
que,  gradual  e  necessariamente,  fez  passar  a  propriedade  da 
forma  oollectiva  para  a  individual;  que  ficamos  sabendo  como 
na  índia,  no  Egypto,  no  Japão,  na  America,  em  toda   a  Europa 
a  propiedade  immobiliaria— de  communista,  ou  coUectivista,  se 
transforma  invariavelmente,  e  obedecendo  a  influencias  incoer- 
cíveis, em  propriedade  moldada  pelo  individualismo  (150).    Não 
teremos  aqui  uma  indicação  preciosa  de  que,  nas  concessões  que 
a  justiça  obriga  a  fiizer  á  parto  racional  dos  programmas  socia- 
listas, não  devemos  ir  ató  ao  ponto  de  instituir  um  rogimeu 
que,  aK^m  de  condemnado  pelo  estudo  imparcial  da  natureza  hu- 
mana e  das  necessidades  sooiaes,  é  repellido  pela  historia,  repu- 
diado pelos  factos  ?  Investigações  análogas  por  D*Aguanno,  em 
relação  á  constituição  juridica  da  família,  comprovam  e  funda- 
mentam a  necessidade  da  união  monogâmica,   tal  como  a  d^i- 
nôam  os  códigos  miis  adeantados  (151).  O  mecanismo  constitu- 
cional da  Inglaterra  tem  sido  na  historia  desta  nação  uma  veri- 
ficação positiva,  a  nos  mostrar  incessantemente  que  o  regimen 
não  é  uma  especiosa  deducção  de  princípios  erróneos  ou  folsos. 
Estes  exemplos,  tão  conhecidos,  revelam,  com  maior  evidencia 
quo  quaesquer  outros,  a  utilidade  dos  estudos  históricos,  no  que 
concerne  á  scioncía  juridica. 

Não  enumeraremos  as  sciencias  sociaos  especiaes,  que  jã  se 
têm  constituído,  ou  pódom  constituir-se,  com  o  subsidio  da  his- 
toria. Em  matéria  sujeita  a  tantas  divergências  de  opinião, 
quando  frequentemente  se  ensaia  a    organização  de  uma  nova 


(150)  De  la  proprit^^té  et  de  st*s  formes  primitives. 

(151)  La  génese  c  Vevoluzione  dei  diritio  civile,  parte  especial,  caps. 
40,  5<»e  6°,  * 


MAIS  ALGUMAS   TIIEORIAS  277 

sciencia  aooial  especial,  é  arriscada  a  precisão  de  um  Lagrósille, 
a  nos  offerecer,  como  num  qaadro  delimitado»  a  nomenclatura 
desses  ramos  do  saber  social:  a  psychologia  social,  a  moral 
social,  o  direito,  a  sciencia  económica,  a  politica,  a  physioa 
social,  a  esthetica  social,  a  genética  social,  a  ideologia  8ocial«  o 
outras  ideológicas  quejandas* 

A  historia  não  tem  um  conteúdo  sciontifico  próprio,  leis  do 
seu  domínio,  inducçoes,  principies  e  deducções»  que  lhe  sejam 
peculiares,  generalisagões  que  delia  façam  uma  sciencia. 
Quando  o  historiador,  uma  ou  outra  vez,  extraedos  factos  uma 
verdade  geral,  o  sueco  ideal  que  constituo  a  sciencia,  é  a  socio- 
logia; ou  qualquer  das  sciencias  sociaes  espeoiaes,  ó  talvez  a 
anthropologia,  em  alguma  das  suas  divisões,  6  uma  outra  scien- 
cia qualquer,  das  que  se  aproveitam  dos  dados  historioo6«  que 
conquista  mais  uma  noção,  q  alarga  o  âmbito  de  sua  doutrina. 

Não  confundimos  o  que  se  tem  chamado^a  philosophia  da 
historia  com  o  que  se  denomina— a  sciencia  da  historia.  A  phi- 
losophia de  uma  sciencia  comprehende  sempre  as  verdades  mais 
geraes,  os  princípios,  as  mais  altas  e  profundas  generalisações  do 
domínio  dessa  sciencia.  Ninguém  melhor  que  Vacherot  já  dis- 
tinguio  a  sciencia  da  historia  da  philosophia  da  historia :  a  pri- 
meira pretende  descobrir  as  leis  que  regem  a  sucoessão  dos  fa- 
ctos  ;  a  segunda  intenta  reduzir  essas  leis  a  principies  superiores, 
entrega-se  a  especulações  transcendentes,  relativas  á  direcção 
providencial  da  humanidade,  á  perfectibilidade  humana,  ao  pro- 
gresso universal,  á  evolução  gradual  e  necessária  da  espécie 
(152).  A  philosophia  da  historia  ô  um  coojuncto  deafflrmações 
sttlQectivas,  de  crenças,  do  conjecturas,  de  hypotheses,  sem  base 
seientiâca,  e  sem  methodo  lógico.  O  que  se  chama  a  sciencia 
da  historia,  ou  ó  uma  serie  de  verdades  geraes  pertencentes  ao 
domínio  da  sociologia,  e  de  sciencias  sociaes  varias,  ou  um  con- 
juneto  de  observações  que  não  constituem  leis,  na  acoepção  scien* 
tiflca  do  termo. 

Não  esqueçamos  a  verdade  tão  irrecusavelmente  exposta  por 
Stuart  Mill:  as  leis,  que  formam  o  conteúdo  de  uma   sciencia. 


(1^2)  La  science  et  la  conscience,  II. 


278  REVISTA   DO   INSTITUTO   HISTÓRICO 

sem  M  quaei  n&o  ha  scieiíoia»  são  as  relacõM  ooDStantes  de  soo- 
oessfio  e  de  semelhança  entre  os  fliictos.  Nas  idades  mais  re* 
motas,  já  o  fim  da  aeiencia  era  conhaoer  para  prever  ;  quando  se 
procurava  averiguar  a  oausa,  era  principalmeate  para  dirigir 
o  effaito,  oQ,  sendo  isto  impoasivel,  para  prevôl-o,  e  adaptar 
a  oondaeta  do  homem  ás  circumstancias  inevitáveis  (153). 

Que  relaçQes  constantes  de  successâo,  de  semelhança,  ou 
de  uniformidade,  nos  oíTereoe  a  historia,  que  não  sejam  partes 
integrantea  da  sooiologia,  ou  das  scienoias  sociaes,  ou  das  an- 
thropologloas  ? 

Taine,  para  quem  a  historia  é  uma  soieneia,  no  Ensaio  sobre 
Tiió  lÀmo  pretende  dar-nos  alguns  exemplos  de  leis  historieas. 
Vsjamos  o  que  são  essas  leis  historieas:  €  O  historiador  estuda 
duas  espeoiaes  de  leis.  Primeiramente  cada  grupo  de  ftiotos  tem 
sua  causa.  Porque  os  Samnites  foram  vencidos  ?  Qual  a  expli- 
ca^ do  íkcto  de  terem  os  Romanos  abatido  a  Etruria,  depois  os 
Oaqleies,  em  seguida  Oarthago,  e  mais  tarde  a  Macedónia  f 
Como  obtiveram  os  plebeus  a  igualdade  de  direitos  f  Que  mu- 
dança passou  o  poder  para  os  grandes  ?  Por  que  necessidade  se 
estabeleceu  o  império?»  Kis  a  historia  propriamente  dita.  O 
philosopho  nio  se  satlsAiz  com  o  conhecimento  dessas  causas 
parciaes.  Quer  conhecer  as  causas  universaes.  c  Porque  essa 
guerra  eterna  ?  Gomo  bestou  a  popnlação  de  Roma  para  sustentar 
essa  lucta  interminável  ?  De  que  proveio  não  ter  povo  algum 
resistido  aos  Romanos  ?  Donde  procedeu  esse  talento  de  agir,  de 
conquistar,  de  administrar  ?  Porque  esse  culto  disciplinado  de 
deuses  abstractos,  essa  íkmilia  toda  legal,  esse  extraordinário 
amor  da  pátria,  esse  respeito  á  lettra  e  á  formula,  essa  impotência 
na  artee  na  philosophia  ?  Por  que  eausas  pareceu  a  população,  a 
virtude  antiga,  o  espirito  militar  9  Oomo  se  explica  ter-se  exgot 
tado  tudo,  ter-se  tudo  anniquiiado,  crenças,  talentos,  povo,  oos- 
tumes,  lentamente,  fatalmente,  ao  ponto  de  nada  mais  floar  do 
que  uma  administração  o  um  código  sob  um  monaroha  f  »  (154) 


(153)  Augusto  Comte  e  o  positivismo  ^  pags.  6  e  7  da  trad.  de  Clé- 
raenceau. 

(154)  Parte  primeira,  cap.  4o. 


MAIS  ALGUMAS  THBORIAS  279 

Taine  está  de  accordo  oomnosco  em  qae  o  politico,  o  Jariscon- 
sulto,  08  cultores  de  diversas  sciencias.  recebem  da  historia  ma- 
teriaes  parasaas  ioducções.  Traotando  das  primeiras  leis,  de- 
nominadas por  elle  explicações  parciaes,  Taiae  o  diz  expressa- 
mente :    €  Qu^un     politique,    un    jurisconsulte^     un     general, 
s'en    tiennerU    d   cette   recherche,  cela  eai  ruUurél^    puisqu*Us 
savent    desarmais  tout  c$   qui   peut    s^appliquer    d    lewr   art ; 
mais,  la  raison,  plus  philosophique  et  plus  eosigeante,  explique 
ees  eooplicationes,  et  réduit  ces  lais  en  lais  plus  généràles»>  i[(155) 
Além  destas  leis,  peculiares  ao  dominio  de  sciencias  sociaes 
varias,  que  outras  leis  se  p6dem  induzir  da  historia  ?  Oiçamos 
o  historiador  francez,  que  nos  vae  apresentar  exemplos  de  leis 
propriamente  históricas.   A  expansão  romana  expUca-se  pelo 
interesse  pessoal,  pelo  egoísmo  que  caraoterisa  o  povo  i*omano: 
€  eis  porque  seu  espirito  ó  a  reflexão  que  caloula,  e  não  a  in- 
venção poética,  ou  a  especulação  philosophica,  e  seu  caracter 
consiste  na  vontade    raciocinada,  e  não  nos  sentimentos   e 
aíTeições.  Dahi  essa  lucta  infatigável  contra  uma  terra  ingrata, 
esse  desprezo  pelos  que  perdem  o  património,  a  nomeada  dos 
que  o  augmentam,  a  economia,  a  frugalidade,  a  avidez,  a  ava- 
reza, o  espirito  de  chicans,  todas  as  virtudes  e  todos  os  defeitos 
que  engendram  e  conservam  a  riqueza ;  a  propriedade  conside- 
rada uma  coisa  santa  e  sagrada,  o  limite  dos  campos  dívinisado, 
as  terras  e  o  credito  protegidos  por  leis  terríveis,  as  formas  dos 
contractos  minuciosas  e  invioláveis;  em  summa,  todas  as  insti- 
tuições que  podem  garantir  os  bens  adquiridos,  AopajKo  que 
alhures  a  família  natural,  estabelecida  sobre  a  communhão  de 
origem,  é  governada  pelas  affeições,  a  família  romana,  toda 
civil,  sob  uma  communidado  de  obediência  e  de  ritos,  ô  a  coisa  e 
a  propriedade  do  chefe,  governada  por  sua  vontade,  subordinada 
ao  Estado,  legada  sempre  por  uma  lei  em  presença  do  Estado, 
espécie  de  província  que  esta  nas  mãos  do  pae  de  familia,  e 
fornece  soldados  ao  publico.  Formado  de  raças  diversas,  violen- 
tamente reunidas,  obra  da  força  e  da  vontade,  e  não  do  paren- 


(155)  Pag.  127, 


280  REVISTA  DO  INSTITUTO   HISTÓRICO 

tesco  o  da  natureza,  o  Estado  oontém  dois  corpos  organizados, 
que  luctam  regular  e  Idgalmente,  nâo  por  paixão,  mais.por  in- 
teresse, e  unexn-se  sob  a  mai?  complicada  e  a  mais  bem  combi- 
nada das  constituições  que  jamais  houve.  Conquistador  pur  sys- 
tema  e  com  methodo,  para  conservar  e  explorar  o  Estado  ro- 
mano eleva  ao  miisaltográo  a  arte  militar,  a  habilidade  poli- 
tica, o  talento  administrativo,  o  reúne  pela  força  o  mundo  entSo 
conhecido  em  um  império  or^nizado  sob  o  dominio   de  uma 
cidade.   Sua  politica  consiste  em  transformar  cm  soldados  de 
Roma  08  povos  vencidos,  em  ministros  do  Roma  os  príncipes  e 
08  magistrados  extrangeiros,  isto  ô,  om  augmentar  muito  as 
suas  forças  com  pouco  dispêndio.   Sua  arte  militar   consiste 
em  formar  os   mais  robustos  e  bravos  soldados  sob  a   mais 
stricta  obediência,    isto    ô,    cm  tirar    o   molhor    partido  de 
forças  poderosas.    Toda  a  sua   sabedoria   se  reduz   a  desen- 
volver-80  e  poupar-se.    Instituição  da  vontade,  machina  de 
conquistat  matéria  de  organização,  o  Estado  occupa  todos  os 
pensamentos,  absorve  todos  os  sentimentos,  subordina  a  si  todas 
as  acções  o  todas  as  instituições.   Lsta  dominação  do  interesso 
pessoal  e  do  egoísmo  nacional  produz  o  desprezo  da  humanidade. 
Não  conquistado  ainda,  o  género  humano  é  matéria  para  con- 
quistas ;  já  conquistado,  ô  uma  proza,  da  que  se  usae  abusa.  Os 
escravos  são  espesinhados  com  uma  dureza  atroz ;  esmagam-se 
povos  inteiros  ;  conduzem-se  em  triumpho  e  matam-se  os  reis 
vencidos.  Os  deuses  são  abstracções  sem  vida  poética,  taes  como 
03  forma  a  reflexão  árida  por  meio  da  analyse  de  uma  operação 
da  agricultura,  oa  das  diversas  partes  de  uma  casa,  ou  ílagellos 
adorados  por   tomor,  deuses  de  outras  nações  recebidos  nos 
templos  por  interesse,  como  vencidos  na  cidade,  mas  sujeitos  ao 
Júpiter  do  Capitólio,  como  os  povos  ao  pjvo  romano.  Os  sacer- 
dotes são  leigos,  organizados  em  corporações,  simples  adminis- 
tradores da  religião,  sob  a  auctoridade  do  senado,  que  regula  os 
sacriflcios  expiatórios,  e  forma  com  o  povo  a  única  auctoridade 
competente  para  fazer  quaesquer  innovaçoes.   O  culto  consiste 
em  ceromonias  minuciosas,  eacrupulosameute  observadas,  porque 
falta  o  espirito  philosophico  e  poético,   interpreto  dos  sym- 
bolos,  e  o  raciocínio,  árido  e  triste,  pronde-seás  palavras.  Serve 


MAIS   ALGUMAS   THEORIAS  281 

para  o  senado  do  instrumento  politico,  e,  como  tudo  mais,  ó 
um  moio  de  dominação».  (156)  Toda  a  arte  veio  dos  paizes 
conquistados:  o  theatro  da  Etruria,  depois  da  Grécia:  os 
monumentos  são  gregos.  Na  poosia  nenhuma  originalidade.  As 
sciencias  não  passam  de  traducçOes.  Incapacidade  para  a  me- 
tapbyâica.  A  única  sciencia  romana  ô  a  jurisprudência.  Essa 
mesma  a  principio  se  reduz  a  uma  compiiaç&o  de  formulas. 
Para  a  elevar  a  systema,  foi  necessária  a  philosopbia  grega, 
que  a  vívilicou  com  o  direito  natural.  Da  natureza  do  génio 
romano  procede  a  sua  historia,  como  de  um  principio  o  coroN 
lat-io.  Desde  que  a  ikmilia  o  a  religião  estão  subordinadas  ao 
Estado,  a  sciencia  e  a  arte  sâo  nuUas,  ou  meramente  praticas, 
e  o  Estado  tem  por  exclusiva  missão  conquistou*  e  organizar  a 
conquista,  a  historia  de  Roma  é  logicamente  a  historia  da  con- 
quista e  seus  effeitos.  A  guerra  interminável  extingue  a  classe 
média.  Ao  contacto  dos  costumes  orientacs,  a  familia  se  dis- 
solve. Modiflca-se  o  caracter  da  propriedade.  A  religião,  fun- 
dida com  as  da  Grécia  o  do  Oriente,  dilue-se  no  Pantheon.  Só 
ficam  de  pé  os  jurisconsultos,  que  organizam  um  código,  ultimo 
effeito  do  espirita  organizador  de  Roma.  E  assim  a  conquista,  re- 
sultante fatal  dos  attributos  do  génio  romano,  destróe  todos  os 
povos,  deixando  apenas  um  systema  de  instituições,  especioso 
envolucro,  forma  eternamente  brilhante  de  um  corpo  já  inanido 
e  morto.  E,  sob  os  immensos  escombros  do  que  foi  o  império 
romano,  o  homem,  desllludido,  esmagado,  anniquilado,  se  re- 
Aigia  em  si  mesmo,  e,  obedecendo  ás  consoladoras  suggestoos  do 
mysticismo  oriental,  descobre  c  organiza  uma  sociedade  nova  no 
seio  de  uma  nova  religião. 

A  ligação  dos  factos  é  engenhosa  e  admirável,  o  encadea- 
mento das  causas  e  eíTeitos  é  soberbo  ;  a  explicação  ó  genial  e 
m-araviihoja.  Mas,  conterá  uma  lei,  ou  uma  sério  de  leis,  que 
possam  dcnominar-se  históricas,  que  formem  o  conteúdo  de  uma 
sciencia  autónoma?  Em  primeiro  logar,  tão  discordes  são  as  ex- 
plicações, engendradas  pelos  historiadores  e  homens  de  scien- 
cia —  em  geral,  destes  factos  complexos  —  o  engrandecimento 


(15))  Pa-rs.  180  a  184. 


282  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

e  a  decadência  do«  romano8«  qae  nada  mais  temos  que  eosaios, 
tentamens  de  theorias.  Por  que  dec&hio  o  espirito  romano  ?  Em 
consequenoia  da  saa  própria  organização»  effeito  do  egoísmo 
peculiar  ao  génio  do  povo  romano,  responde  Taine,  resumindo, 
como  eile  diz,  a  philosophia  da  historia  dos  modernos  em  re- 
lação a  esse  âuito.  O  sábio  Liebig,  aprofundando  o  estudo  das 
causas  do  phenomeno,  condue  que  tudo  so  explica  pela  falta 
de  potassa  e  de  acido  phosphorioo,  de  que  o  solo  foi  privado 
por  uma  cultura  irracional  (157).  O  depauperamento  dos 
homens,  opina  Conrad,  foi  devido  á  devastação  das  florestas,  e 
ao  estancamento  das  irrigações  (158),  Não,  contssta  o  illustre 
Du  Bois-Reymond,  nenbuma  dessas  causas  ô  verdadeira  ;  a  ex- 
plicação é  simples:  Roma  decahio  e  pereceu  por  não  ter  cultivado 
as  sciencias  naturaes,  e  por  ter  fundado  toda  a  sua  dvilisa^ 
na  areia  movediça  da  esthetica  e  da  especulação  ;  se  as  legiões 
romanas  tivessem  armas  de  fogo,  facilmente  teriam  rechassado 
os  bárbaros  em  batalhas  sangrentas  ;  e  as  armas  de  fogo  nos 
foram  dadas  pelo  cultivo  das  sciencias  naturaes  (159).  Não  é 
provável  que  cada  um  desses  factos  tenha  concorrido  com  outras 
causas  para  a  producção  do  acontecimento  ?  Em  segundo  logar, 
descobrir  a  causa  de  um  facto  social  não  ó  descobrir  uma  lei 
scientiflca.  Dado  a  extrema  complexidade  dos  pheoomenos  his- 
tóricos, a  causa  de  um  facto  p6de  ser  um  conjuncto  especial  e 
único  de  factores,  ou  de  circumstanoias,  o  qual  se  não  tenha 
reproduzido,  nem  seja  provável  venha  a  se  reproduzir.  Uma 
lei  ô  uma  relação  constante  de  suocessão,  ou  de  semelhança, 
ou  de  simultaneidade.  Só  o  conhecimento  de  uma  relação  con- 
stante de  successão  entre  as  causas,  ou  a  causa  do  facto,  e  este, 
ó  que  nos  daria  uma  lei,  no  sentido  scientiílco  da  expresso.  Em 
se  tratando  de  factos  sociaes,  um  só  offeito  pôde  derivar  de 
causas  várias,  como  bem  demonstra  Stuart  Mill  (160).  A  ex- 
trema complexidade  dos  factos  sociaes  não  nos  permitte  gene- 


(167)  Gumplowica,  SooMogie  et  Politiqtie,  gli. 

(158)  Ibidem 

(159)  Ibidem. 

(160)  Système  de  Logique, 


MAI8  ALGUMAS  THE0RIA8  283 

ralisar,  formular  leto,  oom  a  facilidade  e  segurança  oom  que  se 
prooede  nas  scienoias  inferiores.  Finalmente,  admittamos  para 
argumentar,  que  Taine  haja  formulado  proposioões  verdadeiras 
6  incontestáveis  na  sua  ezpiioaç&o  da  grandeza  e  deoadencia 
dos  romanos,  ou,  por  outras  palavras,  que  tenha  descoberto 
algumas  leis  relativas  &  evolução  e  a  dissolução  da  sociedade. 
Teremos  um  coAJuncto  de  leis  históricas^  uma  aoiencia  da  his- 
toria ?  Absolutamente  nfio.  Admittidas  as  indaoçSes  de  Taine 
como  leis  incontroversas,  temos  uma  nova  contribnl^^  para  a 
constituição  da  sociologia,  que  ó  a  soiencia  consagrada  ao  estudo 
das  leis  concernentes  á  evolnçâo  e  á  dissoluç&o  da  sociedade. 

A  historia  collecciona  e  dispõe  methodicamente  os  mate- 
riaes,  os  factos,  em  cajá  observação  e  comparaçio  haurem  suas 
inducçõea,  scienoias  diversas.  O  methodo  descriptivo,  appUcado 
pelo  historiador,  ó  um  ezcellente  instrumento  para  a  acqui* 
sição  de  verdades  geraes  da  sociologia  e  seus  ramos  espeoiaes* 
Sem  a  observação  nao  se  dái  um  passo  no  estudo  de  qualquer 
sciencia ;  a  observação  ó  a  base  commum  do  methodo  de  todas 
ajB  sclencias ;  mas,  cada  uma  destas  tem  o  seu  modo  especial 
de  observação.  Ha  scienoias  que  observam,  por  assim  diser,  por 
simples  inttti($o.  São  as  mathematioas,  que  facilmente  veri- 
ficam as  suas  generalisaçõee  por  meio  de  experiências  ideaes, 
como  diz  Bain,  repetidas  illimitadamente  em  curto  espaço  de 
tempo  graças  á,  facilidade  com  que  representamos  em  nossa  ima 
gioação  as  grandezas  e  as  formas.  Muitas  verdades  mathema- 
tioas, geralmente  reputadas  axiomáticas  ou  aprioristicas^  não 
passam  de  induoções  dessas  repetidas  experiências  idóaes.  Outras 
sciencias  observam,  no  sentido  rigoroso  da  expressão  :  tal  ó  a 
astronomia.  Outras  recorrem  á  experimentação  propriamente 
dita,  provocam  em  dadas  condições  a  reproducção  do  pheno- 
meno  que  pretendem  estudar  :  tal  ó  a  ehimioa.  Outras,  final- 
mente,  para  se  constituírem  ou  para  se  desenvolverem,  valem- 
se  do  methodo  descriptivo  :  taes  são  a  sociologia  e  as  sciencias 
sooiaes  especiaes  (161),   O  methodo  descriptivo,  peculiar  &s 


(l'»l)  Roberly.ia  socioíoflFÚ,  cap.  2». 


284  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTORICX) 

sciencias  biológicas  e  sooiaes,  é  ainda  am  modo  esijecial  de  ob- 
sorvação,  mas  uma  observação  transformada  ou  prolongada 
(162).  E*  a  Datareza  especial  dos  phenomenos  sociaos  quo  exige 
om  trabalho  de  preparação  e  de  elaboração  intermediário  entre 
a  simples  observação,  a  oollecção  dos  factos,  e  os  últimos  es- 
forços da  abstracção  e  da  analyse,  tendentes  ã  generaiisa^o, 
ou  formulação  das  leis. 

Queremos  um  exemplo  do  que  6  a  historia,  considerada  sob 
este  aspecto ;  da  utilidade  que  nos  presta  ;  do  quanto  se  distin- 
gue da  historia  tal  como  foi  comprohendida  na  antiguidade,  e 
ainda  até  ha  pouco  poios  simples  narradores  de  factos,  como 
César  Cantu ;  do  que  ô  a  historia  —  descripção  de  factos  scientift- 
camente  classificados,  e  repositório  de  materiaes  para  as  indu- 
cções  das  sciencias  sociaes  ?  TemoKo  na  Historia  Romana,  de 
Mommsen.  Os  phenomenos  económicos,  03  políticos,  os  juridicosi 
os  religiosos,  os  artísticos,  tudo  o  que  constituo  o  tecido  da  socie- 
dade, está  classificado,  coordenado,  disposto  e  descrípto,  do  ac- 
cordocom  uma  certa  ordem,  em  obedioncia  a  um  certo  meihodo. 
Os  factos  biographicos  dos  grandes  homens  se  mesclam  aos 
fiictos  de  ordem  geral,  porque  são  inseparáveis;  mas,  vê-se 
bem  que  o  intuito  principal  do  historiador  ô  dar-nos  classes  de 
phenomenos  sociaes,  coUecções  methodicas  de  factos.  Abstracção 
feita  da  sua  tendência  para  a  theoria  do  caracter  nacional  da 
historia,  Mommsen  ô  um  mestre  da  historlographia.  Sem  esse 
defeito,  com  a  perfeita  discroção  e  com  a  segurança  do  homem 
de  sciencia,  Fustel  de  Ck)alanges,  mais  do  que  nenhum  outro, 
poderia  ensinar  a  escrever  a  historia.  A  este  talvez  só  falte 
aquella  arte  de  descrever  que  para  Gnlzot  e  Taino  é  qualidade 
essencial  do  historiador,  e  que  nos  dá  a  illusão  de  que  os  factos 
se  passam  aos  nossos  olhos,  e  de  que  os  personagens  se  movem, 
vivem  e  Miam  ao  nosso  iado^  arte  de  que  a  antiguidade  clássica 
parece  ter  guardado  o  segredo. 

Gomprehendida  assim,  a  historia  provavelmente  nunca  se 
elevará  ás  vastas  generalisações,  que  debalde  tentaram  os  seus 
philosophos.  A  sciencia  quo  o  génio  arrojado  de  Buckle  suppoz 


(102)  Ibidem, 


MAIS   ALGUMAS   TIIEORIAS  285 

ter  constituído,  ainda  hoje  não  é  scioncia.  Mas,  so  prosegairmos 
nestas  penosas  investigações,  de  accordo  com  o  principio  e  o  me- 
thodo  iniciados  por  Buckie,  quem  sabe  quantas  indacções  úteis, 
quantas  leis  fecundas  na  applicaçao  pratica,  não  poderá  appre- 
hender  o  espirito  humano?  E'  possivel  que  innumeros  factos» 
pela  generalidade  dos  homens  ainda  hoje  attribuidos  ao  acaso,  á 
acção  arbitraria  de  um  poder  superior,  ou  ã  vontade  exclusiva 
dos  individues,  sejam  reduzidos  a  leis,  subordinadas  ao  prin- 
cipio do  determinismo,  para  essas  leis,  como  idéas-forças, 
moverem  na  realisação  do  bem  e  do  melhoramento  da  espécie  o 
nosso  mecanismo  volitivo.  Será  então  desvendada  a  causa  de 
factos  sociaes,  que  a  nos-.a  myopia  intellectual  não  sabe  como 
elucidar .  Quem  sabe  se  a  explicação  da  miséria  moral,  que  en- 
trega não  raro  as  nações  prosperas  o  felizes  à  funesta  incapaci- 
dade de  audazes  ambiciosos,  não  é  a  que  Shakspeare  põe  na 
bocca  do  príncipe  dinamarquez  :  €  Felizes  aquelles  cuja  razão  e 
cDJo  sangue  se  acham  tão  bem  combinados,  que  não  sorvem  de 
flauta,  em  que  o  dedo  da  fortuna  tire  som  pelo  orifício  que  lhe 
aprouver  » ?  Quem  sabe  ?  «  No  céo  o  na  terra  ha  mais  coisas  do 
que  sonha  a  nossa  pobre  phiiosophia  »  . 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE  1906 


PRIMEIRA    SESSÃO   ORDINÁRIA,  EM  5  DK  MARÇO  DE  1906 
Presidência  do  Sr.  Conselheiro  O.  H.  de  Aquino  e  Castro. 

A'â  3  horaa  da  tarde,  presentes  os  Srs.  Conselheiros  Aquino 
e  Castro,  Marquez  de  Paranaguá,  Barão  Homem  de  Mello,  Max 
Fleiuss,  Alcibíades  Furtado,  Desembargador  Souza  Pitanga, 
Arthur  Guimarães,  Rocha  Pombo,  Marques  Peixoto,  Conselheiro 
Cândido  de  Oliveira,  Barão  de  Alencar,  Barão  de  Paranapia- 
caba,  Dr.  Manoel  de  Mello  Cardoso  Barata,  Conselheiro  Salvador 
Pires  de  Carvalho  e  Albuquerque,  Henrique  Raffárd,  Drs.  An- 
tónio da  Cunha  Barbosa  e  António  Martins  de  Azevedo  Pimentel, 
abre-se  a  sessão. 

O  Sr.  Presidente  communica  nos  seguintes  termos  o  fal- 
lecimento  do  Presidente  Honorário  Sua  Magestade  o  Rei  Chris- 
tiano  IX,  da  Dinamarca  e  dos  consócios  Bartolomé  Mitre,  hono- 
rário, e  contra- Almirante  Francisco  Calheiros  da  Qraça,  eífectivo : 

€  Senhores  — Com  summo  pezar  tenho  a  conmiunicar-vos 
que  três  grandes  e  lamentáveis  perdas  acaba  de  soflhar  o  Ins* 
tituto,  vendo  eliminados  do  quadro  de  seos  dignos  e  respeitáveis 
consócios,  no  brove  espaço  das  férias  que  ora  terminam,  o  Pre- 
sidente Honorário  Christiano  ix.  Rei  da  Dinamarca,  o  General 
Bartolomé  Mitre  e  o  Contra-Almirante  Francisco  Calheiros 
da  Graça. 

€  O  1<>,  venerando  ancião,  chefe  de  uma  nobre  íámilia  de 
reis,  por  longos  annos  dirigio  com  as  luzes  do  saber  e  da  ex- 
periência os  destinos  da  nação  que  se  orgulhava  de  o  ter  por 
soberano  e  desvelado  protector,  vindo  a  fallecer  na  capital  do 
seu  Reino  a  29  de  Janeiro  ultimo  com  86  annos  de  idade,  oe- 


288  REVISTA   DO   INSTITUTO   HISTÓRICO 

jebrados  com  as  mais  expresâiyas  demonstrações  de  amor,  oon- 
sidoraçSo  e  respeito,  da  parte  de  ama  população  inteira,  que  o 
prezava  como  verdadeiro  symbolo  de  gloria  nacional. 

<  Era  nosso  Presidente  Honorário  desde  1843. 

«  O  2"^,  vulto  de  magestosa  grandeza  na  historia  de  sua 
pátria,  a  florescente  Republica  Argentina,  desceu  ao  tumulo 
rodeado  do  esplendor  e  gloria  que  assignalam  a  sua  laboriosa 
existência  de  insigne  estadista,  valente  militar  o  primoroso  es- 
criptor,  deizanio  de  sua  vasta  illustração  e  cívicas  virtudes 
um  verdadeiro  padrão  de  honra  para  a  nação,  que  o  estimou 
sempre  como  preciosa  relíquia  do  continente  Sul- Americano. 
Seu  nome  acha -se  brilhantemente  inseri  pto  cm  nossos  annaes, 
revelando-o  devotaio  empenho  e  a  leal  confraternidade,  com  que 
tomou  parte  nas  poi'âada8  lutas  que  teve  o  Braz  J  do  sustentar 
contra  Rozas  e  Solano  Lopez,  em  épocas  de  bem  duras  pro- 
vações. 

«Era  nosso  consócio  honorário  desde  1871  o  considerado, 
com  justa  razão,  como  grande  e  constante  amigo  do  Brazil . 

<  Fall)ceu  em  Buenos- Aires  a  19  de  janeiro  passado. 

<  Do  3^,  distincto  e  brioso  servidor  da  pátria,  uma  das  vi- 
ctimas  do  dever  na  pavorosa  catastrophe  do  Âquidaban,  occor- 
rida  a  21  desse  fatídico  mez  de  janeiro,  que  poderei  ou  dizcr- 
vos,  neste  angustioso  momento  om  quo  revivem  as  dores  sup- 
portadas  com  indizível  soífrimento  pela  pátria  e  pela  família 
de  um  só  golpe  feridas  em  suas  mais  caras  c  ternas  aíTeições  ? 

€  Bem  sabeis  quaes  as  relações  do  intimo  aíTecto  que  me 
prendiam  ao  saudoso  consócio  que  não  mais  veremos. 

€  Desculpai-me  pois,  se  tendo  a  voz  embargada  pela  dòr  que 
opprime  um  coração  de  pai  em  tão  lamentável  conjunctura, 
cale  o  quo  quizera  dizer- vos  ora  honra  e  louvor  ao  i Ilustre 
morto,  por  tantos  títulos  recoramendavel  &  estima  e  consi- 
deração em  que  é  tida  a  sua  memoria. 

«  Atroz  ó  o  infortúnio  que  profundamente  deploramos  ! 

«Força  é,  porém,  resignarmo-nos  á  crueza  da  sorte,  que 
impiedosa  para  nós  tem  sido  nestes  últimos  tempos. > 

O  Sr.  Max  Fleiuss,  1°  Secretario,  informa  que  tondo  cora- 
municado  ás  diversas  autoridades  a  posso  da  nova  Directoria 
do  Instituto,    recebeu,  em  resposta,  olHcios  dosSi*s.  Ministro 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE  1906         289 

da  Indostria,  Prefeito  do  Distrioto  Federal,  Chefe  do  Estado 
Maior  General  da  Armada,  Chefe  do  Estado  Maior  do  Exercito, 
Chefe  de  Policia  do  Dietricto  Federal,  Commandaate  Geral  da 
Força  Policial  do  Districto  Federal,  Director  do  Archivo  Pablico 
Nacional,  Director  Geral  dos  Correios,  Commaadaote  do  4!" 
Districto  Militar,  Director  Geral  dos  Telegraphos,  V  Secre- 
tario do  Clab  Naval ,  !<"  Secretario  adjunto  do  Club  de  Enge- 
nharia. 

€  Ante  a  calastn^he  do  Aquidaban,  o  Institato  deu^se  pressa 
em  apresentar  soas  condolências  aos  Srs.  Presidente  da  Repa-» 
blica.  Chefe  do  Estado  Maior  General  da  Armada  e  Presidente 
do  Club  Naval,  tendo  recebido  as  seguintes  respostas  : 

«  Qabinete  do  PresidêfUâ  da  ^publica.  Rio  de  Janeiro^  25  d^ 
janeiro  de  i906. 

<  Agradeço  reoonhecidoao  Institato  Histórico  e  Geographico 
Brazileiro  os  seas  sentimentos  de  pezar,  manifestados  em  offi- 
oio  de  23  do  corrente  mes,  pelo  desastre  do  €  Aqaidaban  ».  — 
Fransico  de  Paula  Rodrigues  Alves. > 

cAoEzm.  Sr.  Max  Fieiuss,  1«  Secretario  do  Instituto  His- 
tórico e  Geographico  Brazileiro.» 

«  Quartel  General  da  Marinha,  l*  secQfto,  Rio  de  Janeiro, 
27  de  janeiro  de  1906.  Sr.  1*  Secretario  do  Instituto  Histórico  e 
Geographico  Brazileiro.  Accuso  recebido  o  vosso  offleio  datado 
de  23  do  corrente,  manifestando  o  profundo  pezar  que  causou  a 
esse  Institato  a  terrível  catastrophe  do  coaraçado  Aquidaban  e 
que  oocasionou  a  perda  de  innumeras  e  preciosas  vidas  tão  úteis 
á  Pátria  e  á  Familia  Brazileira,  cabendo-me  agradecer-vos,  em 
nome  da  Blarinha  de  Guerra  Nacional,  e  no  meu  próprio,  essa 
manifestação  tão  sincera,  quão  sentida,  que  fazeis.  Saude  e 
fraternidade.  — /oA>  Justino  de  Proença,  oont?a-almirante.  » 

<  Bm  data  de  83  de  janeiro  officion-se  ao  Director  da  Biblio- 
theca  Nacional,  solicitando  os  velames  doa  Annaes,  qaa  fal- 
tavam na  coliecção  do  Institato. 

«  O  Sr.  Director  da  Bibliotheoa,  com  a  gentilesa  que  o  cara- 
cteriza, immediatamente  respondeu  enviando  os  volumes. 

€  Em  data  de  31  de  dezembro  o  nosso  consócio.  Coronel 
Thaomatorgo  de  Azevedo  communicou  ter  reassumido  o  cargo 
de  Prefeito  do  Alto  Juruà. 

43Í3-19  Tomo  lxix.  f.  ii. 


190  REVI6TA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

€  Bm  data  de  19  de  ílBToreiro  ultimo  o  Secretario  Qeral  da 
Força  Polioial,  major  Cruz  Sobrinho,  solloitou  para  a  Bibiio- 
theca  daquelia  corporação,    as  publicações  do  Instituto. 

<  Foram  remet tidas  rarias  publica^^. 

€  Por  motivo  de  serviço  no  Instituto  o  l^  Secretario  teve 
necessidade  de  dirigir  duas  oonddenciaes  ao  Sr.  Barão  do  Rio 
Branco,  digno  Ministro  das  Relaçõos  Bzteriores,  que  as  res- 
pondeu. 

<  £m  data  de  17  de  janeiro,o  1^  Seoretario  dirigiu  ao  Director 
da  Imprensa  Nacional  um  offioio,  consultando  sobre  a  publica- 
ção da  Rerista  do  instituto,  por  isso  que  no  presente  exeroioio 
não  ha  autorização  expressa  para  ser  continuada  a  mesma  pu- 
blicação. Sabe  o  l®  Secretario,  e  disso  inl<^ma  com  segurança  ao 
instituto,  que  o  Sr.  Dr.  Leopoldo  de  Bulhões,  Ministro  da  Fa- 
zenda, autorizou  o  Director  da  Imprensa  Nacional  a  proseguir 
na  publicação* 

« Em  data  de  26  de  Janeiro  requereu  o  !•  Secretaria  ao 
Sr.  Dr.  Josó  Joaquim  Seabra,  Ministro  do  Interior,  a  necessária 
licença  para  mandar  copiar  na  Bibliotheca  Naeional  os  manu' 
scriptos  indispensáveis  ás  collecções  do  Instituto.  Eaae  requeri- 
mento foi  deferido.» 

O  Sr.  Alcibíades  Furtado,  d»  Secretário,  lô  as  ofiBsrtas. 

O  Sr.  Fleiuss,  T  Secretario,  chama  a  attenção  do  Instituto 
para  a  oflDsrta  íéita  pelo  prezado  consócio  Dr.  Manoel  Barata, 
de  uma  chapa  de  metal,  em  forma  de  escudo,  tendo  gravado 
o  titulo  do  Instituto,  a  qual  foi  coliocada  ante-hontam  sobre  a 
▼erga  da  porta  de  entrada  do  ediiloio. 

O  Sr.  Presidente  declara  que  o  Instituto  muito  agradece 
essa  gentil  oflérta. 

O  Sr.  Presidente,  por  sua  vez,  oiferece  um  busto  em  gesso 
do  Senhor  D.  Pedro  II>  o  qual  lhe  foi  mandado  da  Bahia,  onde 
foi  feito  em  1860,  por  ocoasião  da  visita  do  Imperador. 

O  Sr.  Conselheiro  Cândido  de  Oliveira  dix  que  na  próxima 
sessão  oíferecerã  ao  Instituto  ceroa  de  duzentos  retratos  do  Sr. 
D.  Pedro  II,  em  diversas  idades. 

O  Sr.  Presidente  diz:  €  Em  sessão  de  16  de  agosto  de  16d9 
propox  o  nosso  pranteado  oollega  Conselheiro  Corrêa,  ficasse  o 
Presidente  autorizado  a  encarregar  um  dos  membrox  do  Idsti* 


ACTAS  DAS  SKSSOfiS  DB   1906  291 

tuto  de  escrever  uma  memoria  histórica  relativa  i  viagem  a 
eita  cidade  do  illuatre  Presidente  da  Republica  Argentina,  Ge? 
neral  Jolio  Roca. 

€  Bssa  memoria  será  publicada  na  Revista  do  Instituto. 

<  Por  nomeação  do  Presidenta»  unanimemente  aceita,  coube 
aqueila  incumbência  ao  nosso,  ho>  faUecido,  collega  o  Sr.  Mi- 
guel Archaigo  Oalvao* 

<  Em  sessão  de  10  de  dezembro  do  anno  seguinte,  o  Sr.  Gal- 
vão procedeu  á  leitura  do  preambulo  de  seo  trabalho. 

€  Sob  proposta  do  autor  foi  dispensada  a  leitura  da  parte 
descriptiva  e  final  por  ser  simples  compilação  e  transcripgão  de 
outras  publicações. 

«  Fazendo  eatrega  desse  manuscripto,  diz  ainda  o  Sr.  Pre- 
sidente não  precisar  encarecer  o  merecimento  desse  minuciosa 
trabalho,  quando  são  de  todos  coohecidos  o  methodo,  paciência 
e  profundeza  de  investigações  que  presidiam  os  trabalhos 
desse  collega. 

€  Além  de  minúcias  e  pormenores  extrahidos  das  publiea- 
ções  e  jornaes  do  tempo,  ha  na  referida  memoria  considera- 
ções de  valor  histórico  que  lhe  dão  grande  mereoimeato.  Não 
é  uma  simples  chroiiica  de  factos  e  datas,  mas  summario  cri- 
tico, imparcial,  das  antigas  relações  entre  o  Brazil  e  a  Re- 
publica Argentiua.» 

O  Sr.  M  krqu3Z  de  P  irana^uã  commuoica  qu(3  o  Sr.  I)r. 
José  Aiuerioo  dos  Sanuis  deixa  de  coujpareoer  pur  juiiiu  mo- 
tivo. 

O  Sr.  Max  Flfiuiis,  t "  Secretuici,  cuininuni*  a  t^iu)  au  as- 
sumir o  seu  cargo,  em  8  ie  janeiro  uluimo,  tratou  io^o  ao  pro- 
curar conbecer  o  e^&ado  «los  diversos  serviços  •io  lutíUtuio.  Soía 
embarco  da  deiicaçaj,  p-^r  bodos  reconhecida,  do  ihòh  ante- 
cessor, taes  serviçsMi  apreseuuLvam-se  em  coniliçõiii»  pouco  11- 
soQJeiras.  Assim,  deliberi>u  re^>r^anizal-os,  dando-lhes  uma 
feição  mais  moderna  e  piatica,  que  facilitará  os  fios  du  que  o 
Instituto  se  desobriga  ha  67  anãos. 

A  Bibliotheoa  serã  completamente  organizada  de  oovo  sob 
a  direcção  provect  i  ao  illustra<lu  Sr.  Dr.  JosA  Vieira  Kazeuda, 
nosso  prezAdissimo  BibliotUecario,  cua4juvado  pelo  distiucto 
cavalheiro  Sr.  Barão  de  Vasoonoellos  que»  oom  a  mai^ 


292  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

tiloza,  se  presta  a  auxiliar  o  Instituto  nessa  tarefa.  Para 
a  catalogaç&o  dos  mappas,  o  orador  já  dirigiu  convite  ao  emi- 
nente oonsocío  Dr.  Orville  A.  Derby,  cuja  competência  na  ma* 
teria  não  pode  soflrer  a  menor  duvida.  Os  arobivos  do  Insti- 
tuto j&  se  acham  completamento  reorganizados,  tendo  sido  os 
documentos  numerados  e  collooados  respectivamente  em  caixas 
de  folha,  oom  necessário  acondicionamento»  preservativo  da 
destrui^^.  Prooede-se  agora  &  catalogação  do  Museu. 

Infelizmente,  tôm-se  notado  grandes  faltas  nos  manuscriptos 
e  objectos  do  Museu. 

Tem  ainda  o  orador  a  dar  uma  noticia  que,  por  certo, 
despertará  o  maior  jubilo  entre  os  consócios.  No  anno  passado, 
o  orador  pedio  insistentemente  ao  seu  particular  e  distinoto 
amigo,  Sr.  Dr.  Leopoldo  de  BulhOes,  Ministro  da  Fazenda,  que, 
além  das  provas  por  este  já  dadas  de  interesse  pelo  Instituto, 
promovesse  os  necessários  meios  para  que  fosse  melhorada  a 
sua  installação.  Sendo  eleito  sócio  honorário,  em  28  de  abril  de 
1905,  o  Dr.  Leopoldo  de  Bulhões,  poucos  dias  depois,  visitou  de- 
tidamente o  edificio  na  parte  oceupada  pelo  Instituto,  e  re- 
conheceu a  exactidão  das  ponderações  que  lhe  ílzera  o  orador 
sobre  as  péssimas  condições  materiaes  da  casa. 

Nasceu  dessa  visita  a  proposta  apresentada  na  Gamara  dos 

Deputados  pelo  illustre  Sr.Dr.  Pandiá  Calogeras,  também  nosso 

consócio,  mandando  dar  50:000$  para  os  reparos  do  edificio. 

Essa  proposta  foi  approvada,  e,  na  lei  da  despesa  geral  para 

ocorrente  exercício,  figura  a  respectiva  verba. 

Dirigiu-se,  então,  o  orador  ao  illustrado  Sr.  Dr.  José  Joaquim 
Seabra,  digno  Ministro  do  Interior,  que  o  acolheu  com  a  dis- 
tinc(^  que  lhe  é  proverbial,  mostrando  decidido  empenho  em 
determinar  as  obras  alludidas. 

EfTeetivamente,  o  activo  Ministro,  igualmente  nosso  consó- 
cio, remetteu  as  plantas  e  orçamentos  das  obras  ao  Engenheiro 
do  Ministério  da  Justiça,  recommendando  toda  urgência.  No 
ultimo  sabbado,  o  illustre  profissional,  Dr.  Francisco  Augusto 
Peixoto,  veio  ao  Instituto,  e,  em  conferencia  com  o  orador  c 
com  o  constructor,  ficaram  assentadas  todas  as  obras,  devendo 
nesse  sentido  ofiiciar  aquelle  engenheiro  ao  illustre  Ministro  do 
interior. 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE    1906  293 

Assim,  em  breves  dias,  terão  ioicio  os  trabalhos  de  refor- 
ma, os  quaes  ficarão  concluidos  até  fins  de  janho  próximo. 

O  orador,  salientando  a  bôa  vontade  dos  Drs.  Leopoldo  de 
Bulhões  e  Calogeras,  Julga  também  de  sen  dever  oomma olear 
ao  Instituto  que  o  Sr.  Dr.  José  Joaquim  Seabra  se  toma  credor 
da  maior  gratidão  de  todos  quantos  desejam  vêr  a  nossa  douta 
associação  installada  de  modo  condigno. 

O  Sr.  Presidente  declara  que  o  Instituto  recebe  estas  no« 
ticias  com  o  mais  especial  agrado,  felicitando  o  r  secretario 
pela  dedioa(^  com  que  está  tratando  de  todos  os  negócios  do 
Instituto. 

O  Sr.  Thesoureiro  apresenta  os  balancetes  do  39  e  4*  tri- 
mestres do  anno  de  1905,  bem  como  o  balanço  geral  desse  anno 
e  em  annexo  uma  rela^  do  património  do  Instituto  prece* 
dida  da  seguinte  introducção: 

<  Conforme  consta  da  acta  de  sesifto  de  23  de  Junho  de  1905» 
ítd  designado  pelo  Exm.  Sr.  Presidente  com  approvação  da 
Mesa  para  preencher  interinamente  o  cargo  de  Thesoureiro 
do  Instituto  Histórico  e  Geographico  Brazileiro  durante  o  impe- 
dimento do  Exm.  Sr.  Dr.  Francisco  B.  Marques  Pinheiro,  dei- 
xando por  isso,  o  que  exercia  na  CommissSo  de  Fundos  e  Orça- 
mento. 

Recebi,  pois,  das  mãos  do  illustre  consócio  Dr,  Marques 
Pinheiro  em  30  de  Junho  do  mesmo  anno  â71$S00,  em  dinheiro, 
saldo  existente  em  caixa,  a  caderneta  n.  530  em  nome  do  Insti- 
tituto,  aberta  no  Banco  Gommeroial  do  Rio  de  Janeiro,  o  com- 
petente livro  de  cheques,  e  todos  os  títulos  e  documentos  cons- 
tantes do  annexo  n.  1. 

Não  sendo  então  definitiva  a  minha  designação,  não  houve 
mister  de  inventario  de  valores  que  noutras  condições  teria 
sido  feito ;  cabendo  precisamente  meio  anno  de  gestão  ao  Sr. 
Dr.  Marques  Pinheiro  e  meio  anno  a  mim. 

Venho  dar-vos  conta  da  do  meu  período,  sendo  certo  que 
a  do  meu  antecessor  elle  prestou  nos  balancetes  comprehen- 
didos  nos  dous  trimestres  a  seu  cargo  —  o  l""  e  o  29. 

Recebi  em  18  de  novembro  da  Thesouraria  Geral  do  The- 
souro  Nacional  as  quotas  de  beneficio  de  loterias  relativas  aos 
mezes  de  Jameiro  a  setembro  do  corrente  anno,  pertencentes  ao 


294  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

lostitato,  conforme  aatorisaçSo  escrlpta  do  Exm,  8r.  Presi* 
dente  e  despacho  de  13  de  noyembro  do  Bxm.  Sr.  Ministro 
dd  Fazenda. 

Resgatei,  outrosim,  também  de  accordo  e  com  autorlzaçSo 
doEzm.  Sr.  Presidente,  as  inscripçOes  do  Banoo  da  Repu- 
blica do  Brazil  portenoentes  ao  Instituto,  e  satisfiz  pontu- 
almente, como  me  cumpria,  as  folhas  mensaes  de  pagamento 
ao  pessoal,  bem  como  todas  as  contas  que  me  foram  api'esen- 
tadas  com  o  <pague-se>  do  Exm.  Sr.  Presidente  e  o  «visto»  do 
Sr.  1«  Secretario,  e  as  requisições  da  Secretaria  constantes  do 
art.  :^9  §  6  dos  Estatutos. 

Arrecadei  em  tempo  útil  os  Juros  das  apólices  e  das  inseri- 
pções  nominativas  do  Instituto. 

Depuz  na  caderneta  do  Banco  Commercial  a  importância 
dos  Juros  das  apólices,  reservando  as  arrecadações  das  quotas 
e  do  resgate  das  inscripçQes  para  em  principio  de  Janeiro, 
abertas  as  transferencias,  empregal-as  em  apólices  geraes  uni- 
formizadas de  accordo  com  o  Exm.  Sr.  Presidente. 

Foi  creditada  na  caderneta  do  Banco  Oommercíal  a  im- 
portância de  21$800,  de  Juros  do  semestre  e  eu  por  minha  vez, 
abonei  ao  Instituto  os  de  95$4d0,  da  somma  em  meu  poder 
aocidentalmente,  para  a  compra  combinada. 

Bm  tempo  opportuno  farei  a  uniíbrmIzaçSo  das  apólice^ 
antigas,  bem  como  requererei  certidão  á  Caixa  da  Amorti- 
zaçSo  de  todas  as  apólices  do  Instituto,  seu  numero  e  em- 
préstimo. 

A  cobrança  das  mensalidades  dos  srs.  sooios  relativa  ao 
corrente  anno  e  aos  anteriores  achava-se  determinada  pelo 
meu  antecessor,  que  empregara  esforços  para  regularizal-a. 

Pela  discriminação  das  arrecadações  constantes  dos  ba 
lancetes,  vereis  que  da  cobrança  atrazada  nada  se  pode  fkzev 
e  da  recente  ha  ainda  o   que  fazer. 

Os  atrazos,  que  vêm  de  longe,  representam  somma  nã^ 
pequena,  e  urge  liquidal-os. 

Gomo  justa  e  sincera  homenagem  aos  Srs.  sócios  em  atrazo, 
muitos  dos  quaes  nSo  se  quitaram  por  motivos  independentes 
da  própria  vontade  e  ausência  prolongada  da  sede  da  instl 


ACTAS   DAS  SEB8UBS   DB    1906  295 

tai(^,  occorr&>me  lembrar  que,  aos  auaeotes  ae  escreva,  aos 
presentes  se  envie  uma  oommiss&o  de  dois  membros  do  Insti* 
tuto,  e  aos  mortos  se  elimine  o  debito,  para  não  importunar  as 
respeotivas  famílias. 

Nas  vésperas  da  reforma  do  Instituto,  tenho  firme  con- 
vicção de  que  os  srs.  sócios  presentes  acudirão  ao  appello 
quitaadoHse,  o  que  tanto  equivale  dizer,  reforçando  o  prestigio 
moral  e  material  da  nossa  querida  institaição. 

Doa  em  annexo  n.  2,  e  somente  por  números,  as  matri^ 
cuias  em  atrazo,  que  remontam  a  10,  15,  âO  e  mais  annos,  e 
attingema  cifra  de  Rs 

A  despeito  de  ser  o  nosso  instituto  ama  casa  de  scienoia, 
ha  mister  de  não  desprezar  a  parte  material  e  dahi  a  con- 
tingenciai  que  deploro,  de  mencionar  a  existência  de  tal  facto 
anormal. 

A  oommissão,  qne  lembro,  apresentaria  relatório  de  sens 
trabalhos  em  prazo  marcado  e  habilitaria  a  assembléa  a  re- 
gularizar a  situação. 

Ssoolhi  pessoa  idónea  para  procurar  as  resideocias  e  en- 
tender-se  com  os  Srs.  sócios  em  atrazo,  ouvindo  ella  de  muitos, 
conforme  relatório  que  me  apresentou,  a  externação  de  mal 
entendidos,  qjxe  uma  commiâsâo  como  a  que  indico  desfaria 
promptamente,  reavivando  a  dedicação  que  através  desses  mal 
entendidos  se  sente  em  todos  pelo  Instituto. 

São  os  meus  votos. 

O  balanço  gera)  que  apresento  não  é  propriamente  um  ba- 
lanço, e  sim  uma  demonstração  de  receita  e  despeza,  segando  os 
usos  encontrados. 

A  ultima  âemonstra(^  exhibida  pelo  5r.  Dr.  Marques  Pi- 
nheiro comprehende  os  mezes  de  Janeiro  a  maio. 

Peço  vénia  para  lembrar  que  se  tenha  nm  livro  de  registro 
dos  haveres  do  Instituto  e  se  leve  a  livro  especial  o  lançamento 
de  todas  as  despezes  á  propor^  e  nas  datas  em  que  tiverem 
logar. 

Creado  como  Já  se  acha  pelo  digno  1®  Secretario  o  livro 
onde  se  escriptura  a  Iblha  do  pagamento  mensal  ao  pessoal,  e 
este  paasft  os  eompetentes  reelbos,  outro  convém  crear  onde 


296  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

fiquem  registradas  todas  as  despezas,  qaer  grandes,  quer  miadas, 
para  que  sejam  faciiitadas  ayerigaagões  por  ventura  necessárias* 
O  saldo  do  Instituto  em  31  de  dezembro  de  1905,  de 
21:515$2^,  em  meu  poder,  de  3:776$-360,  na  caderneta  do  Banco 
Commeroial  do  Rio  de  Janeiro,  e  de  B2$  em  duas  cadernetas  da 
Caixa  Económica,  ó  ao  todo  25:373$480. 

Não  mendono  o  valor  porque  estão  no  Instituto  as  duas 
apólices  da  Divida  Publica  aguardando  que  a  mesa  resolva, 
oom  a  approvac&o  dos  Srs.  sócios,  se  deve  como  de  direito,  le- 
vantar para  o  futuro  balanços  completos. 

Ficam  &  disposição  da  mesa,  da  commissão  respectiva  e  dos 
Srs.  sócios,  todos  os  documentos  do  balanço  e  estou  ás  ordens 
para  prestar  quaesquar  esclarecimentos  que  sedam  necessários. 

Tbesourarla  do  Instituto  Histórico  e  Qeographico  Bnizi- 
leiro,  em  31  de  deiembro  de  1905.—  Arthur  Ferreira  Machado 
Guimarãee.^ 

£sses  documentos  são  remettidos  á  commissão  de  fUndoe  e 
orçamento,  sendo  relator  o  Sr.  visconde  de  Ouro  Preto. 

O  Sr.  Pleiuss,  1*  secretario,  informa  que  ha  na  Arca  de 
Sigillo  um  manuscrlpto  deixado  pelo  finado  oonselheii*o  Ma- 
noel Francisco  Correia  para  ser  aberto  três  mezes  depois  de 
sua  morte. 

B\  pois,  oocasião  de  ser  sumprido  este  desejo  do  saudoso 
vice-presidente. 

Verificado  que  sa  achava  o  manuscripto  nas  condições  des- 
oifiptas  no  livro  de  termos,  foi  o  mesmo  aberto  e  lido  pelos 
Srs.  Secretários. 

Ainda  o  Sr.  Secretario  informa  que  ha  sobre  a  mesa  o  se* 
guinte  projecto  de  reforma  de  estatutos  assignado  por  19  con- 
sócios: 

?ro}octo   dd    Estatutos   Ao   Instituto   Sistorieo   •   (HograpUeo 

Brailleirò 

CAPITULO  1 

,  Art.  l.o  O  Instituto  Histórico  e  Qeographico  Brazileiro, 
fundado  a  21  de  outubro  de  1838,  tem  por  fim  colligir,  me- 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DB  1906  297 

thodisar,  publicar  ou  archirar  ob  dooamentos  oonoerneotes  & 
historia  e  geographia  do  Brazil,  e  a  aroheologia»  ethnograpbia  e 
lingaa  de  seos  iodigenas. 

Ari»  2»o  Pi*ocarará  manter  oorrespondencia  com  as  socie- 
dades e  academias  estrangeiras  de  igaal  natureza,  bem  oomo 
com  as  associações  litterarias  existentes  nos  diversos  Bstados 
da  Republica,  para  mais  fácil  desempenho  dos  fins  a  que  se 
propOe. 

Art.  3.^  Publicará,  a  Revista  do  Instituto  Histórico  e  Oeo- 
graphico  Brazileiro. 

g  1/  A  publicação  se  dividirá  em  duas  partes:  a  P  con- 
stará de  documentos  relativos  ao  Brazil  e  a  2^  comprehenderà 
os  trabalhos  dos  sócios,  as  actas  das  sessões  e  os  discursos  do 
presidente  e  do  orador  e  o  relatório  do  1«  secretario,  apresen- 
t&dos  nas  sessões  anni versarias. 

g  2.^  Nesta  2*  parte  também  se  publicará  annualmente  a 
lista  dos  sócios  existentes,  com  suas  diversas  cathegorias,  de- 
clara^ da  data  de  sua  admissfto,  bem  como  uma  nota  nominal 
doi  soeios  íállecidos  durante  o  anno. 

CAPITULO  II 

OROANIZAÇÂO  DO  INSTITUTO 

Ari.  4.'*  o  Instituto  Histórico  e  Geographico  Brazileiro  se 
comporá  de: 

g  1.0  Sócios  effecti  vos  em  numero  de  50. 
g  2.*  Sócios  honorários  em  numero  de  50. 
g  3.^  Sócios  beneméritos  em  numero  de  5. 
g  4.0  Sócios  correspondentes  em  numero  de  100. 
g  5«*  Sócios  bemfeitores. 

Art.  5.0  Os  sócios  de  qualquer  classe  poderão  ser  naoionaes 
ou  estrangeiros. 

g  l.o  Emquanto  existir  numero  de  sócios  efTectivos  corre- 
spondentes ou  honorários,  excedentes  ao  que  fica  acima  fixado 
pan^  cada  classe  não  poderá  haver  novas  admissões. 


298  REVIOTA  DO   INSTITUTO  HISTÓRICO 

g  2.«  00  Bocioi  aoiaae8  qoe  passarem  do  referido  namero 
^ozarâo  de  todas  as  regalias  como  até  aqui  e  estão  sujeitos  aos 
mesmos  encargos. 

CAPITULO  III 

▲DMISSlO  DOS  SOGIOS 
Sócios  effèetivos 

Art.  6.«  Para  ser  admittido  como  sócio  effeciíTo  derer&o 
candidato  residir  no  Rio  de  Janeiro,  apresentar  directamente  ou 
por  algam  sooio  em  sen  nome  traballio  próprio  acerca  da 
historia,  geographia  ou  ethnographia  do  Brasil,  qnor  esse  tra- 
ballio seja  Inédito,  quer  já  estampado,  ama  vez  que  abone  a 
capacidade  iitteraria  do  autor. 

§1.^0  candidato  deve  ser  proposto  por  esoripto  em  WB&ã^ 
do  Instituto»  e  a  proposta  conterá  o  nome  e  appellldos  do  can- 
didato, sua  naturalidade,  profissão,  idade  e  titulos  que  o  re- 
eommendem. 

§  2.**  Apresentada  a  proposta  assignada  por  três  ou  mais 
sócios,  ella  será  remettida  á  commissão  de  historia,  geographia 
ou  ethnographia,  conforme  a  natureza  do  trabalho  ou  trabalhos 
do  candidato,  e  a  commissáo  apresentará,  em  sessão,  o  resul- 
tado do  seu  exame,  concluindo  pela  sufficiencia  ou  insufflci- 
encia  da  prova  da  capacidade  do  autor  para  os  fins  do  Ins- 
tituto. 

g  3.0  Approvado  este  parecer,  irá  á  commissáo  de  admissão 
de  sócios,  a  qual  dará  opinião  sobre  a  idoneidade  e  conveniência 
da  admissão  do  candidato  proposto. 

g  4.''  Este  parecer  será  eubmettido  á  discussão,  e  encerrada 
ella,  se  marcará  a  sessão  seguinte  para  que  tenha  logar  a 
votação  por  escrutinlo  sobre  a  admissão  do  candidato. 

g  5.0  Si  na  urna  apparecer  maioria  de  espheras  brancas, 
coDsldera-se  acoeito  o  candidato,  e  o  presidente  o  proclamará 
sócio  effectivo  do  Instituto. 

g  6.0  Si,  poróm,  houver  maioria  de  espheras  pretal,  consi- 
derar-se-á  rejeitado  o  candidato,  o  qual  poderá,  todavia,  ser 
ainda  proposto,  si  apresentar  novos  trabalhos,  como  se  etige 


ACTAS  DAS  SBSSÕES  DB  1906  299 

no  principio  deste  artigo,  segnindo-ae  o  processo  acima  indicado 
para  a  admissão. 

Soeioi  correspondentes 

Art.  7.«  Para  ser  sócio  correspondente  é  preciso: 

\.^  Apresentar  trabalho  próprio  sobre  a  Iiistoria,  geogra- 
phia  ou  ethnographia  do  Brazil. 

2.<»  Apresentar  trabalho  próprio  de  verdadeiro  valor  no  de* 
parlamento  da  historia,  da  geographia  on  da  ethnographia, 
mesmo  que  se  não  refira  ao  Brazil. 

§  1  .<>  Deve  ser  proposto  da  mesma  forma  por  que  o  ô  o  can- 
didato ac  logar  de  sócio  effectivo,  observado  idêntico  processo. 

Art.  8.''  O  sócio  correspondente  que  vier  residir  no  Rio  de 
Janeiro  poderá  passar  a  sócio  effectivo  quando  hi^  vaga. 

Sócios  honorários 

Art.  9.0 

g  1.0  Só  ptíderâo  ser  sócios  honorários; 

a)  os  sócios  eífectivos  que  tenham  prestado  serviços  notá- 
veis ao  Instituto»  ou  exercido  por  mais  de  sete  annos  consecuti- 
vamente cargos  na  directoria  ou  nas  commissões  permanentes 
pelo  mesmo  período  de  tempo  ; 

h)  os  sócios  oorrespondentes  que  tiverem  entrado  para  o 
Instituto  por  meio  de  trabalhos  sobre  historia,  geographia  e  eth- 
nographia do  Brazil,  distinguindo-se  por  seu  valor  intellectuai  e 
só  depois  de  sete  annos  de  permanência  na  classe  dos  corre* 
spondentes ; 

c)  as  pessoas  que  por  sua  idade  provecta,  consummado 
saber  e  distinota  representaçSo,  revelados  especialmente  no  de 
parlamento  da  historia,  geographia  e  ethnographia. 

§  3.0  Os  sócios  honorários  serio  propostos  pela  maioria  doe 
membros  da  directoria  e  demais  sócios,  sendo  a  proposta  infor- 
mada pela  commissão  de  admissão  de  sócios,  e  depois  votada 
em  escrutínio  secreto,  na  sessão  segukite  á  da  leitura  do  parecer. 

§3.^  Os  sócios  honorários  pagarão  apenas  o  diploma,  po- 
dendo esta  contribuição  ser  dispensada  pelo  Instituto  quando  se 
tratar  de  pessoa  nas  condições  da  letra  c  do  art.  9.o 


300  reVistà  do  instituto  histórico 

Sócios  benemêrUoM 

Art.  10«  Só  poderão  ser  elevados  á  classe  de  sócios  beoeme. 
ritos  os  honorários  que  tenham  no  minimo  20  annos  de  serviços 
ao  Instituto  e  os  hajam  prestado  em  gráo  superiormente  no- 
tável 

Paragrapho  único.  Oâ  sócios  beneméritos  estfto  isentds  de 
qualquer  contribuiçfto,  até  mesmo  da  do  diploma. 

Art,  11 .  A  eleição  dos  sócios  beneméritos  só  pôde  ser  íblta 
em  assemblóa  geral. 

Sócios  bempsiiores 

Art.  12.  Serio  sócios  bemfeitores  os  que  fizerem  ao  Insti- 
tuto donativos  superiores  a  3:000$  em  dinheiro. 

Bsses  sócios  terão  direito  do  voto  nas  assemblóas  geraes. 

Presidentes  honorários 

Art.  13.  A  qualidade  excepcional  de  presidente  honorário 
só  jx>der&  ser  conferida  sob  proposta  assignada  paio  presidente 
do  Instituto,  e  também  por  todos  os  demais  sócios  presentes  & 
sessão. 

§  l.«  A  proposta  assim  apresentad^a,  considerasse  approvada* 
e  confere  ao  candidato  a  qualidade  honorifica  da    presidência. 

§2.oBstadistinocão  serãcommunicada  ao  agradado  por 
oficio  do  preitidente  do  Instituto,  enviando  o  respectivo  di- 
ploma. 

DISTINOTIVOS 

Art.  14.  Os  sócios  do  Instituto,  alóm  da  íbrda  creada  por 
decreto  de  2  de  março  de  1860,  têm  como  distinotivos  uma 
medalha  e  eoUar  de  ouro  e  uma  roseta  de  cór  azul  celeste. 

DIPLOMA 

Art.  15.  Aos  sócios  de  todas  as  classes  se  expedirá  um  di- 
ploma que  será  assignado  pelo  presidente,  pelo  !<>  secretaria  9 
peio  thesoureiro  do  Instituto, 


J 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE   1906  301 

CAPITULO   IV 
CONTRIBUIÇÃO  SOCIAL 

Ari.  16.  Cada  socio  effectiyo  on  correspondente  pagará 
como  jóia  de  admissftoa  quantia  de  50$,  quanto  receber  o 
diploma,  e  concorrerá  com  asomma  de  2$  measaes. 

gl.»  Os  sócios  correspondentes  estrangeiros,  residentes 
í6ra  da  Republica,  nada  pagarão. 

§2.«  Os  sócios  effectivos  e  correspondentes,  que  passarem 
a  sócios  lionorarios  pagarfto  pelo  novo  diploma  a  quantia  de 
30$,  cessando  outra  qualquer  contribuição. 

§  d.«  O  sócio  correspondente,  que  for  a4mittido  como  áocio 
effectivo,  não  pagara  nova  jóia,  continuando  a  pagar  somente 
as  prestações  mensaes  e  dando  20$  pelo  novo  diploma. 

§  4.«  Os  sócios  bemfeitores  nada  pagai^  pelos  diplomas. 

REMISSÕES 

Art.  17.  Os  sócios  que  ee  qnizerem  remir  perpetuamente 
do  pagamento  das  prestações  mensaes  podei*o-ão  fazer  da 
maneira  seguinte: 

§  l."*  Os  que  contarem  menos  de  cinco  annos  da  data  da 
sua  admissão,  entrando  para  o  cofre  do  Instituto  com  a  quantia 
de  20a$000. 

§  2.0  Os  que  contarem  mais  de  cincoe  menos  de  10  annos 
da  data  da  sua  admissão,  logo  que  concorram  com  a  quantia  de 
150$000. 

§  3.<>  Os  que  tiverem  de  10  annos  para  cima  si  pagarem 
lOOfOOO. 

Art.  18.  Os  sócios  oomprehendidos  em  qualquer  dos  casos 
acima  especificados,  que  se  acharem  atrazados  no  pagamento 
das  prestações  mensaes,  só  se  poderão  remir  depois  de  solverem 
as  suas  dividas» 

CAPITULO   V 

DIRECÇÃO  DOS  NBGOaOS  DO  INSTITUTO 

Jirt.  19.  Todos  03  negócios  do  Instituto  serão  administrados 
por  uma  directoria. 


SOS  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Ârt.  20.  Os  membros  desta   directoria  sorSo: 

g  1.*  Um  presidente* 

§  2.0  Três  Tioe-preádentes. 

§  3.«  Um  r  secretario. 

g  4.0  Um2o  secretario. 

g  5.^  Um  thesoareiro. 

g  6.0  Um  orador. 

Art.  21.  Haverá  as  seguintes  oommissCes: 

g  1  •"  De  ftiQdos  e  orçamento. 

§  2.^  De  estatutos  e  rodagoâo  da  i2«oúto, 

'g  3.0  De  manosoriptos. 

g4.*  De  historia. 

g5.«Degeographia. 

g d.*  De  aroheologia,  ethnographia e  linguas  dos  indigenas. 

g  7. o  De  admissfio  de  sócios. 

g  8.«  Cada  oommissão  se  comporá  de  cinoo  membros. 

BLGIçIO  DA  DIRECTORIA  B  DAS  COMMISSÕIS     PERMANINTBS 

Art.  22.  O  mandato  da  directoria  e  das  oommissões  será 
de  três  annos. 

Depois  da  sess?lo  magna  anniversaria  de  21  de  outubro,  no 
anno  em  que  findar  o  mandato,  será  convocada  a  assembiéa 
geral  para  o  dia  21  de  novembro,  e  sendo  impedido  para  o  dia 
seguinte,  afim  de  eleger  a  nova  directoria  e  as  novas  oom- 
missões que  tomarão  posse  no  dia  2  de  janeiro  seguiate. 

Art.  23.  Os  membros  da  directoria  podem  ser  reeleitos,  bem 
como  os  das  commissões  e  a  eleição  só  recahirá  em  sócios  eflé- 
cti vos,  honorários  ou  beneméritos  residentes  na  sede  do  Instituto  t 
podendo  os  membros  da  direotoria,  excepto  o  presidente,  Ikser 
parte  de  qualquer  das  commissões. 

Art.  24.  A  eleição  será  feita  por  escrutiuio  secreto ;  obeds- 
cendo-se  á  soguinte  disposiçáo. 

g  1.0  Cada  sócio  presente  lançará  na  urna  duas  cédulas,  uma 
contendo  o  nome  do  presidants,  dos  vice-presidentes,  do  l^  se- 
cretario, do  2*  secretario,  do  orador  e  do  thesoureiro,  e  outra 
eontendo  o  nome  dos  membros  das  divenas  commissões. 


ACTAS  DAS  SBSS^B  DB  1906         303 

§  2.0  A  aparaoSo  serí,  porém,  fmta  separadAHièiite  6  só 
depois  de  proclamados  os  membros  da  directoria  se  procederá  á 
apara<^  das  commissões. 

§  3.^  Só  para  o  logar  de  presidente  se  requer  maioria  ab- 
soluta ;  no  caso  de  empate  correrá  segando  escrutínio ;  e  se 
ainda  assim  este  não  for  decisivo,  a  sorte  desempatará  a  eleição. 

g  4.''  Quando  se  der  vaga  na  directoria  antes  de  decorridos 
dois  terços  do  período  do  mandato,  será  convocada  a  assembléa 
geral  qae  elegará  o  substituto,  ci^o  exercido  terminará  com  o 
de  seus  oompanheiros. 

PRBSIDBNTB 

Art.  25.  O  presidente  tomará  posse  e  dirigirá,  dentro  das 
normas  destes  estatutos,  os  trabalhos  do  Instituto  pelo  espaço  de 
três  annos  e  será  conjuctamente  com  o  l^  secretario  o  repre- 
sentante do  lustituto  para  os  fins  de  direito. 

Art.  26.  Ao  presidente  incumbe  : 

§  1.*  Presidiras  reuniões  da  directoria,  as  Sessões  ordiná- 
rias e  as  assemblóas  gi:raes. 

§  2.0  Providenciar  sobre  os  negócios  nos  termos  dos  esta- 
tutos. 

g  3.*  Nomear  quem  sirva  interinamente  nas  commissões  ou 
na  directoria  por  íklta  dos  respectivos  membros  e  quem  suppra 
o  orador  nos  seus  impedimentos. 

g  4.0  Nomear  os  relatores  das  commissõea. 

g  5.0  Nomear  o  pessoal  do  Instituto,  mediante  proposta  do 
1*  secretario. 

g  6.0  Autorizar  o  pagamento  do  pessoal. 

g  7.0  Auctorlzar  o  pagamento  das  contas  que  não  perten- 
cerem ás  verbas  destinadas  á  secretaria. 

g  8.^  O  presidente  poderá  oppôr  veto  às  deliberações  tomadas 
nas  sessões  ordinárias,  sendo  a  assembléa  geral,  a  única  com- 
petente para  confirmar  ou  reprovar  os  vetos. 

Art.  27.  Em  falta  do  presidetite  dirigirá  os  trabalhos  o  lo 
Vice-presidente,  o  qaal  será  substituído  pelo  2o  ou  pelo  3o.  Na 
falta  de  todos  os  vice-presidentes  será  chamado  á  direc^  o  sócio 
mais  antigo  da  slasse  dos  beneonritos,  honorárias  ou  efléctivos. 


304  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Paragr&pho  único.  Havendo  mais  de  um  sócio  com  igual  an- 
tiguidade,preval6cerá.  o  mais  velho  em  idade. 

1»  SECRETARIO 

Ari.  28.  o  1<^  Secretario  terá  a  seu  cargo  toda  a  oorrespon- 
dencia,  expedição  de  diplomas,  o  archivo,  a  bibliotheca,  o  museu 
do  Instituto.  A  elle  compete  : 

g  l.<>  Propor  ao  presidente  a  nomeação  ou  exoneração  do 
bibliotheeario,  do  escripturario,  do  auxiliar  e  do  porteiro. 

g  2.^  Suspender  até  30  dias  qualquer  desses  empregados, 
dando  scienciaao  presidente  e  nomeando  interinamente  outro. 

g  3.»  Arrolar  os  manuscriptos,  livros  e  quaesquer  outros 
oljectoe  pertencentes  ao  archivo,  bibliotheca  e  museu,  em  catá- 
logos. 

g  4.0  Mandar  imprimir  esses  catálogos,  addicionando-lhes 
em  cada  anno  um  supplemento  com  as  novas  acquisições. 

g  5.0  Reformar  de  cinco  em  cinco  annos  os  ditos  catálogos, 
para  serem  impressos. 

§  6.*  Determinar  a  compra  dos  objectos  necessários  ao  expe- 
diente, attendendo  á  respectiva  verba  do  orçamento  e  provi- 
denciar sobre  a  boa  ordem  de  todos  os  serviços  de  secretaria, 
bibliotheca,  museu  e  archivo. 

g  7.0  Processara  folha  do  vencimento  dos  empregados,  ru- 
bricar os  documentos  de  despeza,  que  devam  ter  o  pague^se  do 
presidente. 

g  8.^  Providenciar,  na  falta  do  presidente,  em  todos  os  ne- 
gócios urgentes  do  Instituto. 

g  9.«  Autorizar  o  pagamento  das  despezas  da  secretaria, 
observando  estrictamente  as  respectivas  consignações  orçamen- 
tarias que  não  podetík)  em  caso  algum  ser  excedidas,  sendo 
igualmente  vedado  o  estorno  de  qualquer  verba. 

29    SSCRITARIO 

Art.  29.  0  29  secretario  serã  o  immediato  auxiliar  do  !<>  so- 
cietário, seu  substituto,  quer  nas  faltas  temporárias,  quer  nas 
duradouras. 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE    1906  305 

Cabe-lhe  especialmente : 

Paragrapho  anico.  Redigir  as  actas  das  sessões  e  das  as* 
sembléas  geraes,  expedir  os  avisos  de  convocação  das  sessões  e. 
dasassembléas. 

THBSOUUEIRO 

Art.  30,  Pertence  ao  thesoureiro  : 

§  1.0  Promover,  arrecadar  o  pôr  em  gurda  os  fundos  do 
Instituto. 

§  2.0  Pagar  as  suas  despezas  competentemente  autorizadas 
de  accordo  com  as  disposições  destes  estatutos,  não  devendo 
fazer  pagamento,  quando  esteja  excedida  a  respectiva  verba  du 
orçamento,  sem  que  sujeite  o  excesso  da  despeza  á  deliberação 
do  Instituto  em  suas  sessões  ordinárias. 

§3.'' Escollier  um  cobrador  ou  agente  da  thesouraria,  que 
seja  da  sua  confiança,  o  qual  parceborá  pela  cobrança  uma 
commissão  marcada  pela  directoria  sob  sua  indicação. 

Art.  31.  O  thesoureiro  dará  contas  annuaes  da  adminis- 
comtração  dos  fundos  a  seu  cargo. 

^  1.0  Estas  contas  abrangerão  a  r  celta  e  despeza  de  1  de 
janeiro  a  :U  de  dezembro,  o  sr^rão  apresentadas  até  o  dia  15  de 
março  do  cada  anno. 

§  2."  Dopeis  de  examinadas  pula  commisâo  de  fundos  e 
orçamento  serão  por  esta  aprensentadas  <!  directoria  com  o 
seu  parecer,  o  qual  seríí  subraettido  íí  discussão  o  votação  cn 
sessão  ordinária. 

§:5.«  O  thesoureiro  terá  a  faculdade  do,  ouvindo  o  prc^fi- 
dento,  applicar  convenientemente  os  fundos  do  Instituto. 

OAADOR 

Art.  33.  Ao  orador  compete  : 

§  l.<^  Falar  ou  responiler  pela  sociedade  em  todas  as  occa- 
sioe^,  tanto  festivas  como  fúnebres,  excepto  quando  o  presidente 
o  âzer,  porque  tem  preferencia  tanto  nas  sessões  como  nas  depu- 
tações do  Instituto. 

43^  —  20  Tomo  lxix.  p.  ii. 


306  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

§  2.^  Fazer  o  elogio  histórico  dos  sócios  falleoidos  durante 
o  anno  social  e  assim  também  o  diaourso  fonebre  sobre  a  sepul- 
tura daquelles  a  cujo  enterro  assistir. 

DAS  GOMMISSÕES 

De  fundos  e  orçamentos 

Art.  33.  Pertence  á  commisBão  de  fUndos  : 

§  1.**  Examinar  as  contas  que  lhe  forem  submettidas. 

§  2.0  Dar  parecer  sobre  a  proposta  do  orçamento  annual 
da  receita  e  despeza  para  o  anno  seguinte  e  que  lhe  será.  apre- 
sentado pelo  l»  secretario  até  30  de  setembro. 

$3.<'  Dar  parecer,  quando  for  consultada  pela  directoria. 

Commissão  de  estatutos  e  reiaeção  da  ^Risí^ista  do  insttluto» 

Art.  34.  Pertence  á  commissão  de  estatutos  e  redacção: 

§  i.»  Dar  parecer  sobre  duvidas  que  occorreram  na  iDtelli- 
gencia  de  algum  artigo  dos  mesmos  estatutos. 

§  2.0  Propor  as  emendas,  reformas  ou  additamentos,  que 
pareçam  necessários,  os  quaes,  depois  de  discutidos  em  assem- 
bléa  geral  serSo  approvados  ou  regeitados. 

§  S.""  Escolher  os  escriptos  que  devam  ser  publicados,  tanto 
na  Revista  do  Instituto  como  em  avulso,  recebendo  antes  do  29 
secretario  as  copias  das  actas,  as  correspondências  que  a  dire- 
ctoria ordenar  que  se  publiquem,  as  observações  e  avisos  que 
devam  nella  figurar,  e  finalmente  as  memorias,  documentos  e 
artigos  que  lhe  forem  remettidos  pelas  respectivas  commissOes, 
com  o  competente  parecer  sobre  a  conveniência  da  sua  publi- 
cação. 

