This is a digital copy of a book that was preserved for generations on library shelves before it was carefully scanned by Google as part of a project
to make the world's books discoverable online.
It has survived long enough for the copyright to expire and the book to enter the public domain. A public domain book is one that was never subject
to copyright or whose legal copyright term has expired. Whether a book is in the public domain may vary country to country. Public domain books
are our gateways to the past, representing a wealth of history, culture and knowledge that's often difficult to discover.
Marks, notations and other marginalia present in the original volume will appear in this file - a reminder of this book's long journey from the
publisher to a library and finally to you.
Usage guidelines
Google is proud to partner with libraries to digitize public domain materiais and make them widely accessible. Public domain books belong to the
public and we are merely their custodians. Nevertheless, this work is expensive, so in order to keep providing this resource, we have taken steps to
prevent abuse by commercial parties, including placing technical restrictions on automated querying.
We also ask that you:
+ Make non-commercial use of the files We designed Google Book Search for use by individuais, and we request that you use these files for
personal, non-commercial purposes.
+ Refrainfrom automated querying Do not send automated queries of any sort to Google's system: If you are conducting research on machine
translation, optical character recognition or other áreas where access to a large amount of text is helpful, please contact us. We encourage the
use of public domain materiais for these purposes and may be able to help.
+ Maintain attribution The Google "watermark" you see on each file is essential for informing people about this project and helping them find
additional materiais through Google Book Search. Please do not remove it.
+ Keep it legal Whatever your use, remember that you are responsible for ensuring that what you are doing is legal. Do not assume that just
because we believe a book is in the public domain for users in the United States, that the work is also in the public domain for users in other
countries. Whether a book is still in copyright varies from country to country, and we can't offer guidance on whether any specific use of
any specific book is allowed. Please do not assume that a book's appearance in Google Book Search means it can be used in any manner
any where in the world. Copyright infringement liability can be quite severe.
About Google Book Search
Google's mission is to organize the world's Information and to make it universally accessible and useful. Google Book Search helps readers
discover the world's books while helping authors and publishers reach new audiences. You can search through the full text of this book on the web
at|http : //books . google . com/
Esta é uma cópia digital de um livro que foi preservado por gerações em prateleiras de bibliotecas até ser cuidadosamente digitalizado
pelo Google, como parte de um projeto que visa disponibilizar livros do mundo todo na Internet.
O livro sobreviveu tempo suficiente para que os direitos autorais expirassem e ele se tornasse então parte do domínio público. Um livro
de domínio público é aquele que nunca esteve sujeito a direitos autorais ou cujos direitos autorais expiraram. A condição de domínio
público de um livro pode variar de país para país. Os livros de domínio público são as nossas portas de acesso ao passado e representam
uma grande riqueza histórica, cultural e de conhecimentos, normalmente difíceis de serem descobertos.
As marcas, observações e outras notas nas margens do volume original aparecerão neste arquivo um reflexo da longa jornada pela qual
o livro passou: do editor à biblioteca, e finalmente até você.
Diretrizes de uso
O Google se orgulha de realizar parcerias com bibliotecas para digitalizar materiais de domínio público e torná-los amplamente acessíveis.
Os livros de domínio público pertencem ao público, e nós meramente os preservamos. No entanto, esse trabalho é dispendioso; sendo
assim, para continuar a oferecer este recurso, formulamos algumas etapas visando evitar o abuso por partes comerciais, incluindo o
estabelecimento de restrições técnicas nas consultas automatizadas.
Pedimos que você:
• Faça somente uso não comercial dos arquivos.
A Pesquisa de Livros do Google foi projetada para o uso individual, e nós solicitamos que você use estes arquivos para fins
pessoais e não comerciais.
• Evite consultas automatizadas.
Não envie consultas automatizadas de qualquer espécie ao sistema do Google. Se você estiver realizando pesquisas sobre tradução
automática, reconhecimento ótico de caracteres ou outras áreas para as quais o acesso a uma grande quantidade de texto for útil,
entre em contato conosco. Incentivamos o uso de materiais de domínio público para esses fins e talvez possamos ajudar.
• Mantenha a atribuição.
A "marca dágua" que você vê em cada um dos arquivos é essencial para informar as pessoas sobre este projeto e ajudá-las a
encontrar outros materiais através da Pesquisa de Livros do Google. Não a remova.
• Mantenha os padrões legais.
Independentemente do que você usar, tenha em mente que é responsável por garantir que o que está fazendo esteja dentro da lei.
Não presuma que, só porque acreditamos que um livro é de domínio público para os usuários dos Estados Unidos, a obra será de
domínio público para usuários de outros países. A condição dos direitos autorais de um livro varia de país para país, e nós não
podemos oferecer orientação sobre a permissão ou não de determinado uso de um livro em específico. Lembramos que o fato de
o livro aparecer na Pesquisa de Livros do Google não significa que ele pode ser usado de qualquer maneira em qualquer lugar do
mundo. As consequências pela violação de direitos autorais podem ser graves.
Sobre a Pesquisa de Livros do Google
A missão do Google é organizar as informações de todo o mundo e torná-las úteis e acessíveis. A Pesquisa de Livros do Google ajuda
os leitores a descobrir livros do mundo todo ao mesmo tempo em que ajuda os autores e editores a alcançar novos públicos. Você pode
pesquisar o texto integral deste livro na web, em http://books.google.coin/
<r
ÂT A-iv«<a
f^aciíarti (iTollege l,iiirarn
n. í^c^to-n
.7^
SAT^tl/l-l
REVISTA
DO
E
BRAZILEIRO
Fundado no Bio de Janeiro em 1838
TOMO LXIX
I^AnXK .1
Hoo facit» ut longos durent bena rmU par annos
Bk poninfc sarft posteritate frui
RIO DE JANEIRO
1908
REVISTA
DO
nrSTITUTO inSTOEICO e geografhico
REVISTA
DO
IinniTO HISTOBIGO E mMFBIGO
BRAZILEIRO
Fundado no Hio de Janeiro em 1838
TOMO LXIX
PAnXB I
Hoc facit, ut longoi dareat bana gesta per annos
Bi poasint aarft posteritata frui
RIO DE JANEIRO
1908
491
-^-
-SAVatví^a
i:
wim* iUN .'. i»t3
A um m DA MISERmili OO RH) DE JAIEilíO
SB. joil wíMu rÀiimA
No trabalho A Santa Casa da MiseHcoráia Huminense^ Félix
Ferreira dá esse estabelocimento como fundado cm 1545.
No artigo ^o se segao, loavando-se em docameutos existentes
'no aVchivo da^mesni^iinstituicãò'^ erudito Br. 'José Vieira Fazenda
contraria â opinião daquelle ' adioir e prova que o promotor da fun-
dação deial estabelecimento foi o jesuíta José do Anchieta.
Corrige ainda o Dr. Vieira Fazenda o engano quanto á pa-
droeira da Misericórdia, demonstrando que a Senhora do Bom Sue-
cesso não exerceu cjssfi funcção ató 1639.
Encontra-se iúais no mosmo' artigo uma succinta descripção do
tempU e do Hospital Velho.
(Xota da Commissão de lUdacqão),
li Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro
FUNDAÇÃO
Commemora, mais ama tok, a benemérita Irmandade da
Misericórdia a tradicional ítota da Visita^.
Vem, pois, de molde recordar os primórdios e antiguidades
deste santo e humanitário instituto a quem a pobreza enferma,
os orphãose engeitados devem tantos e tão importantes serTiços.
Qnem transpõe o limiar do grandioso hospital da praia de
Santa Luzia, divisa logo, á direita do vestibulo, duas estatuas
colossaes, mandadas fazer pelo grande provedor Josô Clemente
Pereira : a primeira, de Arei Miguel de Contreiras, instituidor
da Misericórdia de Lisboa, e a segunda, do padre jesuíta Josô de
Anchieta, fundador do primitivo hospital da Santa Casa do Rio
de Janeiro.
Dois escriptores, entretanto, que se occuparam desse assum-
pto, pretenderam, em vEo, arrancar de Josó de Anchieta a gloria
de ter, por sua iniciativa, lançado os fundamentos daqaillo que
todos hoje vêm e admiram, gloria authenticada pelos teste-
munhos dos coevos, dos chronistas e incontestável, em face dos
argumentos quo apresentarei.
Na yida do Venerável Padre Jasé de Anchieta^ refore o
padre Simão de Vasconcellos o seguinte : « Por esto tempo e
principio do anno de 158S, aportou á Cidade do Rio de Janeiro a
armada de Diogo Flores Baldez, que constava de dezeseis velas.
Foi esta armada aaquella Cidade oausa de grande temor, mas a
José causa de novas maravilhas. Appareoeu de repente, nAo. es-
perada, defronte da barra, uma légua ao mar, lançando abi fetro.
8 REVISTA DO INSTITUTO lilSTORICO
P«rtarbar!un-ie os moradores ; não tinham noUotas que de
Portogalou d*outra parte hourease. naqueUes mares, numeh) de
Telaa tSo ezceasíTo ao poder da terra.
«Julgaram que eram iaimigaa e cuidara cada qual doa
cidadSo» de oomp haria de pôr em cobro suas ooisas : tudo era
eooftuSo è Mpaoto. A' iVilMo áot demais «oa)o«»TaQi também
08 padres do Collegio a pôr em salvo as coisas sagradas da
Bgr^ía. Porém José, com o seu alto espirito, fez sooegar a todos '
adisse ; ninguém se pertube, aquella armada n&o 6 inimiga e
olhando do alto de uma janella, donde se descobria, aocrescentou :
antes, aquellas náos vos tmum um homem, grande offloial de
carpinteiro, que ha de entrar em nossa Companhia e nella ha de
fluer grandes serviços & ReiigiSo e grande aogmento nas vir"
tades.
«Aodicto do Joíô. doou em sooogo a Cidade, todos espe.
íaTMB ooeasiSo o souberam que era armada castelhana, de três
Biu&eepaohoes, «omque el-rel Dom Philíppe 11 mandava asse '
f«»r o estreito d« MagalhSes e vinha por general delia Diogo
noras Baldes, homem de grandes parteí. Poi reeeblda com
«g^l atogílft ú. grande pertobaolo passada e veie lan«ar ferro
no porto ordinário cora paz e amigável eonfraternldade.
« Aqui se Tio o grande espirito de caridade de José. Trazia
«*a annada nuOloM át^tta* « ntce*»itado* da demora « eontratUis
d* longa viagam, deu trata eomque $e lh$t oeHgnatassê eua dê
àospital, ,«* aUenUonao havia naquella cidade, a esta fez trazer
os do«ites e d»$Un»m os Religiosos para servit-os e assistir ás
•oasouras com olrurglio, medico e toJo o necessário com grande
a«pe» do CoUeglo j e para oí sSos pobres e necessitados man-
dara dar todos os dias. na portaria, ama arroba de carne ou
9Mn. «om toda a ferinha nMesaarta par-x qaantos viwsem e
andava o mesmo padra volante pelas casas dos que necessitavam
e nso podiam vir á portaria e lhes tirava esmolas particulares.
ooosiUndocom as suas palavras a todos e;n terra estranha. »
Bsi sea Samluario Uai-immo, refere também ft»i Ages-
tinho de tanta Maria: « Pelos aanos de 1588 se entende («w
prhMpw» Om» d» lOnrUordim do Rio do Janeiro OM poucos
aMosantesj porque neste anno chegou iquelle porto uma ar-
BUdade Castella, que e<«stava de dasesels nAus que iam três
A SANTA.CASA DA MISERICÓRDIA 9
mil hespaalioes mandados por Phllippe II de Hespanha e I de
Portagal assegurar o estreito de Magalhães, de que era general
Diogo Flores Baldez. Com os temporaes padeceu esta armada
muitOf porque lhe adoe3eu muita gente e assim chegou ao Rio
de Janeiro bem necessitados de remédio e de agasalho.
€ Achava^se naqueila cidaule o venerável padre Josó de An-
chieta visitando o GoUegío, que alli tem a Companhia fundado,
no anno do 1567. Como o venerável padre José de Anchieta
era Varão Santo levado da Caridade, tomou muito por sua
conta a cura e o remédio de todos aquelies enfermos, dando
traça como se lhes assignasse unta casa em que pudessem ser
curados todos e assistidos ; para o que destinou alguos Reli-
giosos e assistindo tambcm ello aos mais com as medicinas,
medico e cirurgião.
€Çom esta occasião teve principio o Hospital da Cidade de S, Se»
bastião do Rio de Janeiro^ entendendo muitos que ontSLo tivera prin-
cipio a Santa Casa da Misericórdia que hoje ô nobilíssima. Nesse
tempo como dizem os Irmãos daquella Santa Casa novamente
erecta tomaram por sua conta acudir também ao hospital, o que
fizeram com grande caridade e o foram aagmentando no mate-
rial oom tanta grandeza e tâo perfeitas enfermarias, como hoje
se vôm, aondo se curam os enformes de um e outro sexo com
eximia caridade.»
Quanto á armada de Diogo Piores, refere frei Vicente do
Salvador: «Foi este nomeado pelo Rei General delia, para piloto
mór Antâò Paulo Corso e Pedro Sarmento g>vernador dos fortes
e povoações. Sahio a referida armada do S. Lucas em 2o de se-
tembro de 1581, com tfto mio tempo que depois de três dias ar*
ribou com tormenta ú, bahia de Cadiz oom perda do três navios,
havendo se afogado a maior parte da gente e tão destroçada
que para repararem se deteve mais de 40 dias* Tornou a sahir
com deeesete navios e chegou ao Rio de Janeiro onde invernou
seis mezes; « porque ainda que chegou a 25 de março, que em
Hespanha é a primavera, em estes portqs é o principio do hin-
verno, em que se não se pôde navegar para o Estreito. . . e pa*
recendo que já era tempo para navegar sahiram da barra do Rio
a 2 de otttabro com dezaseis navios, deixando um por
inutil.>
10 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Tomando a derrota do Estreito, chegou a armada ao Rio da
Prata, onde se levantou um temporal. A esquadra esteve 22
dias, mar em travos, sem poder pôr um palmo de vela. Em 2 de
dezembro Diogo Flores, amainado o vento, voltou buscando
porto para reparar avarias. Foi a Santa Gatharina e alli a cabo
de 22 dias deixa três naus com ordem de voltarem ao Rio do Ja-
neiro e deu outras três a Equinon, que ia por governador do
Chile para levar a sua gente pelo rio da Prata ao porto de
Buenos Aires. Em 6 de janeiro de 1583 tornou a Yoltar do Es-
treito. Lék foi de novo a armada assaltada por terrível borrasca.
Pondo de parte minúcias, Diogo Flores retrocedeu desani-
mado, chegou a S. Vicente e passou ao Rio de Janeiro onde en-
controu D. Diogo do Azega que, por mandado do rei, vinha soo-
correr o mesmo Baidez, etc. Desta segunda vez, ó de crer, re-
cebeu ainda o general de Anchieta e dos Irmãos da Misericórdia
todos 08 bons officios de caridade.
Que o general hespanhol se mostrou sempre grato a An«
chieta prova o seguinte facto, narrado por seu biographo, o
padre Pedro Rodrigues. Ello Baidez, tratou muito famili-
armente com o padre José, que entoo era Provincial^ e o ia
buscar muitas vezes em pessoa ao collegio e alcançou muito de
sua virtude. Mandou o padre José ao padre João Baptista fosse
pedirão general D. Diogo Flores desse liberdade a um inglez
que ahi prendera. Não tomou bem a petição e mostrou-se
bem agastado e ezcusou-se de o fazer. O padre so desculpou, di-
zendo que seu superior o padre José mandava falar na-
quelle negocio . Ouvindo o goneral falar no padre Josó, manso
G mudado acudio dizondo: « Solto-se logo e fuça-so assim como o
padre José manda ; porque nunca Dp.us queira que eu deixe do
fazer o que elle mo man*lar ; poi^que a primeira' vez que o vi
nunca coisa mas abjecta c desprosivel so me representou, porém
depois olhando bom para elle nunca em pressnça de alguma ma-
gestade me senti muis apoucado do que dcanto delio.»
Em 1577, foi Anchieta eleito Provincial, cargo que occupou
até 1588, em que o substituiu o padre Marçal Belliarte. Segundo
Simão do Vasconcellos, em 1578, o Provincial visitou a Capitania
de Pernambuco (visita a respeito da qual faltam relações). Nesse
mesmo anno, partiu para o Rio de Janeiro e daqui para
A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA U
S. Vicente, onde estava a 4 de agosto. Em 82 e 83, estava no
Rio de Janeiro, onde, graças ao prestigio do seu cargo e suas
essenciaes virtudes, poade instituir o velho Hospital -da Miseri-
córdia. Em 5 das kalendas de janeiro de 84, já se achava na
Bahia, conforme prova a carta, esoripta em latim no volume
19<» dos Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro,
pag. 64.
Daí Narrativa jET/H^/o/ar do padre Fernão Cardim se concluo
que Anchieta, na qualidade ainda de Provincial, acompanhou
na vista da província o padre visitador Christovâo de Gouvôa,
nomeado pelo padre geral Cláudio de Aquaviva.
Em 20 de dezembro de 1584 chegou ao Rio de Janeiro.
Aqui passou o Natal, e, em uma das oitavas deste, assiste à
festa em honra do padroeiro da cidade, o martyr S. Sebastião,
e ao auto celebrado d porta da Misericórdia, onde se armou um
iheatro com uma tolda de uma vela .
AUI, o padre Cardim, por ser a egreja dosjesuitas pequena,
fez sermão sobre os milagres do santo acima e as mercês que o
martyr de Narbona havia feito á sua cidade.
Nesse tempo, poude o venerando jesuíta vôr que a semente
lançada em terra havia se transformado em frondosa arvore, a
cuja sombra já se acolhiam muitos iafellzes. Foi sob a im«
pressão de tio agradáveis resultados, tendo a Misericórdia um
hospital e egreja própria, que na primeira Informação aqui es-
cripta, segundo Gapistrano de Abreu, em 31 de dezembro 1584,
o santo varão escreveu: c Em todas as capitanias ha casas do
Misericórdia, que servena de hospitaes, edificadas e sustentadas
pelos moradores da terra, com muita devoção, em que se dão
muitas esmolas, assim em vida como em morte, o se casam
muitas orphãs, curam os enfermos do toda a sorte e fazem
outras obras pias, conformo o seu instituto o a possibilidade do
cada u.7ia e anda o regimento delias nas principaes da terra.»
Em vista do exposto, como recusar ao venerável padre José
de Anchieta o papel de fundador do Hospital da Misericórdia ?
Como pretender recuar a época da instituição da Confraria ao
anno de 1545 ?
Contra tal anachronismo, provarei, protesta a verdade da
historia.
12 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Em minha humilde opinião, foi ainda Anehieta quem obteve
de seu amigo, o primeiro prelado eoolesiagtioo, o padre
Bartholomen Simões Pereira, a proviaio de 1 de julho de 1691,
pela qual a Irmandade da Miserioordia flcoa isenta da Jurii*
dleção parochial.
Em princípios do século XYII, a administração da Miseri-
oordia dirigiu á metrópole o seguinte requerimento: «Dizem
o Provedor e Irmãos da Santa Casa da MiseriooiHiia da cidade
de 8. Sebastião, partes do Brazil, quo ha sê$senta annos que
tem feito ea$a com o seu hospital para enfermos, sacristia, par-
latorio o é uma das boas da Costa e a algumas faz vantagem
notável com sempre ter sua irmandade guardado o compro*
misso, fazendo muitas esmolas, casando orphãs e dando ordi-
nárias, todos os sabbados conforma a possibilidado da terra.
B, porquanto, ató agora não tem pro^sões para ser Misericórdia
pede a Vossa Magestade lho mande passar provitão para que
aquella casa possa gozar de todos os privilégios o graças,
honras e liberdades que tem e gozão as Casas desta cidade
de Lisboa e a da vília de Setúbal e as mais do Reino.»
Philippe III de Hespanha e II de Portugal deu ao reque-
rimento o seguinte despacho: < £u El^Rei faço saber aos que este
Alvará virem que havendo respeito ao que na petição atrás
escripta dizem o Provedor e Irmãos da Santa Miserioordia da
cidade do Rio de Janeiro, partes do Firazil e vistas as oausas
que allegam, Hei por bem e Me praz que elles possam gozar
e usar do todos as provisões e privilégios concedidos á Casa
da Misericórdia desta cidade de Lisboa e isto naquellas coisas
em que se lhes poderem applicar e ás justiças a que este Al-
vará fôr mostrado e o conhecimento pertencer o cumpram
como nelio se contém, o qual Hei por bem que valha como oarta
sem embargo da Ordenação do segundo livro titulo quarenta
em contrario. João Feo o fez em Lisboa oito de outubro de mil
seiscentos e cinco e Duarte Corrêa o fez escrever.»
Estes dois documentos, aliás de incontestável authentieidade,
pois que, no segundo delles, está armada a asaignatura
A 8ANTA CASA DA MISERICÓRDIA 13
âulograplifb do ReJ« iôtit servido para 06 pretender sustentar
(|U6 a nossa Misericórdia data do anno de 1545. Já monsenhor
Piaarro e Duarte Nanes protestavam, oomo adeante se verá,
quanto i veracidade dos seuenta annos^ contraria aos factos
h sietioos.
No dia 8 de julho do 1880, appareceu no Jornal do Com-
merciú erudito e curioso artigo, depois reduzido a opúsculo e
firmado por F. S. Soube-se depois que o seu autor era o
emérito b dedicado ohefe da secretaria da Misericórdia, Fran-
cisco Augusto de S&, ctgo nome jamais será esquecido por todos
qaantoe trataram com tão distincto cavalheiro e exemplar f unc-
etonario.
Compulsando os livros do Arohivo da benemérita instituído
e lendo no chamado livro dos Privilegias os documentos acima
copiados, aventou com toda a convicção o conceito de que José
de Anchieta nao íôra o fundador do primitivo hospital. Rssa
oplttlfto foi, com maior desenvolvimento, seguida também de
perto pelo operoso autor (Feiix Ferreira) da Noticia Histó-
rica— A Santa Casa da Misericórdia Huminense-^Fundada no
Século X 7 — {i894 — 1898) .
As raeões de um e outro desses dois escriptores não podem
satisfazer a quem conhecer um pouco a historia da descoberta
do Rio de Janeiro e fundação desta cidade. Por ora, aualy-
sarei o que escreveu Francisco de Sá, cuja argumentação não
pôde resistir aos mais simples commentarios. Tomando o texto
do JSawÀuario Mariano :
€ Fiea este (Hospital) situado dos muros a dentro daquella ct-
dade e junto á Casa da Misericórdia^ diz o referido escriptor de
1880 : <De firme propósito para esclarecer o ponto duvidoso
sobre a data da fundação da Santa Casa da Misericórdia do Rio
Janeiro copiamos textualmente o ultimo periodo da nota extra-
hidado Sanotuario Mariano, que diz fica este (o hospital creado
pelo Venerável Anchieta) situado dos muros a dentro daquella
cidade e junto á Casa da Misericórdia. Do que citamos, se de-
prebende que, quando o Padre Anchieta croou o seu hospital,
Já a Santa Casa existia.»
Frei Agostinho de Santa Maria, autor do Sancluario, — es-
creveu o seu volume X, de conformidade com a relação que daqui
14 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
lhe foi enviada pelo fi*aiici8cano Frei Miguel de S. Francisco e
quando ella asseverava que o hospital estava situado junto da
Santa Casa^ dizia uma verdade. Frei Agostinho escreveu aquelle
volume em 1713 e, nesse tempo, com toda a certeza, o hospital
estava Junto da Egrc^a, em cujo adro, como se refere Fern&o
Gardim, em 1585, se representou o auto de S. Sebastifto.
Quando, pois. Santa Maria se refere á sltuaçSo do hospital,
trata da actualidade (1713) e, por não algum, pretendeu sus-,
tentar que, quando o venerável Jesuíta oreou o seu hospital, J&
o da Santa Casa existia. A Egreja, como mais tarde provarei,
foi edificada pelo mesmo tempo mais ou menos que o hospital.
« Nao procedem também, continua F. de Sá, as razões apre-
sentadas pelos citados historiadores, de quo a capitania de São
Vicente, povoada pelos portuguezes muito antes que a do Rio
de Janeiro, só principiou a ter Casa da Misericórdia no anno de
1643 e que era impossível se fundasse outra no Rio de Janeiro
antes de se estabelecer e povoar a cidade ; porquanto o padre
Nóbrega dirigindo-se ao cardeal D. Henrique, por carta de 1 do
julho de 1564, disse : « Esta Capitania (de S.Vicente) se tem por
a melhor coisa do Brazil, depois do Rio do Janeiro.»
Em primeiro logar, o autor da missiva não se refere a São
Vicente mas positivamente ao Espirito Santo, capitania de
Vasco Fernandes Coutinho, e trata de condições topographicas
inferiores ás do Rio. Demais, nessa mesma carta se encontra o
período seguinte, que bem serve para provar não haver, por esse
tempo, Ducleo algum de população na nossa bahia, aliás conhe*
cidae desde os primeiros tempos visitada por vários viajantes,
por Martim Affonso, Thomé de Souza, etc.
Eis o trecho : € Parece muito necessário povoar^se o Rio de
Janeiro e fazer-se nelle outra cidade como a da BalUa, porque
com ella ficará tudo guardado, assim esta capitania de S. Vi-
cente (de onde foi escripta a carta) como a do Espirito Santo,
que agora estão bem fracas, e os Franceses lançados de todo Í5ra
e os índios se poderem melhor sujeitar e para isso ó mandar
fnais moradores que soldados, >
Apoia-se também o articulista na carta escripta na Bahia,
por Anchieta, em 9 de Julho de 1565, cujas primeiras palavras
são : € De S. Vicente so escreveu largamente o que aconteceu á
A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA 15
Armada desta Cidade do Salrador que foi povoar o Rio de Ja-
neiro este anno passado de 1564. > Exactamente, porém, nesta
longa misslTa dirigida ao Dr. Diogo Mii^o, corroborada em ra*
rios pontos peia do paire Quiricio Qaaxa, enviado ao mesmo
Dr« Mirfto ( 13 de julho de 65), não se encontra ama palavra
que nEo seja a da necessidade do povoamento do Rio de Janeirof
até então entregue ao commercio dos Franceses.
Quando Thomó de Souza resolveu ( 1552 ) visitar as Gapi«
tanias do Sul, dizia, escrevendo ao Rei com relaçSo ao Rio de
Janeiro, por elle Tliomé visitado:
€ Parece-me que Vossa Alteza deve mandar /nzer aUi uma
povoação honrada e boa ; porque jék nesta costa não ha rio em
que entrem Francezes senão neste. E tiram delle muita pimenta
e M sabedor que um anno tiraram cincoenta pipas ; e tirarão
quantas quiserem, porque os mattos a dão da qualidade destas
de cà, de que Vossa Alteza deve ter informação. £ escusar-se-hia
com esta povoação armada nesta costa . E não ponha Vossa Alteza
isso em traspasso.
«...E so eu não fiz fortaleza esto anno no dito rio, como
Vossa Alteza me escrevia, foi porque o não pude fazer por ter
pouca gente o não me parecer siso derramar-mo por t&ntas
partes. »
Quando em 1560, derrotados os flrancezes por Mem de Sà,
opinaram alguns chefes da expedição deixar forte guarnição na
ilha de Coligay conquistada, para impedir a volta dos inimigos,
hypotheso que se realizou, preponderou o voto de não ser oon<
veniente a divisão das forças. Nessa conformidade, ordenou Mem
de SÀ fosse totalmente arrazado o forte o recolhidos aos navios
portuguezos toda a artilharia tomada e grande quantidade do
despojos.
Desta vez ainda não foi realizado o povoamento do Rio de
Janeiro, do qual se apoderaram de novo os Francezes até 1507.
Pela attenta leitura da obra de Hans Staden se conclue: a
principio muitos navios portuguezes traficavam com os indi-
geoas, cm boa companhia com os navios francezes e a bordo
destes últimos, apezar das penas severas em que incorriam, vi-
nham engajados marinheiros portuguezes. Admitto por hy-
pothese que um ou outro ficasse entro os selvagens ou vivesse
16 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
om harmonia com os franoezes, póde-se admiUir formassem
tacs elementos dispersos núcleo ou agremiação que se pare-
cesse com a Irmandade da Misericórdia ?
Logo, a asserção de existir aqui jà em 1515 a Santa Casa,
carece de todo o fundamento. Esse idéa tem tomado yulto e até
sem grande critério tal data tem sido reproduzida em diversas
publicaç9es-*entre outras o mui conhecido Âlmanack de La-
emmert.
Demais, em nenhum dos trabalhos publicados de 1880 até
hoje se encontra o menor vestígio que patrocino semelhante
absurdo histórico.
De tudo, pois, se podo concluir: os sessenta annos citados no
requerimento referido são ou um ft*ucto de oxaggeração ( ante^
lapso de memoria ) ou podem ser explicados também por ma-
neii*a mais próxima da verdade.
Isto procurarei analysar, quando tratar das opiniões
de Félix Ferreira, que no seu trabalho, aliás de muito mereci-
mento, insiste pela certeza da data 1545 !
Com a epigraphe : Quando^ como e por quem foi fundada a
cidade do Rio de Janeiro^ escreveu, no Jornal do Commercio de
31 de julho de 1802, Félix Ferreira extenso e curioso artigo sobre
os primeiros tempos de nossa historia.
Segundo este escriptor, só a Gonçalo Ck>elho, chefe da ex-
pedição enviada ao Brazil por D. Manoel, em 1503, cabo a gloria
daquillo que foi realizado, em 1565» pop Estacio do Sá.
A povoação, no dizer do articulista, fundada por Gonçalo, na
Praia, hoje da Saudade, esteve sob as vistas do chefe da ex-
pediçãOy durante dois annos. Ia ella om via do florescimento,
atô que foi atacada pelos selvagens que trucidaram todos os
habitantes, inclusive dois frades Arrabidos.
Para tal fim, sem maior exame localiza Félix Porreira, no
Rio de Janoiro, um faeto narrado por Frei António da Piedado,
na Chronica do Arrábida e repetido por JaboaLão no sen Orbe
Seraphico^
A SANTA CASA DA MISBRIGORDIA 17
Ora, ezaotamente esses dois chronistas mencionam
aooutecimenio como ocoorrido em 1503, em Porto Seguro.
Conforme, porém, % opinião de Capistrano de Abreu, os Arra-
bidos (Franciscanos) Yieram noa primeiros tempos duas vezes ao
Brazil: uma, em 1503, á Parahyba do Norte e a outra, em 1551,
a Porto Seguro. Quanto aos Religiosos Franciscanos, só che-
garam ao Rio de Janeiro em 1592, quando, pela segunda vez,
governara Salvador (Corrêa de Sá, sobrinho de Mem de Sá. A
ezplicacSo de Capistrano de Abreu foi dada em uma nota ás
Informações e fragmentos Históricos do Padre José Anchieta^ pa«
blicados em 1886, na Imprensa Nacional.
Por ahi já se deixa ver o modo superficial por que o histo-
riographo, encarregado pela Santa Casa de escrever a Memoria
Histórica, pretendeu explicar os primórdios da antiga e piedosa
institui^. B porque, segundo informa Frei Agostinho de Santa
Maria, a egreja da Misericórdia teve a principio a invocação de
Noesa Senhora da Copacabana, Feliz Ferreira, suggestionado
sempre pelo seu enthusiasmo para com o chefe da expedi^ de
1503, condue o capitulo da íúndagSo da Santa Casa do modo
seguinte: c Ora, si essa invoca^^o (Copacabana), se desligou da
Santa Casa, náo desappareoeu das cercanias onde Qonçalo Coelho
primeiramente e depois delle Mem de Sã ! (sio) lançaram os fun*
damentos da extincta VUla Velha. Copacabana persiste náo s6
no aetual bairro que se está desenvolvendo tfto promettedora-
mente, oomo na secular capellinha alli levantada onde se
venera a Senhora cqja imagem seria talvez erecta como succes-
sora da primitiva Padroeira da nossa Misericórdia.»
A fundação da capella de Copacabana, na antiga praia de
Sacopenapan, obedeceu talvez a outras razões e nada tem com
Gonçalo Coelho, em cujo tempo, com toda a certeza, não se cogi*
tava de Misericórdia, no Rio de Janeiro. A ermida supra assim
como foi fundada alli poderia ter sido estabelecida em outra qual-
quer praia das redondezas desta cidade.
No intuito de sustentar a verdade da data de 1645 para a
Amda(^ da Santa Casa, guiando-sa pelo anno de 1605, exarado
no despaoho régio, exclama com toda a convicção o chronista
da Santa Casa: < B tanto isto é verdade que nas primeiras cartas
dirigidas á metrópole por três vexes sncoessivas se sustenta que
4&i^f^ Tomo lxzx ?• i*
18 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
a Casa FiumiaoQâo contava nessa époea sessenta annos de oxis-
tencia, o que equivale a coliocar ( o grypho é meu ) s%m fundação
efitre os annos i5 Í5 a Í548, isto é, justamenie gitando a incipiente
cidade ainda se achaca na Villa Velha, onde Estado de Sd (sio),
. concentrava as suas farças e fazia o centro de suas sortidas
contra ílrancezes e tamoyos.>
Além de, na nota da pagina 120, Feliz Ferreira nSo citar
as datas de taes despachos, adultera o chronista, por modo im-
perdoável, a verdade dos factos. Onde foi elle descobrir que em
1545 a 1548 Estacio, em Villa Vellia, fazia desta centro do ope-
rações ? 03 francezes de Villegaignon s6 vieram ao Rio de Ja-
neiro em 1555, quasi dex annos depois. Demais, é hoje sabido :
Bstacio de Sá veia pela primeira vez ao Rio de Janeiro em 1560,
em companhia de seu tio Mem de Sá, quando este terceiro Gover-
nador Qeral desalojou os francezes, sob a chefia de Bois Le
Comte, sobrinho de Villegaignon, que partira para a França.
Em 1545, Estacio era seguramente menino. Ainda ha
poucos dias, deu-me conhecimento desse facto o illustro pro-
fessor Capistrano de Abreu, dizendo-me que o sobrinho de Mem
de Sá falleoera com 24 annos de cdade em 1567 ; porque, con-
forme uma carta oncontrada, por elle, Capistrano, na Biblio-
theoa Nacional, soube que Estacio tinha de edade 17 annos,
quando veio ao Brazil.
Para evidenciar o pouco cuidado com que Félix Ferreira
escreveu a introducção da sua Noticia Histórica e pôr do sobre-
aviso o leitor contra o que aquelle sustenta, basta citar o se-
guinte facto por si eloquente : O despacho do rei, em data de 8
de outubro de 1605, n3u> podia ser firmado por Felippe II de Hes-
panha e I do Portugal, mas sim pelo filho, Felippe III de Hes-
panho e II do Portugal, que reinou de 1598 a 1621 . No entre-
tanto, Félix Ferreira, em vários pontos da Noticia Histórica^
assignala sempre o nome do primeiro daquelles monarchas» faUe-
eido em 17 de setembro de 1598.
Feitos estes reparos, cumpre entrar em matéria.
Procurando combater a opinião de monsenhor Pizarro, é,
a meu vêr, injusto o autor da Noticia Histórica A Santa Casa
Fluminense. Com muito critério, o autor das Memorias Histó-
ricas do Rio de Janeiro {Píiaxro)^ pondo em duvida o$ sessenta
A SilNTA CASA DA MISERICÓRDIA 19
annos da petição^ disse: cnSo era a Misericórdia tão antiga, como
quizoram afflrmar o Provedor e Irmãos delia, na sapplioa, de
que resultou a Provisão de 8 de outubro de 1605, alli conser-
vada>. . .« Si 03 impetrantes pretenderam, sem fundamento, de-
duzir a origem dessa casa da era de 1556, em que no Rio de
Janeiro se estabeleceram os primeiros francezes, não podiam
chegar os annos a mais de 49 ; e, si contaram desde a fundação
da cidade, eram passados apenas 38 annos, segundo a data da
provisão sobredita.»
Fazendo referencias á Misericórdia de Santos, ainda muito
bem escreveu Pizarro : € Si aquella Capitania de S. Vicente,
povoada pelos portuguezes, muito antes que a do Rio de Janeiro,
principiou a ter Casa de Misericórdia, no anno de 1543, como
seria possível que se fundasse outra similhante aqui, antes de se
estabelecer e povoar a cidade ?>
Já o mesmo reparo fizera antes o Tenente de Bombeiros An-
tónio Duarte Nunes^-no seu Almanach Histórico da Cidade de São
Sebastião do Rio de Janeiro^ manuscripto (anno de 1799) ofTer^cidO
ao Instituto Histórico e Qeographico Brasileiro por Josó Pedro
Werneck Ribeiro de Aguilar e em 1858 impresso no Volume 21
da Revista do mesmo Instituto. < Sem embargo, diz Duarte
Nunes, do não corresponder a datado dito alvará (8 de outubro
de 1605) á do cumpra-se que teve nesta cidade, comtudo devo
suppôr engano (os gryphos são meus) de quem o lavrou ; porque,
computando a era da fundação da cidade em 1567, com a do —
cumpra-se — do alvará de 1630, vem-se a conhecer que são (com
pouca differença) os sessenta annos da posse que allegam no re*
querimento e daqui infiro que a crea^ desta casa principiou
logo depois da fundação da Cidade^ em 1568 ou 1569, porque a
differença que ha seria a demora que teve o requerimento em
ir a Lisboa e voltar.»
Para combater a prioridade do venerável padre Josô de
Anchieta na fundação do primitivo Hospital de Misericórdia e
pôr em duvida a opinião de Pizarro, baseada nas de frei Agos-
tinho de Santa Maria e padre Simão de Vasconcellos, estabelece
Folix Ferreira hypotheses que não provou.
Ora diz que o Hospital de Anchieta era differente do que
a Irmandade da Misericórdia estava construindo (1582); ora
80 REVISTA DO INSTITUTO HIST(MIIG0
qao O Jesuíta ià assignal&u oom a nada mais ; ora qne uma casa
pari^ agasalhar tão grande namero de doentes, oomo trazia a
osquadra de Baldez, nSo se improvisa de momento, tSo pouco
se encontra de um dia para outro em uma cidade nascente,
como era então a nossa, que* transferida da Villa Velha fsio),
na Praia Vermelha (sic), para o morro do S. Januário ou do
GastellQ* como passou posteriormente a denominarse, «não
poderia em quinxe annos, de 15Ô7 a 1582, ter casa particular
capaz de servir tão promptamente de hospital».
As considerações que se seguem apoiam os argumentos
que tenho apresentado para Justificar os enganos em que
incorreu o pperoso Sr, Feliz Ferreira. Todas as vezes que eram
fundadas villas e cidades nos domínios portuguezes, institoia-se
Jogo 1^ Santa Casa de Misericórdia, isto é, a Irmandade ou
Corpora^o com os fins humanitários estatuídos no oompn>«
misso da Misericórdia de Lisboa, (ormulados por Frei Miguel
de Contreiras, Os encarregados da governação, os membros
dos Concelhos e os homens bons davam-se as mãos para auxiliar
tão santo instituto.
Foi o que aconteceu aqui, conforme se deprehende das
palavras de Gabriel Soares de Souza, quando se refere ã par-
tida de Mem de Sã em 15Ô8, depois de ter permanecido no Rio
de Janeiro perto de anno e meio.
Estabelecida a agremiação, tratavam os membros delia de
construir a casa ou templo onde podessem celebrar actos re-
ligiosos. Quando não era isso possível, por falta de recursos,
recorriam os Irmãos da Misericórdia a templos, capellas ou
ermidas alheias.
Ainda tal facto se deu, entre nós: os Jesuítas construíram
logo no alto do monte a sua capella de pàu a pique (Annaes
da Bibliotheca Nac. Vol. 19). Alli se celebravam as cere-
monias do culto offlciaes. Os Jesuítas eram então, exclusiva-
mente até nomeação do P vigário Matheus Nunes, os únicos
curas d*alma. Salvador Corroa resolveu levantar um templo a
S. Sebastião, no morro. As obras pararam com a partida desse
lo Governador, continuaram depois no seu segundo governo e
só ficaram terminadas em 1583. Nesse anuo, foram para alli
trasladados da Cidade Velha os restos de Estado de Sã, que,
A SANf A CASA DA MISBRIGORDIA 21
desde 1567, repousavam na capella sita na várzea janto ao hoje
morro de S. João*
Não é crível qae os Irmãos da Misericórdia, tendo á miú) a
pequena egreja dos Jesuítas, atravessassem o mar para ouvir
missas, ir á desobriga, etc, na vellia ermida de que Í6ra juix
Francisco Velho.
Até então não haviam os confrades da Misericórdia podido
construir o hospital e egreja própria. Ha um acontecimento
extraordinário— a chegada de Baldez e entiío o Venerável Josô
de Anchieta estabelece o Hospital de que a Irmandade tomou
conta.
Dado o impulso, faltava a egr^a e esta foi levantada em
seguida a 1582 ; serve de prova o testamento de Diogo Martins
Mourão ; de sorte que já existia em 1585, quando por aqui
passou Fernão Cardim. Era tão pequena como a dos Jesuítas,
pois o auto de S. Sebastião e a prégagão foram Mtos em um
tablado e em plena rua não longe da praia.
Tudo isso ó possível e pôde ser provado com factos
análogos que occorrem nos magistraes trabalhos de Gosta
Oodolphim — As Mis&ricêrdias ; de Victor Ribeiro — A Santa
Casa de Misericórdia de Lisboa; de Arthur Vianna — A Miséria
cordia do Pard^ etc, etc.
£ os ses&enta annos, dirá o leitor ? Ou a rubrica do rei na
Provisão de 1605 é mesmo de Felippe III, de Hespanha, ou de
seu filho e sucoessor. No prim^ro caso* a explicação será ama«
e, no segundo, outra muito mais evidente e segura*
E* problema que vou estudar, tendo em mira as pálavraá
de Duarte Nunes.
Obedecendo sempre ã mã orientação escolhida, contintia
Félix Ferreira: « Destruída a aldeia de Gonçalo Coelho pelos in-
dómitos selvagens, logo que o navegador se ausentou e seguiu
no cumprimento de sua missão em busca do caminho de Malaca,
antes de um quarto de século aqui vinha Martim Afbnso abri*
gar-se na enseada, que por muito tempo lhe conservou o nome
22 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
onde, segando nos informa o irmão Pêro Lopes de Souza, fez
constrair dous bergantins de (][uinze bancoa cada um.
« Meio século depois da primeira fundação^ ó que Mem de Sá
tentou a segunda na Praia Vermelha (sio), onde se acastelou
posteriormente (sic) Estacio de Sá. com sua gente para dar repe-
tidos combates aos ft*ancezcs atô conseguir, afinal, a victoria de
1564 (sio), seguida da transferencia da povoação e fundação
offlcial da cidade.»
Pretende em seguida o chronista da Misericórdia « que de
todos esses ephemeros povoamentos^ incluindo o da ilha de Ville-
gagnorij iam ficando residuos em torno da hahia^ de forma que
antes do melado do século XVI a população, ainda que muito
disseminada, jã era saffictente para formação de uma nova ca-
pitania »•
AUade a algumas sesmarias concedidas pelo donatário
Martim Affonso e seus loco-tenentes e entro as quaes a da ilha
Grande, dada ao dezembargador Manoel da Fonseca. Não cita,
porém, nenhuma delias no interior da bahia do Rio de Janeiro.
Fala na aldeia de S. Lourenço, concedida muito mais tarde ao
Ararigboia, bem como na zona de Itaóca e na sesmaria de Garcia
Ayi^es, em Marapicú, coisas que nada tôm com o assumpto.
< A' vista desta rápida resenha, prosegue, e não seria difllcil
addicionar muitos outros exemplos (porque não o fez ?) de aldeia-
mentos e povoados , prosegue o autor da Memoria, comprehende-
se perfeitamente que, muito antes da fundação offlcial da cidade
do Rio de Janeiro era relativamente bastante considerável (?) a
população fluminense por aquelles tempos e a ponto de rivalisar
com a do S. Vicente. »
Cita em seu apoio a carta de Manoel da Nóbrega, a qual já
provei se referia ao Espirito Santo e não a S. Vicente. « Si em
1560 o padre Manoel da Nóbrega considerava a capitania de
S. Vicente (sic) depois do Rio de Janeiro, isto ô, ioferior, como>
nãoadmittirque, quinze annos antes, pelo menos, não estivessem
ambas no mesmo pè de igualdade e por conseguinte pudessem
ambas ter a sua Irmandade da Misericórdia ?. . . Tendo-se fun-
dado a Misericórdia de Santos em 1543, não poderia fundar-se a
de S. Sebastião em 1545 ? E' bem possível, atô mesmo por $%mples
imitação, 1^
A SANTA CASA DA AÍISBRICORDIA 23
Mas easa imitação, observarei, só poderia ser realizada*
pelo menos, vinte annos depois, isto é, em 1565, quando Estado
de Sá, com seus 180 companheiros, por ordem régia, lançou os
alicerces da cidade de S. Sebastião junto ao morro Cara de
Cão.
Para combater à opinião de monsenhor Pizarro a propósito
de Braz Cubas, ítmdador da Misericórdia de Santos (1543), men*
ciona ainda Félix Ferreira um documento que fornece armas
exactamente contra suas opiniões anteriores. Esse documento,
também citado por Azevedo Marques, ó do teor seguinte:
« D. Jeronymo de Athayde, conde de Athouguia, do Con-
selho de Sua Magestade, capitão general do Estado do Brazil,
etc. Faço saber aos que esta previsão virem que os Irmãos da
Misericórdia da Viila de Santos, capitania de S. Vicente, me
representaram por sua petição que por não haver na dita villa
casa separada da Mixericordia celebravam seus offieios divinos na
Matriz e por ser grande a necessidade que aUi ha de hospital,
por ser o posto por onde frequenta o commercio de toda a ca-
pitania, haviam resolvido fazer casa de Misericórdia e hospital,
mas que por serem todos elles pobres, não podiam concorrer
com as despezas necessárias para aquellas obras, por cujo re-
speito me pediam lhes fizesse mercê em nome de Sua Magestade,
que Deus Guarde, conceder para as ditas obras o dinheiro que
existe em deposito naquella capitania do pedido que se fez por
ordem deste governo e tendo em consideração a informação,
que sobre este particular deu o procurador da Faztnda Real
deste Estado e constar da certidão da mesma capitania, não
haver nella mais do que 300$ em deposito, hei por bem de lhe
conceder de esmola, em nomo de Sua Magestade, 100$ para
as referidas obras, os quaes se despenderão com assistência
do procurador da Fazenda e com mandado em forma que se
passará em virtude desta provisão. Dada na cidade do Sal-
vador da Bahia de Todos os Santos em 3 de outubro de 1654.»
Pois si em -Santos as coisas se passavam desse modo, como
admittlr em 1545 melhores condições para a Misericórdia do Rio
Janeiro ? Havia também aqui, desde os principies da cidade, a
corporação beneficente pouco numerosa dando esmolas e
levando a caridade a dojpicilios d2^ n^cente povoação.
24 RBVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
ApreteDta-se, repetirei, oocasião extraordinária, a chegada da
esquadra de Diogo Piores Baldez e os Irmãos da Santa Caia,
segaindo o exemplo de Josô de Anchieta o ajudam nesia fitina
e, passada a crise, tomam a si o encargo do estabelocímento
fundado pslo venerável jesuita. Esse facto tem em seu favor a
tradição.
Isto dea-se também no Espirito Santo, onde desde 1551
existia a Confraria, a mesma que, em 1597, prestava honras
fanebres ao supradito Anchieta, Aindador do nosso velho Hos-
pital.
Sem querer acompanhar o chronista da Misericórdia Flu*
minense em divagações históricas que não vêm ao caso e para
provar a incerteza de sua opinião citarei apenas as suas ultimas
palavras com que parece dar as mãos & palmatória : « Dando
de barato tudo quanto tenho produzido em defesa da affirmaçã^
sustentada pelas petições da nossa Misericórdia, em 1605 e em
1671, admittindo-se mesmo que a administração deste anno se
baseasse no que encontrou escripto no requerimento daquelle anno
e que o escriptor desta solicitação se houvesse enganado^ esse
engano não podia ser tamanho como quer monsenhor Pixarro,
flrmando-se no que escreveu ílrei Agostinho de Santa Maria,
bem como aquelies que o seguiram nos seus insustentáveis argu»
mentos, esse engano seria quando muito de vinte annos^ podendo
Ur-se na petição de 1605, em vez de sessenta annoe — quarenta,
o que remontaria a 1564 (sic), quando Betado de Sã (slc) ainda
se encastellava na Villa Velha (sic), eto
E foi para cbegar a tal resultado que o autor da Memoria
escreveu paginas e paginas deturpando os fkctos históricos
e enchendo-as de anachronismos imperdoáveis I Essa é a ver*
dade : ou houve erro na petição e em vez de sessenta deve ler-se
quarenta annos, ou não está certo o anno do despacho e em vez
de 1605 seja 1625 : nem isso é caso unioo de engano de datas
ou de numero de annos. Haja vista o celebre testamento de Joio
Ramalho, que tanto tem dado de si.
Comparando a data do alvará (8 de outubro de 1605) com
08 primeiros Cwnpra-se (1630), António Duarte Nunes suppOe
talvez houvesse engano de quem lavrou o documento assignado
pelo Rei. Para deita hypothese formar opinião segura seria
A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA 25
mister ter presente a rubrica aathentica ou um fac símile de
Philippe III de Hespanha e II de Portugal para poder comparar
com a assignatura régia do documento da Santa Casa. A des-
peito da maior iiligenciat não me foi possivel encontrar aqui no
Rio de Janeiro o que tanto desejava e vinha muito de molde (*).
João Feo, entretanto, cujo nome figura no precitado docu-
mento, foi, em verdade, do serviço de Philippe III de Hespanha
(II de Portugal). Fez elle vários alvarás no tempo desse mo-
narcha, como tive occasião de verificar na precisa coUecção (ma-
nuscripta) de Leis, constante de 37 volumes e existente no ar-
chivo do Instituto Histórico Geographicô Brasileiro.
Feo, porém, serviu também com Philippe IV de Hespanha
e III de Portugal. Nas Memorias Historico-Genealogicas dos
Duques Portuguezes do século XIX, de João Carlos Feo de Car-
doso Castello Branco e Torres e visconde de Sanches Baena, a
paginas 682, vê-se o referido Feo assignando em 9 de novembro
de 1626 um alvará com referencia a D. Luiza da Motta Feo,
viuva de Manoel Lopes Pinto.
Este João Feo nfto deve ser confundido com João Feo
Cabral, beneficiado de uma das egrejas de Cintra e proprietário
do offlcio de aljubeiro do Aljube de Lisboa. Em 1624, estava
doido, como se infere da pag. 672 das referida*? Memorias Eis-
toricO'Genealogicas •
1 Algum tempo depois de escriptas estas linhas regressava da Eu-
ropa o Sr. Dr. José Carlos Rodrigues. O illustre director do Joimal
do Commercio e benemérito mordomo lo Hospital da Misericórdia em-
pre8tou-me,da sua riquíssima collrtcção,var os documentos assignados
pelos ires Philippes de Castella. Do detido exame comparativo que o
Sr. Dr. Rodrigues e eu fizemos, chegámos á conclusão: assignatura
de Philippe 111(1605) do documento da Misericórdia é completamente
authentica.
Mais tarde, foi isso corroborado por uma carta oscripta por
alto funccionario da Torre do Tombo ao meu amigo o Sr. barão de
Vasconcellos. Este distincto cavalheiro havia enviado p ira Lisboa uma
copia ou /y*o st miVe que eu havia tirado do livro dos priviltgios da Mi-
sericórdia.
\ mais aceitavol explicação dos sessenta annos ê a seguinte:
muito.^ dos auxiliar. ís de E<tacio de Sá tinham vindo com esto di? São
Vicmtft. Lá, havi.im sido Irmãos da Misoricor«lia ^\^ Sautoa e, che-
gados ao Rio d* Janeiro, continuaram a obra do frei Miguel de Con-
treiras.
Julgavam-se confrade? de um único instituto, tendo só em vista
a fandação da 1* Mifdricordia do Brazil, estabeiecida por Brai
Guhas.
26 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Não foi mais feliz ainda Felix Ferreira, na argumentado
apresentada contra as duvidas de Duarte Nunes, isto é, que os ses-
senta annos da petição dos Irmãos da Misericórdia podiam estar
certos, porém errada a data 8 de outubro de 1605. Depois de in-
terpretar os nomes dos signatários dos diversos -^Cumpra^se—^
todos posteriores a 1625, assevera F. Ferreira que a letra
da petição era de Mar ti m de Sá, que governou entre os annos de
Í607 o Í608 ; sem se lembrar que Martira governou por duas
vezes o Rio do Janeiro e que poderia ter oscripto om 1625, o que
Ferreira suppõe ter o filho de Salvador Correia de Sá feito vinte
annos antes.
O mesmo acontece com a assignatura do prelado e-^clesias-
tico Matheus da Costa Aborim. Este exerceu o cargo, como é sa-
bido, de 2 de outubro de 1607 a 8 de fevereiro de 1629 e podia
ter posto o seu— cumpra-se— tanto em documento do tempo de
Philippe III, como de seu filho e successor, que começou a reinar
em 1621.
Do exposto, salvo melhor juizo, póde-se concluir: nem Fran-
cisco Augusto do Sá, nem Felix Ferreira conseguiram tirar ao
venerável padre José de Anchieta a gloria de ter iniciado a
creação do velho hospital da Misericórdia.
Os confrades, pois, desta grande agremiação bem fizeram
coUooando a estatua do inolvidável jesuita ao lado da de frei
Miguel de Contreiras, fundador da Misericórdia de Lisboa, no
vestíbulo do grandioso edificio da praia de Santa Luzia.
CAPELLA
Para escrever grande parto do decimo volume do Sancluario
Mariano, frei Agostinho do Santa Maria mandou de Portugal
pedir seguras informações a frei Miguel de S. Francisco, natural
do Rio de Janeiro. Eite religioso, que exercera por três vozes o
cargo de provincial, havia terminado a incumb«3ncia, quando os
francezes, em 1711, saqueando esta cidade, invadiram o Con-
vento de Santo António, destruindo os papeis encontradjs nas
A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA 27
differentes cellas. Não desanimou, porém, frei Miguel, que deu
principio a uma nova Relação e a enviou a seu destino. Dahi se
infere: tudo quanto relata o autor do Sanctuario é fundado no
testemunho presencial, e os factos narrados de conformidade com
a historia e a tradição.
Descrevendo a capella da Misericórdia, assim se exprime o
supracitado frei Agostinho :< He a igreja da Misericórdia formosa
e ricamente adornada e ornada de ricos ornamentos. Tem cinco
capellas e a maior com um retábulo dourado magestoso e com duas
oapellas de cada parte ; e tem uma formosa tribuna, aonde nas
occasiões festivas se expõe o Santíssimo Sacramento e onde está
o sacrário de onde se administra o Yiatico aos enfermos. Das
referidas capellas na primeira que âca da parte da Epistola está
a milagrosa imagem de Nossa Senhora do Soccorro. Esta capella
e a que lhe fica em parallelo da parte do Evangelho, dedicada a
S. Thomô ficam no mesmo pavimento do Altar Mór ; porque
delle se desce por seis degraus para o pavimento do corpo da
igreja. . • A primeira capella depois da maior e que fica da parte
da Epistola ò dedicada á Rainha dos Anjos com o titulo de Bom-
successo.»
Ainda mais á pag. 105 do 1° livro do Tombo encontra-se
a escriptura de 6 de abril do 1648, pela qual Manoel Rabello se
compromettia a fazer os ornatos do altar de S. Martinho, do lado
do Evangelho e defronte do de Nossa Senhora do Bomsuccesso, de
oonformidade com os do Altar-Mór.
Do exposto se concluo: até 1713 não era padroeira da Mise-
ricórdia a Senhora do Bomsuccesso, ouja imagem nSo ocoupava
o logar de honra e só foi collocada na antiga egreja muito depois
desta haver sido construída.
Refere ainda frei Agostinho de Santa Maria: < Indo de Por-
tugal para aquelle porto do Rio de Janeiro, no anno do 1637
ou 38, o padre Miguel da Costa, Presby tero do habito de S. Pedro,
levou em sua companhia uma imagem de Nossa Senhora, a quem
havia imposto ou venerava com o titulo de Bomsuccesso ; a qual
imagem (depois de estar já assente naquella cidade) coUocou na-
quella egreja (Misericórdia) com licença do Provedor e Irmãos
daquella casa. E quando o fez (porque estavam as capellas delia
já occupadas e não teria mais que duas do corpo da egreja) foi na
28 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
capella e altar de Nossa Senhora de Capacavana aonde esteve
alguns annos. O mesmo Padre Miguel da Ck>sta, que muito vene-
rava esta Santíssima Imagem, com os desejos que tinha de que
fosse servida com toda a veneração e culto, que lhe era devido,
convocou alguns moradores daquella cidade dos que achou mais
devotos da Senhora, para que elles a festejassem e servissem
como mordomos e elle era o Procurador e Thesoureiro. Esses de*
votos com as suas esmolas e de outros mais que se lhes aggre-
garam flzeram á Senhora outra capella particular, que ó a que
fica referida e se vê junto d porta da sacristia e próxima d capéUa
mór>.
Interpretando mal as palavras de frei Agostinho, pre-
tendeu Félix Ferreira, em sua Memoria (pag. 129), fosse a
Senhora da Ck}pacavana a primitiva padroeira e da nossa Mi^
sericordia»
Do que acima vae referido se concluo que a imagem
dessa ultima invocação também não occupava logar especial
e sim um dos altares do corpo da egreja onde foi collocada
a Senhora do Bomsuccesso.
Demais, escreveu ainda frei Agostinho de Santa Maria :
€ Agora como tratamos da casa de Misericórdia do Rio de Ja-
neiro, aonde a Senhora da Copacavana deu lagar no seu aUar
á Senhora do Bomsuccesso, ô bem que delia não deixemos de
fazer memoria ; sem embargo que delia se nos devam muito
poucas noticias.
c Do que fica referido no titulo antecedente se vô que no
altar da Senhora da Copacavana coilocou o Padre Miguel
da Ckista a imagem de Nossa Senhora do Bomsuccesso ; de
onde se colhe que logo nos principios daquella casa se coi-
locou em sua egreja a Imagem da Senhora ; e porque nos
não referiram nada delia digo o que se me ropresonta e é
que como a Senhora é tida em todo o Império do Purú por
um grande proJigio poios contínuos milag^os que continua-
mento obra niquella sua Sagrada Imagem Peruana, poderia
bem ser a trouxesse do lá. algum portu^uez como a trazem
muitos em uns relicários de prata e por ella poderia mandar
fazer esta Santa Imagem e por sua devoção a coUocarla na-
quella Egreja. »
A 8AMTA CASA DA MISERICÓRDIA 29
O Ikoto do commercio oom o Peru é attestado pelas se-
cintes palavras de Yarnhagen: € No Rio de Janeiro sabemos
qae esteva D. Fraacisco de Souza, em outubro de 1598.
O commercio tomara aqui um prodigioso incremento com a
sajeiçSo a Castella, que franqueava ao Brazil, por meio do
Rio da Prata, o trato oom o Peru, de cujas minas vinham
negociantes por fazendas, que pagavam á vista, por preços
enormes e só quando aqui as não encontravam iam bus-
oal-as & Bahia e a Pernambuco... A consulta de 29 de no-
vembro de 1605 orçava a entrada do que descia pelo Rio da
Prata para o Brazil em mais de quinhentos mil cru-
■ados. »
Tudo isto é perfeitamente comprovado pela carta de Fran-
cisco Soares, escripta do Rio de Janeiro a um seu irmão,
em junho de 1596, e impressa em inglez em 1600. Essa mis-
siva foi por mim vertida para o portuguez e reproduzida no
Boletim da Associação Gommercial (1904) em uns apontamentos
meus sobre o antigo commercio do Rio de Janeiro.
Quando, porém, esse movimento se incrementou, Jà a nossa
egreja da Misericórdia estava fundada e, si algum devoto da Se-
nhora da Copacabana collocou a imagem delia no referido san-
otuario o fez em um altar secundário, repito, e nunca na
oapella-mór.
Que a Senhora do Bomsuccesso só começou a ser fes-
tejada mais tarde, na Misericórdia, prova ainda frei Agos-
tinho, ílizendo menção da tola commemorativa de um grande
milagre occorrido em 11 de setembro de 1639, dia em que
se ceMfrou a primeira festa de Nossa Senhora do Bomsuccesso,
Esse quadro de pouco merecimento artístico, mas de valor
histórico, citado em 1713, pelo autor do Sanctuario, desappa-
receu, ha poucos anno0, da sacristia da Misericórdia. Sobre
elle escrevi algumas notas, em um dos primeiros números
á'ÂNúiicia.
Deixando de parte pormenores narrados pelo supradito
autor sobre o assumpto, os quaes me levariam longe, filarei
apenas uma ultima consideração. A Senhora do Bomsuccesso
tinha a sua confraria de todo independente da Irmandade
da Miserioordia.
80 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Eis ainda as palavras de frei Agostiako : « Nosta forma
continuaram aquelies devotos da Senhora, até vinte de setembro
deí652, em que^ sendo juiz daquella irmandade da Senhora, Je-
ronymo Barbalho Bezerra, fez, com os mais Mordomos e Irmãos
da Senhora, entrega e doação daquella Confraria ao Provedor
daquella Santa Casa, entregando-lhe também tudo o que a ella
pertencia, o qual, com os mais Irmãos, por justas causas, accei*
taram a entrega.»
Desse accordo existe, si bem me recordo, importante do-
cumento—a escriptura transcripta no !<> Livro dos Accordãos
da Santa Casa e cugas paginas, como as de todos os outros livros
do importante archivo da Misericórdia, pacientemente folheei,
ha annos, com consentimento do finado provedor, conselheiro
Paulino de Souza.
Foi só depois de 1652 que a Irmandade da Misericórdia
tomou a si 08 bens da Confraria do Bonosuccesso e o encargo de
celebrar a respectiva festa que so devia realizar na dominga
infra oclavam da Natividade.
Entretanto, essa commemoraçâo cahiu por vezes em des«
uso, e, ení nossos dias, desde 1861 a 1873. Nesse ultimo
anno, o provedor, conselheiro Zacarias, a restabeleceu e, em
documento oâ9oial,proclamou de novo a Senhora do Bomsuc-
cesso padroeira da Misericórdia. Refiro-mo ao discurso por esse
illustre brazileiro pronunciado por ocoasião do lançamento da
pedra fundamental do novo templo que tem de ser construído
ao lado do Hospital Geral, em terreno próximo da Faculdade de
Medicina.
Qual, porém, a imagem venerada no altar-mór da primitiva
egreja da Santa Casa, no magestoso retábulo de que nos fala
(1713) o padre Agostinho de Santa Maria? Por muito tempo
tive a vaga opinião de que o logar de honra da primitiva ca-
pella fora occupado pelo grande painel representando a Senhora
da Misericórdia, o qual esta na antiga portaria do velho hos-
pital, hoje sala do banco do consultório de gynecologia, a cargo
do Sr. Dr. Feijó Júnior. Quando para alli foi removido o velho
quadro 6 impossível dizer.
Pela leitura da importantíssima obra do Victor Ribeiro
(190^) A Santx Casa de Misericórdia de Lisboa, fiquei convencido
A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA 31
do que a referida tola da primitiva padroeira ô talvez repro-
ducQao mais ou menos artística do grande painel de Garcia
Fernandes, feito em 1534, e que existia no altar-mór do gran-
dioso templo da Misericórdia daquella cidade, mandado con-
struir por D. Manoel e concluído por D. Jo&o III.
Esse templo, como ó sabido^ foi quasi completamente des-
traido pelo terremoto de 1755. No tempo de Pombal a Miseri-
córdia passou-se para o templo de S. Roque, antiga casa dos
jesuítas. Dos restos da egreja do tempo do D. João III tomaram
conta os Freires de Christo que lhe deram nova invocação.
A teia da antiga portaria representa o grupo da Senhora da
Misericórdia abrigando sob as dobras de seu manto : um papa,
vários prelados, a figura de frei Miguel de Contreiras, um rei,
uma raiuha, fidalgos e homens do povo.
Esse grupo figurava também em uma das faces das ban-
deiras de todas as Misericórdias, as quaes, pelo alvará de 24
de abril de 1ÔB7, eram obrigadas a seguir o modelo das de
Lisboa.
No frontão do novo hospital ostenta-se, magnificamente
executado, o grande medalhão representando a Senhora da Mi-
sericórdia, pela maneira acima referida.
£ com razão, porque foi sob os auspioios desse titulo que os
fundadores da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro le«
yantaram de pãu a pique a sua primitiva capella.
Conforme se concluo da acta de 1» do agosto de 1671,
sondo Provedor Thomô Corrêa de Alvarenga, a humidade
e o cupim haviam inutilizado os papeis o primeiros livros da
Santa Casa.
E', pois, quasi impossível determinar hoje com segurança
o anno em que foi construída a primitiva egreja, a qual j4
existia em 1585, segundo se deprehendo da Narrativa Epistolar
do jesuita Fernão Cardira.
Felizmente, porém, da destruição escapou o primeiro livro
dos Aecordoos (1682-1658), onde se encontra mencioníwlo um
S2 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
dooamento qae serve para iodirectamente provar o se^ruinte:
foram alada os companheiros de Bstacio e Mem dé Sá os qae
levaram a cabo a coastrucgao do modesto sanctaario dedicado
a Nossa Senhora da Misericardia.
Reílro-me ao testamento feito em 2^ de setembro de
1031 por Diogo Martins Mourão, íllho de Duarte Martins Moa-
riU) e de Jeronyma Fartado e casado com Francisca Serrão de
Thoar.
Entre as disposições de altima vontade estão as verbas
do teor segainte : € Declaro qué sou irmão da Santa Casa da
Misericórdia, de que foi também meu pae Duarte Martins
Mourão dos primeiros que ajudaram a faser a egreja conforme o
tem declarado em seu testamento. Peço ao Provedor da dita
Casa e mais irmãos da mesma me enterrem como irmão que
sou da dita Santa Casa á qual deixo para o Hospital dez
mH réis.
€ Deixo em capella á Egreja da Misericórdia dois lances de
casas de sobrado com suas lojas e qaintaes que flcão á face da rua
Direita para a banda do poço, eto. Declaro que afora das ditas
casas qae deixo em capella âoa outro lanço de casas pare^les em
meio de sobrado e lojas com seu quintal defronte da porta tra*
vessa da Misericórdia que fieão ã parte de minha mulher Fran-
cisca Serrão de Thoar emqoanto fizer nellas moradia como suas
que são.»
Abrindo aqui um parenthesis, é bom declarar que Diogo
Martins não foi sepultado na Misericórdia, de ciga irmandade
pedia apenas os suffragios e acompanhamento ; mas sim no
Convento de Santo António.
Prova-se isto com outra verba do supradito testamento, na
qual «pede ser sepultado no templo dos Franciscanos, na ca-
pella-mórdas grades, para dentro, na cova de D. Margarida
mnlher que foi de Constantino de Menelau^ deftmto — «a qual
tova me concedeu o Rvdmo. Padre Custodio — Frei António
dos Anjos a mim e a minha mulher Francisca Serrão de Thoar
como se vô das letras escriptas na campa que está sobre a
sepultura».
Dahi se vê que a mulher do governador Menelau fallecen
o foi sepultada no Rio de Janeiro e obamavanie Margarida; que
A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA 33
]á, om 1631 era fallocido o povoador de Cabo Frio. (Governou
o Rio do Janeiro de 1613 a ]617.)
Mas qaem era esse Duarte Martins Mourão, cujo filho se
orgulhava de ter por progenitor um dos fundadores da pri-
mitiva capella da Misericórdia? Por duas vezes ó o nome de
Mourão citado por frei Vicente do Salvador» na sim Historia
do Brazil: a primeira entre as pessoas que da Bahia aoonKpa-
nharam Estacio de S& ao Rio de Janeiro, taes como o ouvidor
geral Braz Fragoso, Paulo Dias Adorno, oommendador de
Santiago, Melchior de Azeredo, António da Costa, Chdstovão de
Aguiar, Domingos Fernandes. A segunda, a propósito do Ara-
rigboia, quando este em sua aldeia (1568) foi atacado pelos
Francezes e Tamoyos.
« A este vinhão os Tamoyos ajudados dos Francezes sal-
tear e prender, para fazerem em sua terra hum solemne ban-
quete de saas carnes, segundo elles o mandarão por hum men-
sageiro dizer ao capitão-mór Salvador Corrêa de Sá, o qual
temeroso que tomada a aldeia tornassem para a cidade a for-
tificou muito ã pressa e mandou aos moradores e soldados que
estivessem em armas e não menos solicito da saúde do Índio
amigo lhe mandou logo soccorro de gente Portugueza, ainda
que pouca, animosa e governada, por Duarte Martins Mourão,
seu capitão.»
Em 2 de novembro de 1566 obtinha Duarte Mourão 600
braças ao longo da agua e 800 para o sertão em Magé. Em 14 de
janeiro de 1572, com Domingos Mourâo e Estevão de FigueiredOt
6.000 braças no rio Acaramandahyba, da banda de cima. Em
6 de agosto de 1590, terra de praia de Taipú até á lagôa de Ma-
ricá, 3.0Q0 de costa e 4.500 para o sertão. Em 10 de novembro
do mesmo anuo, sobejos na praia e costa do mar entre a la-
gôa e Maricá. Finalmente, em 23 de janeiro de 1602, terras e
campos no Cabo Frio. Tudo consta da Relação das Sesmarias
{Manuscripto do Archivo do Instituto Histórico e impresso
no tomo 63^ parte í», da Revista Trimensal do mesmo Ins-
tituto).
Sendo homem importante do tempo, não á diffloil snppõr
fizesse parte Martins Mourão das primeiras administrações
da Misericórdia e fosse com seus companheiros de lutas,
491—3 Tomo lxix. p, i.
34 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
povoadores todos do Rio de Janeiro, cooperador de Anchieta na
caridosa e elevada missão de erguer o relho hospital e a an-
tiga egreja«
Eâta, no correr de tantos annos, tem soffrido varias mo-
dificações. Conforme o acoordão de 8 de julho de 1697, quando
provedor Manoel de Barros Araújo, achando-se completamente
perdida a cobertura, contraeton-fle um novo madeiramento por
500$, 86 a parte da carpintaria, correndo a expensas da Casa
a obra de pedreiro.
Por aeeordâo de 9 de janeiro de 1705, ílcou resolvida a re-
eonstme^ do templo, dando-se-lhe maior largura. Em 1708, es-
tavam as obras concluídas, conservando, porém, a capella-mór as
suas antigas e acanhadas proporções. Depois da ultima recon-
stmcçâo, ficou a egreja, por mais de quinze annos, com as pa-
redes rebocadas, sem pintura, e o altar-mór com um throno de
taboas, cobertas por velludilho, até que, em 1725, se tratou
com um entalhador novo throno e mais obras de talha, por
3.000 crusados, recebendo logo o artista 1.000, por conta. Con-
cluídas as obras, s^nstou-se a pintura e douramento de toda
a egreja com Francisco Mauoel de Moraes, por 750$000.
Bm 1733, foi também substituído o altar-mór por outro
novo da provedoria do Dr. Manoel Correia Vasqoes, que ajustou
a*esculptnra com o entalhador Bernardo Machado, por 4d0$000.
Em 3 de agosto de 1818, reuntu-se a Mesa e Junta, sob a
presidência do Provedor Tenente-Coronel Joaquim Ribeiro de
Almeida (por alcunha o Padre Eterno) e deliberaram: <á vista
do estado de mina em que se achava a Capella Mór e o perigo
q«e oflTereoia, a n&o se lhe fazer algum reparo e á, vista do es-
tado de finanças em que se achava a Casa, Já pela grande di-
vida do Real Erário, já por falta de legados para esse fim», que
se tratasse da reedificando da mesma capella-mór, por meio de
esmolas dos irmãos e bemfeitores.
Em 11 de outubro seguinte, foi approvado o plano apre-
sentado A Mesa e autori2on-se o Thesoureiro a mandar demolir
a obra velha e dar começo *á nova, que flcou concluída em
18S0, com muito bom effeito architectonico ; pois nao só se deu
maior altura ao âmbito, como se rasgou uma clarabóia coroada
por um peqaoio Slmborio.
A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA 35
Manda a verdade declarar : estefl ultimos apontamentos
cDja veracidade coníéri com os livros da Misericórdia, são ex-
trahidos de umas pagrinas impressas da continuação da Memoria
de Félix Ferreira, as qnaes me foram dadas pelo illostrado Dr.
Pires de Almeida. Elias, poróm, não foram incorporadas â obra
do finado escriptor, sendo, por isso, inteiramente desconhecidas.
A Egrei^k da Misericórdia tem passado por importantes re-
formas nsus Provedorias de José Clemente Pereira, Zacarias, Co-
tegipe e Panlino de Souza. Tudo isso consta dos respectivos re-
latórios.
Ultimamente, o templo passou por grandes melhoramentos,
graças A iniciativa da actual adminiijtração.
Em 1623, existia por traz da Kgreja da Misericórdia um
becoo que estava em matto sem sahida e sem se usar delle. Og
Vereadores daquelle anno, Diogo Lopes Pegado, Francisco da
Costa Homem, Francisco de Siqueira e Francisco Fernandes Que-
vedo cederam á Santa Casa essa via publica, a titulo de esmola.
Em uma petição dirigida ao Conselho, allegara a Irman-
dade «ter necessidade de alargar a cerca e muro para augmento
do cemitério ; pois já não tinha logar para enterrar os mortos, o
que não podia fazer sem ficar dentro um becco sem sahida que
existia entre o muro da Santa Casa junto dos chãos que foram
de Amaro Affonso, o qual becco ficava em meio e de cujos chãos
ella Misericórdia havia já comprado seis braças para o referido
fim »•
Outro becco separava a egrcja do quarteirão, hoje oo-
cupado pela Faculdade de Medicina (antigo Recolhimento). Para
este logradouro dava a porta travessa do templo. Nas alludidas
paginas impressas, pretende Félix Ferreira que tal becco deeap-
parecera em 1708. Essa opinião ó nuUiflcada pelos trechos de
duas escripturas constantes dos livros da Misericórdia: a pri-
meira de 1715, pela qual consta que a Santa Casa comprou a
Francisco da Silva Costa e sua mulher Sebastiana Antunes cinco
braças de chãos na travessa que vae da porta da Misericórdia
para Santa Luxia defronte da porta travessa daquella egreja.
Bsses chãos tinham vindo aos possuidores por escriptura de dote
de seu sogro João Gomes Sardinha, os quaes partiam na dita
travessa com chãos de D. Maria de Mariz.
36 REVISTA DO INSTITUTO HIíátORICO
A seguQda escriptura de 1716, pela qual a Santa Casa com-
prou a Clirístovâo de Almeida Corrêa seis braças de chãos de
testada, silos em uma ilharga da Sanla Casa com a rua em meiOf
1'ronleiras d capella do Apostolo S. T/tomá— quo as comprou a
Francisco da Silva Costa e sua mulher Sebastiana Antunes, por
oscriptura feita na villa de Santo António de Sá. Partem de
uma bania com chãos que foram de D. Maria de Mariz, ao pé da
dita Santa Casa e pela outra fazem canto.
Convém não confundir esses terrenos de D. Maria de Mariz
com os que outra de ogual nome legou á Santa Casa, no canto do
becco da Musica, onde foi levantado o sobrado, ora em Tia do
demolição.
No quarteirão occapatlo hoje pela Faculdade de Medicina
existiam cm 1631 a casa de residência do S-.vrgento-Mór João
Dantas, a logaia pelo Padro Bartbolomeu de Oliveira ã Sanla
Casa e outra deixada por esto sacerdote ao Prelado Aborim, o
qual, por sua vez, a deixou ã Misericórdia. Preciso é nSo con-
fundir este sacerdote com o padre Bartholomeu de Franca, que,
em 173S, logou casas fronteiras ao Hospital.
Estas ultimas davam fundos para os qaintaes das casas de
Lopo Gago da Camará, Domingos Gomes e Manoel Nunes Fayal,
sitas em outra travessa, mais tarde chamada do Recolhimento.
Tudo isso vem a propósito para dar ligeira idéa dessa an-
tiga zona da cidade, cuja topographia, dífflcil do fazer-so pela
deficiência de muitos documentos, não deixa de ser curiosa.
o HOSPiTAL V£LHO
Para se ter suffleiente idéa do que, ainda na primeira me-
tade do século passado, era o antigo Hospital da Misericórdia,
existem felizmente dois documentos: o relatório apresentado em
1830 á primeira Camará Municipal e a Planta Topographica
levantada, em 13:^9, pelo tâuente-coronel do engenheiros Do-
mingos Monteiro.
Etn virtude do art. 56 da Carta da Lei de 1 de outubro de
1828, a qual reformou as nossas antigas Municipalidades, a
A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA 37
Cí>mara do Rio de Janeiro nomeou os cidadãos: João Silveira do
Pilar, José Martins da Cruz Jobim, António Ildefonso Gomes,
João Pedro da Silva Ferraz, António Ribeiro Fernandes Fortes,
Gypriano José de Almeida e José Augusto Ce«ar de Menezes
para formarem a Commús(!ro destinada a visitar as pris(!ies civis,
militares e ecclesíasticas, os cárceres dos conventos dos Regu-
lares e todos os estabelecimentos públicos de caridade.
Dando cabal cumprimento a essa missão, os nomeados apre-
sentaram extenso relatório, do qual destacarei os principaes
topleos, oom referencia á Santa Casa: « O hospital da Miseri-
córdia, situado junto ao mar, nas fraldas de uma montanha, e
exposto a toda a violência das variações e transportes do ar,
que são próprios dos paizes marítimos, occupa uma das posi-
ções mais insalubres desta cidade : a humidade, causa de innu-
merams moléstias, deve ser alli excessiva, por ficar o estabe-
lecimento pouco elevado do nivel do mar, porque deve receber
deste um ar mais saturado do vapor aquoso, porque, final-
mente» ficando junto de uma montanha, recebe as oxhalações
de vapor, que esta transmitto continuamente & atmosphera,
além do flue a experiência tem mostrado, ao menos na Europa,
a respeito de todos os estabele8imentos, onde ha grande ajunta-
mento de homens, situados em legares expostos a uma venti-
lação excessiva e desegual, como são o cimo da montanha c o
logar em que se acha o hospital, por ciusa das variações
diárias queelles são sigeitos á grande mortalidade.
« A commissão, porém, ainda relevaria a má situação deste
estabelecimento, si outras coisas contribuíssem para contraba-
lançar 08 males que delia procederão; infelizmente, nada vimos
digno de louvor, nada de que é indispensável para um bom
hospital : tudo ô mesquinho, tudo indica uma ignorância abeo-
luta da hyglene daquellas casas: ventilação, asseio, commodi-
dade para o tratamento o distracção dos doentes, tudo, emfim,
se teve em pouca conta na construcção daqueile miserável
edificio, feito aos pedaços, desde o seu principio, á medida que o
exigia o accresoimo da população.
< Aconteceu-lhe o mesmo que a essas grandes cidades que
attestam a imprevidência humana ou o poueo apreço em quo se
(em as gerações Alturas : para qualquer parte que sò volte, não
38 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
se encontra nelle nada qae agrade» nada do que ó dictado pelas
mais simples regras de hygiene : o payimento inferior está
quasi ao ni^ei do terreno circumyisinho ; ô por isso muito hú-
mido, quando era necessário que o soalho tivesse alguns palmos
de elevado e que por baixo pudesse circular algum ar, em al-
gumas partes, sendo simplesmente ladrilhado, o tijolo repousa
immediatamente sobre a terra e transraitte toda a sua humi-
dade.
< Neste payimento estfio yarias enfermarias : a dos doidos»
a dos invalides e doas de cirurgia. Nestas ultimas é tal a aceumu-
lacão dos doentes e a fiJta de circulação do ar que os enfer-
meiros asseguram que durante a noite lhes é penoso entrar
nellas o que sfto obrigados a abrir as Janellas, preferindo expor
aquellos desgraçados ao ar nocivo da noite, a deizal-KM perecer
abafados.
< A primeira destas salas tem de comprimento 11 braças, de
largura 4 Vt* ^ P^ qnando muito de altura e contém 88 camaa
efléctivas. Ora, sendo o preceito dado por Tenon e oonfirmado
por todos os autores que têm esoripto sobre hygiene dos hospi-
taes, que uma sala com 13 toezas de oomprimento, 4 de lar-
gura e 14 pés de altura, não deve conter mais de 18 doentes,
segue-se que esta só pôde oonter 9 ou um terço, pouoo mais
ou menos, dos que contém. Adverte-se que algumas Teses ella
contém 40.
« Mette-se um angulo escuro onde estão 8 doentes e segue-eo
outra enfermaria com 14 braças de oomprimento, 4 de largura,
oomprehendido o espaço ocoupado por uma parede do meio,
damo5-lhQ 14 pés de altura que de certo não tem. Segundo o
mosmo preceito, ella não pôde conter mais de 26 doentes e
contém 65 effecti vos .
< Bsta sala é, demais, um subterrâneo abaixo do terreno
que flca ao lado do morro e só tem janellas da parte opposta
ao Norte. Segue-se a casa dos inválidos: é um pequeno telheiro,
conhecido no hospital pelo nome de galUnheiro^ no qual chove
por todos os 1 idos e que não pôde servir para residência de vi*
vente algum.
« B* aqui que vimos penetrados do maior horror 17 doentes
oondemnados a solfrer até 4 morte e quem poderá orer que é
A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA 39
no Rio éb Janeiro, na Capital do Brazii, que se encontram seme.
Ihantes misérias t Mas ainda nio é tudo: no mesmo pavimento
eetfto 09 doidos quasi todos juntos em uma sala, a que chamam
madrez^ por onde passa um cano, que conduz as immundicies
jàa hospital. Aqai vimos uma ordem do tarimbas sobre que
dormem aquelles miseráveis, sem mais nada do que algum
colchão podre, algum lençol e travesseiro de aspecto hediondo ;
também vimos um tronco, que é o único meio que ha de conter
00 furiosos, resto desses tempos bárbaros de que a medicina se .
envergonha hoje, quando se procurava conter os que tinham a
daegraga de perder a razSo com os azorragues e toda sorte
de martyrios. Ha alguns quartos em que mettem os mais
furiosos em um tronco commum deitados no chão onde passam
os dias e as noites, debatendo-ee contra o tronco e soalho, no
que se ferem todos, quando ainda não vem outro, que com elles
esteja e que os maltrate horrivelmente com pancadas.
« Nas enfermarias de medicina encontra-se uma primeira
sala, onde o ar não pôde circular, porque só de um lado tem
janeUas abertas e no que fica em face ha três que se conservam
Cachadas para livrar os quartos oontiguos da infeccibo da sala.
€ Da parte da entrada não pôde vir sinão um ar corrompido
peias enCarmarias visinhas. Do lado opposto não ha uma só
Janelia, mas duas espécies de ^vemas onde apenas penetra
alf um ar e luz e que servem também para gente doente.
< Segue-se a grande enfermaria, oonstrulda a angulo recto
sobre a primeira, eUa lhe truismitte por meio de uma grande
porta de communicação todo o ar que jã serviu para mais de
eem doentes e que vae de novo alimentar o de 30 a 50 que
eetio da maneira que dlMemos. Algumas janellas das que estão
do lado do náar ainda se fecharam ató o meio com um telheiro
em que estão as catacumbas.
€ As camas teem entre si uma distancia de quatro a seis
palmos e no intervallode cada uma se fizeram nichos na parede
para guardar os vasos de precisão doe doentes e que são outros
tantos focos de infecção para toda a sala, quando era indispen-
sável que se fizesse uma latrina para todos os que tivessem forças
suffieientes para lã irem e que só os impossibilitados tivessem
junto de si os vasos necessários hermeticamente feshados»
40 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
€ Esta latrina deverá ser ocmstraida segando o methodo de
Darcet e se poderá aproveitar para estabelecer a corrente de ar
no tubo de appaliacao a chaminé da cozinha, que âea ao pé desta
enfermaria.
« As camas são de páu, quando deveriam ser de ferro por
oansji dos insectos, porque elle ó de duração perpetua e porque
não transmitte com o páu os principies miasmaticos ezhalados
pelos doentes. A roupa da cama pareceu-nos pouco acseiada, mas
os mesmos doentes nos pareceram menos asseiados. Os colchões
e os travesseiros, dizem que servem de doente a doente até que
se corrompam do todo. As camas, estando tão unidas que quasi
que se tocam em algumas partes, não teem cortinados, trastes
desconhecidos no Hospital e que consolo para um desgraçado
doente estar vendo expirar ao pé de si o pobre companheiro, com
quem, ha pouco, conversava 1 Não nos animamos a proseguir
com receio de fatigaj» a vossa paciência.
« No resto do ediâcio tudo está pouco mais ou menos da
mesma sorte e o serviço interior corresponde a estas misérias pa-
tentes. Nada alli vimos do que é necessário para a salubridade de
um bom hospital : enfermarias comprimidas, a maior parte sem
ser forradas, janellas em cima muito distantes, salas sem venti-
lação alguma, como por exemplo a chamada do axou^e que não
pede servir para ente que respire, latrinas de construção tal,
que infeccionam os legares circumvisinhos, um cano que empesta
quasi todo o Hospital e conduz também as immundicies do Hos-
pital Militar e com tudo isso ha de mais um cemitério ao pé dos
doentes, no qual se enterram todos os dias para cima de vinte
cadáveres quasi á íiôr da terra, por não ser possível aproAindar-se
muito ; com um poço que não devia servir nem para lavar
roupa e que se acha em íogar que j& serviu também de cemitério.
Domais não ha agua dentro do estabelecimento. Não ha uma
casado banhos, não ha recreio algum para os convalescentes.
«Finalmente, os construotores de semelhante casa parece que
tiveram em vista a opinião paradoxal de Arthur Young que, por
motivos de economia politica, pretendia que aquellas casas
devem ser um objecto de horror para o povo, aftm de diminuir
o mais possível o numero de infelizes que tentasse recorrer a
ellas nas suas moléstias !
A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA 41
< Assim dizia o economista : € Tornae o povo mais pre-
vidente e diminuireis o numero de vadios. Mas oh ! delir io
humano, o que poderá reservar para as suas precisões extra-
ordinárias um desgraçado trabalhador que apenas ganha para
sustentar-se a si e a sua familia ? E a socic<iade que recebe o
beneficio desse trabalho ha de abandonai- o a todos os horrores
da miséria ?
< Façam leis severas contida os vadios, nóa o reclamamos em
beneficio da nossa pátria e do hospital que os trata em grande
numero nesta cidade, mas tenhamos um Estabeleoimento, que
é indispensável e que não sirva para vergonha nossa aos olhos
de todo o mundo. »
Conforme roza a tradição, os terrenos cm que foram con-
struídos o velho hospital e a egreja da Misericórdia perten-
ceram a um particular, que os cedeu por esmola para fun-
dação da Santa Casa.
Sou do opinião, salvo melhor juizo, que esse primeiro
protector, suggestionado talvez pelo venerável Anchieta, fosse
Gonçalo Gonçalves — o velho — , assim chamado para se diíTe-
renciar de outro de igual nome, também mais tarde bemfeitor
da Misericórdia. O retrato deste e de sua mulher figuram em
um dos oorredores do Hospital Novo.
Que Gonçalo Gonçalves, o velho, possuía grande zona de
terreno no sopó do antigo morro da Só ou de S. Sebastião
(Castello) e por onie foi aberta a rua outr*ora Direita e hoje da
Misericórdia, não ha menor duvida. *
Em seu testamento, feito em 20 de outubro de 1620, le-
gava elle á Santa Casa o restante de soas propriedades •—
casas de pedra e cal e terrenos que iam á praia, situados no
lado impar daquella rua e as quaes ainda fazem parte do pa-
trimónio da Misericórdia. Estavam situados em frente da
pedreira que ainda hoje pôde ser vista nos fundos dos prédios
116 a 128 da mencionada rua.
Demais, como é sabido, no segundo governo de Salvador
Corroa de Sá (1592), vieram a esta cidade, com o intuito de
42 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
fundar convento, os pa4r68 capuchos frei António doi Mar-
tyres e frei António das Chagas. O governador deu-lhei a es-
colha de differontes localidades ; mas aquelles religiosos se ooii-
tentaram com a ermida de Santa Luzia, situada em logar di-
verso da actual egreja desta santa e mais nas proximidades da
Misericórdia.
De accordo com o prelado ecclesiastico Bartholomeu Si-
mOes Pereira, os confrades de Santa Luzia resolveram ceder
aos franciscanos não só a capelia como também os bens patri-
moniaes a esta pertencentes.
Além disso, obtiveram os religiosos para sua clausura ê r#-
colhimento (diz a escriptura de 28 de fevereiíD de 1592, lavrada
pelo tabellião Pedro da Costa) c todo o chão que ha, começando
de uma cruz que está antes da dita ermida (Santa Luzia), vindo
pelo caminho debaixo e partindo com os chãos de Gonçalo Gon^
çalves e dahi irão correndo ao longo da cerca dos padres da
companhia ató o forte já dito que está abaixo da Sé, deixando á
mão direita o caminho e rua publica e do dito baluarte irfto
correndo pelo trasto desta cida^le, partindo com elle pela banda
de baixo atô os chãos de Anna Barroso e dahi rumo directo ao
mar ficando sempre o caminho livre e serventia pela praia ao
longo e irão correndo atô dar com o chão do dito Gonçalo Gon-
çalves pela parte do mar e dahi irão correndo direito A cruz
donde começamos a demarcação, etc., etc.»
Ejse documento, reproduzido no Arohivo Municipal, anno
1894, pags. 52-54, está assignado por Salvador Corrêa, o
administrador ecclesiastico, André de Leão, J<mU) de Bastos,
Estevão de Araújo, Pedro Gonçalves, Domingos Machado, Julião
Rangel, Gonçalo de Aguiar, Álvaro Fernandes, Bartholomeu
Vaz, Thomé de Alvarenga, Gonçalo Gonçalves, Álvaro Pemandes
Teixeira, Pedro Gomes, João Dias, Bartholomeu Peres Ferreira,
Manoel do Brito, Manoel de Torres, cujos nomes figuram tam-
bém nos antigos livros da Misericórdia.
Em 20 de íovereiro de 1607, chegou ao Rio de Janeiro o cus-
todio dos Franciscanos Frei Leonardo de Jesus, trazendo em
sua companhia, além de outros, o muito conhecido Frei Vicente
de Salvador, que escreveu a sua HiHoria do Brazil^ publicada
pela Blbliotheca Nacional (1889). Frei Leoniurdo e mui
A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA 43
companheiros foram hospedados nas proximidades da Miseri-
córdia, em casa de Pedro AfTonsOf por traz do Hospital,
propriedades que, como já ylmos, a Misercordia comprou, mais
tarde, a Amaro AíTonso, herdeiro de Pedro AíTonso.
Frei Leonardo não achou, porém, conveniente o sitio de
Santa Luzia, doado em 1592 e acceitou,de accôrdo com o Gover-
nador Martim de Sá, outro logar qu« se chamava então o outeiro
do Carmo (hoje morro de Santo António), defronte da várzea e
bairro de Nossa Senhora e a cavalleiro de uma antiga lagoa,
onde o pae de Philippe Fernandes tinha o seu cortume. Aquello
outeiro havia sido doado aos Carmelitas, que delle não se qui-
zeram utilizar.
Feita a competente escriptura em O de abril, diz Jaboatão,e
tomada posse do logar, os Religiosos que ató então assistiam em
a Santa Casa da Misericórdia, logo na seguinte segunda^feira, dia
de Nossa Senhora dos Prazeres (25 de abril), se passavam para
sua nova residência, elevando um hospício próximo ao logar em
que está, hoje, a Imprensa Nacional.
Dizem os chronifltas que Frei Leonardo do Jesus se desgostara
do sitio de Santa Luzia pela vizinhança dos Padres da Com-
panhia de Jesus. E' mais provável que aquelle Religioso cedesse
ás insinuações do Governador Martim de Sá, então Provedor da
Misericórdia, o qual mostrara a Frei Leonardo a necessidade
que tinha a Santa Casa dos terrenos para ampliar a área do pri-
mitivo hospital e o cemitério que lhe ficava próximo.
Mas, perguntará o leitor, a contiguidade dos terrenos per-
tencentes a Gonçalo Gonçalves, os quaes começavam na rua
da Misericórdia, era cortada pela ladeira do Collegio? Não.
A primitiva ladeira tinha outra direcção, feita por Mem de Sá,
e calçada em 1620; terminava na rua, hoje, da Misericórdia,
quasi em frente dos prédios 109 e 113 da numeração actual.
Quem noi-o af&rma é o vice-rei conde da Cunha, successor de
Gomes Freire de Andrade, conde de Bobadelia.
Quando aquelle vice-rei peiiu e obteve da metrópole a mu-
dança da residência das casas da praça do Carmo (hoje Repar-
tição dos Telegraphos e antes Palácio Imporia!) para o Collegio
dos Jesuítas, deu nova dii*acção á antiga e primitiva ladeira.
Na carta dirigida, em 8 de março de 1767, pelo vice-rei conda
44 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
da Cuaha ao ministro FraDcLsco Xavier d3 Mendonça Furtado,
leio: ta esta régia casa paz nomo de Palácio de S. Sebastião por
concorrerem muitos motivos para dever ter este grande nomo.
Fica-s0 trabalhando em um caminho novo para sua serventia ;
porque o que até agora teve sendo feito para redes e não para car-
ruagens de rodas ora excessivamente áspero por íngreme e n&o
tinha romcdio por não ter terreno para onde se pudesse pro-
longar e suavísar, também por estreito era incapaz, porgue nâo
cabia por elle mais que uma sege e com aperto, tendo d parte
do mar o despenhadeiro, que 6 horroroso, e pela da terra o monte
do Castdllo, que se nâo podia cortar, por ser altíssimo e a prumo
sobre o mesmo caminho. O novo se faz pela Misericórdia que será
muito suave e com largura bastante para se poder desemba-
raçar as carruagens, etc. {Códice do Archivo do Jnst. Histórico
e Geo. Brás, Correspondência dos vice- reis 1763 — Í777,)
Não sei como conseguiria o condo da Cunha fazer subir
carros na hoje ainda muito Íngreme ladeira da Misericórdia,
Seu sucoessor, o conde de Azambuja, porém, preferira con-
tinuar a residir na nntiga casa da Praça, indicando & metrópole
o CoUegio dos Jesuítas para ahi ser estabelecido o Hospital
Militar.
Entre outras razões escrevia quo a nova ladeira era de tão
difflcil accesso quo para se ir ao alto — de paquebote — era
necessário amarrar-lhe as rodas com cordas !
Foi nesse ponto occupado pelo aterro da ladeira nova que,
a mou ver, foi levantado o primeiro hospital, grande galpão
de taipa do mão, coberto de sapo feito ás pressas para ac-
commodar os marinheiros enfermos da esquadra de Diogo Flores
Valdez.
Nas proximidaiJes do morro, tendo casa pela parto poste-
rior, apresentava fi*ente voltada para a praia ou antes para
o antigo forte (depois de Santiago e ora Arsenal de Guerra).
Além de um lanço quo ainda hoje existe junto ao edifício
antigo, é a minha opinião justificada pelo documeuto seguinte
que encontrei no livro dos Accórdãos( 1622-1658). Ref!ro-me ães-
criptura de 14 de agosto de 1626, pela qual a Misericórdia com-
prou, -a Francisco Fernandes, chãos partindo com casas que foram
de João Gomes Sardinha, que partem com esta Santa Casa de
A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA 45
uma banda e da outra fazendo canto de rua com a ladeira
e calçada que vae para o Gollegío e por trás com as casas que
foram de Amaro Affonso e diversos herdeiros, os quacs, ora são
da Santa Casa. Os prédios, parto do hospital, de João Gomes
SarJinha, haviam sido pela Misericórdia permutados com outros
legados por Gonçalo d' Aguiar. Essas permutas e compras foram
feitas no tempo da Provedoria do Prelado Ecclesiastico Ma-
theus da Gosta Moreira, também bemfeítor da Misericórdia.
Félix Ferreira, na sua Memoria, diz vagamente que o padre
Aborim emprehondeu grandes obras para ampliar o velho
hospital. Que o administrador ecclesiastico ora amante de con-
strucQÕes temos a prova em uma petição dirigida ao Conselho
Municipal e existente em um dos livros do antigo Senado da
Gamara.
Diz Simão Pires, pedreiro, que tem cem braças de
terra no districto da Carioca, por uma carta de aforamento
da Gamara qao ora apresentava e porque elie snpplicante
não tem possibilidades para nellas fazer bemfeitorias neces-
sárias 03 queria passar ao Senhor Administrador padre Ma-
theus da Costa Aborim por lhe serem muito necessárias em
razão de terem feito nellas ambos uma olaria para se fazer ti-
jolo e telhas para muitas obras que o dito senhor queria fazer
e fasta nesta cidade^ pedia houvessem por bem lhe darem li-
cença para traspassar ao dito Matheus e darem-lhe nova carta
com as originaes obrigações — Daspacho — Qao pagando o
foro que pagava Simão Pires lhe farião aforamento para pre-
fazer o tempo qae faltava ao dito Simão Pires da quantia de
dois novos annos declarados e nomeados na primeira carta que
o ditoSímáo Pires teve de aforamento desta Gamara. ~ 'Em
29 de outubro de 1611.
Antes de, succiotamente, descrever as condições topogra-
pbicas do velho hospital, no primeiro quartel do século jpassado,
algo dlret acerca das suas visinhanças.
Situando no pequeno largo que tomou o nome de Mise-
ricórdia, tendo em frente a terminação da Ladeira Nova, a
antiga casa de caridade estava contígua ã cgreja e em seguida
a esta corria a flrontaria do ediâcio do Recolhimento das Orphãs
(hoje Escola de Medicina).
46 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Neste ponto desembocava o Becco dos Tambores, cortando
em angulo quasi recto o becco do Calabouço, em cujo Am ficava,
até 1835, a antiga entrada da Casa do Trem, depois Arsenal de
Guerra. Este becco (do Calabouço) não era mais que o prolon-
gamento da antiga rua Direita, da Misericórdia para S. Bento.
Do lado opposto do hospitat abria-se o Bec^co do Trem e junto a
este viase a Casa dos Expostos, construída em 1821 (hoje Biblio-
theca da Faculdade de Medicina).
E' de notar que não havia o angulo hoje existente no edificio
do Arsenal. O local occupado por um janpo do quartel de arti-
lharia, foi demolido, quando ministro da guerra José Clemente
Pereira, de sorto que o becco do Calabouço principiava junto do
becco do Trem, em frente à portaria do Recolhimento, piesente.
mente occupada pela casa do porteiro da Escola de Medicina.
Quem quizesse passar do largo da Misericórdia para Santa
Luzia tinha dous caminhos a seguir : pelo becco do Calabouço
dobrava o becco dos Tambores e depois o do RecoViimento (por
detrás deste edificio), continuava pela rua de Santa Luzia, dei'
xando á esquerda o cães do Vigário, assim chamado por ter re
sidoncia, alli, o padre Bernardo José da Silva Veiga, parocho de
S» José.
O becco dos Tambores era bastante estreito e foi alargado,
demolidas varias casas compradas por José Clemente Pereira,
quando teve de ampliar o Recolhimento. Desse logradouro pu*
blico, doado pelo benemérito provedor, apoderou-se o governo,
fazendo, ha annos, construir, alli, o edificio do Laboratório de
Hygiene.
A segunda passagem podia ser feita por baixo de um arco
(como o do Telles) formando uma espécie de tunnel ciga parede
superior era o soalho do !"> andar do Recolhimento. Esta pas-
sagem alumiada á noite por um lampião de aceite de peixe era
perigosa. Alli reuniam-se mendigos e gente da peior espécie,
havendo constantes desordens è praticas de actos de pouca
moralidade. Foi fechada em 1837. Ainda hoje, se notam os ves-
tígios do arco na froate da dependência, occopada pela Empreza
Funerária para fabrico de caixões. Por essa passagem deixando
â esquerda o becco do Recolhimento e á direita o lado do Evan-
gelho da Egreja ia se ter ás catacumbas, parte das quaes ainda
A SANTA CASA DA MISBRICOHDU 47
86 notam na Botica Velha e, costeando o lado do Hospital
velho da parte do mar, sahia-se ao lado do Cemitério Novo^
eqjo muro principal olhava para a Praia de Santa Luzia.
Ck>mo ô sabido, o velho cemitério, que fUncoionou até 1829,
estava mais para junto do morro do Gastello, perto de uma das
enfermarias de dmrgia, situadas no pavimento inferior dà
parte do velho hospital, demolido para construcçâo das obras
do novo, e encetadas no tempo de Jos6 Clemente. Foi no referido
anno (1829) que a Misericórdia obteve do governo do primeiro
Imperador, mediante certas condições, a faculdade de ampliar
a área do primitivo e antiquíssimo cemitério, onde, por annos
e annos, foram sepultados milhares de cadáveres.
Voltando ao largo, e contemplando a fachada do templo,
notarei qne esta nada roíhreu em suas condições de architectura.
Somente as duas janellas, gnamecidas de grossos varões
de ferro, ha poncof annos foram substituídas por balaustres de
mármore*
Ck>nvém lembrar que, no átrio da egreja foi sepultado
como pedira em testamento, o provedor Thomô Corrêa de Al-
varenga, cd^ serviços á Misericórdia foram dignamente com-
memorados por Félix Ferreira, em sua interessante Ifsmorúx.
Thomé Corroa, como é sabido, governou por vezes a Capitania
do Rio de Janeiro, e, em 1661, foi o bode expiatório das iras po-
pulares, quando substituía Salvador Benevides, ausente em São
Paulo, no entabolamento das minas. ^ ' -
A fachada do hospital velho apresentava, como ainda hoje,
além do pavimento térreo, mais dois superiores com sois ja-
nellas. Estas foram por muito tempo de peitoril, guarnecidas, a
principio de rotulas, de madeira e, mais tarde, por grades de
íSnrro. Isto vd-se perfeitamente no retrato dobemfeitor capitão
Manoel Jorge da Silva, fallecido em 1820, existente na respe-
ctiva galeria.
Até & provedoria do Dr. Manoel Corrêa Yasques (1734), o
hospital apresentava um só pavimento superior. Nesse tempo,
havendo afiSnencia de enfermos pensionistas, a mesa deliberou
constrair um segondo andar, passando para elle a Sala do Des-
pacho e destinando o primeiro para aquelle alludido âm. Em
tempos mais próximos, no primeiro andar funccionou por muitos
48 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
annos a secretaria, da qual foram chefes o velho Caminha e
Daniel Colonua. Hoje, estÀallí um dormitório de asyladas e no
segundo pavimento funociona a maternidade, a cargo do Sr. Dr.
Feijó. ( Enfermaria n. 27.)
Construído aos poucos, conforme as rendas da Irmandade, o
augmento da população e a affluencía de enfermos, o velho hos-
pital não podis^ obedecer a um só plano regular ; dahl, os prolon-
gamentos e accrescimos que, ainda hoje, na parte conservada se
notam.
As -primitivas enfermarias foram oonstruidas, como re-
feri, junto ao morro do Castello e separadas da egreja por
prédios.
B' esta a parte mais antiga. Em seguida, por meio de
compra ou de doações, a Confraria conseguiu unir as antigas de-
pendências ao lado da epistola do templo. Essas duas partes
completamente melhoradas, ainda hoje podem ser vistas.
Mais tardo, segundo se lé dos livros de AccordOos^ foram
oonstruidas novas enfermarias, buscando a direcção da praia de
Santa Luzia. Esta terceira parte, relativamente mais moderna»
desappareceu para dar logar, como disse, ãconstrucção da mo*
derna e sumptuosa casa hospitalar, levantada por José Cle-
mente.
Desta ultima porção demolida darei idéa soccorrendo-me do
mappa de Domingos Monteiro, do que por muitas vezes ouvi do
Dr. Pereira Portugal, antigo director do serviço sanitário, de
velhos empregados e de testemunhas que ainda vivem. Era
constituido por um vasto parallelogramma, em ci\jo centro exis-
tia um pateo ajardinado, tendo, no meio, profundo poço. Do lado
esquerdo de quem entrava existia a continuação do longo corre-
dor que começava na portaria. No fim delle, havia uma porta,
por onde a noite os escravos do hospital faziam os despejos, na
praia próxima.
Do lado esquerdo, ainda no pavimento térreo, viam-se os
quartos de empregados e, no lado do fundo do paraiielogramma,
os quartos e enfermaria de doudos. Voltando pelo lado do morro
oxistia a grande enfermaria de que falia a commissão de 1830»
cortando em angulo recto duas outras pequenas salas, também
de cirurgia.
A SAMTA CASA DA MISERICÓRDIA 49
No pavimento superior eiistíam as enformarias de medi-
cina, as quaes, no dizer de Debret, eram em numero de seis. Não
tinham essas salas janellas, mas amplos mezaninos, collooados
sem grande altura das paredes. Nas proximidades, notavam-se
outras Tarias dependências, taes como deposito de utensilios»
cocheira, telheiro, gallinheiro, etc.
Na segunda parte, ainda conservada, existia a portaria (hoje
sala do banco do gabinete de gynecologia). Alli estava postada
uma guarda para evitar distúrbios entre empregados do hospital,
enfermos, convalecent€se soldados dos quartéis próximos.
Ao lado esquerdo de quem entra, além do altar de que j&
falei, vê-se ainda a escada da antiga secretaria e a porta da
Casa da Fazenda deitando uma janella para o largo.
Ao lado direito, abre-se a porta de uma sala (clinica gyne-
cologica] . Este aposento e outro quo lhe fica próximo eram ou-
trora occupados pela Botica e Laboratório. Xo segundo delles,
effectuava-se depois a extracção das loterias. Seguia-se o
grande corredor, tendo á esquerda, além da sacristia da egreja
e o pequeno pateo annexo, a dispensa e um quarto de deposito.
Esses dois compartimentos, completamente transformados,
servem hoje de sala de descanso aos Irmãos da Misericórdia, em
occasião do festividades.
A' direita^ estão ainda quatro arcos que, com mais doze, cir*
culam pelos outros três lados, pequeno pateo, em cujas galerias
vêm ter diversas accommodações, que em outros tempos tiveram
diversos destinos, bem como casa da lenha, deposito do farinha,
quarto de empregados, etc.
Existia também alli uma escada antiga que dava accesso
ao primeiro pavimento. Neste notavam-se diversos quartos
sobre as galerias ou corredores do patoo, transformados hoje
emdarog e espaçosos corredores.
Nesse andar estão hoje aproveitadas as salas onde fun-
ccionam as 23 o 25 enfermarias, para os quaes se sobe por ampla
escada moderna. Ha ahi mais outro pavimento superior occu-
pado pela enfermaria das velhas (26), circulada de amplas
Janellas por onde penetram fartamente ar o luz.
Na parte primitiva *do velho hospital e no pavimento
térreo estava a' velha cosinha e outras muitas dependências
491 — 4 Tomo lxix. p. i.
50 REVISTA DO INSTITOTO HISTÓRICO
gujD soria fastidioso mencionar. Na parte superior existem liojo
dormitórios do asyladas, quarto de irmãs de caridade, sala de
costuras etc.
Tal era em rápida e qai;& eafadonha descripção o hospital
Tellio da Misericórdia, o qual terá de desapparecer; mas que
em todo caso presta ainda bons serviços á pia e benemérita
instituição.
Em differentes paginas da Memoria de Félix Ferreira en-
coutram-se vagas noticias sobre os antigos facultativos do Hos-
pital o seus ordenados, serviço, enfermeiros, receita e
despeza, tratamento dos soldados e contracto que tem a Santa
Casa com os homens do mar, despacho marítimo, serviço
Amerario, etc.
Em 1798, era este» segundo o Aimanach de Duarte
Nunes, o pessoal clinico : Médicos — os Drs. António Fran-
cisco Leal o José Carlos de Moraes, cirorgião-mor João
António Damasceno, dito do Banco o cirurgião José António
Pereira de Godoy (Bisavô do Dr. Oscar Godoy) o Boticário
Joaquim Custodio.
Em sua obra, Sigaud apresenta uma estatística do movi-
mento hospitalar do 1821 a 1842, a qual lho Tora fornecida pelo
Dr. De Simoni. Notava o illustre medico francez que a mor-
tandade se mantinha em grau elevado por motivo da entrada
tardia dos doentes no hospital, grande parte delles indo (como
ainda hoje acontece), reclamar soccorros em estado adeautado
das moléstias.
Sobre preciosas informações acerca da estatística da
Misericórdia, tanto do velho como do novo Hospital» não
posso deixar de citar o paciente trabalho organizado pelo
Dr. Pires de Almeida e publicado no Jornal doCormniercio
de 2 de julho de 1899, sob o titulo Movimento do Serviço
Interno e Gratuito do Hospital Geral da Santa Casa de
Misericórdia desde o Anno Compromissal de 1G98 — 1699 a
1898 — 1899.
Ao terminar estas simples notas, tenho a declarar que não
me propaz escrever o histórico da grande o trisecular insti-
tuição, mas 86 estudar certos pontos obscuros, devido ã falta de
documentos.
A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA 51
Quem precisar de mais amplas noticias, é dirigir-se ao
Dr. Bernardo Ribeiro de Freitaff, a qaem, em boa hora, a
Administracçâo actual confiou a organisação do Tombo da Santa
Casa e de seu riquissimo e precioso Archivo.
1905
Dr. José Vieira Fazenda.
CARTA
Ff.. Francisco de Menezes paia o Duque de Cadaval
SscripU lo Rio dê J&nairoi sobre a iaV&sio de Dadero
( 1710)
(Copla extrabida do Códice Msa. n. 00?, de As. 1^ a 167, exitiente na
Real Blbllotheea Publica da Cidade do Porto e reprodaiida no Códice do
IneUtuio Histórico e Oeographico Brasileiro com o tltnlo — Doewnenton varíoB
9còrê o BrazU • Diff'êr$ntei'Arehiv08)»
Nota — O aignaUrlo desta oarta é o celobre Trado qae^antai
façanhas praticou em as lutas ontre paulistas o emboabas.
Famigerado caudilho do dictador Manoel Nunes Vianna, foi, por
este e seus sequaaes, encarrega lo da ir a Lisboa obter do Rei o com-
petente indulto.
Satisfeita sua, misaiQ volven aqualle religioso trinitario ao Rio
de Janeiro, sendo-lhe prohibido ragraisar ás Minas.
Nesta cidade asaistiu olle á invasão franceza de Duclerc (1710).
Conforme testemunho dos contemporâneos, Frei Meneses pra-
ticou actos de bravura, fazendo fronte aos invasores na altura do
morro do Desterro (hoje de Santa Theresa).
Co 0)4) ell^ mesmo f^ declara ao Duaue dp Cadaval, estava resolvido
a ypH^Í á |f)et^t)Q)e e pcftlWr-s^ | spa co|iyant^. Por ispo o seu
noma nao figura entre oa combatentes contra os soldados de Duguay
Trouin.
A cafU ppi guestâp cpntpin pcirtiouU rodados njÍQ mancionadas
nas chrooícas e rfa pcff«itaid(^a do caractar desse homem, em quem
mais assentava a farda de soldado do que o habito de sacerdote.
Algumas de suas previsões infelizmente so realizaram no anno
seguinte. São dignas Me nota suas consi(lorac<»e8 sobre as fortifícações
da cidade o a construccão da prçtendida muralha que, mais tarde,
edificada nenhum resultado deu. — C^l Votnmissão de Bfdaccâ^.}
Carla it Fr. Inmm Je Imms pira 0 Dsque de Cadaval, eeeripta
do tio de Janeiro, flobre a invasão de Dnelerf
Senhor — Acho-mo nesta torra, porqne assim foi Sua Ma-
gestado, que Deus guarde, servido, e como a V.Ex.* fiz presente
anti^s da minha parcida, e parece-me forçoso dar-lhe noras
delia para cumprir com a minha obrigaçfio, olhando também
para a que V. Bx*. tem para reparar o Reino, razão porque
não faço este aviso a outrem, e porque sepultará o meu erro, se
o merecer, ou remediará o que for possível, sem me entalar.
Aqui vierão os francezes em 17 d' Agosto, vindo por um
avizo de um pescador do alto, que apparecião, de que se re-
solyeo o Governador Francisco de Castro de Moraes a toear a
rebate naquella noute e nella cuidadosamente remetteo a guar-
nição que lhe pareceo necessária. No dia seguinte de tarde Com
a viração costumada quizerão os 6 navios, bnma Balandra, que
era 1 de 60 peçan, 3 de 40, e hum de 18 e a dita Balandra, entrar
todos com bandeiras inglezas oomo J& presumíamos mal pela
noticia que o Paquete havia trazido ás fortalezas, lh*o impe.
diram para que deitassem primeiro lancha fora e querendo
continuar, por que os primeiros tiros forao sem baila, lhe tet
outros oom huma Colombrina, que lhe fez algum damno, e os
obrigou a leborarem-*se para fora, e se flzerão na alta do mar, e
na manham seguinte tomaram o rumo do sul. Segundo o que se
vio, vinha a entrar e assim mo disse o seu General e os mais pri-
sioneiros^ e dizem deixaram do o íh.zer por ser pouca a viração.
He certo que, se o fizessem, nos succederia mal pela primeira
tenção, mas havíamos de melhorar, sem duvida, com o tempoi
porque as fortalezas estavão muito mal prevenidas d*Artilherla,
por ser muito pouca, e que não canço a V. Ex*. eom a nar-
ração, a qual porei em papel á parte o a que estava montada,
com tão m&s carretas, como a experiência mostrou, que muito
50 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
poucas eatavão capazes para dar mais de doas tiros e por este
estylo estavâo as armas de pederneira e marrão. Desenganado
o Governador que Já nos buscavão 03 Francezes, que o não
podia c.*er, dou logo ordem a montar artilharia, fazer carretas
e mandar serrar reparos para cila com louvaTel zelo e trabalho
pessoal, sem se poupar dia nem noute, e fez mais naquelíes dias
até os primeiros de Setembro, que havia feito de 28 de Junho
até os 17 d'Agosto, que foi quando veio o Paquete, e quando
vierão & barra os Francezes ; c atrevo-me a dizer mais que
todos os Gk>vernadores flzerão ; he verdade que a paz que lográ-
vamos, lhe permittia essa omissão ; estes navios forão para a
Ilha Grande.
Em 9 de Setembro appareceram dous destes navios na
nossa barra, tocou-se a rebato com uma peça d'artilhai*iay
por signal que neste, assim como no primeiro, acudiram
poucos de fora da Cidade, porque se não ouvia como ou adverti
ao Governador, quoixando-se de que não vinhãOr o lho disse: eu
moro daqui 3 léguas, e não ouvi nom um rebato c esta torra
t&m longos de maia de 10 legoas, e oão é possível ouvir-se. Seria
bom que houve.^se mais peças ou signaes em lugar propor-
cionados e por Odta falta nos podia succeder muito mal,
83 os Francezes entrassem, o esto risco todo provinha da
má ordem do rebate. Pertendoram os Francezes deitar gente
em terra em uma praia d'onde chamavão Sapopênopáo,
distante desta Cidade duas léguas, a qual tom muito máu desem-
barque assim, porque o mar é nella multo furioso e, saltando, não
o podem conseguir cem se molharem, e as armas com muita
segurança nossa os pôde destruir e impedir. Os Paizanos da-
quella praia aentindo-os, lho flzerão alguns tiros, mas o certo
que os inimigos nâo desembarcaram naquella neuto, não por
serem sentidos, mas confessa que foi pela imposibilidade. Deste
intento do inimigo se fez avizo ao Governador, que logo pòz
gente pronta para hir tomar o encontro, pixra o que^nomeou
ao Mestre de Campo João de Paiva Sôto-Maior: como se reti-
ravão íoi escusado a marcha.
Bom fui conhecer- se a nica ao ioimigo para entrar,
porque até aquelle tomp3 havia muitas omissões, porque
dizião que o inimigo não queria desembarque, porém ainda
CARTA DE KR. FRANCISCO DE MENEZES 57
se faltou ao principal, porque um Vassallo leal sem lho
tocar por obrigação de lugar» me consta, advertio repetidas
vezes que do inimigo se devia suppôr grande resolução, bons
soldados e muitos que não vinbão de tão longe para fal-
tarem ás diligencias, e que elles erão soldados e nós bisonhos, e
como os successos corrião por conta de Deos, devíamos prevê-
nir^nos porque bem poiião bs Francezos ganhar a cidade, e
para podermos restaura-la, seria muito necessário fazer-se re-
serva de armas e pólvora fora, para o que nomeou o Campo de
Irajà, distante três léguas e 1/2 desta Cidade, sitio proporcionado
para todo o alojamento e conservação porque ficávamos senho-
riando a terra e senhores do mar por onde nos entrassem os
mantimentos, ficando pobres delles os inimigos e entrando estes
por onde o fizerão, era onde os podíamos esperar para que não
cheguem ã cidade, a qual nunca ganhava em vê-los, porem
como esto não governava cá, e só quem governa tem juizo,
rião-80 muito disto, e muito mais que era impossível entrar-no3
o inimigo por terra, porque os mattos o não permittião, ao que
instou o mesmo dizendo que o matto se não defendia por si, e se
era ajuda paranós.que era favorável para elles,e fechou dizendo
que erão os mattos do género commum de dous e que trácias-
sem de os prevenir e defende^*, porque o iaimigo não podia
entrar por outra parte. (Permita-me V. Ez^. osta oxtençãoque
toda é necessária,) porque a barra que os nossos suppunhão
impenetrável, disía este sujeito, ó a parte mais fácil e de menor
vUoo para o inimigo, porque tem pouca artilharia e menos Arti-
lheiros, porque pouco importa ter alguns, se estes o não en-
tendem, e que as virações mareiras costumão ser fortes em
muitas occasiões o que se perigasse algum, havião entrar
outros c, como trazia lanchas de desembarque, sempre se re-
mediaria. Ha de advertir que neste tempo não se sabia se havia
mais navios que os qu3 digo, pjrquo como havia apparociio
om varias partes, assim do norte como o sul, havia pre-
snmpção quo orão muitos mais e a razão em que fundavão
seu dictame era que o inimigo ainda que tivesse bom su-
cceiso, entrando pela barra e vencesse a Cidade, que nunca
podia lograr o intimo que trazia de senhorear e saquear, por-
que delxando-lhe nós por força de desgraça a dita Cidade,
68 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
nonoa passaria delia, teado nós aoade noa flzessemoi fortes e
tivéssemos munições que lhe impediríamos os mantimentos e
oom fiicilidade a restauraríamos, e na dita só lhe flcariio as
paredost e deste modo ficavSo sem despojo e sem conserração,
porque lhe faltava os meios : o entrando por terra, se Deus
lhe desse bom sucoossoque âcavão senhoreando um^ c outra
couza e oomo este era o seu intento, infaliveimento os meios
haviio de ser estes. Sem desfazerem estos fundamentos nem
apontarem outros, seguio-se a contraria opet*ação de que nas-
ceu ver- se esta torra arriscada, porque do reponte saltou o
inimigo em uma Lagoa ou praia pequena quo parecia incapaz»
e resoluto, em uma nouto oom lucernas, marchou até se alojar
em parte que se segurou, como estavio illusos os nossos per-
suadiram-se que o inimigo não queria marchar 14 léguas, que
tantas são para esta Gid ide, persuadiram s^e que querião fazer
carnes nos campos de Santa Cruz, contíguos àquelle districto, e
nessa oonsideração destacou o Governador um destacamento de
30 homens da ordenança e por Cabo delles a Jerónimo Barbalho
a unirse com o Capitão de Cavallos Josó Ferreira Barreto, que
era o Cabo que guarnecia aquella marinha na qual haveria 900
armas queoobrião, ontre outros Gabos, dous Capitães d'Infante-
ria, que hião com animo ou ordem para fazer embarcar ao ini-
migo.
A ordem que tinha o Cabo daqueila guarn}<^o polo que
soa, era para impedir o desembarque, porem como o não
advertio, não lhe ordenou o que havii de fazer, entrado que
fosse, o que se coUige de escrever o dito ao Governador que o
inimigo era entrando e lhe ordenasse o que havia de fazer, a que
respondeu, com o destacamento que digo, foi e eu vi mandar
sem mais ordem nem escripto que o que tinha dito. Continuou
o inimigo na marcha, de que avisou ao Governador ao mesmo
Cabo, mandou outro destacamento que, dizem, constaria de 10
homens, por Cabo delles ao Tenente General da fortifleação
José Vieira Soares, o qual hia a tomar*llie caminho, também
não levou Regimento para o que havia de obrar, variando o ini-
migo ou os caminhos ou as disposições. Escando o dito Tenente
General já a cavallo para marchar, chegou avizo que o inimigo
estava mais avizinhado a nós, e ainda assim não houve nova
CARTA DE FR, FRANCISCO DE MENEZES 69
forma nem Regimanto, lendo o^to que a íálta dellet, foi mo-
tivo para que os menos aaimogos oanzassem desordens, d^onde
naseeu rermog, apezar do noaao sentiofiento, Tencidas pelo
inimigo as impossibilidades que eu ouvia a todos que havia
nos caminhos, e, para dizermos tudo, marchou o dito as 14 léguas
em os 4 dias sem impedimento algum, e eu o vi assim, e assim
o escreveo o General Prancez ao Oapitão de Mar e Guerra para
dar parte ao seu Rei.
Com esta noUcia que sérvio para desenganar ao Governa-
dor e a todos» e pôde ser para criar muitos receios, logo sem
demora montou o Governador, seria meia noute, a cavallo, a
retirar a gente da marinha, e hi-la formar no Campo desta
Cidade, e quando amanheceo, o estavâo, e haveria 2.500
homens, porque as Fortalezas e algumas Praias estavEo guar-
necidas e naquelle tempo andavão fora perto de 500 armas» que
no destacamento e guarnição da Marinha, aonde saltaram os
Prancezes, havia hido.
Pela manham, principiou o Governador numa trincheira
que bastasse para íb.zer aigum reparo aos nossos. Como teve
mais tempo desistio desta e fez outra que principiava em o
monte de N. Senhora da ConceiQão, o acabava no monte de
Santo António, ficando no meio a Igreja de N. Senhora do Ro-
sário e, se fizesse 3.*, ainda havia do sor melhor, qae a pressa
nSo dava lugar a conhecer-se os defeitos.
Guarnecia com 6 peças d'Artilharia no torno diroito e no
esquerdo que era por onde o inimigo havendo de vir seria por
elle, guarneceo com 2 e uma delias ora coiqo pedreiro com
advertência que, se esto não era maior que o derradeiro, não
era menor, e isto com escândalo geral do Rxorcito.
Quando o Governador partiu de Caza para o alojamento
que digo, foi tal a confusão nesta Cidade, e verdadeiramente
não sei como o diga, foi de medo, que uma pessoa doendo-se
do desamparo, e prevendo o muito que faltava para o Exer-
cito, e que nada se previa e que nos faltavão 500 homens,
entre os quaes erão muitos Capitães d'Iofanteria pagos, e
Tenente Genoral da Praça e o da Fortificação, e que estes
não obravão nada, 6 verdade que pela desunião, outros
dizem que por medo de quasi todos, mas apegaram*se a
60 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
dizer: nós não temos Regimento nem ordem para aoaometter e
constava que todos esta vão espalhados, e tanto que um
Capitão pago vi eu vir só, e disse que vinha dar parte,
e eu me psrsuado que vinha recolhendo-se, para maior segu-
rança disse ao Governador que se lembrasse da gente que tinha
fora, porque não deixassem de obrar por falta de ordem ou que
a mandasse recolher e enoorporar com o Exercito. O Gover-
nador disse que era bom que fosse o Regimento» e que lho
mandassem sem dizer a forma, replicou o Sujeito: será bom que
vá assim, e assim conveio o Governador e, adiantando-se com
pressa, não houve tempo para mais.
Pouco importava hii* eate Regimento se, nio hia assfgnado
pelo Governador, e como a occasião presente não permittia di-
lações o havia mais dependências tão importantes ou mais, e
se via que delias se esquecia o Governador, levado de outras
attoncôes lambem precisas e communicar-lhe estas, parece im-
possível porque se ausentou o não ora fácil acha-lo, que as
partes aonde tinha de acudir, erão muitas e disparadas, e
elle falto de oíllcjacs.
Neste aperto mandou oste Vassallo Leal um recado ao 111°°".
Bispo que acudisse ao Palácio, que assim importava ao
• serviço do Sua Magestade, que Deos Guarde, e foi áquella hora
chamar á Gama o Ouvidor Geral e lhe disse que a terra estava
em grande risco pelas circumstancias referidas e que olla ora
muita : que viofse para o Palácio que jd havia mandado recado
ao senhor Bispo e junt.imento á Gamara, ao Secretario do Es-
tado, o a Jozé Corrêa de Castro quo havia chegado do gover*
nar S. Thomó, fará que consultassem o quo se devia fazer.
O Ouvidor rosolvoj com alguns dos quo hivião chegido quo
ainda que ora diíllcultoso o achar-sc o Governador, fossem a fazer
diligencia, por cllo, com cíTeito, foi escutado OuviJor Gemi,
José Corrêa do Castra o a pessoa que movia diligencia ; no que
se gastou até amanhecer, até quo o acharam andando na for-
matura do arraial, o mesmo vindo achar o Governador no
Palácio que se colhia para elle, lhe foi com bom modo e ami-
sado, que como dito tinha a causa que havia para não ter
mandado o Regimento, expressando! he algumas couzss para
elle que todns lhe pareceram boas e lhe recommendou segunda
CARTA DE FR. FRANCISCO DE MENEZES 61
vez que o mandasse fazer e o remettesse, com eHeito foi à Se«
oretaria e o lançou» cujo theor é o seguinte, para que a Y. Ex.^
seja tudo presente. — P. virA V. M.^^^na retaguarda do ini-
migo» de modo que não seja presentido delle e o nSo picará, sal-
vo elle o quizer com medos» porem no caso que os nossos na
vanguarda do inimigo o busquem nestes termos a todo risco
V.M^^. o accometta ; e sendo-llie possível vencer a marcha do
dito inimigo por diflèrente caminho sem que nisso corra risco o
menor Soldado, V. M.''* o façae se vá encorporar com o Tenente
General da Fortificação Joseph Vieira Soares e seguirá a ordem
que vocalmente tenho dado ao dito, porque ainda que lhe não
havia dito o que faria em novos incidentes, fiava-se delle e de
seu valor, acoeitasse as occasiões que o tempo lhe desse, mas
quando Deus não ó sorvido, nada basta, não houve mais que
desuniões, sem se faier nada que chegou a tanto, que Ignacio
Henriques Capitão da Guarda do Governador que se havia
offerecido para hir, se poz em termos de governar alguma
gente e mostrou o muito desejo que tinha de ver as nossas
armas bem succedidas e assim o vi eu em uma Carta e tudo o
que mais se obrou, e o que deixou de se obrar também vi.
O que ouço dizer ó que nunca se fizera Conselho para esta
guerra, nem se dispoz batalha ao inimigo, estando elle já á
vista, que á nossa fizerão eUes seu conselho, mas a n6s não nos
foi necessário, mas hia-nos custando muito caro e eu, como não
estava longe, não lhe vi forma alguma, nem soccorrer aos
poucos por livre vontade ou obrigado do zelo de Vassallos qui-
zerão tomar o encontro ao inimigo c sendo estos 850 que não
forão mais, ainda que haja quem lho queira accrescentar o
numero, nunca chegarc^m a fazer-lhe cara mais de 200 dos
nossos e sempre estes forão dos que não orão pagos e houve
encontro que não teve mais que 24, o se conservou com 1 1 como
foi no Desterro, o que supponho constará mais claramente das
Gazetas (ainda que pelo impedimento do Governador estão in-
capazes de se lerem e dar credito) e nunca o Governador soc-
oorreo aos nossos e isto mesmo fiz ató o fim, que durou a bulha
duaa horas e enti*ando o inimigo na cidade que a teve levada,
vendo o Governador não sei que esperava, até que um mais
ousado se foi a elle para acudir ao nosso Estandarte» que
62 REVISTA DO INStrrUtO HISTOniGO
suppuDha em olla no corpo d« Guarda que havia floadto em
Palaoio, teye a fortana que com a tal que erA de estudantes,
formaado-os em duas travessas fji*onteiras, deu 3 eurgas ao iiii^
migo para lhe fazer horror, enÉLmiando-lhe ettava guameoido o
lagar ; pdrque nao tioha geuÊe para esperar o iaiiMifo: nisto M
gastou largo tempo, nem com tacto isto acudio o GoTemador,
nem mandou saccorrer aos pobres rapazes, qae todot o erão
sem barba, que só se achavfto com alguns negros e pardos qoe
na oocasifto se lhe ajuntaram e pareceu a todos que já aio tinha
remédio e por estarazSo não vier^ soccore-ros: foi necessário
que o mesmo que havia sido causa de se fazer cara ao inimigo,
quo ficava estacado, recomendar ao dito capitão qne continnaíase
o receio ao inimigo com tiros suocessivos, mae qne nSo lhe
dessem carga redonda, porque o inimigo os nSo rompesse et
deixada esta ordem, se foi ao exercito e achando nelie multe
sentimento, porque sen etceptuaçSo de pessoa, suppanhfio todos
estar a cidade tomada, e p3r formaes palavras lhe disse o Gk)-
vernador: estamos mal, temos a cidade perdida, a que respon-
deu: perdido est& o inimigo 9em remédio, porque está atacado
oa rua direita em tal parte: e com gosto perguntou quem lhe
fez isso ? A companhia dos estudantes, o alguma gonte mais
negra e paixla que ajuntei, e continuou : agora é necessário fuo
vá uma companhia de estudantes de soccore-ros e vá um troço
de gente e mais grosso pela parto de S. Bento e da mesma se
lhe burna uma peça de Artilharia e eu o vou buscar pela teta*
guarda e o ficarei de modo que elle se dê por picado com adver-
tência que olie, se virar a cara sobre mim, os nossos o car-
reguem.
Até aqui náo vimes mal^ ordem que estas, quo nenhu-
ma emanou do Governador nem ello soccorreo, até este
tempo se conservava com o corpo de Exercito na trincheira,
teia que esperando o inimigo, ou que sappunha que elles haviio
deixado retaguarda, oomo se isto nao tinha remédio pam
abrigar-se mandando exploradores, e eu tiverap^, seg^e^'
nára, ignorar as operações que o inimigo fazia no meu pai2^,
quando sem risco podifto ser explorados.
Não duvido que ftiltasse este accordo ao Governador oií
a quem mandasse, porqne eu sen testemunha que no di» én
CARTA DE FR. FRANCISCO DE MENEZES 63
bulha (que lhe não sei outro nome) erão 8 horas da ma-
nham, não havia do nosso Exercito noticia do poder que o
inimigo trazia, e ora commua a opinião, que nenhum dos
nossos os tiahao visto porque muito os receavão e, se
03 vião, era tão longe e tão depressa, que' esta lhe não
dava lugar a formar conceito, e as novas que trazião erão in-
formadas mais de medrosa imaginação que da potencia visiva.
Este Portuguez se offereceu ao Governador para o ir fazer, e com
effeito o íéz de modo que se senhoreou dos que erão, e não só o
fez, mas lhe deixou umas bem de^jostas emboscadas que de
varias companhias havião sido mandados muitos can*ijód de
Arco o frecha e para os incitar mais prometteu a todo o soldado
até Ajadante que apresionasôe ou rendesse ao Cabo dos Francezcs
cem moedas de ouro e d'ahi pai*a cima :^00 o 400 mil róis a
qualquer escravo ou negro, e recolheu-se ao Exercito a dar conta
ao Governador o alegrar a todos, dando-lhes os parabéns da
grande viotoria que os esperava peios poucos que erão os ini-
migos, a quem avaliava em 600, havendo quem os tinha avaliado
em 800 e segunda vez havendo no Exercito duvidas e huma
pouca de gonto, para ali aparecião em uns montes fronteiros á
nossa trincheira, não mandou ninguém certificar-se, cuja falta
supprio o dito de seu motu próprio e como este mesmo não lhe
soíTreu o animo estar intrincheirado, entrando-nos o inimigo, não
ficou quem fosse explorar o campo e seguro a V.Ex."" que lhe não
havia de estar na duvida, ou entendo que cata se conservou
para terem pretexto para se conservarem mais decorosos, que a
verdade sabia Deus e não falta quem a entenda.
Com esta noticia que o inimigo estava estacado, mandou o
Governador a seu sobrinho Franciseo Xavier com a sua com-
panhia de forças ao do Corpo da Guarda, e, ao aparecer, o ferio
um Prancez em uma ilharga levemente, o qual hia fugindo a
unir-se com os seus, que ainda se conservavão na mesnrn para
só alguns, havião roto a companhia dos estudantes ; destes uns
avançaram ao Palácio os quaes valorosamente mataram uns os
estudantes, e renderam outros os que legaram com murrão que
ali acharam e os ataram ás cadôas. Emquanto os estudantes em
cuja contenda morreram 6, veio Gregório de Castro Mora»;,
Mestre de Campo e Irmão do Governador, e logo de uma bala
64 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
morreo, assim que apparecea e não tevo lagar de mostrar o
seu valor que lh'o suppunha. Neste couílicto houve algumas
mortes dos nossos, que por mal ordenado suocederam, e bem
se vio o que nelle faltou, o que tinha ordenado os quo até
aquelle tempo fiouve, neste não assistio, nem bosoou a reta-
guarda do inimigo, porque, inteatando-o, Ibe veio um soldado
mineiro trazer um prisioneiro, o qual levou ao Governador, que
lhe recommendou o quanto importava segurar-lhe a vida para
sabermos os intentos do inimigo e a gente quê trazia, e só o seu
respeito o guardaria, porque o vulgo irado o pertsndia matar e
sucoessivameate lhe foram levando prisioneiros e correndo os
nossos feridos por necessitados.
Neste conflito em que morreu o Mestre de Campo, morreu
valorosamente o Capitão de Cavallos António Dultra e enteada
Y. Bx.*" que esta S. Magestade obrigado a reconhece-lo assim
para que não desfoleçâo os que servem, porque o seu mereci
mento foi gi'ande, aqui me não leva aíTeição que eu nunca o vi
senão no conflito o outra vez, quando isto andava inquieto, mas
foi valente e se cá houverão muitos como elle, não duraria
tanto tempo a balha o seria batalha que deixou do o ser^ não
porque não houvesse occasião, mas que todos arecoavão, elle tem
um filho pequeno : sahio ferido em duas partes o Capitão Jozél
d' Almeida do 3^. Francisco Ribeiro, que veio da torra nova o qual
se houve com reconhecido valor, mais algumas pessoas, como o
Ajudante e Luiz de Matos, mas nenhum passou a excessos.
Hum Religioso dos 3»% filho de Angola, que aqui se
achava, a quem chamão Fr. António da Conceição, morrendo o
Mestre de Campo, ficando sem quem governasse, cujo desamparo
lastimaram os Soldados, sa oífereceu para capitanear e o fez
com muito grande valor, assim o ouço geralmente, que eu o não
vi, o um Clérigo chamado Josô Machado, filho de S. Paulo, depois
de fazer grandes façanhas: huma companhia a quem faltava ca-
pitão (sem lh'o matarem) mandou o Governador que a cobrisse,
eque fosse ter encontro ao inimigo á misericórdia, e sempre fez
tudo com ooniiecido valor. Não pareça a V. Bx.» affectação mi-
nha, porque o não sei fazer, a mesma noticia ha-de achar no
Vulgo, que estes são os que fallão verdade, até á rua direita
não appareceram soldados pagos e ofiioiaes nem ordens nem
CARTA DE FR. FRAXaSCO DE MENEZES G5
soooorros, porque uni que houvo, levou-o os Padres Fr. João da
Yiotoria natural deste Reiao e o Padre Fr. Igaaoio de Santa
Oatharina, ambos Religiosos de Santo António.
Finalmente, oonoluia-se a pendência com os Franceses leva-
rem uma porta de Trapiche» que serye de armazém de caixas
6 feebar-se dentro e render as armas e 1)andeiras e ficarem pri-
sioneiros á vontade do Governador e acharam-se dentro o nos
mais que havíamos prisionado, entrando feridos 600, que sSLo os
que hcge se achão, depois de morrerem muitos quo havião
sabido feridos.
Quando desembarcaram, ajustaram que medissem o tempo,
e que ao mesmo se achassem uns commettendo a Cidade., e ou-
tros batendo a Fortaleza de Santa Cruz» porem p vento ou Deus
fê-los desencontrar, de modo que os de terra chegaram á O* feira
19, dia de S. Januário, e os Navios a âi, dia de S. Matheoi o sup-
posto s4 vierão dous e a Carcaça, era notável o medo quo se
tinha das Bombas. Vierão chegando a dar fundo perto da for*
taleia, imaginando que os tiros delia os não offendessemi porem
acharam que lhe foi preciso levarem-se para mais largo espaço.
Naquelia nouto lançaram 6 Bombas. Como a distancia era
grande, parece, não proporcionava os tiros por serem as ditas de
menos conta, conformo ouvi dizer. Suspenderam-se estas bom-
bas por uma carta que o General Francez oífereeeu, ou lhe ia*
sinuaram, como é mais provável, a tempo que por o querer re-
mediar um Vasallo que havia principiado a destruição delles, of-
ferecendO'Se para hir reudel-as,queima«las ou mette-las a jÂque»
que o Governador o não quiz consentir e porque não tivesse a
desculpa do gasto que S. Mageetade podia fazer sem frncto, se
oífereeeu a faze-lo ã sua cu^ta, e que não queira mais que a li-
cença, e sempre S. Mageetade tioha da preza a parte que lhe
toca, e não tem duvida que havião de vir os Navios, porque es-
tavão sem gonte de guarnição. Isto se tem estraokado muito
nesta terra e deu motivos a varias murmurações que por outros
caminhos chegaram a V. Ez.
Assentaram 03 Franoezes com o Governador que viria para
dentro o fato dos Prisioneiros, e que nos venderião uma Sumaoa»
que nos tomaram na barra com as bandeiras inglezai e a carga
que trazia da Bahia e juntamente a Carcaça • que o procedido
^91—5 Tomo lxix. p. i.
66 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
seria para o sastento dos prisioneiros. Veio a parar isto em rir
ás claras a Samaca gue oomproa o mesmo Mestre delia» e a
carga não se sabe delia, e, se sabe, esoonde-se e a oarcaga dizem
e folao nisto rariamente, e, para dizer o qao sinto tudo sSo con-
veniências pouco úteis para a Corte. Com esta entrega se
acabou a guerra e se forão os Navios que estlverão neste
porto tantos dias que dava a entender que se ^ostavão
pazes o a gento assoUando-so, que tudo se compõem das
ordenanças, e as fazendas dostruindo-se, e nSLo ha safra d*as-
sacar este anno, porque vierão no tempo de moer, e se os Na-
vios se tomaram ou despediram logo, ainda os liomens acudi-
rião á sua lavoura; partiram d'aquL cm 18 d'oatabro, e
o que nos deixaram foi umas casas queimadas de um mer-
cador, que o deixou perdido, mas se elles entenderam que não
havião de vencer, deixarião tudo assollado, mas vinhão dizendo
que querião as Fazendas para suas quintas, e já algumas fica-
ram escolhidas.
Por desgraça pegou o fogo em a Casa dos contos em uma
pouca de pólvora que ardeo e mais uma morada contigua e do
mesmo modo o Palácio e Alfandega ; as duas moradas primeiras
não podião ter remédio, mas o Palácio bem se lhe podia
acudir e facilissimamente a Alfandega, porque esta era a ulti-
ma, e os Francezes ainda não esta vão por render, estavão prezos
em uma Caza com um grosso cordão e a gente que havia ainda
no Exercito e a que andava por demais nas ruas bem lho podião
valer, se houvera accordo, ou se quizessem, e quando o não
remediassem, acerto podião tirar-lhe as fazendas que tinhão
dentro e os livros, mas bem pode ser que fosse provldenoia di-
vina para se principiarem outros, que aquelles por velhos estavão
desencadernados.
Meu Senhor, nesta terra não ha mais que desordens, ninguém
olha para conveniências da Coroa, todos lhe roubão o que podem
Q o que não podem. Esta guerra fez gastar muita fazenda
real e as desordens delia teve a culpa do inceniio em que se
perdeu muita fazenda e fica com ella caminho aberto para
dizerem que se queimou o que lhe parecerem e dar despezas á,
sua vontade e crescerão dividas á Fazenda Real e aqui se nome a
quem lhe deve 90.000 cruzados, e disto ha muito, os Almoxarifes
CARTA DE FR. FRANCISCO DE MENEZES 67
dispõem da Fazenda Real como sua, mas Dão tem culpa
que elles não dão contas nem ha quem lh'as tome.
Não é o men animo dizer mal do Provedor, porque o tenho
em boa conta, ainda que com elle não tenho trato, tenho no-
ticia do 83U procedimento, mas este erro yem muito atrasado e
melhor constara d'onde nasce, mandando S. Magestade iníbr-
mar-se ; o mau é que não encontrará muitos que o fIsKão com
yerdado. He verdade que os descaminhos são tantos que se isto
se procurar não hão de poder encobrir tudo, e ainda que o Ou-
vidor Geral é na terra moderno, consta-me que sabe principal-
mente dos 90.000 cruzados. Grandes rendas tem nesta America
a Coroa, porem se S. Magestade não mandar reformar isto por
pessoa que seja izenta dos Governadores e de tal supposição e
verdade que se não deixe subornar, brevemente se achará sem
nada : os Governadores são os que dissipão a Fazenda Real, e
emquanto 8. Magestade não remediar e determinar nova forma
de despezas e que os Governadores não tenfaão jurisdição na Fa*
zenda Real, sempre hade ser assim, porque com a dependência
que delles tem lhe tapão a boca com o que pedem, e deste modo
se vive por cá inventando cada vez novos modos de dissiparem,
O Governador vendo que o inimigo entrou por terra as 14 le-
goas, que digo sem advertir, que de algum modo tem a culpa,
porque o não podia conseguir se lh'o quizessem impedir, porque
deixada a impossibilidade que tem pelos maus caminhos ásperos,
pastos estreitos, e que lhe podemos deixar todo sem manti-
mentos, e a maior parte sem agua, e que nos alojamentos se
lhe podia impedir sem muito risco nosso, até a dormir em bus-
car-lhe umas peças d*Artiiheria, fazer-ihe algumas minas e
que a tudo se faltou por falta de Conselho e resolução, isto digoe
eu, outros alargão-se mais.
Quer remediar o damno futuro com murar a cidade pela
parte da terra: esta obra sempre é boa, mas parece-me moito
escusada esta despesa, a qual hade ser muito considerável,
assim pela entidade da ub.^a, como pelos descaminhos que
hade dar ao dinheiro quem corre com ella, que tanto que ha
em que mexer, ha caminho aberto. Nesta cidade não podo
entrar inimigo por terra, salvo o deixarem como agora: isto
sabem todos quantos tem conhecimento desta terra : oella ha
68 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
mailft sente, e, se não vai nas listas do Governador, 6 porqae
ficaram fora» • se n&o puxou por negros e carijós ou ladios, que
são todos bons soldados, estes andio occupados nas minas por
quem governa, e isto nâo serve a Republica e para estes mattos
no 08 mais úteis : os negros esquecerão o tudo isto querem
remediar com amofinar a Bl-Rei, pedindo-llie soldados a tempo
que nesse Reino sio procisos para as Fronteiras.
S. Magestade tem muita gente para a defensão desta torra
e, quando lhe fosse necessária, c& a tem nas minas, que kão*de
acudir com presteza e pela parte de terra com pouca gento
se deíénde, e havendo quem governe, porom elles querem levar
isto a poder de milagres e terços, mas por isto os vi na occasião
enfiados» A verdade é esta: S. Magestade precisa Fover o lugar
de Mestrd de Campo em quem seja soldado ; este morreu, e tem
cá Pranoisoo Ribeiro, que ó o Mestre do Campo da terra nova,
que está incapaz de andar, nem eu o vi sahir fora e só no exer-
cito o vi, e para se pôr a cavallo lho trouxerão um banco e
ainda chegaram uns ofllciaes a pô-lo a cavallo: ou o não co-
nheço, nem elle nesta occasião mostrar o seu valor, que
será grande soldado, mas ainda que o tivesse, a idade ou
achaques o havião de escusar: este não serve a S. Magestade
deste nocdo.
Nesta terra tom S. Magestade um vaierozo soldado, quo é o
Tonente Qeneral da Fortificação, que ô José Vieira Soares, quo
nesta occasião o vi proceder com todo o valor, desprezando oe
maiores ris^sos : eu nunca o tractoi nem o conheci senão neste
guerra. Tambam procedeu admiravelmente o Capitito José de
Almeida, do 3« da Colónia, e sahio gravemente ferido ; também
o não conheci senão na occasião presente. Dos mortos com grande
valor o Capitão de Cavallos António Dultra: estes são os a quem
a fama publica valentes ; fora estes, ha outros que por ordinários
■e lhe não sabe o nome, e também ha muitos que o fkvor de
quem governa quer fazer valerozos, ainda que na occasião o não
mostraram.
Os Navios franceses baterão com muitas bailas e bombas a
Ilha grande, a qual o Governador com boa advertência tinha
guarnecido ; pouco ou nenhum estrago fizeram, nunca poderam
saiter em terra, por lhe sor impedido pelo cabo, que era o
CARTA DE FR. FRANCISCO DB MENEZES 69
Capitão João Gonçalves Vieira, do S.*" da Ck>loaia, o qual é vos
ooQStaato haver obrado com grande valor e admiração de todos
e s6 lhe mataram am Alferes, porque se oonservava bem en-
trincheirado, c, supposto foi desamparado dos Paizanos, sempre
se defendeu com igual animo. Os Paulistas moradorei de
Taubuaté e de Goratingaetá pedindo lho soooorro, lh*o derio,
e com isto mostrarão a sua lealdade de que se presumia
mal e o mesmo derão a Parati, que guarnecia o Capitão Fran-
cisco de Seixas, que não sei de que 3.» he.
Com o aviso que o Governador mandou logo a Santos ouidan-
do-se fosse por là o acoomettimento dos inimigos, se preparou o
Governador, que houve com todo o lello e cuidado, e se pos de
modo que não entraria o inimigo. Pedio soocorroa S. Paulo«
que lhe veio logo um grande e com louvável zello, porque tudo
o que era capas de armas veio, e mostraram que não querião
Rei Francês, no que tiverão grandes descommodos, por ser muito
o tempo que esti verão fora de suas cazas e muitos gastos.
António de Albuquerque, como conheceu o erro em que
havia cabido de se auzentar de S. Paulo, aonde Francisco do
Castro avizou das novas do Paquete e que havia mã presum-
pção dos Paulistas e desprezar a mesma noticia que lhe mandou
o Mestre de Campo Gregório de Castro ( que morreo na occa-
sião presente), o qual estava nas Miuas por ausência do mesmo
António d*Albuquerque escrevendo^ihe que elle tinha aviso de
seu irmão o Governador, que se espera vão por instantes os
Franceses no Rio, ou em Santos pelo que se recolhia acudir, e
que as Minas não necessitavão de nada, estavão sujeitas, que
saria muito conveniente não se ausentar de S. Paulo aonde
estava, como o não entondeo assim, foi para as Minas, e chegado
a ellas teve a certeza da chegada do inimigo : voltou logo para
S. Paulo com muito trabalho, e deixou ordem para com aviso
seu partisse um d."* com um Capitão-Mór para esta cidade,
outro para Parati, que ó perto do mar, outro para S.Paulo, tudo
se escusou com o bom successo que Deus nos deu em duas horas
depois de tudo concluído, e' passados mais de 15 dias proveo o
Governador em Capitão a seu Sobrinho e alguns postos mais ;
veio reparar assim no tempo em que fez o provimento, como
nas pessoas de que ha bastantes queixosos.
70 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Seguio-se a esta victoria uma novena de festas sempre com
luminárias a que obrigou o Governador em varias Igrejas com
Senhor exposto e sermão, o que alguns chamarão sátiras ao
Divino, porque consta vão de que por milagre se venceo e eu não
vi milagre mais escusado, porque nós éramos muitos ( se todos
brigassem ou tivessem essa ordem ) e elLes muito poucos, festas
de Cavalio e no fim uma procissão de triampho com carros
triumphantes. Em um delles hia nma figura com uma bandeira
alvorada com as armas do Governador e ao pô delias as Armas
d*El-Rei de Franga, e os mais Estandartes Francezes os ievavão
figuras a cavallo assas pizados : tudo parecia não só escusado,
mas vergonha nossa, que tudo mostravão ao3 Prisioneiros, huni
se rião, entendo quem aprazivel gosto tinha, d'onde inflrião o
quão temidos havião sido ; outros chora vão, não entendo porque,
mas não lhes faltavão motivos ; outros se escuzaram de ver, e
alguns pregantaram se Portu^;al havia conquistado a EI-Rei
de França e despojara do seu Reino : estas festas, de todos
forão estranhadas, só serviram de mostrar-se aos Francezes, a
muita gente que a Cidade tinha, sem entrar as das mais povoa-
ções, porque, como no conílito a não virão, ficaram na duvida
se era por medo ou por não ter tanto de que agora lhe fica o
conhecimento para olreeeio.
O General Francez a quem chamão Duderc está no Col-
legio, ó fatal homem; e eu assim o experimentei, porque
estando ajustando a íórma do Quartel que o Governador
me havia encarregado, porque eu não vim no que elle
quiz, me disse estando sem nenhum partido que o negocio para
oUe não estava acabado e que para elle não havia empreza que
por diíficultosa deixasse de emprohende-la, ao que eu lhe re*
spondi pelo mesmo theor. Aponto ist j para dar a conhecer o seu
animo. Com elle vem cavalheiros de grande supposição e Cabos
do mesmo género o uns que deixaram de o ser em França, para
virem na occasião e muitos guardas marinhas : eu disse e
apontei ao Governador o ao Ouvidor que seria conveniente que
estes ao monos o General sem se faltar ã palavra, se podião
impossibilitar de voltarem á França, mandando-se para Ben-
guela e Caoonda, outros para Moçambique para onde ha aqui
Navio, outros para Cabo-Verdo, terras onde se vivo pouco e
CARTA DE FR. FRANCISCO DE MENEZES 71
agora partio nm navio do António de Albuquerque para Angola,
que podia levar alguns, que Portugal aoommoda-lhe que eate
General não torne á França e não se lhe tàz injuria, porque são
4!onqui8ta8 nossas, e não nos acommoda tê-los nesta, o se morre-
rem naquellas, seria por conta e risco seu, e peor nos íázem
aos nossos prisioneiros que rendendo-os em as nossas fronteiras
08 mandão de Castella para França, que não é província sua,
porem como o não vejo fazer não deve ser bom o meu diotame,
porque o Governator tudo quanto tem entendido, tudo tem
obrado e confesso ser bom servidor d'£l-Rei, principalmente
para a paz, e nunca lhe conheci erros da vontade, só lhe noto
não ouvir nem querer consultar o que ouve*
Ouço aqui fallar em que se quer fortificar a Ilha das Cobras»
oiijo trabalho será muito prejudicial a esta terra« porque é uma
ilha junto & Cidade em lugar emminente a ella em uma ponta
e» se o inimigo entrar as Fortalezas, em a ganhando, já
assolla a cidade, e mais facilmente achando lugar em que
monte artilharia, se não uzar da nossa, que para se defender e
guarnecer a dita Ilha, ha de mister mais de 2.500 homens, e se se
nãohade guarnecer de gente, para que se fortifica? e se, a
guarnecer, empobrece a cidade, e expoem-se a que se não possa
retirar, porque podom sor impedidos dos inimigos : e esta ilha
se pode conservar como está, e para oífender ao inimigo que-
rendo a occupar, da mesma Cidade se fará, porque nelLa tem o
monte de S. Sebastião, emmincnto a dita ilha e o de S. Bento,
que lhe fica tiro de peça ou da Conceição com pouca mais diífo-
rença, aondo se pôde fazer iluas cidadclias que não só dofendão
a Illia mas sir vão para guardar e defender a Própria Cidade o
se recollião as melhores, feitas estas, pouco importa que o
inimigo entro na Cidade, quo logo se sujeita c me parece que é
a única obra nova quo hado mister esta cidade. Eu não me
obrigo a acertar, mas devo dize-lo o parece me se so ponderar,
e^ta fortificação da Ilha que se não fará, e. fazendo se, será pela
parte do mar aonde só 6 conveniente para oflender os Navios
que quizerem bombear a cidade.
As Fortalezas da barra são as que bastão, mas não tem
a artilharia necessária, e a que pode ser nem Artilheiros,
e não se faz diligencia para que os haja, porque eu conheço
j
72 RRVI8TA DO INSTITUTO HISTÓRICO
60ta torra ha annos e nuoca Ti faser exorcioio a Ar4i-
Iharla, e a pólvora apodrece como succede a soldadesca. A
Barra tem 8 fortalesas e, se se fortificar tudo, não bas-
tará quanto o BraEil tem, porqae é costa, o que seria bom
conservar o que tem mal prevenido, que estando na terra
das madeiras, não tem as carretas reparos, e o mesmo achei em
Pernambuco, e que ve&hfto cabos para a guerra, qne para a pas
ha quantidade.
Eu lulo passei as Minas, porque António de Albuquerque me
escusou diiendo que maior serviço faria eu a S. Magestade
ficando nesta terra ; foi meu irmio Pr. Jerónimo Pereira a buscar
alguma cousa que escapou das perdig^os e determino com o &vor
de Deus recolher-me ao meu convento nesta primeira Frota.
António d*Albuquerque foi a S. Paulo, nomeou a 3 capitSes
de Infantaria pagos, passou as Minas e nomeou outros ainda
que estio sem patentos mas devia tratar por onde havia de
sahir com que se lhe pagar. Ató agora n&o tratou de cousa
alguma ; supponho que não teve occasião ou tempo. Os quintos
ainda estão com a mesma forma, que não pode ser peor, porem
assim accommoda a quem por cá está, masS. Magestade cada
vezoom menos lucros. Aigora se diz aqui publicamente que
Francisco de Castro manda para a Parahiba, que ó aonde ha
o registo do ouro e aonde pende tudo, a seu irmão Capitão
Francisco de Moraes ; fará tudo muito bem feito e emendará os
erros: 6 verdade quo ninguém o suppord, porque o lugar ó sus-
peito, o Provodor irmão do Governador não será mau. mas não
parece bem. O negocio desta terra feito para as Minas cada vez
tem mais abrolhos ; ainda quos. MagostadefVanquea o caminho,
taes intelligencias lhe poom que tudo se virá acabar de todo e
só virá a servir para os quo govornão e mexem e. se ello
hado ser assim, melhor será que S. Magestade o faça por sua
conta. Já que o Reino está tão empenhado. Agora tem inven-
tado o Governador que haja uma Companhia do Mineiros nesta
terra ; veja V.Ei.» como pôde ser isto, uns quo são almocreves
da estrada, os que d'qui escapão, que sempre tem passagem,
tanto que ha moedas, não tornão.
A estrada da Bahia se conserva impedida, mas é para que
renda mais, porque todos entrão e difflcuUosamente terá isto
CARTA DE FR. FRANCISCO DE MBNBZES 73
remédio em qasmto não governar pessoa de consciência e deseje
servir a S. Majestade e a Ooroa. Elias estfto qnietas, mas
reoeio-lhe alguma inquietaçio se lhe lerantarem o 3/, porque
nelias nSo ha senão gente qoe entra e sahe eom negocio e mo-
radoresde S. Paulo que vem buscar ouro para se reoolherem
em suas eazas e muito poucas pessoas assistentes, e estes n&o
devem ser soldados.
Os mercadores que são os que povoão oom continuo curso as
Minas se os fizerem soldados, âcão impossibilitados e os Paulistas
se os ftierem solteiros ha poucos, os casados hão de hir-se e
todos senão se inquietarem, fuglião, e despovoão-se as Minas
que o estavão, porque quem se receava» hia para ellas viver,
e quem necessitava, agjra poem-se em termo de fugirem todos
delias, e não ha metter-lhe na cabeça que as Minas as povoon
a isenção e o commercio, este evitado tudo se desva-
neceu.
Nas Minas, estando como estão quietas, não é necessário
3.<> pago, bastará quo o haja, e 03 Capitães sejão em districtos
repartidos para quando for necessária alguma diligencia a Aise-
rem que no Sertão não hado haver invasão dos inimigos, e
estes Capitães podem ser dos que residem e ter-lhe S. Magestade
respeito ao serviço que fizeram que sempre será a maior parte
com escravos seus e cuido que só servira para alguma prisão oii
observância de alguma ordem, o para guardado Governador
bastará que hajão duas Companhias, como esta terra tinha
quando ou a conheci o todo o Brasil; o mais é talhar obra,
gastar tempo, atropelar os Yassallos, podendo aproveita-lo em
grangear para a Coroa muitos milhões e cobrar a multa fazenda
que S . Magestade tem perdida nas Mimis, como eu apontei a
D. Fernando Martins Mascarenhas, que não emporta em pouco,
mas o Governador tem muito a que acudir, não pôde tudo :
finalmente matérias de tanta importância deiza-Fas & disposição
de um, (^ não as querer ver bem snccedidas, muito perdoo S.Ma-
gostado em o Bispo não hir ás Minas como lhe ordenava, mas
havia de ser ouvindo-o e servindo-se do seu parecer» que 6 um
sorvidor d'El-Rei, e tem claro entendimento, mas estes não são
os que servem ; parece-me que não hade ser António de Albu-
querque o que hade servir a S. Magestade de lhe aocresoentar
74 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
as rendas nas Minas, vejoo muito divertidQ oom o negocio e fiii^-
se muito dependente dos homens.
Agora quando ohegou ás Minas mandou pedir ao Capitão-
Mór e Superintendente do Rio das Velhas oavallos para virem
a Parati buscar 300 cargas, e porque neste tempo lhe chegou a
nova dos Francozes, se aproveitou para comboiar mantimento
para escravos seus que tem a minerar em outras minas. S. Ma-
gestade deu liberdade aos Governadores para negociarem, hade
logo encontrar-lh'o, porque elles o obrigaram: até agora sempre
governavão e negodavão, mas era com receio, sempre tinhSo
mão em si, agora tem o mesmo soldo que S. Magestade lhe
accrescentou quando lhe prohibio o negocio, e vfto pondo isto
em taes termos que já não ha negocio senão o sen, negros só
são para quem governa e tudo, mas elles vão-se conservando
porque impedem cartas para ess3 Reino e d&o-lhe a côr
que qaerem, e, se vão algumas, vem-lhe á mão, ou a noticia,
e vingão-se.
António d'Albuquerque as Impedio no Paquete, agora o fás
Francisco de Castro e as Gazetas ou RolaçOes das operações do
inimigo e das nossas e também a algumas pessoas que lho pa-
recem falarão, e querendo a Camará escrever a Bl-Rei a não
tem deixado, parece até querer notar a carta, se Sua Magestade
não acudir a isto não sabarã o que cã se passa, c querendo
mandar um Procurador lh*o não deixa embarcar, cã se governa
despoticamente, e ho mal quasi sem remédio.
Sobre estas guerras não quer que vá carta, eu faço esta o
entrego-a ao Capitão do Paquete.
Todos os annos esta Costa do Brasil 6 infestada pelos Fran-
cezes G sempre dolla levão um grndo cabedal o vera com toda
segurança, porque sabem não ha com que se lho faça mal isto
haver mister remédio; ou bem vejo que S. Magestade teve aqui
uma GuarJa-Costa, o que lho fez oxccssivos gastos, mas se
S. Magestade castigara isto, estaria capaz do pôr agora outra.
Eu escrevo esta que bom mostra o ser minha, porque vai
desencadornada, oscrupoliso se não der esta conta, se a V Ex*
lhe parecer alguma couza destas convenientes o remedeie, e se
informe, a mim desculpa-me o zello, o o ser para V. Ex."
me anima, só ro.i^o a V. Ez.« me não dô por Author, não
CARTA DE FR. FRANCISCO DB MENEZES 75
porque falte á verdade, maB tenho cá em qae se me (Saga mal,
razão porque me nio aooommoda, e porqae perderá por minha
a informaçfio.
N08S0 Senhor oonserre a V. Ex.* a vida para oonserracio
do Reino e protee^^ dos seus Capellãei e o guarde por muitos
e felizes annos. Rio de Janeiro 6 de Novembro de 1710.
De V. £x> Ex.»» Sr. Duque do Cadaval. Humilde Greado
Fr, Francisco de MensMes.
CARTA
VíWmR»! do Brtzil Conda dt Cunlii
A FRANCISCO XAVIER DE MENDONÇA FURTADO, ACERCA DOS MOTIVOS
QUE TEVE PARA PEDIR NOMEAÇÃO DE SUCGESSOR
(1767)
(Ezirabida do Códice do Inatitato Histórico G«ographico BrftxUoiro —
Doe. — STÍ ~ Archivo do Conselho Ultraniarioo — Rio dê Janeiro ^ Com$-
pandmêia doê Vieê-Reia — i763 - ÍTTÍ,)
A presente carta é a juatificação do Conde da Cunha, mal apre-
ciado por algana historiadores. Gomo poderia elle continuar a go-
vernar bem, tendo contra a si os militares, os commerciantes, os
membros da Relação e o próprio clero, inclusive o Bispo ?
(Xota da Commissão de Redacção,)
Oarta do 7io6«Bei do Braiil Conde da Ouha a Franelsoo Xavier de
ICendoBça Fiurtado, aoeroa doi motWos que teye para pedir
nomeaçio de BiMcetsor.
Iltmo. o Exmo. Snr. — Na ultima occasião em que tive a
honra de me pôr aos reaes pez de £1 Rey Nosso Senhor, lho pedi
(com aquella perturbação que naturalmente costumo ter na sua
real presença) que fosse servido mandar-me um sucoessor logo
que lho constasse que por cauza de minha curta capacidade
obrava alguns desacertos, e porque a Praça do Lisboa e a desta
terra, descobriram em mim muitos que eu não sabia que o erão,
pois 00 de que elles me podem criminar serão tão somente, os
de se terem executado flelmento as reaes ordens, que Sua Ma-
gestade foi servido dar-me na sua regia carta de 16 de Dezem-
bro de 1753, para serem prezes e sequestrados os eztraviadores
dos seus reaes direitos, não me podia persuadir que observando
eu religiosamente, o que na mesma real oarta se me ordenava
eicedia a minha obrigação, porém para me capacitar de que não
sirvo, nesta parte, a meu amo tão bem como devia, basta-me o
ver que o mesmo Senhor me manda promover o zelo com que o
sirvo, com a prudência e a dissimulação, e como não obstante
esta determinação, não alcanço o como a posso praticar, peço a
El Rey Nosso Senhor, que se alguns dos meus serviços tem ai*
gum merecimento, por remuneração delles, me íaça a merco de
me mandar suocessor, pois também por outros motivos que
nesta referirei se vô, que com bastante cauza peço esta graça,
que também ô preciza para o bem commum e quietação d'esta
Capital.
O primeiro motivo consiste o que em outras ocoaziões tenho
dito a V. Ex*., que os meus muitos annos, os esquecimentos
que ellee me cauzam, os achaques que padeço, e o não poder
oom o excessivo pezo deste governo me obrigava a pedir sucoes-
sor» aftm de que Sua Magestade podesse ser mais bem servido.
80 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Isto ó O que tenho pedido nas minhas supplicas, sendo tão
verdadeiras como justas, porem como ainda ha outi*os
motivos graves que parece sor necessário, que por cauza
delles Sua Magestade queira mudar de Governador, os devo
relatar a Y. £z*. para que cheguem á real prewnga do mesmo
Senhor.
Segundo motivo é sera duvida , ser necessário que o Governa-
dor seja bem quisto com todos, especialmonte com os militares ;
e com estes por infelicidade minha o não posso conseguir, não
obstante o estarem todos fardados e pagos, ató do que lho
ficaram devendo meus aateoessoresi alóm do que tem sido muito
accresceutados nos postos, at tendidos por mim em todos os seus
particulares, e estimados como nunoa nesta terra so vio. Estes
mesmos a quem tantos beneficios tenho feito me desejam ver
vendido, porque só se lembram da liberdade que houve no tempo
do Condo de Dobadclla, e ainda a apotocem para poderem gozar
aquella soltura e desobodiencia em que se criaram e viveram não
menos que trinta annos completos , peio que todos esperam que
meu saccessor queira seguir aquelle systema.
Terceiro, os Ministros desta Relação que deviam ocmcorrer
para a boa harmonia do mesmo Tribunal, e para a boa arreca-
dação da Real Fazenda, se uniram ao Chancdlicr João Alberto
Castello Branco, pura protegerem homens indignos, o outros de*
vedores em quantias graves à Real Fazenda ; estes procedi mea-
tos foram tão excessivos que ató na mesma Relação e fora delia
fizeram algumas desattençõos ao Procurador da Coroa, e ainda
que a scena vao prezontemonte mudada, e a meu entender mi-
ihorada com a posse do novo Chancollor elles me temem o me
desejam fura desta terra, mas podará ser que succedendo assim
elles se emmendem e venham a ser muito bons iMinistros; porem
jã agora por nenhum modo poderão ser meus bons amigos: e pelo
que tenho dito a alguns dolles sobre o seu procedimento me de-
zejam ver fora daqui, e se Gonçalo Jozt^ e o Procurador da Coroa
ficarem nesta terra depois de eu sahir delia, os hão de apedre-
jar por terem servido até ao prezento com muita honra, e um
grande zelo da Real Fazenda e isto com desinteresse o verdade •
polo que rogo a V. Ex». os pa troei u.í para que possa haver
muitos Ministros que os queiram imitar.
CARTA DO VICE-RBI DO BRAZIL 81
Quarto, o Bispo (se me ó permittido repetir alguns dos
fiíetos que com elle tem sucoedido) posso dizer o muito que se
tem interessado pelo Thesoureiro da Casa da Moeda Alexandre
de Faria» o intento que teve de intimidar o Desembargador
Procurador da Ck>roa para que não applicasse as contas que a
este homem se deyiam tomar, o muito que a este Prelado custou
largar a prata que a Sua Magestade pertencia, e que estava no
deposito eodeziastico, as vergonhosas diligencias que ali se fize-
ram para a não darem que tudo é notório; pelo que claro está
que também este Bispo me não gostará, ainda que aparente-
mente mostra ser meu amigo.
Quinto, a Camará Ecclesiastica e Clero que poucos erão os
oabedaes desta Capitania, para o quo elles lhe tiravam com as
habilitações dos que se queriam ordenar, e estes por não pode^
rem prezentemente conseguir as ordens, julgam uns e outros
que eu lhe causei este prejuízo, que só quando me auzentar
poderão milhorar de fortuna, pelo que todos elles me não
gostam.
Sexto, tendo os frades vivido sempre (nesta Capitania) com
escandaloza liberdade, e vendo que esta se lhe tem quartado
alguma couza, no meu tempo, e neste experimentam o emba-
raço de não poderem tomar noviços, se persuadem de que eu
sou o que lhe tenho feito este damno que tem experimentado, e
por esta cauza também com elles estou mal quisto.
Sétimo, ó infalível que nem os homens de negocio hão de
deixar de continuar os contrabandos, nem eu ao que deva obrar
para os evitar, porque isto é o que Sua Magestado prezente-
mente me ordena, e como elles mal quistando-me nas duas
praças conseguem o perdão dos seus excessos, pode Sua Ma-
gestade estar na certeza que estes homens se queixarão sempre
de mim, sem deixarem de extraviar os diamantes — ouro — e
direitos das fazendas.
Oitavo, também é certo que nenhum Governador se pode
bem quistar, não tendo com que pague a quem manda tomar
oâ géneros que preciza, para manter e prover as praças do sul
e satisfisuser o soldo das tropas ; e porque a falta das frotas tem
oauzado um grande embaraço na commercio, se experimenta
uma grande diminuição no rendimento da Alfandega, e com
491 — 6 Tomo lxix. p. i.
82 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
estes motíToe oomo pode um GoTemtdor remediar estas fitltas
de meios para ser hem quisto, oom a mesma tropa e eom os ne-
gociantes a quem não poderá pagar f : a meu suocessor não será
difficii o remediar este fiilia, porque se lhe permittirá logo o
poder se Taier da casa da moeda, liberdade esta que o Oonde da
Bobadella teve, e de que também usaram oom iargoeia os Go-
vernadores interinos, e que eu não pude conseguir não obstante
o tei-a pedido ha três para quatro annos, sem merecer nem a
resposta desta representação ; pelo que naturalmente por este
motivoy tombem me hirei mal quietando cada vez mais.
Nono, sabe-se que a maior rua deste terra e a mais po-
pulosa ó a dos Ourives, e que este innomeravel gente se sus-
tonteva daqneiies offlcioe de que já não pode usar, e todos
suppdem que foi arbítrio a sua eztinc^, pelo que de mim se
queizam incessantemente, e este só motivo basteva para me
malqnister, e íkier aborrecido no Rio de Janeiro.
10«, neste Capitulo mostrarei ultimamente outros motivoe
pelos quaes se vô claramente que com tedos me tentio mal*
quistado, e que por este causa me parece ser necessário que
para este terra venha com brevidade Governador que se possa
íázer amaio.
Toios os offlciaes da Alflindega vendo o cuidado em que
nella esteu e no seu despacho, se não satisfskzem deste novo
zelo, os da Fazenda, como pela nova regulação perdem os offi«
cios de que se susteotevam, persuademnse que eu fui o arbitro
deste novidade e se queixam de mim.
Os da Casa da Moeda com as necessárias e importentoi dili-
gencias que tenho feite nella, e^tos mais que todos me desejam
o sucoeHKV que peço ; e porque em descaminhos da Real Fá«
lenda tenho achado cúmplices alguns offlciaes militares, que
tenho prezos e lhe estou averiguando as culpas particularmente,
tombem estes e seus camaradas anciosamente desejam novo
governo.
Estes grandes motivos me impossibilitam para me poder
bem quistar, o que será multe fácil a qualquer outro que me
Tier succeder, porque conhecendo estas gentes que elle não
podia ter parto nos meut desacertos se poderá fazer muito
amado o que muito importa ao real serviço de Sua Magestadot
CARTA DO VICE-REI DO BRAZIL 83
qne não tem conquista tão importaate como esta, a qual achei
perdida por todos os modos, e por todas ais suas partes mais
importantes, porque não haria nelia mais que dezordens —
insultos — ruinas— pobresas— e roubos» sendo nestes a Fazenda
Real a mais prejudicada, as conquistas do Sul, V.Ez*. sabe o
deplorável estado em que estavam, e como tudo se reformou ;
satisí^bço-me com que o digam as pessoas que na praça de
Lisboa e na desta Capitai me malquistaram ; e para que o be-
neficio (que com tanta despeia da Real Fazenda e trabalho meu)
possa permanecer, conheço que ó preciso novo Governador como
todos desejam, para que com a sua prudência e dissimulagãOt
venha consolar os que ainda lamentam a perda que tiveram na
Iklta do Conde de Bobadella, e na brevidade do Gk)vemo in-
terino.
Deus Guarde a V.Ez^. muitos annos^Rio de Janeiro a 7 de
Julho de 1767— Senhor Francisco Xavier de Mendonça Furtado.
Coi/kl4 da Cunha.
TRASLADO
DE
âdIa de deligODCía sobre a arribada do navio N. í do kario
e M AntdDio
( 1645 )
^Bibllolhec* Public» piorení^ — Cod, C.V.I. 2—2 f. ÍW)
Este traslado comprova o que disse o nosso consoeio Sr. Ca-
pistrano di Abreu em sua notável obra denominada «Gapitolot
de Historia Colonial (1&00 a 1800)», pag. 98.
(Nota da ÇammissSo de Redacção,)
Tniliii íeiíi Alto de itUieicii lOtR t arriiwli a esta Ma to HaTia
ekaialG Nima Snlion «o Rezarit, e Saitt AiMe me talio ia
tmiMiUa ia Amadi de Pernantraco, le m foi w Capital Hír.
o Csniel HíMine Semo te Paira e Capltio le Mar e Saem to
llto Mo Mo ilTei e Mestre e Filoto Maioel Ferreira Lina.
Aono do Naaeimento de Nosso Senhor Jezas Ghristo de mil
seisoeiíios eqnareotae cídoo, ao primeiro dia do mez de Betem-*
bro do dito anno, nesta Cidade do Salvador Bahia de todos os
Santos, nas Gazas dos Contos delia, o Provedor mor da fa-
seada de Soa Mageatade deste estado do Braiil, Pedro Ferrai
Barreto, mandou a mim escrivão da ditta Real ftkzenda, e de
saa cargo ao diante nomeado, Aaiaar a ponaria que se segue do
dito António Telles da Silva, Governador e CapitSo geral deste
estado, em que lhe ordena tire testemunhas para se informar da
Cansa que ouve para arribar a esta porto o Navio chamado Nossa
Senhora do Rosário, que hindo em oompanhla da Armada que
mandou a Pernambuco, de que foi por OapitiLo mór o Coronel
Hironimo Serrão de Paiva, e por Capitão de Mar e Guerra do
mesmo Navio João Alves Soares, e Mestre e Piloto Manoel Fer-
reira Uma, arribara, e chegara a este porto em vinte nove de
Agosto próximo passado, e dos mais particulares que a dita
Portaria conthem; perguntando o ditto Capitão, e Mestre» e Pi-
loto, e os mais oflQciaes, e Marinheiros do dito Navio que pare-
oesse» elhe mandasse dar os traslados autênticos de tudo, para
os inviar a Sua Magestade, que Deos Guarde, e lhe fez todo pre-
sente, em comprimento do que autuei a dita portaria, e ajuntei
aqui, e he a que se segue, Oongalo Pinto de Freitas, escrivão
da fkzenda Real deste estado. Provedoria mor delia por soa
Magestade o escrevi.
88 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
PORTARIA
Porquanto chegou arribado a este Porto o Navio Santo
António, de que he Capitão de Mar e Guerra João Alves Soares,
hum dos que forão na Armada que mandei a Pernambuco a cargo
do Capitão mor Hieronimo Serrão de Paiva, e convém saber se
a cauza de sua arribada navegação que teve assim a ditta Ar-
mada como a de Salvador Corrêa de Sãa do Porto de Tamanda-
ré donde havião chegado, até 6 Porto do R<icife, couza porque
no de Tamandaré se não fez Concelho para se rezolver o que fos-
^e mais conveniente e de maior segurança, em razaõ do tempo
e das agoas, modo com que ambos estiverao sobre o Recife,
tempo que ali se detiverão, motivo porque levavão anchora,
que derrota levou, hua e outra Armada e modo de velejarem,
sua navegação, e donde ficarão ambos, o Provedor mor da fa-
zenda do Sua Magestade deste Estado foça logo fazer hum Auto
perguntando exactamente nelle tudo o assima refferido, e mais
circumstancías tocantes a este particular, assim ao ditto Capitão
de Maré Guerra do ditto Navio Santo António, como ao Piloto,
contra mestre. Marinheiros e mais pessoas que nelie vem, dan-
do-se-Ihe a todos Juramento para que com a verdade que deste
Auto rezultar seja tudo prezente a Sua Magestade, para cego
effeito o mandava copiar pelas vias que se lhe pedirem.
Bahia primeiro de Setembro de mil seiscentos e quarenta e cinco.
Inquerição que fez o Provedor mór da fazenda pela porta-
ria do Senhor Governador.
Ao primeiro dia do Mez de Setembro de mil seiscentos
quarenta e cinco, nesta Cidade do Salvador Bahia de todos os
Santos, na Caza dos Contos, o Provedor da fazenda de Sua Ma-
gestade deste Estado, Pêro Ferraz Barreto, comigo escrivão
delia tirou as testemunhas seguintes que pelo contheudo no
Auto e Portaria junta forão porguntadas. Gonçallo Pinto de
Freitas o escrevi.
O Capitão João Alves Soares, de idade que disse ter de vinte
e quatro annos pouco mais ou menos, a que o Provedor mór
deu juramento dos Santos Evangelhos, sob cargo do qual pro-
meteo dizer verdade.
TRASLADO DR HUM AUTO DE DELIGENCIA 89
E perguntado pelo contheado no Aato e Portaria do Senhor
Governador, que tudo lhe foi lido e declarado, disse elle dito
Capitão, que estando a Armada de que he Capitão mór Hiero-
nimo Serrão de Paiva, e em que elle testemunha hia por Capi-
tão da Não Santo António, no porto de Tamandare, surta dentro
do Recife, a honde lançarão os Mestres de Campo agente em
terra, em nove do mez de Agosto próximo passado, lhes veio
recado, em como o Galleao do General das frotas Salvador
Corrêa de Sáa e benavides com a frota estava surto, duas, ou
três legoas do ditto Porto, e ao outro dia que fotSio dez do ditto
mez, sahio a Armada a encontrarse com o ditto General, o qual
sem aguardar a tomar falia nem fazer Concelho, foi vellejando
na volta do Cabo de Santo Agostinho, e hindo assim ambcs as
Armadas tirado a do Almeirante Paulo de Barros que ficava
no porto» porque ainda sinão esperou, forão dar fundo no porto
de Pernambuco, de íironte do Recife» e em onze do ditto mez ã
noite, e naquella noite naõ ouvera mais, que estarem as Ar-
madas surtas, e tanto que amanheceo virão que estavão fora
seis Embarcações Holandezas de alto bordo, em que entravão
hum Pingue e hum Pataxe, e, as mesmas embarcações tinhão
visto ã noite antes de surgirem e amanhecendo em doze do
ditto mez, vio elle Capitão sahir da Capitania de Salvador Corroa
hum Barco da Companhia da Armada, em que ao despois soube
foraO chamados, o Capitão mor Hieronimo Serrão, digo íorãe
huns Embaixadores que o ditto General mandava, sem até então
ter chamado os Capitães da Armada, e despois de despedido o
ditto Barco, forão chamados o Capitão mor Hieronimo Serrão
com todos 08 seus Capitães a Capitania de Salvador Corrêa,
donde lhe foi dilto pelo mesmo General, o que lhes parecia que
se devia fazer, a que todos responderão que, como já tinha man.
dado os Embaixadores a terra, naõ se deliberavaõ sem sua vinda
e resposta dos Holandezes, nem saberem o que continha a Em-
baixada, mais que levarem as Cartas que o Senhor Governador
mandava para os do Concelho de Holanda, assim por huma
Armada como a outra e huma que o dittio General Salvador
Corroa de Sá disse lhe escrevera, e outra do Capitão mor Hiero-
nimo Serrão. E estando neste Concelho, apareceo a Não Almei-
rante de Paulo de Barros com mais um Barco de Sua Magestade,
90 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
que havia ficado no porto de Tam&ndare, que tronxe Cartas
dos Mestres de Campo que estaraS em terra Martim Soares Mo-
reno, e André Vidal de Negreiros, em que avizarão, e erão de
pareoer que aqueilas Armadas era miihor estarem a balrarento
do Gabo de Santo A^stinho ou no porto de Tamandare, ou Ilha
de Santo Aleixo, ou andarem de hna Tolta noutra a balrarento do
ditto cabo até passar este mez de Agosto, em que aquella Costa
era muito verde. E logo o ditto General Salvador Corroa pro-
pez se se poderia seroar aquelie porto para lhe nSo poder entrar
socorro, e se acentou que não era possível, e assim mais que
se acentou, que se esperasse ate o outro dia pelos Embaixadores,
e que então se viria para balravento do Cabo como parecia
aos Mestres de Campo, visto dizer o ditto General que naõ havia
de brigar com as Náos dos Holandeses que estavfio fora, e
ainda quellex o quizessem, o havia de fazer sempre com ban*
deira branca, porque nâo tinha ordem de Sua Magestade nem
do Governador para pelleijar com os Holandeses. B com isto»
se foi cada hum para seu Navio, e amanheceo em trero do ditto
mez de Agosto sem serem vindos os Embaixadores e ao meio
dia veio hum Batel dos Holandeses sem trazer os Embaixadores,
antes lhe vinhaõ pedir o foto e aviados dos mesmos Embaixado-
res por Cartas suas sem trazerem reposta alguma da Embaixada,
e deixando hir o dito Batel sem lhe dar o foto nem criados, mas
antes os despedio, dando hum Anel de preço ao Cabo do Batel,
e Patacas aos Marinheiros, e Salvando-os com três peças de
Artelharia. E isto sabe elle Capitão no que toca as Patacas »
Anel por lho dizer o Padre Frei António da Cnu, Relegioeo Clt«
pocho da ordem de SaO Francisco, que estava na CÉipitasla, e o
passou o General para a mão delle Capitão • neste dia sucedee
ventar vento rijo sueste com que alguns Navios se foriU> fozen-
do a Vélla, e parecia perderem Amarras, e a Capitania de Sal«
vador Corrêa se féz também a Vóila pela hua hora depois do
meio dia, donde por lhe escacear o vento tornou a dar Aindo
mais perto da terra e pelas quatro horas da mesma tarde se
tornon a fazer ã Vélla na volta do mar, entendendo elle Capitão
que de huma e outra ves perdera Ancoras, e assim lho afirmou
despois o ditto General. E pelas cinco horas da tarde, vendo elle
Capitão que o Capitão mor Hleronimo Sernlo mandara fozer
TRASLADO DE HUM AUTO DB DELIGBNGIA 91
á VéUa a Charrua do Calabar Náo da sua Armada, que estava
pela proa a delle Capitão, e que largara hama Amarra, elle
Capitão levoa também ferro, tirando primeiro a Anohorae
amarra da ditta Charrua, e fazendo-39 tambam na volta do mar
oom o batel da ditta Charrua, a qual andava á Vôlla com Navios
da ditta Armada por se serrar a noite lhe não pode dar o Batel»
nem amarra e arribando á Capitania lhe disse Salvador Corroa
o seguisse, porque na meia noite havia de virar na volta
terra. E declara elle Capitão, que antes de serrar a noite
vio que se não tinha levado do porto a Capitania de Hieronimo
Serrão, e sua Almiranta e duas Cravellas e dous ou três
Navios da íh)ta, e seguindo toda esta noite o farol da Ca«
pítania, amanheoeo em quatorze do dito mez com ella com
nebrina etc. Despois do moio dia se aoharião dezaoete Navios em
que não enu) de Guerra mais que Capitaina e Almirante de
Salvador Corrêa, e ello Capitão que pelas três horas da tarde
se foi a Capitaina em hum Batel que delia lhe mandarão e fa-
lando com Salvador Corrêa lhe disse quo lhe desse licenoa para
hir bttsoar seu Capitão mor, que conforme ao assento que estava
tomando, havia de estar para balravento, e Sua Senhoria se so-
taventeava muito, ao que o ditto General lho ordenou dando-lhe
Cartas para o Senhor Governador, e para os Mestres de Campo
e para o Capitão mor Hieronimo Serrão. E dizendo-lhe elle Ca-
pitão que se não achasse seu Capitão mor, e Armada a balra-
vento, como queria hir por ser bom Navio de VóUa, que nesse
cazo havia de tornar, conforme o seu Regimento* á Bahia da-
treição, ao que o Piloto delle Capitão Manoel Ferreira Lima re-
plicou que não havia de tornar & dita Bahia, por não tor pra-
tica do Porto, a que respondeo Salvador Corrêa se Vm**. quer
vir comigo ã noite estamos lã e elle Capitão lhe disse que se
sua Senhoria lhe ordenava, o faria e, se naõ, segueria sua viagem
para balravento, porque hir á Bahia da troição era o derradeiro
remédio. E então Salvador Corrêa se foi a balravento para a
ditta Bahia, e elle Capitão na volta do mar tratando de vir
para balravento buscar a sua Capitaina e então lhe deo
ditto General as Cartas e papeis e entregou o frade Capucho re«
ferido com dous Escravos mais que viahão com tenção de saltar
em terra de Pernambuco. E navegando elle Capitão onze diaa
92 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
om difer6nto3 rumos sempre para balrarento, veio avistar a
torra das alagóas e vindo correndo a costa qara buscar a sua
Armada na paragem de Tamandaró ou Ilha de Santo Aleixo»
ouve vista, junto ao porto Calvo, do hum Navio cora três em-
barcações pequenas, e chegando ao reconhecer acharSo ser o
Navio Holandez com três sumacas, o tratando ainda de hir
buscar a sua Armada ate á Bahia da treiçâo o seu Mestre o Pi-
loto Manoel Ferreira Lima lhe fizera protestos que nao sabia o
porto e que o Navio não estava capaz por fazer muita agoa, e
estava aberto pela Proa e então olle Capitão por todas as razões
referidas, e ver dar á, bomba, se veio a esta Bala para concertar
o Navio, e seguir a ordem que lha der o senr. Governador, e
chegou aqui a vinto nove do passado. E esta he a cauza de sua
arribada, e mais não disse do oontheudo no Auto nem do costume,
e assignou com o Provedor mor, e eu Oonçallo Pinto de Freitas
o escrevi,— Ferraz.— João Alves Soares.
Manoel Ferreira Lima, Mestre e Piloto, e Senhorio om
parte do Navio nossa Senhora do Rozario, e Santo António, de
idade que disse ser do quarenta o cinco annos, pouco mais ou
menos, a quem o Provedor mor deu juramento dos Santos Evan-
gelhos, sob cargo do qual prometteo dizer verdade.
E perguntado pelo contheudo no Auto e Portaria do Se-
nhor Governador que lhe foi lida e declarada, disse elle Mestre
que estando em nove de Agosto a Armada desta Bahia dentro
no porto de Tamandaré, veio recado por hum Barco, em como
Salvador Corrêa vinha com a sua frota, a qual ã noite ainda
apareceo, e amanhecendo em dez veio saindo a armada para
fora e virão que Salvador Corrêa hia navegando na volta de
Pernambuco, e neste dia pelas quatro horas da tarde a Capi-
tania de Hieronimo Serrão de Paiva o foi salvar abatendo a
bandeira, o tirandoa, o pondo hum rabo de gallo. E ao outro
dia onze do mez de noite derão as Armadas fundo de fí*onte do
porto de Pernambuco, passando a noite em quietação com f&roes
acêzos, eem amanhecendo em doze virão que esta vão a par delles
cinco Nãos, e hum Perigue, todos com as Véllas dalto Holan-
dezes e aparelhados para se poderem fazer á Vélla. E pelas outo
horas vio clle testemunha que ã nossa Capitania chegara Iium
Barco dos nossos, e nelle dizem que sahirão oa Emba^adores
TRASLADO DE HUM AUTO DE DELIGBNCIA 93
que Salvador Ck)riêa mandava para a terra, e ao despedir
salvou com cinco ou sete pessas, e o Barco foi a Capitania Holan-
deza, e detendo-se ham espaço o vio tornar a sahir para terra e
o Holandez os Salvar com cinco ou sete pessas, e neste dia não
vio mais que alguns Barcos Holandezes andarem por entre a nossa
Armada e o Pirigue, e vio chamar a Concelho á Capitania de
Salvador Corrêa os Capitães da Armada de Hieronimo Serrão.
E amanhecendo em treze tempo sueste rijo e ao meio dia
pouco mais ou menos veio de terra hum Batel Holandez á
Yélla, que vinha buscar o fato e criados dos Embaxadores, e
Salvador Corrêa lho não dera, e os brindava, e lhe disse a elle
testemunha que os Framengos que ali vinhão, vierão disfor-
cados em habito de marinheiros, mas que hum era o Almeirante,
e alguns Capitães e ou vio dizer que Salvador Corrêa lhe dera
hum Anel de sua Mulher de preço, e patacas aos Marinheiros, e
estando o ditto Batel a bordo veio carregando o tempo de ma-
neira que se fez o GalleSo á Yélla, e foi dar fundo, por não
poder dar por devante junto a terra onde esteve com risco lhe
entrou a viração, e se fez outra vez a Yélla em que devia de per-
der anchora e amarras. E declara que emquanto esteve no
perigo dispersou duas, ou três pessas por vezes, e hindo-se assim
na volta do mar salvou com sete pessas sem baila, a que de terra
nem dos Navios Holandezes se lhe respondeo, e neste tempo
avizou o Capitão n^ór Hieronimo Serão a Náo Charrua do Ca-
labar que se levasse, e fazendo-o ella deixou a amarra pela
mão, e elle testemunha lha tomou, e levou-a despois com o
seu Navio, se fez á. Yélla pelo seu Capitão de mar e guerra
lho mandar e que seguisse a Capitania de Salvador Corrêa,
como o fez deixando no porto ainda surtos o Capitão mór
Hieronimo, e sua almiranta e duas Caravellas da Armada, e
potLcos Navios mais, e nesta tarde chega vão á falia com Sal-
vador Corrêa e o salvarão com sete pessas, e elle lhes or-
denou que o seguissem, porque até a meia noite havia de
hir na volta do mar, c despois tornar na da terra, o que não fez
senão na madrugada, em que elle testemunha também virou
com elle e amanhecendo com nebrina perto da Ilha de Tama-
racà, na volta da terra, o sendo pelas dez horas do dia, cha-
mara elle Salvador Corrêa ao Capitão, e a elle Mestre e
94 REVISTA DO INSTITUTO HI9T0RICX)
Piloto que fossem a bordo da sua Capitaiaa e lhes mandoa
para isso hum Batel em que forão, e lhes disse que se querião
hir para a Bahia da treição para honde elie hia, folgaria muito
e elie Piloto lhe disse que lhe parecia bem, ao que o seu
Capitão João Alves Soares respondeo que se queria vir para
balrravento buscar a sua Capitaiaa, o elie Pilloto lhe pro-
testou diante do mesmo Geueral que, se o havia de fazer,
o fizesse logo, p >rque se não atrevia dospois a fazeUo, por
não ser pratico, ao que o seu Capitão lhe respondeo que
viria para bordo, e faria o que elie quizesse. B então Sal^
yador Corroa se pos a escrever para o Senhor Governador,
Mestres de Campo, e mais Cartas que com hum frade de
Saõ Francisco, e dois Negros lhe meteo no Navio para lan-
çar em terra em Tamandaré, para o qual effeito os levava
elie mesmo e sendo das quatro para cinco horas da tarde»
hindo Salvador Corrêa para balravento com quinze Navios
da sua frota somente, elie Pilloto e Mestre se veo embarcar
com o seu Capitão, frade, e negros, e se vierão na volta do
mar, honde andarão onze dias em diferentes voltas e ra-
mos, forçando o Navio para balravento, e avistarâo a terra
das alagoas, e tornarão na volta de Tamandaró correndo
a Costa buscando a sua Armada, e defronte do porto Calvo ou-
vera vista de huma Não e três sumacas e chegando perto delias
as reconhecerão serem Holandesas, e por virem e se íázerem
na voltado seu Navio, confirmou mais serem 'Holandezes e por
esse respeito se forão desviando delles, por não terem ordem de
pelle^arem com elles, os vierão seguindo todo aquelle dia, e lhes
amanheoeo ao outro de Tamandaré para esta Bahia sem ver
terra. £ então lhe ordenou o Capitão fossem a Bahia da treição,
e elie Pilloto lhe respondeo que estava prestes para isso, se lhes
desse pessoa que soubesse o porto como lhe tinha ditto di-
ante do Qoneral Salvador Corrêa, e que mal o poderia faEer e
agora estando com o Navio aberto com as bombas nas mãos,
então se rezol verão em vir na volta desta Bahia e sendo-lhe per-
guntado pelo Provedor mór, que rezão tivera para n&o hir ao
porto de Tamandaré, ou Ilha de Santo Aleixo, conforme seu
regimento, disse que o Capitão lho não mandara e por isso o não
fizera, e por se rezolYer o ditto Capitão que pois ali andavão
TRASLADO DB HUM AUTO DE DBUGENCIA 95
aqaellAS embarcaoSes Halaodezas, não andava a aaa Arnouida
na Ck>8ta, e rindo na volta deata Bahia ohegarâo aqui em vinte
Aove do passado, abertos e faaendo agoa como se via. £ mais não
disse nem do costume, e assinou com o Provedor mór, e eu Gon-
çalo Pinto de Freitas o escrevi^Perraz— Manoel Ferreira Lima.
Manoel Fernandeá, Marinlieiro Vezinho de Magarellos, junto
da Cidade do Porto, de idade que disse ser de vinte e sete annos,
pouco mais, ou menos, a quem o Provedor mór deu Juramento
dos Santos £ vangellios,sob cargo do qual prometeo dizer verdade.
£ perguntado pelo Auto e Portaria do Senhor Governador, que
todo lhe foi lido, disse que he verdade que estando dentro em
Tamandaré toda a Armada que foi desta Bahia, em nove de
Agosto, tiverão novas da Armada de Salvador Corrêa de São,
o em dez do ditto sahio a Armada e ouve vista da Capitaina de
Salvador Corrêa, que andava á Véila, e ouvio dizer que surgira
de noite, e que perdeira hoa amarra e naqneile dia a tarde se
encontrou a Capitaina da Bahia oom a de Salvador Corrêa, e
salvou com sete possas e tiiou a sua Bandeira e ficou oom hum
rabo de gallo, e a de Salvador Corrêa respondeo oom três, e ao
outro dia onze do mez chegarão os mais Navios da Armada da
Bahia a salva-lo e ella lhe respondia com hua pessa de Arte-
Iharia, e no mesmo dia a noite surgirão todos deflronte do Recife,
onde estavão da banda de fora, quatro Nãos Holandezas, hum
Pataxo, e hum Pingue e amanhecendo em doze vio hir hum
Bareo nosso, a Capitaina de Salvador Corrêa, que dizem levou oe
Bmbazadores para terra, e ao tempo de sua sabida disparou
cinco, ou sete possas, e hindo o Barco a bordo dos Holandeze{>» se
deteve couza de meia hora e, quando se apartou delia, lhe des-
pararão cinco, ou sete pessas, e neste dia não ouve mais que
andar o Pingue, e alguns Bateis dos Hdandezee entre a nossa
Armada, fallando por ser dia de bonança e em treze amanheceo
o vento sueste rijo, com que algumas Nãos hião desgarrando,
e pelo meio dia veio hum Batel de terra Holandez a Capitaina
de Salvador Corrêa, que ouvio dizer que vinha pedir o fato e
Criados dos nossos £mbaxaálores, e logo eetando a bordo vio largar
a Capitaina & Yella na volta do Sul, e por não poder tomar por
davante surgio junto da terra, e por vezes atirou três pessas
alhe aouditem, ate que o vento se melhorou, oom que se tornou
96 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
a fkzer á Vella, e passando pelos Holandezes os Salvou com sete
pessas, e elles lhe não responderão, e Capitaina de Hieronimo
Serrão avizou á, Charrua do Galabar, que estava pela sua Proa
que se levasse, porque se queria elle também levar. B levandosse
a ditta Charrua, largou a sua amarra por mão e foi na volta do
Sul, e outros com ella e então se levou o Navio de Joaõ Alves
Soares em que hia elle testomimha, e tomou a amarra da ditta
Urca Calabar e a levou com sigo o se forão na volta do Mar
seguindo a Capitaina de Salvador Corrêa, e a Capitaina de Jero*
nimo Serrão e Almirante e o Navio do Picouttos e duas Cra-
vellas âcaraõ surtos. E chegando á falia da Capitaina perto da
noite lhes disse o Qeneral que o seguissem tó a mela noite na
volta do mar, e a seguirão to pela manhãa em que já tinhao
virado na volta de terra, e ftiUando ao Qeneral, e dizendo-Ihe que
querião hir a buscar a sua Capitaina e Armada lhes disse que
fossem a bordo da Capitaina, o Capitão e Mestre e lhes mandou
hum Batel em que fossem, como na verdade forão e tornario de
lá Junto da noite a vista de Tamaracà, e lhes disse o Piloto,
quando veio, que se fizesse na volta do mar, porque Salvador
Corroa hia na volta da Bahia da treição, e logo navegarão onze
dias em diferentes voltas e rumos forsejando sempre para bal-
ravento. E então abrío o Navio agoa e a primeira terra que
forão ver foi a das Alagoas, e tornando a correr a terra pelo
cabo de Santo Agostinho na altura do porto Calvo, ouverão
vista de huma Náo, e três Sumacas, as quaes forão reconhecer,
e virão claramente serem Holandezes, e muito mais se firmarão
vendo que ató noite lhe vierão dando cassa e o seguirão.
E vendo-se ao outro dia sem a Não e Sumacas, e dizendo
o Capitão que navegasem para a Bahia da treição, lhe disse o Pi-
loto que isso ouvera de fazer quando estava com Salvador Corrêa,
como então lhe requerera e não agora que não tinha pratico, e
fazia o Navio muita agoa, e que assim não podia vir se não na
volta da Bahia, como flzerão, e chegarão aqui em vinte nove do
passado e Al não disse e do costume que he Marinheiro do mesmo
Navio, e assinou com o Provedor mor ; e eu Gonçalo Pinto
de Freitas o escrevi. — Ferraz.— Manoel Fernandes.
Domingos Duarte, marinheiro do dito Navio, vezinho de
Peniche, de idade que disse ser de vinte quatro annos pouco
TRASLADO DE HUM AUTO DE DELIGBNCIA 97
mais oa menos, a quem o Provedor mor deu o juramento dos
Santos Evangelhos, sob cargo do qus^l prometeo dizer verdade.
Perguntado pelo contheudo no Auto e Portaria do Senhor
Governador, que tudo lhe foi lido e declarado, disse elie teste-
munha que he verdade que estando em nove de Agosto reco-
lhidos os Navios da Armada da Bahia no porto de Tamandaré,
lhe chegarão novas, que aparecia a Capitaina, e Almiranta e
Arota de Salvadpr Corrêa de Sàa, e ao outro dia em dez do ditto
sahio a Armada para fora e encontrarão a Armada pelo meio
dia, e a nossa Capitaina salvou a de Salvador Corrêa com sete
'pessas, e tirou a Bandeira, e pos hum rabo de gallo, e Salvador
Corrêa lhe respondeo com cinco possas, o forão navegando até o
outro dia onze do mez a noite em que todos derão fundo no porto
de Pernambuco, a honde esta vão da banda de fora quatro Náos
Holandezas, hum Pataxe, e hum Perigue, o naquelle dia se-
guinte que foi de bonança, pelas oito, nove horas, chamou o'
General um Barco nosso, em que mandou Embaixadores & terra
e disparou pessas de Artelharia ; e o Barco foi a bordo da Capi-
taina dos HoUandezes, aonde esteve hum pouco, e á sabida os
Holandezes o salvarão também com três pessas, e se foi para
terra, e neste dia não ouve mais que andarem os Holandezes
com Bateis e Pingue, por entre a nossa Armada reconhecendo
tudo, e amanhecendo ao outro dia treze de Agosto vento sueste
e rijo, sendo horas do meio dia, viera de terra hum Batel de Ho-
landezes, segundo se diz, a buscar o fato e Criados dos nossos Em-
baixadores ; e também se diz que o General lhos não quiz
mandar, c ouvio dizer que dera hum Anel a hum dos Holan-
dezes, o Patacas a outros, e logo neste tempo, estando ello
ainda a bordo largou a Capitaina, e se fez na volta do Sul, e por
não poder tomar por devante, tornou a dar Aindo tão perto de
terra, que atirou duas ou três pessas que lhe acudissem, e me-
Ihorando-se o vento por sima da terra, largou a amarra por mão
e se foi na volta do mar com alguns Navios seus que ja andavão
á Vélla. E neste oomenos mandou Heironimo Serrão ã Náo Ca-
labar que estava por sua Popa, se levasse para elle também o
fazer e a ditta Charrua Calabar largou a amarra por noão que
o Navio delle testemunha levantou e recolheo, e logo se fez
também ã Vella na volta de Salvador Corrêa, deixando ainda
491 — 7 ToM0. LXix p, 1.
98 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
surto no porto ao Capitão mor Hieronimo Sen*ão e sua Almi-
ranta, o Navio de Picoatos, e duas Caravellas, e chegando á
Capitaina este Navio delle t^^stemunha perto da noite, llie deo
por ordem o Qenoral o segui ssem te a meia ooiie, por que entaõ
havia de virar na volta de terra, e hiado te pela maohãa que
virou se achar&o 6 vista de Tamaraca, e perguntando a Capi-*-
taina para honde hião, lhe mandou o General hum Batel, e que
íbssem 1& o Capitão e Mestre como forão e tornarão à tarde e
lhes disse o Piloto: alhos vamos na volta do mar, que Salvador
Corrêa vai para a Bahia da treiçaG, como de effeito foi com
algumas dezoito véllas da sua frota, e nenhuma da nossa Ar-
mada da Bahia, e navogarfto onze dias sós por diferentes rumos,
até virem avistar as Alagoas, e tornando a voltar, na volta do
cabo de Santo Agostinho de fronte do porto Calvo, ouverão vista
de hama NAo, e três Sumacas para as quaos se deixarão hir
entendendo ser da nossa Armada, o quando reconhecerão que
eraO Holandezes, virarão na volt-x do mar para lhes ganhar o
balravento, e a ditta Não, e Sumacas lhes vierão dando cassa ate
ã noite, omqae se mllhorouo seu Navio. E quando amanhecee
nad apareceo nada, o então o Capitão João Alves Soares re*-
quereo ao Piloto que fossem na volta da Bahia da treição, e o
Piloto IhiB disse que isso ouvera elle de fazer, quando lho re-
quereo e estavão com Salvador Corrêa, e não agora que tinha
o Navio aborto fttzenio muita agoa, o não tendo pratico da ditta
Bahia, o que assim hora necessário virem na volta desta Bahia
a concertar, donde farião o que o Senhor Governador ordenasse
e chegarão a ella a vinte nove lio passado. K osta foi a cauza de
sua arribada e mais naõ disse nem do costume, e assinou com o
Provedor mor, e eu Gonçalo Pinto de Freitas o escrevi. —
FerráB— de Domingos + Duarte, testemunha. O qual Auto Por-
taria do Governador, e Capitão Geral destr Estado, o deligencia
que por ^Ma delle se fez eu Gonçalo Pinto de Freitas, escrivão
ÚBk ílikénáK.Real por Sua Magestade âz traladar do próprio que
fica em^iâou poder a que me reporto, com que este concertei e o
sobesorcvi/ o assinei por duas vias na Bahia em treze de Setembro
de mil seSeentos quaren^ e cinco — Gonçalo Pinto de Fr^iias.
REaiMJENTO
POKNBGIOO AO
(kvernador à Rio k hmn
(éiUM 4e 7 ie jaMiN 4e 167»)
(Archivo da Torre do Tombo — Livro dos Regimentos do Con-
selho Ultramarino, fls. 190 v. Documento mandado copiar pelo
Dr. Norival Soares de Freitas, em missão do Instituto Histórico nas
bibliothecas e archivos de Portugal).
Raforindo-s^ a esto regimouto o ao dado ao governador de
Pernambuco disse João Francisco Lisboa (pag. 336, Jorn, Timon,
volume 3^): «cada um delles cm vinte c nove artigos, o de Per-
nambuco de 19 de agosto de 1670 e o do Rio em 9 de janeiro de
1679, segundo lemos cm uma cópia existente no'Archivo do ex-
tincto Gonsalho Ultramarino e remettida pelo governador de Qoyaz
em officio de 20 de julho de 1803. Porém como o regimento já
transcripto do governador geral e datado em 23 de janeiro de
1677, refere a artigos do regimento do Rio da Janeiro, ou existiria
outro anterior ou a data attnbuida ao ultimo é «m erro de cópia,
que, todavia, ainda não podemos verificar e que torna-ae aliás de
pouca consequência estando eleitor prevenido».
fisse regimento é de valor por se ver a importância que ao
Governo merecia o Rio de Janeiro, máxima depois da fundação
da colónia do Sacramento e das luctas com os liospanhoes. Destas foi
viòtima D. Manoel Lobo quo morreu prisioneiro dos castelhanos.
(Xota da CommisscM de licdacção.)
