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b,C( o<^le
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REVISTA
DO
INSTITDTO HISTÓRICO E GEOGRAPHIGO
D,Bi,z,db,Google
D,Blradb,GOO<^le
REVISTA
DO
USTITOTO HISTÓRICO E BEOGRAPIICO
BRAS2ILEIHO
Fundado no Hlo de Janeiro em 1838
(1915)
J:'A.BXE li
Hoc tadli ut longos durcnt bens gesU p«r«aaot,
Et poMlnl lera poateriutc frui.
DIRECTOR
Dr. B. F. Ramiz Gahào
RIO DE JANEIRO
lUrRSMSA NACIONAL
1916
DigtizedbyGOOgle
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DOCUMENTOS
A VIDA F, A OBRA DE NICOLAU ANTÓNIO TAUNAY
UM DOS FUNDArjORES DA ESCIIOLA NACIONAL
DE IIELLAS ARTES
Dr. AffoNSO D'Esí:nAr.NOtLR Taonw
.ibiGoogle
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SR. L. SOVLLIÉ
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Diaintu iitoi a lUa le Uq liloilo TaDDiy \\\\\\\\%
BI IK tiBlalBtei ia Euboia Racioial le Miai Irtn
BREVE NOTICIA BIOGRAPHICA ACERCA DE NICOLAU
ANTÓNIO TAUNAY
Oriundo de antiga família do Poitou [i] qilc se convertera ao
calvinismo no século XVI e muito sof&era, sob todos os sentido;;,
por esse motivo, sobretudo com o exilio, após a revogaç3o do
Eklito de Nantes e o subsequente regresso ao solo pátrio, nasceu
Nicolau António Taunay em Pariz, a lo de Fevereiro de 1755.
Foi seu pae Pedro António Henrique Taunay ( 172&-17ÍI7),
durante longos annos chimico e perito da Manu&ctura real de por-
ccUanas de Sivres ; hábil artista, inventor de diversos esmaltes e
matizes, concedera-lheLuizXVoqualificativo então muito honroso
depensionisla do rei.
Desde os primeiros annos da meninice revelou Nicolau An-
tónio irresistível pendor para o dcscuiio. Aos doze annos entrou
para o a^íer do Lepicié, passando depois ao de Brenet e afinal
para o de Casanova, que então tinha immensa reputação. Reti*
rando-se de Casanova para a Rússia, resolveu Taunay tomar como
único mestre a natureza ; muito affeiçoado a paizagistas célebres
como Demarne, Bruandet, Swebach, começou por estudar as flo-
restas dos arredores de Paris, detidamente, e depois partiu cm com-
panhia de Demarne e ouUos amidos para uma lonpa excursão pelo
Delphinado, Sabóia e Suissa ,
inno de iSCti, tomo KXI, arilgo
■ DigtizedbyGOOgle
to REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Pela primeira vez exhibiu-se em publico, oo anno de i7j-7, na
Exposição da Mocidade, sendo então muito notadas as suas pai-
zagens c ^uaches ; disse a critica da épocha que essas obras eram
uoalvore^ierdotaleDtodeuni novo Berglicm ». Em 1779 concorreu
pela s^unda vez à Exposição da Mocidade, obtendo novoi
triumphos. Em I782reapparecea no Salon de h Correspondcnce ;
já tinha cntSo uma reputação Teita de artista de mérito.
Em 1784 foi acceiío agreáá Academia Real de Bellas Artes,
mcrecendo-lhe esta distíncçâo um quadro inspirado por um assumpto
do Ariosto.
Muito querido de Fragonarde de Hubert Robert relacionou-so
por intermédio destes com o conde de Angcvilliers, Superintendento
dos Edifícios Reaes e de Bellas Artes, sob Luiz XVI ; offcreccu-lhe
d'Angevilliers um logar de pensionista da Academia de França em
Roma ; acceitou-o Taunay, que na Itália esteve três annos, até o fim
de 1787, estudando sob a direcção de Lagrenée e Menageot. obser-
vando e viajando muito.
Voltando à França, casou-se em princípios de 1788 com Josc-
phina Rondei, de quem teve cinco filhos, Félix, barão de Taunay
(1795-1881}, por longos annos director da Academia de Bellas Artes
do Rio de Janeiro; Hippolyto, iitterato e professor ; Adriano, pintor
e naturalista e Iitterato, morto afc^ado no rio Guaporé { 1803-1828) ;
Carlos, militar e Iitterato; Theodoro, cônsul de França no Rio
de Janeiro.
Em 1787, ainda na Itália, expoz pela primeira vez no salfm
official, concorrendo mais tarde às exposições de 1789, 1791 e 1793.
Os numerosos quadros apresentados angariaram-lhe, desde logo,
grande reputação de consummado paizagista.
Os acontecimentos terríveis da Revolução fizeram-no re-
tirar-se e até occultar-se em Montmorency, numa propriedade
outr'ora pertencente a J. J. Rousseau. Em 1795 foi chamado para
fazer parte do Instituto de França, classe de Bellas Artes, secçjío
de pintura, fundado nesse anno.
Expoz nos salons de 1796, 1798, 1801, i8oa quadros que
lhe accresccram ainda a reputação. Em 1801 obteve uma grande
,dbyGoogle
DOCnUENTOS SOBRE K VIDA R A OBRA DE NICOLAD A.
medalha e premio de animação instituído pelo govôrao e tomou
parte no concurso para a eitecuçáo da Batalha de Kamrelh,
encommendada pelo Governo Francez.
Intimo da imperatriz Joscpliina, foí-lhe o Império muito favo-
rável.
Teve muitas e valiosas encommendas do Estado, de grandes
quadros sòbrc assumptos militares, telas essas eipostas, com
muitas outras, nos salons de i8a), i!to6, 1808, 1810, 181 2 e 1814;
em 1804 obteve um grande premio.
A. queda do Império e graves revezes financeiros que quasi o
haviam arruinado decidiram-no a acceitar o offèrecimcnto do po-
vômo portufíuez, a regência de uma cadeira na Academia de Belbs
Artes projectada no Rio de Janeiro por d. J(^o VI e o conde da
liarca. Chegou a esta cidade a 2Õ de Março de 1816, em com-
panhia de diversos outros artistas como seu crmSo Augusto Taunay,
cscuiptor, Debrel, Lebreton, Grandjean de Montigny e Pradier.
A morte do conde da Barca em Junho de 1817 fez com que
nada se executasse do que fora projectado. Passou Tauoay quasi
cinco annos no Brasil, aproveitando o tempo para fixar em nume-
rosas telas trechos da paizagem fluminense. Cm 1819 fallecia Le-
breton, chefe da colónia artística franceza ; a nomeação de um ullra-
mediocrc pintor portuguez, Henrique José da Silva, para o sub-
stituir, melindrou o artista, que resolveu retirar-ae para França
cm princípios de 1831.
Trabalhador infatigável, recomeçou aos 65 annos a sua labuta
contínua ; do Brasil concorrera ao ââ/ofl de 1819; reappareceu o
seu nome nos de 1632, 1834, 1827 e 1831, sendo uo ultimo uma
exposição posthuma. Achando-se no Brasil ainda dera-lhc Luiz
XVIII a cruz da Leg^o de Honra.
ladiffêrente ã Incta do romantismo contra o classicismo, como
quasi indifferente se mantivera sempre ao combate dado pelos
claasistas á antiga eschola do século XVllI não divergiu Taunay
na velhice da orientado escolhida na mocidade.
Entristeceram-lhe os últimos annos de vida grandes deí^ostos:
em Maio de 1834 &llecia no Rio o único ermão, Augusto, que
Cooglc
12 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
considerava como seu primogénito ; em Janeiro de 1828 brutal
catastrophc roubava a existência ao mais joven dos filhos, Adri-
ano, moço possuidor dos maiores dotes artísticos. Recorreu ao
trabalho intenso como a um grande consolador e, pôde dizer-se,
morreu com os piaceis na mão, produzindo sempre, sem que a
edade viesse trazer-Ihe o enfraquecimento ao talento. Falleceu a
30 de Marij-o de 1830; os collegas do Instituto de França, de
quem era o decano, e o mundo artístico em geral fizeram-lhe
muito sentidas exéquias. Sobre o seu tumulo pronunciou Gros
commovidas palavras, lembrando quanto aquclle artista illustre
fora um homem de bem na extcnsSo da palavra.
Taunay representa com Dcmarnc a eschola de paizagistas de
transição do século XVIII ao século XIX. Os contemporâneos cha-
mavam-lhe o Poussin dos quadros peqttcnos c o í. j Fonlaine da
pintura .
Os traços característicos de sua obra são a firmeza do toque, a
habilidade e elegância da composição e a notável belleza de archi-
lectura. Pertencente á eschola histórica, Tautiay possue-lhe as qua-
tidades sem que lhe revele os defeitos: « toque espirituoso c largo,
colorido natural c vivo, figuras bem desenhadas e ingénuas».
Charles Blanc, um de seus lerventes admiradores, notando-lhc a
tendência philosophica dos quadros, appellidou-o David dos pC'
quenos quadros.
» Pela ductilídade do talento taulo póJe Taunay ser conside-
rado paizagiata, cultor da pintura anecdotica e anímalisti, como
pintor de historia.» E' sobretudo como paizagísta e aníraalista que
mais o apreciam os críticos e conhecedores modernos ; neste parti-
cular, entende Quatremère de Qumcy, procede directamente dos
grandes mestres hollandezes, de Woúwermans e Berghem.
A OBRA DE NICOLAU ANTÓNIO TAUNAY
Apaiiíonado de sua arte, para a qual quasi exclusivamente
vivia, e trabalh.idor infatigável, raethodico, desses que á risca se-
guem o preceito do mestre dos mestres da antiga pintura : o nulla
dies sine linea, deixou Nicolau António Taunay copiosíssima
,dbyGoogle
DOCUMENTOS SOBRE A VIDA E A OBRA DE NICOLAU A. TAU.NAY I3
obra : centenas de quadros a oleo, deguacheseaquareilas, dese-
nhos c esboços de toda espécie.
Pintou e desenhou durante mais de sessenta annòs, e graças a
esse labor formidável, diuturno e continuo, pude dar execução aos
innumcros planos que a tcrtil imagiuação lhe suggeria. Traba-
lhava, pintava, constantemente, em viagem como no atelier. Diz
Charles Blanc que a arte o absorvia de modo tal que lhe succedeu
uma vez, na juventude, não perceber a appariçâo de um ratoneiro
que, saltando o muro do quintal, ch^ra certa noite até á porta en-
vidraçada do atelier, em que o pintor costumava trabalhar até alta
madrugada. Só no dia seguinte pôde verificar a presença do suspeito
c intruso graças aos vestigios dos grosseiros sapatos sobre a neve.
Já sexagenário, apenas chegado ao Rio de Janeiro, viram-no
de modo tal empolgado pela beJIeza dos panoramas fluminenses,
pintar dias c semanas a fio, fazendo enormes caminhadas atravez
da floresta que coroava as montanhas da Tijuca para descobrir
novos pontos de vista e paizagens, que llic lixassem a attenção.
Não ó exagerado suppôr que haja produzido mais de septe-
centos quadros; muitos delles, verdade c, de restrictas dimensões
como diversos apontados no presente ensaio de catalogação, mt-
niaturas etc.
Guaches lambem deixou numerosas, hoje altamente cotadas,
pois segundo Edmundo de Goncourt supportam o confronto com
as melhores de Lancret c Pater. Infelizmente só lhe conhecemos
uma meia dúzia. Uma delias La Parade, hoje no LiOuvre graças ao
legado da collecçáo Audeoiid, attingiu em leilão em Paris a somma
elevada de dezoito mil e cem francos no anno de 1907.
Dosdesenhos de Taunay S(j temos noticia de duas collecçõcs
organizadas, uma no museu do Louvre c outra no de Versaitles.
Por occasiáo do leilão de seu espolio artístico innumeros foram
vendidos, provavelmente hoje dispersos ; dos mais importantes al-
guns por vezes tCm reapparecido no Hotel Drouot, alcançando
sempre elevados preços.
Trabalhosa foi a confecção do catalogo de quadros de Taunay
que se segue a estas linhas, pelo grande numero de fontes estu-
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14 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
dadas e numerosas consultas aos museus da Europa, sobretudo aos
da França.
As maiores contribuições para a lista dos foram fornecidas \)dos
catálogos das exposições ofEciacs dos sa/ons de 17U7, 1789, 1791,
'?93i 1796, 1798, 1801, j802, 1834, 1806, 1808, lillO, !Íll2,
1814, i8ig, i832, 1824, 1837 e 1831, a que concorreu o pintor,
pelos dos dous leilões do seu atelier, após sua morte, em 1831 e
1835, por diversas obras como o Trésordc lacuriostíé, de Charles
Blanc, o Guide de VAmaleur, de Tb. Lejeune, etc.
Além desses elementos tivemos os que nos deram os catálogos
de numerosos leilões de quadros em Paris e diversas outrafi cidades,
sendo nessa tarefa auxiliados poderosamente pelo erudito em ma-
téria de historia de arte o sr. L. Soullié, que com verdadeira
amizade nos ajudou.
Devemos ainda excellcutes apontamentos á gentileza do sr.
dr. Luiz Gastão d'Escr3gnolle Dória, que teve a amabilidade du põr
à nossa disposição as notas por elle colligidas sobre a obra de
nosso antepassado commum.
Aos srs. dr. Goffredo d'Escragnolle Taunay e Victor A.
Taunay também devemos o mais valioso auxilio, prcstundo-ncs
estes caros e bons parentes o concurso de seu conhecimento da his-
toria de arte 1'ranceza e das tradições da familL-i.
Muito ha ainda que averbar no inventario artístico de Ni-
colau António Taunay ; as indicavócs a este respeito, porém, si)
poderão avultar como producto de constantes c longas pesquisas.
E' possivel e mesmo provável que alguns dos quadros aqui
mencionados sejam as mesmas teias designadas por nomes diversos,
lalhando-nos até agora, acerca de muitas, o conhecimento dos ciu'
racieristicos que as podem precisar exactamente, como as dimen-
sões, a natureza dos objectos pintados, a descripção dos assumpto.-^,
ctc. {1).
(1) V. .1 Missiii .Irlisik-J.lí ill,',, pelo auctor Un presente tliwio ii.l Itctisli .1"
Imlltuh HisUirko c Cc-igrjphic- ISrjsUcir'', tomo LXXIV. parlo i' (1911)01.11^
^cp.irata Riu Ju Janeiro. i'>i:,KoJrJKUCSU C)i.,so9pai;slii.a.u
,dbyGoogle
FiisrxT:riiA.s a. olbo
SCENA marítima NO RIO DC JANEIRO
TeU: iltur» o^.íSo ; camptlmelito O^.SJIJ
Pertence este quadro ao Victoria and Albert Muaeum {South
Kcnsington) de Londres, em ^virtude de um legado do collcccio-
nador Townshend) em 1869, e é notável peia pureza e admirável
bcllcza dos céus, representação exacta do llrmamento brasileiro. No
lundo vò'Se a fortaleza de Sancta Cruz e as montanhas que formam
o sacco da Jurujuba. A' extrema direita a ponta correspondente á for-
taleza de S. João. Dous veleiros estão ancorados na bahia, a seu lado
vc^m escaleres. Uma falua com as velas enfunadas, onde se lé a
assignatura do pintor, dirige-se para a praia, onde está uma esqua-
drilha de botes tripulados por brancos e negros. De uma das
embarcações descarregam tardos de mercadorias; num desses
fardos lí-ee — Mr. Sainl. Esta tela é uma das melhores vistas da
bahia do Rio de Janeiro, uma das mais lindas paisagens de Taunay.
VISTA DA BAHIA DO RIO DB JANEIRO TOMAUA UAS MONTANHAS UA
TIJUCA
Teia: altur* o",53; cOmprimcJilo «"At
Este quadro pertenceu á collecçáo de Etienne Arago, dispersa
em Maio de 1892, c hoje pertence (1914) ao dr. Raimundo de Castro
Maya ; a vista parece ter sido tirada da Estrada Velha da Tijuca,
,dbyGoogIe
l6 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
nas vizinhanças da Boa Vista. No fundo vij-se a cidade do Rio de
janeiro, a bahia, uma ilha e as praias da margem opposta. -
iV direita, montanha cheia de matto. No segundo plano á es-
querda está um coqueiro em cuja vizinhança pastam bois. No pri-
meiro plano, ú direita, um grupo formado de uma senhora de pé,
com uma umbella na mão, trcs moças sentadas e um homem só,
interpellado por um cavalieiro. Atraz do grupo vô-se um n^ro
carregando um fardo á cabeça.
«6TA DO RIO JANEIRO, TOMADA DO JARDIM 1>0 CONVENTO DB
S. FRANCISCO
Tela : allMra o^.is ; comprimento o^.j?
No jardim estão três religiosos, um dos quaes, o mestre do
imperador d. Pedro I, aos pés dos companheiros.
No fundo vèm-so a bahia do Rio de Janeiro, montanhas.
Pivcrsas figuras animam a paizagem.
VISTA DA BAHIA E DA CIDADE DO RIO IIE JANEIRO, TIRADA DO
TERRAÇO DO CONVENTO DE S. FRANCISCO
Quadro exposto no leilão Tauuay de 1S31. No terraço vários
religiosos obscrvam.o panorama ; servc-se um dcllcs de um óculo
dS' alcance.
o CORPO DA GUARDA VELHA VISTO DO MORRO DESANCTO ANTÓNIO,
K.M 18 16
Teta : aJtiira tf".4&: comprjmeiílo o"", 57
Quadro pertencente á Pinacotheca Nacional do Rio de Janeiro.
(V. o numero da Renascença, de Julho de 1907, em que o
quadro foi reproduzido em trichromia.) No primeiro plano á
^uerda conversam três frades de Saneio António, um sentado no
chão e dous de pé. No segundo plano o casario da cidade que se
prdonga até o porto, onde se veera fundeados numerosos veleiros.
A direita um morro com uma casinha no cimo,
D,3t,ZBdbyGOO<^le
DOCUUENTOS SOBRE K VIDA C K OBRA DE NICOLAU A. TAUNAY I?
Na base desse morro uma rua, em que ae vêem diversos
transeuntes e uma boiada que caminha meio esparsa. Sob um
alpendre, numa pequena praça, uma sentinella e diversos soldados.
VISTA DAS MONTANHAS DA OAVEA E DE BOTAFOGO, TOUADA DA
BABIA DE BOTAFOGO
Tela : altura o™ ,31 ; comprimento D",4a
ESeito de occaso. Este quadro figurou nas venles Taunay de
1831 e 1635. A paizagem é observada de uma das barcas que se
acham nas aguas da bahia. O Corcovado tem um aspecto azu-
lado ác crepúsculo, enquanto a Gávea ainda está coberta de sol.
VISTA DA BAlItA DE BOTAFOGO TOHADA DE UMA EMINÊNCIA
PRÓXIMA, DE ONDE SE AVISTAM AS MONTANHAS DA DAVEA E
CORCOVADO
Tela: altura 0^,40; comprimento 0^,45
Quadro que figurou nas ventes Taunay de 1831 e 1835.
Numa ladeira sobem algumaã negras, uma montada num
burro e outras a carregar embrulhos e pacotes.
VISTA DA BAHIA DE BOTAFOGO
Tela: altura 0^,315 ; comprimento 0^,455
Quadro pertencente á Pinacotheca Nacional do Rio de Ja-
neiro.
FURACÃO NO RIO DE JANEIRO
Tela; altura o" ,61; comprimento o"^i
Caí o raio na vizinhança do magnifico aqueducto que em-
moldura as elegantes ^bricas da cidade. Apezar da tempestade
ínlclízes negros continuam sem descanço a trabalhar numa mina,
que cs^o obrigados a perfurar. Noa ares numerosas gaivotas.
Venles Tauaay de 1831 e 1835.
DigtizedbyGOOgle
l8 BBVUTA DO WBTITDTO MUtORlâl
CiSCAtA A DOSE LfeGUAS DO Rlõ DE jAMetttO
Tela: comprlneato ■".jM; altura a^.ioo
Quadro que figura na vente Taunay em 1835, e que a MaaU-
factura d« Sévres mandou copiar para o reprodusír em porcellana.
O piutor se representou copiando a natureza no momento em que
um Índio vem trazer-Ibe o producto de sua caçada.
TUTA DOa ARRKDORBS DO RIO DK JANEIRO
Tela : altura o"^ ; comprlmetilo a*,5B
Tela assignada à esquerda. LeiUo de 36 de Maio de 1888, era
Pariz por Haro e Bloche.
TISTA DA EGREJA DA OLORIA, NO RIO DE JANEIRO, TIRADA DO
PALÁCIO DO MARQUEZ DE BELLAS
Quadro exposto no salon de 1Õ34 sob o numero 1.668.
TUTA DO BAIRRO DO RIO DE JANEIRO CBABtADO MATA-CAVALLOS
Quadro exposto no sjIoh de iSai sob o numero 1.334.
NATUREZA BRAZILEIRA
Grande quadro existente 00 gabinete do conservador do Museu
de Zoologia do Jardim das Plantas de Pariz.
Representa o auctor a pintar no mdo da natureza virgem,
tendo perto de si dou3 de seus lilhos. Um caçador indígena, do
lundo do quadro, traz uma tieíra de pássaros.
VKTA DA CASA DO PINTOR A UMAS CINCO LÉGUAS DO RIO DE
JANEIRO
Quadro exposto no salon de 1822 sob o numero 1.237.
VISTA DO PALÁCIO DE sXo CHRISTOVAM
Ap. Debret, Voj-oge pitloresgue au Bristí.
DigtfzedbyGOOgle
fiOCUHENTOS SOBRE A VIDA B K OBllA DE NICOLAU A. TAONAT H)
VISTA DO RIO DE JANEIRO TIRADA DO CONVENTO DE sXo
FRANCISCO
Pequeno quadro pertencente ao sr. Victor A. Taunay, de
Pariz.
CASCATA NO BRASIL PERTENCENTE AO AUCTOR
Quadro exposto no salon de 1833 sob o numero 1.338.
PAIZAGEM DO BRASIL
Quadro exposto no salon de 1819 sob o numero 1.063.
LOGAR DO BRASIL NA SERRA DOS ORGXOS
Quadro exposto no salon de 1833 sob o numero 1.333.
No primeiro plano vfiem-se muitas plantas characteristícas da
flora tropical e um indio que volta da caça carregfando grande nu-
mero de aves mortafc.
VISTA DA OLORIA, EQRBJA DO RIO DE JANEIRO
Tela : aliara 0^,31 ; comprimento 0"^
Paizagem tirada da eminência, em que se acha situada a egreja.
O mar nos primeiros planos. Barca à vela e chalupas. Indí*
viduos banhando-se ; tratadores a banhar cavallos. No fiindo as
montanhas do Pão de Assucar. Leilão Taunay, 1831.
VISTA DE UHA HABITAÇÃO RÚSTICA NO BRASIL
Quadro vendido em leiláo de sdeFevercirode 1834 pelo perito
Moriee.
VISTA DA BARRA DO RIO DG JANEIRO, TOMADA DO CONVENTO DB
SANCTO ANTÓNIO
Quadro exposto no salon de 1833 sob o numero 1.335.
VISTA DE UM DOS BAIRROS DO RIO DE JANEIRO, TOMADA DO
CONVENTO DE SANCTO ANTÓNIO
Quadro «xposto no salon de 1833 eob o numuo 1.936.
DigtizBdbyGOOgle
REVISTA. DO INSTITUTO HISTÓRICO
. PAIZAGEM BRASILEIRA
No primeiro plano um rebanho de vaccas pasta numa coUina,
em que ha diversas arvores tropicaes e onde se vêem diversas fi-
guras. No fiindo do quadro uma cidade à beira mar, atr^ da qual
ha montanhas. Quadro pertencente á collecção Saint vendida a 4
de Maio de 1846 ein Paris.
A VOLTA DOS PRADOS
Tela ; altura 0^,45 ; comprimento 0^,64
Paizagem brasileira. Por entre arvores e mattas pastores con-
duzem gado. No fundo oPãodc Assucarilluminadopelosot. Venle
Taunay, 1831.
VISTA DO URANDE AQUEDUCTO DO RIO DE JANEIRO
Pequeno quadro, que o auctor deste catalogo viu em Paris em
casa de um amador. Entre os arcos passam diversas pessoas,
brancos e pretos, uma sege, ura carro de bois, uma tropa de burros
de cangalhas. A um canto do quadro nota-se um grupo de escravos
a carregar grande fardo.
o BAMllO
Tela: altura C.ij ; comprimocito o", 3;
Paizagem pittoresca do Brasil. Altos rochedos, entre os quaes
correm as aguas limpidas de uma torrente. A' sombra de grandes
arvores varias mulheres moças tomam banho. Ao lado das que se
banham, ohserva-as outra vestida c resguardada por uma umbella.
IVIais longe uma escrava sentada está alerta para que ninguém venha
perturbar o prazer de suas amas. O logaréum dos aspectos da
cascata da Boa Vista (cascatinha Taunay). Leilão Taunay de 1831.
D. MARIA II NA SUA INFÂNCIA
A futura rainha de Portugal d. Maria II está nos braços de
uma preta e tem ao lado a sua aia. No ultimo plano vè-se o príncipe
d. Pedro, o futuro primeiro imperador do Brasil, a cavallo e diri-
gindo-se ao encontro da filha. Ap. venle Taunay, 1835.
,dbyGoogle
UOCUUENTOS SOBRE A VIDA E A OBRA DE NICOLAU A. TAUNAT SI
Quadro* ln«plrado« poi* epl«odlo« da* oatnpanlia* re-
publicana* A Imperlaes. pela hlatorla napolconica
e a vida oominuni na opocba revolucionaria
ATAQUE DO CASTELLO DE COSSARIA
Tela: altura i^.sú; largura i".^. Sãlon de 1811
Augereau ordena que se desaloje o general auatriaco Provera
das ruínas do antigo castello da montanha de Cossaría perto de
MUlesimo, o que é levado a efleito a 13 de Abril de 1796 peloa
granadeiros do general Baunel.
Este quadro cncommendado pelo governo francez figura no
museu de Versaillcs, e está assignado no meio da tela sobre um ro-
chedo. Foi gravado por Schroeder (Frederico) para as Galerias
Históricas de Versailles. Na coUecção Henniu, na Bibliotlieca
Nacional de Pariz, ha um esboço a tinta do quadro. A tela re-
presenta a subida da ÍD^ntaria franceza pela montanha e o com-
bate que dá aos austríacos, que guarnecem as vizinhanças das
minas.
o GENERAL BONAPARTE RECEBE PRISIONEIROS NO CAMPO DE
BATALHA, 1797
Tela: altura i"'.6i ; cotnprimcBio i^.s?
Quadro exposto no salonde 1801, adquirido como premia
de animado ao artista nesta data e incorporado ás collecções do
Louvre, de onde foi transferido para o Museu de Versailles. Nos
últimos planos vô-se uma cidade incendiada, de onde saem
grandes rolos de fumaça que ennublam a atmosphera. No centro
do quadro o general, montado em soberbo corcel, recebe a es-
pada de um official inimigo, carregado numa maca á testa do seu
regimento desarmado. No primeiro plano um cadáver despojado
da roupa e vigiado por um cáo, um granadeiro carregando um
feixe de armas e de bandeiras inimigas ; á direita Um moribundo
lyCoogle
3S MTmA DO INSTITUTO HBTOMCO
aperU nerroso um retrato de mulher; á esquerda do quadro
vários grupos de mortos e feridos, de cirurgiões occupados com
as soas fiiDCÇ&es, Montões de cadáveres e feridos.
ATAQUE AO FORTE DE BARD
Quadro feito em collaboraçflo com Bidault e exposto no salon
do auno IX (iSoi), sob o numero 335,
O general Bonaparte, adormecido sobre uma padiola á beíra
do caminho que abriu o exercito franccz, é contempiíido com
o maior carinho pelos soldados que destilam deaate dellc em
ulencio.
EPISODIO DAS CAMPANHAS DE NAPOLEJLO NA ITÁLIA
Bonaparte rodeado dos seua gencraea mostra a planta de um
monumento. No liindo uma porta de cidade e algumas construo*
çjjes italianas. Este quadro figurou na exposição do Ministério da
Guerra sm 1889 (secção 5', numero 7a do catalogo] e pertenceu k
coUecção Moreau Chaslon, vendida no Hotel Drouot a 33 de Março
de 1891.
o EXERCITO PRANCEZ AO DESCER O HONTE SÃO BERNARDO
Quadro exposto no salon de iSoi e adquirido pelo Estado
francez para o Museu Napoleão. Pertence hoje ao Museu de Ver-
sailles ; foi gravado por Aubert pae para a collecção das Galerias
de Versailles. Representa uma columna do exercito francez des-
cendo os Alpes para o lado do Piemonte, debaixo de uma nevada
abundante, que dh ao quadro um effeito muito characteristico e
delle faz unia bella composição.
A TRAVESSIA DO MONTE sXo tlERNARDO
Tela; allur» o'",jij ; comprimento O", jo
Quadro da coUecçSo Jourde, provavelmente reducçío do quo
existe com o mesmo titulo no Museu de Versailles.
,dbyGoogle
DOCIIMENTOS SOBRB K VlDk B A OBRA DB NICOLAU A. TAVNAT 93
PASS&GEH DOS ALPES PELO GENERAL BONAPARTí;
Quadro exposto DO 5aIon do anuo IX (iSoi), sob O oumero 33.
Reprcsenu Bonaparte a cavallo animando com o olhar um
artilheiro, que sustenta uma das rodas do aeu canhão e eoxuga o
suor da fronte.
HOMENAOEU A VtRQlLlO
Quadro exposto, sob o numero 757, nosoíondoauBode 1810.
O assumpto da tela é o s^uinte: passando por Petiole, perto de
Mantua e pátria de Vlrgilio, Napoltíto examina o planú e deseaho da
columna que ordenara erigissem no local da casa, onde Virgilio
TÍera ao mundo, plano esse que aa auctoridadea do logarejo lhe
afffeseatam-
BONAPARTE MOSTIUNDO AO CONSELHO MUNICIPAL DE MILIO O
PROJECTO OE COLUHNA A EDIPICAR^SE PARA COMMEUORAR A
FUNDAÇÃO DA REPUBLICA CISALPINA
Quadro pertencente á collecç&o do marquez de Houdan, dis-
persa em Aogers, a r7 de Agosto de i6tí8.
ASIDHPTO INSPIRADO NDH EPISODIO DA VIDA DE NAPOLEXo
Painel que decorava um dos salões da Malmaisos e encom-
mendado directamente pela imperatriz Josephiha (V. Memorias de
Fontaine, Revue de Paris, 15 de Março de 191 1),
AS6DBIPTO INSPIRADO NUM EPISODIO DA VIDA DE NAPOLEXo
Painel symmetrico do precedente, num dos salões da Mal-
maiaon (V. fonte citada adma).
ENTRADA DE NAPOLEXO EH UUNICH A 34 DE OUTUBRO DE 1805
T«Í4: Altura 1*^1 eomprlmanlo i",78
Etíe quadro foi exposto no salon de 1808, pertenceu ao Museu
NapoJeSo e hoje faz parte das Galerias de Versailles. Está repro-
dtuido numa grande gravura por Schroeder.
DigtizBdbyGOOgle
34 RETISTA DO INBTITCTO HISHmíCO
No fundo grande casario da cidade de Muních, de onde emeige
uma serie de torres e campanários. Muita tropa formada, intantaría
e cavallaría, occupa o meio do quadro e uma longa rua que vae ter a
uma porta da cidade ; muito povo rodeia a soldadesca.
No primeiro plano Napoleão, de cabeça descoberta, cercado de
grande estado maior, recebe a deputaçSoda municipalidade, que lhe
ofierece as chaves da cidade. A' esquerda, numeroso concurso de
pessoas, homens e mulheres, bem e mal vestidos. Numa grande
arvore garotos trepados, assim como sobre um muro.
à ENTREVISTA DE NAPOLEÃO COM O PAPA PIO Vlt EM
PONTAINEBLEAU
Madeira: Bliura 0^.14 ; comprimenio 0^,17
Quadro, pertencente ã collecção do barSo Denon, dispersa em
maio de 1826.
A VIAJAR, A IMPERATtUZ RECEBE ESTAFETAS QUE TRAZEM NOTICIAS
DE UMA VICTORIA
Tela: altura om.54 ; comprimento tf",Èe
Quadro exposto sob o numero 575, no salon de 1808. A impe-
ratriz no balcão de um palácio da cidade de Milão lé um boletim
imperial annunciando uma victoria do seu séquito. Numa das nãos
segura um ramo de loureiro. Grande numero de populares está a
correr para o palácio.
A ENTRADA EH NÁPOLES DO EXERCrTO DE CHAMPIOTJNET, 1804
Quadro pertencente â galeria do conde de Narbonne dispersa
em leilão a 5 de Abril de 1843.
ENTRADA DA GUARDA IMPERIAL EM PARIZ DEPOIS DA CAMPANEA
DA PRÚSSIA, A 3S DE NOVEMBRO DE 1807
iTela; altura i*,8i ; comprimento s".!!
A guarda imperial, tendo á testa o marechal Bessieres, é rece-
bida pela camará municipal de Pariz, presidida pelo prefeito do
Sena, Prochot, sob um arco de triumpho que a cidade mandara
construir além da barreira de La Villette. E^te quadro, exposto no
,dbyGoogle
&0cnHEHT03 SOBRE A VIDA E A OBRA DE NICOLAU A. TADNAT 35
salon de 1810, gravado por Schroader, íoÍ adquirido cm 1833
pelo Estado k viuva do pintor ; faz parle hoje da galeria de Ver-
sailles. Figurou na exposição retrospectiva da arte (ranceza, por
occasião da Exposição Universal de Paris em 1900.
Accompanhaudo a tropa vô-se grande multidão, dentre a qual
sobresae numerosa garotada. Ao lado do arco de trinmpho está
uma espécie de coreto ou estrado de madeira, sobre o qual sobem
diversos indivíduos, ao passo que outros já alli estão installados.
o exercito frakcez atravessa 03 desfiladeiros ca sierra
guadarrÁma
Tela: allura i°',3o ; comprimento a*" .11
Este quadro esteve exposto no salon de 1813 ; foi adquirido
pelo Estado, pertenceu ao Museu Napoleão e hoje figura na Galeria
de Versailles. Gravado por Huot e por Gelée, lithographia de En-
getmann. Deste quadro existe um esboço, que faz parte da collecção
Heunin, na Bibliotheca Nacional de Paris. Sob um ceu nevoso
o exerdto francez atravessa os altos platós da Sierra Guadarrama.
No fundo do quadro vém-se duasconstrucções de tamanho regular
parecendo ser mosteiros. Entre ellas passa a estrada pela qual tran-
sita penosamente a infantaria. No primeiro plano vãem-se soldados
ajudando o esforço doa cavallos que puxam boccas de fogo.
Notam-se alguns cavalleiros, offidaes talvez, e uma carroça cujo
toldo está sendo sacudido pelo Tento. A figura mais em evidencia
do quadro é, no primeiro plano, a de um soldado que se senta
no chão, descalça-se e examina o pé ferido.
PASSAGEM DA SiErRA GUADARRAHA
Redução do quadro do mesmo titulo pertencente ao Museu
de Versailles e vendido num leilão em Paris a 24 de Junho de 1903
pelo perito Blocbe.
A IMPERATRIZ JOSEPIIINA E SEU SÉQUITO VISITANDO A ESTATUA
DE S. CARLOS DORROMEU, PERTO DO LAGO UAIOR
Telai allura o^Ai; comprimento (/"A>
Quadro que figurou na veníe Taunay em 1835 e na vente Ron-
dei em i86g. No centro de uma grande avenida se ergue a estatua
. Google
36 RBT18TA DO INBTITVTO UISTORICO
colossal, illuminada pelos raios de um bello sol, Um cardeal recebe
a imperatriz rodeada de seus cortez^os ; um frade distríbue esmolas
eatre os pobres, cuja attitude eiprime a gratidão que dedicam &
generosa soberana. Uma moça, a certa distancia de Josepliioá,
□ccupa-sc em desenhar e tem diversos observadores em tomo de st.
A IMPERATRIZ JOSEPltlNA RECOLHENDO AS OBRAS DOS ARTUTAB
MODERNOS
Teta : «liura<v°,jB; comprlmanto o°<,)j
Quadro exposto no ia/o» de 1808 sob o numero 574. No
baldo de uma casa opulenta estão a imperatriz e as damas do seu
séquito. Uma destas apresenta ã soberana um retrato ; ao seu lado
um padre atira dinheiro aos populares que estáo na rtu : peregrinos,
mendigos, desvalidos, homens, mulheres e creanças. Dous homens
semi-nús carr^m num andor uma estatua de Apollo. No fundo,
bellas Fabricas cheias de gente. Este quadro foi vendido por
1.331 frs. no leilão da collecção Vigneron a 3 de Março de iSsS
com a nota de que fora cncommendado pela imperatriz Josephína,
embora o catalogo lhe attríbua assumpto diverso.
A BATALHA DA PONTE DE LODI
Pertenceu à galeria de Berthier, príncipe de Wagram e Neuf-
chatel, por quem foi encommendado, e esteve exposto no salott de
i8io, Berthier ordena à cavallaría que transponha o rio a nado. Na
ponte vê-se grande movimento de tropas de infontaría, que a atra-
vessam. O marechal está rodeado de seu estado maior, a quem dá
ordens.
Gravado por...
A BATALHA DA PONTE DE LODI
O pintor fez outro quadro, reproducçâo exacta do primeiro,
de menores dimens&es c pertencente em 191 1 ao sr. Victor
A. Taunay, de Pariz.
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DOCUUENTOS SOBRE A VIDA B A OBRA DB NICOLAU K. TAUNAIT Z7
COJlttATE DE NAZARETH, ABRIL DE I799
Tota : Altura o™ ,91 ; comprl mento i",!/}
Quadro destinado a commemorar o memorável feito (Tarmas
em que Junot, ã testa de quiaheatos homens, destroçou um corpo
de eieráto turco do cínco mil homens, e cujo esboço esteve presente
ao concurso aberto para o fim alludido em 1801, em que uma tela
de Gros obteve o premio. Foi adquirido pelo Estado francez em
183S da viuva do artista e figura nas coilecçõea do Museu de
Versailles. È um dos quadros mais animados de Taunay e tem
um colorido quente e harmonioso. No primeiro plano um cavallo
a estorcer-se com as patas para o ar, sobre um turco mal ierido,
cadáveres de musuhnanos, feridos arrastando-se, um ottomano a
derrear-se, mortalmente attingído, sobre a auca do cavallo que em-
pina. Descaca-se a figura do general, de espada desembainhada,
montado em bello cavallo brauco, a commandar a carga. No fundo
terrível entrevero de cavallaria e Infantaria. Nos últimos planos, á
direita e á esquerda, rochedos escalvados. Gravado por Aubert.
A BATALHA DE NAZARETH
Reduc^ do quadro perteucente ao Museu de Versailles,
outr'ora parte da galeria de Ducos, recebedor geral do Thesouro,
e vendido em leilão a 18 de Dezembro de 1837 sob o titulo de Com-
bate da campanha do Bgyfilo.
EPISODIO DAS GUERRAS DE IIISPANHA
Tela ; altura ií",Bi ; comprimento o^.óo
Quadro pertencente à collecçâo Petit de Meurville, dispersa no
Hotel Drouot a 26 de Maio de 1908. Representa um comboio
militar dirígindo-se para uma cidade por uma porta de aspecto
mourisco. Soldados de cavallaria e in&ntaria marcham debandados ;
campouios hispanhoes os accompanham. No primeiro plano á di-
reita uma mulher conversa com um cavalleiro. A' extrema direita
um soldado sentado num rochedo. Assignado ã direita, sobre um
rochedo.
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a8 REVISTA DO IHSTITDTO HISTÓRICO
TROPAS NA FONTAINE d'eSPAGNB, EM 1808
Quadro vendido em lei^ do Hotel Drouot a 9 de Junho de
1909, em Paris.
o INCÊNDIO DE MOSCOU
Tela ; allura o™ ,34 ; coraprimonlo o",59
Esboço de um assumpto encommendado por Napoleão pouco
antes de sua queda. Figurou nas venles Taunay, 1831 e 1835.
A cidade em chammas occupa o fundo do quadro. Os habitantes
espavorídoa íbgem carregando o que possuem de melhor.
A DATALIIA DE EBERSDGRG
Tela : altura l'".ia ; largura ^'",03. Salon de iG[q
A divisão do general Claparòde occupa a ponte do Traum,
perto de Ebersberg e apodera-se da cidade. Este quadro pertence
ao Museu de Versailles e representa a batalha na ponte, que os
Austríacos evacuaram. A' margem do rio baterias bombardeiam os
inimigos. No fundo do quadro a cidade em chammas.
A CHEGADA DE PIO VII A FOÍJTAINEBLEAU
Esboço vendido no leilão da Galeria de Ducos, recebedor
geral do Tbesouro, a 18 de Dezembro de 1837.
A LIBERDADE, A EGCALDADE E A FRATERNIDADE ACCLAMADAS PELO
POVO E PELO ESERCrrO
Tela: altura (P.ji; comprimento o",49
Quadro vendido em leilão no Hotel Drouot a 14 de Março de
1908.
A MARSELREZA
Quadro exposto na Expoaiçío Retrospectiva da cidade de
Pariz por occasíão da Exposição Universal de tçoo, e pertencente
á collecçâo Jorge Lehman.
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D0CUKEKT09 SOBRE A VIDA E A OBRA DE HICOLAtI &. TAUNAT 39
EPISODIO DA RETOLUÇÁO DE 1793, EM BESANÇON
Diversos presos das cadeias de Besançon, teodo pedido e
obddo a permissão de combater, voltam victoríosos ã prisão,
debaizo das acclamaçSes do povo da cidade. Vente Taunay, 1835.
A FEDERAÇÃO
Tela; altura o™,38; comprimento if.54
Numa praça publica, e nas ruas adjacentes, vãm-se grandes
mesas em tomo das quaes cidadãos de todas as classes e dos dous
sexos celebram, em commum, alegremente, a commemoraçãododia
da Federação franceza. Quadro pertencente á collecção Fossard,
dispersa em Páriz a 32 de Abril de 1835 ; perito Henry.
Tclíi altura i",i7 ; largura i",i3
Quadro vendido no leilão Felíx Gérard, a 28 de Março de
1907, e representando o episodio do naufrágio do célebre navio de
guerra francez.
FESTA DA FRATERNIDADE
■Tela: altura o™,45 ; comprimento t^M
Quadro vendido em 1859 no leilão da collecção A. Lerous.
Ap. Th. Lejeune: Guta do amador de quadros.
BANQirETE cívico CELEBRANDO A PAZ
Uma certa porção de individnos banqueteta-se alegremente. No
cbão, a um canto, um gato e um cão comem no mesmo prato. Ap.
Charles Blanc: bic^aphia de Taunay na Historia dos pintores
de todas as escolas.
UMA TARDE NO PALAIS ROTAt
Assignado á extrema direita. Quadro que pertenceu ao grande
pintor russo Weretschaguine e figurou na exposição de quadros
antigos feita em Petersburgo em 1908. (V. Les Arts et les Ar-
byCoogIe
30 ttMnrtK DO iNSTiTttto uietouco
listes de Março de 1909.) No primeiro plano á esquerda sobre um
estrado canta uma mulher, para quem se inclina um individuo com
ar apaixonado. Numerosa orchestra de rab^uístas, guitarristas,
flautistas, violoncellistas, uns quinze artistas, acompanha a cantCH'a.
Junto desta se acham uma menina e um menino, provavelmente
seus filhos. A' extrema esquerda um grupo de crianças olha com
curiosidade para ura caderno de musica collocado sobre uraa estante.
No primeiro plano um outro livro de musica aberto, no chão, e
onde lê um joven tocador de ferrinhos. No fundo do quadro a co-
lumnata do Poiais Royal e o graode repuxo do jardim. Grande con-
curso de povo eeajuncta para ouvir a musica, homens e mulheres,
08 elegantes da épocha. No meio da multidão se destaca um mame*
luco com o turbante. Assignado á extrema direiu. Este quadro
foi vendido em 1910 em Paris por 12.000 francos.
0 JARDIM DAS TULHEttlAS NO COMEÇO DO SÉCULO XtX
Tela: «liura tf",qa ; comprimento i",»
Quadro muito interessante, que làzia parte da coUecçáo de
Mme. Bruant, vendida no Hotel DrouotaSde Maiode 1897. Vê-se
no jardim uraa multidão de passeantes, entre os quaes numerosas
celebridades da épocha, como Talleyrand, Chateaubriand, Madame
Récamier, etc.
o MENSAGEIRO DE PAZ
Tola; altura o" ,41 ; comprlmenio o" ,61
Quadro pertencente ã Pinacotheca Nadonal do Rio de Janeiro.
A uma aldeia de França chega um estafeta trazendo a nova de que
acaba de ser concluída a paz, um dos múltiplos tractados napoleó-
nicos. Desmaia uma mulher ao saber que lhe morreu um fílho. Em
tomo do cavalleiro vê-se numeroso grupo de aldeões.
o CORREIO DE AMIENS
Ap. uma referencia da Historia da Escola Brazileira do dr.
Fernando Paes Barreto, que cita esse quadro como existente no
Brasil.
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MCOicBNtOft sofiRB K Vida s a osra db McoUu a. tAOHAV 31
■ por nasumptoM
HENRIQUE IV VOLTANDO DA CAÇA
O rei rodeado de cortezãos saúda Gabriella d'E8trées, que cer-
cadade creados está num balcão « Diga-me, beldade, poroude pode
se entrar neste castello? — Pela porta da egreja, Real Senhor! ».
Quadro perteQcente em iSsõà galeria Lejeaa, exposto nesse
anno na galeria Lebrun ouma exposição organizada em proveito
dos gregos.
HENRIQUE IV — OS ADEUSES
TcU : altura o".ii ; comprimento o™,ii
Quadro pertencente á collecçáo do duque des Cars que figurou
na exposição realizada no Louvre em 1889, em beneficio das orpbãs
da Alsacia-Lorena.
HEKRIQIJB IV E o CAMPONIO
TeU : allura of^.ii ; corúprlmcnlo tr.y)
Estudo para o quadro do sjlon de 1804, vendido no leilão da
collecção Gasquet a 9 de Março de 1888.
HENRIQUE IV E HtCHAUX
Teia ; allnra o",íj : comprimento o^.ji
Composição muito espirituosa, cheia de finura, diz o catalogo
de Ittitío da collecção Lacroix, realizado a 3 de Abril de 1886.
HENIUQOE IV ClIEGANIK) Á PRESENÇA DE SUA CORTE COM O
LENHADOR Á GARUPA DO CAVALtX}
Tela ; altura o", 16 ; comprimento tf".n
Quadro que figurou na venie Taunay _'em 1835; miniatura
talvez do quadro exposto do salon de 1804. Damas e fidalgos v3o
ao encontro do reí, que é o único que se não descobre.
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REVISTA MJ INSTITUTO HIBTOIUCO
BATALIU. SOB HENRIQUE: IV
Collecçáo do barão de Holbach dispersa em 1861. Ap.
Theodoro Lejeune : Guia do amador de quadros.
OABRIELLA D'eSTRÉES CONTEMPLANDO O RETRATO DE
HENRIQUE IV
Esboço a óleo que figurou na vente Rondei em 1869.
ENCONTRO DB HENRIQUE IV E DE SULLY DEPOIS DA BATALHA DE
IVRY
Tefa : altura «■".j; ; coniprimeiíío o'",'» ; liyuraa de o'",[j
Quadro pertencente ao museu de Nantes, a que foi doado, em
1854, peio sr. Urvoy de Sainl Bédan. A' sombra de uma arvore
está Sully sobre uma padiola, a quem o rd, adornado do famoso
pennadio branco, abraça. A' direita quatro couraceiros a carallo.
Em tomo do rei e do ministro um porta-estandarte e quatro outros
cavalleiros, diversos pagens, um dos quaes segura o cavallo do rei
c outro traz na corrente alguns cães de caça ; soldados a pé, apoiados
sobre os mosquetes. No segundo plano, cavalleiros que parecem
estar de sentinella. A' esquerda, no segundo plano, um casal de
fidalgos a cavallo precedidos por um pagem, também a cavallo, e um
falcoeiro, que carrega diversos falcões, dirigem-se para o grupo
principal. No fundo do quadro a planície a perder de vista onde
SC destacam cavalleiros galopando acompanhados por cães de caça.
ENCONTRO DE HENRIQUE IV E DE SULLT DEFOIS DA BATALItA DE
IVRY
Teia ; altura, ["',90; comprimento 2" ,8o : figuras de o^.io
Quadro encommendado a Nicolau Taunay pelo rei Lui2
XVIII em 1831, adquirido por 2.000 francos ; esteve exposto no
salon de 1833. Pertenceu ao museu do Louvre e hoje está no de
EVreux. No segundo plano Sully ferido e carregado numa padiola ■
e rodeado por numeroso cortejo Icvanta-se deaute do rei, que lhe
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DOCUMENTOS SOBRC A VIDA B A ODRk DB NICOLAU A. TAUNAY 33
aperta a mão. No priaieiro plaao está um pagem, visto de costas,
envolvido num manto vermelho e segurando uma lança e dous
cavalldros couraceiros.
Foi este quadro exposto no salon de 1789, sob o numero 1O4,
e serviu de ponto de partida para os dous outros citados aqui, os
dos museus de Nantes e de Èvreuz.
HENRIQUE IV E o CAMPONEZ
Quadro exposto no salon de 1804, sob o numero 450, Mesmo
assumpto que o acima rererido. Henrique IV, tendo se perdido na
floresta, encontra um camponio a quem pede que o guie ; sobe o
rústico á garupa do cavalloe pergunta-Ihe como ha de conhecer o
rei. Diz-Ihe Henrique que este terá a cabeça coberta enquanto os
demais se hão de manter de chapéo na mão. Ao chegarem ao logar
desejado, onde estavam seus corteiáos, pergunta Henrique IV ao
camponio: onde estará o rei ? E' boa ! o rei sou eu ou tu, pois
somos os únicos que estamos de cabeça coberta.
PEDRO o EREMITA PREGANDO A CRUZADA
Tela; íUura (V", 41; comprimento O", M; Ggxjras de o",o8
Quadro que em 1846, por oaasiSo da dispersão da galeria do
sr. Saint, foi adquirido para a collecçao de Luiz Philippc. Pertence
ao museu do Louvre ; á direita Pedio o Eremita, num rochedo,
vestido de burel, longa barba, fala a um certo numero de au-
ditores, que Jhe estão cm frente e sob uma grande arvore, entre
elles um guerreiro a cavallo, um soldado de pé, revestido de
armadura. No meio um grupo de homens e mulheres ajoelhados, que
ouvem a pregação da guerra sancta. No primeiro plano á direita um
cão perto de uma poça. No fundo montanhas cobertas de matto.
Assignado á esquerda.
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34 RBnSTà DO MSTItOTO msTOUCO
FRANCESCO FRANCIA DESMAIANDO AO VER UM QUADRO DE RAFAEL
MaJelra ; altura o'",io ; coaiprinieHlo o^i.iú ; figuras de 0^,04
Quadro pcrteacente ao auctor do presente ensaio. No atelier
de Francia acaba de ser desencaiitotado o quadro de Rafael, Sancta
Cecília, que dous homens p&em em pé. O pintor cai desmaiado e
é sustido na queda por um grupo de discipulos. Do fundo do
quarto, onde se vè uma columnau, acode um dos discipulos de
braços abertos. Outro, ajoelhado sobre a tampa do caixão, olha
surpreso para o velho mestre. A' esquerda uma janella ; á direita,
na parede, quadros, uma estatua de amazona. Um banquinho em que
se vê uma palheta sobre uma capa. No chão uma torquez, diversos
pregos, a tampa do caixão.
FRANCESCO FRANGIA DESMAIANDO AO VER UM QUADRO DE RAFAEL
Tela: .iltora ff",»); i;omprÍmenti>.u'",(ii
A venle Taunay, de i!Í35 menciona um quadro de assumpto
idêntico, de que provavelmente o anterior é a reproducçáo era di'
meusóes menores.
FRANCESCO FRANCIA DESMAIANDO AO AVISTAR <5 QUADRO DE RAFAEL
— SANTA CECÍLIA
Tda; altura «".p; comprimento cf".p
Este quadro, cujo assumpto é idêntico ao do5 que atraz estão
mencionados, Bgurou na vente Taunay, 1835.
Quadro da collecçao Larché, de Dijon, vendido nesta cidade
em leilão a 16 de Maio de 1856.
HORÁCIO E LÉSBIA
Quadro da collecçâo Larché, de Dijon, vendido em leilão a 16
áe Maio de 1856.
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^DOCUMENTOS SODRE h VIDA E K OBRA CE MICOLAD A. TAUNAY 35
O 1.eXo de AKDftOCLEa
Tela que figurou durante muitos aduoS do palácio imperial de
SáoChristo7Ío{V.T>assieax: O" arlisl2sfranLe\csttoe.\lrangeiro.)
Paizagem selvática, rochedo cheio de urzes, onde se vã um
nmho de serpentes. O quadro representa Androclcs no momento
em que acaba de tirar o espinho do p>^ do leão. Leilão Taunay,
1831.
ANDROCLES
Esboço para o penúltimo quadro. Leilão Taunay, 1851.
VISITA AO PALÁCIO DE NERO
Leilão de 8 de Abril de 1890, no Hotel DrouoC, pelo perito
Bloche.
JoXo o liOM NA DATALIIA DE POITIBRS
Madeira: aliur.i o"'^a; comptlmenlo 'jf.ge
O rei ferido, derrubado sobre a garupa do cavallo, está amea-
çado pela lança de um infante e em via de ser aprisionado.
E^te quadro ligurou nas ventes Taunay e na venie Rondei.
Tem enorme vida e representa um combate encarniçadíssimo
entre cavalleíros e infantes.
FRANCISCO I NA BATALHA DE PAVIA
Quadro de dimensões regulares, que o auctor deste ensaio viu
em Pariz numa coliecçáo particular. O rei cercado pelos inimigos
esta na imminenda de render-se.
A MORTE DE BAYARD
Madeira: altura o"',[ú ; comprlmenlo iy",iil
Quadro da galeria do conde de Perregaux vendida a, O de De>
sembcode 1841.
DigtizedbyGOOgle
36 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
AESUUPTO INSPIRADO PELA VIDA DE BAYARD
Esbdço a óleo que figurou na vetile Rondei, 1869.
EPISODIO DA BATALHA DE FONTENOY
TcU; altura D^i.i^icompriíiiâDlo o°<,tS
Quadro pertencente á antiga collecção do Palaís Royal, dos
duques de Orléans e gravado na obra : Galeríe du Falais Ro;fal
por J. Vatout, 4 volumes. 1823-1826. Representa um combate de
infantes e cavallciros : no fundo um grupo de infantes defende a
bandeira do regimento ; no primeiro plano cavalleiros acutilam os
adversários que se defendem a baioneta ; um cavallo ferido es-
torce-se de dõr com a3 quatro pernas para o ar.
Perdeu-sc esta tela, segundo parece, no grande incêndio do
Palaia Royal em 1848.
A FAMÍLIA DO GENERAL LAFAYETTE NA AMERICA
Quadro vendido no Hotel Drouoi a 2a de Junho de 1878
pelos peritos Feral c Pillel :
ACCLAHAÇXO DE DOM AFFONSO HENRIQUES REI DE PORTUGAL
Quadro que lez parte por muito tempo da collecçâo imperial
do Palácio de São Christováo e hoje pertence aos condes d'Eu,
achando-se no castello d'Eu.
No primeiro plano, à direita, vários personagens elevam o novo
rei sobre um escudo. D. Affonso Henriques, apoiado numa lança
faz um gesto com a mão esquerda ã multidão que o acclama. A' sua
frente cornetas e tambores o saúdam. No primeiro plano, à es-
querda, um pagem que lhe mantém o palafrem, uma mulher levando
um filho no collo e chamando outro ; um popular saúda o acclamado
agitando o cliapéo. No segundo plano vêm-se cavalleiros com os
estandartes de d. Affonso Henriques. No fundo enorme concurso
de povo, levantando os braços e os chapéus, e à extrema direita
um castello forte.
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SOCOHENTOS SOBRE A VIDA E A ORRA DE NICOLAU &. TACKAT 37
ACCLAMAÇÃO DE DOM JOXO V
Ap. Debret: Voya^ Pilloresque ati Brésil.
CIMABUB B QIOTTO
Quadro exposto no salon de 1808, sob o numero 570 ; repre-
senta o encontro do grande pintor primitivo italiano do século XIII
com Giotto, então pastorínho, no momento em que este desenha
aôbre um rochedo uma de suas vaccas que aliás nâo figura no
quadro. Atraz de Cimabuevése um velho. As figuras são de
grandes dimensões. V. Journal de rEmpire. Salon de 1808.
ASSUMPTO DA JERUSALÉM LIBERTA
Quadro exposto no salon de 1806. Vafríno escudeiro de Tan-
credo, disfarçado em árabe, penetra no exercito egypcio, que o
sultão junctara para fazer levantar o cerco de Jerusalém. Chegado
no momento em que Emiren passa revista ãs suas tropas, é reco-
nhecido por Hermínia, amante de Tancredo, rainha de Antíochia,
que lhe dá Ic^o as informações que lhe haviam motivado a viagem
(Catalogo do salon de 1806).
O sultão numa eminência assiste ao desfilar do exercito.
Brilhante cavallaria; profusão de armamento reluzente rico ; desta-
cam-se dons elephantes trazendo i costa torres cheias de soldados.
(Ap. artigo do Journal de VEmpire, 1806).
VAFRINo, ESCUDEIRO DE TANCREDO
Quadro exposto sob o numero 870 no salon de 1814. Vafrino
dis^çado em árabe penetra no acampamento musulmano no mo-
meato cm que Emiren passa em revista o exercito levantado pelo
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38 REVISTA PO INSTITUTO HISTÓRICO
sultão do Egypto pra soccorrer Jerusalém. Vafríno nesse Ínterim
consegue falar com Hermínia. Assumpto idêntico ao cio quadro
exposto no salon de i8o6,
IIERMIIÍI4 E-VTRE QS PASTORES
Tela: Bllura i/",2i; comprímeiílo o™,;?
A guerreira tranquiUi^ os pastores que se mostram assustados
com n sua pr^ença. Está a cavallo e levanta a viseira para acalniar
os receios dos zagaes, que se occupam em fazer cestos de vinte,
(cíi/es Taunay, 1831 e 1835.
HERMÍNIA E os PASTORES
Tela: altura i",?;; compfimento i'",34
Quadro pertencente ã Pinacotheca Nacional do Rio de Janeiro.
CLORINDA, GUIADA PELA SUA AMA, VISITA O TUMULO DA MÍE
Quadro veqdido em Paris |iqm leiloo de 17 de Fevereiro
de 1849 pelo perito Simonet.
CLORINDA ENTRE OS PASTORES
Ap. um artigo ãa Revue Universais des ArU, de Outubro
de 1861.
ASSUtiPTO INSPIRADO POR ARIOSTO
Quadro apresentado à Academia Real do Pintura quando o
auftor pleiteou a gua entrada para essa sociedade c graças ao qual
foi aceeito agréé.
ROGÉRIO NA ILHA BE ALCINA
Este quadro, cujo assumpto 6 um episodio doOrlando Furioso,
figurou no ieilSo do Chevalkr de J.,. a 10 de março de 1828.
DON QUICIIOTTE ATACANDO OS CARNEIROS
O3 pastores levantóm-se do logar onde estão, sob umas
Vvores frondosas, para conter o cavalloiro, (leante do qual fogem
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DOCnHENTOS SOBBB A VIDA B A OBRA DE NICOLAU A. TAHKAT 39
08 carneiros em desordem. Sancho, segurando as rédeas ào burro,
ri a baniJeiras ({empregadas. Leilão no Hotel Drouot a 5 de Dezem-
bro de i838.
o APRENDIZ CABPIklTBIRO OB ROfilNSON
Ap. uma gravura de AUx (1763-1817). Robinson sentado sobre
a sua canoa apoia-se num machado. Traz-lhe um cachorrinho um
martello, na bocca. Ao lado, no para-sol de colmo, empoleira-se
o papagaio do naufrago. No fundo arvores.
ROBINSON, O niSPANHOL, SEXTA-FEIRA E O PAE
^p. outra estampa de Altz. Numa praia rodeada de altos e
sombrios rochedos está encalhado um bote. Sexta-feira carregando
o pae ás costas dirige-se para a terra. Já esta quasi em secco.
Á praia T£>$e Robinson de pé, com duas carabinas ao hombro
e o HispanhoJ sentado na areia.
SAINT PREUX NO TUMULO DE JÚLIA
Tela; attura tf", 15; largura ff»,io
Saint Preux sentado ao lado de um mausoleo, em que se lã a
inscripçao Julie, contempla ou antes tem em mãos o retrato da
amada. Arvores no fundo. Este quadro figurou na venie Forgeron,
jo de Dezembro de 1909.
ASSUMPTO mSPI^pO PELA IIISTOBIf DB PAP^O B VIRGINU
Quadro que figurou no leiláo da coUecção Des Horties, dispersa
em 1852, e no da do barão Rodíer, 38 de Janeiro de 1833. Ap.
Th. l^jeune : GuiJe de tAmaleur de tabUaux. Pauto e Yirginit
perdidos na matta são descoberto^ pelo negro Domingo.
ASSUMPTO INSPIRADO PELA HISTORIA DB PAULO E VIRGÍNIA
Quadro que pertencia ã collecção pes Horties, dispersa em
1659 e ã do barão Rodier> Servia átpendanl ao precedente.
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40 nevisTA do imstituto histórico
Ap. Théodore Lejeune ; GuUle 1'Amateur de íabkaux. Re-
presenta a descoberta do cadáver de Virgínia, na praia, por Paulo
e Domingo.
os GANS08 DE FREI PUILIPPE
Tela: oltura o",»'; comprimento 0^,165
Pequena pintura pertencente ao auctor deste ensaio. No
fundo do quadro um rio atravessado por uma ponte, e tendo á
direita diversos ediãcios, de cujo conjunto se destaca um zimbório
e UQi campanário. No primeiro plano um eremita vestido de burel,
apoiado num bastSo e precedido por um pequeno cSo, dissuade
um rapaz de prestar attençâoa três mulheres que lhe fazem signaes.
Por traz dos personagens um renque de quatro grandes arvores.
os GANSOS DE FREI PUILIPPE
Tela: altura o'".3]] comprimenlo <y",4s
Quadro que figurou nas ventes Taunay era 1831 e igjg.
O mesmo assumpto que o precedente, que è talvez uma miniatura
deste quadro.
os GANSOS DE FREI PHILIPPE
Quadro de grandes dimensões, que se achava outrVa no
salão do throno do Paço da Cidade no Rio de Janeiro. (V. Dus-
sãeux : Os artistas franceses no exiran^ro. Assumpto idêntico
ao dos dous quadros anteriorescom maiores dimensões.
o MOLEIRO, o FILHO E O ASNO
Quadro inspirado pela fabula de La Fontaine, vendido em
eilâo de 34 de Março de 1840 pelo perito Simonet.
A FORTUNA B A CRIANÇA
Quadro exposto no salon de 1832,30b o numero 1.340,6
inspirado numa íabula de La Fontaine.
D,gt,zedbyGOO<^le
DOCUMENTOS SOBRE A VIDA E A OBRA DE NICOLAU A. TAUNAY 4I
O TELHO E SEUS FILHOS
Traducçâo de uma fabiria de La Fontaine, exposta no salon
de 1833, sob o numero 1346.
o VELHO E os TRES RAPAZES
Quadro inspirado pela fabula de La Fontaine, vendido em
leilão de 38 de Março de 1840 pelo perito Simonet.
4eeiin* bíblica* e ancraa
adkahío e os trez anjos
Tela: altura 0^,31) comprimento 0^,4]
Quadro exposto no salon de 1793 sob o numero 141.
AGAH NO DESERTO PROCURA REANIMAR O FILHO COM A AGUA DA
FONTE, QUE UM HXAGRE LUE ACABA DE REVELAR
Teia; nliura o",}!; larguraow.^o
Este quadro figurou nas venles Taunay (1835) e Rondei
{1868). A elie se refere o Trésor de la Curiosilé, de Charles
Blanc. « Numa paízagem mysteriosa, natureza virgem, que parece
nunca ter sido desvendada por pessoa alguma, perto de altas ar-
vores e de rochedos eutre os quaes correm límpidas aguas, Agar de
joelhos procura reanimar Ismael. O anjo que acaba de guia-la a esta
fonte bem&zeja já levantou o võo ; não tardará a desapparecer ».
BOOZ E RUTH
Tela: altura<y",3i. cúmpriniento o*<,43
Quadro exposto, sob 0 numero 88, no salon do anno de 1793.
JOSt, CRIANÇA, EXPLICA OS SEUS SONHOS AOS ERMÃOS
Tela; altura iy",ji; comprimento o",4o
Paízagem grandiosa contrastando com a simplicidade das
figuras, diz o cataliso da venle Taunay. José, tendo ao lado os
D,s zP.byCOOgle
43 ItBVlBTl. DO IHSTITOTO itlSTORICO
crmSos e á sombra de copadas arvores, dirige-lhes a palavra. Km
formosos campos, animaes a pastar.
JACOB
Quadro exposto no sahn de 1814 sob o numero O71. A tela
representa o encontro do patríarcha com Rachel, que, no meio de
Buas aiae, se entrega a trabalhos domésticos.
ELIEZER
Quadro que sob o numerf) i .605 figurou no sahn de 1834 e
que representa o enviado de Abrahío estacando ante a belleza c
el^ncia de Rebecca.
ELIEZER E REBECCA
Quadro exposto Bob o numero gfii no sahn de 1837.
ELIEZER E REBECCA
Quadro que figurou na vente Taunay em 1835.
MOISÉS SALVO DAS AGfjAS EEL4 FILHA 00 PHAHAÓ
Tela: altura o^.õ^; coniprlipeDtú o°<.3i
Thermutis, filha do Pharaó, acaba de avistar, entre juncos e
caQlços, o pequeno Moisés, cujo berço fluctua no Nilo, e ordena
a quatro de suas aias que tirem a creança dalli. Em diversos planos
destacam-se arvores, bosque^, uma ponte ; no fundo uma cidade. Na
outra margem do c^nal três mulheres enchem bilhas. Ap. vente
Taunay 1831 . 0 quadro reappireccu na veada da coilecção Deneyer
em Bruxellas, 1908.
HOISÉS S4T.YO DAS iaiAS PELA FILHA DO PHARA<'i
Pintura que o cata|ogp da v^nfe Taunay (1835] classifica de
esplendido esboço para o quadro do mesmo nome acima mencio-
nado, de que só differe, quanto a pormenores.
llOIsts SM.VO DAS AGUAS
Quadro ejposto sob o ujirnero 979 no salon de 182^.
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DOCUMENTOS SOBRE A VIPA B A OOBà DE HICQLAU A. TAUNAY 43
A VARADA fíQ ROCUEDÚ
'Cela: allura of",(n ; comprimenlo o^.Si
O quadro representa Moisés no momento em que do ro-
chedo de Oreb faz jorrar uma funte, • pinta o contraste entre a
sofreguidão de parte dos israelitas sedentos e o estupor daquelles
a quem o milagre pasma » Numerosos grupos : um pae a carregar
o filtio, desmaiado, uma fílha a sustentar a mãe exânime, dous
moços carregando um velho, indivíduos precipitando-se com vasos
e outros utensiUos para recolher agua, um camello a caminhar para
a fonte. Moisés, sobre o rochedo, domina toda a composição,
á sombra de uma arvore jmmensa. Ap. catalogo d^ renlc
Taunay, 1831
HOIBÈS PERI»DO O ROCHEDO
Quadro exposto sob o numero 1.606 nq salon de 1834.
A VARADA NO ROCHEDO
Tela; altura o'",ig; comprltneDio iv".38
Museu de Quimper, Quadro pertencente k collecção Silguy t
catalogado sob o nuqiero O35.
A VARADA NO ROCHEDO
Variante do penúltimo quadro, que figurou na venie Taunay
de 1831.
Tel^; ,itturao'"|39; comprimento o", 14
Surprehendida pelos velhos, Suzanna salta sijbre a roupa que
havia deiíado á margem do regato em que se banhava, á sombra
da espessa folhagem de um carvalho.
■1 Os dous seductores csforçam-se por acalmar-lltc o temor
fizcndo-lhe os protestos de um amor criminoso. » Vcnie Taunay,
1831. Reducçáo do quadro do salon de 1834.
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44 RBVISTA DO INSTITUTO Ut3T0RIC0
SUZANNA SURPREHEWOIDX NO BANHO PELOS VELHOS
Quadro exposto no salon de 1824 sob o numero s.354.
A VOLTA DE TOBIAS E DO ANJO
Tela: altur& i"',7o ; comprimento i", 45
Tobias, sua mãe e o anjo estão no primeiro plano do quadro ;
no fundo uma paizagem ornada de grandes fobricas. (Ap. a dea*
cripção do catalogo do salon de 1787)
SANSÁO
Quadro etpostonosa/on de 181430b o numero 873. Passando
por Thamnata o juiz israelita encontra um bando de moças. Uma
delias attrae-lhe a attençáo e &z-lhe uma proposta de casamento.
PAIZAGEM E ASSUMPTO BÍBLICO
Pequeno quadro pertencente á coUecção Audoin, vendida ao
Hotel Drouot de i6 a i8 de Novembro de i8gi.
A ADULTERA AOS PÉS DE JESUS
Tda: altura o", jíicomprlinentao^.íS ; figurai deo*,c6
Este quadro foi comprado pela cidade de Grenobie em 1836
por 3,000 frs. Christo está rodeado de homens e mulheres ; a seus
pés está uma mulher que lhe beija a fimbria do vestido. No pri-
meiro plano foge um homem precipitadamente. O Redemptor
esboça largo ge.<ito de accolhimento e protecção.
A ADULTERA AOS Pts DE C^RlSTO
Teh: altura o™, 175; coraprlmenloo^.jTo
Qjadro de menores dimensões e composição idêntica ao que
já foi mencionado ; hoje no Museu de Grenobie. Vendido no leilão
da Galeria Fossard a aa de Abril de 1837 pelo perito Henry.
MULHER CURADA AO TOCAR AS VESTES DE JESUS
Quadro que sob o numero 433 figurou no sa!on de 1796.
DigtizBdbyGOOgle
.ibiGoogle
DiBlradbjGOOgle
I>OCUtt£NTOS SOBRE A VIDA E A OCltA D£ NICOLAU A. TAUNAY 4j
JESUS MO UEIO DOS DOUTORES DA LEI ANTIGA
Altura: o", 31 ; comprimeiílo o™ ,43
Quadro exposto sob o numero 43 qo salon do aano de 1793.
A CANAMÉA
Quadro exposto no salon de 179 1 sob o uumero 79 com a
designação : pequena tela.
A PARTIDA DO FILUO PRÓDIGO
Madaira : altura 0^,39 ; comprimculo o™i4j
Exposto no salon de 1806, gravado por Descourtis, na serie
das quatro estampas do Filho Pródigo, a cores. Assignado ji
direita, em baixo.
A' porta da casa despede-se o Filho Pródigo da famiiia: do
pae, mãe, erma e ermão. As mulheres estão chorosas, o pae austero,
O ermão inteiramente indiflèrente. A' janella uma creada, que estava
a fiar, debruça-se muito commovida. O Filho Predigo prepara-se
para montar num cavallo, cujos arreios revista um creado agachado.
No primeiro plano um cachorrinho. Nos últimos diversas coastruc-
ções typicas do estylo de Taunay e montanhas ; em baixo de uma
arvore, perto de um aqueducto, está sentado um servo que vigia
deus cargueiros, um cavallo e uma mula.
Pertencia o quadro à bella galeria do Exm. Sr. dr. Augusto
Carlos da Silva Telles, que delle fez presente ao auctor deste ensaio.
A ORGIA DO FILHO PRÓDIGO
Madeira : altura <y",39; comprimento 0^,43
Ap. a estampa de Descourtis na serie do Filho Pródiga. No
primeiro plano, sob frondosa arvore e em torno de uma mesa de
mármore estão sentados o Fího Predigo e duas mulheres, uma
das quaes é uma guitarrista. Coroado de louros e voltado para uma
terceira mulher, que depÉlhe pÕe uma flor nos cabellos, o libertino
tem numa das mãoa uma maçã e extende a outra, que sustem uma
lyCoogle
46 RBVIStA no INSTITUTO HISTÓRICO
taça, a uma escrava negra de pè a despejar-lbe vinho. Com o
pé direito o perdulário inclina uma amphora com o fito de des-
p2jar o vinho que ella contem. A' extrema esquerda uma estatua de
Cupido sentado. JuDctoã mesa, um cão a passar; no s^tindo plano
á direita duas lavadeiras e um menino, que estão no rio que occupa
o fundo do quadro. Atraz desse rio, uma casa alta de três andares c
uma columnata occupam todo o comprimento do quadro.
o FILHO PRÓDIGO GUARDANDO PORCOS
Ap, a estampa de Descourtis iia serie chamada do Filfio
Pródigo.
No primeiro plano, sentado numa pedra, semi nú, ar inrelicls-
simo, cabelleira inculta, está o Filho Pródigo, tendo um cajado na
mâo e aos pés um porco deitado. Um pouco alraz vê-se uma mu-
lher que o aponta a dous meninos. Ao infeliz cercam dous porcos e
um cão. No fundo do quadro grandes edilicioa, arcos, columnas,
eimborio, a architectura characteristica do artista. Um rebanho de
bois e carneiros encaminha-se para a direita, guiado por uma
mulher montada num burro. Eutre 03 aiiimaea se acha um, carre-
gando grande fardo. A esquerda um regato, a cuja margem esiãp
pinheiros e palmeiras.
A VOLTA DO FILHO PRÓDIGO
A' porta de casa o Filho Pródigo ajoelha-se aos pés do pae,'que
O manda levantar-sc. Atraz deste a mãe e a erma do joveii perdu-
lário approxiraam-se delle, o ermâo levanta os olhos ao céu, a
creada acode ás pressas tendo na mão um fuso ; e um escravo se
adeanta com o novilho, que deve ser immolado em sacríficio. No
fundo do quadro um ribeirão, á margem do qual cstà um homem a
puxar um camello pela rédea, edifícios á esquerda ; ao fundo pal-
meiras, vegetação. Ap. a gravura de Descourtis na serie do FHHo
Prodigf}.
o BOM SAMARITA.VO
Ap. o Lexicoa de Nagler.
DigtizedbyGOOgle
.ibiGoogle
I
.ibiGoogle
DOCUMENTOS SODBE A VIDA E A OBRA bE NICOLAU A. TAUKAY 47
SXO MATHEUS
Tela: altiiiil cffii: comprlmcnlo o",Ri
Niini logar calmo e solitário, sob grandes arvores, escreve o
Evangelista sentado numa psdra o que lhe dieta nm anjo. Esta
tda figurou tia? wntes Taunay (1835) ê Rondei (1869).
SÃO UATIIEUS
Tela; flilura o"',ii; comprimeiílo o"',.6
Reducção do quadro acima descripto e piertencente á Pinaco-
theca Nadonal do Rio de Janeiro.
SXO MARCXDS
Tela: alliira o^.fq; comprimento o".8(
Uma foQtc corre aos pés do Evangelista, que medita profun-
dameate sobre o que acaba de escrever ; o leão está ao lado do
sancto. Este quadro figurou na rente Tauoay (1835).
SÃO MARCOS
Telar allura tf",!!; coraprimciilo iy",i6
Reducç3o do quadro acima mcQcioaado, pertencente á Pina-
cotheca Nacional do Rio de Janeiro.
SÁO LUCAS
Tela: allura o'",6í; comprimento iy",8i
Ao lado do Evangelista está deitado o boi, que lhe 6 attributivo.
Este quadro, assim como os três precedentes, figurou na vente
Taunay (1635), No fundo do quadro vasta e espessa floresta.
sXo LUCAS
Tela; altura o",iCi comprimento o^.ió
ReJucçáo do quadro acima mencionado, pertencrate á Pina-
cothecã Nacional do Rio de Janeiro. Figurou na vente Taunay
(■835).
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4» RE>1STA 00 INSTITUTO HJSTORICO
SkO JOXO EVANGELISTA
Tela: altura c/"M: eoaipr'mesiíocFfli
O Evangelista acha-se á sombra de um rochedo, &õbre o
qual está pousada a águia aitributiva, que nas garras esmaga uma
serpente. E^te qu4dro figurou na vente Taunay (1835). No fundo
do quadro, após especo bosque, deslacam-se edifícios de uma d-
dade construída em amphitheatro.
SXO JOÃO EVANGELISTA
Tela: altura (y",3i; comprimento o'",t(i
Reducção do quadro acima mencionado pertencente á Pína-
cotheca Nacional do Rio de Janeiro.
SACRA família
Tela: altura o",ji; comprimento o"',tO
Tela pintada no gosto da eschola italiana; figurou na venie
Taunay de 1835.
SÃO JERONTMO
Tela: altura o"' ,6,1; comprimento o™, 8|
Sentado perto de enormes rochedos coroados de urzes e de
arbustos selvagens, Sâo Jeronymo parece inspirado pela leitura do
que acaba de escrever. Um leão de pé no primeiro plano, compa- '
nheiro do sancto, é o único ser que anima esse deserto. Este
quadro figurou na venle Rondei (1869).
A PREGAÇÃO DE SXO JOÃO BAP1'1STA
Teto: altura o™.9Sl comprimento 1"^ ; figuras de O^.if
No segundo plano, à direita e perto de um lago, S3o Jckío, de
p£ sobre um montículo ensombrado por uma grande arvore, tem
em mãos uma cruz e prega a um auditório numeroso. Entre os
assistentes destacam -se, no primeiro plano, á direita, dous guerreiros
sentados qo chão, uma mulher sustentando uma creança sobre um
burro, no meio um cavalleiro inclinado para traz ; no fundo, à es^
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DOCUMENTOS SOBRE A VlD.V E A OBRA Dt NICOLAU A. TAUfJAY 49
querda, camellos, uma caravana e minas sobre uma montanha cheia
de matto. Asaignado sobre um rochedo ; Taunay, Rio de Janeiro
i8t8. Este quadro pertenceu á collecção de Luiz XVIll ; tòí
exposto no salão de 1IÍ19 e adquirido cm 1810 pclo Estado por
trcs mil IVancoe. A paiza^m é um Ic^r do Brasil. Pertence ao
museu de Louvre e foi por este emprestado ao de Nice (1911).
A PREGAÇÃO DE SÃO JOXO BAPTISTA
Redução do quadro existente no museu de Nice c vendido
em Pariz num leilão a 37 de Mar^x) du 1871.
NIOBt;
Quadro vendido num leilão do Hotel Drouota 13 de Março
de 1856. A' direita vé-sc a entrada de um palácio antigo cora co-
tumoatas, a que se sobrepõem eRtatua^í. Nas vízinhanvas vé-se
Niobe implorando a clemcncb de Apoiln cujas llcchas lhe attingem
inflexivelmente os Hthos.
OKPIIEU E EUBVDICE *
Tela: altura f",j3 ; tomprimcntu (i'",4i
Quadro pertencente â coUecvâo J. L., dísjKrsa no Hotel
Drouot, a 14 do Dezembro de igijJI, c rendido por i.ofy francos
pelo perito Feral.
ORPHEU
Tela: aiameiro o".Tn (Circular)
Quadrinho pertencente ã exma. ara. da, Adelaide de E.
Taunay Dória.
KYMPHAS A PROCURAR PROSÉRPINA
Quadro da collecvâo Rollin de Lyou, dispersa em Pariz a i" de
Abril de 1873. Numa paíz^em cheia de grandes arvores diversas
aympha« munidas de archotes exploram a matta.
D,3 zB<ibyCOO<^le
SO REVISTA DO INSTITUTO lUSTORICO
XYMPIIA E AURORA
Tela: allurai>"',33; coiuprimculo o",4(
Quadro pertencente á coltecção J. L., dispersa no Hotel
Drouot a 14 de Dezembro de 190ÍÍ ; vendido por mil francos pelo
perito Feral.
NYMHIAS E C!(IANI,:AS EM TORNO DE UM POÇO
Quadro da coUecção Falbe, de Londres, dispersa em leilão a
ig de IMarço de 1900.
HtLAS E UMA NVHPIIA
Tgla: comprfmciUo 45 t/i pullcijatiiis
Quadro da collecção Ctiristic, dispersa em Londres, em 1911,
a a8 de Janeiro.
UMA COLU.MSATA, NYMPllA E UUPIDO
Quadro da collcc^o Falbc, vendido em leilão cm Londrus, a
Igde Maio de 1900.
SUPPLICA DO AMOR
Quadro vendido em Paris num leilão dirigido pelo perito
LeIÊvre a ao de Março de 1867. Assignado á direita e em baiso.
sacrifício a ima DIVINDADB
Painel: aitiira a^.iy. comprimcnlo o'", 375
A' esquerda um sarcophago monumental ; á direita um grupo
de amores que offireccm ura sacrifício aos manes do defunto. Um
deixa que uma pomba vúe ; traz outro um bode ; no fundo uma
paizagem montanhosa. Leilão da galeria do sr. Alphonse Wattel.
Bayart em Roubaix a 17 de Dezembro de 1906.
A ItACCllANTE
Madeira: allura o"',a6; comprimcnlo o'", 13
a Uma gruta em frente á qual se dá nma bacchanal. A' esquerda
âatyios e nymphasdansam. A' direita grupos enlaçados. No ceatro
«byCoogIe
IiOCOMEMOS SOBIIE A VIDA E \ OORA DE NICOLAU A. TAUNAY 5I
do quadro a bacchante seminua adeanta-se e dansa, agitando um
pandeiro. Céus muito claros.— Composição cheia de vida e moci-
dade e toque aprimorado — Aasignado á esquerda N. Taunay. •
Leilão da collecçâo F. Bohler a 33 de Fevereiro de 1906.
l-AUNOS E BACCHANTES
Tela : altura i"",!; ; coiuprlmcjiio, u"',i/j
Quadro que ligura na vente Delassue no Hotel Drouot a 23
de Dezembro de 1908.
VII
ti«;ena« untisu*
DESAFIO ENTRE PASTORES QUE DISPUTAM O PREMIO DA FLAUTA
DE PAX NA ARCÁDIA
Quadro de grandes dimensões e comprehendendo muitas
figuras, que outr'ora ornava a sala do throno do palácio de
Sâo Chrístoram. Dussieux: Lcs artistes f rançais à Célranger.
os PASTORES DA ARCÁDIA
Tela: «llura tf",:^); comprimento tf",];
Quadro pertencente ás coliccçóes do Museu de Cherbourg.
PASTORES DE THEOCRITO E VIRGÍLIO RECOLHENDO OS SEUS
líEDAXHOS
Quadro exposto no sahn de 18:3, sob o numero i .339.
TOUADA DE UHA CIDADE
Tela: altura W^i ; comprimento i'°,oo; finuras dco'".ro
Quadro adquirido pela administração imperial em 1800; fez
parte do museu do Louvre, que o cedeu ao de Nice. A' dirdta nu-
merosos habitantes de uma cidade, presa das chammas, são levados
como reféns, atravessando uma ponte situada á beira de um rio
atravessado por uma ponte. No primeiro plano, ã esquerda, dous
cavalleiros marcham á frente dos prisioneiros, que outros soldados
acavallovi^am: A'direita vários pinheirosde Itália.
byCoogIe
53 HXVISIA DO l.NSTirctO HISTÓRICO
TOMADA DE LMA CIDADE
Tela: altura i"'.u:; iiomprlniculo i'".^
Assumpto idcntico tractado em maior escala, num quadro
exposto sob o numero 14, no sahn de 1793.
Numa paisagem destacasse um grupo de moças romanas
acompanhadas de escravas. A um canto um pastor indica-lbes o
caminho. Collccção do calligrapbo Bertrand, dispersa no leilão de
13 de Novembro de 1855, no Hotel Drouot.
PARTIDA Para uma caçada com falcões
Quadro vendido em BruxcUas, a 6 de Novembro de 1878, pelo.
pintor E. Tcnaerts.
GUERREIROS DA MEDIA EDADE JOGANIK) CARTAS
Tela ; altura 0",^! ; ijompclrncnlu 0^,37
Quadro que figurou na venlc Taunay, em 1835. Jogam os
guerreiros, inteiramente indt^rentcs cm relação á sorte dos compa-
nheiros (éridos que, atraz dellee, são transportados do campo de
batalha para o hospital.
GUERREIRO CARREGADO SOBRE CM PA VEZ
Quadro exposto no salon de 1804, sob o numero 44R.
COMBOIO DE PRISIONEIROS GUIADO POR CAVALLEIROS MED1EVAE5
Ap. um artigo da Revue Universelle des Arls, de Outubro
de i86t.
GUERREIROS CONDUZINDO PRISIONBIRUS
Leilão dirigido pelo perito Bloche a 17 de Junho de 1899.
D,s zP<:byCOOgle
DOCDMEXTOa SOBRE A VIDA R A OBRA DE NICOL&r A, TAUNAY 53
Tm
Cleena» oplentne*
O BAZAR
Tela : «llura tf".3í ; comprimento o".*)
Num bazar negociante!! de chalés, jóias, quadrOR, etc, oBêrecem
suas mercadorias. O grupo principal é ctnistituido por um individuo
que comprou um chalé branco a dua» mulheres, uma das quaes
eeatada num cesto. Mais I(M)ge, um homem examina com uma lente
um collar que uma mulher lhe mostra ; amadores examinam aiten-
tamente quadros ; aqui e acolá, escravos oecupadofi em transportar
&rdo!i, a abri-los ; no Tundo alguns a arranjar quadros. Atravcz de
uma grande porta avista-se uma casa rodeada de arvores. Leilão
Taunay, 1831.
BAZAR TURCO ESTABELECIDO EM RUmAS DA GRÉCIA ANTIOA
Tela ; altura iV",6s ; comprimrnro o",8l
Numerosos mercadores ambulantes offèrccem as suas merca-
dorias a uma turba de compradores, servindo de quadro á scena
ruínas de cstylo hcllenico, perto de um obelisco. A tela pretende
reproduzir scenas da vida asiática e tigurou nos' leilões Taunay
(1831 e 1835).
No primeiro plano um Turco ricamente vestido oferecendo
uma bolsa a um homem sentado num fardo. Aos diversos perso-
nagens rodeiam escravos e negociantes. A' esquerda do quadro,
outro Turco, montado num cavallo baio escuro faz esmola a uma
mulher que segura uma creança. Rscravos carregam e arrumam
fardos, mascates offerecem mercadorias a mulheres ; vâ-sc no meio
da multidão um grande elephante.
BAZAR Tl'RCO ESTABBLECmO EM RUWAS DA AÍTTIOA QRKCIA
Tela: comprimento if.^t ; altura <i".,ij
Reducçãp do quadro precedente, que se acha mencionado naa
ventes Tauoay (1831 e 1835),
DigtizedbyGOOgle
54 MvnTA DO IN8TITDT0 KISTORtCO
O PAGODE
Tela: alturi c/",73; compnnienlo o™ ,59
Quadro da coUecção Otlet de Bruxelks, vendido em leilão
nesta ddade a 30 de Dezembro de 1912.
PREGAÇÃO NOS DESERTOS DA ARADIA
Eabôçoa óleo que tigurou no leilão Tauoay, em 1835.
o CONDtlCTOR DE CAMELLOS
Madeira: allura iv",io; comprimcnlu o".h
Um camelieiro guiando um camello está parado â porta de
uma cabana. Leilão da collec^o Laloge de Dijon, a 4 de Abril de
1873.
A DESFILADA DE UM EXERCITO ORIENTAL
Madoir.-i; alliirii tf", 46-, comprimcnlo o" ,63
Quadro vendido no Hotel Drouot a 3 de Dezembro de igro
por 5.600 francos. Figurara no leilão Miallet em 1901. No centro,
, sobre uma eminência, está um chefe, coberto de turbante, de p6,
accompanhado de pagens e guerreiros, a extender o braço para uma
planície, onde desfilam innumeravcls tropas. A' direita três cle-
phantes carregados de guerreiros. No primeiro plano numerosas
personagens, cavalleiros, soldados, homens de côr e uma mulher
vestida de roupas luxuosas.
fRoeaa* mil I tare*
A FOLGA NO ACASIPAHENTO
Madeira: altura tf^.^s : comprlmenio o" ,07
Quadro pertencente á collec^o imperial da Ermitage em
SSo Petersburgo. No primeiro plano, sentado ao lado de uma
barrica e tendo um papel em mãos, está um soldado, em mangas de
camisa, a quem um camarada dá um copo de vinho. Em torno
vôem-sc diversos soldados conversando, um tambor, faxineiros tra-
z.cbyCOOgle
DOCnUENTOS SOBRG A VIDA E A OBRA HE NICOLAU A. TAUNAV SS
balbar; no tiiodo diversas barracas e uma grande arvore, tudo isso
ádíreita. A' esquerda, no primeiro plano, uma vivandeira ou mulher
de ãoldado a carregar dous barrítetes, um homem a cavallo bebendo
numa bilha. No plano do fundo, á díreiu, desfilam diversos in-
Êintes. Este quadro foi adquirido pela imperatriz da Rus^, Maria
Feodorowna, do ourives da corte russa Duval, no anno de 1805,
■ com o fito de com elle presentear o imperador Alexandre I no seu
dia onomástico.
PAIZAGEM E ACAMPAMENTO
No primeiro plano vê-se a passagem de uma bateria de arti-
lheiros. No fundo as barracas de um acampamento. Quadro que
figurou numa exposição de Fevereiro de 1830, no Museu Colbert,
á rua ViTienne em Paris.
VISTA Dt UM ACAMPAMENTO
Quadro exposto no salon do anno de 1791 sob o numero 754,
e a indica^ de que se tracta de uma tela pequena.
EXTERIOR DE l'M HOSPITAL MILITAR
Tda: altura i'",)^; comprimemn i'",òz: figiuras de a",:a
Este quadro foi exposto no salon do anno VI (1798) e adqui-
rido então pelo Estado. No primeiro plano, á direita, doentes dei-
tados na t^rama ; perto de uma arvore um soldado em sentinella
deante de uma barraca. No segundo plano, á esquerda, outros
doentes passeiam apoiados em muletas. No meio, ao pé de uma
escada, que leva a um grande edificio á direita, e sobre a porta do
qual está escripto « Hospício militar », acha-se parada uma carreta
cheia de feridos. Homens diversos tomam-nos nos braços e os
transportam para o interior do monumento. Este quadro está hoje
BO palácio de Compiègne.
EXTERIOR DE UM HOSPITAL MILITAR
Tela; altura o",fi: comprimento rf.à^
Reducção do quadro do salon de 1798, exposta sob o numero
449 do s:jlon do anno XII (1804), com pequenas modificações, se-
,dbyGoogle
■ 5* REVMTA no INSTITUTO HISTÓRICO
gundo OB críticos da épocha. Vendido por 3.635 frs. no leilão da
coUícção da Mra. Milbank, em Londres, a 7 de Julho de 1900.
CUR&TIVOR PEITOS NUM FERIDO NO INTERl(»t RE UH K08PITAI.
Tela: alliira o",!! ; comprimento 1^,32
Quadro que figurou nas v«n/etTauaay cm 1831 e 1835. No pri-
meiro plano um íerido sôhre uma padioia, a quem um cirurgiSo,
que lhe íaz uma ^tiigria no pé, applica uma ligadura ; uma crmã de
caridade ajuda a operação, enquanto um dos padioleiros sustenta
o paciente. No fundo da sala convalescentes junto ao leito e perlo
de um terraço interior.
UM HO8PITA.L MILITAR
Quadro que pertenceu á collecçáo do marechal Marmont,
duque de Ra^isa, dispersa a|T«^ a morte da diiqueza, em 1859.
Ap. Th . Lejcune : Guia âo amador de quadros. A scena se passa na
Itália. No primeiro plano, sob uma grande arvore, vO-se um offieial
superior Tardado de gala, tendo em torno de si al<>:uns soldados,
cansados ou doentes, uns deitados, outros sentados. O grupo
principal do quadro é o que cerca uma grande carreta puxada por
dous cavallos a transportar um certo numero de Teridoa. Numa
grande escada vèem-se homens carregando doentes ; a enfermeira
extende rou|)a sobre o corrimão.
ERHITàS RAMnO HOSPITALIDADE A MILITARES PRANCEZES
Quadro exposto no -nlon de ifira soh o numero 883 e
reprodmtido no Museu de Landon j gravado por l.e Nonnaod.
Paizagem arída c montuosa, em que se voem pinheiros e carvalhos.
No fundo grandes cdificios, que parecem os de uma Cartuxa situada
sobre penhascos. No primeiro plano à esquerda na estrada vèem-se
cinco soldadas sentados no chão c um cavalleiro a puxar um
cavallo. Quatro monges descem de uma vereda, trazendo viveres
para os militares.
,dbyGoogle
DOCUMENTOS SOBRE A VmA E A OBRA DE NICOLAU A. TATINAT .';7
OFFICIAL DE CAVALLARIA E SEU ORDENANÇA
Um official de cavallaria, montado num corcel branco, atravessa
um bosque, a conversar com um hussardo que cavalga a seu lado.
No fundo pas8a um esquadt^ de cavallaria.
Rabôço a oleo para um quadro. Véwtó Rondei, 1869.
COMEtOrO MILITAR DE GADO EH MARCHA
Tcl.i: altura o", 19 ; cnniprjmonlo o", 11
No segundo plano destaca-se um grupo imitando o de Loih
e suas filhas a tugir, segundo Rarael. Catalt^o da vente Taunay
de 1835.
COMBOIO MILITAR DmiGINDO-RE PARA A PORTA DE UMA CIDADE
Tela: altura o°',6s; comprimento a".Bi
Quadro no gosto de Wmivermans, que figurou no leilão
Taunay de 1835. .
PARADA DF IIM OOMUOIO MILITAR
Quadro exposto ao aalon de i8i(i soh o numero 758.
PARADA DE tFM COMBOIO MILITAR
Quadro exposto no sahn de 1814 sob o numero 86Ô.
PARADA DE VOLUNTÁRIOS
Quadro exposto no saio» de 1793 soh o numero 592.
EXERCITO MARCHANDO
TffI.i: nltiira 'i,"'^7 : cumprimento n.'".!''
Quadro da collecçâo do Conde de C. ,,, vendido am laitâo
em Paris, pelo perito RIoche, a 12 de Junho de 1903.
EXERCITO ATRAVESSANDO UM OESFILADEIRO
Quadrn da colleceSo Dumond (do Instituto de França), ven-
dida no Hotel Drouot, a 13 de Fevereiro de 1854.
DigtizedbyGOOgle
58 REVISTA DO IHSnTUTO HUTORICO
MARCIIA DE TROPAS IRANCEZAS
Quadro exposto sob o numero 759, no salon de 1796.
-MARCHA DE TRUI'AS NUM DESKILADEIRO
Cavalleiros atravessam um ribeiro; duas mulheres raar-
cham-Ihe á frente. No segundo plano animaes c comboio accom'
panham a margem do rio; no fundo do quadro deatacam-se
altas montanhas, onde se vêem algumas fabricas. Este quadro foi
exposto uo saUm de 1787.
TltOPAS 1>ESCAN(;-AND0
Tela; alliirn a",&t : eomprimcnio if".ai
Militares formando a cauda de numeroso comboio, cuja van-
guarda se vè no primeiro plano, pararam para tomar algum repouso.
Hm carrega um cavallo com diversos objectos, outro arranjão
calcado, enquanto um cavaltciro escuta o que uma vivandeira lhe
conta. Um pouco mais longe uma carreta com feridos juncto à qual
estão soldados e vivandeiras. Dous olficiaes parecem inspeccionar a
marcha desses retardatários. No fundo do quadro se vi uma
grande c alta montanha. Leilão Taunay, líl.v.
TROPAS MARCHANDO
Quadro pertencente ao sr. Victor A. Taunay, de Pariz.
TROPAS DESCANÇAXDO
Tolo: altura rf^t : íomprimenm """vl^j
Repetição do penúltimo quadro, sob menores dimensões.
Apenas o céu tem menos nuvens. Leilão Taunay, 1831.
PARADA DE' TROPAS EH JIARCHA, A HARQEM DC VM RIBEIRO
Tela: «Itur» """..H; comprlmEnto o'^,Ó4
Quadro que figurou na vente Taunay de 1S35. A' margem de
nm pequeno rio está estacado um contingente de soldados que se
desaltcram nas frescas aguas da corrente. Em posição de destaque
a bandeira do regimento.
,dbyGoogle
DOCUMENTOS SOBRE K VIDA E A OHRA DE NICOLAU A. TAUNAT S9
SOLDADOS DE iNrANTARU DESCA\ÇANI)0 DA -MARCHA
Pequeno quadro, exposto fóra do catalogo, pouco antes do fe-
chamento do saton de ii:toi, .segundo se lè num artigo do Examett
des niivrages du saion de i8oi, far une socUlé Sartisles, coIlecçSp
Deloyoes, t. XXVI.
o PORTA nSTANflARTE
Tcl«; almra o",3i: comprimem^ ií".i.\
Numeroso contingente de in&ntaria caminha por uma ladeira
acima no st^undo piano ; uo primeiro vO-se um grande numero de
soldados retardatários, escoltando uma carreta com feridos e para~
dos á mar^m de um regato, onde vários se desalteram, um delles
carrega um crmão darmas. No mesmo logar, entre diversos grupos,
destaca-se um granadeiro de pè, abraçando a bandeira tricolor, cuja
altura domina a scena. O quadro representa um episodio das cam-
panhas da italia. Vente Taunay, 1H31.
CAVALLBIROS DESCANÇANDO
Pequeno quadro que liiíurou no leilão Marlin, a 4 de abril de
ifigs no Hotel Drouot.
COMBATE DE HUSSARDas
Leilão de aq de março de 1861 pelo perito Laneuville. O
quadro é attribuido a Taunay.
UM COMnATE
Tein; alturn o^iifl; comprimento o",;o
Quadro assignado, que pertenceu á coIlecçSo do rei Ltiis
Philippe e foi vendido no leilão Dumesnil em Pariz a 10 de Maio
de 1900 por 1.780 francos,
SUCCESSOS COMTRADICTOniOS ACONTECIDOS APÓS UMA DATALHA
Quadro exposto no salon de i7f/'> sob o numero 452. Oa
planos do fundo são occupados por tropas que combatem ainda.
,dbyGoogle
6o nevisTA do ihbtituto histórico
No primeiro vêem-f^ guerreiros a despojar cadáveres, a amon-
toa-toa e outros a transportar feridos. (V. Décadaire, saion
de 1796).
o DIA SEGUINTE AO DE UMA BATALQ*
Tela; altura o™ ,31 ; comprimem 00" ,40
Ap. Quatremère de Quiacy : Elogio fúnebre de Taunay.
Yécm-se soldados de pé, sentados e deitados na relva, alguns a
jogar cartas. A' direita, perto de uma barraca improvisada, uma
mulher carregando viveres ; do outro lado, juncto a um massiço
de arvores verdes, soldados a carrear feridos, fardos e um carro
puxado por vários cavallos. Mais longe, atravez do bosque, um
batalhão de infantaria a marchar escoltado de oRiciaes. Venie
Taunay, 1831.
A CARRFTA DOS FERIDOS
Quadro pertencente ít íjaleria do barão Pérignon, dispersa
no Hotel Drouot a i(> de Novembro de iftgf).
RETIRADA DOS FERIDOS APÓS A BATALHA
Quadro exposto no salon de 179.-^, sob o numero ,566.
SOLDADO MORTO XO CAMPO DE IIONBA
Quadro vendido pelo perito Fabre, em leil5o de 17 de Março
de 1873.
os PRANCEZES
Scena militar mencionada no DiccUmario dos Pintores, de
Tbeodoro Guedy. como tendo figurado num leilão de quadros em
DE ARTILHARIA ENTRANDO XUMA PRAÇA FORTE
■ Tel«: :iUuta n",?" : comprimento i-"//-
Quadro vendido no Hotel Drouot, a 14 de Dezembro de 1908,
na vente J. L- pela somma de 1 .760 frs. Perito Feral.
,dbyGoogle
ií
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Si
II
:|!,-
D.,™db,^J§S^glC
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DOCUMENTOS SOBRE A VIDA E A OBRA Dt NICOLAU A. TADKAY 6l
COMPANHIA Dt ARTILHEIROS
No (>riniciro plano de uma paiiagem vti-sc passar uma com-
panhia de um ri^imento de artilbafia. No fundo do quadro um
acampamento. Tela que ligurou numa exposi^o do Museu Colbert,
cm Fevereiro de 1830.
UENÇAO DOS REBANHOS EM ROMA
Quadro exposto sob o a. 209 no saUm do anno de 1787.
Ura religioso abençoa, sob uma arvore em cujo tronco se vi uma
Madona, os rebanhos guiados por uns pastores.
Vários moi^^ com cirios acoesos cercam-no.
Vè-ae uma mulher de pé oflêrecendo um cordeiro c zagaes
ajoelhados. Fabricas, um rio com uma grande ponte de pedra,
montanhas longínquas occupam o resto do quadro. Entre os pas-
tores acham-se mulheres; o religioso 6 um monge branco. Este
quadro pertenceu à cotleci;áo do Marechal Marmont, duque de Ra-
gusa, dispersa a 14 de Dezembro de 1857 após a morte de sua
viuva.
U.HA PRAÇA PUBLICA NU.MA CIDADE ITALIANA
Numa pra»;a cercada de ediiicios de catylo iulíano rcaliza-se
animada feira. Quadro da coUecção do calligrapho Bcrtrand dis-
persa no Hotel Drouot cm leilão de 13 do Novembro de 1855.
o JOGO DL itOLAS
Quadro pertencente ao museu Fabre de Montpelller. Quatorze
figuras priocipaes no plano df)s que jogam o giuocco Ji bucci ; no
fundo uma cidade italiana, onde se vé uma ponte sobre um rio.
A direita arcadas e construcçõcs.
,dbyGoogle
6^ REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
LEILÃO DE QUADROS AO AR LlVRt
'l'ola ; aliura o"'.)a ; copiprinicntij V.fi
Quadro exposto no salon de 1796 sob o auiuero 452 com
quatro outros do mesmo auctor.
Scena italiana : um leiloeiro ttepado num estrado susteauido
por barricas, cm frente á porta de uma casa, grita com todas as
forças as qualidades do quadro que mostra ao público. A seus pés
um escrivão regista os lances ; os amadores sentados em cadeiras
trocam impressões e olhares para as bellas, que o pregão pro*
mettedor de obras primas attrahe.
{V". o artigo de Philippe Burty na Gíi\eUe des Bcaux
Arls, 1^59 (tomo II, pag. 307.)
MISSA CELEBRADA NUMA CAPELLA DE SÃO ROQUE PARA OUTER DO
CtU A CESSAÇÃO DK UMA LPIDtMIA
Tela: aliiira ['"jo: comprinicnlo i™,95: ligiiras -i", 1$
Este quadro pertenceu à collecção de Luiz XVIII. Foi ex-
posto no salon de 1814 e adquirido pelo Estado por 3.400 francos.
Pertenceu ao Museu do Louvre e hoje faz parte do de Oouai.
A' esquerda duma pequena apella, em cujo frontespicio se lé
S. Rocco, celcbra-ae uma missa. O padre, de braços abertos, vol-
ta-se paia a assistência composta de campouios de pc e ajoelhados.
Doentes, um cm macca outro deitado na relva, frades a rezar em bre-
viários, crmãos de uma confraria com o seu estandarte, etc. A' ex-
trema esquerda, sob uma arvore, uma mulher a cozinhar c um
aldeáo ao lado de um burro. No fundo do quadro os ediHcios de
uma cidade. A' direita um burro a espojar-sc na relva, um caval-
leiro que acode ao local e um camponio que se afasta levando um
cacete ao hombro.
MISSA CELEURADA NUMA CAPELLA DE SÃO ROyUE PARA OUTER DO CEU
A CESSAÇÃO DE UMA EPIDEMIA
Tela: altura O'" ,074-, comprímcnio i'",05j
O mesmo assumpto que o precedente, que c a rcproduoção cm
ponto maior deste quadro, expostosobo n. !83nOíjíonde 1789.
Diz o catalogo que a tela era propriedade do sr. Souris.
lyCoogle
DOCUMENTOS SOBHIi A VILA L A OBRA DE MCOLAU A. TAUNAY 63
Uma praij-a de aldeia, onde se vi um edilicio bastante grande
cm Irenie a uma egreja. No fundo do quadro uma paizafjem.
A' porta da egreja um cruzeiro tosco de madeira ; um missionário
ajoelhado prega junto â cruz a numeroso auditório de camponios.
Quadro vendido cm Pariz num leilão pelo perito Hue a 12 de
Novembro de 1832.
DIBTRmUIÇÃO UE ESUOLAS FEITA POR MiAGES NA ESCADARIA DE UM
GRANDE edifício PERTO DO CONVENTO DE SÃO JOÃO DE LATRÃO
Leilão Taunay, ilfji. Tela de pequenas dimensões.
DISTRIBUIÇÃO DE ESMOLAS PEITA POR MONGES
Tela: alUira o'",ji; comprimuiiio o"', |0
Quadro comprado em 1784 pelo joalheiro Langraff ao perito
Paillet pela somma de 800 fraa. Ap. Charles Blanc, bic^raphia de
Taunay.
DISTRIBUIÇÃO DE ESMOLAS POR CARTUXOS
Madeira: altura o"', 54; comrrimciilo o"',Oii
Ap. uma gravura de Leprince. A scena se passa na Itália.
No primeiro plano, á esquerda, uma galeria que dá s<ibrc uma
escadaria. Sobre esta se acha uma multidão de mendigos, makra-
pidos, semi-nús, que de diversos monges recebem esmolas de viveres
e roupas. -Uma mulher levando pela mão uma criança dirígc-sc
para o grupo. No primeiro degrau um mendigo sentado devora um
prato de sopa, tendo ao lado um cachorrinho, que lhe pede sustento.
No primeiro plano, á direita, vâem-se dous velhos miseráveis e rotos,
que se apressam em caminhar para o grupo principal, s^uidos de
um cão. No fundo, k direita, editicios importantes. Uma columna
supportando uma estatua.
DISTRIIJCIÇÁO DE ESMOLAS POR FRADES CARTUXOS
Estudo a óleo para o quadro acima. Vente Rondei, 1869.
lyCoogle
REVISTA DO ifCMTlTDTO lIlSTOftlCO
DISTRIBUIÇÃO DE ESMOLAsi A PORTA DE DM MOSTEIRO 1
TORRE DE NERO
Assumpto aaalogo ao da distribuição de esmolas pelos Car-
tuxos. Perto da torre de Nero, no pateo de um claustro e sob as
suas galerias, frades distribuem víveres a diversos meodjgos. Entre
outras cousas nota-sc um donato soccorrcndo uma tamília infeliz c
um moço que recommcnda paciência a dous homens, que parecem
acabrunhados pela fome e pela fadiga. Venles Taunay ( 1833} e
Rondei.
WSTRIflUlÇXo DE ESMOLAS k fORTA DL UM MOSTEIRO PERTO DA
TORRE DE NERO
Esboço do quadro adma mencionado com o mesmo titulo.
Kente Taunay, 1831.
A SALTARtLLA
Ida: aiiura a-/» : i:ompiidienlo •vfii
Exposição posthuma no salon de 1851 sob o numero I974>
Um Napolitano e sua joven companheira executam uma dansa cha-
racteristica à vista de numerosa assembléa de camponezes. Entre
os curiosos dcstaca-se um musico trepado sobre taboas, mulheres
sentadas e dístrahidas na conversa, um cavalleiro envolto num
manto ; do outro lado camponesas, uma das quacs montada em
um cavallo branco perto de rapazes sentados, de |x: ou deitados na
relva Toneis e outros objectos trazidos para baixo de uma barraca
construída ás pressas, annunciam que a dansa será seguida de
banquete. Coroa o quadro um bosque de arvores altas ; a com-
posição destaca-se sòbrc um fundo ornado de fábricas c terminado
por montanhas.
A TARANTELLA
Numa bclla paizagcm um tocador de rabeca c um guitarrista
fazem dansar camponezes napoUtaaos. Além dos {nttorescòe per-
rfbyGoOgle
DOCUMENTOS SOBRE A VIDA E A OBRA DE NICOLAU A. TAONAT 65
sonageas que os rodeiam, ainda se vêem, do segundo plano do
quadro, muitos outros grupos que retratam uma serie de epi-
sódios tnteressaales. Ap. catalago da vente Ronde), 1869.
FANDANGO NAPOLITANO
Tela: altura tf" ,3»; comprimento o", 4)
Quadro que figurou na vente Taunay em 1835.
No primeiro pl^no dous parea de dansarinos bailam. A' direita
assistem  dausa nove pessoas sentadas no chão, das quaes uns gui-
tarristas e um camponio depé: á esquerda um grupo de oito
pessoas, das quaes um guitarrista e um rabequista. Completam a
assembléa no fundo um individuo, que levanta no ar uma mulher,
outro a tocar pandeiro, uma mulher a dansar e um individuo a
chamar alguém. No ultimo plano arvores, um almocreve a tocar
um burro, uma egreja muito alta e outros edificios. Gravado pelo
aguafortisla Réveil para o seu Museu de Pintura e de Esculptura
(Pariz, 1873}.
FESTA NAPOLITANA
Tela: altura 0^,34 : compTÍnenta o" ,4a
Asmgnado á direita e datado: 1834. E^te quadro pertenceu á
collecçâo do barão Mourre e hoje faz parte da galeria do dr. Rai-
mundo de Castro Maia (1915). No fundo, altos edificios, uma egreja;
no segundo plano, ã direita, um bosque de arvores esgalhadas e
copa frondosa. No primeiro plano numerosa reunião de camponezes
rodeia um casal, que dansa a tarantella. A' direita uma barraca,
juncto à qual está um homem a cavalto e uma mulher sentada em
outro cavallo. A' esquerda um grupo de individues sentados ao
lado de outro grupo, no centro, de homens de pé.
o ENTOADOR DE CÂNTICOS
Tela: atiura o",3i; comprimento iV",^
Trepado num estrado está um cantor italiano a entoar hymnos
religiosos e rodeado de numeroso auditório, a quem indica com o
arco da rabeca a imagem do sancto, cujos louvores celebra. No
D,r„cb,L.oo<^le
66 REVISTA DO WeiITUTO BISTOtllCO
fun^ do quadro Tèem-aã em tórno de uma mesa diversos individiioa
parecendo tidícularizar o myatícismo do cantor. No auditório do-
tam-se honicns s mult^eiea em diveraaa attitudes, e um íaziarme
a cavallo, benzendo-se. No primeiro plano uma mulher vestida de
brauco afasta-se do grupo cantando num livro, que acaba de comprar.
Fábricas ao fundo. Vonks Taunay de 1831 e 1835.
o ENTOADOR DE CÂNTICOS
Primeiras ideas do quadro, que tem o mesmo titulo, acima
descripto. Vçntç Taunay, 1831.
3CENA ITALIANA
Tela; altura o",Í4 ; comprímcnlo o^.Oo
Um grupo de raparigas camponezas volta da lavoura ; á di-
reita numa ponte conversara uma mulher montada numa mula
er um mendigo, à esquerda um camponez guarda um rebanho
á sombra. Vaccas estão a beber numa poça. Assignado à directa
e em baixo. Leilão da collecção Wattel Bayart, Roubaix, 17 de
Dezembro de igo6.
A RAJADA
Tcli: nliura o™,3i ; íomprimcnio tf°,íO
Numa estrada, nas vizinhanças da porta de uma cidade da
Itália, cujos edi£ctos occupam todo o fiindo do quadro, está uma
ponte collocada ao pc de uma grande arvore e illuminada pela luz
que atravessa espessaã moitas. Mulheres allí viim buscar agua,
uma delias já encheu dous vasos o vai voltar. Perto um via-
jante e uma aldeã, otoatada a cavallo, dirigem-se para a cidade.
No segundo plano vã-se um grande rebanho. As nuvens, o movH
mento das arvores, as roupas agitadas dos personagens mostram
que ha vento. Ken/e Taunay, 1831.
os MENDIGOS ROMANOS
Quadro que tígurou no leiL^to de 19 de Novembro de 1875 no
Hotel Droupt.
D,gt,zedbyGOO<^le
DOCnHENTOS SOBRE \ VIDA E A OBRA DE NICOLAU A. TAUNAT 6?
LAVADEIRAS ITALIANAS
Tela: «llura o" .33 ; comprimento 0"J5
Perto de grandes arvores e moitas espessas diversas mulheres,
vestidas com os trajes das camponias italianas, lavam roupa nas
aguas de um riacho encoberto por íblbagens ; uma delias chega
carregando um fardo na cabeça. Outra mulher sustenta uma
criança, que está montada na anca de uma vacca. Outra vacca e um
cão negro completam o grupo.
LAVADEIRAS A BEIRA d'aGUA
Tela ; allura o'",^ ; comprtaeolo 0"^
No fundo v<^cm-se edificios, cujo eslylo revela a architcctura
italiana. Leilão da collecção Jules Burat a sS de Abril de iSGg.
CAMPONEZAS ITALIANAS A LAVAR ROUPA NUM AÇUDE
Tela: altura tf^^Si; comprinesto <p,4d
Vtott-se Tarias lavadetras occapadas a lavar ronpa & margem
de um pequeno açude. Na vizinhança pastam muitos anlmaes.
Vettle Taunay de 1831;
UOÇAS ROUANAS A FONTE
Em tõnio de uma fonte, em logar umbroso, algumas jovens
romanu brincam. No fundo os edificios de uma cidade antiga.
Collecção do calligrafriío Bertrand, vendida no HoCel Drouot a 16
de Novembro de 1855.
MULHERES ROMANAS A MARGEM DE UM RIO
Quadro da collecção do calligrapho académico Bertrand, ven-
dido era leilão do Hotel Drouot a 16 de Novembro de 1855.
A VOLTA DO MERCADO
Tela r altura d",64 : comprimento o^.S:
Ap. Quatremère de Quincy : Elogio fúnebre ih Tatinay.
Qoitro mulheres moças, trajadas á itaUana, voltam do mercado, a
I Google
68 REVISTA DO INSTITUTO mSTORlCO
conversar. Três carregam diversos objectos, a quarta apenas uma
bolsa e parece motejar das companheiras. Mais longe uma mulher
montada num burro atravessa uma ponte a conversar com um
camponío ; do lado opposto vaccas guiadas por um pastor atra-
vessando um valle. Planície fértil e de aspecto ameno. Vente
Taunay. 1831.
A VOLTA DO MERCADO
Tela : allura 0^,14 ; comprimento o'°,3i
O mesmo assumpto do ante-penukimo quadro com uma ligeira
modifica^ na paizagem: a ausência de um grupo de arvores.
VINDIHADORES ITALIANOS DESCANÇANDO
Tela ; altura o",}i : comprimento <y",4'>
Quadro que figurou na Venle Taunay em 1835 e representa
uma scena de outomno.
A VINDIMA
Vindimadores trabalham enquanto outros descansam. Scena
crepuscular. Quadro que figurou na vente Taunay de 1831.
o EXTERIOR DE UMA HERDADE NA ITÁLIA
Madeira: altura o'°.ia; comprimento 0^,49
Num grande pateo vS-se um rebanho de vaccas, cabras e car-
neiros, guiado por uma mocinha acavallo que se dirige em compa-
nhia de dous camponezes cm direcção a um poço circundado por
grande carvalho, perto do qual um burro se espoja. Por traz doa
muros do pateo avistam-se os monumentos e a porta de uma cidade.
Lulão da collecçâo Vigneron, a 3 de Março de 1838.
A saÍda dos rebanhos
Madeira; altura o'",»; comprimento o", 30
Num logar montanhoso, onde se notam edíGcios de arcbitcctura
italiana, uma mulher montada num burro e um pastor envolto no
seu manto tangem um rebanho de vaccas e carneiros. A' esquerda,
no segundo plano, uma vereda onde caminha uma rapariga carre-
gando uma cesta. O sol surgindo no horizonte íllumina o campo ;
,dbyGoogle
DOCDMENTOS SOBRE A. V1D\ E A OBRA DG NICOLAU A. TAUNAT 69.
as arvores e as casas projectam sombras á esquerda. Leilão da col-
lecção Jules Burat a 38 de Abril de 18Õ9. Foi este quadro então
vendido por 3.100 francos.
A VOLTA DOS REBANHOS
Tela: allura ly^j ; comprimento o'°,4a
A porteira da herdade está escancarada ; os pastores entram
tocando seu& rebanhos ; no primeiro plano um burro espoja-se no
solo, levantando poeira e perto de um cáo qae late ; á direita uma
grande arvore e um poço, onde um creado tira agua. Quadro de
tom alourado e ílluminado pela luz do Poente. Pertenceu â collecção
Jules Burat e foi vendido a 28 de Abril de 1889, por 3.100 francos.
CAMPONIOS DOS ARREDORES DE GÉNOVA TIRANDO AGUA
NUMA FONTE
Tela: allurao".3); comprimento o",4o
Mulheres rodeando uma fonte situada a pouca distancia da
estrada. Ap. Le Trésor de la curiosité, dfi Ch. Blanc.
ilcona* felrae* o aldeB«
DANSA DE CAMP0NEZE8
Tela: o",5SSXo".«5 (Oval)
Quadro pertencente â collecção imperial da Ermitage em SSo
Petersburgo. No fundo ruinas, um rio atravessado por uma ponte
em arcada, â direita ; um bosque de grandes arvores ã esquerda ;
00 ultimo plano uma montanha nevada. No primeiro plano dis-
tingue-se um individuo debruçado sobre um banco, tendo ao lado
am musico que, de pé sobre um barril, toca para que dous campo-
nezes e três camponezas dansem em roda. Á esquerda, no se-
gondo plano, uma carroça puxada por dous bois. No primeiro,
k direita conversam dous namorados sentados no chSo. Adqui-
rido, em 1903, por 500 rublos (2.000 francos) pela direcção dos
Museus Imperiaes Russos ao sr. A. Bouniascowsky. Assignado.
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HETI9TA DO INSTITUTO OBTOIUCO
Mndeirs: lUura iy",i85: comprimento 0^,17
Uma praça pública, em que á direita e ã esquerda se vêem
lojas, n^ociaates e compradores ; casas diversas e algumas arvores
no fiindo do quadro. No primeiro plano uma multidão versicolor
cheia de alaria. Leilão da colle^ F. Bohler a 23 de Fevereiro
de 1906.
FESTA n' ALDEIA
Madeira; altura o^.i^j; comprimento o",Sí
Quadro da collecçfio Decourcelle, vendido em leilão a 39 dâ
Maio de 191 1 por 6.500 francos.
DANSARINOS IU8PANHÓE8
Tola; altura ff°,3i ; comprimento o",<>
Um homem está a locar castanliolas e uma mulher rufa um
pandeiro ; dansam rodeados de numerosa assembléa. No Tundo do
quadro as muralhas elevadas de um mosteiro. Leilão da galeria
Tancé em Lille a ia de Dezembro de 1881.
nAILG CAMPESTRE
Tela: Bliura o"ji ; comprimento o™, 40
Cerca de trinta camponios italianos bailam ao som da musica
de uma orchestra rústica. No fundo do quadro um mosteiro.
Leilão da coUecçâo Qasquet a 9 de Março de 1888.
FESTA DE ALDEIA
Madeira : altura o'',ii; comprimento a™,ii
CampODCzes estão a divertir-se ; uns jogando bolas e outros
cartas deaute de uma grande columoata, atravez da qual se v£ a
praça de uma cidade da Itália. Quadro pertencente ao mueeu Fabre
de MootpeDsier, a que foi legado pelo ar. Valedeau.
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» V i
9 11
li-
se
,Goos
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DOCUMENTOS SOBRE A VIDA E A OBRA DE NlCOLAt A. TAtTNAT ?!
A ROSlfcRE
Festa aideS. Grupo de dansarinas e de bebedores occupam os
primeiros planos ; no fundo do quadro montanhas cobertas de ar-
vores. Quadro exposto em 1787, sob o numero ^10 do catalogo, e
pertencente então ao marechal de Noailles.
pRocissAo
Qoadro exposto no salon de 1812 aob o numero 883.
INTERIOR DE TABERNA
Quadro, a que se refere o artigo de W. Burger, na Gazelle des
Beaux Aris, eôbre uma eiposiçâo de quadros da Escbola Franceza
no B.dos Italianos, (tomo VIII, pag. 360, anno de i86o}i artigo que
é accompanhado por uma reproducção da tela, desenhada por Ed-
mond Hédouin e gravada por SotaiUi Trez camponios prcparam-se
para jogar cartas. Á esquerda, no fuudoí uma chaminé, deante da
qual conTeraam trez outros peraonagena.
BODAS DE ALDEIA
Ap, a celebre estampa de Carlos Melchior Descourtis (1753-
lôao) pertencente á serie da Rixa, do Tamboriletro e da Feira de
Aldeia, reproduzida numa grande quantidade de edições. Os
noivos dansam uma í^arabanda em frente a um grande circulo de '
convidados, muitos dos quaes se acham sob uma tenda, seatadosa
uma mesa. Um tambor e um tocadot- de cornamusa formam a
musica do bailado. No primeiro plano uma mulher sentada com uma
criança ao collo e dous meninos que brigam por causa de um do.
AS LIGAS DA NOIVA
Quadro ekposto no salon de 1808 sobo numero 571, e na opi-
nião do critico do Journal de VEmpire legitimo primor. Repre-
aenta um basquete de casamento ao ar livre sob um pannosostido
por galhos de arvores. Os noivos dao o agnal da retirada ; nesse
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73 BEVI8T4 DO INSTITUTO HISTÓRICO
Ínterim um dos convidados atira-se às pernas da noira para lhe
desatar as ligas no meio de grandes gargalhadas e de palmas da
assistência. O noivo carrancudo puxa pelo braço da mullier, en-
quanto o cura finge assoar-se para não ver a scena. No ultimo
plano uma mulher sentada com uma criança ao collo, um rapaz
deitado no chão, outro sentado em feixes de capim e applaudindo.
Ap. Journal de FEmpire; salon de 1808.
A NOIVA DA ALDEIA
Madeira: altura (V",ii ; comprimento 0^,17
Enquanto numerosos aldeões dansam sob uma tenda armada
em frente a uma casa rústica, vé-se no primeiro plano o noivo, que
traz uma rosa na mão, deixar o baiie, accompanhando-o a noiva. Um
camponío a tocar rabeca e outro a tocar flauta fazem dansar a assis-
tência. Leilão de aa de Fevereiro de 1872 no Hotel Drouot.
NOIVOS DE ALDEIA
Quadro oatr'orapertencenteá galeria imperial de São Chri»-
tovam, segundo Dussieux : Les arlistes français à rétranger.
PRESENTES DE NÚPCIAS
Quadro exposto no salon de 1806. Os convivas de uma boda,
depois de terem feito os seus presentes aos noivos, recon-
duzem-nos para a casa ao som de uma guitarra, de um tambor e
de um pifano, carregando objectos &miliares.
nODAS NO CAMPO
Um rapazito furta a liga da noiva ; o cura presente á festa
finge não v£r a ac^o maliciosa do rapaz, assoaudo-se. Ap. Charles
Blanc : Bio^aphia de Taunay.
o DIA SEGUINTE AO DE UMAS BODAS DE ALDEIA
Quadro exposto no salon de 1814 sob o numero 869, Os con-
vidados accompanham os recem-casados ã nova casa, carregando
os presentes.
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DOOIUENTOS SOBRE A VIDA E A ODRA DE ttlCOLAtJ A. TADHAY 75
FEIRA DB ALDEIA
Ap. a celebre estampa de Descourlis da serie da J!i:>a, do Tam-
borileiro e da Boda de Aldeia. No primeiro plano, ã direita, mo-
desto estrado ao lado de uma barraca e de dou3 troncos de arrores.
Nelle estão um palhaço e um pierrol a embasbacar uma roda de al-
deões, homens e mulheres, na qual se acha também uma mulher
vestida elegantemente, decotada e penteada com apuro, attrahida
ao local pela curiosidade, ou talvez comparsa dos saltimbancos,
pois parece s^urar pela mão um menino vestido de palhaço.
Em frente ao estrado, e de costas, vâ-se um tamborzmho a
rufar o aeu instrumento. A' direita e no fundo barracas de feira ro-
deadas de gente. Passam uma velha levando um menino e dous
frades que olham curiosamente para os palhaços. No primeiro
plano dous cães rosnam um para o outro.
UMA FEIRA
Tcln: altura o",S4 ; comprimento o°>,67
Quadro exposto conjunctamente com outro, sob o numero
188, no salon de 1789.
UMA FEIRA
Quadro exposto, sob o numero 885, no salon de i8i3.
o ARRANCADOR DE DENTES
Madeira: altura o^,S! ; comprimento o",i7
Ap. Charles Blanc : Bic^raphía de Taunay na sua Vida dos
pintores de todas as escholas.
Um arraucador de deistes ambulante está sobre um palco
em frente a uma multidão, teado ao lado o ajudante vestido como
Scapin.
Este quadro e o aeu pendanl : Bailarinos num palco foram
vendidos em 1813 no salon de Charies Godefroy por 760 francos
e em 1834, na dispersão da collecção do Êimoso banqueiro Jacques
Laffitte, cada qual por a.500 francos.
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74 HBTBTA BO IKÍirTOTO miTOnK»
chablatXo arrancando um dente
Quadro expoeto, sob o numero 451, no salon de 1804. O pa-
ciente faz horríveis caretas de dór. (V. Journal des Dobais, salon
de 1804.)
o TIIEATRO DE LA FOLIE
Tela : allura o'" ,64 ; comprimento o^.Si
Numa praça publica e à sombra de uma grande arrcH^
aúha-ee nm ttieatro improvisado, deante do qual La Folie, montado
num estrado, encara os espectadores e, sorriodo, eBcrcve a vida dos
homens illustres dictada por Arlequino. O eccptro do jogral col-
locado Bòbre o globo terrestre indica que a tolice preside a todas as »
acções humanas ■. Num dos lados do theatro lè-ee : « Halogar para
todos n. Na 3ssislenci'a vé-se gente velha e moça, pobre e rica, de
todas as classes e tempo. Quadro philosophico, que figurou na venle
Tannay de 1831.
o TIIEATRO DE LA FOLIE
TeU : aliurn <i"',3i : comprimento o",!|i
Quadro pertenceote ã Pínacotheca Nacional do Rio de Ja-
neiro ; é a reproducção do precedente.
BAILARINOS NUM PALCO
Madeira ; nllura tV",37 ; comprimento o'",3y
Arlequino atira o seu piston sobre uma velha ; um actor ves-
tido de jogral tem debaiso do braço um volume da Vida dos
Homens fílustres, de Plutarclio. Este quadro foi Vendido em 1813,
no leilão de Charles Godefroy, pela somma de 760 fraticos, conjun-
ctamente com o seu penianl — O arrattcador de deHIei. Em 1834,
quando se deu a dispersão da collecçáo do famoBO banqueiro
Jacques Lafflte, attinglram ambos o preço de a.500 ítaíieoB.
03 CÓMICOS AMBULANTES
Quadro da coliccçâo H. F. Broadwood, dispersa num leilão em
Londres a 37 de Março de 1899 e vendido nessa occasiâo por
£310 (5.250 francos).
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DOCDSGHTOS SOBRE A TIDA B K OORA DE NICOLAU A. TADNAT 75
LA FOLtB ESCREVENDO O QUE ARLEQUINO LHE DICTA
Tcli : altura o*", 31 : comprimento 0^,40
Quadro que figurou na vi;n/«Taunay em 1835. Espectáculo de
pantomimeiros num dia de feira.
o MERCADO ■
Tela; aliurao^iSp; comprlmenio o",?^
A' entrada de uma cidade numerosos indivíduos estão re-
unidos ; á direita saltimbancos íazem momices ; à esquerda vé-se
uma ponte sobre um rio. Leilão no Hotel Drouot de 14 de De-
zembro de 1908, collecção do sr. J. L. ; vendeu-se este quadro
por 1.700 francos; perito Feral, v
MERCADORES AMOUIANTES
Dous mascates, homem e mulher, carregados de embrulhos,
fizeram parar uma cavalleira, que se extasia ante a belleza das fa-
zendas que o mercador lhe apresenta. No fundo do quadro mon-
tanhas e construcções diversas, uma nrvore. A' esquerda, no
primeiro plano, um c3o. Paizagem árida em que só se vè uma
arvore. Gravada por Ponce.
TROPEIROS NEGOCIANDO UM CAVALLO
Madeira; altura o™, ao ; comprimento o",jB
Quadro pertencente á exma. sra. da. Adelaide C Tauflay
Dória. Em tomo de um bello animal normando sete individuos
discutem-lhe as qualidades e defeitos. No segundo ptano trez
outros personagens.
o POÇO
Ap. uma lilhographia de Engelmann. Em torno de um poço
juncto a uma arcada véem-se duas mulheres de pé, uma das quaes
carr^a uma bilha enquanto a outra tem na cabeça um fardo.
A' direita, outra mulher montada a cavallo, installada numa
cangalha, a quem accompanha um individuo envolto em grande
manto, dirige-lbes a palavra.
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76 REVISTA DO meriTOTO histórico
Sob a arcada passam um boi e cinco carneiros guiados por
um caralleiro.
o POÇO
Uma mulher e um homem tiram agua de um reservatório.
Leilão do Hotel Drouot a 9 de Maio de 1874.
A PARTIDA PARA A CIDADE
Madeira : allura o'",io: compriminilo 0^,14
Miniatura pertencente á galeria Laloye de Dijon, vendida em
leilão a 4 de Abril de 187a.
os au)eCes
Quadro exposto fora do catalogo pouco antes de se fechar o
salonde 1801. V. Examen des ouvrages du salon de tSor, collecçâo
Deloynes 26.
LEITURA NUHA FAHIUA DB ALDeSeS
Quadro exposto sob o numero 591 no salon de 1793
NOTICIAS DA GUERRA
Tela: altura o°<,ii ; comprlmciito 0^,34
Em frente a um chalet de madeira coberto por uma vinha que
invade todo o tecto, camponezes, sob alegres raios de sol, rodeiam
um velho sentado numa pedra a ler^lhes um jornal. A' direita,
uma moça salta de um escabello para um burro ; no fiindo trez
rapazes armados de varapaus.
Quadro vendido por i.ioo francos no leilão da collecçâo
Rothan em maio de 1890.
8cena« onmpestrc* o paatnrl«
PASTORES A TOCAR FLAUTA ENQUANTO APASCENTAM OS RKBAíHIOS
Tela : altura 0^,55 ; comprimemo o",3a
Quadro exposto no salon de iÕiosobonumero765. A' sombra
de grandes arvores um grupo de pastores ouve o concerto de dous
DigtizedbyGOOgle
DOCOMENTOS SOBRE A VIDA E A OBRA DE NICOLAU A. TAUNAY 77
zagaes Sautistas. Bello cfFéíto de luz solar coando atravez da fo-
lhagem copada. Numerosos bois e carneiros espalham-se pelo
quadro, que figurou no leilão da galeria do perito Robert Leièvre
em "2 de Março de 1831.
PASTORES DISPUTANDO, NUM TORNEIO DE FLAUTA, A HONRA. DS
SEREM COROADOS POR UMA PASTORA
Quadro exposto sob o numero 447 no salon de 1804.
Segundo um artigo do Journal des Pelites AJjiches de Ducray
Dumesnil sobre o sahn de 1804 tracta-se de uma grande tela,
■ cujas figuras estão distribuidas com perfeita elegância em altitude
muito interessante ».
o TORNEIO DE FLAUTA
Num sitio pittoresco dous pastores estão a tocar flauta perante
numerosa assembléa. Este quadro foi vendido no Hotel Drouot a
18 de Novembro de 1893 pelo perito Feral.
o TORNEIO DE FLAUTA
Numa bella paizagem, numerosos bois e carneiros descansam.
& sombra de grandes arvores ou pastam. No primeiro plano di-
versos pastores estão a tocar flauta. Leilão em Paríz, de 17 de
Dezembro de 1893, por Feral.
UM PA3T0R PENSA AS FERIDAS DE SEU CÃO QUE ACABA DE DERRIBAR
UM LOBO
Tela: «ltutao™,7J; comprimenio (i",ôi
Um pastor pensa as feridas de seu cáo — que após terrível
combate acaba de matar um lobo — e para isso poz em tiras a ca-
misa. O fundo do quadro é uma paizagem, em que se vém alguns
carneiros. Este quadro figurou nas venles Taunay e Rondei,
Diz o caulogo desta que foi o ultimo quadro, em que trabalhou o
artista, deixandcK) por acabar.
,dbyGoogle
78 KBriSTA DO imrnvTO histórico
o PASTOR DESC0\80LAtX)
£^bàça attribuido a Taunay. Leil&o de 8 de Fevereiro de 1908
por Sortaia.
o LOBO HtDROPIIOBO
Tela; «Iturao^.sj; comprimento o",ig
No momento em que um homem e uma mulher saem de casa
são assaltados por um lobo hydrophobo, que os derriba e os vicli-
maria, si não fosse o soccorro ministrado por um homem corajoso,
que com um forcado repelle o animal e sobre si attrahe o furor
do animal. Um creado armado de pau corre em defesa do homem,
enquanto um menino se esconde atraz do batente da porta, es*
pavorido.
PASTORA OFFEREC^DO AS PRIMÍCIAS DO LEITE, QUE ACADA DE
TIRAR, AO SANCTO ERMITÍO DO ROCUEDO
Quadro exposto no sahn de 1821, sob 0 numero 1.343.
A PASTORA DOS ALPES
Quadro cxpoato no salon de 1824, sob o numero 1.607.
SCENA PASTORIL
Quadro exposto no salon de 1814, sob 0 numero 1875,
A COLHEITA
Num valle pittoresco, ri^do por um rio, vários campo*
Dtos segam os trigos, enquanto outros descansam á sombra.
Lei^o no hotel [>rouot a t6 de Março de 1879.
A COLHEITA DE NOZES
Quadro vendido em Pariz, num leilSo, a 27 de Fevereiro de
1867, dirigido pelo perito Dhias.
D,gt,zedbyGOO<^le
DOCUUCHTOS SOBRE A VIDA B A OBRA OB NICOLA0 A. TAUKAT 7Q
O LENHADOR
Quadro exposto fora do catalogo, no salon de i8oa ; rçpre-
aeota um lenhador a cortar grosso ramo de arvore.
Ap. um anonymo Reytie du salon de fan X; collecção
Deloyncs, tomo XXVIII.
ADERTORA DE UUA ESTRADA NO CA3(PO
Tela: allura (■.'"ji ; comprlmonio c>,'°is
Quadro exposto em 1782, no Salon de la Correspondance
e então adquirido pelo conde de Cossé. Um operário transporta
terra num carrinho de mão, ao lado de um carroceiro que enche
com aterro a sua carroça, e de uma mulher agachada. Diversos
cavouqueiros trabalham de picareta. Num canto võ-ae um individuo
de calças caídas, a fazer as suas necessidades num regato.
Ap. o catalogo do leilão da collecção dos Goncourt.
UMA ESTRAUA ATRAVBZ DE CAMPOS
Uma estrada corta uma campina, onde se vém arvores, moutas
que abrigam [»storee e muitos animaes. Este quadro pertenceu á
collecção de Arsène Houssayc vendida em Iei&> em Paiiz a 37 de
Novembro de 1907.
ANtMAES CAMINHANDO
Um rebanho airavessa aguas tranquillas ; uma mulher o guia,
levando um filho pela mão ; no segundo plano distinguem-se al-
gumas casas, e nos últimos planos montanhas e um lago. Quadro
exposto sob numero sii no salon de 1787.
ANtUAES CAMINHANDO
Tela; aliura iV",i6: íomprimeolo o™,»4
Paizageni que lemlva as do Languedoc. Um pastor accompa-
ahado de duas camponias, uma montada num burro c outra num
cavallo branco, conduz numeroso rebanho. Â eequerda, no se-
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8o REVISTA DO INSTITUTO IIISTORICO
gundo plano, um pastor guia caroetros. Altas montanhas, em cujo
sopé corre um rio. Grandes arvores, bosques. Vente Taunay,
1831.
ANIHAES CAMINHANDO
Telai altura o", içicomprlmento o",m
Grande rebanho guiado por pastores e suas mulheres. No
fundo um comboio militar. No primeiro plano destaca-se um
pastor sentado perto de seus carneiros a tirar um espinho do pé.
Vente Taunay, 1831.
REBANliO CAMINHANDO
Quadro que figurou na venle da duqueza de Ragusa em 1857.
Paizagem montanhosa, onde se tô uma fábrica e diversos anímaes
caminhando.
VOLTA DO REBANHO AO APRISCO
Quadro exposto no salon de 1814 sob o numero 873.
Quadro exposto sob o numero 874 no sa/ort de 1811, repre-
sentando um rebanho a caminhar,
VOLTA k HERDADE
Quadro pertencente à coUec^o da duqueza de Ragusa dis-
persa em 1857. Ap. Lejeune : Guide de ramaleur de tableaux.
Um homem montado num cavallo branco precede uma car-
reta puxada por dous cavallos e seguida por um rebanho de car-
neiros e vaccas.
PASTOR A COLHER CEREJAS
Um joven pastor está a colher cerejas de uma arvore à beira
da estrada. Algumas vaccas estão em torno dellc a pastar ou dei-
tadas. Collecçâo Ch. de Beiz, dispersa em leilão de 8 de Março de
' 1878 em Pariz.
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DOCUMENTOS SOBRE A VIDA E k OBHA DE NICOLAU A. TAUNAT 8i
PASTORES E ANIMAES
MaJdra -. aUura <y",ii ; comprimcnlo a",:^
No primeiro plano um pastor. Uma vacca deitada, outra de
pé c um carDciro. Em plano mats atastado um pastor, uma pas-
tora c vários autmacs. Quadro pertencente ã collecção Saint,
vendida a 4 de Maio de 1846 cm Paríz.
Pertenceu á collecção Etienne Arago, cujo leilão se realizou
a 8 de Fevereiro de 1872.
PASTQRGS E ANIMAES DESCALÇANDO
Quadrinhos formando um par que figurava no leilão Martin,
4 de Abril de 1893.
PASTORES DESCANÇANDO
-MaJcira ; comprinicntci o™ ,63
Quadro pertencente ao Museu Fabrc de MontpcDlicr, a que
foi l^ddo pelo coticccionador Valedeau. Trcz pastores c duas mu-
lheres com 08 seus filhos e rodeados de rebanhos conversam sobre
uma eminência.
PASTOR E BOI
Madeira : allun cy.to; cumprimcuiú &",n
Miniatura vendida no leilão da collecção Laloye de Dijon a 4
de Abril de 1872.
PASTORES E ANIMAES
Tela : altura o*", 50 ; Comprimeiíto <V",4J
Num terreno muito accídentado alguns pastores tangem
dcaote de si um grande rebanho de carneiros e vaccas. Leilão no
Hotel Drouot em Paris, a 22 de Fevereiro de 1873.
PASTOR E REDANHO
Madeira : allura iy",io ; comprimento o'",!^
Ldião da galeria Laloye em Dijon a 4 de Abril de 1872.
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RBVHTA DO INStlTDTO UBTOMCO
Ap. uma litbo^raphia de EDgelmann. Dous pastores, dos quaes
um a cavallo, guiam cm aguas pouco profundas um boi e treze car-
neiros, vigiados por um cão. Ambos cstao de costas.
A' esquerda ruínas de uma torre. A' direita, uma margem
baisa onde se acham uma arvore e gramíneas.
Ap. uma cstamjia do Muséc de Landon, tomo IV, estampa 55.
Um rebanho dn bois c carneiros, guiado por um pastor, passa
um rio a vau. Gravado por Chancourtís.
A PASSAGEM UO VAU
Tela: altura i>'",65 ; i;omprlincnli) o" ,57
Assignado c datado 1H25. Quadro pertencente á collecção
J. L. dispersa no Hotel Drouot a 14 de Dezembro de 1908.
CAVALLOS A UtUER NUM VAU
Tda: altura V.ii; cumprlnicnlo 0^,411
Num ribeirão, onde se acha um banhista, estSo a beber, dentro
d'agua, alguns cavallos conduzidos por tractadorcs; um dos ani-
macs, no primeiro plano, mostra-se rebelde ao seu guia. A' direita
vd-sc ptltorcsca aldeia. Este quadro figurou nas venlcs Taunay em
183 1 c 1835.
o TOURO FURIOSO
Quadro que IJgurou na vcnlc Fouquct cm 1804.
o CAVALLO DISPARADO
Qaudro exposto no salon do anco de"i8o2 sob o numero 374.
COCHEIRO ARREANDO CAVALLOS
Madeira: alliira ir",io ; Comprlinenlo lyn.i^
Quadro da coltcc^^o Laioye de Dijon, vendida cm leilão a 4
de Abril de 187a.
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DOCUMENTOS SOBRE A VIDA E & OURA DE NICOLAU A. TAUdAT
XIII
Ijundi-os auucdulioi» liiaiiilmilua |>ulua
O TAHfiORlLElRO
PjpKlau; altura o",i5 : cumprimunlo O" ,17
Ap. a ramosa estampa da DescourtU, da serie da Ittxa, da
Bali de Aldeia e da Feira 4e AlJeia. Numa alameda de parque
a06 pés de uma estatua, que representa um personagem mytholo-
gioo, sentado e tendo entre as pernas uma aguía, dous ciganos
lázem trabalhar antmaes amestrados. Um delles toca tambor e uma
pequena trombeta, enquanto o outro faz dansar dous cães vestidos.