§  4.''  Toda  a  ingerência  nSo  só  sobre  a  redacção  como  sobre 
a  impressão  da  Heoista  do  Instituto,  apresentando  para  isso  um 
plano  que  se  deva  seguir . 

Commissão  de  manuscriptos 

Art.  3.S.  A'  commissão  de  manuscriptos  compete: 
§  1.""  Examinar  os  manuscriptos  existentes  no  archivo,  emit- 
tiodo  juízo  subre  a  importância  delles. 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE  1906  307 

§  2.0  Propor  que  se  copiem  os  estragados,  o  se  inutilisem 
os  que  jà  não  tiverem  préstimo  por  se  terem  publicado  na  Re- 
vista do  Instituto,  ou  por  qualquer  cjrcumstancia. 

§  3.<'  Obter  manuscriptos  e  documentos  em  original  ou  por 
copia,  o  enviai -os  á  directoria. 

§  4.»  Dar  noticia  de  quaesquer  manuscriptos  ou  documentos* 
que  importe  ao  Instituto  adquirir,  quando  os  não  possa  directa- 
mente obter. 

Commissões  de  trabalhos  históricos^  geographicos  e  elhnographicos 

Art.  36.  i^ertence  ás  commissões  de  trabaliios  historiooSt 
geogràphJcos  e  ethnographicos: 

i^  1 ."  Receber  as  memorias»  documentos  e  artigos,  que  ilies 
forem  remettidos  pela  directoria. 

§  2.°  Dar  parecer  sobre  os  que  deverão  entrar  nu  Revista 
do  Instituto,  bem  como  sobre  os  que  convenha  publicar  em  se- 
parado, ou  archivar. 

Commissão  de  admissão  de  sócios 

Art.  37.  Cabe  á  commissão  de  admissão  de  sócios: 

t^  1.^  Syndicarda  individualidade,  nomo  do  candidato  e  das  ' 
suas  condições  de  idoneidade. 

§  2.^  Os  pareceres  desta  commissão  podem  ser  reservados, 
tendo  o  presidente  a  faculdade  de  submettel-os  á  consideração 
da  directoria  antes  de  sugeital-os  ã  deliberação  em  sessão  ordi- 
nária. 

Art.  38.  Além  das  commissões  indispensáveis  á  marciía  do 
Instituto,  poderá  o  presidente,  em  sessão,  nomear  outras  para 
íins  especiaes,  ou  encarregar  de  algum  trabalho  os  sócios  em  se- 
parado, quando  isso  for  julgado  mais  conveniente,  assim  como 
poderá,  mediante  proposta  da  commissão  do  estatutos,  crear 
novas  commissões  sobre  outros  ramos  do  estudos  i*elacionados 
com  o  âm  a  que  se  propõe  o  Instituto,  ou  mesmo  dividil-as  em 
secções,  conforme  pareser  mais  conveniente,  sendo  isto  appro* 
vado  pela  directoria 


308  REVISTA   DO   INSTITUTO   HISTÓRICO 


DBVERES  GBRAES  DOS  SÓCIOS 

Art.  39.  Ao  membro  da  oommissSo  que  do  espaço  de  seis 
mezes  não  apresentar  o  trabalho  que  lhe  competir  e  não  offe- 
recer  escasa  satisfactoria,  dará  o  presidente  um  substituto. 

§  1.»  Nenhum  sócio  se  negará,  sem  motivo  justificado,  a 
trabalhos  que  lhe  forem  incumbidos. 

§  2.<>  O  sócio  contribuinte  que  por  espaço  de  três  annos 
deixar  de  pagar  as  suas  contribuições,  havendo  para  isso  rece- 
bido aviso  do  thesoureiro  ( o  qual  será  expedido  por  meio  de 
carta  registrada  com  recibo  de  volta)  entendesse  ter  renunci- 
ado a  sua  qualidade  de  sócio. 

§  3.<*  Aos  sócios  já  incursos  na  comminação  do  §  2^  do  art. 
43  dos  estatutos  de  I  de  agosto  de  1890  será  marcado  prazo  de 
60  dias  para  solverem  os  seus  débitos,  no  todo  ou  em  parte. 

§  4.^  Esse  praso  será  contado  da  data  do  officio  circulai* 
que  o  thesoureiro  dirigirá  aos  referidos  sócios. 

§  5.''  A  falta  de  resposta  a  esse  oflicio  circular  ou  a  recusa 
na  satisfação  dos  débitos  importará  na  applicação  immediata  da 
penna  em  que  já  incorreram,  nos  termos  dos  antigos  estatutos. 

§  6/  A  directoria  organizará,  dentro  de  90  dias,  o  sovo 
cadastro  geral  dos  sócios,  de  absoluto  accordocom  as  disposições 
bue  ora  ficam  consignadas. 

RELATORES  DE  COMMISSÕES 

Art.  40.  Os  relatores  das  diversas  commissoes,  effectivas 
ou  subsidiarias,  que  tenham  de  ser  consultadas  sobre  trabalhos 
apresentados,  serão  nomeados  pelo  presidente  dentre  os  respe- 
ctivos membros,  do  modo  que  esso  serviço  so  distribua  com 
igualdade  para  todos. 

BIBLIOTHECARIO 

Art.  41.  Ao  bibliothecario,  como  encarregado  da  conser- 
vação, asseio  o  guarda  da  biblíotheca,  arohivo  e  museu  compete: 
8  l.«  Coufaervar-ise  na  bibliothoca  emquanto  estiver  abeiU. 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE  1906  309 

§  2."  Organizar  os  catalogwr  segundo  o  systema  que  estiver 
em  uso  nas  bibliotbecas  mais  adiantadas,  e  de  aocordo  com  o 
lo  secretario. 

§  3.''  Commonicar  ao  !<>  secretario  as  occurrenciajs  que  se 
derem  na  bibliotheca. 

§  4.0  Propor  a  compra  de  livros  e  objectos  que  possam  ser 
de  interesse  para  o  Instituto,  procurando  sempre  completar  as 
obras  ou  collecções  existentes;  conservar  a  possivel  uniformi- 
dade na  encadernação  doe  tomos  da  mesma  obra  c  evitar  as  du- 
plicatas desnecessárias  e  das  quaes  apresentará  relações  especi- 
ficadas afim  de  terem  o  conveniente  destino. 

§  S.""  Empregar  o  maior  cuidado  no  arrolamento,  selecção, 
arranjo  e  conservação  dos  manuscriptos,  mappas  e  cartas  geo- 
graphicas  o  topographicas,  que  existem  ou  forem  adquiridas 
pelo  Instituto. 

§  6.^  Apresentar  annualmente,  até  21  de  outubro,  ao  1<>  se- 
cretario um  relatório  dos  trabalhos  da  bibliotheca  e  do  estado 
das  obras  e  objectos  existentes,  indicando  as  providencias  que 
julgar  convenientes. 

§  7.0  Organizar  annualmente  catálogos  supplementares  que 
serão  impresos,  comprehendendo  as  novas  aoquisíções. 

ESORIPTURARIO,  AXTXILIAa  E  PORTEIRO 

Art.  42.  O  escripturario  tem  por  obrigação  comparecer  dia- 
riamente na  secrdtari'ih  do  Instituto,  assignando  o  respectivo 
ponto  e  cumprindo  as  ordens  que  receber  do  1°  secretario. 

Art.  43.  O  auxiliar  tem  as  mesmas  obrigações  do  escriptu- 
rario, sendo  especialmente  incumbido  de  coadjuvar  o  bibliotbe- 
cario. 

Art.  44.  Ao  porteiro  Incumbe: 

§  1 .»  Ter  as  chaves  do  edificio  para  abril-o  e  fechal-o  diaria- 
mente nas  horas  marcadas  por  deliberação  da  directoria. 

§  2.»  Mandar  fazer  o  asseio  da  casa. 

§  3.0  Cumprir  as  ordens  do  i^  secretario  sobre  o  expediente. 

Art.  45.  O  bibliothecario  venoerà  o  ordenado  mensal  de 
300$,  o  escripturario  o  de  200$,  o  auxiliar  o  de  150$,  o  porteiro 
o  de  120$,  também  mensaee. 


310  REVISTA   DO   INSTITUTO   HISTÓRICO 

Paragrapho  unloo.  O  1<>  secretario  poderá  relevar  os  di&s 
em  que  qualquer  deises  fúneoionarios  deixe  de  comparecer,  e 
os  que  chegarem  depois  do  ponto  encerrado. 

CAPITlTLf>   VI 

REUNIRES  DO  INSTITUTO  B  ORDEM  DOS  SEUS  TRABALHOS 

Art.  46.  As  sessões  do  Instituto  Histórico  serão:  l"*,  ordinárias 
ou  extraordidarias  ;  2",  de  assembléa  gorai ;  3^,  anoiversarias  de 
installaçâo. 

Paragrapho  único.  A's  sessões  ordinárias  e  extraordinárias 
poderão  assistir  quaesquer  pessoas  desde  que  se  apresentem 
decentemente  trajadas  ;  quando»  por  qualquer  motivo,  a  sessão 
deva  ser  reservada,  o  \°  secretario  prohibirá  o  ingresso. 

Art.  47.  O  Instituto  se  reunirá,  para  celebrar  sua  instal- 
laçâo no  dia  21  de  outubro  e  flcará  em  férias  de  1*»  de  novembro 
a  15  de  março. 

Art.  48.  Emquanto  não  estiver  prompta  a  nova  sala  das 
sessões,  o  presidente  occupará  o  primeiro  logar  ú.  direita  da 
mesa,  tendo  imroediatamente  o  !<"  secretario,  o  29  secretario,  o 
orador,  o  thesoureiro  e  ficando  em  frente  os  três  vice-presidentes. 

Paragrapho  único.  Logo  que  fique  prompta  a  nova  sala  das 
sessões,  o  presidente  occuparà  o  centro  da  mesa,  tendo  á,  direita 
o  1»  secretario  e  o  orador  e  á.  esquerda  o  2®  secretario  e  o  the- 
soureiro. Os  vice-presidentes  e  os  sócios  beneméritos  occuparão 
a  piimeira  filade  cadeiras  do  recinto. 

SESSio     ANNIVERSARIA 

Art.  49.  Na  sessão  de  21  de  outubro,  á  qual  devem  concorrer 
todos  06  sócios,  sob  a  direcção  do  presidente,  pronunciará  este 
um  discurso  de  abertura. 

§  1.°  Findo  o  discurso,  o  l*  secretario  lerjl  o  relatório,  em 
que  exponha  os  trabalhos  do  Instituto  durante  o  anno,  e  faça 
menção  honrosa  dos  autores  de  quaesquer  obras  históricas,  ^eo- 
graphias  ou  ethnographicas,  que,  no  decurso  do  mesmo  anno 
forem  offereoidas  ao  Instituto. 

§  2.^  Logo  depois  o  orador  recitará  o  elogio  dos  sócios  fallo- 
cidos  no  anno. 


ACTAS   DAS   SESSÕES   DE    1906  311 

SBS86B8  0RDINARU8 

Art.  50.  As  seaaSes  ordinárias  terão  logar  de  15  em  15  dias; 
hayendo  impedimento,  o  presidente  indicará  o  dia  da  reunião, 
que  poderá  ser  annunciado  pela  imprensa. 

§  l.<>  Nestas  sessões  serio  tratados  todos  os  negócios  lite- 
rários e  económicos  do  Instituto. 

§  2.°  Aberta  a  sessão,  so  lerá  o  expediente,  ese  resol- 
verá sobre  qualquer  matéria  sigeita  ao  conhecimento  do  Ins- 
tituto menos  ás  de  competência  exclusiva  da  ass^embléa  geral. 

§  3. o  Quando  algnm  sócio  quizer  ler  algum  trabalho  par- 
ticipará ao  1<>  secretario  que  prevenirá  o  presidente  para  dar 
a  palavra  em  occasiSo  opportuna  ao  recitante. 

§  4.<'  A  leitura  de  taes  trabalhos  nâo  excederá  de  uma  hora 
para  cada  leitor. 

§  5.«  Havendo  necessidade,  o  presidente  convocará  sessão 
extraordinária,  para  a  qual  se  expedirá  convite  ou  aviso  assi- 
gnado  pelo  2* secretario. 

Art.  51  •  Para  haver  sesôLo  ordinária  ou  extraordinária  de 
Instituto  é  necessário,  que  se  achem  presentes  o  presidente*  ou 
algnm  dos  seus  substitutos,  o  1^  secretario  e  o%°  secretario,  e 
alguns  sócios  preíazendo  ao  menos  o  numero  de  12. 

ASSEMBLBA  GERAL 

Art.  52.  o  presidente  pôde  convocar  a  assembléa  geral, 
sempre  que  o  julgue  conveniente  á  boa  marcha  do  Instituto. 

§  U*"  Todos  os  sócios  deverão  assistir  ásassembléas  geraes, 
nas  qnaes  terão  direito  de  propor,  discutir  e  votar. 

§2.^'  Para  haver  sessão  de  assembléa  geral,  é  preciso  a 
presença  de  24  sócios  pelo  menos. 

§  3.*  Não  comparecendo  esse  numero,  se  marcará  nova 
reunião,  na  qual  se  deliberará  com  o  numero  que  comparecer, 
nunca,  porém,  inferior  a  12. 

§  4.0  Pôde  haver  convocação  de  sseambléa  geral  mediante 
requisição  eseripta»  dirigida  ao  presidente  e  assignada  por 
12  sócios. 


ai2  REVISTA   DO   INSTITUTO   HISTÓRICO 

REVISTA  DO  INSTITUTO,  LIVROS  E  MANUSCRIPTOS 

Art.  53.  Os  sócios  têm  direito  a  um  exemplar  da  Revista 
do  Instituto  desde  o  dia  da  sua  admissão  em  diante,  pagando  o 
porte  do  Correio. 

§1.0  Aquelle  que  dever  as  prestações  de  três  annos,  per- 
derá o  direito  do  resebela. 

§  2.0  o  1"  secretario  fica  incumbido  da  sua  distribuição  aos 
sócios  e  outras  pessoas  residentes  no  Rrazil  e  fora  dolle. 

Art.  54.  Os  sócios  bera  como  quae^quer  pessoas  que  assi- 
gnarera  o  boletim  de  consulta  terão  a  faculdade  de  ler  na  biblio- 
theca  do  Instituto  as  obras  quor  impressas,  quer  manuscriptas 
ahi  existentes ;  e  fazer  os  extractos  de  que  precisarem. 

Art.  55.  Não  é  permittida  a  sabida  de  livros,  mappas,  ma- 
nusoriptos  e  objectos  do  mu.S'>>u,  podendo  unicamente  a  com- 
mis&ão  de  redacção  tirar  os  manuscriptos  ou  impressos  neces- 
sários para  publicação  da  Revista  do  Instituto,  ou  em  avulso, 
ficando  em  mão  do  bibliothecario  uma  nota  dos  mesmos  manu- 
scriptos ou  impressos,  datada  e  assignada  por  qualquer  dos  mem- 
bros da  oommissSo. 

CAPITULO  VII 

FUNDOS  DO  INSTITUTO  E  SUA  APPUCAçXo 

Art.  50.  Os  fundos  desta  associação  procedem: 

§  1  .<^  Das  jóias  de  admissão  de  seus  sócios,  tanto  eífectivos 
como  correspondentes,  do  emolumento  dos  diplomas  e  da  con- 
tribuição que  oada  um  delles  deve  pagar  de  seis  em  seis  mezes, 
conforme  dispõe  o  art.  17. 

§2. ''Do  productodas  remissões. 

§  3.<>  Dos  donativos  que  se  fizerem  ao  Instituto. 

§  4.<>  Da  receita  liquida  da  Revista  e  das  obras  avulsas 
que  publicar. 

§  5.®  Do  subsidio  concedido  pelo  Congresso  Federal. 

Art.  57.  Os  fundos  do  Instituto  serão  appl içados: 

§  1.0  Ao  seu  expediente,  reparação  e  conservação  do  que 
lhe  pertencer. 


ACTAS  DAS  SKSSOKS  DE  1906  313 

§2.''  Aos  ordenados  dos  empregados. 

§  3.*  A*  impressão  o  distribuição  da  Revista  do  Instituto  e  do 
obras  avulsas. 

§  4.«>  A'  publicação  de  memorias  e  escriptos,  precedendo 
pareceres  favoráveis  das  respectivas  commissões. 

§  5.®  A'  compra  de  lívidos  e  manuscriptos,  que  devem  ser 
depositados  na  bibliotheca  e  arciíivo. 

§  <).o  Ao  pagamento  de  prémios  aos  que  mais  se  distinguirem 
no  desempenho  dos  proírrammas  distribuídos  pelo  Instituto. 

§7.»  A  premiar  os  trabalhos  que,  pelo  seu  transcendente 
merecimento,  reconhecido  pela  respectiva  commissão,  forem 
coroados  e  publicados  por  ordem  da  mesa  administrativa. 

Art.  58.  Quando,  feitas  as  despezas  annuaes  do  Instituto 
apparecerem  sobras,  estas  se  empregarão  na  formação  do  patri- 
mónio social,  co:no  for  combinado  entre  o  presidente  o  o  the- 
soureiro. 

§  1  .<*  E^te  património  nao  poderá  ser  despendido  no  todo  ou 
em  parte  sem  autorização  da  assembléa  geral,  conferida  por 
dois  terços  dos  votos  presetes. 

§  2,"*  Os  rendimentos,  porém,  serão  applicados  ás  despezas 
fixadas  no  orçamento  e  autorizadas  pela  directoria. 

ARCA  DB  SIGILLO 

Art.  59.  O  iQstituto  terá  uma  arca  do  sigillo,  onde  guar- 
dará todos  os  manuscriptos  secretos,  que  devam  ser  publicados 
em  época  determinada. 

§  l  .0  A  arca  de  sigillo  será  feita  de  ferro. 

§  2. o  A  chave  da  arca  ficará  em  poder  do  r  secretario,  que 
communicará  ao  presidente  o  segredo  para  a  abertura  do  cofre. 

§  3.°  Feito  o  deposito  se  fechará  im mediatamente  a  arca. 

§  4.<'  A  arca  do  sigillo  8(3  se  abrirá  em  sessão  ordinária  do 
Instituto. 

íij  5.«  Os  manuscriptos  ahi  depositados  serão  previamente 
numerados  e  inventariados,  soguado  o  titulo  que  trouxerem,  com 
indicação  do  formato,  qualidade  do  papel,  que  os  envolver  e 
outros  quasquer  signaes,  que  os  possam  bem  caracterizar. 


314  REVISTA  DO   INSTITUTO   HISTÓRICO 

§().'^  Alómdosello  e  precauções  do  autor,  o  Instituto  os 
íaxá,  sellar  de  novo. 

§  ?.<"  Na  arca  de  slgillo  haverá  uma  cópia  do  termo,  que  Sê 
lavrar  em  sessão,  em  livro  próprio  para  isso,  a  qaal  será.  assi- 
gnada  pelos  três  sócios,  além  do  1«  e  2?  secretaries. 

§8.''  Toda  a  memoria  ou  documento  enviado  ao  Instituto 
para  deposito  temporário  na  arca  de  slgillo  deve  ser  lacrado 
pelo  próprio  autor,  o  virá  acompanhado  de  uma  carta  ao  1» 
secretario  com  assignatura  do  autor  ou  de  pessoa  conhecida, 
com  declaração  do  tempo  em  que  deverá  fazer-se  a  abertura. 

§9."*  Chegado  o  tempo  da  abertura  das  cartas  ou  documen- 
tos, o  presidente  do  Instituto  convocará  sessão  para  a  abertura 
da  arca  de  slgillo,  e  depois  de  extrahido  e  verificado  o  manu- 
scripto,  segundo  a  carta  quo  o  acompanhou,  será  aberto  e  lido 
immediatainente,  e  se  for  muito  longo  prosiguirá  a  leitura  nas 
sessões  seguintes. 

§  10.  Terminada  a  leitura  da  memoria  ou  documento,  o 
Instituto,  antes  de  dar-lhe  o  conveniente  destino,  o  submetterá 
á  apreciação  da  commissão  respectiva,  conforme  o  caracter  do 
documento. 

CAPITULO  vm 

DISPOSIÇÕES    GERAES 

Art.  60.  Sempre  que  o  Instituto  renove  triennalmente  o 
pessoal  de  sua  direcção  o  communicará  ao  Governo  Federal  por 
oíllcio  escripto  em  nome  da  mesa  administrativa,  e  assignado 
polo  presidente  ou  pelo  !<>  secretario. 

RECEPÇÃO  DE  NOVOS  SOOIO0 

Art.  61.  Quando  algnm  novo  sócio  vier  tomar  assento  pre- 
vinirá  com  oito  dias  de  antecedência.  No  dia  da  posse,  o  presi- 
dente fará  breve  allocução  de  apresentação  do  recipiendario,  o 
qual  lerá  •  o  seu  discurso  de  admissão,  a  que  responderá  o 
orador. 

A  allocução  do  presidente  e  os  discursos  do  recipiendario  e 
(lo  orador  serão  insertos  na  acta. 


ACTAS   DAS   SESSÕES   DE    1906  315 

FALLBCIMENT08  DB  SÓCIOS 

Ai't.  62,  Nos  enterros  de  membros  do  Instituto,  sendo  parti- 
cipados a  tempo  conveniente,  se  fará  representar  o  Instituto. 

Art.  63.  Na  primeira  sessão  seguinte  ao  fallecimento  de 
qualquer  sócio,  è  á  noticia  delle  se  lançará  na  acta  um  voto  de 
pezar  que  será  proposto  pelo  presidente.  Qualquer  membro  pre 
sente  à  sessão  poderá  também  eommcmorar  o  finado  em  sue- 
cintas  palavras  de  condolência  e  de  louvor. 

Art.  64.  No  dia  5  de  dezembro,  anniversario  do  falleci- 
mento do  seu  iDosquecivel  protector  o  Sr.  D.  Pedro  11,  o  Insti- 
tuto estará  fechado. 

Art.  65.  Em  attenção  aos  grandes  e  assiduos  serviços  pres- 
tados com  a  maior  dedicação  ao  Instituto  pelo  presidente  conse- 
lheiro Dr.  Olegário  Herculano  de  Aquino  e  Castro  fica  creado 
um  premio  com  a  denominação  Premio  Conselheiro  Olegário  e 
que  constará  de  uma  medalha  de  ouro,  para  recompensar  a 
melhor  memoria  lida  no  anno  anterior. 

Paragrapho  único.  Para  o  julgamento  desse  premio  será 
sorteada  uma  commiBsão  tirada  dentre  os  membros  das  com- 
missões  permanentes . 

Art.  66.  Approvados  estes  estatutos  pela  assemblóa  geral 
por  dois  terços  dos  votos  presentes,  entrarão  elles  logo  em  vigor 
sendo  as  commissões  campletadas  com  os  membros  de  que  forem 
extinctas,  a  juizo  do  presidente,  a  quem  se  or togam  para  esse 
fim  os  mais  amplos  poderes,  ratificado  também  o  mandato  da 
actual  directoria,  nos  termos  do  art.  22. 

Paragrapho  uiiioo.  Dentro  de  30  dias  depois  da  approvação 
deverão  estar  impressos  os  presentes  estatutos  que  serâo  com- 
petentemente registrados  e  distribuídos. 

Art.  67.  Para  a  reforma  dos  estatutos  será  necessário  que 
12  sócios  a  reclamem  por  escripto,  que  a  assembléa  geral  a 
conceda  ouvindo  previamente  a  commissão  de  estatutos  e  re- 
dacção. 


316  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

03  abaixo  assignados  requerem  que  o  projecto  acima  seja 
enviado  sem  demora  á,  commissão  de  ostaiatos.  que  se  dignará 
emittir  seu  respeitável  parecer,  com  urgência,  afim  de  que  se 
reúna  a  assembléa  geral  para  resolver  a  respeito. 
Rio,  1  de  março  de  1906. 

B.  T.  de  M.  Leite  YeViO. 

Cândido  Luiz  Maria  de  Oliveira, 

Barão  de    Paranapiacaba , 

Felisbello  Freire, 

Eduardo  Marques  Peixoto. 

Manoel  Cícero  Peregrino  da  Silva, 

A,  Cunha  Barboia, 

Manoel  de  Mello  Cardoso  Barata, 

Monsenhor  Vicente  Lustosa, 

Arthur  Guimarães, 

Max  Fleiuss, 

Alcibíades  Furtado, 

Amaro  Cavalcante, 

Rodrigo  Octávio, 

Enclydes  da  Cunha, 

Joaquim  da  Costa  Barradas, 

Dr,  António  Martins  de  Azevedo  Pimentel» 

José  Francisco  da  Rocha  Pombo, 

Leopoldo  de  Bulhões, 

Esse  projecto  é   remottido  á  commlssão  de  Estatutos  e  Re- 
dacção, sendo  relator  o  Sr.  Dr.  Alfi:*edo  Nascimento. 
Levanta-se  a  sessão  ás  5  horas  da  tarde. 

Alcibíades  Furtado 

2o  secretario 
OFFERTAS    LIDAS  NA   I»  SESSÀO  DE  5  DE  MARÇO  DE   1906 

Boletins 

De  la  Société  de  Gôographie  Commerciale  de  Bordeauz  : 
Ns.    1  e  2  de  janeiro  de  1906. 

»    22  de  novembro  de    1905. 

»    23  e  24  de  dezembro  de  1905. 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE    1906  317 

Do  Grande  Oriente  do  Brasil  Jornal  Official  da  Maçonaria 
Brasileira  publicado  mensal.  (De  novembro  a  janeiro.) 

Da  Amerioan  Geographical  Society  de  novembro  de  1905  a 
janeiro  de  1906. 

Del  Cuerpo  de  Ingenieros  de  Minas  dei  Peru  nu.  26,27  e2S. 

Mensal  do  Observatório  do  Rio  de  Janeiro  de  janeiro  a 
março  de  1905. 

Mensal  de  EstatisUoa  Domographo-Sanitaria  da  cidade  do 
Rio  de  Janeiro  ns.  10  e  11 . 

Mensal  de  Estatística  Demographo*Sanitaria  da  cidade  de 
Belém  n.  1  de  janeiro  de  1905  ns.  2,  3,  4,  5,  6,  7,  8  e  9. 

Da  Intendência  Municipal  publicado  pela  Directoria  Qeral 
de  Policia  Administrativa,  Archlvo  e  Estatística  de  julho  a  se- 
tembro. 

De  la  Société  Khédiviale  deGéographle  n.  8. 

De  la  Société  des  Etudes  Indo-Chinoises  de  Saigon  n.  48. 

Semanal  do  Apostolado  da  Fé  cCruzada»  ns.  20  a  S5. 

Delia  Societá  Africana  d*ltalia.  Fase.  X(. 

Da  Sociedade  de  Geographia  de  Lisboa,  n.  9  e  10. 

De  Ia  Sociedad  Geográfica  de  Lima. 

Da  Secretaria  de  Agricultura,  Viação,  Industria  e  Obras 
Publicas  do  Estado  da  Bahia. 

Da  Associa^  Commercial  do  Rio  de  Janeiro. 

Da  Repartição  da  Carta  Marítima. 

De  la  Real  Academia  de  la  Historia. 

De  la  Real  Sociedad  Geográfica. 

Da  Sociedade  Nacional  do  Agricultura 

Delia  Societá  Geográfica  di  Itália. 

Semestral  da  Repartição  da  Carta  .Marítima. 

Monthly  Bulletin  of  tho  Internacional  of  Um  American  Ro- 
publics. 

Revistas 

Commercial  Financeira  ns.  525  a  536. 
€  O  Trabalho  »  dois  números» 

De  la  Real  Academia  de  Ciências  Exactas,  Físicas  e  Natu< 
ralba  de  Madrid  n.  2, 


318  REVISTA   DO, INSTITUTO   HISTÓRICO 

Medico  Cirúrgico  do  Brasil,  publicação  mensal,  três  nú- 
meros. 

Da  Commiflsão  Archeologica  da  índia  Portugueza  «O   Ori- 
ente Português»  n.  lo. 

The  National  Geographic  Magazine,  três  números. 

Do  Instituto  Histórico  Geographico  do  Rio  Qrande  do  Norte, 
três  números. 

Revista  Marítima  Brazileira,  dois  números. 

Século  XX,  três  primeiros  números. 

Revista  Militar,  doze  números. 

Revista  de  leglslagão.  2<*  fascículo  Partes  lie  III. 

Revista  Trimensaldo  Instituto  do  Geará.  Tomo  XIX. 

O  Archivo  revista  destinada  á  vulgarização  de  documentos 
geographicos  e  históricos  do  Estado  de  Matto  Grosso  n.  8. 

Revista  Didáctica,  ns.  10  e  11. 

El  Penimmiento  Latino,  Revista  Internacional  lUustrada, 
ns.  3  a  6. 

Revista  Mensual  de  la  Câmara  Mercantil  de  la  Republica 
Argentina  ns.  63,  64  e  65. 

Memorias  de  la   Real  Academia  de   Ciências  de  Madrid 
Tomo  XXII. 

Queensland  Geographical  Journal  volume  XX. 

Globus,    lUustrierte   Zeitschrift   fiir    Lãnderund    Virker- 
kunde  n.  2. 

L*  Année  Cartographique,  Supplóment  annuel   quinzième 
annóe.  Paris  1905. 

Anales    de    La    Universidad.  Tomo    CXVII,    Anuo    63. 
(Chile). 

Anales  do  ia  Sociedad  Cientifica  Argentina.  Buenos  Ayres 
Entrega  III  e   IV  Tomos  LX 

Anales  dei  Museu  Nacional  de  Montevideo.  Serie  II    En- 
trega II  Tomo  II  Entrega  I 

Anales  dei  Musêo  Naoional  de  México.  Segunda  Época  Tomo 
II  Numero  9  e  10 
Álbum  Imperial  Quinzenário    Politico  e    Litterario  n.  â. 

Revista  Mensal  de  Letras,  Scicoola  e   Artes. 

Renascença.  Aiino  II,  N.  2;i2. 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE  1906         319 

Pelo  autor  Dr.  Bernardino  Machado  €  A  Industria  »,  Coim- 
bra  1898. 

Pelo  autor  Dr.  Bernardino  Machado  Conferencias  politicas, 
Coimbra  1904. 

Pelo   autor  Dr.  Bernardino  Machado  €  O  Ensino  Profis- 
sional »,  Coimbra  1900. 

Pelo  autor  Dr.  Bernardino  Machado  «As  Creanças  >,  notas 
dum  pae,  2^  edição,  Coimbra   1904. 

Pelo  autor  Dr.  Bernardino  Machado  «  A  Universidade 
de  Coimbra   em    1905. 

Pelo  autor  Dr.  Bernardino  Machado  <  Pela  Liberdade  »,  Co- 
imbra 1901. 

Pelo  autor  Dr.  Bernardino  Machado  <  A  Agricultura  »,  Co- 
imbra  1901. 

Pelo  Sr.  Barão  de  Studart  Catalogo  dos  Jornaes  de 
grande  e  pequeno  formato  publicados  no  Ceará. 

Fortaleza  1904. 

Catalogo  de  la  Bibiiiotheca  Varnhagen,  Santiago  de  Chile 
1904. 

Catalogo  da  Bibiiiotheca  da  Marinha  1*  e  â^  Parte  sendo 
a  1*  parte  —  índice  alphabetico  por  assumptos,  catalogo  por  as- 
sumptos e  a  :^'^  parte  —  Índice  alphabetico  por  autores  ofTere- 
eido  pelo  Sr.  1»  Secratario   Max  Pleinss. 

Documentos  para  los  Anal  es  de  Venezuela  pelo  Sr.  Dr. 
R.  Audueza  Palácio,  offerdcido  pelo  Sr.  1«  Secretario  Max 
Fieiuss. 

Pelo  autor  Álvaro  da  Silveira  Os  Tremores  de  Terra 
em  Bom- Sucoesso  (Minas   Geraes   h)06). 

Anuário  dei  Observatório  Astronómico  Nacional  de  Taou- 
baya  para  el  aão  de  1906. 

O  Conmientario .  Decimo  numero. 

Anuário  Qeographico  de  Hannover  1906. 

Pelo  autor  snr.  Luiz  Murat,  «Centenário  de  Bocage»  dis- 
curso proferido  na  sessio  solenne  do  Retiro  Literário  Portuguez 
no  dia  ^1  do  dezembro  de   1905. 

Por  Henrik  Arctowski,  Projet  d' une  Exploration  Sy.s- 
tóma tique  auz  Regions   Polaires. 


320  REVISTA   DO   INSTITUTO  HISTÓRICO 

Prologo  a  los  Anales  de  Venezuela  edicion  oficial,  oflére- 
eido  peio  Sr.  l^  Secretario  Max  Fleiuss. 

Boletim  □.  15  da  Commissã^  ("teograpbica  e  Geológica  de 
Sào  Paulo— Flora  Paulista  IV  Familia  Myrsioacoe. 

Boletim  da  Intendência  Municipal  Publicado  pola  Directoria 
Geral  da  Policia  Administrativa,  Archivo  e  Estatística,  abril  a 
junho   1005  (anno  XLIII).   Rio  de  Janeiro. 


2*  SESSÃO  ORDINÁRIA  EM  19  DE  MARÇO  DE  1906 

Presidência    do    Sr.  Conselheiro   O.  U.  df Aquino    e    Castro 

(No  edificio  do  Gabinete  Portuguez  do  Leitura) 

A '8  3  horas  da  tardo,  presentes  os  Srs.  Conselheiro  Aquino 
8  Castro,  Max  Fleiuss,  Alcibíades  Furtado,  Desembargador  Souza 
Pitanga,  Conselheiros  Cândido  do  Oliveira  e  Salvador  Pires  de 
Carvalho  e  Albuquerque,  Barão  de  Alencar,  J.  F.  Rocha  Pombo, 
Eduardo  Marques  Peixoto,  Henrique  RaíTard,  Drs.  Josó  Américo 
dos  Santos,  A.  da  Cunha  Barbosa,  J.  Barbosa  Rodrigues  o  Carlos 
Lix  Klett,  abre- se  a  sessão. 

O  Sr.  Furtado,  2o  Secretario,  lê  a  acta  da,  sessão  anterior, 
a  qual  ó  approvada  sem  debate. 

O  Sr..  Fleiuss,  1°  Secretario,  diz  que  o  Gabinete  Portuguez 
de  Leitura  c  credor  de  toda  a  ^Tatidão  do  Instituto,  pelo  modo 
excepcionalmente  gentil  por  que  poz  à  disposição  do  Instituto  o 
seu  ediâcio  para  a  realização  das  sessões  durante  as  obi*as  de 
completa  transformação  do  prédio  em  que  funcciona  o  Instituto . 

O  orador,  em  oíTicio,  já  agradeceu  á  digna  directoria  do 
Gabinete  Portu^^uez  de  Leitura  tão  grande  obsequio. 

O  Sr.  Proâidonto  declara  qiin  o  Instituto  registra  para 
sempi^e  a  fidalga  gentileza  da  oouheoida  e  apreciada  associação 
e  de  sua  distincta  directoria. 

O  Sr.  lo  Secretario  lê  as  oHertas, 

O  Sr.  Presidente  commanica  nos  seguintes  termos  o  falleci- 
mentodo  consócio  Dr.  António  de  Paula  Freitas. 

«Senhores  —Ainda  sob  a  dolorosa  impressão  da  sentida  perda 
de  Ire»  dioliuctuoconsocioii  do  luoUtuto  de  que  voo  dui  noticia  ua 


,   ACTAS  J>A3  ISES8ÔB8  DB  i906  321 

ultima  sessão,  Tenho  hoje,  em  cumprimento  de  rigoroso  dever, 
commuQícar-TOS  o  inesperado  passamento  de  mais  um  dos  nossos 
dedicados  e  prestimosos  companheiros,  o  Dr.  António  de  Paula 
Freitas,  hontem  falleoido  nesta  Capital. 

<  Era  sabido  o  mérito  litterario  deste  operoso  caltor  da 
sciencia;  da  sna  iUostraçio,  amor  ao  estado  e  iaíátigavel 
actividade,  deixa  exaherantes  provas  nos  seas  numerosos,  impor* 
tantes  e  apreciados  trabalhos  por  todos  nós  conhecidos. 

<  As  lisongeiras  phrases  de  que  asaram  as  competentes 
commissdes  do  Instituto  encarregadas  do  exame  dos  titulos  de 
habilita^  ao  nosso  grémio,  apresentados  em  nome  do  digno 
candidato,  justificam  a  confiança  que  depositava  o  Instituto  no 
proveitoso  concurso  das  luzes  e  experiência  do  provecto  lento 
oathedratico  da  Escola  Polyteehnica  e  o  apreço  com  que  era 
acolhida  a  soa  entrada  nessa  associação  em  1896. 

cDos  leaes  sentimentos  que  o  inspiravam  ao  tomar  parte 
nos  nossos  trabalhos  áJSijo  testemunho  as  palavras  que  então 
nos  dirigio  .* 

<  Na  presente  phase  que  a  nossa  pátria  atravessa,  e  em  que 
«a  indifferença  para  tudo  quanto  affecta  ás  lettras e  sciencias 
«  parece  solapar  o  grande  templo  que  começávamos  a  erigir-lhes 
€  as  instituições  scientificas,como  este  lostituto,  em  cqjo  recinto 

<  se  respira  um  ambiente  benéfico,  são  verdadeiros  lenitivos 
€  para  aquelles  que  alimentam  ainda  uma  esperança  de  bem 

<  estar,  de  ordem,  justiça  e  tranquillidade,  sob  ouJa  eglde  as 
«lettras  e  soiencias  poderão  reanimar-se,  e  a  nossa  pátria 
«  caminhar  na  senda  do  desenvolvimento  e  do  progresso.» 

€  Bem  o  ensinava  o  illustrado  mestre.» 

<  O  Instituto  Histórico,  lamentando  a  perda  que  acaba  de 
soffrer,  íbz  inserir  na  acta  um  voto  de  profundo  pezar,  e  achando- 
se  ainda  insepulto  o  corpo  do  saudoso  consócio,  suspende  os 
trabalhos  da  presente  sesribo,  como  justa  homenagem  devida  A 
memoria  do  illustre  morto.» 

Levanta-se  a  sessão,  ficando  resolvido  que  a  próxima  se 
realize  no  dia  26  do  corrente,  á^  3  horas  da  tarde. 

Aleibiades    Furtado^ 
2<'  Secretario. 

4328-21  Tomo  hxix  p.  ii. 


322  RBYISTA  DO  INSTItUTO  HBTORIGO 

OFFBRTAS  APaBSENTADAS    NA    2^    SESSÃO    ORDINARU    Elf  19    DE 
MARÇO  DE  1906 

Pelo  Supremo  Tribunal  Federal,  Juri8prudeiiola«  AooordJãos 
proferidos  em  1901,  oompilados  pelo  Presideatedo  Tribunal. 
.     Pelo  Supremo  Tribunal  Federal,  Jurisprudência,  Aecordfioe 
proferidos  em  190O  e  oompilados  pelo  Presidente  do  Tribunal. 

Pela  The  Hlstorieal  Society  of  Pennsylvania: 
(     cThe  Pennsylvania  Magazine  of  Histoiy  and  Biography 
pablished  Quartorly  vol.  XXIX.  N.  116. 

Pela  Geographisctie  Gesellsohaft  in  Bremen: 
r     Deutsche  Qeographisohe  Blãtter,  yoI.  XXVin.  Ns.  3  e  4. 
Pela  Commissão  Geographica  e  Geológica  de  S.  Paolo,  quatro 
folhas  topographioas. 

Pelo  Muaeu  Paranaense:  Relatório  apresentado  ao  Bim. 
Sr.  Dr.  B.  Lamenha  Uns,  secretario  de  Estado  dos  Negoeios  do 
Interior,  pelo  director  do  mesmo  Museu  Sr.  Romario  Martins^  em 
Ide  .janeiro  de  1906. 

,    Pelo  Sr.  Vieira  da  Rosa :  Ghorographia  de  Santa  Oatharina. 
Pelo  Dr.  Guilherme  Stadart  (barão  deStudart):  Aponta- 
opuBntoa  Bio-Biobliogpaphioos. 

. ,  Pela  Associação  Promotora  da  Instruocfio,  discurso  proferido 
pelo  D^.  Ubaldino  do  Amaral  a  27  de  agosto  de  1905.  «O  (Con- 
selheira Corx^a.»  Em  duplicata. 

Pelo  Mipistevio  da  Industria,  Viação  e  Obras  Publicas: 
Relatoria  apresentado  ao  Presidente  da  Republica  dos  Estados 
Unidos  do  Brazil,  pelo  Ministro  de  Estado  dos  Negocias  da 
Industria»  Viação  e  Oboasr  Publicas,  Dr.  Lauro  Seyeriano  Mftller, 
no  anno  de  1905. 

Por  el  Dr.  Rodolfo  Leuz:  Diooionario  Btimolójico  de  las  yooes 
Chilenas  deriTadas  de  len^tuas  Indijenas  Americanas.  Primeira 
entrega. 

Pelo  Sr.  José  Arthur  Boiteux  cZeitlhden  fllr  den  Unterricht 
in  der  Geschichte  ron  Brazilien.» 

Pela  Directoria  Gorai  dos  Correios  «Boletim  Postal».  N.  9. 
Anno  XVII. 


ACTAS  DAS  SBSSÕBS  DB  1906         323 

Pelo  Ministério  da  Marlaha  :  Boletins  das  observações 
meteorológicas.  Anno  X  ns.  5,  6  e  7. 

Por  P.  A.  Pereira  da  Costa:  <A  rerdadeira  naturalidade 
de  D.  António  Felippe  Camarão  (século  XVII).  —  Estudo 
Histórico. 


3>'  SESSÃO  ORDINÁRIA  BM  26  DE  MARÇO  DE  1906 

Presidência  do  Sr,  Marquez  de  Paranaguá  ({•    Vice^Presidente) 

A*s  3  horas  da  tarde,  presentes  os  Srs.  Marqnez  de  Para- 
naguá, Max  Fleiuss,  Alcibíades  Furtado,  Desembargador  Souza 
Pitanga,  Conselheiro  Salvador  Pires  de  Carvalho  e  Albuquerque, 
Drs.  José  Américo  dos  Santos,  Marques  Pinheiro,  A.  da  Cunha 
Barbosa,  Carlos  Lix  Klett,  Henrique  Raffard,  Belisario  Pernam- 
buco e  Manoel  Cicero  Peregrino  da  Silva,  abre-se  a  sessão. 

O  Sr.  Furtado,  2^  Secretario,  lô  a  acta  da  sessão  anterior, 
a  qual  é,  sem  debate,  approvada. 

O  Sr.  Fleinss,  1*  Secretario,  participa  que  o  conselheiro 
Olegário  Herculano  de  Aquino  e  Castro,  presidente  do  Instituto, 
por  Justo  motivo,  deixa  de  comparecer. 
O  Sr.  2*  Secretario  lê  as  offertas. 

O  Sr.  1«  Se<*.retario  communica  que,  em  data  de  23  do  cor- 
rente, recebeu  da  Exma.  Sra.  D.  Ignacia  Luiza  da  Silva  Lisboa, 
viuva  do  Dr.  José  da  Silva  Lisboa,  neto  do  Visconde  de  Cayrú, 
uma  carta  em  que  offerecia  á  galeria  do  Instituto,  um 
retrato  a  óleo  do  mesmo  Visconde. 

O  Sr.  1^  Secretario  declara  que,  sem  demora,  agradeceu 
tão  delicada  offerta. 

Tem  ainda  a  communicar  que  o  illustre  homem  de  letras, 
Sr.  Arthur  Azevedo,  dirigio  ha  dias  ao  presado  bibliothecario 
do  Instituto,  Dr.  Vieira  Fazenda,  uma  carta,  acompanhada  de 
uma  estampa  que  traz  os  seguintes  dizeres:  «Ao  Sereníssimo 
Sr.  D.  Pedro  de  Alcântara,  Regente  do  Reino  Unido  do  Brazil 
offerece  o  seu  humilde  súbdito  Francisco  Pedro  de  Amaral,  pen- 
sionista da  Academia  das  Bellas  Artes  em  o  Rio  de  Janeiro.— 


924  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Vista  da  sala  do  theatro  de  S.  João  para  esta  festa  de  Zi  de 
Agosto  de  1821.» 

£is  a  carta  do  Sr.  Arthar  Azevedo :*-cRio  de  Janeiro,  14  de 
março  de  1906. 

€  Exm.  Sr.  Dr.  Vieira  Fazenda. 

Ao  ler  o  seu  folhetim  de  hontem,  lembrei-me  de  que  entra 
as  minhas  cariosidades  havia  um  velho  desenho,  colorido,  repre- 
sentando a  sala  do  theatro  S.  João  preparada  para  o  famoso 
baile  de  24  de  agosto  de  1821 .  Infelizmente  este  docamento  já 
chegou  ás  minhas  mãos  em  mào  estado ;  ainda  assim,  creio  ao 
illustre  hibliothecario  do  Instituto  Histórico  serã  agradável  offe- 
recel*o  a  essa  douta  corporação,  e,  portanto«  ahi  lh'o  mando  com 
os  meus  respeitosos  ecordiaes  cumprimentos.— AWAur  Azevedo,  p 

O  Sr.  l^  Secretario  encarece  o  valor  dessa  offerta  e  pede 
autorização  para  mandar  restaural-a  por  algum  artista,  o  que  6 
approvado. 

O  Sr.  conselheiro  Salvador  Pires  offereoe  um  exemplar  de 
obra  A  gíAerra  civil  do  Chile  e  a  queda  de  Balmaceda,  por  G.  de 
Varigny,  traducção  de  Silio  Bocanera  Júnior,  e  diz  que  havendo 
uma  proposta  relativa  a  este  senhor,  pede  que  a  obra  seja  en- 
viada á  respectiva  commissão. 

O  Sr.  Fleiuss,  l®  Secretario,  diz  que  devendo  chegar  no  dia 
31  do  corrente  pelo  vapor  Sardegnao  venerando  consócio  hono- 
rário, Sr.  Cardeal  D.  Joaquim  Arcoverde,  propõe  que  o  Instituto 
nomeie  uma  commissão  para  dar  as  boas  viadas  a  Sua  Emi- 
nencia,  digno  por  todos  os  titules  da  oonsideração  e  amizade 
dos  membros  do  Instituto. 

Esta  proposta  é  unanimemente  approvada  e  o  Sr.  Presidente 
nomeia  a  seguinte  commissão :  Max  Fleiuss,  desembargador  Souza 
Pitanga,  Dr.  Manoel  Gicoro,  Henrique  RaíTard  e  Conselheiro 
Salvador  Pires. 

O  Sr.  Henrique  Raffard  offereoe  a  seguinte  obrado  Qeoeral 
Qarmendia,  Campana  de  Humaytd, 

E*  lido  o  seguinte  parecer  da  Commissão  de  Fundos  o  Or* 
camento: 

«  A  Commissão  de  Fundos  e  Orçamento  do  Instituto  Histórico 
0  Qeographicò  3razJleiro  examinou  os  balancetes  do  8®  e  i?  trl* 


ACTAS  DA»  SESSÕES  DE   1906  32:6 

mestres  e  o  balanço  geral  da  receita  e  despesa  do  anno  de  1905, 
apres3ntados  pelo  digno  thesoureiro,  Sr.  Arthur  Ferreira  Ma^ 
chado  Guimarães,  com  seu  relatório,  datado  de  31  de  dezembro 
daqnelle  anno. 

€  Taes  documentos  revelam  a  correção  e  zelo,  bem  como  a 
competência  do  Jllustre  confrade  no  desempenho  das  penosas 
íuncções  que  está  exercendo. 

<  E*  pois,  a  Commlssao  de  parecer  que  sejam  approvados  os 
ditos  balanços  e  balancetes. 

<  O  Relatório  assignala  o  lamentável  atrazo  de  pagamentos 
das  mensalidades  devidas  ao  Instituto  e  suggere  acertadas  prpvi- 
dencias  a  respeito. 

€  Jalga  a  Commissão  que  convém  adoptal-os  e  que  fique  o  dis- 
tincto  consócio  autorizado  a  crear  um  livro  para  escripturaçao 
das  despezas  nas  datas  em  que  se  forem  fazendo,  e  outro  para 
registro  dos  haveres  do  Instituto,  também  indicados  na  snccinta, 
porém  completa  exposição*  Rio,  19  de  março  de  \9Q6.— Visconde 
de  Ouro  Preto^  relator.— /o*^  Américo  dos  Santos. — Bélisario  Per- 
nambuco, i^* 

Posto  em  discussão  este  parecer  é,  sem  debate,  unanime- 
mente approvado. 

O  Sr,  Presidente  declara  que  havendo  uma  vaga  na  Com- 
misiâo  de  Geographia  e  outra  na  Commissão  de  Admissão  de 
Sócios,  occasionadas  pelo  fallecimento  do  contra-almirante 
Francisco  Calheiros  da  Graça  e  Dr.  António  de  Paula  Freitas, 
nomeia  para  a  Ck)mmissão  de  Geographia  o  Dr.  José  Amecico  dos 
Santos,  6  para  o  Commissão  de  Admissão  de  Sócios  o  Dr.  Manoel 
Cicero  Peregrino  da  Silva. 

O  Sr.  2*  Secretario  lô  as  seguintes  propostas : 

«Propomos  para  sócio  honorário  do  Instituto  Monsenhor 
D.JuIioTonti»  Arcebispo  de  Ancyra,  Núncio  Apostólico  no  Brazil, 
Presidente  dos  Tribunaes  Arbitraes  estabelecidos  entre  o  mesmo 
Brazil,  Bolívia  e  o  Peru. 

<  Doutor  em  philosophia,  theologia  e  direito  ;  antigo  alto 
ítmccionario  do  Vaticano  e  professor  em  Roma  de  sciencias  ecde- 
siasticas ;  diplomata  de  longa  e  egrégia  carreira  ;  havendo  re- 
cebido notaveifl  distincçoes  em  todos  os  vários  palzes  onde  sérvio; 


326  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

— >ó  am  grande  amigo  do  Brazil  que  procura  conhecer  e  estadar 
com  amor,  peroorrendo-o  como  poacos  estrangeiros  da  saa  ge- 
rar chia  o  tom  eífectuado. 

€  D.  Júlio  Tonti  reune.pois,  todos  os  predicados  intelleotuaes 
e  moraes  para  que  o  Instituto  o  aoolha  em  sen  grémio. 

Rio  de  Janeiro»  26  de  março  de   1906.— Marques  de  Para- 
naguá, Conde  de  Affonso  Celso,  Max  Fleiuss,  A.   F.    de  Souia 
Pitanga,  P.  B.  Marques  Pinheiro,   Belisario  Pernambuco,  Josô 
Américo  dos  Santos,  Salvador  Pires  do  Carvalho  Albuquerque» 
A.  da  Cunha  Barbosa,  Henrique  Raffard»  Carlos  Lix  Klett.» 

Yae  à  Commissâo  de  admissão  de  sócios,  relator  o  Sr.  Dr. 
Manoel  Cioero  Peregrino  da  Silva. 

Propomos  para  sócio  correspondente  do  Instituto  Histórico 
e  Gíeographico  Brazileiro  o  Sr.  General  Josô  Ignacio  Garmendia, 
nascido  em  Buenos  Aires  a  3  de  maio  de  184E,  servindo  de  titulo 
&  sua  admissão  a  obra  Campana  de  Humayta^  hoje  offerecida 
ao  Instituto.  Rio,  2Ò  de  Março  de  1906. ^Alcibíades  Furtado,, 
Carlos  Lix  Klett,  A.  da  Cunha  Barbosa,  F.  B.  Marques  Pinheiro 
Manoel  Cicero,  Belisario  Pernambuco.»  Vai  á  Commissâo  de 
Historia,  relator  o  Sr.  Conselheiro  Cândido  de  Oliveira. 

O  Sr.  Fleiuss,  1*  secretario,  diz  que  tendo  enviado  para 
Londres,  ao  Sr.  Ministro  do  Brasil,  o  exemplar  do  Catechismo 
em  língua  Guarany^  por  Nicolas  Japuguai  con  direocion  dei  P, 
Paulo  Restivo,  i724^  aflm  de  ser  convenientemente  restaurado , 
recebeu  do  Exm.  Sr.  Dr.  Regis  de  Oliveira,  nosso  Ministro  em 
Londres  a  seguinte  carta: 

«  Legação  do  Brazil,  Londres,  14  de  fevereiro  de  1906.— Sr. 
Secretario.  Tive  a  honra  de  reoebar  o  offlcio  de  Y.  S.  de  15  de 
janeiro  próximo  passado,  com  o  qual  me  enviou  para  ser  restau- 
rado aqui  um  exemplar  da  ExpUcacion  dei  Catechismo  en  lengua 
Guarani,  por  Sicolas  Japuguai  con  direccion  dei  P.  Paulo  Res- 
tivo,í724. 

€  Visto  o  mau  estado  do  volume,  mandei  examinal-o  pela 
casa  Quaritch,  de  Peccadilly,  especialista  no  assumpto,  que, 
conforme  V.  S.  verá  pela  carta  junta  por  cópia,  calcula  em 
50  libras  ou  mais  a  somma  a  despender  para  obter  um  re 
sultado  perfeito. 


ACTAS  DAB  «B880BS  DB  1906         827 

€No  oaso  de  aceltftr  eeta  proposta,  pôde  Y.  S.  enviar^mo 
am  cheque  daquella  quantia. 

<  Aguardando  a  tua  dectsSo  para  satisfazel-a  sem  demora, 
aproTeito  o  enscgo  para  renoyar  a  V.  S.  os  protestos  d^  minha 
perfeita  estima  e  oonsideraoao.  ^Regis  de  Oliveira»  » 

O  iDStitato  resolve  que  o  Sr.  P  Secretario  solicite  do  cava- 
lheirismo do  Sr*  Ministro  do  Brazil  em  Londres,  novas  iníbr- 
mações  a  resprtto. 

Por  proposta  do  Sr  l^  Secretario  o  Instituto  resolve  auto- 
rizar o  Sr.  Thesoureiro  a  adiantar  as  quantias  necessárias 
para  o  preparo  dos  armariost  estantes  e  mesas  de  que  carece- 
rSo  as  novas  salas  do  edificio  do  instituto,  devendo  as  requisi- 
ções ser  feitas  pelo  h>  Secretario,  autorizado  também  pelo  Insti- 
tuto a  agir  na  parte  económica,  de  aceordo  com  o  thesoureiro, 
durante  o  período  das  grandes  reformas  materiaes  no  edificio  do 
Instituto,  bem  como  posteriormente  para  as  despezas  de  cara- 
cter urgente  da  Secretaría,  prestando  contas  ao  Thesoureiro. 

O  Sr.  1«  Secretario  lô  o  seguinte: 

Parecer  da  Commissão  de  Estatutos  e  redacção  sobre  o  projecto 
de  novos  Estatutos  do  Instituto  Histórico  e  Geographico 
BrazOeiro. 

€  Salvo  a  redacç&o,  que  em  tempo  será  revista  e  melhorada, 
julgamos  aoceitavel,  em  seus  traços  'gerae8,o  projecto  dos  novos 
estatutos,  que  foram  calcados,  quanto  possível,  sobre  os  actuaes 
em  vigenda,  parecendo-nos  perfeitamente  razoáveis  as  modi- 
íloações  propostas,  feitas,  entretanto,  as  seguintes  restricçoes: 

a )  devem  sahir  do  corpo  dos  estatutos,  ficandorlhe  aniie- 
xadas  como  disposições  transitórias,  os  §§  1*  eS*  do  art.  5»  e  os 
a§3»4«,  59e  6»doart.  39; 

b )  ô  desnecessário  todo  o  art.  48,  que  pôde  ficar  reduzido 
ao  seu  paragrapho  único,  eliminando-se  a  disposiç&o  final, 
quanto  &  collocaç&o  especial  dos  sócios  beneméritos,  pois  que, 
todos  se  devem  sentar  indistinctamente ; 

c )  no  art.  14,  tratando  dos  distinctivos,  deve  ser  elimi- 
nado o  uso  da  flurda,  que  nunca  se  conseguiu  estabelecer,  fi- 
cando apenas  para  as  solemnidades  o  uso  da  medalha  de  prata 


'â28  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

dòttrada,  pendente  de  nm  oollar  symbolioo  oa  de  uma  fita,  e 
bem  assim  da  roseta  para  as  outras  occasi5e8 ; 

d )  não  nos  parece  pratico  o  augmento  da  meosalidade 
constante  do  art.  16,  porquanto  isso  é  sempre  recebido  com 
desagrado  pelos  sócios»  muitos  dos  quaes  tôm  estado  em  grandes 
atrazos,  mesmo  com  a  pequena  contribuição  actual,  sendo  que 
isso  não  aproveitará  financeiramente  grande  cousa  ao  Instituto; 

0)  do§  2<>  art.  32  deve  ser  eliminada  a  clausula  de  Itaei 
o  orador  um  discurso  fúnebre  sobre  o  tumulo  dos  sócios  falie* 
eidos,  cousa  hoje  inteiramente  em  desuso ; 

f)  pareoem-no8  desnecenarios  os  arts.  62  e  63.  O  que  elles 
dispõem  poderá  ser  uma  praxe  adoptada*  mas  não  deve  ser 
uma  disposi^  de  estatutos,  principalmente  o  que  se  refere  no 
art.  03,  ao  voto  de  pezar,  que  nenhum  valor  terá,  si  a  sua  mani- 
festação fôr  uma  imposição  regulamentar ; 

g )  concordando  com  a  oreação  de  um  premio  para  o  melhor 
trabalho  apresentado  ao  Instituto,  não  nos  parece  que  elle  deva 
ser  conferido  com  a  facilidade  constante  do  art.  Ô5. 

«Não  basta  para  isso  que  a  memoria  a  premiar  seja  a  melhor 
dentre  as  que  tenham  sido  lidas  no  anno  anterior ;  isto  accen- 
tuarã  apenas  um  valor  relativo,  que  pôde,  em  absoluto,  ficar 
muito  longe  de  merecer  um  premio.  As  memorias  a  premio 
devem  ser  enviadas  anonymas,  especificadamente  para  concor- 
rerem a  essa  distinoção,  e  o  Instituto  premiará  a  melhor  dentre 
as  que  forem  julgadas  dignas  disso*  Bem  assim  pareoe-nos  que 
a  ter  de  dar  um  nome  a  esse  premio,  o  Instituto  deve  oonsagral-o 
á  memoria  do  seu  fUleoido  protector  e  denominai^)  Premio 
Pedro  II. 

<  Rio  de  Janeiro,  7  de  março  de  1906.^  Dr.  Alfredo  I^asci- 
mento^  relator.—Ccxpt^trano  de  Abreu.  —  Conde  de  Affonso  CeUú.> 

Resolve*  em  seguida,  o  Instituto  que  se  realize  na  próxima 
segunda-feira,  2  de  abril,  a  assembléa  geral  para  tomar  oonhe- 
cimento  e  deliberar  sobre  o  projecto  de  reforma  doá  estatutos 
e  sobre  o  parecer  a  respeito  apresentado  pela  Commissão  de 
Estatutos  e  redação.  Levanta-se  a  sessão  ás  4 1/2  da  tarde. 

Alcibiades  Furtado^ 
8»  Secretario. 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE   1906  329 


0FFERTA8  NA  3*  SESSÃO  ORDINÁRIA  EM  26  DE    MARÇO  DE   1906 

Pelo  Sr.  Estevão  de  Mendonça  —  Qoadro  chorographioo 
de  Matto-Grosso. 

Pela  Real  Aeademia  de  Sciencias  Exactas  Fisioas  y  Nata- 
rales  de  Madrid—  Revista. 

Pela  Historícal  Society  of  Pensylvania  —  The  Magazine  of 
history  and  biography. 

Pelo  Sr.  general  Ramon  Tello  Mendoza  —  Gobiemos  de 
Venezuela. 

Pelo  Sr.  Aureliano  Portugal  —  Dlsourso  proferido  no  Jar- 
dim áa  Praça  da  Gloria  a  24  de  fevereiro  de  1906. 

Pelo  Sr.  Ferreira  da  Rosa—  O  Cammentario. 

Pela  Société  de  Géographie  Commerclale  de  Bordeaux 
—  Bulletin. 

Pela  Directoria  Geral  de  Saúde  Publica  —  Boletim  Mensal. 

Pela  Real  Academia  de  la  Historia—  Boletim. 

Pela  Sociedade  Cientifica  Argentina  —  ÂnaUs. 

Pela  Sociedade  de  Geographia  de  Lisboa  — Bo^^tím. 

Peia  Real  Academia  de  Ciências  de  Madrid  —  Memorias. 

Pelo  Museo  Naci(wal  do  México—  Anales. 

Pelo  sooio  Sr.  commendador  Henrique  Raflárd  —  O  novo 
Arsenal  de  Marinha,  escolha  de  localidades,  Paraiy^mirim  por 
G.  E. 

Pela  Universidade  Central  de  la  Republica  dei  Equador  — 
Anàles. 

Pela  Associaçio Commercial  do  Rio  Janeiro-*  Boletim. 

Pelas  Redacções  as  Revistas,  —  Renascença  e  Revista  Com- 
mercial  e  Financeira. 

Pelas  Redacções— 08  jornaes  Le  Nouveau  Monde,  Jornal  do 
Recife,  Diário  Official  do  Amazonas,  Mala  da  Europa,  O  Seculó, 
o  Correio  do  Povo,  O  Trabalho,  e  o  Reformador. 


880  RBVISTA  DO  INSTITUTO  HI8T0RIG0 

ASSEMBLÉA  GERAL  EM   2   DE  ABRIL  DE  1906  (PRIMEIRA 
CONVOCAÇÃO) 

Presidência  do  Sr,  MarqyiêM  de  Paranaguá 

A*8  3  horas  da  tarde,  presentes  os  8rs.  Marquez  de  Para- 
.  nagoá.  Barão  Homem  de  Mello,  Max  FIeluss,Aloil>iades  Fartado, 
desembargador  Souza  Pitanga,  Arthor  Guimarães,  José  Fran- 
cisco da  Rocha  Pombo,  Bdaardo  Bíarques  Peixoto,  conselheiro 
Sonsa  Ferreira,  Barâo  de  Alencar,  Dr.  Alflredo  do  Nascimento 
.  Silva,  Dr.  Manoel  Cioero,  Henrique  Raffiard,  Conde  de  Affonso 
Celso,  Carlos  Lix  Klett,  Dr.  José  Américo  dos  Santos,  Dr.  J. 
Barbosa  Rodrigaes,  Dr.  F.  B.  Marques  Pinheiro,  Dr.  A.  da 
Cunha  Barbosa,  o  Sr.  Presidente  declara  que  não  pode  haver 
assembléa  geral,  por  isso  que  sendo  esta  a  primeira  convocação 
só  é  permittido  ítinocionar  de  conformidade  com  os  aotuaes 
estatutos,  achando-se  presentes,  no  minimo,  21  sócios. 

Assim,  convoca  a  assemblóa  para  a  próxima  segunda-feira, 
9,  ás  2  1/2  horas  da  tarde,  neste  mesmo  local. 

Sendo  objecto  dessa  assembléa  um  assumpto  de  grande 
relevância,  como  a  reforma  dos  estatutos,  o  Sr.  Presidente  pede 
com  empenho  aos  Srs.  sodos  que  não  deixem  de  comparecer. 

Aloibiádet  J^urtado^ 
29  Secretario. 


ASSEMBLÉA  GERAL  EM  9  DE  ABRIL  DE   1906  (SBGUNDA 
CONVOCAÇÃO) 

Presidência  do  Sr.  MarqueM  de  Paranaguá 

A*s  3  horas  da  tarde,  presentes  os  Srs.  Marquez  de  Para- 
naguá, Barão  Homem  de  Mello,  Max  Fleiuss,  Alcibíades  Furtado, 
desembargador  Souza  Pitanga,  Arthur  Guimarães,  Rocha  Pombo, 
Eduardo  Marques  Peixoto,  Dr.  Manoel  Barata,  Henrique  Raffturd, 
Dr.  Manoel  Cicero,  Dr.  F.  B.  Marques  Pinheiro,  Dr.  J.  Barbosa 
Rodrigues,  Dr.  A.  da  Cunha  Barbosa,  Dr.  Leite  Velho,  Dr.  Josô 
Américo  dos  Santos  e  conselheiro  Salvador  Pires,  abre-se  a 
sessão  por  ser  esta  a  segunda  convocarão. 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE  1906         S81 

O  Sr.  Presidente  diz  que  antes  de  se  entrar  na  disouflâo 
do  objecto  da  presente  assemblôa,  cumpre  um  dever  partíeis 
pando  ao  Instituto  a  morte  do  lea  antigo  e  venerando  eocio 
correspondente  o  8r«  Bário  de  Penedo,  entrado  para  o  Instituto 
em  19  de  agosto  de  1841 . 

O  Sr.  Presidente  apreoia  longamente  e  com  phraiês  de 
intensa  magoa  tio  lamentável  perda*  discorrendo  sobre  os 
vários  aspeotos  da  existência,  sempre  brilhantíssima,  do  illustre 
eztincto, 

Ck)nclue  propondo  um  voto  de  intenso  pezar  por  tão  lutuoso 
acontecimento,  o  que  ó  unanimemente  approvado. 

Em  seguida,  o  Sr.  Presidente  declara  que  estão  em  dlsensAo 
o  projecto  de  reforma  de  estatutos  e,  bem  assim,  o  parecer 
emittido  a  respeito  pela  commi8São  competente,  ambos  Já. dis- 
tribuídos, em  avulso,  aos  Srs.  oonsocios. 

Julga  o  Sr.  Presidente  necessário  salientar  uma  altera<^ 
que  o  impressionou,  oontida  no  art.  ^  do  projecto. 

Este  artigo  diz  apenas  :  €  Publicará  a  Revista  do  Instituto 
Histórico  e  Qeographico  Brazileiro.» 

Ora,  nos  actuaes  Estatutos,  lé*se  o  seguinte  :  «Art.  S» 
Publicará  a  «Revista  Trimensal  do  Instituto  Histórico  e  Oeo- 
graphioo  Brasileiro,  fundado  no  Rio  de  Janeiro,  debaixo  da 
immediata  protecção  de  Sua  Magestade  Imperial  o  Sr.  D. 
Pedro  II,  na  qual  se  conterão  os  seus  trabalhos.> 

Não  sabe  si  a  eliminação  do  nome  do  Sr.  D.  Pedro  II  foi 
um  acto  de  inadvertência  ou  proposital,  achando  que  o  Instituto 
Jamais  deve  esquecer  os  extraordinários  serviços  prestados  pelo 
seu  augusto  protector. 

O  Sr.  Furtado  declara  que  é  incontestavelmente  um  íhcto 
histórico  a  protecção  concedida  ao  Instituto  por  D.  Pedro  II. 

Os  Srs.  Fleiuss  e  desembargador  Souza  Pitanga  ^em,  a 
propósito,  varias  considerações,  demonstrando  ooip  a  maior 
lealdade  que  não  houve  o  menor  intuito  de  se  procurar  esque- 
cer o  muito  que  o  Instituto  deve  ao  Sr.  D.  Pedro  U. 

No  projecto  de  estatutos  em  discussão  ha  disposições  ter- 
minantes que  commemoram  de  maneira  insophismavel  os 
serviços  tão  larga  e  generosamente  prestados  á  associação  pelo 


8SS  RfiVlSTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

6r.  D.  Pedro  II,    oiija   memoria  está  sempre  presente  aos 
membros  do  Institato. 

O  Sr,  Marquez  de  Paranaguá  dàrse  por  satisfeito» 

São  apresentadas»  disontidas  e  votadas,  as  seguintes  emen- 
das ao  projecto  : 

Dos  Srs.  Pleuiss  e  A.  Guimarães  ao  art.  2*.  Red|ja-se : 

<  Para  oonsecução  dos  fins  a  que  se  propõe,  procurará 
manter  correspondência  com  as  sooieiades  nacionaes  e  estran- 
geiras de  egual  natureza.  »  B'  approyad^. 

Dos  Srs.  Pitanga,  Pinheiro  e  Furtado  ao  §  3*  do  art.  4«  : 

€  Sócios  beneméritos  em  numero  de  10».  — E*  approvada» 

Da  Commissão  : 

€  Passar  para  as  disposições  transitórias  os  gg  P  e  2"  do 
art.  &»>•—  E*  approvada. 

Dos  Srs.  Fleiuss  e  A.  Guimarães  ao  art.  9*,  paragrapbo 
único:  €  O  sooio  effectiyo  que  fixar  residência  fora  do  Rio  de 
Janeiro  passará  para  a  classe  dos  correspondentes».  —  B* 
approvada. 

Dos  mesmos  senhores  cao  art.9<^  lettra  A,  em  vez  de  7  annoe, 
diga-se  10»,—  B*  approvada. 

Do  Sr.  Furtado,  lettra  C,  do  art.  9.  Red^a-se  da  seguinte 
forma— As  pessoas  que  por  seu  consummado  saber  maniílBstado 
especialmente  nas  sciencias  históricas,  geographieas  ou  ethno- 
graphicas,  estejam  no  caso  de  justificar  a  escolha».— B*  appro- 
vada. 

Dos  Srs.  Fleiuss  e  A.  Guimarães:  €  Transformem-se  em 
artigos  os  §§  2<»  e  3<»  do  art.  9«  ».—  E'  approvada. 

Do  Sr.  Pinheiro:  cTransfira-se  o  paragrapho  único  do 
art.  10  para  um  dosparagraphosdoart.  16».— E'  approvada. 

Do  Sr.  Marques  Peixoto:  <  Ao  art.  12,  onde  se  diz  3:000$, 
diga-se  10:000t».— E'  rejeitada. 

Do  Sr.  Pinheiro:  Art.  13.  Redija-se  da  seguinte  forma  : 
<  A  qualidade  excepcional  de  Presidente  Honorário,  só  poderá 
ser  conferida  em  assembléa  geral  aos  chefes  de  Bstado,  me- 
diante proposta  assignada  por  toda  a  Directoria  do  Instituto  e 
também  por  todos  os  demais  sócios  presentes  á  sesi^  ».—  E* 
approvada. 


ACTAS  DAS  SBSSÕBS  DB  1906         838 

Da  Commiflsão,  ao  art.  14:  c  Blimine-se  a  Ikirda  creada 
por  decreto  de  2  de  março  de  1860 >. 

Do  Sr.  RaflCsird,  propondo  que  Beja  mantido  todo  artigo 
do  projeoto  com  relação  aos  distiaotiyoB. 

E*  approYada  a  emenda  da  commimU)  e  regeltada  a 
emenda  do  Sr.  Rafbrd. 

DaCommisaão:  €  Prevaleça  a  mensalidade  de  mil  réis». 

Do  Sr.  Fleinss,  propondo  qae  essa  mensalidade  seja  paga 
em  trimestres  adeantados  pelos  sócios  effectiyos  e  annaal- 
mente  pelos  correspondentes. 

São  approvadas  estas  daas  emendas. 

Do  Sr.  Pinheiro,  ao  art.  16,  §  4«:  clnelua^se  ahi  o  para- 
grapho  único  do  art.  10  ».-^  E'  approyado. 

Dos  Srs.  Pitanga  e  Homem  de  Mello,  art.  22,  diga-se  «  O 
mandato  da  Directoria  e  das  Commissoes  será  annoal  ».—  B* 
approvada. 

Do  Sr.  Fleinss,  ao  §  4*  do  art.  24,  redijap-ie  da  seguinte 
forma:  <  As  vagas  que  occorrerem  na  Directoria  ou  nas  Com- 
missoes serão  preenchidas  com  a  nomeação  qne  o  presidente 
íárá  em  sessão  do  instituto».— E*  approvada. 

Do  Sr.  Pinheiro,  ao  art.  25,  substitaa-se  três  annos  por 
um,  e  elimine-se  as  palavras :  <  conjunctamente  com  o  Sr.  !• 
Secretario». —  E*  approvada. 

Do  mesmo  senhor,  ao  art.  26,  §  2« ;  <  Representar  o  Insti- 
tuto por  si  ou  por  sen  mandatário  em  todos  os  negócios  judi- 
ciaes  on  extra-jndiciaes».—  E*  approvada. 

Do  mosmo  senhor,  ao  §  !•  do  mesmo  artigo,  diga-se:  €  Au- 
torizar o  pagamento  de  todas  as  contas  »•—  E'  approvada. 

Dos  Sru.  Manoel  Cicero  e  Pitanga,  ao  §  8"^,  do  art,  28 
aocrescente-se:  «  Participando  na  primeira  ses^o  as  providen- 
cias que  houver  tomado  ».—  E'  approvada. 

Do  Sr.  Fleinss,  ao  §  9«,  do  art.  28,  snbstitua-se  pelo  se- 
guinte: €  Mandar  escripturar  em  livro  próprio  e  sob  sua  imme* 
diata  fiscalização  e  responsabilidade  a  matricula  de  todos  os  só- 
cios do  Instituto,  com  especificação  da  data  da  sua  eleição,  posse, 
-transferencias  de  classes,  e  iudo  mais  quanto  possa  ter 
relação  com  a  qualidade  do  sócio  do  Instituto  »•— E'  approvada. 


884  REVISTA  DO  INSTITUTO  HI6T0RIG0 

Do  8r.  PiBheiro,  ao  art.  90,  g  IS":  «Depositar  em  um 
Banco,  por  proposta  soa,  designado  em  leBsfto»  oa  fundos  dispo- 
Direis  do  Instituto  ».—  B'  approvada. 

Dos  Srs.  FieiQSs  e  A.  Ooimarães»  8  3«  do  art.  31:  «eUmi- 
oe-aot  pois,  a  mesma  disposição  qne  se  aeha  mais  adeante».— £* 
approyada. 

Do  Sr.  Fartado,  propondo  a  elinuiaaofio  do  8  i""*  do  art,  32, 
áas  palavres:  <  Porque  tem  preferenoia,  eto.».— B'  appro. 
yada. 

Do  mesmo  senhor,  propondo  que  o  8  i^  desse  artigo  s^ 
assim  redigido:  <  Pronunoiar  o  disourso  de  reoepçfto  dos  novos 
■oeios  ».—  £'  approyada. 

Do  Sr.  Pinheiro,  ao  art.  33, 8  2« :  <  Rever  annualmente  as 
contas  apresentadas  no  deourso  do  anno  sooial  >.—  B*  appro- 
yada. 

Dos  Srs.  Fleiuss  e  A.  Guimarães,  ao  art.  28,  redUa-se  da 
seguinte  forma:  «  Alóm  das  ooinmissões  indispensáveis  ao  movi- 
mento do  Instituto,  poderá,  o  presidente,  em  sessão,  nomear 
outras  para  âns  especiaes,  ou  encarregar  de  algum  trabalho 
individualmente  aos  sócios,  quando  assim  Julgar  conveniente» . 
—  E'  approyada. 

Da  CommisAo:  «SQJam  transferidos  para  disposições  transi- 
tórias os  §§  3"*,  4^  50  e  ô«  do  art.  d9».-<-  E*  approvada. 

Do  Sr.  Furtado,  quanto  ao  8  3^  desse  artigo:  «  elimine-se  as 
palavras  no  todo  ou  em  parte» •-«  B*  approvada. 

Do  Sr.  Fleiuss,  propondo  que  o  §  3*  desse  art.  39,  siQa 
aaiim  redigido,  uma  ves  que  o  do  projecto  é  transferido  para  as 
disposições  transitórias:  c  g  S^.  Para  que  possam  os  sócios  &zer 
parte  da  Directoria  ou  das  Ckxnmissões  e  ser  transferidos  de  uma 
classe  para  outra  deverão  ter  em  tempo  satisfeito  o  que  fôr  de- 
vido aos  cofires  do  Instituto.  Somente  09  sócios  nessas  condições 
terão  direito  ã  Revista^  de  oonformidade  com  art.  33».— E* 
approvada. 

Dos  Srs.  Fleiuss  e  A.  Guimarães,  ao  urt.  45,  paragrapbo 
único:  <  Gsses  vencimentos  serão  considerados  doas  terços  como 
ordenado  e  um  terço  como  gratificação  pro  labore  i^ .-^E'  apro- 
vada. 


ACTAS  DAS  S866Gto  DB  1906  885 

Doi  Sn.  FMqêb  e  A.  Ooimariief,  art.  47:  €  Redijarse  da  m* 
gainte  forma— O  Instituto  reanir-s^ha  para  oelobrar  a  fva 
iastalla^  no  dia  21  de  outabro  e  deide  easedia  até  o  llm  de  ja- 
neiro floarão  suspenias  as  seudes,  oom  exoepgfto  da  de  a«em- 
Uáa  geral,  para  eleifiio. 

Paragrai^o  unioo.  De  20  de  dezembro  a  7  de  Janeiro  o  edi* 
flolo  do  Instituto  se  oonserTará  fechado,  gozando  os  empre- 
gados de  ferias  nesse  período  >.—  B*  approrada. 

Dos  Srs.  Fleiuss  e  A»  Goimarite,  ao  art.  61,  paragrapho 
unioo:  €  O  soeio  eleito  nSo  tomará  posse  nem  será  eomo  tal  ma- 
trionlado  no  IItto,  sem  que  ezhiba  o  sen  diploma  ó  haja  satisfeito 
as  contribuições  devidas  >.-«  B*  approvada. 

Dos  Srs.  Fleiuss  e  A.  Guimarães  aos  arts.  62  e  03:  €  Re- 
dijarse da  seguinte  forma  :  «  Art*  62.  Nos  enterros  de 
membros  do  Instituto  íáisso-ha  este  representar  sempre  que  lhe 
chegar  a  tempo  a  partioipacfto.c  Art.  63.  Na  primeira  sess&o  que 
se  effectuar  depois  de  conhecido  o  âdlecimento  de  qualquer  sooio 
lançar«se-ha  na  acta  um  voto  de  pezar  que  será  proposto  pelo 
Presidente,  podendo  qualquer  membro  presente  á  sessão  refe- 
rir-se  ao  finado  em suoeintas  palavras  de  oondolenda  e  louvor.» 
—  E*  approvada. 

Nesse  momento,  o  Sr.  Fleiuss,  !•  Secretario,  diz  que  de- 
vendo tratar-se  do  artigo  com  rela^  ao  premio,  tem  em  seu 
poder  um  offlcio  que  lhe  foi  pessoalmente  entregue  pelo  Sr.  Con- 
selheiro Olegário  Herculano  de  Aquino  e  Castro,  in^eeidente  do 
Instituto,  e  á  cuja  leitura  vae  proceder:  €  Exm.  Sr.—  Nie  po- 
dendo eompareoer  á  assembléa  geral  do  Instituto  Histórico,  oon- 
vocada  para  resolver  sobre  o  projecto  de  reíbrma  dos  estatutos, 
tenho  a  declarar,  para  que  chegue  ao  conheoimento  da  mesma 
assembléa,  que  estou  de  inteiro  aooôrdo  com  o  pareoer  da  Com- 
mlssfto  que  examinou  a  dito  projeeto,  quanto  a  emendas  que 
offereoe  em  ultimo  logar,  lembrando  o  nome  que  convém  dar  ao 
premio  que  se  pretende  instituir. 

<  Nada  mais  justo  e  acertado  do  que  consagrar  á  memoria 
do  venerando  e  generoso  protector  do  Instituto,  o  premio  unioo 
que  deve  ser  creado  e  con)  a  denominação  de  Premio  P&Jro  JI» 
€  Rio,  29  de  março  de  1906.—  Exm.  Sr.  vice-presidente  do 


336  REVISTA  DO  INSTITUTO  HI8T0MCO 

Instituto  Histórico  e  QeograpMoo  Brazlleiro.—  Olegário  Ser» 
oUlano  dê  Aquino  e  Castro. :k 

O  Sr.  Presidente  declara  qoe  o  instituto  aprecia  deyida- 
mente  as  palavras  do  seu  yenerando  Presidwite» 

OsSrs.  Fleiuss  a  A.  Guimarães  propõem  que  o  art.  65 
flqtie  assim  redigido : 

«  Ficam  creados  dous  prémios  annuaes  sob  as  denominações 
Premio  Pedro  II  e  Premio  Conselheiro  Olegário. 

€  O  primeiro,  em  signal  de  imperedvel  gratidSo  e  reconbe- 
cimento  &  memoria  do  seu  grande  protector,  será  para  recom- 
pensar a  melhor  monographia  das  que  concorrerem  ao  mesmo, 
especificadamente,  e  jconstará  de  uma  medalha  de  ouro. 

<  Q  segundo,  em  atteno&o  aos  assíduos  e  notáveis  serviços 
prestados  ao  Instituto  pelo  presidente  Olegário  Herculano  de 
Aquino  e  Castro,  será  concedido  á  melhor  memoria  lida  no  anuo. 
anterior,  em  sess&o  do  Instituto,  e  constará  de  uma  medalha 
de  prata. 

Paragrapho  único.  A  CommissSo  de  Estatutos  e  Redacção 
regulamentará  o  processo  para  a  concessão  desses  prémios  >. 

Depois  de  varias  considerações  produzidas  pelos  Srs.  Fur^ 
tado.  Pitanga,  Fleiuss  e  Raílárd,  é  approvada  a  emenda  dos 
Srs.  Fleiuss  e  A.  Guimarães. 

Dos  mesmos  senhores,   ao  art,  67. 

R0dija*se  do  seguinte  modo:  <  Para  a  reforma  dos  Estatutos 
será  necessário  que  os  membros  da  Gommisiâo  de  Estatutos  e 
Redao^,  ou  que  18  sócios  a  reclamem  por  escrlpto,  e  que  a 
assembléa  geral  a  conoeda,  ouvindo  previamente  a  mesma  com- 
missão  no  caso  de  não  ter  sido  promovida  por  esta  a  reforma 
de  que  se  tratar».—  E*  approvada. 