BegimMito forneoldo ao Ckyemdor do Bio do Jftuolro, datado
do 7 do Janolro do 1879
Ea o Príncipe oomo Regente e governador dos Reynoã de
Portugal e Algarves tàço saber a vos Dom Manoel Lobo fidalgo
da minha casa que ora emvio por governador da capitania do
Rio de Jaoeiro que hey por bem que emqaanto a governardes
guardeis o Regimento seguinte :
1 — Partireis desta cidade em direitura ao Porto de Sao
Sebastião do Rio de Janeiro aonde fareis a vossa assistência
e delia não sahireis para parte algua sem expressa ordem
minha por que volo mande fora das que aquy vão declaradas.
2 ~ Tanto que chegares a dita cidade apresentareis ao go-
vernador que nella está Patente que vos mandey passar, e os
mais despachos que levais para logo vos entregar o governo o
que fora na forma costumada sendo presentes as pessoas que
neste auto he estillo acharem-se ordinaviamente e da entrega
se farão autos que se me hão de emviar para a todo o tempo
constar que se prooedeo comforme a ordem que sempre se pra-
ticou em autos semilhantes.
8 — Logo que vos for entregue o governo ireis pesoalmente
visitar e ver as fortalezas da dita capitania e os Armazéns ; e
ordenareis que se foça emventario pello escrivão de minha fo«
zenda de todaa as cousas que nelles estiverem, MunioSes Armas
e artilharia que houver de que me emviareis a copia, e jun-
tamente a planta de todas as fortificações que estilo em pee da
capitania do nosso distrícto, e fortalezas ; e estas vizltareis
cada seis mezes dando-me conta da folta que houver nellas,
quando vos não seja pos^vel remediallas para que vos vm o que
pedirdes para seu fornecimento advertindo- vos que a Artilharia
tenha suas mantas pello grande damno que os reparos recebem
sem estarem cnbertos.^
102 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
4 — A principal caufla gue obrigou aos Senhores Reys meus
predecessores mandarão povoar aquella capitania e as mais do
estado do Brazil foy a redação do gentio delias de nossa santa
fee oatholica, e assy tos emcomendo fiiçacs guardar aos nova-
íáente comyertidos os privilégios qoe llies sfio comcedMos t^
partindo lhes terras oomforme as leys que tenho feito sobre saa
liberdade e fazendo lhes todo o mais íáyor qae for Justo de ma-
neira que emtend&o que em se fazerem christãos não somente
ganhão o espiritual» mas também o temporal» e seja exemplo
para outros se comverterem, e em seus Aggravos e yexaçoes
e proToreis comforme Minhas leys e Provisões dandome conta
do que se fizer como também as Aldeãs que ha quem as admi-
nistra no espiritual e temporal, e se o faz de modo que vSo em
aiigmento e nio em diminuição.
5 — Da mesma maneira vos encomendo muito o bom trata-
mento dos menistros que se ocupSo na comverção e doutrina
dos gentios favoreoendo-os e ajudando-os em tudo o que para
esse effeito for necessário, tendo com elles a conta que he rezão
fiizondo-lbes fazer bom pagamento das ordinárias que tem de
minha fazenda para sua snsteotagão e porque de todo o bom
effeito» me averey por bem servido de vos : o mesmo usareis
com os vigários das Igr^as e mais eclesiásticos da dita Capitania..
6 — Das casas da Misericórdia e Hospitaesqnehanaquella ca-
pitania vos emcomendo também muito tenhaes particular cuida-
do pello serviço que se faz a Deos nosso senhor nas obras de oha*
ridade que em hua e outra cousa se ezercitão favorecendo a seus
offlciaes íkzendo-lhes pagar as ordiaarias que tiverem de minha
íkzenda e as dividas e legados que lhes perteacorem para que
por esta causa não deixem de comprir com suas [obrigações.
7 ^ Informar-voâ heis dos offeciaes de Justiça guerra e &-
zeoda que ha na dita cupitania porque cartas e Provisões ser-
vem os postos e oíilcios é me dareis conta de todas as -pessoas
que 08 ezercitão de propriedade ou de serventia, emviando-me
Rellação das que o fazem e por que provimentos.
8 -^ Informar-vos heis das rendas que tenho, e pertencem
a minha fiuenda, e a forma em que se arrecidão e dispendem,
e da que o Provedor toma conta e resão e das pescas que a tem
a seu cargo; segundo a de seu Regimento de que particular-
REGIMENTO AO GOVERNADOR 103
mente me dareis conta ; E pareoendo-vos necessário reoenciar
as dos feitores e Almoxarifes e podereis fazer com asistencia do
Provedor da fazenda ao qual ordenareis também tome as contas
dos Almioxarifes que servirão e remeta ao meu Concelho Ultra-
marino os trealados delias na forma do estiUo e não consintirels
se paguem dividas nem soldos atresadoa sem provisão minha
como por muitas vezes tenho mandado.
9 — Atendereis com muito cnidado o vigilância n^ guarda
e defença de todos os Portos daquella capitania, e fprtalesas
prevenindo as fortificações da Marinha e aaa artelharia»
pólvora Armas e tudo o mais que puder ser necessário de
maneira que em nehua parte vos acheis desapercebidos.
10 — Também vos emformareis de toda a Artelharia que
ha nas praças de nosso distrioto assy a que estiver cavalgada,
como apeada calibres e serviço que tem, armas e monições
que houver, e se esta tudo carregado em receita aos officiaes
a que toca, e quando não o fareis carregar assy as que forem
em nossa companhia como as que eu mandar ao diante, para
que carregadas em receita se tirem conhecimentos em forma,
que mandareis por vias todos os annos da pólvora que se dis-
pender e as armas que faltarem para que se possam prover
de novo e para este effeito dareis as ordens necessárias aos
officiaes de nosso districto, e que estes tenham as ditas armas
limpas e concertadas para o que se oíferecer.
11 •— Muito vos emcomendo que os moradores da dita
capitania sejam repartidos em ordenança por companhias com
capitães e mais offldaes necessários e que todos tenham suas
Armas, fasendo-os exercitar nos dias que vos parecer na forma
que se dispõem no Regimento geral das ordenanças o que íkreis
oomprir assy na gente de pee como na de oavallo ; e pêra que se
faça com prompta execu.ão vos emcomendo muito que asistaes
as mais vezes que puderdes aos Alardes que mandares fazer
pois he o meio mais prompto de se acodir a defensa da capi-
tania ; e quando os moradores não tenham todas as armas com
que hão de servir assy de pee, como de cavallo me dareis ponta
para se vos emviarem advertindo que os officiaes da gente me-
leciana não hande vencer soldo nem ordenado algum a custa de
minha fazenda, nem das camarás excepto os sargentos mores.
104 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
12 — Hey por bem que todos os offlciaes majores soldados qne
me servem naquella capitania sejâo pagos com toda a pontuali-
dade pello Rendimento de minha fasenda e mais consignações qne
'se cobram para esse effeito para o que fareis passar as mostras e
nella serão obrigados todos a traserem suas Armas limpas e
concertadas, não comsentindo que haja pragas fantásticas e pro-
cedereis comtra aquellas pessoas que as passarem, ou comsen-
tirem na forma que se dispõem no Regimento das fronteiras.
13 — As mesmas mostras se fará aos Artelheiros que me
servem nessa capitania, e seus offlciaes tomando noticia dos que
são sufflcientes ordenando4he que para os que o não forem de
todo, se faça nos dias que parecer exames e haja barreira aonde
se exercitem com pega de menor calibre, e a despesa que se fizer
na pólvora o bailas deste exercício o fareis levar em conta as
pessoas de cujo recebimento sahirem, e quaudo nesses portos
hajam navios do meus váçallos obrigareis aos comdestavels e
Artelheiros delles vão também ao exame á Barreira p\ra que
a competência faça adestrar a todos.
14 — Tratareis muito que se augmente a [dita capitania, o
qu) seus mora^lores cultivem e povoem palia terra dentro o que
pudor ser fÍB^endo cultivar as terras e que se edifiquem novos
emgenhos, e aos que de novo reedificarem, ou|flserem Iheslman-
darais guardar seus previllegios, e aquelles que tiverem terrai
de sesmarias obrlgarôis que as cultivem e abrãoe os que a não
cultivarem na forma da ordenação, o Regimen(o|da8>e8marias
mandareis proceder contra elles como se dispOe na mesma orde-
nação do Regimento, e também procurareis que se não dem mais
terras de sesmarias que aquellas que*cadahum poder cultivar.
15 — E porque eu mandey passar Provisão para que os go-
vernadores nem Ministros de Justiça, guerra, e fasenda se não
emtremetão nos negócios mercantis e menos nos contratos pro-
hibindo-lhes não terem logeas publicas em suas casas, nem
menos tomarem sobre sy dividas alheas, por ser tudo isto hum
dos grandes inconvenientes e damnos que recebem meus vá-
çallos hey por bem que vos guardeis a dita provisão e a fareis
guardar para o que se vos dará a copia delia com este Regi-
mento sem embargo de achares registada nos livros de minha
fazenda e camará da dita cidade de são sebastião.
REGIMENTO AO GOVERNADOR 105
16 — Encarrego-Y08 muito o bom tratamento que deveis
faser aos offlciaes de jostioa e fasenda da mesma capitania
deixando obrar na administração de justiça e fasenda na forma dr
seus Regimentos ; emcomendando«Ihes de oomo devem procedee
em seus cargos ; e quando de sua parte haja omissão lho adver-
tireis, e comtenuando nella me dareis conta para resolver o que
for servido, e para os negocies que tocarem a meu serviço, os
podereis mandar chamar a vossa casa, todas as vezes que vos
parecer sem lhes admottir escusa.
17 — E porque comvem ao meu serviço que cada hum
em sua jurisdição guarde o que lhe he ordenado nSo consln-
taes que nessa capitania tomem os ecelesiasticos mais Júris-
diçio que a que lhes tocar, nem Donatários — havendo-os — e
tendo nisto muita vigilância e cuidado ; e vos nem meus offl-
ciaes de justiça lhes tomeis nem quebreis seus previllegios
nem Doações antes em tudo o que lhes pertencer lhos fareis
comprir e guardar.
18 — Podereis prover os officios de Justiça e fazenda que
vagarem no tempo de vosso governo no intre por seis meses
somente por não parar o curslo dos negócios pertencentes a
Justiça e fazenda e dareis conta ao governador gorai do es*
tado tanto que negarem, e provendo elle os taes officios nas
pessoas que vos apresentarem os taes provimentos lhes poreis
o cumpra-se e entrarão a serviilos, porem de acabados os seis
meses de vosso provimento assy o governador geral oomo vos
me dareis conta por quem vagaram òs ditos officios seu Ren-
dimento e se âcarão filhos dos proprietários e quem os floa
servindo dando me logo conta pela primeira embarcação que
vier ao Reyno.
19 ^ Provereis os postos melecianos das ordenanças de
vosso governo, e seu distrioto nas pessoas mais idonias, e ca*
pases sem dependência do governador do estado, e os providos
mandariU) tirar a este Reyno dentro de hum anno a ooníirma^^
por my como esta disposto, e dos i>ostos de guerra assy como
vagarem dareis parte ao governador do estado» quaes sejão, e
por que vagarâo e lhe emviareis emformação do sugeitos bene-
méritos que houver no vosso governo, para que sendo tudo
presente ao governador me pAiponhatres pessoas qu^ lhe pare*
106 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
cer para o dito posto, que tenhfio m reqaesitos a annos de ser-
tíqqb que dtopoem o Regimeato das flroatoiras, • o goTernado ^
geral e tob me dareU oonta, e aoa oapikàes do iDOftotaria que
Tagareia, oem voa nem elle prorereis as companhias e serTirão
oa AlíSnret delias goveroando-as emqaanto eu nSo proyer as
dites companhias nem menod podereis fttser capitães de passa-
gem por ser cootra as minhas ordens.
SO — Hey por bem que não possaes criar ofllcio algam do
noYo assy de jnstica como de fhsenda ou guerra, nem aos cria
dos acrescenteis ordenados ou soldos, e menos possaea dar
interinamente soldo de reíbrmados praças mortas oa escudo de
yentagem ; e fásendo o contrario — o que vos não espero — se
DOS dará em culpa, e sereis obrigado a pagar por vossa (ázenda
o que assy mandares despender contra a forma deste capitulo.
21 — As pessoas que deste Reyno forem degradadas para
assa capitania e as mais de vossa Jurisdição oixienareis que
tanto que a eila chegarem, se lhes asente praça naquollas
partes aonde lhes ordenarão vão comprir seus degredos, e que
sojão confrontados com Pays terras sinais e annos de degredo ;
o posto que hão de vencer soldo não poderão ser ocupados em
postos ou offloios na forma da ordenação as taes pessoas fós de
offlcios se lhes passarão com todas estas declarações para que
lhes não sirva de premio a pena do delioto como mais em par-
ticular o mandey declarar por carta do 31 de mayo de 670 qoe
ordenei se registasse nas partes necessárias de que me dareis
conta de assy se houver executado.
22 » Por ser de grande inconveniência a meu serviço e
(iBkser damno o comercio dedtrangeiros nesji c\pitania, houve por
bem de llio prohebir conforme as leys e prohibições que mandey
passar, e purque convém muito qno os que sem licença minha
e contra a forma do capitulo das psises celebradas emtre está
coroa e a da InglatBrra o dos estados de Holiaada forem tratar e
comerciar a dita capitania sejão castigasios comforme as ditas
leys prohlbições : os que assy forem oomprehendidos procedereis
comtraelles naformi delias e contra os Imglesos, e Holandeses,
como se declara no capitulo das inesmas pases do que se vos
emviãoas copias. B com os vaçallos de El-Rey christianisbimo
que forem aos Portos desse governo e seu districto mandareis
REGIMENTO AO GOVERNADOR 107
ter toda a boa correspondência e reciproca amisade, como» se
ooQthem no capitulo do tratado qae com este Regimento se vos
da, mandando aos offlciaes de Tossa jurisdtçSo que assy o exe^
cntem. E sucedendo al^^am navio francos derrotar nossos ma-
res e ser lhe necessário tomar os de no^o districto o valerse
de algam fornecimento oa ajada ordenareis qae se lhe não falte
com a correspondência qae ped3 hna boa amisade de aliança
qae tenho com el Rey de ft'ança, mas por nenhn modo se lhes
premita comprar, nem vcmler fasendas algumas péllo damno
que disso poderá resultar, e he o mesmo que mandey ordenar
ao governador do estado em carta de 13 de setembro de 663
pella minha secretaria de estado.
23 — E porqae a Pas celebrada entre esta coroa e a de
oastella não declara o reciproco comercio que ha de haver em-
tre ambas e somente no Artigo do tratado, que vaçallos de hua
e outra coroa, poderão usar e exercitar com toda a segurança
comercio por mar e por terra assy e da maneira que se usava
em tempo do senhor Rey Dom Sebastião quando os vacai los de
Castella forem sem licença ao porto dass3 governo, mandareis
proceder contra elles na forma das teys o prohibiçOos que são
passadas, mas aos navios que vierem das índias occideiitaes,
Rio da Prata, Buenos Ayres com prata, ouro ou outras flskzen-
das, como não sejão fasondas da Kuropa, e índia ocidental, lhes
mandareis dar entrada, e poderão comerciar levando em troca
08 escravos, e géneros dessa capitania, e pagando os direitos
costumados, e os mais que se dedarão nas ordeas que se pas-
sarão em 19 de Agosto de 651 — 30 de julho de 653, 28 de ja-
neiro de 654, 9 de mxrço do mesmo anno 28 de setembro de
656, e 9 de novembro da 660 por assy comvir a meu serviço.
E quando se não obra esto comercio por parte do castelhano,
poreis tolo o cuidado e diligencia p^ra vor se por via de Por-
tuguezes desse governo S3 pode Abrir o do Rio da Prata e Bue-
nos Ayres peios meyos mais convenientes que possa ser, o que
vos terei a particular serviço.
24 — Tereis particular cuidado do procurar de todos os
Mestres dos navios que forem deste Reyno a essa capitania, se
levãoas ordens ou cartas minhas ou despacho do meu Conselho
Ultramarino porque consto que o não havia» e não vos entre*
j
108 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
gando hua e outra oousa fareis alguma demostracSo para ex-
emplo ao diante, em matéria de tanta importância em que
delles nao recebem dano ou dillação.
35 — Sereis advertido que todos os negócios de Justiça,
guerra e ftuienda, mehaveis de dar conta pello meu Gonsellio
Uitramarino aonde honde yir as ordens derigidas, a quem pre-
vativamente tocão todas as matérias das conquistas e o mesmo
advertireis aos Menistros de vossa jurisdição e assy vos como
elles nao comprireis as ordens que forem passadas por outros
Tribnnaes excepto as que se expiderem pela secretaria de estado,
e expediente, e pela mesa daconciencia c ordens que tocarem
ao eclesiástico, defuntos e absentes ; e as pessoas que forem pro-
vidas em beneficios e vigairarias que houverem do vencer or-
denados por conta de minha fazenda serio obrigadas a levar
Alvarás de mantimento passados pello Conselho Ultramarino
para lhe serem asentadas e sem elles se lhes nao asentarSo as
taes ordinárias ; e assy guardareis as cartas passadas pello
desembargador do Paço ao ouvidor geral dessa capitania que
também ha de levar Alvará de maatimento expedido pello
Ck)nselho Ultramarino para vencer seus ordenados e sem elle
lhes não asent^rão, e assy comprireis a3 provi::ões e Alvarás
X^assados pello meu concelho da faseada sobre as licenças dos
navios emqucnto eu não mandar o contrario.
26 — E se omquanto me servires nesse governo sucederem
alguas cousas que por este Regimento não vão providas e
comprir faser-se nella obra como seija Ruyna de alguma for*
tifloação a co^o reparo se deva promptamente acodir por
correr risco detença, mandareis faser o tal reparo, o me
dareis conta do seu custo e ao governador do estado ; e dos
outros casos que tiverem dilação dareis a mesma conta, não
obrando sem resolução sua emquanto eu ordeno o que mais
convier a meu serviço.
27 — Houve por b3m de mandar largar a meus vaçallos
o lavor das minas de ouro desse estado, com declaração que
elles pagassem os quintos a minha fasenda por ella se não
achar em estado de poder acodir a essas despesas, e lhes íkser
a elles mercê, para o que se lhes passou Regimento, assy vos
emoomendo que avendo pessoas que queirão tratar do desço-
REGIMENTO AO GOVBBNADOH 109
Crlmeato das minas os íáTorecaes para que se animem a
descobriUtui* e lhes ftica por isso as meroes que hoaver por bem
28 — Tanto qae tomardes posse desse governo me enviarei
logo hum pee de lista da infantaria que achardes nessa Praça
e suas anexas emtrando as primeiras planas oom o que cada
hum vem, e por que patentes Alvarás e provisões. E o mesmo
fitrels nos Offlciaes da Artelharia comdestables e Artilheiros
e assy htia RellacSo do que emporta a folha eclesiástica, e
secular emtrando as tenças que nesse governo se pagfto e a
Rellaçfio com destin<^ das pessoas do que cada hum vence e
por que ordens, e os que tiverem escudos de ventagem quantos
seJSU) e de que tempos os vencem assy offlciaes como soldados,
e porque Alvarás e Provisões, e outra Rella<^ dos gastos
extraordinários que nio entrSo na dita folha, livranças repato
das fortalezas despeza da artilharia concertos de Armas e
Armasens ; E quanto se paga a mesericordia dessa cidade da
oura dos soldados, e a quem se entrega este dinheiro,
è por que ordem se faz este pagamento e lista dos soldados
doentes que em hum anno por outro emtrão no dito Hospital,
e se nos socorros que fazem os soldados se desconta algua
cousa para o mesmo Hospital e quanto importara por anno ;
E outra semilhante Rellação me enviareis muito por menor
de todas as despesas que fiser o senado, e a ordem que para
isso tem ou sejfio por conta de minha fazenda, ou pella das
camarás delias, e subsídios que tiverem impostos, e quanta he
a ordinária que se da aos capuchos flranceses e com que ordem
ftcar&o ahy, e quantos assistem : e por que neste governo, e
seu destricto ha vários offlciaes de Justiça fasenda e guerra que
tem seus Regimentos, e outros tem estos muito confusos e
émcontrados com varias Provisões e Alvarás e cartas e por
esta rezSo se não observa e ser comvenient<j assy pello que
toca a meu serviço como para bem da justiça e bom governo
desses povos emmendarem-se e reformarem-se tendo-se con-
sideraçio ao tempo presente ; vos emcomendo e mando que
também façaes tresladar todos os Regimentos ; ordens, cartas,
alvarás e decretos que se tenlião passado asy meus como dos
senhores Reys meus predecessores e do governador geral do
estalo» e outras psssoas que tivessem ordens minhas para as
110 RBVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
pasmr e os mais papeis que a «sto pertemserem enviados dos
governadorefl vossos antooessoros. E esta doligencia maudarels
fazer desde o tempo que achareis noticia dos litros e papeis
antigos que houver assy nos offlciaes de Justiça fasenda ou
Camará dessa capitania ate o preseatj, e os mais papeis
Rellações e pees de lista que por eslie capitulo vos ordeno e
mando ; sereis obrigado a mandar tirar e remeter ao meu
Conselho Ultramarino dentro de hum anno desde o dia em
que tomares posse com vosso parecer e informac&o e dos offe-
oiaes que em tenderes o podem dar para melhor se reformarem
as ditas ordens e Regimentos. B sendo caso — o que de vos
não espero ^ que haja omissão nesta matéria tereis entendido
qoe paanmdo o auno. e não tendo noe satisfeito ao que vos
ordeno por este capitulo Hey por meu serviço que logo o con-
celho Ultramarino me possa consultar este governo de que
agora nos fls merge e eu nomear pesoa que vos va suceder
alem do que mais ordenar ; e para este effeito e bem desta
deligeneia tanto de meu serviço ordeno aos offlciaes de justiça
(Suenda ou guerra dessa capitania cumprão vossas ordens e
mandadoe como devem e são obrigados.
^ — B porque sobretudo o quo por este Regimento vos
ordeno conâo tereis em todas as matérias assy do eclesiástico,
como de Justiça fasenda ou guerra» e as mais tocantes ao
bom governo dessa capitania tal procedimento como he a
comfiança que faço de vossa pesoa, para vos encarregar delle ;
vos ordeno e mando que de todas mo deis particular conta,
e das que sucederem, e entenderes comvem ter eu noticia assy
no que a experiência vos mostrar ser necessário para bom
governo dessa capitania, como dos procedimentos das pessoas
que nellas me swvem, o que fareis em todos os navios que
partirem desse Porto e não empedireis aos oâeciaes da Camará
Menistrofl oíTeciaes de justiça fasenda o guerra de oscreveropi
ainda que aeião queixas, peilo que cumpro a meu serviço e
administração da mesma Justiça. E quando se vos pessão infor-
mações as mandareis com toda a claresa o distincção que
puder ser.
E este Regimento cumprireis como nelle se conthem, em
tudo o que nelle ha declarado sem duvida algua, e sem em-
REGIMENTO AO GOVERNADOR Hl
bargo de quaesquer outros Regimentos ou Provisões em
contrario e de nâo ser passado pella chamcellaria, o qual
mandareis registar nos livros de minha fasenda, e nos da
camará enviando-me certid&o de como fica registado, Manoel
Roiz de Amorim o fes em Lisboa a sete de janeiro de seis
centos e setenta e nove o secretario André Lopes de Laura
o fiz escrever • — Príncipe.
PROVISÃO DO príncipe
SOBRE SESMARIA
(1675)
(Cod. CIX^ 2-5 Bib. Pub. d'Bvora)
(Doe. mandado copiar pelo Dr. Norival Soares de Freitas, em
mssáo do Instituto Histórico nas bibliothecas e archiyos de
Portugal.)
401—8 ToMôtxix P.i.
DemoaiCra 0ft« docruBesto o respeito trilmUdo pela metrópole
aof iadividttaa (^úe pSSkÚiátci sesiaariad na antiga Capitania de
S. Thomé. De facto D. Pedro TI, regente, concedea ao !<> Visconde de
Âsaeca e a João Corrêa de 81 (amboé fllhoá de Salvador Benevides) a
donatária sob certas oondiçOes, da referida capitania. Dessa regea
doaoào originaram-se acontecimentos que podem ser apreciados na
obra do Snr. Augusto de Carvalho e anm opaaculo pnbhcado em 1900
sobre uma questão da Camará Municipal de Campos com a Ordem
Benediotina.
(Nota da Gommisião de Redacção;)
FroMo lo Fmcioe solire Sninula
CIX
Cod. B. P. d'ETor*
Ea O Prlndpe eto. Faço saber ao0 qne egta m* ProTis^ Ti-
rem q* havendo-se visto no meu Cons."» Ultramarino o treslado
aatentioo dos Autos q^ se prooessar&o na Oaredr.» Q.*^ do Rio
de Janr"^. entre p/*' embarg>'o8 offl.** da Cam.* daquella
Cap.''^* e os possuidores de Sesmarias da Paraiba do Sul o em-
barga Salv ^ Corrêa de Sà p' seu Proo»' Thome de Sz». Corr».
se resolTeo no dito Oons.« q^ não erão de receber os d^. emb»".
visto sua matéria e o que sobre isso respondeu o Proo* da Coroa
a q"" se deo vista. Pelo q"* mando ao d* Ouv^^ O*' da d» Cap.°^
do Rio de Janr°. dè á execução p' sy ou pelo Min® q* nomear
as doaçSens embargadas p^ se fundarem as V .^ na Gap*"^* q* foi
de Qil de Góes de q"* ítd servido fazer m"^ ao Visconde d'Asseoa
e a seu Irmão João Corr» de S&, Donatários delias ; com decla-
ração q* das d*' Y." se Cará medição e demarcação na forma
das suas doaçCas e sem prejui») das pessoas q^ nas d*' terras
tiverem as suas Sesmarias, por q^. se lhes não tira a posse
delias na forma em que lhe fòriío dadas pelos Donatários anti-
gos. E esta se cumprirá m^ inteiramente como nellase contem
a qual valerá como carta sem emb^. da Ord. do L. 29 n<>. 40
em contr<». e se passou p' duas vias. Pascoal d^Azevedo a fez
em Lz*. a 28 de Nov«. de 675. O Secretario. M.^ Barreto de
Sampaio a fiz escrever.— PriVtctpe.
ALVARÁ
PELO QUAL É NOMEADO DUARTE CORRÊA VASQUEANNES
PARA O EXTABOLAMEXTO DAS MIXAS
NA AUSÊNCIA DE SALVADOR CORRÊA DE SÁ K BENEVIDES
(1644)
(Archivo da Torre do Tombo -^ Livro dos Regimentos do Conselho
Ultramarino, fl. 40 v. Documento mandado copiar pelo Dr Norival
Soares de Freitas em missão do Instituto Histórico nas bibiiothecas
e archivos de Portngal).
Não 0Ò no entâbolam^nto das minas substituiu Martim Corrêa
Vasquoannes a seu sobrinho Salrador Corrêa de Sá, mas também no
governo do Rio do Janeiro. Sabe-se que não obstante as vantagens
promettidas aos doas pela metrópole as minas de S. Panlo não deram
o resultado que se esperava.
(Xoia da Commissão de íífdaeção,)
Akará p»lo qual 6 nomoado Dui^rte Oerria y^sqnean&es para o eu-
tabolamraio das muai na ausoiioU da Salrador Corria ip Si
eBaneyidaa.
Eu El-Rey íi^^o saber aos que este Alvará Tirem qae
eu informado qae convém muito a mea aerylQO e
ao benelloio oomnm da meiu Reinos e senhorios e dos
naturais deites e proveito de minha teenda âonqaiatarem<4e
beneficlarem-se e administrarem-sa as minas de ouro e
prata e oatros metaes, descubertas a par desoubrir nos
dístrictos das duas cappitanias de aSo Paulo e sSo Visente daa
partes do Brazil, euio descubrimento e entabolamento emcarre-
gei a Salvador Corrêa de Saa e Benevides* peia contança qoa
tenho de soa pessoa, e experienoia qoa tem das cousas daqnelias
partos, e pellas que conoorrem em soa pessoa verdade a zelo que
tem do men servisao, e esperar deite que neste oegooio me ser«-
virà a toda a minha satisútçio e contantamepto. B porque o dito
Salvador Corrêa, depois da ter entaboladas as ditas minas, ha
de voltar para este Reino oom a flrota que teva a seu cargo, da .
que he general, e ter a mesma confiança de Duarte Corrêa Vai*
queannes, seu tio, em quem coneorrem ai mesmas partes, Hey
p(M^ bem que o dito Duarte Corrêa sirva o dito cargo nas auaen.*
das e impedimentos de dito Salvador Corrêa e huie ám mesmos
poderes e Regimentos que lhe mandei dar para as ditas minas,
epor des^ar de lhe Huser gragaemeroe pete tiabalho que jémíú
ha de ter, e ajuda que a de dar neste negocio ao dito Salvador
Corrêa de Sá. Hey outrosy por bem de lhe fazer mercê ao dito
Duarte Corrêa que ajudando ao dito Salvador Corrêa e a desco-
brir e entabolar as minas e polas em suas perfeições de modo
que Rendão para minha fazenda em cada hum anno quatrocen-
tos mil cruzados de ouro de minerais e betas e nfto de lavagens
livres de todos os gastos e custos, do Gk)verno da cappitania do
Rio de Janeiro por seis annos e de promessa de bua comenda
120 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
ejffoctiva de lotte do cento e vinte mil rs., com f^uldade qae a
possa nomear em seu íllho, e para minha lembrança e sua guar-
da lhe mandei dar este Alvará que a sen tempo se comprira
como nelie se oonthem, o qual Hey por bem que valha como
carta posto que o efiTeito delle haja de durar mais de hum anno
sem embargo da ordena^^ em contrario. Pasohoal d* Azevedo
o fez em Lixboa a 22 de junho de Bj° Rny — Rey — e eu o secre-
tario António de Barros Caminha o fiz escrever.
A' margem do registo do alvará acima trasladado encon-
tra-se também registada a seguinte Apostilla:
Tendo respeito a que pello alvará atras escrito, de vinte e
dous de junho do presente anno de seis oentos e quarenta e qua-
tro, que se passou a Duarte Corrêa Yasqueanes, se lhe concedeu
que servisse no descubrimento das minas de São Paulo e Sao
Vicente, nas abzencias de Salvador Corrêa de sá e Benevides ;
B que ajudando no mesmo desoubrimento e entabolamento delias
de modo que rendessem quatro centos mil cruzados, livres de
todo o custo ; lhe faria eu mercê do cargo de Governador do Rio
de Janeiro por seis annos, e de promega de hua comenda de lote
de cento e vinte mil réis, com faculdade de a poder testar em
seu filho ; E em consideração do mais que ora por sua parte se
me representou, Hey por bem de declarar qae conforme ao ser-
viço que for fazendo, terei respeito para lhe fazer mercê sem
ser necessário chegarem a render as mesmas Minas os quatro-
oentos mil cruzados referidos ; E esta apostilla com o dito alvará
se oomprirao inteiramente, sem davida nem contradição algua,
a qual vallerá como carta sem embargo da ordenação do 2^ livro
titulo 40 que dispõem o contrario. E desta apostilla e alvará
referido pagara o novo direito se, conforme ao Regimento, o
dever. Paschoaldazevedoa fez em Lisboa a S3 de novembro de
644. E eu o secretario Afonço de Barros Caminha a fiz escrever.
CARTA DB FORAL
POVOAÇÃO, NATURIZAMEiNTO, NO ESTADO DO GRÃO PARA,
E RIO DAS AMAZONAS NO MARANHÃO,
DE QUE SUA MAGESTADE FAS MERCÊ AO. CAPITÃO PEDRO SULTMAN,
IRLANDEZ DE NAÇÃO, E AOS MÃES DE SUA FACÇÃO
REZIDENTES NA ILHA DE SÃO CHRISTOVÃO
(1644)
(Arehivo da lorre do Tombo — Livro dos Regimentos do Conselho
Ultramarino, fí, 37, Documento mandado copiar pelo Dr. Noriyal
Soares de Freitas em missão do Instituto Histórico nas bibliothecas e
archivos de Portugal).
Curiosa é rata carta foral, em que o Gorar no da metrópole
concod > sesmarias c direitos d ' portuguezes a estrangeiros*-
Pedro SuUman e seiu patricios viviam na ilha de S. Cbristovão
(África) e começaram a s r perseguidos piUos inglezes.
Sultman pediu t ^rras do BrazU ao Rei de Portugal, que as con-
cedeu com grandes privilegies,
(Xota da Commissão da Redacção.)
OftrtA de foralp PoTOaçio, Bâturliamonto, no Estado do srao Pará,
e Bio das Amaionas no Uaranhão do qno Sna Vaitostado fas
morco ao oapitSo Pedro Snltman Irlandei de nação, e aos mães
de sna boglo residentes na Ilha de sio Ohrlstovio.
Dom João per graça de deus Rey de Portugal e doe algar-
ves daqaem e dalém mar em Africa senhor do Brazil, de
Gaine e da conquista navegação comercio de Bthlopia, Arábia
Perçia e da índia, etc, faço saber a todos os que esta minha
carta de foral, Povoação e Doação, e naturizamento dado a
Pedro SuUman Irlandez catholioo reaidente na Ilha de são
Chviatovão, virem e aquém o conhecimento pertencer, Que por
parte do dito capitão Pedro Sultman, em seu nome, e dos mães
Irlandezes de sua companhia, e familiaridade, abbittadores da
ditta Ilha, me foi proposto, Que elles ei^o verdadeiros catho-
licos, reconhecendo a sancta Madre Igreja de Roma, e vivendo
debaixo de sua obbediencia, profeçando a sancta fé oatholica, e
por sua proâção padecerão grandes persiguiçoes e trabalhos, e
pello aperto das guerras, e terra« forão povoar e abbltar a ditta
Ilha de lâo Christovão, cento e setenta legoas da costa do meu
estado do Brazil, que esta occupada e abbitada de Irlandezes; B
elle Pedro Sultman, levara a sua custa, e por sua conta, muitos
lavradores e soldados, pêra povoarem e romperem, e abrirem a
terra, e recrescendo as guerras entre Inglaterra, e os seus
naturaes de Irlanda, os Inglezes senhores da ditta Ilha, por
serem mais em numero e poder, e de diversa profl^, os per-*
çiguirâo, e tiranizarão, de sorte que elle capitão, E Principal
delles, e muitos dos dittos Irlandezes, que serião quatro centos»
e entre elles çincoenta, ou sessenta cazados, com sua familia,
dei6javão,e detremina vão saísse, c ir povoar a outra Provín-
cia, em que profeçassem livremente a sancta fee oatholica, os
124 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
quaes lhe derSo seu aprazimento, que se ajuntara nesta carta*
o foral, oom a qual recorrera a my, como Príncipe tão catho-
lico, e favorecedor e protector de todo o catholico desterrado,
e em particular, da ditta Nação, reoebendoos, e dando-lhes
neste Reino comentos, e mosteiros de Rilligiosos, e RiUigiosas ;
B siminarios de sua nação, com grandes esmoUas e particular
piedade; E assy me pediâo lho flzesso a mesma mcrçe e amparo.
Para que nas minhas Províncias do Brazil, de que muitas os-
tavão dezabitadas por falta de moradores, lho fizesse merçe,
ou na Província Do Maranhão, ou do Grão Pará, e Rio das Ama-
zonas, de lhes assinar, e conceder terras para abbitarem e po-
voarem nella, e a deffonderião, e se daríão annos como aos mães
Vasallos, e collonias da diUa Provinoia, reconhecendo-me, como
Rey e senhor natural, acodindo com seus direitos, e tributos,
como os mces Portuguezes naturaes ; E mandando ver sou ro-
quorimento, depois de rezol ver de os amparar o admittir, e fa-
zer merçe no que pedião, Mandey que pello Doutor Thomé Pi-
nheiro da Veiga do meu Conselho Dezembargador do Paço o
Procurador da Coroa, ajustar a forma, clauzulas e condições,
com que se lhes concedesse, e selebrasse a ditta merçe, foral e
Doação, as$y com o ditto Capitão, como com os de sua compa-
nhia ; E Visto tudo o que me roprezentou, e ajustou oom a
mayor informação e parecer dos do meu conselho, segundo a
forma em que os senhores Reis meus antecessores, gaardariío
nas terras do Reino, De novo conquistadas, as derão a povoar
por seus foraes, a seus vasallos, e o que nas capitanias do Bra*
zil se tem observado, para sua povoação, e abbittação, e honra
dos vasallos beneméritos ; E quorendo fazer graça e merçe ao
ditto Pedro Sultmam, e aos dittos Irlandezes catholicos de sua
oompanhia e conducção ; Hey por bem e me praz, do minha
certa sçienoia, poder Real, absollotto, sem embargo das leis,
regimentos e prohibições, e capittulios de cortes, por que ho
deffezo, e se não permitta a nação nenhuma estrangeira, nem
de Espanha, nem pessoas, nem navios, entrar nem abbittar nas
dittas partes do Brazil, De lhes conceder, como faço, ao ditto
Capitão e aos mães de sua companhia, até cento o trinta abbitta-
dores da ditta Ilha, por hora, que possam entrar, povoar,
e abbittar na dita capitania do Pará, na forma deste foral, e
CARTA DE FORAL 125
carta de povoação e Doação, que lhes concedo na maneira
segointe :
Primeiro que o ditto Pedro Saltman, e os dittos Irlandeses
de sua companhia, que forem catholicos (que he a razão prin-
cipal porque lhes faço esta merçe e acolhimento) tanto que fo-
rem entrando na ditta terra, com ministro, ou ministros que eu
ordenar para sua conducção, vão em direitura ao porto da ci-.
dadedeBetlem, onde rezide o meu governador, e se lhes de
todo o acolhimento, e tempo necessário, ate lhes assinar as
terras, e lugares de sua abbittação e povoação. Aonde seirão
assentados e escritos em hum livro que para esse eífeito ha-
verá na camará da ditta cidade, assistindo o Capitão mor e o
ouvidor geral da ditta Provinda que lhe nomear ; B pello ditto
acto, Logo lhes faço, e hei por feita merçe de os naturalizar nel-
les, e seus descendentes, e haver por Portuguezes naturaes vas-
sallos e súbditos desta Coroa, e obbedientes a saneia se apposto-
liça, como Bons, e verdadeiros christoes, com todas as graças,
Previlegiose liberdades, e eizenções que tem agora os natnraes
destes Reinos de Portugal, e seus domínios, como se o foi^ por
origem naçimento, e abbittação, e elles como taes vassallos
subdittos por sy' e seus deçendentes, me reconhecerão por Rey
e senhor, como os mais vasallos naturaes, renunciando outro
qualquer senhorio, natureza, e domínio, e como se cada hum
fora naçido no Reino, e fizera preito e omenagem particular, e
juramento de fedilidade, como pella assinação do ditto livro, se
entenderá, feita a todos, para todos os previlegios. ; E assy pelo
contrario, incorrendo nas penas de infedilidade, e crime de
le2a magestade, divina e humana, como os mães vasallos, e
subdiitos, so jeitos a minhas leis e justiça, o da sancta Inquisi-
ção, e cençura Ecclesiastioa, em todo por todo, assy casados
com filhos, como solteiros, e que eazassem na terra, e com mo-
Iheres que vão do Reino, ou quaesquer outras, ou de sua Ilha, e
terras.
E nesta conformidade, o ditto capittão poderá levar em
cada húa das dittas viagens que declarou que podia fazer no
anno, sessenta, ou setenta dos dittos Irlandezes, cazaea de sua
companhia dos dittos cento e trinta, eos mães, para quç
depois lhe der faculdade, procurando que serão os ipaes que
126 REVISTA DO INSTITUTO HISTORICSO
pader 0er oazadoB, ou easem na terra ; E tanto qm entra
rem na sobreditta forma na ditta capitania e cidade do Pará,
a metade pouoo mães oo menos, a que vier melhor, e mais a
prasimento seu, e do ditto caplttSo, serSo recebidos por oi-
dadõet, e moradores da ditta cidade, seus arrabaldes, e termo,
e suas Aldeãs, onde melhor lhes estiver abblttar, com todos
os previllegios e liberdades dos mais cidadões, para entrarem
nos cargos da governança, na paz, e na guerra, com todas
perrogatiras dos naturaes ; para o que Hey por bem que dontf
dos mais nobres casados, entre logo hd por vereador, outro
por Almotaçe, sendo em tudo tavorecidos ; para o que o Go-
vernador, e ouvidor, e pessoa que mandar a ditta eonducção
com o ditto capitibo ; e dous de sua companhia, e duas pes^
soas mães da cidade, Ikçâo repartiç&o de terras bastantes,
com largneta, no ditio distrioto, em gitios mais aooomodados,
e de mães fertilidade que lhes assinem, que serfio todas as que
puderem cultivar e abrir, para sy, e serem suas próprias, di-
zimo a deus, como taes virem a seus herdeiros, e disporem
delias como próprias, como os mães naturaes, repartindo-as
com a ditta largueza, que de presente, e adiante puderem
redduzir. A cultura, e para seus gados, quintas, e abegoarias,
o mães sem prejuízo dos abbitadores da cidade, que pudef
ser, de maneira que tenhSo as terras que puderem apro-
veitar, como os 'mães, ficando com tudo da companhia do ditto
seu capitão, como os das ordenanças, como adiante se declara.
O qual capit&o com a outra a metade, pouoo mães ou
menos, por hora poderei ftmdar outra povoaçfto, e villa prin-
cipal com os seus e qb mães da terra, que de presente, ou
adiante nella quizerem abbitar pelo Rio e terra acima, enl
çitio competente algúas legoas, que se chamará slo Joio, a
que dareis as armas, e Inçinias, cem os Previileglos das mães
villas do Reino, e do ditto Estado, para o que o ditto Gover-
nador, e capitão, e as sobredittajs pessoas, verão o citio mães
aocomodado, e í^nda^o, e deffencão, • correspondência da
ditta cidade do Parft, e menos contradição do gentio da terra,
o terrenho de Agoas, e fertilidade tal, que se possa substentar
e floreçer ; B o ditto Governador em meu nome» a levitntará
em YiUa, c<« Peilourinho, Gamara, Jurisdição, e (bral» e
CARTA DE FORAL 127
Previliegios do Pará ou são Luís ; £ oom as dittas pessoas lhe
assinará de termo, e districto, as legoas, e terras bastantes para
todos os dittos povoadores, e os que com elles quizerem habbi-
tar, e aos qae eu adiante der' faculdade com largueza bas-
tante, não 8ó de logradouros, e pastos do comu da Villa, mas
para lavoura, planta. Engenhos, pastos de gado, e quintas, e
Aldeãs* e se repartirem com os povoadores, e as abrirem como
suas para sempre, na forma sobreditta, e como os mães na-
turaes.
B do ditto Pedro Sultman, hey por bem, se lhe assine húa
legoa em quadro, de terra, que seia sua própria, para seu uzo,
e dispor e fazer delia, e seus fructos, e rendas, como cousa
própria, haforar. Arrendar, dar, ou vender, como lhe estiver
melhor, com o reconhecimento, e obrigação das pessoas â que
fis meroe de terras no ditto Estado, naquella villa, e fora delia»
e em todas as mães partes, se guardarem em todo minhas
leis, e ordenações» no crime, e no eivei, e seu governo, na
paz, d na guerra, com seus juizes, vereadores, e Procurador,
Almotaçeis, e Escrivães, e Alcaide, e mais oíficios, como nas
mães do Reino, e do ditto Estado, fazendo suad EUeições, Pos-
turas, e acordos, e bordem de governo.
Para o que esta primeira vez, para instrucção, e crea^o
dos officiaes, Hey por bem, que a pessoa que faz com o ditto
capitão, ou la estiver Assistindo o ditto capitão, chamem» os
dittos povoadores, com os mães que nesse acto se acharem
para virem votar em offlciaes, a som de campa, e facão Ellei-
^ na forma da ordenação, tomando os vottos, e appurando
os pellouros o ditto julgador, com o ditto capitão E esta pri-
meira EUeição, será hum juiz dos povoadores, e outra dos da
terra para se instruírem nas leis, e governo» E hum escrivão
natural, e os mães vereadores, Almotace, e Escrivão dos po-
voadores» e os mães offlcios, B dahi em diante sem disthição
de huns e outros, e virão os EUeitos a confirmar ao Oover*
nador em meu nome, sem pagarem outjos direitos dos offl-
ciaes.
E poderão os Portuguezes e mais pessoas da terra a que
estiver bem vir abbittar na ditta villa» e suas Aldeãs, E os
Irlandezes ir abbittar com os naturaes em suas povoações» sem
128 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
80 prohibir a huns, nem a outros, a Elleiçâo, o a abbitiacão,
como as mais villas ontre sy, e o mesmo na comonicagão,
tratto, e cazamontos, e contrair domiçillio sem distinção ; K
outro sy poderSo do Reino e da Ilha onde estão, e de sua terra
levar por via do Reino, levar suas molhares e filhos, e as que
com elles se contratarem de casamento, e com bordem da ca-
mará e governador, se deixarão ir, e assy os casaes, e pes-
soas natnraes do Reino, que com elles quizerem hir abbittar,
e povoar, com seus previlegios.
£ ao ditto capitão Pedro de Sultman, Hey por bem de fazer
merçe que seia, e se chame Alcaide mor da ditta villa, desde
que chegar a ella, com os direitos, perrogativos, e privilégios
que tem os Alcaides mores por minha ordenado, e que por
ella lhe compete, fò.zendo-me preito e omenagem, ou em mãos
do meu Governador, para que se lhe passará carta minha ;
B outro sy, seija, e se chame seu capitão e dos de sua, com-
panhia, onde quer que estiverem, como capitão da ordenança,
com seu Tenente, e os do Pará. com o regimento das dittas
ordenanças ; E isto em sua vida por hora, assy Alcaidaria mor,
como a capitania, e com subordinação Ao Qovernador, e Go-
vernador Qeral do Estado, e seu ouvidor, na forma das outras
villas, e povoações da Província.
E hey por bem que estes primeiros cinco annos possa no-
mear hu ouvidor confirmado pello Governador, que seia natural.
A que venhão as appellações e . aggravos, e nelle tenhão
fim, até dez mil réis de Alçada no cível, e quatro nas penas,
e dous annos de degredo nos crimes, e dez mil réis em dinheiro
nelles,que será posto por elle» e se nomeará por my ; E isto
nos moradores da dita villa e termo que nella tiver^n con-
tráhido domiçillio, ou nelle cométterem o delicto, ou naturaes,
ou estrangeirob, E nos Escravos, e Plebeyos em que cabe penna
vil, até Assou tes, e degredo por dous annos.
E huns e outros da ditta companhia, pagarão inteiramente
08 disimos e permiçias e mães cousas devidas á Igreja, e sedes,
assy e da maneira que pagão os naturaes, com todo o reco,
nhecimento, e obrigação da Igreja, e Perlados, e herdem dos
sagrados cânones, sem exeição no costume em contrario, em
todo, e por todo, como os mães naturaes.
CARTA DE FORAL j 29
E de oairos direitos Reaes, o contribaiçõoa serSo isentos,
DO que de novo cultivarem, e abrirem, e Eagenhos que flze-
rem de Açúcar, e mães lavouras, na forma, e pelloB annos
que são isentos os que Eddiâcão Abem de novo, e rompem
as terras por foral dos do estado ; E Hey por bem de os isentar
mães, ate nove annos, pagando os mais direitos, e Alfandegas,
assy na Ilha, como no Reino, onde manejarem suas merca-
dorias, e fruotos da terra, e aoquiridos, c mercancias, para
o que se lhes dará todo o favor, e embarcações, e a suas todo
o bom despacho para as dittas fazendas, e mercancias, e fructos;
E pela mesma maneira, para manejarem, e trazerem os da
ditta provincia, os seus fretes, e despacharem nas minhas Al-
fandegas, onde despachão os mães natoraes, pagando seus di-
reitos na terra, B Reino, salvo os sobredittos do seu foral, ou
por outras provisões, lhe fazer merçe do os isentar.
E serão obrigados a guardar inteiramente os regimentos e
prohibições do ditto Estado do Brazil, para não admittirem
navio nem pessoa estrangeira, da nenhúa qualidade, nem de
sua nação, sem expreça hordem minha, nem de Castella, nem
outra nação, nem navegação para ella, salvo para este
Reino e suas Ilhas, na forma dos regimentos e ordenações,
e hordeos dadas nesta matéria, sem differença nenhúa dos
outros mães vassallos, e os mães que for servido ; E por
firmeza de tudo lhe mandey dar esta carta de foral, e naturi-
zamento, por my assinada e cellada com o çello pendente ;
Belthezar Gomes a fez em lixboa aos quatro de março, Anno
do Nasimento de nosso senhor Jesus Ghristo de mil e seiscentos
6 quarenta e quatro ; Balthazar Roiz de Abreu a fiz escrever.
— El-Rey.
POSTILLA
O que tudo se entendera, com declaração, que a sobre-
ditta gente que o ditto Pedro Sultman, levar em sua com-
panhia, seja toda de nação Irlandeza, sem entrar pessoa algua
de outra nação, E o Governador do Maranhão, logo que en*
trarem naquelle Estado» tome a todos» e a cada hu^m par-
491 — 0 Tomo lxiz. í. i.
130 REVISTA pO INSTITUTO HISTÓRICO
ticular, juramento de .omenagem» e fidelidade no ditto livro
nesta carta e para este effoito ordenado ; E desta postilla se
porÀ verba nos registos ; Lixboa a dezassete de janho de
mil e seiscentos e quarenta e quatro.— fiey.
Archivo da Torre do Tombo. Livro dos Regimentos do
Conselho Ultramarino, íls. 37.
Repnento que a de usar o Send da Frota
SALVADOR CORRÊA DE SA
(1644)
(Arehwo da Torre do Tombo, Liwo dos Regimentos do Conselho
Ultramarino, fl»i3 v. Docamento mandado eopiar peloDr. NoriTal
Soares de Freitas, em misefto do Instituto Historioo nas bibliothecas
• arohlTOB de Portugal).
Sobr.í a niaioria dost.) repri mento dado ao general da frota Sal-
vador Benevides, veja-Sí o que escreveu o illustrado Dr. Vieira
Fazenda no Boletim Co7mnercialf annos de 10O4«5-6, sobre o coui-
niercio do Rio d* Janeiro nos S'Culos 16* c 17*.
(Xota da Commissão de Redacção*)
Retíieito ie me a it m o Beienl la mta SalTalor Corro de 8i
Ea El-Rey faço saber, a vos Salvador Corrêa de Sá y bena-
Yides, fidalgo de minha c^isa, que por jostas considerações de
meu serviso bem de meãs vassalos e melhor segurança da na-
vegação do Estado do Brazil. Mandei ordenar hda frotta para
dar escolta, aos navios da navegaçSo para que se possão opor,
a qualquer acometimento dos enemigos e meus vassalos logrem
com segurança as rezultas, dos cabedaes que nelles meterem.
Ouve por bem, de vos, nomear, por general da ditta frotta
pela experiência que tendes das couzas do mar, e vosso zello,
en meu servisso e por confiar de vos quo em tudo procedereis
conforme vossa obriga(^ e por Almirante a Diogo Martins Ma-
deira na qual se guardará o Regimento seguinte :
Primeiramente os n%vios que ou verem de servir nesta
frotta de Cappitana Almirante delia, serão meus, que eu Man-
darej nomear, dos de Minha Armada Real, comprados, provi-
dos e Armados, por conta dos fretes e avarias dos assucares e
fazendas que nelles se carregarem, e será cada hfi delles de
porte de seiscentas tonelladas, bem artilhados, com cem in*
lentes cada hum, e seu capitão de mar e guerra com hfi AI,
feres e sargento nos quaes se meterá somente duas partes da-
carga, para que com os frettes e avarias, que se hão de pagar
pela maneira ao diante declarada, se supra o gasto da infantaria
do mar.
2 — Averá na dita frotta hfi sargento mor e h(l ajudante
pessoas de valor e de servissos. E se pello tempo em diante a
experiência mostrar que se necessita de outro Ajadante man-
dareis prover delle.
3 — Averá também hfi auditor que conhesa de todas as
cauzas çiveis e crimes, das pessoas que andarô enbarcadas,
nestas frottas que forem dependentes da gente delias, e forem
134 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
criadas, depois de terem, aaentado praça, nas dittas frottas,
com o mesmo poder e jurisdiccão que tem, e de qae se aza nas
ArmaJas da lodia o qual eu mandarey nomear, e asy a pessoa
que com elle ba de sernr de escrivão.
4 - - Averá. tão bem hum feitor que sirva juntamente de
Almoxarife para areoadar e feitorizar o direito da avaria que
se a de arecadar das caixas de asuquar e fazendas que se car-
regarem em todos as navios da fh>ta para sustento e pagas da
gente de Guerra e monições, vosso soldo e do Almirante e dos
mais ministros qae nella servirem.
5 — Sendo os donos dos navios que servirem na dita frota
de tal valor partes e experiência que possão ser capitães de
mar e guerra nelles, os aprovarei, e não concorrendo nelles
estas partes, ou não o querendo ser, poderão nomear pessoas
em quem ellas concorrâo a qual, tendo estes requesitos será por
mira aprovado.
6 — Aos cappittais e soldados.e capitães qae em seas navios
servirem de mar e guerra nestas f^ottas, lhe averei o servisse»
quo nellas me fizerem» como se fosse feito nas Armadas Reais
deste Reino, e aos homens do mar terei também respeito, nas
ocaziões de seus acressentamentos.
7 ^ Os Baixeis qae onverem de navegar para as ditas partes
serão ao menos do porte de duzentas tonelladas, com dez pes-
soas de Artilliarla, as quais serão mandados examinar pelo Ck)n-
selho Ultramarino, e os que forem de menor porte, não averão
avarias, porem as qne se lhe deverem, se hirão depositando na
mão do feitor para a compra de dous bons galeõis que sirvão
de cappitana e Almirante da dita ft*otta para qae por este
modo, se vão extinguindo as embarcações pequenas, e os Arma-
dores se disponhão a íl&bricallas do major porte que for possível
porque disso não somente lhe rozultarão seus interesses mas
maior segurança em sua navegação e reputação do Reyno.
8 — Partirá a ftota do Porto desta cidade ate os derra-
deiros dias do mez de setembro de cada anno, para a Bahia e
e daly pêra o Rio de Janeiro e daqaella cappitania voltarão os
navios pêra a Bahia qae ouverem de vir em companhia da
frota ate o derradeiro de março para qae elles e os da Bahia
salft^bA abril, qae são as monções mais aprovadas em respeito
REGIMENTO DO GENERAL DA FROTA 135
de vir a ft*otta mais coiiBervada, e em que se acha a Armada
Real fora, vindo por altura de quarenta e hum grãos e meio dei-
xando os navios do Porto e Viana recolhidos em seus porttos e
com os mais vireis seguindo nossa Rotta ate o porto desta cidade.
9 — E porque obrigando aos vassalios a que deste Reino na-
veguem em ft*ottas pêra o Brasil ajuntandosse pêra este eíTeito
no porto desta cidade, lhe seria de grande dagno e perjuizo
asy pelo Risco que correrão em rezão dos tompos e dos ene-
migos que de ordinário andão nestes mares, como tão bem por
lhe ser necessário hirem pellas Ilhas fazer suas escallas e pro-
vimentos de farinhas vinhos o outros géneros que hão de levar
as ditas partes ; e juntamente para que possão os ditos navios,
ter tempo de fazer nollas suas oarregaçoís para que ao tempo
da chegada da flrotta e de sua partida para este Reyno, se achem
prestes, e não tenham detença; Hey por bem que pêra as ditas
partes do Brazll possão os ditos navios navegar em todos 00
tempos que quiserem o lhe bem estiverem sem esperar pelas
ditas frottas, porem a volta para este Reyno, não poderão vir,
senão em sua conserva para se evitar o dano que ao pode
seguir de em rezão de vir só caírem em mãos dos enemigos e
nem vós nem o governador gerai do dito Estado, ou Gappitao
mor do Rio de Janeiro lhe poderão dar licença em contrario
salvo quando for pêra se trazer algum aviso, muito de meu
servisse e para este effeito se elegerão as embarcaçõis mais pe-
quenas que ouver para que possão com mais brevidade vir a
este Reyno, e trazerem o dito aviso.
10 — Na carga dos ditos navios prefferirão os que forem
de msOor porte e aos de menor porte se darã so meia carga
porque assy virão as fazendas dos particulares e carregadores
mais seguros, e os Armadores procurarão avantajarse nas
fabricas que fiserom aos que forem de maior porte ass^
por se não arriscar a ficarem sem carga, como também
por gozarem do beneficio da avaria que não hão de lograr
se os ditos navios não forem ao menos de duzentas tonel-
ladas e daby pêra sima como fica dito no cappltulo sétimo
deste regimento.
11 — Sendo os ditos Baixeis de duzentas tonelladas e des
peças de artilharia averao de flretes da Bahia por cada sio-
136 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
coenta e quatro arobas qae he húa tonellada portogeta doso
mil rs. e os de treseatas tonelladas e quinze possas quatone
mil rs. e 06 de quatrocentas tonelladas e vinte pessas dezaseis
mil rs. e vindo do Rio de Janeiro haverio pela mesma ordem
que flea dito dous mil rs. mas por tonelladas, e avaria quer
sela da Bahia, quer sela do Rio de Janeiro, será de hum tostão
por cada arroba.
12 — E Porque cada hum destes navios ha de carregar ao
menos seiscentas caixas de assnear, que a vinte arrobas eada
eaiza como he custnme, fozem doze mil arrobas, e pagando a
testio de avaria por arroba importiU) três mil cruzados, e desta
avaria, ha de aver o dono do navio a quarenta ni. por cada
tostão e 06 sesenta rs. que âcio se aplicSo pêra o sustento e
soldo do capitão e soldados que hão de hir embarcados em cada
hum para a sua defença, que hão de ser vinte e sinco que im-
portSo seteeentos e vinte mil rs. não bastão e he necessário sup-
prir-se esta falta pelos melhores e mais suaves meios que ser
possa ; Hey por bem que eo cada hum dos ditos navios (de mais
dos asucares que ouver de carregar) se earregem quatrocentos
quintaes de pao Brazil por conta de minha faienda, dos quaes
se pagará quatrocentos rs. de firete por cada quintal e destes
quatrosentos rs. haverá o dono do navio duzentos rs. e os
outros duzentos, se aplicarão também ao sustento e soldo da
gente, e os navios que carregarem no Rio de Janeiro ou em
qualquer outra parte do estado do Brasil que não trouxerem
pao, pagara cinco tostões de eada tonellada que carregar para
iguda de custo.
13 —E porque os navios que hão de navegar para a Bahia
somente hão de carregar quatrosentos quintaes de pao, cada
hum por conta de minha íkienda em rezão do pao do Rio de Ja-
neiro ser de qualidade que não tem conta neste Reino, de que
06 donos dos ditos navios não hão de aver mais que duzentos rs.
de frette por cada quintal eomo fica dito no cappitulo ante-
cedente no que se lhe flcão ocupando perto de trinta tonelladas
con pouca utilidade; Hey por bem que a cappitana da dita frota
e Almiranta delia carregue cada húa pelo menos duzentas tonel-
ladas de pao Brazil, o qual o meu governador geral do dito
Estado, e Provedor mor de minha (kienda em elle e a nos, pela
REGIMENTO DO GENERAL DA FROTA 137
parte qne nos <oca fareis carregar em oada hum dos ditos navios
inyiolayelmente.
14 — E porquanto nestes princípios he força permitirse a
navegado das embaroagOes de menor porte de duzentas tonel-
ladas até ellas se acabaram e se fsiserem outras de major porte,
como fica declarado neste Regimento considerando também que
se de todo se lhe prohibir que não naveguem para as partes do
Brazil, não tão somente ficarão meus vassalos com dano consi-
derável nos cabedaes que nas ditas fábricas tem metido mas
tão bem se não dará vazão a saca dos asuqueres do dito Estado ;
Hey por bem que as ditas embarcações, como ja fica declarado,
possão navegar pêra as ditas partes, ató S3 extinguirem, e que
indo a Bahia se lhe de de frotte a dose mil rs. por tonellada,
e hindo ao Rio de Janeiro a quatorse mil rs. com que tãobem
se evita o dano que pode rezultar aos carregadores da dilação
esperando com a carga não a querendo meter nos navios de
major porte porem do dito fírete serâo os mestres de tais em-
barcações obrigados a entregar ao meu feitor e Almoxarife
dous mil rs.de oada tonellada para ajuda do sustento da infiinteria
que nos mais navios armados os ha de comboiar, E vos mando
que nas licenças que ouveres de dar a estes navios para carregar
seião preferidos aquelles que tiverem algúa artelharia e forem
novos, e nos pareserem melhores pêra acompanhar a frotta.
15 — Sendo necessário valerense alguns dos navios de par-
ticulares de algúa artilharia minha, ou sendo necessário meter
lha para sua melhor defença e guarnição venserão cada duas
peças que asim levarem o soldo de um marinheiro pêra também
se dispender nas couzas necessárias á conservação e aumento
das ditas frottas.
16 ^ Com o soldo dos marinheiros se não alterará couza
algúa o qual se lhe pagará na forma que sempre se fez De tudo
o que tocar ao direito de avaria se cobrará no Estado do Brazil
para pagas da gente de guerra e mais despezas que forem
necessário fazerense cõ os navios da frotta a metade, e a outra
ametade se pagará neste Reyno, o qual dinheiro ha de cobrar
e despender o feitor e Almoxarife com ordem do meu general»
e para a cobrança se ha de fazer um livro de Receita nume-
rado e Rubricado pelo auditor, e se lhe ha de carregar em Re-
i38 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
ceita tudo o que assy oobrjir, o qaal será obrigado a dar fianga
nesta cidade, ató quantia de três mil cruzados, e de cada viagem
que fizer dará conta dos meus contos do Reyno e caza e tirará
quitaçáo.
17 — Outro sy Hey por bem que a despeza que o dito feitor
e Almoxarife fizer, pelo toca ao vosso soldo que são dous mil
cruzados cada anno sem nenhúa liberdade mais, e o Almirante
trezentos mil reis cada anno, que se Repartirão aos mezes,
e asy os soldos do auditor, sargento mor, ajudante, cappitaes.
Alferes, sargentos e mais offlciaes que serão os que pellos
mesmos, cargos lhe pertencerem sei^á pella maneira seguinte,
a saber, no Brazil da terça parto de .seus soldos e neste Reino as
duas partes, tomando quitações das tais pessoas com as decla-
rações costumadas para a conta do dito feitor e Almoxarife,
e por esta mesma maneira a Infanteria o mantimentos delia
que tudo ha do sahir do dito direito da avaria.
18 — E porque pode acontecer ser necessário fazeremse
outras despezas extraordinárias na Cappitana e Almiranta da
dita frota, mando ao dito feitor e Almoxarife que he húa s6
posfloa que por despachos nossos as faça e com vossa asistençla
lênbrando vos que não sejão as tais despezas, senão aqueilas que
forem presizamente necessárias e não sendo utis e necessárias
se lhe não levarão en conta.
19 — Outro sy haverá outro livro da despeza, também
numerado e Rubricado pello mesmo auditor e servirá de es-
crivão da Receita e despeza o mesmo que ha de servir na audi-
toria, no qual se lansarão todas as despezas que se fizerem
asinadas por vos, e pello dito feitor e Almoxarife declarandose o
em que a dita despeza se fez, e a cauza que ouve pêra se
íkzer, e isto alem da ordem por escrito que haveis de passar
para que a dita despeza se faça e no livro da Receita em que se
ha de carregar ao dito feitor e Almoxarife tudo aquilo que
cobrar da avaria se dõc'arara tambimi em cada assento o que
cobrou quanto de cada pessoa decl.iranduas por seus nomes, dia,
mez e ano, dos quacs as 'nttos hâo de proceder as quitações que
se ao de dar as partes que pagarem a dita avarii para sua
guarda asinados pelo escrivão e pello dito feitor e por vos para
que por este modo vos seja prezente o dinheiro que tem en-
REGIMENTO DO GENERAL DA FROTA 139
trado em poder do ditto feitor, o que se tem despendido, e o
que âca ainda em seu.
20 — O dito feittor e Almoxarife terá de ordenado cada anno
duzentos m!I réis, tendosse consideração ao muito trabalho que
ha de ter no exercido deste officío andando enbarcado e sendo
obrigado a dar fiança e contas cada anno o qual se poderá,
pagar eni sy próprio do mesmo Rendimento da avaria, e o
escrivão de seu cargo, que o ha de ser também da auditoria
haverá de ordenado em cada hum anno oitenta mil réis, de
que também houvera pagamento pelo mesmo modo que o vos
aveis de haver, e os mais offlciaes e soldados, os quais feitor e
escrivão sendo necessário encarregaios de outros officios, nem
por isso haverão outro ordenado, mais que hum só por ser asy
conforme as minhas leis e Regimentos.
21 — Para que não haja demoras que obrigem a despezas
inúteis ; Hey por bem e vo8 mando que com toda a brevidade
possível procureis abreviar a viagem asy da hida como da volta
para que se possa fakzer a viagem da frotta todos os annos.
22 — E para que isto não tenha nenhu estrovo e melhor se
possa conseguir, Hey por bem e mando a todas as justiças asy
deste Reyno, como do dito Estado, íação, breve e summaria-
mente pagar os fretes ou dividas pertencentes a estas viagens
aos mestres, mercadores, pajssageiros e mais interessados que
vierem nas dittas ft*ottas constando do que liquidamente lhe
deverem
23 — E porquanto para a dofença e segurança dos navios
marchantes convém que os donos delles lhe metam armas para
a geote do mar que nelles hão de trazer. Hey por bem que
tragão nos ditos navios, tantos mosquetes e chuços quantas
forem as pessoas que nelles trouxerem.
24 * E Hey outro sy por bem que nem neste Reino, nem no
estado do Brazil se possa fabricar navio ou caravella que s eia
de menos de duzentas tonelladas e dahy pêra sima porque nen-
hua a de navegar nas ditas írottas de menos porte, depois que se
acabarem as que jà estão fabricadas, e as caravellas que assyse
fabricarem de porte de duzentus tonelladas serão armadas com
doz peças de Artilharia como os navios do mesmo porte, e isto
se entendera nas caravellas e navios que ouverem de nave-
140 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
gar pára o Brazil, porqae para oatros irattos, poderâo fabricar
os navios que lhe estiver a conta.
25 — Os navios que forem ao Rio de Janeiro e mais partes
do sul virão demandar com a carga que tiverem a cidade da
Bahia no tempo que por nos lhe for ordenado, pêra virem daly
em nossa conserva, medindo o tompo de tal modo que, nem
Yonhlko muito antes da partida da frotta para evitar os gastos
e despezas que podeão fazer na Bahia, sendo muita a detença»
nem, tãobem, que venbão sendo nos já partido.
26 * E porque as couzas do mar são insertas e ha cazos
que se não podem prevenir antesipadamente, Hey por bom que
vos com o Almirante do dita frotta, auditor e sargento mor, e
cappitão de mar e guerra da cappitana disponhaes nos taes
cazos o que se venser por mais votos, lembrandovos que mi-
nha tenção he tratar se sempre do milhor acerto em meu ser-
visso,e não se podendo por algum asidente juntar o conselho na
forma referida rezolvereis o cazo com a maior parte dos que se
poderem ajuntar fazendosse de tudo papeis pêra se me dar conta
sendo necessário, e sendo cazo quo se aparte aAlmirante poderá
rezolver os cazos não cuidados com o Mestre Pilloto, e ao dito
Almirante dareis uma copia deste Regimento pêra se saber
como se ha de haver om semelhante cazos.
27 — E porque podo acontesser que tenhais boa ocasião
de voltar com brevidade com a frotta para este Reino, e vos
possa ser de impedimento não terdes en quantidade os offlciaes
de calafates* carpiu toiros, ferreiros, madeiras, embarcaçoeis pe-
quenas gente de mar e tudo o mais de que se necessita para se-
melhantes jornadas ; Hey por bem que as possais ao governador
geral e aos cappitais e mais mioistros de guerra e fazenda das
cappitanias e porttos a que fores ter aos quais mando volos dem
e pagandose lhes seu estupendio tendo consideração a que como
isto he para tempo tão breve nunca pode ficar de prejuízo a nin-
gem, antes en grande beneficio de meus vassallos a que prinsi-
palmente atendo e que nos dem assy para isto como para tudo
o mais de que necessitardes toda ainda e favor que nelles for.
28 — E porque minha tenção he evitar toda a ocazião de
competências em matérias de jurisdição que podem prejudicar
ao bem e conservação das frottas. Hey por bem e mando aos
REGIMENTO DO GENERAL DA FROTA 141
ministros da justiça e fazeoda do Bstado do Brazil, Utias e de
outra qualquer parto donde chegar a dita frotta, se não intro-
motão em couza elgua das dispostas e declaradas neste Regi-
mento antes mando a todos em geral e a cada hum em parti-
cular, e aos ministros e offlciaes de guerra que nas ditas partes
asistirem, que apor tando-vos com a dita frotta em seus portos,
vos dem toda ainda e favor que vos for necessário para melhor
conseguirdes o que neste Regimeato vos ordeno os quaes o gar-
darão como se com cada hum delles em particular falara.
29 — E sendo cazo que no mar se encontre esta minha
frotta com as nãos da índia em que venha ou va cappitam mor
delias faiuo a frotta e nãos salva de três peças igualmente hna
a outra, e a frota seguira o farol e derrota das nãos, e isto nao
vindo nellas YisQ Rey, porque vindo abatera a frotta a bandeira
e abatida a tornara a arvorar, e sendo quaesquer outros navios
que venhSo das ditas partes que não seião nãos da india lhe fa-
reis farol e dareis Regimento.
30 — E encontrandosse a frotta com a Armada Real levara
a cappitana hna flâmula no tope em lugar de bandeira e a Al-
mirante outra no mastro do traqueto, e as salvas an de ser as
da cappitana do mar oceano de menos hua peça as sinco com que
a hão do salvar e as da boca de menos hua boa viagem respon-
dendo com trombettas ou charamellaa a ella, e a Almiranta da
frotta o mesmo, a Almirante da Armada Real, e os mais navios
da frotta e a cappitana e Almiranta deve responder somente com
trombettas ou oharamellas sem Artilharia nem boa viagem
da boca.
31 — fi sendo cazo que vos encontreis com esquadras ou
navios de onimigos desta coroa âo de vos que procedereis do
maneira que tenha eu multo que vos agradecer e folgue de vos
hontrar e fazer mercê e da mesma maneira o hey por muy re-
comendado ao Almirante da frotta a quem vos de minha parte
o fareis saber e aos mais cappitais para nas ocaziois que se offe*
reçerem vos aludem e procedão como lhes espero e tenha ocazião
de lhe fazer merçe conforme aos servisses que me flzerem, e va«
gando por esta cauza alguns cargos na frotta de justiça guerra
e fazenda nomeados neste Regimento que eu não possa prover
com^ a brevidade que convém ; Hey por b^ que vos provejais
142 RBVISTÀ DO INSTITUTO HISTÓRICO
neste ínterim de serventia os de justiça e fazenda em taia pes-
soas que conhesão todas as mais que não antepondes respeitos
particulares a merecimentos próprios, e os de Guerra os devem
servir as pessoas a que toca fazello por fiilta de seus maiores
porquanto estes senão podem prover de serventia.
32 — Todo o disposto e declarado neste meu Regimento vos
hey por muy encarregado, lenbrando vos que fio de vossa possoa
que obrareis nestes particulares de tal maneira que fique de
exemplo aos mais para qae á nossa imitação haja quem siga o
procedimento que de vos espero e da mesma maneira o Hey por
encarregado as mais pessoas nelles declaradas para que proçe-
dão como convém a meu servisse e ao bem de meus vasaUos.
Paschoal de Azevedo o fez em lisboa a zzb de março de BJc Rii^ ,
ea o secretario Aflònsso de Barros Caminhão fiz escrever. Rey.
o Marquez de Montalvão ^ Regimento de que se a de azar
nas Viagens das frottas do Brazil.
PELO QUAL É CONCEDIDO A SALVADOR CORRÊA DE SA E
BENEVIDES FAZER MERCÊS AOS QUE
SE DISTINGUIREM NO DESCOBRIMENTO DAS MINAS
(1646)
(Archivo da Torre do Tombo. Lwro de Regimentos do Conselho
Ultramtkrinoy fl, 4í)
(Doe. mandado copiar pelo Dr. Noriyal Soares de Freitas, em
missão do Instituto Histórico nas bibliothecas e archiTos do
Portugal.)
136 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
coenta e quatro arobas que he hua tonellada portugesa doso
mil rs. e os de tresentas tonelladas e quinze possas quatorze
mil rs. e os de quatrocentas tonelladas e vinte possas dezaseis
mil rs. e vindo do Rio de Janeiro haverão pela mesma ordem
que ílsa dito dous mil rs. mas por tonelladas, e avaria quer
sela da Bahia, quer seia do Rio de Janeiro, será de hum tostão
por cada arroba.
12 — E Porque cada hum destes navios ha de carregar ao
menos seiscentas caixas de assucar, que a vinte arrobas oada
oaixa como he custume, fazem doze mil arrobas, e pagando a
tostão de avaria por arroba importão três mil cruzados, e desta
avaria, ha de aver o dono do navio a quarenta rs. por cada
tostão e os sesenta rs. que flcãose aplicão pêra o sustento e
soldo do capitão e soldados que hão de hir embarcados em cada
liam para a sua defença, que hão de ser vinte e slnco que im-
portão setesentos e vinte mil rs. não bastão e he necessário sup-
prir-se esta falta pelos melhoi*es e mais suaves meios que ser
possa ; Hey por bom que en cada hum dos ditos navios (de nutfs
dos asucares que ouver de carregar) se carregem quatrocentos
quintaes de pao Brazil por conta de minha fazenda, dos quaes
se pagará, quatrocentos rs. de í^te por cada quintal e destes
quatrosentos rs. haverá o dono do navio duzentos rs. e os
outros duzentos, se aplicarão também ao austonto e soldo da
gente, e os navios que carregarem no Rio de Janeiro ou em
qualquer outra parte do estado do Brazil que não trouxerem
pao, pagara cinco tostões de cada tonellada que carregar para
ajuda de custo.
13 — E porque os navios que hão de navegar pira a Bahia
somente hão de carregar quatrosentos quintaea de pao, cada
hum por conta de minha fozenda em rezão do pao do Rio de Ja-
neiro ser de qualidade que não tem conta neste Reino, de que
os donos dos ditos navios não hão de aver mais que duzentos rs.
de frette por cada quintal como fica dito no cappitulo ante*
çeiente no que se lhe íioão ocupando perto de trinta tonelladas
con pouca utilidade; Hey por bem que a cappitana da dita frota
e Almiranta delia carregue cada húa pelo menos duzentas tonel-
ladas de pao Brazil, o qual o meu governador geral do dito
Estado, e Provedor mor de minha fazenda em elle e a nos, pela
REGIMENTO DO GENERAL DA FROTA 137
parte qae no9 ^oca fareis carregar em eada ham dos ditos navios
inyioiayelmente.
14 — E porquanto nestes prinoipios he força permitlrse a
navegado das embaroagOes de menor porte de duzentas tonel-
ladaa até ellas se acabaram e se fazerem outras de major porte,
como fica declarado neste Regimento considerando também que
se de todo se lhe prohibir que não navegaem para as partes do
Brazil, não tão somente flcai^ meus vassalos com dano consi-
derável nos cabedaes que nas ditas fabricas tem metido mas
tão bem se não dará vazão a saca dos asuqueres do dito Estado ;
Hey por bem que as ditas embarcações, como ja fica declarado,
pos^o navegar pêra as ditas partes, até S3 extinguirem, e que
indo a Bahia se lhe de de firatte a dose mil rs. por tonellada,
e hindo ao Rio de Janeiro a quatorse mil rs. com que tãobem
se evita o dano que pode rezultar aos carregadores da dilação
esperando com a carga não a querendo meter nos navios de
major porte porem do dito Arete serao os mestres de tais em-
baroaç(!les obrigados a entregar ao meu feitor e Almoxarife
dous mil rs.de cada tonellada para ajuda do sustento da infonteria
que nos mais navios armados os ha de comboiar, E vos mando
que nas licenças que ouveres de dar a estes navios para carregar
seiSo preferidos aquelles que tiverem algúa artelharia e forem
novos, e nos pareserem melhores pêra acompanhar a frotta.
15 — Sendo necessário valerense alguns dos navios de par-
ticulares de algúa artilharia minha, ou sendo necessário meter
lha para sua melhor defença e guarnição venserão cada duas
peças que asim levarem o soldo de um marinheiro pêra também
se dispender nas couzaa necessárias á conservação e aumento
das ditas íirottas.
16 — - Com o soldo dos marinheiros se não alterará couza
algúa o qual se lhe pagará na forma que sempre se fez De tudo
o que tocar ao direito de avaria se cobrará no Estado do Brazil
para pagas da gente de guerra e mais despezas que forem
necessário fazerense cõ os navios da frotta a metade, e a outra
ametade se pagará neste Reyao, o qual dinheiro ha de cobrar
e despender o feitor e Almoxarife com ordem do meu general,
e para a cobrança se ha de fazer um livro de Receita nume-
rado e Rubricado pelo auditor, e se lhe ha de oarregar em Re-
136 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
coenta e quatro arobas que he hôa tonellada portugota doso
mil rs. o os de tresentas tonelladas e quinze possas quatorze
mil rs. e os de quatrocentas tonelladas e vinte pessas dezaseis
mil rs. e vindo do Rio de Janeiro haverão pela mesma ordem
que ílea dito dous mil rs. mas por tonelladas, e avaria quer
seia da Bahia, quer seia do Rio de Janeiro, será de hum tostão
por cada arroha.
12 — E Porque cada hum destes navios ha de carregar ao
menos seiscentas caixas de assucar, que a vinte arrobas oada
oaiza como he custume, fazem doze mil arrobas, e pagando a
tostão de avaria por arroba importão três mil cruzados, e desta
avaria, ha de aver o dono do navio a quarenta rs. por cada
tostão e os sesenta rs. que ílcão se aplicão pêra o sustento e
soldo do capitão e soldados que hão de hir embarcados em cada
hum para a sua defença, que hão de ser vinte e sinco que Im-
portão setesentos e vinte mil rs. não bastão e he necessário snp-
prir-se esta falta pelos melhores e mais suaves meios que ser
possa ; Hey por bom que en cada hum dos ditos navios (de mais
dos asucares que ouver de carregar) se carregem quatrocentos
quintaes de pao Brazil por conta de minha fazenda, dos quaes
se pagará quatrocentos rs. de frete por cada quintal e destes
quatrosentos rs. haverá o dono do navio duzentos rs. e os
outros duzontos, se aplicarão também ao sustento e soldo da
gente, e os navios que carregarem no Rio de Janeiro ou em
qualquer outra parte do estado do Braiií que não trouxerem
pao, pagara cinco tostões de cada tonellada que carregar para
ajuda de custo.
13 — E porque os navios que hão de navegar pira a Bahia
somente hão de carregar quatrosentos quintaes de pao, cada
hum por conta de minha fozenda em rezão do pao do Rio de Ja-
neiro ser de qualidade que não tem conta neste Reino, de que
os donos dos ditos navios não hão de aver mais que duzentos rs.
de frette por cada quintal como fica dito no cappitulo ante-
çeiente no que se lhe ficão ocupando perto de trinta tonelladas
con pouca utilidade; Hey por bem que a cappitana da dita frota
e Almiranta delia carregue cada húa pelo menos duzentas tonel-
ladas de pao Brazil, o qual o meu governador geral do dito
Estado, e Provedor mor de minha fazenda em elle e a nos, pela
REGIMENTO DO GENERAL DA FROTA 137
parte qoe nos ^oca fareis carregar em eada hum dos ditos nayios
inviiHayelmente.
14 *E porquanto nestes principies he força permitirse a
navegado das emtoroagões de menor porte de duzentas tonel -
ladas até ellas se aoabarom e se fazerem outras de major porte,
como fica declarado neste Regimento considerando também que
se de todo se lhe prohibir que não naveguem para as partes do
Brazil, não tão somente ficarao meus vassalos com dano consi-
derável nos cabedaes que nas ditas fabricas tem metido mas
tão bem se não dará vazão a saca dos asuqueres do dito Estado ;
Hey por bem que as ditas embarcações, como ja fica declarado,
possão navegar pêra as ditas partes, até S3 extinguirem, e que
indo a Bahia se lhe de de frette a dose mil rs. por tonellada,
e hindo ao Rio de Janeiro a quatorse mil rs. com que tãobem
se evita o dano que pode rezultar aos carregadores da dilação
esperando com a carga não a querendo meter nos navios de
major porte porem do dito flrete seião os mestres de tais em-
barcações obrigados a entregar ao meu feitor e Almoxarife
dous mil rs.de cada tonellada para ajuda do sustento da iníánteria
que nos mais navios armados os ha de comboiar, E vos mando
que nas licenças que ouveres de dar a estes navios para carregar
seião preferidos aquelles que tiverem algúa artelharia e forem
novos, e nos pareserem melhores pêra acompanhar a ftrotta.
15 — Sendo necessário valerense alguns dos navios de par-
ticulares de algúa artilharia minha, ou sendo necessário meter
lha para sua melhor defénça e guarnição venserão cada duas
peças que asim levarem o soldo de um marinheiro pêra também
se dispender nas couzas necessárias á conservação e aumento
das ditas frottas.
16 — Com o soldo doe marinheiros se não alterará couza
algúa o qual se lhe pagara na forma que sempre se fez De tudo
o que tocar ao direito de avaria se cobrará no Estado do Brazil
para pagas da gente de guerra e mais despezas que forem
necessário fazerense c5 os navios da frotta a metade, e a outra
ametade se pagará neste Reyno, o qual dinheiro ha de cobrar
e despender o feitor e Almoxarife com ordem do meu general,
e para a cobrança se ha de fazer um livro de Receita num^
rado e Rubricado pelo auditor, e se lha ha de eanogar em Re-
Este doetimenio rem corroborar o que no Conselho Ultramarino
•jn 3 da maio ée 1677 disae Salvador Corrêa de Sé e Benevides.
(Vide volume 63 da líevista o artigo com o titulo «Subsidio para a
Historia das Minas»»)
(Xota da Commiss&o de Jicdacção,)
Ált«r& ptlo q9«l í ooftcodiAo a tolraAor Oorrla te 84 i («a^
Tites e g««8 te86o&te&t«B r^aUnwioi UviAoi^ te iw
prodaslrem as minas te ouro o prata
Eu BURey faço saber aos qnc este AlTara Tirem que
sendo eu informado, que convém muito a meu seryisso, e
ao beneficio comum, de meus Reinos, e senhorios, e doi
naturaes delles, e proveito do minha fazenda, conquista-
rem-se, benaftciarem-se, e administrarem-se, as minas, de ouro,
prata, e outros metais, descubertajs e por descubrir nos dis-
tritos das duas cappitanias de São Paulo, e sam Visente,
das Partes do Brazil, E pela confiança que tenho de Sal*
vador Corrêa de Sá o Benevides, fidalgo de minha oaza,
general da frotta do ditto Estado que neste negossio ma
servira-a a toda minha satisfação e contentamento e de tal
maneira que me possa eu haver delle por bem servido, oomo
ate agora o fez, nas couzas de que o encarregei, E por de-
zejar muito de lhe fazer honra e merçe pellos servisses
que nesta empresa espero que me faça; Hey por bem e
me praz de fazer merçe ao dito Salvador Corrêa de Sft
que Rendendo as ditas minas quatrocentos mil cruzados cada
anno de ouro de mineraes e betas, e nSo de lavagens livres
de todos os custos e despezas, haja elle e todos seus de-
sendentes de juro e herdade quatro mil cruzados de Renda
cada anno, no* Rendimento das mesmas minas, e o senhorio
e jurisdição do primeiro lugar que povoar tendo sincoenta
vizinhos para sua caiza, e subindo á Renda das ditas minas,
a quinhentos mil cruzados, na maneira asima Reíbrida fi-
cara com a dita Renda dos quatro mil cruzados e com o
titulo de conde do dito lugar, com condição que ordenara
a fiibrica e mineiros e todo o mais neçassario ao des-
eubrimento e entabolamento das ditas minas a sua custa e
j
150 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
para minha lembrança e soa guarda lhe Mandei dar eate
Alvará que a seu tempo se comprira como nelle se oontem,
o qual Hey por bem que valha como carta, posto que o
effeito delle, haja de durar mais de hum anno sem en-
bargo da ordenaçSLo em oontrario. Bertolamen daraujo o foz
em lixboa a oito de junho de BJ xxzxxiii e eu o secretario
António de Barros Caminha o fiz escrerer, Rey.
CARTA
DS
ANTÓNIO TELLES DA SILVA
A SUA MAGBSTADB
( 1645 )
(líib. Pub, Eborense -^Cod, CV.^IÍ^» f. i85)
Netta carta o Governador Telles da Silva dá parte ao Rei oomo
Henrique Dias, de accordo com elle Oovernador, deixou do ir com
aeuB negros para Angola, como queria, o seguiu para Rio Real.
A convite de Vieira, depois de chegados a Rio Real, passaram-se os
negros para o lado de Paraambnco. Quando a gente de Vieira come-
çou a agitar-^o, Telles da Silva enviou embarcados dous terços sob
o commando de Martim Soares Moreno e André Vidal do Negrei-
ros. Como é sabido, os dons mestres de campo a 23 de Julho de
1645 desembarcaram próximo de Serinhaem. A 4 de Agosto ren-
deu-se o forte hoUandez e a 3 de Setembro Hoogstraten entre-
gou-lhes o forte de Pontal.
(Xota da Commissão de Bedaoção,)
CARTA DE ANTÓNIO TELLES DA SILVi A SUA MABESTASE
SeàhQt
Por eyitar alguns deseoncertor que os soldados pretos -d*
Henriqae Dias fasiSo nesta praça e aliriar a inftmtaria que
assiste de f nami^^o no porto do Rio Real lhe ordsnei qae
se íbsse oom todos para elle nSo lhe admetindo as causas oom
que qtiasi repugnava por suas, oonTeniencias» sentido desta
mudança e de eu o nSo hayer enviado a Angola eomo per-
tendia, e de outros motivos de muito menor momento se
passou em hnma noite oom os dittos seus soldados & parte dos
Holandeiss e suspeitando o Mestre de Campo André Vidal de
Negreiros que neste aoeidente se aehou por aquellas partes
donde havia hido com licença minha a partieulares próprios
que seriSo demonstrações exteriores suas para graagear mais
favor mandou em seu seguimento ao Capitão mor Dom An-
tónio Felipe Camarfio com huma tropa de índios bastante ao
redusir por violência quando nILo quisesse ohedeoer*lhe» e su-
geitarse á segurança oom que da minha parte lhe prometia
perdão do excesso e melhoramento de sua pessoa de que me
deu logo conta pela Carta ei^a cópia envio a Vossa Magss-
tade, chamei a Concelho, e conslderando-se nelle o animo que
o dito Henrique Dias trasia de hir dar em huma povoação
de Escravos fugitivos a que chamão Mocambo dos Palmares
nos oonílns do Rio de Sam Prancisoo e que era provável que
dissimulasse a jornada, assim pela ambição da preza como
por saber que lhe não havia eu de dar licença para ella se
teve por conveniente que se não mandasse mais gente em seu
alcance, tanto por lhe não acrecentar a desconfiança, como por
que a não tivessem os Holandeses de que se alterava com sua
entrada nas terras que possuem o sooego da paz em que es-
távamos, de que se fez o assento cuja cópia envio a Vossa Ma-
gsstade, e crendo eu na opinião de todos pela tardança do dito
154 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Capitão mor e ser grande a distancia dos Palmares, que se
congregaria com Henrique Dias para aqnella asaltada, temendo
que. por ambos haverem excedido se deixariSo ficir por
aquellas Brenhas donde se lhes não podia dar castigo, nem
elles podi^ conduzir os Escravos aos moradores ájk Cam-
XMinha, mandei o P« Joaõ Lais Religiozo da Companhia de Jezns
com outro companheiro seu a Reduzlllos, e ambos se tor-
narão sem os poder desistir, e ante o tempo que forão dezacete
deste prezenbe mez de Julho me chegou hum avizo, de como
chegando noticia destaa duas Tropas aos dittos moradores de
PernaObuoo e vendo que com seu favor se podião levantar e
acciamar naqueila Capitania a Vossa Magestade os mandarão
persuadir ocultamente neste fim, c elies como sugeitos de
menos descurço que vallor imaginando indeacretamente que
acertavão, baixarão á Campanha a tempo que os moradores
delia se havião já rezolnto a negar declaradamente a obediência
aos Holandezes, e tomar as Armas em deffença do sua liber-
dade, com esta nova me enviarão os dittos moradores Por-
taguezcs huma suplica firmada por todos, reprozentandome ò
manifesto perigo a que íicavão expostos, o deprecando-me os
socoorresse como a leaes Vassallos que erSo de Vossa Mages-
tade. £ Imaginando eu que seria rdvolução daquelles povos
ocoa9Íonada do alguma exasperação do trato dos Holandezes
que se poderião sooegar por tal intelligenoia que elles ficassem
seguros da roina que temião os liolandezes obedecidos e eu
sem dar motivo a se entender em nenhum tempo de mim
que dava impulços a esta sua acQão, chamei logo a Conoellio
todos os Ministros superiores da Guerra, o politico, e Pro*
lados do todaa as Religiões o nelle fiz a proposta ouja copia
envio a Vos^a Magestade para que consto a Vossa Magestado
o modo com que procedi noste caso o a in viola vol observância
com que de minli» parte so conservarão sempre as capitula-
ções das pazes, que ainda que eu entondia que na realidade
as não oífendia este socorro, antes as confirmava na tençaõ
com que deveria mandar, pois era a valor aos nossos em
favor dos Holandezos, todavia respeitava mais o temor das
apertadas ordens do Vossa Magestade que a mesma razão
e necessidade prezente, mas todos se levantarão, e por assen-
CARTA DE ANTÓNIO TELLES DA SILVA 155
timento comnm votarão uaiformemente qae devia eu mandar
aocorrer com toda a brevidade aquelies Povos, pois sendo
tam grande o empenho em que se aohavão era maior a iaha-
manidade que com elles se uzaria faltando-lhes a prote^
que taõ justamente devião esperar das Armas de Vossa Ma-
gestade e que sendo oouza tSo praticada entre todos o^ Prin-
oepes do mundo, e ainda entre os mais bárbaros darem favor
a qnaesquer naçSes e Estrangeiras que se quiserem valier de
sua tutella, se não haveria Vossa Magestade por bem servido
de mi, se a negasse aos Vassallos de Vossa Magestade em um
acto tão nacido de sua confidencia o lealdade, estimulado agora
tanto mais das violências de dominio Estrangeiro, quanto era
maior o da Liberdade aos olhos de um Rey natural de
que sorião privados, alôm de outras muitas razoes mui
vehementes que todos me propuzerão, e coneiderando-as eu
vondo-me vencido nos votos, o que pareceria que podendo não
faltar ao exacto cumprimento das capitulações, faltava a obri*
gação de amparar aos Vassallos do Vossa Magestade maior-*
mente quando o intento não era fazer hostilidade alguma aos
Holandezes sanão livrar aos nossos por meio puramente de-
fencivos da oprcção pubUca em qne ficavão e reconciliai) os
com os Holindezes prosontindo também, que se cnzergavfto
algumas demonstrações de que se eu duvidasse de mandar este
socorro se occazionarfa nesta praça outro movimento peor do
qne o prezente por ser a maior parte dos soldados deste Exer-
cito, o moradores desta Cidade, naturaes de PernaGbuco, e
retirados de todas aquellas Capitani<is, me pareceo tomar por
rezolução evitar o excesso que se receava com mandar reme-
dear o socedido, quo suposto que se pudera reprimir por
outro meio tive por mais acertado o de condecender com a
suplica dos dittos Portuguezes, e acordo geral de todo o
Concelho e enviar o ditto socorro, pois com ello se devertia
mais suavemente qualquer dozordem nesta Praça, e apa-
ziguava todo o tumulto naquella Capitania de que tudo se fez o
auto cuja copia autentica envio também a Vossa Magestade.
A este mesmo ponto entrou nesta Bahia hum navio Ho-
landez com dois Embaixadores dos do Concelho do Supremo
Governadores em Pernambuco, hum pulitico, e outro Qover-
156 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
nador do oabo de Saoto Agostinlxo os qaaes me offerecerâo a
Carta cuja oopia traduzida por alies mesmo, eavio auten-
tica a Vossa Magestade dandome conta do sucesso que tenho
refferido, e pedindo-me quizesse mandar recolher as Tropas,
que naquella Campanha anda vão pelos meios e demonstrações
que me parecessem mais oonstrangentes, e vendo eu o que
ellei pediãot e protestavão era o mesmo que se havia re-
soluto, que era mandar este socorro fazendo-mo com elle me-
dianeiro, entro uma e outra nagão, e dezejando mostrar-lhes
a benevolência, e affecto com que os quizer fazer, obedecer
o respeitar, lhes respondi com a Carta cuji oopia autentica
envio a Vossa Magestade. Mas atteodendo eu á prevenção que
os Ilolandezes havião feito do quatro mil Tapuas Bárbaros que
tinhao no Maranhão, o que sou socorro que fosse nao levasse
poder bastante a sugeitar por violência aos que presistissom
em suas obstinação e repugnância,' ficaria infhictuosa esta
jornada, me pareceo enviar a aquella Capitania hum golpe
de Infantaria a cargo dos dous Mestres de Campo Martim
Soares Moreno, André Viáú do Nagreiros, sugeitos do cuja
prudência fiei iodo o acerto, assim na correspondência com
os liolandezes, como no socego e quietação dos moradores
como ultimo âm desta Missão e para ella me vali de huns
navios que neste posto aprestava para impedir o socorro que
Vossa Magestade foi servido mandar-me escrever por Carta de
dezaceis de Fevereiro próximo passado, que de São Lucas man-
dava El Rey de Castella ao de Congo, fazendo delies Capitão mor
ao Coronel Hieronimo Serrão de Paiva pessoa de muita satisfa-
ção, e por esto meo espero em Nosso Senhor se soceguem as
inquietações, e fiquem os Holandezes seguros de seos receos.
Mas porque pode. Senhor, acontecer que desta resolu^^
que tomei, se me forme diante de Vossa Magestade alguma oulpa
que diminua o zello com que procurei acertar na indefferença e
pezo das obrigações que conoorrem juntas nesta matéria de tanta
considera^, me pareceo justificar, prostrado humildemente aos
Reaes pés de Vossa Magestade, a pureza com que desde que en-
trei neste Governo pretendi estreitar nelle os vincules da ami-
zade, e boa correspondência, que Vossa Magestade se sérvio
mandar-me expressamente que tivesse com os Holandezes; por-
CARTA DE ANTÓNIO TELLES DA SILVA IÒÍ
que se meu animo fora romper com elles e restaurar a Vossa
Magestade as Praças de Pernaõbuco, grandes foi^o as oocazioes
que me offerecerão oom suas dizigualdades em tempos mais op-
partanos, porque os procedimentos que nestas partes tiverão,
despoisda felice acclamação de Vossa Magestade, forão sempre
mais de Inimigos declarados, do que de amigos fingidos, pois
no mesmo tempo como tudo ho prezente a Vossa Magestade em
que os Estados geraes estarão ajudando com suas Náos as Armas
de Vossa Magestade nesse Reino, e os nossos Embaixadores que
ontros Govwnadores que forão deste Estado emviarão ao ReciíFe»
mandando nelle retirar da Campanha as Tropas que actualmente
lha talavãocomperdataõsemcivel de seus súbditos, e protesta-
rão, vendo aprestar huma Armada, que as não mandasem invadir
porto algum dos senhorios de Vosaa Magestade ásua mesma vista
a expedirão, e partio oom vós de hir dar em índias a conquistar
Angola, e chegando eu a esta praça» mandando pedir ao Conde de
Nasau e aos de seu Concelho supremo Cartas e ordens para que
naquelie Reino cessasem também as Armas e so gozasse da paz
que neste estado, me responderão que era jurisdição aeparada
e independente da sua de maneira que tiverão poder para em-
prender a facção antes da retiflcação das pazes havendo-se j&
publicado tregoas neste Estado e não o tiverão despois de confir-
madas parasuspenderem a guerra, e o damno de seus effeitos
naquelie Reino, e menos o concurço dos socorros, que até hoje
se lhe emviarão sempre do Reciffe. De ci;^^ cavilação e engano
com que acometerão e conquistarão também as Ilhas de São
Thomee cidade de São Luiz no estado do Maranhão lhes re-
sultou o escrúpulo que para dar sombra a estes eflèitos de sua
amizade, quizerão conceber da nossa chiando a mandalla ezpri-
mentar como testefica bem a oarta que oscreveo um Comissário
seu por nome João Gzening que a esta Cidade veio comprar fari-
nhas que lhe mandei por ser manifesta a esterilidade grande que
delias havia como elle muito bem vio,o qualpedindo-lhadeíkvor
António da Fonceca de Ornellas para o Director de Loanda para
donde hia por mandado de Vossa Magestade diz neila. Assim que
mais se me mandou a esta Commissão a experimentar a amizade
quepor necessidade, mas elles aconheoerão melhor, queizando-
le-me despois do Capitão Agostinho Gardozo que transcedendo ás
168 REVISTA 00 INSTITUTO HISTÓRICO
ordem oom que o eaviel ao Rio Real chegou á Campaaha a caia
de hum súbdito seu a quem dizem que tomara algamas fa«
zdndas e de hum Domingos da Rooha que para esta Bahia
fuglo com hum Barco de asucares, porque no mesmo tempo e
instante mandei logo meter ao G apitão em hua áspera prixSo,
donde m/eí com elle de maior rigor que me foi licito, ate o
remeter a Vossa Megestade, e lhes fiz restituir todos os asucares
que no ditto Barco vinlião, e a correspondência oom que mo
agradecerão foi mandarem infestar oom suas Náos estes mares
donde renderão hum Navio nosso que sahia da Capitania do
Espirito Santo carregado de asucares, e roubando-ihe logo tudo
o que levava entre as cobertas como se forão piratas o remete-
rão por prezo para o Reoiffe donde fora, te os poucos Portu-
guezes que nelle bião o não tornarão a rocobrar, do que se in-
fere evidentemente ser ordem particular que o Capitão da Não
trazia, e não excesso seu como a queria relevar pois ocultava o
furto se sentira que era culpa de que dei contra a Vossa Ma-
gestade, remetendo os mesmos seis flamengos, que o levavão
naj Caravellas' do Sabastião Vaz, e Braz Vicente Negrão,
que desta Cidade partirão em quatro de Fevereiro do anno
passado de seiscentos quarenta e quatro ; e queixando-me eu
por hum Embaixador deste atrevimento, e protestando pela Jus*
tiça, recompença de todo o damno que delle resultasse ao fu-
turo, chegou a Pernaõbuco hum Pataxo de Angola co m os Por-
tuguezes expulços da quele Reino que havião escapado d* Asso-
lação do ARaial do Bengo, e reprezeotando o dito Embaixador
ao Conde de Nasau, e aos do sou Concelho a aleivozía e traição
com que os Dircitores de Loanda se ouveriío com o Governador
P.° Cezar do Menezes debaixo da palavra e segurança das^api-
talações que do novo havião com elle celebrado para que se lhes
desse o castigo que merociõo, e se restituísse aos nossos o que
se lhes havia i*oubado, que ora o mais precioso de todo o Reino;
elles lhe responderão também que não era aquelle Governo
subordinado ao seu; escasando-se com este dezabrimento de dar
remédio a tantas Iniolencias como os que os miseráveis mora-
dores daquelle Reino tolorão de que não foi a menor chegarem
a tratar ao dito Governador P.<» Cezar na umildo prizao em que
o meterão com as maiores indecencias que sua qualidade podia
CARTA DE ANTÓNIO TELLES DA SILVA 159
padecer, e a retrlbulç&o que tomei destas eso andalos íbl mandar
enforcar a ham soldado, e a hum mercador desta Capitania que
passando & Campanha cometeiAo nella alguns insultos sem se
me íiBkzer queixa alguma por sua parte que tal foi a pontualidade
com que procurei acreditar comos Holandezes abeneyolencia
deste Governo.efé de nossa boa veziohanQa, etal adifferen^a com
que elies a corresponderão em tudo o que lhes premetioo tempo
preferindo sempre os Respeitos de sua conciencia aos de nosia
amizade e singeleza e se tendo eu todos estes piutivos, e em
oucaziões em que esta praça se achava cam maiores forças que as
que havia em Pornaobuco para tomar satisfação de todos elles,
como de violências, que tão positivamente cometerão contra a fó
publica, estatuto das Capitulações me não descuidei hum ponto
de as guardar, ainda na menor acção, bem se verifica, Senhor,
que não concorreria eu nesta de socorrer aos Portnguezes, por
intento de vir a rompimento com os Holandeses, S3 não mera
mente por obrigaçío preciza e natural de dar auxilio a quem
adcclama o de Vossa Magestade, e ser medianeiro entre elies, o
03 Governadores daquelle Concelho Supremo, porque se minha
tenção fora recuperar Pernãobuco menos diâcultoza era a facção
por intrepreza subjeita que por disposições tão oocazionadas a um
sucesso infelice como pudera ser o prezente se eu mandara estas
tropas senloellasde negros e de tam pouca confiança poiá estava
mais certa a boa fortuna no conhecimento das poucas forças que
o Reciffe tinha que na contigencia de se saber o intento e resul-
tarem delle as das nossas consequências que deixão considerar em
matéria tão grande, e em que suas mesmas impossibilidades são
a maior abjno e ju^tidcação da sinceridade do meu animo, o do
cuidado com que só tratei de obedecer a Vossa Magestade na infa-
lível observância das pazes com os Holandezes de que me pareoeo
dar esta devida conta a Vossa Magestade com toda a brevidade
deste successo, e suas dependências, e noticias precedentes para
que tudo seja prezente a Vossa Magestade. Quarde Nosso Senhor
a Real pessoa de Vossa Magestade como a Christandade, e todos,
seus Vassallos havemos mister. Bihia a dezanove de Julho
de mil seiscentos quarenta e cinco, António Telles da Silva.
TRASLADO DE UK ASSENTO
QUK SB TOMOU EM PRESENÇA DO GOVERNADOR DESTE ESTADO
DO BRAZIL SOBRB A OARTA QUE S8CRETE0
O TENENTE DB MESTRE DE CAMPO GERAL ANDRÉ VIDAL
DB NEGREIROS IM QUE DÁ CONTA Dl SER FUQIDO
HENRIQUE DIAS
(1645)
(Bibliotheca Publica Eborense Cod. GVI ^ 2^B f. iQ4).
49 -> 11 Tomo uuz p* i.
Este documento esclarece um ponto da historia da guerra hol-
landesa. Por alie se proTa a fuga de Han^igi^e Dias, a 28 de Março
de 1645, da estancia do Rio Real para Pernambuco. Henrique quei-
xou-se do Governador por não lhe dar licença para Ter a família.
Nunca lhe deram nada da fazenda rea^. Serviram -se delia como si
fora capiivo. Bssas queixas foram traasmittidas a Anlonio Telles da
Silva por André Vidal de Negreiros que, segundo communicou,
mandou o Gamarão com os seus indios no encalço do Henrique Dias.
(SoUik <Í0 Commissão de Bedaoção.)
Traslado de ham asaento que se tomou em presença do
OoTornador deste estado do Brasil sobre a carta que
eacreTeo o Tenente de Mestre de Oampo Ger&l André
Vidal da Negreiros em que da conta de ser fugido
Henrique XMas»
Km os trinta e hum dia0 do mes do Março de seiscentOj^
quarenta e oinco» nesta cidade do Salvador* Bahia de todos o»
Santos, nospftçosdo Sua Magestade mandou o Sr. Governador
e Oapitto geral deste Estado António Telles da Silva chamar
à sua presença os Mestres de Campos João de Araújo e Francisco.
* Rebello e oe Tenentes de Mestre de Campo geral P"* Corrêa
da.Qama si António de Freitas da Silva e os Sargentos moreai
Joio Rodrigues de Sousa, Domingos Delgado e Qaapar de Soas»
Uohoa, e o Provedor mor da fazenda de Sua liagestade Sehaa*
tiio Panis de Brito, e o Doutor António da Silva e Souza, Ou-
vidor geral Provedor mor dos deftmtos e auzei^tes, e Procure-
dor da Ikienda eCoroadeite Estado, e sendo todos assim Juntos
he mandou ler hnma carta que havia recebido do Tenente de
Mestre do Campo geral André Vidal de Negreiros qoe está na
flronteira do Uo fteal, em que diz que em vinte e oinco deste
mez de Margo pelas duas horas depois d« meia noite, fogiu Hen-
rique Dias daqoella estancia com toda a sua gente, e que vai
alrllha deUa na volta de Pemambuoo e que como tioha a es-
trada provida eom osssus soldados não foi sentido, nemo soube
senio depois de claro dia, e que antes da Aiglr se q[ueizava do
Senhor Governador por nSo lhe dar licença para vir ver suas filhas
e molhar que estava morrendo e que nomca lhe derSo nada da
flazenda Real, mais que servirem-se delle como se fora cativo,
e que a semana antecedente o quizera mandar prezo por estas e
outras liberdades que dizia, mas^-nlinca lhe pareceu que
huma eouza tão mal íbita, mais que como negro que era
164 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
merecia ham grande castigo para exemplo dos mais; que logo
maadaya o Camarão ti*as delle com os seus índios para que o
tragão prezo, ea bom recado, aiaiaque custara algumas mortes,
de huma e outra parte, que considerassem os ditos Ministros o
que lhe paiH3cia se devia fazer no cazo e lhe dessem seus pra-
zei^s.
B vista a ditta Carta, e conciderado o cazo votar&o cada hum
o que llie pareceo, e concordarão que o Tenente de Mestre do
Campo geral André Vidal de Negreiros tinha feito o que naqaelle
fragante se podia fazer» e que posto que ocaso era feio» o mere-
cedor de grande castigo, sa o prendessem, por hora não se podia
mandar mais gente em seu seguimento, por que se tinha animo
damnado em se passar aos Holandeses, já tinha tempo de estar
do Rio de São Francisco para Pernambaco de vinte e cinco desto
to agora que cá chegou o avizo, e em tornar iá estaria mais longe
e que se o prenderem então se tratará do castigo que merece,
e quando o não prendão e deserto se saiba que foi para os Holan-
dezes, ou se passou a Pernambuco a roubar e fazer outros '
maleficios, será bom avizar aos mesmos Holandeses que vai le-
vantado e ftigido, para que se o prenderem prender o cas-
tiguem como tal.
E o Senhor Governador so conformou com o mesmo parecer
e resolveu que assim se fizesse e mandou disto fazer este assento
que a«sinou e os ditos ministros, e eu Gonçalo Pinto de Freitas,
escrivão da fazenda de Sua Magestade o esorivi António Telles
da Silva, João de Araújo, Francisco Rabello, P» Corrêa da
Gama, António de Freitas da Silva, João Rodrigues de Souza
Domingos I)elgado, Gaspar de Souza Uchoa, Sebastião Panis de
Brito, António da Silva o Souza; o qual acento em Gonçalio
Pinto de Freitas escrivão da fazenda de Bi Rei nosso Senhor
deste Estado de Brazil fiz trasladar do próprio que fica cm meu
poder no que derem dos assentos das Juntas e concelhos a que
me reporto com que este treslado concertei; e sobescrevi e as-
sinei na Bahia em primeiro de Abril de mil seisoentose quarenta
e cinco, Gançalh Pinto de BVeitas,
TKASLADO
DO
Asseoto qoe se fez sobre as coQsas de PeroaAkco
(1645)
(Bib. Pub. Eboretiae — Cod. CV)
(Basta ler este documento para conhecer o sou valor. £* uma
pagina em que se patenteia o proteito dos Brazileiros contra ò do-
mínio dos Hollandeses).
(Nota da Commissão dê Bedacção.)
TrasIaJo i% Assento qm 8e fei sobre as ooaias h Pernaobico
Anno do Nascimento da Nosso Senhor Jezos Christo de mil
e seis centos e quarenta e cinco em os dezoito dias do mez de
Julho do dito anno nesta Cidade do Salvador, Bahia de todos os
Santos nos paços de Sua Magestade os Senhores António Telles
da Silva, Ooyernador, e Capitão geral de Mar, e terra deste es-
tado do Brazil, mandou ajuntar a sua presença os Provinciaes*
e Prelados, das quatro Religiões desta Cidade, Companhia de
Jezns, São Bento, Carmo, e São Francisco, e os quatro mestres
de Campo deste Exercito Martin Soares Moreno, João de Araújo»
André Vidal de Negreiros, Francisco Rebello, e os três Tenentes
de Mestre de Campo Oeneral, Pedro Corrêa da Gama, João de
Lucena de Vasconcellos, e António de Freitas da Silva, e os Sar-
gentos maiores Gaspar de Souza Uchoa e António de Brito de
Castro, e o Proved >r m.>r d;* fiz mia i) Sua \íag;ís-xle. desjie
estadot Pedro Ferraz Barreto, o o Licenciado Sebastião Paruy de
Brito, que té agora exercitou o dito cargo, e o Doutor António
da Silva e Souza, Provedor mor dos defuntos, e anzentes desta
estado, que hora serve o cargo de ouvidor geral e os Juizes or-
dinários Vereadores, e mais Oíficiaes da Camará desta Cidade,
e alguns homens principaes do povo, e governança delia aomo
forão o Coronel da gente da Ordenança Jerónimo Serrão da
Paiva, e o Alcaide mor António da Silva Pimentel, e o Doutor
Francisco Bravo da Silveira, os Capitães Paulo de Barros, Paulo
Cardozo de Vargas, Felipe d^^ Moura de Albuquerque, e Diogo
da Aragão Pereira, a sendo todos juntos lhes mandou ler a pro«
posta seguinte :
168 RBVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
PROPOSTA DO SENHOR OOVIRNADOR
De Pei*Q&obaoo chegarão esta noite Corrôos com avizo que
me íázem os moradores daquella Capitania, de como oão podendo
já sofrer as intoleráveis, rioloncias tirania, sogei^^o dos Holan-
deses, considerando o excesso grare, com que de noYO, se lhes
duplicava o pezo dos tributos, e a insolência de seu domínio, se
fuzia mais iacomportavel a Iqjusta direcção de sen governo, e
qne nesta miserável fortuna, a que se vião reduzidos, se lhes
impossibilitava tanto mais o remédio, e ainda a esperança de
melhora quanto era mayor desejo da liberdade, o o natural sen-
timento, de que sendo elles Vassalos de El-Rey Nosso Senhor es-
tivessem padeoendo havia tantos annos o prlvão deste nome, e
a ignominia de conquistador de outra nação, e s6 a elles não ti-
vessem aloda chegado os venturozos effoltos da Mllz acclama^o
de Sua Magestade que Deos Quarde levado sdestos dous Incita-
mentos de sua opressão e lealdade, se dellberariLo todos a igualar
os intentos a dezesperação, e a negar a obediência aos Holan-
dezes, querendo antes morrer gloriosamente em deffenção da
liberdade, e restauração de sua pátria, do que o poder das inju*
rias, que naquelle cativeiro padeoião, reprezentandu*me o es-
tado om que flcão Implorando os socorra, com toda a brevidade
pois he tão grande o perigo da vingança que temem dos Holan ~
dezes, como a obrigação que me occore de lhes não faltar com a
Proteção que tão justamente devem esperar das Armas de seu
próprio Rey e Senhor, e ooosiderando eu este success?, e que
ainda que nelle se me offerocia ocoazlão tão disposta para poder
tomar dos Holandezes a devida recompença das disiguaes corres-
pondências, de seu procedimento nestas partos, pois quando este
governo estava com aquelle logrando a mayor pas mandando re-
tirar as tropas da Campanha, e cessar nella todo o acto de hos-
tilidade, e confirmando, com estas demonstrações de benevo-
lência a conservação da amizade, em que nos víamos elles a es-
tlmavão tão pouco, que de baixo dessa mesma segurança nos
mandarão invadir, e occupar o Reino de Angola, Ilha do São
Thomé, e Cidade de São Luiz, no estado do Maranhão, chegando
a infestar com seus Navios esta costa, e a vender nella um
nosso, que sahia carregado de Asuqueres da Capitania do Espi-
COUSAS DB pernAobuco 169
rito Santo oomo he notório, sendo todas estas aoçSes tSo dignas
de eu me nSo esquecer delias, com tado he tão apertado o yin-
ciiio da fé pablica, e palavra Real oom qae Saa Magestade se
sérvio que se oontrahissem as pazes, e rateftcassem as Capitu-
lações delias, oom estados das Provincias unidas e tão inviolável
a observância, oom que expressamente me manda, que as guarde,
que não dão lugar, a se relaxarem por nenhum acontecimento
assim impostas estas duas obrigações, tão precisas que neste ac'
cidente concorrerão Juntamente de socorrer aos moradores de
Pernãobuco, e não íkltar ã conservação das pases vendo-me in-
diferente na consideração de ambas, e das graves consequências,
que de qualquer delias podem rezultar, dezejando tomar reso-
luç^ com tal acerto, que experimentam nella tanto os Portu-
guezes, a humanidade com que lhes quizera valer, como os Hol-
landezes a sinceridade, e pureza de animo com que pertendo
perpetuar, com elles a amizade que professamos ; me pareceo
mandar chamar a este Conselho a iodos os Perlados das Reli-
giões, e Ministros Superiores da Guerra, Politica, (kzenda, e Jus-
tiça que se achão presentes, e fozer-lhes esta proposta em que
todos votem livremente o que sentem nesta matoria, e se he
justo mandar-se este socorro o não mandar-se para que me de-
libere no que mais convier ao serviço de Sua Magestade segu-
rança daquelles Povos, e estabelidado da paz com os Holandezes,
que he o que só pretendo e protesto.
E logo lhes mandou ler a Carta que recebo dos moradores
de Pernãobuco cujo traslado é o seguinte:
CARTA
Os Affelictos moradores de Pernãobuco oppremidos ã
tantos annos de moléstias tiranias da Nação Holandesa, a quem
estão sugeitos, com exemplos tão notórios do sua crueldade,
como por muitas vezes temos exprimentado em tempos pas-
sados vendo de hum General chamado Sigismnndo para destruir
e n^tar os miseráveis moradores tomou hua pequena occazião
de virem a evta campanha Soldados do Porto do Calvo que então
governava o Conde de Banholo, e com este mào animo, partio
o dito General, de Sesinhaen oom Tapuyas, que para esse eífeitò
170 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
mandou descer o sertSo, o sahiu até Matiope distancia de trinta
legoas matando degolando, o entregando aos ditos Tapuyas
homens, meninos, o mulheres para em sua prezença fazerem
extraordinárias tiranias, e na mesma maneira succedeu em
goyana, que três dias naturais largarão o gentio, c soldados
destruir o povo fazendo em molhe rcs Cazadas, e donzellas, tais
vitupérios quais única no mundo sevirão fazer a nação Herética
nenhuma, e alem d'outras muitas crueldades que cada dia es-
tamos padecendo agora de novo dezejosos os índios de nos verem
acabados, e destruídos, como inimigos da Christandado, com
falsidades arguirão entre os Hollandozes, que hojd governão,
mentirosos levantamentos com que os ditos Governadores man-
darão descer do sertão quatro mil Tapuyas e os tem no Rio
Grande, cora ordem que a todo tempo que tivessem recado
seu, viessem matando, e abrazando este povo; e inteirados os
de sua danada tenção há vista de tantas crueldades monidos da
natural de ffunção, cinco dias antes de fazermos esta a vossa
Sinhoria nos levantamos geralmente em toias as partes de
Pernãobuco e nos puzemos em detTença como melhor podemos
tratando só de remediar as vidas fazendo por escapar o ímpeto
deste tirano golpe, e assim ficamos neste risco com tanta
afllição qual Vossa Sinhoria poderá considerar como tão Ga-*
tholico lhe pedimos e requeremos hua e muitas vozes, da parte
de Deos e de El Rey nos socorra, e acuda alibertar as vidas
como Vassallos de El Rey, Dom João, e tão grande risco
em que nos vemos que se Vossa Sonhoria nos não acudir
com muita brevidade e abrigar do desamparo em que nus vemoa
clamaremos justiça aos céus, e mandaremos pedir socorro a
El Rey de Hespanhae a outros Reys Gatholicos; que assim o
premitem semilhantes extremos, o que não esperamos de
Vossa Senhoria antes que logo nos acudx aremediar as
vidas doeste miserável povo, no que fará muito grande serviço
a Deos e o £1 Rey Nosso Senhor, o nos assinamos em nome de
todo o Po70, João Fernandes Vieira, Bernardin de Carvalho,
Bastião do Carvalho, Manoel Calvacante, António Calvacante,
Cosmo de Crasto Pasços, João Posçoa Bezerra, Gonçalo Cabral
de Caldas Diogo Dias Leite, Gaspar Antunes dos Reis Gosmo
do Rego Barros, Arnáo de Olinda Barreto, Miguel Bezerra,
COUSAS DE PERNAOBUCO 171
Vicente Cerqueira, Padre Matheus de Souza Uchoa, António
Borges Uchoa Gonçalo de Sooza Velho, Luiz da Costa Se-
polveda Manoel Alvares Deos dará, Amaro Lopes Madeira, o
Vigário Francisoo da Costa Falo£o, Jerónimo da Rootia, João
Veiho de Souza, João Pimenta, Aiberto Lopes da Rocba João
Pessoa Baralho, Simão Furtado de Mendonça, Manoel Pereira
Corte Real, Manoel Jaime Bizerra, Álvaro Fragozo de Albu-
querque, Pedro Marinho Falcão, João Gomes de Mello, Lioen-
ciado António Pereira, João Paes Cabral, Francisoo Berengel de
Andrade, Francisco Bezerra Monteiro, Alyaro Teixeira de
Mesquita, Josó Gomes de Mello, o Padre Diogo Roiz da Silva,
Prey Anselmo da Trindade, Dom Abbade de São Bento,
Diogo de Araújo, Paulo de Araújo de Azevedo, Feliciano
de Araújo de Azevedo, Francisco Gomes Moniz, João Soares
Lopo Curado Gano^ Amador de Araújo, Gonçalo da Rocha,
Simão Lopes, Manoel de Queiroz de Siqueira, Padre Vigário
João de Abreu Soarez, Frei Pedro de Albuquerque, Gonçalo
de Barros Pereira, Domingos Gomez de Brito, Franoisoo Gomes
de Abreu.
CARTA QUE ESCRKVErXo OS MORADORES DE PERNAOBUCO
AOS HOLLANDEZES PA BOLÇA
Mui nobres senhores. Os moradores deste estado súbditos de
vossas senhorias opremidos há tantos annos de agravos e males
e moléstias, vondo-se matar, destruírem tempos passados^ com-
tanto Tigot que sem indícios de culpas, padecião inocentes,
entre outros exorbitantes cazos que nelles succederâo sempre
ossofrerâo com muita paciência guardando toda a fidelidade, per-
mitida, e agora estando quietos tratando de suas vidas e fa-
zendas, nas veio á notisia por ditos de muitos judeos desse Re-
cife que Vossas Senhorias pertoúdião arruinas a todos òs ditos
moradores portuguezes imputando-lhe culpas graves com que
nosconfiscassem nossas fazendas, e os premitissem a outros da
na^ Flamengo, que para esse effeito tinham mandado vir de
Hollanda; e como taes ditos sé comegarão geralmente entre os
ditos judeos há muitos tempos levantamentos de traições contra
172 . REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
este povo, que Vossas senhorias sempre experimentarão serem
falsos nem mostrar&o occasião provável» de que muitas vezes
nos queixamos sem Vossas Senhorias prohlblrem semilhantes,
oocasiôes com que sempre vivemos veceosos, e agrora com o
rigor das prisões que Vossas Senhorias mandai^ fazer aos
principaes moradores, e temerosos do risco das vidas nos re-
tiramos aos Maios, deixando nossas mulheres, filhos, e fazendas
por nfto estar sujeitos a má inclinado de pessoaes pouco nossas
alfeiçoadas sugeitando^nos antes aos rigores, e incomodidades
de trabalhos, moléstias, que ficamos padecendo com tonçSo
dever o fim de semilhante rigor, pondonos em extremos de
huã dezesperacão agora de novo nos veio anoticia que Vossas
Senhorias mandarâo fixar hun Edital, que dentro em cinco
diaz paressesem em sua presenoa os retirados, exceptuando al-
gumas pessoa como autores da culpa, no que flcamoscertos duma
prezun(^, que de nos tem e o credito que Vossas Senhorias dao
asemelhantes maldades, com que mais ficamos comentrentados
considerando, que a culpa pode cahir em cada qual dando mais
limitade tempo, para nos recolhermos, que mal bastará para
chegar á noticia de todos, porque alguns com o medo estarão
tSo longe, que antes do tempo a não tenhão; Vossas Senhorias
considerem bam oremedio de nossa quieta^ sem deixar ca-
minhoz por onde nos fiquem receios, e assim lhe requeremos
huã e muitas vezes da parte de Deos a quem havemoz de
chamar justiças; e aos Reis e Príncipes Catholicos do mundo pro«
testando portodas as perdas, e ruínas, que Vossas Senhorias nos
devem, dividas e fazendas, sem haver mais causas, que os ditos
levantamentos de falsidades e de pessoas forçadas, que Vossas
Senhorias mandarão prender que por remir vidas deram o que
mais acommodar a seu remédio, o que Vossas Senhorias devem
attentar, querendo-nos conservar como são obrigados; cujas pes-
soas Deos Guarde. Vinte dois de junho de seis centos e quarenta
e cinco. João Fernandes Vieira, António Gavalcanty. João Pes-
soa, António Bezerras Manoel Gavalcanty, Cosmo Crasto
Paços.
E assim mais mandou ler outro papel que com adita Carta
veio de que o traslado he o seguinte.
COPIA DA CARTA
QUK ÍJS DO SUPREMO CONCELHO GOVERNADORES EM PERNAMÍIUCO
ESCREVERÃO AO SENHOR
ANTÓNIO TELLES DA SILVA, GOVERNADOR
E CAPITÃO GENERAL DESTE ESTADO, POR DOUS EMBAIXADORES
QUE A ESTA CIDADE MANDARÃO
(1645)
(Bibliotheca Publica Eborense -^Cod. CVJ — ^ — ^^
Esta carta esclarece pontos da historia do domínio hollandes»
Dahi a sua importância. Delia se vê a resposta altiva e- politica
que aos emissários do Supremo Concelho de Perna mbnco deu o
QoTernador Geral Telles da Silva.
(Nota da CammiêMão d$ AtdoooSoJ
Copla da carta gno os do supremo conoeiho governador es em Per
naml)xico escreverão ao senbor Antonk Telles da SilTa, gover-
nador e capitão general deste Estado, por dous embaisadores
que a esta cidade mandarão.
Com quanta pontualidade as pazes confirmadas entre o
Serenissimmo Rey de Portugal Dom João o quarto, e os mui pode-
rosos Senhores do estados geraes das Províncias unidas, que os
moradores destas Capitanias comprirão em tudo» e em cada hum
dos Artigos delias, consta pellas Cartas e Embaixadores da boa
correspondência a Vossa Excellencia, enviados, e o devem
testemunhar todos os que da Bahia, e outras partes vierão a
estas Capitanias pelo menos nâo se achará quem mostre sombra
de alguma falta; o mesmo sempre se esperou da sua Magestade
e da Vossa Excellenciu, e nunca se pode recear que da sua
parte se permetisse, que seus Vassallos, fizessem ou intentassem
cousa que fosse contra contratos tão formaes como aquelles ; e
ainda que alguns Portuguezes, Vassallos dos ditos mui Poderosos
Senhores quebrando sua âdelidade jurada, intentarfto huma
conjuração publica, o tomarão armas contra este estado tanto
que veio ásua noticia, que o Gamarão, e Henrique Dias oom
seus índios, e negros em companhia de outros Portuguezes,
chegarão da Bahia a estas Capitanias de pancada sem licença e
sem a pedir, oontra o direito publico, e geral ajuntando suas
tropas, e armas com as dos levantados movem, e fazem hama
guerra, mais oomo deshumanos ladrões e piratas, que oomo os
soldados usSo em Europa, não podemos prezumir, que esta gente
decâra por ordem ou permissão de Sua Magestade, onde Vossa
Excellenoía contra seus federados taes autos intentarão; Graças
a Deos não nos falta ordem, nem forças bastantes oom que obrigar
a estes amotinados, que senão saião da soa devida obediência,
e obrigação, e para fazer despejar os de fora, oom total ruina
sua ; eomtodo para que todo o mundo saiba, quanto foi, e ainda
o nosso deseje de viver oom toda a pas e quietação oom Sua
176 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Mag60tade, e seus Vassallos assim como nossos saperiores oon-
tinuamente nos enoomendão» e para tirar as sospaitas que os
Róis, Prinoipes, e Potentados por a chegada desta gente poderão
presumir, e que oonstas.se a disculpa de Sua Magestade o de
Vossa Exoelleocia, e se provasse que não tom dado a origem a
esta conjuração nem a sustenta e uniamos em nome, e da parte
dos ditos mui poderosos Senhores, os Estados Qeneraes, Sua
Alteza, o Príncipe de Orange, e os nobres Senhores da outorgada
Companhia das índias ocidentaes, commandado e Ordem plenária
a declarar a Vossa Ezcellencia todos os Artigos allegados, o
pedir que Vossa Exoellencia sega servido que logo com a chegada
destes nossos Deputados por públicos éditos, ou outras demon-
straçSes constrangentes mande ao dito Gamarão, Henrique Dias
o a outra qualquer cabeça que estiver nessas Capitanias, se
recolhão logo, com todas suas tropas, e gente-úe guerra, e sejão
castigados oom todo o rigor, e não obedecendo sejão elles todos,
e cada hum delles declarados por inimigos de Sua Magestade
por quanto não achamos outra via por onde os ditos mui pode-
rosos Senhores. Sua Alteza e os nobres Senhores desta Illustre
Companhia, se dê a satisfação que esperamos de Vossa Exoel-
lencia que esta vão assinados do Vossa Excellencia mui affciçoados
amigos Henric, Hamel, Adriam, Van-Bullestrata, PieterDan-
senbas ; Recife a sete de Julho de seis centos quarenta e cinco
annos ; por ordem dos mui nobres Senhores do Supremo, e
segredo Conselho, estava firmado D. van Walbeng, este he
o traslado da Carta flamenga, que os mui nobres Senhores do
I Supremo e segredo Concelho nos derfto em eonússão, de entregar
I a Sua Exoellencia Bahia de todos os Santos aos vinte do mez
! de Julho de seis centos e quarenta e oinoo, Balthaiar Bande
í Hoogestratera.
Reposta que deu o Senhor António Telles da Silva Qover-
nador, e Capitão Geral deste Estado do Brazil, ã Carta acima e
outros trasladadas.
Os Senhores Balthazar Vande Voorde, Conselheiro da Justiça,
e Theodoro Vanhoo Estratem Comendador no cabo de Santo
Agostinho digníssimos deputados de Vossas Senhorias me derão
a C^rta em que Vossas Senhorias se servirão repre^Bentar-me o
Inconsiderado movimento com que esses moradores se delibe-
COPIA DA CARTA 177
rarão a ne^rar a obediência a Vossas Senhorias, nora que en
senti como devo, e sentira ainda com maior extremo do que
o signifiquei aos ditos Senhores Deputados se nSo Tira a justis-
sima segurança com que Vossas Senhorias orem que não podia
ter impulsos deste governo, acção tao indigna por tantas cicun-
stancias da fidelidade e valor dos Portugueses, e suposto que eu
pudera justificar melhor esta merecida opinião da nossa fé
com 00 procedimentos da correspondência, que havemos tido
neste estado deduzindo-a desde seus principies para mostrar a
Vossas Senhorias e ser prezente a todos os Reis e Potentados
do mundo, que foi sompre da nossa parte esta amizade tão firme
nas experiências como a de Vossas Senhorias encarecida nesta
aua Carta, com tudo por não magoar mais o sofrimento e ílaizer
manifesto ás gentes das occasiões em que positiva e declarada-
mente se violou pelos súbditos de Vossas Senhorias na maior
ignorância confiança nossa a pureza das tregoas, e capitulação
das pazes contrahidas, e ratificadas entre a Magestade Serenís-
sima de El Rey meu Senhor e os altos poderes dos Senhores Es-
tados gerais das províncias unidas, quero antes deixar no si-
lencio de nossa mesma vizinhança os deireitos,que nella puderão
desculpar qualquer intento, do quo fundar o meu em lembrar
a Vossas Senhorias todos os que tem precedido, e em particular
a expedição da Armada para Angola, ao mesmo tempo, em que
os Senhores Estados geraes estavSo capitulando em Portugal
com suas Nãos as Armas desta Coroa e nesse Recife os nossos
Embaixadores fazendo retirar as tropas que tanto erão temidas
na campanha e aproveitarão a não mandassem invadir porto
algum dos de El Rey meu Senhor despachando-a a sua mesma
vista, com vós de hir dar em índias de Castella a conquistar
aquelle Reino, a entrada e ocupai das Ilhas de São Thomô Q
Cidade de São Luiz do estado do Maranhão ; o excesso com que
chegarão a mandar infestar esta costa, e arrender nella um
Navio nosso que sabia carregado de Assucares da Capitania do
Espirito Santo, a esperiencia que mandarão fleizer de minha fé
pelo Commissario João Greving com sombra de pedir farinhas
na esterilidade em que esta Cidade se achava oomo elle mesmo
testeflcou em huma carta sua, em que diz assim que mal? se
me mandou a esta comissão a experimentar a amizade, que por
491—12 Tomo lxix i». i.
178 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
neadMidAdey caatella oom que og Diretoreg de Loanda capitalarfio
oom o Governador P.» Cezar de Menezes, a aleivozia e aso*
lação do nosso arraial do Bengo a ezpulcio dos mizerayeifl
moradores daqnelle Reiao, as indeoendas com que tratarão ao
dito Governador P."* Cezar sendo hum General de Sna Mages-
tade tão vituperadas em sna qualidade, e posto oomo contrarias
a toda a humanidade, e estilos Militares, não digo eu de Nações
politicas, de Europa mas ainda das mais barbaras do mundo, e
finalmente o desabrimento, oom que nesse Ck)noelho Supremo
00 respondeo sempre a todas as Embaixadas, com quepertendi que
naquelle Reino cessassem também todo oacto de hostilidade dizen-
dome que era jurisdição separada e independente da sua, esque-
cendo-me também da pontualidade com que ã vista destes
dezenganos qualifiquei mais a f é e singeleza de animo» com que
tenho procedido, pois mandando-me Vossas Senhorias fazer
queixa do Capitão Agostinho Cardoso, e de hum Domingos da
Itocha que para esta Cidade fogio com um Barco de Assucres
08 fiz Jogo restituir metendo ao dito Capitão em huma áspera
prizão até o remeter a Sua Magestade e ultimamente sendo eu
informado que hum soldado, e hum morador desta Capitania
chamados João de Campos, e Domingos Velho o Segismundo
passarão a essa de Pernãobuco e âzer£U> nella alguns insultos, os
mandei logo enforcar, sem mais incitamento que o da fé publica
da amizade, que professamos, e juntamente nos devemos, e se
havendo-me o tempo oilèrecido todos estes motivos tão merese-
dores de toda a devida recompença me nSo quiz nunca lembrar
mais que das Expressas e apertadíssimas ordens com que Sua
Magestade se sérvio mandar-me, que guardasse estabellecesse, e
çoncervasse com Vossas Senhorias os efeitos da reciproca paz e
alianças que tinha assentado com os altos poderes dos Senhores
Estados geraes, bem se verifica, que ainda na opinião de sol-
dado, quando não quizesse respeitar as obrigações, e consequên-
cias de estado, não devia eu deixar perder tantas occaziões
passadas, e muito mais opportunas, para na prezente dar
sombra aos intentos de quatro Portuguezes desarmados, e a
fugida de um negro descontente, e união de outro quais rebe-
lado para huma facção tão árdua, e de dependências tão diffl-
çultosai, donde se infere evidentissimamente que. nem por
COPIA DA CARTA 179
pençamenfos podia mie governo ser oculta cansa deste acidente
como Vossas Senhorias devidamente o oonfessio, e mo qais
mostrar, na repiti^ destas particularidades para esta satis-
íáçio que privadamente dou a Vossas Senhorias de meu natural
affecto e obrigação deste lugar, e para que Vossas Senhorias*
tenhão verdadeira noticia da ausência de Henrique Dias elle se
passou hua noite do porto do Rio Real, donde estava á parte de
Vossas Senhorias, e mandando-se em seu alcance ao GapitSo mor
dos índios Dom António Felipe Camario, vendo eu que tardavio
ambos havendo sido imaglnaç&o de todos, que hiria dar na
pouvoa(^ e mocambo dos Palmares do Rio de Sfio Francisco,
mandei em seu seguimento, por n&o parecer que alterava o
sooego, da paz commeter na campanha tropas de Inftmtaria
deus Religlozos da Gompanhiade Jezas,aredu2iloseâe nenhum lhe
quiz obedecer, ou por estarem temerozos do castigo ou já inficio-
nados do intento dos moradores dessa Capitania, segundo agora
colíjo, e delles não tive mais noticias que as que Vossas Se-
nhorias se servirão mandar-me.
Agora me chegarão avizos dos mesmos Portugueses reme-
tendo-me hum manifesto das couzas que os constragerik) a levan*
tar-se, e implorando>me os socorresse como a verdadeiros
Vassallos que erão de El Rey meu Senhor por ficarem expostos
ao rigor e fereza de quatro mil Tapuyas que Vossas Senhorias
tinhão já no Rio grande a inclemência das brenhas para
donde se havião retirado, deixando suas molheres, e famílias á
indignação e vingança de Vossas Senhorias, com temor dos
perigos que Vossas Senhorias hião fazendo íUlminando-lhes,
graves culpas, para lhes confiscarem as fazendas, tudo por indu-
ção e maldade dos índios inimigos tão pérfidos da Chrlstandade,
couza que eu não crera da prudência de Vossas Senhoriafrpois
chegarão a dar credito as simulações de homens tão desaforados
e temidos, que afflrmarão a Vossas Senhorias que andavão na
Campanha pessoas que os Senhores Deputados virão nesta praça
e suposto que eu me persuado que nas disposições deste sucôsso
seria mais officaz o amor da liberdade desses povos, e a magoa
de se verem agora privados do bem de hum Rey natural que
Deos nos havia dado, do que á exasperação dos receios em que
ficão com tudo considerando eu por huma parte o fim com que
180 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Vossaa Senhorias me esoroyerão, e 03 ditos Senhores Depatadofi
mo propuzorão e rogar&o mandasse recolher os ditos Capitão
mor Camarão, e Henrique Dias e apaziguar esses Portagnezes
tumultaozos pelos meios que me parecesse mais idóneos e por
outra a opressão publica em que se me reprezentarâo sentindo
não ter o remédio tão propinqno como o dezejo pois he certo
que se estes dous Capitães não me obedecerão persuadidos menos
se sogeitarâo violentados e mais em paizes e brenhas tão des-
tantes, e em qae todos elles andão tão versados, condescendendo
com promptissima vontade, ao que Vossas Senhorias mesmos
são servidos, e quereodo eu mostrai* em todo o tempo, e parte
qual he a fidelidade dos Portuguezes, e a sinceridade cândida,
que neiies resplandece para com todos seus oonfedrados, e qne
não sabem attentar para conveniências próprias por mais que o
tempo as offereça e sejão de maior importância pela menor
(luebra, ou falência que delias possa rezultar om sua sempre
incontrastavel confidencia e pactos de Aliança, e união como
outras Nações, me pareceo tomar por resolução ser eu hum
medianeiro commum, e socegar com a interposição de minha
authoridade as inquietações intrínsecas dessa Capitania oomo
dezapaizonado amigo, e bom vezinho, e assim me pareceo dizer
por esta a Vossas Senhorias que fico tratando como Remédio
mais efilcaz do enviar a essa Capitânia com toda a brevidade
que me for possível pessoas de tal prudência que por sua dispo-
sição, o inteligência em nome de Sua Magestade El Rey meu
Senhor se aquietem estes movimentos, e soceguem de todos os
Portuguezes para o qne vão prevenidos, do mineira que quando
nãD quelrão sjjeitir se por suavidade e bom modo, os constran-
jão por violência a obedecer a seu pezar a Vossas Senhorias, e se
fique continuando daqui em diante nelles a sojelçao que devem
espei*ar da benevolência de Vossas Senhorias, e entre nós a boa
correspondência e demonstrações de amizade, que confio em
Nosso Senhor se perpetuo e conserve entre estas nossas duasNações
como tão amigas, e conformes que são, Quarde Nosso Senhor as
mui nobres pessoas de Vossas Senhorias.
Bahia 19 de Julho de 1645 annos.
As quais cartas ; Eu Gonçalo Pinto de Freitas, escrivão da
fazenda fiz trasladar das próprias que estão na Secretaria
COPIA DA CARTA 181
do Senhor Governador, a que me reporto, e as conferi so-
bescrevi, e assinei na Bahia em 22 de Jalho de mil seiscentos
e quarenta e dnco, Gonçalo Pinto de Freitas, Bernardo Vieira
Ha/vaico»
COFIA DE HDIA CARTA
QUE ESCREVERÃO DE PERNAMBUCO
MARTIM SOARES MORENO E ANDRÉ VIDAL DE NEGREIROS
A ANTÓNIO TELLES DA SILVA
1645
(Dib. Puh. Eborense ^Cod. OVl-^S — »^f. i98}
( o presente documento orientará o leitor sobre yarioi pontos
da historiado dominio hoUandez uo Brazil c de sua importância não
é licito duvidar atteuto o papel quo repr^^sentaram os 83TU signa-
tários .
(Xota da Commissão da Redacção,)
Ctpia le tuna arta une mrnn la Caimka de Fenaitiiin a Mntra
le Caipo HartiD soarei Moreno, e Anilre Yiial de Necreini, ao
OOTenalor Gapitio geril le Mar e Terra leite Eitalo lo Brazil
Aitoiio Tellei la Silva e le oitni m ellei eiTlano ao Recife.
Senhor
Presente he a Vossa Senhoria o ef&caz aperto com qne os
que Qoyernão o Recife enviarão a toda a deligencia a Vossa Se-
nlioria sua Embaixada, significando nelia a alteração que João
Fernandes Vieira tinha movido nesta Capitania, e como em
oorpo de gente lhe fazia guerra, impedindo-lhe os mantimentos,
e a liberdade de seu trato, e como também rogarão a Vossa
Senhoria por cansa sua se servisse interpor sna-Authoridade
com o meio, que a Vossa Senhoria parecesse mais conveniente
rezervando a sua elei^ para effectivamente socegar e por em
paz commua tal alvoroço para conservação de hum e outro
estado.
Da mesma maneira serã bem mais prezente a Vossa Se-
nhoria a lastimosa a encarecida Carta que estes moradores no
mesmo dia da Embaixada a Vossa Senhoria fizerão. mostrando a
ultima razão natural, com que se puzerão em deftenca com
paos tostados por não poderem aotrer já a insolência de
tantas injurias que com desaforo e sem recato, que com atre-
vimento, e sem petjo, lhe fazião no maior aperto da honra
mais publico agravo, não fazendo reparo na ozurpação dos
bens, no mão tratamento das pessoas que tcdas trazião em
sinal de seu Cativeiro hua vara de medir por bordão mas
íázendo o grande do impedimento o posto ao exercício divino
da inaudita lacivia, com que ã vista dos honrados Paes stru-
pavão as bem criadas donzellas e ái vista dos corridos por en-
vergonhados. Maridos manchavão a virtude das respeitadas
186 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
doDas, encarecendo por ultima razão a petição gae a Vossas
Senhorias fazião de socorro com o protesto de que lhe seria
força buscarem Rey Catholico, inda que contrario, remédio a
seus males, quando da parte de Vossa Senhoria se lhes de-
negace. Com tão grandas novidades se sérvio Vossa Senhoria
i^liamar a Concelho, em Claustro pleno, os mais doutos Padres,
os Letrados mais escolhidos, os Mestres de campo de maior ex-
periência, 08 Sargentos maiores de mais madura disposição, os
Capitães de maior prudência com os homens bons de toda essa
Republica e a todos propoz Vossa Senhoria assim a suplicada
Embaixada, como a agonia da Carta de seus Portuguezes, que em
mizerayel aperto de hereges intrusos na terra que não her-
darão imploravão socorro a seu Rey huma das Colunas da
Christandade, porque poderião, e a buscavão em Vossa Senho-
ria dados na piedade, no valor, no illustre herdado por Vossa
Senhoria de seus claros progenitores, lhe não podia faltar em
afflição tão gi*ande e que votando-se com toda a ponderação que
cazos de tanta importância pedião, consideradas as mais fortes
razões, assim naturaes como estadistas, por toda se concluir sem
discrepância de voto algum e ainda por communs requerimentos
e protestos dos Letrados devia Vossa Senhoria, com toda quanta
deligencia pudesse, acudir a tantas mil almas Portuguezas e
Christãas, que com tanta anciã lhe pedião amparo para se exa-
mirem do cruel cutello que herege ameaçava suas gargantas,
maiormente quando Vossa Senhoria tinha tão fácil occazião na
Embaixada que lhe ezpunhão os do Recife e em satisfação da
qual pela urbaoidade comprometida nos concertos da paz, podia
Vossa Senhoria compor hua e outra queixa rednzindo ambas a
hua amiga conformação, mas que sempre Vossa Senhoria ficava
obrigado, suposta a eleição do meio mais conveniente que se
deixav^k na de Vossa Senhoria que esta fosso de que Vossa Se-
nhoria mandasse sempre tal poder que obrigasse aos Governa-
dores no Recife a não uzar de sua natureza conhecida tanto &
custa de nosso inocente sangue, e não sei se á do nosso sofredor
brio pois he certo que se não enxergasse este poder chamariio
dobradamente nossos Partuguezes, e despois de seguros os des •
pedaçarião, como muitas vezes íizerão.
Resoluta, Senhor, esta Consulta, oom ella respondeo Vossa
CARTA A ANTÓNIO TELLES DA SILVA 187
Senhoria na obtorga e despacho da Embaixada, e em breyes
dias nomeou nossas pessoas para que oom Carta sua viéssemos a
esta Província a por em paz tantas e tâo crecidas alterações e
mandaado Vossa Senboria aparelhar algumas das embarcações
que çostum&o fazer escalla nessa Bahia, nos mandou basear a
terra de Tamandaró nesta Capitania, a qual chegados, nos foi
publico não só o aberto que nossa gente padecia andando com
sen Governador Joaõ Fernandes Vieira, escondido pelos matos,
zoas que estes mesmos, Senhor, que impetrarão e interpuzerão
a autboridade de Vossa Senhoria na conveniência de sua paz
nos ataUayavão e eeperavio com exercito formado em Cam-
panha, tendo entfto de prezonte chamado com simulado trato
a trinta e taotos Portognezes moradores no Rio grande a sua
Igrqja e aeUa a sangue frio os despedaçavão sem perdoar á de-
oreplta velhice nem à infttncia inocento, acutilando atrevidos as
Imagens sagradas, até sacrílegos profanando a contaminada
Igreja, porem suas atrevidas mãos na Rainha dos Anjos cujas
roupas roubarão, e 9 divino rosto ferirão, passando a tantas
insQleodAã que uM hum Velho Hermitão que com hum menino
se veio lhes a hua Ermida, acerbamente matarão, como tam*
heis\ o teerão a hum Sacerdote de Missa, deflorando na varge
muitas e aobres donzellasã vista de seus agonisados Paes, sem
se doerem dos suspiros, dos clamores, dos gemidos de tantos ma^
goados, n^as antes para mais incitar a justiça divina mandarão
recusar nas pacientes gimidoras os brutos, os indómitos Cabou*
colos» que a todo o desaforo contumeleavão, manoyavão e exer-
oitarfto apetites de seu desenfreado natural.
Certo, Senhor, afflrmamos a Vossa Senhoria não puderiamos
nunca crer, se bem a experiência nos persuado, taes insultos taes
traições nem tão livres desaforos, e confessamos a Vossa Se-
nhoria que ainda informados nos não persuadimos atô que
a notoriedade com a fé de tantas e tão fldedignsts pessoas que a
recontavão nos fez ter por certo o que duvidávamos com tanto
que havendo nos de marohar aquella jornada a Serinhaem
soubemos que nesta villa o Holandez nos aguardava de mão
armada em hua força, em outra caza fora e em hum reduto
feito eoi hua Igreja, pela qual razaõ consultando entre nós o
nono ouvidor g^» e noMos OapltSai, eouvienoios piarohar a
188 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
oautellados da traição, e prevenidos ao suoeaao, e que man-
dássemos ( como mandamos ) a Carta de qne vai a oopia pri-
meira a Vossa Senhoria ao Comendor dos Holandezes, manifes-
tando lhe a cansa do nossa vinda, e estranhando a novidade de
snas Armas a que responderão com a Carta original que por
terra he hida a Vossa Senhoria, paleando nella neutralidades
que a nos nos formarão bem findadas desconfinnças para nos
rezolver com os momentos dos Governador P«. Cezar, em
Angola, a não poder dar numa por desculpa não cuidávamos e
assim chegados d Villa que nos esperou em arma com bandeiras
de Guerra tendidas, nos determinamos a não deixar suas forças
nas espaldas, e sendo logo hospedados oom Embaixada saa que
continha ameaços de bailas, minas e cutiladas, lhe respondemos
com a cortezia, com a mansidão, com os protestos da paz
por Vossa Senhoria tão encomendada, que tudo lhe sérvio de
maior lavareda para suas soberbas, mas como virão que nossos
soldados hião com a derrota em suas forças do Exercito de suas
arrogâncias, derão no de pedir quartel as suas vidas que com
toda a benevolência lhe concedemos com as mais capitulações
de qne vai a copia segunda.
Rendidos forão mais de cento e trinta ; nestes entrarão se-
centa índios que por serem muito Portuguezes na lingua nas-
cidos e criados muitos nessa Bahia o todos Baptizados oom
a profissão da Igreja Romana, e Vassallos de Sua Magestade
haverem tomado armas oom os Infiéis inimigos nossos haverem
feito atrozes injurias aos Christãos moradoi-es daqueiia Villa,
como consta por huma petição por elles assinados, mãdamos
delles padecer morte natural a trinta e nove, e os mais perdo*
amos por menores, de que já nos peza, por alguns delles bave-
rom fugido para o Recife, os bastimentoe que se acharão não
forão de sustancia de que se possa fazer menção as Armas, si
que forão quazi tantas como soldados e vierão a muito bom
tempo para guarnição das mesmas forças de que fizemos Ca-
pitão mor Álvaro Fragozo de Albuquerque, pelo muito que
merece nesta e em outras muitas ocasiões de que lhe passamos
patente de que vai copia terceira.
Desta Villa marchamos a Bojuco com muitíssimo trabalho
pelas innimdaçOes dos Campos^ e pelf» grandes tereicOs a qi|e
CARtA A ANTÓNIO TELLES DA SILVA l89
he SDgeito este território, eomtuJo chegados oatendemos com
algumas cousas de que necessitava esti povoação por ser muito
populoza, cujo governo demos por então a João Carneiro do
Kariz e depois confirmamos em Amador de Araújo.
Aqui tivemos dous avizos, hum que Jeão Fernandes Vieira
era chegado ao cabo que distava trea legoas, e outro de que
o Holandoz do forte de Nazaret, com o corpo de gente que ha-
via sabido em companhia do Capitão de Gavallos João de Van-
derlens que se lhe tinha agregado campeava livre com asso-
lação dos moradores com o que rezolvemos hir o Mestre de
campo André Vidal de Negreiros fosee logo com alguns homens
ligeiros a prender João Fernandes Vieira, como tudo se obrou
na forma determinada, e o Mestre de Campo Martim Soares se
ficou segurando os moradores e referiando os excessos destes
Senhores de Holanda, e o Mestre de Campo André Vidal fez o
que hia e levando prezo a João Fernandes Vieira que lhe ma-
nifestou o como o Exercito do Holanda o perseguira, de maneira
que não tendo jã para onde se recuar estando situado nas ta-
boeas se pos em deffença, e naturalmente rechaçou a estes
Senhores com perda de trezentos mortos e feridos ; marchando
pois o dito Mestre de Campo com seu prezo tanto avante como
no lugar da Moribequa que dista outras três legoas do Cabo
achou ali tal clamor, descompostura e pranto, desconsolação
e ritiro de molheres que podemos significar a Vossa Senhoria
nio ouvi mais lastimoso acto porque ver molheres nobres com
filhas donzellas meninos de peito, e outros de tenra idade re-^
tirados a pé distancia de três legoas que tanto fica a varge,
roubados os vestidos, mal tratadas as pessoas, enxovalhada a ho<^
nestidade, todas emlodadas, banhadas em lagrimas, cheias de
mortaes acoidenies, he couza digna de toda a compaixão que
provoca os mais sofk^edores corações, e os mais humildes so-
geitos como nesta occazião fez não só em nos em quem fazia
reparos a prudência, e suspendia a paixão que sua de Vossa Si-
nhoria trazíamos da conserva^^ão da paz mas nos mesmos mo-
radores, cuja dor por propia lhe irritava a razão para demandar
o castigo.
Aqui trabalhou ò Mestre de Campo muito sobrenatural-
mente e não sei se com demaziado sofrimento por não encon-
190 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
traf a ordem de Vossa Senhoria, e eom iodo o exoesso conso-
lara ali hum rancho com acarretadas razSes impedia aoollá
hum pranto com mimos, e com afagos, atemorizara em oatra
parte hum ramor qae Já formara apostada anlio, qaando da
Varge chegarão noras, que nâo contente o Exercito Holandez
com os roubos, afrontas que haria feito lerara ainda prezas
quatro qualificadas molheres amarradas aos Caralios com o que
08 moradores de todo deliberados, e Juramentados entre si
tomando seu Goremador Jo&o Fernandes Vieira sem o Mestre
de Campo lhe poder impedir, forSo logo a buscar o Exercito
contrario com o que bem cheios de aftwntas buscarão a honra
aonde lha lerarào riolentada, e porque a hora em qae arran-
carão erSo J& quatro da tarde, e o Mestre de Campo le presu-
adio não puderão encontrar o qoe buscarão ajantoa a mais
gente que pode por ter pouca consigo, e seguindo o aloaaoe dof
nossos por maior diligencia que fez os não pode topar, qu*
tanto exporea o brio o excesso do agraro.
Aquelia noite sondo muito churoia e de temirel tempes-
tade fez o Mestre de Campo albergue no engenho de Dona
Cosma Ja na rarge para antes de amanhecer mandar com
sua gente a rer se podia impedir o encontro, e sendo Ja dons
terços do quarto da lua muito escuro porem pelo tempo muito
deflouitozo pela impossibilidade dos eaminhos marchou com sua
gente a toda a preça ao Rio de Capibaribe para ali obrar sea
intento mas quiz a Justiça dirina que he o mais certo que nad
bastarão os excessos de sua deligencia para impedir despacho
do queixume, que do Céo alcançou porque quando Ja chegou
ao Rio achou que a retaguarda da gente da terra hJa Ja pas-
sando com a agoa pelo pescoço, para o engenho do Torlão
aonde o Exercito contrario se tinha posentado aquella noite«
tendo-lhe Ja morto duas espias, que tinhão ao largo sem to-
car em arma.
Como o Mcscre de Campo rio quo este sucesso ef a mais
que ordinário tratou de ajuntar assi a sua gente que rinha de
ragar em razão da lama para que com essa pouca incorporada
tratar de remediar o que pudessi, e logo no intre ordenou ao
Dezembargaior Francisco Braro da Silreira Auditor gmieral
passMe em hum Garallo ligeiro o Rio, e a tod« a pressa note-
CARTA A ANTÓNIO TELLES DA SILVA 191
floafse a todos da retaguarda, e a vangarda não rompessem em
Qaerra com es Senbores Holandezes o que eilí3 logo fez e dando
a execução e ordonado com todo a di4goacia e agilidade correo
o flo da gente que molbada do Rio hia com pouco folgo t@rri-
tando raivas de chegar, e tolos por huma boca, e todo^ llie
responderão hiâo buscar suas honras que lhe iovavã o furtadas
com as mulheres dos homens que os governciva, e quando Ja
chegou a vanguarda vio que em hum boqueirão que dezem-
boca em hum grande terreiro em frente o engenho do torião
duas sentinelias Holandezcis toca vão arma a vanguarda por-
tugueza que marchava em carreira como formigas, de ma--
neira que suposto o contrario estar alerta lhe deu lugar a nossa
gente da espera que fez para ajaatar bua única Compa-
nhia para o Exercito Holandez se formar em quadro com duas
Companhias volantes de mosqueteiros nos lados que logo
os moradores envlstirão aj mesmo passo que o contrario
reforçava suas mangas, e a nos nos hia socorrendo a gente que
hia entrando de maneira que se aqui se perdião vinte passos
acolá se cobra vão; coatiauando assim o aperto da Querra sahio
de hum lado a Companhia do João d ) Albuquerque que com
pouca gente se havia emboscado e entrado taborda que pelo
mesmo lado encuberto do mato hia picar a retaguarda e de
todo topou cem homens do Holandez emboscados que imagi-
nando-se cortados se puzeram em fugida em cujo alcance se
lançarão matando e ferindo, e a este mesmo instante fizerâo
entrada no terreiro pela frente os Capitães António Jacome, e
António Leite, e António Gonçalves Picão, e João de Magalhães
para ver se podlão por em paz porem em ocazião que ja não
havia remédio de maneira que junto estes motivos com os de
huma voz que gritou à espada o Exercito contrario se poz em
fugida com quinhentos homens todo:? mosqueteiros, e cravinei-
ros, que consigo tinha gente velha e bem exercitada no Brazil
da primeira de sua conquista o contrario se retirou de Rondão
para a Caza forte do engenho em cujas janellns tinha já prepa-
rados ciocoenta homens de mão posta que ílzerão apartar os
nossos do ímpeto que leva vão, ferindo e atropelando os Holan-
dezes que se ílzerio fortes, juntamente na Caza que o era muito
por arte porque sendo de pedra e eal e paredes dobradtus tinha
192 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
tres sobrados de aadames de janelas de barandas em roda que
pódio gaaraição do mais de trezentos homeas como tiaha o para
maior segurança, porque os alioeroes ficasem mais seguros lhe
fizerão suas estacadas fortes gaarnecidas de Mosqueteiros o
que fiz a dar e receber cargas tam a miúdo que era hum espanto
ver o valor com que os nossos Portuguezes envestirão a peito
descuberto e íkzer tiroi as seteiras de hua muralha e o pior he
que os s3nhores Holandezes que por esta maneira lhe matarSo
muitos com as feridas do naris até o cabelo e porque entre nos
havia dous outros mortos e alguns feridos tratarão de en vestir
a sua estacada oomo flzer&o com machados derubarão parte, e
entradas nos baixos da primeira varanda lhe applicavão os
materiaes para lhe por fogo, neste estado e aperto se virão os
Holandezes quando a todoo oorror chega o Mestre de Campo An-
di*é Vidal de Negreiros, o reunindo e estranhando a todos 03
soldados os tiros que tazião tomou logo um a tambor, e hum
soldado com huma bandeira branca na mão e se foi andando
para o engenho para assim remir aos que nelle esta vão, do fogo
que se lhe aplicava mas oomo elies nunca mudem de natureza
pagavão esta boa obx*a, ao Mestre de Campo com huma carga
serrada com que logo lhe matarão o da Bandeira e lhe ferirão
com duas pelouradas o cavallo o que tudo naõ bastou para
deixar de lhe conceder o quartel das vidas que logo lhe pedirão
com partido de serem enviados a suas terras pela Bahia.
Os Rendidos e mortos forâo quatrocentos entre cabououlos, e
tramengos os prizioneiros de conta forão o seu Oovernador das
Armas Henrique Bús, hum Sargento maior, o Capitão JoãoBelar,
o Capitão mor dos Cabouculos que todos vão a /ossa Senhoria.
De Serrinhaem escrevemos aos Governadores do Supremo do
Recife a Carta que vai copia quarta que enviamos pelo Alferes
Manoel António e porque cá o detiverão alguns dias lhe envia-
mos, segunda Carta depois do sucesso do turlão de que vai copia
quinta, a todas respondem sem poder negar seus decretos oomo
a Vossa Senhoria serã. prezente. Estes senhores tem mandado
decer quantidade de gentio e ja nos tem feito muitas crueldades
com que nos vemos em estado que se acaso trataremos de nos-
querer retirar nos matarão a todos e quantas mil almai tem
esta Província, pelo que consideradas as razoes naturaes as de
CARTA A ANTÓNIO TELLES DA SILVA 193
todo O direito caaooioo eivei, e ainda os mais delicados de es-
tado, parece coaza dura que huns mercadores com- hama so-
ciedade e companhia de mercancia separados dos senhores
Estados de Holanda faça tantos acintes tantas traições, e uzem
de termos iSo elicitos como os de Angola, São Thome, Maranhão*
navegação destas costas e ainda dos prezenteíi aqui relatados con-
tra hum Príncipe Soberano cujo sangue ec^jas Armasse fizerSo
sempre tanto respeitar, e que ajusta de publicidade de tão de-
maziados feitos continue o sofrimento com a certeza de evi*
dente perigo ponderados senhor tantas táo justas e tão eficazes
razoes nos pereceo antes expor a jusUça de Y . Mg«. e do Vossa
Senhoria o fundamento de nossa cauza fiando da Mizericordia
divina avogará nossa defensa que arriscar a Christandade de
huma tam dilatada Provinda ainda de tantos milhares de ino-
centes, e sobre tudo de perder a oucazião que Deos houvera
razão nos dã de restituir a V. Mg^. as terras que com o sangue
de seus Vassallos, e despeza de sua Real fazenda conquistarão
ainda que por comua repartição dos Princepes da Europa, os
senhores Rey seus predecesores e isto para semear neste novo
mundo a ceita de Calvino e escrever o sol da de Jezus Christo
pelo que fasendo da necessidade virtude, da virtude obrigação
nos resolvemos pois a obrigação he tam super abundante e a
causa delia por parte destes senhores tantas vezes a romperem
Guerra e desembuçar a vergonha que emmascarada por obe-
diente sufria ató não poder mais e assim lhe mandamos sitiar
atacar por todas as partes o Recife aonde os temos metidos ou
os encarcerou seu peccado e ruindade e deixando o sitio posto
o pusemos também na fortaleza de Nasaret a quem quizemos logo
escalar pois nos ameaçava a sua armada no mar e depois de tiros
e combates mortes e outros sucessas de guerra de que se não
&Z menção entendendo seroados nossos intentos se venderão a
partido com as capitulações de maiores favores que ja mais se
fizerão que nos lhe concedemos por que vejão que quando ti-
ranos uzavão com nosso crueldades nos vencedores lhe fazemos
mimos e mercês. Os rendidos são mais de dozentos todos lu-
zidos soldados o forte muito valente de cava e faxina, estacada
e baluartes com dez peças de artelharia de bronze de m9 e doze
t6 vinte e quatro, alguns mantimentos de Carne de Porco, Ari-
491 — 13 Tomo lzix r» z.
J
194 REVISTA 00 INSTITUTO HISTÓRICO
nhãs de sentelo muaiçõds poaoas pesgoaB de ooata algumas em
partiòulAr . o sargento maior Tlieodoro o Capitão de Ga-*
yalios Gaspar de Venderley, o Teneate Joio Beque tem
seu Irmão Joio Bequo, e oatros Ajudantes e pesssoas de nome
na Guerra os quaes hiao para êssa Bahia exoepto os que quise-
rem âcar na forma de suas capitulações tamliem temos o for«
teeinho da barra oom três pegas de ferro para maior ainda lhe
tomamos com o Ajudante Barreiros que he Capitão duas ÍAn-
tíias, h«ma que Tinha de socorro, e outra que hia de ariso.
Neste estado ficamos Vossa Senhoria se sirva como quem he tam
boa testemunha do ofléreeido representar a Sua Majestade
nossa justiça para que oom eila nos acuda Deos; Guarde a Voesa
Senhoria muitos anoos Nasare pontal^ e Porte do Santíssimo
Sacramento seis de Setembro de seis centos quarduta e cinco
Martin Soares Moreno, André Vidal de Negreiros.
Cópia da primeira Carta que oâ Mestres de Campo Martin
Soares Moreno e André Vidal de Negreiros mandario aos Go-
vernadores ao Recife e escripta em Serinhaem.
Das graves alterações e encorporadas sedições que es Por*
toguezes levantarão nesta Capitania tomarão Vossas Senhorias
motivo para representar ao Senhor António Telles da Silva*
Governador e Capitão Geral do Brazii, sua perturbação e a todo
o encarecimento lhe pedio mandasse socegar aquelie alvorosso
pelos meios que lhe parecesse mais constrangentes a este
mesmo tempo por todos os moradores desta Província foi
exclamado perante o mesmo Senhor emparo e ajuda para serem
livres das aflrontas, das mortes dos roubos, dos strupos que
actualmente padecião com que deliberarão animados procla-
marem sua liberdade e em Exercito formado com pios tostadee
pela impossebelidade a que esses tinhão reduiido seu cativeiro
querião defender suas honras por tantas vias manchando flraude
da jura divina quando este ja de tanto sangue frio derramado
fazendo presente outros a Sua Senhoria e obrigação em que
estava de os socorrer e sgudar ou j& por Português Catholtco de
ssu mesmo sangue e nação ou por que compadecido de suas
mizerlas pois quando não forão estes bastará no mais apertado
termo de rm&o natural e ainda da mais politica de estado implo*
rarem seu auxilio para lhe não faltar fechando por ultima razão
CARTA A ANTÓNIO TELLES DA SILVA 195
qae quando Saa Senhoria lhe não acudisse oorreria por sua
oonta dá-la Deos de elleã buscarem Principe estranho o que o
seu natural lhe negava : ponderadas pelo Senhor Governador
OapitSo Geral tão apertadas e orgentes razões com a devida
cortesia com que devia responder a Vossas Senhorias adver-
tindo nos meios mais oonstrangentes que Vossas Senhorias
rezervavão a sua eleição e a efflcacia dos apertados gemidos de
seus Portuguezes resolveo por meio único e singular na forma
da Embaixada mandar socegar tão grande Inquietado, mas
porque a união Portugueza era grande se bem maior a dér, e
da parte de Vossas Senhorias ameassava execução, determinou
viesse a esta Proviocia taes pessoas e tal poder que igualmente a-
braee a prudência e a guerra para a effectiva quieta^ pedida e
dezejada, nesta forma Senhores somos enviados governando nosso
poder á petiçflío de Vossas Senhorias a conveniência soa dando-
Ihe nossa iguda na conformidade de nossa paz, e aliança tratada
com a despesa que Vossas Senhorias poderão ter entendido em
que não &zemos reparo e apenas pizamos esta terra quando do
Rio formoso nos ferem os ouvidos e iastimão o Cora^ os
inocentes com gemidos de quarenta Portuguezes nossos Oatho-
Íleos e naturaes mortoe a sangue frio em uma Igreja onde
com fingidas caricias foram chamados por Ministros de Vossas
Senhorias sem reparar na autoridade ancian do velho nem na
inocência pueril do menino que nos peitos de sua Mãi devorou
o gentio como sustento, como também na Vargea de São Lou-
renço os. suspiros das nobres donzellas que violentadas stru-
pavão 08 gentios, e soldados de Vossas Senborias, procedendo
a mortes, e descompostas lacivias, c5 outras multas que seus
Ministros de Vossa Senhoria mandarão executar em ipojuca
com tam publica crueldade chegando a espedaçar um velho
Irmitiío e hum menino na sua mesma Igreja contaminando e
profiittando os lugares sagrados ferindo os santos e com mãos
sacrílegas despindo a Rainha dos Céos a Virgem Sagrada e
Nossa Senhora; cazos todos inauditos que digo, que tàxem
tremer por inauditos os mais acerbos corações e o fazem recear
e desconfiar os mais generosos peitos e como nós vimos que
tendo Vossas Senhorias interposta autoridade do Senhor Go*
veroador, e Oaq[iitão general, inovarão tantas variedades de
196 RBVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
cousas, e ainda formarão hum Eiercito tam cupioso qne aotual-
mente tem esta campanha seado força avistar menos com
Vossas Senhorias nesse Recife na forma de nossa ordem nos
determinamos com effeito a não deixar nas Costas poder algum
que nos possa acresentar magoa a magoaa, e assim com a
cortezia e agazalho que profeçamos levamos comnosco a solda-
desca desta Viila de Serinhaen até com Vossas Senhorias assen-
tarmos o que mais convenha a servisse de Deos e de nossas
Republicas e pedimos a Vossas Senhorias queir&o dar e remediar
o excesso de seus soldados sem permittirem que de sua parte se
de causa a hum rompimento guerreiro porque da parte de
Deos e de Gl-Rey Nosso Senhor Dom João o quarto que Deos
Guarde, e da dos Senhores Mstados que Deos aumente, reque-
remos e protestamos a Vossas Senhorias hua o muitas vozes a
concervação do nossa tratada paz, que só trazemos por guia,
e inviolável ordem que nos fica autentica para satisfação dos
Príncipes da Europa e para que o seja maior a Vossas Senhorias
Uie enviamos a cópia dos quartéis que nesta Capitania temoe
mandado fixar, Deos Quarde a Vossas Senhorias, Francisco
Bravo da Silveira.
Copia da Carta segunda que os mesmos Mestres de Campo
mandarão ao Gk>vernador do Recife depois da Batalha do En-
geniio de Turlão.
Pelo Ajudante Manoel António fizemos pi^ezente a Vossa
Senhoria como er.imos chegados a esta Capitania, e enviados
pelo General do Bratil o Senhor António Telles da Silva a rogo
de sua Embaixada do Vossas Senhorias pelos meios mais
urgentes havemos de meter em paz e quietação as alterações
que se tinhão levantado, e também das muitas novidades não
merecidas nem esperadas que achamos já no lastimoso clamor
das nobres Donzellas strupadas a poder da violência despojadas
ã tirânica crueldade, ja na lamentação dos moradores do Rio
grande cujas quarenta, dos mais nobres hum simulado chama-
mento a hua Igi*eja, despedaçou a sangae frio, com hum
Clérigo Sacerdote de Missa e dous homens ontem nas salinas, e
já da profana obstinação com que nossos templos, e Imagens
sagradas foi^io maltratadas ati3 sacrílegos roubarem as roupas
da Virgem sagrada Mãy de Deos com tal ezceoso e demazia
CARTA A ANTÓNIO TELLES DA SILVA 197
que faz impedir a declaração pelo respeito e como pslo aperto
destas rasõas, e por Vossas Senhorias terem sea Exercito em
Campanha nos obrigou a defeza natural, e estilo da Milícia a
não deixar em nossa vangaar Ja poder de qae nos pudéssemos
rocentir até ajustarmos com Vossas Senhorias a melhor conve*
nicncia para mais firme estabelecimento de nossas pazes pois
este he único intento de nossa vinda. Seguindo pois nossa
missão a esto Recife ja com João Fernandes Vieira prezo peia
mão do Governador André Vidal de Negreiros, que na Viila do
Cabo com doze ho.nens de sua guarda aprisionou, achamos
tal retirada de mulheres, de meninos, de Clérigos que roubados
e afrontados, o fazião desta vargea, publicando as tiranias, as
iqjuriasque padecei^o do Capitão João Blar, e sua soldadesca,
que não contente com o relatado ainda para maior contumelia
levou consigo com incrível desprezo três nobilíssimas mulheres
metendo-as em suas Casas, e as demais de que os moradores
abrigados da dor e irritados da sem razão sem nos o podermos
remedear tomarão seu Governador João Fernandi^s Vieira, e a
todo o Ímpeto nos deixai'ão, e por mais que fomos em seu
seguimento de noite, lhe não pudemos dar alcance, senão des-
pois de terem ja brigado no Engenho de Izabel Gonçalves e
já nelle sitiado o Governador das Armas, e sua soldadesca de
Voflsa Senhoria. Perparádo o material necessário nas Casas baixas
do dito Engenho para lhe dar fogo, o que toda força acudimos
interpondo nossas pessoas a salvação da gente como o fizemos
guardada a cortezla devida ainda que nos custou muito por da
parte de Vossas Senhorias se plejir com bailas encravadas,
ervadas, e cotn palanquotas, e porque estas sedições crescem
com as hostilidades, que da p^irte da Vossas Senhorias com-
nosco se uzão lhe fazemos prezente a Vossa Senhoria a procla-
mação e ratificação de nossas pazes de que protestamos perante
Deos e Vossas Senhorias hua e muitas vezes c da parte de
El-Rey Nosso Senhor D<.»m Joilo o quarto, e da dos Senhores
Estados, e ainda do tolos os Príncipes nossos aliaios, Vossas
Sjuhorías não entrem em romplmecito de nossa celebrada paz,
e nos não dem occazião com suas offenças a romper<aos
em Guerra, parecem bastão os de tanto clamor que ainda
desoulpão e deixam crer os motivos de João Fernandes Vieira,
198 RBVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
pois DOS eonsta tratou só de deffender o sangue de tantos ino-
centes, e podendo faier com suas Armas sua gente, o nfto íéz,
antes andou de hum em muitos sitios, vendo se podia escusar
a peleja, até não ter mais para onde recuar, e ser força o
defender-se.
Queirao Vossas Senhorias ver este nosso papel, e olkalo
com a consideração que convém a nossos Repúblicos porque
até mesmo o Céo parece se oflTonde de nosso sufrimento. Deos
Guarde a \ossas Senhorias Francisco Bravo da Silveira. A qual
Carta dos Mestres de Campo, e tratados dos protestos que man-
darão aos Holandozes. Eu Gonçalo Pinto de Freitas escrivão
da fazenda Real deste Estado do Brazil por Sua Magestado fiz
trasladar das próprias que para isso me deu o Governador
Capitão geral do dito Estado a quem as tornei e a ellas me
reporto, e delias este traslado e concertei, e o sobescrivi, e
assinei por duas vias na Bahia em treze de setembro de mil
seiscentos e quarenta e cinco. Gonçalo Pinto de Freitas.
REGIMENTO
QUE HA DE USAR NAS MINAS DE SÃO PAULO E SiO VIGENTE
DO ESTADO DO BRAZIL
SALVADOR CORRÊA DE SÁ E BENEVIDES
(1644)
(Archivo da Torre do Tombo, Livro dos Regimentos do Conselho
Ultramarino, fs. 4ív, Documento mandado copiar pelo Dr. Xorival
Soares de Freitas, em missão do Instituto Histórico nas bibliotheo<ts d
arohii>os de Portngal),
Este re^^imento jastifioa o quo diss^ Pedro Taquos de Almeida
Paes Lome na sua inrormação sobre a.s minas de S. Paulo e dos
sertOes da saa eapitania desd ^ o anno iU 1597 atA o de 1772 c o
qae sobro as Minas do Brazil escreveu o nosso i Ilustre consócio
Pandiá Calogeras (1904).
(Xota da Comniis$ão de Redacção.)
Begime&to de que h* de xusar nas minas de São Paulo e Slo Vioente
do Estado do Brasil Salvador Corrêa de Sá e Benevides .
Eu El Rej faço saber aos que este meu alvará virem, que
ea mandei passar outro, em qainse de agosto, do anno de 603
sobre largar a meus vassallos as minas que nas partes do
Brazil bavia descobertas e por descobrir, e a forma e modo em
que na fobrica delias e seu descobrimento se havia de prooeder
do qual o treslado ho o seguinte:
Eu El Rej faço saber aos que este meu alvará virem que
eu sou informado que nas partes do Brazil são descobertas Ai-
giias minas de ouro e prata e que facilmente se poderão des-
. cobrir outras, e querendo nisso fazer graça e meroe a meus
vassallos e por outros Respeitos de meu servisso, Hey por bem
e me praz de largar as ditas minas aos descobridores delias
e que elles as possão benificiar e aproveitar a sua custa e des-
peza pagando a minha ftizenda o quinto somente de todo o ouro
e prata que das ditas minas se tirar salvo de todos os custos
depois dos ditos metaes serem fundidos e apurados e no descobri-
mento repartição e tudo o mais tocantes as ditas minas se guar-
dara o Rerimento seguinte ;
Qualquer pessoa que quiser descobrir minas se aprezentara
ao provedor delias que tenho ordenado que htya nas ditas par-
^ e lhe declarara como quer fazer o tal descobrimento e la-
vrar e tirar os metaes que nellas forem achados a sua própria
custa do que pagara o quinto forro de todas as despezas a
minha fazenda sem ella ter obrigação de lhe dar pêra isso oouza
algua de que se fará asento pelo escrivão do dito Provedor em
hum livro que pêra isso haverá asignado e numerado por elle
e em que a tal pessoa asinara, e com sertidão do dito asento
mando ao Governador do dito Estado, Cappitais das Cappltanias
delle Provedor mor de minha flizenda quaesquer outros ofllciaea
202 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
assy delia como da ju3tíQa que lhe deixem dosoobrir as ditas
minis e lhe de toda ainda e favor que pêra isso for necessário.
£ tanto que for descoberta algua mina se Registrara loj2:o
pello dito escrivão com todas as declarações e oonfrontaçoens ne-
cessárias ao pé do asento que devia fazer quando o descobridor
delia se apresentou ao Provedor das minas na maneira atras
declarada.
E depois de o discobrldor tirar metal da dita mina será
obrigado apareser com elle e a o manifestar ao Provedor pre-
sente sen escrivão dentro de trinta dias ; E por juramento que
lho será dado declarara como o dito metal de ouro on pratta
he da própria mina que tem registada e achandosse não ser
delia será castigado como for justiça o pagara todas as perdas e
dannos que se seguir em aquellas pessoas qae pedirem parte na
dita mina e sendo passados os trinta dias ditos sem fazerem a
dita roanifestaç&o do metal que tiver tirado não gozara do pre-
vilegio de descobridor salvo se alegar e justificar tal cauza •
empedimento ao Provedor porque pareça que deve ser Relevado.
Ao descobridor do beta do metal de ouro ou prata se lhe dará
nella huma mina de oitenta varas de comprido e quarenta de
largo medidas pela vara de cinoo palmos de que se uia neste
Reino e se lhe dará mais na mesma beta oHtra mina de sesenta
varas de comprido e trinta de largo em lugar apartado que elle
escolher. B a vendo porem entre bua e outra distanoia de duas
minas de sesenta varas eada hua e querendo o dito descobridor
on outra pessoa a quem se der Repartiçam e mina tomar mais
em largo que em comprido o poderão fttzer oomeseando de
hum em ontro e pelo dito modo se Repartirão as minas, entre as
pessoas qua na dita Betta desouberta as vierem pedir para
Delias trabalharem.
Conoorrendo duas ou mais pessoas no descobrimento de
algna mina o que primeiro achar e tirar delia metal se enten-
dera ser descobridor e gozara do privilegio ainda que outro
tenha primeiro buscado a dita mina e betta com tanto que o nfio
va tirar da beta que for seguindo.
E acontecendo que duas ou mais pessoas busquem a ditta
betta em divorsas partes e achem metal no mesmo dia sem se
poder abreguar quem o aohou e tirou primeiro aquelle sêrâ
REGIMENTO A SALVADOR CORRÊA 203
havido por descobridor que primeiro apareser com o dito metal
ante o Provedor e sendo ausente o manisfestara perante o juiz
da terra se o ouver e uão o hivendo perante duas pessoas dignas
de fé de que cobrara certidão para constar por ella ao prodedor
como elle foi o primeiro descobridor e se fará disso asento no
livro das minas.
O descobridor da mina poderá buscar e cavar toda a betta
que descobrir e tirar delia metal emquanto nfío ouver quem lhe
peça mina na mesma betta, mas avendo quem lhe pessa e que se
demarque a abalize será obrigado a dentro em quinze dias, es-
colher, signalar, e demarcar as suas oitenta varas em comprido
no lagar e parte que quiser, e depois de foi ta a dita escolha não
poderá varear nem f^zer outra e o que primeiro pedir a mina
e Repartição ao descobridor delia medira e demarcará a sua
mina dentro em dous dias e o mesmo farão os outros que susesi-
vãmente após ello a vierem pedir e não o fazendo alguns delles
aasy o seguinte em ordem poderá demarcar livremente sua mina
como se o outro que sé não quiz demarcar no dito tempo não
estivera diante e nenhuns dos sobreditos depois de ser feita
huma vez a sua demarcação poderá varear nem mudar os
marcos e balizas para outra parte sob pena de perder o direito
que na dita mina tiver.
As quarenta varas que ao descobridor se consedem e as
trinta aos mais que pedem minas e Repartição em largo e qua-
drada não serão obrigados a demaroalas até que haja quem
venha pedir minas repartição daquella parte e avendo quem
a pessa será o descobridor obrigado a demarcar a sua quadra no
mesmo termo de quinze diase os outros a quem for dado mina
dentro de três dias para a parte que quizerem sem poderem
varear do que hua vez escolherem e não se demarcando neste
termo o que pedir a demarcação poderá tomar e balizar sua
mina para a parte que mais quizer da beta descuberta deixando
ao descobridor vinte varas em largo e aos outros a quem forem
dadas minas quinze varas comtanto que o que assy se demarcar
e tomar mina descubra betta de novo na parte em que se
demarcar e a Registe.
E quando se pedir demarcação de quadra e largura da mina
do descobridor ou de outra pessoa a quem for dada será
204 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
demarcada a dita quadra por cortei direito fazendo quatro
cantos iguais e direitos e dentro ficara o estaca e sinal da sorte
que se deu pêra se cavar a mina.
As Balizas e marcos do que nestas demarcações se ha de
uzar para saber cada hum o que he seu, se^to de pedra ou terra
levaLtida bem amassada em altura de hum cavado de modo
que o tempo as nao desfaça o se possi sempre saber o que a
cada hum pertence os quais marcos se porã3 sendo prezeute o
Provedor e seu escrivão e o que assy o nâo fizer, perdera a mina
que lhe for dada para quem a pedir como que se fosse vaga.
E para que a medida das varas que cada hua a de haver
cm toda será sertã e igual onie a terra das minas for montuosa
e mais alta em hua parto que outra se porá hua vara ou lança
da altura que for necessário no lugar mais baixo da dita mina
e do alto da vara se deitara hum cordel do tamanho da medida
das varas que a mina a d ) ter e assy direito se medira até par-
to de sima da terra onde chogar o dito cordel e ahy se porá ou
baliza.
E se para se desmontarem o alimparem as minas for neces-
sário mudarense os marcos ou balizas delias o poderão fazer
sendo presente o Provedor e seu escrivão com as mais partes a
quem tocar as quais não querendo ser presentes sendo para isso
Requeridas se procedera na mudança dos ditos marcos as suas
Re verias.
E porque algumas vezes se pedem minas e demarcaçõis na
parte a quadra e largura das minas que ao descobridor e aos
mais se tem dado e medido com tensão de lhes empadir quo não
possão por aly dezemtulhar o que das suas minas sae e a essa
conta os avexão e obrigão a lhe pagarem e delxalos por aly dei-
tar seus entulhos ou lhe venderem suas quadras que he grande
prejuízo dos que lavram as ditas minas ; Hey por bem e mando
que o que vier pedir a tal demarcado das ditas minas seja
obrigado a dar em beta fixa do metal dentro de quarenta dias
do em que se lhe fizer a dita demarcado e não bastará achar
metal como muitas vezes se acoatesse no que o dito Provedor
fárà grande diligencia o não dando no dito tempo em beta fixa
do met'\l não poderá empedir e tolher ao outro dono da mina
lansar para a dita parte seu entulho mas se ao dito Provedor
REGIMENTO A SALVADOR CORRÊA 205
parecer por outros siaaea e experiências que aly ha beta fixa e
que por estar muito funda ou peila callidade da terra se lhe não
pode chegar nos ditos quarenta dias lhe dará mais algum para o
poder seguir e buscar a dita beta não passando de outros qua-
renta dias.
E para que aja mais pessoas que enteadão em descobrir e
lavrar minas aquelles a que nas minas descobertas for dado
sorte e Repartição a não poderão vender aos descobridores e
senhorios das minas principais antes de terem descuberto metal
fixo sob penna do compilador perder o preço que por ella dor e
o vendedor o direito que na dita mina tiver.
Se depois que se for cavando a mina em altura ouver deífe-
rença sobre a medida e pertença delia entre dous senhorios por
se não poderem dar os poucos direitos poderão os donos das mi-
nas que estam da parte de sima o da debaixo pedir hum ao
outro que lhe de igualdade e direitura para correr com a sua
obra o qual será obrigado a lha dar atravessando um pao na
boca da dita mina e atando no meio delle hum cordel com hum
chumbo o qual abaixara até onde se vay lavrando o metal e aly
onde o chumbo assentar se fará hum sinal estando prezentes as
partes o qual servirá de marco o daly pêra baixo se poderá hir
íkzendo o mesmo e as partes serão obrigadas a flsizelo quantas
vezes hum vizinho o pedir ao outro dentro em vinte e quatro
oras e não o comprindo assy dentro no dito termo o dono da
mina ou o que em ssu nome fizer a obra o Provedor fará a
dita medida a reveria da parte quo sendo requerida não quiz
es(ar prezente.
Tendo Algaa pessoa mais quantidade de varas das que lhe
são consedidas qualquer outra lhe poderá pedir as que tiver de
maise elle será obrigado a lhas largar dentro en dez dias esco-
lhendo primeiro a parte em que quizer que lhe fiquem as varas
que lhe forãó consedidas comtanto que sejão juntas e contíguas
o não apartadas em diferentes partes e dizendo que tem vendi-
do a dita demazia não será ouvido e o Provedor lha fará largar.
E o que pedir as ditas demazlas ou sejão de mais varas ou
de mais minas das que cada hum pode ter não terá mina
na mesma Beta nem ao derredor em distancia de lego a
e meia.
J
206 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Neohama pessoa poderá bussar minas e betas na repartição
de outrem conforme as varas que llie farão consedidas de com-
prido e largo sem primeiro lhe pedir que se d3marqu6 e Balize
em quadra da maneira asima dita e satisfeito poderá buscar
Beta dentro da sua repartição e não na alliea.
Sendo descoberta bota de que o descobridor se dera o privi-
legio que por a descobrir se lhe consede por este Regimento
e depois se descobrir e achar alguma beta Junto ao logar onde
a primeira se descobrio ou ao Redor delia por espaço de legoa e
meia o que achar a tal beta não poderá gozar do previlegio de-
descobridor como o primoiro somente poderá tomar nella huma
mina de sessenta varas em comprido e trinta em largo na
parte e lugar que delia escolher.
Qualquer pessoa poderá buscar e seguir mina em herdade
e terra alhea contanto que o que a achar e os que a lavrarem
dem âança a pagarem o danno que por resão da dita mina
vierâo dono da tal herdade.
Ninguém poderá ter mais que huma mina das ditas sessenta
varas deniro do termo de legoa e mela e poderá ter as ditas
varas repartidas nas betas que ouver na dita distancia não as
tendo primeiro escolhidas e tomadas em mina inteira na bet«
descobridora ou em outra salvo comprando algmna mina porquê
com titulo de compra poderá ter mais que huma e o mesmo
swa se vendendo a sua tomar outra mina na beta ou betas que
de novo se descobrirem.
Se dentro na dita distancia de legoa e mea se descobrirem
algumas betas de metal pobre poderá ter nellas huma mina o
que tiver outra na beta principal e Rica porque sendo de prata
custume he mesturar-se o metal pobre com o Rico para qae
na fundição corra o Rico e se derreta melhor e assy poderá
mais ter e lavrar todas as betas que se achar dentro nas suoui
quadras e marcas.
Qualquer beta que se dono for lavrando ou s^a a principal
ou a que a que depois achou em sua quadra e Reparti^ poderá
hir seguindo ainda que va entrando pelas quadras alheas sem
lhe poder S3r posto empedimeato al>rum até que a tal beta
que assy vay seguindo entre na beta principal ou quadra
aleha.
REGIMENTO A SALVADOR CORRÊA 207
Acliandosse bettas nas ilhargas da beta principal e estando
tão perto que os donos delias se não pu^^ão todos quadrar
em meio deixando a huma o outra parto espaço se possa deitar
entulho e terra que se tira das minas o da beta mais antiga
se quadrara e demarcara primeiro ainda que o não Requelrão
e estando algum dos ditos donos das minas ja demarcado não
poderá, variar nem demarcar-se para outra parte co:iio fica dito.
Yindosse huma beta ajuntar e encorporar em outra como
muitas vezes acontesse farçea companhia entre os donos que
lavrarem as ditas betas para que beneficiem e lavrem do meãs
e partao aproveitando a hum como ao outro ainda que hnma
das betas seja mais larga e prinsipal por ser de menos e con-
veniente partirse tudo entre elles por igual parte do que será
averiguar qual das betas he melhor e mais larga.
Os que ouverem de cavar minas primeiro que nellas metão
gente as assegurarão e desmontarão de moio que não aja pe-
rigo noB que nellas entrarem a trabalhar e não o fazendo assy
encorrerSo nas penas que por direito merecerem e pagarão
todo o dano que dahy rezultar as partes danificadas.
Cada pessoa no Repartimonto da sua mina fará caminho
en todas as betas que nelle se acharem para que se possa ver
e andar de humas minas em outras o para que esta obra se faça
como convém o Provedor com hum oficial mineiro pratico e
entendido entrarão nas ditas minas e verão como se lavrão e
seguiuo e se lhes fazom paredes e repairos necessários par
que não caião em prejuízo dos que nellas trabalhão e das
minas dos vizinhos. £ o dito Provedor obrigará com as pessoas
que lhe parecer a se fazerem os concertos que nisto forem ne-
E porque pode acontesser que o descobridor da beta por
cauza da sua pobreza não possa chegar ao metal e os outros que
nelle tem suas minas e repartiçõis não querem trabalhar nellas
ate verem o metal que o descobridor tira o que he contra meu
servisse e bem das mesmas partes, Hey por bem e mando que
todos os que na dita beti tiverem parte serão obrigados a dar
ajuda ao descobridor para cavar na sua mina ate altura de
dez braças pagando elle a quarta parte do gasto que nisso
so fizer e tanto qae elle chegar ao metal tao lhe poderão as
208 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
oairas partes pedir perante o Provedor das minas tudo o que
para a dita ajada lhe derão.
Se os que em algama mina tiverem repartição tem poeto
seus maroos e balizas na parte e lugar por onde a beta não
corre e vierem outros depois a registrar a mesma beta demar-*
cando-a e abalizando-^ por onde na verdade corre e descobrirem
a acharem nelia metal serão preíTeridos aos primeiros a que
as minas forão dadas não sendo elies os descobridores prinsi-
pais por quanto estes por rezão de seu privilegio podem tomar
a demarcar e balizar suas miacusasy o prinsipal de oitenta varas
como a sobre saltada de sesenta na parte e lugar por onde a
beta realmente corre e o mesmo poderá fazer qualquer outro
que descobrir bota dentro da distancia de logoa o meia a que
se dará somente huma mina do sesenta varas como fica
dito.
E porque das minas se não lavrarem nem estarem povoa-
das se seguira muito prejuízo a minha fazenda e dano a meus
vassallos ordeno e mando que se nãa dem senão a pessoas que
as hfigão de povoar e beneficiar as quais não as lavrando den-
tro de sincoenta dias depois de serem registadas se haverão as
ditas minas por perdidas e despovoadas e o mesmo se guardara
com os descobridores se dentro do dito termo depois de regis-
tadas minas não beneficiarem o para se ter huma mina por
povoada andarão nella contino dois escravos ou quatro traba-
lhadores ou por o dono dz mina ser pobre andara continua-
mente no dito trabalho.
Se algua pessoa pedir mina como despovoada e vaga por
serem passados os sincoenta dias sem nella se ftizer beneficio
algum o Provedor sitada o parte es^«ando em lugar certo onde
possa ser ou por éditos de trinta dias sendo auzente sem se saber
delle ouvira o que cada um hum alegar por sy e tomara emfor-
maçãodo estado em que a dita mina estiver e da causa porque
esta despovoada de que mand ira fo,zer autos em que pronunciar
o que conforme a este Regimento com justiça lhe parecer tendo
particular advertência em que não aja nisto conluio nem se
tome a mina por vaga do que a tem sem para isso aver causa
muy bastante e de sua pronunoiação poderão as partes appeiar
ou aggravítíP,
REGIMBNTO A SALVADOR CORRÊA 209
O que provido de mina por rezão do se aver por vaga e des-
povoada será obrigo dentro de três meses abrir nella altura
de seis bragas e estando ja aberta em a mesma altura doseis
braças abrira outras seis mais ao fundo sob pena de se perder a
dita mina e se dar por vaga a quem a pedir.
E porque podeaoontesser que o que tem Registado a mina
e demarcada a nfto poderá lavrar no tempo atras deolarado
por ÍUta de ferramenta ou de alga*» outra causa para isso ne.
cessaria o dito Provedor lhe poderá reíbrmar o tempo que lhe
parecer com respeito da qualidade e possibilidade da pessoa
não entrevindo nisso malida ou animo de dilatar.
Tendo huma pessoa duas minas em diversas partes e dis-
tancia de legoa e meia será obrigado a lavralas ambas sob pena
de se lhe poderem tomar por despovoadas ou aquella que não
lavrar salvo se huma for Rica e a outra pobre porque em tal
caso tendo povoada a mina Rica não se lhe poderá tomwr o pobre
do metal.
Tendo duas ou mais pessoas alguma mioa misticamente ou
por partir qualquer delias que a lavrar será insto &sollo
em nome de todos para que se não possa pedir por despovoada.
E porque o melhor lavor das minas he ouro e prata quando
as betas são fixas e ítmdas e nãose lavrarem nem cavarem a
pique senão em traves por ser assy a obra mais forte e mais
segura para as que nella trabalharem poderem chagar melhor
ao metal como a experiência tem mostrado em muitas partes do
Peru e nova espanha trabalharão quanto for possível os que
lavrarem minas de as abrirem só cavando as por baixo em
traves pêra o que poderão comessar a boca da tal socava donde
melhor lhes parecer ainda que seja longe das suas minas e
qualquer dono de mina descoberta será obrigado a dar entrada
ao da mina que estiver por cavar por tempo de sincoenta dias
que poderão bastar para pela dita socava se abrir hum poço
por bnde a dita mina se possa servir.
E antes de se comessar a socava se pedira ao provedor que
aslnale e demarque o caminho direito por onde se a de abrir
ató a mina e quando se delle trosser em prejuízo dalgum o
Provedor fará que a socava corra direita e que se satisfaça o
dano a pessoa que o Recebeo e entretanto que se trabalhar na
491 — 14 Tomo lx« p. i-
210 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
socava para chegar a mina não se poderá pedir nem tomar por
despoToada a dita mina continoandoBse porem sempre na obra
da dita socava sem entre vir nisso malicia nem simalaçam.
O que nas quadras das saas minas acliar algumas bettas
ou lUmos delias podelo ba seguir o lavrar e ter por suas assj
como a mina principal a que vay derlgido pella dita socava po-
rem Hâo poderá nas ditas bettas que ass/ descobrir lavrar mais
em larga nem em comprido que o que se contem na sua demar-
cado e quadra.
E sendo casso que buscandoese em a socava a mina e betta
principal se achem no caminho outras bettas princlpaes a que
assy as descobrir terá tanta parte nellas quanta paresser que
tem a betta a que vay deregido sem embargo de atras ficar
declarado que dentro de legoa e mea não possa hua pessoa ter
moitas minas o que não haverá lagar quando a beta que se
achar for já descoberta e Registrada ou alguma mina lavrada
porque então passa adiante com a socava deixando o metal ao
senhorio da ditta betta sem fazer maior caminho assy de alto
como de largo do que leva com a socava e avendo sobre isso
alguma duvida o Provedor vera tido com algumas pessoas pra-
ticas e entendidas e a determinara oomo lhe paresser justiça.
O Provedor asinara e demarcara a quadra e largura que
ha de levar a socana porque por ella se não possa abrir outra
sem pediremse huns aos outros querendo porem lavrar algua a
sua mina pella socava alhea será obrigada a lhe dar a quarta
parte do metal que tirar sem dolla descontar custo algum.
Ao que descobrir em quebrada seca ou com agoa se lhe
dará hnma mina como descobridor de sesenta varas em com-
prida o aos mais que vierem pedir se lhe darão de quarenta
varas susesl vãmente pella ordem que as pedirem. E porque nas
minas que se abrem em quebradas Regatos ou Rios caudais ordi-
nário he darse por quebrada tudo o que banha a agoa quo
nas quebradas he pouco Hey por bem que nellas se de de largo
as minas sois varas de cada parte pondo huma estaca ou baliza
no meio do Rio da agoa donde comessara a dita medida para
cada huma das partes.
O que descobrir mina ou Regato a tomara iior descobridor
de sesBQuta varas de comprido e o quo banhar o Regato em
tlEGIMENTO A SALVADOR CORRÊA 211
largo e poderaeha alargar pella vargea em campo seis varas
pella parte que quizer para por ahy enxugar e despejar a agoa
o qual despejo fará primeiro que tudo com a obra fixa e segara
buscando metal na sua mina ate chegar a pedra e não a fa-
zendo assy não poderá ter as ditas seis varas e quem quizer
lhas poderá tomar e o dito descobridor será obrigado a dar
minas e demarcar com quem lhas pedir as quaes serão de sin-
coenta varas em comprido e da mesma medida serâo as minas
sobresaltadas.
Se descobrir ouro em Rio caudal poderá o descobridor to-
mar huma mina de oitenta varas e aos mais se darão de se-
tenta varas e averão mais seis varas de largo para beneficio e
fabrico década mina,
O que descobrir ouro em vargeas, campos, seiTas, oiteiros,
fontes. Rios, quebradas o Regatos poderá tomar huma mina o
descobridor de trinta varas em quadra e os que depois pedirem
Repartição se dará mina de viate varas e cada hum e a estas
minas chamão menores e sendo curta a terra em que estas
minas se acharem o Provedor fiiça nellas repartição com demi*
nuição da medida conforme a gente que para ellas ouver para
que todos ajão sua parte e quinhão e o descobridor poderá so-
mente gosar da mina sobresaltada.
E porque nestas minas menores se evite os inconvenientes
de os mineiros dizerem cada ora que fazem novos descobrimen-
tos Hey por bem e mando que feito hum se não admita outro
de nenhuma parte da quebrada Rio ou campo onde se descobrir
dentro de meia legoa. .
O entulho e matto que se tirar e cortar para se lavrar as
minas se lansara em parte donde a corrente da agoa em que a
mina se lavra o não possão levar nem empedir o lavor e sem-
pre será dentro de quadra da mina de quem o tirar e avendo
nas ilhargas outras minas que o defendão farsea repairos de
terra e Rama que R ecolham o sustentem o dito entalho em
modo que a corrente da agoa a não possa levar e avendo entre
as partes sobre isso algumas duvidas o Provedor tomando o
pareser de pessoas entendidas e praticas as determinara.
Qualquer pessoa que buscar ouro em quebrada, Regato, Rio
caudal ou qualquer outra parte seguira a busca até dar na
212 RBVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
pedra porque de senão fazerem assy se siguíra não se desoo-
brir muitas vozes o ouro qae ss asenta na pedra e carando ate
chegar a ella se entendera que foi abjuacado e se escusara tra-
balhar se aiy mais em vão.
Nenhuma pessoa poderá tomar mina para lavrar en nome
do outrem nem como seu procurador e só o poderá fazer sendo
criado ou salariado para a lavrar em nome de quem a tiver
c quem ílzer o contrario perdera o direito que na dita
mina tiver e pagara sinooeota cruzados para aocuzador e
capptivos.
E para que as minas possão ser melhor beneficiadas o apro*
veitadas e se fazerem engenhos, cazas, asentos e mais couzas
necessárias os senhorios delias se poderão aproveitar de todas
as madeiras campos e Rossios de que se logriLo e uzão os mora-
dores da vi lia ou lugar em cujo limite estiverem sendo os tais
campos comuns e do conselho e não de Particulares e assy pode*
rão trazer nas defezas prados e campos públicos que estiveram
por todos asentos das minas todas as bestas gados que servirem
e forem necessários para beneficio delias e sendo em defezas par-
ticulares pagarão aos donos delias o pasto que se estimar e
avaliar sem lho poderem empedir e vedar.
B pello grande prejuízo que se seguira a se empedir o
lavor das minas Hey por bem que os donos delias não possão
ser presos por dividem emquanto uellas trabalharem nem penho-
rados nos escravos, ferramentas, mantimentos o mais pretextos
que para lavor e beneficio delias forem necessários e as justiças
a qu(^ p3r tecer farão que pagem elles suas dividas com o pro-
cedido e ganho quctivereni das ditas minas.
O Provedor terá particular cuidado de as vizitar as mais
vezes que poder ser com o seu escrivão para ver se estão lim-
pas e seguras e comessadas forttes se se lavrão sem prejuízo
de outras minas dos vezinhos e se se guardão nelias todo o oon-
theudo nesse Regimento paressendo lho necessário levar com*
sigo mala alguma pessoa pratica e entendida nesta matéria e
poderá fazer e não consentira aver nas ditas minas gente ostosa
e vadias e obrigara aos que andarem nelias para trabalhar que
comeífeito o facão e de outra maneira não as consentirá estarem
nellos.
REGIMENTO A SALVADOR CORRÊA 213
O Provedor thesoureiro e escrivão e quaisquer outros
officiais que forem das ditas minas não poderão ter parte nem
companhia nellas nem tratarão com metal algum por sy nem
por outrem sob penna de perdimento de sua fazenda e privação
de seus officios e na mesma penna de perda de sua fazenda
eneorrerão os que lhe derem parte ou tiverem companhia e
huns e outros serão wibarcados para o Reino e não poderão
tomar mais as ditas partes.
O Governador do dito Estado com parecer do Provedor
mor da fazenda e Provedor das minas o dos mestres da fundição
mandará fazer huma caza a custa do minha fazenda
no lugar que parecer mais acommodado assy por rezão do sitio
como de agoa e lenha para a fundição o qual vira todo o metal
de ouro e prata que das minas se tirar para nella se fundir e
tanto que entrar na dita caza se pezara perante o Provedor
thesoureiro e escrivão de que se fará acento em livro e depois
que for fimdldo e apurado se Registara ao pe do dito asento e se
marcara todo com as Minhas Armas Reais deste Reino e se fará
conta do que pertence a minha íleizenda pello quinto que a ella
se deve o qual se pagara logo no mesmo metal que se fundir e
se carregara em receita em ham livro que para isso haverá sobre
o thesoareiro pello escrivão do Provedor que Hcy por bem que
sirva tambemoom o dito thesoureiro emquanto eu não mandar o
contrario e se meterá em huma arca de três chaves das quais
terá huma o thesoureiro e outra ao escrivão e a terceira o Prove-
dor e sem estarem todos três prezentes se nãapoderaa dita Arca
abrir nem fechar e dentro delia estará a marca de minhas armas
com que todo o ouro e prata se a de marcar donde se não
tirara nem metera sem estarem prezentes todos os sobreditos
três officiais.
Os donos das minas podei^ ter suas marcas particulares
para marcarem o metal que lhes pertencer alem da marca que
a de ter das minhas armas como esta dito e por conta delles
farão todas as despegas que se fizerem na fundição do metal.
E nenhuma pessoa de qualquer sorte e condição que seja
poderá ter fora da caza da ftmdição vender, trazer, doar nem
embarcar para qualquer outra parte nietal algum de ouro e
prata que das ditas minas so tirar sem ser marcado com as
214 REVISTA DO INSTITUTO HISTORICX)
ditas minhaa armas da maneira assima declarada sob peaa de
morte o do perdi mento de sua fazenda as duas partes para
minha camará Real e a terça pà.rte para o aouzador.
Achandosse algum metal do ouro ou prata fora da caza
da fundição ou dentro nelia sem se lhe saber dono certo será
entregue ao thesoureiro e se lhe fará delle Receita por depozito
com todas as declarações necessárias e que com o thesourciro
asinara o Provedor para a todo o tempo se saber o que he e
se entregar a quem pertencer o a justiça mandar.
Terá o Provedor muita adrertencia em nâo consentir que
na caza da fundição entrem pessoas de sospeita e desnecessá-
rias nem que delia se tire fazenda alguma sem sua licença
para ver se tudo ostá na forma devida e ordenara que nisto aja
muita vigia e para esse effeito e para as mais diligencias que
forem necessárias em couzas tocantes as ditas, minas Hey por
bem que haja hum meirinho e três guardas a que o Provedor
dará ordem do que hão de fazer os qnais haverão de ser orde-
nado o que por outra provisão minha serã declarado.
Todas as duvidas que se moverem entre quaisquer partes
sobre as ditas minas ou couzas tocantes a ellas o Provedor as
determinara summariamente indo pessoalmente ver as couzas
sobre que forem as contendas nas quais lera alçada ate quantia
de sesenta mil rs. e passando delia para appellaçao e aggravo
para o provedor mor de minha fazenda do dito estado e porem
so a cauza for tal que impida ou possa impidir o lavor das
minas o dito Provedor para cumprir sua sentença sem em-
bargo de se ter apellado delia dando a parte em cujo favor for
dada fiança a tomar ou pagar tudo o em que a outra for me-
lhorada o nas contendas que não forem desta calidade se sobes*
tara até no cazo da appellaçao se dar anal determinação na
mor Alçada.
E porque convém muito a meu servisse hir se me dando
particular informação do descobrimento e lavor que se flzer
nas ditas minas e do proveito que delias se rezulta a minha
fazenda e aos descobridores delias encomendo e mando ao dito
Provedor que em cada hum anno ftiça fazer huma folha muito
distinta o declarada de tudo o que no tal anno for descoberto
nas minas e de todo o ouro e prata que delias se tirou e levçu
REGIMENTO A SALVADOR CORRÊA 215
a caza da fundição e qae' ficou em limpo depois de fundido e
quanto importou o que delie pertenceo a minha fazenda e quanto
as partes a qual folha será feita pello dito escrivão e assignada
pello Provedor e thesourolro e se a experiência do tempo for
mostrando que ha algumas couzas e que se deve prover assy
em mudar ou declarar as conthendas neste Regimento como
em acrescentar outras do novo o dito Provedor me avizara
delias para eu mandar o que ou ver por men servisse.
E porque atras neste Regimento se trata somente das
minas de ouro e prata sendo cazo que nas ditas partes se achem
algumas de que se tire cobre nelias haverá lugar o qae nelle
se contem com declaração que as pessoas que o tirarem serão
obrigadas a venderem a minha fazenda todo o que lhes ficar
depois de pagarem o quinto pelo preço que comumente valer e
avendo pescaria do pérolas quaisquer pessoas o poderão fazer
tendo para isso licença do dito provedor das quais pagarão o
quinto a minha fazenda e avendo eu por bem que as ditas pé-
rolas se tomem porá mi serão as partes obrigadas a vendellas
pello preço que vallerem a dinheiro ou por desconto dos di-
reitos deoutfas pérolas que pescarem.
Terá o governador Muito Particular cuidado de saber se o
Provedor das minas thesoureiro e escrivão e quaisquer outros
officiaes delias cumprem com as obrigações de seus cargos e
ílEkzem nelles o que devem e achando que o não fazem assy pro-
cedera contra os culpados como for justiça e me avizara iavian-
do*me os treslados de suas culpas.
E Mando ao dito Governador e a todos os offlciais das ditas
partes do Brazil assy da justiça como da fazenda que cumprâo e
guardem e fazam inteiramente cumprir e guardar este Regi-
mento o qual farão publicar nos lugares públicos delias para
que venha a noticia de todos e se Registara nos livros das co-
marcas das cappitanias e assy se Registara nos livros do meu
Conselho Ultramarino e Hey por bem que valha tenha força e
vigor como se fosse carta feita em meu nome por mim asina-
da e passada pella Ghancellaria posto que por olla não passe
sem enbargo das ordenaçõis que o contrario dispõem Manoel
Roiz o fez em Valhadolid a quinze dagosto de mil e seissentos
e três E cu o secretario Luis de Figueiredo o fis escrever.
216 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
E este Regimento se oumpriri tão inteiramente como
nelie se contem sem davida nem contradição algaa. Pasohoal
dAzeyedo o fez em Lisboa a z de Jnnho Bj"^ R i i i j. £ eu o
secretario António de Barros Caminha o íiz escreyer — Ray.