A' direita uma uumerosa assembléa de damas e lidalgos conversa,
accompanhando com os" olhos os exercidos. Num dos cães está
montado um pequeno macaco.
Assignado á direita. Este quadro figurou no leilão do Hotel
Drouot de 34 do Abril de 1907, venlc da sra. X .'. . c pertenceu á
collecção da imperatriz Eugenia, dispersa em Mar^o de iSUi.
o TROVADOR
Numa villa, em frente a um repuxo, à sombra de grandes
arvores, numerosa assembléa ouve os cautos de um trovador, que
SC accompanha num bandolim. Esboço a óleo, que ligurou ua vente
Rondei, i86g.
ESPECTACUI/l AO AR LIVRK
Madeira; sllura 'í",ji : cuiuprimcnW o'i'.4»
Um clarim e um palhaço representam uma scena cómica num
parque, rodeados de muita gente, com homens, crianças c mulheres
elegantemente vestidas.
Leilão no Hotel Drouot a aa de Fevereiro de 1U73.
SCGNA QE CARNAVAL
Veníe Richard W... « E^ta Scena de earnaval filia-sc ao pri-
meiro estylo de Taunay, que se approxima de Grcuze e é o melhor.
D z.cbyCOOgle
tJ4 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
A sccna c mais fácil de pintar do que descrever : um pierrot
endiabrado, teodo tido a carnavalesca idóa de caralgar uma torneira
da fonte, faz rir velhos e moçose escandaliza as senhorius [)oriae
c Toinette, que cobrem o rosto com as mãos — que horror I — dei-
xando contudo coar o olhar pelos dedos ■. Artigo de Charles Blanc
W3 Coiiricr áe Paris. Este quadro foi vendido catão (1857) p»
3.300 frs. e ]à 6gurara do leilão de LafBtte em i8.';4.
SCENA DE CARNAVAL
Um palhaço montado numa columna de chafariz procura
molhar com o e^uicho um bando araavalcsco ; fogem da agua
alguns camponios, que estão admirando os masaradoe ( Journal
des Débats, saloit de 1804 ).
Tda: altura o",ji ; comprimento o^.ij
Ap.a celebre estampa de Carlos Melchior Descourtís da serie
do Tamborileiro, da Boda de Aldeia c da Fdra de Aldeia. No
fundo uma torre, em ruínas, ao lado da qual se vâ uma casa e uma
arcada. No primeiro plano, á esquerda, uma mesa em tomo da qual
estão sentados, a beber e a jogar, diversos homens. Dous militares
de espadas desembainhadas preparam-se para o duello. Um delles
■ sustem nos braços uma mulher desmaiada e está contida por dons
dos companheiros de orgia, ao passo que ao contendordetem outra
pessoa. A' mesa dous j<^adore9 proscguem as paradas, indiffèrentca
3 tudo. Sob a arcada trez pessoas.
Esteve exposto este quadro em 1888, por occasião da Expo*
sição Universal de Paríz, no Museu das Artes da OníamentaçSo e
foi vendido em 1898 por 7.300 frs. no leilão da collec^o Decloux.
UMA, RIXA
Madcir»: nllura o",i8;eompriincnioo™,:j
Leilão no Hotel Drouot a 1 de Junho de 1901, Arrastados pela
cholera dous homens, armados de adagas, não se batem devido á
intervenção de mulheres e crianças que se interpdem ao duello.
Assignado ã direita sobre o terreno.
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D0CDHE.1T0S SOBRE A VHJA E A OBRA PE NICOLAU A. TAUXAY «3
O RAPTO
AUJeira: altura o'",]: ; com prime» to o^.iU
Quadro legado ao museu de Rennes pelo sr. de Trégoin. Doua
bandidos pretendem arrebatar violentamente uma mulher que se
debate, no auge do desespero. Ao longe vé-se um cavaJleiro me-
dieval encouraçado em ferro, que a galope acode, attrahido pelos
gritos da mulher. Os dous raptores ao avista-lo desembíúnham as
espadas.
o RAPTO
Tela: allura a°ff) ; cooiprimcnlo o",B8
Quadro que pertenceu às galerias do capitão Slratfotd e de
Gagaet.
ATAQUE DE ItANDlDOS
Tela: Miuraiy",f5: comprimento fi"", 53
Quadro pertencente às collecções do museu de Quimper e que
outr'ora fez parte da collecção Silguy.
Um ermita, de pé sobre um montículo, prega ante uma
multidão reunida em tomo de si ; destacam-se duas mulheres ajoe-
lhadas e um guerreiro uo meio de muitas outras figuras. No fundo
viiem-se arvores, os subúrbios de uma cidade e um vasto trato de
terras. Ap. a descripçSo do catalt^ do salon de 17S7, em que o
quadro esteve expoâto.
A CARIDAI>E DO ERMITA
Tela: altura o", 66: comprimento o~^
Um ermita, nas vizinhanças da sua gruta, dá de beber a
ama mulher ajoelhada que traz uma criança às costas, enquanto
um homem, que accompanha as duas, bebe sofTregamente, de pé,
arrimado a um bastão, num púcaro. Um cachorrinho pede com
a que lhe dém alguma cousa. A' porta da gruta está uma
lyCoogle
86 REVISTA DO msTITDTO DUTOBICO
cruz e um rosário do ermitão. No extremo plano vá-se um rebanho
de bois, que sobe uma ladeira, guiado por um cavalleiro que se
volta para vòr a scena. Esta tela pertencia em igii a Henri Ro-
chefort e esta assignada k esquerda.
VIAJANTE A DAR ESHOLA A UH ERHITA
Teln : nltura o",js; comprimento iy°,35
Um cavalheiro dá um óbolo ao companheiro de um ermitão
sentado à marpem de um rio.
No fundo um rebanho e massiçoíi de verdura. Quadro que
figurou na vente Tauoay em 1835.
ERMITA ARRANCANT)0 O DISCIPILO H SEDUCÇJJES DA CIDADE
No fundo do quadro, ;i margem de um rio, os edíllcios de uma
cidade. Sein )%rsonagens ; o ermita, o diíícipulo ; trez cortezãs
riem-se do velho e fazem Rignaes ao moço. Um homem a tomar
banho á margem do rio, que occupa um dos planos do quadro.
Esta tela foi eiposta no saUm de 18114. Ap. artigo do Journal 4es
Débils sobre a exposição.
ERMITA PRÉOANDO
Quadro esposto no salon de iSoA. Sôhre um montículo um
ermita vestido de hurel e tendo longa barba cinzenta, prega a uma
grande multidão de homens, mulheres e crianças, o vento agita-lhe
o vestuário e deixa ver-lhe aa pernas nuas. Destacam-se na com-
posição um velho deitado no chão, com a cabeça levantada, a olhar
para o pregador, uma mulher acocorada de mãos postas, e outra
mulher no primeiro plano com o rosto em terra. Nos últimos planos
vôm-se soldados a cavallo e mulheres a levantar crianças nos braços.
{Ap. Journal de VEmpire, salon de Tan 1806).
Este assumpto foi tractado por Taunay em outros quadros,
como em Peiro o Eremita pré^an-io a cruzada^ do Museu do
Lonvre.
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DOCDMENTOS SOBRE A VIDA. T. A OBRA RR HÍCOLAU A. TAUNAY 87
O JARDIM DO ERMITA
Tela, altura tf".4i ; comprlrnsnio n^iji
Rste quadro foi vendido em leilão do Hotel Drouot a idde
Dezemhro de 190A pelo perito Lâír Dubreiíil.
CARTUXOS TRANSPORTANDO PARA O REU MOSTEIRO UM FRRIDO
QUE ENCONTRARAM
Quadro esposto sob o numero 333 no salon de 1801. No
fundo de uma alameda umbrosa avistam-se a porta e o» altos muros
da Cartuxa e por traz de tudo o zimbório de uma egreja. No pri-
meiro plano do quadro, vêem-se dous religiosos carregando numa
padiola o ferido que acabaram de encontrar. Caminham ao lado de
um açude, num cotovello da avenida e pararam um minuto ; o mais
moço dos monges clptica a aventura a um das padres que vâo ao
seu encontro, enquanto o outro prodigaliza ao moribundo con-
solos da religião. V. Journal des Débats, salon de ran IX.
o CAPUCHINHO MISSIONÁRIO
nia melro tf",in
Pintura redonda. Vm capuchinho prega perante uma assem*
biéa de camponezes. Leilão de 13 de Março de 1907 por P. Roblin.
EPISODIO I>E CAÇADA
Uma dama elegaiTte, montada num cavallo branco, ura fidalgo
com chapéu e plumas c um escudeiro param para pedir informa'
çâes a um camponio, que lhes mostra o caminho, de pá súbre um
velho tronco nodoso. Nm últimos planos véem-sc um asno e
alguns carneiros guiados por um camponio. (Leilão pelo fallecimento
da duqueza de Ragusa, a cuja galeria pertencia este quadro).
ENCONTRO NUMA CAÇADA
Tela : aliura ■i™,!^ ; comprímonlo iy",.ii
Uma lidaljta vestida de amarello, cuja cauda do vestido um
pagem carrega, está perto da sua carruagem. Vêem-sc ainda caval-
leiro^, lacaios, moateiros, cães. Quadro vendido pelo perito Féral
a 36 de Abril de 1907.
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REVISTA DO INSTITUTO KISTOBICO
A AMAZONA
Montada num cavaJlo branco vé-se uma moça de botas e es-
poras, tendo na mão direita um chicote, cujo cabo apoia sobre a
ilharga. Ti'az saia vermelha c corpinho verde e um chapéu de
largas plumas brancas. Nos coldres da solla vâem-ee pistolas. Accom-
panha-a um escudeiro n^ro. Galeria Tencé, vendida em leilão a 17
de Sepetembro de 1860, em Lille.
CAVALLEIRO CAÍDO NUMA TORRENTE
Quadro que appareceu do leilão da cotlecção Jorge Téral, a
37 de Fevereiro de 1882.
ENCONTRO k MARtiE.M HA TORRENTE
Matlclrn : .iliura 0^,37; comptimcnto tf.iB
Leilão do Hotel Drouot, 24 de Abril de 1907. Collecçãode
Mme. X . . . No primeiro plano, á direita, sobre uma nesga de ter-
reno grammado, entre o rio e um rochedo a pique, um homem a
cavallo, mãos e pés nús, encontra uma camponeza carregando um
pote. Na margem opposta de um declive quasi abrupto, atravcz de
grandes rochedos, uma torrente se precipita no rio. Na curva da
colltna, muito vestida de vegetação, apparecc um castello, por cima
das arvores. Assignado à direita.
VOI-TA DO MILrrAR AO LAR PATERNO
Ap, uma estampa de Bocquet, gravador do principio do
século XIX. Uma casinha á beira da estrada ; ao lado umagrande
arvore, a que está presa uma corda sustentando roupas; num plano
do fundo seis pinheiros, grandes massas de vegetação. O joven mi-
litar, que regressa ao lar paterno, acaba de descavalgar e cai nos
braços do velho pae, que o beija commovido. Juncto ã parede da
casita, está sentada uma avó octc^enaria que, não podendo le-
vantar-se, abre os braços c chama o neto. A mãe do moço, desperta
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DOCUMENTOS SOBRE A VIDA E A ODRA DE NICOLAU A. TAtIXAT 89
pelo ruido, acaba de acenar à porta da habitação, caminhando
apressadamente para fora. Os ermáos do moço tçmaram conta do
cavallo e já dou3 deites se encarrapitaram sobre o animal.
ANNUNCIO UE FELIZ REGRESSO
Ap. uma gravura de Bocquet gravador do principio do século
XIX. Sentado numa pedra em frente a uma casinha de madeira, lô
um relho uma carta, que quatro camponios e trez camponczas
ouvem com muita atteu^o. A certa distancia vò-sc uma mulher,
que está a manter um burro ; mais longe trez pastores a conversar.
A VIAGEM DO MUSICO INTERROMPIDA
Quadro exposto no salon de iQo2 sob o numero 371. Vé-se
uma carruagem cheia de bagagens empaada. (V. tomo XXVIII,
collccção Deloynes, Revue du salon de l'an X.
o EHBARQUB DB UMA FAMÍLIA
Quadro da colle^o Briant, vendido em leilão de 27 de Março
de 1 1171, cm Pariz.
o CONTEMPLATIVO
Quadro exposto sob o numero 207 no nion de 1787. Pai-
zagem agreste e solitária ; entre duas cadeias de montanhas ncha-se
um vallc, onde se viiem um pastor e rebanho ã margem de uma
corrente. Montanhas limitam o horizonte ; sobre um cume elevado
um homem de pé contempla a natureza. Pertencia a tela na épocha
ao ar. Villers (Catalc^o do sjlon de 1787),
UMA SALA DE BILHAR
Quadro exposto no sxlon de 1608 sob o numero 571 e muito
louvado pelo critico do Journal de VEmpire. Um rapaz no centro
da sala desafia parceiros para o j(^o. Acima da porta da sala, que
tem uma bonita decoração, vê se a figura da Victoria tendo na mSo
uma bolsa em legar da palma ; um cachorrinho enrolado num
manto brinca com o desaHador.
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90 REVISTA bO INSTITUTO UISTOtUCO
O CAFÉ DES ARTS
Tela; «Itiira n",!; ; comprimcnlo tf",íí
Ap. um artigo de W. Burger na GaT^elle des lieaux Aris,
tomo VII, anno de 1860, pag. 356. Figurou este quadro na
eKposi^o do Boulevard dos Italianos em 1860 e na de 1874 no
Palácio do Corpo Legislativo em proveito doa Aisaciantfâ e
Lorenos. Pertencia eniâo á cóllecçáo Burat. Vô-se nesse quadro
David envolto num manto vermelho, Girodet a jc^r bilhar com a
mão esquerda, Gros a ofterecer uma bola a um sujeito visto de
costas. Em 1889 foi este quadro vendido por 4,400 francos.
A PARTIDA DE BILHAR
Madeira: sliurn o",i6; comprlmenlo o",«
Quadro mencionado no Dkcinnarío dos pintores, de Theo-
doroGuedy {Pariz, 1893) como lendo figurado na v«i/e Perregaux.
A PARTIDA DE RILHAR
Quadro pertencente à colleçflo L. de Saint Vincent (gabinete
Burat) dispersa em 1853. Ap. Th. Lejeune: Guidede Vamateur
de laHeaux.
o CONCERTO
Madcir»: .illurn o".i6 ; t^omprlmcnlo iffix
Quadro da galeria do conde de Perregaux, vendido em leilão
a 8de Dezembro de 1841.
UM COKCKRTO
Quadro ex|y»to no ,fj/o» de 1810 sob o numero 761.
os JOGADORES DE CARTAS
Quadro de pequenas dimensões, miniatura a que allude Charles
DIanc na Ga^dl/e dcs Bcaux Aris, pag. 31Q, 1859, com enormes
gabos. Representa jogadores numa taberna rústica, dcstacando-se
dentre as figuras a de um conductor de diligencias, que ae mostra
muito afflícto com a feição desfavorável do jí^o.
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DOCirilENTOS SOBRE A VIDA E A OBRA DE NICOLAU A. TAC
A CLINICA DO bR. HOREAU, ROR A RI!3TAURAÇÍ<
Quadro do MuFeu Carnavalct cm Pariz, aitribuido a '
ainda por tennÍDar.
o PIQUE-NIQUE
Paizagem. Num vallc ensombrado damas e cavalheii
parados debaixo de grandes arvores, a cuja sombra se vêci
parativos de um repasto campestre. Quadro da collecçíío
vendida em Parii a lae i3de Janeiro de 1843 pelo periti
o PASSEIO NO PARQUE
Um bando de passcnntes ssuca ante um pedestal, cuj
tombou e quebrou-se ; uni gaiato trepando sobre elic 1
logar da figura. No fuudo do quadro umacoiumnata co
pturas rodeando um lago. Leilão da colIccçSo Audoin, en
de 1893.
09 TASSEANT^S
Num bello parque numerosos passeantes estáo agruf
torno de um lago. LeitSo da colIccçSo Martin a 4 de Abril
os TURISTAS
Leilão Jules Duelos a 30 e 3t de Novembro de 1878.
A CASA Tt£ CAMPO
TpIs t nliura ■'".^n ; comprlmcntn (i",ji
A direita ura jardineiro visto de costas ; no .centro dui
e um velho sob um alpendre, sõbrc o qual se empol
voam diversos pombos. Leilão da collecçSo Jnles Burat
Abril de 1R89.
o IXCENniO DE U.MA CIDADE
Quadro da coltecção Du Sommerard, dispersa em lei
de Dezembro de 1843, em Pariz,
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93 RBVI8TA DO INSTITUTO fltSTORtCO
O AMOR E A BORBOLETA
Ti.'la: aliura ly.ii -. coiapr intento u°<,iã
Quadro vendido em Pariz num leilão, a 1 1 de Janeiro de 1884,
pelos peritos Haro e Bloche.
Assignado e datado : 1823.
AMOR t LOOCURA
Quadro da coUecção Chrístíe, vendido em leilão a 28 de Ja*
neirode 191 1.
o PASSARINHO MORTO
Madeiro: sltura ci",)i ; comprimento it^.j;
Uma mulher moça corre num parque, coro a mão na testa e a
outra a fazer um gesto de dôr. Está vestida de seda branca, sem
coUete, com a satã levantada pelo vento. Acaba de deixar o banco
de pedra, onde se vè um passarinho morto e diríge-se para uma e3<
tatua de Cui»do, que se destaca no meio de um roseiral. Envolto
em ampla capa de panno pardo, um moço, ajoelhando no chão, abre
03 braços á joveo desesperada. No fundo uma balaustrada rodeia
um tanque ornado deesphynges e de um grupo csculptural.
Quadro vendido por a.ioo frs. no leilão Henri LacroixaiSde
Março de iqoi. Assígnado por extenso.
o SOLDAIM GALANTEADO!)
Um soldado está ajoelhado aos pós de uma moça, no primeiro
plano, a the fazer declarações. No segundo plano vfi-se uma ra-
pariga a aconselhar o objecto do amor do ardente militar. Miniatura
vendida a 38 de Fevereiro de 1899, em Pariz, pelo perito Bloche.
ODRA DE CARIDADE
Quadro exposto no silon de 1814, sob o numero 867.
o PROSCRIPTO
Quadro pertencente à coIlecçSo Saint, disperíta em 1845 e de
que fazia parte a Prégaç3o Je Pedro o Eremita. Ap. Guide Ae
D,gt,zedbyGOO<^le
DOCVUENTOS SOBRE A VIDA E A OBRA DE NICOLAU A. TAUKAT 93
1'ãmaieur de kiblaiux, por Theodoro LcjcuDc. Doze pcrsoDagens
estão a conbbular juncto a uma choupana,
A SORPREZA
Uut rapazola nò collocou-se em attitudc de csulua sòbrc um
pedestal, rcsguardaado-se contudo com a clássica folha da [xirrcira.
Este quadro figurou na venie Taunay em 1835.
A VOLTA DA AMA
Td* : altora if.lB; comprimciilíjii"',;?
Uma camponesa, montada num cavallo cinzento, tem nos
braços um mcniao nú que cila cntri^ a seus pães, de pé no limiar
de uma casa. No primeiro plano vé-se um cão deitado, c no fundo
do quadro um homem a descarregar um burro. Pertenceu este
quadro á collecção Miallet dispersa no Hot«l Drouot em Junho de
1903.
UMA AMA ENTREGA UMA URIANÇA AOS PAES
Tela : altura o™^ ; comprimento ty.yi
Quadro exposto no salon de 1793 sob o numero tça,
UM WÒ RODEADO PELOS NETOS
Ap. o Lcxico de Nagler.
tlM PAE A LER O JORNAL A FAMÍLIA
Quadro exposto no sahn de 1810 sob o numero 763.
o sacrifício do CORDEIRINHO Q1'ER1D0
Quadro exposto no salon de 1834 sob o numero i .610, lilho-
graphado pela sobrinha de C. Mottc, director de uma typo-
lithí^^phia, segundo reza a estampa publicada por Giraldon
Bonnet. A esquerda uma moça corre desesperada, com as mãos no
rosto para 1^ vér a morte do cordeirinho querido, que um mapa-
refb amarra a uma argola fixa num muro ; o animal lambe a mão do
algoz, em que está o cutello. No lundo construoções diversas, um
pastor âzendo entrar um rebanho de carneiros numa cocheira.
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REVISTA DO INSTITUTO HtSTORKO
Tela: altura i'",S7; comprimcniu i'
Quadro exposto no sahndu 1803 j obteve um premio de
animação, foi adquirido pelo Estado para o Museu Napoleão e
depois cedido pelo Louvrc ao Museu de Argel.
Representa uma moça, que, ao passeíar num logar solitário e
penhascoso, encontra uma ursa a dormir ao lado dos dous cachor-
rinhos, que acaba de dar à luz. A moça espavorida deixa cair um
ramalhete que trazia na mão e preparasse para fugir.
Esboço da galeria do pintor Rcdoutc, vendido etii leilão a 33
de Julho de 1B40.
o I' AR A VENTO
Quadro da collecção do Abbé Dourgat, vendido em leilão a 3
de Abril de 1900 por 7.000 francus. Perteucôra ao imperador
Napoleão 1.
XIV
VIataa <lu Itália
ARREDORBS UK NÁPOLES
No primeiro plano jMstores e aniraaes, no segundo construc-
çóes italianas sobre um grande rochedo, nos últimos planos uma
montanha, cujo cume está encoberto pelas nuvens. Assignado á es-
querda. Quadro da collecção Meynier de Saint Fal, vendido no
leilão Cotténeta 16 de Maio de 1881.
ARRKUORIlS de N&rOLES
No fundo do quadro edilicioe de Nápoles. No primeiro plano
cainponios e pastores conduzindo rebanhos. Assignado. Quadro
pertencente á collecção Meynier de Saint Fal dispersa no leilão de
10 de Abril de 1860 em Pariz.
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DOCDMENTOS SOBRE A VIDA E A OBRA DE NICOLAU A. TAUNAT 95
VI8T& DE NATOLES
Figurou ua vente Taunay em 1B35.
VISTA DOS ARRLbORES UE MtSSlNA
Pequeno esboço orígiaal de um quadro maior. No primeiro
plano, ã direita, raparigas a dansar ao som da guitarra. Este quadro,
vendido cm leilão pelo perito Hue em 13 de Novembro de 1834,
foi gravado.
AKREDOREli DE MESSLNA
Quadro da ^olIecção-Ch. de Belz dÍ8pa'sa a 34 de Março de
1878 pelo perito Horsiu Déon. Desta tela existe uma reducção. Foi
gravada.
VISTA DOS ARREDORES UE GÉNOVA
Tela; altura o'",:^ ; tomprimciiio o"',3i
Marinheiros occupam-se cm carregar mercadorias cm chalupas.
Na praia, entre outros grupos, destaeam-se duas mulheres a con-
versar e um marÍDhcíro dispondo-se a carregar um fardo. Mais
longe vê-se uma barca com o paono ferrado. No fundo tàbricas e
altas montanhas. Vente Taunay em 1835.
VISTA DE ITÁLIA REPRESENTANDO .MO.NTANHAS, CORTADAS DE
VALLBS E tUOS E CObGRTAS DG tÁURlCAS E .MONUMENTOS
Tola; allura V"^; tomprimculo &",^i
No primeiro plano, em que ha muitas liguras, vi!em-se trez mu-
lheres dansando. Este quadro pertencia ã collecçâo Orimod de la
Reynière vendida em Março de 1797. Ap. Charles Ulanc, biographia
de Tauuay.
VISTA DE ITÁLIA
Paizagem, cujas liguras foram pintadas por David c data da
estada do pintor na Eschola de Roma. Vendida no leilão de 5 de
Novembro de 183a pelo perito Hue.
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90 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
VISTA DE UM LOQAR DA ITÁLIA
Quadro eiposto 00 ofendo anuo de 1791,80b o numero 385.
VISTA UE ITÁLIA
Quadro exposto no saionde 1791, sob o numero 60.
VISTA DE UMA PEQUENA CIDADE ITAUANA
Sobre uma emíocncia, ao sopé da qual passa um rio cujas
aguas, represadas por alguns rochedos formam cascatas, á esquerda
doquadro, vtem-se os ediãcios de uma pequena cidade italiana. A
mai^em do rio estão alguns animaes a pastar, guardados por uma
pastora assentada num rochedo. LeiMo de 14 de Novembro de 1843
pelo perito Simonet.
VISTA DO LAGO DE NEMI
Quadro exposto no Sii/on doannode 1791, sob o numero 321,
TISTA DA PONTE CHAMADA DE JÚLIO CÉSAR XA SICÍLIA
Tela: altura ly.ji; tzomprlniciilo o^.jo
Num rio Tôem-se varias barcas cheias de operários c mari-
nheiros, que estão a tirar pedras do fiindo d'agua. Perto da ponte,
á margem, pedreiros carregam pedras para uma carroça puxada
por vários cavaltos. Entre ellcs está um viajante montado num
cavallo branco ; os planos do fundo mostram altos rochedos c
montanhas. V^nteTaunay, 1831.
VISTA DA PONTE CIIA.MADA DE JUI.IO CÉSAR, NA SICÍLIA
Estudo para O quadro j mencionado; venle Tmtay, 1831.
AS CASCATAS DE TIVOLI
Quadro vendido em leilão, em Paris, a 14 de Novembro de
1843 pelo perito Simonet.
VISTA I>A CAMPANHA ROMANA
Quadro que figurou na vente Taunay em 1835.
D,gt,zedbyGOO<^le
DOCUltENTOS SOBRE A VIDA S A OBRA DE NICOLAU A. TAUNAT 97
FÁBRICAS DB ROMA ORNADAS DE FIGURAS
Tela : allura <»",J5 -, comprimcnio tf^
Quadro exposto conjunctameiíte com outro, sebo numero i86,
no saion de 1789.
PAIZAGEH DA ITÁLIA
Madeira ; altura ti'°,33 ; i:<ioipriniciito <f°,ii)
Pastores, guiando um rebanho de vaccas e carneiros, descem
uma coUina. No fundo dcstacam-se diversas construcçóes italianas.
CoUecção do Barão de Beurnouville, dispersa em leilão a 9 de
Maio de 1881.
PAIZAQEH CA ITALU
Madeira : altura <i/",ií ; comprimcmo cfjp
Um pastor envolto em grande manto e uma mulher montada
num burro descem uma colHna, sõbrc a qual se vécm edificios de
aspecto italiano, cercados de grandes arvores, a tangerem grande
rebanho de carneiros e vaccas. Céo nebuloso. Leilão da collecção
Ph. Sichel a aa de Junho de 1896 ; pertencera ao barão de Beur-
nouville.
PAIZAGEH DA ITALU.
Madeira: altura iV",)?; comprioiculo ij",ío
A* margem de um rio cncachoeirado, num local montanhoso
estão diversos camponios.
Vendido em leilão no Hotel Drouot a 31 de Abril de 1910.
Perito Feral.
PAIZAQEM MONTANHOSA DA ITÁLIA
Numa estrada, ã margem de um rio, numerosos personagens,
rebanhos, carros animam o quadro. Leilão no Hotel Drouot pelo
perito Bloche, collecção B... 10 a 13 de Março de 1890.
PAIZAGEM DA ITAUA ORNADA DB KÁDRICAB E DE FIGiniAS
Tela : allura 0^,54 ; comprimento o" .711
Quadro exposto scb o numero 185 no salon de 1789.
lyCoogle
MtVtttA ttO IKSTltDTO UBtOKlCO
A TORRENTE
Tela: o'-,555>í*".-MS(Oval)
Quadro pertencente á collecção imperial do Museu da Ermi-
agc cm S. Petersburgo. Paizagem que parece ser do Delphioado ou
do Obcriand bemez. Uma cascata no primeiro piano transposta por
uma ponte de madeira. iMontanhas cobertas de neve ao fundo.
A' esquerda um tronco quasi morto de pinheiro ; á direiu uma
mulher c um menino guiam um pequeno rebanho de bois c
carneiros que se encaminha para a pontezinha. Mais ao fundo
um cavalheiro parece estar chamando alguém. Foi adquirido cm
1903 pela direcção dos Museus Imperiaes russos e pela quantia de
500 rublos (a.ooo frs.) ao sr. A. Bouniascowscsy. Asisgnado.
PAIZAGEM MO.VTANHOSA
LTma cidade edificada sdbre rochedos; uma estrada c uma
ponte que a e)ia levam ; no fundo altas montanhas, cujos cumes se
confundem com as nuvens ; no rio vâm-ae uma barca de pescadores
c alguns banhistas : na estrada animaes guiados por um pastor, um
cavalheiro que dá esmola a uma crian^. Enfim à esquerda, sentado
numa pedra e absorto pela leitura do livro que abriu sõbrc os
joelhos, está um ermita, cuja gruta se acha aberta no rochedo da
direita.
Este quadro Itgurou na vcnle Rondei em 1U69.
o CREPÚSCULO NA MONTANHA
O sol deitasse atraz de montanhas, illuminando uma paizagem
muito accidentada. No primeiro plano vaccas, carneiros e cavallos
deitados ou a pastar.
Leilão da galeria Delamarche em Dijon, a 39 de Mato de 1860.
i,CoogIc
OOCDUENtOS SOBRE A VIDA B A OBRA DE NICOLAU A. TAUNAY 99
O CAMINHO RU8T1CO
Quadro pertencente a Marmont, duque de Ragusa, c vendido
em leilão em 1857, após o lãllecimento da dirquezu. Ap. Th.:
Lejeune, Guia tio amador de quadros.
o REGATO DO BOSQUE
Sob frondosa vegeução, um regato cujo leito está cheio de
pedfas ; á margem do ribeiro diversas personagens. Quadro da
primeira phasc do artista, vendido pelo perito Huc num leilão em
Pariz, a'7 de Novembro de 1833.
Representa o quadro um ribeiro, em cujas maryena so víem
altos rochedos coroados de [Mnheiros. Num canto está um jiastor
aguardar trez vuccas. Leilão da collecção Alph. Giroux a 16 de
Dezembro de 1833, cm Pariz.
Tela : «Iciira o'",J5 ; cunipriínculo <t',ii
O centro do quadro é occupado por um rio, que vai ter a
aqueductos e pcrde-sc no fundo entre montanhas ; de um lado
perto de uma estrada vécm-ae diversos grupos de liguras c animaes,
0bricas c minas ; do lado opposto collinas cobertas de arvores.
Leilão da galeria do barão Denon, Maio de 1836.
Ap. Charics Blanc, biographia de Tauuay.
A' esquerda uma ponte, sobre a qual se vò uma mulher montada a
cavallo c tocando gado. Na montanha, ã direita, um moinho de
vento.
PAIZAGEM
Míddra : allura o",* ; comprlmenlo o"', 11
Quadro n. i68 do museu de Ais ea Frovencc. Composição
central um bosqucle de arvores que coroa um monliculo. Num
hyGoogIe-'
100 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
caminho, á direita, trez personagens. No fundo uma cidade, um
castello fortiiicado e casas ; as$ignado á esquerda.
PAtZAGEM COM PIGURAS
Toli : altura lí", ji ; coinprimeiílu o",4g
No primeiro plano um frade sentado a ler. Mais longe um
cavalheiro dá esmola a um pedinte, e um pastor guia um rebapho
de vaccas. A' margem de um rio atravessado por uma ponte vcem-se
pescadores num pequeno bote e vsrios homens que se banham.
Além da ponte um rochedo, sobre o qual constroem um mos-
teiro. Lólão da collecção E. Martinet a 37 de Fevereiro de 1896*
PASTAGEM AO SOPÉ UA MONTANHA
Quadro vendido no Hotel Drouot a 14 de Abril de 1910.
TEMPO TEMI'ESTUOSO
Paizagem ; efleito de chuva torrencial. Collecção do visconde
de Malczieux dispersa em Pariz a 32 de Novembro de 1893.
PAIZAGEM
Quadro exposto sob o numero 684 no s^ilon do anno de 1791,
PAIZAOE.M COH FIGURAS
Tela ! altura a",0! -, comprimuiito o",í«
Quadro exposto sob o numero 76 no sahn do anno de 1793.
PAIZAGEM COM FIGURAS E ANIMAES
Madeira: altura tfK.íO ; comprimento 0",i7
Leilão judiciário efectuado em Pariz no Boulevard Maillot,
n. 100, a 35 de Abril de 1887.
PAIZAZEM E ANIMAES
Tela : altura cf,S} ; i:oinprlmcnto o",4S
Quadro exposto conjunctamente com outro, sob o numero 186
noíotonde 1789.
D,gt,zedbyGOO<^le
DOCtniEfTOS SOBRE A VIDA E A OBRA DH NICOt-AD A. TAUNAT lOI
PAtZAGEM COM ANIMAES E FIGURAS
Quadro exposto conjunctamente oom outro sob o numero 1 87,
no salon de 1 789.
PAIZAGEM
Quadro expoeto no sjlon de 1791, sob o numero 694.
RUIMAS A MARGEM DA TORRENTE
Quadro rendido em leilão do hotel Drouot, a 30 de Outubro
de ift86, pelo perito Gaudon.
A CASCATA
Madeira : altura if.^i ; (U^mprimenla o™,i]
Paizagfem com figuras, que Toi vendida no leilão de 8 de Maio
de 1895 pelo perito Haro no Hotel Drouot.
CASCATA E ARCO-IRtS
Quadro que fíi^urou HAVcnlc Taunay em 1835,
Paiza^m da collecçâo Delaunay, dispersa em leilão de 28 dé
Janeiro de 1848, em Pariz.
VISTA DE UMA FONTE QVF. SE ESCAPA BA BASE DE UMA COLUMKA
CANNELLADA QUE SUPPORTA UMA ESTATUA
Tela oval que pertencia á collecçâo da duqueza de Ragusa
dispersa em 1847. Cm tòrno da fonte vâem-sc lavadeiras a molhar
roupa nas aguas do bebedouro, onde animaes guiados por uma
pastora bebem ; o Tundo é uma paiza^em vaporosa no e^tylo de
Karel Dujardín.
VISTA DA GRANDE CARTVXA DE GRENOBLE
No ultimo plano a<i edifícios do grande mosteiro encostado às
fraldas de alcantilada montanha cheia de pinheiros. No primeiro
plano notam-se diversos operários a scrraj: madeira ; um grupo
,dbyGoogle
103 RmeTA DO INSTITUTO HISTOUCO
de mODges rod6a um burro ricamente ajaezado, cuja rédea um me*
nino tem cm m^OR ; um desses monges está com uma bolsa de
dinheiro e outro a concertar a cilha do animal. A' direita dous
crmãos leigos carrc^m um tacho suspenso de uma vara, e uni
religioso lú attcntameote o breviário. Este quadro está gravado e
rcproduEÍdo no Musée des Árts, de Landon.
VISTA IK> PALÁCIO DE VBEtSALlieS, TOMADA DO LAGO DOS SUISSOS EM
FRENTE k OBANGEHIE
Quadro pertencente à collecção D. de B. vendida no Hotel
Drouot, a,iode Fevereiro de 1891.
VISTA DE MONTMORENCY
Ap. uma referencia da obra de Gault de Saint Germain :
Les Irois siècles de la peinture en France.
PAIZAriKNS COM ANIMAES E FIOURAS
Quadro exposto no salon do anno de 178^ sob o numero
187 com a indicação de que pertencia a um sr. Nodoue.
PAtZAGEM DO FRANCO CONDADO
Quadro exposto no salon de 1834 sob o numero lóis.
VIADUCTO EM RUÍNAS
Tcl* : aUum o™,.-;! ; comprimenro if.y)
Quadro vendido no hotel Drouot em Pariz, a 15 de Maio de
1903, por 1 .600 {■'ancos.
XVI
IMnrtnhn** ««aiiM* mnrlttmna
VISTA DE UM PQRTO
Madeira; altura 0^,14 ; comprimento o.^si
No primeiro plano numerosos personagens conversam. Leilão
da galeria de i/itas. Q. Gr. a 6 de Junho de 1899, pelo perito
Sortais.
,dbyGoogle
DOCUMENTOS SOBRR k VtDA S K OBDh DE NtCOtAlI A. TAONAY lOJ
VISTA DE UM PORTO DO MEDITERRÂNEO
Quadro exposto sob o numero 373 no salão de i!Wl. Num
C3ci rodeado de altos edifícios vò-se grande numero de fardos de
iiiiircadorias de toda espécie e muitas pessoas. Céu nebuloso.
Leilão da coilcção Odiot a 3 de jilarço de 1B47,
\1STA DE UM PORTO DE MAR
Madeira: allur* tf"^ ; ctimprlmentn o^/j,! .
Panorama de um pono, em que se avíatim i^odes c pe-
quenos navios. Este quadro faz parte da galeria dos duques de
Leuchtenberg, que muito tempo existiu em Miinlch, sendo depois
transportado para ^o Peteraburgo. (V. catalogo de 1837).
UM PORTO DE HAR
Td«; altura r/",},i : comprimento <^,4a
Quadro exposto conjunctamente com outro sob o numero 1S8
no salon de 1789,
UH PORTO DE MAR
Telai altura a*<,A8 : comprimento o",;;
Quadro exposto no salon de 1789 sob o numero 188.
VISTA DE UM PORTO MARÍTIMO NUM DIA DE VEVOEmO
Quadro exposto ao salnn do anno de 1796, sob o numero
IKORNpIO DE UMA CIDADE MARÍTIMA
Quadro exposto sob o numero ^176, no salon de 1814.
PEÇOEWO PORTO DE MAR
Quadro exposto no salon de 1813, sob o numero 884.
MARI>nTA NUM DIA DE TEMPESTADE
Quadro vendido num leilão diri^do pelo perito George, em
Pariz, a 17 de Dezembro de 1879.
DigtizedbyGOOgle
I04 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
MARINHA
Quadro exposto sob o numero 453 no salon de 1796.
MARINHA, EFFEITO DE LUAR
Telí! altura om.j; comprimento o"^
Quadro que figurou na vente Taunay em 1835.
NAVIOS CARREGANDO
A beira-mar vém-se vários navios carr^ndo. Sobre riles e
na praia numerosas figuras. Leilão da galeria da viscondessa de
Cboiseul, em Paríz, a 17 de Março de 1849.
NADPRAQIO DE UMA CHALUPA
A embarcação vira numa cataracta. De pè sobre um rochedo
vê-se uma mulher desesperada. No fando do quadro, collinas
revestidas de matta, arvores e uma fobríca. (Catalogo do sahn
de 1787, em que esteve exposto o quadro.)
NAVIO EM PERIGO
Collecção Marcille vendida em leilJlo a 37 de Abril de 1857,
em Paríz,
RASGO DE CORAGEM
rcii; altura i'",i57 ; comprimento a^.gs ; fiÇflira» de ef.^o
Quadro exposto no síUoa de 1802; adquirido pelo Estado
por indicação dos artistas expositores d9 salon, para o Museu Na-
poleão. Do Louvrc passou para o museu da cidade de Saintcs.
Representa a acção heróica de uma criança de doze annos,
Toussatnt QuiUot, de Port Léon, na Bretanha, que estando a banhar
um cavallo do ermSo, vã duas crianças prestes a afc^r-se nas
ondas encapelladas, attra-se ã agua c salva as duas victimas. O
quadro traduz o momento, em que o rapazito volta ã praia
asm a segunda das crianças. A primeira, desmaiada, jã está nos
braços da mãe e de uma outra mulher, que acudiram ao barulho do
perigo. No primeiro plano vfl-se um menino segurando nas rédeas
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DOCUMENTOS SOBRE A VID\ E K OBRA DF. NICOLAU A. TAUNAT 105
do cavallo do joven Toussaint; perto, outra mulher parece
querer levar as roupas dos banhistas, outras mulheres e velhos
correm de diversos lados para assistir ao espectáculo. Nos últimos
planos, numa espécie de cães, cheio de numerosos edifícios, avis-
ta-se uma multidão de indivíduos occupadoB em diversos misteres ;
num canal barcaças carregadas de mercadorias, mais longe um
navio que está sendo concertado, outro ancorado no portO e um
terceiro que entra a todo o pauno para evitar a tempestade, que ao
longe se Torma.
o SALVAMENTO
Madeira: altura (i™,i7 ; comprimenlo o",íl
No primeiro plano a raultidSo se comprime em tomo de
varias pessoas que acabam de ser arrebatadas ás vagas, num porto
de mar. Um moço segura um cavallo pelas rédeas. A' direita uma
pane da cidade com suas torres, estaleiros, um edificto de arcadas.
Este quadro ó a primeira idêa de outro quadro de grandes dimen*
soes : o Rasff) Je coragem do salon de 1802, hoje no Museu de
Saintcs. Em 1878 esteve exposto no Museu das Artes da De-
coração e em 1890 reappareceu com a dispersão da coUecção Rothan.
os NÁUFRAGOS
Madeira; altura cf.ij-, compriípcnto •y",:}
Quadro que figurou no leilSo da collecçáo Haro (30 de Maio
de 1392), Provavelmente ptndani do precedente.
Ilctrata*
AUTORETRATO
Teli; altura o",is: comprimento o™,it
Quadro pertencente aosr. Victor A. Taunay, de Pariz.
Representa o artista aos quarenta annos mais ou meno», em
'795, cabelloa crescidos repartidos ao meio, visto quasi de frente ;
traz um collarinho e uma gravata de incroyahie. Reproduzido em
A Missjo Arlistkci de T^ió, obra da lavra do anctor deste catalc^.
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I06 KIT»TA DO ntSTITDTO HnTOIUCD
ADTORETRATO
Tcln: allura ''",73; comprímontii tf" ,59
Quadro que figurou na /ítjftosiçáo dos Retratos do Scctiio em
1883 e 1884, realizada era Parii em proveito da Sociedade Phihn-
tliropica. Nessa occasiáo pertencia ã collecção do sr. Boitellc.
A pintura reproduzida na obra do dr. Laudelino Freire: Um
século de pintura, como o autoretrato de Nicolau António
'1'aunay, está evidentemente mal attribuída ao pintor, pois repre-
senta pessoa que em nada se parece com qualquer dos seus seis
retratos authenticos. Houve manifesto c absoluto engano nessa
procurada identificação.
JOSEPHINA TAUNAT, ESPOSA DO flNTOR
rtlametro de íf.fç (Clrculsr).
Miniatura pertencente ao sr. Victor A. Taunay, de Pariz.
Representa uma moça de cabcUos caídos sobre os hombros,
vestido meio decotado deixando ver bello collo. Traz ao pescoço
uma corrente que sustenta um medallião sobre o peito.
MADAME TAtJNAV G SEDS FILHOS
Marllqi: diâmetro o» ,08 (Circular).
Miniatura pertencente em 191 1 ao sr. Victor A. Taunay, de
Pariz. Madame Taunay, esposa do artista, senhora de vinte e
lx>ucos annos tem noa braços Tlieodoro, seu quarto filho, criança
de mezes. Rodeíam-no os outros três filhos mais velhos : Carlos, de
costas, a correr, Hippoly to a tocar pandeiro e Feli j a tocar violino ;
ã direita e à esquerda arvores.
CARLOS TAtJNAY, FILHO DO PINTOR
Quadro em que o filho do pintor é representado fardado com
o uniforme da Grande Armée. e pertencente i Pinacotheca Nacional
do Rio de Janeiro,
CARLOS TAUMAY
Representa-o na primeira infância.
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DOCOllEKTOS SOHRR K VIDA F. A OBRA DE NICOLAU A. TAUNAT IO7
HIPPOLYTO TAUKAT, FILHO DO PINTOR
Teia pertencente ao sr. Victor A. Taunay. RepreaenU um
aJolescente, visto de trez quartos, vestido de farda, com um largo
collarínho, cujas pontas caem sabre a gola do uniforme,
IIIPPOLYTO TAUNAY
Representa um adolescente. Pertencente a Madame Aíezes-
cases Taunay , de Alcnçon.
FÉLIX TAUNAT, FILHO DO PINTOR
Qaadro pertencente á Ftnacothcca Nacional do Rio de Ja-
neiro, Representa um adolescente.
FÉLIX TAUNAY
Quadro pertencente 4 Pinacothoca Nacirmal do Rio de
Janeiro. Representa otna criança,
TIIEOtKJRO TAUNAY, FILHO DO PINTOR
Quadro pertencente ú Pinacotheca Nacional do Rio de Ja-
neiro.
THEODORO TAUNAY
Quadro pertencente á Pinacotheca Nadonal do Rio de Janeiro.
ADRIANO TAUNAY, FILHO DO PINTOR
Quadro pertencente á Pinacotheca Nacional do Rio de Janeiro,
ADRIANO TAUNAY FILHO DO PINTOR
Retrato em criança do mais moço dos filhos do artista.
GERARDO VAN SPAENDONCK
"m/i: nilura 0.49; coinpr1nientao,4o
Este quadro pertence ao Mosen de Versalhes e hm parte da
collecçâo de Luiz Philippe, que o adquiriu em 1840. Representa o
celebre pintor de flores em avançada edade, com longa cabelleir
branca e TÍsto de trez quartos.
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I08 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
IIUBERT ROfiERT E SUA FAMÍLIA
Retrato do piotor, aua mulher e quatro filhos, executado sobre
a tampa de uma grande tabaqueira.
V. a obra de C. Gabillot: ffubert Roberl et son temps.
JEANNETON, CREADA ORAVE KA FAMÍLIA TABNAY
Quadro pertencente À Pinacotheca Nacional do RÍo-de Ja-
Ap. uma reFerencia do Leitíco de Napler, biographia de
Taunay,
o NOIVADO DO PINTOR
Papelão: dlametia <v",o6s (Circular)
Miniatura pertencente ao sr. Victor A. Taunay, de Pariz. O
artista acaba de ver o seu pedido de casamento acceito. Está a con-
versar com a futura sc^ra, quando entra a noiva. M3e e filha
abraçam-se ternamente. No fundo á direita um aparador, onde se
notam uma garrafa de crysta) e uns pratos. Ao bdo uma cadeira ;
á esquerda uma grande janella, para qual dà Nicolau Taunay as
costas.
Painel decorativo de um grande relego pertencente ao chefe
de policia Cios, amigo de Voltaire, c em que havia pinturas de
Joseph Vcrnet e a representação dos signos do zodiaco cinzelados
por Sauvage.
ESTUDO DE GATO E MACACO
Ap, o cataliso da vente Taunay de 1835.
ESTUDO DE GATO E PAPAGAIO
Ap, O catalogo da venle Taunay em 1835.
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DOCONENTOS SOBRE & VIDA £ A OBRA DB NIC01.AD A. TAUNAT lOÇ
NEGRO MOÇO
Tela que tigurou na venlc Taunay em 1B35.
NEGRA MOÇA
Tela que figurou na venb: Taunay em 1835.
Qnalm ie Nicolan AntODiíi %mi perleDcenlGii a Mmas
FRANÇA
Pariz (Museu do L^urre) — Pedro, v Eremita, ^égxndoa
ertrjada — A parada (guacbe).
Museu Caniavalcl — A dinica do Dr, Moreau.
Jardim das plantas, Museu de Zoologia — Visla da cascata
Tauuay, na Tijuca.
Versalhes (Museu Nacional) — Batalha t^Ebersbcrg — En-
trada deKapoUáo em Munich — Combtic de Cassaria — Batalha
de Katareth — Bonaparte rectí>endo prisioneiros no campo de
batalha — Entrada da Guarda Imperial em Pariz — A passagem
do monte São Bernardo — A travessia da Serra Guadarrama
— Retrato de Gerardo van Spaeodonck.
MoNTPELLiER (Museu Fabre) — O joff) de botas — 1'csía de
aldeia — Pastores descansaiuio.
Nantes (Museu de) — EiKotitro de Henriqne IV e Sully
depois da batalha de hry.
Grenoule (Museu de) — A adultera aos pés de Christo.
Evreux (Museu de) — Encontro de Sidty ferido com fíenm
rique IV.
Cmerburgo (Museu de) — Os pastores da Arcádia.
Saintes (Museu de) — Rasgo de coragem de uma crian^.
D0UAI (Museu dé) — Missa campal Htima capdla de São
Roque.
Rennes (Museu de) — O Rapto.
Aix EH PROVENCB (Museu de)~-Paisigem.
,dby Google
lio REV13TA DO INSTITUTO HtSTOIUCO
QuiMPER (Museu de) — Moisés ferindo o rochedo — Ataque
de bandidos.
CoMi-ikoNE (Palácio de) — fxíerior de um hosfntal mililar
provisório.
Nict, Prefeitura do. Deparumeulo dos Alpes Marilimos — A
pregação de São João Baptista — Tomada de uma cidade.
AftGEL (Museu de) — ^ ursa.
DIVERSOS PAIZGS
Londres (Victoria and Albert Museum) — Hccna marilima
wi Rio de Janeiro.
McNicii (Galeria dos duques de Leuchtenberg) — Marinha.
São Peteksuuruo (Museu Imperial da Ermitage) — A fotgfl
no acampamento — A iorrenlc — Dansa de aldeões.
Rio de Janeiro (Pinacotheca Nacional) — O thealro de La
Folie — Herminia e os pastores — O mensageiro da paz — V
.Largo da Carioca visto de Saneio António — Vista da bahia de
Botafogp — Vista tirada do Convento de Saneio António — Doua
retratos de Hippolyto Taunay — Doua retratos de Carlos Taunay
— Dous retratos de Félix Taunay — Doos retratos de Tlicodoro
Taunay — Retraio da creada grave Jeanneton — Dous retratos
de Adriano Taunay — Quatro esboços : Os evanj^elistas.
flnalros Biisleotes no Brasil e {erEenceflles a coUgcijõbs particnlarGS
Rio DE Janeiro — O vendedor de cavallos, de da. Adelaide
d'£scragnollu Taunay Dória — Festa napolitana, do dr. Raimundo
de Castro Maia — Vista tirada da £-^lrada da Tijiica, do dr. Rai-
mundo de Castro Maia — BaT^r oriental, da baroueza de Ribeiro
de Almeida — Pastor a tocar Jlaula, do dr. Joaquim Murtinho
(altribuido ao pintor).
SXo Paulo — A partida do Filho Prodig<>, do dr. Augusto C.
da Silva Telles — Franccsco Francia — <}s fftnaos de frei Phi-
lippe, de Affonso d'E3cragnolIc Taunay.
,dbyGoogle ■
r>BSE3sriios
Os deseahos de Nicolau Taunay são raramente eDcontrados e
altamente cotados. A seu respeito emittiu Edmundo de Goncourt
na AhisoR d'un artiste muito lisongeiros conceitos.
Museus que os possuam só conhecemos o Louvre c Versalhes,
provenientes da acquisição leitu pelo Estado francez aos herdeiros
de Denon.
O celebre director do Museu Napoleão tízcra executar uma
grande serie de desenhos, aquarellase guaches por diversos artistas,
entre outros fiagctti, Bourgeoís, Meyníer, Zíx, Taunay, etc, remo
morando os episódios mais notáveis da campanha da Itália.
Por sua morte, porém, esses desenhos tiguraram em inventario
c durante longos dcccnnios pertenceram aos seus herdeiros até
que, ha alguns annos, indo a leilão, embargou o governo francez
a praça e os adquiriu mediante accõrdo com os possuidores.
Entre etles havia quarenta c quatro devidos a Taunay ; Ibram
divididos entre os museus do Louvre e de Versalhes, licaddo o
primeiro com os esboços o segundo com as peças definitivas.
LOUVRK
Heniiit: altura u'",iJ7 ; coinpniDCiilo'<.'',}jii
Esboço para o desenho : Incêndio de Baunasco.
['lombaifloa : aliura o",i7; ; twnpr] ncnlo rf",iS4
lísbôço para o desenho : O diKjiic de ModcitJ /ogc da íiaade
carregando os seus Ihesouros.
No alto o Taunay o em baixo « Sabida do duque de Modena ■.
i,Coogle
113 REVISTA 00 LXSTITUTO UISTORICO
Penna: 3Jturau'",iu5 ; comprlmunlo o*,j30
Esboço para o desenho : Lannes enira em Pavia, que é en-
tregue ao saque.
No alto w Taunay » a lápis.
■■lomliaijiua: altura o"',aili ; conpriíncnlo (^,:j9
Cerco de Mantua ; entrada da ponte de S3o Jorge.
|>lomba(-iiia: aJiura oi^.ios ; comprlmcnio <j'°,iy>
Esboço para o desenho : Batalha de Bor^teUo. O Miitcio.
Caslellode Vareggio.
l'Ioiii batina: allura o'",iu5; cumprlutiDlo o'",^
Esboço, sem íadicaçócs : Dms folhas coitadas. Sem as-
signaura.
I>lumbagiii3: allura o™.^; i:onipriincii[oo'".33l
Esboço para o desenho : Cerco de Mantua, O^palado do Tê,
PJombagína: altura uio.iis^coDipniactita V",i<n
Esboço para o desenho : Peliole, pátria dt Virgilio.
l>ciiDa: allura oi>>,h3i comprimento ti^jm
A praça principal de Lonato.
, Plombagina; alliirx c.i.jj-, comprimento o»', lúo
Esboço para o desenho: Tomada do caslello de La Pieira.
Pcnna a plombagina: aUura o"", 191; coioprinninio o^.sjQ
Esboço para o desenho : Batalha de Rivoli.
Plomba;{lDa: altura ,0^,119; <;omprimciiio o», 140
Esboço para o desenho : O exercito Jrancez se apodera de
Faenza.
Nanklm: altura o'".]i9; comprimento o<",3»i)
Esboço para o desenho : Combate no desJUadeiro da Dura.
Ptombagina: allura oi^.iio: comprimento o<», 161
Esboço para o desenho : Tomada do forte de Chiusa,
,dby Google
DOCUMENTOS SOBRE A VIDA E A OBRA DE NICOLAU A. TAUNAT 11$
VERSALHES
NaDkim; aliura om,:s5; comprimento o", 115
O duque de Modena foge da cidade carregindo os seus lhe-
souroi. Assigmtdo.
Sepiae uanklrn: altura oi^,!^; coroprimenlo o<°,3i3
Incêndio de Bagnasco, cujos habitantes haviam tomado armas
contra os Francezes, a 24 de Maio de vjgb. Aasignado.
Naakim : altura o^n.ill ; comprímenlo o™,356
Lannes em Pavia, que é entregue ao saque. Assigoado.
Nankiin : altura om,ig6 ; comprimento o°<,3iã
Batalha de Borghelío. Os granadeiros do general Gardanne
atravessam o Mincio, 28 de Maio de 1796. Assigoado.
Nankim : altura o°',ti3 ; iiomprimealo 0^,145
Sitio de Mantua. Bonaparte occupa o bairro de Sãojorgp, 3
de Junho de ij()6. Assignado.
Circo de Manlua. Bonaparte faz mudar a direcção das bale-
rias para poupar as pinturas de Júlio Romano existentes no palácio
do Té, Junho de 7796. Assignado.
Nankim : altura »",i8j ; comprimento o",i83 ■
Petiolc, pátria de Virgilio. Bonaparte ordejia a elevação de
um monumento em honra ao poeta, Jualio de 7796. Perdoa aos
habitantes a contribuição de guerra. Assignado.
Nankim: altura o"',i88 ; comprimento o",3Jo
Combate em Saio entre Francezes e Austríacos, a 31 de Junho
de f^. Assignado.
Nankini: altura o*", 194 ; cumprimento o^,]ij
O exercito passa por San Miehele, Março de r^. Assignado.
DigtizedbyGOOgle
It4 ttwmtK no íiwnwto Bmotacú
NanUm ; altura o<",uq -, comprimeoto o",iig
Combale no desfiladeiro da Dura. Assignado.
NaDkím : allura o",!^ ; comprimento <^,S7ú
A arlUheria passa pela vereda de Albaredo a 2j de Mar^ de
lõoo. Assignado.
Nauliím: altura o'", 4;8i comprimcnlo □".jsi
Bonaparte examina o forte de Bard, a 13 de Maio de 1800.
Não assignado nem datado.
Pcdn negra lavada o
Arona. Eslatua de São Carlos Borromeu.
Lápis preto lavado com nankrm : altura o'",i9i{; comprimento (^,189
Napoleão chegando a Sancto Ambrósio no dia de sua coroação
como rei da Ilalia, 1805. Assignado.
Naitkjm : aliura o^.irj comprimcnlo o", agi
Tomada do forte de Chiusa, Março de fji^. Assignado.
Naokim : allHta o^.tM ; comprimento i^jjS
O exercito f rance: se apodera de Faenza a 6 de Fevereiro de
ti^. Assignado.
Plombagioa; altura o"", 307 ; comprimento o">,ais
Bonaparte entra em Imola, Fevereiro de 7797. Náo datado
nem assignado.
Nankim: altura o", 119; comprimcnlo 0^.6^0
Serrurier chamado por Bonaparte levanta o cerco de Mantua,
a 3í de Julho de i-^. Assignado.
Nanklm: altura tf", 135; comprimento o^.iõg
Msnge, enviado por Bonaparte, é recebido pelo Conselho da
Republica de São Marinho, Junho de J796. Assignado.
D,gt,zedbyGOO<^le
DOCUMENTOS SÔBRfe A VlbA t k OBRA DE NICOLAU A. TAUNAY 11$
Nankini! iltura 0",!^ ; comprimento iy*,jç7
Bonaparte chegi a Lonalo ; informam-no de que a guarnição
foi inlimaJa a que se rendesse, 4 de Ág)sto de i-^4. Aasignado.
Nankim: allura <f"^li ; comprímcDlo 0>°.$i2
Madame Bonaparte indo para Legnano no Lago de Guarda,
Agasto de J79Õ. Sem data nem nome de auctor ; attríbuido a
Taunay.
A(]uarclla: allura (y",):6 ; com p ri mento o" ,301
A occupaçSo de Brescia, 4 de Agosto de 1796. NSo datado.
Attribuido a Taunay e Montigny (?).
NaDklm: altura V.m!; comprimento on.sSo
Casti^ione; os Austríacos eniregindo a cidade. Asàgnado.
Nankim; altura o», 156 ; comprimento o>°,»8
Combale de Ma\etta. Massena ataca os Austríacos que recuam
fin direcção a San Marco. Assignado.
Nanliím: altura om, 179; comprimento ('",»5s
Massena e Dammarlín se apoderam do citstello da Pieira.
Asmgnado.
NaDklm: altura 00,179 ; comprimento 0^,16;
Escaramuça no desfiladeiro de Lavío. Trez caçadores a
cavailo e da^ granadeiros contém quatrocentos Austríacos e os
obrigim a capitular ; 5 de Setembro de !-^g6. Asagnado.
Nankim: altura o™ ,it6 ; comprimento 0^.337
Massena entra em Bassano ; 8 de Septemhro de ri<)6. Aasi-
gnado.
Nankim: altura o™,3;t ; comprimento iif"fi«
O marechal Wurmser encerra-se em Manlua ; 3 de Septembro
de 1796. Asugnado.
,dbyGoogle
REVISTA DO INSIITUTO HISTÓRICO
Baialha de Rivoli. Chegada da divisão Rey ao nascer do sol ;
14 de Janeiro de 1^9^. Assignado.
atf",íO; comprimenio iy",647
Baialha de Favula. O ^neral Provera entregi-se; 16 de
Janeiro de ii<^, AssigDado.
As trez illustraçoes, que Taunay fez para a grande edição das
obras de Racine, impressa por Didot em 1801, são peças de alta
valia: duas pertenceram a E, de Goncourt, que deilas talla na Miúon
^un arliste, e têem de altura onze ceotimetros, de comprimento
oito, e foram vendidas por occasião do leilão de seu espolio, em
Fevereiro de 1897, por 6co francos.
Representam um juiz accompanhado por dous indivíduos, que
lhe illuminam o caminho com archotes ; uma audiência de Perrin
Dandiu, a tão cómica scena dos cachorrinhos, c a scena em que
um escrivão ajoelhado escreve sobre a perna.
A primeira foi gravada por B. L. Prevost; a segunda pòr Le
Villain e a terceira por Duvai.
A Bibliotheca Nacional de Parii possue dous beilos desenhos
origiuaes de Taunay, na coUecçao Hcnnin, estudos para os grandes
quadros: A travessia da Sierra Guadarrama e o Ataque do
castello de Cassaria.
No primeiro, caminha o exercito francez debaixo de ver-
dadeira tromba d'agua, idea que o pbtor não manteve no
quadro.
Dentre os desenhos grandes de Taunay conhecemos: Pemr
da família real de Bourbon sobre o tumulo de Luiz XVI, gra-
vado : arrbas que o artista entendeu dar á Restauração, de que
não era seu inimigo; o Recitativo, gravado por Ponce, em que se
vé um desfructavel trissotin a recitar ante um circulo de homens
e mulheres mais que maduras.
,dbyGoogle
DOCUMENTOS SOBRE A VIDA E A OBRA DE NICOLAU A. TAUNAY M?
O catalogo do leilão do atelier do pintor, em 1831, menciona
com especial referencia um grande desenho a nankim sobre papel
branco, representando José tio meio dos ermãos, numa bella paí-
zagem animada por graodes rebanhos. « Tal desenho, o único no
género deixado por Taunay, attrahirá certamente a atteaçâo dos
amadores», diz o livrinho.
O sr. Victor Taunay, de Pariz, neto do artista, possue uma
certa quantidade de desenhos diversos do seu antepassado illustre,
a nankim e sépia, muitos e valiosos estudos de cavallos, carneiros e
bois, i;rog»is de estudo para paizagens, vistas da Itália, diversos
projectos e esboços de quadros, muitos dos quaes realmente apre-
ciáveis como Uma festa de aldeia ; Camponezas a apanhar agua
àfonle; Um bazar; Uma procissão na Itália; Rebanho de bois e
carneiros ; Lacta de S. Miguel e do dragão ; Tropas ajnarchar,
etc. Os estudos sobre animaes são realmente de nota.
Em i88g, por occasiâo da Exposição Universal de Pariz, fez-se
uma exposição retrospectiva de quadros e desenhos abrangendo
o período de 1789 a 1889.
A mã fé ou a ignorância dos organizadores fez com que o
nosso pintor hella figurasse representado por uma tela mais que
medíocre, uma de suas peiores obras: O general Bonaparte rece-
bendo prisioneiros no campo da batalha, quadro 'do Museu de
Versalhes, que é realmente pouco digno de admiração. Essa gra-
víssima injustiça para com o artista levou um ou outro crítico a
lhe depreciar a reputação, estribando-se, para julgar a obra de
quem produziu centenas de telas, no estudo de um único exemplar
de sua arte. Entre outros o sr. Arsène Alexandre, litterato cujo re-
nome Dão vai muito além do circulo de suas amizades pessoaes,
valha a verdade.
Na exposição de desenhos organizada pelo sr. Carlos Ephnissi
o nosso pintor foi muito mais feliz, pois delle expuzeram duas
lindas peças, a acreditarmos o que diz o artigo de crítica do
marquez de Chennevières na Gazette des Beaux Arls, pag. 127,
1889. Esses dous desenhos eram : o primeiro, plomba^na e sepàa :
Um cura a reprehender rapazes e raparigas, sobretudo ama mo-
lyCoogle
Il8 UniTA DO miTlTUTO BUTOniCO
^ila qua subira numa arvore e que um rapaz ajuda a descer.
« Não é sinão am sopro, diz o articulista, amarei, delicado, fresco,
porém o ; na segunda peça, uma aquarelU : Fesla campestre na
Itália, ss vèzm oà raflexos doirados daq^elle sol italiano, qus cod-
vinham maravilhosameate á palheta daquelle que fpi procurar o
Astro Rei até ao Brasil ».
De quaado em quaaio apparecem no Hotel Drouot, cm Pariz,
desenhos e aquarellas do Tauoay.
Nos ultitnoa ânuos temos canhecimeRto de alguas, bem poucos
inlsliimeote:
O Jariim do Poiais Royal, peona e aguada ; collecçâo De-
loyes dispersa cm Junho de 1 899 ; aasignado e datado ; representa
uma multidão de elegantes e de muscadins a passear e a conversar ;
O Pastor gilanteajor, vendido por 345 francos no Hotel
Drouot no leilão de 37 de Novembro de 1909 pelo perito Delteíl ;
A caçada dn veado, as^iignado e datado: 1783, desenho a
psnna c aapia pertencente á collecç5o Deatailleur, pago por aóo
francos no Hotel Drouot, em igor ;
O recreio, coUecçâo do Marquez de Chenneviires, vendido a 6
de Maio de 1898 no Hotel Drouot ; altura 18 ceuttmctroa, compri-
mento 34 centímetros. Ê o desenho, a que se refere o artigo acerca
de exposição retrospectiva de 1889. Alcançou então 695 francos.
,dbyGoogle
o Louvre possue uma linda guache deTaunay proveaiente do
l^do Audéoud : La Parade, onde se \é, sobre um estrado, um
palhaço e dous pollchinellos representando perante um publico e
aldeões em alguma feira. Essa obra do artista é soberba, de uma
suavidade de colorido extraordinária, harmoaiosa e elegante quanto
possível. Uma gravura popularizou-a, desde atgura tempo (i).
Os Goncoun contavam na sua esplendida coUecçSo artística
diversas guacbes de Taunay, entre outras : Abertura de uma
estrada no campo (o" ,33 X o", 25), em que se vê um certo numero
de operários trabalhar na terra, e vendida a 17 de Fevereiro de 1897
por 3.400 trs. A seu respeito exprime-se E^mond de Goncourt
na Maison d'un arliste: v Um desenhador de que só se encontram
habitualmente desenhos e íllustraçóes da. velhice sem os characte-
ristícos accentuados do século XVIIl e que, cousa de muitos
ignorada, foi um dos mais espirituosos e elegantes guachístas do
século XVIII, um guachista que sabre a pelle apergaminhada fez re-
viver a clara e esfusianle pintura de Pater com os seus deliciosos
loques claros e luminosidade dos suaves matizes, os còr de cinza
esverdeados, os vermelhões e amarellos de enxofre . . . «,
NOU : Eitensos apontamentos súbre mais de oitenta quadros, Dumerosos de-
senbos, guachcs.etc. da lavra de Nicolau A. Tauna; possuc-os ainda o auclor
deste ensaio.
Dclles, iofelízmeote, nSo ponde ulilliar-se poli que, desde Julbo d(
acham os seus maauscríplo'!. completos para orçamento, em mios de
esiabetecido na lona da França, invadida pelos exércitos alIemSes.
Devia uma ediçSo francezi da presente memoria, profusamente illusl
perecer simuUaneamealc com a brasileira ; vieram os acontecimentos <
graçSo européa Impedira realização de um projecto summamentc caro
meno^, pOT longo tempo adiado.
(i) Fdra esta guacbc vendida ao legatário pela somma de iS.Ioo tia
D,3 zB<ibyCOO<^le
130 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
As guaches de Taunay attmgem preços muito elevados nos
leilões de collecçóes artísticas em França. Citemos nos últimos
annos: A entrevista, da collecção do conde de Bryas dispersa a 4
de Abril de 1898 (altura 17, e comprimento 13 centímetros) e ven*
dida pela somma de 840 frs.; Uma boda de aldeia, dacolIecçSo
Pipard (Hotel Drouot, 3 de Março de 1900) vendida por 1,810
Irancos.
,dbyGoogle
Obras iè Tamiay reprodiiziias pela giaTDra; artistas m as grararai
De todos os gravadores, que reproduziram obras de Nicolau
Taunay, destaca-se na primeira plana Descourtis, cujas famosas es-
tampas Feira de Aldeia e BoJã de Aldeia, reproduzidas por
varias tiragens fiancezas, inglezas e allemans, attingem a elevadís-
simos preços, quando da primeira edição.
Descourtis {Carlos Melchior), gravador em cores, no mesmo
género db que Jeannlnet, seu mestre, nasceu em Pariz em 1753,
e alli falleceu em 1830.
De Taunay gravou duas series de quatro assumptos. A pri-
meira consta da : Feira da aldeia ; A Boda da aldeia ; A Rixa ; O
Tamborileiro e a segunda da coUec^o chamada do Filho Pródigo,
a saber ; A Partida do Filho Pródigo ; A Orgia do Filho Pródigo ;
o Filho Pródigo guardando porcos, e A Volla do Filho Pródigo.
Das duas primeiras dizem o barão de Portalis e Beraldy na
sua obra de grande auctoridade acãrca dos gravadores firancezes
do século XVlll : « Essas duas estampas de dous quadros fi-
Dissiiiios de Taunay foram reproduzidas com um gosto encantador
e Duma escala de tons muito harmoniosa I e das quatro da ultima seria
— Os assumptos da Vida do Filho Prodi^ — ^0 muito maus >.
A Rixa e o Tamborileiro sâo boje muito estimados, embora
alcancem preços um pouco inferiores aos das duas primeiras.
Na vente Behague em 1877 alcançaram as quatro provas, da
serie avantioute letlre, a cotação de 1.500 francos: as mesmas, em
1885, na veíi/e Hocqaert attiogiram 3.100 francos.
Descourtis gravou estas estampas em dous formatos, um de
310 sobre 340 "/m e outro, reduzido para 33, de 95 sobre 65 "/m.
Do grande formato ha trez estados : antes de qualquer lettreiro,
com lettreiro e armas, armas apagadas e lettreiro substituído por
. Google
122 REVI3TA DO INSTITUTO HISTÓRICO
lettras ínglezas como na Ttixa e no Tamborileiro. Destas duas ha
dous estados ; antes do lettreiro e com letCreiro.
« As estampas de pequeno formato no original sâo negras, às
vezes apparecem coloridas, inas isso não é sináo uma pura phan-
tasia de amador que as pinte e mal. Ha uma particularidade a
assignalar : A Boda eetà gravada ao inverso, e A Feira no mesmo
sentido que o exemplar maíor. Ha também algumas pequenas
divergências entre o pequeno e o grande formato : A Rixs e o Tam-
borileiro d3o foram reduzidas. Toda a serie é muito procurada ;
as duas primeiras tém sobretudo grande cotação. Foram todas
quatro reproduzidas pelo sr. Magner e muitas veies imitadas. »
n O Marquez de Vareones possuiu uma dezena de provas ori-
ginaes de ensaio da serie. A aquarella original da Rixa está
actualmente em cosa do ar. M. F. Vergues. Ateia original, quo
pertenceu ao sr. Charles Pillet, figurou em 1878 na Exposição das
Artes de Decoração ( 1 ) .
Actualmente o preço corrente da serie é 3.000 frs. para
09 exemplares que téem grandes margens {2).
As quatro Filho Pródigo atttngem quando muito a 300 frs.,
mas são muito raras. Em todas ha um certo numero de versos
de auctor a nós desconhecido.
Alix (Pedro Miguel, 1763-1817), gravador de grande mérito,
gravou de Taunay duas esump)as, in 4', sobre comprido, em
cores, dizem Portalise Béraldy, com ^gM/mdealtosôbre 226"/'"
de comprido ; seis estampas, segundo o Manual do Amador de
Estampa, de Charles Blanc. As duas que conhecemos são: Ro-
bison, o Hispanhol, Sexta-Feira e o Puee O aprendi\ carpin^
teiro de Robinson.
Aubert (Pedro Eugénio) nascido em Pariz em 1780 e grava-
dor das Galerias Históricas de Versalhes, foi quem reproduziu o
(I) Bourcard, Estampas do ScculoXVIll.
(1) No tcjlão P. Barrot, a 10 de Junho de [907, aa quatro cslampaa cm quesllo
antes da Imprcs.^ao das armas o do» retoques fcllos mais tarde, com grandes
margcDB, altlngiram o prcfo fabuloso de ig.ioo rrancos .
,dbyGoogle
DOCUMENTOS SOB«E A VIDA E * OBRA D!! NICOLAU A. TAUNAT 123
Combale de Nai^relh e A Passagem do São Bernardo, que
tiguram nessa obra.
De Boquet (Pedro José), gravador de aguadas do comíço do
Beculo XIX, conhecemos duas reproducções de Taunay in 4°,
Annuncio de feli^ regresso iã Volta do militar ao lar paterno.
De Nicolau Ponce (1746-1831), artista dos mais considerados
entre os gravadores da épocha, conhecemos a reproducçSo de um
pequeno e espirituoso desenho de Taunay, um<xnacu\oà&prícteux
e précieuses a ouvirem um trissotín que recita.
A Gelée {António) nascido em 1796 e discípulo de Pauquet
— grande premio de Roma em 1834, habil burilador, mas muito
adsCricto ao losango, se deve a reproducçâo da Passagsm do Gua-
darrama, nas Galerias Históricas de Versalhes.
Frederico Schrceder, originário de Hesse Cassei e morto em
Parizno annode 1839, burilador, gravadorde paizagens, de alguma
habilidade, gravou ; Ataque do Caslello de Cassaria e a Entrada
de Napoleão em Munich, para as Galerias Históricas de Versalhes.
Do ultimo assumpto fez uma estampa de granias dimensões.
Lacoste pac, gravador xylographo de nomeada, reproduziu
de Taunay a Batalha da Rivoli.
De Sotain (Noel Eugénio) nascido talvez em 1816, gravador
sobre madeira para o Magasin Pilloresque c a Vida dos Pintores,
conhecemos um Interior de taberna, segundo um desenho de H6-
douin (V. Ga\eUe des Beaux Arls, 7", anno de 1860, pag. 350 ).
Além desses artistas citemos ; Huet, que gravou A passagem da
Sierra Guadarrama ; Chancourtis e C. Motte, a quem se deve a re-
producção do Vau e do Sacrificio do cordeirinho querido ; Le-
prince, nomeado pintor e gravador, que viveu longos annos na
Rússia Ê gravou a Distribuição de esmolas por monges Cartuxos.
Num anigo de Charles Blanc, na Gazeltc des Beaux Arts, 2° pe-
ríodo, tomo XI, 1875, pag. 204 rcfcre-se clle a umas vibrantes aguas
fortes de Edmundo Hédouin, celebre pintor aguafortista discípulo
de Delaroche, Sapràs Watteau, e d'après Taunay.
Dos desenhos de Taunay conhecemos gravados, além da Reci-
tação, Os sentimentos da familia de Bourbon sobre o tumulo de
134 REVISTA DO INSTITUTO UISTOBICO
Luiz XVI, reproduzido porGirardet, os trei relativo; aos Piai-
deurs, de Racine, da grande edição de luxo de F. Didot em 1801.
O do primeiro acto traz a indicação — B. L. Prevôt scuips, — ;
odosegundoÉdevidoaDuval, e o do terceiro aLe ViJlaín, artistas
cujos nomes são pouco conhecidos. De Godofredo Engelmann, um
dos precursores da Lithographia, lia diversas reproducções de
Taunay, hoje muito apreciadas. Nascido em Mulbouse, em 1788,
estreou esse artista mandando aos sahns de 1Õ17 e 1819 quadros
conteúdo, sob o titulo de « productos lithographicos », composições
de Demame, dos Vernet, Rcehn e Taunay.
Delle conhecemos i A passa^m da serra Guadarrama ; Um
rebanho a altravessar um pântano onde ha uma torre arruinada,
Umas mulheres a tirar agua de um poço nas vizinhanças de aque-
dueto em ruinas.
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Liros iimsMs m hcilao AiMo Una;
Em sua primeira mocidade, aos 21 annos, o piotor illustrou
um livrinho de frirolídades, fructo das lucubrações de um dos tão
fiiteis quauto numerosos cenáculos litterarios do século XVllI: a
Ordem da Tavola Redonda.
Intitulasse essa obra: A Jornada de Amor ou Flores de
Cylhera, e seus auctores são a condessa de Turpin, BoufEers,
Gaillard, Favan e o abbade de Voisenon.
Dedicado ás mulheres e impresso auma edição muito restricta,
que não foi exposta ã venda, constitue hoje uma raridade bíblio-
graphíca. Tauaay concorrera com quatro figuras « das mais gra-
ciosas " e oito vinhetas gravadas por Macret, Michel e Pmneau.
Foi este o único livro, ao que nos consta, illustrado exclusiva-
mente por Nicolau António Taunay ; seu formato 6 in 8°, trazendo
a seguinte e desfructavel indicação de proveniência Gnido, iTjb. Col-
laborou porém Taunay com outros e notáveis artistas em diversas
edições como a esplendida tiragem feita, em 1 801, por F. Didot
das obras completas de Racine.
Esta soberba edição, primor de arte typographica, tem como
illustradores, além de Taunay : Girodet, François Gérard, Moitte,
Scrangeli, Chaudet, Peyrou. A cada artista coube fazer as illustra-
çSes para um certo numero de peças do grande trágico. Taunay
teve os Plaideurs e fez os três soberbos desenhos, um para cada
acto, de que jà fizemos menção.
Diz Nagler, no seu Léxico, que Taunay fez diversas illustra-
çôes para uma edição luxuosa de Paulo e Vir^nia.
Egualmente sabemos que a casa Didot lhe encommendara
illustraçôes para uma grande edição de luxo do Orlando Furioso,
dez assumptos, conforme se deprehende do recibo seguinte:
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126 REVISTA DO INSTITUTO HlSTORltiO
n O abaixo assígoado declara bavçr recebido do cidadão Didot
a somma de dez mil francos pelos septimo, oitavo, nono e decimo
quadros da serie do Ariosto. Pariz, 30 tbermidor, anno III da Re-
publica (17 de Agosto de 1795). — Taunay « (V. Revue de tArl
Franjais, anno de 1884). Ainda trabalhou Nicolau António, se-
gundo parece, para uma edição do Robinson Crusoé, bzendo uma
qeríe de seis assumptos, que Alix gravou. Essa edição, porém, nSo
foi levada a cabo, quer noa parecer.
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ICONOGRAPHIA
Dos retratos do mestre o mais conhecido é o de BoOly (Luiz
Leopoldo), cujo original se acha no museu de Lille e o repre-
senta em companhia de I»abey. Este quadro foi gravado por
A. Clément e Milius e reproduzido num dos números de UArl
em excellente estampa. Isabey como que reclinado sobre uma ba-
laustrada tem uma das mãos no bolso direito e é visto de trez
quanos; Tauoay eatà inteiramente de perfil, de pi, com uma das
mãos para traz ; longa cabelleira empoada emsombra-lhe o rosto t
cai-lhe sobre as orelhas. Traz os indefectíveis óculos, veste uma
casaca parda e usa grande gravata branca.
Em outra tela coHocou Boilly o retrato do amigo, quando
em 1800 expoz a sua Reunião de Artistas, mais tarde gravada por
A- Clément (i), em que se voem as cabeças agrupadas de modo
pittoresco de muitos artistas celebres, entre os quaes Percier, Fon-
taine, Talma, Girodet, Isabey, Bídault, Swebach-Fontaine, Mehul,
Lethiére, Charle-Veraet, HoSinann (o auctor dos Contos) Chaudet,
Demame e o próprio auctor.
Pintou-o ahi como no quadro precedente, de cabello em-
poado e óculos, de perfil, com o pescoço esticado.
No museu de Lille ha diversos esboços ainda de Boilly para
o quadro O atelier de Isabey; num delles vê-se Taunay de cabellcs
compridos e empoados com um aspecto a Luiz XVI, magnifico,
diz L. Gonze do seu Estudo sobre o Museu de Lille ; em outro
esboço reproduzido na bella obra de Mme. Basile Callimaki sôbrc
Isabey vê-se numeroso grupo de artistas examinando um quadro
coUocado sobre um cavaliete ; entre elles também está Nicolau An-
tónio Taunay.
[ I } Reproduzido Da Renuicença úts Julbo de 190^,
D,gt,zedbyGOO<^le
130 REVISTA DO INSTITCTO HISTÓRICO
Em 1Õ35, publicando Julio Boilly, Slho de Luiz Leopoldo,
uma collecção de Retratos de todos os membros do Instituto de
França, nella appareccu o de Nicolau Tauoay que entSo tinha se-
ptenta annos de edade, representado de trez quartos, grande, •
cabelleira branca, óculos espessos, larga griLvata-cacheneí a en-
volver-lhe o pescoço ecobrir-lhe o peito. Este retrato aproveitou-o
Charles Blanc para a sua Historia dos Pintores de todas as Es-
colas. Retratou-se Taunay, a exemplo do que geralmente fazem os
pintores. Representou-se quasi de frente com os cabellos ondeados,
puxados para traz e repartidos ao meio, cobrindo-lhe o pdto uma
gravata de irKroyable, o que faz crer que o quadro date de 1795,
épocha em que o pintor linha quarenta annos..
A tela pertence ao sr. Victor A, Taunay, de Paris, e foi re-
produzida na Missão Arlistica de 181Õ. Além desí« retrato existe
outro umbem da lavra do próprio artista, sobre tela (0^33 xcsg)
que pertenceu á collecção do sr, Boitelle e figurou na Exposição
dos Retratos do Século em 1884, Pariz (i).
No graude e notável quadro de Heim, hoje no Louvre,
Carlos X distribuindo recompensas aos artistas, após o salon de
1824, cm que o auctor retrata todas as notabilidades contemporâ-
neas, aggrupando-as num conjuocto realmente soberbo, vô-se o re-
trato de Taunay, na primeira fila, entre os membros do Instituto
de França, muito era destaque, graças á grande cabelleira branca e
os óculos, ao lado de Mme. Vigée Lebrun e de Horácio Vemet.
Bustos de Taunay sabemos da existência de dons: um de
Ramey filho, segundo a mascara que lhe fot modelada síibre o rosto,
logo após a sua morte, e outro em mármore, existente no Museu
de Versalhes, obra do esculptor Roubaud, encommcndado pelo
ministro das Bellas Artes sob Napoleão III, o sr. de Nicuwekerke,
inspirando-se o artista num dos quadros em que Taunay se retratara.
Deste busto possue nossa Eschola Nacional de Bellas Artes uma
rcproducçiío.
r.Uú altríbuido peto Jr. t.íviídclliio Ftciro tio pínlor vide
,dbyGoogle
Disciim (a laiRi le caslcllan, lilo i itira lo Inilo le MM
MH Taaia! gelo larão Sm, o ceM giitoi (')
Scoborea — E' próprio da natureza das sociedades que se per-
petuam tudo ver acabar c renovar-ae em lòrno de si.
Um único dentre nós, Senhores, assistira à fundação do Ins-
tituto, accompaohando-lhe as vicissitudes, e vira a Academia de
BcUas Artes renovar-se por completo : triste apanágio o de sobre-
viver aos contemporâneos, aos amigos I
Sangrava-lhe com isto o coração e a idéa alHictiva de que vivia
entre minas, desligado dos liames naturaes que o prendiam á vida,
c esta idea, sempre presente ao pensamento, pode. ter contribuído
para o seu fim.
Com eSeíto, mal deixáramos o lucto do ultimo dos fundadores
da eschola moderna de pintura, vemo-nos obrigados a toma-lo no-
vamente pelo decano da Academia, que ao mesmo tempo era
quasi o dos pintores da èpocha actual e um dos que mantinham do
melhor modo a tradição dos verdadeiros princípios da Arte.
Tannay, qne podemos indicar entre os regeneradores do bom
gosto em França, mais influencia exerceu pelo exemplo do que pelos
conselhos. Não se tendo filiado a eschola alguma propriamente
dieta conseguiu mais imitadores do que modelos tivera; c si
acaso existe inimitável originalidade ú essa, que Taunay possue c
cujo cunho impoz ás suaa obras.
Não foi no entanto pela exquisítice que se mostrou original ;
nos seus quadros nada se afasta das leis da natureza : tudo nellcs
delia lembra os traços characteristicos, combinados por um génio
creador ou animador de um espirito jocoso ou melancholico, se-
D,gt,ZBdbytr.OO<^le
130 KBrtSTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
gundoas impressões experímentadas pelo artista, a que subordinava
o assumpto de suas composições.
Asam é que cremos entrever numa de suas ultimas telas as
prcoccupaçótís de um espirito impressionado com o desappareci-
mento successivo de artistas, amigos da mocidade; representa a es-
tatua colossal do virtuoso Carlos Borromeu, isolada na eminência de
um promontório do Lago Maior com a cabeça envolta em nuvens.
Ta&to quanto este sancto personagem, pode o nosso amigo ler
tido rivaes, inimigos uunca. [>esarmavam a inveja a sua inalte-
rável doçura e modesta franqueza, ass^urando-Ihe perfeita paz a
pureza de costumes, por assim dizer patríarchaes, e a ausência ab-
soluta de ambição.
Quando muito saia do seu retiro para assistir às nossas
sessões, certo de se ver rodeado do prestigio e do respeito que lhe
eram devidos e, sobretudo, o que mais o commovia, da mais
carinhosa afíèctuostdade.
Escoara-se-lfae a vida pauifica mas não sem glorias, como as
aguas dessas fontes que, embora escondidas sob modestas folhagens,
nem por isto deixam de reflectir os mais puros raios do astro
do dia.
Apaixonado das bellezas da natureza, soube Taunay traduzi-las
cm todos os seus quadros : paizagens, marinhas, batalhas, scenas
familiares ou históricas, tudo pintou tanto sem as tbrçar como sem
affe:taçÍo.
A França, a Suissa, a Itália forneceram-lhe assumptos. Ainda
mais : ch^ou a ir ao Novo Mundo na anciã de descobrir novas
inspirações e estudos numa natureza mais virgem.
Cheio de saudades da pátria, onde bem sabia que o apreciavam
c onde deixara amigos que lhe choravam a ausência, dentro cm
breve, fugindo penosamente ao abraço dos filhos que d3o mais
devia ver, regressou á França, com a virtuosa consorte que o accom-
panhara sempre, quer uos dias de felicidade quer nos de tristezas.
Voltou pois, nada trazendo da viagem sinão a representação
dos Ihesouroa naturacs da America, thesouros que estavam bem
longe de o haver enriquecido.
,dbyGoogle
DOCUMENTOS SOBRÍ A VlOA E A OnflA DE NICOLAU A. TADNAV I3I
Poudc ao menos cncoatrar corações Reis : um dos filhos, uma
nova família que o adorava; os mais carinhosos tratos lhe foram
então dispensados ; tudo teve, tudo quanto os entes que declinam c
se enfraquecem necessitam de amor e dedicação para se sustentar
G brilhar, ainda que por lampejos, antes da e-xtincçúo total.
Foi pois assim que, no meio de doces illusões c consoladoras
realidades, chegou por insensível declive á penosa transição desta
vida ã eterna existência.
,dbyGoCfg[e
Elop Hre U Hicolai AiHo Tana; pratiailo ii InsUM
le Fnga gelo secrelailo temttao ijnalreiíière 1b toiíc;
KOTICIA IIISTOKICA SODRIC A VIDA E AS OUKAiJ IK) SR. TAUNAY,
NASCIDO EM PARIZ EM I755 E AIII FALLECIDO EM 183O
Nasceu Nicolau António l'aunay cm Pariz, em 1755. O pae
era um chimico de valor, a quem a píatura deve algumas desco-
bertas úteis, inspiradas por forte pendor pelas producçoes desta
arte. Muito oaturalmente pois, pôde o filho encontrar na casa
paterna um incentivo, de onde nasceu, c mais tarde augmentou,
uma inclinação, que em breve se converteu no preludio de uma
vocação franca.
Foram-Ihe naturalmente os álbuns do pae os primeiros brin-
quedos da infância. Dentro em breve se lhe convertiam elles em
habitual motivo de occupação e, . afinal, em matéria exclusiva de
apaixonado estudo, que lhe absorvia as faculdades do estudo. En-
tendeu o amor paterno dever oppor algumas diversões a este zelo,
cuja violência, em edade ainda tão tenra, poderia prejudicar o
desenvolvimento de uma constituição ainda traça.
Vencendo a paixão a todos esses obstáculos, foi preciso obcdc-
cer-íhe, e o pequeno Taunay pôde enfim, livremente, eQtr<^ar-sc
sem reservas aos estudos preliminares da pintura. Até então seus
gostos e desejos se tinham resumido na prãctica do desenho. Havia
nos seus órgãos visuaes uma imperfeição assaz commum, que teria
podido restringir- lhe o talento ã parte linear da arte, si a scíencia
dos ópticos, por intermédio de seus vidros mágicos, não houvesse
dissipado o veu que lhe encobria o encanto das cores, com que a
natureza pintou as suas obras.
Desvendou-se-lhe um novo mundo, revelando-se-Ihe ao mesmo
tempo que elle estava destinado a ser um colorista ; de oia em
i,Coogle
DOCUMENTOS SOBRE k VIDA F. A OBHi DE NirOLAU A, TAUNAY I33
deante o pincele a palheta lhe iam ser os instrumentos predilectos,
e a paízagem com tudo o que a natureza campestre apresenta de
vari^ado ao olhar e á alma passou a constituir o domínio privi-
I^iado do seu talento.
Começara Tauaay tendo como mestre de pintura, verdade é
que em cuno lapso, um pintor de historia, Brenet, que nessa épocha
não deixava de ter certo talento e celebridade. Deixou-o, porém, para
s^uír a Casanova, pintor de batalhas e de animaes, que, em
breve, se viu obrigado a sair de França, para se estabelecer na
Rússia.
Pode-se pois afBrmar que pouco ficou Taunay a dever a esses
dons mestres. Maior aprendizagem lhe teria sído utii >
Não cremos. A continuação dos tempos demonstrou perfeita'
mente que nelle havia um germe de talento próprio, certa' seiva
de originalidade, que a direcção de uma cultura extranha poderia
ter impedido que se desenvolvesse, a contento dos meios que a
natureza lhe proporcionara.
Deveu pois a este feliz espirito de independência o poder
escolher livre c judiciosamente o género, para o qual tinha maiores
dotes. O apurado gosto não o levava a medír-se com a natureza, nas
altas espheras da Imitação. Em vez de lançar-se para os géneros
de arte elevados, onde é tão commum que o olvido recompense a
mediocridade, teve o bom senso du ouvir a própria voca^o e,
aquilatando a ambição peta» ri*irças, creou segundo os dictames
de seus recursos naturaes um género de superioridade, que nenhum
dos contemporâneos poderia disputar~lhe um dia.
E' um dom bem raro da natureza, esse de bem conhecer o
que ella de nós espera, o que nos impõe, permitte ou recusa.
Delia recebera Taunay atilado espirito, delicados sentimentos
e uma imaginação capaz de apprehendcr, no mundo physico e na
ordem moral, essas subtis harmonias, cuja graciosidade é causa de
tanto encanto, essas filigranas que em certos géneros ingcnuos de
lítteratura, como os do conto, do idyllio ou do apologo, immorta-
tizaram o nome de certo numero de poetas. Ora, o génio é tão
raro nease terreno como nos demais. Sem querer pois levar as
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134 RGVBTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
suas pretençães a mais alto ponto teve Taunay ' a sensatez de
nivelar o seu talento c a sua ambiçSo.
Esforçou-se por crcar, pela reunião de duas espécies de
méritos, um na paizagcm, outro nos assumptos chamados ane-
cdotícos, um duplo meio de encantar e attrahir os ollios e o
espírito de grande parte do público, esse que antes de tudo
pede às artes eaeaR imagens suaves e ligeiras, cuja verosimilhança
é tanto mais racilmentc apreciável porquanto se acha ao alcance de
todos.
Decidido a cntregar<se inteiramente ao instincto, que o levava á
práctica da paizagcm, ornada de figuras, foi na Suissa que Taunay
entendeu procurar os elementos dessa fclir união, que tanto harmo-
niza a natureza agreste das localidades com a simplicidade dos
costumes, os hábitos campestres dos homens c o variegado dos
trajoA das camponezas.
Partiu com Demarnc c alguns outros companheiros de viagem
ou de estudos e, de accordo com elles, ao percorrerem aquelle paiz,
verdadeiro museu de pabjgcm, não cessou um só dia de encher a
carteira com os mais interessantes esboços, e ainda melhor, fixou-
os na memoria, instrumento indispensável ao paizagista que a ellc
sempre precisa recorrer, afim de resuscitar esses eHeitos fugidios,
dos quaes nenhum elemento pode, na realidade, reproduzir-se a
contento das necessidades do artista.
Regressando a Pariz deu-se Taunay a conhecer por intermédio
de um quadro de cavallcte que representava uma festa de aldeia,
graciosamente homc^neo no seu colorido exacto, e fina execução,
prenunciando um desses talentos, cujo nascimento 6 um s^redo
que a natureza desvenda quando quer.
Este lindo quadro attrahiu, de modo muito especial, a attenção
dos conhecedores. A Acad^nia, illimitada então no numero de
seus membros e na liberdade dos iociUmentos de que podia knçar
mão, ao felicitar o auctor pelo feliz preludio deu-lhe a entender que
nova obra do seu pincel, mais vasta então e de estylo mais elevado
lhe alcançaria honrosos c utcis sutfragios. Taunay comprehendeu
quanto havia de lisonjeiro c de promissor nesse prognoaico.
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DOCUMENTOS SODRE A VrOA E A OBRA DE NtCOLAU A. TAONAY I3;;
Apressou-se em respoader, com secundo quadro, cujo aesumpto
the foi inspirado pelo ArioRto.
As duas obras lhe valeram ser eleito, por unanimidade de votos,
sócio correspondente da Academia, eestc novo successolhe trouxe
um premio ainda mais vantajoso: uma estada em Roma, a no-
meação para a vaga aberta com a morte de um dos pensionistas,
o joven Taraval, grande premio na edade de dezesete annos.
Partiu porá Roma em 1784 no mesmo anno da sua eleição
para a Academia.
A vista c o estudo da natureza na Itália, o aspecto c a influ-
encia das grandes obras d arte, nfio podiam deiíar de comniunicar-
lhe ao talento alguma cousa de mais nobre no cstylo, na escolha
dos assumptos e dos accessorios, na composiçito e ciecução.
Ha paru cada categoria de assumptos, mesmo para os que se
filiam a uma ordem inferior de ídeas, certo numero de characteris-
ticos que os recommenda, mais ou menos intensamente, aos olhares
e gostos do amador, mais ou menos culto, e aciírca do qual deve ser
estabelecido o seguinte preliminar: nem lo^laa ax verdades se
prexlam a ser pinladjs.
Taunay linha muita elegância de character e espirito para que
ella oSo llie influenciasse as composições. O género da copia
servil e vulgar nunca poderia tò-io attrabtdo. O aspecto de Roma e
o estudo alli iam, porém, contribuir para o desenvolvimento dessa
feliz tendência do sen talento, como demonstraram varias das telas,
que o seu pincel fecundo executou naquella cidade.
Entre eltas citam-se um bello quadro representando: A bcnçd»
í*M rebanhos e sobretudo uma grande paizagem de nobre estylo,
adornada de figuras, maiores do que geralmente se usa, e cujo
principal assumpto 6 o Anjo Rafaet em companhia 4e Tobias.
Com as mesmas dimensAes wnda executou em Roma outro quadro
representando : l 'm ermila 3 pregar, tela muito notada pela
grande variedade dos grupos de figuras, pela diversidade de trajos
e pelo encanto do colorido.
De volta a Pariz, após trcr annos de estudos na Itália, vê-se
Taunay multiplicar as snas composiçúes, sempre variadas, cm que a
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136 REVISTA DO INSTITDTO HISTÓRICO
verdade do colorido e a facilidade do piocel se unem para a
representação de ímagiDosos assumptos e espirituosas concepções
que, sem pretençóes a attingit ã nobreza do género histórico ou
heróico, nem por isso se limitavam a ser — como em certas cscholas
aconteceu — simples reflexo de vul^r realismo.
E' impos^vel deixar de reconhecer que em todas as produc-
çôes do seu pincel vive inventivo espirito, realçado por não muito
extensa erudito, por assún dizer, mas adequada ao grau de
elevação com que tractava os dífferentes assumptos e pretendia
íàzê-los observar.
Refiro-me aos que ia buscar em todas as regiões da fabula e da
histOTÍa, dos costumes antigos e contemporâneos, a todos os gé-
neros de acção fabulosa ou real, de allusões criticas ou espiri-
tuosas.
E' assim que na mais completa enumeração das suas obras,
tomada ao acaso, vemos : Moisés ferindo o rochedo e a Batalha de
Na^reth, o Theatro de La Folie e ura Ba?^r Turco^ Moisés salvo
das aguas e o Lobo damnadOt a Volta do Mercado e o Dia m-
mediato ao de uma bataliia, um Hospital militar, José explicando
sonhos aos ermãos e um Conto de La Fonlaine .
Poucas ha, porém, dessas numerosas composições, cm que o
pintor tenha deixado de frisar alguma verdade moral ou critica es-
pirituosa, capaz de deleitar a razão.
Haverá quem sustente que essa propriedade de dar às licções
da moral um disfarce, que lhe attenue a severidade, seja o privilegio
da poesia, com excluso da pintura? Numerosos exemplos applica-
veis a uma e outra arte nos apresentam o problema como de niuitc
difficil resolução.
Contentemo-nos em dizer que, nesse particular, forneceria
Taunay novos elementos de comparação que seriam favoráveis á
arte do pintor, podendo.se invocar a seu respeito a opinião publica,
que o baptisara: — « O La Fontaine da Pintura ».
Seja-nos dado apontar aqui, cm attenção aos louvores que me-
rece, relevando-se-nos essa indicação que deveria ser mnis abstracta
do que synthetizada, mais geral do que particularizada, seja^nos
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DOCUMENTOS SOBRE X VIDA E A OBRA DE MCOLAU A. TAUNAY I37
dado apontar esse mérito, cujas qualidades nosso discurso não pode
púr em pleno destaque.
Todas as artes tèm os seus recursos próprios, que só podem
ser apreciados pelos órgãos que a cada uma correspondem. Ora
pretender traduzir em palavras as composições de Taunay, a que
aos rereritnos, seria uma cincada egual á iltueão do pintor que
pretendesse tomar inteiligiveis aos olhos &bulas como « O car-
valho c o caniço » ou « A mosca e a form^a >• .
Havia, como fiiemos ver, dous talentos em Taunay e,
digamos assim, dous pintores, tão ideatificados entre si, que sen>
timos ter sido obrigados a delles tractar separadamente.
Sim ; sob o pomo de vista do paízagista soube creir um
logar, que, coUocando-o em destaque na numerosa coborte dos
hábeis mestres que esse género cultivaram, ainda no-lo mostra
muito mais sujeito ã inspiração própria do talento do que aos
exemplos dos predecessores.
Dabi lhe provam a saborosa originalidade das obras, oriunda
de uma faculdade instinctiva do artista muito mais do que do
estudo. Em Tauuay tudo, ate a maneira com que encarava a natu-
reza, era original .
Os seus estudos do natural não são absolutamente do género
desses em que vemos o pintor eslòrçar-se por surprehender &s
pressas, para Sxa-las pelo lápis e pelo pincel, imagens moveis e
variáveis, cffèitos de sombra c luz c os diversos accidentes transi-
tórios do espectáculo, cuja fugitiva impressão deseja estampar.
Inspiravam-lhe essas impressões a disposição de espirito que
o dominava, auxiliando-K) poderosa memoria, que lhe reproduzia
todas as minúcias do conjuncto e das particularidades applicaveis
303 assumptos que devia tractar.
Asúm pintava pois, sem a realidade de modelo algum, a scena
que a imaginação lhe evocava, e as figuras que nella punha vestia-as
sem o auxilio do manequim. Não trabalhava, não dispunha mctho-
dtcamente as minúcias de uma composição, improvisava : sem
apalpadeltas, sem hesitações nem arranjos prévios.
Empolgado por um assumpto não tractava de coordenar, de
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I3II REVISTA DO INSTITtTO nBTOKICO
antemSo, os primeiros planos com os últimos, as massas do arvo-
redo com os grupos dos personagens.
Tudo isto já o executara o cérebro ; nada maín tinha do que
(a7^ a traducção em cores; era-lhe isto na sua arte, como um
discurso pronunciado de improviso por orador, que conhece a
tundo o seu assumpto c recebe de subitanea inspirado essa vivaci-
dade de efleitos, que a lima do trabalho embotaria.
No domínio da imitação, que era o seu, creara Taunay uma
como que universalidade de talentos pela reunião de quasi todos os
géneros de habilidade exigida pelos diversos ramos, um dos quaes
basta para firmar a reputação do artista que o cultiva com superio-
ridade. Não devemos pois eiquccer de lembrar quanto sobresaía
□a representação dos anlmaes ; aos entendidos na matéria caberá
fixar-lhc uoi Jogar entre Paulo Potter, Wouvermans e Berghcm.
Tal reunião de capacidades e de utentos, como essa que esbo
çamos, deveria ter cODCcdído a Taunay sináo os favores dessa
fortuna qve vende o que se acredita que ella dS, ou pelo menos a
feliz abastança, de onde decorre a doce despreoccupação do flituro.
Durante algum tempo gozou desta ultima, que as primeiras
borrascas revolucionarias não perturbaram, no seio de uma femilia
amável, que com assíduos carinhos tractava de &zer com que exque-
cesse os perigos passados e arrostasse confiante os receios mais
series do futuro.
Após haver perdido, porém, graças ás consequências suces-
sivas das perturbações politicas, o fructo das economias e o dote da
mulher, cm vão esperou do futuro a volta das circunstancias afor-
tunadas, que lhe haviam aberto, ao talento, útil e brilhante carreira.
O titulo de académico, que a formação do Instituto lhe havia
conferido, não passava de equivalente nominal, inteiramente in-
capaz, na nova ordem de cousas, de lhe assegurar ao talento e á
collocação dos quadros o successo e a reputação, elementos com
que pudesse levantar novamente a compromettida fortuna.
Nestas circunstancias novas perspectivas vieram brilhar apon-
tando ã natureza especial do talento e ao mau estado da fortuna
inesperados recursos. E, com efièito, indicavam-Ihe um novo mundo
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DOCUMENTOS SOBRR A VIRA B A OBRA DK NICOLAU A.
a explorar e conquistar em proveito da Arte e do artista. Agentes
portuguczes, residindo cm Pariz, prctcadiam recrutar para o Brafiii
pequena colónia de hábeis artistas, cujos talcotos pudeíwem implan-
tar naquella rt^áo virgem, si assim se pode diur, galardoada pela
natureza com as mais ricas dadivas, o g('>sto pelos artes do desenho
quer pelos ensinamentos quer pela virtude dos exemplos, mais
tbcundos c mais activos ainda que todas as licções. Gabavam à portía
a magnificência de uma natureza novj, a rica vegetação das flo-
restas, que o machado ainda não violara, os aspectos pitlorcscos das
producçúes e das plantas desconhecidas totalmente na Europa.
O novo governo do Brasil alli desejava introduzir o g<Jsto de
uma nova cultura, a das artes da imitação, e ofierecia aos artistas
parizienses o duplo chamariz da fortuna e das honrarias.
Taunay Jeixou^sc levar por estas promessas Callazes e partiu
para o Rio de Janeiro, com dous dos filhos e alguns amigos, atira-
hidos como cllc pelas mesmas esperanças. Digamos que nem todas
lhe foram enganosas, isto é para o talento e a reputação. AJais de uma
grande tela, rcmcttida á Academia durante esse voluntário exilio'
si em nada contribuiu a uma reputação que nada mais tiuha que
conquistar, deu novos tcstímunhos da sua rara capacidade em se
impregnar de todas as diversidades das formas c das physionomias
da natureza.
No entanto, decorridos alguns annos, as saudades da pátria não
podiam deixar de nclle produzir o effêíto de uma desillusão> a que se
juncuram o pezar da perda de alguns companheiros do voluntário
desterro, e sobre tudo o lucto pela morte de um dos filhoR, cir-
cunstancia que acabou de lançar um véu fúnebre si'ibre a perspc-
ctiva de fortuna e de gloria que o seduzira.
Desde ahi nada mais desejou sináo respirar o ar da pátria,
onde o chamavam os votos dos amigos e a ennobrecedora dis-
lincçáo da cruz de honra, que parecia ter ido procura-lo no Brasil
unicamente para lhe lembrar quanto se honrava a pátria com os
seus talentos.
Voltou pois, mais para gozar da reputação adquirida no meio
das amigos do que para entrar de novo em líçn com a multidão dos
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140 REVISTA DO rsSTITOTO HISTÓRICO
coQCurrentes, que os eflettos dos acontecimentos revolucionários
haviam suscitado.
Mais que septuagenário arranjou pacifico retiro, ao tado da
mullier e o unico filho readente em França.
Alli, exemptode sofliimeatos physicos, liberto de quaesquer
preocupações e ambições, comprazÍa-se em fazer como que um
retrospecto dos trabalhos que lhe haviam tomado a vida toda. Ro-
deado de grande numero de obras suas aubmettia-as a uma critica,
cada vez mais severa, cujas sentenças acatava pc^ meio de felizes
retoques até que estes lhe satisfizessem plenamente o gosto. Assim
terminava suavemente a carreira no meio das lembranças de uma
existência hohrada, de esperanças de duradoura gloria e das do-
çuras da vida domestica, gozando da estima e amizade de todos os
confrades, confiante em que a sobriedade da vida e a solidez da
constituído lhe haveriam de recuar o prazo fatal, ainda por alguns
annos.
Vá eitperança ! súbita fraqueza, funesto presagto da morte dclle
se apoderou.
Nâo era moléstia da alçad.i da scicncla nem da arte dos mé-
dicos, e sim uma extiacção.
No (im de quinze dias morrín, aos<tãptenta e cinco annos, a ao
de Março de iRyi.
,dbyGoogle
A «CIRCULAR.. DE TllEOPHILO OTTONl
REPRODUCt, .^Q DO OI>USCULO EDITADO EH l(!60 E fSÕI, SESTA CAPITAL,
COM O TITULO " CIRCULAR DEDICADA AOS SR5. ELEITORES DE SENA-
DORES PELA província DU ICINAS-GEHAES NO QUATniENNIO ACTUAL
B ESPECIALMENTE DIRIUIDAS AOS SR8. ELEITORES DB DEPUTADOS PELO
3" DISTRICTO ELEITORAL DA MBSKA PROVÍNCIA PARA A PROXIllA LE-
GISLATURA 1>K,0 E\-DEPUTADO TllEOPHILO BENEDICTO OTTONl •
PRECEDIDA DE U.UA SUMHARIA APRECIAÇ.tO DA VIDA E FEITOS DO
BENEMÉRITO PATRIOTA.
BASÍLIO DE MAGALHÃES
,dbyGoogle
.ibiGoogle
Ao Sr. professor Basílio de Magalhães, noSSo c
auxiliar, pedíramos um prefacio, destinado a justificar a in>-
serção do precioso documento politico de Theophilo Ottoni
nas paginas de nossa < Revista >.
Ai)enas nos foi entregue aquelle trabalho, leu-o o nosso
venerando bibliothccario, o provecto dr. Vieira Fazenda, que
sobre elle traçou esixjntaneaniente as linhas seguintes:
— « E' o estudo mais completo que conheço sõbrc
Theophilo Uttoní, inclusive tudo quanto do illustre Mineiro
escreveu Joaquim Nabuco».
Nada mais nos resta a accrescentar a esse honroso pa-
recer, que subscrevemos sem discrepância.
A DiKiiCCÃo.
,dbyGoogle •m
.ibiGoogle
A emeHUE »e theopeilo ottoni
Em boa hora resolveu o Instituto Histórico e Geogra-
phico Brasileiro estampar na sua < Revista >, por ser hoje
de extrema raridade, a melhor produc<;ão das postas em letra
de forma pelo^naís adeantado liberal do império.
Datada de 19 de Septembro de 1860, nesse mesmo
anno saiu dos prelos do Correio Mercantil, de M. Barreto,
Filhos & Octaviano, á rua da Quitanda 11. 55, nesta capital,
a — € Circular dedicada aos srs, ' eleitores de senadores pela
província de Minas-Geraes no quatriennio actual e especial-
mente dirigida aos srs. eleitores de deputados pelo 2° districto
eleitoral da mesma provincia para a próxima legislatura pelo
ex'deputado Theophilo Benedícto Ottoni »,
As suas 161 paginas, em typo miiido, evidenciam desde
logo que tal obra fugia á vulgaridade, ou, melhor, á vacuidade
que, como ainda agora, characterizava então as congéneres.
Assim como no longo período colonial, entre as ínnu-
meras florações poéticas aqui abrolhadas ás inspirações do
cultísmo ou da reacção clássica, só duas houveram jus á ím-
mortalidade, — o « Uruguay » de José Basílio da Gama e as
«Cartas chilenas >, de Thomaz António Gonzaga — .assim
também do sem-numero de opúsculos políticos, adubados pelas
agitações em que nasceu e se consolidou a nossa soberania c
proliferaiTos pelo rotativismo dos grossos partidos nionar-
chicos, apenas três abriram sulco profundo e imperecível na
esteira dos pátrios annaes : — o « Libello do povo » de Ti-
mandro (Francisco de Salles Torres Homem, depois visconde
de Inhomirim), a admirável synthese a que Justiniano José
da Rocha deu o titulo de « .■\cção, reacção, transacção» e a
€ Circular» de Theophilo Benedicto Ottoni,
Não é só a absoluta escassez desta no mercado de livros
o que determina a necessidade da sua reimpressão. Não fosse
■ ella, como é, o inestimável e fidedigno depoimento dos prín-
byCoogle
146 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
cipaes episódios da evolução brasileira na maior parte do
regime imperial, prestado por quem os testimunhou em dila-
tada e brilhante carreira pública, e, sobretudo, não fosse ella,
como é, efficiente doutrínamento de alto civismo, límpida
licção de moral politica, — sem duvida merecera dormir o
somno do perpetuo olvido, como tantas outras que visaram a
interesses de occasião e sobre as quaes paira hoje o mais
justificável silencio,
A acção exclaredda e perseverante do grande liberal e
aquella sua autobiographia constituem, em perfeito conjuncto,
não só um luminoso capitulo da Historia nacional, como
também um edificante exemplo aos homens, a quem ora in-
cumbe a direcção dos supremos destinos da Pátria.
Vamos, pois, bem que em pallido resumo, corroborar o
que acabamos de dizer, demonstrando ao mesmo tempo o
novo serviço meritório, que o Instituto Histórico e Geogra-
phico Brasileiro tão opportunamente presta ao paíz, com o
fazer revibrar a voz do estrénuo trabalhador, o qual, além de
pôr em práctica, com o completo sacrificio da sua fortuna e
da sua saúde, a defesa e o desenvolvimento dos nossos mais
elevados interesses económicos, foi sempre um impolluto e
indefesso paladino das franquias democráticas, afinal con-
quistadas pela terra, que tanto deve ufanar-se de lhe ter sido
berço.
Nasceu Theophilo Ottoni a 27 de Novembro de 1807,
na então villa do Principe e hoje cidade do Serro, em Minas-
Geraes. Argúe-lhe o cc^^nome sangue italiano, pelo lado pa-
terno (1) . Era sobrinho de José Eloy Ottoni, um dos nossos
mais inspirados lyricos da primeira metade do século XIX,
e ermão de Christiano Benedicto Ottoni, erudito mathematico
e proficiente engenheiro, a quem deve o Brasil assígnalados
serviços (2).
(1) Sesundo informacãai qu> tiot foram gcntUniente larntciíU* ptlo ít.
ir. Júlio Benedido Olloni, Theophilo, que era lilho de Jorge Benedicto Ottoni
e d. Rosália Ottoni e neto de Manuel Vieira Ottoni e d. Anna Fellrarda Pua
Leme, descendia de Manuel Ottoni, Genovei emigrado fiara Portugal e de IÍ
para o Bruil noi fina do primeiro quartel do século XVIII. poii a (ua carta
de naturalizaçlo foi regiilada na canura d> cidade de S. Paulo a ii de Julho
da t;»?.
lyCOOglC
k CIRCULAR DE THBVHILO OTTONi 1^7
Na terra natal, além de outras disciplinas, estudou cuida^
dosamente o latim; e aos quinze annos já rimava algumas
estrophes patrióticas, incentivadas pela repercussão que tivera
em nossas plagas o movimento constitucionalista portuguez
de 1820.
Vindo para esta capital em 182Õ, aqui se matriculou na
Academia de Marinha (primeira denominação que teve a
Escola Naval), onde logo se fez notar a robustez do seu
talento.
Ao concluir as provas do primeiro anno, teve ensejo de
ouvir do presidente da banca examinadora, o chefe de es-
quadra José de Sousa Correia, as seguintes palavras de espon-
tâneo elogio : — « Estudantes, como este, honram aos profes-
sores e á própria Academia > .
Durante o curso, realizado sempre com brilho, ainda o
jovcn Mineiro teve tempo de fazer-se professor de Geometria,
folgando de contar entre os seus discípulos a Evaristo da
Veiga, de quem se tornou assiduo e sincero amigo.
Admira que ainda lhe sobrassem momentos de lazer para
a intensidade jornalisttca, a que também se entregou. Assim
é que collaborou activamente na Astréa (não publicada em
S. João dei Rey, como equivocadamente af firma Nelson de
Senna, in € Rev. do Inst. Hist. e Get^. Brás. », LXV, p. 2*,
35S, mas editada aqui, no Rio de Janeiro, sob a direcção de
António José do Amaral e José Joaquim Vieira Souto, tendo
durado de 1826 a 1832), com o pseudonymo de c Joven Per-
nambucano», pois, sendo menor, teve de acceitar para seus
escriptos a responsabilidade legal, que generosamente lhe em-
prestou tun official do exercito, filho da província septen-
lente da Academia de Uarinha e cathedratíco da Eichota MiliUr, lendo escripM
compendíot de Mathcmatica dementar, que lhe srMgefuit ■ mili Juals nomeada.
A' timilhinta do teu digno ermáo, começou cedo a carreira politica :— foi depu-
tado prorincial em iSjS, e nas lesislatuias de iS+S, 1861 e iSfi4 reprsientou
Minas na Camará temporária geral; eleito e escolhido senador pela prorineia
do Espirito-Sanclo em 1879. enconlTOu-o a Republica na iiiemblía nUlicia, &
qual, transformada pelo nav« reilme, voltou elle em iSei, pelos sutfragios da
sua tern utal. Falleceu aoi 81 iduoi, teodo coDMirado i Fatii» 4 meUiar d«
■ua longa e piccioM ejuttsncia.
«ibyCoogIe
I48 REVISTA DO INSTITUTO HI8T0IUCO
trional; e daqui traçava frequentes correspondências para o
Echo do Serro, assun como para o Astro de Minas, de S. João
dei Rei.
Attrahia-o a Politica, e os seus primeiros actos denun-
ciaram immediatamente o altivo e inflexivel defensor das
liberdades pátrias.
Nas eleições de 1829, acciamado escrutador da mesa
parochial da f reguezia do Sacramento, não lhe faltou coragem *
para propor que fosse multado o general Joaquim de Oliveira
Alvares, então ministro da Guerra.
Comprehende-se facilmente que se negasse ao audacioso
estudante, — inscripto no « index > desde aquelle dia pelos
que dispunham das disposições governamentaes — , o direito de
concluir o curso de Mathematíca na Academia Militar, por-
quanto já havia elle completado o da Academia de Marinha.
Não se lhe permittiu, siquer, assistir, como ouvinte, ás licçÕes
de Mechanica professadas por Joaquim José Rodrigues Tor-
res, depois visconde de Itaborahi, seu digno mestre e então
illustre correligionário.
Ordens de embarque para a inhospita costa da Africa
e para o remoto Amazonas, assim como irritantes inspecções
de saúde, a que a disciplina militar o sujeitava, forçaram
Theophilo Ottoni a pedir baixa do posto de giiarda-marinha,
tão galhardamente conquistado.
Revoltara-o já, — nem iJodia deixar de ser assim num
espirito onde ardia em ara perenne o fogo sarado da demo-
cracia — , o facto de assentarem aquella praça os « filhos dos
grandes, ainda que idiotas », < antes mesmo de se matri-
cularem na Academia » ; e, para que se lhe dessem as duas
estrellas, fora mister que elle dirigisse ao Governo um pro-
testo enérgico a favor do « principio da egualdade consagrado
na Constituição » . Rebellando-se contra a escandalosa pro-
tecção que immerecidamente se fizera a condiscípulos seus,
logrou o denodado moço ser o único Brasileiro a quem, na-
quelle tempo, coube, independentemente de titulos paternos
ou avitos, < assentar praça de aspirante graduado em guarda-
marinha».
Quando ignóbil perseguição politica lhe cortou a car-
reira profissional, iniciada sob tão fulgidos e risonhos auspi-
byCoogIe
A CIRCULAR DE THEOPHILO OTTONI I49
cios, já Theophilo Ottoní era secretario do celebre club dos
«Amigos Unidos», de que proveio mais tarde o «Grande
Oriente» do Passeio Publico. Tal associação, em que mili-
tavam muitos dos mais notáveis agitadores republicanos da
epocha, entre os quaes Cypriano José Barata de Almeida,
«teve mais influencia do que se pensa na revolução de 7
de Abril». O digno Mineiro deixa claramente entrever na
« Circular > o nobre papel que coube á Maçonaria na árdua
pugna de escalar as trincheiras do obscurantismo e de chantar
a signa excelsa da democracia nos torreões do « orienta-
lismo» e « moscovitismo » monarchicos.
Em 1830 retirava-se Theophilo Ottoni do Rio de Ja-
neiro para o seu torrão natal, onde ia montar uma casa com-
mercial e para onde transportava uma pequena typographia .•
Calcule-se com que difficuldade, num tempo em que não
havia ainda nenhuma ferrovia no território nacional, não
arrastou elle para o longínquo sertão, desbravado outr'orA
pelo < caçador das esmeraldas », o material de que ia sair o
seu novo orgam de combate !
A Sentineiia do Serro, offuscando os outros raros pe-
riódicos da provincia, foi a rútila almenara que de lá, das
« alterosas montanhas », iltuminou a áspera e íngreme senda',
por onde se houvera de attingir á víctorta dos ideaes demo-
cráticos .
A 3 de Abril de 1831 chegava á villa do Príncipe a
noticia das luctuosas scenas das «garrafadas >, prenuncio de
inevitável e maior explosão.
Theophilo, sem perda de um minuto, chamou ás armas
os conterrâneos, «para deitar por terra a tyramiia». Os
cidadãos válidos congregaram-se todos sob a bandeira do
joven chefe. Até as matronas mais venerandas concorreram
com as suas valiosas offertas para a caixa militar. Com-
proU'Se tudo quanto havia no commercío local de arnías e
munições.
Assim, desde o dia 4 de Abril, aquelle pintoresco e
histórico recanto de Minas se transmudara numa praça de
guerra, sob a direcção do ex-guarda-marinha . Conservou-se
ella sempre alerta, até que lá apparecesse um expresso, man-
dado de Ouro-Preto pelo pae de Theophilo, levando a boa
lyCoogle
IjO UnSTA DO INSTITUTO msTORica
nova da abdicação. E só o prestigio da palavra do «stímadò
cabo liberal pôde salvar de horrendo morticínio os Portu-
guezes domiciliados na povoação serrana.
Ante o mallôgro de sua ridente aspiração republicana,
escreveu Theophilo Ottoni, com justa razão, que — « 6 7 de
Abril foi uma verdadeira journêe des dupes » .
Mas, desde que elle percebeu o perigo, que se antolhava
á nação, de ve-la mergulhada na anarchia das casernas, na
orgia militar apparelhada pela indisciplina (&s classes far-
dadas, sem o apoio das quaes, todavia, fora impossível con-
seguir-se a deposição de Pedro I, — não hesitou um só tns*
tante em eollocar-se, para salvação da Pátria, ao lado dos
monarchistas, que arvoraram o gonfalão do liberalismo mo-
derado.
Além do seu valente hebdomadario, fundou elle no Serro,
em 1832, a € Sociedade Promotora do Bem Publico », a cujo
excellente programma Evaristo da Veiga, pela Aurora Flu-
minense, chamou cEncycHca Promotora». Já então o pre-
vidente liberal mineiro se insui^a contra o conservatorismo
do Senado e pregava francamente a reforma unilaterit da
Constituição .
Foi por causa de similhante attitude que o redactor da
Senlinella do Serro, processado e perseguido, teve que sus-
pender a publicação do seu periódico.
Na imprensa propugnou elle, hábil e energicamente, pela
modificação radical da carta outoigada pelo soberano de-
posto. E, embora não conseguisse que triumphassem todas as
suas idéas, como, entre outras, a da abolição da vitaliciedade
do Senado, rejeitada pela maioria de um só voto, viu, contudo,
consagrada no Acto Addicional a victoria do seu alto plano
politico ; — a suppressão do Conselho de Estado vitalício e a
conversão dos conselhos geraes em assembléas l^islativas, o
único meio de manter cohesas as dezoito províncias do Im-
pério .
Houve, é certo, quem pensasse existir no Acto Addicional
< o germe da anarchia e da ruína da unidade brasileira t
(Justiniano José da Rocha, € Acção, reacção, transacção »,
pags. S5 da 2* ed.) . Mas é evidente que não daquella lei em
si mesma, e sim dos abusos commettidofi em nome delia, da
«ibyCoogIe
A CIRCOLAR DB TREOraiLO OTTONI iSl
inexperiência então dominante e do estado de confusão que
reinava em todos os espiritos, foi que resultaram dentro em
pouco alguns graves males e graves apprehensões, a que se
buscou prompto remédio com a interpretação de 1840.
Promulgada durante as exéquias do ex-imperador, falle-
cido em Porti^al a 24 de Septembro de 1834, aquella reforma
constitucional foi também « um penhor de alltança, que .aos
liberaes mais adeantados offereciam os estadistas moderados,
senhores da situação». E Theophtlo, de quem é a phrase,
acredita, num insophtsmavel julgamento a posteriori, que elles
não teriam assentido á modificação do pacto de 25 de Março
de 1834, < si soubessem mais a tempo que se podiam consti-
tuir vice-reis durante a menoridade, si vissem deante de si a
perspectiva de serem, depois da menoridade, proclamados
Césares, e associados ao Império, mesmo sob o reinado do
sr. d. Pedro II maior. . . »
O trespasse do príncipe que, < cedendo ás instancias dos
Andradas», tinha concorrido poderosamente para a nossa
independência, alterou profundamente a situação politica do
Brasil. Com ef feito, perdera a razão de ser a facção dos
restauradores ou caramurús, e com estes e com os dissidentes
de todos os matizes foi que Bernardo de Vasconcellos, —
<o Mirabeau do Brasil >, no conceito de Armitage (f Historia
do Brasil », trad., ed. de 1837, pags. 229) — organizou o par-
tido conservador, depois vulgarmente chamado saquarema, que
triumphou nas eleiçSes de 1836.
O Acto Addicíonal, como é sabido, estabelecera a re-
gência una, para a qual fora eleito em 1835 o enérgico padre,
que tinha sido ministro da Justiça do segundo triunvirato.
Feijó, character espartano, ao qual, como a Ottoni, a Paula
Sousa e a raros outros, não faltara quem acoimasse de revo-
lucionário e anarchista, Feijó, o inexorável jugulador dos
pronunciamentos quarteleiros e das bernardas civis imme-
diatamente posteriores ao desthronamento de Pedro I, si con-
seguiu a pacificação do Pará por meio da acção efficaz do
general Andréa, não I<^ou chamar ã paz os « Farrapos », e,
ante a formidável opposição parlamentar, contra elle desen-
cadeiada, ante a impossibilidade de cumprir lealmente a re-
forma constitucional de 1834, renunciou ao seu alto posto.
,dbyGoogle
153 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
. entregando o poder a um dos mais graduados guieiros das
hostes adversarias, Pedro de Araújo Lima, depois marquez
de Olinda, e < astro do imperialismo », como lhe chamaram
mais tarde alguns follicularios «chimangos».
Em 1835 Theophilo Ouoni, sem a menor solicitação de
sua parte, fora eleito deputado provincial, e a sua mira prin-
cipal consistiu, como elle próprio o confessou, em defender na
assembléa de sua terra natal o c famoso palladium >, isto é,
o Acto Addicional, que elle reputava a « tábua de salvação do
Brasil ».
Mas não se adstringíu a isso: muito contribuiu também
para o desenvolvimento do ensino público, especialmente do
secundaHo, até então muito descurado, e tomou parte activa
na elaboração e votação da lei de constnicção e conservação
das estradas de rodagem da província, interessando-se, c(Mn
muito empenho, pela navegação dos rios que servem a MÍna<i
e ás circunscripções confinantes, — origem da sua futura em-
presa do Mucuri.
No pleito logo depois travado entre liberaes e conserva-
dores para a quarta legislatura do Império, a sua intelligencia
e os seus serviços fizeram-no conquistar facilmente uma ca-
deira na Camará temporária.
Os horizontes políticos estavam medonhamente contur-
bados. A' guerra, francamente separatista, do Rio Grande do
Sul, e que já se havia extendído a Sancta-Catharina, não
tardou a sobrepôr-se a revolução de 1837-1838, conhecida por
< Sabinada >, na Bahia, e accrescida, no anno mesmo de sua
extincção, pela longa lucta civil da < Balaiada >, que ensan-
guentou o Maranhão até 1841.
Substituídos no poder os liberaes, desde a renúncia de
Feijó, pelos conservadores, ía travar-se o renhido e memo-
rável duello parlamentar, cujo desfecho foi a maioridade,
também journée des dupes para os seus defensores.
A província de Minas timbrara em escolher dentre seus
filhos os que mais dignamente e scíntillantcmente a podiam
representar na assembléa geral: — na legislatura de 1838 a
1841, Theophilo Ottoni teve como companheiros de bancada
a vultos da estatura intellectual e moral de Bernardo Pereira
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A. CIRCULAR DE THEOPBILO OTTONI 1^3
de Vasconcellos, Cândido José de Araújo Vianna, Honório
Hermeto Carneiro Leào, António Paulino Limpo de Abreu,
José Joaquim Fernandes Torres, José Feliciano Pinto Coelho
da Cunha e padre José António Marinho.
Succederam-se cinco ministérios conservadores desde 19
de Septembro de 1837 até 23 de Julho de 1840: — o de Ber-
nardo de Vasconcellos (19 de Septembro de 1837 a 16 de
Abril de 1839), o de Francisco de Paula de Almeida e Albu-
querque (16 de Abril a 1° de Septembro de 1839), o de Alves
Branco (i° de Septembro de 1839 a iS de Maio de 1840), o de
Lopes Gama (iS de Maio a 22 de Julho de 1S40), e, final-
mente, o de Vasconcellos, que durou apenas poucas horas, a
22 de Julho de 1840.
Bateu-se Theophilo Ottoni, rutila e infatigavelmente,
contra o que elle denominava de * oligarchia », e cuja feição
retrógrada o irritava sobremaneira.
Ao restabelecimento do beija-mão (também estigmatizado
em 1855 por Justiniano José da Rocha, op. àt, pags. 56-57),
devido ao ministério de 19 de Septembro de 1837, deu elle
o epitheto de c orientalismo », de « acto indigno do cidadão
livre», apressando-se a impugna-lo, 1(^ que se iniciou a
sessão legislativa (discurso de 10' de Maio de 1S38).
Não poude, todavia, obstar a que os rotineiros, que desde
1836 vinham cogitando de cercear as franquias do Acto Addi-
cional, levassem a cabo a sua tentativa, concretizada afinal na
interpretação, promulgada a 12 de Maio de 1840 e que, con-
forme o auctor da «Acção, reacção, transacção» {pags. 57),
foi < o pomo de discórdia lançado em meio dos partidos, e
traçou a linha tfivisoría entre os reactores contra a organi-
zação democrática e os defensores delia».
Parecia ao espirito de largo descortino do eximío liberal
mineiro que « se devia antes alargar do que restringir as
faculdades provinciaes » ; e, apostolo de taes prerogativas,
€ tendo fé no governo do povo por si mesmo », exforçou-se
em vão por impedir que se convertesse em realidade um dos
mais « atrevidos lances de jogo » da oligarchia conservadora,
isto é, < D maior dos erros da legislatura de 183S a 1841 », a
lei interpretativa.
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154 RBVBTA 00 INBTITDTO mfflORICO
Theophilo Ottoní, cujas idéas, como se está! vendo, de-
nunciavam um perfeito republicano, foi, entretanto, um dos
mais fervorosos campeões da maioridade.
Era preciso derribar a « oligarchia tenebrosa, apoiada no
poder e no dinheiro dos traficantes da costa da Africa », e
aos que o accusaram de associar-se a um movimento em que
claramente se percebia a fome do poder, explicou, com a sua
sinceridade, — que « adoptava a idéa da maioridade como
uma espécie de regresso, segundo a definição que dava a esta
palavra o seu illustre auctor: recurso contra os desatinos; t
queria fazer da maioridade uma égide em favor dos princípios
liberaes > .
Da tribuna da Camará temporária, em meio de sussurros
de reprovação, teve elle a coragem de dizer que discordava de
muitos dos seus companheiros de campanha maiorista, para
os quaes os males da governação provinham de serem os re-
gentes homens do povo, a quem faltava o prestigio de uma
nobreza perdida em a noite dos séculos. Proclamava elle que
o prestigio de d. Pedro II nascera aqui, em nosso paiz, no
instante em que seu pae, < comprehendendo bem as necessi-
dades do Brasil», adheriu á! nossa independência. E accres-
centava, dilucidando melhor o seu pensamento: — «Si acaso
succedesse que, em vez de ser o primeiro imperador do
Brasil, descendente da casa de Bragança, quem se poz á
frente deste movimento verdadeiramente nacional, que nos
elevou á categoria de nação, fosse outro heróe, como João
Fernandes Vieira, e a nação tivesse collocado a coroa sobre
a sua cabeça, o sr. d. Pedro II, descendente desse outro heróe,
e não do filho dos reis, não teria menos prestígio».
Apreciando, a seu turno, essa inopinada mutação do
nosso scenario politico, occorrida em meiados de 184D, e cujo
estado confusional já assignalara em linhas anteriores, assim
se exprimia Justiniano José da Rocha {op. cit., 62): — «A
acção democrática havia tríumphado em 1831 ; que importam
seus instrumentos, as paixões, os interesses que lhe deram o
triumpho? A reacção monarchica triumphou em 1840; que
importam seus instrumentos, as paixões e os cálculos que lhe
deram o triumpho? A grande lei do progresso achou-se cum-
prida ; foi essa a segunda phase da lucta ; era tão i
rfbyGoOgIe
A GUtCUL&R DE THIOPBUO OTTONI 155
como a primeira, tão necessária ramo a terceira. Felicí-
temo-nos; que nessas jornadas escabrosas da nossa oi;ga-
niza^ politica a Pátria se conservou inteira, incólume; nos
rochedos em que teve de abalroar, não deixou dispersos os
pedaços do seu corpo gigantesco ; nelles não verá o pensador
politico os destroços de uma nacionalidade extincta».
Taes palavras indicam nitidamente que a adhesão ao
movimento maiorista, por parle dos mais sinceros e exclare-
cidos condottieri do liberalismo adeantado, foi determinada
não só pelo receio da fragmentação do Brasil, sinão também
pelo temor de ve-Io submergir-se na sangrenta anarchia do
caudilhismo e do caciquismo.
Mas a victoria de 23 de Julho de 1840, — 'para a qual,
consoante com o que refere pormenorizadamente o auctor da
< Circular >, tanto contribuiu o joven monarcha, que aos
quinze annos incompletos já sabia tão solertemente manejar os
cordéis da titeragem dos partidos em lucta, — não podta
deixar de ser ephemera, no ponto de vista dos altos interesses
da nação colltmados pelos liberaes, e o triste ludibrio arrojou
Theophilo Ottoni a novas refr^;as no parlamento, assim como
a encabeçar a revolução de 1842 em Minas-Geraes .
Com effeito, a vontade do joven dynasta, desde cedo es-
tereotypada na fórmula do «quero já>, impoz ao seu pri-
meiro ministério o < pontifice da seita palaciana >, Aureliano
de Sousa e Oliveira Coutinho, associando desse modo aos
Andradas, aos hoplitas da Maioridade, o mesmo homem que
já havia desterrado para a ilha de Paquetá e feito processar
perante o jury ao < Washington brasileiro », ao patriarcha da
Independência .
O reinado tfe d. Pedro II, que começara pela mais cla-
morosa violação do pacto constitucional, assignalou-se bem
depressa pela maior desorientação na « selva escura > da
Politica .
Custa crer que tivesse podido sustenlar-se no governo,
durante oito mezes precisos, o gabinete de 23 de Julho de
1840, que, além de acolher o chefe do aulicismo, era o expo-
ente de c uma- Camará que apoiou sem tergiversar o minis-
tério parlamentar de 1837, o ministério r^encial de 1839 e o
ministério oligarchico de 1840 e que, em seguida, depois de
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IS6 REVISTA DO IKSTITDTO HISTÓRICO
haver alternadamente condemnado e applaudído a Maioridade,
accompanhou servilmente o ministério maiorista e terminou a
sua carreira obnoxía como rabadilha do ministério palaciano
de 23 de Mari:o de 1841 ».
Custa crer qtie os liberaes, a quem a renúncia de Feijó
derribara do poder, tivessem emprehendido tão longa e bri-
lhante campanha para conquista-lo, e, uma vez trJumphantes,
houvessem revelado tão lamentável subserviência' à imperial
criança .
Subindo de novo ao governo e encontrando o dócil apoio
de tão propicia situação parlamentar, cuidou o partido con-
servador de recorrer a todos os meios possíveis, afim de per-
petuar-se na suprema direcção do paiz.
Não lhe foi preciso o golpe de Estado, que planejara
antes, de dar por nuUo o Acto Addicional, « a pretexto de
que na sua adopção não havia intervindo o Senado».
A Camará famosa, — na qual como que se aleiloara a
dotação civil do menino imperante, elevando-a a 800 :ooo$ooo,
quantia que assombrara ao honrado Martím Francisco e talvez
&o próprio d. Pedro II, — não vacillou em approvar os pro-
jectos de reforma do Código do processo criminal e de resta-
belecimento do Conselho de Estado, isto nos últimos dias da
legislatura.
Em vão representaram os liberaes contra esse garro-
teamento das franquias, que a tanto custo haviam logrado
inscrever em nosso primitivo pacto constitucioti^l .
Só lhes restava, para romper aquellas gargalheiras,
aquelles grilhões, com que os contrários pretendiam suffoca-los
e esmaga-los, a Camará que se ia reunir a 3 de Maio de 1842,
é na qual contavam com grande maioria. '
Pois bem : — essa esperança foi-lhes também tirada pelo
singular decreto de i" do referido mez e anno, que dissolveu
uma assembléa, que nem siquer chegara a abrir-se legalmente 1
Era também, — como salienta Teixeira de Mello em suas
€ Ephemerídes nacionaes > (I, 275), — a primeira vez que se
empregava essa violenta medida, depois da Constituinte.
As provincias de S. Paulo e Minas-Geraes recorreram
então ás armas, o único meio de que dispunham para fazer
tríumphar a vontade soberana da nação.
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A CIRCULAR DE THEOFHILO OTTONI 157
Ainda continuava accesa, no extremo Sul, a guerra dos
c Farrapos >, e é innegavel que Pernambuco teria adherido
ao levante dos Mineiros e Paulistas, si não o houvessem a
tempo desviado de tal proceder as manobras astuciosas de
Aureliano Coutinho, o verdadeiro imperante, nos inglórios
prodromos do s^undo reinado.
Jã era sabida a derrota dos revolucionários da terra dos
bandeirantes pelas tropas de Caxias, quando Theophilo Ottoni,
que em 1842 era deputado á assembléa legislativa da sua
provinda natal, mas estava então nesta cidade, daqui partiu
para Minas, afim de ir pôr-se á frente do movimento estalado
em Barbacena a 10 de Junho.
A attitude do denodado chefe liberal foi a mais digna,
abn^;ada e coherente.
A fortuna, que sempre sorrira á longa e rutilante car-
reira de Luiz Alves de Lima e Silva, — o braço direito do
s^tmdo reinado — , permittiu-lhe triumphar dos rebeldes de
Minas, a 20 de Agosto, no combate decisivo de Sancta-Luzia,
onde tudo, entretanto, parecia indicar que iam emmurchecer
os lauréis ganhos no Maranhão e em Sorocaba. Os vencidos
tinham, contudo, meios sobejos de continuar a lucta. Mas n
isso se oppoz Theophilo Ottoní. Evitou este, em primeiro
Ic^ar, que se lançasse ás chammas o archivo da revolução,
afim de não subtrãhir ao julgamento dos tribunaes e da
posteridade os elementos probantes essencíaes do como haviam
procedido os Mineiros no seu appêllo ás armas. Obstou a que
se derramasse inutilmente mais sangue dos seus compatrícios
e fez timbre em entregar-se prisioneiro ao vencedor, com
todos os seus companheiros civis.
Fazia questão de que o poder judiciário decidisse si
eram ou não inconstitucionaes as leis de 23 de Novembro e
3 de Dezembro de 1841, assim como o decreto de r de Maio
de 1842, que dissolvera a Camará temporária, antes de começar
ella a funccionar.
Ao mesmo tempo, em que se justificava .elle pelas co-
lumnas do Ilacolomy, publicado em Ouro-Preto, muitos dos
seus amigos e correligionários também lhe acudiam em defesa,
quer nas assembléas provtnciaes, quer no parlamento nacional.
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1S8 REVIBTA DO IHSTITIITO HIBTOIUCO
A exemplo do que se dera com outros cabeças da mallo-
grada revolta, quando Thec^hilo Ottoni se apresentou á
barra do jury de Mariana, todo o conselho de sentença, de
que faziam parte muitos dos seus adversários, se levantou
para homen^ea-lo, e a sua absolvição foi unanime, após
quasi anno e meio de prisão. Guardava elle, como relíquia
preciosa do seu glorioso passado, a penna com que haviam
sido escriptas as respostas aos quesitos do juiz de direito.
A < seita palaciana >, que constituíra o gabinete de 23 de
Março de 1S41, fora excluída do ministério de 20 de Janeiro
de 1843, pois os conservadores se consideravam sufficiente-
tnente assegurados pelas derrotas infligidas aos liberaes de
S. Paulo e Mínas-Geraes.
Era obvio, portanto, que os cortezãos se exforçassem por
alijar do poder os seus amigos da véspera, e, como isto de-
pendia apenas do alvedrio da imperial criança, a 2 de Feve-
reiro de 1844, mercê de simples capricho, subiam outra vez
os liberaes á suprema governação do paiz.
Um dos primeiros actos da nova situação foi perdoar a
todos os implicados nos movimentos de 1842, sendo a expo-
sição de motivos, redigida por Alves Branco, uma justificação
análoga á que se procedera perante os tríbunaes populares,
que haviam absolvido os rebeldes.
Governaram os liberaes até fins de 1848, com òs se-
guintes gabinetes: — Almeida Torres (visconde de Macahé),
de 2 de Fevereiro de 1844; visconde de Albuquerque, de 5 de
Maio de 1846; Alves Branco (visconde de Caravellas), de
22 de Maio de 1847, com o qual se creou o cargo de presi-
dente do conselho de ministros, regularizando-se assim o sys-
tema parlamentar do Império; Visconde de Macahé, de 8 de
Março de 1848; e Paula Sousa, de 31 de Maio de 1848.
Amnistiados por decreto de 14 de Março de 1844, os
principaes chefes dos vencidos de Sancta-Luzia vieram imme-
diatamente para a assembléa geral. Assim, na sexta legis-
latura, de 1845 a 1847, tiveram assento alli, como represen-
tantes de Minas-Geraes, Theophilo Ottoni, José Pedro Dias
de Carvalho, o padre José Antonb Marinho (que foi o bri-
lhante historiador da revolução), José Feliciano Finto Coelho
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A CUtOlUR DE THBOPHILO OTTOHt 159
da Cunha (depois barão de Cocaes), Joaquim António Fer-
nandes Leão, ao lado de António Paulino Limpo de Abreu
(depois visconde de Abaete), José Joaquim I^emandea Torres,
Herculano Ferreira Penna, Paulo Barbosa da Silva, Fran-
cisco de Salles Torres Homem (depois visconde de Inho-
mirim), Manuel Odorico Mendes e outros. Theophilo Ottoni
foi eleito, nessa occasião, vice-presidente da Camará dos depu-
tados.'
Convém assignalarmos aqui, consoante com as informa-
ções que nos fornece Christiano Ottoni (c Biographia de
Theophilo Ottoni», pags. 27-28), que, tendo o vice-presi-
dente da Camará temporária comparecido, nesse character,
em 1846, á ceremonia do baptizamento da princeza imperial
d. Isabel, herdeira presumptiva da coroa, não foi entretanto
condecorado, contra os hábitos tradicionaes da realeza e os
assentos da pragmática. Assim se deu contudo, a pedido do
próprio interessado, que entendia não deverem os membros
do poder legislativo acceitar graças do executivo, e de certa por
também não se coadunarem com os seus princípios democrá-
ticos similhantes honoríficencias. Fot aínda aquelle motivo o
que elle allegpu, em 1863, para recusar a carta de conselho, que
lhe fora expedida por decreto.de 30 de Maio de 1862. Do Go-
verno, portanto, nunca recebeu ou acceitou nomeação de es-
pécie alguma, Aão tendo sido presidente de provinéía, nem
ministro, nem titular, nem siquer conselheiro. Em taes con-
dições, pôde o evangelizador das idéas líberaes hombrear-se,
nas paginas immortaes dos nossos fastos, com os estadistas
que, para prestarem serviços á Pátria, não precisaram das
seducções de ouropéis, com que era costume da monarchia
acenar-Ihes. Bernardo de Vasconcellos, Evariáto da Veiga,
Dii^o Feijó e a trindade andradina também passaram á
veneração dos pósteros sem que aos peitos lhes luzissem
veneras e penduricalhos, sem que os seus nomes abençoados
e inexqueciveis se escondessem sob titulos quaesquer... O
dr. Ferreira Vianna (o «Suetonio» do «Antigo r^men»,
pags.i 113-116) conta como, em consequência da revolução
de 1842, António Carlos e Martim Francisco foram despo-
jados das funcções de gentis-homens da imperial camará, por
decreto de 12 de Septembro daquelle anno, o qual provocou de
lyCoogle
j6o retista do instituto histórico
António Carlos a resposta immediata de que assíni ficara
lavada a unka nódoa de sua vida pública.