Salvas  as  emendas  approvadas,  a  assembléa  approva  o  pro- 
jecto de  reforma  dos  Estatutos  e  o  Sr.  Presidente  o  envia 
para  os  devidos  dns,  a  Commissão  de  Estatutos  e  Redac^o, 
relator  o  Sr.  Dr.  Alfiredo  da  Nascimento. 

O  Sr.  Presidente  suspende  a  sessão  da  Assembléa  Geral  que 
continuará  no  dia  16  do  corrente,  ás  2  1/2  horas  da  tarde,  para 
Julgamento  da  redacção  dos  Estatutos,  seguindo-se  a  4»  sessão 
ordinária. 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE  1906         337 

Nada  mais  havendo  a  tratar,  sospende-se  a  sessio  ás  5  1/8 
horas  da  tarde. 

Aloibiâdbs  Fuetado, 
2«  Secretario. 


ASSBMBLÊA  GERAL  EM    16  DE  ABRIL   DE    1906,  CONTINUAÇÃO  DA 
DE  9  DO   CORRBNTE  MBZ 

Presidência   do  Sr,  Marquez   de  Paranaguá 

A*8  2  1/2  da  tarde,  presentes  os  Srs.  Marquez  de  Para- 
naguá, Max  Fleiuss,  Alcibíades  Furtado,  Arthur  Guimarães, 
Eduardo  Marques  Peixoto,  Dr,  Manoel  Barata,  conselheiro 
Cândido  de  Oliveira,  Carlos  Lix  Klett,  conselheiro  Salvador 
Pires,  conselheiro  Souza  Ferraira,  Dr.  Alfredo  Nascimento  e 
Dr.  António  da  Cunha  Barbosa,  o  Sr.  Presidente  declara  reaberta 
a  sessão  de  assemblóa  geral,  começada  a  9  do  corrente,  para 
discussão  do  projecto  de  reforma  dos  Estatutos  e  suspensa  afim 
de  que  a  Commissao  de  Estatutos  e  Redacção  apresentasse  a 
respectiva  redacção,  de  accordo  com  a  matéria  approvada. 

O  Sr.  Furtado,  29  Secretario,  lo  a  acta  da  primeira  parte 
da  assembléa  geral,  a  qual  ó  sem  debate  approvada. 

O  Sr.  Presidente  diz  que  está  em  discussão  a  seguinte  re« 
dacção  dos  Estatitos,  apresentada  pela  respectiva  commissao  : 

Estatntds  do  lostitiito  flístorico  b  SeomiliíGo  Brazileíro 

CAPITULO  I 

Art.  l.<>  O  Instituto  Histórico  e  Geographico  Braziielro, 
fundado  em  21  de  outubro  de  1838,  tem  por  fim  coUigir,  metho- 
dizar,  publicar  ou  archivar  os  documentos  concernentes  á  his- 
toria e  geographia  do  Brazil,  o  a  archeologia,  ethnographia  e 
língua  de  seus  indígenas. 

Art.  2.*  Para  consecução  dos  fins  a  que  se  propõe,  pro- 
curará manter  correspondência  com  as  sociedades  nacionaes  e 
extrangeiras  de  igual  natureza. 

4323—22  Tomo  lxíx.  p.  ii. 


838  RBVI8TA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Ari.  3.*  Pablioará  a  «Revista  do  Iiutitato  Historioo  e 
Geographioo  Brazileiro». 

§  1.»  A  Revista  se  diYidir&  em  duas  partes:  a  1*  con- 
stará de  dooamentos  relativos  ao  Brazil,  e  a  2*  oomprehender& 
os  trabalhos  dos  sócios  e  as  actas  das  sessões,  assim  como  os  dis- 
onrsos  do  presidente  e  do  orador  e  o  relatório  do  1<>  secretario, 
apresentado  nas  sessões  anni versarias. 

§  2.0  Nesta  segunda  parte  também  se  publicará  annual- 
mente  a  lista  dos  sócios  existentes,  com  as  suas  diversas  cate- 
gorias, declaragfto  da  data  de  sua  admissáo  e  uma  relação  no- 
minal dos  sócios  &llecidos  durante  o  anuo. 

CAPITULO  II 

oroàmzàqIo  do  instituto 

Art.  4.0  O  Instituto  Histórico  e  Geographioo  Braiileiro 
compor-se-ba  de: 

8  1  ."^  Sócios  eífectivos,  em  numero  de  50. 

§  2.^  Sócios  honorários  em  numero  de  50. 

§  3.<»  Sócios  beneméritos,  em  numero  de  10. 

§  4.«  Sócios  correspondentes,  em  numero  de  100. 

g  5.«  Sócios  bemféitores. 

Art.  5.0  Os  sócios,  de  qualquer  classe,  poderão  ser  na 
cionaes  ou  estrangeiros. 

CAPITULO  UI 
ADUlSBlO  DOS  S00108 

Sócios  effeetivos 

Art.  d.<*  Para  ser  admittido  como  sooio  efléotivo  deverá  o 
candidato  residir  no  Rio  de  Janeiro,  apresentar,  directamente 
ou  por  algum  sócio  em  seu  nome,  trabalho  próprio  aoerca  da 
historia,  geographia  ou  ethnographia  do  Brasil,  quer  esse  tra- 
balho seja  inédito,  quer  já  estampado,  uma  vei  que  abone  a  ca- 
pacidade litteraria  do  autor. 

g  l.<>  O  candidato  deve  ser  proposto,  por  escripto»  em  ses- 
gão  do  Instituto  e  a  proposta  conterá  o  nome  e  appellidos  do 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE  1906         339 

candidatOt  sua  naturalidade,  proíls^,    idade  e  títulos  que  o 
recommendem. 

gS.""  Apresentada  a  proposta,  assigoada  por  três  ou  mais 
sócios,  será  ella  remettida  &  commissao  de  historia,  de  geogra- 
phia  ou  de  ethnographia,  conforme  a  natureza  do  trabalho  ou 
dos  trabalhos  do  candidato,  e  a  commissao  apresentará,  em 
seséao,  o  resultado  do  seu  exame,  concluído  pela  suficiência 
ou  insofSciencia  da  prova  da  capacidade  do  autor  para  os  fins. 
do  Instituto. 

§3.0  Approvado,  este  parecer  irá  a  commlsBáo  deadmissfto 
de  sócios,  a  qual  dará  opinião  sobre  a  idoneidade  e  oonye- 
niencia  da  admissão  do  candidato  proposto. 

§  4.''  Este  parecer  será  submettido  á  discussão,  encerrada 
ella,  marcar-se-ha  a  sessão  seguinte  para  que  tenha  logar  a 
votação  por  escrutínio  sobre  a  admissão  do  candidato» 

§5.<»Si  na  urna  apparecer  maioria  de  espheras  brancas, 
consldera-SQ  acceito  o  candidato,  e  o  presidente  prodamal-o-ha 
sócio  effectivo  do  Instituto. 

go.o  Si,  porém,  houver  maioria  de  espheras  pretas,  oon- 
siderar-se-ha  rejeitado  o  candidato,  o  qual  poderá  todavia  ser 
ainda  proposto,  si  apresentar  novos  trabalhos,  como  se  exige 
no  principio  deste  artigo,  seguindo-se  o  mesmo  processo  acima 
indicado  para  a  admissão. 

Soeios  correspondentes 

Art.  l.""  Para  ser  sócio  correspondente  é  preciso  : 

gl.<>  Apresentar  trabalho  próprio  sobre  a  historia, geo* 
graphia  ou  ethnographia  doBrazil. 

§  2.°  Apresentar  trabalho  próprio  de  verdadeiro  valor  no 
departamento  da  historia,  da  geographia  ou  da  ethnographia, 
mesmo  que  se  não  refira  ao  Brazil. 

§  3.<>  Ser  prc^sto  da  mesma  forma  por  que  o  é  o  candidato 
ao  logar  de  sócio  effectivo,  observado  idêntico  processo. 

Art.  8.°  O  sócio  correspondente  que  vier  residir  no  Rio  de 
Janeiro  poderá  passar  a  sócio  effectivo  quando  houver  vaga. 

Pardgrapho  único.  O  sócio  effectivo  que  fixar  residência 
íóra  do  Rio  de  Janeiro  passará  para  a  classe  dos  correspondentes. 


340  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Sócios  honorários 

Art.  9.» 

§  [.<>  86  poderSo  ser  sócios  honorários  : 

a)  os  sócios  effeotivos  qae  tenham  prestado  serviços  notá- 
veis ao  Instituto  oa  exercido,  por  mais  de  dez  annos  consecnti- 
TOS,  cargos  na  directoria  on  nas  commiss(5es  permanentes  ; 

b)  os  sócios  correspondentes  que«  tendo  entrado  para  o 
Instituto  por  meio  de  trabalhos  sobre  historia,  geagrapliia  oa 
ethnographia  do  Brazil,  tenham  se  distinguido  por  seu  yalor 
mtellectnal  e  completado  sete  annos  de  permanência  na  classe 
dos  correspondentes  ; 

c)  as  pessoas  que  por  seu  oonsummado  saber,  manifestado 
especialmente  nas  sciencias  históricas,  geographicas,  ethnogra- 
phicas  ou  archeologicas  estejam  no  caso  de  justificar  a  escolha. 

Art.  10.  Os  sócios  honorários  serão  propostos  pela  maioria 
dos  membros  da  Directoria  e  demais  sócios,  sendo  a  proposta 
informada  pela  oommissão  de  admijssâo  de  sócios,  e  depois 
votada  em  esomtinio  secreto,  na  sessão  seguinte  á  da  leitura 
do  parecer. 

Art.  11.  Os  sócios  honorários  pagarão  somente  o  diploma, 
podendo  esta  contribuição  ser  dispensada  pelo  Instituto  quando 
se  tratar  de  pessoa  nas  condições  da  lettra  c  do  art.  9*. 

Sócios    benomeritos 

Art.  12.  Só  poderão  ser  elevados  á  classe  de  sócios  bene- 
méritos os  honorários  que  tenham  no  minimo  20  annos  de  no- 
táveis serviços  ao  Instituto  e  os  hajam  prestado  em  gráo  notável. 

Art.  13.  A  eleição  dos  sócios  beneméritos  só  pôde  ser  feita 
em  assembléa  geral . 

Sócios  bemfeitores 

Art.  14.  Serão  sócios  bemfeitores  os  que  fizerem  ao  Insti- 
tuto donativos  superiores  a  3:000$  em  dinheiro. 

Esses  sócios  só  terão  direito  de  voto  nas  assembléas  geraes. 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DB  1906         341 

Presidentes    honorários 

AvL  15,  A  ijLualidade  excepcional  de  presidente  honorário 
só  poderá  ser  conferida  em  assembléa  geral,  aos  chefes  de  Es- 
tado, mediante  proposta  assignada  por  toda  a  directoria  do 
Instituto,  e  também  por  todo  os  demais  sócios    presentes  á 


§1.»A  proposta  assim  apresentada,  considera-se  appro- 
Yada,  e  confere  ao  candidato  a  qualidade  honorifica  da  presi- 
dência. 

§  2*0  Esta  distinccao  será  communicada  ao  agraciado  por 
offlcio  do  presidente  do  Instituto,  enviando-Ihe  o  respectivo  di- 
ploma. 

DISTINCTIVOS 

Art.  16.  Os  sócios  do  Instituto  teem  como  distinctivos  uma 
medalha  e  eoUar  de  ouro  e  uma  roseta  de  cor  azul  celeste. 

DIPLOMA 

Art.  17.  Aos  sócios  de  todas  as  classes  se  expedirá  um  di- 
ploma que  será  assignado  pelo  presidente,  pelo  1'  secretario  e 
pelo  thesoureiro  do  Instituto. 

CAPITULO  IV 

OONTEUBUiÇAO    SOCIAL 

Art.  18.  Cada  sócio  efTectiyo  ou  correspondente  pagará 
como  Jóia  de  admissão  a  quantia  de  50|,  quando  receber  o 
diploma,  e  concorrerá  com  a  somma  de  1$  mensaes,  paga  em 
trimestres  adiantados  pelos  sócios  eífectivos  e  annualmente 
pelos  correspondentes. 

§1.<»  Os  sócios  correspondentes  estrangeiros,  residentes 
íóra  da  Republica,  nada  pagarão. 

§2.0  Os  sócios  effectivos  e  correspondentes,  que  passarem 
a  sócios  honorários,  pagarão  pelo  novo  diploma  a  quantia  de 
30$,  cessando  outra  qualquer  contribuição. 

§3.0  O  sócio  correspondente  que  for  admittido  como  sócio 
effectivo,  não  pagará  nova  jóia,  continuando  a  pagar  somente 
as  prestações  mensies  e  dando  20$  pelo  novo  diploma. 


342  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

g  4.<»  Os  sócios  beneméritos  estáo  isentos  de  qualquer  oon- 
triboiç&o. 

S  5.<»  Os  sócios  bemfeitorei  nada  pagarfto  pelos  diplomas. 

KBMI38ÕES 

Art.  19.  Os  sócios  quo  se  qaizerem  remir  do  pagamento 
das  prestações  mensaes,  poder&o  fazel-o  da  maneira  segainte  : 

§  i.<»Os  que  contarem  menos  de  cinco  annoi  da  data  da 
sua  admissão,  entrando  para  o  cofi*e  do  Instituto  com  a  quantia 
de  200$000. 

g  2.^  Os  que  contarem  mais  de  cinco  e  menos  de  10  annos 
da  data  da  sua  admissfto,  logo  que  concorram  com  a  quantia  de 
150$000. 

g  3.<>  Os  que  tiverem  de  10  annos  para  cima,  si  pagarem 
lOOSOOO. 

Art.  20.  Os  sócios  comprehendidos  em  qualquer  dos  casos 
acima  especificados,  que  se  acharem  atrazados  no  pagamento 
das  prestaçSes  mensaes,  só  se  poderão  remir  depois  de  solverem 
as  suas  dividas. 

CAPITULO  V 

DIRECÇÃO  DOS  NSOOCIOS  DO  INSTITUTO 

Art.  21.  Todos  os  negócios  do  Instituto  serão  adminis- 
trados por  uma  Directoria  não  sendo  responsáveis  os  demais 
sócios  pelos  actos  que  esta  praticar. 

Art.  22.  Os  membros  dessa  Directoria  serão : 

g  1.*  Um  presidente. 

g  2.0  Três  vioe-presidentes. 

g  3.0  Um  lo  secretario. 

g  4.«  Um  2?  secretario. 

g  5.«  Um  thesooreiro. 

g  6.«  Um  orador. 

Art.  23.  Haverá  as  seguintes  commiss(tos,  cada  uma  das 
quaes  serã  composta  de  cinco  membros  : 

g  l.o  Commissão  de  Axados  e  orçamento. 

g  2.*  Commiss&o  de  estatutos  o  redacção  da  Revista. 

g  8.0  Commissão  de  manuscriptos. 


ACTAS  DA^  SBSSÕBS  DB  1906         849 

§  4.<>  GommissSo  de  historia. 

§5.''  Commiflsão  de  geographia. 

§  6.«  Commiss&o  de  ethnographia  e  aroheologia. 

§  7.«  Ck>mmi8são  de  admissão  de  sócios. 

ELEIÇÃO  DA  DIRSCTORIA  E  DAS  COMMISSÕES    PBRMANENTB8 

Art.  24.  o  mandato  da  Directoria  e  das  commissôes  será 
de  mn  anno. 

,  Depois  da  sessão  magna  auniversarla  de  21  de  outabro,  ser& 
convocada  a  assemblôa  gorai  para  21  do  novembro,  e,  sendo 
este  impedido,  para  o  dia  seguinte,  aflm  de  eleger  a  nova  Dire~ 
ctoria  e  as  novas  conamissões,  que  tomarão  posse  no  dia  7  de 
janeiro  do  anno  seguinte. 

Art.  25.  Os  membros  da  Directoria  podem  ser  reeleitos, 
bem  como  os  das  commissões,  e  a  elei(^  só  recahirá  em  sooios 
effectivos,  honorários  ou  beneméritos  residentes  na  sede  do 
Instituto,  podendo  os  membros  da  Directoria,  excepto  o  presi- 
dente, fazer  parte  também  de  qualquer  das  commissões, 

Art.  26.  A  eleição  ser&  feita  por  escrutínio  secreto»  obede- 
cendo-se  á  seguinte  disposição : 

§  1.0  Cada  sócio  presente  lançará,  na  uma  duas  cédulas» 
uma  contendo  o  nome  do  presidente,  dos  vico-presidentes,  do 
1«  secretario,  do  2p  secretario,  do  orador  e  do  thesoureiro,  e 
outra  contendo  os  nomes  dos  membros  das  diversas  commissões, 

§  2.0  A  apuração  será  feita  separadamente ;  e  só  depois  de 
proclamados  os  membros  da  Directoria  se  procederá  á  apuração 
das  commissões. 

§  3.<>  Só  para  o  logar  de  presidente  se  requer  maioria  abso- 
luta ;  no  caso  de  empate  correrá  segundo  escrutínio ;  e  si  ainda 
assim  este  não  for  decisivo,  a  sorte  desempatará  a  elei;^. 

§  4.0  As  vagas  que  occorrerem  na  Directoria  ou  nas  com- 
missões permanentes,  serão  preenchidas  com  a  nomeação  que  o 
presidente  fará  em  sessão  do  Instituto. 

PRESIDENTE 

Art.  27.  O  presidente  tomará  posse  e  dirigirá,  dentro  das 
normas  destes  estatutos,  os  trabalhos  do  Instituto  pelo  espaço 
de  um  anno. 


344  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Art.  88.  Ao  presidente  incumbe  : 

§1.0  Presidir  as  reuniões  da  Directoria,  as  sessões  ordi- 
nárias, extraordinárias  e  anniversarias,  as  assembléas  geraes 
eas  de  eleição. 

§  2.*  Representar  o  Instituto,  por  si  ou  por  seu  mandatário, 
em  todos  os  negócios  judiciaes  ou  extrajudiciaes. 

§  3.<>  ProTidenoiar  sobre  os  negócios  do  Instituto  nos 
termos  destes  estatutos. 

§  4.(»  Nomear  quem  sirva  interinamente  nas  commissões  ou 
na  Directoria,  por  falta  dos  respectivos  membros. 

§  5.<^  Nomear  os  relatores  das  commissoes. 

§  ô.o  Nomear  o  pessoal  do  Instituto,  mediante  proposta  do 
\^  secretario. 

§  7.0  Autorizar  o  pagamento  do  pessoal. 

§  8.0  Autorizar  o  pagamento  de  todas  as  cjntas. 

§  9.0  O  presidente  poderá  oppôr  veto  ás  deliberações  to- 
madas nas  sessões,  sendo  a  assembléa  geral  a  uoica  competente 
para  confirmar  ou  reprovar  os  vetos. 

Art.  29.  Em  falta  do  presidente  dirigirá  os  trabalhos  o 
lo  vice-presidente,  o  qual  será  substituído  pelo  2o  ou  pelo  3o. 
Na  falta  de  todos  os  vice-presidentes  será  chamado  á  direcção 
o  sócio  mais  antigo  dentre  os  presentes. 

Paragrapho  único.  Havendo  mais  de  um  sócio  com  igual 
antiguidade,  presidirá  o  mais  velho  em  idade. 

10  SECRETARIO 

Art.  30.  0  1o  secretario  terá  a  sou  cargo  toda  a  correspon- 
dência, a  expedição  de  diplomas,  o  archivo,  a  bibliotheca  e  o 
museu  do  Instituto.  Ck)mp9te-lhe  : 

§  1.0  Propor  ao  presidente  a  nomeação  ou  exoneração  do 
bibliothecario,  do  escrlpturario,  do  auxiliar  e  do  parteiro. 

§  2.0  Suspender  até  30  dias,  qualquer  desses  empregados, 
dando  sciencia  disso  ao  presidente,  e  nomeando  interinamente 
quem  os  substitua. 

§  3.0  Inventariar  os  manuscriptos,  livros  e  quaesquer  outros 
objectos  pertencentes  ao  arohivo,  a  bibliotheca  e  museu. 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE  1906         345 

§  4.0  Mandar  imprimir  os  rôspectivos  catálogos  e  supple- 
mentos. 

§  ò."*  Mandar  reformalos  de  cinco  em  cinco  annos  para 
serem  impressos. 

§  6.**  Determinar  a  compra  dos  objectos  necessários,  ao  ex- 
pediente, attendendo  á  respectiva  verba  do  orçamento,  e  pro" 
videnciar  sobre  todo3  os  serviços  da  secretaria,  bibliotheca, 
museu  e  archivo. 

§  7.<>  Processar  a  folha  de  vencimentos  dos  empregados  e 
rubricar  os  documentos  de  despeza. 

§  8.0  Providenciar,  na  falta  do  presidente,  a  respeito  de 
todos  os  negócios  urgentes  do  Instituto,  participando  na  pri- 
meira sessão  as  providencias  que  houver  tomado. 

§  9.0  Mandar  escripturar  em  livro  próprio  e  sob  sua  imme- 
diata  fiscalisação  e  responsabilidade,  a  matricula  de  todos  os 
sócios  do  Instituto,  com  especificação  da  data  da  sua  eleição, 
posse,  transferencia  de  classe  e  tudo  mais  quanto  possa  ter  re- 
lação com  a  qualidade  de  sócio  do  Instituto. 

2o    SECRETARIO 

Art.  31.  O  2o  secretario  será  o  immediato  auxiliar  do  lo 
Secretario  e  seu  substituto. 

Gabe-lhe  especialmente : 

Paragrapho  único.  Redigir  as  actas  das  sessões  e  das 
assembléas  geraes,  o  expedir  os  avisos  de  convocação  das 
sessões  e  das  assembléas. 

TTIBSOUREIRO 

Art.  32.  Compete  ao  thesoureiro  : 

§  l.o  Arrecadar  e  pôr  em  guarda  os  fundos  do  Instituto. 

§  2.0  Depositar  era  um  banco,  por  proposta  sua  designado 
em  sessão,  os  fundos  disponíveis  do  Instituto. 

§  3.0  Pagar  as  despezas  competentemente  autorisadas,  de 
accôrdo  com  as  disposições  destes  estatutos,  não  devendo  fazer 
pagamento,  quando  esteja  excedida  a  respectiva  verba  do  orça- 
mento, sem  que  sujeite  o  excesso  da  despeza  á  deliberação  do 
Instituto  em  suas  sessões  ordinárias. 


346  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

%  4.^  Efloolher  um  cobrador  ou  agente  da  theaonraria^  qae 
seja  da  soa  confiança,  o  qual  perceberá  pela  cobrança  uma  eom- 
missão  marcada  pela  Directoria,  sob  sua  indicaçSo. 

Art.  33.  O  thesoureiro  dará  contas  annnaea  da  adminis- 
tração dos  íúndos  a  seu  cargo* 

§1.''  Estas  contas  abrangerão  a  reoeita  e  despeza  de  1  de 
janeiro  a  31  de  dezembro,  e  serão  apresentadas  até  o  dia  15  de 
fevereiro  de  cada  anno. 

§  2.''  Depois  de  examinadas  pela  commissão  de  ítmdos  e 
orçamento,  serão  por  esta  apresentados  á  Directoria  com,  o  seu 
parecer,  o  qual  serã  submettido  a  disons^Lo  e  votação  em  sessão 
ordinária. 

ORADOR 

Art.  34.  Ao  orador  compete: 

§  l.""  Pronunciar  o  discurso  de  recepção  dos  novos  sócios. 
§  2.^  Fazer  o  elogio  histórico  dos  sócios  fallecidos  durante 
o  anno  social* 

DAS  OOMMISSÕES 
Commissão  de  fundos  e  orçamentos 

Art.  35.  Pertence  á  commissão  de  ftmdos : 

§  1  ."^  Examinar  as  contas  que  Ibe  forem  submettidas. 

§  2.«  Rever  annualmente  as  contas  apresentadas  no  de- 
curso do  anno  social. 

§3.^  Dar  parecer  sobre  a  proposta  do  orçamento  annual 
de  receita  e  despeza  para  o  anno  seguinte,  que  lhe  serã  apre- 
sentado pelo  1»  secretario  ató  30  de  setembro. 

§  4.®  Dar  parecer  sobre  assumpto  de  sua  competência 
quando  for  consultada  pela  Directoria. 

Commissão  de  estatutos  e  redacção  da  €  Revista  do  Instituto  » 

Art.  36.  Pertence  á  commissão  de  estatutos  e  redacção  : 
g  1."*  Dar  parecer  sobre  duvidas  que  occorrerem  na  intel- 

ligenoia  destes  estatutos. 

g  2.<»  Propor  as  emendas,  reformas  ou  additamentoe,  que 

a  estes  forem  necessários,  os  quaes  serão  submettidos  á  assem- 

bléa  geral. 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE    1906  34? 

§  d.""  Escolher  os  esoriptos  qae  deyam  ser  publicados,  tanto 
na  Remsta  do  JnsHtuto  como  em  avulso,  sendo-lbe  para  esse  flm 
entregues  as  copias  das  actas,  as  correspondências  que  a  Dire* 
ctoria  ordenar  que  se  publiquem,  as  observações  e  avisos  que 
devam  nella  figurar,  e  fiaalmente  as  memorias,  documentos  e 
artigos  remettidos  pela  respectiva  commissão,  com  o  compe* 
tente  parecer  sobre  a  conveniência  da  sua  publicaç&o. 

§  4.''  Dirigir  não  aô  a  redacção  como  a  impressão  da  lU- 
vista  do  Instituto. 

Commissão  de  manuscriptos 

Art.  37.  A*  commistòo  de  manuscriptos  compete: 

§  1."*  Examinar  os  manuscriptos  existentes  no  archivo, 
emittindo  joizo  sobre  a  importância  delles. 

§  2.^  Propor  que  se  copiemos  estragados, e se inntilisem 
os  que  não  mereçam  ser  conservados. 

g  S.*)  Obter  manuscriptos  e  documentos  em  original  ou  por 
copia,  e  envial-os  á  Directoria. 

§  4.«  Dar  noticia  de  quaesquer  outros  manuscriptos  ou  do- 
cumentos, que  importe  ao  Instituto  adquirir. 

Cammissão  de  historia^   geographia  e  ethnographia  e    arcJ^eologia 

Art.  38.  Pertence  ás  commissões  de  historia,  geographia, 
ethnographia  e  archeologia. 

§1.''  Receberas  memorias,  documentos  e  publicações,  que 
lhe  forem  remettidos  pela  Directoria. 

§2.''  Dar  parecer  sobre  os  que  devam  sahir  na  Revista 
do  Instituto,  bem  como  sobre  os  que  convenha  publicar  em  se- 
parado,  ou  archivar. 

Commissão  de  admissão  de  sócios 

Art.  39  Cabe  á  commissão  de  admissão  de  sócios  : 
§  1.^  Syndicar  da  individualidatie,  do  candidato,  das  suas 
condições  de  idoneidade  e  de  conveniência  de  sua  admissão. 
§  S.^"  Os  pareceres  desta  commissão  podem  ser  reservados, 
tendo  o  presidente  a  faculdade  de  submettel-os  ã  consideração 
da  Directoria  antes  de  sujeital-os  ã  deliberação  em  sessão  ordi- 
nária. 


348  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Art.  40.  Além  das  commissões  indispensáveis  ao  movimento 
do  Instituto,  poderá  o  presidente,  em  sessão,  nomear  oatras  para 
fins  especiaes,  ou  encarregar  de  algum  trabalho  individualmente 
aos  sócios  quando  assim  julgar  conveniente. 

DBVERES  GERMES  DOS  SÓCIOS 

Art.  41.  Ao  qualquer  dos  membros  de  commissao  que  no 
espaço  de  seis  mezes  não  apresentar  o  trabalho  que  lho  competir 
e  não  allegar  escusa  satisfactoria,  dará  o  presidente  um  substi- 
tuto. 

§  1.°  Nenhum  sócio  se  negará,  sem  motivo  justificado,  aos 
trabalhos  de  que  for  incumbido. 

§  2.0  O  sócio  contribuinte  que  por  espaço  de  três  annos  dei- 
xar de  pagar  as  suas  contribuigoes,  havendo  para  isso  recebido 
aviso  do  thesoureiro  (  o  qual  será  expedido  por  meio  de  carta 
registrada  com  recibo  de  volta )  será  considerado  como  tendo 
renunciado  a  sua  qualidade  de  sócio. 

§  3.0  Para  que  possam  os  sócios  fazer  parte  da  Directoria 
ou  das  commissões  e  ser  transferidos  de  uma  classe  para  outra, 
deverão  ter  em  tempo  satisfeito  o  que  for  devido  aos  cofres  do 
Instituto.  Somente  os  sócios  nessas  condições  terão  direito  á 
Revista^  de  conformidade  com  o  art.  54. 

RELATORES  DE  COMMISSÕBS 

Art.  42.  Os  relatores  das  diversas  commissões,  que  tenham 
de  ser  consultadas  sobre  trabalhos  apresentados,  serão  nomeados 
pelo  presidente  dentre  os  respectivos  membros,  de  modo  que 
essé  serviço  se  distribua  com  igualdade  para  todos. 

BIBLIOTHBCARIO 

Art.  43.  Ao  bibliothecario,  como  encarregado  da  conserva- 
ção, asseio  e  guarda  da  bibliotheca  archivo  e  museu  compete  : 

§  l."*  Conservar-se  na  bibliotheca  emquanto  estiver  aberta. 

§  2."  Organizar  os  catálogos  segundo  o  systema  que  estiver 
em  uso  nos  estabelecimentos  mais  adiantados,  e  de  accôrdo  com 
o  1«  secretario. 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE  1906         349 

§  3.^  Ck>mmnnicar  ao  1«  secretario  as  oconrrenoias  que  se 
derem  no  serviço  a  seu  cargo» 

§  4,*>  Propor  a  compra  de  livros  e  objectos  que  possam  ser 
de  interesse  para  o  Instituto,  procurando  sempre  completar  as 
obras  ou  collecQões  existentes ;  conservar  a  possível  uniformi- 
dade na  encadernação  dos  tomos  da  mesma  obra  e  evitar  as  du- 
plicatas desnecessárias,  das  quaes  apresentará  relações  especi- 
ficadas, afim  de  terem  o  conveniente  destino. 

§  5.^  Empregar  o  maior  cuidado  no  arrolamento,  selecção, 
arranjo  e  conservação  dos  manuscriptos,  mappas  e  cartas  geo- 
graphicas  e  topographicas  e  outros  objectos  que  existem  ou 
íbrem  adquiridos  pelo  Instituto. 

§  Ô.<>  Apresentar  annualmente,  até  15  de  outubro,  ao  !<> 
secretario  um  relatório  dos  trabalhos  realizados  e  do  estado 
das  obras  e  objectos  existentes,  indicando  as  providencias  que 
ulgar  convenientes. 

§  7.**  Organizar  annualmente  catálogos,  supplementares  que 
de  cinco  em  cinco  annos  se  fundirão  nos  catálogos  geraes. 

ESCRIPTURARIO,  AUXILIAR  E  PORTEIRO 

Art.  44.  o  escripturario  tem  por  obrigação  comparecer 
diariamente  á  secretaria  do  Instituto,  assignando  o  respectivo 
ponto  e  cumprindo  as  ordens  que  receber  do  1«  secretario. 

Art.  45.  O  auxiliar  tem  as  mesmas  obrigações  do  escriptu- 
rario, sendo  especialmente  incumbido  de  coadjuvar  o  bibliothe- 
cario. 

Art.  4ô.  Ao  porteiro  incumbe  : 

g  1.°  Guardaras  chaves  do  edificio  para  abril-o  e  fochal-o 
diariamente  nas  horas  marcadas  por  deliberação  da  Directoria. 

§  2."*  Cuidar  do  asseio  da  casa. 

§  3.0  Cumprir  as  ordens  do  1*  secretario  sobre  o  expediente. 
ycncimentos 

Art.  47.  O  bibliothecario  perceberá  o  vencimento  mensal 
de  300$,  o  escripturario  o  de  200$,  o  auxiliar  o  de  150$,  o  por- 
teiro o  de  120$,  também  mensaes. 

§  1.  o  Desses  vencimentos  serão  considerados  dous  terços 
como  ordenado  e  um  terço  como  gratificação  pro  labore. 


350  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

g  2.^  O  lo  secretario  poderá  relevaras  (altas  de  compare- 
cimento desses  fanccionarios  e  consentir  na  entrada  depois  de 
encerrado  o  ponto. 

CAPITULO  VI 

REUNIÕES  DO  INSTITUTO  E  ORDEM  DOS    SEUS    TRABALHOS 

Art.  48.  As  sessões  do  Instituto  Histórico  serão  :  \^,  ordi- 
nárias on  extraordinárias  ;  S®,  de  assemblôa  geral ;  3f>,  anni- 
versarias  de  installaç&o ;  4%  de  eleioão. 

Paragrapho  único.  A*8  sessões  ordinárias  e  extraordinárias 
poderSo  assistir  qoaesquer  pessoas,  desde  que  se  apresentem 
decentemente  trajada?  ;  quando,  porém,  por  qualquer  motivo,  a 
sessão  deva  ser  reservada,  o  \^,  secretario  prohibirá  o  ingresso 
ás  pessoas  estranhas. 

Art.  49.  O  Instituto  reunir-se-ha  para  celebrar  a  sua  ins- 
talla<^  no  dia  21  de  outubro  e  desde  esse  dia  ató  fim  de  Janeiro 
ficarão  suspensas  as  sessões,  com  excepção  da  assombléa  geral 
para  elei^. 

§  l.«  De20de  dezembro  a  7  de  janeiro  o  edificio  do  Insti- 
tuto se  conservará  fecliado,  gosando  os  empregados  de  férias 
nesse  período. 

§  2.0  Em  todas  as  reuniões  do  Instituto  o  presidente  oc- 
oupará  o  centro  da  mesa,  tendo  á  direita  o  r  secretario  e  o 
orador,  e  á  esquerda  o  2p  secretario  e  o  thesoureiro. 

SBSSAO  ANNIVERSARIA 

Art.  50.  Na  sessão  de  21  de  outubro  o  presidente  pronun- 
ciará o  discurso  de  abertura. 

g  l.®  Findo  este  discurso,  o  P  secretario  lerá  o  relatório, 
em  que  dará  conta  dos  trabalhos  do  Instituto  durante  o  anno 
e  fará  menção  honrosa  dos  autores  de  quaesqner  obras  his- 
tóricas, geographicas  ou  ethnographicas,  que,  no  decurso  do 
mesmo  anno,  houverem  sido  offerecidas  ao  Instituto. 

§  2.^  Em  seguida  o  orador  recitará  o  elogio  dos  sócios  falle- 
cidos  durante  o  anno. 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE   1906  351 

SB80O19  ORDINÁRIAS 

Art.  51 .  As  sessões  ordinárias  terão  logar  de  15  em  15  dias 
e  havendo  impedimento,  o  presidente  designará  o  dia  da  reunião 
qne  poderái  ser  annnnoiado  pela  imprensa. 

§  l.o  Nestas  sessões  serão  tratados  todos  os  negócios  litte- 
rarios  e  económicos  do  Instituto. 

§  2.'' Aberta  a  sessão,  lida  e  sabmettida  á  approya<^  a 
acta  da  antecedente,  será  lido  o  expediente  e  resolver-se^ha 
sobre  qualquer  matéria  sujeita  ao  conhecimento  do  Instituto, 
excepto  os  da  competência  exclusiva  da  assembléa  geral. 

§  3.®  Para  a  leitura  de  trabalhos,  o  sócio  inscrever-se-ha 
ao  começar  a  sessão,  e  o  presidente  dar-lhe-ha  a  palavra  em 
occasião  opportnrna. 

§  4.'>  A  leitura  de  taes  trabalhos  não  excederá  de  uma  hora 
para  cada  leitor. 

§  5.<>  Havendo  necessidade,  o  presidente  convocará  sessão 
extraordinária,  para  a  qual  se  expedirá  convite  ou  aviso  assl- 
gnado  pelo  2»  secretario. 

Art.  52.  Para  haver  ses^Lo  ordinária  ou  extraordinária 
ô  necessário,  que  se  achem  presentes  o  presidente,  ou  algum 
dos  seus  substitutos,  o  l^  secretario,  o  29  secretario*  e  alguns 
sócios,  perfiizendo  ao  menos  um  total  de  10  pessoas. 

assemblAa  oeral 

Art.  53.  O  presidente  poderá  convocar  a  assembléa  geral, 
sempre  que  julgar  conveniente  á  boa  direoç^  do  Instituto. 

§1.''  Todos  os  sócios  deverão  assistir  ás  assembléa  geraes, 
nas  quaes  terfto  direito  de  propor,  discutir  e  votar. 

§  2.^  Para  haver  sessão  de  assembléa  geral,  ô  necessária  a 
presença  de  21  sócios  pelo  menos. 

§  3.°  Não  comparecendo  esse  numero,  será  marcada  nova 
reunião,  na  qual  se  deliberará  com  o  numero  que  oompa. 
recer,  nunca,  porém,  inferior  a  doze. 

§  4.""  Será  convocada  a  assembléa  geral  sempre  que  12 
sócios  a  solicitarem    por  escripto  ao  presidente. 


352  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTORICX) 

REVISTA  DO  INSTTPUTO 

Art.  54.  Os  sooios  que  satisfizerem  a  jóia  e  as  contri- 
baiç5es  terão  direito  a  um  exemplar  da  Revista  do  InstUuio 
desde  o  dia  da  sua  admissão  em  diante,  pagando  o  porte 
do  Correio. 

§1.''  Aquelle  que  dever  as  prestações  de  três  aimos»  per- 
derá o  direito  de  receber  a  Revista, 

§  2.°  O  Io  secretario  fica  incumbido  da  sua  distribuição 
aos  sócios  e  a  outras  pessoas,  residentes  no  Brazil  e  fora  delle. 

LIVROS  E  MANUSCRIPTOS 

Art.  55.  Os  sócios  bem  como  quaesquer  pessoas  que  assi- 
gnarem  os  boletins  de  consulta,  obrigatórios  para  todos,  terão 
a  faculdade  de  ler  na  bibliothoca  do  Instituto  as  obras,  quer 
impressas  quer  manuscriptas  ahi  existentes,  o  fazer  os  ex- 
tractos de  que  precisarem. 

Art.  50.  Não  ô  permittida  a  sabida  de  livros,  mappas,  ma- 
nuscriptos,  e  objectos  do  museu,  poJendo  unicamente  a  com- 
missão  de  redacção  retirar  por  algum  tempo  os  manuscriptos 
ou  impressos  necessários  para  publicação  na  Revista  do  Tnsti^ 
tutOy  ou  em  avulso,  ficando  em  mão  do  bibiiothecario  uma  nota 
dos  mesmos  manuscriptos  ou  impressos,  datada  e  assignada 
por  qualquer  dos  membros  da  commiasão. 

CAPITULO  VU 

FUNDOS  DO  INSTITUTO  E   SUA  APPLICAÇÃO 

Art.  57.  Os  fandos  desta  Associação  procedem  : 

§  1.^  Das  jóias  de  admissão  de  seus  sócios,  tanto  effeotivos 
como  correspondentes,  do  omolamento  dos  diplomas  e  da  con- 
tribuição que  cada  sócio  deve  pagar. 

§  2,"  Do  producto  das  remissões. 

§  S,""  Dos  donativos  que  se  fizerem  ao  Instituto. 

g  4.«  Da  receita  liquida  da  Revista  e  das  obras  avulsas 
que  publicai*. 


ACTAS  DAS  SBSSÕES  DB  1906         353 

§  5.^  Do  subsidio  coneedido  peio  Gongi^esso  Federal. 

Art.  58.  Oi  fuodoa  do  Instituto  serão  applicados  : 

§  l.""  Ao  seu  expediente,  reparaç^  e  coQservaçfto  do  que 
lhe  pertencer. 

§  2.*  Aos  vencimentos  dos  empregados. 

§  3,^  A*  impress&o  e  distribuição  da  Revista  do  Instituto  e  do 
obras  ayolsas. 

§  4.*  A*  publicação  de  memorias  e  escriptos,  precedendo 
pareceres  favoráveis  das  respectivas  commissões. 

§  5.<>  A*  compra  de  livros,  manuscriptos,  mappas  e  objectos 
históricos  que  devam  ser  depositados  na  bibliotheca,  masea  e 
archivo. 

§  6.<»  Ao  pagamento  de  prémios  aos  que  mais  se  distinguirem 
no  desempenho  dos  programmas  distribuidos  pelo  lastituto  ou  na 
execução  de  trabalhos  que,  pelo  seu  traosoendeote  merecimento, 
reconhecido  pola  respectiva  commissSo,  forem  considerados 
dignos  de  semelhante  distincção  e  bem  assim  aos  prémios  con- 
stantes do  art.  66. 

Art.  59.  Quando,  feitas  as  despezas  annnaes  do  Instituto 
apparecerem  sobras,  empregar-so-ão  estas  na  formação  do 
património  social,  como  for  combinado  entre  o  presidente  e  o 
thesoureiro. 

§  l.o  Este  património  não  poderá  ser  despendido  no  todo  oa 
em  parte  sem  autorização  da  assembléa  geral,  conferida  por 
dois  terços  dos  votos  presentes. 

§  2.'>  Os  rendimentos,  porém,  serão  applicados  ás  despezas 
fixadas  no  orçamento,  e  autorizadas  pela  Directoria. 

ARCA  DE  SIOILLO 

Art.  60.  O  Instituto  terá  uma  arca  de  sigillo,  onde  guar- 
dará todos  os  manutcriptos  secretos,  que  devam  ser  publicados 
em  época  determinada. 

§  l.<»  A  arca  de  sigillo  será  de  ferro  e  á  prova  de  fdgo. 

§  2.""  A  chave  da  arca  ficará  em  poder  do  1»  secretario, 
que  communicará  ao  presidente  o  segredo  para  a  sua  abertura. 

§  5."*  Os  manaseriptoe  abi  depositados  serão  previamente 
numerados  e  inventariados,  segundo  os  titules  que  trouxerem, 
43123  —  23  Tomo  lxix  f .  it 


354  RBViSTA  DO  INSTITUTO  HISTORIGO 

com  indicaoSo  do  formato,  qoalidade  do  papel  que  ofl  envolver 
e  outros  quaesqaer  sig^naes,  que  os  poesam  bem  caracterizar. 

§  6.»  Além  do  sello  e  precaacões  do  autor,  o  Instituto  00 
(érá  seliar  de  novo. 

§  7.0  Na  arca  do  sigiilo  haverá  uma  cópia  do  termo,  que  se 
lavrar  em  sessão  em  iivro  próprio  para  isso,  a  qual  será  assi- 
gnada  por  três  sócios,  além  do  l"*  e  2°  secretários. 

§  8.<>  Toda  a  memoria  ou  documento  enviado  ao  Instituto 
para  deposito  temporário  na  arca  do  sigiilo  deve  ser  lacrado 
pelo.  próprio  autor,  c  virá  acompanhado  de  uma  carta  ao 
1°  secretario  com  a«signatura  do  autor  ou  de  pessoa  conhe- 
cida, com  declaração  do  tempo  em  que  deverá  fazer-se  a 
aberto  e  lido  o  meemo  documento. 

§  d.""  Chegado  o  tempo  da  abertura  das  cartas  ou  documen- 
tos, o  presidente  do  lostituto  convocará  sessão  para  a  abertura 
da  arca  de  sigiilo,  e  depois  de  extrahido  e  verificado  o  manu- 
scripto,  segundo  a  carta  que  o  acompanhou,  será  aberto  e  lido, 
si  não  for  muito  longo,  caso  em  que  proseguirá  a  leitura  nas 
sessões  seguintes. 

§  10.  Terminada  a  leitura  da  memoria  ou  documento,  o  In- 
stituto, antes  de  dar- lhe  o  conveniente  destino,  submettel-o-ha 
à  apreciação  da  oommissão  respectiva,  conforme  o  caracter  do 
documento. 

CAPITULO  VIU 

DISPOSIÇÕES  GEIULlslS 

Art.  dl.  Sempre  que  o  Instituto  renovar  annnalmente  o 
pessoal  de  sua  direcção  oommunicalo-ha  ao  Qoverno  Federal  por 
offlcio  escripto  e  assignado  pelo  presidente  ou  pelo  l^  secretario. 

iUECfiPÇÀO  DE  NOVO0  SOCloe 

Art.  62,  Quando  algum  novo  sooio  vier  tomar  assento,  preve- 
nirá ao  1°  secretario  com  8  dias  de  antecedência.  No  dia  da  posse 
o  presidente  fará  breve  allocucão  de  apresentação  do  reoipien- 
dario,  o  qual  lerá  o  seu  discurso  de  admissão,  a. que  responderá 
o  orador. 


ACTAS  DAS  SKSSÕfiS  DB   1906  856 

A  allooução  do  presidente  o  os  discursos  do  recipiendario  e 
do  orador  sorão  insertos  na  aota. 

Paragrapiío  único.  O  sócio  eleito  não  tomará  posse,  nem 
será  como  tal  matriculado  no  livro  competente*  sem  que  ezhiba 
o  seu  diploma  e  sem  que  haja  satisfeito  as  contribuições  devidas. 

FàLLECIMENTO  DB  SÓCIOS 

Art.  63.  Nos  enterros  de  membros  do  Instittito  far-se-ha 
este  representar,  sempre  qne  Ibe  chegar  a  tempo  a  participação. 

Art.  64.  Na  primeira  se^isão  que  se  eSeotuar  depois  de 
conheoido  o  faliecimento  de  qualquer  socíj,  lançar-^eha  na  acta 
um  voto  de  pesar,  podendo  qualquer  membro  presente  i  sessão 
referir-se  ao  finado  em  succintas  palavras  de  condolência  e  da 
louvor. 

COMMSMORAÇÃO  E  PRBMIOS 

Art.  65.  No  dia  5  de  dezembro,  anniversario  do  faliecimento 
do  seu  inesquecível  protector  o  Sr.  D.  Pedro  II,  o  instituto 
estará  fechado. 

Art.  66.  Ficam  creados  dous  prémios  aunuaes  sob  as  deno- 
minações: premio  Pedro  II  o  premio  conselheiro  Olegário.  O  pri- 
meii*o,  em  signal  de  imperecivol  gratidão  e  reconhecimento  á 
memoria  do  seu  grande  protector,  será  para  recompensar  a 
melhor  monographia  das  que  concorrerem  ao  mesmo  especi- 
ficadamente, e  constará  de  uma  medalha  de  ouro.  O  seguado, 
em  atten^  aos  assíduos  e  notáveis  serviços  prestados  ao  Insti- 
tuto pelo  presidente  conselheiro  Olegário  Herculano  d' Aquino  e 
Castro,  será  concedido  á  melhor  memoria  lida  no  anno  anterior, 
em  sessão  do  Instituto,  e  constvá  de  uma  medalha  de  prata. 
•  Paragjrapho  unico.  A  commiss&o  de  ^^tatirtos  e  redacção 
rcgolamentaj^  9  procedo  para  a  eonowaão  destes  premieo. 

DISPOSIÇÕES  TRANSITÓRIAS 

Art.  67.  Emquanto  existir  numero  de  sócios  effectl vos,  cor- 
respondentes ou  honorários,  excedente  ao  que  fica  acima  fixado 
para  cada  classe,  não  haverá  novas  admissõed. 


356  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Art.  68.  Os  sócios  actuaes  que  passarem  do  referido  numero 
gozarão  de  todas  is  regalias  como  atô  aqui  e  est&o  si^eitos  aos 
mesmos  encargos. 

Art.  69*  Aos  sócios  já  incursos  na  comminaçio  do  §  2«  do 
art.  43  dos  estatutos  de  1  de  agosto  de  1890  será  marcado  o 
prazo  de  60  dias  para  solverem  os  seus  débitos. 

§  l.<>  Esse  prazo  será.  contado  da  datado  offlcio» circular 
que  o  thesoureiro  dirigirÀ  aos  referidos  sócios. 

§  2.0  A  falta  de  resposta  a  esse  officio-circular  ou  a  recusa 
na  satisfação  dos  débitos  importara  na  applicagão  immediata  da 
pena  èm  que  Já  incorreram,  nos  termos  dos  antigos  estatutos. 

Art.  70.  A  Directoria  organizará,  dentro  de  90  dias,  a  nova 
lista  geral  dos  sócios,  de  inteiro  acoôrdo  com  as  disposições  que 
ora  ficam  consignadas. 

Art,  71.  Approrados  estes  estatutos  pela  assembléa  geral, 
e  approvada  a  sua  redacção,  também  pela  assembléa  geral, 
entrarão  elies  em  vigor  sendo  as  commissões  completadas  com 
os  membros  das  que  forem  eztinctas«  a  jaizo  do  presidente,  a 
quem  se  outorgam  para  esse  fim  os  mais  amplos  poderes. 

Paragrapho  único .  Dentro  de  30  dias  da  approvação  deverão 
estar  impressos  os  presentes  estatutos  que  serão  competente- 
mente registrados  e  distribuídos. 

Art.  72.  Para  reforma  dos  estatutos  será  necessário  que  os 
membros  da  oommissão  de  estatutos  e  redacção,  ou  12  sooios» 
a  reclamem  por  escripto,  e  que  a  assembléa  geral  a  conceda, 
ouvindo  previamente  a  mesma  Oommissão  no  caso  de  não  ter 
sido  promovida  por  esta  a  reforma  de  que  se  tratar. 


A  Oommissão  de  Estatutos  e  Redacção,  de  conformidade  com 
o  resolvido  na  assembléa  geral  convocada  a  9  do  corrente,  apre- 
senta  a  redacção,  que  elaborou,  dos  novos  estatutos. 

Rio,  14  de  abril  de  1906.— Dr.  Alfredo  Nasoimenio,  Relator. 
'^Conde  de  Affonso  Celso, — Capiitrano  de  Abreu. 

O  Sr.  Dr.  Manoel  Barata,  apreciando  devidamente  o  trabalho 
da  commissão,  julga,  entretanto,  necessário  apresentar  alguma^ 
entisndas  á  reidacção,  o  que  fáa  justiâcando-a  amplamente. 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE   1906  357 

Sfto  estas  as  suas  emendas  : 

«  Ao  art.  1 .« Redija-se  do  segaiate  modo:  <0  Institato  His- 
tórico e  Qeograpbico  Brazileiro,  f andado  em  21  de  outubro 
de  1838,  tem  por  fim,  investigar,  colligir,  estudar,  divulgar  e 
arohivar  os  documentos  concernentes  á  historia,  geographla, 
ethnographia  e  archeologia  do  Bra&l.> 

Art.  2.<»  Para  oonsecu^o  do  fim  a  que  se  propõe,  o  Instl- 
tuto  manterá  uma  bibliotheca,  mnsou  e  arcMvo,  e  procurará 
estabelecer  correspondência  com  as  sociedades  nacionaes  e  es- 
trangeiras de  igual  natureza. 

Art.  7.*"  §  1.0  RediJa-se  assim  :  cApresentar  trabalho  pró- 
prio e  valioso  sobre  a  historia,  geographia,  ethnographia  ou 
archeologia  do  Brazil  ou  deqaalquer  outro  paiz.» 

§  2.0  Supprima-se  por  superflao. 

§  3.*»  Diga-se:  «§2.^» 

Art.  16'  Rediija-se  assim :  «Os  sócios  do  Instituto  têm  como 
distinctivoB  um  coUar  e  medalha  de  ouro  e  uma  roseta  de  côr 
azai  celeste.» 

Art.  23  §  6.0  Redija-se  assim  :  «Commissão  ethnographica 
e  archeologica.> 

Art.  60  §  8.0  Redija-se  assim  :  €  Qualquer  memoria  ou 
documento  enviado  ao  Instituto  para  deposito  temporário  na 
arca  do  sigillo,  deve  vir  lacrado  e  acompanhado  de  uma  carta 
do  lo  Secretario,  assignada  pelo  autor  ou  por  pessoa  conhecida, 
com  declara^  do  tempo  em  que  deverá  ser  aberto  e  lido  o 
mesmo  documento. 

g  9.0  Chegado  esse  tempo,  o  Presidente  do  Instituto  convo- 
cará sessão. . .  O  mais oomo  está». 

O  Sr.  conselheiro  Cândido  de  Oliveira  apresenta  á  emenda 
do  Dr.  Manoel  Barata,  quanto  à  redacção  do  art.  lo,  a  seguinte 
sub-emenda :  depois  das  palavras  ethnographia  e  archeologia, 
diga-se  —  principalmente  do  Brazil. 

O  Sr.  Alcibíades  Furtado  justifica  a  seguinte  emenda  quanto 
á  redacção  do  art.  1°.  Redija-se  assim  o  art.  r:  «O  Instituto 
Histórico  Qeographico  Brazileiro,  ftmdado  em  21  de  outubro 
de  1838,  tem  por  fim  proceder  a  estudos  e  investigações  no  to- 
cante á  historia,  geographia  e  ethnographia  do  Brazil  e  colligir , 


358  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

classifl(  ar  e  dar  à  publicidade  documentoe  concernentes  a  iaes 
assnm  tos.» 

O  ^r.  Dr.  Alfredo  Nascimento  deelara  que,  como  relator 
da  OoTnmis^U)  de  Bstatatos  e  RedaoçSLo,  nada  tem  a  oppdr  as 
emendas  offerecidas. 

O  Sr.  Presidente  põe  a  Totos  as  emendas  apresentadas  pelo 
Dr.  Manoel  Barata. 

SSo  todas  approvadas. 

O  Sr.  Presidente  pde  a  votos  a  snb-emenda  do  Sr.  cons^ 
Iheiro  Cândido  de  Oliveira,  a  qaal  éapprovada,  ficando,  portanto, 
pretndlcada  a  emenda  oíTereeida  pelo  Sr.  Furtado. 

O  Sr.  Dr.  Atft^o  Nascimento  declara  que  ainda  tem  dnvl- 
das  quanto  á  redac^Slo  que  se  deve  dar  ao  §  6*  do  art.  58  e  ao 
art.  66,  pois  qae  em  ambos  lia  referencias  a  prémios  do  Instituto. 

Fica  resolvido  que  ao  §  6<»  do  art.  58  se  acoresoente  as 
segointes  palavras  :  €  e  bem  assim  aos  prémios  oonstantei  do 
art.  66.» 

B  que  o  art.  6Ô comece  pelas  seguintes  palavras  :  «Além 
dos  prémios  constantes  do  §  6*  do  art.  58,  etc.» 

O  Sr.  Presidente  põe  a  votos  a  redacção  dos  Bstafutos  com 
as  emendas  Já  approvadas,  e  a  assembtéa  por  unanimidade,  con- 
cede a  approvacSo. 

O  Sr.  Arthur  GuimarSes,  thesoureiro,  consulta  desde  quando 
o  augmento  dos  vencimentos  dos  Amccionarios  do  Instituto  deve 
ser  contado. 

A  assemblôa  resolve  que  o  augmento  vigorará  da  data  da 
publicação  destes  estatutos  no  Diário  Offteiàf. 

O  Sr.  Presidente  susp2nde  a  sessão  por  trinta  tninutos 
para  so  lavrar  a  acta  da  presente  Assembleia. 

Reabre-se  a  sessão  ás  S  1/8  para  leitura  da  acta  que  (^ 
approvada  om  seguida. 

Nada  mais  havendo  a  tratar  o  Sr.  Presidenta  declara  eneet- 
rada  a  assembléa  geral  levantando-se  a  sessão  ás  4  horas  da 
tarde. 

Alcihiadêê  fUriado, 
2»  Secretario. 


ACTAS    DAS   SESSÕES  DE    1906  359 

4»  SKSSÃO  ORDI  VARIA  EM  16  DE  ABRIL  DE  1906 
Presidência  do   Sr.  Marqiiez  de  Paranaguá,  (i°  vice-presidente) 

Ali  3  l/â  horat  da  tarde,  presentes  os  Srs.  Marquez  de 
Paranaguá,  Max  Fleiuss.  Alcibíades  Fartado,  Arthur  Gaimarães, 
Dr.  Manoel  Barata,  conselheiro  Cândido  de  Oliveira,  conse- 
lheiro Sousa  Ferreira,  Dr.  Alfk*edo  Nascimento,  Carlos  Lix 
Klett,  conselheiro  Salvador  Pires,  Eduardo  Marques  Peixoto 
e  Dr.  António  da  Cunha  Barbosa,  abrese  a ses^o. 

O  Sr.  Furtado,  %"  Secretario,  lê  a  acta  da  3"  sessão  ordi- 
nária, realizada  a  26  de  março  ultimo,  a  qual  ô  sem  debate 
approvada. 

O  Sr.  Fleiuss,  !•  Secretario,  comraunica  que  o  Sr.  conse- 
lheiro Aquino  e  Castro,  Presidente  do  Instituto,  por  justo  mo- 
tivo deixa  de  comparecer. 

O  mesmo  Sr.  Secretario  lô  o  seguinte  expediente: 

Oí&cio  do  Sr.  Cônsul  Geral  da  Republica  Argentina,  datado 
de  S8  de  março  ultimo,  enviando  o  «  Boletim  de  la  división  de 
immigración  de  la  Republica  Argentina»,  correspondente  ao 
anno  do  1905.  Agradeoe-se. 

Offlcio  do  Sr.  conselheiro  Cândido  de  Oliveira,  nos  seguinte 
termos: 

«Illm.  eExm.  Sr.  —  Confirmando  a  declaração  feita  em 
nossa  primeira  sessão  ordinária  do  corrente  anno,  offereço  para 
o  Gabinete  de  Estampas  do  Instituto,  a  que  tenho  a  honra  de 
pertencer : 

76  retratos  de  S.  M.  o  Imperador  D.  Pedro  II. 

6deS.  M.  a  Imperatriz  Sra.  D.  Thereza  Maria  Chrístina. 

3  do  primeiro  Imperador  Sr.  D.  Pedro  I. 

4  de  S.  A.  Imperial  a  Sereníssima  Condessa  d'Eu. 
4  da  finada  Princeza  D.  Leopoldina. 

7  do  Sr.  Conde  d*Eu. 

2  da   finada  Rainha   Sra.    D.    Maria   II,    irmã    do    Sr. 
D.  Pedro  V. 

2  do  finado  Príncipe  Imperial  D.  Affonso. 

1  da  Rainha  D.  Kstepbania,  mulher  do  Sr.   D.  Pedro  V. 


360  REVISTA  DO  INSTITUTO   HISTÓRICO 

I  do  Conde  de  Aquilla . 

1  de  D.  Adelaide,  casada  que  foi  com  D.  Migael. 

2  da  familia  Imperial  do  Brazii. 

€0s  retratos  do  Sr.  D.  Pedro  11  correspondem  a  diversas 
épocas  da  sua  yida,  algans  delles  diffleil mente  poderio  ser 
encontrados. 

€  Colleocionados  por  am  distincto  bibliophilo,  o  finado  eom- 
mendador  José  da  Cunha  Porto,  não  posso  dar  melhor  destino 
a  esses  documentos,  que  recordam  a  hUtoria  do  magnânimo 
protector  da  nossa  associaç&o,  do  que  ftLzendo*os  guardar  em  o 
archlTo.  Sou  oom  estima  de  V.  Ez.  iilm.  Sr.  conselheiro  Ole- 
gário Herculano  de  Aquino  e  Castro,  dignisdimo  presidente  do 
Instituto  Histórico  e  GeographLoo  Brazileiíx),  conflrade  e  amigo. 
—  CanUido  Luiz  Maria  de  Oliveira^  Rio  de  Janeiro,  %7  de  março 
de  1006.»— Inteirado.  Agradece-se. 

O  Sr.  Furtado,  2f*  Secretario,  lé  as  offertas. 

O  mesmo  Sr.  Secretario  lé  as  seguintes  propostas: 

<  Propomos  para  sócio  correspondente  do  Instituto  Histórico 
e  GoQgraphioo  Brasileiro  o  Sr.  Dr.  Arthnr  Orlando,  natural 
de  Pernambuco,  bacharel  em  direito,  oom  46  anãos  de  idade, 
lente  da  Academia  de  Direito  de  Pernambuco,  membro  da  Aca- 
demia de  Letras  do  Pernambuco,  autor  de  varias  obras,  entre 
as  quaes  sobresahem  Ensaios  de  Critica,  Novos  Ensaios  de  Philo» 
critica,  sobre  assumptos  de  critica,  historia,  philosophla  e  di- 
reito, as  quaes  servem  de  base  a  esta  proposta. 

Rio,  16  do  abril  de  1905.— Barão  de  Alefhcar.—  Muardo 
Marques  Peixoto,— Âleibiades  Furtado, ^-^  A*  Comroissão  de  His- 
toria, relator  o  Sr.  conselhjiro  Cândido  de  Oliveira. 

<  Propomos  para  sócio  correspondente  do  Instituto  Histórico 
e  Geographico  Braziieiro  o  Sr.  conselheiro  Dr.  Bernardino  Luiz 
Machado  Oulmarães,  lente  cathedratico  da  Universidade  de 
Coimbra,  autor  de  obras  notáveis,  sobre  historia  e  pedagogia.  Já 
offerecidas  ao  Instituto. 

Rio,  16  de  abril  de  1900,-— Arthur  Guimarães,^  Max 
Fleiuss.^  Dr.  Alfredo  Nascimento. —  Cândido  de  Oliveira. — 
Manoel  Barata, — Sylvio  Romero,> —  A'  CommissSodo  Historia» 
relator  o  Sr.  Dr.  Leite  Velho, 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE  1906         361 

O  Sr.  1«  Secretario  lê  o  seguinte  parecer  da  Commissão  de 
admisa&odesocioe: 

<  A  Commissão  de  admissão  de  sócios  tendo  examinado  a 
proposta  apresentada  em  sess&o  de  26  de  março  altimo,  pela 
maioria  dos  membros  da  mesa,  de  conformidade  com  o  art.  11 
dos  B&tatutos  e  por  dlyersos  outros  consócios,  é  de  parecer  que 
seja  aceito  como  sooio  honorário,  uma  yez  que  rdune  as  con- 
dições exigidas  no  art.  10  §  1<>,  Monsenhor  D.  Júlio  Tonti, 
NuDcio  Apostólico  no  Brasil. 

Sala  das  Commissòes,  14  de  abril  de  1006.—  Dr.  Manoel  Cí- 
cero Peregrino  da  Silva,  relator.—  Henriqtie  Raffard, —  Barão 
de  Alencar. > 

Fica  para  ser  yotado  na  sessão  seguinte. 

O  Sr.  Fleiuss,  1^. Secretario,  communica  que  dirigiu  uma 
circular  a  diversas  companhias  de  seguros,  solicitando  infor- 
mações sobre  o  premio  que  pagaria  o  Instituto  sobre  um  seguro 
de  150:000$000.  Recebeu  resposta  das  seguintes  companhias: 
BquUaUwi  dos  Estados  Unidos  do  Brasil^  marcando  a  taxa 
de  3/8  Vo  ao  anno ;  Mercúrio,  na  mesma  taxa  ;  London  à  Lan- 
eashir$Fire  Insurance  O.,  na  mesma  taxa;  Pr&9identê,  re- 
cusando o  seguro  por  jái  ter  o  da  Directoria  de  Estatística,  sem  o 
que  a  taxa  seria  de  3/4  «/o ;  Confiança^  recusando  pelos  mesmos 
motivos,  sem  o  que  tomaria  apenas  50:000$  e  á  taxa  de  1/2  V»  't 
Vera  Cruz,  recusando  pelos  mesmos  motivos. 

O  Sr.  1*  Secretario  demonstra  a  necessi^lade  de  se  realizar 
o  seguro  do  Instituto.  Isso,  em  caso  de  sinistro  nio  recompen- 
saria o  inestimável  valor  do  nosso  archivo,  bibliotheca  e 
museu,  mas  seria  pelo  menos  uma  compensação. 

A  propósito  fazoin  observações  os  Srs.  Dr.  Manoel  Barata, 
oonselheiro  Cândido  de  Oliveira  e  Arthur  Ouimarâes. 

O  Instituto  resolve  fazer  o  seguro,  incumbindo,  por  pro- 
posta do  Sr.  1»  Secretario,  o  Sr.  Arthur  Ouimarães,  thesou- 
reiro,  em  vista  de  sua  posição  no  commerolo  desta  Capital,  de 
tratar  do  assumpto,  participando  na  primeira  sessão  o  que 
houver  feito. 

O  Sr.  Eduardo  Marques  Peixoto  procede  á  leitura  de  um 
documento  antigo,  sobre  a  apanha  de  cães  no  Rio  de  JaoeirOt 


362  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

O  Sr.  Fleiofls,  1"* Secretario,  disque  o  iUustrc  consócio 
Dr.  Orvilld  Derby  prometteu  enviar  um  trabalho  sobre  a  Serra 
do  Espinhaço^  podendo,  talvez,  ser  lido  na  próxima  sessSo. 

O  Sr.  Fleioss,  1°  Secretario,  oommunica  ainda  que  a  com- 
missão  nomeada  pelo  Instituto  para  dar  as  boas  vindas  á  Sua 
Bminencia  o  Sr.  Cardeal  D.  Joaquim  Arooverde,  nosso  prosado 
consócio  bonorariot  dirigiurse  a  bordo  do  vapor  Sardegna, 
dando  cumprimento  ao  grato  dever,  tendo  sido  carinhosamente 
acolhida  por  Sua  Eminência,  que  se  referiu  ao  Instituto  com 
palavras  de  interesse  e  louvor. 

Nada  mais  havendo  a  tratar,  o  Sr.  Presidente  levanta  a 
sessão,  declarando  que  a  5^  sessão  ordinária  se  realisarã  no  dia 
30  do  corrente  ás  3  horas. 

Levantasse  a  sessão  ãs  4  l/ã  da  tarde. 

Alcibicides  Furtado 
8°  Secretario. 

Rgl.AglO  DAS  OFFBRTAS  APRESENTADAS  NA  SBSSio  EXTRAORDINÁ- 
RIA DE   15  DE  ABRIL  DE   1906 

Voyages  auz  Provinoes  Brésiliennes  du  Pará  et  des  Ania- 
zones  en  1860,  oflèrta  do  Dr.  A.  P.  de  Sousa  Pitanga. 

Révue  de  Piore  du  Brésil  meridional,  por  M.  M.  Auguste 
de  Saint-Hilaire,  offerta  do  mesmo  8r.  (dous  fascículos  extra- 
hidos  dos  annaes  de  Sciencias  Naturaes  1842) . 

Navegação  Pranca  dos  Rios  Paranapanema,  Paraná,  Ivi- 
nheima  e  Brilhante,  por  Sduardo  José  de  Moraes,  oflterta  do  mes- 
mo senhor. 

Sur  les  fleurs  males  du  Vallisnerla  Splralis,  L,  par  M.  Ad. 
Chatin,  oflérta  do  mesmo  senhor. 

Estudos  sobre  o  Amazonas.  Limites  do  Estado,  por  Tor- 
quato  Tapigoz,  offerta  do  mesmo  senhor. 

Província  do  Espirito  Santo,  sua  descoberta,  historia  chro- 
nologica,  synopsis  e  estatística  por  Brasilio  Carvalho  Daemon, 
offerta  do  mesmo  senhor. 

Ligação  da  província  de  S.  Paulo  ao  Rio  S.  Francisco,  Ca- 
minho de  Perro  Preferível,  por  J.  Ramos  de  Queiroz,  offerta  do 
mesmo  senhor. 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE  1906         363 

Roteiro  da  yiagera  da  cidade  do  Pará,  até  aa  ultimas  coló- 
nias do  sertão  da  provinoia,  cscript )  na  Viila  de  Baroellos, 
pelo  padre  dr.  José  Monteiro  de  Noronha,  oíferta  do  mesmo  se- 
nhor. 

ProTinola  do  Espirito  Santo  por  Pessanha  Póvoa,  oftota  do 
mesmo  senhor. 

Voyage  dans  le  Disirict  des  Diamants  et  sur  le  littoral  du 
Brésil,  por  M.  Angoste  de  Sainte-Hilairo,  offerta  do  mesmo  se- 
nhor. 

Demonstração  da  cansa  do  Fluxo  e  do  Refluxo  do  mar  ou 
O  Meohanismo  das  Marés  por  José  Joaquim  de  Gouyea,  offerta 
do  mesmo  senhor. 

Vida  do  Duque  de  PalmoUa  D.  Pedro  de  Souza  e  Holstein, 
por  Maria  Amália  Vaz  de  Carvalho  (volume  III). 

As  Religiões  no  Rio,  por  Paulo  Barreto  (João  do  Rio). 

Revista  da  Commissão  Archeologica  da  índia  Portugueza, 
volume  II,  ns.  11  e  12  (O  Oriente  Portuguez). 

Notas  Dominicaes  1816,  1817,  1818.  Traduzidas  do  manu- 
soripto  francez  inédito  por  Alfredo  de  Carvalho. 

Annuario  de  Minas  Geraes  de  1906. 

Anouario  Estatístico  de  S.  Paulo,  1002. 

Serviço  de  Estatística  Commercial  Importação  e  Exportação 
de  1904. 

Mitteilungen  der  Geographischen  Gesellschaítin  Múnchen 
Erster  Band  3  Heft. 

Revista  Marítima  Brazileira  n.  6. 

Boletim  da  Agricultura  pela  Secretaria  da  Agricultura  do  Es- 
tado de  S.  Paulo. 

Annuario  publicado  pelo  Observatório  do  Rio  de  Janeiro 
para  o  anno  de  1906,  anno  XXII. 

The  Instituto  of  Commercial  Research  in  the  Tropics  Li- 
verpool University. 

Qaarterly  Journal. 

Annaes    da  Bibliotheca  e  Archivo  Publico  do  Pará. 

Revista  Militar  n.  1  e  2. 

Revista  Marítima  Brazileira  n.  7  e  8. 

Revista  Commercial  e  Financeira  n,  538. 


364  REVISTA   DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Annales  dei  Museo  Nacional  de  México  Segunda  Época, 
tomo  Illn.  I. 

Revista  Mensal  de  la  Gamara  Mercantil  de  Avelaneda  (Boe- 
nofl  Ayres)  n.  67. 

Pelas  redacções  os  segnintes  Jomaes :  O  Reformador^ 
O  Sêeulo,  O  Jornal  do  Recife^  Diário  do  Rio  Grande^.  Portugal 
Moderno,  Correio  do  Pow, 

5»  SESSÃO  ORDINÁRIA  EM  30  DE  ABRIL  DE  1906 
Presidência  do  Sr.  Conselheiro  O.  H.  de  Aquino  e  Castro 

A'3  3  horas  da  tarde,  presentes  os  Srs.  Conselheiro  Aqaino  e 
Castro,  Marquez  de  Paranaguá,  Max  Fleiuss,  Rocha  Pombo, 
Eduardo  Marques  Peixoto,  Arthur  Guimarães,  Conde  de  Affonso 
Celso,  Dr.Manoel  Barata,  Conselheiro  Salvador  Pires,  Henrique 
Raffard,  Drs.  Manoel  Cicero,  Josó  Américo  dos  Santos  o  Antó- 
nio da  Cunha  Barbosa,  abre-se  a  sessSLo. 

Não  se  achando  presente  o  2o  Secretario,  Dr.  Alcibíades  Fur- 
tado, que  por  motiyo  Justo  deixa  de  comparecer,  o  Sr.  Presi- 
dente designa  o  Sr.  Rocha  Pombo  para  substitnil-o. 

O  Sr.  Rocha  Pombo,  servindo  de  2*  Secretario,  lè  a  acta  da 
sessão  anterior,  a  qual  é  sem  debate  approvada. 

O  Sr.  Presidente  diz  que  tem  a  communlcar  ao  Instituto  o 
fkllecimento  do  sócio  correspondente  Manoel  Barnabé  Monteiro 
Baena,  entrado  para  o  Instituto  em  3  de  novembro  de  1905. 

O  doloroso  acontecimento  foi-lhe  ha  pouco  participado  pelo 
prezado  consócio  Dr.  Manoel  Barata,  que  sobre  o  facto  forneceu 
as  seguintes  informações  : 

€  Snocumbio  também  ante-hontem,  3  de  abril  de  1906,  nesta 
capital,  victimado  por  um  accesso  palustre,  o  coronel  da  Guarda 
Nacional  Manoel  Barnabé  Monteiro  Baena,  nosso  estimável  con- 
cidadão e  um  dos  mais  hábeis,  intelligentes  e  dedicados  mem- 
bros da  burocracia  paraense,  de  que  uma  Justa  aposentadoria 
o  afastou  ha  alguns  annos  jã. 

«  O  coronel  Baena,  que  contava  63  annos  de  idade,  era  natu- 
ral des^fC  Estado,  filho  do  tenente-coronel  António  Ladisláa 
Monteiro   Baena,  autor  do  Compendio  das  Eras  da  Província  do 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE   1906  365 

Pará^  do  Ensaio  cTiorographieo  sobre  a  provinda  do  Pará  e  de 
outros  trabalhos,  e  sócio  correspondente  do  Institato  Histórico  e 
Geegraphico  BrazUeiro ;  e  de  D.  Maria  do  Carmo  Siqueira  Baeoa, 
já  fallecidos. 

cNo  passado  regimen  militara  nas  Aleiras  do  partido  conser- 
vador, em  cujo  seio  gozava  da  estima  dos  seus  correligionários. 

<  Proclamada  a  Republica,  flliou-se  ao  partido  republicano, 
tendo  sido  um  dos  mais  dedicados  o  idóneos  servidores  da  admi- 
nistração Sodr6,  na  qual  desempenhara  o  cargo  de  secretario 
do  Governo. 

€Era  um  espirito  cultivado  e  methodico  e  deira,  entre  outras 
obras,  uma  de  utilidade  gerai  —  o  índice  da  legislação  do 
Estado, 

«  Os  funeraes  do  Ulustre  paraense,  ctga  morte  enluta  uma 
das  mais  antigas  e  respeitáveis  famílias,  reaiixaram-se  hontem  À 
tarde,  sendo  bastante  concorrido.»  {Folha  do  Norte^  de  Belóm  do 
Pará,  5  de  abril  de  1906 . ) 

€  Manoel  Barnabé  Monteiro  Baena  deixou  os  seguintes  tra- 
balhos publicados  : 

€lnfàrmãções  sobre  as  comarcas  da  Propincia  do  Pard.(Pará, 
typ.  de  Costa  Júnior,  1883,  1  vol.) 

€  Índice  alphàbeUco  da  legislação  da  Província  da  Pará,  de 
1854  até  1880.  (Pará,  1880,  1  vol.) 

<  índice  alphabetico  da  legislação  da  Provinda  do  Pará  (de 
1880  a  14  de  novembro  de  1889,  (B^ém,  1865,  1  vol.) 

€lndice  alphabetico  da  legislação  do  Estado  do  Pará  de  (15  de 
novembro  de  1889  a  1893.  (Belém,  1894, 1  vol.)  Alóm  destes, 
deixou  inéditos  outros  trabalhos. 

€  Serviu  por  muitos  annos,  durante  a  monarchia,  na  Secre- 
taria do  Governo  provincial,  sendo  aposentado  depois  da  pro- 
clamação da  Republica  no  logar  de  director  geral  da  mesma 
secretaria.» 

O  Instituto  fiBus  inserir  na  acta  um  voto  de  profundo  pezar 
pelo  Mlecimento  do  digno  consócio. 

O  Sr.  Pleiufis,  1*  Secretario,  dix  que  o  ezpodiente  consta 
de  um  offiMo,  datado  de  25  do  corrente,  do  Sr.  general  Josó  de 
Siqueira  Menezes»  eommandante  gerai  da  Força  Policial,  olfero* 


d66  RBVIStA  DO  INSTITUTO  HISTOEIGO 

oendo  para  o  muflea  do  lastitato  &  Poria-janeUà,  rolgarmente 
conheoida,  da  Roda,  ezivtente  no  ediflcio  em  que  pof  longos  annos 
estoTe  installada  a  Cata  das  Eapotíos.  O  iDftituto  agradece 
essa  offerta. 

O  Sr.  Pnefidente  diz  qoe  reoebea  do  oonsoelo  Dr«  All)erto 
de  Carralho  o  seguinte  offlcio  s 

€  Bxm.  Sr.  Presidente  do  Instituto  Histórico  e  Qeographico 
Brazileiro^  Este  Instituto,  inspirado  sempre  nos  elevados  senti- 
mentos que  lhe  diotam  o  seu  amor  á  historia  e  as  soas  inolvidá- 
veis tradições,  dignou-se  prestigiar  com  o  seu  valioso  apoio  a 
suhscripção  que|o  Jornal  do  Commêrcio  tio  meritoriamente  ia- 
ioiou  a  (ávor  do  tumulo  de  Pedro  Alvares  Cabral,  cuja  ooQõerva- 
ção  deve  ser  amparada  por  um  verdadeiro  culto  nacional. 

<  No  intuito  de  chegar  a  um  resultado  pratieo,  parece«-me 
acertado  que  s^a  remettido  o  produotd  da  suhsorlpçfto  á  Socie- 
dade de  Geographia  de  Lisboa,  pedindo  áqutf  la  elevada  corpo* 
ração  scientiflca  que  se  digno  tomar  a  si  o  encargo  de  mandar 
preparar  «ooa  cercadura  de  mármore  ou  de  bronco,  que  sirva  do 
resguardo  &  pedra  tumular  que  fecha  a  campa  do  descobridor  do 
Brazil,  ezecutando-se,  porém,  a  obra  de  modo  a  n&o  ser  mo- 
dificado o  aspecto  primitivo  da  referida  campa,  tal  qual  existe 
desde  a  sua  fUndaçio,  porque  deve  ser  escrupulosamente  con- 
servada a  sua  feição  histórica. 

€  Espero  que  esta  soluçAo,  com  a  qual  está  de  «Moordo  a 
i  ilustrada  redacção  do  J&rnal  do  Commêrcio,  merecera  a  appra- 
vaçãode  V.  Ez.— Bxm.  Sr.  Conselheiro  Dr.  Olegário  Herculano 
de  Aquino  e  Castro,  Dignissimo  Presidente  do  Instituto  Histórico 
e  Geographico  Brasileiro.  » 

Rio,  25  de  abril  de  1906»  —  ^rio  de  Carpoího.^ 

O  Instituto  resolve  que  o  Sr.  Presidente  providencie  are- 
speito,  como  Julgar  mais  acertado. 

O  Sr.  Rocha  Pombo,  servindo  de  2*  Secretario,  lê  as  ofiertas. 
Nessa  oocasi&o  õ  Sr.  Presidente  entrega  o  IX  Tolnfiie  da  Oenea- 
logia  Paulistana,  do  Sr.  Dr.  Luiz  €k>nzaga  daSllva  Leme,  que 
lhe  foi  remettido  pelo  autor. 

O  Sr.  Presidente  di2  que  devendo  ser  pnMicados  no  Diário 
Of/kiai,  iram  dos  pfinieiroe  dlai  de  mes  prosúiMr  os  noves  E^* 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DB  1906         367 

tatiitos,  afiproTados  pela  Aasemblóa  Geral  de  9^16  do  corrente, 
flcam  eztinctos  as  Conunisaoes  sabsidiariaa  do  Historia  e  de  Qbo- 
graphia,  bom  como  as  de  pesí^uizas  de  Manusoriptoe  e  a  de  Bio- 
graphia,  passando  as  oatras  commiftsões  a  ter  cinoo  membros, 
de  aocordo  com  os  novos  Estatatos.  De  conformidade  com  a 
autorizaçfto  qne  lhe  foi  outorgada  pelo  art.  71  desses  estatutos, 
delibera  que  as  sete  commisãOes  permanentes  fiquem  consti- 
tuidas  do  seguinte  modo: 

Fundos  e  Orçamentos  —  Visconde  de  Ouro  Preto,  Dr.  José 
Américo  doa  Santos,  major  Belisario  Pernambuco,  Barão  de 
Paranápiacaba,  conselheiro  Salvador  Pires  do  C.  Albuquerque. 

Estatutos  ê  Redacção  -»  Conde  de  Affonso  Celso»  Capistrano 
de  Abreu,  Dr.  Alfredo  Nascimento,  Dr*  Manoel  Cioero  e  Max 
Fleiuss. 

Historia  —  Visconde  de  Ouro  Preto,  conselheiro  Cândido  dè 
Oliveira,  Dr.  Leite  Velho,  Dr.  Syivio  Romero  o  Joié  P.  da  Ro- 
cha Pombo. 

Qoographia  —  Marquez  de  Paranaguá,  Barão  Homem  do 
Mello,  Dr.  José  Américo  dos  Santos,  Arthur  GuimaríMs  e  Dr. 
Rodrigo  Octávio. 

Manuscriptos  ^  José  F.  da  Rocha  Pombo,  Barão  de  Paraná- 
pia4)aba,  Dr.  António  da  Canha  Barbosa»  Dr.  Manoel  Barata  e 
Eduardo  Marques  Peixoto . 

Etknoffraphia  o  Archeologia  -«-  Dr,  Syivio  Romero,  Dr.  Bar- 
bosa Rodrigues,  Dr.  Epitacio  Pessoa,  Dr.  Souza  Pitanga  e  Dr. 
Alcibíades  Furtado. 

AdnUssOo  de  sócios  —  Henrique  Raflkrd,  BariU>  de  Alenoar, 
Dr.  Manoel  Cioero,  Conde  de  Affonso  Celso  e  Dr.  Maneei  Bft* 
rata. 