NOTICIAS
QUE DÁ AO P. M.* DIOOO SOARES O ALFERES JOSÉ PEIXOTO
DA SILVA BRAOA DO QUE PASSOU DA PRIMEIRA
BANDEIRA, QUE ENTROU AO DESCOBRIldENTO
DAS MINAS DOS GUAYASES ATÉ SAHIR DA CIDADE
DE BELÉM DO ORÃO-PARÂ
(Bib. Pub. Eboren$e — Cod. CV,)
Os documentos que se seguem até a pagina 909 constituem a
preciosa colleccão denominada de Diogo Soares. Consta do roteiros
de bandeirantes e sertanistas, recolhidos por aquolle opToso sacer-
dote da Companhia do Jesus, Como é sabido. Soares o Domingos
Cappací, também da Companhia de Jesus, vieram aoBrazil cm vir-
tude do Alvará do 18 de Novembro de 1739 com a missão de demar-
car terras, levantar plantas o proceder a trabalhos astronómicos,
etc. Para tal íira o Rei D, João V determinou aos diversos Gover-
nadores das Capitanias dessoui-lhes todo o apoio. Os referidos
documentos foram copiados por Varnhagen nos Archivos de Portu*
gal c a Revista os publica na ordem do Códice existente no Archivo
do Instituto.
{Xota da Com missão de Redacção, )
NOTICIA — !.• PRATICA
Que dá ao P. M®. Diogo Soares o Alferes José Peixoto da Silva
Braga, do que passou na Primeira Bandeira, que entrou ao
doBcobrimento das Minas do Guayses até sahir na Cidade de
Belem do Grâo-Par&.
Sahi da Cidade de S. Paulo a três de Julho de 1723 em
companhia do Capitão Bartholomeu Bueno da Silva, o Anhan-
guera de alcunha, que era o cabo da Tropa com 39 cavallos,
dois Religiosos Bentos, Fr, António da Conceição, e Frei Luiz
de SanfAnna, um Franciscano Fr. Cusme de Santo André, e 152
armas, entre as quaes ião também 20 Índios, que o Sr. Rodrigo
Cezar, General que então era de S. Paulo deu ao cabo Bar-
tholomeu Bueno, para a conducção das cargas e necessário.
Doa brancos quasi todos erão filhos de Portugal, um da Bahia,
e cinco ou aeis Paulistas com os seus índios, e negros c todos á
Bua custa.
2.— Passado o Rio Theató fomos pousar neste dia junto ao
matto do Jundiahy, quatro legoas distante da Cidade de
S. Paulo ; na manhaã seguinte entramos no Matto, e gastámos
nelle quatro dias. Sabidos do Matto passámos o Rio Mogy,
que he rio de canoa, e muito peixe tem, e dá mostras de ouro,
mas com pouca conta ; aqui falhamos um dia, e no seguinte,
marchando sempre ao Norte, demos com um rio também de
Canoa, a que posemos o nome
e nelle pousamos esta noite. E' o caminlio todo campo
com alguns capões de mattos, bons pastos e bastantes
agoadas.
3.— No dia seguinte passamos o rio em um váo com agoa
pelos peitos, e fomos pousar no meio do campo distanoia de
três para quatro legoas ; 6 todo bom caminho, bons pastos,
• muita caça, e tem alguns Córregos com bastante peixe.
220 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Desbe ponto fomos dormir distancia de quatro legoas Janto a
um Córrego, que entra como os mais do Rio Qrande. Daqui
passámos no outro dia a fazer pouso nas margens de um riacho,
que passámos na manhaã seguinte encostados a uns p&os,
e presos com uns cipós para vencermos a muita violência
e grande força d*agoa, com que corria. Neste pouso falhámos
um dia, sendo a causa o requerer toda a Tropa a Anhanguera,
lhe âzesse a resenha que lhe tinha promettido antes fazer
em Mogy, e a que tinha já faltado, flsousou-se este com a
promessa, de que em chegando o Capitão João Leite da Silva
Ortiz, seu Genro, que nos tinha ficado atraz, e era o oulro
descobridor, a faria, e caso, que este não chegasse a tempo
competente, a fsiria elle cabo no Rio Grande.
4.— Com esta esperança marchou toda a Tropa, sete dias ou
oito dias, sempre por campos, e mattos grossos, e pousando
sempre á beira de Córregos, e rios : não faltou em todos elles
caga e peixe. Deste ultimo pouso fomos ao Rio Grande,
passamo-lo em canoas feitas de páos de samauma depois de
dormirmos; e falharmos nelle dois dias, esperando se nos
fizesse a resenha promettida, mas faltou como sempre, o Anhan-
guera. Partio deste sitio toda a Tropa ainda junta, mas já
desconfiada, e foi dormir distancia de quatro legoas junto a
um Córrego, que desagoa no Rio Grande. Aqui nos começou
a faltar o mantimento, e assim nos foi preciso marchar cinco
dias passando com o que dava a espingarda, pássaros, macacos,
palmitos, e algum mel.
5.— No fim destes cinco dias chegámos ao rio das Yelhas,que
entra no Rio Grande, é caudeloso, tem bastante peixe, mas sem
mostras de ouro. Falhámos nelle dois dias, pescando, e
caçando por ter bons mattos, e para provimento da viagem.
Aqui nos deixou o Anhanguera adiantando-se com parte de
tropa, ficando a mais expedindo-se para o seguir. Neste tempo
e ausente já o cabo, chegou João Leite com a sua gente, por
cuga causa fiilh&mos mais esse dia. No seguinte seguimos com
João Leite ao Anhanguera, e depois de quatro dias de marcha
o achámos oom ranchos feito entre o matto, passámos do ca-
minho alguns córregos, que nos permittit^o o vadealos por
3er tempo de seca*
NOTICIA — 1.* PRATICA 221
6.— Avistada a Tropa com o cabo lhe pedio João Leite,
que fizesse a resenha promettida taatas vezes não só em
8. Paulo, mas no Certão, porque avia desconfiada, e temia se
malojiri^a-âse por esta causa a empreza que ambos tinhão offe-
recido não 86 ao General Rodrigo Gezar, mas ao mesmo
Soberano. Respondeu-lhes que a resenha era escusada, porqua
os Amboabas, assim phamão aos Reynoes, não era gente que
lho merecesse. Com esta resposta desconfiados não só os
Amboabas, mas ainda os poucos Paulistas, que nos acompa^
nhavão, determinarão voltar-se logo para S. Paulo, mas
aòudindo a isto João Leite, os obrigou oom rogos, e com
promessas, e muito mais com o seu natural agrado, a que o
não desamparassem.
7.~Reduzida a Tropa se poz em marcha depois de quinze
dias do falhas, que se gastaram nestas desordens, como também
em fazer algum provimento do que permettia o matto, e como
este não era muito, nem todos tinhão quem lhe caçasse,
obrigou a alguns a matarem, e comerem um cavallo que tinha
quebrado uma perna, e eu fui um dos que nos aproveitamos
delia. Aqui quisemos falhar mais alguns dias por entrarem
Já as agoas, e temer-mos não só os rios, e córregos, mas a
falta de mattos, e com ella o necessário, e preciso para o sus*
tento. Resolveu porem o cabo a marchar em ódio dos Am-
boabas de quem era o voto. Seguio a tropa, e fomos dormir
nesse dia Junto de um córrego, que tinha algum peixe com
melhores pastos, e bastante matto. Aqui desconfiámos de todo
persuadidos, que o Anhanguera, nos queria acabar no meio
daquelles mattos, e alguns houve que se resolvião a ficar,
lançando rossas, e plantando alguns poucos pratos de milho,
que tinhão ainda para o seu sustento : mas o Capitão JdU)
Leite, os tornou de novo a animar, o reduzir a que passassem
avante como passai^.
8.— Passados alguns dias de marchas, e nelles alguns rios,
e Córregos com assaz tmbalho, e perigo, por serem as agoas
muitas, e maior a fome, nos fomos arranchar perto da meia
ponte. £* a Meia Ponte um rio caudeloso, tem bastante peixe,
bons pastos e muito matto. Passado este rio em umas pe-
quenas Canoas, que fizemos de cascas de arvores, fomos dormir
222 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
na outra banda do rio» que nos hospedou toda a noite com
uma formosa trovoada, que durou até a manhaã seguinte com
tanta agoa, que não nos deu logar a podermos faser ranchos,
e por isso me vaii de uma tolda, que tinha comigo. Da Meia
Ponte distancia de dois dias de viagem se deixou flcar Fr. An*
tonio com animo de lançar rossa com des negros, um sea
sobrinho, e um mulato, com outro branco Paulista* que com»
sigo tinha. Sen tio toda a Tropa naquella noite a falta do
dito Religioso, deu-se parte ao Anhanguera, mandoa-o este
persuadir a que voltasse e marchasse adiante, como faiiSo
os mais. Mas teve por resposta vista que, a falsidade que S. M"**.
tinha asado com todos, faltando a tudo, o que lhes tinha pro-
mettido em S. Paulo, lhe nâo era possível o pode-lo acom-
panhar, que elle determinava plantar algum milho, com que
se podasse recolher a Povoado.
9. ^Desenganado o Anhanguera, marchou com a mais tropa
e julgando, que indo sempre ao Norte, como até ali tinha feito,
lhe ficavam jáatraz oa.Guayazes, que procurava, mudou de
rumo, e seguio a Nordeste 4'' do Norte.
Passar&o de cento e tantas léguas, as que andamos a este
rumo sem mais sustento, que o que dava o matto, e esse
pouco. Nestes dias lhe fugirão ao cabo oito Índios dos seus»
publicando primeiro todos, que iamoe errados, porque os Quaya-
zes nos flcavfto já atraz. Destes índios forão apanhados depois
de alguns dias só três, que trouxe presos João Leite, que se
expedio a buscal-os com dois negros e quatro brancos : trouxe
também nesta volta comsigo a Frei António, que nos ficava
distante perto de oitenta iegoas : mas ainda que veio Frei An-
tónio, nem por isso desamparou a sua rossa, porque deixou
nella o sobrinho comquasi todos os negros. Nesta occasiio de-
mos em uSs grandes chapadas íkltas de todo o neceesario, sem
mattos, nemmantimentoB, só sim com bastantes córregos, em
que havia algum peixe, dourados, trayras, e upiabas, que forão
todo o nosso remédio, achamos também algum palmito, do que
chamão jaguaroba, que comíamos assado, e ainda que é amar*
goeo sustenta mais, que os mais.
Aqui nos começou agente a desfliillecer de todo: morreriLo*
nos quarenta e tantas pessoas entre brancos e negros, ao
NOTICIA — 1.* PRATICA 223
desamparo, e o eu ficar oom vida o devo ao meu cavallo, que
para me montar nelle pela nimia ík^aqueza» em que me achara,
me era preciso o lauçar^me primeiro nelle de braços leTantado
sobre o primeiro copim que encontrava.
10.-*Vendo-se o Cabo nessa miséria, e temendo a falta, e
mortandade de gente, e muito mais considerando o erro que
tinha dado no rumo que entfto seguia, se valeu do Ceo, e foi a
primeira vez que o vi lembrar-^ de Deos, promettendo, 6
fazendo varias novenas a Santo António para que nos deparasse
algum gentio, que conquistado, nos valêssemos dos mantimen-
tos que lhe achássemos, para remédio da fome, que padecia*
mos. Passados quinze dias com bastante moléstia, e trabalho,
demos em uma picada nos mesmos campos, seguimol-a nove
dias, achando nella alguns ranchos feitos de pâu e ramo8«
com alguns grSíosde milho, já nascidos: no fim destes nove diaâ
chegamos a uma Serra, cujas vertentes desagoão para o Norte,
e lançando adiante quatro índias a farejar o gentio os seguimos
ires dias de viagem. Éramos só dezeseis com o Cabo, porque a
mais tropa, e bagagem a deixamos atraz oom os doentes.
Na noite do terceiro dia avistámos as rancharias do Gentio,
e seus fogos : embosoamo-nos no matto para lhe dar-mos na
madrugada, mas sendo sentidos dos cachorros, que tinhfto mui«
tos, e bons, quando os avançámos, nos receberam com os seus
arcos e frechas.
11.— Náo demos um só tiro por o*rdem d o Cabo, de que
resultou o fugir-nos quasl todo o gentio, o envestif um deiles
ao sobrinho do Cabo com tal animo, que lançando^ihe a mão á
rédea do oavailo lhe tirou a espingarda da máo, e da cinta o
traçado, e dando-lhe com ella um famoso golpe em um dos
hombros, e outro no braço esquerdo, fngio levando-lhe comsigo
as armas. Desembaraçado do Tapuia o Paulista correu sobre
elle sem mais effeito, que recuperar a espingarda que lhe
largou o Tapuia, retirando-se oom o traçado.
Nesta mesma occasiáo outro Tapuia em uma das suas por-
tas ferio levemente no peito com uma ft!echa a um Francisco
Carvalho de Lordelo, e acodindo outro lhe deu na cabeça oom
um porrete de que cahlo logo, eahindo*lhe dou outra porretada
outro Tapuia, que appareceu denovo, deixando-o já por morto.
224 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
E* para admirar, que em todo este oonâicto nSo fizeasè
ao(^ alguma mais o noaso Cabo, que o andar sempre ao longe,
gritando, e requerendo-nos, que atirássemos só ao vento por
não atemorisar o gentio.
Foi Deus servido levar-mos os ranchos chovendo sobre nós
as fireohas, e os porretes.
12.— Retirario-se para o matto os Tapuias, mas sem nunca
no8 perderem de vista, e tanto, que querendo darmos sepul-
tura ao Carvalho persuadidos, a que estaria morto, procuraram
em duas avançadas que nos derâo, o tira-lo e oomô-lo, e ven-
do-se rebatidos nos pedirão por acenos lhe déssemos ao menos
a metade para a comerem, por ser diversa a língua da geral.
Retirado o dito Francisco de Carvalho, o achamos com a boca,
narizes, e feridas cheias de bichos, mas vendo que lhe palpitava
ainda o coragfto, e que tinha outros mais signaes de vida, o
recolhemos na rancharia, curando-lhe as feridas com ourina, e
ftimo, e sangrando-o com a ponta de uma faca, por não termos
melhor lanceta : aproveitou tanto a cura, que o Carvalho pela
noite tornou em si, abrio os olhos, mas não pôde ftillar, senão
no dia seguinte : o regimento que teve, não passou d'um
pouco de angu, e algumas batatas, das que achámos nas ran«
charlas.
13.— Em todo esse tempo nos não deixou o gentio, perse-
guindo-no8 os negros, que nos ião conduzir algumas batatas de
vinte e cinco batataes que tinhio grandes, e exoellentes no
gosto : destes negros nos mataram um, e um cavallo, o que
visto pelo Cabo se fez forte em um dos ranchos, que lhe pare-
ceu melhor, mandando recolher todo o milho, que se achou, a
um payol, a que poz guardas, como o fez também a sete ín-
dios, que cativámos, mandando-lhe lançar a todoe suas corren-
tes, ezcetuando um indio torto, também cativo, a que ao depois
deu liberdade. Recolhido no seu rancho o Anhanguera mandou
logo buscar os doentes, e mais bagagem.
Neste tempo se tinha humauisado Já mais o gentio, busoan-
do-nos, e servindo-nos sem arco e frecha, e admirando moito as
nossas armas. Oífereoerão-nos paus, trazendo-nosem um destes
dias dezeseís india^ ainda moças, muito claras e bem feitas,
Aio éramos mais os brancos, em slgaal de amizade. Repugnou
NOTiaA — 1.* PRATICA 225
O Cabo a aceita-las, contradizendo todos os mais companheiros,
c eu fai o que mais o persuadia a aceita-las, dizendo-lhe, que
na consideração de sermos tão poucos, e estes fracos, e mortos
de fome, e muito o gentio o não esoandalisassemos, e que postas
em guarda as ditas índias com as mais, que se achavão já prezas,
podíamos facilmente cathequisar a todo o mais gentio, não só a
ajuste das pazes, mas a darem-nos alguns, que nos ensinassem
o verdadeiro caminho dos Quayases. Mas a nada disto se mo-
yen o Anhanguera com a ambição de querer para si todo o
gentio, motivo, porque escusou sempre a resenha, e porquê
desconfiado o gentio desapareceu logo no outro dia : temeroso,
que ao entrar nova ^ente nas rancharias, erão os doentes,
e bagagens, os queríamos matar para os comermos a todos;
assim no-lo certiâcarão as índias, que se achavão entre nós.
Desesperado o Cabo com a ausência do Gentio, largou o torto
com algumas iácas, tesouras, e outras galanterias, para que as
persuadisse a voltar, mas o torto foi, e nunca mais o vimos.
14— Chama-se este Gentio Quirizá, vive aldeiado, usa de
arco, frecha, e porrete, é muito claro, e bem feito; anda todo nu,
assim homens como mulheres. Tinhão 19 ranchos todos re«
doudos, bastantemente altos, e coberto de palmito, com. uns
buracos juntos ao chão em logar do portas ; em cada um destes
vivião 20 e 30. cazaes juntos, as camas erão uns cestos de bu-
ritis, que lhes servião de colchão, e cobertor ; erão pouco mais
de 600 almas; estava situada toda esta aldeia, junto d*um
grande córrego com bastante peixe, e bom:— no 2<> dia, que
marchamos a busca-la, encontrámos um rio caudaloso, em que
havia muito peixes cayjus, palmito, e muita e grande caça^
que nos sérvio de muito. Nesta aldeia achamos 200 mãos de
milho, vinte e cinco batataes, muitas araras, e também alguns
periquitos, que nos servião de sustento, e de regalo : tinhão
também bastante copia de cabaços, e panelas, e uma grande
multidão de cães, que matarão quando fugirão, e se retiram de
todo, só afim de não serem sentidos das nossas armas, como
experimantámos depois nas Bandeiras, que se lançaram-a
espia-los .
15— Aqui nos detivemos três mezes sem nelles nos dá o cabo
milho nenhum* reservando-K) todo para si só, e para a sua
491 — 15 Tomo lxix p. i.
226 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
comitiva, desculpando esta sua tiraunia com dizer-Dos lhe era
preciso para as Bandeiras, que havia de lançar, mas supposto
lançou duas, nem por isso foi muito o milho, de que os proveu ;
não faltou este, nem farinhas aos seus cavallos, e a sua comi-
tiva. Bu só tive a fortuna de me darem 17 espigas, e se tive
mais algum milho o devo ao trabalho, c perigo, com que o
recolhi das rossas, quo tinha deixado, o gentio de reAigo ;
assim o íizerão todos os mais não se isentando do mesmo tra-
balho ainda os religiosos, porque se o quiaerão, o carregarão,
e tirarâo por suas próprias mãos, escoltados sempre de outros
por medo do gentio. Antes do nos ausentarmos nos fugiram
quatro doa índios, que o Cabo tinha prezas, e nuuca mais so
virão.
16— Na demora que azemos n^sta aldeia, vendo toda a Tropa
que o Cabo sobre faltar a resenha tantas vezes promettida.
tinha a culpa de perdermos o gentio, se amotinou, e tanto que
se resolveram dois bastardos e um mulato Mamaluco com alguns
Paulistas a querer-lhe tirar a vida, e levantar a seu irmão
Simão Bneno por cabo, por ser de melhor, e mais dócil con-
dição. Eu que soubo a sua resolução, não obstante o não mo
merecer o Anhanguera, fiz todo o possível pelos dissuadir de
aimilhante intento, insinuando -lhe o muito que devião a João -
Leite. Dissuadidos os Bastardos, e seus sequazes, seguimos
viagem costeando o córrego da ranoharia, ou aldeia, ató dar-mos
em um rio, que fomos costeando também pela parte do norte
a buscar nuvo gentio, que nos podesse ensinar o caminho dos
Gnayases. Nestas marchas gastámos 76 dias, andando dois delles
sem achar agoa, de sorte, que quando chegámos ás margens
d*um rio, foi tal a alegria em nós, que cobrámos nova
alma, e tanto, que nem os cavallos havia que os tirasse da agoa
por mais pancadas que para isso lhe da vão. Aqui falhámos 12
ou 15 dias, esperando por João Leite, que nos tinha ficado atras
em busca das índias, e não chegava.
17— Neste sitio ouvindo dizer ao cabo nos licava já perto o
Maranhão me resolvi a deixa-lo, e rodar rio abaixo buscando
alguma terra já povoada, por não perecer a fome e sede no
meio daquelles mattos. Seguirão*me três camaradas, que forão
José Alves, Francisco de Carvalho, seu irmão, Manoel de Oliveira,
NOTICIA — 1,* PRATICA 22t
Paulista, 6 João da Matta« filho da Bahia, ainda rapaz. Jozô
Alves, com um negro, e uma negra, sen irmão com um só
negro, eu com ires, e um mulato, que forão todas as peças,
que nos escaparam da viagem do Anhanguera, entrando eu com
seis n^ros, e o mulato, o Alves com cinco, e o irmão com três.
Repugnou o cabo a que sahissem comigo os dois irmãos sem que
primeiro lhe satisâzessem quarenta e seis mil róis, que devião
o João Leite, que jã era chegado com Frei António, paguei por
elles, porque lhe não vi outro remédio. Porem João Leite ven-
do-me ausentar insistiu, e com elle Frei António quanto lhe foi
possível, a que não cm desamparássemos ; mas as insolências do
cabo que dizia publicamente havia de enforcar aos Amboabas,
me obriganLo a dar gosto a João Leite, e a Frei António. O
certo era, que o Anhaguera tinha passado ordem a um dos seus
Tapuias para matar ao Alves por uma bem leve causa, o peior,
foi, que vendo o mesmo Anhanguera, que eu o deixava, me
catheqoisou um negro bom matteiro, chamado Pascoal, e o
deixou ficar comsigo. Vendo-me sem elie voltei ao sitio do
cabo distancia de meia legoa, rogando-lhe me restituísse o
negro ; respondeu-me que o negro não estava em seu poder,
' nem sabia delle* Fiz então procuração a Frei António para que
o tomasse a si, e me remettesse o procedido delle, caso que
o vendesse, a minha mulher Leonarda Peixota, & Cidade de
Braga. Soube João Leite, desta procuração, e estranhando esta
aoção de seu sogro, me mandou offerecer um moleque por
Estevão Maçaste Franoez, em logar do negro, que aceitei logo
por ser preciso mais gente para remar nas canoas ; publicando
neste tempo o cabo, que j& que nos iamos, e o deixávamos,
morreríamos naqaelles rios, e maitos, por nosso próprio gosto,
sendo que melhor seria o matar-nos, que o deixar- nos pe-
recer entre as agoas ; não duvido que nos quizesse herdar os
negros, como tinha feito a todos os mais sócios.
18 — Feitafl duas canoas, e dado o meu cavallo a Frei Luiz,
para m*o dizer em missas a N. S.^ da Boa Viagem, por lhe ter
morrido o seu— rodamos rio abaixo pelo interesse do peixe, e
oaga, que era muita; passados oito dias de prospera viagem dêmos
na barra d'outro Rio, que vinhão da mão direita, e terras de
Portugal, tão grande, como o porque rodávamos; passada esta
228 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
barra, e dopois do quatro dias avistámos outra barra d*um rio
mais pequeno, quo viaha da mesma parte direita, e desta a 15
ou ^ dias, buscando sempre o Norte, que ora o rumo a quo
corria o nosso, dêmos em outro rio maior, que vinha da parte
esquerda, em que achámos com as cheias innumeraveis jan-
gadas feitas de buritis, que tinhão rodado com ellas signal de
haver gentio perto. Navegámos adiante, e depois de oinco ou seis
dias avistámos alguns recifes de pedras, e náo poucas ca-
choeiras, que passámos junto á terra da parte direita, cirgando
as canoas por entre os penedos, mas não com tanta cautela,
que não topasse uma em uma pedra, e aê partisse pelo meio.
perdendo nella duas canastras com ropas, ouro, e prata, tachos,
espingardas, traçados, ansoes, linhas, e outros trastes neces-
sários no sertão, e que nello se precisão ; entre estes foi mais
sensível a perda a d'um pacote de chumbo com duas arrobas,
escapando outro com o mesmo numero, e um pequeno barril
de pólvora, que veio boyando acima ; escaparam também três
espingardas de oito que trazíamos, o tudo o mais se perdeu.
19 — Passado este perigo fomos na outra canoa buscar a
parte esquerda por baixo da cachoeira, onde o rio fazia re-
manco com umaexccllonte praia : nella matámos dois porcos,
que nos servirão de matalotaoro para a viagem, o fizemos de
novo outra Canoa com tros machados, e duas enx6s, que tam-
bém nos escaparam, vertendo sangue as mãos por ser de tam-
boril duríssimo o pàu de que a Azemos, gastámos na sua fa-
brica 12 dias abrigados á sombra daquelles mattos, e como
pordemos os ansoes, e linhas, perdemos também gosto ao peixe,
e nos valiamos do palmito bocajuba, que depois de esfolado, o
feito em uns pequenos pedaços secávamos ao fogo, e seoo o
socavamos em uma pedra, e o oomiamos em mingáos, servin-
do-nos de tacho ou panella uma pequena bacia de arame, que
também nos escapou. Feita a Canoa seguimos* nossa derrota,
e passados tros dias de viagem dêmos com um pàu cortado na
beira do mesmo i*io : abordamos as Canoas a expiar algum
maeaco pai*a comer-mos e matar-mos a fome, que éra já muita
quando descobrimos um arraial de gentio pouco menos distante
que um ou dois tiros de espingarda ; era o arraial grande, e
teria mai9 de trinta ou quarenta ranchos redondos* Visto nos
NOTICIA — !.• PRATICA 229
tornámos logo a embarcar, fbgindo a todo o remar por não
sermos sentidos delles, e tanto qae fomos dormir distancia da
qaatro ou cinco legaas rio abaixo, arrancliando-nos no matto
da parte esquerda, onde achámos algum palmito Indayá»
maa foi tal a perseguição dos morcegos nessa noite, que sobre
nos tirarem o somno, nos cuatou muito a livrar delles ; por-
que como vínhamos Já nús, tanto, que fechávamos os olhos, se
prega vão logo em nós, e nos sangra v2lo de sorte, que acordá-
vamos banhados todos em sangue, motivo porque desampa-
rámos mais cedo do que queríamos aquelle sitio.
20 — Daqui rodámos rio abaixo e demos em um junipa-
peiro, com cuja fruta nos regalamos dois dias, e no flm destes
eomo a fome era muita entramos pelas sementes das ditas
frutas ; mas estas nos poserão em tal estado, e impedirão de
tal sorte o curso, que nos considerámos mortos, valemo-nos
d'uos pequenos paus, e com elles em logar de cristel obrigámos
a natureza a alguma evacuação. Falhamos neste ponto 4 ou 5
dias, que gastámos em buscar alguma caça para comer-mos, e
para que nos não fiiltasse também o peixe, Hzomos do virote
d*uma espada, que cortámos a enxó, um formoso ansol, e agu-
sado com uma pedra tirámos bastante peixe, servindo-nos de
linha um pouco de ambó, era o peixe exoellente, muito, e
grande, e tanto como o do mar : matámos também aqui muitos
barbados que postos de moquem, nos serviram de nova matalo-
tagem para o oaminho— Caminhámos rio abaixo e depois d*alguns
dias nós quebrou a outra Canoa em uma pedra, que estava na
beira d'nma grande correntesa, em que demos, aqui se nos aca-
bou de perder tudo, e eu como não sabia nadar, me peguei á
mesma Ganóa, valendo-me d*um cipó, com que me atei a ella e
ítai sahir em um recife de pedras : peior succedeu a um dos
meus negros, que rodou pela cachoeira abaixo mais de dois ou
três tiros de espingarda levado da correnteza da agoa, e
quando o supúnhamos já morto o achámos sentado sobre um
grande penedo, que havia no meio do rio, tinha este um quarto
bom de legoa de largo. Perdemos também aqui o nosso esti-
mado ansol, que nos roubou um formoso e grande peixe, e
assim ficámos só a palmito e janipapo, e esses quando os
ochâTamos.
230 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
21 —Neste pooBo concertámos a Canoa, e, rodando pelo
rio mais de quinze dias abaixo nos vimos obrigados em todos
elles a domir-mos nas soas Ilhas, que erão muitas, enterradas
na areia por medo do gentio, que era InnumeraTel, e o mais 6
sem poder-mos dar um só tiro, para remédio da fome, que nSo
era pouca. Aqui vimos varias barras d'oatros rios pequenos,
que d^uma e d'outra parte se mettião no em qne rodávamos :
passadas estas descobrimos a poucas legoas a barra d 'ura
grande rio, que vinha da mão direita, dormimos essa noite entre
uma e outra barra, mas sahindo na manhaS seguinte costeando
o rio pela mesma parte direita, pela eztraordiaaria largura,
que aqui tinha, dêmos com um grande palmital, e nelle com
três gentios Junto á praia, pegou um dos companheiros na es«
pingarda, tirou a um, e ferio^o, ferido aoudio logo todo o mais
gentio, que andava ao Corredio, {Sic) dando taes urros, e to-
cando tfto horríveis tararacas, que parecia se nos abrira naquelle
sitio o iaferno, valeu-nos n^ ter este gentio de Canoa, atra-
vessámos logo o rio, fugindo quanto então nos (bt possivel;
aqui nos vimos perdidos novamente porque as ondas, e mar-
retas ei^o taes, ao atravessar da corrente, que tememos muito
nos submergissem, chegámos bem cauçados, e quasi mortos a
uma Ilha, e prendendo as Canoas em uma das suas pontas nos
ÍOmos arranohar na outra enterraodo-nos na areia para evitar
o gentio se viesse sobre nós.
S2 — Passado este susto, depois de dois dias de viagem sem
mais sustento, que o dos coquinhos, que nos davão alguns pal-
mitos, com algum palmito indaia, onde se achava» dêmos em
um outro novo perigo, topando no meio do rio com um redfe
de pedras, em que a minha Canoa se vio perdida, porque sabida
das pedras deu em um Juplá, aonde depois de 17 ou 18 voltas, que
nelle deu a mesma violência d*agoa, alançon fora : a outra
tomou melhor caminho foi encostada á terra, e passou sem susto:
dormimos esta aoite na beira do mesmo rio janto a um matto,
com não menos fome, e chuva que foi muita e durou toda a
noite. Passados dois dias de viagem matamos uma anta mas
tão magra, que por tal nos esperou um tiro, de que cahio, e
mal assada se comeu : nessa noite dámoi em trilha de brancos
com que cobrámos sem duvida novos alentos : e vimos entrar
NOTICIA — 1.* PRATICA 281
no nosso da parte esqnerda um rio, que ao depois soubemos ser
o Aragoay, e o porque navegávamos o Tooátis* Seguimos a
dita trilha por ser esta sempre a beira do rio, e dando dahi a
três dias com oito ilhas, nos vimos perplexos por não saber-
mos o Canal, que seguiríamos, buscámos então a terra, e junto
a ella, e d'nns penedos quizemos varar as canoas, e não pode-
mos pela pouca agoa que ali havia.
23 * Falhamos aqui qnatro dias buscando algum palmito,
ou caça, que era pouca, e como a fome era mais, mandei ao
meu mulato a matar alguma coisa para comer; voltou este
sem nada, mas só com o seguro de ter achado picada certa de
branco, peguei da espingarda, e assim nú, como estava, segui
a dita picada, acompanhado só do Paulista, e a menos de
quarto de legoas avistámos uma Missão dos R. R. P. P* da Com-
panhia que formava de novo. Vendo-nos um dos Padres nds, e
com armas, fugio logo, e deu aviso ao mais persuadido que era
Gentio Manas, que também usa de armas de fogo pelo eommer-
cio qne tem com os Hollandezes, e são nossos inimigos. Acudio
promptamente o Capitão mór, que se achava entre os
Padres, com toda a sua soldadesca armada, e tocando caixas ;
aoudião também os indios com os seus arcos, e frechas : lan-
çando em terra as armas, e batendo as palmas em signal de paz
nos veio buscar logo o R. P. Marcos Coelho, que era o superior
da Missão, e vendo que éramos Portagaezes nos levou oomsigo
com extraordinária alegria e amor, e ouvindo-nos contar o
que tínhamos padecido não podia reter as lagrimas, e assim
sabendo, que tínhamos mais oompanheiros os mandou logo
boflcar pelos seus Índios em uma das suas Canoas, e chegados
por não haver na pequena Capeila outro sino, aos recebeu com
três alegres repiques, que formavão os golpes d'nm pequeno
ferro em uma pedra,
^ — Nesta primeira e amorosa hospedagem começámos a
matar logo a fome: não faltou feijão e peixe, e como um e outro
era temperado» não deixou de o estranhar por muito tempo o
estômago. Durou-nos esta alegria só quinze dias, porque no fim
delles nos remetteu ao Pará o dito Capitão-Mór Domingos Por-
tella de Mello, gastando 20 dias na viagem. Chegados ao Pará,
se deu parte ao Governador João da Maia da Gama, veiu oste
j
232 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
TÔr-nos logo ao porto, e ouviado os tragioos sucoeasos da viagem,
qae trazíamos, nos nao dea credito, aates iatontou prender-nos
para justificarmos, se os negros, que o trazíamos crão nossos, ou
íúrtados á mesma Tropa, de que tínhamos desertado; respondi-
lhe que oathequísasse os negros e que seoathequísados confessas*
sem não serem nossos, nos castigasse, o que não obstante e
menos a miséria em que nos Tia, pois estávamos todòe nús, e
com a pelle só sobre os ossos, nos deixou ficar na mesma praia,
e porto das canoas sem resolver nada, e sem mais sustento, o
cama que a que nos derão os cavacos e cascas dos paus do esta-
leiro Real.
Porem emendarão logo na manhaã seguinte os particulares
a indispensável foJta deste sen Governador, vindo-nos buscar á
praia do estaleiro o R, Cónego JoSo de Mello, com mais algumas
pessoas graves da Cidade, e compadecidos do miserável estado
em que nos vião, nos levarão a todos para suas oazas. Eu tivo
a do mesmo R. Cónego João de Mello ; José Alves foi p{ira a de
Manoel de Góes oom seu irmão ; Manoel d*01íveira para a de
João de Souza, filho de Basto, e João da Matta para a de João
da Silva, filho de Guimarães ; ->- No Pará adoeci depois d*algun8
meze3d*uma febre que me poz em perigo, e tanto que degene-
rando em maleitas estive ungido ; durarão-me estas oito mezes
emquanto estive de cama levaram alguns dos negros mão cami-
nho, porque um me morreu de bobas, e o mulato de veneno que
lhe deu uma Tapuia : e assim me embarquei só com dois
para o Maranhão ; destes conservo ainda um, porque o outro
me foi preciso vendel-o para comprar dois cavallos que me con-
duziram a estas Minas, gastando no caminho dez únicos mezes
com alguns dias falhos ; e desde que deixamos o grande Anhan-
guera até Deus nos trazer ao Pará quatro mezes e onze dias,
entrando nestes as flUhas.
26 — Lembra-me que antes de dar-mos no Jupiá, quando
íbgimos do gentia de que fallo acima nos ns. 21 e 22, por ser o
rio muito largo, e quasi morto, nos lançamos á matroca aquella
noite, prendendo uma Canoa á outra, e dormindo todos os mais
eu por mais temeroso e acautelado vigiei toda a noite, e não
me valeu de pouco ; porque ouvindo roncar ao longe o mesmo
rio, os aooordei gritando, que tínhamos perto cachoeira, e assim
NOTICIA — !.• PRATICA 233
foi porque varados em uma liha, Timos logo na madrugada o
perigo de que escapámos de noite: porque a cachoeira era horrí-
vel, e tão alta, que teria 500 palmos, e entre penedo hruto, que
a fazia mais formidável, e com tantas ondas, fumaças, e cachões
que parecia um inferno ; passamos por cima d*uns recifes lan-
çando as Canoas pelo Canal á fortuna: sahiram estas abaixo da
cachoeira cheias de agua, e rombos, tiramol*a, então a nado, e
concertadas como podòmof, seguimos nossa derrota. Estes sao,
R. Senhor os trabalhos, as misérias, e as grandes conveniências
que tirei das novas Minas dos Guayazes, etc.
Minas Geraes — Passagem das Congonhas, 25 d*Agosto do
1734. — José Peixoto da Silva.
NOTICIAS PRATICAS
NOVO CAMINHO QUE SE DESCOBRtO DAS CAMPANHAS
DO RIO GRANDE E NOVA COLÓNIA DO SACRAMENTO PARA A VILLA
DE CORITIBA NO ANNO DE 1727
POR ORDEM DO GOVERNADOR E GENERAL DE S. PAULO
ANTÓNIO DA SILVA CALDEIRA PIMENTEL
(jBtb, Pub. JZ^orente — Cod. CV)
NOTICIAS PRATICAS
Do noTo oaminlio que se descobrio das Campanlias do Rio
Grande, e nova Ck)lonia do Sacramento i»ara a Villa da
Coritiba no anno. de 1727 por ordem do Governador e
General de S. Panlo, António da SilTa Caldeira Pi-
mentel.
NOTICLV — I» PRATICA
Dada ao R. P. M. Diogo Soares, pelo Sargento Mór da Cavallaria
Francisco de Sonza e Faria, primeiro descobridor, e abridor do
dito Caminho.
Justa com o General de S. Paulo a abertura do Caminho e
provido das instrucções e ordens necessárias para se me assis-
tir na Fazenda Real de Santos, com gente e muniçOes; me
embarquei na dita Villa, para de Parnaguá com 35 pessoas,
entre Índios e brancos em a pequena Sumaca do M.» João
Martins Roza ; Gastei três dias nesta viagem, e na Villa de
Pamagud um mez, fazendo nella alguma gente mais para a
diligencia em que ia.
De Pamaguá, junta a gente, me embarquei com ella para a
Villa de S. Francisco, gastei cinco dias na viagem, e um mez
na dita Villa, procurando nova gente que me quizesse seguir.
Da Villa de S. Francisco passei na mesma Sumaca a Ilha
do S.t&.Catharina: gastei na viagem oito dias, e nove na dita
Ilha, e adquirida nella alguma gente mais, passei com toda
ella, que seriao Jà 9õ pessoas, por terra a Villa da Laguna»
onde gastei dois mezes, não só para dar descanço a toda a
tropa, prepara-la do necessário, e prover-me de novos Práticos*
mas lambem para consultar ao CapitSo-Mór da dita Villa,
segundo as instrucções que trazia do S. Paulo.
Sabido da Laguna marchei com toda tropa pela praia a
buscar o Rio Araranguá, e nelle o sitio a que chamão os Con-
ventos, distantes da Laguna, e ao Sul delia pouco mais de 15
léguas.
238 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Neste sitio, e em 11 de Fevereiro de 1728 dei principio ao
caminho rompendo mattos fechados, e dando a pouoo mais
d'ama legoa com um pântano, que teria meia de largo, em que
me foi preciso fazer-lhe uma boa estiva para o podermoi pas-
sar ; passado elle dei quasi a meia legoa com nm grande ri-
beirão que desagua no Araranguá, se chama Cangioassú, e
como não dava váo lhe Hz uma boa ponte de 12 braças e meia
de comprido, e braça e meia de largo.
Passado o Cangicassú busquei logo a margem do Rio Aran-
ranaguã, e seguindo-a passei nella vários córregos e ribeiros
Dftzendo em uns pontos, e desbarrancando outros para os poder
passar. Chegado ao logar, que chamão as Itaypabas passei o
Araranguá, que terá no dito sitio pouco mais de 90 braças de
largo ; passado o rio caminhei sempre ao Norte, cortando
mattos em toras alagadissas, estiva ndo-as com assas trabalho,
e com não menos fazendo pontes em alguns rios, até que anda-
das cinco léguas me foi preciso buscar outra vez o Rio Araran-
guá, por me livrar dis serras, e morrarias altíssimas em que
dei, e me era impossível o subilas.
Segui rio acima, e o tornei a passar nas cabeceiras, em o
sitio onde chamão a Orqueta, e aonde principião os morros da
serra chamada Paranapiacaba, e de que nascem muitos e vá-
rios ribeirSes todos de pedras. Entre os morros achei um espi-
gão por onde subi com toda a tropa, depois de 11 mezes de
contínuo trabalho, fazendo o caminho a talho aberto, e é o
único por onde se pode subir a serra. Desde os Conventos até
este sitio que terão 23 léguas tudo são mattos, e terras alago-
dissas, cortadas de vários córregos, e rios, em que entre pontes
e estivas passarão de 73 as que lhe fiz, tudo a força de
braço, e só com 65 pessoas, e 32 cavalgaduras, por me ter fu-
gido, e desamparado a mais gente, e parte desta a devo ao
General de S. Paulo, que me mandou de novo.
Subida a Serra dei logo em campos e pastos admiráveis, e
nelles immensidade de gado, tirado das Campanhas da nova
Colónia, e lançado naquelle sitio pelos Tapes das aldeias dos
P. P, Jezuitas no anno de 1712.
Nestes campos me demorei seis mezes esperando por nova
recluta, qoe tinha pedido a S. Paulo, e sustentando-me nellas
NOTICIAS PRATICAS 239
do mesmo gado. morto a espingardat além de 500 e tantai vacas»
qae reservei, e levei comigo para a viagem. Em todo o tempo
qne aqai estive me animei a correr uma grande parte de toda
aqaella Campanlia, em que passIU), segundo jalgo* de duzentas
mil as vacas que neila lia, tem muitas, e boas agoas, bastante
caça, alguns pinheiros, e umas pedras de coco quo arrebentão
com o sol, e dentro outras pedrinhas que» parecem diamantes j4
lapidados, umas roxas, outras brancas, amarellas; cór de vinho,
e algumas esverdiadas.
Destes campos segui viagem arrumado sempre a serra do
mar, e a pouco mais de 7 legoas de caminho achei uma grande
cruz feita de um pinheiro e este letreiro nella Maries 16 de
Denembro anno de i727 pipe Capitolo Aéreos Omopo. Descida a
Cruz e adorada com toda a veneração, lhe mandei tirar o titulo,
olhepuzeste I. N. R. J. e junto á mesma cruz em um bom
padrão de páu este outro —Viva El-Rei de Portugal D. João o
&>, — anno 1729.
Deste sitio a que dêmos o nome da Cruz dos Tapos^ segui
viagem encostado sempre á serra» e a pouco mais do quarto de
légua demos com um rio com matto diurna e outra parte, a
que chamei o Rio dos Porcos, e até elle chega o gado de que
acima fallo. Passado este Rio segui caminho 6 léguas ao nor-
deste, em que achei um sitio em uma lomba que chamei a Boa
Vista, aqui fiz uma grande rancharia, que depois chamarão as
Tajttcas, e destas é que Christovão Pereira d* Abreu, dali a dois
annos entrando comigo ao mesmo caminho, fez nelle o atalho
que agora tem.
Das Tajucas fui sempre acompanhando a mesma Serra do
mar, e achando sempre campos com alguns capões de matto e
não poucos ribeirões, ató chegar ao grande Cambiera, ou Morro
de Sta. Anua, fi^)nteiro a Uha de Santa Catharina neste me foi
preciso gastar alguns dias para abrir um grande matto, que
teria 6 legoas de comprido, e aberto dei com um rio, a que
chamei S*^ Luzia.
Deste rio segui viagem por os Campos, e passando nelles
algumas restingas de mattos dei um outro campo mais alto, e
alegre, de donde avistei um morro, que pelo roteiro que levava
dos Gertonystas antigos julguei ser o rico^e sempre procurado
240 REVISTA DO INSTITUTO ttlSTORICO
morro Tajó, e o mesmo pareceu ao moa Piloto , bons desejos
tive de os socavar, mas a fome e miséria em que nos viamos
todos, nos obrigoa, nfio só a deixar o morro, mais ainda a
mesma serra do mar, pela muita aspereza, oom que um e outro
nos ameaçava, e assim fugindo a morte, e abrindo novo cami-
nho por mattos grossos, distancia de quatro legoas sahimos
com nSo pouco trabalho nas primeiras cabeceiras do rio Urnru-
guay, e passámos nellas com duas braças de largo.
Deste passo seguindo rio abaixo dei com pastos admira*
veis d*uma e outra parte do rio que, pelo passar 15 vezes»
lhe paz o nome de Passaquinze, e tornando a procurar o
morro do BirimbÀo, que era a nossa balisa do caminho, me fui
afastando mais da serra e avisinhando mais para o campo,
cortando varias restingas, e passando alguns córregos até sahir
pela ponta de outra serra a que chamarei Serra Negra, e
que vae afossinhar sobre o rio Passaquinze, e este é o logar em
que Christavão Pereira sahio com o seu atalho.
Deste sitio passei ao campo chamado dos Coritibanos, cami-
nhando sempre por campos em que ha algumas restingas e ca-
pOes de mattos, e nestes nSo poucos córregos e rios.
Dos Coritibanos segui viagem, c passado um campo alto
entrei em um matto grosso chamado Espigão, fiz nelle nSo
só estivas e algumas pontes mas também um bom cami-
nho aberto & força de braço. Passado o matto, cheguei a um
rio em que achei Jà canoas, e passando nellas segui por campos e
mattos ató o matto grande de S. João, e passado este com
assas moléstia e trabalho, segui por campos e mattos até
outro rio que chamei de S. Lourenço, que ter& de largara 20
braças, e passado este tornei a seguir por campos e restingas
até outro rio, que por muito negro e fundo lhe chamão
o Rio Una, nelle fiz alguns pastos, e lhe deixei uma boa canoa
de pinheiro, e só nelle achei indicies de gente.
Passado o Una, e seguindo sempre por campos e restingas
cheguei ao Rio Grande pequeno, o destes aos Campos Oeraes
da Coritiba e Rio do Registo em dia de Nossa Senhora da Luz
de 1730, sahindo de S. Paulo a 20 de Setembro de 1727.
Todo este caminho desde a Serra da Vacaria até os
Campos Geraes de Coritiba é em seu tempo, isto é, de Março
NOTICIAS PRATICAS 241
ató Setembro abundante de caga e pinhão, principalmente
Antas e Porcos. O mel é em tanta abundância, que não só
serve de regalo, mas de sustento às tropas : todo elle é sadio
e de 63 pessoas com que entrei, só morreu um negro meu
é outro de Manoel de Sá Corrêa, de pura fome e miséria :
também morrerão nelLe um branco, e um índio pelo muito pi-
nhão e mel de que se fartaram.
B' o que se me offerece dizer e informar por ora a
V. Rma., debaixo do Juramento do meu cargo. Porto do Rio
Grande de S. Pedro, 21 do Ferereiro de 1738. — Francisco de
Sousa e Faria.
ROTEIRO
DO CBRTÃO E MINAS DE INHANGUERA, VINDO DA VILLA DO
CORITIBA PAKA ELLAS
Partlndo-se da povoação de Coritiba, pa^sandose o rio
Grande da dita povoação, se vai logo buscar o rio Grande
pequeno, que é o que chamão Iguassú-merim, e passando este
se irã alongando mais para o campo largo, por não ir rompendo
mattos por cima da serra.
Dahi começarão a buscar o rio Negro, chamado Una,
que é rio de Jangada por ser fundo. Passando-se este rio
caminhando pelo rumo du Sudueste, darão com um ribeirão que
cortando um pinheiro alto passarão por cima delle ; o qual
ribeirão foi agoada do Gentio Gabelhudo, e o Rio pela lingua da
terra Inhanguera.
Logo passarão outro ribeirão pequeno chamado Itupeba
e avistarão logo a uma serra que corre para o poente, não alta,
que pôde estar desviada da nossa serra do mar, 2 léguas o meia
pouco mais ou menos.
Pela ponta desta serra passarão e darão com faobina
dos Certanistas do tompo do gentio, chamada Garcelhos, e
logo aviitarâo o morro Negro, chamado pela lingua da
terra Biturúna, o qual morro vae afossinhar sobre o rio
Uruguay»
491—10 Tomo j-xix r. i.
^42 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Este morro negro tem um campo ao pó mui grande, mui
razo, e com moitissimos veados^ maltas Emas, muitos Cervos,
e muitos Botiás, que dão muito e boa farinha, e por baixo dos
Botiàs tem muita erva mimosa.
Desta Serra Negra caminho de Leste nao poderão errar o
morro chamado Ta^ó, que é o que se vae buscar.
Peio pó da Serra Negra corre um ribelr&o que vae buscar
as cabeceiras do dito morro Taijó, o qual morro ó baixo, re.
doudo, e agudo çom sua campina ao pó, e tem este feitio.
Tem também sua campina da banda do Norte, e da banda
do Sul matto grosso carrasquenho, pelo pó deste morro podem
buscar ouro ; e quando se queirão alongar para os mattos do
mar,não seja pela parte do Sul, seja pela parte do Nordeste, que
dali maaão as cabaceiras todas do Pajay-merim, que n&o pode-
rfto deixar de achar ouro.
Estas s&o as chamadas Minas de lohanguera, tão afamadas
como as antigas, e ficfto no certão da Enseada das Guaroupas e
Ilha de Santa Catharina.
As Serras da Costa do mar vão acabar e afossinhar
perto a um rio chamado Taramandy, o qual está abaixo da
Laguna 40 léguas pouco mais ou menos ; deste Rio ao Rio
Grande de S. Pedro *da Costa do mar fazem 35 legoas pouco mais
ou menos, e doado acabão estas Serras para adiante se não tem
mais terras aUas, nem serra aiguma, até o dito Rio Grande e
sua Campanha,
Na dita paragem onde acabão estas serras do mar ó que
se sobe, por ter menos diffioaidade a chegar ao campo, no qual
se dará com pinhejraes, e na dita paisagem vindo mais para
a banda da Laguua farão diligencia por umas pedras toscas
as quaes chamão pedras de coco, estas arrebentão com o
sal, e do âmago lhe sahem umas pedras pequenas toscas, a
outras lizas, uma cor de bagos de romã, outras roxas e oqitraSí
brancas como cristai, e todas estas pedras são finas dcy^is de
lavradas.
Para se descobrir e entrar para as minas de Inhanguera»
é mais perto, e mais fácil entrar por este caminho donde
acabão as serras do mar como fica dito, dq quo pela Yilla
de Coritiba.
NOTÍCIAS PRAtlCAS 243
Este roteiro ó o mesmo, que diz trouxera comsigo o
Sargento-mór Francisco de Souza e Faria, que se o seguira
abrindo o caminho a onde acabão as serras e não em Ara-
ranguà, nunca experimentaria em perto de três annos que
gastou nelle, as fomes e as misérias que são notórias, verdade
6 que culpão nesta parte ao Capitio-mór da Laguna, que por
seus particulares interesses, llie quiz fazer ímpossirel a jornada
e o caminho, Ílausilitando-Ihe a entrada pela parte mais difficuN
tosa que ha para esta abertura.
NOTICIA — 2/ PRATICA
DADA AO P. M. DIOGO SOARES SOBRE A ABERTURA
DO NOVO CAMINHO PELO PILOTO JOSÉ lONAClO, QIE FOI E ACOM-
PANHOU EM TODO ELLE
AO MESMO SARGENTO MÔR FRANCISCO DE SOUZA E FARIA
NOTICIA— 2.» PRATICA
Dada ao P. M, Diogo Soares sobro a abertura do novo caminho
pelo Piloto José Ignacio, que foi o acompanhou em todo elle ao
mesmo sargenlo-mór Francisco de Souza e Paria.
Subidti a Serra, e sahiDdo no alto delia se dà logo, R>^*. Sr.,
com um campo admirável, que á uivei da mesma Serra, e
abunda de capões, pinheiraes, e em partes de mattos carras-
qaentaos, com muitos e rarios córregos» de que a maior parte
desagoSo otm^o dentro, caminho de noroeste e poente*
I^go da sabida do matto ao Norte distancia de um quinto
de légua pouco mais ou menos se vê uma cruz ao pó d^uma
lomba, e beira de um riacho, que corre como os mais ao poente,
mais adiaato ao mesmo Norto se passa logo outra Lomba não
menos alta quo a passada, tem varias pedras no cume, e pelo
pó lhe possa um riacho, que nasce na girande serra do mar.
. Passada esta Lomba caminho de Noroeste, e distancia d'uma
legoa se encontra outra cmz em um alto que se chama Ar-
raial Grande, de onde continuando ao Norte achamos outras
cruzes a pouca distancia umas das outras, até chegarmos a
uns pequenos morretea que se avistSo da Real grande, distáo
delia 3 legoas.
Passados estes morretes seguimos ao Nordeste, encostados
sempre á Serra, achando sempre os mesmos vestfgios de Fap^,
e por entre os capões algumas picadas Já abertas, e seguidas,
muitas Lombas, riachos, e catingas, emAm terra toda enchar-
cada, por respeito das muitas lages que em si tem. Neste mesmo
caminho 2 legoas dos morretes a Lesnor leste está o ribeirão
das Lages, com multo bôa passagem, e pouoo mais de meia
legoa adiante ao Nordeste e dos Porcos, com não menos igual
passo entre dois morros, um e outro, não sendo tempo de agoas,
oão tem de ftando mais que 3 palmos.
248 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Seguido avante 6 legoas ao Nordeste dêmos em uma
Lomba bastantemente alta, que chamámos a Boa Vista, e dalla
vimos na costa do mar a LAgoa de Guarupaba que está íhm-
teira aos morros de Santa Martha. A dita Lomba corre coisa
de meia legoa Leste Oeste, e floa Noroeste Sueste com a dita
Lagoa Gaarupaba : pelo Sul desta mesma Lomba ha bastante
matto, e nelle caminho f^ito, e no alto uma espaçosa chapada
com uma formosa cruz.
Desta Lomba, seguindo sempi^e a serra, e o mesmo rumo,
dêmos com vários morretes, em que ach&mos um bom caminho
feito a fouce e machado, mas durou pouco, por que nos mette-
mos logo em uns taes matagaos do taquari miúdo, e tSo fechado
que apenas divisávamos a Serra que era a nos^a balisa : nSo
nos faltarão antas, mas muito pouco pinhfto, por causa da hu-
midade, e fragosidade da Serra. Chegamos finalmente a uma
baixa que fica entre dois morros dos quaes o que fica para a
parte da Serra ô o mais alto, e se chama o morro do Incêndio :
com o mesmo nome de Incêndio lhe passa pelo pé um ribeirôo
que corro a Leste Sudoeste* e distará pouco mais de 6 lagoas
da Boavista.
Passado, e seguido avante ao mesmo rumo por campos sem-
pre, e alguns capões de matto, entramos logo a mui pouca dis-
tancia de caminho no matto doe desertores. Consta este de vá-
rios campinhos, mattos carrasquenhos, terras encharcadas, e
descidas e subidas d 'alguns morros.
Passado o matto dêmos logo em outro muito mais grosso*
e nelle com o rio das santas que distará 5 legoas do morro do
Incêndio ; corre ao Noroeste, e tem de largo na passagem 15
braças, o 4 palmos do fundo. Tem todo este matto muita
caça, multo pinhão, excellcntes pastos, boa cera, mas* muito
pouco mel.
Passado o rio das Antas nos avesinhamos mais á Serra su-
bindo e descendo grandes morros, atô darmos em um campo
quechamão da retirada : terá este pouco menos de legoa de
comprido, e em partes meia de largo ; deste campo seguimos
ao Noroeste afastando-nos da Serra, e a pouco mais de 2 lé-
guas dêmos no Rio da Vaca com 4 braças de largo, e de
fundo só 2 palmos : seguimos o mesmo Rio, qne corre ao
NOTICIA — •2.* PRATICA 249
poente, e depois de o passarmos 15 yeees chegámos ao de
Santo André com 12 braças de largo, e de fundo pouco mais
de O palmos. Este Rio de Santo André á o mesmo Rio da Vaca,
esó nesta ultima passagem muda o nome ; não falta por aqui
caça, e mel, tem algum pasto, campos queimados, e algumas
restingas do matto grosso : Dista o campo da retirada do Rio
da Anta 6 legoas, e o da Vaoa pouco mais de 7 de Santo André.
Passado este a pouco mais de 2 legoas camintio de Norte
e Noroeste, chegamos a um campo que cham&o Santa Luzia,
e caminhando por elle meia legoa ao Ponente dêmos no ribeirão
da Faxina e é em si pequeno, mas para se passar necessita de es-
tiva, porque atoUa muito.
Passado este 4 legoas ao Noroeste corre ode S. Thomô
com 10 braças de largo, e 4 palmos de fundo na passagem
mas encantilado d'uma e d'outra parte ; e caminhando avante
chegámos ao ribeirão do Norte distante do de S. Thomé p^moo
mais de legoa e meia: 4 legoas ou 5 ao Pouente, cominhando
sempre pelo mesmo campo pass&mos o ribeirão dos Cavallo0
com 10 braças de largo, e 13 palmos de fundo, quando ha
aguas.
Noste Ribeirão dão flm os campos de Santa Luzia, que estão
cercados todos de grandes morros, e terão em circuito 20 le-
goas ; tem porém em si muitas catingas, capões, pinheiros, e
taquaras o por baixo muHa congonha, e algum mel, pouca caça,
e em parte nenhuma : é tudo terra enchuta, e com muitos
bons pastos para gados.
* Quasi pelo meio dos ditos campos, passa o Rio da Vaca, ou
o Passaqainze, buscando sempre o Poente, e engrossando-se do
cada vez mais. A Serra desde o campo da retirada até o ribei-
rão dos Cavallos corre a Lesto, o deste ribeirão começão Já os
campos de Tayó, como também a avistar-se o dito morro quasi
ao Noroeste : seguindo avante pelos mesmos campos a Leste e
Oesnoroeste chegámos outra ves a passar o ribeirão dos Caval-
los por cima d'uns paus que lançamos para isso; d*uma e d'oatra
parte, haverá entre estas duas passagens pouco mais de 12 lé-
guas : 3 legoas mais adiante caminho de Leste o tomá-
mos a passar em outra semelhante ponte, e seguindo daqui ao
Nornoroeste em basca no Tayò dêmos com o Birirobáo, e assim
250 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
deve-se advertir, qne no traressio desta primeira e seg^anda
passagem do ribeirão dos Cavallos, adonde virem dois ribeirões
que correm para a Serra, ambos de lages, reparem qoe o morro
que delies se avista a Loesnoroeste, estando o tempo claro nâo
é o Tajó, mas o Birimbáo.
Pica este Birimbào sobre a serra do mar e delle nasce uma
outra serra que corta ao sudoeste, e parece negra ; ohama-se a
Serra do engano, terá de comprido 5 legoas, e olhando^se de
longe para eUa parece qua se divide do morro do Birimbào, mas
Ô engano, porque toda é a mesma: tem ao pé seus campestres,
e captes, e para mais conheconça alguns pés de Botiàs grandes,
o que se não acha desde a ultima passagem do ribeirão dos Ca-
vaUos at6 ã ponta do Sudoeste desta Serra do engano, que se-
rão pouco mais de 8 legoas: neste travessio se passão 5 ribei-
rões, que em tempos d*agoas, são rios de 2 e 3 braças de
l\indo, e 12 e 15 de largo.
Seis legoas mais avante caminho do pouente demos com
um campo razo j& queimado, e nelle com muitas cruzes. Aqui
volta Jã a Serrado mar caminho de nornordeste, e daqui se
avista também ao mesmo rumo outra serra quasi tão alta
como a do Engano, lançada de Leste Oeste, chama-se a Serra
da Onça, terá de comprido 5 legoas, e tem por conhecença uma
lomba que despede da ponta, e olha para o nascente.
Pela ponta desta lomba ó que seguimos caminho por cam-
pestres o restingas. Da berra do Engano a esta Serra da
Onça haverá 18 legoas, e no travessio 7 ribeirões grandes, mas
tudo campos, ficando-lhe os mattos da serra sempre á vtsta,
os quaes vem afossinhar no mesmo campo, formando outros
quando rematão.
Duas legoas mais adeante da ponta da dita Lomba, e ca-
minho de noi*deste, entramos na restinga grossa, tem 3 legoas
de travessia, pouco matto grosso, sem pasto algum de capim,
mas muito e boa folha de taquara.
Sabidos deste matto passamos 7 campinas com bellos pastos,
distancia de legoa e meia, e no (Lm delias o rio das Canoas que
costuma ser o desembarque dos que rodão de Curitiba pelo rio
grande abaixo. Legoa e meia mais adiante chegamos ao alto da ,
Lomba grande, da qual se vê próximo á parte do nascente uma
NOTICIA — 2. •PRATICA 251
l&rguesa grande de matta» qae segundo julgo vio feneoer, na
Serra do Mar: tem a dita Lomba grande om despenhadeiro
para a parte do Nascente, e olàsundo delia para a parte do Sueste
se vô estar sobre a Serra do Mar, um morro só, quasi redondo,
do feitio de uma oella: floa a dita Lomba no matto de S, Joio,
ò qual terá de traressia 7 ou 8 legoas ; no meio deste matto
ha um ribeirfto que oorre para o nascente o<Hn grande bar-
rooada, d\ima parte, e outra, muita pedra, e 4 bragas de largo
com só 2 palmos de Aindo, e se chama o Ribeirio de
S. Joio.
Qoasi na sabida deste matto floa outro ribeirão que ohamib
o Criste, oom 4 palmos de fundo na passagem, e 7 braças de
largo: passado este, subimos uma ladeira, e continuando pelo
mesmo matto, caminho de nomoroeste qnasi nm quarto de
legoa chegamos a Desejada. E* .esta uma campina que terá 2
legoas de circuito, com muito e bom pasto, tem porém um pan«
tanal que a cinge quasi toda pelo Norte, e no mais estreito uma
grande estiva com 128 pranxOes: aqui ha também um ribeiro
chamado o Desejado com pouco mais de 5 braças de largo, e de
íhndo só 3 palmos, e daqui é que começa o matto do Desenganei
e a pouco mais de 2 legoas o ribeiro do mesmo nome : passado
este caminho de nornordeste, e O legoas de distancia por mattos
e campinas, chegamos a outro ribeiro chamado de S. Lourenço,
terá IO braças de largo, e 4 palmos de fundo, e daqui principia
o Oampo Alegre.
Entrado nelle caminho de nordeste, e distancia de 2 legoas,
Uca o rio do mesmo nome do Campo, tem 5 braças de largo, e 3
de ftmdo, e deste a legoa e meia, e sempro do mesmo rumo âca
e ribeinU) de Bartholomeu com 8 braças de largo, e só 3* palmos
de íhndo no sitio em que o passamos: mais adiante caminho do
norte fica o rio Qrande pequeno ; terá de largo 12 braças, e
pouco mais de 5 palmos de fundo, e distará do de S. Bartho-
lomeu 5 legoas.
Seguindo o mesmo rumo do norte 7 legoas mais avante
demos no rio Grande da Coritiba, e passado este sahimos com o
caminho pouco mais de 9 legoas distante da mesma villa, junto
ao Capio Bonito, que é uma legoa digo das Fazendas do Sar-
gento raór de Santos, Manoel Gonçalves d'Aguiar.
252 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Isto 6 o qne poeso iaformar a V. Rma», segando o que
obserrei neste caminho, no que tooa as alturas nSo posso diaer
nada, porque nem as misérias que pafisei nelle, Jantas oom a
fiBilta de mantimento, nem a pouca saúde que sempre tive me
deriU) logar algum para a mais minima observação. Porto
do Rio Grande de S. Pedro 29 de março de 1738, José Ignacio.
Desta laformaçSo se colhe com evidencia a facilidade com
que se asseverou ao General de S. Pulo, e este á Corte, que a
sabida do matto, e entrada do campo da Vacaria no alto da
Serra» estava em 28 e 20 de latitude Austral, motivo que obri-
gou a crer-ae de que estes campos e gados entestavão não só com
a Ilha de Santa Catharina, que segundo o Roteiro Português
está na mesma altura, mas ainda cora a Villa de S. Francisco»
porque nem este Piloto tomou altui*a alguma, nem a ilha est&
na em que diz o nosso roteiro Portuguez, mas muito mais ao
norte, como o está também o morro de SanfAnna» ou Gambi-
rera, distante tantas legoas quantas diz o primeiro descobridor
do rio dos Poieoi até onde chega o gado.
Ougamos agora ao coronel Christovão Pereira d*Abreu, e
ao seu Piloto» qae foriU> os segundos que entrarão ao caminho»
• oomferidas as soas com as minhas observações feitas não só
na ilha mas no rio Ararangaá, se verá manifestamente o erro
daquelle informe, além de que, se da ilha de Santa Catharina ã
laguna ha 18 legoas» e desta ao rio Araranguá 15 legoas ou 13» e
o dito caminho sahe no alto da serra ao sul do rio, como é pos-
sivel enteste com a ilha de Santa Catharina ?
NOTICIA. — 3/ PRATICA
DADA PELO CORONAL GHRISTOVAO PEREIRA DE ABREU, SOBRE
O HESMO CAMINHO AO R. P. M*. DIOGO SOARES
NOTICIA — 3.» PRATICA
Dada pelu coronel Christovâo Pereira d' Abreu, sobre o mesmo
caminho, ao R. P. M. Diogo Soares
Pede-me V. Rma. o informe do novo caminha qao abri
peio oertâo para a Yilla de Coritiba, as utilidades que so podem
seguir delle, e também osseus inconvenientes. Melhor poderá íV
zer esta deligencia, se me achara aqui com um mappa que fiz do
dito caminho, e dei ao Exm. Sr. Conde de Sarzedas, Gover-
nador e capitão general que foi da Capitania de S. Paulo, mas
na falta delle, direi o que tiver presente na minha lembrança,
certo, de que a prudência de V. Rvma. disculpará os meus
erros.
£* bem sabido» que por tdâtA de gados, e principalmente
de cavalgaduras, se não tem desfrutado mais os grande, e ricos
thesouroSy oom que a providencia divina dotou e enriqueceu
nesta America os vastos domínios que S. Magestade nella
possuo, e que nas goucas que ha pelo seu grande valor con-
somem os vassallos muita parte dos seus cabedaes.
Querendo dar-lhe remédio António da Silva Caldeira Pi-
mentel, que Governava S. Paulo, discorreu mandar abrir o
caminho para por elle se introduzirem destas campanhas na-
quella Capitania, e nas das Minas, gados e cavalgaduras, (to
sorte que se utilisassem osVassallos, e augmentasse a Fazenda
Real de S» Magestade.
A esta diligencia forão sempre oppostos vários moradores
das ilhas de Santos, Parnaguá, e Coritiba, e da mesma sorte
os da Villa da Laguna, e de Sta. Catharina, estes porque vi«
vendo retirados, ou por crimes, ou por outros iguaes motivos,
como régulos sem obediência nem terror algum de justiça, re-
oeosos de que eom a abertura do novo caminho perderião as
suas liberdades, o fazião impossível; e aquelles, porque senda
256 KKVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
S^enhores d^aiguiuas J imitadas fazenlajs, queba aos Caaipi>6 dt^
Ooritiba, temião o flcar com muito meuos valor, o por segui-
rem a sua opiQíào, publícaudo com arestos íalsos de Paulistas
antigos serem aquellos Certoes impraticáveis, querendo tam-
bém persuadir-nos, que b'endo aquollas terras confinantes com
aa Aldeias dos P. P. Castelhanos, poderíamos sul* invadidoà
pelo Oonnollas aldeiados.
Contra todas estas opposições resolveu o dito (ioueral An-
tónio da Silva Caldeira, mandar penetrar o dito Certâo, prin-
cipiando deste Rio Grande de S. Pedro, o a e^ta diligencia
despachou ao Sargento- mór Francisco d(s Souza e Faria, man-
dando-lhe assistir com todo o necessário por conta da Kaeeuda
Real» e dando-ilio ordens amplas, para que as Gamaras da todas
as ViUas, e Capitães-móres delias lhe dessem toda a gente, u
o mais que lhes pedisse.
Neste tempo me achava eu na nova Colónia do Sacramento,
o tendo esta noticia, me puz Logo a caminho a ver o estado
em que se achava esta diligencia, e chegando á Villa da Laguna
achei ao dito Francisco de Souzx com alguma gente, mas quasi
impossibilitado a dar a execução ao que se lhe ordenava, por-
que oCapitão-mór da dita Villa, ou pelos motivos já ditos, ou
por oontemplação dos moradores das Villas de Santos, Parna-
guá, eCoritiba, com quem era aparentado, simuladamente lhe
fttzia impossível, principalmente na gente» porque tanto se lhe
alistava de dia como lhe fugia de noite; o vendo-o eu neste es-
tado, cuidei em applicar-lhe o remédio, fazendo-o primeiro
oongraciar o dito Francisco de Souza, com o Capitão* mór a
qoem não íiUlava, e tive a fortuna de que oLle se puzesse a ca-
minho com boa ordem e a gente necessária em Fevereiro do
728.
Deizando-o nestes termos me recolhi à Colónia, cuidando em
fazer vma tropa de cavallos, c bostas muares para metter pelo
novo caminho, e na consideração de que o acharia feito, parti
daquella Praça com 800 cavalgaduras, e cheguei a este porto
nos fins d'Outubro de 1731, e passando a parte do Norte achei
varias pessoas com um grande numero do animaes para entra«
rem ao dtto caminho, e sem embargo de haver noticia certa,
que 06 descobridores tiohão sahido fora, nenhum se auimava a
NOTICIAS A DIOGO SOARES 257
i88o; assim por se dizer que o tal caminho necessitava de refor-
mado, e de muito beneficio, como pot umas vozes vagas que
corrião do haver gentio dos P. P. em cima da Serra, o que
me resolvi a ir em pessoa examinar levando comigo só três
peisoas, confiado em trazer cartas do Provincial das Missões
para o General de S. Paulo, e para quem commandasse o dito
gentio, e chegando acima da Serra me demorei dois dias, s^b
ver mais que campos e gados.
Voltando desta diligencia deixei a tropa da banda do Norte,
passei a Santos, e a S. Paulo a fisLlIar ao General António da
Silva Caldeira, como também a buscar nova providencia de
gente, armas, ferramentas, e munições, para a dita entrada
com novas ordens do dito Qeneral, que mo deu liberalmente,
e com effelto chegando de volta, e seguindo 00 ramos dos pri-
meiros descobridores entrei pelo Rio Araranguá com um Pi-
loto, e sessenta e tantas pessoas, occupando muita parte delia
no beneficio do caminho, em que gastei dilatado tempo em até
sahir a Serra, por serem mattos muitos espessos, morros, rios*
córregos, e pântanos, em que precisamente se havião de fazer
pontes e estivas.
Feita esta diligencia mandei marchar as tropas divididas
em trossos, que entre a minha, e a dos particulares erão
perto de três mil cavalgaduras, e cento e trinta e tantas
pessosas ; sahidas esta me acampei, o mandei ver, e examinar
logo o caminho dos primeiros descobridores, o vendo que a
pouca mais distancia tornava a entrar em grandes asperezas,
por se encontrar sempre a serra, e que precisamente dava uma
grande volta pelo rumo que levava, determinei buscar outro s
entrando mais pela campanha, o receando já a grande demora
que poderia ter, tomei a providencia de levar comigo perto
de 500 vacas qne mandei colher naquelles campos, e nesta
forma ftii continuando a minha diligencia, que conclui,
gastando nella treze mezes, e topando em partes como
o caminho ou picada dos novos descobridores: cheguei a
Villa de Coritiba. deixando-o na ultima perfeição com estivas,
canoas em rios, e mais da 300 pontes, de sorte, que em
menos d*um mez gente escoteia a pé podia passar todo o em
que gastei 13.
491 — 17 Tomo lxix p, 1.
258 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Sabida a Serra se compõem aquellas terras d'ama apra.
zivel vista, com campos mui dilatados, cruzados todos de
vários córregos de cbristallioas aguas, que correndo para
liCste, formão vários rios caudelosos, que sem duvida irão
desagoar no Grande Rio da Prata, ha também nelles muitas
qiadeiras, bons mattos, e grande numero de pinbaes.
Logo a subir se topa com gados que cbegSo aomente aeom-
panhando o caminho ató a cruz chamada dos Tapes, por um^
que ali acharão os primeiros abridores, .mas entrando para
dentro se topa um grande numero do dito gado em campos
nçioi dilatados, que vâx) confinar com uma grande Serra, em
uma grande distancia que se mette de per meio com as
terras das aldeias dos P. P. da Companhia, a qual Serra fez
uma quebrada com mattos mui espessos, e ó por onde os di-
tos P. P. ha poucos annos, com muito trabalho, e força do
braço, e machado, abrirão caminho para passar os primeiros
gados, o que aei pelo mandar examinar por duas possoas de
quem me fiava.
{Istando eu naquellea campos por varias vezes do dia vi
pegar fogos, e. a primeira me deu algum cuidado, e toda a
tropa, por entender-mos seria gentio, mas mandando*se exa-
minar se não achou signal algum disso, e viemos a en-
tender, que nascia do grande numero de christaes que ha por
aqueJUes campos e córregos, não só de varias cores, mas lapi-
dados, e tão finos, que com a força do sol pegão fogo, ou d*uns
cocos de diUèrentes tamanho formados pela natureza por fora
d' uma fina pederneira, e por dentro de uma pinha de cristãos
jã lapidados, que ao arrebentar com o sol faz o m^mo
efifeito.
Além do referido com que a natureza formou e creou
aquellas terras tem admiráveis paragens para creações de
giidos, e tem mais a ezcellencia de serem tão salutiferas, que
em todo o tempo que gastei naquelle sertão não houve uma
sangria, nem me morreu mais que um homem, que jã entrou
mui doente. São também muito farta de todo o género de caça,
mel e pinhão, e mui férteis para todo o género de plantas^
como eu experimentei nos campos dos Coritlbanos, onde tive
alguma demora.
NOTICIAS A DIOGO SOARES 259
Sobre tudo isso promettem muitos haveres, e nSo meoos
augmento para a Fazenda de S. Magestade, pois só as cavalga-
duras que entrarão em minha companhia renderão para a
mesma Fazenda mais de 10 mil cruzados, e se tivera conti-
nuado, se com a occasi&o da guerra do Rio da Prata não fora
preciso vedar o dito caminho para não divirtir assim a gente
como os cavallos, de que se podia necessitar, e isto sem experi-
mentarem já tanta mortandade nelles, como eu, e os que forão
comigo experimentámos, assim (lor estar o dito caminho já
perfeito, como por se povoarem os campos de viamão, e se
descobrir nelles novo atalho á subida da serra, que ô onde se
experimentava a maior perda, sem que possa haver inconve-
niente algum que o embarace.
Porque o affectado temor, que nos querem introduzir os
apaixonados de sermos invadidos pelos Tapes, se não pode
recear em nenhum tempo, assim pela estreita garganta por
onde sabemos entrão naquellas terras, com 50 armas se lhe
pôde cortar o passo : como por ser aquella nação tão traidora,
como cobarde, incapaz de por si só combaterem com outra
alguma, como á poucos annos se vio nas differenças que tiverão
com os Paragaes que bastarão só 500 destes para passar á es-
pada 4000 para mais de Tapes.
Menos nos devemos persuadir que peção socoorro aos Hes-
panhoes, pelo grande ciúme que os P. P. teem de que estos
lhe entrem nas Aldeias, temendo perde-las ; finalmente parece
indigno de vir á imaginação, que por temor de semelhante gente
haja S. Magestade se deixar usurpar os seus dominios, e perder
as grandes conveniências, que pelo dito caminho podem resultar
á Sua Real Fazenda e vassallos.
NOTICIAS PRATICAS
MINAS GERAES DO OURO E DIAMANTES
QUE Vk DO R.P. DIOGO SOARES O CAPITAO-MÓR I.UIZ BORGES PlXTO,
SOBRE OS SEUS DESCOBRIMENTOS DA CEI.EBRE
CASA DA CASCA COMPREIIENDIDOS
NOS ANNOS DE 1726-27 E 28, SENDO GOVERNADOR E CAPITÃO
GENERAL D. LOURENÇO D*ALMEIDA
NOTICIA- 1.» PRATÍCA
Que d& ao R P. Diogo Soares, o Gapitão-mór Lais Borges Pinto,
sobre os seus deacobrimeatos da celebre oasa da casca oompre-
hendidos nos annos de 1726-27 e 28, sendo GoTernador e Capitão
General D. Lourenço d'AImeida.
I*RIMBIRA. TIÂOBIC
Sahl do Arraial da Gnarapiranga nos princípios d*Abril de
1726, com 97 armas toda>< A minha casta, e providas de fkcSeSi
patronas, pólvora, e ohambo, o Pratico a oitava, e os mais á
propor^ : sahio também comigo o R. P. Manoel da Silva
Borgos, que sempre nos disso Missa a meia oitava de esmola.
A primeira marcha qae fizemos, foi á barra do Xipotó,gastAmos
nella dois dias por est ir por a^uella parte já feito todo o ca-
minho, é todo matto geral com bastantes rossas, fazendas e
lavras, e algnmas n^ tem dado pouco ouro. Passado o Guará»*
piranga, e o Xipotó, no sitio de Manoel Valente, comecei a
romper o matto, que ha, e grosso, buscando o sul, e costeando
o Xipotó ; depois de IS ou 13 dias de boa marcha, voltando
quasi ao sueste, fui dar com um quilombo de negros, que ttve
ao principio por alguma aldeia de gentio pela forma, rossas e
ranchos, de que estava provida: forão cercados, en vestidos, e
mortos quatro, e os restantes se amarrarão para serem remet- .
tidos a seus Senhores.
2 — Ficava este quilombo n&9 cabeceiras d*um córrego, que
cham&o o Turvo, e desagoa no Guaraplranga 6 tegoas abaixo do
Xipotó, e antes do sumidouro. Daqui fui buscar logo as cabe-
ceiras do rio dos (Coroados seguindo o rumo do susudoeste: gastei
na viagem 17 dias, é tudo matto grosso com bastante caça e
vargeria. Nestas eabecettas íhi ameaçado do gentio chamado
264 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Lopo, que habita ncllas, e por todo o rio Lopo, qoe lhe dá o
nome. Este rio é o que vem do Pinlio novo, e Velho, a se passa
nelles no cAminho geral do Rio de Janeiro para estas Minas, o
com outra cabeceira, ou riacho, que nasce, e corre da ponta da
tromba da serra da Casca, forma por entre a mesma serra, e o
morro redondo, que lhe fica quasi ao Oesnoroeste, o dito Rio
Lopo, que recebendo em si da parte do Leste ao Rio Fundo com
mais alguns córregos se vai metter no Parabuna e esta na
Parahyba.
3 — Das Cabeceiras dos Coroados abri picada costeando o
mesmo rio e encostado sempre a serra com bastante trabalho e
perigo ; cheguei ao Rio da Casca que desagoa nelle, e nasce na
mesma Serra, gastando neste caminho 81 dias.
Fiz rossas na 'sua barra de uma e outra parte do rio^ e para
mais deligcncias, que nelle fiz, não achei o ouro que precisou
aos paulistas a deixarem as suas casas pelo «eu descobrimento,
porque ó tudo vargeria e matto grosso.
Desta barra dos Coroados correndo abaixo o mesmo rio dei
em um córrego, a que puz o nome Poço grande, gastei 7 dias
nesta picada. Puz*lheuma cruz por mostrar algumas ílsiiscas
d'ouro.
Não passei adianto por me faltar já o mantimento e temer
ao gentio, c assim atravessando os Coroados, vim com a nova
picada, e mais direita, sahir ao quilombo por entre maito fe^
chado, e vargerias. No quilombo lancei novas rossas, e delle
parti com toda a tropa para a Gnarapiranga, trazendo comigo
os negros, que tinha deixado nello com guardas, e sahindo nos
principies de abril chegou nos de Outubro do mesmo anno.
SEGUNDA VIAGEM
No anno seguinte de 1727 sahi segundo vei aos 17 de Maio
com 44 armas, vinte cargas, e sem o R. P, Manoel da Silva
Borges, que seguiu diversa picada. Passei o Gnarapiranga no
Sitio do Medeiros, o Xipotó no do Velloso, e abrindo picada até
o primeiro bi^açode um pequeno rio, que entra no mesmo Xi-
potó da parte do Leste, ti*es legoas abaixo do Velloso, reparti
NOTICIAS A DIOGO SOARES 265
nelle a gente, elevando comigo só dezoito armas, foi costeando
o rio, e o Xipotó, basoando-lhe as cabeceiras, nellas achei
o Mello, que trouxe então comigo para me servir de Pratioo,
e valerme também com algumas armas.
Pela mesma picada voltamos ao Sitio, onde tínhamos repar-
tido a gente, e achávamos Já no quilombo.
2— Nesta picada que Az para o Mello, achei signaes de gen-
tio ; e com efiEéito tinhSo morto ao mesmo Mello no seu mesmo
sitio a uma india, e nos mattos visinhos dois mulatos. Do qui-
lombo fui buscando o caminho e picada, que tinha deixado
feita no anno antscedeute, e para ella as rossas do Rio da
Casca ; cheguei aellas depois de alguns dias de viagem a 26 de
Julho dia de N. S. de SaQt*Anna,«e achei já nellaR. P.
M^moel da Silva, com a mais tropa, que o acompanharão.
Aqui me deixou o Mello, deixaado-me também só sete ar-
mas, por lhe ser preciso voltar as ua oasa, e não sem risco
pela noticia que teve de lhe fugirem delia os negros na sua
ausência.
3— Nestas rossas acheijà colhido os milhos, e feita nova
matalotagem, marchei abrindo picada ató o pó da Serra, onde
cheguei depois de quatro dias de marcha ; Subia no primeiro
de agosto com insuportável trabalho, em que gastei 7 dias, e
quatro em a descer, para que ó altíssima; passada esta, subi
logo outra Serra, entrando por uma quebrada delia, mas não
com tanta facilidade que não gastasse três dias em a subir e
descer ; e deixando outra a mão esquerda, que tem a ponta ao
Sul e corre como as mais qiiasi ao Norte, dei em um grande
ribeiro, a que dei o nome de Rio Fundo: e costeando por elle
abaixo sempre ao Sul encontrei outro, que se mete no mesmo
Rio Fundo, da parte de Leste, e nascem ambos nas ditas serras
da parte do Sul, e um e outro desagoa no Rio e Lopo e este na
Parabuna.
Gastei nesta picada 57 dias com os de falha que forão nove,
para descanço da Tropa.
Restabelecida a Tropa passei na barra este rio, e costeando
o Fundo um ou dois dias, me resolvi a voltar pelo evidente
perigo do gentio, que habita por todo o Rio Lopo, e tanto que Já
nos cahião noa ranchos, e nas picadas as folhas das suas
266 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
queimadas, e assim seguiu pela mesma picada o caminho das
serras, e antes delias tive algumas das folhas aoima ditas, e
descobri também no mencionado ribeiro, que entra no Rio
Fundo, boas mostras d'ouro.
4— Tornei a subir a Serra, e vendo, que era já tempo de
planta precisa para sustento da Tropa, busquei entre as duas
serras as cabeceiras do Poço Grande, e nellas lancei uma rossa ;
oocupou-se neste servigo alguma gente, em quanto eu com a
mais marchava ás rossas da casa da casca a prover- me de man-
timentos, conduzido esto á cabeça dos negros segui logo a mes-
ma serra pela volta que faz ao Norte, e desci por uma quebrada
gastando na viagem cinco dias.
Nestes dei com as oaBeceiras do Rio Abatipó, e correndo
por elle abaixo lhe encontrei as aguas mortas, e vermelhas em
bastante distancia, e vi, que estas despediâo ao depois em
uma grande e forte correnteza, que segui, e esperimontei
achando nella alguns signaes de ouro.
No ílm desta correnteza passei o Rio para a outra parte de
Leste, e socavando-o também achei ouro. Passado este dei em
outro rio, que nao sei, se é o que chamão Capibari e desagoa
no Ribeirão do Carmo, ou Rio Doce, se braço ou cabeceira
Rio Tapeba, porque lhe nSo vi a barra.
õ^Passado este busquei logo o Taplba, e depois o Rio CnyetÒ,
mas antes de chegar a ellè, me vi precisado a voltar-me por
medo e receio do gentio, que nelle habita, e é innumeravel, de
que eiuo signaes certos as muitas panella que achamos suas
por todo este caminho a lem de que já me achava a 8 de outu-
bro, visinho ás aguas, e era preciso plantar as rossas da Casca
e quilombo para sustento da Tropa, porque as da serra se tinhao'
plantado no mesmo teioapo que andei nesta derrota, e asam
volteia Casca em oito dias, o desta ao quilombo em cinco, dei lo
ao Xipotó em três, e desta ao Guarapiranga em um que foi aos
^ de outubro, deixando tudo preparado e prompto para no anno
seguinte fazer nova viagem com as plantas das três rossas
pelas mesmas picadas antecedentes, e passar a buscar os Rice
Arary, Preto e Pardo, e descer a ver na parte do Norte a oele-
bre Bituruna, onde dizem ha muito ouro, e sítios capazes de
uma boa Povoaçáo.
NOTICIAS A DIOGO SOAhES 267
TEROBIRA VIAGEM
Nesta terceira viagem, qae emprehendi para os meuâ des-
cobrimentos determiaava sahir no principio de Mayo de 1728»
e estando Já preparado com 50 armas, poucas para o fim que
intentava, todas como sempre a minha custa, o com o mais
necessário de pólvora, chumbo e bala, me resolvi a dar parte ao
general D. Lourenço d* Almeida, e valer-me juntamenta da sua
actividade, e protecção para me por prompta mais alguma gente,
pois a expedição a que agora sabia, era muito mais arriscada que
as duas antecedentes, e o sitio habitado de innumeravel gentio :
mas como as ordens que para isso se derao, nSo sortissem efléito
algum, <ando-me não s6 a gente, mas consumindo-se-me
nestas demoras o tempo, e os mantimentos, que tinha promptos,
me resolvi a deixar a viagem do Arary e Rio Pardo, e com
élles a da Bituruna, e assim costeando novamente a Xipotó,
busquei outra ves o Mello resoluto a lançar fora daqusUes mat-
tos um bon^ lote de gentio ooroado, que nos dias antecedentes
tinhão morto a taes brancos, e com effeito o flz gastando
dais mezes com esta viagem por me entrarem mais cedo as
aguas, e não me darem logar a poder passar adiante. — Luix
Borges Pinto*
NOTICIA — 2/ PRATICA
DADA PELO ALFERES MOREIRA AO P. M*. DIOGO SOARES
DAS SUAS BANDEIRAS NO DESCOBRIMENTO
DO CELEBRADO MORRO DA ESPERANÇA EMPREIIENDIDO
NOS ANNOS DE 1731 E 1732
SENDO GENERAL D« LOURENÇO DE ALMEIDA
notícia — 2.» PRATICA
Dada pelo Alferes Moreira ao ?• M. Diogo Soares
das suaa Bandeiras no descobrimento do celebrado Morro d«
Esperança euiprehendido nos annos de 1731 e 1732, sendo
General D. Lourenço d' Almeida.
1. — Sahi da Villa de N. Sdf^. da Piedade no Pitangul a 15
d* Agosto de 1731, com 20 armas, todas á minha custa. Cheguei
ao Bamboy, que ô ultima Fazenda do Rio de S. Francisco,
rio acima, depois de 20 dias de viagem, abrindo em todos elles
picada por mattos carrasqucnhoB» campos cobertos, e catan*
dubas : a poucas marchas passei o Lambary, que é um rio,
que nascendo emparelhado com o do Pitangui, entra nelle oito
Idgoas abaixo da Villa do seu mesmo nome : mas como perdi
o rumo, e temi as agoas foi-me preciso o voltar pela mesmi^
picada, em que gastei 15 dias.
2. — Tornei a tentar fortuna, vendo que se demoravSo as
agoas, nos princípios de Setembro sahindo pela picada antiga,
que vai do Pitangui para S. Paulo, mas abrindo-a de novo
por estar já. cerrada com o matto cheguei ao Cururú em 23
dias com marchas pequenas, e algumas falhas, depois de
passado outra vez o Lambary.
B* o Cururú um brejo grande, distar& pelo caminho velho
de S. Paulo da Villa do Pitangui, donde sahi só três dias de
viagem. Passado o Cururú cortei ao Pouente a buscar o Rio^
Grande com intento de emprehender o descobrimento do Morro
da Esperança, de que dizem os Certanistas antigos ter muito
e excellente ouro. Depois soube, que fora lançada, e plantada
esta rossa por outros aventureiros do mesmo Morro, mas sem
effeito. Situado fiz logo duas canoas, rodei nellas rio abaixo
dia e meio de viagem achando d'uma e outra parte do Rio
varias i*ancharias que ao depois me constou tinhão sido de
272 REVISTA IX) INSTITUTO HISTÓRICO
duis Tropas qu« sahirão do Rio dos Mortos para os Quayases,
pola parte em que a serra das Carrancas faz a primeira cabeça do
Rio Graode, e passado o Piauy entraram peia primeira bocayaa,
onde sabe um dos braços, oa primeira cabeceira do Rio do
S» Francisco, e buscando o oampo dos Cayapós, forão sabir A
estrada de S. Paulo, nu sitio a que chamão de Lanboso.
S. — A parte, que rodei do Rio Grande é limpa o boa, mas
para baixo tem innumeraveis cachoeiras principalmente até o
sitio, onde chamão o somidoiro que fica abaixo da barra do
Rio Sapuoay oito dias de viagem. São chapadas tudo, e
morrerias. Da rossa ou sitio em que ne arranchei lancei uma
bandeira, que se recolheu no ftm de cinco mezes de passados
innumeraveis trabalhos, perigos, fomes, e todas as mais misé-
rias, que costumamos experimentar em semelhantes emprezas
os Gertanistas. Busoon-me esta na rossa, não me achou ja
nelia por me ter recolhido a Pitangui suppondo-a perdi a.
4. — Nesta retirada que foi da rossa para o Pitaagui en«
centrei perdido naqnelles mattos ao Capitão Thomaz de Souza,
natural das Ilhas, que com outra bandeira buscava a altura
dos Guayases com o signal de três morros, em que nasce um
formoso Rio, que chamão o 'Rio das Velhas, desagoa no Par-
nahiba, este no Rio Grande ; recolhemos ambos ao Pitangui
onde ohegamoe a 23 de Junho véspera de S. João. Descansámos
na Villa alguns dias, os que bastaram para nos prover-mo.s
de pólvora, e munição, e voltando ao oertão seguimos ã minha
mesma picada, e a primeira que eu nelia abri, passamos o
Bamboy, e nos fomos arranchar no Piauy : gastamos nesta
derrota 23 dias por respeito dos cavalloi, em que conduzíamos
00 trastes e mantimentos.
5. —Do Piauy lancei uma bandeira que me gastou hum
- mez e foi buscar o Morro, onde as carrancas atravessão o
Rio Grande, e socavado o morro, aohou não ser o da Espe-
rança, eomo dizia o Guia : emfim não consegui então aquelle
descobrimento ; porque quando o quiz emprohender de novo
me desamparou o Guia, indusido d' um Bautista Maciel
Paulista, que se acha situado no Piauy, e o mais foi, que
não m) me privou do guia. mas ainda de cinco escravas
menos, a quem induzio também a me deixarem; e assim
NOTICIA —2.* PRATICA 27B
veado-me som gente, e sem meio para a dezejada oonquista
me tornei a reoolher ao Pitangui sem mais lacro, que o que
V. R. pôde inferir destas misérias.
6. — E' de advertir, que da Bocayna, ou primeira oabeceira
do Rio do S. Francisco a estrada gerai de S. Paulo para
03 Guayases, cortando os campos dos Cayapós, são onze dias
de viagem ; e da barra do Rio Grande ao Sapuoay seri
um mez por matto, e só quinze dias pelo rio. Do Sapucay
ao Morro da Esperancei serão ires dias : neste corta o Rio
a Serra íicando-lhe esta sempre & mfto direita ; fronteira ao
morro da Esperança fica o Bituruna— gaassu, este morro
exhala fogo, e ha muitas tormentos nelle : dizem que tem
muito ouro, e que pouco abaixo delle está uma boa aldeia de
Gentio. Do morro da Blturuna á primeira bocayna da serra
talhada serão oito dias de viagem, e desta & segunda bocayna
quando muito meia iegoa. Entre o Piauy, e a terra ha um
grande tremedal, em que são innumeraveis os mosquitos tem:
porem muito peixe e algumas poagàs de ouro. Os rios
dê canoas são os rios Grande e pequeno, o Lambary, o Rio
Verde, o Juruoca e o Sapucay, que é maior que este nosso
rio das velhas, e com muito mais cachoeiras, mas tem bom
peixe, a agua ó limpissima, e muito clara. O Alpsres Moreira.
491 — 18 Tomo lxiv p* i.
XOTICIA — 3.' PRATICA
QUE L>A AO R. r**. DIOGO SOARES O MESTRE DE CAMPO
JOSÉ HEBELLO VERDXQÂO. SOBRE OS PRIMEIROS DESCOBRIMENTOS
TAS MINAS GERAES DE OURO
NOTICIA — 3.» PRATICA
Quo dá ao R. P. Dio<;o Soaro.s o Mf^stre do Campo Jozó Rebollo
P.Tdijrão, sobre os primoipos descobrimentos das Minas Ooraes
do Ouro.
Manda-me Y. Revm", quo por serviço de S. Mag. que
Deo0 Gde. e como habitador dos mais antigos destas Minas,
o informe dos primeiros descobrimentos digo descobridores
delias principalmente do celebro, e precioso Ribeirão de Ouro
Preto, e dos mais que nelle entrão ató formar o famoso
RibeirSo de N. Snr*. do Carmo ; com particular individuações
do qne neista matéria souber, e como para semelhantes em-
pregos é a minha obediência cega direi o que se informou
ao primeiro Oenerai, que com esta incumbência passou ás
Capitanias de S. Paulo, de quem vim por Secretario do seu
Governo.
2. — Tendo-se feito presente a S. liAagestade o muito alto e
poderoso Rei D. Pedro 2.« de gloriosa memoria, qne para
estes oertões tinhão vindo os primeiros descobridores do ouro,
foi o mesmo Senhor servido mandar a Arthur de Sà e Me-
nezes, ás Capitanias de S. Paulo para lhe pôr em arrecadação
08 seus Reaes quintos, e passar igualmeute a estes grandes
e preciosos oertdes, e dar as primeiras normas precisas ao au-
gmento da Sua Real Fazenda, o que com eíTeJto fez indo pri-
meiro a S. Paulo onde se informou dos homens e certanistas
mais práticos, e fidedignos, do principio que ti verão estas mi-
nas, e sitio em qne se achavão, e com as suas informações
formou o Regimento, que fundamos nesta Capitania, com a
experiência do que vimos, e experimentamos nestas Minas, o
ô o mesmo, que hoje se observa uellas, remetteodo-se pri«
meiro ao Conselho Ultramarino, segundo o que ordenou o
mesmo Soberano ao Desembargador Josà Vaz Pinto, primeiro
superintendente das mesmas Minas.
HEVISTA DO INSTITUTO HlSTOniGO
278
3. — Pelas noticias que derão em S. Panlo os primeiros
Certanistas, quo yierão do descobrimento das esmeraldas oom
o Capitão-Mór Fernando Dias Paes, e principalmente pela d*um
Duarte Lopes, quo bzendo experiência em um certo Ribeirão,
que disse desaguava no Rio Guarapiranga, de que com uma bateya
tirava ouro, e tanto que chegava em Povoado a fazer delle varias
peças lavradas para o uso de sua casa, se animario os moradores
de todas aquellas Villas a formarem uma Tropa com o intento
de buscarem e descobrirem a paragem, ou certão da dezejada
casa da casca, onde disião era muito e precioso o ouro.
4. — SabiriLo estes do Povoado no Verfto de 1694, trazendo
por seus primeiros cabos, Manoel de Camargo, sen cunhado
Bartholomeu Bueno, seu gearo Miguel d'Almeida, e Joio Lopes
Camargo, seu sobrinho, que ainda hoje existe nestas Minas.
Chegados a Itaberaba flzerfto na sua serra as suas primaras
experiências, e descobrirão nella o primeiro ouro ; mas oomo
este descobrimento nSo fosse de grande lucro, pfosegnlo, o
dito Manoel de Camargo, oom seu filho Sebastifto de Camafgo,
a sua primeira derrota da ideada casa da oasoa, mas anios
de chegar a ella teve a infelicidade do o matar o seu gentio«
deixando só com vida ao tiiho com mais alguns negros, oom
quo este retrocedeu a viagem, retlrandose o gentio para o
matto, oomo natural delle.
5. — Depois deste primeiro descobrimento se animou a em.
prehender segundo um Miguel Qarcia, descobrindo na íbz da
Swra da Itatiaya um ribeirão a que deu entSo o nome, e se
chama agora o Qualaxas do Sul ; mas como neste descobri-
mento recusarão oa Paulistas, ou naturaes de S. Paulo, a dar
partilha nas lavras aos de Taubaté, desconfiados astes lan»
çarara sua Bandeira, e por cabo deila a um Manoel Garcia, e
oom tanta f^iicidaJo que em breve tempo descobriram o oe*
lobrado o rico ouro preto. Com osta notícia chegou de Po«
voado tanta gente, que apenas se repartiram três braças dn
torra a cada um dos mineiros por cuja cansa lançou nova Ran«
deira um António Dias, e correndo a mesma Sorra de^cobrio
o ribeiro que hoje ohamão do mesmo nome, que com a con«
tinuação e disposição que lhe derio, ó agora uma continuada
ru^, e forma a rica Yilla de Ouro Preto.
NOTICIAS A DXOGO SOARES 279
6. •— Com a mesma emulado fez 8ua tropa o P.* João da
Faria» e em breve tempo descobrio o Ribeiro de sea aome:
porém ooma os qoa tiabão mais armas, e mais séquito erão
seiw^ nestes desoobrimeiítos os mais bem aquinhoados, deter-
minaram os mal contentes formarem noras Bandeiras: uma
dietas deseobrio e socavou o Ribeiro que oluanão Bento Roiz,
Bome do Cabo, de tanta grandeza, que tiraram nel^ algumas
batesradas da duzentas e trezentas oitavas: sendo a pinta geral
de doas, e três oitavas ; e foi tanta a gente, que concorreu,
qqe no anno de IÔ97, valeu o alqueire de milho sessenta e
quatro oitavas» e o mais & proporção.
7. -** Outra Bandeira fez também o Capitão João lopes de
Uma, morador no Tibaya de s. Paulo, levando ooQudgo ap
P.^ Manoel liOpes, seu irmão ; o Buá, de alcunha^ e desço-
bilram o fiunoso ribeirão do Carmo, que mandou r^partir^ es-
tando já em S. Paulo, o meu General, nomeando para M^o
por Quarda-M6r destas Minas ao Sargento-Mór Manoel iiopes
de Medeiros ; O ouro deste novo ribeirão se avaliou então por
melbor, que a do ouro preto, por este der miUs agro, e de se
ftier em j^daços ao pâr-se-lhe o cunho, tanto que se Julgou
por inútil, çhegando*se a vender a oitava por doze e treze vin-
téns, na Cidade da S. Paulo, motivo porque se abandonou três
vezes aquelle descobrimento, como ou presenciei.
8. — Este ribeirão do Carmo se repartio coisa de duas legoas
em 15 de Agosto de 1700, dando o descobridor a esperanoa do
que para baixo se seguião maiores pintas, e assim se tem ex-
perimentado em tantos annos, que se tem lavrado o dito Ri-
beirão. Passados dois annos se descobrio também o Ribeirão
de António Pereira, nome do descobridor ; a que chamão hoje
Qualaxos do Norte : e como este descobrimento foi só nas ca*
beceiras do dito ribeiro, passou a descobril-o uo n^eio Sebastião
Roiz da Qama,porque o seu fim ou barra a descobrio um João
Pedroso, descobridor ^também do Rio Brumado, e da do Semi-
douro, que não derão menos riqueza. Estes rios desagoão ambos
no de Miguel Oaroia, ou Qualaxos do Sul, e todos no RibelrSq
do Carmo Junto ao Forquim»
9. — No mesmo Ribeirão do Carmo desagoa o Ribeiro do
Bom Successo, que descobrio o Coronel Salvador Fernandes
280 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Fartado, deu muita grandeza, e foi o sou descobrimento um
anno depois do de Ribeirfio, e o mesmo Coronel o repartio por
ordem do meu General, com este exemplo continuaram os mais
Mineiros a proseguir os seus descobrimentos, Ribeirio abaixo:
e o primeiro que o investigou, foi o GapitSo António Rodova-
lho, distancir de dez léguas pouco mais oa menos, hoje do Ouro
Preto, e enUo 6 dias de viagem, e se situou, onde V. R."^
me acha agora situado. Passou mais abaixo JoSo Lima Bom-
íistnte, e se sitiou, onde hoje é a Freguezia do Bom Jesus do
Ifonte, chamado commummente Forquim, e o que depois foi
mais abaixo, foi o P.^ Alvarenga, que investigou muita parte
deste Cert&o. O ultimo de todos que se situou neste Rio foi
Francisco Bueno de Camargo, grande Certanista, e lançou o
seu primeiro sitio junto a barra, em que este Rlbeir&o se íd-
corpora com o Rio (luarapiranga, maior que todos os mais,
e que desagoa nelle por três grandes bocas.
10. Todos estes descobrimentos se íiserSo do anno de 1700
para diante. Esta informação a dou a V. R."** por me achar
morador nessas Minas, e neste Ribeir&o do Carmo ha perto de
32 annos, e como V. R.»* me nio encarrega a noticia das
mais partes, a não dou, o que íkrei sendo necessário. D.*
G/<» a V. R.»* Sr. Ribeirio abaixo, 2 de Janeiro de 1733,
José Rehello Perdigão,
NOTA PRIMEIRA
Depois de alcançada esta noticia que ao depois experi-
mentei ser verdadeira, se me dice no arraial de S. Caetano
3 legoas antes do do Forquim, e aonde fiz esta mesma di-
ligencia que os primeiros seus descobridores forâo sim o dito
António Rodovalho da Foncooa, mas acompanhado do Capitão
Francisco Alvares Correia, e Sebastião de Fieltas Moreira, e
que estando arranchados no Pissarão cam suas rossas, as
deixaram ; e entraram a descobrir pelo RibeiriLo abaixo tudo,
o que corre até o Forquim, e que a primeira rancharia,
que tiohão feito, fora no morro Grande, oode e:?tiveram
NOTICIA A DIOGO SOARES 281
alguns mezos lavrando o dito Ribeirot donde passaram de
pois ao Forquim arranchando-8C e lavrando nelle, e qae
isso haveria pouco menos de 30 annos.
NOTA SEGUNDA
o Ribeiro a que esta Noticia chama de Miguel Garcia
mm primeiro descobridor, não é o verdadeiro Gualazos do
Sul, ainda qne é cabeceira sua ; porque este nasce na Serra
da Itatiaya» e o Garcia unido com o do ouro branco entra
no do Gualaxo pela parte direita junto ao sitio, onde hoje
tem as suas lavras o Dr. Guido. O mesmo succede ao Gua-
laxo do Norte, com o de António Pereira, que sendo diver-
sos Ribeiros correm a unir-se com o mesmo nome. Notas
Ao estas, que nSo mudSo a sustancia desta noticia, mas sâo
precisas para algum escrupaloso, etc.
NOTICI\ — 4. \ PRATICA
QUE T)A AO R. P. DIOGO SOARES O SARGENTO MÓR JOSÉ MATTOS
SOBRE OS DESCOBRIMENTOS DO FAMOSO RIO DAS MORTES
NOTÍCIA — 4.» PRATICA
Que dá ao R. P. Diogo Soares, o ISargento-aiôr José Maltos sobre
os descobrimentos do Famoso Rio das Mortes.
O que posso iaformar á V. Revma. sobre o qae me
ordeaa, é, quo oo aono de 1702, pouoo mais ou meãos, des-
cobrio Thomó Portos d'£l-Rei juoto ao sitio, em que boje está a
Villa do S. José, um Ribeiro que ello, como substituto, do
Guarda-mór Garcia Roiz Paes, repartio entre si, e alguns
Taubatoaoos, onde formaram todos um arraial, a que dorão
o uomo de Santo António, levantando nelle uma pequena
Capella com a invocação do mesmo Santo, e nesta teve
principio a primeira Freguezia deste districto.
2. No anno de 1704, com pouca differenca, morando
sobro o Rio das Mortes desta parte, aonde hojo é, e foi
sompro o porto da passagem, António Garcia da Cunha Ta-
batiano, que por morto do dito Thomó Portos, sen sogro,
succedeu em Guarda-mór para a repartição das terras mi-
neraes, assistia na sua visinhança um Lourenço da Costa»
natural do S. Paulo, que sorvia ao dito António Garcia de
bou escrivão das datas ; osto descobrio o Ribeiro que corre
por detraz dos morros dejta Villa de São João, para a parto
do Noroeste, e foi repartido entre varias pessoas oom o nome
do S.' Francisco Xavier, e tem dado, e dá ainda hoje ouro, e
n^ só no principio do seu descobrimento, mas em alguns annos
depois so lhe acharam em algumas paragens pintas ricas.
3. Neste mesmo tempo um alho de Portugal chamado
Manoel João Barcellos, descobrio pelo morro desta Villa, em
que hoje so minera muito, e bom ouro, o foi o primeiro
quo se descobrio polo campo fora dos ribeiros, e suas mar-
gens. Descoberto e repartido o dito morro, o primeiro que
nelle se poz a faiscar foi um Sr. Pedro do Rosário, da Ordem
286 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
de S. Panlo e a seu exemplo os mai« que tinhSo na
dita repartição sua parte, acharam estes pela raiz do capim
muitas e boas manchas, a que naquelle tempo chamavão pa-
nollas, de 300, 500 e 700 e mais citaras com tanta flMilidade
que convidados delia alguns dos visinhos, e outros vindos
de fora, uns pedindo alguns restos do dito moiTO, e outros
assoeiaudo-se, formarão arraial ao pá do mesoio morro, pela
paragem que está da Matriz atô ao mesmo morro, com uma
Gapelia dedicada a N. S. do Pilar, que depois foi a
segunda ft*eguezia, e assim lhe deram o nome de Arraial
Novo de N. S. do Pilar em razão do Arraial de Santo
António ser primeiro, pelo que ficou sondo arraial velho
nome que perdeu creando*o Villa no anno de 1718, ò Condo
d^Assumar, D. Pedro d' Almeida, sendo Governador e Gene-
ral destas Minas, e dando-lhe o nome de S. José quatro
annos depois da erecção desta por D. Braz Balthazar da
Silveira, seu antecessor no anno de 1714, debaixo do titulo
de S. João d'El-Rei.
4. Nesta, e na de S. José, e seus termos se lavra
atô ó presente por terra, e pelo mesmo rio das Mortes, e
suas margens, e se tem topado em difforontes tempos com
boas pintas, o grandes manchas ; porque da outra parte do
rio, aonde chamam o Córrego, que também ó descoberto
desde o principio destas Minas, se tem dado varias catas
de grandes conventos, como também por matto dentro da
Villa de S. José, e ainda na mesma VlUa com boas e ricas
Guapiaras.
5. Nesta rossa de S. João se tem achado polo pó do
morro delia varias manchas de consideração na primeira
fbrmação, e na que chamam segunda muito maiores pxo-
í\indanão*a alguns dos mineiros, que a tem lavrado pela
baixa do mesmo morro, que corre da parte do Ribeiro da
Villa para o poente, por alguns signaeSi que toparão na
primeira formação ; como também pela vargem, que se estendo
pelo mesmo Ribeiro da Villa até onde chamão o Tejuco, se
tem extrahido muito ouro*
6. Tanibem no mesmo rio das Mortes no sítio a que
chamão o Cuyabã se tirou estes annos próximos uma grande
NOTICIA A DIOGO SOARES 287
mancha de pedaços d*ouro, no mesmo anno de 1730 tirou o
CapitSo Jofto Ferreira dos Santos, uma ezeessiya grandeza»
harendo tirado no mesmo Cuyabá, 5 ou 6 antes, em todos
elles bastante ouro: no mesmo anno de 1730 teve a mesma
íòrtnna João d^Oliveira, e seus sócios, tirando igual gran-
deza a de João Ferreira dos Santos, e só com a diíTerença,
que este o achou no yeio do Rio, e aquelle no barranco
do mesmo Rio, e no sitio, que partia com o veio, que
lacrou o dito João Ferreira dor Santos ; e assim por todos
06 barrancos de ama e outra parte se tira actualmente bas-
tante ouro. Como também pelo veio do mesmo Rio nas suas
Itaybas, ou ilhas cobertas d'agoa, tirando-se de mer-
gulho ; porque onde as nâo ha de faísca com Oanôas ar-
madas de uns ferros á maneira de colheres.
Todo este louvor se faz excessivo trabalho, valendo«so
todo para esgotar a agoa da força de negros com bateas
ou outros engenhos de rodas e rodas sobro rodas mas com ser
igual o trabalho o proveito é de peuoos porque os haveres só
são para quem Deus os tem determinado eto.
A' pag. zn — Noticia, 2» pratica * Nota (2), ha esta
lacuna:
€ Chegando ao Rio Grande com bastante dias de viagem
me arranchei em uma rossa que achei plantada nelle : re-
colhi o mantimento, rossei e plantei de novo outro •> Depois
soube etc...
NOTICIAS PRATICAS
COSTA E POVOAÇÕES DO MAR DO SUL
B RS8P03TA QUE DBU O 8AR0BNT0-MÓH DA PRAÇA DB SANTOS MANUBL
GONÇALVBB DB AGUIAR, ÁS PBROUNTAS
QUE LIIB FBZ O GOVERNADOR B CAPITÃO-OBNBRAL DA GIDADI
DO RIO DB JANBIRO E CAPITANIAS DO 0UL.
ANTÓNIO DB BRITO B MENEZBS, 80RRB A GOSTA B POVOAÇÕB.S
DO M£!JMO NOMB
491—19 Tomo lxix p. i.
KotitiM pmicag li CMtii e FDTOKfin lo Mar ii
NOTICIA- 1.» PRATICA
E resposta que líen o Sar-ento-mór da Praça de Santos, Manoel
Gonçalves do Aguiar, ás perguntas que lhe fea o Governador e
Capitão General da Cidade do Rio de Jaiíeiro, e Capitanias do
Sul, António de Brito e Menezes, sobre a costa e povoações do
mesmo mar.
1.» PE Ra UNTA
Se a entrada da Ilha de Santa Catharína ó fácil a toda a
casta de navios, ou se necessita de monção alguma, assim de
ventos, como de correntes de aguas?
RESPOSTA
Digo que a dita entrada da Ilha de Santa Catharina é sim
fácil a toda a casta de embarcação, mas não tanto, que possão
estas passar da Ilha de Ratonez, onde costumavão dar fundo os
navios Francezes, que ião e vinhão do mar do sul em tempo,
que tínhamos guerras com eUes, como ainda agora o •stão
também fazendo, uns a refrescar-se, e fazerem agoada, e lenha,
e outros a esperarem o tempo das monções chegando ali antes,
ou depois delias ; porque dos Ratonez até a Povoação só podem
entrar Samaoas, ou Patachos pequenos, que demandem pouca
agoa, porque em partes tem somente duas braças de fundo, o
que se entende entrando os ditos navios, pela barra do
Norte, que entrando pela do Sul só Sumacas grandes, ou Pa-
tachos pequenos podem chegar á Povoação, sahindo por uma
barra e entrando por outra, tudo por dentro d% Ilha e terra
292 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Também na barra do Sul costumão dar ftindo os Francezes
entre uma Ilha que fica na boca da mesma barra, e a Ponta da
terra flrme. onde puzerio um marco ou padrão que amda h(we
extete sobre adita Ponta daa Pedra», e ahl fezUto agoada, e
lenha, mas com nSo pouco risco do darem i costa, entrando
iCue^ ventos Sueste ou Sul. Para se buscar ^ta l^a nio
2e necessita de monção, e menos o esperar mar6s. mas com
torrS^mpo se navega para cila por (kzer um como cabo
H Aflta Gosta do Sul .
sem embargo de que revirando os ventos Sues no seu
tempo dar* detrimento a se alcançar.
a.* PERGUNTA
se os navios que estão ancorados no Porto da Ilha estão
seguros de todos os ventos, o do todo o mar?
RESPOSTA
Respondo, que os navios na Ilha. e porto dos Ratonez estão
seiruroBdos ventos tendo boas amarras, e do mar muito
melhor, por estarem entre a terra arme, e a Ilha onde so-
ment^ ha mat quando venta. E' verdade que no Porto da
Povotc-al) tem as Sumacas o Patachos, que nelle «tão muito
mais abrigo, assim dos ventos, cómodo mar.
3.» PBRGUNTA
Se ha abundância de peixe, e se tem capacidade para se
fazerem nella pescarias de Baleias ?
RESPOSTA
Não ha duvida, que ha na dita Ilha bastante peixe i«ira so
moradores que nella morão. o tanto que fazem suas secas ; que
^írcgâo as Suniacas. que ali vão para negocio, mas se se po-
^r^combasunte gente, terão o preciso para o sustento
líf^ra secas só as poderão fazer no tempo do P^^aq"^ ^o
íuercspeit. a pescaria das baleias, respondo, que nao tema
dUaíha capacidade alguma panv isso ; porque pelos baixos que
NOTICIAS A DlOr.O SOARES 203
tem nao entrão baleias nella. Só no Rio de S« Francisco se
poderá fazer uma boa pescaria, e melhor, e mais suave que a
do Rio de Janeiro. A mesma so pôde fazer em Santos com
não menos commodidade.
4.» PERGUNTA
Se a Ilha ó sadia, se tem bons ares, e boas agoas ?
RESPOSTA
E' sem questão, que de todas as terras, que ha povoadas
nesta costa, é esta a Ilha a melhor, e a mais sadia, e com as
melhores, e mais saudáveis agoas, e com os ares semelhantes
aos de Portugal, assim na Ilha, como na sua terra íirme.
5.* PERGUNTA
Se a terra é montuosa, ou campina das a que chamão
Massapé ?
RESPOSTA
Digo que a terra da Ilha é toda Lavradia, tem algamas
campinas, e os montes, e serras que tom so lavra ao pé delias ;
não é massapé, ma? é uma terra de areia grossa que sempre
está (Vesca, e ])or isso produzem nellas todos os mantimentos
por sor a mais delia com pedregulho miúdo.
6.* PERGtJNT.V
Se do tempo em que foi povoada lho íicou algum gado^, que
moradores tem, e se farão mais em outros tempos, que frutos
dá, o de que se sustentão seus moradores ^
RESPOSTA
Não ha duvida, que, do principio que foi povoada esta
Ilha atô o presente, sempre teve moradores, o o gado sempre o
conservarão, ou pouco ou muito antes que França tivesse
guerra comnosco havia mais do que hoje tem poros seus
corsários lhe matarão quasi todo em um campo chamado
Aracatuba, que flca na barra do Sul na terra firme.
294 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Este gado teve sea principio na Ilha, pelo lerar a ella da
Villa de Coritiba um morador da mesma Ilha: passando-o em
balças pela mesma costa do mar. Os moradores que actual-
mente tem nâo passâo de vinte e dois oazaes. Dá todos os
frutos do Brazil, e também os da Europa, como trigo, uvas, a
flgos. O de que por ora se sustentão é mandioca em ftirinha,
milho, feijão, ftimo, e peixe.
7.» PERGUNTA
Se a Ilha pela parte do mar tem algam desembarcadoiro»
ou se a terra ó em alguma parte baixa com capacidade para
elle?
RESPOSTA
Em toda a Ilha, assim pela parte do mar, como pela da
terra ha varias enseadas com suas praias de areias, onde se
pôde facilmente desembarcar, e nas mais das ditas parages tem
terra raza, sem embargo de que pela parte do mar, s3ndo o
tempo ruim, não se desembarcará sem perigo» principalmente
nSo sendo pratioo.
8.* PERGUNTA
Se a Ilha da Galé tem porto em alguma parte, agoa, e
lenha ?
RESPOSTA
A Ilha da Galo ó rocha toda do feitio, e forma de uma Galo
que lhe dá o nome e assim não tem porto algum, agoa, ou
lenha.
9.» PERGUNTA
Se a Ilha do Arvoredo, que também ahi fl&a tem algumas
das ditas cousas ou propriedades ?
RESPOSTA
A Ilha do Arvoredo, que est& fronteira a da Galé, é sim
maior que elia, e coberta toda de arvores ; tem alguma agoa,
mas pouca, e sem porto nenhum, por ser tudo pedras em roda.
NOTICIAS A DIOGO SOARBS SÔ5
10> PBÍIGUNTA
Se a terra flrnie froateira & Ilha de Banta CAtliarina a que
chaiúto Maodtíy é monttio0&, coberta de tnattô, abundante de
Agoas, 6 de boná ares ?
11K3P0STA
A terra quo fica fronteira á Ilha de Santa caihari&a nito le
chama Maodiiy, mas Mariguy : esta tem seas montes não muito
altos : tem vargens lattudiaá todas cobertas de mattos, tem
aboadanciu de agoas com vários rios, e com os loesmos ares que
06 da Ilha por estar & vista uma da outra.
11.» PERGUNTA
Que coisa é a Bnseada das Guaroupas, e se defronte delia,
ou da Ilha da Galé, ha também alguma Bafaia f
RESPOSTA
A Enseada das Giiaroupasi é uttta enseada eapaa de reééMr
em si uma armada, e aonde pôde fkíèr ésti a^a^ e lenh&, mn
hottò adooi^as é afnafras : e de nma llbotà ()úe teiíl da dit&
Shséadá pái^a a terfa podem estAr Sttffièu^ se^nras de todds
os ventos amarradas com qualquer cabo: mas nem pc^i* Mo 6
capaz de se povoar, por que as suae serras vem ter ao mar, e
assim não tem terras, mais quo s6 praias.
De fronte da Uha da Galo fica uma Bnseada ou bahia, a que
chamão da tojuca a Lés-sudoeste delia ; e esta Enseada ou
Bahia poucas embarcações dão fundo nella, porque os f erraoa
são sempre ali continues, e eon grande força, alem de ter
também bastantes lages sobre agoadas.
12.* PERGtJNtA
911 entre o Rio TamàúdaM e Mandtiy ha gentio algum, e te
M r^ssgate f Sle ós tátíipoÉ Ma perto, e tl^ ha ftedétt gééô í
296 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
RESPOSTA
Em toda esta costa do mar do sul nSo ha rio, que se obama
Tamandaré, Dom Manduy : 86 abaixo da Povoação da Laguna
ha um rio chamado Taramandy 30 léguas pouco mais ou menos
ao sul da dita Povoação ; e ao Norte deste rio está ontro a qae
chamão Ibopetaba ; e nem em um nem om outro ha já gentio,
nem fbmo delle, e nelles tudo são campos até o pé das serras
com muitas e varias Lagdas.
13." PERGUNTA.
Se ha noticia, que os castelhanos neste oertão, ou nesta
visinhança venhão buscar a Erva chamada Congonha, ou fazer
alguma descoberta, de que tenhão noticia os Paulistas ?
RESPOSTA
Pelas noticias que me derão os moradores da Laguna no
anno de 1716 em Janeiro que ali estive sei, que os Castelhanos,
donde se provião das congonhas era da Cidade a que chamão
Paraguay, e outros legares circumvesinhos, e princijBalmente
das aldeias dos P. P. da Companhia Castelhanos, que todos flcão
pelo rio de Buenos Aires acima e da nossa parte, e que ahi
fazião negocio para a levarem para a outra banda da parte
do Peru ; e sobre fazerem alguma descoberta não ha noticia
alguma.
14.* PERGUNTA
Se fazendo-se uma fortaleza na Terra arme, ou na Ilha de
Santa Catharina defendera, e impedirá a entrada do seu porto
a todas as embarcações ?
RBBPOGTA
Ainda que se fizessem não só uma fortaleza, mas quatro,
era impossível o impedir-se a entrada de navios, e defender
aquelle porto, ou fossem na terra firme, ou na Ilha, principal-
mente na barra do Norte, que ô a melhor, e a mais segura ;
porque onde os Navios dão fundo nos Ratones ha de ter mais de
NOTICIA A DIOGO SOARES 297
nma legoa de largo ; e só na paragem onde chamão o estreito,
ou na terra firme, ou na Ilha, é« que se poderá faier uma boa
fortaleza para defesa da Povoaçfto ; porque de qualquer das
partes a descobre* por ser um tiro de mosquete seguro de pon-
taria de uma, e outra parte.
15.* PKRGUNTA
Que Rios ha desde a Ilha de Santa Catharína até o Porto
ou Rio Grande da Lagoa de S. Pedro ?
RBSPOSTA
Da Ilha de Santa Catharina até a Laguna ha 3 rios :
o I ."^ junto á Uha, a que cbamâo Ivay, o 2.<» que sabe de uma
Lagoa chamada Blariqnira, o 3.« queé a barra da Laguna.
Deste ao porto de S. Pedro ha outros 3. O I .'^ é o rio Ara-
ranguá, o 2.o o Ibopetuba, e o S.** o Taramandy. Antes de
chegar ao dito Porto ha também uma lagoa que terá de
oomprido 14 ou 15 legoas pouco mais ou menos chamada
Boripú, que em occasiio d*agoa8 abre barra. Em todos estes
rios nao entrSo nem ainda lanchas, excepto no da la^na, em
que cntrão também Sumacas*
16.* PERGUNTA
Que distancia ha do Rio Taramandy ao Porto de S. Pedro,
que qualidade tem este Porto, se tem terras altas, ou campinas,
se tem muito gado, boas agoas, bons ares, e se ó fértil, e habi-
tado de gentio, que fluça algum resgate ?
RBSPOSTA
Do Rio Taramandy a barra do Rio Qrande, e Porto de
S. Pedro fazem 30 legoas. As qualidades das terras, segundo as
noticias, que me deráo vários moradores de todas aquellas
Povoações, que cruzarão estas Campanhas no tempo do Gentio,
sâo as melhores, e as de mais fertilidade, que tem todo este
Brazíl, o que tudo melhor consta das certidões, que me derâo
Gamaras, e moradores de todas as Povoações desta costa, em
298 REVISTA DO INStlTUTO HISTÓRICO
daas òòeasiões, que fai a ellas em diligenoias do serriço de
S. Mageatade. a 1.* por ordem de Francisco de Castro Moraes,
sendo Governador e Capitfto General da Cidade do Rio de Ja-
neiro, sobre haverem informado a S. Mageatade de ser capaz
a enseada daa Guaroupas para nella se ftmdar uma cidade, —
a 2.* por mandado do Governador e Capitão General Francisco
de Távora, acerca dos mesmos particulares, e outros mais do
serviço de S. Mageatade que umas e outras certidões remetti
aos ditos Governadores, das quaes constSo as conveniências que
se podem ter de as povoarem S. Magestade e seus Vassalloa,
como também das qualidades das terras.
SSo as mais destas, campos, e por alguns rios tem algumas
madeiras boas, e de toda a casta. O gado, que ha nellas é só
da outra parte do Rio chamado de Buenos Aires. Dizem-me,
que iUdo-Se por um rio dentro, a que chamSo Cabopoana, por
onde pode navegar a maior Sumaca,ou Patacho, se vai matando
da mesma embarcação o gado preciso para o sustento, e que
este lio éorta por toda a campanha até dar perto dos Cas-
telhanos.
Dizem mais que as agoas todas até a Barra do Rio Grande
g&o doees, os ares os mesmos de Buenos Aires, e com muita
mais ventagem a sua fertilidade, porque os veados, e mais
caça é como o gado,— o peixe tanto, que pôde carregar ftottas,
e que nos Lagamares se apanha só com cestos : são pouco
habitadas da Gentio, e só ao pé da Serra, e antes de chegar a
qUa se voem bastantes fumaças de Gentio bravo, mas este não
oommercea oom ninguém.
1?.* PERGUNTA
Se a lagoa tem mais de 18 ou 13 legoas, em que logar fica.
•e tem peixe, e se é habitada de Gentio ?
RESPOSTA
A lagoa a que hoje chamão Laguna tem 10 legoas de
comprido, e fica ao Sul da Ilha de Santa Catharina 15 legoas,
e é tão abundante de peixe, que todos os annos sahem delia três
e quatro embarcaçóes carregadas, é podeito sahir mais se
NOTICIAS A niOGO SOARES 299
houvessem nella moradores bastantes para fazerem: tem
actualmente triata oasaes, e a povoa^^o o TituLo de Santo
António da Laguna, que ó Orago da Matriz. Foi o seu primeiro
Povoador o Capitão-mór Domingos de Brito Peixoto, com mais
alguns camaradas, e assim n&o ha nella mais gentio algum mais,
que o que assiste oom os moradores.
18.* PERGUNTA
Se o Porto, e entrada do Rio Grande de S. Pedro é fácil em
todo o tempo a toda a embarcação, que altura tem de fundo e
que distancia do boca ?
RESPOSTA
A entrada do Rio Grande de S. Pedro é ao presente
difflcultosa, por não ter agora entrado na dita barra, Sumaca
alguma grande; mas será muito fácil a qualquer Sumaca ou
Patacho o entrar nella se levar bom pratico, e se governar pelo
mappa, qu3 agora fiz desta Costa, principalmente navegando
na monção de Setembro atô Janeiro do N. para o S. A altura
que tem entre os bancos íóra da barra são 3 braças, e obra de
legoa e meia ao mar tem duas braças e meia de ftindo, em um
banco que tem, mas não quebra nelle o mar, de sorte que tenhão
as embarcações perigo nelle : sem embargo de que eu fallei
nesta Villa de Santos com um Inglez, e me disse haveria 8
aunos, pouco mais ou menos entrara no dito Rio Grande com
uma fragatinha corrido do tempo, vindo do mar do sul, o que
sahira com bom suocesso. Terã este porto na barra pouco mais
de legoa, mas dentro pôde estar, e andar a maior nao que
houver.
19.* PERGUNTA
Depois de entrada a barra, que forma ioma a terra ? á que
rumo corre, e se lhe entrão muitos Rios f
RESPOSTA
A Costa corre Nordeste Sudoeste, e o mesmo corre a terra.
O Rio dentro corre ao noroeste, recebendo em si 6 rios, e uma
Lagoa, alem de vários riachos, de que se nfto faz conta.
300 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
20.« PBROUNTA
Qae gentio povoa esta marinha, e se o que liabita o fundo
desta Enseada tem tido algum commeroio com algumas embar-
cações nossas, e se fez algum resgate com ellas, se tem ouro,
e ák mostras de haver grande abundância delle, como também
de gados para se fazer courama ?
RESPOSTA
O Gentio que habita esta marinha chega até Castilhos,
Maldonado, o Monte Vodio; 6 gentio livre, o os mais delles das
Aldeias dos Padi'es da Companhia Castelhanos: uns em quanto
tivemos guerras vinh&o acompanhar aos Castelhanos que
estavão de guarda em Monte Vedio, e Maldonado, como também
o fazião 03 das Aldeias: outros nesse mesmo tempo negociavão
com os Francezes, receosos sempre de que os Portuguezes
passassem aos doâ Portos a povoa-los, e assim quasi todos os
mezes se achavão nelles três, e quatro navios carregando d®
courama, e cebos, que lhes vendião os Índios : o que sei pela
noticia de um mesmo Castelhano, que esteve em um dos ditos
navios Francezes naquelles portos, o qual se acha hoje casado
no Rio de S. Francisco em que o deixou um navio Francez
voltando dos mesmos portos: e não tenho noticia nem até ao
presente a h4, de que embarcação alguma Portugueza passasse
aos ditos portos a commerciar com o.^ Castelhanos, ou índios ;
só o que sei é que alguns moradoros da Laguna forão ao centro
desta campanha a resgatar algum gado, e cavalgaduras, e com
t^eito fizerão o dito resgate com os Índios, e as conduzirão para a
mesma Laguna, trazendo em sua companhia alguns dos índios,
que tornarão a voltar para as suas toldarias, o campanhas.
A noticia que tenho, e me d')r&o os moradores da Laguna
sobre o ouro, é que das cabeceiras do rio a que ch:imão Tecuary
havia bastante copia delle, e que as o buscassem em todos os
mais, que desagoão, como este no mesmo Rio Grande o acharião,
segundo as disposições das terras, ;y o não estar )i descoberto
fora por estimarem mais que o Ouro, o gentio para so servirem
doUe, como também por não ter ma*s valor entre elles que 320
NOTICIAS A DIOGO SOARES ^ 301
a oitava, e menos qaintado. Também me disserâo que em
direitura do mesmo rio grande na serra chamada Botucarayba
havião minas de prata, por noticias, que havia dado um Índio
apanhado naquellas partes a Francisco Dias Velho, e ao Capitao-
mór Domingos de Brito Peixoto ; e com eífeito forão estes com
uma boa tropa a certificar-se do dito, e subindo peia serra
chegarão perto do morro, onde o Índio dizia havia a prata, mas
ouvindo alguns tiros 4e espingardas, e mandando explorar o que
)seria, acharam situados já naquella mesma parte aos P. P.
Joznitas Castelhanos com os seus índios com caminhos feitos de
Carros, e cavalgaduras em que conduzião a prata para as suas
Aldeias, e como forâo sentidos, vendo ser maior o poder dos
ditos P. P., o receando o ficarem todos mortos na empreza, se
retiraram logo par < a Laguna, e certificaram que desde as
cabeceiras do Rio (irando a estas minas pozerão 15 dias só dê
viagem, e 6 unicamente na volta pulo medo de que os seguissem.
No que toca a abundância de gado dizom-me que em tempo
de secas descem inumerável ao dito Rio a beber agoa, e que no
mais do tempo para se fazer courama é fácil sahir a campanha
a faze-la principalmente havendo cavallos, o que os mesmos
índios nos vendem, excepto no Rio Cabopoana, como já disse em
que pelo gentio, que o habilitava, ser bravo, é mais diíficultosa
a courama.
21.» PERGUNTA
Em que parte se pode fazer uma Povoação conveniente
assim para se aproveitar de toda a utilidade, como para o
augmento da nova Colónia, e promptidão para os seus soocorros,
assim dentro deste Porto do Rio Grande como fora da Costa do
mar, ou perto da Ilha de âanta Catharina?
RESPOSTA
Duas paragens julgo próprias para duas Povoações que
sirvão de soccorro, e utilidade a nova Colonix do Sacramento,
no Rio Grande de S. Pedro, dizem todos os que nelle estiverão,
e cuidaram aquellas campanhas, Rios, mattos, e serras, que não
só se pode fazer uma cidade muito grande, mas de grandes
conveniências para sua Magestade, e seus Vassalios, segundo
302 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
oonsta das Certidões das Gamaras, e moradorea das Povoações
ddsta Gosta, em que affirmio haver nelle ouro e pedras de valor,
achadas por yezes naquellas terras, como também abuadancia
grande de prata, e muito maior de gado, que com facilidade
se pôde conduzir da campaaha, e crear aaquelles campos
havendo moradores, que o domestique. Do peixe se podem
carregar muitas embarcações que o trausportem á Colónia
quando o não quainiiO levar por terra em cavallos ou carros,
por sar tudo campanha rasa, e de bons caminhos para isso.
ESsta mesma bondade dos caminhos facilita á mesma Colónia
iodo o socorro, que se lhe queira fajser por terra em caso de
necessidade, por que pode succeder ser em tempo, que nSo
possam sahir daquelle porto as embarcações destinadas para
isso por neisasitarem da ooigunção, tempo, e marés. Verdade
ó que nSo pode entrar por ora navio na dita barra, mas segundo
me parece, de se povoar, e houver navegação, £»rá a
Continuação t^\U o que agora se julgar dificultoso, como
suceedeu ao princií^o na barra da Laguna, que sendo peri-
gosa ao principio a entrada, hoje a faz Bem receio qualquer
Sumaoa.
B* preciso porem se faça na barra do mesmo rio uma Torre,
eu no Pontal do Norte, ou no Sul para divisa não só das em-
barcações que a buscarem por ser tudo terra raza, mas ainda
para impedir, o reprezar os soldados que desertao da Colónia.
A outra parte própria para o socorro da Colónia ó a ilha
de Santa Gatharina pela facilidade com que se lhe pode aeodir
daqnèila Ilha por mar, e em todo o tempo, assim com madein»
que as tem exeellentes, como com mantimentos que os produs
de todo o género com abundância. Povoando-se esta Ilha po-
derão formar nella seus moradores alguns Bngenhos de assuear,
porque as suas canas, são tão pingues e assucaradas, que qual-
quer pingo delias se íiiz em assuear; a sua entrada não de-
pende de monção, de dia ou de noite a pode tomar qualquer
navio, e sahir delia; e para a sua defesa bastara uma única
fortaleza no Estreito, e para impedir dos inimigos as lenhas,
e as aguadas com uma companhia de Infstn teria paga entre
aquelles mattos se consegue fibcilmente como o tem jã conse«
gvsiào por vezes os poucos moradores que ali se aehão.
NOTICIA A DIOGO SOARES 303
Isto ó O que respondo ás perguntas que se me íáiem com
declacaçSo, que da Laguna, ultima povoação desta Costa do Sul
até a Cidade do Rio de Janeiro vi, oorri, e examinei, e sondei
em pessoa, e do Rio Grande, sua campanha ató dentro de Buenos
Aires me informei de pessoas âdedignas, que cursarão todas a-
quellas campanhas moitos annos, o que tudo constará das cer-
tidões que tenho por vezes remettido aos Srs. Governadoree do
Rio de Janeiro de todas as Gamaras, e moradores das Vilias, e
Povoações desta Costa Jurados aos Santos Evangelhos, ede
como todo o referido passa na verdade o juro também aos mesmos
Santos Evangelhos. Praça de Santos, 2ò de Agosto de 1721 —
Manoel Gançalveê d*Aguiar.
Declaro que o Rio Grande de S. Pedro terá de distancia
da barra ás suas cabeceiras 50 legoas pouco mais ou menos, se-
gundo dizem as pessoas que por melhor andaram, e em partes
6 tão largo, que se não vô terra d*uma para outra parte, e
parece tudo um mar.
Declaro também, que a Ilha de Santa Catharina tem de
comprido 9 legoas pelo rumo de N. S. e de largo em partes
terá 3 legoas pouco mais ou menos, e me parece, que se S. Ma-
gestade a povoar será de mais utilidade a Povoação a fortaleza
feita na barra, e terra firme na ponta do Estreito, em que em
algum tempo esteve a primeira povoação, e por causa de gentio
bravo que então ainda ali havia, a pasmarão para a Ilha, na
mesma ponta da terra firme se pode fazer também a Povoa^^o
por receio dos iaimigos, sem embargo de que os navios onde
dão ÍUndo, que ó na Ilha dos Ratões pouco mal lhe podem fazer
por, distarem 3 legoas da Povoação, e menos o podem íi&zer pela
barra do Sul distante 5 legoas da mesma Povoação.
NOTICIA — 2/ PRATICA
QUE DÁ AO P. M. DlOOO SOARES, O CAPITÃO GHRISTOVÃO
PEREIRA, SOBRE AS CAMPANHAS DA NOVA
COLÓNIA, £ RIO GRANDE OU PORTO DE 8. PEDRO
491 — 20 Tomo lxix p. i.
NOTICIA — 2.* PRATICA
Qae dá ao P. M. Diogo Soares, o Capitão Christovão Pereira, sobra
as Campanhas da nova Colónia, e Rio Grande ou Porto de S.
Pedro,
Pede-me VR.°^* o informe da capacidade destas terras ató
o Rio Graade, Lagana e Ilha de Santa Cathariaa, e das utili-
dades que delias se podem segair, assim aos vassallos, como á
Coroa, e Fazenda Real, e supposto me sobra o desejo de acertar,
me falta a capacidade para discorrer, mas na cooâaaQa dd que
VR.>'*'^discuIpará os erros nascidos da minha ignorância, e obri-
gado da obediência, exporei o que tenho visto, e palpado em onze
ah nos que tenho do experiência destas campanhas, e o qae sente
a rudez do meu discurso, e mo ficará grande gloria, e desvani-
timento se limitado, e aperfeiçoado no utlI engenho de VR.^'<^
cirardelle algum fruto.
Comp5e-se este Paiz d*um clima muito ameno, saudável, e
criador de riquissimas e férteis terras em que produz em grande
maneira, e com vantagem mui crescida todos os frutos da
Europa, assim Trigos, como vinhos, liaho e toda a Casta de
frutas, que pôde causar inveji as de qualquer parte do mundo,
oom perto de cento e cincoenta lagoas de Campanha até
o Rio Grande toda cruzada, da rios, revestidos de soberbos
o vistosos arvoredos, que servem de sombra ás suas correntes
compostas de riquissimas e salutiferas agoas, nascidas d'uma
serra, que começando do Maldonado vai cortando a Campanha,
correndo ao Nordeste até altura de Castilhos, a qual com ri-
quíssimos, e amenos valles pelo meio, da generoso iogar a que
se possa crusar, e communicar d*uma a outra parte.
Em Castilhos, ou pouco mais adiante, correndo ao Noroeste
vai buscar as Cabeceiras do Rio Grande, e logo da parte do
Norte se torna a restttuir a costa, e a vai acompanhando até
308 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
S. Paulo, deitando pelais suas fraldas da parte domar vistosos
e aprasiveis Campos em distancia de 80 iegoas desde o Rio
Grande até a Yiila da Laguna, que crusão três caudolosos rios,
nascidos da mesma Serra. O Primeiro chamado Taramandy na
lingoa do gentio, 30 Iegoas distante do Rio Grande a que se
segue o 2""^ 20 Iegoas mais adiante chamado Ibopetuba, e logo em
distancia do 15 iegoas se segue o Terceiro a que chamSo Ara-
ranguá, todos d'agoa doce e nestes meios abundância de lagoas,
e mattos com providencia do lenhas, o vistosos campos.
E tornando ao Rio Grande não digo ó uma das mais vis-
tosas coisas, que criou a natureza, por não parecer encarecido,
ou cahir na censura de ignorante ; mas expondo a sua
grandeza, deixarei, o louvor á ponderação de VR"'*. Corre de
Oeste a Leste, e na entrada distancia pouco menos de 2 Iegoas,
com meia de largo, para a parte do Norte faz uma barra, ou
praia de areia com uma enseada em que podem ancorar
grande numero de Navios, boa tença, seis ou sete braças de
fundo, todo limpo, encostado a uma planície, que lhe fica supe-
rior, a que alguns que ali tem chegado, puzerão o nome de
Cidade, e não sem mistério pelo que naquelle logar se pôde
fazer com um rio de excellente agoa doce, que permanente por
um lado se mette no Rio Grande.
Neste logar é a única parte em que se pode povoar, o
passar, e ainda que tem bastante largura, não é diifioultoso o
passar nelia anlmaes em razão de que com marô vasia tem
bancos em que descanção» e tem jã passado muitos com felici-
dade conduzidos pelos mercadores da Laguna, e eu passei
alguns em minha companhia.
Pouco mais acima entra nesto Rio na parto do Sul uma
lagoa de extremada grandeza, a que chamão Braço, na boca
estreita, e logo para dentro vai alargando até se perder de vista
d' uma a outra parte, e vem entrando a Campanha para o
Sudoeste, distancia pouco mais ou menos de 30 Iegoas aonde
recebe em si vários rios sahidos da Serra, e entre elles o mais
principal se chama Sabolhaty.
Da parte do Norte faz um saco a moio de enseada, que
arrimada a falda da Serra entra pela Campanha também perto
de 30 Iegoas até o Rio chamado Taramandy: logo para dentro
NOTICIA A DIOGO SOARES 309
faz um bolso que a vista não aloança, a que chamão Rio Grande
de que não posso dar mais noticia, que a que adquiri de algumas
pessoas antigas na Villa ds Lagana, que me disserão entrava
pela terra mais de 60 legoas, e que nas suas cabeceiras en-
travão vários rios, com muitos mattos, e terras muito vistosas
onde se podião fazer muitas PoYoacods, e rendozas fazendas,
e por noticia de algum gentio so afflrmava haver nellas abun-
dância de Ouro, e pedra? de valor. Bom desejo tive de examinar
a sua grandeza mas faltarão-me os meios para o poder fazer,
sendo o principal de que se necessita, embarcação capaz, porem
qual ella seja, se pôde considerar d'um Corpo que tem seme-
lhantes braços.
Da barra também não poderei dizer mais que o que
alcancei de alguns homens maritimos, que levados dos seus
interesses se animaram.
o PRIMITIVO NOME DO BRAZIL
POR
DOMINSOS DE CASTRO L0FE8
o PRIMITIVO NOME DO BRAZIL
AO ILLUSTRE MBSTRE DR. VIEIRA FAZENDA
São acoordes todos os modernos historiadores de nossa pá-
tria em declarar que Vera-Oruz^ ou ilha de Vera-Crus foi o
nome que recebeu ella immediatamente após o seu descobri-
mento.
Citemos, para corroborar a nossa asserção, os mais conhe-
cidos desses actuaes expositores;
« O nome de Vera-OruM foi posto á terra, quarta-feira 22 de
Abril.» Moreira Pinto, Epitome da Historia do BrazU.
€ O (nome) de Vera-CruM foi dado & nova terra descoberta.»
R. Villa-Lobos,'. i7ú(orta do Braxil.
€ Suppoz Cabral que a terra descoberta fosse uma ilha; con-
decorou-a com o nome de V^ro-Cnij, que dentro em breve
mudou no de Santa Cruz.i^ Padre Raphael M. Qalanti, Lições de
Historia do Brazil,
€ £ porque esse dia fosse o do oitavario da Paschoa, deu
Cabral o nome de Paschoal ao monte primeiro descoberto ; e,
quanto á terra, o de Yera-Cruz^ mudado depois para o de Terra
de Santa Cruz e mais tarde para o de Brazih António Vieira da
Rocha, Resumo da Historia do Brazil,
< Cabral deu á nova terra o nome de Yera^Cruz^ que depois
foi mudado no de Terra de Santa Cruz, e mais tarde substituído
pelo nome actual de ^ra^t7.> Dr. Joaquim Maria de Lacerda,
Peqi*eHa Historia do Brasil»
< A nova terra descoberta fi>i sapposta uma ilha, recebendo
por isso (?!) o nome do Vera^Cruz; mais tarde, reconhecendo-se
o erro, foi esse nome mudado pain. o de Terra de Santa Cruz .
Este ultimo nome também não prevaleceu, sendo mudado para o
314 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
de BrazUt peia grande quantidade de pao-brazil existente na
nova terra.» Sara VillareB Ferreira, Pontos de Historia do
BraxU.
€ Finda a ceremonia religiosa (a M missa), reunia Cabral um
conselho de offlciaes da expediç&o, e resolveram mandar a
Lisboa GasiM&r de Lemos, commandante do navio de manti-
mentos, levar a D. Manoel a notieia do descobrimento da terra
de Yera^rux^ que suppunham ser uma ilha.» Mattoso Maia,
Lições de Historia do BrazU.
«A terra supposta ilha foi chamada de Vera-Cruz^ ao depois
Santa CriAz. Prevaleceu porém o nome de BrazU. i^ João Ribeiro,
Historia do Brazil,
«A torra que suppunham erroneamente os ousados descobri-
dores fosse uma ilha, chamou-se a principio Vera^Cruz, depois
Santa Cruze finalmente Brazil.» Sylvio Romero, A historia do
Brazil ensinada pela biographia de seus heroes.
«Cabral reputou a terra que descobrira uma grande ilha e
chamou-a ilha de Vera-Cruz^ nome dado em recordação da festa
que celebra a igreja no dia l^ de Maio ; esse nome trocou-se
em breve pelo de Terra de Santa Cruz e poucos annos depois
pelo de Brazil^ em consequência da madeira preciosa, etc.»
Dr. Joaquim Manoel de Macedo, Lições de Historia do Brazil.
«Pelas informações que pareciam dar os naturaes se
julgou ser a terra uma ilha — outra Antilha mais. Nesta
hypothese, Cabral a denominou Ilha da Vera-Cruz, comme-
morando por este nome a festa que no principio do mez
Immediato devia celebrar a Igreja.» Yarnhagen, Historia Geral
do Brazil.
Não ohBtante'ser^hoje conhecimento elementar e comesinho,
como o mostram os compêndios supracitados, que Vera-Cruz
foi a primitiva denominação do Brazil, é de notar que nenhum
dos antigos historiadores da nossa pátria houvesse referido tal
denominação, mas sim e sempre, em vez delia, a de Santa Cruz,
que igualmente figurava nos primeiros mappas geographicos do
XYI século, mais recentes da data do descobrimento do nosso
earo torrão, quaes os de Cantino (1502), João Ruijsch (1508), Jo-
hannes Schôaer {Glohus de Johannes Schôner, I5I5), MaioIIo
0519), etc.
o t>RlMlTÍVO NOME DO BRAZIL 315
Vejamos:
Na Primeira Parte da Chrônica dô Serenissimo Senhor Rei
D. Emanuel, escrita por Damião de Góes, e no' Ôapitulé £V,
intitalado: De como a frota partio do porto de Betketem, & do des-
cobrimento da terra de Sacta Crus^ a que chamão do BrazU, le-
se o seguinte:
«Estando ja sobrancora se aleuantoa de noite hum tem*
poral, com que correrao de longo da costa até tomarem hum
porto mui bom, onde Pedraluarez surgio com as outras nãos, êí
por ser tal lhe pos nome Porto seguro. . .Antes que Pedralilareí
partisse deste lugar, mandou poer em terra huma Cruz dtt
pedra, quomo por padrSo, com que tomatta posse de toda aquella
prouincia, pêra Coroa dos rognos de Portugal, a qual pos nome
de Sacta Cruz, posto que se agora (orradaméte) efaamie do
Brasil, por caso do pao vermelho que delia vem, a que ehaiâSo
Brasil. >
Gabriel Soareii de Souaía, no Roteiro do Brarfi (obra cviã
authenticidade é, alUs, contestada peio Dr. Zeferino Cândido, nd
capitulo VIII do seu livi'o Brasil, commemorativo do Qtiarto
Centenário do nosso descobrimento, e que por Franclseo A<folpho
de Varnhagen foi publicada sob o titulo Tratado Desthripiito de
Brazil em 1587, edição castigada pelo estudo e exame de mitUeiÊ
códices manuscriptos existentes no Brazil, em Portugal, tiespanha
e Prança, e accrescentados de alguns commentarios) escreve
estas palavras:
«Esta terra se descobriu aos $5 dias do mez de Abril de 1500
annospor Pedro Alvares Cabral, que neste tempo ia pòi^càpfiAè*
môr para a índia por mandado de £1-Rei D. Manoel, èm 6aJo
nome tomou posse desta província, onde agora é a capitania M
Porto Soguro, no logar onde jA esteve a ilha de Santa Crtiis,
que assim se chamou por se aqui arvorar uma muito grande,
por toatidado de Pedro Alvares Cabral, ao pé da qual mandou
dizer, em seu dia, a 3 de Maio, uma solemne missa oom muita
festa, pelo qnal respeito se chama a villa do mesmo nome, e a
provineia muitos annos foi nome&da por de Santa Cru» e dô
maitos Nova Lusitânia.»
fiada nos diz, com relaç&o ao primitivo nome da nossa
terra, o Padre João de Souza Ferreira, no Capitulo II da sua
31G REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
America abreviada (Como se descobrio, o que delia toca d Oorôa de
Portugal, eío.)
Em compensação, a Historia do Braxil^ de Frei Vicente do
Salvador, que antes do dito padre floresceu, refere, no Capitulo
segundo^ Do nome do Brasil-. «O dia que o Capitão-Mór Pedro
Alvares Cabral levantou a Cruz, que no capitulo atraz dissemos
era a três de Maio, quando se celebra a Invenção da Santa Cruz,
em que Chriato Nosso Redemptor morreo por nós, e por esta
causa poz nome á terra, que havia descuberta, de Santa Cruz, e
por este nome foi conhecida muitos annos.»
Citemos também Sebastião da Rocha Pitta, o qual diz no
lÂvro Primeiro da Historia da America Portugueza:
€ Nella surgindo as nãos, pagou o General a aquoUa ribeira
a segurança, que achara depois de tfto evidentes perigos, com
lhe chamar Porto Seguro, e à terra Imanta Cruz, pelo Estan-
darte da nossa Fó, que nella arvorou com os mais exemplares
júbilos, e ao som de todos os instrumentos e artliheriada
Armada, eto.»
Qual, porém, o motivo por que todos esses antigos autores
que a historia de nossa terra escreveram, calaram desta o
nome primevo— <ytfra-Oru;r, nome que somente nos modernos
compêndios de historia do Brazil âgura ?
Fácil e prompta será, sem duvida, a resposta por parte
dos eruditos e profundos mestres na matéria. Mas não ô a
estes qne se dirigem estas toscas linhas, sinão aos menos
apparelhados, que não hajam, como nós, para elucidar á nossa
incompetência este ponto, esmerilhado o assumpto, o qual
naquelies modernos compendies não ó esclarecido, nem mesmo
tratado, e poderá, por isso, suscitar duvidas e causar em-
baraços para responder & interrogação que acima formulamos.
E de facto. Em Novembro de 1905, tivemos a honra de
terçar armas, pelas columnas do órgão niteroiense A Capital,
com um distincto critico do mesmo apreciado contemporâneo,
o qual, no correr da discussão, escreveu a locu^ seguinte:
€a Terra de Santa Cruz de Í500, ...»
Replicando nós que, em lõOO, o Brazil ainda se não
chamava terra de Santa Cruz, mas sim Vera-Crtiz, e ilha de
Vera-Crus, redarguiu o nosso digno contendor, contrapondo-nos
o PRIMITIVO NOME DO BRAZIL 317
a seguiate passagem do João de Barros, por elle tirada — -
GxpUcou—á ArUhologia Nacional , coliectanea collegial organi-
zada pelos Drs. Fausto Barreto e Carlos de Laet: «. . . . mandou
arvorar uma cruz mui grande no mais alto logar de uma
arvore, e ao pé delia se disse missa, a qual foi posta com
solemnidade de bênçãos de sacerdotes, dando este nome á terra
Sanla Crus, quasi como, etc» .
£ accresceotou o nosso nobre antagonista: «Isto osoreveu
João de Barros, que vivia ao tempo da descoberta do Brazil,
referindo-se ao anno de 1500, tendo sido a missa a que se
refere o citado esoriptor, celebrada no mez de Maio.
« Assim sendo, como de facto o é, não sei si errei, mas, Si
tal aconteceu, fll-o emexcellente companhia».
Ora, temos azo de responder ao nossso gentil adversário
(jã que, na occasião, não lográmos o prazer de ser acceita peF
A Capital a nossa tréplica), aclarando, ao mesmo tempo, o
ponto que nos ocoupa, contido na interrogação que, ha pouco,
azemos.
João de Barros não empregou, é certo, a expressão Vercí-
Cruz, mas sim Sancta Cruz^ não só no trecho exemplificado,
que vem no Livro Quinto^ Capitulo II da !■ Década^ como
tambom no summario do dito capitulo, onde se lê: «^ seguindo
a sua derrota descobrio a grande terra a que commummente
chamamjs Brasil^ a qual elle pos nome Sancta Cruz ».
Vivou o chronlsta do Emperador Clarimundo de 149Ô a
1570. Como se sabe, quando escreveu a sua Ásia (Dos fectos que
os portugueses fiíeram no descobrimento e conquista das terras e dos
mares do OrieMe)^ mais conhecida por Décadas (que assim se de-
nominam os vários tomos da obra, continuada por Diogo do
Couto), e quando escreveu a sua historia da Terra de Sancta
Orut, que se perdeu, bem como se perdeu a America Portugueza^
de Manoel de Faria, Já, o Brazil. é bem de ver, estava desco-
berto, havia uns tantos annos (pois, em 1500, João de Barros
tinha quatro annos de idade). Em todo oaso, o autor das
Décadas sabia que a nova terra foi tomada por uma ilha; tanto
assim que, nessa mesma í* Década, diz o Tito Livio portoguez:
« A qual terra estavam os hómôs tam crentes em nã auer
algua arme oocidental a toda a costa de Africa, que os mais
I
318 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
dos pilotos se afflrm&aâ ser algua graaáe ilha, assi como
as terceiras, etc».
Por que então não disse eila, seado recente o ftKsto, que assa
sappostailha foi, a priacipio, chamada Vera^Orus ? Ignoraria,
acaso, João de Barros, ignorariam os outros antigos historiadores
do Brazil, por nói citados, essa primitiva denominação f
Tudo faz crer que sim, e difEleil nio ser& hoje prorar, como
Tamos ílatzê-io.
A í» Década de João de Barros, convém otervar, foi
publicada, a primeira vez, em Lisboa, em 1558| Isto é» mais
de meio século após o descoMmento da nossa terra, e^por con-
seguinte, o tempo suflloiente para ser esquecida uma denomi-
nação ephemera.
Nem mesmo o € livro impresso mais antigo que existe»
narrando o « Descbrimento do Brazil» e descripto pelo Dr.
José Carlos Rodrigues, na noticia que a respeito desse acon-
tecimento publicou, a 3 de Maio 1905, no Jornal do Commerdo
e, depois, em folheto, nem mesmo esâe livro dá a locução Vera-
Crus como o primitivo nome do Brazil.
Páeêi nuovamenie riirouaii — assim se intitula tal livro,
para o qual muito concorreram as noticiai sobre as nave-
gações da época, do almirante Domenico Maliplero, celebre
historiador da Republica de Veneza, Sérvulo Angelo 'l>e-
vigiano, embaixador veneziano junto aos reis dá Hespanha,
o Lourenço Gretieo, ciigo verdadeiro nome era Oiovanni Matteo
Cretico, embaixador veneziano em Lisboa.
E' o Paetf , que constituo também o livro IV de uma collecção
de viagens de Prancanzano Moutalboddo, homem culto e pro«
fessor de literatura em Vicencia, a transcrip^ de um opús-
culo intitulado LibreUo de Tutta la Navigoiione de Rede Spagna.
De le Isole ei Terreno Naouamenio Trowui^ que foi dado &
estampa por Albertino Veroellese, de Lisona, a 10 de Abril de
1504, no qual— capítulos LXIII a LX Vil— vem a narrativa do
deacobrimento do Brazil.
Mas em nenhum desses capítulos figura, repetimos, a ez«
pressão Yera-Cruz.
Como^ pois, explicar que só os modernos autores de historias
do Braxil Mem na prima designação V#ra-Crti^ que lhe foi dada t
o PRIMITIVO NOME DO BRAZIL 319
Em que fonte, em que dooumeato fon^meUes i^aquisar e
liaorir essa desigoação, quai|4o os vetustos e des^ngauados
textos pass^r^m em slianaio tal appelUdo?
£i0 que aitingimofto escopo. do preeeata artigo, o ponto
que mqito oouvirá seja eaclaneoido naq futuras edIçSes das
nossas Jiistorias patpias, i^Im de evitar, talvez, a mesAia
ofekjecQãjO que im>3 offereoou j^VA Cc^tal o nosso jov^n e
affarel contradictor.
Dois cutâneos e jLoooutrastay eis testQiw^^hos noa dizem foi
Vera-Ctiu o nome que primeiro teve a terra defa9her.ta.B0r
Cabr^al. São esses preciosos cipielios as duas cartas, escriptas a
l^» de Maio de 1500, em que o cbrooista Pere Vaz de Gamintta
e «o bacharel mestre Joham Moo e cirurgyaae» d' el-rei, os
quaes fwKiam parte da expediglbo do almirante portnguaz, no-
ticiaram a D. Manoel o desoobfHmeato da nova terra; é ac;8^ta
de Gaminba datada de Uha da Vera-Cruz, e de Vêra-Cruz^ sim-
plesmente* a do mestre João.
Jouveram ató ao século XIX na Torre do Tombo, q^ifi&
ignorados, tâo impartantes documentos; sóentâo foi que ÀycâS
do Casal e, poBteriormento» Varnhagen oa deseopovaram». cada
documento por seu turno.
Diz Varnhagon {op cU, no<. 6*); «Sendo mui. couUeeijla a
carta do Fero Vaz de Caixúalia, que desde que foi pela primeira
vez publicada por Gazal ha sido reproduzida em vaii^ias obs^Sf
contentar-noft-hemos por agora de incluir aqui a do physico
oftestre Jioão, qoe demos em outro logar a conhecer, apenas ti-
yemjQsa fortunado a descobrir na Torro áoTombo em I,Júiboa«
(Corp. Ghron. P. 9^m. 2, doe. 2>
E, reíèriado-se á dita carta de Caminha, declara Manoel
Ayres de Cazai, logo na 1* edição, hoje muito rara, da sua Co-
rographia Br<Mi/tca,apparecida em 1817: cO original conserra-
se no Arquivo Real da Torre do Tombo, gaveta 8, mac- ^41- 8.>
Está, pqis, explicada a razão pela qual os historiadores do
BrazU anteriores ao século XIX omittiram o nome Y^ra-Cruz^
dado primitivamente ao nosso paiz.
Ainda quanto ao primitivo nome da no^sa terra, adverte
Vaçahagen: «Tapubemnos coosta que o aspecto e novidade 4^
cores das grandes araras, enviadas a Lisboa, impressionaram
320 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
ahi a alguns de tal modo que oliegaram a deôigaar com o nome
de Terrados Papagaios o novo descobrimento.»
Mas de curta duração, é sabido, foi aqaella designação pri-
meva de Vera-Oruz^ para logo substituída pela de Santa Cruz,
O próprio D. Manoel, na carta escripta em Santarém, aE9
de Julho de 1501, communicanio aos reis de Hespanha, seus
sogros, não só o descobrimento da nova terra, como todo o suc-
cedido na viagem de Cabral, pela costa d* Africa até ao mar
Vermelho, occuUou esse primeiro nome.
Bem como o Roteiro do Brazil^ de Gabriel Soares de Souza,
a authenticldade dessa carta, trasladada para o hespanhol no
tomo III de Lo5 Yiages menores, de Don M. F. de Navarrete,o
qual declara que ella cezistia em Saragoça no archiro da antiga
deputação de Aragão, destruído na guerra da Independência,
cópia tirada por D. Joaquim Traggia», é contestada pelo Dr,
Zeferino Cândido, no capitulo IX do seu citado trabalho.
Transcrevamos, comtudo, ainda que apocrypha a r4gia
missiva, cujo original portuguez se perdeu, mas por colher ao
nosso ponto, o que nella relatava, através a traducção hespa-
nhola, D. Manoel, o Venturoso:
<B1 dicho mi capitan con trece nãos partió de Lisboa & nueve
de Marzo dei ano pasado. En las octavas de la pascua segulente
llegó à una tierra que nuevamente descubrió, ã la cHal puso
nombre de Santa Cruz^ en la cual halló las gentes desnudas
como en la primera inocência, mansas y pacificas.»
Vem de molde apontar alguns equívocos do finado e pro-
vecto professor Dr. Mattoso Maia, o qual, no capitulo III do seu
compendio já por nós referido, diz que cem Julho desse mesmo
anno de i500^ D. Manoel commnnicára aos soberanos da Europa
que o capitão-mór de uma expedição portugueza para a Aflia
tinha descoberto no Novo Mundo uma ilha grande e boa para
refrescarem e fazerem aguada suas armadas da índia, e que a
essa terra se tinha dado o nome de ilha. de vbra-cruz »
Relativamente á substituição do nome Vera^Cruz pelo de
Santa Cruz, expende o Dr. Zeferino Cândido, no capitulo III do
seu mencionado livro BrazU, as seguintes considerações:
«Santa Cruz é nome posterior (ao de Vera-Cruz), mas
muito próximo da descoberta. Mantém a palavra essencial e
o PRIMITIVO NOME DO BRÂZIL 321
apenas diverge no qualificativo. Bacontram-se ainda outras
íórmas, todas contemporâneas, que couser vam a palavra cara-
cterística, como i7Aa da Cruz, terra da Cruz. Neste oscillar do
appellativot uma forma prevaleceu— 6fanto Cruz» B* muito pro-
.vavei que a preferencia se baseie n*uma selec^^ religiosa. Vera-
Crus estabdlecia de prefere acia uma data, e nesse sentido en-
volvia um erro, ou apenas inculcava uma recordaçfto ; ílAa e
terra da Oruz tinham o desprimor de aíkstar da preoocupação
religiosa e envolver uma questSo geográfica. Santa Oruz tinha
realmente condições vigorosas para triumphar.
cA palavra BrazU é também coevft. Bncontra-se cartogra-
flcamente estampada, em synonymia com Santa Cruz, desde
1504, pelo menos. B*nome de origem oommercial.»
Foi, talvez, em virtude dessa «selecção religiosa», que Cabral
e D. Manoel desprezaram logo o nome Vera^Cruz, preferindo-
lhe o de Santa CruM»
Confirmando essa preferencia, que patenteava o espirito re-
ligíoso da época, pondera João de Barros, na sua jã citada i*
Década : «Porem como o demónio per o sinal da Cruz perdeo o
dominio que tinha sobre nós, mediante a Paixã de Christo
Jesu, consumada n* eila: tanto que daquella terra começou do
viro páo vermelho chamado brasil, trabalhou que este nomo
ficasse na boca do pouo, que se perdese o de Sancta Cru».
Como que importaua mais o nome de hu páo que tinge
panos, que daquelie pão que deu tintura a todolos Sacramentos
per que somos salvos, per o sangue de Christo Jesu que nelle
foy derramado.»
Frei Vicente do Sal valor, que escreveu a sua Historia d(y
BrazU cerca de um século ("1627; após o apparecimento da 1»
Década^ de João de Barros, comprova também essa selecção, essa
preferencia religiosa, nas seguintes palavras, cópia quasi tex-
tual das do autor da Ásia e accrescentadas ao trecho. Já por nóa
transcripto da sua Historia do BrazU:
«... porem como o Demónio com o signal da Cruz perdeo
todo o Dominio, que tinha sobre os homens, receando perder
também o muito,que tioha em os desta terra, trabalhou que se
esquecesse o primeiro nome, e lhe ficasse o de Brasil, por causa
de hum pauassim chamado <ie odrabrasada.e vermelha, comque
491— 2i Tomo lxix p. i
322 RfiVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
tiogeni paaoa, que o daquaUe di7iao páa, que deo tinta e vir^
tude a todos os Sacrameatos da Igrotía, etc.»
A cseleog&o religíjsa», de que MaoDr, Zeferiao Cândido»
fez, d provarei, trocar em breve a primitiva denominação V&ra-
Oru* pela de Sanla Crus, Mas o motivo pelo qual os antlgoii
liistoriadures de nossa pátria silenciaram esse primeiro nome,
foi, certamente, porqne o ignoravam; qne só aos pósteros o re-
velaram Ayres de Casal e Yarnhagen, na benemérita exca-
vaçSo das cartas de Caminha e de mestre João.
Rio de Janeiro, 1906?
nriDioB
Matérias contidas no tomo LXIX, parte I
PA08,
A Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, pelo Dr. José
Vieira Fazenda.. , . . . 5
Carta de Frei Francisco de Menezes para o Dnque de Cadaval. 53
Carta do Yice-Rei do Bri|zil, . Conde da Cunha, a Francisco
Xavier de Mendonga Furtado, acerca doa motivos que iere
pi^li, pedir snccessor. ,•»•••,«..,•. 77
TrasU^Q de nin auto de diUgencia sobre a arribada do navio
Nossa Senhora do Rosário e Santq Ântonto 85
Kegimento fornecido ao Governador do Rio de Janeiro, (datado
de 7 de janeiro de i079). 99
Proviaão do Príncipe aobrc) Sesmaria • . . 113
Alvará pelo qual é nomeado Duarte Corrêa yasqueann?8 para
o entabolamento de Minas na aoaencia de Salvador Corrêa
de Sa e Benevides. 116
Carta de foral povoação, naturi ta mento» no Fstado do Grão
Pará e.rio do Amazonas no Maranhão, de que Sua Ma-
gestade faz mercê ao capitão Pedro Sultman, Jrlaedez de
Naçfio e aos mais de sua facção residentes na ilha de SSo
C^stovão. 121
Regimento qu ; ha de usar e general da Frota Salvador Corrêa
> de Sá 131
Alvará pelo qual é concedido a Salvador Corrêa de Sao Be-
nevides fazer mercê aos que se distinguirem no descobri-
mento das Minaa 143
Alvará pelo qual é concedido a Salvador Corrêa de Sá Bene-
vides e seus desoendentea rendimentos tirados do que pro-
duzirem aa minas de ouro e prata • 147
1
324 índice
41 . •
Curta de António Telles da Silva a Sua Mageetade. . . . 511
Traslado de um asaânto que se tomou em presença do Go-
vernador deste Estado do Brazil sobre a carta que escraTeo
o tenente de Mestre de Campo General André Vidal da Ne-
greiros em que dá oonta de ser fugido Henrique Dias. 161 \
Traslado do assento que se fez sobre as cousas de Pernambuco. 165
Copia da carta que os do Supremo Conselho Governadores em
Pernambuco escreveram ao Sr. António Telles da Silva,
GoTernador o Capitão Geral deste Bstado, por dons em-
baixadores que a esti cidade mandara o 173
Copia de uma carta que escreverão de Pernambuco Martim
Soares Moreno e André Vidal de Negreiros a António Telles
daSiWa 18?
Regimento que ha de usar as Minas de São Paulo e São Vi-
cente, do Estado do Brazil, Salvador Corrêa de Sá e Be-
nevides 199
Noticias que dá ao Padre Mestre Diogo Soares o alferes José
Peixoto da Silva Braga do que passou da primeira ban-
deira, que entrou ao descobrimento das Minas dos Guayases
até sahir da cidade de Belém do Grão Pará 217
Noticias praticas do novo caminho que se descobria das cam-
panhas do Rio Grande e Nova Colónia do Sacramento para
a villa de Coritiba os annos de 1727 por ordem do Go-
vernadsr de São Paulo António da Silva Caldeira Pi-
mentel 29&
Noticias praticas das Minas Geraes do Ouro e Diamantes que
dá do R. E. Diogo Soares o Capitão-Mór Luiz Borges
Pinto sobre os seus de^^cobrimentos d? celebre oasa de
casca comprehendldos nos annos de 1726-27 e 28 sendo Go-
vernador e Capitão General D. Luiz de Almeida. . . 861
Noticias praticas de Costa e povoaçGes do Mar do Sal e res-
posta que deu o sargento- môr de praça de Santos Ma- j
noel Gonçalves de Aguiar ás perguntas que lho fez o Go-
vernador e Capitão General da cidade do Rio de Janeiro J
e Capitania do Sul António de Brito e Menezes sobre costa •
e povoações do mesmo nome • 29^ *
O primitivo nome do Brasil, por Domingos de Castro Lopes. 311
491 — Rio de Janeiro — Imprensa Naeional — 1908
Fins do Instituto*— Revista* — Admissão de sócios*—
Sessões*— Correspondências*
o Instituto tem por fim colligir, estudar, dWulgar, investigar e ar-
chiTar os documentos concernentes á historia, geographia, athnographia e
archeología, principalmente do Brazil.
Publica desde 1839 uma Rtívista, a qual no fim do aano torma um tomo
em duas partes: ai* constando dos documentos relativos ao Brazil e a 2*
comprehende os trabalhos de sócios e as actas das sessões, assim como os
discursos do Presidente e do Orador e o relatório do 1° Secretario, apre-
sentados nas cessões anni versarias.
Os sócios são: — efTectivos em numero de 50, correspondentes em numero
de 100, honorários em numero de 50, beneméritos em nnmero de 10 •
bemfeitores, havendo uma classe de presidentes honorários, i qual só podem
pertencer o chefe do Estado e os chefes de outras nações.
Admittem-se como sócios, tanto os nacionaes coroo os estrangeiros, medi-
ante oirereciniento de obras e aprosentação, por escripto, da respectiva
candidatura.
Os sócios do Instifuto têm como distinctivos um oollar e medalha de
ouro e uma roseta de côr azul celeste.
As sessões ordinárias do Instituto, a que podem assistir todos os sócios,
realizam-se mensalmente de Abril a Outubro, á noite.
A corre3pon<tencia e todas as remessas ilevem ser dirigidas ao 1^ Secre-
tario e encaminhadas para o Instituto, aberto todos os dias das II horas da
manhã ás 5 da tarde.
Presidente do Instituto
(1908)
Barão do Rio-Branco.
Gommissão de redacção da Revista
(X908)
Max Fleruss.
Conde de Affonso Celso.
Alfredo Nascimento.
Augusto Olympio Viveiros de Castro.
Alfredo Ferreira de Carvalho.
l"" Secretario Perpetuo do Instituto
Max Fleiuss.
Thesoureiro do Instituto
Arthur Ferreira Machado Guimarães.
Bibliothecario do Instituto
Dr. José Vieira Fazenda.
-áLVISO
Art. 54 dos Estatutos :
€ Os sócios que satisflzorem a jóia e as cuiitribuiçoes torão di-
reito a ura exemplar da Revista fio Instituto, desde o dia da sua
admissão era diaate, pagando o porto do Correio.
§ I .» Aqutíllo que dever as preataçõoa de tros annos perderá o
direito do reoober a Revista,
§ 2.<> O V Secretario flca incumbido da sua distribuição aos sócios
e a outras pessoas, residentes no Brazil e fóradelle.»
]
REVISTA
10Ú
ITUTO fllSTOfilGO E GEOGBAPfflCO
BRAZILEIRO
Fundado no Elo ás Jsndra em 1B33
TOMO uix
■•AnrAt II
\-
^ \
}
j
REVISTA
DO
INSTITUTO HISTÓRICO E GEOaRAFHICO
REVISTA
DO
E
BRAZILEIRO
Fundado no Rio de Janeiro em. 1833
TOMO LXIX
t^AItTK II
lloo fácil, Qt longos darent boné gwu pe» ^niiot
Bt poasint a«ra post«ritato frai
liVSTm/njití^
Í^BIEXXI OCTOflIUSj
4â83-.í
RIO DE JANEIRO
1908
/!lU-x'1'2^
DA INDEPENDÊNCIA A RBPDBLICA
PBLO
DR. EOaYDES DA CUNHA
Sócio effectivo do Institato Histórico e Qeographiop
Brasileiro
Esto trabalho do nosso illustrado consócio Dr. Euclydes da
Cunha foi cscripto em maio do 1901 o publicado, então, no Estado
de S. Paulo, com o titulo — O Bràzil no Século XIX,
Deliberando a Gommídaio de Redacçto inoluil-o na Revista,
prcstou-se gentilmente o autor a refundil-o e ampliai- o na sua
maior parte, augmentando assim o seu valor.
(Xota da Commissão de Redacção,)
DA INDEPENDÊNCIA Á REPUBUCA
Chegamos ao século XIX na plenitude da expansão territo-
rial, expressa nos Tratados de Madrid (1750) e Santo Ildefonso
(1777). Apagara-se a linha ideal da concordata de Tordesillas»
e a penetração colonizadora, j& seguindo a rota accelerada
das bandeiras, já o passo tardo dos missionários, irradiara
por três quadrantes — para o norte, buscando os thalwegs do
Oyapock e do Amapá ; para o occidente, a encontrar as missões
do Equador e as terras bolivianas, e para o sul, procnrando o
Prata, onde se erigira a balisa extrema da colónia do Sacra-
mento.
O grande tracto de terras retratava desde então a configu-
rando actual do Brazil. Mas indefinida e dubla. Firmada a leste
e ao sul pela desmedida faixa de uma costa massiça, pelo poente
e norte derivava em traços indecisos, raro modelados pelas
conformações geographicas e ambíguos no fugitivo de linhas
imaginarias lançadas em regiões desconhecidas, ou scindindo as
cabeceiras de rios problemáticos.
Extremava a desmedida fronteira um único ponto astrono*
mioamente determinado na foz do arroio do Chuy, ao Sul (33®
45'L. S.;53o25'05" L. O. G.).
Partia dalli num traçado fiexuoso, pela lagoa Mirim, inter-
ferindo saocessi vãmente as cabeceiras dos Rios Negro e Ibicuhy,
ctga correnteza a conduzia ao Uruguay. Desatava-se depois pelo
Pepiri, buscando-lhe as nascentes; alcançava-as ; transpunha-as;
descia pelo Santo António até ao Iguassú, seguindo-o ató ao
Paraná ; e alongando-se ao arrepio da corrente deste attingia a
confluência do Igurey. Subia-o «té ás cabeceiras, volvendo ao
8 REVISTA DO INí=!TITUTO HISTÓRICO
ocoidente e depois em cheio para o norte, quasi ao acaso, diva-
gante entre vertentes indecisas até ao Parasruay. Proseguia
inflectindo outra vez ao norte pelo Paragnay acima ató ás cer-
canias da Bahia Negra, onde o deixava, illogicamente, para
formar as lindes da Bolivia demarcadas pelos mais apagados
pontos determinantes, rompendo pelo meio das « corixas » ala-
gadas que salpintam vasta região de nível, até á foz do Jaarú,
onde uma recta para o occidente — um capricho de oartographo
— a distendia ató á confluência do Quaporé com o Sararé.
Descia em dilatada longura por esta divisa firme ató um
ponto no Madeira, módio entre a sua foz e a do Mamoré —
para se estirar de novo no desconhecido, em longo e imaginoso
traçado rectilíneo, procurando as fontes problemáticas do
Javary, seguindo ao som das aguas ató á eàtrada no Amazonas.
Depois novas lindes imaginarias, em que mal se fixa o traço se-
guro do Japurá, atóattingir, numa inflexão definitiva para leste,
o c divortium aquarum » do Amazonas e o Orinoco.
Seguindo esta extensa moldura, mal delimitando o theatro
da nossa existência naquelle século, a carência de divisas arcifl-
nias prendeu-nos, na phase decisiva da nossa organização
nacional, a sérios problemas de organização do território.
Os limites com o Uruguay só se firmaram em 1857, depois
dos successivos accordos de 12-10-1851 e 15-5-1852 em que
intervieram o marquez de Paraná e o visconde de Uruguay.
Com a Republica Argentina originaram a questão quasi
secular das Missões, em que uma troca de nomes dos rios extre-
menhos tendo annullado todo o esforço do visoonde do Rio
Branco, em 57, se destinava, depois de longas negociações» á
solução pela arbitragem em nossos dias (1895), e a reviver no de
um digno herdeiro o nome daquelle grande estadista.
Depois de uma campanha victoriosa, fixamos definitivamente
as fronteiras, com o Paraguay, desde a foz do Iguassú á do
Apa, passando pelas magistraes das serras de Maracajú e
Amambahy, conforme o Tratado de 9 de Janeiro de 1872, nego-
ciado com admirável brilho pelo barâo de Cotegipe.
As extremaduras extensíssimas da Bolivia, poróm, mal
reguladas pelo Tratado de 27 do Março de 1807^ do Conselheiro
DA INDEPENDÊNCIA A REPUBLICA 9
Lopes Natto, onde se trocoo o critério geographico das linhas
naturaes que nos garantiam a posse dos tributários meri-
dion ies do Amazonas, pela l>ase indefinida do uli possideiis,
destinavam-se a chegar indeterminadas ao século XX, sob
o aspecto ameaçador das questões incandescentes do Acre
travadas em torno da linha imaginaria que, partindo de uma
coordenada fixa naqnelle tratado (lO^ 20' L. S.)» ha margem
esquerda do Madeira, se alonga ás cabeceiras do Javary.
As do Pcrú accordaram-se pelo Tratado de 23 de outubro
de 1851, sob o principio, expresso, da posse, tragando-se, defi-
nitivamente, em 1874.
As do Equador o da Colômbia ficaram insolúveis durante
o cori*er do século. Autepunham-se-lhes, como preliminar indis-
pensável, as questões do limites entre estas republicas e a
do Peru. Quanto ás da Colômbia, adscriptas, por sua vez, a
sérias duvidas com a Venezuela o ò Equador, encerravam
germens de complexo litigio nas paragens desconhecidas do
alto Rio Negro.
Attingido o norte, liquidamos, pelo Tratado de 5 de maio
de 1859, negociado por Pereira Leal, as nossas divisas com a
Venezuela, restando-nos, adeante, no rumo de leste, duas outras:
— com a Guyana Ingleza, vizando a posse do território neutro
de Pirara, e com a Franceza, relativa á região contermina que
se desdobra entre o Amapá e o Oyapock.
Velha de três séculos, porque podemos consideral-a nas-
cente desde 1605 com La Revardiòro; transitando em successivos
tratados e convénios que fora longo rememorar; parando
no statu quo do arranjo de 5 de julho de 1841, constituindo
o t Contestado»; permanecendo inextricável a despeito das ne-
gociações entaboladas de 1853 a 1856 ; revivendo mais tarde na
republica extravagante de Cunani (1887) ; provocando, em 1895,
um choque pelas armas entre nacionaes e franeezes — aquella
ultima destinava-se á mais bella consagração do principio civi«
lisador da arbitragem rematando, nos ultimes dias do
século (1900), á luz do vigoroso espirito dobarão do Rio-Branco,
todo esse longo trabalho de reivindica^ do solo.
10 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
E flBemos, oerto, muito, nesse reatar e corrigir tantas
linhas oonfinaes enleadas, ou partidas pelo repentino abalo d o
dominio hespanhol dissociando-se, de chofre, em nore estados.
Porque no flm da quadra colonial não havia curar-se do
laes oompromisflos, entregues ao futuro. O Brazil era amplo
demais para os seus três milhões de povoadores em 1800.
Além disto, ft contiguidade territorial, delineada numa costa
inteiriça, contrapunha-se completa separa^^ de destinos.
00 vários agrupamentos em que se repartia o povoamento rare-
léitoi evolvendo emperradamente sob o influxo longínquo dos
alvarás da metrópole, e de todo desquitados entre si, não
tinham uniformidade de sentimentos e ideas que os impel-
lissem a procurar na continuidade da terra a base physica de
ama Pátria.
Formações mestiças, surgindo de uma dosagem variável
4e três raças divergentes em todos os caracteres, em que as
comHnações dispares e múltiplas se engraveciam com o influxo
diflérenoiador do meio phjslco, de par com as mais oppostas
ooadições geographicas, num desdobramento de 35 grãos de
latitude, ^ chegavam ao alvorar da nossa edade com os traços
deaunciadores de nacionalidades dístinctas.
Dixem-n'o todos os suocessosdos tempos anteriores.
O drama da Inconfidência terminara recentemente no sul.
sem que o seu desenlace trágico oommovesse o norte, onde«
por sua ve2| em quadra mais remota, a lueta contra os bata-
vos ae abrira e se encerrara com o divorcio completo das gentes
meridionaes.
Entretanto, sobre wím divergências de ordem politica
reinava inteira uniformidade nas situações mental, moral
• sooial da colónia. As duas primeiras tinham o lastro
uniforme das crenças catholicas triplamente inquinadas pelas
superstições medievas, pelo fetichismo indígena e pelo animismo
aítíoano ; e a ultima, caracterizando um estado semi-barbaro
em que todo mérito estava na coragem pessoal e todo prestigio
na gloria militar, repousava sobre a escravidão.
Dest*arte, insulados no paiz vastíssimo om que se per-
diam, os nossos patrícios de ha cem annos, tinham frágeis
DA INDEPENDÊNCIA A REPUBLICA H
laços de solidariedade. Dlstaadavsi-os o melo; 8eparayam-n*os
profundamente as discordâncias ethnicas. A directriz da nossa
historia retorcia- se sem uma caracterização precisa, em movi-
mentos paroellados, estrictamente locaes. E punha-se de mani-
festo um corollarlo único : a formação de algumas republicas
turbulentas, sem a afflaidade fortalecedora do uma tradição
secular profunda.
Alguém, porôm, ci^Ja missão prejudicial ô hoje ponto incon-
troverso, mau grado o brilho de uma gloria discutivol, la
realizar, sem o querjr, completa transmutação em nossos
destinos.
Napoleão, que se propunha derramar sobre a terra o fulgor
da elaboração cmancipadora da Encyelopedia num lampejar de
fuzilarias, lançou, cm 1807, as tropas de Junot sobre a Penín-
sula Ibérica. E foi, como se sabe, um rude passeio militar...
O immortal sargeatão entrou pelas ft*onteira8 desguar»
necidas de Portugal, e apavorou o mais inoíTensivo dos reis.
O príncipe regente da terra, D. João VI, não se modelara
para aquelle transe.
Representara, desde 1792, em que assumira a regência de
Portugal, iníblicissimo papel nas agitações da Europa, oscu-
lando entre as mais oppostas attitudes. Partidário, a principio,
da Liga contra-revolucionaria, abondonara-a, depois da paz de
Basilóa, para cortejar o Directório. Volvera-so depois ã velha
alliança ingleza applaudíndo o revido fulminante de Nelson;
para a deixar logo, numa curvatura lastimável ã aureola im-
perial do menor dos grandes homens, emergente do 18 de Bru-
mário. Completara, afinal, a fraqueza, prendendo-se ás clau-
sulas humilhantes do tratado de Madrid (1801) e pagando ã
peso de ouro a própria neutralidade, até surgir, em 1806, a
conjunctura do bloqueio continental, acarretando-lhe novas
oscillaçOcs o novos desastres.
Titubeando entro a Inglaterra e o seu tenaz adversário,
despertara o desquerer deste ultimo. Procurara serodiamente
afastal-o, enviando os passaportes ao ministro britannico vis-
12 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
coDde de Strangford, o extremando-so no excesso de zelo de deter-
minar o sequestro das propriedades inglezas em Portugal.
Mas deflnira-se tarde. O próprio chefe da esquadra britan-
nica, que começara o bloqueio do Tejo, Sidney Smith, remetteu-
lho, ironicamente, o numero docMonitonr» em que se estampava
o Tratado de 27 de Outubro do 1807, de Fontainebleau, dividindo-
Ihe o reino entre a Franga e a Hespanha ; o, simultaneamente,
a noticia da invasão íranceza.
Não a aguardou. Fugiu — para escrerermos o verbo que
lho sombreia a memoria, empanando o significado mais verda-
deiro de uma hábil retirada. Embarcou com a família e a
corte alarmada (29 de novembro de 1807) nos restos de uma
frota que abrira esteiras nos lAares nunca dantes navegados,
e, passível do mais caprichoso joguetear do destino, comboiado
pelos próprios navios inglezcs, inimigos da véspera, seguiu
para o Brazil.
Ora, estes factos, vertiginosamente desencadeados no passo
do carga do uma invasão, iam ter consequências memoráveis.
Lançavam á nossa terra o único estadista capaz de a trani-
i)gurar.
De facto, na situação em que nos achávamos imprópria vamo-
nos por egnal ao império de um caracter forte o aos lances do
um reformador de génio. O primeiro seria novo estimulo ás
revoluções parciaeá, acarretando á desaggregação inevitável ; o
ultimo agitar-se-ia inútil como um revolucionário incompre-
hendido. Precisávamos de alguém capaz de nos ceder, transito-
riamente, feito um minorativo ãs scisões esboçadas, o anel do
alliança da j^^. tradição monarchica, mas que a não soubesse
implantar ; e não pudesse, por outro lado, impedir o advento
das aspirações nacionaes, embora, apparecessem, paradoxal-
mente, no seio de uma diotadura dcsvigorada e frouxa.
E D. João VI, um medíocre, foi um predestinado. Aveaiso a
bravuras, alma ingénua ornada de uma placabilldade burgueza,
abatido ademais pelas desordens de um lar infeliz, entristecido
pela figura da velha rainha D. Maria 1, que enlouquecera -* a
DA INDEPENDÊNCIA Á REPUBLICA 13
iQercia foi-lhe attribnto preemioeDto : permittia que lhe agisse
intacta, sobre o animo, a vontade de alguns homens superiores
queorodeiavam.
ReTelam-n'o todos os factos subsecutivos & sua chegada a
Bahia, em 22 de janeiro de 1808.
Alli, o sen primeiro acto foi um golpe sulcando a fundo todo
0 regimen colonial, pela franquia dos portos brazileiros ao com-
mercio das nações amigas, que ooram todas, exceptuada a França.
Mas na Carta Rôgia de 28 de janeiro daqnelle anno, que a esta-
tuiu, reflete-se, exclusiva, a suggestão directa do nosso primeiro
economista, José da Silva Lisboa, visconde de Cayrú.
Gomipletou-a, depois de chegar ao Rio de Janeiro, com a de
1 de abril, desafogando as actividades e derogando a lei do 5 de
janeiro de 1785, que ordenara o fechamento de todas as fabricas,
extravagante traço legal sublinhando a ociosidade indígena.
Estes dois decretos, equivalentes a duas revoluções liberaes,
bastavam a ennobreeer-lhe o nome. Relegam a segundo plano
todas as falhas de uma educação imperfeita que, ligadas ao do-
sadorar os mínimos rigores da pragmática, o tornaram inferior
& própria dignidade real, jungindo*o para sempre ao humorismo
nem sempre justo dos chronistas, ou historiadores do anecdotas.
Porque quem lhe restaura hoje a figura — expungida de sem
numero de pormenores lastima velmentc hilares e enquadrada,
de preferencia, logo em principio, naquelles decretos decisivos
e quasi revolucionários, aprecia-a sob outro aspecto.
Foi, em primeiro iogar, um stoico.
Não o abatera o súbito declinio de uma pátria em despenhos
do fastígio ephemoro em que a alcandorara a dictadura de Pombal ;
não o abalara, depois, a troca de uma capital sumptuosa pelo Rio
de Janeiro de então, grande aldeia de 45.000 almas, salpintada
de mangues, invadida pelas marés, que lhe intumesciam as
lagoas, e construída desageitadamente com as suas viollas em tor-
eioollos, orladas de gelosias de urupema, pelas quaes embitesgava,
o paupérrimo trem real de velhas seges de cortinas decouro,
recordando os últimos frangalhos de uma opulência extincta.
Depois, um convencido e um sincero.
Se não traçou, pelo próprio punho, no manifesto de 1 de maio
14 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
O compromiBso do «levantar a voz do seio do novo império que
ia orear», comprchendeu-o, lucidamente.
Pelo menos deixou vacillante o juizo da historia, inclinaado-o
de preferencia ao parecer de um contemporâneo illustre« Luckok,
quando escreveu que elle «possuía mais sentimento e energia
do caracter do que ordinariamente lhe attribuiam amigos e
inimigos >»•
E' o qae, de facto» delatam todos 03 actos subsequente! que
vamos apontar apenas, neste relancear o passado da nossa terra.
Foi a principio uma reação contra o inimigo longínquo .
Uma expeiição militar fulminante, ao mando do general
Marques d'i:ivas, dirigiu-se para a Guyana Franoeza, chegando,
a 15 do dezembro ás cercanias de Cayenna. Assediou-a ; o
expugnou-« a 12 de janeiro do anno seguinte (1809), expulsando
o governador Victor Ilugues e toda a guarnição. Deste moda
a nossa primeira acção externa no século XIX tem todos os pontos
de contacto com a ultima: áquoUe choquo armado da dictadura
real contrapor-se-ia, em 1901, victorlosa pela arbitragem, contra
os mesmos adversários e no mesmo campo, a acção pacifica da
Repablica.
A segunda extremou-se no sul, e prolongar-se-ia intermiten-
temente ató aos nossos dias. Traha, ao parecer, mal encoberto
anhelo da esposa de D.João, D. Carlota Joaquina, que imagi-
nara restaurar, no vice-reinado doPrania, o throno oastelhano
desabado na Europa com Fernando VII. Mas realizou se ao
reclamo do próprio governador hespanhol. General Blio, que,
depois da revolução emancipadora de 25 do maio de 1810, em
Raenos Aires, se viu cercado no anno seguinte na praça de
Montevideo pelas tropas argentinas o orientaes do General
Rondeau e Josô Artigas. Depois de alguns combates inúteis — om
que o Capitão General do Rio Grande, D. Diogo do Souza,
invadindo o Kstado Oriental, desbaratou os guerrilheiros que se
lhe antepuzeram— , a lucta terminou (1812), pela intervenção do
ministro Rademaker, dedicado físcal da politica britannica, e
teve como resultado mais próximo ligar-nos á convivência
perigosa dos caudilhos, de que Artigas foi o primeiro molde.
Fallecendo por este tempo o condo de Linhares, ministro
DA INDEPENDÊNCIA A REPUBLICA 15
quo estimulara estas duas aventaras gaerreiras, poade D. JoKo
applicar-se à administração interna do paiz.
Começou a reagir, então, effloazmente, sobre os nos«o8 deíi*
tinos, por uma série de medidas que, reflectidas mais tarde m
ordem politica, com a resolução do 16 de dezembro de 1815, el0-
vando o Brazil á categoria de Reino, tiveram» segundo outra
ordem de idéas, uma significação mais alta no propelliram o
nosso desenvolvimento intcllectual.
Foi a sua acção realmente útil.
Propiciara-a de algum modo o meio em que se ezffi*citava*
O espirito nacional, apozar da situação inferúNr da massa
da oolonia, começara a despertar alguns annoi antes»
Revolam-n'o alguns nomes expressivos.
Conceição Yelloso, o nosso primeiro botânico, fôra na
própria metrópole um vulgarizador de trabalhos utilíssimos.
Vicente Seabra, Nogueira da Gama e José Bonifaoio de Andrada
e Silva, induiam-SG entre os lentes da Universidade de Coimbra
e Escola de marinha de Lisboa. José da Silva LisbOa era um
digno discípulo de Adam Smith e oriterioso oommentaáor de
Burke. HippolJto José da Costa, no Correio BraHiimisê^ pnbli«
cado em Londres, agitava com brilhantismo raro dois sérios
problemas — a independência politica e emancipa^^ dos escra-
vos. Arruda Camará, Josó de Sá Bettencourt e Josó Vieira Ck)uto,
nos sertões de Pernambuco, Bahia e Minas, abriam em nossa
terra as primeiras veredas ã soiencia fora das picadas tortuosas
das bandeiras.
Silva Alvarenga, Tenreiro Aranha, Villela Barbosa e Souza
Caldas, esboçavam a nossa vida litteraria. £ sobre todos, de
muito superior ã sua época, grande mathematioo • eeo^
nomista notável, aquella rara mentalidade do hísgo Aieredo
Coutinho, caracterizando, no versar os mais dispares assumptos,
o traço essencial do nosso espirito vesado ás generalizações
brilhantes em detrimento das especializações fecundas.
Ora, o attributo preexcellente da dictadura real consistia
em favorecer esse germinar da expansão civilisadora.
Fundou a Imprensa Régia ; e a Gazeta do Mio, ovgun
official, appareceu iniciando a imprensa no Brazil.
16 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Alli se imprimiram paginas que ainda hoje delettreamos
com vantagem : o cDicoionario da Lingua Portugaeza», de A.
Moraes e Silva e a c Ghorographia Brasilica», de Ayres de
Casai; livros que com a «Historia do Brasil», de Southey
(1822), os volumes descriptivos do príncipe de Newied, os tra-
balhos de ArrndaCamara, as primeiras linhas de Martius, os
esoriptos de Aug.Saint-Hilaire, Eschwege, Varnhagen, Feldner,
e as memorias históricas de Pizarro, ou Annaes do Rio de Ja-
neiro, de Balthazar Lisboa — delinearam o primeiro quadro da
nossa cultora.
Concorrentemente, outros pioneiros substituíam o bandei-
rante 6 o missionário no desvendar a terra, prolongando os
esforços, até então esparsos, de Qabriel Soares, Lacerda e
Almeida e Alexandre Ferreira. Eram uns nomes extranhos
— Mawe, Koster, Waterton...— batedores de outros mais
illustres, nacionalisados todos entre nós pelo carinho com que
olharam para uma natureza portentosa. O agasalho que encon-
travam denunciava novos estímulos no governo.
Havia pouco ainda, no começo do século, um governador
fluspicaz lançara, zeloso, um decreto de expulsão «contra um
tal Barão de Humboldt », individuo suspeito, que andava pelas
extremas septentrionaes do Amazonas. • .
Mudavam-se evidentemente os tempos. A oóne attrahia
os abnegados naturalistas, alguns dos quaes, sob o razoável
pretexto de enriqueoerem as coUecções do Museu Nacional,
reoemoreado, se tornaram pensionistas do Estado.
Renovou-sedo mesmo pajsso o movimento artístico quo,
apenas iniciado, ao norte, durante o domínio hollandez, por
Eckhout e Pieter Post, e escassamente animado por alguns ta-
lentos nacionaes, sem cultura — teve, desde 1816, o amparo
permanente da Academia de Bailas Artes, que a recente paz com
a França apparelhara de todos os elemontos de successo com
avinda de Joacbim Le Breton, membro do Instituto, que a dirigiu,
auxiliado por um pintor notável, Debret, por um artista ci^o
nome se vincularia ã nossa historia numa progénie i Ilustre,
Nicolau Taunay, por um architecto de génio, Grandjean de
Montigny e o escuiptor Marc-Ferrez.
DA INDEPENDÊNCIA A REPUBLICA 17
Volvendo a outros ramos administrativos, fundou, d. João,
as Aoademias de Marinha e Artilharia, o Archivo Militar e
^frizemos esta circumstancia digna de nota— desfazendo-se
dos seus livros, a Bibliotheca Nacional ; e gisou o primeiro es-
boço de um Jardim Botânico, futuro Índice da nossa flora.
Rematou tudo isto com a creação da primeira instituição de
credito do paiz, o Banco do Brazil.
Bsta imperfeita resenha, diz tudo p(.r si mesma. Traduz
inestimável legado que outros factos, sem a mesma altitude,
não empanam.
Nestes incluem-se todos os renovamentos das supérfluas
velharias de uma sociedade desfibrada, em que a burocracia se
tornara e ideal da vadiagem paga : a Mesa de Consciência e
outras, que nos forramos de citar, entre as quaes uma Inten-
dência Qeral da Policia, centralisada na corte, como se pela vasti-
dão do Brazil um Pina Manique titânico pudesse alongar dois
braços de Briareu... E, mais nefasto ainda, despontando com
a « Ordem da Torre e Espada », um prodigalizar fabuloso de
oommendas em tal cópia que, segundo Armltage, ultrapassaram
as doadas por toda a dynastia ; iniciando-se nesta terra a
mais achamboada das aristocracias e e3<io dissipar de « honras >,
que tanto desaira a honra purae simples.
Accrescente-so a annexação inútil, da Banda Oriental,
(16 de julho de 1821), constituindo a provinda Cisplatina, que
devíamos perder mais tarde depois de longas fainas guerreiras,
e teremos completado a única face obscura do quadro. Releva^
entretanto, considerar que neste lance a politica exterior de
D. João VI feriu, por acaso, a questão mais séria deste conti-
nente. Aprovei tando-se das discórdias entre os orientaes de Josô
Artigas eos argentinos, para firmar desde 1817, com a espada
do Barão da Laguna, o seu domínio em Montevideo, ella lançara
as primeiras linhas de uma opposição ató hoje victoriosa contra
o pensamento da raconstituiçao do Vice-reinado platino, que se
planeara desde 1811, na Junta Ooveroativa de Buenos Aires, e
erigiu-se ató aos nossos dias como ideal preeminente do
patriotismo argentino.
43:83 ^ 2 Tomo lxix. p. ii.
18 RB VISTA DÓ INSTITUTO HISTÓRICO
 dictadura de D. João VI encerrara com esta abção ex-
terna a sua phase reconstractora e utll.
Iam assaltai-^ e abatel-a dois movimentos inopinados — a
revolução de 17, em Pernambuco, e a de Portugal, em 1820.
A primeira, i, parte as causas secundarias e immediatai
de uma revolta militar, estampando o rotulo falso das agi-
tações nacionaes, tinha origens profundas.
Domingos Theotonio Jorge e o impetuoso Barros Lima, o
< Leão Coroado », assassinando o commandanto militar do Re-
cife, e expulsando o capitão general António Pinto de Miranda
Montenegro, agiam, heróes autómatos, sob o impulso incoercível
das tendencial nativistas, sob o disfarce republicano, cujos
chefes reaes, o commerciante Domingos Martins, o padre Miguei
Joaquim de Almeida e o mallogrado padro Roma, secundados
pelo seminarista Martiniano de Alencar, pertenciam a profissões
pacificas por excollencia.
Depois de um successo epbemero, em que à Junta Revo-
lucionaria, legando-nos exemplo que não foi esquecido, adoptou
como mais urgentes medidas o augmento do soldo ás tropas, o
accesso de três postos aos officiacs revoltosos e o tratamento
oílicial de vós^ o revide legal vibrado polo pulso vigoroso do
conde dos Arcos, governador da Bahia, sopeou-a, niaculando-ie
depois com levar ao patíbulo os rebeldes supplantados.
D. João VI vencera, porém, a tempo de attender a outros
antagonistas, que lhe surgiam na própria pátria com a revolução
liberal de 24 de dezembro de 1820, no Porto.
Na revolta portugueza o que apparece no primeiro plano
é a corrente generalizada do constitucionalismo que ia assober-
bando a Europa, depois da Restauração. Mas os seus reagentes
mais enérgicos eram outros. Resumiam-se na circumstancia cte
haver-se deslocado o throno para o Brazil instituindo, aqui, a
autonomia económica, preliminar da autonomia politica è còl-
looando o reino ém situação visivelmente inferior.
Houvera, de fticto, uma troca de papeis : Portugal, empo-
brecido desde a franquia dos portos, aggravada com o escoar-se-
Ihe, de Lisboa para o Rio, as rendas da realeza e do seu
séquito ' era a colónia de Y^cto.
DA INDEPENDÊNCIA Á REPUBLICA 19
Assim, aquella a^tagão era menos a lucta por um prin-
cipio que a revolta de uma nacionalidade illudida e melindrada.
A nora chAgou ao Rio de Janeiro trazendo, desde o Pará,
a sobrecarga aggravante da adhesão das tropas lusitanas dai
provincías. £ reviveu na alma timorata do rei antigas e des-
lembradas commoçôes — a resonancia longínqua do tropear
dos granadeiros de Junot. . .
D. João VI não balanceou a crise. Tergiversou, entretanto,
irresoluto, entre os brazileiros, que o attrahlam, e portuguezes,
que o intimavam a acceitar a constituição da Junta revolucio-
naria de Lisboa e a voltar para o Reino.
Jurada aquella, e marcadas, de accordo com o que estatuirá
(7 de março de 1821), as eleições de deputados ás Gôrtes, novas
vacillaçT^es no deixar a terra a que se affeiçoara, originaram
sanguinolentos recontros nas ruas do Rio de Janeiro entre os
nacionaes e as tropas auxiliares portuguezas.
Por fim, encerrando a sua carreira politica do mesmo
modo por que a inaugurara, com uma fuga ou com uma hábil
retirada, oscillante entre dispares desígnios, com as mesmas
peripécias dolorosamente ridículas, que temos por excusado
reviver, partiu, a 2Q de abril, para Portugal, deixando ao
filho, D. Pedro de Alcântara, uma corda que Julgava passível
de ser preada por um aventureiro qualquer.
Houve, entSo, na nossa historia uma antinomia notável.
O nativismo nacional que, á parte a breve irritação per-
nambucana, tolerara o absolutismo da realeza, começou de ser
rudemente aferroado pelo liberalismo portuguez.
Contravindo ao espirito superior do pensamento politico
que as inspirara, as Cortes de Lisboa planearam revogar as
reformas feitas anteriormente e adoptaram quanto ao Brazil o
programroa extravagante de rocolonização : votaram a sup-
pressão das escolas e tribunaes superiores ; a dissolução do
governo geral do Rio, completada cora a tentativa de revocação
do príncipe D. Pedro; e fraccionando a administração inteira,
com o impor a cada provinda a oorrespondenciti directa da me-
20 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
tropole remota, phantajiiaram um Brazil aoterior a Thomé de
Souza.
Não trancaram os portos porque o commorcio gorai era,
em ultima analyse, o commercio inglez.
A minoria do representantes brazileiros om Lisboa — em
quo se destacavam um orador impetuoso e vibrante, António
Carlos, um pensador por egual poeta e mathematico, Viliela
Barbosa, um argumentador tenaz, Lino Coutinho, e aquelle
perfil esculptural de Diogo Feij j, e o lúcido Arai^Jo Lima, Ver-
gueiro e outros — mal se oppoz áquelle recuo.
Protestando, pela voz de António Carlos, e abandonando um
posto inútil, emigraram os deputados para a Inglaterra, ou de-
mandaram a Pátria.
Aqui, a discordância dos partidos, espelhando todos os cam-
blantea, do nativista exaltado ao reaccionário, se engravecia
com o antagonismo crescente dos dois elementos nacional e
portuguez.E no baralhamento das paixões vivamente acirradas
pelas noticias gravíssimas de ultra-mar, o primeiro, scindido de
facções, sem coiHmando porque havia chefes demais, certo não
pulsearia o ultimo, mais unido e centralizado pela divisão
auanliadara do goneral Jorge de Avilez, onde so csteiava de
resistência da metrópole.
Dado o divorcio, que até aquelle tempo isolara os vários
agrupamentos em que se subdividia o paiz, punha*se de mani-
festo o seu desmembramento.
AS revoltas parciaes, que iriam irromper repellindo a
ameaça recolonisadora, sujeitar-se-iam a destinos vários nos
diversos pontos do território, e na melhor hypothese presa-
giavam, a exemplo do que succedera no Vioe-Reinado do Prata,
a formação de minúsculos estados, entregues ás intrigas im-
punes do extrangeiro, ou á phantasmagoria de uma liberdade
sangrando sob a espora dos caudilhos.
Impediu-o o Príncipe Regente.
Menos pelo valor pessoal quo pelo prestigio da posição,
fez-se arbitro entre os partidos, e o inclinar-se para os natu-
raes propiciou-Ihes o iriumpho, creando á monarchia o seu mais
elevado destino úa nossa terra.
PA INDEPENDÊNCIA A REPUBLICA 21
D. Pedro de Bragança talhara-ae, realmente, para aquella
crise. Mediano cm tudo — parte soldado, rei em parte, em
parte condotieri^essa, ausência de uma linba firme, no caracter,
dava-Ihe plasticidade para se amoldar ao incoherente da socie-
dade em que surgia. A situação histórica só lhe exigia a indole
cavalheiresca, brilhante e arrebatada, a bravura impetuosa e,
por fim, a própria inconstância que o levaria, tempos depois,
após representar o seu papel revolucionário, a abandonar o
paiz, ao despontar a phase roconstructora de 1831.
A exemplo do pae, ia agir sob a influencia dos homens de
valor que o circundavam.
Tinhamol-os, felizmente.
José Bonifj.cio chegara da Europa com renome feito de
proeminente cultor da philosophia natural, o tornara-se a
figura dominante de um grupo de patriotas apercebidos para
as exigências complexas do momento.
Mas como entravamos em periodo forçadamente demolidor
e critico, coube ao jornalismo os primeiros passos na empreza.
Gonçalves Ledo e Januário da Cunha Barbosa, no Reverbero ;
fr. Francisco de Sampaio e Soares Lisboa, no Correio do Rio,
esboçaram a reacção nati vista, deslocando para o á.mago das
agitações nacionaes o que ellas ainda não haviam tido, o vigor
moral da opinião publica. E como nas provindas, desde
Maranhão até S. Paulo, outros jornaes seftindaram, reforçando-
lhes os esforços, a imprensa fez-se instrumento preexcellente
da lacta iniciada, genoralizando-a a todos os ângulos do paiz e
favorecendo um movimento de conjuncto que ainda não existira.
Eivada de uma metaphysica dissolvente, e desse lyrismo
politico, que tanto compromettera a elaboração recente do
século XVIII, o seu papel, embora exclusivamente critioo*
traduziu-se como uma redistribuição de alentos e não dilatou a
energia centrífuga além dessa propa<iranda tenaz.
Porque se lhe contrapunha, no Rio, a força central da
realeza.
Não vacinemos em reconhecei-o.
Somos o único oaso histórico de uma nacionalidade feita
por uma theoria politica. Vimos, de um salto, da homogenei-
22 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
dade áa^ colónia para o regimea coDstitucionaL Dos alvarás para
aa leis. E ao entrarmos de improviso na orbita dos nossos
destinos, fizemol-o com um único equilíbrio possível naquella
quadra: o equilíbrio dynamlco entre as aspirações populares e
as tradições dyaasticas. Somente estas, mais tarde, permit-
tiriam que entre os «£zaltados>, utopistas avantajando-se de-
masiado para o futuro ató entestarem com a Republica pre-
matura, e QB «Reaccionários», absolutistas em recuos excessivos
para o passado, repontasse o influxo conservador dos «Mode-
rado6>, da Regência, o que equivalia a conciliação entre o
Progresso e a Ordem, ainda não formulada em axioma peio
mais robusto pensador do século.
DesVarte, a lucta da Independência teve, no englobar
elementos destruidores e reconstructores, o caracter positivo
de uma revolução.