Renovou-lhe a sua provinda o mandato em 1848, tendo
sido a esse pleito applícada, pela prÍQieira vez, a lei eleitoral
de 19 de Agosto de 1846, na qual tanto elle cooperara e que
considerava « talvez o único padrão que a legislatura de 1845
3 1S4S levantou ás idéas liberaes».
Além da maior parte dos seus companheiros (Ta sexta
legislatura, contou elle também, como colida de bancada, o
seu digno e illustrado ermão Chrístiano Benedtcto Ottoni.
Afora alguns trabalhos de commissões, a que se não
furtara, remetteu-se o egrégio liberal a completo mutismo,
que < foi latamente commentado pelas folhas da opposíção
conservadora».
Como é que se explica essa attítude de Theophilo Ottoni?
E' elle mesmo quem no-la justifica, por meio das se-
guintes palavras: — <A situação em que o 2 de Fevereiro
collocava o partido liberal era a mesma que o 23 de Março
de 1841 dera aos conservadores. Em 1841 eu os havia inve-
ctivado em pleno parlamento, por se haverem sujeitado á
imposição palaciana. Não podia ser-me agradável que o par-
tido liberal se collocasse em idêntica situação: essencialmente
Mineiro, eu também capricho era sustentar o pundonor da
coherencia ; e sabe o publico que o meu voto não prevaleceu
nessa conjunctura. Achando-me em unidade, e não querendo
embaraçar os chefes do partido liberal, que julgavam das
trevas poder tirar a luz, eu me abstive systematicamente de
toda discussão sobre politica geral >.
Analysando aquelle quatriennio de dominio liberal. Justi-
niano José da Rocha (op. cit., pags. 64-66) era muito maís
explicito do que Theophilo Ottoni . Dizia elle : — «No pe-
ríodo de 1844 a 1848, os ministérios que se succederam com-
puzeram-se dos seus mais notáveis estadistas, dos seus mais
dedicados alliados ; todas as posições de predomínio e de
influencia foram por elles occupadas; as camarás davam-lhes
qtiasí unanime apoio; e entretanto a doutrina actualmente
acceita do poder moderador, doutrina tão repi^nante aos
princípios do r^ime parlamentar, foi por algum delles in-
vocada, por todos sustentada e firmada no paiz; a grande
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A CIRCOLAU de TIIEOPHILO OTTONl l6l
conquista do veto presidencial sobre os actos das legislaturas
das províncias á interpretação dos dous terços, foi por um
desses ministérios estatuída. Explicaremos esses phenomenos,
como nos dias de grande lUcta o faziam os partidos? Apre-
senta-Ios-hemos como aviltamentos dos cliaracteres politicos,
como denúncia de falta de convicções e de pouca fé nas idéas
que aproavam? Longe de nós simiihante injustiça, que
desairaria o character nacional; não; chamados ao poder, os
homens dessas opiniões achavam-se tolhidos pela tendência
que encontravam ; ainda não era o temix> das suas idéas,
ainda a sociedade não sentia a justeza, a necessidade delias,
e os obrigava a recuar. Deveriam ter largado o poder? Mas
o poder era-lhes uma dupla garantia: já porque os livrava,
a elles e aos seus co-partidarios, da preponderância de homens
que a cegueira das paixões politicas lhes representava como
fataes, já porque pensavam assim impedir que a tendência,
contra a qual luctavam, continuasse em novas e maiores con-
quistas » .
E' bem de ver que os conservadores, arrojados ao ostra-
cismo em 1844 por inexplicável arbitrio do monarcha, iam
desde logo, sinão imitar os liberaes nas suas levas de broquéis,
ao menos combater por todos os meios e modos o € governo
pessoal >. cuja existência eram forçados a admittir, em vir-
tude de uma experimentação sobrevinda quando elles menos
a esperavam.
Dirigiram essa campanha os seus dous mais scintillantes
e hábeis timoneiros, Bernardo Pereira de Vasconcellos e Ho-
nório Hermeto Carneiro Leão. A'quelle se attribuiu um in-
teressante e sensacional pamphleto, saido então a lume com o
titulo c A (Tissolução do gabinete de 5 de Maio ou a facção
aulica», que, entretanto, era lavra do outro, E o futuro
marquez de Paraná, em 1846. como relata enthusiasticamente
Theophilo Ottoni, quiz organizar uma c fusão dos brasi-
leiros », afim de pôr termo ás * misérias do governo pessoal ■».
Si. congruente com as suas idéas adeantadas e atten-
dendo ás injuncções do seu nobre character, o preclaro Serrano
evitava a tribuna parlamentar, nesse longo periodo de do-
mínio do seu partido, para não se ver coheren tem ente coagido
a profligar-lhe a deplorável submissão á caprichosa vontade
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tfis Revista do institdto iiistorico
da coroa, — não fugia, entretanto, ao cumprimento de outros
altos deveres, que lhe dictava o seu exclarecído e efficiente
patriotismo.
Entaboladas, em 1844, com o então conde de Caxias, as
negociações para a pacificação do Rio Grande do Sut, dirigiu
David Canavarro a Theophilo Ottoni extensa carta, trazida
por mensageiro idóneo, para que o illustre Mineiro defen-
desse perante o Govêmo o reconhecimento da Republica de
Firatinim, mediante a federação com o Império.
Sabendo provavelmente do vergonhoso tractado, feito
nesta capital a 24 de Março de 1S43, pelo qual pediam re-
cursos ás forças de Rosas (que felizmente, e para maior vílta
nossa, não conveio á mal inspirada pretenção da politica im-
perial), afim de serem definitivamente esmz^dos os bravos
republicanos fronteiriços ; temendo o despedaçamento do terri-
tório nacional e desejando ardentemente que os heroiojs c Far-
rapos », retornados á actividade pacífica de outr'ora, engros-
sassem as fileiras dos legionários do prc^resso da Pátria, — ■
o prestigioso chefe liberal respondeu de maneira tão precisa
e tão convincente ao destemido caudilho, que o próprio David
Canavarro foi o primeiro a confessar ter sido similhante
carta «o pharol que levou ao desejado porto os Rio-gran-
^enses livres ».
Com essa nitida visão dos interesses vitaes e dos supremos
destinos do Brasil, Theophilo Ottoni, em mais de uma qaestão
fundamental de princípios, achava-se frequentemente em fla-
grante antagonismo com os seus próprios correligionários.
Como, a exemplo dos conservadores, adoptassem cm
geral os liberaes a theoria de que a abdicação de Pedro I
significava, pura e simplesmente, o conwço do segundo rei-
nado, pela ordem natural de successão, o abalisado pensador,
cujo espirito critico se escudava nas irrefragavcis licçÕes da
historia pátria e da evolução do mundo culto, insurgia-se com
razão contra aquelle estreito e erróneo ponto de vista, de que
se faziam derivar tão importantes corollaríos, e exclamava:
— « Não querem comprehender que no dia 7 de Abril de
1831 o povo e a tropa, reunidos no campo da Honra, ao
grito significativo de — viva a federação f — quando simul-
Uneamente se faziam pronunciamentos idênticos em Minas e
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A CtttCtlLAR DE tllBOPtítLO OTtOttt 163
na Bahia, haviam consummado uma revolu<;ão como a de
1688 na Inglaterra. Não querem comprehender que a nação
quebrou no dia 7 de Abril o que podia haver de aspiraq^
tradicional no primeiro reinado, e marcou soberanamente as
condições de existência do segundo. Não querem compre-
hender que as instituições no dia 7 de Abril receberam nova
tempera, e que nesse (tia foi, por antecipação, inaugurada a
reforma federativa ou acto addicional. Não querem com-
prehender que a abdicação, publicada no acto do embarque
para a nau ingleza IVarspite, foi uma inspiração feliz, mas
não acto espontâneo, e que realmente nesse dia o Brasil tirou
o throno ao príncipe portuguez e o devolveu regenerado ao
príncipe brasileiro V.
E, considerando que o « governo pessoal > constituía
doença mais grave do que o dominio de camarilhas, favo-
ritos ou validos, declarava alto e bom som que o culpado da
aberração, a que havíamos chegado, não era d. Pedro II, mas
tão somente os seUs ministros e conselheiros, liberaes, con-
servadores e palacianos, tntre os quaes não sui^ira um só
que dissesse ao imperador a verdade. . .
A 29 de Septembro de 1848 voltaram ao poder os con-
servadores, com o ministério presidido pelo marquez de Olinda,
e o primeiro que subiu á tribuna parlamentar, para um impe-
tuoso discurso de opposição, foi Theophilo Ottoni.
Cessada a fermentação mílitaresca que nos viera do pri-
meiro reinado, enchera todo o periodo regenctal e se extendera
bem após a Maioridade, parecia haver o paiz entrado em
marcha normal e que não mais se dariam sublevações civis.
Entretanto, assim não aconteceu. Embora não contassem
com apoio algum nas outras provincias, ao contrario do que
occorrera em 1842, rebellaram-se os Itberaes em Pernambuco,
onde facíl foi a victoria da legalidade, lamentando-se, todavia,
mais que tudo, o estupi<{o homicídio de Nunes Machado e o
myiterioso desapparecimento da privilegiada intelligencia de
Pedro Luiz.
Referindo-se á lucta < praieira », assim se expressa Na-
buco, em seu substancioso trabalho < Um estadista do Im-
pério» (vol. I, paga. 93) ; — «Quando os liberaes foram dis-
pensados do governo em 1841, fizeram as revoluções de
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l64 BBVISTA DO INSTITUTO tItSTORICO
S. Paulo c Minas. Nesse tempo, os chimangos faziam po-
litica sua, á parte do grupo liberal do Sul, que se ficou
chamando liido e apoiavam com todas as forças o minis-
tério, que abafou aquellas revoltas, Erâ agora a sua vez:
tinha chegado a occasião de resgatarem perante o partido a
sua culpa de 1842 » .
Cumpre ler também os incisivos períodos em que Jus-
tiniano José da Rocha {op. cit., pags. 69-81) com tanta
imparcialidade julgou os levantes provocados e (firigidos pelos
liberaes. Diz elle : «... foi o erro do partido liberal nessa
quadra, erro análogo ao que em quadra diversa haviam com-
mettido os caramunis: desse erro aproveitou-se a tendência
social a bem da auctoridade, como do pensamento da restau-
ração se aproveitou a tendência social a bem da democracia. . .
O partido liberal não teve fé em si, nem confiança no futuro ;
quiz tudo apressar, e tudo comprometteu ; quiz invocar as
paixões da revolta, e teve de exaggerar as suas pretenções,
afim de dar arrhas a essas paixões. Hoje hão de por certo os
chefes desse partido, vendo o estado a que se acha reduzido
o paiz, lamentar as fatalidades de 1S42 e 1848 ! » E mais
adeante : — «O observador, que, desprevenido, confrontar as
epochas, verá em tudo e por tudo que os caramunis de 1831
a 1836 e os liberaes de 1841 a 1851 desempenharam o mesmo
papel, commetteram os mesmos erros, fizeram os mesmos
benefícios. O que arredava dos caramunis as sympathias da
grande massa nacional, era a restauração ; o que arredava dos
liberaes as mesmas sympathias, era o constante appêllo para
as armas: em um e outro caso, revolta, soffrimento, ruína
da liberdade e da ordem, e a nação queria existir, e existir
livre » ,
Antes de proseguirmos na exposição dos factos directa-
mente vinculados á personalidade do grande democrata ser-
rano, convém que deixemos bem exclarecido, pelo menos em
suas linhas geraes, o momento histórico singular, que chara-
cterizou o segundo reinado, em meiados do século XIX.
?í nos fosse permittido proceder a uma simples divisão
didáctica da quasi completa meia centúria do governo de
d. Pedro II, — diríamos que a primeira decade se distinguiu
pela jugulação das revoltas intestinas, assegurando a plena
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DE THEOPHILO OTTONI lÓJ
tranquilidade da coroa; que as duas decades seguintes (1850-
1870) se notabilizaram pelas nossas questões externas, sobre-
tudo pelas nossas interferências no Rio da Prata, dando en-
sejo á guerra contra Oribe e Rosas, á! lucta pro-Flores e
contra Aguirre, e á prolongada e ruinosa campanha contra
Solano López; e, finalmente, que as ultimas decades (1870-
1889) foram assignaladas pelo duplo movimento da abolição
e da Republica, sendo a victoria do primeiro seguida, quasi
sem solução de continuidade, pela victoria do segundo.
Justiniano José da Rocha estabelece {op. cit., 18) uma
synthese interessantissima da evolução politica da monarchia,
3 partir de 1822 e terminando em 1855, data em que saiu do
prelo o seu substancioso opúsculo. Assim, segundo elle, houve
no Brasil: — «De 1822 a 1831, período de inexperiência e
de lucta dos elementos monarchico e democrático; de 1831 a
1836, triumpho democrático incontestado; de 1836 a 1840,
lucta de reacção monarchica, acabando pela Maioridade; de
1840 até 1852, dominio do principio monarchico, reagindo
contra a obra social do dominio democrático, que não sabe
defender-se sinão pela violência, e é esmagado; de 1852 até
hoje (1855), arrefecimento das paixões, quietação no pre-
sente, anciedade do futuro, período de transacção».
Em 1849, realizado o pleito para constituição da Camará
temporária, dissolvida em 1848, foi Theophilo Ottoni esco-
lhido mais uma vez para alli representar a sua província
Não obstante isso, protestou elle contra a legalidade da
eleição, não só por motivo das violências de que haviam sido
victimas os liberaes em várias freguezlas, como principalmente
por ter sido cumprida a ordem do Governo de se reger o
processo eleitoral pela derradeira qualificação, quando a lei
de 19 de Agosto de 1846, então vigorante, dispunha que no
caso se obedecesse á qualificação do anno anterior.
Assim, quando foi chamado a tomar assento na assembléa
geral, como supplente por Minas, não vaciJlou elle em re-
signar o Ii^ar de deputado, sobrepondo a cohcrencia e a
dignidade a todos e quaesquer outros interesses.
Para que se possa fazer uma apreciação segura da intei-
reza de character de Theophilo Ottoni, cumpre ouvir áquelle
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I66 RBTIBTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
propósito as suas próprias palavras, relativas aos doze annos
do seu ostracismo voluntário, comprehendidos entre 1848 «
1860. Eis como SC explica elle: — c Desejo somente tornar
bem claro que em todo esse longo periodo guardei sempre o
pundonor da coherencia, permanecendo fiel ao symbolo que
articulei no jornalismo em 1831 e que professei imperterrito
na tribuna da assembléa provincial da nossa província, na da
Camará dos deputados e no banco de réu perante o jury de
Mariana. Quando, em 1848, o arrefecimento das boas graças
do palácio afastou os liberaes de toda a participação no poder,
tomada a praça pelos contrários, nenhum delles me disputou
o direito de retirar-me, erguida em punho a bandeira que, ao
entrar no parlamento em 1838, eu arvorara e íôra adoptada
pela opposição liberal. E, em 1851, quando, com razão ou
sem ella, me pareceu que os chefes liberaes, candidatos ás
pastas tíe ministros, se mostravam na imprensa e no parla-
mento dispostos a fazer ao governo pessoal mais concessões
do que aquellas que eu julgava admissíveis, retirei-tne da
politica, e deixei de estar em communhão com qualquer
partido».
Bem andou em assim proceder o digno Brasileiro, que,
sem tardança, revelou em outra esphera de acção a energia
da sua enfibratura.
Enquanto os conservadores jugulavam a revolta «prai-
eira >, derribavam Rosas (lançando no Prata os germes de
futuras contendas), extinguiam o trafico de africanos (a que
a Inglaterra, pela rigorosa execução do bill Aberdeen, coagira
o Império) e apparelhavam reformas, num palpável exforço
de cimentarem o seu tríumpho na opinião do paiz e a sua
perpetuação nos conselhos da coroa, — trocava Theophilo
Ottoni o campo de .'^gramantc da Politica pelo da actividade
commercíal.
Desde 1845 montara elle nesta capital uma importante
casa de negocio, e vinha de mais longa data a sua constante
preoccupação com o franqueí amento de vias de communi-
cações interiores, que ligassem entre si as províncias de Minas,
Espírito-Sancto e Bahia, bem como a incessante cogitação de
explorar as ubertosas terras do hinterland do seu berço natal.
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k ClttCULAR DE TneOPlIILO OTTQNI 167
Dispondo de largo credito e das melhores relações nos
círculos financeiros, aventurou-se a realizar a sua antiga e
patriótica aspiração.
E' de 1847 o seu opúsculo intitulado « Condições para a
incorporação de uma companhia de commercio e navegação
do rio Mucury >.
A essa árdua e vasta empresa, cujo capital era de réis
1.200:000$, quantia enorme para aquella epocha, dedicou por
muito tempo os seus melhores exforços, o seu afan pessoal,
toda a sua actividade, toda a sua fortuna, enfim.
Sobejam documentos para o estudo integral dessa parte
da existência do eminente cidadão, de quem nos estamos
occupando. Além dos relatórios annuaes da < Companhia
Mucury », publicados desde 1852 até 1860, traçou elle o
histórico do seu audaz emprehendimento nura folheto que,
também com aquella epigraphe, deu aqui á estampa em 1856.'
Pouco depois dirigia a Joaquim Manuel de Macedo, o ce-
lebre romancista, então secretario do Instituto Histórico e
Geographico Brasileiro, extensa carta explicativa, com a de-
nominação de « Noticia sobre a colónia e os selvagens do
Mucury», inserta na € Rev, Trím. », t. XXI, ps^s. 191-338,
e em 1858 tirada em separata, numa brochura de 48 paginas.
No anno seguinte (1859) editava outro volumito sobre o
mesmo assumpto, « A colonização do Mucury >, e em 1862,
finalmente, para que não pairasse a menor dúvida no espirito
dos accionistas e do público sobre a lisura do seu proceder
quanto aquella portentosa tentativa, infelizmente mallograda,
ainda fez sair á luz uma « Breve resposta >, que se enfeixava
em cerca de 100 paginas.
Antes de mais nada, cumpre-nos salientar quanto o bem
formado coração do benemérito Brasileiro, guiando-lhe a intel-
ligencia robustíssima, se sublevou ante as montarias que se
faziam contra os nossos desgraçados aborigenes e o com-
pelliu a propor a única solução convtnhavel ao magno pro-
blema de os proteger e attrahir para o nosso convívio, inte-
grando-os definitivamente na grande Pátria, originariamente
só delles, e na qual estavam apenas acampados. As idéas,
que a esse respeito preconizava elle, eram as mesmas que
outr'ora jorraram da alma do incomparável estadista que ^i
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l68 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
José Bonifácio, o Patriarcha, e que só ultimamente puderam
ser transformadas em realidade pelo moderno apostolo das
nossas selvas, o coronel Rondon, e sua abnegada plêiade de
auxiliares ,
Ouçamos, porém, o que Theophílo Ottoni (vide < Rev.
do Inst, Hist. e Geogr. Brás.», t. XXI, pags. 200), depois
de referir os innumeros attentados commettidos pelos brancos
contra os indios do Mucuri. racional e humanamente apre-
goava : — € Eu tinha adquirido a convicção de que os sel-
\'agens, nas suas aggressões contra os chrístãos, eram quasi
sempre incitados por violaicias e provocações destes. Em
consequência, acreditava que um systema de generosidade,
moderação e brandura, não podia deixar de captar-lhes a
benevolência. A principal difficuldade para a execução, ou
ao menos ensaio deste systema, estava em chamar á práctica
e convivência os filhos das selvas, em convencê-los de que
havia, com effeito, um novo processo de catechese, que não
empregava pólvora e bala, nem tinha por fim roubar-lhes os
filhos ».
Nos escriptos acima citados, bein como em algumas
poucas linhas da « Circular », deixava o inolvidável Serrano
transparecer o patriótico enthusiasmo, com que todo se votou
á realização do seu grandioso projecto.
O sector comprehendido entre os rios Jequitinhonha e
Doce, no seu angulo central, fora o ultimo onde penetraram
os descobridores de ouro, na zona convizinha do litoral.
O nome de Minas-Novas ligou-se, por isso, ao único arraial
de exploração metallica alli despontado, quasi em meiados do
século XVni.
O resto daquella vastissima área ficara exclusivamente
entregue aos seus primitivos donos, aos seus posseiros natu-
raes, os índigenas.
Um centennio depois, o bandeirante que alli ousou em-
brenhar-se, tão intrépido como os seus antepassados paulistas
e levando na alma acendrada róseos sonhos e aspirações mirí-
ficas, foi Theophílo Ottoni.
O seu escopo não consistia apenas em desbravar aquelle
solo virgem e feraz, porém sim em estabelecer a navegação
de todos os caudalosos cursos de agua, que iam do sertão em
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A CmcOLAR DE THEOPHILO OTTONl I69
demanda do Atlântico, e, pois, em abrir portos no oceano a
insulada Minas.
Não é difficil imaginar a grande força de vontade que
teve Ottoni de pôr em jcgo, afim de fugir á emmaranhada
teia das preoccupações partidárias que dominavam todos os
espíritos, naquella phase por que passava a nossa conecti-
vidade social, e afim de chamar a attengão dos administra-
dores públicos para a expansão da nossa capacidade eco-
nómica ,
Legatário dos methodos rotineiros de Portugal, que
sempre oppoz o mais ferrenho monopólio ás aspirações uni-
versaes do livre-cambio ; herdeiro do innominavel systema
escravista, que a metrópole aqui implantou e que existiu até
1888, impossibilitando tanto o nosso prc^esso moral como
o nosso progresso material : — o Brasil, ainda em meiados do
século XIX, poucos passos havia dado a beneficio da sua
agricultura, da sua pecuária, do seu commercio, da sua in-
dustria.
Basta dizer, — cumpre dizê-lo com tristeza — , que,
quando Theophilo Ottoni emprehendia aproveitar os ca-
minhos naturaes do interior para o intercambio de mérces,
ainda nem siquer o Amazonas havia sido aberto aos navios
de todas as nações do mundo, o que só foi feito pelos de-
cretos de 7 de Dezembro de 1866 e 31 de Julho de 1867 !
Basta dizer que, quando o inspirado patriota arrostava
os maiores incommodos e os maiores perigos para levar a
civilização a uma extensa superfície do território nacional,
ainda não havia no Brasil, apesar da lei de 31 de Outubro
de 1835, emanada da regência de Feijó, nenhuma estrada de
ferro, pois a primeira, devida á iniciativa de Irineu Evan-
gelista rfe Sousa (visconde de Mauá), só se inaugurou a 30
de Abril de 1854, numa extensão de 14 kilometros, e ainda
nem se sonhava com a Central!
O projecto do genial Serrano mal logrou -se ; mas, cm não
remoto porvir, quando enormes ferrovias ligarem o Nordeste
mineiro ao htoral espiríto-sanctense, — o seu melhor e mais
fácil escoadouro — , então o nome de Theophilo Ottoni será
por certo relembrado e abençoado.'
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170 REVISTA DO INSTITUTO IIIÍTORICO
Desde 1841 que Theophilo Ottqni, quando se agitou no
parlamento nacional a abertura de communicações entre a
Bua província natal e as confinantes marítimas, advc^u :i
linha de Minas-Novas para Caravellas ou immediações.
No meiado do século XIX procurou-se corrigir a ve-
tusta divisão administrativa do Império, herdada da metró-
pole. Foram, porém, creadas duas circunscripções novas;
a do Paraná, constituída pela antiga comarca de Curitiba,
desmembrada de S. Paulo; e a do Amazonas, formada pela
antiga comarca de S. José do Rio Negro, separada do Pará.
Pela mesma epocha, qual se vê de opúsculo « Pinsonia >
(pags. IX) de Cândido Mendes de Almeida, também se
tentou crear a província Oiapockia no território compre-
hendido entre os rios Nhamundá < Amazonas, o oceano
Atlântico e os limites septentrionaes do Brasil.
Pois bem: — o grandioso projecto de Theophilo Ottoni,
conta o seu digno ermâo e biographo (op. cit., pags. 29),
< fez nascer e tornou practicavel uma idéa politica, acceita
pelo marquez de Paraná, advogada por vários deputados, mui
' bem acolhida pelas populações a quem interessava, e, para
resumir tudo em uma só palavra, medida de vantagem in-
tuitiva. Tractava-se de crear uma nova provincia, contendo
a comarca do Jequitinhonha e parte das do Serro e S. Fran-
cisco, em Minas, a de S. Matheus, no Espiríto-Sancto, e as
de Caravellas e Porto-Seguro, na Bahia. A nova provincia
e sua rede de estradas approximariam do oceano mais de
100.000 habitantes do Norte de Minas, facilitariam o rotea-
mento de extensíssimas matas, e dariam um porto de mar a
uma grande parte da província (de Minas), que não pôde
continuar, em toda a sua vasta extensão, dependente da al-
fandega do Rio de Janeiro».
Obstáculos de toda sorte, especialmente por parte dos
ministros da coroa, esbarrondaram a enérgica iniciativa do
rijo sertanista.
Não foi só a fortuna que elle consumiu, foi também a
saúde que se lhe comprometteu irremediavelmente.
Para que não morresse a empresa do Mucuri, abriu elle
mão das indemnizações a que porventura tivesse direito, con-
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* CmCULAR DE THBOPHILO OTTONI t^I
tando que assim o Governo geral, que a encampará em 1860, a
levaase auspiciosamente a bom termo.
Assim, porém, não aconteceu. Quando o dilecto filho da
antiga villa do Príncipe expirou em 1869, restava apenas, da
sua obra colossal, a povoação cujos alicerces lançara á margem
do rio Todo3-os-Sanctos, affluente do Mucuri, e a qual dera
o bello nome de Philadelphia, hoje substituído pelo do seu
fundador, — única homenagem que em boa hora e até ao
presente lhe prestou a suprema administração dá sua terra
natal .
Depois desse hiato de um decennio, todo consagrado á
sua interpresa sertaneja, — ei-Ío de novo na estacada, na van-
guarda dos mais valentes pelejadores, o intrépido legionário
da democracia.
Em 1853, pondo afinal em práctica um seu antigo plano,
inaugurara o marquez de Paraná a chamada < politica de
conciliação », formando com liberaes e conservadores o ga-
binete de 6 de Septembro daquelle anno. Essa nova orientação
tivera no auctor do Libello do povo o seu grande paladino da
imprensa e em Nabuco de Araújo, a cujo discurso de 6 de
Julho se deve o bem posto nome de * ponte de ouro ^, o seu
evangelizador parlamentar.
Fallecendo Honório Hermeto Carneiro Leão, que deixou
o nome inscripto em vários serviços prestados á Pátria na
quadra mais agitada do seu evoluir, Caxias, que o substituiu
então na presidência do conselho, a 3 de Septembro de 1856,
continuou a mesma traça.
Mas, subindo ao poder em 4 de Maio de 1857 o minis-
tério chefiado pelo marquez de Olinda, começoií-se a fazer
de novo a separação dos dous partidos.
Foi então que Theophilo Ottoni, vendo já em traf^o a
estrada do Mucuri e adeantada a empresa ingente a que se
abalançara, entendeu de retornar á actividade politica.
Durante a abstenção de luctas partidárias, tinha sido
eleito presidente do Montepio Geral, que elle reformou con-
venientemente, elevando-o a alto grau de prosperidade.
A 7 de Outubro de 1856, elle e o seu illustre e digno
ermão, Christiano Benedicto Ottoni, haviam dirigido aos Mi-
neiros uma circular, aventando a idéa da reforma do Senado.;
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1^3 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Certos de que — « Senado vitalício, acostado a Conselho de
Estado vitalício, não pôde trazer outro resultado sinão a
mais detestável das oligarchias », — recommendavam á. massa
suffragante da sua província natal só elegesse representantes
que expressamente se compromettessem a pugnar < pela
eleição dos senadores por circulo, pela renovação parcial do
Senado em cada legislatura».
Sem dar cõr partidária á sua candidatura, disputou o
inexquecivel liberal uma curul da Camará alta, no pleito de
21 de Agosto de 1859, correspondendo assim á confiança
com que o distinguiam os seus comprovincianos, que em 1857
espontaneamente lhe haviam suffragado o nome para aquelle
cargo, pouco faltando o ser incluitfo na lista sextupla.
Veio em primeiro logar na lista tríplice; mas, submettida
esta ao poder moderador, foi escolhido o segundo votado, o
conselheiro Luiz António Barbosa, a cujos serviços e eximias
qualidades fez justiça o próprio preterido.
Havendo outra vaga, também por Minas, na assembléa
vitalícia, pelo fallecimento do venerando senador Vergueiro,
novamente entrou na liça o benquisto patriota, a quem outra
vez coube a honra do posto culminante na lista tríplice de
ri de Fevereiro de 1860. Mas, quando esta foi sujeita á
consideração do monarcha, entendeu d. Pedro 11 de escolher
o terceiro dos eleitos, um sr. Manuel Teixeira de Sousa.
O procedimento da Coroa provocou amplas manifestações
pela imprensa e pela tribuna parlamentar, A esse episodio se
ligam três pamphletos, então vindos a lume : — « Monarchia
e democracia », « O poder moderador e o sr. Theophilo Be-
nedicto Ottoni » (publicado em S. Paulo) e < Da natureza e
limites do poder moderador » (anonymo, mas geralmente
attribuido a Zacharias de Góes e Vasconcellos) .
O probo liberal mineiro, por seu turno, não pôde sopitar
o profundo resentimento que lhe iransbordava da consciência
justamente indignada, do seu grande e notório mérito ferido
e menosprezado. Tendo sido officialmente publicada a 28
de Abril de 1860 a desastrosa escolha imperial, no dia se-
guinte inseria elle nos jomaes a declaração irrevogável de
que não disputaria a cadeira, que a morte do conselheiro Luiz
António Barbosa deixara vacante no Senado. E as expli-
co byGoOglc
A CIRCULAR DE THEOPHILO OTTOM 173
cações de similhante absenteísmo foram feitas eiii < lingua-
gem rude > .
Afim de melhor exprimir o seu pensamento, não só de
gratidão para com os com provincianos que lhe haviam reite-
radamente attendido á pretenção de sentar-se na Camará alta,
como ainda de pedir-lhes os suffragios para um logar na
assembléa temporária, traçou o ineguãlavel manifesto politico,
a célebre «Circular», que, tanto pela quahdade como pela
quantidade, ficou singular em nossa Historia.
• Traz a data de 19 de Scptembro de 1860. Ora, a lei de 18
de Agosto desse anno modificara o systema electivo geral,
pois. embora conservasse os dous graus, estabelecera a eleição
por circulo de trez deputados, o que obrigou as províncias a
remodelarem as suas circunscripções eleitoraes.
Na famosa carta apresentou-se Theophilo Ottoni can-
didato á Camará baixa, pelo 2° districto de Minas-Geraes .
As ultimas paginas daquelle documento notável merecem me-
ditadas ainda hoje. Nellas o genial Serrano, com a sua
assombrosa clarividência, referiu- se ao prodigioso influxo
que a artéria ferroviária central, então apenas iniciada, estava
destinada a exercer no futuro engrandecimento da terra de
Tiradentes. E. com o amplo descortino que lhe characterizava
o espirito práctico, assignalou a urgente necessidade de mon-
tar-se no rio S. Francisco a navegação a vapor, afim de
facilitar o commercio do Septentrião e do Nordeste mineiro
«com as comarcas vizinhas e com a província da Bahia».
Não se exquecera também de lembrar a installaçâo de uma
vasta rede de estradas de ferro, que servisse aos valles do
Parahiba, rio Doce, rio Grande (cabeceiras) e S. Francisco.
Quanto ao ponto de vista geral, o seu programma con-
tinuava a ser o de combate sem. tréguas ao «governo pes-
soal > e o de levar a effeito, constitucionalmente, as reformas
que o seu adeantado liberalismo desde muito pregava e recla-
mava,— abolir o « flagello da prisão arbitraria » e o recruta-
mento forçado, retirar aos agentes policiaes amovíveis as
íuncções judiciarias de que os investira a lei de 3 de De-
zembro de 1841, e, finalmente, extinguir a vitaliciedade do
Senado.
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Jf4 RbVbTA M ÍN8T1TDT0 ttlStOUlCO
O disputãdissinio pleito que se feriu nas urnas para a
decima-primeira legislatura do Império, a qual devia exten-
der-se de 1861 a 1864, comprovou á saciedade o inabalável
prestigio de que gosava em todo o paiz o ardoroso patriota.
Dirigiu elle, pessoalmente, o partido liberal nas eleições
da então Corte, e tanto o 2° distncto de Minas como o 1'
distrtcto da província do Rio de Janeiro o honraram com o
mandato para os representar na Camará dos'deputados geraes.
A 19 de Junho de 1861 optou elle pelo circulo da sua terra
natal, tendo tido por substituto no fluminense o indeslem-
bravel parlamentar Martinho Alvares da Silva Campos, de
quem Af fonso Celso Júnior, no seu trabalho « Oito annos de
parlamento» (pags. 41-50), traça com brilho o interessante
perfil politico.
E' imprescindivel, agora, ouvirmos a opinião de Joaquim
Nabuco {op. cit., vol. II, pags. 74-76) sobre aquelle memo-
rável pleito, de cujo triumphador fez elle ao mesmo tempo o
mais elevado juizo no que respeita ao charactcr, embora sobre-
modo injusto quanto á valia mental : — « Essa eleição de 1860
póde-se dizer que assignala uma epocha em nossa historia
politica; com ella recomeça a enclier a maré democrática, que
desde a reacção monarchica de 1837 se tinha visto continua-
mente baixar e cuja vasante depois da Maioridade chegara a
ser completa. No Rio de Janeiro a campanha foi ardente,
enthusiastica, popular, como ainda não se vira outra ; a moci-
dade tomou parte nella, o commercio subscreveu generosa-
mente, o povo dirigia-se de uma para outra freguezia capi-
taneado por Theophilo Ottoni, cujo lenço branco figura
constantemente nos epigrammas políticos da epocha. A chapa
liberal triumphou toda: Theophilo Ottoni, Octaviano, Sal-
danha Marinho ; e esse acontecimento tomou as proporções de
uma revolução pacifica, qUc tivesse finalmente derribado a
oligarchia encastellada no Senado. Tal victoria creava um
partido; queria dizer, de facto, a resurreição do partido li-
beral com outro pessoal e outras idéas. mas com as mesmas
tradições, o mesmo espirito, mais forte que os homens e
que os principíos. Nabuco tinha previsto bem: a situação
era de Theophilo Ottoni. Si este não fosse então, em phrase de
Disraeli, « imi vulcãp extincto >, um homem acabado, de
byCoogIe
A tlRCttbAR DC "ÍHeOPIlILO OTTONI l^j
outras eras, que não renovara desde 1831 o seu cabedal
politico, um veterano novato, apparecendo, ao lado das ge-
rações modernamente educadas como um anachronismo vivo,
ter-se-ia apossado do governo, dominado a Camará e cur-
vado o imperador deante da sua popularidade. A repu-
tação immensa que o precedia impunha-lhe, porém, obrigações,
que elle não podia satisfazer ; exigia delle, perante um publico
por natureza critico e iconoclasta, como o nosso já se estava
tomando, um talento que fizesse sentir a superioridade do
passado que elle representava, ou então uma mocidade de
espirito que lhe permíttisse partilhar os enthusiasmos de uma'
epocha profundamente diversa da sua. Theophilo Ottoni não
tinha nem essas faculdades intellectuaes poderosas, nem essa
plasticidade e volubilidade de espirito. Na tribuna, pertencia
á ordem dos oradores espontâneos, porém diffusos e prolixos..
Sua estréa, anciosamente esperada em 1861, é um contra-
tempo; fala até ao escurecer, e, a uma observação do presi-
dente, declara-se prompto a ir até meia-noite. A arenga toda
é hoje iilegivel ; o tributo eleitoral que o povo seguia arre-
batado sentia- se enjaulado no parlamento, onde, exclusiva-
mente, se conquistava a primeira posição. Com sua genero-
sidade e cavalheirismo, egualdade e affabilidade de tracto, elle
é particularmente um homem estimado e querido de todos».
E logo adeante : — «As eleições de r86o tiveram im-
mensa repercussão em todo o paiz. O ef feito da eleição de
Ottoni e seus companheiros de chapa foi além de tudo o que
imaginava a opposição a Ferraz. A oHgarchia fora desar-
raigada, derribada por um verdadeiro furacão politico. Ferraz
não esperou a reunião das camarás para demittír-se. Em 2 de
Março de 1861 formava-se novo gabinete sob a presidência
de Caxias, cujo braço direito será Paranhos».
. Chegou-se a pensar, — accrescenta Nabuco, em nota, a
P^gs. 77, — que « a formação do ministério de 2 de Março
de 1861, com o marechal Caxias e o chefe de esquadra
Joaquim José Ignacio (Inhaíima), aprese ntando-se, além
disso, incompleto », era « uma combinação militar do impe-
rador, em resposta á eleição de Ottoni ».
Ainda em 1861, sem que elle houvesse cogitado de simi-
Ihante candidatura, insistiu Minas em apresenta-lo no pri-
byCoogle
176 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
meiro logar á consideração do monarcha para uma curui do
Senado. E no anno seguinte também Mato-Grosso o exalçou
á sua lista tríplice para a Camará vitalicia.
Excusado é dizer que a essas irrebativeís manifestações
de valor politico corresponderam outras tantas preterições,
que, todavia, não mais estomagaram o invencivel luctador,
porque este, quando lançou a público a sua declaração de 29
de Abril de 1860, atrás mencionada, já as havia curialmente
previsto, quando ponderava ; — «O damno que a minha lin-
guagem rude ha de acarretar-me é talvez irreparável...».
Pela mesma occasião, fazia elle sair do prélo um no\o
e vigoroso pamphleto politico, intitulado « A estatua eques-
tre». As idéas de Theophilo Ottoni a respeito do movi-
mento nacional de 7 de Abril de 1831 já deixámos suffi-
cientemente evidenciadas em linhas anteriores, citando-lhe
as próprias palavras.
Ora, tendo sido elle escolhido por duas assembléas pro-
vinciaes, trinta e duas camarás municipaes e diversas asso-
ciações scientificas, para as apresentar no acto de entregar-
se á admiração do publico a « mentira de bronze », julgou
imprescindível expor pela imprensa, na véspera, do dia em
que a população carioca devia assistir á inauguração do
monumento, que ora avulta majestoso em meio da Praça Ti-
radentes, os sérios motivos que o compelHam a declinar da-
quella incumbência.
Marcada para 25 de Março, data conimemorativa da
outorga da carta constitucional de 1824, foi, contudo, adiada
para 30 do mesmo mez a pomposa solennidade, cujo alvo
histórico era zargunchado pela válida penna do intrépido
Serrano. O folheto, hoje posto em olvido, teve no momento
profunda repercussão em todo o paiz, dando aso a varias
publicações, umas de applauso e outras de contradicta.
O anno de 1862 assignala-se por extranhos aconteci-
mentos eni nossa historia politica.
Um delles é a defecção de vários chefes conservadores,
— o marquez de Olinda, José Thomaz Nabuco de Araújo,
Zacharias de Góes e Vasconcellos, José António Saraiva, —
que, descontentes com o gabinete de 3 de Março de 1861,
lyCoogle
A CIRCULAR DB TIIEOPHILO OTTONI T77
presidido pelo marechal Caxias, se passaram com armas e
bagagens para as fileiras contrarias.
Com o famoso discurso do < uti ix>ssidetis >, pronunciado
por Nabuco, torna-se triumphautc a « Liga », c o resultado
intniediato de tal procedimento foi a ascensão dos liberaes ao
poder, em que se conservaram até ao golpe de Estado de i6_
de Julho de 1868.
O gabinete de 24 de Maio de 1862, presidido por Zacha-
rias, foi chamado de «ministério dos anjinhos», porque teve
a curta existência de sete dias, derribando-o pela imprensa a
penna máscula de Torres Homem, Mas, a 30 de Maio, cons-
tituia Olinda o que foi denominado < ministério dos velhos >,
por delle fazerem parte, além do ex-regente de 1837-
1840, o marquez de Abrantes, os viscondes de Albuquerque e
de Maranguape, Joaquim Rodrigues de Lamare, Polydoro dá
Fonseca Quintanilha Jordão (depois visconde de Sancta-
Tcrcsa) c João Lins Vieira Cansanção de Sinimbu.
Deu-se no tempo deste o outro « extranho acot^ecí-
mento > a que acima nos referimos, poís diversa qualificação
não merece aquillo, a que em nossa Historia se conveio em
chamar de «questão Christie».
Este lobrego evento, que se originou do naufrágio da
barca ingleza Prhice of Wales nas costas do Rio Grande do
Sul, em Junho de 1861, e da prisão em fins de 1862, de
officiaes da fragata Port, pertencente á marinha de guerra
britannica c então ancorada na bahia de Guanabara, eviden-
ciou a inépcia dos estadistas que dirigiam naquelle momento
a {xilitica nacional, quer no ministério, quer no Conselho de
Estado. Com effeito, para evitar a violação da soberania
brasileira, em consequência das represálias ordenadas pelo
representante diplomático de Sua Graciosa Magestade, era
sufficiente que o nosso Governo acceitasse o arbitramento
para os dons casos em litigio, o que em nada podta diminuir
ou lesar a dignidade da nossa Patrta, porquanto, como bem
obser\'ou um dos mais insuspeitos e cultos pensadores desta
terra, R, Teixeira ^Fendes («Benjamin Constant>, vol. I,
pags. 1 15-1 16), si procedesse a objecção de estar a Coroa
convencida da sua justiça no concernente aos salvados da
Priuce of Wales, então, logicamente e dignamente, não de-
s" lyCoogle
ITS nZVISTA DO IKSTlTDtO BlStOMCO
veria também ter acceitado o juizu arbitral para a questão
dos officíaes da Fort,
E' sabido que o povo desta capital se exaltou leonina-
tneiite ante a injuria, que nos irrogara a esquadra do almi-
rante Warren, nas nossas aguas territoriaes, ás barbas do
monarcha brasileiro.
Coube a Theophilo Ottoni o prestar, nes^se grave passo
da nossa evolução, mais um dos relevantes serviços que lhe
deve a nossa Pátria. Conhecido e respeitado em toda a cidade,
onde a sua iogosA intelligencia, liberalismo avançado e ina-
tacável probidade o haviam erigido a um dos Ídolos da
população carioca, — só o prestigio de tão peregrinos pre-
fticados e a fascinação de sua palavra foram capazes de
impedir excessos, que ix)deriam ter chegado ás mais funestas
consequências, quando a grande massa popular se agitou,
cholerica e impetuosa, por toda parte, contra a audácia do
plenipotenciário da Inglaterra e o insólito proceder da es-
quadra britannica.
St a questão Christie deixou no espirito dos dirigentes
da politica brasileira traços indeléveis, que incontestavelmente
contribuirani para arrojar-nos em 1S64 á intervenção nos
negócios Íntimos do Uruguai, precipitando-nos na prolongada
e sanguinolenta camjjanha contra o Paraguai, — verdadeiro
crime (,no sentir de João Ribeiro, um dos nossos mais com-
|K;tentes historiadores) da dynastia bragantina occu^jadora da
único throno americano — , não é menos certo que, no tocante
á pessoa do digno filho da terra dos diamantes, serviu para
riscar-lhe o nome do «livro negro», em que o inscrevera o
soberano. i
Em 1863 foi tlissohida a Camará, que, entretanto, applau-
dira com grande alarde a attitude do Governo imperial no
deplorável incidente ai^lo-brasileiro.
Travado o pleito para a constituição da decima-segunda
legislatura geral, que devia prolongar-se de 1864 a 1866,
Theophilo Ottoni foi reeleito deputado por Minas, que
Umbem, como que porfiando em tributar-lhe similhante ho-
menagem, o mandou na lista triplice para a Camará alta.
Escolhido, enfim, pelo monarcha, e tendo acceitado a
curul senatorial foi substituído, na bancada mineira da as-
lyCOOglC
à ClftCOLAR DB THEOPHILO OTTONI 174
sembléa tcm[x)raria, \K)r Manuel Igiiacio de Carvalho Meií-
(loiii;a. a ^3 de Junho de 1864,
Antes de proseguirnios, devenius acceiíttiar que o nosso
iltu^tre patrício andava muito mollior, pondo em práctiva a
coherencia, de cujo pondonor tanto se desvanecia e de que
efíccti vãmente dera arrhas por tanto teinpo, — si fizesse o
bcllo gesto de recusar a cadeira* de senador, com que afinal
o distinguira d. Pedro II.
Preconizando, e com sobeja razão, a necessidade de re-
formar-se a Camará alta, tornando-a temporária, isto é, reno-
vável annualmente pelo terço; e carregando em sua íé-de-
officio de impolluto democrata tantas preterições injustas,
de que, para aquelle cargo electivo o fizera alvo o arbítrio
imperial : — quanto mais acertado não teria sido que Theo-
philo Ottoni continuasse da tribuna da Camará dos deputados
a sua campanha patriótica, aureolado então por novo estenima
de desinteresse politico, \)or mais um exemplo raro de abne-
gação e de dignidade — , pela recusa de um posto na assembléa
vitalícia I
Provavelmente, foi a situação especial em que se encon-
trava naquella epocha, situação de extrema responsabilidade
na grei liberal, que o compelliu a entrar os humbraes do
mesmo Senado vitalício, por elle com lanta razão combatido
como factor de oligarchia.
De facto, desde 1863, fora arvorado o eminente par-
lamentar em um dos mentores da situação < progressista »,
que atravessou os gabinetes de Zacharias e de Furtado.,
Aqiielle, formado a 15 de Janeiro de 1864, contava em seu
seio dous Mineiros, José Pedro Dias de Carvalho, um dos
chefes revolucionários de 1842, e Domiciano Leite Kibeiro
(depois visconde de Araxá), além do formosíssimo talento
de José Bonifácio, o moço. O de 31 de Agosto do mesmo
annu, constituído, além de Francisco José Furtado, |>or José
Liberato Barroso, Carlos Carneiro de Campos (visconde de
Caravellas, substituído em 4 de Outubro por João Pedro
Dias \'ieira), Francisco Xavier Pinto Lima, Henrique de
lieaurepaire Rohan (visconde de Beaurei>aire, substituído no
cotnc^ de 1865 pelo visconde de Camamú) e Jesuino Mar-
condes de Oliveira e Sá, foi o que, sem perda de tem^,
lyCoogle
Itly HEVIbTA UO INSTITUTO HISTÓRICO
nplfcllou para o volunlariado e recorreu á conscrip<^o mi-
lilar, chamando lambem ás armas a Guarda nacional, aíiin
de termos exercito com que enfrentar a invasão ]>araguaia no
território brasileiro de Mato-Grosso e cm seguida no Rio
Grande do Sul.
Em 1865, derrotado no parlamento esse ministério, que
foi substituído pelo de Olinda a 12 de Maio do mesmo amio,
entrou em declinio a coltigação « progressista », que se rompeu
completamente em iSó6, quando ao gabinete do ex-regente
succedeu o de 3 de Agosto, presidido por Zacharias.
Foi contra este ministério que Theophilo Ottoni, Chris-
tiano Ottoni, Sousa Franco, Furtado e outros liberaes da
vellia guarda lani;aram a público, por occasião das eleições
de 1867, «um manifesto acrimonioso» (vide Uahuco, op. cil.,
vol. III, pags. 108), no qual, além de muitas outras duras
apostrophes, vinha esta: — «Em vez de tocar a fibra na-
cional, appellando para o alistamento dos voluntários. . ..
chegou ao (xiiilo de atirar ao seio do exercito, como para
salvar o pavilhão brasileiro, uma centena de galés de Fer-
nando de Noronha 1 »
Nesse pleito, entretanto, ainda foi esmagadora a maioria
.obtida pelos « progressistas > .
E' também da mesma epoclia (1867) o livro de Tito
Franco de Almeida. « O conselheiro Francisco José Furtado,
biograpliia e esludo de historia politica contemporânea », do
qual jK^ssue o Instituto Histórico e Get^raphíco Brasileiro o
precioso exemplar que pertenceu a d. Pedro II e em cujas
margens traçou o zeloso mouarcha, de seu próprio punho,
interessantissímas « notas », colligidas pelo operoso e com-
petente snr, Max Fleiuss na « Revista >, t. LXXVII, p, i',
l)ags. 245-289. E' documento indisiiensavel á apreciação in-
tegral e sincera daquetla quadra de transição e de transacções.
Basta dizer que as explicações do imperador levaram Tito
Franco a entoar pouco mais tarde a palinodía do seu opús-
culo « Monarchia e monarchístas » .
Theophilo Ottoni, não obstante a culminância em que
estava naquella curiosa phase da nossa trajectória politica,
■ entendeu de não participar de nenhuma ot^nização minis-
terial . I
,dbyGoogle
A CIRCtlLAR DR TIIROPIHLO OTTOXI ifll
O incidente occorrido entre elle e Saraiva, quando se
cogitava de formar o gabinete de 12 de Maio de 1865, afinal
presidido pelo sacerdos magitus do imperialismo, Olinda, pa-
rece evidenciar-lhe a resolução de não ser conselheiro da
Como Tito Franco insinuasse, na sua obra de 1867, a
existência da má vontade imperial contra Theopbilo Ottoni
e Sousa Franco, declarou d. Pedro II, numa das referidas
« notas >, que não se oppuzera á entrada deites na combi-
nação ministerial incumbida ao depois cliamado * vice-impe-
rador » .
Ao character inteiriço de Theopbilo Ottoni não podia
deixar de ser displicente a adhesão interesseira e afortunada
dos antigos conservadores, que, mal se tornaram transfugas,
ti\eram logo tomo premio os mais altos [íostos de commando
nas novas phalanges.
Foi elle quem, nas luctas entre as duas facções do partido
liberal, respectivamente constituidas pelos antigos e recentes
elementos, dirigiu os chamados «históricos» até 16 de Julho
de 1868, que foi quando galgaram outra vez os conservadores
o galarim do poder, com o ministério presidido pelo visconde
de Itaborahi.
Exquecidas então muitas animosidades e corrido um véu
espesso sobre as funestas dissenções domesticas, unificaram-se
«históricos» e «progressistas» para a opposição tenaz ao
partido rival. que. todavia, logrou sustentar-se no governo
durante todo um decennio.
A 25 de Julho de 1868 realizava-se na casa de Nabuco a
primeira reunião « fusionista », para fundar-se o Centro I,i-
beral. Christiano Ottoni, que nisso interpretava fielmente p
sentir do ermào, propoz alli, como lábaro do partido, «a ex-
tincção do poder moderador». Formaram o directório inicial,
que, aliás, pouco ou nada fez, Theopbilo Ottoni, Nabuco,
Francisco Octaviano, Zacharias e Silveira Lobo. Nabuco foí
depois eleito o presidente definitivo. O « Manifesto do Centro
Liberal» foi publicado cm Março de 18Ó9 (67 paginas), e o
programma saiu a lume em Maio do mesmo anno. O Mani-
festo, que foi assignado por Nabuco. Theopbilo Ottoni, Sousa
Franco, Zacharias, Chicliorro, Furtado, Octaviano, Dias de
rfbyGoOgIe
ifia niíVISTA DO INSTITUTO IIISTORICO
Carvalho e Paranaguá, é um documento de al^a e inestimável
valia para o estudo da politica do Império. Por um pouca
mais, os seus eminentes signatários, todos com grandes rcs-
ponsaliilidades nos destinos do paiz, teriam cliegado á franca
ajxjstolização da Republica, Limitaram-se, porém, ao grito de
— reforma ou revolução I
Tlieopliilo Ottoni pouco sobreviveu a essa nova procla-
mação das aspirações liberaes. Mas, antes de esvaecer-se-lhe
de todo o excelso espirito, ainda proferiu no Senado, ao
apagar das luzes da sessão legislativa, um dos seus mais pro-
fundos e mais brilhantes discursos, o seu «canto de cyane».
Expirou a 17 de Outubro de ifíóg ("3), pouco antes de
ultimar-se a longa refrega, que o Império travara com Solano
Ltípez e que o golpe de Estado de 1868 confiara á decisão
dos conservadores.
E' sabido que farte quanto aquella derradeira campanha
do Prata influenciou o novo norteamento dado á solução dos
problemas quintessenciaes do Brasil: — foi realmente com a
cessação da guerra do Paraguai que se organizaram de ma-
neira bem definida os dous movimentos nacionaes da Abolição
c da Republica.
Si Theophilo Ottoni vivesse mais uns quinze mezes.
temos de certeza que assignaria o manifesto de 3 de Dezembro
de 1R70, iK)rque o digno Mineiro foÍ incontestavelmente um
precursor da conquista democrática de 15 de Novembro
de T889.
Como a gigantesca empreza do Mucnri e as contínuas
hictas politicas lhe tivessem consumido os bens de fortuna,
Iiavidos de herança ou ganhos no trabalho honrado, e lhe
tivessem também minado a saúde, combalindo-the lethalmentc
o coração, morreu pobre e antes de attíngir á accentuada
cdadc da velhice.
(3) o HD único niho. dr. Thíophílo Cirloi Btncdicto Otioní, quí chíRon
(foi. coRi Rangi'! l-rclanii, Cmiiria Alvim <■ Araiijo Mor.-Íra. um ftn^ rcdactnri-3
lio vilomsn semanário t (I Kiitiiro ». giiK bc editou pni S. Paulo por nua» lodo
o anno At tSújI, lalleceu aimia nlalivaniniitc moço. Ifn.lo rlcixado npruas quatro
filhai, it modo qur com dlc te cxlínguiu d descendência masculina. dirKIa da
IndilD libera] myMiro.
D,Bi,z,db,Goo<^le
A CntCDLAR DE TUBOPHILO OTTONI 183
Quem quizer ver pormenorizadamente todo o sulco de
intenso pesar, que o passamento do egrégio Mineiro abriu no
paiz, leia as paginas sentidas do preito de fraterna amizade
que c a sua biographia, tão a primor traçada pela penna de
Christiano Ottoni. Não eram somente ermãos pelo sangue:
eram-n-o também pela refulgente cultura do espirito, pela
inteireza do character, pelo civismo exclarecido, pelas idéas
adeantadas, pelos serviços que porfiavam em prestar á Pátria
estremecida.
Ao € patriarcha da democracia no Brasil do século XIX »
(como bem lhe chamou Nelson de Senna) foram tributadas
homenagens fúnebres, só a raros cidadãos concedidas. Das
camarás muntcipaes, das assembléas provinciaes, do parla-
mento nacional, de grémios scientificos e de sociedades poli-
ticas, do jornalismo, das escholas superiores, das classes com-
merciaes. do clero, e, sobretudo, do povo desta capital, mere-
ceram os seus despojos as honras, que aos dos salvadores c
heróes da Pátria preíteavam os antigos Romanos.
Embora não se possa acoimar de apaixonada a obra
que o benemérito engenheiro consagrou á memoria do ermão
(4). — recorramos, contudo, de preferencia, ao testimunho
de extranhos, para avaliarmos devidamente do como então se
julgou o grande Serrano.
Joaquim Manuel de Macedo, no seu c Anno bíographico
brasileiro» (vol. ITI. pags. 267-271), assim fala do inolvidável
vexillario do liberalismo radical : — « Até o ultimo dia da sua
laboriosíssima, fulgente e honrada vida, Theophilo Ottoni
foi sempre denodado paladino das idéas liberaes ; nutria
aspirações republicanas: soube, {)orém, sujeita-las ao pro-
gramma do partido liberal, a que pertencia e de que foi um
dos mais prestigiosos chefes, sem que jamais vacillassem sua
lealdade e sua constância . Ardente e vigoroso nas discussões
(4i Conlorme » justa observiclij ir Martinho Campos, inaeiíi no prefacin
dl < HiofiripliU A» Tbmphilo Ottoni > (Rio. iRro) por ChriMiano Otionl. tslt tà
«norou no ermío o político, reputando romo * louvor em bocc* própria > todo
■tnboi. Achatn-*t a<ndi hiogriphiM rio Rrindt libtral minfico na f Galeria dni
Liaiilciroi illuitru > << Diccionario >, t. II, n. C... jj) c na t RcTÍata coniem-
porinu ie Porlu»a1 t Braiil > (vol. IV, paas. 43S-4«). dl iBli, por J. da
C. F., tados MHi Mcriptoi
D,gt,zedbyGOO<^le .
â
l84 REVISTA Dl INSTITUTO HISTÓRICO
politicas, tribuno ás vezes exaltado, lionesto e probo até o
ponto de desanimar a própria calumnia, elle, principalmente
nos últimos dez annos de sua vida, foi o homem mais popular
'do Brasil. Rico de virtudes, alma cândida e óptimo coração,
era por todos estimado, e entre os seus próprios adversários
politicos deixou numerosos e Íntimos amigos. A morte de
Tlieophilo Benedicto Ottoni foi chorada em todo o Brasil, e
o seu enterro espontaneamente acompanhado por alguns mil
cidadãos». '
Póde-se affirraar que toda a imprensa carioca estampou
necrológios sentidos por occasiáo do passamento de Tlieo-
philo Ottoni, e os periódicos das províncias também noti-
ciaram com sincero sentimento a irreparável perda soffrida
pela democracia brasileira. Para não citarmos as expressões
de pesar da « Reforma » e do « Diário do Rio », que tinham
accentuada còr politica, limitemo-nos a transcrever as sin-
gellas, mas justas palavras, com que o «Jornal do Com-
mercio» (n. 319), sempre ini])arcial e criterioso, comme-
morou no dia seguinte o trespasse do eminente cidadão: —
'« Foi o senador Ottoni um dos membros mais proeminentes
do partido liberal, em cujas fileiras assentou praça ainda
nos mais verdes annos. Estreou na imprensa as suas pri-
meiras armas, e desde então tomou parte activa cm todas as
luctas politicas, associando o seu nome a alguns dos mais
importantes acontecimentos do paiz. Deputado á assembléa
geral em successivas legislaturas, assistiu e representou papel
conspícuo em algumas das mais memoráveis sessões que re-
cordam os annaes do nosso parlamento. O seu nome chegou
3 tornar-se um dos mais populares, e repetidas vezes in-
cluído em listas tríplices foi Theophilo Ottoni afinal esco-
lhido senador pela província de Minas, onde nascera. De
tracto ameno e maneiras francas e cavalheirescas, o finado,
apesar de partidário estrénuo, contava muitos e bons amigos
em todas as parcialidades politicas, que faziam justiça ás
suas virtudes e inteireza do seu character. Disso ainda hon-
tein tivemos duas provas: uma no cortejo que acompanhou
o saimento, outra na assembléa provincial do Rio de Janeiro,
onde uma proposta para se levantar a sessão em demonstra-
,dbyGoogle
A CIRCULAR nt THEOPHILO OTTONI iflj
ção de pesar |>elo |)assaniento de um dos iiiais notáveis ci-
dadãos do Império foi approvada unanimemente » .
Poucos dias depois da sua morte, a < Semana Illustrada »,
que se publicava nesta capital, inseria-lhe o retrato, devido
.10 lápis amestrado de Henrique Fleiuss, assim como um
artigo da lavra de Machado de Assis, que synthetizava o seu
pensamento nas seguintes palavras : — « Theophilo Ottoni era
«m filho querido do povo, um sacerdote da liberdade ; não era
]x>ssivel que a sua morte fosse indifferente áquelles por cujos
direitos pugnara durante toda a sua vida de homem publico».
Era natural que a musa patrícia tanibem vibrasse as
cordas de suas lyras e tiorbas em altisonantes loas ao nome
e aos feitos do campeão dos ideaes democráticos. Entre os
que lhe descantaram a gloriosa memoria, destaca-se a sj^m-
pathica figura do inspirado Bruno Seabra, que, 1<^o após
haver elle descido á sepultura, lhe consagrou as duas se-
guintes quadras, dignas de lhe servirem de epitapliio:
« O athteta liberal baixou ao tumulo,
Mas não lhe morre a gtoría;
E', peto pátrio amor, honra c civismo,
Monumento na historia.
Ottoni, morto já, ainda é potente,
B exalta a heroicidade;
Que da cova. onde jaz, transpira cm ílnmmas
O amor tia liberdade 1 »
Não é intento nosso transcrever para aqui tudo quanto
saiu a lume a propósito do passamento do inolvidável pa-
triota .
Da sua própria «Circidar» vé-se que, um quarto de
século antes do seu trespasse, já havia quem. da tribuna de
uma assembléa de província que não era a sua, o comparasse
ao Romano prototypo de todas as virtudes civicas.
Com effeito, na sessão de 22 de Abril de 1843 da Ca-
mará dos deputados da província do Rio de Janeiro, José
Augusto César de Menezes, referindo-se a Theophilo Ottoni
c ao papel deste na revolução de 1842 em Minas, assim excla-
mava:— < ..,.,esse moço por quem mais se deve encher de
,dbyGoogle
RTA DO mSTlTOTO msTORiro
) que pelas pedras preciosas que rolam
lis rios, esse moço, no qual, todas as
go : — Assim foi de certo Catão na sua
do Brasil, si alguma commissão militar
a cabeça, ou si alguma taça ministrada
tmigo lhe não corroer lentamente as en-
esta succinta analyse de sua existência,
nente o contrario daquelles ignóbeis pa-
mondo snl per far letame »,
ita objurgatoria do inspirado Ariosto; já
la, desde a infância até aos últimos mo-
nplo edificante de trabalho fecundo c de
I collectivo.
a, encara-lo quanto ao aspecto da sua
, que também não é pequena.
0 hibliograpbico brasileiro», de A. V. A.
[vol. Vir, fii. V. «Theophilo Benedíclo
>s, coordenando-a melhor pelas datas, a
3 escriptos enfeixados em volumes im-
ituem o acervo literário do digno filho
, mineira :
para a incorporação de uma companhia
gação do rio Mucury» (1847, 51 pags.).
istorica sobre a vida e poesias de José
, 28 pags.).
lia Mucury > (relatórios annuaes, de 1852
sobre o Montepio Geral» (1854-1857).
1 Mucury» (histórico da empresa, 1856,
íbre a colónia e os selvagens do Mucury »
n Manuel de Macedo. 1858, 48 pags.). —
o Instiinto Histórico e Oeographico Bra-
igs. 191-238.
ização do Mucury» (1859, 58 pags.).
,dbyGoogle
A CIRCULAR DE TUEOPHILO OTTONI 187
VIIQ «Circular dedicada aos srs. eleitores de senadores
pela província de Minas-Geraes no quatriennio actual e espe-
cialmente dirigida aos srs. eleitores de deputados pelo 2"
fliRtricto eleitoral da mesma provincia para a proxiir '
latura> (1860, 161 pags.)- — Fez-se 2' edição em 18
163 pags.
IX) «A estatua equestre» (1S62, 12 pags.).
X) « Breve resijosla » (a propósito da < Companl
cury», i8()2, 96 pags.).
XI) «Parecer sobre bancos» (1862).
XII) «Discurso proferido na sessão de 7 de J
1864 (9 pags.).
XIII) «Considerações sobre algumas vias de ■
nicação, férreas e fluviaes» (1865),
XIV) « Manifeso do Centro Liberal» (i86g,
ginas) (5).
Dos annacs do parlamento nacional constam os s
cursos, que não foram poucos, e das collecções de
do temjío os innumeros escriptos da sua phase de
jornalista.
O auctor de «Um estadista do império », — que.
fala na eslréa de Theophilo Ottoní em 1861, eviden
se refere á da volta deste á Gamara, após os doze a
ostracismo voluntário, — envida deprimir a aureola
diador mineiro na curul das assembléas legislativas,
cendo-a, porém, na tribuna das conciões.
Ao \\ú?.n de Joaquim Nahuco, uni dos Brasileiros
mais admiramos, preferimos, entretanto, o de quem o
I Diccionario hibliograpliico portaguez > (de Innocencio
Hmoido por Brílo Aranha) reUcíani as obrai de Thfoph
. uagi, 310-31J; e no vol. XIX (XII do Bupplemento).
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l88 REVISTA DO ISSTITIITO IllSTORIfO
intimamente e mais de perto accomj>anhou a longa carreira
pública do filho da villa do Príncipe.
Joaquim Manuel de Macedo, na sua citada obra, fez de
l'lieopbilo Uttoni uma apreciação enthusíastica, encarando-o
como orador, sem elevar o tribuno da praça pública sobre o
polemista da Camará e do Senado. Contemporâneo e corre-
ligionário, o seu testimunlio é fidedigno e Jião suspeito, por-
quanto o historiador põe desde logo em foco a mais rude
justiça, não lhe encomiando a gesticulação, que estava longe
de adequar-se á elevação de sua linguagem e aos arroubos
da sua imaginação. Eis o que detle assevera o auctor do
« Anno bic^raphico brasileiro» (loc. cit.): — «... impe-
tuoso, inspirado, radiante de talento, corajoso, incapaz de
recuar, estupendamente altivo, assoberbador das mais vio-
lentas tempestades i>a ria mcn tares, vulcão arrojador de sar-
casmos em lavas ardentes, elle era como o génio das borrascas,
sabendo desenfreia-las e conte-las, com a força de sua vontade
e com D poder de sua popularida<te . Não podia, nunca poude
ser Cicero; mas foi Graccho, pela sua influencia sobre o
povo > .
Como escriptor, a melhor parte da bagagem literária de
Tlieophilo Ottoni patenteia a sua accentuada disposição para
o pamphletismo . Não era, entanto, a modo do de Courier,
olympico, escurril e mordaz, mas antes sempre lhano, sempre
cgual, sempre circunspecto, envolvendo tanto as mais ferinas
verdades quanto as idéas mais altanadas de uma serenidade
inquebrantável e de uma seriedade pertinaz, irreductivel.
Quem se der ao grato trabalho de pesquisar-lhe as lu-
cubrações jornalísticas, verá que lambem alii é essa a feição
predonu'nanle, mesmo nos escriptos da mais tenra mocidade,
quando tudo fazia crer que lhe borbotasse da alma o alegre
devanear tão próprio da primavera da vida.
Si <o estyto é o character», — como hoje parece suffi-
cientemente demonstrado, — a personalidade moral de Thco-
phílo Ottoni, vi.sta através de suas producções literárias, é de
honradez, elevação e austeridade ínnegavcís.
A excellente cultura tnathematica, por elle haurida na
antiga Academia de Marinha, influiu poderosamente em sua
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k CIRCULAR DE THEOPHILO OTTONI I89
mentalidade. Era tal a i)redisposii;uo que o animava para os
estudos das sciencias ijositivas, que mn dos seus confessados
pesares foi o não ter podido diplomar-sc em Engenharia, pois
acreditava que assim teria prestado melhores servit,-os ao paiz.
Os discursos, artigos de imprensa e vários folhetos, de-
vidos ao preclaro Brasileiro, argueni todos a sua familiaridade
com a disciplina tão á justa chamada de < base solida de todos
os conhecimentos humanos >.
Não é só a lógica, a maneira regular de entretecer os
argumentos tirados da própria inspiração ou tomados ao
adversário iwra prompto revide, o que lhe distingue as flo-
ra(;òes intellectuaes. mas, sobretudo, a clareza e a methodí-
za<;ão dos assumptos versados, revelando a maneira especial
de quem esta\-a habituado a armar equações algébricas e a
demonstrar theoremas de Geometria.
.'V < Circular » de 1860 constitue um exemplo frisaiiie da
ordem que reinava tio cérebro de seu auctor e que esse sabia
projectar cm todos os seus escriptos.
Além disso, os fortes estudos de Latinidade que elle fizera
na terra natal, — ninguém ignora quanto em Minas se pre-
zava a língua matriz da nossa, — possibililaram-lhe um por-
tuguez escorreito, ás vezes convizinho do vernáculo granítico
cm que Alexandre Herculano, espirito congenial pelo libe-
ralismo adeantado e pela probidade indesmentivel, vasara os
seus nobres i>ensamentos e as suas imperecíveis investigações.
Embora pertencesse Theophilo Ottoni a ei>oclia em que
na literatura nacional preponderava a eschola romântica, que
teve no < condoreirismo » e no «indianismo» as mais bellas,
mais pujantes e mais populares manifestações da sua vita-
lidade, — o seu estylo, retratando-lhe fielmente a tempera
moral, não se arreta nunca de flores de Rhetortca : é asseiado,
bem composto e até elegante, mas sem troix)s desnecessários
c sem galas frívolas.
A opportunidadc da redi\ulgação da c Circular » justi-
fica-se cabalmente por diversos motivos..
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iQo Revista do instituto histórico
Documento precioso para o estudo da evolução consti-
tucional do Brasil, não o é menos para a historia integral do
rotativismo |>artidano do Império.
Posto que muitas das idéas alli contidas tenham sido rea-
lizadas pelo advento do novo regime, outras ha que ainda
são de palpitante actualidade.
Haja vista o que diz Theophilo Ottoní quanto á feitura
e applicação das leis annuas da monarchia. O que se teni
passado agora, sob a Republica, c o mesmo que arrastou o
Império ao abysmo dos defUits permanentes . Ataca elle, com
zelo civico, o systema então adoptado de se não cumprir o
orçamento, mas de crear-se uni orçamento novo por parte do
poder executivo, com o nome de «créditos supplementares».
Haja vista, egualmente, ás ponderosas considerações por elle
formuladas sobre a interindependencia dos poderes institu-
cionaes da nação, especialmente quanto ás relações entre o
legislativo e o judidarío.
Mas, pondo á margem toda e qualquer outra das licções
que reçuinam do raro e sobranceiro manifesto politico, bas-
taria a recommenda-lo á quadra hodierna, á geração brasileira
actual, o alcandorado doutrinamentu que jorra de um exein[ilo
perfeito de acendrado e inflexível patriotismo, de trabalho
perseverante e enérgico em mais de uma esphera da acti-
\'idade humana e de desinteressado devotamento á causa pú-
blica, qual foi a existência de Theophilo Ottoni ,
Completando o julgamento, que em synthese admirável
fez Joaquim Nabuco (op. cit., vol. I, pags. 32) de a^uns dos
constructores e consolidadores da nossa nacionalidade, cremos
não errar affirmando que, si a gloria de José Bonifácio é ter
conquistado a nossa independência, si a gloria de Feijó é ter
firmado a supremacia do governo civil, si a gloria de Eva-
risto é ter salvado o principio monarchico, si a gloria de
\'asconccllos é ter reconstruído a auctoridade, — a gloria de
Theophilo Ottoni é ter sido o incansável pregoeiro de prin-
cípios adeantados, alguns dos tiuaes triumpliaram ainda na
vigência da monarchia, é ter sido o clarividente precursor da
idéa de liberdade int^a e definitiva, realizada vinte ânuos
depois de sua morte.
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A CUtCnLAR DE THEO^HlLO OttONl I9I
Assim, pelo seu adamantino character, pelos seus ele-
vados sentimentos, pela sua primorosa intelligencia, e, mais
que tudo isso, jtelos serviços iI1cotlta^'cis que prestou á nossa
terra, — Theophilo Ottoiíi é digno de íigurar nos altares cí-
vicos, onde se rende culto de justit;a e de reconhecimento aos
grandes beneméritos da Pátria.
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.ibiGoogle
DEDICATÓRIA
Aos Sn. «leltorttB MpeciaeB para eleíçio de aenadores na
presente legislatnra pela provincia de Minas
Senhores !
O pequeno trabalho que vai sahir á luz é todo inspiração
vossa.
A generosidade com que nestes últimos três annos, sem
distincção de parcialidades, me haveis galardoado incitou-me
a publicar uma exposição de minha modesta vida poltica
e um juizo critico sobre os factos contemporâneos em que
eu pudesse ter tido participação. Confesso que um dos fins
a que mirava era provar que não sou indigno da vossa con^
fiança. Quem sabe se errei o alvo? 1
Em todo caso estou convencido que os meus nobres com-
provincianos hão de acolher com bondade o meu escripto,
poque a singeleza e sinceridade são dotes altamente apreciados
nas montanhas de Minas-Geraes.
E os meus nobres comprovincianos sabem que, se ando
desvairado, não é porque intencionalmente queira afastar-me
do caminho direito.
Meus erros nascem do entendimento e não da vontade.
Vosso dedicado comprovinciano
Theophilo Beuedicto Ottoni.
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ADVERTÊNCIA
Quando forão para o prelo as primeiras folhas desta
minha circular não estava ainda feita a divisão eleitoral da
província de Minas-Geraes.
Somente o ultimo capitulo foi escripto depois que, co-
nhecida a divisão, me deliberei a solicitar especialmente o
voto dos Srs. eleitores do 3° districto.
As freguezias que compõem o 2" districto creado pelo
decreto n, 2.636 de 5 do corrente mez são as seguintes.
§ i.° Tiradas do 2'' districto creado pelo decreto n. 842
de 19 de setembro de 1855 (districto de Pitanguy) : — Pi-
tanguy, Patafufo, Bom Despacho, Sant'Anna de S, João
Acima, S. Gonçalo do Pará, Matheus Leme, Santa Quitéria,
Dores do Indaiá, Morada Nova, Taboleiro Grande e Sete
I^agôas.
§ 2.° Tiradas do 3° districto (Sabará): — Sabará, Ra-
posos, Congonhas do Sabará, Caethé, Lapa, Curral d'El-Rei,
Capella Nova do Betim, Piedade da Paraopeba, Santa Luzia,
Santíssimo Sacramento da Barra do Jequitibá, Santo António
do Rio Acima, Lagoa Santa, Contagem, Mattosinhos, Roças
Novas, S. João Baptista do Morro Grande e Trahiras.
S 3.° Tiradas do 4" districto (Itabira) : — Itabira, S. José
da Lagoa, S. Gonçalo do Rio Abaixo, S. Miguel do Piracicaba,
Santa Barbara, S. Domingos do Prata, Morro de Gaspar
Soares, Sant'Anna de Cocaes, Cattas Altas de Matto Dentro,
Sant'Anna dos Ferros, António Dias Abaixo, Taquarussú,
Sant'Anna do Alfié, Joanezia e Cuiethé..
§ 4." Tiradas do 5" districto (Serro) : — Conceição, Nos-
sa Senhora do Porto e Tapera.
S 5.° Tirada do 6' districto (Diamantina): — Freguezia
do Curvello.
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8rs. elaitores I
Mais uma vez ambiciono ser representante da nação.
Solicito uma cadeira na camará temporária.
Ahi pôde collocar-me a vontade dos eleitores, sem depen-
dência de referenda.
Se for eleito, tenciono empenhar-me na milida activa
da politica.
£ não o poderei fazer com vantagem sem um mandato
explicito e significativo.
Este deve basear-se na enunciação franca das minhas
aspirações.
Relevar-me-heis, pois se vou fallar de mim mais ampla-
mente do que é de estylo em taes occasiões.
Sigo a praxe dos antigos.
Não era somente quando pleiteavão eleições populares
que os romanos se explicavão para com a nação.
Não coravão de escrever para os contemporâneos a nar-
rativa dos actos de sua vida, por mais modestos que fossem.
O escriptor tinha confiança nos costumes ' singelos de
seus concidadãos.
E o3 cidadãos acoroçoavão essas manifestações, longe
de condemna-las por immodestas.
Plerique suam ipsi vitam narrare, fiduciam pottus morum
quam arrogantiam arbitrati: nec id RutUio et Scmtro citra
fidem aut obtrectationi fuit.
Firmado nestes exemplos, ousarei pôr diante dos vossos
olhos o meu modesto passado.
Ao menos poderei provar-vos que desde os mais tenros
amtos tenho sido constante servidor da liberdade e do go-
verno constitucional. « A educação, diz Capfigue, deixa em
cada um de nós um sello indelével — as mudanças ulteriores
não penetrão além da epiderme; nascemos e morremos com
a mesma idéa ou o mesmo sentimento». i. CoOqIc
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o verdor dos annos
Eu contava apenas 13 annos de idade quando em 1821
ecoou pelo Brasil o grito da liberdade.
Levantado no Porto em 24 de agosto de 1820, repercutiu
successivamente no Pará, na Bahia, e chegou ao Rio de Ja-
neiro a 26 de fevereiro de 1821.
Foi uma faisca eléctrica que, passando através do espi-
rito patriótico de meu pai, o Sr. Jorge Benedicto Ottoni,
ãbrasou-me também a joven imaginação.
E que ao adolescente analphabeto arvorou em cantor
da idéa regeneradora.
Era o tempo das emoções patrióticas. Primeiro a liber-
dade, depois a independência, forão o assumpto de meus
ensaios poéticos, desses communs nos verdes annos e de que
não restão vestigios nem na memoria dos autores.
Mas que obtinhão applausos nas reuniões enthusiasticas
da época, e que assim encarecião a meus olhos o pequeno
cabedal de intelligencia que concedeu-me a natureza, e enrai-
zavão no meu espirito as idéas liberaes.
Foi desenrolando diante de mim os novos horizontes que
ia abrir aos homens illustrados o estabelecimento de um
governo livre que meu pai passou-me das lidas commerciaes,
em que me estava iniciando, para o banco dos estudos inter-
médios.
Estimulado por tão nobre emulação, cedo aprendi o que
no Serro-Frio se podia ensinar, e achei-me nesta Babylo
procurando habilitar-me para servir o meu paiz.
Matriculado na academia de marinha, appliquei-me, cc
é próprio dos estudantes aguilhoados pelo amor da glori
pela necessidade de conquistar posição.
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DO INSTITUTO HISTÓRICO
A primeira praça na corporação scieiítifica da marinha
é a de aspirante.
Outr'ora os filhos dos grandes, inda que idiotas, tinhão
o direito de assentar praça de guardas marinhas, e os des-
cendentes de quatro avós nobres á de aspirantes, isto antes
mesmo de se matricularem na academia.
Os paisanos como eu, que não tinhão quatro avós nobres,
só podião conquistar o direito á praça de aspirantes obtendo
approvaçào plena em todas as matérias do i° anno.
Eu estudava o i" anno em 1827.
Era ministro da marinha o fallecido Sr, marquez de Ma-
ceió, que, apezar daquellas regras estabelecidas nas dispo-
sições oi^nicas da academia, no meio do anno lectivo, por
puro favor, mandou que assentassem praça de aspirantes di-
versos condiscípulos meus paisanos como eu, e que, portanto,
só podião obter as duas estretlas sendo no fim do anno
fpprovados plenamente em todas as matérias.
E, como o motivo dò favor se dizia ser o aproveitamento
dos agraciados, alleguei o meu direito, requerendo que se
verificasse, mediante as informações académicas, se eu estava
em circumstancias idênticas, e reclamando no caso affirmativo
igualdade de tratamento.
Como nunca procurei padrinhos, o meu requerimento
ficou atirado na poeira da secretaria, e no entanto tive de
faier acto antes de obter o despacho.
O acto era presidido pelo meu prezado mestre o Sr. chefe
de esquadra José de Souza Corrêa, o qual convidou os exa-
minadores para não me arguirem somente sobre o ponto
sorteado, porém sim vagamente sobre as matérias do 1° anno,
accrescentando a respeito do examinando palavras de tanto
obsequio que, se aqui as omitto, é porque assim o pede a
modéstia, e não porque não me ficassem indelevelmente gra-
vadas na memoria agradecida.
Assistia aos exames como director da academia o fallecido
chefe de esquadra Sr. Diogo Jorge de Brito. E por felicidade
minha, poucos dias depois, o Sr. Diogo Jorge de Brito era
encarregado do ministério da marinha, em logar do Sr. mar-
quez de Maceió e em solução a minha reclamação expedia
a seguinte
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A CIRCULAR CE TBEOPHILO OTTONi
c Sua Magestade o Imperador, atendendo ao que lhe
representou o alumno dessa academia Theophilo Benedícto
Ottoni, e a constar da informação que Vm. dera a seu res-
peito em officio de 28 do mez próximo findo ter elle sobre-
sahido entre todos os alumiios académicos conio o melhor
estudante, ha por bem conferir-lhe a praça de aspirante gra-
duado em guarda-marinha, concedendo-lhe para esse effeito
as dispensas necessárias. O que participo a \'m. para sua
intelligencia e execução. Deus guarde a Vm. Paço, em 2 de
dezembro de 1827. — Diogo Jorge de Brito. — Sr. José de
Souza Corrêa, »
Assim, o 1° acto de minha vida civica era um protesto
em nome do principio da igualdade consagrada na consti-
tuição, e obtinha em resultado uma distincção honorifica: —
a praça de aspirante graduado em guarda-marinha. Nunca
houve nem na armada portugueza nem na armada brasileira
nobre ou plebeu que assentasse praça de aspirante graduado
em guarda-marinha senão o estudante de que reza a portaria
que acabo de transcrever.
£, se a esta singularidade se accrescentar a circumstancía
dos honrosos fundamentos da promoção creio que se des-
culpará o meu pequeno amor próprio, se guardo cuidado-
samente um tal pergaminho.
Os triumphos académicos não enchião minha ambição,
e o aspirante graduado em guarda marinha, dominado pelas
inspirações que o havião arrancado do telonio mercantil, não
cessava de entreter o fogo sagrado do patriotismo.
Sobrava-lhe o tempo para ganhar o pão, explicando geo-
metria, para estudar suas lições de astronomia ou calculo
differencial, e ao mesmo tempo para occupar-se de politica.
Cedo foi admittido á sociedade de Evaristo e de Vas-
concellos. que o acariciavão como que presagiando-=lhe bri-
lhantes destinos.
De Evaristo o aspirante graduado em guarda-marinha
leve a distincta honra de ser explicador de geometria.
byCoogIe
903 hBVISTA DO IKSTlTtlTO HISTÓRICO
No celebre club dos Amigos Unidos, de que Origina-
riamente proveiu o Grande Oriente do Passeio Publico, foi
secretario o aspirante graduado era guarda-marinha. Esle
club nasceu sob os auspícios (fallo só dos mortos) de An-
tónio José do Amaral, José Augusto César de Menezes, João
Mendes Vianna, João Pedro Mainart, Epiphanio José Pe-
droso, Dr, Joaquim José da Silva e António Rodrigues Mar-
tins. Um dos presidentes honorários do club era o Dr. Cy-
priano José Barata de Almeida.
Oh ! fortes pejoraque passt
Mecum saepe viri.
O club dos Amigos Unidos teve mais influencia do que
se pensa na revolu<;ão de 7 de abril.
O secretario dos Amigos Unidos se multiplicava escre-
vendo para a imprensa daqui e de Minas.
Na Astréa publica as cartas assignadas Joven Pernam-
bucano, e, não estando ainda por falta de idade, no gozo dos
direitos políticos, aceitava para seus escriptos a responsa-
bilidade legal que nobremente lhe concedia um distincto
official do nosso exercito, filho de Pernambuco, cujo nome
as conveniências mandão que se cale, e que ainda hoje con-
serva puras suas crenças do verdor dos annos.
No Astro de Minas, em S, João d'Et-Rei, e no £co do
Serro, na Diamantina, fazia-se sentir a actividade do escre-
vinhador.
Relacionado com os patriotas de maior consideração, por
elles fui levado em 1829 á mesa parochial da freguezia do
Sacramento, presidida pelo respeitável Sr. conselheiro Fran-
cisco Gomes de Campos, hoje procurador da coroa e sobe-
rania nacional.
Escrutador, eu fiz abstracção da minha farda de guarda-
marinha, para somente lembrar-me que era cidadão.
Discuti com calor uma questão de ordem que affectava
a pessoa do então ministro da guerra, o Sr. general Joaquim
de Oliveira Alvares, que propuz fosse multado.
Se já não estava no livro negro, fui inscripto nesse dia,
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& CmCOLAR DE THBOPHILO OTTOKI 30;}
não só porque o meu discurso foi talvez inconveniente, como
principalmente porque excitou os applausos do povo liberal.
Dahi começou para mim a perseguição politica que o
primeiro reinado legou ao segundo, e que presentemente mtí
atropella.
Tinha completado o curso da academia de marinha sem
perder, apezar das distracções referidas, o legar de primeiro
estudante.
E por isso foi cheio de confiança que requeri licença
para continuar na academia militar os estudos mathematicos.
Será difficil cre-lo t mas não obtive permissão para ma-!
tricular-me.
Estudava, porém, como ouvinte por especial favor do
lente de mecânica, o Sr. Joaquim José Rodrigues Torres, hoje
visconde de Itaborahy, que me distinguia como estudante e
como correligionário politico.
Ao sahir da academia eu me comprazia muitas vezes
em acompanhar o meu digno mestre ao tetonio de Evaristo.
Não sei onde o Sr. Rodrigues Torres enlevava mais o
seu discipulo, se na academia, iniciando-o nas formulas de
Francoeur e' de Poisson, se nas palestras do livreiro patriota,
explicando as bellas theorias de Jefferson, de que S. Ex,;
era caloroso en comi as ta e eloquente expositor.
L'm estudante que naquelle tempo tinha as boas graças
de seu mestre, se esse mestre era o Sr. Joaquim José Ro-
drigues Torres, incorria por esse simples facto no desagrado
do governo. Não era preciso que o estudante tivesse sido ■
escrutador liberal em uma eleição parochial.
Foi, pois, uma questão de estado separar o discipulo do
mestre, e na secretaria da marinha ha de existir, para ver-
gonha daquella época, o registro das portarias expedidas ao
commandante da companhia dos guardas-marinhas, para fazer
um guet apens ao ouvinte do Sr, Rodrigues Torres.
Ordens de embarque para a Costa d'Africa e para o Baixo
Amazonas, inspecções de saúde, já pelo cirurgião dos guar-
das-marinhas, já pelo physico e cirurgião-mór da armada, tudo
foi posto em pratica para que eu não ouvisse as lições do
Sr. Joaquim José Rodrigues Torres.
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304 REVISTA DO IHETITUTO HISTORtCO
Já se vê que o ministro não podia deixar de tríumpbar,
e tive de considerar-me feliz aceitando baixa do posto de guar-
da-marinhã, e consentindo, pesaroso, que se cortasse a minha
carreira de engenheiro, em que talvez me teria habiUtado
para servir melhor o meu paiz.
Era isto em 1830. Separei-me do meu mestre, que cá
ficou no Rio de Janeiro redigindo o Independente, emquanto
eu transportava para Minas uma pequena typographia, e ia lá
publicar a Sentinella do Serro.
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o iomalismo • o progruunk do verdor dos lUiOB
A Sentinella do Serro era o periódico a que durante a
viagem do imperador pela província de Minas o Republico
bradava daqui:
€ Olá da Sentinella do Serro, alerta I »
Alerta estava a Sentinella I
No dia 3 de abril de 1831 chegou-nos um expresso en-
viado pelo Sr. José Feliciano Pinto Coelho da Cunha, hoje
barão de Co<:aes.
Communicava-nos este honrado mineiro as lutuosas scenas
das garrafadas nas noites de 13 e 14 de março no Rio de
Janeiro, pedia conselho sobre a situação, e assegurava da
sua parte e da de seus íUustres irmãos que todos de bom
grado sacrificarião vida e fortuna pela liberdade.
No dia 3 de abril eu fazia uma proclamação aos serranos,
chamando-os ás armas, para deitar por terra a tyrannia.
No dia 6 mais de 500 pessoas, inclusive todas as auto-
ridades populares, se reimirão no paço da camará municipal
e subscreverão os seguintes artigos, que vou transcrever do
n. 32 da Sentinella do Serro, publicado a 9 de abril do mesmo
anno, e, portanto dous dias apenas depois da revolução de
7 de abril no Rio de Janeiro, Fizemos no Serro no dia 6
o mesmo que os bahíanos havião feito no dia 4. Esta simul-
taneidade prova que moralmente a revolução já estava con-*
summada por todo o Brasil, em razão dos desacertos do
governo.
Era presidente dos confederados o fallecido Sr. João
Innocencio de Azeredo Coitinho, Eu era o secretario.
Formou-se no acto da reunião uma caixa militar com
1 1 :ooo$. Antecedentemente se havia comprado todo o chumbo,
pólvora, salitre e armamento que havia no commercio da
REVISTA DO INSTITUTO HISTORlcO
icipe, como tudo consta do citado n. 32 da SeH-
7rro.
:s os artigos do compromisso jurado publicamente
■)T solemnidade no dia 6 de abril de 1831 :
dadãos abaixo assignados, querendo evitar a
; ameaça todo o Brasil por causa das desordens
lo logar no Rio de Janeiro, se obrígão aos sc-
os, e cada um de per si consente em ser tratado
■ e inimigo quando se não preste, pela maneira
'ada, para a defesa <ta pátria e da liberdade.
:." Pois que pelo código criminal se impõe aos
obrigação de resistir ás ordens illegaes, e, visto
utistas peidem lançar mão de prisões arbitrarias
isar os esforços aos liberaes, compromettem-se
abaixo assignados, força pela força, e a tirar
alquer cidadão que não esteja legalmente preso. '
feito logo que algum dos associados souber que
Igum cidadão convidará a quantos encontrar, e,
ao logar da prisão, examinará se ha ordem para
io-a, se é legal, e, logo que o não seja, tirar-se-hd
■ça d'armas.
° Logo que cbeguem noticias que continuão 33
I Rio de Janeiro os cidadãos abaixo assignados
neste mesmo logar para concorrerem com as
dsas para uma caixa militar, que servirá para
guardas nacionaes de fora, que devem ser cha-
1 pagar soldo aos que tiverem de marchar contra
s e a favor dos patriotas.
' Todos os associados assentarão praça na guarda
que a camará municipal a estabeleça, e promo-
o entre os guardas nacionaes, e o entliusiasmo
i liberdade, por todas as maneiras que estiverem
" Se antes de chegarem noticias do Río de Ja-
certeza que das Divisões, de Minas-Novas, ou
Jquer parte, marchão tropas para o Serro, ou
-Preto rebentou também a lava revolucionaria,
immed latamente todos os associados, aqui ou
ar, promoverão a reunião da camará municipal
byCoogIe
A CIRCULAR DE THEOPHILO OTTOMi ÍO?
O mais breve possível, convocarád todos os cidadãos para con-
correrem ão -largo da Cavalhada e ahí se alistarem em dif fe-
rentes companhias, as quaes se organisarão em batalhões, na
forma da representação do conselho, afim de operar em defesa
da pátria e da liberdade.
cArt. 5.° Se a segurança individual e as garantias con-
stitucionaes forem atacadas aqui com estrondo e escândalo,
ou quando cheguem as noticias em que fallão os artigos
antecedentes logo depois da reunião, e, se esta não for pos-
sivel, antes delia, e logo que cheguem as noticias, se man-
dará tocar a rebate em todas as igrejas da villa, afim de
se reunir o povo em defesa da pátria. »
Quando os cidadãos juravão electrisados os artigos acima
foi o enthusiasmo levado ao detirio com a leitura do seguinte
officio de algumas das principaes senhoras do paiz, que offe-
recião suas jóias, seus serviços e uma quota para a caixa
mihtar. A primeira assignatura é de uma das matronas mais
veneráveis que tenho conhecido, já pelas suas virtudes do-
mesticas e exemplar caridade, já pela sua elevada intel-
ligencia e rectidão de espirito, Fallo da Exma. Sra. D. Maria
Salomé Perpetua de Queíroga, mãi do Exm, Sr. Dr. Ber-
nardino José de Queiroga, tronco illustre de uma illustre e
estimável descendência.
Eis o officio:
«Senhores. — As abaixo assignadas, convencidas da uti-
lidade que seguramente deve resultar da reunião patriótica
de seus concidadãos em prol da liberdade, e tendo noticia
das prestações voluntárias que os mesmos teem feito de suas
pessoas e vidas, e de seus bens, lamentando a fraqueza do
seu sexo, que as impede de empunhar as armas para a defesa
commum, vêm offerecer espontaneamente para a caixa mi-
litar suas jóias, seus serviços, quando sejão necessários.
« Além das of fertas acima declaradas, onze das abaixo
assignadas offerecem mais para a mesma caixa 850$.
« Villa do Príncipe, 6 de abril de 1831.
« Maria Salomé Perpetua de Queiroga. -.; ■.. ,;
<Theodora L. de Azeredo Coutinho.. . >j .. . >:
. COCH^IC
308 REVISTA DO INSTITUTO BIBTORlCO
€ Bernardina Flora de Queiroz - . .■
€ Anna Ermelinda de Queiroga ioo$ooo
€ Marcelianna Emília de Magalhães icx>$ooo
€ Eufrosina Perpetua de Queiroz ,., ioo$ooo
€ Carbta Joaquina da Fonseca. ....,..,.. ioo$ooo
€ Francisca Dorothéa de Padilha ioo$ooo
<Anna Bonifacia de Lima .• • • 50$ooo
< Maria Nazareth de Queiroz.
« Maria Salomé de Queiroz.
€ Marta de Nazaretli de Queiroz.
< Maria Salomé Azeredo Coutinho.
€ Maria Flora de Castro Lessa.
< Policena Alexandrina da Fonseca.
€ Firmiana Henriqueta da Fonseca.
« Maria Carlota da Fonseca.
€ Maria Nazareth de Lima.
< Eufrásia Augusta de Lima. »
Do dia 4 até o dia 22 de abril foi o Serro uma praça
d'armas, de cuja revolta aberta contra o governo geral eu
assumi com prazer a principal responsabilidade.
Na noite de 22, de 10 para 11 horas, um expresso que
meu pai, o Sr. Jorge Benedicto Ottoni, me expedira do Ouro-
Preto, trouxe-nos a noticia da revolução de 7 de abril e da
abdicação do imperador.
Instantaneamente a cidade illuminou-se, bandas de mu-
sica acompanhavão a guarda civica e a população em massa,
que até ao romper do dia percorrerão as ruas, cantando
hymnos patrióticos, entre vivas á liberdade, á revolução de
7 de abril, ao redactor da Seniinella do Serro, etc, etc.
Nessa noite, sem a generosa e enérgica intervenção do
redactor da Sentinella do Serro, os primeiros Ímpetos do povo
triumphante terião sido fataes a alguns poucos desafectos á
nova ordem de cousas e mesmo a pessoas inoffensivas.
Entre os hymnos cos vivas repetia-se com furor o grito
de guerra dos dias antecedentes : — Abaixo o tyranno 1 —
Morrão os portuguezes ! — Morra o Japiassú ! como desi-
gnavão o ouvidor da comarca, desembargador António José
Vicente da Fonseca, magistrado severo, e que por efíeitp de
byCoogIe
K eiRCDLAR DE TllEOPUJLO OTTONI 309
suas convicções havia desapprovado o nosso movimento revo-
lucionário.
A exacerbação dos espirítos prognosticava scenas horro-
rosas ; mas minha influencia, graças a Deus I era immensa.
A* porta do ouvidor, depois de uma scena tumultuosa, pude
cons^^ir silencio e attenção. Arenguei o povo, pregando e
exigindo moderação e generosidade, e pedindo que os —
morras — somente ecoassem contra o tyranno, e que não man-
chássemos com excessos criminosos a bella victoria que nossos
irmãos fluminenses acabarão de ganhar.
Minha palavra tinha autoridade, e coube-me a gloria
de salvar um magistrado honrado e os portuguezes que resi-
dião na povoação, alguns dos quaes até fraternisavão com as
nossas idéas. Não faltào ainda hoje na cidade do Serro teste-
munhas do facto.
Revolucionário da véspera, o redactor da Sentinella da
Serrcr trz o ordeiro typo no dia do triumpho.
Não significa este procedimento que eu houvesse de
approvar a direcção que os moderados ião dar á revolução.
O 7 de abril foi um verdadeiro jountée des dupes. Pro-
jectado por homens de idéas liberaes muito avançadas, jurado
sobre o sangue dos Canecas e dos Ratecliffs, o movimento
tinha por fim o estabelecimento do governo do povo por si
mesmo, na significação mais lata da palavra.
Secretario do club dos Amigos Unidos, iniciado em ou-
tras sociedades secretas, que nos últimos dous annos esprei-
tavão somente a occasião de dar com s^urança o grande
golpe, eu vi com pezar apoderarem-se os moderados do leme
da revolução, elles que só na ultima hora tinhão appellado
comnosco para o juízo de Deus I
O redactor da Sentinella do Serro acreditava, como o
sábio Camot, que a liberdade não é um devaneio, e menos
que fosse mostrada ao homem só para que este se lastimasse
de não poder goza-la.
O redactor da Sentinella do Serro não podia admittir
que fosse mera illusão esse bem tão universalmente prefe-
rido a (odos os bens, e sem o qual não tem a posse dos
outros a menor valia.
,dtí*Coogle
310 REVISTA DO IN&TmTTO BlETORlOa'
Ao redactor da Sentinella do Serro dizia o coração que
a. liberdade é possível, que o seu regimen é facíl e mais es-
tável que o dos governos arbitrários de qualquer denominação.
Mas ainda na agitação e devaneio da luta o redactor
da Sentinella do Serro nunca sonhou senão democracia paci-
fica, a democracia da classe média, a democracia da gravata
lavada, a democracia que com o mesmo asco repelle o despo-
tismo das turbas ou a tyrannia de um só.
Ao passo que censurava os chefes do partido liberal mo-
derado, porque desvirtuavão a revolução, de que se havião
apoderado, a Sentinella do Serro com mais energia stygtna-
tisava os excessos anarchicos applaudidos pelas folhas demo-
cráticas da corte.
Dahí nasceu que a Sentinella do Serro mais de uma vez
foi invocada como autoridade contra os desordeiros, tran-
scripta na Aurora por Evaristo e no Independente pelo
Sr. Joaquim José Rodrigues Torres, hoje visconde de Ita-
borahy.
Parece-me ainda hoje que eu era lógico dentro do circulo
das minhas convicções. Censurava, é verdade, alguns ímpetos
do nosso Cavãígnac de sotaina; mas era somente em com-
munhão com o Sr. Diogo António Feijó e com as notabí-
lidades parlamentares do ultimo quatriennío que eu admittia
a possibilidade de obter-se uma reforma mais liberal em a
nossa constituição.
A ordem de idéas que depois de 14 de julho predominou
no governo de 7 de abril não me agradava por certo. E se
a democracia creasse então uma opposição regular, eu me
não chegaria provavelmente para os moderados. Porém a
opposição começou a revolver na corte e na Bahia os mais
perigosos ínstinctos da nossa sociedade, chamou em seu apoio
a espada de soldados indisciplinados, quando se tratava da
solução das mais graves questões constitucionaes.
Órgão e defensor da democracia pacifica, o redactor da
Sentinella do Serro em tal contingência preferiu acostar-se
ao principio monarchico, comtanto que a monarchia fizesse
por meio de reformas legaes na constituição largas concessões
ao principio democrático.
D,gt,zedbyGOO<^le
A. CtRCOLAR DE THEOPHILO OTTOMI 311
Ahi vai o programma e exposição de motivos que o re-
dactor da Sentinella do Serro offereceu á consideração dos
leitores no seu n. 43 de 25 de junho de 1831. Note-se bem
que é o democrata pacifico que logo depois de 7 de abril
propõe aos monarchistas liberaes a transacção de principies,
mediante a qual se devem fundir as duas nuanças do partido
liberal
ASTIGO DS SENTINEI.IA DO 5ERK0
< Trezentos annos de escravidão não podem bem pre-
parar um povo para entrar no gozo da mais perfeita Uberdade.
Um povo educado sob o despotismo, sem idéas algumas sobre
a organisação do corpo social, de mais imbuído pelos seus .
tyrannos em princípios erróneos, fautores do despotismo, pre-
cisa de óptimos guias para se não desvairar e perder nas
ignoradas veredas que devem conduzi-lo ao templo da divina
liberdade. Mãos guias, podem leva-lo aos horrores da anarchia,
ou entr^a-lo de novo ás garras do poder absoluto. Estes
os dous medonhos cachopos que ameaçarão a náo do estado
desde os primeiros ensaios que fizemos para a nossa r^e-
neração politica. Ora a anarchia, ora o despotismo, parecia;
tragar-nos, apezar da nobre resistência de alguns espirites ge-
nerosos; mas em 1824 definitivamente suppoz-se não haver
mais antídoto contra o despotismo. Esta terrível supposição
e a fadiga produzida por uma luta ínfructuosa germinarão
a apathica indífferença politica, que como epidemicamente
grassou em todo o Brasil nos annos de 1825 e 1826 e mesmo
em 1827,
«A causa da razão e da pátria estava desesperada; o
despotismo parecia infallível, e a ignorância persuadia a não
poucos brasileiros que por não estarem em contacto directo
com o governo podião esperar socego no cabos do absolutismo.
As phalanges da tyrannia sensivelmente engrossavão; mas
de outro lado os deputados, affoitando-se a defender na tri<
buna nacional os direitos inauferíveis do povo soberano,
tinhão dado calor á imprensa para debellar a tyrannia.
Desde então começou o rebate contra os traidores que nos
opprimião; os clarins da liberdade ojns^fuírão muito, acor-
darão o povo do lethargQ, manifestárão-lhe as traiçdes do
lyCoogle
3ia RBVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
poder e a necessidade de abate-lo, fizerão-lhc apreciar as
doçuras da liberdade, e assim o obrigarão a correr ás armas
e lançar por terra o tyramio. Este resultado maravilhoso
e quasi inesperado é devido á espantosa revolução que operou
no espírito nacional a imprensa livre ' Ha cinco annos (fal-
íamos pelo que vimos na nossa província) erão apontados
como temerários e loucos os cidadãos que tinhão coragem para
advogar a causa da liberdade, ou mesmo defender essa con-
stituição illusoria com que o déspota nos quíz embalar.
cO — que me importa? — politico estava generalisado ;
a maior parte dos cidadãos fugia a todos os actos públicos.
Hoje os cidadãos tcem conhecido que a sua felicidade ou
desgraça depende essencialmente do andamento do corpo po-
litico; que todos os sacrifícios se devem fazer para evitar
os horrores do despotismo; já ninguém ousa negar a sobe-
rania da nação, e o consequente direito que tem qualquer
povo para alterar e modificar sua constituição ; que ninguém
pôde ser punido senão em virtude das leis ; em uma palavra,
conhecemos nossos direitos e estamos na firme resolução de
sustenta-los. Mas por\'entura está na mesma linha de per-
feição o conhecimento de nossos deveres? O amor da verdade
nos obriga a dizer que não.
« E nem a educação que tivemos nos habilitou para es-
tarmos hoje ao nivel dos americanos do norte.
« Faltão-nos a instrucção e moralidade politica, que tanto
distinguem estes nossos conterrâneos. Mas desenganemo-nos ;
se tivermos juizo, baqueou para sempre o despotismo, qual-
quer tentativa de seus satellites servirá somente para co-
bri-los (se é possível) de maior opprobrio: é preciso, porém,
reconhecermos que nas actuaes circumstancías a própria uti-
lidade nos recommenda muita prudência, circums^cção e
inteira confiança na representação nacional, ou, para melhor
dizer, na camará dos deputados, emquanto ella marchar, como
até agora, dentro da orbita que lhe traçou a lei fundamental.
A camará dos deputados é actualmente o único centro de
reunião que pôde conservar ligadas as províncias, prestes a
desgarrar-se ; a camará dos deputados é o único poder a quem
não falta ainda o apoio da opinião publica, e por isso o
único capaz de oppór diques á impetuosa torrente (& anarchía,
lyCoogle
A aRCULAR DE TREOPHILO OTTONI 2I3
fomentada por alguns ambiciosos, que querem ser melhor
aquinhoados, e pelos absolutistas, que pretendem, anarchi-
sando o Brasil, fazer ver ao mundo que não somos dignos
da liberdade que conquistámos. A SentincUa do Serro nunca
pertenceu ao partido das meias medidas; pelo contrario, em-
quanto existiu o tyranno appellou constantemente para os
golpes nacíonaes, consagrou em suas paginas o sagrado di-
reito da insurreição; mas hoje, caros patrícios, o despotismo
cahiu, e, se nos afastamos da orbita da lei, nos arriscamos ú
perder o muito que temos ganho pelo pouco que nos resta a
ganhar, e que o tempo pôde trazer serenamente.
c £', pois, mister sacrificarmos alguma cousa de nossas
opiniões ; isto protesta fazer o redactor da Sentinella do Serro.
< Por exemplo, somos de opinião que, se aos dous can-
didatos da Nova Lu::, os Srs. Braulio e Manoel de Carvalho
Paes de Andrade, se juntasse o Sr. Vergueiro, teríamos uma
óptima regência: mas, se a assembléa em sua sabedoria ou
mesmo em sua moderação nos der outros quaesquer regentes
(que comtudo não serão- por certo Clementes Pereiras) nem
por isso declararemos guerra á representação nacional, nem
a essa regência. Somos de opinião que se deve lentamente
republícanísar a constituição do Brasil, cerceando as fataes
ottribuições do poder moderador, organisando em assembléás
Provinciaes os conselhos geraes de provinda, abolindo a vita^
liciedade do senado, e isto desde já. Mas se, contra a nossa
humilde opinião, a camará dos deputados se conservar esta-
cionaria, nem por isso appellaremos para golpes da nação;
mas, pelo contrario, continuaremos a reprovar altamente todos
os meios violentos, que podem levar-nos á anarchia e depois
ao despotismo militar, que opprime a quasi todas as cha-
madas republicas da America ex-hespanhola. Ainda assim,
pois, recommendaremos obediência aos decretos legaes da
assembléa geral; esperaremos pe4a próxima legislatura, e,
fazendo ver aos nossos patrícios a necessidade de attenuar
lealmente o demasiado vigor que a constituição dá ao sempre
funesto elemento monarchioo, apontaremos pelo nome os
deputados amigos das reformas constitucionaes, para serem
reeleitos, e os deputados estacionários ou retrógrados, não
lyCoogle
ai4 RETieT& DO INSTITUTO RUTORICO
para os insultar, mas para que o povo os exclua da repre-
sentação nacional.
c Estamos intimamente convencidos de que só assim
poderemos marchar em segurança para o estado de perfeição
e felicidade a que se elevou a pátria dos Washington, dos
Jefferson e dos Franklin, Estamos intimamente persuadidos
de que, se Washington, Franklin e todos os outros pa-
triarchas da liberdade americana tivessem nas actuaes cir-
cumstancias o leme dos negócios do Brasil, elles nos enca-
minharião assim.
' « Podemos errar, mas é esta a nossa' convicção ; e, como
escriptor liberal não queremos deixar de emittir o nosso
voto em negocio de tanta ponderação.
«Quando nos chegou a noticia da abdicação do ex-im-
perador suppuzemos que a revolução iria mais avante, ficando
todavia terminada antes que o brioso povo fluminense depu-
zesse as armas, e sahisse do campo da honra; felizmente,
porém, o resentimento deixou logar á reflexão, e a revolução
de 7 de abril tomou á direcção mais favorável á liberdade
americana. Nós a desfrutaremos, e liaremos a nossos filhos
e netos essa venturosa liberdade, sem que para isso sejão
precisas mais bernardas e rusgas ; pelos meios legaes podemos
tudo conseguir, e sahindo do circulo da constituição tudo
perder.
« Alguém perguntará que cousa pôde ter motivado este
longo sermão?
« Ao que responderemos : « O Rio de Janeiro não está
€ em socego : pessoas respeitáveis nos escrevem, narrando
< que os homens do cacete continuão em suas correrias ; que
« vai desapparecendo da corte a segurança individual, cuja
« conservação deve ser o objecto principal de todo o bom
«governo; que os assassínios se teem multiplicado; e final-
« mente que os ambiciosos, procurando justificar-se com a
«nimia moderação (no que aliás alguma razão teem) da
■« camará dos deputados e regência, que ainda não deitarão
«para fora do Brasil os guerreiros de fundo de garrafa,
■< querem tudo baralhar para, no meio da confusão geral, cm-
«polgarem o mundo».
D,gt,zedbyGOO<^le
A COtCDL&R D8 THEOPHILO OTTONt 91$
€ Todavia nós esperamos que o bom e honrado povo flu-
minense não deixará murchar os louros que ha colhido nos
para sempre memoráveis dias de abril, os bravos do campo
da honra servirão de guarda â assembiéa geral, e não per-
mittiráõ que alguém ouse querer dar lei á representação na-
cional. » _ '
O artigo que acabo de reimprimir palavra por palavra,
29 annos depois de sua primeira publicação, não precisa
de commentarios.
Em tempo de lutas eleitoraes os meus adversários teem
por vezes transcripto, truncadas, para melhor me guer-
rearem, algumas dessas palavra^ que escrevi no verdor dos
annos e que, longe de renegar, ainda hoje repito com orgulho,
considerando-as um, dos brasões da minha fidalguia politica.
Ahi podem os Srs. eleitores ver o symbolo da fé, a cujo.
serviço, combatendo na imprensa e na tribuAa, tenho consa-
grado toda a minha vida.
Quaes forão as reformas que o joven redactor da Sen-
iinella do Serro exigiu em 25 de junho de 183 1 que se fi-
zessem na constituição (declarando que só as queria pelos
meios l^aes) como condição do seu apoio ao governo de
7 de abril? ■ -: ■■J.9r
Leião os Srs. eleitores o artigo mencionado, e verão
que três crão as modificações que eu propunha que se fi-
zessem na constituição:
i." Que Os conselhos geraes de provinda fossem conver-
tidos em assembléas provinciaes.
2.* Que fossem cerceadas as attribuições, que chamei fa-
taes, do poder moderador.
3.' Que fosse abolida a vitaliciedade do senado.
Poucos mezes depois o prt^ramma da Sentinella do
Serro tinha sancçao legal no projecto de lei approvado na
camará dos Srs. deputados, no qual se ordenava aos eleitores ^
da seguinte legislatura que dessem poderes ã futura camará
para reformar-se a constituição, admittidas as três bases
mencionadas.
E' sabido que no fim do anno de 1831 os homens do
velho r^men havião tomado a si do atordoamento que lhes
causara a inesperada le mal aproveitada .revolução de 7 de
lyCoogle
àl6 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
abril. Só o governo parecia não se aperceber deste movi-
mento retrogrado, e persistia em só reconhecer perigos nas
aspira<;ões do partido liberal mais adiantado.
O senado se mostrava sobranceiro às novas ídéas, e os
conservadores preparavão-se evidentemente para nma le\'a de
broqueis.
Derribar com o governo a regência em nome do Sr.
D. Pedro II e substitui-la por outra em nome do Sr. D. Pedro
I, tal era o progamma retrogrado, qual o futuro o patenteou .
As circumstancias erão difficeis. A revolução ia para
a rua em nome dos conservadores.
Não pôde admirar, portanto, que os liberaes recorressem
ao direito natural da própria defesa.
Era o tempo das sociedades patrióticas de todas as
nuanças. No Rio os conservadores conspiravãõ na sociedade
Militar, e mesmo em um dos grandes orientes maçónicos
convertido em alavanca politica. A sociedade Defensora era
com as suas filiaes o instrumento de Evaristo e o espirilo-
sanlo do governo. A sociedade Federal, de que era presi-
dente o Sr. Frei Custodio Alves Serrão, symbolisava o pro-
gresso pacifico.
Nas provicias via-se por toda a parte o reflexo da corte.
A questão que mais excitava e animava as diversas tri-
bunas politicas era o projecto de reforma da constituição,
que acabei de mencionar, e que havia passado na camará dos
deputados .
Era \oz geral que havia infallivelmente de naufragar
no senadc.
Foi sob estas impressões que eu installei na cidade
do Serro, então \ilta do Príncipe, uma associação politica
com o titulo de sociedade Promotora do Bem Publico, que a
Aurora Fluminense denominava a Encyclica Promotora.
A reforma da constituição como a tinha decretado a
camará dos deputados era uma conquista de que o partido
liberal já não podia prescindir, e que negada acarretaria fu-
nestos resultados á ordem publica.
A sociedade Protectora do Bem Publico, por própria
inspiração, sem a menor insinuação estranha ao Serro-Frio,
havia-se apresentado a peito descoberto, propondo um golpe
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& aRCULAR DE TBEOPHILO OTTONI 317
de estado eleitoral que salvasse o projecto de reformas appro-
vado na camará dos deputados.
Da sociedade Promotora dá ampla noticia a Sentinella
do Serro no seu numero 74 de 4 de fevereiro de 1832, no
artigo que passo a transcrever textualmente e em outros:
ARTIGO DA < SENTINELt^ DO SKBRO >
c No dia 2 houve sessão da sociedade Promotora do
Bem Publico, e por indicação de um dos sócios {*) deli-
berou-se convidar as outras sociedades patrióticas e do im<
peno, bem como as municipalidades para que, não tendo
pessado no senado o projecto da reforma constitucional ou
havendo sido regeJtado até o dia da convocação da assembléa,
hajão de influir nos círculos eleitoraes do seu distrícto, para
que os eleitores dêem poderes constituintes aos futuros de-
putados para reformarem a constituição, como tudo se vê
do officio circular que passamos a transcrever:
< A mesa que dirige interinamente os trabalhos da so-
€ ciedade Promotora do Bem Publico, estabelecida na villa
« do Principe, comarca' do Serro-Frio, leva ao conhecimento
« da sociedade Patriótica, estabelecida em Pouso-Alegre, que
« o Serro conta já em si uma associação semelhante áquellas
«de que tantos beneficios teem colhido muitos municípios.:
« A sociedade Promotora do Bem Publico, anhelando
c com todos os bons cidadãos a prosperidade e gloria da pátria,
'< não podia deixar de lançar os olhos sobre a questão das
S reformas constitucionaes, que actualmente occupa, não só
«os amigos, como os adversários da felicidade publica, os
« primeiros trabalhando por afastar os estorvos que ínutilisão
< as mais bellas garantias que a constituição offerece e por
« extinguir as instituições européas, que se pretendem enraizar
« entre nós ; os segundos, ora procurando evitar ou retardar
«estas indispensáveis reformas, ora querendo precipita-las
« em demasia, occasionando desordens que sirvão a seus fins.
« A sociedade tem meditado, não só sobre os elementos que
«se oppoem á reforma, como sobre os meios de os destruir:
"4 em resultado tem concluido existir no senado o primeiro
{') T. B. Otioní.'
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Il8 XBVISTA DO INSTIT0TO BUTOttRXy
< escolho que devemos evitar, se queremos ch^ar ao porto
< da liberdade, de que ha tanto tempo nos afastão pilotos impe-
c ritos ou mal intencionados. Este corpo coUectivo, esque-
< cendo-se do cumprimento de seus mais sagrados deveres,
< ou antes sendo consequente com a sua péssima oi^anísação
« e influencia que na sua eleição exercitou o despotismo,
€ esmera-se continuamente em exci^tar tropeços ao anda-
c mento das instituições que possuímos e ao estabelecimento
«daquellas de que necessitamos. A' vtsta disto, julga a so-
<( ciedade Promotora do Bem Publico que os brasileiros devem
c prevenir o caso de que o senado não annúa ao projecto das
c reformas approvado na camará dos deputados ; parecendo-
< lhe mais que neste caso seria contradicção admittír os votos
€ dos actuaes senadores para as reformas que se houverem
< de fazer; e, firmada nestas razões, deliberou convidar a
< todas as municipalidades e sociedades patrióticas, não só
« desta como das outras provincias para que, no caso de que
€ até o dia da convocação da futura assembléa l^slativa
€ não tenha ainda passado ou tenha sido regeitado no senado
So projecto das reformas constitucionaes, se esforcem de
€ commum accordo para que nos respectivos círculos elei-
€ toraes se dêem poderes constituintes aos futuros deputados
« para reformarem a constituição, na forma do projecto
« approvado na camará dos deputados, fazendo-se a reforma
€ independentemente do senado, reunindo-se os futuros eleitos
c o mais breve que possa ser, declarando terminada a l^is-
€ latura actual com o senado, fazendo os deputados eleitos
«as funcções de assembléa legislativa em tudo o mais; não
«passando os seus poderes constituintes além do projecto
« de reforma da camará dos deputados, actual, e continuando
■< depois as funcções que segundo a constituição reformada
«competirem á camará dos deputados.
« A sociedade Promotora do Bem Publico espera que
« a sua proposição será attendida pelos cidadãos que compõem
«as associações a quem se dirige, e de cujas luzes, enei^a
«e patriotismo depende a felicidade futura da nossa pátria.;
« Sala das sessões da sociedade, 2 de fevereiro de 1832.
« — Joaquim Pereira de Queiras, presidente. — Bento Josi
'^'Affonso, secretario., — João Innocencio, de 'Azeredo^ Çour
lyCoogle
A CIRCULAR DE THEOPRILO OTTONt 319
<tinho, secretario. — Joaquim José de Araújo Ponseca, se-
«cretario. — Theophilo Benedicto Ottoni, secretario.»
Tão arrojada iniciativa da sociedade Promotora do Bem
Publico devia causar grande abalo no paiz. Os moderados,
que estavão no governo, não podião dar de súbito a sua
adhesão á ousada medida, planejada em uma villa do interior
sem o seu beneplácito.
Demais, na occasião a regência e o ministério ainda se
achavão na esperança de que os homens do velho regímen,
— os homens que se dízião partidistas e enthusiastas do pai,
• — não serião contradictoríos a ponto de quererem derribar
por meios violentos o governo do filho.
Assim, os moderados suppunhão ter somente inimigos
do lado liberal um pouco mais avançado.'
Por isso guerreánio quanto puderão a representação
encyclica, o jornal que a sustentava e os homens que a
apoiavão.
A representação foi fulminada pela imprensa do po(fer,
que imaginava a pátria em perigo e a anarchia levantando
o coUo, se desse ouvidos ao convite condicional da socie-
dade Promotora do Bem Publico.
A perse^ição politica dos constituintes do Serro-Frio
tomou vastas proporções.
A Sentinella do Serro cedeu, menos prudentemente, ás
provocações das gazetas moderadas : foi processada, e víu-se
na necessidade de suspender a sua publicação.
Mas tão desculpáveis erão os excessos a que a polemica
levou a Sentinella do Serro que a folha achou apoio no juizo
dos seus pares. Submettida a accusação ao jury especial
da liberdade de imprensa, na forma da lei então em vigor,
o jury não achou matéria para accusação.
Não obstante, os membros influentes da sogedade Pro-
motora do Bem Publico não tiverão outro recurso senão o
de deixar o campo aos seus adversários, ceder-lhcs a typo-
graphia e retirar-se completamente da scena.
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Sediçflaa oonservtdoria — Fnsio dos libertes. — O meu pro-
aramma convertida em lei conititDoionel
Homem impossível para o partido conservador, repu-
diado pelos moderados, que me pers^uião, e sentindo a mais
pronunciada repugnância pelos anarchistas, democrata' paci-
fico, recolhi-me a quartéis de inverno e passei a viver retirado,
na mais perfeita abstenção.
No entanto a reacção imprudente dos moderados contra
bs reformistas animou por tal maneira os retro^ados que
um mez depois do encerramento da sociedade Promotora do
Bem Publico tinhão elles empunhado as armas no Rio de
Janeiro contra o governo,
E o dia 17 de abril de 1832, a não ser a repugnância
que tÍ\-erão os liberacs exaltados de entrar em allíança com
os retrógrados, seria o ultimo dia da regência e do governo
de 7 de abril. São factos que a historia explicará sem du-
vida.
Abandonados com a maior ingratidão pelos retrcçrados,
que até a vida lhes deviao, os moderados novamente pro-
curarão congraçar-se com os Itberaes exalta(fos.
E, para captar o concurso delles, appellárão, por uma
dessas contradicções usuaes na vida dos partidos, para o
mesmo recurso que havião condemnado quando proposto pela
sociedade Promotora do Bem publico e que havia dado em
resultado o meu ostracismo.
Projectarão esmagar o senado e reformar a constituição
de autoridade própria. Foi o golpe de estado parlamentar
tratado entre regentes, ministros e maioria na noite de 29,
e que a 30 de jidho de 1832 frustrou-se pela habilidade e
valor estratégico de um pequeno grupo de deputados, capi-
taneado pelo Sr. Honório Hermeto Carneiro Leão, que nesse
dia não acompanhou os seus amigos da véspera.
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A CIRCULAR DE THEOPHILO OTTOW 33|
O parecer da' commissão, que opinava para se arvorar
a camará dos deputados em asserabléa constituinte, e que
foi rejeitado, é o seguinte:
€ A commissão especial encarregada de dar o seu pa-
recer a respeito da mensagetn da regência do império, em
que dá a sua demissão do alto emprego para que fora no-
meada, passa a expor a sua opinião acerca deste objecto.
€ Ninguém de boa fé pôde duvidar que as circumstanctas
em que nos achamos são extraordinárias, que a nação se
acha á borda de um abismo, pelas divisões que infelizmente
teem retalhado o nosso paiz, e principalmente pela existência
de um partido retre^rado, que, não contente com pregar
abertamente pela imprensa a restauração do detestado go-
verno (fe D. Pedro I, tem levado a audácia a ponto de em-
punhar as armas contra as autoridades lealmente constí-
tuidas, não duvidando derramar o sangue daquelles que não
partilhão seus indignos sentimentos. E' igualmente manifesto
que o governo não pôde lutar com vantagem contra tal par-
tido com os meios que tem á sua disposição, principalmente
quando a maioria do senado e parte da magistratura pela
sua conducta teem mostrado protege-lo abertamente; donde
resultou, não só a demissão de todo o ministério, que merecia
a confiança da regência e da nação, mas também a impossi-
bilidade de organisar outro, porque os cidadãos mais iUus-
trados e reconhecidos patriotas recusão collocar-se em tão
difficil e arriscado posto.
< Vendo, pois, a commissão que das causas acima ex-
pendidas não podem deixar de resultar os maiores males;
vendo imminente a guerra civil e a anarchia; e antolhando
com horror as revoluções parciaes e desregradas que tie certo
hão de apparecer nas províncias, e de que podem resultar
a desmembração e a ruina do império: julga que só as mais
enérgicas medidas podem salvar a nação e o throno consti-
tucional do Sr, D. Pedro II. E, como estas não cabem nas
nossas attribuições, nem tão pouco aceitar a demissão da
regência permanente, é de parecer que esta augusta camará
se converta em assembléa nacional, para então tomar as re-
soluções que requer a crise actual, e que isto mesmo se
participe ao senado.
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333 RETUTA DO INSTITUTO HieTOUCO.
€ Paço da camará dos deputados, em 30 de julho de
1832. — Prancisco de Paula Araújo e Almeida. — Gervásio
Pires Ferreira. — Manoel Odorico Mendes. — Gabriel Men-
des dos Santos. — Cândido Baptista de Oliveira. »
H' sabido que a nova constituição, em que se abolia o
senado vitalício e se tomavão outras medidas de igual im-
portância, estava redigida e ia ser votada por acclamação
logo que a camará se convertesse em assembléa nacional.
A sociedade Promotora do Bem Publico estava justi-
ficada I Triumphava logo depois de proscripta.: Os mode-
rados, cinco mezes depois de haverem condemnado a so-
ciedade Promotora e a Sentinella do Serro, se apresentavão
em campo com a mesma bandeira, proclamando os mesmos
princípios, visando ao mesmo fim.
Não podia haver melhor justificação para oa consti-
tuintes do Serro-Frio.;
Nós propúnhamos simplesmente que, no caso de não
passar no senado a lei da reforma constitucional, os eleitores
fossem convidados a dar de autoridade própria 'poderes aos
novos deputados para fazerem a reforma qual á tinha ap-
provado a camará dos deputados. Appellavamos do senado
para a soberania nacional.
Os moderados em 30 de julho queríão ir além ; — arvo-
ravão-se, sem missão, em assembléa constituinte, e decretavão
uma nova constituição.
O mallogro do 30 de julho deu era resultado o ministério
dos 40 dias, em que figuravão os Srs. Hollanda Cavalcanti,
hoje visconde de Albuquerque, e Pedro de Araújo Lima,
hoje marquez de Olinda.
O ministério dos 40 dias deu alento ao partido conser-
vador, que então mats do que nunca sonhava a restauração
do Sr. D. Pedro I.
Aos estadistas do segundo reinado não podia sorrir tat
idéa. Se o duque de Bragança voltasse ao Brasil o pessoal
dos altos funccionarios estava de antemão designado, e devia
naturalmente compor-se dos que tinbão ficado fieis ao ex-
imperador no tempo da sua desgraça.
Mas um grupo bem conhecido, que se havia apoderado
da situação em 7 de abril, e que a explorava em proveito
byCoogIe
k CIRCULAR DE THEOrailO OTTONI 393
do seu domínio, temia que, dada uma tal eventualidade, os
seus talentos não fossem devidamente aproveitados, e elles
tivessem de voltar ao ingrato papel de opposicíonistas, como
tinhão sido de 1826 a 1831.
Ainda nâo tinha chegado o tempo de deporem a mascara
è fundirem-se no partido conservador, acclamando-se seus
exclusivos chefes c directores.
For isso cahiu o ministério dos 40 dias, e o partido mo-
derado novamente se assenhoreou da situação, e tomou a
bandeira da reforma amstitucional .;
Para obte-Ia fazião pressão sobre os conservadores mais
tímidos, encarecendo os perigos que corria a monarchia se
o senado não condescendesse com a reforma constitucional.
Para chegar a seus fins, mesmo nos debates, que podem ser
estuiíados nos jomaes do tempo, desenhavão com as cores
mais medonhas a encyclica Promotora, de que eu fora se-
cretario, bem como a muito fallada republica de S, Félix
na Bahia, onde pela primeira vez entrou em scena o fallecido
deputado por aquella' província Aprigio José de Souza.
Os conservadores, que se ião reconhecendo e reforçando,
á medida que D. Pedro se approximava do fim <
de que se encarregara em Portugal, não pod
os livreiros e chapéos redondos, que govemav:
rebeldes que havião conspirado contra a mon:
padores que se coUocavão no logar do monarci
Ao passo que os retrógrados se afastavão
chegavão-se elles para os exaltados.
Por outro lado, o facto de mallograr-se
iex^erava aos olhos do partido retrogrado si
fraqueza do governo,
Deliberarão, portanto, fazer uma nova lei
e apparecêrão em armas no Ouro-Preto no di
de J833, depondo violentamente o presidente,
Ignacio de Mello e Souza (depois barão do
vice-presidente, o Sr. Bernardo Pereira de
que prenderão, bem como o deputado (depc
Sr. cont^o José Bento Leite Ferreira de M<
g&rão a sahir do Ouro-Preto acompanhados p
de soldados, com orctem de deixarem a provin
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234 RBVISTA DO INSTITUTO UISTORlCa
' Foi uma sedição militar sem a mais fraca raiz na po-
pulação. Minas pôde gloriar-se dos prodigios cívicos que
então praticou.
O povo de Queluz libertou o vice-presidente Vasconcellos,
que foi installar o governo em S. João d'El-Rei, e, com o
profundo tino que o distinguia, reuniu em torno de si a,
provincia inteira.
O governo nos mandou do Rio de Janeiro um general,
o distincto e benemérito Sr. José Maria Pinto Peixoto.
O Sr. general Pinto Peixoto, que já em 1821 fora o
principal motor do estabelecimento do governo provisório,
que assignalou em Minas a época da regeneração, veiu em
1833 ganhar novos louros e conquistar a immorredoura gra-
tidão dos mineiros.
Tratava-se de combater o principio retragrado, e por
isso eu não podia ficar neutral. A' voz do grande cidadão,
que havia assumido em S. João d'El-Rei a vice-presidencia,
fiz-me o centro do movimento no Serro e marchei comman-
dando uma companhia da guarda nacional da força expedi-
cionária, que datli foi ao Caethe, e que não custou um vintém
de despeza ao thesouro publico.
Os serranos não tiverão que bater-se, porque durante
a sua marcha os sediciosos se havião rendido ás forças da
legalidade.
Voltámos, pois, á cara pátria, contentes por não termos
molhado as espadas no sangue de nossos irmãos. Trazíamos
também a consciência satisfeita, não só por termos cumprido
o dever que nos chamou ás armas, como porque havíamos
deixado honrada por onde passámos a severa disciplina, em
que caprichava o nosso chefe, o Sr. coronel Faustino Fran-
cisco Branco, e a generosidade e cavalheirismo da briosa
guarda nacional serrana. Em prova citarei um facto. Es-
tavão compromettidos na sedição os meus amigos, os Srs.
Dr. Jacintho Rodrigues Pereira Reis, coronel José de Sá
Bittencourt, e seus illustres irmãos, os quaes, na certeza, que
não foi iUudida, de que no acampamento dos serranos livres
serião tratados cavalheiramente, caminharão muitas l^uas
ao nosso encontro, para nos honrarem entregando-nos de
preferencia as suas espadas.
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A CIRCULAR DE THliOPlIlLO OTTOKI 33$
Terminada a expedição, voltei ao meu retiro, onde fui
esperar tranquillamente o resultado da reunião da camará
constituinte que tinha de reformar a constituição.
A sedição militar do Ouro-Preto apparecêra depois de
terem sido feitas as eleições para a camará constituinte. E
não tinha havido logar na deputação de Minas para o re-
dactor da Sentinella do Serro, que havia' sido na província
o primeiro arauto da reforma !
Mas de ninguém podia eu dizer que me houvesse atrai-
çoado, porque nesse anno não troquei palavra acerca de
eleições com potestade alguma.
O meu nome foi arredado das umas sob o falso pre-
texto de falta de idade legal, e pelo motivo real de não ser
eu maleável á vontade dos chefes: fiquei entre os supplentes.
Nem por se me haver desviado do congresso constituinte
deixei de applaudir as suas deliberações.
Ao contrario, foi com grande enthusiasmo que vi con-
signado no acto addicional, e conseguintemente fazenda parte
da constituição do império, o programma que três annos antes
eu havia offerecido á consideração publica em o n. 43 da
Sentinella do Serro, que já transcrevi nesta carta.
Das três bases propostas por mim só não tinha vingado
a abolição da vitalidade do senado, que aliás fora regei-
tada pela maioria de um voto apenas em sessão promíscua
da assembléa geral legislativa.
Os conselhos geraes de província estavão convertidos em
assembléas legislativas com amplas faculdades.
A suppressão do conselho de estado vitalício era também
um grande triumpho da idéa liberal, pois que annullava era
sua essência o poder moderador, causa de tantas apprehensões
durante o primeiro reinado.
ed'b'yGOOgle
o poder modarador
Rehabilitado por unia lei inconstitucional, a do conselho
de estado, o poder moderador resurgiu com pretçnçòcs que
ninguém se atreveu a cmprestar-lhe no primeiro reinado,
quando era um poder constitucional.
Sophiamando a constituição, pretende-se lioje que não
ha responsabilidade para os actos do poder moderador, e
que o poder moderador, filho do direito divino, não tem no
exercício de suas funcções outra sancção senão o foro interno,
para não dizer o capricho" da prestigiosa individualidade a
quem é delegado.
Assim se tem ousado affirmar na imprensa e no parla-
mento.
Questão tão ímiHJrtante que vejo nella compromettido se-
riamente o systema constitucional.
Por isso desculpareis se, cortando o fio da narração que
ia escrevendo, acerca da promulgação do acto addicional, eu
me antícipo a explicar-vos o modo por que tenho encarado
sempre o poder moderador e o exercício de suas funcções.
Sonharão alguns políticos em seus devaneios especulativos
a creação de um quarto poder, que associassem á trindade
orthodoxa do systema constitucional : — poder legislativo,
executivo, judiciário.
Esse poder neutro foi introduzido em a nossa consti-
tuição com o nome de poder moderador.
Era unia variante de certa entidade que no seu projecto
de constituição do 18 brumairc Syees inventara com o nome
de — grande eleitor — e que Napoleão annullou com o ridí-
culo de uma palavra — «O vosso grande eleitor, disse Napo-
leão a Syees, é um — grand cachou » .
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A CmcULAB DE THEOrniLO OTTONI Í2f
Morto em embrião pelo epigramma do i* cônsul, em vão
Benjamin Constant com o seu talento esforçou-se por tirar
o poder neutro dos domínios da ideologia.
Intercalado cncapotadamente no art. 14 da carta de
Luiz XVIII, succumbiu com a revolução de julho, de que
foi pelo menos a causa occasional.
Admittido na constituição brasileira, talvez, na intenção
de quem o iniciou, o poder moderador devesse ficar envol-
vido nos limbos da legitimidade, para ser oppOrtunamente
paraphrascado, como a parábola do art, 14 da charta franceza
o foi com o commentario das ordenanças de julho.
Mas o bom génio que presidiu á redacção do nosso pacto
fundamental traduziu a parábola em linguagem constitucional,
definiu o poder que creava, e cortou os herpes á monomania
absolutista. Estudemos na constituição o poder moderador (*).
Considerado somente no art, 98, o poder moderador é
tão nominal como o titulo de defensor perpetuo que o art. 100
dá ao imperador. ,
Com effeito, o art. 98 não encerra attribuições ou pre-
ceitos definidos, [>orém sim meras apreciações do que o poder
moderador fica sendo, com as attribuições e faculdades que
lhe são conferidas em outra parte.
Eis as palavras do art. 98:
< O poder moderador é a chave de toda a organisaçáo
politica e é delegado privativamente ao imperador, como chefe
supremo da nação e seu primeiro representante, para que
incessantemente vele sobre a manutenção da independência,
harmonia e equilíbrio dos outros poderes políticos. *
A legislação constitucional, mais ainda do que a ordi-
nária, deve ser precisa em sua expressão e conter somente
regras e preceitos claramente definidos.
Apreciações abstractas como a do art. 98 são mal ca-
bidas em uma lei qualquer, e com mais forte razão no pacto
fundamental.
lyCoogle
338 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Mas é evidente que, separadas das regras e prescripções
segundo as quaes o poder moderador tem de manter a inde-
pendência, liarmonia e equilibrio dos outros poderes, as pa-
lavras do art. 98 nada significão.
São, quando muito, como o cousiderandum de uma lei, ou
os fins que teve em mira o legislador, os quaes, se não forão
transportados para o texto da lei, não podem ser tomados em
consideração pe)o executor.
Se attendermos somente ao art. 98, o imperador é a chave
da organisa<;ão politica, do mesmo modo que pelo art. 100
é o defensor perpetuo do Brasil.
São títulos e apreciações que demonstrão a impor-
tância de que o legislador constituinte quiz rodear o mo-
narcha. Nada mais.
Só em tempos revolucionários, e porque a victoria sanc-
cionou o arrojo, pôde o titulo de defensor perpetuo I^itimar,
por exemplo, a dissolução da constituinte.
Somente em éfiocas e condições análogas poderá o poder
moderador apoiar-se no art. 98 para praticar por sua conta
e risco, a pretexto de ser a chave da organisação politica, qual-
quer acto que não esteja expressamente autorisado por outra
disposição constitucional.
Moderador, defensor perpetuo, chave da organisação po-
litica, são palavras sesquipedaes, que as vezes teem préstimo
nas circumstancias em que são inventadas, e que são nullas
em tempos normaes.
O art . 98 é da mesma lavra que as íntrucções eleitoraes
de 1824.
< O eleitor, dizia um dos artigos, não deve ter a mais
leve sombra de suspeita de inimizade á causa do Brasil. »
Sempre se entendeu que taes palavras erão simples adver-
tência aos votantes, para que attentassem na importância do
eleitorado.
As únicas condições legaes de idoneidade eleitoral con-
siderou-se sempre que erão aquellas que estavão expres-
samente definidas na constituição.
O titulo de defensor perpetuo ficou sem duvida na
região das palavras sesquipedaes, de que acabo de fallar, e só
i.,CoojjíIc
A CTRCULAR BE TIIEOPHILO OTTONl 239
merece nossos respeitos como uma designação de honra dada
pela constituição ao chefe do estado.
Dahi não passaria o poder moderador se fosse contem-
plado somente no art. 98 da constitui<;ão.
Mas, cumpre confessa-lo, o poder moderador passou da
região das abstracções para a do positivismo.
No art. lOi e no capitulo relativo ao conselho de estado
estão consagradas em termos precisos as suas attribuJçÕes e
meios de acção.
No art. lOl vêm especificadas uma por uma as attrí-
butções cujo complexo constitue o poder moderador, ç que
lhe dão os meios para ser a chave da nossa organisação
política. Fora das faculdades que o art. lOi lhe concede,
nada absolutamente pode o poder moderador.
O art. lOi seria uma excrescência se o art. 98 desse
quaesquer outros attributos ao monarcha, pois que, se os
desse, pela generalidade em que é concebido, a concessão com-
prehenderia os attributos que estão no art. loi e outros
quaesquer.
Tudo quanto ao juizo do monarcha se tornasse necessário
para restabelecer a independência, harmonia e equilibrio dos
outros poderes sempre que Sua Magestade julgasse estar
perturbada essa independência, harmonia e equilibrio estaria
no art. 98.
Oh ( que se assim fosse nunca o poder moderador acharia
lacunas no capitulo de suas attribuiçÕes^ nunca reputaria
manca a constituição, nem lhe chamaria, como Napoleão ál
do directório : — Tola constituição !
Não o é a nossa, e ao contrario muito sabia, porque con-
sagrou em todas as suas disposições a divisão e harmonia
dos poderes políticos, conforme a bella these do art. 9.'
O art. 142 é a chave do art. 101. Estou suppondo exis-
tente o conselho de estado, supprimido pelo art, 32 do acto
addicional.
A audiência do conselho de estado, como ahi se vè, é
obrigatória, salvo para a nomeação dos ministros, em todos
os casos em que tenha de ser exercida qualquer das funcções
consagradas no art. lOi.
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230 HEVISTA DO mSTlTCTO HISTÓRICO
E logo em seguida no art. 143 se declara que os conse-
Iheirps são responsáveis pelos conselhos que derem.
Logo, os conselheiros podem aconselhar o crime, e o
crime aconselhado pôde eslar nos actos do poder moderador.
Castigo para o conselho e impunidade para o crime com-
mettido por virtude do mesmo conselho são idéas que se re-
pellem e contrariào todos os princípios de justiça.
The king cannol do wrong, dir-se-me-ha.
Bem sei que esse é um dos dc^;mas da monarchia con-
stitucional.
E não tenho a menor duvida que dahi se derive a irres-
ponsabilidade da pessoa real. « Mas o principio the king cannol
do wrong, sobre que se funda a irresponsabilidade, diz um
cscriptor, só é racional subentendidas estas palavras : — Be'
cause he does nolhing».
A ficção diz somente que o rei não pôde fazer mal, e
que, portanto, é irresponsável.
Não diz que o erro ou crime não possão estar nos actos
promulgados em nome do rei.
Nem a constituição o ixideria admittir, porque suppõe a
possibilidade do crime no conselho.
E, se houve crime no conselho, não pôde deixar de ha-
ve-lo na execução do conselho criminoso.
E como, segundo a ficção, o rei não pôde fazer mal, é
preciso que ao lado da irresponsabilidade real esteja sempre
a responsabilidade de um executor.
E' outro dogma, sem o qual a ficção constitucional fora
o maior dos escarneos ao bom senso.
Pelo mal, que pôde estar nos actos do rei, é responsável
quem lhe deu o cunho da exequibilidade.
Não ha sophismas e filagranas que possão contrariar
esta theoria.
A constituição suppo-la, porque é congénita com o sys-
tema, e consagrou no seu texto esta supposição.'
Occasional mente, quando decretou nos arts. 69 g 70 o
formulário para a publicação das leis, menciona c declara
indeclinável a necessidade da referenda.
Mal cuidavão os legisladores constituintes que no Brasil
U; ZK:|-.yCOOgIC
A CmCOLAR DE TKEOPHILO OTTONi 831
A constituição suppo-la, porque é congénita com o sys-
tema constitucional referenda sem responsabilidade.
E que rebaixassem os ministros de estado a notários pú-
blicos, que na referenda dos actos do poder moderador nada
fazem senão portar por fé que ta! é a vontade de seu au-
gusto amo.
Tal direito publico é o da Turquia: lá com ef feito, por
virtude da constituição, a referenda do ministro significa
somente que no serralho se decretou como está escripto no
documento assignado.
Resta definir a parte que tem o conselho de estado nas
funcções do poder moderador.
Quem se der ao trabalho de ler as discussões do acto
addicional reconhecerá que a camará constituinte compre-
hcndia perfeitamente a intima ligação que se dava entre o
poder moderador e o conselho de estado, que ficou suppri-
mido pelo art. 32.
Demonstrada a responsabilidade dos ministros pelos
actos do poder moderador, as funcções deste só differião,
antes da abolição do velho conselho de estado, das funcções
do poder executivo em um único ponto, e vem a ser, que a
audiência do conselho de estado era obrigatória sempre que
funccionava o poder moderador, excepto no caso da nomeação
dos ministros.
Dahi resulta que necessariamente a responsabilidade pelos
actos do poder moderador tinha de repartir-se entre os mi-
nistros e os conselheiros de estado, emquanto o poder exe-
cutivo propriamente dito ficava livre para obrar por si e só
com a responsabilidade ministerial.
Não vejo na constituição outra distincção.
Mas a responsabilidade dividida entre os ministros e con-
selheiros de estado se enfraquece, e torna menos effectivas
as garantias do paiz e os direitos individuaes.
Demais, o conselho de estado vitalicio, senhor daa tra-
dições do governo, cônscio da importância de sua posição,
deve perennemente predominar sobre o ministério.
Eu acredito e cuido que assim se pensava em 1834, que
toda a vantagem está na idéa contraria. Parece-me que os
,dbyGoogle
33» REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
ministros devem ser especialmente feitura da camará tem-
porária, receber as inspirações bebidas na eleição popular.
O conselho de estado vitalício, creatura e auxiliar nato
do poder moderador, estará sempre em desconfiança contra
os representantes immediatos do povo,
O senado vitalicio, que é essencialmente estacionário, fica
reforçado em extremo com a existência de um conselho de
estado vitalicio. Apoiar-se-hão reciprocamente, e a communhão
de interesses facilmente se estabelecerá entre as duas corpo-
rações.
Para isso não será preciso que os senadores accumulem
as funcções de conselheiros de estado, como actualmente, que
de dezesete membros do conselho de estado quinze são sena-
dores.
Com as duas corporações assim organisadas todo o mi-
nistério que não esteja filiado na confraria vitalícia é
impossível.
E todo o progresso igualmente.
Abolido o conselho de estado, os ministros, mais des-
assombrados em presença do senado, se ínspirarião e se
apoiarião na seiva de uma camará popular, renovada perio-
dicamente, e assim poderião mais facilmente levar á legis-
lação as reformas que houvessem amadurecido no seio da
nação.