O  Sr.  Fleiuss,  !<»  Secretario,  deve  communioar  ao  instituto 
que  ha  dias  convidou  os  Sos.  Drs.  J.  J.  Seabra  e  Leopoldo  de 
Bulhões,  dignos  Ministros  do  interior  «  da  Faienda,  para  verem 
o  adiantamento  das  obras  de  radical  tranaftmnaçfto  por  que  eetá 
passando  o  edifioio  do  instituto. 

O  Sr.  Dr.  Seabra  recebeu-o  com  a  delieadMa  que  lhe  á  pro* 
verbial,  e  terminou  diíeodo : 

—  «  09  se«borsi  eitio  íintWrtlne  oem  Jis  tímm  ? » 


368  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

€  Respondea-lhe  o  orador  que  8im»  qae  tado  corria  perfeiU- 
mente,  tanto  por  parte  do  distiocto  engenheiro  do  Minist  rio, 
Dr.  Franoisoo  Aagusio  Peixoto,  que  com  folicitade  acompa- 
nhava  os  trabalhos,  tanto  por  parte  do  architecto-constmctor 
Sr.  Miguel  Bruno.  —  «Pois  entfto,  volveu  o  digno  Ministro, 
estou  também  satisfeito  ;  desejo  que  tndo  se  fò/ga  de  accordo 
com  08  senhores.» 

€  O  Instituto  reconhecerá  que  não  se  podia  ser  mais  gentil. 

«  O  Sr.  Dr.  Leopoldo  de  Bnlh(Ses,  Ministro  da  Fazenda,  do 
cuja  amisade  o  orador  se  orgulha,  mareou  o  dia  24  do  oorrente, 
para  a  sua  visita. 

<  De  facto,  nesse  dia,  ás  10  horas  da  manha,  o  Sr.  Ministro 
da  Fasenda,  em  oompanhia  do  orador  dirigiu-so  ao  ediíloio  do 
Instituto,  examinando-o  com  o  empenho  que  só  o  verdadeiro 
interesBe  sabe  dlctar. 

«  Em  sua  demorada  visita  foi  o  Sr.  Dr.  Bulhões  também 
acompanhado  pelo  illustre  bibliotheoario  do  Instituto,  Dr.  Vi- 
eira Fazenda,  e  pelo  digno  engenheiro  do  Ministério  do  Interior, 
Dr.  Peixoto. 

«  Qrata  foi  a  impressão  causada  no  animo  do  honrado  esta- 
dista, que  novas  provas  deude  sua  protecção  ao  Instituto.» 

O  Sr.  Presidente  diz  que  o  Instituto  recebe  com  o  mais  espe- 
dal  agrado  estas  noticias. 

O  Sr.  Rocha  Pombo,  servindo  do  2"  Secretario,  lê  a  seguinte 
proposta  : 

€  Propomos  para  sócio  eíTectivo  do  Instituto  o  Sr.  Paulo 
Barreto,  natural  desta  cidade,  de  88  annos,  jornalista  e  literato, 
autor  de  diversas  obras,  entre  as  quaes  a  intitulada  Raigiões 
no  Rio^  já  offerecida  ao  instituto. 

Sala  das  sessOes,  90  de  abril  de  1906.—  Rocha  Pombo. 
—  Senripãe  Raffàrd.  —  Conde  de  Áffónso  Ceiio.  —  Arf&ur  Oti«- 
marOês.  -*  M.  fUiuu.>^  A*  Commissio  de  Historia,  relator  o 
Sr.  Dr.  Sylvio  Roméro. 

O  Sr.  Fleiuss,  !<>  Secretario,  lé  o  seguinte  parecer  da  Oom- 
missão  Subsidiaria  de  Historia  : 

€  A  Commissão  Subsdiaria  de  Historia  tendo  examinado  a 
memoria  maDUioripta,  apresentada  pelo  Sr.  Dr.  José  Pereira 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE  1906         369 

Rego  Pilho,  sobre  a  Viagem  do  paquete  Brasil,  e  á.  qual  acom- 
panhou ama  proposta  subsoripta  pelos  Srs.  Henrique  RaflBiftrd, 
Cunha  Barbosa,  Eduardo  Marques  Peixoto  e  Rocha  Pombo,  para 
ser  o  mesmo  Sr.  Dr.  Rego  admittido  como  sócio  correspondente 
do  Instituto,  é  de  parecer  que  o  trabalho  offerecido  reúne  as 
condições  precisas,  contendo  paginas  em  que  são  desoriptos  com 
fidelidade  e  brilho  alguns  pontos  do  litoral,  estudados  também 
quanto  á  sua  parte  histórica  e  geographica. 

€  Assim,  pensa  a  Gommissâo  que  o  Sr.  Dr.  Josó  Pereira  Rego 
Filho  pôde  ser  eleito  sócio  correspondente  do  Instituto. 

Rio,  28  de  abril  de  1906.  —  If.  Fleiust.  relator.  —  Conde 
de  Affonso  Celso.  —  Rocha  Pombo, "k 

^  B'  approvado  e  remettido  À  Gommissfto  de  Admissão  de 
Sócios,  relator  o  Sr.  Dr.  Manoel  Barata. 

Gorrendo-se  o  escrutínio,  para  vota^  do  parecer  da  Gom- 
missâo de  Admissão  de  Sócios,  lido  na  ultima  sessão  e  relativo 
a  Monsenhor  D.  Júlio  Tonti,  Núncio  Apostólico  de  Sua  Santi- 
dade no  Brazil,  é  o  mesmo  approvado  por  unanimidade  de  votos 
e,  aoto  continuo  o  Sr.  Presidente  proclama  D.  Júlio  Tonti  sócio 
honorário  do  Instituto  Histórico  e  Geographico  Brazileiro. 

O  Sr.  Fleiuss,  H  Secretario,  communica  que  o  Sr.  Dr.  Leo- 
poldo de  Bulhões,  Ministro  da  Fazenda,  mandou  fornecer  ao 
Instituto  08  volumes  que  fkltavam  da  colleogão  de  Leis* 

O  Sr.  Presidente  diz  que  o  Instituto  muito  agradece. 

Nada  mais  havendo  a  tratar,  levanta-se  a  sessão  &s  4  horas 
da  tarde. 

Rocha  PombOy 
servindo  de  2^  Secretario. 

OFFEHTAS     APRBSRNTADÂS  NA  5»    SBSSiO  ORDINÁRIA,    EM    30  DE 
ABRIL   DE    190Ô 

Pela  Repartição  de  Estatística  e  do  Archivo  de  S.  Paulo  — 
Annuario  Estatístico  de  S.  Paulo  (  Brazil )  1903. 

Pelo  Dr.  João  Luiz  Alves  —  Tarifadas  AlfaiUdegas  de  1905 
e  1906. 

4323  —  24  Tomo  lxix.  p.  ii. 


370  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Pelo  Dr.  MiniDg03  Jagra&ribe—  Radiação  dos  Efílu^ios  Hu- 
manos. Estudo-^  Psyehologih  Physiologica,    1«  6  S»  fascicalos* 

Pelo  Dr.  Alfredo  de  Garvalho  —  Phrases  $  Paksoras. 

Pelo  Coronel  Fernando  Alvares  da  Costa  ^  La  PaUs  eí 
l'Union  OniverseUe, 

Pelo  professor  Dr.  Hermann  von  Ihering  —  The  AfUhropo- 
logy  ofihe  State  of  S.  Paulo^  Brasil. 

Pelas  redacções  os  Revistas  seguintes :  Revista  Medioo- 
Cirargica  do  Brazil  n.  3  do  anno  de  1906. 

Revista  Commereial  Pinanoeira  n.  544  do  anno  1906. 

Periódico  mensal  —  O  Trabalho  —  pela  Assooiaoão  da  Egreja 
Evangélica  Brazileira  n.  3  do  anno  1906. 

Pelo  Apostolado  da  Fé  —  o  Boletim  semanal  Orujsada  n.  31 
do  anno  de  1906. 

Pela  Maçonaria  Braiilelra  —  o  Boletim  do  Grande  Oriente  do 
BrasU  n.  1  do  anno  de  1906. 

Pelo  International  Barean  of  the  American  Republics  — 
Mònthly  BuUetin. 

Par  la  Chambre  de  Commeroe  de  UAmérique  Latine  à 
Paris  —  Les  Bulletins  n.  8,  em  duplicata,  do  anno  de  1906. 

Pela  Societél  QeograAca  Italiana  —  BoUetlno  n.  4  do  anno 
de  1906. 

Pela  Geographisohen  Goeellsohaft  in  Bremen  —  o  Deutsche 
OeograpIUsche  Blâíter^  n.  1  do  anão  do  1906. 

O  n.  3  do  Zeitschrift  der  Gesellschaft  fur  Erdkunde  2u 
Berlim. 

Pelas  redacções,  os  jornaes  seguintes :  Jornal  do  Recife^ 
O  SeeulOf  Portugal  Moderno,  Mala  da  Europa  08  ns.  23,  26  e  28, 
Correio  do  Povo, 

N.  2  de  Los  Anales  dei  Museu  Nacional  de  México  -»  Se. 
gundaE*poca. 

Pelo  Sr.  Luiz  Gonzaga  da  Silva  Leme  — >  o  9<»  volume  da  G0. 
nealogia  Paulistana. 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE   1906  371 

6»  SESSÃO  ORDINÁRIA  EM  14  DE  MAIO  DE  1906 
Presidência  do  Sr,  Conselheiro  O,  H,  dê  Aquino  e  Castro 

A's3  horas  da  tarde,  presentes  os  Srs.  Conselheiro  Aquino 
e  Castro»  Barão  Homem  de  Mello,  Max  Fleiuss,  Alcibíades 
Furtado,  Arthur  Quimarães,  Rocha  Pombo,  Eduardo  Marques 
Peixoto,  Dr.  Manoel  Barata,  Conselheiro  Salvador  Pires,  Dr. 
Alberto  de  Carvalho,  Belisario  Pernambuco,  Dr.  Josô  Américo 
dos  Santos  e  Dr.  A.  da  Cunha  Barbosa,  abre-se  a  sessão. 

O  Sr.  Furtado,  â»  Secretario,  lô  a  acta  da  sessão  anterior, 
a  qual  ó  sem  debate  approvada. 

O  Sr.  Presidente  communloa»  nos  seguintes  termos,  o  fal- 
lecimento  do  soclo  bemfeitor  o  Sr.  Visconde  de  Rodrigues  de 
Oliveira  :  <  Senhores.  A  infausta  noticia,  que  inesperadamente 
chegou-nos,  de  haver  fallecido  o  nosso  distiocto  consócio  Sr. 
Visconde  de  Rodrigues  de  Oliveira,  a  6  do  corrente,  em  Paris, 
veio  augmentar  o  numero,  infelizmente  já  crescido,  de  sau- 
dosos companheiros  arrebatados  pela  morte,  no  desastroso  anno 
que  corre. 

«  Não  só  pela  sua  illustração  e  patriotismo  revelados  em  seus 
importantes  trabalhos  de  reconhecido  valor  para  a  nossa  his* 
toria,  especialmente  áobre  as  condições  económicas  e  financeiras 
do  Brazil,  como  pelo  extremoso  apreço  que  votava  ao  Instituto 
Histórico,  por  mais  de  uma  vez  beneficiado  com  os  valiosos 
auxilies  que  lhe  foram  generosamente  prestados,  recom- 
mendou-se  o  nosso  finado  sócio  bemfeitor  á  estima  e  gratidão  do 
Instituto,  que  hoje  com  o  paiz  deplora  a  perda  do  servidor  pres- 
tante e  dedicado.» 

O  Instituto  Histórico,  como  é  de  rigoroso  dever,  faz  inserir 
na  acta  da  presente  sessão  um  voto  de  profundo  pezar  por  tão 
lamentável  acontecimento. 

O  Sr.  Fleiuss,  1»  Secretario,  diz  que  o  expediente  consta 
do  seguinte  ofiScio  do  Sr.  Núncio  Apostólico  : 

€  Petrópolis,  le  4  Mai  1906.  —  Monsiour  le  Secrétaire 
de  rinstitut  Historique  et  GéographiqueBrésilien.  J'ai  Thonneur 
d'accuser  réception   da  diplome  me  nommant  membre  honno- 


372  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

rairede  1' Institui  Historiqae  et  Qéographique  Brésiiien  qui 
m'a  été  remis  par  Mr.  le  Comte  AíFonso  Celso,  oomme  V.  E. 
me  rannoDcait  dans  soa  office  da  2  oourant.  Ne  oomiaissant 
pas  de  posseder  aucan  titre  qae  poarait  moriter  cette  haute 
distiaction,  jesuls  d^aatant  pias  touchó  et  profondement  confonda 
du  tómoignage  de  sympathie  qu'oQt  bien  voulu  me  doimer  4 
ronanimité  las  membrês  de  rioatititut  dans  la  séance  da  30 
Avril  dernier. 

<Je  prie  V.  E.  d'ôtre  Tinterprôte  de  ma  plus  vive  reconuais- 
saDoe  auprès  des  membres  de  Tlostitut  et  leâ  assurer  qae  je  suis 
toate  entier  á  leur  dispositlon.  Remeroiant  V.  £.  de  la  com- 
munioation  que  m'a  adressó  en  termos  aassl  lionoriflqaes,  je  la 
prie  d'agréer  rassurance  de  mapiui  haute  ooosideratlon.— 
*  JUUH,  Arche^que  d'Aneyre,  Nonee  AposMique^  A'  S.  E.  MOD- 
sieur  Mai  Pleiuss,  Premier  Seorétairc  de  Tlastitat  Historiqae 
et  (féograpbique  Brésiiien.» 

O  Sr«  Presidente  diz  que  o  Instituto  fica  inteirado. 

O  Sr.  Conselheiro  Salvador  Pires  diz  que,  em  vista  do  oon* 
▼ite  que  recebeu  do  1«  Secretario,  representou  o  Instituto  His- 
tórico na  sessão  magna  eflèctuada  pelo  InsUMo  da  Ordem  das 
Advogados  BroMileiros  em  homenagem  á  memoria  do  Sr.  Barão 
de  Penedo. 

O  Sr.  Rooha  Pombo  justidca  a  falta  de  comparecimento  do 
Sr.  Marquez  de  Paranaguá. 

O  Sr.  Presidente  diz  que  o  Sr.  Dr.  Josó  Carlos  Rodrigues, 
digno  director  do  Jornal  do  Commercio^  acaba  de  enviar-lhe  a 
quantiade:2í:436$300,  priMluoto  da  subscripção,  promovida  por 
aquella  folha,  para  a  conservação  do  tumulo  de  Pedro  Alvares 
Cabral,  ein  Santarém,  quantia  esta  que  é  immediatameute  en- 
tregue ao  Sr,  Thesoureiro  do  Instituto  para  ser  remettida  á 
Sociedade  de  Geographia  de  Lisboa^  afim  de  ter  a  applicacão  de- 
vida e  conforme  a  proposta  apresentada  pelo  consócio  Dr.  Al- 
berto de  Carvalho. 

Fica  também  o  mesmo  Dr.  Alberto  de  Oarvalho,  incumbido 
pelo  Instituto  de  mandar  preparar  a  cruz,  que  será  de  pãu 
Brazil,  para  guarnecer  o  tumulo  de  Cabral. 

Agradece  o  Sr.  Presidente  os  esforoos  do  Jornal  do  Com^ 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE  1906         373 

fnercio  e  informa  que  ao  seu  directop  yai  dirigir  o  segainte 
offlcio,  também  assignado  pelo  !•  Secretario:  <  Rio  de  Jiuieiro, 
14  de  maio  de  1906.— Illm.  Exm.  Sr.  Dr.  Josó  Carlos  Rodiigues, 
M.  D.  Director  do  Jornal  do  Commm^cio— Aocusamos  recebida  a 
quantia  de  doua  contos  quatrocentos  e  trinta  e  seis  mil  e  ire- 
sentos  réis,  produoto  da  subscrip^  promovida  pelo  Jornal  do 
Commercio  para  a  conservação  do  tumulo  de  Pedro  Alvares 
Cabral,  em  Santarém,  e,  em  nome  do  Instituto  Histórico  e 
Geographico  Brazileiro,  agradecemos  os  serviços  prestados  pelo 
mesmo  Jornal  a  este  respeito.» 

O  Sr.  Dr.  Alberto  de  Carvalho  agradece  a  intervenção 
do  Instituto  nessa  questão. 

O  Sr.  Fartado,  2^  Secretario,  lê  a  seguinte  proposta^  que  6 
por  unanimidade  approvada:  «  Completando-se  a  1  de  junho  de 
1908  o  centenário  da  publica(^  do  Correio  Brasiliense  e  tendo 
sido,  sem  contestação,  esse  o  primeiro  jornal  brasileiro  na  ordem 
ohronologica  e  no  valor  moral,  pela  influencia  que  exerceu  na 
época  em  que  vio  a  luz,  propomos  que  o  Instituto  nomeie  uma 
commissão  que  organizará  uma  bibliographia  do  periodo  his- 
tórico, 1808-182^,  em  que  floresceu  aqueUe  jornal,  oommomo- 
rando-se  por  essa  forma  duradoura  e  utll  a  memoria  de  Hyppo- 
lito  da   Costa  Pereira. 

Rio,  14  de  maio  de  1906. — Alcibíades  Furtado.-^RocTia  Pombo. 
-^Homem  de  Mello. — Eduardo  Marques  Peixoto, — Manoel  Barata, 
— Max  fleiuss,> 

O  Sr.  Presidente  nomeia  para  compor  acommis«u>  os  Srs. 
Alcibíades  Furtado,  Barão  Homem  de  Mello,  Drs.  Manoel  Ba- 
rata, Manoel  Cicero  e  Rocha  Pombo. 

O  Sr.  2o  Secretario  lé  as  offertas,  entre  as  quaes  se  destaca 
a  que  ô  feita  pelo  Sr.  Manoel  Barata,  do  tGlossario  Paraense», 
por  Vicente  Chermontde  Miranda. 

O  Sr.  Fleiuss,  1^  Secretario,  diz  que,  por  sen  intermédio, 
o  Sr.  Conselheiro  Laílskyette  Rodrigues  Pereira  acaba  de  fazer 
ao  Instituto  importante  donativo,  composto  das  obras  que  abaixo 
se  seguem  e  de  uma  das  mascaras  de  Napoleão  I,  feitas  em  gesso 
pelo  Dr.  Francisco  Antommarchi,  em  Santa  Helena,  horas 
depois  da  morte  do  grande  Capitão  do  século  XIX. 


374  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Essa  mascara  foi  offerecida  por  elevado  personagem  ao 
Sr.  Oonselheiro  Lafdyette. 

A  propósito  lô  o  Sr.  Pleiuss  um  artigo  publicado  no  Matin 
6  do  qual  se  prova  que  Antommarchi  preparou  uma  centena 
de  exemplares  da  mascara  em  bronze  e  um  numero  mais  ou 
menos  igual  em  gesso,  trazendo  todos  a  sua  assignatara,  que  se 
lè  no  exemplar  offerecido  ao  Instituto. 

As  obras  foram  as  seguintes: 

<  Le  Qénie  du  Christianisme,  par  Mr.  Le  Vicomte  de  Ghateau- 
briand»,  ediçfio  de  1846,  dous  volumes  com  uma  carta  auto- 
grapha  do  autor,  datada  de  Pariz  a  4  de  sotembro  de  1836, 
oollada  na  folha  de  rosto  do  1»  volume. 

— €  Histoire  de  la  Restauration,  par  Louis  de  Viel-Castel», 
edi^o  de  1860,  pertencente  ao  Príncipe  Luiz  Napoleão,  cojo 
carimbo  se  lô  nas  primeiras  paginas. 

— c  Notitia  Orbis  Antiqué  Sive  Geographie  Plenior»,  par 
Christophones  Cellarins,  cdíQfto  de  Leipzig— 1773,  pertenceu 
ao  celebre  c  Hellenista  d^Ausse  de  Villoison  >. 

O  Sr.  Presidente  dix  que  o  Instituto  recebe  com  especial 
praxer  tão  valiosas  offertas. 

Levanta-se  a  sesisao  ás  4  horas  da  tarde. 

Alcibiades  FUrtado^ 
2«  Secretario. 

OFmiTAS  APRESENTADAS  EM  SISSlO  ORDINÁRIA    DE  14  DE  MAIO 

DE  1906 

Pelo  sooio  Dr.  Manoel  Barata  —  «Glossário  Paraense»  pe- 
culiar á,  Amaxonia  e  especialmente  á  ilha  do  Marajó,  por  Vicente 
Chermont  de  Miranda. 

Pelo  sooio  Julius  Meili  —  Das  Brasilianisohe  Geldwesen  von 
Jnlius  Meili. 

Pelo  Conselheiro  Lafayette  Rodrigues  Pereira  — «Le  Génie 
du  Christianisme  de  Chateaubriand»  2  volumes. 

Pelo  mesmo  senhor  —  «Histoire  de  la  Restauration  de  Viei 
Castel»  8  volumes  ftiltando  1  para  completar  a  obra. 


ACTAS  DAS  SBSSOBS   DE    19Q6  375 

Pelo  mesmo  senhor  —  «Notitia  Orbis  Antiquô,  Sive  Qeogra- 
phie  Plenior,  eto.»,  par  Cellarins,  2  volumes. 

Pelo  Mosea  Qoeldi  ~  Relação  das  Publicações  Soientillcas 
(Pará). 

Pelo  Maseo  Qoeldi  (Musea  Paraense)  de  Historia  Natural  e 
Ethnographia  —  Boletim  n.  4. 

Pela  Associação  Commercial  do  Rio  de  Janeiro  —  os  Boletins 
ns.  18  e  19. 

Pela  Real  Sociedad  Geognratflca  de  Madrid  —  «BoleUn». 

Par  la  Societé  Khédiviale  de  Géographie  á  le  Caire  —  «Bo- 
ietin». 

Par  la  Societé  de  Géographie  Commerciale  de  ( Bor- 
deauz )  —  c  Boletin  ». 

Pela  Estatística  Demographo-Sanitaria  da  cidade  do  Rio  de 
Janeiro—  cBoletim  Mensal». 

Pela  Real  Academia  de  la  Historia  de  Madrid  —  «Boletin». 

Pela  Directoria  de  Agricultura  Viação,  Industria  e  Obras 
Publicas  do  Bstado  da  Bahia  »-  «Boletim». 

Pelo  Apostolado  da  Fé  —  «Cruzada»  e  os  Boletins  semanaes 
ns.  32  e  33. 

Pela  Academia  Poly  technica  do  Porto  —  Annaes  Scientiílcos. 

Pelas  respectivas  Redacções  as  seguintes  Revistas:  «Re- 
vista Commercial  Financeira»  ns.  545  e  546. 

Pela  1»  secção  do  Estado-Maior  do  Exercito  —  «Revista  Mi- 
litar». 

Pela  Real  Academia  de  Sciencias  de  Madrid  —  A  «Revista» 

Pelo  Pantheon   Pedagógico  —  «Revista  Didáctica». 

Pelo  Oriente  Português  —  «Revista»,  29  e  3^  volumes. 

Pelo  Centro  de  Sciencias  Letras  e  Artes  de  Campinas  —  «Re- 
vista». 


7»  SESSÃO  ORDINÁRIA  EM   S8  DE  MAIO  DB  1906 
Presidência  do  Sr.  Conselheiro  O.  H.  de  Aquino  e  Castro 

A's  3  horas  da  tardo,  presentes  os  Srs.  Conselheiro  Aquino 
&  Castro,  Marquez  de  Paranaguá,  Barão  Homem  de  Mello,  Vis- 


876  REVISTA  DO  INSTITUTO   HISTÓRICO 

conde  de  Ouro  Preto,  Max  Pleiuss,  Alcibíades  Fartado,  Desem- 
bargador Souzji  Pltan^^a,  Arthur  Guimarães,  Rocha  Pombo» 
Dr.  Manoel  Cicero.  Dr.  Marques  Pinheiro,  Dr.  Alberto  de  Car- 
yalho,  Dr.  A.  da  Cunha  Barbosa,  Muardo  Marques  Peixoto, 
Conselheiro  Salvador  Pires  de  Carvalho  e  Albuquerque,  Dr.  José 
Américo  dos  Santos  o  Carlos  Lix  Kiett,  abre-sc  a  sessão. 

O  Sr.  Furtado,  2^  Secretario,  lô  a  acta  (ia  sessão  anterior, 
a  qual  6  approvada  sem  discus^^ão. 

O  Sr.  Fleiuss,  1°  Secretario,  diz  que  o  expediente  oonsta  de 
uma  carta  do  Sr.  Dr.  Arrojado  Lisboa,  na  qual  este  distincto 
profissional  diz  que  tem  em  mão  o  traballio  do  eminente  con- 
sócio Dr.  Orville  Derby,  a  que  o  orador  já  se  referiu .  Assim, 
na  próxima  ses>ão  podo  ser  lido  o  mesmo  trabalho. 

O  Sr.  Furtado,  á"  Secretario,  lô  as  offertas. 

O  Sr.  Presidente  diz  qu(s  pela  publicação  em  uma  folha  da 
tarde  e  por  lhe  dizerem  que  se  acha  affixado  nas  portas  de 
todos  os  órgãos  da  imprensa,  sabe  ter  falleoido  hoje  o  V(>ne- 
rando  consócio  honorário  Sr.  Visconde  de  Barbaoena,  que,  na 
ordem  chronologica,  era,  entre  os  ac.uaes,  o  29  sooio  do  Insti- 
tuto, pois  fôra  admittido  a  12  de  agosto  de  1841 . 

A'  individualidade  deste  patrício,  operoso  e  emprehen- 
dedor,  refere-se  o  Sr.  Presidente  com  palavras  repassadas  de 
sentimento . 

«Termina  dizendo  qae,  de  aooôrdo  com  o  art.  64  dos  esta- 
tutos, propõe  se  lance  na  acta  um  voto  de  p.^zar  pelo  lutuoso 
acontecimento  o  mais  que,  se  achando  insepulto  o  corpo  do  pre- 
zado consócio,  seja  levantada  a  sessão,  conforme  os  procedentes. » 

liStdLS  propostas  são  unanimemente  approvadas;  e  o  Sr.  Pre- 
sidente suspendo,  acto  continuo,  a  sessão,  marcando  outra  para 

dahi  a  15  dias. 

Alcibíades  Ftiriado, 

2°  Secretario. 

OFFERTAS    APRESENTADAS  NA  SESSÃO    ORDINÁRIA  DE  28  DE   MAIO 

D£     1900 

Pela  Academia  Nacional  do  la  Historiado  Caracas—  Do- 
eumentos  para  los  Anales  de  Venezuela  (tomos  1  a  7). 


ACTAS  DAS  SBSSÕBS  DB  1906         377 

Pela  Academia  Nacional  de  la  Historia  de  Caraoas  — Prd- 
logo  a  los  Anales  de  Venezuela  (ediciÔQ  oficial). 

Pela  Academia  Nacional  de  la  Historia  de  Caracas  -~  Dis-» 
curso  dei  Doctor  J.  P.  Rojas  Paul. 

Pela  Academia  Nacional  de  la  Historia  de  Caracas  ^  Es» 
tatutos  y  Regiamente  de  esta  corporaoidn. 

Pelo  Sr.  Pereira  da  Costa  —  Noticia  Bioçraphica  do  Br.  Ast^ 
toniode  Moreis  Silva, 

Pelo  Sr.  Henrique  Coelho  —  O  Poder  Legislativa  e  o  Poder 
Súsecutivo  no  Direito  Publico  Bratileiro. 

Por  The  Operations,  Expenditures,  and  Cooditions  of  the  la- 
stitutions  for  the  Year  Ending,  June  30,  1904  —  Annual  Report  of 
the  Board  o f  Regente  ofihe  Smithsonian  Institution, 

Pelo  Sr.  Octaviano  Guilherme  Ferreira  —  Eoras  Vagas. 

Pelo  Exm.  Sr.  Dr.  José  Joaquim  Seabra,  Ministro  da  Jus- 
tiça e  Negócios  Interiores  —  Relatório  da  Força  Polieial  do  Dis- 
tricto  Federal, 

Relatórios  da  Presidência  da  Provineia  do  Amazonas  desde 
a  sua  creação  até  a  proclamação  da  Republica. 

Pelo  Musôo  Nacional  do  Mexioo  ^  Anales,  do  mesmo. 

Pela  Société  Internationale  dé  Science  Socialo  —  B%Uletin, 
íásciculos  âg,  23  e  24. 

Pela  Repartição  da  Carta  Marítima  -—  Boletim  das  Obser^ 
vagões  Meteorológicas^  ns.  8  e  9. 

Pela  American  Qeographical  Society  —  BulMin^  ns.  3  e  4. 

Pela  Assjciação  Commercial  do  Rio  de  Janeiro  —  BoMim^ 
da  mesma,  n.  dO. 

Pelo  Apostolado  da  Wé  — Cruzada,  boletim  semanal,  n.  34. 

Pela  Sociedade  de  Geographia  de  Lisboa  —  Boletim^  ns.  1  e  8, 

Polas  respectivas  redacções  : 

Revista  Didáctica,  n.  1. 

Revista  Gommercial  Financeira,  ns.  547  e  548. 

Pela  Bibliotheca  da  Miirinha  —  Revista  Marítima  Brazileira 
n.  9. 

Pelo  Instituto  Polytechnico  Braziieiro  —  Revista,  tomo  31* 

Pelo  Instituto  Histórico  e  Geographico  do  Rio  Orando  do 
Norte  —  Revista,  n.  1. 


378  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Pelas  redacções,  os  jornacs  seguintes :  Jornal  do  Reeifê^ 
Correio  do  Povo^  Portugal  Moderno,  VE*to\le  du  Sud^  Diário 
Official,  do  Amazonas. 


8«    SESSÃO  EM  13  DE  JUNHO  DE  1906 
Presidência  do  Sr,  Conselheiro  O.  H,  de  Áquiné  e  Castro 

A*s  tres  horas  da  tarde,  presentes  os  Srs.  Conselheiro  Aquino 
e  Castro,  Marquez  de  Paranaguá,  Bar&o  Homem  de  Mello,  Vis* 
conde  de  Ouro  Preto,  Max  Fleiass,  Alcibíades  Furtado,  Desem- 
bargador Souza  Pitanga,  Arthar  Quimar&esi  Dr.  Manoel  Barata, 
Dr.  Pandià  Calogeras,  Dr.  Manoel  Cícero,  Rocha  Pombo  a 
Dr.  Alberto  de  Carvalho,  abre-se  a  seasão. 

O  Sr.  Furtado,  2^  Secretario,  lè  a  acta  da  sessão  anterior, 
a  qual  óapprovada  sem  discussão. 

O  Sr.  Fleiuss,   1»  Secretario,  lô  o  seguinte  expediente: 

AyIso  do  Ministério  da  Justiça  e  Negócios  Interiores,  de  15 
de  maio  ultimo,  remettendo  cópia  de  um  aviso  do  Ministério 
das  Relações  Exteriores,  acompanhada  do  projecto  da  creaçio 
de  uma  associação  internacional  que  tem  por  objecto  o  estudo 
dasregiOes  polares.  —  A*  Com  missão  de  Oeographia,  relator  o 
Sr.  Barão  Homem  de  Mello. 

Offldo  do  iQstituto  Histórico  e  Geographico  Paranaense, 
datado  de  28  de  maio  ultimo,  commanicando  a  sua  reorgani- 
za<^  e  nova  directoria.  —  Inteirado. 

Offlcio  do  Sr.  General  Commandanto  Qeral  da  Força  Policial 
do  Districto  Federal,  datado  de  1  do  corrente,  enviando  para  o 
archivo  do  Instituto,  cópia  da  acta  lavrada  por  ocoasião  do  lan- 
çamento da  pedra  fandamental  do  ediflcio  que  está  sendo  cons- 
truído á  rua  Barão  de  Mesquita,  para  quartel  regional  da  mes- 
ma Força.  —  Agradece-se  e  vai,  para  os  fios  devidos,  &  Secre- 
taria. 

Cartado  Sr.  Ministro  do  Brazil  em  Londres,  datada  de  11 
de  maio,  a  propósito  da  restauração  do  livro  Explieaeion  dei 
Catêoiimode  Restivo.--  A'  Secretaria,  para  providenciar  oppor- 
tunamente. 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE  1906         379 

O  Sr.  Furtado,  ^  Secretario,  lê  as  ofl^rtas. 

O  Sr.  Fleiuias,  I<>  Secretario,  lô  as  seguintes  propostas  : 

«  Propomos  para  sócio  effeciivo  do  Instituto  Histórico  e 
Geographico  Brazileiro  o  Sr.  Dr.  Josô  Carlos  Rodrigues,  nascido 
em  Cantagallo  (Estado  do  Rio  de  Janeiro)  a  19  de  jultxo  de  1844, 
formado  pela  Faculdade  de  Direito  de  S.  Paulo  em  1864,  antigo 
e  provecto  jornalista,  actual  director  do  Jornal  do  Commercio. 
Homem  do  yerdadeiros  méritos  intellectuaes,  o  Sr.  Dr.  Josô 
Carlos  Rodrigues  tem  publicado  varias  obras  que  vantajosa- 
mente o  coUocam  em  o  numero  dos  nossos  mais  illustros  histo- 
riographos,  mas  para  o  cumprimento  do  dispositivo  do  art.  6 
dos  Estatutos  especializaremos  o  seu  trabalho  denominado 
— Religiões  Acaiholicas  no  Brazil  —  1500-1900  impresso  no  Livro 
do  Centenário^  e  depois  tirado  em  avulso,  de  que  o  autor  offe- 
receu  um  exomplar  ao  Instituto. 

«  Alóm  do  mais,  o  Sr.  Dr.  Rodrigues  é  talvez  hoje  o  maior 
bibliophilo  brazileiro,  possuindo  exemplares  raríssimos  da  nossa 
Historia  e  da  nossa  Geographia,  a  cujos  estudos  se  dedica  com 
extraordinária  solicitude. 

<  Será,  portanto,  um  acto  de  justiça  admlttir  em  nosso  gré- 
mio quem  dispõe  de  tão  apurados  méritos.  Rio  do  Janeiro,  22 
de  maio  de  1906.  *  Moa}  Fleiuss^  Aleibiades  Furtado^  Pandiá 
Calogerasy  Manoel  Cicero^  Conde  de  Affonso  Celso^  Barão  Homsm 
de  Méllo^  F.  B.  Marqvies  PinJieiro^  Visconde  de  Ouro  Preto  ^  José 
Américo  dos  Santos,  Rocha  Pombo^  A,  da  CunTuí  Barbosa,  Eduar» 
do  Marques  Peixoto^  Arthur  Ouimarães,  Salvador  Pires  de  Car- 
valho e  Albuquerque,  Alberto  de  Carvalho,  Leopoldo  de  Bulhões, 
Henrique  Raffard  e  Manoel  Barata. i^-^X'  Gommissão  de  Historia, 
relator  o  Sr.  Ck>n8elheiro  Cândido  de  Oliveira. 

«  Propomos  para  sooio  correspondente  do  Instituto  Histórico 
e  Geographico  Brazileiro  o  Sr.  Dr.  Luiz  António  Ferreira  Gual- 
berto»  natural  da  Bahia,  com  48  annos  de  idade,  formado  pela 
Faculdade  de  Medicina  da  Bahia, em  1883,  Deputado  Federal  por 
Santa  Catharina,  servindo  do  base  desta  proposta,  nos  termos 
do  art.  7^,  §  \\  dos  estatutos,  o  seu  trabalho  -^Prisões  clandes- 
tinas  (século  XVIII),  Dr.  Josô  de  Mascarenhas  Coelho  Pacheco 
Pereira  de  Mello,  offerecido  em  manosoripto  ao  Instituto. 


380  REVISTA  DO  IMSTITUTO    HISTÓRICO 

Rio  de  Janeiro,  12  de  janho  de  1906.—  Manoel  Barata. — 
Max  FMus9, —  Pandid  Calogeras, —  AJeibiadeM  Furtado.  »  —  A* 
OommiasSo  de  Historia,  relator  o  Sr.  Visconde  de  Ouro  Preto. 

O  Sr.  Visconde  do  Ouro  Preto  justifica  a  seguinte  proposta: 

«  Propomos  para  sócio  effectivo  do  lostituto  Histórico  e 
Oeographioo  Brasileiro  o  Sr.  Almirante  Arthur  Jaceguay,  ser- 
vindo de  titulo  para  sua  admissão  as  importantes  obras:  Quatro 
sêcutos  de  actividade  marUima^  Portugal  e  Brasil  e  Sntaio  histó- 
rico daCtenesis  e  desenvolwmento  da  Armada  Nacional, 

Sala  das  sessSes,  12  de  junho  de  1900.  —  Visconde  de  Ouro 
Preto.—  A.  F.  de  Sousa  Pitanga, —  Alberto  de  Carvalho. — 
Barão  Homem  de  Mello.^  Maa  Fleiuss.>—  A*  Commissto  de  His^ 
toria,  relator  o  Sr.  Dr.  Sylyio  Roméro. 

O  Sr.  Desembargador  Pitanga  justifica  a  seguinte  proposta: 

<  Propomos  para  sócio  correspondente  do  Instituto  Histórico 
e  Qeographlco  Brasileiro  o  Bxm.  e  Rerm.  Sr.  Bispo  do  Pará, 
D.  José  Marcondes  Homem  de  Mello,  prelado  de  altas  virtudes 
e  illustra^o  comprovada  por  vários  trabalhos  literários,  in- 
clusive pela  narrativa  illustrada  sobre  Nossa  Senhora  da  Appa- 
reoida,  em  S.  Paulo,  hoje  uflereoida  ao  Instituto. 

Rio  de  Janeiro,  12  de  junho  de  1906. — A.  J^.  de  Sousa 
Pitanga. —  Alberto  de  CanHilho. —  Marques  de  Paranaguá. — 
Pandid  Calogeras.^  Rocha  Pombo.—  Arthur  Guimarães.  —  Vis- 
conde de  Ouro  Preto—  A'  Commfss&o  de  Historia,  relator 
o  Dr.  Leite  Velho. 

O  Sr.  Visconde  de  Ouro  Preto  pede  a  palavra  para  justificar 
a  seguinte  proposta,  que  é  approvada: 

<  Propomos  que  sejam  compilados,  para  a  devida  puUiea^ 
na  Revista  do  Instituto,  os  trabalhos  que  sobre  a  historia  desta 
Capital  tem  dado  a  lume  o  nosso  illostrado  Bibliotheoario 
Dr.  José  Vieira  Flisenda. 

Rio,  12  do  junho  de  1906.^  Visconde  de  Ouro  Preto.—  Ma- 
noel Barata.-^  Moa  Fleiuss.^^A*  Gommissao  de  RedaoQão,  relator 
o  Sr.  Dr.  Manoel  Cícero. 

O  Sr.  Fleiuss,  1«  Secretario,  lê  os  seguintes  pareceres: 
Da  Commistão de  historia:  <  Os  escriptos  do  Sr.  Conselheiro 
Bernardino  Luis  Machado  Quimarftes,  que  me  foram  presentes  e 


ACTAS  DAS  SBSSÕES  DB    ld06  .  381 

qud  examinei  com  atiençao,  pareoem^me  de  alto  valor  para 
justificar  a  proposta  de  admissão  desse  senhor  como  sooio  cor« 
respondente  do  Inatituto. 

<  Vôm  de  longa  data  estimados  trabalhos  do  illustre  professor 
da  Universidade  de  Ck)imbra,  relatlvoe  a  diversos  ramos  de  in- 
struc<^  desenvolvidos  desde  1882  ató  1900,  oomprehendendo  o 
ensino  primário  e  seoondario,  escolas  e  institutos  indostriaes, 
commerciaes  e  agrícolas;  de  ensino  de  cegos  e  sardos-mados  ; 
um  predoso  complexo  de  pedagogia,  como  elementos  essen- 
ciaes  da  felicidade  de  am  povo  e  sem  os  quaes  não  pôde  occnpar 
logar  distinoto, 

€  Gomo  Ministro  de  S.  M.  Pidolissima,  ha  annos,  attestam 
os  livros  que  tenho  á  vista,  os  seus  esforços  para  pôr  em  pra- 
tica as  suas  reformas,mo8trou-se,  como  diz  o  seu  actual  corre- 
ligionário João  Chagas,  conservador  pelas  fórmulas,  progressista 
pelo  pensamento,  homem  de  bem  e  patriota,  sem  abandonar  a 
sua  cadeira  de  professor,  embora  depois  se  lançasse  na  politica 
militante  até  ser  hoje  o  chefe  dos  republicanos.  Emqoanto  a 
estudos  propriamente  históricos,  as  obras  que  tenho  á  vista  nao 
proporcionam  maiores  elementos  para  avaliar  si  elle  tem  de* 
dicado  a  este  ramo  de  cultura  seria  attenção.  pois  os  opúsculos  e 
conferencias  de  propaganda  politica  nao  servem  para  formar 
juízo  seguro,  porque,  qualquer,  que  seja  a  capacidade  intelle- 
ctual  do  propagandista  politicot  trabalhos  dessa  ordem  não  es- 
capam á  influencia  perigosa  daquillo  que  o  grande  Hnxley 
denomina  —  the  personal  equation  —  que  equivale  ao  Octares- 
natismo  de  Renan  —  levar  para  a  historia  os  preconceitos  de 
politica  e  patriotismo.  Voto,  todavia,  pela  admissão.  Rio,  9  de 
junho  de  1906  •—  Bernardo  Teúceira  de  Moraes  Leite  Veiho, 
relator.—  Visconde  de  Ouro  Freto.^  Condido  de  OHfmra.— 
Silvio  Boméro. —  Rocha  Pombo.  > 

E'  approvado  e  vae  á  Gommissão  de  admiaaão  de  sócios, 
relator  o  Sr.  Dr.  Manoel  Gicero. 

Da  Commissão  d$  Admissão  de  Sodost  <  A  Commissão  de 
admissão  de  sócios,  em  conformidade  ao  §  1*  do  art.  39  dos  Es* 
tatutos,  julga  que  está  no  caso  de  ser  aceita  a  proposta  concer» 
nente  ao  Sr.   Dr.  José  Pereira  Rego  Filho  pajra  sodo  corres- 


382  REVISTA  DO  INSTITUTO   HISTÓRICO 

pondeate  do  Institato  Histórico  e  Geographico  Brasileiro,  ha- 
yendo  vaga  na  respectiva  classe. 

Rio,  13  de  maio  de  1906.—  Manoel  Barata^  relator.-^  Manoel 
Cícero, —  Henrique  Raffard. —  Conde  de  Affon$o  Celso,  > 

Fica,  nos  termos  dos  Estatutos,  para  ser  votada  na  próxima 

sessão. 

Pede  depois  a  palavra  o  Sr.  Dr.  Alcibíades  Furtado,  que  lè 

o  estado  biographico :  A  Lenda  de  Anchieta. 

Nada  mais  havendo  a  tratar,  levanto-se  a  sessio  ás  5  horas 
da  tarde. 

Alcibíades  Furtado^ 
2«  Secretario . 

0FFERTA8  APRESENTADAS  NA  SBSsIO  ORDINÁRIA  DE  U   DE  JUNHO 

DE    1906 

Pelo  Sr.  E.  S.  de  Kierk  —  De  Java  Orlog  Omn  1825-30. 

Pelo  Sr.  António  Dellepiane  —  Aprendixaje  teenico  dei  Histo- 
riador Americano  e  Cuestiones  de  Bnsenanza  Superior, 

Por  The  Historical  Society  of  Pennsylvania,  Philadclphia  — 
The  Pennsylvania  Magazine  of  Hisiory  and  Biography, 

Pela  Zeitshrift  dor  Gesollschaft  fur  Erdkunde  —  iV.  4, 

Por  The  National  Geographic  Magazine  —  N,  4, 

Anales  de  la  Universidad  Central, 

Pelo  Dr.  Nelson  de  Senna  -—  Bacia  do  Rio  J)oee^  terceiro  dos 
relatórios  apresentados  ao  Governo  do  Estado  de  Minas  Geraes. 

Pela  Directoria  do  Serviço  Sanitário  do  Pará  —  E^aiislica 
Demographo- Sanitária  Boletins  /,  2,  3, 

Pela  Sociêtd  de  Géographie  Commerciale  de  Bordeaux  —  Bm- 
letins  ns,  9  e  iO, 

Pelo  Apostolado  da  Fá  —  o  Boletim  semanal  Cruzada. 

Pela  Associação  Ck^mmercial  do  Rio  de  Janeiro  —  Boletim, 

Pela  Societá  Africana  d*Italia  —  BoUetino, 

Pelo  Cuerpo  de  Ingenieros  de  Minas  dei  Porú  —  Boletins 
ns,  30  e  3i, 

Pela  Real  Academia  de  la  Historia  — -  Bdetin. 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE  1906         383 

Pela  SocieU Qeographica  Italiana—  Bolletino» 

Pelo  Grande  Oriente  —  Boletim. 

Pelo  Instituto  Histórico  e  Geograpbico  do  R.  Qrande  do 
Norte—  Revista. 

Pelo  Instituto  Histórico  e  Geographico  da  Bahia  —  Revista. 

Pelo  Estado  Maior  do  Exercito  —  Revista-Militar. 

Revista  Medico-Cirargica  do  Brazil. 

Pela  Gamara  Mercantil  de  Ayelaneda  (Buenos  Ayres)  —  /Se- 
vista  Mensal. 

Pela  Associaç&o  da  Egreja  Evangélica  Brazíleira— O  Trabalho. 

Revista  Commercial  e  Financeira  ns.  549  e  550. 

Pelas  redacQõds,  os  jornaes  seguintes:  O  Vulgarizador,  Mala 
da  Europa^  O  Século. 

Pelo  Sr.  Bispo  do  Pará  —  Narrativa  illastrada  sobre  Nossa 
Senhora  da  Appareoida  em  S.  Paulo. 


9*  SESSÃO  ORDINÁRIA  £M  25  DE  JUNHO  DE  1906 
Presidência  do  Sr.  Conselheiro  O,  H.  de  Aquino  e  Castro 

A*s3  horas  da  tarde,  presentes  os  Srs.  Conselheiros  Aquino 
e  Castro,  Marquez  do  Paranaguá,  Barão  Homem  de  Mello  e  Vis- 
conde de  Ouro  Preto,  Max  Pleiusi,  Alcibíades  Furtado,  Desem- 
bargador Souza  Pitanga,  Conselheiro  Cândido  de  Oliveira,  Barâo 
de  Paranapiacaba,  Dr.  Pandiá  Calogeras,  Barão  de  Alencar, 
Drs.  Manoel  Cicero,  Alberto  de  Carvalho,  A.  da  Cunha  Barbosa, 
José  Américo  dos  Santos  e  Carlos  Llx  Klett,  abre-se  a  sessão. 

O  Sr.  Furtado,  2"*  Secretario,  lô  a  aota  da  sessão  anterior, 
a  qual  é  approvada  sem  discussão. 

O  Sr.  Fleiuss,  1^  Secretario,  lô  o  seguinte  expediente: 

Cartada  Sra.  Baroneza  do  Ladario,  datada  de  17  do  cor- 
rente, offerecendo  ao  Sr.  Conselheiro  Aquino  e  Castro,  como 
Presidente  do  Instituto,  a  coUecção  completa  da  Revista^  bem 
como  outras  obras  que  formavam  a  bibliotheca  histórica  do 
Barâo  do  Ladario. 

Muito  se  agradece  a  importante  offerta,  aguardando  o  Ins- 
tituto a  remessa  das  obras  para  a  devida  selecção. 


384  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTORICX) 

Offlcio  do  Retiro  Literário  Poringuex,  datado  de  5  do  cor- 
rente, comniQnicaiido  a  eleição  da  nova  directoria  e  commissões 
—Muito  88  agradece. 

Offlcio  do  Director  da  Secção  do  Archivo  da  Secretaria  das 
Relaçõei  Exteriores,  remettendo  um  exemplar  da  memoria  pu- 
blicada pelos  Srs.  A.  de  Lapradelli  e  N.  Folitid,  na  B^i^ue 
du  Droit  Publique  et  de  la  Science  Politique  en  France  et  d 
rE*tranger,  tomo  XXII,  n.  2,  sobre  o  arbitramento  anglo-brazi- 
leiro  de  1904.— Muito  se  agradece. 

O  Sr.  Max  Pleiuss,  1«  Secretario,  lê  as  ofEértas,  entro  as 
quaes  se  destaoam  a  do  ultimo  volume  das  publicações  do  Ar- 
chivo Publieo  Nacional^  Relatório  da  Commietâo  Braxileira  na 
Exposição  de  S.  Luiz,  apresentado  pelo  respectivo  chefe.  Ge- 
neral Francisco  Blarcellino  de  Sousa  Aguiar. 

O  Sr.  1^  Secretario  lô  o  seguinte  parecer  da  Commissão  de 
Historia  :  «  O  Sr.  Dr.  Dom  Daniel  Garcia  Acevedo,  membro  cor- 
respondente da  Sociedade  de  Historia  e  Numismática  Americana 
de  Buenos  Ayres,  e  do  Instituto  dos  Advogados  Brazileiros,  não 
ó  um  nome  desconhecido  no  Brazil. 

<  O  illustre  cathedratioo  da  Universidade  de  Montevideo 
tomou  parte  nos  trabalhos  do  Congresso  Scientifioo  Latino  Ame- 
ricano, reunido  nesta  Capital  em  julho  do  anno  passado. 

<  Ahi  teve  occasião  de  revelar  as  qualidades  de  seu  espirito  e 
asna  superior  illustração  jurídica. 

<  B*  pois,  de  toda  a  justiça  a  sua  admissão  em  nosso  grémio, 
oomo  sócio  correspondente,  servindo-lhe  de  titulo  o  interessante 
trabalho  Coniribucion  ai  estúdio  do  la  cartografia  de  los  poises 
dei  Rio  de  la  Plata^  com  que  mlmoseou  a  nossa  bibliotheca. 

€  Uma  interessante  questão  bibliographica  é  discutida  pelo 
distiootojuriita  a  propósito  de  €de  la  nueva  edicion  de  la  Geo- 
graphia  dei  Paragua^  de  Ajsara^  o  de  Un  mappa  inédito  existente 
en  Varehivo  de  Indias>  e  attribulda  a  Ruy  Diaz  de  Guxman, 

€  Este  mappa,  que  vem  reproduzido  no  opúsculo,  seda  talvez 
de  importância  capital  antes  da  fixação  de  limites  entre  o  Brazil 
e  a  Republica  Argentina. 

€  O  litigio  secular  está,  porém,  felizmente  terminado  com 
grande  vantagem  para  os  dous  povos  vizinhos,  que  assim  eli- 


ACTAS^  DAS  feBSSÕES  DK   1906  ^85 

minaram  perigoso  elemento  de  jsaas  boas  relações  .interna* 
cionaes. 

5  Tem,  poróm,  alto  valor  histórico  o  mappade  Ruy  Diaz. 

4c  O  Dr.  Aceyedo,  porém,  evidencia,  assignalando-lhe,  a  im- 
portância quando  diz  :  «que  o  nosso  illustre  consócio,  Sr,  Barão 
do  Rio-Branco,  via  no  texto  de  Ray  Diaz  Gnzman  o  primeiro 
documento  em  que  se  mencionam  o  Pepery^  não  tendo,  todavia,* 
o  conhecimento  do  mappa  original  cuja  cópia  vem  agora  re- 
produzida.» 

«  B*  interessante  o  parallelo  que  estabelece  o  Dr.  Acevedo 
entre  a  <  Introducgão,»  do  Dr.  Andréa  Lamas,  a  <  Historia  »,  do 
Padre  Lozano,  e  a  Noticia  Cartographioa,  incerta  pelo  Dr.  R. 
H.Schuler,  no  prologo»  a  geographia  physica  e  espherica,  por 
Azara,  mostrando  como  ô  incompleta  a  obra  de  Schuler. 

«  Comqnanto  resomida,  pois  que  a  monographia  a  que  al- 
lude  a  Commissão  têm  apenas  34  paginas,  ella  revela  nm  estudo 
aprofundada  do  assumpto,  evidentemente  inspirado  por  não 
commum  amor  a  matérias  árduas  e  pouco  attrahentes. 

«  E%  pois,  a  Commissão  do  Historia  de  parecer  que  a  pro- 
posta apresentada  na  sessão  de  7  de  julho  de  1905  está  no  caso 
de  Her  approvada, 

«  Sala  das  sessões  do  Instituto  Histórico,  25  de  junho  de  1906. 
— Cândido  Luiz  Maria  de  Oliveira^  relator ;  Visconde  de  Ouro 
PretOf  Bernardo  Teixeira  de  iioraes  Leite  Yelho^  Fi-ancisco  da 
Rocha  Pombo, y^- 

E'  approvado  e  vae  à  Commissão  de  Admissão  de  Só- 
cios, relator  o  Sr.  Barão  de  Alencar. 

O  mesmo  Sr.  !<>  Secretario  lô  ainda  o  seguinte  parecer  da 
Commissão  de  Admissão  de  Sócios,  o  qual,  nos,  termos  dos  esta- 
tutost  fica  para  sar  votado  na  próxima  sessão  : 

«  A  Commissão  de  Admissão  de  Sócios,  á  qual  foi  presente 
a  proposta  para  admissão  do  Sr.  Dr.  Bernardino  Luiz  Machado 
Guimarães  como  sócio  correspondente  deste  Instituto,  é  de  pa- 
recer que  a  mesma  proposta  está  em  condições  de  aer  ap- 
provada. 

Sala  das  sessões  do  Instlti^to  Histórico  e  Geographico  Brazl-* 
leiro,25  de  Junho  del906,— :Dr.  Manoel  Cieerq  Peregrino  da  ^ilva^ 
4323  —  S5  Tomo  lxix  p.  ii 


386  REVISTA  DO  INSTITUTO  mSTORICX) 

relator.— BoHío  de  Aimtear.^O^ndâ  d&  Affimto  Oého.  ^.  Metnõêi 
Bar  ata. :k 

O  Sr.  Fleluflg,  1*  Secretario,  informa  qae  tem  proTlden- 
eiado  qaanto  á  pabUeaçio  da  Revista  do  ImtUuto^  podendo  tal- 
rez  appareeer  o  tomo  relatir?  a  1904  (1*  parte)  até  agosto 
próximo. 

Gorrendo-ie  o  efomtinio  para  a  yotaçSo  do  pareoer  da 
Ck)mmÍ88So  de  Admiasio  de  Sodos,  que  harla  íioado  da  anterior 
aesdio,  e  relativo  ao  Sr.  Dr.  José  Pereira  Rego  Filho,  é  o 
mesmo  approvado  e  acto  continuo  o  Sr.  Presidente  proolamao 
Sr.  Dr.  Rego  sócio  correspondente  do  instituto. 

Os  Srs.  Fleiuss  e  PandiA  Calogeras  iniciam  a  leitura  do 
estudo  do  consócio  Dr.  Orville  Derby  sobre  a  Serra  do  Bs^ 
pínhaço. 

Levanta-se  a  sesdU)  ás  5  horas  da  tarde. 

ALCIBtÁlNH  FOMàDO, 

S^SeoNlario 
OFFiRTÁi 

Pela  Sociedade  Cientifica  Argentina-^AnoIff . 

Peia  Associa^  Gommerdal  do  Rio  de  Janeiro-^BsMtm. 

Pelo  Sr.  Henrique  Silva— l^auna  JFTuotata  de  Ooiás. 

Pelo  Instituto  do  Geará— ISsvírta  Trimeiasai,  tomo  BO,  anno 
SO,  de  1906. 

Pelo  sócio  Sr.  Dr.  Nelson  de  Senna— Bacia  do  Rio  Dooe. 

Pelo  Ministério  de  Fomento  dei  Peru— Bo^tin  dei  Ouerpo 
de  hêgenieros  de  Minat^  ns.  38,  33  e  34. 

Pela  Société  Internationale  de  Science  Sociale— BmíMí». 

Pelo  International  Bureau  of  the  American  Republics  — 
MotUhty  BuUeHn. 

Pela  Naturforschenden  Oesellsohafl  in  Bmdem  —  Jahree* 
berieht. 

Peio  Museu  Nadonal  de  Buenos  Aires— Afiofo^,  tomo  V  • 

Pelo  Museu  Nacional  de  México— Analds,  2»  época. 

Pelas  redaoQQes  as  seguintes  revistas  : 

Revista  Mensal  de  la  Camará  Mercantil. 

Revista  Commercial  e  Finanoeira* 

BroãHian  Engineerinç  and  Mining  Review. 


ACTAS  DAS  SBSSÕBS  DB  1906         887 

O  Ofi&fite  Português. 

Rê9iita  Medico  Cirurgioa  do  BroãU. 

Beviita  Didaoíiea. 

Revista  MarUima  BraãiMra. 

Pelafl  redâOQQes  os  segaintes  joraaes : 

Mala  da  Europa^  Jornal  do  Recife^  Diário  OfíMal,  Diário 
Offidal  do  Amazonas^  Oriente  Portuguez. 

Pelo  sooioSr.  Barâo  do  Rio  Branco -^TarbUr age  Anglo* 
brésUien  de  1904,  1  yolnme» 


10»  SESSÃO  ORDINÁRIA  EM  9  DE  JULHO  DE  1906 
Presidência  do  Sr.  Marquex  de  Paranaguá^  (í*  Vice-Presidente) 

A'8  3  horas  da  tarde»  presentes  os  Sm.  Marquez  de  Para* 
nagoá.  Barão  Homem  de  Mello,  Yisooode  de  Ouro  Preto,  Max 
PleiusB,  AlelMades  Portado,  Arthur  Guimarães,  Conselheiro  Cân- 
dido de  Oliveira,  Barão  de  Paranapiaeaba,  Belisario  Pemam* 
baoo,  Dr.  F.  B.  Marques  Pinheiro,  Eduardo  Marqoes  Peixoto, 
Drs.  Alberto  de  Carvalho  e  Josó  Amerioo  dos  Santos,  abre-se  a 
sesAo. 

O  Sr.  Fartado,  8*  Seeretario,  lé  a  aota  da  sessão  anterior, 
a  qual  é  approvada  sem  debate. 

O  Sr.  Presidente  participa  qne  o  Sr.  oonselheiro  Aquino  e 
Castro,  Presidente  do  Institato,  por  josto  inotivo  deixa  de 
comparecer. 

O  Sr.  Fleioss,  l*"  SeoretarlOt  deelcra  que  Bio  ha  expediente 
e  lê  as  oíTertas. 

Depois  o  Sr.  1«  Secretario  declara  que  talves  seja  esta  a 
ultima  sessão  do  Instituto,  realizada  no  Gabinete  Portaguez  de 
Leitura,  pois  que  o  édificio  social  do  Instituto  se  acha  quad 
prompto,  podendo  realizar-se  até  o  fim  do  mez  alli  a  primeira 
sestíU). 

Correndo-se  o  escrutínio  para  a  votação  do  parecer  da 
CommiMão  de  Admissão  de  Sócios,  lido  na  sessão  passada  e  rela- 
tivo ao  Sr.   Dr.   Bernardino  Luii  Machado  GoimariM,   é  o 


888  REVISTA. DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

mesmo  approyado  por  unanimidade  de  votoe  e,  acto  oontlnao, 
o  Sr.  Presidente  proclam^^  o  mesmo  senhor  sooio  correspon- 
dente do  Instituto. 

Procedem  depois  os  Srs.  Fleioss  e  José  Américo  dos  Santos 
&  leitura  da  monographia  do  Dr«  Orviile  Derby  sobre  a  Serrado 

Espinhaço. 

Alcibiadbs  Fubtado 
2o  Seerdtarlo 

OFFERTAS 

Pelo  soeio  Sr.  Dr.  Josô  Vieira  Couto  de  Magalhftes  *  Gene- 
ral Couto  de  Magalhães  e  a  proclamação  da  Republica, 

Pelo  sócio  Sr.  Dr.  Vicente  F.  de  Barros  Wanderley  Araújo 
—  Seitas  protestantes  em  Pernambuco, 

Pelo  Consulado  Geral  de  Portugal  no  Rio  de  Janeiro  — 
Catalogo  da  Collecção  Numismática  ^rtencente  ao  espolio  de 
Joaquim  Gomes  de  Souta  Braga» 

Pelo  Sr*  Ferreira  da  Rosa  ^  O  Commentario. 

Pelo  Observatório  do  Rio  de  Janeiro  —  Boletim  àUnsal  — 
de  julho,  agosto  e  setembro  de  1905  • 

Pela  Societé  Imperiale  des  Naturaliites  de  Mosoow  -^ 
PuUetin. 

Pela  American  Qeographical  Society  —  BuUetin. 

Pela  Directoria  Geral  de  Saúde  Publiea  -^  Boletim. 

Pela  Directoria  de  Agricultura,  Viação,  Industria  e  OlMras 
Publicas  da  Bahia  —  Boletim, 

Pela  Societá  Geograflca  italiana  —  Bolletino. 

Pelo  Grande  Oriente  do  Brazil  —  Boletim. 

Pela  Universidad  Central  de  Quito  —  AíuOes. 

Pela  Geaellschaft  fur  Erdkunde  su  Berlio  —  ZeUschrift, 

Pelo  Instituto  Nacional  — -  Para  la  prediccion  dei  Tiempo  — 
Diversos  nsappas. 

Pela  Sociedade  Nacional  de  Agricultura  Brazileira  — 
Boletim. 

Pelas  respectivas  redacções  as  seguintes  revistas  :    . 

Revista  Commercial  e  Financeira^  Revista  Medieo-Cirurgica 
.fío  Brazil^  Revista  da  Academia  Cearense^  Revisía  Trimensal  do 
Jnstiiutodo  Ceardf  Revista  Militar» 


ACTAS  DAS  SBSSQBS*  DE.  1906V-        389 

Pelas  redaoQ0e0  os  seguintes  Jornaes  : 

Jornal  do  Recips,  UETtoile  áu  St4d,  Correio  do  Pof^,  Diário 
Officiol  do  AmoMonas,  Portugal  Moderno. 

Pelo  Sr.  Dr.  José  Carlos  Rodrigues  —  4  volumes  do  pe- 
riódico illustrado  :  O  Nowf  Mundo. 


11^  SESSÃO  ORDINÁRIA  EM  6  DE  AQOSTO  DE  1906 
Presidência  de  Sr,  Marquez  de  Paranaguá,  (i^  Vice~Presidente) 

A*À  3  horas  da  tarde  na  sede  social,  presentes  os  Srs. 
Marques  de  Paranaguá,  Visconde  de  Ouro  Preto,  Max  Fleiuss^ 
Alcibíades  Furtado,  Desembargador  A.  F.  de  Souaa  Pitanga, 
Arthur  Guimar&es,  Drs.  Manoel  Barata,  Manoel  Cícero,  José 
Américo  dos  Santosi  A.  da  Cunha  Barbosa,  Alberto  de  Carvalho, 
BarSo  de  Alencar,  Rocha  Pombo,  Eduarde  Marques  Peixoto, 
Conselheiro  Cândido  de  Oliveira,  Barão  de  Paranapiacaba  e 
Capistrano  de  Abreu;  abre-se  a  sess&o. 

O  Sr.  Furtado,  2^  Secretário,  16  a  acta  da  sessão  anterior, 
a  qual  é  approvada  sem  discussão . 

O  Sr.  Fleiuss,  1»  Secretario,  diz  que  o  expediente  consta  de 
um  convite  do  Instituto  dos  Advogados  Brazileiros  para  a  sessão 
solemne  do  sexagésimo  terceiro  annlversario  de  sua  fundação: 

O  Sr.   Presidente  nomeia,  para  representar  o  Instituto 
nessa  solemnidade,  os  Srs.  Drs.    Alcibíades  Furtado,  2^  Se- ' 
cretaria,  conselheiro  Cândido  de  Oliveira  e  Dr.  Manuel  Cícero. 

Logo  depois,  o  Sr.  Presidente  eommunica,  nos  seguintes 
termos,  o  falleciúiento  do  consócio  benemérito  commendador 
Henrique  Rafbrd,  oooorrido  no  dia  4  do  corrente  nesta  Capital; 

«  Senhores,  contristado  profundamente,  vos  dou  a  dolorosa 
noticia  do  fallecimento  do  nosso  prosado  consócio  commendador 
Hónrique  Raffard,  admittido  ao  Instituto  a  11  dê  dezembro  de 
1885. 

<  Hdntem,  ás  10  horas  da  manhã,  assisti,  em  companhia  do 
Sr.  P  Secretario,  Max  Fleiuss  e  do  consócio  Dr.  Manoel  Barata, 
como  representante  do  Instituto,  ao  enterro  do  saudoso  com- 
panheiro no  cemitério  de  S.  João  Baptista,  tendo  o  Instituto 


890  RBVI&TA  BO  mSTITUTO  HISimUGO 

depositado  aobie  o  tuamlo  uma  grinalda  oom  o  seguinte  distioo : 
O  Instituto  Histórico  e  Geographioo  BrasHeiro  ao  «su  sooio  he- 
nemerito  Henrique  Raffcard. 

«  Coroa  de  15  annos  o  oommendador  Henriqoe  Raffard  desem- 
penhon  o  oargo  de  l*  Secretario  deste  Instituto  oom  rara  de- 
dica^ e  notável  assidoidade.  Foi  membro  da  Gommissio  de 
estatutos  e  redacç&o  e  publicou  trabalhos  importantes  de  própria 
layra,  que  ligam  perpetoamente  seu  nome  ao  Instituto. 

<  No  exercício  do  oargo  dé  P  Secretario,  o  nosso  saudoso 
consócio  foi  um  zeloso  cultor  das  tradições  e  das  glorias  desta 
iDstituição*  e  o  Instituto  assim  o  oomprebendeu  quando  o  élerou 
da  classe  de  honorários  &  categoria  de  sodo  benemérito,  grande 
honra  que,  pelos  nossos  estatutos,  a  bem  poucos  se  pôde  con- 
ceder. 

€  E,  pois,  proponho  que  se  lavre  na  acta  de  hoje  um  voto  de 
profundo  pezar,  pelo  ÍUleoimento  do  distincto  consócio.  > 

O  Sr.  Alcibíades  Furtado,  S^  Secretario,  pede  entSo  a  pa^ 
lavra  e,  discorrendo  em  sentida  linguagem  sobre  o  Sr*  Raílkrd, 
propSe  que  em  homenagem  aos  grandes  serviços  por  elle 
prestados  ao  Instituto  se  levante  a  ssssSo. 

AsBim  se  resolve  por  unanimidade  e  o  Sr,  Presidente  declara 
que  a  nova  sessSo  se  realisari  na  próxima  segunda-feira,  13  do 
porrente. 

Levanta-se  a  sess&o  ás  3  1/2  horas  da  tarde. 

ÀLCDIAIiai  Fdbtado, 
S*  StONUrio 


18»  SESSÃO  OItDINARIA  KM  13  DE  AQOSTO  DE  1906 

Presidência  do  Sr.  Marquez  de  Paranaguá   (f*  Viee-Pr&sidente) 

A's  3  horas  da  tarde  na  sede  social  presentes  os  Srs.  liarquei 
de  ParanaguA,  Visconde  de  Ouro  Preto,  Bfax  Fieinss,  Alcibíades 
Furtado,  Desembargador  Souza  Pitanga,  Arthur  Guimarães, 
Conselheiros  Cândido  de  Oliveira  e  Souza  Ferreira,  Barão  de 
Alencar,  Drs,  Manoel  Barata,  Marques  Pinheiro,  António  da 
Cunha  Barbosa,  Alberto  de  Carvalho,  Barão  de  Paraoaj^aoabv, 
Rocha  Pombo  e  Dr.  Alfredo  Nascimento,  abre-se  aseariU). 


ACTAS  DAS  8BS80BS  DB   1906  891 

O  Sr.  Portado,  29  Secretario,  lê  a  acta  da  sessão  anterior  a 
qual  é  approvada  sem  disoassão. 

O  Sr.  Pleioss,  l""  Secretario,  commanioa  que  o  expediente 
eonsta  do  seguinte: 

Officio  do  Qeneral  OommaQdante  da  Força  Policial  do  Dis- 
trioto  Federal,  datado  de  8  do  corrente,  enviando  para  o  mnsen 
do  Instituto  duas  placas  de  ferro  com  os  distioos  —  Bzpostos  da 
Santa  Casa  ns.  4Ô  e  48,  arrancadas  das  paredes  internas  do 
ediílcio  desse  nome  qne  esta  sendo  demolido  para  alargamento 
do  quartel  central  de  Polida.--  Muito  se  agradece  o  novo  obse- 
quio do  Sr.  General. 

Circular  do  !•  Secretario  do  Club  Naval,  commonieando 
a  mudança  da  sede  do  mesmo  Club  para  a  Avenida  Central 
n.  40.—- Inteirado.. 

CartSo  do  tSr.  Dr.  Francisco  Ignacio  X.  de  Assis  Moura, 
datado  de  1 1  do  corrente»  enviando  pezames  pelo  fallecimento 
do  Sr.  Conselheiro  Olegário.-- Muito  se  agradece. 

O  Sr.  Furtado  29  Secretario  lé  as  offertas. 

O  Sr.  Presidente,  communica,  nos  seguintes  termos«  o 
iklledmento  do  Sr*  Conselbeiro  Olegário,  Presidente  do  Insti* 
tnto. 

<  Senhores  —  B*  com  o  cora^  repassado  de  dôr  e  de 
saudade  que  vos  doa  a  infausta  noticia  do  íálleoimento  do  nosso 
Inolyto  e  querido  Presidente,  Conselheiro  Olegário  Herculano  de 
Aquino  e  Castro,  no  dia  10  do  corrente,  ia  1 1  1/2  horas  da 
manh&.... 

c  A  soa  morte  foi  ama]perda  immensa  para  o  Instituto  Histó- 
rico qne  elle  tanto  amou  e  para  a  pátria  a  quem  servia  darante 
mais  de  meio  século. 

<  A  sua  vida  publica  íbi  nma  serie  nio  interrompida  de  bons 
serviços  ao  paiz.  O  seu  nome,  Já  uma  vez  o  dissemos,  está  ligado 
a  muitas  das  phases  gloriosas  da  existência  nacional,  como 
magistrado,  como  parlamentar  e  como  administrador. 

<  O  Conselheiro  Olegário  nasceu  na  Capital  de  8.  Paulo,  a  90 
de  março  de  18S8,  defendeu  these  perante  a  Facaldade  de  Scien- 
eias  Juridicas  e  Sociaes  daqneUa  cidade,  em  1848  e  doutourou4n 
em  direito  no  anno  de  1849. 


j 


3Ô2  REVI5TA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

«  Segaiu  a  carreira  nobilinima  da  magistratara,  tomando 
desde  logo  essa  expressiva  divisa--  Labor  et  honor. 

€  Foi  pois,86m  duyida,um  trabalhador  incançarel  e  honesto. 

€  Ck>m  máxima  dignidade  e  brilho  desempenhou  os  seguintes 
eargOB  na  magistratura,  policia  e  administração: 

«Promotor  publico  da  comarca  da  capital  de  S.Paulo,  (1849); 
Juiz  de  Direito  da  comarca  da  capital  de  Ooyaz,  (1854) ;  da  co- 
marca de  Jaguary,  (1857) ;  da  comarca  de  Itapetininga»  emSâo 
Paulo,  (1858) ;  da  2*  Vara  Criminal  da  Corte,  (1865);  da  2"  Vara 
Commercial  da  Corte,  (1866) ;  Chefe  de  Policia  effectivo  das 
provindas  de  Goyaz  e  de  S.  Paulo,  (1855-1864);  Chefe  de  Po* 
lida  da  Corte,  interino,  por  quatro  vezes,  (18Ô5-I86Ô);  Desem- 
bargador da  Relação  da  Corte,  (1873);  Desembargador  da 
Relaç&ode  S.  Paulo,  (1874) ;  Procurador  da  Oorôa,  Soberania  e 
Fazenda  Nacional,  interino,  da  Relação  de  S.  Paulo,  (1874); 
Presidente  da  mesma  Relação,  (1875) ;  Procurador  da  Coroa, 
effectivo  da  Rela^  da  Corte,  (1883) ;  Presidente  da  Província 
de  Minas  Oeraes,  (1884) ;  Presidente  da  Relação  da  Corte,  (1885) ; 
Ministro  do  Sapremo  Tribunal  de  Justiça,- (1886);  Ministro 
do  Supremo  Tribunal  Federal,  (1890);  Vice-Presidente  do 
mesmo  Tribunal,  (1891) ;  Presidente  eleito  do  mesmo  Tri- 
bunal, em  1894 ;  foi  deputado  á  Assembléa  Geral  pela  provinda 
do  8.  Paulo  nas  Legislaturas  13* e  17%  (1867-1878). 

<  Por  actos  offldaes  foram  por  diversas  vezes  reconhecidos  e 
louvados  os  serviços  prestados  ao  Estado  no  exercido  dos  cargos 
que  occupou. 

<  Pez  parte  das  oommissões  nomeadas  pelo  Governo  para  o 
exame  da  reforma  da  PoUda,  (1881);  da  reforma  judiciaria 
(1882) ;  do  concurso  para  offlciaes  de  Justiça,  (1883) ;  para  for* 
mar  um  projecto  de  Código  Civil  Brazileiro,  (1889)  e  para  rega- 
lar a  lôin.  1030  de  1890. 

«  Publicou  diversos  trabalhos  jurídicos  e  literários  em  avulso 
e  nas  revistas :  O  Direito  (de  cqja  redacção  íèz  parte  desde  1873) 
Qateta  Jurídica  o  Revista  Trimensal  do  Instituto  Histórico  e 
Geographico  Brazileiro  para  o  qual  entrou  em  14  de  julho  de 
1871,  tendo  exercido  diversos  cargos  até  o  de  Presidente  para 
o  qual  foi  eleito  em  1891 .  Esci^eveu  a  Pratica  da$  Correições^ 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE  1906  ~       398 

Fàrmtâkírio  sobre  a  marcha  dos  processos  pollciáes^  regula*» 
mentos,  pareceres,  relatórios,  etc. 

«  Foi  sócio  correspondente  da  Sociedade  de  Geographia  de 
Lisboa ;  membro  honorário  do  Athenea  de  Lima  (Peru) ;  do 
Instituto  Geographioo  Argentino  e  de  diversas  assooiações  lite- 
rárias e  scientiílcas  do  Brazil. 

«  Profundo  conhecedor  do  Direito,  a  saa  opinião  e  o  sen  voto 
foram  sempre  respeitados  e  segaidos  de  preferencia  —  Nobis 
aliquando  placebat  ted  in  caMrarium  mê  voccU  Papiniani  Sen* 
tenda, 

«  Como  historiador  e  jarisconsulto,  o  Conselheiro  Olegário 
publicou  trabalhos  de  subido  valor. 

«  Foi  um  astro  de  primeira  grandeza:  na  sua  longa  traje- 
ctória deixou  tragos  luminosos  que  hão  de  durar  sempre. 

«  Proponho,  pois,  que  se  lance  na  acta  da  sessão  de  hoje  um 
voto  de  profundo  pezar  pelo  falleoimento  do  nosso  benemérito 
e  saudoso  Presidente  Conselheiro  Olegário  H.  de  Aquino  e 
Castro.» 

Pedindo  a  palavra  o  Sr.  Visconde  de  Ouro  Preto,  3°  Vice- 
Presidente,  diz :  <  Senhores— Somos  neste  momento  espectadores 
de  uina  das  inesperadas  fatalidades  do  destino,  fâo  tiístesr  mas 
tão  proficnas,  por  q'ie  nos  advertem  da  contingência  e  mi- 
séria humana. 

«  Quando  pela  primeira  vez  tornámos  a  este  recinto,  tive- 
mos de  lamentar  a  ausência  etorna  de  um  dos  nossos  mais 
prestimosos  confrades,  o  antigo  e  operoso  ex-l»  Secretario  do 
Instituto  tíistorico  e  Oeographico  Brazilelro,  que  muito  se  esfor* 
çou  para  a  nossa  actual  installação. 

«  Ainda  ma!  soliditlcado  o  cimento  da  lapide  fúnebre  de  Hen* 
rique  ttaffard,  congregamo-nos  aqui  hoje  novamente,  o  não  mais 
veremos  o  primeiro  dentre  nós  pela  posição,  tanto  como  pelos 
relevantíssimos  serviços  prestados,  o  venerando  Conselheiro 
Olegário  Herculano  de  Aquino  e  Castro. 

«  Triste  ironia  da  sorte  I 

«  Deveríamos  dirigir-lhe  calorosos  agradecimentos,  exacta- 
mente por  nos  encontrarmos  em  ediftcio  adequado  á  nossa 
missão  e  condigno  das  tradições  de  que  somos  guardas.  A*  sua 


tM  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTORKX) 

■olioitDde»  áa  nua  diligencias,  principalmente  devemot  podar 
proaegair  em  nossos  pacíficos  trabalhos  sem  o  risco  do  eamagsr 
mento  sob  oa  eacombroa  de  um  tecto  carcomido.  B  em  tcc  disso 
aô  noaé  dado  tributar*lhe  aentido  e  InolTiYaTel  aandade  l 

€  Se  bem  auxiliado  por  coLlaboradores  dedloados«  esta  casa« 
reconstruída  e  decorada*  é  em  máxima  parte  obra  do  iilostre 
flnadot  gnKas  ao  seu  prestigio  perante  os  poderes  pubUcos. 

<Náo  permittin  o  ílado  que  elle  se  extasiasse  perante  a  reali- 
lacio  dessa  obra;  ella»  porém,  ahi  está  e  ílcari  attestando,  atra- 
yez  dos  tempos,  quanto  féz  e  conseguiu  em  prol  do  InstitutOi 
qae,  por  tantos  annos,  presidiu  com  acerto  e  lustre. 

€  As  gerações  fàturas  hão^de  acatar-lhe  a  memoria  honrada 
que  pôde  serrir  de  inoeutiro  para  o  exacto  cumprimento  de 
todos  os  doreres  privados  e  públicos. 

«  Sim,  senhores,  o  lllustre  extineto,  foi  nio  s6  hábil  e  inde- 
fBSSo  cultor  da  sdencia  Jurídica  e  recto  distribuidor  de  justiça, 
mas  lhano,  aflável  •  beneficente. 

«  Era  um  bom  e  um  Justo  t 

<  Adherindo  ás  maniíéstaçQes  propostas  pelo  Indyto  Sr. 
Prsaidente  interino,  peço  licença  para  indicar  que : 

€  1."^  8^  apjNTOTada  a  delibera^  do  digno  1<»  Secretario 
de  fazer  modelar  em  geaao  o  roato  do  nunca  eaquecido  eztlncto, 
para  ser  depois  feito  o  busto  igual  ao  do3  outros  Presidentes. 

4c  8.^  Tomem  luto  por  oito  dfas  os  membroa  da  Mesa, 

<  3.*  Suspendam-se  os  nossos  trabalhos. 

O  Sr.  Pleiuss,  1«  Secretario^  dii  que  ao  ter  noticia  do  fal- 
laalmento  do  Sr.  Praaidente  Oonselheiro  Olegário,  immedia- 
tamente  mandou  cerrar  as  portas  do  edificio  e  hastear  em 
fhneral  a  bandeira,  enoommendar  uma  grinalda,  que  íbi  depo- 
sitada no  ataúde,  com  o  seguinte  distico  :—  <  Ao  seu  Inolyto 
Presidente  Oonselheiro  Olegário,  o  Instituto  Histórico  e  Oeo' 
graphico  Brasileiro  »,  e  incumbio  o  notayel  esculptor  brazileiro 
Sr.  Benerenuto  Berna  de  modelar  em  gesso  o  rosto  do  lllustre 
extineto,  tendo-se  a  isto  prestado  aquelle  applaudido  artista 
com  o  maior  cavalheirismo.  Em  seguida,  na  companhia  do  sen 
digno  òoliega,  S*  Secretario  Dr.  Alcibíades  Furtado,  dirigiu-se 
4  oaaa  do  morto,  ahi  permanecendo  até  alta  hora  da  noite. 


ACTAd  DAS  8B88ÕB8  DB  1906  89ft 

«  No  dia  do  entarro  oompareoeram  por  parte  do  Instikito  e 
em  Tirinde  do  convite  offloial  feito  pela  Secretaria  desta  Amo» 
ciaçiOf  publicado  no  /omoJ  do  Cèinm^oto,  além  do  Sr*  Preil<* 
dente  interino  e  dos  Secretários,  os  consodos  Qrs.Mannel  Barata, 
Marques  Pinheiro,  Miguel  Carralho,  Alfredo  do  Nascimento, 
Manuel  Cioero,  Arthur  Quimarães,  Oonseiheiro  Sousa  Ferreira, 
Alberto  de  Garyalho,  acompanhando  todos  até  à  ultima  morada 
o  corpo  do  yenerando  Presidente. 

«  No  cemiteriOtO  orador,  por  designaofto  do  honrado  Sr.  Pr^ 
sidente  interino,  pronunciou  as  seguintes  palavras  que  agora 
repete,  pois  dessila  que  as  mesmas  fiquem  gravadas  nas  pagi^ 
nas  da  Rêvisla  t 

«  A  grande  dôr  que  todos  nés  do  Instituto  Histórico  e 
Oeographico  Brasileiro  eiperimentamos  com  a  dsffgraga  que 
nos  acabado  íiarir,  nio  permitte  eiternemos  é  beira  do  tumulo 
do  nosso  muito  amado  Presidente  tudo  quanto  sentimos  e 
quanto  nos  impunham  as  sqas  qualidades  insignes  de  saber  e  do 
virtude. 