£ desenrolou-se com uma finalidade irresistível.
Mas o principio foi esparso, dispartindo nos mesmos actos
sem solidariedade, tão oaracteristicos da nossa historia. As
fJuntas Governativas», qqe para logo se fundaram constituindo-
se em pequenos estados, volviam ao aspecto exacto dos tempos
ooloniaes, numa espécie de decomposição espontânea. Algumas,
como a de Pernambuco, mesmo reassumindo a attitude batalha-
dora, tendo supplantado o elemento portuguez na cCapitulaçâo
do Beberibe», (outubro de 1821), subtrahiam-se ao influxo do
governo do Rio, revivendo o antigo sonho da existência
autónoma. Outivas, as demais do norte, volvendo a obedecer ao!(
antigos dominadores, fiicilitavam o programmadarecolonisaçao.
Apenas quatro — Minas, S. Paulo, Rio de Janeiro e Rio
Grande do Sul— acceitaram desde logo o governo do príncipe.
Nessa instabilidade, é claro que o pensamento libertador,
adstrioto á contingência de captar o beneplácito preliminar dos
aggrupamentos de novo dissociados, tinha um signiflcado duplo:
confundiam-se, penetrando-se entrelaçados, o ideal da indepen-
dência e o da unidade nacional.
E coube ao Sul levantal-o, a começar pelo Rio de Janeiro,
onde chegavam directamente os decretos retrógrados da metro«
polé.
DA INDEPENDEIÍCIA A REPUBLICA 23
Occorrera ademais, alli, ama transigência forçada, contra-
produoente no irritar os ânimos: as tro]^ de Avilez haviam,
desde Jqnho, imposto o juramento da Coostituição das Cortes
portuguezas, combatida pelos deputados brazileiros, e a forma-
ção de uma Janota governativa destinada, como as patras^ a
agir em coirrespondencia directa com o governo de Lisboa.
F9Í no regimen transitório desta victoria ephemera, gue
entraram 09 decretos recolonisadores: declara vam-se indepen-
dentes do Rio os goyarnos das provincias e supprimidos todos os
tribunaes superiores.
Impunha-se, por fim, a partida improro^vel de D. Pedro
para a Europa.
Esta ultima clausula rompeu a represa d% revolta.
Sublevou-sea multidão no Rio, (9 de janeiro de 1822),
estimulada pela propaganda anterior de Gonçalves Ledo e Janu-
ário Barbosa, chefiada pelo presidente do senado da camará,
José Clemente Pereira, impondo ao príncipe, talvez yacillante,
a permanência no Brasil.
Impondo, ó o termo. A representação de oito mil assigna-
turas, qu6 lho foi lida, não çra um pedido; era uma intimativa.
Redigira-a um luctador, que não tem o rQuome mere-
cido, fr. Francisco de Sampaio; e o sacerdote rebelde fora
singularmente í^anco na primeira phrase que traçara: < a par-
tida de S. A. seria o decreto que teria de sanccionar a indepen-
denciç. do Brazll. ^
O príncipe cedeif ; e este rompimento, não já da solidariedade
politica, senão da do sangue, completado, três dias depois, pela
capitulação da divisão auxiliadora de Avilez, apoio material da
acção longínqua de ultramar, foi o traço mais intenso, i^aquell^
quadra, da reacção nati vista.
Aq mesmo tempo deâniam-^e as provincias. A Junçta de
S. Paulo, ci:go presidente, Oyenhausen, se norteava pela,
vontade firme de José Bonifácio, ligara-se em manifestq en^r^
gico aos SUCC68SOS anteriores — e no norte, a antiga fidelidade ^
metrópole partia-se ( 19 de fevereiro ) precisamente na terra
onde era clássica, a Bahia, levantada, em ma«sa qontrf^ 9
general Madeira de Mello.
24 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Estava declarada a campanha libertadora.
Dado o primeiro choque victorioso contra o exercito estran-
geiro, antes mesmo que a sua repercussão nas províncias se
coroasse de idêntico sucoesso, o governo recem-organizado»
dirigido por José Bonifácio, começou a deliberar, sobranceando
os tumultos, como se o não rodeiassem as maiores dificuldades.
Caraoterizaram-n*o três medidas radicaes, de prompto decre-
tadas: a chamada dos representantes das províncias para concer-
tarem nas reformas urgentes ; a preliminar do <cumpra-se» do
príncipe d. Pedro imposta á effectividade das leis portuguezas;
e por fim, medida mais séria, a convocação de uma Assembléa
Constituinte (decreto de 3 de junho).
Emquanto isto succedía, o príncipe, numa viagem trium-
phal a Minas, em março, onde á sua chegada se apagaram
nocivas discórdias emergentes, representava o seu papel real
o único — o da acção de presença-— como se nas transformações
sociaes se torne também preciso, ás vezes, essa mysteriosa
força catalytioa, que desencadeia asaí&nidades da matéria.
O titulo que anteriormente lhe fora offerecido, numa data
que se tornaria ainda mais celebre, (13 de maio) de « Defensor
perpetuo do Brazil », j& valia por um pallido euphemismo,
escondendo o de Imperador, em que desfechariam todos os
acontecimentos.
Ampliou-o a proclamação de l de agosto. Ahi elle se declara
defensor da independência das províncias, e pede cqua o grito de
união dos brazileiros ecoe do Amazonas ao Prata».
Redigida por Gonçalves Ledo, agitador que recorda um
girondino desgarrado em nossa terra, ella foi por isto mesmo
altamente expressiva. Expunha o único destino da monarchia
entre nós, o de agente unificador ; e como este seria nullo sem
o alento das expansões populares, o pensamento do futuro
imperante devia realmente vibrar na penna de um nervoso
chefe liberal.
E' inexplicável, por isto, quoaquella data tenha escapado
& consagração do futuro. Falta-lhe talvez a exterioridade de
outras, menos eloquentes e mais raidosas: a de 7 de setembro,
por exemplo.
DA INDEPENDÊNCIA A REPUBLICA 25
Com efTeito, o interessante episodio da viagem que levara o
príncipe a S. Paalo, com o mesmo intuito da ida anterior, a
Minas,— em nada modifloou o curso natural dos factos. Apenas
teve, deante da comprehensão tarda e rudimentar do povo, a
clareza suggestiva das imagens, e deu-lhe a minúcia singular-
mente valiosa de umsymbolo, o tope nacional, auri-verde,
substituindo a velha divisa portugaeza quando esta foi violenta-
mente despedaçada peio régio itinerante ao receber, sobre a
collina do Ypiranga, a noticia das decisões arbitrarias das Cortes,
que lhe annullavam todas as reformas praticadas. . .
€ Independência ou morto! », brcvdou varonilmente, no meio
da comitiva electrizada. E a revolução teve afinal uma for-
mula synthetica, armada ao apercebimento immediato do povo,
oncautando-o pela nota romântica e theatral, e, como tantas
entras por egual detonantes, desferindo o repentino surto da
energia potencial das idéas.
Proseguiu dalli por deante vertiginosamente.
Acclamado e coroado (12 de outubro e 1 de dezembro de
1822) Imperador constitucional, d. Pedro I não lhe cerrara o
cyclo inflexível. Dilatarão.
O movimento libertador teve, então, o inconveniente da
própria força adquirida ; e agindo num meio inconsistente '
conduziria a resultados desastrosos.
Era forçoso regulai o.
Foi a notável missão de José Bonifácio, cujo ministério
salvou a revolução, com uma politica terrível, de Saturno:
esmagando os revolucionários.
Sombreamn*o,com eíTeito, ante uma observação superficial,
medidas odiosas: destruiu a liberdade de imprensa, suppri-
mindo os jornaes que o applaudiam na véspera; e, com rigor
excessivo, arredou da scona ruidosa, om que eram prota-
gonistas. Clemente Pereira, Gonçalves Ledo e Januário da
Cunha Barbosa, desterrando-os para o Rio da Prata e para
a França.
C que o grande homem vingara, num lanço genial, o fastí-
gio de uma crise. Iniciava a funcção reconstractora urgente,
sobre o terreno movei das paix5es.
26 REVISTA PO INSTITUTO HISTÓRICO
Mostra-o suocesso capital, subsequente: a Assembléa Geral
Constituinte, reunida a 3 de maio de 1823.
A' parte as desordens que a agitaram numa curta exis-
tência de seis mezes, atô 12 de novembro, quando foi dissol-
vida por « lia ver perjurado na defeza da pátria e da dynastia »,
previa-se que, ainda quando transcorressem calmos, os seus
trabalhos provocariam agitações profundas.
Porque nma constituição sendo uma resultante histórica
de componentes seculares, accumuladas no evolver das idéas e
dos costumes, ó sempre um passo para o futuro garantido pela
energia conservadora do passado. Tradicional e relativa, des-
pontando de leis que se não fazem, senão que se descobrem no
conciliar novas aspirações e necessidades com os esforços das
gerações anteriores, é um traço de alliança na solidariedade dos
povos.
E nós iamos partil-o.
Com effeito, legislar para o Brazll de 1823 — agrupamentos
ethnicae historicamente distinctos — seria tudo menos obedecer
á consulta lúcida do meio. £ra trabalho todo subjectivo, ou
capricho de minoria erudita iniiiferente ao modo de ser da
maioria. Porque a nossa única tradição generalizada era a do
ódio ao dominador recente ainda em armas, e esta, servindo como
recurso de momento no propagar a rebeldia, extinguir-se-ia com
a yictoria, deixando aos formadores da nova pátria um problema
formidável: erguer, unido, ao regimen constitucional, novo na
própria Europa, um povo disperso, que não atravessara uma só
das phases sociaes preparatórias. Um salto desmesurado e
perigoso. A execução temerária da mais grave das revoluções,
essa paradoxal revolução < pelo alto >, que o génio de Turgot,
poucos annos antes, concebera, como recurso extremo para salvar
Luiz XVI, aos rumores profundos de 89.
Invertidas as suas fontes naturaes, as reformas liberalis-
simas, ampliando todas as franquias do pensamento e da activi-
dade, iriam a descer a golpes de decretos, & maneira de deci-
sões tyranicas.
Impol-as um grupo de homens, que mais do que represen-
tantes deste paiz, eram representantes de seu tempo. Despeadoi
DA INDEPENDÊNCIA A REPUBLICA 27
das tradiQõdfl aacionaes, qae a bem dizer n&o existiam, arreba-
taya-08, exclusiva, a miragem do futuro.
Mas esta deu-lhes intuição genial, esclarecendo-us na tarefo
extranha de formar uma nacionalidade sem a própria base
orgânica da unidade de raga.
Porque estávamos destinados a formar uma raça histórica,
segundo o conceito de Littré, através de um longo curso de
existência politica autónoma. Violada a ordem natural dos
fEictos, a nossa integridade etbnica teria de manter-se garantida
pela evolução social. Condemnavam-nos á civilisação. Ou
progredir, ou desapparecer.
E nas aperturas desta alternativa a intervenç&o monarchlca
foi decisiva, opportuna e benéfica.
Os trabalhos da Constituinte principiaram malignados, desde
os primeiros dias, pelo lyrismo revolucionário dos que a com-
punham. Insurgindo-se contra o ministério Andrada, no impu-
gnar as medidas repressivas que este resolvera, a opposição
accarretou-lhe a queda, após successivos revezes: retirando-lhe
a confiança, ao eleger-se a mesa, toda com adversários ; favore-
cendo a absolvição dos desterrados políticos ; e repellindo um
imponderado projecto de suspeição contra os portnguezes domici-
liados, que tivera, lastima veimen te, o apoio da palavra
infiammada de António Carlos.
Apeada do poder, a trindade illustre dos Andradas appellou
para os recursos que condemnara na véspera. Aproveitando-se
da liberdade de imprensa, restaurada pelo novo governo, de
Carneiro de Campos (Marquez de Caravellas} fez de seu jornal,
o Tamoyo^ orgam de um radicalismo infrene; e, emparceirando-se
com 08 exaltados da Constituinte, rodeou a nova situaçfto de toda
a espécie de empeços — erigindo-se, por fim, inspiradora da lei
que incompatibilizaria de todo aquella Assembléa com o impe-
rante: a que tornava independente do veto imperial o código
orgânico que se elaborava.
Era collocal-o sob o golpe de Estado.
De fiioto, ao appareoer, em 30 de agosto, o projecto oonsti-
28 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
tucional, quasi aborticio ou temporSo, precipitado nas votações
atropelladas ou tangidas pelos ultra-radtcaes, estava prompto
o ambiente que o afogaria. O antagonismo pessoal de D. Pedro I
08tentara-se já na protecção desafiadora que elle dera aos officiaes
e soldados portuguezes da Bahia, onde, entretanto, se traçara a
legenda patriótica do 2 de julho; o, se não occorressem as difflcul-
dades de oommunicaçoes, lord Cochrane e Qronfeld não com-
pletariam a rota pacificadora do norte, do Maranhão ao Pará
(junho a agosto de 23), nem Frederico Lecor( Barão da Lacuna)
debellaria em Montevideo (18 de novembro) a ultima resistência
das forças addictas á metrópole.
Porque o divorcio do Imperador e da Assembléa attingira o
desenlace tempestuoso da dissolução desta, logo apósá formação
do ministério contra-revohicionario de Villcla Barbosa (marquez
de Paranaguá) (12 de novembro de 1823).
Ao mesmo tempo foz-se o avesso da situação anterior: os
cascos dos batalhões portuguezes, do Rio, aggremiados cm São
Cbristovam, tornaram-se a ultima garantia dj throno, tendo sido
um dos seus commandantes o portador do decreto dieta toriaU
Comminou-se o desterro aos Andradas, Montezuma e outros
patriotas ferventes. E, como suppletivo do rompimento, a
multidão, no Rio, entre alegrias inexplicáveis, realizou, pela
primeira vez, a sua symbiose moral com um triumphador do dia,
applaudindo-o.
Felizmente nos livraram de todos os cífeitos da contra -
revolução, de um lado, o temor Je um levante nas provincial
c de outro, a própria indole sonhadora e cavalheiresca do
monarcha, que não abdicara o sou papel de cortezão pertioaz
da Liberdade.
Aàsim, congregou os melhores espíritos que o rodeavam —
Carneiro de Campos, Villela Barbosa, Carvalho o Mello, Nogueira
da Gama, Pereira da Fonseca (marquez de Maricá), e outros,
oommettendo-lhes a tarefa de escrever em um Código Or-
gânico.
Aquelles eruditos, olhos fixos na Europa e no constitu-
cionalismo nascente, não a elaboraram. Reuniram as me-
lhores conquistas Uberaes, joeirando-^as dos exaggeros dQmo*
DA INDEPENDÊNCIA Á REPUBLICA 29
oratiooSt e sobrelevaram, por fliUt inattingiveis, sobre a cultura
do paiz, na Constituição jurada a 25 de Março de 1824.
Tinham cravado um marco, ao longe, no futuro.
A nossa historia dahi por doante recorda um fatigante
esforço para o alcançar.
A carta outorgada, que ainda hoje seria um código li-
beral, despertou, incomprehendida, revoltas. Mas, nestas,
quem lhes destrama a meada dos factos secundários, verifica
apenas a incompatibilidade dos vários grupos brazileiros para
a existência autónoma e unida. A de 24, em Pernambuco,
teve o lastro único das tendências separatistas. A* primeira
vista, surge daqnella anomalia do regimen constitucional imposto
sobre asruinas de uma constituinte» aquelle bizarro contrasenso
da Uberdade doada arrogantemente por um decreto ; mas o
que vislumbram as linhas do « Desengano Brazileiro >, de Soares
Lisboa, ou os períodos explosivos de frei Caneca, o terrível
pamphletario do «Typhlis», jornalistas e representantes naturaes
de Pernambuco, é o eterno perigo da unidade politica contras-
tando com a heterogeneidade da raça.
De sorte que a ephemera < Confederaçlio do Equador »
ligando as províncias, de Alagoas ao Ceará, precisamente no
tracto do terras em que as vicissitudes da historia mais se uoi-
formisaram nas luctas contra os hollandezes, ô um caso franco de
diiferenciação ethnica.
Dirigida per um dos patriotas da revolução de 1817, Paes de
Andrade, reflete-lhe os mesmos estímulos ; e ao ser esmagada
pelas forças combinadas de F. Lima e Silva e lord Cochrane,
deixou, a exemplo de todas as revoltas infelizes, na memoria de
seus martyres, os germens de outros elementos revolucionários.
Estes reuniram-secom um traço legal nas camarás de 1826,
que a constituição instituirá, e onde se agruparam, sob todos os
matizes, federalistas e republicanos.
A maioria, do liberaos monarchistas, adeptos do regimen
parlamentar inglez, deliberava no tumulto.
Excusamo-nos de o pormenorizar. Archivou-o o jorna-
lismo da época. Aevelaram-n'o as perturbações do governo.
Cahiodo o ministério Paranaguá, que durara três annos, o
30 REVISTA DO mSTlTUTO HISTÓRICO
qne lhe saccedeu (16 de Janeiro de 1827), do ▼iscoade de 8. Leo*
poldo, teve $, existência inútil de alguns mezes atô ao primeiro
ministério parlamentar, de Pedro de Araújo Lima, marquez de
Olinda (novembro de 1887).
Dahi por deante o desequilíbrio goremamental vai aooen-
toando-se nam crescendo, até ao desabamento de 31 •
O imperador vacilla, sondando a opinião, proeurando-a
mesmo entre os liberaes extremados, com chamar ao governo
José Clemente Pereira (15 de junho de 1828) ; e volta-se,
intermitteniemente, para o homem qne lhe moaopoliz&ra a
confiança, Paranaguá .
Intervêm factos externos acirrando a crise.
A Banda Oriental levantase, á voz de La valida, píDtegido
pelo governo de Buenos- Aires, e trava-se a mais inglória das
nossas guerras numa successão de combates inúteis, onde
apenas sobrosahem as victorias de Rodrigo Lobo contra o almi-
rante Brown. Os exaltados, no Rio, tomam-se qnasi sócios dos
orientaes rebeldes. O fracasso do marquez de Barbacena, em
Itozaingo, (28 de fevereiro de 1827), no recontro desegual com o
exercito de Alvear, provoca-lhes singulares Jubilas, como se por
ama intuição profunda prefigurassem os perigos da volta
triumphante de um general victorioso para a pátria anarchizada,
depois de cnrsar, nos pampas, a escola tradicional da caudi-
Ihagem. E, quando, depois da guerra, a esquadra do barão
de Roussin, exigiu imperativamente a entrega de alguns navios
francezes preados no bloqueio do Prata, a coi^unctura em que
se encontrou o governo, dobrando-se á intimativa, feriu fhndo
as susceptibilidades patrióticas e arrancou da fronte do Impe-
rador a sua aureola de valente.
Elle estava, além disto, em situaçSo que o impropriava a
afoltar-se com a adversidade crescente. De posse da corõa
portugueza por morte de D. João VI (1826), repartia-se
em preoccupaçoes oppostas. Mas embora o animasse o desejo
de transpor o mar para fazer-se paladino do constitucionalismo
em Portugal, tentou ainda em 1831 (19 de março) um ultimo
esforço de reconciliaçSo, abraçando-se ao partido liberal, com
o ministério de Carneiro de Campos.
DA INDEPENDÊNCIA A REPUBLICA SI
Era tarde. Nas eleições de 1830 haviam iriumphado, em
maior Damero ainda, radicaes e federalistas; e a imprensa, com
um vigor que nanca mais teria no Brazil, dirigida >éla Avírora
fluminense, de Evaristo da Veiga, tom&ra a direcção do
movimento, tornando-o irreprimível, generalizandose nas
províncias com o «Observador Constitucional», de Lll^ero
Badarô, em S. Paulo, com o « Uiiiversal », em Minas, e no
norte, com o Bahiano, de Rebouças.
O ministério Carneiro de Campos durou uin mez.
O paiz era ingovernavel . O baralhamento das idõas princi-
piava a alastrar-se nas ruas em desordens sanguinolentas
entre nacionaes e portuguezes, de que foi modelo à tormentosa
< noite das garrafádas » (13 e 14 de março de 1831).
Nesta emergência, o imperador appellou mais uma vez para
Villela Barbosa, constituindo um ministério de senadores, velhos
serventuários, leaea, mas ^agilimos.
Foi o pretexto de maiores tumultos.
O povo do Rio enviou uma deputação a S. Christovam exi-
gindo a reposição do ministério anterior. Repellindo-a nobre-
mente D. Pedro, a multidão aivorotou-se e, captado o apoio da
tropa (7 de abril), confiou a um dos chefes militares, o major
Miguel de Frias, nova intimativa imperiosa.
Era o desfecho. D. Pedro I abdicou no imperador infante,
confiado á tutela de José Bonifkcio, repatriado em 1830, e,
embarcando na náo ingleza « Warspite », cerrou a primeira
phase da soa carreira aventurosa.
O 7 de abril era Inevitável.
Tinha dez annos o embate entre as correntes monarchica
e democrática e como a divergência das idéas at tingisse a úm
maximum gravíssimo, empunha-se o domínio de uma delias.
Maã — embora o favorecessem todos os resultados de uma
acção que abatera não só o príneipio mooarohico, como também,
'pelo caracter militar que assumira, o prestigio da auctorídadé
civil— o liberalismo triumphante não foi levado ás suas ultimas
consequências. Porque entro as forças adversas dos íbderaiistasi
32 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
extremados o triumphantes (partido Liberal Exaltado) e rea-
ccionários absolutistas (partido Restaurador ou Caramurú),
surgira, ierlius gaudet, na lucta que não compartira, fortalecido
pela situação neutral entre aquelles rivaes que se maniatavam,
um outro, o Liberal Monarchista (partido Moderado), que,
conciliando as conquistas dos combatentes da véspera com as
reservas da sociedade conservadora retrahida, lhes repellira por
egual as tendências exclusivas, evitando dois perigos extremos
que se fronteavam : a Republica prematui*a e o Absolutismo
revivente.
O papel da Regência, ponto culminante da nossa historia
politica, instituiu-se, assim, como um ponderador das agi-
tações nacionaes : um volante regulando a potencia revolta de
tantas forças disparatadas. Comprehenderam-a'o os homens
extraordinários que ao assumirem naquelle momento o governo
< se temiam de si mesmos, do enthusiasmo sagrado do patrio-
tismo e do próprio amor da liberdade», que os armara.
Nem careciam para isto de aquilinos lances de vistas.
Os perigos da situação nfto lhes demandavam a cogitação
mais breve. Assoberbavam-nos. Estadeiavam-se, francos, impres-
sionadoramente. E entre olles, peior do que uma dictadura real,
surgia a aspiração federalista, collímando o rompimento
definitivo dos frágeis elos entre as províncias.
Um extrangeiro illustre, Augusto de Saint-Hilaire, depois
de caracterizar o estado revolto das republicas platinas, volvia
naquella ópoca o olhar para o Brazil, e aponta va-lhe idêntico
destino, se fossem satisfeitos, pelo regimen federal, os desejos de
mando das patriarchias aristocráticas, que o retalhavam : . . •
<que os brazileiros se acautelem contra a anarchia 'le uma
multidão de tyrannetes mais insupportaveis do que um déspota
único.» (l)
(l) Deanto do quadro lastimavol da politica nacional, têm ainda
hqjp a mais porlVita opportunidado as palavras austeras do frraudc
naturalista, em 32: «Les brésiliens ne sauraient ótablir chez eux
le système iêdôral sans co um. sncr par rompr • les laiblos liens
qui les unisscnt encore Impatietits de toutc supcriorité, plusieuts
chefs hautaiiis de ces patriachies aristo^ratiques dont Ic Brésil cst
couvcrt, appellent sans doute U fédéralisme de tous leurs v<»ux ;
DA INDEPENDÊNCIA Á REPUBLICA 33
Ora, a missão da Regência consistia em afastal-os%
Contratta em tanta maneira com as rerolta» anteriores
qqe o 7 de abril passou em julgado como ut%e jottmée de dnpes :
Uludidof 08 Eialtados que o precipitaram, o exercito que ds
amparou e a própria nação para quem a abdicação íõra uma
surpresa. (1)
Mas o conceito é falso. Dos víctoriosos da véspera desponta-
riam 08 três maiores homens do tempo, Evaristo da Veiga,
Bernardo Pereira de Vssconcellos e o padre Diogo António
Feijó; e o general que chefiara o movimento,?, de Lima e Silva,
seria membro immutavel dos triumviratos, de 31 a 35.
O que houve foi o caso vulgar nas revoluções triumphantes:
o radical, extincta a sua funcção demolidora, fazia-se conserva-
dor, no governo, e vibrava a auctoridade resem-adquirida con-
tra 06 que o haviam auxiliado a destruir a auctoridade antiga.
Mudavam por coherencia.
Adivinhando a missão histórica do império, Evaristo salvou
o principio monarchico, identificado, então, com a unidade ák
pátria ; prevendo a anarchia em que esphacelaria o paiz,
Feijó restaurou, por um milagre de energia incõinparavel, a
auctoridade civil.
Completam-se. São dois nomes que são dois Índices de uma
época inteira.
O ultimo, sobretrdo, domina inteiramente o quadro.
Recorda o heróe providencial, de Thomaz Carlyle.
Ministro da justiça, na primeira Regência Permanente
Trina, soffreiou rijamente todo o Ímpeto da torrente revolucio-
naria.
O S6U primeiro golpe foi contra os companheiros da vés-
pera» aupplantando (14 e 15 de julho) fortes levantamentos
militares que estalaram no Rio. Foi um golpe fulminante.
^aÍ8 que tes hrésiliens se ticnncnt en garde contre une dêception
qui les conduirtHt a ranarchit et aux^ vexations d'une foule âe
petits tyrans, mUlc fois plus insupportaòles que ne Veet un teul
dcspote.»
(l) Joaqtdm Nabuco — í/m estadista dò Império, T.i^.
4323— 3 Tomo lxix. p. ii.
34 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Reprimiu as desordens; dissolvea alguns corpos indisciplinados;
fragmentou os demais, destacando-os para as provindas»
Nunca se vira auctoridade egual. Ella golpeiou de espanto
o próprio governo, det,erminando a sabida do alguns ministros
assombrados e a entrada de Bernardo de Vasconcellos e Lino
Coutinho.
Diogo Pejyó proseguiu, inílexivel. Tendo-se apenas armado
de estoicismo raro, que o fevava intremulo ás decisões mais
arriscadas, creou a Guarda Nacional (18 de Agosto de 1831) e
com ella, logo depois (7 de outubro), reprimiu novo levante do
corpo de infantaria de marinba, que foi por sua vez dissolvido,
depois de severamente corrigido, sendo entregues os negócios da
marinha a um lente da academia militar destinado a longa
carreira, Rodrigues Torres.
Deste modo, em poucos mezes a anarchia emergente da
indisciplina militar, dobrava-so, jugulada sob mãos inermes de
um padre. Eo governo poudo devotar-se á organização adminis-
trativa creando o Tbesouro Nacional e thcsourarias provinciaes;
sanccionando e procurando applicar, ainda que inutilmente, a
primeira lei de repressão do trafico (7 de novembro de 31) ; e
reorganizando as Escolas.
Edificava sobre o solo vibrante da revolução.
O anno do 1832 antolhou-selhe repleto de ameaças.
Os três partidos que se enterreiravam nas camarás tinham
elementos que se contrabalançavam. Aos Moderados diri-
gidos por Evaristo, Vergueiro, Limpo de Abreu, Carneiro Leão
e Paula de Souza, contrapunham -se os Exaltados, de Paes da
Andrade, de Bernardo Pereii*a de Vasconcellos. dos Franças, da
Bahia, e de Miguel de Frias, emquanto o cCaramurú» enfeixava
os nomes tradicionaes de Josô Bonifácio, Paranaguá» Cayrú e
Martim Francisco.
Na imprensa, o Republico, de Borges da Fonseca, e a
Aurora^ batiam-so sob ataques convergentes dos jornaes federa-
lidtas (o Exaltado, a Matraca o a Sentinella, de Cypriano Barata)
e raaccionarios (o Caramurà^ o Tempo e o Diário do Rio),
E, fora destes dois campos, a Sociedade Federal, a Socie-
dade Militar, dos absolutistas, e a notável Sociedade Defensora,
DA INDEPENDÊNCIA Á REPUBLICA 35
dé Evaristo, transmittiam, aggri^ayadas, ao povo, estas diver-
gências insanáveis.
A 3 de abril rebentou novo motim, impellido por Miguel de
Frias, liberal extremado; foi supplantado. Segnia-se-llie, dias
depois, um outro, desencadeado pelos absolutistas e dirigido
por um allemão aventureiro, o conde Von Bulow. Foi completa-
mente supplantado. O inflexível ministro da justiça firmava
definitivamente a ordem. De sorte que, a exemplo do anno
anterior, os trabilbos do governo e das camarás puderam
traduzir se em medidas fecundas, em que sobresabem a sanccão
do novo Código do Processo Criminal, á, luz das modificações
profundas que o constitucionalismo imprimira na antiga
legislação portugueza; a reforma das Ordenações; a instituição
do jnry e o abandono de uma velharia colonial, a Casa da
Supplioação.
Os poderes constituídos galvanizados pelo animo inflexível
de Diogo Feijó atravessaram, afinal, mais firmes, todo o anno
de 33, extremando-se mesmo em actos de energia inúteis e
oondemnaveis: a destruição, pela justiça snmmaria do empastel-
lamento, da imprensa adversa; e, a 15 de dezembro, a prisão do
José Bonifácio, suspenso do cargo do tutor da família dynastíca.
O partido Moderado, preponderou por fim, incondicional-
mente, desde 34.
Pertence-lhe, inteira, a lei de 3 de agosto, daquelle anno, o
Acto Addicional. Ahi ha um transigir cauteloso com o liberalismo
attonuado, senão com as próprias tendências federalistas :
8ubstituem-se os conselhos pelas Assembléas provinciaes ; sop*
prime-se o Conselho de Estado e, como um minoratívo a estas
franquias, faz-se a concentração do governo na Regoncia Una, o
institue-se o Poder Moderador.
Uma proposta dos separatistas para que os presidentes das
províncias se escolhessem numa lista tríplice das respectivas
assembléas, cahiu, impugnando-a Evaristo da Veiga, o grande
inspirador dos Moderados que lhe lobrigara nas entrolhinhas o
fraccionamento do paiz,
Justiâcavam-n'o todos os factos, além dos que occor-
riam na capital. As revoltas nas províncias desata vam-se em
36 RBVISTA DO INSTITUTO HLSTORICO
datas, Tinoaladas em série : no Ceará (1831-1832), otn Pernam-
buco (1832-1835), no Pará (1835-1837), na Bahia (1837-1838), no
láaranhSo (1838-1841) e abrangcndo-as, sommando-as, a longa
agitação no Rio Grande (1835-1845).
Debeilada a primeira pela Regência Ti*ina, as duas seguintes
deparariam adversário mais tenaz.
Diogo Feijó fora eleito regente (18 de outubro do 1835).
Mas parecia mudado.
As luctas ferozes que compartira liaviam-n*o tornado vacil-
lante sobre o futuro. As clausulas que impoz pira aoceitar o
governo, uma das quaes, a S**, prevô a bypothese da soecessão
das províncias, mostram-n'o salteado de desânimos. Compre-
bendera, talvez, a enormidade do problema que sa propunha
atacar; e que os tumultos federalistas, os mais lógicos entre os
que abalavam o paiz, tinham génesis inacccssivel, exgindo ope-
rac^io mais séria do que cargas das bayonetas. Uma daquellas
revoltas, a do Pará, vencida pelo general Soares de Andréa, em
1836, dera um typo novo á nossa historia— o «cabano». Symbo-
lisava o repontar de questão mais séria, que passou despercebida
A sua visão aguda, o se destinava a permanecer na sombra até
aos nossos dias.
Era o crescente desequilíbrio entre os homens do sort&o e os
do litoral. O raio civilisador, refrangendo na costa, deixava na
penumbra os planaltos. O massiço de um oonlinente compacto
e vasto talhava uma physionomia dupla à nacionalidade nas-
cente. Ainda quando se fundissem os grupos abeirados do mar,
restariam, ameaçadores, affeitos ás mais remotas tradições,
distanciando-se do nosso meio e do nosso tempo, aquelles rudes
patrícios perdidos no iosulamento das chapadas. Ao «cabano»,
substituiriam no correr do tempo o «balaio», no Maranhão, o
€chimango», no Geará, o «cangaceiro», em Pernambuco, nomes
diversos de uma diathese social única, que chegaria até hoje,
projectando nos deslumbramentos da Republica a sUhouêtU
trágica do « jagunço»... Observe-se, comtudo, de passagem,
que nâo escapou de todo ao discortino excepcional de Peijó o
meio preexcoUente para remover-se em parte esta fatalidade
physica. Na lei de 31 de outubro de 1835, a primeira que pro-
DA INDEPENDÊNCIA Á REPUBLICA 37
malgou ao asgumir a Regência Una, tracam-se as primeiras
linhas do nosso desenvolvimento económico: anctorisava-se a
constr acção de uma estrada de ferro para ligar-se a Capital do
Império ás provinoias de Minas e S. Paulo. Mas o bello pensa-
mento governameotal avantajava-se demais i, própria sociedade.
Foi inviável. Ao grande homsm íloou, porém, a gloria de baver
adivinhado esse antagonismo formidável do deserto e das
distancias, que ainda hoje tanto impece o pleno desdobramento
da vida nacional.
Vencida a «cabanada», curou o regente da insurreigão rio-
grandense, dirigida por um campeador, Bento Gonçalves da
Silva, com quem naodesadoravahombrear um outro predestinado
a maior fama, Giuseppe Garibaldi.
A pcção do governo foi, entretanto, frouxa» permittindo
que, apezar de aprisiona io o pnmeiro em sangrento combate
de três dias (2, 3 e 4 do dezembro de 1836) se avantajassem os
«Farrapos», sobr anccii*os ao revoz, ao ponto de proclamarem um
mez depois a Republica de Piratinim, sendo eleito presidente o
próprio general prisioneiro.
As vacinações governamentaes favoreciam-n*o8.
Bento Gonçalves, conseguindo evadir-se do Forte do Mar, na
Bahia, dera-lhos novo alonto; e o melhor chefe legalista, Bento
Manoel, que se notabilizara em 1818 na campanha contra Artigas,
com elle se bandeou numa defecção lastimável.
Ao mesmo tempo, aggravavase nas camarás a opposição
liberal dirigida por Bernardo de Vasconcellos, Epara malignar
as coisas, a morto de D. Pedro (1836), que se âgurava circum-
stancia favorável, destruindo de golpe as esperanças dos reaccio-
nários, occasionara a alliança destes com a opposição parla-
mentar, creando-se o partido «Conservador», triumphante nas
eleições daquelle mesmo aono e maniatando de todo o go-
verno.
Diogo Feijó avaliando a situação resolveu-a com a autiga
rectitude. Nomeou ministro do império o seu principal adver-
sário, o chefe opposicionista, Arauio Lima ; e no dia seguia te
(19 de setembro de 1837) entregou-lhe o cargo da Regepcia,
altimando<se a missão histórica do partido Moderado.
áÊ
38 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Desapparecia nobremente e no momeato opportuno.
Nobilitara a lei ; resuscitara a autoridade ; dignificara o
governo.
Deante de sua alma de romano, quebrara-se, amortecida,
a vaga de uma Revolução.
Ficava-lhe adeante, um remanso : o segundo império.
€ Depois do 1836 a historia politica do Brazil se resume na
lucta dos dois partidos, o conservador e o liberal. » (Barão do
Rio- Branco.)
Mas, desde logo, ô claro o descambar do principio demo-
crático, até então predominante. A regência de Ararsjo Lima
esboça a reacção monarchica, favorecida inesperadamente pelos
dois maiores paladinos das franquias liberaes, E. da Veiga o
B. de Vasconcellos*
O ultimo traçou com incomparável lucidez a sua nova
altitude :
«Fui liberal, entfio a liberdade era nova nopaiz ; estava
nas aspirações de todos, mas não nas leis, não nas idôas praticas:
o poder era tudo : fiii liberal. Hoje, porém, ô diverso o aspecto
da sociedade: os princípios democráticos tudo ganharam e muito
comprometteram ; a sociedade, que então corria risco pelo
ppder, corre agora risco pela desorganização e pela anarchia.
Gomo então quiz, quero hoje servil-a, e por isto sou regressista.
Não sou transíuga, não abandono a causa que defendo no dia de
seus perigos, de sua íY^queza; deixo-a no dia em que tão ;^guro
ô o seu triumpho que atti o excesso a comprometto.»
Ahi está todo o ementário da época. Não temos em toda a
nossa vida politica, em tão poucas linhas, programma tão vasto.
O grande homem aprumando-se na encruzilliada a que che-
gara a phase preparatória da Regência, trancava a passagem
para a Republica. O Império surgiria com a maioridade
antecipada, e inconstitucional, feito anhelo commum dos liberaes
de António Carlos e conservadores de Paranaguã.
Foi o que sucoedeu a 23 de julho de 1840.
A maioria do paiz estava em paz» Debellara-se na Bahia a
DA INDEPENDENQA A REPUBLICA 39
«Sabiaada» (1838) e a ephemera «Repablica Bahiense» ; e no
Maranhão os «Balaios» fagiam deante de um general íbliz,
L. A. de Lima e Silva (Caxias), cajá espada seria a escora
de am reinado. No sul, mau grado dois lidadores eguaes no
destemor e no brilho, separados depois por uma variação de
soenario, David Canavarro e Garibaldi, os rebeldes recuavam
ante a firmeza do general Andréa (Barão de Caçapava).
Decahiam as paixões. A própria imprensa abdicara de si o
papel agitador que monopolizara. Dois Jornaes, o Brazil^
do Justiniano Josô da Rocha, e o Maiorista, de Salles Torres-
Homem, bem escriptos, phrases limadas, sem o affogo e a
sinceridade dos anteriores, bastavam ás exigências politicas.
Percebia-se a infiltração do arthritismo monarchico no corpo
fatigado do paiz. Vão surgir ainda algumas revoltas, as in-
timas. E nestas, nas de Minas e S. Paulo (1842) suflocadas
por Lima e Silva, nos combates de Santa Luzia e Venda-Orande ;
na de Pernambuco (1848), o que se observa ô apenas o desaponta*
mento partidário. Os rebeldes timbram no conclamar a ádheSão
ao tbrono. Batem-se saudando a realeza.
Imprimira-se uma inflexão na directriz da nossa historia.
Era obrigatória. O nosso desenvolvimento social fora até
allí quasi nuUo. A vida nacional ativera-se aos interesses
absorventes da politica.
A cultura litteraria, permanecera inapreciável. A philoso-
phica papagueava no eclectismo massudo do Padre MonfAlverno.
Os talentos que appareciam, resumamol-os em Araújo Porto-
Alegre, Gonçalves de Magalhães e Gonçalves Dias, tinham
educação alienígena, através da preliminar obrigada de uma
viagem á Europa, de onde nos vinham os únicos contingentes
da sciencia, emmalados. Nas sciencias restringiamo-nos á figura'
solitária daquelle notável Padre Custodio Alves Ferrão (1 842)
incomprehendido e inútil nas salas desfrequontadas do Maseo
Nacional incipiente.
Seguindo o exemplo de Saint-Hilaire, alguns eleitos* sal-
tavam, envoltos na indiíTereaça geral, num ponto qualquer da
costa, e iam descerrar as opulências de uma natureza sem par,
immensa pagina da historia natural que não sabíamos lêr.
40 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
D*OrbigDy segue para Matto Qrosao ; Pedro Clauaen (1841)
para Minas; Helmreichen (1846) para Bahia; Gardner, para o
extremo norte ; Pisais delineia o nosso primeiro mappa geolo«*
9ÍQ0 ; Castelneau (1843) afunda nos planaltos, e mais iUustre
que todos, Willíam Lund, de seu retiro tranqtuillo da Lagôa
Santa, principiara a abalar o mundo sciantiflco oom as suas
extraordinárias descobertas»
Ninguém os percebia.
$ob o aspecto intellectual, reduzidos á litteratura apressada
dos jornaes o ás rimas de um o outro poeta de talsnto, esta-
ríamos ÁqvLQjn da dictatura real e, sem maguar a historia,
pcder-se-ia dar a D, João VI o titulo de Mecenas, se, desde 1838,
a ÍUnd^ção do Instituto Histórico e Gêographico BraiUetro^ sob
a direcção do marechal R. da Cunha Mattos e cónego Ja«
Quacio Barbosa, não se erigisse como um centro de conver^
gencia das energias dispersas do espirito nacional • A simples
lista de seus primeiros sócios, onde a par dos nomes estran-
geiros, decorativos, de Chateaubriand e de Humboldt, se
destacam os de Marques Lisboa, Vasconcellos Drumond, Maciel
Monteiro, Pedro de Angelis, Ladislau Monteiro Baena, paciente
compilador da? Eras da Província do Pard^ Visconde de S. Leo-
poldo {Ánnaes da Provinda de S, Pedro do S^l)^ Ignacio Accloli
(Memorias históricas e politicas da Bahia) ^ Marquez de Maricá,
Pedro de Alcântara Bellegarde, Joaquim Caetano da Silva e um
moço, Varnhagen, que seria mais tarde o Visconde de Porto
Seguro — ô por si só bastante çzpressiya no revelar uma viva-
cidade espiritual amplamente generalizada. Mas aperreavam-n*a
as desordens dispersivas dos partidos.
Na própria ordem pratica, as mais imperiosas medidas
despontavam aborticias. A idéa de bater-se a distancia o
abrevjar-se a enormidade da terra pelas linhas férreas, resur-
gira em 1840, no privilegio concedido a um estrangeiro pertinaz,
ThQu^z Cockrane. Mas elucido profissional agitou-se debalde
no meio da sociedade desfallecida, até ao mallogro completo
de seu pensamento progressista.
Açsim, a nossa evolução, por sor cstrictamente politica, era
probleipatica. Pelo menos illusoria. Estava numa minoria edu-
DA INDEPENDÊNCIA Á REPUBLICA 41
cada á européa. O resto jazia no ponto om qae o largara a
metrópole, obscuro e dúbio— amalgama proteiforme de brancos,
pretos e amarellos, uns e outros pratica e moralmente prejudi.
cados pela escravidão crescente com o trafico, que se não
extinguira.
De sorte que embora a Regência, com ser electiva, exem^
plificasse a praticabilidade da Republica, foi providencial a
attitude dos que lhe prorogaram o advento. Seria, então,
artificial e forçada. Contravinha ã situação social.
Esta, soindida de crises, viera desde a constituição de 24,
que impuzera (permitta-se nos a antilogia) a liberdade, numa
ascensão vertiginosa para que se não apparelhara.
O segundo Império foi uma parada. Digamos melhor,
uma situado de equilíbrio.
Predominara, logo, em boa hora, o elemento conservador.
Na camará de 43, uma figura isolada, António Rebouças,
nnlco a representar a phalange liberal decahida, appareoia
como uma evocação do passado. Fundindo duas raças, aquelle
aryaQO bronzeado desdobrou, inútil, deante dos reaccionários
tranquUlos, a sua solida envergadura de luctador. Era um
incomprehendido. Falava uma lingua morta no recinto onde,
entretanto, eclipsando os grandes nomes do Senado, surgiam
Maciel Monteiro, Abrantes, Wanderley, Euzebio de Queiroz e
Nabuco.
E* que a regressão, segundo o ideal de Bernardo de Yas«
coQcellos, íôra completa.
Começando a governar com os liberaes — António Carlos,
Martim Francisco, Limpo de Abreu, A. Coutinho e Hollanda
Cavalcanti — o imperador fizera-o por gratidão aos batedores
da maioridade.
Este ministério não durou um anno.
A reacção monarcbica desmascarou-sv3 logo com o Marquez
de Paranaguá (23 de março de 41) exaggerandose até golpear o
Acto Addicional: restabeleceu-se, por uma lei ordinária, o Con-
selho de Estado; e, por uma outra de 3 de dezembro, foi entregue
a distribuição da justiça a um complicado appnrelho policial.
Carneiro Leão (depois Marquez de Paraná) ( 80 de janeiro
42 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
de 43), um convencido que attrahiria todos os resentimentos do
monarcha para lhe amparar melhor o throno, continuou este
esforço. E ao entregar cm 44 o governo aos liboraes do Vis-
conde de Macahé, yia-se que o fazia monos pelo decahir do
programma conservador que por um resenti mento pessoal do
imperador.
Com effeito, a preoccupação absorvente de estancar as
reformas ia nivelando os partidos. Tinha-se andado demais. O
próprio António Carlos, desequilibrado no estontoamento
da altura a que se chegara» atirava no seio da representação
nacional um brado de espavorido:
— Senhores ! a constituição foi feita ás carreiras I
Era preciso parar, ainda que repellindo as melhores figuras
do passado: Feijó e Vergueiro, duas tradições vivas e ballissimas,
compromettidos nas revoltas que irromperam em 42« em Minas
o S. Paulo foram desterrados. Desfechou-se em 45 o ultimo
golpe no federalismo, no Rio Qrande.
Por fim, o partido liberal sahiu em 1848 do poder para a
rovoluçSLo do Pernambuco. Desenhou -se o perfil do ultimo
revolucionário, Nunes Machado. E a crise extlnguiu-se de vez—
dominado o horizonte politico (29 de setembro de 48) pelo Mar-
quez de Olinda, a quem o cargo de ultimo regente dera quasi a
magestade de um rei.
Começava a política imperial.
Nobilitou-a, a principio, uma medida civilisadora.
Uma questão incommoda, a da escravidão, viera desde o
século anterior (1758) com o «Ethyope Resgatado »» de M. Ri-
beiro da Rocha, Intormittentemente revivida. Em 1810,
Yelloso de Oliveira aprcsentava-a a D. João VI, com a idéa da
libertação dos nascituros. Hippolito da Costa, agitara-a, pelo
Correio Brasiliense^ discutindo a emancipação gradual. O Vis-
conde da Pedra Branca, um sentimental, levantara-a, sem
resultado, nas Cortes de Lisboa, em 21. Em 1825, José Bonifácio
apresentava notabilissimo projecto sacrificado nas desordens do
tempo.
DA INDEPENDÊNCIA Á REPUBLICA 43
Sobreviera por fim a inílaencia da Inglaterra ( 1826), visando
refrear o trafico, a partir de 1830. Depois a lei inexecutada do 7
de novembro de 31, inspirada por um projecto anterior e malo-
grado dos irmãos Ferreira França
Snccedea um hiatus durante a Regência e comego da maio-
ridade, até ao bill Aberdeen (1845). A nova intervenção
ingleza, poróm, malestreara-se com estatuir a captura do
negreiro mesmo nas aguas territoriaes e o seu julgamento nos
tribunaes britannicos. Foi contraproducente: o traficante, em«
boscado no resenti mento nacional, tornou-se um (luasi vingador
da nossa soberania melindrada e ferida.
A Inglaterra, porém, insistiu ao ponto do infiuir excepcio-
nalmente no ministério do Visconde do Monte-Alegre, em que
se rccompuzera anteriormente o do Marquez de Olinda.
A lei de 4 de setembro de 1850 immortalizon Euzebio de
Queiroz o, severamente applicada, avantajouse ás balas dos
cruzeiros inglezes.
O grande mérito de Monte- Alegre está no haver pairado a
cavalleiro das explorações que se exercitaram sobro o melindre
nacional. A pressão das armas inglezas era inilludivel.
Não havia obscurecol-a e ao seu caracter irritante. Mas ora
também uma intimativa austera da civilisação.
O mesmo se dirá de um outro acto, subsecutivo : a «
intervenção nos negócios do Prata (1851), depois de um longo .
afastamento em que um nome, Ituzaingo, se escrevia isolado,
desairando o nosso prestigio no exterior. O ministro dos estran-
geiros, Paulino de Souza (visconde do Uruguay) approveitou .
um lance magnifico para ampliar, de golpe, o campo da acção
innegavelmente civilisadora da diplomacia imperial.
Realmente, as tropelias de D. Manoel Rosas, que, desde
1835, submottia a Confederação Argentina a tyrania deplorável—
desencadeia vam-se próximas demais das nossas fronteiras.
Constituíam ameaça de complicações inevitáveis.
O velho sonho imperialista do YiceRoinado entontecia a
alma do tyrano, levando-o a intervir intermittentemente nos
negócios do Estado Oriental do Uruguay, ha longo tempo scin-'
dldo pela rivalidade dos caudilhos Manoel Oribe e Fructnoso
44 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Rirera. Rosas* inclioando-se ao primeiro, em 1851, ao ponto
do fornecer-lbe tropas para assediar Moatevidéo, desvendara os
seus intuitos. Mas, contravintia á politica tradicional do Brazil,
essencialmente baseada na manutenção da autonomia não só
do Uruguay, como do Paraguay a quem nos ligáramos por
uma alliança em 25 do dosembro de 1850. De sorte que a
Tríplice Alliança de 29 de maio de 1851, entre o Império, o
Uruguay e a provinda de Entre Rios dirigida pelo general
Urquiza, instituindo-so para debellar a diotadura tumultuaria
da Mashorca do Buenos Aires, que ameaçava alastrar-se pelas
nações visinbas — foi ao mesmo passo, um acto de defcza na-
cional, e um lance superior do liberalismo incomparável na
politica exterior. Tão certo ó* que os 20.000 soldados, do
marechal duque de Caxias, reforçados pelos marujos de Grep-
feld, não foram repelllr apenas as arremettidas do allucinado
quo no carimbo das notas oíficiaes completara o disUco— mu#-
ran los selvagens unitários I ~ com insultos ao infame governo do
Brazil^ senão tambom para, do accordo com o art. l*" do con-
vénio de 29 do maio, «manter a independoncia da mesma Repu-
blica do Uruguay, fazondo sahir do torritorio desta o general
Oribe o as tropas argentinas que ellc commaudava.»
A campanha rematada com o melhor êxito, em Monte-
Caseros (13 de fevereiro de 1832), do que resultaram a queda do
tyrano o o reaccender-se a nossa gloria militar depois do eclipse
parcial de luzaingo, tove dois notáveis eíTeitos : a libertação do
Uruguay e a navegação franca no estuário do Prata.
Firmou um inconveniente único: a Alliança de 12 de
outubro de 1851 . negociada polo marquez de Paranã, que nos
arrastaria outra vez cm armas, mais tarde, para o sul. Entre-
tanto o triumpho de Caseros dera-nos prestigio para naqaella
cccasião resolverem-se decisivamente muitos assumptos deli-
cadoK, entre os quaes o da neutralidade completa e definitiva da
Ilha de Martim Garcia, quo chegou lastimavelmonte indefinido
ató aos nossos dias.
Este ministério, poróm, o a sua segunda recomposição, em
1852, com a presidência do visconde de Itaborahy, realizara
trabalhos tão nutavois que não ha insistir naquolle breve deslise.
DA INDEPENDÊNCIA Á REPUBLICA 45
Começou, na ordem pratica, a tarofa da unidade nacional,
batendo de frente o obstáculo da extensão do território, com as
primeiras linhas de estradas de ferro e navegação. O decreto de
20 de Junho de 1852, estabelecendo as garantias de juro, iniciou,
praticamente, a industria fjrro-viaria, que para logo se delineou
no norte com a estrada do Recife a S. Francisco (decreto de 19 de
outubro de 1853) e no sul com a de D. Pedro II (decreto de 9 de
outubro ^853.) Antes, porém, sem nenhuns favores do governo,
a iniciativa individual deânira-se na vontade triamphante do
I. Evangelista de Souza (Barão de Mauá) ; e os 17 kilometros
da Unha do Orão-Pará investiam com as encostas da Serra do
Mar, nos primeiros passos da conquista magestosa dos planaltos,
ouvindo-se o primeiro silvo da locomotiva na America do Sul.
O governo secundou este renascimento. Regulou a fortuna
publica pela omissão bancaria de 1853, código commercial, leis
do terras e reforma do Thesouro. Creou as provindas do
Amazonas e Paraná. Expandia a vida internacional organizando
a diplomacia. Abriu o livre transito do Paraguay, com o
Tratado de 25 de dezembro de 1850. E, por í!m, deu vigoroso
impulso á corrente immigratoria que, esboçada com D. João VI
(colónias Leopoldina e Nova Friburgo), D. Pedro I (S. Leopoldo),
e, em 1840, oom a fundação do Petrópolis, teria, desde 1850, á
vinda de Hormann Blumenau, um traçado oontinuo, de que
restam como pontos determinantes Blumenau, Joinville, Mando
•Novo, S. Lourenço, Teutonia e outras.
Nunca uma situação trabalhara tanto.
Abandonando o poder, em õ de setembro de 1855, fazia-o sem
um golpe adverso, como que assaltado de fadigas.
Entregava-o ao homem que lhe fora inspirador encoberto
nas administrações interna e externa, o Marquez de Paraná. '
O grande estadista chegava ao poder como um triumphador.
Fora a alma dosministorios anteriores-jà Ba presidência perigosa
de Pernambuco annullando os restos do movimento de 1848, oom
setembristas de Pedro Ivo, já na missão ao Prata amparando a
feac^o de Urquiza.
46 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Conquistara o mando, em que pcze ao desquerer do Impe-
rador, que lhe extranhava o génio áspero, altivo e auctoritarlo.
Mas, por uma circumstancia notável, foi através do seu
espirito independente que se transmittiu pela primeira vez a
induenoia directa daquelle nos acontecimentos políticos. .
De facto, o seu principal programma — o da Conciliação
dos partidos — executado em todos os pontos, reflectia uma
inspiração do alto, um «pensamento augusto» no dizer de
Araújo Lima. B a anomalia de se ter apeado o governo anterior
tão enigmaticamente sem nenhum conílícto partidário, reforça a
prcsumpção.
Além disto o cansaço a que se referiram Euzebio de
Queroz e Rodrigues Torres (Visconde de Itaboraby), como
motivo único do abandono do logar em que tanto se haviam
nobilitado, era*o, de facto, não já somente delles, senão do paiz.
Chogava-se alli depois de trinta annos de luctas. Urgia
um armistício. Salles-Torres-Homem, quebrada a pena. do
« Libello do povo », definiu, depois o caso :
« Entro a decadência dos partidos velhos que acabaram
o seu tempo e os partidos novos a quem o porvir pertence,
virá assim interpor-se uma época sem physionomia, sem omo-
çOes, S3m crenças, mas que terá a vantagem de romper a
continuidade da cadeia de tradições funestas e de favorecer
pela sua calma e por seu silencio o trabalho interior de reor-
ganização administrativa o industrial do paiz.»
Foi o que aconteceu. Atreguados os despeitos partidários,
indistinctos liberaes e conservadores, no período de 1853-1858,
com os ministérios successi vos de Paraná, Caxias e Olinda, a ca-
racterização do governo ô «antes moral que material ; o traço
predominante de sua politica é o arrefecimento das paixões
que produziam as guerras civis».
O caracter de unidade desta longa administração foi tão
firme que ao fallecer em setembro de 56, o homem cuja vontade
de ferro a equilibrara, apezar do abalo produzido não se lhe
sentiu o vácuo. Permanecera imraortal sobre a solida archite-
ctura governamental construída, tornando-se uma espécie de
Presidente do Conselho posthumo dos dois gabinetes (Caxias e
DA INDEPENDÊNCIA Á REPUBLICA 47
Olinda) que o substitairam. Rodeara-se de homens que iam
bastar a todas as exigências do Império ató quasi a Republica :
Caxias o mais prudento dos heróes ; Limpo de Abreu (Abaete)
vindo desde a Regência galgando todas as posições som desejar
nenhuma ; J. Mauriclo Wanderley, fervente auctor da lei liber-
tadora de 5 de junho de 54 destinado, entretanto, a ser mais
tarde um paladino da escravidão ; Nabuco de Araújo, que reor-
ganizara a justiça e o direito ; J. M. da Silva Paranhos, remo-
vido sucessivamente da sciencia para o jornalismo, para a
diplomacia e para a politica ; Couto Ferraz, que refundiu a
instrucção publica; Pedro Bellegarde, que nobilitou o exercito.
Fora deste circulo, outros, adversários ou adeptos, mas cres-
cendo no ambiente propicio que se formara: Josó António
Saraiva, Silles Torres Homem, J. Maria do Amaral, Teixeira de
Freitas, Fernandes da Cunha, CansansSo de Sinimbu, Justiniano
da Rocha, e, sobre todos, se não o afastasse a morte prematura,
um gigante intellectual, a nossa mais completa cerebração no
século, Joaquim Gomes de Souza, o «Souzinha», jurista, medico
e poeta, íegando-nos sobre o calculo infinitesimal paginas que
ainda hoje sobranceiam toda a mathematica.
I^lstá ahi a significação moral do governo de Paraná.
Lembra uma arregimentação de forças, adextrando-se para
commettimentos ulteriores mais sérios.
Na ordem pratica refundiu a instrucção pelos novos es-
tatutos dos cursos jurídicos, e Faculdades medicas, regulamen-
tando o ensino primário e creando o A. dos Cegos. Am-
pliou o desenvolvimento económico melhorando a Companhia
de Navegação do Amazonas, organizando a Estrada de Ferro
de Pedro II e concedendo a de Santos a Jundlahy que seria a
aorta de toda a existência económica de S. Paulo. (Dec. de 26
de abril de 1853.) Firmou a paz exterior, repellíndo o erro' da
intervenção activa no Prata, e ligando-se em tratado de
commcrclo com a Argentina. Adheriu dignamente aos principies
do direito marítimo do Congresso de Paris (1856). Completou
a lei destructiva do trafico com a de Wandelrey, que prohlbia
o corameroio interprovincial de escravos.
Suggeriu a reforma hypothocaria, e, mais clvilisadora e
48 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
arguente, a judiciaria — reconstituindo o direito, dedtruido pelo
odioso apparellio policial da lei de 3 de dezembro de 1841 .
Completou estes actos, com um que devia dalli em diante
reagir p3derosamente sobre toda a politica— a lei eleitoral dos
CircQlos, destinada a grapliar com um rigorismo de cópia a von-
tade nacional.
Mas o que dd ao Marquez de Paraná, a linha superior de
um estadista 6 ter compreliendido que na nossa gens com-
plexa, sem tradições profundas, e democrática apenas pela ca-
rência de uma selecção histórica, a existência dos partidos era
por sua natureza ephemera, adscriptos ao mallogro ou ao successo
das necessidades de occasião que representavam. A politica nacio-
nal da época tinha que se adaptar ás oxigancias de momento
e a todas as combinações concretas, a todas as surprezas de
uma pátria em formação accelerada; e partiria as molas de um
partido moldado em formulas prefixas.
A conciliação dos partidos, gastos no attricto de suas próprias
luotas, era lógica. A loi eleitoral dos «Circulos)>, o seu comple-
mento indispensável.
Com effeito, o que houvera desde 22 ató âquelle tempo,
fora uma convergência de forças. A principio a dispersão revo-
lucionaria, o ideal da independência, revolto ou esparso em
f^tcçõôs, patrulhas senoi numero mal arregimentadas sob o
prestigio de um príncipe. Depois, em 31, a delimitação dos
Inctadores, nos três partidos definidos da Regência . Subseoutiva-
mento, com o despertar do prestigio monarcbico de 37, nova
concentração em dois partidos únicos.
Mas este movimento, que se ostenta em nossa historia,
Gomum rigor do traçado geométrico, numa composição me-
eanica de forças — o quo accentuadamente reflecte é a victo-
rla dos elementos conservadores sobre os progressistas: um
continuo amortecimento do principio democrático ; uma re-
volução triumphante que a pouco e pouco so gasta e se re-
mora, perdendo num curso de 34 annos (1822-1 86'J) toda a ve-
locidade da corrente, atô desapparecer, afinal, de todo, no
remanso largo do Império.
DA INDEPENDÊNCIA A REPUBLICA 49
Tinhamoa por isso nocessidade de alguém qtie se nao des-
lumbrasse pelo quadro uoioo da ordem iuaugurada, e pudesse,
sondando o sentimento do povo, despertar a pouco e pouco o
elemento progressista, que tombara na sangueira das revoltas
infelizes.
Foi a missão do marquez de Paraná.
Com eile extiogairam-so partidos em cu^o antagonismo
havia, desde 48, a forca dispersiva do ódio ; e sob o seu influxo
iam apparecer partidos modelados pela força constructora das
idóas.
O creador da Conciliação — e esta nada mais foi do que a
absorpçao do partido liberal exhausto pelo conservador pi^jante
— seria o creador posthumo da Liga, de 62, que nada mais foi
do que a absorpçao da maioria do partido conservador «cindido
pelo liberalismo revivente. A eleição por districtos, de cada
deputado, erguendo deante das velhas influencias históricas,
sobretudo conservadoras, o prestigio nascente dos chefes ou
influencias regionaes, alastraria de facto sobro todo o paiz,
as responsabilidades politicas. Seria realmente, consoante a
phrase do um Jornalista da época, o triumpho á\ causa terri-
torial, «contra o entrincheiramento ã beira mar do velho regí-
men. »
Pelo menos, extlnctos os < deputados de enxurrada >, con-
forme a ironia fulminante de Paraná, os novos eleitos retra*
tariam com mais fidelidade a vontade do paiz.
Deste modo o grande homem demarca um trecho decisivo
da nossa historia constitucional; e centralisa-a. Enfjixa as
energias do passado e desencadeia as do futuro.
Separa duas épocas.
Foi o ponto culminante do Império.
Depois delleo que dizem todos osfactoi ó o decahir continuo
do principio monarchico até 1889, gastando na descenção quasl
tanto tempo quanto para a subida.
Realmente, a Republica, que não devemos confundir com
a bella parada commemorativa de 15 de novembro de 1889, tinha,
lançados, os seus primeiros fundamentos.
4323 — 4 Tomo lxix p. ii.
50 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
O prfQcipio democrático renasoea da lei dos cCircuIos».
Triumphou ruidosamente nas eleiçOes de 1860.
Poaco antes, faltando o ponto de apoio do homem em que
se esteiara, a situação se revelara âactuante, prevendo-se uma
transmutação de scenario.
Caxias, fk*agil para a herança que o esmagava, cedeu o
governo ao marquez de Olinda, e este, ligando-se a Souza
Franco, um intransigente liberal de 48, trahiu na hybridez desta
alliaaça, o enfraquecimento conservador. Apeou-se do poder
assim como o gabinete que lhe succedeu, do visconde de Abaete,
com o pretexto de divergências sobre reformas bancarias, mas
de facto pela falta de um apoio na sociedade inconsistente.
O imperador recuzara-lhes tenazmente o recurso de dissolução
da camará, como se temesse uma consulta ao paiz.
Era a < época sem physionomia », de Timandro, que findava.
Esboçavam-se, dúbios ainda, três partidos: o liberal revi vente, o
conciliador decahido, e o conservador extreme. Os governos
vacillavam entre uns e outros aggremiando ao mesmo passo a
adhesão e as desconfianças de todos.
Na imprensa soava uma palavra nova, que era uma
palavra de combate. Francisco Octaviano apparecia no Correio
Mercantil^ na attitnde correcta que sempre manteve, vibrando
sem perder a linha da sua organização finamente aristocrática,
golpes mortaes «no monopólio do governo entregue a mãos
desfollecidas». Era a primeira voz do espirito novo re-
nascido.
Nesta situação, o ultimo ministério reaccionário de Diogo
Ferraz (10 de agosto de 1859) organisou-se como uma torsão
violenta para a ordem aitiga, mal combatida no parlamento
por Landulpho Medrado, Tito Franco e Martinho Campos.
Aquelle refluxo, porém, occorria, quando o termo legal da
camará de 1856, entregava ao povo um pleito que a monarohia
evitava.
E o resultado foi admirável.
Mostram-no as eleiçOes no Rio, que Já então era a mi-
niatura do Brasil.
€ Essa eleição de 1860, pode*se dizer que assignala uma
DA INDEPENDÊNCIA A REPUBLICA 51
époea em nossa historia politica ; oom ella recomeça a encher
a maró democrática. . . » (I)
De facto, toda a agitação daquelle anno decisivo se fez em
roda de três nomes qae viotoriosos nas urnas» faziam mais do
que resascitar o partido liberal lentamente destruído nnma
Incta de quarenta annos : Francisco Octayiano, Theophiio
OttonS e Saldanha Marinho. O primeiro, um atheniense dos tró-
picos, sonhador e poeta, ficaria abraçado á legenda histórica do
liberalismo ; o segando, oij^o papei foi o de detonar a expansid
popular pela eloquência explosiva, que o incompatibilizaria
depois com a lucta no parlamento, permaneceria para sempre
dúbio, com a sua feição de rebeliado. O ultimo, porém, dará ot
primeiros passos de longo itinerário. . .
Abria-se uma éra nova.
O ultimo gabinete reaccionário eahira como que ao baqtM
de uma reTolução. Não aguardara a abertura das camarás.
E o que lhe succedeu, de Caxias, eomeçando com elementos
incolores (Y. de Inhambupe) ou francamente oonaeryadores
(Paranhos e Sayão Lobato), a brere trecho transigiu com a
nora ordem de coisas, vinculando-^e numa recomposição for-
çada, á opinião Tiotoriosa, por intermédio de um deputado*
José António Saraiva, destinado a reunir oe attributos mais
nobres dos nossos homens políticos.
£' que o velho militar — cabo da guarda do Império
— aquilatara a crise.
Mudavam-se os tempos. No pagamento formara*se a Ug a
dos liberaes com os conservadores moderados (1862) e um novo
partido, cProgressista », enterreirava a veiba phalange reaceio-
naria de £. Queiroz, Itaborahy e Ufugaay. Fora, irradiando
pelo paiz e fulgurando na capital, na < Actualidade », de
Laâtyette R. Pereira, Pedro Luiz e Flávio Famese, o ultra-.
Hberaiismo avassalava os espirites, visando oonolusões extre*
mas. Desenhava^se no seenario politico a triplioo organizado
partidária de 1831, Mas a componente maior tendia visivelmante
para a demooraeia.
(1) Josqttim N ábaco -« Um e9ta€tiata do Império.
52 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Naquelle m&smo anno am faoto Beoundario objectivara o
noYO ramo das idéajs.
Inaagaroa-se a estatua de D. Pedro I«
Bra opportuno lanoe para reacoender-ge a tradição
monaroMoa, deletreando-ie a pagina histórica da ladependencia.
O sentimento popolar, porém, derivou á cadencia dos versos
desafiadoras da M&ntira de Branãe^ de Pedro Luiz ; e da eephera
superior da politica» a palavra que desceu pelo orgam do sena-
dor Nabnco de ArangOt timbrara noaffirmar que o monumento,
longe de signiflear a glorificação de um reinado, traduzia apenas
a Justiça de um povo livre, que não esquece os serviços pre-
stados.
Entalhava-se a orthodoxia monarchica. Pedia*8e em todos
os tons a representação das minorias ; oondemnavam*se as
patriarohias governamentaes das camarás unanimes ; e, em
pleno senado, uma phrase histórica— O rei reina e não governa^
soava como um refr^ ameaçador e extranho.
Por fim, a politica imperial, que, havia pouco, perdera um
ministério ante uma manifesta^ popular, perdeu um outro
batido pelo parlamento. O gabinete Caxias cabiu (21 de maio
de 68) e com elle a situação conservadora no poder desde 48.
A camará quasi toda de liberaas e dissidentes readquirira,
depois de um esbulho de 14 annos, o direito de dispor do
governo*
Equilibravam-se, porém, no seu seio, os dois partidos
extremos, e esta egualdade levava paradoxalmente ao desequi-
líbrio. O ministério de um Inctador de pulso, Zacharias de Yas-
concellos, onde apparecia um heroe das campanhas do sul, o
Barão de Porto- Alegre, durou apenas três dias. Nesta emer-
gência, o Imperador appellou de novo para o marquez de Olinda
e o antigo regente formou, então, o único ministério possível,
o « gabinete dos velhos », venerandos aposentados de 31, entre
os quaes sô havia um moço, á volta dos cincoenta annos, Can-
sansão de Sinimbu.
BBte governo emoliente, inapto para dominar a camará,
diSBolvea-a»
O paiz ia outra vez definirn» ; e fel*o incisivamente. Am-
DA INDEPENDÊNCIA A REPUBLICA 63
pliando a de 60, a eleição de 63 levantou liberaes e democratas,
numa maioria desproporcionada e alarmante.
Por outro lado, o espirito popular desatava-se em rebeldias
desde muito deslembradas. Foi o que succeden por oooasião da
questão dos salvados da barca Prinee of Wales e consequentes
represálias da fragata inglesa Farte â entrada da barra.
Amotinou-se a multidão no Rio. Tomou lhe a frente Theo-
philo Ottoni.Um protesto ameaçador arrebentou Junto do throno;
e o ministério Olinda, num esvabimento de sombras— as ultimas
sombras do passado — extinguiu-se ante a palavra ooroscante
do tribuno.
*
* *
Ao reassumir o governo (15 Janeiro 64), Zacharias de Yas*
conoellos podia dizer que reatava o seu ministério, de três dias,
de 24 de maio de 62. A situação antecedente Í5ra um desvio
morto, removendo da larga estrada que se abrira um em 1860 ;
todos os elementos, cc^o papel findara.
A camará de 64 reflectia a um tempo a victoria democrática
e o rejuvenescimento do espirito nacional. Lá estavam:
F. Octaviano, Tavares Bastos, o pensador irónico da^
u Cartas de um solitário» ; Pedro Luiz, o lyrico iconoclasta da
« Ode a Tiradentes » ; José BoniftMdo, o moço ; o romancista
Joaquim Manoel de Macedo ; Feitosa, o jornalista vibrante de
48 ; o barão de Prados, um dos raros scientistas brasileiros do
tempo ; Martinho de Campos, que se tornaria o terror de todas
as situações; Urbano Sabino Pessoa e Pelippe Lopes Netto, duas
figuras vingadoras, dois nomes que recordavam um único, o de
Nunes Machado, sacriflcado 16 annos antes ; Liberato Barroso,
Christiano Ottoni, Souza Dantas, Silveira Lobo; e, obscuro ainda,
um predestinado, Affonso Celso.
Sobre todos, dominando-os, centros attractivos em tomo
aos quaes Já se desenhavam os dois partidos em que se fraccio-
naria a Uga, Theophilo Ottoni e Saraiva.
O elemento conservador, supplantado, só tinha um nome—
Junqueira.
Apezar disto, o ministério progressista, fortalecido de taes
elementos, numa camará quasi noaiUmei ia dobrar-se á presido
64 RBVISTA DO INSTITUTO HISTOBICO
do próprio moTimeato liberal, cahindo de ixnproTiso a 29 de
agosto daqaelle anão,
E' que o liberalismo avançando diBtanciara-ae doa alliados
da yespera. A seisão da ligd., como a da Ck)aciliaçio, opera-
ya-se ante o expandir dademocracia. B, dividida em dois partidop,
o '(histórico», oom os elementoi radieaea, e o «progressista», com
08 moderados, reproduziam estes, ante o conservador inalte-
rável, a triplico physionomia partidária da Regência. Abria-se,
ao parecer, na nossa historia, o circulo phantasista do viço.
Mas era ama semelhança exterior.
Ia operar-se um movimento opposto. Ao envez da arregi-
mentação em torno dos elementos moderados e conservadores—
o destaque cada vez maior e irresistível do liberalismo.
Pelo menos, a uniflcaçao successiva dos três grupos já nâo
se íária em torno da bandeira reaccionária.
Levava um outro norte. Não se tratava mais de fluer
parar, como em 1837, uma revolução, que preenchera o seu
destino.
la-se oomeçar uma outra. , .
Impediu-a ou remorou-a, porém, um facto esporádico — a
guerra com o Paragoay.
Tinha, certo, antecedentes que permittiam prevel-a. £ra«
sobretudo, uma resultante do fácies geographUo impondo-nos as
communicaçoes com Matto-Grosso peio longo desvio contornean te
de Prata.
Desta drcurnstancia Jã haviam resultado graves attrictos.
Garantia a passagem o Tratado de 25 de dezembro de 1850.
A situação moral do Paraguay, porém, que sahira da rigida
dictadura do dr. Francia para a tyrania de um verdugo inapto
a avaliar o esforço do estadista, certo íeroz, mas talvez único
para resuscitar um paiz que o jesuitismo matara, annulava
todos os convénios.
Os dons Lopes, em cujo espirito o sonho do vice-reinado se
ampliava oom o da conquistado Matto-Groaso, predispunham-se
ha muito para a lucta. Organizaram um exercito despropor-
DA INDEPENDÊNCIA A REPUBLIC.i 55
eionado — o maior exercito permanente que ainda houve na
America do Sul ; ouriçaram as ribas do Para<iruay de fortalezas
extremiibdas pelos fortes Olympio e Hamaytá ; e, desde 1853,
Carlos Lopes provocara um rompimento, enviando ao ministro
brazileiro, Leal, os passaportes, sob o pretexto de se dedicar
elle á intriga contra o Supremo Governo. Salvaram-nos, então,
da luct^i, duas circumstancias: a tibieza do almirante Pedro
Ferreira, que, sendo enviado a exigir prompta reparação do
insulto, quedara inerte, tolhido pelo temor de uma intervenção
anglo-francoza; e o solido critério do marquoz de Paran<l, que
iniciava o governo de todo entregue á obra da reorganização
nacionaL
Esto desastre diplomático teve depois (185Ô) o correctivo da
missão Paranhos (visconde do Rio-Branco), firmando com o
plenipotenciário Berges um tractado de livre transito fluvial.
A regulamentação do convénio, porém, annullava-o. A
travessia era uma tortura através de fiscalização humilhante,
impondo continues desembarques e insidiosos exames dos
passaportes crivados de vistos irritantes ; além de outros
entraves que determinaram, em 57, a ida de outro plenipo-
tenciário nosso, José Maria do Amaral, á Assumpção, com o
resultado único de contemplar deporto a altaneria de Lopes l"",
extranhando-lhe o ter ido até lã em um vapor armado em
guerra.
Por fim, nova intervenção de Paranbos (visconde do Rio-
Branco) originou o Tratado de 12 de Fevereiro de 1858, fran-
queando o rio Paraguay a todas as naç5es.
São antecendetes expressivos. Revelam no animo do
paraguayo o aohelo da lucta, para que procurava apenas
um pretexto.
Ora, este antolhou-se-lhe em 64.
O Tratado de 12 de outubro de 51— contracto unilateral
que nos fizera protectores platónicos do Uruguay, contem-
plando, neutros, as arrancadas entre blancos e colorados-^
prendera-nos ás discórdias platinas. Tornara-nos, margeando o
palco de uma revolução chronica, espectadores dos escândalos
entre os caudilhos, e estimulara entre os rio-grandenses as
56 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
mais peccamíDOsas algaras, as famosas « calirornias», copia das
tnontoneras platinas, om quQ succossivos grupos iavadiam a
eatnpanha oriental, aggravando-iiie os tumoltos. Desse modo,
a nossa neutralidade era oSloial apenas ; col laborávamos
também a golpes de lanças e patas de cavallos naquello
regimen olassicode tropelias ;e é comprehensivei que nos envol-
vêssemos, por fim, seriamente, nas desordens.
De facto, em 61, sobrevieram as noticias de vexames
e torturas de toda a sorte exercidas sobre os brazileiros, nas
luctas do Uruguay, onde um revolucioaario, o general Flores,
colorado, se insurgira contra o presidente blanco, Aguirre. E a
opinião, no Rio, ainda abalada pela recente questão ingleza,
inflammou-se. Não se cogitou que os brazileiros torturados,
amatulando-se com as tropas daquelle general, haviam trocado
a bandeira da pátria pelo poncho do caudilho. Eram, aânal,
soldados de Flores, e o Qoverno orlentil, repellindo«09, não
podia distinguil-os nas fileiras adversas.
Estas circumstancias attenuavam os attontados comettidos,
permittindo afastar-se, sem desaire, umconâicto inútil.
Mas os factos precipitaram-se. Enviado ao Uruguay, Sa-
raiva, a despeito de seu animo superior e nimio tolerante, não
poude evitar o rompimento. O presidente Aguirre repeliiu uma
intervenção que era, de feito, um apoio ao cabecilha rebelde.
Devolveu o uUimaium de 4 de agosto e aprestou-se para a
refrega; emquanto os navios do almirante Tamandaré singravam
ameaçadoramente, as aguas do Uruguay.
Solano Lopes aproveitou então o momento que lhe vinha a
talho para uma aspiração antiga. Offereceuasua mediação em
Junho. Logo depois, om setembro, protestou contra o auxilio
que se dispensava a Flores. Num e noutro caso a sua attitude
foi irritantíssima. A nota extravagante que dirigiu ao diplomata
brazileiro em Asuncion, Vianna de Lima (barão do Jaurú), em
que se intitula garbosamente defensor da independência e do
equilíbrio politico das republicas platinas, repassava se de tão
altaneiras ameaças que valia uma declaração formal de hostili-
dades. Completou-a o aprisionamento (12 do novembro do 64)
do vapor commerclal Marquez de Olinda, onde se embarcava
DA INDEPENDÊNCIA A REPUBLICA 57
O coronel Carneiro de Campos, presidente do Matto^Grosso. Assim
a campanha do Uraguay, desfechada pelas ba^^onetas do general
Mena Barreto, ultimando-se com as tomadias de Paysandú e
Montevideo e pela deposição de Aguirre, sabstituido pelo nosso
alliadò general Flores, foi apenas o preludio de uma outra
maior.
Mas passemos, Á carreira, sobre uma pagina tristemente
gloriosa.
A guerra do Paraguay é um desvio na nossa historia.
A sua causa mais próxima está, talvez, na interferência de duas
vontades, injustificáveis ambas. De um lado o delírio de grandezas
de um déspota minúsculo de mais para a sua própria ambiçSo,
de outro a diversão temerária de um Imperador constitucional,
por ventura impressionado com o scenario da politica interna
do seu paiz.
O primeiro era mais lógico. Aquelle anhelar por um grande
império baseava-se, afinal, nas scisões do outras republicas pla-
tinas e na nossa relativa fraqueza militar. Os noventa mil
homens de I^pes toroavam-lhe factivel aempreza.
Faltou-lhe, pOrera, a envergadura e o lance do vista de
um conquistador. Comprometteu logo a sua causa com duas
invasões desanrosas : a de Estigarribia, no Rio Qrande, avan-
çando no desconhecido até pcrder-so na rendição de Uru-
guayana ; e a mais infeliz, de Robles, em Corrientod, que mais
do que a alliança da Argentina, poz ao nosâo lado o grande
prestigio moral de Bartholomeu Mitre.
Com estes dois erros estava perdido aos primeiros passos. O
que houve depois foram cinco annos de memoráveis con/lictos.
Não 08 descra veremos. Fora perdermos a linha essencial dos
acontecimentost que trilhamos.
Durante a campanha, assistiu-se na politica interna do
paiz a um espectáculo naturalmente previsto: a lenta ascensão
do partido coxmervador, ostensivamente estimulada por D. Pq-
dro H,
68 REVISTA DO INSTITUTO HISTORIGO
O governo, genuinamento liberal de Pranoisco José Furtado,
onde se destacavam Liberato Barroso, Dias Vieira e o general
Beeurepaire Rohan cahira (abril de 65), substituído successiva-
mente, oom applausos de todos os reaooiooarios, que compre-
hendiam a necessidade de uma transição pouco violenta, pelos
progressistas do marquez de Olinda e de Zacharir^s de Vascon-
ccellos ; até que, com a retirada deste, em 16 de julho de 68,
se definisse ás claras a situação com a subida dos conservadores
de Rodrigues Torres, sendo dissolvida a Camará, quasi tod a
liberal, que o combatera para logo violentamente com a
palavra vigorosa de Josó Bonifácio.
Ora, esta reviravolta, illogica e contrastando com todos os
successos anteriores, como um inesperado refluxo, fora deter-
minada por um incidente mínimo que dispensa, pela eloquência
do próprio enunciado, maiores commentarios: o governo
de Zacharias, e com elle a situação liberal, cahira em virtude
de um pedido de demissão do general Caxias, então ã frente do
exercito victorioso, esclarecido por uma carta ao próprio
ministro da guerra, em que o velho militar, conservador da
velha guarda, num espelhar de resentimentos inexplicáveis, se
declarava tacitamente incompatível com o gabinete «que visava
quebrantar-lhe por diversos modos a força moral ».
Esta oiroamstancia diz tudo.
No opinar entre aquella auotorídade militar e a legalmente
superior, do ministro, a politica do Imperador desvendava se
inteiramente, franca, sem que a tolhesse a círcumstancia de ter
sido o ministério Zacharias o organizador da victoria da iucta
com o Paraguay, graças à actividade admirável dos ministros
da guerra e da marinha, Angelo Ferraz (barâo de Uru-
guayana) e Affonso Celso (visconde de Ouro Preto).
Mas não foi uma sorpreza. A politica nacional, illudida pela
preoccupação absorvente da campanha externa, desviara-se,
transitoriamente, de seu rumo histórico.
Pronunciara-se Já, em todos os tons, uma palavra, < impe-
rialismo», que a pouco e pouco ia imprimindo um traço cesa^
riano no platónico poder moderador, e forjando a extravagância
de uma autocracia constitucional.
DA INDEPBNDENaA A REPUBLICA 59
Falseado de todo em todo o processo eleitoral, que, & breve
reyiyiscencia impressa pelo marquez do Paraná, bastara para
originar a victoria democrática em 186), o poder dynastico
completando a sua faculdade privativa da escolha dos depositários
do poder executivo com a cumplicidade das camarás nomeadas,
iniciava uma reacção extemporânea, sem o traço superior e
opportuno das de 1837 e 1848.
Perceberam-na, desde 65, os próprios representantes dos
partidos monarchicos ; e o alinhar-se-lhes, ao acaso, as pbrases,
equivale a retratar com fidelidade aquelle período artificial e
retrogrado forrando-nos a uma missão de Tácito.
Souza Carvalho, naquelle mesmo anno, dera o grito de
alarma appellando para o palliativo de eleição directa.
Tito Franco indicava, logo depois, em 67, a causa única da
decadência do paiz < no polichinello eleitoral daasando segundo
as phantasias dos ministérios nomeados pelo imperador.» Sayão
Lobato, antigo reaccionário, caracterizava em phrases yigorosas
o contraste da esplendida architectura governamental com os
vicios e abusos que derrancavam. Josô de Alencar, compro--
mettia a sua próxima escolha para ministro, ferretoaado com
attlcismo incomparável todo o regimen. Para Josô António
Saraiva, o paranympho da Liga do 1862, <o poder dictatorial da
oorôa era uma verdade só desconhecida pelos néscios ou pelos
subservientes aos interesses illegitimos da monarchia. » Um
caracter austero, d. Manoel de Mascarenhas, pronunciara em
pleno Senado uma phrase cruel: «Morreram os costumes, o
direito, a honra, a piedade, a fé, e aquillo que nunca volta
quando se perde, o pudor.» Completou-o, no mesmo recinto.
Silveira Lobo, deplorando a morte do systema representativo
6 chegando temerariamente á conclusão de que < o vicio não
estava nos homens, mas sim nas suas instituições.» Para
Francisco Octaviano, o império constitucional «era a ultima ho-
menagem que a hypocrisia rendia ao século», e a phrase ficou
celebre.
Tavares Bastos, o paladino da ft-anquia do Amazonas, num
quasi ostracismo, na Europa, volvia o ultimo brilho de seu
grande espirito para a Republica, para a qual se dirigiria em
60 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
breve» ostensivamente, um outro, José Maria do Amaral. O
visconde de Camaragibe e o grupo conservador do norte previam
á desaggregaçao do paiz na condemnavel concentra^ qne se
formava. António Prado, João Mendes de Almeida, Duarte de
Azevedo, conservadores do sul, estadeavam em phrases ainda
mais amargas o desquerer pelo throno.
Por fim, alguém culminou sobre esta situação moral.
O conselheiro Nabuco de Araújo, enfeixando num plano su-
perior todos os desânimos e todas as revoltas da nacionalidade
trahida, abalara o Senado com um sorites formidável, conden-
sando em pbrase que é um prodígio de synthese toda a politica
do tempo:
«O poder moderador pôde chamar a quem quizer para orga-
nizar ministérios; esta pessoa faz a eleição porque ha de
fazela ; esta. eleição faz a maioria.
Ahi esta o systema representativo do nosso paiz !»
£ nesse torvelinho retalhado, de desapontamentos e tristezas
e desânimos e revoltas, — dois Ilberaes, obscuros ainda, sem
phrases afogueadas, quasi sem ruido, transpunham tranquilla-
mente as fronteiras da Republica : Francisco Rangel Pestana
o Henrique Limpo de Abreu.
De sorte que, ao irromper a reacção monarchica» resusci-
tando uma rígida figura de 37, antigo companheiro de Feijó, o
visconde de Itaborahy, estava descoberta a estrada que a con-
tornaria. Além disto, o partido liberal unira-se de choft*e, oomo
se o abalo da queda lhe annullasse as discórdias intestinas, em
torno dos seus melhores representantes. E, delidos os resenti-
mentos pessoaes da véspera, sopeado o radicalismo de muitos
que como os Ottoni e Silveira Lobo propunham a eliminação do
poder moderador, num perigoso avançar para a frente—firmou,
no terreno partidário, sob as grandes responsabilidades de
Zaoharias, Theophilo Ottoni, Nabuco, Souza Franco, Octaviano
o Paranaguá, o protesto do abstencionismo, ante a mentira
eleitoral, e no terreno politico o Manifesto de 1869, com estes
cinco compromissos :
a reforma eleitoral, única capaz de se oppor ao absolutismo
emergente ;
DA INDEPENDENOA A REPUBLICA 61
a reforma Judiciaria, desbancando a Justiça russa instituída
em 41 pelo Código de 3 de dezembro ;
a aboli(^ do recrutamento e da Guarda Nacional, que ab-
dicara o seu nobre papel da Regência e se tornara a guarda
pretoriana das urnas ;
e, afinal, a emancipaçSo dos escravos.»
Rematou com um dilemma entre cujas pontas oscíllaria
dalll por deante todo o edificio monarchioo :
<0u a Reforma ou a Revolução.» ^
Mas opinava logo :
< A reforma para ooi^urar a revolucSo.
< A revolução como consequência necessária da natureza das
coisas, da ausência do systema representativo, do exclusivismo
e olygarchia de um partido.
< NSo ba que hesitar na escolha.
€ A Reforma !
< E o paiz será salvo.»
Ora, agindo no centro dos acontecimentos em que eram auto
res e actores, sem a visão de conjuncto permittlda por um afas-
tamento do fioenario, os reformadores, ainda addiotos ao throno
pela força prodigiosa da inercia,nSo podiam perceber que aquella
condicional era serôdia. As duas palavras nâo extremavam
mais uma alternativa. Gonjugavam-se: reforma e revulução. . .
Foi o que 00 acontecimentos depois revelaram.
O governo de Itaborahy, um anachronismo palmar, em cpjo
tirocínio de quasidois annos s6 ocoorreu um successo apreciável,
o termo da guerra do Paragnay (1 de março de 70), completado
pela missão do ministro dos estrangeiros, visconde do Rio-Branoo,
incumbido de organizar o governo nacional do Paraguay—cahiu
por evitar o problema emancipador, appenso em additivo
proposto pelo senador Nabuco de Araújo á lei do orçamento
daqnelle anno. Provocara ao mesmo tempo a formação da
dissidência conservadora dirigida por Jeronymo Teixeira Júnior
e composta de elementos — Ferreira Yianna, Junqueira, João
Mendes, Duarte de Azevedo e Perdigão Malheiro — que dariam
em breve áquelle partido o compromisso anómalo de se bater
por todas as ideias liberaes.
62 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
O marqaec de S. Vicente (Pimenta Bueno), que lhe saccedeu,
tentou uma conciliação impossível, mau grado a sua robusta
mentalidade. Suspeito ao liberalismo, com reflectir, numa
passividade de espellio, o desejo claro manifestado sem rebuços
pelo Imperador, de obstar a todo o transe quaesquer reformas
no apparelho das eleições; suspeito á velha guarda conservadora
j& dirigida por Paulino d;3 Souza (Andrade Figueira, Josó de
Alencar, A. Prado e Francisco Belisario), pelos seus antigos
projectos emancipadores discutidos no Conselho de Estado desde
o ministério Zacharias — viu-se em situaçfto instável. NSo
puderam firmal-o ministros da estatura excepcional de Salles
Torres Homem (visconde de Inhomerim), JoSo Alfredo Correia
de Oliveira, Oiymplo Gomes de Castro, Pereira Franco e Teixeira
Júnior.
Abandonou o governo legando-nos, como unioo testemunho
de sua passagem, a fundação do Conservatório dramático. • .
E' que a conciliação planeada— um outro < pensamento au-
gusto > imprópria va-a não a falta de um marqvez do Paran&,
mas a transformaç&o das coisas.
A monarchia preenchera o sen papel. As reformas liberaes,
erigindo-se para logo no pensamento da eleiçio directa e da
emancipação dos escravos, embora acabassem por senhorear o
espirito do próprio Imperador, iriam abalar toda a architeotura
monarchica. Peroebera-o o visconde de Itaborahy, graças á
visão exercitada em moio século de actividade politica. Mortos
Araújo Lima e Eusébio de Queiroz, elie era o ultimo dos yelhos
constructores do regimen . Conhecia todas as falhas e o gasta«
mento inevitável do apparelho extraordinário dentro do qual se
constituirá a nossa nacionalidade. B oomprehendia, avassallado
de espantos, que elie não resistiria ao empuxo dos novos ideaos.
«Não queiramos aluir de chofre os fundamentos em que se acha
assentada a associação brazilelrat» exclamara no parIameato«
em 1870, com a intuição profunda de nm vidente.
Com elfelto, no seu ministério eshoçou-se ó deoli&io do
Império.
Dahi por deante o triumpho demoeratieo não se manifestara
mais, como em 62, por uma liga de liberalismo nifriro^
bA INDEPENDÊNCIA A REPUBLICA 63
attrahindo ao seio os conservadores adeantados. Proseguirá
isolado.
Destaca-se-Ihe dos flancos um partido novo — o republicano .
Difficilmente se depara em nossa historia acontecimento mais
lógico.
O manifesto de 3 de dezembro de 1870 íéz-se, realmente»
a segunda pagina do manifesto liberal de 1868.
Mas inclinada ao outro vértice do dilemma.
O programma alli exposto foi o que devera ser— um libeilo.
Fazia-se o processo de um reinado.
E em que peze aos ezaggeros da metaphysica politica, que as
debilita, aquellas linhas, as primeiras linhas escriptas da his-
toria da Republica, graphavam um dictado antigo.
Entre as suas assignaturas^a de Joaquim Saldanha Marinho,
nome já tradicional, as de Christiano Ottoni e Flávio Fámese,
vindos das tendas liberaes, as de Lafayette Rodrigues Pereira e
Salvador de Mendonça, as de Quintino Bocayuva, Aristides Lobo
e Francisco Rangel Pestana, que proseguiriam até á vietoria,
e outras, que se apagariam na obscuridade — faltava uma que
seria a mais expressiva de todas, « de Theophilo Ottoni, o
agitador destemeroso de 6â*
As linhas anteriores justiâcam oasaerto.
O novo pensamento politico, inearacteristico e mal vinculado
Às tendências separatistas nas insurreioC^s inooherentes que
vieram até 1817; inopportuno em 1822 e 1831, por contrariar o
interesse maior da unidade da pátria ; repellido em 1837-1848
por que ainda se tornara indispensável a acção exclusiva da
força centrípeta da realeza ; evolvendo, imperceptível, e
perdendo o caracter separatista com esposar os resentimentos
alastrados pelo palz inteiro na trégua partidária de 1853-1858 ;
aflorando, por fim no violento revide de 1862, que uma guerra
externa abrandou, desviando as preoocupações nacionaes : —
depois dessas vicissitudes, em 1870, impunha-se. Para vencer
tinha a força das novas aspirações sociaes t&o vigorosas que
se reflectiam nos próprios partidos dynasticos^ talhados em
dissideaoíAs que se degladiavam, desangrando-se, sem pouparem
dos golpes, como vimos, a própria figura imperial.
64 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
lavertiam-se os papeis: o perigo separatista estava naquella
concentração golpeada de crises. E o partido republicano cres-
cendo desde logo, mercê dos contingentes snccessivos que lhe
ad vinham de todos os deailludidos e de todos os desesperados dos
doisontros^o que aconteceria até as vésperas do 15 de
novembro « começava a esboçar, de facto, uma outra < Con-
ciliação », mas, esta, agora, definitiva — a Republica. Sahira,
das divagações do manifesto de 70, para o terreno da propa-
ganda. Deliaeavam-se em S. Paulo, em linhas cada voz mais
nítidas, até se imprimirem profundamente na nossa historia
politica os perfis de Américo Brasilieose, Rangel Pestana,
Américo de Campos, Campos Salles, Prudente de Moraes e
Venâncio Ayres.
Ao mesmo tempo, o povo tomava um logar na represen-
tação nacional.
Ouviu-se dentro da Gamara dos deputados uma palavra
extranha com a tonalidade imponente dessas vozes propheticas
que anunciam a rnina dos impérios.
Não era a dialéctica vibratil de Zacharias, a argumentação
fria, sulcada de súbitos lampejos de génio, de Nabuco, a fluência
cantante de José Bonifácio, ou o período artístico e sonoro de
Salles Torres Homem, a que se havia affeiçoado o nosso parla-
mento. Mas uma eloquência quasi selvagem na sua esplendida
rudeza, na energia nunca vista com que reinvidicava os direitos
populares, e nas suas rebeldias da fórmi» e nas suas grandes
temeridades de conceitos. . .
Silveira Martins desdobrava, improvisamente — passando
fugaz, num faigor instantâneo e desappareoendo -- a sua esta-
tura athletica de Danton.
* «
O governo do visconde do Rio-Branco ( 7 de março de 71)
sobreveiu, então, como uma longa trégua oiviiisadora.
Antes diplomata que politico, o grande homem fez o mi-
lagre de dirigir utilmente o paiz até 1875, no mais dilatado
ministério que tivemos.
E fel-o, sobretudo* porque não representava nenhum dos
dois partidos monarohlcos.
DA INDEPENDÊNCIA Á REPUBLICA 65
DemoDstra-0 o caracter antinomico, mas expressivo, de
uma situação conservadora ezgottando qaasi por completo o
programma liberal — e appellando indistinctamente para a
dissidência do seu próprio partido e para a boa vontade dos
adversários, liberaees e republicanos.
Estes últimos podiam, com eflèito, permanecer espectantes,
como o fizeram.
O governo do estadista que tinha a investidura única da
parte san de sua terra — ia desbravar-lhes o caminho.
Desarraigou a escravidão do paiz pela lei de 28 de setembro
do 187], em que o secundou brilhantemente o ministro predes-
tinado a vibrar o golpe decisivo de 13 de maio, João Alfiredo
Correia do Oliveira; abateu pela reforma judiciaria de 20 de
setembro de 71 a lei tyrannica de 3 de dezembro de 41, < a velha
arvore de Bernardo de YaconcelUos o do visconde de Uruguay, a
cuja sombra cresceu o império (1) » e nisto o coadjuvou Sayão
Lobato, penitenciando-se do aforro com que outr*ora se ajustara
áquelle velho apparelho de escravização civil ; sulcou a fundo a
dictadura espiritual, que se esboçava, reprimindo severamente,
até ao extremo da prisão os dois bispos de Olinda e Pará— e para
a empreza perigosa que ia divorciar a causa monarchica da
egreja, o partido republicano armou-o com o montante for-
midável de cGanganelli» (Saldanha Marinho).
Dissolveu em 1872 a Camará em que preponderava a massa
emperrada de seu próprio partido, dirigida por Paulino do
Souza Júnior, que seria ató ao fim do Império a sombra realci-
trante de Itaborahy.— Neste acto parecia provocar um rompi-
mento com aqaelle, ondes0bresahiam António Ferreira Vianna,
Domingos de Andrade Figueira, Francisco Belisario, António
Prado e Josó de Alencar.
Mas não rompia ; avantajavanse.
Era uma translado para o ÍUturo.
Refundiu a instrucção publica, profissional e superior, orç-
ando em algumas escolas ( a Polyteohnica e Militar, recem-for-
(1) Consellioiro Nabuco do Araújo.
4323 — 5 Tomo lxix p. u.
66 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
madas pela divisão da aatiga Escola Ceatral) cadeiras espeoiaes,
acompanhando o ascender continuo das sciencias, e fundou a de
Minas. Iniciou a tarefa complexa do levantamento da nossa
oartaitineraria e geológica, que seria abandonada pelos governos
que lhe succ adoram. Realizou a primoira estatística geral do
Brazil. Attendeu ás indicações de todos os competentes :
André Rebouças demonstrar .i as vantagens da subvenção
ou garantia de juros ás companhias de estradas de ferro, e a
lei de 24 de setembro de 1873 organizou-se logo retravando-se
á campanha contra um velho inimigo— o deserto. £ as linhas
férreas que em 71 attingiam a 732 kilometros, subiram a 1500
kilometros em trafego, em 75 ; alóm de 8180 em construção,
ou estudos, e 1700 concedidos, recebendo todas um impulso que
nunca mais parou.
Vincularam-se as provindas pelo tolegrapho submarino cos-
teiro, outro elo illudindo a vastidão do território; emquanto
por outro lado se expandiram as linhas tclegraphicas terrestres
(2081 kilms. em7U 9281 em 75).
Laaçou-se o primeiro cabo transatlântico; e a 24 de junho
de 1874 estávamos a alguns minutos da civilisação, receben-
do-se o primeiro telegramma da Europa.
Planeou-se garantir o Rio Qrande contra uma visinhança
agitada, com as primeiras estradas do ferro estratégicas.
Subiu a mediada immigração, quadruplicada, a 30.600 tra-
balhadores por anno.
Por âm, as curvas no diagramma do nosso commercio
geral directo e de exportação, deprimidas ambas ha longo tempo
aprumaram-se em 73 a um ponto a que só chegaram de novo
em 79; acontecendo o mesmo com as rendas geraos. E o cambio
que cahira em 68 a 14, e estacionara em 1870 em 23 Vi> elevon-se
numa continuidade invariável, chegando ao parem 73 ;eem
75 a altura que tiunca mais alcançaria, 28 %.
Na politica exterior attenuaram-se as consequências preju-
ciaes do Tratado de Alliança com o Uruguay o a Republica
Aj^gontina ( 1» de maio de 1805 ), que dava a parte do leão á
ultima, nos eHeitos da campanha do P<iraguay, — firmando-se
a linha do Pilcomayo, que ao mesmo passo resguardava o
DA INDEPENDÊNCIA A REPUBLICA 67
território da nação vencida e resalvava os direitos da Bo-
lívia.
• •
Dei>oi8 do ministério Rio- Branco, desonhou-se pela terceii*a
vez no acenar io politico uma dessas «épocas sem physionomia»,
presagas de transformações profundas. Mas, evidentemente,
estas se effectuariam fora do apparelho monarchioo.
Dizia-o o curso impressionador da historia.
As nossas phases sociaes tinham-se desdobrado com um
rytlimo perfeito, onde a disperáão o convergência successivas
dos acontecimentos denunciavam ao mais inexperto espirito o
rigorismo inflexível da lei universal da vida.
A principio o aggregado diíTuso, a nebulosa humana, des-
prendida do colonato, sciudida de ideaes revolucionários em
uma larga dissipação de movimento, reíleotindo, no periodo de
IS0H-IS31, o proccsius geral de todas as existências orgânicas.
Depois, do 1831 a 1837, a delimitação dos lutadores nos três par-
tidos definidos da Regência, traduzindo-se a tendência para
uma phase mais definida, a par de uma distribuição mais in-
tegra e lieterogenea do prestigio governamental, até então
enfeixado na autoridade de um príncipe. Subsecutivamente,
com o crescer da reac^o monarchica, de 37, compensadas a
simplicidade maior do governo e a complexidade maior da
sociedade, evidenciouHie, inilludivel, a rellectir-se tangível*
mente no binário conservador e liberal, a marcha gradual
para o equilíbrio, dns duas forças co-existentes» democrática
e reaccionária, que persistiam desde a Independência. Por
fim, em 1848, e sobretudo com o marquoz do Paraná, na
quadra que uma intuição de génio rezumiu na palavra Conci-
liação^ a harmonia completa dos lutadores, ultimando-se intei-
ramente a admirável evolução monarchioa.
O império constitucional attiogira, de facto, o termo de
suas transformações; e, de accordo com a própria lei evolutiva
que o constituirá, iria desintegrar-se submettido por sua vez
ao meio, que dominara, o aos excessos de movimentos que
este adquirira.
Ora, esta dissolução é tão demonstrável» que até teve, e era
68 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
necessário que o tivesse, o seu primeiro symptoma no rotratar
com a fidelidade de um decalque 03 estádios anteriores. Assim
a liga de 1862, surgindo do excesso do movimento do meio, nas
eleições de 1860 — e logo depois delia o schisma dos «progres-
sistas» e «históricos», deante dos «conservadores» transformados,
reproduziram successivamente os tumultos desordenados dos
primeiros dias das lutas da liberdado e a triplice pbysionomia
politica da Regência. . .
Mas a nova concentração do forças já não se podoria fazer
em torno do regimen imperial. Os seus mais eminentes susten-
táculos, Juxtapor-se-iam, sem o pensarem o sem o quererem, á,
nova directriz dos acontecimentos— d estacando-se, como expres-
sivo exemplo, o próprio ministério Rio-Branco tão accentuada-
mente demolidor e reconstructor, ao mesmo passo que com as
suas medidas administrativas memoráveis derivara para o
campo das agitações politicas as energias ronasoentcs da
sociedade.
Depois delle— a attitudo curiosíssima do partido liberal em
todo o período que vae de 1878 a 1880 — de Cansanção de Si-
nimbu ao ultimo ministério do conselheiro Saraiva—Já agi-
tando esterilmente, como reforma unioa, a pseudo* reforma
liberal da eleição directa e censitária. Já estonteando a opinião
com os seus vários governos inco!ierentes sustentados de ordi-
nário com o amparo do elemento conservador, e cahindo todos
batidos por violentas moções de descontiança dos próprios
liberaes— seria bastante incisiva no delatar o artificialismo de
um regimen theorioamento extincto, e implicativo das novas
aspirações sociaes.
E\ porém, uma historia recente do mais. Acotovellam-se,
vivos ainda, alguns no í^istigio da Republica, outros, na
glorificação de um exílio virtual imposto pela inflexibilidade
de suas convicções — os seus principaes actores.
Como facto predominante dessa politica artificial, espe-
lhada no invariável contraste entre os velhos principios que a
alentavam e a situação verdadeira do paiz, o historia lor fu-
turo coramentar.1, sorrindo, a abdicação graciosa e bellissima de
13 de maio do 1888, em que o ministério conservador do con-
DA INDEPENDÊNCIA A REPUBLICA 69
solheiro João Alfredo cor toa as ultimas amarras do Império,
abandoaando-o na caudal IrresMivel das idéas republicanas. . •
Depois disto a Republica não podia ser uma surpreza,
inexplicável estribilho dos que enfermam da nostalgia desse
passado brilhante, que também yeneramos porque é toda a
justificativa do nosso regimen actual.
Vimos, nas varias phases, a traços largos esboçadas, o
constante despontar, cahir o renascer de uma aspiração dis-
persa em movimentos isolados; supplantada a principio pelo
pensamento primordial da autonomia politica, depois pela
preoccapação superior da unidade nacional. Impertinente em
1822, inopportana em 1831, aborticia cm 1848, era-o a Republica,
sobretudo porque se não podia inverter a série natural da evo-
lução humana.
Aspiração politica, requeria que lhe propiciasse o ad-
vento o desenvolvimento social.
A sociedade não a repellia ; prorogava-a.
E a partir de 1875 começou a incorporal-a.
Mudáramos muito.
Deanto da grande « maioria indifTerente o amorpha que
ainda existe — como um prolongamento da colónia — for-
mando o caput moriuum do grande organismo deste paiz, só
so alevantara até 1875, através de agitações exclusiva-
mento politicas, o espirito critico da metapbysica revolu-
cionaria de que ó impeccavel modelo o próprio manifesto re-
publicano do 70. Mas este, que illusoriamente preside o ascender
crescente do novo ideal politico até 15 do novembro de 89, res-
valara a segundo plano.
A propaganda republicana ( evitamos descrevel-a, inaptos
para synthetizal-a, em meia dúzia de linhas, com o incon-
vodiente de citar-lhe os protagonistas, na maioria ainda
yivos) fazia-se por si mesma.
Attribuir-lhe o sucoesso á palavra dos tribunos, ao Jor-
nalismo doutrinário ou agitador, ao enthusiasmo de uma mo-
cidade robusta, á indisciplina militar, e por fim ao levante
70 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
de um exercito que, como o de 7 de abril, nada mais foi que
a ordenança passiva da nação em marcha — equivale a attri-
bair a maró montante ás vagas impetuosas que ella alteia.
Porque, de facto, o que houve foi a transfiguração de
uma sociedade em que penetrava pela prlmoira vez o im-
pulso tonificador da philosophia contemporânea. E esta,
oerto, não a vamos buscar nosso tão malsinado e incompre*
hendido positivismo, que ahi está som a influencia que se
lhe empresta, immovel, crystallizado na alina profundamente
religiosa e incorruptível de Teixeira Mendes.
As novas correntes, forças conjugadas de todos os principies
o de todas as escolas — do comtismo orthodoxo ao positivismo
desafogado de Littró, das conclusões restrictas de Darwin ás
generalizações ousadas de Spencer — o que nos trouxeram, de
facto, não foram os seus principies abstractos, ou leis incompre-
hensiveis á grande maioria, mas as grandes conquistas libe-
raes do nosso século ; o estas compondo-se com uma aspiração
antiga e não encontrando entre nós arraigadas tradições monar-
ohicas, removeram, naturalmente,scm ruido^no espaço de uma
manhã — um throno que encontraram.
Este abalara-se de ha muito. O nobre espirito do homem
que o occupava com a sua preoccupaçSo* absorvente de perquirir
anciosamente as coisas da sclencia, com o seu anhelar o
titulo de phllosopho, com o anceiar pela camaradagem nobili-
tados dos pensadores do seu tempo, com a sua indifferenca
superior pela força organizada, que lhe escorava o império, com
o estimular os decretos libertadores, que lhe destruíram o apoio
da propriedade territorial — tornou-se no termo da vida o
exemplo vivo da transmutação de seu próprio paiz.
E* natural que fosse o seu ultimo ministério conservador
que realizasse a 13 de maio de 1^88 a mais alta das reformas
IJberaes.
Não tinham mais significação os nomes dos partidos.
Existiam pela forçi cia inorcia. Tond>se pr.'ndido ao curso ir-
reprimível da propv-iganda abolicionista, iniciada activamente
om 1884, a monarchia obtivera uma estabilidade momentânea,
derivando ao som da c )rrenleza democrática.
DA INDEPENDÊNCIA A REPUBLICA 71
De sorte qao, em 1889, qu ando o seu ultimo ministério li-
beral tentou a ultima reacção conservadora, cahiu—porquo não
podia mais parar.
O 3** reinado osteiado na esplendida envergadura do
visconde de Ouro Preto seria uma represa na torrente.
Foi o que se viu a 15 de novembro do 1889: uma parada
repentina e uma sublevação ; um movimento refreado de
golpe o transformando-se, por um principio universal, em força;
e o desfecho feliz do uma revolta.
Porque a revolução já estava feita»
O nosso século XIX acaba naquella data.
NSo devemos constringil-o no inexpressivo de uma ezacçSo
numérica.
Teve ura remate bastante incisivo para caracterizar
uma época, porque a Republica, de facto, desvenda uma outra
éra. Recente ainda, nâo ha lobrigar-se-lhe o determinismo
próprio.
Todos 08 successos da sua brevíssima vida de dez annoi não
resaltam ainda na escala superior da historia.
Cerremos esta pagina.
o DUQUE DE CAXIAS
J. CAPISTRANO DE ABREU
Sócio níTectivo ilo Institnto Histórico e Ocograpliico
Hraziloiro
o presente artigo, di> nosso illusirado consócio, Sr. J. Ca-
pistrano do Abreu, foi publicado na Gazeta de Xoticias, sein nome
do auctor, de i de agosto de i903, de onde o extrabimos.
(Xota da Comtnissão de Redacqão.)
o DUQUE DE CAXIAS
Ha nm século, em Magé, na baixada do Rio do Janeiro,
naiicea Luiz Alves de Lima, a 25 de agosto, dia de S. Luit, rei
de França, de quem tomou o nome. Descendia de notável família
em que cruzavam o elemento francez, o elemento portuguez e
o elemento nacional; pelo lado paterno como pelo lado materno
dclla sahiram onze generaes, no decurso de três gerações.
A 22 de novembro de 1808 sentou praça de cadete no regi-
mento de seu avô José Joaquim de Lima e Silva ; aos quinze
annos foi promovido a alferes; terminados vantajosamente os
estudos na Real Academia Militar, passou a tenente, ainda cm
tempo de D. João VI.
A retirada do velho rei para a Europa foi o despertar de
um sonho agradável que durara treze annos. Metrópole e reino,
o Brazil voltava a colónia. E as cortes portuguesas, com uma
coherenoia democrática, honrada mas imprudente, começaram
a obra de regeneração pelo throno e pelas camiadas. No Bratll
fbram logo feridos em seus interesses os altos dignitários que
circumdavam o joven príncipe regente, e em contacto continuo
com este podiam incitar e incitaram sen temperamento impe-
tuoso e impulsivo. Após breve hesitado, o representante de
el-rei trabalhou contra o próprio pai; quem devia garantir obe-
diência e fidelidade á metrópole, encabeçou o levante contra
cila; a autoridade foi derrocada pelos órgãos da autoridade.
Não seria a ultima vez na historia da dynastia.
Desde quo tinha a diri^nl-a o príncipe regente, aftuitados os
elementos que podiam alTrontal-a, a idéa de independência
lavrou subitanea no Brazil inteiro. Na Bahia, as tropas da nie
tropole resiâtiram com vantagem por algum tempo aos filhos da
76 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
terra, redozidas a S6U8 únicos recursos. Soccorros mandados do
Rio realentaram os espíritos dos patriotas; a esquadra começou
o bloquoio do porto da capital; a 2 do julho de 23, desanimados
e derrotados, partiram para além-mar os últimos defensores do
poderio lusitano. A resistoncia na Bahia teve ainda o resultado
do benefício de levar a esquadra 4s alongadas regiões do NE, evi-
tando assim que, em nossa historia, houvesse separação, como
succedeu geralmente na America hespanhola, ou que ficasse
ainda na grande colónia livre alguma pequena dependência da
metrópole, como succedeu á solitária Cuba até nossos dias.
Na Bahia, Luiz Alves avistou-se com guerra pela primeira
voz. Seus assentamentos mencionaram feitos de 28 de março,
3 de maio e 3 de junho do 23. AUi conquistou um dos titules
que mais prezava, o do veterano da independência. A 22 de ja-
neiro do anno seguinte teve a patente de capitão.
Ao movimento de independência contra Portugal adheriram
também as terras da banda oriental do Prata, incorporada ao
Brazil pela força das armas, polo cansaço dos motins e guer-
rilhas, pelas combinações diplomáticas e pelas afflnidades geo-
graphicas. Em comoço de 25 parecia resolvido de vez o litigio
secular, levantado pela fundação da colónia do Sacramento, e
sempre pendente e irritante, apezfir de tantas campanhas e
tantos tratados ; quem sô attendesso ás manifestações offlcíaes
juraria a indissolubilidade da união entre brazileiros e orientaes.
Como illudiam taes apparoncias vorlflcou-se desde abril do
mesmo anno. Trinta e três patriotas, entre estes João António
de LAvalleja, desembarcaram no porto das Yaccas, junto á Co-
lónia, internaram-se, angariaram adeptos, o já em setembro
e outubro ganhavam as batalhas do Rincon de las Oallinas o
Sarandy sobre as tropas imperiaes. Ao apoio quasi unanimo da
população aggregaram-so auxilies e soccorros vindos do outro
lado do rio, primeiro claniestlna, mais tarde publicamente,
depois do imperid declarar guerra &s províncias platinas. O
bloqueio de Buenos Aires, fructo desta declaração, teve em re-
sposta a oreação de luna esquadra de pequenos vasos que zombou
da nossa alterosa Armada, e dezenas de corsários que feriam a
golpes redobrados e terríveis nosso commercio marítimo, des-
respeitando nossos mares.
o DUQUE DE CAXIAS 77
O theatpo da guerra passou do Uruguay para o Rio Grande
do Sul, e as operações bollicas poderiam protrahir-se iadofinida-
menie, se a iatervenção ingloza, om 1828, não trouxesse coin a
paz a creação da Repablica Oriental^ iadependoiite ao mesmo
tempo do BrazlL e da Confederação Argentina.
Luiz Alves tomou parte nesta campanha do sul, ao qual de-
via depois tornar mais de uma vez, sempro com mais glorioso
renome o p/estando novos serviços à pátria. De lá voltou m ijor.
Como major, chegado a esta capital, commandou-o batalhão
do imperador, e assistiu bem de pert j aos successos da abdi-
cação de D. Peiro I. Embora seu pae fosse um dos chefes mas
infensos ao fundador do império, ollo conservou-se ao lado do
soberano até o ultimo momento. Compre hendeu quanto havia
do artidcial na aceitação, e suggeriu meios de jugulal-a ; mais
D. Pedro sentia-so contrafeito entre seus súbditos, quo lhe não
perdoavam o peccado original de estrangeiro, nem acreditavam
mais na sinceridade do seu constitucionalismo; via-se alheio, se-
gregado do povo, tão outro das multidões enthusiasticas do 22.
Ao mesmo tempo occorriam em Europa successos que lho pro-
mettiam nova e mais brilhante carreira no velho mundo. Pre-
feriu partir quando lhe seria facil ficar, e talvez fosse melhor,
tanto para elle como para o paiz.
Com a partida de D. Pedro, desencadearam-se as forças re-
volucionarias desde o Amazonas ao Prata. Um dos logares mais
ílagellados,. si não pela amplitude, certamente pela frequência
das convulsões, foi essa multo heróica e leal cidade. E ninguém
mais fez para arrancal-a ao cahos elementar do que Luiz Alves
de Lima, commandante da policia militar durante longos
annos.
Esta commissão espinhosa, desempenhada brilhintomente,
deixou vestígios bem profundos em seu espirito. Ahi aprendeu
como ódiíHcil governar, como qualquer pronunciamento, que se
parece resolver uma rliíflculdade momentinoa, na realidade ac-
cresccnta aos antij^os novos problemas mais árduos. Sobretudo
aprendeu a iientificar-se com seus subordinados, a não querer
para si glorias o triumphos de que a parte maior não lhes cou-
be^ise.
Teve de abondonar algum tenrpo este posto para, já tenente-
78 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
coronel, acompanhar om 39 o ministro da gaerra ao Rio Grande
do Sul.
Reben.tara um movimento revolucionário em Porto Alegre
a 20 de setembro de 35. O presidanto, homem de incontestável
coragem, não achou quem o ajudasse a resistir nem allí, nem
na cidade do Rio Grande, ond s reconhecendo isto, embarcou
sem demora para a corto.
Os revoltosos tomaram conta da capital ; a força publioa
passou para sen lado ; oi recursos do Governo cahiram om suas
mãos ; a maior parte da província tacita oa explicitamente ad-
heriu. Um novo presidente, mandado logo, chamou a ai parte
dos levantados, reoccupou a cidade de Porto Alegre que nunca
mais sahiu da legalidade, e o combate de Fanfa (4 de outubro
de 36) pareceu terminar a revolta, pois nelle foram vencidos e
presos alguns dos cabecilhas mais influentes.
Desde o principio os legalistas da província disseram que os
sediciosos tinham om vista separar-se da commuuhão brazileirae
proclamara republica. Negou- o Bento Gonçalves uma e muitas
vezes por documentos solemnes em que acclamou a constituição
e o joven imperador. E parece que era realmente sincero, pois
s6 depois delle preso em Fanfa, seus amigos e companheiros pro-
clamaram a republica em Paratini a 6 de novembro.
E* duvidoso se isto lhes deu novos olemontos de vitalidade e
resistência. Mas Bento Manoel, o vencedor d) Fanftt, não
achando asou gosto o novo presidente mandado para substituir
seu parente José de Araújo Ribeiro, mais tarde visconde do Rio
Grande« prendeu oprosidento; Ciçapava, evacuada pelas forças
legaes, foi tomada com os abundantes matérias bellicos que
possuía, cahin em poder da Republica a cidade do Rio Pardo,
chave da campanha, e a nova forma de governo, ou governizo,
como então se dizia, consolidou-se por muito tempo.
Bento Gonçalves, na ausência eleito presidente da republica^
ÍUgiu das prisões da Bahia e novamente poz-se ú, frente de seus
partidários. Em manifesto de 2ò de sdtembro de 35 declarara por
único objecto « sustentar o throno do joven monarcha o a inte-
gridade do iraperiu >. Agora, a 29 de agosto de 3S, exprimia-se
de outro modo : «Desligado o povo rio-grandense da communhão
brazileira, reassume todos os direitos de primitiva liberdade, usa
o DUQUB DE CAXIAS T9
desses direitos imprescindíveis, constitaindo-fle republica inde-
pendente, toma na extensa escala dos Estados soberanos o
logar que lhe compete pela safflcienoia de seus recursos, ciyiU-
saçao e naturaes riquezas, que lhe asseguram o exeroicio pleno e
inteiro de sua independência, eminente soberania e dominio«
sem si:^jeiQão ou saoriâcio da mais pequena parte dessa mesma
independência ou soberania a outra nação, governo, ou potencia
estranha qualquer. Igual aos Estados soberanos seus irmãos, o
povo rio-grandense não reconhece outro juiz sobre a terra, além
do auctor da natureza, nom outras leis, alóm daquellas que
constituem o código das nações.»
O ministro da guerra, a quem Luiz Alvos acompanhoui pa-
rece não ter achado particularmente grave a situação, pois, che-
gando na província em fins de março, já em fins de maio se re-
tirava para esta capital. E* de suppor que esta visão rápida não
fosse perdida para o joven sisudo tenente*coronel e desde Já
pensasse nos meios de desatar ou cortar o nó, se algum dia lhe
coubesse tal iocumbencia. Hypothese aUás pouoo provável
então, pois ningem pensava que o governioho durasse ainda
muito tempo.
Neste mesmo anno elevado a coronel, Luiz Alves foi enr
carregado de pacificar a provinda do Maranhão, no caracter do
presidente e commandante das armas.
A 13 de dezembro de 38,na villa da Manga de Igara, o va-
queiro Ray mundo Qomes, vulgo Cara preta^ € figura insignifi-
cante, quasi negro, a que chamamos fula, baixoi grosso, pernas
arqueadas, tosta larga e achatada, olhar timido, humilde », que
tinha a habilidade de fazer pólvora, arrombou a cadeia da villa
e soltou os presos. A 2 de janeiro de 39, no Breôo, Manoel Frao-
cisco dos Anjos B'erreira, vulgo Balaio^ eoliocansa á. frente de re-
bellados e começa a semear destruições e mortes. Um preto
Cosme, que se assigna <D. Cosme, tutor e imperador das liber-
dades bemtevis », chega a alliciar três mil escravos. Taes as
cabeças mais salientes desta conclusão conhecida por Baiaia<ki,
de nome de um dos seus chefes.
D. Cosme, intitulando-se « tutor e imperador das liberdades
bemtevis », como negro pernóstico fugfdo das cadeias da capital,
insinuava-se representante do partido que tinha por orgam na
80 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
impransa o periódico Bemievi. Mas a desordem só teve alguma
cousa de politica no Piauhy, onde encarnou sérios esforços para
sacudir o jugo de ferro do barão da Parnabyba. No Maranhão
foi obra social ou, se a palavra parecer muita ambiciosa, eth-
nographica. Bra um protesto contra o recrutamento bárbaro,
começado desde a guerra da Gisplatina em ^5, contra as prisões
arbitrarias, contra os ricos prepotentes, contra todas as vio-
lências que cabiam, sobre os pobres desamparados negros, indios,
brancos miseráveis. Duas ftlhas de Balaio tinham sido defloradas
por um official da força publica, e dahi sua avidez de vingança,
a sanha de desaggravo. O Cara preta levantou-se para libertar
am irmão preso
Gente desta não se inspira em politica, porque sua acção ó
contra a politica. Podem os Balaios pedir que se aeabe com as
prefeituras, qne se respeite a Constituição, quo se expulsem
portuguezes, tudo isto não passa de oitivas mal decoradas.
Sua verdadeira inspiração é matar, destruir, queimar e dei-
xar-se matar como tinha sido na Gabanagem do Pará o entre os
Cabanos de Pernambuco, como ia succedendo com os Quebra-
kilos da Paraliyba e ainda não ha muito veriflcou-se nos santos
de Canudos.
Entretanto, essa massa cahotica por duas vezes tomou
Caxias, cidade opulenta e populosa situada a meio caminho dos
que viajam do Maranhão a Bahia, e eram muitos ntquella ópoca,
pios a navegação a vela não offereoia segurança na costa de N.
E., graças ao regimen dominante de ventos; esta massa caho-
tica invadiu duas provindas, intimidou a tal ponto a cidade de
S. Luiz que o presidente mandou encravaras peças de arti-
lharia para não cahirem em seu poder.
« Meu il lastre antecessor, escreveu mais tarde Luiz Alves
de Lima, entregando-me a presidência desta provinda, asse-
gurou-me que seis rebeldes naquella época a devastavam, nu-
mero sempre crescente, e nunca maior antes daquella data, por
que se alguns se entregavam ou eram capturados, outros em
maior copia se levantavam e os substituíam; e isto mesmo se
deduz de sua correspodencia official, qúe na secretaria deste go-
verno se acha. Mostrou-me depois a minha própria experiência
que bem longe estava de ver exaggerado este computo, como a
í
i
o DUQUE DB CAXIAS 81
'|>rincipio jalgnei, a poDto de acreditar que só ozisUam três a
qaatro mil. Se calcalarmos em mil os seus mortos pela guerra,
fome e peste, sendo o Dumero dos capturados e aprisionados,
durtfite o meu governo, passante de quatro mil e para mais da
três mil os que reduzidos i. tome e cercados foram obrigados a
:depor as armas dep}is da publicação do decraio de amnistia,
'temos pelo menos oito mil rebeldes; se atestes addicionarmos três
mil negros aquilombados sob a direcção do infame Cosme, os
quaes só de rapina viciam, assolando e despovoando as fozendas,
temos onze mil bandidos, que com as nossas tropas' lactaram
fidos quaes houvemos completa victoria. Eite oalculo ô pára
-menos e não para mais: toda esta provinda o sabe.»
Partindo do Rio a S2 de dezembro de 39, só a 5 de fevereiro
4o anno seguinte poude Luiz Alves cbegar a sôu destino, por
causa do contratempos do diversa ordem que o detlTeram. A 7
tomou posse e começou logo a reparar os numerosos abusos que
encontrou, dispoz as forças em trás columnas priocipaes, de que
deviam separar-se columnsus volantes para atacar os diverâòB
pontos onde os Balaios apparecessem. A 7 de março sahiu pela
primeira voz da capital, indo por Icatú até Vargem Grande.
Mais outras viagons fez sempre que lhe pareceu necessario«
ora a um, ora a outro ponto, como em Itapicurúmirim onde
reprimia, severamente* parte da força publica levantada, por
atrazo em pagamento de soldados*
A mais longa de suas excursões foi a Caxias, a antiga prin»
oeza de Itapicurú, duas vezes violada, que o recebeu como um
salvador.
Graças á mobilidade das forças avulsas, ã habilidade com
que harmonisou seus movimentos, ã providencia com que im'«
pediu a paisagem dos Balaios porá o Para e Goyaz, foi por toda
a parte victorioso e em pouco tempo foram apparecendo os li**
neamentos da nova ordem. A deserção, o desanimo se estabe*-
leceu entre 00 combatentes do desespero ; a amnistia facilitoúD
desfecho. A 29 de janeiro de 41, Luiz Alves proclamou a pro-
víncia pacificada.
No meio destas labutações não se esqueceu que além de
chefe militar era também chefe civil. Reuniu a Assembléa e
com ella coUaborou, começou edificios, mandou explorar rios.
4323 — 6 Tomo lxix. p. ii.
82 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
A 13 de maio entregou o poder ao sea succes^or, oom um:
relatório em que so lô:
« Posto seja a guerra uma calamidade publica, e ainda mais
a; guerra civil, também é âs vezes um meio de civilisac&o para
o ftituro, e a par de seus males preisentes alguns germens de
beneficio deixa. Pela rapidez dos movimentos e continuas
marchas communicam-se os homens, eslreitam-se as relações e
08 animes inertes se vigoram. Algumas pontes se levantaram
no theatro das operações militares ; citarei por exemplo a de
Paulica, de mais de cem pés de comprimento, feita toda pelos
soldados da 2^ columna, sem nada despender a fazenda publica*
As villas se entrincheiraram e a faxina limpou as mattas de ve-
getação ociosa que as invadia e sobre ella accumulava os va-
pores contrários á saúde; activaram-se os correios, augmentou-
se a necessidade de correspondência, e esta repartição rende
hoje mais que em outros tempos.»
Diz ainda melancolicamente: c Não me ufano de haver mu-
dado os corações e sufEòcado antigos ódios de partido, ou antes
de famílias, que por algum tempo so acalmam e como a peste
se desenvolvem por motivos que não prevemos ou que não
nos 6 dado dissipar.»
Entretanto, occorreu nesta capital um sucoesso das mais
graves consequências. O rdgento, eleito por um quatriennio,
devia governar até 42 ; o herdeiro da corda, pela Gonstitui^o,
3ó podia subir ao throno aos dezoito annos, Isto é, em 43. Isto
pareceu muito tempo ao partido inimigo do regente e come-
çou a agitar a idéa de reconhecer-se a maioridade do imperador
antes do prazo legal. Neste sentido foi apresentado um projecto
ao parlamento, que o rejeitou ; mas os maioristas souberam
captar o assentimento do joven monarcha, e adiadas as Cama-
rás, quando o lanoe parecia irremediavelmente perdido, decho-
flre, como por magica, tudo sahiu á medida dos desejos dos con-
spiradores. A 23 de julho de 40, D. Pedro II começou areinar,
O ministério organizado, como é natural, de maioristas, entre
os quaes avultavam os dous irmãos Aniradas, figuras lendárias
da independência e do primeiro império, tinha a esperança e
julgava-se capaz de serenar os animes, sempre agitados no Rio
Grande do Sul.
o DUQUE DE CAXIAS 83
Enganara-se o ministro da guerra em 39, S3 pensou com
sua apparição fugaz tor modificado vantajosamente a situa-
ção.
Km julho, oom a tomada de Laguna, a republica rio-gran-
dense conquistava afinal um porto de mar, que ató então não
conseguira, graças á esquadra legal; proclamada a republica ca-
tharinense, encontrava outro sócio de aventuras ; uma marinha
apparelhada ás pressas por José Garibaldi, desfraldou seu pavi-
lhão no oceano. No interior, Porto Alegre continuava cercada.
Em diversos recontros, como em Forquilha e Taquary, os
legalistas levaram a melhor ; nem por isso a posição do gover-
nixo se tornara precária, o o facto de tanto tempo haver resiS'
tido ao império, dava-lhe força, e uma confiança extraordinária
no futuro. Só em Santa Catharina a legalidade restabeleceu- sq
facilmente de uma só vez, a republica extinguiu-ae mais de-
pressa ainda do que nascera.
O ministério maiorista mandou ao Rio Grande do Sul um
emissário, o benemérito paulista Francisco Alvares Machado,
incumbido de encarecer a maioridade, os novos homens que se
achavam á frente da governança e pregara boa nova da con-
ciliação e da paz. Pondo-se em correspondência e depois em
contacto directo com os inimigos do império, Alvares Machado
convenoeu-se de qne passara a óra da intransigência, e voltou
com um ramo de oliveira. Para levar a termo sua missão pa-
cificadora, foi nomeado presidente da província, ao mesmo
tempo que o general João Paulo dos Santos Barreto seguia para
commandar em chefe o exercito logal.
Tomaram ambos posse em novembro de 40. Logo as felici-
dades começaram a sumir-se, os equivocas se desfizeram, as
promessas ficaram burladas.
Bento Gonçalves desejou sinceramente voltar & communhão,
mas, como tantas vezes so observa, o chefe só era obede-
cido porque obedecia &s vontades dos que se diziam seus sub-
ordinados. Por detrás do velho militar agitava-se um ele-
mento novo e insoffddo, que queria a republica ainda antes
de Fanfa, e este elemonto triumphou. Já a 7 de dezembro
Alvai*es Machado declarava rotas as negociações e prepara va-se
para luctar. João Paulo pisou o território occupado pelos re*
84 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
baldes, mostrando quo podia fazel-o sem ser anniquilado im-
mediatamente como òUos blasonavam.
A esta primeira decepção do ministério maiorista, jan-
tou-se logo outra ainda mais mortificante, a de ser desp3-
dido depois de apenas oito mez js do exercido o ver chamado
ao poder o partido contra o qiial montara o golpe de Es-
tado. Foi este o verdadeiro motivo das sedições quenoanno
seguinte rébentiram em S. Paulo e Minas Oeraes e foram
encommendadas para Pernambuco e Ceará.
De esmàgal-a €m S. Paulo foi imcumbido o barSo de
Caxias que, desembarcando em Santas, transpoz a serra de
Onbat&o, dirigiu-se a Sorocaba e alii de um só golpe re-
stabeleceu a ordem. Mais devagar andou em Minas Oeraes,
onde o incêndio tivera tempo para se propagar ; mas ahi
a batalha de Santa Luzia mostrou breve que passara o tempo
das revoluções fáceis o quo, se a regência fora a tempes-
tade, o império podia e queria sor a bonança.
Estas duas campanhas tão rapidamonte ganhas legiti-
maram a promoção do barão do Caxias a marechal de campo,
e indicaram seu nomo como o do homem capaz de chamar
novamente os rio-grandonscs ao seio da pátria grando pela
qual tantas vezes derramaram seu sangue desde a ópoca co-
lonial.
A situação era em summa a mesma que deixara Alvares
Machado. As tropas mandadas pelo interior sob o commando
do eneaiporado Labatut, general de Napoleão, não deram o
quo se esperava. Os combatos tanto tinham do numerosos
como de pouco decisivos. S3 a gente da legalidade não des-
animava, 06 defensores do governicho não so sentiam exhaustos ;
aquelles não podiam ser desapossados do litoral, estes conti-
nuavam a dominar na campanha.
Caxias tomou posse da presidência e do commando do exer-
cito a 9 de novembro do 42. A 11 do janeiro do anno se-
guinto, atravessa o rio S. Gonçalo sob os olhos de Netto, que
não o poude impedir. Bonto Manoel, o vencedor de Fanfa,
volta ao serviço e em Ponche Verde mostra que a victoria
continuava £(Ua fiel companheira. A discórdia se introduz entre
ot fundadores da republica. A fh>nteira occupada tira ao
o DUQUE DE CAXIAS 85
ioimigo os recuraos dequo so alimentava; encerrado dentro,
do próprio território é por ílm obrigado a bator-so. O com«
bate de Porongo, em novembro de 44, produz o desejado
effeito sedativo. Começam a sorio as negociações. Al de março
de 45, Caxias proclamava pacidcada a província do Rio Orande
do Sul.
Abrindo a assembléa provincial, assim apreciava o que
tinha feito:
4 Em 9 de novembro de 1842 tomei posse da presidência
desta provinda e do commando em chefe do exercito eqd oi>e-
rações, para que tinha sido nomeado por carta imperial de
28 de setembro daquelie anuo. A revolução que nesta pro-
víncia fizera sua explosão em SO de setembro de 1825, por
motivos que a historia um dia relatará, adquirira na suajá
t&o longa duração novos incrementos, redobrava suas espe-
otativas e refazia suas forças, sem que nada annanciasse o fim
de sua torrente, apezar do muito que para isso se fazia.
«Assim achei a província como bem o sabeis.
«No campo era o pleito, e o exercito imperial me cba*
mava á sua frente para abrirmos a campanha.
« Depois de dar todas as providencias para que minha au-
sência da capital da provincía não transtornasse a marcha
dos públicos negócios, sahi no dia 25 de janeiro de 1843 para
o exercito, e de^e logo encetei as operações, não como o
único meio de chamar os dissidentes ã ordem, mas como um
meio auxiliar da politica de conciliação que empregava e
que sempre empreguei em iguaes casos para poupar sangue
de irmãos; porquanto repetidos exemplos nos têm mostrado
que nascendo a divergência e a desordem das idéas e das
padxões do tempo, o tempo as gasta, e a palavra e a per-
suasão que as propagam também por sua vez as destroem,
e por fim reunem-se os homens em uma mesma crença, ab-
jurando sons passados preconceitos, filhos do tompo e da íklta
de experiência, e muito mais ainda quando os ligam os santos
laços da con fraternidade.
«Com este pensamento fiz a guerra, que durou ainda dous
annos da minha presidência ; o com este pensamento desen*
volvido e posto em acção sem jamais ser desmentido, está
86 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
em paz esta parte do império ; e em tão boa e conaolidada
paz, qae após nove aimos e meio de uma gaerra qae apenas
terminou em 28 da fevereiro de 1845, francamente se pôde
atravessar toda esta vasta campanha, sem se encontrar um
só homem armado que ainda dispute sobro exaggeradas idéas,
que já o tempo consumiu.
€ Todas as autoridades civis estão restabelecidas no exer-
cício de suas fancçdos constitucionaes ; a paz reanima todos
os ramos da publica felicidade ; e o espirito novo, nascido
do seio da desordem, enriquecido oom a dolorosa experiência
do passado, apregoa as vantagens da monarchia constitu-
cional representativa.
«Esta tão extraordinária metamorphose é devida cm
parte ao caracter fhinco e leal da maioria do povo rio-gran-
dense, caracter qno sampre conservaram os legalistas e os dis-
sidentes. No campo os conheci ; gente brava, digna de íàzer
parte da união brasileira ! Alóm de que são todos os bra-
sileiros humanos, sinceros, enthusiastas e aferrados ao seu paiz,
ílBbods em perdoar, em esquecer e em conformar-se com as
occurrencias do tempo.»
Os serviços íbitos na pacificação do Rio Grande tiveram
como galardão ser elevado a conde de Caxias o promovido a
marechal de campo effectivo. A província elegeu-o na lista
tríplice para senador, e desde 46 ató a morte representon-a
no Senado.
Em junho de 51 o conde de Caxias foi nomeado novamente
presidente e commandante do exercito do Rio Grande do Sol.
Não se tratava agora de lucta civil, mas de garantir a indepen-
dência do Urngaay, ameaçada por Manoel Oribe, instrumento
de Rosas, o dictador e tyranno argentino. Tomando posse de
seus cargos em Porto Alegre a 30 do mesmo mez, começou os
preparativos pnra invadir a fh)ntoira« Ponde transpol-a a 4
de setembro. No quartel general de Gunbapem assim deAniu a
seus soldados a missão que iam cumprir :
« Não tendes no Estado Oriental outros inimigos senão os
soldados do general D. Manoel Oribe, e esses mesmos em*
quanto illudidos empunharem armas contra os interesses de
o DUQUE DB CAXIAS 87
É aaa pátria ; desarmados ou yencido6, sao americaaos» são
■ nossos irmãos e como taes os deveis tratar. A verdadeira bra-
Iji Yura do soldado é nobre, generosa e respeitadora dos principies
B de liumanidade. A propriedade de quem quer que soja; na-
^ cíonal, estrangeiro, amigo ou inimigo, ó Inviolável o sagrada;
e devo ser tao religiosamente respeitada pelo soldado do ezer-
iu cito imperial como a sua própria honra. O que por desgraça
li a violar, será considerado indigno de pertencer ás Aleiras do
^ exercito, assassino da honra e reputarão nacional e como tal se-
^ vera e inexoravelmente punido. >
Continuou a marcha para Montevideo; lâuo foi, porém, pre-
ciso que entrasse em acção, porque as forças de Oribe foram se
rendendo a Justo Urqniza, governador de Entre Rios, creatura
do Rosas, agora revoltada contra o creador.
A esta rápida companha na banda oriental do Prata, se-
guiu-so a guerra contra Rosas, que, desde anno? , cobria de
sangue e ruinas as terras argentinas, de que se constituirá
tyranno, defendendo-as contra os cimmundos e asquerosos
unitários». Justo Urquiza, declarado douco, traidor o selvagrai
unitário >, em lei promulgada pela cHonrada Sala de Represen-
tantes », conhecia bem a fragilidade do colosso, nas apparencias
inabalável, e mais prestigioso e íorte ainda depois de ter bar*
lado a intervenção armada de França e de Inglaterra.
Baiston a passagem de Toneleros, realisada por nossa, es-
quadra, e a batalha de Monte-Caseros (3de fevereiro de 52),
onde combateu uma divisão brasileira mandada por Marques de
Souza, íhturo conde de Porto Alegre, para apeal-o. Rosas fugiu
para bordo do vapor inglez Centaur, acolheu-se ã hospitaleira
loglaterra e ahi, annos mais tarde, terminou plaoidamente sua
negregada existência. Hoje procuram rehabilital-o.
Tão rápidas andaram as duas campanhas libertadoras que
já a 4 de junho de 52 o conde de Caxias entregava em Jaguarão
o commando interino do exercito ao barão de Porto Alegre.
Neste mesmo anno foi elevado a marquez de Caxias e a tenente
general.
A nova situação resultante da derrota de Oribe e Rosas
liquidou-se sem difficuldades particulares na Confederação Ar-
gentina ; o mesmo se não deu no Uruguay, terreno apropriado &
88 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
caudilhagom e guerrilhas' por sua situação entre dous paize^,
donde lha Têm incitamentos incessantes para^ novas perturba^
(0OS. para onde se recolhem os guerrilheiros quando se vêm
mal amparados em sua desditosa pátria.
O oombate de Quinteros (28 de jan^ro de 58) assegurou por
algum tempo o predomínio dos Blanoos, pois todos os chefeà
colorados feitos prisioneiros foram summariameote degollados ;
mas o general Flores, que emigrara para a Argentina e lá
parecia esquecido de suas antigas ambiç5es, renovou a façanha
dos Trinta e três, desembarcando com poucos paittldarios no
Rincon de Ics Galllnas a 14 de abril 4e d3«
A- revolu^o rebentou violenta. OLgoverno oriental denan-
oiou.ao.do Brasil a parte ostensiva tomada por brasileiros na
empreza do Flores. Novas queixas, recriminações de parte a
parte^ o avivamento de antigias íbridas levaram a umasituaçSo
tensa que terminou pelo ulHmatum Saraiva, a alliança do
Brazil com Piores, o bombardeamento de Paysandú, a queima
acintosa em Montevidóo de todos os tratados o convenções assi*
gnados entre o Brazil e a Banda Oriental, a victoria de Flores
e a entrega de Montevideo.
Foi o prolo;>o. do drama sanguinolento que. ia começar;
Francisco Solano Lopez, dictador do Paraguay, interveiu.a
favor da Republica Orienti^U e vendo desprosada sua interveun
ção, apossou-se do vapor Marquex de Olinda que ia para Guyabá.,
invadiu o sul de Matto Grosso, penetrou pelo território ar^
gontino de Entre Rios e Corrientes e atravessando o Uruguay
apossou-se da parte do Rio Qrande do SuL
Foi declarada a guerra, em que o Brazil, a Argentiúa o o
Uruguay . entraram alliados. A batalha naval do Riachuelo, o
combate de Yatahy e a tomada do Uruguayana prenunciaram
campanha rápida, cheia do encontros decisivos. Puro engano:
o tratado da tríplice alliança ó de 1 de maio de 65, a morte
de Lopez o o ftm da guerra só occorreram em março de 70*
Desde o começo foi lembrado o nome do marquez de Caxias
para o commaado em chefe das forças braziieiras. Gonside^*
rações politicas da parte d<)s governantes, melindres pessoaes
da parte do velho general arredaram esta solução. Foi preci-
so o desastre de Curupaity para impol-a.
o DUQUE DE CAXIAS 89
O marquez se apresentou em Tuyuti em novembro de 1866,
e desde lo^o foi fazendo o que lhe permitiiam sua situação de
subordinado ao commaodo em chefe do general Mitre (fruoto
do tratado da tríplice alliança), o cholera que devastara o exer-
cito, a natureza traiçoeira do terreno inhospito, o mais flel e
seguro alliado do dictador sanhudo. Quando o general Mitre
chamado à pátria pela morte do vice-presidente, deixou^o
commandante geral do exercito alliado, poude cootinuar a obra
com maior vigor. De sju commando doa Permanentes na mo«-
cidade ílcara-lhe a convicção quo maia vale organanizar victo*
rias do que ganhal-as, e é preferível ser Carnot a ser Bona-
pirte. Mas sabia também ganhal-as: Itororó, Lomas Yalentinas
bastariam para proval-o, se restasse alguma duvida possí-
vel,
A S4 de dezembro de 68 os commandaotes do exercito alli-
ado escreviam a Lopez: € O sangue derramado na ponte de
Itororó e no arroio Avahy devia ter persuadido V. Bx. a potqpar
as vidas dos seus soldados no dia 21 do corrente, nSo os for^
çando a uma resistência inútil. Sobre a cabeça de V. Bx. deve
cahir todo esse sangue, assim como o que tiver de correr ainda,
se y. Ex. julgar que o seu capricho deve ser superior á salvação
do que resta do povo da Republica do Paraguay. Se a obsti-
na^ cega e inexplicável for considerada por V. Ex. prefe-
rível a mllharee de vidas que ainda se podem poupar, os
abaixo assignados responsablllsam a pessoa de V. £x. perante
a Republica do Paraguay e o mundo civilisado pelo sangue
que vai correr a jorro e pelas desgraças que vão augmentar as
que já pesam sobre este palz. >
E o dictador respondia-lhes : < VV.BBz. julgam dever re-
oordar-me que o sangue derramado em Itororó e Avahy deveria
ter»me determinado a evitar o que correu no dia 21 do cor-
rente. VV. EBx. esqueceram sem duvida que estes mesmos
actos podiam de antomão provar quão certo é o que acabo
de ponderar sobre a abnegação de meus compatriotas, e que
cada gotta de sangue que cae em terra é uma nova obrigação
cootrahida pelos que vivem ... VV. ÊEx. não tém o direito
de accusar-me perante a republica do Paraguay, porque de-
fendi*a, defendc-a e continuarei a defendel-a. Ella me impõe
9Ò REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
este dever e eu me orgulho de leval-o até á ultima extremidade,
e do mais, legando á historia meus actos, só a meu Deus
devo coutas.»
Depois desta tentativa frustrada, rondida Augustnra,
occupada a capital do Paraguay, o marques de Caxias deu
sua missSo por terminada. Continuar a guerra era oolla-
borar com Lopez para o anniquilamento da nação. Prendel-o
era tarefo somenos, de capitão do matto, para quem tinha atrás
de si o seu passado altivo. A rato velho gato novo, dtz a
sabedoria popular e que seria difiicil achar um, e de facto
se achoa.
A 14 do janeiro de 69 Caxias mandou seguir uma expedido
para Matto Grosso, a 19 tomou o vapor ; a 24 chegou a Monte*
vidéo. No dia 9 de fevereiro escreveu a ordem do dia de des-
pedida, a 15 chegou a esta capital. Foi nomeado duque de
Caxias pelos relevantes serviços prestados na guerra do Para-
guay. Jd era marechal do exercito eiffectivo.
Eleito e escolhido senador pelo Rio Grande do Sul, Caxias
alistouse no partido de Vasooncellos, Paraná e Eusébio. Con-
vidado para entrar em mais de um gabinete, recusou sempre,
até Paraná consegair fazel-o ministra da guerra a 6 de Junho
de 55.
Foi um decennio memorável o de 50. O imperador contava
vinte e cinco annos e a nação sontia-se igualmente moça. Ter.
minara o período revolucionário, guerras estrangeiras felizos
varreram a atmosphera, a extinção do trafico tolhia novos
insultos da soberania nacional, encurtava a distancia do velho
mundo com a navegação a vapor do Atlântico. Mauã canali-
sava mllhOes esterlinos, silvavam as primeiras locomotivas, as
lettras rasgavam os clássicos andrajos coloniacs, fallava-se em
opera nacional, em theatro nacional, João Caetano figurava
de novo Moysés, três poemas épicos andavam om elaboração,
havia quem escrevesse tragedias, na commissão scientlfica do
Norte não se admittiu um só estrangeiro, porque brailleiros
o DUQUE DE CAXIAS 91
bastavam e haviam de fazer melhor obra qae os pobres Mar-
tías e Saint-Hilalre, o Instituto Histórico fitava sem acanha-
mento o Instituto de França, afinal delia-se a macula original
da nossa gente, a capagada e vil tristeza», de que já se quei-
xava o épico lusitano e Paraná, o político realista e pratico,
se empenhava em conciliar os partidos políticos.
Paraná pensava em conciliação de partidos o parecia dese-
jal-a realmente. Caxias ajudou-o por sua parte, fazendo na pasta
da guerra todo o bem que poudea seus camaradas, reformando
as partes carunchosas do exercito, procurando tornal-o real-
mente cfflcaz. Depois da morte do poderoso marquez, assumiu
a presidência do conselho e presidiu ás novas eleições, em que
pela primeira voz foi executada a lei dos circules, essa lei de
que esperava maravilhas a ingenuidade nunca escarmentada de
nossos estadistas de boa fé.
Pela segunda vez organisou gabinete com Paranhos em
março de 61 e esteve á frente dos negocies ató abrirem-se as
Gamaras, em maio do anno seguinte. Na realidade era tão pouco
politico que, ao começar a guerra, interrogado por um ministro
liberal se queria partir para o Rio Grande do Sul, declarou estar
prompto a seguir sem demora, se fosse nomeado ao mesmo
tempo presidente da provinda, porque só com este titulo teria
competência para mover a guarda nacional, sem a qual nada
poderia.
Encarregado do commando do exercito, esqueoeu-se* inteira-
mente da politica, mas seu exemplo não foi seguido, nem por
amigos, nem por inimigos. Principalmente a partir de 68«
quando com aquôda inesperada do partido liberal rebentou uma
intemperança de linguagem, um fogo de paixão que se propagou
até á Sibéria senatorial, não lhe pouparam golpes ; contrista ler
o discurso em que se defende das misérias que lhe assacaram.
Antes annos de dura guerra do que mezes de gabinete,—
dizia amargamente, resumindo experiências dolorosas. Nem
mesmo a vaidade poderia leval-o a voltar de novo a governar,
pois a nada mais podia aspirar depois da morte da duqueza,
D. Anua Luiza Carneiro Vianna. « Perdi o maior bem que
neste mundo gozava, a minha virtuosa companheira de 41
annos, no dia 23 de março de 1874.»
92 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Eairetanto, em 1875, depois da quôda do gabinete que com
o voto de Caxias iibertoa o ventre escravo, teve de organisar
ministério por instancia do Imperador, anoioso para ver e ser
Yisto nos Estados-Unidos, e que dizia não fazel-o oom sega-
rança se não doixasse o Bstado nas mãos firmes do pacifloador
de quatro províncias, do lidador da libertação de três nações vi«
zinhas. Emquanto o Imperador andou por fora, montava guarda
ao Throno. A* sua ohegada, pediu para ser rendido, pois suas
enfermidades não lhe permittiam mais taes serviços.
O modo por que o soberano exigiu a retirada «do resto do
ministério» foi a a£Qronta final. Desde então não fez mais que
vegetar. Mas na agonia lenta, que terminou na (kzenda de
Santa Mónica a 7 de maio de 1880, elle que assegurara ou ver*
berara ser mais militar que poliiloo, quii provar que ao menos
uma vez podia ser mais politico do que militar : rejeitou todas
as honras e pompas ofllciaes, quiz ser enterrado como obscuro
paisano.
Agosto 1003.
JTJIjI o S Js/rEÍZTL,X
NUMISMÁTICA BRAZILEIRA
DR. ALFREDO DE CARVALHO
Soeio correspondente do Instituto Histórico e Qeograpbico
Brazileiro
96 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
mento demonstrada a utilidade do oommettimento do Sr. Meili,
em face da pobreza quasi absoluta da nossa litteratura numis-
mática. De faoto, não rcalizala a promessa feita, em 1880,
por Teixeira do Aragão, do consagrar um quarto volume
da sua excollente Descripção Geral e Histórica das Moedas de
Portugal, ao numario brazileiro, apenas possuíamos ca lacunosos
«apootamcntos e catalogo» que, sob o tilulo de Moeda do
Brasil, João Xavier da Motta deu á luz nove annos depois. Quem
procurava esclarecimentos mais minuciosos tinha que respigar
trabalhosamente informações esparsas por grande numero de
obras e catálogos, na apparencia alheios ao assumpto, cnjdk
bibliographia methodica occupa as primeiras paginas do vo-
lume citado.
Vem após uma relação das principaes Leis, Alvarós, Cartas
Regias, Decretos, Provisoas, Portarias e Avisos, de 1604 a 1823,
referentes ao meio circulante no Brazil-Golonia na qual está
condensada toda a legislação sobre a matéria.
A* parte deseriptiva, profusamente entremeiada de notas
históricas, serve de introdução um golpe de vista retrospe-
ctivo sobre o numerário portuguez tendo curso no Brazil de
1500 a 1688« A leitura deste capitulo ó sammamonte instru*
ctiva: nelle se nos mostra como, em um período de quasi dois
séculos as suocessivas e frequentes reduoç5es de padrão foram
enfraquecendo a moeda e elevando o valor do metal.
Passando a tratar do numario propríamente brazilotro, o
autor nos ministra dados novos e curiosos sobra o primeiro
dinheiro metaliico fabricado no Brazil : as famosas moedas obsi*
dionaes cunhadas no Recife, pelos Hollandezes, em 1645-46
o 1654.
Em íins do mesmo século XVII, a exportaçSo do dinheiro
de contado para a metrópole, por motivos perfeitamente expli-
cados no sucoulento capitulo — Rasão dos estabelecimentos de
casas de Moeda no Brasil, attingiu proporções taes que a colónia
ficou quasi inteiramente privada de numerário.
Deliberou então El-Rey D. Pedro H autorizar por Carta
Regia de 8 de março de 1694, a cunhagem de cMoedas-Provin*
ciaes>, que deviam circular somente no Brazil^ não podendo
Moeda obsidional de 1640
Ensaio monetário da primeira moeda brazileira
Poça de quatro mil réis de D. Pedro íí,
cunhada em Pernambuoo
Escudo de ouro de D. João V
Moeda mineira
A NOMISMATICA NO BRA2IL 97
ser exportadas. Afim deooDflervar naoolonia o novo dinheiro,
foi aqui prohibido, por Alvará de 10 de Dezembro de 1695, o
ourso das moedas do reino e aos ourives qae trabalhassem, ou
fundissem metaes preciosos amoedados.
Os valores estabelecidos para o novo numerário foram de
nove espécies : três de ouro (4$000, 2$000. e 1$000) e seis de
prata (640, 320, 170, 80, 40, e 20 réis).
As primeiras disbinguiam-so das do reino pola inscripçao
— Et Brastlce DomintM;— para as de prata foi adoptada a dl-
yvÊ^ — Subq, Sign. Nata <Sfto6. ^-ciga significação tem sido di-
versamente interpretada.
A Casa da Moeda, primeiramente estabelecida na Bahia,
alli funcoionoa por espaço de quatro annos ; transferidos entfto
para o Rio de Janeiro o sen pessoal o material, trabalhou nesta
cidade de 17 de março de 1600 a 13 de outubro de 1700 e mu-
dada finalmente para Pernambuco, laborou no Recife até 5 de
abril de 1702.
No decurso do século XVIII a produoçao fabulosa das Jaildas
auriferas de Minas Geraes, S. Paulo, Goyaz e Cayabá levou &
metrópole um caudal de riqueza inestimável.
Afim de amoedar o ouro proveniente do imposto de 20%
{quinto)^ e que sob esta forma era de preferencia exportado
para o reino, institoiram-se casas de moeda em diiferentes
pontos das regiões mineiras, assim como no Rio de Janeiro
e na Bahia. As espécies e variedades de moedas nellas fabri-
cadas, até a Independência, sfio tão numerosas que se nos torna
impossível mencional-as.
ToOas, porém, mereceram circumstanciada descrlpçao no
trabalho do Sr. Meili e acham-se representadas, nos seus prin-
cipaes typos, nas bellissimas estampas que o acompanham e
completam.
L* sobretudo digna de nota a magnifica serie de eseudot de
ouro, cunhados na Bahia, no Rio de Janeiro e em Villa-Rica,
durante o reinado de D. João Y, com a effigie do monarcha ; as
cinco espécies desta serie, pelo seu alto valor intrínseco e a sua
perfeição artística, são das maia procuradas pelos collecciona*
dores. O mesmo acontece com os enormes dobrões de cinco
4323 — 7 Tomo lxix p. ii
98 RBVlStA DO INSTITUTO HISTÓRICO
moedas, íábiicados em Villa*Rica de 1724-27, com perto de 54
grammas de peso e o valor nominal de 2Q$000.
Dentre o numerário cunhado no reinado de D. José I
(1750-77), salleataremos iómente as denominadas moedas mi--
neiras, espeeialmente adaptadas ao commercio do oaro, a cujo
preço em vinténs (32 uma oitava) correspondiam as suas de-
signações de valor: 600, 300, 150 e 75 réis.
A historia das moedas do reinado de D. Maria I (1777-1805)
abrange dois capítulos relativos aos dois períodos: o em 4ue
governou com o consorte D. Pedro III (1777-86) e o segando
(1786-1805) em que governou só.
Igual divisão soSreu naturalmente o governo de D. João VI,
primeiro como Príncipe Regente (1805'18) e, por fim, como rei
(1818-»).
Do primeiro destes reinados, o Sr. Meili descreve 278
moedas de ouro, prata e cobre, cunhadas no ou para o Brasil .
Não escapou ás suas pesquizas o avultado numero de ca-
rimbos postos em moedas nacionaes e estrangeiras, durante o
reinado de D. João VI, aflm de lhes modificar o valor.
Estas contramarcas são frequentes, principalmente nos pesos
hespanhóes, que corriam pelo valor de 960 réis, e receberam o
carimbo constante das armas do reino, entre dois ramos de
louro, tendo por baixo 9ô0 e no reverso a esphera armiilar.
Das barras de ouro de kí, que tiveram larga ciroulaçio
nos districtos auríferos, descreve o Sr. Meili diversos exem-
plares provenientes das casas de fundição de Villa-Rica, Sabarã
8 Serro Frio. Estes fragmentos do precioso metal acbam-se
completamente revestidos de marcas constantes das armas do
reino, tendo por baixo o nome da localidade da oílicina fundi-
dora, do nomero da barra, do anno da AmdlçSo, da palavra
Toque e o respectivo algarismo, e dos algarismos do peto e si-
gnaes particulares.
Comquanto reservasse para o terceiro volume o estudo da
moeda fiduciária, o Sr. Meili consagrou neste um pequeno ca-
pitulo ã fundação do primeiro Baneo do BratU^ estabelecido
pelo Alvará de 12 de outubro de 1808, enumerando brevemente
as notas por elle emittidas.
Moeda de ouro D. Maria I e D. Pedro III
^iíH^
Moeda de D. João VI
Moeda de cobre ^e D. João VI
Barras de ouro. Casa de F^undição de Saberá
A NUMISMÁTICA NO BRAZIL 99
Valiosa oontribaição para o estudo da nossa historia eco-
nómica oonstitae o eapitalo intitulado Producção total das Catas
de Moeda do Brazil, de 1703 a 1822.
Segando os dados pacientemente reunidos pelo Sr. Meili,
p valor do numerário produzido durante aquelle período ele-
Tou-se ás seguintes sommas:
Ouro 245.640:998$000
Prata 40.460:8Ô6$300
Colrre 5.000:000|000
Sm 1905, sahiu á luz o segundo volume d' O Meio Circulante
no Brazil, comprehendendo As Moedas do Brazil Independente
(1822-1900).
Gomo o primeiro, forma um álbum copiosamente illustrado
com gravuras de 245 moedas do Império, 26 da Republica e 223
fichas emittidas por particulares ou sociedades.
E' talvez ainda mais completa do que aquelle, nâo faltando
no texto e nas estampas uma só das espécies cunhadas desde
a Independência, a começar pela famosa moeda de ouro, de
1822, com a efflgie de D. Pedro I e que tanto desagradou ao
monarcha, por não trazer o qualificativo de Imperador Consli-^
tudonal, até ás de nickel da emissão de 1901, logo tão abun-
dantemente falsificadas.
A parte descriptiva é igualmente fertilissima em notioia3
históricas, económicas e financeiras, e dados sobre as alterações
do padrãp e as oscillações do cambio,
De permeio a estes dois volumes appareceu, em 1903, o
terceiro, relativo à Moeda Fiduciária no Brazil, 1771 até 1900,
de formato um tanto maior.
Gomprehende o teito duas grandes secções— Emissões le^
gaes e Emissões illegaes^ subdivididas em vinte e seis capitules
respectivamente occupados com a legislação e mais noticias
relativas a toda a casta de papel moeda que tem circulado
no nosso paiz desde 1771, quando, em virtude do regimento de
2 de agosto, começaram a correr em Minas-Geraes os famosos
bilhetes de extracção dos diamantes, até os vales de troco de
ouro actualmente emittidos pelas alfandegas.
100 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Combiaando a leitura destes capítulos oom o exame das
estampas, que em numero de 192 representam 1637 espécies
differentes, obtem-se um golpe de vista assas instructivo, não
só sobre a evolução dos nossos processos financeiros, como sobre
os progressos das artes graphicas e do aperfeiçoamento esthe-
tico.
A partir das notas do primitivo Banco do Brazil, desmesa-
radaSt grosseiras, feias, faoil e frequentemente falsifloadas,
chega-se através de um sem numero de emissões interme-
diarias às cédulas do Thesouro Nacional boje circulantes, per-
feitas, elegantes, commodas, mas, ainda igualmente, objecto de .
fraude.
Ck>mpletam excellentemente esta primeira secção d* A Moda
Fiduciária no Brazil, prestabilissimos quadros dos Bancos de
emissão que tôm existido de 1806 a 1896, outros coafrontativos
das emisiSes do Ooverno e dos Bancos com o cambio, de 1808 a
1900, attentas as modificações do padrão monetário occorridas
em 1833 e 1848, e uma lista dos valores de papel-moeda legal-
mente em circulação em fins de dezembro de 1900, na impor-
tância de 699.631 :719$000, ou uma módia de 44$000 para cada
habitante do paiz.
A segunda secção— i^mm^^i illegaes^ comprehendo os bi-
lhetes de Estados, municipalidades, emprezas de omnibus, barcas
e bondes, e de companhias e particulares, abrangendo o pro-
digioso total de 1283 espécies.
Estas emissões abusivas, illegaes ou criminosas de títulos
de credito (quer dizer de divida) ao portador, denominados apó-
lices, cautelas, cupões, estampilhas, ficas, fichas, livranças,
obrigações, recibos, sellos, vales, e alcunhados no Ceará de
Borós, em Pernambuco de Caleareos, Sampaios e Baja Paus, no
Maranhão de Debentures^ em Minas*Geraes de Barrosque$, não
são tão modernas como em geral se presume. O Sr. Meili nos
mostra que já circulavam, de 1837 a 1859, em S. Paulo, Rio
de Janeiro, Minas-Geraea, Pernambuco, Maranhão e Pará.
Em appendice menciona ainda o sábio e operoso numisma-
tista specimens de annuncios, reclames, bilhetes de loterias, e
de rifa, e fichas de jogo.
Moeda carimbada no Ceará
Primeira moeda de D* Pedro I, sem a palavra Const.
Primeira moeda de D. Pedro II
A NUMISMÁTICA NO BRA2IL 101
Como complemento indispensaTel a obras deste género sa-
lientam-se as centenas de magoiâcas estampas, representando
milhares de moedas e cédulas, que acompanham os três yo«
lames publicados. Executadas com admirável perfeição pelo
processo photo-oallographico, o mais flel que desejar se pôde,
estas estampas constituem, já por si, um verdadeiro curso de
historia da nossa cultura.
Um quarto volume, consagrado ás medalhas e condeco*
rações, e Já no prólo, completará em breve esta obra grandiosa
e sem rival na litteratura das demais nações latino-amorlcanas.
Julho 1906.
o BRAZIL SOCIAL
DR. SILVIO ROMÉRO
Sócio eíTectivo do Instituto Histórico e Goographico
Brazileiro
i
Sob o titulo «-O lirasil Social — iniciou o illustre consócio
Dr. Sylvio Roméro um estudo de que o pre^ento numero da Jíe-
vista do Instituto publica os primeiros capítulos e dos quaes se
pôde justamente avaliar a importância do trabalho.
(Nota da Cotnmissão de Redacção)
o BRAZIL SOCIAL
O PROBLEMA.
Porque continuo firme na snpposição de ser a critica uma
parto da lógica que nutre intimas relações com a sociologia
em todas as suas manifestações» persisto em afUrmar que o
gonero de critica quo mais o Brazil ha mister » é o da
critica social, de preferencia a individualmente psychologica.
Esta, dizem certos phantasistas de agora, tem o privilegio
de entrar na indole dos escriptores.., mas, a despeito de tantas
penetrações, não tem feito a nação adiantar um passo, jã não
digo no seu progresso litterario e intellectual, mas simples*
mente na comprehensão da sua própria indole, de seu próprio
caracter.
Por isso se me antolha vantajoso traçar um quadro do
verdadeiro estado do paiz como elle hoje se apresenta de
facto após quatrocentos annos de contacto com a civilisação
européa. NSo serã uma dessas telas phantasistas o aéreas,
como as que os nossos governos hão costume encommendar
periodicamente para mostrar o paiz nas Exposições interna-
cionaes. Será cousa mais simples e mais modesta para nosso
uso interno firmada por documentos irrefragaveis, meditada
em longas lucubrações e presidida por um patriotismo que não
pede meças aos mais ardentes.
E' um acto de coragem e de amor que já agora a velhice
me impõe como o ultimo preito prestado á pátria, em nome
da verdade, em prol de seu futuro.
106 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
E* um facto positivo, claro, eviCleatissimo por todos re-
conhecido e proclamado, que as três classes que tôm mais
de perto dirigido a vida mental e publica do povo brazi-
leiro — 03 poUticos^ os Jornalistas e os litteratos^ lôvaram-na a
um tal gráo de confusão, pessimismo e desanimo, que nem elles
mesmos tomam mais pé no meio dos desatinos que accumu-
laram. (1) Só se ouvem pragas e esconjures ; apontam-se
panaoéas capazes de curar as fundas chagas da nação ; sur-
gem de todos os lados prophetas e guias, com suas bandei-
rolas de improvisados estadistas e salvadores de povos.
Nunca se viu tanta desordem forrada de tanta filáucia.
Causas ânancelras e politicas, estas incomparavelmente mais .
a miude, são invocadas para a explicação dos nossos males
que avultam cada vez mais.
O cambio, a hyperproducção do café, as especulações dos
bancos estrangeiros, a queda da monarchia, o militarismo, o re-
gimen presidencial, os despotismos olygarchicos dos Estados, os
gastos supérfluos dos governos, os roubos nas repartições pu-
blicas, a pluralidade das magistraturas, os impostos interesta-
doaes, a falsidade das eleições, os defeituosos programmas e
metbodos do ensino publico, a falta de confiança em o novo re«
gimen, a revolta da armada, a do Rio Grande, a de Canudos. ••
todas estas cousas e outras muitas tém sido invocadas como
causa de nossos males. Mas é evidente, para quem sabe en-
xergar, que não passam de symptomas e effeitot de uma causa su-
perior que se não tem querido vêr ou se não tem tido a pre-
cisa coragem para assignalar ao povo, ao seu governo, ás suas
classes dirigentes para que mudem de rumo e tratem resoluta-
mente, se fõr possível, de arrancar as raises do mal.
Se a lista das falsas eajtsas é enorme, a dos falsos remédios
não é menor.
Bolsa do café ou monopoUo das vendas deste pelo Estado,
creação de bancos de credito agrícola, suppreasão dos impostos
interestadoaes, unificação da magistratura, reforma do ensino,
(1) No Brazil muitas vnes at tr«8 qualidades andam jantas mo
megmo individuo.
o BRAZIL SOCIAL 107
reforma da Constituição Federal (aqui variam immoDsameate
as opiniões acerca das bases a propor), restauração da monar-
chia e até a dictadura milUar^ reclamada em altas vozes das
columnas de vários jornaes e até da tribuna do Congresso Fe-
derai, . . todas estas cousas têm sido simultânea ou successi vã-
mente invocadas como antídoto á, enfermidade que nos devora.
Houve até politico, litterato, jornalista, tido na conta de grande
sabedor, que, com todo o desembaraço nos aconselhou a renuncia
da independência e a submisãão ao protectorado dos Estados-
Unidos, . . Tanto é profunda a incapacidade desses levianos
directores da opinião brazileira t
Entretanto, se algumas dessas medidas são razoáveis, não
passam todas ellas de palliativos mais ou ou menos inefflcazes
para solver as dificuldades do presente e preparar o caminho
do futuro. Algumas são manifestos erros, passos em &lso por
estreitos atalhos.
Urge enfrentar a situação nacional como ella é em si
mesma, no seu caracter, na sua Índole, na sua estruotura in-
terna, na substancia intima de sen ser, na trama fundamental
da sua organisaçãe, nos seus elementos formativos, na essência
intrínseca que a constituo. Quem o íizer terã a plena vidência
da raiz de todos os sophismas, de todos os enganos, de todos os
iUusorios engodos, de todos os cálculos falhos, de todas as de-
cepções amargas que ahi andam a encher d^alto a baixo a his.-
toria brazileira, -nomeadamente a do século próximo ando
e começos do actual.
£sse é o ponto a esclarecer, o estudo que deve ser feito.
Dessa falha inicial, do desconhecimento da indole exacta de nosso
povo, orlginam-se nelle, especialmente na classe que se diz diri-
gente e nada de facto dirige, as seguintes consequências, fontes
de grandes males e de cruéis desenganos para a nação inteira:
1*, não se ver a antinomia profunda entre o estado real do
paiz, quasi todo ainda inculto e mergulhado no maior atrazo, e o
tempo presente, a época do carvão de pedra, do vapor, da ele-
ctricidade, da grande cultura, da grande industria, da concur-
rencia universal, da grande offlcina de trabalho, e producção
mecânica por apparelhos de todo género ; época de vertiginoso
108 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
movimento que não espera pelos retardatários ; 2«, não se. re-
parar em a não menor antinomia que lavra entre o povo quasL
inteiro e ama pequena elite de intellectuaes^ como se eiles próprios
appeliidam, cheios de todas as vacuidades, de todas as fumaças e
protenQoes de grandeza, que a scmi-cultura sóe sempre inspirar ;
3<^, não se levar em conta a ainda menos inilludivol antinomia
existente entre essa mesma elite de nossos directores, políticos^
Jornalistas e litteratos, e os seus collegas entre os povoa verda-
deiramente cultos ; porque estes tacs são realmente a floração
de velhas e aperfeiçoadas civilisações e os nossos não passam
de superfetaçoes, de arremedos do estrangeiro, sem base
séria no meio que os cei*ca ; 4*, a illusão, oriunda das três
falhas notadas, do possuirmos as mesmas qualidades, os mesmos
predicados dos povos que suppomos poder imitar e que, para os
igualar ou sobrepujar, não ó mais preciso que copiar-lhes as
leis, as constituições, os planos de governo e está tudo feito ; 5%
o amargo peaiimismo, a turbulenta gritaria de que se apoderam
todos, quando, falhos os seus cálculos, e não poderiam deixar de
falhar, vêem que não adiantaram um passo e a desordem
moral é cada vez maior ; 6^, finalmente, a peior consequên-
cia de tudo isto, a teima de julgar politica^ e sanavel por
meios politicos, uma questão orgânica, ethnica, de psychologia
popular, uma questão profundamente, essencialmente, unica-
mente da estructura social do povo.
E' desmontando em todas as peças a sociedade brazileira
que se ha de achar a chave do enigma : porque a na^^
marca passo num eterno messianismo que se não realisa ; por-
que as panacéas dos politicas de nada valem senão para au-
gmentar a confusão.
Não são de hoje as duras desillusões de nosso povo após
o fracasso das promessas phantasticas de quantos o têm diri-
gido ou explorado sem ensinar-lhe o caminho da própria re -
generação. Todos os planos sonhados pelos que hão tido nas mãos
os seus destinos, uns úteis, outros de valor contestável, têm
sido levados a effeito sem que a éra das venturas promet-
tidas se tenha traduzido em realidade.
O paiz tem avançado Qo andar de kagado, pela força do
Ò BRAZlL SOCIAL 109
tempo, das cousas, das ciroamstancias e por um pouco de
boas qualidades que repoisam no fundo das camadas populares,
raramente por impulso emittido por seu3 chefes. £' que
estes, até nas medidas mais acertadas, andam quasi sempre
ás cegas. A presampção os traz illudidos.
Não é inútil lembrar aqui alguns dos mais famosos passos
do que se poderia chamar o grande processo de desillusãò
que vem desabusando as gentes brazileiras desde os fins do
século XYIII. Por elles se verá que até algumas reformas
sociaes e económicas não produziram os resultados promettidos,
por causa do predomínio que em tudo quanto 6 nosso tem
sempre exercido a politica^ melhor fora dizer a politiquice^
da peior qualidade.
« O que nos falta, dizia-ae nos fins do século alludido, é re-
vogar as leis que nos fecharam as fabricas de tecidos e obraS
de metal.» O desideratum se cumpriu etaes industrias não
prosperaram!...
< O que nos vae salvar, dissese, nos primeiros annos do sé-
culo XIX, é a abertura dos nossos portos aos navios de todas as
nações.» O desejo cnmpriu-se e ainda hoje não temos marinha
mercante de longo curso, ou sequer de cabotagem ; não possui-
mòs um commercio nosso, nacional, não passando o paiz, sob
tal aspecto, de uma feitoria estrangeira, na qual um doe pro-
blemas mais difficeis (tenho deste duras provas) ó empregar um
rapaz brazileiro. . . « Não, tudo isto é secundário ; o que ô mister
fazer ó a independência politica do paiz»; proclamou-se na dé-
cada seguinte. A independência se fez ; aqui a desillusãò co-
meçou logo no anno seguinte. Os agitadores de profissão so-
nhavam com farta mesa á custa do orçamento. Grupos inteiros,
verdadeiros clans políticos se preparavam para viver á sopa dos
orçamentos municipaes, provinciaes, ou geraes.
Era difflcilimo achar logar para tanta gente.
A industria politica cresceu a olhos vistos, o funccionalisrno
triplicou ; era, poróm, impossível contentar a todos, apezar da
espoliação em larga escala feita, no interior das provindas,
das fortunas dos reinóes.
A bancarrota das i Ilusões foi geral. < Mas sabemos onde
110 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
está a raiz dos males, bradava o troço de patrioteiros do tempo,
é no imperador que não é de cá, não ô um do3 nossos. . • Urge
pôl-o fora. • .» B a cousa foi por diante. Pedro I demandou as
plagas de seu paiz natal e deizou-nos, pode-se dizer, entregues a
nós mesmos.— Abre-se o fomoso período regencial de que se pôde
dizer algum bem attendendo ao quasl milagre histórico, deTido a
raros homens meritórios, de termos escapado a tantas lou-
curas, sempre renascentes nesse período de nove annos.
O que então se passou, o que se praticou em todo o paIz no
decurso de trinta e quatro revoltas não anda escripto ; nem o
será jamais. E' preciso ter propositalmente conversado com
homens slzudos de todas as províncias, testemunhas directas
dos factos, como ainda se encontravam entre 1860 e 70, para se
ter idéa mais ou menos adeqnada do que foi a quadra disten-
dida de 1830 a 40 e annos próximos. Nâo podia, assim, ser mais
esmagadora a decepção. Não parou ella, antes cresceu, com as
descentralisaçOes do Acto Addicional ; nem cessoa com a reacção
de 1836-37.
O atropello causado pelas facções, o parco prestigio dos
chefes do bando mais em evidencia, o desengano de todos
na própria força — levaram-nos a pedir um rei^ um tnonar-
cha, um dictador na pessoa dum menino de 14 annos I
Sempre a politioagem curando de complexos interesses sociaes^
que escapam ao grosseiro empirismo dos mais hábeis e ás
malversações dos menos escrupulosos. O novo reinado não foi
mais feliz, nem no seu período de arroxo que se estendeu
até 1857-58 ; nem nas phases liberalisantes posteriores ; não
foi mais feliz, nem podia sel-o, na tarefa impossível de solver
graves questões intimas, da essência mesma, da oonstituição
social do povo com recipes políticos de 3* ou 4* ordem, sem
attender a tendências ingenitas nacionaes. que cumpria cor-
rigir pela prolongada acção educativa, grandemente diflOicíl
aliás.
Reformas sobre reformas de vários abusos e achaques
políticos foram tentadas e levadas a effeito em quasi todas
as ordens dos serviços públicos, ensino, eleições, magistratura, .
regimen judiciário. O resultado negativo de todas ellas, como
o BRAZIL SOCIAL 111
eopias servis de insiitaicdea estrangeiras mettidas no re-
activo dissolvente do caracter brasileiro, não se fazia mnito
esperar e cada vez mais se avolumava a descrença nacional.
Ninguém comprehendia oomo era que um dos povos mais
eminentes, mais cheios de altas qualidades, de prestimosos pre-
dicados, segundo a crença geral ainda hoje muito corrente ;
do posse, além disso, do paiz mais rico e mais fértil de todo
o planeta, consoante ainda a crença geral, andava mergu-
lhado em tamanha pobreza, em tal atrazo qae até o mais
ossificado optimismo nfio ousava contestar. . . Como sóe acon-
tecer em casos taes e entre gentes de tal índole, não po-
deria existir senão um culpado: o governo ; e nelle acima de
todos o Imperador, com o seu poder pessoal incontrastavel
e o seu terrível systemade corromper os caracteres.,. Polí-
ticos, litteratos e jornalistas, durante 50 annos não tiveram
outra linguagem, não se pejaram de repetir essa frioleira,
esse pleonasmo demagógico dos ineptos gritadores de todos
os tempos. Sempre o processo simplista de arranjar um bode
expiatório para os erros e fraquezas de uma nação inteira t
Afinal quasi todos accordaram em attribuir á existência
da escravidão nas plagas brazilicas os desastres de todo o
nosso viver. O Imperador foi dos mais solícitos em dar ou-
vidos a esses rumores e em ajudar a extirpar do seio da
nação o cancro secular que a corrtna, na phrase dos declamadores
do tempo. Coincidia a abolição geral da escravidão com a
crise do assucar, principal fonte da riqueza de todo o norte
do paiz, desde o Espirito Santo até ao Maranhão, batido na
concurrenoia do mercado do mundo pelo assombroso desen-
volvimento da producção da beterraba. O desbarato da velha
assucarocracia do norte do Brazil, phenomeno singularmente
curioso e de extraordinário alcance para toda a grade população
daquella extensíssima zooa, não tem sido devidamente estu-
dado, porque, entre nós, a incompetente philancia dos po-
litiqueiros não deixa margem alguma para cousaa sérias.
Vociferações, tendentes todas a aplainar os seus arranjos, ó
quasi tudo o que se lhes ouve. O alludido desbarato, sobre o
qual se ha de tornar nestas paginas, foi ainda mais intenso
112 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
do que a da aristocracia agrícola dos Estados do Sal da
União Americana, após a guerra de secessão.
O abalo produzido pelo fechamento de qaasi todos os mer-
cados europeas, devido à caus)^ citada, ainda mais aggravado
se tornou com a suppressão repentina dos braços em la-
voura tão dura e áspera como ó essa predominante da região
referida. A decadência resalta de toda parte.
A caféocracia do sul tinha de passar por qaasi ignaes
perturbações. Achou, ó certo, um quasi succedaneo do escravo
no colono; mas essa situação nova estava e está muito longe
de se equiparar á. primitiva.
Despezas extraordinárias, difflculdades praticas creadas
pelo novo operariato agrícola, levaram e estão levando à liqui-
dação crescido numero de fazendas; o numero das famílias pros-
peras da aristocracia cafeeira do sul se viu grandemente reduzi-
do. Quasi igual á decadência dos senhores de engenho nortistas. E*
evidente que a abolição do captiveiro não poderia apparecer,
depois de taes provanças a esses que se suppunham victimas
dessa medida, senão como um acto maleâco, um feito pre-
judicial. Foi mais um élo na cadeia das desillusoes nacionaes.
Naturalmente a culpa de tantos contratempos estava prin-
cipalmente nas instituições politicas : na monarchia. Era mister,
era urgente pôl-a abaixo. Dito e feito ; porque nestes povos
nos quaes a classe agitadora, que vive principalmente do Es-
tado, sob todas as formas imagináveis, é numerosíssima o
medra na razão da intensidade das perturbações politicas, basta
se interessar ella por uma questão, para que esta triumphe.
Politicões e literateiros, traço que dirige as avançadas da
imprensa, levantam tal berreiro que o grosso do povo, alheio
a quasi tudo que o devia mais intimamente interessar* cede
sem saber mesmo de que se trata.
A nação tinha adormecido monai^chica e na bella manhã de
15 de novembro de 1889 acordou republicana I Era muito rápido
para ser sério, era único em todo o mundo para não inspirar
desconfianças ao observador imparcial dos factos sociaes. A bes-
tialixação^ na phrase graphica do mais sincoro dos republicanos
do dia, porque tinha a sinceridade da loucura, a besHali-
o BRAZIL SOCIAL 118
zação foi geral. Ninguém se moreu, Díngaem luctou, ninguém
86 bateu por uma iQstitui(^ que era a irmã gémea de noflsa
independência, que tinha tantos annos de vida quanto temos
nós de povo liyre 1 setonta annos de regimen autónomo em
quatrocentos quasi de tutela, desde os primeiros passos que
demos no caminho do destino que conduz os povos.t. desflze-
ram-se como a novoa riipida nas manhãs estivaes, ou a leve
poeira ceio apagada de sob os pés do viandante ignorado do
sertão.
Um tal phenomeno, singularmente estranho aos olhos do
historiador, demanda para o oxplicar, ou um povo em tão alto
gráo de cultura tine conscientemente resolva, com segurança,
acerto e firmeza, os mais complicados problemas de seu Tiver ;
ou uma multidão quasi amorpha, sem um caracter firme, in*
toansigente, definido, dos que não torcem á mercê dos ca-
prichos dos especuladores, uma espécie daquelie povo rebanho
sem aprisco e sem pastor, de que Mava o poeta, fácil de ser
guiado e illudido pelos grupos de poUUcians que o devoram.
Gonta-se, e Deus queira que não tenha sido verdade, que,
quando foi de 15 de novembro de 1889, um ofilcial chilenoj do
navio de guerra daquella na^ surto naquella data no porto
do Rio de Janeiro, dissera, ao assistir á indifferença da popu-
lação diante do que se passava e da facilidade com que se depo*
zera a monarohia: não éum povo, é uma horda.
Palavras duras, que encerram mais verdade do que ã into-
ressada cegueira dos vivedoros da politica alimentaria mantida
no Brazil pôde parecer.
Gomo quer que soja, a Republica 6 agora e por emquanto,*
a ultima desillasão do pobre povo brazileiro. Sua constituição
espúria, copiada da constituição dos Estados-Unidos por alguns
rhetoricos que andaram sempre a confundir phrases e pala-
vriados com idóas ; sua loucura financeira por occasfão do fa-
moso encilfiamento ; suas revoltas da armada, do Rio Grande,
de Ganudos, e outras e outras acarretando tremendas despesas
ao Thesoaro, o dando lugar ãs mais repugnantes scenas de cruel
ferocidade ; seus câmbios sempre baixos, revelando a extraor-
dinária depreciação da moeda ; sua bancarrota, que trouxe a
4323— 8 Tomo í.xix. p, h.
114 RliVKrA DO INSTITUTO HISTÓRICO
moratória do fuftdingloan ; seus pesadíssimos imposios do todo
o género a Toxarom o povo ; o dospoUsmo das olygarchiat
estadoaes, opprimindo toias as olassos ; a desorganização de
todos os serviços admioistrativoa; ai roubai fieiras nas reparti^
çim fijcao9, denunciadas quasi diariamente pela imprensa ;
todas estas chagas visíveis a olhos nús, que andam a afeiar o
corpo da Republica, levantaram um tão formidável coro de im-
precações, como se não tinha ainda ouvido outro igual em toda
a existência da nação.
Por cima do tudo isto— , a quela completa do credilo
agrícola^ O relrahinienlo do capiial^ a desordem económica do
todas a9 classes, aggravada na dos agricultores de cjifó — pela
ht/perproducção o subsequente baixa dos preços desse principal
ramo de nossa oxportação, tem levado o pais ás bordas do deses-
pero. As maldições ochòam por todos os lados, o, para aggra-
var ainda mais a appUcação geral, as populações do olnoo Es-
tados do norto ainda ha pouco morriam á mingua, ou expatria-
vain-so, acossadas por uma das mais terríveis sêccas que em
quatro séculos tem açoitado aqueila desventurada zona. (1)
Qrita-se, por isso, agora por soccorro de todas as bandas e
em todos os tons ; levantam*se planoj ; procuram-se remédios;
buscan-se soluções para es graves problemas que nos ameaçam
<ragar.
Na ossificada teima do supiK>r uma simples e passageira
crise poliiica, que nos esU a affl^ir, esse estado elironico de
agitação da alma braziieira, os politieões que nos dirigem
acham -se em ebulição intensi ao oíFortar á nação as costuma-
d )S drogas que lhe dão sempre a inj<erir. A restauração mo-
narchica é a solução d*alguns ; a revisão da Goostitsi;^ é a re-
ceita d*oatros. E como se me antolha evidente não ser politico
o problema brazileiro da actualidJide, julgo de todo desastrada
a aventara da nova restaara^, que virá perturbar ainda mais
o nosso detestável estado geral.
(1) Não va (uecdi* que estas paginuts estão seudo oscriptas eiu maio
fU) 1904 ; (!umpre, poiviii, advertir ciut» o Hai/í-IU» r^tá sr in pt-t n«lo
agora om VJJl o, lí>O.S.
o BRA/.IL SOCIAL 115
A nioDarchIa, como forma autoritária, leva certas vanta-
gens na directo dos povos mal constituídos organicamente ;
mas 6 preciso, mesmo entre elles, que ella encontre certas bases
que de todo nos faltam.
A reforma dà Constituição pódo o deve ser feita no sentido
Cipecial de precaver a unidade do paiz o tornar possível a serio
de medidas sociaes, capazes do trazer não a cura do todos os
nossos males, porque vários de clles são incuráveis ; sim a extir-
pação do alguns o a meltiora da maior parte.
Eis a tarefa a tentar, o caso a resolver. . •
II
os METIiODOS H PROCESSO DA ESCOLA DE LE PLÂY
Duas especiaes circumstancias puzcram-me no encalço das
idéas que vão ser expostas: a observação attonta dos factos
passados no período republicano, que se vae atravessando, e o
conhecimento mais intimo das doutrinas e ensinamentos da
chamada escola da Sciencia Social^ áo Le Platj^ H. de Tourtille^
Ed, Demolins^ P, Rottsiers^ A. de Prèville^ P, Bureau o tantos
outros, aos quaes se devem, a meu vêr, os melhores trabalhos
existentes sobre a índole das nações.
A Republica teve a vantagem de revelar este querido povo
brazileiro tal qual ó, entregue a si próprio, ou aos seus natu-
raes directores, o que vem a ser a mesma cousa.
Os vícios e eflbitos de sua cstractura social tornaram-se
patentes aos observadoi^es imparciaos o cultos.
Atô a Independência, o Brazil tinha apparecido sempre sob
a tutela da realeza portugueza que o havia dirigido, gniado,
aiteiçoado, por assim dizer, ao sabor de seus planos e desejos,
até onde governos podem influir na estructura das massas so-
ciaes sobre que lhes cumpre velar.
No regímen passado, igual tutela tinha sido exercida pela
monarohia nacional que se poderia considerar, em mais de um
sentido, uma continuação, um prolongamento da realeza-mãe.
Poder-se-ia diz?r que havia uma força estranha a estorvar o
povo no seu andar normal. Hoje este obstáculo jaz desfeito.
116 REVISTA DO INSTITUTO IIISTORÍCO
Não existo mais tal embaraço, ou tal desculpa. O observador
não encoDtra tropeços do caminho.
As doutrinas do evolucionismo spenceriano tinham-me posto
na pista do desdobramento dos vários ramos da actividade hu-
mana; tinham-me despertado a attonção para as formações
dispares doi povos mestiçados. nomeadamente os da America
do Sul, e, por esse caminho, havia sido conduzido ás conclusões
a que cheguei em todos os meus osqriptos acerca de minha
pátria. Os processos da escola de Le Play fizeram-jme penetrar
mais fundo na trama interna das formações sociaes e completar
as observações exteriores de ensino spenceriano. E' uma confir-
mação, em ultima instanciai, de conclusões obtidas por outros
meios e estradas.
* A historia destes dezoito annos de Republica tem servido»
aos espíritos som preoccupações mesquinhas, para aclarar toda
a historia colonial, regencial e imperial do Brazil. O periodo da
Regência sobretudo se esclarece com uma intensa luz nova. A
cohesão, a unidade, a estabilidade constitucional do paiz, a in-
tima organisação da nação oram, em grande parte, puramente
illusorias. A Republica manifestou o Brasil tal qual ó : e por
isso é o governo que lhe convém, com a condição de ser vasado
em moldes conservadores, num unitarismo contido por um forte
governo central. E' o que se vae ver na luz do systema de Le
Play e Henri deTourville.
Claro ó que de tal doutrina não tenho a fazer aqui uma ex-
posição esmeuçada : apenas as linhas principaes para a compre-
hensão do leitor.
Os homens cultos dentre os nossos médicos, engenheiros,
magistrados, advogados, offlciaes de curso de terra e mar, que
são 08 verdadeiros inlelleciuaes do Brazil, têm quasi geralmente
andado ao par d'outras doutrinas, as do positivismo, do evolu-
cionismo, do socialismo, por exemplo, e não tôm lançado as
vistas sobre os belios trabalhos da escola de Le Play, cij^o nome
uma ou outra vez ha sido citado, com evidente desconhecimento
de seu ensino. Que eu saiba, 6 esta a primeira vez que entrenós
se faz um appollo mais serio a esse methodo e systema. Não é
que lhe aooeite todas as idéas.
o BRAZIL SOCIAL 117
Sobro o ooncoito de raça, verbi grafia, a colobre escola, sup-
poDho eu, confunde o sentido anthropologico cora o sociológico ;
porque parece nao ligar importância ao primeiro e só admittir
o segundo. Pigura-se-me Isto uma simples illusão francesa.
Também n&o lhe acceito de todo a classificação dos phcnomenos
sociaes, que me parece mais uma nomenclatura de problemas 6
questões.
Como quer que seja, os méritos da escola, a despeito desta
ed'outras divergências, se me antolham preciosissimos para
quem quer conhecer a fundo um paiz qualquer e a gente que o
habita.
Em primeiro logar, lança mão, para tal fim, de processos do
acurada observação local, estudando em monographias espeeiaet
cada região do paiz sob as mais variadas ftu^es, conforme ama
enumeração de questões, que são outros tantos aspectos fanda-
mentaes da vida social. Só depois de reunida grande massa de
documentos do género é que os grandes mestres do systema se
atrevem a formular quadros geraes desta ou daquella naciona-
lidade e estabelecer as leis de seu desenvolvimento. Neste gé-
nero í^ dignos de detida leitura os livros de Edmond Demo-
lins, P. Rousiers, Poinsard e outros.
A enumeração ou classificação dos problemas sociaes deve
partir dos factos mais Íntimos e indispensáveis ã vida, sem os
quaes nem a própria subsistência da gente a estudar seria pos-
sível. Taes são os meios de existência, que so chamam logar ^
trabalho^ propriedade, bem moveis, salário, economias^ ou pou-
panças. Entre estes seis grupos de m^ios de existência, que dão
logar a variadíssimas questões, como se pôde vêr em Henri de
Tourvllle,— La Nomenclature Sociale, ou cm Maurico Vignes,—
La Science Sociale d^aprés les Principes de le Play, entre estes
meios, dizia, e o modo de existência (alimentação, habitação, ves»
tuario, hygiene, recreações) que vôra após, colloca-so 0 assumpto
dos assumptos, a questão da^J qiiostões,— a família. Esta é a
base de tudo na sociedade humana ; porque, iMm da funcção na-
tural de garantir a coatinuidado das gcraçõos successivas,
forma o grupo próprio para a pratica do modo de existência, o
núcleo legitimo da maneira normal do empregar cs rocuraos
118 REVISTA DO INSTITUTO HISTOllICO
creados pelos meios de viver. Em seguida, saocedem-se asphases
da existência , o patronato ^ o commercio, as cultvras intellectuaes,
a religião, a visinhança, as corporações, a ccmmuna, as uniões de
communaSf a cidade, a comarca, a província, o Estado, a expansão
da raça, o estrangeiro^ á historia da raça, a posição, a hierarchiã
da raça. Ao todo viate o cinco grupes de factos o problemas so-
ciaes.
O estudo destea assumptos, no tempo e no espaço, tem dado
logar a algumas conclusões estáveis. Desfarte, a humanidade
mais ou menos em conjuncto tem atravessado três grandes
edadcs sociaes :— a edade das producções espontâneas o dos ap-
parelhos ou instrumentos manejados pelo braço ; a edade das
machinas, movidas pelos animaesy pelos ventos, pelas aguas cor*
rentes ; a edade do carvão de pedra, do vapor e da electricidade,
applicados d producção das subsistências e ao serviço dos tranS"
portes.
As revoluções operadas na vida social por essas varias al-
terações introduzidas no regimen do tral)alho são da mais
considerável importância.
A familia, estudada quer historicamente, quer na actuali-
dade, apresenta quatro modalidades typicas, do maior valor
para quem quizer oomprehendor a indole das sociedades a que
servem ellas de base.— Uma sociedade vale pelo que vale nolla
a familia. Os quatro typos são: familia patriarchal, familia
quasi'patriarc7ial, familia-tronco (souche), familia-instavel^ aocei-
tando as modificações feitas nas doutrinas do Le Play por seus
discípulos.
O velho mestre só tinha olassiíicado a familia em tros typos
e acertadamente foi corrigido neste ponto. Eis a definição daa
quatro modalidades, conforme Maurício Vigues : « A fumilia pa-
triarchal ó aquella na qual os pais não pensam em preparar seus
filhos para que elles venham a crear uma posição livre ; porque
a extensão do solo disponível, o Araco crescimento da população
e das necessidades permittem aos filhos ficarem na indivisão.
Quando estas circumstancias, que facilitam a vida em commum
nos domínios paternos, vêem a dcsappareoer, quando o numero
dos casios, reunidos cm um mesmo sitio, fica fora de proporção
o BRAZIL SOCIAL 119
com a producUvidade das terras, ou da?» offleinas de trabalho,
quando o equilíbrio entro as subsistências que estas produzem
e a população que nellas reside é roto, 6 preciso que algumas
famílias sedostaqaom. Lim.tase assim a familia patriarchal a
cinco, ou quatro, ou três casaes e seus filhos. Um dia, sob o
impulso das mesmas cansas, a familia se reduz a dois casaes,—
o do pai e o do herdeiro escolhido para continuador. Estamos*
assim, cm face da familia quasi-paíriarchal . A transmis^o
integral da ofHolna de trabalho a um só filho é, neste caso, com
effeito, um Ycstlgio da transmissão integral em proveito do
todos; a transmissão individual substituiu a transmissão integral
coUectiva. Os filhos que não herdam em bens, recebem sua
quota em dinheiro ; mas como não foram criados com o pensa-
mento do deixarem a terra natal, nada os prepara no sentido
do vencerem na luta pela vida. Saliidos de uma communidado,
continuam a contar com cila, a appelbr para cila cm seus
embaraços c em seus desânimos.
A familia-tronco f souche ) não ^, como a precedente,
uma 1-oducrão da família patriarchal. As sociedades que
t^m este género de familia por base, as sociedades de formação
particularista^ se originaram nas costas da Scandinavia, cm
consequência da invenção da barca a velas e das condições de
iniciativa e isolamento impostas a essas gentes enérgicas pela
pesca marítima. Tal familia funda-se na educação individua-
lista dada aos filhos. Eita educação os leva, ás vezes, a aban*
donarem o pai para melhor trabalhar, empregar melhor as
próprias forçaa. A's vezes, um filho consente em ficar, sob
a promessa de lhe ser integralmente transmlttida a oflflcina
do trabalho. Outras vezes recusa ; porém, at(5 neste caso, a
familia não perde o seu caracter fundamental ; porque o iso-
lamento dos pais o a sahida de todos os filhos originam-se do
desenvolvimento das qualidades de iniciativa e de coragem dos
últimos e tendem ao progresso da actividade geral e das vir.
tudos cívicas. Na familia-tronco, os filhos, collocados entre
dois deveres, o do piedade filial e o de labor social, sacri-
ficam o primeiro, em consequência, alias dos incitamentos dos
próprios pais, que renunciam a guardar perto de si seus des»
120 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
cendentes, reclamados pela pátria o pelo trabalho. E, pois, se
o individuo yoluntariamento se desprende da familia ô para con-
sagrar mais intensamente sua actividade ao augmeoto das ri-
quezas e das forças goraes.
Os hábitos, oriundos do espirito da familia, cedem o passo
aos costumes impostos pelo devotameato á sociodade.
Não é em tão boas razoes que se funda a família instável.
Nesta faltam dois característicos ossenciaos, existentes na fa-
milia precedente: falta a educação viril dada aos filhos; e,
além disso, se não existe a transmissão hereditária integral,
não ó porque os filhos recusem prestar-so a ella, por trazerem
em si as largas esperanças e os vastos pensares, cuja realisação
ô incompatível com o apego á profissão paterna, não ; é porque
a transmissão integral se tornou, ou inútil pelo retalhamento
da propriedade, ou impoasivel em consequência do influxo dis-
solvente da legislação e do principio da partilha igual em bens.
Se 08 filhos não ficam junto aos pais, ó que temem perder a
liberdade, porque esse dever lhes pesa, e não porque os pais
lhes aconselhem a procurar, ou lhes tenham ensinado a achar
fora uma posição independente ; é, ainda, porque nenhum filho
pôde contar com a transmissão integral em seu favor, em rasLo
do estado de desmembramento excessivo das propriedades, ou
da má legislação. A familia instável deriva, portanto, da falta
de espirito familiar, da falta de domínios agglomorados e do
principio da igualdade, em espécie, imposta por uma legislado
retrograda.»
Estes quatro géneros de familia, oriundos de certas e de-
terminadas particularidades ethnicas e históricas o, muito de
perto, de condições cspeciaes de logar, trabalho^ e propriedade^
dão origem a duas categorias de sociedades Iiumanas : as socie-
dades deformação eommunaria (communautaire) e as sociedades de
formação particularista .
As sociedades de form ição eommunaria^ expressão esta que
se não deve confundir com o termo communisla no sentido que
hoje lhe dá certa ramificação do moderno socialismo, comprehen*
dem as diversas variedades de gontes que procuram resolver o
problema da existência, apoiando-se na conectividade, na com-
o BRAZIL SOCIAL 121
mnnhão, no grapo, quer da família, quer da triba, quer da
classe, qnor dos poderes públicos, do município, da província,
do Estado. As do formação particularista encerram as diversas
variedades que buscam resolver o problema da existência,
apoiando-s6 unicamente na energia individual, na iniciativa
privada, e tira o nome do flucto de nellas conservar o parti-^
eular toda a independência em relação ao grupo.
Pondo de parte as sociedades simples de caçadores e pesca'
dores selvagens, cujo característico principal ô não ter família,
as sociedades complexas, em cujo numero, abrindo a lista, devem
ser contadas as gentes pastoris do Oriente e os pescadores pro-
gressivos da Scandinavia, pertencem a uma ou a outra das
duas categorias citadas. As communarias, que são em muito
maior numero do que as particularistas^ apresentam três mo-
dalidades typicas, conforme a espécie de í^milia que lhes serve
de apoio: communaria de fàmilia, tendo por fundamento a família
patriarchal ; communaria de familia e de Estado, tendo por base
u fomilia quasi patriarchal; communaria de Estado, armada na
familia instável. As duas primeiras predominam no Oriente
asiático e onropôo ; a ultima no meio dia ocoidental da Europa
e na America do Sul.
As sociedades de formação particularista apresentam duas
modalidades : ou dá-se a escolha de um continuador do patri-
mónio o da officina de trabalho, o que, além da forte educação
moral e do grande espirito de iniciativa, faz a sociedade re-
vestir-se dum bello aspecto patriarchal no largo sentido ; ou,
com a plena liberdade de testar da parte dos pai9, os filhos
nem sequer pensam em lhes succedor, contentando-se com as
qualidades de caracter que herdam. A primeira modalidade
t corrente na Europa Scandinava, na Inglaterra, na Hollanda,
na planície Saxónica; a segunda nos Estados-Unídos.
Sob o ponto de vista especifico do trabalho, que vem a ser
a grande mola que move e afeiçoa as sociedades humanas,
cumpre não perder de vista que varias tem sido as phases
atravessadas pela espécie, partindo ella do simples apanha-
mento de substancias, que se prestavam ao alimento, e dos
produçtos espontâneos da caça o da pesca, que demandavam
i
122 RFA'ÍSTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
rudimentares esforços, passando pela recoUa ou coUecta da arte
do pattoreio o das producções fructiferas arbore.^centes, seguindo
pela cultura maior ou menor, até chegar á cultura intonsa e
vastíssima e ás industrias complicadas dos tempos hodiernos.
Cada um destes géneros de trabalho, cada uma destas offl-
cinas de producçSo, cada uma destas maneiras de agenciar os
moios de existência trazia o traz consequências especiaes inde-
léveis, difflcilimas de apagar, porque cilas constituem o subsíra-
dum intimo das sociedades.
Claro <3, por outro lado, que a humanidade, tomada em seu
todo, ou considerada em seu conjuncto, não atravessou toda
ella ao mesmo tempo e de parceria cada uma das phases de^sa
gradação. As situações reciprocas dos povos divergem.
A posição do Rrazil, seu verdadeiro estado social, escla-
rocido com esto critério intimo dos elementos primários e es-
senciaes da vida, ó que mo proponho a elucidar.
Infelizmente só em traços largos e em linhas geraes ; porque
um estudo regular e completo do Brazil, sob tal methodo,
exigiria três ou quatro volumes, firmados em duzentas, ou
trezentas monographlas... que não existem, que estão por
fazer. . .
Seria preciso estudar acuradamente, sob múltiplos aspectos,
cada um dos povos que onti^ram na formação da na^o actual ;
dividir o paiz em zonas ; em cada zona analysar uma a uma
todas as classes da população o um a um todos os ramos da
industria, todos os elementos da educação, as tendências es-
peciaes, os costumes, o modo de viver das famílias do diversas
categorias, as condições de vizinhança, de patronagem, de
grupos, de partidos ; apreciar especialmente o viver das po-
voações, villas e cidades, as condições do operariado em cada
uma delias, os recursos dos patrões, o com outi*o8 problemas,
dos quaes, nesta parte da America, d rhetorica politicante dos
partidos em lucta nunca occorreu cogitar.
o BRAZIL SOCIAL 123
III
03 FACTORES E SUAS ACHEGAS TRADICIONAES
E porque a tal ou qual civilisação do que tanto hoje
infaDiilmeute nos orgalhamos 6 no Brazil, em suas manifes-
tações mais elevadas» producto transplantado, figura-se-me
preferível, antes de dividir o paiz cm zonas para examinal-as,
dar logo do principio noticia corta do estado social dos factores
que constituíram as actuaes gentes braziloiras. Sâo antecedentes
históricos, indispensáveis ao conhecimento intimo das gerações
do hoje, principalmente se se tiver em vista penetrar na índole
de tacs factores sob o aspecto social e não dar simples e incon-
gruontes descripções dos usos externos, quo nada quasi adiantam
e para nada quasi prestam. Outro critério, outro alvo, outro
intuito devem trazer diverso resultado.
No primeiro livro da Historia da Litteratura Brasileira^ —
já alguma cousa âcou dita acerca do assumpto, sob um ponto
de vista muito geral, e não no peculiar sentido especifico a que
ora seallude.
£* verdade, o eu não o ignoro, que o bom tom da critica,
da historiographia, das dissertações politicas, de tudo, em
summa, que se escreve no Brazil a respeito de cousas da terra,
ó o do tratar o paiz e a sua gente como se isto aqui fosse feito
de pedaços da AUemanha, da Inglaterra, da Suissa, da França,
no que ellas contam de mais culto, do mais progressivo, de
mais adiantado. Ao geral dos nossos escriptoros, das três ca-
tegorias principaes que nos têm andado a illudir e a que já
se fez mais de uma vez aliusão, este paiz nâo é o Brazil re.vl
que o estudo e a verdade revelam, senão um Brazil phantas-
magorico imaginado por elles para uso de seu incorrigível
dilettantismo.
Não pôde haver maior inconveniência aos olhos dessa gente
do quo lembrar o incommodo problema das origens. • .
Perturbar a auto-idolatria da sublime prosápia desses
arjmnos puro sangue é, perante elles, praticar um acto da
maior indisoreção, do mais accentnado desaso...
124 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Em que peze, porém, ús alterosas pretenções desies despei-
tados praguejadores, creio ser possirei ainda affirmar não ter
sido a sciencia inventada para iisongear-lhes a vaidade ; tem
ella outros desígnios.
E* ainda licito, para conhecer um povo, sondar-Ihe as
origens, mazimé se o problema a solver é o da exacta deter-
mina^^de sna estructura social.
Ou se admitta, ao que me parece mais aoertado, os dois
slgniíioados diversos do termo raça, o anthropologico e o
sociológico^ ou só se acoeite este ultimo, a questão ethnogra-
phica ô a base fundamental de toda a historia, de toda a poli-
tica, de toda a estructura social, de toda a vida esthetica e
moral das nações.
E, quando se queira reduzir toda a extensão do assumpto
ao que se convencionou chamar de raça sociológica^ maior será
a gravidade do problema ; porque maiores ficarão sendo as re-
sponsabilidades dos que têm a seu cargo a direcção dos povos.
Sim ; se o conceito de raça não pertence ã historia natural do
homem, não é um phenomeno anthropologico, e, sim, mera-
mente um producto da historia civil, um facto sociológico,
vale isto afflrmar que a raça como formai, por assim diser,
consciente do próprio homem, é um resultado de selecção vo-
luntária, ô alguma cousa que se faz, que se prepara, que se
dirige, que se aífeiçôa ao sabor dos desejos daquelles a quem
mais de perto cabe a fúncção do organizar e dirigir. No pri-
meiro caso, trata-se de alguma oousa de inconsciente, de me-
cânico, de nec3ssario, cujos defeitos só mui lentamente, por pro-
cessos adequados, ô possível muito de leve corrigir.
No segundo estamos em face dum phenomeno histórico,
humano, social, cujo processus ó susceptível de ser acompa-
nhado com discernimento e convenientemente modificado ao
«abor dos nossos planos, dos nossos desejos, dos nossos ideaes.
Num caso, a vontade humana 6 quasi impotente ; noutro é ella
o elemento principal o, se lhe não agradar o resultado, é por-
que não soube ou não quiz tomar a sério a sua própria missão.
Dos dois significados, pois, do termo, o de consequências mais
jjravespara os directores de povos novos, como o brazileiro, é
o BRAZIL SOCIAL 125
exactamente aqaelle a que se apegam os preteaciosos que
temem yer desfeitos oertos cálculos da vaidade em pyoà da
realidade das fontes donde dimanam.
E nSo é sem razão indicar aqui em prevenção aos incautos
donde e quando proveio essa idolatria pela intitulada raça so-
ciológica ou histórica em ódio ao vordadeiro sentido naturalis-
tico da cousa. Foi de certo tempo a esta parte. Vários escri-
ptores, e entre elles até os que no concoito anthropologioo da
raça, como Taine e Renan, tinham feito repousar a base mais
segura de seus estudos do linguistica, de critica religiosa, de lit-
teratura e de esthetica, entraram a se desdizer e a reduzir o
mais possivel o valor da originaria distincção das raças humanas.