Abolido o conselho de estado, ficavão os ministros res-
ponsáveis únicos pelos actos do poder moderador. E, depen-
dentes os seus actos da referenda ministerial, sem outro
influxo estranho, estavão o poder moderador e as suas attri-
buições suave e naturalmente absorvidos pelo poder executivo.
Eis ahi as razões por que sempre entendi que o art. 32
do acto addicional fora um magnifido triumpho da tdéa
liberal, e que annullava em sua essência o poder moderador.
No entanto essa conquista nos foi confiscada pela lei
inconstitucional que restaurou o conselho de estado. Posso,
para assim qualificar a lei que restaurou o conselho de estado,
apoiar-me na prestigiosa autoridade do Sr. Carneiro Leão,
marquez de Paraná'.
Na sessão de 19 de maio de 1840 S. Ex. fulminou, como
se pôde ver no Jornal do Commercio, a creação de estado vi-
,dbyGoogle
A CIRCULAR m THEOPRILO OTTOKI 233
taltcio, comparando a instituição com o conselho dos dez
em Veneza, e provando a inconstitucionalidade de tal creação.
No entanto o conselho de estado foi restaurado vitalício,
sendo facultativa a sua audiência, circumstancia que dtminue
as garantias e augmenta os perigos da instituição.
O conselho de estado vitalício, convertido em conselho
veneziano dos dez, como temia o Sr. Carneiro Leão, pôde
com a consulta facultativa prolongar indefinidamente o seu
dominio sem a menor sombra de responsabilidade.
Fica atrás da cortina, e colloca no ministério os seus
instrumentos
,dbyGoogle
[Tesio e regresso. — Origem e fins da ollgarchia
1834 saudei a abolição do conselho de estado, bem
outras disposições do acto addlcional.
cto addicioiíal era no meu entender uma victoria me-
da democracia pacifica.
Fosse lealmente executado, eu pensava que o systema
tativo se tornaria entre nós uma realidade, que devia
os annos satisfazer as aspirações dos amigos da li-
[iie, acasteltados em tão bellõ reducto, mais devião
es confiar no progresso da razão publica do que nas
olucionarias.
a só apprebciisão me incommodava.
cto addicional era um penhor de alliança que aos li-
lais adiantados offerecião os estadistas moderados,
da situação.
entanto a concessão tinha sido arrancada, não ás
es, mas ao medo.
ectivamente as reformas constitucionaes forão decre-
12 de agosto de 1834.
mulgárão-se porque os estadistas que dominavão a
tcmião o duque de Bragança.
lião-o, porque elle, se fosse restaurado, havia de
governar, e era provável que chamasse para os seus
s, antes os que lhe tinhâo dado provas de dedicação,
iquelles que havião decretado o seu banimento.
uque de Bragança fallcceu a 24 de setembro de 1834.
este facto se tivesse dado quatro mezes antes não
-ido reforma constitucional.
istadistas senhores da situação, se mais cedo se vissem
> pesadelo em que os trazia D, Pedro, se soubessem
Dy Google
A CIRCULAR DE THM>PHn.O OTTONI 335
mais a tempo que se podião constituir vice-reis durante a
menoridade, se vissem diante de si a perspectiva de serem
depois da menoridade proclamados Césares, e associados ao
império mesmo sob o reinado do Sr. D. Pedro II maior, —
oh ! por sem duvida nada terião cedido ao principio liberal,
e desde logo se terião constituido os mantenedores do prin-
cipio da autoridade.
As reformas conslitucionaes terião fih^ado á margem,
como aspirações chimericas de senhoradores politicos, se não
como projecto tenebroso de revolucionários anarcbistas.
Assim ficarião desde logo qualificados os Feijó, os Paula
Souza, e alguns outros ursos, que não teem sabido compre-
hender quantas vantagens e gozos em unia monarchia como
a do Brasil poderião ter colhido para si e para os seus, arvo-
rando-se também em donatários irresponsáveis.
Mas em fim o acto addicional foi proclamado durante
as exéquias do duque de Bragani;a.
Dessa circumstancia nasceu que simultaneamente se de-
lineassem as feições dos partidos do segundo reinado.
Um grupo de ambiciosos formou desde então essa oli-
garchia famosa, que no ministério ou fora delle tem sido o
primeiro poder no presente reinado, e que se]>arando-se dos
simplórios que querião ainda tomar ao serio a revolução de 7
de abril e as garantias dos cidadãos, avassallárão ministérios,
regentes, regências e a própria magestade.
Neste comenos, eleito deputado provincial sem a menor
solicitação minha, fui defender na assembléa todas as vir-
gulas desse famoso palladium. que ainda hoje pôde ser a
taboa da salvação do Brasil.
Conhecido na tribuna provincial ao menos pelo zelo com
que procurava preencher os meus deveres, tendo deixado no
livro da lei mineira vestígios de minha dedicação aos inte-
resses da província, tendo-me cabido a gloria de haver lutado
com athletas como Bernardo Pereira de Vasconcellos, pcr-
mittir-se-me-lia a persuasão de que não foi sem titulos que
cm 1836 obtive uma cadeira na camará quatríennal da quarta
legislatura.
Quando em 183S appareci como deputado a situação era
das mais difficeis.
,dbyGoogle
336 REVISTA DO INSTITUTO tnSTORICO
Diogo António Feijó, homem como os antigos de melhor
tempera, havia desanimado na tarefa que aceitara de ensaiar
lealmente a execução do acto addicíonal.
Fundidos na oligarchia alguns conservadores eminentes
do primeiro reinado, a reacção corria á rédea solta.
O que andava na berra era a seita do regresso, pro-
clamada em Ímpeto de desculpável despeito por uma das
maiores illustrações brasileiras.
Foi a bandeira a cuja sombra os oHgarchas derrocarão
os monumentos de civilisação e de progresso que os patriotas
do primeiro reinado havião erigido na legislação do paiz.
E o talisman com que conquistarão e teem explorado com
privilegio exclusivo o segundo reinado.
Era ameaçadora' á, catadura da oligarchia em 1838 I
Entre os cardeaes da seita tive o pezar de vir encontrar
ministro da marinha o meu antigo mestre o Sr, Joaquim José
Rodrigues Torres.
Quantum mulatus ab illo.
■ O ministério de 19 de setembro apresentava-se diante das
camarás brilhante de talentos, com a aureola que não se
lhe podia contestar de haver conquistado parlamentarmente
as pastas, reforçado pela sancção do corpo eleitoral, que aca-
bava de elevar â r^encia o ministro do império, rico de pres-
tígio pelo facto de haver abafado na Bahia uma revolta
perigosa, aliás insuflada por amigos do ministério antes da
conquista do poder, armado com a força que lhe dava a escola
da autoridade, que, arredada oito annos da scena politica, nella
entrava remoçada.
Um dos symbolos do novo credo era a reforma do acto
addicional, que já havia sido proposta a titulo de interpretação.
Minhas convicções e meus antecedentes indicavão suffi-
cientemente qual seria o meu logar no parlamento.
A verdade do acto addicional, — eis o meu prc^ramma:
a defesa dos opprimidos, que os havia numerosos, e a eco-
nomia na distribuição do suor dos contribuintes, — eis a
missão que tomei sobre meus débeis hombros,
O combate travou-se no voto de graças.
Acerca do acto addicional ahí vai o que a commissãó -
propoz e foi approvado que se dissesse ao throno.
byCoogIe
A^CIRCULAR DE TIIEOPUILO OTTONI 337
Depois de estasiar-se pela victoria da Bahia e de applaudir
o vigor da autoridade, cujas sanguinolentas demasias tinhão
afeiado o triumpho da legalidade, dizia o projecto de resposta
á falia do throno proposta pela coniniissão e approvada pela
camará:
< A camará dos deputados está firmemente decidida a
sustentar na sua essência a lei constitucional de 12 de agosto
de 1834, que reformou alguns artigos da constituição do im-
pério, como consequência necessária do principio de justiça,
que exige se dê ás províncias todos os meios de recursos pro-
vinciaes que não podem deixar de existir dentro delias : reco-
nkecendo todavia que a mesma lei tem suscitado duvidas
graves e gerado conflictos perigosos á paz do império, pelos
termos vagos, obscuros e inexactos com que forâo redigidas
algumas de suas disposições, trabalhará por esclarecer o que
ha de obscuro, precisar o que existe de vago, e por fazer
desapparecer, peJas regras de uma sã hermenêutica, qualquer
intelligencia que pareça estar em contradicção com o rigor dos
nossos princípios constitucionaes, afim de que esse acto, de
vital esperança para o Brasil, possa produzir os salutares
benefícios que teve em vista a sabedoria que o ditou. >
(/ornai do Commercio de 9 de maio de 1838)
Propuz a seguinte emenda, que copio do mesmo jornal:
c A camará, Senhor, confia que o prt^resso da razão
publica, ajudado por uma administração, firme, liberal e pru-
dente, severa com o crime e indulgente com o erro, acalmará
a violência das paixões e firmará a obediência legal £' prin-
cipalmente da escolha de delegados esclarecidos e fieis que
muito depende a ascendência moral do governo nas províncias.
O Brasil quer o desenvolvimento progressivo das instituições
constitucionaes, quer ver respeitados todos os direitos e cum-
pridos com fidelidade todos os deveres. O Brasil, Senhor,
ama a liberdade e à ordem. A camará dos deputados, fiel
aos seus juramentos, está firmemente decidida a sustentar
o acto addicionai, hoje parte integrante da constituição do
estado, e não se recusará, Senhor, a fixar a intelligencia de
algum artigo delle, quando, depois de maduro exame, se
convencer ser duvidoso o seu litteral sentido.
lyCoogle
IlEVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
do deplorável da fazenda publica e da circulação
erecerá da camará o mais rigoroso exame, e as
que lhe parecerem adequadas ao seu tão indis-
Ihoramento. Nenhuma medida porém. Senhor,
1 sem que os ministros de Vossa Magestade Im-
lo-se ao voto geral da nação, e convencidos da
ie uma severa e intelligeute economia na gestão
s nacionaes, limitem as despezas publicas ás
irias, e tomem a iniciativa em todas as reducções
nerando-se em fazer com que a arrecadação de
seja negligenciada. »
enda, eu a justifiquei, conforme se vé do seguinte
: vou transcrever do Jornal do Commerào de 29
1 mesmo anno :
Otixjni — Passando a tratar da resposta ao
lo da falia do throno, o orador diz que procurara
eJatorio do Sr. ministro da justiça quaes crão
traves que se liSo suscitado sobre a lei consti-
2 de agosto de 1834, mas que S. Ex. ahi nada
respeito, o que o orador espera que S. Ex. faça
ão.
; satisfaz com o período da commissão, ainda com
da palavra — essência — , a qual realmente lhe
na sensação, e que podia ter uma significação
perigosa.
i que o art. 25 do acto addicional somente au-
5 legislativo para resolver quando occorra alguma
; um ou outro artigo: assim, emquanto do-
ticiaes nào apparecerem mostrando que se teem
'idas, não podem passar no corpo legislativo reso-
ías á inteiligencia do acto addicional. Observa
;cies lia de interpretação, a grammatíca ou lógica,
a. Guiado pelo art. 25 do acto addicional, é sua
0 ix)der constituinte não teve em vista outra
dar ao poder legislativo o direito de quando
itelligencias differentes em diversas assembléas
1 seja a verdadeira, isto é, qual era o sentido
nimatical do artigo duvidoso; que, pois, não se
nterpretação que se chama authentica, por meio
lyCoogle
A CIRCULAR DE THEOPItlLO OTTONÍ 33<)
da qual se podem insinuar modificações na legislação ante-
rior, co!locando-se o que interpreta na posição do que legislou.
« Parece-lhe que a illustre commissão no seu periodo pro-
mette interpretar reformando. Tudo quanto tender a modi-
ficar os princípios constitucionaes que são garantidos no acto
addicional é uma reforma que está fora da esphera do poder
ordinário e não pôde ser decretado senão por um poder con-
stituinte competentemente autorisado. Se algumas das dis-
posições do acto addicional prejudicão, entendidas no seu .
sentido lógico c gramm atiçai, ao que a commissão chama
princípios constitucionaes, então não compete ao corpo legis-
lativo ordinário senão, referindo-se ao art. 174 da constituição,
decretar que os eleitores da legislatura seguinte autorisent
os deputados para esta reforma. O orador julga esta questão
de summa transcendência e expõe as funestas consequências
que podem resultar se se entender que, pela faculdade de
interpretar expHcando-se no sentido lógico e grammatical,
pôde se estender o direito de interpretação. »
Durante a discussão do voto de graças a emenda em
que eu consagrava como artigo de fé a fidelidade aos prin-
cípios do acto addicional foi rirticularisada por uma maioria
que se dizia brasileira; mas tive a gloria de vè-la elevada ás
alturas de um programma politico — proclamada como sym-
bolo e bandeira de opposiçáo — adoptada e eloquentemente
defendida pelos Montezuma, Limpo e Alvares Machado.
Se não me engano, foi o Exm. Sr. Montezuma, hoje
visconde de Jequitinhonha, quem deu ao nosso symbolo o
nome, que largos annos conservou, de — uandeira das tkan-
(jrEZAS PROVINCIAES.
Democrata constitucional, eu procurei combater cora
toda a energia da minha natureza o orientatÍswx> da corte, que,
para dar arrhas do seu recente monarchísmo, havíão os oli-
garchas restaurado.
Um dos penhores que de sua conversão haviáo offe-
recido os novos ministros fora o restabelecimento do beija-
mão, que estava era desuso durante a menoridade.
Censurando uma tal resurreição, eu qualifiquei o beija-
mão como um acto indigno do cidadão livre..
,dbyGoogle
Í4P REVISTA DO INSTITUTO lUSTOIUCO
Este incidente de um dos meus discursos deu occasião
a uma scena de que dou idéa na correspondência que vou
reproduzir, e que foi publicada no Jornal do Commercio de
6 de fevereiro de 1857:
os MONAftCUISTAS
« Na ausência do Sr. Christiano Benedicto Ottoni, que
actualmente viaja inspeccionando os traballras do alinhamento
da estrada de ferro de Pedro II, não posso deixar passar
desapercebida a publicação a pedido do Jornal do Commercio
de hoje, na qual um Sr. Monarchista puro exulta de pra:;er,
a pretexto de haver o Sr. C. B. Ottoni ultimamente beijado
a mão a Sua Magestade o Imperador; e, attribuindo este
procedimento presente ao amadurecimento da idade, comme-
mora o Sr. Monarchista puro a sabia politica do fallecida
marquez de Paraná.
c Começarei repellindo com desprezo a insinuação de
que o procedimento do Sr, C. E. Ottoni em qualquer acto
seu de deferência para com o chefe da nação possa ter sido
pautado pela sabia politica do fallecído marquez de Paraná.
cO Sr. C. B. Ottoni nunca teve outras relações com
o illustre morto senão as de vice-presidente da directoria da
estrada de ferro de D. Pedro II, como presidente do conselho
de ministros, em duas entrevistas a respeito do fundo de
reserva da companhia; tendo tido o Sr. C. B. Ottoni a
felicidade de chamar o nobre marquez á sua opinião em
favor da creação do fundo de reserva, sem affectar a ga-
rantia dos 7 %.
< Seria, pois, conveniente que o Monarchista puro ex-
plicasse como é que a politica sabia actuou sobre o Sr. C.
B. Ottoni,
S Os que teem feito fortuna especulando com as <fis-
cordiãs civis, e que desejão continuar nesse modo de vida,
incommodar-se-hão acaso de ver o Sr. C. B. Ottoni retirado
das lutas politicas, e prestando, com o auxilio dos seus hon-
rados collegas da directoria da estrada de ferro de D. Pedro II,
relevantíssimos serviços ao paiz? Como quer que seja, in-
formarei ao Sr. Monarchista puro que o Sr. C. B. Ottoni
desde 1839 tem tido muitas vezes a honra de se achar perante
lyCoogle
k ClItCCLAR DE TIIEOPIULO OTTONI 34I
Sua Magestade o Imperador, c que o sen procedimento pre-
sente é pautado pelo seu procedi meti lo anterior. Em 1ÍÍ48,
por exemplo, o Sr. C. B. Ottoni foi convidado pelo fallecido
visconde de Macahé, autorisado por Sua Magestatlc o Im-
perador, para aceitar a pasta da fazenda ou da marinha no
ministério de que S. Ex. era presidente. O convite foi dous
dias discutido no terreno do programnia ministerial.
«O Sr. C. B. Ottoni só entraria para o ministério
comi)romet tendo- se os seus collegas a restituir ás asSeqibléas
provinciaes as faculdades de que forão ellas inconstitucio-
nalmente esbulhadas, a pretexto de interpretação do acto
addicional. Ousou propor que fossem retirados do conselho
de estado ordinário os mais proeminentes chefes do partido
conser\ador, afim de que assim reconhecesse o paiz que a
coroa depositava a necessária confiança nos seus conselheiros
responsáveis. As condições da aceitação da pasta da fazenda
ou da marinha, sobre que não se pudera chegar a accordo,
forão com toda a lealdade postas por escripto e entregues
ao fallecido visconde, pelo qual foi o documento levado á
augusta presença de Sua Magestade o Imperador, Resolvida
constitucionalmente a não entrada do Sr. C. B. Ottoni jwra
o ministério, restava a S. S. o dever de ir apresentar a Sua
Magestade o Imperador a homenagem de sua gratidão pela
alta confiança com que Sua Magestade o Imperador o havia
honrado, permíttindo que fosse convidado para seu conse-
lheiro official.
< Nessa audiência, que obteve, o procedimento do Sr. C:
B. Ottoni foi igual ao procedimento presente. E posso
accrescentar, estimando muito que isso dê prazer ao Mo~
narchista puro, que o Sr. C. B. Ottoni se retirou da pre-
sença imperial penhorado pelo gracioso acolhimento que teve,
dignando-se Sua Magestade louva-lo pela escrupulosa since-
ridade do seu procedimento.
« Parte do que tenho referido está no doniinio publico,
e poT isso (fevo crer que o Sr. Moiiarckista paro- nas suas
historias de beija-mão pensou dirigir-se ao individuo que ora
escreve este artigo, e que teve a infelicidade de censurar na
camará dos deputados em 1S38 o restabelecimento do beija-
mão. Não será esta a primeira vez que, em razão da feliz
lyCoogle
342 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
solidariedade que entre iiós existe, tenha o Sr. C. B. Ottoni
remido os meus peccados .
« Considerando-me, pois, chamado também a contas pelo
ST.Mortarchista puro, vou ter a honra de explicar-me sobre
este objecto.
« Na sessão de lo de maio de 1838, impugnando as ten-
dências retrogradas do ministério de 19 de setembro de 1837,
citei, por exemplo, o restabelecimento do beija-mão, que
estivera em desuso durante todo o tempo da menoridade,
e que me parecia, como ainda hoje me parece, um uso oriental
impróprio do cidadão de um paiz livre.
€ .^s poucas palavras que eu disse neste sentido forão
abafadas pelos gritos de ordem e pelos insultos da policia
ou do partido ministerial, que preponderava nas galerias.
Bepelli com energia tão indecorosa manifestação, e, offen-
dido em meus brios e dignidade, julguei que devia dar prova
da sinceridade das minhas opiniões não me sujeitando jamais
ao uso que uma vei e tão solemnemente condemnára. Affirmo
ao Sr. Monarchista puro que teiiho sido fiel a este pro|x)sito.
E, tendo tido a honra de comiiarecer perante Sua Magestade
o Imperador, já como vice-presidente da camará dos de-
putados em 1847, já como orador da deputação que em nome
da camará felicitou a Sua Magestade o Imperador pelo
nascimento de Sua Alteza o principe imperial, e já como
particular, tenho consciência de que em minhas palavras e
no meu procedimento tenho sabido conciliar a digniifade da
minha iwsição com o acatamento devido a tão augusta pessoa,
que, com os sentimentos elevados que lhe são conhecidos,
não é iwssivet que tenha levado a mal vêr diante de si um
hc»nem em pé.
« Não seja, pois, o Monarchista puro mais realista do
que o rei, e detxe-me em paz ; mas, ainda que o não faça, não
voltarei ú imprensa acerca deste assumpto.
«Rio de Janeiro, 5 de fevereiro de 1857.
«T. B. Ottoni. »
De reacção em reacção temos penetrado tão longe |iclas
r^iões asiáticas que muitos espíritos reflectidos hão de
achar pequenina esta questão de beija-mão.
,dbyGoogle
K CIBCOLAR DE THEOPAILO OTTONI 343
Não o é em suas consequências relativamente a mim, se
é certo, como disse um jornal diário nesta corte, que ainda
este anno contribuiu para que se me fechassem as portas
do senado.
Para avaliar com critério um facto qualquer diz a boa
hermenêutica que se devem considerar attentamentc o Icaiiw
e as circnmstancias sob os quaes occorrcu.
Jodici. ofikium «1, ut r», iu lemi«ra rcrum
Quocicre; ijuacsilu temiiore tutus cris.
O restabelecimento do beija-mào em 1837 delineava as
feições de unia politica nova no pair, e que nunca foi minha .
Sobre este objecto diz o Sr. Ur. Justiniano José da
Rocha, á pag. 32 de um interessante paniphleto puhlicaffo
em 1856 com o titulo — Ac^ão, reacção, iransacíão, verbis ibi :
«Appellamos jíara a recordação dos que então vivlão
e se achavão na capital do império: elles que digão i|uc sen-
sação immensa produziu na cidade, de exaltação cm uns, de
intfignação em outros, de sorinreza em todos, qwaiido se
soube que na festividade da Cruz, á ixjrta cfa igreja, diante
de numerosissimo concurso, havia-se o regente inclinado e
beijado a mão do imperador !»
Na sessão de 1839 conscrvou-se a oligarcliia fiel ao se»
prc^ramma.
Destruir os monumentos levantados ao progresso no pri-
meiro reinado e nos primeiros annos da menoridade — tal
era o seu empenho.
Não escondiào o nefando propósito de comi>õr um go-
verno arbitrário, sob o qual, associatTos ao império, domi-
nassem a geração presente,
A reforma inconstitucional do acto addicional, pronuit-
gada com o nome de interpretação, foi um dos seus mais
atrevidos lanços de jogo.
Apostolo das franquezas jirovinciaes, tcmlo fé no governo
do povo iK>r si mesmo, eu procnrei ]>ór toda u sorte de em-
bargos a semelhante lei, que considero o maior dos erros da
legislatura de 1838 a 1841.
Parecia-nie (jue se devia antes alargar do que restringir
as faculdades provinciaes.
DigtizedbyGOOgle
344 REVISTA l>0 IMSTiTUTO IIláTORlCO
Acho ridiculo que o ordenado de 150$ do carcereiro de
uma aidéa da província do Amazonas ou de outra qualquer
seja objecto de um decreto imperial ; que as províncias não
possão designar os seus vigários c officiaes da guarda na-
cional ; que um tabellião de aldêa ou escrivão dos orpliãos só
possa ser nomeado na corte. E' um modo de escolher o jicior
e de augmentar os meios de corrupção que tem o governo
geral para seduzir os representantes da nação.
No Jornal do Cammercio de 11 de junho do anno de
1S39 vem um dos discursos em que, protestando contra a
intitulada interpretação do acto addicional, assim me exprimi.
Para melhor intelllgencia do meu discurso o faço pre-
ceder do projecto depois lei de interpretação do acto addi-
cional.:
« A assembléa geral legislativa decreta :
«Art, 1." A palavra municipal do art. 10 § 4" do acto
addicíonal comprehende ambas as anteriores — policia e eco-
nomia — e a ambas estas se refere a clausula final do mesmo
artigo, precedendo proposta das camarás . A palavra —
policia — comprehende a policia municipal administrativa
somente e não a policia judiciaria.
«Art. 2." A faculdade de crear e supprímír empregos
municipaes e provinciaes, concedida ás assembléas de pro-
víncia pelo S 7° do art. 10 do acto addicional, somente diz
respeito ao numero dos mesmos empregos, sem alteração
da sua natureza e attribuiçÕes, quando forem estabelecidos
por leis geraes, relativas a objectos sobre os quaes não podem
legislar as referidas assembléas.
«Art. 3.° O § II do mesmo art, 10 somente compre-
hende aquelles empregados provinciaes cujas funcções são
relativas a objectos sobre os quaes podem legislar as as-
sembléas legislativas de província, e por maneira alguma
aquelles que são creados por leis geraes relativas a objectos
da competência do poder legislativo geral.
«Art. 4.'* Na palavra — magistrado — (de que usa o
art. II S 7" do acto addicional, não se comprehendem os
membros das relações e tribunaes superiores.
«Art, 5.* Na decretação da suspensão ou demissão dos
magistrados procedem as assembléas provinciaes como trí-
«byCoogle
A rlRCUHR DF. TnROPHILO OTTONr Z45
bunal de justiça. Somente , podem, portanto, ímpõr taes
penas em virtude de queixa por crime de responsabilidade,
a que ellas estão impostas por leis criminaes anteriores, obser-
vando a forma de processo para taes casos anteriormente esta-
belecida.
«Art, 6,' O decreto de suspensão ou -demissão deverá
conter: i°, o relatório do facto; 2", a citação da lei em que
o magistrado está incurso; 3°, uma succinta exposição dos
fundamentos capitães da decido tomada.
«Art. 7.'* O art. 16 do acto addicional comprehende
implicitamente o caso em que o presidente da província negue
a sancçào a um projecto por entender que offende a consti-
tuição do império,
«Art. 8." As leis provinciaes que fjorem oppostas á
interpretação dada nos artigos precedentes não se entendem
revendas pela promulgação desta lei sem que expressamente
o sejão por acto do poder legislativo geral.
< Paço da camará dos deputados, em 26 de setembro de
1838. — Paulino José Soares de Sou::a. — /. C. de Miranda
Ribeiro. — José Clemente Pereira. »
(Jornal do Commerdo de 4 de junho de 1839.)
«O Sr. Ottoni — Sr. presidente, levanto-me para sus-
tentar o requerimento do meu nobre colida o Sr. Alvares
Machado, que denunciou conter o projecto incoherencias, con-
tradicções e absurdos, por ser manifestamente contrario á
constituição e por envolver uma verdadeira reforma do acto
addicional, debaixo do mal fingido pretexto de interpretar
alguns artigos.
« Antes, porém, de entrar nas provas em que baseio a
minha opinião, seja-me licito responder a uma censura do
nobre deputado pela Bahia, o illustre Sr. 3** secretario.
«Não é a supposição de que as luzes estejão só no lado
da opposição o que nos obriga a abrir mais ampla discussão
sobre este projecto,
< O anno passado a opposição impôz-se ccMnpleto silencio,
não teve parte no debate desta lei ; por isso tem mais obri-
gação de justificar o motivo que determinou o seu proce-
.dimento nesta importante questão..
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a4Ó REVISTA DO INSTITUTO ilISTORirO
< Se isto é iim dever imposto ao deputa'(ío em todos os
casos, parece de mais forte razão neste, em que se pro|>Õe
modificar a consiitiiição do estado.
« E' de rigorosa obrigação para o deputado vencido
justificar o seu voto perante a nação, perante a maioria da
casa. A opposição acha para justificar-se a occasião minis-
trada peto regimento: é esse, |x>is, o campo que escolho.
€ Analysarci os differentes artigos do projecto que se
discute. O 1° artigo diz (lê). Na primeira parte deste artigo
concordo em que está a única doutrina que se i>óde qualificar
como interpretação: vejo que diz o artigo lo S 4". na uUima
parte, precedtnda proposta das camarás, sem que, nem a
collocação grammatical, nem qualquer outra circumstancia,
nos induza a crer <|ue esta condição não comprehendc ambas
as parles do 1" membro do paragrapho. Ora, se a uhíma
condição envoh-e tanto a |}olicia como a economia, seguc-se
que a [xilicia de que se traia é somente a mimicijial, i>ois do
contrario i>o<terião as camarás fazer propostas sobre a policia
gerai da provincia. ^'ê-se, (kiís, a razão por que não impugno
a primeira ]>arte do art. 1". Mas não sei por que fatalidade,
e i)ara não haver um só artigo neste projecto que não seja
inconstitucional, foi-se inventar a distincção que se acha na
segunda parte do artigo, classificando a policia municipal em
judiciaria c administrativa, e declarando que as assenibléas
provinciaes não ]>odem legislar sobre policia municipal ju-
diciaria .
cO Sr. pRKsmiíVTií — O Sr. deputado está fallando
fora (Ia ordem.
«O Sr. Ottoni — Perdoe \. Ex. En pretendo mostrar
que o projecto é todo contrario á constituição, e por isso con-
tradictorio, absurdo e incoherente. Proseguirei, portanto,
consentindo \' . Ex. Anteriormente ao acto addicional j:i
as i>rovincias gozavão das garantias de legislar, por meio
de suas camarás e conselhos gcraes. sobre a policia judiciaria
municipal: vejo que o art. tGg da constituição diz que uma
lei regidanientar marcará o modo da eleição das camarás
e a formação de suas posturas policiaes: vejo que a assembléa
geral, desenvolvendo este arligo constitucional na lei do
I" (Ic outubro de 1S28, determinou no art. 71 (Jê) que as
«byCoogIe
K CIRCOLAR DE THBOPHILO OTTONI 247
poãfiiras das camarás versarião também sobre a segurança
publica, e, como que não satisfeita com esta declarai;ão ge-
nérica, decretou no art. 66 (lê) que as camarás municipaes
[KKtiíio fazer as posturas contra injurias e obsceni<fades .
«Ora, se isto não é o que se chama policia judiciaria
municipal, não sei o que ser possa.
« Por conseguinte, na intelligeticia do corpo legislativo,
as camarás municipaes podião fazer essas posturas sobre
a policia judiciaria, que os conselhos geraes approvavão para
serera If^o observadas . Os legisladores constituintes que
tinham de dar destino a estas attribuições dos conselhos ge-
raes nada mais fizerão senão traspassa-las para as assembtéaa
provinciaes, sem terem intenção de tirar o que aos muni-
cípios j se havia conferido. Se, pois, é essa a intelligencia
cia assembléa geral, como, sem uma manifesta violação, nào
9Ó do acto addicional, como do art. 169 da constituição, se
ha de admíttir semelhante interpretação?
« Sr. presidente, chegou o tempo da reacção, e não se
contentão os nobres deputados em querer parar em 18.14:
quer-se regressar de 24 para trás. Porque nesse tempo não
se achou tão perigoso dar ás províncias o que agora se lhes
quer tirar? Quando tratou-se de reformar a constituição foi
em consequência de um clamor geral de todos os ângulos
do império, porque as províncias distantes oitocentas e mais
l^uas, com tantai> necessidades, tanta difficuldade de com-
municações, não podião dispensar por mais tempo o desen-
\olvimento desse gérmen federativo, já consagrado na consti-
tuição do estado. Entretanto a reacção que appareceu ao tempo
em que essa fatal idéa do regresso foi proclamada não se
contentou em destruir o trabalho da camará constituinte de
1834, mas quer ir ainda muito para trás.
«Vamos ao art. 2." Antes de entrar na analyse deste
artigo, farei uma observação : 'parece que até ha receio de
se dar ás assembléas legislativas provinciaes o titulo que lhes
compete. O artigo já somente as chama assembléas de pro-
víncia; daqui a pouco serão reduzidas a conselhos adminis-
tratívos do governo. Outra observação que julgo dever fazer
é relativa á invenção feita de empregados geraes provinciaes
e empregados municipaes geraes. Não posso deixar de con-
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348 REVISTA DO INSTlTfTO HISTÓRICO
fcssar que é uma (iistincção galante, para não chamar absurda.
Nos Esta<Ios-Unidos existem, ou empregados federaes, isto
é, empregados da união, ou empregados dos estados; creio
que não ha outra distincqão. Tribunaes federaes e tribunaes
dos estados. Neste projecto, porém, ha uma ídéa inteiramente
nova, e vem a ser empregados geraes municipaes e empre-
gados geraes provinciaes; parece que era o mesmo que dizer
nacionaes estrangeiros.
«Outra observação ainda. Dada a intelligencia que o
art. 2» estabelece para o § 7° do art. 10, isto é, de que a
attribuição ahi conferida ás assembléaS legislativas provinciaes
reduz-se a marcar o numero dos taes empregados provinciaes
geraes e municipaes geraes, esse § 7° é a mais insignificante
parte do acto addicional. E, com ef feito, se recorremos á
classe dos empregados judíciaes, os mais importantes com-
prehendidos neste § 7° são os juizes de direito; mas já pelo
§ I" do mesmo art. 10, podendo as assembléas provinciaes
legislar sobre a divisão judiciaria, isto é, podendo crear as
comarcas que acharem conveniente, tinhão implicitamente o
direito de marcar o numero dos juizes de direito. Portanto,
na classe judiciaria nada trouxe o § 7°, ou quasi nada, que
já não estivesse no § 1°. Na jerarchia ecciesiastica os em-
pregados comprehendidos no S 7" são os parochos; ora,
cabendo jú pelo mesmo § i" do artigo ás assembléas pro-
vinciaes legislar sobre a divisão ecciesiastica, implicitamente,
e sem ser preciso vir essa idéa no § 7", marcavão as assembléas
provinciaes o numero dos parochos. Vê-se, pois, que a in-
telligencia dada pelo artigo 2" do projecto reduz o § 7° do
artigo a uma redundância, inutilidade ou insignificância.
« Ora, eu desejo que se confronte imparcialmente esta
redundância, inutilidade ou insignifcancia. a que se pretende
reduzir o S 7°, com o que disse ante-houtem o nobre ex-
mtnistro da marinha, Revelofl-nos S. Ex, que em uma con-
ferencia de seus amigos políticos, os do tempo em que se
reformou a constituição, S. Ex. se pronunciou altamente
contra este S 7° do art. 10, por julga-lo inadaptado ás cir-
cumstaiicias do paiz ; que igual opposição lhe fizerão outras
personagens que afinal cederão; mas que emfim S. Ex., não
tendo podido convir cm tal posição, e tendo ella sido appro-
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A rlUrULAR DE T1IE0P1I1I.0 OTTOHI 549
vada, taes escrúpulos lhe trouxera que até \eiu a votar contra
a atloi«;ào do acto addicioiíal. Se, ix>is, o nobre ex-niinistro
nas suas conferencias com seus amigos (mliticos de então
julgou tão im]X)rtantc esta doutrina que não admittiu transi-
gência alguma, apezar de cederem outras personagens, não
devo eu desta circumslancia concluir que na intelligencia dos
d^ijnlados con^ititui-ites o § 7° era um dos mais importantes
do acto addicional ? Que 087" não era uma inutilidade, porém,
sim dispo»i(;ão tão transcendente que a seu respeito não
admittia transigência alguma entre as personagens que aliás
parecião estar até alli de intelligencia e accordo? Esta de-
claração, de que tomei nota, me parece summamente preciosa
para demonstrar que a intelligencia que se quer dar não é
3 dos legisladores que o povo mandou a esta casa com a
missão especial de crear um poder legislativo provincial e
marcar-lhe altribuições .
< Entro agora na analyse do S 7°, como está concebido.
Creio que quando a mesma lei a respeito dos mesmos objectos
se exprime com os mesmos termos parece que hermeneuti-
camente não se pôde concluir senão que ella quiz decretar a
mesma, idêntica disposição. Vejo que a constituição no
art. 15 § 16 determina. (Lê). Se, pois. a constituição, mar-
cando nossas atlribuições sobre a creação e suppressão de
empregos, usa das mesmas palavras com que o acto addicional
dá ás assembleias provinciaes o mesmo direito, como se pôde
negar ás assembléas provinciaes fazer o mesmo que nôs aqui,
tendo ellas legislação idêntica pelos mesmos próprios termos?
Creio (jue esta identidade de termos, tratando do mesmo
objecto, significa a identidade de idéas que o legislador quiz
exprimir. Sr. presidente, noto mais que ainda ha pouco
tempo a assembléa geral se pronunciou em diff crente modo.
Aqui se legislou que os officiaes da guarda nacional do mu-
nicípio neutro fossem nomeados pelo governo. Ora, se a
assembléa não se julgou autorisada para legislar sobre a
guarda nacional senão no municipio neutro, é porque reco-
nheceu que havião attribuições de outro poder, que são as
assembléas provinciaes, a quem o negocio está commettido
nas províncias. A este respeito, todas as províncias, ou a
maioria delias, teem dado a mesma intelligencia que a camará
«ibyCoogIe
350 REVISTA DO INSTITDTO BISTORICO
e a assembléa geral teem dado. No Rio de Janeiro não se
legislou sobre isto ? Creio mesmo que essa lei foi sanccionada
pelo nobre deputado o Sr. Paulino, ou pelo Sr. ex-miiiistro
da marinha. Se o nobre deputado foi quem sanccionou uma
tal lei, já por este facto reconheceu que no § 7" do art. 10
está comprehendida uma faculdade mais ampla do que a de
marcar o numero dos empregados. Como é que o nobre
deputado teve de arredar-se de um voto tão solemne? Nessa
occasião devia ter examinado a natureza dessas attrihuições
provinciaes, e, com a vastidão de intelligencia que tem o
uohre deputado, proceder na forma da constituição. Eis a
intelligencia da maioria das assembléas provinciaes, da geral
e dos próprios autores e defensores deste projecto, e que
todos esta\ão de accordo a dar a esse § 7° tal qual se acha
nas suas palavras. Como,'pois, eu hei de convercer-me sem
que appareção razões que destruão tantas e tão respeitáveis
convicções? Como acreditar que este artigo tem outra intel-
ligencia? São mysterios que não posso penetrar I A commissão
quando desenvolveu estas idéas estabeleceu varias hypothescs
e diz (Lê o parecer da commissão.)
€ Sr. presidente, quanto á primeira hypothese, não acho
inconveniente; declaro-o com franqueza, apezar do que se
possa dizer a este respeito. E, se o inconveniente é real, o
meio de o remediar é outro. Se de um artigo da constituii:ão
resullãn inconvenientes, estes remedeião-se refomiando-o
pelos meios constitucionaes, e não é de necessidade que seja
este artigo por isso interpretado contra a litteral disposição.
das suas palavras. Se acaso a assembléa conhecesse que os
códigos devião ser uniformes no império, e o acto a<rdÍcÍonal
determinasse o contrario, resultaria a obrigação de pedir ao
povo soberano a autoridade para reformar este artigo do
acto addicional.
< Devia-se primeiramente provar que a intelligencia não
era esta; podem haver inconvenientes, mas ha o remédio,
qtie é autorisar a camará dos deputados para remove-los:
faça-sc isso pelos meios legaes e não (permitta-me-se dizer)
revolucionariamente .
(O orador lè a 2' 3" e 4" hypotheses do parecer da com-
missão; c, concordando com as conclusões a este respeito,
,dbyGoogle
A riRfULAH DE THEOPIIILO OTTONI 3SI
ainda insiste em fazer ver que os inconvenientes resultantes
da primeira hypothese só podem ser removidos, se existem,
reformando-se a constituição, e passa ao art. 3" do projecto.)
«Sr. presidente, estabelece este art. 3' a mesma dis-
tincção entre empregados provinciaes creados por leis geraes
e empregados provinciaes creados por leis provinciaes, e diz
que só a respeito destes podem as assembléas provinciaes
legislar quaifto á nomeação, etc. Eu já demonstrei que tal
dístincção não está no acto addicional ; e assim creio poder
concluir que também o art. 3° é offensivo da lei f undai^ental .1
Direi mais, O 8 11 do art. 10 autorisou as assembléas pro-
vinciaes para legislarem sobre os casos e o modo de nomeação
dos empregados provinciaes, sem excepção alguma. iL,ê.)
Ora. é sabido que mesmo antes da reforma constitucional
havia graves descontentamentos nas províncias, por ser
preciso vir mendigar de tão longe á corte a nomeação de
um juiz de direito, de um vigário, de um professor, de um
escrivão, etc. ; e em 1831 a assembléa geral compenetrou-se
da importância destes inconvenientes, e convenceu-se da ne-
cessidade de pôr nas províncias o remédio. Em consequência,
na lei da regência se fez a primeira dístincção entre empre-
gados geraes e provinciaes, e -se autorizou no art. 18 (lè) o
que está hoje no S 7" e S 11 do art. 10 do acto addicional,
os quaes não são mais do que uma cópia do que está na lei
da regência, com [lequenas modificações. Como esta lei fosse
interina, por vigorar somente durante a menoridade do impe-
rador, a assembléa geral quiz fazer desta disposição uma
legislação permanente, e por isso é que vem o g ir do art. lo..
Mas os nobres deputados dizem e argumentarão que, se o
S II concedesse aos presidentes a nomeação dos juízes de
direito, por exemplo, ficaria reformado o art. 102 da consti-
tuição, que não foi julgado reformavel.
« Esta razão prova de mais. Porquanto, se o 8 3' do
art. 102 diz que a nomeação do magistrado comgiete ao
imperador, 084* também dá ao imperador o provimento
dos mais empregos ; e, se tal razão prevalecesse para o S 3°,
devia também prevalecer para 054": entretanto, eu creio que
os nobres deputados não quererão negar também ás pro-
víncias, vcrbi graiia. o direito de nomear os mestres de pri-
lyCoogle
342 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
nieiras letras. A coarctada. ik>ís, de artigos da constituição
reformáveis, ou não reformáveis, provando de mais. nenhum
peso merece. A lei de 12 de outubro de 1832. ordenando aos
eleitores que mandassem a esta casa deputados com facul-
dade para crear um poder legislativo provincial (tacs são
suas expressões), virtualmente exigiu que o poder constituinte
tivesse a amplitude de investir o novo poder legislativo de
tudo quanto podem ser attribuições legislativas. -Citarei mais
alguns exmplos que mostrão a debilidade da argumentação
contraria. O art. 13 da constituição delega todo o poder legis-
lativo ás duas camarás, com a sancção do imperador: o
art. 13 não foi julgado reformavel, e seguir-se-Iia dahi que
não tenbão as assembléas provinciaes uma boa parte do poder
legislativo I
< O art. 36 diz que a iniciativa sobre impostos é da
exclusiva competência da camará dos deputados; o art. 36
não foi julgado reformavel: e haverá quem negue ás assem-
bléas, nào só o direito de iniciar, como o de decretar impostos?
«Tassarei agora ao art. 4° do projecto. Diz este artigo
que na palavra magistrado não se compreliendem os membros
da relação e tribunaes superiores. O acto addicional § 7" do
art. II diz. (Lê.) Ora, á vista desta generalidade, só se não
comprehenderáõ aqui os membros das relações e tribunaes
superiores se elles não são magistrados; do contrario será
também este artigo uma verdadeira reforma.
€ Passemos ao art. 5°. que declara que as assembléas pro-
vinciaes procedem como tribunaes de justiça quando decretão
a suspensão ou demissão do magistrado.
«Em primeiro logar observarei que nunca 1Í ou ouvi
applicar-se o verbo decretar para exprimir uma funcção de
tribunal de justiça ; e me parece que, se o acto addicional qui-
zesse converter em corpos judiciários as assembléas. diria,
em vez de — compete ás assembléas provinciaes decretar a
suspensão, etc, — julgar os magistrados, applÍcaiido-Ihes a
pena de suspensão, etc. A constituição, porém, escolheu a
phrase legislativa ou administrativa, e sujeitou o termo ju-
diciário. E' dos Estados- Unidos que se transplantou para o
3rasil esta disposição. Nos Estados-Unidos (na constituição
Dy Google
A CIRCULAR DE TlIEOl-HILO OTTONI 353
federal, por exemplo) o senado é declarado tribunal de jus-
ti»;a para julgar todos os empregados públicos por causa po-
litica {empeachement), impondo a pena de demissão e decla-
rando a inliabilitação para outros empregos. Entretanto, a
par desta disposição, que também reconhece a constituição
particular do estado de New- York, vem ahí outra disposição
do ã 13 da secção IV. E' esta disposição que está copiada no
acto addictonal. Dá a constituição de New-York neste para-
grapho ás duas camarás simultaneamente o direito de decretar
a demissão dos magistrados, cujos titulos lhes dão o direito
de continuar emquanto bem servirem.
« A segunda parte deste artigo diz que as assembléas
provinciaes só poderão impor a i)ena de suspensão ou de-
missão no caso de crimes a que estas penas estejáo impostas
por leis criminaes anteriores. Ora, permitta-me V. Ex, que
eu combata esta parte do artigo com um principio geral con-
signado no parecer da commissão que propoz este projecto.
{Lê.) Como, pois, com este principio quíz a commissão fazer
dependentes das leis da união um acto das assembléas provin-
ciaes? Não será isto tornar mancas e imperfeitas suas attri-
buições? Não pôde, por exemplo, a assembléa geral por uma
lei ordinária inutilisar completamente este artigo consti-
tucional, marcando para os crimes dos magistrados em todos
os casos penas que não sejão a suspensão ou demissão?
Vê-se, pois, que a conversão das assembléas provinciaes em
tribunaes de justiça é mais uma inconstitucionalidade do
projecto.
«O art, 6" declara que o decreto da suspensão deve ser
formulado de uma maneira especial. Na verdade, se as assem-
bléas provinciaes são tribunaes da união, pôde esta marcar,
não só as formulas do julgamento, como as das sentenças;
mas uma difficuldade acho eu, e consiste em que pelo art. il
(lê) compete ás assembléas provinciaes decretar seus regi-
mentos com certas e determinadas excepções; accrescentar
outras não é interpretar, é evidentemente reformar.
«Art. 7.° {Lê.) Dá aos presidentes o direito de sus-
pender os actos legislativos que julgarem contrários á con-
stituição. Este artigo é o filho querido do regresso, cujo
originário autor, o Sr. ex-ministro da justiça, já assim en-
lyCoogle
354 REVISTA DO ÍNSTITUTO HiSTOBICO
taideu o acto atldicioiíal, e assim o inaiidou executar pelos
seus presidentes. Se elle governasse sempre, até bem podião
dispensar este artigo os mesmos senhores apaixonados do
regresso ; mas, como podem vir, e eu o espero, administrações
para quem a constituição não seja letra morta, conviria de-
cretar-se a verdadeira intelligencia, se duvida pudesse haver
a este respeito. Eu me explico.
< O acto ãddicional, declarando o modo por que serião
submettidos á sancção os actos legislativos provinciaes, disse "
que os presidentes negarião a sancção quando entendessem
(jue esses actos não convinhão ao bem da província. Talvez
]Kjr uma espécie de poder l^islativo, não quiz a consti-
tuição declarar hypotheses em que as assembléas provinciaes
fossem-lhe contrarias em seus actos. Quiz que a formula geral
com que o presidente negasse a sancção fosse com o pretexto
de que as leis não sanccionadas não convinhão aos interesses
provinciaes : assim também na constituição, quando suppõe-sc
que o imperador não dè a sancção a uma lei geral (e note-se
que pôde em algum caso ser essa lei no juizo do imperador
contraria á constituição) se diz que o fará pela formula cheia
de cortezia: — O imperador quer meditar. — No art, 15 do
acto ãddicional estão, pois, a regra e a formula geral para
a não sancção, quando as leis são pela primeira vez enviadas
ao presidente.
« O art. 16, porém, é já para o caso de querer a assenibléa
provincial por dous terços de votos fazer prevalecer sua
opinião sobre a do presidente: o acto ãddicional dá esse
correctivo ao veto presidencial, mas estabelece duas hypo-
theses, em que o presidente possa, a despeito do juizo da
assembléa, suspender a execução da lei, e appetlar para a de-
cisão da assembléa geral. Diz o art. (Lê.) Conheceu o legis-
lador que, se se desse ao presidente a faculdade de suspender
todos os actos legislativos pro\'Ínciaes cm que pudessem achar
pretextos de offensivos dos interesses de outras províncias,
seria isto uma grande latitude dada ao executivo provincial :
restringiu, pois, o legislador essa suspensão ao caso uníco
do S 8" do art. 10, isto é, quanto á: lei relativa á aav^fação,
estrada, ou outra obra publica, que possa trazer dauino a
outra proviucia.
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A CdlCULAR DE THEOPUIIX) OTtONI 355
< Quanto á excepção relativa ás leis que possão oífendcr
os tratados, bem se vê em primeiro logar que ella se limita
por sua natureza a poucas leis provinciaes, e em segundo
logar que era um recurso indispensável aos delegados do
poder executivo geral, que tem o direito exclusivo de fazer
a guerra e a paz, e de tratar com as nações estrat^eiras.
Se esta restricçào não houvesse, poderia, verbi gratia, uma
província maritima decretar taes medidas que trouxessem
inevitavelmente a guerra com alguma potencia estrangeira.
Thlas se, além destas duas excepções, tão restrictas, tão limi-
tadas, tão positivas, se ^'ai ainda accrescentar uma, e tão
ampla como a que se acha consignada no artigo, me dirá V. £x.
onde vão as attribuições das assembléas provinciaes, as suas
garantias ?
< Finabnente ha o art. 8.° {Lê.) Já íoi muito suííicien-
temente provado quanto eile é absurdo, quanto é contrario á
constituição : desnecessário é ajuntar as minhas vozes ás dos
oradores que tão de espaço sobre esta matéria fallárão. Li-
mitar-me-hei a dizer : < Aqui está o maior dos absurdos, a
maior das extravagâncias l^islativas que tenhão apparecido.>
« Determinar que certos actos legislativos das assembléas
provinciaes são contrários ã; constituição, e na mesma lei
determinar que ficáo em vigor esses actos, isto não se poderá
applicar senão, verbi gratia, como uma transacção com uma
província importante. Quando ha factos que parecem jus-
tificar boatos creio que não estamos inhibidos nesta tribuna
de apresentar esses boatos. No projecto original offerecido
pela commissào não appareceu este artigo, com a declaração
nuva e muito curiosa : — Ficão em vigor as disposições em
contrario. Creio mesmo que este artigo, proposto na 2" dis-
cussão, foi rejeitado, declarando-se a maioria da camará
contra tão cerebrina disposição; mas boatos correrão de que
a representação de Pernambuco estava muito mal satisfeita
com a interpretação do acto addicional, porque ia revt^r
leis que estão em vigor naquella província, que aquella repre-
sentação suppõe que teem feito muito beneficio, e que revo-
gando-se podião causar abalos: diz-se mesmo que o Sr. ex-
ministro da guerra não era alheio a esta opinião; que em
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956 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
consequência unia lransac<;ão se fez, afim de que se respei-
tassem essas leis que se revogarão.
« Swpponho.quc semelhante modo de proceder não c
de maneira alguma airoso á camará dos deputados: ou a cousa
cou\em ou não; mas I^istar-se com receio de certas influ-
encias, legislar-se por transacções a respeito do acto addicional,
a respeito da constituição, não aciío muito decoroso. Entre-
tanto, como a minha razão não me subministra um só racio-
cinio em a|X>io desta disposição, que acho extravagante, eis
|K)rque dou algum credito ao boato de que ella foi feita por
transacção ; e, como em tudo e por tudo sou adverso a trans-
acções, é uma razão de mais para que eu vote contra a dis-
jiosição (io art. 8", manifestamente absurda.
« Tenho dado em geral as razões em que me fundo para
julgar contradictorio, absurdo, incoherente e anti-consli-
tucional o projecto em discussão. \'oto, jTOrtanto, para que
assim se julgue, e entrando elle em nova discussão se emen-
dem esses absurdos, incoherencias, contra dicções, que resultâo
de sua inconstitucionalidade provada. »
{/ornai do Commcrcio de ii de junho de 1839.)
,dbyGoogle
A maioridade
No meio destas lutas, cliegámos ao atino da maioridade
do Sr. D. Pedro II. — 1840.
O principio de que o rei não pôde fazer mal nunca
esteve em mais proveitoso relevo do que durante a meno-
ridade do Sr. D. Pedro II.
Em todo esse período os erros das câmaras, das r^encias,
dos regentes e dos ministros prejudicavão somente o elemento
popular, de que erão filhas essas entidades.
As desordens do primeiro reinado estavão em 1840 como
que apagadas da memoria dos contemporâneos.
A as demasias do governo pessoal, que havião acarretado
a animadversão nacional contra o Sr. D. Pedro I, comple^
tamente esquecidas.
Apenas se estudava a liistoria do passado na devota pali-
nodía que cantavão penitentes, e, batendo no peito, alguns
coripheus (outr'ora) do liberalismo.
Os realistas do bom velho tempo, evocados complacente-
mente pelos novos conversos^ batião palmas na esperança de
verem reerguidos os altares da sua idolatria.
Acreditavão sinceramente que o prestigio da realeza havia
de reparar, como por encanto, os estragos produzidos pelo
governo da plebe.
Contavão que seríão suffocadas para sempre nossas dis-
senções intestinas, e que teríamos de desfrutar a idade de
Applaudião antecipadamente as festas natalícias com as
chuvas de grai;aá e condecorações, que são o seu inseparável
cortejo.
E os oligarchas aproveitavão o tempo, procurando en-
raizar o seu ominoso domínio', estudando a maneira de s^
s. írCoogle
age REVISTA DO IN3TITDT0 HI8T0MCO
fazerem homens necessarbs e beneméritos do império, na
sua qualidade de restauradores da monarchia e exclusivos
devotos da boa causa.
Por sua parte, os Itberaes bem sabiao quanto terreno
tínhão perdido nos últimos annos.
E nos seus apertos e embaraços sonhavão encarnar-se
na monarchia, e inicia-la no manejo honesto do governo.
Era o desideratum que havia falhado sob a regência ç
regentes populares.
E por accordo universal appareceu a idéa de decretar-se
am supprimento de idade para o joven imperador.
Oppunha-se a constituição, que é terminante no seu ar-
tigo 121 : « O imperador ê menor até a idade de dezoito annos
completos. »
Por esse pequeno embaraço não se deixavão prender os
oligarchas.
Ao contrario, o seu plano confessado era apparelhar a
machina do governo forte, para entregal-a nominalmente ao
imperador menino.
Em nome das sympathias que desafiava o orphão da
nação, ião élles confiscando, uma a uma as garantias consa-
gradas no pacto fundamental.
Erão os preparativos do seu projecto de maioridade.
Mas, se a maioridade fosse iniciada em lei ordinária
pelos liberaes, era quasi certo que a lei seria combatida
pelos conservadores em nome da constituição.
Da constituição I que elles acabavão de rasgar violen-
tamente na, interpretação do acto addicional 1
A maioridade só poderia ter o cunho da constitucio-
nalidade se fosse iniciada e decretada por essa oligarchia
tenebrosa, que, apoiada no poder e no dinheiro dos trafi-
cantes da costa d'AfrÍca, a cujas emprezas se associara,
começava, segundo a phrase de um aproveitado neophito,
a plantar «o corte o seu futuro.
E que, posta á margem a constituição, preparava ousa-
damente as machinas de guerra que devião ass^iirar-lhes,
e de facto assegurarão, o dominio em nome do Sr. D. Pedro II.
O partido liberal havia reconhecido o gravíssimo perigo
da situação.
DigtizBdbyGOOgle
A CIRCULAR DE THEOPUILO OTTONI 359
A verdade do systema constitucional estava ameaçada
pelo trama oligarchico.
A lei da interpretação antes da annullação do acto addi-
cioBal era a precursora da lei inconstitucional de 3 ^^ <^^
zembro de 1S4I1 da restauração inconstitucional do conselho
de estado, e das mais armadilhas I^islativas que confiscarão
as liberdades publicas em proveito da oligarchia.
E que fiíerão a de^fraça e sellárão o opprobrio do pre-
sente reinado.
A escola do liberalismo verdadeiro é a escola da lega-
lidade e da ordem bem entendida.
Mas cumpre confessar que circumstancias se dão em que
a letra da lei mata e o espirito vivifica.
€ Para aproveitar-se uma occasião fugitiva de fazer o
bem do paiz, diz Jefferson, é licito ir além da coostituição.
Nestes casos, os representantes da nação, se interpretão bem
as necessidades publicas, devem prescindir de subtilezas meta-
physicas, e, arriscando-se como fieis mandatário^, pedir depois
á soberania nacional um biil de indemnidade. Se o facto pra-
ticado é verdadeiramente utíl e honesto, a nação não des-
approvará o procedimento dos seus mandatários, e o bill de
indemnidade, tomando mais salientes os traços da separação
da linha dos poderes, longe de enfraquecer, ccHisolidará a
constituição. >
De conformidade com a sã doutrina que acabo de citar,
justificados se devem considerar os liberaes brasileiros se,
na deplorável situação que está descripta, appellárão para
um golpe de estado parlamentar, proclamando, apezar da con-
stituição, a maioridade do imperador, e procurando identificar
com a gloria do reinado a salvação das garantias consti-
tucionaes.
Pensavão os liberaes que Sua Magestade o Imperador
podia ser o instrumento providencial que fizesse resvalar o
golpe liberticida e quebrar as taboas de proscripção decre-
tadas pela oligarchia.'
Offerecendo o seu apoio ao imperador menor, os liberaes
erão sinceros e procuravão assim dirigir no sentido dos seus
principios a politica do segundo reinado. Não tinhão pensa-
mento reservado. Estava longe da idéa dos liberaes brasileiroa
a60 REVISTA DO IXSTITUTO rilSTORKO
O exemplo dessa opposição famosa que, como diz H ■ Heíiie,
durante a restauração protestou em França que se conten-
tava com a carta, que depois da revolução de julho alardeava
ter representado quinze annos uma farça que aliás continuava,
fazendo-se, com visivel ironia e manifesta repugnância, com-
parsa da realeza.
Erão unisonos. No dia 2 de dezembro de 1838, na cidade
do Serro os conservadores faztão a festa do natalicio impe-
rial, e a consideravão festa de partido, em que os liberaes
nada tinhão que vér.
E no meio dos seus cantares estourou entre elles a profecia
da maioridade, por parte de um liberal, como symbolo e
bandeira de todo o partido liberal do império.
Empunha o sceptro teu, o1i I magestsdc t
Eimiiga a ntpaliiuio, ■ prepotcncu.
O regresso, o terror, > iniquidade.
Uue Kja o <filbo>, oh 1 queira a Ptovideucia I
O defenaor, o heróe da liberdade.
Bem como o e pai » o foi di independência (")
Assim acabava um soneto recitado por meu fallecido
irmão, o Sr. Honório Benedicto Ottoni, no theatro levantado
pelos conservadores, e onde etles julgavão estar sós.
Nesta disposição dos espíritos abriu-se a sessão legis-
lativa em 1840.
Uma associação se formou com o comprtrtnisso confes-
sado de se levar a effeito a maioridade.
Creio que o primeiro motor da idéa foi o senador Alencar,
em cuja casa a associação celebrou todas as suas sessões.
Quatorze éramos os confederados, seis senadores e oito
deputados.
Entre os senadores contavão-se \'erfueÍro, José Bento
e Alencar ; entre os deputados os dous Andradas e Marinho.
além de um illustre veterano da independência, que tivera
a prioridade da idéa, propondo-a dous annos antes em casa
de Alvares Machado. Além do meu humilde nome só me
considero autorisado para declinar os daquelles que já per-
tencem á historia.
{') Vide ejornal do ComiDcrcío» de a? dc Julbo de i&t».
lyCoogle
A attCDLAR CE THEOPHILO OTTONl 36l
Com OS íins confessados a medida só podia attingir o
seu alvo se obtivéssemos previamente o accordo e a benevo-
lência do imperador. a ,
Neste presupposto, delíberou-se na primeira sessão, antes
de tudo, sondar o animo de Sua M^estade.
Os Andradas ficarão encarregados de o fazer por inter-
médio de pessoas alto collocadas, e que tinhão accesso junto
de Sua Magestade.
Deliberou-se mesmo a formula da missiva, que devia
reduzir-se a estes restrictos termos:
f Os Andradas e seus amigos desejão fazer decretar pelo
corpo legislativo a maioridade de Vossa Magestade Imperial ;
mas nada iniciarão sem o consentimento de Vossa Mages-
tade Imperial. »
€ Quero e estimo muito que esse negocio seja reau-
ZADO PELOS Andradas e seus amigos. »
Tal a resposta imperial que trouxe a António Carlos um
dos embaixadores. Era o gentil-homem Bento António Vahia,
que no dia 2 de dezembro desse mesmo anno, em remuneração
do serviço que prestou ao club maiorístá, foi despachado
conde de Sarapuhy.
O gentil-liomem Vahia teve por coli,ega m delicada
missão que se lhe confiou outro cavalheiro de igual jerarchia,
e que também foi despachado titular no mesmo dia.
Além destes, um dos deputados confederados para a
maioridade estava encarregado de visitar repetidas vezes o
palácio de S. Christovão, para se assegurar das boas dispo-
sições do imperador.
Desde que tivemos o assentimento imperial mettêmos
mãos á obra.
Discutíu-se na reunião um projecto de maioridade desde
já acompanhado com diversas providencias, e entre ellas a
creação de um conselho de estado.
Por pouco que esta medida era o pomo da discórdia no
club maiorista.
Já expliquei em outra parte a importância que dou ao
art. 32 do acto addicional. Foi no meu entender uma grande
concessão ás idéas democráticas e annullou completamente o
Google
963 REnSTA DO INSTITUTO UISTOIUCO
poder moderador. O fallecido monsenhor Marinho tinha as
mesmas idéas.
Era, pois» impossível que nos sujeitássemos a advogar
nas camarás um projecto que contrariava nossas mais que-
ridas aspirações.
Marinho era um allíado prestimoso, de quem o club não
podia prescindir.
Por consideração para com elle e bondade para comigo,
o club deliberou destacar as duas idéas e apresenta-las em
projectos separados. — maioridade e conselho de estado.
Assim trabalhávamos unanimemente para a maioridade,
e nos separaríamos segundo a convicção de cada um na lei
do conselho de estado.
Os dous projectos geraes forão redigidos na reunião em
o dia 12 de maio de 1840 e no dia seguinte forão submettidos
i consideração do senado.
PROJECTO DE RESOLUÇÃO PASA DECLARAS A UAIOSIDAJ)E
Sessão em 13 de maio de 1840.
«Artigo único. O Sr. D. Pedro IP. imperador consti-
tucional e defensor perpetuo do Brasil, é declarado maior
desde já.
€ Antónia Francisco de Paula Hollanda Cavalcanti de 'AU
buquerque. — José Martiniano de 'Alencar. — Francisco de
Paula Cavalcanti de Albuquerque. — José Bento Ferreira de
Mello. — 'António Pedro da Costa Ferreiro. — Manoel Ignacio
de Mello e Sousa. >
Tinha-se deliberado no club solicitar para o projecto
da maioridade a assignatura do marquez de Paranaguá, que
se inculcava o monarchista por excellencia, mas que não com-
mungava com a oligarchía. O marquez declarou que não
assignava, mas comprometteu-se a adv<^r sua adopção na
tribuna, como effectivamente o fez, apezar de não ter sido
a doutrina impugnada.
Emquanto pendia de decisão do senado o projecto de
maioridade, o deputado Carneiro Leão, para melhor fazer
pressão sobre a «unara vitalícia, motivou na camará tem-
Coogle
K CniCCLÂR DE THEOPHIIO OTTONI 263
poraria um projecto de reforma da constituição, autorisando
os eleitores da seguinte legislatura a darem poderes consti-
tuintes aos novos deputados para refonnarcm o art. 121, que
marca a época da maioridade do monarcha.
A discussão abriu-sc; e, como tenho já exposto meus
principies e modo de encarar a questão, está claro qual terál
sido o meu precedímento nesta eventualidade.
Quando oradores distinctos trouxerão para o campo da
argumentação subtilezas metaphysicas, e pretenderão provar
que a dispensa da idade imperial cabia nas faculdades ordi-
nárias da legislatura, os princípios puderão mais no meu
espirito do que a consideração que eu tributava e tributo ainda
ás illustrações que assim se enunciavão.
No Jornal do Commercio de 18 de julho de 1840 vem
o discurso em que mais detalhadamente me expliquei a res-
peito.
Disse eu:
« Sr. presidente, eu estava resolvido a não tornar parte
' no presente debate, porque oradores muito abalisados já de
antemão se havião empenhado, mesmo antes de começar a
discussão do projecto, em analísa-lo, e havião annunciado a
intenção em que estavão de faze-lo, como teem feito, com
profundidade de conhecimentos e de illustração, que eu nem
de longe poderei imitar.
« Entretanto, Sr. presidente, fui obrigado a pedir a pa-
lavra, provocado pelo nobre deputado 2° secretario, chamado
a terreiro e 'interrogado sobre minhas opiniões antigas a este
respeito; fui por consequência forçado a pedir a palavra para
tomar parte na presente discussão: entrarei, pois, nella, é
serei o mais resumido que for possível, dando a minha opi-
nião a respeito do projecto, a respeito de alguns tópicos que
se teem aventado na casa, e algumas respostas ás observações
que teem apparecido.
« Sr. presidente, eu voto contra o projecto que está em
discussão porque é inteiramente inútil e não preenche os fins
que se diz ter em vista com a sua apresentação. Quer o
projecto que os eleitores que teem de nomear os deputados
da legislatura que ha de começar em 1842 lhes confirão nas
procurações especial faculdade para reformar a constituição
,dbyGoogle
304 «BVISTA DO INSTITUTO RISTORtCO
110 artigo que diz respeito ao termo da menoridade do mo-
iiarcha: entretanto, Sr. presidente, a legislatura de 1842, na
forma da constituição, está convocada desde o dia 3 de junho ;
e, na íórma da lei de 29 de julho de 1828 no S 1° do art. r,
no prazo de seis mezes, contados da época em que o decreto
da convocação chegar ás differentes províncias, as eleições
devem estar ultimadas. E' verdade que S. Ex. o Sr. ministro
da justiça já declarou no senado que havia recommendado
aos presidentes das provincias que tivessem em consideração
na execução da lei o projecto que se achava no sraiado, es-
paçando as eleições.
« Mas, Sr. presidente, nem a intenção do governo, se-
gundo se expressou o Sr. ministro da justiça, era que se
espaçasse contra a lei o prazo das eleições além dos seis
mezes, nem as circumstancias actuaes são hoje aquellas sob
as quaes fez esta declaração o Sr. ministro da justiça.
«Quasi dous mezes são passados da convocação; restão,
portanto, apenas quatro mezes, dentro dos quaes se teem
de ultimar as eleições nas provincias mais longínquas, como
o Pará e Mato-Grosso. Por consequência, serál possível que
esta lei que discutimos chegue a estas provincias antes de
se fazerem as eleições? Evidentemente é ímpossivel. O espa-
çamento das eleições acaba de ser rejeitado na camará vi-
talícia, tendo-se votado alli, não só contra o artigo que deter-
mina que as eleições se não facão senão no anno de 1841, como
contra todas as outras providencias, á excepção de uma,
que se achavão consignadas naquelle projecto. Por conse-
quência, já o senado interpoz a sua opinião a respeito do
espaçamento da eleição; e, se o curto prazo marcado pela
constituição e pela lei regulamentar respectiva não permitte
que, ainda no caso de passar o projecto que se acha em
discussão pelos tramites exigidos na constituição, chegue elle
a tempo de poderem os eleitores conferir poderes especiaes
aos deputados da seguinte legislatura, é evidente que o pro-
jecto é inteiramente ocioso, é inútil. Nem vejo razão para
que nos occupemos de um projecto que não preenche os fins
a que se destina.
« E' verdade que o nobre autor do projecto e os nobres
deputados que o defenderão adví^rão na casa o espaçamento
,dbyGoogle
A CmCDLAIl BB THEOt-HIU) OTTOHI 265
das eleições; mas eu tenho de lamentar uma contradicção
bem flagrante a este respeito, e é que os alliados dos nobres
deputados defensores do projecto, que formão a maioria no
senado, não fizessem passar alli o espaçamento das eleições I
Os alliados do ministério actual, os. alliados do nobre depu-
tado autor do projecto, já de antemão havião declarado nó
senado que não querião este projecto. Ora, á vista destes
successos, eu faem podia capitular este projecto como uma
allicantina parlamentar, tendente unicamente a fazer cahir
na outra camará, como já se disse; outro projecto que se
temia.
« Sr. presidente, os nobres defensores do projecto parece
que hoje tomão o conselho que Felippe II dava aos estadistas :
dizia este monarcha que o homem politico devia constan-
temente voltar os costas para o alvo a que pretendia cliegar,
e que devia proceder como os remadores, que, sentados nos
seus bancos, voltão as costas para onde a força de seus
braços impelle a embar<^ção. Sem duvida, á,vista do succf ssq
Decorrido na outra camará, de se rejeitar o espaçamento
das eleições, á vista da impossibilidade em que estamos de
que tenha logar, pela reforma exigida no projecto, a maio-
ridade, é evidente que os defensores do projecto, conforme
Felippe II aconselha aos estadistas que procedão, fazem como
os remadores; voltão as costas para o alvo a que pretendem
attingir ; mas remão para elle. Os nobres defensores do pro-
jecto voltão prudentemente a cara para S. Christovão. mas
remão para a rua dos Arcos. (Risadas e apoiados.)
« Sr, presidente, a isto poderia eu limitar-me pelo que
diz respeito ao projecto; na casa tem-se jS discutido suffi-
cientemente qual o meio de fazer terminar o provisório actual,
qual o meio mais conveniente e constitucional para elevar-se
ao throno o Sr. D. Pedro II ; mas os defensores do projecto
contradizem-se, porque alguns, como o nobre deputado pela
província de Minas-Geraes, fazendo ver que a idade de 18
annos é a mais apropriada em geral para terminar a meno-
ridade, entretanto votão pelo projecto.
f Se a idade de 18 annos é a mais apropriada para ter-
minar a menoridade do monarcha, por que razão votão os
nobres deputados por um projecto que tende a enairlar este
Dy Google
REVISTA. DO INSTITUTO HUTOaiOO
e 03 nobres deputados ju^o tão razoável? Mas,
lente, esta mesma contradicção dos nobres deputados
suas convicções, revela que os nobres deputados estSo
os á vista da marcha dos n^ocios públicos, que
lis possível que o mesmo braço que hoje dirige o
istado continue. (Apoiados.)
presidente, eu entro com alguma difficuldade nesta
lorque tem alguma cousa de pessoal a respeito da
rresponsavel. Mas em primeiro Ic^r eu vejo que
lição s6 declara irresponsável o r^ente, não o de-
iolavel, por consequência, permitte que se discuta
mportamento: em segundo Ic^r tenho os prece-
>s nobres deputados que hoje formão a maioria.
s.) Constantemente na legislatura passada se dis-
aneira mais ou menos constitucional por que a von-
iponsavel de então se dirigiu no exercicio do seu
ego ..»,.,,.. ^ ,.-.,.. .
i, Sr. presidente, á vista destas considerações e de
: resultão dos factos que expuz, factos não meus,
do a que pertenço, mas de outras pessoas que teem
a contacto com o governo actual não resulta que
ias circumstancias as mais melindrosas e delicadas
paiz talvez se tenha achado, e que será preciso alguma
le remova os males que nos estão imminentes ? Creio
s observações evidentemente se concluc a conveni-
lecretar-se a maioridade do monarcha, e que somente
aridade do monarcha podem cessar os males pu-
rtanto, se a decretação desta medida não pôde ter
)s meios que o projecto indica, e se, ainda que pu-
logar, não sei se nossos males admittem uma demora
annos. . .
Sr9. Quadro Aranha e Andrada : — Apoiado.
Sb. Ottoni — ... creio que nestas circumstancias
camará, quando se apresentasse um projecto dis-
os annos que restão para cí«npletar-se a maiori-
nonarcha, deveria sem duvida tomar sobre si a res-
,dbyGoogle
A CiaCDLAB DE TBB0PH1I.0 OTTONI 367
ponsabilidade que desse seu acto pudesse provir e decretar
a dispensa.
< Sr. presidente, eu não pretendo entrar na discussão
da constitucionalidade do art. 121 da constituição. Entre-
tanto, as minhas opiniões a este respeito estão consignadas
em um discurso que o nobre deputado pela provinda de
Minas-Geraes teve a bondade (fe trazar á casa; e a camará
ha de permittir que eu leta duas linhas desse discurso, onde
bem expressamente se dá a entender qual é minha opinião.,
Eu disse na assembléa legislativa provincial de Minas-Geraes,
tratando de um artigo que está nas circumstancías do art 121
da constituição : < Se o artigo da constituição (o que exige
a idade de 25 annos para o parente mais próximo do impe-
rador poder assumir a regência) não tem caracter de consti-
tucional, então não ha na constituição alguma disposição que
seja ctmstltucional, e tudo está á discrição e mercê da as-
sembléa geral l^slativa. >
« Sr. presidente, a consideração que mais tem influidò
no meu espírito para emittir este voto, e que ainda hoje me
obriga a sustentar esta minha opinião, apezar de argumentos
tão luminosos que teem sido apresentados pelos senhores do
meu lado, e apezar de ter sido discutida com tanto saber a
questão da constitucionalidade do artigo; a consideração de
conveniência, digo, que me obrigou e me obriga a insistir
nesta opinião que professo é o receio de que a assembléa
geral abuse de um precedente desta natureza, e queira re-
formar outros artigos da constituição a pretexto de que não
são constítucionaes . Foi sempre a minha opinião que era
constitucional tudo que estava na constituição, mesmo apezar
do disposto no art. 178. Se nós formos querer entender lit-
teralmente o art. i^S da constituição, achar-nos-hemos a
respeito de quasi todos os artigos nos mesmos embaraços em
que se teem achado os oradores do lado opposto, para res-
ponder aos argumentos dos oradores do lado a que pertenço,
que sustentão que o artigo não é constitucional.
< Quando se tratou da reforma do acto addicional e em
outras occasiões tenho-me pronunciado contra a omnipotência
parlamentar; tenho declarado que devemos considerar consti-
tucional tudo que existe na constituição, não obstante a letra
,dbyGoogle
368 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO'
"do art. 178, e que nunca rfeviamos admittir reforma de um
artigo da constituição a pretexto de que não era disposição
constitucional, pelos inconvenientes e abusos que daqui podem
r-se. Por consequência, quando apparecer o projecto
jridade de Sua Magestade o Imperador, eu votarei por
as pela razão de conveniência (apoiados), pondo de
1 questão de constitucionalidade; porque, segundo os
irincipios, em certas circumstancias e occasiões, pode
itor das leis e da constituição tomar sob sua respon-
:de o não proceder inteiramente de accordo com a letra
10 espirito da lei, quando motivos muito ponderosos
ão este seu procedimento. Digo a minha opinião
nente, e quando apparecer em discussão na casa um
í a este respeito tomarei francamente sobre mim a
abilídade, e direi á nação : < A minha convicção me
este artigo é constitucional : eu tenho receio de que
ibléa geral entre na discussão de quaes são os artigos
icionaes e de quaes o não são: entretanto o governo
)ela maneira por que procede abisma' a nação: o meio
icional que sympathisaria mais com meus princípios,
e acha consagrado na constituição, é inexequível, por
I cabe no tempo; e, quando não seja inexequível, trará
iltado tomar-se a medida daqui a dous annos, quando
I precisa de remédio immediato, quando dous annos
antes talvez, ou antes quando dous annos são bastantes
) para acabar-se de perder a nação. >
Testas circumstancias, eu, posto aqui por meus consti-
para velar na guarda da constituição e das leis, tomo
lim esta responsabilidade de emittir um voto, não
r dos meus principios, não muito de accordo com os
rincipios, mas porque as circumstancias da nação o
.' vista desta declaração franca e leal, os meus consti-
decidirão se obrei bem ou mal ; elles, ou me darão
e idemnidade, ou, lançando-me fora dos bancos desta
anifestarào que desapprovão e que censurão o meu
nento .
r. presidente, creio que, se a legislatura brasileira,
a época da maioridade, dissesse ao Brasil: «Eis
,dbyGoogle
DE TIIEOPHILO OTTOHI s69
aqui a constituição com o art. 121 intacto; entendi que este
artigo era constitucional e tive escrúpulos (apezar de que o
povo lhe potfia responder: «Não tiveste tanto escrúpulo
quando trataste de reformar o acto addicional !... > Mas
quero pór isto de parte), tive escrúpulos de tocar neste artigo,
que julguei constitucional, entendido restrictaniente ; entrego-
vos, portanto, a constituição nesta parte ao menos do
art. izi intacta. » Mas o Rio Grande perdeu-se, a confla-
gração continua em todo o orbe brasileiro; a bancarota bate
á porta; e entretanto não pudemos evitar isto, porque o re-
gente, que tomou posse no anno de 1838, tinha direito adqui-
rido, como nos disse um illustre jurisconsulto bontem, a
governar o Brasil por quatro annos; e, como nos disse outro
nobre deputado de Pernambuco hoje, porque a camará dos
deputados, ou os deputados adquirirão o direito de ser de-
putados por quatro annos, e, se acaso a maioridade do mo-
narcha tiver Ic^r desde já, poslergão-se os nossos direitos
adquiridos, pôde haver alguma dissolução, e nós perdemos
o direito de ser deputados por quatro annos. (Risadas.)
« Creio, Sr, presidente, que o povo brasileiro em taes
circumstancias não applaudiria certamente o nosso respeito
pelo art. 121 da constituição; pelo contrario estou persuadido
que o povo applaudiria aquelles que, iwsto não estivessem
convencidos de que cabia nas attribuições da assembléa geral
a medida: de que fallo, comtudo tinhão-Uie dado seu voto,
por julgarem que as circumstancias o exigião.
«Tem-se, Sr. presidente, argiunentado muito com os
defeitos das regências, tem-se querido persuadir que todos
os nossos males nascem da falta de prestigio que acompanha
ordinariamente a estes governos.
« Sr. presidente, eu estou intimamente con\cncido de que
os inconvenientes que teem sido apresentados nesta casa como
próprios das menoridades e dos governos regenciaes teem
logar especialmente nas monarchias absolutas; não entendo,
portanto, que seja da construcção e da organtsação do governo
durante a menoridade que nasção nossos males; nascerão,
sim, do desacerto da escolha. Eu estou persuadido dt que,
se os votos dos cidadãos brasileiros tivessem collocado no
alto posto de regente a um individuo que comprehendesse
lyCoogle
370 ■ REVISTA DO tM8TITUI0 HBIXHUCO
bem o elevado daquella posição, a um individuei que tratasse
de corresponder á espectativa de seus concidadãfos, esses
decantados inconvenientes da franqueza das regências não
terião apparecido, embora, Sr. presidente, os votos dos ci-
dadãos fossem procurar em uma fabrica de velas o filho
do proprietário; se succedesse que esse homem, pelo voto
de seus concidadãos, assim tirado da obscuridade, fosse um
Franklin, não seria por falta de prestigio que elle deixaria
de cumprir os elevados deveres de sua posição.
< Terei de dizer mais algumas verdades, bem que triviaes;
entretanto eu julgo-me obrigado a dize-las.s
« Eu confio muito em que o prestigio da realeza contri-
buirá alguma cousa para melhorar as difficuldades do go-
verno; entretanto não entendo que o prestigio que cerca o
throno do Sr. D, Pedro II venha de que seus antepassados,
desde séculos muito remotos, occupassem thronos na Europa.
«Sr. presidente, o prestigio do Sr, D. Pedro II nasce
do campo da Acciamação, onde seu pai foi acclamado im-
perador do Brasil, não porque descendesse de uma antiga
linhagem de reis da Europa, mas porque, comprehendendo
bem as necessidades do Brasil, pòz-se á frente da nossa inde-
pendência, e soltou nas margens do Ypiranga esse grito fa-
moso:— Independência ou morte 1 Se acaso succedesse que,
em vez de ser o primeiro imperador do Brasil, descendente
da casa de Bragança, quem se pôz á frente deste movimento
verdadeiramente nacional, que nos elevou á categoria de nação,
fosse outro heróe, como João Fernandes Vieira, e a nação
tivesse collocado a coroa sobre a sua cabeça', o Sr. D Pedro II,
descendente desse outro heróe, e não do filho dos reis, não
teria menos prestigio. (Susurro de reprovação). O prestigio
do Sr. D. Pedro II nasce da constituição e da acciamação,
pela qual o povo elevou o primeiro imperador ao throno que
elle tinha erigido.
« Passarei agora a responder, ainda que mui levemente,
a alguns dos tópicos do discurso do nobre deputado que me
precedeu.
« Muito sinto que o nobre deputado se tivesse retirado
da casa ; mas, como estou prompto para repetir quando S. Ex,
.estiver presente o que vou agora dizer á camará, não se to-
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A CIRCUtAR DE THEOPHILO^OITONI 37I
mará como falta de generosidade de minha parte fallar pela
maneira por que o vou fazer ; porque seria na verdade falta
de. generosidade da minha parte censurar no illustre deputado
ausente uma contradicção flagrante «e eu não estivesse re-
solvido a dizer o mesmo em qualquer occasião on que o nobre
deputado possa defender-se.
« O nobre deputado começou o seu discurso declarando
que não queria arriscar a inexpeqencia dos primeiros annos
do imperador.
€ Ora, pergunto ao illustre deputado : « O imperador
ficaria mais moço, ficaria mais inexperiente, de 25 de maio
de 1837 para cá? Desejava que o nobre deputado me res-
pondesse a isso, porque, segundo vejo no .Correio Official
do dia 26 de maio de 1837, o nobre deputado de Pernambuco,
ex-ministro dos negócios estrangeiros, que acabou de fallar,
foi um dos dez membros desta casa que apoiarão um pro-
jecto do Sr. deputado Vieira Souto propondo por uma lei
ordinária a maioridade de Sua Magestade o. Imperador.
(Apoiados.) Eis o que diz o Correio Official de 26 de maio
de 1837,. (U.)
«Alguns Sbs. deputados — Não ha a menor duvida.
cO Sb. Ottoni: — Por consequência, desejava que o
nobre deputado attendesse bem para isto, e me dissesse se
em 1840 o imperador era mais joven, mais inexperiente, do
que em 1837. ( Apoiados e risadas.)
« Mas, Sr. presidente, talvez em 1837 existisse com
muito mais verdade o que o nobre deputado pela provincia de
Minas-Geraes nos quer attribuir hoje. O nobre deputado disse-
nos que quer-se a maioridade porque se tem fome de poder.
Em 1837, quando o joven monarcha não era joven, não era
inexperiente, por que razão se davão estes votos? Porque se
tinha fome de poder, segundo os princípios do nobre deputado
peta província de Mínas-Geraes applicados á opposição
actual.
« Eu não cito, senhores, os nomes dos dez deputados
que votarão desta maneira, porque alguns se teem pronun-
ciado coherentemente com suas opiniSes de então e outros
ainda se não enunciarão na casa; e não quero incorrer na
X censura que fiz ao nobre deputado pela provincia de
. Cooglc
373 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
ilinas-Geraes, de querer achar contradicção antes de os depu-
tados emittirem suas opiniões.
« O nobre deputado de Pernambuco, ex-mínistro dos ne-
gócios estrangeiros, fez duas distíncções entre mudanças de
princípios que se tinhão professado no verdor dos annos,
quando liberaes, e quando o não erão. Quando os princípios
professatfos por alguém no verdor dos annos são liberaes esse
nobre deputado justifica a mudança; mas disse que o nobre
deputado pela provincia de S. Paulo, o Sr. Alvares Machado,
incorre em grave censura, porque mudou os princípios pro-
fessados no verdor dos annos para princípios menos liberaes
actualmente. Entretanto a demonstração disto cifra-se na
conducta do nobre deputado em 1837. De modo que agora
é que sei que o meu nobre amigo em 1837 estava no verdor
dos annos. {Apoiados^ e risadas.) Mas creío que o nobre
deputado não estava nas circumstancias mencionadas; não
mudou suas opiniões liberaes para opiniões menos liberaes;
nem mudou de opiniões que erão menos liberaes para as
opiniões que o nobre deputado em outras occasiões disse que
são republicanas.
«Mas, Sr. presidente, o nobre deputado, que acha o meu
nobre amígo de S. Paulo corcunda, achou uma cousa que
ninguém sabia; e a reputação de que goza o Sr, Alvares
Afachado con» patriota, como amigo das instituições, como
amigo do progresso na ordem, é uma reputação bem esta-
belecida {Apoiados.) Primeiramente, não sei que agora de
maneira alguma possa estar em contradicção com os prin-
cípios que tão porfíadamente tem defendido por tão longos
annos (Apoiados) ; em segundo logar, o nobre deputado, qile
censurou tanto esta incoherencia, é o mesmo que votou tam-
bém nesta casa pela adopção do acto addícíonal, e vem nos
dizer hoje que o acto addicional é illegal, que a camará cons-
tituída em 1834 não tinha poderes para reformar a consti-
tuição independentemente do senado.
.« Eu não entrarei nesta questão, porque foi ventilada
na casa com muita sabedoria; apresentárão-se argumentos
tirados da letra c espirito da constituição e índole do systenm
representativo, principalmente em um paíz cujo dogma fun-
damental é a soberania nacional. Argumentou-se nesta casa
lyCoogle
A CIUCULAIt DE THEOPillLO OTTONI 373
com considerações deduzidas deste principio, que o único
poder que estava competentemente autorisado para modi-
ficar o pacto social era a camará dos deputados, que tinha
recebido do povo especial autoridade para fazer esta modi-
ficação. Não preciso entrar nesta questão, que foi muito
bem decidida nesta casa, depois de uma discussão muito lu-
minosa; mas entretanto o nobre deputado, que ■ estava per-
suadido que era nullo o acto addJcional, não sei como justi-
ficará o seu voto a favor da adopção do projecto. . .
cO Sr. Quadros Aranha: — Apoiado.
«O Sr. Ottoni: — ... quando podia ter outros argu-
mentos para rejeitar o acto addicional, os quaes vou men-
cionar, porque podem offerecer outras provas da incolierencia
do nobre deputado. O nobre deputado podia rejeitar o acto
addicional por não terem passado muitas idéas suas e de
pessoas com quem estava intimamente ligado, querendo que
os presidentes não fossem nomeados pelo imperador, mas
pelos eleitores das províncias, em listas tríplices. (Apoindos.)
Outros argumentos desta natureza poderia o nobre deputado
apresentar como fundamento para rejeitar o acto addicional,
mas desprezou todos esses argumentos, votou pela adopção
do acto addicional, e agora nos vem dizer que o acto addi-
cional é nullo, porque a camará dos deputados não o podia ■
decretar sem o concurso do senado. Declarou-nos também
o illustre deputado que a lei da regência é constitucional, e
que, sendo constitucional, não podia ser alterada por lei or-
dinária; entretanto durante o tempo em que o Sr. deputado
fez parte do seu ministério pedirão-se modificações á lei da
regência, como autorisação para o governo dar amnistia.
(Apoiados.) Entretanto o nobre deputado se esqueceu disto.
« Passo agora a respontfer ás observações de um nobre
deputado que foi presidente de Minas-Geraes, e na mesma
occasião responderei a outros argumentos que até aqui não
tenho tomado em consideração.
cO nobre deputado pela província de Minas-Geraes, a
quem me refiro, expressou, como é seu costume, mui franca-
mente a sua opinião a este respeito. O nobre deputado disse:
< Todos os males do Brasil nascem da opposição que se fez
ao governo de D. Pedro I e das leis que forão filhas dessa
«bX-oogle
374 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
opposição > ; e por consequência o nobre deputado não quer
levar o imperador ao throno emquanto não cahJr por terra
toda a legislação filha da opposição feita ao governo de
D. Pedro I.
€ O nobre deputado, quando raciocina desta maneira,
quando cstigmatisa a opposição desde 1824 até 1831, csque-
ce-se de tutfo o que occorreu naquellas épocas; esquece-se
de tudo absolutamente. Pois porventura seria menos ra-
zoável a opposição que se fez á dissolução da assembléa
constituinte? Porventura seria menos razoável a opposição
que se fez quando o ministério que cahiu em dezembro de
1S29, com geral applauso da nação, tramava para o absolu-
tismo? Quando esse ministério mandava vir das províncias
a um liomem como Pinto Madeira, de quem as próprias auto-
ridades do Ceará, que o apoiavão por ordem do governo
de então, dizião: «Este homem é um tigre, cuja ferocidade
se exercita contra os inimigos de Sua Magestade » ; quando,
digo, o ministério mandava vir este homem, o cobria de
comniendas e lhe dava postos no exercito, e o encarregava
do commando militar das villas do Jardim e do Crato, onde
este homem foi immediatamente soltar o grito do absolutismo ;
seria menos patriótica a opiiosição feita a ministérios que
apoiavão, galardoavão e premiavão homens desta natureza?
O ministério que crcava conimissÕes militares, que mandava
degolar os cidadãos sem sentença, que mandava fazer assas-
sinatos jurídicos em virtude de sentenças de commissões mi-
litares; o ministério que procedia desta maneira, o ministério
que compromettia por este modo o fundador do império,
não terá porventura parte alguma na abdicação do ex-im-
perador? Não será responsável por ella? E serão rcsi>onsaveis
por essa abdicação os cidadãos generosos, amigos da liber-
dade da sua pátria, que ti\-erão coragem de oppor-se aos
planos de absolutismo, que tiverão a coragem de oppôr-se
aos planos da sociedade das Columnas, instituida em Per-
nambuco? E, se são responsáveis como causa originaria dessa
abdicação os homens cujos erros comprometterão tão grave-
mente o monarcha, porque o nobre deputado lhes dá amnistia?
Mas em verdade o nobre deputado está coherente com seus
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K cmctíi.An DE THEOPiiiLo OTTONi a?5
princípios porque o nobre deputado absolveu nesta casa a
homens que tinhão creado commissões militares.
«O Sr. Miranda Ribeiro: — Eu dei as ra2Õe3 por que.
« O Sr. Ottoni : — Mas eu quizera que o nobre depu-
tado não fizesse recaliir sobre a opposíção generosa e patrió-
tica da primeira legislatura, que começou em 1826, os
peccados que são propriamente peccados de seua alliados po-
líticos; porque forão elles que compromettêrão o primeiro
imperador do Brasil; porque forão elles que assustarão a
naqão. caminhando indevidamente por um caminho que não
era constitucional. Mas o nobre deputado não quer somente
fazer esta opposição patriótica e generosa, solidaria e respon-
sável pelo que então succedeu. quer também que seus actos
sejào todos responsáveis; quer também que se risquem das
collecções das leis do Brasil todas as leis filhas desla oppo-
5Íi;ão, e que se sacrifiquem cm holocausto aos principios do
ministério de 1829 e das instituições das Columnas. Ora, eu
julguei tanto mais necessário pronunciar-me contra uma pro-
posição desta natureza, avançada pelo nobre deputado, quando
o partido que domina no Brasil de 1837 para cá procura
fazer uma especulação verdadeiramente immoral com os sen-
timentos de benevolência que appareccm em favor de Sua
Magestade o Imperador; aproveitando-se destes sentimentos,
que todos os lados da camará, e em geral toda a nação, nutre
pelo jovcn monarcha, vem arrancar leis que não estão de
accôrdo com os principios do systema representativo. Sirva
de exemplo a reforma do código que se propõe no senado,
restabelecendo os commissarios de ixilicia, c quando nesta casa
se vem propor uma lei mais barbara do que a ordenação do
livro 5.' Refiro-me a uma proposta do ministério de 19 de
setembro, que diz; < No código criminal, artigo tal e tal, onde
diz — aos cabeças — supprima-se a palavra aos cabeças. > O
código criminal tinha reconhecido que nos crimes politicos
as massas nunca são criminosas, mas são arrastadas por am-
biciosos, que se prevalecem de sentimentos muitas vezes ge-
nerosos de que estas massas se achão penetradas para arras-
ta-las a "fins criminosos. Por consequência o código quiz que
nos crimes de conspiração, sedição e rebellíão somente 03
paliieças fossem punidos.
D,3 zB<ibyCOO<^Ie
376 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
« Ora, Sr. presidente, este principio luminoso que se acha
no código até certo ponto estava reconhecido na legislação
antiga: a mesma ordenação do livro 5° não mandava con-
demnar, proscrever as massas, queimar as cidades e suffocar
nos porões das embarcações as massas infelizes que pudessem
ter entrado nas rebelliões. (Apoiados.) Mesmo antes da con-
stituição o espirito philosophico do século i>assado tinha já
feito proscrever alguma parte da barbaridade que se infiltrara
na legislação antiga. {Apoiados.) Já antes da constituição
não se quintavão batalhões quando elles tinhão entrado em
algum motim; entretanto hoje, em 1840Í depois de quasi
20 annos de systema representativo, vem-se pedir a esta casa
a condcmnação das massas ; vem-se pedir que supprima-se
no código a palavra — cabeças — ; vem-se pedir emfim que
todos aquelles que tiverem parte em algum movimento po-
litico estejão sujeitos ás mesmas penas. E, quando se argu-
menta contra esta exigência, os coripheus do partido nos
respondem : < E' preciso dar força ao governo, porque o
monarcha está para subir ao throno: se nós o estimamos,
se o prezamos verdadeiramente, é preciso sacrificar esta legis-
lação e votar neste sentido. »
< Ora, Sr. presidente, isto é, como eu já disse, uma espe-
culação verdadeiramente immoral. {Apoiados da opposição.)
Toda a boa acção obtém de ordinário recompensa. A sin-
ceridade com que exprimi na occasião minhas convicções
valeu-me as fehcitações do parlamentar mais distincto que
então se sentava opposto ao meu lado na camará dos depu-
tados.
« O Sr. Carneiro Leão, fallando logo depois de mim,
disse o seguinte:
« Parece-me que os meus illustres adversários não estão
fortes: um só é que o está, porque foi sincero. {Apoiados.)
« Sr. presidente, eu sou como esse nobre deputado ; eu
o applaudo. Sr. presidente, porque a sua linguagem não é
parecida com a de seus nobres alliados, alguns dos quaes
teeni desmentido lodos os seus precedentes.
« Eu, Sr. presidente, muito applaudo que este nobre
deputado pudesse sahir do meio de tanta poeira radiante e
permanecendo nos seus princípios. {Apoiados.) Aparte-se
. Google
A CtltCULAR DE THEOPIIILO OTTOOT 3??
tudo quanto diz respeito ao odÍo que tem contra a adminis-
tração; aparte-se tudo quanto se não dirigiu a esse ponto:
e o discurso do nobre deputado é filho da sinceridade.
(Apoiados.) Eu muito applaudo que se pudesse libertar do
jugo de partido, jugo na verdade pesado, para pronunciar
suas opiniões livre e sinceramente. . ,
cO Sr. Carneiro da Cunha: — Honra lhe seja feita 1
<0 Sr. Carnkiro LkÃo: — ...permanecendo cm seus
principies c não desconhecendo a verdade. »
(Jornal do Commercio de 19 de julho de 1840.)
Vê-se também do meu discurso que eu estava assustado
com a tendência demasiadamente realista que a discussão
(fiscriminava.
Eu adoptava a ídéa da maioridade como uma espécie de
regresso, segundo a definição que dava a esta palavra o seu
illustre autor: — Recurso contra desatinos — ; e queria fazer
da maioridade uma égide em favor dos principies liberaes.
E os meus collaboradores, na melhor intenção, a susten-
tavão na tribuna, fomentando as mais extravagantes anti-
gualhas.
No entender de muitos oradores maioristas o mal dos
últimos tempos provinha de que os regentes não tinhão o
prestigio do nascimento e erão homens do povo.
O remédio que se esperava devia provir essencialmente,
assim o proclamavão, do esplendor da realeza e <
á dynastia, cuja nobreza imaginavão perder-se na
séculos.
Eu tinha a simplicidade de acreditar que a ind
era uma realidade, e que o Sr. D, Pedro I dev
vãmente a coroa á ficção da unanimidade constili
os brasileiros consagrarão no seu pacto fundamenta
que a dynastia brasileira tinha nascido no dia 7 d
de 1822, e que o Sr. D. Pedro I fora acclamado
não porque fosse o neto dos reis, mas porque, 1
instancias dos Andradas, então seus ministros, tini
a missão de protogonista no drama da independeu
ciando a pátria onde nascera pela nova que adopta
gando solemnemente como imperador constituciojiE
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3^8 REVISTA DO 1N8TITDT0 HISTÓRICO
a dynastia, de que, herdeiro presumptivo da coroa portu-
gueza, era na occasião o mais moderno representante.
Assim me enunciei em 1840, e assira o entendo ainda
hoje.
Como quer que fosse, o projecto de reforma do art. 121
produziu o fim que tinha em vista o seu illustre autor, con-
tribuindo poderosamente para que tosse rejeitado na camará
vitahcia o projecto de maioridade em lei ordinária.
No mesmo dia em que se deu este facto reuniu-se de
novo o club Alencar.
A agitação dos espíritos era excessiva, geral a adhesão
com que a idéa era acolliida pelo povo, tropa e guardi
nacional .
Da parte dos dous illustres generaes que então com-
mandaváo as armas e a guarda nacional se assegurou não
haver probabilidade, apezar de qualquer requisição do go-
verno, de ser a tropa, ou a guarda nacional, empregada contra
as reuniões populares que porventura se formassem com o
fim da proclamação da maioridade.
Nas camarás, a não se realizar o adiamento, em que já se
fallava, o projecto do deputado Carneiro Leão, propondo a
reforma do art. 121 da constituição, facilmente seria con-
vertido em resolução de maioridade desde logo.
Tenho explicado francamente as aspirações com que o
partido liberal iniciou a maioridade.
Outras não tinha que não fossem as de salvar do nau-
frágio as conquistas que o espirito progressista havia paci-
ficamente, durante os primeiros annos da menoridade e nos
últimos do reina<fo anterior, consagrado em leis constitucio-
naes e regulamentares: — obstar a torrente da reacção, em
que os retrógrados ameaçavão tudo submergir, e finalmente
contraminar o trama dos Césares em projecto..
Parecia-nos que seria grande felicidade para o Brasil
se, na honestidade da adolescência, e logo no princípio do
seu governo, o imperador tivesse occasião de apreciar pra-
ticamente a alta moralidade, o acrysolado patriotismo e pu-
reza de intenções dos Andradas, dos Feijós, dos Paula Souzas,
dos Vergueiros, dos Alencares, dos Alvares Machados, além
de outros illustres finados, não faltando, para não offen-
D,gt,zedbyGOO<^le
à. CIRCULAR DB TDEOPHILO OTTONI 979
der-lhes a modéstia, nos vivos, que ahi estão, c que airosa-
mente se agrupavão em tão belía companhia.
Bem que fossem confessáveis de cabeça levantada tão
patrióticos fins, está claro que fora loucura insistir em sua
realização se não estivéssemos bem seguros das disposições
de animo do mancebo imperial, se não contássemos com o
seu beneplácito, e, para tudo dizer, com as suas boas graças.
Era preciso que fossemos hábeis politicos e até certo
ponto cortezãos.
Já tínhamos a palavra imperial dada por intermédio do
conde de Sarapuhy e do seu illustre collega na embaixada.
Já tínhamos certeza de que o imperador estava disposto .1
assumir as rédeas do governo, e que se comprazia em rece-
be-las das mãos puras e venerandas dos anciãos da inde-
pendência.
Kazia-se em geral o mais vantajoso conceito, não só dos
dotes moraes do imperador, como do seu desenvolvimento in-
tellectual, e mais que tudo do profundo critério e discreta re-
serva, em que se mostrava eminente.
No entanto, em tão verdes annos, era licito temer que
as primeiras manifestações benévolas com que o imperador
acolhera a idéa da maioridade significassem somente consi-
deração pelos patriarchas da independência que a propunhão,
e velleidades de emancipação, naturaes em todos os moços, e
a cuja lei creio que não haverá irreverência em affirmar que
não escapão nem mesmo os filhos do direito divino.
O caso era grave; os chefes do partido liberal temião
arriscar os grandes interesses do progresso. Se não vencessem
passarião por ambiciosos vulgares, que só tinhão tido em mira
as vantagens do poder.
Nossa derrota teria de ser explorada, com a habilidade
que os distingue, pelos Césares em projecto, que sobre as
ruinas do partido liberal garantirão o seu futuro no presente
reinado. Só a sancção da victoria, a posse do poder e a
realização do programma da opposição liberal nos últimos trea
annos podião justificar nossa participação em tal empreza.
Assim, era de indeclinável necessidade que tivéssemos
segurança prévia de que o poder nos viria para as mãos se
lyCoogle
38o RETISTA DO INeTITOtO HISTÓRICO
nossa idéa triumphasse. aliás traballiariainos estupidamente
para reforçar a preponderância dos retrógrados.
Nesta nossa conspiração, mais do que em qualquer outra,
O segredo era uma das condições indispensáveis para o
No momento em que se certificassem que o imperador
queria deveras ser maior, nós temíamos, e com razão, que os
oligarchas nos tomassem a dianteira, confiscassem a maio-
ridade, em proveito do regresso, e pudessem ápplicar á nossa
simplicidade o — sic vos non vobis — do poeta.
Nós já tinhamos provas irrecusáveis do fino tacto e dis-
crição superior á sua idade que distinguião o imperador.
Na tarde do dia em que fora rejeitado no senado o pro-
jecto da maioridade redigido em o nosso club o imperador
entrava a respeito em expansões intimas com uma alta per-
sonagem que se havia declarado neutral na questão da maio-
ridade. Durante o colloquio appareceu um dos mestres de
Sua Magestade, senador, que havia votado contra a maio-
ridade. E o imperador ordenou silencio ao seu interlocutor,
e passou placidamente a entreter-se com o seu illustre mestre
em objectos de litteratura.
Esta circumstancia, de que tivemos immediato conhe-
cimento, provou-nos, não só que o imperador havia reflecti-
damente acolhido a idéa da maioridade, mas também que
a queria decretada pelos Andradas e seus amigos. Sobravão-
nos motivos de animação.
Mas como é que se havião de esconder á policia perspicaz
do Sr. conselheiro Euzebio os fios directores da conspiração
que transpirava por todos os poros da sociedade?
Como é que havíamos de occultar nossas relações com
o imperial protogonista, junto do qual tinhão accesso franco
e diário os homens da situação?
A alta policia do palácio, que necessariamente havia de
funccionar por conta da regência e dos oligarchas. como é
que poderia ficar ignorando que os promotores da maioridade
marchavão \ys.sso por passo de accordo e com autorisação do
imperador ?
O perigo de comprometter-se o segredo da augusta inti-
midade era, pois, um terrivel pesadelo.
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A CIRCULAR DE TIIBOPHIIO OTTONI 281
Para obvia-lo tratou-se de precipitar os acontecimentos.
Um memorial foi escripto por uma de nossas illustraçÕes,
no qual se expunha a anciedade publica, o voto universal do
paiz e os meios do triumpho.
Ass^urava-se a Sua Magestade que as camarás em sua
grande maioria entravão com enthusiasmo nas vistas dos An~
dradas e seus amigos, e que, no caso de adiamento, que os
oligarchas projectavão, o povo, a tropa e a guarda nacional
saudarião com unanimes acclama(;Ões o imperador maior,
porém respeitosamente declarámos ao mesmo tempo que nada
se tentaria se a empreza não fosse do agrado imperial e sem
expressa approvação do imperador. Terminava o memorial
pedindo que esta approvação não fosse verbal, mas sim em
despacho escripto.
O memorial nos foi devolvido com um — SIM — escripto
pelo próprio punho do imperador.
A maioridade estava decretada, e decretada exclusi-
vamente pelo partido liberal, com a sancção imperial antici-
padamente concedida.
E o regente, o ministério, em que figuravão os cardeaes
da oligarchia, a policia do palácio, a policia do parlamento
e a policia do Sr. Euzebio, gente toda de primeira, plana,
estavão mystificados.
Ninguém, senão os conjurados e o imperador, sabia das
molas secretas que govemavão o jc^o da scena !
Não é que a espionagem do palácio fosse confiada so-
mente a agentes subalternos. Os mais illustres arautos da
situação não se dedignavão de ir lá! directamente sondar o
terreno.
Em certa tarde, um dos deputados que estavão no segredo
foi a S. Christovão fazer sua corte ao imperador, que na
occasiao passeiava pela cidade, e que, chegando em seguida,
disse estas palavras: « Vi hoje (tantos) deputados maioristas;
a casa de F. estava fechada. > F. : c Vossa Magestade não
o podia ver, porque está aqui para ter a honra de apresentar
seus respeitos a Vossa Magestade. ^
Este exórdio indica sufficientcmente quanto seria gra-
cioso o acolhimento feito ao deputado maiorisía, que se achava
lyCoogle
aSa tlEVlSTA DO INSTITUTO mSTORICO
no palácio, e súbito se apreseniou para beijar a mão a Sua
Magestade.
Estavão em conferencia, quando appareceu também o
Sr. Honório Hermeto Carneiro Leão. De prompto Sua Ma-
gestade deixou o visitante de intimidade com quem se entre-
tinha, e tomou o braço de Honório Hermeto Carneiro Leão,
com quem passeiou largo tempo.
No dia s^uinte o Sr. Carneiro Leão dizia triumpliante
a alguns deputados liberaes por Minas, cujo testemunho sendo
preciso posso invocar, que os projectistas da maioridade os
compromettião, levando-os a votar por uma idéa que, a tri-
umphar, faria ministro a elle Carneiro Leão.
Justificou o seu dito com a anecdota que acabei de referir,
c de que já tínhamos conhecimento.
E tão ufano estava com a sua supposta privança que não
quiz mostrar-se communicativo somente nos bancos da ca-
mará ; subiu á tribuna para alardear o seu validismo.
O Jornal do Comtnercio do dia 19 de maio de 1840 re-
produz esta parte do discurso do exímio parlamentar nestes
termos. Ahi se lê na pag, 2', cot. 2*;
O Sk. Carmkiro Lkâo: — ... Não hei de procurar,
como tenho ouvido que se tem procurado, homens rasteiros
para seduzir o animo do imperante... para perturbar os
seus estudos, acendendo-lhe o desejo de governar... >
Vè-se que se nos lançava em rosto pretendermos seduzir
o animo inexperto do joven monarcha, por intermédio da
Ínfima criadagem.
Parece que a policia ageítou um criado de galão branco
que se fosse offerecer aos Andradas para medianeiro e por-
tador de quaesquer confidencias, das quaes devia dar conhe-
cimento ao governo. Algumas palavras calculadas para enredar
os governadores forão confiados ao agente provocador, e ahi
está tudo quanto a alta policia regencial, ministerial e oli-
garchica pôde descobrir de nossas relações com o palácio.
O que provão o discurso do Sr. Carneiro Leão e as
confidencias que referi é que o imperador com 14 annos soube
inutilisar a indiscreta curiosidade dos oligarchas, e habil-
mente mystificou o estadista mais sagaz dos que se teem
sentado nos seus conselhos.
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K CIRCULAR SB THBOPIULO OTTONI 9Õ3
Os conjurados estavão senhores da situação: ou se votava
o projecto Carneiro Leão com o additamento de um desde
já, pois que tal era nos últimos dias a tendência da camará;
ou, dado o adiamento, o povo, e a guarda nacional procla-
mavão a maioridade.
Quem fazia um triste papel em toda a comedia erão os
ministros oligarchas que suppunhão ter força para supplantar
os anarckistas, e estavão elles mesmos isolados no meio da
população do Rio de Janeiro, sem que apparecesse ao menos
uma alma caridosa que lhes abrisse os olhos e dissesse que
o seu reinado estava findo, e que elles já não tinhão nem
soldados, nem guarda nacional, nem força policial, nem depu-
tados e ncni imperador. E que tudo estava a nosso lado 1
E taJ era a confiança que tinhão em si que, se algum
amigo lhes levasse estas noticias verdadeiras, passaria por
visionário.
Na simplicidade do seu orgulho, o Sr. Rodrigues Torres
na véspera da maioridade foi alta noite ao Macaco solicitar
do fallecido senador o Sr. Bernardo Pereira de Vasconceílos
que entrasse para o ministério, afim de os auxiliar na em-
preitada que premeditava o governo para o dia seguinte.
E' lun ponto histórico digno de investigar-se a parti-
cipação de Vasconceílos na tentativa de suppressão da maio*
ridade.
Quando se dissolveu o ministério de 19 de setembro,
porque os ministros recusarão assignar a carta imperial de
senador para o Sr, Lopes Gama, hoje visconde' de Ma-
ranguape, que o regente desejava escolher, Vasconceílos reti-
rou-se descontente com a vontade irresponsável e com os
collegas.
Parece que já então Vasconceílos começava a ser homem
impossivel para os Césares, como depois o foi para Augusto.
O cerlo é que no dia 20 de maio a oligarchia voltou para
o poder, deixando á margem o chefe do ministério de 19 de
setembro, que á margem ficou até o fim da vida, salvas as
nove horas de agonia da menoridade.
O certo é que o' infeliz deputado Navarro, creatura de
Vasconceílos e um dos primeiros atiradores que soltou o
«byCoogIe
284 REVISTA DO INSTITUTO mSTORICO
brado da maioridade, era considerado como sentinella per-
dida, que o velho parlamentar arriscara no meio dos inimigos.
Parece mesmo que da parte de Vasconcellos alguma
abertura se fez a alguns dos coripheus da maioridade, não
tendo tido seguimento a idéa da coalHsão que o facto sup-
punha.
Vasconcellos no dia 21 de julho estava em unidade. Com
o tino politico que lhe era conhecido, eu creio que Vasconcellos
bem sabia que a maioridade ia triumphar e também que
os maioristãs nâo tinhão condições de permanência 110 poder.
Presentira a nossa força do momento pelo facto de não
termos dado ás suas aberturas o devido apreço. Para calcular
o desmantelamento do castello que se ia levantar não era
mister ser Vasconcellos.
Portanto, Vasconcellos, certo de que os oligarchas, que
havião reentrado para o ministério sem o seu beneplácito,
ião cahir com o regente, associou-se calculadamente á queda
delles, para obriga-los a aceitar a sua direcção na hora da
victoria que próxima se lhe affigurava, c que próxima estava
com effeito.
Aceitou o convite do Sr. Rodrigues Torres, e veiu pre-
encher o que chamava as nove horas mais gloriosas da sua
vida, gloriosas sem duvida, porque nunca provou melhor ser
forte em estratégia politica,
O decreto de adiamento e as scenas que se lhe s^;uirão
constão dos jornaes da época.
Consta igualmente, e está o facto authenticado até na
acta da assembléa geral, publicada no Jornal do Commercio
de 25 de julho, que o regente, o Sr. Pedro de Araújo Lima,
foi comprometi ido pelos ministros oligarchas. a ponto de ir
a S. Christovãó de manhã dar conta do adiamento das ca-
marás, declarando que o seu fiin era unicamente preparar
a solemtiidade para se proclamar a s de dezembro a maio-
ridade do imperador.
Já expliquei quaes erão as solemnidades com que os oli-
garchas querião proclamar a maioridade.
Lei do conselho de estado, que lhes garantisse a asso-
ciação no governo da presente geração.
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A CIRCULAR DE TIIBOPHILO OTTONI s8S
Reforma do código, de sorte que a policia se tornasse
omnipotente,
Nomeação dos postos da guarda nacional pelo governo
central.
Nova lei de eleições, feita de modo que os agentes de
policia tivessem larga influencia na designação dos votantes.
Taes erão os arcos triumphaes com que, no interesse
do seu ominoso domínio, querião festejar a maioridade.
Nesses fogos de artificio qiieimavão sem consciência a
constituição.
Ou o imperador ouviu silencioso as communicações que
o ministério oligarcliico lhe fazia por intermédio do regente,
ou deu explicita approvação às medidas que lhe ião annunciar.
Em todo o caso, o fim manifesto de Sua Magestade devia
ser estudar até que ponto chegavão a imprevidência e cegueira
ou do ministério ou dos conjurados.
Mal se leu no senado o decreto de adiamento, uma cTas
maiores glorias da medicina no Brasil partiu para S. Chris-
tovão, encarregado de saber de Sua Magestade a sua ultima
palavra acerca da maioridade, e de assegurar a Sua Mages-
tade a vinda da deputação que o publico suppõz ser inspi-
ração que acudira de momento aos deputados e senadores
reunidos no paço do senado.
O distincto medico tinha também a missão de saber de
Sua Magestade se Sua Magestade esperaria pela deputação,
ainda que o governo nomeasse outro tutor, como se dizia,
e este convidasse a Sua Magestade para ir temporariamente
residir em Santa Cruz.
A resposta não foi demorada. Sua Magestade não iria
em caso algum para Santa Cruz, e esperava a deputação.
Sabe-se que o desenlace do drama correspondeu á espe-
ctativa dos conjurados, deixando em relevo a alta sagacidade
e discreta reserva de Sua Magestade o Imperador, qur *- —
pôde, como certo imperador romano, estimar estas quali
como das mais eminentes que tem :
Nullam aeque c.v i-irlutibits suis quam dissimtilal
àiUgcbat.
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Mal triumphava a maioridade, já sobravão razões ao par-
tido liberal para se arrepender de havc-la iniciado. Podia
cobrir a cabe<;a mesmo no dia do triumpho.
Ainda resoavão os vivas da festa, e já o governo pessoal
se inaugurava com a nomeação do chefe da facção aulica,
o Sr. Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, para ministro
dos negócios estrangeiros.
E os maioristas não tinhao que estranhar.
A deliberação do — quero já — , que havião solicitado
c applaudido, era de muito mais importância do que uma
composição de gabinete.
A doutrina do governo pessoal decorria naturalmente do
precedente estabelecido.
Instincto ou inspiração, o imperador nomeou livremente
o seu primeiro ministério.
Cinco ministros forão tirados do grupo parlamentar que
proclamara a maioridade. Erão os Srs. António Carlos e
Martim Francisco, HoUanda e Paula Cavalcanti, e o Sr. Limpo
de Abreu. O sexto era o ministro dos negócios estrangeiros.
Se considerarmos o montc-pio dos servidores do estado,
a casa de correcção, a navegação a vapor, a companhia de
omnibus, e outras fundações úteis a que está ligado honro-
samente o seu nome, Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho
é um brasileiro benemérito, e já o era então.
Mas, arredado da sccna politica jior ciúmes de prepon-
derância, este notável estadista se afastara dos oligarclias,
e se constituirá o fundador e pontífice da seita palaciana.
Na grande batalha que se acabava de pelejar o Sr. Au-
reliano se havia conservado em estudada neutralidade, e os
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A CIRCULAR DE THEOPUILO OTTONI 30/
seus antecedentes cm relação aos collcgas b collocavao em
perfeito antagonismo para com cada um delles.
Mal se comprehendia, em vista da feliz solidariedade que
se conservou inalterada entre os irmãos Andradas, que os
dous superstites de bom grado se associassem no governo
com o ministro que havia desterrado para a ilha de Paquetá
e feito processar perante o jury o Andrada — primogénito,
José Bonifácio — o Washington Brasileiro.
Menos cordiaes ainda devião ser as relações com o
collega da justiça, que, na qualidade de presidente de Minas,
recusando cumprir um decreto do poder moderador, havia
apressado a queda do ministério anti-restaurador, em que era
figura proeminente o Sr. Aureliano.
Donde vinha, pois, tão anómala organização de gabi-
nete? Como fora aceita?
Capricho infantil ou trama palaciano, o gabinete de 24
de julho tinha no ministro dos estrangeiros o principio dis-
solvente,
O que ia fazer o ministério? Os seus dedicados amigos
o ignora vão.
Pela minha parte vi com a mais dolorosa sorpreza que,
tomado o castello, depois de assedio tão prolongado e assalto
tão perigoso, os generaes não houvessem içado nos torreões
a nossa bandeira victoriosa.
Como, porém, faze-lo se a organização ministerial não
era o producto de uma combinação politica, nem exprimia,
como se devera esperar, o triumpho do programma que a
opposição sustentava desde 1838?
Parecia que um dos corollarios immediatos do que decor-
rera era a dissolução da camará dos deputados, e a convo-
cação de outra que viesse reconsiderar o que pudesse haver
de inconstitucional na legislação novíssima e iniciar a poli-
tica do segundo reinado.
Assim era preciso, até para que a soberania naci
pronunciasse quanto ao bill de indemnidade de que c
os autores da maioridade,
A dissolução teria poupado á moralidade publica
gonhoso espectáculo de uma camará que apoiou setr
versar o ministério parlamentar de 1837, o ministério
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388 REVISTA DO INSTITDTO HISTÓRICO
ciai <íe 1839 e o ministério oligarchico de 1840, e que em
seguida, depois de haver alternadamente condemnado c
applaudído a maioridade, acompanhou servilmente o minis-
tério maiorista, e terminou a sua carreira obnoxia como
rabadilha do ministério palaciano de 23 de março de 1841.
Mas, em vez do decreto da dissolução e prc^ramma
ministerial, o publico foi edificado com os despachos que
tiverão os ministros, primeiros agraciados da maioridade.
Logo no dia seguinte ao da organisação do ministério
o pontífice da seita palaciana vestia com a libré de cama-
rista os seus cinco collegas.
E os Andradas, sobre cujas cabeças venerandas resplan-
jdecia o astro do Ypiranga, conforme a bella e verdadeira
phrase do meu amigo o Sr. Salles Torres-Homem, tiverão
de enfileirar-se nas ceremonias da corte com a criadagem
imperial.
Mais cavalheiros do que estadistas, os ministros que ha-
vião incitado o imperador a trocar os seus estudos pelas
rédeas do governo se achavão por essa circumstancia obri-
gados a condescendências que senão impossíveis em outra
situação.
O tempo era excepcional, e a reacção absolutista, que
os oligarchas havião suscitado para o fim de serem declarados
beneméritos da monarchia, estava ainda no seu período ascen-
dente.
Logo que as camarás reabrirão as sessões jKirfiavão os
oradores em mostrar-se cada qual mais realista do que o seu
vizinho.
A discussão do projecto que decretava a dotação do im-
perador é uma pagina digna de estudo, Líberaes e conser-
vadores, opposicionistas e ministeriaes. disputarão entre si
quem do pão do compadre havia de dar mais lai^ fatia ao
augusto afilhado.
O Sr. António Carlos cobriu o lanço dos outros lici-
tantes propondo 800 :ooo$, que forão votados de enthusiasmo.
Ainda assim a imprensa dos oligarchas invectivou o minis-
tério por não ter aceitado a emenda excêntrica do infeliz
deputado Navarro, que concedia 1.000:000$ em quanto mais
pão permíttisse a penúria do thesouro.
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A CIIICULAR DE TIIEOI-IIILO OTTONl 369
Quando se votava a dotação na camará dos deputados o
venerável Martim Francisco celebrava sua primeira coníe-
rencia e despacho com Sua Magestade o Imperador.
Ao chegar de S. Christovão fui eu quem lhe annunciou
a votação dos 8oo:cxx)$. «E' muito, me disse o honrado
velho; o thesouro está pobre, e o imperador se contentava
com menos. E' bom menino, tem latriotismo, e póde-sc fazer
dcDe alguma cousa.»
Em seguida me referiu que Sua Magestade exigira uma
lista dos brasileiros que com os Andradas havião projectado
a maioridade.
Se, como é provável, a lista foi apres|entada, é a^
primeira em que o meu humilde nome foi submettído á alta
consideração de Sua Magestade o Imperador.
Approvada a dotação, tivemos scena igualmente des-
fructavel com a decretação da nova festa nacional de 24
de julho.
Cortezanice ou epigramma, o Sr. Henriques de Rezende
propoz por emenda que dos dias de festa nacional se riscasse
o 7 de abril.
No Jornal do Commercio de 26 de julho de 1840 vera o
pequeno protesto que fiz contra a emenda do nobre repre-
sentante por Pernambuco.
< O Sr. Ottoni : — Não posso deixar de protestar contra
a emenda que se acha sobre a mesa, e admira-me que fosse
ella proposta pelo digno representante de Pernambuco.
Quando se leu esta emenda eu recordei-me de um facto
Decorrido no senado, depois do dia 7 de abril, a apresentação
de um projecto pelo fallecido Sr. senador Gomide, riscando -
o dia 12 de outubro do catalogo dos dias de festa nacional.
Esta coincidência penalisa-me, e ainda mais por ver que a
censura merecida pelo sobredito senador podia ser applicada
a um cidadão tão distincto como o nobre deputado o Sr. Re-
zende. O dia 7 de abril ha de ser constantemente de festa
nacional; o dia 7 de abril não está nas mãos de ninguém
risca-lo da memoria do povo. (Apoiados.)»
Fallando assim eu quiz demonstrar que a torrente ainda
não me tinha assoberbado, e que, soldado do progresso, me
conservava com firmeza no meu modesto posto de honra.
i.aoogie '
aço REYIBTA BO INSTITUTO SISTÒRICO
Porém, conhecida a tendência dos espíritos, recolhi-me
ao silencio e á inércia, reducto em que mais de uma vez
me tenho entrincheirado, ora i>or considerar-me inferior á
situação, ora por faUa de resolução para collocar-me em anta-
gonismo com os meus amigos da véspera.
A posição dos ministros era melindrosa. O deposto dos
liberaes tão manifesto como o trabalho incessante do ele-
mento palaciano, ({ue pretendia depurar o gabinete.
Por sua parte os ohgarchas não cessavão de inculcar-su
L'omo os únicos capazes de salvar a monarchia. Incutindo
terrores no animo do monarcha, proclamavão-se homens ne-
cessários, certos de que assim conquistariáo a posição de Cé-
sares associados ao império. Segunda tenho repetido c cuido
que demonstrado, esta era a sua idéa fixa.
Como invejavão a excellente posição do Sr. Auretiano,
querião tomar'lh'a, e foi contra elle que mais especialmente
assentarão as suas baterias.
Consultem-se os annaes do parlamento na sessão de 1840,
e muito se terá que aprender na discussão do orçamento
para a repartição dos negócios estrangeiros.
Fora <So parlamento não se descuidavão os oligarthas
de aviventar a fé dos traficantes da costa d'Africa, que erão
os seus mais prestimosos alliados. Neste ponto o arrojo tocou
a meta do delirio, e, para dar arrhas de sua adhesão ao
trafico, um senador do império fez entrada triumphal em
uma povoação importante da provinda do Rio, escoltando
imia ponta de moleques de tanga e barrete vermelho, em ura
domingo, á hora em que o povo estava reunido para ouvir
a missa conventual.
Declararão ao Sr. Hollanda Cavalcanti, ministro da ma-
rinha, a guerra mais indecente, |X>rque S. Ex. deu ínstrucções
aos commandantes dos navios de guerra para apprehensão
dos barcos suspeitos. O conimandfinte de um lanchão que
|)erturbou certo desembarque foi desembaraçadamente pro-
Em taes circumstancias, cônscio, tanto das difficuldades
com que lutavão os ministros, como da pureza de suas in-
tenções, dei-lhes constantemente o roeu voto, bem que silen-
cioso; mas, estando posto inteiramente á margem o pro-
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K CtnCtLAR DE THEOPHILO OTTONI agi
grãmma das franquezas provinciaes, e o ministério entregue
á vida inglória do expediente, recusei ser seu collaborador
official.
E ao meu amigo o Sr. Limpo de Abreu, que íJor bondade
sua me destinara um emprego eminente, tive a honra de pon-
derar (|uc, estando próxima a elevação dos conservadores eu
julgava melhor ficar de sentinella no aprisco liberal, onde,
soldados da mesma idéa, breve estaríamos reunidos para de-
bellar o inimigo commum.
Encerradas as camarás, fui para a minha província
absorver essa seiva vivificadora de que a ahna fica satu-
rada quando se respira o ar livre da província de Minas.
Quando voltei em 1S41 as scenas tialião mudado com-
pletamente. O elemento palaciano tinha predominado. £, au-
torisado o Sr. Aureliano para reorgaiiisar o gabinete, od
oligarchas se havião prestado a coadjuva-lo com a mais sera-
phíca humildade.
Expiarão amplamente as injustiças que havião feito ao
regente Feijó, exigindo um ministério parlamentar e con-
demnando a intevenção das camarilhas nas organisações dos
gabinetes .
Ninguém lhes perguntou quaes erão os chefes parla-
mentares que as camarás quererião elevar ao ministério.
O elemento i^alaciano, que se havia achado mal na uni-
dade em que estivera no ministério da maioridade pro-
curou reforçar-se, e chamou para o seu lado o Sr. Araújo
Vianna, docíl até a subserviência e mestre do imperador; o
Sr. José Clemente, que outra politica não tinha que não fosse
o pagamento de uns celebres 800 .■000$ a Guilherme Young,
e que na ultima hora havia desertado das bandeiras oli-
garchicas para apoiar a maioridade; e finalmente o Sr. mar-
quez de Paranaguá, que fazia ranclio á parte.
Aos oligarchas propriamente ditos concedeu-se somente
e como que por favor um Ic^ar no ministério.
A oligarthia do sul nunca foi um partido politico, mas
sim um grupo de homens que associarão a sua influencia
e a sua intelligencia, para explorar em próprio proveito o
Segundo reinado.
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392 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Creando terrores imaginários e imaginários perigos i>arii
a iiionarchia, conseguirão acastellar-se em posições vitalícias
rendosas, donde suscitão a seu bel prazer manifestações po-
pulares, abalos financeiros e verdadeiras sedições, que, na
qualidade de mestres do officio, são chamados a comprimir.
E' a sua faina mais lucrativa.
Que o digào a revolução de Minas em 1842 e a de Per-
nambuco em 1S49. Formão uma espécie de companhia domi-
nica com o seu geral e capítulos, recrutando os talentos sem
consciência, que, certos da omnipotência da ordem na dis-
tribuição dos donsi do estado, são nas mãos do seus supe-
riores perinde ac cadáver.
Governem liberaes ou i>alacianos, se um noviço da con-
fraria é convocado para servir em qualquer posição eminente,
ministério ou presidência, antes de ir, como é de regra, levar
sua resposta a palácio, vai consuhar a vontade do synhedrim
e receber as devidas instrucções.
Por via de regra aceita.
Ministro não discute em conferencia com os seus col-
legas, ou mesmo em despacho com o imperador, assumpto
que não tenha sido suffícientemente esclarecido nos capítulos
da ordem, que assim imprime sua acção e direcção ao governo
do estado. Esta explicação deve aclarar o que ha de obs-
curo, e ás vezes de incomprehensivel mesmo, no procedi-
mento de certos ministérios, instrumentos involuntários da
iissociação mysteriosa.
Já em 1S41 era assim. -
E felizmente para a oltgarchia, o neophito convidado
para fazer parte do ministério de 23 de março de 1841 era
de primeira força.
O Sr. Paulino José Soares de Souza, depois senador,
visconde de Uruguay, era o relator que propoz e o ministro
tjue sanccionou a reforma do acto addícional.
Sob os auspicios do ministério de 23 de março de 1841
desencadeou- se contra os ex-ministros o furor da oligarchia,
que lhes não perdoava have-la defraudado do "seu dominio
oito longos mczes.
E eu, que apenas havia prestado ao ministério maiorísta
um apoio silencioso na sessão de 1840, glorío-me de ter
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A CmCULAR RE TIIEOPHILO OTTOSI 293
occupado perennementc a trilnina em 1S41, defendendo os
ex-ministros e os altos funccionarios que havião sahído das
fileiras da opposição liberal.
Também occupei numerosas vezes a tribuna por occasião
de discutit-se a reclamação que fazia o súbdito inglez Gui-
llierme Young da somma de 800:000$, como indemnisação
de perdas e damnos que allegava em consequência de não
haver o governo de 7 de abril recebido uma porção de arma-
mento que lhe havia encommendatto em 1829 o ministro da
guerra, o Sr. Clemente Pereira.
Naquelle tempo ainda não se havia descoberto a Cali-
fórnia dos créditos supplementares, com que os ministros
legalisão toda a casta de despezas a que os leva a sua phan-
lasia, reduzindo, como effectivamente teem reduzido, a lei
úd orçamento á mais escandalosa das mystjfícações.
Naquelle tempo ainda não havia camarás que fossem
feitura exclusiva da policia, e tinha-se a pretenção — hoje
risível — de que a lei da responsabilidade dos ministros de
estado não fosse tetra morta.
Assim, o governo de 7 de abril recusou receber a encom-
menda, por que o ministro a fizera sem ter para isso fundos
decretados na lei do orçamento.
E a camará dos deputados decretou a accusação do mi-
nistro, que foi levado á barra do senado, convertido em
tribunal de justiça.
O ministro defendeu-se produzindo um documento em
que o negociante inglez declarava ter sido a encommenda
condicional, ficando a recepção das armas e o pagamento de-
pendentes de autorisação legislativa.
O ministro foi absolvido, e o negociante vendeu ao go-
verno, por mais do que o preço do custo, uma parte das
armas, e com as restantes especulou, remettendo-as para o Rio
da Prata e para a Grécia, então em guerra com a Sublime
Porta.
Passados annos, o vento começou a rondar para o qua-
drante do absolutismo, e, portanto, era preciso honrar ci
recompensar o ministro que havia armado no Ceará a Pinto
Madeira, e que havia colmado de condecorações quantos se
havião declarado em rebellião contra o systema constitucional.
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394 BEVrSTA DO INSTITUTO IlIflTORICO
Em consequência, foi levada ás camarás, sob a protecção
do ministro eno^mmendante, a reclamação de perdas e
daniiios, na importância de 8ooX)00$, somma a que se fazia
chegar, mediante uma conta de juros compostos, o preço
originário da factura apresentada em 1831, sem ao menos,
fropter decus, abater-se a quota que na mesma occasião o
governo de 7 de abril comprara e pagara.
Abriu-se largo debate sobre a questão, em que me em-
ptnhei com alguma tenacidade.
Vinha o pedido documentado com uma sentença, bem ou
mal emanada, do poder judiciário, e que pela.s tralhas e pelas
malhas havia passado em julgado.
Pretendeu-se que uma sentença do poder judiciário con-
demnando a fazenda publica ao pagamento de uma somma
de dinheiro obriga o corpo legislativo, sem mais exame^ a
decretar os fundos para a execução da sentença.
Fiz os maiores esforços para que nSo vingasse tão ruim
principio.
Se os poderes politicos creados pela constituição s5o inde-
pendentes, um não se pôde subordinar, sem exame, ás deti-
beraçScs do outro.
A votação annua dos impostos 6 uma das mais seguras
garantias do systema constitucional.
Supponhamos que por falta de confiança no ministério
as camarás recusão os impostos e que o ministério de auto-
ridade própria levanta um emprestimo-e o applica ao seniço
publico.
No meu entender, voltando a situação ao estado normal,
o ministério subsequente não pôde fazer a despeza do ser-
viço desse empréstimo sem que as camarás a decretem.
Supponhamos que as camarás se recusem a amortizar
esse empréstimo illegal.
Os possuidores dos titulos do empréstimo podem sem
duvida ventilar o seu direito perante os tribunaes judiciários
te estes reconhecer-lh'o.
Mas a sentença judiciaria não ê exequível sem o placet
do corpo legislativo, grande jury neste caso.
Desta theoria, que sustentei como pude, derivei o corol-
lario de que, assim como as sentenças do poder judiciário
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,A CIRCni.AR DF THEOPHILO OTTONI 295
não podem coarctar a liberdade de exame ao poder legislativo
quando importão novos ónus aos contribuintes, assim também
os actos do poder le^alativo que possão prejudicar as attri-
bui^ões e regalias que a constituição confere a qualquer dos
cutros poderes não são obrigatórios para estes.
E' uma alta questão constitucional que eu muito dese-
jaria ver aprofundada pelos jurisconsultos abalisados que
abundão entre nós.
Eu sustentei, por exemplo, que, se o corpo leipsUtivo
decretar uma lei inconstitucional, o poder judiciário pôde,
como os tribunaes da união, nos Estados-Unidos, não applicar
essa lei aos casos occurrentes.
E do contrario os poderes não serião independentes.
Assim como dizemos estados independentes aquelles que
são soberanos em relação uns aos outros, parece que dos po-
deres independentes podemos também dizer que são sobe*
ranos uns em relação aos outros, isto é, que a nenhum obrigão
os actos dos outros quando não são traçados dentro da orbita
de cada um.
Se o poder legislativo ordinário decretasse, por exemplo,
a mudança da dynastía, sem duvida o poder executivo estaria
no seu direito considerando como papel sujo um tal decreto,
porque as camarás exorbitarião de suas attribuições se a
promulgassem.
E o poder legislativo não pôde dar ordens ao poder
cxeci^ivo, que é independente, ou por outra soberano dentro
da orbita de suas faculdades.
Cuido que o mesmo se deve dar a respeito do poder
judiciário.
Sou, porém, o primeiro a confessar que esta juris-
prudência, de cujo fundo de verdade estou compenetrado, é
sobremodo singular no nosso paiz, onde o juiz municipal, o
de direito, o tribunal do commercio, e não sei se até o da
relação, consultão aos ministros do poder executivo acerca
da intelligencia dos actos legislativos, e gastão o seu tempo
estudando a jurisprudência dos avisos e portarias.
Revoltava-me a condescendência c a amabilidade com que
os antigos chefes do partido parlamentar, que apeou Feijó
da regência, agora se curvavão perante o reposteiro.
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296 REVISTA DO INSTITUTO mSTORICO
No anuo da graça de 1841 quem ousava fallar em facção
aulica era, sem ceremonia, proclamado anarchista.
Estavão os óligarchas enfeitando os arcos festivos com
que em 1840 querião festejar a maioridade.
A reforma do código do processo, abastardado o jury,
generalisada a prisão arbitraria a titulo de averiguação, sup-
primida a inviolabilidade do asylo que a constituição tinha
garantido á casa do cidadão, entr^ues aos espiões da po-
licia as funcções judiciarias, preparou o domínio absoluto
para o governo pessoal. Hoje o conhece e deplora talvez
a própria oligarchia.
Mas em 1841, no interesse de associação, o conselho de
estado deixou de ser conselho veneziano dos dez. Consagrado
cm lei, deixou de ser inconstitucional, porque fundava-se em
proveito da oligarchia, e era o terrível reducto em que ella
ia acastellar-se, conquistando os óligarchas a posição de Cé-
sares associados ao império.
Era preciso a todo o transe inutilisar a opposíção liberal,
que lhes fazia frente.
Para esse fim continuarão a trama revelada na tribuna
quando se discutia a maioridade.
Nessa occasião o chefe mais hábil e mais prestigioso
dos óligarchas, mas ao mesmo tempo o mais franco e mais
generoso, havia intimado ao partido liberal e ao paiz o seu
ultimatum.
No Jorna! da Commerdo de 19 de julho de 1840 i'êm as
seguintes memoráveis palavras do Sr. Carneiro Leão :
< Eu o que receio, senhores, é que as cousas não se es-
tejão preparando para fazer eleger uma camará opposicionista
ao Sr. D, Pedro II. Se tal apparecer declaro desde já que
o Brasil se declarará contra toda essa camará; se tal acon-
tecer, quando O Sr. D. Pedro II governar com todos os po-
deres magestaticos que a constituição lhe concede, seus con-
selheiros não deixarão de representa r-lhe que uma assembléá
eleita debaixo das influencias perniciosas que actualmente
dirigem os destinos do Brastl não pôde ser apropriada para
cooperar com o Sr. D. Pedro II. >
Vê-se, pois que antes da maioridade os óligarchas, se-
nhores de todas as i>osições officiaes de alguma im|K>rtancÍa,
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A CIRCWLAR DG TltEOMtlLO OTTONI 307
com esses e outros meios de influencia que tínhão, contavão
derrocar e substituir de prompto qualquer ministério que
o imperador organisasse, e de antemão nos intímavão a guerra
de extermínio que nos estava preparada.
As palavras que o Sr. Carneiro Leão proferiu no par-
lamento em 1840 serião uma jactância indiscreta se não ficasse
transparente o fim que levavão em mira.
Era uma advertência feita aos seus soldados da camará
f de fora para não se apressarem a fazer engajamentos
com os commandantes interinos que ião ter, visto que os pro-
prietários não tardarião a empunhar o bastão, que lhes per-
tencia et par droit de naissance et par droit de conquèle,
< Se decretardes a maioridade, dizia-nos o Sr. Carneiro
Leão para aviventar a fidelidade dos seus satellites, se con-
seguirdes nomear uma camará de deputados das vossas
idéas, desde já a proclamamos camará de opposição ao im-
perador, e protestamos que havemos de enxota-la do paço
l^slativo. porque não permittimos que ninguém seja mo-
narchista senão os oligarchas. »
Quando ouvi aquellas palavras em 1840 confesso que
lhes não dei todo o peso que devia dar, até porque o orador
qile as proferiu não costumava discorrer em vão.
Na sessão de 1841 o Sr. Carneiro Leão annunciou que
a letra sacada da tribuna em 1840 havia de ser aceita o
mesmo p^a antes do vencimento.
Estudou-se na tribuna cynicamente o meío pelo qual a
oligarchia se havia de descartar dos seus adversários, que em
grande maioria estavão eleitos para a seguinte legislatura.
Primeiramente se declarou que o governo bem podia dis-
solver a camará, que estava terminando o quatriennio, e que
ri dissolução desta importaria a da camará eleita.
Reconhecido o absurdo deste expediente, imaginarão o
discutirão outro que o não era menos, a dissolução prévia e ao
mesmo tempo um golpe de estado, por virtude do qual se
desse por nullo o acto addicional, a pretexto de que na sua
adopção não havia intervindo o senado.
Na discussão apparecêrão em frente um do outro os dous
princípios que estão em luta eterna em todos os governos
possíveis, o principio progressista e o conservador.
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398 REVISTA DO INeriTDTO HISTÓRICO
A grande táctica dos oligarchas consistiu em procla-
marem-se os arautos exclusivos do principio conservador, que
exagerarão a capricho.
Era um meto de ganhar terreno no espirito do joven
monarcha, sendo o fim tanto mais fácil de alcançar, porque
os representantes progressistas defendião os princípios sem
estratégia e sem pensamento reservado.
Aproveitando-se de nossa sinceridade, exageravão as
theorias oppostas, certos de que assim fazião a corte e le-
va vão a agua ao seu moinho.
De exageração em exageração, o Sr. Carneiro Leão
chegou a formular como expressão resumida do seu symbolo
politico este notável theorema :
< O governo é sempre legitimo a cuja frente está o im-
perador. »
Para symbolisar a politica opposta, eu sustentei que, se o
governo do Rio de Janeiro dissolvesse previamente a camará
dos deputados, e declarasse nullo o acto addicionai, seria para
mim um governo de facto tão legitimo como o de Piratinim .
E' fácil de avaliar qual das duas theorías agradaria mais
ao governo pessoal.
Mediante esta explicita profissão de fé que os oligarchas
corroborarão annullando todas as garantias que a legislação
anterior concedia ás liberdades publicas, ficou decidido que
a situação lhes pertencia exclusivamente e que as suas con-
dições esta vão aceitas.
Pensavão que, entrincheirados como estavâo no senado
e apoderanJo-se do conselho de estado, que estavão decre-
tando, erão homens necessários, que podílo dar a lei tanto ao
povo como ao monarcha.
Cedo tiverão de verificar que com a machina executiva
f judiciaria que havião montado não havia mais poder effe-
ctivo no Brasil senão o de quem nomeia os ministro.i.
Cedo tiverão de reconhecer que, fautores da iniquidade,
não ficarião preservados contra os corollarios naturaes da
sua theoria. e que, se quizcssem continuar a desfructar as
gordas pitanças que ageitassem ou tivessem ageitado. terião
de passar humildemente pelas forcas caudinas do palácio.
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A CIRCULAR nP TIIKOPHIIXI OTTONI ' 399
Em 1841 estávamos em plena reacção e nmguem via
as ultimas consequências da situação.
Não pretendo escrever a historia dessa memorável sessão,
mas simplesmente explicar-vos, Srs. eleitores, que no fim da
legislatura eu advc^va os mesmos principios que tinha invo-
cado no começo, e que era coherente comigo mesmo. E que
tinha seguido o preceito: Qualis ab incoepto processerit, et
sibi constei.
Para esse fim porei diante dos vossos olhos alguns pe-
ríodos de um longo discurso que proferi na sessão de 12 de
julho por occasião de discutir-se o orçamento do império
e que foi publicado no Jornal do Commercio de 14 de julho
de 1841.
\"ereis também do meu discurso que já nessa época, isto
é. ha quasi vinte annos, eu estudava seriamente a m^na
questão das communicações do centro e norte de noss^ pro-
vincia com o litoral adjacente.
Entendia que não erão proveitosamente applicados os
esforços para abrir estradas de Marianna e Ouro-Pretp para
a Victoria, mas já então indicava as estradas de Itapemirim,
S. Fidelis e Mucury como as que tinhão mais actualidade.
O tempo provou que eu estava bem informado : o povo, sem
auxilio algum do governo, tem aberto estradas para S, Fi-
delis, Itabapoana e Itapemirim, no sul do Espirito Santo,
e a companhia do Mucury as communicações desta corte com
o norte de Minas.
Entendia, como igualmente vereis do meu discurso, que
era preciso proteger a companhia do Rio-Doce, que muito
podia ter feito em prol do commercio e engrandecimento da
Ilabira e do Serro, se o governo a não deixasse morrer des-
prot^ida e abandonada. Mal podia eu imaginar em 1841,
quando intercedia em favor da companhia do Rio-Doce, que
\ ínte annos depois eu seria director de uma companhia seme-
lhante, c que lutaria com difficuldades análogas !
Na rede dos meios de communicação dos Abrolhos para
o sul figurará no futuro o Rio-Doce, como dependência que
é, tanto cnmo o Mucury. do porto de Caravellas.
«O Sh, Ottoni: — Sr. presidente, o discurso do nobre
ministro do império tomou cm consideração o que cu disse
lyCoogle
300 RF.V19TA DO INSTITUTO llISTOBiro
sobre estradas de communicação entre a província de Minas
e o vasto litoral compreheiKÍido entre a barra do Parahyba
c a barra do Jequitinhonha no Belmonte, on a do Rio-Pardo
em Cana-Vieiras.
« No meu discurso a este respeito mostrei quanto o
relatório bavia sido lacónico sobre taes objectos. Sr. presi-
dente, sem duvida que uma das matérias de mais transcen-
dência que estão commettidas especialmente ao ministério do
império é o melhoramento das vias de communicação. La-
mento tanto laconismo da parte do nobre ministro no seu
relatório, tanto laconismo nesta discussão.