«  Creio  que  mesmo  no  circulodos  asnssimples  oonheoidos,  a 
morte  do  Conselheiro  Olegário  teri  encontrado  repsroiisno 
pungitiva.  B'  que  da  bellesa  de  sua  alma,  do  brilho  do  sen  ta- 
lento, grande  e  Justa  era  a  líuna. 

€  Com  eObito,  quem  teve,  como  nós,  a  ventura  de  sua  con- 
vivência immedíata,  pôde  devaasar-lhe  os  primores  do  ooraçio, 
únicos  rivaes  que  deparavam  os  seus  dotes  de  espirito* 

<  Nio  se  eiidirA  Jimais  de  nossa  memoria  a  sua  figura  que- 
rida, proftmdamente  querida,  porque  nelle  enxergávamos  ao 
mesmo  tempo  o  primeiro  dos  nossos  pares  e  o  maior  dos  nossos 
amigos. 

«  Aliás  o  seu  nome  pertenoe  à  Historia  Pátria. 

€  Quem  estudar  a  nossa  vida  sodal  contemporânea  ha  de 
forçosamente  reconhecer  o  destaque  desse  varão,  que  durante 
oinooenta  e  sete  annos  serviu  á  Pátria,  desde  o  modesto  cargo 
de  promotor  até  a  culminância  do  Supremo  Tribunal,  e  ser- 
viu-a  patenteando  a  varonilidade  do  caracter,  o  desvelo  inex- 
cedivel  e  a  grandeza  de  uma  capacidade  cada  vea  mais  fi>rta- 
lecida  pelo  estudo. 


896  REVISITA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

<  Extraordinária  é  a  falta  que  noB  tae  flizer,  e  só  a  com- 
pensaremos  recordando  os  saooessoi  de  sua  longa  eiistenda, 
bebendo-lhe  as  proyas  de  civismo,  admirando-Ihe  as  demons- 
trações do  talento. 

«  Assim  comooheróethebanoque  a  historia  jamais  esquese, 
o  Conselheiro  Olegário  deixa  o  seu  nome  ligado  a  duas  insti- 
tuições que  hfto  derepetil-o  oom  reverencia  e  saudade —  o  Su* 
premo  Tribunal  e  o  Instituto  Histórico,  de  que  como  I«  Secre- 
tario sou  neste  momento  humilde  interprete. 

4.  Nessas  duas  casas,  onde  se  pratica  a  justiça  dos  actos  e  a 
justiça  dos  acontecimentos,  a  sua  individualidade  ha  de  pairar 
perpetuamente  como  um  symbolo  angusto  do  Bem.  » 

Por  ultimo  fallou  o  Dezembargador  Sousa  Pitanga,  que 
começou  declarando  ter  sabido  tardiamente  da  morte  do  Conse- 
lheiro Olegário,  e  que  não  compareceu  ao  enterro  por  motivos 
alheios  á  sua  v<mtade ;  communica,  porém,  ao  Instituto  que  teve 
hoje  occasião  de,  na  Corte  de  Appella^,  render  homenagem 
ao  illustre  follecido,  recordando  a  raa  longa  vida  e  serviços 
oteis  prestados  á  Pátria. 

«  Acabou  por  julgar-se  dispensado  de  referir-se  ao  morto 
mais  largamente,  não  só  porque  nada  tinha  a  accrescentar  ás 
palarras  proferidas  pelos  que  o  hariam  preoedido,  como  tam- 
bém porque  lhe  será  conferida  essa  honra  quando  tiver  de  se 
occupar  dos  sócios  íkllecidos,  por  oooasiSo  da  sessfto  magna  anui- 
versaria.» 

O  Sr.  Presidente  nomeia  a  seguinte  commisriUi,  para- dar 
pezames  á,  família  do  Sr.  Conselheiro  Olegário  e  assistir  com  a 
Directoria  aos  actos  religiosos  :  Srs.  Visconde  de  Ouro  Prato,- 
Baifto  de  Alencar  e  Barfto  de  Paranapiaoaba. 

Em  seguida  o  Instituto  approva  por  unanimidade  a  pro- 
posta do  Sr.  Presidente  e  as  do  Sr.  Visconde  de  Ouro  Preto. 

Levanta-se  a  sessão  &s  4  horas  da  tarde. 

ÀLOIBIÁDaS  Foktádo 
8«  SeoM^ario 
OFPBRTAS 

Pelo  Ministério  da  Marinha  —  Boletim  da  Repartiòão  da 
Carta  Maritima^  í  ^oh 


ACTAS  DAS  SB$SOBS  DE  1906  ,       397 

Pela  Amerioan  Geograpbical  Sooiety  —  BuUeUn. 

Pela  Société  de  Géògraphie  de  Genòve  -^  Le  Globe. ' 

Pelo  Sr.  Capitio  de  liar  é  Gaerra  António  Alves  Gamara 
f—  O  mangan0í  no  E$tado  da  Bahia» 

Pela  Real  Sociedade  Geográfica  de  Madrid  —  BoMin. 

Pela  Sooiétô  des  Btades-Indo-Chinoiaes  da  Saigon^Bulhtin . 

Pela  Soeióté  Internaoionale  de  Science  Soeiale  —  BuUetin^ 

Pela  Prefeitura  do  Distrioto  Federal  -^Consolidação  dai 
Leis  e  Posturas  MunMpaeà. 

Pela  Societá   ÀMcana  dltalla  —  BolleHno. 

Pela  Real  Academia  de  Sciencias  Exactas,  Fiéioas  y  Nataran 
ie0  de  Madrid  —  Revista. 

Peia  Sociedade  de  Geographia  de  Lisboa  —  Boletim.  > 

Pelo  ArchiTo  Pnblico  Mineiro  ^  Revista. 

Pela  Oonunisslbo  Geographica  e  Geológica  de  S^  Paulo -^ 
Boletim  n.  Í8,       . 

Pelo  International  Bureau  of  Washington  —  BuUetin. 

Pelas  redacções  as  segaintes  'revistas  *^  Sociedade  Seién* 
tificà  de  S.  PdulOf  O  Gommentario,  Revista  Commercial  e  Finan^ 
ceiraé 

Pelas  redacções  os  jornaes:  Le  Nouveau  Mande,  Diária 
-Òffieiah  Jornal  do  Reúi/e. 

PelosocloSr.  Dr.  Evaristo  Nunes  PireB-- Revista. Dida^ 
etioa  ns.  i,  2,  ^,  e  A  Inspiração  folha,  scientiâea  e  literária 
do  CoUegio  Militar. 

Pelo  sócio  Sr.  Dr*  Felisbello  Freire  —  O  Economista  Bra» 
tUeiro^  Revista  de  economia,  ânanças,  politica  e  literáturaV 

Pelo  Musea  Goeldi  —  Boletim  ^ 

PelOBocio  Sr.  Dezembargadoí^  António  Ferreira  de  SouzA 
Pitanga  ^  Impressões  da  Epidemia^  por  António  dá  Cruz  Cor^ 
deiro ;  Juncção^  do  Amazonas  ao  Prata  ;  por  Eduardo  de  Moraes^ 
'  Efòpioraçko  em  Matio-Qrosso,  Minas  dê  Póconi. 

Pelo  Sr.  br.  Alcibíades  Furtado,  2<»  Secretario  —^  Correio 
Braj«í<dn5e, demarco  de  1809.  ' 


M6  RBVISTA  DO  INBTITirrO  HIBTORIGO 

DEGIliA  TERCEIRA  SESSÃO  ORDINÁRIA  EM  20  DE  AGOSTO 

DE  1906 

Pr0$tíímcia  do  Sr.  Màrpiêz  ie  Paranagyd  (  i«  Yic&^PtêÊUmiU  ) 

A*t  8  bOTM  da  tarde,  na  iéda  godai»  praiaiites  oi  Srs. 
Masques  de  Panatagnà,  Burio  Homeia  de  Mello,  Viaeonde  de 
Ottro  Preto,  Max  Fleimi,  Alotbladw  Portado,  Denmbargador 
Sou»  Pitanga,  Dri.  Manoel  BaiaUt  Manoel  Gleero,  Gunlia  Bar* 
bosa.  Rocha  Pombo,  Marqnee  Peixoto  e  Alberto  de  Garralho, 
abre*ee  a  sanio. 

O  Sr.  Fartado,  2<'  Secretario,  lé  a  aeta  da  sesdLo  anterior,  a 
qual  é  approvada  sem  dleonsalo,  e  em  seguida  as  olbrtas. 

O  Sr.  Visoonde  de  Oavo  Preto  daolara  que  por  indioagio  de 
um  de  seni  soeioe,  o  Dr.  Severiano  da  Fdnseoa,  se  nio  lhe  en* 
gana  a  memoria,  o  Institato  deliberou  que  a  cadeira  em  que  o 
Imperador  se  sentava  quando  presidia  as  seMfies  permanecesse 
mápêrpêkMm  na  mesma  follocai^,  sem  ser  oooupada.  Repa- 
rando agora  que  a  Direolovia  retirou  a  referida  cadeira  do  kfar 
designado,  redama  contra  tal  procedimento  e  desc()a  saber  se 
houTU  deliberaçSo  posterior  do  Instituto  a  respeito,  requerendo 
que  se  oonsulte  a  casa  se  mantém  ou  revoga  a  primitíTa  indi» 


O  Sr.  Furtado,  2^  Secretario,  pede  que  seja  ouvido  solure  a 
redama^  o  Sr,  1«  Secretario. 

O  Sr.  FUiUBs,  l«  Secretario,  iô  entSo  as  actas  dae  sassOes  de 
7  de  dezembro  de  1801  e  de  9  da  deiembro  de  1892  e  oommunica 
ao  Instituto  que  a  cadeira  do  Imperador  não  sofflreu  altera<^ 
alguma  em  sua  coUoca^  t  qcenpa  a  cabeceira  da  mesma 
mesa  da  sala  onde  tinham  legar  as  sessões  e  ta^je  destinada  & 
leitura. 

O  Sr.  Visconde  de  Ouro  Preto  insiste  na  sua  reclamaçio  e 
no  pedido  feito  para  qne  o  Instituto  resolva  a  respeito,  porquanto 
é  na  sala  das  sessões  que  deve  ser  coUocada  a  cadeira,  se  bem 
se  recorda. 

O  Sr.  Furtado,  2^  Secretario,  pede  a  palavra  para  propor  a 
adopç&o  de  uma  providencia  que  termine  a  questão  e  Id  o  se- 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DB  1906  M9 

gainte  reqnerimento,  a  qae  adhere  o  Sr.  Visconde  de  Oaro 
Preto  e  que  6  em  segalda  approrado  ananimemente: 

«Proponho  que  a  solugSo  do  reqnerimenio  do  Sr.  9*  Vlo^ 
Preeldente,  Kxm.  Sr.  Visconde  de  Ouro  Preto,  fique  adiada, 
afim  de  que  a  Directoria,  examinando  ae  actas  das  seseides,  possa 
resolver  sobre  o  pedido  oa  redamaçio.  » 

O  Sr.  Pieiuss,  1*  Secretario,  oommunica  que  se  acha  na  ante- 
sala  o  Dr.  i^ugnsto  de  Lima,  admittido  em  9  de  setembro  de 
1901  e  pede  a  nomeaçSo  de  uma  commiariLo  para  introduzil-o  no 
.recinto. 

O  Sr.  Presidente  designa  para  acompanharem  o  Dr.  Au- 
gusto de  lima  os  Srs.  Mu  Fleiuss  e  AldUades  Furtado,  1*  e8* 
Secretários* 

Sntra  no  recinto  e  toma  posse  o  Dr.  Augusto  de  Uma. 

O  Sr.  Presidente  dirige>lhe  a  seguinte  alloeucSo: 

€  Sr.  Dr.  António  Augusto  de  Lima: 

€  O  Instituto  Histórico  e  Geographioo  BrazUeiro  tos  acolhe 
hoje  com  o  mesmo  prazer  com  que  recebeu,  ha  cinco  annos,  o 
vosso  magnifico  trabalho  denominado:  Um  municipio  de  auro^ 
esoripto  especialmente  para  a  admissSo  nesta  casa. 

«A  Yosaa  reputação  não  só  oomo  inspirado  cultor  das  musas, 
mas  como  Director  do  AiohiTo  Publico  de  Minas  Geraes  e  as 
Tossas  excelientes  qualidades  Já  vos  tomaram  credor  da  nossa 
estima  que,  por  certo,  será  augmentada  com  a  vossa  presença. 

€  Penetrando  neste  recinto  vereis  que  o  Instituto  Histórico  e 
Geographico  BrazUeiro  estranho  ás  lutas  politicas  e  querellas 
partidárias,  mereoe  o  amor  dos  que  sabem  pesar  os  grandes  re- 
positórios onde  se  guardam  e  estudam  os  subsídios  mais  seguros 
da  historia  pátria. 

€  B'  uma  associação  —  o  vosso  esclareeidoespirltò  o  reconhe- 
cerá— que  tem  largas  e  honrosissimas  tradições  e  que  as 
mantém  com  escrupuloso  edio,  provando  a  cada  passo  a  utilidade 
da  sua  existência  e  a  dedicação  de  seus  membros. 

<  Para  nós  é  sempre  um  dia  de  verdadeira  festaquando  ap- 
parece  um  novo  companheiro  oomo  vós,  recommendavei  pelos 
melhores  attribntos  do  talento  e  amor  ao  trabalho. 

<  Séde«  pois,  bemvindo  !  » 


400  RBVISTA  pO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

O  Sr.  Dr.  Augn^to  de  Lima  responde  dos  seguintet  termos: 

€  Sr.  Presidente.  Srs.  Membros  do  Institato—  Não  fosse  a 
▼oflsa  generosidade  para  oommigo,  encarecida  por  instancias 
de  amigos  para  que  me  acliasse  nesta  solemnidade*  darante  os 
breves  dias  de  minha  estada  nesta  Capitai  e  a  minha  timidez 
nataral  continuaria  a  procrastinar  eqte  momento,  que  sempre 
me  parecia  de  enorme  responsabilidade,  pela  honra  de  coinpa- 
reoer  perante  tós  sem  os  attribntos  que  em  mim  presamieis., 

4c  O  discipnlo  chamado  para  o  grémio  dos  mestres  n&o  sente 
emo^  mais  perturbadora,  em  seus  contrastes  de  des^o  e 
receio,  do  que  a  sentida  por  mim,  ao  receber  a  gentil  notifl« 
cação  dos  vossos  sentimentos  a  mçu  respeito. 

«  O  considerável  lapso  de  cinco  annos,  decorridos  da  eleição 
com  que  me  distinguistes  até  á.  minha  entrada  neste  venerando 
recinto,  encontra  no  estado  de  alma,  qae  acabo  de  iadicar,  nma 
justiâcação  sufflciente  para  os  que  conhecem  de  perto  o  xnea 
temperamento.  E  permitti-me  lembrar- vos  que,  qoando  çutra 
fosse  a  disposição  do  meu  animo,  por  uma  feliz  coincidência»  o 
mesmo  f^to  que  me  inipedio  aocudlsse  innmedla,tameoto  ao 
vosso  chamado,  iniciou-me  nos  gratos  assamptos  que  coDsUtneai 
a  especialidade  deste  Instituto . 

€  Foi  num  dos  departamentos  da  soberania  do  nosso  saber, 
foi  no  Archivo  da  mioha  terra  natal,  que,  logo  após  os  vossos 
sulfragiosattrahiodo-me  para  ca,  alli  me  reteve  o  Oovenio  de 
Minas,  prestando  assim,  segando  penso,  de  modo  virtual,  a 
mais  justa  homenagem  aos  vossos  suffi^agios.  * 

«  Entrando  immediatamente  em  relações  comvosco  pela  per- 
muta da  vossa  Revista  com  a  do  Archivo  Publico  Mineiro»  pra* 
ticando  diurna  e  noctnrnamente  com  o  que  .eu. imagino  ser  o 
génio  do  passado,  occulto  nas  paginas  amareiiecidaii  dos  códices 
e  cimelios,  eu  me  julgava  talvez  com  rasfto,  q^asi.  desobrigado 
4e. apressar  uma  investidura  oeremonial»  estando  já  de  faota  o» 
vossa  commuDhão. 

«  B  bem  mereço  os  parabéns  pela. demora,  chfiiraDdo  agora 
á  cidade  do  Rio  de  Janeiro,  no  pleno  esplendor  de  uma  nova^ci- 
vilizâção,  constituída  de  todos  os  elementos,  do  prpgcesso  social 
da  nossa  época. 


ACTAS  DAS  SBSSOB3  DB  1936         401 

«  08  8eu3  melhoramentos  materiaes  a  transformam  em  pa- 
raíso da  America. 

<  A  sua  oultara  politioa  está  assegurada  pela  eleyai^o  de 
vista  das  classes  dirigentes  e  pelo  espirito  ordeiro,  pacifico  e 
esclarecido  da  sua  população.  B  para  remate  da  sua  missão 
liistorica  Junto  do  mar,  ras^a-ae  em  seu  seio  a  larga  avenida 
que  dará  acceeso  a  iodas  as  nações  da  torra  para  o  ideal  de  paz 
no  continente  americano»  avenida  cuja  representação  topogra- 
phlca  vemos  realizada  nessa  faixa  esplendorosa  e  palpitante  de 
vida,  cora  qae  o  poder  da  vontade  de  um  homem  superior 
cinge  entre  as  aguas  de   Quanabara  a  cidade  de  Bstacio  do    Sà. 

«  Felizmente  para  mim  venho  no  momento  metamorphioo,  . 
talvez  marco  millenarlo  de  duas  civilizações*  uma  que  termina 
e  outra  quo  começa  a  sua  evolução. 

«  Esta  circumstanda  muito  convém  ás  minhas  condições 
p)8soaes  neste  Instituto,  a  cujo  seio  tão  generosamente  me  aco- 
lheis. 

«Ainda  não  sou  postivamente  um  velho,  mas  evidentemente 
já  não  sou  um  moço.  Acho-me,  portanto,  nesse  ponto  médio 
da  vida  em  que  nem  se  tem  adquirido  a  completa  serenidade 
garantida  externamente  pelo  diadema  das  cans,  nem  perdido 
os  últimos  calores  do  enthusiasmo  juvenil. 

«Posso,  portanto,  venerar  sem  fettchismo  as  cousas  do  pa»-> 
sado  e  abrir  a  alma  confiada  ás  aspirações  do  fiituro  sem  88 
vertigens  da  utopia. 

«  Nem  de  outro  modo  vejo  que  tenha  sido  a  situação  moral 
-  e  social  do  Instituto  Histórico  Brazileiro,  cuia,  evolução  se 
identifica,  desde  o  seu  começo,  com  a  da  nossa  nacionalidade, 
infundindo  nas  gerações,  que  por  elle  têm  passado,  este 
sentimento  de  unidade  histórica  e  de  integridade  territorial, 
que  forma,  no  espaço  e  no  tempo,  o  próprio  sentimento  da 
Pátria. 

«  E*  nasta  linha  de  continuidade  ininterrupta,  deixando  á 
margem  todas  as  vicissitudes  politicas,  que  se  percebe  a  phy* 
sionomiai  inconfundivelmente  individual,  de  uma  nãçfiio.  Bate 
resultado,  que  não  pôde  ser  conseguido  pelas  leis  ou  pelos  de- 
cretos, aetoa  politioos»  que  são  e  padecendo  da  precariedade  da 

4323-26  Tomo  Lxix,  p.  u. 


402  REVISTA  DO  IN8ITTUT0  HISTÓRICO 

sua  origem  sempre  mutável,  só  o  pôde  prodazir  a  oonvergencla 
de  esforços  iotellectuaes  permanentes,  para  a  boa  guarda  das 
tradições  do  povo,  n&o  interpretada  através  das  urnas  políticas, 
mas  perscratando  intimamente  nas  suas  inclinações  natnraes, 
nas  seus  antecedentes  históricos,  na  sua  religião  e  na  sua  cul- 
lura  civica  e  moral. 

«B^fta  casaé  o  mais  autorizado  centro  dessa  convergência. 

«Outros  núcleos  congéneres,  igualmente  beneméritos  em 
esforço,  patriotismo  e  elevação  cultural,  não  lhe  disputam  essa 
preeminência  culminante  oreada  pela  prova  de  68  annos.  Os 
vossos  trabalhos  sâo  thesouros  accumulados  para  a  nossa  Histo* 
ria,  que  a  Revista  do  InsUttao  está  fazendo  annualmente,  com  a 
collaboração  das  summidadas  inteilectuaes  do  paiz,  e  do  tal 
modo,  que,  sem  exaggero  ou  lisonja,  se  pôde  afflrmar  que,  do 
alto  da  vossa  visão  soberana,  dominaes  toda  a  oordilheira  do 
nosso  passado. 

«  Aqui  proferis  as  vossas  sentenças  sem  as  preoccupaçSea 
intensas  do  dia.  O  ruido  dos  acontecimentos  de  fora  chega 
a  este  recinto  em  ecos  amortecidos,  e  é  quando  estes  cessam  de 
todo  que  começais  a  julgal-os. 

«O  vosso  juizo  tolera  todas  as  opiniões  com  a  ooodi<^o  de 
trazerem  o  cunho  da  boa  vontade,  reservando-vos  para  profe- 
rir a  ultima  palavra,  que  é  a  da  verdade  histórica.  Não  discernis 
no  turbilhão  dos  siiccossos  o  que  deve  ser  senão  o  que  ^,  e  a  vossa 
d  cisão  suijrema  ú  sempre  tomada  debaixo  do  ponto  de  vista 
humano,  S3m  superstições  de  seitas  ou  paixões  de  partidos. 
£  é  por  is^o  que  a  vossa  missão  tem  sido  ó  e  continua  a  ser  o  * 
sagrado  ministério  da  nossa  formação  nacional,  rio  immenso 
que  abre  o  seu  leito  generoso  â  confluência  e  Aizao  de  todas  as 
raças  do  globo,  sem  reoeiar  os  perigos  que  o  nativismo  enxerga 
visionariamente  nas  levas  civilisadoras  enviadas  ao  nosso  lar 
pelas  nações  amigas. 

«Senhores,  eu  penso,  e  este  óo  lado  moço  da  minha  alma  que 
a  natureza,  deixando  o  nosso  paiz  coinpletameote  aberto  aos 
mares,  tornando  por  isso  mesmo  impossível  o  predomínio  de 
nma  nação  invasora,  mostra  o  desígnio  da  Providencia  em  fazer 
áelle  o  lar  de  um  typo  superior  de  naioioíiaildade»  íbrmaáa  des 


ACTàS  DA$  aBS8QP8  PB  1906       AÚ8 

elemeatop  aeloocJ^onadiM  origiaaa«  e  adquiridos  em  taiãp  ao 
isalar  dos  trópicos. 

«Neste  ponto,  permitti  que  termine i^om  um  voto  o  meo 
disourso:  é  que  ató  essas  remotas  eras  do  Aituro,  aobreaadando 
a  todas  as  transfusões  do  sangue  das  raças,  permaneça  aioda  o 
Instituto  Histórico  e  Qeographico  Brasileiro  como  o  depositário 
sagrado  da  unidade  da  nossa  iiugua  e  do  seotimento  sempre 
o  mesmo,  da  Pátria,  que  é  hoje  nossa  e  será  dos  uossos  yin. 
deuroi* » 

Q  Sr.  Desembargador  Souza  Pit^ngfk,  orador,  diz  que  dese- 
java ach^r-se  corai  melhor  predisposição  de  espirito  para  poder 
roàpoQder  a  oração  briltxante  do  inspirado  poeta  Augusto  Lima, 
irmão  gémeo  pelo  talento  de  TbeQphilo  Dias,  digno  prefaciador 
do  seu  trabalho  de  estréa  e  ai  ma  peregrina  que  ainda  hoje 
occupa  logar  saliente  na  pQOSia  de  Uiissa  terra,  e  que  herdou  de 
Gonçalves  Dias,  seu  illustre  tio,  o  suava  lyrismo  que  de  seus 
Tersos  diâue. 

«  Foi  em  Minas,  abençoada  terra  de  ^eu  nascimento,  que  o 
Dr.  Augusto  de  Lima  escreveu  a  curiosa  memoria  que  lhe  dQU 
ingresso  nesta  casa.  Não  podia  o  talentoso  consócio  achar  as- 
sumpto de  maior  interesse  do  que  aqueile  que  escolheu  —  um 
Município  de  Ouro^  historia  de  um  trecho  desse  glorioso  torrão 
mineiro,  tão  illustre  pelos  feitos  de  seus  filhos. 

4c  O  Dr.  Augusto  de  Lima  conciliou  na  sua  interessante  me- 
moria, ao  mosmo  tempo,  a  veneração  do  passado  e  a  esperança 
do  ftituro. 

«  Termina  dizendo  que  o  Instituto  rejubila-se  sempre  que 
acolhe  em  seu  seio  homens  do  valor  moral  e  intellectual  do  quo 
hoje  recebe.» 

O  Sr.  Furtado,  29  Secretario,  lê  as  seguintes  propostas  : 
€  Propomos  para  sócio  correspondente  do  Instituto  Histó- 
rico o  Sr.  Dr.  João  Felippe  Pereira,  illustre  lente  cathedra- 
tico  da  nossa  Escola  Polytechnica,  ex-Ministro,  ex-Pref ^ito  do 
Districto  Federal,  servindo  de  base  para  sua  admissão  o  seu 
trabalho  sobre  a  Commissão  Hydrographica  no  Ceará,  de  que 
fizeram  parte  os  Srs.  Barão  de  C^panema,  Freire  Aliemão,  Pa- 
]toglia  e  Oonçalvai.  ^'' 


404  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Rio«  20  de  Agosto  dA  1906.—  Mam  PMuts.^  Homem  de 
Mèllo.'^  Sousa  Pitanga.-^  Manoel  Barata.—  Augusto  de  Lima,'^ 
Eduardo  M.  Pettcoio 

Vai  á,  Gommiano  de  Qeographia,  relator  o  Sr.  Rocha 
Pombo. 

<  Propomos  seja  admittido  como  aocio  oorrespoQdente  deste 
Instituto  o  Sr.  Dr.  Gloris  Beviláqua,  distinoto  homem  de  lettras 
e  notayel  Jarisoonsiilto,  professor  cathedratioo  da  Faculdade  de 
Direito  do  Recife  e  consultor  jurídico  do  Ministério  das  Re- 
laçOes  Exteriores,  servlndolhe  de  titulo  do  admissão  oe  seus 
diversos  tral)alho8  históricos  e  jurídicos. 

Sala  das  sessdes  do  Instituto  Histórico,  20  de  agosto  de 
1906.—  Alcibíades  FS/iHado,--  António  Augusto  de  lÀma.-^  A. 
F.  de  Sousa  Pitanga.^  Barão  Homem  de  Mello. -^  Manoel 
Cicero.—  Max  Fleiuss.'^  Manuel  Barata.  » 

Vai  &  Commissão  de  Historia,  relator,  —  o  Dr.  Leite  Velho. 

O  Sr.  Fleiuss,  1«  Secretario,  lô  o  seguinte  parecer  da 
Commiêsdo  de  Admissão  de  Sócios:  cOs  títulos  om  que  se  ba- 
seia a  proposta  para  a  admissão  do  Sr.  Dr.  D.  Daniel  Gar- 
cia Acevedo,  como  sócio  correspondente  do  Instituto,  são  por  si 
sós  suffldentes  para  attestarem  sua  idoneidade.  O  Sr.  Dr.  D. 
Qarcia  Acevedo  ô  membro  de  uma  das  mais  illustres  famílias 
do  Estado  Oriental  do  Uruguay  e  elle  próprio  occupa  sa- 
liente posição  nos  círculos  scieatíficos  e  lítteraríos,  bem  como 
na  sociedade  do  seu  paiz. 

«Provado,  como  se  acha,  pelo  parecer  da  Commissão  de  His- 
toria o  merecimento  do  trabalho  que  oflèreceu  ao  Instituto  e 
que  tem  por  título  :  Contribuicion  ol  estúdio  de  la  cartografia 
de  los  paises  dei  Rio  de  la  Plata^  a  Commissão  de  Admissão  de 
Sócios  é  de  parecer  que  seja  approvada  a  proposta  que  o  apre- 
senta para  sócio  correspondente  do  Instituto  Histórico  e  Geo- 
graphico  Brazileíro. 

Sala  das  sessões  do  Instituto,  6  de  agosto  de  1906.—  Barão 
áô  Alencar,  relator,  Manoel  Barata.-^  Manoel  Cicero.  » 
Pica  para  ser  votado  na  próxima  sessão. 
O   Sr.  Desembargador   Souza  Pitanga,  em    sqpiida   lin- 
gtiagenii  propõe  que  ie  envie  unoa  moção  ao  Sr.  Hevia  Ri* 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE  1906         405 

quielme,  nosso  oonsocio  e  Ministro  do  Chile  no  Brazi],  mani- 
festando  o  pezar  do  Institato  Histórico  pela  catastroplie  qua 
acaba  de  occorrdr  em  sea  paiz,  cuja  amizade  pelo  Brazil  ó  tfto 
sincera  quanto  tradicional* 

O  Sr.  Dr.  Manoel  Barata  faz  idêntica  proposta  para  que 
se  envie  uma  mensagem  &  as:K)ciaçSo  congénere  do  Chile, 

O  Sr.  Furtado,  2^  Seci*etario,  propõe  que  o  Instituto  envie 
condolências,  também,  ao  Sr.  Valentin  Letelier,  na  qualidade 
de  representante  da  intellectualidade  chUena  e  como  bisto- 
riador  eminente  que  ó  Director  da  Universidade  de  Santiago. 

SSo  todas  as  propostas  approvadas  por  ananimidade. 

O  Sr.  Pleiuss,  l"*  Secretario,  propõe  um  voto  de  reconhe- 
cimento ao  Gabinete  Portugaez  de  Leitura,  que  com  o  maior 
cavalheirismo,  durante  três  mezes,  franqueou  as  suas  salas 
para  as  sessões  do  Instituto,  em  vista  das  obras  por  que  passou 
o  ediâcio  social. 

A  proposta  ó  approvada  por  unanimidade,  ficando  incum- 
bido o  10  Secretario  de  communioal-a  k  Directoria  do  Gabi- 
nete. 

Pede  em  seguida  a  palavra  o  Sr.  Alcibíades  Furtado,  2^  Se- 
cretario, que  procede  á  leitura  de  um  trabalho   sen, 

O  Sr.  Presidente  nomeia  para  preencher  as  va^as  exis- 
tentes nas  Ck)mmissões  de  Admissão  de  Sócios  e  de  Geographia 
os  Srs.  Dr.  Miguel  Joaquim  Ribeiro  de  Carvalho  e  José  Fran-> 
cisco  da  Rocha  Pombo. 

Levanta-se  a  sessão  ás  5  hora»  da  tarde. 

Alcfbiades  fS*rtado 
2o  Seoretarlo 


DECIMA  QUARTA  SESSÃO  ORDINÁRIA  EM  3  DE  SETEMBRO 

DE  190Õ 

Presidência  do  Sr,  Marquez  de  Paranaguá  (i^  .Viee-Presidente) 

A's  3  horas  da  tarde,  na  sede  social,  presentes  os  Srs.  Mar* 
quez  de  Paranaguá,  Barão  Homem  de  Mello,  Visconde  de  Odro 
Preto,  Max  Fleiuss,  Alcibíades  Furtado,  Arthur  Guimarães,  Con- 
selheiro Cândido  de  Oliveira,  Barão  de  Alencar,  Drs.  Manoel 


406  RBVreTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Barato.  Manoel  Cicero,  José  Américo  dos  Santot,  BarSLo  de  Para* 
napiaeaba,  Bduardo  Marques  Peixoto  e  Rocha  PombOt  abro-se  a 
seesfto. 

O  Sr.  Furtado,  2«  secretario,  lê  a  acta  da  ses^  anterior,  a 
qnal  é  appruvada  sem  debate. 

O  Sr.  Presidente  nomeia  o  Sr,  Dr.  Manoel  Cicero  para  sub- 
stituir o  orador,  desembargador  Souza  Pitanga,  que,  em  cartio 
dirigido  ao  Sr.  Dr.  bibliotlieoario  do  Instituto,  participou  que 
por  Justo  impedimento  nEo  podia  comparecer. 

O  Sr.  Pleluss,  l^  secretario,  procede  á  leitura  do  expediente: 

Offlcio  do  sócio  Anselmo  Hevia  Riquielme,  Ministro  do  Chile, 
agradecendo  nestes  termos  o  voto  de  pezar  do  Instituto  pela 
oatastrophe  que  ultimamente  enlutou  o  Chile: 

«  Petrópolis,  25  de  agosto  de  1900.—  Seííor  1*  secretario:— 
Me  he  impueeto  do  la  atenta  nota  fecha  de  ayer  en  que  Ud.  se 
sirve  comunicarme  que  el  Instituto  Histórico  i  Geográfico  Brasi- 
lero,  de  que  Ud.  es  mui  digno  Secretario,  en  su  sesion  dei  20 
dei  corriente  á  indicacion  dei  Seilor  desembargador  António  Fer- 
reira Souia  Pitanga,  aoordó  unanimemente  expresar-me  los 
sentimientos  de  peear  dei  Instituto  por  la  iamentoble  catástrofe 
que  aoaba  de  enlotar  á  Chile,  repercutiendo  dolorosamiente  en 
todo  el  mundo  ciyilisado  i  principalmiente  en  el  Brasil,  atenta  las 
condiciones  de  amistad  i  simpatia  que  ligam  á  nuestros  dos 
paises. 

«El  Instituto  Histórico  i  Geográfico  Brasilero,  esta  doota  Cor- 
poration que  cuenta  en  su  eeiio  tantoe  espíritos  distinguidos  i 
cultos,  ha  querido  tamMen  asociarse  ai  dolor  de  los  Chilenos,  i 
ai  haoerlo,  invoca  en  términos  mui  delicados  la  particular 
amíatad  i  simpatia  que  ligam  ai  Brasil  i  Ghile. 

«Esos  sentimientos  de  pesar  asi  como  los  ardientes  votos  que 
el  Instituto  formula  para  que  la  Providencia  reserve  mejores  dias 
a  mi  pais,  obligan  proAindamiento  la  gratitnd  de  los  Chilenos. 

«Qoiera  Ud.  Sefior  seeretario  transmittir  mis  agradeeimi- 
entos  a  los  Se&ores  mlembros  dei  Instituto  i  aceptar  Ud.  mis 
ientimienios  de  alta  e  distinguida  oonsideradon.—  Anselmo 
Hevia  Riquielme  —  Sefior  secretario  dei  Instituto  Uistortoo  i  Geo- 
fráfloo  Brasilero»*—  Inteirado* 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE  1906         407 

—  Offloio  da  Secretaria  do  Congresso  Legislativo  do  Estado 
do  Maranhão,  pedindo  remessa  de  livros  para  sua  bibliotheca.— 
AttenJer-se-ha  opportanamente. 

—  Cartão  do  consócio  desembargador  T.  Q.  Paranhos  Mon- 
tenegro, enviando  pezames  pelo  fallecimento  do  conselheiro  Ole- 
gário de  Aquino  e  Castro,  presidente  do  Instituto.—  Muito  se 
agradece. 

—  Carta  do  consócio  Dr.  Joaquim  Nabuco,  concebida  nestes 
termos:€Sr.  Presidente,  Rio  31  de  agosto  de  1906.  Rogo  a  Y. 
£x.,  a  âneza  de  apresentar  os  meus  mais  sinceros  agrade* 
cimentos  ao  Instituto  pelo  voto  que  em  sessão  de  17  de  Junho 
de  1904,  elle  consignou  em  sua  acta  em  louvor  do  desempenho 
que  dei  á  minha  missão  janto  ao  Rei  da  Itália  na  questão  de  li- 
mites com  a  Quyana  Britanniea.  Aquella  honrosa  manifestação 
deixou  de  me  ser  presente  por  moti?o  que  eu  não  poderia  hoje 
averiguar,  mas  o  Instituto  avalia  bem  o  praser  que  ella  me  teria . 
causado,  então,  como  me  causa»  hoje,  o  conhecimento  delia. 

«  Todos  03  meus  votos  acompanham  sempre  a  histórica  insti- 
tuição que  V.  Ex.  preside,  por  ser  ella  o  único  abrigo  das  nossas 
tradições  nacionaes.  Creia- me  V.  Ex.»  com  a  maior  conslde* 
ração  e  mais  elevado  apreço  de  V.  Bx.,  muito  attento  venerador 
e  criado  Joa^un  Nabueo.vi 

O  Sr.  Fleiuss,  I*  Seoretai*io,  expiiea  que  essa  carta  oonstitue 
resposta  de  outra  que  a  Secretaria  do  Instituto  dirigia  ao  Dr.  • 
Joaquim  Nabuco  transmiitindo  cópia  da  mensagem  a  que  ella  se 
reíére. 

O  Sr.   Fleiuss,  r  Seoretario,  lô  ainda  as  ojQTertas  e  comma-'' 
nica  em  seguida  ao  Sr.  Presidente  que  se  acha  na  ante-sala  o 
sócio  Dr.  Sebastião  de  Yaseoncellos  Galvão.  O  Sr.  Presidente. 
designa  os  Srs.  P  e  &>  secretários  para  introduzirem  na  saia  das 
sessões  o  Dr.  Sebastião  Galvão,  que  dã  eatiBda  e  em  seguida 
toma  assento. 

O  Sr.  Presidente  dirige-ihe  a  segointe  allocução: 

€  Sr.  Dr.  Sebastião  de  Vasooncelloa  Galvão.  O  Instituto  Histó- 
rico e  Geographico  Brasileiro  vos  recebe  hoje  com  o  mesmo  sea* 
timento  de  sympathia  com  que  vos  admittio  ha  seis  annos,  em 
sessão  de  2õ  de  Outubro  de  1900.  Por  aquella  oooasiãe  Já  tiveram 


408  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

mereeido  louvores  os  rossos  trabalhos  de  ioyestigador  que  n&o 
desanima,  nem  se  afasta  da  verdade,  seu  uuico  ramo.  NSo  vos 
attrahio  o  género  leve  da  fantasia  ou  do  sonho;  preferistes,  em- 
bora moQO,  trilhar  a  vereda  da  scienoia  e  imprimir  aos  vossos 
trabalhos  o  cunho  da  exactidão,  que  só  se  consegue  com  aturado 
estudo.  Se  agora  mesmo  o  Institato  tem  o  prazer  de  vos  acolher 
é  porqne  viestes  de  vossa  terra  para  entregar  &  publicidade  uma 
das  mais  importantes  das  vossas  olNras—  o  Diccionario  Chorogra- 
phieo  e  Oêographico  de  PernambueOt  que  estíl  reservado  para 
mostrar  ao  pais  a  opulência  dos  vossos  ooahecimentos  techaicose 
a  importância  do  Estado  de  que  vosorgulhaes  de  ser  filho. 
Sede,  pois,  bem  vindo.» 

O  Dr.  Sebasti&o  de  Yasooncellos  GalvSo  responden  nestes 
termos:  «Bxm.  Sr.  Presidente,  Srs.  Membros  do  Instituto  Histó- 
rico e  Oêographico  Brazileiro.  Honrou*me  esta  Associa^  tendo 
a  bondade  de  eleger-me  sócio  correspondente. 

€  Esta  elei^  só  pôde  ser  traduzida  por  immensa  generosi- 
dade de  seus  iUostres  Membros,  pois  a  consciência  m'o  diz  que 
as  minhas  habilitações  nSo  me  levariam  i  estulta  preten(}io  de 
maglnar  pertencer  a  um  grémio  t&o  escolhido  e  distinoto.  Per- 
nambucano, tendo  inclina^  para  estudos  de  geographia  e  his- 
toria de  meu  paiz,  desde  muitos  annos  já  acostnmei-me  a  ad- 
mirar este  Instituto,  mesmo  da  longe,  onde  eu  vivia,  lendo 
sempre  sua  curiosa  Ref>ista  e  apreciando  seus  iliustrados  e  ope- 
rosos sócios.  Em  condições  taes,  qual  nio  deve  ser  meu  prazer 
e  orgulho,  vindo  assentar-me  &  vossa  mesa,  ao  lado  dos  mestres, 
e  tomar  parte  em  vosso  convívio  literário. 

<  Acho-me  temporariamente  nesta  grande,  encantadora  e 
prospera  capital;  aproveitar-me- hei  da  minha  curta  residência 
aqui  para  em  vossa  Thebaida  de  sábios  tracer-vos  noticias  his- 
torico*geographicas  de  minha  querida  terra  natal.  Devotado  por 
prazer  aos  estudos  de  semelhante  natureza  aqui  não  ficarei  oci- 
oso. Estudarei,  mas  estudarei  quanto  me  ÍOr  possível ;  e,  na  at- 
mosphera  de  vosso  meio,  com  a  irradiação  de  vossas  lu^^,  apren 
derei  muito  e  também  me  sentirei  mais  forte  para  proseguir- 
na  estrada  dos  estudos  e  assim  melhor  coUaborar  comvosco. 
€  Bxm.  Sr.  Presidente.  Não  me  propus  fkzer  discurso  acade- 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE  1906         4Ó9 

mioo,  fallece-mo  a  competência,  faltou-meo  tempo.  Fallo  tão  so- 
mente por  dever  regularmentar.  para  corresponder  respeitosa- 
mente a  essa  deliciosa  e  eloquente  saudado  rocipiendaria,  Exm, 
Sr.  Presidente,  Srs.  Membros  do  Instituto  Histórico  e  Geogra- 
phico  Brazileiro,  dignem-se  de  acceitar  os  protestos  do  meu  mais 
acrisolado  agradecimento.» 

«O  Dr.  Manoel  Cicero,  servindo  de  orador,  diz  qne  estando 
ausente  o  Dezembargador  Souza  Pitanga  foi  escolhido  para  em 
seu  lugar  saudar  o  recipiendarlo,  substituição  que  por  corto  não 
foi  feliz,  mas  não  lhe  fora  licito  rocusar-se  á  determinação  da 
presidência. 

«Não  tinha  havido  generosidade  da  parte  do  Instituto,  como 
disse  em  seu  discurso  o  Sr.  Dr.  Vasconcellos  Galvão.  Os  seus  es- 
tudos geographicos  e  históricos,  os  sous  trabalhos  Já  publicados, 
entre  os  qaaes  se  salienta  o  Diccionario  ChorographicOf  Eitiorico  e 
EsMiêtieo  de  Pernambuco,  trabalho  de  incontestável  valor  o 
único  que  modernamente  appareceu  sobre  o  assumpto,  depois  do 
que  publicou  Monsenhor  Costa  Honorato,  jã  ha  muito  o  haviam 
recommendado  á  attenção  do  Instituto  Histórico. 

«Outras  associações  congéneres  já  o  tôm  admittido  no  seu 
seio,  como  o  Instituto  Archeologioo  e  Geographico  Pernambu- 
cano e  o  Instituto  Geographico  e  Histórico  da  Bahia,  do  pri- 
meiro dos  quaes  ó  sócio  benemérito.  As  suas  qualidades  moraes 
e  intellectuaes  são  bastante  conhecidas  no  Recife,  ondo  exerce 
com  competência  as  ftincçôes  do  inspector  da  lostrucção  Pu- 
blica Municipal.  Tantos  títulos  o  rocommendam  sufllciente- 
mente  e  são  a  garantia  dos  serviços  que  ao  Instituto  Histórico 
poderã  prestar  o  novo  sócio,  que  certamente  não  recusará  a 
sua  proveitosa  oollaboração.  O  Instituto  rejubila-se,  pois,  com  a 
entrada  auspiciosa  do  Sr.  Dr.  Sobastião  de  Vasconcellos  Galvão 
e  sauda-o  por  intermédio  do  orador.» 

O  Sr.  Presidente  declara  que  vai  ser  lido  o  parecer  da 
Directoria  sobre  a  reclamação  feita  na  sessão  de  20  do  agosto 
pelo  Sr.  3°  Vice- Presidente,  Visconde  de  Ouro  Preto,  relativa 
á  cadeira  do  Imperador. 

O  Sr.  Furtado,  2»  Sscretario,  faz  a  leitura  desse  parecer, 
concebido  nestes  termoi|. 


410  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

«  A  Directoria  do  lostitato  Histórico  e  Qeographico  Braâ- 
leiro,  tomando  no  mais  elevado  apreço,  oomo  era  de  rigaroea 
justiça,  a  reclamação  apresentada  em  sessão  de  20  deste  mea 
pelo  illustre  B^  Vice- Presidente,  Bzm.  Sr.  Visconde  de  Ouro 
Preto,  relativamente  à  collocação  da  cadeira  em  que  se  sen- 
tava o  Sr.  D.  Pedro  II,  quando  presidia  ás  sessOes  do  Instituto, 
veriílcoa  após  detido  exame  também  procedido  pelo  Sr,  Dr.  Bi- 
bliothecario ; 

«~  que  em  sessfto  de  29  de  novembro  de  1889  o  Sr.  Dr.  Jofto 
Severiano  da  Fonseca  propoz  «  em  quatUo  fosse  viw)  S,  M,  o  Sr, 
D.  Pedro  de  Alcântara  a  cadeira  se  c:nservasseinoccupada  e  cO' 
berta  por  um  vêo.  »  (  Vide  Revista  Trimensalt  tomo  LH,  parte 
II.  pag.  538),  proposta  essa  unanimemente  approvada; 

«—  que  em  sessão  extraordinária  de  7  de  dezembro  de  1891, 
por  occasifto  da  morte  do  Imperador,  o  Instituto  approvou, 
varias  medidas  demonstrativas  de  seu  pesar  e  entre  estas  a  de 
cobrir-se  de  crepe  durante  um  anno  a  cadeira  em  que  se  sen- 
tava  Sua  Magestade  para  presidir  às  sessões  do  Instituto  (Vide 
Revista  Trimêfisal^  tomo  LIV  pag.  300) ; 

«  —  que  em  ses^fto  de  9  de  dezembro  de  1892  deram-se  os 
seguintes  íáctos  narrados  &  pag.  418,  tomo  LV,  parte  II  daRs- 
vista  Trimensal ; 

cBm  seguida  o  Dr.  César  Marques  apresenta  o  seguinte 
«  requerimento: 

«Está  acabado  o  anno  de  luto  pela  morto  de  S.  M.  o  Im<- 
«  perador,  e  por  isso  requeiro  que  se  tire  o  crep j,  que  envolve  a 
€  columna,  onde  na  sala  principal  está  o  seu  busto  e  que  o  mesmo 
«  se  faça  á  cadeira  onde  se  sentava  elle,  sendo  esta  e  o  estrado 
«  em  que  se  acha  removidos  para  o  salão  D.  Theresa  Chrlstina. 

€  Requeiro  que  nas  costas  da  cadeira  seooUe  um  rotulo,  as- 
«  signado  pelo  nosso  presidente,  declarando  o  flm  que  estes  obje- 
«ctos  tiveram  em  quanto  residio  entre  nós  o  Sr.  D.  Pedro  II. 

€  Roquoiro  tambom  que  da  seguinte  sessão  em  diante  o  Pre- 
«  sidente  do  Instituto  occupe  a  cabeceira  da  mesa,  como  ó  de 
«costume  em  todas  ss  sociedaies  congéneres. 

€  Sala  das  sessões  do  Instituto  Histórico,  em  9  de  dezembro 
€de  1892.—  O  sooio  honorário,  Dr.  César  Augtisto  Marques  ^^ 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE  1906         411 

<  Snaoltando-se  longa  disoasaio  sobre  este  requerimento» 
«  re8olye-«e  deixar  por  emquanto  tudo  como  está  e  só  posterior- 
« mente  deliberar  sobre  o  qae  convóm  ílsizer.  » 

<— que  nos  estatutos  upprovados  ein  sessão  de  1  de  agosto 
de  1890  ha  a  seguinte  dispoeicio  no  art,  50: 

<£m  todas  as  sessões  o  Presidente  oooupará  o  primoiro 
« logar  &  direita  da  mesa,  tendo  ao  seu  lado  o  1<»  e  o  2**  Secreta^ 
«  rios,  o  Thesoureiro  e  o  Orador,  e  ficando  em  frente  os  três  Vice- 
«  Presidentes,  por  sua  ordem,  e  os  Secretários  gupplentes.  Todos 
«os  outros  membros  se  assentarão  promisouamente.  » 

«  Póra  ilestas  claras  e  terminantes  deliberações  só  ha,  quanto 
&  cadeira  do  Imperaior,  nas  paginas  da  Revista  e  nas  actas  das 
sessões,  algumas  allusões  ã  «  caieira  para  sempi*e  vasia  ». 

€  Do  exposto  e  considerando  que  a  resolução  do  Insti- 
tuto sobre  a  collocaçao  da  peferida  cadeira  teve  um  caracter 
provisório  «  resolve-se  deixar  por  emquanto  tudo  como  esta  » 
{Sessão  de  9  de  dezembro  de  Í892);  considerando  que  os 
estatutos  de  18d0  foram  approvados '  quando  ainda  vivia 
o  Sr.  D.  Pedro  II  e  portanto  vigorava  a  resolução  tomada 
em  sessão  de  29  de  novembro  de  1889  —  «  emqtianto  fôr 
vivo  »  ;  —  considerando  quo  nas  obras  ultimamente  procedidas 
no  edifício  do  Instituto,  a  antiga  sala  das  sessões,  ora  des- 
tinada á  leitura  publica,  foi  melhorada  incomparavelmente 
no  duplo  aspecto  da  segurança  e  da  belleza,  não  se  tendo, 
porém,  feito  a  mais  ligeira  alteração  no  antigo  mobiliário, 
bustos,  retratos,  e  permanecendo  a  cadeira  em  que  se  sen- 
tava o  Imperador  no  mesmo  logar,  á  cabeceira  da  mesma 
mesa  em  que  se  celebravam  aa  sessões;~considerando  que  o  es- 
pirito de  oulto  à  memoria  do  Sr.  D.  Pedro  II  se  manifesta  Jã  no 
respeito  ã  antiga  sala,  agora  denominada  D.  Pedro  II,  já  no 
novo  sadão  D.  Tfieresa  ChrisUna,  jà  na  oollooação,  no  logar  de 
honra  do  novo  salão  das  sessões,  do  retrato  do  Imperador,  corpo 
inteiro,  oontendo  a  respectiva  moldura  as  insígnias  magesta* 
ticas.  Já  na  conservação  do  sello  do  Instituto,  com  os  dizeres: 
Âuspice  Petro  Segundo,  pacifica  scientioe  occupatio;  considerando 
que  os  Estatutos  em  vigor  approvados  pela  assembléa  geral  de 
9—16  de  abril  do  corrente  anno  estabelecem  no  seu  art.  49, 


412  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

g  2*:  cEm  todas  as  reaniões  do  Instituto  o  presidente  oecQpar&  o 
centro  da  mesa,  tendo  &  direita  o  1°  secretario  e  o  orador  e  á 
esquerda  o  29  secretario  e  o  thesoureiro».  Julga  n&o  haver  a 
menor  infrac^  das  decisões  anteriores,  satisfeita  com  esta  ez- 
plicaclLo  documentada  a  reclamação  e  declara  manter-se  firme, 
completa  e  inilludi^el  a  homenagem  qne  o  Instituto  deve  á  me- 
moria venerabilissima  do  seu  Augusto  Protector,  dando  assim 
por  encerrado  o  incidente. 

«Rio,  27  de  agosto  de  \90ò. ^Marquei  de  Paranaguá. --A, 
F,  de  Souza  Pitanga, — Mace  Fleiuts .-^Alcilnades  Furtado,^ 
Árthur  Guimarães. T^ 

«O  Sr.  Visconde  de  Ouro  Preto  pedindo  a  pafavra,  diz  que 
J&mais  se  Julgará  desobrigado  de  reconhecer  erro  ou  de  reparar 
injustiça  que  haja  praticado.  Bem  o  sabe  o  venerando  Presi- 
dente, por  constantes  relações  de  quarenta  annos. 

«  Consoante  esse  modo  de  proceder,  deve  declarar  ter-se  en- 
ganado, suscitando  a  reclama^  sobre  a  qual  formulou  a  il- 
lustrada  Mesa  o  documentado  parecer  que  acaba  do  ser  lido. 

«  O  Instituto  n&o  «deliberou,  como  suppunha,  que  a  cadeira 
de  Sua  Magestade  o  Sr.  D.  Pedro  II  occupasse  para  sempre  o  logar 
de  honra  da  sala  das  sessões.  Limitou  a  um  certo  prazo  essa  to- 
cante demonstração  de  apreço  ã  mamoria  do  seu  augusto  pro< 
tector. 

4c  Não  devia  ter  assim  resolvido,  mas  resolveu;  n&o  ha  ne^ 

«  Para  taes  assumptos  não  decorre  prescrip^;  e  estaria  em 
seu  direito  propondo  que  revigorasse  e  se  ampliasse  a  piedosa 
homenagem  a  quem  tanto  fez  pelo  Instituto,  emquanto  este  sub- 
sistir. 

«  Entende,  porém,  não  ser  opportuno  nem  conveniente  apre- 
sentar indicação  nesse  sentido.  Não  suspeite  ninguém  que  pre- 
tenda perturbar  a  sdreaidade  deste  recinto  com  a  repercussão 
das  controvérsias  agitadas  lã  fora. 

«  Aliãd  o  mesmo  parecer  é,  folga  em  dizel-o,  eloquente  teste- 
munho da  gratidão  devida  ao  magnânimo  Extincto,  que,  atô  no 
exílio,  e  só  dispondo  de  escassíssimos  recursos,  soube  favorecer  a 
^sociaçKo  que  tanto  amou,  coni  donativo  verdadeiran^eqte  régio. 


ACTAS  DAS  8E8SÓBS  DE  1906         413 

«Demais  ;  palsaase  ainda  aquelle grande  ooraoSo  e  nenbam 
cnlto*  que  mais  o  satisfizesse,  poderia  render-lhe  o  Instituto»  do 
que  perseverando  na  sua  miss&o,  que  ó  colher,  perpetuar  e 
diffundir  a  verdade  aoeroa  das  cousas  e.dos  homens  do  Brazil, 
no  empenho  unioo  do  engrandecimento  e  renome  da  pátria. 

«O  parecer  encerra  com  acerto  o  incidente.  Agradece  á  Mesa 
a  extrema  gentileza  com  que  communicou  ao  declarante  o  con- 
texto desse  trabalho,  antes  de  oxhibil-o  em  sess&o.» 

O  Sr.  Presidente  declara  ooogratular-se  com  o  Instituto 
pelo  feliz  resultado  que  teve  o  incidente. 

O  Sr.  Visconde  de  Ouro-Preto  diz  que  proferirá  mais  al- 
gumas palavras,  em  jastiflca^^  de  uma  proposta,  cuja  simples 
leitura  bastaria  para  angariar-lhe  o  assentimento  unanime  do 
Instituto.  Gomo  recordou,  em  uma  das  sessões  passadas,  a 
actual  e  commoda  installaçfio,  que  desfructa  o  Instituto,  é  devida 
principalmente  ao  prestigio  do  saudoso  e  finado  presidente 
perante  os  poderes  públicos,  graças  &  elevada  situagio  que  tinha 
no  mundo  offlcial. 

«  Não  menos  certo  ó,  porôm,  que  se  as  obras  emprehendidaSi 
para  concertos  e  decoracSo  do  edificio,  realizaram-se  com  cele- 
ridade, nio  habitual  entre  nós  e  de  modo  tSo  satisfaotorio,  foi 
em  resultado  da  solicitude  e  esforços  de  outro  digno  consócio. 

€E*  elle  o  illustre  Sr.  1<>  Secretario.  Aqui  comparecendo 
diariamente,  activou  e  fiscalizou  todos  os  trabalhos,  providen- 
ciando sobre  tudo  como  convinha.  Nem  só  iaM>;  conseguiu  por 
infatigáveis  diligencias  e  (porque  não  o  dirá?)  por  suas  maneiras 
insinuantes,  que  os  auxilies  promettidos  anteriormente  ao 
Instituto  Ibssem  augmentados. 

«Serviços  de  tamanha  valia  merecem  ficar  assignalados 
jem  um  voto  de  agradecimento. 

Tal  o  fim  da  seguinte  moção: 

<  Propomos  que  se  consigne  na  acta  um  voto  de  reconhe-* 
«cimento  ao  digno  l""  Secretario  Max  Fleiuss,  pelo  serviço  cst 
«levante  que  acaba  de  prestar  ao  Instituto,  promovendo  a 
«  realização  dos  melhoramentos  que  se  fiiziam  necessários  ã  se« 
«gurança  e  &  melhor  adapta^^  do  edificio  em  que  esla  asso- 
«elação  tem  a  sua  sedo  e  empenhando  neste  sentido  toda  a 


il4  REVISTA  DO  INSTITUTO  HKTORIGO 

€  soa  dodioaçao  e  inezoediveis  esforoos.—  Rio  de  Janeiío,  Sala 
cdas  SesBões,  em  6  de  agosto  de  1906.—  Ouro  PrHo.'^  Ma- 
noel Barata. —  Manoel  Cicero,-^  Joeé  Américo  dos  Santos.-^ 
Arihwr  QtUvnarães.—  A.  Cunha  Barbosa. ^Rochã  Pombo. —  Jtfw- 
ardo   Marques  Pekooto.'^  Aleibiades   Furtado. i^ 

O  Sr.  Presidente  põe  em  votação  a  mo^,  que  é  atiani- 
mente  approvada. 

O  Sr.  PleiosB,  \^  Seoretarlo,  agradece  a  generoeidade  oa- 
ptivante  dos  seaa  iilaetrefl  pares  e  pede  vénia  para  deetaoar  em 
gratidão  as  carinhosas  palavras  proferidas  por  seu  eminente 
amigo  Sr.  Visconde  de  Ouro  Preto.  Blias  eonstituem  um  pre- 
mio magnifico  dos  esforços  que  vem  empregando  desde  o  aono 
passado  para  que  o  Instituto  tivesse  uma  instaliação  condigna. 

« Reeorda  o  apoio  incondicional  que  teve  do  inesquecível 
Sr.  Conselheiro  Olegário,  que  o  autorisou  ca  faser  o  queon^ 
íondessêy  só  querendo  saber  das  obras  depois  de  oonduidas », 
mas  precisa  salientar,  e  com  lealdade  o  íái,  que  sem  a  Inex- 
cedivel  boa  vontade  do  Governo  nada  se  teria  conseguido, 

«Aos  Srs.  Drs.  Rodrigues  Alves,  l^eopoldo  de  Bulhõest 
Seabra  e  Félix  Gaspar  deve  o  Instituto  a  sua  compleia  rsor- 
ganização  material. 

«Sfio  nomes  que  ficam  para  sempre  ioseulpidos  na  gra- 
tidão desta  casa. 

«  Ainda  por  oocasião  de  sua  visita  a  este  ediflcio,  em  30 
de  julho  ultimo,  o  Sr.  Presidente  da  Republica  demonstroa  o 
mais  vivo  interesse  por  todos  os  melhoramentos»  examinando- 
os  minuciosamente  e  tendo  por  fim  palavras  de  justo  apreço  ao 
Instituto,  que  S.  Ex  considerou  merecedor  de  toda  a  estima. 

«  Ao  obscuro  ooUega  que  ora  ocoupa  a  attengão  da  oasa,  o 
Sr.  Dr.  Rodrigues  Alves,  com  oeavalheirismo  que  lhe  é  próprio, 
dirigiu  benévolas  e  animadoras  palavras,  a  que  se  vém  juntar 
as  que  acaba  de  ouvir,  partidas  de  um  p  itricio  da  estatura 
do  Sr.  Visconde  de  Ouro  Preto,  ccijo  nome  não  ô  somente  uma 
gloria  para  o  Instituto,  mas  para  a  oommunhão  braiilelra. 

«  £  já  que  se  reíériu  às  obras,  o  orador  pede  vénia  paca 
ainda  eitar  dous  nomes  que  floarão  ligados  a  esae  bailo  fdp 


ACTAS  DAS  3BS80BS  DE   i8Õ6  ^16 

riodo  de  transformaç&o  —  o  Dr.  Franeitoo  Augusto  Peixoto,  en* 
geaheiro  do  Miniaterio  da  Justiça  e  o  8r.  Miguel  Bruno,  ar- 
chitecto  -  constractor . 

«  O  primeiro  impoz-se  ú,  estima  pelo  critério  e  competência 
oom  que  fiscalizou  diariamente  todos  os  trabaltios ;  o  segundo 
pela  exactidão  oom  que  cumpriu  as  clausulas  do  seu  oontracto 
oom  o  Qoverno,  pres(ando-se  mesmo  a  executar  melhoramentos 
a  que  pela  letra  do  compromiíiso  não   era   obrigado. 

«  Termina  reiterando  os  seus  agradecimentos  ao  Instituto  e 
assegurando  que  permanecerá  no  posto,  supprimindo  pela  de* 
dicação  ininterrupta  as  qualidades  que  lhe  faltam  para  dar 
brilho  ao  cargo  de  l^  Secretario.» 

Ò  Sr.  Presidente  annunoia  a  votaoio  do  pareoer  da  Com* 
missão  de  Admissão  de  Sócios,  opinando  pela  approYagão  da 
proposta  apresentada  do  Sr.  Dr.  D.  Daniel  Oaroia  Aoevedo 
para  sócio  correspondente. 

Prooede-se  á  votação,  sendo  approvadas  as  conclusões  do 
parecer. 

O  Sr.  Presidente  proclama  o  Sr.  Dr.  D.  Daniel  Qarcia 
Aoevodo  sócio  correspondente  do  Instituto  Histórico  Geogra- 
phico  Brazileiro. 

O  Sr.  Furtado,  2?  Secretario,  lè  a  seguinte  propopta:  €Pro-< 
pomos  para  sócio  correspondente  da  Instituto  Histórico  e  Qeo- 
graphico  Brazileiro  o  illustre  diplomata  cubano  D.  Gonzalo 
de  Quesada,  autor  de  varias  obras  importantes,  por  concorrerem 
no  proposto  as  qualidades  è  virtudes  que  o  recommendam  ã 
admissão  no  seio  deste  Instituto.  Servem  de  base  á  sua  ad- 
missão as  duj^  obras  que  offerece  e  são :  <  Cítbck  em  i905  » 
e  Cuba*s  loar  for  Freedom,  ambas  de  sua  lavra.  Sala  das 
sessões  do  Instituto  Histórico  e  Geographico  Brazileiro»  em  3 
de  setembro  de  1906.—  Jq&4  Américo  dos  Santos^ —  Manoel  âa- 
rata, —  Cândido  de  Oliveira,»^  A*  Gommissão  de  Historia,  re- 
lator o  Sr.  Visconde   de  Ouro  Preto. 

O  Sr.  José  Américo  dos  Santos  pede  a  palavra  para  of-< 
ferecer  ao  Instituto  o  1°  volume  da  obra  intitulada :  Inter^ 
national  American  Confisrence  Washington  Íã90^ 

O  Sr.  Fleiu^s  prooade  ã  leitura  4e  alguns  treabos^  BUh 


416  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

graphia  e  estudo  do  Conselheiro  Franeiseo  José  FUrtadOf  es- 
cripta  pelo  Ck>ii8elheiro  Tito  Franco  de  Almeida  e  das  copio- 
sas notas  que,  á  margem,  escreveu  a  lápis  o  Imperador,  D. 
Pedro  II. 

O  Sr.  Visconde  de  Ouro  Preto  declara  qae  fará  algumas- 
revelações,  qae  não  ser&o  sem  interesse  para  o  Instituto,  pois 
se  refere  ao  livro,  cujos  ezcerptos  e  notas  leu  o  Sr.  1«  Secre- 
tario. Esse  livro  appareceu  quando  mais  aeoesa  se  feria  a 
luta  entre  os  denominados  Uberaes  históricos  e  Uberaes  pro. 
gressistas^  causando  certa  impressão. 

«  Entendeu  oontrapor-llie  reAitação  o  gabinete  de  3  de  agos- 
to de  1866,  presidido  pelo  eminente  Zacharias  de  Góes,  e  do 
qual  faziam  parte  os  nobres  actuaes  Marquez  de  Paranaguá, 
primeiro  na  pasta  da  Justiça  e  depjis  na  da  Guerra,  Conse- 
lheiros Martim  Francisco,  que  da  de  Estrangeiros  passou  para  a 
da  Justiça,  Souza  Dantas,  na  da  Agricultura,  e  quem  o  esta 
recordando  mal  geria  a  da  Marinha. 

«\o  organizar-se  esse  Ministério  ficara  com  a  pastada  Guer. 
ra  o  Barão  de  Uruguayana,  que  mezes  depois  se  retirou,  sendo 
substituído  na  pasta  pelo  Sr.  Marquez  de  Paranaguá.  Para 
preenchimento  da  vaga  aberta  foi  nomea  lo  o  Senador  Sà  e  Al- 
buquerque. Fallecendo  este,  a  vaga  foi  preenchida  pelo  illus- 
trado  Sr.  Conselheiro  Silveira  de  Souza,  felizmente  ainda  vivo. 
Sobrevivem,  pois,  tros  testemunhas  do  que  vai  dizer. 

«Por  designação  dos  collegas  foram  incumbidos  de  promover 
a  resposta  ao  livro  do  Sr.  Tito  Franco  de  Almeida  os  Mi- 
nistros da  Agricultura  e  da  Marinha,  que  por  sua  vez  a  con- 
fiaram ao  -Deputado  por  Pernambuco,  Dr.  Souza  Carvalho, 
correligionário  prestimosíssimo  e  desinteressado.  Afflrma-o» 
porque  em  vida  e  depois  de  morto  foi  muito  injustamente 
aocusado.  Nunca  o  viu  propugnar  pretenção  própria,  mas  pro- 
teger as  de  outrem,  amigos  ou  adversários. 

«Souza  Carvalho  encarregou  do  trabalho  ao  intelligentissimo 
Dr.  Luiz  de  Carvalho  Mello  Mattoa,  que  se  finou  precocemente. 
O  Dr.  Mello  Mattos  foi,  portanto,  quem  escreveu  as  Paginas 
da  Historia  Constitucional^  explicando  e  combatendo  os  factoa 
6  apreciais  eipostos  na  Bio^aphia  do  Conselheiro  FuriadOi, 


ACTAS  DâiS  SESSÕBS  DE   1906  417 

fira  am  oaraoter  nobilissimo ;  trabalhou  gratuitamente  ;  e 
releva  acoreBoentar—  também  a  publicação  não  custou  um  real 
aos  cofres  públicos. 

«  Alguns  dos  factos  alludidos  eram  antigos,  delles  não  tinha 
noticia  o  escriptor,  que  exigiu  informações.  Não  poliam  dar- 
lh*a  08  ministros,  que  igualmente  mal  os  conheciam.  Resol- 
veram solicital-as  respeitosamente  ao  Imperador,  que  as 
prestou  com  a  maior  benevolência. 

<  Occorro  de  momento  a  lembrança  de  duas.  A  primeira 
diaia  respeito  ãs  palavras  attribuidas  ao  Sr.  Senador  Euzebio 
de  Queiroz,  quando  Ministro  da  Justiça.  Assegurava-so  que,  de 
uma  feita,  em  despacho,  o  fechando  a  pasta,  dissera  :  cCom 
Vossa  Magestade  somente  se  pôde  ser  Ministro  uma  vez», 

«  O  Imperador,  consultado,  respondeu  simplesmente:  c  Os 
senhores  conhecem  o  Eusébio  e  sabem  que  a  uma  alta  oapaci* 
dade  junta  maneiras  tão  delicadas  que  o  inhibirlam  de  offen- 
der  a  quem  não  podo  reagir». 

«Era  uma  balela.  E*  verdade  que  Euzebio  não  tornou  a 
ser  Ministro ;  mas  foi  Conselheiro  de  Estado,  cargo  de  igual 
categoria.  Si  não  acceitou  a  nomeação  depois  oíTerecida,  foi 
por  motivos  de  saúde,  não  por  desgosto  com  o  Chefe  do  Estado. 
Mais  de  uma  vez  o  disso  a  pessoas  de  sua  intimidado,  como 
pôde  attestal-o  o  distincto  Sr.  Senador  da  Republica,  Dr.  Oli- 
veira Figueiredo,  que  lh*o  ouviu.  Alludira  o  Sr.  Tito  Franco 
de  Almeida  á  demissão  do  Ministro  Honório,  depois  Marquez  de 
Paraná,  porque  exigiu  a  demissão  do  Inspector  da  Alfandega 
e  não  a  obtivera  por  favôriiisma. 

«  Declarou  o  Imperador:  «Nunca  tive  favoritos.  Recusei,  é 
«  certo,  a  demissão  do  Inspector  da  Alfandega  desta  cidade  e 
«  concedi  a  do  Ministério,  que  disso  fizera  questão,  por  dois  mo- 
« tivos.  Em  primeiro  logar,  não  me  provara  o  Ministro  nenhuma 
«  irregularidade  no  procedimento  daquelle  fhnccionario  hones- 
«  tissimo.  Depois,  eu  era  então  muito  moço  ;  começava  a  exeroer 
«  as  minhas  funcções  e  entendi  dever  mostrar  que  tinha  vontade 
«  e  resolução. 

O  Sr.  Presidente  dá  o  seguinte  aparte:  B  o  Imperador 
accrescentou :  «Hoje  não  procederia  assim». 

4323—27  Tomo  lxix  p.  ii. 


418  REVISTA   DO   INSTITUTO   HISTÓRICO 

O  Sr.  Visoondo  de  Ouro  Preto  (contíDúa):  Ezactamcoto ;  o 
mais  que:€  Tanto  Honório  nilo  se  magoou  commigo  que  depjis 
«  serviu  nos  mais  altos  cargas  de  immediiita  confiança». 

«  Rematará  estas  reminisceocias,  que  revelam  o  sentir  in- 
timo do  finado  Imperador,  citando  caso  occorrido  com  o  or.ulor. 
Um  dia,  conversando  com  Sua  Magestade  sobre  coisas  politicas, 
teyo  a  ousadia  de  dizer-lho  que  não  pouco  contribuíram  para 
desenvolvor-se  a  propaganda  republicana  a  impasslvídade  com 
que  eram  combatidas  e  calumniados  as  instituições  yigentes  e 
seus  representantes,  e  mais  a  convicção  arraigada  de  ser  ca- 
minbo  seguro  para  chegar  prompt amento  aos  cargos  mais  ele- 
vados a  aggressão  á  dynastia.  Retorquiu-lhe  serena  e  nobre- 
mente o  Sr.  D.  Pedro  I(:  €  Sou  sensível  ds  injustiças  e  me  doem 
«  os  apodos  ;  mas  o  meu  dever  não  permitte  que,  por  injurias 
«  pessoaes,  prive  o  paiz  dos  serviços  de  brazíleiros  distinctos.  As 
«  coisas  únicas  do  que  posso  dispor  livremente,  couferindo-as  aos 
«  que  sei  não  me  serem  infensos,  são  os  cargos  da  minha  casa, 
«  que  nfto  dão  proventos,  nem  privilégios». 

4c  Basta  o  que  tem  dito  para  que  a  geração  nova  vã  conhe- 
cendo qnem  era  o  grande  morto.» 

£ncerra-se  sessão  ãs  4  1/2  horas  da  tarde. 

Alcibíades  Furlado, 
í"  Secretario. 

OlPEllTAS 

Pelo  Sr.  Antouio  Alexandre  Borges  dos  Reis-  Historia  do 
Brazil,  !•  parte. 

Pelo  sócio  Sr.  Dr.  Joaquim  Nabuco<-  L*  arbitrago  angla-> 
brésilien  de  1904— e  Le  conflit  de  limites  eitre  le  Brésil  et  la 
Orande-Bretagne,  2  vols. 

Pela  Directoria  de  Agricultura,  Viação,  Industria  c  Obras 
Publicas  da  Bahia—  Boletim 

Pelo  Grande  Oriente  do  Brasil—  Boletim. 

Pelo  Museu  Nacional  do  Rio  de  Janeiro—  Archivos. 

Pela  National  Qeographio  Socioty  of  Washington  —  The 
Magazine. 


ACTAS  DAS  SESS'1eS  DE  1906         419 

Pelo  sócio  Sr.  CandiJo  d3  Oliveiri—  D.  Piidro  do  Alcântara, 
sonetos  do  Exílio  recolhi  los  por  unn  braíileiro. 

Pelo  Ministério  do  Fomento  de  Lima  (Peril)  Bolctin  de 
Caorpo  de  Ingenieros  do  Minas. 

Pola  Bibllotheca  Nacional—  Brazil  at  the  Louisiana  Par- 
cbasc^  Exposition,  St.   Louls,  1904.  1  vol. 

Pola  Sociedade  Nacional  de  Agricultara—  Boletim 

Pelas  respectivas  redacções  as  seguintes  rjvistas: 

O  Economista  Braiileiro,  Revista  Commercial  e  Financeira^ 
Revista  Didáctica,  O  Oriente  Português,  RcHsta  do  Club  de  En- 
genhariay  Revista  da  Aoadenúa  Cearense,  Revista  Histórica  dei 
Instituto  Histórico  dei  Peru,  Revista  Militar. 

Pelas  redações  os  seguintes  jornaes: 

Le  Nouveau  Monde^  Mala  da  Europa,  Jornal  do  Recife^ 
Diário  Official  do  Ánuuonas,  VEHoile  du  Sud, 


DECIMA  QUINTA  SESSÃO  ORDINÁRIA   EM  17  DE  SETEMBRO 

DE  iC06. 

Presidência  do  Sr.  Marquei  de  Paranaguá  (í*  Viee-Pretidente) 

A's  3  horas  da  tarde,  na  sede  social,  presentes  os  Srs.  Marquez 
de  Paranaguá,  Visconde  de  Ouro  Preto,  Max  Fleiuss,  Alcibíaded 
Furtado,  Arthur  Guimarães,  Desembargador  Souza  Pitanga, 
Rocha  Pombo,  Conselheiro  Caudido  de  Oliveira,  Drs.  Manoel 
Çioero,  José  Américo  dos  Santos  e  Barâo  de  Paranapiacaba, 
abre*se  a  sessão. 

O  Sr.  Furtado,  29  Secretario,  procede  ã  leitura  da  acta,  a 
qual  é  £em  debate  approvada. 

O  Sr.  Fleiuss,  1<>  secretario,  diz  que,  desde  a  Sdssão  passada, 
o  Sr.  Rocha  Pombo  declarou  ter  recebido  do  consócio  Dr.  Nelson 
de  Senna  uma  carta  pedindo-lhe  que  apresentasse  os  pezame« 
dessd  consócio  pelo  fillocimonto  do  Sr.  Conselheiro  Olegário. 

O  Sr.  Presidente  diz  que  o  Instituto  fica  inteirado  e  agradeoe. 

O  Sr.  Fleiuss,  1«  Secretario,  lô  as  offertas  o  depois  os  se- 
guintes pareceres  da  Commissão  de  Historia  : 

<  O  Dr.  Arthur  Orlando,  sócio  da  Academia  Pernambucana 


420  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

de  Letras   e  de  outras  ioatitaiQões  literárias,  não  representa 
nm  nome  descoaheddo, 

«  Além  dos  Ensaios  de  Critica  e  Novos  Ensaios^  que  offereoea 
ao  Institato,  a  sua  roceotissima  obra  Sdbro  o  pan-americaoismo 
por  si  só  podia  servir-lhe  de  titalo  do  admissão  ao  nosso 
grémio. 

«  Esta  obra  revela,  além  de  uma  erudição  fóra  do  commum, 
uma  exacta  comprehensão  do  actual  momento  politico,  em  que 
fe  acham  na  tela  do  debate  os  mais  interessantes  problemas 
attinontes  ao  progresso  e  desenvolvimento  das  duas  Américas 
e  ás  relaçOes  de  ordem  económica  e  internacional  dos  povos 
americanos, 

«  Yeiu  em  boa  hora  este  livro,  valiosa  contribuição  da  lite- 
ratura brazileira  para  a  apreciação  dos  íisLctos  e  succossos  do 
mundo  politico  contemporâneo. 

<  Melhores  não  podiam  ser  os  auspicies,  sob  os  quaes  se  apre- 
senta o  Sr.  Dr.  Arthar  Orlando  perante  o  Instituto. 

4c  Trabalhos  como  os  Ensaies  de  Critica  e  Novos  Ensaios  e  o 
pan-americanlsmo  denunciam  um  engenho  superior,  familiari- 
zado com  os  novos  processos  da  sciencia  e  que,  applicado  ao 
exame  das  questões  históricas,  aclarara  pontos  obscuros  ou  ainda 
não  detidamente  meditados. 

«  Em  boa  hora  vem,  pois,  a  proposta  que,  para  sócio  corre- 
spondente, fazem  os  coUegas  Barão  de  Alencar  e  outros.  A  Com- 
missão  de  Historia  não  tem  sinão  quo  applaudíl-a. 

Sala  das  sessões,  17  de  setembro  de  1906.—  Cândido  de 
Oliveira,  relator.—  Rocha  Pombo.—  B.  T.  de  Moraes  Leite  Velh^ 
—  Visconde  de  Ouro  Preto.>  O  parecer  é  approvado  e  vai  á 
Gommisiâo  de  Admissão  de  Sócios,  sendo  relator  o  Sr.  Dr. 
Manoel  Barata. 

«  Pondo  de  parte  a  traduoçSo,  o  livro  a  respeito  de  Carlos 
Gomes,  escripto  pelo  Sr.  Dr.  Silio  Booanêra  Júnior,  representa 
efrectivamente  grandes  Migas  o  laboriosas  investigações,  desde 
que  o  autor  se  queixa  das  diíficuldades  que  encontrou  muitas 
vexes  para  obter  esclarecimentos  que  jalgava  indispensáveis. 
«  Do  f^ontispicio  do  volume  reconheee-se  que  elle  é  diplomado 
por  diversos  institutos  literários,  e  no  fim  se  lô  um  catalogo  de 


i 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE  l906         421 

variados  trabalhos  qao,  si  corresponderem  aos  titalos,  darão  a 
medida  exacta  do  cabedal  de  estados  e  do  seu  aproveitamento; 
o  ó  de  lamentar  que  de  património  que  tão  copioso  se  mostra,  o 
livro  principal,  qae  tenho  á  vista,  não  dê  outro  testemunho 
sinão  de  uma  admiração— quasi  idolatria— pelo  famoso  maestro. 
Que  volte  e  apadrinhado  por  mais  sólidos  títulos,  que  lhe  serão 
£gu^ís,  desde  que  se  mostra  dedicado  ás  letras  e  ás  investigagões 
scientiâcas. 

Rio,  31  de  agosto  de  1906.— B.  T.  de  Moraes  Leite  Velho ^ 
relator.—  Visconde  de  Ouro  Preto,---  Rocha  Pombo^  vencido. — 
Cândido  de  Oliveira.— Sylvio  Romero.9^  O  parecer  é  approvado» 
archivando-se  o  processo. 

—«Examinou  a  Gommissão  de  Historia  do  Instituto  Histó- 
rico e  Geographlco  Brazileiro  os  livros  que  justificaram  a  pro- 
posta  de  admissão,  como  sócio  correspondente,  do  Sr.  Gonzalo 
de  Quesada,  encarregado  de  negócios  de  Cuba  em  Washington, 
6  vem  a  respeito  emittir  sou  parecer. 

€  Intitulam-se  Cubais  War  from  Freedom  e  Cuba, 

€  A  Guerra  de  Cuba  pela  Liberdade^  escripta  em  inglez,  or- 
nada de  numerosos  retratos  e  gravuras,  e  impressa  em  Phila- 
delphia,  oompoe-se  de  duas  partes  distinctas. 

«  A  primeira  da  lavra  do  Sr.  Quesada  contam  dez  capítulos 
com  186  paginaa. 

«  Trata  do  dominio  hespanhol  na  principal  das  Antilhas, 
qualíflcando*o  com  dureza  e,  rapidamente,  das  mal  snocedidas 
tentativas  de  independência  até  a  sublevação  ânal. 

«  Não  traz  nome  do  autor  a  segunda  parte ;  ô  a  mais  impor- 
tante do  volume,  com  480  paginas  em  doze  capitules. 

<  W  uma  narrativa  da  guerra  dos  Estados  Unidos  com  a  e 
Hespanha»  guerra  que  teve  por  theatro  Cuba,  as  Philipploas 
Porto  Rico.  Basêa-se  em  documentos  offlciaes  americanos  larga- 
mente transcriptos* 

<  Quer  na  primeira,  quer  na  segunda  parte,  a  exposição  dos 
factos  é  feita  de  modo  claro  e  interessante.  Nota-se,  porém t 
grande  parcialidade  contra  a  Hespanha,  parcialidade  explicável 
pela  circumstancia  de  haver  sido  o  trabalho  executado  Am 
1898,  durante  ou  logo  após  os  successos. 


422  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

«  03  oommentariofl  são,  em  geral,  inspirados  pela  paixão. 
Bem  a  calma  e  serenidade  do  historiador. 

«  Em  todo  o  caso,  as  grandes  tígiiras  do  Máximo  Gomoz,  José 
Maceo,  António  Maceo,  Simpsoo,  Dewey,  Aguinaldo,  appareccm 
em  grande  relevo  e  muito  impressionam  as  peripécias  trágicas 
em  qae  estiveram  envolvidos. 

4c  Em  samma,  não  ô  nm  livro  de  historia,  mas  exceliente 
collectanea  de  preciosos  elementos  para  o  faturo  historiador 
dessa  phase  notabilissima  da  evolução  americana. 

«  O  outro  sob  o  titulo  Cuba  é  uma  compilação—prífpareíi  by 
SeUor  Gonxalo  Qtiesada,  and  approved  by  the  Cúban  Government. 

«  Foi  editada  em  Washington,  na  Imprensa  do  Governo, 
em  novembro  de  1905. 