Era e ó evidentemente um capricho para encobrir e desculpar os
defeitos nacionaes. Neste intuito tanto mais tem procurado en-
curtar o valor do flsicto anthropologioo, quanto tem alargado o do
facto histórico. Já alguns têm chegado a asseverar : não existem
e atô nunca existiram raças anthropologicamente distinctas e
livres de mesclas, têm existido o existem ainda hoje apenas
raças historicamente formadas.
Eis ahi a pretencão em toda a sua nudez. Aqui anda erro
conscientemente arranjado e applaudido. Para chegar a isso pre-
param de propósito a confusão e chegam ao ponto de, por so-
phisma, para o desacreditarem, estender o conceito de raças
aos simples ramos, simples garfos, meras variedades de um
grupo ethnico qualquer, no claro empenho de, p3la exageração
da cousa, mostrar-lho a sem razão.
Nada disto, poróm, colhe perante a sciencia, severa em
seus methodos e estudos. Falam-nos abusivamente de i*aca por-
tugueza, hespanhola, francoza, italiana, alleman, ingleza, hol-
landeza, noruegnense, sueca, flamenga, polaca, latina, grega...
meras variedades da raça aryana, para, pelo absurdo, mostrando
as condições históricas em que se formaram essas nações, entre
si sempre emmaranhadas, chegarem ã negação do facto geral:
a distinção originaria dos aryanos em face, não dos membros es-
parsos do seu mesmo grupo, senão diante de semitas,
uralo-altaicos, malaios, drawidianos, polynesios, negritos, afri-
canos, americanos.
12G REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
O absurdo é patonto.
O valor da historia, ninguom o contesta om bom juizo, na
caldcação, diga-sc assim, das populações aryanas entre si o ató
com populações mais antigas na Europa e na Ásia para a for-
mação das nacionalidades em que veio a dividir-se a grande
raça.— Hindus, Persas, Hellenos, Italiotas, Coitas, Germanos,
SIavos primeiro, e, depois, francezes, hespanhóes, portuguezes,
allemãeSfiDglezes, suecos, norueguenses, flamengos, hoiiandezes,
russos, polacos — são, por certo, prodactos da historia, estes
muito mais do que aquolles.
Se historia, poróm, explica quasi por si só a formação de
cada uma das variedades, por exemplo, cm que se dividiram os
diversos ramos da grande raça aryana, já não consegue com
igual facilidade dar o porque da distincçao dos alludidos ramos
o muito monos a razão da diíTerença entre a citada raça e as
outras raças inconfundíveis, que, com ella, formam oconjuncto
do goncra humano. Sim, se 6 relativamente fácil mostrar,
historicamente, como se formaram, verbi-gratia, as variedades
do ramo latino, portuguezes, hespanhóes, francezes, italianos,
já não 6 historicamente facll explicar porque Latinos e Germâ-
nicos, Celtas e Hellenos, SIavos e Iranianos, Hindds o Ligures
(admittindo que estes últimos sejam aryanos) se distanciaram
tanto entre si ; o muito menos commodo é, pelo mesmo
processo, dar os motivos da radical diirerouciação entro os
Aryanos o os Malaios e os Negros d'Africa o os Polynesios. . .
Este é que é o facto contra o qual não valem esconjuroSi
despeitos e sophismas.
A Aimosa acção da historia, por mafs que se tenha agitado
o homem nos ultimes dez ou doze mil annos, que tantos deve
haver desde a civilisação do Egypto, da Chaldôa, da Assyria,
de Babylonia c mesmo da China, por mais que tenha destruído
e misturado povo, não conseguiu ainda apagar as inconcussas
verdades da Anthropologia c da Ethnographia.
Pôde ser que ainda o venha a conseguir; mas, por emq^uanto,
é cedo para falar nisso. . . Tal o forte motivo pelo qual ó neces-
sário contar sempr3 em nossa própria historia, em nossa pró-
pria vida com o factor ethnologico. A* espera da mais ou monos
-i
o BRAZJL SOCIAL 127
pbaDtaslica extincçâo total das diíFereoças othnicas entro as
Dações, a humanidado Acará talvez, não dez, mas trinta ou cia*
Goenta ou cem mil annos, o ató lá a anthropologia terá sempro
razão o direito de se fazer ouvir. Verdado 6 que, nos uUimos
quatro séculos, depois quo os europêos correram todos os maros
e terras o se arrogaram o direito do tomar conta das regiões
que dizem ocoupadas por selvagent e gentes inferiores^ muito
tem sido feito, na crença dos sonhadores, no sontiJo da indis-
tiocçSo almejada. Olhando-so, porém, de mais porto para o
íkcto, a grandeza do resultado ac roduz a bem pouco, porquanto,
não conseguindo anniquilar o negro e o amarello^ poude apenas
o branco desbaratar quasl por toda a parte o vermelho^ pondo,
porém, cm seu logar, na America do Sul principalmente, um
variegadissimo contingente de mestiços^ mais variados de cores,
segundo a expressão de Quatrefages, do que a multidão de gatos
que babitam nossos tolbados. . .
Gomo quer que seja, e om todo caso, o tal processo do igua-
lisação, ató onde ó possivol, é um processo de morto o anni-
quilamento directo ou indirecto. O diVdcf o é posto em pratica
pelos aoglo-saxonios, a gente colonisadora por excoUencia ; o
indirecto^ que é o do cruzamento, foi e continua a ser mais do
gosto dos ibero-latinos, o segundo grupo notável do gentes colo-
nisadoras do Renascimento a esta parte. Pelo primeiro methodo
tem desapparecido quasi geralmente os indígenas dos Estados-
Unidos e de varias zonas da Oceania.
O mesmo tentarão íazer, ahi com muitissimo menor êxito, aos
negros d* Africa, logo quo a península osti vor quasi toda na posse
de inglezes e aiiemãcs, iguacs os uUimos aos seus parentes
neste particular. Não é que uns e outros destruam om directas
e monstruosas hecatombes os selvagens ou os tratem peior do
que 03 hespanhóes e portuguezes. B* que cream nos paizes sub-
mettidos e conquistados uma ordem de cousas em que as raças
inferiores não se podem manter. Prestam serviços, como animaes
de earga, emquanto se formam as cidades, os canaes, as estradas,
oi portos, a drenagem do solo, o desbravamento das mattas, as
Unhas telegraphicas ; porém não cruzam, definham e morrem.
Os restos que ficam, como os negros nos Estados Unidos, vivem
128 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
debaixo da perpetaa suspeição, ilhados da popnlaçio branoa. B'
o resultado a quo chegam, por via de regra, povos escuros em
ccmtacto esobo domiaio direoto das gentes xantochroides do
norte da Earopa. Esses belios exemplares hamanos de pelle
alva, cabellos louros e olhos azues são iaconscien temente um fer-
mento de morte para os pobres selvagens. Não assim os melano^
ehraide» do Meio^Dla. Estes são gentes de tez morena, cabellos
pretos, olhos negros ou pardos, o são já, sem a menor duvida,
resultado de misturas de brancos com berberes, altaioos, mongo-
lóides e negros no imraenso laboratório circular do Medi-
terrâneo. Inconscientemente, espontaneamente, sentem-se attra-
hidos pelas Venos escuras das terras tropioaes. Cruzam oom
ellis. B* um processo indirecto de riscar povos do livro da vida,
apagando-lhes os caraoteristicos ethnicos ; mas ó mais humano e
não digo mais meritório; porque não são cousas filhas de reflexão
consciente. E este tem sido o caso dos portuguezes no Brazil por
quatrocentos annos ; e ha de ser e está sendo em grande escala
o dos italianos, que de S. Paulo, para onde principalmente têm
convergido, hão de espalhar-se, já cruzados e integrados nas
populações da terr^, por todo o planalto central do paiz.
Emquanto, poróm, este ultimo facto so não dá, releva
tratar de nossos fiictores ethnicos como elles nos são fornecidos
pela historia e pela acção diuturna da vida durante os quatro
séculos decorridos da descoberta ató a^ora: portugueus, indios^
e africanos. Eis ahi os três povop, anthropologica c ethnographi-
camente distinctos, que nos têm vibdo a forjar, a amalgamar na
incude e no cadinho da liistoria, cujo estado intorno o social 6
preciso sondar, agora por methodo novo, para ser poesivei o
exacto conhecimento da alma brazi leira de hoje.
De nós outros é que se pôde dizer desde Já, e cada vez mais
se poderá afflrmar no futuro, que vamos formando uma raça
histórica^ em o sentido geralmente da'io a esta expressão. Um
ft^agmento da bella e valorosa raça aryana, já de si muito desfi-
gurado e constituindo um caso disso que se chama raça
histórica,— os portuguezes, — alliou-se a duas raças, genni-*
namente anthropologicas, completamente diversas e sob varies
aspectos : indios americanos e negros da Afí^ica.
^i
o BRAZIL SOCIAL 129
Releva ainda uma yez confessar, não ser igual ao que de-
fendo o ponto de vista de Le Piay e seus continuadores neste de-^
bate. Assim como saa classiflcação social não se me antolha uma
verdadeira classiílcaçSo de phenomenos sociológicos, senão uma
bella serie^ uma excellente nomenc! atura de problemas e questões
da scienciaf assim também me parece que não assignalam ú. dif-
ferencia^o das raças humanas as causas verdadeiramente pri-
mitivas e ílnndamentaes .
Não ó que desconheçam essa differenciação ; é que apre-
sentam como modificações do um typo único sob o influxo dos ca-
minhos seguidos pelos vários grupos em que aquelle typo se
Araocionou. Eis o que diz Ed. Demolins : «Laraoe n'est pas une
cause, c*est une conséquence. La cause première, et decisive de
la diversité des peuples et de la diversitâ des races, c*est la route
que les peuples ont suime. G*est la route qui orée la race et qul
tsj^ le type social» (1).
Sim ; a raça ô uma consequência, mas consequência de
causas multo anteriores e muiio mais fortes do que quaesquer
caminhos. A diversidade das raças provém, creio eu : 1« do ap-
parecimento dos primitivos grupos humanos Já do si diíferen-
ciados em centros também divergentes ; 2* da permanência
delles nesses sítios que operaram oomo consolidadores das diffe-
renças nativas ; S^ as migrações posteriores que serviram para
preparar as differenciações das variedades em que se vieram a
fraccionar os Tarios grupos primitivos ; 4<» a permanência dila-
tada dos emigrados em novos meios.
As duas primeiras causas explicam as divergências radicaes
das raças mães ; as duas ultimas as distincções das variedades em
que se ftragmeniou cada raça primltíva. Os caminhos de Ed. De-
molins, que se acham no terceiro grupo, com terem seria impor-
tancia, não representam o principal papel no assumpto.
Feitas estas reducções e expostos estes preliminares, é tempo
de convidar o leitor a uma explicação mais directa do methodo
de Bd. Demolins e de sua escola ao caso brazileiro.
(1) Commeiit ia roato crée lótypj social, I, pag. Vlí.
4323 — 9 Tomo lxix. p. ii.
130 REVISTA Dó INSTITUTO HISTÓRICO
E* mister começar pelo indío. Elle representa na popu-
lação do paiz o elemento mais antigo, mais adaptado ao 6ólo«
mais aclimado, mais conhecedor das varias zonas, mais nume-
roso durante dois séculos; aquelle quo, a despeito do luctas pos-
teriores, foi o arrimo primário a que se acostou o invasor, direi
meliior, os invasoresi, porquanto, sendo já em 1500 constante o
trafico de africanos e crescido o numero de escravos negros em
Portugal, deve-se admittir a opinião de YarnLagen, o qual
acreditava na vinda de gente desta procedência ao Brazil,
desde a viagem de Pedro Alvares Cabral. Por taes motivos o
Índio se me antolha como o leito sobre o qual se distendeu a
população futura, ou, se quizerem, o velho tronco em que se
vieram enxertar os elementos estranhos.
O portuguez e o negro nSo destruíram senão limitadamente
oselyioola americano. Cruzaram com elle. Assimilaram -no 0
foram por elle assimilados. O drama dessa fusão, dessa dspla
operação ethnico-social, até hoje mal descripto e mal compra-
hendido pelos historiadores e sociólogos brazlleiros, será pa-
ginas adiante esboçado.
Os estudos americanos em geral, na Europa ou ao conti-
nente, têm peccado todos por alguns vioios Intrínsecos q^e os têm
corrompido e tornado ató agora perfeitamente inutei^ para
dolles se tirar uma consequência qualquer.
Os missionários e colonos intelligentes do século XVI, que
deixaram noticias escrlptas dos nossos selvagens, eram dema-
siado incompetentes para uma observação regular, capaz de sor«
prehender os mais Íntimos factos sociacs o a fuodajnental psy-
chologia dessas gentes rudes.
E, todavia, 6 onde se encontram hoje as natações de mór
valia acerca de tudo que lhos diz respeito. Fizeram meras des-
cripções; mas nelles vae hoje o investigador sociólogo achar os
materiaes mais ou menos adequados p^ra suas conclusões.
Já não é o mesmo o caracter e o prestiqio dos escriptos dos
colonos o missionários dos séculos XVilyB XVIIi. Inimisados,
brigados uns com os outros, por motivo exactamente dos
indi)s, seus relatórios, memorias, cartas o noticias, sobre o
tbeina de suas desavenças e luctas, revestem as cores de estu-
o BRAZIL SOCIAL 131
dadas apologias oa desdenhosas caricaturas. E* mister nesso
cahos respigar com parco afan o desconfiado critério.
Os naturalistas e ethnologos do secnlo XIX, a despeito de
todas as suas pretenções, nada mais têm feito até agora do que
alguns estudos das linguas e dos usos e costumes mais ou menos
exteriores, dos quaes têm precipitadamente feito brotar classi-
ficações, classificações e mais classificações. Entendem elles que
com aJgons róes de raças e linguas e de linguas e raças está tudo
feito. E até os mais eminentes, como Martins, von Steinen,
Ehrenrcieh, não saliiram d*ahi. Que dizer dos de segunda ou
terceira ordem, como H* von Ihóring e E. Qoeldi?. Este ultimo
era conferencia realisada em 1896 sob o pomposo titulo — £!srado
actual dos conhecimeniofí acerca» dos Índios do Brazil^ — não sae
do safaro terreno das classificações. Mas ahi mesmppommette
o lapso de não citar Rodrigues Peixoto, que rocti doou a çlassi-:
ficação de Prichard, Baptista Caetano, que corrigiu a de Hervás
e de Martins.
Fala, é certo, em Capistrano de Abreu, de quem dá apenas
o nome, sem declarar que ello emendou a classificado de von
den Steinen e ampliou4ho os estudos do bacahiry... E' gente
quo ainda hoje se suppõe em mundo yirgem e em terreno por
ella conquistado. (1)
E* pena que esses naturalistas sejam tão alheios ás questões
sociológicas. Ainda hoje pensam que, com o classificarem os
Índios brazileiros om quatro grupos principaes, — Gês^ Ka-
raiòas^ Nú-Aruacks^ e Tupis, ou em cinco, segundo Capistrano
de Abreu, que a estes junta o grupo importantíssimo dos Ca~
rirySf está tudo feito. Completo engano.
O reduzir a quatro ou cinco grupos, povos primitivos da
Ásia, da Africa, ou da Europa, ou da Oceania, ou da America
não faz caminhar um passo o saber positivo da humanidade*,
nem esclarece n'uma linha os problemas sociaes.
Ainda menos adiantam as impertinentes questões continua*
damente levantadas pelos auctores brazileiros durante quasi
(i) Vide Jioletimdo Museu Paraense, vol. 11, n. 4; dozombro do
1898, pag. 397 e seg.
132 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
todo O correr do secnlo XIX, a respeito dos gentioíi. Radaziam-
se, por via de regra, ás seguintes: se houve ou não injustiça no
modo como os colonisadores trataram os indios ; se estes eram
Ott não civilisados ; quaes os meltiores processos para o con-
seguir ; 80 iam em progresso, ao tempo da descoberta do paiz,
ou estavam retrogradando ; se eram os donos da terra com
direito de repeliir os invasores ; se eram ou nfto os genuínos
representantes do povo brazileiro... Parece incrível que se
gastasse tanto papel e tinta em discutir taes fi*ioleiras.
Ainda em melados do século, os mais empenhados no debate
nfto etam os medíocres escriptores da occasião ; eram os me-
lhores talentos e as maiores illustrações, Gonçalves Dias, Gon-
çalves de Magalhães, J. Francisco Lisboa e F. A. VarnhageD.
' Os dois poetas tomaram o partido dos caboclos e os dois
historiadores o dos portuguezes. Os themas discutidos foram
èstes, seguàdo J. F. Lisboa, que lhes chamava importafUes
questões. €08 selvagens, que os primeiros exploradores encon-
traram no Brazil, eram um povo bruto e ferozt destituído de
toda e qualquer virtude, ou degeneraram da primitiva grandeza
e magnanimidade ao contacto da escravidão a que os sujeitaram!
Eram ellcs proprietários da terra que pis9.vam, e — com direito
exclusivo á sua posse, — tinham por ventura ode repeliir os
invasores europeus que pretendiam turbal-a? Foi deveras uma
desgraça para estas regiões que na lucta travada entre uns e
outros, a victoria se declarasse pelo arcabuz e pela ospada,
contra a flecha e o tacape ?
Qual era a população provável do Brasil ao começar a oo-
lonisação portugueza? Podia ella computai^-se por milhões?
Foram os portuguezes que a ferro e fogo anniquilaram tantas e
florescentes aldeias? A nação brasileira actual de qaemddBoende,
dós portuguezes, ou dos selvagens ? Foram estes os que deram
a base para o nosso caracter social ? Será a coroa da nossa pros-
peridade o dia de sua inteira rehabilita^ ?» (U
Taes os pontos esclarecidos por F. Lisboa em resposta a
Gonçalves Dias, em 1854.
(1) Obras do João Francisco Lisboa, íl, pag. idd; edicao deiddS.
o BHAZIL SOCIAL 133
Pouco depois, P. A. do VarnhageD, maU acaloradamente
ainda quo o seu predecessor do Maraoh&o, debatia estes capí-
tulos contra os selvagens: cEram os que percorriam o nosso
território, & chegada dos christãos europeus, os seus legítimos
donofl? Viviam, independentemente da falta do ferro e de co-
nhecimento da verdadeira religião, em um estado social inve-
jável? Esse estado melhoraria, sem o influxo externo que
mandou a Providencia por meio do chriatianismo ? Havia meio
de 06 reduzir e amansar, sem empregar a coacção pela forca ?
Houve grandes excessos de abuso nos meios empregados para
essas reducções ? Dos três principaes elementos de povoacãOi
Índio, branco e negro, que concorreram ao desenvolvimento
de quasi todos os paizes da America, que predomina hoje no
nosso ? Quando se apresentam discordes ou em travada lucta
estos três elementos no passado, qual delles devemos suppor
representante histórico da nacionalidade de hoje?» (1)
Eis ahi: parece odoscretear de preparatorianos em dicidir
quem foi maior Alexandre ou Gezar, Annibai ou Napoleão. • .
São debates sem alcance, insolúveis ou impertinentes. Não
ó isso que havemos mister. A questão é uma só: qual o estado
de cultura do indio, ou quaes as suas qualidades sociaes e como
6 com que entrou na forma(^ do povo brazileiro. Tudo o mais ^
pintar n'agua.
E o seu estado social tem de ser procurado no que é Ainda-
mental na vida: trabalho, propriedade, família, organização da
existência. A Sciencia Social chegou neste ponto a couclusões
certas, cujo valor e veracidade tenho confirmado nos escriptos
dai melhores autoridades oxistontos a cerca dos costumes dos
selvagens brazilefros. Podemse eleger os principaes Gabriel
Soares e Fernão Cardim, representando o quo hqk de
mais selecto no assumpto em todo o século XVI, quando os
chronistas diziam sine ira ac studio q que viam ; Francisco
Lisboa e Adolpho Varnhagen^ symbolizando a sciencia brazileira
de meiados do século XIX, principalmente naa investigações
históricas em que ainda não foram excedidos: e, finalmente,
(1) Historia Geral do Brazil, II, pag. XI; edição de 1857.
134 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Cauto de Magalhães 6 Capistrano de Abreu, falando estes pela
mesma sciencia nos ultimos annos do alludido século ; podem-se
eleger, dizia estes notáveis espíritos, todos elles confirmarão as
conclusões que vão ser ora referidas.
Habituado a estudos do género, segundo o methodo de-
scripto, habituado a sondar a organização social atravéz dos factos
desconexos acòumulados pelos viajantes, com a simples leitura
do livro, aiíás magnifico, de Crevaux, Voyages dans VAmérique
du Sud, Edmond Demolins'chegou a este resultado, quanto aos
selvagens desta parte do mundo, resultado aqui reproduzido,
resumindo fortemente as paginas do illustre escriptor.
Vamos agora apreciar, pondera elle, o ultimo gráo de desor-
ganização social om que possa cabir a humanidade.
O typo que nos vae olTerocer este espécimen é o índio das fio-
restas da America do Sul.
A região differe dos esteppcs e das savanas, sob o ponto de
vista do clima e das producções vogetaes e animaes. O trabalho
deve àhi estar organizado de modo divergente .Éo que se vae vêr.
Nos solos fiorostaes, as populações não podem se entregar nem â
arte pastoril, nem á caça em ponto grande^ a caça de animaes
em numerosas manadas; não lhes resta como meio principal de
existência senão a pequena caça. Tem-se a isto de juntar a pesca
fluvial e a collecta de fructas selvagens, que são ainda uma
espécie de caça. Gomo a arte pastoril, a caça e a pesca desse gé-
nero são um trabalho de simples collecta^ attrahente, portanto.
O attractivo da caça e da peaca devo ser ass^gnalado, porque
mostra como, em certos casos, pastores podem facilmente se
transformar em caçadores o mostra também a immensa difiicul*
dade do transformar caçadores cm agricultores e industriaes.
A caça não exige nenhuma previdência : a presa de cada
dia fornece o alimento desse dia. Deve até ser consumida mais
ou menos immediatamente, porque não pôde se conservar por
maito tempo. Ê um género de trabalho, pois, acccessivel ao
geral dos homens.
Se por esses caracteres geraes a caça e pesca se parecem
com a arte pastoril, differem delia por muitas condições essen-
ciaes que modificam completamente o typo social.
o BRAZIL SOCIAL '' 135
1«. Superioridade da mocidade em face da velhice. — A cata
o a preza da caça exigem qualidade eapeciaes: agilidade, dos*
treza, força, qualidades estas que se encontram mais pecnii^
armente nos moços. Estes podem cedo bastar-se a si mesmos,
o são levados a constituir vida á parte, afim do guardarem
para si o fructo de sou trabalho o ezonorarem*se dos dereres
d*assistencia para com os velhos pães. E um modo de trabalho
que dá & mocidade a superioridade sobre a velhice: a aucto-
ridado e a influencia passam dos pães aos filhos.
^. Desenvolvimento do individualismo.— A arte pastoril con-
serva juntos todos os membros da familia; a grande caça dos
animaes em manadas, como o bisão, reúne ainda os homens; a
pequena, a dos animaes esparsos, nem ao menos dá para formar
os clans de caçadores, como entre os Pelles Vermelhas, Cada um
tem, ás mais das vezes, interesse em isolar-se, em fazer a ca-
çada por sua própria conta: qualquer caçador ô um concur-
ronte. Esta tendência ao individualismo é ajudada pelas faci-
lidades que a pequena caça offerece. O joven pastor não é
tentado a separar-se da grande communidade patriarchal,
porque não pôde viver som rebanho, nem arranjal-o facilmente.
E\ pois, quando outros motivos não existissem, retido no lar
pela difflculdade material de afastar-se. A auctoridade paterna
é, deste modo, singularmente fortificada pela natureza
das cousas.
B' inteiramente o inverso entre caçadores ; os trabalhos para
a collocação dos que se retiram são os mais elementares e
menos custosos imagináveis. As habitações não passam de
palhoças de páos e ramos, cobertas de palha.
Os moveis, por causa das mudanças frequentes, são mais
rudimentares. Os apparelhos de caça e pesca es^ no mesmo
caso. Tudo os leva a separarem-se.
Deve-se ter, porém, todo o cuidado cm não confundir esse
individualismo amorpho o dissolvente, que deforma os sel-
vagens, com o forte parlicularismo, que caracterisa os povos
mais progressivos da terra. O primeiro reduz a sociedade a
uma espécie de pulvorisação individual, o outro assegura ao par-
ticular, ao cidadão — a maior somma de independência em feioe
136 RBVI^TA DO INSITTUTO HISTÓRICO
40 Estado, sem lhe retirar a aptidão para c&nsHluir aêsaciações^
quer na vida privada, qaer na vida pablica. A differença
6 radical e não deve ser esquecida.
2^, Limitação dos meios de emsíência , — A caca esgota-se com
facilidade; a sabsistencia torna-se diíflcil e a questão da alimen-
^ção transforma-ae em preocupagão grave. A incerteza dos
paeios de existência dà aos selvagens um estômago particular-
mente complacente. Podem âcar muitos dias sem comer e
absorver depois, se a collecta é abundante, uma quantidade pro-
digiosa de alimentos. Estas circumstancias fazem nascer as
Çtierras incessantes de tribus contra tribus e, nalguns pontos, o
cannibaHsmo,
Nem ao menos podem elles, os selvagens desta parte
America preparar e levar a eíTeito as formidáveis invasões em
busca de novos céus e novas terras, pelas dií&culdades espe-
çiaes do meio e mais ainda pela falta de cavallos e d*outros
animaes deconducção. Volttam-se entíio contra os seus próprios
similhantes.
4<^. Necessidade e difficuldade das migrações periódicas.— A
caça forca o selvagem a migrações periódicas. Tem elle de
seguir 08 animaès em seus diversos esconderijos, ora afundando-
se na matta para alcançar os claros e descampados onde se
reúnem certos animaes, ora vindo á margem dos rios a pescar
os peixes andadores, como o cumaru, ou recolher os ovos das
tartarugas. Se, porém, o caçador ô obrigado a taes migrações, é
lhe, por outro lado, diíficilimo leval-as a effeito. Bmquanto tudo
é caminho na savana e no esteppe, tudo 6 obstáculo nas mattas-
As veredas não são íi*anqueadas e a vegetação as toma rapida-
mente impraticáveis. Por isso varias tribus tlcam muitas vozes
sem relações entro si e encontra-se não raro um dialecto para
cem Índios i
Taes são as circumstancias que desenvolvem nestes selva-
gens, mais ainda do que entre os caçadores de bisões e de bú-
falos, um costume que mais accontila a desorganização da íámilia^
— o abandono dos velhos, dos doentes, das crianças, e, em geral,
todos os que não se podem transportar focilmente.
A despeito dessas dlfflculdades que assaltam de vez em
o BRAZIL SOCIAL }37
quando os eaoadores, elles preferem esse reinado atirahente daa
prodaoQões espontâneas do solo e das agaas. Sontem repugnância
inveneivel etu passar para o regimen da cultura o por isso só a
mais elementar e que tenha os caracteres da simples collecta^
quasi t&o singela como a pesca e a caga, existe entre elles : a da
mandioca, do milho, da banana, do inhame.
Póde-se diaer destes selvagens que praticam vagamente o
regimen da propriedade Wibál^ quanto ao sólo ; — da proprie-
dade fomiliál ou grupai^ quanto á choupana (ou óca) e da proprie-
dade individual^ quanto aos instrumentos rudimentares de tra-
balho. Mas se o sólo é de todos, a extensão de percurso accessivel
a cada grupo é restricta.
Esta limitação provóm, em primeiro logar, das difflculdades
da circulação que predem os caçadores em um território relati-
vamente limitado, ^, em segundo logar, da natureza das pro-
ducções espontâneas, que são susceptíveis de esgotarem» se
facilmente, forçando os grupos a defenderem com energia contra
ps visinhos o accesso de seu território de caça.
A verdadeira propriedade do selvagem é a sua destreza^ sua
forfia, sua agilidade, que são coisas exclusivamente pessoaes, que
não se transmittem. A grave questão da transmissão da pro'
priedade não existe. Nenhum laço, nem até material, liga as
gerações entre si, tornando-as solidarias. O mão, o dissolvente
individualismo triumpha.
Tudo está mostrando que essas gentes, tendo ficado caçado-
ras e pescadoras, não puderam constituir a família patriarchal,
typo característico dos pastores. O excrcicio da auctoridade pa-
terna ó obstado pela superioridade que a caça outorga aos moços
sobre os velhos. A pulverisação do apagada e rudimentar
fUmilia instável substituo a forte cohesão da família patriarchal.
• Nesia a estabilidade é garantida pela perpetuidade em
torno d*um mesmo lar, movei ou fixo.
Não existe solução de continuidade entre as successivas
gerações.
Aqui é o inverso : a iociperfeita familia se dissolve perio-
dicamente, fragmentando-se para se reconstruir momenta-
neamente em torno de novos lares, tão pouco estáveis quanto os
138 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
procedentes. NSo á mais uma arrore secular, é uma planta do
vida ephemora. E* facto conhecido que os povos de famílias
patriarchaes transmittem sucoessivamente as tradições e as
lendas mais antigas do suas raças. Ainda hoje a lembrança de
Timur, do famoso TamerlOo, ó viva debaixo das tendas ; conser-
va-se em cantos repetido entre os Mongóes. N&o se dá o mesmo
com os solvagens, que não tôm passado, porque seu lar é ins-
atvel, não se presta á conservação e transmissão das velhas
recordações da raça. Quem conhece as tradições dos selvagens
da America, da Austrália, ou da Nova Zelândia? (1)
Vê -se bem, por estes factos, quo a perpetuidade do lar con-
stituo para as raças um solido fundamento de suas nacionali-
dades. Os pacs em conservando junto a si até ã morte todos os
filhos, ou ao monos um dellos, inculcam naturalmente o conjun-
cto dos onslnamentos, das idólas, dos hábitos, das tradições que
receberam polo mesmo modo. Cada geração se prende intima-
monte a todas as que a precederam. Ck>mprehend6-se, sem que
soja mister insistir, a que fica reduzida a auctoridade paterna
n'um regimen que afasta tão prematura e tão completamente
os filhos dos pães. A funoção do pae limita -se aos encargos maíii
estrictamente indispensáveis : a procreação e os cuidados mate-
riaes da infância ; a mocidade fica fora do sua influencia, a edade
madura escapa-lhe de todo. A organização da família humana
tende a modelar-se pela dos animaes. Os fílhos são pequenos
selvagens alheios a quaesquer praticas .moraes ; a religião se
reduz a superstições grosseiríssimas, ao terror dos mãos espí-
ritos, cujo influxo se conjura com feiticeírlas o sortilégios. Este
género de incipiente família instável acarrota oomsigo outra
consequência grave: deixa sem refugio e sem amparo os orphãos,
os doentes, os velhos, em uma palavra, os fracos, os incapazes,
ao passo que o lar patriarchal esta sempre aberto para rooolher
os inválidos da vida: podem nunca sahir ou voltar sempre em
caso de infortúnio.
(1) Os selvagens transmittem apenas de geração em geração in-
significantes concepções mythicas. Posso amrmar, modificando cm
parte as asserções de Demolins,
o BRAZIL SOCIAL • i39
A organisação dos poderes pttblicos é análoga á da família.
Diverge, portanto, entre caçadores e pastores. Bntre esies o
mecanismo dos poderes públicos ó concentrado na família; entre
caçadores, desaggregada elia e reduzida & expressão mais sim-
ples, ô Imprópria para prehencher as mesmas funeções. Nâo
são os velhos, considerados incapazes, que poderiam assumir o
pesado encargo de resistir aos incessantes ataques das tribu
visinhas. Para isso ó mister ser moço, vigoroso, emprehen-
dedor. O poder pertence aos mais fortes. Estes o exercem arbi>
trariamento, como soe acontecer com toda auctoridade que re-
pous:& na força e tem por intuito principal— a guerra.
O poder 6 despótico e cruel; cada tribu ô organizada para
a defesa e para o ataque, e deve estar prestes para o que dér
o viór. E não é sem razSo que as tabas e ocas selvagens sao
ornamentadas por horrorosos trophéos. O estado permameute
de guerra desenvolvo a forma de auctoridade mais arbitraria ;
a franqueza extrema, a instabilidade da familia tornam essa
auctoridade invasora, o que não priva que tal poder seja
também essencialmente instável. S* a força que faz os chefes;
ó a força que os derriba: elles fazem tremer, porém elles
tremem também. Todos os viajantes que visitaram os sel-
vagens notaram esse traço de seus costumes (1).
Este quadro é verdadeiro em suas linhas geraes. Mas duas
considerações attenúam, até corto ponto, as suas cores, que
poderiam ser mais carregadas: é que o illustre escriptor, de
um lado, obedecendo ao preconceito da unidade originaria de
todos os homens, vô nos selvagens da America do Sul gentes
que, na origem, possuíram a. familia patriarchal, vindo a trocal-a
pela instável no correr de míllenios em sua nova residência ; e,
d*outro lado, conhece os alludidos alarves^ como lhes chamava
Gabriel Soares, pelo livro do Dr. Greveaux, onde se acham
descriptos os Índios já algum tanto cultos do plató
das Ouyanas e do valle do Amazonas, em contaoto com
(l) Les grandes Routes des Peuples(E8sai de Géographie Sociale)*
—Les Routes de l'Antiquité, pag.s. 163 e seguintes. Fiz uma conso-
lidação resumida.
140 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
OS brancos desde mais de ires scoulos. Se Edmond Deroolins
Dão fosâe fiel á sua preoccupaç&a inicial o conhecesse os sel-
vagens pelo citado G. Sjares, por exemplo, ou Gardim, ou
outros escriptores do primeiro século da cjoqulsti, haveria de
vér que, no Brazil, muitos delles nilo passaram de meros a/xi-
nkador^s; que não chegaram a constituir nem mesmo a família
instavfil existente n*outras raças; que não Unham conceito certo de
propriedade; que não formavam tribut organisadas e apenas
simples grupos (tabas), subdivididos em clans rudimentares
(óoas), tendo por base quasi indistincta promiscuidade o não o
parentesco. O individualismo dissolvente era ainda mais accen-
tuado do que pareceu ao sábio sociólogo franoez.
Sua descripção, poróm, ó acceitavel como o retrato das
raças mais adiantadas dentre os indios brazileiros (1). E como
muitos dos traços de nossa psychologia nacional de hoje estão
alli em garmen ! E como somos levianos em não estudar as
nossas origens para conhecer donde partem nossos defeitofl e
procurar corrigil-os !
E como somos superdciaes em buscar fora a fonte de nossos
males, attribuindo-os aos governos, quando ella está em nós
mesmos, o aqui todos dalto a baixo, governos e povos, provêm
da mesma origem e padecem da mesma doença: o vicio origi-
nário e oonstitaicional !
Mas não se antecipem factos e conclusões. Urge proseguir.
B' tempo de apreciar o factor Africano, um dos elementos essen-
eiaes e predominantes na formação brazileira.
O negro acha-se nas mesmas condições do selvagem da
America do Sul. «Le typedes chasscursdes forôts afrioaines
doit ôtre placo h la suite du type quo nous venons de de-
orire» (2). O inconsciente da historia ligou os dous typos no
Brasil. . . Haverá nisto mero acaso ? Não o sei dizer.
Se acerca dos indios tiveram logar pequenas discussões
(1) D;âxo, para não sobrocarroprar demasiado estas paginas, de
transcrever trechos comprobativos— do G. Soares, F. Varnhagen, F.
Lisboa, Oouto do Magalhics o Capistrano de Abreu.
(2) Demolins, op. cit.
o BRAZIL SOCIAL 141
algum tanto ingénuas, a respeito dos negros o silencio tem
sido na sciencia do paiz absolutamente completo.
Maita estranheza causaram em varias ródás nãoionaes o
haverem a Hiitoria da Liiteraiura e OS Esiudos sobre a Poesia
Popular Brasileira reclamado contra o olvido proposital feito
nas lettras nacionaes a respeito do contingente africano e pro*
testado contra a injustiça dahi originada.
Entre nós, nos derradeiros tempos sobretudo, alguns espi«
ritos, intelligentes, honestos e desabusados têm estudado os
Índios sob vários aspectos.
Dos negros 6 que ninguém se quiz j&mais oocupar, commet-
tendo-se, assim, a mais censurável ingratidão.
Qual a carta ethnographioa d* Africa ao tempo do descobri-
mento do Brazil, época em que começou este]a importar escravos
d*alem-mar? E no século XVII, que nos forneceu centenas de
milhares de africanos? E no XVIII, que proseguiu fartamente
na messe r £ no XIX, ató 1850, que se excedeu no terrível
commercio? Qual então a classificação das raças, a situação
politica de vários estados do continente fronteiriço ? Qual o
gráo de cultura em que se achavam? Qual a organização social
dessas gentes ? Quaes as tribus de que nos trouxeram captivos ?
E em que numero ? Que lhes devemos na ordem económica,
social, politica? Ninguém o sabe ainda hojel... Ninguém ja-
mais quiz sabôi-o, em obediência ao prejuízo da côr, com medo
de, em mostrando sympathia em qualquer gráo por -esse im-
menso elemento da nossa população, passar por descendente da
raça africana, de passar por mestiço L,. Eis a verdade nua e
orúa. £' preciso acabar com isto; ô mister deixar de temer
preconceitos, deixar de mentir e' rdstabelocer os negros no
quinhão que lhes tiramos : o logar que a elles compete, sem a
menor sombra de fovor, em tudo que tem sido, em quatro se-
oulos, praticado no Brazil.
E o que mais admira, o que é mais censurável, sem duvida*
è que o não tenham já feito tantos negros intelligentes, tantos
mestiços illustrados, que abundam em elevadas posições no paiz.
Preferem, como os velhos que se pintam, illudirem-se a si
proprioB: darem-se por latinos, celtas e creio que ató heUems, . .
142 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Não pôde haver nada mais cómico. Sim; nada mais para
fazer rir sobre a terra do que apreciar o aplomb com qne a mes-
tiçada nacional, na soa immensa escala chromatica, em rea-
niões, sociedades, congressos, grupos, academias, assemblóas,
tropas de torra e mar, todo e qualquer ajuntamento, em summa,
em que appareçam de cem brazileiros para cima, caso em que a
proporção dos misturados para os brancos suppostos puros é
sempre de noventa e cinco a noventa e novo por cento, nada mais
cómico do que o sério com que a immensa mestiçada fabula de si
própria pouco mais ou menos como se constituísse uma reunião
de fidalgos anglo-saxões ou de antigos Eupatridas do mais puro
sangue... Ah! Deus ! Quando se acabará essa cegueira e nosso
povo, para seguir firme o seu caminho, tratará de conhecer suas
origens sem illusões e sem preconceitos?
Depois de proferido o citado rebate sobre o esquecimento
em que sempre no Brazil se deixou o estudo de nossas origens
africanas, appareceram uns pequenos escriptos na Bahia acerca
de fêiticismo dos pretos daquelia zona e de alguns levantes que
alli se deram, por elles promovidos, em fins do século XVIII e
nas primeiras quatro décadas do século seguinte.
Não deixam de ter algum interesse essas achegas para o
conhecimento das alludidas origens ; mas, evidentemente, por
esse caminho, iremos ter ás producções anecdoticas ao gosto das
Já referidas a respeito dMudios. O que havemos mister ó co«
nhecer, á luz dos novos processos da sciencia social, o estado
exacto das sociedades africanas que enviaram representantes ao
Brazil e a parte com que entraram na formação da nova nacio-
nalidade aqui ftiodada. Esta ó a questão; o mais é esgrimir
no ar.
Felizmente, na falta do e3tudos brazileiros, existe o admi^
rave!, o magnifico livro de A. do Préville,— Lcs Sociétés A/W-
caines ; leur origine — leur évolulion — leur avenir, que derrama
uma luz intensíssima no assumpto.
O auctor é um dos mais autorizados discípulos da escola de
Le Play, um dos mais eminentes companheiros de H. de Tour*
villc, Ed. Demolins, P. de Rousiers.
O objecto do livro é como se fosse um assumpto estricta-
o BRAZIL SOCIAL 143
mente nacional ; e por isso é aqui resumido em saas tbesea
capitães.
O continente africano, espécie de pia giganU$ca^ como lhe
chamava Livingstono, é nm plató alto cercado quasi comple-
tamente por montanhas, próximas da costa.
Divide-se em quatro regiões perfeitamente distinctaSt qae
sao outras tantas ssonas sociâes igualmente definidas.
Cada uma dessas zonas é o habibat de raças e sociedades
divergentes.
A seguir do norte para o sul a successao das regiões é a se-
guinte, segundo as próprias expressões de A. de Próville:
A zona dos Desertos do norte, que ô sêcca, onde a vegetação
arborescente é qaasi nuUa ou pouco considerável; constitae um
todo de vastos desertos ou csteppes mais ou menos pobres ; con-
fina com a Ásia de que é nm prolongamento.
A zona do planalto central, ou área equatorial, onde as
chuvas quotidianas asseguram uma humidade constante, favo-
rável ao crescimento das arvores, é um inamenso massiço de
florestas luxuriantes e pantanosas, no qual abundam a grande e
a pequena caça.
A iona dos Desertos do sul, que reproduz a seccura crescente
da do norte.
E, finalmente, a zona montanJiosa, situada a leste, formada
por um cmaranbamento de yalles florestaes e de cumiadas
hervosas.
Cada uma dessas grandes zonas se subdivide, sob o ponto
de vista do clima, dos recursos da vida, e, portanto, do trabalho
e da organização social, em varias regiões. De8t*arte, a dos de-
sertos do norte que nSo interessa directamente a este estudo,
por não ser habitada por negros e sim pelos brancos Berberes,
divide-se em: região dos pastores cavalleiros, região dos pastores
cameleiros, região dos pastores cabreiros, região dos pastores va*
queiros^ seguiodo do norte para o sul.
A zona montanhosa de lôste que merece peculiar attenção
a quem estada as raças negras, por ser uma espécie de offieina
gentium no continente preto, por ser o ponto alli primeiro po-
voa lo por ellas e donde ainda hoje irradiam para oeste e sul,
144 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
"posaao: — pequeninos plaiós liêrvosos^ próprios para a industria
píistorilf terrenos de pastoreio artificial e cultura ; paragens ad^^
quadas d caça ; terras próprias para a eollecta de fiructos espon-
tâneos do solo.
A zoDa dos desertos do sol apresenta as seguintes modal i*
dades: — savanas^ esteppes pobres ^ territórios de caça.
A zona do eentro, que 6 a região da mata equatorial, mais
pujante ainda do que a do Amazonas, que lhe ô fronteiriça,
divide-se em quatro regiões distinctas: a da mandioca^ a da ba»
fuxna, a do tocusso (èleusine)^ a do sorgho (dourah)^ do sul para
O norte.
Pondo de parte os Árabes, que se têm mettido na Africa
pelo menos desde três ou quatro séculos antes de Ghristo, mais
ou menos intensamente, o com assignalada aotiridade desde o
século VII da nossa éra ; sem íàlar nos Europeos^ que, desde o
século XV, têm fundado feitorias e colónias em suas costas ;
excluindo os Egypdos e Berberes, contados entre as gentes
brancas, ou quasi, e os Hottentotes^ que sSo incluídos entre os
povos amarellos, os habitantes das três zcuas de Leste, Centro e
Sul são pretos, ramificados em três grupos: Baniús, ChUúkes^
Bthiopes. Estes últimos se subdividem em Abyssinios e Oallas; pa-
recem uma formação mestiça, devida a antiquíssimos crasa*
mentos com os primitivos Aditas. Os Abyssinios, por sua posição
próxima ao Egypto, e outras vantagens naturaes, civUisaram-se
até certo ponto e escapam ás considerações feitas por A. de
Préville sobre o complexo das gentes pretas africanas. Não
assim os GcUlas e menos ainda os Bantús e ChUuhe».'- As
raças negras, tomadas em coojuncto, mostram muitos pontos
de semelhança com os indios do Brazii e diversos pontos de di-
vergência. Entre estes avultam o facto de serem varias dellai
dadas á industria do pastoreio nas regiões de leste e sul e o
facto de se dedicarem algumas aos trabalhos agripolas. Póde-se
atô dizer que o negro só deixa de ser pastor onde não p6do
absolutamente dar-se a esse género de vida, na lona do centro,
infestada pela í^mosa mosca tjsétzé, mortal aos rebanhos, e s6
não exerce a cultura, onde é*lhe também impossível nessa
mesma zooa na parte da mata, quasi impenetrável. Infoliz-
o BRAZL SOCtAL 145
mente o império da tséljtê orça por 10 milhOes de kilometros
quadrados, um terço da Africa, igual à Europa inteira, e 8ó a
extensão da intensa mata, sobe a cerca do um milhão do kilo-
metros.
Grande porção das gentss negras yive oircumscripta nestes
limites, entregue á caça o a collecta, com todos os inconveni-
entes próprios destes meios de viver, e, onde é possível, a um
rudimentar cultivo do solo.
O maior numero dos africanos vindos para o Brazil foi da
zona typica snb-equatorial.
Mas, acompanhando Préville, veja o leitor o caracter so-
cial do preto, zona por zona o v&, desde já, reparando nos
poDtos de semelhança existentes entre esse caracter e o do vá-
rios grupos das populações brazileiras.
Começando pela originalíssima região montanhosa de
Leste, o primeiro núcleo de populações negras a despertar a
attenç&o é a dos que se dão ao pastoreio nos platós cobertos de
hervao. A vida pastoril, porém, nessas paragens está mui
loDge de se paracer com a dos pastores nómades, organisados
em famílias patriarchaed, do immenso esteppe central asiático,
com a dos nómades do grande deserto do norte africano e até
com a dos esteppes pobres dos bottentotes no sul do continente.
Os pequenos platós hervados das' montanhas de Leste são dema-
siado estreitos para darem logar ao regimen nómade, que é
substituído pelo do mudança simples de pastagens óu retiros.
Os francezes chamam a isto le regime de transhumance^ le pâ^
turage transhumantf c^est-d^dire qú*on établit deux stations pour
les traupeaux, Vune d^hiver^ Vautre d'été, segundo as próprias
palavras do autor que vou compendiando. Temos o facto
entre nós em nossa enormíssima zona pastoril, que abrange
todo o Brazil central, desde o alto norte nas margens do Rio
Branco em o massiço da Guyana até á fronteira da Republica
do Uruguay, com excepção apenas do corte produzido pelo Ama-
zonas; temos o facto, muito commum principalmente na região
typica que vai do Paraguaçú da Bahia ao Itapecurú do Ma-
ranhão sem o termo technico. Em Sergipe, chama-se: mudar o
gado de pasto ou de solti. ; em Minas diz-se mudar o gado de
4323—10 Tomo lxix p. ii.
â
146 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
retiro, ao que me asseverou o Dr. Carlos Lindenberg, iiias-
trado agrioaltor e oiiador estabelecido na cidade da Campanha.
Em Portugal tradui-Be transhiumance por deamb%U€íção .
Na vastíssima extensão do Brazil pastoril, porém, o pheno-
meno se dá em escala muito menor e aem as oonseqeaencias acar-
retadas peculiarmente em Africa na região de que se trata.
Alli a &milia tende a tornarão sedentária em uma das resi-
dências, ordinariamente a de inverno, mais própria para a
conservação dos lacticiuios, e a enviar uma parte de seus
membros com os rebanhos, quando estes se deslocam para a
estação de estio. Só por este íkcto fica ella cortada em duas,
pelo menos durante uma parte do anno.
A posse dos pequenos platós tem sido desde os primórdios
disputada, dando origem a perpetuo estado de guerra, man-
tido peia estreiteza dos alludidos planaltos. B' mister manter-se
a gente nelles contra os ataques de no70s invasores e oontra as
reivindicações incessantes dos antigos possuidores esparsos nas
\i8inhanças« Não ó só este estado de defensiva o resultado da
residência nos apertados sítios ; ella estimula também ã offen-
siva: não raro as pastagens se tornjkm insofficientes e ó preciso
occupar as do visinho. O rebanho pelas epidemias reiu&se
muitas vezes a nada: é necessário íkier a razzia nos mais
próximos. Sob o influxo dessas necessidades de defeza e de ata-
que,— um grupo se desprende da familia sedentária: ó o doã
cofnhaitenteSf dos guerreiros, dos moços. B eis a offlciaa de tra-
balho da familia dividida pelo menos em três offlcinas isoladas:
a do pae^ que flca no ponto mais favorável das pastagens, o
mais defensável; a dos pastores ou hraalde trabalho, composto
de jovens de ambos os sexos« encarregados de vigiar os rebanhos
nos pastos de estio ou de inverno ; a dos guerreiros ou kraal mi'
litar, dedicado ã defeza do solo e ás expedigOes de razsias. Em
tal meio a guerra é uma questão de vida o morte, ó um modo de
trabalho^ O serviço das armas exerce sobre o grupo sooial pre*
ponderancia irrecusável. A familia, o dan^ a nação são consti-
tuídos para a guerra. Os meninos de ambos os sexos permanecem
longe do lar ató ã idade de quatorze annos nos kraals de pasto-
reirOf pertencentes ãs varias íiamilias . Quando o filho de um chofe
o BHA^ZIL SOCIAL 1^7
local^ am chefe de clan^ attíoge aquella idade, |em de eotrar no
serviço da guerra, seguido de todos os seus companheiros á^
mesma idade. Cada ps^ d& a seu filho algamas cabeças de gado
para seu uso pessoal, e todos juntos partem para o hraaf, occupa«
dos yelosBl Morans ou Jovens guerreiros, da suWi visão. As pas-
toras acompanhf^m ainda ahi os pastores: ficam com elles no
hraal guerreiro, como dantes no hraal de gado, para os serviços
domésticos e preparo dos alimentos. E eis ainda neste segundo
pstado a mistura dos sexos, longe da rudimentar família, que fica
sempre fora da formação da mocidade. O El-láoratp não exerce
outro oficio além do da guerra. Suas armas, son escudo, sua
tenda de couro, todos os sous petrechos são fabricados pelo Eh
GonOf misero escravo, habitante das aldeias conquistadas, ao qual
incumbem também todos os trabalhos, alóm d^^ gua^rda do rer
banho do acampamento, e é conservado na mais complatã^ ab-
jecção. O joven soldado não ficii ocioso, O campo movei não é res-
guardado ppr nenhuma fortificação; sua segurança repousa na
vigilância das sentinellas regularmeate coUocadas.
No intervallo de suas horas de gu^^rda o M-Moran deve
aprender a melodia selvagem do canto de guerra, escutar em
silencio intermináveis discursos, ou íazel-os, se lh*o mandam;
aprender em manobras mothodicas nas cercanias do acampa-
mento o man^o das armas, e, sobretudo, instrair-a^ na graQ4e
arte de furtar com destreza os utensílios, o marfim, ou os re-
banhos. Este ponto é capital; porque se se deixa agarrar, sua
cabeça, fincada em uma estaca, virá a ornar a portt^ de uma
aldeia inimiga. Os bandos, sempre ambulantes dos El-Morant^
servem de gns^ição ao paiz; espreitam todas as passagens, que
os soldados conhecem admiravelmente por tel-as percorrido,
quer effeoti vãmente no correr das expedições quer pelos olhos
do alto de algum cumis elevado. Cahem t^es bandos de improviso,
ao sul, á leste e ao oeste, nos pontos que o grande conselho, as-
sistido pslo grande niagico ou Jjybon^ designa como objectivo d§iS
raxzias, ou, quando chamados em socorro, mediante salário, por
algum chefe de sua raça, residente em terras afastadas, intervêiqi
em seu £avo^ eontra os rivaes sustentados por outro^ ))^ndos,
formados pelo mesmo mod«AQ*
148 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Quando a raszia é bem saccedida, ou o salário em rezes é
pago ao bando, trata-se da partilha do espolio, tiradas de an-
temão numerosas cabeças de gado em proveito do Lyhon^ o ma-
gico, oiyos conselhos são tão preciosos. A divirilo do restante
oocasiona brigas sangainolentas. Os valentões, os insolentes,
consultando apenas a própria avidez, apoderam-se dos animaes,
segundo sua conveniência e desafiam os companheiros a vil-os
tomar. A regra é que se, contra, todos conseguem defender du-
rante três dias a preza, ella não será mais disputada. E* então
que se dão as verdadeiras batalhas.
Sucumbem mais guerreiros nestas desavenças do que du-
rante a sortida em terra inimiga.
Matar, porôm, por este modo é permittido; porque todo o
homem que nâo sabe garantir a sua pelle, não merece senão o
esquecimento.
Sorprehende-se aqui a profunda differença existente entre as
raças originadas dos pastores nómades e as formadas nos pe.
quenos platós hervados. O logar do patriarcha está vasio e a
partilha, fim natural das operações da communidade, effectua-se
com a força do braço.
Foi do rebanho do pae que os El-Morant tiraram a primeira
subvenção em gado, necessária á sua administrado no acampa-
mento; é, em troca, o rebanho paterno que se enriquece com os
animaes capturados por seas filhos, ao menos em grande parte.
Contribue, desta arte, o emigrante militar para conservar o lar
donde sahio, viveiro de guerreiros, atô á morte do pae. Quando
esta se dá, o mais velho, o mais antigo dos El-Morans sabidos
de casa, é chamado ás pressas e toma posse da suocessão que lhe
toca inteira. Sae com saudades da corporação militar, casa-se
logo que chega a sazão em que nascem os bezerros. B' um caso
de iransmisião integral do património^ bem diverso, porém, do
que se dá nas íkmilias patriarchaes em que persiste a indivisão
para todos, passando ao mais velho apenas a autoridade moral^ e
também divergente do que se dá nas fumUias — troncos, base das
sociedades de formação particularista , nas quaes o herdeiro é
antes associado d gestão, é um escolhido por certas qualidades. O
pastor dos pequenos planaltos não conhece seus filhos e nenhum
o BRAZIL SOCIAL 149
destes é preparado para a succesinLo; porque as officinas do ira-
halho em que elles se formaram s&o alheias & direcção dos
cheíbs de fomiliar A razão que limita a um só o numero dos
herpeiros ó uma idôa de lucta constante contra os visinhos para
a.conserYação dos pequenos platós de pastagem, id^ inspirada
pela própria estreiteza desses platós.
Neste género de sociedade, nesta espécie de paizes de re-
cursos limitados, importa limitar também o numero dos oasaes
estabelecidos no território. As noiras são compradas por nm
certo numero de vaccase o costume tem estabelecido que, até &
morte do pae, os filhos não as podem possuir como próprias, o
que retarda ató lá os casamentos.
Ck>m o systema de vida em commum para a mocidade dos
dois sexos* o ^ií-iforan acharia mulher grátis; mas os filhos
oriundos desta união, os bastardos nascidoii nos hroids de guerra»
pertencem ao pai da mulher. A casa que se quizesse assim
ítindar seria um lar sem filhos, e, portanto, caduco ; seria em
proveito do ayó materno e de seu futuro herdeiro que os moços
trabalhariam, quer dizer pilhariam no futuro ; seria elle que
receberia o preço do casamento das filhas. Em taes oondlções
pode-se praticar a união livre, mas não o casamento, o au-
gmento normal dos lares estabelecidos, direito que pertence só
ao filho mais velho e só pela morte do progenitor.
O primogénito, uma vez transformado de El^Moran em
EI^Morua^ em chefe de casa e seohor de rebanho, não sonhara
mais com proezas pessoaes ; seu cuidado será multiplicar, com
o rebanho, o enxame de defensores do solo e roubadores de
gado. Tendo vivido, oomo se viu, longe das vistas do pae, num
meio turbulento e brutal, não recebeu nenhuma formação
moral, nenhuma tradição: não aprendeu a honrar senãoa íorça
material e a coragem feroz.
O antigo chefe da familia, que não tomava mais parto na
guerra, morto de moléstia ou velhice e não no brilho da força,
em meio de façanhas, n(U> preitava mais para nada» Por isso não
obtém as honras fúnebres, reservadas aos heróes cabidos na
lucta. O herdeiro toma nos hombros esse cadáver, que nenhuma
aureola ennobrece, e o lança fora do recinto da casa atraz do
150 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
oorral dos animaes. Depois as hyenas e aves de rapina deixam
alli apenas alguns ossos limpos em qae o caminhante dà com o
pó, oa que os meniaos do hraal, rindo, atiram uns nos outros
em seus brinquedos.
Nos lares desses montanhezes, pois» desorganisados pela
guerra, não existem respeitosas tradições firmadas na memoria
dos maiores ; nâo existe culto domestico, religifto na íkmilia ;
e, como ó mister ao homem um culto, o poYo inteiro entrsgar-
se-á ás superstições da magia, é, influencia dos Lybons ou faxe*
dor9s de chuna^ que se gabam de poder refk^escar & Tontade ai
pastagens, impedir a mortandade dos animaes, predizer a tí-
etoria ou a derrota.
Que contraste pasmoso com o typo patriarchal, existente
entre os pastores nomadesl Que diflérença entre esse patriarcha
sempre presente^ formado no lar pelos antepassados, revestido
da autoridade tradicional» afeiçoando seus desoenduites ao
molde de que eile mesmo é um exemplo e este El Morua, cujos
filhos e filhas correm aventuras ao longe e crescem debaixo da
dirocçfto única dos camaradas, tomados por chefes por causa do
vigor do seu braço!
Que difEérença entre o antepassado reverenoiadOv ao qual,
vivo ou mortO) se dirigem os signaes do mais absoluto respeito,
a inclinação, Siprostação e este chefe de hraal que sou herdeiro,
naturalmente, sem o mais leve remorso, vae atirar á estrada!
Donde nasce esta opposiçfto tão completa nas idéas e nos há-
bitos? Provêm em grande parte de uma simples difliérença na
organisaçfto do trabalho, da separação completa, nos pequenos
piatós em questão, entre a offlcina de trabalho dos filhos e a
do pae. Mas para dar a explicação completa, do ultimo flMsto que
é puramente africano, é forçoso admlttir a ausência de tradições
patriarchaes anteriores no seio da raça que povoou aqnelles
sitios e nellesJ4se entrega á industria do pastoreio transhu-
mant»
Resta examinar a sorte dos filhos mais moços^ por occasião
da morte do pae, quando o mais velho toma posse do rebanho.
Biles, os irmãos mais moços, nada podem pretender na sttcoessão ;
porém dahi por diante todo o gado conquistado por elles lhes
o BRAZIL SOCIAL 151
pertencerá. Ficarão ainda algrom tempo em serviço, reunindo
recarsos, aguerrindo-se cada vez mais, tomando sobre os sens
jovens camaradas uma inâuencia crescente. Quando jnlga a oc-
casião opportuna, o vete /ano entre elies, e com o recarso dos
companheiros d^armas, desce das alturas, condaziodo diante de
si seu pequeno rebanho*
Levando suas boas amigas, toma uma direc^ já segnida
por seus predecessores e invade algumas aldeias das terras
baixas, onde os negros, expulsos em épocas passadas das alturas,
vivem da eollecta e de exigua cultura. Impõe tarefas e tributos
para sustentar seu gado, suas gentes e a elle mesmo; toroa-se
senhor do solo, toma o governo e ítinda, desVarte, uma dessas
chefarias de aldeia encontradas por toda parte n*Afrioa pelos via
jantes, desde as bases das montanhas de leste até ao divisor
das aguas do Congo.
Uma vez estabelecido, esse invasor tenta aoorescentar seu
império pelo commercio e pela guerra, pela politica, pelas ali-
anças com os chefes visinhos da mesma raça e os bandos de seus
antigos camaradas. Tal é a origem de um grande numero de reis
negros^ de quasi todos aquelles que são senhores de aldeias com-
prehendidas na zona montanhosa e mesmo dos que se encontram
até ao coração do plató central, ainda de posse, em signal de
nobreza, e a detpeito das difflonldades do logar, de alguns ani**
mães que se tornam quasi selvagens.
Bsses chefes implantam-se âtcilmente no meio das popii<*
iaçOes das terras baixas, porque estas populações são oompUta-
mente desorganisadas sob o ponto de vista social, porque a con*
stituição da família se acha nellas inteiramente arruinada, em
razão das mudanças a que foram forçadas, das conquistas que
soffreram; ao passo que os emigrantes dos pequenos platóe her-
vosos sahem de um dan mais ou menos solido, estão, pelas oir-
cumstancias afeitos a uma disciplina seria. Esses chefes, im-
postos pela força, são considerados como senhores, por direito
de conquista, da região sobre a qual se extende sua acção. Não
constituem, porém, a propriedade privada do selo, desconhecida
em suas pastagens. Usarão do poder para fazer respeitar o ter-
ritório, para manter nelle uma certa ordem proveitosa a seus
152 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
iotoresses, para compelir o povo ú, cultura, se a collecia e a caça
não forem sufflcieates.
Não recuarão diante de nenhuma repressão sanguinária, de
nenhuma explosão barbara. Não podendo mais roubar gados,
farãoirazzias de escravos. Não se aoham no caso de ensinara
seus súbditos as qualidades que não receberam em sua edu-
cação: o respeito da mulher, a autoridade paterna, a compaixão,
o culto privado. Sua corte sorá dissoluta, seu governo absoluto
e feroz; a influencia dos feiticeiros serã para elles omnipotente,
o trafico dos escravos se organisarà sob sua direcção. Tal é 0
quadro geral da África negra, Jã desde essas mais adiantadas
gentes da região montanhosa de leste, quadro que se vae
cada vez mais tornando escuro, á medida que se vae eston-
dendo ás populações das outras zonas, ainda mais desorga*
nisadas.
K este ó o caso dos habitantes das regiões baixas, visinhas
dos pequenos planaltos hervosos, que o autor passa a examinar
por meudo. Não o acompanharei nesta excursão, altamente in-
strnctiva, porque mais urgente é o estudo das gentes do sul e do
centro, d'onde ao Brazil veiu a môr parte dos africanos impor-
tados. Limito-me, sempre com Próville, seguido quasi pelas
mesmas palavras, a dizer que as populações das terras baixas vi-
sinhas dos planaltos de pastagens foram d*alli repellidas e for-
çadas, em novos sitios, a trabalhos diiferentes dos do pastoreio,
vindo a soffrer uma tríplice deformação: a primeira pela neces-
sidade de submetterem-so a chefes militares; a segunda, como
vflneida?, pekt privação de seus meios primitivos de existência ;
a terceira sob a acção de novos modos de trabalho impostos
pela natureza dos legares que as receberam após a derrota. A
caça, a collecta de fructas, a cultura impuzeram-se-Uies, con-
forme a natureza dos Jiabitats.
Mas nem todos os repellidos da grande região do Leste,
ponto inicial dessa vibração que põe, segundo a phrase do autor,
em movimento e desloca perpetuamente as populações negras,
como o comprovam todos os exploradores, têm íicado nas re-
giões baixas visinhas.
Muitos se têm dirigido para o Sul ou para o Oeste, onde os
o BRAZIL SOCIAL 153
seus destinoi tôm sido assas diyergentes, conforme as novas re*
sidencias.
Deste numero sâo as gentes, que formam o grande grupo
ethnico denominado Baniu, das quaes provieram em mór escala
09 negros passados ao Brazii, não s6 Bantús, do sul« como do
centro.
Nas savanas da zona meridional âsaram-se mais ou menos
muitos grupos desses emigrados, que são geralmente denomi-
nado Ca/re^, cujos principaesrepresentaotes são ^ti/ús, Mauhdesj
Makololos, Beihcuanas^ Damaras^ Eerreros, Ovambos, Amboellas
e outros menos famosos.
Jà de si desastradamente organisados no seu remotíssimo
viver nas altas regiões de leste, ainda mais imperfeitas são as
linhas geraes de seu estado social nas bellas savanas do sul
africano.
As deformações aocentuaram-se notavelmente no correr da
longa o morosisaima retirada através das hervagens das mon-
tanhas. Para resistirem aos que os impelliam a sahir, para des-
locarem-se e pôrem-se em marcha em boa ordem, salvando os
gados, para abrirem caminho em meio de populações hostis que
era mister desalojar de posições de difficil acoesso, os actuacs
habitantes d'Africa austral foram obrigados a submetter-se cada
vez mais a uma disciplina militar implacável. O que se chama
a sociedade civil, da qual o casal do chefe da família, do El»
Morua, é uma representação, como se viu, foi nesses pobres emi-
grados absorvidos pelo commando militar absoluto.
Estes grupos não se podem mais denominar nem famílias,
nem clans, nem tribus: são, como dizem os missionários do
Zambeze—, regimentos. Os chefes locaes são Indunas ou capitães.
Só elles, e isto raramente, são consultados pelo rei ; formam
um consaho de guerra^ que julga os delictos e só applioa duas
espécies de penas: a mutilação o a morte.
Quando uma sociedade, pondera o auctor, que vou seguindo
quasi literalmente, se transforma a esse ponto, quando todas as
suas forças vivas so concentram nas mãos dos que governam,
sendo estes puramente militares, é que ella atravessou circum-
stancias, nas quaes a íUmilia se tornou insufAciente para ga-
154 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
rantir aos seus membros a satisfaçSo das primeiras neoessi-
dades: o pão quotidiano e a segurança da existência. Compre-
hede-se, sem esforço, a dificuldade que se mostrou, desde o co-
meço da longa migração, para conduzir separadamente os re-
banhos pertencentes a cada El^Morua ou chefe de fi.milia; for-
çoso era jantar os animaes em um só comboio que os bandos ar«
mados pudessem proteger.
No fim de longos prazos de jornadas e lactas, era impossível
proceder a partilhas e especialmente repartir ae perdas^ consi-
deradas como soflfridas por todos.
De tudo resalta a neoesssidade de formar series de rebanhos
eommans, cujo admnistrador é o chefe de guerra, o que ordena
os moTimentos e deve assegurar a alimentado dos combatentes.
De6t*arte, pòie^se dizer que se achavam invertidas as posições:
na montanha, como se viu, os rebanhos conseguidos pelos kraals
de guerra, pelos diversos El^M&ruas iam engrossar os rebanhos
dos chefes de familia, dos diversos Bl^Moruas ; agora é o con-
trario: subsiste só o rebanho pertencente ao campo de guerra,
engrossado pelos rebanhos particulares dos chefes de casa. E*
uma transformação radical, prenhe de consequências graves.
Despojado da gestão, que era sua funcção própria, o chefe
de fámilia retoma a lança, entra na fileira e vae perdendo aos
poucos suas qualidades de previdência postas em pratica em
tempo do pastoreio deambtdante^ e agora inúteis no meio de um
verdadeiro regimento. Só ao envez disso, o chefe encarregado
de tudo dirigir, de fazer viver toda a partida, conserva essa qua-
lidade da previdência. Ck)ncentra em suas mãos os interesses de
todos, dirige o rebanho e reúne em torno de si as mulheres que
se encarregam da manipula^ do leite. Este chefe toma-8e«
além de patrão gerais um director do trabalho ; toma-se, por
isso, muito poderoso, conserva a hereditariedade em sua fkmi -
lia, á qual, e só a ella, as oircumstanclas conservam a idóa de
previsão e de governo. B assim a raça de pequenos patrões
com suas casas independentes dos pequenos platós hervosos
chega aos pastos da zona do sul transformada em regimento^
com um pequeno numero de capitães hereditários, senhores
de tudo» dos guerreiros, das mulheres, dos rebanhos...
o BRAZIL SOCIAL Í 5S
Nas pastagens mais uniformes da Africa austral acbam-ae
mudadas as condições do trabalho, ao mesmo tempo que o oa^
racter da raça.
O regimen de simples deambulação {transhumanoe) Já nSo é
mais possível para o gado, porque a alternativa das estações
9Qcci9k e hnmiáA prodvt ao mesmo tempo as mesmas modificações
na região inteira. A Tida nómade, qual a praticam os moradorw
dos desertos do norte, ó impossível ao caflra, como Já se disse,
porque a existência dos pastores nómades, mongóes, semitas,
berberes ou aryanos, hontem como hoje, suppõe o laço patri-
archal na família e na tribu, o respeito das tradições, dos maio-
res, a autoridade dos anoiios, a solariedade baseada no paren-
tesco, cousas todas estas que Jamais ot negros possuíram, nem
até nos famosos platôs da região montanhosa de Lesta e ainda
menos, se é possível, nas regiõe» do sul e do centro.
O capitão nao ó um patriarcha; é um explorador e um do-
minador íbroz, que usa das qualidades de um mando que poude
conservar, não como pae devotado, sim como senhor interes*
seiro e implaeaTel.
Seu regimento é para elle uma cousa que lhe pertenee,
não é sua fttmilia.
8e as grandes migrações são interdietas aos poTos cafres,
em virtude de sua constitui^ social, se o pastoreio deambu-
lante, que corrige a desigualdade das estações, lhes escapa,
forçoso lhes á o reduzirem seus rebanhos ao numero minimo
de cabeças que a terra pôde alimentar na esta^ secca, a mais
desvantajosa. Não se pôde, pois, viver exclusivamente de gado
e deve-se recorrer á cultura^ aliás fooil e remuneradora pelas
condições favoráveis do clima.
Os pastos são, em geral, nas savanas do sul limitados por
espaços inflBstados de abrolhos e espinhaes ou por verda
deiras florestas que tornam as eommunicações difflceii de uns
para outros. Cada dan habita separadamente as vastas ilhotas
aptas ao pastoreio. Retida pelas fronteiras naturaes e pela re-
sistência dos visinhos, a oabiida tornvse sedentária e entrega-se
á cultura. B como a guerra ô constante nas fh>nteira8, entre
essas gentes arregimentadas, todo homem é soldado, o que vale
156 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
dizer, que á malher incumbe o trabalho da terra. 03 bomens,
nos intervallos dag expedições, passam os dias a fumar e a beber
em roda do kraal e das cabanas do capitão, A mulher Tem a ser»
desta íórma» o verdadeiro trabalhador e productor entre os
eaí^es.
Ora as necessidades das primitivas retiradas guerreiras já
tinham grupado as mulheres era torno do chefe e sob a saa
direcção.
Comprehende-se que esse mandão poderoso reclame o
maior numero possível de taes trabalhadores. Nas expedições
de guerra — não se captura somente o gado do inimigo,
leva-se também uma parte da popula(^o. Os homens^ são
massacrados, salvo os que podem fUglr a tempo do campo de
batalha; as mulheres tornam*-se escravas; os flihos, levados com
ellas, reparam as perdas que os continues combates infligem aos
vencedores.
Os meninos/ criados no exercito, tomarão nelle logar mais
tarde ; as meninas serão mais tarde desposadas pelos Indunas
(capitães), ou pelo rei. Até doze annos todos os meninos, nas-
cidos na tribu ou tomados de íóra, são alimentados exclusiva-
mente de leite. Desde que podem andar, vão duas vezes por dia
todos Juntos ao kraal do capifâo, e sob a inspec^^o deste ofll-
oial, tomam por si mesmos sua refeição nas tôtaj das vaocas.
Só por este traço tão característico póde-so avaliar o que
resta da família ! . . . Um capitão do bando a substituo nas Ain-
cções mais necessárias e mais intimas !... Tome-se nota do facto.
Acima desses capitães de bando^ origem certa de nossos ca-
pUães de matto eáe muitos outros mandões^ que sempre infes«
taram todo o interior do Brazii, onundos delles^ dos coct^^i^s sei»
vagens e de certos chefes de solares portuguezes, acima de taes
capitães esta o rei, capitão dos capitães. A autoridade superior,
poróm, exercida pelo rei não chega a contrabalançar a influencia
de que gozam os capitães sobre cada uma de suas companhias,
influencia que não ó o resultado d*uma intimidado de momento,
mas uma verdadeira força social, ligada á fUncção de patrão e
de director do trabalho, exercida pelos taes capitães. Infelizmente
a destruição da famiUa levou as cousas a este triste resultado.
o BRAZIL SOCIAL 157
O capit&o facilmente percebe o poderoso laço que o .prende
a seus homens, serve fielmente o rei, por causa das distribui-
ções de rôzes feitas por elle depois da viotoria, cujo principal
elemento foi o agrupamento sob suas ordens d'um grande numero
de companheiros. Mas quando se sente bastante rico e bastante
forte para escapar ao mando real, um rebento de ambíç^ brota
em seu cérebro. Quando se julga, por modos vários, preparado
para a empreza, emigra, deserta com sua companhia e seu re-
banho e vae por sua conta occupar uma terra afajstada, cujos
habitantes submette.
Estes, privados de seus gados, são coagidos a nutrir por
meio de tributos, cobrados sobre suas culturas, suas caças, suas
ooUectas, o bando invasor que fica formando uma espeeie de
casta superior, tendo só ella direito ao rebanho de bois. Os pa-
rentes do feliz capitão, seus guerreiros notáveis e os filhos,
filhas e ató sobrinhas destes —governam as aldeias e íázem
entrar os impostos*. . Por este methodo ô que tôm tido origem
os afamados governichos africanos de Mahololos, Matabeles, Zulus
e outras gentes do continente tenebroso.
A devastação, o roubo dos gados, a escravidão dos que
escapam têm sido o viver normal das gentes negras desde os
mais remotos tempos. E* regra que tem sido descripta por todos
os que as têm visitado desde o século XV ate hoje.
A formado exclusivamente militar dos povos que habitam
a região das savanas, vencedores ou vencidos, é a causa da fra-
gilidade do laço nacional entre elles. Este laço é quebrado nos
vencidos pela suppressão do kraal de gado do seu capitão ; nos
vencedores pela deserção constante, e, por assim dizer, clássica
dos respectivos capitães. E' uma espécie de endémica traição po^
litica de que, parece, varias amostras, como sobrevivência, tém
appareoido nos modernos tempos entre os régulos brazileiros e
seus mais chegados capitães. Em Africa o facto tem sido e ó
ainda hoje corrente.
Tornado Inhosi, istoé, m, o antigo /ncíuna, ou capitão^ in-
forma Préville, que tenho estado, repito, a compendiar, acha-so,
por sua vez, nas condições do Inhosi^ por elle abandonado, a
saber, tondo sob suas ordens officiaes^ possuidores cada um de
158 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
seu kraal de gados, aos quaes Impõe a autoridade que elle
acaba de sacudir por sua conta. Estes, após prazo mais oq menos
curto ou longo, conforme as circumstancias, pelo exercício
mesmo de suas funoçOes patronaes, são fustigados a ter para
com o seu rei ou Inkosi exactamente a mesma oonducta, o
mesmo proceder que elle próprio tinha seguido com vantagens:
eyadirem-se traiçoeiramente para o norte, pois é invariavel-
mente nesta direcção que se têm feito os movimentos dos bantús,
depois de sua segunda pátria nas savanas meridionaes.
O verdadeiro centro de agrupamento, de recrutamento so-
cial, o ponto inicial e persistente oommum a todos os membros
da agglomeração, entre os Cafres, ô, claramente, o rebanho que
possuo o rei ou o capitão.
Por Isso nas guerras incessantes que são o focto predomi-
nante da zona, os rebanhos são sempre a attracção e o lucro do
combate: o vencido, despojado do seu gado, é condemnado, por
isso mesmo, á morte nacional,
A importância que tem para o vencedor nada deixar
escapar de rebanho e de gente da população inimiga, é que dictou
as regras da táctica cafre: emquanto o centro âca immovel«
guardando as rezes, as duas alas do exercito se extendem ã di-
reita e á esquerda em um vaato movimento rotatório, afim de
encurralar completamente o adversário. Mas nem todos os
povos vencidos são destruídos; um grande numero, até de an-
tigos cafres, é simplesmente reduzido ã escravidão. O exercito
dos senhores, acampado em torno da residência real e submet-
tido a dura disciplina, escreve E. Reclus, citado em Próville, o
exercito dos senhores, infinitamente mais reduzido em numero
do que as populações escra visadas, só pelo terror pôde dominar:
apparece, ora n'u:n ponto ora n'outro, devastando campos, pi-
lhando os animaes. . . Gentes, outr*ora sedentárias, tomaram-se
hordas de fUgitivos, abandonando aldeias e culturas quando se
approxima o exercito do rei. O trabalho das minas é-lhes inter-
dicto para que se não enriqueçam; a caça do elephante, nas
regiões mais ao norte em que elle apparece, lhes ó vedada, por
ser uma occupação nobre e escravos não deverem se igualar aos
senhores...
Q BBAZIL SOaAL 169
Alguns deflses destroços de gente deixaram de oriar gado ;
03 Mandandas^ habitantes das plaoioies situadas perto do rei
de Gata, puzeram-se a criar cachorros, na esperança de gueao
menos esta carne deepresad^ não lhes será tomada por seus
oppressores.
£ são estas as gentes consideradas a raça affe^Uva por so-
nhadores phantasistas, preoccupados em arranjar trindades,
trios e trilogias!...
O caracter social dos bantús meridionaes está, eridente*
mente, ainda mais deteriorado do que o dos seus parentes
das regiões altas de lóste.
Não são elles, poróm, os únicos habitadores africanos
do sul do continente. Nos esteppes de sudoeste residem os
EoUentotes, que não são negros, como já âcou dito, e no desertp
de Kalahari e yisinhanças os Bushmanos.
Daquelles nada ha a dizer que intsresse ao Brazil ; dos
outros, dos quaes nos vieram não poucos exemplares, basta re-
ferir que esses Íncolas de magros terrenos de caga, impróprios
para o pastoreio e para a cultura, andam reduzidos á maior des-
organisação pelas diíflculdades d' uma vida quasi sempre er*
rante e semrecursos certos E' uma poeira de homens, diz o
illustre escriptor, sem laço, sem resistência contra as incursões
dos estrangeiros. De tempos immemoriaes os Bushmanos foram
um oelleiro d* escravos para os Hottontotes e Cafres.
£' tempo de passar á zona equatorial do centro, o grande
império da tiéué, a região sem rebanhos, sem pastores, a re-
gião da rudimentar cultura, da pura collecta e da grande e
pequena caça, a verdadeira África, viveiro d^escravos para a
America, durante perto de quatro séculos e durante mais de
quatro mil annos para o Velho Muudo.
A rápida vista lançada sobre as gentes de lóste foi exigida
pelo facto de ali estarem em gérmen as fontes dsus populações
afiicanas, segundo a melhor critica; o leve olhar atirado aos
povos do sul foi imposto pela necessidade de mostrar a pri-
meira deformação dos africanos negros, logo ao sahir dç seu
ponto de partida e pelo facto de que muitos milharejs dos escravos
importados no Brazil foram dali provindos.
160 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
A apreciação, porém, do caracter social das gentes do
oentro, dos africanos sub-equatoriaes, impoe-se a quem quer
que pretenda saber duas linhas acerca da formação, da cons-
titaiçSo e do caracter da sociedade brazLleira. Em que peze
a fátuo pretenciosos de todas as formas e feitios, ali está
uma das fontes caudaes que despejaram no Brazil, durante
quasi quatrocentos annos, numerosisimos contingentes para a
argamassa de sua população. Assim o quizeraro, assim o te-
nham. N&o é mais do que viver séculos do trabalho alheio, es-
crayisando duas raças, e depois pretender arrancar as paginas
da historia para phantasiar fidalguias. Não é mais do que
fazer do paiz um vastíssimo harsm de Índias, pretas, mulatas
cor de canella, e morenas cor de jambo, segundo o lyrismo
dengoso dos D. Juans colonisadores e patrícios, e, agora, impor
silencio ao sangue . • • A enormíssima mestiçada brasileira labuta
numa situado psyohologica verdadeiramente original: tem ódio
ao branco e procura por todos os modos passar por branca ! —
E* curioso. Falta-Ihe a coragem de dar-so pelo que realmente é. . .
A immensa zona africana do centro, manancial da mór
parte dos vinte e tantos milhões de negros escravos que im-
portamos, divide-se em quatro regiões, caracterisadas pela plan-
ta, cujo producto serve de base á alimentação das respectivas
populações : a mandioca, a hanana^ o tocusso {éleusinê]^ o sôrgko
[dourah).
Servir de base ã alimentação é, talvez, nm simples mado
de dizer, porque a verdadeira base se encontra na caça. Va-
mos lidir, pois, com gentes caçadoras, ao geito mais ou menos
dos Índios brazileiros: e digo mais ou menos, porque em Africa,
n:x região ora estudada existe a grande caçada dos enormes
quadrúpedes que não se encontra entre nós, como jã notei, pa-
ginas atraz.
As populações africanas, quer as berberes do norte, quer
as abyssinias, quer as negras estudadas de láste e sul, dão-se
como se viu, ú, arte pastoril c modiflcam-se, conforme as va«
riações impostas pela natureza a esse género de trabalho. Na
zona do oentro uma modificação ainda mais radical se eifectua
nas gentes negras.
o BRAZIL SOCIAL 161
Ahi desappareGem os grandes auxiliares do homem : o boi,
o cavailo, o camello. a cabra. Raros exemplares desta e do boi
são conservados num e noutro ponto* com enormes difficul-
dades. Alguns cães, também difflcilmente conservados, e aves
constituem a provisão de animaes domésticos. A causa deste
phenomeno estranho ô, como Já disse, repetindo sempre Pré-
ville, o quot ainda uma vez o noto, o leitor deve sempre ter
em vista, ô a mosca tzétzé^ também chamada mosca do éle^
phantôy cuja picada ô causa do morto certa para o boi^ o cavallo
Q o cão. O homem é immune. Mas é forçado a viver sem o au-
xilio dos principaes animaes domésticos, auxilio indispensável,
ató certo ponto, até para os mais elementares trabalhos de
simples coUecta^ de pequena cultura, do mera extrac(^, de fa-
bricação e de transportes (1).
Na vastíssima zona do centro esta o theatro do uma orga-
nisação social particular. As cabildas que passaram as fronteiras
dos domínios da tzéué foram aquellas que, não se podendo
manter nas regiões visinhas, se acharam compellidas a penetrar
e a ficar na terrível zona. Tiveram de transformar-se quanto
aos meios de existência e a estructura social.
A grande caçada, isto é, a caçada aos grandes animaes, os
buffklos, rhlnocerontes, hippopotamos e elephantes, exige agru-
pamentos numerosos, que se podem chamar clans fie caça. B*
recrutamento que se faz fora dos laços do sangue ; porque as
fiimilias estão Jã desorganisadas de antemão, quer anterior-
mente a seu recalcamento para dentro das mattas equatoriaes,
quer pela pratica diária da caça aos pequenos animaes ; porque
não se deve esquecer que as grandes caçadas slo relativamente
pouco numerosas e vão se tornando cada vez mais espaçadas.
(1) Cumpro chamar a attonção para a palavra coUecta, Segundo a
escola de Lo rlay existem certo» trabalhos de fácil producção arbores-
cente^ fructos, tâmaras, castanhas, nozes, amêndoas, etc, trabalhos
que os francezes denominam de simple cueillettè. Ora, a melhor
traducção de cueillette seria —colheita, se, em portugnez, esta pa-
lavra não se applicasse também aosproductos dos mais complicados,
difBceis e penosos trabalhos da cultura da terra. Por isso verto
sempre o termo francez por coUecta^ quando temo referido sentido.
4:?23— 11 Tomo lxix p. ir.
162 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
No valle do Congo, como no do Amazonas, os efléitos dessa
especia de trabalho sSo: a imprevidência, a superioridade ou-
torgada á mocidade sobre a velhice, o desenvolvimento do es-
pirito de máo individualismo dispersivo, o relaxamento do
berço familiar, a poIygamia« a cultura pelas mulheres, a indillé-
rença dos pais para com os filhos.
A familia assim desorganisada, não tom acçSo sobre os in-
divíduos que oompOem o olan ou bando da grande caça ; não
pode, além disto, lhes dar a mínima protecção contra o chefe
ao qual os submettem as necessidades do trabalho. Este chefe
é naturalmente vigoroso ; e o habito do perigo inspira-lhe o
despreso da vida alheia. A disciplina torna-se inexorável e o
poder absoluto do director não pode solfrer nenhuma opposição.
As cabildas de caçadores reunemnso ao som sinistro de enormes
tambores, espalhados nas mattas. Taes cabildas têm numorosis-
simos ensejes para mutuamente se guerrearem,
A caça se desloca diante da perseguição de que é objecto ;
o elephante torna-so raro, choga a desapparecer de certos sítios,
exactamente os que são habitados pelos caçadores mais intre--
pidos; a occupação por estes de novos territórios; o encontro
das cabildas ou clans ; as queixas frequentes que esses homens
violentos têm a levantar uns contra os outros ; a penúria, em
fim, todas essas circumst^neias sio causas constantes de guerra.
Os chefes de caçadoi^es tornam-se chefes de guerreiros ; os bandos
de caçadores tornam-se tropas de combatentes. A guerra é para
elles uma variante da caça ; e é bradando — Bobo, bobo^ carne,
carne, que se lançam sobre o inimigo.
Quanto ã mais notável de todas as caçadas, a do elephante,
dã ella logar á operação da partilha que exige a presença do
ohefe. A graxa e a carne utilisadas são em quantidade enorme.
A carne é dividida em manias que são moqueadai, exacta-
mente como faziam os Índios do Brazil, dos quaos os negros em
assumpto de caça, coUecta e lavoura nada tiveram a aprender o
sim muito a ensinar. Uma parte cabe a cada caçador ; a parte
do chefe é um terço ou metade do animal todo, conforme os
casos. Cabem-lhe, além disso, certas partes do íkto, mocotós,
orelhas, pedaços delicados, na opinião dnssas gentes, e, demais,
o BRAZIL SOCIAL 163
todo O marfim, O commercio a que este dá logar é antiquUsimo ;
6 foi eUe então oomo hoje o attrativo das caravanas para o in-
terior da Africa. Quasi todo anda nas mãos dos chefts on pe*
quenos reU E' um monopólio que llies dá ImmeQSo poder, dç
<mde nascem graves oonsequenoias.
A imprevidência dos caçadores e o apparecimanto da pena-
ria gerai trazem aos chefes repetidas occasiões de utilisarem a
riqueza, oriunda desse privilegio, comprando géneros que re-
vendom aos homens e mulheres de sua aldeia, dos quaes quasi
espontaneamente se constituem senhores, especialmente dos me-
ninos. As caravanas, traficadoras de marfim desde a mais re-^
mota antiguidade, desde sete ou oito mil annos atraz, fornecem
uma sahida segura para os escravos qua o rei não utilisa dire-
ctamente, além daquelles que ollas constantemeate prêam por
sua conta. £' no commercio do marfim, pois, que se deve pro
curar a origem do trafico dos negros para o Egypto, Núbia,
Arábia, índia, As^yria, Babylonia, Pérsia, Judéa o Phenioia
desde os mais longinquos tempos.
E eis o resultado geral, no centro da Africa, da influencia
do trabalho da caça sobre os populações: modificação da familia
e de todos os agrupamentos sociaes no sentido da escravidão.
Mas esta synthese das sociedades da zona central, da região
da caça, tomadas em oonjuncto, não dispensa a caracterisação
das gentes do cada uma das quatro porções em que aquella zona
se subdivide.
Cumpre, antes de ir adiante, não deixar em esquecimento
um traço de grande valor.
A religião dos negros oaçadores da mata é muito mais som-
bria do que a dos pastores pretos de leste e do sul.
Os feiticeiros não são mais os fazedores de chuva ; são fa-
brioantes de filtros e de encantamentos, destinados a fascinar
a caça, a afugentar as feras. São mestres eméritos na fabri-
cação de venenoe, cujo emprego se liga â arte da caça, o elles
estendem ás suas artimanhas magicas e feiticerias de caracter
vario. As myatoriosas trevas da floresta, cujos impenetráveis
labyrintos podem homisiar a morte a cada passo, o isolamento
e a falta de aipoio resultantes da profunda desorganisação da
164 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
fiuniliat arrebatam o caçador ]^ra os (errores supersticiosos,
entretidos caidadosamente pelos feiticeiros. Estes empregam
todos 08 meios para entreter taes pavores, simulando appari-
çlies sinistras, phantasmas medonhos, e nSo se esquecendo de
daremrse sempre como tendo o preciso poder para ooqjurar os
génios malignos que infestam as florestas. . .
A immensa zona das maias africanas se divide em quatro
regiOes especiaes, oomo J& se disse e repitiu. Cada uma destas
subdivisões não é influída só pelo clima e pela espécie de cul-
tura que suppre na alimentagSo, as deficiências, que se vSo
cada vez tornando maiores, da caça ; soffre também cada uma
delias o influxo especial das populações que as cercam e nellas
entram. Dest*arte a chamada regi&o da inandioca ; que é das
do oentro a mais meridional, é invadida pelos Cafres do
sul ; as denominadas da banana e do iociuso pelas cabildas di-
reotamente decidas das montanhas de leste, de GaUas e Chilu-
?tâê ; a intitulada do $6rgho^ colonisada, ha millenios, pelos
ChUuhes^ tem sempre permanecido sob a pressão das incursões
dos Berberes. Dahi, sob a ioflaencia desses três factores, dif-
íérenciações mais ou menos accentuadas.
O enorme valie do Gongo, especialmente na margem es-
querda do portentoso rio, e a bada do Ogouô ou Qabão são as
terras, por ezcellencia, da mandioca.
A cultura desta planta é a mais própria para os que se
iniciam na arte agrícola: exige muito pouco trabalho edá
grandes resultados. Nella tudo se aproveita: o amidon« a fé-
cula, as folhas, os brotos.
Tem apenas o defeito de cançar depressa a terra o que
força os negros, neste mesmo sentido, aliáSt jã influídos pela
caça que esoassôa, a mudarem-se de um sitio para outro. Esta
necessidade de mudanças perpetuas oppõe-se á constituição
da propriedade e contribuo para manter a instabilidade das fo^
milias. Os Cafres militarisados, cuja desciip^ J4 fcH dada,
facilmente se estabeleceram desde remotos tempos e estabe-
lecem ainda hoje nas terras oecupadas pelos caçadores a os
Ibrçam à cultura. Os vencedores, segundo o costume cafre,
attribuem a seu capitão, tomado rei, a posse do solo.
o BRAZIL .SOCIAL 165
Fundam novas aldeias e as povoam de captivos, homens
e mulheres capturados nos matos, e de fúgitiyosy que procuram
escapar a um senhor e caem sob o domínio de outro.
O rei colloca é, frente de soas aldeias seus principaes guer-
reiros e, de preferencia, os membros de sua parentellat homens
ou mulheres. Ha assim, uma continua fermentação de povos
em toda a zona ; a instabilidade de todas as aggremiaçOes po-
liticas ô completa.
As consequências de um tal estado de cousas refleotem-se
immediatamente na organisaçfio da familia, se este nome se
pode dar ao fraquíssimo agrupamento pelos laços de sangue por
ventura ainda subsistente entre estes negros.
Não sendo mais retidos em torno do hraalf porque nSo pos-
suem mais rebanhos, os pretos da zona centrai seguem a mOe^
quando ella se separa de seu homem ou vae morar noutra
aldeia. Este laço materno se estende até ás sobrinhas e primas
germanas nas famílias dos chefes que se arrogam uma certa
posse territorial. Mas entre o resto da população quebra-se em
cada geraçlio, porque não se apoia em nenhuma posse da tem ;
porquanto o rápido esgoUimento ou cansaço do solo, jã notado em
géneros do cultura dirigidos sem o menor methodo, impede a
constituição das propriedades particulares originadas do tra-
balho.
O direito territorial dos chefes ó um direito de guerra, re-
pousa no poder militar por ellos exercido.
Homem ou mulher, o chefe de aldeia não faz cultivar para
si só: o poder de que se acha investido, deveo a um chefo su-
perior, a quem obedeoe ; entrega ao capitão ou kilola uma
parte da coUecta ; ô até por causa da percepção deste imposto
que ó investido de auctoridade. O hiMa^ por seu turno, é en-
carregado especialmente de recolher os tributos das aldeias para
os levar ao rei. K uma vasta machina hierarchica destinada a
obrigar o povo a ciUHvar para os conquistadores*
Mantidos estes pela cohesão militar, ocoupam as posições
de mando. A população está, pois, dividida emduas classes: uma
inferior^ forçada ao trabalho por ordem alheia, desorganisada
pela constitui^ social qne deve á caça, e uma superior, que
166 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
força a outra á cultura, dlrige-lho o trabalho e recebe os pro-
ventos. Graças ú. disciplina que a mantém, osta olasso substitue
£ioilmente os chefes caçadores, e forma eâpeoies de dynastiat
qne se conservam no poder pelo rigor. A recepção do imposto
tom logar, em todos os grilos, cora um enorme apparolbo mi-
litar e com o barulho ensurdecedor de tambores.
E* verdadeiramente o senhor que recebe a qnota do hu-
mildes servidores ; estes, delegados dos moradores das aldeias,
prostram-se diante do chefe, esfregando-se com o pó do chão. A's
vezes o rei se resolve a dar uma volta por seus dominios e a
receberas contribuições em casa dos súbditos.
Emprehende continuamente expedições para punir o atraso,
a negligencia ou a recusa do imposto e muita vei toma este pre-
texto para executar terríveis razzias. O poder do tyrannno sobre
seus capitães oa kihlas só se mantém por uma disciplina
de ferro: a etiqueta é severa e as mais leves íkltas aio
punidas. Só existem duas espécies de pena : a mutilação e a
morte!
Cumpre notar, aânal, que os negros da região da mandioca^
ooftumados à lavoura, foram sempre, em todos os tempos, pro-
curados poios tralioantos de escravos. As Antilhas, o Brazil, os
E&tados Unidos forne)eram-se ali dos negros chamados— Conpot,
feios, accrescenta Préville, mas robustos e trabalhadores. Esse
mercado está hoje fechado ; e, todavia, a exportação por terra
continua em vasta escala para o Oriente e para outras regiões
da própria Africa.
A região, ehamada da banana^ é aquella em que a floresta
snb-equatorial africana ô mais mde e intensa.
Ahi param os invasores bantús ou cafres meridionaes.
Deve existir um grave motivo que, na Africa Central, íto
parar aquelles guerreiros e oe impede de levarem mais adiante
toa eolonisação agrícola. E' o que se vao vér.
A região do que se trata, situada debaixo do equador, esten-
dendo-se ao norte e ao sul, mais naquella do que nesta direcção,
recebe nma enormíssima quantidade de chuva, durante todo o
anno e todos os dias. A zona inteira, alôm de sua proximidade
tia linha dos eqninoxios, está collocada no ponto em que se én-
o BRAZIL SOCIAL 167
.contram as três series de inclinações ou declives que formam
os grandes accidentes da Africa interior.
A immensa ourva-norte, doscripta pelo Cougo, ó determi-
nada pela linha na qual vêm morrer as descidas dos platós dos
desertos do sul, a queda meridional das oumiadas entre Nilo-
Congo-Tchad e os últimos contrafortes da zona montanhosa de
leste.
£\ por certo, posição que oonvem a um massiço de matas
Yirgens.
A altura e a dimensão das arvores, no âmago da floresta,
dão abrigo a uma tão inexcrioavel vegetação, mais baixa, que se
emaranlia sob suas sombras ; e é tal o cerrado de troncos, ramos,
lianas, cipós, matos e folhas ; tão espesso o conjnncto de tal
agglomeração de páos de todas as formas e tamanhcs, que im-
possível quasi ó a travessia, o que explica a razão pela qual as
terras que se avisinham do alto da curva do grande rio não
tenham habitantes em grande extensão e tenham âcado sempre
fora das explorações tentadas aates de Stanley e Schweiníúrth.
Taes difflculdades impediram o pas:)0 aos exploradores eu-
ropeus e aos próprios bantús.
Sob o ponto de vista da cultura, considerável dificuldade
origina-se da fulta de estação secca e vem a ser o pullular con-
tinuo das liervas, nomeadamente das altas e fortes gramíneas
equatoriaes, nas clareiras derrubadas da floresta. Asroçagens
e sachaduras para supprimir hervas são de nenhum effeito,
porque estas, sob a ac(^ da humidade constante entretida
pelas chuvas diárias, pullulam e crescem por encanto. São
um obstáculo para quaesquer plantações que se quizesse con-
fiar á terra.
Por isso, na região florestal vrisinha do equador o principal
alimento, tirado do reino vegetal, não ô devido á. cultura e
sim fornecido por uma essência arborescente^ que é a banana,
A região das matas equatoriaes e da banana atravessa a
Africa inteira, desde a zona dos grandes lagos próximos ás
terras altas de leste, até ao golpho de Guiné. Fica entre as
terras oongolezas, próprias ao cultivo ia mandioca, e as re*
glões situadas ao norte, nas quaes predomina a lavoura de ce-
168 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
reaea. Pode mr dividida, por sua vez, em dois climas diffe-
rentes.
Nas regiões mais baixas, como s&o as meridionaes confl-*
nantes com as terras da mandioca, domina o regimen florestal
puro: nas partes mais altas, nas qnaes a regifto das matas se
approxima das montanhas de lôste e de oeste, nota-se modiA«
oa^ de clima em sentido mais favorável á vida.
A zona inferior e paramente florestal oonstitae um im-
menso tarritorio de caga,
B' a lúgubre e phantastiea floresta descripta i>or Stanley,
pondera Prôville, e a qual o explorador americano attribuiu
uma extensão de 840.0(X) kilometros quadrados sem levar em
conta seu immenso prolongamento para o oeste.
Nestas florestas virgens inextricáveis, que parecem sem
limites, vagam as liordas ameaçadoras dos selvagens A9%$$ibas^
dos ferozes Pahuins^ Fans ou Ossyéboi cujas incursSes no Ck>ngo
Francez e no Gongo Portuguez sâo de vulgar noticia.
Outra raça, curiosissima, ali residente ó a dos Pygmeus.
As terras mais altas, mais seccas, posto que snjeitas ás
chuvas equatoriass, sSo próprias para as bananeiras, plantadcu
ou limpas de mato em vista da coUeeta dos fructos. A* bananeira
devo Juntai*-se outra arvore preciosa, a palmeira de aseitê
{iSasis guineensis)^ productora do conheeidissimo ateite de dêndê
edo, menos vulgar no Brazil, mnho de dendê chamados também
aseite e pinho de palma. O óleo serve para variados arranjos
eulinarios ; o vinho p5o ao alcance dos negros, por um slmplis-
simo trabalho de mera coUecta, a bebedeira diária e geral. (1)
Nestas terras, que devem ser elassi doadas entre as de
eollecta^ a banana e o óleo de dendô constituem o fundo da ali-
mentação, associados a diversos produotos espontâneos:
inhame, batata doce, milho e á eaça^ fkcto constante de toda
a zona central africana. £* um viver mais fácil do que o dos
(i) Vide, alóm de A. de Prévillo, sobre eita zona — Um anno
no CongOy oor Jayme Pereira de Sampaio Por jaz de Serpa Pimentel,
Lisboa, 1899; e mais — As Colónias Portug^iezas, por Ernesto J. de
G. e Vasconcellos, Liabaa, i896; e maia — A raça negra soh o ponta
i6 tiêta da civilisação da Africa por A. P. Nog^aeira, 1881.
o BRAZIL SOCIAL 169
simples caçadores da mata pura e dos bantús do sul, planta-
dores de mandioca e disciplinados pelo trabalho.
As gentes da zona da banana acham-se organisadas em
olans baseados sobre o trabalho da collecta.
SSo curiosos exemplos destes povos com tal organisação
ds famosos reinos de Dahomey^ na extrema occidental, o Mombutú
na extrema oriental da zona de que se trata. São anthropo^
phagos.
Como em toda zona central africana, a família entre os ne-
gros que fazem da coUecta da banana a base principal de sua ali-
mentaç&o, apresenta um minimo de cohesSo e fixidez ; o prin-
cípio de agrupamento nâo é para elles a tradícção patriarchal
inexistente, ô o trabalho da collecta, ao qual concorrem utilmente
os meninos o as mulheres. Por outro lado, 6 preciso ser forte
para defender, contra os viandantes e os risinhos e principal-
mente contra o invasor, attrahido pela abundância, uma safira
sempre pendente^ que não custa a fazer brotar e crescer e que
garante fartamente o pão de cada dia. E' mister ser numeroso
para ser forte.
D'ahi o agrupamento em grandes aldeias de cabildas que
se arregimentam em torno de um chefe, cnjo poder é jastifi*
cado pela necessidade.
A força de cohesão quo dá o agrupamento em grande nu-
mero não é empregada somente na defensiva. Comprehende-so
bem que um povo dado ao mesmo tempo á collecta da banana
e do dendê, á caçado elephante e do buffalo, sempre em armas,
sempre prestes para o que der e Tier, deve emprehender sem a
menor cerimonia expedições contra as naçõos visinhas . As de-
vastações dos de Dahomoy são famosas. Não o sio menos os
dos de Mombatú. A lóste e sul desse reino, nos paizes que mar-
geam o Bomocandi o Kibali, residem negros dados ã cultura,
possuidores de algumas cabras e sem chefes poderosos. São os
Afon/Víf considerados pela aristocracia bananal dos Mombutús
como raça inferior. Os chefes do pavoroso reino, de per.neio com
as sortidas para prêar buífalos e elephantes, ordenam amiu-
dadas razzias entre aquellas gentes desprezadas. Ao grito de
carne ! carne ! atiram-se sobre os pobres stlvagens e voltam
170 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
trazendo oabrai e oaptiTos. E, como os de Mombutú, não pre-
cisam de auxiliares para suas levissimaa culturas, nem desejam
de modo algum, para augmentar o numero de seus guerreiros,
que indivíduos estranlios ao clan sejam admittidos a compar-
tilhar da collecta de suas bananeiras e de seus elais, a
sorte dos prisioneiros 6 decidida por outra íòrma : são comidos I
As ceremonias do saoriftcio têm muitos pontos de contacto com
as dos selvagens do Brazil. Idêntico é o hediondo espectáculo
dos trophéos de craneos que orlam de lado a lado as longas
ruas dai aldeias.
Nada ô mais adequado para impedir uma sociedade por esse
caminho do canibalismo do que a organis ição em clan defensivo
como essa que é imposta aos negros que vivem da collecta da
banana. Esta forma de sociedade ó adaptada ao clima equato-
rial de uma sô estação, onde a safra dos ftuctos está sempre pen-
dente,
O exclusivismo gerado por este modo de agrupamento, o
soberano desprezo para com todo o individuo que não faz parte
da cabilda transpiram de tudo e em tudo se fazem sentir. Tal ó
o caso em toda a região entre os Akkas, Pahuinos, Balolos, Aia-
neunas, U-Gandas, Mombutús e Dahomeys mesmo depois da des-
truição dos fortes reinos dos três últimos povos inglezes e fran-
A observação dos factos que influem positivamente nas so-
ciedades, pondera ainda o escriptor, dã a explicação das causas
de tão estranhos costumes. Gomprehende-se a cohesão que
liga as sociedades que vivem da collecta, o poder absoluto, ex-
tenso, oentralisado na mão dos chefes, que sobre ellas se alo«
vantam, a ferocidade e os appetites repugnantes como esses
dessa espécie de negros. Desde osopó das montanhas de leste ató
ao golpho de Guiné, desde os Mombutús e U-Gandas ató Ofl Da-
hwneys e Yoruhas^ o espectáculo é o mesmo: o agrupamento dum
grande numero de mulheres em torno dum chefe de casa perpe-
tuamente bêbedo de vinho de palma, as razzias de captivos nas
regiões próximas ao reino, a policia disfarçada e presente por
toda parte, o numero excessivo de fúnccionarios e a ins'
tabilidade de suas posições, a guarda do rei e seus regimentos
o BRAZIL SOCIAL 171
de guerreiros e de amazonas, os hedioodoa trophéos de oraneos
à roda do paço real emâm, os massacres e sangrentas orgias
oostameiras aptas a conservarem o canibalismo em estado tra-
dicional e, por assim dizer, oonstitucional.
Essas truculentas gentes, que actualmente chegam atô esta-
cionar nas yizinlianças do Atlântico, devem sua origem a an-
tigas e formidáveis migrações vindas do oriente atra vez das
florestas equatoriaes.
A. de Préville falia com segurança de uma numerosa e irre-
sistível invasão que chegou até ao mar, no século XVI. Neste
ponto posso vir em auxilio do meu prestimoso guia.
EUe quer se referir á tremenda invasão de 1558 que le-
vantou todo o antigo Império do Gongo, visitado em íins do sé-
culo XV por Diogo Câo.
De irrupções anteriores áquella faliam os velhos João de
Barros, Manoel de Faria e Souza, Ruy de Pina e Duarte Pacheco.
Da de 1558 tratam Duarte Lopes, Frei Luiz de Souza^ Qarcia
Mendes, Gastello Branco, que eram contemporâneos,
€ Dapois de estabelecidas relações dos portuguezes com os
reis do Ck>ngo e seus súbditos, escreve Forjaz de Serpa Pimentel
consolidando as narrativas de antigos escriptores, depois de es*
tabelecidas relações dos portuguezes com os reis do Gongo e seus
súbditos, invadiram-no em 1558 as tribus selvagens dos Ajahkas^
MaJacaSf Mazacas, Yakkas, Djaggos OU Gingas, as quaes per-
corriam, guiados por valentes chefes, a Aílrica Central de leste
a oeste, lançando a morte e o extermínio por toda a parte.
Chegaram até Banza iV* Bati ou Ambasse (a S. Salvador dos
Portuguezes), onde destruíram tudo até a própria cathedral e
os templos christãos que os portuguezes Já aili tinham erigido,
não encontrando resistência porque o rei do Congo, a sua corte,
os missionários, a população inteira da cidade, á approximação
dos invasores, se haviam refugiado numa das ilhas que os por*
tugnezes oooupavam no Zaire (o Congo dos mappas modernos)
pouco acima de Bòma e d'onde só sahiram, reconstruindo a ca-
pital depjis de El-Rey de Portugal ter mandado em seu soc-
corro uma expedição sob o commando de Francisco de Gouveia,
expedição que conseguiu expulsar os Yakkas do paiz, deixando
172 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
porém, já O império negro do Coogo em rápida e progressiva
decadência.» (1)
£' a conflrma^o completa do facto assignalado por Préviile
e a porfeita jastiflcação das idéas a que elie chegou por diverso
caminho,
Campre-me, apenas, accresoentar que de taes tmcolentos
invasores da África occidental, a despeito de sua fereza, os ne-
gociantos de escravos, os negreiros enviaram durante trezentos
e cincoenta annos alguns milheiros de exemplares. Que bella
acquisi^o ! Que interessantes exemplares da raça affecHva I
Poucas palavras mais a respeito dos pretos das regiões do
oGusso o do sôrgho e estará ílnda esta resenha das gentes afri-
canas que ajudaram a formar a populaçio brazileira no espaço
de cerca de quatro séculos.
Comecemos pelos primeiros.
Nas terras baixas de Guiné, a producçSo em ponto grande
da banana e do oleo de palma pôde BStender-se até ao 1^ gráo
de latitude norte e chegar em certas paragens até ao lO^*; na
parte oriental, porém, da vasta regifio própria para estes pro-
duotoso 4<» gráo norte é, em regra, o limite ao seu desenvol-
vimento, por causa da altitude das terras. Álóm do Rio Uellé,
acaba a região da collecta e entra-se no paiz denominado San^
deh, habitado pelos Niam-Niams^ terríveis bárbaros que to-
maram parto nas invasões do século XVI. O ceatro do paiz
constituo as cumiadas e espigões que dividem os affluentes do
Nilo Branco e do lago Tohad e dos do rio Ubanghi. Privados
dos rebanhos por causada tzétzé, privados da banana, dodendô
eda mandioca, os Niam-Niams arrojam-se com todo o ardor á
caça, abundante na região. Javardos, macacos, esquilos, tre-
padores vários, concorrem com os elephantes, leopardos, veados
e cabras montezes. Mas, nem sempre ha a fartura ; ao contrario.
Ha estações no anno em que o elephante deixa os platós e em-
brenha-se nas florestas, onde é difflcilimo préal-o. Os pequenos
(í) J. P. deS. Forjaz de S^rpa Pimentel — um anno no Con<^o,
o BRAZIL SOCIAL 173
e tímidos aoimads, por outro lado, espantados na mata, com o
barulho feito pelo elephante, quando sopra, se espoja nos brejos,
quebra os ramos seccos ao passar, sacode as arvores om que
se coça, fogem, a grande e a pequena caça se redozem conside-
ravelmente.
Os Niam^Niami ou comedores^ atiram-se a tudo : inhames,
raízes, comestíveis, cortiços de abelhas selvagens, (cera e mel),
ratos, rans, lagartas. . . ,n&o esquecendo as formigas de azas (tér-
mites) das quaes extrahem um óleo brilhante sem máo gosto.
Surge a antropophagia e com ella o costume de comer o fiel
companheiro do homem : o cão I. . .
Nesta zona, porém, desmentindo o facto, sempre notado do
reduzido numero das gentes puramente caçadoras, a população
é numerosa. Igual desmentido, pondera o guia que vou se-
guindo, se nota entre os Bantút dá região da mandioca e os
descendentes de Gallas da região da banana. E' que estas
plantas supprem fartamente as falhas da caça. Na região, ora
estudada, esse papel ó representado pela planta chamada pelos
abysslnios dakwsa {tsada agussa), conhecido pelos portugueses,
affirmo eu, desde o tempo em que estabeleceram suas primeiras
relações com a Ethiopia, em tempos de D. João 29, denominada
por elles, imitando o termo abexim, ou tocuãsa-tacussa. Os fran-
oezes chamam-lhe eleusine, conservando- lhe o nome soientifico
{eleuiina-coracana) porque só a conhecem pelos livros. Os negros
trouxeram o tocusso ao Brazil, em cujo norte existem planta-
ções delle (l).
E' uma planta da família das gramíneas, não da tribu das
panicéas e sim da das chloridéas, E' o trigo do Sandeh; mas, um
trigo pobre em amidon e qualidades nutritivas; é recurso ali
dos caçadores, tanto mais quanto sua cultura é facillima e pôde
ser feita quasi exclusivamente pelas mulheres. Cada um tem
que tomar cuidado de sua colheita e por isso estabelece-se no
meio das suas culturas. Não existem cidades nem aldeias ; cada
logarejo contém duas ou três famUias, isto é, duas ou três pa»
(1) Vide Gaminhoá ^ Botânica.
174 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Ihoças, em cada uma das quaes Tive uma mulher com os
filhos, e, mais, a casa do marido. O pai2 ô cheio de numerosos
contrafortes que partem das montanhas de leste, separados
por valles florestaes, perfeitamente intransponiveis e defen*
sáveis.
Com tal disposição natural dos logarôs, a aoçao dissolvente
produzida pelo trabalho da caça tem formado um reiniculo ou
▼ice-reiniculo de cada um desseB planaltos. E' uma multidão de
pequenos povos governados com o mais infrene despotismo por
pequenos chefes. Rei (bié) ou vice-rei {bainki), o chefe traça para
si uma vasta propriedade, ciiltÍTada por suas mulheres que são
numerosas, e por escravos tirados de raças submettidaá. A
Mbanga^ residência do regulo, se reconhece logo entre as di-
versas cabanas, espalhadas no plató, pelos numerosos escudos
suspensos nas visinhanças, nas arvores ou em postes, pelos sons
das cornetas de marfim, pelo retumbar do grande tambor sus-
penso na praça. Alguns guerreiros de escol noite e dia, ás or-
dens do senhor, montam guarda nesta praça cercada pelas re^
sidendas reaes. Cabanas circulares com tectos cónicos d'altura
excepcional servem para qiorada do rei, de cada uma de suas
mulheres, de corpo de guarda, de thesouro e de celeiros. E' o
rei que espreita a apparição dos bandos de elephantes, faz dar
pelo tambor signal da batida e apoderasse por isso de todo o
marfim e metade da carne. Conduz frequentes expedições de
guerra contra as aldeias; dá o exemplo da cultura, fikzendo pro-
duzir seus campos, comendo o tocuss j o oíTertãndo a seus hos-
pedes e visitantes a excellente cerveja feita daquelio grão. E*
quem faz os casamentos.
Quando alguém se quer casar— faz o pedido ao resito, que
lhe arranja mulher a gelto. Os pães da noiva não são consul-
tados, nem recebem nada do fhturo genro. A explicação desta
singularidade, em desacc<»do com o que se passa em toda a
AMca, provém de ser a mulher votada ao trabalho de cultura,
OQja iniciação e superintendência geral pertence ao rei, e nesta
qualidade de alto patrão dos operários agrícolas, que são as
mulheres, arroga-se o direito de collocal-as como lhe parece
conveniente. Etites reis são conquistadores, que se consideram
o BRAZIL SOCIAL 175
verdadeiros donos de seus súbditos, formam yerd&deiras dynas-
tias e exercem um poder rigorosameote despótico !
€ O chefe Mukia (um dos taes regalos do Sandeh visitado
pelo moderno viajante grego Potagos) o chefe Mukia, escreve o
viajante citado em Prévílle, mandou chamar os homens que
deviam me acompanhar ; tendo-os atirado por terra, baten-os
desapiedadamente, ordenando-Ihes o combaterem até a morte,
se preciso fosse, por mim e por seu irmto mais mogo que ia
acompanhar-me em seu iogar. Ajuntava que se elles nos aban*
donassem, fal-os-ia morrer, a elies, a suas mulheres e a seus
filhos...
O medo que inspiram taes régulos, ajunta outro vkijante,
oDr. Schweinfurth, também referido no meu gvia neste as-
sumpto, o ten-or que inspiram a seus súbditos ó inacreditável;
conta-se qae, no só intnito de lembrar o direito de. vida e de
morte de que se acham investidos, esccdhem uma victima na
multidão, lançam-lhe um laço ao pescoço e abatem-lhe a ca-
beça com a sua própria mão !• . .B' mais um traço da crueldade
negra que parece apta a esclarecer a grande affectividade de
que são dotadas essas gentes.
Mais duas ou três paginas a respeito das popalaç?^ da
região do sôrgho e estará completo este inquérito sobro os afri-
canos pretos, caudalosissima fonte de que se alimentou a for-
ma<$o de vários povos americanos.
Em toda a região da tzéiMé, a caça, substituindo o trabalho
pastoril, forma, sob o ponto de vista social, pondera ainda Pré-
viile, uma espécie de tela geral na qual se vêem desenhar as
modificações occasionadas por outras influencias.
Nas regiões, já percorridas, da mandioca, da ban^-naQ do (o-
cuisso, a humidade do clima e a curteza das estações seooas des-
envolvem a vegetação arborescente de preferencia a qualquer
outra; geram a floresta e dão, ipso facto, á caça a preferencia
sobre todos os ontros modos de vida.
E!ssa região, porém, tem um limite caracterisado ao norte
da zona Cbutral, peia parada dos povos aathrc^of^agos e de saas
culturas de toeusso. Ao sahir das florestas virgens e das bana-
neiras, a recolta do máo trigo dos caçadores é já indicio da mo-
176 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
deração das estações hamidas que dão ao grio tempo de se
formar. O clima melhora progressivamente no sentido da reda-
cção da humidade ; a mata cede o passo a cultura at6 as fron-
teiras dos grandes desertos septentrionaos, onde se torna ella
de novo impossivel, por motivos oppostos aos da r^ião florestal.
A cultura preponderante, na zona de que se trata, ó o sôrgko
(dawrah)^ lambem chamado milho da índia e milho de Guiné.
E* o cereal dominante na Africa e Ásia, em toda a immeasa
área comprehendida entre as terras equatoriaes e os desertos
seccos que atravessam essas duas partes do mundo. Em toda essa
enorme porção da terra o milho da índia pôde ser considerado
como a base da alimentação vegetal do homem. Entre os pró-
prios pastores árabes do Soldão o pão ou bolo de sôrgho é de
extrema importância, quanto mais entre as populações pretas
privadas de gados ainda por causa da terrível tjsétsé.
A primeira consequência das condições do logar vem a ser:
pela ausência do pastoreio e da caça como meio seguro de exis-
tência, os homens não podem entregar-se senão ã cultura ; tra-
balham nos campos com suas mulheres e filhos. A poljgamia
i Ilimitada em uso entre os caçadores não tem mais razão de
ser, o numero das esposas entre estes povos agricultores parece
reduzir-se a três. O laço social que reúne as fJBLmilias ó baseado
nas necessidades da cultura,
O trabalho determina então a reunião em aldeias, e í)siz ap-
pareoer o chefe natural nesses pequenos clans.
Entre os chefes de familia que vivem separados uns dos
outros cada um em sua cabana, a massa é imprevidente. Depois
da collecta, durante a estação secca em que nada se tem a fazer»
o maior numero desses pretos vive largamente sem a menor
economia. As mulheres batem no pilão durante todo o dia e
assam continuamente os bolos de massa. Enorme quantidade de
grão que deveria durar até á colheita seguinte, é posta a fer-
mentar para a fabrico de uma grande provisão de cerveja.
Yive-se a beber, a mandriar, a Jogar, e antes do fim do anuo
os grandes potes da predilecta bebida estão vazios e ató os grãos
que serviam de semente acabados. Surge a necessidade, a pe-
núria. Come*se, então, toda a casta de alimárias.
o BRA/JL SOCIAL 177
Quando volta a sazão das chuvas o o tempo do proceder a
Dúvas plantações, a maioria dos negros, nem sequer possuo se-
mentes para plantar cm suas roçi-is. S' quando intervém o in*
dispensável patronato, (1) Algum velho ccoDomico empresta aos
esbanjadores sob condições vantajosas. O devedor torna se por
um certo numero de dias servo do credor, que, tendo sabido
guardar grande cópia de sementes, tem necessidade de braços
supplementares para bem utilisal-a.
O velho, quando é previdente, está em condições de eco*
nomisar, o numero do boccas cm sua casa tem diminuído com o
estabelecimento dos moços que vão fazer vida ú, parte ; em sua
provisão do grãos ha um stock disponível ; e, quando tem ca-
sado filhas, a moeda em ferros de enxada, pás e cavadores (é a
moeda da terra) está agglomerada em seu thesouro. Surge-lhe
a olientella de todos os lados ; os sous devedores, que se tornam
outros tantos jornaleiros o servidores, cercam-no.
Seu prestigio augmenta. Acreditam que entretém relações
o jm o feitiço do sitio. (2)
Nas proximidades da aldeia avulta uma moita de mato, ou,
ás vezes, uma grande arvore, escapa da queimada, por cuidadoso
asseiro, e cercada d'um parapeito de terra. E' o templo do fei-
tico. Depois do trabalho do dia e a refeição da tarde, os habi-
tantes da aldeia, sentados á porta de soas cabanas, fumando
enormes caximbos, gozam da fresca do crepúsculo. De repente»
fortes barulhos fazem-se ouvir do lado do bosque sagrado. Todas
as vistas se voltam para lá. Luzernas movediças, cabeças me-
donhas, vultos ameaçadores apparecem. A*s vezes uma voz si-
nistra se escuta, denunciando um furto, ou qualquer outro crime
com tremendas imprecações e ameaças aos culpados. S' o fer-
reiro da aldeia, que, por ordem do velho chefe, sen principal
(1) Patronage ó o termo francez ; siçuifica, é claro, a acção pro-
tectora (lo patrão ; pódc-se também tracluzir por iirotccrão, patroci-
'fíio, padroado. Kscrevrria, uo caj-o do texlo, palronagem, 8o não
Uv(8'0 medo da fúria pur .-^la que se apoderou ai^^ora dos aristarchos
do Rio de Janeiro.
(2) Fetiche ó o termo francoz, tirado do nosso feitiço. E dizer que
do torna viagem, tem .ido traduzido por fetiche I
4323— lá T«.M<) Lxix. P. it
178 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
cliente, simula a appariçao do feitiço. Na manhan seguinte
encontrará perto do bosque sagrado as ofTertas dos indivíduos
amedrontados: cabaças de mel, gallinhas, eto.
Tal é um dos processos do governo do velho rico ou myeré.
Um myeré, se 6 só n*uma aldeia, ou os tnyerés reunidos em
conselho quando ha diversos, formam o poder publico da terra.
Esses myerés são simples patrões necessários ; porque tôm a
suficiente previdência e salvam a população, todos os annos,
da fome. Em comparação aos chefes de tantas e tantas outras
gentes afiricanas, que foram estudadas, constituem uma bella
excepç&o. Mas, a medalha tem reverso, pondera, afinal, o illustre
analysta.
Para percebel-o, basta levar um pouco mais longe a obser-
vação dos ftictos, concernentes á vida publica entre os negros
do sôrgho.
A familia do myeré participa da sorte commum a todas as
da aldeia, que são perfeitos typos da família instável: os filhos
estabelecem-se á parte desde a mocidade, e nenhum delles herda
exclusivamente a posição criada pelo pao em seus velhos diais.
A situação patronal instável ó periodicamente desfeita pela
morte. E ainda mais radicalmente é destruída entre esses
negros, do que n^outras sociedades que têm o mesmo regimen,
porque elles nem ao menos possuem, como próprio, o solo que
cultivam ou mandam cultivar. Nenhuma influencia séria por-
tanto, se pôde perpetuar na aldeia e menos ainda estender de
uma aldeia a outras, ligar entre essas minúsculas sociedades
esparsas as relações que pôde criar e manter a existência de
nma aristocracia rural, que transmitta integralmente a he-
rança paterna a uma serie de herdeiros escolhidos» adestrados
no governo dos negócios locaes. Por isto as aldeias da região do
sôrgho são constituídas isoladamente e a raça que as habita
desconhece todo liame nacional.
Nenhuma cohesão, nenhum accôrdo, existe entre ellas; a
região inteira está dividida em pequenas commuuidades ia-
dependentes que vivem entro si em uma completa anarchia.
Por isto, ainda fácil, foi aos arabe^^ vaqueiros das ft-onteiras
o fundarem no sul das seus desertos a multidão de sulta*
o BRAZIL SOQAL 170
natos alli existentes, juntando milhares e milhares de al-
deias negras sabmettidas a tributo e a razzias de escravos.
E eis porque na ZDna central aft*icana a regiSo do sôrgho foi
sempre e é ainda hoje o principal theatro do trafico dos negros.
Homens, mulheres, e até os meninos habituados á cultura
são procurados e assaltados em massa para os trabalhos agrí-
colas dos oásis do grande deserto quando não são nas pró-
prias aldeias reduzidos á mais dura escrayidão. A raça dos
Bongos, dos Mitus^ dos Belandas tem quasi desapparecido de-
vido a uma exploração desenfreada e a desvastações inauditas.
Os escravos Bambarras figuraram outr*ora em avultado nu-
mero á bordo dos navios negreiros carregados para a America.
Cultivam hoje os campos do Dahomey e os oásis do Adar e de
Marrocos. Os árabes e seus mestiços musulmanos, os reis pretos
da costa de Guino exploram estas populações, cujo fracciona-
mento paralyza n*ellas toda resistência. E esse fraccionamento ó
a consequência d'uma constituição social que leva á instabilidade
de todas as posi^^. Tal ó e tem sido durante dezenas e dezenas
de séculos o estado real das populações negras da Africa.
O grande sociólogo francez, nas precedentes paginas
resumido e condensado, attribue tão deprimente situação ao
que elle chama a grande singularidade das gentes negras : não
haverem em parte alguma da terra e em tempo algum da his-
toria chegado a conhecer a organização patriarcTuil da famUi%,
Para a escola de Lo Play ó a excepção única conhecida:
todas as raças aryanas, semitas, uralo-altaicas, mongólicas»
todas, ató as americanas das Montanhas Rochosas, México e
Peru, passaram por um organisador período patriarchal; as
gentes pretas nunca. . •
A essa oiroumstanoia finalmente attribue o illustre scien-
tista o que denomina o grande facto social africano: o trafico
de escravos desde a mais remota antiguidade ató aos dias de
agora. . .
Depois vêr-se-ha a consequência de tudo isto na psy-
chologla geral dos brazileiros.
A CAPITARIA DO CAKJTA
DR. MANUEL DE MELLO CARDOSO BARATA
Sócio honorário do Instituto Histórico e Qeographico
Braziloiro
1
Pablicando a Capitania do Camutâ^ estudo devido á competên-
cia do illustra Io consócio Dr. Manuel do Mello Gardoao Barata,
a Commissão de Redacção archiva nas paginas da Bevista mais
um curioso trabalho do modesto, mas proficiente hiatoriographo
paraense.
(Nota da Commissão de Redacção.)
A CAPITANIA DO CAMUTÁ
(breve noticia histórica)
Faz hoje 270 annos que fallecen om Villa Viçosa de Santa
Craz do Camatá, aonde fora á procura de melhora de saade, o
primeiro governador e capitão general do Estado do Maranhão
(1626-1636), Francisco Coolho de Carvalho, que foi sepultado na
igreja de S. João Baptista, matriz daquella povoação. Era elle
filho de Feliciano Coelho, antigo governador de S. Thomé e^ de-
pois, da Parahyba (1595), e oommendador da Villa de Côa ; e de
sua mulher D. Maria Monteiro.
Antes de tomar posse do governo do Estado, Francisco
Coelho de Carvalho militara em Pernambuco contra os hollan-
dezes.
Antorisado pelo alvará de 19 de março de 1624 (1) e cart^
(i) Ea RI Rey faço sabor aos qne este Alvará virem que por justas
conçoderações do meu soniiço quo mo raouorão líoy por bem que
francisco Goelbo do Carualiio, quo trnho nomeado por çoucrnador
do Maranhão, com parecer do Prouedor de minha íazenda daquella
conquista, possa Rej)artir as terras, <* (>apitanias daquelle Estado,
aos pouvadores e cultivadorn.s qiin pedirem, sondo pessoas d*^ sus-
tancia, E cabedal, que cumpro sor.Mn taas para Benr^ticio das ditas
terras, c cípitanias, E com obripação de havorem de pedir comíir-
mação ddlas no Conselho de minha fazenda dentro de dous annos
primeiros seguintes, Koste so cumprira inteiramente como se nelle
comthem, o qual valerá como Cirta, e não passará pela ClianccUaria
sem embargo das ordenações do sep^undo Liuro, numero trinta E noue, ,
quarenta, que dospoein o contrario, francisco da Brtu o fcs em*
Lisboa a dezanoue de Março de seis centos e vinte quatro, Diogo
Soares o fes escrever.» (Carta de doação da cipitania do Camutá a
Feliciano Coelho de Cirvalho, 16'í;. Chancellaria do Felip.pe III,
Liv. 35, foi. 95, no Archivo da Torre do Tombo. Por copia,^ que pos-
sui mos.
184 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
rógiade 14 de maio de 1633 (2), Francisco Coelho concadcu a
capitania do Camutá a seu filho Feliciano Coelho de Carvalho,
que, tendo vindo com elle de Portugal, servira no Maranhão e
Pará, e commandára a expedição mandada em 1G32 contra o
forte inglez de Cumaú, tomado do assalto, na noite de 9 de
julho desse anno, pela intrepidez do capitão Pedro Baião de
Abreu. A carta de doação dessa capitania foi-lhe passada em 14
do dezembro de 1633 (3), em compensação da do Caetó, que lhe
havia sido doada pelo mesmo governador, S3a pae, em 1627.
Por carta de 25 de maio de 1622, Felippe III fez mercê a
Gaspar de Sousa, que fora governador geral do Brazil (1613-1616),
de € huma capitania nas terras da dita oonqnista do Maranhão
ou Pará, conforme ao sitio e parte que elle escolhesc o com a
mesma Jurisdição o obrigam com que foram conoelidas as
outras capitanias do Estado do Brazil pêra que benoflciase e fi-
zese povuar, da qual morce lhe passou portaria om 22 de
agosto do dito anno, com declaração que com ella se prezentaria
sua nomeação authentica do sitio c parte que escolheso para a
dita capitania de que se lhe passaria carta de doação...» (4). Fal-
(2)«. . . o as mais capitanias desst* Kstad ^ E Jo Pará so repartirão
lo^o a particulares quo tenhão cabedal para as pouoar c cultiúar,
Kodazindo<is ao menor distrito para quo oh donatários, a que se iiser
mercii doUas, po.>são milhor cumprir com suas obriírações, princi-
palmente com a da Tortifícação, dandosse huas a pcs-^oas quo por
merco minha tenhão pormeça diillas, comforme seus despachos, e
procedendossc' em so repartir as mais com formo as ordens quo nos
estão dadas, c ao que Aca dito.» (Idem, ibidem.)
Conseguinti^mente, não tem razão Varnhagen, quando diz que
«Ao ter conhecimento dos planos de Bmto Maciel, acerca do estabe-
lecimento de novas Capitanias no Estado, assentou o governador
(Francisco Coelho do Carvalho) que poderia doar desde logo duas,
uma ao mencionado seu lilho (Feliciano Goeliio do Carvalho), o outra
ao sou irmão António Coelho de Carvalho, dcscmbarf^ador do PaQO,
— fundando-so, para iisso, abusivamente, no disposto em húas pro-
visões régias (o alvará oa provisão de 19, e não de 17, de marco de ÍG24
c a carta r(''gia de 14 de maio de 1633, mencionados), que o autori-
savam a dar terras de sesmarias,)^
(Hist. Geral do Brazil, 2* ed., t. II, p. 711).
(3) « Dada nesta Cidade de são Luiz do Maranhão sob meu aignal
E senete de minhas armas aos quatrose dias do mez de Dezembro.
António Gonçalves teixeira, tabalião a fes de mil e seis centos e
trinta e três annos. O governador francisco Coelho de Carualho.»
(Carta de doação, citada).
(4) (^.arta de doação da capitania do Caete a Álvaro do Sou^a.
Chancellaria rio Felippe IH, Liv. 27, lol, 82, no Archivo da Torre
do Tombo. Por copia, quo possuímos.
A CAPITANIA DO CAMUTÁ 185
lecQu porém Gaspar de Sousa, som qae tivesse escolhido as terras
qae deviam constituir a capitania promettida. Álvaro de Souza,
seu filho mais velho e herdeiro da soa casa e dos seojs serviços
ao rei, fez peti(^, em 10 de outubro de 1C33, dizendo que < em
conformidade da dita mercê e sentença de Justificação lhe fizesse
mercê mãodar paasar doação da dita capitania.,, e declarou
que elle escolhia para a dita sua capitania as terras que jazem
desde os Rios tury athe oRio cayte.» (5) A* vista disto foi-lhe
passada a carta de doação da capitania do Gaetá, em 13 de
fevereiro de 1634 (6), ficando portanto sem effeito a doação
dessa capitania anteriormente feita a Feliciano Coelho*
Da aldeia de Santa Cruz do Camutá fez Feliciano Coelho ca-
beça da sua capitania, como lho fora determinado por seu pai
na carta de doação, € por ser o lugar mais defenaauel de todos
que ha nas ditas terras», e deu-lhe o titulo do Viila Viçosa de
Santa Cruz do Camutá, em 1Ô35. £rigiu-lhe a modesta igreja
matriz, já, referida, sob a invocação do S. João Baptista, ees«
tabeleceu um engenho para fabricar assucar (7).
O primitivo assento dos Índios dessa aldeia, os tupinambás»
não foi esse,oomo se tem dito. Mas, deixemos por agora de lado
este ponto, que nos levaria mais longe do que desejamos. Basta
dizer que elles foram para ahi mudados em 1620, de outro sitio,
fora do rio Tocantins ; o ã sua nova aldeia se continuou a dar o
nome do Camutá, da soa primeira situação. Foi então a novi^
aldeia missionada pelo padre capucho de Santo António, Fr.
Christovam de S. Josô, que nella ergueu uma cruz de madeira,
donde lhe veiu o nome de Santa Cruz do Camutá. Passou depois
(1643) á administração dos frades carmelitas ; destes, a dos je-
suítas (1655), que foram substituídos pelos capuchos da Piedade
(5) Idem, ibidem.
(6) « Dada nesta cidade de lixboa a treze dias do mez de fcveroiro
lais de cerneira a fez anno no nacimento do nosso senhor Jessu
christo de mil seis centos e trinta e quatro annos.» (Idem ibidem).
(7) A principal cultura e layoura da terra era o tabaco de que se
faziam annualmente cerca de dois mil rolos, ou quatro mil arrobas. A
canna de assucar dava em gran I3 abundância, como também algodão,
urucucú e laranjas. Nas cercanias da cidade de Balem havia então
dois enprenhos. Não s» fazia, poróm, assucar por falta de caldeiras e
outros utcnsilios; fazia-se aguardente.
186 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
1003); e, finalmente, depois de remcttidos estes para Portugal
(1750), passou ella a ser parochiada pelos meroenarios.
O P.^ José de Moraes (8) refere que, sendo a aldeia assolada
por uma epidemia de bexigas, o padro jesuíta Manuel Nanes a
mudara para ò sitio de Parajó, que é o da actuai cidade de
Gamutâ, segando Cândido Mendes(nota ao texto daquelleauctor),
a qual foi elevada a esta categoria por lei provincial n. 145, de
24 de outubro de 1848. Não nos diz José do Moraes o anno, em
que se fez a mudança. Mais de um missionário jesuíta daquelle
mesmo nome entraram no Pará, de 1655 a 1680, tendo sido um
delles companheiro do P/ António Vieira e reitor do coUegio
desta miSGÕo (1655).
Pelo que podemos conjecturar, parece que a aldeia fOra
para alli mudada pelos annos do 1670—1690.
O logar abandonado ficou desde então denominado «Camuld*
tapera*.
Pouco depois da mort3 do governador, seu pai, partiu
Feliciano Coelho, em outubro de 1636, para Lisboa, onde re-
quereu e obteve a confirmação da doação da sua capitania, por
carta de 26 de outubro de 1637 (9) .
No dizer dessa carta, a capitania do Caiiiutá ceram as terras
que ha Entre o Rio Pará ( Tocantins ) e o primeiro Braço do
Rio das amasonas ( Xingu ), com as legoas que ou ver do estreito
que cie chamâo do Camutã atte sahir ao Rio Corupá (costa de
de Gurupá, margem direita do Amazonas), que podem ser
quarenta legoas, pouco mais ou menos, por Rumo direito, e por
o dito rio do Corupá assim para o de paranahiba ( Xingu ) as
legoas que costumão tor todas as capitanias de que tenho feito
mercê naquellas terras damerioa. Respondendo osta arrumação
pello Rio do Pará (Tocantins) assima p:\ra o sul pella parte
(8) «Historia da r.onipanhia «lo J >sus, in Momorios para a Historia
do extincto Estado do Maranhfio, por (landitlo Mim loa de Almeida,
T. I, p. 499-500.
(0) « ... Da Ia nosta ci<lnde de Lixboa, aos vinte sois dias do moz
do outubro, Bertolarnen da J^aujo n fez Anno do Nassiinento do Nosso
Senhor .Tcssu Christo d' Mil e sois centos E trinta o sotte.. AfTonso
deBarros Caminha a foz oscrov^r El Rey. Concertada Manoel Oodinha
da Silva. (Chancollaria do D, Follipo [II, Livro 35, foi. 95, Archivo
do Torre do Tombo, Por copia que possnimo^).
A CAPITANIA DO CAMUTA 18T
de loeBie onde se aoaba o lemite que ea tenho nomeado para a
Capitania do Pará. • .
Bem aasy mais seiuo do dito fóliçiano Coelho de Caraalho e
seuA guQwaorei ajs Ilhas que oaaer na maneira anima dita atte
desE Lagoas ao Mar na firontarla £ de maroaçfto das ditas qna*
ronta Legoas de costa (Agente) de sna Capitania, as quais se Bn-
tenderfto medidas palia maneira que âea dito e emtrarSo pello
oertao e torra firme a dentro pello modo aasima dito, E dahy
por diante tanto quanto poderem emtrar B forem de minha
conquista daquella terra. • •» •
Por esta delimita^ se tô que a capitania deFdiManoOoelhe
abrangia o yasto tracto de terras comprehendido entre a margem
esquerda ou Occidental do rio Tocantins e a direita oa oriental
do Xingu. A sua costa ou íirente era a tàM septentrional desse
continente, desde a Ponta de Tatuoca, de Jupatitnba, do Li-
meeiro ou do Frechai (nomes que se lhe tem dado), extremo da
margem oocidental da fiMs do Tooantius, até o rio das Areias
(10), hoje Marajó-miri ou Marajoi, afiluente da margem direita
do Amavmas, três léguas superior & boca do canal de Tajipará
que demora dose léguas abaixo da cidade de GurupA.
(10) «...Também aqui advirto ao leitor que passando pelo rio Li-
mooiro, fazendo-se nma linha imaginaria ate o rio das Areias, tudo
o que ftca a mão direita era pertencente ao Barão da Ilha Grande
(donatário da capitania da ilha Granie do Joanes), e o que fíca á mão
esquerda tocava ao donatário do Camutá, Francisco de Albuquerqna
Coelho de Carvalho (o quinto e ultimo donatário), cujas terras começão
da boca do rio Tocantins até o rio das Areias, por costa, com algumas
ilhas, e quarenta loa:ua8 para o certão... Da Aruoará (Portel), se a^-
guissemos a costa da terra firme, poderíamos Ir sahir á boca do
rio das Areias, ao largo do Gurupé... E sahindo nesse famoso rio
(Amazonas), objecto da nossa descri pção, a poucos passos topamos, á
mão esquerda, com a boca do rio aas Areias...» (P^, José do Mo-
raes, líist, da Comp, de Jesus, in Memorias para a Hist, do esetincto
Estado do Maranhão, T. i, pp, 501—502).
«Navegando já pela Costa austral do rio das Amazonas acima se
atravessarão peía ordem seguinte as bocas do igarapé das Areias,
do rioPionrui, edoiguarapé das Aningas, até aportar em a villa e
fortalexa de Santo António de Garupa, que fica treze léguas acima da
boca superior do Tajepurú.» (João Vasco Manoel di Braun. Roteiro
choropraphiro, i 784) .
«O rio das Áreas, que desagua no Amazonas junto á entrada sep-
tentrional do Estreito Taygipurú, he navegavid por largo espaço
através de matos cria'Ioeem terreno plano, povoado de caça.» (Aires
do Casal, Corographia brasilica, 1817 T. 11, pp. 304—305).
188 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
O qae então se oham&ya < estreito do Camuia» é o canal qae
corro entre a supra determinada costa e as ilhas adljaoentes,
atravessando as bailias dos Bocas ou de Oeiras» de Portel c de
Melgaço, donde sae com o nome de Tajipurú, o yai desembocar
no Amasonas. Bssas bahias são alimentadas pela ooQjancção dos
rios Cupij6, Araticú, Panai va ou Panaúa, Jacundá, Pacajá o
Uanapú ou Quanapú, e muitas igarapés ou ribeiros, que docon*
linento do Gamutá surgem pela margem meridional delias.
A linha de fundo da capitania devia correr, de um lado,
pela margem esquerda do Tocantins acima, até o limite da capi-
tania do Pará (margem direita), que era o primeiro salto deste
rio (a cachoeira das Guaribas, oincoonta léguas acima da sua
foz); de outro, pela margem direita do Xingd c as legoas que
costnmao ter todas as capitanias de que tenho feito mercê
naquella costa damerica ». (11)
£sta capitania oomprohendida assim as duas capitanias em
que Bento Maciel Paronte, no seu conhecido € Memorial >, havia
proposto a divisão dessas terras, que ello considerava ilhas :
uma, entro os rios Tocantins e Pacajá, com vinte léguas de lar«
gura e quarenta de comprimonto ; outra, entre esto ultimo rio e o
Xingu, com vinte léguas de frente o quarenta e cinco de fundo.
Feliciano Coelho nao tornou do Lisboa & sua capitania, cujo
governo confiou a seu loco- tenente e capitão-mor Cipriano Maciel
Aranha.
Succedeu-lhe, em 1G46, na donatária da capitania seu irmão
António de Albuquerque Coelho de Carvalho, que foi nono go-
vernador e capitão general do Estado do Maranhão (I(j67-1671).
Ao terminar o seu governo, em 1071, António de Albu-
querque mandou oxhumar da igreja de S. Juão Riptistado Ca-
(11) Equivocou-so Varnhagcn, dizondo qno osla capitania «devia
começar dos coiiCms da capitania do Pará ; coaCms quo cm 13 do abril
de anno {Í033) foram decretados ser na l» caxoeira do Tocantins,
devendo a doação chegar até as terras dos Tapuyassus » (Obr., t.
e. p. cit.)
Os confínsd.i capitania do Pará, ou a primeira cachoeira do To-
cantins, era taiàibem o limite sul ou do fundo da capitania do Ca-
mulã. As tf'i'ras dos Taptiymsus ou, antes, o rio dos Tapuyussus
(Curupntuba), marirem esquerda do Amazonas, era o limite d.i capita-
nia do cabo do Norte, deBmto Maciel Parente, c não da do Camutá.
A CAPITANIA DO CAMUTÁ 189
mu tá os restos mortaes de seu pai Fi-aucidco Coelho de Carvalho,
eos levou comsigo para Lisboa.
ADtonio de Albuquerque Coelho de Carvalho veio a suoceder
tambeni na donatária da capitania de Cumá, no Maranhão, por
ter casado em segundas núpcias com sua prima D. Ignez Maria
Coelho do Carvalho, filha e herdeira do desembargador António
Coeltio do Carvalho, a quem a dita capitania fora doada por sou
irmão o governador Francisco Coelho de Carvalho, por carta
passada na cidade de Belém em 12 de junho de 1627, e confir-
mada por Phillppe III, por carta « Dada nesta cidade de Lisboa
aos quinze dias do mez de Margo do Aono do nascimento do
nosso Senhor Jesus Christo de mil seis centos trinta e novo». A
doação da capitania de Cumá foi confirmada em D. Ignez Maria
Coelho de Carvalho por carta de 6 de outubro de 1648.
As duas capitanias, de Camutá e de Cumá, ficaram assim reu-
nidas no senhorio de António de Albuquerque Coelho de Carvalho.
A este succedeu na donatária das duas capitanias seu filho
Francisco do Albuquerque Coelho de Carvalho, que falleceu a
14 de abril de 1720, cm Lorvão, co;narca do Coimbra (12).
Por este donatário foi concedido ã Camará do Camutá uma
sesmaria de terras, para seu património, por carta de data de
37 de maio 1713, cujo auto de posse foi lavrado em 20 de no-
vembro do mesmo anno.
Tendo fallecido sem filhos, deixou iostituido por testamento
seu universal herdeiro a seu irmão segundo, António de Albu-
querque Coelho de Carvalho (segundo do nome), a quem foi
passada carta de confirmação das duas capitanias em 2 de no-
vembro de 1722. Foi este António da Albuquerque Coelho do
Carvalho decimo segundo capitão-mór do Pará (IG85— 1690) e
decimo quarto governador o capitão general do Estado do Ma-
ranhão (1690—1701).
Por patente de 7 de março do 1700, foi nomeado gover-
nador .do Rio de Janeiro. Exercia elle este cargo, quando, sendo
oreada, por carta regia de 9 de novembro daquelle anno, a ca-
p itania de São Paulo e Minas do Ouro (Minas Geraes), até então
(i2) Gazeta de Lisboa ^ n. IS, ile 2 du iiiaiu de 1720.
190 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
aonexada & do Rio de Janeiro, foi elie nomeado gorernador e
capitão general da nova capitania, por carta da mesma dat^ e
patente de 83 de novembro do mesmo anno. No sen governo
foram creadas (1711) as Tillas de Ribeirão do Carmo, Villa
Rica 6 Villa Real do Sabarã, e elevada á categoria de cidade a
villa de São Paulo (171^). Chegando-lho a noticiada inva^U) do
Rio de Janeiro pela esquadrado DugayTrouin, marchou k
A*ente das suas tropas em soccorro da cidade, que encontrou jã
abandonada pelo seu governador, Francisco de Castro Moraes,
acampado com as forças da guarnição no sitio do Eagenlio-Novo.
Este havia assignado a capitulação imposta pelo almirante
francez, no dia 10 de outubro de 1711, véspera da chegada do
António de Albuquerque.
Voltando á sua capitania, passou o governo delia a D. Braz
Baltazar da Silveira, no dia 23 de agosto de 1713, e tomou ao
Rio de Janeiro.
D'aqui partiu, por via da Bahia, para Lisboa, aoade chegou
a 7 de março do anno seguinte, depois de ter resistido victorioei^
ao ataque dos piratas de Argel, a não N. S. do Carmo, em que ia
de viagem. Foidepois nomeado governador de Angola, cigo go-
verno exerceu desde 22 de março de 1722 até 5 de abril de 1725,
em que alli falleoeu, e foi sepultado na igreja dos padres capu-
chinhos.
Suocedeu-lhe nas duas donatárias sen filho mais velho
Francisco de Albuquerque Coelho de Carvalho (segundo do
nome), aquém foi confirmada a doação por carta. « Dada em
Lx* Occiai aos Yinte e quatro dias do mez de março Anno
do nascimento de N. Sr. JezuChristo do mil setecentos trinta
e cinco. »
Foi o seu ultimo donatário.
Os melhoramentos da capitania nenhum cuidado mere-
ceram aos seus donatários ou loootenentes, que se limitavam a
colher o fructo da terra peio braço do indio servo, objecto de
continua disputa entre os donatários, os capitães generaes e os
missionários. A carta regia de 3 de março de 1684 determiuava
ao governador Francisco fie Sá de Menezes < que não tire Índios
da Capitania do Camutá. . . », e a de 17 de janeiro de 1699 ad-
vertia ao superior das missões que < tenhaes entendido que a
A CAPITANIA DO CAMUTÁ 191
jurisdição chamada temporal, que se tos conoedeo se não en-
tende em forma que por virtude delia fiquem os índios das al-
deãs das Capitanias do Gamutá e Cumá, de que he Donatário o
dito António de Albuquerque Coelho de Carvalho isemptos da
sua jurisdição, nem para quo possaes de algum modo impedir
■cus mandados, que sempre se prezumem justificados, e quando
acheis o contrario o deveis fazer prezcnte ao dito Donatário,
ou ao seu Capitão Tenente, por modo de requerimento, e não
de jurisdição, para que vos defira como for de justiça, e não
vola fazendo recorreis a mim para rezolver o que for servido,
porque deata forma se evitarão estas contendas, e inconveni-
entes...». Em 1731 era tal o desamparo da villa do Gamutá,
que nem egroja, nem casa de camará e cadeia tinha ; pro-
pondo-se por isso um morador do logar, Bento Bonito Vam-
zeller, a edifical-as & sua custa, pela recompensa de postos de
commando» Disto faz menção o curioso documento, que trans-
crevemos :
«Dom Joãc-etc. Faço saber a vós Governador, e ca-
pitam General do Estado do Maranhão que vendosa o
que me escreveo o Bispo do Pará em carta de onze de
septembro do anno passado, cuja copia com esta se vos
em via, assignada pelo secretario do meu conselho ultra-
marino, sobre a total ruina, e miserável estado, a que
se acha reduzida a Villa do Camutá, e o oferecimento
que fez Bento Bonito Banzeler (Vanzeller) para edificar
a Igreja da mesma Villa a sua custa, e fazer casa da Ga-
mera e cadêa pondo todos os materiaes necessários,
mandandolhe eu dar somente os ofilciaes precisos com
condição de o prover no posto de capitão-mor da orde-
nança daquella capitania, e de lhe dar a Administração
da Aldeã de índios, que se fundou junto da dita Villa
em sua vida e de seu filho. Me pareoeo ordenar vos in-
formeis ouvindo o Donatário da Villa, e o capitão mor
actual interpondo o vosso parecer. Kl-Rey nosso Senhor
o mandou pellos Doutores Manoel Fernandes Varges e
Gonçalo Manoel Galvão de Lacerda, conselheiros do seu
conselho ultramarino, e so passou por duas vias. Dio-
nysio Cardoso Poreyra a fes em Lisboa Occidental a
192 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
quatro de Janeyro de mil setesentos e trinta o dous. O
Secretario Manoel Caetano Lopes de Laire a fes es-
crever».
Não sabemos se Yanzjller obtere despacho favorável, e se
foz as obras propostas; não oncontramos documento que nos es-
olareccsso.
Tendo D. Josó I rosolvido reunir aos beus da coroa todoi os
dominios ultramarinos, doados pelos reis soas predeoessores a
alguns particulares, foi oxtincta a capitania do Camutá e cncor-
porada na coroa, como também a do Cumà , por carta regia do I
de junho do 1754, por meio de uma índomnisação paga a Fran-
cisco do Albuquerque Coelho de Carvalho, em pensão annual do
trcs mil cruzados.
Belém do Pará, 15 de setembro de 1006.
i
REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO DÂ HISTORIA
DR. PEDRO AUGUSTO CARNEIRO LESSA
Sucíj circctivo (lo Instituto Histórico o Gcographico
Brazileiro
4323 — i3 Tomo i.xix. v. Ii.
Reproduzindo n^ste tomo da lievista o trabalho do consócio
Dr. Pedro Augusto Carneiro Lassa, já publicado alhures, a Com-
missão de Redacção tivo om vista archivar nestas paginas mais
nma demonstração sup3rior do ominentj homem de letras, per-
mittindo a sua leitura aos que não puderam ainda apreciar as
esclart^cidas considerações sobro o conceito da Historia e aos que
desejarem de prompto relel-as.
(Xoia, da Commistão de liedacção.)
 HISTORIA ANTES DE BUCKLE
Na Qrocia e em Roma, consistia a missão do historiador em
narrar os acontecimentos memoráveis. Obra d'arte, o não de
scienoia, a historia so escrevia geralmente para perpetuar, en*
carecendo, os feitos militares, ou políticos (I) ; e seu priacipal
merecimento estava em reproduzir tradições e chronicas, muitas
vezes infleis» sob os primores li tterarios do ostylo descriptivo.
Dionysio do Halicaraaso nota uma cor la semelhança entre
a forma animada e pittoresca da Hisioria de Heródoto c a dos
poemas de Homero {i) . A profunda concisão de Thucydides e a
perfeição attica de Xonophonte fizeram da Historia da guerra do
Peloponeso e da Retirada dos Dez Mil inimitáveis modelos de
(l) Tácito deplorava não poder iii 'luir nos sou.s Annnes os assum-
ptos que faziam o objocloda historia, qual a entendiam os antigos ro-
manos: « Não se devem comparar os meus Anna''s com as antigas his-
torias do povo romano. Nesse tjmpo, iiavia para contar grandes
guerras o granies hatallias; muitas cidades tomadas por força, o
muitos reis vencidos ou ditos pi*ir>ioneiro>; c, se alguma voz so fazia
munção djs nv;gocios domésticos, era para relatai* livremente as dis-
córdias dos cônsules com os tribunos, os d. bates sobre as leis a:4;rarias
easc3ntendas do povo com os «grandes. Mas, o meu objecto c muito
somenos, e pôde 8 !r talvez que também assim seja a minha gloria;
pois escrovj de uma época ejn <[uo, quasi sempre tem havido paz, ou
poucas vez s tom si lo pjrtu»kÍ3ada ; e na qual não posso dar noticia
senão do desgraças int.rnas, e d) governo de um príncipe que nunca
ambicionou estender o s íu império. . . A deseripção de diversos povos
edillerentjs paizcs, a varie. lide das batalhas, e as acções iilustres
dos grandes capitães, naturalmente prondom o enlevam a attenção
dos Ifitores; mas, eu não poso nem tenho para contar senão ordens
e decretos atrozes; continuas accusações; perfilas violações da
amizade; ruina e de>gra<vas de muitos iunocentes ; o ao mesmo tempo
quaes foram as suas causas; objectos estes que, por soreni quasi em
tudo semelhantes, chegam por fim a enfastiar.» (Annaes, liv. 4^%
XXXli eXXXlll).
(2) Historia de Heródoto, trad. de Miot, pref., XXXVIU.
196 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
narração. Sallustio, de quem dizia o poeta Marcial «prtmiis ro«
mana Crispas in historia, exige do historiador, como primeira
condição do successo, tuma linguagem á altura dos aconteci-
mentos» (3). Som embirgo das suas qualidades de homem de
acção, dos seus dotes do incomparável cabo de gusrra, Gesar foi
exímio na grammaticae na rhotorica; e tão rigoroso era o
sou classicismo, que aconselhava a ovitar as expressões novas ou
incorrectas, com a mesma solicitude com que o marinheiro deve
fugir das penedias (4). E' por isso que Cicero, segundo o testo-
munho de Suetonio, admirava o estylo puro dos Commenlarios,
ao ponto de reoommendar que ninguém «bordasse sobro essa
talagarça» (5). Tito Livio éa eloquência romana: tendo vindo
Já muito tarde— quando a libardade ora apenas uma tradição —
para exercitar os seus talent:)8 oratórios, o achando intordicta
a tribuna das arongas forenses, transportou o rostro para as
Décadas, o, no dizer de Taino, «tV /xU hislorien pour resler
orateur» {6). Quinto-Curcio, um simples rhotorico, a nenhum os-
oriptor cede na descripção das batalhas. A energia, a profun-
deza e o brilho do estylo de Tácito, que «a poesia, o ódio e o
estudo inílamaram e sombrearam», só se encontram uma voz
na historia (7).
Mas, sob as formas attrahontes ou empolgantes deisa con-
summada arte de descrever, não se procure, pois frequente-
mantc seria vão esforço, apurar a fldelídade das infv>rmações.
Inquirir a verdade dos factos. Não se observavam, porque so
ainia não conheciam , os cânones da heurística, da diplomática
eda critica de Interpretação, sem os quaes ninguém hoje se a-
vontura ã árdua tarefa da historiogt*aphia (d). Ilaros historia-
dores, ao roconstruirem os factos políticos e militares da vida
liv. 2.
(3) Caliliva IJI,
(4) Momuisen, Ilistona HomanatVoi, 7', liv. 5.o, cap, Xllt
(5) Suotonio, Os Dose Césares, Júlio César, L. VI,
(6) Essai sur Tite^Lice, iutroducção, § 1,«.
(7) Taino, obra citada, conclusão. g2.".
(8) I.anj^lois o S.^ig-nobos, Tntmhirtion av.v E\itãcs Ifisforiquss ^
A HISTORIA ANTES DÊ fiUCKÍ.B 197
de um personagem, de uma família illustre, ou de um povo em
determinado período (o cifrava-se nisso a lustoria), procediam
a um escrupuloso exame das provas, ou se davam ao ímprobo
labordó cirandar meticulosamente os documentos. Quão poucos
poderiam repetir» convencidos, as palavras de Thucydides! « No
qie toca & verdade dos factos, diz o autor da líiHoria da guerra
do PeloponesOf não dei credito As primeiras pessoas que en-
contrei, nem a minhas Improsaõas pessoaes; narrei &ómente
os acoot^i mentos de que fui espectador, ou sobre os quaes
adquiri informações procísas ode certeza absoluta» (9). Na
Anabatê, Xenophoote descreve factos de que hi tostomunUa,
porquanto fez parte da expedição de Cyro, o moço, a qual cora-
maniou depois da morte de Gloarcho, o por isso a sua narrativa
se acceita como verdaieira ; mas, na Cyropedia^ tanto desde-
nhou averdade, que é hoje opinião unanimo não passar a Historia
de Cyro de um romance moral (10). Bm vordade, aquille joven
príncipe, dutado pela natureza do todos os encantos imagináveis
do espirito e do corpo, educado no seio de um povo singular,
que a tudo antepunha a utilidade publica, e de til arto for-
mwa o cjra^o de seus Alh)â, que eUo) não commoUiam
jamais actos censuráveis, nom tiuham nunca motivo para
corar; aquellos bárbaros, tão zelozos cultores da Justiça que
nas escolas só ensinavam as normas do direito, tão imbuidos dos
preceitos da mais pura ethica, que escrupulosamente prati-
cavam todas as virtudes mais tarde preconisadas p3lo chrístia-
nismo ; aqnelle perfeito o clovadissimo estoicismo, quo nos ÍH?
antever em cada Persa, sectário da religião mazdeista, o mais
bem acabado pvototypo do mystico medieval (II); tudo isso por
certo pólo constituir o ornato o o onsinamento moral do um
livro destinado á educado da juvontude, mas destoa profunda-
da Ti-a lucção do Lóvôsqae, liv. I», XXII.
(10 .Tá or.inçoso Laharpe comparava a Cyropedia ao Telemaco de
Fi^nelon, no Diantnto Pve/tmi7iar quo procede a trada»ção de Sue-
Innio. RofiRuet ó um dos poucos historiadoros que dão credito á
Cyropedía {I)is?ours sur rifistoivt' Univfrsi^lle, pari 3 primeira,
7* epoc:i).
(II) Cyvopediay liv. 1.''
198 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
menie da severidade do historiador. So» para escrevera Reti-
rada dos Dez Mil, Xenophonte fez de Thucydides o seu modelo»
qnaoto á fidelidade da exposição, na Cyropedia imitoa o pae da
historia, o qual com fabulas e lendas, entretecidas nos fkctos^
oompoz 03 seus nove livros, consagrados ás nove musas, e que
mais se assemelham aos cantos de uma epopéa do que aos capí-
tulos de uma historia.
Nfio obstante o manifesto desdém de Quintiliano, ao. alludir
ás historias gregas (12), os historiadores romanos não foram
menos descaroaveis para com a verdade. Difílciimente compre-
heademos hoje o modo como Tito Livio se preparou para
escrever a historia, a sua absoluta ausência de curiosidade
quanto aos documentos e testemunhos com que devia cimentar
as suas narrativas. Bra«lhe fácil ir ao thesouro publico e ao
templo das Nymphas, para lêr sobre as taboas do bronze as leis
regias e tribunicias, os antigos tratados celebrados com as nações
vencidas pelo povo romano, os decretos do senado e os plebis-
citos ; cumpria-lhe, ao menos, recorrer aos annaes preparados
pelos pontífices, que minuciosamente foram annotando todos os
acontecimentos merecedores de transcripção na historia romana;
mas Tito Lívio teve por indigno de si proceder a essas pesquisas,
aliás tão fáceis a um cidadão romano ; nem sequer visitou os
legares onda se passaram muitos dos foitos militares, por elle
descriptos* Dahi os equívocos, os erroa, as falsidades, que
abundam nas Décadas (13). Sallustio escreveu somente para re*
velar a admirável perfeição do sou estylo, o por isso «explorou
a historía, como se fora a sua província d' Africa, como egoísta
e artista de génio», tratando apenas dos factos susceptíveis de
de8cripç5es brilhantes pela forma (14). Asioio Pollião contesta a
fidelidade dos Commeniarios ^ notando que Cosar diminuo as fa-
çanhas dos seus companheiros d'armas, e altera, encarecendo,
os proprioá feitos (15). Cícero, conta-nos Plutarcho, tinha for-
(12) Instit,, Orat,, ÍI, 4.
(13) Tainc, obra citada, parte 1«, cap. 2<^, gO.*^
(14) Taúíí?, conclusão, §2.0
Íl5) Suelonio, Júlio Cesav, LVI.
A HISTORIA ANTES DE BUCKLB 199
mado o plano de escroYer uma historia de Roma, na qoal
pr6teodia indair parte da historia grega, com qaasi todas at
saas fabulas (16).
A historia, para os gregos e romanos, ó om género litte*
rario. A amplificação oratória, as flcgSes, o maravilhoso épico»
inçam as narrativas, desfigurando os factos, e subtrahindo-os fc
justa apreciação dos mais claros e seguros entendimentos. O que
oonstitue a sedueçSo da historia na antigaidade ó a lingua, e
ostylo, a arte da composição, a movimentação dramática» íbnte
iaezgottavel de emoções e do prazer, a nos mostrar» em quadros
animados da mais vivida eloquência, as grandes e fortes vir*
tndes do heroísmo e do patriotismo (17).
Alguns historiadores desse período alimentavam a preteni^
de fkzer da historia um vasto repositório de licçQes politicas e
moraes, a «mestra da vida» (18). Polybio e Plutarcho foram
insignes no género. Jã Xenophonte tinha sido um iniciador, e
Sallustio fes preceder a cada uma de suas obras {Qailma^ seu
hellum caiiUnarium, e Jugurtha^ sen bêllum jugmrthinum) um dis^
curso da mais enaltecida moral, tão destoante da vida de quem
foi expulso do senado por suas escandalosas immoralidades.
A antiguidade clássica não fez da historia uma sciencia.
Nem quanto a essa doutrina (para a maior parte dos pensadores
ainda hoje impossível) que, muitos séculos depois» se chamou a
philosophia da historia, conseguiu roais do que rudimentar e
grosseiro esboço. Apenas o génio proítindo de Thucydides teve
uma percepção fugas das leis a que estão SQjeicos os phenomenos
súoiaes: acreditava o autor da Historia da guerra do Pelopornsê
(10) Vida de Cícero, UW,
(17) Vacherot, La Science et la Conscienee, lí, Les historiens*
(18) K* a concepção que ainda neste século domina o espirito de
alguns histopiadorog. No tumulo de Alexandre H»»rculano, no convento
dos Jeronymos, veem-so as seguintes palavras, que lá tivemos occasião
de li^r, e foram trasladadas de um dos sous escriptosu Aqui jaznm
homem que conquistou para a grande mostrado futuro, para a his-
toria, algumas verdades importantes.» E Oliveira Martins comaça a
s^a Historia de Por tugai» diiendo: «â historia c sobretudo uma licção
moral ; eis a conclusão qm», a no^>so vôr, s^ae de todos os eminentes
progressos ultimamente realizados no foro d»» «ciências sociaes»
(Advertência),
1
200 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
que seu eftudo seria atil a todos qae quizessem, partindo do
oonhecimeato dos factos passados, comprehender oâ factos fu-
turos, qud cseguQdo as leis humanas ser£o semelhantes, ou aná-
logos» (19). Mas, lançadas aocidentalmente essa e outras obsor-
vaçõai de admirável justeza, o historiador grego prosegue em
sua narratira, sem indacçõeíi, sem systematizar os factos,
explicando, quando muito, os acontecimentos como um politico,
pela natureza das instituições, pelo papel desempenhado pelos
partidos, polo conflicto dos interesses, pelo Jogo das paixões, pela
eloqaencia dos homens do Estado e pela táctica dos homens de
guerra (20). Ainda é a personalidado humana, a vontade indivi-
dual ou collectiva, que occupa a soena da historia, como em He-
ródoto. NSo se nota mais a sensibilidade ingénua, a imaginação
juvenil do Heródoto, para quem a queda de um raio sobre os
bárbaros reunMos junto aos muros do templo de Minerva
Pronéa, e o despenharem-se com fracasso dois rochedos do cumo
do monte Parnaso, são os maiores prodígios, os mais porten-
tosos acontecimentos, que p6de narrar um historiador (21).
O auctor da Historia da guerra do Pelopaneso não se eleva ás
causas naturaes dos íkctos, nem nos dá as leis a que alludiu no
começo de sua chronica, em um rasgo assombroso do génio.
Continuador do methodo histórico de Thucydides é Polybio, que
procura explicar a superioridade politica e mUitar de Roma,
comparando-lhe as instituições com os dos outros povos. Mas,
toda a philosophia de Polybio eitá condensada nesta formula:
cCumpre estudar a constituição de um Estado, como a causa pri-
mordial dos bans e mãns successos em tudo. E' dessa consti-
tuição, como de uma fonte, que derivam as empre^zas e seus
effeitos» (22). Sallustio, Tito Lívio, Tácito, todos os historiadores
romanos, nos dão uma única explicação da grandeza e da deca-
dência de Roma: a cidade cresceu, elevou «se, dominou, em
(19) Liv. 1^ xxir.
(20) Vachero(, obra citada.
(21) Historia do Heródoto, liv. S\ XXXVIl e XXXVIII, trad. de
Miot.
(28) Polybio, HistúHa Geral, VI.
A HISTORIA ANTES DE BUCKLE 201
consequeDcía de saas virtudes e por uma predestinação divina ;
decaliiu, perdeu a liberdada e o império do mando, em conse-
quência da dissolução dos costumes, produzida pelo luxo (23).
Não passa dessa rudimentar consideraoao a philosopiíia da his-
toria em Roma,
Nâo se pretenda tam pouco descobrir nos historiadores gregos
e romanos, a coordenação metliodica dos factos, a systomatização
scientifica dos elementos preparados pelo historiador, para as
generalizações das scioncias sociaes. Taine caracterizou bem a
historia, tal como foi compreliendida pela antiguidade clássica,
dizendo que ella nos oíTorece unicamente uma saccessão de
acontecimentos, c não classes de factos (24). Preoccupados com
os feitos bellicos e as acções dos j^liticos, os historiadoras do pe«
rlodo greco-romano poucas ou neuhumas informações nos mi-
nistram sobre a industria, o commercio, os costumes domésticos,
a religião, a scioncia, as lettras, as artes liberaes e mecânicas,
sobro t.dos aquelles factos estudados hoje pelos historiadores,
como o conteúdo principal da hiatoria.
f; lendo Ottfried Muller, ThirlwalJ, Grotí>, Niebuhr, Mom-
rosen, Curtius, Fustel de Coulanges, que bom conhecemos e
comprehendemos a Qrocia e Romi.
A edado media nos legou alguns toscos esboços de historia
universal, modelados pelos escriptos de Eusébio, Orosio e outros
historiadores catholicos .
A pratica das glosas, tão util ao desenvolvim3nto do direito
no periodo medieval, transplantada para o estudo e composição
da historia, foi fecunda em resultados, especialmente na sua
spplicação ás collecções de documentos o ás dissertações cri-
ticas {2ò). E cifrou-S) nisso o progresso da historia na edado
media» quo, facilmente se oomprehende, a nenhum principio,
doutrina, mothodo, ou classificação scientifica, subordinou as
investigações ou a exposição do historiador.
(23) Vacherot, obra citada, I. Tainc, obra citada, introducs^âo.
(24) Obra citada, conclusão,
(25) Laniílois e S^ignobos, obra citada, liv. 3<*, cap. 5.
202 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
NarenaacBiiga, Macbiav6l bosqnejoa a sua original conce-
pção da historia, baleada em um abstruso semi-fatalismo. O
principio cardeal da tbeoria do famoso secretario florentino 6 o
movimento das espheras. A direcção dos astros, o curso das es-
tações, a passagem da vida para a morte, tudo é preestabelecido
e dominado pela evolação circnlar do universo. Também o
homem e^ soô^i^o ^ osse principio: multiplica-se cegamente,
invade a terra; e, quando o mundo regorgita de habitantes, as
espheras o despovoam pelas pestes, fomes e inundações, para que
a humanidade recomece a sua faina. O movimento circular unif-
versal veriftca-sono seio das sociedades ; os Estados se organizam
e corrompem-so, como os individues; passam da monarchia i
aristocracia, e desta ã democracia, para regressarem á pri^
meira forma de governo. Todas essas continuas mutações são
resultantes do impulso communicado pelas espheras, e os ho-
paens nunca poderão adivinhar o fim definitivo do universo (86).
Admittido o principio, mal se comprehende a inoongruencis
da& deducçOes. Acreditam muitos, diz Machiavel, que Deus e a
fortuna, ou o destino, regem as cousas deste mundo, e de tal
arte que toda a prudeneia humana ó impotente para lhes deter,
ou regular, o curso ; a concepçãoé acoeitavel com uma limitação:
€ a fortuna dispõe da metade de nossas acções, mas confia a
outra metade ao nosso livre arbítrio» (27). TitoLivio ô o guia»
o mestre de Machiavel, que repete, convencido, estas palavra
do historiador romano: ^Ohcceicat ânimos fortuna^ etftn vim $uam
ingruentem reftingi non vu;t.> Os homens podem secundar o
destino, mas nunca obstar aos seus decretos (28) • Os factoi
históricos se repetem, porquanto os mesmos desejos e as mesmas
paixões dominam em todos os tetnpos e em todas as regiões, o
que permitte aquelles que estudaram os acontecimentos do pas-
sado prevôr os que o futuro reserva ás nações, e applicar-Ihee
os remédios j& experimentados eom suooesso, ou imaginar novas
(26) Machiavel, iMuvve$ Politiques, app, pag. 573.
(27) O Principe^ cap. 25.
(28) Discurso sobre !^ito Livio^ liv. 29, cap. 29.
A HISTORIA ANTES DK BUCKLE 203
corabioacSes. Demais, nSo raro ó dado ao homem conbeoer o
futuro de um modo sobrenatural. A atmosphera está repleta
de intelligencias celestes, que, tomadas de piedade pela miséria
dos mortaes, os instruem sobre os factos vindouros por meio de
prognósticos (29). laso não quer dizer quo as religiões sejan^
Terdadeiras. Em todos os tempos o dogma religioso é umaen*
genhosa falsidade, engendrada pelos bomens em proveito da
seus interesses (3J). Quanto ao engrandecimento e á. decadencii^
das sociedades, só ha uma explicação aooeitavel, ó a dos his-
toriadores romanos, adaptada ao principio ftindamental da
doutrina de Macbiavei: o luxo, a sensaalidade e os vioioe
extinguem a economia e todas as virtudes, que oonstituem v
grandeza e o sustentáculo dos Estados. Já o poeta satyrieo
Juvenal tinha afflrmado essa verdade: < Gul<n
et scevun' armis Lujsuria incubuitf
victum que ulciscitur orhem > (Sat.VI).
Com a nossa hodierna concepção da natureza da sciencia,
difflcilmonte poderíamos dar a denominação de theoria scienti-
íica da historia a esse amalgama informe de erros, preconceitos»
penetrantes observações admiráveis o verdades empíricas, que
se nos deparam no Príncipe e nos Discursos sobre Tito Livio.
A doutrina de Bossuet é o polo opposto á de Machíavel. E,
como seria Imperdoável ousadia traduzir^ ou resumir, o que es-
creveu a águia de Meaux, transcrevamos um trecho do Discurso
sobre a historia universal^ em que está condensada a sua theo-
ria providoncialista da historia: €Ce long enchatnement des causes
particuliéres qui font et défont les empires dépend des ordres secrets
de la ditine Providence, Dieu iient du plus haut des cieux les rênes
de tous les royaumes* Ilatous les cceurs en sa main: taniôt il reiient
les passions^ taniôt il leur lâche la bride, et par là il remue tout le
genre humain, Yeut-il faire des conquérantsí il fait marcher
répouvante devant eux, et il inspire à eux et d leurs soldais une
hardiesse invincible. VeutHl faire des légis lateurs í il leur envoie
(29) Discursos sobve TitoLirio. liv. !<>, cap, 56,
(30) 01 ra citada, passim.
204 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
son esprit de sagêsse et de prêvoyancef il leur fait préeenir le$
maux qui menaceni les soldais, et poser les fondements de la
trunquillité publique» Il connait la sagesse humaine, toujours
courie par quelque endroit: il réclaire, il éíeni ses vues, et puis il
Vabandonne d ses ignorances, il Vaveugle, il la precipite, il la con*
fond par elle-même: elle s^envelopi^e, elle s" embarrasse dans ses
propres subtilités et ses prècautions lui sont un piêge, Dieu exerce
par ce moyen ses redoulablesjugjmenls, selon les régies de sa jus-
ti e toupurs infaillible ; c^est lai qui prepare les effets dans les
causes les plus /loignéei, et qui fi'appe ces grands coups doni le
contre^coup porte si ioin: quand il veut lãcher le demier et ren-
verser les empines^ tout esi foible et irréguHsr dons les conseils,
VEgypíe, aulrefois si sage, marche enivrée, étourdie, et chance-
lente, parce que le Seigneur a répandu V esprit de vertige dans ses
conseilsi elle ne sait plus ce qu^elle fait ; elle est perdue. Mais,
que les hommes ne s^y irompent pas: Dieu redresse quand illui
plalt le sens égaré ; et celui, qui insultait d Vaveuglement des au»
três tombe lui-même dans des ténèbres plus épaisses, sans quUl
faille sou^ent autre chose pour lui renverser le sens que ses lon-
guês prospèritès , Cest ainsi que Dieu régne sur tous U^ peuples,
Ne parlons plus de hasard ni de fortune, ou parlons en seule*
ment comme d^un nom donl nous couvrons notre ignorance: ce
qui est hasard à Cêgard de nos conseils incertaúis, est un dessein
concerte duns un conseil plus haut, c^est-à-dire dans ce conseil éter-
nel qui renferme tout es les causes et tous les effets dans un même
ordre. De cetle sorte tout concourt à la même fin^ et c^esí fouie
d*enlendre le tout qae nous irouvons du hasard ou de Virrigularitè
dans les rencontres particulières> (31). Dous intervom oa dirooção
das cousas humanas, obrigando constaatemoDto a natareza a
aahlr das leis pjr elio próprio estabelecidas ; ô um senhor abso-
luto, despótico, cuja vontade constituo o único vinculo que
mantém a ordem no universo. Com razão observa Laurent, que,
os milagres por meio dos quaes Deus, tal como o concebe Bos-
suet, subverte a regularidade dos factos históricos, se asseme-
(31) Parle ttrce ra, oip. 7, fim.
A HISTORIA ANTKS DE BUCKLE 206
Iham aos golpes de Estado de um monarcha voluntarioso, qao se
compraz em violar as leis que promulgou (32). A9 ioooQ^eqaea-
cias da douiriua de Bossuet são manifestas. O homem, ozpuls
do paraíso, foi entregue ao seu próprio arbítrio ; suas inclinações
se corromperam, seus desmandos tocaram o extremo, o a iniqui -
dado cobriu a superflcio da terra. Tal ó o resultado da .direcção
pi-ovidenoial! Deus se arrepende do ter creado os homens. Medita
contra elles uma vingança terrível, o diluvio universal. Então
Doas, que croou todos os sores, destroe a mais bolla parte de
sua obra, e o Omnipotente por esse movlo se vinga do miserá-
veis creaturas, abandonadas por seu oreador. No celebre dia em
que o sol detém o seu curso por ordem do Josué, Deus se distrao
no alto do céo, atirando pedras sobre os infelizes fugitivos, para
lhes completar o extermínio. Jurusalóm e Babylonia cahom —
uma em seguida a outra, de acjordocom a palavra dos prophe-
tas; mas, Deus faz convergir todos os rigores de sua colora contra
os Chaldeus, ao passo que aos Juleus dispensa um castigo pa«
ternal. Toda a indulgência para com os seus eleitos ; toda a
cruellade para com o resto do género humano. De resto, o povo
de Deus, objecto da mais carinhosa educação por meio de mi-
lagres, a ouvir frequentemente a palavra dos prophetas, acaba
por desconhecer as prophecías, ri-se dos milagres, e mata o Filho
do Deus, vindo ao mundo para salval-o ! Os maiores personagens
da historia, César, Alexandre, todos os grandes conquistadores,
são instrumentos da providencia: €Dieu ne les envoie sur la terre
que dans sa fureur,^ A historia 6 um vasto campo de carnificinas.
Quando dois povos se guerream. Deus quer vingar-se de um
delleS) ou de ambos (33). A philosophia da historia do Bossuot ó
um tecido do preconceitos e incongruências. Nada mais absurdo
do que o esforço para oonciliaro livre arbítrio, que Bossuet não
podia negar, com esse provídenoíalismo, segundo o qual €Dieufa%t
louty il voitj de Vêternilé louí ce qu^il faiL* Indiscutivelmente não
temos aqui uma thooria, que possa pretender os foros da sciencia.
(32) líistoivede VhumanitiK Philusopliie Ao Tliisioiro, liv. I., cap. f.
(33) Lauront, ibidem.
.*.n
206 HEVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Vioo allnentoa a preteagSo de fandar a philosophia da his-
toria, e para muitos a Seianja Nuova foi o inicio dessa doutrina.
No ooQoeito do pliilosoplio italiano, as nações passam por ires
edades, que se repetem eterna e necessariamente t a edade
citeifia, a heróica e a humana. Ha três espécies de naturezas,
de que derivam três espécies de costumes, que produzem três
espécies de dirtHio natural^ que dSo origem a três espécies de
governo {Zi). Para communicarem entre si os costumes, leis e
goTomo, 08 homens formaram três espécies de línguas e de ca-
raderes. A primeira natureza foi dominada pela imaginado*
poética ou creadora^ divinizou os seres materlaes, o se cara-
cterizou por uma íbroz barbaria. A segunda produziu os heróes,
de origem divina. A terceira foi humana, inteiligente ; reco-
nheceu a consciência, a razSo o o dever (35). Os primeiros cos-
tumes tiveram o caracter religioso que se attribue a Deucalião
e Pyrrha. Os segundos foram os de homens susceptíveis, e que
facilmente se encolerisavam por quoatOes de honra, taos como
Achilles. Os terceiros foram subordinados á noçfto do devevy e
íkziam consistir a honra no cumprimento dos deveres civis.
O primeiro direito foi imposto pelos deuses. O segundO'^^ direito
da força submettida à reiigifto. O terceiro— o direito dictado
pela razão humana desenvolvida. O primeiro governo foi a theo-
eracia ; tudo era ordenado pelos deuses ; foi a edade dos orá-
culos. Em seguida veio o ^ov^rtio heróico ou aristocrático. Mais
tardo se estabeleceu o governo humano^ em que predominava
a eguaidade civil e politica. A primeira língua ^ lingua divina
mentalf compunha-se de oeremonias sacras, signaes silenciosos.
Depois os homens adoptaram a linguagem das armas, e afinal
a linguagem articulada, de que usam hoje todas as naç9es (36).
AS nações reproduzem eternamente eiS três edades. £' a fa-
mosa lei dos ricorsi, em virtude da qual a edade media repetiu
a edade antiga. Os três poriodos— (ftv^no, heróico e humano^ se
(34) Micholut, (Euvres choisies de Vico^ lomo 2®, pag. Jf61.
(35) Obra cilada, paj?. 2^2 .
(36) Paga. 265 e 2ôy.
A HISTORIA ANTES DE BUCKLB 207
nos deparam nas dnas edades, o qae Vioo tenta mostrar, des-
cendo a uma eomparagio minnciosa entre os íhctos antigos e os
medieyaes (37). Ha apenas três exoepçQes a essa lei : Carthago,
Captta e Nomancia não repetiram as tros edades, —a dMnai a
herêica e a humana. Os Garthaginezes foram detidos em sen
desenroivimento histórico pela súbiilexa peculiar ao espirito afri^
cano^ aggravada pelos hábitos do eommercio martltma. Gáptta
também abria uma excepção á iel dos rieorsi, em consequência
da extraordinária doçura do seu clima. E Numanoia parou na
edade heróica a um aceno do SoipiSo (38).
Os ftustos históricos, seguado a Stienxa Nuoii>a, são o pro*
dueto de dois factores: a ao^ dos homens e a intervenção da
Providencia, que muitas vezes contraria a vontade humana, e
sempre lhe ô superior. Na theoria de Viço não ha logar para o
fatalismo^ porquanto os homens são dotados do Uvre arbítrio.
Também não 6 admittido o acaso, porquanto os mesmos fiictos^
repetindo se, produzem regularmente os mesmos eífeitos (30).
A idéa fiosa de Vioo, observa com raiãoVacherot, é desco-
brir o immutavel no variável, a unidade na diversidade, em
uma palavra a lei no facto, apprehender os mesmos traços, os
mesmos caracteres, nessa variedade de actos, pensamentos, in^
stitulções, costumes e linguas, que nos apresentam es aanaes do
mundo (40). Tal é o escopo que procurou attíngir < o génio re-
ligioso e melancholico » do auctor dos principies de philosophia
da historia. Aleançou-0? Responde-nos Laurent em poucas pa-
lavras (41). Comparemos a nossa edade com a edade média, ou
com a antiga, ou estas duas entre sí, o vijamos se os três pe-
ríodos repetem os mesmos factos, e na mesma ordem de suc-
ces^o das três épochas, — divina, heroieae humana. Seria uma
tarefa ingrata, por infantil, demonstrar que o presente differe
(37) Pags. 347 e3t>3.
(38) Michelet, citado, pag. 365.
(39; Pag. 382.
(40) La scietice et la canscietice, lí, Les kistorient ,
(41) LaPhilosophie deVHisioire, pags. 82 a 85.
208 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
do passado quanto aos costumes, á religião» às instituições poli-
ticas e jurídicas, ás idéas scientiâcas, sio progresso das artes, à
industria e á guerra. E reconhecer essa verdade intrangivol 6
negar a lei liistorica dos corsi e ricorsi, isb é, todaa phiiosophia
da historia do Viço.
Em phiiosophia Viço é um precursor do ilegel, assim como
na historia é um precursor do Niebuhr. No conceito do auctor
da Scienza Nuova^ o que precede o produz tudo o que ha c o es-
pirito : o espirito do homem produz a idéa, a vontade do homem
produz o facto. A idóa o o facto partem do mesmo centro ;
deve, pois, haver entre o facto o a idóa analogia e harmonia
necessárias, ou, segando a linguagem de Hegel, identidade da
natureza humana e da historia (42). No systema de Hegel o real
e o ideal são duas manifestavoes de uma razão absoluta^ que
perpetuamente sa transforma; o principio de sua phiiosophia ó
que €ludo o que é real é racional ^ e tudo o que é racional é real »
(43). A raiOo absoluta começa a existir como ente puro, ente em
5i, ou lógica ; manifesta-se depois como natureza; e finalmente
se volta, ou dobra, sobre si mesma, conservando os elementos
que adquiriu fora de <i, e transforma-se em espirito» Abstrusa
concepção, que levou Scheliing e Hartmann a perguntarem :
porque a razão, u puro pensamento, do sua natureza essencial-
mente contemplativo, teria renunciado a afortunada paz do re-
pjuso, para se entregar aos tormentos de um fieri perpetuo,
aos trabalhos de um operoso querer, ac^ infortúnios da exís*
tenciareal í D'onde procede para a idéa^ para a razão, aquelle
impulso espontâneo que a deixa escurecer o eterno esplendor
que lho é apanágio, e precipitar-so na confusa agitação da rea-
lidade? (44).
Niebuhr approxima-so mais da verdade, e, no dizer do
Taine, a sua vista penetrante da natureza humana e o seu
(48) Lerulinier, Introdtirtion G^hièraie à VHistoire du Droit,
pag. M>.
(•í3) O. Carie, La rita dei diritlo vci su<n rapporti rolla r/íu so-
cta^c, pa*r. 37ti.
(44) Carie, pjijr- ^í^^-
A HISTORIA ANTES DB BUCKLE 209
exiroordioario conhecimento dos factos o coUocam entre os
génios modernos. Para elle nada é subitaneo nas instituições
humanas, que so formam e desenvolveni gradualmente, não
em virtude de vontades arbitrarias, mas pela força das situ-
ações; o homem não se conserva o mesmo por um só instante,
e a historia é a narração desses continues e ininterruptos
movimentos (45).
Para alguns Voltaire é o verdadeiro creador da philo-
sophia da historia. Não que tenha escripto uma theoria philo-
sophica : O Ensaio sobre of costumes não merece tal denomi-
nação. E* um misto de considerações philosophicas, factos
insignificantes e anecdotas satyricas, um beUo cJmos^ como
já disse um critico reputado (46). Mas, observam os qae nas
obras de Voltaire descobrem uma concepção scientifica da
historia, em vez de começar por uma doutrina, para a impor
depois aos factos, o auctor do Seoiao de Luiz XIV ^ da Historia
de Carlos XII e áo Império da Rússia sob Pedro o Grande^
comprehendeu, com o seu maravilhoso bom senso, que a dou-
trina devia decorrer naturalmente do estudo dos íkctos. Im-
porta inquirir os f^tos, como única base solida para a philo* .
sophia da historia. Antes de Voltaire a historia era incompleta,
pois só abrangia os acontecimentos politioos e religiosos. Foi
elle quem incluiu na historia os costumes, as lettras, a philo-
sophia, todos os elementos, em 8umma« que reflectem a vida
da humanidade (47).
Mas, qual a coneepçãa scientifica da historia de quem
cynicamente escreveu estas palavras: € Rêduisez Vhistoire à la
vérité, vous la perdes ; c'est Alcine depauillée de ses presiiges > 9
Ora todos os factos são dominados pela Providencia: € la prom,
mdence fait tout ; providence, tantôt terrtble, et tantôt favo»
rahle^ devant laquelle il faut également se proslerner dans la
gloire ou dans Vopprobrc, Ainsi pensait mon oncle, ainsi
(45) Taine, obra citada, pag. 116
(4l5) E. Fagiiet, Vix-IIuitième Siècle, Eludes Littéraires, pag. 268
(47) Laurent, Philosophie de VHistoire, pags, 85 e 86,
4323 ~ 14 TOMG Lxix. p. u.
210 REVISTA DO INSTITUTO HISTQRIGO
pénsent tou8 les sages » (48). Ora pelo destino, pelo aeaso.
pela oéga fatalidade: < N*y a-M7 pas vitiblemetU une destinée
qfU faU Vaccroissemênt et la ruine des Estais ? (49) » ; Une fa-
taUté aveugle gouverne les affaires du monde> (50). 00 factos
hifltoricoB estSo scú^itos ao acaso, doutrina que Frederico 11,
o grande amigo de Voltaire, resaniu nesta phrase: « Plus on
vieillit, pPus on se persuade que sa sacrée Magesté le Hasard faU
les trois quarta de la hesogns de ce nUsérable univers (61).
ProYideDoia ou acaso, nenhuma das duas idéas oíferece om
fundamento racional a uma explicação scientífica. À pro«
yidencia exprime ama vontade superior ás leis, e sem o co-
nhecimento destas, isto é, das relagões necessárias derivadas
da natureza das cousas, do que ó commum, constante, per-
manente, na producção dos phenomenos, não temos scienoia.
O acaso é a antithese directa da lei. Attrihoimos ao aeaso
aqnUlo que não sabemos como subordinar a uma lei (59).
Voltaire foi incapaz de um sysfcema: < ee grand espril^
e^est un chãos d*idées claires^ (53).
No Espirito das Leis e nas Qoimderações sobre as eausas
da grandeza dos romasios e de sua decadência, Montesquieo
fee admiráveis observações sobre a historia politica. Não
tentou escrever sobre a philosophia da histiNria propriamente
dita, não estadou as leis a que estão sojeitos os &ctos históricos
em geral, redusindo as leis obtidas a um principio superior,
fundamental. O famoso livro decimo quarto do Sspiwiio das Leis
nos mosira apenas a influencia do caracter e das paixões sobre
as leis, e a do clima sobre as paixões e o caracter do espirito.
Mas, Montesquieu não íkz depender a vida social unicamente de
clima: diversas cousas governam os homens,-*o clima, a reli-
gião, as leis, as máximas de governo, os exemplos do passado, os
{48) La Defense de mon onde, cap. i.«
(49) Introd, a VEssai sur les mo^utê, L I,
{50) Siècle de Louis XV, cap^ i.®
(51) Laurent; obra citada, pap:. 91.
(52) Stuart Mill, Système de Logique, vol. 29, pag, 48.
A HISTORIA ANTES DE BUCKLB ' 211
oo8tam68(S4). Montesquieu ô aoima de tudo legislador, e para
elle 06 bons legisladores sEo os que se oppõem aos vioios do
clima, e os maus os que favorecem as tendências naturaes deri-
vadas das causas physioas (55). Se algumas vezes exaggera a in-
fluencia do clima, ao ponto de se não poder explicar dentro de
sua theoria a diversidade de espirito, de caracter, costumes e
instituições, entre povos visinhos, como os athenienses e os the-
banos na antiguidade, os gregos e turcos na épocha actaal (56),
logo se nos revela o legislador, com a sua confiança nas iDsti-
tuiçoes, acreditando poder melhorar os homens e as sociedades
pela força das idóas.
Nem no Espirito das Leis, nem no estudo sobre a grandeza e
a decadência dos romanos^ se nos depara uma theoria, uma phi-
losophia da historia. São considerações y como bem diz Taine, um
eonjuneto de notas, e não um systema. E uma sequencia de ob-
servações, ou ponderações, por mais interessantes que sejam,
não é uma philosophia da historia (57) . Montesquieu não des-
cobriu leis geraes da historia, não deu á sua theoria um prin-
cipio fundamental, superior ; apenas explicou as razões parti-
culares de certos factos, formulou algumas leis especiaes. Para
elle o espirito de uma lei é o eonjuneto das relações que
prendem essa lei a diversos phenomenos, e ezplioam-lhe o appa-
recimento e a existência. E, porque as formas de governo incon-
testavelmente influem no caracter das leis, elle se occupa lar-
gamente com os governos, dividindo-os em monarchla, despo-
tismo e republica, e subdividindo esta em democracia e aristo-
cracia. Não que as formas de governo tenham a influencia
prejponderante que o empirismo politico lhes attribue. As
formas de governo são effeito, e não causa, do caracter de um
povo; 8, pois, fora inútil transplantar leis e instituições poli-
ticas de uma nação para o seio de outra, differente no que toca
(53) Paguei, Diat-ffuitième Siècle, pag. 219
(54) De VEsprit de» Lois,liv, XÍX cap. IV.
(5õ) Obra citada, liv. XIV, cap V.
(56) Laurenty obra citada, pag. ili.
(57) Taine, obra citada, pag, 179, 5» «dição.
212 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
á raça, ás qaalidades iatellectuaes e moraes, aos antecedentes
históricos e ás condições physicas (58). A proclamação desta ver-
dade já era bastante para fandar a gloria immarcessíTel de um
escriptor.
Peio seu liyro — Esquisse d'un tableau kistorique des progrés
de VetprU humain^ Condorcet merece um logar saliente entre
08 que pretenderam crear a philosophia da historia. A sua
idéa fundamental está exposta logo na introdução da obra.
E* sua inten^ traçar um quadro em que succintamente nos
apresenta as sociedades humanas em todos os estados por que
tém passado, com todos os progressos que tôm feito para a ver-
dade ou para a felicidade, para chegar & conclusão de que não
ha limite ao aperfeiçoamento das faculdades humanas. A
perfectibilidade do homem é infinita; os progressos dessa
perfectibilidade, de hoje em deante independentes da com-
pressão de qualquer poder, tem como termo único a duração do
globo em que nos coUocou a natureza. Condorcet divide as
phases por que tem passado a humanidade om nove épocas. Na
primeira, os homens viveram em hordas, ou ajçgremiações sel-
vagens e errantes de caçadores e pescadores. Nesse periodo
rudimentar Já havia uma auctoridade publica, uma certa orga-
nisação da familia e uma linguagem articulada. Caracteriza-se
a segunda época pela passagem do primitivo éístado ao dos
povos agricultores : estabeleceu-se a propriedade, introduziu-se
a desegualdade das condições, inventaram-se as artes mais
simples, adquiriram-se as mais rudimentares noções da sciencia.
Na terceira época inventou-ae a escripta alphabetica. A quarta
comprehende os progressos realizados pela Grécia até a divisão
das. sciencias no século de Alexandre. A quinta abrange os
progressos das sciencias na Qrecia e em Roma, desde sua divisão
até sua decadência. A sexta e a sétima são duas phases da
edade média : a primeira termina com as cruzadas, a segunda
coma inven^^ da imprensa. A oitava época vai da invenção
da imprensa ao periodo em que as sciencias e a philosophia sa-
(58) Flint, La Philosophie de VHistoire de Fra/nce, pag. 52.
A HISTORIA ANTES DE BUCKLE 213
cadiram o Jogo da auctoridadOt moTímento que Descartes tere
a honra de iniciar, segando nos diz Condoroet. Começa, flnal-
mente, a nona época com essa revolução intellectual, para aca-
bar com a revolução politica de 1789.
Como se vê, nem os acontecimentos escolhidos para assi-
goalar o começo de cada periodo* ou para dividir as épocas
da historia da humanidade, são todos do mesmo valor, têm
exercido a mesma influencia, nem sequer pertencem á mesma
ordem : ora o que distingue uma época ó um íà<^to industrial,
ora um facto politico, ora um acontecimento religioso (59).
Imbuido das prevenções do sectarismo íknatico do seu tempo,
Condoroet reputa o christianismo uma impostura, a monarchla
e a egreja duas instituições essencialmente perniciosas. Dahi
uma palpável contradicção na sua doutrina : a que fica redu-
zido o continuo aperfeiçoamento do homem, o progresso inces-
sante e illimitado, a infinita perfectibilidade, que tão enthusi-
asticamente preconiza Condoroet, si as mais importantes e dura-
douras instituições são obstáculos a esse progresso ineessanU e
illimitado^ &zem recuar a humanidade, ou pelo menos lhe pa-
ralyzam o movimento ascendente para a verdade ou para a feli-
cidade %
Por xun bem entendido determinismo, Condoroet basôa o pro-
gresso moral sobre o desenvolvimento intellectual : o interesse
mal comprehendido 6 a causa mais frequente das acções con-
trarias ao bem geral ; a violência das paixões é na maior parte
dos casos o effeito de hábitos a que nos entregamos por um
erro de calculo, ou por ignorância e falta de reflexão (60). Na
decima época, a em que estamos, o progresso intellectual ha de
produzir como resultados — a extineção da desegualdade entre
as nações, a egualdade entre as classes da um mesmo Estado e
o aperfeiçoamento real do homem sob o aspecto intellectual,
moral e physioo. Neste ponto de sua theoria, as extravagâncias
de Condoroet attingem os limites do ridículo : a medicina, a
(59) Flint, obra citada, pag. 102.
(60) Progrès de Vesprit huniain^ dixième époque.
2l4 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
bygiene, a economia politica e a arte do goyerno não tâm a
efflcacia de prolongar oonsideravelmeate a vida humana, ou de
llie assegurar uma duraç&o cujo termo se não pôde caleolar*
como pensavaaqoella nobre victima dasselvageriaede 1789 (61).
A theoria do progresso eontinao e illimitado é cabalmente
refatada pelo próprio Condorcet, qne não raro dos deaoroFe
factos históricos que são obstáculos ao progresso, ou recuos
para as trevas do passado. Nota-se na Rsquisse d'un tabhau hiê^
íorique des pregtés dê Petprit hummin^ o mesmo defeito das obras
de Voltaire, de Rousseau, de Diderot, de todos os escriptoresdo
século XVIII em França : ezoellentas na arte de de^trnir, eram
incapazes de uma constraoção systematica em qualquer pro-
Tincia do saber. Foram todos um pouco desequilibrados (62).
Herder, o aator das Idéas sobre a philosophia da historia da
humanidade^ no sentir de Lanrent ó um poeta, e não um
historiador, ou um philo&opho. Mas, o qne ô certo é que as suas
Idéas constituem um dos mais famosos subsidies prestados ao
tontamen de formar a philosophia da historia* Herder a prin-
cipio se diz deista, e manifesta-se um espirito profiindamente
religioso, dominado por uma conflança illlmitada na sabedoria
eterna e na bondade infinita do Creador. Entretanto, não ad-
mitte o proTidencialismo na historia, contradicção que tanto
irrita a vaniloquente philosophia de Laareut, para quem a phi-
losophia da historia tem por base estas duas idéas : o pro-
gresso e ô governo providencial, A idéa de progresso envolve o
conceito de que os homens e os povos preparam por si mesmos o
seu destino ; a idéa de governo providencial quer dicer que a
humanidade tem no sen creador um guia, que a dinga e educa,
sem lhe supprimir o livre arbítrio, doutrina que só podem ac-
oeitar os espíritos aflbitos A vacuidade e ás incongruências da
fòtdk pseudo - philosophia do auetor dos Estudos sobre a Hts*
toria da Humanidade. Com esta observação não pretendemos
significar que não exista na theoria de Herder a oontradicgão
apontada por Laupent.
(61) Flint, obra citada, paga. 116 o il7.
(GS) Faguet, Dix-Euitame 8iMe,^g. 868.
A HISTORIA ANTES DE BUCKLB 215
E' absurdo, no conceito do historiador e philosopho aliemão,
suppôr que Deus dirige os actos dos homens e dos poTos, e íd-
terrem incessantemente no drama interminavQl da historia,
permittindo a pratica de aocSes boas e más, o appareoimento
da homens santos e perrersos, tudo predispondo para um des-
fecho determinado. Para os sectários do proyidencialismo na
historia as mais hediondas atrocidades, os crimes mais abjectos,
commettidos pelas nações sob um i^retezto qualquer, inyentado
porseas Toluatariosos conductores, todas as carniflcinas da his-
toria, nada mais são, e como taes se justificam perílsitamente,
de que meios de que se utilisa a Provideneiupara realisar seus
altos desígnios. O bom seuso de Herder se revolta contra essa
ooncepgSo abstruaa : c é ultrajar a magestade divina, suppôr
que, para estender o reinado da verdade e da justiça, ella só
disponha deste meio : o jogo oppressor e as mãos ensanguen-
tadas dos romanos ». Para os sectários do providencialismo, os
conquistadores são os instrumentos de que se servem a bondade
infinita de Deus e a sua eterna sabedoria, para a realização do bem .
Para Herder apparecem entre as nações os Alexandres, os Césa-
res, os Attilas, do mesmo modo oomo existem os lobos e os tigres
ao lado dos bois e dos carneiros: são produotos da natureza»
€ Toda a historia da humanidade, diz Herder, é uma
pura histma natural das forças humanas, de acçOes e
inclinações, que dependem dos tempos e dos lugares. > O
homem ó um ser subordinado á natureza, e delia dependente.
Herder attribúe ao meio cósmico e ã organização physiolo-
gica uma influencia decisiva sobre a psyohioa humana. De-
mais, o homem não ó um ser isolado ; está sujeito ã lei
da solidariedade ; para a formação de cada um de nós
contribuem os antepassados, os mestres, os amigos, os compa-
triotas, a raça com todas as suas qualidades (63). O fiictor pre-
ponderante 6 a naturezgí : mil annos de disciplina não modifi-
cariam o caracter do negro, ou do chim ; não toiam o primeiro
(63) Flint, Philosophie de Vfíistoire en Allemagne, cap. IV.
(64) Stnart Mil], Augusto Comie e o Poritivismo, trad. de GIó-
msac^au, pag. O*
216 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
attenuar suas paixões grosseiras e ríoleatas, nem o segando 11-
bertar^se da tradição e do habito. Foi o solo da Europa, acciden-
tado, coberto de bosques, cortado por numerosos rios, golphos,
montanhas e valles, que formou o espirito activo e emprehen-
dedor do europeu. E* por isso que Laurent denomina a doutrina
de Herder — a do fatalismo da natureza. Mas, Herder n&o su-
bordina a sua theoria a um principio fundamental. Ha nas Idéas
sobre a philosophia da hisUn^ da humanidade , como reconhecem
geralmente os críticos de Herder, falta de precisSo nos conceitos,
de vinculo que ligue as partes do todo, harmonizando as, de
principies que dominem as magniâcas exposições dos aspectos
parciaes da historia. Qual a lei fundamental da historia? A su-
jeição do espirito humado ao fatalismo da natureza? Nâo : Deus
oreon o homem para o progresso. O progresso ? Nfio : o homem
está adstricto ás fatalidades do meio cósmico. A doutrina
de Herder quasi nos leva á conclusão do Machiavel : a metade
das nossas acções pertence ao livre arbítrio, a outra metade ás
imposições da natureza.
Um pouco antes de Buokle na Inglaterra, já em França o
philosopho extraordinário com o qual mantém uma certa affl-
nidade o historiador ioglez, tentara determinar a lei funda-
mental da historia, e erigida â categoria de sciencia; mas, o
génio assombroso do Augusto Gomte e a admirável solidez de
seas conhecimentos scientifleos não lograram evitar á philosophia
positiva a sorte dos ensaios anteriores do mesmo género. Au<
gusto Comte naufragou como os seus antecessores, c de toda a
sua vasta obra colossal nos resta unicamente (oo que toca á phi-
losophia da historia) a indicação do methodo.
O ponto de partida do systema de Comte ô que o homem
só conhece, e só pode conhecer, phenomenos, e que esse mesmo
conhecimento é relativo, e não absoluto. Não conhecemos a essên-
cia, nem o modo real de producção, de.nenhum facto, mas, uni-
camente, as relações de successão ou de semelhança dos factos
entre si, relações que são constante.^, ou sempre as mesmas em
condições idênticas. As semelhanças constantes que ligam os
phenomenos entre si» e as succeasões constantes que os unem
como consequentes a antecedentes, se denominam leie. As leis
A HISTORIA ANTES DE BUCKLE 217
dos phcnomenos — eis tado o qoo delles sabemos. Saa essõocía e
suas causas ultimas, quer effleieotes, quer ânacs, são para nós
impeaetraveis (64). Só podemos, pois, averiguar quaes são as leis
a que estfk) subordinados os factos históricos, e, si a liistoria é
uma scioDcia, qual é a lei fundamental, a que as suas leis espe-
ciaes, ou derivadas, podem reduzir-se.
No systema de Comte, a phiiosopliia da historia ó uma parte
da sociologia. l<:sta scienciaé dividida em duas partes : a está-
tica e a dynamica. A primeira limita o seu estudo ás condições
de existência o de permanôncia do estado social ; abstrahe do pro-
gresso, da evoluçio, das modificações por que passam as socie-
dades. B* a theoria do consensus ou dependência mutua dos phe-
nomenos sociaes (65). Ensina-nos que certos attributos geraes da
natureza humana tornam possível a existência social, e que o
homem tem uma inclinação espontânea para a sociedade de seus
semelhantes, que procura instinctivamente,e sem se preoccupar,
o que se dã depois de um certo gráo de adiantamento, com as
vantagens ou interesses que se lho doparam na vida collectiva.
Ao lado dos sentimentos egoístico.^ tem o espirito humano uma
certa benevolência natural, o altruísmo, sentin ento m .is fraco
do que as inclinações pessoae^, mas sufficiente para manter a so-
ciedade. O trabalho, que é umainjuncção da natureza humana,
sob o estimulo d is duas correntes de sentimentos, modifica e me-
lhora as condições do individuo e da aggramiação. Pouco a pouco
se vai formanlo o espirito de progresso, om antagonismo com o
espirito conservado/, que alimentam os instinctos pessoaes, e
dahi a lacta universal entre as duas ordens de tendências. Con-
stitue-se a família, que é a escola ondo os homens aprendem o
desinteresse, e contrahem os hábitos da conducta que exigem as
relações sociaes. Finalmente, um outro phenomeno verificado
em todas as sociedades é a especialisação das ftmcções, que cada
vez mais estreita entre os homens os vincules do interesse e da
sympathia (60). Tal é o campo da estática.
(64) Staart Mill— Augtistc Comte e o Positirismo, trad. de Clô-
mcnccau, pap:. 6.
(65) Obra citaila, pag. 89.
(66) Stuart Mill, obra citada, pags. 9,0 e 94.
â
220 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
exemplo, notoa com muita felicidade que em nenhum tempo ,
nem em paiz algum, se descobriu um deus do peso. Verifloa-se
a mesma cousa, em geral, ató do domínio dos assumptos mais
complicados, quanto aos phenomenos bastante elementares e
basta)ite familiares para impressionarem expontaneamente o
menos preparado observador pela perfeita invariabilidade de suas
relações effeotiyas. Na ordem moral e social, que uma vâ oppo-
síq&o pretende hoje yedar systematicamente & philodophia po-
sitiva, tem^se tido necessariamente a noção das leis naturaes
no que concerne aos phenomenos mais simples da vida quoti-
diana, como evidentemente exige a oonducta geral de nossa
existência real, individual ou social, que nunca teria podido com-
portar qualquer previdência, si todos os phenomenos humanos
tivessem sido rigorosamente attribuidos a agentes sobrenaturaes,
porquanto desde então a oração teria logicamente constituído
o único recurso imaginável, para influir sobre o curso habitual
das acções liumanas.
Pelo contrario, importa notar, a esito respeito, que foi o es-
boço espontâneo das primeiras leis naturaes peculiares aos
actos individuaes ou sociaes que, ficticiamente applicado a todos
os phenomenos do mundo externo, forneceu no começo, de
accôrdo com as nossas precedentes explicações, o verdadeiro
principio fundamental da philosophia theologica. Assim, o
germon da philosophia positiva é tao antigo, no Aindo, quanto
o da philosophia theologica, sem embargo de se ter desenvol-
vido muito mais tarde. Tal noção importa em muito & perfeita
racionalidade de nossa theoria sociológica, porquanto, não po-
dendo a vida humana offerecer nenhuma verdadeira creação,
mas uma simples evolução gradual, não se comprehenderia o
surto ílnal do espirito positivo, si desde os tempos primitivos se
não tivessem verificado os seus primeiros rudimentos neces-
sários (68) .»