« A censura que fiz, especialmente acerca da companhia
do Rio-Doce, o nobre ministro a justificou trazendo á casa
'informações que deverião estar consignadas no relatório.
Sr. presidente, ha dous ou três mezes que se achão apodre-
cendo, no porto do Rio de Janeiro, uma ou mais embarcações
da companhia, por causa das difficuldades suscitadas pelo go-
verno ou pelos seus agentes. Eu estou bem certo que o
governo não pôde ter desejos de suscitar embaraços á com-
panhia; mas entretanto era preciso que essas difficuldades ti-
vessem já cessado. A companhia, com muita razão, se recusa
a pagar a siza do valor de embarcações que lhe são próprias,
c a respeito das quaes exige-se o pagamento, segimdo in-
formou o nobre ministro, i>elo simples facto de mudarem
a bandeira ingleza que trouxerão para a bandeira nacional.
< Supponho que com isto não ha transferencia de do-
mínio, são os mesmos proprietários, e somente por esta mu-
dança de bandeira não se devia exigir a siza; mas, quando
a legislação fosse duvidosa a este respeito, o governo devia
p.pressar-se em trazer ao conhecimento da camará estas diffi-
culdades. Não sei mesmo qual é a deliberação do governo,
desejava sabe-la em tempo de poder offerecer um remédio
na lei do orçamento. Estou certo que a camará não recusaria,
no caso do governo dever exigir da companhia o pagamento
da Siza ; estou certo que a camará, em attenção á importância
e magnitude da empreza, não se recusaria a alliviar a com-
panhia deste e de outros pagamentos iguaes; mas, para se
offerecer uma emenda a este respeito, é preciso que o nobre
lyCoogle
A CmCULAll DE TIlEOrUlLO OTTOKI 301
ministro me iiiíonne definitivamente qual é a intenção do
governo.
« A respeito das communicaçôes da província de Minas
com o litoral, lamento que o nobre ministro nada respondesse.
Eu tinha em vista, quando fiz algumas considerações em
outra occasião, nâo só chamar a attenção do nobre ministro
sobre este importante objecto, como excita-lo também para
que os dinheiros públicos não fossem despendidos de uma
maneira, ou improfícua, ou menos vantajosa. Estando eu
na província de Minas, recebi a cópia de uma interessante
memoria, escripta sobre a estrada chamada do Rubim, que
communica a província do Espirito-Santo com a província de
Minas, pelos rios Guandu e Manhuassú ao termo de Ma-
rianna, nos dístrictos da Ponte-Nova e de Casca.
« Esta memoria foi escripta pelo muito digno ex-pre-
sidente da província do Espirito Santo, o Sr. José Joaquim
Machado de Oliveira, que o governo apressou-se em demittir,
c accrescentou á demissão dada a este benemérito servidor
o menosprezo com que tratou aquella sua aliás importante
producção. O nobre ex-presídente me communícára em uma
carta que enviara á secretaria do ímperio a sua memoria.
Creio que ella deve existir na secretaria, mas não mereceu
menção no relatório do nobre ministro, quando o nobre mi-
nistro fallou a respeito das estradas de communícaçào do
Espirito-Santo com Minas, que não podião ser senão as duas
únicas actualmente em projecto, que são a estrada de Ita-
pemirim, que vai ter á barra deste rio e vítla do mesmo
nome, e a estrada de Rubim, que vai ter á bahia da Victoria.
Mas o nobre ministro nada disse a este respeito, e eu de-
sejo que S. Ex- tome em consideração essa memoria, e que,
entretanto, examine o que eu disse a respeito da maior uti-
lidade de promover as communicações do município do Pre-
sidio com o de Campos, e o do município de Minas-Novas
com as comarcas de Caravellas e Porto-Seguro.
< As duas estradas que se dirigem do Espirito-Santo
l>ara o centro da província de Minas, para a capital da pro-
víncia, teem a distancia de 6o a 70 léguas.
€ Ora, sendo a distancia do Ouro-Preto ao Rio de Ja-
neiro quasi a mesma pela estrada do Parahybuna ou pela
i,CoogIc j1
30* RBVISTA DO INSTITUTO BlflTORICO
estrada do Mar de Hes]panha; sendo estas duas estradas
muito mais frequentadas; estando já consideravelmente me-
lhoradas, a ponto de em muitas léguas poderem já actualmente
iodar carruagens; atcrescendo que o mercado do Rio de
Janeiro não pôde ter comparação alguma com u insigni-
ficante mercado da Victoria: é evidente que, nas actuaes
circunistancias, seria talvez em pura perda a despeza que
o governo fizesse mandando abrir aquellas estradas. En-
tretanto, 05 sacrificios que o governo parece inclinado a fazer
jior aquelle lado, se os fizer pelo lado do Presidio a Campos,
ou pelo lado de Minas-Novas, comniunícando este munjcipio
com Caravellas e Porto-Seguro, podem trazer extraordinária
vantagem, porquanto os municípios do Presidio e da Poniba,
na [Kirte (|uc pôde ter relato immediata com a cidade de
Canii)os, cujo mercado é já alguma cousa considerável, com-
prehende uma iiequena distancia, talvez menos de metade
da distancia que ha desse ponto para a capital do império.
cO Sr, P. Cândido: — Metade precisamente.
«O Sr. Ottoni: — Metade precisamente, diz o nobre
deputado. Já se vè, pois, que grandes vantagens se podem
tirar de qualquer sacrificio que se fa^ para accelerar esta
coramunicação. No momento em que o productor mineiro
daqucllas paragens puder levar a Campos os seus productos
imniedi atam ente deixa esta dispendiosa e muito mais longa
estrada do Parahybuna e Mar de Hespaiiha, e, mesmo
quando tenha de vir procurar o grande mercado da corte
fa-lo-ha com mais vantagem indo embarcar os seus productos
na cidade de Campos.
< Ora, a respeito de Minas-Novas a vantagem é ainda
mais considerável.
« O municipio de Minas-Novas aproveita-se já do Je-
qui tinlionha e de sua nascente e insignificante navegação
para obter alguns géneros de primeira necessidade da Bahia ;
nmitos outros desses géneros, ou se vão buscar em costas
de bestas á cidade da Bahia, ou ao Rio de Janeiro, cami-
nhando-se por terra a distancia de 150 para 200 léguas: en-
tretanto, toda esta interessante comarca está em muita vizi-
nhança com Porto-S^uro e Caravellas; a população tem
affluido para aquelle lado, e, se se facilitarem as comum-
lyCoogle
A circdlar de thbophilo ottoni 303
nicaçÕes, o algodão, interessante ramo de producção <ia
industria agricola de Minas-Novas, e que hoje talvez não
se produza em maior escala por causa das despezas extra-
ordinárias do transporte, inimediatamente Iteiá um incre-
mento considerável, porque, ein vez de se transportar este
producto por 150 ou 200 léguas, poder-se-ha transportar por
20 ou 40 léguas. Creio que, á vista destas considerações, o
nobre ministro procurará antes^^lsr impulso á communícação
da provinda de Minas por estas duas extremidades do que
pelo centro com a província do £spÍrito-Santo.
€ O nobre deputado (o Sr. Carneiro Leão) yeiu de
alguma maneira confirmar as minhas apprehensões acerca
do acto addicional. Eu peço á camará que haja de pensar
bem nas palavras do nobre deputado a este respeito. O
nobre deputado, depois de fazer ver que só admitte os
golpes de estado, não como jurisprudência ordinária, mas
em casos excepcionaes, depois de haver declarado que o acto
addicional havia peccado em sua origem, que tinha defeitos,
e que o nobre deputado, apezar de receber os factos con-
summados, ainda não se tinha desviado de seus príncipios
a respeito da origem desse acto, accrescentou que não devia
haver receio algum na actualidade I
«O Sr. Carneiro Leão: — Porque não tenho a pre-
sumpção de prever o futuro ; é o que isto prova unicamente.
« O Sr. Ottoni : — O nobre deputado passou a explicar
mais este seu pensamento. Depois de dizer que na actualidade
não podia ser conveniente de modo algum semelhante golpe
de estado, passou a dar os motivos porque o governo não
poderia da-lo, não porque não fosse justo que o governo lan-
çasse mão deste recurso, mas somente porque, estando actu-
almente empenhado em uma guerra para conservação da
integridade do império, não devia chamar sobre si mais diffí-
culdades.
« Quaes são os corollarios que daqui se podem tirar ?
O governo não deVe dar por ora o golpe de estado para
annullação do acto addicional, pelo receio de que deste golpe
nasção reacções e se venhão a complicar as difficuldades.
. Cooglc
3«4
KBVISTA DO INSTITUTO litSTOlUCO
Eni ultimo resultado, a guerra do Rio-Grande do Sul, a
rebellião do Rio-Grande do Sul, no entender do nobre depu-
tado, é a única difficuldade que pôde haver para supplA-
tar-se o acto addicional.
cO Sr. Caunkiro Leão: — E' má lógica.
< O Sr. Ottoni : — E' como a do nobre deputado, que,
sendo muito forte em argumentar, não vejo que o fosse muito
no discurso a que respondo.
€ Attendendo-se, pois, a este motivo que deu o nobre
deputado, póde-se dizer que a guerra do Rio-Grande do Sul
é quem conserva o acto addicional, Veja-se o perigo que
pôde resultar das inducções que naturalmente nascem das
palavras do nobre deputado.
€0 Sr. Carneiro Leão: — Taes inducções com ef feito
são perigosas, e por isso é que as combato.
«O Sr. Ottoni: — Mas, se tal é o pensamento occulto
do governo, e se espera unicamente achar-se com os braços
livres pelo lado do Rio-Grande do Sul para dar esse golpe
de estado, está o governo muito enganado: nem o exercito
legalista que ha de pacificar o Rio-Grande servirá de instru-
mento para quaesquer machinações iniquas contra a consti-
tuição do estado. (Apoiados.)
<Eu tinha dito que, no caso do governo annullar as
eleições da camará futura, contra todo o direito e contra
a constituição, se continuasse a praticar medidas de seme*
Ihante natureza, toma-se-hia um governo de facto. O nobre
deputado de S. Paulo sem duvida estranhou também uma
jiarte de minha proposição, e não attendeu ao todo delia.
Eu não declarei que o acto da dissolução da camará era por
si sô motivo pATi declarar o governo do império o governo
de facto. Lá está no Jornal do Commercio o meu discurso
tal qual o proferi, e appello demais para a memoria da
casa. Eu disse que, se o governo praticasse esse acto, que
eu considerava contrario á constituição, e continuasse a pra-
ticar actos semelhantes, isto é, actos contrários á constituição,
entre os quaes estava sem duvida o que eu mencionei, de
annullar o governo de autoridade própria o acto addicional,
em taes circumstancias o governo tornar-se-hia um governo
(ie facto, tão legitimo como o de Piratinira.
,dbyGoogle
A CIRCULAR DE THEOPHILO OTTOKl 30$
« O Sr. Carneiro Leão : — Isto é o que eu nego.
< O Se. Ottomi : — Tão legitimo como o governo de Pi-
latinitn.
tO Sb. Carneiro LeÃo; — Essa proposição ha de ser
refutada; mas quem se atreve a refutar seus discursos são
iras e cóleras.
€ O Sr. Ottoni : — Da minha parte é que é ousadia
muito grande refutar o nobre deputado ; mas tenha paciência.
«O Sr. Carneiro Leão: — Eu gosto que o senhor se
occupe de mim.
« O Sr. Ottoni : — O nobre deputado disse que pouco
falta para que esta doutrina seja semelhante á de algimi
convencionista incendiário, e que o governo é sempre legi-
timo a cuja testa está o poder moderador.
c (Lê a parte do discurso do Sr. Honório.)
« Ora, Sr presidente, em primeiro logar tomarei em
consideração o que me diz respeito, e especialmente neste
período do discurso do nobre deputado, em que elle qualifica
a doutrina enunciada na proposição a que ha pouco me re-
feri como anarchica, incendiaria, própria dos convencionistas,
e somente tolerável no club dos Sansculottes . Se a minha
proposição é anarchica e incendiaria, não sei como possa
qualificar a doutrina do nobre deputado, de que p governo
do monarcha é sempre legitimo era todos os casos; não sei
como possa qualificar a doutrina que annulla o direito de
resistência e de insurreição.
«O Sr. a. Machado: — Esta doutrina é própria par*
At^l e Constantinopla.
«O Sr. Ottoni: — Mesmo em Constantinopla somente
é própria para ser proferida pelos eunucos do sultão ás
portas do serralho. (Apoiados da opposição.) Mesmo lá as
revoluções protestão contra a doutrina. Mas examinemos a
questão.
« O Sr, Carneiro Leão : — Ahi é que é o principal.
« O Sr. Ottoni : — O governo a cuja frente está o poder
moderador é sempre legitimo, dada mesmo a hypothese de
que seja destruída a constituição.
«O Sr. Carneiro Leão: — De violar.
«ibyCoogIe
306 RinSTA DO INSTITUTO HIBTORICO
'« O Sr. Ottoni : — O nobre deputado admittíu até a
liypothese de destruição da constituição ; mas eu admitto que
tivesse dito — violar — ; é já um principio de retracção do
nobre deputado. O nobre deputado modificou o seu discurso,
mas lé deixou estas plavras: «O govemp a. X-uja. testa
está. . . »
{Ouvem-se numerosos apartes dos differentes lados da
camará.)
c O Sr. Ottoki {Depois de uma pequena pausa) : —
■€ O governo a cuja testa está o monarcha é sempre legitimo.
O imperante é sempre chefe do governo Intimo; é sempre
legitimo o governo a cuja testa está o imperador.» Ora,
examinemos primeiramente esta questão com os factos da
casa.
« Esta doutrina annulla evidentemente o direito de in-
surreição e resistência ; considera em todos os casos a resis-
tência criminosa, a insurreição illegitima.
« O Sr. Carneiro Leão dá um aparte que não ouvimos.
€ O Sr. Ottoni ; — O nobre deputado guarde para de-
pois a resposta, afim de refutar os princípios que s^uiu
em 1817; mas agora tenha a bondade de me ouvir.
c Na opinião do nobre deputado a resistência pôde deixar
de ser sempre criminosa contra um governo que é sempre
legitimo.
< Não quero mencionar as tentativas que o Brasil fez
antes de 1821 para conquistar a sua liberdade e independência:
não commemorarei os esforços nobres desses illustres mi-
neiros, que em 1790 procurarão sacudir o/jugo de Portugal,
o jugo do despotismo; não trarei â casa os motivos hon-
rosos que impeli irão os patriotas pernambucanos a iniciar
este movimento grandioso em 1817. (Apoiados.)
« Começarei em 1821. Já não era então o Brasil colónia de
Portugal, mas um dos três reinos da monarchia portugueza;
havião-se installado as cortes da nação portugueza; o mo-
narcha legitimo dos três reinos, D. João VI, se achava em Por-
tugal á testa do governo dos três reinos ; por consequência, o
governo de Portugal era em 1821 a respeito do Brasil o
governo único legitimo. Entretanto, o Brasil, depois de ter
nomeado deputados ás cortes geraes e extraordinárias da
lyCoogle
A CIRCOLAR BE THEOPHILO OTTONI 307
nação portugueza, reconheceu que o governo de Portugal
não correspondia a suas intenções e calcava aos pés, direitos
que j4 tinha como reino que era e parte integrante da nação
portugueza. Em taes circumstancias, qual foi o nosso com-
portamento? Corremos ás armas, procurámos decidir a questão
como rebeldes, porque é o que éramos a principio.
«O Sr. Martim FRANasco : — Muita gente ainda pensa
que o somos e nos trata como taes.
cO Sr. Ottoni: — Emfim, a rebeUião grassou desde
o Pará até o Uruguay : as armas dos rebeldes ganharão tri<
umphos gloriosos, e humilharão as quinas, vencedoras em
outras épocas {apoiados) ; e entretanto a quem se fazia a
guerra? Ao governo legitimo, a cuja testa estava o Sr. D,
João VI. E' preciso, pois, que façamos amende honori^le
do nosso comportamento.
«O Sr. Casneiko Leão: — Ha uma confusão manifesta
de idéas.
«O Sr. Ottoni: — Os rebeldes, que tomá!rão as armas
para chamar o governo de Porti^l ao cimiprimento de seus
deveres, entenderão que, á vista da falta de fé com que
aquelle governo nos pretendeu tratar (a nomeação dos depu-
tados ás cortes de Lisboa provou que os brasileiros estavão
resolvidos a continuar a fazer parte da monarchia portu-
gueza), era violado o pacto fundamental da monarchia pelas
cortes e pelo monarcha a respeito do Brasil; e, longe de
considerarem como verdadeira a doutrina do nobre deputado,
correrão ás armas, tendo ã sua frente o Sr. D. Pedra I, re-
belde a seu pai, a seu monarcha e á sua nação. Veja o nobre
deputado se pretende que a memoria deste principe expie
esse crime, visto que declarou-se contra um governo que,
s^undo os principies do nobre deputado, era o único In-
timo, só pelo facto de que o monarcha estava á testa desse
governo.
« O Sr. Carneiro Leão : — Admira-me como se con-
fimdem assim todas as idéas.
«O Sr. Ottoni: — o nobre deputado nio pôde dar
outra resposta senão generalidades desta natureza.
«O Sr. Carneiro LeÃo: — Eu lhe mostrarei se lhe res-
pondo tom generalidades.
DigtizedbyGOOgle
30B REVISTA DO INSTITUTO mSTORlCO
« O Sr. Ottoni : — E também deste lado haverá quem
replique.
«O Sr. Carneiro Leão : — Não me assusto com as res-
postas.
«O Sk. Ottoni: — E' certo que a coragem do nobre
deputado é invencível. (Risadas.) Mas pergunto se o governo
de Portugal, havendo violado o pacto social a respeito do
Brasil, quando nós lhe faziamos a guerra naquella occasião,
-era para o Brasil mais legitimo do que o governo de Pira-
tiním? Creio que não: ambos erão tll^aes e illegítímos;
tanto o governo de D. João VI como o de Piratinira estão
nas mesmas circumstancias ; um, porque não quer submet-
ter-se; e outro, porque não queria que subsistíssemos como
nação, quando já o éramos. Entretanto, o governo de
D. João VI era, na opinião do nobre deputado, sempre
legitimo, porque á sua testa estava o rei. O nobre deputado
vai para diante com a sua argumentação. A respeito do
aparte que dei, quando disse que na verdade o governo do
imperador do Brasil era legitimo, mas emquanto existisse
constituição, o nobre deputado declarou que não havia tal.
« O Sr. Carneiro Leão : — Eu não ouvi dessa maneira :
bem sabe que quem está orando não pôde ouvír bem os apartes.
Pela resposta que dei bem se vê que não entendi dessa
maneira.
«O Sr. Ottoni: — O nobre deputado disse: [Lê parte
do discurso do Sr. Carneiro Leão.) Por consequência, na opi-
iiião do nobre deputado, a legitimidade do imperador não
vem da constituição.
«O Sr. Carneiro LeÃo: — Não vem só da constituição,
« O Sr. Ottoni : — Vou chamar os factos da historia da
Qossa independência em meu apoio. O nobre deputado diz
que a Intimidade do imperador não vem só da constituição,
porque elle é imperador por unanime acciamação dos povos.
Quando a constituição falia em unanime acciamação dos
povos não menciona um facto, mas dá um título. E nem de
outra sorte se podia considerar esse artigo da constituição,
porque o Sr. D. Pedro I não foí acciamado unanimemente.
Sabe-se que houve dissidências, tanto de brasileiros, que pre-
tendião outra forma de governo, como do partido portt^ez.
lyCOOglC
A ORCOLAR DB THBOPttILO OTTONI 309
que pretendia recolonísar-nos. Por consequência, não foí accla-
mado unanimemente, e não é da acclaraação que vem o titulo,
mas da constituição.
€ Eu appello para os factos e para a liistoria da revo-
lução que começou em 1821. O fim dessa revolução era a
liberdade : é por ísso que todo o Brasil, nomeando deputados
para as cortes de Lisboa e tendo ficado príncipe r^ente o
Sr. D. Pedro I, em 2 de março se exigiu que se começassem
a formar certas instituições tendentes ad estabelecimento
do governo representativo. Tal foi o' estabelecimento da li-
berdade da imprensa, que teve logar em 2 de março de 1821,
abolindo-se a censura prévia, que então existia, tal foi o
juramento das bases da constituição portugueza, que o povo
reunido exigiu que fosse prestado peta familia real, e taes
forão outros muitos factos que occorrèrão em 1821.
« Em 1822, quando apparecérão as tentativas das cortes
de Lisboa, para roubar ao Brasil as prerogativas de que já
gozava, o Brasil come^u a agitar-se mais, trabalhando ao
mesmo tempo para a liberdade e para a independência, nunca
perdendo de vista o fim a que primeiro se propoz, que era
a liberdade.
« Em i6 de fevereiro de 1822 exigiu-se a reunião de
procuradores geraes das províncias do Brasil, para virem
trafar dos negócios do reino do Brasil. Em 23 de março
bouve um movimento do povo do Rio de Janeiro, talvez por
alguma suspeita de tendência contra o systema de governo
que o Brasil queria estabelecer. Antes da acclamação do
imperador existe o facto da convocação da assembléa geral
constituinte. Reuniu-se a junta de procuradores geraes, e
por sua resolução immediata, á qual se "uniu o conselho de
estado, 1(^0 depois foi convocada para o dia 3 de junho uma
assembléa constituinte lígislativa, em virtude de uma requi-
sição da camará municipal e do povo, e o Sr. D. Pedro I
tomou o titulo de constitucional logo depois, no dia 10 de
junho. Finalmente, no dia 7 de setembro proclama o prin-
cipe nas margens do Ypiranga a independência do Brasil,
e, tendo de antemão já reconhecido a constituição e o sys-
tema representativo, recebe o titulo de imperador consti-
tucional em 12 de outubro de 1822.
D,gt,ZBdi,yCOO<^le
3>o
REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
€ Ora, pergunto eu, não estarão em todos estes factos
bem formuladas as condições com que o Brasil elevou ao
throno o Sr. D. Pedro I? Sem duvida nenhuma. Se o nobre
deputado, não achando bastantemente valiosas todas estas re-
clamações, todos estes actos que tiverão logar no decurso do
anno de 1822, recorrer ás actas por que nas diversas camarás
municipaes o imperador foi acclamado, achará condições
muito expressas na maior parte delias, pelo menos condições
analc^s ás palavras celebres do magistrado do Aragão quando
entregava ao rei as insignias do poder. A nação brasileira,
reconhecendo o seu poder, a força, o direito, que tinha reco-
brado tornando-se independente de Portugal, disse ao prín-
cipe como os aragonezes de outro'ora : « Nós, que somos tanto
como vós, e que podemos mais do que vós, nós vos fazemos
imperador constitucional, com a condição de que respei-
tareis as instituições que a convenção ou assembléa consti-
tuinte, que já: se acha convocada, houver de instituir, > E o
imperador o jurou. Por consequência, se por um juramento
persistente o imperador se obrigou a respeitar em todos os
casos 3 constituição, é falsissima a doutrina do nobre depu-
tado, como os factos da historia do nosso paiz demonstrão,
e a proposição que emittí não é das que são somente dignas
de ser proferidas por detrás de barricadas.
€A constituição me resguarda, me defende sufficien-
temente, para poder proferir proposições muito mais fortes
na tribuna nacional, Resguarda-me mais do que quantas bar-
ricadas possão imaginar-se.
« O Sr. Carneiro Leão : — Resguarda a pessoa, mas não
toma a doutrina verdadeira, nem a applicação.
« O Sr. Ottoni : — Já expliquei a historia e os factos
succedidos no nosso paiz. , .
cO Sr. Carneiro L&So: — Fiquei na mesma.
'« O Sr. Ottoni :—._.. para comprovar que as dou-
trinas que expendi, longe de serem revolucionarias, não podem
ter o mais leve resaibo de menos constitucionaes ; vejamos
o que dizem os publicistas os menos suspeitos a esse res-
peito. Eu citarei dous ou três.
€ Creio que não pôde ser suspeito Vatel, cujo compendio,
na conformidade das leis, serve á instrucção da mocidade nos
Google
JL CntCULUt DB THEOPHILO OTTONl 3II
cursos jurídicos. No cap 2" 8 do direito das gentes, diz cHe:
(lendo) « Vatel, § 50, pag. 84, vol. I,° Droit des Gens: — Se
« a autoridade do principe é limitada e regulada por lets
« íundamentaes, o principe, sahindo dos limites que lhe estão
«traçados, governa sem direito algtmi e mesmo sem título;
c a nação, desobrigada da obediência, pôde resistir ás suas
<t tentativas injustas. Desde que ataca a constituição o prin-
< cipc rompe o contrato que o ligava com o povo 1 o acto
« do monarcha desobriga os súbditos, que o podem consí-
« derar como usurpador. Esta verdade é reconhecida por
« todos os escríptores sensatos, cuja penna não está escra-
« visada ao temor ou vendida ao interesse. >
< Outros publicistas, cuja autoridade creio que é tão
pouco suspeita como Vatel, emittem proposições semelhantes,
sem precisarem de barricadas, á face do mundo...
« O Sr. Carneiro Leão : — Não estavão na tribuna, de
certo.
« O Sr. Ottoni : — ... onde havia constituição escrípta,
onde se sabía o que era governo de facto e governo legitimo.
Diz Silvestre Pinheiro, por exemplo.
«O Sr. Carneiro Leão: — Não aceito a autoridade.
«O Sr. Ottoni: — Mas não é suspeito, e, se é sus-
peito, não o pôde ser de certo de sans-culottismo.
« O Sr. Carneiro Leão : — Mas tem muitas doutrinas
falsas.
cO S». Ottoni : — Silvestre Pinheiro diz no art. 3":
(lendo) € Silvestre Pinheiro, Droit constitutionel du pouvoir
alegidatif, pag. 158: Deixai aos que se fazem patanaes do
« absolutismo a crença que fingem ter de que toda a resis-
«tencia ao poder é uma rebellião e toda a insurreição contra
« o arbitrio uma revolta. » e mais abaixo : c A insurreição
* do homem livre pôde também occasionar guerra, se o dcs-
4 potismo é tão cego que, para execução de suas medidas
€ illegaes, ousa recorrer á força, »
« Portanto, Silvestre Pinheiro reconhece também o di-
reito de resistência e de insurreição todas as vezes que é
violado o contracto social, dizendo mui expressamente : « Point
de loi, point d'obéissance. » Logo que cessa o império das leis,
cessa o dever da obediência. Não sei se o nobre deputado
C.oo<^le
312 RET1ST4 DO INSTITUTO HKTOIUCO
aceitarii a autoridade de Delolme, autor muito conhecido,
que expõe as excellencias do governo inglez. Depois de de-
senvolver os differentes princípios da magna carta...
cO Sb. Carneiro Leão: — A citação é mal feita para
justificar a proposição.
cO Sr. Ottoni: — ...diz que todas estas instituições
bem combinadas, como forão, sem o direito de resistência
serião inteiramente nullas: occupa-se longamente em desen-
volver este principio, e diz_ (tendo): c Delolme, ConstituUon
d'Ãngleterre, tom. 2", cap. XIV : « FoÍ a resistência que deu
« nascimento á m^na carta, fundamento e base 'da liberdade
« ingleza, e os excessos de um poder estabelecido pela força
« forão reprimidos pela força. :»
<Já se vè, pois, que não é só por detrás das barricadas
que se considerão governos illegitímos governos presididos
pelos monarchas, e que pelo contrario autores que estão
acima de toda a suspeita, como estes que citei, entendem que
nos casos em que o governo se pÕe acima das leis elle se
torna ÍtlegÍlÍmo. Como quer, pois, o nobre deputado que eu
acredite que é o governo legitimo um governo que é ille-
gitimo, illegal? Para mim, se o governo é Intimo, eu o
considero legítimo, se é illegal, illegal, e no meu espirito
não posso graduar a differença da illegalídade que ha entre
iim governo usurpador qualquer e o governo de PJratiním.
Eu poderia citar ainda Chateaubriand, cuja autoridade sem
duvida 110 caso presente não pôde ser contestada, porque
é um realista e até le^timista, como tal estimado de todos
os realistas distinctos e de boa fé. Quando uma facção ávida
e interesseira, para seus fins particulares, para realizar seus
projectos de ambição, procurou fazer derribar a constituição,
ou uma parte delia na França, é bem sabido que Chateau-
briand e muitos outros legitimistas distinctos virão o perigo
em que punhão o monarcha especuladores politicos presi-
didos por M. Víllele.
«O Sr. Carneiro Leão: — Não, por Poligtiac sim.
«O Sr. Ottoni: — Polignac estava então na Inglaterra.
«O Sr. Carneiro Leão: — Não em 1827.
« O Sr. Ottoni : — Em 1827 houve a coallisão de Cha-
teaubriand, de Hyde de Neuville e outros realistas distinctos
. Cooglc
k CmCOLiR DE THEOPHILO OTTOHI 313
com os patriotas mais decididos e contra o ministério dos
especuladores politicos, á frente dos quaes estava Mr. Vil-
lele, que compromettía a monarchla, para satisfazer suas am-
bições. Mr. Cháteaubríand previu o que havia de succeder
a Carlos X, e lhe gritou da tribuna que temia nas circimi-
standas da França muito mais as revoluções que vinhão
<b governo do que as que vinhão do povo.
« O Sr. Cakneiro Leão : — Eu temo pelo contrario, por
experiência.
« O Sr. Ottoni : — Sem duvida o cMnportamento de
Chateaubriand em toda a sua vida dá direito a pensar que
CS seus receios erão nascidos do interesse que votava mais
especialmente ao throno; mas, infelizmente, Carlos X não
tinha a força de razão que caracterisava o seu predecessor
Luiz XVin, e por isso acreditou mais nos especuladores
politicos Villele e Polignac, nos sectários das transacções, e
o resultado foi comprometter o seu throno na revolução de
julho. Eu não quero fazer confrontações históricas; estou
certo de que o monarcha actual do Brasil ha de seguir de
preferencia os passos esclarecidos de Luiz XVIII, e que não
se ha de deixar arrastar pelos Villele e Polignac. (Apoiados.)
<0 Sr. Marinho.: — Apoiado: bravo !
€ (Bravos e apoiados vas galerias.)
€ Muitas vozes : — Ordem ! ordem I
^(Restabelece-se o silencio nas galerias.)
(Jornal do Commercio de 14 de julho de 1841 . )
,dbyGoogle
Revolnção de iO de jVDbo de 1842. — Paclficagfio de Hlnas
A fatalidade que em lo de junho de 1842 sublevou 3
heróica cidade de Barbacena e toda a província de Mínas,
c bem assim a minha voluntária comparticipação no movi-
mento, são pontos históricos de que está cada um de vós
cabalmente informado.
Creio sinceramente que mais teria ganho o systema con-
stitucional se, apezar de rebellado o governo contra a consti-
tuição, se, apezar da promulgação das leis ínconstitucíonaes
de 1841, apezar da dissolução prévia da camará dos depu-
tados, apezar de tudo, a opposição mineira, em vez do recurso
ás armas, de preferencia empregasse contra o governo os
meios pacíficos que ainda lhe restavão.
Infelizmente a opposição era de tal modo provocada e
arrastada para o terreno fora da lei que não havia meio de
conte-la.
O facto era, portanto, indeclinável.
A não ser esta consideração, eu poderia lamentar que
a energia e a acerbidade das minhas invectivas na sessão
de 1841 pudessem ter contribuído para o movimento de 10
de junho.
Em todo o caso, porém, posta a mão na consciência, ainda
acho lá o éco de minhas palavras, e assevero que erão es-
tremes de ódio e de ambição.
E posso recordar-me complacentemente que na noite de
15 para 16 de junho de 1842, arrostando perigos, e com o
fim de partilhar a sorte de meus amigos, parti do Rio para
Minas, quando aqui já se festejava a derrota da Venda
Grande, a retirada da Ponte dos Pinheiros, e consequen-
temente a queda da revolução de S. Paulo,
, DigtizBdbyGOOgle
A CanCULAR DB THEOPHtLO OTTOm 31$
A' memoria do meu saudoso amigo monsenhor Marinho
rendo graças, porque á pag. 207 do i' vol. da sua Historia
da revolução de Minas consignou esse acto de lealdade que
pratiquei para com os meus amigos.
O generoso historiador omittiu systematicamente os seus
próprios serviços e grandes sacrifícios, mas não perdeu occa-
sião de pòr em relevo a mais pequena circumstancia que
podia ennobrecer o caracter de seus amigos.
Assim, á pag. 252 e seguintes e nos documentos que se
Icem no 2° vol, o historiador mineiro r^strou:
i.° O propósito em que estava em 19 de agosto de aceitar
a presidência e a direcção do movimento depois da batalha
que teve Ic^r no dia 20.
2.' A resolução que, de accordo com outros amigos tomei
no dia 20, de acabarmos com a revolução em Santa Luzia,
e ahi ficarmos para sermos presos, em vez de nos retirarmos
escoltados pelas forças respeitáveis de Galvão e Alvarenga,
que até a noite occupárão a ponte da villa para protegerem
a retirada dos insurgentes.
3.° O facto de se acharem na Lagoa Santa no dia 21,
immediato ao da batalha de Santa Luzia, mais de 2.000 ho-
mens bem armados e municiados, e que debandarão por se
ter dissolvido o governo insurgente,
4." O importante documento assígnado pelos coronéis
Galvão e Alvarenga, perante o subdelegado de Mattosinhos,
declarando que debandavão suas forças, recolhião-se ás suas
casas, e não se opporião mais ás leis em vigor, afim de pôr
termo ao derramamento de sangue dos mineiros. E' tambcm
datado de ár de agosto de 1842.
Bem apreciados os dados expostos, claro está qual era
a ordem das minhas idéas naquella crise.
Se o Sr. barão de Caxias fosse vencido, como tínhamos
as melhores esperanças de que o fosse, a revolução estava
terminada pelo triumpho, e estaria acabada a guerra civil.
< Dentro de três dias, dizia eu aos meus amigos, estamos no
palácio do Ouro Preto, dentro de qutnue dias um ministério
liberal terá suspendido a lei inconstitucional de $ de dezembro
c a do conselho de estado, e terá annutlado o decreto incon-
stitucional que dispersou os representantes da nação. >
lyCoogle
3l6 ABTISTA fiO IH8TITCT0 BISTORICO
Nossa tarefa estaria finda, restabelecida a ordem, a
ordem bem entendida, que é inseparável da verdadeira li-
berdade.
Perdida a batalha de Santa Luizia, sobravão elementos
ao partido liberal para continuar uma guerra de recursos,
cujo resultado é difficil calcular qual teria sido.
Mas eu não comprehendo revolução senão quando o povo
se levanta em massa para dizer aos seus oppressores : <B<uta.»
Pensávamos, os mineiros, que em 1842 seria assim; e,
como nem queríamos nem suppunhamos guerra civil, os que
estávamos no Rio não enviámos para Minas nem uma espin-
garda nem uma libra de pólvora.
Contávamos que a provincia de S. Paulo se levantaria
como um só homem, e que aos mineiros não estava destinada
outra tarefa senão a de uma manifestação popular até certo
ponto pacifica.
Frustrada a revolução em S. Paulo, nada tínhamos que
fazer.
* Mas o pundonor dos guardas nacionaes mineiros, sua
energia e enthusiasmo um momento persuadÍrão-nos que,
desprevenidos como tinhamos entrado na luta, e mesmo tendo
ficado a sós, podiamos dar leis ao império.
E pouco faltou para que esta esperança se realizasse
no dia 20 de agosto de 1842.
Longe de mim duvidar da coragem pessoal e mais qua-
lidades que concorrem, como universalmente se reconhece, e
eu sou o primeiro a confessar, na pessoa do nobre general
marquez de Caxias, illustre veterano da independência.
Mas estou persuadido que os cordões, os bordados e as
condecorações dadas a S. Ex. em razão da batalha de Santa
L,uzia mais racionalmente adomarião a estatua do Destino.
Acerca deste combate os chefes insurgentes podião dizer
como Napoleão em Santa Helena, f aliando de Waterloo:
« Ney ! Grouchy 1 Dia incomprehensivel, em que tudo se
perdeu depois que tudo estava ganho! Houve traição ou
foi uma dessas fatalidades com que o destino se apraz em
zombar das mais bellas combinações do espirito humano ? I . . . »
Como quer que fosse, perdida a batalha de Santa Luzia,
pensava eu, ainda antes do facto, que, se era certo que po-
,dbyGoogle
A CIRCULAR DE THGOPBILO OTTONI 317
diamos continuar a revolução com chanças de successo,
também era fora de duvida que só conseguiríamos assolando
os bellos campos de Minas e anarchísando a provincia. Diante
de tamanha responsabilidade honro-me de haver recuado.
Julguei que em taes circumstancias mais ganhava o paiz
se da sentença lavrada pelas baionetas do Sr. Caxias appel-
lassemos para os tribunaes judiciários.
E, como só podíamos discutir estando presos, ficámos
em Santa Luzia, havendo-se retirado os chefes militares,
p quem o juízo dos seus pares nos conselhos de guerra não
podia inspirar a confiança que depositávamos no jury.
Já em frente do Ouro-Preto, vendo os ânimos dispostos
a uma capitulação, e não querendo que para o fim de ob-
terem os chefes condições menos duras se arriscasse uma
gota de sangue mineiro, tinha eu feito a seguinte proposta,
que também copio da historia de Marinho:
c § i.° Que o presidente interino proclamasse a todas
as forças que em seu nome podião estar e de facto estavão
em armas na provincia que, tendo sido feita a revolução de
Minas unicamente como tmia manifestação destinada a apoiar
a de S. Paulo, pacificada aquella provincia, devião os mi-
neiros depor as armas, e a isso os convidava.
€ § 2." Que esta proclamação fosse de prompto enviada
ao barão de Caxias, declarando-se-lhe que, para evitar effusão
do sangue, e pelo motivo na dita proclamação exarado, de-
punhão os mineiros as armas, depois de uma victoria bri-
lhante, qual a de Queluz, e se entregavão á discrição da de-
mência imperial.
< ã 3.' Que então todas as pessoas notáveis que se
achavão no acampamento, tendo á sua frente o presidente
interino, se fossem apresentar ao general em chefe. »
Esta minlu proposta, que não foi possível levar a effcilo
diante do Ouro-Preto nos últimos dias de julho, realizou-se
em Santa Luzía no dia 20 de agosto.
Os Srs. José Pedro Dias de Carvalho, vigário Joaquim
Camíllo de Brito, coronel João Gualberto Teixeira de Car-
valho, capitão Pedro Teixeira de Carvalho, tenente Antonío
Teixeira de Carvalho, padre Manoel Dias do Couto Guima-
rães e Francisco Ferreira Paes voluntariamente esperarão
. Coo^^lc
3l8 REnSTA DO INSTITUTÚ HUTOUCO
comigo a entrada do exercito vencedor, para darmos teste-
munho de que alli tinhamos ficado até a ultima hora e que
a revoluçáo estava acabada.
Das reminiscências da campanha de 1842, acreditai-me,
Srs. eleitores mineiros, são estas ultimas as mais gratas ao
meu coração.
\
\
t
\
I
DiglizibyGOOgle
A revolução de Minas findou repentinamente e como que
por encanto no dia 20 de agosto.
Findou, permitta-se-me que o repita com satisfação,
porque eu não quiz assumir a vice-presidencia.
€Se o ex-deputado Ottoni, diz o historiador da revo-
lução, que tanto prestigio linha no exercito e na província,
não tivesse ficado em Santa Lusia o sucesso de zo de agosto
seria apenas um revés. >
Dissolvido o governo insurgente, coube aos coronéis
António Nunes Galvão e Francisco José de Alvarenga a
honra de authenticarem perante o subdel^ado da Lagoa
Santa a pacificação da provinda. Por toda a parte deban-
davão as forças rebeldes, e cada qual recolheu-se para os seus
lares mansa e pacificamente. O confticto dos liberaes com
o governo ia entrar em nova phase perante os tribunaes.
Fui eu, como cfiz Marinho na Historia da revolução,
quem conservou o archivo rebelde, material valiosíssimo para
os processos e para a historia.
Preservei-o das chammas a que o havião condemnado,
mais feliz de que o bibliothecario de Alexandria, se é certo que
com effeito o califa Ornar queimou a bibltotheca daquella ci-
dade, e se não procedem as objecções de Gibbon contra essa
tradição histórica.
O archivo rebelde era o auto de corpo de delicto imi-
versai dos revolucionários.
Tinhão elles protestado em lo de junho que a lei de 3 de
dezembro de 1841 e a dissolução prévia erão actos inconsti-
tucionaes.
Os tribunaes ião decidir se aquelle protesto tinha sido
um crime ou uma resistência legaL
,dbyGoogle
320 RBTISTA 00 INBTITDTO aiSTORlCO
Era da maior conveniência pleitear a causa perante a opi-
nião e discutir perante os jurados, não só a theoria consti-
tucional e as causas longo tempo acciunuladas, e as paixões
exacerbadas que havião produzido c podião justificar o mo-
vimento de lo de junho, mas também o modo por que os
rebeldes havião procedido.
Glorio-me de haver conservado as peças justificativas ne-
cessárias aos libellos do promotor publico e aos numerosos
advogados da defesa.
Para serem devidamente aproveitados estes materíaes
era indispensável um centro e curadoria geral dos accusados.
que systematisasse a discussão, reunisse em um feixe os
casos julgados que devião compor a jurisprudência da
questão, e que enfim, resumindo os debates, tornasse bem
patente o julgamento definitivo do poder judiciário e da
opinião publica acerca do movimento de lo de junho.
Tal foi a missão do Ifacolomy, publicado logo que se
levantou o sequestro á typographia liberal do Ouro-Preto.
Collaborárão activamente no Itacolomy alguns dos compro-
mettidos que tinhão feito parar o carro revolucionário era
Santa Luzia, e se havião rendido á discrição, certos de que
era mesmo estando presos que poderião melhor defendef sua
causa e de seus amigos perante a opinião e perante os tri-
bunaea.
Ainda as algemas nos roxeavão os pulsos, e já estávamos
appellando para a imprensa, que tudo salvou.
Reparávamos assim o grande erro que havíamos com-
mettido recorrendo ás armas, mas não cessávamos de esti-
gmatisar os actos inconstitucionaes que tinhão dado causa ao
movimento.
Tinhamos o maior empenho em que fosse a questão ven-
tilada solemnemente perante os tribunaes,
E éramos tão sinceros nesta opinião que a nosso pedido
a assembléa legislativa provincial, na qual o voto de nossos
amigos preponderava, se absteve de representar ao poder
moderador pedindo amnistia para os presos e compromettidos.
Não procedemos assim porque pensássemos que houvesse
o menor dezar em appetlar em casos taes para o poder mo*
derador.
,dbyGoogle
A CmCtJLAR bE THEOPHILO OTTONl 3*1
EsUvamos longe de uma opinião tão inconstitucional.
A amnistia deve ser concedida sempre que o aconselhar
o bem do estado.
E' um direito e uma garantia do cidadão brasileiro, que
l)óde invoca-la logo que julgue dar-se a hypothese da con-
stituição, do mesmo modo que pôde requerer um habeas-
corptiS.
Na assembléa provincial fluminense uma voz generosa
suscitou a nobre idéa, e durante a discussão patenteou-se ao
paiz quanta consideração mereciâo os proscriptos.
O fallecido Sr. José Augusto César de Menezes, homem
da tempera dos antigos, e que levou ao tumulo firme a sua
reputação e inabaláveis suas crenças politicas, disse o se-
guinte ;
€ Vou agora, Sr. presidente, não fazer uma resenha, mas
apresentar alguns individues implicados no movimento de
que falíamos, para vermos se merecem os convicios que lhes
lançou o parecer da nobre commíssão.
;< Será inimigo da ordem publica, ousado, lurbulent»,
vilipendiador das leis, aquelle varão probo (o Sr. Vergueiro)
e prestante, que, comprehendendo bem o que é uma pátria
adoptiva, resistiu á tentaição das doces emoções que faz
nascer a vista do solo natal, para neste trabalhar por sua li-
berdade e independência, cuja estada no poder era uma ga-
rantia de socego e ordem?
« Será inimigo da ordem publica, ousado, turbulento,
idipendiador das leis, aquelle estóico e desinteressado (o
Sr. Feijó), que regeitou um bispado e resignou uma regência,
logar que mais de um especulador quereria, ainda dando
400 % sobre o seu orçamento? o qual, se commetteu algum
excesso, ninguém deixará de confessar que foi por amor
da ordem, excesso que teve talvez por causa principal a sua
sinceridade, illudida pela falsa amizade, da qual fallou o
Sr. Dias da Motta, quando ella lhe aconselhava que mane-
jasse a clava de Hercules? que deixou o poder quando viu
que a continuação da sua gestão podia occasionar a per-
turbação da paz publica?
« Merecerá aquelles epithetos esse moço, por que mais
se deve encher de orgulho o Serro do que pelas pedras pre-
. Gv^ogle
3^3 REVUTA DO IHSTtTDTO USTORICO
ciosas que rolão pelos leitos dos seus rios, esse moço no qual
todas as vezes que penso digo: — Assim foi de certo Catão
na sua idade e será esperança do Brasil, se alguma ccKJunissão
militar lhe não fizer saltar a cabeça, ou se alguma taça mi-
nistrada por algum fingido amigo lhe não corroer lenta-
mente as entranhas ? » .
(Diário do Rio de 27 de abril de 1843. Sessão de 23 do
mesmo mez e anno.)
Na camará dos deputados, entre outros levantou-se em
nossa defesa o honrado bahiano o Sr. João José da Cruz
Rios.
Assim apoiados na tribuna legislativa, proseguiamos
tenaz mas pacificamente na discussão do nosso direito.
O exercito podia desarmar os mineiros, inutilisar a sua
resistência, mas não decidir a questão constitucional.
A resistência de 10 de junho, discutida de mil modos
perante 05 tribunaes de Minas, ficou plenamente justificada
como uma resistência legal.
Qualquer que tenha continuado a ser a opinião dos po-
deres legislativo e executivo, os actos contra os quaes se
erguera o grito de Barbacena forão declarados inconsti-
tucionaes pelo poder judiciário, que também é independente.
Todos os chefes de alguma importância levados ao jury
obtiverão absolvição e em muitos casos apotheose.
Era regra que quando entrava no jury algum dos muitos
cabeças da revolução o tribunal em peso levantava-se apezar
das reclamações de alguns juizes de direito. Este facto está
registrado no Jornal do Commercio de outubro de 1843.
Era homenagem prestada ã nossa boa f é e á honestidade
dos motivos de nosso procedimento.
E cumpre observar que no maior numero de casos os
jurados que absolvião os rebeldes e com elles fraternisavão
nos tribunaes erão os legalistas da véspera.
Honra aos mineiros ! Os mesmos que havíão feito os
maiores sacrifícios para abafar a revolução, cujas consequên-
cias temião, estavão longe de approvar o procedimento do go-
verno, e não querião de modo algum sanccionar o precedente
de poderem a assembléa geral e o governo decretar leis in-
constitucionaes.
D,3t,ZBdbyGOO<^le
A ahCDLAR DE TllEOPUILO OTTOHI 3*3
Honra ao jury de Maríanna, do Ouro Preto, <fa Piranga
e outros, que nos restituirão ao gozo de nossos direitos, com-
pletamente justificados, salvando o principio de resistência
a ordens illegaes, e com mais forte razão a leis ínconsti-
tucionaes.
Assustada com o verdict dos jurados a imprensa con-
servadora da província começou a aconselhar-nos a resis-
piscencia dos nossos actos. Já se contentavão que ao menos
nos mostrássemos contrictos.
€ Peção misericórdia ! nos repetia a Ordem de S. João
d'El-Rei.
< Peção misericórdia I repetíamos no liacoiomy. Mise-
ricórdia devem pedir esses irmãos degenerados, que se teem
locupletado com a rapina e engordado com o espolio do
orphão e da viuva, que teem opprimido os seus concidadãos,
que teem vendido a justiça e commettido toda a sorte de
iniquidades, e' muita contricção precisão eltes para que Deus
lhes perdoe por sua infinita misericoridía. Quanto aos ci-
dadãos que por effeito de suas convicções tomarão parte
nos movimentos políticos do anno passado, de que hão de
pedir perdão ? Porque forão rebeldes ? Mas esses rebeldes
não estão em circumstancias de fazer acto de contricção.
Coube-lhes a rara fortuna de que seus pares e juízes nos
tribunaes judiciários teem antecipado a purificação de sua
conducta, emittindo acerca das revoluções de Barbacena e
Sorocaba um juízo que a posteridade sem duvida confir-
mará > .
(Do Itacolomy de 28 de agosto de 1843.)
Effecti vãmente jurados mineiros unanimes e sem dís-
tincção de partidos decretavão por toda a parte que era jus-
tificável o nosso procedimento, e que, portanto, criminosos
erão os ministros que havião promulgado a tei de 3 de de-
zembro de 1841 e dispersado os representantes do povo com
o mesmo direito com que Cromwell mandou fechar as portas
do parlamento.
Eu fui um dos absolvidos por unanimidade no jury de
Maríanna, composto o conselho de liberaes e conservadores
promiscuamente.
,dbyGoogle
324 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
O presidente do conselho era o distincto mineiro e meu
amigo o Sr. José Marianno Pinto Monteiro, lioje residente
em Ubá e alli um dos prestigiosos chefes do partido liberal.
O Sr. Pinto Monteiro fez-me presente da penna com
que havia lançado as respostas unanimes aos quesitos do
juiz de direito. Essa penna é uma reliquia preciosa que con-
servo, e que 'inactiva depois de i8 annos, vai hoje servir-me
para escrever neste papel, afim de que sejão transmittidos
á imprensa acompanhados de bênçãos sinceras e de meu
agradecimento immorredouro, os nomes dos cidadãos cujo
memorável verdict me restituiu á minha família puro de toda
a criminalidade.
São os Srs.:
José Marianno Pinto Monteiro, presidente.
José de Souza Cimha, secretario.
Francisco Xavier Pereira.
Manoel Coelho Linhares.
Ignacio Alves da Rocha.
José Pedro Gonçalves.
Quintiliano de Abreu e Lima,
António Gonçalves Machado.
Francisco José Ferreira.
Manoel Francisco Damasceno.
■Manoel Moreira da Cruz.
José Bernardino dos Reis.
A sede de perseguição fora tão longe que no meu pro-
cesso se investigou sobre discursos que proferi como depu-
tado, sobre escriptos que dez annos antes dei ao prelo como
jornalista, e finalmente sobre minhas opiniões em abstracto,
quanto ás bases constitutivas do governo.
De minha defesa perante o jury, publicada no Itaco-
lomy de 26 e 30 de setembro de 1843, ver-se-ha que vinguei
os privilégios de deputado c a liberdade da imprensa, expli-
cando ao juiz formador da culpa esses pontos do nosso di-
reito constitucional. Quanto ao terceiro tópico, é manifesto
que a minha dignidade não podia permittir alli a menor expli-
cação, visto que não havia autoridade para m'a exigirem.
Limitei-me, pois, a protestar que na constituição luvia Jogar
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A CIRCULAR DE THEOPHILO OTTONi 335
para todos, e forte com a minha consciência repeti aos ju-
rados os versos de Phílinto:
Quando os jurados mineiros começarão a multiplicar
desenganos ao espirito retrogrado, o governo e seus agentes
delirarão.
O jury, mutilado pela lei de 3 de agosto, posto debaixo
da tutela humilhante do juiz de direito, pela absurda fa-
culdade da appella-ião que se lhe deixou, e pelo arbítrio no
formular os quesitos, arbítrio que em grande numero de casos
tira ao jury a apreciação moral do facto imputado e legi-
tima a condemnação de accusados que o jury tem intenção
de absolver, o jury assim mesmo estropiado não servia ás
exigências dos dominadores.
E o secretario do governo, deputado á assembléa pro-
vincial, propoz que se pedisse ao poder legislativo oulra
forma de processo.
Ko Ilacolomy de 5 de julho de 1843 vêm transcriptos a ,
proposta e o parecer da commissão, cuja conclusão appro-
vada era a seguinte :
« Que não se tome em consideração a indicação para se
pedir aos poderes supremos a suppressão do jury. — Paço
da assembléa provincial, em 30 de junho de 1843. — João
de Salomé Queiroga. — F. de A. L. Mendes Ribeiro-. — /. Ro-
drigues DuOrte. »
Emquanto o jury de nossa província rehabilitava os com-
promettidos, ganhava terreno na corte a reacição conspx-
vadora, e julgava-se o partido conservador com força para
no dia 20 de janeiro de 1843 (fissolver o ministério pala-
ciano de 23 de março de 1841.
Apezar de ser triumpho de retrógrados, o dia 20 de ja-
neiro seria um bello dia para o systema representativo se
o Sr. Paulino José Soares de Souza, autor principal da
dissolução, viesse explica-la ao parlamento como filha da
necessidade de fazer cessar o governo pessoal, supplan- . -jl,.
336 REVISTA DO INflinUTO HISTÓRICO
tando-se as camarilhas e restituindo á sua pureza as normas
constitucionaês.
Nada disso. S. Ex. sahiu com outros seus collegas a 20
de janeiro, para tornar a entrar dias depois, E nas expli-
caijões que deu ás camarás, em vez de confessar a defei-
tuosa organisação do gabinete dissolvido, referiu-se assim
ao facto recente:
« O Sr. Paulino : — As causas que originarão a crise
ministerial que produziu a dissolução do gabinete, da qual
acabamos de ser testemunhas, não são de muito recente data.
Existião entre alguns membros do dito gabinete descon-
fianças reciprocas, relativas em pontos de lealdade de uns
para com outros. Dahi nascia uma desintelligencia sensive!
e funesta, da qual devia necessariamente resentir-se o ser-
viço publico, e que devia influir sobre o estada da camará
e do paiz; e nunca as suas circumstancias requererão mais
união, mais harmonia e mais fortaleza nos conselhos da
coroa. »
{Jornal do Commercto de 24 de janeiro de 1843.)
O Sr. Soares de Souza guardou-se bem de deixar es-
capar uma só palavra que denunciasse a flagrante inconsti-
tucionalidade da organisação e dissolução dos gabinetes sem
interferência do parlamento.
As reciprocas desconfianças em pontos de lealdade forão
o pretexto infeliz com que se pretendeu acobertar a ver-
dadeira causa do facto que acabava de occorrer.
Se se tratasse de restabelecer os bons princípios, outras
serião as palavras do ilUistrado Sr. Soares de Souza; mas
a verdade produz ódio e podia prejudicar na opinião de
Augusto o interesse dos Césares.
Nem uma palavra sobre governo pessoal — camarilha —
poder aulico, e outros synonimos. S. Ex., em vez disso ini-
ciou essa giria de mystificações que, mutandis mutatis, ora
sob a forma de cansaço, ora sob a de doença, tem regulado
com força de pragmática nas exéquias ministeriaes.
Quaesquer, porém, que fossem as sinuosidades pelas
quaes se chegou ao ministério de 20 de janeiro, por mais
errada que me pareça ter sido a sua politica de compressão,
>glc
A CIRCULAR DE THEOPHILO OTTOMI 33?
a historia saudará o primeiro ministério do Sr. Carndro
Leão como uma tentativa honrosa para o restabelecimento
do governo representativo.
Demais, o ministério de 20 de janeiro expiou nobremente
no dia do passamento os peccados de sua vida.
Contempla-lo-hei somente nesse transe, que vou tomar
em consideração simultaneamente com o nascimento bastardo
do ministério de 2 de fevereiro de 1844.
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X
o 3 d« fevereiro de 1844.— Progresios do governo peasoil
Tenho feito estudo para não contrariar nesta minha carta
a máxima fundamental de que o rei não pôde fazer mal.
Quando me refiro a factos inconstitucionaes acobertados
com o nome do imperador entenda-se sempre que longe está
de minha intenção a mais leve sombra de censura que vá
além dos ministros, que aceitão, ou conservão as pastas,
quando taes factos se dão.
Dirijo-me exclusivamente aos agentes responsáveis quando
moraliso sobre a entidade inviolável .
Feita esta declaração franca e leal, vou entrar em al-
gumas considerações acerca do 2 de fevereiro de 1844.
Primeiro façamos um ligeiro retrospecto.
A seita palaciana havia predominado desde a maioridade
até o dia 20 de janeiro de 1843.
Os ministros da maioridade tiverão de resignar o poder,
por não se sujeitaram ao conselho aulico do seu collega dos
estrangeiros.
A condescendência do partido conservador facilitou ao
Sr. Aureliano a tarefa da reorganisação ministerial de 23
de março de 1841.
Quando na sessão desse anno eu denunciava na camará
dos deputados as invasões do reposteiro, os Césares esta-
vão-lhe na cauda, e fazião coro com o pontifice palaciano.
Abstinhão-se cautelosamente da menor allusão que pu-
desse offender as susceptibilidades do palácio.
Foi somente depois de vencido no campo da batalha em
Minas e S. Paulo o partido liberal que elles se considerarão
senhores da situação, e em 20 de janeiro de 1843 ousarão
excluir do ministério o elemento palaciano.
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X CIRCnUR DE THEOPHILO OTTOHI 339
Manifestamente o ministerío de 20 de janeiro de 1843
foi organísado pelo enérgico e illustrado Sr. Carneiro I^eão,
na dupla intenção de reifenerar o governo parlamentar e
consagrar o dominio do partido conservador.
Rodeados de uma camará unanime, acastellados no con-
selho de esíado e no senado, os Césares imaginarão que o seu
poder não tinha mais competidor possível.
Por sua parte os palacianos bem sabião que, se estavão
arredados das doçuras do governo, não era por terem cabido
em desgraça, e sim por virtude das circumstancias .
Postos em disponibilidade, suspirarão pelas cebolas do
Egypto, e espreitavão a occasião de vingar a injuria que em
nome das desconfianças em ponto de lealdade fora irrc^da
ao chefe da seita.
Repellidos pelos conservadores, era natural que os cor-
tezãos se voltassem para o lado liberal, e com elie se enten-
dessem para apoiar-se qualquer ministério que não estivesse
nos interesses do inimigo commum.
Esmagados sob a tyrannia ministerial, os liberaes não
podião ser difficeis de chegar a accordo.
Foi em taes circumstancias que nasceu o ministério de
2 de fevereiro de 1844.
Sua missão era demonstrar praticamente aos Césares
que elles não erão homens necessários.
Aceito este mandato, o ministério de 2 de fevereiro pro-
curou apoiar-se simultaneamente nos palacianos e nos li-
beraes,
«O 2 de fevereiro (diz o meu amigo Sr, Salles Torres-
Homem) não foi um triumpho da opinião liberal, não foi
uma satisfação ás exigências constitucionaes do Brasil, foi uma
simples vindicta da corte ; e a duração da nova ordem politica
que dahi resultava tinha de ser circumscripta pelo tempo
que persistisse a causa sentimental e pessoal que a creára » .
E' exactamente o que disse no senado o Sr. Carneiro
Leão quando explicou a dissolução do ministério de 20 de
janeiro, declarando que se retirara por não ter podido obter
a demissão do inspector da alfandega, que tomava ares de
valido e pelas gazetas desafiava o ministério a que o demit-
lisse se pudesse.;
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330 REVISTA DO INSTITUTO HHTORICO
Não podendo conseguir a demissão do inspector da al-
fandega, o Sr. Carneiro Leão nobre e parlamentarmentc
dissolveu o ministério que organisára, e veiu ás camarás tudo
explicar.
O inspector, aliás homem de grande mérito, era irmão
do pontífice da seita palaciana, e solidário com seu irmão.
Demittido o ministério, o pontífice foi de prompto en-
carregado da presidência do província do Rio de Janeiro.
A decifração do enigma de 2 de fevereiro estava parti-
cularissiniamente nessa nomeação.
A província do Rio de Janeiro, inaugurada em virtude
do acto addicional, estivera perenncmente sob o domínio
pessoal da oligarchia.
Entrega-la ao pontífice palaciano', que um anno antes
sahira do ministério expulso pelos oligarchas, era por si só
um facto altamente significativo.
E, para que não restasse a menor duvida, um ministro
"do 2 de fevereiro affixou perante as camaras_ como parte
essencial do seu programma este notável hexametro : c Parcere
subjectis et debellare sitperbos. >
Dizia-se ao ouvido que. nomeando o novo presidente do
Rio de Janeiro, o ministério reagia contra a irreverência
com que o Sr. Cerneiro Leão havia indicado á coroa para
seu successor o próprio inspector da alfandega, que era causa
da dissolução do gabinete.
Seja como for, guerra mais formal não se podia declarar
aos oligarchas.
Era insignificante o partido palaciano, e por isso mal
estaria o ministério sem o apoio liberal.
Para ganha-lo o Sr, Alves Branco, que na occasião não
estava ligado a partido algum, mas cujas idéas erão essencial-
mente brasileiras e progressistas, e cujos talentos erão tão
brilhantes, como vasta a sua illustração e pura a sua virtude,
impoz como condição para entrar no ministério a amnistia
aos rebeldes de S. Paulo e Minas.
Na memorável exposição de motivos que precedeu o
decreto de amnistia em 14 de março justificou o Sr. Alves
Branco, como o jury de Minas já tinha justificado, os movi-
mentos que o seu futuro collega da marinha havia denominado
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A CIRCULAR DE TREOPHILO OTTONI 33!
nobres e generosos. Serviço tão relevante devia «necessaria-
mente ganhar os tiberaes em favor do ministério de 2 de
fevereiro .
Quebrava-lhes os ferros, libertava-os da policia arbitraria,
rehabilitava-os emfim, e, portanto, havia de obter essas maio-
rias de amor e de ternura, como por escameo forão quali-
ficadas na época, mas que realmente symbolisavão o cavalhei-
rismo do partido amnistiado em 14 de março de 1844.
O que é triste vem a ser que tudo isto nascesse de um
simples capricho da corte.
O ministério de 20 de janeiro de 1843 dissolveu-se por
negar-lhe a coroa a demissão do inspector da alfand^a, que
estava em antagonismo com os ministros. A coroa, porém,
mostrou desejar continuar a mesma politica pelo facto de
chamar primeiramente para a substituição dos ex-ministros
pessoas que commungavão com os principios delles, As«im
o declarou no senado o Sr. Carneiro Leão.
Eis o discurso do Sr. Carneiro Leão, qual se lê no Jornal
do Commercio de 13 de maio de 1844:
cO Sh. Carneiro Le.^o: — A causa da retirada do mi-
nistério foi uma questão pessoal : nenhuma havia na politica,
quer interna, quer externa. Eu comprehendi que o pensa-
mento da coroa era conservar a mesma politica, dadas as
divergências que se podem dar entre dous homens que partí-
cipão dos mesmos principios. Pareceu-me que a coroa queria
manter a mesma politica. Porém o ministério entendeu que
não podia continuar a servir um chefe de repartição de fa-
zenda que era inteiramente opposto á sua politica e que por
algum motivo occulto era inimigo pessoal da administração.
« Ora, que a administração que me succedeu, vendo que
esse empr^fado a que me referi não estava em divergência
com o seu pensamento, o conservasse é cousa muito regular.
Penso mesmo que a administração obrou com muito pouco
critério não chamando esse empregado para o ministério; é
uma verdade, não se pôde duvidar da sua capacidade, do alto
conceito em que a população do império, principalmente a do
Rio de Janeiro, o tem tido sempre.
< Era de suppor que se reputasse revestido de uma alta
confiança, e ninguém pôde duvidar que esta alta confiança
lyCoogle
33a REVISTA to INSTITUTO HISTÓRICO
é um dos elementos fortes para a administração. A admi-
nistração do paiz deve ser forte ; nem servem administrações
fracas, vacíllantes, que a todos os momentos estejão a cahir.
< A administração que entrava em taes circumstancias
apresentar-se-liia com muito mais força representando a con-
fiança do coroa se esse empregado fizesse parte delia. Esse
empregado, posto fora do administração, necessariamente
seria um embaraço para ella,
< A administração sabe muito bem o que são os corlesãos,
os aulicos; a administração sabe muito bem o que são os
homens interesseiros, que servem todas as administrações,
levando em vista, não os interesses do paiz, o bem da nação,
a prosperidade do governo imperial, mas seus interesses par-
ticulares.
€ Portanto, devera receiar-se a administração que, quando
se apresentassem, por exemplo, em um logar dado a admi-
nistração e esse empregado, todas as vistas fossem para ellc
como sol nascente. E que esse empr^fado tivesse uma in-
fluencia no paiz era regular, porque tinha um elemento para
essa influencia. >
Todas as palavras do discurso do Sr. Carneiro Leão
são solemnes e dignas do estudo dos homens que se inte-
ressão deveras pelo Brasil; mas merece mais acurado exame
a declaração de que a coroa só admittiu outra politica quando
não foi possível organisar no aprisco oligarchico um gabinete
condescendente .
Evidentemente o governo pessoal transigia com os li-
beraes, sem sympathias e sem convicções, somente para punir
os chefes conservadores das velteidades de independência que
havião recentemente despertado entre elles.
Para tamanha impiedade todo o castigo era brando.
O presidente pontífice tomou-os á sua conta.
Se recorrermos ás gazetas de então acharemos este inte-
ressante memorandum, que se dizia ter sido dirigido ao mi-
nistro do império peto presidente do Rio de Janeiro:
«Pôde V. Ex. tranquillisar a Sua Magestade quanto
aos receios que hontem manifestou-me. Nenhum dos Lobatos
(f aliava em geral dos oligarchas) ha de sahir deputado por
esta província. >
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A CIRCULAR DE TIIEOPinLO OTTONI 333
A presidência do Rio de Janeiro em 1844, a vida intima
do ministério de 2 de fevereiro e a historia da organisação
dos gabinetes de 1844 a 1848, podião sahir da minha penna
tão minuciosas e não menos instructivas do que a da maio-
ridade. Mas lembro-me que Sir Robert Peei recommendou
que se não pubHcassem as memorias que deixou emquanto
estivesse vivo um só dos actmres nellas commemorados.
Seguindo tão salutar conselho, passo adiante.
A presidência do Rio de Janeiro e o ministério de 2 de
fevereiro converterão aos bons princípios os parlamentares
da escola da autoridade.
Não creio ,em extravagantes projectos que então se lhes
attribuirão, envolvendo o nome de Sua Alteza o Sr. conde
d'Aquila. Foi provavelmente intriga palaciana.
Mas os conservadores tomarão constitucionalmente uma
bella posição.
Se não appellárão para a theoria Tliiers, de que rei reina
e não governa, profligárão com coragem a intervenção incon-
stitucional da vontade irresponsável nos actos do ministério.
Não foi somente na tribuna legislativa que o ex-ministro
da fazenda censurou com severidade o modo inconstitu-
cional da organisação e dissolução dos ministérios.
Dous annos depois, por occasião da dissolução do mi-
nistério de 5 de maio de 1846, o Sr. Carneiro Leão veiu á
imprensa condemnar com a sua lógica inexorável a usurpação
dos direitos do parlamento, que cada dia se tornava mais
flagrante.
Um pamphleto se publicou na occasião, intitulado A disso-
lação do gabinete de 5 de maio ou a facção aulica. Esse es-
cripto foi* attribuido pelos defensores da situação ao Sr. se-
nador Bernardo Pereira de Vasconcellos . Assim o declara
a resposta dada em nome do Sr. Alves Branco.
No entanto supponho poder asseverar, baseado em va-
liosos tesemunhos. os quaes sendo preciso invocarei, que o
importante pamphleto é da lavra do Sr. Honório Hermeto
Carneiro Leão, depois marquez de Paraná.
Porei diante dos vossos olhos, Srs. eleitores, algumas
poucas citações do folheto, e reconhecereis com quanta força
lyCoogle
336 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
da coherencia são qualidades a que os mineiros prestão culto
religioso. O adversário politico em Minas sabe lionrar-se,
honrando a consitancia e a sinceridade dos seus adversários.
Cumpre também confessar que algumas vezes o anta-
gonismo está nas rivalidades locaes.
Quaesquef, porém, que sejão os matizes sob os quaes
a opinião se manifeste na província, acliar-se-ha entre os mi-
neiros acerca de certos princípios constitutivos de todo o
governo livre maravilhosa harmonia.
Garanta um ministério qualquer a execução franca c leal
da constituição, a liberdade e seriedade das eleições, a hones-
tidade na administração, a economia na gestão dos dinheiros
públicos, e eu asseguro que um tal ministério terá o applauso
universal dos mineiros, sem distincção de partidos.
Assim é hoje, assim era em 1845, 184Õ e 1847.
A situação em que o - de fevereiro coUocava o partido
liberal era a mesma que o 23 de março de 1841 dera aos
conservadores .
Em 1841 eu os havia invectivado em pleno parlamento
por se haverem sujeitado á imposição palaciana.
Não podia ser-me agradável que o partido liberal se
collocasse em idêntica situação: essencialmente mineiro, eu
tembem capricho em sustentar o pundonor da coherencia; e
sabe o publico que o meu voto não prevaleceu nessa con-
junctura ■
Achando-me em unidade e não querendo embaraçar os
chefes de partido liberal, que julgavão das trevas poder tirar
a luz, eu me abstive systematicamente de toda a discussão
sobre politica geral.
O meu silencio de então foi largamente commentado
pelas folhas da opposição conser\'adora . Mas o que poderia
eu fazer contra a torrente? A reacção da maioridade corria
á rédea solta, e não havia recurso senão curvar a cabeça e
deixar passar a onda.
A justificação dos chefes do partido liberal que estíverão
no ministério durante o lamentável quinquénio foi magis-
tralmente escripta pela penna illustrada e não suspeita do
Sr. Dr. Justiniano José da Rocha. Do folheto a que já
me referi vou copiar algumas judiciosas apreciações..
lyCoogle
A CimUí.AR DE Tl[r,01'H[I.O OTTONI 337
A' pag. 38 diz o Sr. Rocha:
< No período de 1S44 a 1848 os ministérios que succe-
dèrão conipuzerão-se dos seus (o autor íalla do («rtido li-
beral) mais notáveis estadistas, dos seus mais dedicados
alliados ; todas as ix>sji,-ões de predominio e de influencia
forão por elles occupadas ; as camarás davâo-lhcs quasi una-
nime apoio; e entretanto a doutrina actualmente aceita acerca
do poder moderador, doutrina tão repugnante aos princípios
do regimen parlamentar, foi por alguns delles invocada, por
lodos sustentada e firmada no paiz: a grande conquista do
veto presidencial sobre os actos das legislaturas das províncias,
a interpretação dos dous ter^s, foi por um desses ministérios
estatuída .
< Explicaremos esses phenomenos como nos días da
grande luta fazião os i>artidos? Apresenta-los-hemos como
aviltamento dos caracteres políticos, como denuncias de falta
de convicções e de pouca fé nas idéas que apregoavào? Longe
de nós semelhante injustiça, que desairaria o caracter na-
cional ; não ; chamados ao poder os homens dessas opiniões,
achavão-se tolhidos pela tendência que encontravão; ainda
não era o tempo das suas idéas, ainda a sociedade não sentia
a justeza, a necessidade dellaS, e os obrigava a recuar. De-
verião ter largado o poder ? Mas o poder era-lhes uma dupla
garantia, já porque os livrava, a elles e aos seus co-partidaríos,
da preponderância de homens que a cegueira das paixões
politicas lhes representava como fataes; já porque pensavão
assim impedir que a tendência contra a qual lutavão conti-
nuasse cm novas e maiores conquistas.
« Entretanto elles próprios a serviào. Quando, na dis-
cussão do voto de graças, quiz o senado apresentar uma indi-
cação de politica diversa da que pelo governo era annunciada,
foi por este trazida a campo a vontade imperial, como de-
vendo, pelo acatamento que infundia, cohibir essa indicação:
quando um senador disse algumas verdades theoricas acerca
da monarchia real e da pessoal, mil capítulos se erguerão,
derão-se mil interpretações ás suas palavras, de modo a mover
enredos absurdos no regímen representativo: quando se apre-
sentarão aos eleitores pernambucanos as candidaturas dos
Srs. Chichorro e Ferreira França, não duvidarão desculpar-
5" t»ioo<^le
33S ItSVtSTA DO INBTITUtO UIBtOMCO
SC desta ultima declarando-a imposta pelo imperador; e
quando, emfim, forão apresentadas ao senado as cartas im-
periaes desses dous senhores, quando o senado <]uiz discutir
a validade da eleição pernambucana, afadigárão-se na Uda
insana de tornar odioso o senado, apregoando que queria
desattender á coroa e cassar cartas iniperíaes I
€ Erão homens de opiniões liberaes I Criraina-los-hemos ?
Não, pois sabemos que o poder impõe necessidades, que ha
tendências sociaes imperiosas, que os partidos teem arras-
tamentos irresistiveis. Ora, a tendência de todas as forças
£ de toda a opinião corria nesse sentido; a atmosphera que
a todoB nos rodeava, em que totjos vivianios, era essa; está-
vamos em plena reacção.
c Firmou-se então a doutrina de que os actos do poder
moderador não jxKlem ser discutidos, pois são privativos da
coroa, que é sagrada e irresponsável. Estabeleceu-se que
nesses actos o ministro referendador obrava como machina
passiva, sem responsabilidade alguma, nem mesmo a que re-
sulta das discussões perante o juizo da razão nacional. Em-
balde se dizia que a rubrica importava a responsabilidade,
que devia o ministro, a bem do paiz, examinar o acto, e, se
o achasse cx)ntrario aos públicos interesses, devia, por leal-
dade á constituição, e até por lealdade á coroa, negar-lhe
essa rubrica; embalde se dizia.,.. < Calai-vos, respondião:
Q acto é da privativa attribuição do imperador, e o imperador
é inviolável e sagrado; calai-vos; pois nás ministros tambetu
nos calamos; referendamos, como simples officiaes de secre-
taria; a nossa referenda é uma formula vã. Calai-vos. >
No interesse geral dos partidos regulares achei tendência
e disposição para fazer-se uma lei de eleições.
Bçm compenetrado de que era indispensável subtrahir
as eleições aos esbirros de policia, sob cuja tutela havião sido
postas pelas instrucções do i" de maio de 1842, empreguei-me
com fervor na confecção da lei eleitoral.
Devo confessar que os conservadores não puzerão em-
baraço a esta lei, que ao contrario procurarão melhorar.
A experiência lhes ttnha feito sentir que havião dous
gumes na espa<hi eleitoral do decreto de 4 de maio de 1842.
Patere legem quam í« ipse tulisti, dizião os liberaes ar-
. COCH^IC
A CIRCULAR DE THEOPKILO OTTONi 339
vorados em subdelegados e delegados de policia, excluindo
legal, mansa e pacificamente das camarás os chefes conser-
vadores, que liavião fabricado as instrucções em vigor.
Quem estudar os debates do senado verificará que, sem
o auxilio poderoso do Sr. Carneiro Leão, o governo teria
ficado armado com as instrucções de 4 de maio de 1842
para despachar livremente os deputados.
O Sr. Carneiro Leão havia comprehendido que era in-
dispensável coarctar a omnipotência do governo pessoal e
reliabilitar o systema representativo.
A extrema consideração com que o illustrado senador no
seu folheto Jntulado Facção Aulica, que já mencionei, tratou
a deputação hberal de Minas liga-se a este procedimento no
Senado e á política do seu ultimo ministério.
Muito teria ganho o paiz se animosidades pessoaes não
houvessem embaraçado em 1846 a fusão dos brasileiros, que
conhecião as misérias do governo [wssoal e desejavão pór-
Ihes termo.
Que o Sr. Carneiro Leão fez tudo para que essa fusão
se realizasse provão-o de sobejo os factos referidos.
Membro da commissão de poderes com os Srs. António
Carlos e Urbano, eu empreguei os maiores esforços para
que se garantissem na lei a liberdade do voto e a verdade da
eleição. Na proposta sobre as incompatibilidades, apresentada
então, o meu humilde nome corre associado ao do illustre
paulista o Sr. Gabriel José Rodrigues dos Santos.
Promulgada em 19 de agosto de 1846, é a lei eleitoral
talvez o único padrão que a legislatura de 1845 a 1848 le-
vantou ás idéas liberaes: foi trabalho da sessão de 1845.
Se a lei de 3 de dezembro atravessou incólume este
período, asseguro-vos que não foi por falta de diligencias da
minha parte.
Guarda da constituição e da,s leis, não perdi occasião de
condemnar as violências praticadas contra os cidadãos.
A prisão arbitraria é uma das maiores chagas da actua-
lidade.
E' risível que aspiremos aos foros de povo livre e alar-
deemos as garantias consagradas na constituição emquanto,
a pretexto de averiguações, o cídadãb pôde ser índefini-
Coogle
340 REVISTA DO INSTITUTO niSTOmCO
(lamente conser\a<lo na prisão pela autoridade policial, eni-
quanto o subdelegado, amovivel ad nutum, estiver revestido
de attribuições mais amplas que as do magistrado vitalício.
€ A prisão arbitraria, diz ainda o erudito Sr. Dr. Rocha,
com todos os escândalos das paixões mesquinlias de mil
agentes prendedores, com todo o desdém pela sorte das vi-
ctimas, pelo sof f rimento dos cidadãos ; a prisão arbitraria,
contra a qual não ha senão uni recurso, a carta de empenho,
tal foi o principio de uma organisação policial irresponsável,
soberana, que só depende do governo, que só ao governo dá
conta de si. >
Bem que retirado do campo das discussões |X)liticas, os
annaes da época conservão vestígios de que procurei sempre
resguardar contra os horrores da prisão arbitraria as garan-
tias índividuaes do cidadão.
Apresentarei um exemplo no seguinte parecer da com-
missão de constituição, de que eu era membro com os Srs. An>
tonio Carlos e Urbano.
Eu dava o meu voto aos ministros do 2 de fevereiro nas
questões de confiança, mas não hesitei em levantar a voz
em defesa de um opprimido e infeliz amnistiado.
I de constituição e poderes foi presente
o requerimento de Eduardo Francisco Nc^eira Angelim, que
pede ser restituído á sua liberdade e retirado do presidio de
Fernando, em que se acha contra a lei. E, considerando a
commissão :
« i." Que o supplicante, tendo sido implicado na re-
bellião do Pará, foÍ amnistiado pelo decreto de 22 de agosto
de 1840, e obrigado, na forma do art. 2° do dito decreto, a
residir temporariamente onde a autoridade llie indicasse ;
• 2." Que. sujeitando-se a esta condição, e assignando o
termo competente de residir no Rio de Janeiro, e não poder
voltar para o Pará senão no fim de dez annos, foi Para aqui
mandado pelo presidente daquella província, e apresentou-se
á autoridade competente ; mas que no fim de poucos dias foÍ
preso, remettido para a fortaleza, e depois embarcado no
,dia I» de agosto de 1841 para a ilha de Fernando;
lyCoogle
A riRrri,An DE THEOPHILO OTTOM 34l
*« 3." Que, tendo o supplicante ciitnpriflo a condição eh
amnistia, e sortindo ella por conseguinte o devido effeíto,
sem poder rescindir-se senão no caso de quebrar o suppli-
cante o termo, facto i>elo qual perderia o gozo da amnistia
concedida, mas nunca poderia ser punido sem sentença;
« 4." Que, lavando a amnistia todos os crimes politicos
para que fora concedida, e não liavendo o supplicante pra-
ticado nenhum outro que o sujeitasse á acção das leis fora
o acto do ministro que o condemnára a um degredo um per-
feito attentado contra a liberdade individual ;
€ 5.' Que assim o tem pensado o actual ministro da
justiça, fazendo voltar para Goyaz ao Dr. Francisco Sabino
Alves da Rocha \'ieira, que ahi estava em consequência do
termo que assignára de residência, do forte do Príncipe da
Beira, na província de Mato-Grosso ,para onde o arremessara
injusta e violenta arbitrariedade:
< E' de parecer que seja o requerimento do supplicante
remettido ao ministro da justiça, para lhe deferir na forma
da constituição e das leis,
« Paço da camará, 14 de fevereiro de 1845. — A. C. Ri-
beiro de A. M. e Silva. — T. B. Oitoni. — U. S. Pessoa de
Mello. »
Este parecer foi approvado em 22 de abril de 1845; e en
suppunha ter produzido os seus naturaes effeJtos, quando
ânuos depois soube que o Sr, Angeltm era conservado com
os condemnados no presidio da ilha de Fernando.
O Sr. Eduardo Angelim, sem outra sentença conde-
mnatoria, lá esteve dez annos com sua família, e lá enlou-
queceu de desespero sua infeliz senhora.
E o infeliz, que fora illegalmente para o inhospíto porto
do Príncipe da Beira, lá succumbíu !
Sem ser julgado e sem sentença condemnatoria, lá está
também na ilha de Fernando ha mais de oito annos Vicente
de Paula, que pôde ser muito criminoso, mas que tem di-
reito a ser considerado innocente emquanto outra cousa não
disserem os tríbunaes.
Oxalá que fossem raras as violências desta ordem !
Só por escameo ao bom senso se pôde considerar livre
um paiz em que taes attentados se praticão.
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343 REVISTA DO ItieTITDTO HISTÓRICO
Segundo lord Palmerstoii disse no iiarlaniento, em Ná-
poles o mal consiste essencialmente em que o governo é a
IKílicia e a policia é o governo.
Srs. eleitores, vós bem o sabeis, no Brasil quem diz go-
verno (Tiz policia, e, o que é peior ainda, quem diz policia
diz poder judiciário.
Pro honra da civilísação é preciso que entremos nas con-
dições normaes do systema representativo.
Foi no anno de 1844 que me coube a grande felicidade
de contribuir para um facto importantíssimo que occorreu
durante o ministério de 2 de fevereiro.
rnnegavetmente o serviço mais relevante que prestou ao
paiz o ministério de 2 de fevereiro foi a pacificação do Rio-
Grande do Sul.
Com razão o Sr. Salles Torres-Homem se extasia diante
de tão prospero acontecimento.
Diz elle:
« Em breve foi apagado o terrível incêndio que a tanto
tempo devorava S. Pedro do Sul. e firmada a concórdia
nessa província, que o imperador pôde então viajar sobre
caminhos juncados de flores, naqwelles mesmos logares onde
apenas dous annos antes só encontraria os rastilhos da re-
belHão e os destroços sangrentos dos combates. Bastou a
força morai de nossa moderação e de nossa lealdade; bastou
a ascendência de nossos princípios de nacionalidade, de fra-
ternidade e conciliação, para que cahissem as armas das mãos
daquelles a quem um decennio de porfiadas lutas, tantos exér-
citos e riqueza destruídos não puderão domar.
Noa annimi domuere dícem, non mi lie carinct.
(ViíCiUO.)
Entaboladas em 1844 com o Sr. conde de Caxias as
negociações para a pacificação do Rio-Grande do Sul, o go-
verno de Piratinim mandou um emissário ao Rio de Janeiro.
Este emissário, que hospedei çm minha casa, foi portador
de uma caria que me dirígia«o bravo Sr. general David Ca-
navarro e communicações do governo republicano,
Ilavíão os río-grandenses projxjsto ao governo imperial
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A CIRCIfLAR DE THEOPHILO OTTONI 34J
O reconhecimento da republica de Piratiiiim mediante a fede-
ração com o império.
Dado que não chegasse a accordo com o governo impe-
rial, eu era consultado sobre a possibÍh'dade de fazer reappa-
recer a revolução na província de Minas, para o que se noa
offerecião os melhores officiaes río-grandenses para virem
rommandar os tnsurgentes de Minas.
Se eu tenho horror á guerra civil, mais me assusta ainda
o aparcelameiito do Brasil. Nunca fui separatista.
Cotn o direito <ias gentes do século actual a maior das
desgraças para uma nação é ser pequena.
Por isso nutri sempre 03 mais sinceros desejos de que
o Rio-Crande se não destacasse do grémio brasileiro.
Ambicionava ver os rio-grandenses livres, reforçando
o partido liberal das outras provincias irmãs.
Já se vê, porém, que eu não podia comprehender paci-
ficação sem que aos rio-grandenses livres se concedesse capi-
tulação honrosa.
A opportunidade era magnifica, certo como eu estava
das disposições conciliadoras do governo.
Eu temia que se a pacificação se adiasse viesse a ter
logar sob o dominio dos Césares, como a de Varsóvia ou de
Perusa.
Em consequência, sem dizer palavra aos ministros acerca
da federação proposta, annunciei a Canavarro que tal idéa
seria por certo repellida.
Ao mesmo tempo fiz ao general rio-grandense uma
exposição franca e leal acerca do estado da opinião em Minas
e S. Paulo, informando com verdade que datli os rio-gran-
denses não devião esperar a menor diversão.
Chamei a attenção de Canavarro para o facto de terem
estado no poder chefes liberaes de Minas e S. Paulo, e terem
feito aos rio-grandenses livres a mesma guerra que lhes fa-
2Íão os conservadores.
E, demonstrando que os río-grandenses estavão isolados,
lhes declarei que só podião contar para a execução do seu
intento com o valor e resignação de que a nove annos davão
brilhantes exemplos.
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J44 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Voltando ao Kio-íírandc o emissário, teve logar a i)ad-
ficação da província.
Em seguida o distJncto Sr. general David Canavarro
declarou-me que a minha carta foi o pharol que lez-ou ao
desejado porto os rio-grandenscs livres.
Eis textualmente o que me escreveu o illustre rio-gran-
dense :
< Illm. Sr, Theophilo Benedicto Ottoni — Se a mais
tempo não tenho respondido á estimada carta que V, S. se
dignou dirigir-me em 24 de setembro do anno findo, tem sido
essa falta devida á escassez de um seguro meio pelo qual
fizesse chegar ás mãos de V. S. a minha resposta. Agora,
porém, contando com o favor do meu illustre amigo o
Sr, José Simeão de Oliveira, por cuja intervenção espero
que V. S. não deixe de honrar-me com suas letras, vou pagar
uma divida em que estava para com \'. S.
« Tomando em alta consideração as sabias reflexões de
V. S-, fiquei convencido da impossibilidade de levar a ef-
feito a desejada federação desta província, pela qual fervo-
rosos pugnarão mais de nove annos os rÍo-gran deuses livres,
tanto mais assegurando \ . S. que só devíamos contar com os
nossos irmãos d'armas, por isso que nenhuma coadjuvação
nos proviria dos homens que em 1842 lutarão em S. Paulo
e Minas a favor dos mesmos principios. e que finalmente
os próprios chefes do partido progressista quando no poder
fazem a mesma guerra que os regressi.stas. Apreciando, pois,
a franqueza de \'. S. e leal exposição que me fez do estado
geral das cousas, me convenci a empregar os meus esforços
e diminuta influencia- na terminação da guerra que por
tanto tempo devastou as bellas campinas deste continente,
podendo assegurar a V, S. que a sua carta foi o pharol que
conduziu os continentistas ao desejado porto.
« Oxalá que esse tão rclet-aiite serviço por V. S. prestado
em favor do bem geral e da liberdade fosse um dia lembrado
pela governo eom o mesmo apreço com que o recordâo os
rio^randenses livres.
€ Desnecessário seria relatar a V. S. as condições por
que foi terminada essa importante questão, vislo que delias
estará V. S. scienti ficado.
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A CIRCULAR DD TIIEOPHILO OTTOXI 345
€ Hoje me aclio retirado á vida privada, e [jor isso so-
mente com as influencias de um particular; porém, mesmo
assim me ufanarei se tiver occastão de executar as ordens
de V. S, de quem com o mais alto apreço e consideração
me firmo attento venerador e criado, — David Canai-arro.
€ Fazenda da Alegria. 30 de maio de 1845. »
Com a pacificação do Rio-Grande devia crer-se que o
partido liberal saliisse da quarentena.
E que, tendo dado testemunho do seu afferro á consti-
tuição, ser-Ihe-hia permittido lenta e progressivamente entrar
no pri^ramma progressista com que havia iniciado a maio-
ridade.
Vã esperança !
< De 1845 em diante, diz o meu amigo o Sr, Torres-
Homeni, foi o corpo l^slativo tratado sem a mínima con-
sideração; gabinetes se compuzerão fora de sua influencia,
c até sem sciencia sua : o ministro incumbido de os organísar
propunha em palácio os nomes daquelles com quem lhe con-
vinha ser\nr, de accordo com o voto parlamentar ; esses nomes
crão regeitados; lembrava outros, depois outros, até que fi-
nalmente, esgotada a longa lista dos ministros impossiveis,
o governo pessoal compunha um amalgama de entidades hete-
rogéneas, onde apenas um ou outro liberal era induido, para
que se não dissesse que o pensamento dominante no parla-
mento havia sido desattendido,
€ Era isto guardar realmente as regras e observar as con-
dições que prescreve o regimen representativo? O que dc-
via-se esperar de gabinetes assim formados, retalhados entre
si \ioT diversidade de opiniões, debilitados e desacreditados
logo ao nascer por esses germens de destruição que trazião
no próprio seio? Por outro lado. o que l>odião as camarás
fazer de útil e de grande, tendo em frente de si ministérios
em que seus princípios não erão convenientemente repre-
sentados, e que mal poderião dar impulso, direcção e systema
í seus trabalhos, navegando elles próprios a ludibrio de todos
os ventos?
€ Por muilo tempo a camará dos deputados devorou em
silencio esta infracção clamorosa das normas da constituição,
que eslerilisava seus esforços e a inhibia de cumprir os graves
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340 REYISTA DO INSTITOTO HI8T0IUC0
empenhos que havia contrahido para com a nação. Mas ella
sabia que só tinha que optar entre a sujeição á influencia
inconstitucional da coroa, ou então a guerra civil, o desmo-
ronamento do paiz, effeitos inevitáveis da rehabilítação im-
mediata dos apóstolos do absolutismo, com quem já se tinha
feito pazes e com quem se a ameaçava quotidianamente.
« Se o partido liberal ama e respeita os princípios da
organisação politica que abraçamos, também consagra iguaes
sentimentos á ordem e paz publica ; e não queria expo-las
a medonhas contingências, rompendo logo com o poder fátuo
c desasisado, que não olharia as consequências de sua vin-
gança. Cumpria-lhe, no interesse do paiz, ter prudência por
si, e por quem a não tinha; cumpria-lhe de dous males pre-
ferir o menor, e dar tempo ao tempo, esperando da mesma
circumspecção de sua conducta, da diuturnidade de sua pa-
ciência e dos triumphos pacíficos da razão publica que se
chegasse a aceitar frequentemente o governo da constituição
com todos os seus corollarios.
< Assim correu este período monótono da vida parla-
mentar até a abertura da sessão de 1848 em que perante a
camará dos deputados um novo gabinete compareceu, mb-
saicamente composto como os anteriores, com a differença,
porém, que uma de suas fracções, preponderando, pelo visível
apoio de alta personagem, ameaçava arrogantemente inverter
a situação politica, que ella laboriosamente fundara e que
tomava a peito conservar.
€ Desta vez a resignação da camará devia ter limite ; o que
se atacava era a bandeira mesma de sua politica; o que corria
perigo era a ordem de cousas que os acontecimentos havião
justificado e legitimado, e em cuja manutenção estavão com-
promettidas sua fé e sua honra. Uma votação solemne e
hostil ao presidente do conselho arrependido, e a impressão
da nova assustadora da revolução de Paris, que naquelle
mesmo tempo aqui chegara, determinarão o reposteiro irri-
tado a demittir a seu pezar o ministério, e a escolher outro
menos desestimado, que provisoriamente tranquilisasse a opi-
nião ate o termo da sessão legislativa.
€ A nomeação do gabinete Paula Souza não era com
effeito mais do que um armistÍcÍo, um espaçamento da luta
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A CIRCULAR DE THEOPHILO OTTONI 34?
qtie se ia travar com o partido constitucional. A corte, vendo
arder as barbas de Ugalegonte, recuava, porém não desistia
de seu projecto, e antes cada vez mais suspirava pela volta
de seus bons alliacfos, os sectários da monarchia sem tram-
bolho. Mas quantas decepções e perfídias não era mister
empregar para reter o ministério no seu posto até o encer-
ramento da assembléa, e isto quando por outro lado o redu-
zião á mais miserável nullidade !
« Antes de dous mezes já o vco da illusão estava roto
para o primeiro ministro Paula Souza, contrariado em suas
vistas, impossibilitado de obrar, e a quem só se pretendia
deixar a responsabili<fade do governo sem a realidade da
acção.
< Tarde elle reconheceu o laço armado á sua boa fé ; e,
tendo debalde instado pela demissão, retirou-se a pretexto
de moléstia, e foi occultar em S. Domingos profundos des-
gostos, deixando seus collegas entregues á traição e aos desa-
catos de reposteiro. Aquilio de que não havia ainda exemplo
nas monarchias modernas, a criadagem da casa do rei ul-
trajar impunemente os depositários do governo da nação,
estava reservado a esta triste época. Um dia era o cama-
rista da semana que enxotava os ministros de palácio como
a cães, e vedava-lhes brutalmente o accesso junto á pessoa
do monarcha; outro dia era o medico de Sua Magestade
que vinha vangloriar-se em pleno parlamento das humilhações
que os vira soffrer, e cobri-los de impropérios e de escarneo.
È esse camarista não teve a minima admoestação, e esse
medico foi promovido ao logar de director da escola de me-
dicina, sem embargo da opposição dos ministros, a quem
acabava de enxovalhar publicamente ! A recompensa do in-
sulto commettido foi a satisfação que se deu ás queixas dos
membros de um dos poderes do estado ! Faltava-nos mais
este opprobrío !
< Entretanto o gabinete, manietado, e a quem calcula-
damente recusavão-se as medidas necessárias para o bom des-
empenho de suas funcções, conser\-ava-se nessa posição anó-
mala e vergonhosa, receiando, dizia-se, descobrir a coroa
nas explicações que fosse por\cntura obrigado a dar ao corpo,
legislativo sobre as causas de sua demissão. Que íalta de
lyCoogle
^ REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
coinprehensão das verdadeiras regras <la nionarcliia repre-
sentativa !
< Sem duvida é obrigação dos ministros amparar a coroa
com seu corpo, assumir a responsabilidade inteira dos actos
do governo, ou sejão voluntariamente praticados, ou extor-
quidos á sua fraqueza e á sua deferência para conii a vontade
da pessoa real. Mas, se essa entidade inviolável, sahindo
de sua espliera própria, e invadindo os poderes activos que
!i constituição confiou a ministros res]X)nsaveis, tornasse im-
possível a tarefa destes, então o caso seria differente; então
seria de seu dever abandonar sem demora o governo e expor
sem rebuço ás camarás os motivos por que o fizerão. E' um
mal que a coroa seja ixjsta a descoberto; ninguém o nega;
mas iiào é outro mal mil \ezes maior que o systema consti-
tucional seja falseado em um dos seus pontos mais vitaes,
sem que o paiz o saiba, sem que a opinião publica possa fazer
voltar o poder transviado ao limite em que se deve conter ? »
Nos periodos que acabo de trancrever do Livro do poz-o
o seu illustre autor desenhou com o pincel de Tácito ou de
Gibbon as ultimas scenas do drama que começou em 2 de
fevereiro de 1844.
Na citação que fiz algumas observações mais enérgicas
são filhas das paixões do tempo; |X)r isso não podem servir
de argumento contra a natural amenidade de espirito do meu
illustre amigo.
Desejei supprimi-las, por me parecer que sahião dos li-
mites estudadamente guardados neste escripto.
Mas uma palavra que fosse omittida podia prejudicar o
brilhante do colorido e o incisivo da critica, em que tanto
se avantaja o Livro do povo.
No entanto, para pro\'ar que não creava entes de ima-
ginação, eu estava obrigado a cítar as autoridades contem-
porâneas dos factos a que atludia, e que delles podiâo dizer:
— Quorum pars magna fui — Eis o motivo da citação textual.
Eu deveria, para vos inteirar cabalmente do meu modo
de encarar 3 situação politica naquella época, addicionar a
este capitulo um discurso que proferi na camará dos depu-
tados condemnando a organisação do ministério palaciano
ide 29 de setembro de 1848, e denunciando factos semelhantes
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A CIRCULAR DE TIIEOPHILO OTTOXI 3^9
nas anteriores orgaiibaçues ministeriacs. Mas o meu discurso
seria apenas o pallidu reflexo do que acabo de transcrever;
e, se fez alguma sensação em 1848, é jwrque, ou bondade
para comigo, ou para de minha franqueza tirarem partido
em favor da politica a que estavão adstrictos, alguns illustres
ad\'ersarios derão importância ao meu pronunciamento.
Mal toquei nas fimbrias do governo pessoal o dislincto
Sr. Car\-allio Moreira, hoje nosso ministro em Londres, ex-
clamou : — /acta est alea !
E o illustrado Sr. Wanderley, argumentando com o meu
silencio anterior, quiz transformar em acontecimento politico
as minhas modestas considerações, das quaes por pouco não
concluiu que a pátria estava em perigo.
Tocou alarma no seu acampamento, dizendo astucio-
samente que Achilles havia sabido de sua tenda.
Coitado do AchtUes do Sr. Wanderley ! Como a melhor
^'ontade nestes casos é insufficiente, nada pôde contra os
Heitores que defendião a praça sitiada; viu os seus alliados
levantarem o cerco, sem que estivessem de accordo com
algum Sinon palaciano, e ao contrario deixando em poder
dos Paris oligarchas e cortezãos a Helena que pretendião
libertar, que era a constituição.
O Achilles do Sr. Wanderley teve de voltar ao Scyros
da abstenção e ^ silencio, e oito annos não forão expiação
bastante para applacar a cólera dos deuses.
O discurso a que tetdio alludido está no Jornal do Com-
mercio de 3 de outubro de 1848.
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AÍDdi o geverno pesseal
A' parte a ficção constitucional que acato como devo,
nenhum brasileiro mais conscienciosamente faz honra ás
rectas intenções e elevação de espirito que ennobrecem a au-
gusta pessoa que de presente occupa o throno do Brasil.
Com consciência de que nem os meus lábios nem a minha
penna se contaminarão jamais com as misérias da bajulação,
espero que ninguém ponha em duvida a sinceridade do juizo
que acabo de, emíttir.
Se as qualidades moraes dos monarchas por si somente
significassem bom governo, bem estaria a nossa pátria.
Porém o mal que nesta carta tenho por vezes denun-
ciado é independente das individuahdades, porque é um vicio
orgânico do systema.
Conforme a constituição art. 102 o imperador deve
exercitar o poder executivo pelos seus ministros de estado.
Se, em vez de guiar-se pelo preceito constitucional, con-
sentem os ministros em que somente se lhes conceda a po-
sição de meros copistas e amanuenses do palácio, bem se vè
que a monarchia constitucional ficará transformada na mo-
narchia pessoal, que debalde denunciou o distincto mineiro
o Sr. senador Vasconcellos .
A palavra governo constitucional é synonimo de governo
responsável : se a entidade inviolável e irresponsável governa
pessoalmente, de duas uma: ou se ha de annuUar a inviola-
bilidade e a irresponsabilidade, ou se ha de admittir o abso-
lutismo.
No senado, a 28 de maio de 1832, dizia o Sr. marquez
de Barbacena:
« O poder moderador é uma innovação no systema con-
stitucional c incompativel com a inviolabilidade do monarcha,
i,Coogle
í CtRCVLKR DE THBOPHILO OTTONl Sjl
a qual só pôde existir quando todos os actos são referendados
por um ministro responsável. »
O nobre marquez, por não admittir a responsabilidadt:
ministerial para os actos do poder moderador, concluia logi-
camente que este poder é incompatível com a inviolabilidade
do nionarcha. E' uma dcmonstra<;ão por absurdo da respon-
sabilidade ministerial em. todo o caso.
Se disse que o absolutismo do poder moderador está no
adverbio privativamente, que no art. 98 exprime o modo da
delagação.
Ao adverbio privativamente do art. 98 responde do modo
o mais conveniente o adverbio Uvrefnente do art. lOi I 6°.
A nomeação e demissão dos ministros é a única attribuiçáo
que o poder moderador exerce sem responsabilidade de
ninguém. Que outra significação pôde ser o livremente do
art. loi § 6.°?
Eu estou convencido de que no animo constitucional do
Sr. D. Pedro II não se aninha a mais remota idéa de usur-
pação.
E' a subserviência dos ministros e cortezãos, que pro-
clamào unisonos a omnipotência imperial, quem perverteu
completamente a nossa forma de governo.
Os Srs. marquez de Paraná e conselheiro Barbosa profU-
gárão na imprensa e na tribuna os excessos da facção aulica,
íncukando-a como dominadora, e a mim próprio talvez me
escapassem expressões análogas.
Ha flagrante inexactidão e injustiça em uma tal impu-
tação.
O imperador não é nem foi dominado pela facção aulica
ou por favoritos e validos, que nunca teve, e que parece fazer
estudo de ostentar que não tem.
O Sr. Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho foi sacri-
ficado em 1843 e 18^8 ás exigências dos conservadores com
um desapego que em nada se assemelhava a essas effusões
do coração e grandes expansões de sensibilidade que em
occasiões análogas a historia attribue a Luiz XVIII c
Carlos X. Quando a reacção legitimjsta derribo» do minis-
tério o duque de Decaze, Luiz XVIII, banhado em lagrimas,
3^3 RBVIST% DO INSTITUTO HISTÓRICO
se despediu do seu ministro predilecto despachando-o em-
baixador da Inglaterra e dando-llic o titulo de duque.
« Ao menos aqui me fica o teu retrato, que não me dei-
xará» disse Luiz XVIH a Decaze, apontando para o fundo
do seu gabinete, onde mandara collocar o retrato do favorito
apeado do ministério.
Annos depois no gabinete de Carlos X dava-se uma scena
igual com o conde de Portalis na occasião da demissão do
ministério Martignac.
O monarcha do Brasil não tem ministros validos, mas
Sua Magestade o Imperador tem politica pessoal, e a politica
dos monarclias constitucionaes outra não deve ser senão a
do parlamento.
E, conforme as exigências da sua politica, Sua Mages-
tade, ora se apoia sobre a facção aulica, ora sobre o partido
liberal, ora sobre o partido conservador.
Dá ou retira aos partidos e aos individuos o grão de
preiwnderancia que julga conveniente em qualquer- emer-
gência .
Parece mesmo que cm cada partido a politica imperial
tem sentinellas avançadas, que procurão modificar os voos
da opinião e obrigão os chefes a não tomar uma posição muito
decisiva em relação ao paço.
Não estamos e nunca estivemos sob o domiuio de cama-
rilha, favoritos ou validos, mas padecemos de doença muito
mais grave do que essas todas: é o governo pessoal.
E quem é o culpado desta situação? Será o imperador?
Não por certo. Os culpados somos nós, e especialmente os
ministros liberaes, conservadores e palacianos :A''tíj cotisulcs,
nos cônsules desumtís.
Se o Sr. D, Pedro II tivesse tido a fortuna de encontrar
entre os seus ministros um conde de Cavour, seria talvez o
Victor Emmanuel da America, e com' uma politica generosa
e americana quem sabe se os ducados do Rio da Prata hoje
não teriào constituído comnosco um estado mais i>oderoso do
que o sonhado reino da Itália.
Oh I que cm tal caso ao menos não se reformaria incon-
stitucionalmente o art. 6° da nossa constituição, por assim
te-lo ordenado a legação franceza.
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A CIRCULAR BE TIIEOPIIILO OTTONI 353
Mas O certo é que os nossos homens de estado nunca
dizem ao imperador a verdade. Não lli'a dizem porque lh'o
prohibem a ambição do poder e o temor de que lhes faltem
os graciosos sorrisos e boas graças.
Desde o verdor dos annos o espirito do monarcha tem
estado perennemente exposto á acção corrosiva da lisonja.
Pelos escríptos da época actual publicados sob os auspí-
cios do ministério se podem bem avaliar quantos erros fu-
nestos, infiltrando-se por todos os poros officiacs, teem
procurado inocular-se no animo imperial.
Vimos em 1860 em imi folheto que sahiu dos prelos da
folha official com o titulo — Moiiarchia c democracia —
proclamar-se que era tradicional a monarchia brasileira, deri-
vados do campo de Ourique os seus direitos e annuUadas
conseguintemente a nossa independência e emancipação.
Na corte é theoria banal que o dia 7 de abril significa
pura e simplesmente o principio do segundo reinado pela
ordem natural de successão.
Não querem comprehender que no dia 7 de abril de 1831
o povo e tropa reunidos no campo da Honra ao grito signi-
ficativo de — viva a federação ! — quando simultaneamente
■ se fazião pronunciamentos idênticos em Minas e Bahia, havião
consummado uma revolução como a de 1688 na Inglaterra.
Não querem comprehender que a nação quebrou no dia
7 de abril o que podia haver de aspiração tradicional no pri-
meiro reinado, e marcou soberanamente as condições de exis-
tência do segundo.
Não querem comprehender que as instituições no dia
7 de abril receberão nova tempera, e que nesse dia foi, por
anticipação, inaugurada a reforma federativa ou acto addi-
cional .
Não querem comprehender que a abdicação publicada
no acto do embarque para a náo ingleza Warspite foi uma
inspiração feliz, mas não acto espontâneo, e que realmente
nesse dia o Brasil tirou o throno ao príncipe portuguez e o
devolveu regenerado ao príncipe brasileiro.
No entanto, em bem da monarchia, era este o cathe-
cismo em que Sua Magestade o Imperador devera ter sido
educado.
,dby (google
3S4 REVISTA bO INSTTTtrrO aiBtORIdb
Pelo contrario, parece que desde o berço os cortezãos
lhe soletravão o direito divino e os devaneios da It^timidade.
E os ministros liberaes e conservadores em vez de recti-
ficarem o que havia de fallaz no direito publico dos cortezãos,
porfião, para dar arrhas de sua orthodoxia, em augmentar
o elasterio ao principio da autoridade, annuUando calcula-
damente tudo quanto de longe que seja pôde parecer limitação
da prerogativa imperial.
Para demonstrar a proposição que acabo de enunciar é
bastante folhear os annaes do parlamento e repetir o que lá
está escripto em nome dos ministros de primeira plana que
acabavão de sahir dos conselhos da coroa.
Ainda me soão aos ouvidos as palavras proferidas pelo
meu venerável e saudoso amigo o Sr. António Carlos Ribeiro
de Andrada Machado e Silva na discussão do orçamento dos
estrangeiros em 1841.
A cordialidade com que Sua Magestade o Imperador
havia aceitado a cooperação dos Andradas e de seus amigos,
para levar-se a effeito a maioridade, havia subjugado aquella
altiva e generosa natureza.
Dessa circumstancia resentirào-se muitos actos do mi-
nistério de 24 de julho de 1840.
Com a sinceridade que lhe era congénita, António Carlos
explicou ás camarás a origem e progressos do governo pessoal.
Tratava-se de apurar entre o ministro dos negócios es-
trangeiros e os ex-ministros as causas da dissolução do gabi-
nete, e souberão as camarás que o facto de não ser conde-
corado opportunamente o irmão do ministro palaciano fora
ura dos princípios dissolventes do ministério de 24 de julho.
JORNAL DO COMMERCIO DE 23 DE JUNHO DE 184I
Sessão de 21 do mesmo mes
«O Sr. Andrada Machado: — Propondo-se esta re-
nmneração. Sua Magestade disse que seria mellior que se
esperasse para quando se remunerassem »s officiaes do Rio
Grande, que devião ser contemplados, e mandou-me esperar;
deixou-se, pois, de dar a condecoração ao Sr. Dr. Satur-
lyCoogle
A aRCQLAR DE THEOPHtLO OTTONI 355
nino. Mas, deix>is e rqK-iitinaiutiilt, Sua ilagcsladc quiz, c
repare-se que Sua Magestade quiz por uma razão que podia
ser particular, pois nesse tempo alguém mais havia que podia
pretender o mesmo, [xjr exemplo, o nobre general nosso
collega: mas tudo se espaçava para coniprehender a todos
os que no Rio Grande tinlião prestado servii;os: eis que Sua
Magestade repentinamente mandou que se lhe desse ; e eu tive
então de o fazer por condescendência. *
Nenhuma reclamação appareceu contra as palavras do
cx-ministro do império.
E quem havia de reclamar?
A opposição? Essa conhecia por demais o patriarcha da
independência, e conhecia os nobres motivos jáo seu proce-
dimento.
Os Césares? Esses, além de fraternisarem na occasião
com os palacianos, tinhão inaugurado o programma do em-
pereur quand même... pela boca do seu chefe mais presti-
gioso.
Tinhão proclamado que onde está o rei está a lei, e não
jiijdião censurar os desmandos do governo pessoal, que aco-
roçoavão, na intenção de se lhe associar.
Se em todo o caso é legitimo o governo a cuja frente
está o imperador, desapparece esse temor salutar que, recor-
dando a punição de 1688, obriga os reis de Inglaterra a não
governar senão como apraz ao parlamento.
Se a revolução de 7 de abril de 183 1 tivesse entre nós
o mesmo prestigio que a de 1Ó88 na Inglaterra o systcm^
constitucional teria lançado raizes mais profundas.
Quem compara, porém, as cortezias do nosso parlamento
com a linguagem varonil empregada na tribuna ingleza tem
de reconhecer que o machinismo do nosso governo é uma
caricatura .
Em 1825 o duque de York, herdeiro presumptivo da
coroa, com assento na camará dos lords, foi portador de um
requerimento do deão e do capitulo da igreja collegial de
.M'indsor contra a emancipação dos catholicos.
Ao mandar á mesa o requerimento Sua Alteza Real,
depois de abundar em protestos de um zelo exclusivista e
lyCoogle
35<^ ItEVlSTA DO INSTITUTO IIISTOIUCO
intolerante em favor da igreja anglicana, exclamou com
emoção, diz o Annuario de Lesur, pag. 526:
«... e em qualquer situação em que para o futuro eu
^el1ha a ser collocado, por maior que seja a censura a que
esta declaração me exponha, hei de perseverar em minha
opposiçào á emancipação dos catholicos. Assim D«us me
ajude. >
Na noite seguinte Brougham', que então tinha assento
na camará dos communs, depois de ter analysado o discurso
do príncipe, declarando que as doutrinas pregadas por Sua
Alteza Real atacavão a segurança do estado, e as'sentavão mal
na boca de um príncipe cuja familia occupava o throno de
Inglaterra, por virtude dos princípios da revolução de 1688,
accrescentou :
< Eu não odeio a perseverança, não condemno mesmo
um zelo violento e a linguagem de uma honesta obstinação;
mas lamento ver essas qualidades varonis obscurecidas pela
ignorância, exas))eradas pelos prejuízos e cegas pela hypo-
crisia. Não receio dizer que nunca monarcha algum ch^ou
ao throno desíes reinos em um espirito de hostilidade tão
directo, tão predeterminado, tão altamente declarado de
antemão contra as opiniões e voto do seu povo. Quando tal
acontecimento tiver Ic^r o bill será impossível, e mesmo
agora sua approvação esta cercada de duvidas e de perigos,
desde que tal personagem lhe prepara semelhante opposição.
O momento presente é critico, o tempo passa, e esta gloriosa'
occasião pôde escapar, E no entanto chegará o reinado da
hypocrisia e sorprender-vos-ha como um homem armado
sorprende á noite homens adormecidos, e destruirá a paz da
Irlanda, comprometterá a segurança da Inglaterra, e amea-
çará a liberdade de todo o império. . . eu não me queixo de
uma resistência sincera e leal, a ninguém acuso de má fé
nesta camará ou fora delia... mas é preciso confessar que
muitas vezes homens honestos, á força de ignorância, tornão
se adversários tão perversos que ninguém se deve intro-
metter a corrigi-los de seus erros. Assim Deus os ajude. >
A revolução memorável que expelliu do throno a dy-
nastta dos Stuarts a cada passo é commemorada pelos maiores
homens de Inglaterra, como uma gloria nacional, sem que
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A CIRCDLAR DE THEOPniLO 0TT(M»1 357
níiigiieni se lembre de attribnir essas manifestações a affe-
tação de patriotismo ou a despeito de estadista que perdeu
as boas gragas da corte. Lord John Russell, primeiro ministro
da rainha, ainda este anno na camará dos lords foi muito
explicito sobre esta matéria.
A opposição havia qualificado o invicto Garibaldi, heróe
da Sicilia, de pirata e flibusteiro. Lord John Russell respon-
deu-lhe simplesmente:
« A historia é que ha de decidir se é pirata e flibusteiro,
ou patriota e heróe. Em novembro de 1688 desembarcava
nas costas da Inglaterra um pirata e flibusteiro, e a revolução
que fez é uma das maiores glorias da nação.»
Lord John Russell, faliava assim a respeito do chefe da
dynastia de Sua Magestade a rainha de Inglaterra, glorían-
do-se de compara-lo a Garibaldi, qualificado na camará de
pirata e flibusteiro.
Se em o nosso parlamento um ministro se atrevesse a
comparar com o de Garibaldi o procedimento do Sr. D.
Pedro I, quando, cm virtude das vivas instancias dos An-
dradas. poz sobre o braço a legenda da independência, no dia
seguinte não seria mais ministro.
Ainda na ultima sessão um deputado, tendo ousado
fazer uma remota allusão á incúria com que se consente que
os filhos da nossa estimada princeza a Sra. D. Januaria se
estejão educando sob os auspícios de uma corte beata e abso-
lutista como a de Naix)les, os ministros tiverâo a sem cere-
monia de impor silencio ao orador, proclamando que tal
objecto não podia estar na alçada do parlamento.
Pelo que, acerca da illusire princeza, o parlamento deve
não ter outro direito senão o de votar annualmente ro2:ooo5
de pensão para Sua Alteza e mais 6:000$ para cada príncipe
napolitano que Sua Alteza dá á luz.
Na Inglaterra a rainha, acompanhando os sentimentos
e sympathtas do rei consorte, que tanto ou quanto é também
austriaco, desejou, organisando o anno'passado um ministério
liberal, dar a presidência a lord de Gramville, liberal pala-
ciano, mas recuou de tal pretenção, porque a vontade sobe-
rano do parlamento lhe impoz como primeiro ministro a lord
John Russell.
,dbyGoogle
3S>> REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
E a rainha de Inglaterra não se julgou com isso desairada.
No Brasil o imperador escolhe a politica que ha de do-
minar e marca-lhe periodicamente o tempo de sua duração,
e designa qual é o primeiro ministro que deve representar
cada partido, quaes são os collegas que o primeiro ministro
deve ter, e recusa ao ministério a demissão de empregados
de confiança.
E os cortezãos justificão o governo pessoal escrevendo,
como se escreveu, que o imperador do Brasil com a vastidão
dos seus conhecimentos não pôde resignar-se ao papel passivo
da rainha iVictoria.
Esquecem que o papel dos reis constitucionaes é essen-
cialmente passivo. - ■;
Durante os cem' dias Napoleão dizia a Benjamin Constant :
« Sinto-me velho, e por isso me parece que já sirvo para rei
constitucional.» '■'• •*■:»■'■
Infelizmente pretende-se que no Brasil o exercício da
realeza corres|K)nda ao serviço activo da milícia.
,dbyGoogle
I JUstençfio politico. — Hncnrr
NSo entra nas minhas vistas escrever a historia destes
iiltimos doze annos. nem cabe ella nos limites desta carta .■
Desejo somente tomar bem claro que «n todo esse longo
período guardei sempre o pundonor da coherencia, perma-
necendo fiel ao symbolo que articulei no jornalismo em 1831,
e que professei imperterrlto na tribuna da assembléa pro-
jvincial da nossa provincia, na da camará dos deputados e
no banco de réo perante o jury de Marianna.
Quando em 1848 o arrefecimento das boas graças do
palácio afastou os liberaes de toda a participação no poder,
tomada a praça pelos contrários, nenhum delles me disputou
o direito de retirar-me erguida em punho a bandeira que,
ao entrar no parlamento em 1838, eu arvirára e fora adoptada
pela opposição liberal.
E em 1851, quando, com razão ou sem ella, pareceu-me
que os chefes liberaes, candidatos ás pastas de ministros se
mostravão na imprensa e no parlamento dispostos a fazer
ao governo pessoal mais concessões do que aquellas que eu
julgava admissíveis, relirei-me da politica, e deixei de estar
em communhão com qualquer partido.
Uma declaração que então fiz, e a que se associou o
Sr. conselheiro C. B, Ottoni, publicada nas folhas diárias
da corte, valeu-nos a seguinte felicitação dos Hberaes mais
avançados do município de Itabíra:
FEUCiTAçXo
c Cidadãos Ottonis t
« Sendo-nos presente o Jornal do Commercio de 22 de
julho passado, nas poucas linhas que ahi estampastes encon-
,dbyGoogle
36o REVISTA DO INSTITOTO HISTÓRICO
trámos abundantes e irrecusáveis provas de vossas cívicas
virtudes, virtudes que ha muito temos a satisfação de ler em
vossos corações verdadeiramente americanos ; e, comparti-
lhando os sentimentos por vós manifestados, comvosco nos
congratulamos, e vos offcrecemos nossos serviços como signal
de consideração pela franqueza, lealdade e desinteresse com
que procurais servir ao paiz que nos viu nascer.
< Temos o prazer de assignar-nos
< Vossos patrícios dedicados e amigos certos
«João Baptista Vianna Drummond.
« Domingos IgnacJo Capistrano de OHveira.j
«Custodio Martins da Costa.
«Francisco Félix Pereira.
« Raymundo Gomís da Silva.
« Thomaz d' Aquino e Oliveira.
«Joaquim Reitor Motta.
€ Bento José Machado,
«João José Ventura.
«Manoel Moreira Figueiredo.
«Pedro Anacleto da Silva Lopes.
«Joaquim Fernandes Passos,
«Manoel António de Freitas,
«Germano do Prado Ferreira.
«João da Silva Torres.
«Joaquim Pereira Novaes.
«José Rodrigues Lage,
«José de Souza Pereira Júnior.
«Clemente dos Santos.
«Francisco de Paula Farias,
« Custodio Alves de Farias.
«António Rodrigues Vieira.
« Sebastião Pio da Costa.
«António Teixeira Godoy.
« António Alves Moreira,
«Joaquim Zeferino de Magalhães.
«Joaquim José de Oliveira.
« Francisco Rodrigues Vieira.
«Joaquim José Rosa.
< Germano Mendes de Brito,.
,dbyGoogle
A circulaK de THEonniLO OTTOXi 361
«Quintiliano Messias da Costa.
«Joaquim José dos Santos.
< Florêncio José Pereira .
«Joào Prisco Alves de Araújo.
« Martiniano da Costa Torres.
< Bernardino, de Souza Brandão.
« Pauto Procopio da Silva MonteírO(
« Manoel Lazaro da Assumpção.
«José Marcellino da Cruz,
«José Joaquim de Andrade.
< Manoel Jacintho da Fonseca.
«Antonb Pires da Silva Pontes.
«João Alves dos Santos.
«José Alves de Araújo.
«Joaquim Basílio dos Santos.
«Basílio José Vieira.
«Caetano Rodrigues Malta.
« Felício José de Mendonça.
« Basílio José da Costa.
« Raymundo Ferreira da Silva,
«Joaquim de Souza Pereira Primo,
« Itabira de Matto-Dentro, 18 de agosto de 1851. »'
Do Itamontano. que então se publicava no Ouro-Preto,
e de que até essa data eu fui na córie um dos correspondentes,
vou copiar a resposta que dei aos meus amigos de Itabira:
«Concidadãos !
« Os jornaes teem dado noticia de um programma oppo-
sicionista, no qual pareceu-nos, não só pelo seu contexto,
como por circumstancias que precederão a sua publicação,
pão estarem formulados sufficientes compromissos para com
ás idéas políticas que em nossa curta e insignificante vida
publica cuidamos ter servido com alguma constância.
« E, como não desejemos contribuir de modo algum para
que uma nuança qualquer da opinião libera] chegue ao poder
sem intenções previamente confessadas, que lhe dêem a força
moral indispensável á realização das grandes reformas que
são reclamadas pela nação, por esses motivos escniputisámos
,dbyGoogle
^63 REVISTA DO INSTITUTO HISTOHICO
ficar comparticipantes do mencionado prc^amma, e assim
o declarámos pura e simplesmente em uma correspondência
transcripta no Jornal do Commercio de 22 de julho.
< Coube-nos a fortmia de que esta nossa declaração tão
benevolamente fosse por vós interpretada que, qualiíicando-a
como prova de lealdade para com o partido liberal e para
com o paif, tendes a bondade de galardoa-la com a honrosa
congratulação da vossa carta de 18 de agosto passado.
< Altamente penhorados por tamanha distincção, pro-
curaremos não desmentir a vossa confiança, persistindo com
firmeza em o nosso modesto posto de honra, bem compene-
trados da importância dos deveres que nos impÕe a lisongeira
adhesão de nossos comprovincianos .
« E tanto mais grato nos é o brinde com que fomos sau-
dados do pico de Itabira, porque em suas expressões encon-
tramos provas do bom e patriótico espirito que anima a oppo-
sição mineira, convencida sem duvida que, embora se
prolonguem um pouco mais os soffrimentos da actualidade,
cumpre que olhemos para o futuro, não com a mira era
Victorias ephemeras e concessões precárias ou pouco sinceras,
mas com a firme intenção de conquistar e consolidar as ga-
rantias de liberdade que nos faltão.
« Possuídos destes sentimentos, temos a satisfação em
nos assignarmos
c Vossos patrícios e agradecidos amigos
< Theophilo Benedicto Ottoni.
< Chrístiano Benedicto Ottoni .
«Rio de Janeiro, 15 de setembro de 1851. »
Estava eu nessas disposições de espirito quando fuí
chamado a tomar assento na camará dos deputados como
supplente por Minas.
Ainda nessa conjunctura foi o pudor da coherencia que
determinou o meu procedimento.
Havia eu protestado contra a l^alidade da eleição, não
só em razão das violências praticadas contra a opposição
em muitas freguezias, como especialmente iielo vicio da
origem .j
,dbyGoogle
A CIRCULAR DE THEOPHIIO OTTONI ,163
A lei de jg de agosto de 1846 dispõe terminantemente
que, dado o caso de dissolução, a eleição da nova camará se
faça pela qualificação do anno anterior ; de ordem do governo,
o processo eleitoral se fizera pela qualificação novissima.
Resignei, por isso, o logar de deputado.
Afastado da politica procurei outro terreno, em que
pudesse ser útil ao meu paiz.
Uma idéa grandiosa me havia assaltado o espirito.
Eu a segui com ardor proporcional á importância do
objecto que representava.
Quem ha ahi mineiro que ignore o que é a empreza do
Mucury e os motivos patrióticos que a puzerão em scena?
Tratavã-se de abrir fácil sabida para o oceano a mais
de 200.000 mineiros.
Tratava-se de lhes proporcionar terrenos fertilissimos
e tão vastos que em poucos annos poderião vender ao estran-
geiro tantos milhões de arrobas de café como o valle do
Parabyba.
Tratava-se de absorver a princeza dos Abrolhos na pátria
de Tiradeiites — crear um magnifico porto de mar para a
briosa provincia de Minas.
E, se não devesse Minas continuar peça inteiriça, e nova
estrella se houvesse de destacar da constellação mineira e
da promogenita de Cabral, tratava-se de abrilhanta-la de
modo que, ao apparecer entre as demais irmãs, não desmen-
tisse a sua nobre linhagem.
Era arrojado o esforço, e bem se me podia dizer:
Uagna petía, Ptiacton, «t qux non vitíbus iilis.
Mas o Rubicon estava passado.
■ Arrisquei um cento de vezes a minha vida, arruinei a
minha saúde e sacrifiquei os meus interesses.
Foi mister sujeitar-me ao agro viver das mais inhospitas
brenhas. Era somente cada anno, quando volvia ao Rio de
Janeiro, que eu avaliava o insano da luta em que estava em-
penhado.
Então, comparando as doçuras do lar domestico com a
vida agreste das selvas, confesso que me arrependia do passo
temerário que havia dado.
,dbyGoogle
364 REVBTA DO IMSTITtm) HMTOHKO
Mas de volta ao Mucury. a imaginação predominava,
e iwr entre os espinhos via somente as flores.
A' proa do meu gentil Peruipe, eu me enlevava ao ve-lo
cortar desembaraçado as torrentes, naquelles mesmos logares
onde três annos antes a canoa rompia com difficuldade por
entre o balseíro.
Se atravessava ao galope as florestas ainda ha pouco
virgens de todo o contacto com o homem civilisado, se me
afigurava, mesmo ao correr, estar reconhecendo frescas as
peadas do meu sapato ferrado, primeiro que alli tinha
pisado.
Oh ! que emoções me assaltavão quando ao cruzar as
veredas dos selvagens eu era detido aos gritos : — Pogirum I
Pc^irum ! com que alegres me davão a boa vinda essas ca-
bíldas, que a historia aponta como as mais ferozes entre
os anthropofagos.
E que effectivamente ainda dons ou três annos antes
erâo o terror da minha própria bandeira.
E cujos horrorosas proezas ainda o mez passado se fi-
zerão sentir no Rio-Doce.
Quando pelas estradas, que, engenheiro, administrador
t operário, eu tinha improvisado, encontrava, aqui a barraca
de uma tropa, alli um carro tirado por bestas, mais adiante
outro de bois carregando fardos de fazendas, que ião chegar
.'I Minas-Novas dous mezes mais cedo do que pelas velhas
estradas, cheia estava a medida dos meus desejos.
Em 1857 foi talvez com sentimentos de vaidade que per-
corri no meu carrinho as 27 Xj léguas da estrada de Santa
Clara, e no dia 23 de agosto entrei tríumphante na minha
Philadelphia.
Sob as impressões em que este complexo de drcum-
stancias me embalava não havia arrependimento possivel,
todos os sacrifícios me parecião compensados.
Sentia-me mesmo com disposição de os fazer maiores,
e me suppunha sufficientemente forte para, daquelle reducto ,
que havia levantado, inutilisar quaesquer tramas que ur-
dissem contra o emprezario e director da companhia do
Mucury.
Parecia-me que, pisando o solo do Mucury, crescia o
D,gt,zedbyGOO<^le
A CIRCULAR DE T11EOPIIIL0 OTTOHI 365
meu alento na proiwrção da base larga e solida em que podia
apoiar-ine.
Ligado por laços multiplicados aos interesses daquella
terra, que minha fora, ainda que mineiro eu não fosse, me
considerava na posição desse gigante invencivel emquanto
se podia aquecer ao seio materno.
Mal pensava que a clava ministerial cm mão de qual-
quer Hercules burlesco podia arredar do thcatro dos seus
serviços o director da companhia do Mucury, e então facil-
mente suffoca-lo.
E é o que succedeu.
Não referirei a historia das ultimas crises da companhia
do Mucury ; ctunprometto-me, porém, a escreve-la mais de es-
paço e detalhadamente.
E' sabido que ha um anno interrompi os importantes
trabalhos da estrada do Alto dos Bois, por não poder su-
jeitar-me ás duras condições que, contra toda a lei e todo o
direito, pretendeu impor á companhia do Mucury o mínistiiç
da fazenda, o Sr. Angelo Moniz da Silva Ferraz, o qual fez
dependente de clausulas inaceitáveis a entrega do emprés-
timo feito por conta e ordem da companhia, e que indevi-
damente está retido no thesouro.
Para provar-vos que as minhas exigências não erão de-
sarrazoadas, bastará lembrar que o ministro do império, o
Sr. João de Almeida Pereira Filho, estava em antagonismo
com o seu collega da fazenda, e pretendeu debalife que jus-
tiça fosse feita á companhia.
Estabelecido o conflicto em razão da diversa intelligencia
dada pelos dous ministros á lei de 8 de junho de 1859, fez-se
appello para o corpo legislativo, que tinha de explicar o
sentido controvertido.
De accordo comigo, a deputação mineira unanimemente
comprehendeu os verdadeiros interesses da província, e
propoz a pedida explicação, intercalando a respeito tia lei
de orçamento um artigo additivo.
Esta explicação, impugnada pelo ministro da fazenda,
foi retirada pelos nobres deputados por Minas, que em tal
coUisão tiverão de abraçar o alvitre, insinuado pelo ministro,
.gle
366 REVISTA DCUNSntUTO HISTÓRICO
de encampar-sc d contrato com a companhia do Mucury,
pagando-se aos seus accionistas o capital realizado.
Em vista do occorrido, reuni os accionistas da com-
panhia, c fui por elles autorisado a aceitar as condições que
o governo imperial nos impunha, tendo-iue eu abstido de
tomar parte nessa questão, e tendo tido os accionistas a
generosidade de declarar que a sua acceitação subentendia que
ficavão salvos os direitos que, na forma do art. 22 dos esta-
tutos, tem o emprezario a uma indemnisação. Pela minha
parte comniuniquei esta deliberação ao governo imperial;
mas , não querendo que meus interesses pecuniários pu-
dessem embaraçar uma solução que no estado actual das
cousas os accionistas desejão, antecipadamente declarei ao
governo imperial que essa indemnisação que me é devida não
devia prejudicar nem retardar a solução da questão, porque
acerca do meu direito eu me louvava no que deliberasse a
a secção do conselho de estado dos negócios do império, pro-
testando nada reclamar se me for contraria a sua decisão.
Assim, a encampação da companhia do Mucury deve
suppor-se um negocio acabado, e eu aguardo somente as
ordens do governo imperial para saber a quem devo fazer
entrega da administração.
No entanto a empreza do Mucury não morreu. D'ora
em diante não é mais negocio em que quemquer que seja
possa enxergar pretenções individuaes. E' imia empreza geral
que interessa ás províncias do Espirito Santo, Bahia e mais
especialmente á de Minas, cuja deputação se estiver unida
na futura legislatura pôde obter que justiça se faça neste
e em outros pontos á nossa provincia, tão desconsiderada e
mesmo ludibriada pelo ministério actual.
Pelo que me diz respeito, applaudo-me considerando que
a provincia de Mínas-Geraes não está circumscripta ao Mu-
cury, e que, se um voto parcial dalli me arrancou, mil votos
imparciaes ijodem designar-me outro posto em que, debel-
lando os Hercules do cortezanismo e da oligarcliia, eu tenha
a gloria de ser\ir, não somente aos interesses de Minas como
aos do Brasil em geral.
,dbyGoogle
Candidatura Bonatorla
Em 1857, inaugurada a estrada, do Mucury, comecei a
perguntar a mim mesmo se não era tempo de saber o que
se havia feito em politica durante a minha longa abstenção.
Havia no senado duas vagas por Minas, Apresentar-me
candidato á senatoria, não tendo solicitado um logar na mi-
lícia activa da deputação, parecia-me pouco consentâneo com
os meus antecedentes.
Qaiz, porém, significar aos mineiros que me achava
prompto para entrar em actividade politica se os meus ser-
viços fossem reclamados.
O Sr, Carneiro Leão acabava de descer ao tumulo, com
o seu recente titulo de marquez de Paraná, sem ter podido
realizar o pensamento reformador que na opinião geral o
acompanhara durante o seu ultimo ministério.
Nove annos depois das revelações feitas ao senado por
occasião da dissolução do gabinete de 20 de janeiro de 1843
havia o Sr, Carneiro Leão entrado novamente para um mi-
nistério que organisára.
Não era já o corajoso orador da oligarchia, que em 1S41
mais contribuirá para as vtctorias e conquistas dos Césares,
e que sustentara com calor essa these famosa que tive a
gloria de prof ligar: «O governo é sempre legal, a cujo
frente está Sua Magestade o Imperador. >
O Sr. Carneiro Leão de 1853 era o pamphletista para
quem não ha na constituição poder algum absoluto, nem
mesmo o poder moderador quando nomeia os ministros.
Era o estadista que nas explicações dadas ao parlamento
acerca da dissolução do outro gabinete a que prisidira se
havia abalançado a denunciar os excessos do governo pessoal
e sua interferência indébita na organisação dos gabinetes. .
368 nEVISTA 00 INSTITUTO HISTÓRICO
Era o conservador que eni 1845 e 1846 mais se havia
empenhado no senado pelo triumpho da lei eleitoral qu« os
liberaes havião proposto.
E que em 1848 auxiliara poderosamente o Sr. Paula
Souza para traduzir eni lei as incompatibilidades dos funccío-
narios públicos nas eleições populares.
Ou fosse desgosto contra o governo pessoal, em razão
do que os Césares soffrérão no aimo de 1844 e seguintes, ou
nobre reconhecimento de passados erros, o certo é que nos
últimos annos de sua vida o Sr. Carneiro Leão pareceu de-
sejar sinceramente a fusão dos dous grandes partidos politicos,
para assim regenerar o systema representativo.
Nessa intellígencia os liberaes prestarão apoio ao seu
ultimo ministério, depois que elle, acudindo ao reclamo da
patriótica manifestai;ão de Vassouras, pareceu entrar fran-
camente nos caminhos do progresso.
Bellas esperanças, que todas murcharão em flor I
Mas que, amenisando a lousa do illustre morto, ainda
por algum tempo embalarão docemejite o. paiz.
Foi sob as impressões desses factos que eu tive a honra
de vos escrever a seguinte:
€ Srs. eleitores mineiros ! — Ha algum tempo que ouvis
proclamar do alto das cadeiras minísteriaes a necessidade de
reformas em nossa organisação politica.
< Parece que a voz do povo encontrou éco nas regiões
do poderi"
« As promessas de melhoramento, o prc^ramma da li-
berdade de voto e de reforma parlamentar, aconselhavão
aos abaixo assignados que persistissem na inércia politica,
em que se teem conservado estes últimos annos.
« Cumpria não perturbar o trabalho regenerador se, como
õ de crer, nelle se empenhão os obreiros com sã consciência
e patriótica sinceridade.
« Se ao contrario alguma decepção amarga ameaçasse o
paiz, desejarão os abaixo assignados esquivar-se á respon-
sabilidade de figurar em tal profanação.
D,3t,ZBdbyGOO<^le
DE THEOPHILO OTTOHl 369
« Neste intuito se abstiverão de toda a interferência nos
preparativos para o festim eleitoral que vai ter logar no paiz ;
aliás resolvidos a aceitar o mandato espontâneo, que porven-
tura os seus concidadãos lhes conferissem.
« Podendo, porém, este procedimento ter sido attribuido
a reprehensivel indifferentismo, os abaixo assignados se
julgão na obrigação de explicar-se perante o respeitável corpo
eleitoral de Minas, cujos suffragios os teem honrado mais
de uma vez.
«E volverão novamente ao silencio da vida privada e
ao cumprimento de outros deveres, em cujo desempenho (*)
se lisongeão de prestar serviços á sua pátria.
€ No entanto, para que a abstenção politica dos abaixo
assignados não seja interpretada como abandono dos prin-
cípios a cuja defesa teem elles consagrado os melhores annos
de sua vida, se aproveitão da opportunidade da eleição de
dous senadores que vai ler logar na provinda, e chamão a
attenção do corpo eleitoral para uma necessidade palpitante
ua actualidade.
« Foi encetada pelos poderes do estado a reforma elei-
toral, mas combinadas de tal sorte as disposições novíssimas
que, podendo melhorar a representação temporária do paiz,
nenhuma influencia terão na escolha dos representantes vi-
lalicíos.
< Anomalia inconcebivel !
« Dir-se-hia que o pensamento reformista progrediu até
ás portas do senado, e que ahi se lhe fecharão os reposteiros,
5 E' assim que a eleição por círculos attenderá de ora
em diante aos interesses legítimos de todas as localidades
proscrevendo o falseamento das urnas por meio das chapas
provinciaes; e todavia a dos senadores aínda se fará pelo
velho systema, que a lei aboliu por vicioso.
« Reflecti, senhores, e só encontrareis a explicação ló-
gica desta anomalia no estéril principio da vitaliciedade.
€ Velha instituição, que, imitando a medo as dos governos
aristocráticos, jjossue todos os defeitos e nenhuma das van-
tagens do pariato hereditário.
<*) Emprcii do Mucuíí. — Estrada de ittto de D. Fedro II.
DiBlradbjGOOgle
370 REVISTA DO IN8TITDT0 HISTÓRICO
« Srs. eleitores mineiros, se desejais o prt^resso refle-
ctido e pacifico, a reforma sem lutas violentas, tentai inocular
no senado o principio reformista.
€ Purifiquem-se dos vicios reconhecidos as eleições da
segunda camará.
€ Sejâo chamados os senadores ao juizo das urnas, como
os deputados, embora em mais largo período.
« Invocando estes princípios, os abãíxo assignados hão se
dirigem exclusivamente a partido algum, porque a reforma
do senado é pensamento gravado na consciência de todos os
brasileiros patriotas, sem distincção de creíiças politicas.
€ Srs. eleitores mineiros ! Em nome da paz, do pro-
gresso e da concórdia politica vos pedem os abaixo assi-
gnados : — elegei deputados e senadores que expressamente
se compromettão a pugnar por todos os meios tegaes :
tPela eleisão dos senadores por circulas.
'4 Pela renovação parcial do senada em cada legislatura,
« Theophilo Benedicto Ottoni.
€ Christiano Benedicto Ottoni.
« Rio de Janeiro, 7 de outubro de 1856. >
Estive sempre persuadido que um senado vitalício dá so-
mente garantia aos interesses indivíduaes dos senadores e
de suas famílias.
O senado temporário da Bélgica tem sido alli o fiador
da monarchia constitucional.
Senado vitalício, acostado a .conselho de estado vitalício,
não pôde trazer outro resultado senão a mais detestável das
oligarchias .
No entanto no meu programma de 1838, apresentado á
camará dos Srs, deputados, não vem uma só palavra acerca
da reforma do senado.
Por três legislaturas já tive a honra de occupar uma ca-
deira entre a deputação de Minas; subi repetidas vezes ú
tribuna, e nunca propuz nem advoguei a reforma do senado.
Seria por estarem modificadas minhas opiniões acerca da
vitaliciedade do senado?
De nenhum modo. Tudo, porém, quer occasíão opportuna.
Se reflectirdes no que escrevi á pag. 21, reconhecereis
,dbyGoogle
A CIRCULAR DE TBEOPBILO OTTONt 3?!
que desde o verdor (fos annos eu não adniítto reformas cou-
stitucionaes senão dictadas pelo progresso da .razão publica
c amadurecidas mediante uma discussão diuturna.
Somente o progresso lento e reflectido ha de trazer-noa
uma reforma conveniente no senado.
E' preciso aproveitar-se a occasião propicia, e se a qui-
zerem crear artificial o principio liberal pódc perder, em vez
de ganhar.
Eu me explico.
Se o governo pessoal se persuadir que é mais conforme
com o direito divino que a escolha dos senadores se faça
livremente e deixe de ser inquinada pelo filtro eleitoral, re-
formar o senado fora desservir o principio progressista.
Com effeito, o elasterio dado ao adverbio livremente do
art. lOi S 6' da constituição e a omnipotência ministerial e
policial consagrada em nossa legislação habilitão quaesquer
estafermos de posse das pastas para manipularem uma ca-
mará constituinte e decretarem que a composição do senado
seja da privativa competência do poder moderador.
Ora, a um senado exclusivamente palaciano eu prefiro
o senado actual com todas as suas mazelas.
Quizera, porém, de preferencia o que estava decretado
na constituição de 30 de julho de 1832, a qual tirava á coroa
o direito de concorrer com os eleitores para a formação do
senado.
E, escrevendo em 1857 acerca de eleição senatorial, era
indispensável que os Srs. eleitores soubessem minha opinião
sobre esta importante questão.
E' claro que a minha circular não significava, como se
pretendeu inculcar, que, entrando para o senado, eu iria
propor uma tal reforma, que aliás somente pôde, na forma
da constituição, ter iniciativa na camará dos deputad""
A minha manifestação nada significava senão
tenho o pundonor da coherencia, e que conserva\
ainda conservo, aquella opinião, de nenhum modo het
Significava que, se eu- fosse senador e da can
deputados fosse dirigida, em tempo que me parecess
tuno, uma proposição, por virtude da qual os eleitore
autorisados a dar poderes constituintes aos deput
byCoogIe
371 REVISTA DO INSTITBTO HISTÓRICO-
seguinte legislatura para reformarem a constituição em refe-
rencia ao senado, eu havia de votar para que aquella pro-
posição da camará dos deputados fosse dirigida ao imperador,
declarando-se, na forma da constituição, que era útil e van-
tajosa, e pedindo-se a sancção a Sua Magestade Imperial,
Fica também fora de duvida que o tempo somente me
pareceria opportuno para a reforma se eu tivesse fundada espe-
rança de que, em substituição á camará vitalícia, se decre-
taria um senado temporário e electivo, como a camará dos
deputados, salva a differença razoável nas condições de ido-
neidade e de duração das funcçòes.
Era, portanto, aquella circular um acto de franqueza e
de lealdade de candidato honesto para com os seus consti-
tuintes.
Minhas palavras singelas desafiarão a vossa genero-
sidade, Srs. eleitores mineiros, e, sem distincção de partidos,
vossos votos espontâneos captivárão a gratidão do candidato
que apenas indirectamente se apresentara.
Veiu depois a eleição de 21 de agosto de 1858.
Então eu me dirigi francamente aos meus illustres com-
provincianos.
Todos vós, Srs. eJeitores, tereis em lembrança a lin-
guagem da minha solicitação.
Penhorado sobremodo pela circumstanda de ter sido na
eleição anterior votado promíscua e espontaneamente !por
ambas as parcialidades em que a provincia está dividida, eu
considerei que era de minha parte um dever de delicadeza
não dar còr politica á minha candidatura.
Por isso, sem dizer uma palavra que estivesse em con-
tradicção com o meu passado, eu me limitei em minha cir-
cular de 10 de junho de 1859 a declarar-mc candidato sob
os auspicies da \ossa benevolência.
E, dirigindo-me especialmente aos conservadores meus
amigos, eu Jhes dizia:
« As cadeiras do senado, na forma da constituição, são
destinadas para recompensar os serviços prestados ao estado.