«  Ck)ntem  o  que  mais  possa  interessar  acerca  da  antiga  co- 
lónia hespanhola  e  moderna  republica. 

«  Posição  astronómica,  extensão,  limites,  popula^o,  choro- 
graphia,  bydrographia,  geologia,  flora,  fauna,  climatologia,  são 
assumptos  tratados  de  modo  a  satisfazer  a  curiosidade  de  quem 
não  pretenda  adquirir  delles  profundos  conhecimentos. 

4c  Não  ficou  de  parte  a  historia,  desde  a  descoberta  alô 
nossos  dias. 

«  Tampouco  a  forma  de  governo,  a  legislação  civil,  a  agri- 
cultura, a  industria  e  o  commercio.  B*,  em  outros  termos,  repo- 
sitório abundante,  e  naturalmente  fiel,  das  mais  variadas  infor- 
mações e  dados  estatísticos. 

«  Um  dos  capítulos  destina-se  mesmo  á  descripção  da 
capital,  Havana,  seus  monumentos  principaes,  parques.  Jardins, 
meios  de  transporte,  institutos  de  instruoção,  previdência  e 
caridade,  policia  civil  e  militar,  corpo  de  bombeiros  etc. 

«  Acompanha  uma  relação,  por  ordem  alphabetioa,  dos  livros 
publicados  sobre  a  ilha  e  outra,  pela  chronologica,  a  contar  de 
18S5,  dos  artigos  de  Jornaes  e  revistas  que  á  mesma  ilha  se  refe- 
rem e  ainda  a  de  numerosos  discurios  que  a  tiveram  por  objecto. 

«  Perfaz  as  536  paginas  do  volume  o  texto  da  constituição 
cubana  promulgada  sob  a  invocação  do  Todo  Poderoso  (of  the 
Allmighty)  e  a  visivel  influenciados  Estados  Unidos  da  Ame- 
rica. 


ACTAS  DAS  SESSOKS  DE  1906         423 

<  O  merecimento  das  duas  obras  confere  ao  Sr.Gonzalo  Que- 
sada,  homem  eminente  em  seu  paiz,  títulos  sufilcientes  para 
ser  admittido  no  grémio  do  Instituto  Histórico  o  Geograpbico 
Brazileiro. 

<  E\  portanto,  a  Commissão  de  Historia  de  parecer  que  seja 
approvada  a  proposta. 

Rio  de  Janeiro,  12  de  setembro  de  \90ò.— Visconde  de  Ouro- 
Prelo^  relator.— 5yZt>to  Romero.  — Cândido  de  Oliveira, —  B, 
Leite  Velho .  —  Rocha  Pombo . » 

O  parecer  é  approvadoe  em  seguida  à  Commissão  de  Admis« 
são  do  Sócios,  relator  o  Sr.  Dr.  Miguel  de  Carvalho. 

O  Sr.  Fleiuss,  !«  Secretario,  apresenta  a  seguinte  proposta 
de  orçamento  para  o  anno  de  1907  : 

cCumprlndo  o  que  determina  o  art.  35,  §  3®,  dos  Estatutos, 
apresento  a  proposta  de  orçamento  para  o  anno  de  1907: 

RECEITA 

Art.  l''.  A  receita  para  o  aono  de  1907  ó  orçada  em 
Sl:34O$00O  e  será  arrecadada  pelos  títulos  seguintes : 

!.•  Subsidio  do  Thesonro  Federal 14:000$000 

8.»  Juros  das  apólices 6:260$100 

3. •  Prestações  dos  sócios 1:080$000 

4.<»  Jóias  de  admias&o $ 

5. «Remissão  de  sócios * $ 

6."  Pagamento  de  prestações  cm  atrazo,  dos  sócios.  $ 

7«o  Venda  do  exemplares  da  iS^t^t^f a $ 

21:340$000 
DBSPEZA 

Art.  2.*>  A  despeza  pa^^a  o  anno  de  1907   ó  orçada  em 
81:340$000  e  sor&  effoctuada  pelas  verbas  seguintes : 
l.«,  Impressão  da  i2ôtfí.«fa  e  outros  trabalhos.  .  .   .      r):700$000 
2.»,  Pessoal  : 

Blbliothecario .-^iGOOlOOO 

Escripturario 2:400$000 

Auxiliar l:800|000 


424  REVISTA  DO    INSTITUTO  HISTÓRICO 

Porteiro 1:440$000 -9:840|000 

3.*  Limpeza  e  consevaç&o  do  ediflcio 1:200(000 

4.»  Expediente  geral 3:600$000 

5.»  Enoaderoacôes 600$000 

6.»Kventuae8 1:000$()00 

21:340$000 

Na  verba  do  expediente  serão  comprehendidas  as  despesas 
diárias  da  Secretaria»  annnncios,  porte  do  correio,  passagens* 
papel,  penna  e  tinta« 

Secretaria  do  Instituto  Histórico  e  Geographico  Braziieiro, 
17  de  setembro  de  190Ô.  —  Max  Fleiuss,  1«  Secretario. 

—  A'  Ck>mmissão  do  Fundos  e  Orçamento,  relator  o  Sr.Vis- 
oonde  de  Ouro-Preto. 

O  Sr*  Fartado,  2**  Secretario,  lê  as  seguintes  propostas  de 
admissSo  de  sócios  : 

i<  Propomos  para  sócio  correspondente  do  Instituto  Histórico 
6  Geographico  Brazileiro  o  Dr.  Alfredo  Augusto  da  Rocha,  Di- 
rector Geral  da  Imprensa  Nacional  desta  Capital,  serTindo  de 
titulo  para  a  sua  admissSo  o  trabalho  que  offereee  sobre  Caixa$ 
Eo<mínnicas. 

Sala  das  sess5es  do  Instituto,  17  de  setembro  de  1906.— 
Mcuu  Fleiuss.^Roeha  Pombo,—- Arthur  Guimarães, 

A'  commissfto  de  Historia,  relator  o  Sr.  Conselheiro  Can- 
dido  de  Oliveira. 

cPropomos  para  sócio  correspondente  do  Instituto  Histó- 
rico e  Geographico  Brazileiro  o  Sr.  Adolpho  Augusto  Pinto, 
servindo  de  bJLSo  para  sua  admissão  o  trabalho  intitulado  SiS" 
torta  da  Viação  Pública  do  Estado  de  S.  Paulo, 

Sala  das  sessões  do  Instituto,  17  de  setembro  de  1906»—  Mães 
Fleiuss,^  Rocha  Pombo,  —  Jesuino  de  Mello, ^  A'  Commissão 
de  Geographia,  relator  o  Sr.  Dr.  José  Américo  dos  Santos. 

€Propomos  para  sócio  correspondente  do  Instituto  o  lite- 
terato  Sr.  Virgílio  Várzea,  servindo  do  titulo  de  admisnío 
seus  trabalho  históricos  sobro  (fiuseppe  c  Annita  Garibaldi  e 
sobre  o  general  Andréa. 

Rio,  17  de  setembro  de  1906.  —  A,  F,  de  Souza  Pitanga,  — 
Visconde  de  Ouro^Preto,^-^  B,  de  Paranap\acaha,^Rocha  Pombo, 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DB  1906         425 

^Oandido  de  OUteira.  --  José  Ámerieo  dos  Santos.  —  A'  Com- 
miMio  de  Historia,  relator  o  Sr.  Dr.  Sylvio  Romero. 

—O  8r.  Fleuisfl,  V  Secretario,  diz  que,  encontrando-flie  oom 
o  illoatrado  Sr.  Senador  Oliveira  Figueiredo,  e  entretendo  con- 
yeraacSo  oom  elle  a  respeito  do  incidente  havido  entre  o  Senador 
Eozebio  de  Queiroz  e  Sua  Magestade  o  Imperador,  incidente  de 
que  tiU>  brilhantemente  ae  occupou  na  sessão  passada  o  Exmo. 
Sr. Visconde  de  Ouro-Preto,  muito  digno  3**  Vice-Presldente, 
obteve  do  mesmo  Senador  Oliveira  Figueiredo  a  promessa  de 
sua  exposiçio  escripta  sobre  o  assumpto.  Insistindo  o  orador 
no  seu  pedido,  por  carta,  recebeu  a  resposta  que  vai  lèr : 

cRespondendo  á  carta  de  V.,  datada  de  hoje,  em  que 
«  mostra  desejo  que  eu  explique  o  motivo  pelo  qual  o  eminente 
«  Sr.  Visconde  de  Ouro-Preto,  na  sessão  do  Instituto  Histórico,  de 
«  3  do  corrente  mez,  invocou  o  meu  testemunho  contra  a  as- 
« serçfio  de  que  o  grande  estadista  Conselheiro  Euzebio  do 
«  Queiroz  declarava  que,  com  o  Imperador,  um  homem  de  brio 
«  nSo  podia  ser  ministro  duas  vezes,  venho  expor  o  unlco  facto 
«  que  em  meu  espirito  deixou  a  convicçSo  de  não  ser  esse  o 
«  modo  de  pensar  daquelle  illustre  Conselheiro. 

«  Em  ama  tarde  de  melados  do  anno  de  1859,  achava-me  eu 
«  na  residência  do  digno  Desembargador  Francisco  de  Queiroz 
«  Coutinho  Mattoso  Camará,  casa  situada  em  uma  rna  esquina 
«  da  do  Núncio,  em  uma  fbsta  de  íamilia  delle  —  baptisado  de 
€  uma  filha,  quando  o  Conselheiro  Euzebio  de  Queiroz,  irmão  do 
€  referido  Desembargador,  que  também  alli  se  achava,  foi  eha- 
4c  mado  por  carta  ao  Paço  de  S.  Christovão. 

«  Voltando  dalli,  cerca  das  10  horas  da  noite,  referiu-nos  no 
«  gabinete  de  seu  irmão,  em  presença  deste,  do  meu  inolvidável 
«  amigo  e  collega  o  Dr. Euzebio  de  Queiroz,  filho  do  Conselheiro, 
«  e  na  minha,  que  o  Imperador  ao  começar  sua  conferencia  com 
«  elle  lhe  expuzera  que  o  gabinete  Abaet(^.  pedira  demissão,  e 
«  como  elle  Imperador  estava  de  accôrdo  com  as  opiniões  poli- 
«  Ucas  emitidas  pelo  conselheiro  no  recente  discurso  no  Senado» 
«  o  encarregava  de  organizar  novo  gabineto ;  respondeu  o  Conse- 
«  Iheiro,  manifestando-se  muito  reconhecido  á  prova  de  Con- 
«  fiança,  mas  pedindo  dispensa  da  alta  commissão,  porque  seu 
€  estado  de  saúde,  mormente  seu  incommodo  de  olhos,  não  lhe 


42G  REVISTA   DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

€  permíttiam  o  trabalho  indíspensavol  do  importante  cargo  de 
4  Presidente  do  Conselho.  A  isso  ponderou  o  Imperador,  oom 
€  algum  pezar,  si  era  propósito  do  conselheiro  não  seryir  mais 

<  á  Nação,  como  Ministro  do  Estado. 

«  Oi8se-D03,  então,  o  conselheiro  que  essa  observação  do  Im- 
«  perador  o  commeveu  muito,  e  contra  ella  protestou,  assegu- 
re rando  ao  Imperador  que  o  único  motivo  de  sua  recusa  ora 
«  o  máu  estado  de  sua  saúde. 

<  O  toro  com  que  o  Conselheiro  Euzebio  de  Queiroz,  na  in- 
«  timidade,  referíunos  o  sentimento  que  experimentara,  com  a 
«  observação  de  Sua  Magestade,  levou-me  a  crer  que  clle  jamais 
€  tivesse  dito  quo  comi  o  Imperador  não  se  podia  ser  ministro 
€  duas  vezes. 

€  Conservo  tão  alta  veneração  pela  memoria  do  Conselheiro 

<  Euzebio  de  Queiroz,  que  me  sinto  feliz  em  dar  o  meu  teste- 
€  muoho  sobro  a  completa  integridade  de  seu  elevado  caracter. 
€  Releve-me  as  lacunas  desta  exposição,  que  deve  nec^ssaria- 
€  mento  se  resentir  da  fraqueza  de  minha  memoria  de  velho  a 
€  respeito  de  um  episodio  passado  ha  47  annos.  Sou  com  toda 
€  consideração,  etc.— CaWas  Augusto  de  Oliveira  Figueiredo,  Rio, 
€  14  de  setembro  de  1006. > 

O  Sr.  Fleiuss,  l^'  Secretario,  diz  que  o  illustre  consodo 
Dr.  Manoel  Barata  devia  lor  hoje  perante  o  Instituto  algumas 
notas  bíogi*aphicas  que  culligiu  e  commentou  sobre  o  almi- 
rante Luiz  da  Cunha  Moreira,  l""  Visconde  de  Cabo  Frio,  de 
quem  ha  tempos  offereceu  um  retrato  quo  se  acha  collocado 
na  sala  das  commissões.  Motivo  de  força  maior  terá  impe- 
dido o  comparecimento  do  estimado  consócio^  e  assim  só  na 
próxima  sessão  serã  lido  esse  novo  trabalho  qae,  oomo  tudo 
quanto  o  Dr.  Barata  produz,  ó  uma  pagina  do  alto  interesse 
pelos  documentos  que  encerra  e  pelos  conceitos  firmados  no 
mais  seguro  critério. 

Pôde  assogural-o,  porque  jã  o  leu  em  part9. 

O  Sr.  Presidont-í  diz  que  o  Instituto  espera  ouvir  essa  lei. 
tura,  de  certo  interessante: 

I^vantase  a  sessão  ás  4  1/4  da  tarde. 

Alcibiades  Furtado 
3*  Secretario. 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE   1900  427 

OFFERTAS 

Pela  Directoria  do  Serviço  Sanitário  do  ParA  —  Boletirn 
Mensal. 

Pel%   Real  Academia  dd  la  Historia  de  Madrid  —  BoMin. 

Pelo  International  Bareau  of  the  American  Republics  — 
MofUhly  BuUetin. 

Pela  Socletit  Geográfica  Italiana  —  BoUetino. 

Pelo  Sócio  Sr.  Dr.  Francisco  A.  Pereira  da  Costa  —  iVò- 
ticia  Biographica  do  Dr.  Anlonio  de  Moraes  Silva. 

Pela  Presidência  do  Estado  do  Amazonas,  —  Relatório  da 
Presidência  da  Província  do  Amasonas  desde  sua  creaçao  até 
a  pr  jclamaçfto  da  Republica,  2  vols. 

Pela  Directoria  Geral  de  Hygione  do  Estado  da  Bahia  —  An- 
nuari). 

Pela  Estatística  Demographo  Sanitária  da  Cidade  do  Sio 
Salvador  —  Boletim  Mensal. 

Pelo  Sr.  Dr.  Aliado  Rocha,  director  geral  da  Imprensa 
Nacional— A«  Caixas  Económicas  e  o  Credito  Agrícola  •«  1    Tol. 

Pelo  Provedor  da  Irmandade  do  S.  Sacramento  da  Pre- 
gaezia  de  Nossa  Senhora  da  Candelária  —  Relatório,  de  31 
de  Julho  de  1906. 

Pelo  Sr.  Clóvis  Beviláqua  —  Direito  da  Familia» 

Pelo  Sr.  General  José  de  Siqueira  Menezes.  —  Modelos  de 
Escripturacão  Militar. 


DECIMA  SEXTA  SESSÃO  ORDINÁRIA  EM  1  DE  OUTUBRO  DE 

1906 

Presidência  do  Sr.  Marques  de  Paranaguá  (i^  Vice- Presidente) 

A*d  3  horas  da  tarde,  na  sede  social,  presentes  os  Srs. 
Marquez  de  Paranaguá,  Barão  Homem  de  Mello,  Visconde  de 
Ouro  Preto,  Max  Fleiuss,  Alcibíades  Furtado,  Arthur  Guima- 
rães, Desembargador  Souza  Pitanga,  Drs.  Manoel  Cícero,  Manoel 
Barata,  Leito  Velho,  Cunha  Barbosa,  Conselheiro   Cândido  de 


428  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Oliveira,  Barilo  de  Alencar,  Bai*ão  de  Paranapiacaba,  Marques 

Peixoto,  abro-se  a  sosslio. 

O  Sr.  Furtado,  2''  Secretario,  faz  a  leitura  da  acta  da  sessão 

anterior,  a  qual  ô  sem  debate  approvada. 

O  Sr.  Fleiuss,  l""  Secretario,  10  o  seguinte  expediente: 

—  Carta  da  Exma.  Sra.  D.  Luiza  Mello  Franco  da  Porciun- 

eula,  concebida  nestes  termos:  « Illm.  Exm.  Sr.   Marquez  de 

€  Paranaguá,  M.   D.    Presidente    do   Instituto    Histórico  o 

<  Geographico  Brazileiro. 

€  Meu  marido,  o  Senador  Dr.  José  Thomaz  da  Porciunoula, 
€  guardava  em  seu  archivo  valiosos  documentos  originaes  rela- 
«  tivofl  a  uma  das  phas&s  mais  attribuladas  da  Republica,  os 
«  quaes  olle  poude  reunir,  em  razão  da  elevada  posição  politica 
«  que  então  occupava:  (juero  mo  referir  ao  poriodo  da  ravoita  da 
«  Armada,  quando  meu  marido  exercia  a  presidência  do  Estado 

<  do  Rio  de  Janeiro.  Taes  documentos  acredito  que  ministrarão 
€  valiosos  subsídios  ao  estudo  a  futuros  historiadores,  o  quando, 

<  inteiramente  dissipadas  as  paixões,  houverem  do  apreciar  com 
€  animo  sereno  os  acontecimentos  desse  periodo* 

«  Penso  que  nâo  poderei  dar- lhes  mais  proveitoso  destino  do 
«  que  offerecel-os  ao  Instituto  Histórico,  que  V.Ez.  dignamente 
€  preside,  para  que  sejam  objecto  de  estudo  o  de  elementos  de 
€  verídicas  informações  para  o  completo  conhecimento  da  verdade 
€  sobre  esse  notável  movimento  politico,  e  da  attitudc  digna  e 
«  serena  de  meu  marido  no  seu  posto  de  sacriflcioSf  mantendo  a 
€  todo  o  transo  o  respeito  ás  leis  e  á  Constituição  do  seu  paiz. 
«Seja  esta  minha  oíferta  um  preito  sincero  que  rendo  á  me- 
«  moría  de  meu  marido. 

«  Rogo  a  V.Bx.  queira  autorizar  o  recebimento.  De.  V. 
4cEx.,  otc,  —  Luisa  Mello  Franco  da  Porciuneula.  Petrópolis, 
«  24  de  Setembro  de  1907». 

O  Instituto  agradeceu  por  esta  forma: 

<  Exma.  Sra.  D.  Luiza  Mello  Franco  da  Porciuneula.  Por 
€  intermédio  do  inteí,'ro  Conselheiro  Pindahyba  de  Mattos,  rauito 
€  illustre  Vice- Presidente  do  Supremo  Tribunal,  recebeu  o  Insti- 
€  tuto  Histórico  a  attenciosa  carta  do  V.Ex.  acompanhada  de 
«  interessantes  e  valiosos ^iocumontos  existentes  no  archivo  de 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE    1906  429 

«  sea  digno  esposo  o  Dr.  Josô  Thomaz  da  Porciuncula,  referente 
€  ao  periodo  de  1893-1894,  quaado  se  deu  a  revolta  da  Armada. 

€  Muito  agradece  o  iQs  ti  tu  to  a  distiDcçãio  de  V.Ex.t  eacolhen- 
€  do*o  para  depositário  de  tão  importante  espolio,  quo,  recolhido 
€  ao  cofre  de  sigillo,  terá  opportunamento  publicação  na  Revista. 

€  Na  próxima  sessão  terei  ocoasião  do  ler  ao  Instituto  a  carta 
€  de  Y.  Ex.  e  a  presente  resposta.  Apresento  a  Y.Ex.  meus  re- 
speitos e  sou,  etc,  Max  Fleiuss,  1»  Secretario». 

Os  documentos  serão  enviados  á  Commissão  de  Redacção, 
afim  de  que  os  examine  o  Sr.  Dr.  Manoel  Cicero. 

—  Carta  do  Dr.  Virgílio  Várzea  enviando  suas  obras  histó- 
ricas jã  impressas.—  Inteirado:  as  obras  serão  enviadas  ao 
relator  Dr.  Sylvio  Romero. 

—Carta  do  Sr.  Manoel  Ribeiro  de  Faria,  offerecendo  obras 
ao  Instituto  .—  Muito  se  agradece. 

£m  seguida  são  lidas  as  oíTertas,  entro  as  quaes  cumpre 
salientar  a  que  foi  feita  pelo  Sr.  Barão  de  Yasconcellos,  do 
tomo  XX,  anno  XX,  1905,  da  Reoista  do  Instituto  do  Ceara. 
Nessa  importante  publicação,  sob  a  chofia  do  nosso  illustre  oon- 
sócio  Barão  de  Studart,  occorre  erudito  trabalho  do  Sr.  Barâo 
de  Yasconcellos,  a  quem  o.  Instituto  deve  bons  serviços.  Sob  o 
titalo  <  Pedro  Pereira  da  Silva  Guimarães  (Documentos  histó- 
ricos)», o  Sr.  Barão  mostra  o  papel  notável  que  em  1850  e  1852 
representou  na  Camará  dos  Deputados  o  biographado,  illustre 
cearense,  apresentando  dois  projectos,  que  foram  rejeitados, 
sobre  o  elemento  servil. 

O  Sr.  Fleiuss,  i^  Secretario,  lé  os  seguintes  pareceres  : 

<  Parecer  cerca  da  proposta  para  admissão  do  Sr.  Doutor 
Clóvis  Beviláqua,  professor  da  Faculdade  de  Direito  do  Recife, 
como  sócio  correspondente  do  Instituto  Histórico  e  Geographioo 
Brazileiro. 

Nas  observações  que  procedem  o  trabalho  que  tenho  pr&> 
sente,  €  Relações  Exteriores  »  publicado  no  «  Livro  do  Cente- 
nário »  explica  o  autor  os  motivos  da  reduxida  extensão  do 
quadro  em  que  teve  de  condensar  a  historia  dos  tratados,  al- 
lianças,  guerras,  do  Brazil  Colónia,  Reino,  Império,  Republica, 
isto  ó,  em  um  cyclo  de  quasi  quatro  sacnlos. 


430  REVISTA  DO    INSTITUTO  HISTÓRICO 

€  Complexo  das  relaçõos  oxterDas,  diz  ello,  que  tendo  d » 
acompanhar  o  Brazil  desdo  o  momoato  da  sua  descoberta,  hão 
de  ser  necessariamente  rápidas  e  syntheticas,  procurando  antes 
apanhar  a  orientaç&o  e  a  consequência  dos  factos  de  que  a  soa 
exposição  ou  detalhe  e  ni  investigação  das  suas  causas.  > 

c  O  trabalho,  pois,  abrangendo  período  tão  vasto  e  sobre  tão 
amplo  th3ma  terá  conseguido  muito,  delineando  os  contornos 
do  grande  quadro,  bosquejando  os  perfis  dos  acontecimentos  o 
dos  liomens  que  foram  os  mais  notáveis  que  nellc  figuraram, 
deixando  no  espirito  do  leitor  a  impressão  possivelmente  mais 
nítida  da  vida  de  relação  do  Brazil  no  convívio  das  nações. 

«  Historia  diplomática  sem  os  documentos  que  expliquem  e 
illustrem  os  factos  conhecidos  ou  revelem  os  ignorados,  tem 
forçosamente  de  limitar-se  a  descrevel-os,  sem  lhes  poder  im- 
primir os  característicos  do  verdade  que  fica  muitas  rezes  dis- 
fftfçada  sob  apparencias  fallazes,  e  peior  ainda,  encoberta  peU 
parcialidade  do  escriptor,  mormente  ti  elle  deu  ouvidos  a 
paixões  politicas  ou  ás  sedacções  perigosas,  sempre  de  patrio- 
tismo cego. 

€  Tinha,  pois,  contra  si  o  Sr.Dr.  Clóvis  Beviláqua  a  exigui- 
dade da  tela  em  que  devia  descrever  acontecimentos  momo- 
ravois  da  historia  do  Brazil,  conflictos  internacíonaos  de  difflcil 
solução,  algumas  vezes  inquietadores  e  perigosos,  guerras, 
victorias,  derrotas,  tratados  e  arbitramentos  de  máxima  impor- 
tância. 

<  Outra  pessoa  menos  adesti^ada  em  estudos  sólidos,  espirito 
menos  disciplinado  para  fazer  a  synthese  de  tão  variados  casos, 
mal  conseguiria  apresentar  trabalho  igual  em  tão  reduzido 
tomo ;  e,  si  elle  não  satisfizesse  os  mais  exigentes,  a  posição 
culminante  que  distingue  o  Sr.  Dr  Clóvis  entre  os  cultores 
das  letras  Jurídicas,  ha  muito  tempo  lhe  dá  o  direito  de 
figurar  entre  os  mais  oonspieuos  sócios  corrospondentes  desto 
Instituto. 

«  £'  o  nosso  parecer.  Rio,  20  do  Setembro  de  190G.— B.  1\ 
M.  Leite  Velho^  relator.  —  Visconde  de  Ouro^Preto^  Sylvio  B(h 
mero.  »  O  parecer  é  approvado  e  vai  á  Commissão  de  Admissão 
de  Sócios»  sendo  relator  o  Sr.  Conde  de  Affonso  Celso. 


.  ACTAS  DAS  SESSÕES  DE    1906  431 

€  A  Commissão  do  Admiasão  de  Sócios»  em  observância  ao 
disposto  no  art.  39  dos  Estatutos,  syndicando  dai  ndiviluaii- 
dada,  condições  de  idoneidade  e  conveniência  da  admi^âo  do 
Sr.  Qonzalo  Qaesada,  verificou  não  ser  fácil  encontrar  quem  no 
espaço  de  18  annos  houvesse  feito  tão  brilliante  carreira,  o  que 
convence  dos  elevados  dotes  que  distioguom  o  illustro  cubano, 
o  do  realce  que  virá  ao  Instituto  por  tel-o  em  seu  suio.  Assim  a 
Commissão  ô  de  parecer  quo  seja  approvivda  a  proposta  que 
apresenta  o  Sr.  Gonzalo  de  Quesada  para  sócio  correspondente 
do  Instituto  Histórico  e  Qeographioo  Brazileiro. 

Sala  das  Commissões«  29  do  Setembro  de  1903.  —Miguel  de 
Carvalho,  Relator.— Manoe/  Barata,  — Barão  de  Alencar.  — 
Manoel  Cícero. j^ 

O  parecer  f ji  approvado  e  fica  sob.^e  a  Mes:\  para  ser  vo- 
tação na  sessão  seguinte. 

€  A  Commissão  de  Admissão  do  Sócios  de  perfeito  accôrdo 
com  o  juízo  emittido  pela  Commissão  de  Historia,  ô  de  parecer 
que  no  Sr,  Dr.  Arthur  Orlando  da  Silva,  distincto  homem  de 
letras  tão  modesto,  como  choio  de  saber,  concorrem  apreciáveis 
qualidades  iQteliectuaes  o  moraes  que  ass&z  recommondam  sua 
proficua  entrada  neste  rnit'tut3,  como  seu  sócio  correspon- 
denti.  —  Sala  das  Sessões,  Ide  Outubro  de  1906. —^Uano^; 
Barata f  relutov.— Manoel  Cicero.— Conde  de  Affonso  Celso.— -Ba- 
rão de  Alencar .  j^  O  parecer  foi  approvado,  ficando  para  ser 
votado  na  proiima  sessão. 

—  Parecer  da  Commissão  do  Fundos  e  Orçamento :  «  O  pro- 
jecto do  orçamento  para  o  próximo  anno  social  do  Instituto 
Histórico  e  Geographico  Brazileiro,  submottido  ao  exame  da 
Commissio  de  Fundos  e  Orçamento,  fixa  a  despeza  em... 
81:340$  e  estima  a  receita  em  igual  quantia. 

€  Nenhum  repiro  03corre  á  Commissão  contra  essas  pre- 
visões, que  sio  razoáveis  e  e&tão  de  accôrdo  com  as  occur- 
rencias  doi  annos  a  .teriores, 

«  Motivo  não  ha  para  receiar-se  que  decresçam  as  verbas 
Co  activo,  nem  tão  poaoo  que  augmentem  as  do  passivo,  salvo 
casos  excipcionaes  de  quasi  impossível  realização. 

<  Ao  calcular  a  receita,muito  acertadamente  omittiu  o  pro- 


432  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Jecto  qualquer  dota^  ás  rubricas  Prestações  e  remissões  de 
sócios,  jóias  de  admissão  e  cobrança  de  arroxados,  attoota  a  in* 
certeza  e  extrema  morosidade  de  que  possam  produzir.  O  que 
dahi  porventura  provenha,  graças  &  oontinuaçio  dos  esforQM 
empregados  pela  administraçfio  do  Instituto,  representará  saldo 
que  reforçará,  assim,  como  as  economias  que  ella  eonsigat  o 
modesto  património  social. 

«  A  principal  preoccupação  do  Instituto,  nesta  ordem  de 
interesses,  dere  ser  a  nSo  existência  de  deficUsj  que  em  1900 
seguramente  não  se  dará  em  face  do  que  está  proposto. 

<  Nenhuma  alteração,  pois,  entende  a  Oommisí^  que  se 
deve  fazer  ao  alludido  projecto  e  opina  pela  sua  approracSo. 
Sala  das  Commissõea  do  Instituto  Histórico  e  Geographioo  Brasi- 
leiro, em  20  de  setembro  de  1906.  —  Visconde  de  Ouro  Preto^ 
Teldkiov,— José  Américo  dos  Santos,-^  Bélisario  Pernambuco.-^ 
Barão  de  Paranapiacaha,>  Foi  approvado  unanimemente. 

O  Sr.  Furtado,  2*  Secretario,  lô  as  seguintes  propostas  : 
€  Propomos  para  so3io  eflbctiyo  do  Instituto  Histórico  o  Sr. 
Francisco  de  Paula  Lacerda  de  Almeida,  natural  de  Pernambuco, 
com  54  annos  de  idade,  doutor  em  Direito  e  lente  da  Faculdade 
Urro  de  Direito  desta  cidade,  onde  é  igualmente  adregado.  O 
Dr.  Lacerda  de  Almeida  ó  autor  de  varias  obras  de  Direito, 
sjbrcsahlndo  a  sua  monographia  sobre  as  pessoas  jurídicas, 
trabalho  notiTel  em  quo  ha  um  estudo  histórico  sobre  as 
relações  entre  a  igreja  e  o  Estado  no  Brazil.  Rio,  1  de  outubro 
de  1906,—  Cândido  de  Oliveira,^  Sousa  Pitanga.—  Viscottde 
de  Ouro  Preto*.— A'  Commlssio  de  Historia,  rslator  o  Sr.  BylrUi 
Roméro. 

<  Propomos  para  sócio  correspondente  do  Instituto  Histórica 
e  Geographieo  Brazileiro  o  Dr.  Ernesto  da  Cunha  Amnio 
Vianna,  professor  da  Escola  Nacional  de  Bellas  Artes,  servindo 
de  titulo  á  admissão  seus  trabalhos  sobre  archifectura  arcfaeo^ 
lógica  do  Rio  de  Janeiro  e  sobre  a  arte  em  S.  Pedro  e  S.  Bento, 
publicados  na  revista  Renascença,  Sala  das  sessões  do  Instituto, 
1  de  Outubro  de  1906.  —  A.  F.  de  Sousa  Pitanga.  —  Homem  de 
Mello.  — Visconde  de  Ouro  Preto.  —  Alencar]^.  A'  CommissSo  de 
Archeologia,  relator  o  Sr.  Dr.  Barbosa  Rodrigues. 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DB  1906         433 

O  Sr.  Visconde  de  Ouro  Preto  oommanica  ao  Instituto  que, 
com  data  de  22  do  passado,  recebeu  do  Sr,  Dr.  Manoel  de 
Queiroz,  digno  filho  do  finado  Conselheiro  Euzebio  de  Queiroz, 
uma  carta  em  que  S.  Ex.  confirma  a  contesta^  opposta  pelo 
communicante,  em  uma  das  sessões  passadas,  á  íálsa  intelli» 
gencia  attribuida  a  uma  phrase  daquelle  illustre  estadista,  que 
nenhuma  magoa  teve  j&mais  do  Imperador,  nem  em  caso 
algum  a  elle  se  referiria  em  termos  ou  em  sentido  discor- 
dante da  extrema  oortezia  com  que  sempre  tratara  grandes  e 
peqaenos. 

<  Nessa  carta  o  Dr.  Manoel  de  Queiroz  recorda  que,  jàno 
anno  de  1882,  impugnara  semelhante  ballela,  e  como  prova 
transcreveu  os  seguintes  tópicos  de  um  artigo  que,  com  a  sua 
assignatura,  fez  publicar  no  Olobo^  a  25  de  outubro  daquelle 
anno,  e  qua  convém  fiquem  registrados  nos  annaes  do  Instituto: 

«  O  dito  attribuido  a  meu  pai  nos  termos  em  que  o  apre- 
€  senta  o  articulista,  nâo  seria  uma  prova  de  virilidade  da  alma 

<  senão  de  impertinente  grosseria,  quando  ó  sabido  que  entre  os 
€  melhores  amigos  de  meu  pae,  e  que  elle  aos  filhos  apontava 
€  como  homens  de  todo  respeito,  conta vam-se  José  Clemente  Pe- 
«  reira,  Itaborahy,  Uruguay,  Paraná,  que  mais  de  uma  vez 
€  sabem  foram  ministros.  Os  que  conheceram  Euzebio  de 
«  Queiroz  quanto  elle  era  delicado,  polido,  attencloso,  incapaz 
€  por  certo  de  lançar  sobre  seus  melhorei  amigos  o  labéo  de 
€  faltos  de  pandonor. 

€  Não  se  pode  ser  ministro  dtMs  vezesp^  disse  e  repetia, 
«  Euzebio  de  Queiroz,  considerando  as  difflculdades  da  posi- 
«  <$o,  os  desgostos  e  amarguras,  que  soflPlrem  os  ministros  neste 
«  paiz,  onde  nada  se  respeita,  onde  os  mais  puros  sentimentos 
«  são  desconheiddos  e  offendidos  pela  malícia  dos  homens,  onde 
€  a  ingratidão  assentou  seu  throno,  sem  por  isso  attribuir  a 
€  aceitação  de  um  segundo  ministério  á  falta  de  pudor. . .  Não 
«  é  também  um  protesto  contra  o  poder  pessoal^  cuja  existência 
€  nunca  foi  denunciada  pelo  Conselheiro  Euzebio,  e  o  próprio 

<  articulista  reconhece  que  €  seria  preciso  considerar  aviltados 

<  todos  os  homens  que  têm  servido  muitas  vezes  o  cargo  de 
€  ministro,  para  admittir  o  poder  corruptor  da  coroa.  > 

4323  —  28  Tomo  lxix,  p.  ii. 


434  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

€  Se  Eiuebio  de  Queirós  eeiiTesee  ooiiTeDoldo  da  inflaeacia 
indébita  da  ooróa  não  a  denonolaria  por  insinuações  oobardeSt 
mae  teria  dado  eoarticaitata  outra  prova  da  €  civilidade  de  sua 
alma  e  da  independência  de  sen  oaracter  »  oombatendo-a  da  tri- 
bana»  &  loz  do  dia,  a  peito  deeooberto,  e  nSo  «atirando»»  em 
uma  phrase  qae  feria  os  mais  respeitáveis  oaraeteres  do  sen 
tempo  «o  odioso  e  a  perversidade  da  perversão  do  governo  do  Be- 
tado sobre  umsò. 

«  A  moléstia  allegada  para  excnsar-se  da  incumbência  de 
organizar  um  novo  gabinete,  nâo  foi  infelizmente  moro  pretestOt 
e  bem  cedo  tivemos  a  dolorosa  prova.  > 

O  Sr.  Dr.  Manoel  Barata  lô  as  Nota$  biogmphieas  do  Aímí* 
ranU  Luím  da  Ounha  Moreira^  Visconde  dê  Cabo  FHo, 

O  Sr.  Presidente  commnniea  que  devido  a  affluenoia  de  tra- 
balhos haverá  sessfto  extraordinária  a  B  do  oorrente,  tomando 
posse,  por  essa  oocasiio,  o  Sr.  Núncio  Apostólico,  Monsenhor  D* 
Júlio  Tonti. 


Levanta-se  a  sessSo  ás  4  l/S» 


Alcibíades  ]^»rkulo 
S»  SeonUrlo. 


ACTA   DA   SESSÃO    EXTRAORDINÁRIA  DE   8   DE   OUTUBRO 

DE  1906 

Presidência  do  Sr.  Marquez  de  Paranaguá^  £•  (Vioe^Presidenie) 

A*s  3  horas  da  tarde,  na  aéde  social,  presentes  os  Sra.  Mar- 
quei de  Paranaguá,  Bar&o  Homem  de  Mello,  Visoonde  de  Ouro 
Preto,  Max  Pleiuss,  Manoel  Cícero,  Arthur  Guimarães,  Barão  de 
Paranapíaoaba,  Barbosa  Rodrigues,  José  Luiz  Alves,  Sylvio  Ro- 
méro.  Marques  Pinheiro,  Barfto  de  Alencar,  Rocha  Pombo, 
Conde  de  Aflonso  Celso,  Conselheiro  Cândido  de  Oliveira,  Susviela 
Goarch,  Salvador  Pires,  Orville  Derby,  Josó  Américo  dos  Santos, 
ALÍlredo  Naeoimento^  Leite  Velho,  Marques  Peixoto,  Monsenhor 
Vicente  Lustosa,  Miguel  de  Carvalho,  Lix  Klett  e  Sebastião 
Galvão,  abre-se  a  i 


i 


ACTAS  DAS  SBSSÕBS  DE  1906         485 

O  Sr.  Presidente  designa  o  Sr.  Visconde  de  Onro  Preto  e  o 
Dr*  Manoel  Cioero  para  sabstitairem,  respeetiramente,  o  Orador 
e  o  2^  Secretario,  que  nâo  compareoeram,  por  Jasto  motlro. 

O  Sr.  Manoel  Cioero,  sorrindo  de  29  secretario,  lê  a  acta 
da  sess&o  anterior,  a  qual  6  approvada  sem  debate. 

O  Sr.  Presidente  declara  qne  se  acha  no  Instituto  o  Sr. 
Nando  Apostólico  qne  vem  tomar  posse  do  cargo  de  sócio  hono- 
rário e  designa  os  Srs.  1^  e  2*  secretários  e  o  Sr.  Conde  de 
Affonso  Celso  para  o  iotrodazirem  no  recinto. 

O  Sr.  Noncio  Apostólico  dá  entrada  na  saladas  sessões 
e  toma  assento. 

O  Sr.  Presidente  dirige-lhe  a  seguinte  allocQ(^o : 

<Exm.  e  Revm.  Sr.  Núncio  Monsenhor  D.  Júlio  Tonti  — 
Antes  de  partirdes  para  Lisboa,  no  desempenho  da  elerada 
missão  que  S.  S.  o  Papa  Pio  X  acaba  de  conflar-ros,  quisestes 
tomar  posse  do  cargo  de  sócio  honorário  do  Instituto  Histórico 
e  Qeographico  Brasileiro,  para  o  qual  fostes  eleito  unanime- 
mente, em  sessão  do  30  de  abril  desta  anno. 

<  E,  pois,  o  Instituto  Histórico  vos  recebe  hojo  em  seu  selo 
com  o  mais  intenso  Jubilo  e  com  o  acatamento  que  inspiram  as 
altas  Thrtudes  e  o  consummado  saber  que  tos  distinguem. 

«  Tomando  assento  entre  nós,  patenteastes  mais  uma  vee 
que  sabeis  prezar  os  homens  e  as  cousas  do  Brazil,  onde  deizaes 
radicadas  as  mais  vivas  sympathias.  Nenhum  de  vonos  illustres 
antecessores,  como  vós  o  fizestes,  percorreu  quasi  todas  as  dio- 
ceses do  Brazil,  exceptuadas  apenas  as  de  Qoyaz  e  Matto  Grosso, 
para  conhecer  de  vitu  as  suas  necessidades  e  provel-as  oonve* 
nimtemente. 

<  E*  sabido  que  muito  conoorrestes  com  as  vossas  informa- 
çqes  de  grande  valor  e  autoridade,  para  que  coubesse  ao  Brasil, 
de  preferencia,  o  primeiro  cardinalato  da  America  Latina. 

<  Bxm.  e  Rvm.  Sr.  O  Instituto  Histórico,  quo,  hoje,  festi- 
vamente vos  acolhe,  deve  a  sua  origem  a  um  sacerdote,  o  Có- 
nego Januário  da  Cunha  Barbosa. 

€  Ufima-se  de  ter  tido  em  seu  grémio  os  saudosos  Arcebispos 
da  Bahia,  D.  Romualdo  de  Seixas,  Marquez  de  Santa  Cruz  e 
D.  Manoel  Joaquim  da  Silveira,  Conde  de  8.  Salvador,  Mont*Al- 


436  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

yerne,  Custodio  Serrão,  Luiz  GonçalYes  dos  Santos.  E  ainda  hoje 
temos  a  fortuna,  que  Deus  nos  conserve  por  longos  annos,  de 
contar  no  nosso  grémio  outros  venerandos  sacerdotes  de  notável 
saber,  como  Sua  Bmineocia  o  Cardeal  Arcebispo  do  Rio  de  Ja- 
neiro, Sr.  D.  Joaquim  Arooverde,  D.  João  Braga,  Bispo  de  Petró- 
polis, D.  Francisco  do  Rego  Maia,  Bispo  resignatario  de  Belém. 

«  A  religião  não  prescinde  da  liistoria ;  antes  tem  os  seus 
fundamentos  essenciaes  na  historia,  que  ó  a  flel  depositaria  dos 
successos  através  dos  séculos,  a  luz  da  verdade  ^  Testis  tem- 
parum^  lux  veritaiis, 

«  Em  nome  do  Instituto  Histórico  eu  vos  saúdo  e  fiiQO  votos 
a  Deus  para  que  tenhaes  boa  viagem,  e  melhor  acolhimento 
e  todas  as  prosperidades  desejáveis  no  vosso  novo  posto  diplo* 
ma  tico.  » 

O  Sr,  Núncio  respondeu  nestes  termos  : 

€  Ezm.  Sr.  Presidente,  meus  caros  confrades  —  A  mim  è 
summamente  grato  comparecer  hoje  perante  esta  illustre  as- 
semblóa,  aâm  de  assumir  o  posto  honrosissimo  que  nella  hou- 
veram por  bem  designar-me  com  a  distinoção  insigne  de  sócio 
honorário  do  Instituto  Histórico  e  Geographico  Brasileiro. 

«  Agradecendo  ponhoradissimo  a  honorificencia  que  me  foi 
concedida,  direi  com  toda  a  sinceridade,  que  a  noticia  de  minha 
admissão  neste  gi^emio,  pior  tantos  titules  venerável,  encheu 
minha  alma  de  orgulho  e  ao  mesmo  tempo  envolveu-a  na  mais 
profunda  perturbação. 

«  Ta  es  sentimentos  penetraram  simultaneamente  o  meu 
espirito ;  e,  ainda  agora,  ao  tomar  assento  entre  homens  tãoemi- 
nontes,  slato  a  dominar-me  aquella  dupla  emoção.  Orgulbo-me 
deveras  por  fazer  parte  hoje,  como  vosso  consócio,  do  lastituto 
Histórico  e  Geographico  Brazileiro,  a  mais  antiga  e  a  mais  no- 
tável das  fundações  litterarias  da  America  Latina,  e  que 
mantém  um  logar  eminente  ao  lado  dos  institutos  europeus  con- 
géneres. O  meu  Justo  desvaaecimento  subiu  de  ponto  quando 
percorri  os  nomes  que  figuram  nos  registros  desta  casa,  desde  a 
sua  fundação.  Os  vossos  annaes  encerram  nomes  que  valem 
pela  consagração  intellectual  desta  instituição,  ootabilidades  que 
souberam  elevar-se  por  méritos  vários,  cada  qual  mais  brilhante. 


ACTAS  DAS  SESSÕES  Dfi  1906         437 

4c  KDtre  os  sócios  do  Instituto  Histórico  e  Geographico  Brazi- 
]eiro  (seja-me  permittído  fazer  esta  mençSo  especial)  se  destaca 
e  sobrele7a  dentro  e  fora  das  fronteiras  deste  beilo  e  opulento 
paiz,  a  figura  do  pranteado  D.  Pedro  II. 

«  O  carinhoso  e  infotlgavel  interesse  que  o  eminente  brazi- 
leiro  consagrou  sempre  ao  Instituto,  de  que  foi  a  alma,  seria 
a  prova  inequivoca  da  sua  alta  intelligencia  e  rasto  saber,  ao 
mesmo  passo  que  do  seu  entranhado  affecto  á  grande  nacSo 
americana.  No  seu  diadema  fulgura  como  gemma  preciosíssima, 
que  a  historia  transmittirá  á  admiração  dos  vindouros,  esse 
devotado  culto  ao  estudo  de  sua  pátria  l  Eis  porque  se  justifica 
o  meu  sentimento  de  orgulho  ao  receber  a  nomeação  de  sócio 
honorário  do  Instituto  Histórico  e  Geographico  Brazileiro,  Este 
sentimento,  porém,  foi  contrastado  no  mesmo  instante  por  outra 
impressão,  não  menos  poderosa,  que,  prevalecendo,  quasi  con- 
turbou profundamente  a  minh'alma. 

€  Attenta  á  celebridade  do  Instituto,  como  á  culminância  de 
seus  sócios,  volvendo  eu  o  olhar  sobre  a  minha  pessoa,  medi  e 
avaliei  a  minha  pouquidade  :  nenhum  titulo  achei  em  mim, 
nem  merecimentos  para  dar  assento  nesta  illustre  assembléa. 

«  O  interesse  que  pude  patentear  pelo  bem  do  paiz,  nas 
excursões  feitas  em  vários  pontos  do  seu  território,  o  estimulo 
deste  testemunho  da  vossa  alta  sympathia  para  que  continue  a 
me  esforçar  na  esphera  em  que  posso  agir  em  prol  da  Nação 
Brazileira,  não  me  pareceram  causas  proporcionadas  ao  effeito. 
Dominado  pelo  primeiro  movimento  emanado  da  perturbação 
que  enleiou  minh*alma,  estive  a  ponto  do  pedir-vos  qae  me 
escusásseis,  por  isso  que  estava  acima  de  mim  a  ennobrecedora 
distincção  de  sócio  honorário  do  Instituto  Histórico  e  Qeogra- 
phico  Brazileiro. 

4c  Felizmente  para  mim,  uma  idéa  sobreveiu  que,  tran- 
quillizando  o  meu  espirito,  decidiu-me  não  só  a  aceitar  o  vosso 
diploma,  como  a  recebel-o  mesmo  enthusiasticamente.  Os 
membros  do  Instituto  Histórico  dedicando-se  especialmente  ao 
estudo  da  Historia  o  Geographia  do  Brazil,  sabem  plenamente 
que  as  paginas  mais  gloriosas  do  livro  immortal  desta  terra 
narram  os  feitos  inolvidáveis  dos  primeiros  Missionários  a  ella 


438  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

enviados  pelo  Romano  Pontífice.  O0  aeas  nomes  e  os  symboloi 
de  sua  fé  âearam  eecriptos  na  historia  e  na  geographia  das 
terras  ^brasileiras. 

«  Os  legares  de  maior  renome  são  os  que  foram  fecondados 
pelo  labor  daquelles  Missionários  heroes,  que  em  meio  de  diffl- 
cuidades  sem  oonta  e  de  perigos  mortaes  aqui  anDunciaramo 
Evangelho  e  plantaram  a  Cruz,  merecendo  este  paiz  de  mara- 
yiihosoB  destinos  o  nome  de  Terra  de  Santa  Cruz,  fazendo-o 
nascer  para  verdadeira  vida  e  verdadeira  gloria  t  No  voto 
unanime,  pois,  de  inscrever  o  Núncio  Apostólico  no  quadro 
dos  sócios  honorários  do  Instituto  Histórico  e  Geographico  Bra- 
zileiro,  julguei  que  nSo  havia  sido  estranho  ao  vosso  pensa- 
mento o  intuito  de  testemunhar  de  maneira  tão  eloquente  e  por 
um  voto,  entre  todos  competente,  o  vosso  preito  ao  Supremo 
Pastor  da  Igrcga  Catholica  —  o  Romano  Pontífice. 

«  Bis  a  razão  potentíssima  que  me  decidiu  e  eis  o  motivo 
de  minha  aceitação  enthusiastica.  Foi  impessoal  e  superior  o 
impulso  que  me  dirigiu  a  esta  augusta  assembléa. 

«  Neste  pensamento  felicito  os  membros  do  Instituto  e  u&no- 
me  de  ser  vosso  consócio,  ainda  qae  o  mais  humilde  no  valor 
fessoaU 

«  Confuso  por  tão  alta  significativa  demonstra^  de  sym- 
pathia  qoe  quisestes  dar  me,  vos  reitero  os  meus  mais  vivos 
agradecimentos  e  faço  os  votos  mais  ardentes  pela  prosperidade 
progressiva  do  Instituto  para  que  conserve  sempre  a  sua  pre- 
eminência e  qual  outro  sol  dififunda  e  resplandeça  a  sciencia  e 
a  sabedoria  no  firmamento  histórico  e  geographico  do  Novo  e 
do  Velho  Mundo  para  maior  gloria  da  Religião  e  da  Pátria»^ 

O  Sr.  Visconde  de  Ouro  Preto,  servindo  de  orador,  profere 
o  seguinte  discurso,  em  resposta  ao  Sr.  Núncio  Apostólico  : 

€  Aos  milicianos  de  Christo,  do  todas  as  legiões  em  que  se 
alistam,  deveu  sempre  o  Brazil  serviços  importantes,  desde  os 
primeiros  tempos  após  o  descobrimento. 

«  Mencionando  apenas  os  mais  antigos  —  Anchieta  e  Nó- 
brega, Marcos  Teixeira,  Caetano  Brandão,  Vieira  (de  lado  as 
velleidades  politicas),  António  do  Desterro,  foram  beneméritos 
deste  paiz. 


ACTAS  DAS  SBSSÕBS  DB  1906         439 

«  Ainda  hoje  algUQa  soldados  da  Gniz  ião  os  anioos  que  se 
esforçam  por  saayizar  a  triste  sorte  dos  iegitimos  donos  da 
terra,  ezpondo-se  a  privações  e  perigros  nos  sertões,  onde  os 
desapossados  se  reftigiaram. 

€  NSo  muitos  metes  ha,  om  dosses  caridosos  e  abnegados 
patronos  de  infelizes,  nosso  iUostre  oonsocio,  prosegaindo  na 
santa  missão,  snccambin  aos  golpes  por  elles  desfeóliados. 

«  Ninguém  os  inculpe  por  isso ;  inconscientes,  despertam 
compaixão.  Stygmas  severos  merecem  09  que  j&  não  podendo 
esoraviaal-os,  os  abandonaram  aos  insttnctosbestiaes  do  homem 
primitivo  1  Por  estes  factos  só,  registrados  em  nossos  annaes  e 
que  nem  o  obseoado  espirito  de  seita  contestara,  por  taes*  ser- 
viços, e  únicos  não  são  da  phalange  tonsurada,  ^  conferir  um 
logar  de  honra  no  grémio  do  Instituto  Historioo  e  Geographico 
Brazileiro  exigua  homenagem  seria  ao  alto  representante  da 
Igreja  Romana,  a  piedosa  e  indefessa  inspiradora  de  tantas 
virtudes  e  tamanho  heroísmo  I 

<  Ao  indyto  Arcebispo  de  Anoyra,  porém,  a  Monsenhor 
D.  Júlio  Tonti,  sobejavam,  para  todas  as  distincções  que  esta 
Associação  pudesse  offertar-lhe,  títulos  pessoaes  mais  valiosos, 
permitta-se-me  dizel-o,  do  que  a  elevada  investidura  offldal. 

€  Esta,  aoreditando-o  junto  ao  Qoverno,  assegura-ihe  é 
oerto,  com  o  acatamento  geral,  as  íSMuldades,  as  prerogatívas 
e  privilégios,  inherentes  aos  altos  postos  diplomáticos*  mas  é 
temporária  e  vem  de  uma  delegação. 

€  Os  títulos  pessoaes  de  S.  £x.  são  immorredouros,  origi- 
nam-se  de  seus  predicados  individuaes  ;  ninguém  lh*QB  pôde 
tirar  porque  ninguém  lh*08  deu  ;  e  constituem  irrecuzaveis 
oredenciaes,  perante  potencia  superior  a  qualquer  Governo  — 
a  nação  que  as  aceita,  não  por  aoto  de  chancellaria  —  como 
preito  de  estima  e  de  reconhecimento. 

<  Scientista  notável,  philologo  que  moureija  com  segurança 
vsrios  idiomas,  professor  laureado,  cooperador  em  suooessos 
auspiciosos  à  grandeza  e  lustre  do  Brazil,  como  o  augmento  das 
dioceses,  centro  de  instruc^^,  moralidade  e  consolo  para  o  povo, 
e  conseguintemente,  de  força  e  resistência  nos  dias  de  angustia, 
ao  Sr.  D..  Júlio  Tonti  cabia  indisputável  direito  a  uma  cadeira 


442  RKVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

nlo  diflfliTçará,  no  derradeiro  qaartel  da  rida-»  o  qae  peoea 
e  o  qae  sente,  tendo  por  dirisa  :  Credo,  Imnufía  fides  t» 

O  Sr.  Presidente  declara  suspensa  asesl&o  por  oineo  mi- 
nutos. 

Reaberta  a  sessSo,  ás  4  horas  e  45  minutos,  prooede-4B 
Èk  Totaoto  dos  pareoeres  da  Commissfto  de  Admiss&o  de  Sooios, 
lidos  na  ultima  sessSo  e  reiatiTos  ao  Sr.  Qonndo  de  Qa»- 
sada  e  ao  Dr.  Arthur  Orlando  da  Silva. 

Ambos  os  pareoeres  foram  approTadòs,  sendo  o  do  Dr.  Ar- 
thur Orlando  por  unanimidade. 

O  Sr.  Presidente  proclama  sócios  correspondentes  do  In- 
stituto Histórico  e  Geographico  Brasileiro  os  Srs.  Dr.  Arthur 
Orlando  da  Silva  e  Gonzalo  de  Quesada. 

O  Sr.  Pleinss,  l"»  Secretario,  lê  o  seguinte  parecer  da 
Gommisribo  de  Admissfto  de  Sócios,  o  qual  fica  sobre  a  mesa, 
para  ser  Totado  na  proiima  sessSo. 

«Ha  longos  annos,  cathedratico  da  Faculdade  de  Direito 
do  Recife,  autor  de  numerosas  obras  reveladoras  de  ampla 
oultura  litteraria  e  Jurídica,  encarregado  pelo  Governo  de 
relevantes  ooramiss9es,  qual  a  de  elaborar  o-  projecto  de  Co^ 
digo  Civil,  nomeado  recentemente  Consultor  Technioo  do  Mi  * 
nisterio  das  RelacSes  Exteriores,  apresenta  o  Sr.  Dr.  Clóvis 
Beviláqua  todas  as  condições  de  idoneidade  intelleciual  e 
moral  para  ser  admittido  em  qualquer  aggremiagio  soien- 
tiâca. 

€  As  conTenienoias  da  sua  entrada  para  o  Instítuio  Histórico 
decorrem  dos  predicados  alludidos  ;  sSo  obviaa:  goiam  todas 
as  associações  com  a  acquisiçio  de  uma  capacidade  ccnnpro- 
vada.  A  GommissSo  de  admissSo  de  sócios  opina,  portanto, 
a  favor  da  proposta  relativa  ao  Dr.  Clóvis  Beviláqua.  Rio 
de  Janeiro,  8  de  outubro  de  1006.—  Conde  de  Áffbnso  Célw,  le- 
MoT.-^Mánoel  deero.-- Miguel  J.  RibHro  de  CaTvaXho.-^BarOo 
de  AUmoar»^ 

O  Sr.  Fieiuss,  em  nome  da  Commissao  de  Bstatntos  e 
Redacçfto,  de  que  faz  parte,  apresenta  o  seguinte  projecto 
de  regimento  interno  : 

«Projecto  de  um  regimento  interno  para  as  sessões. 


ACTAS  DAS  SBSSÕB5  DE  1906         448 

«  Dd  conformidAdade  com  a  diaposi^^  do  art.  49  8  2^  dos 
Estatatos,  em  todas  as  sesaões  do  Instituto  o  Presidente  ocoa- 
IMurÀ  o  centro  da  mesa,  tendo  á  direita  o  1»  Secretario  e 
o  orador  e  á  esquerda  o  29  Secretario  e  o  Thesoureiro. 

«  Sendo  conveniente  providenciar  quanto  á  oolloca^  dos 
Vice-Presidentes  e  á  dos  recipiendarios,  hem  como  a  do  Chefe 
do  Estado,  quando  comparecer  ás  sessões,  e  sobre  outras  me- 
didas correlatas,  julga  a  Commissão  de  Estatutos  e  Redacção 
imprescindiyel  apresentar  o  seguinte  projecto  de  Regimento 
Interno  para  as  sessões  : 

«  Art.  !.<>  Os  Vice-Presidentes,  por  sua  ordem,  sentar^se-bão 
nof  três  primeiros  logares  do  recinto  à  direita  da  mesa. 

«  Art.  2.^  O  recipiendario  senta r-se-ha  no  primeiro  logar 
do  recinto  á  esquerda  da  mesa. 

«  Art.  3.»  Quando  comparecer  o  Chefe  do  Estado  ser-lhe-lia 
offerecida  a  Presidência ;  acceitando-a,  o  Presidente  do  In- 
stituto occuparà  a  cadeira  do  1*  Secretario,  que  irá  para  a 
do  orador,  ficando  á  esquerda  do  Chefe  do  Estado  o  Orador 
e  o  2«  Secretario.  Não  a  acceitando,  sentar-se-ha  á  direita  do 
Presidente  do  Instituto,  tendo  em  seguida  o  l""  Secretario, 
sentando-se  o  Orador  ã  esquerda  do  Presidente  do  Instituto 
e  em  seguida  o  2°  Secretario.  O  Thesoureiro  sentar-se-ha, 
então,  no  primeiro  logar  do  reoinio  ã  esquerda  da  mesa. 

«  Paragrapho  Único.  Comparecendo  o  Chefe  do  Bstado  á 
recepção  de  sAgum  sócio,  o  Thesoureiro  sentar-se-ha  no  re- 
cinto, do  lado  direito  da  mesa,  logo  depois  dos  Yioe-Presi- 
dentes. 

«  Art.  4.«  —  O  Recipiendario  fallarã  de  pé,  bem  eomo 
qualquer  sócio  que  tiver  de  ler  algum  trabalho  mais  demo- 
rado. Rio  de  Janeiro,  8  de  outubro  de  1906. —  MacoFUiuss.— 
Conde  de  A  ff  (m$o  Celso.— Dr,  Alfredo  Nascimento, % 

Posto  em  discussão,  pede  a  palavra  o  Sr.  Conselheiro 
Cândido  de  Oliveira  e  adduz  varias  considerações^;;  propondo 
afinal  a  suppressão  no  art.  4**. 

O  Sr.  Fleiuss,  em  nome  da  Commissão,  convém  na  eli- 
mina^^o  desse  artigo. 

«  Bm  seguida  pede  que,  por  não  ne  tratar  de  admissão 


444  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTORICX) 

de  sooios,  cuja  votagio  é  reRulada  pelos  Estatatos,  se  con- 
oeda  urgência  e  se  prooeda  &  votac&o  do  referido  projecto.  » 

£*  concedida,  a  urgência  e,  em  seguida  approvado  una- 
nimemente o  projecto,  com  a  suppress&o  doart.  4.« 

O  Si*.  Fieioss  pede  novamente  a  palavra  e  diz  que  vai 
apresentar  um  voto  que,  reoonheoe  nio  estar  muito  noi 
moldes  do  Instituto,  mas  para  justifteal-o  sobejamente  ha  a 
justiça  do  assumpto,  e  pelo  menoj  dous  precedentes— quando 
falleceu  o  grande  escriptor  portugnez  Eça  de  Queiroz  e  quando 
houve  a  catastrophe  do  balão  do  Sr.  Augusto  Severo. 

«  Vem  o  orador  pedir  ao  Instituto  que  approve  o  voto  de 
pezar  pela  morte  do  illustre  professor  Dr.  Josó  Benicio  de  Abreu. 

«  A*  historia  das  soiencias  medicas  pertence  o  nome  de  Be< 
nicio  de  Abreu.  Era  uma  summidade,  quer  oomo  professor, 
quer  como  clinico. 

«  Ha,  porém,  outro  lado  de  sua  individualidade  digno  de 
men^o  a  grandeza  de  seu  caracter,  grandeza  que  se  paten- 
teava sem  alarde,  mas  a  cada  passo,  sincera  o  ezhnberante. 

€  Apresenta  a  seguinte  proposta  : 

«Proponho  que  o  Instituto  Histórico  e  Oeographieo  Bra- 
«  zileiro  insira  na  acta  da  pi*esente  sessão  um  voto  de  proftindo 
«  peiar  pelo  fállecimento  do  eminente  professor  Dr.  Benicio 
«  de  Abreu,  gloria  não  só  da  medicina  brazileira  como  dos  qae 
«  sabem  amar  os  homens  que  se  íkzem  grandes  pelo  saber  e  pela 
«  abnegação. 

«  Proponho  ainda  que  se  d6  dessa  resolução  oonhecimento 
€  á  Faculdade  de  Medicina  do  Rio  de  Janeiro. 

€  Sala  das  sessões,  8  de  outubro  de  1906.-   Mam  Fleiuss.^ 

Posta  em  discussão  ninguém  pede  a  palavra  e  é,  em  se- 
guida, approvada  por  unanimidade. 

O  Sr.  Pleiuss,  1*  Seeretario,  participa  que  aoaba  de 
receber  ama  cartado  Offlcial  de  Gabinete  do  Sr.  Presidente 
da  Republica  oommunicando  que  S.  Ez.  digna-se  de  compa- 
recer ã  Sessão  Magna  do  Instituto»  a  realizar  se  em  21  do 
corrente,  ás  7  I/;ií  da  noite. 

O  Sr.  Presidente  diz  que  o  Instituto  fica  inteirado  e  desde 
Já  muito  agradece. 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE   1906  445 

Em  seguida  o  Sr.  José  Luiz  Alves  lê  considerações  sobre 
a  Carta  Régia  de  28  de  Janeiro  de  1808  (abertura  dos  portos 
do  Brazll  ao  commeroio  estrangeiro)  nas  qoaes  sustenta  que 
somelhante  decreto  n&o  .  foi  devido  &  interferência  do  Ck>Qde 
da  Ponte,  nem  de  José  da  Silva  Lisboa,  como  erroneamente 
se  tem  escripto.  Para  provar  suas  asserções  insere ve-«e  para 
em  uma  das  próximas  sessões  lêr  uma  memoria  sobre  tão 
importante  assumpto. 

O  Sr.  Presidente  communica  que  a  próxima  sessão,  ultima 
ordinária  deste  anno,  realiza-se  na  segunda^feira,  15  do  cor- 
rente, ás  3  horas  da  tarde. 

Encerra-se  a  sessão  as  5  1/2  da  tarde. 

Mafwel  Cicêro 
servindo  de  2*  Secretario. 


ACTA   DA    17»   E   ULTIMA  SESSÃO   ORDINÁRIA   EM    15   DB 
OUTUBRO  DE  1906 

Presidente  o  Sr,  Marques  de  Paranaguá  (í*  Vice- Presidente) 

A's  3  horas  da  tarde,  na  sede  social,  presentes  os  Srs. 
Marquez  de  Paranaguá,  Barão  Homem  de  Mello,  Visconde  de 
Ouro  Preto,  Max  Fleiass,  Alcibíades  Furtado,  Desembargador 
Souza  Pitanga,  Arthar  Guimarães,  Barão  de  Paranapiacaba, 
Coronel  Thaumaturgo  de  Azevedo,  Dr.  José  Américo  dos  Santos, 
José  Luiz  Alves,  Drs.  Manoel  Cicero  e  Alberto  de  Carvalho, 
abrcHsea  sessão. 

O  Sr.  Furtado,  2«  Secretario,  lô  a  acta  da  sessão  anterior,  a 
qual  é  approvada  sem  debate. 

O  Sr.  Fleiuss,  r  Secretario,  procede  á  leitura  do  expedi- 
ente e  das  offertas. 

O  Sr.  Presidente  põe  em  votação  o  parecer  da  Commissão 
de  Admissão  de  Sócios,  opinando  pela  acceitação  do  Dr.  Clóvis 
Beviláqua  como  sócio  correspondente. 

O  parecer  éappr ovado  unanimemente. 

O  Sr.  Presidente  proclama  sócio  correspondente  do  Instituto 
Histórico  e  Qeographico  Brazilelro  o  Dr.  Clóvis  Beviláqua. 


416  RBV18YA  DO  INSTITUTO  HISTORIGO 

O  Sr.  Jofld  LalK  AlvM  pede  a  palarra  para  Aiser  uma  pe- 
quena reolamaçio:  «  diz  qoe  ao  ser  recebida  o  retrato  do  illaetre 
aaoerdote  e  poeta  António  Pereira  de  Sooza  Oaldae,  o  Instituto 
deliberou  coilocal-o  em  logar  de  lionra  na  sala  das  sessOes ;  que 
por  dromnstaneiae  que  nio  Têm  a  pelo,  foi  este  retrato  reti- 
rado pelo  Sr.  Heorique  Rafliird,  por  se  dizer  que  na  sala  das 
sessões  sd  flgnrariaai  os  retratos  e  bustos  de  sócios  ftklleeidos. 

€  Agora  que  a  Assooiaçfto  acaba  de  passar  por  total  restau- 
raoio  Tem  reolamar  para  que  seja  eollooado  na  sala  das 
seMOes  o  retrato  do  Padre  Caldas.» 

O  Sr.  Fleiuss,  I®  Secretario,  pede  a  paiarra  e  diz  que  a 
decisfio  de  se  collooar  na  sala  das  sesflSes  somente  os  bastos  e 
retratos  de  sócios  ÍUlecidoa  deu  logar  a  que,  quando  se  deeidio 
a  questão  do  Oyapock,  fosse  eollooado  na  Secretaria  o  retrato  do 
eminente  Sr.  Bário  do  Rio  Branoo  e,  ulteriormente,  o  do  sau- 
doso Ck>nselheiro  Olegário. 

€  Entende  que  no  actual  salEo  de  sessões  deve  unicamente 
figurar  o  retrato  do  Sr.  D.  Pedro  lí,  para  que  bem  saliente 
fique  o  espirito  de  amor  e  gratidão  qoe  o  Instituto  deve  áquelle 
que  íbi  o  seu  Presidente  Perpetuo  e  que  até  a  morte  jamais  o 
esqueceu.» 

Assim  se  resolve  por  unanimidade. 

O  lyr.  Manoel  Cicero  communiea  que  o  illnstre  e  presadis- 
simo  consócio  Dr.  Manoel  Barata  segue  para  o  Estado  do  Pará 
a  21  do  corrente ;  pede  o  orador  a  nomeaç&o  de  ama  eommiasio 
para  representar  o  Instituto  ao  embarque. 

O  Sr.  Presidente  nomeia  para  semelhante  oommissSo  os 
1^.  Dr.  Manoel  Cicero,  Max  Fleiuss  e  Alcibíades  Furtado. 

O  Sr.  Fleiuss,  1«  Secretario,  diz  que  estando  oonclaidas  as 
obras  realizadas  no  ediflelo  social,  Justo  é  que  o  Instituto  auto- 
rize o  pagamento  de  modesta  gratifioaç&o  aos  ftinccionarios 
stO^itos  ao  ponto,  pela  somma  de  esforços  que  de  boa  vontade 
ompregaratn  pjira  que  tudo  se  fizesse  com  ordem  e  celeridade, 

O  Sr.  Presidente  consulta  o  Instituto,  sendo  acceita  a  pro- 
posta do  Sr.  1*  Secretario. 

O  Sr.  Presidente  agradece,  por  ultimo,  o  auxilio  efflcaz 
que  recebeu  dosillustres  consócios,  e  convida-os  a  comparecer  á 


ACTAS  DAS  8BSSÕBS  DB  1906         447 

Btíu&o  magna  a  realisar-se  na  noite  de  21  do  oorrentet  As  7  1/9» 
e  a  se  entregarem*  no  período  de  férias,  ao  estado  de  qaestdes 
e  preparo  de  trabalhos,  para  que  seja  íertil  ao  Instituto  o  pró- 
ximo exerdoio.  Dá  por  enoerrados  os  trabalhos  ordinários  no 
eomnte  anno. 

LeyantaHM  a  sessão  ás  4  bòras. 

AlMiadêB  Fanado. 
2»  Secretario. 


ACTA  DA  SESSÃO  MAGNA   OOMMEMORATIVA  DO  68*  ANNO 
DA  FUNDAÇÃO 

BM  21  DB   OUTUBRO  DB  1906 

PrsttdsHCHida  Sr»  Març[^eM  de  Paramaguá  (i«  Yice^Premdemte) 

A*s  7  1/2  da  noite,  presentes  os  Srs.  Dr.  Francisco  de  Panla 
Rodrigues  Alves,  Presidente  da  Republica,  e  Presidente  Hono- 
rário do  Instituto,  Marques  de  Paranaguá,  Barfio  Homem  de 
Mello,  Max  Fleluss,  Alcibíades  Furtado,  desembargador  Souza 
Pitanga,  cardeal  D.  Joaquim  Arcoverde,  bar&o  de  Alencar, 
Drs.  Bianoel  Cicero,  Cunha  Barbosa,  José  Américo  dos  Santos» 
Eduardo  Marques  Peixoto,  Carlos  Lix  Klett,  ms^or  Belisario  Per- 
nambuco, coronel  Thaumaturgo  de  Azevedo  e  Jesuino  de  Mello» 
o  Sr.  Marquez  de  Paranaguá  assume  a  Presidência  depois  de 
tel-a  offerecido,  nos  termos  do  regimento  interno,  ao  Sr.  Pre- 
sidente da  Republica,  que,  nSo  a  acceitando,  ocoupou  a  cadeira 
&  direita  do  Presidente  do  Instituto. 

Abre-se  a  sessáo,  pronunciando  o  Sr.  Marquez  de  Paranaguá 
o  seguinte  discurso: 

<  Srs.  Cabe-me  a  honra  de  presidir  esta  sessio  magna, 
anniversaria  da  fundação  do  Instituto  Histórico  e  Geographico 
Brazileiro,  perante  o  distincto  auditório  que  nos  honra  com  a 
sua  presença  e  que,  por  este  acto,  penhora  a  nossa  gratidão. 

«  Seria  isso  para  mim  um  motivo  de  justo  desvanecimento 
si  o  meu  exercício  não  fosse  consequência  do  deaapparecimento 
do  muito  illustre  e  querido  presidente  desta  associação,  o  conse- 
lheiro Olegário  Herculano  de  Aquino  e  Castro,  jurisoonsulto  con- 


448  RBVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

summado  e  notarei  homem  de  lettras.  A  sua  voz  eloquente,  que 
dava  realce  e  brilho  a  estas  solemaidades,  emadeoea  para 
sempre. 

«  Não  poderei,  enfraqaeeido  pelo  peso  dos  annos,  sendo 
apenas  do  passado  ama  quasi  apagada  sombra,  nfto  poderei,  soa 
o  primeiro  a  confessar,  bem  sabstituir  ao  saudoso  ami^* 

«  TodaTia  farei  da  fhiqaeza  força,  e,  alentado  por  presti- 
mosos companheiros,  procurarei  cumprir  o  meu  dever. 

4c  Esta  instituiçSo  patriótica  é  um  legado  de  honra  que  nos 
deixaram  os  seus  beneméritos  fundadores,  e  o  seu  aogasto  pro- 
tector, Sr.  D.  Pedro  II,  que  em  toda  saa  yida  deu  os  mais  nobres 
exemplos  de  patriotismo,  de  abnegação  e  de  amor  ás  iettras. 

«  Correspondendo  ú.  tão  elevado  encargo,  o  Instituto  tem 
continuado  a  promover  as  diligencias  e  investigações  incessantes 
para  esclarecimento  da  verdade,  e  mais  completo  conhecimento 
da  nossa  historia. 

4c  E*  este,  sem  duvida,  um  dos  melhor  js  serviços  prestados 
por  esta  associação  de  cultores  das  iettras  pátrias. 

«  A  historia  é  a  fiel  depoait  vria  dos  successos  através  dos 
tempos,  a  luz  da  verdade,  a  mestra  da  vida,— tesfíj  temparum^ 
lux  veriiatiSf  magistra  vitos,  vita  memorce,  nuntia  vetítstcUis^  oomo 
diz  Cicero.  E,  em  oecasião  semelhante  ã  esta,  o  noss3  saudoso 
presidente  desenvolveu  o  mesmo  pensamento  assim.  A  historia 
é  a  grande  e  judiciosa  mestra  da  vida  que,  com  rectidão  e  fir- 
meza, encaminha,  e,  pela  expressão  da  verdade,  assegura  o 
destino  das  nações ;  6  a  luz  que  esclarece  a  mente  dos  que  as 
dirigem,  evitando  os  erros  e  os  perigos  que  os  rodeiam ;  a  lição 
sabia  e  profunda,  que,  pela  doutrina  e  pelo  exemplo,  educa  os 
povos,  para  que,  na  consciência  dos  seus  direitos  e  deveres, 
saibam  bem  sustsntal-os  e  cumpríl-os. 

4c  Para  que  seja  immensa  a  utilidade  moral  da  historia,  diz 
ainda  conhecido  escriptor,  basta  que  olla  sirva,  oomo  de  facto 
servo,  para  reprimir  o  ogoismo,  lepra  dns  sociedades  modernas, 
e  incitar  a  pratica  das  acçõos  generosas. 

4c  Senhores.  A  festa  litteraria  que  o  Instituto  hoje  celebra, 
cm  commemoração  do  08"^  anniversario  da  sua  fundação,  não  ô 
uma  solemnidade de  mora  ostentação. 


ACTAS  DAS  SBSSÕBS  DB  1906         449 

«  Pelos  noflsoB  Estatutos  é  esta  a  ocoasíão  de  expormos, 
pelos  órgãos  competentes,  os  nossos  trabalhos,  as  oocarenciai 
prindpaes  havidas  durante  o  anno  social  que  hoje  finda;  de 
fazermos  menç&o  honrosa  das  obras  históricas,  geographicas, 
ou  ethnographicas  apresentadas  no  mesmo  período. 

«  O  cumprimento  deste  dever,  é,  alôm  do  mais,  uma  justa 
satisfação  aos  poderes  públicos,  de  quem  o  Instituto  recebe 
auxílios  indispensáveis,  é  também  uma  attençâo  para  com  todos 
que  se  interessam  pelos  estudos  históricos. 

4c  As  sessões  ordinárias  do  Instituto  elTectuaram-se  com  a 
precisa  regularidade  sendo  em  taes  oocasiOes  lidos  trabalhos 
originaes  que  serão  opportunamente  publicados  na  Revista, 

«  Alôm  das  sessões  ordinárias,  celebradas  de  15  em  15  dias, 
houve  algumas  sessões  extraordinárias  convocadas  para  negocio 
argente ;  e  tanto  a  estas  como  ãquellas  compareceram,  sempre 
em  grande  numero,  os  nossos  prosados  consócios,  cuja  dedicação 
e  assiduidade  são  dignas  de  louvor. 

€  A  Revista  do  Instituto  tem  sido  publicada  com  alguma 
demora,  devido  á  affluencia  de  trabalho  na  Typographia  Na- 
cional, onde  se  imprime. 

«  O  nosso  Archivo,  magnifico  repositório  de  informações 
úteis  e  documentos  preciosos,  assim  como  a  nossa  Bibliotheca, 
sob  a  guarda  do  erudito  e  zeloso  bibUothecario,  Sr.  Dr.  Vieira 
Fazenda,  tôm  sido  visitados  e  merecidamente  apreciados  por 
nacionaes  e  estrangeiros. 

€  Tratamos  agora  de  completar  a  organização  do^catalogo 
das  obras  que  possuímos,  tarefti  esta  conOada  ao  nosso  presado 
biblotheoario  ,obseqotosamente  coadljuvado  pelo  illustro  Sr.  barão 
de  Vasooncellos.  B'  um  trabalho  de  grande  importância,  por 
quanto,  além  da  enumeração  das  obras  que  possuímos,  deve 
conter  o  estado  critico  de  cada  uma,  observações  e  discussões 
«oseitadas,  numero  de  edições,  eto. 

«  Continuamos  a  eorresponder-nos  com  as  associações  con- 
géneres, tanto  do  nosso  pais  como  do  estrangeiro,  permutando 
com  ellas  a  nossa  Revista.  Tôm  sido  numerosas  e  de  subido 
valor  as  offbrtas  de  livros  e  trabalhos  litterarios,  que  vão  enri- 
quecendo a  nossa  Bibliotheca. 

4323  —  29  Toxo  lxix.  p.  lu 


450  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

«  O  ediflcio  onde  tomos  a  nossa  sôde  social  passou  por 
grandes  melhoramentos ;  oíTereoe  agora  a  necessária  segurança, 
decentes  e  boas  accommoiaçoss.  Foi  por  Influencia  e  ingentes 
esforços  do  nosso  saudoso  presidente,  conseliíeiro  Olegário,  que 
o  Instituto  obteve  dos  poderes  públicos  os  meioj  necessários 
para  a  realizao&o  de  taes  melhoramentos* 

«  Deste  facto  e  de  outros  não  meãos  importantes  o  digno 
!•  secretario,  Sr.  Max  Fleiuss,  dá  minuciosa  noticia  do  seu  bem 
elaborado  relatório,  cuja  leitura  ides  ouvir. 

«  Releva,  entretanto,  declarar  que  muito  contribuiu  para  a 
mais  económica  e  mais  prompta  execução  das  obras  e  melhora- 
mentos  de  que  se  trata  a  diligente  flscaliiação  e  actividade  do 
Sr.  Max  Fleiuss,  Justamente  louvado  pelo  Instituto,  em  sessio 
de  3  de  setembro  ultimo. 

«  O  Instituto  admittiu  em  seu  grémio  duranto  este  anno 
mais  sete  novos  sócios,  todos  elles  Justamente  considerados  por 
seus  talentos,  illustração  e  maior  bôa  vontade. 

«  Sua  valiosa  coUaboração  Justifica  assaz  os  nossos  applau- 
SOS,  o  faz  dispontar  entre  nós  lisongeiras  esperanças. 

«  Mas,  por  contraste  doloroso,  temos  de  lastimar  a  perda,  no 
mesmo  período,  do  dez  illustres  consócios,  lidadores  indefessos, 
como  o  barão  de  Penedo,  o  Dr.  António  de  Paula  Freitas,  com- 
mendador  Henrique  Raffard,  que  nos  foram  arrebatados  pela 
impiedosa  morte.  O  vácuo  que  elles  deixaram  no  nosso  grémio 
difflcilmente  será  preenchido.  Ao  nosso  illustrado  e  eloquente 
orador,  Sr.  desembargador  Souza  Pitanga,  incumbe  fazer-lhes  o 
elogio,  tareík  que  vai  desempenhar,  como  costuma,  com  ele- 
vação e  brilho:  é  um  Justo  tributo  de  reconhecimento  e  saudade 
que,  em  ocoasião  solemce,  prestamos  á  memoria  de  mortos  que- 
ridos. 

«  Concluída  esta  ligeira  exposição,  cumpro  o  grato  dever  de 
agradecer,  em  nome  do  Instituto,  &s  distinctas  pessoas  que  se 
dignaram  de  obsequiar-nos  com  o  seu  comparecimento,  tomando 
parte  nesta  modesta  festa  litteraria  e  com  especialidade  ao 
Ezm.  Sr.  Presidente  da  RepubUca,  autoridades  superiores,  re- 
presentantes de  corporações  soientiflcas  e  da  illostrada  im- 
prensa desta  capital. 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE  1906         451 

«  Aos  prosados  consócios,  os  aífdctuosos  cumprimentos  com 
08  melliores  votos  pela  sua  felicidade. 

«  Está  aberta  à  sessão.» 

O  Sr.  Max  Fleiuss,  1°  Secretario,  pedindo  vénia  ao  Sr.  Pre- 
sidente da  Republica,  leu  o  seguinte  relatório  : 

€  Sth.  consócios  —  Quando  em  meio  do  anno  passado  o  meu 
saudoso  antecessor  declarou-me  ser  firme  propósito  seu  não 
continuar  no  cargo  de  1<>  secretario,  devido  &  precariedade  de 
suas  condições  de  saúdo,  quo  o  inhibiam  do  mesmo  zelo,  diária* 
mente  provado  durante  14  annos,  confesso  que  temi  recabisse 
em  mim  o  voto  de  meus  pares,  investindo-me  do  elevado  posto. 