Stuart Mill, que adoptou muitas verdades ensinadas por Au-
gusto Comte, por quem professava a mais profunda admirado
fBLZ restricções á J0» fundamental da historiai € Não se deve crer
que a mathematica, desde que começou a ser cultivada, tenha
(68) Cours de philosophia positive, tomo 4^, paga. 694 e 695, t* e4i
A HISTORIA ANTES DE BUCKLE 221
jamais passado pela phase theologica. ProvaTelmente nunca
houve homem convencido de que era a vontade de um deus que
impedia as linhas parallelas de se encontrarem, ou que fazia da
somma de dois e dois quatro, assim como nunca houve quem
supplioasse aos deuses a graça de tomarem o quadrado da hy-
pothenusa igual a uma quantidade maior ou menor que a somma
dos quadrados dos cathetos. Os crentes mais devotos tôm reco^
nhecido nas proposições da natureza dessas— uma classe de ver-
dadesi independente da omnipotência divina». (69)
Littré, o mais illustre dos disdpulos de Gomte, reputando
empirica a lei dos três estados, propunha a substítuição da desco-
berta do mestre por uma outra do diwipulo (70). A historia da
numanidade, no entender de Littré, se divide em quatro épocas,
a mais antiga ô a em que os homens soffrem o império prepon-
derante das necessidades; em seguida vem a edade das religiões,
do desenvolvimento da moral e das primeiras creações civis e
religiosas; a terceira ó a idade das artes, na qual o sentimento
do bello engendra as construoçoes e os poemas; finalmente se
abre a edade da sciencia, em que a razão se consagra ás investi-
gações da verdades abstracta. E' mais uma divisão da historia,
que, como tantas out.as, tem o grave defeito, assignalado por
Flint, de partir do presupposto de que os desenvolvimentos
especiaes da actividade hnmana formam períodos succes*
sivos ia historia, quando a verdade á que esses desenvolvi-
mentos se realisam simultaneamente (71). Entretanto, o facto
de um discípulo como Littré propor, á guiza de correcção, uma
lei fundamental da phiLosophia da historia, tão dissonante da do
mestre, j& bastava para nos prevenir o espirito contra a theoria
do philosopho franoez.
Em verdade, a reflexão sobre os factos liistoricos, desde a
mais alta antiguidade, nos convence de que as idéas theologicas,
metaphysicas e positivas têm sempre coexistido. As três ordens
de concepções não assignalam períodos suocessivos do pensa-
(69) Obra citada, pag. 48, 2» edição.
(70) Paroles de Philosophie Positive, e Auguste Comte, pag8,49 e 50.
(71) La fhUosophie de Vhistoire en Francc, pags. 339 e 340, trad .
de Carrau
222 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
mento humano, porém modalidades synchronioaSt foeto que
díTersas, direcções yarias, posto que coevas, das idéas que for-
mamos sobre os foctos. Si desde os tempos primitivos o homem
formou idéas positivas sobre os phenomenos, apprehendeu-lhes
numerosas leis, de ordens differentes de conhecimentos, como
reconhecem Comte e Stuart Miil, no período actual, denominado
positivo, as concepções theologicas e metaphysicas subsistem per-
feitamente ao lado das verdades scientificas. Dahi a doutrina de
Spencer, para quem ca religião e a soiencia são necessariamente
correlativas», representam dois modos antitheticos da con-
sciência, que não podem existir separados: i^o os poios, negativo
e positivo, do pensamento, um dos qnaes não pôde crescer era
intensidade sem augmentar a do outro» A certeza da existenda
do poder insondável tem sido sempre o flm que a intelUgencia ha
procurado attingir. (72)
O próprio Comte reconheceu essa verdade, quanto tentou
constituir a sua religião positiva^ que Plint qualifica— eitrava-
gante contubernio do fetichismo, do scepticismo, do cathoiicismo
e da sciencia. Que melhor argumento poderia ministrar o Ain«
dador daphilosophia positiva contra a lei dos ires estados do que
a oonflssâo de que a humanidade ia entrar em um quarto estado^
no qual a sciencia e a religião deviam coexistir por toda a oon-
tinuação da historia ?
Si tal é a verdade em relação ao theologismo, isto é, ao ele-
mento religioso, mais ainda nos convence o estudo da natureza
do espirito humano de que a nossa intelUgencia nunca poderá
resigaarse á abstenção de qaaesquer cogitações sobre as causas
primarias e as causas finaes.
Tudo nos leva a crer que esse conjuncto de especulações
sobre os seres que não podemos conhecer pelos processos scienti-
flcos, e especialmente sobre a Causa Ultima, que Augusto
Comte reunio sob a denominação de metaphysioa, ha de ser
perpetuamente uma fonte ínezhaurivel de consolações ou de es-
peranças, de incertezas ou de angustias, para esta miserável e
torturada impotência do espirito humano.
{72)Lêt Premiert Prineipes, pags. 04 • 9b,irad. d6CaceIlM,8»
edição.
 HISTORIA m corno DE BOCELE
O rápido esboço do capitulo anterior eomprova a affir-
mação com que Backle inicia a Historia da CiviH$açao na
Inglaterra^ que ó um dos ensaios mais admiráveis no sen-
tido de determinar as leis da liistoria, de alçar a historia
á dignidade de soiencia, oa de constituir a soienoía da
historia.
Desde o periodo greoo-romano se tem oolligido os uinaes
politieos e militai-es de todas as grandes nações da Eurofa ;
começaram depois a se aocamular eopiosos dados históricos
sobre a legislação, a religião, a scieoeia, as lettras, as
bellas-artes, os inventos úteis e os costumes; foram exa-
minadas antiguidades de toda espeeie ; elevou-se a economia
politica á categoria de sciencia ; a estatística e a geogra-
phia physica têm feito progressos maravilhosos; estuda-
ram-se as acções e os traços caracteristieos dos povos ci-
vilisados e a vida de numerosas aggremiações selvagens em
todos os pontos do globo; tornou-se possível comparar as
condições da humanidade eia todas as phases da civUisação,
e nas mais variadas ctrcomstancias. Mas, se exceptuarmos
algumas observações empiricas, algumas reflexões moraes e
politieafl de utilidade pratica, qual o sueco idóal extrahido
de tão abundantes materiaet, no que o^oerne ao domínio
da historia? Que induoções, que genaralisações, que leis«
que principies, se formularam, que mereçam a denomi-
nação de soiencia da historia? Os próprios historiadores,
com poucas excepções, têm limitado a sua tarefa & narração
dos acontecimentos. Raros os que tentaram subir até as
leis geraes, e entre estes quasi todos guiados por processos
224 REVISTA DO INSTITUTO HISTORIC»
lógicos sabjectivosi dominados por preoonceitog, e sem uma
oxacta comprehensão d^ natureza, da sciencia.
Foi deanbe dessa riquoza de materiaes o dessa escassez
de Yordades scieniiftcas, que o historiador britannico se ar-
rojou ao tentamen, como elle próprio qualifica a sua arris-
cada e traballiosa empreza, de elevar o importante ramo
das investigações históricas ao niyel das soiencias que se oc-
cupam com a natureza.
Com uma nitida visão do seu assumpto, começa Buckle
por uma indagagSo primordial, que nesta ordem de idôas
necessariamente nos deve ministrar o fundamento de qualquer
theoria que aspire aos foros de soientifica: os nossos aotos,
individuaee e sociaes, e consequentemente os factos histó-
ricos, são governados por leis âxas, ou o producto do livre
arbítrio? A nossa vontade ó livre, independente da acção
de qnaesquer outros factores, ou obedece aos moveis e mo-
tivos? Eis o problema, cuja solução nos levará a admittir
e estudar as sciencias que têm por objecto os phenomenos
sociaes, ou a repellir in limine quaesquer investigações nesse
sentido.
Não ha muito que a philosophia contemporânea pela booca
de Fouillée proclamava ser a questão do livre arbítrio e do
determinismo o problema philosophico por eafcellenda. A ado-
pção de qualquer das duaa theorias repercute em todas as
sciencias que estudam o homem, individualmente considerado
ou em conectividade (73). Se professarmos o livre arbítrio,
será a mais rematada incongruência qualquer pretensão de
estudar soientificamente os factos dependentes da vontade hu-
mana; e consequentemente deveremos repellir, por impos-
síveis, todas as sciencias sociaes, como o direito, a economia
politica, a politica e a moral social, ou iremoi até ao im-
comparavel dispauterio de conceber um conjunoto de sciencias
constituídas sobre factos caprichosos, leis que governam
phenomenos arbitrários, regularidade e previsão naquiUo
(73) Hamon^-D^tcrmíniímc et respotisabiliiê; pag. i».
A HISTORIA NO CONCEITO DK BUCKLB 225
que aó dej^ale da vontade^ superior a todas as circamstaa-
cias internas e externas, que podiam gerar a ordem e per-
mittir a previsão.
Mais historiador do que psychologo, maia preoccupado
com a ostatistica do que com a observação do que se
passa no èspiínto liumano, Bucklo liaure o seu principal ar-
gumento em í^LVor da thoso scientiQca do dotermisismo na
regolaridado de certos factos, que, se fosse uma verdade o
livre arbítrio, seriam absolutamente inexplicáveis. A unifor-
midade, ou, em dadas condições, o augmento, ou a dimi-
nuição lenta e gradual, com que se verificam os crimes e
os suicídios, o até factos insigaificantes, que parecem es-
capar a qualquer lei, como a omissão do endereço nas
cartas postas no correio, não têm explicação plausível dentro
da theoria do livro arbítrio. Mas, tão grave é esta questão,
e tal é a sua influencia sobre tudo o que interessa ás sci»
encias sociaes particolares, á sciencia social fundamental e
á philosophía da historia, do cuja constituição adeante tra«
taremos, que importa esclarecer um pouco mais este ponto
capital. Tanto mais se faz mister a nossa explanação, quanto
ó incontestável haver homens illustrados, que, por deficiência
de ínstrucção philosophica, como nota Schopenhauer, reputam
o livre arbítrio um facto de certeza immediata, o o pro-
clamam como verdade indiscutível, não acreditando, om sua
ingenuidade, que sôriamente alguém possa pôl-o om duvida
(71).
Pensa Buokle que o homem nos tempos primitivos, não
tendo ainda descoberto a uniformidade com que se produzem
os phenomcnos da natureza, attribula tudo ao acaso. A ob-
servação quotidiana dos factos e a comparação lhe foram a
pouco e pouco suggerindo % idéa da estabilidade nos processos
da natureza. Da primeira concepção deffluio a doutrina do
acaso no mundo externo, a que corresponde a do livre arbítrio
no mundo interno ; da segunda, a doutrina das relações ne-
(74) Essai sur U libre arbitre, cap. 2,
4323 — iõ Tomo lxix. p. ií.
226 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
cessarias entre os factos, da qual derivou a doutrina da
predestinação. O livre arbítrio e a predestinação— eis os
dois principios oppostos, o em lucta durante um longo espaço
de tempo.
Hoje podemos dizer quo, na explicação do mecanismo da
vontade humana, ha duas escolas em renhida controvérsia, a
do livre arbítrio o a do determinismo. No conceito da primeira
o livre arbítrio, liberdade moral, ou liberdade volitiva, quer
dizer que, não obstante a pressão continua e multiforme do
meio exterior e a lucta interna dos diversos motivos, a de-
cisão final entre duas possibilidades oppostas pertence exclusi-
vamente à vontade do individuo (75). Por outras palavras,
o livre arbítrio é o poder que tem a nossa vontade do se deter-
minar, de se decidir, ora virtude de sua própria iniciativa, su-
perior a qualquer influencia extranha, interna ou externa, ou
o poder que tem o eu de ser elle próprio o autor, o creador de
seus actos (76).
Para os sectários do determinismo todos os phenomenos do
universo, tanto os physicos como os moraes, são determinados
por causas superiores á nossa vontade. Divide-se a theo-
ria do determinismo em tros sub-theorias: a do deter-
minismo mecânico, a do determinismo physiologieo e a do
determinismo psychologico (77j . O determinismo mecânico parte
do principio de que a energia no seio do universo ô sempi*e a
mesma, toda a força se resolve em movimento e todo movi-
mento em força, o pretende explicar por essa tlieoria mecânica
todo o mecanismo da vontade. Esta doutrina até certo ponto se
confunde com a do fatalismo, segundo a qual tudo ostã previa-
mente regulado, o homem nada póie modificar pela sua activi-
dade, só lhe cumpro submotter-se, resignar-se, deante do poder
mysterioso o superior (Dous ou o destino), contra o qual toda
lucta é impossível (7S). Os sectários do determinismo mecânico,
(75) Enrico Forri, Sociolofjia crimincU, pag. 262, Paris, 1893.
(76) Rayot, Lcçons de pi^ychologie, pags. 447 c 448.
(77) Cepeda, E/tiw cílio' de Droit NatuveU trad. de Oiiclair, pag. 32.
(78) G, Renard, L'homme est-il libre t pag. 13.
A HISTORIA NO CONCEITO DE BUCKLB 227
bem como os fatalisi», não vêm qae o homem 0x0106 um poder
de diree^» limitado mas incootestaTel, sobre as forças iuUa«
raes. O determinismo physiologioo só admitte instinetos, stfitl*
mentos, iaelinaçJSes e paixões, e explica todos os antos toIoih
tarios pelo temperamento, peio ambiente, pela sensibilidade ^79).
O determlnsmo physiologico abstrahe dos motivos consistentes
em idéas oa razões de ordem superior, como o dever, a jostíga^
a solidariedade humana, a abnegação, motivos a que o homem
obedece» contrariando seus moveis sensíveis (80)« Finalmente, o
determinismo psych(riogico, em antagonismo oom o meoanleo e
physiologico, enstna-nos que a vontade não está adstricta a essa
força cega, manifestação da energia do universo, nem nniear-
mente aos instinctos, inclinações e sentimento, mas obedeoe
também ás idóas e aos raciocínios, qae riio motiwi determi-«
nantes de nossas volições* E* a doutrina verdadeira, e acceitA
por todos 03 psychologos, philosophos e pensadares« qne tdm
aproíúndado esta difficil e complicada questão. O priBieiro dos
argumentos exhíbidos em fitvor do livre arbítrio repousa em
uma grosseira confosio, facilmente dissipaveL Se interro-
garmos a nossa consciência, affirmam os adeptos do livre ar-
bítrio, obteremos a resposta de que podemos fazer a fue qui*
zermos. Cada homem faz o çiue quer, não ha duvida alguma,
desde que se lhe não depare um obstáculo material. Mas eomo
observa Schopenhauer, essa ó a a liberdade ph^sica, o poder de
agir^ que nada tem com a nossa intrincada questão. O que a
consciência proclama é a Uberdade dos actos^ com a preeupposiçãe
da liberdade das volições ^ mas sobre esta ultima liberdade— a
das nossas volições— a consciência nenhum testemunho offerece
em ííivor da theoria do livre arbítrio. Isso não nos deve sar-'
prehender, por^iuanto a eonsciencia, nota o philosopho allemão»
tal qual habita no fundo da generalidade dos homens, é uma
cousa demasiadamente simples e acanhada para poder explicar
questões dessa ordem. O problema é outro e muito diverso. O
problema ô este: nás queremos as nossas voHçõesí Qiteremes o qtte
(79) Cepeda, ob. cit., pag. 34.
(80) Cepeda, pag. 35,
228 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
queremosf Âs nossas determinações, as nossas resolagõjs, sio o
producto exclusivo de nossa vontade, independente e soperior
ás circumstanoias externas, aos moveis e aos motivos ? Ou as
nossas volições são o produoto destes dois factores—o caracter,
a organisaçao mental, a constituiç&o psychica de cada um, e os
moveis o motivos? Quando um homem afflrma: ueu posso fazer
o que quizor, caminhar para a direita, ou para esquerda, oon*-
forme quizer, porquanto sou livre», afflrma uma verdade irre-
futável. Apenas prosappõe a liberdade da vontade, o admitte
implicitamonto que a decisão Já está tomada (81). Os nossjs
actos dapendem do nossas volições, do nossa vontade. Mas, essas
volições, essa vontade, ^u) independentes de quaesquer circum-
stanoias, do quasqner forças, internas ou externas ? Eis o pro-
blema. E a solução nnica admissível no estado actual da scie-
oncia á a de Buclsle, como hoje reconhecem todos os homens oom-
petentes neste assumpto.
Em verdade, a observa^ quotidiana dos factos nos arrasta
a confessar que os homens são resultantes dos tempos e dos Io-
gares em quo vivem, estreitamente solidários com tudo o que os
cerca, os precede e os segue (82). A hereditariedade, ou meio in-
terno, determina-lhes o caracter o o temperamento. O meio cos*
mico, o meio individual e social, actuam sobre o caracter e o tem-
peramento, e 08 modificam. A influenciado ultimo iRnctor éfte-
quenlemento proclamada: não ha quem duvide da acção dos ha-
bites, dos costumes da sociedade em que vive o individuo, dacon-
dição social em que nasceu, ou se conserva, da profissão, da hy-
giene, da educação, da instrucção, das instituições e das leis (83).
A voli';ão 6 uma resultante destes dois factores: a consti-
tuição psychica e òs motivos. Submetter-se a este ou áquelle
motivo, não á facto que depende do livre querer de cada um.
(81) Fssai sur U libre avhiirr, parrs. íííí o 34.
(82) Piopor, La rir soriale, la morale et le pvonrH. papt?» 2^,
cap. 2'>. x- uf 1 »
(81) Hfliiion, obra cila«la, pa«?. 22. Voja-sr eflpooialmenle o excol-
lento livro do Dp. M. Bombarda, proíessor de medicina em U»l>oa,—
A consciência eo livre arbítrio {.dip, 5'.
A HISTORIA NO CONOBITO DE BUCKLE 229
08 motÍTos não tôm uma força iatrínsoca» sonipre a mesma
I^ara todas as vontades. Saa energia depende da organiâaçfto
mental dos individoos: o qae para um homem civilisado, e de
coracSo b3m formado, constituo motivo preponderante, pôde
nao passar de um motivo secundário, on absolutamente nullo,
para um cérebro rude e dominado por necessidades pbysiplo-
gicas o tendências inferiores. Mas, oljectam os propugnadores
do livre arbítrio, a vontade humana tem em si um principio
activo, capaz de resistir a todos os moveis e motivos imagi-
náveis, do abstrahir dessas forças determinantes, do sobrepôr-se
a ellas, e dominal-as ; os motivos nâo impeliem necessariamente
a nossa vontade. Na soa linguagem pittoresca, Schopenhauer
reproduz essa objecção sob a forma de alguns exemplos. Para
provar o livre arbítrio, um iiomem toma um revolver carregado,
e declara que depende exclusivamente de sua livre vontade*
sem a influencia de motivo algum, suioidar-se ou nfto. Esquece-se
de que a condição capital para que se dê tal facto* ó a inter-
venção de um motivo de força esmagadora e por isso mesmo ra*
rissimo, de um motivo que possa sobrepujar o amor á vida ou
o temor da morte. Só depois que um tal motivo entra em jogo,
é que a nossa vontade se determina, resolve a pratica do acto,
que antão é uma consequência necessária. Diz um outro defensor
do livre arbítrio: posso dar aos pobres tudo o que possuo, e
tornar-me pobre. Poderia, respondo o philosopbo, se tivesse um
caracter diverso, se levasse a abnegAçao até á. santidade ; mas,
nesse caso nada poderia impedir a pratica desse acto, que se
daria necesariamnte ,
Uma illusão da consciência, muito commum, pároco op«
pôr-se ao determinismo psychico: do facto de podermos pensar
(note-se bem— pensar) na realisaç<ão de duas acções completa-
mente oppostas, tiramos a conclusão de que, em um determioado
caso, podemos querer eguaimente dois actos contrários. Schope.
nhauer desfaz essa illusão por meio desta bella e significativa
prosopopea:— Eu podex*ia, diz a agua, levantar-me ruidosa-
mente em vagalhões immensos, tragando navios alterosos, açoi-
tando os mais elevados rochedos.— Sim, responde o philosopbo,
se fosse agua do mar, agitada por uma tempestade violenta.
230 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
—Eu poderia preoipitar-me em uma carreira vertiginosa, arras-
tando Da minha paragem troncos de arvores, blocos de granitos,
«adaveres de liomens.— Sim, poderia tudo isso, mas precisava
ser uma grossa torrente, que se despenhasse de aleantilada
montanha. — Eu poderia esparzir-me pela atmosphera em li-
geiros flooos niveos, tão brilhantes como os raios do sol. —Po*
deria, se fosse repuxo de jardim, em dia de oáo anilado, sob os
revérberos de um sol vivamente fulgurante. —Eu poderia re-
flectir com a maior nitidez as mais puras formas, os contornos
das imagens mais beilas. — Sem duvida, se fosse agua de lago,
orystallina e pura, não encrespada a fftce pela mais ligeira brisa.
Quando suppomos que em uma determinada hypothese po-
díamos ter tomado duas resoluções completamente oppostas,
esquecemos todas as circumstanclas que rodearam a nossa vo-
lição, abstrahimos da força que determinou a nossa vontade, do
elemento que iníiuio decisivamente na deliberação. A acção
desse elemento, o facto de termos obedecido a esse motivo, a
eircumstaneia de ter sido elle o preponderante, não dependia
da nossa vontade, era um corollario das condições do nosso es-
pirito, da nossa organisação mental.
Em ultima analyse, a única liberdade que tem o homem ô
a de agir ( liberdade dos actos ) de acoordo com a sua vontade,
suas predilecções, suas inclinações, de conformidade com os seus
maceis e motivos (84). E, sendo assim, o determinismo não
destróe a individualidade, a personalidade, o conjuncto das qua-
lidades peculiares a um individuo, e que o distinguem dos outros
individues da mesma espécie. Exactamente por haver uma
riqnesa admirável de foctores que distinguem a constituição psy-
ehlca dos indivíduos, e uma grande abundância de idéas e sen-
timentos, de uidinações e paixões, que actuam como forcas
propulsoras da vontade, e por não conhecermos previamente
quaes os factores e os motivos que hão de predominar em um
determinado caso, 6 que não podemos prever com segurança
os phenomenos voluntários, excepto dentro de certos limitos.
(84) Hamon, pai?. 47.
A HISTORIA NO COXCBITO DE BUCKLE 231
Um outro argumento decisivo contra o livre arbitrio nos
fornecemos estadistas, legisladores, jurisconsultos e moralistas,
de todos os tempos. A existência das leis nâo teria absoluta-
mente explicação, se a vontade humana fosse independente doa
motivos. Que homem sensato se lembraria de dirigir, de go-
vernar, o livre arbitrio ? As leis tôm por base a presumpçao de
que a vontade está sujeita ú. coacção dos motivos • Um codil^o
penai ó simplesmente uma serie de motivos, creados polo legis-
lador, para o flm de dominar os moveis e motivos conducentes
ao crime (8*3). Os mais notáveis criminalistas estão accordes
neste ponto: para Beccaria a pena é um motivo sensível op-
posto ao delicto ; para Feuerbach um dos fins da peaa é a coacção
pfiychologica ; segundo Romagnosi, uma das funcções da pena é
a contra-impulsão á impulsão do crimo (86). O legislador
serve-se das próprias paixões, das mesmas tendências, que levam
ao crime, para afastar o homem da pratica dos actos delictuosos.
A cobiça, a sensualidade, o instincto de destruição, querem sa-
ciar-se: o legislador estabelece penas que vão ferir o delinquente
exactamente no património, na liberdade ( cuja privação lhe
tolhe os gozos materiaes), na vida, isto é, nos próprios instinctos
que eile quiz satisfazer. A representação das consequências do
delicto contrabalança, ou sobrepuja, as vantagens, os resultados,
a utilidade collimada ; e assim a ameaça do castigo, a commi*
nação da pena, actua como motivo para vedar a perpetração do
crime. Se algumas vezes a pena deixa de ser efficaz, e se trans-
gridem as leis penaes, isso prova a regularidade com que actuam
os diversos factores que concorrem para formar o caracterisaí
a nossa constituição psychica. O moralista não raciJcina de outro
modo, quando se esforça por nos desviar da pratica do mal, por
meio da representação das consequências prejudiciaes decorrentes
da infracção dos preceitos ethicos, consoquencias que são as
sancções da moral.
Como todos os deterministia, Buckle tora sido increpado
pelos que não conhecem a doutrina — de tor preconisado um
(85) Essai snr le libre arbitnu appendico l».
(80) Ilamon — DHerminisme et responsabilité^i^ai!^, 2uC.
232 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
priaoipio philosophioo cujos ooroUarios são immoraes. Acceito o
determinismo, euppoem taes coQSoree que temos eliminado as
noções de imputabilidade, responsabilidade, mérito e demérito,
pena e recompensa, e consequentemente os fundamentos da
moral o do direito. Nenhuma supposicSo mais errónea. Sendo
os nossos actos voluntários a resultante do caracter individual,
ou organisação mental de cada individuo, e dos motiros, e fa-
zendo-se mister uma certa correlação entro a vontade e os mo-
tivos, isto ó, que 08 motivos tenham a forca do propulsar um
determinado caracter, e que esse caracter esteja formado de tal
modo que sobre elle influam esses motivos, nós temos o senti-
mento claro e seguro da imputabilidade de nossas acções. O de-
terminismo não nega a individualidade, a personalidade; pelo
contrario, explica scienUAcante por que a constituição psychica
dos individues varia, e distingue cada homem dos seus seme-
lhantes. Ninguém ainda so lembrou, observa Schopenhauer, de
se desculpar da pratica de um acto condemnavel, attribuindo-o
exclusivamente aos motivos: todos estão certos de que a imper-
feição do seu caracter contribuiu para a producção do acto cen-
surável. Cada um de nós está convencido de que, sob a pressão
dos mesmos motivos que o levaram a praticar um acto immoral,
outro individuo de mais aperfeiçoada organísaçao mental,
de melhor educação e do intoUigencla mais esclarecida o
capaz do reflexão, teria procedido diversamente. As acções vo-
luntárias de um individuo decorrem do seu caracter, do con-
juncto de attributos que o distinguem, e consequentemente lhe
são imputáveis. Lançam -se na conta de cada um de nós. Não
devemos responder por esses actos? Juridicamente a questão
nos parece hoje impossível. A responsabilidade do delinquente
repousa exclusivamente na imperiosa necessidade da defesa so-
cial, reconhecem todos os criminalistas contemporâneos aucto-
risados: o delinquente respondo pelo delicto, impõe-se-lho uma
pena, porque a conservado da sociedade o exige. Ora, já vimos
que a idéa de pena com exclusão do determinismo psychico só
pôde aninhar-se no cérebro de um insensato. Consequente-
mente, o determinismo não destróe a responsabilidade ; o que
se não comp/ohende é a responsabilidade som o determinismo.
A HISTORIA NO CONCEITO DE BUCKLE 233
Mas, dir-se-ha: a que ficam reduzidas as idéas de mérito e
demérito em face do determinismo ? Quando uma acção foi jal-
gada moralmente bôa, dizemos que o agente moral é digno de
estima e recompensa, eis o mérito. No caso contrario, jul-
gamos o agente digno do desprezo e de punição, eis o demérito
(87). Louvamos e estimamos o individuo que procede de acoordo
com oa preceitos da ethica ; desprezamos e punimos a quem
transgride essas normas salutares, ostabeiecidas em pro-
veito do individuo, da sociedade e da humanidade. Mas,
não 6 3ô no dominio dos factos moraes que discriminamos
o que 6 utii do que nos prejudica, ou não nos inte-
ressa. Honramos e admiramos, louvamos e estimamos todos
03 que se distinguem por um talento scientifico, artístico ou
litterario, pela habilidade no oxercicio de uma profissão»
por uma preciosa qualidade physica ou intelloctual. Ninguém
liberalisa prémios ou encómios, recompensa monetária, ou
sequer alguns momentos de attenção, ao mau poeta. Prestamos
todas as nossas homenagens de estima e admiração áquelles
que por seus dotes oaturaes, por sua constituição mental, se
iC\m distinguido na arte de exprimir as idéas e sentimentos
humanos sob a forma eterna do verso. Entretanto, sabemos
que nenhum desses artistas é o autor do seu génio, que todos
elles devem a ezcellencia na sua arte & natureza e ás circum-
^tanclas. Lamartine, que não equiparamos ao rude burilador
de versos sem génio e sem inspiração, poude dizer de si próprio
com verdade:
Je chantais^ mes amiSy comme Vhomme respire^
Comine Voiseau gémit, eomme le vent soupire,
Comme Veau murmure en coulant .
B Hugo escreveu em rela^ ao sou próprio génio :
Tout souffle, tout rayon^ ou propice ou fatal,
Fait reluire et vibrer mon âme de cristal,
Mon âme aux mille toix^ que le Dieu que fadore^
Mit au centre de tout comme un écho sonore.
(87) E. Saisset, Príncipes de la Morale, pag. 361.
234 REVISTA no INSTITUTO HISTÓRICO
Uma mulher nos attrahe pelos oncanios de sua belleza.
Não é eila a autora d\, perfeição das linhas de seu rosto.
Vamos por isso desprezal-a, ou confuadil-a com as que não têm
o dom fatal de que nos falia Byron ?
As perfeições moraes são estimadas e applaudidaa do mesmo
modo que as perfeições intellectuaos. As imperfeições, as falhas*
08 vicies, os defeitos moraes, são votados ao desprezo e ã re-
pulsão, do mesmo modo que as imperfeições intelleciuaes (88).
Tanto umas como outras não nos devem provocar odio^ mas
oompaizão. e o descijo de corrigil-as, de eliminal-as^ nos limites
do possível. O determinismo não nos leva & inércia do f^ita-
Jismo.
O determinismo pftychico é a theoria regeneradora da huma*
didade, a doutrina do bem, da moral, da salvação. Conhecedor
da dualidade dos factoros que produzem as nossas volições, n&o
mais se limitará o homem a conselhos inefflcazes, a vãos precei-
tos, ã simples formulação de regras de condncta, que são ovtrofl
tantos motivos contradictoriamonte oíferecidos pelos adeptos do
livre arbítrio como meios de dirigir a vontade humana. Sabendo
que os actos moraes dependem da correlato desses motivos
com a organização mental, e quaes os elementos que infloem
na formação do caracter, procuraremos evitar o mal, cortando-
lhe as raizes ; eliminar o vicio, estancando-lhe as fontes ; ex-*
pungir o crime, dando caça aos seus antecedentes necessários,
mais remotos e recônditos. Os individues e as sociedades por
seus orgams se esforçarão por attenuar, quanto possível, as as-
perezas do meio physico, e por melhorar todas as eondições
individuaes e soeiaes de que depende o aperfeiçoamento do es-
pirito humano.
Se o determinismo psychologico é a expressão da verdade,
Bnckle tem razão, quando logo no limiar do seu magestoso
edifício oolloca esta epigraphe sigaiftcativa : «Temos, pois, que
o homem modifica a natureza, o a natureza — o homem ; o
dessa reciproca influencia devem necessariamente decorrer todos
(88) Renard, obra citada, pags. 90 a 97
A ÍIISTORTA NO CONCEITO DE BUCKLE 235
OS acontecimontos » (89) . Podemos appliear o methodo seienti-
fico ao estado dos factos volantarios prodazidos pelas agremia-
ções humanas, generaliziír depois de observar, e assim conhecer
as leis a que esses factos estão sujeitos. E, sendo assim, do
conhecimento do passado podemos colher elementos que nos
aatorisem a prever o faturo.
Não (hltam escríptores que neguem a possibilidade da pre-
visão em relação aos fictos soeiaes. Refuta-os Speneer esma*-
gadoramente por meio de uma distincção que cumpre lembrar,
o que faremos, servindo-nos dos mesmos exemplos do pensador
britannico. Ninguém contesta o desenvolvimennto da mecâ-
nica, uma das sciencias mais adeantadas actualmente, mais
próximas da perfeição, e que comportam predicçOes mais se-
guras e precisas. Os astrónomos se utilisam dos princípios da
mecânica como basode suas Infaliiveis previsôos. Supponha-se
que se trate de fazer explodir uma mina. Os principies da me-
cânica nos autorizam a predizer que cada um dos fragmentos
descreverá uma curva ; que todas as curvas, embora differentes
entre si, serão da mesma espécie ; que, desprezados os desvios
produzidos pela resistência do ar, teremos partes de ellipses
bastante excêntricas para se confundirem com as parábolas.
Tudo isso podemos prevôr com segurança. Mas, que nos é per-
mittido saber previamente em relação ã sorte particular de
cada um dos fragmentos ? A parte esquerda do bloco sob o qual
se coUooou a pólvora saltará em um s6 pedaço, ou om muitos ?
Este fhtgmento será lançado á maior altura do que aquelle
outro? Será detido em seu curso por um obstáculo? Eis ahi per-
guntas a que a dynamica não responde, por não ter dados sobre os
quaes possa formular as suas predicçoes. E assim uma das
sciencias mais exactas só nos pormitte previsões geraes em re-
la^ a um assumpto de sou domínio. O processo geral do phe-
nomeno pode ser conhecido previamente ; as particularidades
não. Dá-se o m:^smo com a anthropoiogia. Nasce uma creança.
Podemos prever o que lhe reserva o faturo ? Morrerá em tenra
(89) Tradarção d» Baillot. vol. 1«, papr. 24.
236 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
edade ? Viverá algum tempo para suocombir à escarlatinat on
á coqueluche? Cabirá de uma escada? Impossível absolota-
meate prever qualquer desses factos. Se desses factos pessoaes
passarmos aos que Spencer denomina quasi-biographicos, al-
gumas conjecturas serfto possíveis. E* licito afirmar que o
recem-nascido aos três annos não será um matliematico, nem
aos des um psychologo» nem um estadista na puberdade. Se
eliminarmos os factos biographioos e quasi^biographiooSp ainda
nos restar&o muitos factos que poderemos prever com segu-
rança, e tacs s&o os relativos ao crescimento, ao desenvolvi-
mento, á estructura e ás diíferentes funcções do corpo humano.
Também a historia nos oíTerece duas ordens de factos, os con-
tingentes e os necessários, os imprevisíveis e os previsíveis (90).
Só os uliimofl offerocem base para generalizações. A theoria do
determlnijmio psychico não nos leva á conclusão absurda de que
tudo se pode prever no domínio dos factos sociaes. Mas, iSsO
não quer dizer que haja factos dependentes do livre arbítrio e
outros regulados por leis fixas, para nos servirmos da expressão
do Buckle. Significa uoicamente que, devido ã extrema compli-
cação das cansas e condições do certos pheaomenos, não lhes
conhecemos as leis, e esses são os phenomenos denominados im-
propriamente contingentes.
Bnokle precisava começar pela afilrmação do determinismo,
porque todo o seu estudo sobre a historia, o seu methodo e os
seus principios, decorrem logicamente da estreita relação entre
os actos humanos e as leis physicas, são applicações do prin-
cipio do determinismo psychologico..
As leis fundamentaes da historia no conceito de Buckle, e se-
gundo elle próprio as formulou, são as seguintes : < 1.'— os pra-
grossos do género humano dependem do suooesso das investiga-
ções no domínio das leis dos phenomenos da natureza, e da pro-
porção em que se divulga o conhecimento dessas leis ; 2.*'- para
que poifsam começar essas investigações, é mister que exista o ,
(90) Spencer, Introdnction à la science sociale, pags. 56 a6t.
Paul Mongeollo, Les probíèmes de Vhistoire^ prefacio de Yvea Quyot,
pag. VII,
A HISTORIA NO CONCEITO DE BUCKLE 237
espirito de duvida, o qual, proTOcando as pesquizas soientifloas,
ô por soa turno alimentado por ellas ; 3.*— as deseobertag
assim obtidas aagmentam a inâaenoia das verdades intellectuaes,
e diminuem relativamente, n&o absolutamente, as verdades
moraes, porquanto estas, não podendo ser tâo numerosas, s&o
mais estacionarias do que as verdades iotelieotuaes ; 4.* — o
grande inimigo desse movimento, e consequentemente o grande
inimigo da civilização, 6 o espirito protector, isto é, a convicção
de que a sociedade só pôde prospei-ar, se o Estado e a Bgreja
dirigirem os nossos passos mais insignificantes, o Estado pela
determinação do que devemos fazer, a Egreja polo ensino do
que devemos crer» (91). Taes são na phrase do historiador
inglez. as proposições nuiis essendaes para a sã inielliffoncia da
hisioriat proposições que eilo julga ter demonstrado pela
inducção e pela deduoção .
Terá o erudito e genial escriptor formulado as leis ftinda*
mentaes da historia, as bases da philosophia da hisioria« como
emprehendeo, tão convencido da effleacia do seu methodo e da
superioridade de suas forças intelleetnaes?
O progresso do género humano (é a primeira lei)— depende
do successo das investigações no domínio das leis qne regem os
phenomenos da natoreza, e da propor^ em que se espalham os
conhecimentos dessas leis.
Eoi primeiro lugar, importa saber o que é o progresso
do genei*o humano. Nada mais vago, mais indefinível, do qne
a idáa que se faz geralmente acerca do progresso. No sentido
commum, o progresso é uma expressão subjectiva, que de-
signa as modificações que satisfazem as nossas preferencias
(98). Algumas vezes, empregamos o vocábulo para exprimir o
augmento, ou a qnilidade superior, dos prodnctos das industrias ;
outras, para significar o desenvolvimento dsts sciencias, das
letras, d\s artes, ou as modificaçSes que, directa, ou indirecta-
mente, conduzem á felicidade (93). No sentido objectivo que
(91) Trad. de Baillot, toI. 4, cjp. XV.
(92) Laa^lais e Feignob s, obra citada, pag. 249.
(93) Sptncer, Essaís surle prxigrès, paga. 3 e seguintes.
â38 RBVISTA DO INSTITUTO HiatORIGO
lhe deo Speooer» o progreflBO podo ser definido : o augmento de
variedade e de ooordenação dos pheaomeaos, ou a passagem da
esiructura homogénea para a ostractura heterogénea. O termo
é tâo yago como a palavra citnlisação, que para alguns ligniflca
unicameioite o desenvoivlmeato das sciencias, da literatura e dai
artes, o para outros abrange a industria, o eommerciOt todos os
ramos actividade útil, não faltando historiadores que a em-
pregam como expresiMio apropriada para repi*esentar tudo isso e
também a vida domestica, o culto religioso, os usos e eostames,
os utensilios e a alimentação (94).
Que quer dizer o progresso do género humano de que nos
falia Buckle? O progresso, ou a civilização (não raro expressões
synonymas) que oomprehende todas as modiieaçSes úteis, que
nos dão o bem estar, e que traduzem uma elevação intellectual
e moral, ou o progresso em determinado ramo da actividade
humana?
Buokle nos responde, primeiramente definindo a elviiizaçao
que 6 o triumpho do espirito sobre os agentes exteriores e
depois consagrando algumas paginas á no^o do progresso.
Reproduzamos-lhe as phrases : cSe perguntarmos : que ô o
progresso ? a resposta parecerá muito simples : ó um duplo
desenvolvimento, moral e intellectual ; o primeiro se refere
aos nossos deveres, o segundo aos nossos oonheeimeutos». Con-
fessemos que a resposta pôde talvez ser muito simples, mas, com
certeza, não é satisfaotoria. «Esse duplo movimeuto moral e in-
telectual, continua Buckle, ó essencial á idéa de civiHsação, e
encerra toda theoria do progresso mental. Cumprir o sen
dever, eis a parte moral ; saber como se desempenha o homem
(94) Guinplowiz» Sooiologie vt Politique, pa^. 00. Plint não ad-
mitte a synonymia entro os terinos — civilisação e progresso. «O bom
senso naturald) género humano, diz o illustre escriptor Inglez, ab-
solutamente não tom o direito de ailirmar quo a civilização seja o
progresso, ou mesmo do considerar o pro<riT8.sO um caracter es-
sencial e universal da civilisação ; ò, peloa factos que devo ser pro-
vada, a verdade ou a falsidade dessas proposições ; o os factos nos con-
vencem precisamente de que aml)as são lalsas. Uma grande rarte da
civilização do mundo ae conserva estacionaria, ou (^atá em declinio.
A civilisação progre.ssiva c, não a regra, mas a excepção. A civilisação
progrcí-siva è a única que encerra a noção do progresso». {PhilO'
sopkie de Ihisioire eu France : cap. X.)
A HISTORIA NO CONCEITO DB BUCKLE 2^9
do seu ddV6r, eis a parte Intelleotaal.» Ma;»« uma grave questão
se offereoa logo ao espirito do escriptor brítanDico : dessas doas
partes» ou elementos do progresso meatal, qual é a maUí impor-
tante? Cumpre sabel-o para subordinar o elemento inferior ao
superior. Se o desenvolvimento da civilisagão e a felicidade doe
homens dependem mais do senso moral que das aoquisições da
intoUigenoia, naturalmente é esse o estalão de que nos devemos
utilisar para medir o progresso da sociedade ; se, pelo contrario,
tudo está subordinado ao augmento dos nossos conhecimentos, 6
a actividade intellectual a nossa craveira. Depois de uma longa
argumentação, afflrma Bnckle que o progresso da intelligencia,
das noções soientiflcas (ou intellectuaes, como elle denomina), ó a
progresso por ezcellenoia, e, pois, a medida do progresso do
género humano.
Sendo assim, ou o progresso a que se refere Buckle na
formula da sua primeira lei da historia abrange todas as modi-
íicações úteis, intellectuaes e moraes, que constituem o pro-
gresso no sentido amplo; ou exprime unicamente o augmento
do nosso património intellectual.
Sendo o fim do historiador britannico tragar a lei Ainda-
mental da historia da humanidade, e não a lei especial de deter-
minado ramo do progresso humano, é na primeira aocepção
que devêramos tomar o vocábulo.
Mas, nesse caso a lei de Buckle tom contra si os mais elo-
quentes protestos da historia universal. Em todos os paizes do
Oriente, o mormente na Grécia o em Roma, as instituições po-
liticas, a legislação e a jurisprudência, a religião, a moral, a
vida domestica, a architectura, a esculptura, a pintura, a
dança, a musica, a poesia, as industrias não aguardaram o de*
senvolvimento das scioncias physicas para progredir, nem se
desenvolveram na proporção em que se foi divulgando o co^
nhecimento das leis naturaes. Não ha uma só grande idéa mo-
derna, uma concepção phiiosophica, uma theoria do pensamento
que não tenha os seus primórdios na concepção de algum philo*
sopho da Hellade (95). Nas artes <o ponto, aonde chegou o
(96) Latino Coelho, A Oração da Coroa ^ pag. 35.
240 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO '
génio gi*ego, deve fleguramente reputar-0e o limite superior
da humana inspiração» (96) . Da Hellade receberam os romanos
a philosophia e as artes, a que nunca deram o maravilhoso de-
senvolvimento que entre elles teve a jurisprudência. Entretanto»
as sclenoias physicas apanas ensaiavam os seus primeiros passos,
e jaziam immersas em um retardamento que contrastava com
a brilhante cultura de outros ramos do saber. A verdade é,
como nos diz Stuart Mill, e o próprio Gomte o reconheceo em
uma pagina que reproduzimos no capitulo anterior, que desde
os tempos mais remotos tem havido um desenvolvimento simul-
tâneo em todos os domínios da lotelligencia humana, ora pre-
ponderando un, ora outro.
Se a lei de Buckle somente eomprehonde o progresso intel-
lectiial,o desenvolvimento das sclenoias, começa pelo defeito
de não ser uma lei universal, e multo menos fundamental, da
historia da humanidade. Seria uma lei especial, talvez, do
progresso das sciencías. Mas, então, já. antes de Buckle alguém
que lhe era superior em génio e profundeza de conhecimentos,
tinha mais precisamente formulado a proposição. De facto, que
ficaria sendo, em tal bypotheae, a lei do historiador inglez,
senão a these de Augusto Gomte, segundo a qual o progresso
das sdencias que so oocupam com o homem e com a sociedade
depende do desenvolvimento das sciencías physicas, assim como
o destas do das sciencías inferiores, na ordem hierarchica ge-
ralmente conhecida ?
A segunda lei do Buckle não é menos falsa. B' a expressão
de um fikcto que se tem dado, que pôde se verificar, mas não
uma lei fundamental da historia. Tem razão Littró, quando
assevera que, nem com relação aos indivíduos, nem com re-
lação ás épocas, se pôde reputar o scepticismo, ou o espirito
de duvida, uma condição necessária das primeiras investigações
das leis naturaes (97).
Buckle impressionou-se por certos factos da historia da
Hespanha, onde a Bgreja, auxiliada pela íDquisição, fazia uma
(9()) Obra citaria, pap. 353.
(97) Líkscience au point de vue philosophique , pag. 487.
i
A HISTORIA NO CONCEITO DE BUCKLE 241
guerra de extermínio, só explicável pela eetapidez do fanatismo
a todos 03 pensadores e homens de scíencia ; e por esse modo
conservou na ignorância, que sempre lhe ó tão agradável,
aquella nobre e infeliz nação. Generalizando precipitadamente,
vicioso habito de que severamente, mas com razão, o Inorepa
um seu compatriota iiiustre (98), Buckle formulou uma lei
geral da historia, desmentida a cada passo pelos factos. Catho-
licos sinceros, protestantes fervorosos, como Descartes, Newton,
Haller, fizeram avançar as scienoias naturaes (99). Na edade
média, cegamente si^eita a todos os dogmas theologioos, as es-
peculações da alchimia produziram descobertas importantes» e
prepararam o caminho para muitos progressos da chimíca (100)
Ainda na idade média, as crenças religiosas não impediram
Alberto o Grande de conceber methodos e verdades scientifieas
muito dissonantes das idéas erróneas qye o cercavam ; Vicente
de Beauvals de se consagrar ao estudo da natureza, de inves-
tigar no dominio da astronomia, da botânica, da zoologia ;
Rogério Bacon de ser o propugnador do methodo experimental
naquella época de trevas, de indicar os meios de extrahir o
phosphoro, o manganez e o bismutho, de indirecta ou directa-
mente dotar a civilização com inventos preciosos, eomo os
relógios, as lentes e os espelhos reflectores, de ter ama intuição
do poder do vapor, e de algumas das principaes doutrinas da
chimica moderna, de insistir sobre a necessidade do emprego
das mathematicas como auxiliar das outras sciencias, e de
iniciar os processos para o estudo da refracgão da luz (101).
Dir-se-á : todos esses homens foram perseguidos, peia VgrctJa*
Sim foram perseguidos, mas eram todos catholicos sinceros e
fervorosos, e isto basta para mostrar que o espirito theologico
n&o ó incompatível com o estudo das leis naturaes. Os primei-
ros pensadores da philosophia grega não eram emaneipados
(98) The Encyclopedia Britatmica, artigo de Flint sobro Buckle,
vol. IV.
(99) Littré, obra citada, ibidem,
(100) Obra citada, ibidem,
(101) White, Histoire de lalutle entre la science et latheolagie^
cap. XII.
4323 — 16 Tomo lxix. p. xl.
242 REVISTA DO INStlTUTO fíldtORÍCX)
da tradição, ou da auotoridade mythologica» que denominaria mos
theologica, se empregássemos a terminologia de Augusto Gomte.
Entretanto, a mais arrojada concepoSo do século XIX no do-
mínio das sciencia biológicas foi claramente enunciada por
Anaximandro no que se chamou o seu famoso paradoxo: a
theoria de Darwin sobre a transformação e descendência das
espécies (102). Um dos sábios mais eminentes do século passado,
Pasteur, que tanto aprofandou as investigaç^eâ das leis natura-
es, nâo era dominado por nenhum espirito de duvida )^elJgiosa.
Não foi elle quem disse em uma occasião solenno que <a Scien-
cia e a anciã de comprehender são ofTeitos dos estímulos que
põe em nossa alma o mysterio do universo i ? O estudo doi
phenomenos physicos não provém da dúvida religiosa, mas,
sim, de uma curiosidade ínstinctiva, que, desenvolvida pelo
trabalho e pelo successo, toma um caracter de amor do verda-
deiro e (ie paixão pela verdade (103).
A terceira lei de Buokle é um paradoxo, que o historiador
inglez tenta demonstrar por uma serio de paradoxos, explicá-
veis unicamente pela excentricidade britannica.
A moral, conjuncto de preceitos impostos á actividade
voluntária do homem, e que tem por fim a conservação e ò
desenvolvimento do individuo e da sociedade, é a principio
empírica, e faz parte das religiões. A' proporção que se
augmenta o conhecimento do homem e da sociedade, vamos
comprehendendo a razão de ser das regras ethicas, as leis, no
sentido scientiâco do termo, que servem de base aos preceitos.
A moral, de simples arte que era, se transforma em arte e
sciencia ao mesmo tempo, como succede ã medicina, á nave-
gação, ã metallurgia, à agricultura. Todas as artes, todas as
praticas^ são empíricas em sua origem. Com o progresso dos
oonhecimentos scientidoos vão— se elevando ã cathegoria de
soiencias, ou, melhor, cada arte se vae baseando sobre uma, ou
mais sciencias (104). A posse dessa verdade incontestável basta
(102) Latino Coelho, obra citada, pag. 287.
(103) J^ittré, obra citada, pag. 488,
(104) Bain, Logíque dédiíctive et indtictwe, trad. de Compàyre,
vol. 1°» pags. 41 e 42 da 2* edição.
A HISTORIA NO CONCEITO DE BUCKLE 243
para repellirmos o erro de Backle. Necessariamente a trans-
forma^ da pratioa em uma arte illuminada pelas scienoias
ha de aogmentar, não só o numero dos preceitos, como a
qualidade daa determinações. O próprio Buckle, em contradioção
com a sua lei, o reconhece, quando escreve esta phrase : <as
leis moraes estão firme e invariavelmente subordinadas ás leis
iAtelleetoaes» (105) Quanto mais profundamente conhecemos a
natureza do homem, Individual e socialmente considorado,
mais seguras hão de ser as nossas indicações moraes, os nossos
preceitos pai-a conservação e desenvolvimento da vida humana
B' uma verdade que nos parece evidente.
A mesma moral empírica é susceptível de progresso. Não
se pôde em áã consciência negar a immensa superioridade da
moral christã sobre a do paganismo. Buckle não trepida em
afflrmar a ineffieaeia absoluta das melhores regras ethicaa»
quando desacompanhadas dou progressos scientlficos. Mas, a
isso responde a historia da propagação do christianismo. Não
foram as naç5es mais adeantadas as que primeiro abraçaram a
moral chrisrtã ; não foram a Grécia e Roma; foram os bárbaros
(106). E negar o progresso dos barbares pela adopção do
ehristianismo ô certamente um paradoxo.
As sociedades mais esclarecidas, cujo progresso sctentiíico
6 maior, são melhores, mais humanas, mais justas, mais tole-
rantes, reconhece Buckle. Que quer Isso dizer, senão que
representam um aperfeiçoamento moral, que são mais morali-
sadast Como, pois, desconhecera connezão entre o progresso
moral e o intellectual ?
A quarta preposição de Buckle è formalmente refutada
pelo ftctos que se passam hoje em todos os paizes cultos, na-
Buropa inteira e na America.
O Estado, em vez de contrariar o desenvolvimento das
idencias naturaes, e de todas as outras, ministra-Ihe, pelo con-
trariOy todas espécie de subsidies. Quando na Allemanlia, na
França, na Inglaterra, na Itália, na Bélgica, na Áustria, na
(105) Vol. lo. pag. 253.
(106) Laurent, obra citada, pag. 23i.
244 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Hollanda, Suiasa, Estadoa-Unidos, por toda parte, o Estado,
direotamente na maior parte das vezes, indirectamente em
outros casos, crôa naiTorsidades e academias, dota-as de la-
lx)ratorios e instramentos aperfeiçoados para o estado das sden-
cias que inquirem os pT^enomenos physicos^ assim como para o
cultiTo de quaesqaer oatros ramos do saber ; quando em todos
esses Estados ha plena liberdade para as inyestigações sd-
entiflcas ; quem ousaria repetir o paradoxo de que o espirito
protector do Estado é o grande inimigo do progresso inteUectual
Apresentar esse paradoxo como lei fundamental da historia da
humanidade, transformar em lei uuiyersal um fi&cto que se tem
dado em algumas épocas, mas que não tem o caracter de constân-
cia e permanência que constituo a lei» toca ás raias do absurdo.
NSo diremos o mesmo do espirito protector da Egrqja. O que
se tem dado ó isto : quando se propala uma descoberta da
sciencia, que oontraria os textos bíblicos, a principio a Egr^a
declara uma guerra cruel aos propugnadores da idôa nova ;
depois offerece uma doutrina opposta, com fundamento nos
liyros sagrados ; em seguida tenta uma concilia^ entre os
textos e a verdade scientiflca incontestável ; finalmente, a sci-
encia triumpha (107). Foi o que se deo com as theorias sobro a
estructura do globo terráqueo, sua configuração e seus limites,
sobre os cometas, sobre a edade da terra. Mas, a verdade ó que
não podemos vôr hoje na Egreja esse espirito protector, inimigo
do progresso das scienolas naturaes, de que nos falia Buckle^
Pelo contrario, nos institutos cajá direcção lhe esta confiada,
a Bgrega actualmente auxilia a acção do Estado no desenvol-
vimento e propagação das verdades das sciencias naturaey.
Posto que a não indúa entre as quatro proposições que
denomina as leis fúndamentaes da historia, Buckle enun-
oia uma outra asserção, que no seu entender é € a base da
phUosophia da historia ». Essa base da philosophia da historia ó
na grande divisão da civUização em européa e não européa^ (108).
(107) WMte, obra citada, pag. 154, onde se rèm diversos exem«
pios.
(108) VoL lo, pag. 173.
A HISTORIA NO CONCEITO DE BUCKLE 245
A tendência da historia na Europa tem sido no sentido
de subordinar a natureza ao homem ; fora da Europa— no sen-
tido de subordinar o homem á, natureza. Nos paizes bárba-
ros» accresoenta Buckle, ha diversas excepções a esse prineipio ;
nos paizes civilizados nenhuma. Se qaizermos comprehender
a historia da índia, por exemplo, devemos ater-nos ao es-
tudo do mundo externo, ou, mais propriamente, dos tàciore»
physlcos, que são quatro: o solo, o clima, a alimentação e
o aspecto geral da natureza. Se quizermos comprehender
a historia de um paiz europeu, como a França, ou a Ingla-
terra, o homem deve ser o nodso principal objecto de estudo.
NSo, porque a pressão da natureza nos paizes da Europa deixe
de ser muito sensível ; mas, porque vae diminuindo sucoes-
sivamente, de geração em geração, ã medida que augmenta
o saber do homem, e este se apparelha dos meios de prever
os phenomonos da natureza, e consequentemente de prevenir
um grande numero de males.
Com toda a razão diz Littró que o asserto de Buckle, lon-
ge de ministrar a base da philosophia da historia, ó um erro.
Para se poder dividir a civilização em européa e extra-européa,
ÍOra mister que a civilização europôa fosse autochtone. Mas,
a Europa inteira se conservava ainda barbara, quando a
Chaldéa, a Phenicia, a Assyria, e, muito antes, o Egypto bri-
lhavam com esplendor das artes e do commercio, fundavam
grandes cidades, levantavam esplendidos monumentos, labo-
ravam os metaes e ensinavam o resto da humanidade a lôr,
a escrever, a contar e a medir. Foi na extremidade da Ásia,
nessa Grécia, meio européa, meio asiática, que surgio a ci-
yilização européa, destinada a se tornar universal. A pro-
posição de Buckle só é verdadeira, quando restringida a um
período recente ; mas, então foge e se esvaece por outro lado,
porquanto a civilização emanada da Europa se implanta na
America, na Austrália, começa a transformar a Índia, mara-
vilha o Japão, regioes^-tolas essas— em que, segundo o sup-
posto axioma, a natureza ô mais potente que o homem 009).
(109) Obra citada, pags. 493 e 494,
246 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
A theoria dos agentes physicos por si só nfto explica a diffe-
rença de progresso entre as nações da Europa e as de outras
regiões, cujo solo, clima, alimentação e aspecto geral da na-
tureza, se não po^em considerar obstáculos ao desenvolvimento
da ciYilisaçSo. Nem se quer a diversidade originaria das raças,
cuja indueocia Buckle nega, ou despreza, e a que Renan liga
tao grande valor (110), nos dá uma razão satisfactoria dessa
desegualdade de cultura. Os Árabes, nómades e ídcuUos, em*
quanto permaneceram nos seus desertos, olevaram-se ao mais
alto gráo de civilisação, quando reinavam em (Córdova e
Bagdad (111). Na falta de uma explicação racional, o melhor
é appellarmos para as felizes conjuncturasy com que já se tem
procurado occultar a ignorância das leis que regem o pheno-
meno (112).
Não poucas das inducções de Buckle sobre a influencia dos
foctores physicos são exageradas.
No sentir do historiador inglez o aspecto geral da na-
tureza tem uma influencia decisiva na formação das reli-
giões. Não somente os phenomenos physicos permanentes*
taes como as montanhas, os rios, a fauna e aflora, como os
terremotos, os vulcões, as tempestades, os furacões impres-
sionam a imagina^ do homem, ao ponto de determinar no
taveis dissemelhanças na religião. A cruel superstição do-
minante na índia e a religião amável dos gregos têm soa
razão de ser na disparidade apontada. Buckle esqueoeo-se
de que na Europa» cujo aspecto physico geral forma um con-
traste com o da Índia, a mesma superstição, a mesma reli-
gião sanguisedenta, existiu em epochas remotas. Os Druidas
mancharam o solo da França e o da Inglaterra com os mes-
mos sacriflcios cruentos dos sacerdotes hindus (113).
O clima quente é um dos elementos mais favoráveis á
expansão da cultura humana, diz Buckle.
(110) Bistoire généraU des langues sémitiques^ tomo 1^.
(111) Laarent, pag. 219.
(112) Littré, pag, 490.
(ii3) Laarent, pag. 224.
A HISTORIA NO CONCEITO DE BUCKLE 24?
To<Ias as oivili8l^fões primitivag tiveram seu berço em re*
giões fsivoreddas por um alto grau de calor, e onde, codío-
qoentemente, a terra é mais fertU.
Na America foram o México e o Peru os primeiros paizes
qne attiogiram a um certo grau de civilisacão. Como explicar
o facto de n|Lo ter tido o Brasil uoia oiyilisa^o ade^ntadat
como a do México e do Peru? Buckle forja uma theoriík
curiosa» e ciyo único assento é uma noção falsa da geogra-
phia physica do nosso paiz. Os ventos aliseos, que vêm de
leste e dominam a oosta oriental da Asíierica do Sul, atraves-
sam o oceano Atlântico, e por isso chegam á, terra sobre-
carregados dos vapores accumulados, em sua ffissagem. Esses
vapores, periodicamente* se condensam em obuvas que,
não podendo transpor a cadeia gigantesca doa Andes, 89
precipitam sobre o Brazil, e o inundam em torren<^ for-
midáveis. As chuvas, alliadas i vasta rede âavlal, e
acompanhadas do calor, d&o ao solo uma ^tividade prodigiosa,
que nenhuma parte do mundo pôde egualar. Dahi ^ profosão
maravilhosa e incrivel da ftbona e da flora brazileiras. Uma
grande extensão do paiz se compõe de florestas espeesas, oiija«
arvores magnificas se desentranham em fructos com uma pro?
digalidade inexgottavel. E, para que nq^Mi falte a esta terr^ 4#
promissãp, as florestas sfto circamdadas de prados ext^n^issin^i^t
que, regorgitando de calor e de hamidade, fonuM^m aUn^antp ^
innumeros rebanhos de gado selvagem. Em m^o dassa pompa,
desse esplendor da natureza, não ha logar para o homem, red«r
zido á insigniflcaoeia pela m^gftstade que o c^?oa. As forçaa con-
tranaji são tão formidáveis, que o homem nunea lhes poude re-
sistir á menor presâo. Ahi está como se explica a ausência da
ama einlisagio, aborígene, ou exótica, no Brazil. As montanhas
são tão altas, que não podemos vingal-as ; os rios tão Icurgos»
que nio podemos transpôl-os (114).
Nós a lactarmos eom os terríveis effeitos das sêooas perlo-
dicas, a oavirmos seguidamente lamentar a devastação dae
(lM)Vol. !•, pw. l»ai2Ç.
248 REVISTA DO INSTITiJTO HISTÓRICO
nossas mattaa e a falta do terras fortsis, poucas relatíTamente i
extensão cborognraiphiea do nosso território, e C3m esses porten-
tosos tliesonros ao alcance da mão, e no seio dessa fabulosa fe*
racidade !
A ezaggeraoSo de Bnckle ó desculpável, quando vemos um
escriptor brazileiro descrever o seu palz com hyperboles ainda
mais arrojadas, oom amplificações rhetoricas ainda mais falsas,
O escriptor bahiano. Rocha Pitta, na sua famosa Historia da
America Portugueza^ conta-nos que o Brazil « ô uma vastíssima
região, felicíssimo terreno, em cuja saperfloie tudo (Ao fiructos,
em cujo centro tudo são the^ouros, em cujas montanhas e costas
tudo são aromas ; tributando os seus cxmpos o mais útil ali-
mento, as suas minas o mais fino ouro, os seus mares o âmbar
mais selecto ; admirável paiz, a todas as luzes rico, onde prodi-
gamente proAisa natureza se desentranha nas férteis pro*
ducQôes, que, em opulência da monarchia e beneficio do mundo,
apura a arte, brotando as suas cannas espremido néctar, e
dando as suas fructas sazonada ambrósia, de que foram mentida
sombra o licor e vianda que aos seus falsos deuses attrlbuio a
culta gentilidade. Em nenhuma outra região se mostra o oéo
mais sereno, nem madruga mais bella a aurora ; o sol em ne-
nhum outro hemispherio tem os raios tão dourados, nem os re-
flexos nocturnos tão brilhantes ; as estrellas são as mais be-
nignas, e se mostram sempre alegres; os horisontes, ou nasça o
sol, ou se sepulte, estão sempre claros ; as aguas, ou se tomem
nas fontes pelos campos, ou dentro das povoações nos aque-
ductos, são as mais puras : ô emfim o Brazil terreal paraiso des-
cobertOt onde tôm nascimento e curso os maiores rios ; domina
salutifiaro clima ; influem benignos astros, e respiram auras sua.
vissimas, que o fazem fértil e povoado de innumeraveis habita-
dores.»
Ao passo que distribuo aos agentes physicos um papel tão
importante, Buokle reputa completamente inefflcaz a acção do
governo e das classes dirigentes para o melhoramento da socie-
dade. Em apoio dessi inducção exhlbe uma sórie de argumentos,
notáveis pela excentricidade. Em primeiro logar, os homens
que governam uma na^o, em geral, são habitantes do pais, im-^
A HISTORIA NO CONCEITO DE BUCKLB 249
biiidofi doa seus preconceitos, eiucados nas suas tradições, nutridos
de saa litteratara ; e, portanto» as suas medidas legislativas sSo
effeitos, en&o causas, do progresso social. ICm segundo logar,
todas as grandes reformas, por elles promovidas, consistem,
nSo em fazer alguma cousa, mas em desfazer o que estava
feito. São esses os principaes fundamentos da af9rmaQSo de
Buckle, e é o próprio escriptor britannico o primeiro a llies
provar a falsidade. Tudo o que escceveo Buckle, sobre as re-
formas e o merecimento de Richelieu, cujo governo foi € tão
felii quanto progressivo, > e a sua apologia de Aranda e Florida
Blanca na Hespanlia, bastam para refutar o primeiro argumenta.
Segundo o testemunho da historia, e especialmente da historia
contemporânea, o Estado, ora tem dirigido e propulsado o movi-
mento social, fazendo adeantar a civilisação, exercendo fanoQõds
inovadoras no sentido do progresso, ora é um elemento conser-
vador ; e, então, não raro desempenha um papel benéfico, impe-
dindo as alterações politicas e sociaes precipitadas, ainda não com-
prehendidas, e que seriam perniciosas, como reconhece Buckle.
Fora inutii lembrar as reformas salutares (em meio de tantas
outras funestas) realizadas pela iniciativa do governo, em nosso
paiz— por exemplo, para provar que a acção dos homens que go-
vernam, ora é favorável ao progresso, ora contraria, não sendo
permittido, consequentemente, formular como lei histórica a
inefflcacia do governo em relação ao progresso social. O segundo
argumento de Buckle envolve manifesta contradicção. Não po-
deriam 08 governos limitar as suas funoções a desfazer o que
está feito : a sua esphera de actividade se restringiria até desap-
parecer. Deante das tendências socialistas dominantes em nossa
época, e quando o Estado cada vez mais alarga a sua activi-
dade, creando instituições, regulamentando factos sociaes, mani-
festando, em summa, a sua força impulsora o geradora em as-
sumptos de que antes não cogitavam os governos , a proposição
do historiador inglez dispensa uma impugnação Amdamentada.
No conceito de Buckle, em synthese, os factos históricos
têm duas ordens de antecedentes ; a influencia dos factores phy-
SÍCO0, da natureza, sobre o espirito do homem, e a influencia da
intelligeocia humana sobre esses agentes. E\ como ae vé,
250 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
uma appiicação da theoria do determinismo. A natureza, em
contacto incessante com o nosso espirito, excita as nossa*
paixões, estimula a nossa imaginação, impressiona diversa-
mente a nossa intelligencia, dando aos nossos actos uma direoção
que sem essa inâuencia elles nao teriam. O espirito humano por
sua Tez modifica a natureza, reage conforme o grau de resis-
tencia dos agentes physioos ; e, quando não encontra obstáculos
no mundo externo, desenvolve-se segucdo as condições de sua or-
ganização. Qual das duas influencias éa preponderante f A do
bomam sobro a natureza ? A da natureza sobre o homem ? Na
Buropa, responde BucIUe, ó a intelligencia humana que predo-
mina. Fora da Europa, em geral, é a natureza, a qual tanto im-
pressiona a imaginação do homem. Para conhecer, pois, o de^
senTolyimento da civilização europóa, importa primeiro que
tudo estudar as leis fnerUaes, que se dividem em inteUectuaes e
moraes, como já vimos. Dessas duas espécies de lois, as pri-
meiras prevalecem, são as mais importantes. Todo o progresso
do género humano depende das leis intelle<^tMes^ isto ó, da
descoberta das verdades scientiflcaa* Leis inteUectuaes e leis
moraes, na linguagem de Buckle, significam progresso scientifico
e progresso moral. A intelligencia humana, applicada án inves-
tigações soientiflcas, é a fonte de todo o progresso, porqoanto
domina a natureza, transforma os agentes physioos, que con-
verte em elementos de bem-estar para o homem, e extingue afi
superstições— causa de tantos males, e especialmente das luctas
e perseguições religiosaSt As doutrinas moraes, immoveis, invu-
riaveis, as mesmas em todos os tempos, em nada concorrem
para o nosso bem-estar, e ató parecem incapazes de qualquer
contribuição para esse fim. Assim como as religiões, a litte-
ratura e a politica, na theoria de Buçkle, têm um papel insi-
gnificante, uma acção quasi nulla, em relação ao progresso da
género humano : são effeitos, e não oausas, das iddas (domi-
nantes, em um periodo histórico. A sciencia « eis o elemento
dominador da historia, a fonte única do progresso da huma-
nidade.
Apresentar assim a phUesophia da historia de Buckle ^ um
^pirito refiectido, e conhecedor àfk historia, é refatar-lhe an
A HISTORIA NO CONCEITO DB BUGKI-E 251
leis fdndamentees,^ ded acções tiradas do prinoipio verdadleiro
do determinismo. 0^ íactosda historia antiga e os faotos da his*
toria contemporânea oppõem-se formalmente á divís&o de toda
a historia da hunianidade em européa e não enropéa. A civili-
sacão da Europa foi precedida da civilisação das nações do Ori-
ente. A Europa ainda estava mergulhada em um estado próximo
do selvagem, quando a China, a índia, o Egypto« a Assyria, a
Phenicia, a Media, a Pérsia, j& contavam muitos séculos de ci-
vilisação (115). Foi nos planaltos da Asía Central que os primi-
tivos Aryas, ou Indo-europeos, formaram o núcleo dessa civili-
sação, que depois se espalhou e desenvolveo pelos hindus, pelos
persas, e mais tarde pelos gregos, romanos e celtas (116). Hoje
os descendentes desses mesmos Aryas, ou indo-europeos repre-
sentam e propagam a civilisação européa nas duas Américas,
na Oceania, em todas as partes do globo. Qae significa, pois, a
divííâo da historia da humanidade em enropéa e extra-européa ?
Será pormittido er{gir um facto transitório á categoria de lei
fundamental da historia universal ?
Considerar as investigações no domínio das sciencias que es-
tudam os phenomenos physicos a base unioa da civilisação eu-
ropéa, ou de qualquer outra, é substituir arbitrariamente por
uma concepção individual a idéa representada por esse vooa*
bulo. O progresso do género humano não depende exclusivamente
do suocesso das investigações das sciencias physicas. Reduzir a
civilisação ao progresso das sciencias que se occupam com o
mundo physico é mutilar essa idéa complexa. Taes sciencias, ou
quaesquer outras, em seu desenvolvimento reflectem apenas uma
das faces da vida da humanidade, que se desdobra em muitos
outros ramos de actividade, todo^ conducentes ao bem-estar do
homem, que, segundo Buckle, 4 o flm da civilisação. Dentre
tantos elementos o progresso moral nunca se poderá di^r so'
menos. Para a felicidade humana, qual a concebemos geral-
(115) Entre outros os seguintes anctores de obras didácticas:
Victor Duruy, Histoire Gênêrale , e Consiglieri Pedroso, Compendio
de historia univencU.
(110) O. Carie, Lavita dei diritto nei 9Uoi rapporti cdla tiUk $^
etoZtf, Ht. lo. cap. 1^.
252 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
mente« nao basta domar a natureza, aproveltar-lhe as forças em
nosso beneficio. O aperfeiçoamento das instituições politicas e
sociaes, o cultivo dos sentimentos altraistioos, o adoçamento das
relações exclusivamente moraes, a ednca(^ qne torna o homem
justo, bom, tolerante» generoso e amável, ftizem parte da civi-
lisação^ e nunca se poderiam Julgar fttctores menos importantes
do bem estar da humanidade que o desenvolvimento seientifloo.
Mas, dir-se-á talvez: se o progresso moral não acompanha
o progresso intellectual, Buckle tem raiao ao menos em uma das
suas inducções. Não: a moral não é estacionaria ; a doutrina e
ofl sentimentos ethicos não são invariáveis, fixos, immoveis« em
meio dos progressos das sciencias. Se o século XIX foi um pe-
ríodo notável pelas descobertas sclentificai e inventos indns
triaes, não deixou de ser uma edade de progresso moral: a guerra
se fez menos deshumana; todos os povos cultos aboliram a es-
cravidão, a roais immoral das instituições civis ; a posição da
mulher se nobilitou ; no fhndo das propagandas das varias sub-
escolas em que se divide o socialismo ha uma idéa, ou um senti-
mento moral. Posto que menos do que as lei$iwtéUectua&$^ at leis
nwraes progrediram. Em outras épocas, a cultura moral foi su-
perior & scientifica. Um exemplo temos nos Judeus, povo de quasi
nuUa cultura intelleciual, mas de uma doutrina moral adeanta-
dissima. Provam-no o decálogo e as prescripções da lei.
Ainda no século XIX, o Estado, mais do que os individuos,
foi o grande propulsor das investigações scientificas. O seu es«
pirito protector não impedio, favoreceo o desenvolvimento, em
proporções nunca antes observadas, das sciencias que estudam
os agentes naturaes.
Buckle não constituiu a philosophia da historia. As suas
generalizações não traduzem leis históricas. Nem com a sua
extraordinária erudi<^, nem com o seu admirável poder mental,
logrou mais do que um ensaio, um tentamen, superior ã maior
parte dos estudos do mesmo género, pelo principio de que partio,
e pelo methodo que empregou.
Esse mesmo methodo e esse mesmo principio, applicados ao
estudo dos foctos liistorioos, tôm sido fecundos em resultados,
{nas para o dominip de outras sciencias.
A HISTORIA NO CONCEITO DE BUGKLE 253
Pttla própria natureia das ooasas, a philosopMa da historia
éimpoesivel.
A fidta do historiador britaimioo» explioayel pelo arrojo do
sen génio, piOTeio de nio ter observado o preoeito scieatiflco que
mais tarde Da Bois-ReymoDd íbrmaloa no seu famoso— Ignara»
bimus, completado por Yirchow com o nio menos celebre— I2tf<-
tringamur (117).
Igncrabimus et reêiringamur^
(117) llaeckel. '^Leê preuveê du tratuformiême. eap. VIU
Mais algumas theorias. O conceito real da historia
Fustel dd Coulanges, admirável pela discreçâo e segurança
de seas estudos históricos (118), ea cujas investigações se
devem subsídios tão preciosos para as inducções do direito e de
outros ramos da soiencia social, era severo para com os philo-
sophos da historia. Não via nenhum fundamento scientiâco,
nem methodo baseado nos princípios da logioa, nessas vastas
construcç5es abstractas, que constituem os ensaios da philo-
sophia da historia; e votava-as ã mesma aversão que os positi-
vistas alimentam contra as concepções puramente metaphysicas
(119).
Em verdade, que ô a philosophia da historia? A doutrina
que pretende ensinar-nos as leis que presidem á evolução dá
humanidade. A darmos credito aos phílosophos da historia, a
sua theoria abrange o curso inteiro da historia do género hu-
mano. Elies nutrem a pretensão de determinar donde veio a
humanidade, e qual a direcção que ha de seguir no futuro (120).
Indicar o objecto de tal doutrina é implicitamente mostrar
à impossibilidade de sua constituição scientiflca, porquanto não
podemos conhecer o coi^juncto dos factos que formam o todo da
historia da humanidade, nem induzir, ou generalisar, para
prever o futuro, tomando por base os factos do passado e do
(ií8) La cite antique, IlUtoire des Institutions Polititíues de Vafi'
oienne Franee^ Recherches sur quelques problémet d'hí8Unre. Uma
parte desses trabalhos foi escripta. ou redigida, por seus discípulos.
(119) Langlois e Seignobos, obra citada.
(120) Oumpiowiez Sooiologieet Politique, 16 e Précisde Politique,
liv. V, §1.
256 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
presente. Tal processa lógico, admissível em relação a orga^
nismos menos complexos, e sôdes de phenomeaos de incessante
repeti^, é inapplicavel a um ser dotado de tal complexidade,
que 08 seus actos,— effei tos das causas múltiplas que concorrem
para a formação da psychica humana, e da infinita e variável
riqueza de idéas e sentimentos que constituem os motivos de-
terminantes de nossas volições,—- são por seu turno causas de
novos ílactos históricos, reproduzlndo-se o phenomeno em uma
continua progressão.
A prova desta verdade— temol-a noinsuccesso das principaes
e mais preconisadas concepções da philosophia da historia.
A doutrina providencialista responde-nos categoricamente
ás perguntas: donde vimos, para onde vamos. Ha um livrinho,
dizia Joufflroy, que se faz decorar ás crianças, o quai contem
uma solução para to ias as questões que se tem formulado sobre
a origem e o destino da humanidade, todas sem excepção. Per-
gunte-se ao menino, que aprende o seu catechismo, donde vem
a espécie humana, elle o sabe; para onde vae, elle o sabe; como
vae, elle o sabe (121). A dialéctica e a eloquência do génio de
Bossuet fizeram com esses elementos uma theoria seductora
para certa ordem de espíritos. Mas, que tem de commum essa
doutrina com as investigações da sciencia? Ck)useguio-se € o
grande triumpho final» da philosophia da historia, que, no
dizer de Fllnt, outro providencialista, consistirá em descobrir e
provar o plano divino, que reduzira a um denominador commum
o chãos apparente das acções humanas de que se occupa a his-
toria, e mostrará uma harmonia e um cosmos nesse chãos ?
Para responder affirmativamente, fora necessário começar por
onde começam os providencialistas, isto é, acceitar unicamente
como a expressão da verdade histórica os livros sagrados, e
abstrahir da historia das nações que, antes dos Hebreus, Já go-
savam de uma civilisação intelleotualmente superior á deste
povo. A historia da Pérsia, a do Egypto, a da índia, são elimi-
nadas pelos providencialistas, como se essas nações não ti-
(121) Premien mélanges phihsophiquês, pagt. 330 e 374, e 3* •dição.
MAIS ALGUMAS THBORIAS 257
Tessem existido (122). Para admittir a intervenção miraoulosa
da Providencia, o a pbilosophia da historia dos providencia-
listas, é mister abstrahir de alguma cousa que ainda paza mais
do que a historia de todas essas nações, isto ô, de tudo o que
sobre o nosso systema planetário, sobre a terra, os seus ele-
mentos, e o homem, nos ensinam (em opposição aos livros que
sorvem do base á doutrina do providencialismo) a astronomia,
a goographia phydici, a geologia, archeologia prehistorica, a
anthropologia, a meteorologia, a phyaica, a chimica, a medi-
cina, a hygieoe, a philologia comparada, a egyptologia, a assy-
riologia. As theorias theologicas sobro a formação do universo,
sobre a edade, a estructura, a configuração, os limites e a po-
sição do nosso globo, sobre a antiguklado do homem e sua
condi(^ primitiva, sobre a therapeutioa e a psychiatria, para
não alludir a muitas outras, estão em formal opposição (como
implicitamente têm sido obrigados a reconhecer os sectários
do providencialismo miraculoso) com os resultados das investi-
gações scientificas, com as verdades baseadas sobre a obser-
vado dos factos. Importa ainda abstrahir da lógica e dos
princípios elementares de justiça, para acceitar a explicação
theologica da historia, qual nol-a dão todos aquelles que tudo
reduzem ao arbítrio da Providencia, superior ás próprias leis
que promulgou.
O providencialismo não miraculoso, a doutrina de LAurent,
Rocholl, o tantos outros, ó uma concepção subjectiva, um ten-
tamen de concialiação, que não satisfaz a fô, nem a sciencia ;
não se filia aos livros sagrados, nem se submette aos methodos
scicntiflcos. Laorent repelle vehemente a intervenção miracu-
losa da Providencia na historia ; mas, quando se lhe diz que
ness^ caso devemos estudar as leis dos factos históricos, pro-
curar descobrir o que ha de commum, de constante, de perma-
nente, de uniforme, na vida da humanidade, não—responde
vivamente o notável jurisconsulto, e medíocre pbilosopho: ad-
mittir leis na historia ó admittir na historia o fatalismo, a
43á?3-i7 Tomo lxix. p. ii
258 REVISTA DO INSTITUTO HISTOUICO
negação de Deas e do livre arbítrio. Tudo se explioa no provi-
dencialismo não miraculoso pela immanenoia de Deus na huma-
nidade. E isso basta para revelar o caracter não scientifico da
doutrina.
Uma theoria philosophica da historia, ensinada por emi-
nentes pensadores, e muito vulgarisada, é a que assenta sobre
a lei fundamental do progresso continuo, necessário e universal.
Temos aqui uma inducçâo sem base scientiflca. O que a his-
toria nos mostra sao progressos parciaes e intermittentes (123),
com períodos estacionários, e roodos para o passado. Gomo
nos certificarmos, perguntaremos com Gumplowicz, da direo^^o
do €fio vermelho do progresso^^ de que será sempre ama
linha recta? de que não mais descreverá curvas, nem que-
bradas? de qne não se partirá, nem se perderá nas pro-
fundezas da historia? Ao lado da tendência para o pro-
gresro, ha em a natureza hnmana uma tendência conser-
vadora: — é o que nos ensina a observação. Prevalecerá
a primeira dessas forças continua e universalmente, vencendo
os obstáculos dos agentes naturaes, dos erros e das ruins pai-
loes dos homens ? A humanidade, já o disse um pensador no-
tável, p6de ser comparada a um immenso polypeiro, enjas rs^
miflcaç56S correspondentes ás diversas raças se estendem in-
cessantemente pelo oceano das edades. Os factos revelados
pelo estudo dos principaes ramos dessa arvore ethnica nSo são
sufflcientes, pelo menos até ao presente, para nos permittir
traçar a linha dos destinos humanos. A historia é um continuo
devenir, um fieri perpetuo : e, pois, pela sua própria natureza
escapa á determinação de um principio director. Os pheno-
menos históricos não se repetem, como os dos corpos inorgâ-
nicos, os dos organismos individuaes, e os dos próprios orgar
nismos sociaes.
A evolução de Spencer,— consistente na integração da ma-
téria, acompanhada de uma dissipação 'e movimento, durante
a qual a matéria passa de uma homogeneidade indefinida, in-
(123) LaAglois e Seignobos, liv. 3». cap. 4^.
MAIS ALGUMAS THEORÍAS 259
coherente, para uma heterogenidade definida, coherente, e o
movimento soffre uma transformação parallela, — acceitavel
em relação aos organismos indlviduaes e sociaes, tem o ca-
racter de simples hypotliesd, quando applicada á vida da es-
pécie liumana. Mera deducçio de princípios que regem o des-
enrolrimento de outros seres, nSo se apoia, nem pôde apoiar-
se, no processo inductivo. Nem se diga que o conliecimento do
individuo e da sociedade nos autorisa a formular a lei ftinda-
mental reguladora do desenvolvimento da espécie. Assim como,
nâo bastou conhecer o bomem individualmente, para constituir
a flciencia social, também não é sufflciente estudar a soci-
edade, para constituir a sciencia da evolução da humanl-
edade, ou para prever a sua evolução futura. As soei-
dades, como os indivíduos, se têm formado, crescido, attingido
á maturidade, e decahido. A Oreclae o povo romano da an-
tiguidade clássica só têm de commum com a Grécia e a Itália
dos nossos dias a identidade do solo e dos agentes natnraes
( 124 ). A evolução da liumanidade se dará do mesmo modo?
Sobre este mesmo globo existirão homens com idéas e senti-
mentos diversos dos nossos? Ou desapparecerão as sociedades
humanas da superfície do planeta ? A evolução leva todo o
corpo orgânico ao equilíbrio, ponto fatal em que começa,
em sentido inverso, o phenomeno complementar e correlativo
da evolução, a dissolução. Dar-se-ha esse phenomeno com a
humanidade ? O estado de privai absoluta de movimento»
a morte, que termina a evolução dos corpos orgânicos, será
o typo da morte universal, em cujo seio a evolução da
espécie irã absorver-se ? Até onde vae a analogia entre a
evolução dos organismos individuaes e a evolução da humani-
dade ? Devemos considerar como o fim de tudo « um espaço in-
finito, povoado de soes exiinotos e votados ã eterna immobi*
lidade > ? Ou esse fim apparente será o inicio de uma vida
nova, o signal da eclosão de mundos futuros, de que nada
no passado nos pôde dar umo idóa? São perguntas, diz Garo, a
( 124 ) Gaston Deschamps —La Grèoe d^aupuréfhui.
260 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
qae a theoria da evolação não p6d6 rosponder, e Spencer nos
deixa debruçados á, margem da eternidade, c interrogando em
Yão com o pensamento o infinito tenebroso » ( 125 }.
Taine, em França, e Mommsen, na Allemanha, sem cre-
arem explicitamente uma philosophia da historia, de tal arte
escreveram, o primeiro — as Origens da França Contemporânea,
e o segando — a Historia Romana^ que bem rerelaram a fili-
ai de sua theoria h idéa fundamental da concepção histórica
de Hegel, assim como Buckle já se tinha inspirado na Idéa de
uma historia universal^ de Kant, que lançou neste opúsculo as
bases da doutrina determinista, desenvolvida pelo historiador
britannico (126). Segando a theoria de Taine e Mommsen, e
que é também a de Ranke, todo facto histórico real 6 ao mesmo
tempo racional. Os phenomenos sociaes têm sua razão de ser
no desenvolvimento da sociedade, em cujo proveito se veri-
ficam. Ao historiador, pois, cumpre filiar as instituições ásne-
( 125 ) E. CATO—Le progrés sooial^ IV.
( 126 ) Caaaará surpreza aos que não têm aprofundado estes es-
tudos que o autor do Kxame da critica da razão pratica, depois de
basear toda a sua doutrina moral e jurídica, e a sua metaphysica,
sobre a noção de cau»a racional e livre, ou sobre a liberdade voli^
Uva, admitta em seguida a theoria determinista como o funda-
mento da explicação da historia. Entretanto, na introducção do
opúsculo citado no texto, Kant escreveu: « Quaesquer que sejam as
nossas divergências sobre a liberdade da vontade, considerada sob
o ponto de vista metaphysico, é evidente que as manifestações dessa
▼ontade, isto é, as acções humanas, estão sujeitas ao império das
leis universaes da natureza, do mesmo modo c^ue os outros pheno-
menos physicos, sejam quaes forem». E o que ainda ó mais interes-
sante é o facto de Kant haver otfc^recido como prova da sua theoria
determinista da historia os dados estatísticos sobre que mais tarde
se apoiou Buckle, cuja philosophia parece a nogação da metaphy-
sica do philosopho'de'Koenigsberg. Kant apresenta-nos, para pro-
var a sujeição aa vontade aos factores physicos c aos motivos, a uni-
formidade ou as alterações graduaes o lentas, que se notam na cs-
tatistica dos casamentos e nascimentos, o accrescenta: « Os regis-
tros annuaes em que so coni^ignam esses factos nos grandes paizes
provam que elles se produzem de um modo tão conforme ás leis da
natureza como as variações da temperatura. Essas variações iam-
bem são factos tão irregulares nas suas particularidades, q^ue não
podemos prevê 1-os individual e oircumstanciadamente ; todavia, con-
siderândo-os em uma serio inteira, verificamos que nunca deixam
de fazer cresceras plantas, correr os rios, nem de produzir outras
harmonias da natureza^ segundo um curso uniforme e ininterrupto »
Opusoolo citado, introduegão).
MAIS ALGUMAS THEORIAS 261
cessidades socíaes, que foram chamadas a satisfazer em sna
origem (127). c Em 1789, — é assim que Taiae começa a
descrever o antigo regimen, — três espécie de pessoas, os ec«
desiasticos» os nobres e o rei occupavam a sitaaçSo eminente
com todas as suas vantagens, autoridades, bens, honras, ou,
pelo menos privilégios, isenções, graças, pensões, preferencias
e o mais. Se desde tão longo tempo essas pessoas occupavam eâse
logar é porque durante muito tempo o tinJuim merecido > ( 128 ).
O clero conquistou a sua posição, satisfazendo uma necessidade
sentida por uma nação subordinada a um regimen duro e
ítío, effeito das luctas e da organisação politica. A religião que
pregava a resignação, e inspirava a paciência, a doçura, a hu-
manidade, a abnegação, a caridade, e promettia o reino de
Deus, devia necessariamente penetrar e dominar o espirito
dos homens suffocados e esmagados sob tal estructura social.
Por outro lado, no seio de um Estado que se despovoava e dis-
solvia, a Egreja constituía uma sociedade viva e disciplinada,
unida por uma doutrina em tomo de um escopo. Foi o clero o
guarda da litteratura, das sciencias, da theologia, da língua
latina, das artes e das industrias, do amor ao trabalho e do
habito do trabalho regular. A esses beneflcios deve o clero o
devotamente que grangeou. Pela protecção que dispensava
a quantos se acolhiam aos castellos e mansões da nobreza» em
uma época na qual < não ser assassinado e ter uma vestimenta
de pelle durante o inverno era para um grande numero de
homens a suprema felicidade », explicam-se o poder e o prestigio
da segunda ordem do Estado. O rei ó o chefe neoessario
para organisar a defesa, para libertar o paiz das invasões
estrangeiras, para luctar contra os papas, e os reis das
nações inimigas. Assim foi uma necessidade social que deo
vida a cada um dos elementos que formaram a estructura
da sociedade franceza e a sua constituição politica, antes
de 1789. Ouçamos a Mommsen, O processo explicativo é o
mesmo. A arme crença na unidade e na omnipotência do
(127) Langlois e Snignobos, obra citada, pags. 247 e 248.
( 128) L'Ancien Jiégim e^liv, !•, cap. I^.
262 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Estado ora a baae dus constitaiçoes doi povos itálicos, e
punha nas mãos de um chefe único um poder formidável, cujos
effeitos 36 fazl im sentir, não' somente sobre os inimigos do
paiz, como sobre os próprios cidadãos. Naturalmente se davam
abusos e oppressões, e, como consequência necessária, appare-
ceram tentativas no sentido de limitar esse poder. Dahi a abo-
IíqEo da realeza, e o estabelecimento do poder consular. A pro-
funda modifioaçãoToi o resultado áo € desenvolvimento natural
das cousas », e a prova est& em que mudança idêntica se realisou
de um modo análogo, na constituição de todos os povos itaio-
grecos. Não foi só em Roma, foi também entre os Etruscos, os
Apulios, os Sabellios, em todos os povos itálicos e gregos, que
08 magistrados vitalícios se substituíram pelos magistrados
annuaes. O organismo da antiga politica itálica e grega pro-
duziu por si mesmo, por uma espécie de necessidade natural,
a extineção do poder vitalício (129). Caminhos diversos, aoci-*
dentes vários, circumstanoias múltiplas, se nos apresentam
oomo causas apparentes dessas e outras transformações radioaes
a causa efflciente ó uma necessidade natural da sociedade. E,
assim, onda Bossuet divisa signaes evidentes da interven^ da
Providencia, a ca&tigar os crimes e os peccados dos homens, a
revelar a sua affeição a um povo eleito, a exaltar e abater as
nações, ora guiando-as para a gloria e a felicidade, ora des-
norteando-lhes os planos, esourecendo-lhes os destinos, e fazen-
do^as cambalear oomo crianças e ébrios, Mommsen e Taine só
descobrem uma ordem natural, oimentada por necessidades in-
ooerciveisl Mas, a theoria do caracter racional da historia ó
Iklha e errónea como todas as outras. Para nos convencermos
desta verdade, basta generalisarmos. Appliquemos o prin-
oipio a quaesquer transformações politicas, de que nos dã no-
ticia a historia, ou que se tenham realisado no periodo contem-
porâneo, e facilmente havemos de vêr que os erros e as ambições
erlminosas dos homens constituem um factor histórico, não
raro preponderante, e que não ó licito omittir. A observação
(129) Historia Romana, liv. í», cap. i^.
MAIS ALGUMAS THBORIAS 263
dos factos mostra-nos que a evolução politica e social nem
sempre tem nm caracter racional, A falsidade da tbeoria
resalta com toda a evideaola, qaaado atteademos & acçSo na
historia áo^ grandes homens. Longe de nós a convicção de que
seja verdadeiro o paradoxo de Carlyle para quem < a historia
universal consiste essencialmente nas biographias reunidas dos
heróes» (130). Bem sabemos que os grandes homens são pro-
dactos do meio social: antes que um grande homem possa
refazer uma sociedade, é preciso que a sociedade o faça. Im-
possível, nota Spenoer, um Aristóteles descendente de pães cujo
angulo facial meça cincoenta gráos, ou um Beethoven em uma
tribude oannibaes. Mas, a theoria de Macaulay (131), acceita
por Buckle, e a única admissível pelos discípulos de Taine e
Mommsen, peoca pela exaggeração opposta & de Carlyle. O
papel dos grandes homens, no pensar de Macaulay, ô comparável
ao das pessoas que, eollocadas em uma eminência, recebem os
raios do sol um pouco antes quo o resto da humanidade: o sol
i Ilumina as montanhas, quando está ainda abaixo do horizonte,
e os grandes espirites descobrem a verdade um pouco mais cedo
que a multidão. Tale a medida de sua superioridade. São os
primeiros a reflectir uma luz que, sem o seu auxilio, vae dentro
em pouco tomar-se visível para os que estão coUocados na
planície». A verdade está com Stuart Mill, em um meio termo:
nem os grandes homens podem tudo, nem deixam de poder
alguma cousa, para o bem ou para o mal. Sem o poder mental
de Sócrates, de Platão e de Aristóteles, provavelmente não
teríamos tido aquellas proftindas concepções philosophicas, que
ainda hoje os cérebros mais potentes nada mais fazem que
desenvolver. Sem Milciades e Themistocles a Qreoia não teria
contado as victorias de Marathona e SaUmina. Não sabemos de
que modo conciliar a theoria das necessidades sociaes como
origem dos factos históricos com a influencia exercida na im-
plantai^ e organisação do regimen imperial em Roma por
(180) Carlyle— If^íWros, trad. de Izonlet, conferencia !»•
(131) Essai sur Dryden^ Melcmges^ I, 186.
264 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Gcsar, quo, no conceito do próprio Monunsen, ardente admi-
rador das qaalidados pessoaos do incomparável cabo de guerra
e eximio estadista, foi c o unioo génio crcador que Roma pro-
duzia»; < o homem único, que é difflcil descreTer»; c homem
perfeito»; que nâo olvidava nunca um só dos elementos de quo
dependia o tuccesso do seus planos, e € previa todas as even-
tualidades»; nem soqnor se illudiu sobre a parte que cabe «em
todas as cousas homanas á fortuna, isto 6, ao acâso»; roor-
ganison o systema militar romano; reformou as finanças;
melhorou a agricultura; remodelou a organisacâo politica das
províncias e as instituições municipaes; e organisou o império,
que plasmado por seu génio maravilhoso, «/b» mais um pro-
dueto inanimado da arte que uma creação da natureza (132).
Deante do insuccesso destas geniaes construcções da phiio-
sophia da historie, que se deve dizer das theorias dos historia-
dores e philosophos que se nâo elevaram a t&o vastas e pro-
fundas generalisações, das theorias que bem se poderiam deno«
minar secundarias?
Fiel & politica dontrinaria, ou do Justo meio^ que procurava
conciliar as demais theorias, formando uma doutrina politica
ecclectica, assim como o ecclecttsmo philosophico já tentara a
alliança, ou a fosão, dos mais desencontrados systemas de
philosophia, Guizot escreveu a Historia da civUisação na Eu-
ropa e a Historia da Cívilisação na França^ com o intuito, com a
id(^a preconcebida, de descobrir no passado uma Justificação,
uma demonstração, da logitimidade das diversas formas poli-
ticas que tinham regido a sociedade (133) . Quizot não pretendeu
crear uma philosophia da historia; não expoz, nem formulou,
uma só lei universal da historia. Ck>mo bem nota Stuart Mill,
o historiador francez, limitando os sons estudos ã Europa mo-
derna (134), não podia remontar ás investigações sobre as leis
(132) Historia JRomana, liv. 5° cap. XI,
(133) Veja-so Fliwi— La philosophie de Vhistoire cn Fraiic^, cnp. X.
(13<) Os traballios históricos do Guizot sobre a or^anis.nção ro-
mana s2o olemontos para a sua Ihooria doutrinaria sobre a Europa
moderna.
MAIS ALGUMAS THEORIAS 265
que presidem á. evoluçSo do toda a humanidade. A parte pbilo-
sophjca da historia de Gaizot consistia em descobrir as causas
próximas da organisação da sociedade moderna. B a conclusão
final de toda a sua obra se resume na proposição de que a the«
orla politica dos doutrinários ó a verdadeira, porquanto harmo-
nisa todas as demais theorias. O feudalismo, a aristocracia, a
theocracia, a monarchia, a democracia, todas essas formas
politicas têm existido, o consequentemente são legitimes. O
único facto da duração de um systoma de governo prova a sua
legitimidade: o que 6 absurdo, ou iniquo, não póie subsistir por
muito tempo. Na theoria de Guizot não temos sequer um ensaio
de philosophia da historia.
Michelet escreveu a Introducção d historia universal, para
demonstrar que a historia é o triumpho incessante e progres-
sivo do homem sobre a natureza, do espirito sobre a matéria, da
liberdade, em summa, sobre a fatalidade. E* verdade, segundo
a doutrina de Michelet, que o poder da liberdade vae augmen-
tando, e o da natureza — diminuindo, ã proporção que, acom-
panhando o curso do sol e as correntes magnéticas, avançamos
da índia para a França. Na índia a natureza domina o homem.
Na França a libei*dade vence a natureza. Esta liberdade,
siijeita aos agentes physicos, que na índia os factores naturaes
esmagam, e que se nos revela tão completa quanto possível na
França, o paiz da liberdade politici e da egualdade, < palinuro
do navio da humanidade >, esta liberdade, que depende das fa-
talidades da natureza, é uma das mais contradictorias conce-
pções que o estudo da historia poderia engendrar no espirito de
um litterato, sem a envergadura do philosopho.
Com o encanto particular do seu estylo, íbito do simpli-
cidade, clareza e seductora elegância, Renan, melhor do que
ninguém, expoz na Historia geral das línguas semiticas o prin-
cipio da diversidade das raças como lei fundamental da his-
toria. Os Aryas e os Semitas, quando se estabaleccm em uma
região qualquer, encontram invariavelmente raças semi-sel-
vagens, que exterminam, e das quacs apenas fo conserva a me-
moria em lendas e mythos. As partes do globo, não povoadas
pelas grandes raças, a Oceania, a Africa meridional, a Ásia
266 REVISTA DO INSrriTUTO HI8TORICO
aeptentrional, ficaram entre^rues a casa humanidade primitiva.
Depois apparecem as primeiras raças civilisadas, mas cuja civi-
lisação ó impregnada de um caracter material: distinguem-ie
pelo pouco desenvolvimento dos instinctos religiosos e poéticos,
grande aptidão para as artes manuaes, espirito positivo voltado
para os negooioSt para o bem-estar e para os deleites da vida,
e ausência de espirito publico e de vida politica. Essas primeiras
raças civilisadas contam três a quatro mil annos de historia
antes da óra christã. Sua oivilisacão desappareceo sob os esforços
dos Semitas e dos Aryas; conserva-se unicamente na China.
Finalmente, apparecem as grandes raças nobres, os Aryas
e os Semitas, vindos da Bactriana e da Arménia, cerca de dois
mil annos antes de Ghristo. laferiores a principio ás nações civi-
lisadas que encontram, no concernente & civilisaçio exterior e
material, os Aryas e os Semitas revelam uma superioridade ex-
traordinária quanto ao vigor, & coragem, ao génio poético e
religioso. Os dois grandes ramos da raça branca não são
eguaes. Os Semitas têm uma missão religiosa; e, uma vez rea*
lisada esta missão, decaem rapidamente, e deixam a raça ary-
ana a dirigir só os destinos do género humano. Os Aryas, ou
indo-europens, são os povos predestinados para o progresso das
sciencias, para as investigações reflectidas, independentes, se-
veras, corajosas, philosophicas, em uma palavra, da verdade.
(135). A theoria de Renaa tem contra si os factos. Não ha
entre os Semitas e os Aryas a differenca de aptidões assignalada
pelo grande orientalista. Os Árabes, genuínos representantes
da raça semítica, revelaram uma notável capacidade para o
cultivo das sciencias em um período histórico celebre pelo
atrazo e estacionamento da civilisacão indo-européa. Foram
elles que na edade média ensinaram á Europa a álgebra, ou
arithmetica generalisada, deduzida por elles do principio de
Diophante; que mediram e conheceram a extensão da terra;
que organisáram o catalogo e a nomenclatura das estrellas visí-
veis; que determinaram a obliquidade da ecliptica« verificaram
(136) Bistoire généraU des laumties «^mitt^ue», tomo IS pag. 4SM.
MAIS ALGUMAS THE0RIA8 267
a preoessão dos equinócios, fixaram a daração do anuo solar;
que aperfeiçoaram os instrumentos de astronomia; que consti-
tuiram a chimica, e descobriram seus principaes reagentes; que
aprofundaram e desenvolveram a dynamica e a hydrostatioa;
que applicaram as descobertas scientifloas ao meUioramento dos
processos industriaes, ao aperfeiçoamento da agricultura e dus
manufacturas (136). Os Phenioios, cognominados os Ingleies
da atUiguidade, oeiebrls&ram-sepor sua habilidade para a nave-
gação e para o oommercio; e os Garthaginezes, mais um ramo
dos semitas, durante mais de um século, na lucta com os ro-
manos, revelaram as suas qualidades militares, sem que Annibal
fosse inferior a Scipião. A superioridade actual dos Aryas, em
rela^^o aos Semitas, nao nos auctorisa a formular uma lei fun-
damental da historia, que tradoza a permanência, a constância,
a universalidade e a perpetuidade, desse facto. Os Aryas appa-
recém na historia oomo bárbaros, ou semi-sel vagens. E, ainda
que a differença entre os dois ramos da raça branca tivesse sido
uma realidade no passado, nenhuma razão scientifica teríamos
para affirmar a sua duração por toda a existência da espécie
humana.
Thiers. • . haverá legar para este em uma synopse da
philoeophia da historia? Thiers ( 137) na historia é o adorador
da força vencedora. Os graves e imperdoáveis crimes da revo-
lução franceta e áo império são factos necessários. Com razão
Laurent denominou esta doutrina histórica— a do íktalismo
revolucionário. Um sorriso perpetuo para aquelles que a for-
tuna favorece, nunca uma só palavra de sympathia ou de pie-
dade para os esmagados, nem um signal de respeito aos infor-
túnios immereoidos, ou um movimento em favor da grandeza
intellectnal e moral, nunca uma censura áã baixezas bffloiaes:
é a idolatria da força ( 138) .
(136) Draper— Xm oon/ftf« de la soienoe et de lareligton, cap. 4«.
(137) Bistoire de la Révolution F^ctnçaiêe, e Histoire du Consulai
$t de VEmpire,
(138) Lanfrey, citado por Laurent, obra citada, pag. 156.
268 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
As theorias de Bunsen, Lotze, Bagohot, e tantos outros,
ou são variantes das que já conhecemos, ou conciliaQões ilus-
tradas, ou nos dão apenas uma das faces por que deve ser estu-
dada a historia.
Bourdeau ô apenas um erudito, um simples compilador;
mas, o seu livro — V Mstoire et les historiens — offerece no-
tável utilidade pela abundância de conhecimentos sobre os his-
toriadores, riqueza de observações e inducções, nem fempre
verdadeiras, pela clareza e pelo methodo. A exposição dos
factos, nota Bourdeau, não constituo uma sciencia; unicamente
nos apresenta os materiaes de uma sciencia. A idôa abstracta
da ordem e das causas dos phenomenos, eis o fim de todas as
eciencias. Para que entre estas se possa inclair a historia, é
mister descobrir as leis históricas^ o que quer dizer — as lei«
peculiares a esta sciencia. Os historiadores até hoje o não têm
logrado. A razão é que attribuem a producção dos factos a uma
destas três causas, todas exclusivas da idéa de lei: o livre ar-
bítrio, a direção divina e os caprichos da fortuna, ou do acaso.
Nenhuma delias é acceitavel. A. sciencia deve aftistal-as, a ave-
riguar quaes são as influencias geraes e fixas que determinam
08 &.cto8 históricos. Bourdeau se aventura a esse árduo e teme-
roso commettimento. E, depois de observar que é impossível
por emquanto formular as leis da historia, porque a sciencia
ainda não esta constituída, tenta indicar como será possível
descobrir essas leis. Bm primeiro logar, cumpre estabelecer leis
especiaes ás diversas sérios da factos, e em seguida uma lei
geral que abranja a totalidade dos factos. As leis especiaea
são de duas categorias: do ordem e de relação. As leis de ordem
nos mostram o que á producção dos factos tem de geral na ex-
tensão, e de persistente na duração, o que ha de oommum e de
constante nos phenomenos. As leis de relação nos apresentam
a filiação dos eíleitos ás causas, averiguação diffloiiima no
dominio dos factos históricos, que são produzidos por um con-
juncto de infiuencias varias. Acima das leis de ordem, que dis-
põem 06 factos por series em rasÃo de sua similhança, e das
leis de relação, que ligam as series— umas ás outras— por um
laço de causalidade, as sciencias procuram formular uma lei su-
MAIS ALGUMAS THEOHIAS
prema, que resuma as precedentes, e as redaza â unidade.
Exemplo desta alta generalisacão ô a lei da grayitação,
irredoctivel, superior a todas as inducções relativas aos phe-
nomenos que explica, e comprehensiira de todas as leis
particulares ou inferiores. Qual a lei geral da historia ? A do
progresso. Ha uma necessidade racional do progresso. Nâo
se ooncebe a razão humana senão como um principio pro-
gressivo de actividade. A espécie humana obedece á lei do
progresso, assim como os movimentos dos corpos celestes
obedecem á lei da gravitação. Necessariamente, fatalmente,
a humanidade gravita para a perfeição. Suppondo pos-
sível uma formula mathematica para a lei do progresso,
Bourdeau a propõe, e análoga á da gravitação: assim como
esta age na razão directa das massas, e na inversa do qua-
drado das distancias, assim o progresso parece (curiosa lei!)
effectuar-se na razão directa da somma dos melhoramentos
e descobertas anteriormente realisadas, na inversa dos obs-
táculos que se oppôemã sua diffusão no mundo. A industria,
a arte, a sciencia, os sentimentos effectivos, todas as manifesta-
ções da actividade humana obedecem ã lei geral do progresso
Mas... confessa Bourdeau, ha influencias perturbadoras do
progresso, que se não realisa por toda a parte e sempre com
a regular uniformidade de uma lei simples. Nos férteis
valles do Nilo, do Euphrates, do Ganges e do Yang-tse-Kiang,
a civilisação desenvolve-se rapidamente; nas regiões acci-
dentadas da Europa ostenta uma grande riqueza de formas;
nos desertos d^Asla e d' Africa as condições climatéricas e
geograpbicas impõem a immobiiidade. Demais, coincidências
fortuitas, necessidades latentes, tolhem ou impossibilitam,
suspendem ou fazem retrogradar a civilisação. Eis uma ver-
dade, que Bourdeau, e com elle todos os que estudam a his-
toria reconhecem. A lei de Bourdeau é uma deducção da
natureza do principio progressivo da razão. Essa deducção
será confirmada pela inducção, baseada úa observação im-
parcial dos ftbctos? Neste ponto é lastimável a inópia de factos
e argumentos com que o auctor emprehende cimentar a sua
theoria.Pelo estudo dos factos históricos podemos prevôr o
270 REVISTA IX) INSTITUTO HISTORIGO
íútaro da eyola^o da humanidade ? Quanto aos fiactos sin-
gulares, aos accidentee» responde Bourdeau que não: só po-
demos prever os phenomenos regulares. Quaes í»bo esses phe-
nomenos denominados regulares ? São os factos de ordem eco-
nomica, moral, politica, jurídica, isto ó, são Actos cujas leia
formam o conteúdo de varias sciencias sociaes, mas não da
historia, e muito menos da philosophia da historia, pois
não se comprehende a philosophia de uma sciencia que ainda
não existe, ou que é impossível, pelo menos, no estado actual
dos conhecimentos humanos. Tal é a conslusãoa que fatal-
mente nos leva o estudo reflectido da theoria de Bourdeau,
assim como o de todas as demais doutrinas em que se tem
tentado reduzir a liistoria a uma sciencia, ou con-
stituir a philosophia da historia (139).
A fdncQão da historia consiste em colligir e classificar
methodicamente os factos, para mialstrar, os materiaes que
servem de base às induccQes da sciencia social fundamental
edas sciencias sociaes especiaes.
Quaesquer que sejam as divergências sobre o conceito da
sciencia social geral, ou sociologia ; admitta-se a sociologia
classiflcante com Littré, Roberty, Qreef, Lacombe e Wagner, ou
a sociologia biológica com Spencer, Lilienfeld. Schãffle, Fouillée
e Reno Worms, ou a sociologia dualista com Hauriou, Giddings,
Ward« Mackenzie ; entenda-se que ó uma sciencia constituída,
ou de formação incipiente (e é esta, segundo nos parece, a
verdade); o que hoje se não pôde contestar é que ha uma scien-
cia social fundamental. A vida em commum ô uma lei para o
homem, como pára certaus espécies de animaes. Não diremos
com Espinas que todos animaes estão sujeitos a essa necessl-
(139) E' a mesma oonclasão a que chega um notável escriptor bra-
zileiro, o Dr Carlos de La<^t, posto que estude os factos e as theo-
rias sob um aspecto differente: « A philosophia da historia ainda
não é uma soiencia. Nt^m jamais o poderá ser em todo rigor dada-
lavra, opina illnstrado professor, pois para que sciencia exista , ha
mister de princípios certos, evidentes, e de tal manoira conhecidos
que pela razão sejam applicaveis a conclusões não menos legitimas
e cyidontcs do que os mesmos principi os; • u este resultado jamais
chagará a philosophia da historia»* (Em Jlfincu, O grande probUma
histórico, pag. 3i8.)
MAIS ALGUMAS THBORIAS 271
dade. Bastar-nos-ha recordar os exemplog, . tão conliacidos, de
existência gregária, qae nos offerecem as formigas, os castores
eas abelhas. Assim limitada a proposição de Espinas, póde-se
repetir com elle que o meio social é nma imposi^o da biologia,
ama condição necessária da conservação e da ronovação da
espécie. (140). Os mais profundos espíritos da antiguidade clás-
sica já não alimentavam dissentimentos sobre esta verdade.
Platão, o precursor do racionalismo, que considera as leis so-
ciaes deducçQBS das idéas— arclietypos, reveladas pelo logos ou
verbo divino, n*0 Estado ou A Republica firma nitidamente a
these de que ha um organismo social, creado pela necessidade.
No admirável dialogo entre Sócrates o Adimanto, o Estado nos
apparece como um producto natural, a resultante de forças
incoerciveis, uma organização subordinada a leis« no sentido
scientifico do termo (141). Verificando-a pelo methodo experi-
mental, Aristóteles desenvolve a theoria de Platão. A cidade,
no conceito do Stagirita, ô uma producção da natureza, um ser
vivo : € é evidente que a cidade pertence ao numero das cousas
creadas pela natureza, que o homem ó naturalmente um
animal politico, destinado a viver em sociedade. . . Vô-se de um
modo evidente porque o homem ô um animal sociável em mais
alto grão que a abelha e todos os animaes gregários. A natureza
nada íkz em vão. S6, entre os animaes, o homem tem o dom da
palavra. A voz ó o signal da dor e do prazer, e por isso foi ou-
torgada também aos outros animaes, cuja organização é susce-
ptível de dôr e de prazer. Mas, a palavra tem por fim fazer
comprehender o útil o o prejudicial, e, consequentemente, o
justo e o injusto. • . Na ordem da natureza, o Estado vem antes
do individuo» (142).
Os sociólogos contemporâneos, quando ensinam que a vida
social ô uma injuncgão da natureza humana, uma resultante
das tendências e necessidades, dos attributos physieos e moraes
(140) Des sodeíés animales ; Introduction historique .
(141) Traducção de Bastieu, liv, 2°, V.
(142) La Politique, tradacçio de Tfaarot, cap. 1*^ fS 40 e 11.
272 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
do homem, reproduzem uma verdade professada ha mnitog
séculos.
O estudo das leis a que ostá sujeito o organismo social faz
o objecto da sociologia e das scioacias sociaes particulares. Se
estudamos o que ha de uniforme, geral e permanente, na
génese, na estructura e na evolução das sociedades, temos a
sociologia, ou sciencia social fundamental. Se estudamos, certos
phenomenos especiaes, certos aspectos particulares da sociedade,
por exemplo— a sociedade considerada sob o aspecto da riqueza,
da direcção dos interesses públicos iuternos e externos, ou da
manutenção da ordem necessária á conservação e desenvolvi-
mento da conectividade, tomos a economia politica, a politica,
ou o direito. A sociologia está para com as eciencias sociaes
especiaes, na mesma relação em que a biologia para com as
sclencias que se occupam com a vida sob aspectos especiaes,
como a zoologia e a botânica, tendo a biologia por objecto os
phenomenos essenciaes e universaes da vida, S3ja qual fôr a
sua manifestação, ou o corpo— vegetal ou animal— que lhe
sirva de sede.
A historia contém os factos, cuja comparação nos leva ás
induoções da sociologia e das sciencias sociaes particulares.
A philosophia da historia foi substituída pela sociologia. Fouillée
não hesita em dizer que a philosophia da historia precedeu a
sociologia, do mesmo modo o na mesma relação, em que a
alchimia havia precedido— a chimica, a astrologia — a astro-
nomia. Não procuramos hoje formar uma theoria pcientiíica
sobre a evolução da humanidade, não nutrimos a pretensão de
prever o futuro mais distante da espécie humana.
Limitamos a nossa aspiração scientifica a conhecer a so-
ciedade. Isto 6 possível. Para alcançar este destãeratum, dis-
pomos das duas series de processos lógicos, dos dois instru-
mentos únicos que a sciencia pôde admittir, a induoção, a ge-
neralisação, obtida pela comparação dos factos, e a deducção, a
extracção pelo raciocínio de verdades geraes menos extensivas,
comprehendidas virtualmente em verdades geraes superiores.
E* a historia que nos apresenta os factos que servem de
fundamento ás geúeralisações da sociologia. Sem tão solida
MAIS ALGUMAS THEORIAS 273
base, a sociologia oada mais poderia conter que especulações,
hypotheses, asserções mais ou menos approximadas da verdade,
como tem acontecido ás diversas theorias da philosopliia da
historia.
A sociologia não se confUnde com a philosophia da liistoria,
como querem alguns. Do numero destes é Barth, para quem as
transformações social constituem os assumptos peculiai*es á
historia, e assim a philusopbia da historia, para explicar a
evolução da humanidade, precisa conhecer as transformações
sociacs, e, vice-versa^ a sociologia, para explicar as transfor-
mações sociaes, precisa conhecer a evolução histórica (143).
Assimilar a sociologia & philosophia da historia importa con-
fundir a sociedade com a humanidade. Comprehonde-se uma
scioncia consagrada ao estude das agremiações humanas, e qae,
dentro de oertos limites, procura saber como se formam essas
agremiações, que elementos, ou forças, concorrem para a pro-
ducção do phenomeno, de que partes se compõe o todo, e como
se tem desenvolvido a vida collectiva, sem uma sciencià que
pretenda descortinar os factos futuros da vida da espécie hu-
mana. O ideal da sociologia é mais modesto, e por isso mesmo
realisavel. A formação, o desenvolvimento, a decadência e a
extincção das sociedades são factos que se têm repetido innu*
meras vezes na historia. A evoluçio da espécie humana é um
phenomeno único, de que nem siquor podemos saber a que phase
corresponde o momento actual. Não admira que Barth tenha
confundido a sociologia com a philosophia da historia, quando
Augusto Comto, depois de di\ridir a sociologia em estática e
dynamica, tratou nesta ulima parte de formular leis que se
fossem verdadeiras, constituiriam a philosophia da historia.
A falsa lei dos ires estofloa evidentemente é uma generalisação
de caracter histórico, e não sodiologico, pois abrange a vida de
toda a humanidade.
A missão da historia não se restringe a fornecer os mate-
rlaes, methodicamente dispostos, para as inducçõos sociológicas «
(143) La philosophir de Vhistòirc au poitU de vue sociologiqne ,
L'Année sociologique, 1898, pag. 116.
4323 — 18 Tomo lxix. p. u.
274 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Subsidio precioso, (e aqai nos parece impoasiTel qualquer
contestaçSo por aqaelles mesmos que negam a existência de
uma soiencia social e fundamental), abundantes e seguros re-
cursos para as indncQoes, ou para as verificações, das soiencias
sociaes especiaes ainda nos proporciona a historia.
O methodo da sciencia económica não pôde mais ser o pre-
oonisado por J. B. Say: « a economia politica, como as soiencias
exactas, se compõe de um pequeno numero de princípios ftinda-
mentaes, e de um grande numero de corollarios, ou deducções,
desses principies (144). Se a observação dos factos não basta
para nos dar leis scientiflcas no dominio desta sciencia social, se
a multiplicidade das oircumstancias que revestem os pheno-
menos económicos torna muitas vezes difflcil a induc(^, a
mera applicacSo do methodo deductivo expor-nos-hia a converter
a sciencia económica em puro exercício mental, ou nas peri-
gosas ilIosOes de que nos ftillA Thorold Rogers, um dos mais
convencidos propugnadores do processo inductivo como instra-
mento complementar do methodo económico (145). Adquire- se
uma idéa exacta da utilidade da historia para o desenvol-
vimento da economia politica, quando se lê a excellente historia
económica de B. SoheeI (146). O conhecimento dos erros do sys-
tema económico architeotado pelos gregos e romanos, dos pre-
conceitos que na antiguidade clássica e na edade média domi-
navam os governos em relação á moeda, e dos inconvenientes
oriundos da applicadlo de taes idéas, corrigindo as nossas theo-
rias concernentes ao assumpto, é uma prova do quanto nos
aproveita o estudo dos Au)tos históricos na constituição desta
sciencia. Cumpre nfio esquecer a observação de Stuart Mill
sobre o methodo historioo : nas investigações sobre os factos so-
ciaes, ora procuramos saber qual o efléito que resulta de orna
dada causa, presnppostas certas condições, ora 6 nosso intento co-
nhecer essas condições ou circumstancias geraee, qoaes as causas
(144) Traité d*éoonomie politique, disoours préliminaire.
(145) Interprétation économique de Vhistoire.
(146)Sohõnberg, Mmnuale di eoofMmia politioa, vol. 1° , traduz o
traballio de Scheel .
MAIS ALGUMAS THKORIAS 275
quo produzem e os pbenomeaos que oaracteriaam os ostadoâ de
sociedade èm gerai (147). A historia nos auxilia em uma e outra
ordem de averiguações.
A experimentação oòmo methodo da politiea ofiEérooe pe^*
rigos manifestos (148): a sociedade não é anima vitis. Masi por
isso mesmo que esse processo preparatório das indoeções tão ntí
appiica a este ramo das scienciassooiaee, mais palparei se fius
a necessidade da observação dos factos históricos como base da
theoria {Politica, pois os phenomenos observados no presente
não bastam para se generalisar no domínio de uma soiencia tão
complicada, que a própria historia não ministra materiaee
SQffleientes para a formulação de leis seguras^ senão em pe*
queno namero de casos. Negar a necessidade da observação hi6«
torica para constnicção da soioucia politica, fora proclamar a
inutilidade da experiência dos negócios públicos para a boa di«
reoção do Estado, e justificar os arrojados ensaios dos theoristas
ambiciosos, apoiados em deducções ainda não verificadas. O
saber sò de experiências feitú^ preconisado pelo epieo Insitanot
não é outra coisa senão uma doutrina baseada na observação
dos factos. As inducçoes politicas são indispensáveis para a ve-
rificação das deducções, das hypoteses, das theorias, e sem o es-
tado da historia não ha inducçoes possíveis neste dominio das
scienoias sociaes. A arte de guiar todas as tendências sociaes des-
encontradas, imprimindo-lhes novas direcções communs e
médias, com a minima resistenoia oollectiva e a minima perda
de forças, e tal no sentir de Sohãffle ó a politica pratica (149),
precisa ser cimentada pplas generalisações scientifioas, e estas
só podem definir da historia.
A moral social e o direito elevaram-se á dignidade de sci-
enoias, depois que os seus princípios e as suas deducçõee pas-
saram, rectiflcando-80, pelo cadinho do methodo inductivo. B
(ÍAl) Système de Logique, vol. 2o, pag. 509.
(148) Lóon Donnat a propõe na Politique expéHmentaley obra de
um theorista, quo potico 9o oooupa com a pratica de suas Hqõc».
(149) Struuurof e vita dei corpo sociale, trad. (b L. Ludovict», vol.
i, pag. 464.
276 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
tão copiosos já são os subsídios da historia para as generalisaçdes
oa verificações do direito, que não nos faltam exemplos e pro-
vas da utilidade prestada poios estados históricos a esse ramo
das sdenciassociaes. Quem poderia hoje oonvencer-se de que
conhece a natureza e o fundamento da propriedade, sem ter
formado o seu coaoeito sobre essa instituição em face das inte-
ressantes investigações históricas de Summer Maine, Laveleye e
outros ? E' lendo, por exemplo, Laveleye que vemos a evolução
que, gradual e necessariamente, fez passar a propriedade da
forma oollectiva para a individual; que ficamos sabendo como
na índia, no Egypto, no Japão, na America, em toda a Europa
a propiedade immobiliaria— de communista, ou coUectivista, se
transforma invariavelmente, e obedecendo a influencias incoer-
cíveis, em propriedade moldada pelo individualismo (150). Não
teremos aqui uma indicação preciosa de que, nas concessões que
a justiça obriga a fiizer á parto racional dos programmas socia-
listas, não devemos ir ató ao ponto de instituir um rogimeu
que, aK^m de condemnado pelo estudo imparcial da natureza hu-
mana e das necessidades sooiaes, é repellido pela historia, repu-
diado pelos factos ? Investigações análogas por D*Aguanno, em
relação á constituição juridica da família, comprovam e funda-
mentam a necessidade da união monogâmica, tal como a d^i-
nôam os códigos miis adeantados (151). O mecanismo constitu-
cional da Inglaterra tem sido na historia desta nação uma veri-
ficação positiva, a nos mostrar incessantemente que o regimen
não é uma especiosa deducção de princípios erróneos ou folsos.
Estes exemplos, tão conhecidos, revelam, com maior evidencia
quo quaesquer outros, a utilidade dos estudos históricos, no que
concerne á scioncía juridica.
Não enumeraremos as sciencias sociaos especiaes, que jã se
têm constituído, ou pódom constituir-se, com o subsidio da his-
toria. Em matéria sujeita a tantas divergências de opinião,
quando frequentemente se ensaia a organização de uma nova
(150) De la proprit^^té et de st*s formes primitives.
(151) La génese c Vevoluzione dei diritio civile, parte especial, caps.
40, 5<»e 6°, *
MAIS ALGUMAS TIIEORIAS 277
sciencia aooial especial, é arriscada a precisão de um Lagrósille,
a nos offerecer, como num qaadro delimitado» a nomenclatura
desses ramos do saber social: a psychologia social, a moral
social, o direito, a sciencia económica, a politica, a physioa
social, a esthetica social, a genética social, a ideologia 8ocial« o
outras ideológicas quejandas*
A historia não tem um conteúdo sciontifico próprio, leis do
seu domínio, inducçoes, principies e deducções» que lhe sejam
peculiares, generalisagões que delia façam uma sciencia.
Quando o historiador, uma ou outra vez, extraedos factos uma
verdade geral, o sueco ideal que constituo a sciencia, é a socio-
logia; ou qualquer das sciencias sociaes espeoiaes, ó talvez a
anthropologia, em alguma das suas divisões, 6 uma outra scien-
cia qualquer, das que se aproveitam dos dados historioo6« que
conquista mais uma noção, q alarga o âmbito de sua doutrina.
Não confundimos o que se tem chamado^a philosophia da
historia com o que se denomina— a sciencia da historia. A phi-
losophia de uma sciencia comprehende sempre as verdades mais
geraes, os princípios, as mais altas e profundas generalisações do
domínio dessa sciencia. Ninguém melhor que Vacherot já dis-
tinguio a sciencia da historia da philosophia da historia : a pri-
meira pretende descobrir as leis que regem a sucoessão dos fa-
ctos ; a segunda intenta reduzir essas leis a principies superiores,
entrega-se a especulações transcendentes, relativas á direcção
providencial da humanidade, á perfectibilidade humana, ao pro-
gresso universal, á evolução gradual e necessária da espécie
(152). A philosophia da historia ô um coojuncto deafflrmações
sttlQectivas, de crenças, do conjecturas, de hypotheses, sem base
seientiâca, e sem methodo lógico. O que se chama a sciencia
da historia, ou ó uma serie de verdades geraes pertencentes ao
domínio da sociologia, e de sciencias sociaes varias, ou um con-
juneto de observações que não constituem leis, na acoepção scien*
tiflca do termo.
Não esqueçamos a verdade tão irrecusavelmente exposta por
Stuart Mill: as leis, que formam o conteúdo de uma sciencia.
(1^2) La science et la conscience, II.
278 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
sem M quaei n&o ha scieiíoia» são as relacõM ooDStantes de soo-
oessfio e de semelhança entre os fliictos. Nas idades mais re*
motas, já o fim da aeiencia era conhaoer para prever ; quando se
procurava averiguar a oausa, era principalmeate para dirigir
o effaito, oQ, sendo isto impoasivel, para prevôl-o, e adaptar
a oondaeta do homem ás circumstancias inevitáveis (153).
Que relaçQes constantes de successâo, de semelhança, ou
de uniformidade, nos oíTereoe a historia, que não sejam partes
integrantea da sooiologia, ou das scienoias sociaes, ou das an-
thropologloas ?
Taine, para quem a historia é uma soieneia, no Ensaio sobre
Tiió lÀmo pretende dar-nos alguns exemplos de leis historieas.
Vsjamos o que são essas leis historieas: € O historiador estuda
duas espeoiaes de leis. Primeiramente cada grupo de ftiotos tem
sua causa. Porque os Samnites foram vencidos ? Qual a expli-
ca^ do íkcto de terem os Romanos abatido a Etruria, depois os
Oaqleies, em seguida Oarthago, e mais tarde a Macedónia f
Como obtiveram os plebeus a igualdade de direitos f Que mu-
dança passou o poder para os grandes ? Por que necessidade se
estabeleceu o império?» Kis a historia propriamente dita. O
philosopho nio se satlsAiz com o conhecimento dessas causas
parciaes. Quer conhecer as causas universaes. c Porque essa
guerra eterna ? Gomo bestou a popnlação de Roma para sustentar
essa lucta interminável ? De que proveio não ter povo algum
resistido aos Romanos ? Donde procedeu esse talento de agir, de
conquistar, de administrar ? Porque esse culto disciplinado de
deuses abstractos, essa íkmilia toda legal, esse extraordinário
amor da pátria, esse respeito á lettra e á formula, essa impotência
na artee na philosophia ? Por que eausas pareceu a população, a
virtude antiga, o espirito militar 9 Oomo se explica ter-se exgot
tado tudo, ter-se tudo anniquiiado, crenças, talentos, povo, oos-
tumes, lentamente, fatalmente, ao ponto de nada mais floar do
que uma administração o um código sob um monaroha f » (154)
(153) Augusto Comte e o positivismo ^ pags. 6 e 7 da trad. de Clé-
raenceau.
(154) Parte primeira, cap. 4o.
MAIS ALGUMAS THBORIAS 279
Taine está de accordo oomnosco em qae o politico, o Jariscon-
sulto, 08 cultores de diversas sciencias. recebem da historia ma-
teriaes parasaas ioducções. Traotando das primeiras leis, de-
nominadas por elle explicações parciaes, Taiae o diz expressa-
mente : € Qu^un politique, un jurisconsulte^ un general,
s'en tiennerU d cette recherche, cela eai ruUurél^ puisqu*Us
savent desarmais tout c$ qui peut s^appliquer d lewr art ;
mais, la raison, plus philosophique et plus eosigeante, explique
ees eooplicationes, et réduit ces lais en lais plus généràles»> i[(155)
Além destas leis, peculiares ao dominio de sciencias sociaes
varias, que outras leis se p6dem induzir da historia ? Oiçamos
o historiador francez, que nos vae apresentar exemplos de leis
propriamente históricas. A expansão romana expUca-se pelo
interesse pessoal, pelo egoísmo que caraoterisa o povo i*omano:
€ eis porque seu espirito ó a reflexão que caloula, e não a in-
venção poética, ou a especulação philosophica, e seu caracter
consiste na vontade raciocinada, e não nos sentimentos e
aíTeições. Dahi essa lucta infatigável contra uma terra ingrata,
esse desprezo pelos que perdem o património, a nomeada dos
que o augmentam, a economia, a frugalidade, a avidez, a ava-
reza, o espirito de chicans, todas as virtudes e todos os defeitos
que engendram e conservam a riqueza ; a propriedade conside-
rada uma coisa santa e sagrada, o limite dos campos dívinisado,
as terras e o credito protegidos por leis terríveis, as formas dos
contractos minuciosas e invioláveis; em summa, todas as insti-
tuições que podem garantir os bens adquiridos, AopajKo que
alhures a família natural, estabelecida sobre a communhão de
origem, é governada pelas affeições, a família romana, toda
civil, sob uma communidado de obediência e de ritos, ô a coisa e
a propriedade do chefe, governada por sua vontade, subordinada
ao Estado, legada sempre por uma lei em presença do Estado,
espécie de província que esta nas mãos do pae de familia, e
fornece soldados ao publico. Formado de raças diversas, violen-
tamente reunidas, obra da força e da vontade, e não do paren-
(155) Pag. 127,
280 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
tesco o da natureza, o Estado oontém dois corpos organizados,
que luctam regular e Idgalmente, nâo por paixão, mais.por in-
teresse, e unexn-se sob a mai? complicada e a mais bem combi-
nada das constituições que jamais houve. Conquistador pur sys-
tema e com methodo, para conservar e explorar o Estado ro-
mano eleva ao miisaltográo a arte militar, a habilidade poli-
tica, o talento administrativo, o reúne pela força o mundo entSo
conhecido em um império or^nizado sob o dominio de uma
cidade. Sua politica consiste em transformar cm soldados de
Roma 08 povos vencidos, em ministros do Roma os príncipes e
08 magistrados extrangeiros, isto ô, om augmentar muito as
suas forças com pouco dispêndio. Sua arte militar consiste
em formar os mais robustos e bravos soldados sob a mais
stricta obediência, isto ô, cm tirar o molhor partido de
forças poderosas. Toda a sua sabedoria se reduz a desen-
volver-80 e poupar-se. Instituição da vontade, machina de
conquistat matéria de organização, o Estado occupa todos os
pensamentos, absorve todos os sentimentos, subordina a si todas
as acções o todas as instituições. Lsta dominação do interesso
pessoal e do egoísmo nacional produz o desprezo da humanidade.
Não conquistado ainda, o género humano é matéria para con-
quistas ; já conquistado, ô uma proza, da que se usae abusa. Os
escravos são espesinhados com uma dureza atroz ; esmagam-se
povos inteiros ; conduzem-se em triumpho e matam-se os reis
vencidos. Os deuses são abstracções sem vida poética, taes como
03 forma a reflexão árida por meio da analyse de uma operação
da agricultura, oa das diversas partes de uma casa, ou ílagellos
adorados por tomor, deuses de outras nações recebidos nos
templos por interesse, como vencidos na cidade, mas sujeitos ao
Júpiter do Capitólio, como os povos ao pjvo romano. Os sacer-
dotes são leigos, organizados em corporações, simples adminis-
tradores da religião, sob a auctoridade do senado, que regula os
sacriflcios expiatórios, e forma com o povo a única auctoridade
competente para fazer quaesquer innovaçoes. O culto consiste
em ceromonias minuciosas, eacrupulosameute observadas, porque
falta o espirito philosophico e poético, interpreto dos sym-
bolos, e o raciocínio, árido e triste, pronde-seás palavras. Serve
MAIS ALGUMAS THEORIAS 281
para o senado do instrumento politico, e, como tudo mais, ó
um moio de dominação». (156) Toda a arte veio dos paizes
conquistados: o theatro da Etruria, depois da Grécia: os
monumentos são gregos. Na poosia nenhuma originalidade. As
sciencias não passam de traducçOes. Incapacidade para a me-
tapbyâica. A única sciencia romana ô a jurisprudência. Essa
mesma a principio se reduz a uma compiiaç&o de formulas.
Para a elevar a systema, foi necessária a philosopbia grega,
que a vívilicou com o direito natural. Da natureza do génio
romano procede a sua historia, como de um principio o coroN
lat-io. Desde que a ikmilia o a religião estão subordinadas ao
Estado, a sciencia e a arte sâo nuUas, ou meramente praticas,
e o Estado tem por exclusiva missão conquistou* e organizar a
conquista, a historia de Roma é logicamente a historia da con-
quista e seus effeitos. A guerra interminável extingue a classe
média. Ao contacto dos costumes orientacs, a familia se dis-
solve. Modiflca-se o caracter da propriedade. A religião, fun-
dida com as da Grécia o do Oriente, dilue-se no Pantheon. Só
ficam de pé os jurisconsultos, que organizam um código, ultimo
effeito do espirita organizador de Roma. E assim a conquista, re-
sultante fatal dos attributos do génio romano, destróe todos os
povos, deixando apenas um systema de instituições, especioso
envolucro, forma eternamente brilhante de um corpo já inanido
e morto. E, sob os immensos escombros do que foi o império
romano, o homem, desllludido, esmagado, anniquilado, se re-
Aigia em si mesmo, e, obedecendo ás consoladoras suggestoos do
mysticismo oriental, descobre c organiza uma sociedade nova no
seio de uma nova religião.
A ligação dos factos é engenhosa e admirável, o encadea-
mento das causas e eíTeitos é soberbo ; a explicação ó genial e
m-araviihoja. Mas, conterá uma lei, ou uma sério de leis, que
possam dcnominar-se históricas, que formem o conteúdo de uma
sciencia autónoma? Em primeiro logar, tão discordes são as ex-
plicações, engendradas pelos historiadores e homens de scien-
cia — em geral, destes factos complexos — o engrandecimento
(15)) Pa-rs. 180 a 184.
282 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
e a decadência do« romano8« qae nada mais temos que eosaios,
tentamens de theorias. Por que dec&hio o espirito romano ? Em
consequenoia da saa própria organização» effeito do egoísmo
peculiar ao génio do povo romano, responde Taine, resumindo,
como eile diz, a philosophia da historia dos modernos em re-
lação a esse âuito. O sábio Liebig, aprofundando o estudo das
causas do phenomeno, condue que tudo so explica pela falta
de potassa e de acido phosphorioo, de que o solo foi privado
por uma cultura irracional (157). O depauperamento dos
homens, opina Conrad, foi devido á devastação das florestas, e
ao estancamento das irrigações (158), Não, contssta o illustre
Du Bois-Reymond, nenbuma dessas causas ô verdadeira ; a ex-
plicação é simples: Roma decahio e pereceu por não ter cultivado
as sciencias naturaes, e por ter fundado toda a sua dvilisa^
na areia movediça da esthetica e da especulação ; se as legiões
romanas tivessem armas de fogo, facilmente teriam rechassado
os bárbaros em batalhas sangrentas ; e as armas de fogo nos
foram dadas pelo cultivo das sciencias naturaes (159). Não é
provável que cada um desses factos tenha concorrido com outras
causas para a producção do acontecimento ? Em segundo logar,
descobrir a causa de um facto social não ó descobrir uma lei
scientiflca. Dado a extrema complexidade dos pheoomenos his-
tóricos, a causa de um facto p6de ser um conjuncto especial e
único de factores, ou de circumstanoias, o qual se não tenha
reproduzido, nem seja provável venha a se reproduzir. Uma
lei ô uma relação constante de suocessão, ou de semelhança,
ou de simultaneidade. Só o conhecimento de uma relação con-
stante de successão entre as causas, ou a causa do facto, e este,
ó que nos daria uma lei, no sentido scientiílco da expresso. Em
se tratando de factos sociaes, um só offeito pôde derivar de
causas várias, como bem demonstra Stuart Mill (160). A ex-
trema complexidade dos factos sociaes não nos permitte gene-
(167) Gumplowica, SooMogie et Politiqtie, gli.
(158) Ibidem
(159) Ibidem.
(160) Système de Logique,
MAI8 ALGUMAS THE0RIA8 283
ralisar, formular leto, oom a facilidade e segurança oom que se
prooede nas scienoias inferiores. Finalmente, admittamos para
argumentar, que Taine haja formulado proposioões verdadeiras
6 incontestáveis na sua ezpiioaç&o da grandeza e deoadencia
dos romanos, ou, por outras palavras, que tenha descoberto
algumas leis relativas & evolução e a dissolução da sociedade.
Teremos um coAJuncto de leis históricas^ uma aoiencia da his-
toria ? Absolutamente nfio. Admittidas as indaoçSes de Taine
como leis incontroversas, temos uma nova contribnl^^ para a
constituição da sociologia, que ó a soiencia consagrada ao estudo
das leis concernentes á evolnçâo e á dissoluç&o da sociedade.
A historia collecciona e dispõe methodicamente os mate-
riaes, os factos, em cajá observação e comparaçio haurem suas
inducçõea, scienoias diversas. O methodo descriptivo, appUcado
pelo historiador, ó um ezcellente instrumento para a acqui*
sição de verdades geraes da sociologia e seus ramos espeoiaes*
Sem a observação nao se dái um passo no estudo de qualquer
sciencia ; a observação ó a base commum do methodo de todas
ajB sclencias ; mas, cada uma destas tem o seu modo especial
de observação. Ha scienoias que observam, por assim diser, por
simples inttti($o. São as mathematioas, que facilmente veri-
ficam as suas generalisaçõee por meio de experiências ideaes,
como diz Bain, repetidas illimitadamente em curto espaço de
tempo graças á, facilidade com que representamos em nossa ima
gioação as grandezas e as formas. Muitas verdades mathema-
tioas, geralmente reputadas axiomáticas ou aprioristicas^ não
passam de induoções dessas repetidas experiências idóaes. Outras
sciencias observam, no sentido rigoroso da expressão : tal ó a
astronomia. Outras recorrem á experimentação propriamente
dita, provocam em dadas condições a reproducção do pheno-
meno que pretendem estudar : tal ó a ehimioa. Outras, final-
mente, para se constituírem ou para se desenvolverem, valem-
se do methodo descriptivo : taes são a sociologia e as sciencias
sooiaes especiaes (161), O methodo descriptivo, peculiar &s
(l'»l) Roberly.ia socioíoflFÚ, cap. 2».
284 REVISTA DO INSTITUTO HISTORICX)
sciencias biológicas e sooiaes, é ainda am modo esijecial de ob-
sorvação, mas uma observação transformada ou prolongada
(162). E* a Datareza especial dos phenomenos sociaos quo exige
om trabalho de preparação e de elaboração intermediário entre
a simples observação, a oollecção dos factos, e os últimos es-
forços da abstracção e da analyse, tendentes ã generaiisa^o,
ou formulação das leis.
Queremos um exemplo do que 6 a historia, considerada sob
este aspecto ; da utilidade que nos presta ; do quanto se distin-
gue da historia tal como foi comprohendida na antiguidade, e
ainda até ha pouco poios simples narradores de factos, como
César Cantu ; do que ô a historia — descripção de factos scientift-
camente classificados, e repositório de materiaes para as indu-
cções das sciencias sociaes ? TemoKo na Historia Romana, de
Mommsen. Os phenomenos económicos, 03 políticos, os juridicosi
os religiosos, os artísticos, tudo o que constituo o tecido da socie-
dade, está classificado, coordenado, disposto e descrípto, do ac-
cordocom uma certa ordem, em obedioncia a um certo meihodo.
Os factos biographicos dos grandes homens se mesclam aos
fiictos de ordem geral, porque são inseparáveis; mas, vê-se
bem que o intuito principal do historiador ô dar-nos classes de
phenomenos sociaes, coUecções methodicas de factos. Abstracção
feita da sua tendência para a theoria do caracter nacional da
historia, Mommsen ô um mestre da historlographia. Sem esse
defeito, com a perfeita discroção e com a segurança do homem
de sciencia, Fustel de Ck)alanges, mais do que nenhum outro,
poderia ensinar a escrever a historia. A este talvez só falte
aquella arte de descrever que para Gnlzot e Taino é qualidade
essencial do historiador, e que nos dá a illusão de que os factos
se passam aos nossos olhos, e de que os personagens se movem,
vivem e Miam ao nosso iado^ arte de que a antiguidade clássica
parece ter guardado o segredo.
Gomprehendida assim, a historia provavelmente nunca se
elevará ás vastas generalisações, que debalde tentaram os seus
philosophos. A sciencia quo o génio arrojado de Buckle suppoz
(102) Ibidem,
MAIS ALGUMAS TIIEORIAS 285
ter constituído, ainda hoje não é scioncia. Mas, so prosegairmos
nestas penosas investigações, de accordo com o principio e o me-
thodo iniciados por Buckie, quem sabe quantas indacções úteis,
quantas leis fecundas na applicaçao pratica, não poderá appre-
hender o espirito humano? E' possivel que innumeros factos»
pela generalidade dos homens ainda hoje attribuidos ao acaso, á
acção arbitraria de um poder superior, ou ã vontade exclusiva
dos individues, sejam reduzidos a leis, subordinadas ao prin-
cipio do determinismo, para essas leis, como idéas-forças,
moverem na realisação do bem e do melhoramento da espécie o
nosso mecanismo volitivo. Será então desvendada a causa de
factos sociaes, que a nos-.a myopia intellectual não sabe como
elucidar . Quem sabe se a explicação da miséria moral, que en-
trega não raro as nações prosperas o felizes à funesta incapaci-
dade de audazes ambiciosos, não é a que Shakspeare põe na
bocca do príncipe dinamarquez : € Felizes aquelles cuja razão e
cDJo sangue se acham tão bem combinados, que não sorvem de
flauta, em que o dedo da fortuna tire som pelo orifício que lhe
aprouver » ? Quem sabe ? « No céo o na terra ha mais coisas do
que sonha a nossa pobre phiiosophia » .
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906
PRIMEIRA SESSÃO ORDINÁRIA, EM 5 DK MARÇO DE 1906
Presidência do Sr. Conselheiro O. H. de Aquino e Castro.
A'â 3 horaa da tarde, presentes os Srs. Conselheiros Aquino
e Castro, Marquez de Paranaguá, Barão Homem de Mello, Max
Fleiuss, Alcibíades Furtado, Desembargador Souza Pitanga,
Arthur Guimarães, Rocha Pombo, Marques Peixoto, Conselheiro
Cândido de Oliveira, Barão de Alencar, Barão de Paranapia-
caba, Dr. Manoel de Mello Cardoso Barata, Conselheiro Salvador
Pires de Carvalho e Albuquerque, Henrique Raffárd, Drs. An-
tónio da Cunha Barbosa e António Martins de Azevedo Pimentel,
abre-se a sessão.
O Sr. Presidente communica nos seguintes termos o fal-
lecimento do Presidente Honorário Sua Magestade o Rei Chris-
tiano IX, da Dinamarca e dos consócios Bartolomé Mitre, hono-
rário, e contra- Almirante Francisco Calheiros da Qraça, eífectivo :
€ Senhores — Com summo pezar tenho a conmiunicar-vos
que três grandes e lamentáveis perdas acaba de soflhar o Ins*
tituto, vendo eliminados do quadro de seos dignos e respeitáveis
consócios, no brove espaço das férias que ora terminam, o Pre-
sidente Honorário Christiano ix. Rei da Dinamarca, o General
Bartolomé Mitre e o Contra-Almirante Francisco Calheiros
da Graça.
€ O 1<>, venerando ancião, chefe de uma nobre íámilia de
reis, por longos annos dirigio com as luzes do saber e da ex-
periência os destinos da nação que se orgulhava de o ter por
soberano e desvelado protector, vindo a fallecer na capital do
seu Reino a 29 de Janeiro ultimo com 86 annos de idade, oe-
288 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
jebrados com as mais expresâiyas demonstrações de amor, oon-
sidoraçSo e respeito, da parte de ama população inteira, que o
prezava como verdadeiro symbolo de gloria nacional.
< Era nosso Presidente Honorário desde 1843.
« O 2"^, vulto de magestosa grandeza na historia de sua
pátria, a florescente Republica Argentina, desceu ao tumulo
rodeado do esplendor e gloria que assignalam a sua laboriosa
existência de insigne estadista, valente militar o primoroso es-
criptor, deizanio de sua vasta illustração e cívicas virtudes
um verdadeiro padrão de honra para a nação, que o estimou
sempre como preciosa relíquia do continente Sul- Americano.
Seu nome acha -se brilhantemente inseri pto cm nossos annaes,
revelando-o devotaio empenho e a leal confraternidade, com que
tomou parte nas poi'âada8 lutas que teve o Braz J do sustentar
contra Rozas e Solano Lopez, em épocas de bem duras pro-
vações.
«Era nosso consócio honorário desde 1871 o considerado,
com justa razão, como grande e constante amigo do Brazil .
< Fall)ceu em Buenos- Aires a 19 de janeiro passado.
< Do 3^, distincto e brioso servidor da pátria, uma das vi-
ctimas do dever na pavorosa catastrophe do Âquidaban, occor-
rida a 21 desse fatídico mez de janeiro, que poderei ou dizcr-
vos, neste angustioso momento om quo revivem as dores sup-
portadas com indizível soífrimento pela pátria e pela família
de um só golpe feridas em suas mais caras c ternas aíTeições ?
€ Bem sabeis quaes as relações do intimo aíTecto que me
prendiam ao saudoso consócio que não mais veremos.
€ Desculpai-me pois, se tendo a voz embargada pela dòr que
opprime um coração de pai em tão lamentável conjunctura,
cale o quo quizera dizer- vos ora honra e louvor ao i Ilustre
morto, por tantos títulos recoramendavel & estima e consi-
deração em que é tida a sua memoria.
« Atroz ó o infortúnio que profundamente deploramos !
«Força é, porém, resignarmo-nos á crueza da sorte, que
impiedosa para nós tem sido nestes últimos tempos. >
O Sr. Max Fleiuss, 1° Secretario, informa que tondo cora-
municado ás diversas autoridades a posso da nova Directoria
do Instituto, recebeu, em resposta, olHcios dosSi*s. Ministro
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 289
da Indostria, Prefeito do Distrioto Federal, Chefe do Estado
Maior General da Armada, Chefe do Estado Maior do Exercito,
Chefe de Policia do Dietricto Federal, Commandaate Geral da
Força Policial do Districto Federal, Director do Archivo Pablico
Nacional, Director Geral dos Correios, Commaadaote do 4!"
Districto Militar, Director Geral dos Telegraphos, V Secre-
tario do Clab Naval , !<" Secretario adjunto do Club de Enge-
nharia.
€ Ante a calastn^he do Aquidaban, o Institato deu^se pressa
em apresentar soas condolências aos Srs. Presidente da Repa-»
blica. Chefe do Estado Maior General da Armada e Presidente
do Club Naval, tendo recebido as seguintes respostas :
« Qabinete do PresidêfUâ da ^publica. Rio de Janeiro^ 25 d^
janeiro de i906.
< Agradeço reoonhecidoao Institato Histórico e Geographico
Brazileiro os seas sentimentos de pezar, manifestados em offi-
oio de 23 do corrente mes, pelo desastre do € Aqaidaban ». —
Fransico de Paula Rodrigues Alves. >
cAoEzm. Sr. Max Fieiuss, 1« Secretario do Instituto His-
tórico e Geographico Brazileiro.»
« Quartel General da Marinha, l* secQfto, Rio de Janeiro,
27 de janeiro de 1906. Sr. 1* Secretario do Instituto Histórico e
Geographico Brazileiro. Accuso recebido o vosso offleio datado
de 23 do corrente, manifestando o profundo pezar que causou a
esse Institato a terrível catastrophe do coaraçado Aquidaban e
que oocasionou a perda de innumeras e preciosas vidas tão úteis
á Pátria e á Familia Brazileira, cabendo-me agradecer-vos, em
nome da Blarinha de Guerra Nacional, e no meu próprio, essa
manifestação tão sincera, quão sentida, que fazeis. Saude e
fraternidade. — /oA> Justino de Proença, oont?a-almirante. »
< Bm data de 83 de janeiro officion-se ao Director da Biblio-
theca Nacional, solicitando os velames doa Annaes, qaa fal-
tavam na coliecção do Institato.
« O Sr. Director da Bibliotheoa, com a gentilesa que o cara-
cteriza, immediatamente respondeu enviando os volumes.
€ Em data de 31 de dezembro o nosso consócio. Coronel
Thaomatorgo de Azevedo communicou ter reassumido o cargo
de Prefeito do Alto Juruà.
43Í3-19 Tomo lxix. f. ii.
190 REVI6TA DO INSTITUTO HISTÓRICO
€ Bm data de 19 de ílBToreiro ultimo o Secretario Qeral da
Força Polioial, major Cruz Sobrinho, solloitou para a Bibiio-
theca daquelia corporação, as publicações do Instituto.
< Foram remet tidas rarias publica^^.
€ Por motivo de serviço no Instituto o l^ Secretario teve
necessidade de dirigir duas oonddenciaes ao Sr. Barão do Rio
Branco, digno Ministro das Relaçõos Bzteriores, que as res-
pondeu.
< £m data de 17 de janeiro,o 1^ Seoretario dirigiu ao Director
da Imprensa Nacional um offioio, consultando sobre a publica-
ção da Rerista do instituto, por isso que no presente exeroioio
não ha autorização expressa para ser continuada a mesma pu-
blicação. Sabe o l® Secretario, e disso inl<^ma com segurança ao
instituto, que o Sr. Dr. Leopoldo de Bulhões, Ministro da Fa-
zenda, autorizou o Director da Imprensa Nacional a proseguir
na publicação*
« Em data de 26 de Janeiro requereu o !• Secretaria ao
Sr. Dr. Josó Joaquim Seabra, Ministro do Interior, a necessária
licença para mandar copiar na Bibliotheca Naeional os manu'
scriptos indispensáveis ás collecções do Instituto. Eaae requeri-
mento foi deferido.»
O Sr. Alcibíades Furtado, d» Secretário, lô as ofiBsrtas.
O Sr. Fleiuss, T Secretario, chama a attenção do Instituto
para a oflDsrta íéita pelo prezado consócio Dr. Manoel Barata,
de uma chapa de metal, em forma de escudo, tendo gravado
o titulo do Instituto, a qual foi coliocada ante-hontam sobre a
▼erga da porta de entrada do ediiloio.
O Sr. Presidente declara que o Instituto muito agradece
essa gentil oflérta.
O Sr. Presidente, por sua vez, oiferece um busto em gesso
do Senhor D. Pedro II> o qual lhe foi mandado da Bahia, onde
foi feito em 1860, por ocoasião da visita do Imperador.
O Sr. Conselheiro Cândido de Oliveira dix que na próxima
sessão oíferecerã ao Instituto ceroa de duzentos retratos do Sr.
D. Pedro II, em diversas idades.
O Sr. Presidente diz: € Em sessão de 16 de agosto de 16d9
propox o nosso pranteado oollega Conselheiro Corrêa, ficasse o
Presidente autorizado a encarregar um dos membrox do Idsti*
ACTAS DAS SKSSOfiS DB 1906 291
tuto de escrever uma memoria histórica relativa i viagem a
eita cidade do illuatre Presidente da Republica Argentina, Ge?
neral Jolio Roca.
€ Bssa memoria será publicada na Revista do Instituto.
< Por nomeação do Presidenta» unanimemente aceita, coube
aqueila incumbência ao nosso, ho> faUecido, collega o Sr. Mi-
guel Archaigo Oalvao*
< Em sessão de 10 de dezembro do anno seguinte, o Sr. Gal-
vão procedeu á leitura do preambulo de seo trabalho.
€ Sob proposta do autor foi dispensada a leitura da parte
descriptiva e final por ser simples compilação e transcripgão de
outras publicações.
« Fazendo eatrega desse manuscripto, diz ainda o Sr. Pre-
sidente não precisar encarecer o merecimento desse minuciosa
trabalho, quando são de todos coohecidos o methodo, paciência
e profundeza de investigações que presidiam os trabalhos
desse collega.
€ Além de minúcias e pormenores extrahidos das publiea-
ções e jornaes do tempo, ha na referida memoria considera-
ções de valor histórico que lhe dão grande mereoimeato. Não
é uma simples chroiiica de factos e datas, mas summario cri-
tico, imparcial, das antigas relações entre o Brazil e a Re-
publica Argentiua.»
O Sr. M krqu3Z de P irana^uã commuoica qu(3 o Sr. I)r.
José Aiuerioo dos Sanuis deixa de coujpareoer pur juiiiu mo-
tivo.
O Sr. Max Flfiuiis, t " Secretuici, cuininuni* a t^iu) au as-
sumir o seu cargo, em 8 ie janeiro uluimo, tratou io^o ao pro-
curar conbecer o e^&ado «los diversos serviços •io lutíUtuio. Soía
embarco da deiicaçaj, p-^r bodos reconhecida, do ihòh ante-
cessor, taes serviçsMi apreseuuLvam-se em coniliçõiii» pouco 11-
soQJeiras. Assim, deliberi>u re^>r^anizal-os, dando-lhes uma
feição mais moderna e piatica, que facilitará os fios du que o
Instituto se desobriga ha 67 anãos.
A Bibliotheoa serã completamente organizada de oovo sob
a direcção provect i ao illustra<lu Sr. Dr. JosA Vieira Kazeuda,
nosso prezAdissimo BibliotUecario, cua4juvado pelo distiucto
cavalheiro Sr. Barão de Vasoonoellos que» oom a mai^
292 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
tiloza, se presta a auxiliar o Instituto nessa tarefa. Para
a catalogaç&o dos mappas, o orador já dirigiu convite ao emi-
nente oonsocío Dr. Orville A. Derby, cuja competência na ma*
teria não pode soflrer a menor duvida. Os arobivos do Insti-
tuto j& se acham completamento reorganizados, tendo sido os
documentos numerados e collooados respectivamente em caixas
de folha, oom necessário acondicionamento» preservativo da
destrui^^. Prooede-se agora & catalogação do Museu.
Infelizmente, tôm-se notado grandes faltas nos manuscriptos
e objectos do Museu.
Tem ainda o orador a dar uma noticia que, por certo,
despertará o maior jubilo entre os consócios. No anno passado,
o orador pedio insistentemente ao seu particular e distinoto
amigo, Sr. Dr. Leopoldo de BulhOes, Ministro da Fazenda, que,
além das provas por este já dadas de interesse pelo Instituto,
promovesse os necessários meios para que fosse melhorada a
sua installação. Sendo eleito sócio honorário, em 28 de abril de
1905, o Dr. Leopoldo de Bulhões, poucos dias depois, visitou de-
tidamente o edificio na parte oceupada pelo Instituto, e re-
conheceu a exactidão das ponderações que lhe ílzera o orador
sobre as péssimas condições materiaes da casa.
Nasceu dessa visita a proposta apresentada na Gamara dos
Deputados pelo illustre Sr.Dr. Pandiá Calogeras, também nosso
consócio, mandando dar 50:000$ para os reparos do edificio.
Essa proposta foi approvada, e, na lei da despesa geral para
ocorrente exercício, figura a respectiva verba.
Dirigiu-se, então, o orador ao illustrado Sr. Dr. José Joaquim
Seabra, digno Ministro do Interior, que o acolheu com a dis-
tinc(^ que lhe é proverbial, mostrando decidido empenho em
determinar as obras alludidas.
EfTeetivamente, o activo Ministro, igualmente nosso consó-
cio, remetteu as plantas e orçamentos das obras ao Engenheiro
do Ministério da Justiça, recommendando toda urgência. No
ultimo sabbado, o illustre profissional, Dr. Francisco Augusto
Peixoto, veio ao Instituto, e, em conferencia com o orador c
com o constructor, ficaram assentadas todas as obras, devendo
nesse sentido ofiiciar aquelle engenheiro ao illustre Ministro do
interior.
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 293
Assim, em breves dias, terão ioicio os trabalhos de refor-
ma, os quaes ficarão concluidos até fins de janho próximo.
O orador, salientando a bôa vontade dos Drs. Leopoldo de
Bulhões e Calogeras, Julga também de sen dever oomma olear
ao Instituto que o Sr. Dr. José Joaquim Seabra se toma credor
da maior gratidão de todos quantos desejam vêr a nossa douta
associação installada de modo condigno.
O Sr. Presidente declara que o Instituto recebe estas no«
ticias com o mais especial agrado, felicitando o r secretario
pela dedioa(^ com que está tratando de todos os negócios do
Instituto.
O Sr. Thesoureiro apresenta os balancetes do 39 e 4* tri-
mestres do anno de 1905, bem como o balanço geral desse anno
e em annexo uma rela^ do património do Instituto prece*
dida da seguinte introducção:
< Conforme consta da acta de sesifto de 23 de Junho de 1905»
ítd designado pelo Exm. Sr. Presidente com approvação da
Mesa para preencher interinamente o cargo de Thesoureiro
do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro durante o impe-
dimento do Exm. Sr. Dr. Francisco B. Marques Pinheiro, dei-
xando por isso, o que exercia na CommissSo de Fundos e Orça-
mento.
Recebi, pois, das mãos do illustre consócio Dr, Marques
Pinheiro em 30 de Junho do mesmo anno â71$S00, em dinheiro,
saldo existente em caixa, a caderneta n. 530 em nome do Insti-
tituto, aberta no Banco Gommeroial do Rio de Janeiro, o com-
petente livro de cheques, e todos os títulos e documentos cons-
tantes do annexo n. 1.
Não sendo então definitiva a minha designação, não houve
mister de inventario de valores que noutras condições teria
sido feito ; cabendo precisamente meio anno de gestão ao Sr.
Dr. Marques Pinheiro e meio anno a mim.
Venho dar-vos conta da do meu período, sendo certo que
a do meu antecessor elle prestou nos balancetes comprehen-
didos nos dous trimestres a seu cargo — o l"" e o 29.
Recebi em 18 de novembro da Thesouraria Geral do The-
souro Nacional as quotas de beneficio de loterias relativas aos
mezes de Jameiro a setembro do corrente anno, pertencentes ao
294 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
lostitato, conforme aatorisaçSo escrlpta do Exm, 8r. Presi*
dente e despacho de 13 de noyembro do Bxm. Sr. Ministro
dd Fazenda.
Resgatei, outrosim, também de accordo e com autorlzaçSo
doEzm. Sr. Presidente, as inscripçOes do Banoo da Repu-
blica do Brazil portenoentes ao Instituto, e satisfiz pontu-
almente, como me cumpria, as folhas mensaes de pagamento
ao pessoal, bem como todas as contas que me foram api'esen-
tadas com o <pague-se> do Exm. Sr. Presidente e o «visto» do
Sr. 1« Secretario, e as requisições da Secretaria constantes do
art. :^9 § 6 dos Estatutos.
Arrecadei em tempo útil os Juros das apólices e das inseri-
pções nominativas do Instituto.
Depuz na caderneta do Banco Commercial a importância
dos Juros das apólices, reservando as arrecadações das quotas
e do resgate das inscripçQes para em principio de Janeiro,
abertas as transferencias, empregal-as em apólices geraes uni-
formizadas de accordo com o Exm. Sr. Presidente.
Foi creditada na caderneta do Banco Oommercíal a im-
portância de 21$800, de Juros do semestre e eu por minha vez,
abonei ao Instituto os de 95$4d0, da somma em meu poder
aocidentalmente, para a compra combinada.
Bm tempo opportuno farei a uniíbrmIzaçSo das apólice^
antigas, bem como requererei certidão á Caixa da Amorti-
zaçSo de todas as apólices do Instituto, seu numero e em-
préstimo.
A cobrança das mensalidades dos srs. sooios relativa ao
corrente anno e aos anteriores achava-se determinada pelo
meu antecessor, que empregara esforços para regularizal-a.
Pela discriminação das arrecadações constantes dos ba
lancetes, vereis que da cobrança atrazada nada se pode fkzev
e da recente ha ainda o que fazer.
Os atrazos, que vêm de longe, representam somma nã^
pequena, e urge liquidal-os.
Gomo justa e sincera homenagem aos Srs. sócios em atrazo,
muitos dos quaes nSo se quitaram por motivos independentes
da própria vontade e ausência prolongada da sede da instl
ACTAS DAS SEB8UBS DB 1906 295
tai(^, occorr&>me lembrar que, aos auaeotes ae escreva, aos
presentes se envie uma oommiss&o de dois membros do Insti*
tuto, e aos mortos se elimine o debito, para não importunar as
respeotivas famílias.
Nas vésperas da reforma do Instituto, tenho firme con-
vicção de que os srs. sócios presentes acudirão ao appello
quitaadoHse, o que tanto equivale dizer, reforçando o prestigio
moral e material da nossa querida institaição.
Doa em annexo n. 2, e somente por números, as matri^
cuias em atrazo, que remontam a 10, 15, âO e mais annos, e
attingema cifra de Rs
A despeito de ser o nosso instituto ama casa de scienoia,
ha mister de não desprezar a parte material e dahi a con-
tingenciai que deploro, de mencionar a existência de tal facto
anormal.
A oommissão, qne lembro, apresentaria relatório de sens
trabalhos em prazo marcado e habilitaria a assembléa a re-
gularizar a situação.
Ssoolhi pessoa idónea para procurar as resideocias e en-
tender-se com os Srs. sócios em atrazo, ouvindo ella de muitos,
conforme relatório que me apresentou, a externação de mal
entendidos, qjxe uma commiâsâo como a que indico desfaria
promptamente, reavivando a dedicação que através desses mal
entendidos se sente em todos pelo Instituto.
São os meus votos.
O balanço gera) que apresento não é propriamente um ba-
lanço, e sim uma demonstração de receita e despeza, segando os
usos encontrados.
A ultima âemonstra(^ exhibida pelo 5r. Dr. Marques Pi-
nheiro comprehende os mezes de Janeiro a maio.
Peço vénia para lembrar que se tenha nm livro de registro
dos haveres do Instituto e se leve a livro especial o lançamento
de todas as despezes á propor^ e nas datas em que tiverem
logar.
Creado como Já se acha pelo digno 1® Secretario o livro
onde se escriptura a Iblha do pagamento mensal ao pessoal, e
este paasft os eompetentes reelbos, outro convém crear onde
296 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
fiquem registradas todas as despezas, qaer grandes, quer miadas,
para que sejam faciiitadas ayerigaagões por ventura necessárias*
O saldo do Instituto em 31 de dezembro de 1905, de
21:515$2^, em meu poder, de 3:776$-360, na caderneta do Banco
Commeroial do Rio de Janeiro, e de B2$ em duas cadernetas da
Caixa Económica, ó ao todo 25:373$480.
Não mendono o valor porque estão no Instituto as duas
apólices da Divida Publica aguardando que a mesa resolva,
oom a approvac&o dos Srs. sócios, se deve como de direito, le-
vantar para o futuro balanços completos.
Ficam & disposição da mesa, da commissão respectiva e dos
Srs. sócios, todos os documentos do balanço e estou ás ordens
para prestar quaesquar esclarecimentos que sedam necessários.
Tbesourarla do Instituto Histórico e Qeographico Bnizi-
leiro, em 31 de deiembro de 1905.— Arthur Ferreira Machado
Guimarãee.^
£sses documentos são remettidos á commissão de fUndoe e
orçamento, sendo relator o Sr. visconde de Ouro Preto.
O Sr. Pleiuss, 1* secretario, informa que ha na Arca de
Sigillo um manuscrlpto deixado pelo finado oonselheii*o Ma-
noel Francisco Correia para ser aberto três mezes depois de
sua morte.
B\ pois, oocasião de ser sumprido este desejo do saudoso
vice-presidente.
Verificado que sa achava o manuscripto nas condições des-
oifiptas no livro de termos, foi o mesmo aberto e lido pelos
Srs. Secretários.
Ainda o Sr. Secretario informa que ha sobre a mesa o se*
guinte projecto de reforma de estatutos assignado por 19 con-
sócios:
?ro}octo dd Estatutos Ao Instituto Sistorieo • (HograpUeo
Brailleirò
CAPITULO 1
, Art. l.o O Instituto Histórico e Qeographico Brazileiro,
fundado a 21 de outubro de 1838, tem por fim colligir, me-
ACTAS DAS SESSÕES DB 1906 297
thodisar, publicar ou archirar ob dooamentos oonoerneotes &
historia e geographia do Brazil, e a aroheologia» ethnograpbia e
lingaa de seos iodigenas.
Ari» 2»o Pi*ocarará manter oorrespondencia com as socie-
dades e academias estrangeiras de igaal natureza, bem oomo
com as associações litterarias existentes nos diversos Bstados
da Republica, para mais fácil desempenho dos fins a que se
propOe.
Art. 3.^ Publicará, a Revista do Instituto Histórico e Oeo-
graphico Brazileiro.
g 1/ A publicação se dividirá em duas partes: a P con-
stará de documentos relativos ao Brazil e a 2^ comprehenderà
os trabalhos dos sócios, as actas das sessões e os discursos do
presidente e do orador e o relatório do 1« secretario, apresen-
t&dos nas sessões anni versarias.
g 2.^ Nesta 2* parte também se publicará annualmente a
lista dos sócios existentes, com suas diversas cathegorias, de-
clara^ da data de sua admissfto, bem como uma nota nominal
doi soeios íállecidos durante o anno.
CAPITULO II
OROANIZAÇÂO DO INSTITUTO
Ari. 4.'* o Instituto Histórico e Geographico Brazileiro se
comporá de:
g 1.0 Sócios effecti vos em numero de 50.
g 2.* Sócios honorários em numero de 50.
g 3.^ Sócios beneméritos em numero de 5.
g 4.0 Sócios correspondentes em numero de 100.
g 5«* Sócios bemfeitores.
Art. 5.0 Os sócios de qualquer classe poderão ser naoionaes
ou estrangeiros.
g l.o Emquanto existir numero de sócios efTectivos corre-
spondentes ou honorários, excedentes ao que fica acima fixado
pan^ cada classe não poderá haver novas admissões.
298 REVIOTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
g 2.« 00 Bocioi aoiaae8 qoe passarem do referido namero
^ozarâo de todas as regalias como até aqui e estão sujeitos aos
mesmos encargos.
CAPITULO III
▲DMISSlO DOS SOGIOS
Sócios effèetivos
Art. 6.« Para ser admittido como sócio effeciíTo derer&o
candidato residir no Rio de Janeiro, apresentar directamente ou
por algam sooio em sen nome traballio próprio acerca da
historia, geographia ou ethnographia do Brasil, qnor esse tra-
ballio seja Inédito, quer já estampado, ama vez que abone a
capacidade iitteraria do autor.
§1.^0 candidato deve ser proposto por esoripto em WB&ã^
do Instituto» e a proposta conterá o nome e appellldos do can-
didato, sua naturalidade, profissão, idade e titulos que o re-
eommendem.
§ 2.** Apresentada a proposta assignada por três ou mais
sócios, ella será remettida á commissão de historia, geographia
ou ethnographia, conforme a natureza do trabalho ou trabalhos
do candidato, e a commissáo apresentará, em sessão, o resul-
tado do seu exame, concluindo pela sufficiencia ou insufflci-
encia da prova da capacidade do autor para os fins do Ins-
tituto.
g 3.0 Approvado este parecer, irá á commissáo de admissão
de sócios, a qual dará opinião sobre a idoneidade e conveniência
da admissão do candidato proposto.
g 4.'' Este parecer será eubmettido á discussão, e encerrada
ella, se marcará a sessão seguinte para que tenha logar a
votação por escrutinlo sobre a admissão do candidato.
g 5.0 Si na urna apparecer maioria de espheras brancas,
coDsldera-se acoeito o candidato, e o presidente o proclamará
sócio effectivo do Instituto.
g 6.0 Si, poróm, houver maioria de espheras pretal, consi-
derar-se-á rejeitado o candidato, o qual poderá, todavia, ser
ainda proposto, si apresentar novos trabalhos, como se etige
ACTAS DAS SBSSÕES DB 1906 299
no principio deste artigo, segnindo-ae o processo acima indicado
para a admissão.
Soeioi correspondentes
Art. 7.« Para ser sócio correspondente é preciso:
\.^ Apresentar trabalho próprio sobre a Iiistoria, geogra-
phia ou ethnographia do Brazil.
2.<» Apresentar trabalho próprio de verdadeiro valor no de*
parlamento da historia, da geographia on da ethnographia,
mesmo que se não refira ao Brazil.
§ 1 .<> Deve ser proposto da mesma forma por que o ô o can-
didato ac logar de sócio effectivo, observado idêntico processo.
Art. 8.'' O sócio correspondente que vier residir no Rio de
Janeiro poderá passar a sócio effectivo quando hi^ vaga.
Sócios honorários
Art. 9.0
g 1.0 Só ptíderâo ser sócios honorários;
a) os sócios eífectivos que tenham prestado serviços notá-
veis ao Instituto» ou exercido por mais de sete annos consecuti-
vamente cargos na directoria ou nas commissões permanentes
pelo mesmo período de tempo ;
h) os sócios oorrespondentes que tiverem entrado para o
Instituto por meio de trabalhos sobre historia, geographia e eth-
nographia do Brazil, distinguindo-se por seu valor intellectuai e
só depois de sete annos de permanência na classe dos corre*
spondentes ;
c) as pessoas que por sua idade provecta, consummado
saber e distinota representaçSo, revelados especialmente no de
parlamento da historia, geographia e ethnographia.
§ 3.0 Os sócios honorários serio propostos pela maioria doe
membros da directoria e demais sócios, sendo a proposta infor-
mada pela commissão de admissão de sócios, e depois votada
em escrutínio secreto, na sessão segukite á da leitura do parecer.
§3.^ Os sócios honorários pagarão apenas o diploma, po-
dendo esta contribuição ser dispensada pelo Instituto quando se
tratar de pessoa nas condições da letra c do art. 9.o
300 reVistà do instituto histórico
Sócios benemêrUoM
Art. 10« Só poderão ser elevados á classe de sócios beoeme.
ritos os honorários que tenham no minimo 20 annos de serviços
ao Instituto e os hajam prestado em gráo superiormente no-
tável
Paragrapho único. Oâ sócios beneméritos estfto isentds de
qualquer contribuiçfto, até mesmo da do diploma.
Art, 11 . A eleição dos sócios beneméritos só pôde ser íblta
em assemblóa geral.
Sócios bempsiiores
Art. 12. Serio sócios bemfeitores os que fizerem ao Insti-
tuto donativos superiores a 3:000$ em dinheiro.
Bsses sócios terão direito do voto nas assemblóas geraes.
Presidentes honorários
Art. 13. A qualidade excepcional de presidente honorário
só jx>der& ser conferida sob proposta assignada paio presidente
do Instituto, e também por todos os demais sócios presentes &
sessão.
§ l.« A proposta assim apresentad^a, considerasse approvada*
e confere ao candidato a qualidade honorifica da presidência.
§2.oBstadistinocão serãcommunicada ao agradado por
oficio do preitidente do Instituto, enviando o respectivo di-
ploma.
DISTINOTIVOS
Art. 14. Os sócios do Instituto, alóm da íbrda creada por
decreto de 2 de março de 1860, têm como distinotivos uma
medalha e eoUar de ouro e uma roseta de cór azul celeste.
DIPLOMA
Art. 15. Aos sócios de todas as classes se expedirá um di-
ploma que será assignado pelo presidente, pelo !<> secretaria 9
peio thesoureiro do Instituto,
J
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 301
CAPITULO IV
CONTRIBUIÇÃO SOCIAL
Ari. 16. Cada socio effectiyo on correspondente pagará
como jóia de admissftoa quantia de 50$, quanto receber o
diploma, e concorrerá com asomma de 2$ measaes.
gl.» Os sócios correspondentes estrangeiros, residentes
í6ra da Republica, nada pagarão.
§2.« Os sócios effectivos e correspondentes, que passarem
a sócios lionorarios pagarfto pelo novo diploma a quantia de
30$, cessando outra qualquer contribuição.
§ d.« O sócio correspondente, que for a4mittido como áocio
effectivo, não pagara nova jóia, continuando a pagar somente
as prestações mensaes e dando 20$ pelo novo diploma.
§ 4.« Os sócios bemfeitores nada pagai^ pelos diplomas.
REMISSÕES
Art. 17. Os sócios que ee qnizerem remir perpetuamente
do pagamento das prestações mensaes podei*o-ão fazer da
maneira seguinte:
§ l."* Os que contarem menos de cinco annos da data da
sua admissão, entrando para o cofre do Instituto com a quantia
de 20a$000.
§ 2.0 Os que contarem mais de cincoe menos de 10 annos
da data da sua admissão, logo que concorram com a quantia de
150$000.
§ 3.<> Os que tiverem de 10 annos para cima si pagarem
lOOfOOO.
Art. 18. Os sócios oomprehendidos em qualquer dos casos
acima especificados, que se acharem atrazados no pagamento
das prestações mensaes, só se poderão remir depois de solverem
as suas dividas»
CAPITULO V
DIRECÇÃO DOS NBGOaOS DO INSTITUTO
Jirt. 19. Todos 03 negócios do Instituto serão administrados
por uma directoria.
SOS REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Ârt. 20. Os membros desta directoria sorSo:
g 1.* Um presidente*
§ 2.0 Três Tioe-preádentes.
§ 3.« Um r secretario.
g 4.0 Um2o secretario.
g 5.^ Um thesoareiro.
g 6.0 Um orador.
Art. 21. Haverá as seguintes oommissCes:
g 1 •" De ftiQdos e orçamento.
§ 2.^ De estatutos e rodagoâo da i2«oúto,
'g 3.0 De manosoriptos.
g4.* De historia.
g5.«Degeographia.
g d.* De aroheologia, ethnographia e linguas dos indigenas.
g 7. o De admissfio de sócios.
g 8.« Cada oommissão se comporá de cinoo membros.
BLGIçIO DA DIRECTORIA B DAS COMMISSÕIS PERMANINTBS
Art. 22. O mandato da directoria e das oommissões será
de três annos.
Depois da sess?lo magna anniversaria de 21 de outubro, no
anno em que findar o mandato, será convocada a assembiéa
geral para o dia 21 de novembro, e sendo impedido para o dia
seguinte, afim de eleger a nova directoria e as novas oom-
missões que tomarão posse no dia 2 de janeiro seguiate.
Art. 23. Os membros da directoria podem ser reeleitos, bem
como os das commissões e a eleição só recahirá em sócios eflé-
cti vos, honorários ou beneméritos residentes na sede do Instituto t
podendo os membros da direotoria, excepto o presidente, Ikser
parte de qualquer das commissões.
Art. 24. A eleição será feita por escrutiuio secreto ; obeds-
cendo-se á soguinte disposiçáo.
g 1.0 Cada sócio presente lançará na urna duas cédulas, uma
contendo o nome do presidants, dos vice-presidentes, do l^ se-
cretario, do 2* secretario, do orador e do thesoureiro, e outra
eontendo o nome dos membros das divenas commissões.
ACTAS DAS SBSS^B DB 1906 303
§ 2.0 A aparaoSo serí, porém, fmta separadAHièiite 6 só
depois de proclamados os membros da directoria se procederá á
apara<^ das commissões.
§ 3.^ Só para o logar de presidente se requer maioria ab-
soluta ; no caso de empate correrá segando escrutínio ; e se
ainda assim este não for decisivo, a sorte desempatará a eleição.
g 4.'' Quando se der vaga na directoria antes de decorridos
dois terços do período do mandato, será convocada a assembléa
geral qae elegará o substituto, ci^o exercido terminará com o
de seus oompanheiros.
PRBSIDBNTB
Art. 25. O presidente tomará posse e dirigirá, dentro das
normas destes estatutos, os trabalhos do Instituto pelo espaço de
três annos e será conjuctamente com o l^ secretario o repre-
sentante do lustituto para os fins de direito.
Art. 26. Ao presidente incumbe :
§ 1.* Presidiras reuniões da directoria, as Sessões ordiná-
rias e as assemblóas gi:raes.
§ 2.0 Providenciar sobre os negócios nos termos dos esta-
tutos.
g 3.* Nomear quem sirva interinamente nas commissões ou
na directoria por íklta dos respectivos membros e quem suppra
o orador nos seus impedimentos.
g 4.0 Nomear os relatores das commissõea.
g 5.0 Nomear o pessoal do Instituto, mediante proposta do
1* secretario.
g 6.0 Autorizar o pagamento do pessoal.
g 7.0 Auctorlzar o pagamento das contas que não perten-
cerem ás verbas destinadas á secretaria.
g 8.^ O presidente poderá oppôr veto às deliberações tomadas
nas sessões ordinárias, sendo a assembléa geral, a única com-
petente para confirmar ou reprovar os vetos.
Art. 27. Em falta do presidetite dirigirá os trabalhos o lo
Vice-presidente, o qaal será substituído pelo 2o ou pelo 3o. Na
falta de todos os vice-presidentes será chamado á direc^ o sócio
mais antigo da slasse dos beneonritos, honorárias ou efléctivos.
304 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Paragr&pho único. Havendo mais de um sócio com igual an-
tiguidade,preval6cerá. o mais velho em idade.
1» SECRETARIO
Ari. 28. o 1<^ Secretario terá a seu cargo toda a oorrespon-
dencia, expedição de diplomas, o archivo, a bibliotheca, o museu
do Instituto. A elle compete :
g l.<> Propor ao presidente a nomeação ou exoneração do
bibliotheeario, do escripturario, do auxiliar e do porteiro.
g 2.^ Suspender até 30 dias qualquer desses empregados,
dando scienciaao presidente e nomeando interinamente outro.
g 3.» Arrolar os manuscriptos, livros e quaesquer outros
oljectoe pertencentes ao archivo, bibliotheca e museu, em catá-
logos.
g 4.0 Mandar imprimir esses catálogos, addicionando-lhes
em cada anno um supplemento com as novas acquisições.
g 5.0 Reformar de cinco em cinco annos os ditos catálogos,
para serem impressos.
§ 6.* Determinar a compra dos objectos necessários ao expe-
diente, attendendo á respectiva verba do orçamento e provi-
denciar sobre a boa ordem de todos os serviços de secretaria,
bibliotheca, museu e archivo.
g 7.0 Processara folha do vencimento dos empregados, ru-
bricar os documentos de despeza, que devam ter o pague^se do
presidente.
g 8.^ Providenciar, na falta do presidente, em todos os ne-
gócios urgentes do Instituto.
g 9.« Autorizar o pagamento das despezas da secretaria,
observando estrictamente as respectivas consignações orçamen-
tarias que não podetík) em caso algum ser excedidas, sendo
igualmente vedado o estorno de qualquer verba.
29 SSCRITARIO
Art. 29. 0 29 secretario serã o immediato auxiliar do !<> so-
cietário, seu substituto, quer nas faltas temporárias, quer nas
duradouras.
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 305
Cabe-lhe especialmente :
Paragrapho anico. Redigir as actas das sessões e das as*
sembléas geraes, expedir os avisos de convocação das sessões e.
dasassembléas.
THBSOUUEIRO
Art. 30, Pertence ao thesoureiro :
§ 1.0 Promover, arrecadar o pôr em gurda os fundos do
Instituto.
§ 2.0 Pagar as suas despezas competentemente autorizadas
de accordo com as disposições destes estatutos, não devendo
fazer pagamento, quando esteja excedida a respectiva verba du
orçamento, sem que sujeite o excesso da despeza á deliberação
do Instituto em suas sessões ordinárias.
§3.'' Escollier um cobrador ou agente da thesouraria, que
seja da sua confiança, o qual parceborá pela cobrança uma
commissão marcada pela directoria sob sua indicação.
Art. 31. O thesoureiro dará contas annuaes da adminis-
comtração dos fundos a seu cargo.
^ 1.0 Estas contas abrangerão a r celta e despeza de 1 de
janeiro a :U de dezembro, o sr^rão apresentadas até o dia 15 de
março do cada anno.
§ 2." Dopeis de examinadas pula commisâo de fundos e
orçamento serão por esta aprensentadas <! directoria com o
seu parecer, o qual seríí subraettido íí discussão o votação cn
sessão ordinária.
§:5.« O thesoureiro terá a faculdade do, ouvindo o prc^fi-
dento, applicar convenientemente os fundos do Instituto.
OAADOR
Art. 33. Ao orador compete :
§ l.<^ Falar ou responiler pela sociedade em todas as occa-
sioe^, tanto festivas como fúnebres, excepto quando o presidente
o âzer, porque tem preferencia tanto nas sessões como nas depu-
tações do Instituto.
43^ — 20 Tomo lxix. p. ii.
306 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
§ 2.^ Fazer o elogio histórico dos sócios falleoidos durante
o anno social e assim também o diaourso fonebre sobre a sepul-
tura daquelles a cujo enterro assistir.
DAS GOMMISSÕES
De fundos e orçamentos
Art. 33. Pertence á commisBão de fUndos :
§ 1.** Examinar as contas que lhe forem submettidas.
§ 2.0 Dar parecer sobre a proposta do orçamento annual
da receita e despeza para o anno seguinte e que lhe será. apre-
sentado pelo l» secretario até 30 de setembro.
$3.<' Dar parecer, quando for consultada pela directoria.
Commissão de estatutos e reiaeção da ^Risí^ista do insttluto»
Art. 34. Pertence á commissão de estatutos e redacção:
§ i.» Dar parecer sobre duvidas que occorreram na iDtelli-
gencia de algum artigo dos mesmos estatutos.
§ 2.0 Propor as emendas, reformas ou additamentos, que
pareçam necessários, os quaes, depois de discutidos em assem-
bléa geral serSo approvados ou regeitados.
§ S."" Escolher os escriptos que devam ser publicados, tanto
na Revista do Instituto como em avulso, recebendo antes do 29
secretario as copias das actas, as correspondências que a dire-
ctoria ordenar que se publiquem, as observações e avisos que
devam nella figurar, e finalmente as memorias, documentos e
artigos que lhe forem remettidos pelas respectivas commissOes,
com o competente parecer sobre a conveniência da sua publi-
cação.
§ 4.'' Toda a ingerência nSo só sobre a redacção como sobre
a impressão da Heoista do Instituto, apresentando para isso um
plano que se deva seguir .
Commissão de manuscriptos
Art. 3.S. A' commissão de manuscriptos compete:
§ 1."" Examinar os manuscriptos existentes no archivo, emit-
tiodo juízo subre a importância delles.
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 307
§ 2.0 Propor que se copiem os estragados, o se inutilisem
os que jà não tiverem préstimo por se terem publicado na Re-
vista do Instituto, ou por qualquer cjrcumstancia.
§ 3.<' Obter manuscriptos e documentos em original ou por
copia, o enviai -os á directoria.
§ 4.» Dar noticia de quaesquer manuscriptos ou documentos*
que importe ao Instituto adquirir, quando os não possa directa-
mente obter.
Commissões de trabalhos históricos^ geographicos e elhnographicos
Art. 36. i^ertence ás commissões de trabaliios historiooSt
geogràphJcos e ethnographicos:
i^ 1 ." Receber as memorias» documentos e artigos, que ilies
forem remettidos pela directoria.
§ 2.° Dar parecer sobre os que deverão entrar nu Revista
do Instituto, bem como sobre os que convenha publicar em se-
parado, ou archivar.
Commissão de admissão de sócios
Art. 37. Cabe á commissão de admissão de sócios:
t^ 1.^ Syndicarda individualidade, nomo do candidato e das '
suas condições de idoneidade.
§ 2.^ Os pareceres desta commissão podem ser reservados,
tendo o presidente a faculdade de submettel-os á consideração
da directoria antes de sugeital-os ã deliberação em sessão ordi-
nária.
Art. 38. Além das commissões indispensáveis á marciía do
Instituto, poderá o presidente, em sessão, nomear outras para
íins especiaes, ou encarregar de algum trabalho os sócios em se-
parado, quando isso for julgado mais conveniente, assim como
poderá, mediante proposta da commissão do estatutos, crear
novas commissões sobre outros ramos do estudos i*elacionados
com o âm a que se propõe o Instituto, ou mesmo dividil-as em
secções, conforme pareser mais conveniente, sendo isto appro*
vado pela directoria
308 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
DBVERES GBRAES DOS SÓCIOS
Art. 39. Ao membro da oommissSo que do espaço de seis
mezes não apresentar o trabalho que lhe competir e não offe-
recer escasa satisfactoria, dará o presidente um substituto.
§ 1.» Nenhum sócio se negará, sem motivo justificado, a
trabalhos que lhe forem incumbidos.
§ 2.<> O sócio contribuinte que por espaço de três annos
deixar de pagar as suas contribuições, havendo para isso rece-
bido aviso do thesoureiro ( o qual será expedido por meio de
carta registrada com recibo de volta) entendesse ter renunci-
ado a sua qualidade de sócio.
§ 3.<* Aos sócios já incursos na comminação do § 2^ do art.
43 dos estatutos de I de agosto de 1890 será marcado prazo de
60 dias para solverem os seus débitos, no todo ou em parte.
§ 4.^ Esse praso será contado da data do officio circulai*
que o thesoureiro dirigirá aos referidos sócios.
§ 5.'' A falta de resposta a esse oflicio circular ou a recusa
na satisfação dos débitos importará na applicação immediata da
penna em que já incorreram, nos termos dos antigos estatutos.
§ 6/ A directoria organizará, dentro de 90 dias, o sovo
cadastro geral dos sócios, de absoluto accordocom as disposições
bue ora ficam consignadas.
RELATORES DE COMMISSÕES
Art. 40. Os relatores das diversas commissoes, effectivas
ou subsidiarias, que tenham de ser consultadas sobre trabalhos
apresentados, serão nomeados pelo presidente dentre os respe-
ctivos membros, do modo que esso serviço so distribua com
igualdade para todos.
BIBLIOTHECARIO
Art. 41. Ao bibliothecario, como encarregado da conser-
vação, asseio o guarda da biblíotheca, arohivo e museu compete:
8 l.« Coufaervar-ise na bibliothoca emquanto estiver abeiU.
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 309
§ 2." Organizar os catalogwr segundo o systema que estiver
em uso nas bibliotbecas mais adiantadas, e de aocordo com o
lo secretario.
§ 3.'' Commonicar ao !<> secretario as occurrenciajs que se
derem na bibliotheca.
§ 4.0 Propor a compra de livros e objectos que possam ser
de interesse para o Instituto, procurando sempre completar as
obras ou collecções existentes; conservar a possivel uniformi-
dade na encadernação doe tomos da mesma obra c evitar as du-
plicatas desnecessárias e das quaes apresentará relações especi-
ficadas afim de terem o conveniente destino.
§ S."" Empregar o maior cuidado no arrolamento, selecção,
arranjo e conservação dos manuscriptos, mappas e cartas geo-
graphicas o topographicas, que existem ou forem adquiridas
pelo Instituto.
§ 6.^ Apresentar annualmente, até 21 de outubro, ao 1<> se-
cretario um relatório dos trabalhos da bibliotheca e do estado
das obras e objectos existentes, indicando as providencias que
julgar convenientes.
§ 7.0 Organizar annualmente catálogos supplementares que
serão impresos, comprehendendo as novas aoquisíções.
ESORIPTURARIO, AXTXILIAa E PORTEIRO
Art. 42. O escripturario tem por obrigação comparecer dia-
riamente na secrdtari'ih do Instituto, assignando o respectivo
ponto e cumprindo as ordens que receber do 1° secretario.
Art. 43. O auxiliar tem as mesmas obrigações do escriptu-
rario, sendo especialmente incumbido de coadjuvar o bibliotbe-
cario.
Art. 44. Ao porteiro Incumbe:
§ 1 .» Ter as chaves do edificio para abril-o e fechal-o diaria-
mente nas horas marcadas por deliberação da directoria.
§ 2.» Mandar fazer o asseio da casa.
§ 3.0 Cumprir as ordens do i^ secretario sobre o expediente.
Art. 45. O bibliothecario venoerà o ordenado mensal de
300$, o escripturario o de 200$, o auxiliar o de 150$, o porteiro
o de 120$, também mensaee.
310 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Paragrapho unloo. O 1<> secretario poderá relevar os di&s
em que qualquer deises fúneoionarios deixe de comparecer, e
os que chegarem depois do ponto encerrado.
CAPITlTLf> VI
REUNIRES DO INSTITUTO B ORDEM DOS SEUS TRABALHOS
Art. 46. As sessões do Instituto Histórico serão: l"*, ordinárias
ou extraordidarias ; 2", de assembléa gorai ; 3^, anoiversarias de
installaçâo.
Paragrapho único. A's sessões ordinárias e extraordinárias
poderão assistir quaesquer pessoas desde que se apresentem
decentemente trajadas ; quando» por qualquer motivo, a sessão
deva ser reservada, o \° secretario prohibirá o ingresso.
Art. 47. O Instituto se reunirá, para celebrar sua instal-
laçâo no dia 21 de outubro e flcará em férias de 1*» de novembro
a 15 de março.
Art. 48. Emquanto não estiver prompta a nova sala das
sessões, o presidente occupará o primeiro logar ú. direita da
mesa, tendo imroediatamente o !<" secretario, o 29 secretario, o
orador, o thesoureiro e ficando em frente os três vice-presidentes.
Paragrapho único. Logo que fique prompta a nova sala das
sessões, o presidente occuparà o centro da mesa, tendo á, direita
o 1» secretario e o orador e á. esquerda o 2® secretario e o the-
soureiro. Os vice-presidentes e os sócios beneméritos occuparão
a piimeira filade cadeiras do recinto.
SESSio ANNIVERSARIA
Art. 49. Na sessão de 21 de outubro, á qual devem concorrer
todos 06 sócios, sob a direcção do presidente, pronunciará este
um discurso de abertura.
§ 1.° Findo o discurso, o l* secretario lerjl o relatório, em
que exponha os trabalhos do Instituto durante o anno, e faça
menção honrosa dos autores de quaesquer obras históricas, ^eo-
graphias ou ethnographicas, que, no decurso do mesmo anno
forem offereoidas ao Instituto.
§ 2.^ Logo depois o orador recitará o elogio dos sócios fallo-
cidos no anno.
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 311
SBS86B8 0RDINARU8
Art. 50. As seaaSes ordinárias terão logar de 15 em 15 dias;
hayendo impedimento, o presidente indicará o dia da reunião,
que poderá ser annunciado pela imprensa.
§ l.<> Nestas sessões serio tratados todos os negócios lite-
rários e económicos do Instituto.
§ 2.° Aberta a sessão, so lerá o expediente, ese resol-
verá sobre qualquer matéria sigeita ao conhecimento do Ins-
tituto menos ás de competência exclusiva da ass^embléa geral.
§ 3. o Quando algnm sócio quizer ler algum trabalho par-
ticipará ao 1<> secretario que prevenirá o presidente para dar
a palavra em occasiSo opportuna ao recitante.
§ 4.<' A leitura de taes trabalhos nâo excederá de uma hora
para cada leitor.
§ 5.« Havendo necessidade, o presidente convocará sessão
extraordinária, para a qual se expedirá convite ou aviso assi-
gnado pelo 2* secretario.
Art. 51 • Para haver sesôLo ordinária ou extraordinária de
Instituto é necessário, que se achem presentes o presidente* ou
algnm dos seus substitutos, o 1^ secretario e o%° secretario, e
alguns sócios preíazendo ao menos o numero de 12.
ASSEMBLBA GERAL
Art. 52. o presidente pôde convocar a assembléa geral,
sempre que o julgue conveniente á boa marcha do Instituto.
§ U*" Todos os sócios deverão assistir ásassembléas geraes,
nas qnaes terão direito de propor, discutir e votar.
§2.^' Para haver sessão de assembléa geral, é preciso a
presença de 24 sócios pelo menos.
§ 3.* Não comparecendo esse numero, se marcará nova
reunião, na qual se deliberará com o numero que comparecer,
nunca, porém, inferior a 12.
§ 4.0 Pôde haver convocação de sseambléa geral mediante
requisição eseripta» dirigida ao presidente e assignada por
12 sócios.
ai2 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
REVISTA DO INSTITUTO, LIVROS E MANUSCRIPTOS
Art. 53. Os sócios têm direito a um exemplar da Revista
do Instituto desde o dia da sua admissão em diante, pagando o
porte do Correio.
§1.0 Aquelle que dever as prestações de três annos, per-
derá o direito do resebela.
§ 2.0 o 1" secretario fica incumbido da sua distribuição aos
sócios e outras pessoas residentes no Rrazil e fora dolle.
Art. 54. Os sócios bera como quae^quer pessoas que assi-
gnarera o boletim de consulta terão a faculdade de ler na biblio-
theca do Instituto as obras quor impressas, quer manuscriptas
ahi existentes ; e fazer os extractos de que precisarem.
Art. 55. Não é permittida a sabida de livros, mappas, ma-
nusoriptos e objectos do mu.S'>>u, podendo unicamente a com-
mis&ão de redacção tirar os manuscriptos ou impressos neces-
sários para publicação da Revista do Instituto, ou em avulso,
ficando em mão do bibliothecario uma nota dos mesmos manu-
scriptos ou impressos, datada e assignada por qualquer dos mem-
bros da oommissSo.
CAPITULO VII
FUNDOS DO INSTITUTO E SUA APPUCAçXo
Art. 50. Os fundos desta associação procedem:
§ 1 .<^ Das jóias de admissão de seus sócios, tanto eífectivos
como correspondentes, do emolumento dos diplomas e da con-
tribuição que oada um delles deve pagar de seis em seis mezes,
conforme dispõe o art. 17.
§2. ''Do productodas remissões.
§ 3.<> Dos donativos que se fizerem ao Instituto.
§ 4.<> Da receita liquida da Revista e das obras avulsas
que publicar.
§ 5.® Do subsidio concedido pelo Congresso Federal.
Art. 57. Os fundos do Instituto serão appl içados:
§ 1.0 Ao seu expediente, reparação e conservação do que
lhe pertencer.
ACTAS DAS SKSSOKS DE 1906 313
§2.'' Aos ordenados dos empregados.
§ 3.* A* impressão o distribuição da Revista do Instituto e do
obras avulsas.
§ 4.«> A' publicação de memorias e escriptos, precedendo
pareceres favoráveis das respectivas commissões.
§ 5.® A' compra de lívidos e manuscriptos, que devem ser
depositados na bibliotheca e arciíivo.
§ <).o Ao pagamento de prémios aos que mais se distinguirem
no desempenho dos proírrammas distribuídos pelo Instituto.
§7.» A premiar os trabalhos que, pelo seu transcendente
merecimento, reconhecido pela respectiva commissão, forem
coroados e publicados por ordem da mesa administrativa.
Art. 58. Quando, feitas as despezas annuaes do Instituto
apparecerem sobras, estas se empregarão na formação do patri-
mónio social, co:no for combinado entre o presidente o o the-
soureiro.
§ 1 .<* E^te património nao poderá ser despendido no todo ou
em parte sem autorização da assembléa geral, conferida por
dois terços dos votos presetes.
§ 2,"* Os rendimentos, porém, serão applicados ás despezas
fixadas no orçamento e autorizadas pela directoria.
ARCA DB SIGILLO
Art. 59. O iQstituto terá uma arca do sigillo, onde guar-
dará todos os manuscriptos secretos, que devam ser publicados
em época determinada.
§ l .0 A arca de sigillo será feita de ferro.
§ 2. o A chave da arca ficará em poder do r secretario, que
communicará ao presidente o segredo para a abertura do cofre.
§ 3.° Feito o deposito se fechará im mediatamente a arca.
§ 4.<' A arca do sigillo 8(3 se abrirá em sessão ordinária do
Instituto.
íij 5.« Os manuscriptos ahi depositados serão previamente
numerados e inventariados, soguado o titulo que trouxerem, com
indicação do formato, qualidade do papel, que os envolver e
outros quasquer signaes, que os possam bem caracterizar.
314 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
§().'^ Alómdosello e precauções do autor, o Instituto os
íaxá, sellar de novo.
§ ?.<" Na arca de slgillo haverá uma cópia do termo, que Sê
lavrar em sessão, em livro próprio para isso, a qaal será. assi-
gnada pelos três sócios, além do 1« e 2? secretaries.
§8.'' Toda a memoria ou documento enviado ao Instituto
para deposito temporário na arca de slgillo deve ser lacrado
pelo próprio autor, o virá acompanhado de uma carta ao 1»
secretario com assignatura do autor ou de pessoa conhecida,
com declaração do tempo em que deverá fazer-se a abertura.
§9."* Chegado o tempo da abertura das cartas ou documen-
tos, o presidente do Instituto convocará sessão para a abertura
da arca de slgillo, e depois de extrahido e verificado o manu-
scripto, segundo a carta quo o acompanhou, será aberto e lido
immediatainente, e se for muito longo prosiguirá a leitura nas
sessões seguintes.
§ 10. Terminada a leitura da memoria ou documento, o
Instituto, antes de dar-lhe o conveniente destino, o submetterá
á apreciação da commissão respectiva, conforme o caracter do
documento.
CAPITULO vm
DISPOSIÇÕES GERAES
Art. 60. Sempre que o Instituto renove triennalmente o
pessoal de sua direcção o communicará ao Governo Federal por
oíllcio escripto em nome da mesa administrativa, e assignado
polo presidente ou pelo !<> secretario.
RECEPÇÃO DE NOVOS SOOIO0
Art. 61. Quando algnm novo sócio vier tomar assento pre-
vinirá com oito dias de antecedência. No dia da posse, o presi-
dente fará breve allocução de apresentação do recipiendario, o
qual lerá • o seu discurso de admissão, a que responderá o
orador.
A allocução do presidente e os discursos do recipiendario e
(lo orador serão insertos na acta.
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 315
FALLBCIMENT08 DB SÓCIOS
Ai't. 62, Nos enterros de membros do Instituto, sendo parti-
cipados a tempo conveniente, se fará representar o Instituto.
Art. 63. Na primeira sessão seguinte ao fallecimento de
qualquer sócio, è á noticia delle se lançará na acta um voto de
pezar que será proposto pelo presidente. Qualquer membro pre
sente à sessão poderá também eommcmorar o finado em sue-
cintas palavras de condolência e de louvor.
Art. 64. No dia 5 de dezembro, anniversario do falleci-
mento do seu iDosquecivel protector o Sr. D. Pedro 11, o Insti-
tuto estará fechado.
Art. 65. Em attenção aos grandes e assiduos serviços pres-
tados com a maior dedicação ao Instituto pelo presidente conse-
lheiro Dr. Olegário Herculano de Aquino e Castro fica creado
um premio com a denominação Premio Conselheiro Olegário e
que constará de uma medalha de ouro, para recompensar a
melhor memoria lida no anno anterior.
Paragrapho único. Para o julgamento desse premio será
sorteada uma commiBsão tirada dentre os membros das com-
missões permanentes .
Art. 66. Approvados estes estatutos pela assemblóa geral
por dois terços dos votos presentes, entrarão elles logo em vigor
sendo as commissões campletadas com os membros de que forem
extinctas, a juizo do presidente, a quem se or togam para esse
fim os mais amplos poderes, ratificado também o mandato da
actual directoria, nos termos do art. 22.
Paragrapho uiiioo. Dentro de 30 dias depois da approvação
deverão estar impressos os presentes estatutos que serâo com-
petentemente registrados e distribuídos.
Art. 67. Para a reforma dos estatutos será necessário que
12 sócios a reclamem por escripto, que a assembléa geral a
conceda ouvindo previamente a commissão de estatutos e re-
dacção.
316 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
03 abaixo assignados requerem que o projecto acima seja
enviado sem demora á, commissão de ostaiatos. que se dignará
emittir seu respeitável parecer, com urgência, afim de que se
reúna a assembléa geral para resolver a respeito.
Rio, 1 de março de 1906.
B. T. de M. Leite YeViO.
Cândido Luiz Maria de Oliveira,
Barão de Paranapiacaba ,
Felisbello Freire,
Eduardo Marques Peixoto.
Manoel Cícero Peregrino da Silva,
A, Cunha Barboia,
Manoel de Mello Cardoso Barata,
Monsenhor Vicente Lustosa,
Arthur Guimarães,
Max Fleiuss,
Alcibíades Furtado,
Amaro Cavalcante,
Rodrigo Octávio,
Enclydes da Cunha,
Joaquim da Costa Barradas,
Dr, António Martins de Azevedo Pimentel»
José Francisco da Rocha Pombo,
Leopoldo de Bulhões,
Esse projecto é remottido á commlssão de Estatutos e Re-
dacção, sendo relator o Sr. Dr. Alfi:*edo Nascimento.
Levanta-se a sessão ás 5 horas da tarde.
Alcibíades Furtado
2o secretario
OFFERTAS LIDAS NA I» SESSÀO DE 5 DE MARÇO DE 1906
Boletins
De la Société de Gôographie Commerciale de Bordeauz :
Ns. 1 e 2 de janeiro de 1906.
» 22 de novembro de 1905.
» 23 e 24 de dezembro de 1905.
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 317
Do Grande Oriente do Brasil Jornal Official da Maçonaria
Brasileira publicado mensal. (De novembro a janeiro.)
Da Amerioan Geographical Society de novembro de 1905 a
janeiro de 1906.
Del Cuerpo de Ingenieros de Minas dei Peru nu. 26,27 e2S.
Mensal do Observatório do Rio de Janeiro de janeiro a
março de 1905.
Mensal de EstatisUoa Domographo-Sanitaria da cidade do
Rio de Janeiro ns. 10 e 11 .
Mensal de Estatística Demographo*Sanitaria da cidade de
Belém n. 1 de janeiro de 1905 ns. 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9.
Da Intendência Municipal publicado pela Directoria Qeral
de Policia Administrativa, Archlvo e Estatística de julho a se-
tembro.
De la Société Khédiviale deGéographle n. 8.
De la Société des Etudes Indo-Chinoises de Saigon n. 48.
Semanal do Apostolado da Fé cCruzada» ns. 20 a S5.
Delia Societá Africana d*ltalia. Fase. X(.
Da Sociedade de Geographia de Lisboa, n. 9 e 10.
De Ia Sociedad Geográfica de Lima.
Da Secretaria de Agricultura, Viação, Industria e Obras
Publicas do Estado da Bahia.
Da Associa^ Commercial do Rio de Janeiro.
Da Repartição da Carta Marítima.
De la Real Academia de la Historia.
De la Real Sociedad Geográfica.
Da Sociedade Nacional do Agricultura
Delia Societá Geográfica di Itália.
Semestral da Repartição da Carta .Marítima.
Monthly Bulletin of tho Internacional of Um American Ro-
publics.
Revistas
Commercial Financeira ns. 525 a 536.
€ O Trabalho » dois números»
De la Real Academia de Ciências Exactas, Físicas e Natu<
ralba de Madrid n. 2,
318 REVISTA DO, INSTITUTO HISTÓRICO
Medico Cirúrgico do Brasil, publicação mensal, três nú-
meros.
Da Commiflsão Archeologica da índia Portugueza «O Ori-
ente Português» n. lo.
The National Geographic Magazine, três números.
Do Instituto Histórico Geographico do Rio Qrande do Norte,
três números.
Revista Marítima Brazileira, dois números.
Século XX, três primeiros números.
Revista Militar, doze números.
Revista de leglslagão. 2<* fascículo Partes lie III.
Revista Trimensaldo Instituto do Geará. Tomo XIX.
O Archivo revista destinada á vulgarização de documentos
geographicos e históricos do Estado de Matto Grosso n. 8.
Revista Didáctica, ns. 10 e 11.
El Penimmiento Latino, Revista Internacional lUustrada,
ns. 3 a 6.
Revista Mensual de la Câmara Mercantil de la Republica
Argentina ns. 63, 64 e 65.
Memorias de la Real Academia de Ciências de Madrid
Tomo XXII.
Queensland Geographical Journal volume XX.
Globus, lUustrierte Zeitschrift fiir Lãnderund Virker-
kunde n. 2.
L* Année Cartographique, Supplóment annuel quinzième
annóe. Paris 1905.
Anales de La Universidad. Tomo CXVII, Anuo 63.
(Chile).
Anales do ia Sociedad Cientifica Argentina. Buenos Ayres
Entrega III e IV Tomos LX
Anales dei Museu Nacional de Montevideo. Serie II En-
trega II Tomo II Entrega I
Anales dei Musêo Naoional de México. Segunda Época Tomo
II Numero 9 e 10
Álbum Imperial Quinzenário Politico e Litterario n. â.
Revista Mensal de Letras, Scicoola e Artes.
Renascença. Aiino II, N. 2;i2.
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 319
Pelo autor Dr. Bernardino Machado € A Industria », Coim-
bra 1898.
Pelo autor Dr. Bernardino Machado Conferencias politicas,
Coimbra 1904.
Pelo autor Dr. Bernardino Machado € O Ensino Profis-
sional », Coimbra 1900.
Pelo autor Dr. Bernardino Machado «As Creanças >, notas
dum pae, 2^ edição, Coimbra 1904.
Pelo autor Dr. Bernardino Machado « A Universidade
de Coimbra em 1905.
Pelo autor Dr. Bernardino Machado < Pela Liberdade », Co-
imbra 1901.
Pelo autor Dr. Bernardino Machado < A Agricultura », Co-
imbra 1901.
Pelo Sr. Barão de Studart Catalogo dos Jornaes de
grande e pequeno formato publicados no Ceará.
Fortaleza 1904.
Catalogo de la Bibiiiotheca Varnhagen, Santiago de Chile
1904.
Catalogo da Bibiiiotheca da Marinha 1* e â^ Parte sendo
a 1* parte — índice alphabetico por assumptos, catalogo por as-
sumptos e a :^'^ parte — Índice alphabetico por autores ofTere-
eido pelo Sr. 1» Secratario Max Pleinss.
Documentos para los Anal es de Venezuela pelo Sr. Dr.
R. Audueza Palácio, offerdcido pelo Sr. 1« Secretario Max
Fieiuss.
Pelo autor Álvaro da Silveira Os Tremores de Terra
em Bom- Sucoesso (Minas Geraes h)06).
Anuário dei Observatório Astronómico Nacional de Taou-
baya para el aão de 1906.
O Conmientario . Decimo numero.
Anuário Qeographico de Hannover 1906.
Pelo autor snr. Luiz Murat, «Centenário de Bocage» dis-
curso proferido na sessio solenne do Retiro Literário Portuguez
no dia ^1 do dezembro de 1905.