Se julgais que teem alguma importância os beneficios que
a empreza do Mucury já está prestando á nossa provincia,
dai um voto ao emprezario, dai um voto ao mineiro que pri-
,dbyGoogle
A CmCULAn DE THEOPHILO OTTOSI 373
meiro levou um vapor do Rio de Janeiro á província de
Minas. »
Primeiro na escala da votação, eu me considerei sobe-
jamente galardoado com essa obsequiosa manifestação de
meus comprovincianos.
E quando, submettida a lista triplice ao poder mode-
rador, foi escolhido o segundo votado, o Sr. conselheiro Luiz
António Barbosa, não fui dos últimos a reconhecer que jus-
tiça fora feita.
Muitos dentre vós poderão verificar que esta linguagem
está em perfeita harmonia com a minha correspondência de
então.
Justiça fora feita.
O Sr. conselheiro Luiz António Barbosa, politica a
parte, era um mineiro que honrava a nossa província. Ma-
gistrado da maior integridade, administrador zeloso e orador
íUustrado, é deplorável que tão prematuramente fosse rou-
bado ao senado, de que seria um dos mais bellos ornamentos.
Antes da sentida morte do Sr. conselheiro Barbosa outra ca-
deira tinha vagado no senado.
Honrado como eu havia sido pelos meus comprovincianos,
não me apresentar candidato na eleição de ii de fevereiro deste
anno fora revelar um despeito tão pretencioso como ridículo.
Kovamente appareci solicitando a vossa benevolência
e a vossa generosidade.
Com o resultado da eleição de ii de fevereiro deste
anno fiquei confundido.
Com fundamento ou sem elle, se me afigurou que, apezar
do mérito real que os distinguia e das sympatbias que os
meus illustres competidores justamente desafiavão-se, havia
na maioria dos collegíos estudados expedientes — -
meu humilde nome fosse submettido com algum;
ã consideração da coroa.
Segunda vez me couberão as honras do prii
na lista triplice, avantajando-me em 174 votos
gundo votado e em 294 sobre o terceiro.
E tão uniforme se manifestou a vontade d
que, se a eleição de senadores se fizesse por cír
a dos deputados, eu teria tido a gloria de ser
lyCoogle
374 REVISTA DO msTITITTO HISTÓRICO
ã coroa pelos 20 distríctos- eleitoraes de Minas, primeiro da
lista triplice em treze, segundo em cinco, terceiro no decimo
nono, c ficando empatado em terceiro Ic^ar no vigésimo.
Em 19 dos circulos eu teria sido apresentado á coroa pela
maioria absoluta dos eleitores, só o sendo por maioria rela-
tiva em um circulo, onde aliás obtive 43 votos em 85 elei-
tores.
Pareceu-me que eu podia exclamar como Cícero, eleito
cônsul, e, como acontecia a meu respeito, primeiro na escala
da votação:
Me omnes ordines, me universo civitas, me cuncta Itália
tion prius tabeliã, quatn você, priorem consulem declaravit.
Os partidos sem discrepância, a universalidade dos colle-
gios, a província em massa, antes que as urnas faltassem,
me designavão a uma voz para senador do império.
No entanto, submettida a lista triplice á illustrada con-
sideração de Sua Magestade o Imperador, foi escolhido o
Sr. Manoel Teixeira de Souza, terceiro votado.
A escolha foi publicada nos jornaes do dia 28 de abril
do corrente anno, e no dia immediato sahiu á luz a minha cir-
cular dã mesma data, declarando que eu não seria candidato
na eleição senatoria a que tinha de proceder-se em conse-
quência do prematuro f allecimenHo do Sr. conselheiro
Barbosa.
Se eu tivesse por costume antepor meus interesses indi-
viduaes á causa publica não teria escripto a circular de 28
de abril.
O damno que a minha linguagem rude ha de acarre-
tar-me é talvez irreparável; mas a tudo me resigno conso-
lado, porque o meu procedimento, por excepcional que fosse,
deu occasião a uma discussão larga e proveitosa sobre o
mecanismo da nossa constituição" nas suas mais transcendentes
disposições. A' guelgue chose malkeur est bon.
Aferiu-se o poder moderador pelo padrão constitucional
e reconheceu-se que nas medidas usadas havia manifesta fal-
sificação.
A imprensa e a tribuna ecoarão o pro e o contra.
No trimestre immediato á escolha senatoria de Minas
Google
A CIRCULAR DB THEOPHILO OTTOMI 37$
tnultiplicárão-se acerca das attribuições do poder moderador
as publicações jornalísticas e pamphletos.
Um intitulado — Monarchia e democracia — sahiu da
penna do principal defensor official do ministério nas co-
lumnas do Jornal do Commercia.
Publicou-se outro em S. Paulo, em que sobresahe a in*
conveniência do titulo: — Opoder moderador e o Sr. T. B,
Ottoni.
Um publicado nesta corte cm anonymo e com o titulo —
Da naturesa e limites do poder moderador — é o escripto
mais importante dos que se teem levado aos prelos sobre o
objecto; tem sido geralmente attribuido ao ílluatrado Sr. con-
selheiro Zacharias de Góes e Vasconcellos.
As conclusões seguintes, com que o Sr. conselheiro Za-
charias encerra o seu folheto, dimanão, por uma deducção
lógica e rigorosa, dos princípios mais sãos bebidos na letra de
nossa constituição, e em muitas e valiosas autoridades, apro-
priadamente adduzídas pelo illustre pamphletista.
< Concluamos, diz S. Ex. ;
« No exercício do direito de graça, ou de qualquer outra
funcção do poder moderador, assim como no das do poder
executivo, a responsabilidade ministerial é, em nossa forma
de governo, uma consequência necessária, irrecusável, da in-
violabilidade do imperante.
« O actual imperador dos francezes não se apoia na res-
ponsabilidade de seus ministros; mas a razão disso está no
art. 5° da constituição daquelle paiz, que declara o chefe
do estado responsável perante o povo francez.
€ O chefe do estado iR União Anglo-Americana não
depende da responsabilidade ministerial ; mas ahi esse chefe
é directamente responsável e sujeito a uma jurisdicção con-
stituida.
« Não ha meio termo : em paiz livre, ou pelo menos não
de todo escravo, ou o chefe do estado é responsável, e neste
caso decide e governa como entende, sem necessidade de
firmar-se na responsabilidade de seus agentes; ou elle é irres-
ponsável, e então não ha funcção, não ha prerogatíva que
possa exercer sem o arrimo da responsabilidade ministerial,
ogle
376 REVISTA DO INSTITDTO HISTÓRICO
responsabilidade que, ainda não estando expressamente esta-
belecida, não é menos incontestável, visto que decorre da
Índole do systema politico consagrado na lei fundamental do
paiz.
«E com ef feito, para que os ministros não respondessem
entre nós pelos actos do poder moderador, dous artigos, além
de outros, fora preciso cancellar da constituição do império,
a saber:
«O art. 3°, CUJO theor é: cO governo do Brasil é mo-
narchico hereditário, coftstituctoiídl e representativo. »'
< E o art. 99, que diz : < A pessoa do imperador é in-
violável e sagrada. Elle não está sujeito a responsabilidade
alguma. >
Em uma advertência preliminar pulverisou o Sr. con-
Iheíro Góes e Vasconcellos diversas proposições dos mi-
nistros do império e da fazenda quando este anno perante
as camarás pretenderão demonstrar que os ministros nada
teem que ver nos actos do poder moderador, mas que não
obstante nenhum se recusaria a tomar a responsabilidade
desses mesmos actos.
Ao nobre ministro da fazenda fiquei devendo especial
fineza pelo empenho que S, Ex. mostrou ter nessa occasião'
■de discutir a preferencia dada ao Exm. Sr. Teixeira de
Souza.
Cumpre confessar que é uma descoberta em direito pu-
blico constitucional esta singular theoria da responsabilidade
ministerial voluntária I
Os ministros são responsáveis emquanto quizerem ter
a generosidade de o ser.
Não é por certo esta nova espécie a responsabilidade
dogma que o systema constitucional suppôe.
O systema constitucional impõe aos ministros a respon-
sabilidade de amores nos actos do poder moderador.
A nova theoria colloca os ministros na posição dos
testas de ferro, conhecidos da imprensa, que se responsa-
bilisão pelo que outros escrevem.
No entanto os expositores da doutrina forão inspirados
pela musa da historia.
DigtizedbyGOOgle
A CIRCUUia BE THEOPHILO OTTONI 377
Professarão a jurisprudência dos precedentes, pois que
é innegavel que, tanto no primeiro como no segundo reinado,
os ministros teem sido no império do Brasil responsáveis
somente na qualidade de testas de ferro,
A imprensa fluminense fez justiça ao luminoso trabalho
do Exm. Sr. conselheiro Góes e Vasconcellos. Eu a acom-
panho no juizo imparcial que emittiu. E na maior since-
ridade reconheço que S. Ex. prestou ao paíz um serviço
relevante.
Mas não posso deixar de deplorar que S. Ex., sem
duvida porque em minha circular de 28 de abril eu me não
exprimisse com a devida clareza, sem nomear-me, pareça
emprestar-me opiniões que não professo nem alli estão con-
signadas, e supponha no meu modo de proceder motivos que
me não guiarão.
Não me pôde caber a imputação de que eu figurasse
a coroa na nomeação dos senadores livre como o pensa-
mento.
Se eu disse que a prerogativa não tinha limitação,
motivei essa declaração pela circumstancia de ser o poder
moderador o Juiz da preferencia que a constituição manda
dar ao mais digno, sem que de modo algum negasse a respon-
sabilidade dos ministros pelos actos do poder moderador.
Também não disse que, deixando de recahir a escolha
sobre um candidato apresentado seguidamente diversas vezes,
isso trouxesse dezar á provincia que o apresentava. Menos
queixei-me da preterição, considerando-me mais digno do que
o nomeado.
Limitei-me a explicar os motivos Ja minha desistência,
que é também um direito, e tão sagrado pelo menos como
o que tem o poder moderador de escolher entre os eleitos
o individuo que lhe parecer maís digno.
Commemorei as diversas coincidências segundo as quaes
talvez mal aconselhado pelo amor próprio, que sem duvida
engana a muita gente, e me deve ter enganado muitas
vezes, acreditei que os collegios eleitoraes, guardadas as con-
veniências, havião revelado sufficientemente que ambicio-
navão a minha escolha.
D,3 zB<ibyCOO<^le
378 KcrmA do ntvmmo butorico
A província podia assim interceder por um individuo
que não fosse digno da mercê; mas, se o pediu, houve rae-
nospreço no indeferimento, E por isso eu disse :
«Essencialmente mineiro, se me fattão os predicados
para ser escolhido senador do império, sobra-me patriotismo
para zelar o nome e pundonor da minha província. » E por
isso deixei de apresentar-me.
Se eu me equivocava acerca da aspiração dos dignos
eleitores mineiros, cessavão sem duvida o menosprezo e o
dezar, mas haveria nesse caso dobrada razão para que eu
não solicitasse uma nova eleição.
Por ultimo, é muito expressa e sem restricção mental
a declaração que fiz na circular de que sou o mais obscuro
e talvez dentre os da lista tríplice o que menos serviço tenha
prestado ao paiz.
Não se pense, porém, que exagero a modéstia ao ponto
de admittir que uma cadeira de senador deva estar fora do
alcance de minhas aspirações.
O nome de Theophilo Benedicto Ottoni, se não é des-
conhecido na briosa provincia de Minas-Geraes, também não
o pôde ser perante a coroa.
T. B. Ottoni em 1845 foi o orador da deputação que
em nome da camará dos deputados levou ao imperador as
felicitações pelo feliz nascimento de Sua Alteza Imperíal o
fallecido Sr. príncipe D. Affonso.
T. B. Ottoni em 1846 foi o vice-presidente da camará
dos deputados, que de ordem de Sua Magestade o Imperador
teve de ser convidado pelo ministro do império para assistir
ao baptisado de Sua Alteza Imperial a Sereníssima Sra. prín-
ceza D. Izabel.
T. B. Ottoni, na qualidade de vice-presidente da camará
dos deputados, e por designação especial de Sua Magestade
o Imperador, foi um dos seis grandes do império que teve
a honra de carregar uma das varas do pallio, sob o qual
passou o berço de Sua Alteza Imperial do paço para a ca-
pella imperial.
T. B. Ottoni é o deputado que de 1845 a 1848 foi apon-
tado pela imprensa opposicíonista como chefe da patriótica
. Google
k CIRCULAR DE THEOPHtLO OTTOKI Z?9
maioria da camará dos deputados, bem que seja dle o pri-
meiro a reconhecer que tal qualificação não lhe podia caber
em «ma camará onde avultavão estadistas e oradores como
os Andradas, Limpo de Abreu, S. Torres-Homem, Gabriel
Saturnino, Urbano, Marinho e outros muitos.
No entanto:
T. B. Oltoni, insignificante deputado pela provincia
de Minas-Geraes, merecia nesse tempo alguma consideração
aos seus collegas e aos ministros da coroa, alguns dos quaes
lhe fizerão a honra de o ouvir com obsequiosa complacência
mesmo sobre as organisações ministeriaes, como por certo
não terá escapado á perspicácia de Sua Magestade o Im-
perador.
Dadas estas circumstancias felizes para mim, posso li-
songear-me que do meu humilde nome subsistão alguns ves-
tígios nas altas regiões da corte.
Lá, onde se conhece dia por dia a vida dos brasileiros
que estão na scena publica.
Lá, onde apparece em notas transparentes a tarifa das
consciências e suas applicações, se sabe perfeitamente que
o deputado Ottoni nunca se curvou ou bajulou, e nunca es-
peculou com a politica,
E, portanto, se acaso o ministério de lo de agosto, sub-
mettendo á consideração da coroa a ultima lista senatoría de
Minas, commemorasse alguns dos serviços que tenho tído a
fortuna de prestar ao paiz ;
Se lembrasse, por exemplo, que o desinteresse e inde-
pendência são traços característicos da minha biographía par-
lamentar ;
Se soubesse e mencionasse a parte que tomei na paci-
ficação do Rio-Grande;
Se tivesse um momento de remorsos para accusar-se da
guerra ignóbil que tem feito á patriótica empreza do Mu-
cury, e penitente confessasse os serviços relevantes que, ar-
riscando a minha vida, arruinando a minha saúde e compro-
mettendo a minha fortuna, glorío-me de haver alli prestado;
Não seria do espirito elevado do imperador que poderíão
nascer objecções pequeninas para que me não fosse expedida
Cooglc
RBTISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
a carta imperial, embora em minha rustícidade não pudesse
eu allegar como o cortezão de Pliilinto:
Cinsadoí ittvitoi: por vinte ai
Alio ter curttdo o» venenndoí
Tijoloi de paticio, e feito airoui
No bcij>-mlo » lalJtBi mctursi.
.ibiGoogle
Candidatara á camará temporária
Comecei esta carta dizendo-vos francamente que ia es-
crever uma circular de candidato.
Nas circumstancias excepcionaes em que fui coUocado,
minha candidatura para a camará temporária, que em outros
tempos fora talvez uma velleidade condemnavel, hoje é po-
sição obrigada e um dever de honra.
Acolhidas tão benevolamente como forão minhas ultimas
aspirações eleitoraes, censurável seria não estar eu na lista
dos pretendentes, agora que se trata de composição da ca-
mará, que é feitura exclusiva do corpo eleitoral.
Se eu não me apresentasse dir-se-hia, e com razão, que,
ambicioso vulgar, somente appetecia deitar-me nos cobcões
macios dos princípes e dos Césares.
E' por isso que mais empenho faço para obter uma
cadeira de deputado.
Sou partidista da eleição do campanário, como foi de-
cretada em 1855.
Quizera para aperfeiçoa-la, que a reforma abrangesse a
eleição primliria.
Sem chegar á eleição directa, para ficar dentro da con-
stituição, bem podia dividir-se cada freguezia em tantos quar-
teirões eleitoraes quantos eleitores houvesse de dar.
A cada quarteirão eleitoral corresponderia um eleitor.
Este processo pelo menos havia de matar um sem nu-
mero de fraudes.
E o corpo eleitoral, vera effigie da população, de que
assim sahiria regularmente, havia de escolher o deputado que
melhor conhecesse as necessidades do districto e melhor o
representasse.
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382 REVISTA DO IMSTITDTO HISTÓRICO
Na ultima reforma eleitoral os legisladores infelizmente
abstrahirão dos vicios e defeitos da eleição primaria.
Alargarão os círculos e deixarão a designação dos depu-
tados ao capricho irracional das maiorias relativas.
Eis a reforma,
A nova divisão eleitoral da provincia muito me pre-
occupava, porque do modo pelo qual íosse delineada dependia
a minha candidatura.
Tinha-rae eu lembrado do campanário, que tive a gloria
de erguer no centra das matas do Mucury, onde fiz minha
maior residência estes últimos annos-
Lembrava-me também do campanário do Serro, que
abriga o meu berç© natal.
E a pia onde bebi as aguas do baptismo.
E o jazigo em que repousão as cinzas de alguns (fos
meus maiores.
Parecia-me que a lei da contiguidade reuniria, para for-
mar-se o novo districto, os de Minas-Novas e Serro com o
da Diamantina, onde affinidades de opinião e de familia
animavão minhas aspirações.
E esse era o districto eleitoral que eu ambicionava re-
presentar.
Lá mais do que em qualquer outra região de Minas,
minha vida está ao alcance da investigação publica.
Lá se sabe que para mim forão sempre sagrados o pa-
trimónio do orphão e da viuva.
Lá se sabe que não são para mim palavras vãs nem os
deveres domésticos nem os da humanidade.
Lá os eleitores podem melhor avaliar se o emprezarío
da companhia do Mucury é um especulador ou um patriota.
E até onde vai a magnitude dos sacrifícios a que se su-
jeitou para dar ao norte de Minas um porto de mar.
Lá, no Serro, em Minas Novas, na Conceição e na Dia-
mantina, minha candidatura estava apadrinhada pelas recor-
dações do campanário.
Mas o decreto n. 2.636, de s do corrente mez, se reuniu
Minas-Novas e Serro com a Diamantina, mutilou estes dous
últimos districtos, separando sem razão sufficíente fregueziaa
que, a julgar pela benevolência com que me considerarão nas
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A ClttCOLAR DE THBOPHILO OTTONl 383
ultimas eleições senatoriaes, era provável que em sua maioria
me conferissem o mandato para a camará quatriennal.
Enfraquecida minha candidatura com esta inesperada
mutilação, outro recurso não me resta senão appellar para a
generosidade dos bons vizinhos que formão o actual 2° dis-
tricto eleitoral, a que forão adjudicados os eleitores seques-
trados dos distríctos do Serro e Diamantina.
Foi o 2° districto que me honrou com maior numero
de votos nas ultimas duas eleições senatoriaes.
Ainda na eleição de 1 1 de fevereiro tive a gloria de ser
o primeiro votado nos três circulos em que então se dividia
da Itabira, Sabará e Pitanguy.
Tanta benevolência desculpa, se não justifica, minha
apresentação já na ultima hora.
O meu prt^ramma está nos antecedentes da minha vida.
Deputado, meus principaes esforços serão para que o sys-
tema constitucional seja restituído á sua verdade.
Farei opposição aos ministros de qualquer partido que
se subordinarem ao governo pessoal.
Hei de também esforçar-me para que cesse o flagello
da prisão arbitraria, para que seja abolido o recrutamento
forçado, e retiradas aos agentes policiaes amovíveis as fun-
cções judiciarias, que pela constituição só podem caber aos
magistrados.
E, dada a opportunidade, procurarei fazer com que lejão
levadas a ef feito constítucionahnente as reformas a que tenho
alludido nesta carta.
Isto pelo que toca ao geral.
■ O 3° districto eleitoral de Minas tem necessidades espe-
ciaes.
Do lado do poente o rio de S. Francisco está reclamando
a navegação a vapor, que facilite o commercio das comarcas
de Pitanguy e Sabará com as comarcas contíguas e com a
província da Bahia.
E' objecto de que ha mais de um anno me occupo, na
intenção de mostrar-me grato á generosa província de Minas,
cujo filho me ensoberbeço de ser.
Na Januaría poder-se-hão encontrar as provas desta
minha asserção.
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384 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Na eleição de 21 de agosto de 1859 um só exemplo de
unanimidade appareceu nos collegios eleitoraes tia nossa pro-
vinda.
Foi no collegio da Januaria, composto de liberaes e con-
servadores, que todos sem discrepância me honrarão com o
seu voto.
Penhorado por tamanha distincção, despertou-se-me q
desejo de ser útil aos Januarenses.
Nesse intuito dirigi-me ao honrado negociante da Ja-
nuaria o meu amigo Sr. Manoel Caetano de Souza e Silva,
l>edin<fo-lhe noticias circumstanciadas sobre a natureza e
valor do commercio que se faz pelo rio S. Francisco, do Porto
do Salgado com as comarcas limitrophes da província da
Bahia, e sobre a lotação das embarcações empregadas na-
quello trafego.
As informações não se fizerão esperar c me vierão os
dados estatísticos mais completos e satisfactorios sobre o
commercio das canoas, e ajoujos usados no caudaloso São
Francisco, sobre o numero approximado dos volumes trans-
portados, preço dos fretes, etc.
Confrontadas estas informações com a interessante der<
rota do Sr. Halfeld, não hesitei em aconselhar o meu amigo
Sr. Souza e Silva para pôr-se á frente da idéa da naví^ção
a \'apor no rio S. Francisco, do Joazeiro para cima, offe-
recendo-me para auxilia-lo com a experiência que tão caro
me tem custado no Mucury.
Em carta de 15 de julho ultimo o raeu amtgo me an-
nuncia que aceitou com enthusiasmo a idéa da navegação a
vapor no S. Francisco, que se tem entendido a respeito eom
os negociantes e capitalistas das villas ribeirinhas na pro-
víncia da Bahia, que todos estão adherindo á idéa com o
mesmo enthusiasmo. O Sr. Souza e Silva vem ao Rio de
Janeiro tratar desse importante objecto.
Resta que antes do apparecimento do meu amigo algum
magno charlatão, desses que sabem ò geito para conquistar
as boas graças da corte, não obtenha gorda pitança e lai^^a
subvenção, a pretexto de ter sido o pai da idéa e o descobridor
da navegarão da rio S. Francisco. São cousas que já se teem
visto.
,dbyGoogle
A cmcULAR DE TIIEOPHILO OTTONt S^S
A praticabilidade da navegação a vapor no rio das Velhas
c para niím duvidosa ; mas na extensão de mais de 200 lé-
guas, entre o municipio do Joazeiro e a cachoeira de Pira-
pora, acima da barra do rio das Velhas, o S. Francisco com-
porta vapores de maior lotação do que os do Ohio, nos Es-
tados-Unidos.
E para pequenos vapores lambem, sem nenhuma obra
hydraulica, parece que é adaptado o S. Francisco algumas
dezenas de léguas, desde o Pirapora até a barra do rio do
Pará, na comarca do Pitanguy.
E, hoje que a estrada de ferro de D, Pedro 11 passou
do domínio das utopias para o dos factos, hoje que todos os
espíritos positivos já adniittem que o cavallo dynamico nestes
próximos três annos terá de desalterar-se nas aguas do Pa-
rahyba, é tempo de investigar que partido podemos tirar das
incalculáveis riquezas do valle do rio S. Francisco,
Um ramal do braço do sul da estrada de ferro de
D. Pedro II pôde ir facilmente á villa de Lavras com menos
de 30 léguas.
E a estrada de Lavras, aproveitadas algumas dezenas
de léguas de navegação do Río-Grande, franco para bons
vapores nessa extensão, é a estrada de todo o valle do rio
S. Francisco.
O 2° districto eleitoral de Minas, alongando-se na linha
léste-oeste da cachoeira das Escadinhas, no Rio Doce, até as
contra ver tentes do Parnahyba, tem de ser envolvido em doce
amplexo pelos dous braços que a razão indica para a estrada
de ferro de D. Pedro II.
Antes que o braço do sul se tenha estendido até Lavras
o sibilar da locomotiva terá feito decuplicar a actividade e
energia dos yankees mineiros, que em tão poucos annos im-
provisarão o rico municipio da Leopoldina.
Quando o braço do norte da estrada de ferro chegar á
Leo|x>ldina, o valle do Rio Doce começará a ser devidamente
apreciado. Então se conhecerá que as terras que alli jazem
incultas teem mais valor do que o ouro do Congo, de Co-
caes e da Itabira.
A principal necessidade da população de léste do 2' dis-
J
3,% RKVtSTA DO ItnriTDTO IIIBTOIUCO
tricto está em facilitar-se-lhe os meios de tirar partido das
férteis terras do Rio-Doce.
Decrete-se a rede futura das nossas estradas de ferro
ao menos em relação aos valles do Parahyba, Rio-Doce, Rio-
Grande (cabeceiras) e S. Francisco.
Preparem-se caminhos ligeiros, na direcção dos ramaes
que devem vir entroncar-se no ramal do norte, e essa vigo-
rosa emigração, que deixa os municipios de Itabira e cir-
cumvizinhos para vir enriquecer Itabapoana, Campos e Ita-
' pemirim, achará perto onde empregue mais vantajosamente
sua actividade e seus capitães.
Escrevi estes últimos periodos na intenção de demon-
strar-vos que não estou alheio a algumas ao menos das prin-
cipaes necessidades do 2" districto.
Se obtiver a vossa confiança, de antemão appello para
as camarás municipaes, afim de que, na forma da lei de sua
creação, me auxiliem com as indicações convenientes, na cer-
teza de que serão por mim tomadas na mais seria consi-
deração.
Eu sou o primeiro a reconhecer que no 2* districto
abundão intelligencias que não hão de deslustrar no parla-
mento a província de Minas.
Sei que aos veteranos da luta politica ahi residentes se
associa uma brilhante plêiade de jovens lidadores, cujas as-
pirações applaudo sinceramente, e que, partidista como sou
da eleição do campanário, não posso estranhar que me sejão
antepostos.
Conheço mesmo que nestes casos ha impossibilidades
moraes, que acato devidamente, porque venero a religião da
palavra.
Resumamos, pois:
Expuz sem restricção mental minhas opiniões sobre
questões da maior transcendência.
Disse claramente o que quero e para onde vou.
Declarei estar em disponibilidade e mesmo desejoso de
entrar no serviço activo da politica.
^ (atta, Srs. eleitores, ficareis sabendo
I quaes posso ter a honra de
' latlvo por vossa parte.
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A CIRCULAR DE TIIEOriULO OtTONI 38?
Portanto, se entenderdes que com as idéas que expendi
eu posso, na camará dos deputados, ser de alguma utilidade
á nossa pátria;
E se em vosso espirito ainda não está fixado irrevoga-
velmente o voto que tendes de levar ás urnas:
Aceitarei agradecido um logar entre os mandatários do
z" districto eleitoral de Minas-Geraes.
Vosso dedicado comprovinciano
O ex-deputado Theophiivo Benedicto Ottoni,
Rio de Janeiro, 19 de setembro de 1860. '
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ENTRE OS BOROROÍ
(TRàCUCÇXO do CAP. XVll DA OBRA. " ONTER Dl
ZENTRAL-BRASILIENS » DO DR. KARL TON
Professor Basílio de Magalh
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ENTRE OS BORORÓS
-PAETE HISTÓRICA — FUNDAÇÃO DAS
COLÓNIAS (i)
Borõro di Campanhi <
Distinguem-se em Mato-Grosso dons grupos de Bororós,
os Bororós da Campanha ou da planice e os Borôros-Caba-
çáes ou do rio Cabaçal. Os Bororós da Campanha vivem em
pequenos aldeiamentos abaixo de Villa-Maria, á margem di-
reita do Paraguai e Jaurú, para o lado da Bolívia ; os Bororós
do Cabaçal não longe daquelleSj ao Norte, nas margens e nas
(i) o que M v*l ler f o cap. XVII dl obrm ( Untct den NstnrTÔIksro
Zcntral-Smilieni > (Bertim, 1894) do dr. Karl von den Steinan. Achate
>11i de pigs. 441 B 51S, sob a eplgraphe ■ Zu dm BorotA». Tendo eu pla-
nejado um trabalho ifibrc ■ Intereasante trihu inattO'KroiHn>e. com tf» re-
pre^cntantei da qual um aca&o feliE pic puzera cm contacto por 1909, nfio
podia prescindir d«a curiosa ■ a tidedlgnas informacSes, conitantci do forte
volume publicado pelo operoao eiplorador germânico. Maa o* meuB conhe-
cimento! da língua allemi nto eram Ho complelo), que me poiíibilitasiem
evitar quaesquer enganoi em termos technicos, de que nSo haviam cogilado
01 leiicographoi, Aulm, o receio de totnar-me < iraditorc *, que nlo < Ira-
dutlorea, mo levou a procurar □ auxilio do erudito profciaor ir. Tlieodot
Vahn. cuj(9 venerandas cSa >e contam como outros tantos Eervli;o9 prettados
ao enaino am Campinas. Devo atfirmar, em homenagem ao meu hondoto
amigo, que ■ UaducQio toÍ em grande parte (eita por elle, cabende-me prín-
cifiatmente a Mnna definitiva, em que ella te vasou, Accreaccntei uma ou
outra noia e aupprlmi Iodai ■■ remlisSes, que poderiam antei perturbar que
facilitar a leitura. Dai «tampas, apenas *e coniervou o quadro de arcos e
ia armas doa Botíto». Como o btilhante i* Congreíso d* Historia Nacional
approvou a lembrança de le vertet para o nosso idioma, além doa eacriptoi
de outros aabios teutaes, a acima citada obra de von den Steinen, — Julgvcl-
do meu dever oftcriar ao no»o benemérito Inatituto o preaenle trabalho, que
cxali sirva de estimulo ao* maia competentes do que eo. — Baailio de Ma-
.ibiGoogle
393 RBVISTA DO INBTITUTO UISTORICÚ
cabeceiras do rio desse nome e do Jaurú, ambos os quaeS
desemboccam no lado direito do alto Paraguai, aquelle juncto
a Villa-Maria e este um pouco mais ao Sul.
Estes Bororós não raras vezes foram visitados por via-
jantes: em 1827 entraram em contacto com a expedição
Langsdorff ; no mesmo anno, o naturalista austríaco Natterer
obteve entre ellcs uma rica coUecção, que hoje se acha no
Museu Imperial de \'Íenna ; o conde Castebiau e seu com-
panheiro Weddell, que de 1845 a 1846, em sua celebre tra-
vessia pela America do Sul, estanciaram em Mato-Grosso,
deixaram-nos um pequeno vocabulário; o engenheiro Rodolfo
Waehneldt dá uma intuitiva descripção de taes Índios na
Revista Trimensal do Instituto Histórico, t. 27, do anno de
1863; e, finalmente, o coUeccíonador Ricardo Rohde, que,
por 1883-1884, em commíssão ethnographíca do Museu ber-
línense, viajou na parte meridional de Mato-Grosso, inseriu
alguns dados no caderno n. i das « Communicaçõcs originaes
da secção ethnoli^ica dos reacs museus de Berlim» (1885).
Estes Bororós da Campanha e do Cabaçal são tidos como
restos de uma tribu poderosa, que occupava a região entre o
rio Paraguai e o rio Cuiabá, vivia em lucta acirrada com
os colonos, sobretudo perturbando sensivelmente o commercío
entre Cuiabá e Villa-Maria e Mato-Grosso, e se repartia
em numerosas e hoje já destruídas sub-tribus.
Por João Pereira Leite, abastado fazendeiro das vizi-
nhanças de Villa-Maria, o qual durante seis annos pelejou
com elles, matando 450 e aprisionando 50, os Bororós da
Campanha, no segundo decennio do nosso século, foram pela
primeira vez pacificados e em parte baptizados (2). Os Bo-
rorós do Cabaçal, os ordinariamente mencionados, só era
1842 é que foram estabelecidos no Jaurú, « por suave per-
suasão e presentes», pelo vigário de Mato-Grosso, José da
Santa Fraga; mostraram-se, porém, muito rebeldes aos tra-
balhos ruraes, plantaram só um pouco de arroz„ batatas e
bananas, e preferiram a!ímentar-se principalmente da caça,
obtida por meio de arco e flecha. Hoje, á margem direita
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EN-TBE 08 BOBflROa 393
do Paraguai, são os Bororós uma decaída e miserável com-
munhão. Não puderam supportar a civilização por meio de
syphilis e cachaça.
De outros Bororós nos fala a historia da colonização da
provinda, já nas suas mais remotas epochas. Em 1743, António
Pires saiu com um bando de Paulistas c 500 Bororós alliados.
para siibmcttcr os Caiapós na parte sul da província, fez
também mais de 1.000 prisioneiros, estabeleceu algiuis postos
militares c deixou alli «uma guarnição de Bororós» (3).
Todos estes Bororós saíram originariamente da região do
rio S. Lourenço; da sua parte baixa estes caçadores nómades
extenderam-se pela zona sita entre elle e o seu affluente, o
Cuiabá, como também pela margem direita do Paraguai,
que fica defronte da sua foz; ao passo que', depois, tendo saldo
da parte alta do S. Lourenço, se estabeleceram a Esle e
Sudeste da província, nas cabeceiras do Araguaia, nas con-
travertentes do S. Lourenço, como vizinhos e inimigos dos
não menos fortes Caiapós.
E' difficil comprehender por que razão, a respeito dos
Bororós, existia a maior confusão de idcas, tanto entre os
próprios Mato-grossenses, como na literatura. Diz-nos Cas-
telnau que os Bororós do Cabaçal eram também chamados
tPornidos»; mas «o nome velho do rio S. Lourenço, que
ainda hoje elle conserva na parte alta», como ensina o geo-
grapho Melgaço {Rei: Tr., t. 47, pags. 459), é «rio dos
Porrudos » (4) .
Os Índios do S. Lourenço são hoje chamados Coroados,
— o que provoca confusões. Coroados podeuamos também
chamar aos Índios do Xíngú; Coroados havia, antes de tudo,
na bacia do Paraná, e ainda outros no rio Xipotó, na divisa
(3) Refcrt
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394 . hEVISTA DO INSTITUTO BMTORICO
das províncias de Mínas-Geraes e Rio de Janeiro, tribus que
são de todo differentes pela origem e linguagem, e diversas
dos Coroados de Mato-Grosso.
Em Cuiabá, os Coroados, a nossa chegada, eram objecto
de interesse geral. Depois de terem passado como os mais
ferozes inimigos da povoação rural, em toda a região entre
o rio Cuiabá e o S, Lourenço até ás fronteiras de Goiaz,
foram finalmente pacificados e estabelecidos, em 1886, em
duas colónias militares sitas si. margem do S, Lourenço, graças
aos exforços do presidente Galdino Pimentel (5).
Mas, nem todas as crueldades, que correm por conta dos
Coroados, foram commettidas por elles. Têm sido elles, a
tal propósito, confundidos com os Caiapós, que ao Nordeste
de Cuiabá fizeram invasões de rapina. Também na capital
ninguém sabia que os temidos Coroados não eram mais do
que ermãos de tribu dos mesmos Bororós, os quaes desde
muito tempo viviam em differentes aldeiamentos, ao lado
direito do Paraguai, em relações i>acificas, bem que em estado
de accentuada decadência. Antes do meiado do século XVIII,
já eram alliados do fundador de Cuiabá, António Pires, e
foram empregados por elle como soldados de guarnição.
Eu fiquei bem admirado, quando Atahualpa, um dos
Coroados que foram conduzidos para a capital afim de re-
ceber o baptismo, me informou de que elles se denominavam
a si mesmos Bororós.
Deste modo, cheguei também a decifrar logo outro
enigma, que me offereceu a conversação com Atahualpa. Eu
tinha acabado de ler um relatório sobre alguns Coroados
que, em 1859, foram levados presos para Cuiabá {duas rapa-
rigas e um rapaz), no livro de Joaquim Ferreira Moutinho,
Noticia da Provinda de Matto Grosso (S, Paulo, 1869,
pags. 425 e segs.), onde achei um vocabulário (pags. 192),'
que então tractei de comparar com os meus próprios aponta-
mentos. Com grande admiração minha, não concordava nada,
mas nada. O auctor tinha colhido as palavras de um rapaz
Coroado de Cuiabá, com o nome de Sebastião e que lhe
havia contado historias commoventes. «Vamos dar algumas
(;) A pcetidtncta d* Jeaquin Galdino Pimentel eitendeu-Be de 5 d« Ko-
vembro de iSSj a 9 de Ociembro de IÍU (NoM de B. de it.)x
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BNTRB 08 BORÚROa 39j
palavras que aprendemos delle», e segucm-sc 52 palavras
eopiadas do glossário de Martius, pags. 195 e segs., e ori-
undas infelizmente dos Coroados do bem distante rio Xipotó,
nas fronteiras do Rio de Janeiro, os quaes tão pouco com os
Coroados do Paraná e os Coroados de Mato-Grosso nada
mais têm de commum do que o infeliz nome porti^ez t Sem
o nome, esta deplorável confissão não se tornara possível (6).
Ingenuamente, Moutinho não aproveitou a occasiáo de infor-
mar-se melhor, quando visitou a aldeia da sub-tribu do rio
Cabaça!, chamada com razão Bororós, mas não Coroados.
Nessa visita, que descreve a pags. 169 e segs., deveria elle
ter observado que os indios falavam um dialecto da língua
do pequeno e piedoso Sebastião. Consultou outra vez o seu
Martius, e alli, a pags. 14, achou os Bororós e copiou 40 pa-
lavras, que eífectivamente pertencem aos Bororós do Cabaçal.
Também aqui podemos descobrir o infortúnio da sua fonte.
Pois as palavras notadas pela expedição Castelnau não têm,
infelizmente, o character portuguez, e sim o franceZ, em que
os diphthongos têm uma pronuncia de todo diversa da dos
portuguezes e concordam de um modo tal, como podem con-
cordar duas notas differentes.
Um dos poucos que suppuzeram, com razão, como mais
tarde verifiquei, a identidade dos Coroados com os Bororós,
foi o barão de Melgaço (7), tão hábil presidente (pela pri-
meira vez, em 1851) (8), como gcographo de Mato-Grosso.
«Os Coroados vagueiam na região das cabeceiras do S, Lou-
(6) Conl. Moulhitig: — íMosliimos um dia o
céu no pequeno SehíStiSo.
Elle, Ixanunda aa miai <m >ÍKn*l da venencío, tt
ttupane» 1 (N- B. palavra tupi, que qu(r diíer <i
irovSo», peloí miícionarioa
lhe 0 10!. — e elle di>»:
ai a «lol», Inclinando a
CEbew tm (igual de «.peito.. Nenhum rapai C .1
oado conheceu u paUir»
€ lupans * e < obé >, c ainda menos jamaii um de11<
rs teve aquella deTo.;tci lio
es anecdoti* ifo lomadai
auelor, na lua i(norancia, nlo tem idéa da grand
lisiinia necedade, que com
bom intuito ofierece (Noia do A.V
(7) «Bev. Tr. >. (. *}, page. 396. O barfio de Melgaço tinha o nott
buriuei d* Auguito Levatger, de origem Iranceia (Nota do A.).
(S) Augusto Leverger. depois batio de UelgaQo, presidiu por trei veii
■ província de Mato-Groiio: de 11 de Fevereiro de 1851 a >S de Pevereii
4* iSlS. da IJ de Feiertlrti da 18M a a da Fevereiro d* 1I1Í7 c de aí t
Uaio de ■8e9 a ■' de Outubro de 1970 tNol* de B. da M-).
yCoOglC
396 ttensTA do iHsrmiTú oistorico
renço; nada têm de commuin com os da bacia do Paraná;
supponho que sejam Bororós». Elle apenas os julgou ex-
tinctos.
Devido á confusão que reina no próprio paíz, não po-
demos extranhar que Martius tenha tido concepções erróneas
a respeito dos Bororós. Tracta delles entre os Tupis cen-
traes (9) ; duvida, porém, e com razão, que representem uma
tribu tupi, mas torna-se então victima de idéas singulares
que dominaram outrora sobre a composição de tribus Índias
e que melhor se externam pela sua expressão predilecta
«colluvies gentium». — <E' possível que em Bororós se
comprehendam geralmente Índios inimigos, sem determinação
certa de nome, e até talvez uma c colluvies gentium >, que.
sem nacionalidade characteristica e conservada, em língua, cos-
tumes e apparencia physica, dividida em pequenos bandos e
sem morada fixa, vagou roubando e matando, Taes hordas
salteadoras talvez tenham tido por fundadores indivíduos de
origem tupi. Mas, tendo-se alliado com elles outros índios,
transformaram a sua língua em uma gíria de ladrões (!) ».
Cazal {Chorographia Brasílica, pags. 302) menciona duas
tribus bororós: os Coroados e os Barbados. «Os primeiros
não são navegadores, mas sim caçadores nómades, que, diz-se,
vagam ao Sul e Sudoeste da cidade de Cuiabá, em ermos
inaccessiveis, nas nascentes do rio S, Lourenço e do rio
das Mortes, tributário do Araguaia». — Estas indicações de
Cazal são completamente exactas', e também clle considerou
os Coroados como Bororós, «Entre os Barbados, continua
Martius, deviam talvez estar comprehendidos os Guatos:
elles atacaram de vez em quando as bandeiras que iam de
Goiaz para Cuiabá e extenderam os seus assaltos até Diaman-
tino. Mas os Guatós nunca chegaram a essas regiões, e vivem
ainda hoje como nómades de agua, na região do alto Paraguai ;
aquelles Barbados provavelmente eram Caiapós ou talvez
Bororós » .
Naturalmente explica Martius o nome «Borõro» pela
língua geral, ou como < guerreiros inimigos », no entender dos
vizinhos, ou como « donos da terra >, na sua própria accepção.
(9) c ConIrjbuitScs para a Elhnosraphia amtricuii», fie*. »9 k •*(■■• C
lyCoogle
ENTRE OS BORORÓS 397
Os Bororós, porém, não sabem nada da lingua geral, e elles
mesmos chatnam-se assim.
Abstrahindo agora do nome « Coroado », vou relatar
alguma cousa sobre a tal chamada catechese ou conversão
dessa tríbu boróro, — a qual foi durante longos annos dese-
jada em vão, e que não pôde ser bem succedida, porque as
tentativas foram feitas ineptamente. Como ponto de apoio,
serviu uma colónia militar á margem do S. Lourenço, que
foi estabelecida no fim do f decennio (1875-1880) pelo
major J. Lopes da Costa Moreira.
Em 1878, o capitão Alexandre Bueno formou uma expe-
dição de 70 índios Terenas, — tribu pertencente ao grupo dos
Guanús, — cpara expulsar os Bororós». Tinha elle, conforme
me asseguraram, a incumbência secreta de matar a tiro quantos
pudesse, e o êxito foi-lhe de tal modo favorável, que pôde
exhibir ao presidente um sacco cheio de orelhas. De vivos,
apenas trouxe duas mulheres e duas creanças.
No dia 9 de Outubro de 1880, os Bororós atacaram a
fazencfa de José Martins de Figueiredo, no Bananal (rio
Cuiabá), matando diversas pessoas. Apparelharam-se, por
issd, ao mesmo tempo, várias expedições contra elles. Foi
commandante de uma delias o alferes António José Duarte;
accommetteu este, sem vantagem, uma aldeia, aprisionando
cinco mulheres e 12 crianças. Mais não se alcançou. Dizem
que nos annos de 1875-1880 os Bororós incendiaram 43 casas,
mataram 204 pessoas (134 homens, 46 mulheres, 17 crianças,
septe escravos) e feriram 27 pessoas (11 homens, seis mu-
lheres, trez crianças, septe escravos). Quantos Bororós foram
niortoá, — não se conta. Não lia dúvida que a matança era re-
ciproca. Notou-se geralmente que os indígenas mostraram
grande tenacidade na satisfacção dos seus planos de vingança.
Um Brasileiro, que de modo cruel lhes matara duas crianças, ■
foi systematícamente perseguido durante quatro annos, até
que finalmente o aprisionaram e despedaçaram, como merecia.
Nos seus ataques usavam de toda a previdência, espionando
durante dias e semanas, até offerecer-se a occasião de estarem
poucas pessoas no sitio. Viajantes escoteiros, elles os deixavam
escapar; acontecia, porém, si queriam estabelecer a sua pou-
lyCoogle
398 REVISTA DO INSTITUTO mSTOMCO
sada, de noite, serem impedidos por gritos que saiam do
mato : — «vá embora ! » Não viam ninguém : mas, caso não
obedecessem, podiam esperar uma flechada. Em Fevereiro
de 1881, foram mortos pelos Bororós, na Forquilha, a 10
léguas de Cuiabá, dous homens e septe crianças e penetraram
aquelles Índios até Urubu, perto da fábrica de pólvora, a
cinco léguas da capital.
O alferes António José Duarte, que já mencionei, al-
cançou finalmente a feliz modificação desse estado insuppor-
tavel. Fez voltar com ricos presentes mulheres aprisionadas,
e prometteu mais regalos, si os homens se approximassem ;
e desse modo se obteve felizmente a conciliação. Em Janeiro
tle 1887 elle levou para Cuiabá cerca de 400 Bororós. Havia
de apresentar-se então um singular movimento nas ruas da
cidade. O que mais agradou foram as crianças, que se mos-
traram muito selvagens e foram comparadas a pequenos
jaguares, «somente unha c dente»; as mulheres saltavam as
cercas dos jardins e trepavam, conforme o seu costume, nas
arvores para apanhar fructos.
A provincia exultou de contentamento. Avaliaram-se os
Índios, com a acostumada exaggeração, em lO.cxx) almas, e
imaginaram-se estes 10.000 indivíduos como trabalhadores
ruraes e de engenho. O Governo immediatamente poz á dis-
posição da catechese 70 contos de réis, e a burguezia con-
tribuiu voluntariantente com 3 contos de réis, o que tudo
junctO, naquelle tempo, importava em 140.000 marcos.
As despesas, dentro em pouco, subiram a 118 contos de
réis.
Os Índios foram estabelecidos em duas colónias : uma, na
confluência do Prata com o S . Lourenço, foi chamada < Te-
resa-Christina », do nome da imperatriz ; a outra, na foz do
Piquiri com o S . Lourenço, foi chamada « Isabel », do nome
da princeza imperial, esposa do conde d'Eu. O presidente
também fundou um «CoIIegio de N. S. da Conceição», para
educação dos filhos dos indíos, — um collegio que nunca teve
alumnos.
Toda aquelta gente foi solenncmente baptizada pelo
bispo, sendo padrinhos o então presidente dr. Álvaro Mar*
,dbyGoogle
ENTRE 09 BORArOS JQQ
condes (lo) e sua esposa: o cacique Moguiocúri, de quem
adeante falaremos, — magnifica figura indígena, com ef feito,
— com i",90 de altura, e, apesar de alguma brutalidade, um
bondoso typo, — recebeu o nome de Álvaro. O seu christia-
nismo', porém, limitoií-se á lembrança desse nome por alguns
dias.
« Moguiocúri, — assim se expressou o Jornal do Com-
tnercio, em uma carta de Cuiabá — , parece inteiramente iden-
tificado com a questão da civilização de sua tribu ; frequenta
assiduamente o palácio para visitar o presidente e offerecer-
Ihe presentes; mostra a maior sympatliia para com elle, e o
chama de padrinho, beijando-lhe a mão, sempre que o vê.
Todas as vezes que encqntra o presidente, manifesta a sua
alegria com muitas risadas e repetidos abraços. >
Difficile est saliram iion scribere. E' mesmo muito dif-
ficil. O bom do Moguiocúri certamente tinha a melhor in-
tenção, conforme o seu raciocinio & enquanto não lhe faltaram
presentes. O Índio, o official, o fornecedor, cada qual quiz
enriquecer á vontade, — eis o que foi a catechese. O governo
fornecia os meios a mancheias, ^ o que .se conseguiu foi
única e simplesmente quç as inimizades, de que ambas as
partes estavam egualmente animadas, cessassem, O christia-
nismo, o habito de trabalhar, o ensino da juventude, — a
minha penna recusa-se a escrever essas bonitas palavras. O
dinheiro destinado aos Índios serviu só, com certeza, para
acabar com esta magnifica materia-prima humana. O alferes
Duarte, director de Teresa-Christína, era ef fectivamente, como
disseram os Cuiabanos, « o deus dos Coroados * ; dava-lhes
tudo o que pediam, e tomou-os mansos por meio desse me-
thodo simples, que não lhe custava nada, e pelo qual deixava
ganhar os negociantes, conforme os conhecidos systemas de
calculo .
O numero dos Índios, aos quaes o Estado paga por cabeça,
é naturalmente indicado como muito grande, e a isso ajuncla-
se o considerável ganho que o ofíicial percebe do soldado
raso, o qual é obrigado a comprar delle ou do fornecedor por
(lo) o dr. Álvaro Sodovalho Harcondet doa Seit- pruldiu a provincia
d« Maio-Crosio de g de Ouembro de 1886 a iC de NoTcmbio de 1BS7 (Nota
de B. de M.).
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400 REVISTA DO INSTITUTO UISTORICO
elle contractado. Não só os géneros fornecidos pela cidade
ou pelas fazendas ao longo do caminVio para a colónia eram
na colónia mais caros para o pobre soldado do que na cidade
para o burguez ; a farinha, o feijão, o toucinho custavam o
■ dobro 1
Tomei nota dos seguintes preços (1.000 réis egual a dou3
marcos) :
1 litro de farinha
I litro de arroz
I litro de feijão ■. ,
I kilo de toucinho
I litro de sal
I maço de phosphoros ....
I garrafa de aguardente . . .
I cálice de aguardente ....
I kilo de carne verde ....
I kilo de carne secca
I arroba de carne secca . . , . .(11) 3$000
I kilo de matte , .
I rapadura
O soldado recebia 600 réis tfc etapa diária, o que, devido
áquelles preços, era pouco para elle e sua companheira. De
soldo recebia mensalmente 5.000 réis, além de 5.000 réis
de gratificação.
«Eu bem sei, — disse um dos presidentes, — que Duarte
descobriu uma Califórnia». Mas também o presidente não
IKxIia modificar cousa alguma. Logo que adquire unia certa
orientação, tem que deixar o seu posto, e, quanto mais queira
oppor-se á administração ruim, tanto mais rapidamente vem
a sua substituição, porque todos os que com isso ganham são
seus inimigos. Não vale a pena entrar na questão principal, —
si o soldado brasileiro, inclusive o bom e honesto, é capaz de
resolver a certamente não fácil tarefa de fazer que os índios
sejam um elemento util da collectividade.
As paginas seguintes hão de niostrar-nos isso.
Cid.de
Colónia
$100
$200 !
$160
$300!
$160
$300 !
$Soo
i$500 !
$200
$500!
$320
$800 !
$400
2$ooo !
$080
$250!
$200
$200
$400
$500
) 3$ooo
8$ooo
$400
I$OO0 1
$120
$250 !
citado (Nota de B. de M.).
,dbyG00gle
U..— QUADROS DA CATECHESE :
Ao S. IiOurcufo (Primeiro enconlro com oi biptiudos de CuUU. VUgcm).
Os habitantes (Clemenlt) e a siluacio da colónia. Vectuario Í europ^.
Uodo de cultiTar o campo. Ai nouas impreasJtaa . Briga e Ineta fsniiiiiia
(Maiia). Dislrihuiçlo de carne. LamenUçõa noctnrnaa. Orofio da Urde.
Escândalo com Arateba. Sexta-lcira da Paíxio. LamcnUcão pelo* morto*.
Sabbado da Alleluia <judai). <Caiap6ii. Ameafa de destruiçlo da coloni».
< Eichoia >. Os ermios ÍDimigos. Diicipliiu. Chegada de Doirtc. « Vo*
luntuioa da Pátria >. Almoso e secenala.
Ao S. LousçNço. — Já em Julho de 1887 podíamos
examinar os primeiros Bororós; Duarte havia trazido al-
guns, para que fossem baptizados. De outros tomámos co-
nhecimento no principio de Março de 1888. Estavam des-
calços, porém no mais vestidos ái bui^eza, e traziam ao
pescoço um cordão com um papel verde do tamanho de um
cartão de visita, que encerrava o seu novo nome: Atahu-
alpa, Montezuma, José Domingos, etc. José Domingos
tossia fortemente; disseram-me que se havia constipado no
acto do baptismo. Debaixo do vestuário traziam todos o
seu habitual cartucho de palha; logo que se achavam fora
dos muros da cidade, despojavam-se de tudo, embrulhavam
as preciosidades, e ficavam somente, por poucos dias, com
o seu cartão verde ao pescoço, — como lembrança da con-
versão.
Eram rapazes altos e corpulentos, com testas salientes,
sem sobrancelhas e pestanas. Mostraram grande contenta-
mento pelas cousas boas de Cuiabá, onde foram tractados com
excessivo carinho, sendo somente de notar que lhes deram
bebidas alcoólicas, em logar de guloseimas doces. A sua prin-
cipal al^ia era o ckapéu-claqite de Guilherme ; saudaram-no
á maneira de urros de urso, com risadas de A«, A«, e batiam
no hombro de Guilherme, em signal de applauso. Em nossa
casa queriam sempre beber c comer, mandioca ou tapira (que
Croogie
403 ^REVISTA DO INSTITUTO BISTOIUCO
significa carne de vacca e não tapir) (12), ou então dormir
pu enfeitar-se. Em toda parte achavam amigos; e quando,
juDcto a nós, estavam á porta da rua, cada negra que passava
dizia alegremente, acenando com a cabeça : — « Ob 1 com-
padre 1 Como vae, compadre?»
No dia 14 de Março de 1888 partimos para Teresa-
Christina, pois não podiamoa visitar Isabel. Duarte ainda
tinha de demorar-se algum tempo em Cuiabá, e pretendia
ir mais tarde. Fomos atcompanhados pelo bakaeri António
e os dous camaradas Carlos e Pedro. As mulas estavam,
como sempre, aa tão bom estado, que nos serviram de ani-
maes de sella. O nosso primeiro atvo, a velha colónia militar,
está situada a i6°-32'-6" de latitude Sul, e a o°-S9'-9" a
Leste de Cuiabá, sobre a margem direita do S. X^urenço,
quasi em direcção Sudeste para Cuiabá. Tivemos de passar
alguns affluentes do rio Cuiabá, subimos a chapada e che-
gámos, a 18 de Março, ao meio do caminho, que é a fazenda
< S. José>, numa altura de 555 ms. sobre o pateo da cathe-
dral cuiabana. Ao Sudoeste delia, estão situadas as fazendas
do € Cupim » e € Palmeiras >, quf abastecem principalmente
as colónias. Do outro lado de «S. José», a região não é
habitada; o estabelecimento é uma pequena casa branca, cer-
cada de muros, como si fosse uma fortaleza, e apparece na
grande çolidão occupando uma depressão do solo com de-
clives cobertos de relva e nada mais. No riacho, cujas mar-
gens eram juncadas por muitas palmeiras buritis novas, havia
uma única, mas alta arvore. Era preciso ter coragem, para
morar e trabalhar alli. Fora dos muros de « S . José », quasi
quasi nada, durante o trajecto, lembrava as pelejas contra os
Bororós. Somente de vez em quando chamavam a nossa at-
tenção apertados e baixos caramanchões, que eram compostos
de definhadas arvoresinhas do sertão; tinham sido feitos por
soldados, afim de se abrigarem durante a noite. Passando
campos horrivelmente desertos, chegámos, a 19 de Março,
aos primeiros affluentes do S. Lourenço, que tinham poucos
metros de largura. Deparou-se-nos no ribeirão Prata uma
(11) c'rapira> é uini ãta TarissLmaa palavras que o* BorArol tomaniD
de empTeiitiiiii> ac cabanbecn»; mas, eÍ na linKiia s«ra1 > uU (c Tapir ame-
licao^is ») é chamada < tapíra >, d&o o é entre oi iadioi do S. Louienço, que
Ike did o nome d« €ki> (Nota de B. de IC.).
,dbyGoogle
BNTRE OS BOROROS 403
aprazível paísagenzinha, que nos lembrou a floresta, o viçoso
prado e a linha argentina do riachinho do nosso lar. Esta
impressão foi apenas contrariada por algumas palmeiras novas
e pelo thermometro, que obstinadamente marcava para a
refrescante, € gelada agua», 22'',8. No dia 21 de Março
descemos do terraço do planalto, passando pinturescas rochas
de renito, e pela tarde alcançámos os laranjaes da colónia mi-
litar, onde passa, ccHn uma largura de 127 ms., o matagoso
S. Lourengo. Fomos muito hospitaleiramente recebidos pelo
commandante, capitão Serejo.
No dia s^uinte chegámos a Teresa-Chrístina . Está si-
tuada para dma da margem direita, não pouco abaixo da
barra do Prata; mas o S. Lourenço faz fortes curvas e a
região florestal é tão pantanosa, que o viajante é forçado a
dar tuna grande volta.
Avistámos então : — uma extensa roça coberta de magro
mato, no qual se distinguiam muitos cepos velhos e vários
troncos de pau, uma porção de baixas e quadrilongas cabanas
uom tectos de sapé dispostos immediatamente por cima da
porta, tudo monótono e triste, côr de palha e barro, cercado
de matas e de um rio considerável, além do qual apparece o
perfil de tuna floresta viçosa, deante de uma cadeia de col-
linas. — Eis o que era Teresa-Christina.
O representante de Duarte, que nos recebeu com muita
cordialidade, era o cadete Elyseu Pinto d'Annunciação. Ca-
detes, no Brasil, são aspirantes a officiai (geralmente filhos
de funccionaríos públicos e de officiaes), que servem desde
soldado raso e cuja promoção depende de protecção. Nosso
Elyseu tinha o posto de sargento e disse que seria logo al-
feres, si eu no Rio me empenhasse por elle. Era um bom
e consciencioso hcrniem, que poderia ter sido util, si tivesse
tido o direito de agir, consoante com a sua opinião. Um se-
gundo cadete, — officiai subalterno, — chamava-se Caldas
(13), moço de aptidão musical e, mediante luna gratifica^,
mestre dos rapazes bororós. E^le também tinha formado tmj
(13) Josí Augugto Caldu cim alteres em iSgç, uino em que pi
KU «Vocabulirio da lingua udisena doi Boraras-Coroados > <Cuii
< d'0 MaCo-Groiia >), pequena bcochuta de 44 pagi., dedíeida i
do Ms«tt»corand Astcoio Ja*t DoMts (Notk ds B. d* K.),
yCoogIe
4CH RBnSTA DO INSTITUTO BISTOIUCO
vocabulário, e era portanto, alli, o representante da arte e
das scicncias. Ainda havia outro cadete, Joaquim, um bo-
ticário e o administrador Ildefonso. Mas para mim a per-
sonagem mais importante «ra Clemente, que tinha 28 annos,
dos quaes passara trez em captiveiro entre os Bororós. Seu
pae, Manuel Pedroso de Alvarenga, morava juncto a Peixe de
Couro, aííluente do Piquiri, que desembocca no rio S. Lou-
renço. Em Scptembro de 1873 os Bororós assaltaram alli
cinco crianças, que tomavam banho: duas foram mortas, uma
escapou e duas foram aprisionadas, — Clemente e um ermão
menor. Contou-nos elle que se lhe haviam amarrado as mãos
deante dos olhos, e, assim, até chegar á aldeia dos indios,
passou cinco dias sem parar. O ermão morreu logo. E ellc
em 1886 foi restituído pelos Bororós. A esse tempo, porém,
já elle mesmo se havia tomado borôro: não só andava nesse
trajo com arco e flecha, não só havia exquecído quasi total-
mente o seu portuguez, mas tinha também, como pude em
proveito próprio observar, soffrido no seu modo de pensar
e de saber uma educação puramente india. Por outro lado,
nesse Ínterim, tinha bastante aproveitado da sua lingua ma-
terna, para poder servir-me de interprete prestimoso. Infeliz-
mente deixou antes de nós Teresa-Christina, porque lá < não
se aprendia nada». Até os officiaes não sabiam nada. No
seu lar, dizia elle, havia um homem que era capaz de curar
todos os doentes e de abrir qualquer fechadura.
Situação da colónia. — A casa principal da colónia
tinha por plano um rectângulo comprido e muito estreito.
Consistia em uma porção de compartimentos de terra chã,
com paredes de pau a pique e tecto baixo de palha ; as portas
abriam todas do mesmo lado para o patw. O mobiliário li-
mitava-se a uma mesa, cadeiras e caixas. De um lado ficava
o quarto de Duarte, com uma janella, sem porta para fora;
em seguida vinha o refeitório, onde Caldas, ás vezes, dava ■
aula de manha, e que servia geralmente para as reuniões,
com uma porta para o pateo e outra para o lado opposto; á
esquerda estava a entrada para o quarto de Duarte, e á di-
reita uma porta para a dispensa, que era também deposito
de cachaça, e cuja chave, nas rehições com os indios, repre-
sentava um grande papel. Depois, viam-sc outras portas para
BNTttB 03 BtHtdROS 405
O pateb', um pequeno cubículo destinado aos soldados presos,
o qual estava sempre occupado e cujos habitantes haviam
de ficar na rede, mais um quarto para Elyseu e o adminis-
trador, e ainda armazéns. O boticário possuía uma bem pro-
vida guarnição de venenos em uma casinha sita defronte, a
poucos passos. Os soldados moravam em pequenos ranchos,
dispostos parte em direcção ao rio e parte á beira da flo-
resta. Em redor achavam-se as cabanas dos Índios, feitas
com tectos triangulares que chegavam até ao solo, de seis
passos de largura e 10 a 13 de comprimento; estavam ao
abrigo do sol e algum tanto contra a chuva. Eram muito
simples, e cada uma servia para uma família.
No meio da colónia havia um grande pateo. Ahi se
elevava o tal chamado ranchão, o baíto dos índios, de lO
passos de largo e 26 de comprido. Também este, apesar de
feito com o auxilio dos soldados, não tinha arte ; as paredes
lateraes consistiam em paus roliços, negligentemente reves-
tidos de folhas de palmeira, distanciados de modo que quasi
em toda parte offerecíam entrada. Os lados estreitos quast
sempre eram abertos.
Os moços solteiros trabalhavam e dormiam no bailo.
Este era também o centro das festividades, principalmente
para entoar os cantos de caça, para as dansas e para as
lamentações pelos mortos, bem como para as deliberações.
Para as mulheres a entrada era livre, e, conforme havemos
de ver, ellas ás vezes eram levadas para lã á força.
As cabanas quasi todas avançavam até á bocca da mata.
Estreitos atalhos conduziam para lá; lebres para servir ás
necessidades corporaes, mesmo da maneira mais primitiva,
tão pouco existiam nas habitações como em Cuiabá', e, como
na ddade para esse fim se procuravam os pomares, na co-
lónia para isso servia o mato. Rio acima estava a olaria,
donde tiravam o barro; ahi havia um forno, que nunca foi
utilizado. O pouco de plantação achava-se numa clareira.
De animaes só se viam poucos cachorros e gallinhas, per-
tencentes aos soldados, e algumas araras vermelhas dos ín-
dios. Também vagavam nas proximidades alguns urubus.
As rezes a abater eram laçadas no campo pelos vaqueanos.
nunca foi
I clareira. ;
nhãs, per-
as dos ín-
s urubus.
aqueanos.
-â
406 REnSTA DO INSTITUTO HI8T0IUC0
Também as mulas andavam soltas, sendo só procuradas para
o serviço e para a verificação do seu numero.
Existiam na colónia mais ou menos 50 Brasileiros, ajmi-
ctando-se-lhes as suas companheiras; poucos eram mais daros
que os Bororós e muitos eram mais escuros. Avaliei o nu-
mero dos Bororós presentes, inclusive mulheres e crianças,
em cerca de 200. Porém um bando tinha ido fazer uma ex-
cursão de caça e Duarte levara consigo uns 20 para Cuiabá.
Avaliando alto, a somma total importava em 350, offi-
cialmente em 450. Diz-se que, no começo, eram muito mais,
— e Elyseu avaliou-os um dia em i.ooo. Ef lectivamente,
também Clemente contava que se haviam apresentado alli
os Bororós de todas as aldeias. Assim, vemos que os
« 10.000 >, de que se falava em Cuiabá, eram imaginários.
Vestuário k europía.. — A primeira impressão que
recebemos dos Bororós era essencialmente diversa da que
tínhamos dos ordeiros e actívos índios do Xingu. Não tanto
a respeito da falta de vestuário. O cacique Moguíocúrí, sím,
andava quasi sempre só de camisa, raras vezes de calças;
só o bruto cacique Arateba é que andava sempre de camisa
e calças; de noite e em dias mais frios, gostavam de embru-
Ihar-se nos seus cobertores; algumas mulheres, prindpal-
mente as que tinham relaçSes intimas com os dirigentes da
colónia, distinguíam-se pelo uso de camisas de cores e dese*
nhos bizarros, paletós e saias; porém os mais ou menos ves-
tidos de ambos os sexos constituíam excepção. Os homens
traziam um cordão ã cinta e o cartucho de palha, as mulhe-
res um oordlo ou dnta feita de casca (Basibind) (14). Os
dou9 sexos gostavam de enfeites para o pescoço e o peito.-
Mais tarde relatarei as particularidades. A Moguiocãrí dei
uma peça preciosa, que lhe agradou bastante: — uma ca-
misola turca bem vermelha, bordada de arabescos e de man-
gas largas que um dia, em Dussetdorff, servira a um mas-
carado. O sempre risonho gigante offereceu, nesse el^ante
trajo, um aspecto muito engraçado.
<Que é que havemos de fazer? >, queixava-se o ca-
(14) Ao cirtnebo, doiomliudo <M>, e i dota de cuca, dunuda «M-
dobie >, refere-Bc Ton den Steinen pormcnoriaduuent^ nul* adcaote (H«tt
de B. d< U.).
,dbyGoogle
ENTRE OS BpRdROS 4O7
pitão Serejo, na colónia militar. Quando a grande turma
embarcou para Cuiabá, tinham-se-lhe arranjado 430 vestuá-
rios. A isso ainda em Cuiabá se junctarani muitos, E, quando
os índios voltaram, de tudo isso não restava nada. Em pri-
meiro logar, por terem os negociantes fornecido fazenda
ruim, muito fina e mal fabricada, que lhes era impos«vd
vender; depois, porque os vestidos eram muito apertados e
curtos, as camisas não fechavam sobre o largo peito, e as
calcas rompiam-se; e, finalmente, porque os Bororós tra-
ctavam os presentes da civilizado com o mais solenne pouoo
caso. Logo que se sentiam incommodados, arremessavam-
n-os fora; quando precisavam de um sacco para carrear carne
ou peixe, utilizavam-se para isso de suas coberturas e ca-
misas. Em redes, de que cortavam pedaços, e em toalhas de
mesa, — um original presente brasileiro para índios nús, —
envolviam os seus corpos untados. Elles mesmos nSo usam
de redes, e dormem sobre esteiras. Nem por sonho pensavam
na lavagem da roupa; as camisas ficaram da côr de barro,
como os seus corpos, o chão e as cabanas.
Os bons Bororós eram era demasia tão carinhosamente
tractados, que os nossos modestos artigos de troca eram mal
vistos por elles. Já eram tão conhecedores, que s6 pediam
machados norte-americanos . De maior apreço lhes foram
as nossas contas (de vidro), mas também a respeito disso as
mulheres eram bastante caprichosas, e, sem ceremonia, indi-
cavam as que não lhes ^p-adavam, com a tristíssima ex-
pressão portugueza, que a catcchese tinha geralmente vu^-
rízado, — < Porcaria I > ou < Merda I >, a não se lembrarem
do companheiro c Diabo ! >.
AcRictJLTtniA . — Os Bororós devem roçar e plantar!
Practicamente, os offíciaes ficavam satisfeitos, quando con-
seguiam salvar as plantações dos saldados contra os Bororós.
Logo que os indígenas se apanhavam de posse dos machados,
divertíam-se em abater os piquis, para não teren
de trepar nessas arvores e colher-lhes os fructos.
militar havia um bonito cannavial: era preciso
guarda, para evitar a devastação. Os Índios, poi
excursSes nocturnas e achavam meios de occu
illudir os seus protectores, pois, sem quebrar as ;
«ibyCoogIe
410 tivnstí DO IHBTITUTO BOTORICO
separaram-n-as ál força; mas, então, o 'berreiro adquiriu
maior vehemencia, gritando muitas contra muitas. Era prin-
cipalmente uma velha quem dominava tudo com a sua voz
estridente. Caldas, que via com pesar que a sua companheira
de tenda, também luctadora, tinha o peito rasgado, empurrou
para tá o grande cacique Moguiocúrí. Com ímraensa tran-
quillidade entrou no torvelinho, e, de súbito, fez-se com-
pleto silencio. O seu poderoso e formidável braço poz de
uma vez para o lado as trez perigosas mulheres. Maria, que
decididamente tinha perdido, não disse palavra; estava alli
com olhos entristecidos, de braços cruzados sobre o peito
offe^^te, enquanto uma sua partidária, lhe compunha o
cabelb desenhado. Descontentes procuravam ainda avivar
a tempestade; mas as risadas de Corona dominavam. Sepa-
raram-se e, em corrida triumphal, foi levada por trez mu-
lheres a ruidosa velha.
Sacudindo a cabeça, encaminhábio-nos para o nosso
rancho, mas de lá tivemos que retroceder, por causa de tun
barulho infernal. Os soldados estavam dansando com as
mulatas e indias ao bello luar, e faziam musica com sanfona,
pratos e garfos, — expansão de alegria em toda parte 1
Voltei ao rancho dos homens; dous delles faziam exer-
cidos athleticos. Agarraram-se por debaixo dos braços e,
fortemente encurvados para a frente, ficaram por muito
tempo Dessa posição; até que, de repente, um delles tentou,
com a perna ou o calcanhar, fazer dobrar a perna do outro,
afim de derriba-lo; foi, porém, suspenso pelo adversário, e
perdeu. Pequenas fogueiras ardiam ao lot^ da casa. Os
homens estavam deitados com a cabeça sobre pedaços de pau,
um ao lado do outro, em fileira, para dormirem alli fora;
proseavam e mascavam canna, atirando em curva os bagaços
para trás. Divertiram-se muito, quando me sentei de cócoras
junto á fogueira, notando as suas palavras. A um lado, não
longe das fogueiras, também dormiam casaes; também cri-
anças a>rriam e brincavam al^emente, até alta noite, no
pateo.
DiSTBiBuiçXo DE CARNE, 26 de Março. — Uma admi-
nistração provecta acharia no modo da distribuição dos vi-
veres um meio excellente para acostumar os índios á ordem.;
. Google
ENTRE OS BOItditOB 4II
Mas ninguém pensa em uma justa proporção, nem a res-
peito das provisões, nem a respeito de outras cousas. Tudo
corre arbitrariamente. A barbara scena da distribuição do
iapira (15), isto é, do boi, é espectáculo repugnante. Geral-
mente são abatidas duas rezes, e em Mato-Grosso a carne
de vacca é um género immensamente barato. Não hi
mais commodo para os Brasileiros. Os pedaços de c
03 ossos são amontoados sobre um couro deante da e
Índios, homens, mulheres e meninos, em parte muni<
cestas, ficam ao lado, á espera. Um dos cadetes dá o
— e todo o bando precipita-se sobre a carne e os ossos
uma ãlcatéa de lobos. Era um espectáculo tão nojeni
me tirou o bom humor, ao passo que muitos assiste
apreciaram com grande alegria. O idiota DtapocúH
de cretino, foi quem mais prendeu a attenção geral
selvi^ería animal, o idiota, representante do rancho d
mens, conquistou trez pedaços enormes, e, de olhos bríl!
levou-os com um grunhir triumphal, enquanto a ba
escorria pelo mento. Si isto tivesse sido um gracejo, <
rude, vá IS; mas não: — este é o systema r^ular e ha
O Índio, com isso, fica rebaixado a um estado que jâ
transposto na sua vida de caçador, desde tempos im
ríaes ; pois um dos fins capitães da instituição dos baris,
homens-medicos (como veremos), era evitar a discor
repartição das presas, bem que esse problema, em v<
seja resolvido por ficarem elles com os melhores pe
Lamentações NOcrtniNAS. — Noite a noite r
pelos menos de quatro ou cínco cabanas, as lamurias
gumas mulheres. São esposas de caçadores, cuja volta <
rada dentro de poucos dias. Bãbela bâbela bá. .. baba e
queixumes prolongaram- se até alta noite; é quasi imp
dormir. Têm elles um fim determinado. Contam as mi
que, quando deitadas, o sonho lhes revelará' o regresso d(
homens. Na manhã seguinte, porém, é que de facto o f
Presentemente ellas se occupam um tanto mais cot
(ij) cTiidni é gido em lera] e cspeetelmeDte o t>c
ncca> é < tapIra-cAdo > ; qaindo frnc* ou rerâe, chimi-»
qaanda lecca, Ctipira.codti]cÍ >. <BdI> dlz-tt cuplra^ncdi
<t>plra.v«de> (Note 4e B. de H.>.
,dbyGoogle
413 REVISTA DO INSTITUTO HBTOUCO
thema, por ter morrido a mulher de um dos ausentes, o indio
Coqueiro. No rancho dos homens tinham posto o panno ver-
melho dos mortos, um vaso e as duas conchas de trabalho da
finada; dous baris entoavam um longo canto lúgubre, en-
quanto ao fundo se avistava uma porção de mulheres entris-
tecidas .
Oração da tarde, — A's oito horas da noite realiza-se a
< reza >, a Ave- Maria dos soldados. Hontem observámos mais
exactamente esta funcção, e, para aprecia-la collocámo-nos
deante da porta do xadrez, quando o cometeiro deu o signal.
Pouco a pouco, reuniram-se 32 homens, ao lado da sentinella
permanente, na casa principal, e arranjaram-se á vontade
em duas fileiras, grandes e pequenos mixturados, com fardas
dtfferentes, cada um munido do seu fuzil-Comblain. A lua
cheia derramava a sua branda claridade sobre os exquisitos
rapazes . A' frente estavam dous cadetes : enquanto um delles
lia os nomes á luz de uma vela, o outro picava tranquillamente
uma canna, chupando os pedaços. I^ogo que era chamado um
nome, o dono respondia com um « prompto ! », ora alto, ora
baixo, conforme o temperamento. Com surpresa, ouvimos de
repente o « prompto ! » também por traz de nós, com uma voz
sepulcral, que saia do cárcere; atravez de uma fresta da porta,
víamos com prazer, pela sombra movediça, como o malfeitor
se balançava na rede, dentro do xadrez bem allumiado . Após
a chamada, a gente se descobriu, cantando, ou, melhor, ber-
rando, sobresaindo uma voz clara:
— < O' Virgem da Conceição, Maria Immaculada, vós
sois a advogada dos peccadores, criaes todos cheia de graça,
com o vossa felis grandeza, vós sois dos céus prínceza, do
Espiriío-Sancto esposa. Maria, mãe de graça, mãe de miseri-
córdia, rogae Jesus por nós, recebae { \)~nos na hora da
morte ! Senhor Deus, pequei ( ?), Senhor, misericórdia ! Por,
vossa mãe. Maria Sanctissima, misericórdia (16). >
Os Índios, que, por acaso, passaram, não só gritaram
lambem « prompto 1 >, como ainda tomaram activamente parte
(i6> Versos burlescos:
cO' Virsem da Conceiflo,
Mirik Imniacullda,
Pagae o oosio aoldo,
Deiíiiie de cafoada ',> (Nota do A.).-
.ibiGoogle
ENTRB 08 BORdHOB 4I3
na cantarola; lá dentro de casa, Caldas exercitava-se na ra-
beca. Finalmente, ajoelharam-se todos, inclusive a sentínella,
e também o cadete com a canna. Os Bororós não faziam
mais caso deste acto, que lhes era muito conhecido. Porém
uma hora mais tarde appareceu deante da nossa porta uma
dúzia de rapazes, cantapdo (a melodia certa, as palavras,
afora o começo, incomprehensíveis e confusas): — <0h!
Saneia Maria, mãe de graxa !> — abraçando-se alegremente
e pondo-se numa linha sem ordem. /
Lá pelas nove horas, ainda Moguiocúri se apresentou pe-
rante os cadetes, exigindo cachaça. Para variar, este cacique,
€ totabnente identificado com a civilização da sua tríbu »,
vestia uma camisa vermelha de mulher e um paletot de linho
branco; insistiu porque fossem buscar a chave da despensa,
c afinal recebeu a sua garrafa. EIte não era menos feliz,
quando, de vez em vez, para o mesmo fim acordava os
senhores, a horas avançadas da noite.
Escândalo com Arateba. — Este, como sempre total-
mente bêbado, ainda clama por mais pinga; desta vez, porém,
a celebre chave foi-lhe recusada. Então, alarma elle com os
seus berros e injurias a colónia inteira, corre para o rancho
e volta com duas « espadas > ! Dando furiosas pranchadas no
ar e cambaleando de um lado para outro, apenas ameaça.
Arranca primeiro a camisa, depois as calças, e atira esses
objectos aos pés do pobre Elyseu; depois, dirige-se aos sol-
dados, que alli estavam vadiando, e cobre-os de injurias, bem
como aos seus superiores. Quer ir-se embora, e isso comnosco,
por lhe haverem negado a cachaça. Afinal, volta camba-
leando para casa.
Sexta-Feira da P.uxÃo, 30 de Março. — A sentínella
traz a espingarda com o cano voltado para baixo. As cara-
binas dos outros soldados jazem extendidas no chão. As com-
panheiras dos soldados dirigem-se para o cimiterío, em trajes
domingueiros bem engommados, levando cruzes e velas.
Abre-se a cadeia : saem dous presos, um dos quaes, um negro
alto, tem ás costas um surrão, — sacco de couro que lhe serve
• de mochila, — e á mão o coxo, violino dos sertanejos, que
alegremente repinica. Os caçadores voltaram com grande
carga, trazendo em seus cestos tuna porção de caça; Coqueiro,
lyCoogle
414 REVISTA. DO IKSTITOTO HISTÓRICO
O recem-viuvo, ainda pennancce na colónia militar. Mas o
cadáver de sua mulher já foi exhumado. Os ossos, já limpos,
foram á noite trazidos do rancho dos homens, dentro de um
cesto; ao lado está um novo cesto, para o qual elles devem
ser removidos na occasião dos funeraes próprios, e também
alli está mn pote com agua. O iocal conserva-se no escuro,
apenas mal allumiado por algumas brasas que ardem e que
servem para os fumantes accender os cigarros. Muitos
homens, mulheres e creanças estão commodament e extendidos
no chão. Os cestos, porém, bem como o pote, estão rodeados,
em semi-drculo, por vultos acocorados, com o bári no meio:
entoam lun monótono, mas alto canto de lamentação. O bári
sacode incessantemente a matraca (17), uma cabaça* cheia
de ' pedaços de conchas ; a sua voz, trémula e baixa, sobresae
com forte pathos entre a de todos. Não cessa de cantar e
de sacudir a matraca, até lhe faltarem 3 voz e a mão ; então,
emmudece, e, tremulamente, deixa a matraca ir parando;
ha uma pequena pausa, durante a qual, no seu êxtase, elle
ligeiramente leva um cigarro á bocca, chupando «mu força
a fumaça e tragando-a. De novo canta e agita a matraca,
e nesse entretanto continua a fumar; até que, após uma
pequena meia hora, está cumprido o dever. Deixam todos o
ranchão, vagando por fora, tagarellando e rindo, como quasí
todas as noites. Ainda se ouve nas cabanas o barulho de socar
milho, alli e acolá arde uma fogueirínha, allumiando um
grupo pinturesco, canta-se, faz-se ruído, os rapazes ^arram-
se brincando, namorados vão e vêm, — enfim, festas por
toda parte, somente com a (fifferença de abundar a quanti-
dade de tendas, em que os selvagens devoram coelhos e adoram
as estrellas.
Sabbado da Aixeluia. — No dia s^fuinte a Sexta-feira
da Paixão, celebra-se no Brasil o tal chamado Sabbado da
Alleluia. Ao meÍo-dÍa, acaba o lucto geral e transforma-se
num alegre desenfreiamento : em toda parte estalam tíros;
o traidor Judas, pendurado a uma arvore, é injuriado e des-
pedaçado.
raça, coirespondeiitc ao < manei > doi Tupis, diTsm oa
« bipo >, e. qumdo ncDin', cheia de aenoitai da oolclí
ram-lbe «Upo-rA8o> (NoM da B. de !!.}■
byCoogIe
■NTRE 06 BORÚaOB 415
Na colónia, o começo da Alleluia é annunciado ás oito
horas da manhã, por terem, antes, de abater uma vacca e um
porco. O rio subiu, não se pôde pescar por causa da enchente,
afim de se fazerem provisões para a Paschoa, e o transporte da
came cessou. O bom do Elyseu, c(»n toda a seriedade, descul-
pa-se perante nós de ter sido forçado, pelas referidas cir-
cunstancia, a marcar o fim da Paixão; nós o tranquillizãmos,
mostrando-lhe a differença do tempo com Jerusalém. O
Judas está pendurado numa arvore nova, a i yá metro de
altura do chão : fato de algodão branco, botas el^antes, mas
apertadas, mascara de papel, faces pintadas de vermelho com
urucú, barba e cabello feitos de cabellos de mulheres Índias,
com enchimento de cavacos €Cabatáf>, («Que é isto?»),
— perguntam os admirados Bororós. Judas tem na manga
direita um sabre de pau; de uma algibeira sobresae o gargalo
de uma garrafa de cerveja; um pedaço de papel mettido no
paietot — é o testamento do traidor. A's oito horas, porém, os
soldados, bem asseiados nos seus uniformes de Unho branco,
desfilam; olhos europeus haviam de extranhar os pés des-
calços. Elyseu está munido de uma faixa vermelha. O cozi-
nheiro mette um cartucho na barriga de Judas: — ouve-se
um estalo, sae fumaça, e Judas começa lentamente a queimar-
se. O cometeiro entoa uma fanfarra; nesse Ínterim, dão-se
trez salvas, e, nos intevallos, ajunctam-se á musica as lamen-
tações penetrantes que saem de uma das cabanas; os indios,
que aqui se acham em turmas compactas, tapam os ouvidos,
de certo pensando no tempo em que ouviam nas suas matas
o estampido dos tiros. Moguiocúri e seu filho, que ainda o
excedia em altura, apresentam-se para também atirar umas
flechas nos destroços do Iscariote. Os soldados rettram-se;
em toda parte dão tiros; até os nossos camaradas não podem
resistir a essa tentação; do largo do pateo da cozinha, onde
haviam abatido um porco, ouve-se barulho infernal; a alaria
reina em toda parte : — AUduia 1
Caiafós 1 — As exéquias pela mulher de Coqueiros, —
ceremonia cujos pormenores ainda hei de dar, — caíram numa
s^unda-feira depois da Paschoa (i° de Abril); nós, hos-
pedes, continuámos sempre a admirar estes curiosos contras-
ta, que cada dia da vida agitada da colonía apresentava ao^
«byCoogIe
4l6 REVISTA DO INSTITUTO UISTORICO
nossos <dhos. Apenas haviam cessado as lamurias, apenas foi
levado o cesto funeral, — deu-se nova agitação. Os Bororós
suppuzeram ter percebido no mato dous Caiapós, que elles
chamam de Caiámo. O inimigo figadal nas proximidades da
colónia I Deixar a colónia immediatamente, á noite, — parece
incrível, — era a senha geral dos índios. Os soldados ficaram
alarmados; expediu-se uma ronda, qíie devia dar uma dúzia
de tiros no recanto suspeito da mata. Deste modo, tranquilli-
zaram-se si et in quantum ; mas o grande cacique Moguiocúrí,
o terror de Mato-Grosso, pousava, para maior segurança
' pessoal, não com as suas duas mulheres e crianças, e stm com
Clyseu.
Também em a noite de 2 para 3 de Abril tudo ficou em
vigília. Os nossos amigos indios levaram-nos ao ranchão, con-
vidando-nos a tomar parte numa sessão que tinha por fim
animarem-se com musica, na esperança de uma victoria sobre
os malvados Caiapós. No começo lá estivemos de pé c
dansámos, enquanto no meio havia um velho cacique, que
cantava e sacudia fortemente a matraca; tapando a bocca
com as mãos concavas, bradámos também um surdo u, u...
dobrando os joelhos ao compasso. Reparando como com isso
os Bororós ficaram consolados, continuámos por algum tempo
nessa maneira. Os nossos homens trabalhavam no escuro;
somente de quando em quando deitavam palha ao fogo, e
as sérias visagens ficavam por . momentos vivamente allu-
miadas. A dansa durou meia hora. Depois nós nos sentámos,
rodeando o velho matraqueiro, que tremia muito pelo ex-
cessivo exfòrço e bebia agua em fortes goles. Havíamos de
levar-lhe o vaso á bocca, pois sem isto elle não podia con-
seguir o seu intento. Então, todos nós ficámos possuídos
de nova coragem; o venerável ancião explicava, em tom
meio cantarolado, o objectivo da sessão, e o nosso grande
coro respondia-the encantado: — tuakina t>, isto é, € muito
bem I », ou rindo grosseiramente « háháhâ », ou resoluta-
mente ameaçador ««A...», conforme o temperamento.
No dia 3 de Abril chegou ao auge o enthusiasmo patrió-
tico contra o inimigo ínvísivcl. Estávamos nuina refeição,
quando, de súbito, vimos correndo impetuosam«ntc 10 a 12
,dbyGoogle
ENTRE OS BORdROS 4'7
Bororós, em trajes selvagens, A frente delles achava-se Mo-
guíocúri, bêbado, com a cara afogueada, vestido com a minha
camisola turca, armado, ou, por melhor dizer, carregado de
arco, flechas, mão de pilão e pesado machado sem cabo ; atraz
delle, José Domingos, com o rosto 'e o corpo pintados de
fuligem, sacudindo um bonito arco enfeitado com pennas de
ema, tendo amarrado no pulso, para proteger-se contra o re-
saltar da corda, um cordão de cabellos pretos, e trazendo
ligado ao corpo nú, com uma tira de couro, um oscíllante
sabre; o resto dos heróes, com idêntico apparato bellico, —
e, last nol least, o idiota Diapocúri . Este infeliz imbecil tam-
bém se havia besuntado todo de fuligem, e sobre o crânio
pathologico trazia um cordão de cabellos pretos, á maneira
de trança chineza. Pendia-Ihe das costas comprido facão de
cozinha, e com a dextra vibrava um porrete no ar; similhante
a um possesso, articulando sons confusos, cabriolava, com
gáudio de quantos se achavam á mesa. Os temiveis guer-
reiros saíram então á procura dos rastos dos Caiapós. Re-
tornaram logo : como não tivessem encontrado vestigios dos
inimigos, parece que então os bobos ganharam juizo, — e
assim terminou o episodio.
No ranchão dos homens, desde o romper da manhã,
tinham estado em muita actividade. Pela tarde, até ao es-
curecer, uns 12 Bororós divertiam-se em pintar festiva-
mente para a noite o cabello, a cara e o corpo, com tinta
muito vermelha ; e lá fora occorria, \<ygo ao crepúsculo, outra
scena. Tinham levado para fora da cabana uma criança de
dous annos, que desde 24 horas estava agonizando, c cuja
morte os baris tinham predicto. Estava ella ao collo da mãe,
rodeada pelos [< homens-medicos » e parentes, que soltavam
lamentos. Por traz da mãe estaia acocorado o pae, que por
alguns momentos ficou sem mexer-se; depois, — justamente
quando um dos espectadores fez luz, para accender o ca-
chimbo, — levou um cordão á roda do pescoço da pobresinha,
e assim a prophecJa dos curadores rapidamente se cumpriu.
Levantaram-se todos immediatamente, excepto a mãe; os
baris foram buscar os seus enfeites de pennas e as suas
matracas, e começaram a dansa fúnebre com o estridente can*
tico: — <.aroé. ■ ., aroé. . .».
S« D,3 zB<iby(aOO<^le
4l8 REVISTA DO UWriTVTO HISTÓRICO
Mas a festa interna e a ceremonia fúnebre externa do
ranchão foram de súbito medoahtunente interrompidas, quando
se ouviram dous tiros do lado do mato. Atirava-se alli outra
vei contra os Catapós ! Um homem, a quem a bebedeira
fizera dormir, os tinha visto e ouvido gritar 1 Acorcfodo, deu
o grito de alarma, que teve como consequência um enorme
alvoroço. Elyseu chamou os soldados ás armas; em pouco
tempo, o pateo ficou repleto de homens, carreados de arcos
e flechiis, de mulheres, que nos seus cestos haviam arrumado
todos os seus haveres portáteis, conduzindo ainda crianças
e empurrando outras adeante de si, e de rapazotes, que ge-
ralmente estavam também armados. Somente não saiu do
■eu logar a mulher com o pequeno cadáver ao collo ; e alguns
dansantes, tendo á cabeça uma grande roda, feita de ver-
melhas pennas de arara, batiam os pés, cantavam e matra-
queavam sem cessar, ou, depois de ter tomado parte na ce-
leuma geral, voltavam promptamente aos seus deveres.
A multidão, em grande alvoroço, rodeava a casa prin-
cipal. Alli estavam os soldados em longa fileira; ós cadetes
e funccionarios mal e mal supportavam o aperto, e ninguém
podia ouvir bem a própria palavra. E era noite escura. Os
exaltados exigiam que fossem removidos para a outra mai^em
do rio, antes da chegada dos Caiapós ; toda a multidão estava
promptã para sair. Felizmente, porém, não tinham animo de
separar-se dos soldados. Era uma effervescencia tal, que não
se sabia si os cinco sentidos f unccionavam . Pouco a pouco
a agitação foi arrefecendo. Mais alto resoava o solenne aroé
dos dansantes, os moços e as raparigas, pintados de vermelho,
procuravam as suas pousadas no mal allumiado ranchão, e
a multidão, que se apinhava no pateo, dividia-se em pequenos
aggrupamentos ; alli e acolá lobrigavam-se na escuridão achas
ardentes, e, ao clarão de uma fogueira, avistavam-se hor-
rendos arcos e flechas, cestos, os enfeites de pennas dos can-
tores, e, acocoradas e deitadas, pessoas de todas as edades
e sexos, sobre cujos robustos corpos o contraste de lui e
sombras, no momento em que eram allumiados, produzia
effeitos singulares.
Na repartição principal da colónia, todos os aposentos
estavam cheios: em casa de Elyseu, de Caldas e do admi-
'■'Google
KKTRE 03 BOnõROS 419
nistrador, em toda parte havia mulheres e creanças, com todas
as trouxas, em redor da mesa e sobre ella e em todos os
cantos, — similhando uma grande porção de ímmigrantes
amontoados numa estação ferroviária. Algumas das mulheres
mais mo<;as e bonitas davam na vista pela posse de travesseiros
brancos. Os brasileiros zombavam delias e consolavam-n-as ;
— € Caiámo bakitno », « os Caiapós não valem nada ! » Os
Índios gabavam-se de que não tinham medo, entesando os
arcos e baixando-se á maneira de espiões, para espreitarem
o inimigo. E, nesse ínterim, esmolavam fumo e cachaça.
Mais uma vez deu-se grosso alarido: disseram que um
Borôro tinha sido morto por um Caiapó, perto das ultimas
casas I Trouxeram um homem com a testa machucada: a
esposa, desesperada, prectpitou-se sobre eile para examinar
a ferida. Nós fizemos o mesmo. Uns pares de gottas de
sangue, uma pequena contusão; o ferido relatou que, no acto
de espiar, fora attíngido por um pontudo osso de boi. Si
foi má brincadeira de a^m amigo frívolo, ou si o projéctil
era destinado a um Caiapó, — isso ficou segredo daquella
noite sinistra.
Pelas II horas da noite, julgámos ser tempo de retirar-
nos. Não havia mais novidade em espectativa. Os cadetes
jogavam cartas, os caciques estavam muito embriagados. Lá
íóra também se havia feito silencio. Os soldados haviam-se
recolhido, e ao seu lado estavam as respectivas mulheres,
deitadas sobre pelles. O fuiíebre pranteio continuava; no
bailo, completa escuridão.
EscHotA. — Observemos agora um quadro mais pacifico.
Os meninos bororós tornaram-se meus amigos espedaes.
Delles aprendi os melhores termos da lingua. Mostravam-se
muito vivos, ousados, mais ou menos como pequenos neger-
boys, e primando sobre a juventude civilizada da Europa em
subtileza physica e espiritual. Gostaram muito do seu papel
de mestres meus e incitavam-me incessantemente a tomar
apontamentos: — €poiedie papératt (18) mais ou menos
(iS) Conforme o qnc outí doi Borâroi. o certo t cpoghMje>, que Unto
■Jtnifica «continue», como timbem «outra tu» ou <nomnent*>. A p>-
I>Tn «papíri* t 1 idaptaçlo phonetica do vocábulo portuiow <pip«l>>
(Nota de B. de U.).
yCoogIe
430 RBVISTA DO INSTITUTO BUTORICO
€ Continue no papel ! » A elles principalmente devo o conhe-
cimento dos prefixos pronominaes para as partes do corpo,
que variam para cada pessoa, e bem depressa se tomou o
seu sport favorito o declamar na sua língua — cmeu nariz,
teu nariz, nosso nariz, vosso nariz, seu nariz >, em todas as
variações. Nomeadamente revelava intelligencia o pequeno
diabrete, que figura no meio da estampa n. 128. Também
no nosso allemão elie sempre descobria borôro. Usámos da
expressão < pap^eienmaessig > ; immediatamente ouvimos a
exclamação < pafagaima I > ( 19) c vamoa tomar banho I »
Quando, uma noite, Ehrenreich se dirigia á lua com as pa-
lavras do dr. Faust, recitando o verso « In deinem Thau ge-
sund mich baden >, o tratantinho accompanhou immediata-
mente € itáu, akáu, áu », isto é, « meu cabello, teu cabello, seu
cabello». Esta brincadeira era tanto mais original, quanto o
|::adete Caldas, seu magister, que também devia fazer um
trabalho sobre a lingua borôro, declarava que os prefixos
pronominaes americanos, que eu procurava, eram mentiras
e invenções dos rapazitos, conforme a linguagem das gallinhas.
Elle sustentava isso, por ser muito teimoso em suas opi-
niões. Expressava-se também desdenhosamente em relação
ao nosso asserto de que a lingua latina era uma lingua morta,
porque esse idioma era falado no Egypto... Mas, peíor era
quando elle affirmava que Muller (sabe Deus donde lhe veio
o conhecimento dessa uníca palavra allemã !) era palavra
franceza, e insistia nisso, apesar do cómico desespero de
Ehrenreich, que, como filho da Athenas do Spree, em face
de tmi ataque tão inaudito ao < Guia de informações » de
Berlim, offendia a base do seu pensar e sentir.i
Si Caldas, que, pelo ensino aos rapazitos boròroá, recetna
uma gratificação, aprendia pouco dos seus discipulos, estes
certamente ainda menos aprendiam delle. E' verdade que os
marotos não gostavam de frequentar a aula : no começo, nem
appareceram lá; mais tarde, capitularam, quando alguns pães
(19) c Tomar bontio > r « úma >, cuja primeira pesscA gilural do iinpr-
TBlivo é ipagaima» (de <pighi>, nús). Em <papaBa!ma> ha, tvideiltinait^
o prefixo intensito <pi>, que i a tylbiba iokial tia pronome 4CÍma citado.
(NoU de B. do M.).:
,dbyGoogle
BNTRE 08 BORdROS 431
curiosos também tomaram assento na eschola. Eram, enfim,
muito desattentos. Eu pensava que as creanças deviam apren-
der em primeiro logar os nomes portuguezes das cousas mais
conhecidas, — plantas de cultura, animaes, utensílios, — que
haviam de contenta-los e que elles espontaneamente me per-
guntavam. Eu pensava mais si elles não haviam por força
de aprender a ler..., mas não vale a pena insistir no meu
modo de pensar, é melhor restringir-me ao meu papei de
relator. > '
Cada um dos rapazes tinha na mão uma folha de papel,
manuscrípta por Caldas. Liamos — ai, el, U, ol, ul, bal, bel,
hil, boi, bui, dal, dei, dil, dol, dul, e assím pbr deante, pela
pagina inteira. O mestre lia-lhes linha a linha, que os alumnos
tinham de reproduzir. Durante horas assim se exercitaram
elles, sacudindo alegremente o seu papel e dizendo: — bal,
hei, bil, boi, bui, dal, dei, dil, dol, dul, etc. DuTbnte alguns
mezes não passaram além disso. Caldas mesmo parecia
perder a paciência e perguntou-nos três vezes quantas horas
eram durante o pouco tempo em que assistimos ás suas licções.
Dous pães bororós estavam sentados a um canto, murmu-
rando de vez em quando, não sem alguma devoção: — bal, bel,
bil, boi bui. Entre as minhas notas linguisticas acho o seguinte :
— os Bororós me disseram « elle ensina a ler os rapazes » ;
a phrase é, em traducção litteral, conforme o verdadeiro obje-
ctivo, «elle ensina os meninos a olhar no papel». Caldas,
porém, esperava obter logo melhores resultados; os rapazes,
dizia elle, eram um bando malcreado, que, antes de tudo,
devia aprender a obediência. EUe, até então, os tinha casti-
gado, batendo-lhes com a régua nos dedos, quando estavam
desattentos. ^ora, porém, possue um mais aperfeiçoado sys-
tema de palmatória, que nos exhibiu em dous exemplares:
tinham ellas a forma de colheres de pau, mas com uma peça
terminal chata, circular, e esta, — nisto é que consistia o
melhoramento, — era perfurada como uma peneira ; dizia
Caldas que o ar, penetrando pelos buracos, augmentaria a
dõr. Esperava, poiá, que as novas palmatórias vingassem bem
e que os rapazitos chiassem pelo menos ao xat, xel, xil, xol,
xul. Èm nosso tempo, o resultado era sempre dal, dei, dil,
'dol, dul.
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433 REVISTA DO tNtTITDTO mSTOBICO
Os ermXos inimigos. — No dia 9 de Abril, Arateba tor-
nou a fazer, no estado de bebedeira, mais uma das suas proe>
zas. Furioso, derribou a cabana de uma viuva, que lhe não
quiz satisfazer aos desejos. Aquelle trabalho foi-lhe de facíl
execução, apesar do perigo de a cada arranco, cair de costas.
Seu ermão e dous previdentes amigos carregaram-n-o aos
hombros, levando-o para o seu rancho. Alli, durante um
quarto de hora, foi tomado de um ataque de choro; levanta-
se, porém, depois de irrigado com agua fria, e apparece deante
da casa do commandante. Como um leio que ruge na jaula,
elle passeia alli de um lado para outro, desafiando o ermão
para a lucta e injuriando-o muito perante o povo. O ermão
avan<;a' para elle, e, acurvado, saltita algum tempo deante
delle; em seguida, engalfinham-se furiosamente. Arateba,
por quatro vezes, é derribado ao chão. Então Maria, sua erma,
intervém resolutamente e segura-o com tanto vigor, que elle
não pode mexer-se. São levados os ermãos para direcções
oppostas. Da choça de Arateba sai de novo uma gritaria
selvagem e outra vez apparece o cambaleante bêbado : — tem
a physionomia de um verdadeiro criminoso, e, além disso, a
cabeça rapada, — e penetra na cabana onde esconderam o
ermão. Golpes retumbantes, gritos medonhos, briga geral.
A excitada multidão, em cujo meio se destaca a figura de
Moguiocúri, vem para fora: alguns luctam corpo a corpo,
Arateba é outra vez posto em terra, as mulheres precipitam-se
então accesamente no torvelinho. Maria subjuga o bêbado,
este é arrastado para fora, todos riem-se, voltam para o
ranchão, € alguns dizem, não sem razão: — < Piga pega!»,
isto é, € a pinga é coisa má ! > (20) .
Disciplina. — Estando taes scenas na ordem do dia,
nSo se podia evitar que ellas exercessem influencia nefasta
nos soldados. Estes andavam irritados, por terem de fazer
todos 05 trabalhos, ao passo que os indios vadiavam ; por
terem de pagar a garrafa de cachaça a 2$, isto é, cinco vezes
(10) «Pisa» é alinplet comiptcU do vi>c>bulD ptrtagatx «pinga». A' >!•
mllhin;! ão duplo slgnifiodo doi termos tupicos tpoxi> e c porangi > (alii),
«n nosu própria Unsui «bonito* 6 um darlndo ds «bom»), — «ptsa*. em
borâra, terve para indicar aa ideai de « mau i • de ■ feio >, aialm como
«peméga* ou « pemegárf > tanto quer diíer «bom» quanto < boplto >. CNoU
de B. de If.).
,dbyGoogle
ENTRE 09 BORdlOS 413
mais do que o preço da cidade, ao passo que os Índios a
recebiam de graça, para beber á vontade; e, finalmente,
porque tinham de frequentar o xadrez, em consequência dos
seus delidos, ao passo que os Índios podiam impunemente
gritar & cara dos officiaes ura insultuoso — * filho da... .'»
No mais, o bom do Elyseu, que não podia modificar o systema,
era ínnocente, — até era, por exemplo, tão indulgente, que
perdoou a um homem que sobre elle avançara de faca em
punho. O soldo, naturalmente, era gasto no jogo de cartas.
Um tinha perdido 100.000 réis no < vinte-e-um > e no « trinta-
e-um *, quando chegou o dia do pagamento . Não tendo mais
dinheiro, vendiam por uma bagatella todos os trastes da casa.
O ódio contra o administrador concentrou-se em uma
pequena rebellião, quando um dos camaradas foi preso por
causa da calumnia de que o dicto administrador lhe havia
feito â companheira propostas deshonestas, promettendo
dar-lhe um vestido novo do seu armazém. Queriam os re-
beldes assaltar o cárcere e matar Ildefonso a tiros. Conse-
guiram acalma-los, fazendo-lhes ver que Duarte ia regressar
togo e então decidiria a contenda. Ildefonso, porém, está
muito exaltado . Disse elle que tinha apenas dado c bons-dias >
á rapariga; outrora, não o negava, tinha-lhe feito cousas como
a de que era accusado; mas, agora, para elle, < a mulher era
ideai >.
Chegada de Duarte- — No dia ii de Abril, mais ou
menos ao meio-día, muito celeuma e grande imitação : — Di-
uáte I Diuáie ! Chiavam do mato, — não ha opereta que
represente cousa mais bonita, — 14 Bororós, um atraz do
outro, descalços, em trajo branco-sujo, rodeado de bainha ver-
melha, com claros chapéus de palha de abas largas, debaixo
dos quaes ondulava o opulento cabello preto, com grossas
borlas vermelhas e fitas vermelhas soltas com o disticho < Co-
lónia Teresa-Christina >, sabres com talins e copos enfeitados,
grandes e redondas botijas de cachaça, de vez em quando um
guarda-sol aberto. E atrás Duarte a cavallo, e trez caciques
montados era mulas, com o uniforme azul-marinho de galões
vermelhos de u'a mão de largura, que contrastavam bastante
com os pés nús, trazendo a espingarda na mão, e sobre a
manga uma brilhante rodella de latão com os dizeres c Vo-
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434 REVISTA DO INSTITUTO BISTORICO
luntarios da Pátria». Viva da. Carmina, a presidenta (21)
Pois nisso consiste a catechese da exma. sra. ! Os robustos
rapazes, é verdade, tinham um porte garboso, quando cami-
nhavam aos raios do sol, e marchavam recta via para a casa
principal; iam, com grande seriedade, sem siquer desviar a
vista da linha recta, pois nem lançavam uma olhadela de
lado para as suas ululantes mulheres e creanças, que pareciam
loucas de alaria.:
Ainda no refeitório conservavam a mesma solenne atti-
lude. Nós, os extrangeiros, estávamos sentados em bancos,
postos ao redor da mesa e junto ás paredes, em grande con-
traste com os barulhentos e desnudos filhos da brasilea tribu.
Havia notadamente quatro mulheres, que se lamentavam de
modo a causar dó, relatando, com os rostos banhados de
lagrimas, os acontecimentos desfiados desde a separação; a
mais exaltada rasgava a pelle do peito, braços e pernas, tor-
cendo em vas't05 queixumes o ensanguentado corpo côr de
barro amarello aos pés do esposo, que, em seu trajo theatral,
estava tesamente sentado no banco.
A 12 de Abril, accompanhando com atrazo de um dia o
director da colónia, chegaram dous enormes carros carregados
de géneros, puxado cada um por duas dúzias de bois. Para
os soldados houve, então", uma mudança: — na ordem do-dia
da véspera pubHcara-se que de então em deante cessava a
venda da cachaça, principalmente porque, no momento da
entrada do tenente, foram encontrados muitos bêbados.
Ai.Moço lí SERENATA. — Depoís de regulados taes ne-
gócios, Duarte só no dia seguinte foi que verdadeiramente
recebeu os cumprimentos de boas vindas dos seus subordi-
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ENTRB OS BORMOS 435
nados. Em primeiro logar, houve ao almoço boni vinho do
Porto. Este era em abundância, apesar de o tomarem dous
cadetes num copo só. Duarte era muito morigerado, por
causa do seu figado. Ao vinho seguiu-se uma collecçao de
garrafas de clara cerveja extrangeira, cujo rótulo nos lembrou
a pátria distante: a brasserie era em Hanover. Seis brindes
celebraram a Duarte como soldado do Paraguai, como pae
de f amíha, etc . , etc . Havia sempre novos motivos para elogios,
a todos os quaes elle respondia com o seu amistoso — c obri-
gado I 9 .
Esta sessão, porém, era apenas um preludio da serenata :
Caldas com violino, Duarte com guitarra, Ildefonso com o
coxo. Foi uma noite linda e alegre, que nos encheu do mais
alto respeito pela força para beber por parte dos Brasileiros ;
nunca eu poderia pensar que nos seus sertões houvesse (fessas
cousas. Duas grandes caixas de cerveja foram totalmente es-
vaziadas, antes de chegar a vez da cachaça. Ainda mais
infinita era a correnteza dos discursos. Eu fiz o meu brinde
ao fundador da catechese dos Bororós, o presidente Galdino
Pimentel, de quem não foi a culpa de que mais tarde ella
entrasse numa senda falsa, e assim evitei o dilemma de
mentir ou de of fender inutilmente. Duarte, então, tomou a
palavra e falou muito bem. Estava descontente com o go-
verno ; era por conta do c governo ingrato » o que ainda
faltava para o aperfeiçoamento da colónia. Considerava
também um erro que Elyseu ainda não estivesse promovido,
porém elle mesmo tinha tido razões de dissuadir o governo
de mandar o seu joven amigo para a colónia '€ Isabel »*, porque
poderia acontecer que este, por uma única falta, prejudicasse
toda a sua carreira ! — De facto, era admirav
observador imparcial ver como os cadetes confia
temal cuidado de Duarte, — cuidado que a elle p
veitava, — e como lhe pareciam ser inteiramente
Avaliei pouco mais ou menos em 30 ou 35 os bi
noite, dos quaes pelo menos 20 consagrados ao b
Duarte, Muito engraçado era o bom do Elyseu
incumbiu o palavroso Ildefonso de falar por elU
algum tempo, porém, elle mesmo se levantou,
resolutamente : — « Não tendo a devida intelligenc
«byCoogIe
436 BBVUTA DO INSTITim) HISTÓRICO
então em deante, fez até corajosamente muitos brindes, co-
meçando sempre com a desculpa de que não possuía a neces-
sária capacidatfe tntellectual, e pedindo, toda vez que termi-
nava, a coadjuvencia dos presentes, para vivarem, c debaixo
de todo o enthusiasmo », successivamente vários membros da
familiã de Duarte, a esposa em Cuiabá, o ermão e principal-
mente ã filha mais velha. Quanto mais tomavam cerveja,
tanto mais solennes e series ficavam os discursos. O boticário
era poeta, sabia muita cousa de flores de toda espécie, e
comparava o grotesco sargento Joaquim com um botã<^, e
celebrava a mulher, a qual, — primeira parte, — devia ser
considerada uma criança, mas, para elle, — s^unda parte, — •
era uma divindade, que para nós, os homení, sempre seria
um mysterio insondável. Ao mavioso accompanhamento da
guitarra, recitou Caldas umas inspiradas poesias; as bellas
palavras succediam-se muitas vezes com uma incrível presteza,
e do mesmo modo as nossas impressões tinham de variar do
delicado ao pathetico, do forte ao meigo. Apoderou-se de
todos uma commoção profunda. Duarte foi abraçado como
um pae, Elyseu ajoelhou-se deante delle, pedindo-lhe a benção,
ao que, porém, o pae brandamente se recusou, com um — ■
< isso não, meus amigos I » .
Ainda não me referi aos Bororós. Estes, porém, não
faltavam de modo algum, e estavam alli bem a geito. Vi,
pela primeira vez, um soberbo cacique índio desarrolhar uma
garrafa de cerveja allemã. A miude, serviam-se elles com
prazer do sueco da cevada e da canna, tomando muito mais
do que podiam supportar. Frequentes vezes, entresachavam
com 2 sua tagarellice os discursos sentimentaes, o que a
ninguém incommodava, levantavam as suas garrafas ao tinir
dos copos, tocando-as também, e não se cansavam de abra-
çar-se cordialmente. Moguiocúri também tomara assento alli,
entoando uma canção ruidosa e tocando guitarra, cujas cordas
elle arrancava como um tapir que empurra bambus. Fal-
tavam ã serenata somente mulheres índias. Mas duas moças,
já desde o começo, tinham sido levadas por Moguiocúri para
o quarto de Duarte, que ficava ao lado do refeitório. Na
manhã seguinte, alli chegaram á janella, para serem admi-
radas, com pentes de tartaruga nos cabellos, correntes de
,dbyGoogle
ENTRE OS BORdltOS 437
plaquei ao pescoço, com pulseiras côr de rosa, e honestamente
vestidas de compridas camisolas, que eram estampadas de
enormes e variegadas figuras de ramos de palmeira.
Aqui talvez posso eu fechar o meu caleidoscópio : —
havia de ser somente uma repetição de quadros. Até á nossa
saída, no dia 18 de Abril, não tivemos occasião de observar
que as nossas desfavoráveis primeiras impressões fossem
causadas pela ausência do director da catechese. Pelo con-
trario. Duarte ia tomar banho, dava um passeio á olaria, ou
fazia cousas similhantes; no resto do dia, deixava-se ficar
no seu quarto, onde também sempre se viam muitos Bororós,
Todos esmolavam. Uns ganhavam alguma cousa, outros nada.
Bêbados havia sempre entre elles. Para construcçlo do novo
edifício, os soldados carregavam paus e folhas de palmeiras,
que tinham tirado do mato. Certa vez até alguns Bororós
os ajudaram um bocadinho, a troco de cachaça.
Si preguiça e divertimentos por parte dos funccionarios
e Índios eram o objecto da colónia, — então esta poderia ser-
vir de brilhante modelo.
,dbyGoogle
III. — OBSERVAÇÕES
poloeícM. Htibito cMento (Ctbtlla.
Ptntuid. Onumeot^çio) . O «arAe». Caca e cultiva
do campo. Armai. Trabalhos no ranchio e icchnica. AlímentaçEo ; «beo-
limentoii pat meio doa ( biríi >. Dinu t úlraaOta. Instrumento* de
muiica; aonidom. Arte de dnenho. Diíeíta e casamento (Coitumei d>
familia do rancbla). Nascimento; nomes. Featai dos mortos. Alma e vida
de além-tomulo. Ni^uas celestes. Conjurat^o de meleoros.
Observações antropológicas . Alíura:
20 homens: max. 191,2; min. 167,0; med. 173,6.
i6 mulheres: max. 168,2; min. 156,2; med. i6o,S-
Uma pasmosa differença da altura dos índios do Xingu !
As mulheres bororós regulam pouco mais ou menos com os
homens da tribu dos Bakaeris. A média dos 26* Bororós de
ambos os sexos, que medi, é de 170,6, numero esse, porém,
que, na desproporção de 20 homens para seis mulheres não
tem valor algum. Tomando por base o eschema de Topinard,
os Bororós são individuos de estatura alta, sendo de 170,0
o seu timlte inferior. Na tabeliã communicada por Topinard
{22) sobre a média da altura dos homens, occupariam os
Bororós o 3° logar entre as 10 tribus de estatura alta. Só
seriam superados pelos Teuclches da Patagonia (178,1) e
pelos Poiynesíos (176,2), e quasi egualariam os Iroquezes
(■73,5)-
Extensão dos braços abertos — Altura egual a 100.
20 homens: max. 113,2; min. 99,9; med. 104,7.
6 mulheres: max. 102,4; min. 97^4; med. 100,3,
O mínimo dos homens — 0,2 tinha o maior Borôro me-
dido, o qual, com 191,2 de altura, tinha 191,0 de extensão
da braçada. Em duas das seis mulheres, a braçada era menos
que a altura : — 0,2 para uma altura de 156,2 e — 4,2 para uma
altura de 160,7.
€ Anthropologia >
byCoógIe
ENTRE OS BOROROS 4^9
Distancia inter-humeral — A) Altura egual a loo.
19 homens: max. 25,0; min, 21,6; med, 23^.
6 mulheres: max. 22,6; min. 20,4; med. si,8.
B) Absoluta.
19 homens: max. 45,3; min. 38,5; med. 41,6.
6 mulheres: max. 38,0; min. 32,5; med. 34,6'
O máximo da distancia absoluta pertence ao comprido
fitho do cacique Moguiocúri, que, com a altura de 191,2,
teve para a distancia inter-humeral relativa 23,7. O numero
mais approximativo para a distancia inter-humeral absoluta
é de 43,5 para uma relativa de 23,6. Comparando com os
Índios do Kulisehú, a média absoluta dos Bororós é de 41,6,
maior do que a maior média (41,4) dos Mehinakús, e a
média relativa dos Bororós (23,9) é menor que a menor
média (24,1) dos Nahuquás.
Circunferência tkoracica — A) Altura egual a 100.
19 homens: max. 58,4; min. 524; med. 55,1.
6 mulheres: max. 55,5; min. 47,9; med. 51,3.
B) Absoluta.
19 homens: max. ioo,S; mín. 90,0; med. 95,4.
6 mulheres: max. 9i,3; min. 76.6; med. 82,$.
Comparando esta medida, como a anterior, com a dos
Índios do Kulisehú (pags. 166-167), achamos de novo a
maior média absohita dos Bororós (954) maior do que a
maior média (95,1) dos Mehinakús, e a menor média re-
lativa dos Bororós (55,1) egual á menor média dos Nahu-
quás (55,1).
Altura da cabeça — Altura do corpo cg\a\ a 100.
18 homens: max. 19,4; min. 12^; med. 14,6.
6 mulheres: max. 16,1; min. 13,0; med. 14,5.
Dous homens têm números bem altos. Si compararmos
média das seis mulheres.
próximo 16,8 (31,0 cm.), veremos que os 18 homens têm
uma média de 0^4 com só 14,2, a qual é menor do que a
média das sets mulheres.
Circunferência da cabeça — Altura do corpo egual a 100.
20 homens: max. 34,4; min. 31,1; med. 32,9.
6 mulheres: max. 36,6; min. 31,6; med. 33,4.
O minimo que achámos nos homens medidos no Xinga,
. Cooglc
430 RBVISTÀ DO nwnTDTO mSTORtCO
por exemplo em um Trumaí, — foi de 32^. A média dos
Bororós, 32,9, é mais baixa que a média mais baixa das séries
lá observadas, 37,7 dos Kamaíurás, e, bem entendido, a dif-
ferença de 0,8 é justamente egual á differença entre a média
mais baixa e a mais alta das tribus do Kulisehú (Kama-
iurá, 33.7; Auetó, 34,5).
Índice craniano em relação á largura e ao comprimento.
20 homens: max. 85,6; min. 75,0; med. 8o,S.
6 mulheres; max. 79,8; min. 76,2; med. 77,7.
10 homens abaixo da média : 75,0, 76^, 77,0, 77i^t
77'^. 79.4, 79A 80,2, 80,3, 80,3 e
10 homens acima da média: 80,9, 81,5, 81,8, 83,3 82,5,
84,0, 844, 84,8, 85,5, 85,6.
3 mulheres abaixo da média : 76,2, 76,6, 77,6 e
3 mulheres acima da média: 77,9, 78,3, 79,8.
Tenho mencionado todos esses algarismos singelos, afim
de demonstrar que as médias, neste caso, offerecem uma
imagem fiel. Os homens têm a distancia entre a máxima e
a minima tão colossal, que parece incrível, A máxima das
mulheres é mais baixa que a média dos homens, e a diffe-
rença entre os dous sexos tem um aspecto muito diverso do
que observámos no Kulisehú. Quanto á média, os algarismos
referentes aos homens Bororós regulam com os mais altos
do Kulisehú e são apenas excedidos pelo índice dos Trumaís,
que é de 8:,8.
Proporção do comprimento da cabeça para a altura da
orelha — O maior comprimento da cabeça ^^al a icxj.
20 homens; max. 75,4; min. 61,3; med. 67,9.
6 mulheres: max. f)QA'> min. 62,2; med. 66,e.
Angulo maxillar — Limite do cabello — mento egual a
19 homens: max. 65,9; min. 51,7; med. 5Í,j.
6 mulheres: max. 67,3; min. 524; med. 58,4.
Arco do osso malar — Limite do cabello — mento egual
00.
19 homens: max. 85,2; min. 72,8; med. 75,7.
6 mulheres: max. 84,6; min. 70,3; med. 78,5.
Tuberosidade do osso »ki/ar— Limite do cabello —
ito egual a 100.
,dbyGoogle
BNTRB OS BORdROS
43'
19 homens: max. 57,6; min. 45,7; med. 4Ç,o.
6 mulheres: max. 49,1; min. 42,7; med. 46,6.
Face média — Raiz nasal — mento egual a 100.
20 homens: max. 69,4; min. 53,8; med. óo.ç.
6 mulheres: max. 68,0; min. 58,0; med. óí,j.
Altura do naris — Comprimento do nariz ^;ual a 100.
18 homens; max. 112,5; ">'"• 92,o; med. ioo,t.
6 mulheres: max. 111,6; min. 102,3; med. 106,8.
Largura do naris — Comprimento do nariz egual a 100.
18 homens: max, 108,9; ™'n. 77.8; med, 8ç,i.
6 mulheres: max. 95,1; min, 73,3; med. 8$,^.
Altura das espáduas — Altura do corpo ^ual a 100,
20 homens: max. 89,9; min. 79,4; med. 84,^.
6 mulheres: max. 85,3; min,, 82,3; med. 8^,ç.
Altura do umbigo — Altura do corpo egual a 100.
20 homens: max. 63,0; min. 57,4; med. sp,^.
6 mulheres: max. 63,0; min. 58,9; med. 60,4.
Altura da symphyse — Altura do corpo egual a lOO.
19 homens: max. 53,3; min. 47,1; med. 50,9.
6 mulheres: max. 53,3; min. 47,4; med. 4Ç,8.
Altura da crista Uiaca — Altura do corpo egual a 100.
20 homens: max. 62,3; min. 55,8; med. ^p,ç.
4 mulheres: max 61^7; min. 58,1; med. 6o,t.
Comprimento do braço — Altura do corpo egual a 100.
18 homens: max. 52,5 min. 43,6; med. 46,5.
6 mulheres: max. 46,2; min. 42,9; med. 44,$.
Comprimento da mão — A) Absoluto,
19 homens: max. 19,2; min. 16,1; med. 17,8.
6 mulheres: max. 174; min, 16.0; med. 16,6.
B) Altura do corpo egual a 100.
19 homens; max. 11, i; min. 9,5; med. 10,4.
6 mulheres; max. 11,3; min. 9,8; med. 10,4.
C) Comprimento do braço egual a 100.
20 homens; max. 24,2; min. 19,3; med. í2,i,
6 mulheres: max. 24,3; min. 21,7; med. sj.s.
índice do comprimento e largura da mão —
mento da mão ^ual a 100.
18 homens: max. 50,3; min. 41,6; med. 45,
5 mulheres: max. 46,9; min. 41,2; med. 44,
lyCoogle
433 RBVIBTA DO INSTITUTO HUTOIUCO
Altura do irochanter — Altura do corpo ^ual a lOO.
20 homens; max. 53,6; min. 48,4; med. 51,1.
6 mulheres: max. 55,6; min. 494; med. 5^,1.
Comprimento do pé — A) Absoluto.
20 homens: max. 28,3; min. 24,0; med. íó/i.
6 mulheres: max. 25,5; min. 23,1; med. 24,0.
B) Altura do corpo e^at a 100.
20 homens: max. 164;' min. 14,1; med. 15,3.
6 mulheres: max. 15,2; min. 14,6; med. 14,9.
índice do comprimento e largura do pé — Comprimento
do pé ^ual a too.
20 homens: max. 43,3; min. 30,8; med. 57,5.
6 mulheres; max, 38,9; min. 36,1; med. S7'5'
Altura do pé — Altura do trochanter egual a 100.
17 homens: maiç. 9,1; mín. 7,1; med. 7,<í.
5 mulheres: max: 7,9; min. 6,8; med. ^,4.
A pelle tinha a còr exacta de barro ; havia, porém, todos
os matizes de tons, desde o amarello-claro (nas faces) até
ao violeta (no peito). Em geral, servia melhor Radde 33 m.;
a testa um pouco mais vermelha, também com 33 n. e com
33 o. (bem como as faces).
Em alguns índividuos notava-se já uma affecção de
pelle, que mais pronunciada se via na mulher de Moguíocúri.
Tinha ella só livre a cara, o hypogastrio para baixo do um-
bigo, onde a peite estava coberta, e o dorso dos pés. No
mais,a epiderme mostrava-se tapetada de uma erupção esca-
mosa, que se desenvolvia em curvas concêntricas, circulos e
ettipses. similhante á face que apresenta uma pedra de aga-
tha polida (23).
Cabello preto, e tão liso quanto ondulado, e mais raras
vezes, — isto em dous para 20 homens, — crespo.
Barba, quando não arrancada, rara no queixo e no lábio
superior.
J3) A esta alfítíão epidirmicí, ii «tudada por alguns do» intclliscnttt
:iH patricioc que íerviram na lommiaíão Rondon. — dra. E. Roquftle
e M. de Sou» Campos, — dão oi Boràras a dcDominacio da «blrigírí»,
c escamosa*, ou ainda « biti-ldíoriri », bto é, ca pctie
i de B. de U.).
,dbyGoogle
ENTRE OS DORdROS 433
Cabeça geralmente alta, ordinariamente lai^, ás vezes
redonda. Saliência do occSpicio bem desenvolvida. Testa
baixa, nos homens ás mais das vezes inclinada, nas mulheres
commummente direita, mas algumas vezes alta e abobadada,
frequentemente cabelluda. Fortes saliências, principalmente
nos homens, são signaes characteristicos. Cara geralmente alta
e larga, raras vezes alta e estreita, na maioria dos casos oval,
raras vezes redonda, sendo excepcional a quadrada. Ossos
malares salientes. i ,:
íris castanho-escura, de vez em quando castanho-clara.
Distancia dos olhos, grande. Abertura das pálpebras muito
obliqua, mas na maioria dos casos horizontal, geralmente
baixa, em forma de amêndoa, de vez em quando rabada.'
Lóbulos da orelha pequenos ou diminutos, ás mais das vezes
indistinctos. Nariz: — raiz mais vezes larga do que estreita,
mais vezes achatada do que saliente; dorso quasi sempre
largo, geralmente direito ou levemente arqueado, ás vezes
também em forma de sellim ; narinas, ás vezes em forma de
telhas, fortes nos homens, finas nas mulheres; ponta um
pouco aguda; ventas dirigidas para deante, redondas. Lábios
grossos, arqueados para cima e muito salientes. Dentes re-
gulares, sólidos, opacos, geralmente amarellos, mas de vez
em quando brancos, muitas vezes gastos até á metade. Pro-
gnathismo médio; queixo raras vezes reintrante.
Seio das mulheres que deram á luz — caídos, com
grandes circules em roda do bico. Orgams genitaes dos ho-
mens— pequenos. O prepúcio é artiftcialmetite alongado
pelas manipulações com o cartucho.
Mãos e pés proporcionalmente pequenos; Índices curtos.
Circunferência da coxa, tomada em um homem de i'°,73 de
altura, í^al a 0^,50 ; da barriga da perna, o",35. Artelhos
mais compridos: em 17 homens, nove vezes II, sete vezes I,
uma vez I egual a II ; em cinco mulheres, trez vezes II, duas
vezes I.
Habito externo. — Pestanas, sobrancelhas,
pellos são arrancados ou raspados. Agora começaram
as pestanas de algumas creanças, o que lhes foi mi
tajoso era relação ao nosso gosto.
!< D,gt,zedbyGOO<^le
434 RETISTA DO HffiTITOTO HIBTORICO
O cabelló era tractado dífferentemente, mas tanto nos
luHnens como nas mulheres do mesmo modo arbitrário., A
tonsura, que se devia esperar conforme o nome de c Coroa-
dos», restringe-se a uma de o™,oi de diâmetro, que se ob-
serva casualmente. Talvez aquelle nome se origine das gran-
des coroas de pennas. Viuvo e viuva trazem o cabello cor-
tado rente. O modo mais commum e original dos dous sexos
é pentearem o cabello para a testa, onde o cortam em Unha
recta, caindo atrâz livremente. Ao lado das orelhas fazem
ás vezes um corte ou deixam u'a madeixa atada em forma
de pincel, e ás vezes os homens trazem o cabello arranjado
atraz em forma de nó ou amarrado com uma tira. de embira.-
As mulheres, que se inclinavam ás modas brasileiras,' repar*
tiam o cabello ao meio. Havia também homens que traziam,
o cabello solto, não cortado, e repartido ao meto. Geralmente
era cortado com tesoufa; pelo methodo velho, entre duas
conchas. O pente era fetto de dous pausinhos pontudos, afia-
dos nas extremidades e ligados na parte média por fibras
v^etaes; estas eram dispostas entre duas travessinhas, que
iam além das extremidades.
Os homens traziam, quasi sem excepção, um cordão á
cintura. Havia, porém, um ou outro sem elle. O cartucho,
iiiobá (de no, palmeira uaussú, e bá, ovo ou scrolum) (24),
chamado gravata pelos Brasileiros já foi descripto por mim
(com bandeira festival). Póde-se construir facilmente ura
modelo com uma tira de papel de mais ou menos 0,3 de
largo por 0,14 de comprido, ligando as duas extremidades
em forma de annel, dobrando uma ntun angulo de 90°, e
pondo-a por debaixo da outra. Quando applicavam um car-
tucho algo apertado, então o prepúcio deante da glande era
amarrado por um cordel e puxado para fora; por esta mani-
pulação e applicação do cartucho, o prepúcio fica repu-
xado e alongado. A bandeira festival é uma tira de palha de
0,20 de comprimento, collocada ao lado. Também o apri-
(14) Hl aqui um engano de tod den Steisen! — o catlucho pmU Cb*.
ma-ie c bi >, conforme dlsaemos em a nota 14. t InobS > quer diíer <a meu
cartucho penil 1, pois (in<i> é o ad]«ctiTO'pionome posseasivo da primeira
peisoa gíngular. A palavra bapiisiú ou uauBsú chama-te ciMÍdo> e nio
«no».' (NoU de B. de H.).<
lyCoogle
BHTRB 06 BORAROS 435
sionadó Clemente recebeu um cartucho ê queixou-se 'dè ter
sentido, em consequência da applícação delle, dores e inflam-
mação. A expedição Langsdorff refere, a respeito dos Bororós
da Campanha, no anno de 1S27, que os homens costumavam
amarrar o prepúcio com uma embira, á maneira dos Guatós,
e que a embira lhes servia de cinta; e que outros o cobrem
com um cartucho de folhas (25), Já citei a observação de
JVaehneldt, o qual certifica que o cordão da cintura', sem
cartucho, como no Kulisehú, era bastante. Rohde (26) ex-
pressa-se erroneamente, quando diz : — c Os homens andam
completamente nús, cobrem somente o penis com um cartucho
de junco, amarrando o membro para cima do corpo».' Pois
os cartuchos de junco, entregues por elle ao Museu Berli-
nense de Bthnographia, são exactamente os cartuchos já
descriptos, que somente cobrem o penis, porquanto a glande
é uma parte delle, e o resto parece retrahido no escroto. A'
constricção do penis no cordão da cintura, — não a vimos
no S. Lourenço. Dizem que ella é usada apenas por aquelles
que não trazem cartucho. Disso resulta que o fim para que
amarram o penis não é, como affirma Waehneldt, facili-
tar-lhes o correrem mais desimpedidos; mas sim, um intuito
especial. O verdadeiro objectivo, a que se destinam o cordão
da cintura e o cartucho, é o prolongamento do prepúcio;
differe somente pelo methodo, mas tem sido observado na
grande maioria das tribus brasilicas.
A respeito das mulheres dos Bororós, diz o relator da
expedição Langsdorff ; — «As mulheres têm um costume
singular, não sei si para se cobrirem, caso esse em que ficam
longe do seu louvável intento. Em primeiro l<^ar, quero
dizer que, por uma razão qualquer, ellas apertam a cintura
com um pedaço de casca de dez poUegadas de largura, e
isso com tanta força, que a carne, á altura do estômago,
forma um ref^o, o que contríbue para as afeiar; mas, vol-
tando ao costume singular, tenho de accrescentar que, deste
cinto, adeante e atraz, prendem dous filamentos de duas a trez
poUegadas de largura». Conforme Waehneldt, as mulheres
(2]) «Rcv. Trim. >, 3i. U. pass. 'S'- (Noti do A.).
<a6) OMumaniciffica originaci da « AbtheiluoKm >, I> P>SB.- 14,- '<NoU
ia A.). '~~
yCoogIe
436 REVISTA bO INSTITUTO HISTÓRICO
usam um pedaço de couro de anta, de palmo e meio dé lar-
gura, em volta do ventre : < delle sai uma imbira de meio
palmo de largura, que cobre as suas partes genitaes » . Rohde
diz : — « As mulheres também andam nuas ; o único objecto
com que pretendem cobrir-se é uma tira estreita de casca de
cacto, que somente lhes cobre a mínima parte dos oi^;ams
genitaes > .
Em relação ás nossas mulheres bororós, já referi que
usavam no cordão da cintura uma faixa de embira de trez
a quatro dedos de largura, côr de cinza, a qual, durante a
menstruação, era substituida por uma de cõr preta, e que
também traziam, em logar do cordão da cintura, um pedaço
de Cctsca endurecida, do qual resaia, indo de cima para baixo
até prender-se atraz, a liga T, ambos seguros jxir um cordão
de embira torcida. Mulheres mais moças pareciam preferir
o espartilho ao cordão de cintura; o ventre ficava vigorosa-
mente apertado naquella dura couraça de casca.
A embira cinzenta tirava-se do pau-jangada, cuja madeira
leve era usada para a construcção de jangadas, e que também
é chamada embira branca, e cujo nome botânico é Apeiba cym-
baiaria (da familia das Tiliaceas), O mencionado cinto preto
era feito de casca do jequitibá {Lecythis), bonito ornamento
da mata virgem, com copa gigantesca. De troncos de tamanho
médio tiravam um pedaço grosso de casca, collocando-o na
agua durante uma semana. Finda esta operação, era-Ihes
fácil tirar da parte interior uma camada molle e fina, que
fornecia os cintos hygienicos. Estes, depois, eram coloridos de
preto por meio de tijuco podre. As outras camadas duras e
mais grossas davam material para cintos de uma largura até
o",28. Muitas vezes encontravam-se até crianças de três a
quatro annos trazendo taes cintos, — o que era engraçado de
ver.
Conforme o que notámos, deve-se considerar o cinto de
casca apenas como um substituto do cordão de cintura, cujo
aperto, enquanto a moda não se tornou exaggerada, talvez
lhes causasse prazer.
Conforme, porém, a descripção de Langsdorff, apparece
o cinto como o objecto principal, porquanto delle pendiam
livremente filamentos e não havia liga que servisse para
I Google
BNTRB 03 BORdROS 437
segura-lo. O próprio observador não acreditava no destino
da cobertura. As mulheres bororós eram indifferentes a esse
respeito, e, no tocante ao seu pejei, este lhes era não só em
parte como totalmente desconhecido, ou, para melhor dizer,
revelavam nisso um verdadeiro impudor, que, mesmo não
levando em conta a licenciosidade dos Brasileiros, tinham em
grande abundância. A' vista de tudo isso, não acho impossível
que o largo cinto de casca ou de couro de anta houvesse
originalmente de servir para outro fim. As mulheres vol-
tavam do mato com cestas tao carregadas de cocos de pal-
meira', que pareciam acabrunhadas sob o peso, não podendo
quasi andar; nisso, a extremidade da cesta apoiava-se sobre
aquelle cinto duro. e este assim lhes protegia a pelle, do
mesmo modo que os annéis de embira protegiam os hombros
dos Índios do Kulisehú no transporte das canoas. De facto,
um pedaço de couro de anta havia, assim, de prestar excel-
lente serviço. Com o andar dos tempos, disso nasceu aquella
afamada couraça apertadora.
O3 lóbulos das orelhas de ambos os sexos eram perfu-
rados, mas isto se fazia nos rapazes quando na edade de oito
para 10 annoá, isto é, quando começavam a exercitar-se para
o mister de caçadores. O operador era o pae, e das raparigas,
como veremos adeante, era, em sentido bem differente, o
futuro esposo.
O lábio inferior perfurado era distinctivo da tribu para
os homens. Já referi que o nosso António, sendo reclamado
por certa mulher como filho seu roubado, foi examinado a
respeito daquelle signal. Conta Waehneldt, a propósito dos
Bororós do Jaurú, que alguns tinham também uma espécie
de € palito » atravessando o septo nasal ; no perfurado lábio
inferior de muitos achavam-se pedaços de pau como enfeites.
Os nossos Bororós na vida quotidiana não carregavam cousa
alguma no furo do lábio inferior. Somente quando rapazitos,
é que costumavam empregar pequenos toletes, para impedirem
o fechamento do furo: assim, observavam-se lascas de osso,
por exemplo, de jacaré, ás vezes um prego ou pr^uinhos de
resina, providos de um botãosinho na extremidade interior.
Os adultos exhibiam no trajo festivo pregos da mesma qua-
lidade ou uma corrente labial. Consistia tal corrente em
,dbyGoogle
438 itEviBT& DO ntanTUTO Htnoitioo
meia 'dúzia 'dê fragmentos alongados de concha, ligaifos infé-
ríormeate uns aos outros por meio de uma borla de íios do
comprimento de o",i2.
O orifício labial era feito no recemnascido pelo < homem-
medico» (bári) , O instrumento, com que se practicava a
operação, chama-se baragara: constava de Um osso pontea-
gudo, tendo por extremidade uma vareta de pennas ; tinha um
aspecto imponente e era usado no cabello em occasiões fes-
tivas; a vareta, á qual o osso estava ligado com resina, era
bem coberta de penninhas grudadas, ora vermelhas, ora côr
de laranja, em meio das quaes também se viam, aqui e acolá,
pennugens brancas e macias, e finalizava, na parte superior,
por uma comprida penna azul de arara, de cuja base pendia
um molho de pennas listradas de gavião, de papagaio e de
arara, medindo todo o instrumento, de ponta a ponta, mais
ou menos um metro. O bári dansava, cantando, com a bara-
gara na mão', deante do recemnascido, avançando e recuando,
até que, num dado momento, lhe perfurava o lábio.
A tatuagem era desconhecida; signaes de cicatrizes acci-
dentaes não eram raros. Um instrumento similhante ao ras-
pador de feridas dos Índios do Kulisehú, — não o encontrámos
aqui.; Riscava-se a pelle, não para fins medícínaes, porém sim
para coça-la, como todo mundo, quando tem comichão, e até
tinham, para poderem faze-lo nas costas, um objecto especial,
um osso de o'°,2i de comprido, ornado com pennas de ema,
o qual era muito usado, com grande proveito, pelos dansa-
dores, quando suavam muito nas festas. As cicatrizes acima
alludidas provinham das ceremontas pelos mortos.
A pintura tinha pouca importância, mas o enfeite dí
pennas representava notável papel. Não sem razão fala Wa-
ehneldt das festas quotidianas dos Bororós. Esta observação
também era completamente justa a respeito dos nossos Índios.
Com effeito, cada caçada era iniciada com dansas e cantos.'
Também a rapariga, levada á força para o ranchão, era
pintada pelos seus amigos do modo mais meticuloso possível.;
Finalmente, era um remédio diário o enfeitar-se com pennas.,
'A febre intermittente" era frequente na colónia; as creançaá
a cada instante ficavam doête, isto é « doentes, » E deste'
modo, era-nos absolutamente impossível perceber onde es-
lyCoogle
EHTRB 08 BORteM 439
tavam os limites entre a medicina e a arte do aijõmo. Os
legares do corpo que doíam eram friccionados com resina
de almíscar e, depois, cobertos de pennugens. Viamos cri-
anças que tinham mangas completas de branca pennugem de
pato. A resina de pintura era preta (27). Para grudarem a
cara com pennas, appl içavam ao longo dos limites do cabello
uma tira com grude, de um dedo de largura, e ligavam-se
de vez em quando as extremidades ao lado das orelhas por
uma tira travessa, que passava entre o nariz e o lábio, de
modo que, quando a tira era larga e não grudada, similhava
uma semi-mascara. O quadro de lacre, originalmente desti-
nado ás pennas, também era usado sem ellas.
O quadro 27 mostra-nos um Borôro festivamente en-
feitado de pennas. Os braços estão totalmente involtos cm
verdes pennugens de papagaio, como também a parte vizinha
do peito; acima do umbigo acha-se imia pequena faixa de
pennas, e nas costas, posso accrescentar, imia parte dos
hombros e um espaço da largura da mão nas costas estão
egualmente cobertos de pennugens. O quadro de lacre preto
da cara já tem perdido muito da sua primitiva boniteza e
plumagem, e de orelha a orelha exten<Te-se, similhante a um
formidável bigode, aquella travessa grudada de pennas total-
mente brancas. O cabello, pintado de urucú, é na frente bem
coberto de penninhas vermelhas de arara, e ao lado vêm-se
madeixas coloridas de vermelho; a parte superior da cabeça,
rodeando a tonsura, uma coroasinha vermelha de pennas de
arara, circundada irregularmente de um punhado de pen-
ninhas negligentemente grudadas. Nas mulheres doentes repa-
ravamos não raras vezes logares pequenos cobertos de pennas:
Maria, certo dia em que se queixava de febre, appareceu mais
carregada deste remédio, pois o tinha
na cara e no peito. A esposa de um cai
longa ausência, para recebe-lo, tinha-:
e o cabello á moda das raparigas do r
transformado a pelle do busto, da cint
paletó de pennas, aberto na frente. 1
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4^0 BET18TA DO IKSTITCTO HISTÓRICO
também o crânio, antes do final enterro, é coberto de pennas,
de modo similhante ao adómo dos bárts, ao passo que os
outros ossos são apenas untados com o oleo de urucú. Não
posso dizer si a esse enfeite ligam a muito vã esperança
de um effeito medicinal.
Não havia o pintar diário com fuligem oleosa e urucú',
como no Xingu. Também os materiaes de pintura não eram
applicados em nenhum dos seus utensis, a não ser nas ma-
tracas; em logar delles, viam-se no S, Lourenço, por toda
parte, as pennas, tanto no corpo como nos utensis. Também
■não faltava a praga dos mosquitos e dos micuins; de outros
bichos, víamos, e ouviamos dizer na colónia, somente innu-
meros gríllos, que faziam barulho nos paióes de milho. O
urucú, de que h^via pouco, era mixturado com azeite de
peixe. Applicavam-n-o muito economicamente ; também a
pintura a preto limitava-se ao quadro de lacre e a enn^recer
a cara e o corpo, quando marchavam contra os Caiapós.
Com o urucú é que enfeitavam para a noite a rapariga do
ranchão. Punham-n-a sentada sobre uma coberta vermelha,
tendo ao lado uma concha cheia de oleo de peixe e um
pedaço de pasta de urucú, O cabelto era grosseiramente
untado, e ao busto davam também uma camada de tinta ; mas
a operação principal, que durava muito tempo, era a pintura
da cara com uma palha ou uma estreita varinha de bambu.
Deste modo, a risca transversal da testa não era feita de uma
só vez, mas iam imprimindo alli, pouco a pouco, a varinha
de bambu, molhada na tinta, até perfazerem aquella travessa
frontal. Pintavam também a pálpebra superior até a borda
dos cilios. Nas faces traçavam triângulos. Mais tarde, hei
de referir-me á significação da travessa e dos triângulos (cf .
o que eu disser a respeito da arte do desenho, depois da de-
scripção das matracas, que será a única occasião que ainda
tenho para falar de symbolos) .
Trabalhos da arte de enfeitar com pennas, para me ex-
pressar assim, em contraste com a simples cobertura de
pennas, — viam-se de uni modo magnifico. Os principaes pro-
ductos da arte venatoria estão reunidos no quadro I, com o
cacique em gala. Uma formidável roda raiada, de plumas
azues da cauda da arara, amarellas no avesso, levanta-se ín-
,dbyGoogle
ENTBE 06 BORAROB 44'
clinada para a frente e a testaita: é o pariko. As pennas de
arara, de o"r45 de comprimento, são presas por um feixinho
de palhas, que circunda a cabeça e é ligado por um cordão;
o quarto inferior das compridas pennas é coberto de algumas
filas de plumagens vermelhas e verdes de papagaio. Um
pequeno diadema ficava depois inchnado para baixo. Na
parte posterior da cabeça, tortamente inclinado para traz
e mais arqueado do que o pariko, destaca-se um diadema,
^fual a elle em tamanho, de pennas listradas de gavião, or-
nato esse chamado kurugúgua. Das orelhas pendem sobre o
peito pedaços variegados, que são feitos de penninhas do
peito do tucano, muito bem dispostas em listras atravessadas
(também são usados os grandes bicos de tucano) . Molhos
de pennas das azas de arara e papagaio e outros pássaros
de cõr brilhante pendem dos braços, do mesmo modo que se
observam nos arcos e nos perfuradores labiaes.