«  Certo  Julguei-me  capaz  do  patentear  a  maior  soumia  de  boa 
vontade,  pondo  ao  serviço  do  Instituto  as  horas  todas  do  meu 
lazer ;  tal  qualidade,  poróm,  por  si  só,  nio  bastava  e  a  minha 
fraqueza  subia  de  ponto  quando  reconhecia  a  necessidade,  cada 
vez  mais  urgente,  de  fazer  o  Instituto  assumir  uma  feiç&o  que, 
sem  quebra  ou  desrespeito  de  suas  nobres  tradições,  lhe  trou- 
xesse o  prestigio  oriundo  dos  centros  quo  n&o  vivem  unicamente 
da  contemplação  do  passado,  por  mais  honroso  que  seja,  mas 
sabem  acompanhar  a  evolução  da  sociedade,  recolhendo  com 
imparcial  critério  o  que  houver  de  aproveitável. 

«  Por  muito  tempo  o  aspecto  do  Instituto  pareceu,  não  a 
poucos,  o  do  uma  instituição  obsoleta,  ankylosada  pela  vetusiez, 
a  psalmodiar  em  tom  baixo  victorias  de  outras  eras,  para  as 
quaes  se  voltava  em  uma  obstinação  quasi  enferma. 

«  Concepção  errónea,  falsíssimo  juizo,  mas  a  que  as  appa- 
rencias  emprestxvam  a  figura  da  realidade. 

«  Os  que  tinham  a  ventura  da  frequência  no  seio  desta  com- 
panhia, bem  sabiam  não  se  receiar  aqui  a  claridade  brilhante, 
mas  a  vista  exterior  levava  a  crer  que  se  preferia  a  penumbra 
mormacenta,  a  meia  luz,  como  a  indispensável  á  circumspecção 
e  mais  de  harmonia  oom  a  indoie  da  casa. 

«  Evidentemente  não  podia  subsistir  esse  quadro ;  cumpria 
dissipal-o  sem  vacillações  e  sem  tardança  para  immediato  pro- 
veito dos  elevados  fins  do  estabelecimento. 

«  Desde  alguns  annos,  novos  moldes  se  impunham,  ganhando 
cada  vez  maior  terreno.    Afinal  prevaleceram,  e  a  victoria 


452  REVISTA   DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

•oou,  DÍo  como  resultado  osteril  de  uma  lata  meaquiniia,  mas 
exprimindo  a  allelaia  do  uma  nova  phase,  que,  consagrando  o 
passado,  não  repello  as  contribuições  do  presente  e  encaminha 
o  ftituro  com  a  confiança  dos  que  amam  o  trabalho  honesto  e 
crôm  na  grandeza  immensuravel  do  nossa  pátria. 

«  B  —  a  verdade  manda  confessar  -^  o  general  dessa  cruzada 
de  moços  foi  utn  velho.  Sim,  um  ancião  que  a  moléstia  abateu, 
quando  beirava  elie  o  octogésimo  anniversario.  Foi  o  nosso 
grande  Oiogario,  pormitta-se^mó  a  ezpressao,  o  Noator  da  sa* 
lutar  campanha  ou^os  fructos  todos  applaudimoe. 

«  Bile  comprehendeu  oom  a  nitidecde  um  espirito  verdadei* 
ramente  Incido  o  que  a  ápooa  exigia  e  sem  receio  offereeeu-nos 
o  seu  apoio,  conduzindo-nos  ao  triumpho. 

«  Triumpho  — porque  si  o  Instituto  Histórica  e  Ooographioo 
Brasileiro  continua  a  ser  uma  sociedade  dedicada  aos  mais 
3evoros  estudos,  não  podo  mais  ser  tida,  como  assoalhavam  os 
que  o  desamam,  um  simples  repositório  de  docamentos ,  per* 
mittidos  unicamente  a  estreitissimo  numero  do  estudiosos,  e 
ainda  assim  adstrictos  a  um  só  credo. 

€  Anima*nos  hoje  um  forte  revigoramento  que  noi  consente 
o  prescrutar  do  passado,  sem  descrôr  do  presente,  encami* 
nhando  pelo  estudo  livro  de  preoonoeitos,  insubmisso  a  qaaes- 
quer  outros  diotames  que  não  os  da  consciência  ao  serviço  da 
verdade,  o  nosso  porvir,  o  qual  se  desdobrará  magnifico,  Josti- 
flcando  as  esperanças  dos  antopassados,  que  ao  pisarem  o  solo 
desta  torra  deram-lho  um  nome  duplamente  bemdito. 

€  Mas  reatemos  o  fio  regular  da  exposição. 

€  Crente  de  quot  pela  generosidade  dos  collegas,  me  caberia  o 
poeto  de  primeiro  secretario,  tratei  desde  logo  de  assegurar>me 
PS  meioe  para  uma  das  primeiras  reformas  que  inadiavelmente 
se  impunham  :  a  material. 

«  Dão  testemunho  quantos  aqui  vinham  —  o  estado  do  pré- 
dio era  o  mais  desolador :  paredes  fendidas,  tectos  a  oahlr, 
eoalhos  desnivelados,  uma  feição,  em  summa,  de  oompieta  indi- 
gência. 

«  Mas  eram  precisos  recursos  e  não  exíguos.  Fd  eatio  que 
o  Instituto  encontrou  na  pessoa  do  Sr.  Dr.  Leopoldo  de  Bulhdes, 


ACTAS   DAS  SESSÕES  DB    1906  453 

illufltre  Ministro  da  Fazenda,  o  bemfeiior  de  que  carecia.  O  seu* 
nome  pertence  a  esta  casa,  iasoalpiio  na  grat  dv)  de  q  uantos 
sinceramente  a  presem. 

4c  Foi  essepatricio,  quo  o  instituto  acoiliea  como  sócio  hono 
rario,  por  J&  ter  feito  rarias  concessões  releTantes*  quem  pediu 
ao  illustre  Deputado  Pandlá  Calogeras*  também  nosw>  compa- 
nheiro, que  apresentasse  na  Gamara  dos  Deputados  a  autorimoão 
ao  Ministério  do  interior  para  a  despeza  de  50:000$  a  í)Uer-se 
com  as  obras  no   ediftoio  ocoupado  pelo  Instituto  Histórico* 

€  Nâo  parou  ahi  o  interesse  do  Dr.  Leopoldo  de  BnlhOefl  pela 
associação  ;  varias  vezes  veiu  examinar  as  obras  e  outros 
íávores  nos  dispensou. 

4L  Ao  illustre  ez*MiniBtro  da  Justiça»  o  Sr.  Dr.  José  Joaquim 
Seabra*  também  deve  o  Instituto  notáveis  serviços,  FOi  S.  Ez. 
quem  immediatamonte  autorizou  o  contracto  das  obras  e  nov 
assegurou  um  auxilio  para  conclusão  de  outros  melhoramentoa. 

4  Oabem  igualmente  com  inteira  Justiçx  aos  distinctes  Srs» 
Drs.  Félix  Gaspar  e  Lauro  Muiler  os  nossos  agradecimentos 
calorosos.  O  primeiro,  pelo  concurso  que  nos  prestoui  com 
relação  a  novas  despezas  necessárias  ;  o  segundo*  porque  nos 
cedeu  o  espaço  sufQciente  para  a  escadaria. 

«  Superiores  elogios,  porém,  devem  ser  endereçados  ao  bene- 
mérito Chefe  do  Bstado,  o  integru  brasileiro  Dr.  Francisco  de. 
Paula  Rodrigues  Alves.  A  boa  vontade  patentemente  demons- 
trada por  S.  Ex.  quanto  ao  Instituto,  dignandoHse  visit(^r  as 
obras  do  edificio  e  prestando-nos  o  seu  apoio,  cumpre  ficar 
registrada  de  envolta  com  os  protestos  de  nosso  sincero  reoo«> 
nhecimento. 


«  Assiguado  o  contracto  das  obras  entre  o  engenheiro  do 
Ministério  da  Justiça  e  o  constructor,  a  19  de  março,  logo  no  dia 
seguinte  começaram  os  trabalhos  com  a  demolição  das  paredes, 
do  que  resultou  a  actual  galeria,  em  substituição  aos  cubículos 
que  de  nada  serviam  o  eram  até  condemnados  pela    hygiene. 

«  Releva  salientar  a  fiscalização  zelosamente  feita  pelo 
illustre    engenheiro  do  Ministério  da  Justiça' Sr.  Dr.  Francisco 


454  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Angusto  Peixoto,  o  a  exactidão  oom  que  o  construotor  Sr.  Mi- 
guel Bruno  executou  as  clausulas  de  seu  contracto,  não  se 
eximindo  mesmo  de  attender  a  exigências  que  fiz,  não  incinidas 
no  projecto. 

«  As  obras  terminaram  completamente  nos  primeiros  dias 
deste  m6z«  embora  desde  agosto  Já.  nos  fosse  permittido  fnnc- 
oionar  neste  salão. 

«  Todos  os  soalhos  foram  renovados,  assim  como  os  tectos 
e  todas  as  paredes  divisórias  ;  grande  parto  da  cobertura,  foi 
substituída.  A  escadaria  obedece  a  plano  moderno  e  se  acha 
fjpanoamente  illuminada. 

«  Hoje,  Srs.  consócios,  temos  uma  installação  condigna.  Não 
mostramos  mais  aos  visitantes  as  nossas  riquezas  a  se  dete- 
riorarem pela  acção  do  descaso,  nem  precisamos  basear  desculpas 
para  attenuar  a  m&  impressão.  Agora  quem  quer  que  seja 
pôde  penetrar  nesta  casa,  onde  ha  para  todos  cordial  hos 
pitalidade,  e  verá  que,  si  nos  íkltam  os  requintes  de  luxo, 
não  deixamos  de  possuir  accommodaçOes  dotadas  de  conforto 
e  irreprehensivel  asseio. 

€  Etudo  se  deve,  repito-o,  ao  governo  actual.  Ufano-me  em 
decUrar  quedo  nosso  inclyto  e  saudoso  presidente,  o  Sr.  conse- 
lheiro Olegário,  recebi  a  mais  absoluta  autorização  para  agir 
como  entendesse  nesse  terreno  e  consentireis  que  também  me 
orgulhe  de  ter  concorrido  para  o  magnifico  emprehendimento. 

«  Cabe-me  aqui  mais  uma  vez  agradecer  as  palavras  extre- 
mamente carinhosas  que  me  dirigiu  o  benemérito  Sr.  Pre* 
sidente  da  Republica,  por  occasião  de  sua  visita,  em  30  de 
julho,  e  o  voto  com  que  me  distinguistes  na  sessão  de  3 
de  setembro,  interpretado  gonorosamente  pelo  preclaro  Sr.  Vis- 
conde de  Ouro  Preto,  nome  em  que  o  Instituto  vê  um  de  seus 
mais  bellos  ornamentos  e  que  o  Brazil  applaude  como  um 
exemplo  de  saber  e  varonilidade  de  caracter. 

«  Por  motivo  das  obras,  o  Instituto  acceitou  em  13  de 
março  o  gentil  offereotmento  do  então  presidente  do  Gabinete 
Portuguez  de  Leitura,  commendador  Josô  Vasco  Ramalho  Or- 
tigão, para  celabrar  as  suas  sessões  no  sumptuoso  odificio 
daquella  illustre  associação.  A  acolhida  fidalga  que  nos  deram 


ACTAS  DAS  SESsSeS  DR  1906         455 

durante  ires  mezes,  Jamais  8er&  esquecida,  tendo  o  Instituto, 
sob  proposta  minha,  approvado  em  sessão  de  20  de  agosto  um 
voto  de  reconhecimento  ao  mesmo  Gabinete. 

«  Preparadas  as  salas,  armadas  as  estantes,  cumpria  tratar 
do  arranjo  dos  nossos  volumes  que  sobom  a  alguns  milhares. 
Tarefa  dispendiosissima,  que  oneraria  sobremodo  o  Instituto,  si 
eu  nSo  tivesse  encontrado  no  distinoto  Sr.  general  Dr.  João  de 
Siqueira  Menezes,  commandante  da  Força  Policial,  e  no  sou  ze« 
loflo  secretario,  o  Sr.  major  Josó  Bernardino  da  Cruz  Sobrinho, 
dous  prestimosos  amigos  do  nosso  grémio. 

«  Cabe-me  ainda  agradecer  a  generosidade  do  nosso  consócio 
Sr.  visconde  de  Moraes,  que  concorreu  para  ser  em  parte  res- 
taurado o  nosso  mobiliário  e  a  do  Sr.  representante  da  The 
Rio  de  Janeiro  Tramtoayf  Light  and  Power  que  nos  offereceu  um 
gazometrode  50  luzes. 


<  Consentireis  que  descortine  agora  outros  capitules  não 
menos  importantes . 

«  O  estado  do  edifloio  não  pormitlia  que  a  nossa  bibliothoca 
e  os  nossos  opulentos  archivos  tivessem  uma  organização  de- 
sejável, 

«Comprehendi  desde  logo  a  necessidade  de  cuidar  desse  as- 
sumpto e  expuz  as  minhas  idáas  ao  nosso  bibliothecario,  o  Sr. 
Dr.  José  Vieira  Fazenda.  Não  posso,  Srs.  consócios,  dizer-vos 
completamente  quem  ó  o  eminente  historiographo  a  cuja  com- 
petência o  inolvidável  Sr.  conselheiro  Olegário  entregou  a 
nossa  bibllotheca.  Vós  todos  reconheceis  no  Dr.  Fazenda  um 
homem  exemplar  pela  erudição  e  pelo  valor  moral. 

«E*,  porém,  preciso  conviver  com  elle,  assistir  diariamente 
ás  provas  que  com  inteira  despreoc*'.upação  exhibe  dos  seus 
avultados  conhecimentos,  para  avaliar  o  quanto  é  feliz  o  Ins- 
tituto tendo-o  como  seu  director  technico. 

«  Tratando  do  frei  Camillo  Monserrate,  disse  o  nosso  illus- 
€  trado  consócio  Dr.  Ramiz  Galvão  :  €  As  delicadas  funoçSes  de 
«  um  bibliothecario  não  se  limitam  a  ordenar  e  classificar  os 
«  thesouros  confiados  á  sua  gaarda.  Mas  do  que  tudo  é  elle  o 


496  RBVI8TA  DO  INSTITUTO  HI8T0RIG0 

«  auxiliar  diligeate  dos  estudioflos^  o  guia  natural  do8  que  faiem 
«  iavesiigaoõêf  de  qualquer  natureza,  o  oatalogo  tíyo.  em  aam« 
«  ma,  que  eeclarooe  e  aplana  o  eamiaho  doe  homens  de  lettias. 
«  Per  itfo  também  neste  partionlar  »rei  Gamillo  foi  um  biblio- 
«  thecario  inexoedivel  e  um  verdadeiro  modelo  a  imitar-se. 
«  Nao  se  lhe  approzimaya  um  homem  estudioso  que  nio  eolhssse 
«  fjraotos  de  semelhante  consulta  •> 

<  Pois  bem,  o  Instituto  Historioo  dispõe  de  um  bibUotheoario 
em  quem  o  grande  Gamillo  enxergaria  um  disoipulo  sobre 
todos  illustre  e  herdeiro  dos  seus  extraordinários  pred&oados* 

«  Pôde  esta  oasa  orgulhar-se  da  oooporai^  do  8r.  Dr.  José 
Vieira  Fazenda  —  a  individualização  oompleta  do  bibliothe- 
oario  -^  nos  moldes  desoriptos  pelo  oonsooio  a  que  me  refori* 

€  Estas  palavras,  Srs.  coosooios,  digo-as  como  om  agrade* 
cimonto  aos  ininterruptos  serviços  que  eUe  presta  ao  nosso 
grémio. 

«  Annulndo  aos  meus  desejos,  que  eram  egualmente  os  sens, 
o  Dr,  Fasenda  esbogou  o  plano  de  uma  catalogagão  da  biblio- 
theca,  o  qual  será  executado,  espero-o  em  Deus,  integral- 
mente* 

«  Paraauxilial-o,  offereoeu^se  eavalheirosamente  o  Sr.  bano 
de  Vasconcellos,  digoo  patrício,  cuja  modéstia  não  consegue  oe- 
oultar  inteiramente  um  espirito  dotado  de  apreciável  cultivo. 

«  Quanto  aos  mappas,  convidei  '^  e  tenho  a  oertesa  da  pre- 
ciosa ooUaboraçSo  —  o  eminente  consócio  Dr.  Orville  Adalbert 
Derby,  que  virá  opportuoamente  olassifieal«os  e  oommental<os« 
B*  ocioso  realçar  o  valor  deste  auxilio* 

«  O  nosso  Archivo  e  o  nosso  Moseu  também  se  impuseram  a 
cuidados  espeoiaes  e  serào  organizados  de  inteiro  aooôrdo  oom 
o  Sr.  Dr.  Fazenda.  Mandei,  porém,  inventarial-os  e  disio  in- 
cumbi a  um  joven  amigo,  o  Dr.  Norival  Soares  de  Freitas*  oqjo 
nome  declino  de  par  com  a  gratidão  aos  seus  dedicados  ser- 
viços. 

«  Do  simples  arranjo,  entretanto,  não  pequenos  proveitos 
foram  colhidos:  importantes  documentos  se  encontraram  dos 
quaes  farei  menção  de  um  apenas  —  a  curiosíssima  oarta,  toda 
do  ponho  de  Louis  Stanislas  Xavier,  mais  tarde  Luis  XVni,  diri- 


ACTAS  DAS  SBSSOBS  Dfi  1906  457 

glda  ao  priâdpe  Mgenie,  depoii  D*  J<yao  VI, datada  de  Verona, 
a28deabrUd6  1795. 

« IníUizmente  também  fiooa  rerifloada  a  aiuenoia  de  muitos 
orlgiDaei«  ouja  reoompoBiç&o  oonstitae  uma  de  minhai  tarefiks. 


€  Ontro  faoto  onlminante  deste  anno  foi  a  reforma  dos  Esta- 

tlltoSi 

«  Apreienta^io  o  projecto  na  primeira  sessão  ordinária  de  5 
de  margo,  sabscrlpto  por  19  consócios,  foi  enviado  á  oommiflsão 
de  estatutos  e  redao^i  que  dias  depois  apresentou  o  seu  pare- 
cer. A  pedido  meu  o  Sr.  Dr.  Leopoldo  de  Bulhões  mandou 
imprimir  na  Imprensa  Nacional  o  projeoto  e  o  parecer,  de 
forma  que,  como  sabeis,  a  todos  tós  foi  distribuído  um  exemplar 
das  duas  pegas. 

«  Resolveu  o  Instituto  discutil-as  em  assemblôa  geral,  que, 
convocada  para  o  dia  2  de  abril,  só  se  realizou  a  9  e  a  16  da 
mesmo  mez,  ficando  approvada  nessa  segunda  parte  da  assem- 
bléa,  a  redacção  dos  novos  estatutos,  que,  nos  termos  do  seu 
art.  71,  entraram  em  vigor  a  6  de  maio,  quando  foram  publi- 
cados no  Diário  Official. 

«  Relevareis  qne  expenda  alguns  commentarios  sobre  os 
novos  Estatutos.  Indiscutivelmente  elles  vieram  valorizar  a 
nossa  associaeSo.  Limitando  o  quadro  social  a  10  beneméritos, 
50  honorários,  50  effectivos  e  100  correspondentes  ;  introduzidas 
dlsposiçSes  mais  terminantes  quanto  á  admissão,  o  Instituto 
ficou  armado  de  uma  lei  que  o  colloca  em  nivel  consentâneo 
com  a  sua  importância. 

«Uma  das  medidas  adoptadas  foi  a  referente  á  sessão 
magna  anniversaria,  agora  realizada  a  21  de  outubro,  data 
precisa  da  fundação  deste  grémio  em  1838. 

«  Eífectuavam-iib  as  sessões  magoas  a  15  de  dezembro,  em 
virtude  da  deliberação  tomada  pela  assembléa  geral  de  22  de 
novembro  de  1850,  deliberação  em  homenagem  ao  facto  de  ter 
sido  a  15  de  dezembro  de  1849  a  vez  primeira  em  que  o  Sr.  D. 
PelroII  presidiu  uma  das  nossas  sessões,  cedendo  nesse  dia 
«uma  sala  para  as  sessões  ordinárias  e  para  a  bibiiotheca  e  ar« 


458  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

chiYO»,  sdguDdo  as  palavras  do  presiddote  marqnaz  de  Sapa- 
cahy. 

«  Ora,  evidentemente,  nao  ee  podia  deixar  em  olvido  a  ver- 
dadeira data  da  fundaç&o,  para  te tejar  ontro  aoonteoimento, 
embora  digno  de  grande  reverencia.  Era  mister  qae  o  Instituto 
Histórico  rectiflcasse  esse  ponto  que  diz  immediato  respeito  á 
sua  própria  historia. 

€  Antes  de  15  de  dezembro  de  1849,  o  Imperador  havia 
comparecido  por  diversas  vezes  a  osta  casa,  patenteando  assim 
desdo  o  primeiro  anno  do  sua  maiorídado,  o  intdresse  qae  atâ 
a  morte  lhe  mereceu  o  lastituto.  Por  isso  mesmo  nos  novos 
estatutos  nio  foram  esquecidas  as  homenagens  devidas  á  sua 
memoria  augusta.  No  art.  65  se  determina  que  no  dia  5  de 
dezembro,  anniversario  de  sou  ftillecimento,  se  conserve  fechado 
o  ediflcioe  no  art.  6C  ficou  oreado  o  premio  Pedro  lí,  composto 
do  uma  medalha  de  ouro  para  recompensa  da  melhor  monogra- 
phia  das  que  especificadamente  concorrerem  ao  mesmo  premio. 

€  Quem  penetre  neste  edificio,  verificará  de  prompto  que  o 
culto  que  nos  merece  a  memoria  do  nosso  augusto  protector 
exprime  n!Lo  uma  obra  de  grosseiro  fetohismo,  mas  um  acto  de 
sincero  amor  e  de  indefectivel  Justiça. 


«  Um  dos  capítulos  mais  sérios  &  vida  do  Instituto  e  para  o 
qual  solicito  a  vossa  attenção  ô  o  que  diz  respeito  a  sua  parte 
económica. 

«  O  nosso  património  Jaz  constituído  de  forma  muito  segura, 
é  certo,  mas  sem  produzir  o  resultado  que  se  poderia  obter,  em- 
pregando-o  proveitosamente,  acautelados  os  interesses  do  In* 
stituto  pelo  digno  thesoureiro. 

«  Como  sabeis,  o  Instituto  disp9e  de  uma  ezigua  subvenção 
annual  e  ainda  assim  o  íávor  está  subordinado  ás  quotas  lo_ 
terioas.  Ora,  neste  anno,  devido  á  crise  da  Companhia  de  Lo- 
terias  Nacionaes,  graudes  embaraços  tem  soffrido  a  nossa  aggre- 
miaçáo.  Neste  ponto  manda  a  justiça  pôr  cm  relevo  a  dedica- 
çio  do  nosso  thesoureiro  o  illustre  Sr.  commendador  Arthur 
Ferreira  Machado  Guimarães. 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE  1906         459 

«  Um  estabelecimento  da  ordem  e  importância  do  Instituto 
Histórico,  servindo  diariamente  ao  pablico,  que  o  ík^quenta  em 
elevado  numero,  attendendo,  como  por  varias  vezes  fez,  a  pe- 
didos do  Governo  que  se  tem  utilizado  de  seus  documentos, 
precisa  de  um  pessoal  apto  e  de  quem  cuide  da  limpeza  e  con- 
servação do  edifício.  E  nao  se  limitam  a  essas  as  necessidades 
de  caracter  imprescindível.  Devemos  ter  quem  nas  bibliothecas 
earcbivos  de  Portugal  copie  originaesde.que  o  nosso  archivo 
carece;  precisamos  adquirir  obras,  mandar  restaurar  e  enca- 
dernar outras,  e  para  taes  despezas,  incontestavelmente  úteis, 
não  dispomos  de  recursos. 

«  Devo  informar-vos  que  tenho  procurado  as  sympathias  de 
vários  representantes  da  Nação,  alguns  nossos  consócios,  para 
que  no  próximo  orçamento  seja  o  Instituto  dotado  com  uma  sub- 
venção regular,  paga  directamente  pelo  Tbesouro  FedersJ,  o 
que,  se  for  conseguido,  facilitará  as  tarefas  que  a  nossa  asso- 
ciação vem  cumprindo  desde  1838. 

«  Não  pôde  haver  quem  de  animo  imparcial  e  justo  critério 
negue  a  somma  de  serviços  prestados  á  pátria  pelo  Instituto  His- 
tórico. E'  pois,  perfeitamente  razoável  que  os  poderes  públicos 
auxiliem  uma  instituição  que  applioa  seus  rendimentos  de  ma- 
neira tão  nobre  e  profícua. 

«  Assim  o  comprehendou  o  actual  Governo,  prestando-nos 
seu  valioso  concurso,-  o  que  certamente  será  imitado  pelas 
Alturas  administrações,  das  quaes  esperamos  não  nos  recusem  o 
auxilio  que  nos  é  essencial. 


4c  Realizaram-se  neste  anuo  17  sessões  ordinárias,  uma  extra- 
ordinária e  duas  de  assembléa  geral. 

«  Nessas  sessões,  que  tiveram  na  média  uma  flrequencia  de 
15  sócios,  foram  discutidos  assumptos  relevantes  e  lidos  tra- 
balhos de  verdadeiro  valor,  como  a  monographia  deixada  pelo 
saudoso  conselheiro  M^inuel  Francisco  Corrêa,  relativa  a  questão 
militar  de  1887  e  o  voto  do  Senado  do  Império,  o  bello  trabalho 
do  nosso  illustre  2*  secretario,  Dr.  Alcibíades  Furtado, 
sobre  a   « Lenda  de  Anchieta  »,  o  magnifíco  estudo  do    emi- 


460  RBVISTA   DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

nante  consócio  Dr.  Orville  Derby  sobre  a  €  S&rrm  do  Espi- 
nhaço >,  as  ioierassaoles  obaervaçõei  prodozidas  pelo  illos- 
trado  Sr.  yisooDde  de  Ouro  Preto  sobre  íkotos  oocorridos 
DO  antigo  regimen,  a  oariosa  e  bem  estudada  biographia  do 
almirante  Luiz  da  Ounha  Moreira*  primeiro  risoonde  de  Gabo 
Vrio,  doTida  ao  nosso  erudito  oonsooio  Or.  Manoel  Barata  e 
entras  memorias  que  oom  vantagem  para  as  lettras  bistorlcai 
aqni  foram  oaridas. 

c  Aliás,  nio  só  esses  trabalhos  attestam  a  intensa  vitalidade 
do  Instituto.  Com  os  subsidies  oolhidos  na  ReniiU  e  em  nossos 
archivos  outras  obras  appareoeram  este  anno,  firmadas  por  con* 
sooios  e  dignas  de  applausos  ;  citarei,  apenas,  a  nova  edição 
da  Historia  do  Brasil,  de  Francisco  Adolpho  de  Varnhagent 
annotada  pelo  provecto  Sr.  Capiatrano  de  Abreu«  e  a  Histo- 
ria do  Brasil,  esoripta  pelo  estudioso  Sr.  Rocha  Pombo. 


«  A  morte  arrebatou-nos,  esto  anno,  S.  M.  o  Rei  Christiano 
IX,  nosso  presidente  honorário,  e  os  consócios:  general  Bartho- 
lomé  Mitre,  almirante  Francisco  Calheiros  da  Graça,  Dr.  An- 
tónio de  Paula  Freitas,  barão  de  Penedo,  Ivlanoel  Barnabó  Mon- 
teiro Baena,  visconde  do  Rodrigues  de  Oliveira,  visconde  de 
Barbacena,  commendador  Henrique  Raffard  o  o  nosso  benemérito 
presidente  conselheiro  Olegário  Herculano  de  Aquino  e  Castro. 

«Dentro  em  pouco  ouvireis  o  que  sobre  esses  varões  illustres 
dirá  o  nosso  prezado  col lega  Sr.  desembargador  António  Fer- 
reira de  Souza  Pitanga,  que  ha  sete  annos,  oom  rara  proficiência 
e  brilho,  occupa  o  cargo  de  orador  do  Instituto. 

«  No  correr  do  anno  foram  admittidos  como  sócios:  D.  Júlio 
Tonti,  arcebispo  de  Ancyra,  ex-nuncio  apostólico  junto  ao  Qo- 
verno  Brazileiro,  na  classe  dos  honorários  ;  Drs.  Josó  Pereira 
Rego  Filho,  Bernardino  Luiz  Machado  Guimarães,  D.  Daniel 
Gsrcia  Acevedo,  Arthur  Orlando  da  Silva,  Gonçalo  de  Quesada  e 
Clóvis  Beviláqua,  na  dos  correspondentes. 

«  Dispeoso-me  de  oxalçar  os  méritos  desses  novos  compi^ 
nheiros;  seria  tarofa  inútil,  poi^  tôm  os  sous  nomos  cercados 
da  mais  justa  fama. 


ACTAS  DAS  SBSSÕBS  DE  1006         461 

«  Tres  poons  realizaram-ge  este  aimo  oom  o  maior  brilhan- 
tismo«  Foram  ellas  as  dos  Sra.  Drs.  Antooio  Augusto  de  Lima, 
Sebastião  de  Vasooncellos  Oaly&o  e  monsenhor  D.  Júlio  Tonti, 
esta  ultima  em  sessão  eitraordinaria,  frandemente  ooncorrida, 
tendo  servido  como  orador  o  nosso  eminente  consoeio  Sr.  Tis- 
coode  de  Ouro  Preto,  oujo  diseorso  produziu  notabilissima  im- 
pressão. 

«  Outros  assumptos  dignos  de  mengão  íoram  também  pre- 
sentes nas  sessões  realizadas,  como  o  resultado  da  subscripção 
promovida  pelo  Jornal  do  Commercio,  na  importância  de 
S:436$300,  em  virtude  da  generosa  idéa  do  nosso  estimado  ocm- 
sócio  Dr.  Alberto  de  GarvaihOi  relativamente  ao  mandar^ae 
resguardar  o  tumulo  do  descobridor  do  Braiil,  em  Santarém  ;  e 
a  projectada  oommemoraçâo  do  oeutenario  do  CorrHo  Bra- 
zUiâme^  a  1  de  Junbo  de  1908,  apresentada  pelo  distineto  Sr.  2f 
seeretarlo  Dr.  Alcibíades  Furtado  e  que  equivalerá  &  consagra- 
ndo da  memoria  do  grande  Hypolito  José  da  Oosta  Pereira  Fur- 
tado de  Mendonça. 

«  A  catastrophe  do  couraçado  Afuidaban  e  a  que  oooorreu 
na  cidade  de  Yalparaizo  provocaram  sinceras  demonstraofles  de 
pezar  do  nosso  grémio,  que  foram  por  meu  intermédio  commu- 
nioadas  devidamente. 

«  Varias  e  importantes  foram  as  offertas  recebidas  este 
anuo ;  sobrelevando  as  provindas  do  eminente  Sr,  Conselheiro 
Lafayette,  da  mascara,  em  gesso,  de  Napoleão  I  e  de  vários 
livros  preciosos,  e  a  derradeiramente  feita  pela  Sxma.  viuva  do 
illustre  brasileiro  Dr.  Josó  Thomaz  da  Porduncula,  dos  papeis, 
em  original,  relativos  ao  período  da  revolta  de  6  de  setembro  de 
1893,  tempo  em  que  o  Sr.  Dr.  Porciuncula,  com  relevante 
civismo  exercia  o  elevado  cargo  de  presidente  do  Estado  do 
Rio  de  Janeiro. 

«  Essa  offerta  obegou-nos  ás  mãos  acompanhada  de  uma 
honrosa  carta  da  Exma.  viuva,  por  intermédio  do  respeitayel 
Sr.  conselheiro  Pindahyba  de  Mattos*  vice-presidente  do  Supremo 
Tribunal  Federal. 


462  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

«  Quaato  á  nossa  Remsta,  oabe-me  oommunicar-yos  qao 
oonto  dar  promptas,  até  15  de  novembro  próximo,  as  doas 
partes  do  tomo  67,  correspondente  ao  anão  de  1904,  o,  talvez, 
até  o  âm  do  anão,  o  tomo  68,  relativo  ao  anno  do  1905.  láto, 
graças  ainda  ao  auxilio  do  Sr.  Dr.  Leopoldo  de  Bolhões  e  aos 
esforços  do  iilostre  director  gerai  da  imprensa  Nacional,  o 
Sr.  Dr.  Alfredo  Augusto  da  Roolia. 

«  A  demora  tem  tido  origem  nos  muitos  trabalhos  de  natu* 
reza  inadiável  na  Imprensa  Nacional. 

€  Si  obtivermos,  como  espero,  do  Congresso  Nacional,  os 
meios  necessários,  tratarei  de^pôr  em  dia  a  publicação,  cuidando 
também  da  xeimpress&o  dos  tomos  1,  2,  20,  21,  22,  S6e  32  (2^ 
parto),  que  se  acham  ozgottados. 

«  Devo  consignar  aqui  o  modo  correcto  por  que  têm  pro- 
cedido os  empregados  do  Instituto  sujeitos  ao  ponto:  Srs, 
Francisco  Martins  Quimarães,  Laftiyette  Caetano  da  Silva, 
nomeado  aoxilar  em  substituição  do  Sr.  Fernando  de  Toledo 
Raffard,  que  abandonou  o  cargo,  Gregório  Alves  Coelho,  e  a 
ordenança  cabo  José  Maria  de  Farias^  dignos,  por  isso,  da  vossa 
estima. 

«  Ahi  tendes,  Srs.  consócios,  a  exposição  franca  da  nossa 
vida  social  neste  anno.  Delia  verificareis  que  a  nossa  compa- 
nhia adquiriu  novos  alentos,  achando-se  cada  vez  mais  no  caso 
de  cumprii*  as  tarefas  que  dictaram  a  sua  fundação.  Vereis 
também  que  o  vo3so  humilde  collega  que  elevastes  ao  cargo 
de  primeiro  secretario,  si  não  dispõe  de  attributos  intellectuaes 
que  o  recommendem,  possue,  pelo  menos,  a  qualidade  de  saber 
dedicar-se. 

«  Senhores.  O  Instituto  Histórico  e  Geograpbico  Brazileiro 
completa  hoje  o  seu  G8«  anniversario  ;  o  caminho  percorrido  ó 
uma  vasta  série  de  victorias  no  único  terreno  verdadeiramente 
soberano—  o  da  intelligenoia.  O  futuro  ha  de  ser  a  confirmação 
magnifica  desse  passado,  pois  a  somma  de  nossos  esforços  e 
daquelles  que  nos  succederem  cimentará  ainda  mais  os  créditos 
desta  associado. 


ACTAS  DAS  SESSÕES  DE   1906  463 

«  Superior  ás  paixSes,  qaaesquer  que  ellas  sejam,  está  a 
Patiia:  lembremo-nos  de  que  o  nosso  Instituto  ó  o  guarda  fiel  de 
sua  hútoria.  Empenhemo-nos,  pois,  em  um  impulso  commum 
para  que  os  documentos  que  a  compOem  attestem  sempre  a 
grandeza  de  um  povo  em  que  oulminam  o  civismo  e  as  qua- 
lidades intellectuaes. 

«  E  o  Instituto  Histórico  e  Oeographico  BrazUeiro,  que,  na 
phrase  incisiva  de  Joaquim  Nabuco,  é  <o  único  abrigo  das 
«  nossas  tradi(XM  nacionaes»,  recollierá,  orgulhoso,  como  até 
aqui,  o  hymnario  do  nosso  progresso,  no  duplo  aspecto  mate- 
rial e  moral  I 

€  Tenho  concluído.» 


DISCURSO 

PRONUNCIADO 

U  8E88Í0  HAfiNA  DE  1906  PELO  OBADOR  DO  INSTtTDTO 
Desembargador  A.  F.  de  Sousa  Pitanga 

«  No  oontexto  dessa  obra  prima  com  qoe  o  genlo  do  Herbeft 
Spen^r  f  emátou  o  séa  magestoso  monnmonto  phllooophido,  nai 
paginas  soberbas  desse  livro  em  que  o  philosopho  synthrtisa  a 
moral  da  Tida  sodal,  doânindo  com  a  precisão  do  sábio  o  con- 
ceito da  Jastiga;  reriftoa-se  que,  iniciando  a  oorrente  de  obier- 
ragOes  pela  moral  animal,  por  esse  instincto  embr/onario 
dos  seres  inferiores,  no  qual  se  vislumbram  apenas  ai  manifes* 
taçOes  elementares  de  uma  oonsoiencia  moral,  transitatido  gta- 
dátivament)  pára  a  Justiça  sub^humana,  em  qne  nos  primeiros 
enuaios  da  tida  de  relagftOt  os  seres  gregários  deixam  entreiror 
o  esboço  de  uma  oonsoiencia  Juridioa,  penetra  afinal  na  esphera 
positiva  da  Jostiça  hnmana,  e  nama  gradai  áé  mAnor  para 
maior,  num  admirável  crescendo,  ezpondo-lhe  o  sentimento # 
revelando«lbie  a  idéa,  determinando4he  a  formula«  precisan- 
do-lbe  a  antbridade,  percorre  a  gamma  das  fticnldades  hamanas 
traçando-lhes  em  torno  nm  cjrclo  parallelo  em  qne  se  tem  ne* 
eessaris mente  de  mover  a  esphera  do  direito,  percorre&do-lhe 
a  orbita  e  gravitando  fatalmente  para  esse  fóoo:  a  Justiça» 

«Neisa  demonstração  lógica,  em  que  á  observação  dos  phe- 
nomenos  e  á  comparação  dos  objectos  suocedem  a  abstraoção  e 
a  indncção  das  leis,  o  profaodo  philosopbo  eicplana  em  admi* 
ravel  sequencia  lógica  a  aoquisição  progressiva  dos  direitos 
eorrelativos  ã  manifestação  de  cada  uma  das  faculdades  vitaes 
da  humanidade,  desde  o  direito  A  integridade  physioa,  até  ao  da 
mogioe  lobomoção  níatufaes,  desde  o  direito  ao  meio  ambiente  e 
em  geral  ao  uso  dos  meios  naturaes»  até  ao  direito  de  propri- 
I  —  80  Tomo  lxix.  p.  ii. 


466  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

odade  corpórea  e  incorpórea;  desde  o  direito  de  legar  e  testar, 
até  ao  de  oontracfar  e  permutar;  desde  o  direito  &  liberdade 
do  trabalho  até  ao  da  liberdade  de  consciência  e  de  manifes- 
taçio  do  pensamento;  desde  o  direito  da  malber  na  commnnbão 
social,  até  ao  do  menor  á  protecção  tntellar  do  Estado;  até 
finalmente,  meos  senhores,  aes  direitos  políticos,  em  qae  se 
concretizam  os  elementos  da  soberania,  da  qual  cada  individuo 
representa  uma  parcella,  mas  um  factor  elfectiro  no  concerto 
complexo  da  Tida  em  sociedade. 

€  Terminando  ahi  o  percurso  da  sEona  extensa  das  relações 
humanas,  definindo  o  eminente  philosopho  as  relaçOes  do  áU 
reito,  parece  ter  propositalmente  estacado  ante  as  oolumnas  de 
Hercules  que  guarneoeoi  o  portioo  mysterioso  do  templo  da 
morte. 

€  Delimitando  com  genial  clarividência  toda  a  ac^  da  Jus- 
tiça na  larga  peregrinação  do  género  humano,  absteve-se  de 
transpor  o  limite  da  vida  para  acompanhar-lhe  as  pegadas  em 
sua  miftSo  sobre-humana  nas  regiões  de  além-tumulo. 

€  N8o  é  que  lhe  assaltasse  o  animo  o  pavor  sagrado  de  suas 
sombras,  tão  fttmiliares  ao  espirito  do  philosopho  em  soas  lo- 
eubrações  transcendentais;  mas,  no  conceito  do  sociólogo,  pre- 
ponderou  a  idéa  de  que  a  Justiça  da  Historia  já  transpõe  a  raia 
das  relações  da  sciencia,  para  penetrar  a  esphera  sagrada  do 
Culto. 

<  Nio  comporta  a  clave  em  que  vibram  as  notas  da  gamma 
da  harmonia  social  a  symphonia  mystica  inspirada  pela  Ver- 
dade eterna  para  perpetuar  a  Eternidade  da  Justiça  histórica. 
€  A  soa  orbita  não  se  restringe  á  conquista  das  reparações: 
eleva-se  ao  phenomeno  sobre-humano  das  resurreições ;  nio 
se  limita  a  divisões  perimctricas  ou  a  períodos  chronioosc 
abrange  os  fastos  humanos  no  espaço  e  no  tempo,  na  vastidão 
do  Cosmos  e  na  duração  dos  Séculos. 

€  S  é  graças  ao  seu  prestigio  que  a  Humanidade  vé  fulgirem 
no  Pantheon  de  sua  immortalidade  os  gloriosos  perfis  de  seus 
Redivivo^:,  arrancados  ao  olvi<ío  da  indilferença  egoistica  ou 
ás  tramas  pérfidas  das  paixões,  da  inveja,  do  ódio,  do  preoon- 
ceito  ou  do  fanatismo  dervairado. 


I 


DISCURSO  DO  ORADOR  OFFICIAL  467 

<  E*  ao  incffavel  olarão  de  sua  luz  celestial  que  a  Hamanidade 
pode  7er  em  sua  radiante  nitidez  todos  os  grandes  aconteoi- 
BMiitos,  todos  00  grandos  feitos,  e  todos  os  grandes  factores  de 
sua  histotia,  da  destruição  de  Troya  á  constracção  de  Roma  e 
da  construoçSo  das  Pyramiles  á  destruição  de  Pompéa;  da  expe- 
dição dos  Argonautas  &  retirada  dos  Dez  Mil  e  do  Êxodo  Mosaico 
á  Emigração  dos  BarbouTi»;  das  guerras  Medicas,  ás  guerras 
Púnicas;  das  conquistas  do  Macedónio  ás  jornadas  de  César;  do 
golpe  de  lança  que  feriu  Arcbimedes,  ao  de  punhal  que 
prostrou  Júlio  César;  do  suicidio  estóico  de  Sócrates,  ao  suicídio 
heróico  de  Catão;  do  alvorecer  das  Bellas  Artes  com  Phtdias  e 
Praxiteles,  até  a  Renascança  com  Miguel  Angelo  e  Leonardo  de 
Vinci,  com  Raphael  o  Ticiano;  da  mendicância  sacrílega  de  Ho- 
mero, á mondicancia  sacrílega  de  Camões;  das  especulações 
philosophicas  de  Aristóteles  até  as  de  Descartes;  das  observações 
cósmicas  de  Copérnico  e  de  Galileu,  até  ás  do  Humboldt;  das 
investigações  identificas  de  Hypocrates  até  as  ds  Xavier  Bichat ; 
da  descoberta  da  aguhla  imantada  pelos  primitivos  nayegadores 
chinezes,  at:S  a  da  calamita  por  Flávio  Gioia;  da  exploração 
dos  mares  pelas  triremes  phenicias,  até  as  expedições  de  Marco 
Polo;  da  descoberta  de  Colombo  ao  trajecto  transoceânico  de 
Fernando  de  Magalhães;  do  papyro  chinez  á  imprensa  de  Qut- 
temlerg;  do  Código  de  Manú  ao  Código  de  Justiniano;  do  Pen- 
tateuco  Mosaico  até  ai  Epistolas  Edificantes  do  Apostolo  do 
Tharso;  da  tragedia  divina  que  envolvendo  em  trevas  o  Uui- 
verso,  fez  surgir  do  seu  seio,  como  o  clarão  de  uma  aurora 
regeneradora,  o  vivificante  sol  do  christianismo,  mensageiro 
da  Eterna  Verdade  dos  Evangelhos,  até  á  tragedia  humana  que 
fazendo  desencadear  sobre  as  tyranias  dominantes  a  procella 
desabrida  das  oppressõas  mal  contidas,  sò  amainou  para  deixar 
navegando  em  mar  de  sangue  a  nave  alviçareira,  ostentando  na 
mesenoi  o  pavilhão  dos  direitos  do  homem  e  buscando  o  porto  da 
liberdadeentre  os  destroços  fiuctuantes  das  velhas  instituiçõ3s 
derrocadas! 

€  Como  é  sublime  o  sacerdócio  deJistribulr  a  Justiça  da  His« 
toriae  como  é  grave  a  responsabilidade  de  distribuil-a  a  seres 
superiores! 


468  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

BARTOLOMÉ  MITRE 

€  Uma  dds  superiores  compleições  que  tem  surgido,  não  direi 
em  sua  Pátria,  mas  do  grandioso  contiaente  americano,  é  sem 
.conte6iaf;ioado  que,  apósumaaecidentadae  proâcaa  existência 
de  85  ao  nos,  acaba  do  abrir  am  grande  claro  nas  fileiras  de 
nosso  Instituto. 

«  Nãoô  reduzida  a  plêiade  dos  yuIíos  extraordinários  que 
das  grandiosas  regiões  do  Novo  Mundo  se  tem  erolado  para  os 
gloriosos  paramos  da  Historia. 

•  €  IVasbington  ou  Josó  Bonifácio,  Simon  Bolivar  ou  San 
Martin,  O*  Hyggins  ou  Benito  Juarez  symboiizit  cada  um  uma 
grande  naciocalidade  por  elles  arcbitectada,  libertada  oa  conso- 
lidada. 

«  E  é  mister  percorrer  uma  existência  de  alto  yaior,  e  quiçá 
de  heroísmo,  para  inscrever  o  seu  nome  eotre  os  destes  heroas. 

«Pois bem,  meus  senhores,  D.  Bartolomó Mitre é  semoon- 
teetação  um  dos  que  impõem  o  seu  a  esso  registro  glorioso. 

«  Na  bistori:\  de  sua  pátria  sobretudo,  sem  ii^uria  aos  nomes 
de  Belgrano  de  Alberdl  ou  de  Sarmiento,  pode-se  assegurar  que 
após  o  perfil  do  heroico  libertidor  de  La  Plata,  nenhum 
oatro  se  impõe  com  melhor  diroito  á  gratidão  nacional.  Grêo 
como  y4,  diz  um  de  seus  mais  notáveis  discípulos,  que  Miire 
será  oonsiderado  por  la  historia  el  primer  fiombrú  de  la  pátria  y 
q^  ningv^na  vida  ha  sido  fitis  beneficiosa  para  la  misma.  Leon 
Soares,  Bartolomé  Mitre,  por  J.  J.  Biedma.   Buenos  Ayres  1000. 

€D.  Bartolomó  Mitre,  Alho  de  D.  Ambrósio  Mitre  e  do 
D.  Josefa  Martinez  Mitre,  nasceu  em  Buenos  Ayres  a  26  de  junho 
de  1821,  sendo  levado  à  pia  baptismal  pelo  vencedor  de  Oerrito, 
o  general  Rondeau,  que  ao  morrer  constituiu-o  herdeiro  uni- 
Yersal  de  sua  fortuna,  consistente  em  sua  espada  e  no  auto- 
grapho  de  suas  memorias  inéditas. 

<  Tendo  recebido  a  primeira  educação  ministrada  por  seu 
pae,  foi  depois  por  este  oonAado  ao  tirocínio  do  trabalho  agri- 
oola  de  D.  Qervasio  Rosa,  estancieiro  em  rincão  de  Lopei,  de  onde 
retirou-?e  desgostoso  pela  afanosa  tarefa  a  que  era  obrigado. 


DISCURSO  DO  ORADOR  OFFIGIAL  469 

€  Tendo-ae  laa  familia  estabelecido  na  Republica  do  Ura- 
guay,  entSo  de  reoeate.  íúodação,  foi  seu  pai  i|oineado|the90upeipo 
geral  pelo  goveroo  provisório  eitabolBcido  om  Canelones.  ftom- 
peodo  porant  o  motim  militar  de  1832,  que  elevou  ao  posto 
supresco  o  general  Oribe,  foi  perseguido  até  1838«  ató  a  ba- 
talha de  Palmaa,  que  mudando  a  faoe  d{tf  ooomls  politicai,  íbl 
o  veibo  Mitre  reposto  em  seu  logar  pelo  presidente  D..  Fru- 
ptnoio  Rtvera,  que  em  20  de  fevereiro  de  1839  nomeou  o  Joven 
Mitre  alferes  de  artilharia  de  lioha. 

<  CoojuQctameate  com  seus  deveres  militares»  alistoqse  logo- 
pa  legi&o  da  imprensa»  colioborando  no  Nacional  com  Luii^  Do- 
mingues, em  ei  Taliêman  oom  EU  vera  Indarte,  oentro  então  de 
todas  as  novas  aptidões  iotellectueas. 

«  A  eise  tempo  aobou-se  .toda  a  regi&o  platina  sob  o  guante 
ferrenho  do  celebre  dlc.tador  de  Bntre-Rios;  e  Gobagúe»  à  ftente 
de  um  exercito,  invadiu  a  Republica  Oriental.  Nq  movimento 
de  hesitação  covarde  que  domipoq  muitos  argentiQop,  o  Joven 
Miti^e  parte  reaolutameote  para  a  guerra,  e  tem  a  gloria,  da  ver 
Echagúe  derrotado  pelas  forcas  deRivera  emCagaqohaiUeAi- 
giar-se  em  Entre  Rios. 

<  Tendo  porém,  na  embriaguez  do  triump]io  este  |[anerft| 
invadido  .em  1842  a  província  de  E!ntre^RioS|  ahi  teve  de.de«* 
frontar  ooip  as  íbroas  siiperiores  e  diaoiplinadAs  de  RosaSt  foi 
Ri  vera,  apezar  de  seu  heroísmo,  derrotado,  tendo  o  joren  ca* 
pitão  Miirede  voltara  Mputevidóo  soba  pressftoda  derrota. 

<  Essa  derrota  detern^inou  a  lavabo  de  Montavitfép  pelo 
celebre  caudilho  Oribe,  tendo  opganiza4o  a  defesa,  da  j^ça  P 
general  Fas,  sob  cujas  ordens  porreu  Mitre  a  alistarrie  i^ndp 
sido  seu  9  primeiro  oanhonaoo  4i8parado  pop  campei  de  Obristo. 

€  Pois  nes^e  perlpdQ  angustiosQ  da  luptas  diárias,  MUre 
teve  fibra  para  ooHabor^r  aotivamante  9a  imprensa,  nas  40« 
luomas  da  Nova  Sra^  do  Nacio$íal  e  do  /iiipiador , .  e  Q  que  é 
mais  I  para  traduzir  o  Ruy  Blas  de  Victor  Hug^,  redigir  um 
compendio  de  artilharia  pratica  e  ser  um  dos  fundadores  de 
Instituto  Uisiorico   Nacional  I 

<Sm  l  de  abril  de  184G  os  invasores  de  Rosas  deram  o  grito 
<  Mueran  los  porteííos  »  investindo  contra  os  emigrados  argen* 


470  REVISTA   DO  INSTITUTO   HISTÓRICO 

tinos,  immol&odo  os  braros  Estiran  e  major  Vedia,  tendo  sido 
saíra  a  legiio  de  argentinos  graças  á  resoluta  attitnde  do  general 
Geily  y  Obes*  sendo  Mitre  forçado  a  evadirnaie  ]^ra  a  Bolívia. 

<  Ahl  recebido  galhardamente  pelo  presidente  BoUyian»  que 
o  nomooa  oommandante  do  Collegio  Militar,  via  contra  este  re- 
bentar uma  rerolu^,  seguindo  para  o  campo  de  batalha  em 
sua  defesa.  Tendo,  poróm.  trinmphado  a  reroln^,  foi  banido 
para  e  Peru,  que  atravessando  também  período  reyolucionario, 
o  repelliu  indo  procurar  a  hospitalidado  do  Chile. 

«  Em  sua  permanência  nessa  Republica,  dis  Palemon  Hnergo, 
sempre  dominado  por  sentimentos  progressistas  e  democráticos, 
publicou  vários  trabalhos  litterarios  e  políticos,  atacando  a 
instituição  obsoleta  dos  Maioraes  o  a  intolerância  r^igiosa.  Isso 
doterminou  tal  impressão  no  animo  popular,  que  foi  Ifltre  obri- 
gado a  abandonar  o  território  Chileno. 

€  A  esse  tempo  porém  )&  soava  na  pátria  o  clarim  auspi- 
0Í030,  precursor  do  triumpho  de  Monte  Caseros,  e  Mitre  correu 
som  detença  a  alistar-se  no  exercito  de  Urqaisa,  que  levantara 
a  bandeira  da  libertação  contra  o  dictidor  Rosas. 

<  Não  me  deterei  sobre  esta  campanha  do  que  o  nosso  Brazil 
foi  magna  pars^  senão  para  assignalar  que  essa  sympathia  que 
ligou  sempre  o  espirito  de  D.  Bartolomé  Mitre  a  nossa  pátria, 
tornou-se  indissolúvel  por  ter  por  base  a  communhão  das  idéaa 
de  libordadee  de  Justiça. 

€  Derrocado  porém  o  domínio  do  tyranno,  o  mesmo  Urquisa 
que  em  4  de  fevereiro  de  1852  armara  uma  proclamação  em 
que  offerecia  a  amnistia  absoluta  para  unifica^  da  Repu- 
blioa,  íiMBia  em  Palermo,  ás  portas  da  cidade  redimida,  fn* 
silar  cruelmente  os  soldados  de  Rosas  e  entro  clles  o  coronel 
Màrtiniano  Chilavert,  provocando  um  protesto  vehemente  e 
viril  por  parte  de  Mitre,  em  face  do  próprio  Urquisa. 

<  Assumindo  assim  attitude  de  flranca  hostilidade  contra  esse 
eaudilho,  teve  a  gloria  de  ver  afinal  restaurado  em  Buenos 
Ayres,  em  todo  a  Republica,  o  regimen  da  liberdade  com  o  go- 
verno de  D.  Valentim  Alcina;  e  quando  a  confiança  de  seus 
concidadãos  o  coUocou  no  posto  de  mando  supremo  de  sua 
pátria,  realizar  definitivanaente  a  unificação   constitucional. 


DISCURSO  DO  ORADOR  OFFICIAL  471 

«  Nesse  periódico  foi  o  território  argentino  invadido  pelo 
dictador  do  Paraguay  Francisco  Solano  Lopez,  determinando  a 
formação  da  triplioe  Alliança  contra  as  snas  pretenções  -au- 
tocráticas na  politica  snl-americana. 

<  Não  é  occasião  de  folhear  algumas  das  paginas  dessa  epopéa 
em  qae  as  armas  brasileiras  poderiam  ser  cantadas  em  ama 
miada  do£>  tempos  modernos :  lembrarei  todavia,  que  foi  no  pe* 
riodo  em  que  pelo  tratado  coube  o  commando  em  chefe  ao  ge* 
neral  Mltre,  que  se  feriu  a  mais  extraordinária  batalha  da  Ame- 
rica do  Sul,  a  24  de  maio  de  1836,  tendo  á  sua  firente  o  legendário 
Tulto  de  Manoel  Luiz  Osório. 

<  Nas  luctas  militares,  como  nas  politicas,  nos  torneios  lit- 
terarios  o  como  nos  diplomáticos,  afflrmou  D.  Bartolomô  Mitre 
sua  grande  superioridade,  impondo-se  &  yeneraçSo  de  seus 
compatriotas  e  á  admiraoSo  universal.  Guerreiro,  elle  ftilge 
galhardamente  nas  campanhas  de  Caganohia  e  de  Monte-Ca- 
seros ;  politico  e  diplomata,  seu  nome  triumpha  com  brilho 
de  Entre-Rios  a  Pavon;  homende  lettras  tem  seu  nome  per- 
petuado nas  magnificas  traducçdes  do  Ruy  Blas  e  da  Divina  Co- 
media, o  nas  bellas  produççQas  Jornalistloas,  nas  historias  da 
San  Martin  o  de  Belgrano  e  nas  lettras  Americanas,  e  em  ins- 
pirados versos  dos  quaes  vos  doa  um  exemplar  na  seguinte 
traduoçSo  que  fiz  do  seu  bymno  triamphal  intitulado  La  Cam* 
pana, 

O  SINO 

Profôtico  metal,  los  ciudadanos 

Que  de  agaero  e  comento  son  exentos 

A  ta  Yoz  bailaran  por  estes  llancs 

Eatanto  que  ta  voz  e  tas  acentos. 

Oyen  descoloridos  los  tiranos 

I  to  attcndon  los  reys  macn3ntos. 

(QURVBDO.) 

(PoLiMMA  — Musa.) 

O'  Sino !  de  minha  Pátria 
E*s  o  symbolo  da  gloria, 
O*  arauto  da  victoria  ! 
O*  interprete  da  dôr  I 


♦78  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Tu  éB  a  taba  de  bronwò 
Sobre  ofl  anm  soapendida, 
Qaô  08  fa«(os  de  oossa  vida 
Publicas  com  teu  clamor, 

Gonfiretliaa  noaia  historia; 
A  Toz  de  alerta  nos  dâste : 
De  porta  em  porta  bateste 
Qom  tua  argeutiiia  voi ; 
A  pas  nos  annaooiastq 
De  verde  oliveira  ornado. 
Ou  em  palma  altiva  enlaçado 
A  guerra  cruenta  e  fíaros. 

Ta  tens  sido  a  grrave  orchestra 
Dos  fortes  hymnos  triumphaes, 
B  nos  tristes  íúneraes 
Melancólico  ]}regio. 
De  tuas  cordas  suspenso 
Um  povo  de  audácia  cheio. 
Já  fsz  brotar  de  teu  seio 
A  voz  de  revoIuçSo. 

E  teus  echoe  dilatados 
Em  um  mundo  roscaram. 
Quando  em  maio  éllM  saudaram 
Q  auroo  sol  da  redempçap, 
Onjo  vivifloo  mio. 
Gomo  uma  clavq  de  ouro. 
Te  imprimiu  o  som  canoro 
Da  estatua  de  Memnão. 

Tens  apregoado  cem  vezes 
Pelo  mundo  americano 
As  victorias  de  Belgrano, 
De  San  Martin  e  Alvear ; 


DISCURSO  DO  ORADOR  OFFICIAL  478 

£  tens  conoiUdo  os  povos. 
No  meio  da  atroz  matança* 
fi  alentado  sua  esperança 
A  derrota  ao  publico. 

Nas  nossas  civis  contendas, 
A*s  facções  escravizado. 
Tristes  sons  teus  arrancado 
A*  espada  do  vencedor  ; 
B  dominando  o  tumulto 
Do  povo  desenfreado, 
Ante  o  mundo  tias  protestado 
Com  dolorido  clamor. 

£  quando  por  um  tyrano 
O  povo  viu^JBe  opprimido, 
Articulaste  um  gemido 
Em  teu  metálico  arfar ; 
E  de  novo  em  tua  torre 
Soarás  estrepitoso, 
Quando  vires  victorioso 
O  azul  pendão  âuctuar  1 

Tu  és  a  voz  do  destino 
Que  presides  sempre  ás  horas, 
Que  com  suas  azas  sonoras 
Te  ferem  no  coraçfto ; 
E  tu,  seu  vôo  marcando. 
Generoso  em  demasia, 
Retribues  em  harmonia. 
Cada  golpe  que  te  dão. 

O  RBI  CHRISTIANO  IX 

<  Aos  29  de  janeiro  de  1906  falleoeu  em  Copeniiagne,  nésaa 
ideal  Tivoli  do  Norte  da  Europa,  entre  os  braços  de  sua  fomilia 
o  Rei  Ghristiano  IX. 

<  Gobría-se  de  luto  a  Dinamarca  toda,  e  parecia  ter  perdido 
um  amigo  paternal,  tanto  o  amava  e  venerava  o  seu  povo,  ooa- 


474  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Tencido  oomo  estava  da  pareza  de  saa?  intenções  da  bondade  de 
sea  coração  e  da  belloza  de  seu  caracter  1 

«  ChamaTáo-lhe  o  primeiro  "gentleman**  do  paiz,  e  ninguém 
mais  qae  elle  merecia  este  nome,  tanto  soube  ello  oonciliar 
sinceramente  a  majestade  do  tlxrono  com  o  amor  do  seu  povo. 

<  O  Rei  Chistiano  IX  nasceu  aos  8  de  abril  de  1818  no  Cas- 
tello  de  Qottorp,no  Ducxdo  de  Schleswig,  nesse  tempo  provinda 
Dinamarquesa. 

«  Pertencendo  a  um  ramo  da  familla  reinante,  nSo  sonhou, 
que  houvesse  de  subir  ao  throno. 

€  Escolheu  a  carreira  militar  e  aos  18  annos  do  idade  foi  no- 
meado capitio  da  Guarda  Real.  Desde  então  fez  um  papel  saliente 
no  exercito  Dinamarquôs,  fiel  ao  seu  dever  como  sempre  o  foi  até 
a  morte.  Quando  rompeu  a  guerra  em  1818  em  consequência  da 
revolução  nos  Ducados  de  Schieswig  e  Holstein  quiz  tomar 
parto  activa  como  chefe  da  Guarda  Real,  porém  o  Rei  Frederioa 
YII  não  o  permittiu  por  considerações  aliás  respeitáveis. 

€  Depois  de  acabada  a  guerra  surgiu  a  questão  da  successio 
o  throno,  pois  o  Rei  Frederico  VII  não  tinha  fllho3.lQterviér8o 
as  cinco  maiores  potencias  da  Europa,  as  quaes  convinha  vêr 
essa  questão  solvida  de  commum  aocordo,  e  concordarão  por  um 
proiooollo  assignado  em  Londres  aos  8  de  maio  de  1852  que  o 
Príncipe  Ghristiano  fosse  eleito  príncipe  da  coroa. 

<  Desde  esse  dia  dedicou-se  o  príncipe  com  toda  a  sua  alma 
a  preparar-se  para  um  dia  ser  o  Rei  da  pais,ao  qual  tinha  ficado 
fiel  quando  grande  parto  dos  seus  parentes  em  1848  juntrirão-se 
aos  revolucionários. 

€  Em  15  de  novembro  de  18Ô3  morreu  Frederico  VII  ;e  o 
Príncipe  Ghrittiano  foi  no  dia  seguinte  acclamado  Rei.  Foi  esse 
o  grande  momento  trágico  de  sua  vida.  No  anuo  seguinte  rompeu 
a  guerra  entre  a  Dinamarca  de  um  lado  c  a  Prússia  e  a  Áustria 
da  outra.  O  Chanceller  de  fsrro  iniciava  o  seu  plano  de  coos- 
trair  o  império  germânico. 

€  Custou  à  Dinamarca  os  dois  Ducados  Schieswig  e  Hc^stein, 
e  ninguém  o  sentiu  mais  que  o  Rei  que  viu  perdidas  duas  das 
mais  ricas  provindas  do  seu  paíz»  e  em  nwos  estranhas  o  lugar 
onde  nasceu  e  que  tanto  amava  !  Porem  não  esqueceu  o   seu 


DISCURSO  DO  ORADOR  OFFICIAL  475 

devor.  Foi  o  primeiro  a  empenbar-se  para  que  o  paiz  prooarasse 
por  esforços  dobrados  desenvolver  os  seus  recursos,  e  teve  a 
grande  satisfao&o  de  ver  a  Dinamarca  progredir  mais  do  que 
nunca.  Cada  dia  augmentava  a  sua  popularidade ;  foi  o  homem 
mais  amado  na  Dinamarca  e  o  Rei  mais  venerado  na  Europa. 
Os  cúmplices  porem  desse  attentado  contra  o  tratado  de  Utrech 
viram  punidos  duramente  a  sua  vergonhosa  oonni vencia.  A 
Áustria  vendo  as  armas  de  agulha  de  soa  alliada  leonina,  e  a 
França  Napoleonica  com  sua  indiffereoça,  a  pena  de  talliio  com 
a  perda  da  Alsacia  o  da  Lorena. 

<  Tinha  desposado  em  1848  a  Princ^aLoulsedeStessen-Cassel, 
e  pode-se  dizer  que  foi  um  casamento  de  verdadeira  inclinação. 
Naquelle  tempo  não  havia  para  ello  motivo  para  não  escolha 
da  consorte  consultar  interesses  políticos •  Deste  consorcio  nas- 
eôriú)  três  filhos  e  ires  filhas. 

<  O  dia  26  de  maio  de  1892,  quando  celebrarão  as  bodas  do 
ouro,  torno a-^e  uma  bella  festa  nacional. 

<  O  Rei  tove  a  Sitisfaç&o  de  vêr  os  principes  da  corda  de 
Iilglaterra  e  Rússia  virem  escolher  as  suas  esposas  na  Oorte 
da  Dinamarca.  A  filha  mais  velha,  Alexandra,  ô  hoje  rainha 
de  Inglaterra  9  a  segunda,  Dagmar,  Imperatriz  viuva  da  Rússia,, 
a  terceira,  Thyra,  casou-seoom  o  Duque  do  Gumberland.  O 
filho  mais  velho  Frederico  é  hoje  o  Rei  da  Dinamarca,  e  o 
filho  deste,  seu  neto,  ó  o  Rei  da  Noruega.  O  seu  segundo,  Jorge 
ó  o  Rei  da  Orecia.  O  ultimo  filho  d  Almirante  Dinamarqueze 
casado  com  a  irmã  da  Rainha  de  Portugal. 

€  Todos  os  annos,  reunia  o  Rei  como  verdadeiro  Pater-fami- 
liai  seus  filhos,  filhas  c  genros  no  modesfo  Castello  de  Pre- 
desnborg,  oad^  todos  se  entregavão  a  alegro  convivência  de 
qualquer  família  plebóa. 

<  O  Instituto  rende  este  peito  ao  monarcha  humano  que  em 
momento  difflcil  foi  uma  garantia  de  sen  direito. 

O  ALMIRANTE  CALHEIROS  DA  GRAÇA 

<  Seja  o  nosso  primeiro  threno  de  melancholia  e  dè  saudade 
pela  morte  dos  confrades  brfudleiros,  em  honra  ao  distinctoor- 


476  REVISTA  DO  IltftTITUTO  HISTÓRICO 

nameato  da  nossa  marinha  de  ^erra,  que  aos  louros  maroiaes 
onia  os  aoieatiíioos.  realçados  ainda  pela  sagração  de  seu  final 
martyrologio  trágico. 

<  Nasoldo  em  Alagoas  aos  3  de  Julho  de  1849,  fllho  de  Gni- 
Ibirme  José  da  Graça  o  de  BalbinaCalheirosdaQraça,  resolves 
desde  verdes  annos  a  mais  deoidida  voeaç&o  psra  a  carreira  naval 
e  vindo  para  o  Rio  de  Janeiro,  foi  approvado  plenamente  nos 
exames  preparatórios  e  julgado  com  a  precisa  robnstes  para 
a  vida  do  mar,  teve  praça  de  aspirante  a  guarda  marinha  em 
27  de  fevereiro  de  1864,  seguindo  em  viagens  de  instruoSo  nas 
Corvetas  Berinioe  e  Bahiana,  e  sendo  promovido  a  guarda 
marinha  em  4  de  desembrode   1866. 

€  Em  Ed  do  mesmo  foi  mandado  servir  na  esquadra  em 
operações  contra  o  governo  do  Paragnay,  chegando  a  Monte^ 
vidóo  a  9  de  Janeiro  de  1866  e  embarcando  no  eaeo«m» 
çado  Silvado  em  UB  do  mesmo  mei,  assistiu  ao  ataque  de 
2  de  fevereiro  contra  as  baterias  de  Curupaity,  destacou  par* 
o  Barroso  em  24  de  Fevereiro  e  ahi  como  ofiioial  tomou 
parte  na  passagem  de  Cumpaitye  como  ajudante  da  torre 
de  ré,  no  combate  com  as  baterias  de  Httmaytà,  em  1^  de  fe« 
vereiro  de  1868. 

«  Por  decrete  de  5  de  março  desse  anno  foi  promovido  a  2t 
tenente  e  em  12  de  abril  do  mesmo  anno  a  l^  tenente,  tendo 
servido  em  diversas  e  importantes  commissões  navaes  no 
Norte  e  Sul  áo  Império,  e  sendo  promovido  a  Capitão  Tenente 
por  decreto  de  9  de  dezembro  de  1879. 

4  Por  Aviso  do  Ministério  da  Marinha  de  18  de  dezembro 
de  1880  foi  nomeado  pelo  director  da  Repartição  Hydrogra** 
pbica  para  seguir  para  o  Rio  Grande  do  Sul  a  awumir  o 
commando  da  canhoeira  Braconnot,  em  oommissão  daqneila 
'repartição.  Patam  dahi  os  trimphos  sclentiflcos  do  nosso  illus- 
tra  confrade,  nessa  heoção  teehnica  da  carreira  naval. 

«Tendo  em  11  de  março  de  1880  entregue  o  Commando 
dessa  torpedeira  ao  eapitSLo  de  mar  e  guerra  Bs^rão  de  Telfé, 
acompanhou  o  Dr.  von  Rickwassel  na  commissão  scientiflca 
de  deterihinaç&o  das  linhas  magnéticas  da  oosta  do  Brasil, 
percorrendo  logo  e  explorando  scientifioamente  os  portos  da 


DISCURSO  DO  ORADOR  OFFICUAL  477 

Viotoría,  Bahia,  Morro  de  8.  Paulo,  Gananéa,  Uhéos,  S.  Cruz 
(hoje  Bahia  Cabralia),  Porto  Seguro,.  Cararelias,  Maooió,  Ma^ 
ragogy,  Recife,  Fernando,  Parahyba,  Natal,  Mossoró,  Cear&i 
Mandahu,  Amarrao&o  e  Tatoya,  onde  naufragou^  offereoendo 
luminoso  relatório  sobre  as  respectivas  linhas  magnéticas,  que 
merecram  louvor  do  Ministio  da  Marinha* 

«  Em  seguida  partiu  para  o  Sul  a  levantar  a  planta  das 
barras  de  Banta  Catharina,  Itajahy,  e  Laguna,  de  onde  voltando 
foi  encarregado  de  observar  das  Antilhas  a  passagem  de  Vénus 
pelo  disco  solar,  para  determinação  da  paralaxe,  tendo  em- 
barcado em  S.  Thomaz  e  trazendo  interessante  relatório  dessa 
commissão* 

«  Desposou  em  2  de  maio  de  1885,  D «  Maria  Angélica  de 
Castro,  dilecta  filha  do  nosso  preclaro  Presidente  Conselheiro 
Olegário  H.  de  A.  Castro. 

«  Salvou-se  em  1867  do  nauft*agio  do  Imperial  MarinMro^  a 
cujo  o  bordo  se  achava  em  commissão  scientifloa,  sendo  promo- 
vido a  Capitão  de  Fragata  por  merecimento  a  8  de  janeiro  de 
1890. 

<  Foi  nomeado  pelo  ministro  de  Instruccão  e  Bellas  Artes  de 
França  correspondente  áo  Burêau  des  Longitudes ,  eleito  viee 
Presidente  do  Congresso  de  Navegação  Interna,  reunido  em 
Paris  dm  1802,  director  da  repartiçoã  de  Hydrographia  e  Carta 
Marítima  do  Brasil  em  12  de  abril  de  1893,  e  promovido  a  oa- 
pitão  de  mar  e  guerra  por  merecimento  a  O  de  agosto  de  1004. 
«  Entre  as  commissões  que  lho  foram  confiadas,  compre- 
hende-se  a  do  levantamento  da  planta  da  bahia  de  Jacue« 
oanga,  qne  em  sua  opinião  oflèrecia  óptimas  oondiçOes  para  a 
fundação  do  novo  arsenal  de  marinha « 

«  Predestino  da  fatalidade  I  Quando  para  a  realisação  desse 
projecto  uma  esquadra  alviçareira  erguia  em  suas  aguas  suae 
proas  arrogantes,  como  coUos  de  icthyosauros  nas  aguas  dilu- 
vianaSf  vê-se  sahir  das  &uces  do  mais  gigantesco  de  todos,  uma 
chamma  sinistra. 

«  E  o  monstro  num  rugido  indiscriptivel  de  desespero  entra 
o  naufiragio  e  o  incêndio,  sumir-se  num  golfão  voraz  que  o  mal^ 
abre  a  seus  pés  para  dar  passagem  ã  mole  gigante  I 


478  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

€  E  qaa&do  o  olario  do  sol  nascente  vem  ferir  a  superficie 
d*agua  em  seu  nivelamento  impassivel,  illnmina  como  círios  fa- 
nerarios»  as  frontes  pallidas  das  Tictimas  do  dever  e  entre  ellas, 
a  fronte  gloriosa  do  contralmiraote  Francisco  Calheiros  da  Gra^. 

O  DR.  PAUU  FREITAS 

€  Outro  martyr  do  dever  profissional,  com  direito  a  igual 
glorificação  deste  Instituto  é  do  notável  engenlieiro  António  de 
Paula  Freitas.—  Nascido  nesta  capital  a  10  de  Janeiro  de  1843, 
iniciou  sua  Jornada  sdentiflca  em  1853,  quando,  aos  10  annos, 
entrou  para  o  oollegio  Victoria,  fazendo  suas  primeiras  armas 
com  tal  galhardia  que  em  1859matriculava-sena  Escola  Central, 
onde  com  approvaçSo  plenas  e  distinotas  obteve  o  titulo  de  en- 
genheiro Geographo  em  1864,  o  gráo  de  bacharel  em  mathe- 
maticas  em  1865,  em  o  de  engenheiro  civil  em  1866. 

« Impellidopor  natural  inclinaçSo^para  profe8sorado,foi  uesse 
mesmo  anno  nomeado  coadjuvante  da  Escola,  defendendo  thesa 
se  obtendo  o  gráo  de  doutor  em  21  de  maio  de  1870  e  entranc^o 
em  concurso  para  lente  oathedratico  em  1874.  Regeu  diversas 
cadeiras  neste  Pantheon  das  Scienoias  Exactas  que  se  denomina 
Esc<Ha  Polytechnica,  ficando  afinal  em  ezercicio  profissional 
na  1*  cadeira  do  2^  anno  do  curso  do  engenharia  ciril,  elabo^ 
rando  para  ella  o  seu  consciencioso  compendio  Curso  de  Estradas 
hoje  adoptado  em  todjs  os  Institutos  Congéneres  do  Brasil. 

«  Alóm  desse  substancioso  trabalho,  escreveu  diversos  outros 
tratados  scientificos,resaltando  entre  elles:  Historia  natural,  em 
oollaboraoão  com  o  iiltustrado  Dr.  Míguol  António  da  Silva; 
Theorema  das  Velocidades  Virtuaes  e  Hypotheses  da  Formação 
da  Terra,  These  de  doutoramento,  Integraes  definidas,  consi- 
deradas como  parâmetros;  Enchentes  dos  rios  e  meios  de  impedir 
seus  effeitos,  theses  de  concurso  á  1*  Cadeira  do  2^  anno  da  Es- 
cola Central,  offerecida  &  sua  virtuosa  consorte  D.  Anna  Dolores 
de  Campos  Paula  Freitas;  Determinação  dos  Coefficentes  nueme* 
ricos  das  formulas  algébricas;  Relatório  sobre  o  abastecimento 
de  agua  do  Rio  de  Janeiro,  escripto  em  coUaboracão  com  o  sau- 
doso Dr.  Manoel  Buarque  de  Macedo* 


DISCURSO  DO  ORADOR  OFFICIAL  479 

<  Mas  não  somente  na  licção  theorica  revelava  o  benemérito 
soientista  sua  aptidão  profissional;  no  ezercicio  da  engenharira 
pratica,  quer  no  desempenho  dos  deveres  dos  cargos  de  enge- 

,  nheiro  dos  ministérios  do  Império  e  da  Fazenda,  quer  na  íkina 
devotamente  civico  que  o  dominava,  asslgnalou  sua  competên- 
cia profissional  pela  construo^  dos  mais  notáveis  edificios  mo- 
dernos  que  iniciaram  o  progresso  architetonico  desta  cidade.  O 
edifioio  da  Imprensa  Nacional,  o  do  Correio  Geral,  o  magestoso 
templo  da  Candelária;  as  Escolas  Senador  Correia,  Barão  do  Rio 
Doce  e  de  S*  Ctirlstovam  obedeceram  á  direcção  profissional  do 
dlstlocU)  engenheiro;  a  construção  das  Docas  da  Alfandega  e  do 
Ministério  da  Agricultura  á  sua  competente  fiscalização. 

«  Essa  superioridade  profissional  comprovada,  o  elevou  á  Di- 
recção da  Escola  Polytechnica  e  á  Presidência  do  Conselho  Muni- 
cipal, cargos  que  renunciou  por  divergências  honrosas  para  seu 
caracter;  ã  Presidência  do  Instituto  Polytechnico,  ao  Club  de 
Engenharia,  ao  Instituto  Histórico  e  Qeographido  Brasileiro,  à 
Sociedade  de  Qeographia  do  Rio  Janeiro,  á  Sociedade  Auxilia- 
dora da  Industria  Nacional,  á  Promotora  da  Instrucção,  ãs  quaes 
prestou  assiduamente  assignalados  serviços. 

<  Eleito  1«  Secretario  do  3»  Congresso  Scientifico  Latino  Ame- 
ricano, acceitou  a  difflcil  incumbência  com  o  animo  de  desem- 
penhada com  a  sua  tradicional  actividade ;  e  tantos  sacrificios 
se  impôz  para  cumprir  esse  compromisso,  que  uma  grave  emfer- 
midade  assaltou-o  em  meia  jornada,  vindo  a  victimal-o  ponco 
tempo  depois.  Nos  louros  de  seu  merecimento  enfechou  António 
de  Paula  Freitas  as  palmas  de  martyr  do  trabalho.  Formem  ellas 
o  brasão  histórico  do  notável  profissional  Brasileiro. 

O  BARiO  DO  PENEDO 

«  Afós  á  homenagem  prestada  ao  distincto  professor  das  ma- 
thematicas,  passo  a  render  o  preito  de  alta  veneração  ao  exímio 
cultor  das  sciencias  Jurídicas,  em  cujo  foco  resplandecente  fez 
brilhar  o  seu  talento  de  escol. 

<  O  barão  do  Penedo,  Francisco  Ignacio  de  Carvalho  Moreira, 


480  RBVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

nABoeu  a  26  de  demnbro  de  1815,    na  então  Yilla  áo  Penedo, 
Alagoas* 

<  Bacharelou-Be  em  direito  em  S.  Paulo,  1837,  e  voltoa  para 
sua  terra  natal  em  visita  á  sua  í^milia.  Regressando  a  S.  Paulo, 
em  1839,  ahideposoua  Ex.  Sr*.  D.  Carlota  Emília  de  Aguiar 
de  Andrada,  pertencente  a  uma  das  prinoipaes  e  mais  antigas 
fomiliasde  Santos. 

<  Vela  abrir  banca  de  advogado  aqui  no  Rio  de  Janeiro, 
onde  em  pouco  sempre  se  tornou  saliente  ao  lado  de  Teiíeira 
de  Freitas,  Josino  e  Caetano  Alberto. 

<  Vencido  o  movimento  revolucionário  de  1842,  em  Itinas  e 
S.  Paulo,  o  Dr.  Carvalho  Moreira  fbi  convidado  a  tomar  a' 
defesa  do  brigadeiro  Tobias  de  Aguiar,  perante  o  conselho  de 
guerra,  assumindo  o  patrocínio  da  causa  e  conseguiu  demonstrar 
a  incompetência  da  Juridiccão  militar  para  processar  os  revol- 
tosos vencidos. 

<  Com  Teixeira  de  Freitas,  Josino,  Caetano  Alberto,  Monte- 
suma,  Luiz  Fortunato,  Souza  Pinto  e  Aquino  oreoa  a  7  de 
Agosto  de  1813  o  Instituto  da  Ordem  dos  Advogados  ôrazileiros, 
de  que  foi  eleito  presidente  em  successSo  a  Montesuma. 

'  €  Foi  deputado  &  Assembléa  Qeral  Legislativa  eos  seus  vastoe 
conhecimentos  Jurídicos  e  illustraçio  litteraria  indicaram  n*o 
para  vários  trabalhos  o  incumbências,  de  que  se  desempenhou 
de  modo  brilhante. 

€  O  decreto  n.  737,  de  2?  de  novembro  de  1850,  que  regulou 
o  processo  commercial,  o  que  ainda  hoje  é  considerado  um  mo- 
delo de  clareza,  simplicidade  e  senso  Jurídico,  foi  em  grande 
parte  obra  sua.  Deve-se-lfae  também  o  regulamento  do  corpo 
diplomático  em  1851. 

«Em  1851,  foi  nomeado  enviado  extraordinário  e  ministro 
plenipotenciário  do  Brazil  em  Washington  e  em  1854  transferido 
na  mesma  qualidade  para  Londres. 

cBm  1858,  foi  encarregado  de  uma  missão  espedal  a  Roma, 
para  tratar  da  instituição  dos  casamentos  mixtos  e  da  reforma 
dós  conventos. 

«Bm  1860,  foi  incumbido  da  organização  dos  eamiohoS  de 
ferro  brasileiros  em  Londrea. 


DISCURSO  DO  ORADOR  OFFICIAL  481 

«Boi  1862,  deu-ae  a  questão  Christie  e  o  ooasequente  rompi-* 
mento  de  nonas  relações  com  a  Inglaterra,  pelo  que  o  Barão 
do  Penedo  retirou-se para  Paris.  Reatadas  as  relações,  voltou 
para  Londres  e  obteve  então  a  mais  alta  distinoção  que  um  es» 
trangeiro  pôde  obter  na  Inglaterra:  foi  graduado  em  Oxford 
oom  o  titulo  de  Dr. ,  recebendo  o  grão  em  grande  solennidade 
conjuntamente  com  lord  Palmerston. 