Por Henrik Arctowski, Projet d' une Exploration Sy.s-
tóma tique auz Regions Polaires.
320 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Prologo a los Anales de Venezuela edicion oficial, oflére-
eido peio Sr. l^ Secretario Max Fleiuss.
Boletim □. 15 da Commissã^ ("teograpbica e Geológica de
Sào Paulo— Flora Paulista IV Familia Myrsioacoe.
Boletim da Intendência Municipal Publicado pola Directoria
Geral da Policia Administrativa, Archivo e Estatística, abril a
junho 1005 (anno XLIII). Rio de Janeiro.
2* SESSÃO ORDINÁRIA EM 19 DE MARÇO DE 1906
Presidência do Sr. Conselheiro O. U. df Aquino e Castro
(No edificio do Gabinete Portuguez do Leitura)
A '8 3 horas da tardo, presentes os Srs. Conselheiro Aquino
8 Castro, Max Fleiuss, Alcibíades Furtado, Desembargador Souza
Pitanga, Conselheiros Cândido do Oliveira e Salvador Pires de
Carvalho e Albuquerque, Barão de Alencar, J. F. Rocha Pombo,
Eduardo Marques Peixoto, Henrique RaíTard, Drs. Josó Américo
dos Santos, A. da Cunha Barbosa, J. Barbosa Rodrigues o Carlos
Lix Klett, abre- se a sessão.
O Sr. Furtado, 2o Secretario, lê a acta da, sessão anterior,
a qual ó approvada sem debate.
O Sr.. Fleiuss, 1° Secretario, diz que o Gabinete Portuguez
de Leitura c credor de toda a ^Tatidão do Instituto, pelo modo
excepcionalmente gentil por que poz à disposição do Instituto o
seu ediâcio para a realização das sessões durante as obi*as de
completa transformação do prédio em que funcciona o Instituto .
O orador, em oíTicio, já agradeceu á digna directoria do
Gabinete Portu^^uez de Leitura tão grande obsequio.
O Sr. Proâidonto declara qiin o Instituto registra para
sempi^e a fidalga gentileza da oouheoida e apreciada associação
e de sua distincta directoria.
O Sr. lo Secretario lê as oHertas,
O Sr. Presidente commanica nos seguintes termos o falleci-
mentodo consócio Dr. António de Paula Freitas.
«Senhores —Ainda sob a dolorosa impressão da sentida perda
de Ire» dioliuctuoconsocioii do luoUtuto de que voo dui noticia ua
, ACTAS J>A3 ISES8ÔB8 DB i906 321
ultima sessão, Tenho hoje, em cumprimento de rigoroso dever,
commuQícar-TOS o inesperado passamento de mais um dos nossos
dedicados e prestimosos companheiros, o Dr. António de Paula
Freitas, hontem falleoido nesta Capital.
< Era sabido o mérito litterario deste operoso caltor da
sciencia; da sna iUostraçio, amor ao estado e iaíátigavel
actividade, deixa exaherantes provas nos seas numerosos, impor*
tantes e apreciados trabalhos por todos nós conhecidos.
< As lisongeiras phrases de que asaram as competentes
commissdes do Instituto encarregadas do exame dos titulos de
habilita^ ao nosso grémio, apresentados em nome do digno
candidato, justificam a confiança que depositava o Instituto no
proveitoso concurso das luzes e experiência do provecto lento
oathedratico da Escola Polyteehnica e o apreço com que era
acolhida a soa entrada nessa associação em 1896.
cDos leaes sentimentos que o inspiravam ao tomar parte
nos nossos trabalhos áJSijo testemunho as palavras que então
nos dirigio .*
< Na presente phase que a nossa pátria atravessa, e em que
«a indifferença para tudo quanto affecta ás lettras e sciencias
« parece solapar o grande templo que começávamos a erigir-lhes
€ as instituições scientificas,como este lostituto, em cqjo recinto
< se respira um ambiente benéfico, são verdadeiros lenitivos
€ para aquelles que alimentam ainda uma esperança de bem
< estar, de ordem, justiça e tranquillidade, sob ouJa eglde as
«lettras e soiencias poderão reanimar-se, e a nossa pátria
« caminhar na senda do desenvolvimento e do progresso.»
€ Bem o ensinava o illustrado mestre.»
< O Instituto Histórico, lamentando a perda que acaba de
soffrer, íbz inserir na acta um voto de profundo pezar, e achando-
se ainda insepulto o corpo do saudoso consócio, suspende os
trabalhos da presente sesribo, como justa homenagem devida A
memoria do illustre morto.»
Levanta-se a sessão, ficando resolvido que a próxima se
realize no dia 26 do corrente, á^ 3 horas da tarde.
Aleibiades Furtado^
2<' Secretario.
4328-21 Tomo hxix p. ii.
322 RBYISTA DO INSTItUTO HBTORIGO
OFFBRTAS APaBSENTADAS NA 2^ SESSÃO ORDINARU Elf 19 DE
MARÇO DE 1906
Pelo Supremo Tribunal Federal, Juri8prudeiiola« AooordJãos
proferidos em 1901, oompilados pelo Presideatedo Tribunal.
. Pelo Supremo Tribunal Federal, Jurisprudência, Aecordfioe
proferidos em 190O e oompilados pelo Presidente do Tribunal.
Pela The Hlstorieal Society of Pennsylvania:
( cThe Pennsylvania Magazine of Histoiy and Biography
pablished Quartorly vol. XXIX. N. 116.
Pela Geographisctie Gesellsohaft in Bremen:
r Deutsche Qeographisohe Blãtter, yoI. XXVin. Ns. 3 e 4.
Pela Commissão Geographica e Geológica de S. Paolo, quatro
folhas topographioas.
Pelo Muaeu Paranaense: Relatório apresentado ao Bim.
Sr. Dr. B. Lamenha Uns, secretario de Estado dos Negoeios do
Interior, pelo director do mesmo Museu Sr. Romario Martins^ em
Ide .janeiro de 1906.
, Pelo Sr. Vieira da Rosa : Ghorographia de Santa Oatharina.
Pelo Dr. Guilherme Stadart (barão deStudart): Aponta-
opuBntoa Bio-Biobliogpaphioos.
. , Pela Associação Promotora da Instruocfio, discurso proferido
pelo D^. Ubaldino do Amaral a 27 de agosto de 1905. «O (Con-
selheira Corx^a.» Em duplicata.
Pelo Mipistevio da Industria, Viação e Obras Publicas:
Relatoria apresentado ao Presidente da Republica dos Estados
Unidos do Brazil, pelo Ministro de Estado dos Negocias da
Industria» Viação e Oboasr Publicas, Dr. Lauro Seyeriano Mftller,
no anno de 1905.
Por el Dr. Rodolfo Leuz: Diooionario Btimolójico de las yooes
Chilenas deriTadas de len^tuas Indijenas Americanas. Primeira
entrega.
Pelo Sr. José Arthur Boiteux cZeitlhden fllr den Unterricht
in der Geschichte ron Brazilien.»
Pela Directoria Gorai dos Correios «Boletim Postal». N. 9.
Anno XVII.
ACTAS DAS SBSSÕBS DB 1906 323
Pelo Ministério da Marlaha : Boletins das observações
meteorológicas. Anno X ns. 5, 6 e 7.
Por P. A. Pereira da Costa: <A rerdadeira naturalidade
de D. António Felippe Camarão (século XVII). — Estudo
Histórico.
3>' SESSÃO ORDINÁRIA BM 26 DE MARÇO DE 1906
Presidência do Sr, Marquez de Paranaguá ({• Vice^Presidente)
A*s 3 horas da tarde, presentes os Srs. Marqnez de Para-
naguá, Max Fleiuss, Alcibíades Furtado, Desembargador Souza
Pitanga, Conselheiro Salvador Pires de Carvalho e Albuquerque,
Drs. José Américo dos Santos, Marques Pinheiro, A. da Cunha
Barbosa, Carlos Lix Klett, Henrique Raffard, Belisario Pernam-
buco e Manoel Cicero Peregrino da Silva, abre-se a sessão.
O Sr. Furtado, 2^ Secretario, lô a acta da sessão anterior,
a qual é, sem debate, approvada.
O Sr. Fleinss, 1* Secretario, participa que o conselheiro
Olegário Herculano de Aquino e Castro, presidente do Instituto,
por Justo motivo, deixa de comparecer.
O Sr. 2* Secretario lê as offertas.
O Sr. 1« Se<*.retario communica que, em data de 23 do cor-
rente, recebeu da Exma. Sra. D. Ignacia Luiza da Silva Lisboa,
viuva do Dr. José da Silva Lisboa, neto do Visconde de Cayrú,
uma carta em que offerecia á galeria do Instituto, um
retrato a óleo do mesmo Visconde.
O Sr. 1^ Secretario declara que, sem demora, agradeceu
tão delicada offerta.
Tem ainda a communicar que o illustre homem de letras,
Sr. Arthur Azevedo, dirigio ha dias ao presado bibliothecario
do Instituto, Dr. Vieira Fazenda, uma carta, acompanhada de
uma estampa que traz os seguintes dizeres: «Ao Sereníssimo
Sr. D. Pedro de Alcântara, Regente do Reino Unido do Brazil
offerece o seu humilde súbdito Francisco Pedro de Amaral, pen-
sionista da Academia das Bellas Artes em o Rio de Janeiro.—
924 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Vista da sala do theatro de S. João para esta festa de Zi de
Agosto de 1821.»
£is a carta do Sr. Arthar Azevedo :*-cRio de Janeiro, 14 de
março de 1906.
€ Exm. Sr. Dr. Vieira Fazenda.
Ao ler o seu folhetim de hontem, lembrei-me de que entra
as minhas cariosidades havia um velho desenho, colorido, repre-
sentando a sala do theatro S. João preparada para o famoso
baile de 24 de agosto de 1821 . Infelizmente este docamento já
chegou ás minhas mãos em mào estado ; ainda assim, creio ao
illustre hibliothecario do Instituto Histórico serã agradável offe-
recel*o a essa douta corporação, e, portanto« ahi lh'o mando com
os meus respeitosos ecordiaes cumprimentos.— AWAur Azevedo, p
O Sr. l^ Secretario encarece o valor dessa offerta e pede
autorização para mandar restaural-a por algum artista, o que 6
approvado.
O Sr. conselheiro Salvador Pires offereoe um exemplar de
obra A gíAerra civil do Chile e a queda de Balmaceda, por G. de
Varigny, traducção de Silio Bocanera Júnior, e diz que havendo
uma proposta relativa a este senhor, pede que a obra seja en-
viada á respectiva commissão.
O Sr. Fleiuss, l® Secretario, diz que devendo chegar no dia
31 do corrente pelo vapor Sardegnao venerando consócio hono-
rário, Sr. Cardeal D. Joaquim Arcoverde, propõe que o Instituto
nomeie uma commissão para dar as boas viadas a Sua Emi-
nencia, digno por todos os titules da oonsideração e amizade
dos membros do Instituto.
Esta proposta é unanimemente approvada e o Sr. Presidente
nomeia a seguinte commissão : Max Fleiuss, desembargador Souza
Pitanga, Dr. Manoel Gicoro, Henrique RaíTard e Conselheiro
Salvador Pires.
O Sr. Henrique Raffard offereoe a seguinte obrado Qeoeral
Qarmendia, Campana de Humaytd,
E* lido o seguinte parecer da Commissão de Fundos o Or*
camento:
« A Commissão de Fundos e Orçamento do Instituto Histórico
0 Qeographicò 3razJleiro examinou os balancetes do 8® e i? trl*
ACTAS DA» SESSÕES DE 1906 32:6
mestres e o balanço geral da receita e despesa do anno de 1905,
apres3ntados pelo digno thesoureiro, Sr. Arthur Ferreira Ma^
chado Guimarães, com seu relatório, datado de 31 de dezembro
daqnelle anno.
€ Taes documentos revelam a correção e zelo, bem como a
competência do Jllustre confrade no desempenho das penosas
íuncções que está exercendo.
< E* pois, a Commlssao de parecer que sejam approvados os
ditos balanços e balancetes.
< O Relatório assignala o lamentável atrazo de pagamentos
das mensalidades devidas ao Instituto e suggere acertadas prpvi-
dencias a respeito.
€ Jalga a Commissão que convém adoptal-os e que fique o dis-
tincto consócio autorizado a crear um livro para escripturaçao
das despezas nas datas em que se forem fazendo, e outro para
registro dos haveres do Instituto, também indicados na snccinta,
porém completa exposição* Rio, 19 de março de \9Q6.— Visconde
de Ouro Preto^ relator.— /o*^ Américo dos Santos. — Bélisario Per-
nambuco, i^*
Posto em discussão este parecer é, sem debate, unanime-
mente approvado.
O Sr, Presidente declara que havendo uma vaga na Com-
misiâo de Geographia e outra na Commissão de Admissão de
Sócios, occasionadas pelo fallecimento do contra-almirante
Francisco Calheiros da Graça e Dr. António de Paula Freitas,
nomeia para a Ck)mmissão de Geographia o Dr. José Amecico dos
Santos, 6 para o Commissão de Admissão de Sócios o Dr. Manoel
Cicero Peregrino da Silva.
O Sr. 2* Secretario lô as seguintes propostas :
«Propomos para sócio honorário do Instituto Monsenhor
D.JuIioTonti» Arcebispo de Ancyra, Núncio Apostólico no Brazil,
Presidente dos Tribunaes Arbitraes estabelecidos entre o mesmo
Brazil, Bolívia e o Peru.
< Doutor em philosophia, theologia e direito ; antigo alto
ítmccionario do Vaticano e professor em Roma de sciencias ecde-
siasticas ; diplomata de longa e egrégia carreira ; havendo re-
cebido notaveifl distincçoes em todos os vários palzes onde sérvio;
326 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
— >ó am grande amigo do Brazil que procura conhecer e estadar
com amor, peroorrendo-o como poacos estrangeiros da saa ge-
rar chia o tom eífectuado.
€ D. Júlio Tonti reune.pois, todos os predicados intelleotuaes
e moraes para que o Instituto o aoolha em sen grémio.
Rio de Janeiro» 26 de março de 1906.— Marques de Para-
naguá, Conde de Affonso Celso, Max Fleiuss, A. F. de Souia
Pitanga, P. B. Marques Pinheiro, Belisario Pernambuco, Josô
Américo dos Santos, Salvador Pires do Carvalho Albuquerque»
A. da Cunha Barbosa, Henrique Raffard» Carlos Lix Klett.»
Yae à Commissâo de admissão de sócios, relator o Sr. Dr.
Manoel Cioero Peregrino da Silva.
Propomos para sócio correspondente do Instituto Histórico
e Gíeographico Brazileiro o Sr. General Josô Ignacio Garmendia,
nascido em Buenos Aires a 3 de maio de 184E, servindo de titulo
& sua admissão a obra Campana de Humayta^ hoje offerecida
ao Instituto. Rio, 2Ò de Março de 1906. ^Alcibíades Furtado,,
Carlos Lix Klett, A. da Cunha Barbosa, F. B. Marques Pinheiro
Manoel Cicero, Belisario Pernambuco.» Vai á Commissâo de
Historia, relator o Sr. Conselheiro Cândido de Oliveira.
O Sr. Fleiuss, 1* secretario, diz que tendo enviado para
Londres, ao Sr. Ministro do Brasil, o exemplar do Catechismo
em língua Guarany^ por Nicolas Japuguai con direocion dei P,
Paulo Restivo, i724^ aflm de ser convenientemente restaurado ,
recebeu do Exm. Sr. Dr. Regis de Oliveira, nosso Ministro em
Londres a seguinte carta:
« Legação do Brazil, Londres, 14 de fevereiro de 1906.— Sr.
Secretario. Tive a honra de reoebar o offlcio de Y. S. de 15 de
janeiro próximo passado, com o qual me enviou para ser restau-
rado aqui um exemplar da ExpUcacion dei Catechismo en lengua
Guarani, por Sicolas Japuguai con direccion dei P. Paulo Res-
tivo,í724.
€ Visto o mau estado do volume, mandei examinal-o pela
casa Quaritch, de Peccadilly, especialista no assumpto, que,
conforme V. S. verá pela carta junta por cópia, calcula em
50 libras ou mais a somma a despender para obter um re
sultado perfeito.
ACTAS DAB «B880BS DB 1906 827
€No oaso de aceltftr eeta proposta, pôde Y. S. enviar^mo
am cheque daquella quantia.
< Aguardando a tua dectsSo para satisfazel-a sem demora,
aproTeito o enscgo para renoyar a V. S. os protestos d^ minha
perfeita estima e oonsideraoao. ^Regis de Oliveira» »
O iDStitato resolve que o Sr. P Secretario solicite do cava-
lheirismo do Sr* Ministro do Brazil em Londres, novas iníbr-
mações a resprtto.
Por proposta do Sr l^ Secretario o Instituto resolve auto-
rizar o Sr. Thesoureiro a adiantar as quantias necessárias
para o preparo dos armariost estantes e mesas de que carece-
rSo as novas salas do edificio do instituto, devendo as requisi-
ções ser feitas pelo h> Secretario, autorizado também pelo Insti-
tuto a agir na parte económica, de aceordo com o thesoureiro,
durante o período das grandes reformas materiaes no edificio do
Instituto, bem como posteriormente para as despezas de cara-
cter urgente da Secretaría, prestando contas ao Thesoureiro.
O Sr. 1« Secretario lô o seguinte:
Parecer da Commissão de Estatutos e redacção sobre o projecto
de novos Estatutos do Instituto Histórico e Geographico
BrazOeiro.
€ Salvo a redacç&o, que em tempo será revista e melhorada,
julgamos aoceitavel, em seus traços 'gerae8,o projecto dos novos
estatutos, que foram calcados, quanto possível, sobre os actuaes
em vigenda, parecendo-nos perfeitamente razoáveis as modi-
íloações propostas, feitas, entretanto, as seguintes restricçoes:
a ) devem sahir do corpo dos estatutos, ficandorlhe aniie-
xadas como disposições transitórias, os §§ 1* eS* do art. 5» e os
a§3»4«, 59e 6»doart. 39;
b ) ô desnecessário todo o art. 48, que pôde ficar reduzido
ao seu paragrapho único, eliminando-se a disposiç&o final,
quanto & collocaç&o especial dos sócios beneméritos, pois que,
todos se devem sentar indistinctamente ;
c ) no art. 14, tratando dos distinctivos, deve ser elimi-
nado o uso da flurda, que nunca se conseguiu estabelecer, fi-
cando apenas para as solemnidades o uso da medalha de prata
'â28 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
dòttrada, pendente de nm oollar symbolioo oa de uma fita, e
bem assim da roseta para as outras occasi5e8 ;
d ) não nos parece pratico o augmento da meosalidade
constante do art. 16, porquanto isso é sempre recebido com
desagrado pelos sócios» muitos dos quaes tôm estado em grandes
atrazos, mesmo com a pequena contribuição actual, sendo que
isso não aproveitará financeiramente grande cousa ao Instituto;
0) do§ 2<> art. 32 deve ser eliminada a clausula de Itaei
o orador um discurso fúnebre sobre o tumulo dos sócios falie*
eidos, cousa hoje inteiramente em desuso ;
f) pareoem-no8 desnecenarios os arts. 62 e 63. O que elles
dispõem poderá ser uma praxe adoptada* mas não deve ser
uma disposi^ de estatutos, principalmente o que se refere no
art. 03, ao voto de pezar, que nenhum valor terá, si a sua mani-
festação fôr uma imposição regulamentar ;
g ) concordando com a oreação de um premio para o melhor
trabalho apresentado ao Instituto, não nos parece que elle deva
ser conferido com a facilidade constante do art. Ô5.
«Não basta para isso que a memoria a premiar seja a melhor
dentre as que tenham sido lidas no anno anterior ; isto accen-
tuarã apenas um valor relativo, que pôde, em absoluto, ficar
muito longe de merecer um premio. As memorias a premio
devem ser enviadas anonymas, especificadamente para concor-
rerem a essa distinoção, e o Instituto premiará a melhor dentre
as que forem julgadas dignas disso* Bem assim pareoe-nos que
a ter de dar um nome a esse premio, o Instituto deve oonsagral-o
á memoria do seu fUleoido protector e denominai^) Premio
Pedro II.
< Rio de Janeiro, 7 de março de 1906.^ Dr. Alfredo I^asci-
mento^ relator.—Ccxpt^trano de Abreu. — Conde de Affonso CeUú.>
Resolve* em seguida, o Instituto que se realize na próxima
segunda-feira, 2 de abril, a assembléa geral para tomar oonhe-
cimento e deliberar sobre o projecto de reforma doá estatutos
e sobre o parecer a respeito apresentado pela Commissão de
Estatutos e redação. Levanta-se a sessão ás 4 1/2 da tarde.
Alcibiades Furtado^
8» Secretario.
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 329
0FFERTA8 NA 3* SESSÃO ORDINÁRIA EM 26 DE MARÇO DE 1906
Pelo Sr. Estevão de Mendonça — Qoadro chorographioo
de Matto-Grosso.
Pela Real Aeademia de Sciencias Exactas Fisioas y Nata-
rales de Madrid— Revista.
Pela Historícal Society of Pensylvania — The Magazine of
history and biography.
Pelo Sr. general Ramon Tello Mendoza — Gobiemos de
Venezuela.
Pelo Sr. Aureliano Portugal — Dlsourso proferido no Jar-
dim áa Praça da Gloria a 24 de fevereiro de 1906.
Pelo Sr. Ferreira da Rosa— O Cammentario.
Pela Société de Géographie Commerclale de Bordeaux
— Bulletin.
Pela Directoria Geral de Saúde Publica — Boletim Mensal.
Pela Real Academia de la Historia— Boletim.
Pela Sociedade Cientifica Argentina — ÂnaUs.
Pela Sociedade de Geographia de Lisboa — Bo^^tím.
Peia Real Academia de Ciências de Madrid — Memorias.
Pelo Museo Naci(wal do México— Anales.
Pelo sooio Sr. commendador Henrique Raflárd — O novo
Arsenal de Marinha, escolha de localidades, Paraiy^mirim por
G. E.
Pela Universidade Central de la Republica dei Equador —
Anàles.
Pela Associaçio Commercial do Rio Janeiro-* Boletim.
Pelas Redacções as Revistas, — Renascença e Revista Com-
mercial e Financeira.
Pelas Redacções— 08 jornaes Le Nouveau Monde, Jornal do
Recife, Diário Official do Amazonas, Mala da Europa, O Seculó,
o Correio do Povo, O Trabalho, e o Reformador.
880 RBVISTA DO INSTITUTO HI8T0RIG0
ASSEMBLÉA GERAL EM 2 DE ABRIL DE 1906 (PRIMEIRA
CONVOCAÇÃO)
Presidência do Sr, MarqyiêM de Paranaguá
A*8 3 horas da tarde, presentes os 8rs. Marquez de Para-
. nagoá. Barão Homem de Mello, Max FIeluss,Aloil>iades Fartado,
desembargador Souza Pitanga, Arthor Guimarães, José Fran-
cisco da Rocha Pombo, Bdaardo Bíarques Peixoto, conselheiro
Sonsa Ferreira, Barâo de Alencar, Dr. Alflredo do Nascimento
. Silva, Dr. Manoel Cioero, Henrique Raffiard, Conde de Affonso
Celso, Carlos Lix Klett, Dr. José Américo dos Santos, Dr. J.
Barbosa Rodrigaes, Dr. F. B. Marques Pinheiro, Dr. A. da
Cunha Barbosa, o Sr. Presidente declara que não pode haver
assembléa geral, por isso que sendo esta a primeira convocação
só é permittido ítinocionar de conformidade com os aotuaes
estatutos, achando-se presentes, no minimo, 21 sócios.
Assim, convoca a assemblóa para a próxima segunda-feira,
9, ás 2 1/2 horas da tarde, neste mesmo local.
Sendo objecto dessa assembléa um assumpto de grande
relevância, como a reforma dos estatutos, o Sr. Presidente pede
com empenho aos Srs. sodos que não deixem de comparecer.
Aloibiádet J^urtado^
29 Secretario.
ASSEMBLÉA GERAL EM 9 DE ABRIL DE 1906 (SBGUNDA
CONVOCAÇÃO)
Presidência do Sr. MarqueM de Paranaguá
A*s 3 horas da tarde, presentes os Srs. Marquez de Para-
naguá, Barão Homem de Mello, Max Fleiuss, Alcibíades Furtado,
desembargador Souza Pitanga, Arthur Guimarães, Rocha Pombo,
Eduardo Marques Peixoto, Dr. Manoel Barata, Henrique Raffturd,
Dr. Manoel Cicero, Dr. F. B. Marques Pinheiro, Dr. J. Barbosa
Rodrigues, Dr. A. da Cunha Barbosa, Dr. Leite Velho, Dr. Josô
Américo dos Santos e conselheiro Salvador Pires, abre-se a
sessão por ser esta a segunda convocarão.
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 S81
O Sr. Presidente diz que antes de se entrar na disouflâo
do objecto da presente assemblôa, cumpre um dever partíeis
pando ao Instituto a morte do lea antigo e venerando eocio
correspondente o 8r« Bário de Penedo, entrado para o Instituto
em 19 de agosto de 1841 .
O Sr. Presidente apreoia longamente e com phraiês de
intensa magoa tio lamentável perda* discorrendo sobre os
vários aspeotos da existência, sempre brilhantíssima, do illustre
eztincto,
Ck)nclue propondo um voto de intenso pezar por tão lutuoso
acontecimento, o que ó unanimemente approvado.
Em seguida, o Sr. Presidente declara que estão em dlsensAo
o projecto de reforma de estatutos e, bem assim, o parecer
emittido a respeito pela commi8São competente, ambos Já. dis-
tribuídos, em avulso, aos Srs. oonsocios.
Julga o Sr. Presidente necessário salientar uma altera<^
que o impressionou, oontida no art. ^ do projecto.
Este artigo diz apenas : € Publicará a Revista do Instituto
Histórico e Qeographico Brazileiro.»
Ora, nos actuaes Estatutos, lé*se o seguinte : «Art. S»
Publicará a «Revista Trimensal do Instituto Histórico e Oeo-
graphioo Brasileiro, fundado no Rio de Janeiro, debaixo da
immediata protecção de Sua Magestade Imperial o Sr. D.
Pedro II, na qual se conterão os seus trabalhos.>
Não sabe si a eliminação do nome do Sr. D. Pedro II foi
um acto de inadvertência ou proposital, achando que o Instituto
Jamais deve esquecer os extraordinários serviços prestados pelo
seu augusto protector.
O Sr. Furtado declara que é incontestavelmente um íhcto
histórico a protecção concedida ao Instituto por D. Pedro II.
Os Srs. Fleiuss e desembargador Souza Pitanga ^em, a
propósito, varias considerações, demonstrando ooip a maior
lealdade que não houve o menor intuito de se procurar esque-
cer o muito que o Instituto deve ao Sr. D. Pedro U.
No projecto de estatutos em discussão ha disposições ter-
minantes que commemoram de maneira insophismavel os
serviços tão larga e generosamente prestados á associação pelo
8SS RfiVlSTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
6r. D. Pedro II, oiija memoria está sempre presente aos
membros do Institato.
O Sr, Marquez de Paranaguá dàrse por satisfeito»
São apresentadas» disontidas e votadas, as seguintes emen-
das ao projecto :
Dos Srs. Pleuiss e A. Guimarães ao art. 2*. Red|ja-se :
< Para oonsecução dos fins a que se propõe, procurará
manter correspondência com as sooieiades nacionaes e estran-
geiras de egual natureza. » B' approyad^.
Dos Srs. Pitanga, Pinheiro e Furtado ao § 3* do art. 4« :
€ Sócios beneméritos em numero de 10». — E* approvada»
Da Commissão :
€ Passar para as disposições transitórias os gg P e 2" do
art. &»>•— E* approvada.
Dos Srs. Fleiuss e A. Guimarães ao art. 9*, paragrapbo
único: € O sooio effectiyo que fixar residência fora do Rio de
Janeiro passará para a classe dos correspondentes». — B*
approvada.
Dos mesmos senhores cao art.9<^ lettra A, em vez de 7 annoe,
diga-se 10»,— B* approvada.
Do Sr. Furtado, lettra C, do art. 9. Red^a-se da seguinte
forma— As pessoas que por seu consummado saber maniílBstado
especialmente nas sciencias históricas, geographieas ou ethno-
graphicas, estejam no caso de justificar a escolha».— B* appro-
vada.
Dos Srs. Fleiuss e A. Guimarães: € Transformem-se em
artigos os §§ 2<» e 3<» do art. 9« ».— E' approvada.
Do Sr. Pinheiro: cTransfira-se o paragrapho único do
art. 10 para um dosparagraphosdoart. 16».— E' approvada.
Do Sr. Marques Peixoto: < Ao art. 12, onde se diz 3:000$,
diga-se 10:000t».— E' rejeitada.
Do Sr. Pinheiro: Art. 13. Redija-se da seguinte forma :
< A qualidade excepcional de Presidente Honorário, só poderá
ser conferida em assembléa geral aos chefes de Bstado, me-
diante proposta assignada por toda a Directoria do Instituto e
também por todos os demais sócios presentes á sesi^ ».— E*
approvada.
ACTAS DAS SBSSÕBS DB 1906 838
Da Commiflsão, ao art. 14: c Blimine-se a Ikirda creada
por decreto de 2 de março de 1860 >.
Do Sr. RaflCsird, propondo que Beja mantido todo artigo
do projeoto com relação aos distiaotiyoB.
E* approYada a emenda da commimU) e regeltada a
emenda do Sr. Rafbrd.
DaCommisaão: € Prevaleça a mensalidade de mil réis».
Do Sr. Fleinss, propondo qae essa mensalidade seja paga
em trimestres adeantados pelos sócios effectiyos e annaal-
mente pelos correspondentes.
São approvadas estas daas emendas.
Do Sr. Pinheiro, ao art. 16, § 4«: clnelua^se ahi o para-
grapho único do art. 10 ».-^ E' approyado.
Dos Srs. Pitanga e Homem de Mello, art. 22, diga-se « O
mandato da Directoria e das Commissoes será annoal ».— B*
approvada.
Do Sr. Fleinss, ao § 4* do art. 24, redijap-ie da seguinte
forma: < As vagas que occorrerem na Directoria ou nas Com-
missoes serão preenchidas com a nomeação qne o presidente
íárá em sessão do instituto».— E* approvada.
Do Sr. Pinheiro, ao art. 25, substitaa-se três annos por
um, e elimine-se as palavras : < conjunctamente com o Sr. !•
Secretario». — E* approvada.
Do mesmo senhor, ao art. 26, § 2« ; < Representar o Insti-
tuto por si ou por sen mandatário em todos os negócios judi-
ciaes on extra-jndiciaes».— E* approvada.
Do mosmo senhor, ao § !• do mesmo artigo, diga-se: € Au-
torizar o pagamento de todas as contas »•— E' approvada.
Dos Sru. Manoel Cicero e Pitanga, ao § 8"^, do art, 28
aocrescente-se: « Participando na primeira ses^o as providen-
cias que houver tomado ».— E' approvada.
Do Sr. Fleinss, ao § 9«, do art. 28, snbstitua-se pelo se-
guinte: € Mandar escripturar em livro próprio e sob sua imme*
diata fiscalização e responsabilidade a matricula de todos os só-
cios do Instituto, com especificação da data da sua eleição, posse,
-transferencias de classes, e iudo mais quanto possa ter
relação com a qualidade do sócio do Instituto »•— E' approvada.
884 REVISTA DO INSTITUTO HI6T0RIG0
Do 8r. PiBheiro, ao art. 90, g IS": «Depositar em um
Banco, por proposta soa, designado em leBsfto» oa fundos dispo-
Direis do Instituto ».— B' approvada.
Dos Srs. FieiQSs e A. Ooimarães» 8 3« do art. 31: «eUmi-
oe-aot pois, a mesma disposição qne se aeha mais adeante».— £*
approyada.
Do Sr. Fartado, propondo a elinuiaaofio do 8 i""* do art, 32,
áas palavres: < Porque tem preferenoia, eto.».— B' appro.
yada.
Do mesmo senhor, propondo que o 8 i^ desse artigo s^
assim redigido: < Pronunoiar o disourso de reoepçfto dos novos
■oeios ».— £' approyada.
Do Sr. Pinheiro, ao art. 33, 8 2« : < Rever annualmente as
contas apresentadas no deourso do anno sooial >.— B* appro-
yada.
Dos Srs. Fleiuss e A. Guimarães, ao art. 28, redUa-se da
seguinte forma: « Alóm das ooinmissões indispensáveis ao movi-
mento do Instituto, poderá, o presidente, em sessão, nomear
outras para âns especiaes, ou encarregar de algum trabalho
individualmente aos sócios, quando assim Julgar conveniente» .
— E' approyada.
Da CommisAo: «SQJam transferidos para disposições transi-
tórias os §§ 3"*, 4^ 50 e ô« do art. d9».-<- E* approvada.
Do Sr. Furtado, quanto ao 8 3^ desse artigo: « elimine-se as
palavras no todo ou em parte» •-« B* approvada.
Do Sr. Fleiuss, propondo que o § 3* desse art. 39, siQa
aaiim redigido, uma ves que o do projecto é transferido para as
disposições transitórias: c g S^. Para que possam os sócios &zer
parte da Directoria ou das Ckxnmissões e ser transferidos de uma
classe para outra deverão ter em tempo satisfeito o que fôr de-
vido aos cofires do Instituto. Somente 09 sócios nessas condições
terão direito ã Revista^ de oonformidade com art. 33».— E*
approvada.
Dos Srs. Fleiuss e A. Guimarães, ao urt. 45, paragrapbo
único: < Gsses vencimentos serão considerados doas terços como
ordenado e um terço como gratificação pro labore i^ .-^E' apro-
vada.
ACTAS DAS S866Gto DB 1906 885
Doi Sn. FMqêb e A. Ooimariief, art. 47: € Redijarse da m*
gainte forma— O Instituto reanir-s^ha para oelobrar a fva
iastalla^ no dia 21 de outabro e deide easedia até o llm de ja-
neiro floarão suspenias as seudes, oom exoepgfto da de a«em-
Uáa geral, para eleifiio.
Paragrai^o unioo. De 20 de dezembro a 7 de Janeiro o edi*
flolo do Instituto se oonserTará fechado, gozando os empre-
gados de ferias nesse período >.— B* approrada.
Dos Srs. Fleiuss e A» Goimarite, ao art. 61, paragrapho
unioo: € O soeio eleito nSo tomará posse nem será eomo tal ma-
trionlado no IItto, sem que ezhiba o sen diploma ó haja satisfeito
as contribuições devidas >.-« B* approvada.
Dos Srs. Fleiuss e A. Guimarães aos arts. 62 e 03: € Re-
dijarse da seguinte forma : « Art* 62. Nos enterros de
membros do Instituto íáisso-ha este representar sempre que lhe
chegar a tempo a partioipacfto.c Art. 63. Na primeira sess&o que
se effectuar depois de conhecido o âdlecimento de qualquer sooio
lançar«se-ha na acta um voto de pezar que será proposto pelo
Presidente, podendo qualquer membro presente á sessão refe-
rir-se ao finado em suoeintas palavras de oondolenda e louvor.»
— E* approvada.
Nesse momento, o Sr. Fleiuss, !• Secretario, diz que de-
vendo tratar-se do artigo com rela^ ao premio, tem em seu
poder um offlcio que lhe foi pessoalmente entregue pelo Sr. Con-
selheiro Olegário Herculano de Aquino e Castro, in^eeidente do
Instituto, e á cuja leitura vae proceder: € Exm. Sr.— Nie po-
dendo eompareoer á assembléa geral do Instituto Histórico, oon-
vocada para resolver sobre o projecto de reíbrma dos estatutos,
tenho a declarar, para que chegue ao conheoimento da mesma
assembléa, que estou de inteiro aooôrdo com o pareoer da Com-
mlssfto que examinou a dito projeeto, quanto a emendas que
offereoe em ultimo logar, lembrando o nome que convém dar ao
premio que se pretende instituir.
< Nada mais justo e acertado do que consagrar á memoria
do venerando e generoso protector do Instituto, o premio unioo
que deve ser creado e con) a denominação de Premio P&Jro JI»
€ Rio, 29 de março de 1906.— Exm. Sr. vice-presidente do
336 REVISTA DO INSTITUTO HI8T0MCO
Instituto Histórico e QeograpMoo Brazlleiro.— Olegário Ser»
oUlano dê Aquino e Castro. :k
O Sr. Presidente declara qoe o instituto aprecia deyida-
mente as palavras do seu yenerando Presidwite»
OsSrs. Fleiuss a A. Guimarães propõem que o art. 65
flqtie assim redigido :
« Ficam creados dous prémios annuaes sob as denominações
Premio Pedro II e Premio Conselheiro Olegário.
€ O primeiro, em signal de imperedvel gratidSo e reconbe-
cimento & memoria do seu grande protector, será para recom-
pensar a melhor monographia das que concorrerem ao mesmo,
especificadamente, e jconstará de uma medalha de ouro.
< Q segundo, em atteno&o aos assíduos e notáveis serviços
prestados ao Instituto pelo presidente Olegário Herculano de
Aquino e Castro, será concedido á melhor memoria lida no anuo.
anterior, em sess&o do Instituto, e constará de uma medalha
de prata.
Paragrapho único. A CommissSo de Estatutos e Redacção
regulamentará o processo para a concessão desses prémios >.
Depois de varias considerações produzidas pelos Srs. Fur^
tado. Pitanga, Fleiuss e Raílárd, é approvada a emenda dos
Srs. Fleiuss e A. Guimarães.
Dos mesmos senhores, ao art, 67.
R0dija*se do seguinte modo: < Para a reforma dos Estatutos
será necessário que os membros da Gommisiâo de Estatutos e
Redao^, ou que 18 sócios a reclamem por escrlpto, e que a
assembléa geral a conoeda, ouvindo previamente a mesma com-
missão no caso de não ter sido promovida por esta a reforma
de que se tratar».— E* approvada.
Salvas as emendas approvadas, a assembléa approva o pro-
jecto de reforma dos Estatutos e o Sr. Presidente o envia
para os devidos dns, a Commissão de Estatutos e Redac^o,
relator o Sr. Dr. Alfiredo da Nascimento.
O Sr. Presidente suspende a sessão da Assembléa Geral que
continuará no dia 16 do corrente, ás 2 1/2 horas da tarde, para
Julgamento da redacção dos Estatutos, seguindo-se a 4» sessão
ordinária.
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 337
Nada mais havendo a tratar, sospende-se a sessio ás 5 1/8
horas da tarde.
Aloibiâdbs Fuetado,
2« Secretario.
ASSBMBLÊA GERAL EM 16 DE ABRIL DE 1906, CONTINUAÇÃO DA
DE 9 DO CORRBNTE MBZ
Presidência do Sr, Marquez de Paranaguá
A*8 2 1/2 da tarde, presentes os Srs. Marquez de Para-
naguá, Max Fleiuss, Alcibíades Furtado, Arthur Guimarães,
Eduardo Marques Peixoto, Dr, Manoel Barata, conselheiro
Cândido de Oliveira, Carlos Lix Klett, conselheiro Salvador
Pires, conselheiro Souza Ferraira, Dr. Alfredo Nascimento e
Dr. António da Cunha Barbosa, o Sr. Presidente declara reaberta
a sessão de assemblóa geral, começada a 9 do corrente, para
discussão do projecto de reforma dos Estatutos e suspensa afim
de que a Commissao de Estatutos e Redacção apresentasse a
respectiva redacção, de accordo com a matéria approvada.
O Sr. Furtado, 29 Secretario, lo a acta da primeira parte
da assembléa geral, a qual ó sem debate approvada.
O Sr. Presidente diz que está em discussão a seguinte re«
dacção dos Estatitos, apresentada pela respectiva commissao :
Estatntds do lostitiito flístorico b SeomiliíGo Brazileíro
CAPITULO I
Art. l.<> O Instituto Histórico e Geographico Braziielro,
fundado em 21 de outubro de 1838, tem por fim coUigir, metho-
dizar, publicar ou archivar os documentos concernentes á his-
toria e geographia do Brazil, o a archeologia, ethnographia e
língua de seus indígenas.
Art. 2.* Para consecução dos fins a que se propõe, pro-
curará manter correspondência com as sociedades nacionaes e
extrangeiras de igual natureza.
4323—22 Tomo lxíx. p. ii.
838 RBVI8TA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Ari. 3.* Pablioará a «Revista do Iiutitato Historioo e
Geographioo Brazileiro».
§ 1.» A Revista se diYidir& em duas partes: a 1* con-
stará de dooamentos relativos ao Brazil, e a 2* oomprehender&
os trabalhos dos sócios e as actas das sessões, assim como os dis-
onrsos do presidente e do orador e o relatório do 1<> secretario,
apresentado nas sessões anni versarias.
§ 2.0 Nesta segunda parte também se publicará annual-
mente a lista dos sócios existentes, com as suas diversas cate-
gorias, declaragfto da data de sua admissáo e uma relação no-
minal dos sócios &llecidos durante o anuo.
CAPITULO II
oroàmzàqIo do instituto
Art. 4.0 O Instituto Histórico e Geographioo Braiileiro
compor-se-ba de:
8 1 ."^ Sócios eífectivos, em numero de 50.
§ 2.^ Sócios honorários em numero de 50.
§ 3.<» Sócios beneméritos, em numero de 10.
§ 4.« Sócios correspondentes, em numero de 100.
g 5.« Sócios bemféitores.
Art. 5.0 Os sócios, de qualquer classe, poderão ser na
cionaes ou estrangeiros.
CAPITULO UI
ADUlSBlO DOS S00108
Sócios effeetivos
Art. d.<* Para ser admittido como sooio efléotivo deverá o
candidato residir no Rio de Janeiro, apresentar, directamente
ou por algum sócio em seu nome, trabalho próprio aoerca da
historia, geographia ou ethnographia do Brasil, quer esse tra-
balho seja inédito, quer já estampado, uma vei que abone a ca-
pacidade litteraria do autor.
g l.<> O candidato deve ser proposto, por escripto» em ses-
gão do Instituto e a proposta conterá o nome e appellidos do
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 339
candidatOt sua naturalidade, proíls^, idade e títulos que o
recommendem.
gS."" Apresentada a proposta, assigoada por três ou mais
sócios, será ella remettida & commissao de historia, de geogra-
phia ou de ethnographia, conforme a natureza do trabalho ou
dos trabalhos do candidato, e a commissao apresentará, em
seséao, o resultado do seu exame, concluído pela suficiência
ou insofSciencia da prova da capacidade do autor para os fins.
do Instituto.
§3.0 Approvado, este parecer irá a commlsBáo deadmissfto
de sócios, a qual dará opinião sobre a idoneidade e oonye-
niencia da admissão do candidato proposto.
§ 4.'' Este parecer será submettido á discussão, encerrada
ella, marcar-se-ha a sessão seguinte para que tenha logar a
votação por escrutínio sobre a admissão do candidato»
§5.<»Si na urna apparecer maioria de espheras brancas,
consldera-SQ acceito o candidato, e o presidente prodamal-o-ha
sócio effectivo do Instituto.
go.o Si, porém, houver maioria de espheras pretas, oon-
siderar-se-ha rejeitado o candidato, o qual poderá todavia ser
ainda proposto, si apresentar novos trabalhos, como se exige
no principio deste artigo, seguindo-se o mesmo processo acima
indicado para a admissão.
Soeios correspondentes
Art. l."" Para ser sócio correspondente é preciso :
gl.<> Apresentar trabalho próprio sobre a historia, geo*
graphia ou ethnographia doBrazil.
§ 2.° Apresentar trabalho próprio de verdadeiro valor no
departamento da historia, da geographia ou da ethnographia,
mesmo que se não refira ao Brazil.
§ 3.<> Ser prc^sto da mesma forma por que o é o candidato
ao logar de sócio effectivo, observado idêntico processo.
Art. 8.° O sócio correspondente que vier residir no Rio de
Janeiro poderá passar a sócio effectivo quando houver vaga.
Pardgrapho único. O sócio effectivo que fixar residência
íóra do Rio de Janeiro passará para a classe dos correspondentes.
340 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Sócios honorários
Art. 9.»
§ [.<> 86 poderSo ser sócios honorários :
a) os sócios effeotivos qae tenham prestado serviços notá-
veis ao Instituto oa exercido, por mais de dez annos consecnti-
TOS, cargos na directoria on nas commiss(5es permanentes ;
b) os sócios correspondentes que« tendo entrado para o
Instituto por meio de trabalhos sobre historia, geagrapliia oa
ethnographia do Brazil, tenham se distinguido por seu yalor
mtellectnal e completado sete annos de permanência na classe
dos correspondentes ;
c) as pessoas que por seu oonsummado saber, manifestado
especialmente nas sciencias históricas, geographicas, ethnogra-
phicas ou archeologicas estejam no caso de justificar a escolha.
Art. 10. Os sócios honorários serão propostos pela maioria
dos membros da Directoria e demais sócios, sendo a proposta
informada pela oommissão de admijssâo de sócios, e depois
votada em esomtinio secreto, na sessão seguinte á da leitura
do parecer.
Art. 11. Os sócios honorários pagarão somente o diploma,
podendo esta contribuição ser dispensada pelo Instituto quando
se tratar de pessoa nas condições da lettra c do art. 9*.
Sócios benomeritos
Art. 12. Só poderão ser elevados á classe de sócios bene-
méritos os honorários que tenham no minimo 20 annos de no-
táveis serviços ao Instituto e os hajam prestado em gráo notável.
Art. 13. A eleição dos sócios beneméritos só pôde ser feita
em assembléa geral .
Sócios bemfeitores
Art. 14. Serão sócios bemfeitores os que fizerem ao Insti-
tuto donativos superiores a 3:000$ em dinheiro.
Esses sócios só terão direito de voto nas assembléas geraes.
ACTAS DAS SESSÕES DB 1906 341
Presidentes honorários
AvL 15, A ijLualidade excepcional de presidente honorário
só poderá ser conferida em assembléa geral, aos chefes de Es-
tado, mediante proposta assignada por toda a directoria do
Instituto, e também por todo os demais sócios presentes á
§1.»A proposta assim apresentada, considera-se appro-
Yada, e confere ao candidato a qualidade honorifica da presi-
dência.
§ 2*0 Esta distinccao será communicada ao agraciado por
offlcio do presidente do Instituto, enviando-Ihe o respectivo di-
ploma.
DISTINCTIVOS
Art. 16. Os sócios do Instituto teem como distinctivos uma
medalha e eoUar de ouro e uma roseta de cor azul celeste.
DIPLOMA
Art. 17. Aos sócios de todas as classes se expedirá um di-
ploma que será assignado pelo presidente, pelo 1' secretario e
pelo thesoureiro do Instituto.
CAPITULO IV
OONTEUBUiÇAO SOCIAL
Art. 18. Cada sócio efTectiyo ou correspondente pagará
como Jóia de admissão a quantia de 50|, quando receber o
diploma, e concorrerá com a somma de 1$ mensaes, paga em
trimestres adiantados pelos sócios eífectivos e annualmente
pelos correspondentes.
§1.<» Os sócios correspondentes estrangeiros, residentes
íóra da Republica, nada pagarão.
§2.0 Os sócios effectivos e correspondentes, que passarem
a sócios honorários, pagarão pelo novo diploma a quantia de
30$, cessando outra qualquer contribuição.
§3.0 O sócio correspondente que for admittido como sócio
effectivo, não pagará nova jóia, continuando a pagar somente
as prestações mensies e dando 20$ pelo novo diploma.
342 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
g 4.<» Os sócios beneméritos estáo isentos de qualquer oon-
triboiç&o.
S 5.<» Os sócios bemfeitorei nada pagarfto pelos diplomas.
KBMI38ÕES
Art. 19. Os sócios quo se qaizerem remir do pagamento
das prestações mensaes, poder&o fazel-o da maneira segainte :
§ i.<»Os que contarem menos de cinco annoi da data da
sua admissão, entrando para o cofi*e do Instituto com a quantia
de 200$000.
g 2.^ Os que contarem mais de cinco e menos de 10 annos
da data da sua admissfto, logo que concorram com a quantia de
150$000.
g 3.<> Os que tiverem de 10 annos para cima, si pagarem
lOOSOOO.
Art. 20. Os sócios comprehendidos em qualquer dos casos
acima especificados, que se acharem atrazados no pagamento
das prestaçSes mensaes, só se poderão remir depois de solverem
as suas dividas.
CAPITULO V
DIRECÇÃO DOS NSOOCIOS DO INSTITUTO
Art. 21. Todos os negócios do Instituto serão adminis-
trados por uma Directoria não sendo responsáveis os demais
sócios pelos actos que esta praticar.
Art. 22. Os membros dessa Directoria serão :
g 1.* Um presidente.
g 2.0 Três vioe-presidentes.
g 3.0 Um lo secretario.
g 4.« Um 2? secretario.
g 5.« Um thesooreiro.
g 6.« Um orador.
Art. 23. Haverá as seguintes commiss(tos, cada uma das
quaes serã composta de cinco membros :
g l.o Commissão de Axados e orçamento.
g 2.* Commiss&o de estatutos o redacção da Revista.
g 8.0 Commissão de manuscriptos.
ACTAS DA^ SBSSÕBS DB 1906 849
§ 4.<> GommissSo de historia.
§5.'' Commiflsão de geographia.
§ 6.« Commiss&o de ethnographia e aroheologia.
§ 7.« Ck>mmi8são de admissão de sócios.
ELEIÇÃO DA DIRSCTORIA E DAS COMMISSÕES PBRMANENTB8
Art. 24. o mandato da Directoria e das commissôes será
de mn anno.
, Depois da sessão magna auniversarla de 21 de outabro, ser&
convocada a assemblôa gorai para 21 do novembro, e, sendo
este impedido, para o dia seguinte, aflm de eleger a nova Dire~
ctoria e as novas conamissões, que tomarão posse no dia 7 de
janeiro do anno seguinte.
Art. 25. Os membros da Directoria podem ser reeleitos,
bem como os das commissões, e a elei(^ só recahirá em sooios
effectivos, honorários ou beneméritos residentes na sede do
Instituto, podendo os membros da Directoria, excepto o presi-
dente, fazer parte também de qualquer das commissões,
Art. 26. A eleição ser& feita por escrutínio secreto» obede-
cendo-se á seguinte disposição :
§ 1.0 Cada sócio presente lançará, na uma duas cédulas»
uma contendo o nome do presidente, dos vico-presidentes, do
1« secretario, do 2p secretario, do orador e do thesoureiro, e
outra contendo os nomes dos membros das diversas commissões,
§ 2.0 A apuração será feita separadamente ; e só depois de
proclamados os membros da Directoria se procederá á apuração
das commissões.
§ 3.<> Só para o logar de presidente se requer maioria abso-
luta ; no caso de empate correrá segundo escrutínio ; e si ainda
assim este não for decisivo, a sorte desempatará a elei;^.
§ 4.0 As vagas que occorrerem na Directoria ou nas com-
missões permanentes, serão preenchidas com a nomeação que o
presidente fará em sessão do Instituto.
PRESIDENTE
Art. 27. O presidente tomará posse e dirigirá, dentro das
normas destes estatutos, os trabalhos do Instituto pelo espaço
de um anno.
344 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Art. 88. Ao presidente incumbe :
§1.0 Presidir as reuniões da Directoria, as sessões ordi-
nárias, extraordinárias e anniversarias, as assembléas geraes
eas de eleição.
§ 2.* Representar o Instituto, por si ou por seu mandatário,
em todos os negócios judiciaes ou extrajudiciaes.
§ 3.<> ProTidenoiar sobre os negócios do Instituto nos
termos destes estatutos.
§ 4.(» Nomear quem sirva interinamente nas commissões ou
na Directoria, por falta dos respectivos membros.
§ 5.<^ Nomear os relatores das commissoes.
§ ô.o Nomear o pessoal do Instituto, mediante proposta do
\^ secretario.
§ 7.0 Autorizar o pagamento do pessoal.
§ 8.0 Autorizar o pagamento de todas as cjntas.
§ 9.0 O presidente poderá oppôr veto ás deliberações to-
madas nas sessões, sendo a assembléa geral a uoica competente
para confirmar ou reprovar os vetos.
Art. 29. Em falta do presidente dirigirá os trabalhos o
lo vice-presidente, o qual será substituído pelo 2o ou pelo 3o.
Na falta de todos os vice-presidentes será chamado á direcção
o sócio mais antigo dentre os presentes.
Paragrapho único. Havendo mais de um sócio com igual
antiguidade, presidirá o mais velho em idade.
10 SECRETARIO
Art. 30. 0 1o secretario terá a sou cargo toda a correspon-
dência, a expedição de diplomas, o archivo, a bibliotheca e o
museu do Instituto. Ck)mp9te-lhe :
§ 1.0 Propor ao presidente a nomeação ou exoneração do
bibliothecario, do escrlpturario, do auxiliar e do parteiro.
§ 2.0 Suspender até 30 dias, qualquer desses empregados,
dando sciencia disso ao presidente, e nomeando interinamente
quem os substitua.
§ 3.0 Inventariar os manuscriptos, livros e quaesquer outros
objectos pertencentes ao arohivo, a bibliotheca e museu.
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 345
§ 4.0 Mandar imprimir os rôspectivos catálogos e supple-
mentos.
§ ò."* Mandar reformalos de cinco em cinco annos para
serem impressos.
§ 6.** Determinar a compra dos objectos necessários, ao ex-
pediente, attendendo á respectiva verba do orçamento, e pro"
videnciar sobre todo3 os serviços da secretaria, bibliotheca,
museu e archivo.
§ 7.<> Processar a folha de vencimentos dos empregados e
rubricar os documentos de despeza.
§ 8.0 Providenciar, na falta do presidente, a respeito de
todos os negócios urgentes do Instituto, participando na pri-
meira sessão as providencias que houver tomado.
§ 9.0 Mandar escripturar em livro próprio e sob sua imme-
diata fiscalisação e responsabilidade, a matricula de todos os
sócios do Instituto, com especificação da data da sua eleição,
posse, transferencia de classe e tudo mais quanto possa ter re-
lação com a qualidade de sócio do Instituto.
2o SECRETARIO
Art. 31. O 2o secretario será o immediato auxiliar do lo
Secretario e seu substituto.
Gabe-lhe especialmente :
Paragrapho único. Redigir as actas das sessões e das
assembléas geraes, o expedir os avisos de convocação das
sessões e das assembléas.
TTIBSOUREIRO
Art. 32. Compete ao thesoureiro :
§ l.o Arrecadar e pôr em guarda os fundos do Instituto.
§ 2.0 Depositar era um banco, por proposta sua designado
em sessão, os fundos disponíveis do Instituto.
§ 3.0 Pagar as despezas competentemente autorisadas, de
accôrdo com as disposições destes estatutos, não devendo fazer
pagamento, quando esteja excedida a respectiva verba do orça-
mento, sem que sujeite o excesso da despeza á deliberação do
Instituto em suas sessões ordinárias.
346 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
% 4.^ Efloolher um cobrador ou agente da theaonraria^ qae
seja da soa confiança, o qual perceberá pela cobrança uma eom-
missão marcada pela Directoria, sob sua indicaçSo.
Art. 33. O thesoureiro dará contas annnaea da adminis-
tração dos íúndos a seu cargo*
§1.'' Estas contas abrangerão a reoeita e despeza de 1 de
janeiro a 31 de dezembro, e serão apresentadas até o dia 15 de
fevereiro de cada anno.
§ 2.'' Depois de examinadas pela commissão de ítmdos e
orçamento, serão por esta apresentados á Directoria com, o seu
parecer, o qual serã submettido a disons^Lo e votação em sessão
ordinária.
ORADOR
Art. 34. Ao orador compete:
§ l."" Pronunciar o discurso de recepção dos novos sócios.
§ 2.^ Fazer o elogio histórico dos sócios fallecidos durante
o anno social*
DAS OOMMISSÕES
Commissão de fundos e orçamentos
Art. 35. Pertence á commissão de ftmdos :
§ 1 ."^ Examinar as contas que Ibe forem submettidas.
§ 2.« Rever annualmente as contas apresentadas no de-
curso do anno social.
§3.^ Dar parecer sobre a proposta do orçamento annual
de receita e despeza para o anno seguinte, que lhe serã apre-
sentado pelo 1» secretario ató 30 de setembro.
§ 4.® Dar parecer sobre assumpto de sua competência
quando for consultada pela Directoria.
Commissão de estatutos e redacção da € Revista do Instituto »
Art. 36. Pertence á commissão de estatutos e redacção :
g 1."* Dar parecer sobre duvidas que occorrerem na intel-
ligenoia destes estatutos.
g 2.<» Propor as emendas, reformas ou additamentoe, que
a estes forem necessários, os quaes serão submettidos á assem-
bléa geral.
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 34?
§ d."" Escolher os esoriptos qae deyam ser publicados, tanto
na Remsta do JnsHtuto como em avulso, sendo-lbe para esse flm
entregues as copias das actas, as correspondências que a Dire*
ctoria ordenar que se publiquem, as observações e avisos que
devam nella figurar, e fiaalmente as memorias, documentos e
artigos remettidos pela respectiva commissão, com o compe*
tente parecer sobre a conveniência da sua publicaç&o.
§ 4.'' Dirigir não aô a redacção como a impressão da lU-
vista do Instituto.
Commissão de manuscriptos
Art. 37. A* commistòo de manuscriptos compete:
§ 1."* Examinar os manuscriptos existentes no archivo,
emittindo joizo sobre a importância delles.
§ 2.^ Propor que se copiemos estragados, e se inntilisem
os que não mereçam ser conservados.
g S.*) Obter manuscriptos e documentos em original ou por
copia, e envial-os á Directoria.
§ 4.« Dar noticia de quaesquer outros manuscriptos ou do-
cumentos, que importe ao Instituto adquirir.
Cammissão de historia^ geographia e ethnographia e arcJ^eologia
Art. 38. Pertence ás commissões de historia, geographia,
ethnographia e archeologia.
§1.'' Receberas memorias, documentos e publicações, que
lhe forem remettidos pela Directoria.
§2.'' Dar parecer sobre os que devam sahir na Revista
do Instituto, bem como sobre os que convenha publicar em se-
parado, ou archivar.
Commissão de admissão de sócios
Art. 39 Cabe á commissão de admissão de sócios :
§ 1.^ Syndicar da individualidatie, do candidato, das suas
condições de idoneidade e de conveniência de sua admissão.
§ S.^" Os pareceres desta commissão podem ser reservados,
tendo o presidente a faculdade de submettel-os ã consideração
da Directoria antes de sujeital-os ã deliberação em sessão ordi-
nária.
348 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Art. 40. Além das commissões indispensáveis ao movimento
do Instituto, poderá o presidente, em sessão, nomear oatras para
fins especiaes, ou encarregar de algum trabalho individualmente
aos sócios quando assim julgar conveniente.
DBVERES GERMES DOS SÓCIOS
Art. 41. Ao qualquer dos membros de commissao que no
espaço de seis mezes não apresentar o trabalho que lho competir
e não allegar escusa satisfactoria, dará o presidente um substi-
tuto.
§ 1.° Nenhum sócio se negará, sem motivo justificado, aos
trabalhos de que for incumbido.
§ 2.0 O sócio contribuinte que por espaço de três annos dei-
xar de pagar as suas contribuigoes, havendo para isso recebido
aviso do thesoureiro ( o qual será expedido por meio de carta
registrada com recibo de volta ) será considerado como tendo
renunciado a sua qualidade de sócio.
§ 3.0 Para que possam os sócios fazer parte da Directoria
ou das commissões e ser transferidos de uma classe para outra,
deverão ter em tempo satisfeito o que for devido aos cofres do
Instituto. Somente os sócios nessas condições terão direito á
Revista^ de conformidade com o art. 54.
RELATORES DE COMMISSÕBS
Art. 42. Os relatores das diversas commissões, que tenham
de ser consultadas sobre trabalhos apresentados, serão nomeados
pelo presidente dentre os respectivos membros, de modo que
essé serviço se distribua com igualdade para todos.
BIBLIOTHBCARIO
Art. 43. Ao bibliothecario, como encarregado da conserva-
ção, asseio e guarda da bibliotheca archivo e museu compete :
§ l."* Conservar-se na bibliotheca emquanto estiver aberta.
§ 2." Organizar os catálogos segundo o systema que estiver
em uso nos estabelecimentos mais adiantados, e de accôrdo com
o 1« secretario.
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 349
§ 3.^ Ck>mmnnicar ao 1« secretario as oconrrenoias que se
derem no serviço a seu cargo»
§ 4,*> Propor a compra de livros e objectos que possam ser
de interesse para o Instituto, procurando sempre completar as
obras ou collecQões existentes ; conservar a possível uniformi-
dade na encadernação dos tomos da mesma obra e evitar as du-
plicatas desnecessárias, das quaes apresentará relações especi-
ficadas, afim de terem o conveniente destino.
§ 5.^ Empregar o maior cuidado no arrolamento, selecção,
arranjo e conservação dos manuscriptos, mappas e cartas geo-
graphicas e topographicas e outros objectos que existem ou
íbrem adquiridos pelo Instituto.
§ Ô.<> Apresentar annualmente, até 15 de outubro, ao !<>
secretario um relatório dos trabalhos realizados e do estado
das obras e objectos existentes, indicando as providencias que
ulgar convenientes.
§ 7.** Organizar annualmente catálogos, supplementares que
de cinco em cinco annos se fundirão nos catálogos geraes.
ESCRIPTURARIO, AUXILIAR E PORTEIRO
Art. 44. o escripturario tem por obrigação comparecer
diariamente á secretaria do Instituto, assignando o respectivo
ponto e cumprindo as ordens que receber do 1« secretario.
Art. 45. O auxiliar tem as mesmas obrigações do escriptu-
rario, sendo especialmente incumbido de coadjuvar o bibliothe-
cario.
Art. 4ô. Ao porteiro incumbe :
g 1.° Guardaras chaves do edificio para abril-o e fochal-o
diariamente nas horas marcadas por deliberação da Directoria.
§ 2."* Cuidar do asseio da casa.
§ 3.0 Cumprir as ordens do 1* secretario sobre o expediente.
ycncimentos
Art. 47. O bibliothecario perceberá o vencimento mensal
de 300$, o escripturario o de 200$, o auxiliar o de 150$, o por-
teiro o de 120$, também mensaes.
§ 1. o Desses vencimentos serão considerados dous terços
como ordenado e um terço como gratificação pro labore.
350 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
g 2.^ O lo secretario poderá relevaras (altas de compare-
cimento desses fanccionarios e consentir na entrada depois de
encerrado o ponto.
CAPITULO VI
REUNIÕES DO INSTITUTO E ORDEM DOS SEUS TRABALHOS
Art. 48. As sessões do Instituto Histórico serão : \^, ordi-
nárias on extraordinárias ; S®, de assemblôa geral ; 3f>, anni-
versarias de installaç&o ; 4% de eleioão.
Paragrapho único. A*8 sessões ordinárias e extraordinárias
poderSo assistir qoaesquer pessoas, desde que se apresentem
decentemente trajada? ; quando, porém, por qualquer motivo, a
sessão deva ser reservada, o \^, secretario prohibirá o ingresso
ás pessoas estranhas.
Art. 49. O Instituto reunir-se-ha para celebrar a sua ins-
talla<^ no dia 21 de outubro e desde esse dia ató fim de Janeiro
ficarão suspensas as sessões, com excepção da assombléa geral
para elei^.
§ l.« De20de dezembro a 7 de janeiro o edificio do Insti-
tuto se conservará fecliado, gosando os empregados de férias
nesse período.
§ 2.0 Em todas as reuniões do Instituto o presidente oc-
oupará o centro da mesa, tendo á direita o r secretario e o
orador, e á esquerda o 2p secretario e o thesoureiro.
SBSSAO ANNIVERSARIA
Art. 50. Na sessão de 21 de outubro o presidente pronun-
ciará o discurso de abertura.
g l.® Findo este discurso, o P secretario lerá o relatório,
em que dará conta dos trabalhos do Instituto durante o anno
e fará menção honrosa dos autores de quaesqner obras his-
tóricas, geographicas ou ethnographicas, que, no decurso do
mesmo anno, houverem sido offerecidas ao Instituto.
§ 2.^ Em seguida o orador recitará o elogio dos sócios falle-
cidos durante o anno.
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 351
SB80O19 ORDINÁRIAS
Art. 51 . As sessões ordinárias terão logar de 15 em 15 dias
e havendo impedimento, o presidente designará o dia da reunião
qne poderái ser annnnoiado pela imprensa.
§ l.o Nestas sessões serão tratados todos os negócios litte-
rarios e económicos do Instituto.
§ 2.'' Aberta a sessão, lida e sabmettida á approya<^ a
acta da antecedente, será lido o expediente e resolver-se^ha
sobre qualquer matéria sujeita ao conhecimento do Instituto,
excepto os da competência exclusiva da assembléa geral.
§ 3.® Para a leitura de trabalhos, o sócio inscrever-se-ha
ao começar a sessão, e o presidente dar-lhe-ha a palavra em
occasião opportnrna.
§ 4.'> A leitura de taes trabalhos não excederá de uma hora
para cada leitor.
§ 5.<> Havendo necessidade, o presidente convocará sessão
extraordinária, para a qual se expedirá convite ou aviso assl-
gnado pelo 2» secretario.
Art. 52. Para haver ses^Lo ordinária ou extraordinária
ô necessário, que se achem presentes o presidente, ou algum
dos seus substitutos, o l^ secretario, o 29 secretario* e alguns
sócios, perfiizendo ao menos um total de 10 pessoas.
assemblAa oeral
Art. 53. O presidente poderá convocar a assembléa geral,
sempre que julgar conveniente á boa direoç^ do Instituto.
§1.'' Todos os sócios deverão assistir ás assembléa geraes,
nas quaes terfto direito de propor, discutir e votar.
§ 2.^ Para haver sessão de assembléa geral, ô necessária a
presença de 21 sócios pelo menos.
§ 3.° Não comparecendo esse numero, será marcada nova
reunião, na qual se deliberará com o numero que oompa.
recer, nunca, porém, inferior a doze.
§ 4."" Será convocada a assembléa geral sempre que 12
sócios a solicitarem por escripto ao presidente.
352 REVISTA DO INSTITUTO HISTORICX)
REVISTA DO INSTTPUTO
Art. 54. Os sooios que satisfizerem a jóia e as contri-
baiç5es terão direito a um exemplar da Revista do InstUuio
desde o dia da sua admissão em diante, pagando o porte
do Correio.
§1.'' Aquelle que dever as prestações de três aimos» per-
derá o direito de receber a Revista,
§ 2.° O Io secretario fica incumbido da sua distribuição
aos sócios e a outras pessoas, residentes no Brazil e fora delle.
LIVROS E MANUSCRIPTOS
Art. 55. Os sócios bem como quaesquer pessoas que assi-
gnarem os boletins de consulta, obrigatórios para todos, terão
a faculdade de ler na bibliothoca do Instituto as obras, quer
impressas quer manuscriptas ahi existentes, o fazer os ex-
tractos de que precisarem.
Art. 50. Não ô permittida a sabida de livros, mappas, ma-
nuscriptos, e objectos do museu, poJendo unicamente a com-
missão de redacção retirar por algum tempo os manuscriptos
ou impressos necessários para publicação na Revista do Tnsti^
tutOy ou em avulso, ficando em mão do bibiiothecario uma nota
dos mesmos manuscriptos ou impressos, datada e assignada
por qualquer dos membros da commiasão.
CAPITULO VU
FUNDOS DO INSTITUTO E SUA APPLICAÇÃO
Art. 57. Os fandos desta Associação procedem :
§ 1.^ Das jóias de admissão de seus sócios, tanto effeotivos
como correspondentes, do omolamento dos diplomas e da con-
tribuição que cada sócio deve pagar.
§ 2," Do producto das remissões.
§ S,"" Dos donativos que se fizerem ao Instituto.
g 4.« Da receita liquida da Revista e das obras avulsas
que publicai*.
ACTAS DAS SBSSÕES DB 1906 353
§ 5.^ Do subsidio coneedido peio Gongi^esso Federal.
Art. 58. Oi fuodoa do Instituto serão applicados :
§ l."" Ao seu expediente, reparaç^ e coQservaçfto do que
lhe pertencer.
§ 2.* Aos vencimentos dos empregados.
§ 3,^ A* impress&o e distribuição da Revista do Instituto e do
obras ayolsas.
§ 4.* A* publicação de memorias e escriptos, precedendo
pareceres favoráveis das respectivas commissões.
§ 5.<> A* compra de livros, manuscriptos, mappas e objectos
históricos que devam ser depositados na bibliotheca, masea e
archivo.
§ 6.<» Ao pagamento de prémios aos que mais se distinguirem
no desempenho dos programmas distribuidos pelo lastituto ou na
execução de trabalhos que, pelo seu traosoendeote merecimento,
reconhecido pola respectiva commissSo, forem considerados
dignos de semelhante distincção e bem assim aos prémios con-
stantes do art. 66.
Art. 59. Quando, feitas as despezas annnaes do Instituto
apparecerem sobras, empregar-so-ão estas na formação do
património social, como for combinado entre o presidente e o
thesoureiro.
§ l.o Este património não poderá ser despendido no todo oa
em parte sem autorização da assembléa geral, conferida por
dois terços dos votos presentes.
§ 2.'> Os rendimentos, porém, serão applicados ás despezas
fixadas no orçamento, e autorizadas pela Directoria.
ARCA DE SIOILLO
Art. 60. O Instituto terá uma arca de sigillo, onde guar-
dará todos os manutcriptos secretos, que devam ser publicados
em época determinada.
§ l.<» A arca de sigillo será de ferro e á prova de fdgo.
§ 2."" A chave da arca ficará em poder do 1» secretario,
que communicará ao presidente o segredo para a sua abertura.
§ 5."* Os manaseriptoe abi depositados serão previamente
numerados e inventariados, segundo os titules que trouxerem,
43123 — 23 Tomo lxix f . it
354 RBViSTA DO INSTITUTO HISTORIGO
com indicaoSo do formato, qoalidade do papel que ofl envolver
e outros quaesqaer sig^naes, que os poesam bem caracterizar.
§ 6.» Além do sello e precaacões do autor, o Instituto 00
(érá seliar de novo.
§ 7.0 Na arca do sigiilo haverá uma cópia do termo, que se
lavrar em sessão em iivro próprio para isso, a qual será assi-
gnada por três sócios, além do l"* e 2° secretários.
§ 8.<> Toda a memoria ou documento enviado ao Instituto
para deposito temporário na arca do sigiilo deve ser lacrado
pelo. próprio autor, c virá acompanhado de uma carta ao
1° secretario com a«signatura do autor ou de pessoa conhe-
cida, com declaração do tempo em que deverá fazer-se a
aberto e lido o meemo documento.
§ d."" Chegado o tempo da abertura das cartas ou documen-
tos, o presidente do lostituto convocará sessão para a abertura
da arca de sigiilo, e depois de extrahido e verificado o manu-
scripto, segundo a carta que o acompanhou, será aberto e lido,
si não for muito longo, caso em que proseguirá a leitura nas
sessões seguintes.
§ 10. Terminada a leitura da memoria ou documento, o In-
stituto, antes de dar- lhe o conveniente destino, submettel-o-ha
à apreciação da oommissão respectiva, conforme o caracter do
documento.
CAPITULO VIU
DISPOSIÇÕES GEIULlslS
Art. dl. Sempre que o Instituto renovar annnalmente o
pessoal de sua direcção oommunicalo-ha ao Qoverno Federal por
offlcio escripto e assignado pelo presidente ou pelo l^ secretario.
iUECfiPÇÀO DE NOVO0 SOCloe
Art. 62, Quando algum novo sooio vier tomar assento, preve-
nirá ao 1° secretario com 8 dias de antecedência. No dia da posse
o presidente fará breve allocucão de apresentação do reoipien-
dario, o qual lerá o seu discurso de admissão, a. que responderá
o orador.
ACTAS DAS SKSSÕfiS DB 1906 856
A allooução do presidente o os discursos do recipiendario e
do orador sorão insertos na aota.
Paragrapiío único. O sócio eleito não tomará posse, nem
será como tal matriculado no livro competente* sem que ezhiba
o seu diploma e sem que haja satisfeito as contribuições devidas.
FàLLECIMENTO DB SÓCIOS
Art. 63. Nos enterros de membros do Instittito far-se-ha
este representar, sempre qne Ibe chegar a tempo a participação.
Art. 64. Na primeira se^isão que se eSeotuar depois de
conheoido o faliecimento de qualquer socíj, lançar-^eha na acta
um voto de pesar, podendo qualquer membro presente i sessão
referir-se ao finado em succintas palavras de condolência e da
louvor.
COMMSMORAÇÃO E PRBMIOS
Art. 65. No dia 5 de dezembro, anniversario do faliecimento
do seu inesquecível protector o Sr. D. Pedro II, o instituto
estará fechado.
Art. 66. Ficam creados dous prémios aunuaes sob as deno-
minações: premio Pedro II o premio conselheiro Olegário. O pri-
meii*o, em signal de imperecivol gratidão e reconhecimento á
memoria do seu grande protector, será para recompensar a
melhor monographia das que concorrerem ao mesmo especi-
ficadamente, e constará de uma medalha de ouro. O seguado,
em atten^ aos assíduos e notáveis serviços prestados ao Insti-
tuto pelo presidente conselheiro Olegário Herculano d' Aquino e
Castro, será concedido á melhor memoria lida no anno anterior,
em sessão do Instituto, e constvá de uma medalha de prata.
• Paragjrapho unico. A commiss&o de ^^tatirtos e redacção
rcgolamentaj^ 9 procedo para a eonowaão destes premieo.
DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS
Art. 67. Emquanto existir numero de sócios effectl vos, cor-
respondentes ou honorários, excedente ao que fica acima fixado
para cada classe, não haverá novas admissõed.
356 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Art. 68. Os sócios actuaes que passarem do referido numero
gozarão de todas is regalias como atô aqui e est&o si^eitos aos
mesmos encargos.
Art. 69* Aos sócios já incursos na comminaçio do § 2« do
art. 43 dos estatutos de 1 de agosto de 1890 será marcado o
prazo de 60 dias para solverem os seus débitos.
§ l.<> Esse prazo será. contado da datado offlcio» circular
que o thesoureiro dirigirÀ aos referidos sócios.
§ 2.0 A falta de resposta a esse officio-circular ou a recusa
na satisfação dos débitos importara na applicagão immediata da
pena èm que Já incorreram, nos termos dos antigos estatutos.
Art. 70. A Directoria organizará, dentro de 90 dias, a nova
lista geral dos sócios, de inteiro acoôrdo com as disposições que
ora ficam consignadas.
Art, 71. Approrados estes estatutos pela assembléa geral,
e approvada a sua redacção, também pela assembléa geral,
entrarão elies em vigor sendo as commissões completadas com
os membros das que forem eztinctas« a jaizo do presidente, a
quem se outorgam para esse fim os mais amplos poderes.
Paragrapho único . Dentro de 30 dias da approvação deverão
estar impressos os presentes estatutos que serão competente-
mente registrados e distribuídos.
Art. 72. Para reforma dos estatutos será necessário que os
membros da oommissão de estatutos e redacção, ou 12 sooios»
a reclamem por escripto, e que a assembléa geral a conceda,
ouvindo previamente a mesma Oommissão no caso de não ter
sido promovida por esta a reforma de que se tratar.
A Oommissão de Estatutos e Redacção, de conformidade com
o resolvido na assembléa geral convocada a 9 do corrente, apre-
senta a redacção, que elaborou, dos novos estatutos.
Rio, 14 de abril de 1906.— Dr. Alfredo Nasoimenio, Relator.
'^Conde de Affonso Celso, — Capiitrano de Abreu.
O Sr. Dr. Manoel Barata, apreciando devidamente o trabalho
da commissão, julga, entretanto, necessário apresentar alguma^
entisndas á reidacção, o que fáa justiâcando-a amplamente.
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 357
Sfto estas as suas emendas :
« Ao art. 1 .« Redija-se do segaiate modo: <0 Institato His-
tórico e Qeograpbico Brazileiro, f andado em 21 de outubro
de 1838, tem por fim, investigar, colligir, estudar, divulgar e
arohivar os documentos concernentes á historia, geographla,
ethnographia e archeologia do Bra&l.>
Art. 2.<» Para oonsecu^o do fim a que se propõe, o Instl-
tuto manterá uma bibliotheca, mnsou e arcMvo, e procurará
estabelecer correspondência com as sociedades nacionaes e es-
trangeiras de igual natureza.
Art. 7.*" § 1.0 RediJa-se assim : cApresentar trabalho pró-
prio e valioso sobre a historia, geographia, ethnographia ou
archeologia do Brazil ou deqaalquer outro paiz.»
§ 2.0 Supprima-se por superflao.
§ 3.*» Diga-se: «§2.^»
Art. 16' Rediija-se assim : «Os sócios do Instituto têm como
distinctivoB um coUar e medalha de ouro e uma roseta de côr
azai celeste.»
Art. 23 § 6.0 Redija-se assim : «Commissão ethnographica
e archeologica.>
Art. 60 § 8.0 Redija-se assim : € Qualquer memoria ou
documento enviado ao Instituto para deposito temporário na
arca do sigillo, deve vir lacrado e acompanhado de uma carta
do lo Secretario, assignada pelo autor ou por pessoa conhecida,
com declara^ do tempo em que deverá ser aberto e lido o
mesmo documento.
g 9.0 Chegado esse tempo, o Presidente do Instituto convo-
cará sessão. . . O mais oomo está».
O Sr. conselheiro Cândido de Oliveira apresenta á emenda
do Dr. Manoel Barata, quanto à redacção do art. lo, a seguinte
sub-emenda : depois das palavras ethnographia e archeologia,
diga-se — principalmente do Brazil.
O Sr. Alcibíades Furtado justifica a seguinte emenda quanto
á redacção do art. 1°. Redija-se assim o art. r: «O Instituto
Histórico Qeographico Brazileiro, ftmdado em 21 de outubro
de 1838, tem por fim proceder a estudos e investigações no to-
cante á historia, geographia e ethnographia do Brazil e colligir ,
358 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
classifl( ar e dar à publicidade documentoe concernentes a iaes
assnm tos.»
O ^r. Dr. Alfredo Nascimento deelara que, como relator
da OoTnmis^U) de Bstatatos e RedaoçSLo, nada tem a oppdr as
emendas offerecidas.
O Sr. Presidente põe a Totos as emendas apresentadas pelo
Dr. Manoel Barata.
SSo todas approvadas.
O Sr. Presidente pde a votos a snb-emenda do Sr. cons^
Iheiro Cândido de Oliveira, a qaal éapprovada, ficando, portanto,
pretndlcada a emenda oíTereeida pelo Sr. Furtado.
O Sr. Dr. Atft^o Nascimento declara que ainda tem dnvl-
das quanto á redac^Slo que se deve dar ao § 6* do art. 58 e ao
art. 66, pois qae em ambos lia referencias a prémios do Instituto.
Fica resolvido que ao § 6<» do art. 58 se acoresoente as
segointes palavras : € e bem assim aos prémios oonstantei do
art. 66.»
B que o art. 6Ô comece pelas seguintes palavras : «Além
dos prémios constantes do § 6* do art. 58, etc.»
O Sr. Presidente põe a votos a redacção dos Bstafutos com
as emendas Já approvadas, e a assembtéa por unanimidade, con-
cede a approvacSo.
O Sr. Arthur GuimarSes, thesoureiro, consulta desde quando
o augmento dos vencimentos dos Amccionarios do Instituto deve
ser contado.
A assemblôa resolve que o augmento vigorará da data da
publicação destes estatutos no Diário Offteiàf.
O Sr. Presidente susp2nde a sessão por trinta tninutos
para so lavrar a acta da presente Assembleia.
Reabre-se a sessão ás S 1/8 para leitura da acta que (^
approvada om seguida.
Nada mais havendo a tratar o Sr. Presidenta declara eneet-
rada a assembléa geral levantando-se a sessão ás 4 horas da
tarde.
Alcihiadêê fUriado,
2» Secretario.
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 359
4» SKSSÃO ORDI VARIA EM 16 DE ABRIL DE 1906
Presidência do Sr. Marqiiez de Paranaguá, (i° vice-presidente)
Ali 3 l/â horat da tarde, presentes os Srs. Marquez de
Paranaguá, Max Fleiuss. Alcibíades Fartado, Arthur Gaimarães,
Dr. Manoel Barata, conselheiro Cândido de Oliveira, conse-
lheiro Sousa Ferreira, Dr. Alfk*edo Nascimento, Carlos Lix
Klett, conselheiro Salvador Pires, Eduardo Marques Peixoto
e Dr. António da Cunha Barbosa, abrese a ses^o.
O Sr. Furtado, %" Secretario, lê a acta da 3" sessão ordi-
nária, realizada a 26 de março ultimo, a qual ô sem debate
approvada.
O Sr. Fleiuss, !• Secretario, comraunica que o Sr. conse-
lheiro Aquino e Castro, Presidente do Instituto, por justo mo-
tivo deixa de comparecer.
O mesmo Sr. Secretario lô o seguinte expediente:
Oí&cio do Sr. Cônsul Geral da Republica Argentina, datado
de S8 de março ultimo, enviando o « Boletim de la división de
immigración de la Republica Argentina», correspondente ao
anno do 1905. Agradeoe-se.
Offlcio do Sr. conselheiro Cândido de Oliveira, nos seguinte
termos:
«Illm. eExm. Sr. — Confirmando a declaração feita em
nossa primeira sessão ordinária do corrente anno, offereço para
o Gabinete de Estampas do Instituto, a que tenho a honra de
pertencer :
76 retratos de S. M. o Imperador D. Pedro II.
6deS. M. a Imperatriz Sra. D. Thereza Maria Chrístina.
3 do primeiro Imperador Sr. D. Pedro I.
4 de S. A. Imperial a Sereníssima Condessa d'Eu.
4 da finada Princeza D. Leopoldina.
7 do Sr. Conde d*Eu.
2 da finada Rainha Sra. D. Maria II, irmã do Sr.
D. Pedro V.
2 do finado Príncipe Imperial D. Affonso.
1 da Rainha D. Kstepbania, mulher do Sr. D. Pedro V.
360 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
I do Conde de Aquilla .
1 de D. Adelaide, casada que foi com D. Migael.
2 da familia Imperial do Brazii.
€0s retratos do Sr. D. Pedro 11 correspondem a diversas
épocas da sua yida, algans delles diffleil mente poderio ser
encontrados.
€ Colleocionados por am distincto bibliophilo, o finado eom-
mendador José da Cunha Porto, não posso dar melhor destino
a esses documentos, que recordam a hUtoria do magnânimo
protector da nossa associaç&o, do que ftLzendo*os guardar em o
archlTo. Sou oom estima de V. Ez. iilm. Sr. conselheiro Ole-
gário Herculano de Aquino e Castro, dignisdimo presidente do
Instituto Histórico e GeographLoo Brazileiíx), conflrade e amigo.
— CanUido Luiz Maria de Oliveira^ Rio de Janeiro, %7 de março
de 1006.»— Inteirado. Agradece-se.
O Sr. Furtado, 2f* Secretario, lé as offertas.
O mesmo Sr. Secretario lé as seguintes propostas:
< Propomos para sócio correspondente do Instituto Histórico
e GoQgraphioo Brasileiro o Sr. Dr. Arthnr Orlando, natural
de Pernambuco, bacharel em direito, oom 46 anãos de idade,
lente da Academia de Direito de Pernambuco, membro da Aca-
demia de Letras do Pernambuco, autor de varias obras, entre
as quaes sobresahem Ensaios de Critica, Novos Ensaios de Philo»
critica, sobre assumptos de critica, historia, philosophla e di-
reito, as quaes servem de base a esta proposta.
Rio, 16 do abril de 1905.— Barão de Alefhcar.— Muardo
Marques Peixoto,— Âleibiades Furtado, ^-^ A* Comroissão de His-
toria, relator o Sr. conselhjiro Cândido de Oliveira.
< Propomos para sócio correspondente do Instituto Histórico
e Geographico Braziieiro o Sr. conselheiro Dr. Bernardino Luiz
Machado Oulmarães, lente cathedratico da Universidade de
Coimbra, autor de obras notáveis, sobre historia e pedagogia. Já
offerecidas ao Instituto.
Rio, 16 de abril de 1900,-— Arthur Guimarães,^ Max
Fleiuss.^ Dr. Alfredo Nascimento. — Cândido de Oliveira. —
Manoel Barata, — Sylvio Romero,> — A' CommissSodo Historia»
relator o Sr. Dr. Leite Velho,
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 361
O Sr. 1« Secretario lê o seguinte parecer da Commissão de
admisa&odesocioe:
< A Commissão de admissão de sócios tendo examinado a
proposta apresentada em sess&o de 26 de março altimo, pela
maioria dos membros da mesa, de conformidade com o art. 11
dos B&tatutos e por dlyersos outros consócios, é de parecer que
seja aceito como sooio honorário, uma yez que rdune as con-
dições exigidas no art. 10 § 1<>, Monsenhor D. Júlio Tonti,
NuDcio Apostólico no Brasil.
Sala das Commissòes, 14 de abril de 1006.— Dr. Manoel Cí-
cero Peregrino da Silva, relator.— Henriqtie Raffard, — Barão
de Alencar. >
Fica para ser yotado na sessão seguinte.
O Sr. Fleiuss, 1^. Secretario, communica que dirigiu uma
circular a diversas companhias de seguros, solicitando infor-
mações sobre o premio que pagaria o Instituto sobre um seguro
de 150:000$000. Recebeu resposta das seguintes companhias:
BquUaUwi dos Estados Unidos do Brasil^ marcando a taxa
de 3/8 Vo ao anno ; Mercúrio, na mesma taxa ; London à Lan-
eashir$Fire Insurance O., na mesma taxa; Pr&9identê, re-
cusando o seguro por jái ter o da Directoria de Estatística, sem o
que a taxa seria de 3/4 «/o ; Confiança^ recusando pelos mesmos
motivos, sem o que tomaria apenas 50:000$ e á taxa de 1/2 V» 't
Vera Cruz, recusando pelos mesmos motivos.
O Sr. 1* Secretario demonstra a necessi^lade de se realizar
o seguro do Instituto. Isso, em caso de sinistro nio recompen-
saria o inestimável valor do nosso archivo, bibliotheca e
museu, mas seria pelo menos uma compensação.
A propósito fazoin observações os Srs. Dr. Manoel Barata,
oonselheiro Cândido de Oliveira e Arthur Ouimarâes.
O Instituto resolve fazer o seguro, incumbindo, por pro-
posta do Sr. 1» Secretario, o Sr. Arthur Ouimarães, thesou-
reiro, em vista de sua posição no commerolo desta Capital, de
tratar do assumpto, participando na primeira sessão o que
houver feito.
O Sr. Eduardo Marques Peixoto procede á leitura de um
documento antigo, sobre a apanha de cães no Rio de JaoeirOt
362 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
O Sr. Fleiofls, 1"* Secretario, disque o iUustrc consócio
Dr. Orvilld Derby prometteu enviar um trabalho sobre a Serra
do Espinhaço^ podendo, talvez, ser lido na próxima sessSo.
O Sr. Fleioss, 1° Secretario, oommunica ainda que a com-
missão nomeada pelo Instituto para dar as boas vindas á Sua
Bminencia o Sr. Cardeal D. Joaquim Arooverde, nosso prosado
consócio bonorariot dirigiurse a bordo do vapor Sardegna,
dando cumprimento ao grato dever, tendo sido carinhosamente
acolhida por Sua Eminência, que se referiu ao Instituto com
palavras de interesse e louvor.
Nada mais havendo a tratar, o Sr. Presidente levanta a
sessão, declarando que a 5^ sessão ordinária se realisarã no dia
30 do corrente ás 3 horas.
Levantasse a sessão ãs 4 l/ã da tarde.
Alcibicides Furtado
8° Secretario.
Rgl.AglO DAS OFFBRTAS APRESENTADAS NA SBSSio EXTRAORDINÁ-
RIA DE 15 DE ABRIL DE 1906
Voyages auz Provinoes Brésiliennes du Pará et des Ania-
zones en 1860, oflèrta do Dr. A. P. de Sousa Pitanga.
Révue de Piore du Brésil meridional, por M. M. Auguste
de Saint-Hilaire, offerta do mesmo 8r. (dous fascículos extra-
hidos dos annaes de Sciencias Naturaes 1842) .
Navegação Pranca dos Rios Paranapanema, Paraná, Ivi-
nheima e Brilhante, por Sduardo José de Moraes, oflterta do mes-
mo senhor.
Sur les fleurs males du Vallisnerla Splralis, L, par M. Ad.
Chatin, oflérta do mesmo senhor.
Estudos sobre o Amazonas. Limites do Estado, por Tor-
quato Tapigoz, offerta do mesmo senhor.
Província do Espirito Santo, sua descoberta, historia chro-
nologica, synopsis e estatística por Brasilio Carvalho Daemon,
offerta do mesmo senhor.
Ligação da província de S. Paulo ao Rio S. Francisco, Ca-
minho de Perro Preferível, por J. Ramos de Queiroz, offerta do
mesmo senhor.
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 363
Roteiro da yiagera da cidade do Pará, até aa ultimas coló-
nias do sertão da provinoia, cscript ) na Viila de Baroellos,
pelo padre dr. José Monteiro de Noronha, oíferta do mesmo se-
nhor.
ProTinola do Espirito Santo por Pessanha Póvoa, oftota do
mesmo senhor.
Voyage dans le Disirict des Diamants et sur le littoral du
Brésil, por M. Angoste de Sainte-Hilairo, offerta do mesmo se-
nhor.
Demonstração da cansa do Fluxo e do Refluxo do mar ou
O Meohanismo das Marés por José Joaquim de Gouyea, offerta
do mesmo senhor.
Vida do Duque de PalmoUa D. Pedro de Souza e Holstein,
por Maria Amália Vaz de Carvalho (volume III).
As Religiões no Rio, por Paulo Barreto (João do Rio).
Revista da Commissão Archeologica da índia Portugueza,
volume II, ns. 11 e 12 (O Oriente Portuguez).
Notas Dominicaes 1816, 1817, 1818. Traduzidas do manu-
soripto francez inédito por Alfredo de Carvalho.
Annuario de Minas Geraes de 1906.
Anouario Estatístico de S. Paulo, 1002.
Serviço de Estatística Commercial Importação e Exportação
de 1904.
Mitteilungen der Geographischen Gesellschaítin Múnchen
Erster Band 3 Heft.
Revista Marítima Brazileira n. 6.
Boletim da Agricultura pela Secretaria da Agricultura do Es-
tado de S. Paulo.
Annuario publicado pelo Observatório do Rio de Janeiro
para o anno de 1906, anno XXII.
The Instituto of Commercial Research in the Tropics Li-
verpool University.
Qaarterly Journal.
Annaes da Bibliotheca e Archivo Publico do Pará.
Revista Militar n. 1 e 2.
Revista Marítima Brazileira n. 7 e 8.
Revista Commercial e Financeira n, 538.
364 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Annales dei Museo Nacional de México Segunda Época,
tomo Illn. I.
Revista Mensal de la Gamara Mercantil de Avelaneda (Boe-
nofl Ayres) n. 67.
Pelas redacções os segnintes Jomaes : O Reformador^
O Sêeulo, O Jornal do Recife^ Diário do Rio Grande^. Portugal
Moderno, Correio do Pow,
5» SESSÃO ORDINÁRIA EM 30 DE ABRIL DE 1906
Presidência do Sr. Conselheiro O. H. de Aquino e Castro
A'3 3 horas da tarde, presentes os Srs. Conselheiro Aqaino e
Castro, Marquez de Paranaguá, Max Fleiuss, Rocha Pombo,
Eduardo Marques Peixoto, Arthur Guimarães, Conde de Affonso
Celso, Dr.Manoel Barata, Conselheiro Salvador Pires, Henrique
Raffard, Drs. Manoel Cicero, Josó Américo dos Santos o Antó-
nio da Cunha Barbosa, abre-se a sessSLo.
Não se achando presente o 2o Secretario, Dr. Alcibíades Fur-
tado, que por motiyo Justo deixa de comparecer, o Sr. Presi-
dente designa o Sr. Rocha Pombo para substitnil-o.
O Sr. Rocha Pombo, servindo de 2* Secretario, lè a acta da
sessão anterior, a qual é sem debate approvada.
O Sr. Presidente diz que tem a communlcar ao Instituto o
fkllecimento do sócio correspondente Manoel Barnabé Monteiro
Baena, entrado para o Instituto em 3 de novembro de 1905.
O doloroso acontecimento foi-lhe ha pouco participado pelo
prezado consócio Dr. Manoel Barata, que sobre o facto forneceu
as seguintes informações :
€ Snocumbio também ante-hontem, 3 de abril de 1906, nesta
capital, victimado por um accesso palustre, o coronel da Guarda
Nacional Manoel Barnabé Monteiro Baena, nosso estimável con-
cidadão e um dos mais hábeis, intelligentes e dedicados mem-
bros da burocracia paraense, de que uma Justa aposentadoria
o afastou ha alguns annos jã.
« O coronel Baena, que contava 63 annos de idade, era natu-
ral des^fC Estado, filho do tenente-coronel António Ladisláa
Monteiro Baena, autor do Compendio das Eras da Província do
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 365
Pará^ do Ensaio cTiorographieo sobre a provinda do Pará e de
outros trabalhos, e sócio correspondente do Institato Histórico e
Geegraphico BrazUeiro ; e de D. Maria do Carmo Siqueira Baeoa,
já fallecidos.
cNo passado regimen militara nas Aleiras do partido conser-
vador, em cujo seio gozava da estima dos seus correligionários.
< Proclamada a Republica, flliou-se ao partido republicano,
tendo sido um dos mais dedicados o idóneos servidores da admi-
nistração Sodr6, na qual desempenhara o cargo de secretario
do Governo.
€Era um espirito cultivado e methodico e deira, entre outras
obras, uma de utilidade gerai — o índice da legislação do
Estado,
« Os funeraes do Ulustre paraense, ctga morte enluta uma
das mais antigas e respeitáveis famílias, reaiixaram-se hontem À
tarde, sendo bastante concorrido.» {Folha do Norte^ de Belóm do
Pará, 5 de abril de 1906 . )
€ Manoel Barnabé Monteiro Baena deixou os seguintes tra-
balhos publicados :
€lnfàrmãções sobre as comarcas da Propincia do Pard.(Pará,
typ. de Costa Júnior, 1883, 1 vol.)
€ Índice alphàbeUco da legislação da Província da Pará, de
1854 até 1880. (Pará, 1880, 1 vol.)
< índice alphabetico da legislação da Provinda do Pará (de
1880 a 14 de novembro de 1889, (B^ém, 1865, 1 vol.)
€lndice alphabetico da legislação do Estado do Pará de (15 de
novembro de 1889 a 1893. (Belém, 1894, 1 vol.) Alóm destes,
deixou inéditos outros trabalhos.
€ Serviu por muitos annos, durante a monarchia, na Secre-
taria do Governo provincial, sendo aposentado depois da pro-
clamação da Republica no logar de director geral da mesma
secretaria.»
O Instituto fiBus inserir na acta um voto de profundo pezar
pelo Mlecimento do digno consócio.
O Sr. Pleiufis, 1* Secretario, dix que o ezpodiente consta
de um offiMo, datado de 25 do corrente, do Sr. general Josó de
Siqueira Menezes» eommandante gerai da Força Policial, olfero*
d66 RBVIStA DO INSTITUTO HISTOEIGO
oendo para o muflea do lastitato & Poria-janeUà, rolgarmente
conheoida, da Roda, ezivtente no ediflcio em que pof longos annos
estoTe installada a Cata das Eapotíos. O iDftituto agradece
essa offerta.
O Sr. Pnefidente diz qoe reoebea do oonsoelo Dr« All)erto
de Carralho o seguinte offlcio s
€ Bxm. Sr. Presidente do Instituto Histórico e Qeographico
Brazileiro^ Este Instituto, inspirado sempre nos elevados senti-
mentos que lhe diotam o seu amor á historia e as soas inolvidá-
veis tradições, dignou-se prestigiar com o seu valioso apoio a
suhscripção que|o Jornal do Commêrcio tio meritoriamente ia-
ioiou a (ávor do tumulo de Pedro Alvares Cabral, cuja ooQõerva-
ção deve ser amparada por um verdadeiro culto nacional.
< No intuito de chegar a um resultado pratieo, parece«-me
acertado que s^a remettido o produotd da suhsorlpçfto á Socie-
dade de Geographia de Lisboa, pedindo áqutf la elevada corpo*
ração scientiflca que se digno tomar a si o encargo de mandar
preparar «ooa cercadura de mármore ou de bronco, que sirva do
resguardo & pedra tumular que fecha a campa do descobridor do
Brazil, ezecutando-se, porém, a obra de modo a n&o ser mo-
dificado o aspecto primitivo da referida campa, tal qual existe
desde a sua fUndaçio, porque deve ser escrupulosamente con-
servada a sua feição histórica.
€ Espero que esta soluçAo, com a qual está de «Moordo a
i ilustrada redacção do J&rnal do Commêrcio, merecera a appra-
vaçãode V. Ez.— Bxm. Sr. Conselheiro Dr. Olegário Herculano
de Aquino e Castro, Dignissimo Presidente do Instituto Histórico
e Geographico Brasileiro. »
Rio, 25 de abril de 1906» — ^rio de Carpoího.^
O Instituto resolve que o Sr. Presidente providencie are-
speito, como Julgar mais acertado.
O Sr. Rocha Pombo, servindo de 2* Secretario, lê as ofiertas.
Nessa oocasi&o õ Sr. Presidente entrega o IX Tolnfiie da Oenea-
logia Paulistana, do Sr. Dr. Luiz €k>nzaga daSllva Leme, que
lhe foi remettido pelo autor.
O Sr. Presidente di2 que devendo ser pnMicados no Diário
Of/kiai, iram dos pfinieiroe dlai de mes prosúiMr os noves E^*
ACTAS DAS SESSÕES DB 1906 367
tatiitos, afiproTados pela Aasemblóa Geral de 9^16 do corrente,
flcam eztinctos as Conunisaoes sabsidiariaa do Historia e de Qbo-
graphia, bom como as de pesí^uizas de Manusoriptoe e a de Bio-
graphia, passando as oatras commiftsões a ter cinoo membros,
de aocordo com os novos Estatatos. De conformidade com a
autorizaçfto qne lhe foi outorgada pelo art. 71 desses estatutos,
delibera que as sete commisãOes permanentes fiquem consti-
tuidas do seguinte modo:
Fundos e Orçamentos — Visconde de Ouro Preto, Dr. José
Américo doa Santos, major Belisario Pernambuco, Barão de
Paranápiacaba, conselheiro Salvador Pires do C. Albuquerque.
Estatutos ê Redacção -» Conde de Affonso Celso» Capistrano
de Abreu, Dr. Alfredo Nascimento, Dr* Manoel Cioero e Max
Fleiuss.
Historia — Visconde de Ouro Preto, conselheiro Cândido dè
Oliveira, Dr. Leite Velho, Dr. Syivio Romero o Joié P. da Ro-
cha Pombo.
Qoographia — Marquez de Paranaguá, Barão Homem do
Mello, Dr. José Américo dos Santos, Arthur GuimaríMs e Dr.
Rodrigo Octávio.
Manuscriptos ^ José F. da Rocha Pombo, Barão de Paraná-
pia4)aba, Dr. António da Canha Barbosa» Dr. Manoel Barata e
Eduardo Marques Peixoto .
Etknoffraphia o Archeologia -«- Dr, Syivio Romero, Dr. Bar-
bosa Rodrigues, Dr. Epitacio Pessoa, Dr. Souza Pitanga e Dr.
Alcibíades Furtado.
AdnUssOo de sócios — Henrique Raflkrd, BariU> de Alenoar,
Dr. Manoel Cioero, Conde de Affonso Celso e Dr. Maneei Bft*
rata.
O Sr. Fleiuss, !<» Secretario, deve communioar ao instituto
que ha dias convidou os Sos. Drs. J. J. Seabra e Leopoldo de
Bulhões, dignos Ministros do interior « da Faienda, para verem
o adiantamento das obras de radical tranaftmnaçfto por que eetá
passando o edifioio do instituto.
O Sr. Dr. Seabra recebeu-o com a delieadMa que lhe á pro*
verbial, e terminou diíeodo :
— « 09 se«borsi eitio íintWrtlne oem Jis tímm ? »
368 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
€ Respondea-lhe o orador que 8im» qae tado corria perfeiU-
mente, tanto por parte do distiocto engenheiro do Minist rio,
Dr. Franoisoo Aagusio Peixoto, que com folicitade acompa-
nhava os trabalhos, tanto por parte do architecto-constmctor
Sr. Miguel Bruno. — «Pois entfto, volveu o digno Ministro,
estou também satisfeito ; desejo que tndo se fò/ga de accordo
com 08 senhores.»
€ O Instituto reconhecerá que não se podia ser mais gentil.
« O Sr. Dr. Leopoldo de Bnlh(Ses, Ministro da Fazenda, do
cuja amisade o orador se orgulha, mareou o dia 24 do oorrente,
para a sua visita.
< De facto, nesse dia, ás 10 horas da manha, o Sr. Ministro
da Fasenda, em oompanhia do orador dirigiu-so ao ediíloio do
Instituto, examinando-o com o empenho que só o verdadeiro
interesBe sabe dlctar.
« Em sua demorada visita foi o Sr. Dr. Bulhões também
acompanhado pelo illustre bibliotheoario do Instituto, Dr. Vi-
eira Fazenda, e pelo digno engenheiro do Ministério do Interior,
Dr. Peixoto.
« Qrata foi a impressão causada no animo do honrado esta-
dista, que novas provas deude sua protecção ao Instituto.»
O Sr. Presidente diz que o Instituto recebe com o mais espe-
dal agrado estas noticias.
O Sr. Rocha Pombo, servindo do 2" Secretario, lê a seguinte
proposta :
€ Propomos para sócio eíTectivo do Instituto o Sr. Paulo
Barreto, natural desta cidade, de 88 annos, jornalista e literato,
autor de diversas obras, entre as quaes a intitulada Raigiões
no Rio^ já offerecida ao instituto.
Sala das sessOes, 90 de abril de 1906.— Rocha Pombo.
— Senripãe Raffàrd. — Conde de Áffónso Ceiio. — Arf&ur Oti«-
marOês. -* M. fUiuu.>^ A* Commissio de Historia, relator o
Sr. Dr. Sylvio Roméro.
O Sr. Fleiuss, !<> Secretario, lé o seguinte parecer da Oom-
missão Subsidiaria de Historia :
€ A Commissão Subsdiaria de Historia tendo examinado a
memoria maDUioripta, apresentada pelo Sr. Dr. José Pereira
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 369
Rego Pilho, sobre a Viagem do paquete Brasil, e á. qual acom-
panhou ama proposta subsoripta pelos Srs. Henrique RaflBiftrd,
Cunha Barbosa, Eduardo Marques Peixoto e Rocha Pombo, para
ser o mesmo Sr. Dr. Rego admittido como sócio correspondente
do Instituto, é de parecer que o trabalho offerecido reúne as
condições precisas, contendo paginas em que são desoriptos com
fidelidade e brilho alguns pontos do litoral, estudados também
quanto á sua parte histórica e geographica.
€ Assim, pensa a Gommissâo que o Sr. Dr. Josó Pereira Rego
Filho pôde ser eleito sócio correspondente do Instituto.
Rio, 28 de abril de 1906. — If. Fleiust. relator. — Conde
de Affonso Celso. — Rocha Pombo, "k
^ B' approvado e remettido À Gommissfto de Admissão de
Sócios, relator o Sr. Dr. Manoel Barata.
Gorrendo-se o escrutínio, para vota^ do parecer da Gom-
missâo de Admissão de Sócios, lido na ultima sessão e relativo
a Monsenhor D. Júlio Tonti, Núncio Apostólico de Sua Santi-
dade no Brazil, é o mesmo approvado por unanimidade de votos
e, aoto continuo o Sr. Presidente proclama D. Júlio Tonti sócio
honorário do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro.
O Sr. Fleiuss, H Secretario, communica que o Sr. Dr. Leo-
poldo de Bulhões, Ministro da Fazenda, mandou fornecer ao
Instituto 08 volumes que fkltavam da colleogão de Leis*
O Sr. Presidente diz que o Instituto muito agradece.
Nada mais havendo a tratar, levanta-se a sessão &s 4 horas
da tarde.
Rocha PombOy
servindo de 2^ Secretario.
OFFEHTAS APRBSRNTADÂS NA 5» SBSSiO ORDINÁRIA, EM 30 DE
ABRIL DE 190Ô
Pela Repartição de Estatística e do Archivo de S. Paulo —
Annuario Estatístico de S. Paulo ( Brazil ) 1903.
Pelo Dr. João Luiz Alves — Tarifadas AlfaiUdegas de 1905
e 1906.
4323 — 24 Tomo lxix. p. ii.
370 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Pelo Dr. MiniDg03 Jagra&ribe— Radiação dos Efílu^ios Hu-
manos. Estudo-^ Psyehologih Physiologica, 1« 6 S» fascicalos*
Pelo Dr. Alfredo de Garvalho — Phrases $ Paksoras.
Pelo Coronel Fernando Alvares da Costa ^ La PaUs eí
l'Union OniverseUe,
Pelo professor Dr. Hermann von Ihering — The AfUhropo-
logy ofihe State of S. Paulo^ Brasil.
Pelas redacções os Revistas seguintes : Revista Medioo-
Cirargica do Brazil n. 3 do anno de 1906.
Revista Commereial Pinanoeira n. 544 do anno 1906.
Periódico mensal — O Trabalho — pela Assooiaoão da Egreja
Evangélica Brazileira n. 3 do anno 1906.
Pelo Apostolado da Fé — o Boletim semanal Orujsada n. 31
do anno de 1906.
Pela Maçonaria Braiilelra — o Boletim do Grande Oriente do
BrasU n. 1 do anno de 1906.
Pelo International Barean of the American Republics —
Mònthly BuUetin.
Par la Chambre de Commeroe de UAmérique Latine à
Paris — Les Bulletins n. 8, em duplicata, do anno de 1906.
Pela Societél QeograAca Italiana — BoUetlno n. 4 do anno
de 1906.
Pela Geographisohen Goeellsohaft in Bremen — o Deutsche
OeograpIUsche Blâíter^ n. 1 do anão do 1906.
O n. 3 do Zeitschrift der Gesellschaft fur Erdkunde 2u
Berlim.
Pelas redacções, os jornaes seguintes : Jornal do Recife^
O SeeulOf Portugal Moderno, Mala da Europa 08 ns. 23, 26 e 28,
Correio do Povo,
N. 2 de Los Anales dei Museu Nacional de México -» Se.
gundaE*poca.
Pelo Sr. Luiz Gonzaga da Silva Leme — > o 9<» volume da G0.
nealogia Paulistana.
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 371
6» SESSÃO ORDINÁRIA EM 14 DE MAIO DE 1906
Presidência do Sr, Conselheiro O, H, dê Aquino e Castro
A's3 horas da tarde, presentes os Srs. Conselheiro Aquino
e Castro» Barão Homem de Mello, Max Fleiuss, Alcibíades
Furtado, Arthur Quimarães, Rocha Pombo, Eduardo Marques
Peixoto, Dr. Manoel Barata, Conselheiro Salvador Pires, Dr.
Alberto de Carvalho, Belisario Pernambuco, Dr. Josô Américo
dos Santos e Dr. A. da Cunha Barbosa, abre-se a sessão.
O Sr. Furtado, â» Secretario, lô a acta da sessão anterior,
a qual ó sem debate approvada.
O Sr. Presidente communloa» nos seguintes termos, o fal-
lecimento do soclo bemfeitor o Sr. Visconde de Rodrigues de
Oliveira : < Senhores. A infausta noticia, que inesperadamente
chegou-nos, de haver fallecido o nosso distiocto consócio Sr.
Visconde de Rodrigues de Oliveira, a 6 do corrente, em Paris,
veio augmentar o numero, infelizmente já crescido, de sau-
dosos companheiros arrebatados pela morte, no desastroso anno
que corre.
« Não só pela sua illustração e patriotismo revelados em seus
importantes trabalhos de reconhecido valor para a nossa his*
toria, especialmente áobre as condições económicas e financeiras
do Brazil, como pelo extremoso apreço que votava ao Instituto
Histórico, por mais de uma vez beneficiado com os valiosos
auxilies que lhe foram generosamente prestados, recom-
mendou-se o nosso finado sócio bemfeitor á estima e gratidão do
Instituto, que hoje com o paiz deplora a perda do servidor pres-
tante e dedicado.»
O Instituto Histórico, como é de rigoroso dever, faz inserir
na acta da presente sessão um voto de profundo pezar por tão
lamentável acontecimento.
O Sr. Fleiuss, 1» Secretario, diz que o expediente consta
do seguinte ofiScio do Sr. Núncio Apostólico :
€ Petrópolis, le 4 Mai 1906. — Monsiour le Secrétaire
de rinstitut Historique et GéographiqueBrésilien. J'ai Thonneur
d'accuser réception da diplome me nommant membre honno-
372 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
rairede 1' Institui Historiqae et Qéographique Brésiiien qui
m'a été remis par Mr. le Comte AíFonso Celso, oomme V. E.
me rannoDcait dans soa office da 2 oourant. Ne oomiaissant
pas de posseder aucan titre qae poarait moriter cette haute
distiaction, jesuls d^aatant pias touchó et profondement confonda
du tómoignage de sympathie qu'oQt bien voulu me doimer 4
ronanimité las membrês de rioatititut dans la séance da 30
Avril dernier.
<Je prie V. E. d'ôtre Tinterprôte de ma plus vive reconuais-
saDoe auprès des membres de Tlostitut et leâ assurer qae je suis
toate entier á leur dispositlon. Remeroiant V. £. de la com-
munioation que m'a adressó en termos aassl lionoriflqaes, je la
prie d'agréer rassurance de mapiui haute ooosideratlon.—
* JUUH, Arche^que d'Aneyre, Nonee AposMique^ A' S. E. MOD-
sieur Mai Pleiuss, Premier Seorétairc de Tlastitat Historiqae
et (féograpbique Brésiiien.»
O Sr« Presidente diz que o Instituto fica inteirado.
O Sr. Conselheiro Salvador Pires diz que, em vista do oon*
▼ite que recebeu do 1« Secretario, representou o Instituto His-
tórico na sessão magna eflèctuada pelo InsUMo da Ordem das
Advogados BroMileiros em homenagem á memoria do Sr. Barão
de Penedo.
O Sr. Rooha Pombo justidca a falta de comparecimento do
Sr. Marquez de Paranaguá.
O Sr. Presidente diz que o Sr. Dr. Josó Carlos Rodrigues,
digno director do Jornal do Commercio^ acaba de enviar-lhe a
quantiade:2í:436$300, priMluoto da subscripção, promovida por
aquella folha, para a conservação do tumulo de Pedro Alvares
Cabral, ein Santarém, quantia esta que é immediatameute en-
tregue ao Sr, Thesoureiro do Instituto para ser remettida á
Sociedade de Geographia de Lisboa^ afim de ter a applicacão de-
vida e conforme a proposta apresentada pelo consócio Dr. Al-
berto de Carvalho.
Fica também o mesmo Dr. Alberto de Oarvalho, incumbido
pelo Instituto de mandar preparar a cruz, que será de pãu
Brazil, para guarnecer o tumulo de Cabral.
Agradece o Sr. Presidente os esforoos do Jornal do Com^
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 373
fnercio e informa que ao seu directop yai dirigir o segainte
offlcio, também assignado pelo !• Secretario: < Rio de Jiuieiro,
14 de maio de 1906.— Illm. Exm. Sr. Dr. Josó Carlos Rodiigues,
M. D. Director do Jornal do Commm^cio— Aocusamos recebida a
quantia de doua contos quatrocentos e trinta e seis mil e ire-
sentos réis, produoto da subscrip^ promovida pelo Jornal do
Commercio para a conservação do tumulo de Pedro Alvares
Cabral, em Santarém, e, em nome do Instituto Histórico e
Geographico Brazileiro, agradecemos os serviços prestados pelo
mesmo Jornal a este respeito.»
O Sr. Dr. Alberto de Carvalho agradece a intervenção
do Instituto nessa questão.
O Sr. Fartado, 2^ Secretario, lê a seguinte proposta^ que 6
por unanimidade approvada: « Completando-se a 1 de junho de
1908 o centenário da publica(^ do Correio Brasiliense e tendo
sido, sem contestação, esse o primeiro jornal brasileiro na ordem
ohronologica e no valor moral, pela influencia que exerceu na
época em que vio a luz, propomos que o Instituto nomeie uma
commissão que organizará uma bibliographia do periodo his-
tórico, 1808-182^, em que floresceu aqueUe jornal, oommomo-
rando-se por essa forma duradoura e utll a memoria de Hyppo-
lito da Costa Pereira.
Rio, 14 de maio de 1906. — Alcibíades Furtado.-^RocTia Pombo.
-^Homem de Mello. — Eduardo Marques Peixoto, — Manoel Barata,
— Max fleiuss,>
O Sr. Presidente nomeia para compor acommis«u> os Srs.
Alcibíades Furtado, Barão Homem de Mello, Drs. Manoel Ba-
rata, Manoel Cicero e Rocha Pombo.
O Sr. 2o Secretario lé as offertas, entre as quaes se destaca
a que ô feita pelo Sr. Manoel Barata, do tGlossario Paraense»,
por Vicente Chermontde Miranda.
O Sr. Fleiuss, 1^ Secretario, diz que, por sen intermédio,
o Sr. Conselheiro Laílskyette Rodrigues Pereira acaba de fazer
ao Instituto importante donativo, composto das obras que abaixo
se seguem e de uma das mascaras de Napoleão I, feitas em gesso
pelo Dr. Francisco Antommarchi, em Santa Helena, horas
depois da morte do grande Capitão do século XIX.
374 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Essa mascara foi offerecida por elevado personagem ao
Sr. Oonselheiro Lafdyette.
A propósito lô o Sr. Pleiuss um artigo publicado no Matin
6 do qual se prova que Antommarchi preparou uma centena
de exemplares da mascara em bronze e um numero mais ou
menos igual em gesso, trazendo todos a sua assignatara, que se
lè no exemplar offerecido ao Instituto.
As obras foram as seguintes:
< Le Qénie du Christianisme, par Mr. Le Vicomte de Ghateau-
briand», ediçfio de 1846, dous volumes com uma carta auto-
grapha do autor, datada de Pariz a 4 de sotembro de 1836,
oollada na folha de rosto do 1» volume.
— € Histoire de la Restauration, par Louis de Viel-Castel»,
edi^o de 1860, pertencente ao Príncipe Luiz Napoleão, cojo
carimbo se lô nas primeiras paginas.
— c Notitia Orbis Antiqué Sive Geographie Plenior», par
Christophones Cellarins, cdíQfto de Leipzig— 1773, pertenceu
ao celebre c Hellenista d^Ausse de Villoison >.
O Sr. Presidente dix que o Instituto recebe com especial
praxer tão valiosas offertas.
Levanta-se a sesisao ás 4 horas da tarde.
Alcibiades FUrtado^
2« Secretario.
OFmiTAS APRESENTADAS EM SISSlO ORDINÁRIA DE 14 DE MAIO
DE 1906
Pelo sooio Dr. Manoel Barata — «Glossário Paraense» pe-
culiar á, Amaxonia e especialmente á ilha do Marajó, por Vicente
Chermont de Miranda.
Pelo sooio Julius Meili — Das Brasilianisohe Geldwesen von
Jnlius Meili.
Pelo Conselheiro Lafayette Rodrigues Pereira — «Le Génie
du Christianisme de Chateaubriand» 2 volumes.
Pelo mesmo senhor — «Histoire de la Restauration de Viei
Castel» 8 volumes ftiltando 1 para completar a obra.
ACTAS DAS SBSSOBS DE 19Q6 375
Pelo mesmo senhor — «Notitia Orbis Antiquô, Sive Qeogra-
phie Plenior, eto.», par Cellarins, 2 volumes.
Pelo Mosea Qoeldi ~ Relação das Publicações Soientillcas
(Pará).
Pelo Maseo Qoeldi (Musea Paraense) de Historia Natural e
Ethnographia — Boletim n. 4.
Pela Associação Commercial do Rio de Janeiro — os Boletins
ns. 18 e 19.
Pela Real Sociedad Geognratflca de Madrid — «BoleUn».
Par la Societé Khédiviale de Géographie á le Caire — «Bo-
ietin».
Par la Societé de Géographie Commerciale de ( Bor-
deauz ) — c Boletin ».
Pela Estatística Demographo-Sanitaria da cidade do Rio de
Janeiro— cBoletim Mensal».
Pela Real Academia de la Historia de Madrid — «Boletin».
Pela Directoria de Agricultura Viação, Industria e Obras
Publicas do Bstado da Bahia »- «Boletim».
Pelo Apostolado da Fé — «Cruzada» e os Boletins semanaes
ns. 32 e 33.
Pela Academia Poly technica do Porto — Annaes Scientiílcos.
Pelas respectivas Redacções as seguintes Revistas: «Re-
vista Commercial Financeira» ns. 545 e 546.
Pela 1» secção do Estado-Maior do Exercito — «Revista Mi-
litar».
Pela Real Academia de Sciencias de Madrid — A «Revista»
Pelo Pantheon Pedagógico — «Revista Didáctica».
Pelo Oriente Português — «Revista», 29 e 3^ volumes.
Pelo Centro de Sciencias Letras e Artes de Campinas — «Re-
vista».
7» SESSÃO ORDINÁRIA EM S8 DE MAIO DB 1906
Presidência do Sr. Conselheiro O. H. de Aquino e Castro
A's 3 horas da tardo, presentes os Srs. Conselheiro Aquino
& Castro, Marquez de Paranaguá, Barão Homem de Mello, Vis-
876 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
conde de Ouro Preto, Max Pleiuss, Alcibíades Fartado, Desem-
bargador Souzji Pltan^^a, Arthur Guimarães, Rocha Pombo»
Dr. Manoel Cicero. Dr. Marques Pinheiro, Dr. Alberto de Car-
yalho, Dr. A. da Cunha Barbosa, Muardo Marques Peixoto,
Conselheiro Salvador Pires de Carvalho e Albuquerque, Dr. José
Américo dos Santos o Carlos Lix Kiett, abre-sc a sessão.
O Sr. Furtado, 2^ Secretario, lô a acta (ia sessão anterior,
a qual 6 approvada sem discus^^ão.
O Sr. Fleiuss, 1° Secretario, diz que o expediente oonsta de
uma carta do Sr. Dr. Arrojado Lisboa, na qual este distincto
profissional diz que tem em mão o traballio do eminente con-
sócio Dr. Orville Derby, a que o orador já se referiu . Assim,
na próxima ses>ão podo ser lido o mesmo trabalho.
O Sr. Furtado, á" Secretario, lô as offertas.
O Sr. Presidente diz qu(s pela publicação em uma folha da
tarde e por lhe dizerem que se acha affixado nas portas de
todos os órgãos da imprensa, sabe ter falleoido hoje o V(>ne-
rando consócio honorário Sr. Visconde de Barbaoena, que, na
ordem chronologica, era, entre os ac.uaes, o 29 sooio do Insti-
tuto, pois fôra admittido a 12 de agosto de 1841 .
A' individualidade deste patrício, operoso e emprehen-
dedor, refere-se o Sr. Presidente com palavras repassadas de
sentimento .
«Termina dizendo qae, de aooôrdo com o art. 64 dos esta-
tutos, propõe se lance na acta um voto de p.^zar pelo lutuoso
acontecimento o mais que, se achando insepulto o corpo do pre-
zado consócio, seja levantada a sessão, conforme os procedentes. »
liStdLS propostas são unanimemente approvadas; e o Sr. Pre-
sidente suspendo, acto continuo, a sessão, marcando outra para
dahi a 15 dias.
Alcibíades Ftiriado,
2° Secretario.
OFFERTAS APRESENTADAS NA SESSÃO ORDINÁRIA DE 28 DE MAIO
D£ 1900
Pela Academia Nacional do la Historiado Caracas— Do-
eumentos para los Anales de Venezuela (tomos 1 a 7).
ACTAS DAS SBSSÕBS DB 1906 377
Pela Academia Nacional de la Historia de Caraoas — Prd-
logo a los Anales de Venezuela (ediciÔQ oficial).
Pela Academia Nacional de la Historia de Caracas -~ Dis-»
curso dei Doctor J. P. Rojas Paul.
Pela Academia Nacional de la Historia de Caracas ^ Es»
tatutos y Regiamente de esta corporaoidn.
Pelo Sr. Pereira da Costa — Noticia Bioçraphica do Br. Ast^
toniode Moreis Silva,
Pelo Sr. Henrique Coelho — O Poder Legislativa e o Poder
Súsecutivo no Direito Publico Bratileiro.
Por The Operations, Expenditures, and Cooditions of the la-
stitutions for the Year Ending, June 30, 1904 — Annual Report of
the Board o f Regente ofihe Smithsonian Institution,
Pelo Sr. Octaviano Guilherme Ferreira — Eoras Vagas.
Pelo Exm. Sr. Dr. José Joaquim Seabra, Ministro da Jus-
tiça e Negócios Interiores — Relatório da Força Polieial do Dis-
tricto Federal,
Relatórios da Presidência da Provineia do Amazonas desde
a sua creação até a proclamação da Republica.
Pelo Musôo Nacional do Mexioo ^ Anales, do mesmo.
Pela Société Internationale dé Science Socialo — B%Uletin,
íásciculos âg, 23 e 24.
Pela Repartição da Carta Marítima -— Boletim das Obser^
vagões Meteorológicas^ ns. 8 e 9.
Pela American Qeographical Society — BulMin^ ns. 3 e 4.
Pela Assjciação Commercial do Rio de Janeiro — BoMim^
da mesma, n. dO.
Pelo Apostolado da Wé — Cruzada, boletim semanal, n. 34.
Pela Sociedade de Geographia de Lisboa — Boletim^ ns. 1 e 8,
Polas respectivas redacções :
Revista Didáctica, n. 1.
Revista Gommercial Financeira, ns. 547 e 548.
Pela Bibliotheca da Miirinha — Revista Marítima Brazileira
n. 9.
Pelo Instituto Polytechnico Braziieiro — Revista, tomo 31*
Pelo Instituto Histórico e Geographico do Rio Orando do
Norte — Revista, n. 1.
378 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Pelas redacções, os jornacs seguintes : Jornal do Reeifê^
Correio do Povo^ Portugal Moderno, VE*to\le du Sud^ Diário
Official, do Amazonas.
8« SESSÃO EM 13 DE JUNHO DE 1906
Presidência do Sr, Conselheiro O. H, de Áquiné e Castro
A*s tres horas da tarde, presentes os Srs. Conselheiro Aquino
e Castro, Marquez de Paranaguá, Bar&o Homem de Mello, Vis*
conde de Ouro Preto, Max Fleiass, Alcibíades Furtado, Desem-
bargador Souza Pitanga, Arthar Quimar&esi Dr. Manoel Barata,
Dr. Pandià Calogeras, Dr. Manoel Cícero, Rocha Pombo a
Dr. Alberto de Carvalho, abre-se a seasão.
O Sr. Furtado, 2^ Secretario, lè a acta da sessão anterior,
a qual óapprovada sem discussão.
O Sr. Fleiuss, 1» Secretario, lô o seguinte expediente:
AyIso do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, de 15
de maio ultimo, remettendo cópia de um aviso do Ministério
das Relações Exteriores, acompanhada do projecto da creaçio
de uma associação internacional que tem por objecto o estudo
dasregiOes polares. — A* Com missão de Oeographia, relator o
Sr. Barão Homem de Mello.
Offldo do iQstituto Histórico e Geographico Paranaense,
datado de 28 de maio ultimo, commanicando a sua reorgani-
za<^ e nova directoria. — Inteirado.
Offlcio do Sr. General Commandanto Qeral da Força Policial
do Districto Federal, datado de 1 do corrente, enviando para o
archivo do Instituto, cópia da acta lavrada por ocoasião do lan-
çamento da pedra fandamental do ediflcio que está sendo cons-
truído á rua Barão de Mesquita, para quartel regional da mes-
ma Força. — Agradece-se e vai, para os fios devidos, & Secre-
taria.
Cartado Sr. Ministro do Brazil em Londres, datada de 11
de maio, a propósito da restauração do livro Explieaeion dei
Catêoiimode Restivo.-- A' Secretaria, para providenciar oppor-
tunamente.
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 379
O Sr. Furtado, ^ Secretario, lê as ofl^rtas.
O Sr. Fleiuias, I<> Secretario, lô as seguintes propostas :
« Propomos para sócio effeciivo do Instituto Histórico e
Geographico Brazileiro o Sr. Dr. Josô Carlos Rodrigues, nascido
em Cantagallo (Estado do Rio de Janeiro) a 19 de jultxo de 1844,
formado pela Faculdade de Direito de S. Paulo em 1864, antigo
e provecto jornalista, actual director do Jornal do Commercio.
Homem do yerdadeiros méritos intellectuaes, o Sr. Dr. Josô
Carlos Rodrigues tem publicado varias obras que vantajosa-
mente o coUocam em o numero dos nossos mais illustros histo-
riographos, mas para o cumprimento do dispositivo do art. 6
dos Estatutos especializaremos o seu trabalho denominado
— Religiões Acaiholicas no Brazil — 1500-1900 impresso no Livro
do Centenário^ e depois tirado em avulso, de que o autor offe-
receu um exomplar ao Instituto.
« Alóm do mais, o Sr. Dr. Rodrigues é talvez hoje o maior
bibliophilo brazileiro, possuindo exemplares raríssimos da nossa
Historia e da nossa Geographia, a cujos estudos se dedica com
extraordinária solicitude.
< Será, portanto, um acto de justiça admlttir em nosso gré-
mio quem dispõe de tão apurados méritos. Rio do Janeiro, 22
de maio de 1906. * Moa} Fleiuss^ Aleibiades Furtado^ Pandiá
Calogerasy Manoel Cicero^ Conde de Affonso Celso^ Barão Homsm
de Méllo^ F. B. Marqvies PinJieiro^ Visconde de Ouro Preto ^ José
Américo dos Santos, Rocha Pombo^ A, da CunTuí Barbosa, Eduar»
do Marques Peixoto^ Arthur Ouimarães, Salvador Pires de Car-
valho e Albuquerque, Alberto de Carvalho, Leopoldo de Bulhões,
Henrique Raffard e Manoel Barata. i^-^X' Gommissão de Historia,
relator o Sr. Ck>n8elheiro Cândido de Oliveira.
« Propomos para sooio correspondente do Instituto Histórico
e Geographico Brazileiro o Sr. Dr. Luiz António Ferreira Gual-
berto» natural da Bahia, com 48 annos de idade, formado pela
Faculdade de Medicina da Bahia, em 1883, Deputado Federal por
Santa Catharina, servindo do base desta proposta, nos termos
do art. 7^, § \\ dos estatutos, o seu trabalho -^Prisões clandes-
tinas (século XVIII), Dr. Josô de Mascarenhas Coelho Pacheco
Pereira de Mello, offerecido em manosoripto ao Instituto.
380 REVISTA DO IMSTITUTO HISTÓRICO
Rio de Janeiro, 12 de janho de 1906.— Manoel Barata. —
Max FMus9, — Pandid Calogeras, — AJeibiadeM Furtado. » — A*
OommiasSo de Historia, relator o Sr. Visconde de Ouro Preto.
O Sr. Visconde do Ouro Preto justifica a seguinte proposta:
« Propomos para sócio effectivo do lostituto Histórico e
Oeographioo Brasileiro o Sr. Almirante Arthur Jaceguay, ser-
vindo de titulo para sua admissão as importantes obras: Quatro
sêcutos de actividade marUima^ Portugal e Brasil e Sntaio histó-
rico daCtenesis e desenvolwmento da Armada Nacional,
Sala das sessSes, 12 de junho de 1900. — Visconde de Ouro
Preto.— A. F. de Sousa Pitanga, — Alberto de Carvalho. —
Barão Homem de Mello.^ Maa Fleiuss.>— A* Commissto de His^
toria, relator o Sr. Dr. Sylyio Roméro.
O Sr. Desembargador Pitanga justifica a seguinte proposta:
< Propomos para sócio correspondente do Instituto Histórico
e Qeographlco Brasileiro o Bxm. e Rerm. Sr. Bispo do Pará,
D. José Marcondes Homem de Mello, prelado de altas virtudes
e illustra^o comprovada por vários trabalhos literários, in-
clusive pela narrativa illustrada sobre Nossa Senhora da Appa-
reoida, em S. Paulo, hoje uflereoida ao Instituto.
Rio de Janeiro, 12 de junho de 1906. — A. J^. de Sousa
Pitanga. — Alberto de CanHilho. — Marques de Paranaguá. —
Pandid Calogeras.^ Rocha Pombo.— Arthur Guimarães. — Vis-
conde de Ouro Preto— A' Commfss&o de Historia, relator
o Dr. Leite Velho.
O Sr. Visconde de Ouro Preto pede a palavra para justificar
a seguinte proposta, que é approvada:
< Propomos que sejam compilados, para a devida puUiea^
na Revista do Instituto, os trabalhos que sobre a historia desta
Capital tem dado a lume o nosso illostrado Bibliotheoario
Dr. José Vieira Flisenda.
Rio, 12 do junho de 1906.^ Visconde de Ouro Preto.— Ma-
noel Barata.-^ Moa Fleiuss.^^A* Gommissao de RedaoQão, relator
o Sr. Dr. Manoel Cícero.
O Sr. Fleiuss, 1« Secretario, lê os seguintes pareceres:
Da Commistão de historia: < Os escriptos do Sr. Conselheiro
Bernardino Luis Machado Quimarftes, que me foram presentes e
ACTAS DAS SBSSÕES DB ld06 . 381
qud examinei com atiençao, pareoem^me de alto valor para
justificar a proposta de admissão desse senhor como sooio cor«
respondente do Inatituto.
< Vôm de longa data estimados trabalhos do illustre professor
da Universidade de Ck)imbra, relatlvoe a diversos ramos de in-
struc<^ desenvolvidos desde 1882 ató 1900, oomprehendendo o
ensino primário e seoondario, escolas e institutos indostriaes,
commerciaes e agrícolas; de ensino de cegos e sardos-mados ;
um predoso complexo de pedagogia, como elementos essen-
ciaes da felicidade de am povo e sem os quaes não pôde occnpar
logar distinoto,
€ Gomo Ministro de S. M. Pidolissima, ha annos, attestam
os livros que tenho á vista, os seus esforços para pôr em pra-
tica as suas reformas,mo8trou-se, como diz o seu actual corre-
ligionário João Chagas, conservador pelas fórmulas, progressista
pelo pensamento, homem de bem e patriota, sem abandonar a
sua cadeira de professor, embora depois se lançasse na politica
militante até ser hoje o chefe dos republicanos. Emqoanto a
estudos propriamente históricos, as obras que tenho á vista nao
proporcionam maiores elementos para avaliar si elle tem de*
dicado a este ramo de cultura seria attenção. pois os opúsculos e
conferencias de propaganda politica nao servem para formar
juízo seguro, porque, qualquer, que seja a capacidade intelle-
ctual do propagandista politicot trabalhos dessa ordem não es-
capam á influencia perigosa daquillo que o grande Hnxley
denomina — the personal equation — que equivale ao Octares-
natismo de Renan — levar para a historia os preconceitos de
politica e patriotismo. Voto, todavia, pela admissão. Rio, 9 de
junho de 1906 •— Bernardo Teúceira de Moraes Leite Veiho,
relator.— Visconde de Ouro Freto.^ Condido de OHfmra.—
Silvio Boméro. — Rocha Pombo. >
E' approvado e vae á Gommissão de admiaaão de sócios,
relator o Sr. Dr. Manoel Gicero.
Da Commissão d$ Admissão de Sodost < A Commissão de
admissão de sócios, em conformidade ao § 1* do art. 39 dos Es*
tatutos, julga que está no caso de ser aceita a proposta concer»
nente ao Sr. Dr. José Pereira Rego Filho pajra sodo corres-
382 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
pondeate do Institato Histórico e Geographico Brasileiro, ha-
yendo vaga na respectiva classe.
Rio, 13 de maio de 1906.— Manoel Barata^ relator.-^ Manoel
Cícero, — Henrique Raffard. — Conde de Affon$o Celso, >
Fica, nos termos dos Estatutos, para ser votada na próxima
sessão.
Pede depois a palavra o Sr. Dr. Alcibíades Furtado, que lè
o estado biographico : A Lenda de Anchieta.
Nada mais havendo a tratar, levanto-se a sessio ás 5 horas
da tarde.
Alcibíades Furtado^
2« Secretario .
0FFERTA8 APRESENTADAS NA SBSsIO ORDINÁRIA DE U DE JUNHO
DE 1906
Pelo Sr. E. S. de Kierk — De Java Orlog Omn 1825-30.
Pelo Sr. António Dellepiane — Aprendixaje teenico dei Histo-
riador Americano e Cuestiones de Bnsenanza Superior,
Por The Historical Society of Pennsylvania, Philadclphia —
The Pennsylvania Magazine of Hisiory and Biography,
Pela Zeitshrift dor Gesollschaft fur Erdkunde — iV. 4,
Por The National Geographic Magazine — N, 4,
Anales de la Universidad Central,
Pelo Dr. Nelson de Senna -— Bacia do Rio J)oee^ terceiro dos
relatórios apresentados ao Governo do Estado de Minas Geraes.
Pela Directoria do Serviço Sanitário do Pará — E^aiislica
Demographo- Sanitária Boletins /, 2, 3,
Pela Sociêtd de Géographie Commerciale de Bordeaux — Bm-
letins ns, 9 e iO,
Pelo Apostolado da Fá — o Boletim semanal Cruzada.
Pela Associação Ck^mmercial do Rio de Janeiro — Boletim,
Pela Societá Africana d*Italia — BoUetino,
Pelo Cuerpo de Ingenieros de Minas dei Porú — Boletins
ns, 30 e 3i,
Pela Real Academia de la Historia — - Bdetin.
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 383
Pela SocieU Qeographica Italiana— Bolletino»
Pelo Grande Oriente — Boletim.
Pelo Instituto Histórico e Geograpbico do R. Qrande do
Norte— Revista.
Pelo Instituto Histórico e Geographico da Bahia — Revista.
Pelo Estado Maior do Exercito — Revista-Militar.
Revista Medico-Cirargica do Brazil.
Pela Gamara Mercantil de Ayelaneda (Buenos Ayres) — /Se-
vista Mensal.
Pela Associaç&o da Egreja Evangélica Brazíleira— O Trabalho.
Revista Commercial e Financeira ns. 549 e 550.
Pelas redacQõds, os jornaes seguintes: O Vulgarizador, Mala
da Europa^ O Século.
Pelo Sr. Bispo do Pará — Narrativa illastrada sobre Nossa
Senhora da Appareoida em S. Paulo.
9* SESSÃO ORDINÁRIA £M 25 DE JUNHO DE 1906
Presidência do Sr. Conselheiro O, H. de Aquino e Castro
A*s3 horas da tarde, presentes os Srs. Conselheiros Aquino
e Castro, Marquez do Paranaguá, Barão Homem de Mello e Vis-
conde de Ouro Preto, Max Pleiusi, Alcibíades Furtado, Desem-
bargador Souza Pitanga, Conselheiro Cândido de Oliveira, Barâo
de Paranapiacaba, Dr. Pandiá Calogeras, Barão de Alencar,
Drs. Manoel Cicero, Alberto de Carvalho, A. da Cunha Barbosa,
José Américo dos Santos e Carlos Llx Klett, abre-se a sessão.
O Sr. Furtado, 2"* Secretario, lô a aota da sessão anterior,
a qual é approvada sem discussão.
O Sr. Fleiuss, 1^ Secretario, lô o seguinte expediente:
Cartada Sra. Baroneza do Ladario, datada de 17 do cor-
rente, offerecendo ao Sr. Conselheiro Aquino e Castro, como
Presidente do Instituto, a coUecção completa da Revista^ bem
como outras obras que formavam a bibliotheca histórica do
Barâo do Ladario.
Muito se agradece a importante offerta, aguardando o Ins-
tituto a remessa das obras para a devida selecção.
384 REVISTA DO INSTITUTO HISTORICX)
Offlcio do Retiro Literário Poringuex, datado de 5 do cor-
rente, comniQnicaiido a eleição da nova directoria e commissões
—Muito 88 agradece.
Offlcio do Director da Secção do Archivo da Secretaria das
Relaçõei Exteriores, remettendo um exemplar da memoria pu-
blicada pelos Srs. A. de Lapradelli e N. Folitid, na B^i^ue
du Droit Publique et de la Science Politique en France et d
rE*tranger, tomo XXII, n. 2, sobre o arbitramento anglo-brazi-
leiro de 1904.— Muito se agradece.
O Sr. Max Pleiuss, 1« Secretario, lê as ofEértas, entro as
quaes se destaoam a do ultimo volume das publicações do Ar-
chivo Publieo Nacional^ Relatório da Commietâo Braxileira na
Exposição de S. Luiz, apresentado pelo respectivo chefe. Ge-
neral Francisco Blarcellino de Sousa Aguiar.
O Sr. 1^ Secretario lô o seguinte parecer da Commissão de
Historia : « O Sr. Dr. Dom Daniel Garcia Acevedo, membro cor-
respondente da Sociedade de Historia e Numismática Americana
de Buenos Ayres, e do Instituto dos Advogados Brazileiros, não
ó um nome desconhecido no Brazil.
< O illustre cathedratioo da Universidade de Montevideo
tomou parte nos trabalhos do Congresso Scientifioo Latino Ame-
ricano, reunido nesta Capital em julho do anno passado.
< Ahi teve occasião de revelar as qualidades de seu espirito e
asna superior illustração jurídica.
< B* pois, de toda a justiça a sua admissão em nosso grémio,
oomo sócio correspondente, servindo-lhe de titulo o interessante
trabalho Coniribucion ai estúdio do la cartografia de los poises
dei Rio de la Plata^ com que mlmoseou a nossa bibliotheca.
€ Uma interessante questão bibliographica é discutida pelo
distiootojuriita a propósito de €de la nueva edicion de la Geo-
graphia dei Paragua^ de Ajsara^ o de Un mappa inédito existente
en Varehivo de Indias> e attribulda a Ruy Diaz de Guxman,
€ Este mappa, que vem reproduzido no opúsculo, seda talvez
de importância capital antes da fixação de limites entre o Brazil
e a Republica Argentina.
€ O litigio secular está, porém, felizmente terminado com
grande vantagem para os dous povos vizinhos, que assim eli-
ACTAS^ DAS feBSSÕES DK 1906 ^85
minaram perigoso elemento de jsaas boas relações .interna*
cionaes.
5 Tem, poróm, alto valor histórico o mappade Ruy Diaz.
4c O Dr. Aceyedo, porém, evidencia, assignalando-lhe, a im-
portância quando diz : «que o nosso illustre consócio, Sr, Barão
do Rio-Branco, via no texto de Ray Diaz Gnzman o primeiro
documento em que se mencionam o Pepery^ não tendo, todavia,*
o conhecimento do mappa original cuja cópia vem agora re-
produzida.»
« B* interessante o parallelo que estabelece o Dr. Acevedo
entre a < Introducgão,» do Dr. Andréa Lamas, a < Historia », do
Padre Lozano, e a Noticia Cartographioa, incerta pelo Dr. R.
H.Schuler, no prologo» a geographia physica e espherica, por
Azara, mostrando como ô incompleta a obra de Schuler.
« Comqnanto resomida, pois que a monographia a que al-
lude a Commissão têm apenas 34 paginas, ella revela nm estudo
aprofundada do assumpto, evidentemente inspirado por não
commum amor a matérias árduas e pouco attrahentes.
« E% pois, a Commissão do Historia de parecer que a pro-
posta apresentada na sessão de 7 de julho de 1905 está no caso
de Her approvada,
« Sala das sessões do Instituto Histórico, 25 de junho de 1906.
— Cândido Luiz Maria de Oliveira^ relator ; Visconde de Ouro
PretOf Bernardo Teixeira de iioraes Leite Yelho^ Fi-ancisco da
Rocha Pombo, y^-
E' approvado e vae à Commissão de Admissão de Só-
cios, relator o Sr. Barão de Alencar.
O mesmo Sr. !<> Secretario lô ainda o seguinte parecer da
Commissão de Admissão de Sócios, o qual, nos, termos dos esta-
tutost fica para sar votado na próxima sessão :
« A Commissão de Admissão de Sócios, á qual foi presente
a proposta para admissão do Sr. Dr. Bernardino Luiz Machado
Guimarães como sócio correspondente deste Instituto, é de pa-
recer que a mesma proposta está em condições de aer ap-
provada.
Sala das sessões do Instlti^to Histórico e Geographico Brazl-*
leiro,25 de Junho del906,— :Dr. Manoel Cieerq Peregrino da ^ilva^
4323 — S5 Tomo lxix p. ii
386 REVISTA DO INSTITUTO mSTORICX)
relator.— BoHío de Aimtear.^O^ndâ d& Affimto Oého. ^. Metnõêi
Bar ata. :k
O Sr. Fleluflg, 1* Secretario, informa qae tem proTlden-
eiado qaanto á pabUeaçio da Revista do ImtUuto^ podendo tal-
rez appareeer o tomo relatir? a 1904 (1* parte) até agosto
próximo.
Gorrendo-ie o efomtinio para a yotaçSo do pareoer da
Ck)mmÍ88So de Admiasio de Sodos, que harla íioado da anterior
aesdio, e relativo ao Sr. Dr. José Pereira Rego Filho, é o
mesmo approvado e acto continuo o Sr. Presidente proolamao
Sr. Dr. Rego sócio correspondente do instituto.
Os Srs. Fleiuss e PandiA Calogeras iniciam a leitura do
estudo do consócio Dr. Orville Derby sobre a Serra do Bs^
pínhaço.
Levanta-se a sesdU) ás 5 horas da tarde.
ALCIBtÁlNH FOMàDO,
S^SeoNlario
OFFiRTÁi
Pela Sociedade Cientifica Argentina-^AnoIff .
Peia Associa^ Gommerdal do Rio de Janeiro-^BsMtm.
Pelo Sr. Henrique Silva— l^auna JFTuotata de Ooiás.
Pelo Instituto do Geará— ISsvírta Trimeiasai, tomo BO, anno
SO, de 1906.
Pelo sócio Sr. Dr. Nelson de Senna— Bacia do Rio Dooe.
Pelo Ministério de Fomento dei Peru— Bo^tin dei Ouerpo
de hêgenieros de Minat^ ns. 38, 33 e 34.
Pela Société Internationale de Science Sociale— BmíMí».
Pelo International Bureau of the American Republics —
MotUhty BuUeHn.
Pela Naturforschenden Oesellsohafl in Bmdem — Jahree*
berieht.
Peio Museu Nadonal de Buenos Aires— Afiofo^, tomo V •
Pelo Museu Nacional de México— Analds, 2» época.
Pelas redaoQQes as seguintes revistas :
Revista Mensal de la Camará Mercantil.
Revista Commercial e Finanoeira*
BroãHian Engineerinç and Mining Review.
ACTAS DAS SBSSÕBS DB 1906 887
O Ofi&fite Português.
Rê9iita Medico Cirurgioa do BroãU.
Beviita Didaoíiea.
Revista MarUima BraãiMra.
Pelafl redâOQQes os segaintes joraaes :
Mala da Europa^ Jornal do Recife^ Diário OfíMal, Diário
Offidal do Amazonas^ Oriente Portuguez.
Pelo sooioSr. Barâo do Rio Branco -^TarbUr age Anglo*
brésUien de 1904, 1 yolnme»
10» SESSÃO ORDINÁRIA EM 9 DE JULHO DE 1906
Presidência do Sr. Marquex de Paranaguá^ (í* Vice-Presidente)
A'8 3 horas da tarde» presentes os Sm. Marquez de Para*
nagoá. Barão Homem de Mello, Yisooode de Ouro Preto, Max
PleiusB, AlelMades Portado, Arthur Guimarães, Conselheiro Cân-
dido de Oliveira, Barão de Paranapiaeaba, Belisario Pemam*
baoo, Dr. F. B. Marques Pinheiro, Eduardo Marqoes Peixoto,
Drs. Alberto de Carvalho e Josó Amerioo dos Santos, abre-se a
sesAo.
O Sr. Fartado, 8* Seeretario, lé a aota da sessão anterior,
a qual é approvada sem debate.
O Sr. Presidente participa qne o Sr. oonselheiro Aquino e
Castro, Presidente do Institato, por josto inotivo deixa de
comparecer.
O Sr. Fleioss, l*" SeoretarlOt deelcra que Bio ha expediente
e lê as oíTertas.
Depois o Sr. 1« Secretario declara que talves seja esta a
ultima sessão do Instituto, realizada no Gabinete Portaguez de
Leitura, pois que o édificio social do Instituto se acha quad
prompto, podendo realizar-se até o fim do mez alli a primeira
sestíU).
Correndo-se o escrutínio para a votação do parecer da
CommiMão de Admissão de Sócios, lido na sessão passada e rela-
tivo ao Sr. Dr. Bernardino Luii Machado GoimariM, é o
888 REVISTA. DO INSTITUTO HISTÓRICO
mesmo approyado por unanimidade de votoe e, acto oontlnao,
o Sr. Presidente proclam^^ o mesmo senhor sooio correspon-
dente do Instituto.
Procedem depois os Srs. Fleioss e José Américo dos Santos
& leitura da monographia do Dr« Orviile Derby sobre a Serrado
Espinhaço.
Alcibiadbs Fubtado
2o Seerdtarlo
OFFERTAS
Pelo soeio Sr. Dr. Josô Vieira Couto de Magalhftes * Gene-
ral Couto de Magalhães e a proclamação da Republica,
Pelo sócio Sr. Dr. Vicente F. de Barros Wanderley Araújo
— Seitas protestantes em Pernambuco,
Pelo Consulado Geral de Portugal no Rio de Janeiro —
Catalogo da Collecção Numismática ^rtencente ao espolio de
Joaquim Gomes de Souta Braga»
Pelo Sr* Ferreira da Rosa ^ O Commentario.
Pelo Observatório do Rio de Janeiro — Boletim àUnsal —
de julho, agosto e setembro de 1905 •
Pela Societé Imperiale des Naturaliites de Mosoow -^
PuUetin.
Pela American Qeographical Society — BuUetin.
Pela Directoria Geral de Saúde Publiea -^ Boletim.
Pela Directoria de Agricultura, Viação, Industria e OlMras
Publicas da Bahia — Boletim,
Pela Societá Geograflca italiana — Bolletino.
Pelo Grande Oriente do Brazil — Boletim.
Pela Universidad Central de Quito — AíuOes.
Pela Geaellschaft fur Erdkunde su Berlio — ZeUschrift,
Pelo Instituto Nacional — - Para la prediccion dei Tiempo —
Diversos nsappas.
Pela Sociedade Nacional de Agricultura Brazileira —
Boletim.
Pelas respectivas redacções as seguintes revistas : .
Revista Commercial e Financeira^ Revista Medieo-Cirurgica
.fío Brazil^ Revista da Academia Cearense^ Revisía Trimensal do
Jnstiiutodo Ceardf Revista Militar»
ACTAS DAS SBSSQBS* DE. 1906V- 389
Pelas redaoQ0e0 os seguintes Jornaes :
Jornal do Recips, UETtoile áu St4d, Correio do Pof^, Diário
Officiol do AmoMonas, Portugal Moderno.
Pelo Sr. Dr. José Carlos Rodrigues — 4 volumes do pe-
riódico illustrado : O Nowf Mundo.
11^ SESSÃO ORDINÁRIA EM 6 DE AQOSTO DE 1906
Presidência de Sr, Marquez de Paranaguá, (i^ Vice~Presidente)
A*À 3 horas da tarde na sede social, presentes os Srs.
Marques de Paranaguá, Visconde de Ouro Preto, Max Fleiuss^
Alcibíades Furtado, Desembargador A. F. de Souaa Pitanga,
Arthur Guimar&es, Drs. Manoel Barata, Manoel Cícero, José
Américo dos Santosi A. da Cunha Barbosa, Alberto de Carvalho,
BarSo de Alencar, Rocha Pombo, Eduarde Marques Peixoto,
Conselheiro Cândido de Oliveira, Barão de Paranapiacaba e
Capistrano de Abreu; abre-se a sess&o.
O Sr. Furtado, 2^ Secretário, 16 a acta da sessão anterior,
a qual é approvada sem discussão .
O Sr. Fleiuss, 1» Secretario, diz que o expediente consta de
um convite do Instituto dos Advogados Brazileiros para a sessão
solemne do sexagésimo terceiro annlversario de sua fundação:
O Sr. Presidente nomeia, para representar o Instituto
nessa solemnidade, os Srs. Drs. Alcibíades Furtado, 2^ Se- '
cretaria, conselheiro Cândido de Oliveira e Dr. Manuel Cícero.
Logo depois, o Sr. Presidente eommunica, nos seguintes
termos, o falleciúiento do consócio benemérito commendador
Henrique Rafbrd, oooorrido no dia 4 do corrente nesta Capital;
« Senhores, contristado profundamente, vos dou a dolorosa
noticia do fallecimento do nosso prosado consócio commendador
Hónrique Raffard, admittido ao Instituto a 11 dê dezembro de
1885.
< Hdntem, ás 10 horas da manhã, assisti, em companhia do
Sr. P Secretario, Max Fleiuss e do consócio Dr. Manoel Barata,
como representante do Instituto, ao enterro do saudoso com-
panheiro no cemitério de S. João Baptista, tendo o Instituto
890 RBVI&TA BO mSTITUTO HISimUGO
depositado aobie o tuamlo uma grinalda oom o seguinte distioo :
O Instituto Histórico e Geographioo BrasHeiro ao «su sooio he-
nemerito Henrique Raffcard.
« Coroa de 15 annos o oommendador Henriqoe Raffard desem-
penhon o oargo de l* Secretario deste Instituto oom rara de-
dica^ e notável assidoidade. Foi membro da Gommissio de
estatutos e redacç&o e publicou trabalhos importantes de própria
layra, que ligam perpetoamente seu nome ao Instituto.
< No exercício do oargo dé P Secretario, o nosso saudoso
consócio foi um zeloso cultor das tradições e das glorias desta
iDstituição* e o Instituto assim o oomprebendeu quando o élerou
da classe de honorários & categoria de sodo benemérito, grande
honra que, pelos nossos estatutos, a bem poucos se pôde con-
ceder.
€ E, pois, proponho que se lavre na acta de hoje um voto de
profundo pezar, pelo ÍUleoimento do distincto consócio. >
O Sr. Alcibíades Furtado, S^ Secretario, pede entSo a pa^
lavra e, discorrendo em sentida linguagem sobre o Sr* Raílkrd,
propSe que em homenagem aos grandes serviços por elle
prestados ao Instituto se levante a ssssSo.
AsBim se resolve por unanimidade e o Sr, Presidente declara
que a nova sessSo se realisari na próxima segunda-feira, 13 do
porrente.
Levanta-se a sess&o ás 3 1/2 horas da tarde.
ÀLCDIAIiai Fdbtado,
S* StONUrio
18» SESSÃO OItDINARIA KM 13 DE AQOSTO DE 1906
Presidência do Sr. Marquez de Paranaguá (f* Viee-Pr&sidente)
A's 3 horas da tarde na sede social presentes os Srs. liarquei
de ParanaguA, Visconde de Ouro Preto, Bfax Fieinss, Alcibíades
Furtado, Desembargador Souza Pitanga, Arthur Guimarães,
Conselheiros Cândido de Oliveira e Souza Ferreira, Barão de
Alencar, Drs, Manoel Barata, Marques Pinheiro, António da
Cunha Barbosa, Alberto de Carvalho, Barão de Paraoaj^aoabv,
Rocha Pombo e Dr. Alfredo Nascimento, abre-se aseariU).
ACTAS DAS 8BS80BS DB 1906 891
O Sr. Portado, 29 Secretario, lê a acta da sessão anterior a
qual é approvada sem disoassão.
O Sr. Pleioss, l"" Secretario, commanioa que o expediente
eonsta do seguinte:
Officio do Qeneral OommaQdante da Força Policial do Dis-
trioto Federal, datado de 8 do corrente, enviando para o mnsen
do Instituto duas placas de ferro com os distioos — Bzpostos da
Santa Casa ns. 4Ô e 48, arrancadas das paredes internas do
ediílcio desse nome qne esta sendo demolido para alargamento
do quartel central de Polida.-- Muito se agradece o novo obse-
quio do Sr. General.
Circular do !• Secretario do Club Naval, commonieando
a mudança da sede do mesmo Club para a Avenida Central
n. 40.—- Inteirado..
CartSo do tSr. Dr. Francisco Ignacio X. de Assis Moura,
datado de 1 1 do corrente» enviando pezames pelo fallecimento
do Sr. Conselheiro Olegário.-- Muito se agradece.
O Sr. Furtado 29 Secretario lé as offertas.
O Sr. Presidente, communica, nos seguintes termos« o
iklledmento do Sr* Conselbeiro Olegário, Presidente do Insti*
tnto.
< Senhores — B* com o cora^ repassado de dôr e de
saudade que vos doa a infausta noticia do íálleoimento do nosso
Inolyto e querido Presidente, Conselheiro Olegário Herculano de
Aquino e Castro, no dia 10 do corrente, ia 1 1 1/2 horas da
manh&....
c A soa morte foi ama]perda immensa para o Instituto Histó-
rico qne elle tanto amou e para a pátria a quem servia darante
mais de meio século.
< A sua vida publica íbi nma serie nio interrompida de bons
serviços ao paiz. O seu nome, Já uma vez o dissemos, está ligado
a muitas das phases gloriosas da existência nacional, como
magistrado, como parlamentar e como administrador.
< O Conselheiro Olegário nasceu na Capital de 8. Paulo, a 90
de março de 18S8, defendeu these perante a Facaldade de Scien-
eias Juridicas e Sociaes daqneUa cidade, em 1848 e doutourou4n
em direito no anno de 1849.
j
3Ô2 REVI5TA DO INSTITUTO HISTÓRICO
« Segaiu a carreira nobilinima da magistratara, tomando
desde logo essa expressiva divisa-- Labor et honor.
€ Foi pois,86m duyida,um trabalhador incançarel e honesto.
€ Ck>m máxima dignidade e brilho desempenhou os seguintes
eargOB na magistratura, policia e administração:
«Promotor publico da comarca da capital de S.Paulo, (1849);
Juiz de Direito da comarca da capital de Ooyaz, (1854) ; da co-
marca de Jaguary, (1857) ; da comarca de Itapetininga» emSâo
Paulo, (1858) ; da 2* Vara Criminal da Corte, (1865); da 2" Vara
Commercial da Corte, (1866) ; Chefe de Policia effectivo das
provindas de Goyaz e de S. Paulo, (1855-1864); Chefe de Po*
lida da Corte, interino, por quatro vezes, (18Ô5-I86Ô); Desem-
bargador da Relação da Corte, (1873); Desembargador da
Relaç&ode S. Paulo, (1874) ; Procurador da Oorôa, Soberania e
Fazenda Nacional, interino, da Relação de S. Paulo, (1874);
Presidente da mesma Relação, (1875) ; Procurador da Coroa,
effectivo da Rela^ da Corte, (1883) ; Presidente da Província
de Minas Oeraes, (1884) ; Presidente da Relação da Corte, (1885) ;
Ministro do Sapremo Tribunal de Justiça,- (1886); Ministro
do Supremo Tribunal Federal, (1890); Vice-Presidente do
mesmo Tribunal, (1891) ; Presidente eleito do mesmo Tri-
bunal, em 1894 ; foi deputado á Assembléa Geral pela provinda
do 8. Paulo nas Legislaturas 13* e 17% (1867-1878).
< Por actos offldaes foram por diversas vezes reconhecidos e
louvados os serviços prestados ao Estado no exercido dos cargos
que occupou.
< Pez parte das oommissões nomeadas pelo Governo para o
exame da reforma da PoUda, (1881); da reforma judiciaria
(1882) ; do concurso para offlciaes de Justiça, (1883) ; para for*
mar um projecto de Código Civil Brazileiro, (1889) e para rega-
lar a lôin. 1030 de 1890.
« Publicou diversos trabalhos jurídicos e literários em avulso
e nas revistas : O Direito (de cqja redacção íèz parte desde 1873)
Qateta Jurídica o Revista Trimensal do Instituto Histórico e
Geographico Brazileiro para o qual entrou em 14 de julho de
1871, tendo exercido diversos cargos até o de Presidente para
o qual foi eleito em 1891 . Esci^eveu a Pratica da$ Correições^
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 ~ 398
Fàrmtâkírio sobre a marcha dos processos pollciáes^ regula*»
mentos, pareceres, relatórios, etc.
« Foi sócio correspondente da Sociedade de Geographia de
Lisboa ; membro honorário do Athenea de Lima (Peru) ; do
Instituto Geographioo Argentino e de diversas assooiações lite-
rárias e scientiílcas do Brazil.
« Profundo conhecedor do Direito, a saa opinião e o sen voto
foram sempre respeitados e segaidos de preferencia — Nobis
aliquando placebat ted in caMrarium mê voccU Papiniani Sen*
tenda,
« Como historiador e jarisconsulto, o Conselheiro Olegário
publicou trabalhos de subido valor.
« Foi um astro de primeira grandeza: na sua longa traje-
ctória deixou tragos luminosos que hão de durar sempre.
« Proponho, pois, que se lance na acta da sessão de hoje um
voto de profundo pezar pelo falleoimento do nosso benemérito
e saudoso Presidente Conselheiro Olegário H. de Aquino e
Castro.»
Pedindo a palavra o Sr. Visconde de Ouro Preto, 3° Vice-
Presidente, diz : < Senhores— Somos neste momento espectadores
de uina das inesperadas fatalidades do destino, fâo tiístesr mas
tão proficnas, por q'ie nos advertem da contingência e mi-
séria humana.
« Quando pela primeira vez tornámos a este recinto, tive-
mos de lamentar a ausência etorna de um dos nossos mais
prestimosos confrades, o antigo e operoso ex-l» Secretario do
Instituto tíistorico e Oeographico Brazilelro, que muito se esfor*
çou para a nossa actual installação.
« Ainda ma! soliditlcado o cimento da lapide fúnebre de Hen*
rique ttaffard, congregamo-nos aqui hoje novamente, o não mais
veremos o primeiro dentre nós pela posição, tanto como pelos
relevantíssimos serviços prestados, o venerando Conselheiro
Olegário Herculano de Aquino e Castro.
« Triste ironia da sorte I
« Deveríamos dirigir-lhe calorosos agradecimentos, exacta-
mente por nos encontrarmos em ediftcio adequado á nossa
missão e condigno das tradições de que somos guardas. A* sua
tM REVISTA DO INSTITUTO HISTORKX)
■olioitDde» áa nua diligencias, principalmente devemot podar
proaegair em nossos pacíficos trabalhos sem o risco do eamagsr
mento sob oa eacombroa de um tecto carcomido. B em tcc disso
aô noaé dado tributar*lhe aentido e InolTiYaTel aandade l
€ Se bem auxiliado por coLlaboradores dedloados« esta casa«
reconstruída e decorada* é em máxima parte obra do iilostre
flnadot gnKas ao seu prestigio perante os poderes pubUcos.
<Náo permittin o ílado que elle se extasiasse perante a reali-
lacio dessa obra; ella» porém, ahi está e ílcari attestando, atra-
yez dos tempos, quanto féz e conseguiu em prol do InstitutOi
qae, por tantos annos, presidiu com acerto e lustre.
€ As gerações fàturas hão^de acatar-lhe a memoria honrada
que pôde serrir de inoeutiro para o exacto cumprimento de
todos os doreres privados e públicos.
« Sim, senhores, o lllustre extineto, foi nio s6 hábil e inde-
fBSSo cultor da sdencia Jurídica e recto distribuidor de justiça,
mas lhano, aflável • beneficente.
« Era um bom e um Justo t
< Adherindo ás maniíéstaçQes propostas pelo Indyto Sr.
Prsaidente interino, peço licença para indicar que :
€ 1."^ 8^ apjNTOTada a delibera^ do digno 1<» Secretario
de fazer modelar em geaao o roato do nunca eaquecido eztlncto,
para ser depois feito o busto igual ao do3 outros Presidentes.
4c 8.^ Tomem luto por oito dfas os membroa da Mesa,
< 3.* Suspendam-se os nossos trabalhos.
O Sr. Pleiuss, 1« Secretario^ dii que ao ter noticia do fal-
laalmento do Sr. Praaidente Oonselheiro Olegário, immedia-
tamente mandou cerrar as portas do edificio e hastear em
fhneral a bandeira, enoommendar uma grinalda, que íbi depo-
sitada no ataúde, com o seguinte distico :— < Ao seu Inolyto
Presidente Oonselheiro Olegário, o Instituto Histórico e Oeo'
graphico Brasileiro », e incumbio o notayel esculptor brazileiro
Sr. Benerenuto Berna de modelar em gesso o rosto do lllustre
extineto, tendo-se a isto prestado aquelle applaudido artista
com o maior cavalheirismo. Em seguida, na companhia do sen
digno òoliega, S* Secretario Dr. Alcibíades Furtado, dirigiu-se
4 oaaa do morto, ahi permanecendo até alta hora da noite.
ACTAd DAS 8B88ÕB8 DB 1906 89ft
« No dia do entarro oompareoeram por parte do Instikito e
em Tirinde do convite offloial feito pela Secretaria desta Amo»
ciaçiOf publicado no /omoJ do Cèinm^oto, além do Sr* Preil<*
dente interino e dos Secretários, os consodos Qrs.Mannel Barata,
Marques Pinheiro, Miguel Carralho, Alfredo do Nascimento,
Manuel Cioero, Arthur Quimarães, Oonseiheiro Sousa Ferreira,
Alberto de Garyalho, acompanhando todos até à ultima morada
o corpo do yenerando Presidente.
« No cemiteriOtO orador, por designaofto do honrado Sr. Pr^
sidente interino, pronunciou as seguintes palavras que agora
repete, pois dessila que as mesmas fiquem gravadas nas pagi^
nas da Rêvisla t
« A grande dôr que todos nés do Instituto Histórico e
Oeographico Brasileiro eiperimentamos com a dsffgraga que
nos acabado íiarir, nio permitte eiternemos é beira do tumulo
do nosso muito amado Presidente tudo quanto sentimos e
quanto nos impunham as sqas qualidades insignes de saber e do
virtude.
« Creio que mesmo no circulodos asnssimples oonheoidos, a
morte do Conselheiro Olegário teri encontrado repsroiisno
pungitiva. B' que da bellesa de sua alma, do brilho do sen ta-
lento, grande e Justa era a líuna.
€ Com eObito, quem teve, como nós, a ventura de sua con-
vivência immedíata, pôde devaasar-lhe os primores do ooraçio,
únicos rivaes que deparavam os seus dotes de espirito*
< Nio se eiidirA Jimais de nossa memoria a sua figura que-
rida, proftmdamente querida, porque nelle enxergávamos ao
mesmo tempo o primeiro dos nossos pares e o maior dos nossos
amigos.
« Aliás o seu nome pertenoe à Historia Pátria.
€ Quem estudar a nossa vida sodal contemporânea ha de
forçosamente reconhecer o destaque desse varão, que durante
oinooenta e sete annos serviu á Pátria, desde o modesto cargo
de promotor até a culminância do Supremo Tribunal, e ser-
viu-a patenteando a varonilidade do caracter, o desvelo inex-
cedivel e a grandeza de uma capacidade cada vea mais fi>rta-
lecida pelo estudo.
896 REVISITA DO INSTITUTO HISTÓRICO
< Extraordinária é a falta que noB tae flizer, e só a com-
pensaremos recordando os saooessoi de sua longa eiistenda,
bebendo-lhe as proyas de civismo, admirando-Ihe as demons-
trações do talento.
« Assim comooheróethebanoque a historia jamais esquese,
o Conselheiro Olegário deixa o seu nome ligado a duas insti-
tuições que hfto derepetil-o oom reverencia e saudade — o Su*
premo Tribunal e o Instituto Histórico, de que como I« Secre-
tario sou neste momento humilde interprete.
4. Nessas duas casas, onde se pratica a justiça dos actos e a
justiça dos acontecimentos, a sua individualidade ha de pairar
perpetuamente como um symbolo angusto do Bem. »
Por ultimo fallou o Dezembargador Sousa Pitanga, que
começou declarando ter sabido tardiamente da morte do Conse-
lheiro Olegário, e que não compareceu ao enterro por motivos
alheios á sua v<mtade ; communica, porém, ao Instituto que teve
hoje occasião de, na Corte de Appella^, render homenagem
ao illustre follecido, recordando a raa longa vida e serviços
oteis prestados á Pátria.
« Acabou por julgar-se dispensado de referir-se ao morto
mais largamente, não só porque nada tinha a accrescentar ás
palarras proferidas pelos que o hariam preoedido, como tam-
bém porque lhe será conferida essa honra quando tiver de se
occupar dos sócios íkllecidos, por oooasiSo da sessfto magna anui-
versaria.»
O Sr. Presidente nomeia a seguinte commisriUi, para- dar
pezames á, família do Sr. Conselheiro Olegário e assistir com a
Directoria aos actos religiosos : Srs. Visconde de Ouro Prato,-
Baifto de Alencar e Barfto de Paranapiaoaba.
Em seguida o Instituto approva por unanimidade a pro-
posta do Sr. Presidente e as do Sr. Visconde de Ouro Preto.
Levanta-se a sessão &s 4 horas da tarde.
ÀLOIBIÁDaS Foktádo
8« SeoM^ario
OFPBRTAS
Pelo Ministério da Marinha — Boletim da Repartiòão da
Carta Maritima^ í ^oh
ACTAS DAS SB$SOBS DE 1906 , 397
Pela Amerioan Geograpbical Sooiety — BuUeUn.
Pela Société de Géògraphie de Genòve -^ Le Globe. '
Pelo Sr. Capitio de liar é Gaerra António Alves Gamara
f— O mangan0í no E$tado da Bahia»
Pela Real Sociedade Geográfica de Madrid — BoMin.
Pela Sooiétô des Btades-Indo-Chinoiaes da Saigon^Bulhtin .
Pela Soeióté Internaoionale de Science Soeiale — BuUetin^
Pela Prefeitura do Distrioto Federal -^Consolidação dai
Leis e Posturas MunMpaeà.
Pela Societá ÀMcana dltalla — BolleHno.
Pela Real Academia de Sciencias Exactas, Fiéioas y Nataran
ie0 de Madrid — Revista.
Peia Sociedade de Geographia de Lisboa — Boletim. >
Pelo ArchiTo Pnblico Mineiro ^ Revista.
Pela Oonunisslbo Geographica e Geológica de S^ Paulo -^
Boletim n. Í8, .
Pelo International Bureau of Washington — BuUetin.
Pelas redacções as segaintes 'revistas *^ Sociedade Seién*
tificà de S. PdulOf O Gommentario, Revista Commercial e Finan^
ceiraé
Pelas redacções os jornaes: Le Nouveau Mande, Diária
-Òffieiah Jornal do Reúi/e.
PelosocloSr. Dr. Evaristo Nunes PireB-- Revista. Dida^
etioa ns. i, 2, ^, e A Inspiração folha, scientiâea e literária
do CoUegio Militar.
Pelo sócio Sr. Dr* Felisbello Freire — O Economista Bra»
tUeiro^ Revista de economia, ânanças, politica e literáturaV
Pelo Musea Goeldi — Boletim ^
PelOBocio Sr. Dezembargadoí^ António Ferreira de SouzA
Pitanga ^ Impressões da Epidemia^ por António dá Cruz Cor^
deiro ; Juncção^ do Amazonas ao Prata ; por Eduardo de Moraes^
' Efòpioraçko em Matio-Qrosso, Minas dê Póconi.
Pelo Sr. br. Alcibíades Furtado, 2<» Secretario —^ Correio
Braj«í<dn5e, demarco de 1809. '
M6 RBVISTA DO INBTITirrO HIBTORIGO
DEGIliA TERCEIRA SESSÃO ORDINÁRIA EM 20 DE AGOSTO
DE 1906
Pr0$tíímcia do Sr. Màrpiêz ie Paranagyd ( i« Yic&^PtêÊUmiU )
A*t 8 bOTM da tarde, na iéda godai» praiaiites oi Srs.
Masques de Panatagnà, Burio Homeia de Mello, Viaeonde de
Ottro Preto, Max Fleimi, Alotbladw Portado, Denmbargador
Sou» Pitanga, Dri. Manoel BaiaUt Manoel Gleero, Gunlia Bar*
bosa. Rocha Pombo, Marqnee Peixoto e Alberto de Garralho,
abre*ee a sanio.
O Sr. Fartado, 2<' Secretario, lé a aeta da sesdLo anterior, a
qual é approvada sem dleonsalo, e em seguida as olbrtas.
O Sr. Visoonde de Oavo Preto daolara que por indioagio de
um de seni soeioe, o Dr. Severiano da Fdnseoa, se nio lhe en*
gana a memoria, o Institato deliberou que a cadeira em que o
Imperador se sentava quando presidia as seMfies permanecesse
mápêrpêkMm na mesma follocai^, sem ser oooupada. Repa-
rando agora que a Direolovia retirou a referida cadeira do kfar
designado, redama contra tal procedimento e desc()a saber se
houTU deliberaçSo posterior do Instituto a respeito, requerendo
que se oonsulte a casa se mantém ou revoga a primitíTa indi»
O Sr. Furtado, 2^ Secretario, pede que seja ouvido solure a
redama^ o Sr, 1« Secretario.
O Sr. FUiUBs, l« Secretario, iô entSo as actas dae sassOes de
7 de dezembro de 1801 e de 9 da deiembro de 1892 e oommunica
ao Instituto que a cadeira do Imperador não sofflreu altera<^
alguma em sua coUoca^ t qcenpa a cabeceira da mesma
mesa da sala onde tinham legar as sessões e ta^je destinada &
leitura.
O Sr. Visconde de Ouro Preto insiste na sua reclamaçio e
no pedido feito para qne o Instituto resolva a respeito, porquanto
é na sala das sessões que deve ser coUocada a cadeira, se bem
se recorda.
O Sr. Furtado, 2^ Secretario, pede a palavra para propor a
adopç&o de uma providencia que termine a questão e Id o se-
ACTAS DAS SESSÕES DB 1906 M9
gainte reqnerimento, a qae adhere o Sr. Visconde de Oaro
Preto e que 6 em segalda approrado ananimemente:
«Proponho que a solugSo do reqnerimenio do Sr. 9* Vlo^
Preeldente, Kxm. Sr. Visconde de Ouro Preto, fique adiada,
afim de que a Directoria, examinando ae actas das seseides, possa
resolver sobre o pedido oa redamaçio. »
O Sr. Pieiuss, 1* Secretario, oommunica que se acha na ante-
sala o Dr. i^ugnsto de Lima, admittido em 9 de setembro de
1901 e pede a nomeaçSo de uma commiariLo para introduzil-o no
.recinto.
O Sr. Presidente designa para acompanharem o Dr. Au-
gusto de lima os Srs. Mu Fleiuss e AldUades Furtado, 1* e8*
Secretários*
Sntra no recinto e toma posse o Dr. Augusto de Uma.
O Sr. Presidente dirige>lhe a seguinte alloeucSo:
€ Sr. Dr. António Augusto de Lima:
€ O Instituto Histórico e Geographioo BrazUeiro tos acolhe
hoje com o mesmo prazer com que recebeu, ha cinco annos, o
vosso magnifico trabalho denominado: Um municipio de auro^
esoripto especialmente para a admissSo nesta casa.
«A Yosaa reputação não só oomo inspirado cultor das musas,
mas como Director do AiohiTo Publico de Minas Geraes e as
Tossas excelientes qualidades Já vos tomaram credor da nossa
estima que, por certo, será augmentada com a vossa presença.
€ Penetrando neste recinto vereis que o Instituto Histórico e
Geographico BrazUeiro estranho ás lutas politicas e querellas
partidárias, mereoe o amor dos que sabem pesar os grandes re-
positórios onde se guardam e estudam os subsídios mais seguros
da historia pátria.
€ B' uma associação — o vosso esclareeidoespirltò o reconhe-
cerá— que tem largas e honrosissimas tradições e que as
mantém com escrupuloso edio, provando a cada passo a utilidade
da sua existência e a dedicação de seus membros.
< Para nós é sempre um dia de verdadeira festaquando ap-
parece um novo companheiro oomo vós, recommendavei pelos
melhores attribntos do talento e amor ao trabalho.
< Séde« pois, bemvindo ! »
400 RBVISTA pO INSTITUTO HISTÓRICO
O Sr. Dr. Augn^to de Lima responde dos seguintet termos:
€ Sr. Presidente. Srs. Membros do Institato— Não fosse a
▼oflsa generosidade para oommigo, encarecida por instancias
de amigos para que me acliasse nesta solemnidade* darante os
breves dias de minha estada nesta Capitai e a minha timidez
nataral continuaria a procrastinar eqte momento, que sempre
me parecia de enorme responsabilidade, pela honra de coinpa-
reoer perante tós sem os attribntos que em mim presamieis.,
4c O discipnlo chamado para o grémio dos mestres n&o sente
emo^ mais perturbadora, em seus contrastes de des^o e
receio, do que a sentida por mim, ao receber a gentil notifl«
cação dos vossos sentimentos a mçu respeito.
« O considerável lapso de cinco annos, decorridos da eleição
com que me distinguistes até á. minha entrada neste venerando
recinto, encontra no estado de alma, qae acabo de iadicar, nma
justiâcação sufflciente para os que conhecem de perto o xnea
temperamento. E permitti-me lembrar- vos que, qoando çutra
fosse a disposição do meu animo, por uma feliz coincidência» o
mesmo f^to que me inipedio aocudlsse innmedla,tameoto ao
vosso chamado, iniciou-me nos gratos assamptos que coDsUtneai
a especialidade deste Instituto .
€ Foi num dos departamentos da soberania do nosso saber,
foi no Archivo da mioha terra natal, que, logo após os vossos
sulfragiosattrahiodo-me para ca, alli me reteve o Oovenio de
Minas, prestando assim, segando penso, de modo virtual, a
mais justa homenagem aos vossos suffi^agios. *
« Entrando immediatamente em relações comvosco pela per-
muta da vossa Revista com a do Archivo Publico Mineiro» pra*
ticando diurna e noctnrnamente com o que .eu. imagino ser o
génio do passado, occulto nas paginas amareiiecidaii dos códices
e cimelios, eu me julgava talvez com rasfto, q^asi. desobrigado
4e. apressar uma investidura oeremonial» estando já de faota o»
vossa commuDhão.
« B bem mereço os parabéns pela. demora, chfiiraDdo agora
á cidade do Rio de Janeiro, no pleno esplendor de uma nova^ci-
vilizâção, constituída de todos os elementos, do prpgcesso social
da nossa época.
ACTAS DAS SBSSOB3 DB 1936 401
« 08 8eu3 melhoramentos materiaes a transformam em pa-
raíso da America.
< A sua oultara politioa está assegurada pela eleyai^o de
vista das classes dirigentes e pelo espirito ordeiro, pacifico e
esclarecido da sua população. B para remate da sua missão
liistorica Junto do mar, ras^a-ae em seu seio a larga avenida
que dará acceeso a iodas as nações da torra para o ideal de paz
no continente americano» avenida cuja representação topogra-
phlca vemos realizada nessa faixa esplendorosa e palpitante de
vida, cora qae o poder da vontade de um homem superior
cinge entre as aguas de Quanabara a cidade de Bstacio do Sà.
« Felizmente para mim venho no momento metamorphioo, .
talvez marco millenarlo de duas civilizações* uma que termina
e outra quo começa a sua evolução.
« Esta circumstanda muito convém ás minhas condições
p)8soaes neste Instituto, a cujo seio tão generosamente me aco-
lheis.
«Ainda não sou postivamente um velho, mas evidentemente
já não sou um moço. Acho-me, portanto, nesse ponto médio
da vida em que nem se tem adquirido a completa serenidade
garantida externamente pelo diadema das cans, nem perdido
os últimos calores do enthusiasmo juvenil.
«Posso, portanto, venerar sem fettchismo as cousas do pa»->
sado e abrir a alma confiada ás aspirações do fiituro sem 88
vertigens da utopia.
« Nem de outro modo vejo que tenha sido a situação moral
- e social do Instituto Histórico Brazileiro, cuia, evolução se
identifica, desde o seu começo, com a da nossa nacionalidade,
infundindo nas gerações, que por elle têm passado, este
sentimento de unidade histórica e de integridade territorial,
que forma, no espaço e no tempo, o próprio sentimento da
Pátria.
« E* nasta linha de continuidade ininterrupta, deixando á
margem todas as vicissitudes politicas, que se percebe a phy*
sionomiai inconfundivelmente individual, de uma nãçfiio. Bate
resultado, que não pôde ser conseguido pelas leis ou pelos de-
cretos, aetoa politioos» que são e padecendo da precariedade da
4323-26 Tomo Lxix, p. u.
402 REVISTA DO IN8ITTUT0 HISTÓRICO
sua origem sempre mutável, só o pôde prodazir a oonvergencla
de esforços iotellectuaes permanentes, para a boa guarda das
tradições do povo, n&o interpretada através das urnas políticas,
mas perscratando intimamente nas suas inclinações natnraes,
nas seus antecedentes históricos, na sua religião e na sua cul-
lura civica e moral.
«B^fta casaé o mais autorizado centro dessa convergência.
«Outros núcleos congéneres, igualmente beneméritos em
esforço, patriotismo e elevação cultural, não lhe disputam essa
preeminência culminante oreada pela prova de 68 annos. Os
vossos trabalhos sâo thesouros accumulados para a nossa Histo*
ria, que a Revista do InsUttao está fazendo annualmente, com a
collaboração das summidadas inteilectuaes do paiz, e do tal
modo, que, sem exaggero ou lisonja, se pôde afflrmar que, do
alto da vossa visão soberana, dominaes toda a oordilheira do
nosso passado.
« Aqui proferis as vossas sentenças sem as preoccupaçSea
intensas do dia. O ruido dos acontecimentos de fora chega
a este recinto em ecos amortecidos, e é quando estes cessam de
todo que começais a julgal-os.
«O vosso juizo tolera todas as opiniões com a ooodi<^o de
trazerem o cunho da boa vontade, reservando-vos para profe-
rir a ultima palavra, que é a da verdade histórica. Não discernis
no turbilhão dos siiccossos o que deve ser senão o que ^, e a vossa
d cisão suijrema ú sempre tomada debaixo do ponto de vista
humano, S3m superstições de seitas ou paixões de partidos.
£ é por is^o que a vossa missão tem sido ó e continua a ser o *
sagrado ministério da nossa formação nacional, rio immenso
que abre o seu leito generoso â confluência e Aizao de todas as
raças do globo, sem reoeiar os perigos que o nativismo enxerga
visionariamente nas levas civilisadoras enviadas ao nosso lar
pelas nações amigas.
«Senhores, eu penso, e este óo lado moço da minha alma que
a natureza, deixando o nosso paiz coinpletameote aberto aos
mares, tornando por isso mesmo impossível o predomínio de
nma nação invasora, mostra o desígnio da Providencia em fazer
áelle o lar de um typo superior de naioioíiaildade» íbrmaáa des
ACTàS DA$ aBS8QP8 PB 1906 AÚ8
elemeatop aeloocJ^onadiM origiaaa« e adquiridos em taiãp ao
isalar dos trópicos.
«Neste ponto, permitti que termine i^om um voto o meo
disourso: é que ató essas remotas eras do Aituro, aobreaadando
a todas as transfusões do sangue das raças, permaneça aioda o
Instituto Histórico e Qeographico Brasileiro como o depositário
sagrado da unidade da nossa iiugua e do seotimento sempre
o mesmo, da Pátria, que é hoje nossa e será dos uossos yin.
deuroi* »
Q Sr. Desembargador Souza Pit^ngfk, orador, diz que dese-
java ach^r-se corai melhor predisposição de espirito para poder
roàpoQder a oração briltxante do inspirado poeta Augusto Lima,
irmão gémeo pelo talento de TbeQphilo Dias, digno prefaciador
do seu trabalho de estréa e ai ma peregrina que ainda hoje
occupa logar saliente na pQOSia de Uiissa terra, e que herdou de
Gonçalves Dias, seu illustre tio, o suava lyrismo que de seus
Tersos diâue.
« Foi em Minas, abençoada terra de ^eu nascimento, que o
Dr. Augusto de Lima escreveu a curiosa memoria que lhe dQU
ingresso nesta casa. Não podia o talentoso consócio achar as-
sumpto de maior interesse do que aqueile que escolheu — um
Município de Ouro^ historia de um trecho desse glorioso torrão
mineiro, tão illustre pelos feitos de seus filhos.
4c O Dr. Augusto de Lima conciliou na sua interessante me-
moria, ao mosmo tempo, a veneração do passado e a esperança
do ftituro.
« Termina dizendo que o Instituto rejubila-se sempre que
acolhe em seu seio homens do valor moral e intellectual do quo
hoje recebe.»
O Sr. Furtado, 29 Secretario, lê as seguintes propostas :
€ Propomos para sócio correspondente do Instituto Histó-
rico o Sr. Dr. João Felippe Pereira, illustre lente cathedra-
tico da nossa Escola Polytechnica, ex-Ministro, ex-Pref ^ito do
Districto Federal, servindo de base para sua admissão o seu
trabalho sobre a Commissão Hydrographica no Ceará, de que
fizeram parte os Srs. Barão de C^panema, Freire Aliemão, Pa-
]toglia e Oonçalvai. ^''
404 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Rio« 20 de Agosto dA 1906.— Mam PMuts.^ Homem de
Mèllo.'^ Sousa Pitanga.-^ Manoel Barata.— Augusto de Lima,'^
Eduardo M. Pettcoio
Vai á, Gommiano de Qeographia, relator o Sr. Rocha
Pombo.
< Propomos seja admittido como aocio oorrespoQdente deste
Instituto o Sr. Dr. Gloris Beviláqua, distinoto homem de lettras
e notayel Jarisoonsiilto, professor cathedratioo da Faculdade de
Direito do Recife e consultor jurídico do Ministério das Re-
laçOes Exteriores, servlndolhe de titulo do admissão oe seus
diversos tral)alho8 históricos e jurídicos.
Sala das sessdes do Instituto Histórico, 20 de agosto de
1906.— Alcibíades FS/iHado,-- António Augusto de lÀma.-^ A.
F. de Sousa Pitanga.^ Barão Homem de Mello. -^ Manoel
Cicero.— Max Fleiuss.'^ Manuel Barata. »
Vai & Commissão de Historia, relator, — o Dr. Leite Velho.
O Sr. Fleiuss, 1« Secretario, lô o seguinte parecer da
Commiêsdo de Admissão de Sócios: cOs títulos om que se ba-
seia a proposta para a admissão do Sr. Dr. D. Daniel Gar-
cia Acevedo, como sócio correspondente do Instituto, são por si
sós suffldentes para attestarem sua idoneidade. O Sr. Dr. D.
Qarcia Acevedo ô membro de uma das mais illustres famílias
do Estado Oriental do Uruguay e elle próprio occupa sa-
liente posição nos círculos scieatíficos e lítteraríos, bem como
na sociedade do seu paiz.
«Provado, como se acha, pelo parecer da Commissão de His-
toria o merecimento do trabalho que oflèreceu ao Instituto e
que tem por título : Contribuicion ol estúdio de la cartografia
de los paises dei Rio de la Plata^ a Commissão de Admissão de
Sócios é de parecer que seja approvada a proposta que o apre-
senta para sócio correspondente do Instituto Histórico e Geo-
graphico Brazileíro.
Sala das sessões do Instituto, 6 de agosto de 1906.— Barão
áô Alencar, relator, Manoel Barata.-^ Manoel Cicero. »
Pica para ser votado na próxima sessão.
O Sr. Desembargador Souza Pitanga, em sqpiida lin-
gtiagenii propõe que ie envie unoa moção ao Sr. Hevia Ri*
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 405
quielme, nosso oonsocio e Ministro do Chile no Brazi], mani-
festando o pezar do Institato Histórico pela catastroplie qua
acaba de occorrdr em sea paiz, cuja amizade pelo Brazil ó tfto
sincera quanto tradicional*
O Sr. Dr. Manoel Barata faz idêntica proposta para que
se envie uma mensagem & as:K)ciaçSo congénere do Chile,
O Sr. Furtado, 2^ Seci*etario, propõe que o Instituto envie
condolências, também, ao Sr. Valentin Letelier, na qualidade
de representante da intellectualidade chUena e como bisto-
riador eminente que ó Director da Universidade de Santiago.
SSo todas as propostas approvadas por ananimidade.
O Sr. Pleiuss, l"* Secretario, propõe um voto de reconhe-
cimento ao Gabinete Portugaez de Leitura, que com o maior
cavalheirismo, durante três mezes, franqueou as suas salas
para as sessões do Instituto, em vista das obras por que passou
o ediâcio social.
A proposta ó approvada por unanimidade, ficando incum-
bido o 10 Secretario de communioal-a k Directoria do Gabi-
nete.
Pede em seguida a palavra o Sr. Alcibíades Furtado, 2^ Se-
cretario, que procede á leitura de um trabalho sen,
O Sr. Presidente nomeia para preencher as va^as exis-
tentes nas Ck)mmissões de Admissão de Sócios e de Geographia
os Srs. Dr. Miguel Joaquim Ribeiro de Carvalho e José Fran->
cisco da Rocha Pombo.
Levanta-se a sessão ás 5 hora» da tarde.
Alcfbiades fS*rtado
2o Seoretarlo
DECIMA QUARTA SESSÃO ORDINÁRIA EM 3 DE SETEMBRO
DE 190Õ
Presidência do Sr, Marquez de Paranaguá (i^ .Viee-Presidente)
A's 3 horas da tarde, na sede social, presentes os Srs. Mar*
quez de Paranaguá, Barão Homem de Mello, Visconde de Odro
Preto, Max Fleiuss, Alcibíades Furtado, Arthur Guimarães, Con-
selheiro Cândido de Oliveira, Barão de Alencar, Drs. Manoel
406 RBVreTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Barato. Manoel Cicero, José Américo dos Santot, BarSLo de Para*
napiaeaba, Bduardo Marques Peixoto e Rocha PombOt abro-se a
seesfto.
O Sr. Furtado, 2« secretario, lê a acta da ses^ anterior, a
qnal é appruvada sem debate.
O Sr. Presidente nomeia o Sr, Dr. Manoel Cicero para sub-
stituir o orador, desembargador Souza Pitanga, que, em cartio
dirigido ao Sr. Dr. bibliotlieoario do Instituto, participou que
por Justo impedimento nEo podia comparecer.
O Sr. Pleluss, l^ secretario, procede á leitura do expediente:
Offlcio do sócio Anselmo Hevia Riquielme, Ministro do Chile,
agradecendo nestes termos o voto de pezar do Instituto pela
oatastrophe que ultimamente enlutou o Chile:
« Petrópolis, 25 de agosto de 1900.— Seííor 1* secretario:—
Me he impueeto do la atenta nota fecha de ayer en que Ud. se
sirve comunicarme que el Instituto Histórico i Geográfico Brasi-
lero, de que Ud. es mui digno Secretario, en su sesion dei 20
dei corriente á indicacion dei Seilor desembargador António Fer-
reira Souia Pitanga, aoordó unanimemente expresar-me los
sentimientos de peear dei Instituto por la iamentoble catástrofe
que aoaba de enlotar á Chile, repercutiendo dolorosamiente en
todo el mundo ciyilisado i principalmiente en el Brasil, atenta las
condiciones de amistad i simpatia que ligam á nuestros dos
paises.
«El Instituto Histórico i Geográfico Brasilero, esta doota Cor-
poration que cuenta en su eeiio tantoe espíritos distinguidos i
cultos, ha querido tamMen asociarse ai dolor de los Chilenos, i
ai haoerlo, invoca en términos mui delicados la particular
amíatad i simpatia que ligam ai Brasil i Ghile.
«Esos sentimientos de pesar asi como los ardientes votos que
el Instituto formula para que la Providencia reserve mejores dias
a mi pais, obligan proAindamiento la gratitnd de los Chilenos.
«Qoiera Ud. Sefior seeretario transmittir mis agradeeimi-
entos a los Se&ores mlembros dei Instituto i aceptar Ud. mis
ientimienios de alta e distinguida oonsideradon.— Anselmo
Hevia Riquielme — Sefior secretario dei Instituto Uistortoo i Geo-
fráfloo Brasilero»*— Inteirado*
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 407
— Offloio da Secretaria do Congresso Legislativo do Estado
do Maranhão, pedindo remessa de livros para sua bibliotheca.—
AttenJer-se-ha opportanamente.
— Cartão do consócio desembargador T. Q. Paranhos Mon-
tenegro, enviando pezames pelo fallecimento do conselheiro Ole-
gário de Aquino e Castro, presidente do Instituto.— Muito se
agradece.
— Carta do consócio Dr. Joaquim Nabuco, concebida nestes
termos:€Sr. Presidente, Rio 31 de agosto de 1906. Rogo a Y.
£x., a âneza de apresentar os meus mais sinceros agrade*
cimentos ao Instituto pelo voto que em sessão de 17 de Junho
de 1904, elle consignou em sua acta em louvor do desempenho
que dei á minha missão janto ao Rei da Itália na questão de li-
mites com a Quyana Britanniea. Aquella honrosa manifestação
deixou de me ser presente por moti?o que eu não poderia hoje
averiguar, mas o Instituto avalia bem o praser que ella me teria .
causado, então, como me causa» hoje, o conhecimento delia.
« Todos 03 meus votos acompanham sempre a histórica insti-
tuição que V. Ex. preside, por ser ella o único abrigo das nossas
tradições nacionaes. Creia- me V. Ex.» com a maior conslde*
ração e mais elevado apreço de V. Bx., muito attento venerador
e criado Joa^un Nabueo.vi
O Sr. Fleiuss, I* Seoretai*io, expiiea que essa carta oonstitue
resposta de outra que a Secretaria do Instituto dirigia ao Dr. •
Joaquim Nabuco transmiitindo cópia da mensagem a que ella se
reíére.
O Sr. Fleiuss, r Seoretario, lô ainda as ojQTertas e comma-''
nica em seguida ao Sr. Presidente que se acha na ante-sala o
sócio Dr. Sebastião de Yaseoncellos Galvão. O Sr. Presidente.
designa os Srs. P e &> secretários para introduzirem na saia das
sessões o Dr. Sebastião Galvão, que dã eatiBda e em seguida
toma assento.
O Sr. Presidente dirige-ihe a segointe allocução:
€ Sr. Dr. Sebastião de Vasooncelloa Galvão. O Instituto Histó-
rico e Geographico Brasileiro vos recebe hoje com o mesmo sea*
timento de sympathia com que vos admittio ha seis annos, em
sessão de 2õ de Outubro de 1900. Por aquella oooasiãe Já tiveram
408 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
mereeido louvores os rossos trabalhos de ioyestigador que n&o
desanima, nem se afasta da verdade, seu uuico ramo. NSo vos
attrahio o género leve da fantasia ou do sonho; preferistes, em-
bora moQO, trilhar a vereda da scienoia e imprimir aos vossos
trabalhos o cunho da exactidão, que só se consegue com aturado
estudo. Se agora mesmo o Institato tem o prazer de vos acolher
é porqne viestes de vossa terra para entregar & publicidade uma
das mais importantes das vossas olNras— o Diccionario Chorogra-
phieo e Oêographico de PernambueOt que estíl reservado para
mostrar ao pais a opulência dos vossos ooahecimentos techaicose
a importância do Estado de que vosorgulhaes de ser filho.
Sede, pois, bem vindo.»
O Dr. Sebasti&o de Yasooncellos GalvSo responden nestes
termos: «Bxm. Sr. Presidente, Srs. Membros do Instituto Histó-
rico e Oêographico Brazileiro. Honrou*me esta Associa^ tendo
a bondade de eleger-me sócio correspondente.
€ Esta elei^ só pôde ser traduzida por immensa generosi-
dade de seus iUostres Membros, pois a consciência m'o diz que
as minhas habilitações nSo me levariam i estulta preten(}io de
maglnar pertencer a um grémio t&o escolhido e distinoto. Per-
nambucano, tendo inclina^ para estudos de geographia e his-
toria de meu paiz, desde muitos annos já acostnmei-me a ad-
mirar este Instituto, mesmo da longe, onde eu vivia, lendo
sempre sua curiosa Ref>ista e apreciando seus iliustrados e ope-
rosos sócios. Em condições taes, qual nio deve ser meu prazer
e orgulho, vindo assentar-me & vossa mesa, ao lado dos mestres,
e tomar parte em vosso convívio literário.
< Acho-me temporariamente nesta grande, encantadora e
prospera capital; aproveitar-me- hei da minha curta residência
aqui para em vossa Thebaida de sábios tracer-vos noticias his-
torico*geographicas de minha querida terra natal. Devotado por
prazer aos estudos de semelhante natureza aqui não ficarei oci-
oso. Estudarei, mas estudarei quanto me ÍOr possível ; e, na at-
mosphera de vosso meio, com a irradiação de vossas lu^^, apren
derei muito e também me sentirei mais forte para proseguir-
na estrada dos estudos e assim melhor coUaborar comvosco.
€ Bxm. Sr. Presidente. Não me propus fkzer discurso acade-
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 4Ó9
mioo, fallece-mo a competência, faltou-meo tempo. Fallo tão so-
mente por dever regularmentar. para corresponder respeitosa-
mente a essa deliciosa e eloquente saudado rocipiendaria, Exm,
Sr. Presidente, Srs. Membros do Instituto Histórico e Geogra-
phico Brazileiro, dignem-se de acceitar os protestos do meu mais
acrisolado agradecimento.»
«O Dr. Manoel Cicero, servindo de orador, diz qne estando
ausente o Dezembargador Souza Pitanga foi escolhido para em
seu lugar saudar o recipiendarlo, substituição que por corto não
foi feliz, mas não lhe fora licito rocusar-se á determinação da
presidência.
«Não tinha havido generosidade da parte do Instituto, como
disse em seu discurso o Sr. Dr. Vasconcellos Galvão. Os seus es-
tudos geographicos e históricos, os sous trabalhos Já publicados,
entre os qaaes se salienta o Diccionario ChorographicOf Eitiorico e
EsMiêtieo de Pernambuco, trabalho de incontestável valor o
único que modernamente appareceu sobre o assumpto, depois do
que publicou Monsenhor Costa Honorato, jã ha muito o haviam
recommendado á attenção do Instituto Histórico.
«Outras associações congéneres já o tôm admittido no seu
seio, como o Instituto Archeologioo e Geographico Pernambu-
cano e o Instituto Geographico e Histórico da Bahia, do pri-
meiro dos quaes ó sócio benemérito. As suas qualidades moraes
e intellectuaes são bastante conhecidas no Recife, ondo exerce
com competência as ftincçôes do inspector da lostrucção Pu-
blica Municipal. Tantos títulos o rocommendam sufllciente-
mente e são a garantia dos serviços que ao Instituto Histórico
poderã prestar o novo sócio, que certamente não recusará a
sua proveitosa oollaboração. O Instituto rejubila-se, pois, com a
entrada auspiciosa do Sr. Dr. Sobastião de Vasconcellos Galvão
e sauda-o por intermédio do orador.»
O Sr. Presidente declara que vai ser lido o parecer da
Directoria sobre a reclamação feita na sessão de 20 do agosto
pelo Sr. 3° Vice- Presidente, Visconde de Ouro Preto, relativa
á cadeira do Imperador.
O Sr. Furtado, 2» Sscretario, faz a leitura desse parecer,
concebido nestes termoi|.
410 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
« A Directoria do lostitato Histórico e Qeographico Braâ-
leiro, tomando no mais elevado apreço, oomo era de rigaroea
justiça, a reclamação apresentada em sessão de 20 deste mea
pelo illustre B^ Vice- Presidente, Bzm. Sr. Visconde de Ouro
Preto, relativamente à collocação da cadeira em que se sen-
tava o Sr. D. Pedro II, quando presidia ás sessOes do Instituto,
veriílcoa após detido exame também procedido pelo Sr, Dr. Bi-
bliothecario ;
«~ que em sessfto de 29 de novembro de 1889 o Sr. Dr. Jofto
Severiano da Fonseca propoz « em quatUo fosse viw) S, M, o Sr,
D. Pedro de Alcântara a cadeira se c:nservasseinoccupada e cO'
berta por um vêo. » ( Vide Revista Trimensalt tomo LH, parte
II. pag. 538), proposta essa unanimemente approvada;
«— que em sessão extraordinária de 7 de dezembro de 1891,
por occasifto da morte do Imperador, o Instituto approvou,
varias medidas demonstrativas de seu pesar e entre estas a de
cobrir-se de crepe durante um anno a cadeira em que se sen-
tava Sua Magestade para presidir às sessões do Instituto (Vide
Revista Trimêfisal^ tomo LIV pag. 300) ;
« — que em ses^fto de 9 de dezembro de 1892 deram-se os
seguintes íáctos narrados & pag. 418, tomo LV, parte II daRs-
vista Trimensal ;
cBm seguida o Dr. César Marques apresenta o seguinte
« requerimento:
«Está acabado o anno de luto pela morto de S. M. o Im<-
« perador, e por isso requeiro que se tire o crep j, que envolve a
€ columna, onde na sala principal está o seu busto e que o mesmo
« se faça á cadeira onde se sentava elle, sendo esta e o estrado
« em que se acha removidos para o salão D. Theresa Chrlstina.
€ Requeiro que nas costas da cadeira seooUe um rotulo, as-
« signado pelo nosso presidente, declarando o flm que estes obje-
«ctos tiveram em quanto residio entre nós o Sr. D. Pedro II.
€ Roquoiro tambom que da seguinte sessão em diante o Pre-
« sidente do Instituto occupe a cabeceira da mesa, como ó de
«costume em todas ss sociedaies congéneres.
€ Sala das sessões do Instituto Histórico, em 9 de dezembro
€de 1892.— O sooio honorário, Dr. César Augtisto Marques ^^
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 411
< Snaoltando-se longa disoasaio sobre este requerimento»
« re8olye-«e deixar por emquanto tudo como está e só posterior-
« mente deliberar sobre o qae convóm ílsizer. »
<— que nos estatutos upprovados ein sessão de 1 de agosto
de 1890 ha a seguinte dispoeicio no art, 50:
<£m todas as sessões o Presidente oooupará o primoiro
« logar & direita da mesa, tendo ao seu lado o 1<» e o 2** Secreta^
« rios, o Thesoureiro e o Orador, e ficando em frente os três Vice-
« Presidentes, por sua ordem, e os Secretários gupplentes. Todos
«os outros membros se assentarão promisouamente. »
« Póra ilestas claras e terminantes deliberações só ha, quanto
& cadeira do Imperaior, nas paginas da Revista e nas actas das
sessões, algumas allusões ã « caieira para sempi*e vasia ».
€ Do exposto e considerando que a resolução do Insti-
tuto sobre a collocaçao da peferida cadeira teve um caracter
provisório « resolve-se deixar por emquanto tudo como esta »
{Sessão de 9 de dezembro de Í892); considerando que os
estatutos de 18d0 foram approvados ' quando ainda vivia
o Sr. D. Pedro II e portanto vigorava a resolução tomada
em sessão de 29 de novembro de 1889 — « emqtianto fôr
vivo » ; — considerando quo nas obras ultimamente procedidas
no edifício do Instituto, a antiga sala das sessões, ora des-
tinada á leitura publica, foi melhorada incomparavelmente
no duplo aspecto da segurança e da belleza, não se tendo,
porém, feito a mais ligeira alteração no antigo mobiliário,
bustos, retratos, e permanecendo a cadeira em que se sen-
tava o Imperador no mesmo logar, á cabeceira da mesma
mesa em que se celebravam aa sessões;~considerando que o es-
pirito de oulto à memoria do Sr. D. Pedro II se manifesta Jã no
respeito ã antiga sala, agora denominada D. Pedro II, já no
novo sadão D. Tfieresa ChrisUna, jà na oollooação, no logar de
honra do novo salão das sessões, do retrato do Imperador, corpo
inteiro, oontendo a respectiva moldura as insígnias magesta*
ticas. Já na conservação do sello do Instituto, com os dizeres:
Âuspice Petro Segundo, pacifica scientioe occupatio; considerando
que os Estatutos em vigor approvados pela assembléa geral de
9—16 de abril do corrente anno estabelecem no seu art. 49,
412 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
g 2*: cEm todas as reaniões do Instituto o presidente oecQpar& o
centro da mesa, tendo & direita o 1° secretario e o orador e á
esquerda o 29 secretario e o thesoureiro». Julga n&o haver a
menor infrac^ das decisões anteriores, satisfeita com esta ez-
plicaclLo documentada a reclamação e declara manter-se firme,
completa e inilludi^el a homenagem qne o Instituto deve á me-
moria venerabilissima do seu Augusto Protector, dando assim
por encerrado o incidente.
«Rio, 27 de agosto de \90ò. ^Marquei de Paranaguá. --A,
F, de Souza Pitanga, — Mace Fleiuts .-^Alcilnades Furtado,^
Árthur Guimarães. T^
«O Sr. Visconde de Ouro Preto pedindo a pafavra, diz que
J&mais se Julgará desobrigado de reconhecer erro ou de reparar
injustiça que haja praticado. Bem o sabe o venerando Presi-
dente, por constantes relações de quarenta annos.
« Consoante esse modo de proceder, deve declarar ter-se en-
ganado, suscitando a reclama^ sobre a qual formulou a il-
lustrada Mesa o documentado parecer que acaba do ser lido.
« O Instituto n&o «deliberou, como suppunha, que a cadeira
de Sua Magestade o Sr. D. Pedro II occupasse para sempre o logar
de honra da sala das sessões. Limitou a um certo prazo essa to-
cante demonstração de apreço ã mamoria do seu augusto pro<
tector.
4c Não devia ter assim resolvido, mas resolveu; n&o ha ne^
« Para taes assumptos não decorre prescrip^; e estaria em
seu direito propondo que revigorasse e se ampliasse a piedosa
homenagem a quem tanto fez pelo Instituto, emquanto este sub-
sistir.
« Entende, porém, não ser opportuno nem conveniente apre-
sentar indicação nesse sentido. Não suspeite ninguém que pre-
tenda perturbar a sdreaidade deste recinto com a repercussão
das controvérsias agitadas lã fora.
« Aliãd o mesmo parecer é, folga em dizel-o, eloquente teste-
munho da gratidão devida ao magnânimo Extincto, que, atô no
exílio, e só dispondo de escassíssimos recursos, soube favorecer a
^sociaçKo que tanto amou, coni donativo verdadeiran^eqte régio.
ACTAS DAS 8E8SÓBS DE 1906 413
«Demais ; palsaase ainda aquelle grande ooraoSo e nenbam
cnlto* que mais o satisfizesse, poderia render-lhe o Instituto» do
que perseverando na sua miss&o, que ó colher, perpetuar e
diffundir a verdade aoeroa das cousas e.dos homens do Brazil,
no empenho unioo do engrandecimento e renome da pátria.
«O parecer encerra com acerto o incidente. Agradece á Mesa
a extrema gentileza com que communicou ao declarante o con-
texto desse trabalho, antes de oxhibil-o em sess&o.»
O Sr. Presidente declara ooogratular-se com o Instituto
pelo feliz resultado que teve o incidente.
O Sr. Visconde de Ouro-Preto diz que proferirá mais al-
gumas palavras, em jastiflca^^ de uma proposta, cuja simples
leitura bastaria para angariar-lhe o assentimento unanime do
Instituto. Gomo recordou, em uma das sessões passadas, a
actual e commoda installaçfio, que desfructa o Instituto, é devida
principalmente ao prestigio do saudoso e finado presidente
perante os poderes públicos, graças & elevada situagio que tinha
no mundo offlcial.
« Não menos certo ó, porôm, que se as obras emprehendidaSi
para concertos e decoracSo do edificio, realizaram-se com cele-
ridade, nio habitual entre nós e de modo tSo satisfaotorio, foi
em resultado da solicitude e esforços de outro digno consócio.