Ha, porém, ainda outros adornos de pennas. Merece
menção principal a bonita nabuleâga {nabúre. arara) (28) :
pennas de arara, ondulantes pennas de ema e brancas borlas
de penugem, ligadas em torno de uma vareta, que intro-
duzem no furo do lóbulo e têm o",s6 de comprimento.
Do mesmo modo, punha-se no cabello uma armação de
varinhas com a forma oval de uma cabeça de matraca, o
marobóro ; o esqueleto delia era coberto de plumagem branca,
tendo por cima, fixada, uma penna de cauda de arara. Final-
mente, é preciso mencionar o chignon dos homens, enfeitado
de pennas. O nó dos cabeltos era rodeado por uma coroa
de pennas, ou com pennas salientes em forma de raios.
Dentes eram também emproados, principalmente para
adômo do peito: os mais preferidos eram os grandes do
jaguar, geralmente dous pares reunidos, e pequenos dentes de
macaco, que, enfiados e dispostos em filas atravessadas,
formavam uma peça de o™, 30 de largura, cobrindo quasi
m de < n«bú(e. que, com i
jm t u * qua^i egual an < u > francez.
irata vermelha (< Macroce
nabuleaga», porím sLoi <
rnabureíga» (< iga quer diíer « ca-
..). Vou den Sleinen ei
mpreita «n vários vocábulos borâros
itrelanto, nXo uiile na «;
mora língua de tae» lolvicolas, (Kata
de O. de M.].
,dbyGoogle
443 REVI8T& DO INSTITUTO BIBTOMCO
totalmente 6 peito.- Raras vezes acontecia quê também mu-
lheres recebessem desses adornos, e isso mesmo parece ser
devido á modificação dos costumei, effectuada pela coloni-
zação; pois dos Bororós se relatava que somente os homens
se enfeitavam.; Era characterístico que Clemente, que pensava
de modo indio e falava portuguez, chamasse taes dentes en-
fiados de rosários; os selvicolas ligavam a esse adorno a idéa
de que elle os fazia fortes e ágeis. EUes tinham até arrancado
dentes aos seus prísioneiíibs brasileiros, applicando^os no
corpo, a>mo enfeite; de egual modo, andavam com queixadas
dos inimigos. Julgavam também ser protegidos pelo cabello
dos mortos, cabello que usavam trançando-o em fios e re-
duzindo-o a cordões, — o que era dif f icil de realizar. Borlas
de cabello com pennas pendiam dos braceletes.
Garras, pequenas de roedores e grandes de tatu gigan-
tesco, — eram ligadas de duas em duas, formando assim uma
meia-lua ; do ponto central em que estavam ligadas e cobertas
de resina, pendia um ma^ de fios; na resina embutíam-se
pedãQos de concha, de forma annular. ^ual composiçãode
garras de tatu gigantesco tivemos ensejo de conhecer no Kuli-
sehú, não como adorno, porém sim como utensílio. Os Bororós
imitavam o enfeite de garras, cortando da folha de latas dê
conserva brasileira pedaços da mesma forma e tamanho. Este
modo de uso é tanto mais interessante quanto os dous pedaços
de lata não indicavam absolutamente que se originassem dê
duas garras, e, com gáudio nosso, ouvimos de um Cuiabano
a opinião de que este uso era prova de que os Bororós ado-
ravam a lua.
Era esta a maneira pela qual os Índios trabalhavam ém
metal. Também os pregos labiaes eram cortados da folha de
latas de conserva.
Garras de jaguar eram reunidas numa espécie de coroa,
— adorno muito similhante ao collar do cacique Auetó, feito
do mesmo material.
Havia correntes de pérolas de conchas, coco, pedacinhos
(fe osso e sementes perfuradas; tinham, porém, menos im-
portância do que as do Xingu. Estimavam-se mais as pé-
rolas feitas do casco de tatu. Tornarei a falar disso, quando
chegar a descrever a actividade do ranchão dos homens.]
lyCoogle
ENTRB 08 BORORÓS 443
Então, hei <Je tractar também idos cortlões de adorno, qué
estamos acostumados a chamar suspensórios, usados pelos
dous sexos.
O ARÓE. — O centro da existência boróro é o baíto, p
ranchão, e, ao lado da vida horrivelmente barulhenta quí
aqui ha dia e noite, as cabanas domesticas quast não são mais
do que a residência das mulheres e crianças. A reunião dos
homens chama-se aróe, e isto principalmente em consideração
á caçada commum. Sem exageração, póde-se dizer que,
nas cantarolas estridentes saídas dia e noite do baíto, aróe
nSo era a terceira, mas a segunda palavra; pois os cantos
continham nomes de animaes e cousas que, uma vez profe-
ridos, eram seguidos de aróe. Havia cantarola em todos os
acontecimentos, que de qualquer modo excitassem sentimentos
de tristeza ou de alegria, não só na véspera, si era possivel,
como também depois de acabados. O cacique, de tarde, an-
nuncia uma caçada para o dia seguinte: — a gente, em vez
de procurar prudentemente conciliar o somno, até ch^ar a
hora matinal da partida, reune-se no aróe para o canto da
caçada, e os mais ardorosos cantarolam até ao romper da alva.
A tribu dá a impressão de uma * sociedade masculina de
canto >, composta de caçadores, cujos membros se compro"
mettem a não casar, enquanto não tiverem mais ou menos
40 annos, e moram em convívio no « Club » . Os sócios mais
velhos, que têm familia, são os estimados dignitários e po-
dem, por esse motivo, pouco demorar em casa; tomam parta
nas excursões venatorias ou trabalham no c Club », onde
mantêm a ordem, dirigem os cantos e, nos dias de muita
occupaçSo, alli participam das refeições, mandadas pelaS
mulheres.
Clemente assegurava que os índios da colónia não vivíanl
diffcrentemente das suas aldeias, e que nestas, pelo contrario,
a caçada commum era muito mais importante, porque só por
meio delia é que podiam obter o seu sustento. Assim, parece
que a vida no Kulisehú differe essencialmente da da aldeia
borõro. Alli, morava-se em bons ranchos de família; aqui,
possuía cada casal com filhos uma pequena e miserável chou-
pana; alli, os solteiros eram a excepção; aqui, a maioria;
alli, os homens, que viviam em monogamia, tinham a suí
lyCoogle
444 REVUrA DO INBTimTO mBTORICO
casa de musica, onde não entrava mulher alguma, e que servia
para as assembléas e dansas, e onde, porém, somente se tra-
balhava quando era preciso fabricar adornos festivaes; aqui,
eram levadas á força para o ranchão dos homens as rapa-
rigas que caíam na posse de vários companheiros, e o tra-
balho r^ular de armas e utensis era feito no ranchão dos
homens. Entre os Bororós, a vida familiar era manifesta-
mente uma conquista exclusiva dos mais velhos e dos maÍ3
fortes. O sustento só podia ser obtido pelo exfòrço colle-
ctivo da maioria dos homens, que eram obrigados a afastar-se
por longo tempo na caça, — o que era impossível para o
individuo isoladamente. Esse sustento era escasso, e os mais
moços haviam de ficar contentes, quando podiam saciar a
sua própria fome; tanto não podiam obter, para satisfazerem
também a mulher e os filhos. Graças ao cultivo pacifico do
campo, que entre as tribus do Kulissehu a mulher practicara
ou aprendera, modificou-se completamente esse estado de
coisas: a communhão dos homens, o aróe, perdeu a impor-
tância e podia restringir-se á pesca e ás dansas festivaes. A
entrada de viveres era agora tão abundante e regular, que
cada qual recebia o suf ficiente pelo menos para uma pequena
familia, — o indio cuidava de conservar a família, — e agora,
que a actividade da mulher se tomara mais prestimosa, era,
pelo contrario, mais vantajosa a reunião das mulheres para
o trabalho commum : — vivia-se familiarmente em uma
grande casa.
Caça e cultivo do campo. — Na estação chuvosa, elles
passam < dias e dias, sem nada para comer », — assim re-
latava Clemente, Que, para se fortificarem, bebiam muita
agua mixturada com barro, mas não comiam barro; planta-
vam somente tabaco, algodão e cuias, e isto principalmente
os Bororós que moravam á beira de riachos, nas cabeceiras
do S. Lourenço, e que eram pescadores hábeis. Trocavam
aquelles productos vegetaes por flechas, vindas das aldeias
collocadas mais abaixo.
Observa-se, portanto, que, neste caso, o cultivo não co-
meçou pelas plantas alimentícias ! Os nossos Bororós, esta-
belecidos em Teresa-Chrístína, não podiam mesmo aprender
a plantar cousa alguma. Effectivamente, aqui não havia ca-
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ENTRB OS BORÓROQ 445
baças, nem cuias compridas para guardar pennas, e cuías
pequenas eram raras, sendo appltcadas sobretudo á fabricação
de matracas para o canto arôc ou para pequenos tubos de
sòpro. Para a caça, não precisavam de vasilhas, ou se ar-
ranjavam com fructeiras feitas de bambu; as pennas, guar*
davam-n-as em grandes caixas de bambu, e, em casa, as
mulheres fabricavam tijellas e potes. O bambú-gigante tam-
bém não crescia nas proximidades da colónia, porém sim era
buscado de mais longe ; vimos caixotes de 50 a 6o centimetros
de comprimento e 9 centimetros de grossura, em cujo lado
se applicava uma tampa.
Já citei exemplos frisantes da crassa ignorância, que ti-
nham os Bororós a respeito do cultivo do campo pelos Bra-
sileiros. Os homens afastavam-se dias e semanas para a
caçada; de vez em quando, algumas mulheres os accompa-
nhavam. A sua vida, portanto, não era puramente nómade,
pois possuíam uma espécie de domiciliação. Esta domici-
líação era possibiHtada pelo assar da caça e pela pesca.
Observámos um bando de caçadores que regressavam:
traziam em jacas uma porção de carne muito bem assada,
preta, sêcca, principalmente de porco do mato, de aves e de
tartarugas. E notámos nella grandes pedaços de couro carbo-
nizados, com pouca carne. Os Brasileiros apreciavam os Bo-
rorós como excellentes achaciores de rasto: com o seu auxilio
foram aprisionados soldados, que haviam desertado (29).
Pegados com flechas ou anzóes, estes fabricados pelo
modelo brasileiro, de ferro furtado ou do casco de tatii, eram
os peixes, ou então apanhados em redes, formando-se um
cerco e impellindo-os para lá. Em rios largos, faziam cercas
por meio de galhos e grama, deixando alguns buracos em
forma /íe funil como entrada, havendo do outro lado um
tapume de varas de bambu. Em rios rasos, — cor
mente, — os índios trabalhavam na agua durante '■
luz de tochas de palmeira. Não comprehendi a a;
de que elles podiam permanecer longo tempo debaix(
(19) Para impedirem o ddcobrímento de uma aldeia peloa
tdos, os índígeoaa applicavam ■ utucia de faier a ultima i
minlio o maii paisivd dentro do maio. (Nota do A.).
.ibiGoogle
446 REVISTA DO INSTITUTO BtSTORICO
Elles mascavam as folhas amainas da arvore €Diorúbo>
(30), antes de mergulharem, cuspindo-as depois. Debaixo
da agua, agarravam peixes. EUe conhecia um indio que fi-
cava no fundo da ^;ua durante uma hora, voltando < ccmi
um braço cheio de pintados ».
O certo é que os Bororós gostavam de estar na agua.
t)o alto da colónia viam-se, a um ou dous kilometros de
distancia, apparecer no rio os caçadores que regressavam do
mato : nadavam ou vadeavam o rio com agua até ao ptsccxp,
em Ic^r de virem pela estrada ou de atravessarem de uma
vez o rio a nado. Já de longe lhes ouvíamos o tagarellar e
rir; vinham de dous em dous, com curtos intervallos, todos
empinando os arcos, em cima dos quaes estavam amarrados
os molhos de flechas, conduzindo-os acima da cabeça, á sí-
milhança de cruzes alçadas, e carregando ao peito as presas.
As mulheres voltavam do mesmo modo, carregadas com os
pesados jacas, cheios de cocos e raízes ou grossos feixes de
compridas folhas de palmeira, para servirem de telhado e
paredes. Traziam ellas os jacas amarrados em travessas de
quatro a quatro, dirigindo-os em cordões como pelota. Con-
duziam ás costas os cestos, ligados com um laço de fibras,
que lhes passava pela testa.
Os Bororós não possuíam canoas.. Denominaram as dos
, Brasileiros ica, a mesma palavra que usavam para a desi-
|*^^o de ramos e galhos (não troncos, que diziam ipó (31),
j^í^esmo modo como estavam acostumados a amarra-los
■tfÇ^ conducção das cargas, em jangadas.
!ães, que suppunhamos, conforme o exemplo dos nossos
iSassados, fossem indispensáveis aos primitivos caçadores,
am aos Bororós : quer no seu habitat original, quer
, que elles podiam dispor de taes animaes em grande
verilicar, não me i licito In.
itTC Dl Bororós . < Djorúbo >,
> t * ronedio > ; e < djotúbo-
. . >«.. t ip j > o dciisnatlio
preparsdi > cbunam
para dciignor uma Iraiin*
oa Inttatiiioa.
0,1,1,1 bjGoogle
ENTRE 03 BOROROS
numero, não os utilizavam. Só mais tardt
dizer algo a respeito da distribuição da caça
Armas. — Arcos e flechas denotavam (
envolvimento da technica. Eram feitos cot
nitidez e perfeição. Aqui se podia ver, do i
possivel, que, si os aguilhoasse a necessidade
estes selvicolas a invenções posteriores. O :
arma de guerra, á excepção da maça. A resp
da campanha, relata-se que eram raras as 1
de ferro, osso ou pedra. A maça do S. 1
comprimento de i i]3 de metro: era um
menos chato de pau de palmeira, com 3 a ,
largura e terminando por um achatamento
metros de largura.
O arco commum, baíga (mostra-no-lo a
tem de comprimento até i",9, sendo circui
tensão de cf°,$ por um cordão de fibras de p
de reserva que geralmente é a continuação
arco. Os arcos, usados pelos caciques em c
ou recebidos como presentes solennes, tèn
feite de pennas (esse enfeite é mostrado pelí
é totalmente envolvido em pennugens variegs
vermelhas e amarellas, ou azues e amarellas,
ás vezes de plimiagem branca, e a ponta su
de um molho de pennas similhantes. Um
também ás vezes enfeita o arco commum <
caçador de um jaguar é, finalmente, disting
da fig. 2; esse é exornado por uma dúzia
melhas de folha de uaussú (AtuUea specta
têm o dorso mais ou menos chato, ao pass
ferior é convexa, ao contrario dos arcos dos
. As hastes das flechas são feitas oú di
baiúva ou da elegante e preta palmeira seri
Quando feitas de seríba, cujas varas são da
lápis fino, têm a ponta de taquara, em que se
de cauda; são cuidadosamente aplainada
conchas perfuradas de bulimus e alisadas ci
peras da lixa.
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446 REVISTA DO INSTITUTO mSTOMCO
Todas as flechas têm de commum duas peiínas de aza,
amarradas em espiral e cujas terminações estão ligadas,
amarradas em espiral e cujas terminações estão ligadas,
encurvada. Entre ellas ha muitas vezes alguns anneis feitcs
de bonitas penninhas.
As flechas têm o comprimento de i",5o a i'",75. O que
geralmente serve para fazer as flechas de caça e pesca —
são pedaços de madeira pontudos, entravados na canna de
cambaiúva e encimados por um fragmento de osso afiado.
A's vezes têm elles um osso que serve de farpa {vide a
fig. 7), ou a madeira é talhada {vide a fig. 6). Os ossos
são de macaco ou de anta. Para a caça de pássaros, ser-
vem-se de flechas de ponta obtusa ; essa ponta é uma espécie
de pião, com a face larga para cima e tendo no meio uma
saliência em forma de botão. Em outras flechas observam-se
pontas de pedaços afiados de bambu, previamente defumados
por longo tempo, afim de seccarem bastante. A fig. 8 mostra
a forma mais simples, destinada á caça de porcos do mato:
— a ponta chata de barabú. com 30 a 40 centímetros de com-
primento e 2 i|2 centímetros de largura, é amarrada na haste.
A fig. 3 representa a linda flecha de seriba para a caça do
jaguar: a flecha inteira tem o comprimento de i°,75, é en-
feitada na ponta com i>ennas de o"'.24, e a ponta de bambu
tem o" ,6o de comprimento e o" ,3 de largura ; a vara de se-
riba está firmada nimi ôco da ponta chata de bambu, feito
pelo formão de dente de capivara, e ligeiramente ligada com
um pouco de fios e resina (vide fig, 4). A flecha de guerra
(vide fig 10), também trabalhada de seriba, termina por
um pedaço de bambu estreito (1 a 2 cms.) e redondo, mas
aguçado em toda a extensão {o'",37). As pontas de bambtt
quebram no corpo.
A flecha farpada é provida de arpão para a caça de ja-
carés e peixes grandes. O comprimento dessa flecha na fig-. 9
importava em i",78, contando o'",3i para a fi^, e ligada
com um cordão; a haste era um grosso ubá, ainda enleiado
na extensão de o°,50.
A tensão do arco resalta da photographia instantânea
da est. 138 e quadro 28. O atirador está de cócoras, empu-
nhando o arco horizontalmente. O caçador, quando de pé,
lyCoogle
escolhidos punham-se de cócoras em rede
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4S0 REVISTA DO INSTITUTO HI6T0IUC0
nejando bem as conchas-colhéres . Quem comparasse essa
stena patriarchal com a da repartição da carne á brasileinit
havia de tomar-se de justa cholera por aquelle vergonhoso
facto.
O idiota do Diapocúri assava 3 carne de vacca, obtida
naquelle « forrageamento de animaes>. Trouxera fc^o de
uma das cabanas. O fogo já não precisava de ser feito pelo
altrito, pois a administração fornecia phosphoros suecos.'
O processo original dos Bororós era o mesmo que o do Kuli-
sehú. A melhor madeira para esse fim era julgada a da
canella brava {Pseudocaryophyllus sericeus) . Naturalmente
não havia mais indios com machados de pedra e dentes cor-
tantes de peixe; existiam em abundância machados e facas
metallicos. Mas ainda havia a observar muita cousa dos
velhos tempos. Assim, os Bororós, quando comiam, segu-
ravam entre os dentes grandes pedaços de carne, cortando-os
rente á: bocca com lascas de bambu; usavam como raspadeira
um dente de capivara até o°',8 de comprimento, firmado numa
vareta ; amolavam esse dente com um dente de paca {Coela-
geiíys paca), pequeno roedor; aplainavam, alisavam e per-
furavam de modo bem indígena.
A sua plaina era um caramujo, rúo, de o",io de com-
prido, perfurado por meio de um coco de ouaussú. Elles
também alisavam madeira, por exemplo os sonidores, que
serviam nos funeraes, esfr^ando-os durante um quarto de
hora com uma pedra lisa e molhada, ou para isso usavam
das folhas ásperas do pau-lixa ou de embaúba. Sentavam-se
com os tornozelos cruzados, e cortavam e aplainavam os ob<
jectos de quaesquer espécies, firmando-os nos pés. No tor-
nozelo exterior, que ficava encostado ao chão, observei-lhes
muitas vezes callosidades e também pedaços cartilaginosos
móveis. Ossos de macaco para adornos de correntes, elles os
cortavam sobre o pé, de modo que eu a cada instante temia
jiela sorte de tal oi^am .
Practicavam o perfuramento por meio de ura molinete.
Firmavam um prego numa vareta de o",SO de comprimento,
e esta era rodada entre as duas mãos, que ora subiam ora se
abaixavam. Perfuravam desta maneira pedacinhos de casca
para as suas correntes labiae^, que preparavam quebrando
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EN1RB OS BORORÓS 45I
uma concha e limando as bordas dos fragmentos sobre uma
pedra. Assim também perfuravam os dentes, e prendiam os
que eram pequenos, para não escaparem, dentro de um coco
de uaussú. Original era também o preparo das pérolas do
casco de tatu; apresenta-se este como um escudo concavo,
composto de innumeros pequenos polygonos ; do lado de dentro
de cada quadrangulosinho, ba um ponto fundo natural ; nesse
ponto assenta-se o perfurador de molinete, e, só depois de
ser assim perfurado o escudo inteiro, como uma peneira, é
que era quebrado nas differentes partículas, que amolavam
até dar-lhes a forma redonda, e enfiavam .
Trançavam cabazes, que serviam de deposito de ossos
para os funeraes; abanadores de fogtí, de forma quadrangular,
que também serviam de pratos, ou se ligavam como bandei-
rinhaa numa haste, afim de servirem para tocar mosquitos;
e grandes esteiras de folhas de uaussú (2'',0 de comprimento
por afigo de largura) .
Parece que os fundos jacas eram trançados pelas mu-
lheres .'
Os homens fiavam. Era o boito uma reunião de fian-
deiras ! Confesso que para mim foi uma scena singular,
quando, pela primeira vez, vi um daquelles caçadores desem-
baraçar no seu arco guedelhas de algodão, pela vibração da
corda. Fiavam algodão e o cabello de seus mortos, mas de
maneira differente da das mulheres do Kulisehú. O castão
do fuso, de 4 a 4 ^ centimetros de diâmetro, era uma roda
de barro ou de concha e estava assentada no quarto superior
da vareta, que a atravessava. Enquanto a mão esquerda se-
gurava a guedelha espichada ou alguns cabellos dobrados,
fixando-os na ponta curta dã vareta, a mão direita rodava a
maior parte da vareta abaixo do castão, em posição inclinada
do fuso sobre a parte superior da coxa direita; os fios for-
mavam-se, pois, por cima do castão, na parte mais curta da
vareta, e o fio preparado enrolava-se na parte «Hnprída da
vareta, debaixo do castão.
Os fios de cabello eram trançados em cordão, que se
punha em redor da cabeça, ou no ventre, ou para prot^er
a munheca contra o attrito da corda do arco. O cordão de
fibras de pahneira enrolava-se ao c<wnprido, com a mão, sobre
. Google
45- REVISTA DO tNBTlTUTO IlISTOItlCU
a parte superior da coxa, Utiliza\aiii-sc muitas vezes do dedo
grande para a formação dos fios.
O «tecer propriamente dicto », isto é, o entrelaçar dos
fios para formar rectângulos, era desconhecido. Os homens
fabricavam, com fios de algodão, tiras estreitas, entrelaçadas
com cerdas de porco-espinho, e que eram usadas á maneira
de suspensórios ou como cordões de peito para ambos os
sexos, e também como braceletes, graças a um entrelaçamento
artístico do fio entre duas varetas delgadas.
Quão elegante e nitidamente os homens trabalhavam, —
notava-se principalmente no arranjo das flechas. Havia ahi
muitas habilidades! nhãs, que parecia mais natural devessem
ser confiadas ás delicadas mãos femininas. Por exemplo, o
adônio feito de miudinhas e variegadas pennugens, que eram
postas uma a uma no chão e meticulosamente arranjadas.
E mesmo em uma roda de fiandeiras não se ixHlia mais taga-
rellar e rir do que ahi no baitoi ! Certamente, era pouco femi-
nino, quando, de repente, para variar, levantavam-se dous dos
trabalhadores, offerecendo o espectáculo de uma regular lucta
corporal, que os outros accumpanhavam com o maior inte-
resse. ErgMÍam-se, luctavam, derrubavam-se, e continuavam
depois o seu trabalho, ou deitavam-se para o dolce far niente.
Pois nunca faltavam preguiçosos e. indolentes ; muitas vezes
cncontravam-se também pares enamorados, — posto que as
mulheres não apparecessem alli, — que se devertiam debaixo
de um coramum cobertor vermelho. Ninguém se iiicom-
modava com isso, excepto alguns amigos atormentados pelo
ciúme e que haviam de contentar-se com o poderem sentar-sg
ao lado do casal e palestrar comeste.
De vez em quando, Dtapocúri fazia uma das suas farças.
No idiota, que mal sabia balbuciar, os seus companheiros de
tribu não estavam longe de ver um ente superior. EHe gos-
tava principalmente de imitar a briga das mulheres, fazendo
os gestos mais furiosos e arremedando o reciproco arranhar
e arrancar dos cabellos. Extremamente excitado ficava elte,
quando algum soldado, tomando um pau aos hombros e man-
quejando com passos exagerados, bolia com elte, figurando-
Ihe a saida em perseguição dos Catapós : — o pobre diabo
espumava de raiva, atirava os seus tições accesos contra o
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ENTRE OS eORdROS 453
niotejador e. quando não tinlia mais outro recurso, apanhava
do chão alguns cavacos, assiçnalando com elles o logar do
bigode, fazendo caretas, arreganhando os dentes e regougando
articulações sem nexo. Após algum tem|x> socegava, e exer-
citava-se cm sacudir duas matracas, grunhindo compa;
mente o canto aróe.
Passámos assim, no ranchão, horas divertidas e ii
clivas. Mas uma cousa era intolerável, — o continuo pedi
de tabaco. Meu cachimbo andava de bocca em bocca. A
dictava-me paginas inteiras de boróro, aproveitando pa
phrases cada incidente que occorria, e m'as faziam n
rindo-se depois tão contentes como os Bakaeris, Quanto
ficámos familiarizados com elles, tanto mais notámos
eguaidade de temperamento e de cliaracter com os indi
Kulisehú, Executámos também me<li(;òes anthropologii
elles, depois, também tomaram a minha altura num m
do ranchão. Mastigaram um iiedaço de carvão, amassarai
com saliva e fizeram no mourão, em cima da minha ci
uma linha preta circular.
Aumentos : < benzimentos ». — Conforme Ciei
nos narrou, apesar <ie todo o modo de caça, os alimente
getaes, preparados [lelas mulheres, é que tinham a i
importância, porque entravam mais regular e abun<lanteni
As mulheres desenterram raizes por meio de um pau por
trepam com grande agilidade nas palmeiras, preferir
uaussú e a akuri, colhem os cocos, cortam na copa o pal-
mito, procuram fructos. como o jatobá, o piqui, etc. Os côcoii
são torrados ou socados no chão, e, de|)ois, misturados com
agua. para obter-se uma l)ebida grossa. — o refresco, que
corresponde ao mingau ou caldo grosso do Kulisehú, que
era offerecido ao hospede. O angíi, que aprendemos a
conhecer no ranchão, faltava nas aldeias, por não haver
milho. As mulheres preparam os alimentos v^etaes. Fa-
bricam também os potes, que, aliás, existiam em diminuta
quantidade . Havia apenas duas qualidades : uma tigella
aberta, ruôho, na qual se cozinhava, e uma outra, poli (32),
<3i) Alili, cpóri>. OmtonnE ji disatmos atraz, s
Mue o «om mnespandcnte ao nosio c I ». (Noia de B. de M.),
lyCoogle
4S4 RBTISTA DO INSTtTDTO BISTOKICO
com gargalo curto e assento estreito, quasi da forma de
um almofariz, e que também servia de vaso para guardar
agua. Eram de feição grosseira, mal queimados e não en-
yemizados. O pilão, toscamente talhado, de mais ou menos
D'",45 de altura, mas facilmente transportável, tinha mais ou
menos a forma de um ovo a que se truncasse um polo, e,
para ser utilizado, era preciso firmar-se no chão. Além dos
cocos, também socavam nelle carne e ossos (33) .
Quando as mulheres voltavam a Teresa-Christina, davam
aos homens « carne de coco » e recebiam delles os restos da
[«carne de gado». Sal e toucinho eram desprezados, ao passo
que a carne de porco do mato era o seu prato predilecto.
Rejeitavam a carne do porco domestico, visto. ser o animal
creado por seu possuidor. Quando era servido aos officiaes
um leitão, os Índios saíam do refeitório. Idêntica aversão,
entretanto, não tinham elles para com os bichos que tiravam
dos pés (observámos uma india que practicava essa pequena
operação com um garfo tirado da mesa posta). Diziam que
«os comiam, porque elles também comiam o seu sangue»,
.Toda caça era assada em couro, e só se coziam as tripas;
'dobradinhas de bucho constituiam a especialidade culinária
de Diapocúri, Comiam tudo «o que havia na mata e no río».
Muito apreciados eram os jacarés, caçados com a flecha de
arpão. Não matavam nem comiam veados campeiros.
Não se comem, nem se matam araras mansas. Elles
apanhavam novas as aves de pennas brilhantes, creavam-n-as
e arrancavam-lhes depois as pennas. Dizia Clemente que
também entendiam de pintar de amarello as araras, esfr^ndo
com o sucGo de certa arvore os logares depennados. Este
costume, conhecido por muHos índios, provavelmente foi
achado pelo tractamento medicinal dos animaes, á força pri-
vados das suas pennas. Mais tarde voltarei a tractar do como
amavelmente poupavam o veado e a arara.
A etiqueta não impedia de modo algum que os Bororós
comessem junctos, como os Bakaeris e Carajás; mas, em
logar dissci, tinham outros usos singulares, que mqstram cla-
fònna a que se encontra o
lyCoogle
ENTRE OS BORÕBOG 4SS
ramente que as tribus, cuja caçada era escassa, haviam de
recorrer, de outro modo, a meios de evitar questões e brigas
na repartição das presas. Para conseguirem isso, tinham, em
primeiro \ogar, uma norma extraordinária : — ninguém as-
sava a caça que havia apanhado, mas entr^gava-a a outrem
para aquclle fim ! A mesma sábia precaução é posta em prá-
ctica a respeito das pelles preciosas e dentes. Caçado um
jaguar, segue-se uma grande festa; a carne é comida. Mas,
não é o seu caçador quem recebe nem a pelle nem os dentes,
e, sim, — o que hei de descrever depois, — o parente mais
próximo do indio ou india que morreu ultimamente. O caçador
é honrado com o recebimento de presentes, por parte de todos,
de pennas de araras, assim como do arco ornado de laços de
naussn. Porém a medida mais importante para evitar dis-
córdias acha-se ligada á funcção do < homem-medico », de
quem vou tractar agora.
Os Bororós distinguem o bárt e o aroê-taurári . As func-
ç5es de ambos não se excluem. Ambos são curandeiros, mas
o aroê'taurári, em primeiro logar, é entoador e guiador de
dansa durante o canto e dansa arâe, ao passo que o bári é,
ahtes de tudo, o medico assistente. Os Brasileiros chamavam
áquelle 5 padre t, a este t doutor » . Limitemo-nos á expressão
bári ou € homem-medico > . O seu aprendizado parece ser
menos complicado do que o é geralmente; o que aqui vale
mais é a vocação natural. No tempo de sècca, — o nome não
se entende propriamente com a sede, — bebem muito vinho
da palmeira akuri : furam-lhe o tronco e apanham o sueco
em uma vasilha ou almofariz, tomando-o cm copos tíe bambu.
O vinho é acidulado, mas abundante. Ambos os sexos embe-
bedam-se a valer. Quem mais aguenta isso, chega a ser
c homem-medico >. Quando deste se diz que é comprehendido
pelos pássaros do mato, que pôde conversar com as arvores
e os animaes de toda espécie em sua lingua delles, espero
que não se refira isso a um medico illuminado pelo vinho de
palmeira, mas sim que se pense no estudo alcançado na so-
lidão e no do canto de aróe, no qual são invocados os animaes.
O bári tracta dos seus doentes pelo modo já conhecido: —
geme, torce-se, fuma, e chupa a causa da doença, — aqui
tal causa é geralmente um osso, — do corpo do paciente.
. Google
45*^ REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Nesse acto são observadas duas cousas: em primeiro logar,
apenas mostra o osso, que não lhe sai da mão; e, depois, o
< homem-medico > só cura de noite.
Cousa simtlhante relata Waehneldt a respeito dos Bororós
do Jaurú. Alli, curava-se no meio de uma grande fumaceira,
murmurando palavras incomprehensiveis e, «cousa capital»,
fazendo movimentos convulsivos ; < eu assisti á cura, feita
por um tal paxlre, a qual consistia no seguinte: chupava em
diversas partes do corpo, fumando por intervallos no seu
cachimbo e mastigando o boccal do canudo. Depois de cada
chupadella, cuspia os pedaços mastigados do cachimbo, fa-
zendo crer ao doente que aquillo era a causa do seu soffri-
mento » . Mais ainda, — e assim tornamos a chegar á presa
da caça, — uma capi\'ara, antes de se poder toca-la ou come-la.
havia de ser benzida no sanctuarium de um por um dos quatro
a seis padres. Os baris cortavam os melhores pedaços, dei-
xando o resto para os outros.
No S. Lourenço, do mesmo modo, os curandeiros viviam
ainda na edade de ouro. Seria injusto pensar aqui em abuso
ridículo da primitiva híerarchia, pois o bári não era « padre»
c sim € doutor ». ainda com a diff crença de que não sabia
mais do que um € padre i^. O benzimento era cffectuado exa-
ctamente do mesmo modo por que se procura resuscitar um
morto. A lógica é muito simples: em primeiro logar, os ani-
macs a benzer são exactamente os mesmos em que penetram
os baris mortos, c. deiiois, os baris transformam-se post-mor-
tem nos animaes. que são reputados como a melhor caça.
Aqui é preciso persuadir-se de que o animal apanhado não
pôde mais ser resuscltado, e nesta tentativa é que consiste o
benzimento. Tinham pescado um grande jahú, que foi con-
duzido para o ranchão dos homens, — um exemplar de quasí
i^.SO de comprimen',o e que não podia ser assado de uma
só vez. Um bári, que estava de cócoras perto delle, começou
a tremer muito, fechou os olhos, tremeu horrivelmente com
a mão direita que tajiava a bocca, depois principiou a soprar
c a gritar vái, vái, lançando bruscamente a cabeça para trás,
c, tocando o peixe em todas as partes, molhou-o com saliva,
em seguida abriu a bocca do animal, gritou e cuspiu para
dentro delia, f cchou-a outra vez, — e prompto ! Esse acto,
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ESTRE 08 BORORÓS 457
que foi executado profissionalmente ligeiro, durou, conforme
o meu relógio, somente trez minutos. Depois, pegou numa
faca e cortou o peixe em pedaços, tomando para si o melhor,
que cu também teria escolhido.
Os animaes, que incondicionalmente haviam de ser ben-
zidos, eram os grandes peixes jahú, pintado e dourado, assim
como a capivara, a anta e o jacaré. E' principalmente a cabega
da anta que precisa da ceremonia. Ninguém, excepto o bári,
pódc comer a tromba da anta. que contém a carne mais tenra,
e o lombo do pescoço; também dos outros animaes a parte
melhor pertence « ao bári e aos seus amigos », que a repartem
entre si, depois de assada. O systema tem sido também ex-
tendido a algumas fructas. como o piqui e a mangaba, e
até ao milho, — outra vez os mais saborosos. Quanto aos
cocos da akurí, não era necessário esse processo; e, com
relação ao milho, só era elle applicado desde que os Brasi-
leiros forneciam regularmente aquelle grão á colónia. Até um
bári devia estar presente, quando os animaes eram caçados !
Quando tim peixe, dos sujeitos á tal inspecção official da
carne, cai na rede, sem que esteja presente um bári, tem de
Rcr jwsto em liberdade, e Clemente dizia que, de facto, isto
.SC dava, mas só excepcionalmente, porque havia sempre vários
baris e estes sempre estariam presentes. Quem infringir tacs
usos, morre l<^o. \'ède mais adeante «a transmigração das
almas > .
Dansa r. ovTHAS DiVKRSõRs. — Conforme o precedente-
mente narrado, o canto aróc. com que se abre cada acto de
caça c pesca communs, perde todo o maravilhoso. O bári.
que no fim re|>arte solennemente a presa, é também quem
cuida do solenne preparo da empresa. A ídéa das relações
entre animal e homem é a base (faquella apreciação; sem taes
ceremonias, pareceria uma invenção de impostores ; com ellas,
justifica-se a sua origem; mas isto aqui não nos import:i.
O canto de caça é o mesmo que se entoa nos funeraes ! Im-
pressiona seriamente ; de noite, porém, a impressão é medonha.
Nos funeraes, homens e mulheres cantam junctos, mas as
mulheres ficam de um lado ou ^lo fundo e muitas vezes fazem
pausa, ao passo que os homens nunca a fazem. No preparo
vespertino para a caçada, muitas vezes se ouviam as baixas
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4S8 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
e resoantes vozes do coro dos homens. Ao cadete Caldas
c que eu devo os respectivos dados. Elle distingia um pri-
meiro canto só para homens, e um segundo canto para
homens e mulheres. O texto, por elle fornecido a respeito"
do primeiro, tornou-se infelizmente imprestável. Tracta da
gaivota, schibaiú, que também apparece no segundo, e não
é uma simples enumeração de nomes, apesar das múltiplas
repetições . Esses nomes, seguidos de aróe, constituem o texto
do segundo canto, formando tamhem uma longa repetição:
esse é o texto geralmente cantado, não menos pobre em va-
riação do que a sua musica, a qual, apesar de não ser eu
versado nessa arte, me parece a mais monótona possível. Os
seguintes « versos >, traduzidos por Clemente, estão na devi<Ja
ordem : — bacororó aróe, okóge aróe, schibaiú aróe, kuru-
gtige aróe, boloróe aróe, imaiaré aróe, diureiólo aróe, kata-
tóto aróe, manotólo aróe, palavras essas que (menos aróe)
querem dizer: — agua (uma determinada? geralmente póbe),
dourado (peixe), gaivota, gavião, uma outra ave de rapina
que come peixe, < seu peito », sucuri, pilão, herva do pantanal.
A scena, portanto, passa-se á beira da agua; mais não posso
adeantar. Si o morto, juncto ao cesto onde está depositada
a sua ossada, experimenta qualquer cousa; si desejam que
os animaes, que também concorrem para a pesca, estejam
no pilão, — o que era mais para acreditar, — isso não cheguei
a saber. Alternando com esse canto, também faziam ouvir
— «jaguar», «capivara», « paríko » (diadema de pennas).
seguidos de ehê; isto, porém, não applicavam aos funeracs,
e, sim, somente em relação á caçada.
Rohde fala de uma dansa fararú, para a qual se enfei-
tavam com coroas de pennas, guisos e outros adornos. Um
guiatlor de dansa, tendo em cada mão a matraca e nos pés
guisos feitos do casco de veado, acha-se no meio de uma
roda, formada pelos homens, a qual é circundada por uma
roda maior, constituída pelas mulheres. Dansam com com-
passo, saltam e matraqueiam longo tempo, até que, finalmente,
o guiador da dansa berra hou ! e dá um feroz salto ultimo,
que é imitado por toda a coiqpanhia. Waehneldt viu dansas
imitativas de animaes e diz que acha sobremodo extravagante
a dansa dos mycetes (macacos roncadores), a qual ccxistste
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PRIMEIRO
'h<-n.ii}i\^
SEGUNDO CAN'
Jiomens
ba-ko-ro-ró a-ró - e
'yT^M^A^
a - ro
Jâulheres
^ ka _ Ifn - rn _ r>n
ba - ko - ro - PQ
*-^ Bchi-bs - yu B - ró - e
D,gt,ZBdbyCOO<^le
.ibiGoogle
ENTRE OS BORdBOa 459
èm arremedar-lhes todas as vozes e movimentos. Na « d^nsa
da pelle do jaguar» tomam parte homens e mulheres; estas
nunca chegam a ver a pelle do jaguar, carregada ás costas
por um homem, que finge mostra-la com os movimentos que
faz a cada passo; o medo das mulheres é o dou da diversão.
€ A dansa', que consistia na imitação dos costumes dos ante-
passados (?), era algo rude e accompanhada de cantos numa
lingua que é differente da de hoje. A dansa mais melan-
cholica e triste era dedicada á recordação dos mortos: estes
eram representados como presentes nella, conversando com os
vivos e fazendo-lhes carinhos de toda espécie».
A dansa, que servia para encoraja-los ao combate contra
os inimigos Caiapós, e na qual tivemos de tomar parte, já
a descrivi. Pormenores sobre a dansa e o canto dos funeraes,
eu os direi no relatório especial sobre as exéquias da esposa
de Coqueiro, e ahi descreverei também a dansa da véspera,
quando foram incinerados os trastes da morta.
No dia 8 de Abril presenciámos uma dansa cómica, cha-
mada párc; quatro rapazes, adornados com o pariko, appa-
receram atraz do ranchão, guiados por Domingos, que em
cada mão agitava uma matraca.
Elles deram compassadamente pequenos saltos com os
dous pés junctos e assim dansaram em roda, dirigindo a frente
alternativamente ora para dentro ora para fora. Depois
chegaram três mocinhas, cada uma das quaes dansava atraz
de um moço, pegando-o pelas ancas. Os espectadores es-
tavam muito contentes, mas sua alegria redobrou, quando
uma quarta personagem, com cinto de casca e liga de embira,
corajosamente saltou no meio da roda, e, apesar de trazer
a cabeça coberta com um [lanno, facilmente foi reconhecida
como sendo um homem. Estava enfeitado com collarcs de
pérolas e tinha na mão uma esteirinha, com que, a compasso,
abanava o chão, O divertimento durou mais ou menos um
quarto de hora. As mulheres saíram da roda, a fingida em
primeiro logar, os homens dansaram ainda uma vez a com-
passo apressado e depois lá se foram tomar banho.
Havia pacificas luctas corporaes, consoante com as re-
gras que vou referir. Quem pretendia desafiar a alguém,
pegava-lhe na munheca direita. Os dous enfrentam-sc, e
lyCoogle
46o REVISTA DO INSTITUTO BISTORICO
cada qual põe as mãos debaixo dos hombros ou em redor
das virilhas do outro; nesse abraço ficam os dous com os
cor|ws inclinados verticalmente e com os \>és bem abertos, de
modo que um aviste as costas do outro. Rindo-se, perma-
necem assim durante algum tempo; de repente, porém, ficam
muito sérios: o plano é um dar uma rasteira no outro, afim
de derriba-lo. Um delles começa o ataque, procurando pÔr
o calcanhar na curva poplitea do outro, afim de dobra-la;
mas o outro i>õe a perna tão bem esticada para trns, que
aquelle não chega a applicar a força. Essas tentativas são
rapidamente feitas de ambos os lados, até que iim dos lucta-
dores caia. Sempre se realiza a desforra. Em tal diverti-
mento mostrou-se habilissimo no ranchão um rapaz pequeno,
dextro, mais feio e caolho, que nós denominamos clown, bem
que o seu nome de baptismo cuiabano fosse Camões, o qual
derribou seguidamente a trez ou quatro dos .seus mais altos
companheiros de tribu. Os adversários, que eram mais cor-
pulentos e robustos, costuinavam levanta-lo orgulhosamente,
mas no mesmo instante sentiam o seu calcanhar na cu^^■a do
joelho e caiam redondamente no cbão,
Muitas vezes, no pateo livre, exercitavam-se no atirar
com arco.
\'ell)os e moços gostavam muito da gangorra (burika),
invenção dos soldados. Era um pau horizontal com cordas
nas extremidades o qual gira no meio sobre um mourão. O
pau fa-ln girar rapidamente alguém, que por momentos fica
])erlo do mourão, até que os individuos montados nas extre-
midades voem para os lados.
Na estampa vêem-se dous objectos de brinquedos de
creanças: — /•n/^í (34). peteca feita de palha de milho, tendo
na ponta uma |)enna de arara, e tagóra. um chicote munido de
uma peuna preta de urubu na [mnta da tala; manejavam o
chicote de modo que. com um prazer [»uco commovente, a
penna por um momenlo ficava jxista jierpendicularmente no
sóin. quando o calx), por um rude movimento da munheca,
,dbyGoogle
ENTRE 06 BDRÕROS 46I
se dirigia para baixo. Um dia vi dous rapazes que faziam
esvoaçar uma abelha e uma borboleta, presas a um fio.
Instrumentos de musica; sonidores. — No uso ordi-
nário, somente se applicavam grandes matracas de cabaça,
de o",2o de comprimento, e uma pequena cuia para soprar,
chamada poári. O poári servia de corneta para a caçada; era
uma abóbora da forma e do tamanho de uma grande maçã,
tendo na parte inferior uma alwrtura redonda e em cima u'n
canudinho delgado, da extensão de um dedo, e ao lado do qual
existia uma lingueta. Os poáris, munidos de madeixas de
cabellos de mortos, difficilmente se poderiam adquirir dos
Bororós. A única flauta ou trombeta, que nós vimos, tinha
i^.zi de comprimento e era tocada na festa dos mortos, bem
como quando voltavam para casa os cestos de ossada. Um
tambor, que era usado no ranchào para a mesma ceremonia,
não nos fez a impressão de ser original : consistia num pedaço
de couro de boi esticado sobre pilões de madeira; como ba-
quetas, serviam umas varinhas de seribas.
Maior interesse offerecem os sonidores (35), não só pelo
mysterio que se lhes ligou, como também por causa da pin-
tura, pois são o único instrumento pintado. Como usavam
os sonidores, já o relatei. Mas, ao passo que no Kulisehit
elles serviam somente para as alares dansas masquées ou
ainda como brinquedo, no S. Lourenço eram usados apenas
nas ceremonias fúnebres, primeiro quando se queimavam os
trastes dos mortos, occasião em que queriam dizer aos mortos,
suppostos presentes, por uma dansa pantomímica, que nada
ficara do que lhes pertencera em vida, e que elles, os ex-
tinctos, portanto, nada mais tinham, para o futuro, que
vir procurar no aldeiamento; e, depois, quando mais tarde
o cesto da ossada era conduzido para fora, deixando assim
o morto o aldeiamento. O conceito fundamenlal de todas
essas solennidades consiste uo medo de que o morto pcfssa
voltar para buscar os vivos. Das ceremonias celebradas i>ara
impossibililar-lhes isso, exclue-se cuidadosamente o sexo
(is) «Sonidori loi o único Icrmo <tnr o piol. Vaim i>ucle achar cm nos»
Imviu para Induzir o illemio * Schwirrliolz. O vocábulo vulgar, porvm,
■PPlicBdo dííde muito pelos nosioi pairicioi ao «aídje» tloa Borõroi, i
«berra-boi* (Nota de B.
byCoogIe
46) REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
fraco. Durante ellas, as mulheres fogeni para o mato ou
esçondetn-se nas cabanas. O signal é dado pelo sonidor, cujo
mJda raturalmente tem um character apavorante. Si ellas
estivessem presentes, correriam o risco de morrer. Até ahi,
tudo parece lógico e natural. Mas, nessas usanças accrescen-
taram a crendice de que havia perigo para as mulheres no
avistarem o sonidor. Diziam mesmo que ellas morreriam,
si o avistassem.
E' esse um augmento certamente exaggerado, porém
sem nenhuma incompreliensibilidade . Por parte das nossas
mulheres lia idênticas exag^erações, quanto ao medo de
armas de fogo. Uma senhora, minha conhecida, tapava os
ouvidos, quando eu lhe mostrava um revólver sem balas, e
pedia-me, tão excitada que não queria ouvir-me nem vêr
cousa alguma, instantemente que eu o guardasse, pois dizia
ella, — eu cito bem historicamente, — que < acontecia muitas
vezes que esses bichos disparavam frequentemente, mesmo
sem que estivessem carregados » . Quando o sonidor troa
entre os Bororós, nas dietas occasiões, então isso corresponde
ao revólver carregado ; é um perigo para homens e mulheres,
mas o cuidado por parte das ultimas é maior, porquanto os
Índios acreditam ser peculiar das mulheres o chorar e tremer,
sempre que as ameaçam animaes, inimigos, até somente que-
das de agua, e que ellas precisam sempre de protecção. SI
a mulher corre perigo avistando um sonidor, então isso em
parte é ainda egual ao medo do revólver não carregado, e
cm parte já uma fórmula inane, adquirida pela práctica das
gerações, e, sem critério, anxiosamente applicada . Do mesmo
modo, Wallace observou, na região do Amazonas, que as
mulheres fogem, quando resoam as flautas da dansa dos
demónios juruparis, e ouviu dizer que ellas morreriam, si
as avistassem ; também elle só pôde obter algumas dessas
flautas mediante condições especiaes.
Com effeito, quando se lê que os Australianos contaram
a um viajante, com as mesmas palavras com que me foram
referidos estes factos a respeito dos Bororós, que «as mu-
lheres morreriam, si avistassem o sonidor», sendo que o al-
ludido sonidor, nas mais diversas tribus do velho mundo,
representava um papel em ritos, de que eram excluídas as
■'Google
ENTRB 08 BORORÓS 463
mulheres, acha-se isto, á primeira vista, singular. Realmente
é difficil comprehender que fosse essa a razão de pensar
entre os elementos mais heterc^eneos, cuja connexão me-
diata ou immediata carece totalmente de prova; pois não se
deve considerar como uma grande conquista do espirito hu-
mano a invenção de uma tábua gyrada no ar por meio de
cordas, e de que só uma vez apparecesse isso no curso da
historia ; e não se deveria também achar tão singular o medo
de doença e morte, as tentativas de explicações desses phenc^-
menos, as idéas da existência de além-tumulo, a interpretação
dos sonhos, etc, etc, e que um povo só de outro podia receber
a sua medicina. Nesse caminho, como para uma longa série
de invenções e costumes pôde o mesmo ser provado, chega-se
a um paraíso ethnographico da Humanidade, — caminho esse
que para o sonidor certamente não existe mais, desde o
brilhante artigo « The bullroarer » no Cusiom and Myth de
Andrew Lang (Londres, 1885).
€ As mais diversas tribus, diz Lang, têm os seus mys-
terios, necessitam de um signal para chamar as pessoas que
neltes podem tomar parte e para avisar as que o não podem ;
occultando o instrumento ás mulheres, etles têm a dupla cer-
te2a de que o sexo curioso se espanta e afasta». Entre os
Bororós, o caso é algo differente; tem-se cuidado das mu-
lheres. Pôde ser que em outras tribus se tracte de ameaçar
as mulheres com a pena de morte, — e, assim, cada caso deve
ser investigado particularmente, pois a singular concordância
será talvez- apenas exterior, — como a índia do Kuliaehú se
exporia a um perigo de corpo e alma, si entrasse na casa
em que os homens tocam flauta. A expressão — «as mu-
lheres morreriam > pôde ter duas interpretações differentes.
Era-nos absolutamente impossível obter sonidores dos
Bororós. O medo do abuso, em razão do procedimento dos
Brasileiros, era bem fundado. Pediam instantemente a Gui-
lherme que não mostrasse ás mulheres sonidores por elle
pintados. Quando nós lhes fizemos offertas de compra, os
aidies foram escondidos. Parece que até os homens tinham
um certo medo, quando nós falávamos desses objectos, como
de arcos e flechas e quaesquer outros objectos de collecção;
um virou timidamente a cara, quando eu lhe toquei no thema
lyCoogle
4^4 REVISTA DO INSTITUTO
aidic, c inani ícstou-mc cliiranientc que gostaria iiiais de não
ouvir tractar de similhante assumpto : a cousa estava bem
ligada com o medo da morte. Somente lográmos a satisfac<;ào
dos nossos desejos por meio de trez rapazes mais velhos, que
estavam no verdadeiro tenijx) da molecagem, e que tanto as-
piravam às nossas pequenas contas vermelhas quanto nós
aos seus sonidores. Elles os entalharam e pintaram no mato.
O primeiro appareceu mysteriosamente em nosso quarto pela
calada da noite, exigindo que trancássemos porta e janellas.
Depois, veio o segundo, batendo á porta. e. finalmente, assim,
o terceiro. Cada um trazia um sonidor debaixo de um i>aniio;
segredaram-nos que devíamos occulta-los cuidadosamente,
pois mulheres e creanças morreriam, si os avistassem, e in-
sistiram também porque os homens, — o moleque Tobakiu
tinha muito medo de seu pac Moguiocúri, — também não
soubessem nada daquillo, para não ficarem < brabos > e não
daren] desapiedadamente nelles. Nós tomámos esse pedida
em muita consideração, e, á vista delles, puzemos os trez pe-
rigosos paus no iK)iito mais fundo da nossa mala.
A forma dos sonidores é comprido-oval, o tamanho é
de o"',40 a o" ,42, na extremidade da corda acha-se um talhe
e, um pouco distante deste, na linha média da tábua, um ori-
ficio, i)ara ficar segura a corda entre esse orifício e o talhe.
Arte DF. DESENHO. — Aqui posso continuar com os so-
nidores. No quadro acha-se um feito a lápis. Na figura
vemos os lados algum tanto adelgaçados e pintados de preto,
e assim também os lados dos sonidores; a face entre elles é
pintada de urucú, e sobre este fundo vermelho aclia-se so-
breposto o molde preto. Os moldes têm (jor motivos o qnc
mais lhes interessa. No sonidor, que nos funeracs da mulher
de Coqueiro foi trazido pelo bári, estão pintados semicirculos
clieios de pontos: representa isso a caixa craniana enfeitada
com penninhas, tal como deve ir para o cesto da ossada.
Em outros sonidores apparecem também pintadas partes do
trajo feminino, ou o cinto de casca, em forma de travessas
lai^s e pretas, ou faixas de embira em forma de triângulos
e com a presilha. Este ultimo motivo encontra-se no sonidor.
que figura no quadro. Em cada lado está desenhada uma
presilha com três faixas de embira. Aqui, ix>rtanto, teríamos
,dbyGoogle
' ENTRE 08 B0RÔR08 4^5
O triangulo, por nós conhecido entre os Uluris do Kulisehú,
tsmbem com a faixa de embira, e cuja respectiva imitação
gostaríamos de ter obtido dos Tramais. Em um exemplar
de sonidor, que também mostra olhos de madrepérola e por
elles um semicírculo sem pontos, não só estão pintados trez
cintos de casca em forma de trez travessas, como ainda, no
interior, pequenos círculos, á direita e á esquerda dos quaes
ha ao lado um quadrado. A significação disso não é clara;
é provável, porém, que os cestos de ossada sejam represen-
tados pelos quadrados e o crânio peto circulo.
Pintavam a cara das raparigas do ranchão com as fi-
guras do cinto de casca e da faixa de embira, do mesmo modo
que parte dos sonidores: punham-lhes sobre a testa e fontes
a mesma travessa, circundando os olhos e deixando livre a
fronte, e os mesmos triângulos nas faces, um de cada lado.
Somente esta pintura era feita com o mais alegre urucú. A
gente selvicola fez um dia a graça de dístinguir-nos com uma
ligeira pintura na cara, o que era um gáudio para as ra-
parigas que encontrámos; disseram ellas em voz alta, o que
para nós era enigmático, < aidiV ! », isto é, «sonidores».
Tirando com a )x>nta do dedo a tinta de um Borôro enfeitado,
que estava perto, ellas ainda nos accrescentaram uns pares
de triangulosinhos . — Finalmente, também eram pintadas de
vermelho as bandeiras do cartucho penil festival.
Os desenhos a lápis, feitos pelos Bororós, já os descrevi
junctamente com os dos Índios do Kulisehú.
Os seus desenhos na areia também foram descriptos allí.
Com predilecção especial, um indio. que estava caçando anta,
foi representado com um gigantesco membro viril, no mo-
mento em que disparava a flecha. Notámos também um va-
queano que atirava o laço. O mais bonito, porém, era o de-
senho scintillante de um jaguar. Os desenhos de Guilherme
sempre lhes causavam vivo interesse. De noite, era frequente
recebermos visitantes, que os estudavam com a maior exa-
ctidão possível e propunham novas tarefas : um desejava ver
a figura de uma unha, outro apanhava uma traça para serviç
de modelo, etc. Elles comprehendiam também uma paizagem
e conheciam certa arvore perto de uma cabana, que Gui-
lherme tinha desenhado em proporções maiores.
s. ■ líQpogle
466 REVISTA DO nfSTITDTO HISTÓRICO
Direito b casamento. — O cacique manda na guerra
e determina a caçada durante a. paz. Como no Kulisehú, tam-
bem dirigia a plantação. Quauto ao mais, a sua funcção, que
'é hereditária, não tem importância. Os Brasileiros procura-
yam affirmar-lhe o mais possivel da auctorídade, afim de
terem uma pessoa com quem pudessem contar; porém uma
auctorídade!, qual a de que gosava M<^iocúri, era, conforme
dizia Clemente, uma cousa artificialmente augmentada. Real-
mente, era muito melhor o posto de « homem-media> »
(_bári) ; pois, si aquelle, em primeira linha, recebia presentes
jdos Brasileiros, o bári estava na posição agradável de obter
sempre o melhor quinhão por meio dos seus benzimentos.:
Com effeito, era muito trabalhoso o matraquear, que fazia
parte do seu officio (36).-
Tanto quanto me foi possivel entender, dívidia-se a
tribu em duas grandes classes: a das cabanas de famílias e
a do ranchão. Aquella comprehendia os mais velhos pães
de familta, que viviam em matrimonio regular; .a outra, os
Solteiros, que arranjavam raparigas, possuidas em commum
[por pequenos grupos. O rapto de mulheres, que se dava de
tribu a tribu, era feito dentro da própria tribu. Só uma
parte dos companheiros de tribu estavam na posse perma-
nente de mulheres. E' fora de dúvida que estes factos sin-
gulares não eram certamente um producto casual da oAoniã.
Referia Clemente que o mesmo occorria nas aldeias, e, —
o que constitue maior prova, — os próprios costumes mos-
tram que aqui se tracta de cousas habituaes. Parece que em
« Teresa-Christina > afora o cabo brasileiro Ehiarte com as
suas duas mulheres, só Moguiocúri é que vivia em poly-
gamia, e a maneira era interessante: tinha elle por esposai
tuna mulher velha e a filfaa do primeiro matrimonio desta;
casara etie, portanto, com uma viuva que tinha uma filha,
e, depois que a mãe se tomara feia e a filha bonita, < casou >
também com esta. . . Nas aldeias, porém, era mais ampla a
polygamta dos velhos. Parece que, devido ás pretoições dos
(36) Ao cacique dio os Bororós o appellatiTO àc «midijíia». <TUe-
< písbi *, < DÓI *} O cbe-
byCoogle
ENTRE OS DORdnoa 467
Brasileiros, existia na colónia, a esse respeito, um estado de
excepção, poÍ3 faltavam mulheres, tanto para as calranas,
como para o ranchão.
Dos Bororós do Jaurú relata Waetineldt o s^uinte: —
;« Nos seus casamentos não têm outra ceremonia sínão tomar
tantas mulhefes quantas possam sustentar, ou, melhor dicto,
tantas quantas (de fora) apparectam lá; quasi todos os ho-
mens casados tinham diversas mulheres, até seis, enquanto
na aldeia dos Bororós perto de S. Mathias havia tão grande
falta de mulheres, que se serviam de meninas de 8 a lo
annos». Alli não havia o ranchão; em Ic^r deste, havia
somente um cercado de 4",5o de diâmetro, no qual os « pa-
dres » faziam os benzimentos e onde não podiam entrar as
mulheres e as creanças, — era o sanctuarium. Não se exigia
para o casamento a permissão dos pães . Estes nem dão nem
recebem nada. Oppondo-se elles, então ha briga, e a força
decide a questão. Quem é vencido, deixa a aldeia. BaseÍa-Be
tudo no direito da força.
A nova esposa permanece com os filhos na casa dos
pães. O novo esposo fica em casa durante a noite, e, de dia,
quando não vai á caça, vive no ranchão. Têm os recemca-
sados um fogão próprio, um pouco ao lado do qual está
assentada a avó com os netos. Assim se passa tudo até k
morte dos avós. A avó di de mammar, quando o casal se
dirige ou ã caça ou á procura de cocos no mato ; « ellas, as
avós, têm ainda leite, quando casam as filhas».
Os rapazes cuidam em tempo de achar mulher, e ahí
ha, em relação ao gesto, dous costumes muito interessantes.
Os lóbulos da orelha da rapariga são perfurados por seu fu'
'turo esposo (37) ; si elle não casar com ella,' então o filho
delle a desposará.
Quem applica ao rapaz o cartucho penil, t acunhada-se »
cora elle em consequência disso, e tem que desposar-lhe a
erma ou a tia.
Agora, os costumes do ranchão . — Os Brasileiros af fir-
hiavam ter acontecido que 30 a 40 homens, um após o outro,
forçavam a mesma mulher, que era agarrada pelos braços e
erturadoí pelo pae (NoU do A.)
lyCoogle
408 REVISTA 00 INSTITUTO ItlBTOKlCO
pernas. Em parte, as raparigas eram procuradas de dia, pu-
blicamente, e, como já foi descripto, pintadas e enfeitadas
em meio de muitos gracejos; em parte, eram capturadas ao
cair da noite. Assim, nós observámos, certa noite, como os
solteiros, deitados deante do ranchão, atacaram uma turma de
mulheres que voltavam de uma assembtéa de lamentação : duas
foram seguras, depois de uma lucta silenciosa, ficando involtas
em pannos, de modo que não era possivel conhecel-as, c le-
vadas para o ranchão. Porém, uma das duas era, como vimos
na manhã seguinte, a muito experta Maria, cuja opposíção
por certo não fora muito séria. — « Então hontem tu não te
querias casar ? », pei^ntei-lhe . — < Agora já me casei », res-
pondeu-me com bom humor. Estava etla, com toda a com-
modidade, deitada ao lado do seu homem favorito, debaixo
de um cobertor va-melho, e quebravam cocos. Vimos um dia
'Maguiocúri animar ^os rapazes a enfeitarem a Maria, que na
lucta corporal era tão selvagem, e, agora, estava tão submissa,
Immediatamente seis delles se precipitaram sobre ella e a
pintaram .
As mulheres do ranchão eram presenteadas por seus
amantes com grandes flechas de lascas de bambu. Cada um
offerecia duas, que a rapariga, acocorada, recebia com indif-
ferença. Contei, uma vez em que a isso estive presente, de- *
zoito de taes settas de amor para uma só rapariga. Esses
mimos eram entregues depois ao seu ermão ou ao ermão de
sua mãe. As raparigas do ranchão não casavam mais com
outrem : os filhos eventuaes têm por pães todos os homens do
ranchão, com quem ella tivera relações. São estas, portanto;
nonnas perfeitamente reguladas, que provêm da supremacia
dos velhos: estes têm a posse, e, em pagamento, recebem
pelas raparigas, cedidas ao ranchão, — e para o que têm de
fazer accôrdo, como regular fonte de renda, — flechas ou
também enfeites, como, por exemplo, cordas de suspensórios.;
Dizem que a pederastia não era desconhecida no ranchão,
porém que só occorria quando alli era muito grande a falta
de raparigas.
Quão regulados eram os direitos de propriedade, já b
vimos pela circunstancia de que a presa da caça não fica
<em poder de quem a effectuou. A familia sente um grande
I. Google
ENTRE OS BOKOrOS 469
prejuízo, quando morre um membro delia, poís tudo quanto
possuía o morto é queimado e lançado ao rio, ou mettido no
cesto — ossuario, para que o extincto não tenha mais motivo
de voltar. A cabana fica então completamente desguarnecida.;
Os sobrevivos, porém, de novo recebem presentes, fabricam
arcos e flechas- para si, e, — assim o exige o costume, —
quando é morto um jaguar, a pelle é dada « ao ermão da
mulher ultimamente fallecida ou ao tio do homem que morreu
ultimamente»; como protector official da mulher, encon-
tramos sempre o seu ermão. As flexas são objecto de mais
valor ; ellas são dadas ao ermão da rapariga do ranchão ou
ao matador do jaguar; são também os objectos de troca para
o tabaco e o algodão.
Furtos occasionaes são investigados com muito barulho,
mas sem resultado. Os caciques ou pessoas velhas corriam por
toda parte no pateo livre e ouvia-se grande vozeria. Assim
aconteceu, quando Ehrenreich deu por falta de uma faca.
la-se de cabana a cabana, todos tinham que exhibir as suas
facas, e, com surpresa, vimos que as havia em grande abun-
dância (em poder de certa mulher contámos 21). Porém,
no fim de contas, dizia-se sempre que o objecto estava es-
condido no mato.
Nascimento; nomes. — A mulher dá á luz no mato,
encostada ao pae, tenho eu tomado nota, mas não sei si
antes não devera ter escripto « ao pau > . Sopra-se fortemente
nos olhos da creança ; o pae corta o cordão umbilical com uma
lasca de bambu e faz a ligadura com um fio. Durante dous
dias, nem pae nem mãe comem cousa alguma ; no terceiro dia
é que podem tomar alguma agua morna. Si o homem co-
messe, a mulher e a creança ficariam (
é enterrada no mato. A mijlher não pó
á volta da menstruação; depois porém, c
muitos banhos. Provocar abortos por m
que é frequentemente practicado, principa
mulheres do ranchão. Si as mães não t
mentar, expremem o peito e « fazem se
fogo, com o que elle desapparece»,
creanças adoecidas, feitos pelo boticário, ;
,dbyGoogle
470 SET18T& DO INSTITUTO HISTÓRICO
paes. A respeito da couvade, virfe page. 334 (38). A questão;
secundaria — que o pae esteja na rede — tem immediata so-
lução entre os Bororós, pois elles não possuem redes de
dormir e praticam, entretanto, a couvade.
Dá-se nome ao menino, logo após o nascimento, na occa-
BÍão de ser-Ihe perfurado o labio inferior, o que, na falta do
bári, pôde também ser practicado por outras pessoas. O ope-
raíJor pergunta, qualquer pessoa propõe, e o n(«ne respectivo
fica acceito. A menina também, \iygQ depois do nascimento,
recebe nome por parte dos parentes.: Oa nomes designavam
animaes e plantas; disseram-me que Moguiocúri é animal
parente da cotia.; '
Waehneldt accentua o grande amor dos paes para com
OB filhos. «Biles guardam-n-os (contínua elle) cuidadosa-
mente dos salteadores; logo que cheguei lá, elles esconderam
todas as creanças, as quaes só tomaram a apparecer depois
'de terem adquirido a convicção de que nada tinham a recear.
Um dos índios pediu-me remédio para um filho doente, di-
zendo que, caso a crcança morresse, elle havia de comer tanta
terra, até ficar enterrado nella » . O furo do labio inferior,
destinado a marcar as creanças, também tem, portanto, entre
os Bororós do Jaurú, a sua razão determinada. De egual modo
podemos falar do amor para com os ítlhos : apesar da carga
pesada, geralmente o bebe é levado ao mato e, de volta, vem
sentado aos hombros da mãe, com a cabeça desta entre as
pernas . O respeito para com os paes, ao contrario, era pouco
manifestado: as creanças eram marotas, desaforadas, porém
intelligentes, e antes obstinadas do que obedientes.
A applícação de cartuchos nos rapazes c feita festiva-
mente. Devem passar o dia anterior no mato, sem que hajam
recebido cousa alguma para comer. Os jovens guerreiros são
pintados de ferrugem e hão de sujeitar-se a muitas malícias ;
a burla principal consiste em fazer o rapaz, posto entre dous
partidos, ser jogado de um para outro através de uma fo^
gueira.
(]8} Alli, com referancU ia tribui da> cibeceiru At> Xingu, tncta oanctor
detidamente (de paga. 334 a 339) do nascimento e da * couvade > catre aquelles
Índios. (Nota de B. de M.>.
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BNTRE OS BORdROS 4?1
Cerímonias- FUNEBKES. — Saibamos, antes do mais, o
que diz Wachneldt a respeito dos Bororós do Jaurú:
— cAs suas solennidades de lucto e de enterro realí-
zam-se no meio de suas aldeias, mesmo no sanctwirium (o
cercado referido a pags. Soi). Mostraram-nos a bssada
lirapa do mais velho dos Índios, sucimíbido ha poucos mezes,
o qual tinha sido exhumado depois de ter ficado sob a terra
durante seis mezes; os ossos estavam limpos e não faltava
nenhtun.
« Alli dansavam e entoavam todas as tardes os seus cantos
de lamentação, cobrindo cada osso com pennas multicores e
enfeitando ricamente o crânio com pennas de arara e de
outros pássaros.
< Essas ceremonias duram muitas semanas, sendo, final-
mente, inhumados de novo os ossos, previamente depositados
numa uma. Essas honrarias, porém, não são eguaes para
todos os mortos.
« O cadáver fica durante trez dias no seu leito, sem que
ninguém toque netie, até que a decomposição, já muito adean-
tãda, produza um fétido nauseante; no terceiro dta, o deftmcto
é involto em pelles, esteiras e folhas verdes, depois do qu£
é posto na cova, sendo esta recoberta com terra, folhas dti
palmeira e esteiras.
c As sepulturas acham-se no meio da aldeia e são con-
servadas muito limpas: tinham o aspecto de um cemeterio
europeu » .
A respeito destes informes valiosos, deve ser exdareddoí
mais um ponto. Waehneldt vê nos Bororós de Mato-Grosso,
entre os quaes teve uma curta parada, Íncolas immemoríaes
da região, e acredita, porque assistiu á inhumação das umas,
que também estas, — existentes em grande abundância nas
antigas, mas hoje desprezadas habitações, cheias de ossadas
na sua maior parte, — seriam oriundas dos antepassados dos
Bororós. Os Bororós delle, porém, são os mesmos aqui do-
miciliados, depois de longas pelejas, pelo fazendeiro Leite;
antigos cemeterios de urnas de similhante espécie, ha muitos
na vizinhança de Villa- Maria ; elles nada têm de commum com
os modernos Bororós, c ainda são objecto de investigações.'
JVaehneldt mesmo diz que encontrou só < poucos vasos de
,dbyGoogle
473 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
barro, fabricados por elles próprios, e, além disso, alguns
vasos maiores, destinados á guarda de diversos objectos, os
quaes, porém, eram cousas herdadas dos antepassados, por,
não mais se fabricarem hoje ». Ou os Bororós tinham imitado
taes umas e substituido por ellas os seus cestos-ossuarios, —
ainda um antecessor da urna, — ou, o que acho mais pro-
vável, por causa da sua reconhecida pouca habilidade cerâ-
mica, que corresponde exactamente á dos nossos Bororós, e
pela indica<;ão de que também de outro modo foram usadas
velhas umas, — elles depunham os seus mortos nas velhas
umas, que encontravam em grande numero, em parte já va-
zias, nas antigas habitações, hoje abandonadas. O costume
originai dos Bororós é o mesmo que o dos Atures de Hum-
boldt, dos quaes este explorador somente encontrou um resto
em numero de seiscentos bem conservados cestos de cabos
de folhas de palmeira, que continham, como arrtmiados num
sacco quadrangular, esqueletos pintados de urucú, e de cuja
língua apenas um velho papagaio da missão próxima sabia
articular ainda algumas palavras. Conforme a tradição,
também os Atures depositavam os seus cadáveres primeira-
mente na terra, durante algum tempo, deixando decompor-se
a carne, limpando bem os esqueletos com pedras afiadas e
depositando-os nos cestos. Uma porção de mortos também
eram já inhumados em umas de azas.
Assistimos no S. Lourenço a duas ceremonias fúnebres:
a primeira celebrou-se justamente á nossa chegada; a segunda,
que vou tentar descrever, observámo-la de principio a fim.>
A primeira inhumação effectua-se no segundo ou ter-
ceiro dia, quando, pela decomposição, nào ha mais dúvida da
morte. O cadáver é enterrado no mato, perto de agua, e
descarnado mais ou menos depois de quinze dias, celebran-
do-se então a ceremonia principal, cujo fim é enfeitar e
arrumar o esqueleto. Nesse Ínterim, mantêm-se relações com
o morto, tanto durante o dia. como também, e sobretudo,
durante a noite, no bailo, jjor meio de cantos de lamentação,
os quaes, em nosso caso, podiam ser restringidos a proporções
menores, por se tractar de uma mulher, a esposa de Coqueiro.
A solennidade capital caiu no domingo da Paschoa. No
dia anterior, sabbado da Allehiia, depois de liquidado o Judas,
,dbyGoogle
BNTRE OS BOnÔROS 473
OS Índios começaram activamente os preparativos, aplainando
e pintando sonidores, concertando enfeites, enquanto um bãri,
adornado com as pennas do pariko e sentado negligentemente
a um canto, matraqueava e cantarolava um pouco; o viuvo
Coqueiro, na sua cabana, lanhava braços e pernas, que se
cobriam de crostas de sangue coagulado, e só bem tarde foi
realizada a solenne destruição dos objectos d^ morta, melhor
dicto, dos trastes da família particular, que com ella tinha
morada na mesma cabana, — acontecimento esse ligado a
uma interessante pantomina, que merece descripção circun-
stanciada.
Alguns Bororós mostravam-se de grande gala por detraz
do ranchão, cabello e corpo pintados de urucú, testa cir-
cundada da lista de lacre preto, com o cartucho festivo enci-
mando a bandeira pintada, tendo grudadas nos braços e no
cabello pennas verdes de papagaio e trazendo á cabeça deus
parikos e a baragára, achando-se as rodas de pennugem e o
perfumador dos lábios também adornados de pennas. En-
quanto dous delles se sentavam numa esteira e chocalhavam
a matraca, o próprio Coqueiro pegava em frescos e verdes
molhos de folhas e, tendo-os ligado num cabo em forma de
pincel, amarrava-os aos hombros do moço melhormente en-
feitado, onde tinha este manchas negras de pixe, assim como
nos braços, joelhos e tornozelos. Este Boròro, com o adorno
verde de folhagem, representava o morto no estado actual,
em que fora inhumado sob um cobertor de folhas verdes.
Approximaram-se quatro homens com um cabaz, do qual ti-
ravam vestidos da mulher de Coqueiro, applicando-os ao
homem « Vçrde », que alli estava gemendo e tremendo com
os joelhos, — um quadro de desgraça, mas, consoante com
as nossas idéas, < uma pobre alma », sobrecarregada, no seu
singular aspecto, de pennas azues de arara, grinaldas verdes
e cinco saias de chita multicor. Os outros também se co-
briram com vestidos de mulher, um com uma pelle de jaguar,
e, entregando ao c Verde > um flautim enfeitado de penninhas
brancas, arranjaram uma dansa. Um homem, com duas ca-
baças, começou a dansa de roda, tendo atraz de si o « Verde >
e atraz deste quatro outros; todos seis cantarolla\'am em
coro e dansavam ora para a direita, ora para a esquerda.
,dbyGoogle
474 REVISTA DO IKSTITUTO HISTÓRICO
marchando em direcção ao baito; voltavam então e, pisando
fortemente, marcavam um circulo no chão. De repente, porém,
debandaram e correram atropeladamente para o mato, onde
desappareceram.j
Por meio do flautim de cucurbitacea, o joven represen-
tante da morta invocou dous velhos índios, que já ha muito
jaziam debaixo da terra. Estes deviam estar presentes ao
acto da entrega dos trastes, receber o novo companheiro e
averiguar o que lhe pertencia, afim de que não viessem nada
reclamar em posteriores visitas desagradáveis.
Depois de tun quarto de hora, a turma saía do mato,
correndo e berrando muito, carregando ás costas, — hurrah,
os mortos cavalgam depressa ! — dous vultos verdadeiramente
horrendos, nús, sem adornos, e desde a cabeça até aos pés
cobertos de barro do rio. Soltando gritos infemaes, aquellas
assombrações de barro pulavam como antmaes selvagens, si-
milhando gigantescos zangams a zumbir, e, agitando vehe-
mentemente trez sonidores, — não era visível nenhum ente
feminino, c as cabanas, fechadas com esteiras, pareciam des-
habitadas, — accenderam com muita ligeireza uma fogueira
no meio do círculo anteriormente demarcado, conduzindo para
alli uma infinidade de toda sorte de trastes caseiros, cestos,
ventarolas, faixas de embira, cintos de casca, um cobertor
vermelho, muitas pantculas de milho, cabaças e conchas ; foram
também quebrados arcos e flechas, e tudo reunido em um
montão. Entrou logo tmia certa ordem na interessante scena:
05 homens circuitavam o fogo e moviam-se ao redor delle,
pulando devagarzinho com ambos os pés . O < Verde » foi
agarrado e calcado em terra pelos dous vultos de barro, nos
quaes mal e mal reconhecemos o bravo Moguiocúri e o bári
principal (o atirador do quadro 28) . As matracas choca-
lhavam, os sonidores zumbiam, e o fogo então ardia vivamente.
O « Verde > foi posto era liberdade, e elle e outro companheiro,
que se achava atraz delle vestitío de períko, arremessavam
ás chammas os trastes, dansando em roda e desviando-se or.i
para a esquerda, ora para a direita. Nesse entrementes, —
e isto, no meu entender, era o mais notável de' toda estar'
scena, — os dous representantes dos mortos velhos curavam
uma mulher doente, alH apparecida de repente não sei como:
byCoogIe
BttTRB 03 BOKdROS 47^
sopravam nella a esperança consoladora de que tão cedo não
seria buscada. Alguns correram ao rio próximo, arremessando
nelle facas e machadinhas. Coqueiro atiçava o fogo, dansa
e canto acabavam. Os enfeites de pennas estavam deitados
juncto ao fogo, o « Verde » ajunctava as suas grinaldas, e os
baris, que estavam acocorados em ]inha, um atraz do outro,
eram aspergidos com agua. Pouco depois, grande celeuma:
o cão de um soldado tinha mordido uma creança. Moguiocúri,
ainda sujo de barro, dirige-se furibimdo ao dono do cachorro,
o qual, para sua própria segurança, marcha para o cárcere;
com isso se contentou o cacique, fechando com uma das mãos-
a bocca da mSe iracunda, que então se foi embora calada, mas
arre^nhando os dentes alegremente e pondo a língua de
fora.
Na seguinte noite, canto ininterrupto de aróe do lado dos
índios : ninguém nas cabanas e no ranchão ; homens, mulheres
e creanças, todos fora. Musica incessante, dansas, risadas,
tagarellices, do lado dos soldados. Esplendido luar. A pri-
meira hora solenne da Paschoa viu assim maravilhosos con-
trastes nos grupos da inhumaçao e da resurreição.
De manhã entrou no ranchão, tendo á frente Mogu--
iocúri, uma extensa fila de gente, todos com ramos verdes nas
mãos, vindo no meio o ermão da morta, com o cesto quadran-
gular, que continha a ossada limpa do esqueleto, exhumado
pela madrugada. Posto o cesto sobre uma esteira, quatro
homens tiraram delle o crânio e o maxilllar inferior, que
brilhavam de brancura e polimento, como os mais lindos pre-
parados, e começaram a enfeita-los de pennas, assim como
3 um cesto novo. Moguiocúri, ornado de grande gala e com
os cabellos e epiderme pintados de vermelho, estava sentado
sobre uma pelle de jaguar, com uma cinta de folh" ' '
meira akurí, tendo coUadas aos hombros pennas a:
de mutimi, pendendo-lhe das orelhas tiras amarello-i
de pennas de tucano, trazendo á cabeça o mais boni
e no buraco do lábio inferior a corrente de conchii
lado delle, e também adornados de paríkos, achavam-
baris, os quaes, de olhos fechados, sacudiam ^s m
pulavam compassadamente, batendo com os pés.- C
estava literalmente cheio, principalmente de mulhei
lyCoogle
4?6 RXnSTA DO INSTITUTO mSTORtCO
ancas, que accompanhavam o canto e batiam palmas Tythmí-
camente. Algumas das mulheres approximaram-se do cesto-
ossuario, pondo-lhe as mãos em cima; a mais velha, então,
fez nos próprios braços, com estilhas de vidro, umas incisões
rápidas e agudas, de modo que o sangue caía sobre as mãos
das outras e salpicava de rubro a palha de palmeira do cesto.
Os moços, que estavam no meio, pintaram primeiro o
maxillar inferior com urucú, envolvendo-o depois com pen-
nugens brancas. Ao lado, tinham elles urucú num casco de
tatu, um potesinho com olco de peixe, uma concha com re-
sina, uma esteira com penninhas brancas soltas e uma grande
tigdla de barro cheia de penninhas de cõr purpúrea, O cesto
novo foi pintado por dentro e por fora ctwn urucú, e, en-
quanto uns grudavam pennas no cesto, os outros cuidavam do
crânio, encaixando-lhe primeiro o maxillar e enfeitando-o
depois meticulosamente com as alludidas penninhas de cõr
purpúrea, a começar do occipital. Cada penninha era humi-
decida de resina por meio de uma vareta e collocada ca<ta
uma de per si.
Nesse ínterim, allí chegou também Coqueiro, conduzindo
uma creança pela mão. Silenciosamente, sentou-se alli ao
Jado, soluçando e chorando. Afóhi um cinto preto, que elle
havia manufacturado dos cabellos de sua mulher, não trazia
nenhum outro adõmo. As suas faces estavam banha<^ de
lagrimas, e elle apertava os olhos, como si o chorar lhe fosse
muito doloroso.
Pouco a pouco, a caixa craniana se cobria como que de
um. velludo de vermelhas penninhas de arara. Quem tinha
de limpar as mãos, fazia-o no próprio cesto. Alguns dos
parentes bem depressa não deram mais importância á cere-
monia. As creanç^s saltitavam aqui e acolá, alguns homens
roíam espigas de milho e trabalhavam, umas mulheres ca-
tavam-se piolhos reciprocamente, continuando, porém, devo-
tamente a cantar. Por fim, o K^ar rareou de gente.
Ficava-se. afinal, tonto de tanto zunir e retumbar. Um
tambor, que sobreviera, tinha os braços cobertos de uma pel-
lica toda cheia de penninhas de papagaio. De novo se encheu
o espaço. Septe mulheres approximaram-se do velho cesto-os-
suario, lanhando-se e pondo-lhe os pés em cima, de modo que
lyCoogle
ENTRE Oa BORORÓS 47?
O sangue delias lhe tingia também a palha. As incisões dis-
tavam dous a três centímetros uma da outra. Um enredado
vermelho cobria-lhes pemas e braças, seios e ventre. As fcíçÊ«s
do rosto, porém, estavam tranquillas e demonstravam que ellas
não sentiam dór. Lanhavam-se com movimentos ligeiríssimos.
Todas embrulharam os seus estilhaços de vidro em uma folha
e a entregaram a Coqueiro, sentando-se-Ihe ao pé. Novos
grupos chegavam para se lanhar, sempre só mulheres e moças,
procedendo todas do mesmo modo; cada uma molhava o seu
estilhaço na bocca, antes de dar o talho. Rosnando, roncando,
duas flautas mixturaram-se com a musica das matracas cho-
calhantes, do tambor, do canto e do batuque. Os cantores
dãnsavam com incrível perseverança. Coqueiro também, aco-
corado junto ao cesto, se lanhava os braços, estando alli a
seu lado uma mulher com uma creança ás costas.
Pelo meio-dia crânio e cesto estavam promptos. O
gorro, como que íeito de velludo vermelho, tinha sido ter-
minado com uma Unha travessa lindamente amarellada. O
cesto novo estava recoberto de penninhas alvinitentes, e em
cada lado delle havia dispostas, similhantes a janellas, duas
filas de quadrângulos vermelhos. Era de ver o mimoso e
delicado desse trabalho daquelles rudes caçadores ! Então,
foi arranjada uma ccremonia especial, — o «benzimento> do
crânio e do cesto novo. Construiram uma espécie de capella,
o sanctuarium, ficando em semicírculo cinco arcos e cobrin-
do-os com esteiras e pannos. Collocaram nesse nicho o cesto
enfeitado, encostando ainda nelle trez scmidores não pintados,
e deitando o crânio sobre uma esteira juncada de um monte
de pennas soltas; o mais activo dos baris tomou assento na
entrada, que ficou assim fechada pelo seu corpo, e o tambor
se lhe coUocou atraz. agora sem o instrumento. Para entre-
te-los, foram também postos no nicho dous potes com agua
barrosa do rio e trez charutos. Começando de vagar e em
voz baixa, entoaram os dous o seu canto, sacudindo o bári
um chocalho em cada mão. Os demais, alegremente sentados
em roda, faziam pequenas troças, esmolavam tabaco e jun-
ctavam a sua voz rugidora ao compasso final. Pouco a pouco,
o canto se tornou mais vivo: claras vozes femininas ajuda-
vam-n-o fortemetite, e os dous cantores do sanctuarium tra-
478 REnSTA DO INSTITirrO HUTORICO
balhavam a plenos pulmões, de sorte que, depois de trêz quaitoá
de hora, estavam completamente exhaustos. Curvavam-se para
o nicho, afim de beber, mas o corpo se lhes sacudia, oomo si
estivessem febricitantes, de modo que se fazia mister am-
parar-lhes o pote de agua; enxugavam então o suor e mal
e mal podiam balbuciar uns sons inarticulados, a que o coro
unísono respondia satisfeito, com murmúrios de reconheci-
mento. Trémulos, fumavam os seus charutos.
Tiraram as cobertas do nicho. Seis homens, — entre elles
agora também Coqueiro, — sacudiam os chocalhos, cantavam
€ dansavam, sempre de olhos fechados, cMnpIetamente con-
centrados em si mesmos. Nós também dansámos e matra-
queámos algum tempo, com grande satísfacção por parte dos
índio. Somente um ou outro pausava um pouco de vez em
quando, fumando então apressadamente o seu charuto, e
limpando o suor, que dos corpos dos seis corria como em
rios. Numerosas mulheres accompanhavam o canto, passando
o tempo a catar piolhos e sacudindo os seus abanos para re-
frescarem os dansatfores, que estavam atraz delias; os homens,
em grande numero, estavam entendidos ao longo da parede
e descansavam. Só uma vez fizeram uma pausa geral, ficando
então a cantarola substituída pelos sons alegres de harmónica
mal tocada, que vinham dos ranchos dos soldados; porém,
logo depois de trez ou quatro minutos, a matraca de Mogaí-
ocúri zumbia, dando o signal de continuação. Todos os ossos,
um por um, foram pintados de urucú, — primeiro o fémur,
(depois o humero e os do braço inferior e os das pernas, a
bacia repartida em duas partes, as costellas e os ossos da mão
e do pé, até á ultima phalange. Tractando-se de uma creaaça,
o trabalho é mais fácil: o esqueleto fica arrumado í« tofum.
Si 03 ossos pingavam oleo, posto em demasia, extendiam co-
bertores e esteiras por baixo delles, pois nada devia ser per-
dido. Limpavam as mãos nas folhas de palmeira previamente
trazidas. Eram cuidadosamente collocadas no cesto todas as
partes do esqueleto, todas as phalanges das mãos e dos ar-
telhos, embrulhadas em folhas especíaes, ajunctando-sc-Ihes i
roupa, — trez calças (mme. Coqueiro I), um paletó de mulher,
trez camisas, — e ainda as folhas de palmeira já servidas,
tudo isso no cesto já cheio a arrebentar. Costurarftm-n-0
lyCoogle
enTRE 06 borAros 479
na parte superior coni agulhas de pau de um pé de compri-
mento; foi necessário o forte punho de Moguiocúri para
serem approximadas as beiras, afim de poder o cesto ser fe-
chado. As pontas das folhas de palmeira, que sobresairam nos
dous cantos, foram cortadas .^ '
A*s cinco e um quarto estava tudo prompto; cantaram
ainda um boccadinho, o logar foi, finalmente, ficando quasi
que de todo vazio, e a ceremonia acabou sem encerramento
solenne: poz-se-lhe termo singellamente. Moguiocúrí pediu
o meu cachimbo e tagarellou gostosamente. A festa fúnebre
já tinha sido exquecida. Uma velha tomou ás costas o cesto '
de ossada, e um moço se lhe poz na deanteira, soprando melan-
cbolicamente a flauta dos mortos.- Ninguém lhes deu impor-
tância. Ambos caminhavam ao cair do crepúsculo, a mociíbde
e a velhice, — um encantador quadro vespertino, como de um
conto de fadas. Com uns murmúrios plangentes, entr^aram
o cesto a Coqueiro, que estava sentado á porta da cabana
vazia, e voltaram apressadamente para juncto dos outros. E
algumas horas mais tarde, nesse domingo da Paschoa, re-
bentou o barulho por causa dos Caiapós .
Coqueiro ficara sem nada. Os seus amigos fabricaram
arcos e flechas, e com isso o presentearam.. Na terceira manhã
após a ceremonia fúnebre, conduziu elle o cesto de ossa(&,
indo-lhe atraz uma mulher com carga idêntica. Pois é cos-
tume que o morto espere o próximo extincto, e assim os dous
deixam junctos o aldeiamento. Parecia que ninguém se im-
portava com elles, e poder-se-la crer que levavam dous cestos
com mandioca. Porém, logo se approximaram apressada-
mente quatro moços e accompanharam os dous conductores
para o mato : o primeiro agitava um sonidor, o segundo e o
terceiro soltavam gritos cheios de terror, e o quarto arrastava
após si uma folha de palmeira, afim de apagar os rasti
f icultar aos mortos o regresso á aldeia. Não se via alli
alguma. Um delles carregava também uma enxada. C
foram inhumados, parece que numa ilhota rio acima.
AtUA E VIDA DE AI.ÉM-TUMUMJ, — Nos acordados
fespecie de alcance á distancia, que lembra a nossa cr.
tinir dos ouvidos. No Kulisehu, disse-me Tumaíau
vez em que espirrei, — 5 que eu estava sendo chamj
lyCoogle
48o REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
minha mnlher, a qual estava triste, por eu não ter ainda vol-
tado > . Em occasião similhantcí, disseram-me os Bororós a
mesma cousa : certa vez em que espirrei ao lado de uma int^,
esta logo perguntou pelos nomes dos meus parentes : — « Como
se chama tua mãe?, teu ermão?, teu cunhado?»
A alma chama-se búpe (39). Durante o sonho, ella deixa
o corpo. Punham bastante de manifesto o medo de accordar a
adormecidos. Clemente também pensava que isso seria muito
prejudicial. Mas, tem o seu lado útil, como vimos um dia
no ranchào. Guilherme devia tirar o retrato de um íidorme-
cido. Isto, porém, lhes pareceia ser o peior dos males, certa-
mente porque o retrato poderia servir para bruxarias. Os
Bororós geralmente se obstinavam contra os exforços de Gui-
lherme em tal sentido; apesar disso, mais tarde, quando elle
lhes mostrava retratos tirados a furto, muito se alegravam
com isso. Em todo caso, parecia-lhes perigoso tirar o retrato
do adormecido. Queriam acorda-lo, e, quando eu os impedia
disso, censurando-Ihes o modo de agir, procuravam realizar
furtivamente (pelo cuspir e atirar pedacinhos de pau) o seu
intento.'
Não conheço o sentido exacto de búpe. Durante o sonho,
a alma sai voando em forma de ave, Ella, então, vê e ouve
muita cousa. Acreditam firmemente no que o despertado re-
lata. Assim, os Caiapós, effectívamente, tinham estado nas
proximidades da colónia: ninguém duvida disso. Clemente
confirmava, com a sua experiência, a exactidão das suas pre-
visões : — quando a mulher, deixada na aldeia, durante a au-
sência do homem na caçada, ficava sósinha, por metade da
noite sentada na cabana, queixando-se e lamentando-se al-
gumas horas e deitando-se depois para dormir, a sua alma,
então, ia com certeza achar o caçador ; e, depois de acordadas,
as mulheres sempre davam informações certas do ponto em
que estavam os caçadores e quando haviam de regressar. A
(M> A I
,aUvr.
exita É
. bõpe .
>, tiio •
■ búpe
.. Sesundo
. 0 vocabultrio áoí
Sklesianos, equivale .
■ «diab.
)». Pai
que 1
cerWram bem com
0 aignificado.
porc|u<
! indagai
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dos B.
ao inimigo de
Deu»,
e me f.
essio «bóe-píía»,
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bópt>
coatraccKo
de fb6«-pÈB»»f»
íNol» de B.
át M.
).
.ibiGoogle
EMTRE OS BORdROS 481
proximidade do inimigo era presenciada no sonho, de modo
que, fugindo-se, o inimigo chegaria a uma aldeia abandk>nada.
O certo é que os baris prediziam com exactidão a morte
de um doente em estado grave. Não só a çreança, de que
falei a pags. 460, foi morta, quando já era chegado o seu
tempo, como também no caso da mulher de Coqueiro elles
a haviam ajudado artificialmente. Ainda viva, foi conduzida
para o ranchão com a cara coberta por um panno, e, debaixo
deste panno, ficou suffocada. Era o quarto dia, quando ella
devia morrer, conforme os baris, e de facto morreu. Eu creio
que se pôde comprehender facilmente essa intromissão no ,
officio de Atropos por parte de uma tribu nómade de caça-
dores, mesmo si ella não puzesse tão seriamente, como os
BorôroS, homens e animaes em egual plano: — elles estavam
acostumados a dar o golpe mortal nos animaes moribundos,
e não podiam permanecer á vontade em certos logares. Que
os baris souberam tirar proveito desse estado de necessidade,
— era o seu negocio.
As idéas a respeito da morte e da vida post-morlctn são
nisso essencialmente diversas das dos Índios do Kulisehú, por
não morarem os curandeiros, causadores da morte, em uma
aldeia vizinha, onde fizessem as suas bruxarias, mas, sim,
estão incorporados em certos animaes, que, infeliz ou tola-
mente, se matam, e que então se vingam, buscando os vivos.
Enquanto o «homem-medico » dos Bakaerts, só de passagem
na narcose, se transforma em animaes, e, depois da morte,
vai para o céu sob a forma humana, — aqui, a morte não é
nada mais do que uma transformação animal, um sonho cuja
realidade é a todos visivel.
Crè-sc geralmente que o Borõro, homem ou mulher, se
transforma, depois da morte, em uma arara vermelha, por-
tanto em ave, como a alma no sonho. Carne e pelle apodrecem ;
a ossada, solennemente adornada, é entregue do melhor modo
por que o exlíncto a pôde exigir; reune-se e queima-se o seu
vestuário, os parentes sacrificam todos os utensís domésticos
que elle occupava, dào-lhe até do seu sangue: — si clle, graças
a tudo isso, puder retomar a sua figura antiga, então os
sobreviventes de certo não lhe devem mais nada, e mais agora
elle não pôde pretender, não precisa de achar o caminho da
Gvkh^Ic
403 ItEVlSTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
volta e deve contentar-se com a sua vida de arara. As araraã
vermelhas são Bororós, sim, os Bororós vão mais longe, como
já o referi, e dizem : — « Nós somos araras > . Ou isso é rnn
exaggero posterior, que de modo evidente mostra quão indif-
ferentes são aos Índios os escrúpulos dos nossos zool<^os, ou
a alma-volatil é crida como sendo a arara. Não comem nunca
a arara e nunca a matam. Lamentam quando morre alguma.
Somente são mortas as araras selvagens, por causa do adorno
de pennas, e, pela mesma razão, também as mansas devem
conformar-se com a sua systematica deplumação.
Os '« exti netos de outras tribus» transformam-se em
outras aves. Os negros viram urubus pretos. A escolha não
é illogica: um malquerente bem pôde ser incitado a tal es-
colha pela cõr, pela catinga e pelos trejeitos, — e os Bororós
não gostam dos negros. . . Perguntando a Maria o que é que
eu seria depois de morto, deu-me ella, com toda a seriedade,
a seguinte lisongeira resposta: — cuma garça branca», A
alma, já durante a vida, é um pássaro, e isto não parece nada
admirável, por ella poder chegar, durante o sonho, a logares
longínquos, com grande celeridade, e o ente, capaz de fazer
isso, não pôde deixar de ser ave para o caçador; é questão
secundaria qual a espécie de ave de uma ou de outra tribu.
Não é difficil comprehender que uma tribu escolha para si
mesma a ave mais bonita, que ao mesmo tempo fala e cuja
plumagem dá ao vivo e ao morto um efíeito magnifico. Os
Bororós', porém, não são dl'aras azues, e sim vermelhas, como
os negros são ou serão aves pretas e os brancos aves brancas.
Não menos fácil é comprehender a seguinte ampliação:
— os baris, depois da sua morte, podem também transmudar-se
em outros animaes, por exemplo, em peixes, bagre, jahú e
especialmente dourado, peixes esses todos grandes e suc-
culentos. Por isso é que o bári deve estar presente, quando
se pescam aquellas espécies e até benze-las. Um papel espe-
cial ainda cabe ao veado. Dizia Clemente: — «Não sei que
sympathia os Bororós tem pelo veado; é verdade que alguns
o comem, quando está bento. Também o aróe-taurári só o
pôde comer, depois de feito o benzimento; outros, si o co-
messem, morreriam ; matam-n-o raras vezes, mesmo que es-
teja bem perto. Não sei si é saneio áellíst.
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EÍJTBE 09 DOnÒHOá 4^3
Nem foi Boróro, porém sim um cachorro, que certo dia
matou um veado: um homem provou da carne, adoeceu no
mesmo dia e morreu dentro em pouco. Clemente sabia contar
outro caso, — de um homem que tinha matado um enorme
dourado e que morreu logo depois. «Vede, — diziam os Bo-
rorós, depois de preparado o cesto de ossada — o dourado era
bári, e este matou também o homem que o pescou».
A base dessa hypothese, — como também aprendemos a
conhecer entre os Índios lío Kulisehú, — é a viva e original
superstição que os Boróroí, no seu estado de caçadores, têm
de que os homens e animaes não são mais do que diversas
personagens. A morte de um dos seus é considerada como
vingança do que foi morto. Um caçador adoece ou morre, —
quem é o culpado desse mal ? — Um animal-pessoa, que ellc
próprio matou e que então se vingou ; como sempre existe a
probabilidade dessa explicação,, ha de formar-se a crença geral
de que — o morto busca o vivo. Como é, porém, que o animal
morto faz isso? — Ora..., um bári está encerrado nelle..,,
um que pôde tudo, sem que a gente saiba como é que eile o
faz.:
Deste modo se completam as tentativas de explicação;
aqui, onde se tracta de tantas tradições e de tantos affectos,
não importa que também cheguem a sophismar. Seria, po-
rém, difficultar a comprehensão, si se quizesse identificar
a intuição dos Bororós sobre a vida post-mortem com o
eschema da metempsychose. Uma espécie de metempsychose,
elles a experimentam todas as noites. Que animaes e homens
somente são diversas personagens, — é mais importante do
que pôr-se, devido a circunstancias posteriores, em relações
mais intimas com um ou outro animal-pessoa. De facto, eu
comprehendo mais facilmente aquelle povo, quando consi-
dero a affirmação, que parece ser a mais moderna e confusa,
que elles fazem, — « Nós somos aves >, e que me parece ser
a mais simples, não como < eu serei uma ave », e sim como,
— peço que não tomem isso na accepção bcrlinense, — « te-
nho uma ave, soti uma ave, que agora volita de noite, porem
que um dia, espero que mui tardiamente, não mais voltará
á sua familia, si uma outra personagem, homem, ave ou mam-
mífero, que of fendi mortalmente, a impedir disso,, e que
lyCoogle
484 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
então ficará obrigada a guardar a sua figura noctunia, a
qual, de tal momento em deante, como garça branca na la-
guna, apanhará peixes, e seriamente contará que os filhos
e netos não a matem e comam, mas, sim, logo que fõr pre-
ciso, lhe arranquem as pennas».
NiCUAS CELKSTES; CONJURAÇÃO DE METEOROS. — Sol €
lua são pennas de arara. Não pude verificar que idéas exis-
tem sobre os seus possuidores. Os Bororós, porém, riram-se
de mim, quando lhes perguntei si sol e lua eram homens, e
sustentaram que eram < pennas de arara >, e não araras sim-
plesmente, como si pudessem ser aves. « Nós moramos numa
grande ilha. no meio de um rio que se chama Darupáru, — ■
a reduplicação de bám, céo. Lua e sol (isto é, os seus pos-
suidores) estão de um lado e caminham pelo rio; quando
chegam junctos, a lua passa e vem lua nova».
O Cru::eirb do Sul consiste nos dedos de uma grande
ema, o Centauro representa uma perna da dieta ema, Orion
é uma carapaça de jaboti e, na parte dirigida para Sirius, um
jacaré, e as Plêiades são ramalhetes de flores do angico (Aca~
àa) ; os Bororós mostraram-me tudo isso com muito prazer,
deixando ouvir um ih... de admiração, porém nem sempre
eram concordes quanto á sua significação, de modo que se
me tornou duplamente dífficil obter informações dellcs. Em
um ponctcí, entretanto, estavam de completo accórdo, e isto
com razão me admirou sobejamente: — as estreitas em geral,
afora as conste Ilações especiaes. semeadas no céo como
lK)ntos pequenos e grandes, e os meteoros, que se vêem correr
no firmamento, — tudo isso eram bichos de pi; a via-Iactca,
na qual se acham mais densamente aggrupadas, era cinza, e
Vciias era o grande bicho de pé (40) ,
Como nos Bakaeris, a base daquella concepção é que os
animaes celestes lã chegaram por encantamento e que, no sen
aspecto, dif ferem das creaturas terrestres; pois, logo que
,.
0) « Cuiídje », de facto, sJBiiifici
odUferentemenle .eslrell». « «bicho
de l..
curircu> í (grande*) e a via-lactu
lédjc uruRL'>do>; * iirugúdo * è t c
iiiaí). Xi rrlacão das coii51tHações.
IU-8I von deii Steineii da -/ulear
ce-urarcghe >, isto é. pila* de |ierni-
». Caldas e os Salesianos nlo re
Lataram esse vocábulo, que colhi dire
cume
nie dat «elvicoUs. (NoU d« B. d
e M.).
D,ji,z,db,Goo<^le
ENTHE 03 B0BÔB03 485
apparece um novo phenomeno, estão promptos com a sua
explicação por meio do bári. Um bári é a grande cobra de
agua, pintada, que nós chamamos arco-iris (41). Um ma-
gnifico meteoro, que caiu durante a nossa estada alli, era ^ a
alma de um bári*, que de repente appareceu, afim de com-
municar aos Bororós que clle tinha vontade de comer « carne
de caçador » e havia de mandar a um dellcs a dysenteria. A
sccna, mediante a qual tentam evitar essa desgraça, merece
descripção pormenorizada .
O meteoro scintillou no espaço a 14 de Abril, ás 8,35
da noite, para o lado do Sul, como uma bola de mais ou
menos um quarto do tamanho da lua : passou por sobre todo
D pateo um brilho intenso. Caiu muito ligeiro, em 45°, na
direcção de Leste, deixando atraz de si um rasto do tamanho
de quatro bichos de pé celestes de primeira grandeza e di-
vidido em duas partes, como um bastão, na extremidade com
o brilho de estrellas e no disco fulgcntemente azul. Durante
quatro minutos, julguei vêr ainda aquelle rasto como uma fu-
maraça embranquiçada .
No mesmo instante em que appareceu o meteoro, resoou
do lado dos Índios, partida de cem vozes, uma gritaria alta
e continua. De todos os pontos precipitaram-se para o ran-
chão, onde, durante algum tempo, borbulhavam para dentro
e para fora, como um formigueiro assustado. Em seguida
dirigiram-se para a parte do pateo próxima da margem do
rio. Accenderam alli algumas fc^ueirinhas, e logo se viram,
assentados ao longo das cabanas, muitos pequenos grupos
de homens, mulheres e creanças, phantasticamente allumia-
dos. Como eu me houvesse ausentado por alguns minutos,
voltei attrahido por um grande barulho. Dous baris, sobre-
modo pintados de urucú, estavam no meio da multidão e,
andando em roda excitados, cuspinhavam para o céu, ba-
bando ainda um pouco de saliva, do mesmo modo por que
os Índios do Kulisehú conjuravam as nuvens de tempestade.
Enfrentando então o ponto em que tinha apparecido o me-
(41} Os Borõroi dto tn
t Sucuri > (c Boa wytate ■
c graphsm <jlir«i, ciradi
lola ái B. de MJ.
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406 RE?I3TA DO IKSTITUTO HISTÓRICO
teóro, ululavam com voz ameaçadora, pávida: — vué; vuê I,
tapando a bocca com o concavo da mão e extendendo para
o céu o braço esquerdo, no qual cada um empunhava um
feixe de cigarros de palha de milho do comprimento de um
palmo. ■ — «Aqui, olha bem, pareciam dizer, todo este tabaco
sacrificamos, afim de afastar o mal. Ai de ti, si tu não nos
deixas em paz ! >
Uma singular mixtura de medo e coragem, sendo que
esta, infelizmente, tinha o seu tanto de artificial, como na
conjuração do perigo dos Caiapós. O tremor augmentou-
Ihes, o corpo todo lhes vibrava, a cabeça inclinada para traz
vacillava, e, com movimentos convulsivos, apalpavam e fric-
cionavam peito e ventre, como que para fazer sair delles todo
o mal. Depois de ter esta scena durado algum tempo, tJra-
ram-lhes das mãos os feixes de cigarros e os accenderam ao
fogo, enquanto os excitados « curadores » descansavam uns
momentos, gemendo c tremendo de medo. Meia dúzia de
homens levantaram-se, deram para seu consolo e fortificação
umas chupadas e cRtão entregaram os cigarros aos baris, que
immediatamente recomeçaram o seu processo de cura. Os
baris chuparam no feixe inteiro, berraram contra o céu ainda
mais viva e increpadoramente do que antes, esfriaram ainda
mais o ventre, coçaram fortemente a cabeça, sorveram outra
vez fumaça do seu feixe, sugaram convulsivamente na parte
anterior dos braços, como si quizessem fazer o sangue subir
do interior, e gritaram sempre mais alto: — vué; vuáu l,
vuáu \ Extremeceram e sopraram em direcção ás estrdlzs,
os seus membros cambaleavam, os seus músculos contra-
hiam-se.
Afinal começaram, de súbito, a pesquisar circunva-
gantemente a multidão, como procurando alguma cousa: fa-
lavam com os mais próximos, indigitaram um ou outro e
depois entraram no grupo principal, onde sujeitaram a uma
pequena cura um ancião alquebrado, o .cacique Domingos,
e a alguns dos mais distinctos, que, naquelle caso especial,
pareciam suspeitos. Levanfavam-lhes a cabeça, inspeccão-
nando-os penetrantemente, e, dizendo — pzu, psu; perdigo-
tavam-lhes de cuspo a cara, tomando a gritar, por detraz do
concavo da mão, o seu ameaçador vâu ! ou ura estridente
Google
ENTRE 03 BOBÔROS 48?
hahahó, e nâo se exquecendo de acabar de fumar o seu feixe
de cigarros. O coro tinha-se em geral conduzido séria c
quietamente; apenas uma ou outra vez rompeu em um uni-
sono Ituhá, o que agora pelo fim repetiu triumphantemente,
quando os dous « doutores » se retiraram batendo os dentes
e murmurando com calafrios — tédede, tédede. Resoou a noite
inteira o canto de aroé.
Tinham aqui applicado a fumaça de tabaco, do mesmo
modo por que contra a tempestade haviam empregado o
cuspinhar, e eu tive a impressão de que a fumarada do
«medico» se parecia com o incensamento . Talvez isto seja
importante para se comprehender o sentido primitivo do
methodo de curar.
Domingos tinha tido, dous dias antes da conjuração do
meteoro, um ataque de fraqueza. No terceiro día, 17 de Abril,
estava doente e parecia achar-se muito incommodado. Arras-
tava-se timidamente de um logar para outro, tendo as mãos
envoltas em trapos e a cabeça e a cara embrulhadas, de ma-
neira que não se podia reconhece-lo. Como deixámos a co-
lónia no dia 18 de Abril, não pudemos infelizmente verificar
6Í lhe fizera ef feito o remédio empregado.
Tradições sobre os antepassados. — Arigá-Boròro é
o fundador da tribu. Tinha uma mulher. Arigá é o nome do
puma. Mais tarde, dous homens e duas mulheres vieram do
rio Barupáru para Leste sobre a terra e estabeleceram-se no
S. Lourenço. Mais não pude colher. Clemente, para isso,
era totalmente imprestável ; elle próprio não sabia nada a tal
propósito, e arranjava as suas indicações conforme os co-
nhecimentos que possuía do Brasil, dizendo que os Bororós
tinham vindo originariamente do Rio de Janeiro. Consoante
com o que pude entender, os Bororós moravam, desde o
tempo em que deixaram o céu, nas cabeceiras do S. Lou-
renço, e aquella chegada de Leste nada tem que ver com as
migrações da tribu, mas, sim, é apenas outra vez o resultado
da mui natural reflexão de que o sol estava de posse dos
antepassados e que estes, portanto, haviam de ter morado
lã donde nasce o sol.
Moguiocúri € é muito creança >, — dizia Clemente, —
pois não sabia nada, e tsto ficou confirmado pelo facto de que
.,CoogIc
488 REVISTA DO INSTITUTO IllSTORICO
O cacique não tinha conhecido o avó, como elle me confessou.
Um ancião longevo, que realmente sabia alguma cousa sobre
a creaçào do mondo, — pois tinHa ouvido do seu avô, que a
ella estivera presente, as circunstancias mais próximas, —
uma tão preciosa testimunlia infelizmente estava ausente,
na caça.
Mesmo as informações sobre outras tribus, com as quaes
os Eorõros tinham relações, eram muito escassas, restrin-
gindo-se a algumas indicações relativas aos Caiapós, — que
tinham arcos lisos e curtos, mas muito duros e fortes, flechas
de taquarinha um tanto pequenas, com pennas costuradas c
dous ganchos de ferro, e lambem uma chata clava de pal-
meira seriba, em fornia de peixe, com i^^.o de comprimento,
e pendurada do pescoço por meio de uma corda.
Porém, afora os Caiapós, ainda havia outros vizinhos
exquisito, na tribu dos Rarái, também chamados baredie-
ragúdo. Vêem-se elles só de noite, e dous a três; usam
de mantos de embira, e são empretecidos, nunca de cór clara.
São macacos. Elles tinham, num ou noutro logar, arremes-
sado os Bororós ao chão, fugindo em seguida . Clemente, —
e o que elle dizia não era destituído de valor, porquanto re-
petia exactamente informações colhidas dos próprios índios,
^jurava a pés firmes que os Rarái eram macacos, que não
tinham flechas, mas tomavam do chão pedras e paus para
atirar, e que tinham (jarruchas, « pistolas * como as que os
camaradas brasileiros e, portanto, também os negros e es-
cravos fugidos possuíam geralmente. — « São macacos e ati-
ram com pistolas?»' — «Sim, são macacos, com pistolas de
ferro » . O negro, portanto, tem a escolha agradável de ser
macaco ou urubu preto. Mas, deve-se sempre ter em vísta
que não ha limite entre homem e animal, e que a posse dt
objectos civilizados também não quer dizer nada. Si os ma-
cacos têm pistolas, então não se pôde dizer que elles não as
tenham.
Língua.. — O material linguistico, colleccionado entre
os Bororós, e que talvez seja sufficiente para darão menos
idéa dos mais importantes elementos grammatícaes, . ainda
não está preparado. Até agora, ainda não pude descobrir
nenhum parentesco linguistico com outros idiomas conhe-
ço byGoOglc
ESTRE 03 nORÔROS
489
eidos. Em todo caso, os Bororós não pertencem ao grupo
tupi, nem ao gê, nos quaes se poderia pensar. Também não
seria nada de admirar, si todos estes exforços ficassem im-
profícuos, porque a vizinhança do seu território, em grande
parte, já desde a primeira colonização de Mato-Grosso,
atravessou ejKíchas de grande perturbação. Ao Norte exten-
de-se a estrada que vai para Goiaz, que elles muitas vezes
assaltaram ; ao Sul appareceram as levas dos descobridores
idos de S. Paulo; e aqui, como acolá, houve, durante longos
annos, caçadas de escravos.
A lingua é harmoniosa e parece de facil aprendizagem.
Das consoantes falta somente o /, abstrahindo-se de foto-gúro
(42), que significa c saliva > ^ consoantes duplas são raras;
a desinência é vocálica. O accento recai em geral na penúl-
tima syllaba. Não existe terminação plural para o substan*
tivo. Os pronomes pessoaes independentes são: — 1) imi,
eu; 2) áki, tu ; 3) ema, au, elle; 4) paghi, nós; 5) taghi, vós;
6) emaghi, elles. Os correspondentes suffíxos pronominaes
para o substantivo e o verbo são :
i) '■; 2) a; 3)—; 4) pa; 5) te; 6) e.
No seu uso apparecem diversas formas de mudança de
phonema e influencias sobre o radical inicial. A titulo pro-
visório, vou dar alguns exemplos:
i) i-wiia
2) a-wiia
3) í"''o
4) pa-wiia
5) le-wiia
6) e-iviia
iketio
a-keno
eno
pa-ghetto
le-gkeno
e-keno
i-laura
a-kaura
kaura
pa-gaura
le-taura
e-taura
%-iua
o-fua
tua
pa-dua
tcdua
e-tua
Os números seguem o eschema dos Bakaeris: — i, 2,
.1, 2. .2, 2. .2. , I, 2. ,2,, 2. / chama-se mito, s pól
3 possDc ■ língua barõro o
ilenaniínte it íccõrdo cor
,dbyGoogle
490 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
esses, porém, apparecem nos termos seguintes, então tomam
accrescimos, nos quaes podemos distinguir os pronomes da ter-
ceira pessoa, ema e au (este). No numero j ainda está. con-
tida a negação bòcua, bocuárei pobéma au metiiia (também
metia) bocuáre, e isso parece significar: — aqui tenho dous,
lá não mais do que um > . 4 é pobéma augure pobe, isto é,
« aqui dous e lá também dous ■>; 5 é pobéma augure pobéma
áu tnetúya bocuáre; ó é augure pobéma augure pobéma au-
gure póbe. Com grãosinhos fizeram a formação de grupi-
nhos de dous, exeactamente como os Bakaeris, e do mesmo
modo foram consultados os dedos. O meu desejo de conhecer
os numeraes foi interpretado, sempre e sem excepção, como
EÍ eu desejasse a enumeração dos parentes. O interrogado
batia no peito, dizendo: — «eu», e contava mãe, pae, ra-
pariga, rapaz, com ou sem adjudicação de um e dous, fazendo
corresponder a cada dedo um membro da famitia. Não pude
descobrir si os dedos, como taes, têm nomes de parentes;
julguei, a principio, que o pollegar fosse mãe, mas fiquei
duvidoso a respeito disso, porquanto as indicações digitaes
variaram por parte de outras pessoas, devido ás circunstan-
cias especiaes da familia. Aquj, o seu interesse capital era
evidentemente o enumerar. Acredito, portanto, que tambeni
aqui o seu proceder era o seguinte: citavam uma porção de
pessoas, marcando-as pelos dedos, e empregando para isso
demonstrativos ou pronominaes, o que, para o começo, era
a mesma cousa, e determinando o limite para dous não na
mão, porém, sim nas cousas, quebrando uma em duas partes
e solvendo o calculo por meio dos dedos.
,dbyGoogle
MANUEL MARCONDES DE OLIVEIRA E MELLO
(ruuEuta bauXo de piMDÀUOKojitiaABA]
NOTAS BIOGRAPHICAS
Dr. JoXo Marcondes de Modra Romeiro
D,Bi,z,db,Google
.ibiGoogle
iniDEl UnES DE gUHIHII E UILO
■ NOTAS UIQCRAPHICAS
Quando algueiii se dispõe a traçar a biographia de quem
quer que seja não pôde deixar de ser sua principal preoc-
cupação a feição moral daquelie que, por se haver salientado
entre os seus contemporâneos, o induziu a faze-lo reviver.
Com referencia ao honrado conterraned, de quem nos
occupamos, não será fácil esta tarefa.
Estudando a vida do coronel Manuel Marcondes de
Oliveira e Mello, primeiro barão de Pindamonhangaba, não
se sabe á primeira vista si se tracta de um cidadão natural-
mente democrata ou de um genuíno representante da velha
e enfezada fidalguia portugueza, para quem se justificavam
todas as oppressões exercidas pela realeza contra o povo.
A ouvi-lo fallar da familia imperial e notando-se a ve-
neração e respeito, que consagrava a Pedro i" e ás pessoas
qite entulhavam o Paço, parecia que não poderia haver nin-
guém que o excedesse em dedicação á monarchia. No en-
tretanto na vida intima e tractando com particulares, era de
uma burguezia exagerada e que talvez não condissesse com
o logar, que occupava no meio social em que vivia. E o que
é mais, nas poucas vezes que teve de intervir na politica do
paiz foi sempre para defender a causa do povo.
O coronel Marcondes, primeiro barão de Pindamo-
nhangaba, militou toda a vida no antigo partido liberal, accoin-
panhando de coração a politica dos Andradas e de Feijó, dos
quaes era admirador sincero.
,dbyGoogle
494 REVISTA DO IKSTITUTO niSTOHICO
Em 1842 adheria de prompto á revolução chefiada pelo
brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar e prestou aos revoltosos
de nossa cidade o apoio e protecção de que precisavam. Todos
os seus aggregados e camaradas tomaram armas e para re-
sistir aos « legaes > se prepararam .
Dir-se-ha que assim procedia por acconipanhar seu ermão,
monsenhor Marcondes, de quem era amigo extremosissimo,
e que andava na mais estreita correspondência com o briga-
deiro Tobias. Mas não é exacto; embora se mostrasse cau-
teloso e prudente, e não quizesse assumir a responsabilidade
de possíveis violências, que eram de esperar dos mais exal-
tados, o que é certo é que pela causa dos revoltosos tinha
real e sincera sympathía.
Como se sabe, foi nossa cidade um dos baluartes da revo-
lução. Eram trez as localidades do Norte de S. Paulo dis-
postas a accompanhar Tobias até seus últimos momentos:
Ptndamonhangaba, Lorena e Arêas. E não seria possivel que
o espirito de revolução fosse tão bem acceito no nosso mu-
nicipid, si monsenhor Marcondes, que era chefe de grande
prestigio do partido liberal, e seu ermão o barão de Pinda-
monhangaba não tivessem esposado a causa sustentada pela
inegualavel coragem de Tobias e pela reconhecida firmeza
do dr, Gabriel Rodrigues dos Santos.
Foi só depois da derrota dos revoltosos e da tomada de
Sorocaba pelo barão de Caxias, que os filhos da nossa terra
depuzeram as armas e debandaram. Até então mantiverám-se
todos no seu posto, não lhes causando medo nem receio a pre-
sença de Caxias em S. Paulo, nem a noticia de forças que
vinham por terra, e já tinham saído vencedores de um com-
bate em Arêaí, travado com paisanos arregimentados pelo
tenente Anacleto Ferreira Pinto.
Naquella epocha de abnegação e patriotismo ninguém se
lembrava do interesse individual e todos se occupavam na
cidade dos meios de defesa, no caso de invasão dos inimigos,
e de promptidão se mantinham para cumprir sem demora as
ordens, que pelos chefes lhes fossem transmittidas.
Comprehende-se que não se sustentaria tão difftcil e pe-
rigosa situação, si a ella não prestassem braço forte os dous
> Marcondes, que eram sem contestação as pessoas de
I. Google
ÍIAXUEL MARCONDES DE OLIVEmA E MELLO A^Í
mais influencia, mais ricas e de melhores relai;Ões e mais con-
sideradas não só na terra do seu ' nascimento, coriío em todo
o Korte de S. Paulo. EUes tinham o povo todo em suas mãos
e podiam leva-lo onde quízessem. Ninguém com mais se^-
rança podia dizer, como o chefe dos Tamoios:
«O céo é de Tupá, a terra é nossa».
A pureza de seu viver, o seu entranhado amor pelo logar
em que haviam nascido, o cuidado que tomavam pelo bem
estar e harmonia das famílias, entre as quaes viviam como •
verdadeiros patriotas, e ás quaes apresentavam proveitosas
licções no exemplo de sua vida perfeitamente correcta e ina-
tacável — davam-lhes direito a essa posição que haviam
alcançado, e que em parte tinham herdado de seu pa^, o
capitão-mór Ignacio Marcondes do Amaral. ,
Ninguém, pois, pôde duvidar que a attitude altiva e nobre
em que se manteve a nossa cidade, no periodo revolucionário
de 1842, era obra principalmente do barão de Pindamo-
nhangaba, que procedia, em relação aos acontecimentos, com
prudência, mas com firmeza e patriotismo.
No entretanto, e era cousa de admirar, a esse espirito
tão liberal, e quando no paiz já tinham echoado as idéas repu-
blicanas— o governo de uma nação se afigurava inteiramente
incompatível com outra forma que não fosse a monarchia.
No modo de ver cio 1° barão de Pindamonhangaba o
direito de governar um povo e reger os seus destinos vinha
de Deus. Para elle as familias reinantes constituíam uma
casta separada com attríbutos especiaes que lhe davam capa-
cidade e aptidão, que os outros homens não possuiam, para
exercer os poderes magestaticos.
Si tivesse vivído nos tempos medievaes traria com cer-
teza esta legenda em seu escudo : « Pela Pátria e pelo Rei — •
Neste ponto era írreductivcl. A' pessoa do monarcha votava
respeito religioso.
Não SC supponha, que se servisse de baixa adulação para
se fazer credor da affeição da gente do Paço, ás quaes tractava
com a maior consideração, é certo, mas também com digni-
■ dade e com muita nobreza.
O primeiro barão de Pindamonhangaba foi guarda-
roupa do imperador Pedro I, e mais tarde foi nomeado
I. Google
496 KEVISTA DO 1N9T1TDT0 HISTÓRICO
veador de s, m. a imperatriz d. Leopoldina, primeira mulher
do imperador, de quem vivia nas melhores graças, ao que
parece, por saber eila que o coronel Manuel Marcondes era
dos poucos amigos de d. Pedro, que não applaudiam suas
escandalosas rapaziadas.
Em sua viagem para S. Paulo, em 1S22, e nas vésperas
da proclamação da Independência, d. Pedro, passando por
esta localidade, hospedou-se com o barão, com quem passou
■ um dia de descanço, mostrando-se sempre muito commu-
nicativo e satisfeito. E daqui seguiram junctos, depois de
reunida a Guarda de Hoiíra, sob o commando do coronel
Manuel Marcondes, que teve a gloria de ser uma das prin-
cipaes testimunhas do grande acontecimento passado nas
margens do Ipiranga.
E com que prazer relatava o nosso illustre e honrado
conterrâneo as scenas, que alli se realizaram e que constituem
facto único, na vida das nações !
c No dia 7, sobre a madrugada — contava o velho servidor
da pátria — deixámos Santos em regresso para S. Paulo.
D. Pedro vinha montado em uma possante besta gateada, e
não em cavallo mineiro, como inventaram os nossos novel-
listas. Em toda sua viagem mostrava-se agitado e appre-
hensivo, adivinhando todos que eram noticias de Portugal que
o impacientavam.
Logo depois que subimos a serra do Cubatão, queixou-
se o príncipe de ligeiras cólicas intestinaes, vendo-se por isso
obrigado a apear-se para attender ás exigências da natureza.
Pouco havíamos caminhado, e elle teve necessidade de nova-
mente apear-se para o mesmo fim. Percebendo então que
continuava o incommodo, deu ordem i>ara que a Guarda se-
guisse adeante, caminhando elle mais á vontade e socegada-
mente com toda a comitiva, que o accompanhava desde o Rio.
Assim fizemos; mas ao chegarmos ao Ipiranga', já muito
perto de S . Paulo, e onde havia uma pequena casa de negocio,
fiz a Guarda suspender a marcha, esperando por d. Pedro', que
não iM)dia entrar na cidade sem ser devidamente escoltado.
Pouco tempo alii estivemos em descanço, e sempre com •
os olhos voltados para a estrada, quando se nos apresenta um
official, chegado do Rio, pedindo noticias de d. Pedro, a
lyCOOglC
K&NUEL lURCONDCS DE OLIVEIRA E HBLLO 497
quem precisava entregar, e com urgência, papeis de stimtna
importância que lhe eram enviados por José Bonifácio. Com-
prebendemos,, mais ao menos, que se tractava da posição de -
s. a. perante as Cortes de L,Ísboa, que todos sabiam qu,e
eram contrarias ás idéas nactonaes do príncipe, a quem por.
isso procuravam afastar do Brasil. Esta supposição ainda
mais robusteceu-sc quando nos informou o mensageiro que,
um dia antes de sua partida, havia ancorado no porto do Rio
uma galera procedente de Lisboa. Contamos-lhe que d- Pedro
não podia demorar-se, e elle partiu logo a seu encontro.
Dividimo-nos então em grupos, onde as conversas con-
sistiam em conjecturas sobre o assumpto daquella commissão;
mas todos attentos e á espera do signal que nos devia trans-
mittir a sentinella, que mandei postar em Ic^r mais eminente, '
e donde se descobria longa extensão da estrada, por onde
vinha o principe.
Teria decorrido um quarto de hora, quando nos foi an-
nunctada a chegada de d. Pedro, e Ic^o ouvimos o tropel da
cavalgada que vinha pela estrada, galopando. Immediata-
mente procurámos nos pôr sobre nossos animaes, e saímos
a encontra-lo. Mas ainda a Guarda não pudera pôr-se em
forma e já d. Pedro era chegado, visivelmente agitado e
satisfeito, com as faces radiantes e amarrotando na mão di-
reita um grande maço de papel. Pudemos apenas formar um
meio circulo, envolvendo sua pessoa.
Foi então quí, descobrindo-se e com voz firme e tim-
brante, annunciou-nos a resolução que tomara no momento de
declarar a nossa pátria independente.
< — Amigos, disse d. Pedro, não é mais possível vi-
vermos sob o dominio de Portugal, que persiste era contrariar
as mais justas aspirações do povo brasileiro ! Somos livres e
de ora em deante que seja a nossa divisa : — Independência
ou morte ! » — E ergueu um viva ao Brasil independente.
Nem se pode imaginar o immenso enthusiasmo, que o
extraordinário acontecimento nos causou. Levantámos repe-
tidos vivas a d. Pedro, e ao Brasil, procurando ao mesmo
tempo cada qual tomar logar no cortejo, que tinha de accom-
panhar o príncipe; pois d. Pedro proferiu aquellas palavras
,C?oogle
496 WMlSTk DO INSTITUTO lUSTORlCO
e foi logo voltando o animal em direcção á cidade de S. Paulo,
e a meio galope caminhando, como costumava viajar.
Quando chiámos á cidade, já estava conhecido o facto
estupendo, que se passara no Ipiranga. Pelo menos ninguém
se mostrou surprehendido com a noticia que levávamos. Pa-
recia que a voz de d. Pedro echoara até S. Paulo, cuja popu-
lação cruzava as ruas, mostrava-se extraordinariamente ani-
mada, como é fácil de se imanar.
De noite houve espectáculo, de gala, com a presença de
s. a. O theatro, que ficava no largo do Palácio e era muito
acanhado, regorgitava de gente, tendo comparecido o alto
funccionalismo de S. Paulo, e todos que puderam alli achar
logares.
A' hora apropriada, e quando começavam a se impa-
cientar os espectadores com a demora do príncipe, eí-lo que
surge em seu camarote, accompanhado dos mais graduados
representantes do governo. A' sua presença reboou por todo
theatro uma prolongada salva de palmas, sendo em s^uida
levantados muitos vivas a d. Pedro e ao Brasil, os quaes
eram delirantemente correspondidos pela multidão. Logo de- •
pois o padre Ildefonso Xavier Ferreira, que era dos mais
exaltados, tendo-me consultado, e por que lhe respondi que
me parecia agradável a s. a, trata-lo como imperador, —
ergueu-se em seu camarote, e voltando-se para d . Pedro disse
com o maior enthusiasmo: — Viva d. Pedro imperador do
Brasil ! O povo redobrou de enthusiasmo e animação, prin-
cipalmente quando viu d. Pedro agradecer, fazendo, com a
cabeça, um signal de assentimento.
De então em deante ninguém mais quiz saber do que
se ia representar, trans formando- se o theatro em uma com-
pleta assembléa, onde só se tractava e discutia o heroísmo
do príncipe e sua dedicação á causa do Brasí), de quem se
havia feito verdadeiro libertador.
Passados estes factos, tractou d. Pedro de regressar
com celeridade para o Rio, onde José Bonifácio o esperava
para responder ao governo portuguez, e lhe communicar que
o príncipe havia sido acclamado imperador do Brasil. Ao
chegarmos a esta cidade, que era então simples villa, foi a
guarda dispensada.de accompanhar o imperador, que s^uttt
D z.cbyCOOgle
HAKUEL MARCONDES DE OIIVEIRA E MELLO 499
viagem, caminhando dia e noite, para, de concerto com seu
ministro, providenciar sobre os meios mais acertados de ga-
rantir a emancipação politica do paiz, que estava feita.
Eis ahi como se passaram os factos, de que fui testi-
munha, referentes ál proclamação da Independência, e nos
quaes tive de tomar parte como commandante da Guarda de
honra. E permitta-me dizer, d. Pedro foi um heroe 1».
Assim fazia o barão de Pindamonhangaba a narrativa do
que se passou nas margens do Ipiranga no dia 7 de Se-
ptembro de 1822.
Foi cc»ti esta exposição exacta que Pedro Américo, o
grande pintor brasileiro, reviveu em uma de suas melhores
telas a scena grandiosa, originada dos mais decididos im-
pulsos do patriotismo, e toda elta envolvida em uma atmos-
fera verdadeiramente cavalheiresca. Para execução do quadro
histórico teve o distincto artista de visitar nossa cidade, para
colher elementos que levassem sua obra a approximar-se
quanto possível da realidade.
Foi aqui que o artista ficou conhecendo os capacetes, as
espadas, as dragonas e os fardamentos, de que usavam os
soldados e officiaes da Guarda de honra. Daqui levou também
os retratos, que poude encontrar, dos guardas que foram tes-
timunhas da acclamaçào de d, Pedro, nas margens do Ipi-
ranga. Considerava o illustre pintor que devia preferir as
pessoas que realmente faziam parte da Guarda de honra, para
aym ellas preencher os logares, onde deviam se achar os
fieis companheiros de d. Pedro. O barão de Pindamo-
nhangaba lá está; é aquelle que segue na frente, de espada
em punho e galopando ao encontro do princtpe. A seu lado
devem caminhar José Romeiro, Manuel Ribeiro do Amaral
e Manuel de Godoy Moreira, também nossos conterrâneos.
Aos que tiveram occasião de tractar com estes, d'
acabrunhados pelos annos, não será facíl reconhec»
tela de Pedro Américo que, para ser corrcctcí, precii
dar mocidade e enfeita-los de bigodes, de que sõ
quando em serviço e por exigência de d, Pedro. Mas
que o illustre pintor teve em vista representa-los
quadro, onde se destaca o barão de Pindamonhangal
D: zPcbyCOOgIe
500 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
perfil é conhecido, e deixa ver o desenvolvido órgão nasal,
characteristico da familia.
Como se vè, foi o barão de Pindamonhangaba um deli-
gente e honrado servidor da pátria ; e nos tempos que cor-
rem é bom consignar que nunca se aproveitou de sua im-
portante posição para augmentar a sua. fortuna ; nunca em
sua vida recebeu um real dos cofres públicos, por conta sua
correndo sempre todas as despesas que lhe impunham os
serviços da Guarda de honra. O mesmo se dava com todos
que pertenciam a esta milicia, verdadeira guarda nobre, com-
posta de moços das príncipaes famílias das provincías do Rio
de Janeiro, Minas e S. Paulo; não só não recebiam soldo,
como se mantinham a expensas próprias, notando-se que bem
avultadas deviam ser estas, attento o grande luxo e esplendor
com que se apresentavam.
Verdadeira phantasia de d. Pedro, que por ventura
deixou-se inspirar no pensamento que dictou a Napoleão a
instituição da sua heróica e famosa < Garde Impériale >.
Tinha uma organização toda especial a chamada Guarda de
honra. Os soldados gosavam de honras de alferes, e as ou-
tras patentes davam aos officiaes honras correspondentes ás
de dous postos acima da sua graduação em outros corpos.
E dahi decorria o direito, que tinha o coronel Marcondes ás
honras de general.
A Guarda se compunha de dous batalhões, de um dos
quaes era o nosso conterrâneo commandante.
Depois da abdicação de d. Pedro, em 7 de Abril de 1831,
o coronel Marcondes afastou-se inteiramente da vida publica,
procurando exquecer de uma vez o que se passava no Paço
imperial; e recolheu-se á sua terra natal, onde pretendia viver
o resto da vida, certo de que juncto de sua iliustre e extensa
familia e no meio dos muitos amigos que contava, não lhe
faltariam consideração, respeito e amizade, que era tudo o
que então ambicionava.
Conta-se que, dias depois da abdicação, passou por esta
cidade um official que seguia para S, Paulo, levando offi-
cios do Governo, Foi hospede do coronel, a quem relatou mi-
nuciosamente os successos do dia 7 e a retirada do imperador.
Informado do desastre de d. Pedro, mostrou-se triste e pe-
lyCoogle
HAiniEL MARCONDES DE OLIVHRA E UELLO 501
saroso, observando ao mesmo tempo que era aquillo de
esperar-se desde que havia afugentado de juncto de si os me-
lhores amigos, para entregar-se cegamente aos adversários
do paiz. E accrescentoií, que a d. Pedro, apezar de suas
muitas qualidades de imperante, faltavam moderação e pru-
dência, predicados indispensáveis a quem se propõe a governar
um povo.
No segundo império, o coronel Marcondes £oÍ surpre-
hendido com o titulo de barão de Pindamonhangaba (1856).
Por esta forma procurou d. Pedro II dar testimunhr^
de seu reconhecimento aos serviços que o nosso conterrâneo,
com a maior dedicação e lealdade, havta prestado a seu pae
e ao paiz.
O barão de Pindamonhangaba possuía varias condeco-
rações, entre as quaes as dignitárias da Ordem de Christo e
da Rosa e o offícialato do Cruzeiro, que se considerava dis-
tincção das mais honrosas.
Era filho de Ignacio Marcondes do Amaral, que foi du-
rante sua longa vida capitão-mór da nossa villa, em que
nascera ; era neto de António Marcondes do Amaral, o tronco
da grande família actualmente disseminada por todo o paiz.
Este António Marcondes, s^;undo informações colhidas pelo
barão Homem de Mello, em assentos existentes no archivo
da thesouraria de Porto Alegre, < era filho de Dionysio Mar-
condes e sua mulher d. Maria Vieira, moradores na ilha de
5. Miguel, reino de Portugal, o qual tinha sido mandado ao
Brasil, como mestre da sumaca S. Boaventura, trazendo
casaes e soldos de Dragões, um conto de réis da Real T'a-
zenda e 22 barris de gerebita ; e por que sof f resse naufrágio
nas praias do Bujurú, ficando salva a tripulação, depois de
arrecadadas as mercadorias, intemou-se pelo Brasil, e veio
estabelecer-se afinal nesta localidade > .
Nasceu o i" barão de Pindamonhangaba em 1780,
Foi casado em primeiras núpcias com d. Maria Justina
do Bomsuccesso, filha do capitão Custodio Varella Lessa
(barão de Parahibuna) o mais rico fazendeiro do nosso mu-
nicípio.
Enviuvando, casou-se mais tarde com d. Maria An-
gélica da Conceição, de importante familia de Jacarehi.
,dbyGoogle
$03 BEnSTA DO INSTITUTO WBTOUi»
O ultimo quartel da vida passou na terra onde nascera,
longe dos negócios públicos, mas sem nunca ter cedido das
honras e prerogativas, a que lhe davam direito seus títulos
nobitiarchioos.
Vendo em seus ascendentes provas de fidalguia e de no-
breza, entendendo dever honra-los, cercando-se de verdadeiro
fausto e de grandeza, como suppunha exigir a posição que
pretendia occupar entre os seus concidadãos.
Senhor de grande fortuna, poude facilmente realizar esse
ideal.
Effectivamente, desde sua mocidade vivia em sua villa,
como verdadeiro fidalgo. Já nesse tempo possuía carro ti>
rado por bellas parelhas só para conduzi-lo ás festividades
e reuniões, que em sua terra se effectuavam e â!s quaes se:
dignava honrar cora seu comparecimento.
Os criados que então o accompanhavam, conforme a
moda da Còrtt!, vestiam calções e usavam chapéo armado.
Em sua residência teve á honra de, por varias vezes,
hospedar com verdadeira sumptuosidade o imperador Pedro
I* e sua comitiva, e desempenhou esta tarefa sem precisar
recorrer a extranhos. Quer dizer que tinha á mão todos os
recursos para receber e obsequiar as pessoas, que por ventura
o procurassem, mesmo que tivessem direito a hospedagem
principesca .
De facto, o que havia de mais fino em linho e seda en-
contrava-se nos guarda-roupas de sua residência. E por-
cellanas, crystaes e pratas para banquetes, ninguém possuía
de mais gosto e mais riqueza. Sua nobre casa correspondia
exactamente ao tractamento fidalgo de seus donos; guarnecida
de finíssimos moveis, nella não faltavam objectos de arte que
a ornamentavam.
No meio deste fausto, que deveria ser difficil de man-
ter-se, vivia o barão de Pindamonhangaba em companhia de
seu ermâo e amigo, monsenhor Marcondes. E muito satis-
feito, porque todos o estimavam e respeitavam.
A's grandes solennidades religiosas comparecia sempre,
e sempre rodeado de aparatei, que bem se pôde imaginar.-
Abotoado em sua casaca de veador, toda recamada de bor-
«byCoogle
KANOEL lURCÚNDBS DB OLITEUU B IfELLO SO3
dados de ouro e cingindo longo espadim, occupava logar re^
servado juncto ao altar-mór.
Alguém, ignorando o que era a sociedade de ent&o, poderá
considerar extravagante e ridículo esse modo de vida, que na
actualidade nos parece muito fora de propósito.
Mas é preciso considerar que o povo desse tempo dava
a maior importância ás exteríorídades, parecendo-lhe que
03 homens valiam mais por aquillo que ostentavam, do que
por sua capacidade moral. Questão de tempo e de costumes.-
Basta lembrar que pessoas de tractamento não saíam á
rua sem ser de chapéo alto, e que vereadores da nossa Camará
Municipal tinham por dever rigoroso comparecer ás sessões
encasacados. E tudo assim é. Haveria nada de mais extra-
vagante que o uso de cabelleiras empoadas e de rabicho, com
que, enfiados em calções e sapatos de fívella, ainda no tempo
da Independência, se apresentavam em público os altos f unc-
cionarios ?
O que é verdade é que todos achavam muito natural e
ninguém deve poder suppo-lo um aristocrata intractavel e
coronel Manuel Marcondes de Oliveira e Mello, primeiro
barão de Pindamonhangaba, na terra de seu nascimento e
no meio de amigos e parentes.
Mas é preciso notar que, vendo-o no meio desse fausto,
ninguém deve poder suppo-lo um aristocrata intractavel e
presumpçoso. Comprehendia muito bem que nenhuma incom-
patibilidade havia entre a verdadeira fidalguia e a urbanidade,
e por isso tractava, a quem quer que fosse, com toda a consi-
deração e cortezia.
O barão de Pindamonhangaba era um homem bom, na
significação da palavra. Foi sempre inimigo de luctas pessoaes,
e quando se contestavam seus direitoí, referentes a interesses
individuaes, não punha dúvida em ceder, para prevenir ca-
prichos e paixões. Nunca em sua vida precisou recorrer ao
poder publico para resolver uma pendência, que lhe dissesse
respeito. Era sobretudo respeitador da lei, a qual com a maior
satis facção se submettia.
Apezar da importância que gosava, não consta que,
em qualquer tempo, se aproveitasse de sua posição para ex-
ercer vinganças ou para melhorar a sua fortuna.
byCoogIe
S0i4 RETISTA 00 INSTITUTO BtSTORTCO
Em sua vida nunca negou o seu concurso para os melho-
ramentos, que podiam redundar em proveito do publico. Em
seu testamento deixou importante le^do para o. estabeleci-
mento de uma Casa de Misericórdia nesta cidade. £ a que
ainda existe, e na qual são tractados os pobres da localidade,
foi adquirida com o dinheiro que elle le^ou á pobreza.
Falleceu o coronel Manuel Marcondes de Oliveira e
Mello, 1° barão de Pindamonhagaba, nesta cidade, a 6 de
Agosto de r863.
Como se vê, soube elle honrar a terra em que nasceu,
destacando-se nobremente em importantes acontecimentos da
nossa Historia. E isto que para a nossa cidade deve constituir
um glorioso património não pôde, não deve cair em exque-
cimento. Si seus parentes não se descuidam de guardar com
carinho e respeito estas lembranças, devem também seus con-
terrâneos sentir prazer em recorda-las, pois as honras alcan-
çadas por aquelles, a cujo lado nascemos, não deixam de
reflectir sobre nós todos, a quem muito pôde aproveitar o
exemplo suggestivo de uma vida honrada e nobre.
,dbyGoogle
DAS ARTES PLÁSTICAS NO BRASIL EM GERAL
E NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO EM PARTICULAR
(CDRSO, EM CINCO LICçOeS, PROFESSADO NO INSTITUTO HISTOItlCO
E CEOâRAPaiCO BRASILEIRO)
Dr. Ernesto da Cuniu de Araújo Viana
,dbyGoogle
.ibiGoogle
Das Urtes plásticas id Brasil em geral
e na cidade do Rio de Janeiro em particular
CENSIIAI,IDADES KELATIVA5 As ARTES PLÁSTICAS NO BRASU;
Sr. presidente do Instituto Histórico e Gcographico Bra-*
sUdro.
Meos senhores.
Sinto-me abalado em falar no Instituto Histórico, abaladd
e commovido por motivo de ordem tão intima, que, só fazendo
violência ao meu temperamento, impeço de correr o pranto
de uma saudade, que, quanto mais os annos passam, mais
profunda se toma em meu coração reconhecido,.
Relevará esta expansão, sr. presidente, v ex. cujo áureo
traço de character foi sempre de encantadora e extremosa
dedicação filial...
Aos meus 63 Maios, cabe-me a honra de, pela primeira
vez, tomar a palavra no seio do Instituto Histórico, da egrégia
associação que teve durante largos annos como seu presi-
dente Cândido José de Araújo Viana (marquez de Sapucahi)
meu avô paterno, meu s^^ndo pac, porque do primeiro (*)
fiquei orpham aos nove annos incompletos. No lar tranquillo de
meus avós, os marquezes de Sapucahi, onde nasci e me edu-
quei, juncto dos incessantes desvelos de minha
sempre carinhosas e justas referencias ao InstÍtut(
ambiente de modéstia e sabedoria que aprendi a
{') o doaior mt Ifcdiciat Enitito AufUito de Aiknjo ^^m
D,3t,ZBdbyGOO<^le
ífX RPnSTK DO INSTITUTO HISTÓRICO
venerar o Instituto Histórico. Não poderia, portanto, deixar
de acudir ao seu chamado para a tarefa do curso, que inicio.