€Bm  1805»  desempenhou  outra  missão  espeoial  na  França 
para  obter  o  levantamento  do  embargo  opposto  ao  couraçado 
Brasileiro  Brasil  que  se  construiu  em  estaleiros  franoeses  e  o 
governo  franoez  não  queria  deixar  sabir  por  estarmos  em 
guerra  declarada  oom  a  Republica  do  Paraguay.  Foi  em  confe- 
rencia especial  com  o  Imperador  Napoleão  III  que  o  Barão  do 
Penedo  obteve  que  se  esquecessem  por  um  momento  as  leis  de 
neutralidade  em  favor  do  Brasil,  deixando  sabir  o  nosso  navio 
de  guerra, 

«Demittido  pelo  ministério  Zaoharias,  em  1876,  foi  rein- 
tegrado pelo  ministério  Rio  Branco,  em  1871, 

€Goube-lhe  então  a  segunda  missão  a  Roma,  muito  conhecida 
pela  controvérsia  levantada  a  propósito  da  bulia  papal  —  gesta 
sua  laudantur^  em  que  Pio  IX  mostra va-se  pouco  satisfeito  oom 
o  procedimento  do  Bispo  de  Pernambuco  D,  Vital. 

€Foi  exonerado  pelo  Governo  Provisório,  por  decreto  de  7 
de  Dezembro  de  1889,  por  haver  declarado  não  querer  continuar 
a  servir,  e  afinal  aposentado  no  Governo  do  Marechal  Floriano« 

«Era  grau  -  cruz  das  ordens  da  Rosa  do  Brazil ;  «Christo,  de 
Portugal;  Francisco  I,  de  Nápoles; 

cGregorio  Magno,  do  Papa,  Medgié  de  1*  classe,  na  Turquia» 
Duplo  Dra^  da  China;  e  Ernestina  de  Saxo  Coburgo  Gotba, 
e  grande  dignatario  da  Legião  de  Honra. 

«Em  março  de  1850,  foi  Carvalho  Moreira  nomeado  membro 
da  commissão  encarregada  de  organizar  o  Regulamento  do  Co« 
digo  do  Commercio,  que  se  compunha  de  Josó  Clemente  Pereira, 

fNabuco,  Caetano  Alberto  e  Barão  de  Mauã. 

€Na  distribuição  da  tarefa,  coube  aos  três  advogados,  Nabuoo, 
Caetano  Alberto  e  Carvalho  Moreira  preparares  seus  respectivos 
trabalhos  com  relação  á  matéria  contida  no  Código  CommerciaJ 
4a!fâ  —  31  Tomo  lxix  p.  n 


482  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

( 1*  2*  e  3»  parte ),  de  sorte  qae  reunidos  formassem  um  projecto 
completo  de  regulamento  que,  foi  o  decreto  n.  737,  de  25  de  no- 
vembro. 

«  Por  indica^^o  de  Nabaco,  foi  Carvalho  Moreira  eoeclusiva^ 
mente  encarregado  da  redac^  de  todo  o  trabalho,  convindo  qne 
fosse  um  só  o  redactor  do  Regulamento  para  haver  identidade 
de  linguagem  e  de  estylo  na  redac^o. 

«  São  estes  os  traços  dominantes  d*es8a  brilhante  existência 
de  quasi  um  século  de  alto  saber  e  de  fecundo  esforço  pela 
grandeza  da  Pátria ! 

O  VISCONDE  DE  BARBACENA 

«  Quando  em  28  de  julho  de  1902,  o  Instituto,  desvanecido 
pela  compleiçio  privilegiada  do  seu  consócio  que  dava  á  Pátria 
o  edificante  exemplo  do  uma  existência  de  um  século,  resolveu 
celebrar  o  seu  centenário,  foi  o  obscuro  companheiro  que  vos 
dirige  a  palavra  o  encarregado  do  dirigir-lho  om  seu  nome,  a 
saudação  que  aqui  se  acha,  e  que  oíferoço  om  appenso  para 
publicação  om  sua  «  Revista  »• 

«  Desde  o  seu  Inicio  de  vida  na  Europa,  até  o  de  sua  carreira 
militar  na  Bahia,  onde  nascera,  e  onde  presenciara  o  sacriflcio 
de  seu  tio  o  Coronel  Felisberto  Gomes  Caldeira  pelos  <  Peri- 
quitos »  desde  a  sua  carreira  diplomática  em  Londres,  onde  as- 
sistiu a  coroação  do  Jorge  IV  o  velo  ao  Brasil  negociar  o  re<:o- 
nhecimento  da  Independência  e  a  abolição  do  trafico  de  escravos 
atò  suas  múltiplas  empresas  industriaes,  tudo  se  acha  ahi  syn- 
thetisado  e  pode  servir  do  base  a  sua  historia. 

«  O  Visconde  de  Barbacena  (Felisberto  Caldeira  Brant,  nas- 
ceu na  capital  da  Bahia  a  20  de  Julho  de  1802  e  era  filho  do 
Qencral  Marquez  do  Barbacena,  cujo  nome  está  ligado  a  alguns 
dos  factos  mais  importantes  da  nossa  histora  constitucional. 

<  Depois  de  uma  viagem  com  seu  pae  pela  Inglaterra  (1818  a 
1821)  o  visconde  sentiu-se  attrahido  pela  diplomacia,  ondepo* 
diam  ser-lhe  de  grande  auxilio  as  muitas  imolações  e  o  prestigio 
que  seu  pai  conquistara. 


DISCURSO  DO  ORADOR  OFFICIAL  483 

€  Por  isso  depois  de  regressar  de  Londres,  a  primeira  vez 
para  occnpar  uma  cadeira  de  deputado  da  Assembléa  Bahiana, 
José  Bonifácio  de  Andrada  e  Silva,  em  nome  do  Príncipe  Re- 
gente, o  escolhea  para  encarregado  de  Negócios  do  Brasil  Junto 
ao  Governo  Inglez. 

€  Deixando  do  vez  a  carreira  militar  seguiu  psura  Liondrese 
só  de  lá  voitou  em  1833  portador  da  proposta  do  um  tratado  se- 
creto reconhecendo  a  independência  do  Brasil  mediante  a  con- 
dição de  ser  cxtincto  o  traâco  de  escravos.  A  proposta  não 
surtia  eífeito  e  como  se  sabe,  foi  Lord  Staart  quem  negociou 
em  Lisboa  e  no  Rio  de  Janeiro  o  reconhecimento  da  indepen- 
denciado  nosso  paiz.  De  1825  a  1827  o  Visconde  exerceu  cargos 
diplomáticos  em  Paris,  em  Londres  e  em  Vienna  d'Au8tria  e  só 
em  1830  de  novo  voltou  ao  Brasil,  sendo  então  agracciado  por 
Pedro  I  com  o  titulo  de  Visconde  de  Barbacena. 

€  Como  Secretario  da  Embaixada  de  Vienna,  em  que  servia 
seu  pai,  auxiliou  a  delicada  missão  de  negociar  as  núpcias  de 
D.  Maria  II  com  D.  Miguel  e  em  1846  foi  como  encarregado  de 
Negócios  para  a  Hollanda,  onde  coliigio  dados  para  a  fixação  de 
limites  entre  a  Quyana  Inglesa  e  o  Brasil. 

«  Em  1812  quando  morreu  seu  pai,  o  Visconde  de  Barba- 
cena voltou  ao  Brasil.  Começou  assim  uma  nova  phase  de 
sua  vida ;  a  partir  de  então  o  fomento  do  trabalho  industrial 
e  agrícola  no  centro  do  Brasil  foi  a  meta  principal  da  sua 
actividade. 

<  Em  1843,  na  sua  propriedade  do  Brejo,  no  distrietode 
Iguassil,  o  Visconde  de  Barbacena  iniciou  uma  das  grandes  obras 
de  engenharia  hydraulica  até  então  existentes  no  Brasil :  a 
abertura  de  um  canal  de  seis  comportas,  na  extenfiâo  de  cerc^ 
de  Icgoa  e  meia,  destinado  a  ser  um  grande  derivador  das  aguas 
do  Sapucahy.  Da  grande  empresa  a  que  que  se  abanlançara 
arrancou-o  porém,  cinco  annos  depois,  a  sua  nomeado  para 
Presidente  da  província  do  Rio  de  Janeiro.  Como  tal,  um  dos 
seus  primeiros  actos  confirmou  os  sentimentos  humanitários 
que  o  Visconde  manisfestara  por  occassiSo  das  negociações  en- 
taboladas  entre  o  Ministro  Ganning  e  José  Bonifausio  para  o  re- 
conhecimento da  nossa  independência» 


484  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

€  O  Visconde  não  ae  conformon  oom  a  existência  de  homens 
eseraToe  oa  regiSo  que  deria  governar  e  immedlatamente  dea 
ordem  para  que  tomem  aprebendidos  e  postos  em  liberdade  os 
afirioanos  que  desembarcavam  em  Jamjúba,  sem  cogitar  da  op- 
posição  violenta  que  lhe  moveram  os  senhores  interessados 
nesse  vergonhoso  trafico. 

<  Ao  deixar  o  governo  da  província  o  Visconde  voltou  as 
suas  vistas  para  o  progresso  industrial  do  pais;  em  1850 
mandou  vir  da  Inglaterra  o  hábil  engenheiro  Carlos  Austin, 
que  levantou  planta  de  uma  estrada  de  ferro  ligando  o  Rio  de 
de  Janeiro  a  Belóm  e  que  nessa  tentativa  foi  coadjuvado  pelos 
«ngenheiros  Klaush  e  Daros.  Coube  ao  Visconde  de  Barbacena 
a  Iniciativa  dessa  grande  via  férrea  que  hoje  constitua,  com  o 
nome  de  Estrada  de  Ferro  Central  do  Brasil,  o  melhor  e  maia 
rico  próprio  da  União. 

€  fiffeotivamente  em  1856,  coadjuvado  pelo  Bai^  de  Nova 
Friburgo,  elle  organizava  aqui  uma  companhia  para  a  cons- 
trucQão  e  exploragfio  de  uma  estrada  de  ferro  que  partindo  de 
Villa  Nova,  na  margem  esquerda  do  rio  Macacu,  fosse  attingir 
Nova  Friburgo.  A  estrada  construia-se  sob  sua  direcção,  foi 
aberta  ao  trafego  e  chama-se  hoje  <  Estrada  de  Ferro  de  Oan- 
tagallo»  augmenuMia  no  seu  tronco  e  ramaes. 

€  Em  1862,  sabendo  da  descoberta  da  jazida  de  carvão  de 
pedra  nas  cabeceiras  do  rio  Tubarão,  em  Santa  Catharina,  para 
alli  se  dirigio  e  depois  de  estudos  adquiriu,  por  compra  do  Go- 
verno, duas  léguas  de  terras  onde  estavam  comprebendidas  as 
jasidas  dene  minério.  Mandou  vir  da  Inglaterra  dous  enge- 
nheiros, e  ao  mesmo  tempo  que  procedia  ã  exploração  do  terreno, 
foi  levantada  a  planta  paraa  construcção  de  uma  linha  férrea 
que  ligasse  essas  jaiidas  co  ao  porto  de  Imbituba,  no  Ooeano 
Atlântico. 

<  Munido  de  plantas  e  documentos,  o  Visconde  de  Barbacena 
partio  para  Londres,  onde  organizou  a  companhia,  que  con- 
struio  a  actual  c  Estrada  de  Perro  D.  Thereza  Christina  >. 

«  Foi  esta  a  allocução  oom  que  o  saudei  em  nome  do  Instituto : 

«  Sr.  Visconde  de  Barbacena.  Um  dos  phenomenes  psyohicos 

que  mais  caracterix&o  e  mais  noUIitão  a  evolução  progressiva 


DISCURSO  DO  ORADOR  OFFICIAL  485 

da  Humanidade,  ô  esse  sentimento  de  espontânea  yenera^^ 
pela  velhice  ;  todos  sentem,  mesmo  os  que  nSo  buscam  pers- 
crutar-lhe  a  causa,  uma  religiosa  impressão  de  respeito,  um 
suave  recolhimento  ao  penetrar  o  âmbito  augusto  de  uma 
velha  oathedral  ao  contemplar  as  ameias  carcomidas  de  um  velho 
ediflcio,  ci]ga  architectura  robusta  oonsegnio  resistir  &  acção 
devastadora  dos  séculos. 

«  Quando  no  mais  arrojado  vôo  de  conquista,  a  águia  da 
Córsega  consegulo  conduzir  ató  ao  sopó  das  pyramides  egypcias 
as  suas  legiões  ébrias  de  victoria»  aphrase  que  achou  capaz  de 
manter  aquelles  milhares  do  ânimos  chegados  ã  ultima  tensão 
de  bravura  sobrehumana,  ao  período  extremo  do  heroísmo,  foi 
a  contida  na  sua  legendaria  proclamação:  soldados  !  do  alto 
destas  pyramides  quarenta  séculos  vos  contempião  I 

€Nessa  invocação  ã  antiguidade  secular  desses  monumentos, 
o  brado  genial  fazia  vibrar  na  alma  dos  soldados  a  aspiração 
da  immortalidade. 

«  Mas  se  no  prodacto  do  trabalho  humano  a  acção  do  tempo 
imprime  esse  cunho  sagrado  que  o  imp5e  ã  veneração  da  pos- 
teridade, que  thesouros  de  sentida  piedade,  que  culto  de  fervo- 
rosa admiração  delia  não  merece  um  ser  humano  que  oonse- 
guio  resistir  ã  acção  de  um  século  I 

«  Cem  annos  de  vida,  isto  ô,  cem  annos  de  luta,  através  das 
fraquezas  ingenitas  e  naturaes  da  infanda,  através  das  trans- 
formações delicadas  da  adolescência,  através  das  paixOes  e  dos 
Ímpetos  desvairados  da  juventude,  através  dos  esforços  de- 
primentes e  das  lutas  extenuantes  da  idade  adulta  ,através  do  de- 
clínio enfermiço  e  desalentador  da  velhice  I 

«  Mas  se  o  íkcto  em  si  de  uma  longevidade  forte  vos  dã  di- 
reito,  Sr.  Visconde,  ã  veneração  dos  pósteros,  a  vossa  exis- 
tência benemérita,  cheia  de  ensinamentos,  recommenda-vos  ã 
homenagem  da  Historia. 

«  Quando  vistes  a  luz  em  vosso  pátria,  ninho  de  condores, 
predestinado  a  todas  as  glorias  e  a  todas  as  liberdades,  en- 
saiavão  as  ténues  asas  para  romper  as  camadas  atmosphericas 
do  regimcm  colonial,  c^Iguns  de  seus  filhos  que  se  sentião  com 
força  de  ascender  ãs  cuibiadas  luminosas  de  sua  independência. 


486  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

«Destas  08  doas  mais  estrénuos,  os  qae  com  o  angélico  prote- 
ge martyr  formavão  o  triumrirato  da  tragedia  horoica,  preear- 
«  sora  de  nossa  autonomia  e  de  nossa  liberdade,  forão  por  vosso 
«  venerando  pai  alentadoa  nas  agruras  do  seu  exílio  de  Angola ; 
€  dessa  approzímaçSo  do  joven  militar  com  os  inconíiientes  Joí«é 
«  Alves  Maciel  e  Francisco  de  Paula  Freire  de  Andrade  originou- 
«  S9  a  orientação  liberal  que  foi  o  traço  característico  de  sua 
«  benemérita  existência. 

«  Desde  entio  a  sua  valida  iadividualidade  ci  vioa  acentuou-se 
«  em  toda  a  evolu^o  económica  e  politica  da  nossa  pátria. 

€  A  industria  extractiva  já  nâo  bastava  á|expansão  da  flo- 
«  rescente  colónia ;  a  agricultura  reclamava  seus  direitos  prefe- 
re reaoiaes;  pois  bem  ;  ó  a  Felisberto  Caldeira  Bi-ant  Pontes  que 
«  cabe  a  primazia  da  introducçâo  da  canna  de  Cayenna  e  da  ma- 
€  china  com  que  se  monta  o  engenho  de  Iguassú,  dando  grande 
« impulso  &  principal  industria  agrícola  da  época:  Jenner  descobre 
«  a  prophylaxia  da  lympha  vacoinica  contra  as  devastações  da 
€  varíola;  ô  Felisberto  quem  a  introduz  em  seu  paiz,preservando 
«  milhares  de  ozistencias;  reclama-se  a  navegaç&o  a  vapor  na  ca- 
«  botagcm  da  metrópole ;  6  Felisberto  quem  inaugura  a  linha  de 
«  navegação  do  Cachoeira ;  o  vâs  que  éreis  o  seu  primogeoito  re- 
€  cebieis,  conjunctamente  com  a  primeira  inoculação  vacoinica,  o 
€  influxo  hereditário  dos  grandes  commettimentos. 

«  Graves  questões  se  agitam  e  entre  ellas  a  do  reconheei- 
€  mento  pelo  Govorno  inglez  de  nossa  independência:  e  ainda  em 
€  plena  juventude  assumis  a  gloriosa  responsabilidade  de  estabe- 
€  lecer  a  extincçfio  do  trafico  dos  escravos,  como  condição  desse 
«  reconhecimento,  o  que  vos  constituo  no  caracter  de  precursor 
«  da  mais  gloriosa  conquista  de  nossa  vida  politica. 

«  Mas  o  traço  especifico  de  vossa  proficua  exsstencia  é  essa 
«  actividade  indefessa,ó  esse  culto  arraigado  do  trabalho  que  re- 
«  siste  a  todos  os  embates  da  adversidade,  a  todas  as  transmuta- 
«  ções  do  meio,  atô  a  acção  alquebradora  da  longevidade. 

€  Em  minha  longa  peregrinação  pelo  vasto  território  da 
«  nossa  pátria,  encontro  o  vosso  nome  ligado  aos  mais  variados 
«  emprehendimentos:  desde  a  exploração  das  lavras  em  Minas 
€  Geraos,  até  a  fiação  publica  do  Rio  de  Janeiro,  desde  os  aooo- 


DISCURSO  DO  ORADOR  OFFICIAL  487 

« teoimentos  políticos  da  Independência  na  Bahia  até  a  oon* 
«  struoQão  da  Estrada  de  Ferro  Thereza  Ghristina  em  Santa 
€  Catharína»  o  vosso  nome  6  proferido  como  factor  benemérito 
«  do  nossa  vida  económica  e  do  nosso  progresso, 

«  No  estrangeiro  mais  do  uma  vez  vistes  transferir-se  em 
«  frontes  régias  a  coroa  de  Inglaterra.  Acompanhastes  em  seu 
«  êxodo  a  dynastia  de  Bragança  fugitiva  em  nossa  Pátria,  que 
«  encontrastes  envolta  ainda  nas  ÍJaixas  coloniaes,  onvistes  o 
«  brado  alviçareiro  de  sua  Independência,  testemunhastes  todos 
«  os  acontecimentos  dos  dous  Impérios,  dos  qnaes  nm  percorreu 
«  um  cyclo  semisecular  e  acompauhais  em  plena  actividade 
«  civica  as  evoluções  de  sua  vida  republicana.  Sois  pois,  neste 
«  momento,  a  historia  viva  de  um  sedo  de  vida  de  nossa  Pátria. 

«O  Institato Histórico  e  Oeographico Brasileiro  cumpre, 
«  portanto,  um  grato  dover  trazendo<-vos,  pelo  mais  obscuro 
«de  seus  consócios,  esta  singela  saudaoSo.  Não  é  a  vossa 
<  biographia  que  elle  emprehende  neste  momento,  nSo»  vossa 
«  vida  continua,  e  enquanto  a  vossa  robusta  velhice  subsistir, 
«  prosegae  a  vossa  historia.  Bsta  não  pode  ser  fraccionaria:  ha 
«  de  ser  integra.  Mas  o  acontecimento  faustoso  do  vosso  cen- 
« tenarlo  n£o  podia  prescindir  desta  espontânea  manifestação, 
«  e  o  seu  valor  avulta  quando  a  par  deste  punhado  de  louros 
«que  a  Historia,  por  seu  intermédio,  esparge  sobre  vosea 
«  fronte,  a  vossa  consagrando  civica  é  celebrada  pela  saudação 
«  da  Pátria  que  vos  traz  o  seu  primeiro  magistrado,  pelas 
«  bênçãos  do  Côo  que  vos  traz  o  Príncipe  da  Igreja. 

«Gratas  e  propicias  devem  ser  para  vossa  alma  essas 
«  caricias  ideaes. 

«Como  o  philosopho  grego,  podeis  dizer  em  (kce  das 
«  quatro  gerações  que  vos'succedem,  nihU  hàbeo  quod  aeeusem 
«  senectutem,  conceito  que  mereceu  de  Cícero  o  epitheto  de 
«sábio,  ou,  paraphraseando  o  grande  legislador  de  Athenas, 
«  quando  preconisava  a  utilidade  da  velhice,  senescere  se  m 
«  diem  adscentem,  podeis  inscrever  no  brazão  que  vos  legaram 
«  os  heróicos  antepassados  synthetisando  a  vossa  gloriosa  vida 
«  e  um  sdoolo  de  trabalho,  protesto  solemne  contra  a  ii^uria 
<  irrogada  A  raga  latina,  esta  Justa  divisas  nnêiarê  lábarando 


488  RBVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 


O  VISCONDE  RODRIGUES  DE  OUYEIRA 

«Camprindo  o  derer  de  saldar  o  compromisso  assumido  para 
oom  seus  consócios,  o  lustitulo  ooasigna  o  seu  voto  de  piedosa 
lembrança  ao  extincto  soeio  Visconde  Rodrignes  de  Oliveira, 
qne  Ibi  simnlianeamente  nm  financeiro,  um  commerciante  il- 
Instre  e  nmoaTalheiro  da  mais  requintada  gentlleia. 

€  Lais  Rodrigues  de  Oliyeira  (Visconde  de  Rodrigues  de 
OliTelra)  nasceu  na  cidade  de  Rio  Qrande  do  Sul  a  S5  de  ja- 
neiro de  1838. 

€  Aos  13  annos  segue  para  Europa  onde  adquire,  na  AUe- 
manha,  solida,  e  variada  instrucg&o. 

«  Aos  19  annos,  regressando  á  pátria,  dedica-ae  ao  commercio. 

«  Surgindo  a  quest&o  Ghristie,  é  dos  primeiros  ú,  alistar-se 
no  corpo  de  voluntários  formado  por  esta  occasi&o. 

cEm  1806,  voltando  á  Europa,  ejtabelece  em  Paris  uma  filial 
de  soa  casa  commercial  do  Rio. 

c  L&  demora-se  cerca  de  18  annos  e  durante  este  lougo  pe- 
riodo  pode  se  dizer  que  nio  houve  Brasileiro  de  passagem  por 
Paris  que  nio  firaquentasse  o  sou  ezriptorio  ou  a  sua  casa  de 
íkmilia,  a  todos  sempre  procurando  servir  e  agradar. 

<  Innumeros  são  os  moços  brazileiros  que  estudando  na 
Europa  o  tiveram  por  correspondente. 

«  Sempre  patriota,  procura  tornar  seu  paiz  conhecido  pela 
penna  e  pela  palavra,  reaiisando  conferencias  publicando,  folhe- 
tos, organlsando  exposições  en  Paris. 

«Le  Havre,  Beanvais  e  outras  localidades  de  França. 

«  Na  exposiç&o  Internacional  de  Antuérpia,  em  1886,  toma 
parte  activíssima  como  Delegado  do  Centro  de  Lavourn  e  Gom- 
mercio,  de  Gampinas.  Antes  disso,  é  um  dos  fundadores  da 
€  Sooiété  d*Btudes  Breslliennes  »  com  o  Barão  de  Santa  Anna 
Nery,  Pedro  Ck>rreia  de  Arai]go  e  outros  distinctos  Brazi- 
leiros. 

«  Muito  cooperou  para  iniciar  o  movimento  de  immigração 
italiana  para  o  Brazil  e  oontam-se  ás  dezenas  de  milhares  os 
colonos  por  elle  enviados  a  nossa  pátria. 


DISCURSO  DO  ORADOR  OFFICIAL  489 

«  Viyendo  na  rodadoa  flntiioelios  e  alto  oommeroio  proonroa 
sempre  encaminhar  para  emprezas  brasileiras  08  capitaet  fran* 
oezes  e  deve-se  aos  seiu  esforços  a  organisa^o  da  €  Oompagnie 
des  Chemins  de  fer  Bresiliens  »  que  oonstruio  a  estrada  de  ferro 
de  Paranaguá  á  Curytiba. 

«  Em  1888  volta  ao  Brazil  e  contiatjia  a  sua  yida  de  traba* 
Ihador  incansável. 

«  Bstava  cooperando  para  a  solução  do  problema  de  oonver- 
sibilidade  de  nossa  moeda,  como  Director  de  Bionco  Naoial, 
quando  sobreveiaa  Republica. 

«  Ainda  permancoeu  no  Brazil  alguns  annos  comojpreaidenta 
e  director  de  varias  emprezas  até  1902,  retirando  se  então 
para  Europa. 

€  De  lá  voltou  uma  ultima  vez  em  1904,  como  represeniante 
de  um  poderoso  grupo  financeiro  continental,  com  um  projecto 
de  coavers&o  do  papel  moeda,  cujas  bases  est&o  estabelecidas 
num  folheto  do  conhecido  economista  Edmond  Chéry,  Pro- 
jecto de  Reforma  monetária  e  de  creaçâo  de  um  Banco  Emis- 
sor no  Brazil  <  Era  a  taxa  de  13  dinheiros  esterlinols  por  mil- 
réis  a  taxa  adoptada  nesse  projecto,  por  ter  sido  a  que  tinha 
vigorado  durante  os  últimos  quatro  annos :  mas  exactamente 
nessa  occasião,  sob  o  influxo  dos  repetidos  empréstimos  ex- 
ternos, a  taxa  de  12  foi  elevando-se  bruscamente  para  attingir 
a  18  e  o  projecto  não  foi  avante. 

€  O  credito  agrícola  também  ocoopava  o  seu  espirito  luddo 
e  sobre  esse  assumpto  publicou  um  folheto,  entendendo  poiem 
que  esse  assumpto  era  dependente  da  estabilia^^  de  nosso  meio 
circulante,  sem  o  qne  considerava  illusoria  a  esperança  da  cre- 
açâo de  um  banco  de  Credito  Real  com  capitães  europeus. 

«  Regressando  à  Europa  ainda  não  descançou  e  a  morte  veiu 
sorprehendel-o  no  posto  de  Presidente  de  uma  nova  e  brilhante 
organisa^,  a  <  Chambre  de  Commerce  de  TAmórique  Latine  » 
cujo  fim  ora  defender  e  harmonisar  quanto  possível  os  inte- 
resses commerciaes  de  todas  as  nações  sul-a  mericanas  nas  suas 
relações  com  a  Europa,  tomando  cada  vez  mais  conhecidas  as 
suas  riquezas,  os  seus  elementos  de  acção  e  também  as  suas  ne- 
cessidades. 


490  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

4c  A  Camará  de  Commercio  da  America  Latina  crooa  seu  o 
boletim  de  propaganda,  e  o  de  março  de  1906  é  em  grande 
parte  da  lavra  do  sen  presidente  que  algumas  semanas  depois, 
i  6  de  maio,  a  morte  vinha  sorprehender. 

«  Cavalheiro  de  finíssimo  trato,  typo  attrahente  de  fidalgo, 
era  também  um  trabalhador  incaufavel. 

«  Além  de  Presidente  da  Camará  Commercial  da  America 
Latina,  o  Visconde  de  Rodriguez  de  Oliveira  occnpava  em  Paris 
08  elevados  cargos  de  Vice- Presidente  da  €  Chambre  Syndicale 
des  Negociants  Commissionnaires  da  Commerce  Exterieur  >  e 
de  Vice-Presidente  Honorário  da  <  Sociétó  de  Geograoliie  Com- 
merciale  >de  que  alias  era  um  dos  fundadores. 

«  Desde  1888  o  instituto  Histórico  e  Geographico  do  Rio  de 
Jaeniro  o  contava  coms  um  dos  seus  membros. 

«  O  Brasil  o  condecorara  com  o  officialato  da  Rosa  e  o  Por- 
tugal o  agraciara  com  o  titulo  de  Visconde  e  a  commenda  de 
Villa- viçosa. 

MANOEL  BARNilBE*  MONTEIRO  BAENA. 

«  Filho  do  tenente-coronel  António  Ladisl&u  Monteiro  Baena, 
nasceu  na  cidade  de  Belém,  capitai  do  Pará,  e  ahi,  depois  de 
alguns  estudos  de  humanidades,  dedicou-se  ao  (tinccionalismo 
publico,  aposentando-se  depois  da  proclamação  da  Republica,  no 
lugar  de  director  geral  da  secretaria  do  governo. 

<  Sócio  do  Instituto  Histórico  e  Qeographico  Brasileiro 
escreveu: 

—  índice  alphabetico  da  legislação  provincial  do  Pará  de 
1853  até  1880,  comprehendendo  os  actos  o  decisões  do  governo 
da  provinda  até  1879  inclusive,  Pará,  1880- 

•—  índice  alphabetico  da  legislação  do  estado  do  Para  desde 
15  de  Novembro  de  1889  ató  1893,  Pará,  1894. 

—  Informações  sobre  as  comarcas  da  provinda  do  Pará,  or- 
ganizadas em  virtude  do  aviso  circular  do  Ministorio  da  Justiça, 
de  20  de  setembro  de  1883,  Pará  1885. 

-^  Relatório  apresentado  ao  governador  do  estado  do  Pará 
pelo  lecretariot  etc,  Belém,  1896  -*  Bsto  relatório  servia  de 


DISCURSO  DO  ORADOR  OFnCIAL  491 

base  á  mensagem  qae  o  mesmo  governador  dirigia  ao  Congresso 
estadoal. 

—  Relação  dos  governadores,  dos  capitães-generaes  e  jantas 
governativas  do  1804  a  1824,  inclasive  a  janta  revoluccionaria 
repoblicana  de  30  de  Abril  deste  anno  —  Inédita. 

—  Relação  dos  presidentes  do  Par&  de  1824  até  1889  ^  Iné- 
dita. 

—  Relação  dos  governadores  do  Pará  no  dominio  da  Repu- 
blica —  Inédita.  (Sacramento  Blake  —  6°  volume  pag.  35  —  36) . 

«  Do  volume  58  da  Revista  consta  o  seguinte: 

«  Foi  proposto  em  25  de  agosto  de  1895  por  António  Josô 
«  Gomes  Brandão»  Thomaz  Garços  Paranhos  Montenegrol,  Dr. 
«  Castro  Carreira  o  Joaquim  Pinto  Machado  Portella  — 

«  Em  sessão  de  23  de  setembro  do  mesmo  anno  foi  lido  o  pa- 
«  recer  da  Commissão  de  Historiado  teor  seguinte:  Com  titulo  de 
«  admissão  para  membro  correspondente  deste  Instituto,  Sr.  Ma- 
«  noel  Baena,  paraense  maior  de  40  annos,  solteiro,  e  director 
«  aposentado  da  secretaria  do  Governo  do  Pará,  foram  presentes  ã 
«:  Commissão  três  opúsculos  impressos  intitulados,  1«  «Informa- 
«  ções  sobre  as  Camarcas  da  Previ  ncia  do  Para,  organizadas  em 
«  virtude  do  Aviso  Circular  do  Ministério  da  Justiço,  do  20  de  Se- 
«  tembro de  1883»  Pará  1885; o 2°,  «índice alphabetico  da  Legis- 
€  lação  Provincial  do  Pará,  de  1854,  a  1880,  comprehendendo  os 
«  actos  e  decisões  do  Governo  da  Provinda  atô  1879  inclusive» 
«  e  o  3«,  €  índice  alphabetico  da  Legislado  do  Estado  do  Pará  (15 
«  de  novembro  de  1839  a  1893) »  :  ambos  também  impressos  no 
«  Pará,  este  em  1894  o  aquelle  em  1880;  e  mais  três  relações  no- 
«  minaes  manuscriptas:  1<>  dos  governadores,  capitães  generaes  e 
«  jantas  governativas  de  1804  a  1824,  incluindo  a  junta  revolu- 
«  ccionaria  Republicana  de  30  de  abril  desse  ultimo  anno ;  2°  dos 
«  Presidontes  desde  1824  a  1889,  e  finalmente  a  3*  dos  governa- 
«  dores  no  dominio  da  Republica. 

<  Dentre  todos  estes  trabalhos,  que  revelam  boas  disposições 
«  do  autor  p^ra  o  estudo  das  cousas  praticas,  destaca-se  o  primeiro 
«  pelas  minuciosas  descripções  chorographicas  e  históricas  de  todos 
«  os  legares  daquelle  Estado  e  parecem  recommendar  suffloiente* 
«  mente  o  candidato  to  logar  pwa  que  é  proposto.  B*  eisa  a  opi* 


492  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

«  nULo  da  eomm!fltiu>»que  acredita  será  também  a  do  loatltuto.-» 
Sala  das  seasões,  em  29  de  setembro  de  18%. 

€  Jo&o  Severlano  da  Fonseca— Dr.  Oesar  Augusto  Marques-- 
Américo  BrasUiease» 

«  Em  sessão  de  3  de  noyembro  de  1895  foi  approvado  o  parecer 
da  Ck)mmi8sâo  de  Admiss&o  de  Sócios  e  proclamado  sócio  cor- 
respondente do  Instituto  o  precitado  Manoel  Barnabô  Monteiro 
Baena. 

<  E'  este  um  expreesive  diploma  de  sua  capacidade  civicat 
que  lhe  creon  o  direito  ao  respeito  da  posteridade. 

HENRI  RAFFARD 

€  Propositalmente  reservei  as  estrophes  ílnaes  desta  elegia 
modesta,  mas  piedosa»  para  commemoraros  nomes  queridos  dos 
dous  mais  estrénuos  paladinos  da  nossa  phalange,  com  a  preoc- 
cupação  Justa  de  que  neste  recinto  repercutam  elles  perpetua- 
mente, escapando  ao  olvido  sacrílego  com  que,  em  regra,  o 
egoísmo  humano  retribuo  os  esforços  e  os  sacriflcios  dos  labo- 
riosos operários  de  suas  grandezas, 

€  Senhores,  quando  ha  sete  annos  tive  pela  primeira  yez  a 
honra  de  occupar  esta  cadeira,  glorificada  por  antecessores  dos 
maisiUustres  nas  lettras  pátrias,  occupavam  os  primeiros  lugares 
do  Instituto,  o  de  Presidente  e  o  de  1<>  Secretario,  os  seus  sócios 
Beneméritos  Conselheiro  Olegário  Herculano  de  Aquino  e  Castro 
e  Henri  Rafll%rd. 

«  Sem  o  mínimo  desar  para  a  legião  de  notáveis  que  com* 
põem  esta  benemérita  Instltuiç&o,  comprehendia-se  logo  que 
eiles  não  occupavam  essas  posições  culminantes  por  graciosa 
indulgência  de  seus  pares,  mas  que  o  haviam  conquistado  por 
sua  idoneidade  tanto  como  por  sua  indefessa  dedicação,  e  que 
como  o  poeta  podiam  repetir: 

«  Si  je  suis  à.  la  peine  j*ai  droit  il  Thonneur. 

€  Nessa  memoranda  sessão  magna  veiu  Henri  Raffard  acom- 
panhado de  seu  velho  pae  o  yelho  Cônsul  geral  da  Suissa 
Eugóne  Emiie  Raífard,  que  vinha  tomar  posse  do  seu  titulo 


DISCURSO  DO  ORADOR  OFFICIAL  493 

de  sócio  honorário;  pareoia  a  sua  piedade  filial  que  elle  conduzia 
seu  pae  para  a  immortalidade. 

cNascido  nesta  cidade  a  26  de  deiembro(de  1851,  descendente 
de  emigrados  franoezes,  seguiu  aos  8  annos  para  a  Europa  afim 
de  ílAzer  sua  educa^^o,  tendo  permanecido  em  Genebra  e  Paris» 
onde  iniciou  um  curso  de  scienoiasmathematicas,  que  n&o  con- 
cluiu por  ter  ordem  de  preparar-se  para  o  oommercio,  ao  qual 
eflèctiTamente  dedicou-se,  depois  de  viajar  dois  annos  na  AUe- 
manha  e  na  Bélgica. 

cYoltando  ao  Braiil»  percorreu  diversaa  províncias,  Amdou 
uma  casa  commercial  em  S.  Paulo  e  depois  uma  usina  de 
assucar  e  álcool  em  Gapivary,  organisando  companhia  com  sede 
em  Londres,  da  qual  era  representante  e  gerente,  e  em  1883  i- 
naugurava  o  estabelecimento— Vi  Ua  Raflárd. 

«Como  insucoesso  Jdesse  tentamen,  foi  nomeado  GhanoeUer 
do  Cônsul  Suiflso  nesta  Capital,  iogar  que  por  duas  vezes 
exerceu  interinamente. 

«Activo  e  operoso,  publicou  diversas  obras  entre  as  quaes 
salientam-se  —  i>t  Colonie  Suisse  de  Nova  Friburgo  A  Industria 
Âssucareira  no  Rio  de  Janeiro^  Plano  dê  cohnisação  de  Thereso^ 
polis  e  outros, 

«O  que  porém  o  reoommendou  á  admiraç&o  neste  Instituto 
foi  o  seu  trabalho  cufioso:  Homens  e  Cousas  do  Brazilf  publi- 
cado em  sua  Revista.  BT  um  estudo  de  observa^  de  ts^Um 
e  de  pessoas  desde  o  primeiro  império»  que  ministra  um  bom 
repertório  de  informaoões  daqaella  epooa. 

«Promoveu  e  acompanhou  a  publicagoo  de  volume  pu^ 
blicado  em  homenagem  a  D.  Pedro  29  após  a  sua  morte,  ma- 
nifestando sua  franca  dedicação  4  memoria  do  monaroha  liberal 
do  segundo  império. 

«Despoflou  D.  BudoxlaMe  Toledo,  cunhada  do  nosso  extincto 
pr  esidente,  de  uma  illuatre  famila  de  S.  Paulo, 

«Fálleoea  ás  portas  da  indigência,  apesar  de  sua  vida  verti- 
ginosamente  activa. 

«Bste  Instituto  cumpre  um  sagrado  dever  prestando  eeta 
homenagem  á  memoria  daquelle   que  foi  am  dos  seus 
operosos  sustentáculos. 


494  REVISTA  DO  INSTITUTO    HISTÓRICO 

O  CONSELHEIRO  OLEGÁRIO 

«iVssim  como  na  Tidaldas  naoionalidadofl  snrgom  seres  hu- 
manos que  durante  períodos  fiynthetisam  sua  iDfluencia,  assim 
na  vida  das  corporações  oollectiras  faz-se  sentir  em  determi** 
nadas  épocaa  a  acçio  directora  de  personalidades  que  se  con- 
ítadeoa  oom  a  mm  própria  eustonda.  A  personalidade  superior 
do  Conselheiro  Olegário  Hèrcnlano  de  Agoiao  •Gasteo  osnsea 
no  seio  deste  Instituto,  nos  dous  últimos  lustros  de  rida  social» 
a  acção  centrípeta  de  um  foco  de  systhema  planetário.  Não  a 
aoçio  absorTente  do  autoerata,  mas  a  acção  reg^aladora  do  pri- 
mus  inter  pares,  investido  pelo  consenso  da  ooliectividade  sobe- 
rana. 

«Nascido  na  cidade  de  S.  Paulo  a  30  de  março  de  1828* 
filho  do  Major  Thomas  de  Aquino  e  Castro,  recebeu  em  1848,  o 
gráo  de  bacharel  e  em  1849  o  de  doutor  em  direito  pelo  Ibcul- 
dade  de  S.  Paulo. 

«Desposou  a  Exma  Sra.  D.  Genoveva  Dias  de  Toledo,  filha 
do  Conselheiro  Manoel  Dias  de  Toledo,  havendo  desse  consorcio 
brilhante  prole  que  lhe  sobrevive. 

«Abraçando  em  verdes  annos  a  gloriosa,  mas  ingrata  car- 
reira da  magistratura,  exerceu  os  cargos  de  promotor  publico 
de  S.  Paulo  (1849),  juiz  de  direitos  de  Goyaz  (1854),  de  Jagnary» 
em  Minas  (1857),  de  Itapetininga,  S.  Paulo  (1858),  da  2»  Vara 
Criminal  da  Corte  (1864;,  da  2*  Vara  Commercial  (1866),  Desem- 
bargador da  Relação  da  Corte  (1873),  Ministro  do  Supremo  Tri- 
bunal  de  Justiça  (1866),  do  Supremo  Tribunal  Federal  (1890) 
Presidente  eleito  desse  Tribunal  (1894). 

«Exerceu  também  cargos  do  administração  e  mandatos  po- 
líticos, taes  como  o  cargo  de  Chefe  de  Policia  da  Corte,  de  Presi- 
dente de  Minas  Geraes  o  de  deputado  por  S.  Paulo  em  1867  e 
1878. 

«No  regimem  da  monarchia  foi  investido  das  fhnoçoes  hono- 
rificas de  Camarista  Veador  e  Gentilhomem  da  Casa  Imperial,  k 
qual  so  havia  ligado  por  amisade  pessoal  Uo  Imperador ;  e  conde- 
corado com  a  Orio  Cruz  de  Christo  o  a  de  Villa  Viçosa  de  Por* 
tugal. 


DISCURSO  DO  ORADOR  OFFICIAL  495 

<  O  Conselheiro  Olegário  reuaia  as  qualidades  de  historiador 
e  homem  de  lettras  às  de  um  dos  mais  notáveis  Jnrisoonsultos 
brasileiros.  Os  seus  trabalhos  publicados  em  avulso  ou  nas  prin- 
cjpaes  Revistas  Jurídicas,  crearam-lhe  uma  aura  de  jurisperito, 
que  lhe  sobrevive.  O  seu  trabalho  intitulado  »  Pratica  das  Cor- 
reições »  é  um  vasto  e  solido  repositório  de  toda  a  legislação, 
de  incalculável  utilidade  para  os  jovens  magistrados. 

«  Essas  altas  qualidades  intellectuaesa  briram-lhe  as  portas  de 
grande  numero  de  Associações  Scientiâcas,  Nacionaes  e  Estran- 
geiras, entre  as  quaes  sobrelevam  a  Sociedade  de  Geographia  de 
Lisboa,  o  Atheneu  de  Lima,  e  o  Instituto  Geographico  Argentino. 

€  No  exercido  porém,  da  Presidência  deste  Instituto  exerceu 
o  Conselheiro  Olegário  uma  missfto  especial,  tornando-se  o  seu 
principal  sustentáculo  após  a  mudança  do  regimen  politico  de 
nossa  Pátria. 

€  Com  pasmosa  actividade  em  sua,  aliás  robusta,  velhice, 
com  um  critério  que  só  a  um  velho  philosopho  do  direito  ô  dado 
desenvolver  em  situações  delicadas  e  por  vezes  embaraçosas, 
soube  o  Conselheiro  Olegário  coujurar  diíQculdades  e  remover 
embaraços,  porventura  antepostos  á  corrente  normal  da  vida 
económica  do  Instituto. 

€  E  esse  inestimável  serviço  sigoiflca  que  elle  foi  o  pontifico 
deste  templo  modesto,  mas  que  é  o  tabernáculo  qne  mantém  as 
taboas  sagradas  de  todas  as  nossas  tradições. 

«  Observar  o  culto  que  n'elle  so  pratica,  é,  ideal  digno  dos 
mais  alevantados  espirites.  Mas  essa  observância  requer  antes 
de  tudo  que  suas  aras  não  sejam  profanadas  pelo  olvido  dos 
praticantes  ou  por  idolatrias  de  qualquer  espécie  e  que  no  recinto 
augusto  de  suas  naves  não  so  commemore  o  odor  cybaritico  das 
cebolas  egypcias,  o  menos  so  sacrifique  em  honra  do  beserro  de 
ouro. 

«  Só  assim  seremos  dignos  exactores  desse  transcendental 
aspecto  da  Justiça,  ante  o  qual  estacou  a  concepção  genial  do 
philosopho,  tomado  do  sagrada  veneração,  o  poderemos  consci- 
enciosamente exercer  esse  mais  elevado  de  todos  os  sacerdócios: 
a  Justiça  da  Historia». 


ÂSSEMBLÉA  GERAL  EM  SI  DE  NOVEMBRO  DE  1906 
Presidência  do  Sr.  Marquez  de  Paranaguá 

A*0  3  horas  da  tarde,  na  sede  social,  presentes  os  Srs.  Marquez 
de  Paranaguá,  José  Francisco  da  Rocha  Pombo,  Max  Pleinss,  De- 
zembargador  Souza  Pitanga,  Eduardo  Marques  Peixoto,  Conse- 
lheiro Cândido  Luiz  Maria  de  Oliveira,  Barão  de  Alencar,  Qeneral 
Thaumaturgo  de  Azevedo,  Barão  de  Paranapiacaba,  Drs.  Alei- 
biades  Furtado,  Sebastião  de  Vasconcellos  Galvão,  Carlos  Lix 
Kiett,  Monsenhor  Vicente  Lustoza,  Alberto  de  Carvalho,  Conse- 
lheiro João  de  Sá  Camelo  Lampreia,  Manoel  de  Oliveira  Lima,  José 
Américo  dos  Santos,  Kodcigo  Octávio  Langard  Menezes,  Dr.  Ma- 
noel Cicero  Peregrino  da  Silva,  Dr.  Bernardo  Teixeira  de  Moraes 
Leite  Velho,  Clóvis  Beviláqua,  Dr.  Alfredo  Nascimento  Silva  e 
Dr.  Epitacio  Pessoa,  abre-se  a  sessão. 

O  Sr.  Presidente  saúda  o  Dr.  Clóvis  Bevilacqua  que  pela 
primeira  vez  comparece  ás  sessões  do  Instituto  e,  em  seguida, 
declara  que  se  vai  proceder  ã  eleição  da  Directoria  o  das  Com- 
missões  Permanentes  para  o  anno  de  1907,  devendo  cada  sócio 
apresentar  duas  chapas,  uma  com  os  nomes  dos  membros  da 
Directoria  e  outra  com  os  das  Commissões  Permanentes  e  designa 
para  escrutadores  os  Srs.  Drs.  Manoel  Cícero  e  Alft^edo  Nasci- 
mento. 

São  recolhidas  23  cédulas. 

As  cédulas  recebidas  para  constitui^  da  Directoria  dão  o 
seguinte  resultado: 

Para  Presidente: 

Marquez  de  Paranaguá 22  votos 

Cardeal  D.  Joaquim   Arooverde 1  voto 

Para  1"*  Vioe-Presidente: 

ViiConde  da  Ouro-Pret) 80  votos 

Barão  Homem  de  Mello •         3     » 

4323—  32  —  ToMJ  lxix.  p.  ii. 


498  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Para  29  Vioe-PresideHte: 

Barão  Homem  de  Mello 19  Totos 

Visconde  de  Ouro  Preto 3     > 

Sylvio  Roméro 1  voto 

Para  3<».  VieA-Preeiâenie: 

Desembargador  Souza  Pitanga 2S  vQtos 

Barão  do  Alencar 1  voto 

Para  1"^  Secretario: 

Max   Plekiss -22  votos. 

Alcibiades  Fartado 1  voto 

Paki^a  2^  Secretario  : 

AlcLbia(ie8J'artado 21  votos 

Ednardo  Marquez   Peixoto 1  voto 

Dtu  Manoel  Cioero T    > 

Para  Orador  : 
CoAde  de,  Affonso  Celso 23.  votos 

Para  Thesoareiro  : 

Commendador  Artbur  GaímarãQs  ....       â3  votgs. 


\ 


A'  vista  do  resultado,  o  Sr.  Presidente  proclama  a  seguia  te  ^ 

Directoria : 

Presidente,  Marquez  de  Paranaguá;  1»  Vlce-Presidente. 
Visconde  de  Ouro  Preto;  2*»  Vice-Presideote,  BarSo  Homem  de 
Mello;  3®  Vice- Presidente,  Desembargador  A.  F.  de  Souza  Pi- 
tanga; 1»  Secretario,  Max  Fleiuss,  2"  Secretario  Alcibiades  Fur- 
tado; Orador,  Conde  de  Affoaso  Celso;  Tbesoureiro,  Commen- 
dador Artbur  (iuimarães. 

O  Sr.  Presidente  agradece  a  prova  d^  apreop  quQ  acato  da 
receber  dos  seus  illustres  consócios  e  declara,  opatar  com  a  va* 
liosa  cooperação  de  todos  para  desempenbar  a  honrosa  fnncçSo 
de  que  foi  investido. 

SãQ  em  seguida  apurad^j  as  cjxagas  recebidaa,  contendo  os  > 
nomeados  memlj^ros.  escolbidqi)  paradas  CommisBoes  Permanentes 


SBSSÃO  DA  ELEIÇÃO  DA  MBZA  B  GOMMISSÕBS      499 

e  o  Sr;  Preeideot»  proclama  eleitos  por  maioria  de  Yotos  00  se- 
gointea: 

Commissões  Permanentes: 

Fandos  e  Orçamento  —Visconde  de  Oaro-Preto,  Conselheiro 
Tristão  de  Alencar  Araripe,  Dr.  José  Américo  dos  Santos, 
Barão  de  Paranapiacaba  e  Belisario  Pernimbaco: 

Estatutos  e  Redacção— Max  Pleluss,  Dr.  Manoel  Cicero,  Dr. 
Alfiredo  Nascimento,  Conde  de  Aflfonso  Oelso  e  Arthur  Gui-> 
marães; 

Maousoriptus— Conselheiro  J.  da  Costa  Barradas,  Dr.  Felis^ 
bello  Freire,  Dr.  Rolrigo  Octávio,  Dr,  Manoel  Álvaro  de  Sonsa 
Sá  Viannae  Eduardo  Marques  Peixoto. 

Historia^ Visconde  de  Oaro  Preto,  Dr.  Leite  Velho^  Conse- 
lheiro Cândido  de  Oliveira,  Sylvio  Romèro  e  Capistrano  de  Abreu; 

Geographia— Barão  Homem  de  Mello.  J.  P.  Rocha  Pombo, 
Conselheiro  Salvador  Pires  de  Carvalho  Albuquerque,  Conse- 
lheiro J.  M.  F.  Pereira  de  Barros,  e  General  Dr.  Gregório  Thau- 
maturgo  de  Aze  vedo. 

Archeologia  e  ethnographia :  Dr.  Epitacio  Pessoa,  Dr.  J. 
Barbosa  Rodrigues,  Dr.  Alcibíades  Furtado,  Desembargador  A. 
F.  de  Souza  Pitanga  e  Conselheiro  João  Alfredo. 

Admissão  de  Sócios — Barão  de  Alencar,  Conde  de  Affonso 
Celso,  Dr.  Miguel  de  Carvalho,  Dr.  Manoel  Cicero  e  Dr.  Leo- 
poldo de  Bulhões. 

O  Sr.  Fleluss  pede  a  palavra  e  apresenta  a  seguinte  pro- 
posta, que  ô  unanimemente  approvada: 

«De  conformidade  com  o  que  estabelece  o  art.  12  dos  Es- 
tatutos approvados  pela  Assembléa  Geral  de  9  e  16  de  abril  do 
corrente  anno,  propomos  sejam  elevados  a  beneméritos  os  se- 
guintes sócios  honorários,  que  estão  nas  condições  de  merecer 
semelhante  prova  de  nossa  estima  e  consideração  : 

Barão  de  Capanema,  admittido  em  19  de  outubro  de  1848; 

José  Maurício  Fernandes  Pereira  de  Barros,  admittido  em 
19  de  setembro  de  1856; 

Barão  Homem  de  Mello,  admittido  em  3  de  junho  de  1859; 

Barão  Ribeiro  de  Almeida,  admittido  em  11  de  dezembro 
de  1866; 


500  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Barfto  do  Rio-Branoo»  admiltido  7  de  novembro  de  1867; 

Joaquim  Pires  Machado  Portella,  admittido  em  17  de  junho 
de  1870. 

Thomaz  Garcez  de  Paranbos  Montenegro,  admittido  em  IO 
de  maio  de  1878. 

Sala  das  aessSes  do  loatituto  Historioo  e  Oeographico  Braxi- 
leiro,  em  21  de  novembro  de  1906.—  Max  FMus.-^  Alcibiades 
Feriado.—  A.  F.  de  Souza  Pitanga.^  M.  de  Oltveira  Lima.— 
Barão  de  Paranapiacaba . —  Rodrigo  Octávio, —  Monsenhor  Vi» 
cente  lAnioza.-^  ÂXberio  de  Carvalho. —  Bocha  Powbo.^^  Sdw 
ardo  Marques  Peixoto,-^  João  de  Sd  Camello  Lampreia,-^  B.  T. 
de  Morae»  Leite  Velho,—  EpUacio  Pe$soa,> 

Levanta-ie  a  sessão  ás  4  horas  da  tarde. 

Db.  Alfmdo  Nasoimbnto. 

Escrutado  r. 


\ 


AN NEXO 


CADASTRO  DOS  SÓCIOS 


INSTITUTO  HISTOBIGO  E  (lEOGRAPHICO  BBÃZILEIRO 

EM    15   DE   JULHO   DE    1908 

Organizado  il«  inteira  conformidade    com  o  art.  79  dos  Bstatntoi 
de   16  de  abril    de  1906 


Fresidôatôs   houorarlei 


Conde  d'Ea 

D.  Miguel  Juar'z  Celman 

Dr.  ManoeL  Ferraz  de  Cam- 
pos Salles.. 

General  D.  Jolio  A.  Roca 

Dr.  Francisoo  de  Paula 
Rodrigues  AlTes 

Dr.  Affonso  Augusto  Mo- 
reira Penna 


DATA    DA   ADMISSÃO 


16  de  set    de  1864.... 
13  de    »     de  1883.... 


12  de  maio  de  1809... 
7  de  julho  de  1899. . 


6  de  dez.  de  1902. 
17  de  ont.  de  19a7.,. 


RBSIDBNGIA 


França. 

Republica     Ar- 
gentina. 


São  Paulo. 
Republica 
gentina. 


Ar- 


São  Paulo. 
Rio  de  Janeiro. 


Soolos  Beiíomerites  (em  numero  de  10) 


1 

2 
3 

4 

5 
6 
7 
8 
9 
10 


Barão  de  Capanema 

Barão  Homem  de  Mello.  .• 
Barão  do  Rio-Branco  .... 
Thomaz    Garcez    de    Pa- 
ranhos Montenegro..., 

18  de  out.  de  1848... 
8  do  junho  de  1859... 
7  de  nov.  de  1867.., 

10  da  maio  de  1878... 

Rio  de  Janeiro. 
»      »         » 
»      »         » 

Bahia. 

504  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

S00I08  honorários  (em  numero  de  50) 


DATA     DA    ADMISSÃO 


Eslanisláo  C.  Zehallos*..    7    de  d-z.  de  1883.. 


15 

16 

17 
18 

19 


20 
21 

22 

23 
21 
25 
20 
27 
28 


Conselheiro  João  Airrv.>do 
Corroa  de  Oliveira 

Marquez  de  Paranafi^aà.. . 

D.  Pedro  Augusto  de  Saxo 
Coburgo 

Barão  de  Alenoâr 

H(>nriqae  Moreno  • 

Conselheiro  Joaõ  Francisoô 
Diana 


Norberto  Qairno    Costa ' 


19 
31 

2 
13 
13 

13 


out.  de  18S7... 
agosto  de  1888. 

»       de  18S9 

eet.   de  1S89.. 

»      de  188J.. 


17    » 


Blas  Vidal  • 

Manoel  Villamil  Blanco  *. 

Guilherme  A.  St^oane  • 

D.  Carlos  Luiz  d'Amour.. 

Cardeal  D.  Marino  Ram- 
polla  dei  Tindaro* 

Almirante  Auc^iisto  de  Cas- 
tilho Barreto  de  No- 
ronha • 

D*  Jeronymo  Thomó  da 
Silva 

D.  'Francisco  do  R  go 
Maia 

Adrien  de  Ocrlache*. 

Cardeal  D.  Joaiuim  Arco- 
Torde 

Conselheiro  João  de  Oli- 
veira Sá  Camelo  Lam- 
preia  

Cardeal  D  Jeronymo  Maia 
Gotti* 

Almirante  Francisco  Joa- 
quim Ferreira  do  Ama- 
ral • 

Conselheiro  Manoel  Antó- 
nio Duarte  du  Azevedo. . 

Dr.  Jayme  Constantino  de 
Freitas  Muniz  * ». 

General  Francisco  Maria 
da  (>iinha* 

D.  Pedro  de  Ortean»  e 
Bra^^inça 

Dr.  ALredo  Eu;;euio  de 
Alm.ida  Maia 

Dr.  Joaquim  Du^irte  Mar- 
tinho   ,.^^, 

Barão  de  ,1a  Biifi-e.*..  ^. ... , 


29 

29 

22 

9 


19 
25 

?5 

28 

31 

15 
14 

2» 

27 
10 


RESIDÊNCIA 


10 
10 

112 


de  1889.. 

de  1889.. 

noT.  lie  1889. 

»       de  1889. 

maio  de  189U. 

doz.  <íel892.. 

abril  di  1893. 

julho  de  1896.. 

»      de  1897.. 

»      dl8:)7.. 
out.  de  1897... 

»      de  1897... 

maio  de  1898.. 
out.  de  1898... 

nov.  de  1898.. 

out.  de  1899... 

nov.  de  1899... 

abril  de   1900.. 

junho  de  19c)0.. 

a-O^to  de  1900. 

»      de  1900. 
pui,  d-'  .1900' 


Republica     Ar- 
gentina. 

Rij  de  Janeiro. 


Áustria. 

Rto  do  Janeiro. 

Itália. 

Rio   Grande   do 
do  Sul. 

Republica    Ar- 
gentina. 

Uruguay. 

Chile. 

Peru. 

Ma  tio  Grosso. 

Itália. 


Portugal. 

Bahia. 

Itália. 
Bélgica. 

Rio  de  Janeiro. 

Portugal. 
Itália. 

Portugal. 

São  Paulo. 

Portugal. 

» 

França. 

São  Paulo. 

Rio  de  Janeiro. 
Hespanha. 


CADASTRO    POS  SOCIO5 


505 


29 
30 
31 
32 

33 
34 
35 
36 
37 

38 

39 

40 
41 

42 

43 
44 
45 
4rt 

47 
48 
49 
50 


Visconde  de    Oaro  Preto. 

Dr. Emílio  Aaeusto  Goeldi* 

Eduardo   Mailer  * 

Dr.     Epitacio     da      Silva 
Pessoa 

Dr.  Manoel  B.  Otero 

Dr.  Susviela  Onarch* 

Dr.  Sabino  Barroso  Júnior 

Anselmo  Héria  Riquielme  * 

Barão  Ernest  de  Hess  War- 
tegg  • 

General  Adriano   Augusto 
de  Pina  Vidal 

Alberto    dos    Santos  Da- 
mont 

Duoue  dos  Âbmzzos 

D.  liUiz  de  Orleans  e  Bra- 
gança  

Dr.  Manoel  de  M  Ho 
doso  Barata 

Barão  de  Muritiba. . . 

Manoel  Estrada  Cabrera  • 

Dr.  José  Joaquim  Seabra. 

Dr.  José  Leopoldo  de  Bu- 
lhões Jardim 

D.  João  Braga 

D.  Júlio  Tonti  *... 

D.  José  Joaquim    Vidra.. 

Conselheiro  Augusto  01  ym- 
pio  Gomes  de   Castro... 


Gar 


DATA   DA    ADMISSÃO 


9 
10 
10 

27  • 

29  » 

29  » 

2  do 

8  » 

25 
21 

11 

18 


nov.    de  1900. 

dez.    de  1900. 

de  IHOO. 

março  de  1901 
maio  dô  1901 
»      d^>  1901. 
maio  de  ir02  . 
agosto  de  ir02 

junho  de  1903. 

agosto  de  1903 

set.  de  1903. 
»      de  1903. 


ABSIDBNCIA 


6    »    nov.  de  1903. 


20 
12 
26 
28 

28 

21 

30 

6 


maio  de  1904. 

agosto  do  1904 

»        de  1904 

abril  de  1905. 

»  de  1905. 
julho  del905. 
abril  de  1906. 
maio  de  1907. 


13    »    maio  de  1908 


Rio  de  Janeiro. 
Suissa . 


Rio  de  Janeiro. 
Uruguay. 

Rio  de  Janeiro, 
ehile. 

Allemanha. 

Portugal. 

França, 
Itália. 

Fráàça. 

Pará. 
França. 
Guatemala. 
Rio  de  Janeiro. 

Petrópolis. 

Portugal. 

Ceará. 

Rio  de  Janeiro. 


Sooios  effootlros  (exn  numero  de  50) 


maz  do  .Amaral 

Dr*     Benjamin     Franklin 

Ramiz  Galvão 

Dr.  João   Barbosa    Rodri- 
gues  

Barão  de  Telfé 

Almirante    José    Cândido 

Guillobel 

João  Capistrano  de  Abreu. 
Visconde  de  Ibituruna .... 
Dr.  Arthur  Índio  do  Bra- 

zil  e  Silva 
Comraendador    José    Luiz 

Alves  

Dr.  Alfredo  do  Nascimen 

to   Silva 

Arthur  Sauer  * •• 


10 

» 

out.  de  1851.. 

Rio  do  Janeiro 

16 

» 

agosto  de  1872 

» 

» 

» 

29 
27 

spt.  d«  1878.. 
out. 1882 

» 
» 

24 
19 
13 

» 

nov.  de  1882.. 
out.  de   1887. 
julho  de  1888. 

» 

» 

31 

» 

agosto  de  1888 

» 

» 

31 

» 

»        de  1888 

» 

» 

12 
19 

» 

dez.  Je  1890.. 
junho  de  1391. 

506 


REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 


12 

13 
14 

r. 

Ki 

17 
18 

19 

20 

21 

22 

23 

24 

25 

26 
27 

28 
29 

30 

31 

32 

33 
34 
35 


36 

37 
38 

49 
40 
41 

42 


2>ATA  DA  ADMISalo 


Luís  Rodolpho  Cavalcante 
de  Albuquerque 

Conde  de  Ailonso  Col.so... 

Dr.  Tr  stão  de  Alencar 
Araripc  Júnior 

Dr.  Evaristo  \un«  s  Pire- 

Dr.  Francisco  Baptista 
Marques  Pinheiro  *  ... 

Dr.  Amaro    Cavalcanti... 

Dr.  Paulino  José  Soar  et 
de  Souza 

Dr.  Manoel  Álvaro  de 
Souza  Sá  Vianna 

Coronel  Dr*  Inaocncio 
StTzedello  Corroa 

Dr.  José  Âmorico  dos  San- 
tos   

Dr,  Miguel  Joaquim  Ri 
beiíu  de  Carvalho 

General  Diony^io  E.  de 
Castro  C  'rqueira  . . , 

Desembargador  António 
F.  de  Souza  Pitanga. 

José  Francisco  da  Rocha 
Pombo 

Max  Fioiuss 

Gen  ral  Dr.Gr  gori  >  Thau 
matur^o  de   Azevedo... 

OrvilleAlalbert   Derby».. 

Comm.indante  Carlos  Vidal 
de  01  yeira  Freitas 

Dr.  Rodrigo  Octávio  de  L. 
Menezes 

Major  Belisario  Pernam- 
buco   

Dr.  Pedro  Augusto  Car-t 
neiro  Les^a 

Dr.  Sylvio  Roméro 

Conselheiro  Ruy    Barbosa 

Desembargador  Salvador 
Pires  d  •  C.  e  Albuquer- 
que   

Dr.  Bernardo  Tí»ixeira  de 
Mora  '8  Leite  Velho  *....  2A 

Dr.  Euclydes  da  Cunha...  24 

Monsenhor  Vicente  F.  Lus 
tosa  de    Lima 19 

Dr.  Alberto  de  Carvalho.  18 

Eduardo  Marques  Pt^xoto  23 

Comnel  Jesuino  da  Silva 
Mello 23 

Conselheiro  Cândido  Luis 
Maria  de  Oliveira 17 


23 
2 

30 
31 

11 

6 

10 
12 


3 
3 

17 
26 


>  set.  de  199?. 

»  des.  de  1892.. 

»  junho  de  1893. 

»  março  de  1895 

»  agosto  de  18^ 

»  dez.  de  1897 

»  junho  de  1898 

»  out.  de  1899. 

»  des.  de  1899. 

»      »      de  1899.. 

»      >      de  1899. 

»  abril  de  1900. 

»  agasto  de  1900 

»         »      de  1900 
»         »      de  1900 


26  > 

26  . 

23  » 

23  » 

23  » 

23  » 


»      de  1900 
out.  de  1900.. 

»      de  1900.. 

>      de  1900.. 

agosto  de  1901 

c      de  1901 

»      de  1901 

maio  de  1902.. 


13    »  junho  de  1902. 

»  abril  de  1903. 

»  »      de  1903. 

»  junho  de  1903. 

»  set.  de  1903.. 

»  out.  (ie   1903. 

»  »      de    1903. 

»  junho  de  1904. 


RBSIDBlfClA 


Rio  de  Janeiro. 

»      »  » 

»      »  » 

Petrópolis.  . 

Rio  de  Janeiro. 

»  »  » 
»  »  » 
»  »  » 
»      »         » 

Nitheroy. 

Rio  de  Janeiro. 

»  »  » 
»      »         » 

»      »         » 

»      »         » 

»      »         » 

»      »         » 


CADASTRO   DOS  80006 


607 


>^ 


s 

NOMBS 

DATA  DA  ADMISSXO 

BB8IDXNCU 

43 

Commendador  Arthur  Fer- 

reira  Maoluido   Guima- 

»       »            » 

rães 

9    »    dez.de  19Ô4.. 

»        »            » 

44 

Dr.  Alcibíades  Furtado.,. 

17    »    julho  <ití  1905. 

45 

Dr.  Manoel    Cícero  Pere- 

»       »            > 

grino  da  Silva 

21    »        >      do  1905. 

46 

Barão  de  Paranapiacaba. 

21.de  julho  de  1905. 

Rio  de  Janeiro. 

47 

Dr.    Joaquim    Xavier    da 

Silveira  Júnior 

4    »    daz.de  1905.. 
15    »      out.  de  1906 

»      >          » 

48 

Dr.  Clóvis  B«TÍla<|Ba 

»      »          » 

49 

Dr.  Aupusto  Olvmpio   Vi- 

veiros 4e  Castro , 

20    »    maio  de  1907. 

«      »          » 

50 

Dr.  José  Carlos  Rodrigues 

40    »    junho  de  1907. 

»      »         •» 

Soolot  oorresponde&tai  (om  niaiefo  'Ae  100) 


10 

11 

12 
13 

14 

15 

16 

17 

18 
19 

20 
21 


Barão  de  Guajará . . « . 
Vicente  Q.  Quesada*. 


Dr.  José  António  de  Aze- 
vedo Castro 

Pedro  "Weiicesláo  de  Brito 
Aranha  • 

Dr.  Francisco  Augusto  Pe- 
reira da  Costa 

António  Ribeiro  de  Ma- 
cedo   

José  Veríssimo  do  Mattos. 

Dr.  Virgílio  Martins  de 
M  lio  Franco 

Aníbal  EcheverrLa  y 
R0Í8* 

Bouquet  de  la  Grye  * 

Alexandre  Soroado  * 


Constantino  Bannen  *,,,, 

Dr.  Rodolpbo  Marcos 
Theophilo • , 

Dr.  Brasilio  Augusto  Ma- 
chado de  Oliveira 

Dr.  Felisbello  Firmo  de 
Oliveira  Freire 

João  Damasceno  Vieira 
Fernandes 

João  Baj)tÍ!Ua  Perdigão  de 
Oliveira 

Arturo  de  Lóon  • 

Argemiro  António  da  Sil- 
veira  

Barão  de  Studart 

Dr.  António  O^yntho  dos 
Sftntos  Piras 


8   de  nov.  de  1866. 
7    »    dez.  de  1883.. 


24 

7 

9 

19 
16 


julho  de  1885, 

agosto  do  1885 

dez.  de  1886.. 

out.  de   1887. 
nov.  de  1887.. 


31    »    agosto  de  1888 


out.  do  1889.. 

»      de  1889.. 

mov.  de   1889. 


25 
25 
29 

29 

11 

12 

2Cy 

21 

19 
3 

25 

20 


>  de  1889. . 
julho  de  1890. 
set.  de  1890.. 

»  de  1890.. 
eut.  de 


»  junho  de  1890, 

»  »      de  1891. 

»  let.  de*  1891.. 

»  naio  de  1892. 


4    »    maio  de  1894;  Rio  de  Jauieivo, 


Pará. 

Republioa     Ar- 
gentina. 

Inglaterra. 

Portugal. 

Pernambuco. 

Paraná. 

Kio  de  Janeiro. 

Minas  Geraos. 

Chile. 
França. 

Republica     Ar- 
gentina. 
Chile. 

Ceará. 

Sfto  Paulo. 

Rio  de  Janeiro. 

Bahia. 

Ceará . 
Uruguay. 

São  Paulo. 
Ceará. 


508 


REVISTA  DO  INSTITDTO  HISTÓRICO 


s 

NOXBS 

DATA  DA  ADMISSÃO 

ItBaiDBNClA 

Z2 

23 

24 
25 

Dr.  António    Martina  de 
AieTedo  Pimentel 

Chriatiano  Frederico  Sey- 
bold  • 

João  Lúcio  do  AzeTodo. . . . 

Gabriel  do  Monte  Perei- 
ra  * 

1 
1 

31 

31 
11 

2) 

20 

16 

27 

8 

22 

13 
13 

19 

9 
15 

10 

24 

8 

3 

3 

28 

26 

10 

9 
?3 
23 

83 
23 

23 

18 

> 

» 
» 

» 

» 

» 

» 

» 
» 

» 

» 

» 
» 
» 

» 

junho  de  1894 

>       de  1894 
março  de  1895 

»       de  1895 
agosto  de  1895 

»      de  1895 

out.  de  1895.. 

agosto  de  1896 

set.  de  1896.. 
noT.  de  1896.. 

»     de  1896.. 

dez.  de  1896.. 
junho  de  1897. 

•et.  de  1897.. 

dez.  de  1898.. 
set.  do  1899. • 
nov.  de  1899.. 

»      de  1899. . 
dez,  de  1899.. 

»      de  1900 
*       del900 

6et.  de  1900.. 

out.  de  1900.. 

dez.  do    1900. 

agosto  de  1901 
»      de  1901 
»      de  1901 

»      de  1901 
»      de  1901 

»      de  1901 
ont.  de    1901. 

Minas  Qeraes. 

Allemanha. 
Portugal. 

Portugal. 
Bélgica. 

RÃn  Pftulo. 

26 
17 

Manoel  de  Oliveira  Lima. . 

Dr.    Gincinato    Gesar   da 

Silya  Braga 

28 

Raymnndo  Cyriaco  Alves 
da  Cunha.. •• «.... 

Pará. 

29 

Henriqne  Marques  de  San- 
ta Roaa 

9 

90 
31 
32 

Dr.  Joaauim   Aurélio  Na- 

buco  de  Aranjo 

José  Glementino  Soto  *. . . . 

Padre  Raphael  Maria  Ga- 
lanti  * 

Estados  Unidos. 
Republica     Ar- 
gentina. 

Rio  de  Janeiro. 

33 

André  Peixoto  de  Lacerda 
Werneck 

»      >         » 

34 
35 

Tancredo  do  Amaral 

D.   Joaquim    Silvério     de 
Sou^sa ••.• 

São  Paulo. 
MinAS  Geraes. 

36 

Dr.    Adelino    Augusto  de 
Luna  Freire 

Pernambuco. 

37 
38 
39 

Padre  Júlio  Maria 

Coronel  Honório  Lima  . . . 
Dr.  António  Zeferino  Cân- 
dido • 

Rio  de  Janeiro. 

Portugal. 
Republica     Ar- 
gentina. 

Africa. 

40 
41 

Adolpho  Saldias  * 

José  António  Ismael  Gra- 
cias  • 

42 

Philoteio  Pereira  de  An- 
drade * 

\sla. 

43 

D.    Francisco    Boílanil  y 
Sanz* 

Hespanha. 
Pernambuco. 

44 

Dr.  Sebastião  de  Vascon- 
cellos  Galvão 

45 

Ermclino     Agostinho    de 
Leão 

Paraná. 

46 

Dr.  António   Augusto  de 
Lima 

Minas  Geraes. 

47 
48 

Alfredo  Roínario  Martins. 
Cândido  Costa 

Paraná. 
Espirito  Santo. 

São  Paulo. 

49 

Dr.  João  Mendes    de  Al- 
meida Júnior , 

50 
51 

!i2 

Dr.  Nolson  deSenna..*.. 
Sebastião    Paraná    de   Sá 

Souto  Maior < .  • 

Horácio  de  Carvalho 

Minas  Geraea. 

Paraná. 
São  Paulo. 

CADASTRO  DOS  SOaOS 


509 


.N0MB8 


53 

54 

55 
5'^ 
57 

58 

59 

00 
61 
62 

63 
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65 

66 

67 

68 
69 

70 
71 

72 

73 
74 

75 

7G 

77 

78 
79 
80 
81 

S2 
83 
84 

85 


José  Vieira  Couto  de  Ma- 
galhães  

Dr.  Aífonso  Ari  nos  de 
Mello  Franco 

Dp.  Alfredo  de  Toledo.. 

Carlos  Lix  Klelt  • 

Ernesto  Quaxada  * 


87 


DATA   DA  ADMISSÃO 


18  deont  .  de    1901. 


Dr.  Manoel  Ferreira  Qat 
cia  R  dondo 

Dr.  Martim  Francisco  Ri- 
beiro de  Aiidrada 

Dr,  Theoloro  Sampaio.. 

D.  Manoel  Amunategui  * 

D,  Emílio  HodriguezMon 
doca  * 

Anselmo  de  Andrade.*.  •• 

Dr,  Albino  AWes  Filho.. 

Dr.  Jo>é   Manoel   Cardoso 
de  Oliveira 

Dr.  Augusto    de  Siqueira 
Cardoso 

Laureano  de  Figuerola  *. . 

Coronel  Ernesto  Sonna... 

Dr.  José  Maria  Pereira  de 
Lima  * 

Victor  Ribeiro* , 

Visconde    de    Sanches  de 
Baena  * 

Franciíico  de  Campos  An- 
drade  

José     Feliciano     de    Oli- 
veira  

Dr.  Vicente  Ferrer  de  Bar- 
ros AVanderley  e  Araújo 

Alberto  Pimentel  *.. 

Dr.  Allredo    Ferreira   de 
Carvalho  

Dr.  Luiz  Gonzaga  da  Silva 
Leme 

José  Jacintho  Ribeiro 

Bernardo  Horta  d ;  Araújo 

Dr.  João  Pandiá  Calo^reras 

Dr.  Joaquim  Nogueira  Pa- 
ranaguá...  

Dr,  Diogo  de  Vasconcellos 

Dr.José  Pereira  Rego  Fiiho 

Dr*  Bernardino  Luiz  Ma 
chado   Guimarães  *•••.. 

D.  Daniel  Garcia  Acevedo* 

Dr.    Arthur    Orlando    da 
Silva 

Gonçalo  de  Quezada  * . 


de 
de 
do 
de 


1901. 
1901. 
li'01. 
1901. 


30  »  maio  do  190E. 


24 

24 

6 

6 

8 

22 

22 

25 
24 
11 

11 
U 

11 


out. 

»  . 
dez. 


do  1902. 
de  19J2 
de  1902. 


&BSIDENCIA 


S.  Paulo. 


Rio  de  Janeiro. 
Republica     Ar- 
gentina . 

São  Paulo. 


Bahia . 
Chile. 


»      de  1902.. 

maio  de  1903. 

»      de  1903. 

>      de  1903. 

junho  de  1903 
julho  do  1903. 
set.  de  1903.. 

»      de  1903. . 
»      de  1903.. 

»      de  1903.. 


4    »    dez.  de  1903., 
19    »    fov.  de  1904., 


3 
23 


21 
4 

18 
18 

24 

4 

«5 

9 
3 

8 
8 


junho  de  1904. 
»      de  1904. 

julho  de  1905. 

»      de  1905, 

agosto  de  1905 

set.  do  1905.. 

»      de  1905.. 

dcz.de  1905.. 

»      de  1905.. 

junho  de  i90d< 

julho  de  1906. 
set.  de  1906.. 


out 


de  1906.. 
de  1906. 


Portugal. 
Minas  Gcraes. 

Petrópolis. 

São  Paulo. 
Hespanha. 
Rio  do  Janeiro. 

Portugal. 


São  Paulo. 


Pernambuco. 
Porlugal. 

Pornambuco. 

São  Paulo. 

Rio  de  Janeiro. 
Minas  Geraes. 

Piauhy. 
Minas  Goraes. 
Rio  do  Janeiro. 

Portugal. 
Uruguay. 

Pernambuco. 
Cuba, 


510 


RBvisTA  DO  iNanrroTO  histórico 


i 

N0MB8 

DATA  DA  ADMIsalo 

RBIIDBNGIA 

88 
89 

Dr.Adolpho  Autrusto  Pinto 

Dr.  Paulo  Ehrenreich».. . 

Dr.  Gastão  Ruch  Stnrzo- 

necker 

2»    >    maft»  de  1907. 
20    >       »      da<9M 

29    »    julho  do.  1907. 

29  »        »      de  1907. 

16    »    set,  de  1907.. 
16    >      »      de  1907.. 

30  de  aat.  de  1907.. 
30    »      »      del907« 

São  Paulo. 
Allemaiiha. 

Rio  de  JaneoMi*^ 

9i 

Paulo  Barreto  

92 

Dr.    Augusto   Tayares   de 
Lyra ••••.. 

»      »         » 

93 
94 
95 
96 

Dr.  Vincenzo   Groisi  * 

Dr. António  Jansen  do  Paço 
Dr .  João  LuíE  Alves 

Itália. 

Rio  de  Janeiro. 

Minas  GeraeSf 

97 

l   '   '  *" 

9S 

9^) 

100 

;,. 

Soolos  bemfeitofes 


1 

Dr.    Domingos   José    No- 

iíueira  Ja^ruaribe 

7 

de 

dez.  de  1883.. 

São  Paulo. 

2 

Conde  de  Fiurueiredo 

Cândido  Gailré 

í 

agosto  de  189t> 

Rio  do  Janeiro. 

3 

2ò 

sot.  de  1890. . 

4 

António  José  Dias  de  Cas- 

»     »         » 

tro 

28 
5 

nov.   de  1890. 
dez.  do  1890.. 

»      »         » 

5 

Conde  de  Leopoldina 

»      »          » 

6 

Luiz    JosJ   Lee  )q  do    Oli- 

veira   

5 

»      de  1890.. 

»      >         » 

7 

Coiimendador  Tobias  Lau- 

ri.tno  FÍL'U"ira  de  Mello 
Barão  de  Quartim 

12 

»      de  1890.. 

»      »          » 

8 

6 

março  de  1891 

»      »          » 

9 

Luiz  Augusto  da  Silva  Ga- 

ne lo* •.. 

6 

»       de  1891 

Portugal. 

10 

Ha 'ã  • ')e Mendes  Tota.... 

3 

abril  do  1891. 

Rio  de  Janeiro. 

11 

Visconde    de  Moraes  *... 

3 

»      de  1891, 

»      »         > 

12 

Manoel  José  da  Fonseca*. 

28 

agosto  de  1891 

»      >         » 

13 

José   Joaquim   da    França 

Juni'  ir 

9 
4 

out.  do  1891.. 
dez.  do  1.^91 . . 

»      >         » 

14 

í.uiz    Ribeiro  Gomes 

»      »         » 

15 

Coiiim  nd  i«lor  Luiz  AWe^ 

Ha  silva  Porto 

17 
17 

out.  íle  1897.. 
»      de  1897.. 

»      »         »  * 

U\ 

Luiz  M-rtiui   tio  Auiaral. 

»      »         » 

17 

Vitcondi'  de  Thayde'. ... 

7 

julho  do  181Í9. 

Portugal. 

O  siirnal   *   indica  <xue  o   sócio  ô  estrangeiro. 

Secretaria  do  Instituto  Histórico  o  Geographico   Brasileiro,  15  de 

julho  de  1908. 

O  chefe, 

Lafayett€  Caetano  da  Silva 


índice 


Matérias  contidas  no  Tomo  LXIX  da  Revista 


PARTE  SEGUNDA 


Pags. 

Da  Independência  á  Republica,  pelo  Dr.  Euclydes  da  Cunha     •  7 

O  Duqae  de  Caxias,  por  J.  Capistrano  de  Abrea 75 

Jalias  Meili  e  a  NnmÍBmatica   Brazileira,  pelo  Dr.  Alfredo  de 

Carvalho 95 

O  Brazil  Social,  pelo  Dr.  Syivio  Romero 105 

A  Capitania   do  Camutá,  pelo  Dr.  Manoel   de   Mello    Cardoso 

Barata 183 

Reflexões  sobre  o  Conceito  da  Historia,  pelo  Dr.  Pedro  Augusto 

Carneiro  Lessa 195 

Actas  das  Sessões  de  1906 287 

Sessão  Magna  Annivorsaria 447 

Discurso  do  oralor,   Desem' argador  A.  F.  de  Souza  Pitanga.  465 

Annexo  ~  Cadastro  dos  sócios,  em  15  de  Julho  de  1908    .     .     .  501 


4328  —  Rio  do  Janeiro  —  laiprenga  Nadonal  — 1908 


1 


hidUtUU» 


Comiii 


4li  RéTista 


'hiltll  itl  fAl  «^  I     ^\l^       X»\fl.T\ÍA 


(!^»  71> 


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