€E* elle o illustre Sr. 1<> Secretario. Aqui comparecendo
diariamente, activou e fiscalizou todos os trabalhos, providen-
ciando sobre tudo como convinha. Nem só iaM>; conseguiu por
infatigáveis diligencias e (porque não o dirá?) por suas maneiras
insinuantes, que os auxilies promettidos anteriormente ao
Instituto Ibssem augmentados.
«Serviços de tamanha valia merecem ficar assignalados
jem um voto de agradecimento.
Tal o fim da seguinte moção:
< Propomos que se consigne na acta um voto de reconhe-*
«cimento ao digno l"" Secretario Max Fleiuss, pelo serviço cst
«levante que acaba de prestar ao Instituto, promovendo a
« realização dos melhoramentos que se fiiziam necessários ã se«
«gurança e & melhor adapta^^ do edificio em que esla asso-
«elação tem a sua sedo e empenhando neste sentido toda a
il4 REVISTA DO INSTITUTO HKTORIGO
€ soa dodioaçao e inezoediveis esforoos.— Rio de Janeiío, Sala
cdas SesBões, em 6 de agosto de 1906.— Ouro PrHo.'^ Ma-
noel Barata. — Manoel Cicero,-^ Joeé Américo dos Santos.-^
Arihwr QtUvnarães.— A. Cunha Barbosa. ^Rochã Pombo. — Jtfw-
ardo Marques Pekooto.'^ Aleibiades Furtado. i^
O Sr. Presidente põe em votação a mo^, que é atiani-
mente approvada.
O Sr. PleiosB, \^ Seoretarlo, agradece a generoeidade oa-
ptivante dos seaa iilaetrefl pares e pede vénia para deetaoar em
gratidão as carinhosas palavras proferidas por seu eminente
amigo Sr. Visconde de Ouro Preto. Blias eonstituem um pre-
mio magnifico dos esforços que vem empregando desde o aono
passado para que o Instituto tivesse uma instaliação condigna.
« Reeorda o apoio incondicional que teve do inesquecível
Sr. Conselheiro Olegário, que o autorisou ca faser o queon^
íondessêy só querendo saber das obras depois de oonduidas »,
mas precisa salientar, e com lealdade o íái, que sem a Inex-
cedivel boa vontade do Governo nada se teria conseguido,
«Aos Srs. Drs. Rodrigues Alves, l^eopoldo de Bulhõest
Seabra e Félix Gaspar deve o Instituto a sua compleia rsor-
ganização material.
«Sfio nomes que ficam para sempre ioseulpidos na gra-
tidão desta casa.
« Ainda por oocasião de sua visita a este ediflcio, em 30
de julho ultimo, o Sr. Presidente da Republica demonstroa o
mais vivo interesse por todos os melhoramentos» examinando-
os minuciosamente e tendo por fim palavras de justo apreço ao
Instituto, que S. Ex considerou merecedor de toda a estima.
« Ao obscuro ooUega que ora ocoupa a attengão da oasa, o
Sr. Dr. Rodrigues Alves, com oeavalheirismo que lhe é próprio,
dirigiu benévolas e animadoras palavras, a que se vém juntar
as que acaba de ouvir, partidas de um p itricio da estatura
do Sr. Visconde de Ouro Preto, ccijo nome não ô somente uma
gloria para o Instituto, mas para a oommunhão braiilelra.
« £ já que se reíériu às obras, o orador pede vénia paca
ainda eitar dous nomes que floarão ligados a esae bailo fdp
ACTAS DAS 3BS80BS DE i8Õ6 ^16
riodo de transformaç&o — o Dr. Franeitoo Augusto Peixoto, en*
geaheiro do Miniaterio da Justiça e o 8r. Miguel Bruno, ar-
chitecto - constractor .
« O primeiro impoz-se ú, estima pelo critério e competência
oom que fiscalizou diariamente todos os trabaltios ; o segundo
pela exactidão oom que cumpriu as clausulas do seu oontracto
oom o Qoverno, pres(ando-se mesmo a executar melhoramentos
a que pela letra do compromiíiso não era obrigado.
« Termina reiterando os seus agradecimentos ao Instituto e
assegurando que permanecerá no posto, supprimindo pela de*
dicação ininterrupta as qualidades que lhe faltam para dar
brilho ao cargo de l^ Secretario.»
Ò Sr. Presidente annunoia a votaoio do pareoer da Com*
missão de Admissão de Sócios, opinando pela approYagão da
proposta apresentada do Sr. Dr. D. Daniel Oaroia Aoevedo
para sócio correspondente.
Prooede-se á votação, sendo approvadas as conclusões do
parecer.
O Sr. Presidente proclama o Sr. Dr. D. Daniel Qarcia
Aoevodo sócio correspondente do Instituto Histórico Geogra-
phico Brazileiro.
O Sr. Furtado, 2? Secretario, lè a seguinte propopta: €Pro-<
pomos para sócio correspondente da Instituto Histórico e Qeo-
graphico Brazileiro o illustre diplomata cubano D. Gonzalo
de Quesada, autor de varias obras importantes, por concorrerem
no proposto as qualidades è virtudes que o recommendam ã
admissão no seio deste Instituto. Servem de base á sua ad-
missão as duj^ obras que offerece e são : < Cítbck em i905 »
e Cuba*s loar for Freedom, ambas de sua lavra. Sala das
sessões do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro» em 3
de setembro de 1906.— Jq&4 Américo dos Santos^ — Manoel âa-
rata, — Cândido de Oliveira,»^ A* Gommissão de Historia, re-
lator o Sr. Visconde de Ouro Preto.
O Sr. José Américo dos Santos pede a palavra para of-<
ferecer ao Instituto o 1° volume da obra intitulada : Inter^
national American Confisrence Washington Íã90^
O Sr. Fleiu^s prooade ã leitura 4e alguns treabos^ BUh
416 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
graphia e estudo do Conselheiro Franeiseo José FUrtadOf es-
cripta pelo Ck>ii8elheiro Tito Franco de Almeida e das copio-
sas notas que, á margem, escreveu a lápis o Imperador, D.
Pedro II.
O Sr. Visconde de Ouro Preto declara qae fará algumas-
revelações, qae não ser&o sem interesse para o Instituto, pois
se refere ao livro, cujos ezcerptos e notas leu o Sr. 1« Secre-
tario. Esse livro appareceu quando mais aeoesa se feria a
luta entre os denominados Uberaes históricos e Uberaes pro.
gressistas^ causando certa impressão.
« Entendeu oontrapor-llie reAitação o gabinete de 3 de agos-
to de 1866, presidido pelo eminente Zacharias de Góes, e do
qual faziam parte os nobres actuaes Marquez de Paranaguá,
primeiro na pasta da Justiça e depjis na da Guerra, Conse-
lheiros Martim Francisco, que da de Estrangeiros passou para a
da Justiça, Souza Dantas, na da Agricultura, e quem o esta
recordando mal geria a da Marinha.
«\o organizar-se esse Ministério ficara com a pastada Guer.
ra o Barão de Uruguayana, que mezes depois se retirou, sendo
substituído na pasta pelo Sr. Marquez de Paranaguá. Para
preenchimento da vaga aberta foi nomea lo o Senador Sà e Al-
buquerque. Fallecendo este, a vaga foi preenchida pelo illus-
trado Sr. Conselheiro Silveira de Souza, felizmente ainda vivo.
Sobrevivem, pois, tros testemunhas do que vai dizer.
«Por designação dos collegas foram incumbidos de promover
a resposta ao livro do Sr. Tito Franco de Almeida os Mi-
nistros da Agricultura e da Marinha, que por sua vez a con-
fiaram ao -Deputado por Pernambuco, Dr. Souza Carvalho,
correligionário prestimosíssimo e desinteressado. Afflrma-o»
porque em vida e depois de morto foi muito injustamente
aocusado. Nunca o viu propugnar pretenção própria, mas pro-
teger as de outrem, amigos ou adversários.
«Souza Carvalho encarregou do trabalho ao intelligentissimo
Dr. Luiz de Carvalho Mello Mattoa, que se finou precocemente.
O Dr. Mello Mattos foi, portanto, quem escreveu as Paginas
da Historia Constitucional^ explicando e combatendo os factoa
6 apreciais eipostos na Bio^aphia do Conselheiro FuriadOi,
ACTAS DâiS SESSÕBS DE 1906 417
fira am oaraoter nobilissimo ; trabalhou gratuitamente ; e
releva acoreBoentar— também a publicação não custou um real
aos cofres públicos.
« Alguns dos factos alludidos eram antigos, delles não tinha
noticia o escriptor, que exigiu informações. Não poliam dar-
lh*a 08 ministros, que igualmente mal os conheciam. Resol-
veram solicital-as respeitosamente ao Imperador, que as
prestou com a maior benevolência.
< Occorro de momento a lembrança de duas. A primeira
diaia respeito ãs palavras attribuidas ao Sr. Senador Euzebio
de Queiroz, quando Ministro da Justiça. Assegurava-so que, de
uma feita, em despacho, o fechando a pasta, dissera : cCom
Vossa Magestade somente se pôde ser Ministro uma vez»,
« O Imperador, consultado, respondeu simplesmente: c Os
senhores conhecem o Eusébio e sabem que a uma alta oapaci*
dade junta maneiras tão delicadas que o inhibirlam de offen-
der a quem não podo reagir».
«Era uma balela. E* verdade que Euzebio não tornou a
ser Ministro ; mas foi Conselheiro de Estado, cargo de igual
categoria. Si não acceitou a nomeação depois oíTerecida, foi
por motivos de saúde, não por desgosto com o Chefe do Estado.
Mais de uma vez o disso a pessoas de sua intimidado, como
pôde attestal-o o distincto Sr. Senador da Republica, Dr. Oli-
veira Figueiredo, que lh*o ouviu. Alludira o Sr. Tito Franco
de Almeida á demissão do Ministro Honório, depois Marquez de
Paraná, porque exigiu a demissão do Inspector da Alfandega
e não a obtivera por favôriiisma.
« Declarou o Imperador: «Nunca tive favoritos. Recusei, é
« certo, a demissão do Inspector da Alfandega desta cidade e
« concedi a do Ministério, que disso fizera questão, por dois mo-
« tivos. Em primeiro logar, não me provara o Ministro nenhuma
« irregularidade no procedimento daquelle fhnccionario hones-
« tissimo. Depois, eu era então muito moço ; começava a exeroer
« as minhas funcções e entendi dever mostrar que tinha vontade
« e resolução.
O Sr. Presidente dá o seguinte aparte: B o Imperador
accrescentou : «Hoje não procederia assim».
4323—27 Tomo lxix p. ii.
418 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
O Sr. Visoondo de Ouro Preto (contíDúa): Ezactamcoto ; o
mais que:€ Tanto Honório nilo se magoou commigo que depjis
« serviu nos mais altos cargas de immediiita confiança».
« Rematará estas reminisceocias, que revelam o sentir in-
timo do finado Imperador, citando caso occorrido com o or.ulor.
Um dia, conversando com Sua Magestade sobre coisas politicas,
teyo a ousadia de dizer-lho que não pouco contribuíram para
desenvolvor-se a propaganda republicana a impasslvídade com
que eram combatidas e calumniados as instituições yigentes e
seus representantes, e mais a convicção arraigada de ser ca-
minbo seguro para chegar prompt amento aos cargos mais ele-
vados a aggressão á dynastia. Retorquiu-lhe serena e nobre-
mente o Sr. D. Pedro I(: € Sou sensível ds injustiças e me doem
« os apodos ; mas o meu dever não permitte que, por injurias
« pessoaes, prive o paiz dos serviços de brazíleiros distinctos. As
« coisas únicas do que posso dispor livremente, couferindo-as aos
« que sei não me serem infensos, são os cargos da minha casa,
« que nfto dão proventos, nem privilégios».
4c Basta o que tem dito para que a geração nova vã conhe-
cendo qnem era o grande morto.»
£ncerra-se sessão ãs 4 1/2 horas da tarde.
Alcibíades Furlado,
í" Secretario.
OlPEllTAS
Pelo Sr. Antouio Alexandre Borges dos Reis- Historia do
Brazil, !• parte.
Pelo sócio Sr. Dr. Joaquim Nabuco<- L* arbitrago angla->
brésilien de 1904— e Le conflit de limites eitre le Brésil et la
Orande-Bretagne, 2 vols.
Pela Directoria de Agricultura, Viação, Industria c Obras
Publicas da Bahia— Boletim
Pelo Grande Oriente do Brasil— Boletim.
Pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro— Archivos.
Pela National Qeographio Socioty of Washington — The
Magazine.
ACTAS DAS SESS'1eS DE 1906 419
Pelo sócio Sr. CandiJo d3 Oliveiri— D. Piidro do Alcântara,
sonetos do Exílio recolhi los por unn braíileiro.
Pelo Ministério do Fomento de Lima (Peril) Bolctin de
Caorpo de Ingenieros do Minas.
Pola Bibllotheca Nacional— Brazil at the Louisiana Par-
cbasc^ Exposition, St. Louls, 1904. 1 vol.
Pola Sociedade Nacional de Agricultara— Boletim
Pelas respectivas redacções as seguintes rjvistas:
O Economista Braiileiro, Revista Commercial e Financeira^
Revista Didáctica, O Oriente Português, RcHsta do Club de En-
genhariay Revista da Aoadenúa Cearense, Revista Histórica dei
Instituto Histórico dei Peru, Revista Militar.
Pelas redações os seguintes jornaes:
Le Nouveau Monde^ Mala da Europa, Jornal do Recife^
Diário Official do Ánuuonas, VEHoile du Sud,
DECIMA QUINTA SESSÃO ORDINÁRIA EM 17 DE SETEMBRO
DE iC06.
Presidência do Sr. Marquei de Paranaguá (í* Viee-Pretidente)
A's 3 horas da tarde, na sede social, presentes os Srs. Marquez
de Paranaguá, Visconde de Ouro Preto, Max Fleiuss, Alcibíaded
Furtado, Arthur Guimarães, Desembargador Souza Pitanga,
Rocha Pombo, Conselheiro Caudido de Oliveira, Drs. Manoel
Çioero, José Américo dos Santos e Barâo de Paranapiacaba,
abre*se a sessão.
O Sr. Furtado, 29 Secretario, procede ã leitura da acta, a
qual é £em debate approvada.
O Sr. Fleiuss, 1<> secretario, diz que, desde a Sdssão passada,
o Sr. Rocha Pombo declarou ter recebido do consócio Dr. Nelson
de Senna uma carta pedindo-lhe que apresentasse os pezame«
dessd consócio pelo fillocimonto do Sr. Conselheiro Olegário.
O Sr. Presidente diz que o Instituto fica inteirado e agradeoe.
O Sr. Fleiuss, 1« Secretario, lô as offertas o depois os se-
guintes pareceres da Commissão de Historia :
< O Dr. Arthur Orlando, sócio da Academia Pernambucana
420 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
de Letras e de outras ioatitaiQões literárias, não representa
nm nome descoaheddo,
« Além dos Ensaios de Critica e Novos Ensaios^ que offereoea
ao Institato, a sua roceotissima obra Sdbro o pan-americaoismo
por si só podia servir-lhe de titalo do admissão ao nosso
grémio.
« Esta obra revela, além de uma erudição fóra do commum,
uma exacta comprehensão do actual momento politico, em que
fe acham na tela do debate os mais interessantes problemas
attinontes ao progresso e desenvolvimento das duas Américas
e ás relaçOes de ordem económica e internacional dos povos
americanos,
« Yeiu em boa hora este livro, valiosa contribuição da lite-
ratura brazileira para a apreciação dos íisLctos e succossos do
mundo politico contemporâneo.
< Melhores não podiam ser os auspicies, sob os quaes se apre-
senta o Sr. Dr. Arthar Orlando perante o Instituto.
4c Trabalhos como os Ensaies de Critica e Novos Ensaios e o
pan-americanlsmo denunciam um engenho superior, familiari-
zado com os novos processos da sciencia e que, applicado ao
exame das questões históricas, aclarara pontos obscuros ou ainda
não detidamente meditados.
« Em boa hora vem, pois, a proposta que, para sócio corre-
spondente, fazem os coUegas Barão de Alencar e outros. A Com-
missão de Historia não tem sinão quo applaudíl-a.
Sala das sessões, 17 de setembro de 1906.— Cândido de
Oliveira, relator.— Rocha Pombo.— B. T. de Moraes Leite Velh^
— Visconde de Ouro Preto.> O parecer é approvado e vai á
Gommisiâo de Admissão de Sócios, sendo relator o Sr. Dr.
Manoel Barata.
« Pondo de parte a traduoçSo, o livro a respeito de Carlos
Gomes, escripto pelo Sr. Dr. Silio Booanêra Júnior, representa
efrectivamente grandes Migas o laboriosas investigações, desde
que o autor se queixa das diíficuldades que encontrou muitas
vexes para obter esclarecimentos que jalgava indispensáveis.
« Do f^ontispicio do volume reconheee-se que elle é diplomado
por diversos institutos literários, e no fim se lô um catalogo de
i
ACTAS DAS SESSÕES DE l906 421
variados trabalhos qao, si corresponderem aos titalos, darão a
medida exacta do cabedal de estados e do seu aproveitamento;
o ó de lamentar que de património que tão copioso se mostra, o
livro principal, qae tenho á vista, não dê outro testemunho
sinão de uma admiração— quasi idolatria— pelo famoso maestro.
Que volte e apadrinhado por mais sólidos títulos, que lhe serão
£gu^ís, desde que se mostra dedicado ás letras e ás investigagões
scientiâcas.
Rio, 31 de agosto de 1906.— B. T. de Moraes Leite Velho ^
relator.— Visconde de Ouro Preto,--- Rocha Pombo^ vencido. —
Cândido de Oliveira.— Sylvio Romero.9^ O parecer é approvado»
archivando-se o processo.
—«Examinou a Gommissão de Historia do Instituto Histó-
rico e Geographlco Brazileiro os livros que justificaram a pro-
posta de admissão, como sócio correspondente, do Sr. Gonzalo
de Quesada, encarregado de negócios de Cuba em Washington,
6 vem a respeito emittir sou parecer.
€ Intitulam-se Cubais War from Freedom e Cuba,
€ A Guerra de Cuba pela Liberdade^ escripta em inglez, or-
nada de numerosos retratos e gravuras, e impressa em Phila-
delphia, oompoe-se de duas partes distinctas.
« A primeira da lavra do Sr. Quesada contam dez capítulos
com 186 paginaa.
« Trata do dominio hespanhol na principal das Antilhas,
qualíflcando*o com dureza e, rapidamente, das mal snocedidas
tentativas de independência até a sublevação ânal.
« Não traz nome do autor a segunda parte ; ô a mais impor-
tante do volume, com 480 paginas em doze capitules.
< W uma narrativa da guerra dos Estados Unidos com a e
Hespanha» guerra que teve por theatro Cuba, as Philipploas
Porto Rico. Basêa-se em documentos offlciaes americanos larga-
mente transcriptos*
< Quer na primeira, quer na segunda parte, a exposição dos
factos é feita de modo claro e interessante. Nota-se, porém t
grande parcialidade contra a Hespanha, parcialidade explicável
pela circumstancia de haver sido o trabalho executado Am
1898, durante ou logo após os successos.
422 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
« 03 oommentariofl são, em geral, inspirados pela paixão.
Bem a calma e serenidade do historiador.
« Em todo o caso, as grandes tígiiras do Máximo Gomoz, José
Maceo, António Maceo, Simpsoo, Dewey, Aguinaldo, appareccm
em grande relevo e muito impressionam as peripécias trágicas
em qae estiveram envolvidos.
4c Em samma, não ô nm livro de historia, mas exceliente
collectanea de preciosos elementos para o faturo historiador
dessa phase notabilissima da evolução americana.
« O outro sob o titulo Cuba é uma compilação—prífpareíi by
SeUor Gonxalo Qtiesada, and approved by the Cúban Government.
« Foi editada em Washington, na Imprensa do Governo,
em novembro de 1905.
« Ck)ntem o que mais possa interessar acerca da antiga co-
lónia hespanhola e moderna republica.
« Posição astronómica, extensão, limites, popula^o, choro-
graphia, bydrographia, geologia, flora, fauna, climatologia, são
assumptos tratados de modo a satisfazer a curiosidade de quem
não pretenda adquirir delles profundos conhecimentos.
4c Não ficou de parte a historia, desde a descoberta alô
nossos dias.
« Tampouco a forma de governo, a legislação civil, a agri-
cultura, a industria e o commercio. B*, em outros termos, repo-
sitório abundante, e naturalmente fiel, das mais variadas infor-
mações e dados estatísticos.
« Um dos capítulos destina-se mesmo á descripção da
capital, Havana, seus monumentos principaes, parques. Jardins,
meios de transporte, institutos de instruoção, previdência e
caridade, policia civil e militar, corpo de bombeiros etc.
« Acompanha uma relação, por ordem alphabetioa, dos livros
publicados sobre a ilha e outra, pela chronologica, a contar de
18S5, dos artigos de Jornaes e revistas que á mesma ilha se refe-
rem e ainda a de numerosos discurios que a tiveram por objecto.
« Perfaz as 536 paginas do volume o texto da constituição
cubana promulgada sob a invocação do Todo Poderoso (of the
Allmighty) e a visivel influenciados Estados Unidos da Ame-
rica.
ACTAS DAS SESSOKS DE 1906 423
< O merecimento das duas obras confere ao Sr.Gonzalo Que-
sada, homem eminente em seu paiz, títulos sufilcientes para
ser admittido no grémio do Instituto Histórico o Geograpbico
Brazileiro.
< E\ portanto, a Commissão de Historia de parecer que seja
approvada a proposta.
Rio de Janeiro, 12 de setembro de \90ò.— Visconde de Ouro-
Prelo^ relator.— 5yZt>to Romero. — Cândido de Oliveira, — B,
Leite Velho . — Rocha Pombo . »
O parecer é approvadoe em seguida à Commissão de Admis«
são do Sócios, relator o Sr. Dr. Miguel de Carvalho.
O Sr. Fleiuss, !« Secretario, apresenta a seguinte proposta
de orçamento para o anno de 1907 :
cCumprlndo o que determina o art. 35, § 3®, dos Estatutos,
apresento a proposta de orçamento para o anno de 1907:
RECEITA
Art. l''. A receita para o aono de 1907 ó orçada em
Sl:34O$00O e será arrecadada pelos títulos seguintes :
!.• Subsidio do Thesonro Federal 14:000$000
8.» Juros das apólices 6:260$100
3. • Prestações dos sócios 1:080$000
4.<» Jóias de admias&o $
5. «Remissão de sócios * $
6." Pagamento de prestações cm atrazo, dos sócios. $
7«o Venda do exemplares da iS^t^t^f a $
21:340$000
DBSPEZA
Art. 2.*> A despeza pa^^a o anno de 1907 ó orçada em
81:340$000 e sor& effoctuada pelas verbas seguintes :
l.«, Impressão da i2ôtfí.«fa e outros trabalhos. . . . r):700$000
2.», Pessoal :
Blbliothecario .-^iGOOlOOO
Escripturario 2:400$000
Auxiliar l:800|000
424 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Porteiro 1:440$000 -9:840|000
3.* Limpeza e consevaç&o do ediflcio 1:200(000
4.» Expediente geral 3:600$000
5.» Enoaderoacôes 600$000
6.»Kventuae8 1:000$()00
21:340$000
Na verba do expediente serão comprehendidas as despesas
diárias da Secretaria» annnncios, porte do correio, passagens*
papel, penna e tinta«
Secretaria do Instituto Histórico e Geographico Braziieiro,
17 de setembro de 190Ô. — Max Fleiuss, 1« Secretario.
— A' Ck>mmissão do Fundos e Orçamento, relator o Sr.Vis-
oonde de Ouro-Preto.
O Sr* Fartado, 2** Secretario, lê as seguintes propostas de
admissSo de sócios :
i< Propomos para sócio correspondente do Instituto Histórico
6 Geographico Brazileiro o Dr. Alfredo Augusto da Rocha, Di-
rector Geral da Imprensa Nacional desta Capital, serTindo de
titulo para a sua admissSo o trabalho que offereee sobre Caixa$
Eo<mínnicas.
Sala das sess5es do Instituto, 17 de setembro de 1906.—
Mcuu Fleiuss.^Roeha Pombo,—- Arthur Guimarães,
A' commissfto de Historia, relator o Sr. Conselheiro Can-
dido de Oliveira.
cPropomos para sócio correspondente do Instituto Histó-
rico e Geographico Brazileiro o Sr. Adolpho Augusto Pinto,
servindo de bJLSo para sua admissão o trabalho intitulado SiS"
torta da Viação Pública do Estado de S. Paulo,
Sala das sessões do Instituto, 17 de setembro de 1906»— Mães
Fleiuss,^ Rocha Pombo, — Jesuino de Mello, ^ A' Commissão
de Geographia, relator o Sr. Dr. José Américo dos Santos.
€Propomos para sócio correspondente do Instituto o lite-
terato Sr. Virgílio Várzea, servindo do titulo de admisnío
seus trabalho históricos sobro (fiuseppe c Annita Garibaldi e
sobre o general Andréa.
Rio, 17 de setembro de 1906. — A, F, de Souza Pitanga, —
Visconde de Ouro^Preto,^-^ B, de Paranap\acaha,^Rocha Pombo,
ACTAS DAS SESSÕES DB 1906 425
^Oandido de OUteira. -- José Ámerieo dos Santos. — A' Com-
miMio de Historia, relator o Sr. Dr. Sylvio Romero.
—O 8r. Fleuisfl, V Secretario, diz que, encontrando-flie oom
o illoatrado Sr. Senador Oliveira Figueiredo, e entretendo con-
yeraacSo oom elle a respeito do incidente havido entre o Senador
Eozebio de Queiroz e Sua Magestade o Imperador, incidente de
que tiU> brilhantemente ae occupou na sessão passada o Exmo.
Sr. Visconde de Ouro-Preto, muito digno 3** Vice-Presldente,
obteve do mesmo Senador Oliveira Figueiredo a promessa de
sua exposiçio escripta sobre o assumpto. Insistindo o orador
no seu pedido, por carta, recebeu a resposta que vai lèr :
cRespondendo á carta de V., datada de hoje, em que
« mostra desejo que eu explique o motivo pelo qual o eminente
« Sr. Visconde de Ouro-Preto, na sessão do Instituto Histórico, de
« 3 do corrente mez, invocou o meu testemunho contra a as-
« serçfio de que o grande estadista Conselheiro Euzebio do
« Queiroz declarava que, com o Imperador, um homem de brio
« nSo podia ser ministro duas vezes, venho expor o unlco facto
« que em meu espirito deixou a convicçSo de não ser esse o
« modo de pensar daquelle illustre Conselheiro.
« Em ama tarde de melados do anno de 1859, achava-me eu
« na residência do digno Desembargador Francisco de Queiroz
« Coutinho Mattoso Camará, casa situada em uma rna esquina
« da do Núncio, em uma fbsta de íamilia delle — baptisado de
€ uma filha, quando o Conselheiro Euzebio de Queiroz, irmão do
€ referido Desembargador, que também alli se achava, foi eha-
4c mado por carta ao Paço de S. Christovão.
« Voltando dalli, cerca das 10 horas da noite, referiu-nos no
« gabinete de seu irmão, em presença deste, do meu inolvidável
« amigo e collega o Dr. Euzebio de Queiroz, filho do Conselheiro,
« e na minha, que o Imperador ao começar sua conferencia com
« elle lhe expuzera que o gabinete Abaet(^. pedira demissão, e
« como elle Imperador estava de accôrdo com as opiniões poli-
« Ucas emitidas pelo conselheiro no recente discurso no Senado»
« o encarregava de organizar novo gabineto ; respondeu o Conse-
« Iheiro, manifestando-se muito reconhecido á prova de Con-
« fiança, mas pedindo dispensa da alta commissão, porque seu
€ estado de saúde, mormente seu incommodo de olhos, não lhe
42G REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
€ permíttiam o trabalho indíspensavol do importante cargo de
4 Presidente do Conselho. A isso ponderou o Imperador, oom
€ algum pezar, si era propósito do conselheiro não seryir mais
< á Nação, como Ministro do Estado.
« Oi8se-D03, então, o conselheiro que essa observação do Im-
« perador o commeveu muito, e contra ella protestou, assegu-
re rando ao Imperador que o único motivo de sua recusa ora
« o máu estado de sua saúde.
< O toro com que o Conselheiro Euzebio de Queiroz, na in-
« timidade, referíunos o sentimento que experimentara, com a
« observação de Sua Magestade, levou-me a crer que clle jamais
€ tivesse dito quo comi o Imperador não se podia ser ministro
€ duas vezes.
€ Conservo tão alta veneração pela memoria do Conselheiro
< Euzebio de Queiroz, que me sinto feliz em dar o meu teste-
€ muoho sobro a completa integridade de seu elevado caracter.
€ Releve-me as lacunas desta exposição, que deve nec^ssaria-
€ mento se resentir da fraqueza de minha memoria de velho a
€ respeito de um episodio passado ha 47 annos. Sou com toda
€ consideração, etc.— CaWas Augusto de Oliveira Figueiredo, Rio,
€ 14 de setembro de 1006. >
O Sr. Fleiuss, l^' Secretario, diz que o illustre consodo
Dr. Manoel Barata devia lor hoje perante o Instituto algumas
notas bíogi*aphicas que culligiu e commentou sobre o almi-
rante Luiz da Cunha Moreira, l"" Visconde de Cabo Frio, de
quem ha tempos offereceu um retrato quo se acha collocado
na sala das commissões. Motivo de força maior terá impe-
dido o comparecimento do estimado consócio^ e assim só na
próxima sessão serã lido esse novo trabalho qae, oomo tudo
quanto o Dr. Barata produz, ó uma pagina do alto interesse
pelos documentos que encerra e pelos conceitos firmados no
mais seguro critério.
Pôde assogural-o, porque jã o leu em part9.
O Sr. Presidont-í diz que o Instituto espera ouvir essa lei.
tura, de certo interessante:
I^vantase a sessão ás 4 1/4 da tarde.
Alcibiades Furtado
3* Secretario.
ACTAS DAS SESSÕES DE 1900 427
OFFERTAS
Pela Directoria do Serviço Sanitário do ParA — Boletirn
Mensal.
Pel% Real Academia dd la Historia de Madrid — BoMin.
Pelo International Bareau of the American Republics —
MofUhly BuUetin.
Pela Socletit Geográfica Italiana — BoUetino.
Pelo Sócio Sr. Dr. Francisco A. Pereira da Costa — iVò-
ticia Biographica do Dr. Anlonio de Moraes Silva.
Pela Presidência do Estado do Amazonas, — Relatório da
Presidência da Província do Amasonas desde sua creaçao até
a pr jclamaçfto da Republica, 2 vols.
Pela Directoria Geral de Hygione do Estado da Bahia — An-
nuari).
Pela Estatística Demographo Sanitária da Cidade do Sio
Salvador — Boletim Mensal.
Pelo Sr. Dr. Aliado Rocha, director geral da Imprensa
Nacional— A« Caixas Económicas e o Credito Agrícola •« 1 Tol.
Pelo Provedor da Irmandade do S. Sacramento da Pre-
gaezia de Nossa Senhora da Candelária — Relatório, de 31
de Julho de 1906.
Pelo Sr. Clóvis Beviláqua — Direito da Familia»
Pelo Sr. General José de Siqueira Menezes. — Modelos de
Escripturacão Militar.
DECIMA SEXTA SESSÃO ORDINÁRIA EM 1 DE OUTUBRO DE
1906
Presidência do Sr. Marques de Paranaguá (i^ Vice- Presidente)
A*d 3 horas da tarde, na sede social, presentes os Srs.
Marquez de Paranaguá, Barão Homem de Mello, Visconde de
Ouro Preto, Max Fleiuss, Alcibíades Furtado, Arthur Guima-
rães, Desembargador Souza Pitanga, Drs. Manoel Cícero, Manoel
Barata, Leito Velho, Cunha Barbosa, Conselheiro Cândido de
428 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Oliveira, Barilo de Alencar, Bai*ão de Paranapiacaba, Marques
Peixoto, abro-se a sosslio.
O Sr. Furtado, 2'' Secretario, faz a leitura da acta da sessão
anterior, a qual ô sem debate approvada.
O Sr. Fleiuss, l"" Secretario, 10 o seguinte expediente:
— Carta da Exma. Sra. D. Luiza Mello Franco da Porciun-
eula, concebida nestes termos: « Illm. Exm. Sr. Marquez de
€ Paranaguá, M. D. Presidente do Instituto Histórico o
< Geographico Brazileiro.
€ Meu marido, o Senador Dr. José Thomaz da Porciunoula,
€ guardava em seu archivo valiosos documentos originaes rela-
« tivofl a uma das phas&s mais attribuladas da Republica, os
« quaes olle poude reunir, em razão da elevada posição politica
« que então occupava: (juero mo referir ao poriodo da ravoita da
« Armada, quando meu marido exercia a presidência do Estado
< do Rio de Janeiro. Taes documentos acredito que ministrarão
€ valiosos subsídios ao estudo a futuros historiadores, o quando,
< inteiramente dissipadas as paixões, houverem do apreciar com
€ animo sereno os acontecimentos desse periodo*
« Penso que nâo poderei dar- lhes mais proveitoso destino do
« que offerecel-os ao Instituto Histórico, que V.Ez. dignamente
€ preside, para que sejam objecto de estudo o de elementos de
€ verídicas informações para o completo conhecimento da verdade
€ sobre esse notável movimento politico, e da attitudc digna e
« serena de meu marido no seu posto de sacriflcioSf mantendo a
€ todo o transo o respeito ás leis e á Constituição do seu paiz.
«Seja esta minha oíferta um preito sincero que rendo á me-
« moría de meu marido.
« Rogo a V.Bx. queira autorizar o recebimento. De. V.
4cEx., otc, — Luisa Mello Franco da Porciuneula. Petrópolis,
« 24 de Setembro de 1907».
O Instituto agradeceu por esta forma:
< Exma. Sra. D. Luiza Mello Franco da Porciuneula. Por
€ intermédio do inteí,'ro Conselheiro Pindahyba de Mattos, rauito
€ illustre Vice- Presidente do Supremo Tribunal, recebeu o Insti-
€ tuto Histórico a attenciosa carta do V.Ex. acompanhada de
« interessantes e valiosos ^iocumontos existentes no archivo de
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 429
« sea digno esposo o Dr. Josô Thomaz da Porciuncula, referente
€ ao periodo de 1893-1894, quaado se deu a revolta da Armada.
€ Muito agradece o iQs ti tu to a distiDcçãio de V.Ex.t eacolhen-
€ do*o para depositário de tão importante espolio, quo, recolhido
€ ao cofre de sigillo, terá opportunamento publicação na Revista.
€ Na próxima sessão terei ocoasião do ler ao Instituto a carta
€ de Y. Ex. e a presente resposta. Apresento a Y.Ex. meus re-
speitos e sou, etc, Max Fleiuss, 1» Secretario».
Os documentos serão enviados á Commissão de Redacção,
afim de que os examine o Sr. Dr. Manoel Cicero.
— Carta do Dr. Virgílio Várzea enviando suas obras histó-
ricas jã impressas.— Inteirado: as obras serão enviadas ao
relator Dr. Sylvio Romero.
—Carta do Sr. Manoel Ribeiro de Faria, offerecendo obras
ao Instituto .— Muito se agradece.
£m seguida são lidas as oíTertas, entro as quaes cumpre
salientar a que foi feita pelo Sr. Barão de Yasconcellos, do
tomo XX, anno XX, 1905, da Reoista do Instituto do Ceara.
Nessa importante publicação, sob a chofia do nosso illustre oon-
sócio Barão de Studart, occorre erudito trabalho do Sr. Barâo
de Yasconcellos, a quem o. Instituto deve bons serviços. Sob o
titalo < Pedro Pereira da Silva Guimarães (Documentos histó-
ricos)», o Sr. Barão mostra o papel notável que em 1850 e 1852
representou na Camará dos Deputados o biographado, illustre
cearense, apresentando dois projectos, que foram rejeitados,
sobre o elemento servil.
O Sr. Fleiuss, i^ Secretario, lé os seguintes pareceres :
< Parecer cerca da proposta para admissão do Sr. Doutor
Clóvis Beviláqua, professor da Faculdade de Direito do Recife,
como sócio correspondente do Instituto Histórico e Geographioo
Brazileiro.
Nas observações que procedem o trabalho que tenho pr&>
sente, € Relações Exteriores » publicado no « Livro do Cente-
nário » explica o autor os motivos da reduxida extensão do
quadro em que teve de condensar a historia dos tratados, al-
lianças, guerras, do Brazil Colónia, Reino, Império, Republica,
isto ó, em um cyclo de quasi quatro sacnlos.
430 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
€ Complexo das relaçõos oxterDas, diz ello, que tendo d »
acompanhar o Brazil desdo o momoato da sua descoberta, hão
de ser necessariamente rápidas e syntheticas, procurando antes
apanhar a orientaç&o e a consequência dos factos de que a soa
exposição ou detalhe e ni investigação das suas causas. >
c O trabalho, pois, abrangendo período tão vasto e sobre tão
amplo th3ma terá conseguido muito, delineando os contornos
do grande quadro, bosquejando os perfis dos acontecimentos o
dos liomens que foram os mais notáveis que nellc figuraram,
deixando no espirito do leitor a impressão possivelmente mais
nítida da vida de relação do Brazil no convívio das nações.
« Historia diplomática sem os documentos que expliquem e
illustrem os factos conhecidos ou revelem os ignorados, tem
forçosamente de limitar-se a descrevel-os, sem lhes poder im-
primir os característicos do verdade que fica muitas rezes dis-
fftfçada sob apparencias fallazes, e peior ainda, encoberta peU
parcialidade do escriptor, mormente ti elle deu ouvidos a
paixões politicas ou ás sedacções perigosas, sempre de patrio-
tismo cego.
€ Tinha, pois, contra si o Sr.Dr. Clóvis Beviláqua a exigui-
dade da tela em que devia descrever acontecimentos momo-
ravois da historia do Brazil, conflictos internacíonaos de difflcil
solução, algumas vezes inquietadores e perigosos, guerras,
victorias, derrotas, tratados e arbitramentos de máxima impor-
tância.
< Outra pessoa menos adesti^ada em estudos sólidos, espirito
menos disciplinado para fazer a synthese de tão variados casos,
mal conseguiria apresentar trabalho igual em tão reduzido
tomo ; e, si elle não satisfizesse os mais exigentes, a posição
culminante que distingue o Sr. Dr Clóvis entre os cultores
das letras Jurídicas, ha muito tempo lhe dá o direito de
figurar entre os mais oonspieuos sócios corrospondentes desto
Instituto.
« £' o nosso parecer. Rio, 20 do Setembro de 190G.— B. 1\
M. Leite Velho^ relator. — Visconde de Ouro^Preto^ Sylvio B(h
mero. » O parecer é approvado e vai á Commissão de Admissão
de Sócios» sendo relator o Sr. Conde de Affonso Celso.
. ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 431
€ A Commissão do Admiasão de Sócios» em observância ao
disposto no art. 39 dos Estatutos, syndicando dai ndiviluaii-
dada, condições de idoneidade e conveniência da admi^âo do
Sr. Qonzalo Qaesada, verificou não ser fácil encontrar quem no
espaço de 18 annos houvesse feito tão brilliante carreira, o que
convence dos elevados dotes que distioguom o illustro cubano,
o do realce que virá ao Instituto por tel-o em seu suio. Assim a
Commissão ô de parecer quo seja approvivda a proposta que
apresenta o Sr. Gonzalo de Quesada para sócio correspondente
do Instituto Histórico e Qeographioo Brazileiro.
Sala das Commissões« 29 do Setembro de 1903. —Miguel de
Carvalho, Relator.— Manoe/ Barata, — Barão de Alencar. —
Manoel Cícero. j^
O parecer f ji approvado e fica sob.^e a Mes:\ para ser vo-
tação na sessão seguinte.
€ A Commissão de Admissão do Sócios de perfeito accôrdo
com o juízo emittido pela Commissão de Historia, ô de parecer
que no Sr, Dr. Arthur Orlando da Silva, distincto homem de
letras tão modesto, como choio de saber, concorrem apreciáveis
qualidades iQteliectuaes o moraes que ass&z recommondam sua
proficua entrada neste rnit'tut3, como seu sócio correspon-
denti. — Sala das Sessões, Ide Outubro de 1906. —^Uano^;
Barata f relutov.— Manoel Cicero.— Conde de Affonso Celso.— -Ba-
rão de Alencar . j^ O parecer foi approvado, ficando para ser
votado na proiima sessão.
— Parecer da Commissão do Fundos e Orçamento : « O pro-
jecto do orçamento para o próximo anno social do Instituto
Histórico e Geographico Brazileiro, submottido ao exame da
Commissio de Fundos e Orçamento, fixa a despeza em...
81:340$ e estima a receita em igual quantia.
€ Nenhum repiro 03corre á Commissão contra essas pre-
visões, que sio razoáveis e e&tão de accôrdo com as occur-
rencias doi annos a .teriores,
« Motivo não ha para receiar-se que decresçam as verbas
Co activo, nem tão poaoo que augmentem as do passivo, salvo
casos excipcionaes de quasi impossível realização.
< Ao calcular a receita,muito acertadamente omittiu o pro-
432 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Jecto qualquer dota^ ás rubricas Prestações e remissões de
sócios, jóias de admissão e cobrança de arroxados, attoota a in*
certeza e extrema morosidade de que possam produzir. O que
dahi porventura provenha, graças & oontinuaçio dos esforQM
empregados pela administraçfio do Instituto, representará saldo
que reforçará, assim, como as economias que ella eonsigat o
modesto património social.
« A principal preoccupação do Instituto, nesta ordem de
interesses, dere ser a nSo existência de deficUsj que em 1900
seguramente não se dará em face do que está proposto.
< Nenhuma alteração, pois, entende a Oommisí^ que se
deve fazer ao alludido projecto e opina pela sua approracSo.
Sala das Commissõea do Instituto Histórico e Geographioo Brasi-
leiro, em 20 de setembro de 1906. — Visconde de Ouro Preto^
Teldkiov,— José Américo dos Santos,-^ Bélisario Pernambuco.-^
Barão de Paranapiacaha,> Foi approvado unanimemente.
O Sr. Furtado, 2* Secretario, lô as seguintes propostas :
€ Propomos para so3io eflbctiyo do Instituto Histórico o Sr.
Francisco de Paula Lacerda de Almeida, natural de Pernambuco,
com 54 annos de idade, doutor em Direito e lente da Faculdade
Urro de Direito desta cidade, onde é igualmente adregado. O
Dr. Lacerda de Almeida ó autor de varias obras de Direito,
sjbrcsahlndo a sua monographia sobre as pessoas jurídicas,
trabalho notiTel em quo ha um estudo histórico sobre as
relações entre a igreja e o Estado no Brazil. Rio, 1 de outubro
de 1906,— Cândido de Oliveira,^ Sousa Pitanga.— Viscottde
de Ouro Preto*.— A' Commlssio de Historia, rslator o Sr. BylrUi
Roméro.
< Propomos para sócio correspondente do Instituto Histórica
e Geographieo Brazileiro o Dr. Ernesto da Cunha Amnio
Vianna, professor da Escola Nacional de Bellas Artes, servindo
de titulo á admissão seus trabalhos sobre archifectura arcfaeo^
lógica do Rio de Janeiro e sobre a arte em S. Pedro e S. Bento,
publicados na revista Renascença, Sala das sessões do Instituto,
1 de Outubro de 1906. — A. F. de Sousa Pitanga. — Homem de
Mello. — Visconde de Ouro Preto. — Alencar]^. A' CommissSo de
Archeologia, relator o Sr. Dr. Barbosa Rodrigues.
ACTAS DAS SESSÕES DB 1906 433
O Sr. Visconde de Ouro Preto oommanica ao Instituto que,
com data de 22 do passado, recebeu do Sr, Dr. Manoel de
Queiroz, digno filho do finado Conselheiro Euzebio de Queiroz,
uma carta em que S. Ex. confirma a contesta^ opposta pelo
communicante, em uma das sessões passadas, á íálsa intelli»
gencia attribuida a uma phrase daquelle illustre estadista, que
nenhuma magoa teve j&mais do Imperador, nem em caso
algum a elle se referiria em termos ou em sentido discor-
dante da extrema oortezia com que sempre tratara grandes e
peqaenos.
< Nessa carta o Dr. Manoel de Queiroz recorda que, jàno
anno de 1882, impugnara semelhante ballela, e como prova
transcreveu os seguintes tópicos de um artigo que, com a sua
assignatura, fez publicar no Olobo^ a 25 de outubro daquelle
anno, e qua convém fiquem registrados nos annaes do Instituto:
« O dito attribuido a meu pai nos termos em que o apre-
€ senta o articulista, nâo seria uma prova de virilidade da alma
< senão de impertinente grosseria, quando ó sabido que entre os
€ melhores amigos de meu pae, e que elle aos filhos apontava
€ como homens de todo respeito, conta vam-se José Clemente Pe-
« reira, Itaborahy, Uruguay, Paraná, que mais de uma vez
€ sabem foram ministros. Os que conheceram Euzebio de
« Queiroz quanto elle era delicado, polido, attencloso, incapaz
€ por certo de lançar sobre seus melhorei amigos o labéo de
€ faltos de pandonor.
€ Não se pode ser ministro dtMs vezesp^ disse e repetia,
« Euzebio de Queiroz, considerando as difflculdades da posi-
« <$o, os desgostos e amarguras, que soflPlrem os ministros neste
« paiz, onde nada se respeita, onde os mais puros sentimentos
« são desconheiddos e offendidos pela malícia dos homens, onde
€ a ingratidão assentou seu throno, sem por isso attribuir a
€ aceitação de um segundo ministério á falta de pudor. . . Não
« é também um protesto contra o poder pessoal^ cuja existência
€ nunca foi denunciada pelo Conselheiro Euzebio, e o próprio
< articulista reconhece que € seria preciso considerar aviltados
< todos os homens que têm servido muitas vezes o cargo de
€ ministro, para admittir o poder corruptor da coroa. >
4323 — 28 Tomo lxix, p. ii.
434 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
€ Se Eiuebio de Queirós eeiiTesee ooiiTeDoldo da inflaeacia
indébita da ooróa não a denonolaria por insinuações oobardeSt
mae teria dado eoarticaitata outra prova da € civilidade de sua
alma e da independência de sen oaracter » oombatendo-a da tri-
bana» & loz do dia, a peito deeooberto, e nSo «atirando»» em
uma phrase qae feria os mais respeitáveis oaraeteres do sen
tempo «o odioso e a perversidade da perversão do governo do Be-
tado sobre umsò.
« A moléstia allegada para excnsar-se da incumbência de
organizar um novo gabinete, nâo foi infelizmente moro pretestOt
e bem cedo tivemos a dolorosa prova. >
O Sr. Dr. Manoel Barata lô as Nota$ biogmphieas do Aímí*
ranU Luím da Ounha Moreira^ Visconde dê Cabo FHo,
O Sr. Presidente commnniea que devido a affluenoia de tra-
balhos haverá sessfto extraordinária a B do oorrente, tomando
posse, por essa oocasiio, o Sr. Núncio Apostólico, Monsenhor D*
Júlio Tonti.
Levanta-se a sessSo ás 4 l/S»
Alcibíades ]^»rkulo
S» SeonUrlo.
ACTA DA SESSÃO EXTRAORDINÁRIA DE 8 DE OUTUBRO
DE 1906
Presidência do Sr. Marquez de Paranaguá^ £• (Vioe^Presidenie)
A*s 3 horas da tarde, na aéde social, presentes os Sra. Mar-
quei de Paranaguá, Bar&o Homem de Mello, Visoonde de Ouro
Preto, Max Pleiuss, Manoel Cícero, Arthur Guimarães, Barão de
Paranapíaoaba, Barbosa Rodrigues, José Luiz Alves, Sylvio Ro-
méro. Marques Pinheiro, Barfto de Alencar, Rocha Pombo,
Conde de Aflonso Celso, Conselheiro Cândido de Oliveira, Susviela
Goarch, Salvador Pires, Orville Derby, Josó Américo dos Santos,
ALÍlredo Naeoimento^ Leite Velho, Marques Peixoto, Monsenhor
Vicente Lustosa, Miguel de Carvalho, Lix Klett e Sebastião
Galvão, abre-se a i
i
ACTAS DAS SBSSÕBS DE 1906 485
O Sr. Presidente designa o Sr. Visconde de Onro Preto e o
Dr* Manoel Cioero para sabstitairem, respeetiramente, o Orador
e o 2^ Secretario, que nâo compareoeram, por Jasto motlro.
O Sr. Manoel Cioero, sorrindo de 29 secretario, lê a acta
da sess&o anterior, a qual 6 approvada sem debate.
O Sr. Presidente declara qne se acha no Instituto o Sr.
Nando Apostólico qne vem tomar posse do cargo de sócio hono-
rário e designa os Srs. 1^ e 2* secretários e o Sr. Conde de
Affonso Celso para o iotrodazirem no recinto.
O Sr. Noncio Apostólico dá entrada na saladas sessões
e toma assento.
O Sr. Presidente dirige-lhe a seguinte allocQ(^o :
<Exm. e Revm. Sr. Núncio Monsenhor D. Júlio Tonti —
Antes de partirdes para Lisboa, no desempenho da elerada
missão que S. S. o Papa Pio X acaba de conflar-ros, quisestes
tomar posse do cargo de sócio honorário do Instituto Histórico
e Qeographico Brasileiro, para o qual fostes eleito unanime-
mente, em sessão do 30 de abril desta anno.
< E, pois, o Instituto Histórico vos recebe hojo em seu selo
com o mais intenso Jubilo e com o acatamento que inspiram as
altas Thrtudes e o consummado saber que tos distinguem.
« Tomando assento entre nós, patenteastes mais uma vee
que sabeis prezar os homens e as cousas do Brazil, onde deizaes
radicadas as mais vivas sympathias. Nenhum de vonos illustres
antecessores, como vós o fizestes, percorreu quasi todas as dio-
ceses do Brazil, exceptuadas apenas as de Qoyaz e Matto Grosso,
para conhecer de vitu as suas necessidades e provel-as oonve*
nimtemente.
< E* sabido que muito conoorrestes com as vossas informa-
çqes de grande valor e autoridade, para que coubesse ao Brasil,
de preferencia, o primeiro cardinalato da America Latina.
< Bxm. e Rvm. Sr. O Instituto Histórico, quo, hoje, festi-
vamente vos acolhe, deve a sua origem a um sacerdote, o Có-
nego Januário da Cunha Barbosa.
€ Ufima-se de ter tido em seu grémio os saudosos Arcebispos
da Bahia, D. Romualdo de Seixas, Marquez de Santa Cruz e
D. Manoel Joaquim da Silveira, Conde de 8. Salvador, Mont*Al-
436 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
yerne, Custodio Serrão, Luiz GonçalYes dos Santos. E ainda hoje
temos a fortuna, que Deus nos conserve por longos annos, de
contar no nosso grémio outros venerandos sacerdotes de notável
saber, como Sua Bmineocia o Cardeal Arcebispo do Rio de Ja-
neiro, Sr. D. Joaquim Arooverde, D. João Braga, Bispo de Petró-
polis, D. Francisco do Rego Maia, Bispo resignatario de Belém.
« A religião não prescinde da liistoria ; antes tem os seus
fundamentos essenciaes na historia, que ó a flel depositaria dos
successos através dos séculos, a luz da verdade ^ Testis tem-
parum^ lux veritaiis,
« Em nome do Instituto Histórico eu vos saúdo e fiiQO votos
a Deus para que tenhaes boa viagem, e melhor acolhimento
e todas as prosperidades desejáveis no vosso novo posto diplo*
ma tico. »
O Sr, Núncio respondeu nestes termos :
€ Ezm. Sr. Presidente, meus caros confrades — A mim è
summamente grato comparecer hoje perante esta illustre as-
semblóa, aâm de assumir o posto honrosissimo que nella hou-
veram por bem designar-me com a distinoção insigne de sócio
honorário do Instituto Histórico e Geographico Brasileiro.
« Agradecendo ponhoradissimo a honorificencia que me foi
concedida, direi com toda a sinceridade, que a noticia de minha
admissão neste gi^emio, pior tantos titules venerável, encheu
minha alma de orgulho e ao mesmo tempo envolveu-a na mais
profunda perturbação.
« Ta es sentimentos penetraram simultaneamente o meu
espirito ; e, ainda agora, ao tomar assento entre homens tãoemi-
nontes, slato a dominar-me aquella dupla emoção. Orgulbo-me
deveras por fazer parte hoje, como vosso consócio, do lastituto
Histórico e Geographico Brazileiro, a mais antiga e a mais no-
tável das fundações litterarias da America Latina, e que
mantém um logar eminente ao lado dos institutos europeus con-
géneres. O meu Justo desvaaecimento subiu de ponto quando
percorri os nomes que figuram nos registros desta casa, desde a
sua fundação. Os vossos annaes encerram nomes que valem
pela consagração intellectual desta instituição, ootabilidades que
souberam elevar-se por méritos vários, cada qual mais brilhante.
ACTAS DAS SESSÕES Dfi 1906 437
4c KDtre os sócios do Instituto Histórico e Geographico Brazi-
]eiro (seja-me permittído fazer esta mençSo especial) se destaca
e sobrele7a dentro e fora das fronteiras deste beilo e opulento
paiz, a figura do pranteado D. Pedro II.
« O carinhoso e infotlgavel interesse que o eminente brazi-
leiro consagrou sempre ao Instituto, de que foi a alma, seria
a prova inequivoca da sua alta intelligencia e rasto saber, ao
mesmo passo que do seu entranhado affecto á grande nacSo
americana. No seu diadema fulgura como gemma preciosíssima,
que a historia transmittirá á admiração dos vindouros, esse
devotado culto ao estudo de sua pátria l Eis porque se justifica
o meu sentimento de orgulho ao receber a nomeação de sócio
honorário do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro, Este
sentimento, porém, foi contrastado no mesmo instante por outra
impressão, não menos poderosa, que, prevalecendo, quasi con-
turbou profundamente a minh'alma.
€ Attenta á celebridade do Instituto, como á culminância de
seus sócios, volvendo eu o olhar sobre a minha pessoa, medi e
avaliei a minha pouquidade : nenhum titulo achei em mim,
nem merecimentos para dar assento nesta illustre assembléa.
« O interesse que pude patentear pelo bem do paiz, nas
excursões feitas em vários pontos do seu território, o estimulo
deste testemunho da vossa alta sympathia para que continue a
me esforçar na esphera em que posso agir em prol da Nação
Brazileira, não me pareceram causas proporcionadas ao effeito.
Dominado pelo primeiro movimento emanado da perturbação
que enleiou minh*alma, estive a ponto do pedir-vos qae me
escusásseis, por isso que estava acima de mim a ennobrecedora
distincção de sócio honorário do Instituto Histórico e Qeogra-
phico Brazileiro.
4c Felizmente para mim, uma idéa sobreveiu que, tran-
quillizando o meu espirito, decidiu-me não só a aceitar o vosso
diploma, como a recebel-o mesmo enthusiasticamente. Os
membros do Instituto Histórico dedicando-se especialmente ao
estudo da Historia o Geographia do Brazil, sabem plenamente
que as paginas mais gloriosas do livro immortal desta terra
narram os feitos inolvidáveis dos primeiros Missionários a ella
438 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
enviados pelo Romano Pontífice. O0 aeas nomes e os symboloi
de sua fé âearam eecriptos na historia e na geographia das
terras ^brasileiras.
« Os legares de maior renome são os que foram fecondados
pelo labor daquelles Missionários heroes, que em meio de diffl-
cuidades sem oonta e de perigos mortaes aqui anDunciaramo
Evangelho e plantaram a Cruz, merecendo este paiz de mara-
yiihosoB destinos o nome de Terra de Santa Cruz, fazendo-o
nascer para verdadeira vida e verdadeira gloria t No voto
unanime, pois, de inscrever o Núncio Apostólico no quadro
dos sócios honorários do Instituto Histórico e Geographico Bra-
zileiro, julguei que nSo havia sido estranho ao vosso pensa-
mento o intuito de testemunhar de maneira tão eloquente e por
um voto, entre todos competente, o vosso preito ao Supremo
Pastor da Igrcga Catholica — o Romano Pontífice.
« Bis a razão potentíssima que me decidiu e eis o motivo
de minha aceitação enthusiastica. Foi impessoal e superior o
impulso que me dirigiu a esta augusta assembléa.
« Neste pensamento felicito os membros do Instituto e u&no-
me de ser vosso consócio, ainda qae o mais humilde no valor
fessoaU
« Confuso por tão alta significativa demonstra^ de sym-
pathia qoe quisestes dar me, vos reitero os meus mais vivos
agradecimentos e faço os votos mais ardentes pela prosperidade
progressiva do Instituto para que conserve sempre a sua pre-
eminência e qual outro sol dififunda e resplandeça a sciencia e
a sabedoria no firmamento histórico e geographico do Novo e
do Velho Mundo para maior gloria da Religião e da Pátria»^
O Sr. Visconde de Ouro Preto, servindo de orador, profere
o seguinte discurso, em resposta ao Sr. Núncio Apostólico :
€ Aos milicianos de Christo, do todas as legiões em que se
alistam, deveu sempre o Brazil serviços importantes, desde os
primeiros tempos após o descobrimento.
« Mencionando apenas os mais antigos — Anchieta e Nó-
brega, Marcos Teixeira, Caetano Brandão, Vieira (de lado as
velleidades politicas), António do Desterro, foram beneméritos
deste paiz.
ACTAS DAS SBSSÕBS DB 1906 439
« Ainda hoje algUQa soldados da Gniz ião os anioos que se
esforçam por saayizar a triste sorte dos iegitimos donos da
terra, ezpondo-se a privações e perigros nos sertões, onde os
desapossados se reftigiaram.
€ NSo muitos metes ha, om dosses caridosos e abnegados
patronos de infelizes, nosso iUostre oonsocio, prosegaindo na
santa missão, snccambin aos golpes por elles desfeóliados.
« Ninguém os inculpe por isso ; inconscientes, despertam
compaixão. Stygmas severos merecem 09 que j& não podendo
esoraviaal-os, os abandonaram aos insttnctosbestiaes do homem
primitivo 1 Por estes factos só, registrados em nossos annaes e
que nem o obseoado espirito de seita contestara, por taes* ser-
viços, e únicos não são da phalange tonsurada, ^ conferir um
logar de honra no grémio do Instituto Historioo e Geographico
Brazileiro exigua homenagem seria ao alto representante da
Igreja Romana, a piedosa e indefessa inspiradora de tantas
virtudes e tamanho heroísmo I
< Ao indyto Arcebispo de Anoyra, porém, a Monsenhor
D. Júlio Tonti, sobejavam, para todas as distincções que esta
Associação pudesse offertar-lhe, títulos pessoaes mais valiosos,
permitta-se-me dizel-o, do que a elevada investidura offldal.
€ Esta, aoreditando-o junto ao Qoverno, assegura-ihe é
oerto, com o acatamento geral, as íSMuldades, as prerogatívas
e privilégios, inherentes aos altos postos diplomáticos* mas é
temporária e vem de uma delegação.
€ Os títulos pessoaes de S. £x. são immorredouros, origi-
nam-se de seus predicados individuaes ; ninguém lh*QB pôde
tirar porque ninguém lh*08 deu ; e constituem irrecuzaveis
oredenciaes, perante potencia superior a qualquer Governo —
a nação que as aceita, não por aoto de chancellaria — como
preito de estima e de reconhecimento.
< Scientista notável, philologo que moureija com segurança
vsrios idiomas, professor laureado, cooperador em suooessos
auspiciosos à grandeza e lustre do Brazil, como o augmento das
dioceses, centro de instruc^^, moralidade e consolo para o povo,
e conseguintemente, de força e resistência nos dias de angustia,
ao Sr. D.. Júlio Tonti cabia indisputável direito a uma cadeira
442 RKVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
nlo diflfliTçará, no derradeiro qaartel da rida-» o qae peoea
e o qae sente, tendo por dirisa : Credo, Imnufía fides t»
O Sr. Presidente declara suspensa asesl&o por oineo mi-
nutos.
Reaberta a sessSo, ás 4 horas e 45 minutos, prooede-4B
Èk Totaoto dos pareoeres da Commissfto de Admiss&o de Sooios,
lidos na ultima sessSo e reiatiTos ao Sr. Qonndo de Qa»-
sada e ao Dr. Arthur Orlando da Silva.
Ambos os pareoeres foram approTadòs, sendo o do Dr. Ar-
thur Orlando por unanimidade.
O Sr. Presidente proclama sócios correspondentes do In-
stituto Histórico e Geographico Brasileiro os Srs. Dr. Arthur
Orlando da Silva e Gonzalo de Quesada.
O Sr. Pleinss, l"» Secretario, lê o seguinte parecer da
Gommisribo de Admissfto de Sócios, o qual fica sobre a mesa,
para ser Totado na proiima sessSo.
«Ha longos annos, cathedratico da Faculdade de Direito
do Recife, autor de numerosas obras reveladoras de ampla
oultura litteraria e Jurídica, encarregado pelo Governo de
relevantes ooramiss9es, qual a de elaborar o- projecto de Co^
digo Civil, nomeado recentemente Consultor Technioo do Mi *
nisterio das RelacSes Exteriores, apresenta o Sr. Dr. Clóvis
Beviláqua todas as condições de idoneidade intelleciual e
moral para ser admittido em qualquer aggremiagio soien-
tiâca.
€ As conTenienoias da sua entrada para o Instítuio Histórico
decorrem dos predicados alludidos ; sSo obviaa: goiam todas
as associações com a acquisiçio de uma capacidade ccnnpro-
vada. A GommissSo de admissSo de sócios opina, portanto,
a favor da proposta relativa ao Dr. Clóvis Beviláqua. Rio
de Janeiro, 8 de outubro de 1006.— Conde de Áffbnso Célw, le-
MoT.-^Mánoel deero.-- Miguel J. RibHro de CaTvaXho.-^BarOo
de AUmoar»^
O Sr. Fieiuss, em nome da Commissao de Bstatntos e
Redacçfto, de que faz parte, apresenta o seguinte projecto
de regimento interno :
«Projecto de um regimento interno para as sessões.
ACTAS DAS SBSSÕB5 DE 1906 448
« Dd conformidAdade com a diaposi^^ do art. 49 8 2^ dos
Estatatos, em todas as sesaões do Instituto o Presidente ocoa-
IMurÀ o centro da mesa, tendo á direita o 1» Secretario e
o orador e á esquerda o 29 Secretario e o Thesoureiro.
« Sendo conveniente providenciar quanto á oolloca^ dos
Vice-Presidentes e á dos recipiendarios, hem como a do Chefe
do Estado, quando comparecer ás sessões, e sobre outras me-
didas correlatas, julga a Commissão de Estatutos e Redacção
imprescindiyel apresentar o seguinte projecto de Regimento
Interno para as sessões :
« Art. !.<> Os Vice-Presidentes, por sua ordem, sentar^se-bão
nof três primeiros logares do recinto à direita da mesa.
« Art. 2.^ O recipiendario senta r-se-ha no primeiro logar
do recinto á esquerda da mesa.
« Art. 3.» Quando comparecer o Chefe do Estado ser-lhe-lia
offerecida a Presidência ; acceitando-a, o Presidente do In-
stituto occuparà a cadeira do 1* Secretario, que irá para a
do orador, ficando á esquerda do Chefe do Estado o Orador
e o 2« Secretario. Não a acceitando, sentar-se-ha á direita do
Presidente do Instituto, tendo em seguida o l"" Secretario,
sentando-se o Orador ã esquerda do Presidente do Instituto
e em seguida o 2° Secretario. O Thesoureiro sentar-se-ha,
então, no primeiro logar do reoinio ã esquerda da mesa.
« Paragrapho Único. Comparecendo o Chefe do Bstado á
recepção de sAgum sócio, o Thesoureiro sentar-se-ha no re-
cinto, do lado direito da mesa, logo depois dos Yioe-Presi-
dentes.
« Art. 4.« — O Recipiendario fallarã de pé, bem eomo
qualquer sócio que tiver de ler algum trabalho mais demo-
rado. Rio de Janeiro, 8 de outubro de 1906. — MacoFUiuss.—
Conde de A ff (m$o Celso.— Dr, Alfredo Nascimento, %
Posto em discussão, pede a palavra o Sr. Conselheiro
Cândido de Oliveira e adduz varias considerações^;; propondo
afinal a suppressão no art. 4**.
O Sr. Fleiuss, em nome da Commissão, convém na eli-
mina^^o desse artigo.
« Bm seguida pede que, por não ne tratar de admissão
444 REVISTA DO INSTITUTO HISTORICX)
de sooios, cuja votagio é reRulada pelos Estatatos, se con-
oeda urgência e se prooeda & votac&o do referido projecto. »
£* concedida, a urgência e, em seguida approvado una-
nimemente o projecto, com a suppress&o doart. 4.«
O Si*. Fieioss pede novamente a palavra e diz que vai
apresentar um voto que, reoonheoe nio estar muito noi
moldes do Instituto, mas para justifteal-o sobejamente ha a
justiça do assumpto, e pelo menoj dous precedentes— quando
falleceu o grande escriptor portugnez Eça de Queiroz e quando
houve a catastrophe do balão do Sr. Augusto Severo.
« Vem o orador pedir ao Instituto que approve o voto de
pezar pela morte do illustre professor Dr. Josó Benicio de Abreu.
« A* historia das soiencias medicas pertence o nome de Be<
nicio de Abreu. Era uma summidade, quer oomo professor,
quer como clinico.
« Ha, porém, outro lado de sua individualidade digno de
men^o a grandeza de seu caracter, grandeza que se paten-
teava sem alarde, mas a cada passo, sincera o ezhnberante.
€ Apresenta a seguinte proposta :
«Proponho que o Instituto Histórico e Oeographieo Bra-
« zileiro insira na acta da pi*esente sessão um voto de proftindo
« peiar pelo fállecimento do eminente professor Dr. Benicio
« de Abreu, gloria não só da medicina brazileira como dos qae
« sabem amar os homens que se íkzem grandes pelo saber e pela
« abnegação.
« Proponho ainda que se d6 dessa resolução oonhecimento
€ á Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.
€ Sala das sessões, 8 de outubro de 1906.- Mam Fleiuss.^
Posta em discussão ninguém pede a palavra e é, em se-
guida, approvada por unanimidade.
O Sr. Pleiuss, 1* Seeretario, participa que aoaba de
receber ama cartado Offlcial de Gabinete do Sr. Presidente
da Republica oommunicando que S. Ez. digna-se de compa-
recer ã Sessão Magna do Instituto» a realizar se em 21 do
corrente, ás 7 I/;ií da noite.
O Sr. Presidente diz que o Instituto fica inteirado e desde
Já muito agradece.
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 445
Em seguida o Sr. José Luiz Alves lê considerações sobre
a Carta Régia de 28 de Janeiro de 1808 (abertura dos portos
do Brazll ao commeroio estrangeiro) nas qoaes sustenta que
somelhante decreto n&o . foi devido & interferência do Ck>Qde
da Ponte, nem de José da Silva Lisboa, como erroneamente
se tem escripto. Para provar suas asserções insere ve-«e para
em uma das próximas sessões lêr uma memoria sobre tão
importante assumpto.
O Sr. Presidente communica que a próxima sessão, ultima
ordinária deste anno, realiza-se na segunda^feira, 15 do cor-
rente, ás 3 horas da tarde.
Encerra-se a sessão as 5 1/2 da tarde.
Mafwel Cicêro
servindo de 2* Secretario.
ACTA DA 17» E ULTIMA SESSÃO ORDINÁRIA EM 15 DB
OUTUBRO DE 1906
Presidente o Sr, Marques de Paranaguá (í* Vice- Presidente)
A's 3 horas da tarde, na sede social, presentes os Srs.
Marquez de Paranaguá, Barão Homem de Mello, Visconde de
Ouro Preto, Max Fleiass, Alcibíades Furtado, Desembargador
Souza Pitanga, Arthar Guimarães, Barão de Paranapiacaba,
Coronel Thaumaturgo de Azevedo, Dr. José Américo dos Santos,
José Luiz Alves, Drs. Manoel Cicero e Alberto de Carvalho,
abrcHsea sessão.
O Sr. Furtado, 2« Secretario, lô a acta da sessão anterior, a
qual é approvada sem debate.
O Sr. Fleiuss, r Secretario, procede á leitura do expedi-
ente e das offertas.
O Sr. Presidente põe em votação o parecer da Commissão
de Admissão de Sócios, opinando pela acceitação do Dr. Clóvis
Beviláqua como sócio correspondente.
O parecer éappr ovado unanimemente.
O Sr. Presidente proclama sócio correspondente do Instituto
Histórico e Qeographico Brazilelro o Dr. Clóvis Beviláqua.
416 RBV18YA DO INSTITUTO HISTORIGO
O Sr. Jofld LalK AlvM pede a palarra para Aiser uma pe-
quena reolamaçio: « diz qoe ao ser recebida o retrato do illaetre
aaoerdote e poeta António Pereira de Sooza Oaldae, o Instituto
deliberou coilocal-o em logar de lionra na sala das sessOes ; que
por dromnstaneiae que nio Têm a pelo, foi este retrato reti-
rado pelo Sr. Heorique Rafliird, por se dizer que na sala das
sessões sd flgnrariaai os retratos e bustos de sócios ftklleeidos.
€ Agora que a Assooiaçfto acaba de passar por total restau-
raoio Tem reolamar para que seja eollooado na sala das
seMOes o retrato do Padre Caldas.»
O Sr. Fleiuss, I® Secretario, pede a paiarra e diz que a
decisfio de se collooar na sala das sesflSes somente os bastos e
retratos de sócios ÍUlecidoa deu logar a que, quando se deeidio
a questão do Oyapock, fosse eollooado na Secretaria o retrato do
eminente Sr. Bário do Rio Branoo e, ulteriormente, o do sau-
doso Ck>nselheiro Olegário.
€ Entende que no actual salEo de sessões deve unicamente
figurar o retrato do Sr. D. Pedro lí, para que bem saliente
fique o espirito de amor e gratidão qoe o Instituto deve áquelle
que íbi o seu Presidente Perpetuo e que até a morte jamais o
esqueceu.»
Assim se resolve por unanimidade.
O lyr. Manoel Cicero communiea que o illnstre e presadis-
simo consócio Dr. Manoel Barata segue para o Estado do Pará
a 21 do corrente ; pede o orador a nomeaç&o de ama eommiasio
para representar o Instituto ao embarque.
O Sr. Presidente nomeia para semelhante oommissSo os
1^. Dr. Manoel Cicero, Max Fleiuss e Alcibíades Furtado.
O Sr. Fleiuss, 1« Secretario, diz que estando oonclaidas as
obras realizadas no ediflelo social, Justo é que o Instituto auto-
rize o pagamento de modesta gratifioaç&o aos ftinccionarios
stO^itos ao ponto, pela somma de esforços que de boa vontade
ompregaratn pjira que tudo se fizesse com ordem e celeridade,
O Sr. Presidente consulta o Instituto, sendo acceita a pro-
posta do Sr. 1* Secretario.
O Sr. Presidente agradece, por ultimo, o auxilio efflcaz
que recebeu dosillustres consócios, e convida-os a comparecer á
ACTAS DAS 8BSSÕBS DB 1906 447
Btíu&o magna a realisar-se na noite de 21 do oorrentet As 7 1/9»
e a se entregarem* no período de férias, ao estado de qaestdes
e preparo de trabalhos, para que seja íertil ao Instituto o pró-
ximo exerdoio. Dá por enoerrados os trabalhos ordinários no
eomnte anno.
LeyantaHM a sessão ás 4 bòras.
AlMiadêB Fanado.
2» Secretario.
ACTA DA SESSÃO MAGNA OOMMEMORATIVA DO 68* ANNO
DA FUNDAÇÃO
BM 21 DB OUTUBRO DB 1906
PrsttdsHCHida Sr» Març[^eM de Paramaguá (i« Yice^Premdemte)
A*s 7 1/2 da noite, presentes os Srs. Dr. Francisco de Panla
Rodrigues Alves, Presidente da Republica, e Presidente Hono-
rário do Instituto, Marques de Paranaguá, Barfio Homem de
Mello, Max Fleluss, Alcibíades Furtado, desembargador Souza
Pitanga, cardeal D. Joaquim Arcoverde, bar&o de Alencar,
Drs. Bianoel Cicero, Cunha Barbosa, José Américo dos Santos»
Eduardo Marques Peixoto, Carlos Lix Klett, ms^or Belisario Per-
nambuco, coronel Thaumaturgo de Azevedo e Jesuino de Mello»
o Sr. Marquez de Paranaguá assume a Presidência depois de
tel-a offerecido, nos termos do regimento interno, ao Sr. Pre-
sidente da Republica, que, nSo a acceitando, ocoupou a cadeira
& direita do Presidente do Instituto.
Abre-se a sessáo, pronunciando o Sr. Marquez de Paranaguá
o seguinte discurso:
< Srs. Cabe-me a honra de presidir esta sessio magna,
anniversaria da fundação do Instituto Histórico e Geographico
Brazileiro, perante o distincto auditório que nos honra com a
sua presença e que, por este acto, penhora a nossa gratidão.
« Seria isso para mim um motivo de justo desvanecimento
si o meu exercício não fosse consequência do deaapparecimento
do muito illustre e querido presidente desta associação, o conse-
lheiro Olegário Herculano de Aquino e Castro, jurisoonsulto con-
448 RBVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
summado e notarei homem de lettras. A sua voz eloquente, que
dava realce e brilho a estas solemaidades, emadeoea para
sempre.
« Não poderei, enfraqaeeido pelo peso dos annos, sendo
apenas do passado ama quasi apagada sombra, nfto poderei, soa
o primeiro a confessar, bem sabstituir ao saudoso ami^*
« TodaTia farei da fhiqaeza força, e, alentado por presti-
mosos companheiros, procurarei cumprir o meu dever.
4c Esta instituiçSo patriótica é um legado de honra que nos
deixaram os seus beneméritos fundadores, e o seu aogasto pro-
tector, Sr. D. Pedro II, que em toda saa yida deu os mais nobres
exemplos de patriotismo, de abnegação e de amor ás iettras.
« Correspondendo ú. tão elevado encargo, o Instituto tem
continuado a promover as diligencias e investigações incessantes
para esclarecimento da verdade, e mais completo conhecimento
da nossa historia.
4c E* este, sem duvida, um dos melhor js serviços prestados
por esta associação de cultores das iettras pátrias.
« A historia é a fiel depoait vria dos successos através dos
tempos, a luz da verdade, a mestra da vida,— tesfíj temparum^
lux veriiatiSf magistra vitos, vita memorce, nuntia vetítstcUis^ oomo
diz Cicero. E, em oecasião semelhante ã esta, o noss3 saudoso
presidente desenvolveu o mesmo pensamento assim. A historia
é a grande e judiciosa mestra da vida que, com rectidão e fir-
meza, encaminha, e, pela expressão da verdade, assegura o
destino das nações ; 6 a luz que esclarece a mente dos que as
dirigem, evitando os erros e os perigos que os rodeiam ; a lição
sabia e profunda, que, pela doutrina e pelo exemplo, educa os
povos, para que, na consciência dos seus direitos e deveres,
saibam bem sustsntal-os e cumpríl-os.
4c Para que seja immensa a utilidade moral da historia, diz
ainda conhecido escriptor, basta que olla sirva, oomo de facto
servo, para reprimir o ogoismo, lepra dns sociedades modernas,
e incitar a pratica das acçõos generosas.
4c Senhores. A festa litteraria que o Instituto hoje celebra,
cm commemoração do 08"^ anniversario da sua fundação, não ô
uma solemnidade de mora ostentação.
ACTAS DAS SBSSÕBS DB 1906 449
« Pelos noflsoB Estatutos é esta a ocoasíão de expormos,
pelos órgãos competentes, os nossos trabalhos, as oocarenciai
prindpaes havidas durante o anno social que hoje finda; de
fazermos menç&o honrosa das obras históricas, geographicas,
ou ethnographicas apresentadas no mesmo período.
« O cumprimento deste dever, é, alôm do mais, uma justa
satisfação aos poderes públicos, de quem o Instituto recebe
auxílios indispensáveis, é também uma attençâo para com todos
que se interessam pelos estudos históricos.
4c As sessões ordinárias do Instituto elTectuaram-se com a
precisa regularidade sendo em taes oocasiOes lidos trabalhos
originaes que serão opportunamente publicados na Revista,
« Alôm das sessões ordinárias, celebradas de 15 em 15 dias,
houve algumas sessões extraordinárias convocadas para negocio
argente ; e tanto a estas como ãquellas compareceram, sempre
em grande numero, os nossos prosados consócios, cuja dedicação
e assiduidade são dignas de louvor.
€ A Revista do Instituto tem sido publicada com alguma
demora, devido á affluencia de trabalho na Typographia Na-
cional, onde se imprime.
« O nosso Archivo, magnifico repositório de informações
úteis e documentos preciosos, assim como a nossa Bibliotheca,
sob a guarda do erudito e zeloso bibUothecario, Sr. Dr. Vieira
Fazenda, tôm sido visitados e merecidamente apreciados por
nacionaes e estrangeiros.
€ Tratamos agora de completar a organização do^catalogo
das obras que possuímos, tarefti esta conOada ao nosso presado
biblotheoario ,obseqotosamente coadljuvado pelo illustro Sr. barão
de Vasooncellos. B' um trabalho de grande importância, por
quanto, além da enumeração das obras que possuímos, deve
conter o estado critico de cada uma, observações e discussões
«oseitadas, numero de edições, eto.
« Continuamos a eorresponder-nos com as associações con-
géneres, tanto do nosso pais como do estrangeiro, permutando
com ellas a nossa Revista. Tôm sido numerosas e de subido
valor as offbrtas de livros e trabalhos litterarios, que vão enri-
quecendo a nossa Bibliotheca.
4323 — 29 Toxo lxix. p. lu
450 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
« O ediflcio onde tomos a nossa sôde social passou por
grandes melhoramentos ; oíTereoe agora a necessária segurança,
decentes e boas accommoiaçoss. Foi por Influencia e ingentes
esforços do nosso saudoso presidente, conseliíeiro Olegário, que
o Instituto obteve dos poderes públicos os meioj necessários
para a realizao&o de taes melhoramentos*
« Deste facto e de outros não meãos importantes o digno
!• secretario, Sr. Max Fleiuss, dá minuciosa noticia do seu bem
elaborado relatório, cuja leitura ides ouvir.
« Releva, entretanto, declarar que muito contribuiu para a
mais económica e mais prompta execução das obras e melhora-
mentos de que se trata a diligente flscaliiação e actividade do
Sr. Max Fleiuss, Justamente louvado pelo Instituto, em sessio
de 3 de setembro ultimo.
« O Instituto admittiu em seu grémio duranto este anno
mais sete novos sócios, todos elles Justamente considerados por
seus talentos, illustração e maior bôa vontade.
« Sua valiosa coUaboração Justifica assaz os nossos applau-
SOS, o faz dispontar entre nós lisongeiras esperanças.
« Mas, por contraste doloroso, temos de lastimar a perda, no
mesmo período, do dez illustres consócios, lidadores indefessos,
como o barão de Penedo, o Dr. António de Paula Freitas, com-
mendador Henrique Raffard, que nos foram arrebatados pela
impiedosa morte. O vácuo que elles deixaram no nosso grémio
difflcilmente será preenchido. Ao nosso illustrado e eloquente
orador, Sr. desembargador Souza Pitanga, incumbe fazer-lhes o
elogio, tareík que vai desempenhar, como costuma, com ele-
vação e brilho: é um Justo tributo de reconhecimento e saudade
que, em ocoasião solemce, prestamos á memoria de mortos que-
ridos.
« Concluída esta ligeira exposição, cumpro o grato dever de
agradecer, em nome do Instituto, &s distinctas pessoas que se
dignaram de obsequiar-nos com o seu comparecimento, tomando
parte nesta modesta festa litteraria e com especialidade ao
Ezm. Sr. Presidente da RepubUca, autoridades superiores, re-
presentantes de corporações soientiflcas e da illostrada im-
prensa desta capital.
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 451
« Aos prosados consócios, os aífdctuosos cumprimentos com
08 melliores votos pela sua felicidade.
« Está aberta à sessão.»
O Sr. Max Fleiuss, 1° Secretario, pedindo vénia ao Sr. Pre-
sidente da Republica, leu o seguinte relatório :
€ Sth. consócios — Quando em meio do anno passado o meu
saudoso antecessor declarou-me ser firme propósito seu não
continuar no cargo de 1<> secretario, devido & precariedade de
suas condições de saúdo, quo o inhibiam do mesmo zelo, diária*
mente provado durante 14 annos, confesso que temi recabisse
em mim o voto de meus pares, investindo-me do elevado posto.
« Certo Julguei-me capaz do patentear a maior soumia de boa
vontade, pondo ao serviço do Instituto as horas todas do meu
lazer ; tal qualidade, poróm, por si só, nio bastava e a minha
fraqueza subia de ponto quando reconhecia a necessidade, cada
vez mais urgente, de fazer o Instituto assumir uma feiç&o que,
sem quebra ou desrespeito de suas nobres tradições, lhe trou-
xesse o prestigio oriundo dos centros quo n&o vivem unicamente
da contemplação do passado, por mais honroso que seja, mas
sabem acompanhar a evolução da sociedade, recolhendo com
imparcial critério o que houver de aproveitável.
« Por muito tempo o aspecto do Instituto pareceu, não a
poucos, o do uma instituição obsoleta, ankylosada pela vetusiez,
a psalmodiar em tom baixo victorias de outras eras, para as
quaes se voltava em uma obstinação quasi enferma.
« Concepção errónea, falsíssimo juizo, mas a que as appa-
rencias emprestxvam a figura da realidade.
« Os que tinham a ventura da frequência no seio desta com-
panhia, bem sabiam não se receiar aqui a claridade brilhante,
mas a vista exterior levava a crer que se preferia a penumbra
mormacenta, a meia luz, como a indispensável á circumspecção
e mais de harmonia oom a indoie da casa.
« Evidentemente não podia subsistir esse quadro ; cumpria
dissipal-o sem vacillações e sem tardança para immediato pro-
veito dos elevados fins do estabelecimento.
« Desde alguns annos, novos moldes se impunham, ganhando
cada vez maior terreno. Afinal prevaleceram, e a victoria
452 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
•oou, DÍo como resultado osteril de uma lata meaquiniia, mas
exprimindo a allelaia do uma nova phase, que, consagrando o
passado, não repello as contribuições do presente e encaminha
o ftituro com a confiança dos que amam o trabalho honesto e
crôm na grandeza immensuravel do nossa pátria.
« B — a verdade manda confessar -^ o general dessa cruzada
de moços foi utn velho. Sim, um ancião que a moléstia abateu,
quando beirava elie o octogésimo anniversario. Foi o nosso
grande Oiogario, pormitta-se^mó a ezpressao, o Noator da sa*
lutar campanha ou^os fructos todos applaudimoe.
« Bile comprehendeu oom a nitidecde um espirito verdadei*
ramente Incido o que a ápooa exigia e sem receio offereeeu-nos
o seu apoio, conduzindo-nos ao triumpho.
« Triumpho — porque si o Instituto Histórica e Ooographioo
Brasileiro continua a ser uma sociedade dedicada aos mais
3evoros estudos, não podo mais ser tida, como assoalhavam os
que o desamam, um simples repositório de docamentos , per*
mittidos unicamente a estreitissimo numero do estudiosos, e
ainda assim adstrictos a um só credo.
€ Anima*nos hoje um forte revigoramento que noi consente
o prescrutar do passado, sem descrôr do presente, encami*
nhando pelo estudo livro de preoonoeitos, insubmisso a qaaes-
quer outros diotames que não os da consciência ao serviço da
verdade, o nosso porvir, o qual se desdobrará magnifico, Josti-
flcando as esperanças dos antopassados, que ao pisarem o solo
desta torra deram-lho um nome duplamente bemdito.
€ Mas reatemos o fio regular da exposição.
€ Crente de quot pela generosidade dos collegas, me caberia o
poeto de primeiro secretario, tratei desde logo de assegurar>me
PS meioe para uma das primeiras reformas que inadiavelmente
se impunham : a material.
« Dão testemunho quantos aqui vinham — o estado do pré-
dio era o mais desolador : paredes fendidas, tectos a oahlr,
eoalhos desnivelados, uma feição, em summa, de oompieta indi-
gência.
« Mas eram precisos recursos e não exíguos. Fd eatio que
o Instituto encontrou na pessoa do Sr. Dr. Leopoldo de Bulhdes,
ACTAS DAS SESSÕES DB 1906 453
illufltre Ministro da Fazenda, o bemfeiior de que carecia. O seu*
nome pertence a esta casa, iasoalpiio na grat dv) de q uantos
sinceramente a presem.
4c Foi essepatricio, quo o instituto acoiliea como sócio hono
rario, por J& ter feito rarias concessões releTantes* quem pediu
ao illustre Deputado Pandlá Calogeras* também nosw> compa-
nheiro, que apresentasse na Gamara dos Deputados a autorimoão
ao Ministério do interior para a despeza de 50:000$ a í)Uer-se
com as obras no ediftoio ocoupado pelo Instituto Histórico*
€ Nâo parou ahi o interesse do Dr. Leopoldo de BnlhOefl pela
associação ; varias vezes veiu examinar as obras e outros
íávores nos dispensou.
4L Ao illustre ez*MiniBtro da Justiça» o Sr. Dr. José Joaquim
Seabra* também deve o Instituto notáveis serviços, FOi S. Ez.
quem immediatamonte autorizou o contracto das obras e nov
assegurou um auxilio para conclusão de outros melhoramentoa.
4 Oabem igualmente com inteira Justiçx aos distinctes Srs»
Drs. Félix Gaspar e Lauro Muiler os nossos agradecimentos
calorosos. O primeiro, pelo concurso que nos prestoui com
relação a novas despezas necessárias ; o segundo* porque nos
cedeu o espaço sufQciente para a escadaria.
« Superiores elogios, porém, devem ser endereçados ao bene-
mérito Chefe do Bstado, o integru brasileiro Dr. Francisco de.
Paula Rodrigues Alves. A boa vontade patentemente demons-
trada por S. Ex. quanto ao Instituto, dignandoHse visit(^r as
obras do edificio e prestando-nos o seu apoio, cumpre ficar
registrada de envolta com os protestos de nosso sincero reoo«>
nhecimento.
« Assiguado o contracto das obras entre o engenheiro do
Ministério da Justiça e o constructor, a 19 de março, logo no dia
seguinte começaram os trabalhos com a demolição das paredes,
do que resultou a actual galeria, em substituição aos cubículos
que de nada serviam o eram até condemnados pela hygiene.
« Releva salientar a fiscalização zelosamente feita pelo
illustre engenheiro do Ministério da Justiça' Sr. Dr. Francisco
454 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Angusto Peixoto, o a exactidão oom que o construotor Sr. Mi-
guel Bruno executou as clausulas de seu contracto, não se
eximindo mesmo de attender a exigências que fiz, não incinidas
no projecto.
« As obras terminaram completamente nos primeiros dias
deste m6z« embora desde agosto Já. nos fosse permittido fnnc-
oionar neste salão.
« Todos os soalhos foram renovados, assim como os tectos
e todas as paredes divisórias ; grande parto da cobertura, foi
substituída. A escadaria obedece a plano moderno e se acha
fjpanoamente illuminada.
« Hoje, Srs. consócios, temos uma installação condigna. Não
mostramos mais aos visitantes as nossas riquezas a se dete-
riorarem pela acção do descaso, nem precisamos basear desculpas
para attenuar a m& impressão. Agora quem quer que seja
pôde penetrar nesta casa, onde ha para todos cordial hos
pitalidade, e verá que, si nos íkltam os requintes de luxo,
não deixamos de possuir accommodaçOes dotadas de conforto
e irreprehensivel asseio.
€ Etudo se deve, repito-o, ao governo actual. Ufano-me em
decUrar quedo nosso inclyto e saudoso presidente, o Sr. conse-
lheiro Olegário, recebi a mais absoluta autorização para agir
como entendesse nesse terreno e consentireis que também me
orgulhe de ter concorrido para o magnifico emprehendimento.
« Cabe-me aqui mais uma vez agradecer as palavras extre-
mamente carinhosas que me dirigiu o benemérito Sr. Pre*
sidente da Republica, por occasião de sua visita, em 30 de
julho, e o voto com que me distinguistes na sessão de 3
de setembro, interpretado gonorosamente pelo preclaro Sr. Vis-
conde de Ouro Preto, nome em que o Instituto vê um de seus
mais bellos ornamentos e que o Brazil applaude como um
exemplo de saber e varonilidade de caracter.
« Por motivo das obras, o Instituto acceitou em 13 de
março o gentil offereotmento do então presidente do Gabinete
Portuguez de Leitura, commendador Josô Vasco Ramalho Or-
tigão, para celabrar as suas sessões no sumptuoso odificio
daquella illustre associação. A acolhida fidalga que nos deram
ACTAS DAS SESsSeS DR 1906 455
durante ires mezes, Jamais 8er& esquecida, tendo o Instituto,
sob proposta minha, approvado em sessão de 20 de agosto um
voto de reconhecimento ao mesmo Gabinete.
« Preparadas as salas, armadas as estantes, cumpria tratar
do arranjo dos nossos volumes que sobom a alguns milhares.
Tarefa dispendiosissima, que oneraria sobremodo o Instituto, si
eu nSo tivesse encontrado no distinoto Sr. general Dr. João de
Siqueira Menezes, commandante da Força Policial, e no sou ze«
loflo secretario, o Sr. major Josó Bernardino da Cruz Sobrinho,
dous prestimosos amigos do nosso grémio.
« Cabe-me ainda agradecer a generosidade do nosso consócio
Sr. visconde de Moraes, que concorreu para ser em parte res-
taurado o nosso mobiliário e a do Sr. representante da The
Rio de Janeiro Tramtoayf Light and Power que nos offereceu um
gazometrode 50 luzes.
< Consentireis que descortine agora outros capitules não
menos importantes .
« O estado do edifloio não pormitlia que a nossa bibliothoca
e os nossos opulentos archivos tivessem uma organização de-
sejável,
«Comprehendi desde logo a necessidade de cuidar desse as-
sumpto e expuz as minhas idáas ao nosso bibliothecario, o Sr.
Dr. José Vieira Fazenda. Não posso, Srs. consócios, dizer-vos
completamente quem ó o eminente historiographo a cuja com-
petência o inolvidável Sr. conselheiro Olegário entregou a
nossa bibllotheca. Vós todos reconheceis no Dr. Fazenda um
homem exemplar pela erudição e pelo valor moral.
«E*, porém, preciso conviver com elle, assistir diariamente
ás provas que com inteira despreoc*'.upação exhibe dos seus
avultados conhecimentos, para avaliar o quanto é feliz o Ins-
tituto tendo-o como seu director technico.
« Tratando do frei Camillo Monserrate, disse o nosso illus-
€ trado consócio Dr. Ramiz Galvão : € As delicadas funoçSes de
« um bibliothecario não se limitam a ordenar e classificar os
« thesouros confiados á sua gaarda. Mas do que tudo é elle o
496 RBVI8TA DO INSTITUTO HI8T0RIG0
« auxiliar diligeate dos estudioflos^ o guia natural do8 que faiem
« iavesiigaoõêf de qualquer natureza, o oatalogo tíyo. em aam«
« ma, que eeclarooe e aplana o eamiaho doe homens de lettias.
« Per itfo também neste partionlar »rei Gamillo foi um biblio-
« thecario inexoedivel e um verdadeiro modelo a imitar-se.
« Nao se lhe approzimaya um homem estudioso que nio eolhssse
« fjraotos de semelhante consulta •>
< Pois bem, o Instituto Historioo dispõe de um bibUotheoario
em quem o grande Gamillo enxergaria um disoipulo sobre
todos illustre e herdeiro dos seus extraordinários pred&oados*
« Pôde esta oasa orgulhar-se da oooporai^ do 8r. Dr. José
Vieira Fazenda — a individualização oompleta do bibliothe-
oario -^ nos moldes desoriptos pelo oonsooio a que me refori*
€ Estas palavras, Srs. coosooios, digo-as como om agrade*
cimonto aos ininterruptos serviços que eUe presta ao nosso
grémio.
« Annulndo aos meus desejos, que eram egualmente os sens,
o Dr, Fasenda esbogou o plano de uma catalogagão da biblio-
theca, o qual será executado, espero-o em Deus, integral-
mente*
« Paraauxilial-o, offereoeu^se eavalheirosamente o Sr. bano
de Vasconcellos, digoo patrício, cuja modéstia não consegue oe-
oultar inteiramente um espirito dotado de apreciável cultivo.
« Quanto aos mappas, convidei '^ e tenho a oertesa da pre-
ciosa ooUaboraçSo — o eminente consócio Dr. Orville Adalbert
Derby, que virá opportuoamente olassifieal«os e oommental<os«
B* ocioso realçar o valor deste auxilio*
« O nosso Archivo e o nosso Moseu também se impuseram a
cuidados espeoiaes e serào organizados de inteiro aooôrdo oom
o Sr. Dr. Fazenda. Mandei, porém, inventarial-os e disio in-
cumbi a um joven amigo, o Dr. Norival Soares de Freitas* oqjo
nome declino de par com a gratidão aos seus dedicados ser-
viços.
« Do simples arranjo, entretanto, não pequenos proveitos
foram colhidos: importantes documentos se encontraram dos
quaes farei menção de um apenas — a curiosíssima oarta, toda
do ponho de Louis Stanislas Xavier, mais tarde Luis XVni, diri-
ACTAS DAS SBSSOBS Dfi 1906 457
glda ao priâdpe Mgenie, depoii D* J<yao VI, datada de Verona,
a28deabrUd6 1795.
« IníUizmente também fiooa rerifloada a aiuenoia de muitos
orlgiDaei« ouja reoompoBiç&o oonstitae uma de minhai tarefiks.
€ Ontro faoto onlminante deste anno foi a reforma dos Esta-
tlltoSi
« Apreienta^io o projecto na primeira sessão ordinária de 5
de margo, sabscrlpto por 19 consócios, foi enviado á oommiflsão
de estatutos e redao^i que dias depois apresentou o seu pare-
cer. A pedido meu o Sr. Dr. Leopoldo de Bulhões mandou
imprimir na Imprensa Nacional o projeoto e o parecer, de
forma que, como sabeis, a todos tós foi distribuído um exemplar
das duas pegas.
« Resolveu o Instituto discutil-as em assemblôa geral, que,
convocada para o dia 2 de abril, só se realizou a 9 e a 16 da
mesmo mez, ficando approvada nessa segunda parte da assem-
bléa, a redacção dos novos estatutos, que, nos termos do seu
art. 71, entraram em vigor a 6 de maio, quando foram publi-
cados no Diário Official.
« Relevareis qne expenda alguns commentarios sobre os
novos Estatutos. Indiscutivelmente elles vieram valorizar a
nossa associaeSo. Limitando o quadro social a 10 beneméritos,
50 honorários, 50 effectivos e 100 correspondentes ; introduzidas
dlsposiçSes mais terminantes quanto á admissão, o Instituto
ficou armado de uma lei que o colloca em nivel consentâneo
com a sua importância.
«Uma das medidas adoptadas foi a referente á sessão
magna anniversaria, agora realizada a 21 de outubro, data
precisa da fundação deste grémio em 1838.
« Eífectuavam-iib as sessões magoas a 15 de dezembro, em
virtude da deliberação tomada pela assembléa geral de 22 de
novembro de 1850, deliberação em homenagem ao facto de ter
sido a 15 de dezembro de 1849 a vez primeira em que o Sr. D.
PelroII presidiu uma das nossas sessões, cedendo nesse dia
«uma sala para as sessões ordinárias e para a bibiiotheca e ar«
458 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
chiYO», sdguDdo as palavras do presiddote marqnaz de Sapa-
cahy.
« Ora, evidentemente, nao ee podia deixar em olvido a ver-
dadeira data da fundaç&o, para te tejar ontro aoonteoimento,
embora digno de grande reverencia. Era mister qae o Instituto
Histórico rectiflcasse esse ponto que diz immediato respeito á
sua própria historia.
€ Antes de 15 de dezembro de 1849, o Imperador havia
comparecido por diversas vezes a osta casa, patenteando assim
desdo o primeiro anno do sua maiorídado, o intdresse qae atâ
a morte lhe mereceu o lastituto. Por isso mesmo nos novos
estatutos nio foram esquecidas as homenagens devidas á sua
memoria augusta. No art. 65 se determina que no dia 5 de
dezembro, anniversario de sou ftillecimento, se conserve fechado
o ediflcioe no art. 6C ficou oreado o premio Pedro lí, composto
do uma medalha de ouro para recompensa da melhor monogra-
phia das que especificadamente concorrerem ao mesmo premio.
€ Quem penetre neste edificio, verificará de prompto que o
culto que nos merece a memoria do nosso augusto protector
exprime n!Lo uma obra de grosseiro fetohismo, mas um acto de
sincero amor e de indefectivel Justiça.
« Um dos capítulos mais sérios & vida do Instituto e para o
qual solicito a vossa attenção ô o que diz respeito a sua parte
económica.
« O nosso património Jaz constituído de forma muito segura,
é certo, mas sem produzir o resultado que se poderia obter, em-
pregando-o proveitosamente, acautelados os interesses do In*
stituto pelo digno thesoureiro.
« Como sabeis, o Instituto disp9e de uma ezigua subvenção
annual e ainda assim o íávor está subordinado ás quotas lo_
terioas. Ora, neste anno, devido á crise da Companhia de Lo-
terias Nacionaes, graudes embaraços tem soffrido a nossa aggre-
miaçáo. Neste ponto manda a justiça pôr cm relevo a dedica-
çio do nosso thesoureiro o illustre Sr. commendador Arthur
Ferreira Machado Guimarães.
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 459
« Um estabelecimento da ordem e importância do Instituto
Histórico, servindo diariamente ao pablico, que o ík^quenta em
elevado numero, attendendo, como por varias vezes fez, a pe-
didos do Governo que se tem utilizado de seus documentos,
precisa de um pessoal apto e de quem cuide da limpeza e con-
servação do edifício. E nao se limitam a essas as necessidades
de caracter imprescindível. Devemos ter quem nas bibliothecas
earcbivos de Portugal copie originaesde.que o nosso archivo
carece; precisamos adquirir obras, mandar restaurar e enca-
dernar outras, e para taes despezas, incontestavelmente úteis,
não dispomos de recursos.
« Devo informar-vos que tenho procurado as sympathias de
vários representantes da Nação, alguns nossos consócios, para
que no próximo orçamento seja o Instituto dotado com uma sub-
venção regular, paga directamente pelo Tbesouro FedersJ, o
que, se for conseguido, facilitará as tarefas que a nossa asso-
ciação vem cumprindo desde 1838.
« Não pôde haver quem de animo imparcial e justo critério
negue a somma de serviços prestados á pátria pelo Instituto His-
tórico. E' pois, perfeitamente razoável que os poderes públicos
auxiliem uma instituição que applioa seus rendimentos de ma-
neira tão nobre e profícua.
« Assim o comprehendou o actual Governo, prestando-nos
seu valioso concurso,- o que certamente será imitado pelas
Alturas administrações, das quaes esperamos não nos recusem o
auxilio que nos é essencial.
4c Realizaram-se neste anuo 17 sessões ordinárias, uma extra-
ordinária e duas de assembléa geral.
« Nessas sessões, que tiveram na média uma flrequencia de
15 sócios, foram discutidos assumptos relevantes e lidos tra-
balhos de verdadeiro valor, como a monographia deixada pelo
saudoso conselheiro M^inuel Francisco Corrêa, relativa a questão
militar de 1887 e o voto do Senado do Império, o bello trabalho
do nosso illustre 2* secretario, Dr. Alcibíades Furtado,
sobre a « Lenda de Anchieta », o magnifíco estudo do emi-
460 RBVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
nante consócio Dr. Orville Derby sobre a € S&rrm do Espi-
nhaço >, as ioierassaoles obaervaçõei prodozidas pelo illos-
trado Sr. yisooDde de Ouro Preto sobre íkotos oocorridos
DO antigo regimen, a oariosa e bem estudada biographia do
almirante Luiz da Ounha Moreira* primeiro risoonde de Gabo
Vrio, doTida ao nosso erudito oonsooio Or. Manoel Barata e
entras memorias que oom vantagem para as lettras bistorlcai
aqni foram oaridas.
c Aliás, nio só esses trabalhos attestam a intensa vitalidade
do Instituto. Com os subsidies oolhidos na ReniiU e em nossos
archivos outras obras appareoeram este anno, firmadas por con*
sooios e dignas de applausos ; citarei, apenas, a nova edição
da Historia do Brasil, de Francisco Adolpho de Varnhagent
annotada pelo provecto Sr. Capiatrano de Abreu« e a Histo-
ria do Brasil, esoripta pelo estudioso Sr. Rocha Pombo.
« A morte arrebatou-nos, esto anno, S. M. o Rei Christiano
IX, nosso presidente honorário, e os consócios: general Bartho-
lomé Mitre, almirante Francisco Calheiros da Graça, Dr. An-
tónio de Paula Freitas, barão de Penedo, Ivlanoel Barnabó Mon-
teiro Baena, visconde do Rodrigues de Oliveira, visconde de
Barbacena, commendador Henrique Raffard o o nosso benemérito
presidente conselheiro Olegário Herculano de Aquino e Castro.
«Dentro em pouco ouvireis o que sobre esses varões illustres
dirá o nosso prezado col lega Sr. desembargador António Fer-
reira de Souza Pitanga, que ha sete annos, oom rara proficiência
e brilho, occupa o cargo de orador do Instituto.
« No correr do anno foram admittidos como sócios: D. Júlio
Tonti, arcebispo de Ancyra, ex-nuncio apostólico junto ao Qo-
verno Brazileiro, na classe dos honorários ; Drs. Josó Pereira
Rego Filho, Bernardino Luiz Machado Guimarães, D. Daniel
Gsrcia Acevedo, Arthur Orlando da Silva, Gonçalo de Quesada e
Clóvis Beviláqua, na dos correspondentes.
« Dispeoso-me de oxalçar os méritos desses novos compi^
nheiros; seria tarofa inútil, poi^ tôm os sous nomos cercados
da mais justa fama.
ACTAS DAS SBSSÕBS DE 1006 461
« Tres poons realizaram-ge este aimo oom o maior brilhan-
tismo« Foram ellas as dos Sra. Drs. Antooio Augusto de Lima,
Sebastião de Vasooncellos Oaly&o e monsenhor D. Júlio Tonti,
esta ultima em sessão eitraordinaria, frandemente ooncorrida,
tendo servido como orador o nosso eminente consoeio Sr. Tis-
coode de Ouro Preto, oujo diseorso produziu notabilissima im-
pressão.
« Outros assumptos dignos de mengão íoram também pre-
sentes nas sessões realizadas, como o resultado da subscripção
promovida pelo Jornal do Commercio, na importância de
S:436$300, em virtude da generosa idéa do nosso estimado ocm-
sócio Dr. Alberto de GarvaihOi relativamente ao mandar^ae
resguardar o tumulo do descobridor do Braiil, em Santarém ; e
a projectada oommemoraçâo do oeutenario do CorrHo Bra-
zUiâme^ a 1 de Junbo de 1908, apresentada pelo distineto Sr. 2f
seeretarlo Dr. Alcibíades Furtado e que equivalerá & consagra-
ndo da memoria do grande Hypolito José da Oosta Pereira Fur-
tado de Mendonça.
« A catastrophe do couraçado Afuidaban e a que oooorreu
na cidade de Yalparaizo provocaram sinceras demonstraofles de
pezar do nosso grémio, que foram por meu intermédio commu-
nioadas devidamente.
« Varias e importantes foram as offertas recebidas este
anuo ; sobrelevando as provindas do eminente Sr, Conselheiro
Lafayette, da mascara, em gesso, de Napoleão I e de vários
livros preciosos, e a derradeiramente feita pela Sxma. viuva do
illustre brasileiro Dr. Josó Thomaz da Porduncula, dos papeis,
em original, relativos ao período da revolta de 6 de setembro de
1893, tempo em que o Sr. Dr. Porciuncula, com relevante
civismo exercia o elevado cargo de presidente do Estado do
Rio de Janeiro.
« Essa offerta obegou-nos ás mãos acompanhada de uma
honrosa carta da Exma. viuva, por intermédio do respeitayel
Sr. conselheiro Pindahyba de Mattos* vice-presidente do Supremo
Tribunal Federal.
462 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
« Quaato á nossa Remsta, oabe-me oommunicar-yos qao
oonto dar promptas, até 15 de novembro próximo, as doas
partes do tomo 67, correspondente ao anão de 1904, o, talvez,
até o âm do anão, o tomo 68, relativo ao anno do 1905. láto,
graças ainda ao auxilio do Sr. Dr. Leopoldo de Bolhões e aos
esforços do iilostre director gerai da imprensa Nacional, o
Sr. Dr. Alfredo Augusto da Roolia.
« A demora tem tido origem nos muitos trabalhos de natu*
reza inadiável na Imprensa Nacional.
€ Si obtivermos, como espero, do Congresso Nacional, os
meios necessários, tratarei de^pôr em dia a publicação, cuidando
também da xeimpress&o dos tomos 1, 2, 20, 21, 22, S6e 32 (2^
parto), que se acham ozgottados.
« Devo consignar aqui o modo correcto por que têm pro-
cedido os empregados do Instituto sujeitos ao ponto: Srs,
Francisco Martins Quimarães, Laftiyette Caetano da Silva,
nomeado aoxilar em substituição do Sr. Fernando de Toledo
Raffard, que abandonou o cargo, Gregório Alves Coelho, e a
ordenança cabo José Maria de Farias^ dignos, por isso, da vossa
estima.
« Ahi tendes, Srs. consócios, a exposição franca da nossa
vida social neste anno. Delia verificareis que a nossa compa-
nhia adquiriu novos alentos, achando-se cada vez mais no caso
de cumprii* as tarefas que dictaram a sua fundação. Vereis
também que o vo3so humilde collega que elevastes ao cargo
de primeiro secretario, si não dispõe de attributos intellectuaes
que o recommendem, possue, pelo menos, a qualidade de saber
dedicar-se.
« Senhores. O Instituto Histórico e Geograpbico Brazileiro
completa hoje o seu G8« anniversario ; o caminho percorrido ó
uma vasta série de victorias no único terreno verdadeiramente
soberano— o da intelligenoia. O futuro ha de ser a confirmação
magnifica desse passado, pois a somma de nossos esforços e
daquelles que nos succederem cimentará ainda mais os créditos
desta associado.
ACTAS DAS SESSÕES DE 1906 463
« Superior ás paixSes, qaaesquer que ellas sejam, está a
Patiia: lembremo-nos de que o nosso Instituto ó o guarda fiel de
sua hútoria. Empenhemo-nos, pois, em um impulso commum
para que os documentos que a compOem attestem sempre a
grandeza de um povo em que oulminam o civismo e as qua-
lidades intellectuaes.
« E o Instituto Histórico e Oeographico BrazUeiro, que, na
phrase incisiva de Joaquim Nabuco, é <o único abrigo das
« nossas tradi(XM nacionaes», recollierá, orgulhoso, como até
aqui, o hymnario do nosso progresso, no duplo aspecto mate-
rial e moral I
€ Tenho concluído.»
DISCURSO
PRONUNCIADO
U 8E88Í0 HAfiNA DE 1906 PELO OBADOR DO INSTtTDTO
Desembargador A. F. de Sousa Pitanga
« No oontexto dessa obra prima com qoe o genlo do Herbeft
Spen^r f emátou o séa magestoso monnmonto phllooophido, nai
paginas soberbas desse livro em que o philosopho synthrtisa a
moral da Tida sodal, doânindo com a precisão do sábio o con-
ceito da Jastiga; reriftoa-se que, iniciando a oorrente de obier-
ragOes pela moral animal, por esse instincto embr/onario
dos seres inferiores, no qual se vislumbram apenas ai manifes*
taçOes elementares de uma oonsoiencia moral, transitatido gta-
dátivament) pára a Justiça sub^humana, em qne nos primeiros
enuaios da tida de relagftOt os seres gregários deixam entreiror
o esboço de uma oonsoiencia Juridioa, penetra afinal na esphera
positiva da Jostiça hnmana, e nama gradai áé mAnor para
maior, num admirável crescendo, ezpondo-lhe o sentimento #
revelando«lbie a idéa, determinando4he a formula« precisan-
do-lbe a antbridade, percorre a gamma das fticnldades hamanas
traçando-lhes em torno nm cjrclo parallelo em qne se tem ne*
eessaris mente de mover a esphera do direito, percorre&do-lhe
a orbita e gravitando fatalmente para esse fóoo: a Justiça»
«Neisa demonstração lógica, em que á observação dos phe-
nomenos e á comparação dos objectos suocedem a abstraoção e
a indncção das leis, o profaodo philosopbo eicplana em admi*
ravel sequencia lógica a aoquisição progressiva dos direitos
eorrelativos ã manifestação de cada uma das faculdades vitaes
da humanidade, desde o direito A integridade physioa, até ao da
mogioe lobomoção níatufaes, desde o direito ao meio ambiente e
em geral ao uso dos meios naturaes» até ao direito de propri-
I — 80 Tomo lxix. p. ii.
466 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
odade corpórea e incorpórea; desde o direito de legar e testar,
até ao de oontracfar e permutar; desde o direito & liberdade
do trabalho até ao da liberdade de consciência e de manifes-
taçio do pensamento; desde o direito da malber na commnnbão
social, até ao do menor á protecção tntellar do Estado; até
finalmente, meos senhores, aes direitos políticos, em qae se
concretizam os elementos da soberania, da qual cada individuo
representa uma parcella, mas um factor elfectiro no concerto
complexo da Tida em sociedade.
€ Terminando ahi o percurso da sEona extensa das relações
humanas, definindo o eminente philosopho as relaçOes do áU
reito, parece ter propositalmente estacado ante as oolumnas de
Hercules que guarneoeoi o portioo mysterioso do templo da
morte.
€ Delimitando com genial clarividência toda a ac^ da Jus-
tiça na larga peregrinação do género humano, absteve-se de
transpor o limite da vida para acompanhar-lhe as pegadas em
sua miftSo sobre-humana nas regiões de além-tumulo.
€ N8o é que lhe assaltasse o animo o pavor sagrado de suas
sombras, tão fttmiliares ao espirito do philosopho em soas lo-
eubrações transcendentais; mas, no conceito do sociólogo, pre-
ponderou a idéa de que a Justiça da Historia já transpõe a raia
das relações da sciencia, para penetrar a esphera sagrada do
Culto.
< Nio comporta a clave em que vibram as notas da gamma
da harmonia social a symphonia mystica inspirada pela Ver-
dade eterna para perpetuar a Eternidade da Justiça histórica.
€ A soa orbita não se restringe á conquista das reparações:
eleva-se ao phenomeno sobre-humano das resurreições ; nio
se limita a divisões perimctricas ou a períodos chronioosc
abrange os fastos humanos no espaço e no tempo, na vastidão
do Cosmos e na duração dos Séculos.
€ S é graças ao seu prestigio que a Humanidade vé fulgirem
no Pantheon de sua immortalidade os gloriosos perfis de seus
Redivivo^:, arrancados ao olvi<ío da indilferença egoistica ou
ás tramas pérfidas das paixões, da inveja, do ódio, do preoon-
ceito ou do fanatismo dervairado.
I
DISCURSO DO ORADOR OFFICIAL 467
< E* ao incffavel olarão de sua luz celestial que a Hamanidade
pode 7er em sua radiante nitidez todos os grandes aconteoi-
BMiitos, todos 00 grandos feitos, e todos os grandes factores de
sua histotia, da destruição de Troya á constracção de Roma e
da construoçSo das Pyramiles á destruição de Pompéa; da expe-
dição dos Argonautas & retirada dos Dez Mil e do Êxodo Mosaico
á Emigração dos BarbouTi»; das guerras Medicas, ás guerras
Púnicas; das conquistas do Macedónio ás jornadas de César; do
golpe de lança que feriu Arcbimedes, ao de punhal que
prostrou Júlio César; do suicidio estóico de Sócrates, ao suicídio
heróico de Catão; do alvorecer das Bellas Artes com Phtdias e
Praxiteles, até a Renascança com Miguel Angelo e Leonardo de
Vinci, com Raphael o Ticiano; da mendicância sacrílega de Ho-
mero, á mondicancia sacrílega de Camões; das especulações
philosophicas de Aristóteles até as de Descartes; das observações
cósmicas de Copérnico e de Galileu, até ás do Humboldt; das
investigações identificas de Hypocrates até as ds Xavier Bichat ;
da descoberta da aguhla imantada pelos primitivos nayegadores
chinezes, at:S a da calamita por Flávio Gioia; da exploração
dos mares pelas triremes phenicias, até as expedições de Marco
Polo; da descoberta de Colombo ao trajecto transoceânico de
Fernando de Magalhães; do papyro chinez á imprensa de Qut-
temlerg; do Código de Manú ao Código de Justiniano; do Pen-
tateuco Mosaico até ai Epistolas Edificantes do Apostolo do
Tharso; da tragedia divina que envolvendo em trevas o Uui-
verso, fez surgir do seu seio, como o clarão de uma aurora
regeneradora, o vivificante sol do christianismo, mensageiro
da Eterna Verdade dos Evangelhos, até á tragedia humana que
fazendo desencadear sobre as tyranias dominantes a procella
desabrida das oppressõas mal contidas, sò amainou para deixar
navegando em mar de sangue a nave alviçareira, ostentando na
mesenoi o pavilhão dos direitos do homem e buscando o porto da
liberdadeentre os destroços fiuctuantes das velhas instituiçõ3s
derrocadas!
€ Como é sublime o sacerdócio deJistribulr a Justiça da His«
toriae como é grave a responsabilidade de distribuil-a a seres
superiores!
468 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
BARTOLOMÉ MITRE
€ Uma dds superiores compleições que tem surgido, não direi
em sua Pátria, mas do grandioso contiaente americano, é sem
.conte6iaf;ioado que, apósumaaecidentadae proâcaa existência
de 85 ao nos, acaba do abrir am grande claro nas fileiras de
nosso Instituto.
« Nãoô reduzida a plêiade dos yuIíos extraordinários que
das grandiosas regiões do Novo Mundo se tem erolado para os
gloriosos paramos da Historia.
• € IVasbington ou Josó Bonifácio, Simon Bolivar ou San
Martin, O* Hyggins ou Benito Juarez symboiizit cada um uma
grande naciocalidade por elles arcbitectada, libertada oa conso-
lidada.
« E é mister percorrer uma existência de alto yaior, e quiçá
de heroísmo, para inscrever o seu nome eotre os destes heroas.
«Pois bem, meus senhores, D. Bartolomó Mitre é semoon-
teetação um dos que impõem o seu a esso registro glorioso.
« Na bistori:\ de sua pátria sobretudo, sem ii^uria aos nomes
de Belgrano de Alberdl ou de Sarmiento, pode-se assegurar que
após o perfil do heroico libertidor de La Plata, nenhum
oatro se impõe com melhor diroito á gratidão nacional. Grêo
como y4, diz um de seus mais notáveis discípulos, que Miire
será oonsiderado por la historia el primer fiombrú de la pátria y
q^ ningv^na vida ha sido fitis beneficiosa para la misma. Leon
Soares, Bartolomé Mitre, por J. J. Biedma. Buenos Ayres 1000.
€D. Bartolomó Mitre, Alho de D. Ambrósio Mitre e do
D. Josefa Martinez Mitre, nasceu em Buenos Ayres a 26 de junho
de 1821, sendo levado à pia baptismal pelo vencedor de Oerrito,
o general Rondeau, que ao morrer constituiu-o herdeiro uni-
Yersal de sua fortuna, consistente em sua espada e no auto-
grapho de suas memorias inéditas.
< Tendo recebido a primeira educação ministrada por seu
pae, foi depois por este oonAado ao tirocínio do trabalho agri-
oola de D. Qervasio Rosa, estancieiro em rincão de Lopei, de onde
retirou-?e desgostoso pela afanosa tarefa a que era obrigado.
DISCURSO DO ORADOR OFFIGIAL 469
€ Tendo-ae laa familia estabelecido na Republica do Ura-
guay, entSo de reoeate. íúodação, foi seu pai i|oineado|the90upeipo
geral pelo goveroo provisório eitabolBcido om Canelones. ftom-
peodo porant o motim militar de 1832, que elevou ao posto
supresco o general Oribe, foi perseguido até 1838« ató a ba-
talha de Palmaa, que mudando a faoe d{tf ooomls politicai, íbl
o veibo Mitre reposto em seu logar pelo presidente D.. Fru-
ptnoio Rtvera, que em 20 de fevereiro de 1839 nomeou o Joven
Mitre alferes de artilharia de lioha.
< CoojuQctameate com seus deveres militares» alistoqse logo-
pa legi&o da imprensa» colioborando no Nacional com Luii^ Do-
mingues, em ei Taliêman oom EU vera Indarte, oentro então de
todas as novas aptidões iotellectueas.
« A eise tempo aobou-se .toda a regi&o platina sob o guante
ferrenho do celebre dlc.tador de Bntre-Rios; e Gobagúe» à ftente
de um exercito, invadiu a Republica Oriental. Nq movimento
de hesitação covarde que domipoq muitos argentiQop, o Joven
Miti^e parte reaolutameote para a guerra, e tem a gloria, da ver
Echagúe derrotado pelas forcas deRivera emCagaqohaiUeAi-
giar-se em Entre Rios.
< Tendo porém, na embriaguez do triump]io este |[anerft|
invadido .em 1842 a província de E!ntre^RioS| ahi teve de.de«*
frontar ooip as íbroas siiperiores e diaoiplinadAs de RosaSt foi
Ri vera, apezar de seu heroísmo, derrotado, tendo o joren ca*
pitão Miirede voltara Mputevidóo soba pressftoda derrota.
< Essa derrota detern^inou a lavabo de Montavitfép pelo
celebre caudilho Oribe, tendo opganiza4o a defesa, da j^ça P
general Fas, sob cujas ordens porreu Mitre a alistarrie i^ndp
sido seu 9 primeiro oanhonaoo 4i8parado pop campei de Obristo.
€ Pois nes^e perlpdQ angustiosQ da luptas diárias, MUre
teve fibra para ooHabor^r aotivamante 9a imprensa, nas 40«
luomas da Nova Sra^ do Nacio$íal e do /iiipiador , . e Q que é
mais I para traduzir o Ruy Blas de Victor Hug^, redigir um
compendio de artilharia pratica e ser um dos fundadores de
Instituto Uisiorico Nacional I
<Sm l de abril de 184G os invasores de Rosas deram o grito
< Mueran los porteííos » investindo contra os emigrados argen*
470 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
tinos, immol&odo os braros Estiran e major Vedia, tendo sido
saíra a legiio de argentinos graças á resoluta attitnde do general
Geily y Obes* sendo Mitre forçado a evadirnaie ]^ra a Bolívia.
< Ahl recebido galhardamente pelo presidente BoUyian» que
o nomooa oommandante do Collegio Militar, via contra este re-
bentar uma rerolu^, seguindo para o campo de batalha em
sua defesa. Tendo, poróm. trinmphado a reroln^, foi banido
para e Peru, que atravessando também período reyolucionario,
o repelliu indo procurar a hospitalidado do Chile.
« Em sua permanência nessa Republica, dis Palemon Hnergo,
sempre dominado por sentimentos progressistas e democráticos,
publicou vários trabalhos litterarios e políticos, atacando a
instituição obsoleta dos Maioraes o a intolerância r^igiosa. Isso
doterminou tal impressão no animo popular, que foi Ifltre obri-
gado a abandonar o território Chileno.
€ A esse tempo porém )& soava na pátria o clarim auspi-
0Í030, precursor do triumpho de Monte Caseros, e Mitre correu
som detença a alistar-se no exercito de Urqaisa, que levantara
a bandeira da libertação contra o dictidor Rosas.
< Não me deterei sobre esta campanha do que o nosso Brazil
foi magna pars^ senão para assignalar que essa sympathia que
ligou sempre o espirito de D. Bartolomé Mitre a nossa pátria,
tornou-se indissolúvel por ter por base a communhão das idéaa
de libordadee de Justiça.
€ Derrocado porém o domínio do tyranno, o mesmo Urquisa
que em 4 de fevereiro de 1852 armara uma proclamação em
que offerecia a amnistia absoluta para unifica^ da Repu-
blioa, íiMBia em Palermo, ás portas da cidade redimida, fn*
silar cruelmente os soldados de Rosas e entro clles o coronel
Màrtiniano Chilavert, provocando um protesto vehemente e
viril por parte de Mitre, em face do próprio Urquisa.
< Assumindo assim attitude de flranca hostilidade contra esse
eaudilho, teve a gloria de ver afinal restaurado em Buenos
Ayres, em todo a Republica, o regimen da liberdade com o go-
verno de D. Valentim Alcina; e quando a confiança de seus
concidadãos o coUocou no posto de mando supremo de sua
pátria, realizar definitivanaente a unificação constitucional.
DISCURSO DO ORADOR OFFICIAL 471
« Nesse periódico foi o território argentino invadido pelo
dictador do Paraguay Francisco Solano Lopez, determinando a
formação da triplioe Alliança contra as snas pretenções -au-
tocráticas na politica snl-americana.
< Não é occasião de folhear algumas das paginas dessa epopéa
em qae as armas brasileiras poderiam ser cantadas em ama
miada do£> tempos modernos : lembrarei todavia, que foi no pe*
riodo em que pelo tratado coube o commando em chefe ao ge*
neral Mltre, que se feriu a mais extraordinária batalha da Ame-
rica do Sul, a 24 de maio de 1836, tendo á sua firente o legendário
Tulto de Manoel Luiz Osório.
< Nas luctas militares, como nas politicas, nos torneios lit-
terarios o como nos diplomáticos, afflrmou D. Bartolomô Mitre
sua grande superioridade, impondo-se & yeneraçSo de seus
compatriotas e á admiraoSo universal. Guerreiro, elle ftilge
galhardamente nas campanhas de Caganohia e de Monte-Ca-
seros ; politico e diplomata, seu nome triumpha com brilho
de Entre-Rios a Pavon; homende lettras tem seu nome per-
petuado nas magnificas traducçdes do Ruy Blas e da Divina Co-
media, o nas bellas produççQas Jornalistloas, nas historias da
San Martin o de Belgrano e nas lettras Americanas, e em ins-
pirados versos dos quaes vos doa um exemplar na seguinte
traduoçSo que fiz do seu bymno triamphal intitulado La Cam*
pana,
O SINO
Profôtico metal, los ciudadanos
Que de agaero e comento son exentos
A ta Yoz bailaran por estes llancs
Eatanto que ta voz e tas acentos.
Oyen descoloridos los tiranos
I to attcndon los reys macn3ntos.
(QURVBDO.)
(PoLiMMA — Musa.)
O' Sino ! de minha Pátria
E*s o symbolo da gloria,
O* arauto da victoria !
O* interprete da dôr I
♦78 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Tu éB a taba de bronwò
Sobre ofl anm soapendida,
Qaô 08 fa«(os de oossa vida
Publicas com teu clamor,
Gonfiretliaa noaia historia;
A Toz de alerta nos dâste :
De porta em porta bateste
Qom tua argeutiiia voi ;
A pas nos annaooiastq
De verde oliveira ornado.
Ou em palma altiva enlaçado
A guerra cruenta e fíaros.
Ta tens sido a grrave orchestra
Dos fortes hymnos triumphaes,
B nos tristes íúneraes
Melancólico ]}regio.
De tuas cordas suspenso
Um povo de audácia cheio.
Já fsz brotar de teu seio
A voz de revoIuçSo.
E teus echoe dilatados
Em um mundo roscaram.
Quando em maio éllM saudaram
Q auroo sol da redempçap,
Onjo vivifloo mio.
Gomo uma clavq de ouro.
Te imprimiu o som canoro
Da estatua de Memnão.
Tens apregoado cem vezes
Pelo mundo americano
As victorias de Belgrano,
De San Martin e Alvear ;
DISCURSO DO ORADOR OFFICIAL 478
£ tens conoiUdo os povos.
No meio da atroz matança*
fi alentado sua esperança
A derrota ao publico.
Nas nossas civis contendas,
A*s facções escravizado.
Tristes sons teus arrancado
A* espada do vencedor ;
B dominando o tumulto
Do povo desenfreado,
Ante o mundo tias protestado
Com dolorido clamor.
£ quando por um tyrano
O povo viu^JBe opprimido,
Articulaste um gemido
Em teu metálico arfar ;
E de novo em tua torre
Soarás estrepitoso,
Quando vires victorioso
O azul pendão âuctuar 1
Tu és a voz do destino
Que presides sempre ás horas,
Que com suas azas sonoras
Te ferem no coraçfto ;
E tu, seu vôo marcando.
Generoso em demasia,
Retribues em harmonia.
Cada golpe que te dão.
O RBI CHRISTIANO IX
< Aos 29 de janeiro de 1906 falleoeu em Copeniiagne, nésaa
ideal Tivoli do Norte da Europa, entre os braços de sua fomilia
o Rei Ghristiano IX.
< Gobría-se de luto a Dinamarca toda, e parecia ter perdido
um amigo paternal, tanto o amava e venerava o seu povo, ooa-
474 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Tencido oomo estava da pareza de saa? intenções da bondade de
sea coração e da belloza de seu caracter 1
« ChamaTáo-lhe o primeiro "gentleman** do paiz, e ninguém
mais qae elle merecia este nome, tanto soube ello oonciliar
sinceramente a majestade do tlxrono com o amor do seu povo.
< O Rei Chistiano IX nasceu aos 8 de abril de 1818 no Cas-
tello de Qottorp,no Ducxdo de Schleswig, nesse tempo provinda
Dinamarquesa.
« Pertencendo a um ramo da familla reinante, nSo sonhou,
que houvesse de subir ao throno.
€ Escolheu a carreira militar e aos 18 annos do idade foi no-
meado capitio da Guarda Real. Desde então fez um papel saliente
no exercito Dinamarquôs, fiel ao seu dever como sempre o foi até
a morte. Quando rompeu a guerra em 1818 em consequência da
revolução nos Ducados de Schieswig e Holstein quiz tomar
parto activa como chefe da Guarda Real, porém o Rei Frederioa
YII não o permittiu por considerações aliás respeitáveis.
€ Depois de acabada a guerra surgiu a questão da successio
o throno, pois o Rei Frederico VII não tinha fllho3.lQterviér8o
as cinco maiores potencias da Europa, as quaes convinha vêr
essa questão solvida de commum aocordo, e concordarão por um
proiooollo assignado em Londres aos 8 de maio de 1852 que o
Príncipe Ghristiano fosse eleito príncipe da coroa.
< Desde esse dia dedicou-se o príncipe com toda a sua alma
a preparar-se para um dia ser o Rei da pais,ao qual tinha ficado
fiel quando grande parto dos seus parentes em 1848 juntrirão-se
aos revolucionários.
€ Em 15 de novembro de 18Ô3 morreu Frederico VII ;e o
Príncipe Ghrittiano foi no dia seguinte acclamado Rei. Foi esse
o grande momento trágico de sua vida. No anuo seguinte rompeu
a guerra entre a Dinamarca de um lado c a Prússia e a Áustria
da outra. O Chanceller de fsrro iniciava o seu plano de coos-
trair o império germânico.
€ Custou à Dinamarca os dois Ducados Schieswig e Hc^stein,
e ninguém o sentiu mais que o Rei que viu perdidas duas das
mais ricas provindas do seu paíz» e em nwos estranhas o lugar
onde nasceu e que tanto amava ! Porem não esqueceu o seu
DISCURSO DO ORADOR OFFICIAL 475
devor. Foi o primeiro a empenbar-se para que o paiz prooarasse
por esforços dobrados desenvolver os seus recursos, e teve a
grande satisfao&o de ver a Dinamarca progredir mais do que
nunca. Cada dia augmentava a sua popularidade ; foi o homem
mais amado na Dinamarca e o Rei mais venerado na Europa.
Os cúmplices porem desse attentado contra o tratado de Utrech
viram punidos duramente a sua vergonhosa oonni vencia. A
Áustria vendo as armas de agulha de soa alliada leonina, e a
França Napoleonica com sua indiffereoça, a pena de talliio com
a perda da Alsacia o da Lorena.
< Tinha desposado em 1848 a Princ^aLoulsedeStessen-Cassel,
e pode-se dizer que foi um casamento de verdadeira inclinação.
Naquelle tempo não havia para ello motivo para não escolha
da consorte consultar interesses políticos • Deste consorcio nas-
eôriú) três filhos e ires filhas.
< O dia 26 de maio de 1892, quando celebrarão as bodas do
ouro, torno a-^e uma bella festa nacional.
< O Rei tove a Sitisfaç&o de vêr os principes da corda de
Iilglaterra e Rússia virem escolher as suas esposas na Oorte
da Dinamarca. A filha mais velha, Alexandra, ô hoje rainha
de Inglaterra 9 a segunda, Dagmar, Imperatriz viuva da Rússia,,
a terceira, Thyra, casou-seoom o Duque do Gumberland. O
filho mais velho Frederico é hoje o Rei da Dinamarca, e o
filho deste, seu neto, ó o Rei da Noruega. O seu segundo, Jorge
ó o Rei da Orecia. O ultimo filho d Almirante Dinamarqueze
casado com a irmã da Rainha de Portugal.
€ Todos os annos, reunia o Rei como verdadeiro Pater-fami-
liai seus filhos, filhas c genros no modesfo Castello de Pre-
desnborg, oad^ todos se entregavão a alegro convivência de
qualquer família plebóa.
< O Instituto rende este peito ao monarcha humano que em
momento difflcil foi uma garantia de sen direito.
O ALMIRANTE CALHEIROS DA GRAÇA
< Seja o nosso primeiro threno de melancholia e dè saudade
pela morte dos confrades brfudleiros, em honra ao distinctoor-
476 REVISTA DO IltftTITUTO HISTÓRICO
nameato da nossa marinha de ^erra, que aos louros maroiaes
onia os aoieatiíioos. realçados ainda pela sagração de seu final
martyrologio trágico.
< Nasoldo em Alagoas aos 3 de Julho de 1849, fllho de Gni-
Ibirme José da Graça o de BalbinaCalheirosdaQraça, resolves
desde verdes annos a mais deoidida voeaç&o psra a carreira naval
e vindo para o Rio de Janeiro, foi approvado plenamente nos
exames preparatórios e julgado com a precisa robnstes para
a vida do mar, teve praça de aspirante a guarda marinha em
27 de fevereiro de 1864, seguindo em viagens de instruoSo nas
Corvetas Berinioe e Bahiana, e sendo promovido a guarda
marinha em 4 de desembrode 1866.
€ Em Ed do mesmo foi mandado servir na esquadra em
operações contra o governo do Paragnay, chegando a Monte^
vidóo a 9 de Janeiro de 1866 e embarcando no eaeo«m»
çado Silvado em UB do mesmo mei, assistiu ao ataque de
2 de fevereiro contra as baterias de Curupaity, destacou par*
o Barroso em 24 de Fevereiro e ahi como ofiioial tomou
parte na passagem de Cumpaitye como ajudante da torre
de ré, no combate com as baterias de Httmaytà, em 1^ de fe«
vereiro de 1868.
« Por decrete de 5 de março desse anno foi promovido a 2t
tenente e em 12 de abril do mesmo anno a l^ tenente, tendo
servido em diversas e importantes commissões navaes no
Norte e Sul áo Império, e sendo promovido a Capitão Tenente
por decreto de 9 de dezembro de 1879.
4 Por Aviso do Ministério da Marinha de 18 de dezembro
de 1880 foi nomeado pelo director da Repartição Hydrogra**
pbica para seguir para o Rio Grande do Sul a awumir o
commando da canhoeira Braconnot, em oommissão daqneila
'repartição. Patam dahi os trimphos sclentiflcos do nosso illus-
tra confrade, nessa heoção teehnica da carreira naval.
«Tendo em 11 de março de 1880 entregue o Commando
dessa torpedeira ao eapitSLo de mar e guerra Bs^rão de Telfé,
acompanhou o Dr. von Rickwassel na commissão scientiflca
de deterihinaç&o das linhas magnéticas da oosta do Brasil,
percorrendo logo e explorando scientifioamente os portos da
DISCURSO DO ORADOR OFFICUAL 477
Viotoría, Bahia, Morro de 8. Paulo, Gananéa, Uhéos, S. Cruz
(hoje Bahia Cabralia), Porto Seguro,. Cararelias, Maooió, Ma^
ragogy, Recife, Fernando, Parahyba, Natal, Mossoró, Cear&i
Mandahu, Amarrao&o e Tatoya, onde naufragou^ offereoendo
luminoso relatório sobre as respectivas linhas magnéticas, que
merecram louvor do Ministio da Marinha*
« Em seguida partiu para o Sul a levantar a planta das
barras de Banta Catharina, Itajahy, e Laguna, de onde voltando
foi encarregado de observar das Antilhas a passagem de Vénus
pelo disco solar, para determinação da paralaxe, tendo em-
barcado em S. Thomaz e trazendo interessante relatório dessa
commissão*
« Desposou em 2 de maio de 1885, D « Maria Angélica de
Castro, dilecta filha do nosso preclaro Presidente Conselheiro
Olegário H. de A. Castro.
« Salvou-se em 1867 do nauft*agio do Imperial MarinMro^ a
cujo o bordo se achava em commissão scientifloa, sendo promo-
vido a Capitão de Fragata por merecimento a 8 de janeiro de
1890.
< Foi nomeado pelo ministro de Instruccão e Bellas Artes de
França correspondente áo Burêau des Longitudes , eleito viee
Presidente do Congresso de Navegação Interna, reunido em
Paris dm 1802, director da repartiçoã de Hydrographia e Carta
Marítima do Brasil em 12 de abril de 1893, e promovido a oa-
pitão de mar e guerra por merecimento a O de agosto de 1004.
« Entre as commissões que lho foram confiadas, compre-
hende-se a do levantamento da planta da bahia de Jacue«
oanga, qne em sua opinião oflèrecia óptimas oondiçOes para a
fundação do novo arsenal de marinha «
« Predestino da fatalidade I Quando para a realisação desse
projecto uma esquadra alviçareira erguia em suas aguas suae
proas arrogantes, como coUos de icthyosauros nas aguas dilu-
vianaSf vê-se sahir das &uces do mais gigantesco de todos, uma
chamma sinistra.
« E o monstro num rugido indiscriptivel de desespero entra
o naufiragio e o incêndio, sumir-se num golfão voraz que o mal^
abre a seus pés para dar passagem ã mole gigante I
478 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
€ E qaa&do o olario do sol nascente vem ferir a superficie
d*agua em seu nivelamento impassivel, illnmina como círios fa-
nerarios» as frontes pallidas das Tictimas do dever e entre ellas,
a fronte gloriosa do contralmiraote Francisco Calheiros da Gra^.
O DR. PAUU FREITAS
€ Outro martyr do dever profissional, com direito a igual
glorificação deste Instituto é do notável engenlieiro António de
Paula Freitas.— Nascido nesta capital a 10 de Janeiro de 1843,
iniciou sua Jornada sdentiflca em 1853, quando, aos 10 annos,
entrou para o oollegio Victoria, fazendo suas primeiras armas
com tal galhardia que em 1859matriculava-sena Escola Central,
onde com approvaçSo plenas e distinotas obteve o titulo de en-
genheiro Geographo em 1864, o gráo de bacharel em mathe-
maticas em 1865, em o de engenheiro civil em 1866.
« Impellidopor natural inclinaçSo^para profe8sorado,foi uesse
mesmo anno nomeado coadjuvante da Escola, defendendo thesa
se obtendo o gráo de doutor em 21 de maio de 1870 e entranc^o
em concurso para lente oathedratico em 1874. Regeu diversas
cadeiras neste Pantheon das Scienoias Exactas que se denomina
Esc<Ha Polytechnica, ficando afinal em ezercicio profissional
na 1* cadeira do 2^ anno do curso do engenharia ciril, elabo^
rando para ella o seu consciencioso compendio Curso de Estradas
hoje adoptado em todjs os Institutos Congéneres do Brasil.
« Alóm desse substancioso trabalho, escreveu diversos outros
tratados scientificos,resaltando entre elles: Historia natural, em
oollaboraoão com o iiltustrado Dr. Míguol António da Silva;
Theorema das Velocidades Virtuaes e Hypotheses da Formação
da Terra, These de doutoramento, Integraes definidas, consi-
deradas como parâmetros; Enchentes dos rios e meios de impedir
seus effeitos, theses de concurso á 1* Cadeira do 2^ anno da Es-
cola Central, offerecida & sua virtuosa consorte D. Anna Dolores
de Campos Paula Freitas; Determinação dos Coefficentes nueme*
ricos das formulas algébricas; Relatório sobre o abastecimento
de agua do Rio de Janeiro, escripto em coUaboracão com o sau-
doso Dr. Manoel Buarque de Macedo*
DISCURSO DO ORADOR OFFICIAL 479
< Mas não somente na licção theorica revelava o benemérito
soientista sua aptidão profissional; no ezercicio da engenharira
pratica, quer no desempenho dos deveres dos cargos de enge-
, nheiro dos ministérios do Império e da Fazenda, quer na íkina
devotamente civico que o dominava, asslgnalou sua competên-
cia profissional pela construo^ dos mais notáveis edificios mo-
dernos que iniciaram o progresso architetonico desta cidade. O
edifioio da Imprensa Nacional, o do Correio Geral, o magestoso
templo da Candelária; as Escolas Senador Correia, Barão do Rio
Doce e de S* Ctirlstovam obedeceram á direcção profissional do
dlstlocU) engenheiro; a construção das Docas da Alfandega e do
Ministério da Agricultura á sua competente fiscalização.
« Essa superioridade profissional comprovada, o elevou á Di-
recção da Escola Polytechnica e á Presidência do Conselho Muni-
cipal, cargos que renunciou por divergências honrosas para seu
caracter; ã Presidência do Instituto Polytechnico, ao Club de
Engenharia, ao Instituto Histórico e Qeographido Brasileiro, à
Sociedade de Qeographia do Rio Janeiro, á Sociedade Auxilia-
dora da Industria Nacional, á Promotora da Instrucção, ãs quaes
prestou assiduamente assignalados serviços.
< Eleito 1« Secretario do 3» Congresso Scientifico Latino Ame-
ricano, acceitou a difflcil incumbência com o animo de desem-
penhada com a sua tradicional actividade ; e tantos sacrificios
se impôz para cumprir esse compromisso, que uma grave emfer-
midade assaltou-o em meia jornada, vindo a victimal-o ponco
tempo depois. Nos louros de seu merecimento enfechou António
de Paula Freitas as palmas de martyr do trabalho. Formem ellas
o brasão histórico do notável profissional Brasileiro.
O BARiO DO PENEDO
« Afós á homenagem prestada ao distincto professor das ma-
thematicas, passo a render o preito de alta veneração ao exímio
cultor das sciencias Jurídicas, em cujo foco resplandecente fez
brilhar o seu talento de escol.
< O barão do Penedo, Francisco Ignacio de Carvalho Moreira,
480 RBVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
nABoeu a 26 de demnbro de 1815, na então Yilla áo Penedo,
Alagoas*
< Bacharelou-Be em direito em S. Paulo, 1837, e voltoa para
sua terra natal em visita á sua í^milia. Regressando a S. Paulo,
em 1839, ahideposoua Ex. Sr*. D. Carlota Emília de Aguiar
de Andrada, pertencente a uma das prinoipaes e mais antigas
fomiliasde Santos.
< Vela abrir banca de advogado aqui no Rio de Janeiro,
onde em pouco sempre se tornou saliente ao lado de Teiíeira
de Freitas, Josino e Caetano Alberto.
< Vencido o movimento revolucionário de 1842, em Itinas e
S. Paulo, o Dr. Carvalho Moreira fbi convidado a tomar a'
defesa do brigadeiro Tobias de Aguiar, perante o conselho de
guerra, assumindo o patrocínio da causa e conseguiu demonstrar
a incompetência da Juridiccão militar para processar os revol-
tosos vencidos.
< Com Teixeira de Freitas, Josino, Caetano Alberto, Monte-
suma, Luiz Fortunato, Souza Pinto e Aquino oreoa a 7 de
Agosto de 1813 o Instituto da Ordem dos Advogados ôrazileiros,
de que foi eleito presidente em successSo a Montesuma.
' € Foi deputado & Assembléa Qeral Legislativa eos seus vastoe
conhecimentos Jurídicos e illustraçio litteraria indicaram n*o
para vários trabalhos o incumbências, de que se desempenhou
de modo brilhante.
€ O decreto n. 737, de 2? de novembro de 1850, que regulou
o processo commercial, o que ainda hoje é considerado um mo-
delo de clareza, simplicidade e senso Jurídico, foi em grande
parte obra sua. Deve-se-lfae também o regulamento do corpo
diplomático em 1851.
«Em 1851, foi nomeado enviado extraordinário e ministro
plenipotenciário do Brazil em Washington e em 1854 transferido
na mesma qualidade para Londres.
cBm 1858, foi encarregado de uma missão espedal a Roma,
para tratar da instituição dos casamentos mixtos e da reforma
dós conventos.
«Bm 1860, foi incumbido da organização dos eamiohoS de
ferro brasileiros em Londrea.
DISCURSO DO ORADOR OFFICIAL 481
«Boi 1862, deu-ae a questão Christie e o ooasequente rompi-*
mento de nonas relações com a Inglaterra, pelo que o Barão
do Penedo retirou-se para Paris. Reatadas as relações, voltou
para Londres e obteve então a mais alta distinoção que um es»
trangeiro pôde obter na Inglaterra: foi graduado em Oxford
oom o titulo de Dr. , recebendo o grão em grande solennidade
conjuntamente com lord Palmerston.
€Bm 1805» desempenhou outra missão espeoial na França
para obter o levantamento do embargo opposto ao couraçado
Brasileiro Brasil que se construiu em estaleiros franoeses e o
governo franoez não queria deixar sabir por estarmos em
guerra declarada oom a Republica do Paraguay. Foi em confe-
rencia especial com o Imperador Napoleão III que o Barão do
Penedo obteve que se esquecessem por um momento as leis de
neutralidade em favor do Brasil, deixando sabir o nosso navio
de guerra,
«Demittido pelo ministério Zaoharias, em 1876, foi rein-
tegrado pelo ministério Rio Branco, em 1871,
€Goube-lhe então a segunda missão a Roma, muito conhecida
pela controvérsia levantada a propósito da bulia papal — gesta
sua laudantur^ em que Pio IX mostra va-se pouco satisfeito oom
o procedimento do Bispo de Pernambuco D, Vital.
€Foi exonerado pelo Governo Provisório, por decreto de 7
de Dezembro de 1889, por haver declarado não querer continuar
a servir, e afinal aposentado no Governo do Marechal Floriano«
«Era grau - cruz das ordens da Rosa do Brazil ; «Christo, de
Portugal; Francisco I, de Nápoles;
cGregorio Magno, do Papa, Medgié de 1* classe, na Turquia»
Duplo Dra^ da China; e Ernestina de Saxo Coburgo Gotba,
e grande dignatario da Legião de Honra.
«Em março de 1850, foi Carvalho Moreira nomeado membro
da commissão encarregada de organizar o Regulamento do Co«
digo do Commercio, que se compunha de Josó Clemente Pereira,
fNabuco, Caetano Alberto e Barão de Mauã.
€Na distribuição da tarefa, coube aos três advogados, Nabuoo,
Caetano Alberto e Carvalho Moreira preparares seus respectivos
trabalhos com relação á matéria contida no Código CommerciaJ
4a!fâ — 31 Tomo lxix p. n
482 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
( 1* 2* e 3» parte ), de sorte qae reunidos formassem um projecto
completo de regulamento que, foi o decreto n. 737, de 25 de no-
vembro.
« Por indica^^o de Nabaco, foi Carvalho Moreira eoeclusiva^
mente encarregado da redac^ de todo o trabalho, convindo qne
fosse um só o redactor do Regulamento para haver identidade
de linguagem e de estylo na redac^o.
« São estes os traços dominantes d*es8a brilhante existência
de quasi um século de alto saber e de fecundo esforço pela
grandeza da Pátria !
O VISCONDE DE BARBACENA
« Quando em 28 de julho de 1902, o Instituto, desvanecido
pela compleiçio privilegiada do seu consócio que dava á Pátria
o edificante exemplo do uma existência de um século, resolveu
celebrar o seu centenário, foi o obscuro companheiro que vos
dirige a palavra o encarregado do dirigir-lho om seu nome, a
saudação que aqui se acha, e que oíferoço om appenso para
publicação om sua « Revista »•
« Desde o seu Inicio de vida na Europa, até o de sua carreira
militar na Bahia, onde nascera, e onde presenciara o sacriflcio
de seu tio o Coronel Felisberto Gomes Caldeira pelos < Peri-
quitos » desde a sua carreira diplomática em Londres, onde as-
sistiu a coroação do Jorge IV o velo ao Brasil negociar o re<:o-
nhecimento da Independência e a abolição do trafico de escravos
atò suas múltiplas empresas industriaes, tudo se acha ahi syn-
thetisado e pode servir do base a sua historia.
« O Visconde de Barbacena (Felisberto Caldeira Brant, nas-
ceu na capital da Bahia a 20 de Julho de 1802 e era filho do
Qencral Marquez do Barbacena, cujo nome está ligado a alguns
dos factos mais importantes da nossa histora constitucional.
< Depois de uma viagem com seu pae pela Inglaterra (1818 a
1821) o visconde sentiu-se attrahido pela diplomacia, ondepo*
diam ser-lhe de grande auxilio as muitas imolações e o prestigio
que seu pai conquistara.
DISCURSO DO ORADOR OFFICIAL 483
€ Por isso depois de regressar de Londres, a primeira vez
para occnpar uma cadeira de deputado da Assembléa Bahiana,
José Bonifácio de Andrada e Silva, em nome do Príncipe Re-
gente, o escolhea para encarregado de Negócios do Brasil Junto
ao Governo Inglez.
€ Deixando do vez a carreira militar seguiu psura Liondrese
só de lá voitou em 1833 portador da proposta do um tratado se-
creto reconhecendo a independência do Brasil mediante a con-
dição de ser cxtincto o traâco de escravos. A proposta não
surtia eífeito e como se sabe, foi Lord Staart quem negociou
em Lisboa e no Rio de Janeiro o reconhecimento da indepen-
denciado nosso paiz. De 1825 a 1827 o Visconde exerceu cargos
diplomáticos em Paris, em Londres e em Vienna d'Au8tria e só
em 1830 de novo voltou ao Brasil, sendo então agracciado por
Pedro I com o titulo de Visconde de Barbacena.
€ Como Secretario da Embaixada de Vienna, em que servia
seu pai, auxiliou a delicada missão de negociar as núpcias de
D. Maria II com D. Miguel e em 1846 foi como encarregado de
Negócios para a Hollanda, onde coliigio dados para a fixação de
limites entre a Quyana Inglesa e o Brasil.
« Em 1812 quando morreu seu pai, o Visconde de Barba-
cena voltou ao Brasil. Começou assim uma nova phase de
sua vida ; a partir de então o fomento do trabalho industrial
e agrícola no centro do Brasil foi a meta principal da sua
actividade.
< Em 1843, na sua propriedade do Brejo, no distrietode
Iguassil, o Visconde de Barbacena iniciou uma das grandes obras
de engenharia hydraulica até então existentes no Brasil : a
abertura de um canal de seis comportas, na extenfiâo de cerc^
de Icgoa e meia, destinado a ser um grande derivador das aguas
do Sapucahy. Da grande empresa a que que se abanlançara
arrancou-o porém, cinco annos depois, a sua nomeado para
Presidente da província do Rio de Janeiro. Como tal, um dos
seus primeiros actos confirmou os sentimentos humanitários
que o Visconde manisfestara por occassiSo das negociações en-
taboladas entre o Ministro Ganning e José Bonifausio para o re-
conhecimento da nossa independência»
484 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
€ O Visconde não ae conformon oom a existência de homens
eseraToe oa regiSo que deria governar e immedlatamente dea
ordem para que tomem aprebendidos e postos em liberdade os
afirioanos que desembarcavam em Jamjúba, sem cogitar da op-
posição violenta que lhe moveram os senhores interessados
nesse vergonhoso trafico.
< Ao deixar o governo da província o Visconde voltou as
suas vistas para o progresso industrial do pais; em 1850
mandou vir da Inglaterra o hábil engenheiro Carlos Austin,
que levantou planta de uma estrada de ferro ligando o Rio de
de Janeiro a Belóm e que nessa tentativa foi coadjuvado pelos
«ngenheiros Klaush e Daros. Coube ao Visconde de Barbacena
a Iniciativa dessa grande via férrea que hoje constitua, com o
nome de Estrada de Ferro Central do Brasil, o melhor e maia
rico próprio da União.
€ fiffeotivamente em 1856, coadjuvado pelo Bai^ de Nova
Friburgo, elle organizava aqui uma companhia para a cons-
trucQão e exploragfio de uma estrada de ferro que partindo de
Villa Nova, na margem esquerda do rio Macacu, fosse attingir
Nova Friburgo. A estrada construia-se sob sua direcção, foi
aberta ao trafego e chama-se hoje < Estrada de Ferro de Oan-
tagallo» augmenuMia no seu tronco e ramaes.
€ Em 1862, sabendo da descoberta da jazida de carvão de
pedra nas cabeceiras do rio Tubarão, em Santa Catharina, para
alli se dirigio e depois de estudos adquiriu, por compra do Go-
verno, duas léguas de terras onde estavam comprebendidas as
jasidas dene minério. Mandou vir da Inglaterra dous enge-
nheiros, e ao mesmo tempo que procedia ã exploração do terreno,
foi levantada a planta paraa construcção de uma linha férrea
que ligasse essas jaiidas co ao porto de Imbituba, no Ooeano
Atlântico.
< Munido de plantas e documentos, o Visconde de Barbacena
partio para Londres, onde organizou a companhia, que con-
struio a actual c Estrada de Perro D. Thereza Christina >.
« Foi esta a allocução oom que o saudei em nome do Instituto :
« Sr. Visconde de Barbacena. Um dos phenomenes psyohicos
que mais caracterix&o e mais noUIitão a evolução progressiva
DISCURSO DO ORADOR OFFICIAL 485
da Humanidade, ô esse sentimento de espontânea yenera^^
pela velhice ; todos sentem, mesmo os que nSo buscam pers-
crutar-lhe a causa, uma religiosa impressão de respeito, um
suave recolhimento ao penetrar o âmbito augusto de uma
velha oathedral ao contemplar as ameias carcomidas de um velho
ediflcio, ci]ga architectura robusta oonsegnio resistir & acção
devastadora dos séculos.
« Quando no mais arrojado vôo de conquista, a águia da
Córsega consegulo conduzir ató ao sopó das pyramides egypcias
as suas legiões ébrias de victoria» aphrase que achou capaz de
manter aquelles milhares do ânimos chegados ã ultima tensão
de bravura sobrehumana, ao período extremo do heroísmo, foi
a contida na sua legendaria proclamação: soldados ! do alto
destas pyramides quarenta séculos vos contempião I
€Nessa invocação ã antiguidade secular desses monumentos,
o brado genial fazia vibrar na alma dos soldados a aspiração
da immortalidade.
« Mas se no prodacto do trabalho humano a acção do tempo
imprime esse cunho sagrado que o imp5e ã veneração da pos-
teridade, que thesouros de sentida piedade, que culto de fervo-
rosa admiração delia não merece um ser humano que oonse-
guio resistir ã acção de um século I
« Cem annos de vida, isto ô, cem annos de luta, através das
fraquezas ingenitas e naturaes da infanda, através das trans-
formações delicadas da adolescência, através das paixOes e dos
Ímpetos desvairados da juventude, através dos esforços de-
primentes e das lutas extenuantes da idade adulta ,através do de-
clínio enfermiço e desalentador da velhice I
« Mas se o íkcto em si de uma longevidade forte vos dã di-
reito, Sr. Visconde, ã veneração dos pósteros, a vossa exis-
tência benemérita, cheia de ensinamentos, recommenda-vos ã
homenagem da Historia.
« Quando vistes a luz em vosso pátria, ninho de condores,
predestinado a todas as glorias e a todas as liberdades, en-
saiavão as ténues asas para romper as camadas atmosphericas
do regimcm colonial, c^Iguns de seus filhos que se sentião com
força de ascender ãs cuibiadas luminosas de sua independência.
486 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
«Destas 08 doas mais estrénuos, os qae com o angélico prote-
ge martyr formavão o triumrirato da tragedia horoica, preear-
« sora de nossa autonomia e de nossa liberdade, forão por vosso
« venerando pai alentadoa nas agruras do seu exílio de Angola ;
€ dessa approzímaçSo do joven militar com os inconíiientes Joí«é
« Alves Maciel e Francisco de Paula Freire de Andrade originou-
« S9 a orientação liberal que foi o traço característico de sua
« benemérita existência.
« Desde entio a sua valida iadividualidade ci vioa acentuou-se
« em toda a evolu^o económica e politica da nossa pátria.
€ A industria extractiva já nâo bastava á|expansão da flo-
« rescente colónia ; a agricultura reclamava seus direitos prefe-
re reaoiaes; pois bem ; ó a Felisberto Caldeira Bi-ant Pontes que
« cabe a primazia da introducçâo da canna de Cayenna e da ma-
€ china com que se monta o engenho de Iguassú, dando grande
« impulso & principal industria agrícola da época: Jenner descobre
« a prophylaxia da lympha vacoinica contra as devastações da
€ varíola; ô Felisberto quem a introduz em seu paiz,preservando
« milhares de ozistencias; reclama-se a navegaç&o a vapor na ca-
« botagcm da metrópole ; 6 Felisberto quem inaugura a linha de
« navegação do Cachoeira ; o vâs que éreis o seu primogeoito re-
€ cebieis, conjunctamente com a primeira inoculação vacoinica, o
€ influxo hereditário dos grandes commettimentos.
« Graves questões se agitam e entre ellas a do reconheei-
€ mento pelo Govorno inglez de nossa independência: e ainda em
€ plena juventude assumis a gloriosa responsabilidade de estabe-
€ lecer a extincçfio do trafico dos escravos, como condição desse
« reconhecimento, o que vos constituo no caracter de precursor
« da mais gloriosa conquista de nossa vida politica.
« Mas o traço especifico de vossa proficua exsstencia é essa
« actividade indefessa,ó esse culto arraigado do trabalho que re-
« siste a todos os embates da adversidade, a todas as transmuta-
« ções do meio, atô a acção alquebradora da longevidade.
€ Em minha longa peregrinação pelo vasto território da
« nossa pátria, encontro o vosso nome ligado aos mais variados
« emprehendimentos: desde a exploração das lavras em Minas
€ Geraos, até a fiação publica do Rio de Janeiro, desde os aooo-
DISCURSO DO ORADOR OFFICIAL 487
« teoimentos políticos da Independência na Bahia até a oon*
« struoQão da Estrada de Ferro Thereza Ghristina em Santa
€ Catharína» o vosso nome 6 proferido como factor benemérito
« do nossa vida económica e do nosso progresso,
« No estrangeiro mais do uma vez vistes transferir-se em
« frontes régias a coroa de Inglaterra. Acompanhastes em seu
« êxodo a dynastia de Bragança fugitiva em nossa Pátria, que
« encontrastes envolta ainda nas ÍJaixas coloniaes, onvistes o
« brado alviçareiro de sua Independência, testemunhastes todos
« os acontecimentos dos dous Impérios, dos qnaes nm percorreu
« um cyclo semisecular e acompauhais em plena actividade
« civica as evoluções de sua vida republicana. Sois pois, neste
« momento, a historia viva de um sedo de vida de nossa Pátria.
«O Institato Histórico e Oeographico Brasileiro cumpre,
« portanto, um grato dover trazendo<-vos, pelo mais obscuro
«de seus consócios, esta singela saudaoSo. Não é a vossa
< biographia que elle emprehende neste momento, nSo» vossa
« vida continua, e enquanto a vossa robusta velhice subsistir,
« prosegae a vossa historia. Bsta não pode ser fraccionaria: ha
« de ser integra. Mas o acontecimento faustoso do vosso cen-
« tenarlo n£o podia prescindir desta espontânea manifestação,
« e o seu valor avulta quando a par deste punhado de louros
«que a Historia, por seu intermédio, esparge sobre vosea
« fronte, a vossa consagrando civica é celebrada pela saudação
« da Pátria que vos traz o seu primeiro magistrado, pelas
« bênçãos do Côo que vos traz o Príncipe da Igreja.
«Gratas e propicias devem ser para vossa alma essas
« caricias ideaes.
«Como o philosopho grego, podeis dizer em (kce das
« quatro gerações que vos'succedem, nihU hàbeo quod aeeusem
« senectutem, conceito que mereceu de Cícero o epitheto de
«sábio, ou, paraphraseando o grande legislador de Athenas,
« quando preconisava a utilidade da velhice, senescere se m
« diem adscentem, podeis inscrever no brazão que vos legaram
« os heróicos antepassados synthetisando a vossa gloriosa vida
« e um sdoolo de trabalho, protesto solemne contra a ii^uria
< irrogada A raga latina, esta Justa divisas nnêiarê lábarando
488 RBVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
O VISCONDE RODRIGUES DE OUYEIRA
«Camprindo o derer de saldar o compromisso assumido para
oom seus consócios, o lustitulo ooasigna o seu voto de piedosa
lembrança ao extincto soeio Visconde Rodrignes de Oliveira,
qne Ibi simnlianeamente nm financeiro, um commerciante il-
Instre e nmoaTalheiro da mais requintada gentlleia.
€ Lais Rodrigues de Oliyeira (Visconde de Rodrigues de
OliTelra) nasceu na cidade de Rio Qrande do Sul a S5 de ja-
neiro de 1838.
€ Aos 13 annos segue para Europa onde adquire, na AUe-
manha, solida, e variada instrucg&o.
« Aos 19 annos, regressando á pátria, dedica-ae ao commercio.
« Surgindo a quest&o Ghristie, é dos primeiros ú, alistar-se
no corpo de voluntários formado por esta occasi&o.
cEm 1806, voltando á Europa, ejtabelece em Paris uma filial
de soa casa commercial do Rio.
c L& demora-se cerca de 18 annos e durante este lougo pe-
riodo pode se dizer que nio houve Brasileiro de passagem por
Paris que nio firaquentasse o sou ezriptorio ou a sua casa de
íkmilia, a todos sempre procurando servir e agradar.
< Innumeros são os moços brazileiros que estudando na
Europa o tiveram por correspondente.
« Sempre patriota, procura tornar seu paiz conhecido pela
penna e pela palavra, reaiisando conferencias publicando, folhe-
tos, organlsando exposições en Paris.
«Le Havre, Beanvais e outras localidades de França.
« Na exposiç&o Internacional de Antuérpia, em 1886, toma
parte activíssima como Delegado do Centro de Lavourn e Gom-
mercio, de Gampinas. Antes disso, é um dos fundadores da
€ Sooiété d*Btudes Breslliennes » com o Barão de Santa Anna
Nery, Pedro Ck>rreia de Arai]go e outros distinctos Brazi-
leiros.
« Muito cooperou para iniciar o movimento de immigração
italiana para o Brazil e oontam-se ás dezenas de milhares os
colonos por elle enviados a nossa pátria.
DISCURSO DO ORADOR OFFICIAL 489
« Viyendo na rodadoa flntiioelios e alto oommeroio proonroa
sempre encaminhar para emprezas brasileiras 08 capitaet fran*
oezes e deve-se aos seiu esforços a organisa^o da € Oompagnie
des Chemins de fer Bresiliens » que oonstruio a estrada de ferro
de Paranaguá á Curytiba.
« Em 1888 volta ao Brazil e contiatjia a sua yida de traba*
Ihador incansável.
« Bstava cooperando para a solução do problema de oonver-
sibilidade de nossa moeda, como Director de Bionco Naoial,
quando sobreveiaa Republica.
« Ainda permancoeu no Brazil alguns annos comojpreaidenta
e director de varias emprezas até 1902, retirando se então
para Europa.
€ De lá voltou uma ultima vez em 1904, como represeniante
de um poderoso grupo financeiro continental, com um projecto
de coavers&o do papel moeda, cujas bases est&o estabelecidas
num folheto do conhecido economista Edmond Chéry, Pro-
jecto de Reforma monetária e de creaçâo de um Banco Emis-
sor no Brazil < Era a taxa de 13 dinheiros esterlinols por mil-
réis a taxa adoptada nesse projecto, por ter sido a que tinha
vigorado durante os últimos quatro annos : mas exactamente
nessa occasião, sob o influxo dos repetidos empréstimos ex-
ternos, a taxa de 12 foi elevando-se bruscamente para attingir
a 18 e o projecto não foi avante.
€ O credito agrícola também ocoopava o seu espirito luddo
e sobre esse assumpto publicou um folheto, entendendo poiem
que esse assumpto era dependente da estabilia^^ de nosso meio
circulante, sem o qne considerava illusoria a esperança da cre-
açâo de um banco de Credito Real com capitães europeus.
« Regressando à Europa ainda não descançou e a morte veiu
sorprehendel-o no posto de Presidente de uma nova e brilhante
organisa^, a < Chambre de Commerce de TAmórique Latine »
cujo fim ora defender e harmonisar quanto possível os inte-
resses commerciaes de todas as nações sul-a mericanas nas suas
relações com a Europa, tomando cada vez mais conhecidas as
suas riquezas, os seus elementos de acção e também as suas ne-
cessidades.
490 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
4c A Camará de Commercio da America Latina crooa seu o
boletim de propaganda, e o de março de 1906 é em grande
parte da lavra do sen presidente que algumas semanas depois,
i 6 de maio, a morte vinha sorprehender.
« Cavalheiro de finíssimo trato, typo attrahente de fidalgo,
era também um trabalhador incaufavel.
« Além de Presidente da Camará Commercial da America
Latina, o Visconde de Rodriguez de Oliveira occnpava em Paris
08 elevados cargos de Vice- Presidente da € Chambre Syndicale
des Negociants Commissionnaires da Commerce Exterieur > e
de Vice-Presidente Honorário da < Sociétó de Geograoliie Com-
merciale >de que alias era um dos fundadores.
« Desde 1888 o instituto Histórico e Geographico do Rio de
Jaeniro o contava coms um dos seus membros.
« O Brasil o condecorara com o officialato da Rosa e o Por-
tugal o agraciara com o titulo de Visconde e a commenda de
Villa- viçosa.
MANOEL BARNilBE* MONTEIRO BAENA.
« Filho do tenente-coronel António Ladisl&u Monteiro Baena,
nasceu na cidade de Belém, capitai do Pará, e ahi, depois de
alguns estudos de humanidades, dedicou-se ao (tinccionalismo
publico, aposentando-se depois da proclamação da Republica, no
lugar de director geral da secretaria do governo.
< Sócio do Instituto Histórico e Qeographico Brasileiro
escreveu:
— índice alphabetico da legislação provincial do Pará de
1853 até 1880, comprehendendo os actos o decisões do governo
da provinda até 1879 inclusive, Pará, 1880-
•— índice alphabetico da legislação do estado do Para desde
15 de Novembro de 1889 ató 1893, Pará, 1894.
— Informações sobre as comarcas da provinda do Pará, or-
ganizadas em virtude do aviso circular do Ministorio da Justiça,
de 20 de setembro de 1883, Pará 1885.
-^ Relatório apresentado ao governador do estado do Pará
pelo lecretariot etc, Belém, 1896 -* Bsto relatório servia de
DISCURSO DO ORADOR OFnCIAL 491
base á mensagem qae o mesmo governador dirigia ao Congresso
estadoal.
— Relação dos governadores, dos capitães-generaes e jantas
governativas do 1804 a 1824, inclasive a janta revoluccionaria
repoblicana de 30 de Abril deste anno — Inédita.
— Relação dos presidentes do Par& de 1824 até 1889 ^ Iné-
dita.
— Relação dos governadores do Pará no dominio da Repu-
blica — Inédita. (Sacramento Blake — 6° volume pag. 35 — 36) .
« Do volume 58 da Revista consta o seguinte:
« Foi proposto em 25 de agosto de 1895 por António Josô
« Gomes Brandão» Thomaz Garços Paranhos Montenegrol, Dr.
« Castro Carreira o Joaquim Pinto Machado Portella —
« Em sessão de 23 de setembro do mesmo anno foi lido o pa-
« recer da Commissão de Historiado teor seguinte: Com titulo de
« admissão para membro correspondente deste Instituto, Sr. Ma-
« noel Baena, paraense maior de 40 annos, solteiro, e director
« aposentado da secretaria do Governo do Pará, foram presentes ã
«: Commissão três opúsculos impressos intitulados, 1« «Informa-
« ções sobre as Camarcas da Previ ncia do Para, organizadas em
« virtude do Aviso Circular do Ministério da Justiço, do 20 de Se-
« tembro de 1883» Pará 1885; o 2°, «índice alphabetico da Legis-
€ lação Provincial do Pará, de 1854, a 1880, comprehendendo os
« actos e decisões do Governo da Provinda atô 1879 inclusive»
« e o 3«, € índice alphabetico da Legislado do Estado do Pará (15
« de novembro de 1839 a 1893) » : ambos também impressos no
« Pará, este em 1894 o aquelle em 1880; e mais três relações no-
« minaes manuscriptas: 1<> dos governadores, capitães generaes e
« jantas governativas de 1804 a 1824, incluindo a junta revolu-
« ccionaria Republicana de 30 de abril desse ultimo anno ; 2° dos
« Presidontes desde 1824 a 1889, e finalmente a 3* dos governa-
« dores no dominio da Republica.
< Dentre todos estes trabalhos, que revelam boas disposições
« do autor p^ra o estudo das cousas praticas, destaca-se o primeiro
« pelas minuciosas descripções chorographicas e históricas de todos
« os legares daquelle Estado e parecem recommendar suffloiente*
« mente o candidato to logar pwa que é proposto. B* eisa a opi*
492 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
« nULo da eomm!fltiu>»que acredita será também a do loatltuto.-»
Sala das seasões, em 29 de setembro de 18%.
€ Jo&o Severlano da Fonseca— Dr. Oesar Augusto Marques--
Américo BrasUiease»
« Em sessão de 3 de noyembro de 1895 foi approvado o parecer
da Ck)mmi8sâo de Admiss&o de Sócios e proclamado sócio cor-
respondente do Instituto o precitado Manoel Barnabô Monteiro
Baena.
< E' este um expreesive diploma de sua capacidade civicat
que lhe creon o direito ao respeito da posteridade.
HENRI RAFFARD
€ Propositalmente reservei as estrophes ílnaes desta elegia
modesta, mas piedosa» para commemoraros nomes queridos dos
dous mais estrénuos paladinos da nossa phalange, com a preoc-
cupação Justa de que neste recinto repercutam elles perpetua-
mente, escapando ao olvido sacrílego com que, em regra, o
egoísmo humano retribuo os esforços e os sacriflcios dos labo-
riosos operários de suas grandezas,
€ Senhores, quando ha sete annos tive pela primeira yez a
honra de occupar esta cadeira, glorificada por antecessores dos
maisiUustres nas lettras pátrias, occupavam os primeiros lugares
do Instituto, o de Presidente e o de 1<> Secretario, os seus sócios
Beneméritos Conselheiro Olegário Herculano de Aquino e Castro
e Henri Rafll%rd.
« Sem o mínimo desar para a legião de notáveis que com*
põem esta benemérita Instltuiç&o, comprehendia-se logo que
eiles não occupavam essas posições culminantes por graciosa
indulgência de seus pares, mas que o haviam conquistado por
sua idoneidade tanto como por sua indefessa dedicação, e que
como o poeta podiam repetir:
« Si je suis à. la peine j*ai droit il Thonneur.
€ Nessa memoranda sessão magna veiu Henri Raffard acom-
panhado de seu velho pae o yelho Cônsul geral da Suissa
Eugóne Emiie Raífard, que vinha tomar posse do seu titulo
DISCURSO DO ORADOR OFFICIAL 493
de sócio honorário; pareoia a sua piedade filial que elle conduzia
seu pae para a immortalidade.
cNascido nesta cidade a 26 de deiembro(de 1851, descendente
de emigrados franoezes, seguiu aos 8 annos para a Europa afim
de ílAzer sua educa^^o, tendo permanecido em Genebra e Paris»
onde iniciou um curso de scienoiasmathematicas, que n&o con-
cluiu por ter ordem de preparar-se para o oommercio, ao qual
eflèctiTamente dedicou-se, depois de viajar dois annos na AUe-
manha e na Bélgica.
cYoltando ao Braiil» percorreu diversaa províncias, Amdou
uma casa commercial em S. Paulo e depois uma usina de
assucar e álcool em Gapivary, organisando companhia com sede
em Londres, da qual era representante e gerente, e em 1883 i-
naugurava o estabelecimento— Vi Ua Raflárd.
«Como insucoesso Jdesse tentamen, foi nomeado GhanoeUer
do Cônsul Suiflso nesta Capital, iogar que por duas vezes
exerceu interinamente.
«Activo e operoso, publicou diversas obras entre as quaes
salientam-se — i>t Colonie Suisse de Nova Friburgo A Industria
Âssucareira no Rio de Janeiro^ Plano dê cohnisação de Thereso^
polis e outros,
«O que porém o reoommendou á admiraç&o neste Instituto
foi o seu trabalho cufioso: Homens e Cousas do Brazilf publi-
cado em sua Revista. BT um estudo de observa^ de ts^Um
e de pessoas desde o primeiro império» que ministra um bom
repertório de informaoões daqaella epooa.
«Promoveu e acompanhou a publicagoo de volume pu^
blicado em homenagem a D. Pedro 29 após a sua morte, ma-
nifestando sua franca dedicação 4 memoria do monaroha liberal
do segundo império.
«Despoflou D. BudoxlaMe Toledo, cunhada do nosso extincto
pr esidente, de uma illuatre famila de S. Paulo,
«Fálleoea ás portas da indigência, apesar de sua vida verti-
ginosamente activa.
«Bste Instituto cumpre um sagrado dever prestando eeta
homenagem á memoria daquelle que foi am dos seus
operosos sustentáculos.
494 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
O CONSELHEIRO OLEGÁRIO
«iVssim como na Tidaldas naoionalidadofl snrgom seres hu-
manos que durante períodos fiynthetisam sua iDfluencia, assim
na vida das corporações oollectiras faz-se sentir em determi**
nadas épocaa a acçio directora de personalidades que se con-
ítadeoa oom a mm própria eustonda. A personalidade superior
do Conselheiro Olegário Hèrcnlano de Agoiao •Gasteo osnsea
no seio deste Instituto, nos dous últimos lustros de rida social»
a acção centrípeta de um foco de systhema planetário. Não a
aoçio absorTente do autoerata, mas a acção reg^aladora do pri-
mus inter pares, investido pelo consenso da ooliectividade sobe-
rana.
«Nascido na cidade de S. Paulo a 30 de março de 1828*
filho do Major Thomas de Aquino e Castro, recebeu em 1848, o
gráo de bacharel e em 1849 o de doutor em direito pelo Ibcul-
dade de S. Paulo.
«Desposou a Exma Sra. D. Genoveva Dias de Toledo, filha
do Conselheiro Manoel Dias de Toledo, havendo desse consorcio
brilhante prole que lhe sobrevive.
«Abraçando em verdes annos a gloriosa, mas ingrata car-
reira da magistratura, exerceu os cargos de promotor publico
de S. Paulo (1849), juiz de direitos de Goyaz (1854), de Jagnary»
em Minas (1857), de Itapetininga, S. Paulo (1858), da 2» Vara
Criminal da Corte (1864;, da 2* Vara Commercial (1866), Desem-
bargador da Relação da Corte (1873), Ministro do Supremo Tri-
bunal de Justiça (1866), do Supremo Tribunal Federal (1890)
Presidente eleito desse Tribunal (1894).
«Exerceu também cargos do administração e mandatos po-
líticos, taes como o cargo de Chefe de Policia da Corte, de Presi-
dente de Minas Geraes o de deputado por S. Paulo em 1867 e
1878.
«No regimem da monarchia foi investido das fhnoçoes hono-
rificas de Camarista Veador e Gentilhomem da Casa Imperial, k
qual so havia ligado por amisade pessoal Uo Imperador ; e conde-
corado com a Orio Cruz de Christo o a de Villa Viçosa de Por*
tugal.
DISCURSO DO ORADOR OFFICIAL 495
< O Conselheiro Olegário reuaia as qualidades de historiador
e homem de lettras às de um dos mais notáveis Jnrisoonsultos
brasileiros. Os seus trabalhos publicados em avulso ou nas prin-
cjpaes Revistas Jurídicas, crearam-lhe uma aura de jurisperito,
que lhe sobrevive. O seu trabalho intitulado » Pratica das Cor-
reições » é um vasto e solido repositório de toda a legislação,
de incalculável utilidade para os jovens magistrados.
« Essas altas qualidades intellectuaesa briram-lhe as portas de
grande numero de Associações Scientiâcas, Nacionaes e Estran-
geiras, entre as quaes sobrelevam a Sociedade de Geographia de
Lisboa, o Atheneu de Lima, e o Instituto Geographico Argentino.
€ No exercido porém, da Presidência deste Instituto exerceu
o Conselheiro Olegário uma missfto especial, tornando-se o seu
principal sustentáculo após a mudança do regimen politico de
nossa Pátria.
€ Com pasmosa actividade em sua, aliás robusta, velhice,
com um critério que só a um velho philosopho do direito ô dado
desenvolver em situações delicadas e por vezes embaraçosas,
soube o Conselheiro Olegário coujurar diíQculdades e remover
embaraços, porventura antepostos á corrente normal da vida
económica do Instituto.
€ E esse inestimável serviço sigoiflca que elle foi o pontifico
deste templo modesto, mas que é o tabernáculo qne mantém as
taboas sagradas de todas as nossas tradições.
« Observar o culto que n'elle so pratica, é, ideal digno dos
mais alevantados espirites. Mas essa observância requer antes
de tudo que suas aras não sejam profanadas pelo olvido dos
praticantes ou por idolatrias de qualquer espécie e que no recinto
augusto de suas naves não so commemore o odor cybaritico das
cebolas egypcias, o menos so sacrifique em honra do beserro de
ouro.
« Só assim seremos dignos exactores desse transcendental
aspecto da Justiça, ante o qual estacou a concepção genial do
philosopho, tomado do sagrada veneração, o poderemos consci-
enciosamente exercer esse mais elevado de todos os sacerdócios:
a Justiça da Historia».
ÂSSEMBLÉA GERAL EM SI DE NOVEMBRO DE 1906
Presidência do Sr. Marquez de Paranaguá
A*0 3 horas da tarde, na sede social, presentes os Srs. Marquez
de Paranaguá, José Francisco da Rocha Pombo, Max Pleinss, De-
zembargador Souza Pitanga, Eduardo Marques Peixoto, Conse-
lheiro Cândido Luiz Maria de Oliveira, Barão de Alencar, Qeneral
Thaumaturgo de Azevedo, Barão de Paranapiacaba, Drs. Alei-
biades Furtado, Sebastião de Vasconcellos Galvão, Carlos Lix
Kiett, Monsenhor Vicente Lustoza, Alberto de Carvalho, Conse-
lheiro João de Sá Camelo Lampreia, Manoel de Oliveira Lima, José
Américo dos Santos, Kodcigo Octávio Langard Menezes, Dr. Ma-
noel Cicero Peregrino da Silva, Dr. Bernardo Teixeira de Moraes
Leite Velho, Clóvis Beviláqua, Dr. Alfredo Nascimento Silva e
Dr. Epitacio Pessoa, abre-se a sessão.
O Sr. Presidente saúda o Dr. Clóvis Bevilacqua que pela
primeira vez comparece ás sessões do Instituto e, em seguida,
declara que se vai proceder ã eleição da Directoria o das Com-
missões Permanentes para o anno de 1907, devendo cada sócio
apresentar duas chapas, uma com os nomes dos membros da
Directoria e outra com os das Commissões Permanentes e designa
para escrutadores os Srs. Drs. Manoel Cícero e Alft^edo Nasci-
mento.
São recolhidas 23 cédulas.
As cédulas recebidas para constitui^ da Directoria dão o
seguinte resultado:
Para Presidente:
Marquez de Paranaguá 22 votos
Cardeal D. Joaquim Arooverde 1 voto
Para 1"* Vioe-Presidente:
ViiConde da Ouro-Pret) 80 votos
Barão Homem de Mello • 3 »
4323— 32 — ToMJ lxix. p. ii.
498 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Para 29 Vioe-PresideHte:
Barão Homem de Mello 19 Totos
Visconde de Ouro Preto 3 >
Sylvio Roméro 1 voto
Para 3<». VieA-Preeiâenie:
Desembargador Souza Pitanga 2S vQtos
Barão do Alencar 1 voto
Para 1"^ Secretario:
Max Plekiss -22 votos.
Alcibiades Fartado 1 voto
Paki^a 2^ Secretario :
AlcLbia(ie8J'artado 21 votos
Ednardo Marquez Peixoto 1 voto
Dtu Manoel Cioero T >
Para Orador :
CoAde de, Affonso Celso 23. votos
Para Thesoareiro :
Commendador Artbur GaímarãQs .... â3 votgs.
\
A' vista do resultado, o Sr. Presidente proclama a seguia te ^
Directoria :
Presidente, Marquez de Paranaguá; 1» Vlce-Presidente.
Visconde de Ouro Preto; 2*» Vice-Presideote, BarSo Homem de
Mello; 3® Vice- Presidente, Desembargador A. F. de Souza Pi-
tanga; 1» Secretario, Max Fleiuss, 2" Secretario Alcibiades Fur-
tado; Orador, Conde de Affoaso Celso; Tbesoureiro, Commen-
dador Artbur (iuimarães.
O Sr. Presidente agradece a prova d^ apreop quQ acato da
receber dos seus illustres consócios e declara, opatar com a va*
liosa cooperação de todos para desempenbar a honrosa fnncçSo
de que foi investido.
SãQ em seguida apurad^j as cjxagas recebidaa, contendo os >
nomeados memlj^ros. escolbidqi) paradas CommisBoes Permanentes
SBSSÃO DA ELEIÇÃO DA MBZA B GOMMISSÕBS 499
e o Sr; Preeideot» proclama eleitos por maioria de Yotos 00 se-
gointea:
Commissões Permanentes:
Fandos e Orçamento —Visconde de Oaro-Preto, Conselheiro
Tristão de Alencar Araripe, Dr. José Américo dos Santos,
Barão de Paranapiacaba e Belisario Pernimbaco:
Estatutos e Redacção— Max Pleluss, Dr. Manoel Cicero, Dr.
Alfiredo Nascimento, Conde de Aflfonso Oelso e Arthur Gui->
marães;
Maousoriptus— Conselheiro J. da Costa Barradas, Dr. Felis^
bello Freire, Dr. Rolrigo Octávio, Dr, Manoel Álvaro de Sonsa
Sá Viannae Eduardo Marques Peixoto.
Historia^ Visconde de Oaro Preto, Dr. Leite Velho^ Conse-
lheiro Cândido de Oliveira, Sylvio Romèro e Capistrano de Abreu;
Geographia— Barão Homem de Mello. J. P. Rocha Pombo,
Conselheiro Salvador Pires de Carvalho Albuquerque, Conse-
lheiro J. M. F. Pereira de Barros, e General Dr. Gregório Thau-
maturgo de Aze vedo.
Archeologia e ethnographia : Dr. Epitacio Pessoa, Dr. J.
Barbosa Rodrigues, Dr. Alcibíades Furtado, Desembargador A.
F. de Souza Pitanga e Conselheiro João Alfredo.
Admissão de Sócios — Barão de Alencar, Conde de Affonso
Celso, Dr. Miguel de Carvalho, Dr. Manoel Cicero e Dr. Leo-
poldo de Bulhões.
O Sr. Fleluss pede a palavra e apresenta a seguinte pro-
posta, que ô unanimemente approvada:
«De conformidade com o que estabelece o art. 12 dos Es-
tatutos approvados pela Assembléa Geral de 9 e 16 de abril do
corrente anno, propomos sejam elevados a beneméritos os se-
guintes sócios honorários, que estão nas condições de merecer
semelhante prova de nossa estima e consideração :
Barão de Capanema, admittido em 19 de outubro de 1848;
José Maurício Fernandes Pereira de Barros, admittido em
19 de setembro de 1856;
Barão Homem de Mello, admittido em 3 de junho de 1859;
Barão Ribeiro de Almeida, admittido em 11 de dezembro
de 1866;
500 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Barfto do Rio-Branoo» admiltido 7 de novembro de 1867;
Joaquim Pires Machado Portella, admittido em 17 de junho
de 1870.
Thomaz Garcez de Paranbos Montenegro, admittido em IO
de maio de 1878.
Sala das aessSes do loatituto Historioo e Oeographico Braxi-
leiro, em 21 de novembro de 1906.— Max FMus.-^ Alcibiades
Feriado.— A. F. de Souza Pitanga.^ M. de Oltveira Lima.—
Barão de Paranapiacaba . — Rodrigo Octávio, — Monsenhor Vi»
cente lAnioza.-^ ÂXberio de Carvalho. — Bocha Powbo.^^ Sdw
ardo Marques Peixoto,-^ João de Sd Camello Lampreia,-^ B. T.
de Morae» Leite Velho,— EpUacio Pe$soa,>
Levanta-ie a sessão ás 4 horas da tarde.
Db. Alfmdo Nasoimbnto.
Escrutado r.
\
AN NEXO
CADASTRO DOS SÓCIOS
INSTITUTO HISTOBIGO E (lEOGRAPHICO BBÃZILEIRO
EM 15 DE JULHO DE 1908
Organizado il« inteira conformidade com o art. 79 dos Bstatntoi
de 16 de abril de 1906
Fresidôatôs houorarlei
Conde d'Ea
D. Miguel Juar'z Celman
Dr. ManoeL Ferraz de Cam-
pos Salles..
General D. Jolio A. Roca
Dr. Francisoo de Paula
Rodrigues AlTes
Dr. Affonso Augusto Mo-
reira Penna
DATA DA ADMISSÃO
16 de set de 1864....
13 de » de 1883....
12 de maio de 1809...
7 de julho de 1899. .
6 de dez. de 1902.
17 de ont. de 19a7.,.
RBSIDBNGIA
França.
Republica Ar-
gentina.
São Paulo.
Republica
gentina.
Ar-
São Paulo.
Rio de Janeiro.
Soolos Beiíomerites (em numero de 10)
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
Barão de Capanema
Barão Homem de Mello. .•
Barão do Rio-Branco ....
Thomaz Garcez de Pa-
ranhos Montenegro...,
18 de out. de 1848...
8 do junho de 1859...
7 de nov. de 1867..,
10 da maio de 1878...
Rio de Janeiro.
» » »
» » »
Bahia.
504 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
S00I08 honorários (em numero de 50)
DATA DA ADMISSÃO
Eslanisláo C. Zehallos*.. 7 de d-z. de 1883..
15
16
17
18
19
20
21
22
23
21
25
20
27
28
Conselheiro João Airrv.>do
Corroa de Oliveira
Marquez de Paranafi^aà.. .
D. Pedro Augusto de Saxo
Coburgo
Barão de Alenoâr
H(>nriqae Moreno •
Conselheiro Joaõ Francisoô
Diana
Norberto Qairno Costa '
19
31
2
13
13
13
out. de 18S7...
agosto de 1888.
» de 18S9
eet. de 1S89..
» de 188J..
17 »
Blas Vidal •
Manoel Villamil Blanco *.
Guilherme A. St^oane •
D. Carlos Luiz d'Amour..
Cardeal D. Marino Ram-
polla dei Tindaro*
Almirante Auc^iisto de Cas-
tilho Barreto de No-
ronha •
D* Jeronymo Thomó da
Silva
D. 'Francisco do R go
Maia
Adrien de Ocrlache*.
Cardeal D. Joaiuim Arco-
Torde
Conselheiro João de Oli-
veira Sá Camelo Lam-
preia
Cardeal D Jeronymo Maia
Gotti*
Almirante Francisco Joa-
quim Ferreira do Ama-
ral •
Conselheiro Manoel Antó-
nio Duarte du Azevedo. .
Dr. Jayme Constantino de
Freitas Muniz * ».
General Francisco Maria
da (>iinha*
D. Pedro de Ortean» e
Bra^^inça
Dr. ALredo Eu;;euio de
Alm.ida Maia
Dr. Joaquim Du^irte Mar-
tinho ,.^^,
Barão de ,1a Biifi-e.*.. ^. ... ,
29
29
22
9
19
25
?5
28
31
15
14
2»
27
10
RESIDÊNCIA
10
10
112
de 1889..
de 1889..
noT. lie 1889.
» de 1889.
maio de 189U.
doz. <íel892..
abril di 1893.
julho de 1896..
» de 1897..
» dl8:)7..
out. de 1897...
» de 1897...
maio de 1898..
out. de 1898...
nov. de 1898..
out. de 1899...
nov. de 1899...
abril de 1900..
junho de 19c)0..
a-O^to de 1900.
» de 1900.
pui, d-' .1900'
Republica Ar-
gentina.
Rij de Janeiro.
Áustria.
Rto do Janeiro.
Itália.
Rio Grande do
do Sul.
Republica Ar-
gentina.
Uruguay.
Chile.
Peru.
Ma tio Grosso.
Itália.
Portugal.
Bahia.
Itália.
Bélgica.
Rio de Janeiro.
Portugal.
Itália.
Portugal.
São Paulo.
Portugal.
»
França.
São Paulo.
Rio de Janeiro.
Hespanha.
CADASTRO POS SOCIO5
505
29
30
31
32
33
34
35
36
37
38
39
40
41
42
43
44
45
4rt
47
48
49
50
Visconde de Oaro Preto.
Dr. Emílio Aaeusto Goeldi*
Eduardo Mailer *
Dr. Epitacio da Silva
Pessoa
Dr. Manoel B. Otero
Dr. Susviela Onarch*
Dr. Sabino Barroso Júnior
Anselmo Héria Riquielme *
Barão Ernest de Hess War-
tegg •
General Adriano Augusto
de Pina Vidal
Alberto dos Santos Da-
mont
Duoue dos Âbmzzos
D. liUiz de Orleans e Bra-
gança
Dr. Manoel de M Ho
doso Barata
Barão de Muritiba. . .
Manoel Estrada Cabrera •
Dr. José Joaquim Seabra.
Dr. José Leopoldo de Bu-
lhões Jardim
D. João Braga
D. Júlio Tonti *...
D. José Joaquim Vidra..
Conselheiro Augusto 01 ym-
pio Gomes de Castro...
Gar
DATA DA ADMISSÃO
9
10
10
27 •
29 »
29 »
2 do
8 »
25
21
11
18
nov. de 1900.
dez. de 1900.
de IHOO.
março de 1901
maio dô 1901
» d^> 1901.
maio de ir02 .
agosto de ir02
junho de 1903.
agosto de 1903
set. de 1903.
» de 1903.
ABSIDBNCIA
6 » nov. de 1903.
20
12
26
28
28
21
30
6
maio de 1904.
agosto do 1904
» de 1904
abril de 1905.
» de 1905.
julho del905.
abril de 1906.
maio de 1907.
13 » maio de 1908
Rio de Janeiro.
Suissa .
Rio de Janeiro.
Uruguay.
Rio de Janeiro,
ehile.
Allemanha.
Portugal.
França,
Itália.
Fráàça.
Pará.
França.
Guatemala.
Rio de Janeiro.
Petrópolis.
Portugal.
Ceará.
Rio de Janeiro.
Sooios effootlros (exn numero de 50)
maz do .Amaral
Dr* Benjamin Franklin
Ramiz Galvão
Dr. João Barbosa Rodri-
gues
Barão de Telfé
Almirante José Cândido
Guillobel
João Capistrano de Abreu.
Visconde de Ibituruna ....
Dr. Arthur Índio do Bra-
zil e Silva
Comraendador José Luiz
Alves
Dr. Alfredo do Nascimen
to Silva
Arthur Sauer * ••
10
»
out. de 1851..
Rio do Janeiro
16
»
agosto de 1872
»
»
»
29
27
spt. d« 1878..
out. 1882
»
»
24
19
13
»
nov. de 1882..
out. de 1887.
julho de 1888.
»
»
31
»
agosto de 1888
»
»
31
»
» de 1888
»
»
12
19
»
dez. Je 1890..
junho de 1391.
506
REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
12
13
14
r.
Ki
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
36
37
38
49
40
41
42
2>ATA DA ADMISalo
Luís Rodolpho Cavalcante
de Albuquerque
Conde de Ailonso Col.so...
Dr. Tr stão de Alencar
Araripc Júnior
Dr. Evaristo \un« s Pire-
Dr. Francisco Baptista
Marques Pinheiro * ...
Dr. Amaro Cavalcanti...
Dr. Paulino José Soar et
de Souza
Dr. Manoel Álvaro de
Souza Sá Vianna
Coronel Dr* Inaocncio
StTzedello Corroa
Dr. José Âmorico dos San-
tos
Dr, Miguel Joaquim Ri
beiíu de Carvalho
General Diony^io E. de
Castro C 'rqueira . . ,
Desembargador António
F. de Souza Pitanga.
José Francisco da Rocha
Pombo
Max Fioiuss
Gen ral Dr.Gr gori > Thau
matur^o de Azevedo...
OrvilleAlalbert Derby»..
Comm.indante Carlos Vidal
de 01 yeira Freitas
Dr. Rodrigo Octávio de L.
Menezes
Major Belisario Pernam-
buco
Dr. Pedro Augusto Car-t
neiro Les^a
Dr. Sylvio Roméro
Conselheiro Ruy Barbosa
Desembargador Salvador
Pires d • C. e Albuquer-
que
Dr. Bernardo Tí»ixeira de
Mora '8 Leite Velho *.... 2A
Dr. Euclydes da Cunha... 24
Monsenhor Vicente F. Lus
tosa de Lima 19
Dr. Alberto de Carvalho. 18
Eduardo Marques Pt^xoto 23
Comnel Jesuino da Silva
Mello 23
Conselheiro Cândido Luis
Maria de Oliveira 17
23
2
30
31
11
6
10
12
3
3
17
26
> set. de 199?.
» des. de 1892..
» junho de 1893.
» março de 1895
» agosto de 18^
» dez. de 1897
» junho de 1898
» out. de 1899.
» des. de 1899.
» » de 1899..
» > de 1899.
» abril de 1900.
» agasto de 1900
» » de 1900
» » de 1900
26 >
26 .
23 »
23 »
23 »
23 »
» de 1900
out. de 1900..
» de 1900..
> de 1900..
agosto de 1901
c de 1901
» de 1901
maio de 1902..
13 » junho de 1902.
» abril de 1903.
» » de 1903.
» junho de 1903.
» set. de 1903..
» out. (ie 1903.
» » de 1903.
» junho de 1904.
RBSIDBlfClA
Rio de Janeiro.
» » »
» » »
Petrópolis. .
Rio de Janeiro.
» » »
» » »
» » »
» » »
Nitheroy.
Rio de Janeiro.
» » »
» » »
» » »
» » »
» » »
» » »
CADASTRO DOS 80006
607
>^
s
NOMBS
DATA DA ADMISSXO
BB8IDXNCU
43
Commendador Arthur Fer-
reira Maoluido Guima-
» » »
rães
9 » dez.de 19Ô4..
» » »
44
Dr. Alcibíades Furtado.,.
17 » julho <ití 1905.
45
Dr. Manoel Cícero Pere-
» » >
grino da Silva
21 » > do 1905.
46
Barão de Paranapiacaba.
21.de julho de 1905.
Rio de Janeiro.
47
Dr. Joaquim Xavier da
Silveira Júnior
4 » daz.de 1905..
15 » out. de 1906
» > »
48
Dr. Clóvis B«TÍla<|Ba
» » »
49
Dr. Aupusto Olvmpio Vi-
veiros 4e Castro ,
20 » maio de 1907.
« » »
50
Dr. José Carlos Rodrigues
40 » junho de 1907.
» » •»
Soolot oorresponde&tai (om niaiefo 'Ae 100)
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
Barão de Guajará . . « .
Vicente Q. Quesada*.
Dr. José António de Aze-
vedo Castro
Pedro "Weiicesláo de Brito
Aranha •
Dr. Francisco Augusto Pe-
reira da Costa
António Ribeiro de Ma-
cedo
José Veríssimo do Mattos.
Dr. Virgílio Martins de
M lio Franco
Aníbal EcheverrLa y
R0Í8*
Bouquet de la Grye *
Alexandre Soroado *
Constantino Bannen *,,,,
Dr. Rodolpbo Marcos
Theophilo • ,
Dr. Brasilio Augusto Ma-
chado de Oliveira
Dr. Felisbello Firmo de
Oliveira Freire
João Damasceno Vieira
Fernandes
João Baj)tÍ!Ua Perdigão de
Oliveira
Arturo de Lóon •
Argemiro António da Sil-
veira
Barão de Studart
Dr. António O^yntho dos
Sftntos Piras
8 de nov. de 1866.
7 » dez. de 1883..
24
7
9
19
16
julho de 1885,
agosto do 1885
dez. de 1886..
out. de 1887.
nov. de 1887..
31 » agosto de 1888
out. do 1889..
» de 1889..
mov. de 1889.
25
25
29
29
11
12
2Cy
21
19
3
25
20
> de 1889. .
julho de 1890.
set. de 1890..
» de 1890..
eut. de
» junho de 1890,
» » de 1891.
» let. de* 1891..
» naio de 1892.
4 » maio de 1894; Rio de Jauieivo,
Pará.
Republioa Ar-
gentina.
Inglaterra.
Portugal.
Pernambuco.
Paraná.
Kio de Janeiro.
Minas Geraos.
Chile.
França.
Republica Ar-
gentina.
Chile.
Ceará.
Sfto Paulo.
Rio de Janeiro.
Bahia.
Ceará .
Uruguay.
São Paulo.
Ceará.
508
REVISTA DO INSTITDTO HISTÓRICO
s
NOXBS
DATA DA ADMISSÃO
ItBaiDBNClA
Z2
23
24
25
Dr. António Martina de
AieTedo Pimentel
Chriatiano Frederico Sey-
bold •
João Lúcio do AzeTodo. . . .
Gabriel do Monte Perei-
ra *
1
1
31
31
11
2)
20
16
27
8
22
13
13
19
9
15
10
24
8
3
3
28
26
10
9
?3
23
83
23
23
18
>
»
»
»
»
»
»
»
»
»
»
»
»
»
»
junho de 1894
> de 1894
março de 1895
» de 1895
agosto de 1895
» de 1895
out. de 1895..
agosto de 1896
set. de 1896..
noT. de 1896..
» de 1896..
dez. de 1896..
junho de 1897.
•et. de 1897..
dez. de 1898..
set. do 1899. •
nov. de 1899..
» de 1899. .
dez, de 1899..
» de 1900
* del900
6et. de 1900..
out. de 1900..
dez. do 1900.
agosto de 1901
» de 1901
» de 1901
» de 1901
» de 1901
» de 1901
ont. de 1901.
Minas Qeraes.
Allemanha.
Portugal.
Portugal.
Bélgica.
RÃn Pftulo.
26
17
Manoel de Oliveira Lima. .
Dr. Gincinato Gesar da
Silya Braga
28
Raymnndo Cyriaco Alves
da Cunha.. •• «....
Pará.
29
Henriqne Marques de San-
ta Roaa
9
90
31
32
Dr. Joaauim Aurélio Na-
buco de Aranjo
José Glementino Soto *. . . .
Padre Raphael Maria Ga-
lanti *
Estados Unidos.
Republica Ar-
gentina.
Rio de Janeiro.
33
André Peixoto de Lacerda
Werneck
» > »
34
35
Tancredo do Amaral
D. Joaquim Silvério de
Sou^sa ••.•
São Paulo.
MinAS Geraes.
36
Dr. Adelino Augusto de
Luna Freire
Pernambuco.
37
38
39
Padre Júlio Maria
Coronel Honório Lima . . .
Dr. António Zeferino Cân-
dido •
Rio de Janeiro.
Portugal.
Republica Ar-
gentina.
Africa.
40
41
Adolpho Saldias *
José António Ismael Gra-
cias •
42
Philoteio Pereira de An-
drade *
\sla.
43
D. Francisco Boílanil y
Sanz*
Hespanha.
Pernambuco.
44
Dr. Sebastião de Vascon-
cellos Galvão
45
Ermclino Agostinho de
Leão
Paraná.
46
Dr. António Augusto de
Lima
Minas Geraes.
47
48
Alfredo Roínario Martins.
Cândido Costa
Paraná.
Espirito Santo.
São Paulo.
49
Dr. João Mendes de Al-
meida Júnior ,
50
51
!i2
Dr. Nolson deSenna..*..
Sebastião Paraná de Sá
Souto Maior < . •
Horácio de Carvalho
Minas Geraea.
Paraná.
São Paulo.
CADASTRO DOS SOaOS
509
.N0MB8
53
54
55
5'^
57
58
59
00
61
62
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
73
74
75
7G
77
78
79
80
81
S2
83
84
85
José Vieira Couto de Ma-
galhães
Dr. Aífonso Ari nos de
Mello Franco
Dp. Alfredo de Toledo..
Carlos Lix Klelt •
Ernesto Quaxada *
87
DATA DA ADMISSÃO
18 deont . de 1901.
Dr. Manoel Ferreira Qat
cia R dondo
Dr. Martim Francisco Ri-
beiro de Aiidrada
Dr, Theoloro Sampaio..
D. Manoel Amunategui *
D, Emílio HodriguezMon
doca *
Anselmo de Andrade.*. ••
Dr, Albino AWes Filho..
Dr. Jo>é Manoel Cardoso
de Oliveira
Dr. Augusto de Siqueira
Cardoso
Laureano de Figuerola *. .
Coronel Ernesto Sonna...
Dr. José Maria Pereira de
Lima *
Victor Ribeiro* ,
Visconde de Sanches de
Baena *
Franciíico de Campos An-
drade
José Feliciano de Oli-
veira
Dr. Vicente Ferrer de Bar-
ros AVanderley e Araújo
Alberto Pimentel *..
Dr. Allredo Ferreira de
Carvalho
Dr. Luiz Gonzaga da Silva
Leme
José Jacintho Ribeiro
Bernardo Horta d ; Araújo
Dr. João Pandiá Calo^reras
Dr. Joaquim Nogueira Pa-
ranaguá...
Dr, Diogo de Vasconcellos
Dr.José Pereira Rego Fiiho
Dr* Bernardino Luiz Ma
chado Guimarães *•••..
D. Daniel Garcia Acevedo*
Dr. Arthur Orlando da
Silva
Gonçalo de Quezada * .
de
de
do
de
1901.
1901.
li'01.
1901.
30 » maio do 190E.
24
24
6
6
8
22
22
25
24
11
11
U
11
out.
» .
dez.
do 1902.
de 19J2
de 1902.
&BSIDENCIA
S. Paulo.
Rio de Janeiro.
Republica Ar-
gentina .
São Paulo.
Bahia .
Chile.
» de 1902..
maio de 1903.
» de 1903.
> de 1903.
junho de 1903
julho do 1903.
set. de 1903..
» de 1903. .
» de 1903..
» de 1903..
4 » dez. de 1903.,
19 » fov. de 1904.,
3
23
21
4
18
18
24
4
«5
9
3
8
8
junho de 1904.
» de 1904.
julho de 1905.
» de 1905,
agosto de 1905
set. do 1905..
» de 1905..
dcz.de 1905..
» de 1905..
junho de i90d<
julho de 1906.
set. de 1906..
out
de 1906..
de 1906.
Portugal.
Minas Gcraes.
Petrópolis.
São Paulo.
Hespanha.
Rio do Janeiro.
Portugal.
São Paulo.
Pernambuco.
Porlugal.
Pornambuco.
São Paulo.
Rio de Janeiro.
Minas Geraes.
Piauhy.
Minas Goraes.
Rio do Janeiro.
Portugal.
Uruguay.
Pernambuco.
Cuba,
510
RBvisTA DO iNanrroTO histórico
i
N0MB8
DATA DA ADMIsalo
RBIIDBNGIA
88
89
Dr.Adolpho Autrusto Pinto
Dr. Paulo Ehrenreich».. .
Dr. Gastão Ruch Stnrzo-
necker
2» > maft» de 1907.
20 > » da<9M
29 » julho do. 1907.
29 » » de 1907.
16 » set, de 1907..
16 > » de 1907..
30 de aat. de 1907..
30 » » del907«
São Paulo.
Allemaiiha.
Rio de JaneoMi*^
9i
Paulo Barreto
92
Dr. Augusto Tayares de
Lyra ••••..
» » »
93
94
95
96
Dr. Vincenzo Groisi *
Dr. António Jansen do Paço
Dr . João LuíE Alves
Itália.
Rio de Janeiro.
Minas GeraeSf
97
l ' ' *"
9S
9^)
100
;,.
Soolos bemfeitofes
1
Dr. Domingos José No-
iíueira Ja^ruaribe
7
de
dez. de 1883..
São Paulo.
2
Conde de Fiurueiredo
Cândido Gailré
í
agosto de 189t>
Rio do Janeiro.
3
2ò
sot. de 1890. .
4
António José Dias de Cas-
» » »
tro
28
5
nov. de 1890.
dez. do 1890..
» » »
5
Conde de Leopoldina
» » »
6
Luiz JosJ Lee )q do Oli-
veira
5
» de 1890..
» > »
7
Coiimendador Tobias Lau-
ri.tno FÍL'U"ira de Mello
Barão de Quartim
12
» de 1890..
» » »
8
6
março de 1891
» » »
9
Luiz Augusto da Silva Ga-
ne lo* •..
6
» de 1891
Portugal.
10
Ha 'ã • ')e Mendes Tota....
3
abril do 1891.
Rio de Janeiro.
11
Visconde de Moraes *...
3
» de 1891,
» » >
12
Manoel José da Fonseca*.
28
agosto de 1891
» > »
13
José Joaquim da França
Juni' ir
9
4
out. do 1891..
dez. do 1.^91 . .
» > »
14
í.uiz Ribeiro Gomes
» » »
15
Coiiim nd i«lor Luiz AWe^
Ha silva Porto
17
17
out. íle 1897..
» de 1897..
» » » *
U\
Luiz M-rtiui tio Auiaral.
» » »
17
Vitcondi' de Thayde'. ...
7
julho do 181Í9.
Portugal.
O siirnal * indica <xue o sócio ô estrangeiro.
Secretaria do Instituto Histórico o Geographico Brasileiro, 15 de
julho de 1908.
O chefe,
Lafayett€ Caetano da Silva
índice
Matérias contidas no Tomo LXIX da Revista
PARTE SEGUNDA
Pags.
Da Independência á Republica, pelo Dr. Euclydes da Cunha • 7
O Duqae de Caxias, por J. Capistrano de Abrea 75
Jalias Meili e a NnmÍBmatica Brazileira, pelo Dr. Alfredo de
Carvalho 95
O Brazil Social, pelo Dr. Syivio Romero 105
A Capitania do Camutá, pelo Dr. Manoel de Mello Cardoso
Barata 183
Reflexões sobre o Conceito da Historia, pelo Dr. Pedro Augusto
Carneiro Lessa 195
Actas das Sessões de 1906 287
Sessão Magna Annivorsaria 447
Discurso do oralor, Desem' argador A. F. de Souza Pitanga. 465
Annexo ~ Cadastro dos sócios, em 15 de Julho de 1908 . . . 501
4328 — Rio do Janeiro — laiprenga Nadonal — 1908
1
hidUtUU»
Comiii
4li RéTista
'hiltll itl fAl «^ I ^\l^ X»\fl.T\ÍA
(!^» 71>
Thi8 baok
shaultl be re^t
urned tu
the
Library on
or before the
IbhíêF
aiamfied belo^.
l
A iine aí five
oentv a âay is
inctS
hy
retainini it
beyond lha
9pt^B
time.
V
Fleaee retnrn prompÉly.
J