Constará etle de cinco licções, occupando-tne na de hoje
apenas de generalidades sobre as Artes plásticas no Brasil.
Tractareí do assumpto com mais desenvolvimento,
quando, nas subsequentes licções, o particularizar na cidade
do Rio de Janeiro.
Passo a cumprir uma ordem, que como tal devo consi-
derar o convite do sr. presidente do Instituto.
Meus senhores.
As Bellas-Artes, segundo classificação moderna e accei-
tavel, abraçam em synthese duas cat^orias:
I.' Artes estáticas ou plásticas;
2.' Artes dynamicas ou de movimento.
As da primeira categoria são: a Architectura, a Esaã-
piurtí e a PinturO;, as respectivas derivadas, subordinadas e
annexas. Pertencem á segunda categoria: a Poesia, a Musica
e a Eloquência.
A dança, que impressiona pela vista e pelo ouvido, houve
íjuem a considerasse Arle plástica animada, a estatuária viva
íe movimentada.
As Bellas-Artes da primeira cat^oria farão consequcnte-
hiente o objecto do nosso curso.
A Architectura, ao mesmo tempo arte e sciencia, subor-
dina a matéria inorgânica ás formas rigorosamente geomé-
tricas, e se rf^e pelas leis da estabilidade e da ornamentação.'
São suas annexas: a arte dos jardins, o mobiliário, as artes
decorativas ou artes menores, e também a Esculptura, a Pin-
tura; enfim todas as artes plásticas.
A Architectura é arte independente por exceUencia; é
uma arte de Estado.
A Esculptura imprime na matéria lenhosa, na matéria
morta, na matéria inorgânica, as formas da vida. As mais
importantes de suas subordinadas são: a Glyptica (gravura
de medalhas), a Numismática, a Ourivesaria, a Cerâmica, a
Vidraria, a Panóplia e a Indumentária.
A Cerâmica e a Crystalaria auxiliam também a Pintura.
A Pintura é a Bella-Arte, que, por meio de linhas, cores
e matizes, simula, em uma mesma superfície plana, as trez
,dbyGoogle
DAS ARTES PLÁSTICAS NO BRASIL 509
dimensões do espaço. Delia se derivam : a Agua-forle, a Tape-
taria, o Mosaico, o Esmalte, a Paleographia, a Calligraphia, a
Diphtnalica, a Miniatura e a Heráldica.
Consideram hoje subordinadas á Pintura as artes me-
nores: a Lithographia, a Photographia, o papel de forrar
muros e os tecidos de toda sorte,
A Pintura tem géneros, e estes podem se executar por
diversos processos.
Está na consciência dos que comprehendem o sentir quão
elevada é a missão social das Bellas-Artes, que educam o
homem, o tornam bom, despertam e fortalecem o patriotismo..
Os characteres das Artes distinguem epochas e escholas.
A Historia, mas a Historia não hyperbolicamente admirativa
ou esbabacante, a Historia, com documentos comparados,
ensina quaes as formas do todo e das particularidades que
cada povo, desde afastados tt^pos, collocado em condições
determinadas, deu ás producções artisticas. E isso como con-
sequência do temperamento ethnologico, do clima, dos re-
cursos moraes, da respectiva civilização, das necessidades,
especiaes, e, finalmente dos costumes.
O historiador de Artes plásticas deve conhecer e tomar
por base de sua narração, simples ou philosophica, a evolução
do ornato, estudado em suas formas geométrica e sentimental .
Os artistas, desde os primeiros ensaios, não o gravaram,
não o esculpiram, não o pintaram, discrecionariamente . Com
a crescente cultura intellectual, a serie decorativa se cingiu
a linhas entrelaçadas a principio, ou não; a essas linhas se
s^uiu a imitação de accidentes do rosto humano, até á folha
ou á flor, que indica estado adeantado de cultura.
Não se comprehende historiar Artes plásticas, sem aquella
exigência, para não se reduzir a Historia a emmierações,
relações chronologicas ou descripções de monumentos, de es-
tatuas ou de quadros, precedendo-as ou intercalando-as de
commentarios encomiásticos. . .
A Arte plástica humana teve, no ornato gravado, a sua
primitiva manifestação.
No Brasil os primeiros ensaios, as timidas e grosseiras
tentativas de Arte occidental, não se fizeram em linhas de edi-
ficação, nem na Estatuária, nem na Pintura, e sim na escul-
Coogle
5 IO RETBT* no DWHTDTO mSTOMCO
ptura de ornatos de altares e banquetas das toscas capellas
da cathechese, levantadas pelos virtuosos padres da Companhia
de Jesus, os mestres de aborígenes que foram o9 primeiros
entalhadores. E' o que se deduz do estudo das chronicas.
Mostrarei, quando me occupar das phases artísticas da
cidade do Rio de Janeiro, a influencia do ornato, resultanifo
do temperamento ethno1<^co dos colonizadores, e da prefe-
rencia e acciimatação naturalmente dadas aos systemas archi-
tectcmicos e decorrentes estylos decorativos em v^a na me-
trópole.
Por transformações passaram os diversos modos de
c<»istrucção e as várias maneiras de ornamentar, conforme as
revoluções rel^osas e políticas, as invasões e immígrações,
que acarretam novas e imprevistas necessicbdes.
Pelo estudo da doctunentação artistica, atravez dos povos
e das epochas se observa o facto que, dos diversos elementos
míxturados com os systemas e estylos dominantes, surge
sempre novo aspecto, embora em nada original, desde que se
proceda á analyse attenta dos characteristicos, mas que, por
convenção, passa a constituir estylo, ganha supremacia, segue
curso e acaba por attingir a derradeira phase.
Nada mais interessante do que historiar a Arte no Ocd<
dente até á epocha do descobrimento e colonização portugueza
em nossas terras. Exige, porém, a matéria desenvolvimento
superior aos limites do nosso curso.
As Artes plásticas no Brasil abrangem dous grandes
aspectos geraes: o prehístorico ou oriental, e o histórico ou
Occidental .
O primeiro se acha por estudar profundamente, apesar
das importantes investigações, constantes dos Archivos do
Museu Nacional^ e dos trabalhos de Ladislau Netto Ca-
panema, Hartt, Herculano Penna, Couto de Magalhães,
Charles Wiener e outros. Não faltam elementos para estudos
dos objectos encontrados: nos sambaquis do nosso littoral,
especialmente em Santa Catharina ; na epigraphia hiero-
glyphica ou symbolica descoberta em rochedos de nosso terri-
tório e nos escarpados dos valles dos nossos grandes rios,
especialmente os que regam a região amazonica, e na estação
funerária de Marajó, da qual Ladislau Netto fez recoosti-
«byCoogIe
.DA? ARTES KUnCAS NO BRAUL $11
tuição graphica com a fornia do jaboti, animal sagrado entre
aborígenes, cujas lendas Hartt narrou e foram publicadas
nos citados archívos do Museu, assim coma a theoria sobre
a gF^ ornamental lançada por esse naturalista.
Não deixarei também de alludir, de passagem, e apenas
em attenção á memoria de André Rebouças, ás suas cogi-
tações insertas na Revista do Instituto Polytechnico Brasi-
leiro, a respeito da hypothese polygenica de Edens, aliás
inadmissível, que o notável engenheiro e sociólogo imaginou,
pittorescamente applicando-a á formação dos primeiros nú-
cleos humanos no Brasil.
A estação funerária de Marajó lembra monumentos de
povos da America, extinctos e de origem ignorada, quaes os
dos mounds-bUders, estudados por archeol<^s americanistas.
Os mounds, conforme desenhos da obra de Crottal,
além de alguns apresentarem formas de sólidos geométricos,
(Mitros as têm de animaes. E' celebre o mound da Serpente,
em Ohio, nos Estados Unidos. A secção de Archeologia do
Museu Nacional possue objectos gravados e pintados, nelles
notando-se morphotogia linear e humana. Nos traços e colo-
ração revelam oríentalismo.
Confirmarão eguabnente a suspeita ethnographica alguns
artefactos de aborigenes e a tatuagem, não exquecendo as
conhecidas cuias, que para mím parecem um charão ingénuo e
grosseiro.
O aspecto prehístorico, que reclama successivas e demo-
radas investigações, deve pertencer a tmia Archeolc^a, infeliz-
mente ainda não constituída, nem disciplinada. . .
No aspecto artístico occidental existiu a sabida phase
hollandeza, no Norte do Brasil, aliás interessantíssima, porém
mais do domínio da Historia Geral politica ou de informações.
Não se perpetuaram (pelo menos não conheço nenhum),
sobre o solo documentos de Artes plásticas, que influíssem na
civilização implantada no paiz. Relativamente a esta phase,
puramente histórica, ha escriptos luminosos dos srs. Oliveira
Lima, Pereira da Costa e Souto Maior.
O nosso programma refere-se especialmente ás Artes
plásticas no Brasil português e no Brasil independente. Foi
lyCoogle
512 REVISTA DO INSTITDTO BISTORICQ
a civilização da metrópole a vencedora, continuada e cultí<
vada até hoje, embora não tenham faltado attentados até
contra as tradições da nossa vemaculidade porti^ueza. . .
Portugal, ou melhor ainda, toda a Península Ibérica
recebeu e acclimou, como seus, os modos de construcção e
os estylos decorativos, emigrados de Itália, depois da epocha
brilhante do Renascimento, guando artistas celebres quasi
deliravam em composições curvilíneas, complicações ornamen-
taes, entrando a concha, a rocalha, o rústico, e perdendo a
architectura exterior a feição harmónica de suas linhas com
os tumultos ornameotaes dos interiores. Desenvolvi este
ponto em conferencia, que a respeito das Phases da Archi-
tectura no Brasil fiz, em Dezembro ultimo (i), na Bibliotbeca
Nacional .
A colonização portugueza coincidiu com a epocha do en-
thusiasmo pelos modos e estylos do barroco.
A Arte estava ao serviço da Religião ; consequentemente
os templos foram os primeiros a receber aquelles influxos,
que perduraram, e só muito mais tarde passaram á edificação
civil. Appareceu então, progressivamente, a Sumptuária nos
interiores das casas, em seu mobiliário, na Indumentária civil,
nos vehiculos de transporte.
Nos interiores das casas; em seus tectos, na carpintaria
e marcenaria das esquadrias dos batentes das portas e janellas ;
nos respectivos caxilhos envidraçados; nas clarabóias; na
serralheira das fechaduras das portas e bahás a rivalizarem
com as das egrejas e conventos; no emprego do luxuoso da-
masco a substituir tapeçarias na forraçao de paredes dos
salões nobres; nas lâmpadas, nos espivitadores, nos foga-
reiros defumadores, nos castiçaes, nas palmatórias, tudo de
prata ou de casquinha simulando este metal; nos lustres de
velas, dourados, com pingentes de crystal para a irização; nos
azulejos historiados ou não, hoUandczes ou portugueses, a
vestirem barras dos grandes saguões, corredores, e casas de
jantar; nos leitos e suas colchas de seda oriental; nas arcas,
nos armarias, nas mesas e cadeiras do nosso jacarandá e do
mogno importado; nas baixelas de pratq, com brasões ou
<i) Conlcrcncia ícaliitds a i6 d< Dciembio de i
,dbyGoogle
DAS AllTES PLÁSTICAS KO URASIL 513
iniciaes gravadas á guiza de monc^rammas ; finalmente na
loui;a (ta Inclia, e generatizarain-se jardins characteristicos nos
grandes solares.
Resumindo direi que até 1817 o modo exclusivo de
construir, quanto ás linlias systeniaticas e o estylo decorativo,
quanto aos ornamentos, representam producto sincero e uni-
forme do sentimento nacional, reflexo artístico dos séculos
XVII e X\'III da metrópole. Longe estava a anarchia do
século XIX !...
Para o demonstrar basta que se percorra o Brasil, co-
meçando da Bahia, e observar o que se executou desde as
humildes capellas, com as incorrecções desculpáveis, até aos
grandes templos definitivos da cidade de S. Salvador, os de
Minas Geraes, S, Paulo, Parahiba do Norte, Pernambuco,
Pará e os da cidade do Rio de Janeiro.
Si me fosse possível destacar exemplos concretos, mos-
tra-los, veriam que, constantemente, com pequenas dífferenças,
por conveniência económica, a architectura exterior em geral
de alguns edifícios religiosos tem infallívelmente as formas
jesuíticas, e â de outros as linhas de rococõ; e no interior
a sumptuária de Burromini na talha mural, nos aliares, nas
balaustradas; nas molduras de quadros e espelhos, nos ar-
caces, nas mesas, nos bancos, nos púlpitos, nas banquetas dos
allcSres, na ourivesaria de prata em castigaes, lâmpadas, lam-
padários e em outros objectos do culto.
As velhas egrejas constituem verdadeiros museus de
Archeol<^ia artística. Muitos trabalhos contemplados são da
lavra, infelizmente, de artistas anonymos
S. Francisco na cidade de S Salvador; 5'. Francisco
em Ouro Preto; S. Francisco em S. João d'EI-Rei ; S . Fran-
cisco na Parahiba do Norte ; algumas egrejas do Recife e
Olinda ; de Alagoas, do Maranhão e outros estados ; S. Bento,
S. Francisco da Penitencia e outras da cidade do Rio de
Janeiro, possuem trabalhos inestimáveis: em Esculptura de
ornatos, em Estatuária, mesmo em Pintura, em Ourivesaria,
em miniaturas, em documentos paleoyraphicos e em Arcbeo-
logia campanário.
Em obras de relevo sobresaeni as dos precur.wres, dis-
cípulos e contemporâneos de Chagas (o Cabra) na Bahia; as
s' ^^.oogle
SM REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
de António Francisco Lisboa C» Aleijadinho) e discipulos
em Minas Geraes; e as de Valentim da Fonseca e Silva
(mestre Valentim), seus discipulos e contemporâneos nesta
cidade.
Do Aleijadinho, em Minas (.cuja biographia publicou 3
Revista do Archivo Publico Mineiro em 1896), ha mara-
vilhas em madeira e pedra. Esmerou-se o artista no con-
cheado, nas folhas, nos curvilíneos, nas volutas; é de admirar
a estatuária, extasia a massa tfecorativa, an synthese e nos
pormenores, das egrejas de Ouro Preto e S. João d'El-Rei,
Lisboa (o Aleijadinho) fallecido a iS de Novembro de 1S14
e Valentim (mestre Valeatim) fallecido em i" de Março
de 1813, ambos Mineiros e mixtiços, considero os maiores
artistas do século XVIJI no Brasil; o que penso ser hoje
corrente, ou de facillima prova com documentação compa-
rativa.
Nos tempos coloniaes cultivaram a Pintura, a principio,
artistas quasi auto-didacticos, e, apesar das difficuldades do
ambiente, muito se exforçaram: não lhes foi fácil trabalhar.
Mas á medida que augmentaram os recursos, redobraram em
exforços, e alguns chiaram a attingir incríveis perfeições
de colorido e perspectiva em quadros pintados nesta cidade.
Adstrictos a assumptos religiosos, escasseou, na maioria
dos nossos pintores coloniaes, originalidade nas composições ;
poucos se entregaram ao género "do retrato e da paizagem,
outros fizeram apenas decorações de claro-escuro.
E' vezo formarem, a respeito de muitas das obras de
arte coloniaes, juízos ou conceitos systemattcamente admi-
rativos, quanto á invenção e lechnica, e com a maior facilidade
classificam de obras sublimes a meros ensaios ou tentativas,
aliás resultados de louváveis exforços, deante da relatividade
do meio e dos meios. . .
Citam na Bahia José Joaquim da Rocha, fundador de
ama eschola de Desenho, e seus discipulos; em Minas, José
Joaquim Viegas, que cultivou o retrato e teve discipulos,
A evolução histórica da Pintura colonial nesta cidade,
conheço pelo estudo e observação deante dos oríginaes.
Auxiliava á Esculptura decorativa outro elemento lindo
e precioso, a cerâmica historiada nas barras de oaves, capellas
■hyCOOJjíIC
BRASIL SI 5
mores e recinclos claustraes. Azulejos primorosos existem
ainda em egrejas e mosteiros nos Bstados e na cidade do Rio
de Janeiro. Os do claustro de S. Francisco, em S- Salvador
da Bahia, são dignos de inen(;ão (2) .
A construcção dos ediíicios, enriquecidos posteriormente
com obras de arte, teve a sua infância; mas... curioso e
lógico, o que é natural, foi o encadeamento, conforme os
recursos desde o pão a pique das capellas choças, desde o
uso da taipa, dos adobes, da alvenaria de pedras seccas, de
alvenarias de pedras argamassadas com cal, da cantai^a,
augmentando gradualmente a solidez, até ás paredes de exces-
siva espessura e secular resistência, rfypos dessa solidez
espantosa «xempltf içam : os muros e abobadas de vetustas
egrejas, conventos, fortificações e de algumas velhas pontes
dormentes.
Na especialidade lenhosa das construcções se observou
similhante encadeamento. O primeiro official, da respectiva
profissão elementar, foi o carpinteiro que preparou a grande
Cruz inicial e armou o altar da Primeira Missa, missa re-
constituída na celebre tela de Victor Meirelles, na qual os
contrastes da indumentária do conquistador portuguez, do
seu séquito, com o sitio agreste descoberto, e a multidão
aborígene surprehendida, compõem um scenario de elevada
emoção histórica.
Os madeiramentos passaram por todos os systemas, a"
começar pelo emprego dos páos rústicos como vinham dos
mattos. Os forros dos tectos de coberturas apparec^am
depois do muito uso da telha vã, á guisa do estylo latino da
primitiva Architectura christã.
O facto do Descobrimento lembra immediatamente a
carta de Pêro Vaz Caminha, verdadeiro monumento tfa nossa
Paleographia. Em estudos comparativos paleographicos, refe-
ridos em curso publico do Pedagogium em 1903, deante de
projecções luminosas, mostrei o facto da escripta de 1500
se assimilhar com a castelhana, naturalíssimo, mas contendo
interessantes traços exclusivamente lusitanos. O livro his-
(1) Na cidadã do Rio do Janeira ha ainda iiaca contemptar velhos aiulejoi
■u egrelas da Gloria do Ouicíro, de Sancti Cruz (antiga Faitnda Impcríatl e
da PeuiH de Jacuípasuí.
.ibiGoogle
5t6 REVISTA DO INSTITDTO HISTÓRICO
panhol que me ser\iu de guia e mestre nesse assumpto data
de 1870, e tem por titulo : Escola de lêr cursivos antigos e mo-
dernos desde a entrada dos Godos em Hespanha até nossos
dias, por André Merino de Jesu Christo, religioso professo
das Escholas pias da província de Castella.
Bibliothecas, conventos, archivos de irmandades, ordens
terceiras, archivos officiaes, guardam preciosidades paleo-
graphicas e calligraphicas, onde ha muito a estudar, a com-
parar e a decifrar. Algumas são miniaturas e illuminuras de
valor artístico.
Vi, algures, no Convento do Carmo desta cidade, lindos
exemplares de graphia attribuida a frades do Pará, de 1721
e 1730. Constavam de frontespicios e letras iniciaes dos
cânticos e hymnos com molduras, guarnições e demais orna-
mentos, bem desenhados, imitações bysantínas e gothicas,
com as cores admiravelmente conservadas.
Quanto á Epigraphia, arte que se subordina á Pintura e
é annexa á Gravura, possuímos bellissimas e characteristicas
lapides tumulares nos cemeteríos claustraes, e ínscripções em
carteias de obras publicas, principalmente em chafarizes colo-
niaes, nesses edifícios de feição calma e bondosa, os quaes
na Archeologia das cidades brasileiras retratam a historia
da formação da nossa sociedade civil e documentam serviços
da administração.
Em uma aquarella, pintada na Bahia pelo fallecido ar-
tista Henrique Fleiuss, pae do digno secretario perpetuo do
Instituto Histórico, e que, no Rio de Janeiro, prestou valioso
concurso technico ás artes graphicas, fiquei conhecendo, na
paizagem de um pittoresco, inédito, a forma de velho cha-
fariz bahiano, no qual se destaca um golphinho na parte mais
alta.
Os competentes consideram as ínscripções chrístans
classe importante da Epigraphia.
Os Romanos transmiti iram aos povos occídentaes a
epigraphia latina, gravada ou em relevo, nas legendas hono-
rificas, nos edifícios, nos sóccos, nos pedestaes das estatuas
ou monumentos, nos túmulos, nas medalhas, nos escudos, em
divisas, carteias, bandeiras e estandartes. No Brasil, onde
o latim, durante muito tempo, se ensinou e se aprendeu com
lyCoogle
D\3 MITFJ plástica!» NO TIRASIT. 51?
seriedade, as inscripções e legendas latinas generalizaram-se,
o que hoje se faz excepcionalmente.
Não conheço lingua mais synthetica e de maior utilidade
decorativa do que a latina.
A Epigraphta muito auxiliou a Arte campanaria. Na
Europa, ha alguns annos, os sinos figuravam, nos prc^ramnias
dos estudos archeologicos e históricos, apenas como titulo
do mobiliário ecclesiastico . Depois da publicação de Henri
Jadart, em 1884, a respeito do celebre sino de Reims, foi
que, entre os eruditos technicos, a matéria despertou interesse
histórico e artistico. Fundou-se então a Archeologia cam-
panaria, cujo melhor tractado é de Berthelé.
E' assumpto de apparencia simples, mas que entretanto
elucida pontos de importância histórica.
Portugal importou sinos para quasi todas as nossas
egrejas, poucos se fundiram no Brasil , Nelles se notam eras
em relevo, ornatos, armas e symbolos. Em templos desta
cidade dobram sinos seculares, aos quaes attribuem chronicas,
algumas somente por tradição oral transmittidas .
Os characteres no bronze dos sinos indicam que a Epi-
graphia campanaria accompanhou bem de perto o que os con-
temporâneos fizeram em carteias e nas lapides tumulares.
Nas artes menores, ou artes applicadas, excluindo por
completo os artefactos dos aborigenes, sobresaem pela origi-
nalidade ; a arte chamada catharínense, a joalharia e os tectos
rústicos de Minas Geraes, as indumentárias rio-grandense e
bahiana, e finalmente o lindíssimo tecido que vulgarmente
nomeiam de : — Rendas do Norte.
A arte catharínense se poderá dividir em duas cat^orías :
a mural e a applicada a objectos de mobiliário. A primeira
consiste exclusivamente de mosaicos de conchas, escamas de
peixe e de pennas, e a segunda de vários objectos, quaes pe-
queninos leitos decorativos e Joías com caramujos.
O mestre em bonitas composições foi o illustre Catha-
rínense Francisco Xavier Cardoso Caldeira (o Xavier dos
Pássaros) fallecido em 1810, o qual com Francisco dos Santos
Xavier ( o Xavier das Conchas) que segundo o sr. Henríqi
nque 1
■ Coosle jM
J
5(8 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Boiteux (3), aprendeu a especialidade em Sancta Cãtharína,
auxiliou a mestre Valentim nas ornamentações dos pavilhões
do Passeio Publico.
Na joalharia de Minas Geraes a originalidade está no
emprego do coco estriado ou' lapidado, como as antigas jóias
inglezas de carvão de pedra.
Os tectos rústicos, que observei em modestissímas habi-
tações de arraiaes, em Minas Geraes, reduzem-se a esteiras
compostas de varas de taquara caprichosamente trançadas,
resultando um tecido forte. Os trançados geram figuras re-
ctilineas, tangentes e seccantes, enfim uma espécie de mo-
saico, tosco e grosseiro na verdade, mas em não poucos ha
desenho espontâneo. Quem sabe qual será a evolução desses
tectos nas habitações campestres?
Nas artes applicadas á indumentária tndigena são typicos :
a sumptuária do trajo completo do gaúcho e a do vestuário
das mulheres bahianas de cõr preta, nos dias de tafularia em
sua terra natal. Estas duas indumentárias fornecem matéria
de Ethnographia comparada e themas pittorescos para quadros
de costumes.
Não poderei exquecer as redes, evolução aborigene, que
serviram e ainda servem em certas localidades de meio de
transporte e até de féretros transitórios para cemeterios de
Ix>voaçÕes ruraes. Pertencem hoje mais ao mobiliário pro-
vinciano, como leito ou movei de descanso. Fabricam-se lu-
xuosas, com malhas, crivos, franjas, listas coloridas e com
vários enfeites ingénuos ou imitados.
Chanfrando cantos de varandas abertas das nossas habi-
tações de campo, a rede, além do conforto, que proporcionará
áquelles que a apreciam por esse lado, será nota decorativa
Complementar. Assim saibam escolher o typo e adopta-lo no
ponto mais conveniente do compartimento...
As belHssimas rendas de bilro, tecidas especialmente nos
Estados do Norte, constituem outra especialidade indígena de
Arte applicada.
Na historia universal das rendas artísticas se dividem
estas em rendas de aqttlha e rendas de bilro.
XaviíT <Jo5 Passart», no «Jornal do Conunercío», de 1
oglc
DAS ARTE3 PLÁSTICAS NO BRASIt glÇ
'' O crivo (ou labyrintho) incluo naqiiella categoria, porque
e com agulha que elle se completa.
No Brasil, do mesmo modo que na Bélgica, na Itália ou
na França, tecem outra espécie, a cotijuncta — isto é, parte
feita a agulha e outra a bilro. Ha bonitas variedades desta
espécie, fabricadas em Alagoas, no Ceará e no Maranhão.
Fiz estudos demorados a respeito das rendas, estudos
que em resumo publiquei no Brasil Artístico (4) .
No Norte do Brasil usam das linhas de novello, de car-
retel, de meadas, de algodão, linho ou seda, e também do fio
extrahido da fibra da palmeira tucum, fio comparável, na
finura e resistência, ao do algodão de Alcântara no Maranhão
ou ao do Egypto. Tecem também rendas com fios da bana-
neira .;
A arte da renda é bella « feliz applicação do Desenho ao
trajo e a accessorios do mobiliário. No século XVIII, em
plena tyrannia da rocalba, tiveram culminância as rendas de
bilro. Inventaram-se desenhos originaes. Para o trajo femi-
nino, vaporoso, de fazendas diaphanas e transparentes, se
adoptou feitio apropriado ao emproo do novo ornamento;
primorosas composições cobriram então de prestigio as rendas
de bilro !
A renda de bilro, que começara modesta e timtda, a
principio estreitinha, a orlar somente roupas brancas, afinal
se tornou na Europa tão preciosa como a da agulha.
As primeiras mestras em rendar, vindas de Portugal
para o Brasil, aprenderam com rendeiras de Puy, em França.
Penso não soffrer duvida, estudando-se as phases do
tecido, que o primitivo ensino, em Hispanha, Portugal e Ame-
rica, foi devido ás mestras ou discípulas de Puy. A industria
artística é peculiar ás localidades portuguezas ao longo da
costa, facto que se observa também no Brasil.
A's rendas do Norte mais apreciadas chamam de rendas
do mar ou da praia, isto é, as tecidas no littoral.
As artisticas rendas brasileiras, conforme a classificação
das rendeiras do Norte se dividem: 1°, de cordão, quando ha
um fio mais grosso a formar desenhos com os mais; 2" de
(4) Revista tlnl.ycío de Artíi t Olliciol. Vt A. Nolicia >, poUlquci
lyCoogle
530 REVISTA CO INSTITUTO HISTÓRICO
panno, quando os fios são todos eguaes, e dos desenVios re-
sultam espa<;os quasi tapados.
Variam os desenhos, nem sempre originaes. Quanto á
nomenclatura nortista, chamam de bico ou ponta as que no
Rio de janeiro chamamos renda; e o que denominamos de
entremeio, intitulam de renda. Dizem : renda de bico ou ponta,
e renda de entremeio. Ha tecidos que rivalizam com a mellibr
guipure franceza.
Antes de 1816 não existiu no Brasil ensino official de
Bellas-Artes. Foi o notável estadista conde da Barca (An-
tónio de Araújo de Azevedo) ministro de d. João VI (rex
fidelissimus, artiutn amantissimus) , quem sug^eríu a este
principe a resolução de fundar no Rio de Janeiro o ensino das
Bellas-Artes: e o conseguiu naquelle anno, mandando o Go-
verno contractar, em Pariz, por intermédio do respectivo
agente diplomático, illustres artistas francezes, de nomeada
em seu paiz.
O decreto de 12 de Agosto de 1816, que está a completar
o centenário, foi o primeiro acto do Governo regulando os
deveres e ordenados dos professores contractados, dando
outras providencias concernentes ao ensino,
E' facto conhecido da nossa Historia, e que se destaca no
fecundo reinado de d. João VI,
As Bellas-Artes a elle se prendem pela phase de transição
do advento da arte neoclássica, que succedeu á da adaptação
creoula, resultando da instrucção official pela preferencia, até
certo ]K>nto opportuna, de exclusivos ensinamentos greco-ro-
manos, ministrados pelos artistas francezes, artistas eminentes
provindos da e|x>cha napoleonica, que em França foi a das
linhas, formas e maneiras do clássico na Architectura, na
Esçulptura e na Pintura,
As Bellas-Artes na cidade do Rio de Janeiro, desde a
fundação do ensino official e em determinados characteres
gcracs dos tempos anteriores, poder-se-hão considerar como
as do paiz inteiro. A irradiação depois se accentuou, devido
Ãquellc ensino com influencia generalizada.
Até então os artistas brasileiros representavam o ideal
dos seus compatriotas, personificavam sinceramente o senti-
mento contemporâneo das Artes plásticas no paiz.
«byCoogIe
DAS ARTES PLÁSTICAS NO BRASIL 531
No Brasil dos vices-reis veremos na cidade do Rio de
Janeiro documentos, que, sem solução de continuidade apre-
ciável, marcam graduações ponderadas, e outros evidenciam
a imaginação crcadora de alguns dos nossos patrícios, os
quaes isolados, longe da civilização da Europa, entregues á
sua própria inspiração produziram obras suas, exclusivamente
suas, na originalidade da traça e ornamentação.
Apesar das influencias do clássico no Brasil do primeiro
imperador, durante o reinado do sr. d. Pedro II, até hoje,
ainda se nota no ornato a primitiva adapta<;ão creoula pelo
atavismo ethnographico dos colonizadores, adeptos dos es-
tylos decorativos do seailo XVIII.
O reinado do sr. d. Fedro II foi para as Beltas-Artes
no Brasil a phase brilhante da pintura de cavallete no género
histórico, no qual jamais tiveram competidores Victor Mei-
relles e Pedro Américo, e no género paizagem Agostinho da
Motta, contemporaneamente áquelles artistas, o precursor de
João Baptista da Costa.
Na epocha colonial no Rio de Janeiro, me apresso em
citar, antecipadamente, na grande arte da Pintura mural, José
de Oliveira que inimortalizou seu nome na composição do
tecto da nossa egreja da Penitencia, e, modernamente, João
Zeferino da Costa, ha poucos dias arrebatado pela morte, na
edade de 75 annos e depois de 40 de um magistério exemplar.
Tradicionalista que sou por educação e convicção, de-
dicado ás Bellas-Artes, as quaes estudo, e cujos prt^ressos
accompanho ha muitos annos, me congratulo commigo mesmo,
por ter merecido a confiança do sr. presidente do Instituto
Histórico, a quem procurarei, quanto em mim couber, cor-
responder no desempenho da incumbência de historiar as
Artes plásticas na cidade do Rio de Janeiro, occupando-me
nas subsequentes licções da sua Architectura urbana e rural,
religiosa e civil, da sua Escuiptura de ornatos e estatuária,
da Pintura, de suas fontes e aqueductos, dos seus jardins an-
tigos, da sua arte funerária, da sua epigraphia religiosa e
civil, da Gravura e das Artes graphicas ao serviço do jorna-
lismo.
,dbyGoogle
DAS ARTES PLÁSTICAS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO — RIO
DE JANEIRO COLONIAL — PERtODO DOS VICE-REIS
Sr. presidente do Instituto Histórico e G«^raphico Bra-
sileiro.
Meos senhores.
Ao principiar as licções particularizadas á cidade do Rio
de Janeiro, um dever se impõe á minha consciência: pre-
cede-las da referencia ao nome de um nosso c<Mnpatriota, a
quem de longa data conheço, desde que cursei o saudoso
Collegio Pedro II, e a quem accompanho na sua vida de ser--
viços a esta cidade, como seu chronista erudito e paciente
investigador de seu passado.
A sua obra de historiographo e reconstructor da velha
Topologia carioca não se pôde medir, nem pesar, tal o seu
valor. , .
Quero me referir, já todos podem prever, ao dr. José
Vieira Fazenda. A preciosa collectanea de seus art^s se-
manaes, n'A Noticia, durante um decennio ou talvez mais
um pouco, constitue um património inestimável.
Alcgra-me vê-lo aqui, desde o inicio do curso, animando-
me com a sua presença.
Outro dever de consciência é render preito á memoria
d'aquelles, que por seus escriptos foram meus guias no co-
meço dos estudos relativos ás Belias- Artes no Brasil. De
Manuel de Araújo Porto-Alegre (barão de Sancto Angelo) os
trabalhos insertos no Osiensor Brasileiro, na Gutmabara, na
Minerva BrasUiense, e na Revista do Instituto Histórico, nas
actas da Imperial Academia das Belias Artes, na qual elle
aprendeu, foi professor e director; de Moreira de Azevedo,
meu mestre no antigo Collegio Pedro II; e de Joaquim Manuel
de Macedo, os seus escriptos históricos, os discursos solennes
do Instituto, os quaes. muitas vezes, tive a ventura de ouvir,
lyCoogle
DAS ARTES PLÁSTICAS HO BRASIL g33
pronunciados com aquella voz canora, com que Macedo com-
movia o auditório selecto, os seus romances, desde a More-
ninha ás Viclimas Algozes, e o seu theatro.
Finalmente não devo exquecer Joaquim Maximiano
Mafra, o velho Mafra, sabedor como ninguém de toda a
historia das Bellas-Artes no Brasil, secretario aposentado e
professor jubilado da Academia e auctor do desenho funda-
mental da estatua equestre de d, Pedro I. Para todas as
duvidas, todos os pontos, obscuros para mim, relativos aos
artistas brasileiros e ás suas obras, encontrei promptos excla-
recimentos em Mafra, que, recebia sempre o seu discípulo de
Desenho da antiga Eschola Central, com prestimosa e bene-
volente solicitude.
Estudaremos as Artes plásticas na cidade do Rio de Ja-
neiro com os governadores, com os vice-reis, com o rei, com
o primeiro imperador, durante o periodo da R^encia, até á
proclamação da Republica.
A Villa Velha, fundada por Estacio de Sá, foi natural-
mente o inicio da Architectura carioca, constituída de choqas
com feitio mixto, aborigene e occidental, choças de toscos
ramos e palmas sèccas algum tanto selvagens, algum tanto
pittorescas, que, pouco a pouco, desappareceram com a mu-
dança da sede da povoação para o morro do Castello.
Vencidos os Francezes que sonhavam com a Henriville
e com a França Antárctica, retira-se Mem de Sá, o governo
passa a Salvador Corrêa de Sá. Começaram as construcçSes
e fortificações.
A egreja nova Sé. a principio de taipa, melhorou e chegou
a cathedral. Posteriormente entrou em absoluto abandono, e
as edificações se dilatavam pela planície ou várzea.
Exhumado o corpo de Estacio de Sá, sepultado na ca-
pella da Villa Velha, os restos mortaes foram trasladadon nara
a nova Sé. Ahi receberam tumulo com lapide 1
epigraphada, a qual ainda sç acha em carneiro da c
mandada construir especialmente em 1863, pel
Pedro 11.
No cimo do morro ainda lá se acham, por
histórica, o tumulo na capella-mór da egreja de S.
e o marco-padrão no cunhal deste templo.
D,3t,ZBdbyGOO<^le
534 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
O marco, padrão fundamental da cidade, é de mármore
IX)rtiiguez ; a sua forma geométrica af fecta o de paralleli-
l)ipedo alongado, de pequena espessura.
Em uma das faces estão em relevo as quinas portuguezas
e na outra a cruz que figurava nas caravellas e galeões dos
conquistadores.
Sobresae na lapide tumular do fundador da ctdáde a
epigrapliia, cujos characteres modernamente procuram, com
vantagem decorativa, reviver em legendas, dtsticlios e títulos
de textos.
Na Peninsula Ibérica sempre predominaram os alpha-
betos grego e romano, ás vezes com variantes devidas a ex-
tranhos. No secuto XVI a cousa chegou a extravagância sem
nome. Não tardaram as inscri|3ÇÒes a revestir forma inintelli'
givel com abreviaturas.
Appareceu a filiação medieval dos characteres conjugados,
uns dentro de outros, formando syllabas da palavra. Assim
a syllaba ca, punham o a dentro do c ; formavam a syllaba ta,
traçando o ( no próprio o. . .
A eptgraijhia da lapide tumular do fundador da cidade i
um exemplo.
O morro do Castello, |X)rtanto, origem da nossa grandi
cidade, considero monumento histórico para o Rio de Janeiro,
do mesmo modo que o território bahiano para todo o Brasil
Não tem faltado entretanto ambiciosos pretendentes ao
arrazamento do morro, o que a realizar-se seria attentar
contra a tradição, contra a historia e direi mesmo contra a
esthetica urbana. Melhorem o morro abandonado, o tractem
com carinho. Porque e para que arraza-lo? Realçam a nossa
cidade a sua belleza e a singular descontinuidade plana. Não
faltam os núcleos de população edificados em terrenos chatos.
Não ha typo mais commum do que o de cidades planas,
nas quaes predomina a monotonia rectilínea, e onde o traçado
geometral jamais poderá evitar a melancholica perspectiva da
linha (Io horizonte, a perder de vista. . . O typo exclusivo da
cidade plana adstricto, pela obcessão rectilínea, aos alinha-
mentos longos e exhastivos, é simplesmente banalissimo. . .
Alludi que a colonização portuguesa coincidiu com a
épocha do enthusiasmo petos modos e estylos do barroco, e
lyCoogle
DAS ARTES PLÁSTICAS NO BRASIL 53$
que a Arte, achando-se ao serviço da Religião, consequente-
mente os templos foram os primeiros a receber aquelles in-
fluxos em Architectura, Esculptura, Pintura e nas artes appli-
cadas. Considero os conventos e velhas egrejas do Rio de
Janeiro, os nossos museus de Arte colonial . Quanto á vetustez
architectonica urbana cito a egrejinlia de Sancto Ignacio de
Loyola, na ladeira da Misericórdia, subida para o Castello,
juncto ao actual Hospital de S, Zacharias, casarão histórico
e jesuítico.
A pobreza de linhas, simplicidade demasiada na con-
strucção e proporções, indicam que não seria essa a egreja
definitiva, eeffectivamente não seria, porque ao lado se con-
servam ainda as paredes e ornatos corinthios do sumptuoso
templo (começado pelos Jesuitas) cujas paredes e recinctos
aproveitaram para o funccionan)ento do Observatório Astro-
nómico. '
Temos alli naquelles trechos, por concluir, admiráveis
lavores em pedra documentando a pericia dos escuiptores, e a
reclamarem memoria technica de Archeologia sobre o typo de
resistência das alvenarias, sobre o plano do templo, em cons-
trucçào, sobre a interpretação e execução dos ornatos .
Si fosse possível destacar exemplos concretos, mostra-los,
veriam constantemente que, com ligeiras differenças, decor-
rentes da respectiva conveniência económica, a architectura
exterior dos antigos edifícios religiosos, affecta: em algumas
egrejas, infallivelmente, as formas jesuíticas nas fachadas; e,
em outras ^rejas, as linhas do rococô.
Nos interiores, porém, é empregada a sumptuária de
Borromíní, com mais ou menos riqueza, com mais ou menos
profusão de ornatos.
Duas egrejas, no Rio de Janeiro, culminam na sumptuária
de Borromini : a do Mosteiro de S. Bento e a de S. Francisco
da Ordem Terceira da Penitencia, no morro de Sancto António.
A architectura jesuítica começada em Itália produziu
bom ef feito em França ; Maria de Medíeis confiou a Brosse
a egreja de Saint-Gervais em Paríz.
Dahi para aquella architectura a divisão em dous typos
ou escholas: a jesuítica italiana e a jesuítica franceza; a pri-
meira de frontão triangular, e a segunda de frontão curvo.;
,dbyGoogle
526 Revista do ixaiiTUTO hisíorico
No Rio de Janeiro o estylo jesuítico se adoptou nas
mais antigas egrejas, e o rococô para as demais.
Os conventos de S. Bento, Sancto António e Sancta Te-
reza; a Cathedral, a Cruz dos Militares, a Conceição e Bóa
Morte, 3 rua do Rosário; e as egrejas do morro do Castello,
por exemplo, são jesuiticas da eschola italiana. A da Miseri-
córdia, de frontão curvo, pertence a sua fachada, apesar da
pobreza e das numerosas incorrecções, a um typo que classifico
na eschola franceza. São do rococó as fachadas: da egreja do
Carmo, á rua Primeiro de Março ; da Candelária, embora com
seu zimbório mais moderno do Renascimento; a de S. Fran-
cisco de Paula; a. da Mãe dos Homens á rua da Alfandega;
a de Sancta Iphigenia, do Bom Jesus do Calvário, de Sancta
Luzia, S. José e outras.
Dous edificios religiosos antigos se destacam pela forma
singular das respectivas plantas.
A forma commummente preferida, na planta das antigas
egrejas do Rio de Janeiro, foi a rectangular para a nave; e
rectangular ou polygonal ou curvilinea, para a capella-mór.-
A forma da cruz latina se accentúa apenas na Cathedral
e na Candelária. Em S. Bento a planta seria em cruz latina
perfeita, si um dos braços da cruz não tivesse sido inter-
rompido pela c<Histrucção do claustro.
Destacam-se pela* forma singular da planta: a egreja da
Gloria do Outeiro, de projecção polygbnal, e a de S. Pedro
(5), á rua deste nome, de forma curvilinea. Esta é a única,
cuja forma da planta lembra o exclusivismo de curvas con-
vexas e concavas, systema tão preconizado por Borrominí.
A planta das primitivas egrejas no Brasil se derivou do
cruzeiro plantado no aldeamento ou povoado. Construiram-se
em seguida as capéllinhas transíormadas em templos de
maiores dimensões, conforme o desenvolvimento do nuclra
de população e exigência do culto.' Uniu-se ás capellinhas
outro corpo maior, rectangular; fez-se um arco para commu-
nicar o novo corpo com a nova construcção, arco que ainda
se chama arco cruzeiro, sem a planta ter a forma de cruz,
mas por analogia com as egrejas em cruz.
(;) EsCTCci nuticii illustrada. a rcspeiío da cgriúa de S. Pedro, 1
twiiucciíti >. n. í6, da Abiil de 1906.
.ibiGoogle
bAS ARTES PLÁSTICAS^ NO BRASIL ^37
E assim se constituiu a forma particular das nossas pri-
meiras egrejas, das quaes se derivaram todas as outras. A
prioridade desta explicação pertence a Manuel de Araújo
Porto Alegre que primeiro a dera, em 1849, "* revista Gmo-
nabaro.
A egrejã e mosteiro de S. Bento são, nesta cidade, ricos
museus de Arte dos séculos XVII e XVIII (6) .
Alli foi o berço da pintura a óleo no Rio de Janeiro; a
Esculptura e a Estatuária em madeira predominam na dourada
e sumptuosa decoração mural do templo ; a Ourivesaria se es-
merou nos lampadários e a Architectura na estereotomia dos
arcos e abobadas; a Carpintaria legou magníficos batentes,
fartamente almofadados, e os caixotões dos tectos do con-
vento; e a Marcenaria nas várias peças do mobiliário; a Epi-
graphia se characterizou nas lapides tumulares do claustro ; e,
nos trabalhos com a nossa pedra feitos na fachada e mesmo
no exterior apparecem obras esculpidas, algumas, com formas
animaes.:
Informações históricas sobre a Ordem Benedictina no Rio
de Janeiro encontram-se nos escriptos de Porto Alegre, Mo-
reira de Azevedo, já fallecidos, e nos dos drs. Ramiz Galvão
e Vieira Fazenda.
Naqueiles recinctos seculares de S. Bento são para
admirar; os primeiros aspectos da Pintura a óleo em nossa
cidade; os modos da talha brasileira com originalidade de
applicação e desenvolvimento floral; o espirito subtil e pa-
ciente do artista na delicada execução de curvaturas e mi-
núcias do mobiliário; o feliz resultado da martelagem em
obras de prata, e, finalmente, um prc^ramma de solidez na
grande fabrica architectonica que, no systema, não possuimos
superior no Rio de Janeiro. O mosteiro de S. Bento já
como cónstrucção, já no ponto de vista ornamental, é um
dos melhores padrões de Arte dos tempos coloníaes.
A frei Ricardo do Pilar, o primeiro mestre de Pintura a
óleo no Rio de Janeiro, pertencem as pinturas da ^reja. De
frei Domingos da Silva, são muitos ornamentos e figuras
i S . Bculo >, publicido por i
.ibiGoogle
DO INSTITDTO mSTOBIUO
esculpidas, sobresaíndo o crucifixo, mais de duas vezes se-
cular, que se vê no coro; e de Valentim da Fonseca (mestre
Valentim) os lampadários de prata da capella-mór. José da
Conceição e Simão da Cunha trabalharam na talha decorativa
das naves, e José de Oliveira pintou os painéis da capella de
relíquias do convento.
Não se classifiquem de obras primas as producçOes de
frei Ricardo do Pilar. Sente-se que elle, aproveitando natural
aptidão, se prestou, na falta de outro, a ornar painéis do
templo, tornou-se pintor: consequentemente deveria ter tido
discípulos. A sua obra principal é o quadro da sacristia: O
Salvador.
Observando-se os trabalhos de frei Ricardo, \ê-sc a prin-
cipio o desenho fraco, colorido ora infantil, ora indeciso, em
alguns painéis, melhorando consideravelmente no quadro d'0
'Salvador. Ahi se revela como, no Rio de Janeiro, até então
ninguém o conseguira.
Na figura de Chrísto, o pintor benedictino procurou
evidentemente inspirar-se na maneira de Fra Angélico, Não
se conclua dahi que se possa estabelecer parallelismo artistico
entre o benedictino e o dominicano, celebridade universal na
Pintura sacra.
A Escutptura de ornatos, principal riqueza artística da
egreja de S. Bento, pode ser estudada por partes, e qualquer
delias daria margem para muito dizer: taes os resultados de
espontaneidade fecunda e imaginação creadora, taes os ef-
feitos da plástica contornada, figurada, symbolica, folheada,
floreada e concheada, obedecendo a talha, ora a movimentos
accelerados, ora uniformes, ora tudo dispondo-se em linhas
discretas e tranquillas . . .
Espalharam bellezas na talha das naves, onde a origi-
nalidade se patenteia na preferencia de um ornamento domi-
nante, o da folha do acantho, ora crespa, enroscada, ora
espalmada, opulenta e cheia nos planos inferiores, adelga-
çando-se, á guiza de rebentos, perto das cimathas e dos arcos.
A Epigraphia, nas lapides do cemeterio claustral. exem-
plifica o estylo lapidar nos differentes aspectos dos chara-
cteres latinos e no modo de disix)-los. nas respectivas ins-
cripções, conforme se usava nos séculos XVI, XVII e XVIII.
,dbyGoogle
UÀS ARTES PLÁSTICAS NO BRASIL 539
Em algumas pedras se notam bem tractados motivos herál-
dicos, monacaes e seculares. Muito ainda poderia dizer de
S. Bento !. . . E* de esperar que os religiosos, que se acham
de posse do mosteiro, conservem, com carinho, todo esse
património de Arte nacional !...
A vetusta egreja da Ordem Terceira da Penitencia, no
morro de Sancto António, ostenta também primorosa talha, é
monumento de Arte ornamental . Em sua phantasia decorativa
se observam os caprichos das estylizações da concha, nos eu-
roscanientos ou em simples contornos, rigorosamente geomé-
tricos, infalliveis no interior de toda egreja antiga do Rio de
Janeiro.
A egreja da Penitencia é [xir assim dizer uma decoração
construída, mais escuipturesca e pictural do que archite-
ctonica, modalidade extra-phantasista, onde as columnas, bases,
architraves, cornijas, frisos, são cortados, interrompidos,
atormentados, torsos, desnaturados; finalmente, sob uma
invasão profusa e \'ariada de ornatos, não existem elementos
architectonicos com as suas verdadeiras linhas, forma, cha-
racter e funcção.
Culmina no tecto a grande composição do pintor José
de Oliveira, maravilha de arte decorativa mural, magia de
perspectiva no conceito de Porto Alegre. Discípulo incon-
testavelmente de frei Ricardo, José de Oliveira excedeu ao
mestre.
No mobiliário do vizinho Convento de Sancto António
existe documento, obra prima de Marcenaria e talha no nosso
jacarandá. Refiro-me ao arcas da egreja: opulento em orna-
mentação admiravelmente combinada.
Possuiu o Convento rica cerâmica de azulejos historiados.-
Ainda ha trez dias por lá andei, os não vi mais ; restando
apenas alguns, simplesmente ornamentaes, em limitados
trechos de barras. A fiada de cabecinhas de frades em relevo
por baixo do coro, que dizem representar martyres da Ordem ;
as contemplei de novo, na occasião em que enfeitavam, não
sei porque, as severas columnas e ornamentos, com flores
azues de papel e panno ! . . ,
Ninguém me deu mais informações do milagroso mo-
ringue de frei Fabiano, personagem histórica do romance
,.by^.OOgle
530 REVISTA DO INSTITUTO BI8TOI1ICO
Franceses «o Rio de Janeiro, por Moreira de Azevedo, mo-
ringue que até ha poucos aniios conservaram como relíquia
venerada do monge querido e popularíssimo em tempos pas-
sados .
A bengala real, presente attribuido a d. João VI, ainda
figfura ao lado do orago nas festividades.
O que commove toda vez que se passa, á noite, pelo
largo da Carioca e se olha para o Convento, é ver luzir,
pobremente, a lâmpada do nicho exterior da egreja; é vê-la
luzir, como foi de uso medieval, vulgarizado no Brasil, espe-
cialmente durante o século XVIII Todos poderão ver a
tradição transmittida e respeitada em pleno século XX, frente
a frente com os lampeões de gaz e cffln a luz eléctrica t , . .
A Cathedral, outr'ora capella-real e depois imperial, é
das poucas antigas egrcjas, cuja planta affecta a cruz latina
perfeita. A ornamentação da Sumptuária borrominica reina
em todo o templo. As figuras dos apóstolos por José Leandro
de Caiyalho documentam uma phase da Pintura colonial.
Alli também existiu a tela commemorando a Cêa, de Rai-
mundo da Costa e Silva,
As principaes egrejas, cujas fachadas se traçaram no
rôcocò, quaes a do Carmo, S, Francisco de Paula e Sacra-
mento, não se conctuiram no século XVIII. A sinceridade
dos architectos, que concluíram algumas no século seguinte.
se evidencia na harmonia da passagem do modo decorativo,
sem-chóque, semnotavel solução de continuidade ornamental.
A do Carmo, á rua Primeiro de Março, que ostenta fachada
de cantaria, com primorosos lavores de mármore do mestre
Valentim, conseguiu ter suas torres levantadas no século XIX,
Mello Còrte-Real, mais conhecido como pintor, deu os
desenhos para essas torres, exactamente executados. Compoz
desenhos harmoniosos, com zimbórios azulejados de painéis
in te rmit tentes, com originalidade, ora na collocação da concha,
ora na collocação da folha de acantho {7).
Na de S. Francisco de Paula, Pádua e Castro fez pórtico
clássico, e, na do Sacramento, Bethencourt da Silva harmo-
a (Duembro de i^j) ,'
.ibiGoogle
bAS AUTES PLÁSTICAS NO BRASIL 531
nizou a agtilha medieval com o dorico abastardado da fachada.
Modernamente profanam fachadas de algumas egrejas com
revestimentos de cimento, depois de ter recebido, como a da
Gloria do Outeiro, ultimamente, coloração descabida.
Si passarmos á edificação civil na Arte pública colonial,
sobresaem os chafarizes (8).
O serviço de aguas de beber atravessou diversas phases
com os vice-reis, com o rei, no império, tornandose afinal
realidade que honra a Engenharia brasileira. O Rio de Ja-
neiro colonial não dispunha de recursos da technica moderna
do Rio de Janeiro actual.
O antigo chafariz da Carioca, não o que existe, mas o
colonial, exprimia nas linhas de sua construcção a arte domi-
nante. Pelo solido aqueducto, hoje em parte viaducto dos
carris de ferro de Sancta Tereza, pelo aqueducto vinha á
fonte do largo a preciosa agua, que, na phrase de Macedo,
— «tinha feitiço de formosura», Obra de arrojo, e prova
de que os nossos maiores não vacillavam deante de grandes
commettimentos, desde que fossem em proveito da população.
Os vice-reis, apesar de arbitrários, despóticos e violentos,
não se descuidavam do elemento vital. Evitar a falta d'agua
foi em todos os temixis a preoccupação da administração
pública. O espirito dos homens do século XVIII era outro
que o do periodo seguinte. As fontes, no risco e na execução,
traduziam innocentemente um sentimento uniforme; nellas
nenhuma cousa supérflua, nem accessorio inútil nem o
pretencioso decorativo.
Citarei entre fontes coloniaes do Rio de Janeiro: o
fariz de granito e mármore do largo doPaço (praça Quin
Novembro), o das Marrecas que em forma de exedra e:
na rua Evaristo da Veiga, planos e execução de m
Valentim; o da rua da Gloria; o que existiu na r«
Riachueio; o do Lagarto, á rua Frei Caneca, abastecido
destruído aqueducto de Catumbi, e o que desapparece
praia D. Manuel. As inscripções latinas ou em portu]
lyCoogle
532 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
gravadas em carteias omamentadaSf são exemplos de bôa
arte e accrescentarei mesmo de bôa litteratura em algumas.
As inscripíões latinas do chafariz colonial da praça Quinze
de Novembro, de Valentim, levantado no govêmo de Luiz de
Vasconcellos, gravadas em largas e decorativas carteias de
mármore, são eloquentes, como também o era a inscripção
de outro chafariz desapparecido da ma do Riachuelo, man-
dado construir em 1772 pelo marquez do Lavradio.
Carteias com inscripções perderam-se muitas; bellissima
a que havia, á rua da Assembléa, na parede do antigo Reco-
lhimento do Parto ; bellissima a existente no frontão que-
brado do pórtico da actual Repartição dos Telegraphos, e não
menos interessantes se notam duas 110 Aqueducto da Carioca.
Como sabemos, no século XVIII, o artista culminante
fora Valentim da Fonseca e Silva (mestre Valentim), cujo
centenário da morte a Prefeitura do Districto commemorou,
inaugurando, a i" de Março de 1913, o busto do artista no
Passeio Publico, obra que o mestre tanto amou .
Está hoje na consciência de todos o que elle compoz e
executou: a Cruz dos Militares, os mármores e talha da
egreja do Carmo, esculpturas da Conceição e Bôa Morte, da
capella-mór de S. Francisco de Paula, os dous melhores cha-
farizes, um que foi demolido, e o outro, o do largo do Paço,
onde mestre Valentim deu cunho individual, a estatuária
demolida da fonte das Marrecas, a ourivesaria em Sancta
Rita e em S. Bento, e o plano original do Passeio Publico,
o primeiro jardim da cidade, o jardim querido e tradicional,
que elle executou tão brasileiramente quanto lhe foi possivel
imaginar.
A Architectura civil ficou a principio restringida á mo-
dalidade administrativa palaciana, da qual é exemplo o
outr'ora palácio real e !m])erial, actualmente Repartição Geral
dos Telegraphos. Embora modificado o seu exterior, pela
introducção da platibanda, substituindo os antigos beiraes
corridos, conserva-se intacto o feitio colonial das sacadas e
o vão da frente principal, de èstylo ròcocô, com a artística
carteia epigraphada no quebrado do frontão, a que já alludi .■
A cidade das trez portinhas, assumpto de que tractoti
Porto-Alegre na Guanabara, em 1849, evoluiu na própria
lyCoogle
Da3 AltTES PLÁSTICAS NO BHASII. 533
èpocha colonial, e apesar de vários aspectos que apresentou e
apresenta até hoje, não abandonou de todo os trez vãos tra-
dicionaes.
As casas propriamente dietas urbanas, de sobrado ou
não, se construiram com fachadas characteristicas : feitios por-
tuguezes, com reminiscências asiáticas na forma das cober-
turas de beiraes em pontas recurvadas e mouriscas nas rotulas
dos vãos das janelias, de portas e sacadas e nos caixilhos
conjugados de janelias com ou sem postigos.
Pedreiros ensaiaram a principio ornatos de estuque, e
nos interiores começaram a empregar as barras de azulejos
nos saguões, e nas casas de jantar.
Nas moradas de abastados, fora do limite urbano, ado-
ptaram o typo de abarracados com avanço dos telhados, dando
nascimento a varandas, sustentadas |)or pilares ou columnas de
alvenaria rebocada.
A vasta habitação de Elias José Lopes, offerecida a
d, João VI, residência deste, dos dous imperadores e actual-
mente Museu Nacional, apresentava esse aspecto, o que se
verifica em desenho de João Baptista Debret.
Esse typo de habitação patriarchal, de hygiene instinctiva,
existe ainda em velhas casas de arrabaldes ; generaJizou-se
nas nossas casas ruraes, não só no Rio de Janeiro, mas
também nas fazendas, nos engenhos e nas estancias.
Ensaiaram depois ingénua architectura paizagista em
pequenos jardins efe quintaes urbanos; cultivavam-se can-
teirinhos de perpetuas, sempre-vivas, saudades e outras flores.
Os ensaios precederam aos jardins extensos, accidentados,
characteris ticos das chácaras dos grandes solares.
A Pintura durante os governadores e vice-reis teve em
frei Ricardo do Pilar o primeiro mestre, ie em José de
Oliveira, natural do Rio de Janeiro, discípulo e continuador.-
Por muito tempo os artistas se limitaram exclusivamente
a trabalhos nas egrejas, e só para os fins do século XVIII
appareceu o retrato com Manuel da Cunha e Leandro Joaquim,
e a paizagem com este. Decoradores foram todos os pintores
ida epocha colonial e omamentistas sacros. Manuel da Cunha,
lyCoogle
534 REVISTA DO INSTITUTO BISTOHICÍI
escravo (ia família do cónego Januário da Cunha Barbosa,
aprendeu a arte em Lisboa (9). Considero Manuel da Cunha
o melhor retratista daquellcs tempos; entre seus trabalhos
sobresae o retrato de Gomes Freire de Andrade (conde de
Bobadella) que se acha no Conselho Municipal.
Foi regular pintor de figura. Em seus contemporâneos
houve apenas tentativas, aliás louváveis, exceptuando-se José
Leandro de Carvalho e Manuel Dias de Oliveira Brasiliense
(o Romano), que estabeleceu na rua do Hospício uma aula de
modelo- vivo .
Estes e Raimundo da Costa e Silva trabalharam também
no tempo do rei; pintaram quadros decorativos para a va-
randa da coroação de d. João VI.
De Líandro Joaquim chronistas mencionam quadros que
desappareceram de egrejas, onde foram pintados. São seus
os dous painéis guardados na egreja do Parto, representando
o incêndio e reconstrucçâo do antigo Recolhimento, que existiu
juncto daquella egreja.
De um delles e a muito custo, a meu pedido, o então
alumno da Eschola Nacional de Bellas-Artes e hoje professor,
sr. Lucilio de Albuquerque, conseguiu extrahir os traços
physionomicos de mestre Valentim, retrato que em gravura
saiu n'A Noticia, ha onze annos, e serviu ao esculptor para
o busto inaugurado a i" de Março de 1913, no Passeio Publico.
Leandro retratou Luiz de Vasconcellos, quadro este que
pertence á mesma egreja.
No género de retrato observa-se, nos originaes, gradações
successivas de progresso da parte dos artistas. E' interessante
a galeria dos benfeitores e provedores da Sancta Casa da
Misericórdia, e de outras casas de religião e caridade. Es-
tuda-se, nesses originaes, o progresso no desenho, no colorido,
e as variantes da Indumentária accorde ao uso e á moda.
No género paizagem, nos antigos pavilhões do Passeio,
onde brilhou a arte cathannense de Xavier dos Pássaros e
Xavier das Conchas, pintou Leandro Joaquim elogiadas pai-
zagens de engenhos de assucar, mandioca, de extracção de
ouro, scenas maritímas e panoramas da cidade.
(9) Vide eícciplos de PorlO'AlBgrc e Moreira de Aievcdo a retpcíto deitas
■riiitu.
DigtizedbyGOOgle
DAS ARTES PLÁSTICAS NO BRASIL 535
Na arte applicada, João Manso Pereira, natural de
Minas, conhecedor do hebraico, do grego e do latim, fabricou
porcellana com argilla da ilha do Goveniador, imitou o charão
e fez camafeus.
O dr. Moreira de Azevedo affirmou que Manso offe-
receu a d. João VI um apparelho de porcellana, e ao vice-rei
Luiz de Vasconcellos, o Mecenas dos tempos coloniaes, uma
mesa feita [)or elle, onde estavam representadas, em ouro, com
diversas cores, a cidade do Rio de Janeiro e algumas villas.
Na pequena esculptura de figurinhas de presépio tor-
nou-se conhecido o pintor Raimundo da Costa e Silva. Fa-
mosos foram os seus presépios do morro do Livramento.
Entre os trabalhos da pintura antiga colonial devemos
mencionar o da bandeira -estandarte da Misericórdia, o dos
painéis que figuravam nas procissões, entre ellas a dos foga-
réos, a respeito da qual, assim como de outras e de festas
populares, tem-se ocupado magistralmente o nosso Vieira
Fazenda,
Em arte applicada, especialmente festiva, vem a pro-
pósito recordar o que Moreira de Azevedo alludiu, e Vieira
Fazenda descreveu algures n'A Noticia: os carros allegoricos
do tenente António Francisco Soares, o precursor de Ftusa
c Marroig, carros mythologicos que se celebrizaram na festa
de 178^, percorrendo as ruas da cidade, festa commemoratíva
do casamento de d. João depois rei, com a princeza Car-
lota (lO).
Agora apenas como curiosidade:
Entre as artes applicadas menores e ephemeras esteve
muito em voga a Siloplastica, cujas producções fizeram, por
muito tempo, o regalo de muitos lares, nos dias de festa,
ornando mesas de banquetes e bandejas de chã, levadas ás
salas pela criadagem luxuosamente trajada... reminiscên-
cias dos costumes iK>rtuguezcs do tempo de d. João V. , .
Cultivaram-n'a também no nosso interior, especialmente
nos estados do Norte.
lyCoogle
53Í REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Do Pará nos vêm ainda as selvagens esculpturas anima-
listas de guaraná . . .
Os conventos de freiras do Rio de Janeiro, particular-
mente o ex-convento da Ajuda, conquistaram celebridade na
doçaria que fabricavam.
Durante o século XVIII, e mesmo no século passado,
a Sitoplastíca constituiu especialidade entre senhoras e mesmo
entre homens; imaginavam themas, animaes reaes c phantas-
ticos. A Sitoplastica carioca, ou nortista, cuidada com
esmero elevou-se á altura da pequena Estatuária ; embora
ephemera e com estivei, nelta se revelaram aptidões artis-
ticas perdidas e não aproveitadas. . .
As formas, inventadas pela industria, acabaram com a
esculptura confeiteira e com os pães e biscoutos figurados,
modelados, e não fundidos.
A Confeitaria foi arte com escholas. O geito de decorar
bolos e lhes imprimir cunho artistico, occupou a não pouca
gente. E naquillo que por machina se faz hoje, isto é, nos
rendados de papel para os pratos e para cobrir bolos, espe- ■
cializaram-se pessoas que disputavam desenhos inéditos.
,dbyGoogle
AINDA AS ARTKS COM OS VIClí-BEIS, COM O REI. — O RIO
D5 JANEIRO IMPERIAL, DURANTE O PRIMEIRO REINADO
Sr. presidente do Instituto Histórico e Geographico Bra-
sileiro .
Meus senhores.
A reconstituição paízagista da nossa cidade, com os
vice-reis, seria assumpto interessantíssimo para delle tractar
um pintor histórico. Si o thema apresenta difficuldades,
como apresentam todos os problemas archeologicos, não fal-
tarão elementos e subsídios para vence-Ias,
Seriam aspectos curiosíssimos a reconstruir...
Vimos e repito que, em todo o Brasil, antes do advento
da Família Real Portugueza, muito antes, portanto, da vinda
da missão artística franceza e do rei fundar o ensino official
de Bellas-Artes no Rio de Janeiro, já se cuidava, cchu esmero,
das Artes plásticas, cujos exemplos perduram na Bahia,
Minas Geraes, Parahiba do Norte, Pernambuco, em outros
Estados e nesta cidade; exemplos de arte ornamental, não
egualados até hoje, quanto mais excedidos, no talento da
invenção, na interpretação decorativa executada, e na solidez
das architecturas .
Para o bom senso não pôde haver maior disparate do
que os juízos escarninhos, comparativos, com a successão
progressiva das cousas, que infelizmente, muitas vezes, menos
ingénua e menos sincera, perturba de algum modo um enca-
deamento lógico, quebrando elos resultantes de exforços
dignos de perpetuo louvor.
Recentes escriptos. com referencias a antigos e modernos
documentos brasileiros de arte, ou são de excessiva admi-
ração, ou injustos a demonstrarem: maldade, absoluta falta
lyCoogle
S38 REVISTA no INSTITUTO HISTÓRICO
de comprehensão, ou escassez extraordinária do senfimeníõ
do saber-vêr.
Magnificas obras coloniaes, ou antigas, de arte estão
levianamente a considerar velharias insupportaveis, negando-se
primor onde ha, não se querendo, ou não sabendo vêr o que
está á vista. Os Brasileiros não poderão se desnacionalizar
accompanhando a perversos escrj vinha d ores, que já não se
contentam com a propaganda manhosa na palestra. . .
A audácia forasteira, tão bem hospedada, atira-se com
axiomática incompetência a rabiscar, que nunca tivemos nem
temos Arte nacional !... Não vale a pena dar-lhes impor-
tância: o que falarem não se ouve, o que rabiscarem não
se lê . , ,
A reconstituição paizagista da cidade, por phases dis-
tinctas, mostraria transformações consoantes os respectivos
recursos, sem as precipitações económicas, sem os descuidos
financeiros de hoje.
A picareta do progresso material passou rasoura em
quarteirões inteiros de casas de varias epochas, com os vãos
characteristicos de janellas e portas, desde os rectangulares
com portaes e vergas de madeira, até aos de cantaria da nossa
pedra, ou do lioz importado.
A forma do rectângulo predominou por muito tempo.
A facilidade do desmonte das rochas gneissicas das nossas
primeiras pedreiras exploradas concorreu para o emprego
desse material. A verga em segmento circular, de madeira
ou pedra, appareceu na edificação particular depois que o
puzeram nas egrejas. GeneraUzou-se a forma.
No século XVIII, e no principio do passado, revestiam
muitos vãos de porias e janellas com o mármore portuguez,
adoptando aquelle arco. Empregaram o arco semi-circular
tardiamente, usado a principio somente nas portas do pri-
meiro pavimento.
Os vãos rectangulares modernamente estão a voltar na
architectura commercial ou industrial, E' a forma dictada
pela utilidade. Em Architectura, a utilidade é a arte de apro-
priar o edifício ao seu destino e escolher orgams e formas,
que melhor se prestem.^
,dbyGoogle
DAS ARTC3 PLÁSTICAS NO BRABIC. 539
A evolução de terraplagena do antigo solo urbano é
nota a estudar para a reconstituição paizagista: saber-se
quaes os aterros que substituíram as rústicas pontes de ma-
deira, que ligavam ruas atravez de braços de pântanos de
mar, abaulamentos posteriores, pavimentações de pedra me-
lhorando as superfícies para a rodagem... Tudo isso é
interessanti saimo .
Ainda até pouco temjjo se encontravam, no centro da
cidade, typos de edificação vetusta, casas térreas, casas de
abastados, abarracadas, assobradadas ou de sobrado; typos
assignalando epochas pela forma dos vãos das sacadas, das
coberturas, das clarabóias, das alvenarias, dos rebocos e da
natureza das caiações.
Nos interiores, então, as epochas se assignalam pelas al-
covas, de largas portas envidraçadas, dando para as salas
de visita e casas de jantar. N'^ Noticia escrevi, em artigos
semanaes { 1 1 ) , notas a respeito de todos esses pormenores,
até á invasão do papel pintado de forrar paredes, o qual
completamente branco, e adamascado, era o preferido para
as salas nobres, illuminadas por lustres de velas, que pendiam
do centro do tecto, o qual tinha forma pyramidal truncada.
Encontram-se mais facilmente esses antigos typos nos
sítios suburbanos ou ruraes, ou nos Estados, isto é, antigos
lypos intactos de habitações vastas, com as suas alpendradas
de telha vã, sustentadas por pilares ou columnas de alvenaria
rebocada .
As casas dos primitivos tempos coloníaes, e também os
edifícios religiosos, não deram aos respectivos arcabouços das
coberturas outro aspecto que o de duas abas ou aguas, á
guisa do que se vê em choças, e ranchos de algumas tribus
aborigenes. Algims dos typos destas habitações aborígenes
foram imitados pelos primeiros colonos portuguezes nos cha-
mados ranchos, onde abrigavam as tropas de cargueiros.
O beiral corrido, sem calhas e sem conductores verticaes
de exgôtto de aguas das chuvas, caídas sobre o telhado das
velhas casas, ainda se usou no meiado do século passado. Os
(ii> Folhetim finntdoa com m mioliii InicUa A. V., ft comvtar da 1901,;
D,rzB.byCOO<^le
540 REVISTA DO DÍSTITDTO niSTOHICO
telhados, <Ie duas ou de quatro aguas, resumem a~s formas
posteriores das coberturas dos nossos edifícios. Os telhados
são amouriscados, de meia mourisca, cravados oU de canudos
cintados e os de telha vã. A telha curva, chamada portugueza,
mas de origem mourisca, é a clássica na Archeologia bra-
sileira.
Para reconstituição paizagtsta da cidade, além dos fron-
tispícios de casas, devem ainda reapparecer accessorios de
rua, quaes, os oratórios e os frades de pedra.
O ultimo oratório demolido foi o da rua da Alfandega,
esquina da rua do Regente (hoje Tobias Barreto), e os
mais velhos frades de pedra (de lioz portuguez),.coloniaes,
por muito tempo existiram no passeio fronteiro ao real palácio
da cidade, hoje Repartição Geral dos Telegraphos,
Dizem chronistas, que, até ao governo do vice-rei conde
de Rezende, a cidade não tinha illuminação.
Na edade média da Historia usavam accender, á noite,
candeias em lanternas, juncto das estatuas da Virgem c dos
Sanctos, ás portas dos conventos. Em quasi todos os paizes
catholicos ha reminiscências desse costume medieval. Do
pintor Luiz de Freitas possuo um quadrinho a representar
construcção italiana, que lembra a dos nichos históricos ou
oratórios, nos quaes ardiam lanternas. Na licção passada me
referi á lanterna do nicho do nosso Convento de Sancto An-
tónio.
O único oratório de rua, que ainda perdura intacto, é o
de N. S. do Cabo da Bôa Esperança, á rua do Carmo, Do
Rio de Janeiro, antes que tivesse illuminação, escreveu o
meu finado mestre dr. Moreira de Azevedo: «Deante dos
nichos que ornavam as esquinas das ruas accendia-se á noite
um candieiro de azeite ou uma vela de cera, e essas luzes,
collocadas em frente das imagens pela fé e devoção do povo,
constituíam a única illuminação da cidade. Naquelles tempos
o povo se recolhia cedo; ao anoitecer se fechavam quasi
todas as casas, havia limitado numero de lojas de commercio,
e sendo as ruas tortuosas, estreitas, sem calçamento nem
illuminação, tornava-se perigoso o transito nocturno, especial-
mente nas ruas em que não havia luz nos nichos, Quem
,dbyGoogle
bAS ARTES fLASTlCAS NO BRASIL 54I
tinha servos mandava algum com archotes alumiar o ca-
minho» (11 a).
Nas ultimas décades do século passado vi ainda carre-
gadores de casliçaes accesos, com mangas de vidro, ou com
candelabros, acconipanhando famílias em algumas ruas de
arrabaldes, á noite, por insufficiencia da jlluminação pú-
blica.
O oratório de pedra, da esquina da rua da Alfandega,
permaneceu em seu sitio secular até 1906, quando demoliram
a respectiva casa para em seu logar construirem outra. Não ■
faltaram pretendentes ao oratório; ignoro que rumo levou. . .;
No conhecido romance de Manuel de Almeida — Memo-
rias de um sargento de milicias — se lê descripção daquellas
paragens na pavorosa epoclia do Vidigal e seus camarões.
Um artista brasileiro, fallecído ainda moço, António Fir-
mino Monteiro, pintou um quadro a que denominou: — O
Vidigal, exposto pela primeira vez, na Academia das Bellas-
Artes, em 23 de Agosto de 1884.
O pintor escolheu scena, na qual o Vidigal exercia a sua ■
temida auctoridade, na rua do Regente esquina da da Alfan-
dega: vê-se na tela representado o oratório de pedra. Neste
quadro histórico se acha o celebrizado major, chamando á
falia um trovador de esquina, que se desculpa, atrapalhado,
ante os camarões dos granadeiros. Pertenceu ao dr. Mon-
teiro de Azevedo; consegui uma reproducção phott^raphica,
que me serviu em projecção luminosa na prelecção do curso
publico do Pedagogium, em 1903 e 1904. A respectiva chapa
deve estar guardada nesse instituto municipal.
Na collecção de vistas do Rio de Janeiro, desenhadas [lor
Moreau, vé-se um dos antigos oratórios de esquina; e Vieira
Fazenda em artigo d'A Noticia, de 1° de Julho de 1906, men-
cionou oratórios da cidade, a saber : da rua do Rosário es-
quina da da Quitanda e Septe de Septembro; Uruguaiana e
Hospício; da praça da Constituição; rua da Alfandega; no
principio da rua da Carioca; Primeiro de Março e S. Pedro;
no fim da de Treze de Maio; no largo da Batalha; na tra-
vessa de D. Manuel; ruas do Cotovello e Misericórdia; e cm
(11 a) Dl. Morciía de Aievsdo^iO Bio de Janeiro».
lyCoogle
542 REVISTA DO 1S9T1TBT0 HISTORlCâ
frente ao Açougue Grande, o de N. S. dos Prazeres, cuja
imagem é actualmente venerada na egreja de Sancto António
dos Pobres. Esses nichos construídos no exterior das casas
davam effeito algum tanto ornamental. Na estatuária reU-
gíosa respectiva, conforme referencias lidas algures, pri-
mavam imagens esculpidas e encarnadas na Bahia, que por
muito tempo se especializou nesse mister artístico.
No estudo da historia das Artes plásticas, para uma re-
constituição paizagista, taes informações escríptas ou dese-
nhadas tornar-se-hão preciosos subsídios.
* * *
Os frades de pedra, ou postes de pedra, de rua, são ■
assim denominados pela forma da parte superior, que lembra
a da cabeça raspada de um monge, O nome, com tal accepção
figurada, provavelmente resultou de alguma capadoçagem,
tomou foros na cidade e entrou no vocabulário da língua.
Desapparecen de nossas praças e ruas grande quantidade de
antigos frades de pedra, que ladeavam portões das chácaras
dos grandes solares ; portões characteristicos de alvenaria, com
pilares por assim dizer cabeçudos, aos quaes, muitos annos
depois, junctaram vasos, espheras de louça esmaltada, figuras
de leões ou cães do mesmo material.
Na especialidade portões, construíram -se alguns artís-
ticos : o do Passeio Publico, o antígo da Coroa na Quinta da
Boa Vista, de linhas originaes, e outros. Os frades de pedra
indicavam (e ainda hoje indicam) prohibíção de rodagem.
São invenções greco-romanas : a sua historia seria longo re-
cordar. . , Entre nós, e em Portugal, fincavam pedras nos
cantos das ruas, alinhadas no sentido do comprimento das
mesmas, preservando as casas do choque dos carros e garan-
tindo o livre transito de peões, em trecho determinado das
calçadas. Não foi moderado o uso dos frades de pedra na
edade média, e desappareceram paulatinamente depois que se
inventaram os passeios.
Considerados pedras protectoras e elementos de orna-
mentação juncto de monumentos, limitavam e fechavam deco-
rativamente logradouros públicos. Nos tempos coloniaes
fincaram frades de pedra sem correntes no Pelourinho do
largo do Rocio (praça Tiradentes) e com correntes fazendo
hyCoogIe
DA9 ARTES fLASTICAS NO BRASIL J^^
de cerca nesse mesmo largo, e no Rocío Pequeno, (praça
Onze de Junho).
Davam-se, em geral, a taes pedras fradescas a forma
que se reproduziu em modernas, collocadas em novos trechos
de rua ou vielas; outras pedras porém eram simplesmente
cylindricas, sem terminações especiaes (12).
De pedra lioz plantaram-se poucos no Rio de Janeiro, só
excepcionalmente, e por luxo, ou quando ainda não se traba-
lhava bem com as nossas rochas. Curiosa é a pertinácia do
predomínio da forma invariável na maioria dos casos, sem
que algum canteiro, durante longa serie consecutiva de annos,
se lembrasse de tentar ornamentos ou gravasse inscrípção.
Os modernos frades de pedra só differem dos seus prede-
cessores, da epocha colonial, unicamente na qualidade da pedra
e no lavrado da cantaria.
Animavam os ambientes urbanos, suburbanos ou ruraes
do Rio de Janeiro, os primitivos vchiculos de transportei
redes, carros de bois, bangués, liteiras, cadeirinhas, seges, tra-
quitanas e coches. Os três primeiros vehiculos interessam
ao exclusivamente pittoresco, ao passo que os outros (liteiras,
cadeirinhas, seges e coches) interessarão a arte pelas formas,
pelos relevos e ornamentos pintados, e pela libré da criadagem.
A nossa cidade assistiu a trez grandes solennidades poli-
ticas : a coroação e sagração de um rei, a coroação e sagração
dos dous imperadores.
Si no tempo dos vice-reis já existia a arte sumptuária
em vehiculos de transporte terrestres (liteiras e cadeirinhas),
ella augmentou com o rei, cuja nobreza trouxe para o RÍo
de Janeiro lindos exemplares, e se accentuou mais especial-
mente no império. Nessas solennidades se apresentaram va-
riados vehiculos durante os cortejos.
Apesar do progresso de vehiculos de r<
venção de vários typos, ainda por algum temp
de cadeirinhas, não mais das ricas de portii
çadas com relevos e pinturas originaes, ou a
cret, Watteau e Fragonard, porém das cadeirii
(13) Vid« estampai antiga) na Bibliothcc
,dbyGoogle
544 , REVISTA DO INSTITOTO HISTÓRICO
cortinados de um azul escuro com cercaduras de galões la-
vrados .
Daria matéria para mais de uma licção só o tractar dos
vehiculos usados no Rio de Janeiro em todos os tempos, não
só quanto ás origens históricas, ao conforto, mas também á
evolução das formas e tracção, ao vestuário dos sotas e dos
lacaios, e enfim ao aspecto completo do vehiculo a preencher
a sua funcção. Tudo isso é pittoresco, tudo isso é Arte.
O pintor Debret em sua conhecida obra junctou es-
lam|)as representando muitos vehiculos antigos de rodagem, e
|)or ellas poder-se-ha imaginar a sege e a traquitana.
Os vice-reis já se utilizavam da sege, carro da predi-
lecção de d, João \'I, o qual foi representado, em gravura,
dirigindo a sua sege.
* * *
Entre os artistas pintores, que aqui se distinguiram antes
da vinda da Familia Real Portugueza, além de José de Oli-
veira, Manuel da Cunha, Leandro Joaquim, Raimundo da
Costa, Manuel Dias de Oliveira Brasiliense (o Romano), já
citados, não devemos exquecer os pintores João de Sousa,
auctor da Virgem do Carmelo do Convento do Carmo, mestre
de Manuel da Cunha e discípulo de José de Oliveira, Muzzí,
scenographo da Casa da Opera, e frei Francisco Solano, pintor
sacro e decorador, e também pintor scientista que se encar-
regou de desenhar plantas estudadas por frei Velloso em sua
Flora Pluminense .
Frei Velloso dirigiu o celebre estabelecimento typogra-
phico do Arco do Cego. Algumas estampas existem na Biblio-
theca Nacional.
Neste estabelecimento público, onde o consultante en-
contra a maior solicitude e bòa vontade da parte dos func-
cionarios de qualquer categoria ou classe, guardam-se provas
de gravuras do padre Viegas, patural de Minas Geraes, da-
tadas de 1807, em Ouro Preto. E' notável a nitidez das letras
e a originalidade, sempre variada, das cercaduras dos chara-
cteres romanos.
Frei Solano, além de artista, tinha a aptidão simultânea
de pintor scientista. O pintor artista dá a forma sentimental,
e o pintor-scientista desenha a forma circunstanciada.,.
byCoogIe
DAS ARTES PLÁSTICAS NO BRASIL 545
O desenho scieiítista constitue uma especialidade. La-
dislau Netto e Barbosa Rodrigues, ambo6 naturalistas e aquelle
também archeologo, ambos ex-alumnos da Academia, hoje
Eschola de Bellas-Artes, foram nos tempos modernos dese-
nhadores scientistas em Botânica. O primeiro accompanhou
Liais em sua excursão ao rio S . Francisco e pelo interior do
Brasil, e o segundo desenhava muito bem o reino vegetal.
A respeito dos estudos graphicos do finado Ladislau
Netto, sobre plantas brasileiras, se referiu Duchartre em seu
Tractado de Botânica, compendio por onde estudei a disciplina
quando alumno da saudosa Eschola Central, hoje Polytechnica.
No tocante á Zoologia, á Zootechnia, á Floricuitura, ha
especialistas no desenlio scientifico, do mesmo modo que os ha
para o desenho de emoção.
Tem dado boas provas, recentemente, no Rio de Janeiro,
no desenho da Zootechnia de emoção, os jovens Carlos Os-
wald e Eurico Alves, professores do Lyceu de Artes e Of-
ficios.
Frei Francisco Solano sobresaíu, simultaneamente, como
pintor artista e desenhador scientista.
Achavam-se a Architectura, a Esculptura e a Pintura, c
suas dírivadas no estado descripto, quando aportou ao Rio
de Janeiro a Famiiia Real Portugueza, tendo á sua frente o
príncipe r^ente d. João.
O vice-rei conde dos Arcos mandou mobiliar e ornar o
palácio, que passou a ser real. Ligaram-n'o ao convento do
Carmo (hoje Instituto Commercial) por um passadiço. Os
frades se retiraram, e a rainha interdicta, d. Mana I, e suas
damas, passaram a residir na parte que fora convento. A
quinta de Elias António Lopes (Quinta da Bóa Vista) foi
escolhida pelo rei para a sua residência, assim como poste-
riormente destinou o palacb da Fazenda de Sancta Cruz para
habitação de recreio.
Mas quando chegou a Famiiia Real, as melhores e mais
artísticas egrejas se achavam concluidas, e a cidade jâ tinha
chafarizes, aqueductos, Passeio Publico; cultivavam-se a Ar-
chitectura, a Esculptura, a Pintura e algumas das artes deri-
Tadas ou subordinadas .
,dby<Soogle
5^6 REVISTA. DO INSTITUTO HISTÓRICO
E' ponto muito iwtido e sabido o dizer bem do reinado
de d. João VI ; adeantou-se a cidade, crearam-se úteis estabele-
cimentos e importantes instituições; indiscutível foi o seu
amor ás Bellas-Artes, valendo-lhe por isso ser rex fiáelissimus,
artittm amaniissimus .
Notabilizou-se o período pelas festividades religiosas, ce-
lebradas com pfMupa e luxo, pelas continuadas solennidades
da corte, festas populares do Natal, Rets e do Espirito Sancto,
procissões religiosas, fogos de artificio, etc.
O Senado da Camará projectou um monumento para
commemorar a chegada da Família Real. O rei não o ac-
ceitou.
A sua Coroação motivou artísticas obras commeraora-
tivas e festivas.
As ruas juncaram-se de folhas e as janellas omaram-se
de colchas; numerosos arcos de tríumpho levantaram-se por
toda a passagem do rei, um obelisco ostentava-se coberto
completamente de inscrípções em honra ao monarcha.
Na varanda da Coroação aproveitada depois com d.
Pedro I, houve um painel pintado por Manuel Dias de Oli-
veira Brasíliense, o mesmo que compoz o quadro da As-
sumpção, onde se vê esboçado d. João VI, quadro pertencente
á Finacotheca da Eschola Nacional de Bellas-Artes.
O architecto da varanda valeu-se da collaboração de
outro artista, Raimundo da Costa e Silva, que pintou diversos
quadros, e também da de José Leandro de Carvalho, egual-
mente pintor notável, reputado o melhor retratista do rei.
Póde-se affirmar que o governo de d. João VI se serviu,
para as grandes festividades reaes, com vantagem, e quasi
que exclusivamente, dos artistas brasileiros, que aqui culti-
vavam a Esculptura e a Pintura.
E a maior parte das decorações para a recepção do rei
inciunbíram a Manuel Dias de Oliveira Brasiliense, cognomi-
nado o Romano, por ter estudado pintura em Italía.
Manuel Dias pintou ainda maís: flores, f metas e na-
tureza morta.
Aos membros da missão f ranceza contractada por aCto de
12 de Agosto de 1816, para fundar o ensino official de Bellas-
Artes, commetteram-se posteriormente os trabalhos artísticos
r, .. I. COCH^IC
DAS ARTES PLÁSTICAS NO BRASIL 547
de ornamentação, que se tornaram necessários e agradáveis
ao governo.
J. B. Debret, pintor, e Grandjean de Montigny, archt-
tecto, se distinguiram nessas incumbências.
Durante o primeiro e segundo reinados couberam a
Grandjean de Montigny vários encargos de architectura. An-
daria mal o poder público si não o fizesse, tractando-se de
incomparável competência.
Começou para o Brasil o período da arte neo-classica,
devido aos ensinamentos e planos de Grandjean, no Rio de
Janeiro .
Os planos do edificio da Academia das Bellas-Artes,
hoje Ministerío da Fazenda, do primeiro Mercado e salão da
Alfandega, lhe pertencem; também compoz os arcos para as
festas do primeiro casamento de d. Fedro I com a princeza
l-eopoldina, e as decorações do largo do Faço, por occasião
da chegada da imperatriz Amélia, segunda esposa de d. Pedro
I, e vários chafarizes.
A Debret coube tarefa valiosa nas festas reaes; foi obra
sua o scenario para o theatro S. Fedro. Fintou os quadros
Sagração de d. Pedro I, a Acclamação do mesmo imperador;
Desembarque da imperatriz d. Leopoldina e o retrato de
d. João VI. Fossuem as nossas galerias de Bellas-Artes
algumas destas telas, e também algumas de Félix Taunay,
outro membro da Missão Franceza, o terceiro director do
ensino de Bellas-Artes, que succedeu a Henrique Silva, — o
causador de séries desavenças no seio do corpo docente.
A vinda da Familia Real Fortugueza acarretou grande
multidão de nobres e fidalgos, que para aqui importaram
quadros, tapeçarias, objectos artísticos, pertencentes ao rei,
á sua corte, á fidalguia, e muitos delles retirados de Mafra,
por que receiavam o saque de Junot.
Algumas dessas telas, suspeitas cópias para alguns, mas
originaes no meu fraco entender, fazem parte das nossas ga-
lerias.
De instrumentos de musica, harpas e cravos dourados;
lâmpadas; candeias; candelabros; tocheiros; lustres; baixellas
completas de prata ; trastes ; pannos de Arras ; damascos legi-
times; tonkins; ricas porcellanas, serviços de charão; tecidos
r . I. Google
548 REViaxA DO instituto histórico
oríentaes complicados; tamboretes esculpidos; canapés com
tapeçarias ou não; espelhos; reposteiros heráldicos; esteiras
indianas; thesouros de joalharia; velludos; sedas; rendas pre-
ciosas; bordados; leques com pinturas do século XVIII;
pentes lavrados; bastões abengalados com ourivesaria; mi-
niaturas chinezas em marfim; custosas caixinhas para o uso
do rapé, e de tantas outras cousas mais, consistia a Sumptuária
importada por essa occasião no Rio de Janeiro; afora a Indu-
mentária real e da corte: as librés dos lacaios; as fardas; os
ornamentos das ordens honorificas; os paramentos religiosos;
as t^as da m^stratura, e os elementos do vestuário de gala
das auctoridades municipaes.
O archeologo portuguez Vilhena Barbosa em seu estudo
sobre Tapeçarias, pags. 269 a 270, escreveu : « As pessoas qUe
sobem pela primeira vez as escadarias do Palácio de Mafra,
ficam absortas, contemplando aquella extensa galeria de salas
vastíssimas, com as suas altas paredes desataviadas de adornos,
e contrastando, singularmente, com a grandiosidade do edi-
fício, e com as galas architectonicas da vizinha basílica.
Pois todas essas paredes, agora nuas, estiveram até fins
de Novembro de 1S07 esplendidamente vestidas de magní-
ficos pannos de Arras, e de outras tapeçarias e lambem de
bellos painéis a óleo.
E e^almente se viam cobertos os pavimentos dae mesmas
salas de ricas alcatifas da Pérsia e de França.'
Porém de tudo isso foi despojado o palácio por occasião
da partida da família real para o Brasil.
As soberbas tapeçarias de Mafra, arrancadas apressada-
mente como as de Villa Viçosa, lá foram perder-se, arma-
zenadas nas casas do pavimento térreo do paço do Rio de
Janeiro, onde o calor e a humidade, de envolta com as ba-
ratas, em breve as destruíram inteiramente. »
Direi : nem tudo se estragou, e muita cousa pára em
mãos incautas, que não sabem o que possuem.
Com a morte de pessoas da família real e da família
imperial successora, a gala fúnebre, 110 Rio de Janeiro, para
os féretros, tomou aspecto algum tanto artístico.;
lyCoogle
DAS ARTBS PLABTICAa NO IIIIA9IL 549
A arte monumental funerária antiga se reiluziu aos tú-
mulos da primeira imperatriz, cujos restos mortaes foram
recentemente trasladados do deposito do convento da Ajuda
para o de Sancto António, e outras umas de mármore que se
guardam neste convento.
A inhumação vulgar era feita em covas abertas no chão
das egrejas ou em nichos muraes conhecidos com o nome de
catacumbas .'
As nossas catacumbas ou sepulturas muraes, ha longos
annos interdictas, consistiam em nichos, abertos nas paredes
dos pateos, corredores ou jardins das egrejas, e dispostos em
fiadas parallelas. A forma externa desses nichos era con-
stante : rectilínea na parte inferior e na superior apresentava
um revestimento sinuoso, accorde á preoccupação curvilínea
que especialmente assignalou as ornamentações do estylo do
século XVIII.
Levavam o corpo no caixão para o nicho, onde depois de
collocado com ca!, fechavam hermeticamente o vão com alve-
naria de pedra ou tijolo.
Findo o praso do depósito na catacumba, retiravam os
ossos, e os punham em umas de madeira, das quaes conser-
vavam as chaves pessoas da família do morto. Os cofres fune-
rários ficavam sob a guarda perpétua da ordem religiosa, ou
irmandade, a que pertencia o templo. Urnas houve, de jaca-
randá! ou cedro, obras bem acabadas de Marcenaria. . .
Entre as mais celebres dessas necropolcs muraes mencio-
narei as das egrejas do Carmo, S. Francisco da Penitencia
e S. Francisco de Paula. O recincto da Penitencia está
mais ou menos intacto, cuidadosamente respeitado.
Extendeu-se a quasi todos os templos o singular typo de
construcção, provindo da Península Ibérica, a representar uma
phase da arte dos túmulos. O vão de porta, que do pateo da
^reja do Carmo se communicava com o recincto das cata-
cumbas, hoje casa de banhos, embora fechado com alvenaria,
conserva characteristicos a exprimir tristeza em seus relevos
de vetusta pedra. . .
De todas as modalidades das artes é a funerária a que
se destaca na Historia da Architectura, por phases accen-
tuadas nas Unhas da construcção, na escuiptura emblemática
550 REVISTA DO INSTITDTO HISTÓRICO
e na estatuária symbolica. Percorram-se todos os exemplos
atravez dos séculos e dos povos; as pyramides pharaonicas,
os teocalis da America; os sepulcros musulmanos, as mas-
tabas e hypogeus egypcios ou hindus, as tumbas chaldaicas;
as sepulturas reaes dos Medo- Persas ; toda a Judéa ; as ca-
marás funerárias dos Phenicios, os monumentos da Lycia, os
ataúdes chinezes, as esteias dos cemeterios gregos, os túmulos
dos Etruscos, e as construcções sepulchraes dos Romanos que
excederam em esplendor e luxo,
A nossa arte funerária, depois das catacumbas, se re-
sente e resentír-se-ha da influencia herdada do século XVIII,
mesmo nos féretros e nos carros fúnebres, quanto á funcção
emblemática do ornato e á estatuária symbolica.
Nos séculos XVII e XVIII os edifícios fúnebres não
apresentavam a calma e eleva<;ão artística dos séculos ante-
riores.
A decoração consistia em uma multiplicidade de attri-
butos, ossos, esqueletos, caveiras, fachos de mater iaes di-
versos, em opposição aos mármores brancos e pretos.
No século X\'ni esse gosto attíngiu ao máximo de ex-
clusivismo.. . entretanto nada mais expressivo na arte tu-
mular, do que a simplicidade. . . As nossas catacumbas pri-
mavam pela simplicidade. Penso que no tumulo a simpli-
cidade deve dominar no conjuncto e nos pormenores.
As Bellas-Artes encontraram, depois da Independência
politica, no primeiro imperador a mesma protecção que lhe
dispensava tão dedicadamente seu augusto jrae. Reformou
o ensino, fundando definitivamente, era 1826, a Academia
Imperial das Bellas-Artes que funccionou, desde 1<^, em
edifício próprio, riscado por Grandjean de Montigny, pri-
meiro professor official de -Architectura.
D. Pedro I possuia natural e espontânea aptidão artís-
tica, E' sabida a influencia directa que teve o primeiro impe-
rador no arranjo da nossa primeira bandeira e das Armas
Imperiaes, na sua indumentária niagestatica, aproveitando a
plumagem amarella do tucano, a combinar symbolicamente
com o verde do manto bordado a ouro. D. Pedro I teve a
coUaboração artistica de Debret.
,dbyGoogle
DAS AftTRS PL&STICAS NO BRASIL 551
O sceptro real era encimado por uma esphera armillar,
mas o imperial pelo dragão da Casa de Bragança, animal
fabuloso esse, que deu nome e allegoria á ordem honorifica
do fundador do Império.
A corte, damas e fidalgos, receberam trajo derivado dos
em uso na corte portugueza, modificado nas cores e nos
bordados, sendo verdes os mantos, bordados a ouro, e bor-
dados de prata os vestidos brancos, de seda, decotados, das
damas que ostentavam beltas plumas brancas no respectivo
penteado.
As fardas verdes bordadas a ouro vestiam a nobreza. O
trajo de gala dos grandes do Império no primeiro reinado
encontra-se fielmente representado no retrato do marquez de
Inhambupe, tela pertencente á Eschola de Bellas-Artes.
Nas fardas, conforme a categoria da corte, gentil-homem
ou veador, variava o distinctivo. Chave de ouro distinguia o
gentil-homem do imperador e o dragão era o distinctivo do
veador da imperatriz.
A bellissima composição da ordem honorifica da Rosa
foi inspiração e risco de d, Pedro I.
Lembro-me de que, em uma das viagens a Europa, sua
magestade o imperador sr. d. Pedro II visitou Affonso
Karr grande cultivador e amador de rosas.
Agraciou o romancista com o gráo de cavalleiro da
Ordem da Rosa. Li, tempos dejwis, em um jornal La Rose
que se publicava, não me recordo bem, si em França ou na
Bélgica, um artigo intitulado — Chevalier de la Rose, no qual
Affonso Karr mostrava-se enthusiasmado pela ordem hono-
rifica, e ao primeiro enxerto deu o nome de Chevalier de la
Rose.
A rosa é o emblema da Arte, e côr de rosa a sua còr
symbolica ! . . .
Publicou-se, ha alguns annos, succinta noticia illustrada
sobre as ordens honorificas brasileiras por Artidor- v---—
Pinheiro, digna de ser lida por quem desejar conh
as condecorações, com as quaes se galardoavam se
regime imperial.
Durante os primeiros annos do reinado de d.
dous pintores brasileiros mereceram pelo seu valoi
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553 RETISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
fiança do soberano: José Leandro de Carvalho, já notável
com d. JcMÍo VI, e seu diseipulo Francisco Pedro do Amaral
aquelle Fluminense e este Carioca.
Francisco Pedro do Amaral nlo assistiu ao aconteci-
mento politico de 7 de abril de 1831, morreu seis mezes
antes.
A principio estudou com um artista porti^:uez Manuel
da Costa que, segundo um biographo, era de génio violento e
dorminhoco, principalmente depois de jantar.
Aprendeu em seguida com José Leandro, Manuel Dias,
e frequentava assiduamente as aulas de Jo3o B. Debret. Foi
architecto, pintor decorador, scenc^rapho e, entre os artistas
nacionacs seus contemporâneos, se distinguiu na invenção c
technica; era lettrado.
Contam que Amaral abandonou a auía de Manuel da
Costa por uma brincadeira, resultando-lhe por isso muitas
sympathias. Aproveitou fazer surpresa no momento em que
Manuel da Costa depois do jantar dormia profundamente no
sofá. Usava este chinelas, as deixou no soalho, ficando des-
calçados os pés. Amaral as escondeu, e tractou de pintar
outras admiravelmente eguaes no mesmo logar.
Despertado, Manuel da Costa sentou-se e luctou para
encaixar os pés nas chinelas, arrastando-os debalde no chão,
tal era a similhança da pintura.
Francisco Pedro do Amaral decorou o interior do pala-
cete da marqueza de Santos, amplo e correcto edifício em
S. Christovãtí, hoje propriedade, me parece, do medico
dr. Abel Parente. Pois bem, ao lado de trabalhos irrepre-
hensiveis de pintura, ainda conservados, divertiu-se em pintar,
fora de propósito, uma mosca em ponto da casa, intencional-
mente para illudir.
Não tem faltado quem a enxote inutilmente: a mim me
aconteceu quando alh residiu o visconde de Mauá...
D, Pedro I o nomeou para o cargo de pintor, chefe e
director das decorações da Casa Imperial. Restaurou tod'os
os trens do soberano, adaptando aos velhos coches e car-
ruagens ornamentos do novo império.
O dr. Moreira de Azevedo refere que Amaral, em 1829,
publicou um folheto intitulado: — Explicação allegqrica da
,dbyGoogle
DAS ARTES PLÁSTICAS NO BRASIL 553
decoração dos coches de Estado de S. M. o Senhor Dom
Pedro l, descrevendo o seu trabalho de ornamentista .
Por mais que investigasse em bibliothecas, não consegui
ainda encontrar o precioso folheto que tanto desejo lêr...i
Ao passo que no ex-palacete da marqueza de Santos
conservam-se as pinturas de F. P. do Amaral, não se dá o
mesmo, e ha muitos annos, no antigo solar da faraiiia do
marquez de Inhambupe, prédio actualmente do Derby-Club,
á praça Tiradentes, muitas vezes transformado para peior
desde que na casa se installou um famoso hotel de outros
tempos, o chamado — Hotel dos Príncipes.
Alli Amaral, segundo disse Porto-Alegre, pintou entre
outras scenas tradicionaes a de uma fogueira de S, João.
Decorou também a sala da velha casa, onde por largos
annos esteve a Bibliotheca Nacional.
O pintor carioca era um interessado sincero por tudo
quanto se relacionasse com a sua Arte ; fundou, a 22 de Abril
de 1827, a Sociedade de S. Lucas, composta de pintores,
a qual, disse Moreira de Azevedo, durante septe annos eífe-
ctuou reuniões em casa do sócio António da Cunha Pereira,
á rua Princeza dos Cajueiros, hoje rua Barão de S. Félix,
D. Pedro I sentia a Arte, sabia ver, amava a Musica
e o Desenho, Deve-se a elle, ao seu ministro José Clemente
Pereira, como já alludí no inicio deste curso, principalmente
ao notável pintor João Baptista Debret, auxiliado, por seu
discípulo Manuel de Araújo Porto-AIegre, a realização, em
1829, da primeira exposição pública de Beilas-Artes, no Rio
de Janeiro. Porto-Alegre contava apenas 23 annos de edade;
morreu cincoenta annos depois, tendo nascido na antiga pro-
víncia, hoje Bstado do Rio Grande do Sul, a 29 de No-
vembro de 1806.
O professor Debret não tinha nessa occasião menos de
61 annos, e morreu octc^enario.
Não foi, sem difficuldade, que Debret conseguiu o que
desejava, apesar da bòa vontade do ministro. Oppunha-se
o director da .Academia, Henrique Silva..
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554 REVISTA DO IMSTITUTO HISTÓRICO
Debret insistiu, incumbindo ao seu discípulo Porto-
Alegre de renovar o pedido juncto ao ministro,
O imperador soube do que occorria; a acção enérgica
de d. Pedro I não se fez esperar,
A exposição se oi^nizou, inaugurando-se a 5 de No-
vembro de 1829, perante numerosa e selecta assistencip.
A essa exposi<^ concorreram com trabalhos os mestres da
Academia e seus discípulos.
Em 1830 se realizou outra exposição; ainda Debret re-
correu ao seu discípulo Porto-Al^re.
Por mais de uma vez neste curso tenho pronunciado o
nome de Manuel de Araújo Porto Alegre, o pintor archi-
tecto, poeta e escriptor, deante do seu grande quadro (por
concluir) — A Coroação do sr. d. Pedro II, e que presente-
mente orna uma das paredes desta sala.
Em Agosto de 1907 descobriram, abandonada, a tela
em aposentos da então sede da Sociedade de Geographia.
Ernesto Senna obteve que fosse exposta em uma das
salas da Escbola Nacional de Bellas-Artes.
Por essa occasião o dr. Vicente Píragibe, que dirigia o
Correio da Manhã, appellou para mim, pedindo algumas
linhas a respeito da composição de Porto-Alegre, no que
assenti . Foram publicadas, em forma de folhetim na terceira
■ pagina da edição desse orgam, de 2 de Septembro daquelle
anno, firmadas com as iniciaes A. V., usadas por mim de
longa data nos escriptos quC, sobre Arte, saem em jomaes
diários.
Direi, em extracto, deante do quadro, o que escrevi
em 1907:
A composição commemorativa da imperial ceremonia é
vasta, e, si tivesse sido concluída, contemplaríamos a obra
artística de mais fôlego produzida por Porto-Alegre, não
só pelas dimensões da superfície pintada, mas príncipalmente
pelas complicações do scenario, e numeroso concurso de fi-
guras.
Decorreram já muitos annos; raríssimos contemporâneos
poderiam restar, testimunhas do facto histórico. Estava viva
então, em 1907, uma das testimunhas e único collaborador
de Porto-Alegre na pintura da tela.
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DAS ARTES PLÁSTICAS HO BR&tUL 555
Era o venerando artista, meu prezado mestre e amigo
João Maximiano Mafra, de saudosa memoria.
Tornou-se indispensável conferenciar com elle; sem as
suas informações não descobriria na composição algum^
personagens retratadas ; escasseiam retratos da .epocha para a
comparação. E quem quizesse se regular pelo programma da
ceremonia imperial, inserto no Jornal do Commercio e no
Diário do Rio de Janeiro de Julho de 1841, só cons^uiria
descobrir alguns retratados por distinctivos que carregavam,
mas outros absolutamente não. Membros da coroação quaes:
Cândido José de Araújo Viana (depois visconde e marquez
de Sapucahi), José Clemente Pereira, e Miguel Calmon du
Pin e Almeida (depois marquez de Abrantes) se acbam re-
presentados: o primeiro, (ministro do Império) sem a Con-
stituição, o segundo sem a espada (era o ministro da Guerra)
e o terceiro (ministro da Fazenda) sem a coroa.
Pelo prcçramma da solennidade, entretanto, a estes mi-
nistros conpetia conduzir aquellas insignias.
A composição representa o imperador, muito moço e
imberbe, em pé. juncto do throno, já coroado e empunhando
o sceptro. A figura de Miguel Calmon du Pin e Almeida,
(marquez de Abrantes), por exemplo, incumbido da coroa,
não poderia mais estar com ella. De José Clemente Pereira
ha esculpturas para termo de comparação, e de Araújo Viana
(marquez de Supucahi) dous retratos que o recordam com
a physionomia que tinha nessa epocha, uma cópia photc^a-
phica pertence a um dos seus netos, e o original fora pintado,
ha muitos annos no Maranhão, em homenagem á sua presi-
dência e deve ainda se achar na capital daquelle estado do
Norte.
As informações do sr. professor Mafra foram valiosas,
a mim ministradas pacientemente, em sua residência, quando
já doente, carregando mais de 80 annos, e quasi na ímminencia
de uma cegueira.
O velho e bom Mafra conservou até morrer sempre
admirável memoria. Deu-me as razões da interrupção da
pintura do quadro, c consequentemente porque ficou a com-
posição por concluir.
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556 REVISTA DO IHSTITOTO HISTÓRICO
Ao Instituto pertence a photographia do esboço funda-
mental do quadro; a Bibliotheca Nacional possue tanlbem
outra cópia photographica.
Resolvida a enconunenda do Quadro, cederam por em-
préstimo ao pintor, para atelier, uma sala do antigo edificio
da praça do Commercio, á rua Primeiro de Março.
O sr. Mafra traçou a quadricula e os primeiros deli-
neamentos da perspectiva do quadro,;
Os retratos foram pintados deante dos respectivos mo-
delos vivos. Porto-Alegre conseguiu-o, indo pessoalmente á
casa de cada um delles, O sr. Mafra pintou duas cabeças.
Depois do trabalho muito adeantado, a Associação Cont-
mercial precisou da sala. Enrolaram a tela e a removeram
para o almoxarifado do Palácio Imperial da cidade. Nunca
mais Porto-Alegre pôde pros^uir, distrahicfo por outras
occupações, algumas em paizes extrangeiros.
A tarefa, tão bem começada, ficou por terminar, e afinal
exquecida e abandonada em um recanto de dependências do
Palácio, occupadas depois pela Sociedade de Geographia,
Na tela ha espaços own esboços de pintura, outros em
branco, e naturalmente damníficados .
Felizmente o quadro tem agora pouso digno, em sala da
associação que Porto-Al^re tanto prezava e a qual tanto
illustrou com o seu talento.
Não falta o que vêr na pintura. , .
O facto histórico da coroação do imperador sr, d. Pedro II
é matéria sabida. As noticias da apparatosa ceremonia, men-
cionando os nomes das altas personagens presentes, constam
de jornaes de 1841, referidas e reproduzidas em outras pu-
blicações modernas.
O desenho da celebre varanda, projecto de Porto-Alegre,
já tem sido egualmente reproduzido,
O quadro mostra o ambiente da sala do throno da va-
randa, no momento da proclamação pelo arcebispo da Bahia,
d, Romualdo, mais tarde agraciado com o titulo de marquez
de Sancta Cruz.
O throno e o docel estão por acabar, A figura do prelado
apresenta a cabeça ligeiramente esboçada, e, como essa figura,
se vê a que deve representar o condestavel, cujo papel coube
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DAS ARTES PLAStlCAB KO BRASIL $$?
ao primeiro marquez de Paranaguá (Francisco yillelá Bar-
bosa) ministro da Marinha.
Distinguem-se todos os demais ministros, alguns membros
da Còrle e do Clero.
Nota-se o predomínio das figuras de perfil; a do joven
imperador está de perfil.
Dos ministros pintados ao lado do throno se percebe
facilmente o de Extrangeiros, Aureliano de Souza Oliveira
Coutinho (visconde de Sepetiba), por que traz o globo, men-
cionado no programma official da ceremonia.
A figura de Miguel Calmon du Pin e Almeida (marquez
de Abrantes) se acha perto. Do outro lado um pouco á
frente, se destacam o alferes-mór conde de Lages (depois
marquez) empunhando o estandarte imperial, e juncto delle
o ministro da Justiça Paulino José Soares de Sousa (visconde
do Uruguai),
No plano posterior, em frente a dous moços fidalgos,
estão Cândido José de Araújo Viana (marquez de Sapucahi)
e José Clemente Pereira. O commandante das Armas se
acha nesse grupo em figura charactertstica.
Araújo Viana não usava da barba nesse tempo mais do
que pequenas costelletas, e os cabellos se conservavam ainda
todos pretos. E' um dos retratos que se pôde considerar quasi
acabado pelo artista. Em grande maioria as pessoas evidentes
do quadro vestem casaca de Corte e trazem o manto da
Ordem honorifica de Christo.
O bispo do Rio de Janeiro de então, conde de Irajá,
parece representado na tela, cingindo a mitra e empunhando
o cajado episcopal. Dos retratados, além dos já referidos,
devem estar os marquezes de Barbacena, de S. João Marcos,
de S. João da Palma, de Itanhahem e outros titulares.
No primeiro plano, quasi no eixo vertical da compo-
sição, é interessante o grupo do mestre da capella, cónego
Moreira, e a do conselheiro Paulo Barbosa da Silva, mestre
da sala. Porto-Alegre os pintou, um juncto do outro a con-
certarem ceremonias. . . Vultos das princezas d. Januaria e
d. Francisca, ermas do imperador, assistem de uma tribuna.
Nos trechos em branco, o artista incluiria outras perso-
nagens . . .
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558 REVISTA DO INST1T0TO HISTÓRICO
A figura de António Carlos de frente, lado opposto ao
throno, basta para recommendar um pintor.
Felizmente está salvo o precioso dociunento de Arte
nacional, sob a guarda vigilante do Instituto Histórico e
Geographico Brasileiro ...
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CONTINUAÇÃO DAS ARTES KO PRIMEIRO REINADO — PERÍODO
DA REGÊNCIA — AS ARTES E ARTISTAS NO REINADO DO
SR. D. PEDRO II
Sr. presidente do Instituto Histórico e Gec^aphico Bra-
sileiro.
Meus senhores:
Em 1829 estava dado o primeiro passo paia os subse-
quentes certamens de arte, com a inauguração, no Rio de
Janeiro, da i' Exposição de Bellas Artes. Ficaram satisfeitos
os justos desejos do professor João Baptista Debret,
A' Exposição seguinte, em 1S30, quando ministro do
império o conselheiro José António da Silva Maia, concor-
reram mais expositores, e entre elles recordo apenas por
curiosidade histórica o nome do auctor dos Suspiros Poéticos
e da Confederação dos Tomoios, Domingos José Gonçalves
de Magalhães (mais tarde visconde de Araguaia), então
alumno-amador da Academia.
O successor do illustre Lebreton na direcção do ensino
das Bellas-Artes, Henrique da Silva, embaraçou, como vimos,
o quanto lhe foi possível, as exposições.
Henrique foi um pintor importado de Lisboa para
illustrar traducções de Targini (barão de S. Lourenço), o
seu protector e que em má hora se lembrou de po-lo á testa
do ensino. Era um artista de pouco valor.
A morte do conde da Barca se tomou calamidade para
os artistas francezes, que se consideraram desamparados.
Simão Pradier retirou-se em 1818 para a Europa; Le-
breton retrahiu-se, indo residir em uma casa, á praia do
Flamengo, fallecendo em Maio de 1819.
Henrique da Silva desgostou os illustres artistas fran-
cezes, contractados por d. João VI, e peior 'não aconteceu
. Google
56o REVISTA DO INSTITUTO lUSTORlCO
devido, segundo Porto-Alegre, a plácida constância 'de Debret,
aos seus talentos e ás suas virtudes.
cAquelle nosso compatriota, quando se matriculou em
1827 na Academia das Bellas-Artes, já a encontrou num
cahos incomprehensivel de desordem e de odíos recíprocos.
Henrique da Silva, não podendo ferir os mestres, feria o
ensino, entravava o seu andamento; muito protegido levou a
Academia de rastros, até 1829, quando com a bóa vontade de
José Clemente Pereira e energia do imperador d. Pedro I,
cessaram as hostilidades, inaugurando-se a primeira expo-
sição, com catalogo impresso ã custa de Debret >.
E' sina do estabelecimento até hoje: de vez era quando
apparecem factos de uma analogia flagrante...
O medíocre successor de Lebreton procurou de^^star
principalmente: a Nicolau Taunay, a Debret e a Grandjean
de Montigny, artistas consagrados, e cujas bi<^raphias podem
ser lidas nos melhores diccionarios encyclopedicos. Prete-
ridos na direcção da Academia, que fundaram, difficilmente
supportariam o novo estado de cousas. Nicolau Taunay, já
membro do Instituto de França, retirou-se ; Debret aqui ficou
apenas para desenhar a sua Viagem, e Grandjean por ter
gasto os haveres em uma propriedade, que não conseguiu
vender como lhe convinha.
O acontecimento politico de 7 de Abril dei83i acarretou
consequentemente natural perturl)ação Cm todos os serviços
públicos: o das Bellas-Artes não deixou de ser attingido.
Debret regressou para a Europa, pe<fíndo mais tarde de-
missão, ao que o Governo annuiu e lhe concedeu uma pensão.
Porto-Alegre accompanhou seu mestre.
De 1S31 a 1834 o ensino das Bellas-Artes qUasi não dava
signal de si, a não serem referencias, nem sempre agradá-
veis, constantes de relatórios, de ministros do Império do
período inicial da Regência.
Em 1834 (29 de Outubro) morreu o director Henrique.
Nomeado Grandjean de Montigny, não acceítou, recaindo a
eleição no pintor e professor Félix Emilio Taunay, filho
do eminente artista Nicolau Taunay.
A primeira referencia desagradável de um ministro da
Regência foi a de José Lino Coutinho em seu relatório de
lyCoogle
IJA3 ARTE3 PLÁSTICAS NO BRJkSlL - 561
1832. Disse elle: «a Academia de Bellas-Artes crêada para
aproveitar a mocidade brasileira nas obras de imaginação e
de gosto, para as quaes tem grande queda, estava, por assim
dizer, em perfeita nullidade, sem estatutos nem plano de
estudos theoricos e practicos ; nem os mestres ensinavam, nem
-os discípulos aprendiam».
€ Deu-se-lhe, portanto, um plano regular de estudos,
marcaram-se as obrigações dos professores e seus empre-
gados, e o Governo espera, que com taes medidas esta Aca-
demia dará para o futuro artistas instruídos e hábeis em
seus ramos. »
O ministro Nicolau Vergueiro, em 1833, não se mani-
festou muito favorável á opportunidade do ensino de Bellas-
Artes, porquanto dirigindo-se ao Corpo Legislativo escreveu ;
€ A Academia das Bellas-Artes é lim estabelecimento que
não pôde apresentar grande prosperidade em um paiz, onde
estão em atraso as que são mais necessárias á vida, contudo
ella é frequentada por 24 alunjpos matriculados e muitos
amadores, entre os quaes alguns se notam com grande apro-
veitamento » .
O ministro Chichorro da Gama, que succedeu a Ver-
gueiro, pediu reforma, citou aulas, opinando que o ensino
de Anatomia conviria ser simultâneo com o do Desenho figu-
rado e de modelo-vivo, não constituindo cadeira indepen-
dente .
Em 1835, Joaquim Vieira da Silva e Sousa foÍ o pri-
meiro ministro do império que officiahnente pediu aucto-
rização para prémios nas aulas de Desenho e modelo-vívo.
Já em 1836. pelo relatório de José Ignacio Borges, vê-se
que houve aproveitamento na mocidade da Academia, visto
como muitos alumnos foram premiados em Esculptura,
Pintura e Desenho. Limpo de Abreu (visconde de Abaete),
ministro do Império em 1837, pediu a creação de uma cadeira
de Gravura de medalhas. Bernardo Pereira de \'asconcellos
em 1838 julgou pequena a verba consignada para a Aca-
demia. Em 1839, Francisco de Paula Almeida e Albuquerque
desapropriou os prédios para a formação da praça semi-
circular em frente á Academia, e a abertura da rua Leopol-
dina, hoje Barbara de Alvarenga.
No período da Regência foi que se pensou nos salões deOQlC
Arte propriamente dictos, ou exposições geraes de Bellas-
5' 3»
g6a • REVISTA DO INSTITUTO HISTOHICO
ArteS, concorrendo alumnos da Academia e artisías éxtranhos
a ella.:
O conselheiro Manuel António Galvão, que conversara
com Porto-Alegre em Londres e ouvira aqui Félix Taunay,
expediu, a 31 de Março de 1840, o aviso, memorável para a
Arte nacional, determinando que a Exposição annual da Aca-.
demia se tomasse Exposição de Bellas-Aries e que se confe-
rissem prémios aos expositores mais notáveis, quer fossem
pertencentes ao estabelecimento, quer fossem éxtranhos. O
conselReiro Manuel António Galvão, ministro da Regência,
foi, por conseguinte, o fundador dos salões annuaes de Arte
no Rio de Janeiro.
No relatório de 14 de Maio de 1840, ainda no período
da Regência, apresentado pelo ministro do Império, Fran-
cisco Ramiro de Assis Coelho, ha providencias lembradas era
matéria de Bellas-Artes, dignas de apreço.
Assis Coelho lembrou a creação de academiaã filiaes
nas capitães das provincias, e na justificação perante o Corpo
Legislativo terminou com as seguintes palavras : < si vos
dignardes de prestar a esta idéa a vossa attenção, as paredes
dos nossos edifícios, hoje adornadas com tapeçarias e gra-
vuras extrangeiras, em breve tempo, brilharão com quadros
das nossas encantadoras paizagens e dos acontecimentos mais
notáveis da Historia do Brasil >,
O conselheiro Assis Coelho lembrou mais mandar pen-
sionistas ã Europa, escolhidos entre os alumnos mais dis-
tinctos, para se aperfeiçoarem nos melhores centros de cultura
artística. Foi além do seu antecessor relativamente á pro-
tecção ás Bellas-Artes; projectou r^ulamentação para as ex-
posições geraes, com jury prévio e prémios.
Do exposto se conclue que os governos do período da
Regência não se descuidaram; pelo contrario, ministros tor-
naram em realidade medidas proteccionistas ás Bellas-Artes,
hoje tão repetidas como cousas novas, quando já as passadas
gerações dirigentes as tinham lançado.
Não houve tempo para se inaugurar a primeira Expo-
sição Geral de Bellas-Artes, no período da Regência, de
accôrdo com as suas mencionadas decisões. Inaugurou-se já
no primeiro ministério da Maioridade.
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DAS ARTB8 PLÁSTICAS NO BRASIL 563
Deste salão, propriamente dicto, principiou a phase de
movimento da Pintura, o qual precedeu ás phases brilhanteii
dessa Arte era todo o reinado do sr. d. Pedro II.
-Nesse reinado de aniôr e protecijáo ás Lettras, ás Sciencias
e ás Artes, só houve durante a guerra contra o Paraguai
uma epocha de i^aralysação artistica e isso somente para a
Architectura, que entretanto melhorou e progrediu logo após
a terminação da campanha, a qual absorvia grande parte da
renda pública.
Para se estudar a. Pintura, a Esculptura e Gravura, no
Brasil, desde a Regência até 1889, bastava tomar como ele-
mento inicial ou fundamental a effigíe do imperador menino,
adolescente, imberbe, com pouca barba, completamente bar-
bado, e encanecido; o imperador, em todos os tempos, com
todas as edades.
Estuda-se a Gravura, a Esculptura e a Pintura de di-
versas epochas, a Lithographia, a agua-íorte, a Xylograpliia,
a Photographia, enfim todas as artes do retrato inclusive a
derivada da Gravura, a Niunismatica.
O imperador foi representado com a indumentária ma-
gestatica ou imperial, uniformizado de almirante ou gene-
ralissimo, de casaca preta ou de sobrecasaca; o sr. d. Pedro II
de perfil ou não, em busto, em pé, sentado ou a cavallo.
No Brasil não hóíive até hoje quem fosse mais retratado,
Attingiu-o naturalmente a caricatura. . . Mas muitas vezes
a caricatura, injustamente cheia de ódio, desrespeitosa, des-
graciosa, da lavra de extrangeíros ingn
sando-se dest'arte dos sentimentos ultra
do monarcha patriota, condescendente, b
magnânimo e abnegado.
Percorra-se o Brasil inteiro, e não
ou possua um retrato do s^;undo imper;
Durante o seu longo reinado, o sr.
e protegeu as artes e artistas. E a muti
Imperial, agraciando aos que mais se di
pela emulação, para o desenvolvimento
Brasil.
Araújo Viana (marquez de Sapuc
gimdò gabinete da Maioridade, em seu
DigtizBdbyClOOgle
564 REVISTA DO IXSTITOTO HISTÓRICO
« a Academia de Bellas-Arles continuava a prosperar, e o
Governo empenhava-se em animar as pessoas, que a ellas
se dedicavam, concedendo medalhas; condecorações ás que
por suas protfucções se tornaram mais distinctas; elle, porém,
estava persuadido de que taes providencias não bastavam
para se dar a este ramo todo o desenvolvimento que se dese-
jasse ». Entre as medidas, accentuou o ministro Araújo
Viana, que poderia lembrar-vos, < se me offereceu como
grandemente efficazes, a de mandar viajar na Europa alguns
dos discipulos mais aproveitados, para se aperfeiçoarem nas
escholas celebres e estudarem os primores das Artes, e a de
abrir aos que a ellas se dedicam o caminho para um futuro,
ao menos exempto das vexações da indigência >.
E Almeida Torres (visconde de Macahé), ministro no
gabinete de 2 de Fevereiro de 1844, referíndo-se aos bons
resultados das distincções honorificas, accentuou que < a Mu-
nificência imperial galardoando com distincções os auctores
das principaes obras que figuravam nas exposições annuaes
da Academia de Bellas-Artes, ia despertando entre os que
as cultivavam, salutar rivalidade, e estimulando os alumnos a
se exforçarem para merece-las » . O Governo dessa epocha
ainda mais, como meio de auxilio, mandava admittir como
addidos, para desenhar na Inspecção das Obras Publicas,
alumnos distinctos da Academia.
Dos artistas francezes contractados, o que bons serviços
prestou ao ensino de Bellas-Artes foi incontestavelmente J.
B, Debret; aos seus exforços se deve a primeira exposição,
pintou quadros e decorações já mencionadas, além de ter
desenhado com indicações do primeiro imperador a primeira *
bandeira brasileira, as armas imperiaes, as ordens honorificas,
a indumentária imperial e tudo mais que reclamava a sua
collaboração competente.
Entre seus discipulos citarei Simplício Rodrigues da
Silva, que pintou vários retratos de d. Pedro I, dos quaes um
se vê nesta sala. Porto-Alegre, o architecto da varanda da
coroação do sr. d, Pedro II, pintor de vários quadros, entre
elles o painel representando d, Pedro I a entregar o decreto
da reforma da Faculdade de Medicina ao Corpo docente;
a Ceia, encommendada por José Clemente Pereira para a
lyCoogle
DAS ARTES PLÁSTICAS NO RRASIL S(>5
capella do Hospital da Misericórdia, onde se acha, aliás com
letoques posteriores e grosseiros feitos por pessoa iiicom-
petentissima ; decorou a sala do tliroiio; preparou o paço im-
perial para o casamento do sr. d. Pedro 11, e foi decorador
dos festejos do baptisado dos príncipes d. Affonso e d. Pedro,
filhos do segundo imperador.
Chamado a servir de vereador supplente da Camará MU7
nicipal mostrou-se arcliitecto: acabou com as gotteiras dos
beiraes dos telhados, fazendo com que as aguas se enca-
minhassem por tubos verticaes de descarga, insistiu pela sub-
stituição das velhas calçadas, projectou o afornioseamento do
CanijK) de SancfAnna, Imje Praça da Republica, mais tarde
ajardinado com as formas de parque |>or Glaziou; pintou
ornamentações no antigo Palácio Municii)a] ; foi professor de
Pintura histórica, jubilado em 1858, e director da Academin
das Bellas-Artes, de 1854 a 1857.
Notáveis se tornaram os seus discursos nas sessões da
Congregação, discursos cheios de patriotismo, e que constam
dos livros das actas da Academia,
Pertencem á galeria da Eschola de Bellas-Artes duas
paizagens por Porto-Alegre e um retrato de d. Pedro I.
Segue-se: José Corrêa de Lima, natural de Minas Gcraes,
outro discipulo de Debret, e um dos seus successores na ca-
deira de Pintura histórica. Falleceu a 22 de Junho de 1857,
Ensinou pintura a \"ictor Meirelles.
Quando depois da morte de Victor Meirelles se inau-
gurou na Eschola Nacional de Bellas-Artes uma exposição
de trabalhos deste artista, procurou-se um retrato de seii
mestre para ser alçado em logar distincto; não se encontrou.
Resoh-eu-se então, em homenagem ao mestre, collocar-se um
de seus quadros, existentes na Galeria, e assim se fez.
Corrêa de Lima viajou pela Europa depois de pintor e
professor. Nos primeiros tempos de seus estudos escholares
dedicou-se simultaneamente a trabalhos de Architectwra ;
algims figuraram em exposições de alumnos.
Na Pinacotheca da Eschola conservam-se trez quadros
do mestre de Victor Meirelles : um de 1841 — Magnanimidade
de Vieira, facto acontecido no dominio hollandez, em Per-
nambuco; o segundo datado de 1853, é o retrato do intrépido
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566 REVISTA DO INSTITDTO HISTÓRICO
marinheiro Simão, carvoeiro do vapor Pernambucano, que no
dia 9 <Je Outubro de 1853, na costa do Sul da Laguna, em
Sancta Catharina, salvou trez pessoas ; o terceiro quadro é de
1856, excellente na scena e nos retratos; tracta-se da pintura
de uma sala onde juncto de um piano se vè Francisco Manuel
<lã Silva, o compositor do nosso Hymno Nacional, e suas duas
enteadas.
As duas senhoras representadas pertenciam á nossa so-
ciedade distincta: uma, a esposa do finado conselheiro An-
drade Pertence, lente da Faculdade de Medicina, e a outra
d. ■ Henriqueta de Almeida Arèas, baroneza de Ourem, cuja
voz alcançou real celebridade nos salões do Rio de Janeiro.;
A composição deste quadro honra ao pintor.
A sua obra não foi tão extensa, nem tão opulenta como
a do discípulo illustre, mas também viveu muito menos do
que este. . .
Zeferino Ferrez, o primeiro professor official de Gra-
vura de medalhas, compoz, além de trabalhos restrictos de
sua especialidade, baixos relevos da fachada do antigo pa-
lácio das Bellas-Artes, riscado por Grandjean, e hoje Minis-
tério da Fazenda. O baixo-relevo allt^orico, do tympano do
frontão, a representar Phebo em seu carro luminoso, é de
sua lavra, e os dous génios alados que ladeiam a porta de
ingresso. Em um delles o artista esculpiu fructas brasileiras
a saírem de uma cornocopia.
Cabe a Zeferino Ferrez a prioridade da esculptura de
nossas fructas, no que quasi contemporaneamente o imitaram
em uma velha casa que acabam de demolir na rua d'AIfan-
'dega, esquina da da Conceição (Vasco da Gama). Muito
mais tarde Bethencourt da Silva aproveitou o ornato nas cor-
nucopias decorativas e symbolicas da abundância, no frontis-
pício do edifício da Associação Commercial, á rua Primeiro
de Março; e modernamente Oliveira Passos na fachada pos-
terior do Theatro Municipal.
Obras primas de Zeferino Ferrez sSo: suas medalhas
desde a da coroação de d. Jfxío VI até ás gravadas no se-
gundo reinado, essas que o artista gravou com a effigie do
segundo imperador do Brasil. Só como elle tem gravado, no
I. Google
I)A8 ARTES PLÁSTICAS NO BIIA8II. 567
Brasil, Augusto Girardet que é entre os gravadores mundiaes
um artista completo na especialidade.
A Escliola de Bellas-Artes guarda muitos gesses de me-
dalhas, e medalhas de várias epochas. As collecções da Bi-
bliotheca Nacional muito interessam; e entre amadores são
opulentíssimas as collecções do dr. Domingos de Góes e Vas-
concellos, filho do notável estadista do Império, Zacharias de
Góes e Vasconeellos. A seu convite visitei as suas collecções.;
As salas sâo pequenos museus ; alli se coUeccionam mobiliário
Intimo estylo d. João V, Luiz XV, cadeiras de Córdova,
tamboretes, objectos de marfim antigo, floretes e armas do
tempo do Império, todas as veneras completas das ordens
honorificas imperiaes, documentos da sumptuária do século
XVIII, e da sumptuária imperial. Interessaram-me as chaves
distinctivos do reinado de d, João VI e de d. Pedro I, as
quaes conheci apenas por desenho. As do reinado do segundq
imperador eram muito minhas conhecidas...
O ornato tradicional, accentuado nas chaves dos gentis-
homens do rei, desapparece nas dos camaristas de d. Pedro I,
com a influencia clássica dos artistas da epocha, mas, por
atavismo, reapparece, caprichoso, nas curvaturas do dragão
nas chaves dos camaristas do segundo reinado. Parece de
pouca importância esta nota; entretanto será um elemento a
junctar, confirmando conclusões antecipadas no inicio deste
curso, isto é. relativas ao vigor, á preferencia ethnographica,
á adoptarão creoula de determinado estylo decorativo que os
colonizadores importaram.
O dr. Domingos de Góes conta em suas collecções cerca
de 2.500 medalhas. Possue medalhas commemorativas do
domínio hollandez, e na serie das medalhas brasileiras vi em
seu museu a primeira medalha cunhada no Rio de Janeiro
em 1820, gravura de Zeferino Ferrez; todas as de campanha;
das exposições e prémios de Bellas- Artes ; religiosas; de pré-
mios collegiaes e clubs; da coroação de d. Pedro 11 (fir-
madas por Azevedo) ; da campanha de 1852; etc. O peso das
medalhas de ouro attinge a quatro kílos. Interessantíssimo o
mnscu do dr. Domingos de Góes...
Joaquim José da Silva Guimarães, pensionista da Aca-
demia, Quintino de Faria, Silva Santos, Quirino Vieira,
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568 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Christovam Lustcr foram gra\adores que tonto rreram a vá-
rias exix>si<;ões.
Marc Ferrez, esculptor estatuário, succedeu a Augusto
Taunay no magistério de Esculptura na Academia. Formou
dous grandes discípulos que lhe succederam na r^encia da
cadeira.
O primeiro Francisco Elydeo Pamphiro, artista de grande
talento, carioca, nascido em 1823, pensionista do Governo em
Roma, e em 1850 succedeu ao seu mestre. Falleceu em 1852.
Delle guardam as galerias da Eschola : uma estatua de Achilles
e Endymião, baixo- relevo.
Esculpiu ornatos na sanca do salão nobre da então Es-
chola Militar, hoje Polytechnica. Morreu muito jovem, quando
havia começado baixos-relevos de scenas do poema Caramurú,
de Sanctã Rita Durão.
O outro discípulo de Marc Férrez, e successor de Pam-
phiro no ensino officia! da Esculptura, foi Francisco Manuel
Chaves Pinheiro, mestre do esculptor contemporâneo, Ro-
dolfo Bernardelli. Extensa se apresenta a obra de Chaves
Pinheiro que, por longos annos, pontificou na Academia, No
ensino e na composição artística abraçou a maneira clássica,
doutrina da maioria dos professores francezes, especialmente
Debret na Pintura, Zeferino Ferrez na Gravura e Grandjean
na Architectura . Transmittiram naturalmente os modos de
sentir a todos os seus discípulos. A epocha era a do clássico
no ornamento.
Outros discípulos deixou Marc Ferrez: Quiríno Vieira
e João Duarte Moraes. O trabalho mais cotado destes ar-
tistas é o baixo-relêvo da empena do edifício do Cassino,
(hoje Club dos Diários) no lai^o da Lapa. Representa o
Genío do Brasil, presidindo ás Musas, grupadas dos dous
lados, de modo a preencherem completamente a empena.
Fernando Pettrich, estatuário dtnamarquez, que viveu
e trabalhou no Rio de Janeiro por mais de 13 annos, com
atelier em aposento do pavimento térreo do Palácio imperial
da cidade, cedido bondosamente por Sua Magestade o Impe-
rador. Formou o esculptor Severo Quaresma \'ieíra, que se
conceituou num busto do conde de Traja, bispo illustre da
diocese do Rio de Janeiro.
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DAS ARTES PLÁSTICAS MO BRASIL S^
Oulro esculptor é preciso citar: Honorato Manuel de
Lima, o ornanientista nos festejos urbanos por occasião, em
1843, (la chegada da terceira imperatriz do Brasil, esposa vir-
tuosa do sr, d. Pedro II, e auctor do plano da escadaria e
rampas da frente do edifício da Escliola Polytechnica . Para
alli projectou estatuas de mármore, não levadas a effeito.
Pettricli, o esculptor dinamarquez, deixou duas boas es-
tatuas dos dous imperadores e de José Clemente Pereira ; esta
deve se acbar no Hospicio de Alienados. O modelo em gesso
está no Hospital Geral da Misericórdia.
Pettricb offereceu á Bibliotheca do Lyceu de Artes e
Ofíicios estampas gravadas em aço, accompanhadas de texto
explicativo, reproduzindo trabalhos do celebre estatuário
.Thorwaldsen .
A obra de Marc Ferrez não se attesta no Rio de Ja-
neiro com muitos documentos. Sobresaem apenas bustos pas-
sados a bronze, especialmente os do primeiro imperador e
as estatuas de Apollo e Minerva, modeladas para o frontis-
picio da Academia, e actualmente damnificadas. Soffreram
mutilações quando dalli as retiraram para o novo edifício da
Escliola de Bellas-.^rtes. A administração tracta de restau-
ra-las. c dar-lhes sitio conveniente.
Chaves Pinheiro foi o esculptor brasileiro que mais pro-?
duziu no século pessado. Conheci-o de perto. Tinha as qua-
lidades e o modo de interpretação artistica de seu tempo.
Resumindo direi: entre seus trabalhos se de.-stacam a estatua
equestre ainda em gesso do sr. d. Pedro II. e a pedestre do
actor João Caetano, passada a bronze, e situada no parque da
Praça da Republica. A estatua de Buarque de Macedo no
Jardim da Secretaria da Viação e Obras Publicas, é da lavra
de Chaves Pinheiro, e numerosas estatuas em gesso do segundo
imperador, bustos de estadistas e personagens illustres, tym-
panos e alguns baixos- relevos de tectos, como o do salão
nobre do Hospital Geral da Misericórdia e o do salão do
Palácio da Prefeitura,
Um esculptor de ornatos seu contemporâneo devo citar
pelos trabalhos de madeira: António de Pádua e Castro,
professor de Escuiptura de ornatos da antiga Academia. O
pórtico da egreja de S. Francisco de Paula e todo o seu
rfbyGoOgIe
S70 REVISTA DO INSTITDTO niSTORtCO
interior, menos a capella-mór, foram trabalhados por elle,
auxiliado nas figuras e scenas esculpidas, por Chaves Pi-
nheiro, e por Cândido Caetano de Almeida Reis, auctor da
estatua do poeta António José, do grupo A Miséria e o Génio,
exposto em 15 de Março de 1879, e da figura allegorica do
Progresso, que se vê na estação inicial da Estrada de Ferro
Central do Brasil.
A pintura de paizagem teve como professor, até jubi-
lar-se em 1851, Félix Emilio Taunay, 3" Director do ensino,
artista de muito valor. Não se poderá dizer que elle se de-
dicou exclusivamente a especialidade que ensinou na Aca-
demia.
Em toda a sua vida de artista primou pela sinceridade
absoluta, revelada por mais de imia vez nos discursos pro-
nunciados nas sessSes da Congregação de professores, e tran-
scriptos no respectivo livro das actas. Não se poderá dizer
que Félix Taunay tivesse sido exclusivamente paizagista, por-
que era professor de paiz^em. Das suas obras, constantes
das nossas galerias nacionaes, só duas são paizagens propria-
mente dietas — ^ista da Mãe d' Agua e a Vista de matto em
queimada .
Nos quadros — O Caçador e a Onça e a Descoberta das
'Aguas Thermaes de Piratininga ha paizagem, mas acciden-
talmente. O seu quadro retratando d, Pedro II, em 1835, é
delicadissimo e primoroso' trabalho de pintura.
Passando á Architectura direi que os ensinamentos do
neo-classico, devidos a Grandjean de Montigny, ínfluiram nas
principaes construcçSes ; a começar o exemplo pela fachada
da Academia. Continuou a obra do mestre seu discípulo José
Maria Jacintho Rebello, auctor dos projectos do Hospital
Geral da Misericórdia, do corpo central do Hospício de Alie-
nados, do hemicyclo do antigo matadouro e de outras obras.
Lá estão os frontões, as infalliveis columnas ou pila^
trás . . .
Do discípulo de Grandjean, Job Justino Alcântara, seu
successor no ensino official da disaplina, só ha noticia da)
architectura commemorativa e ephe?iera nos arranjos oma-
mentaes de praças e ruas, por occasião do desembarque da
imperatriz sra, d. Tereza Christina. Do outro discípulo.
byCoogIe
DAS ARTES PLÁSTICAS NO BRASIL 57I
João José Alves, ha o edifício onde funccionou o Institutoj
Nacional de Musica, e finalmente de José António Monteiro,
a fachada e lados do edifício da Prefeitura, antes de ser pro^
longado. Depois de Jacíntho Rebello, o discípulo exclusivista
na adopção das linhas do neo-classico, segue-se Bethencourt
da Silva, professor da Academia, que foi durante annos quasi
um architecto de Estado; dahi o ter sido auctor de muitas
obras de archítectura escholar, palaciana, politica, commercial,
commemorativa, de regosijo nacional ou de lucto, religiosa,
funerária, paízagista e domestica (13).
Extensa e fecunda é a obra de Archítectura de Bethen-
court da Silva.: j
Em 1849 apparece o pastel, em vasta escala, pela pri-
meira vez em uma exposição que nesse anno se realizou. Até
essa data predominava exclusivamente na pintura de quadros
o processo do óleo.
O pintor francez João Baptista Borely introduziu o pro-
cesso do pastel, com o retrato do dr. Joaquim Caetano da
Silva, reitor do Collegio de Pedro II.
Não se conhece documento nenhum até agora anterior,
que possa contrariar a affirmação da prioridade. No nosso
meio de artistas viveu o francez Gensollen, que pintou alguma
cousa pelo frágil processo. Nas galerias da nossa Eschola
deve existir desse pintor um quadro, a pastel, de natureza
morta. Houve mesmo, muito antes detle, outros que tentaram
o processo, mas repito, a prioridade da introducção parece
pertencer a Borely, Quem o denunciou primeiro foi Porto-
Alegre na revista Guanabara, dando conta circunstanciada da
referida Exposição.
Entre os quadros da nossa Pínacotheca ha um bom retrato,
a pastel, do conselheiro dr, Thomaz Gomes dos Santos, 5'
director da antiga Academia, pintado por Borely, e o Instituto
Histórico possue outro pastel do mesmo artista. Conheci João
Baptista Borely, em 1876, residindo no arraial do Taboleiro
do Pomba, em Minas Geraes, a pintar, não pelo processo do
(ij) Jo*í Radriini«i Marcira, peniionuta in Acadrinia em Roma e di*ci-
pulo de Canina, foi (luniDo de Crindjean. Deixou muiloi projeclt» bem de-
«enhadoR ■
.ibiGoogle
572 REVISTA DO INSTITUTO HISTOBIfO
pastel, mas retratos a oleo. 3 torto e a direito, de; toda a
gente do arraial e adjacências, e a todo preço —
Por esperto não firmava as telas que não prestavam. O
preço e5ta^'a tão ao alcance, que não houve por allj quem
deixasse de se retratar pelo Borely... Entretanto, meus se-
nhores, í[uando não se achava embriagado, aliás quasi seu
estado habitual, pintava bons quadrinhos. Fallava-me sempre
nos dous retratos pintados por elle no Rio, exaltando, com
razão, o do conselheiro Thomaz Gomes dos Santos.
Minha filha contava apenas qualro mezes de edade; su-
jeitei á contemplação de Borely, que me pintou da prezada
menina um retrato bem tractado, bem cuidado.
Borely era muito intelligente, e tinha estudos regulares
de algum estabelecimento de instrucção secundaria e especial
de Desenho em França.
Quando o conheci apparentava 40 e poucos annos de
cdade. Ignoro a data de seu nascimento, e em que localidade
de Minas morreu. Soube que nunca mais deixou aquellas
paragens, onde o hospedaram com carinho e o aturavam pa-
cientemente nas bebedeiras mansas.
Disse, ha pouco, que o architecto Alcântara se encarre-
gara, em 1843, das decorações commemorativas e festivas,
por occasião da chegada da imperatriz a sra. da. Tereza
Christina; e preciso ponderar que taes decorações soffreram
da parle de Porto-Alegre severa critica em artigo da revista
— Mhicn-a Brasiliense.
E desde que ha opportunidade recordo o cães construído
especialmente para desembarque da imperatriz, na praça Mu-
nicipal, antigo \'allongo, onde se collocaram dous interessantes
golphinhos de bronze, escuipturas do nosso compatriota João
Justino de Araújo, que os vendeu á Municipalidade por
745$200.
Com a demolição do cães removeram, na administração
do prefeito Passos, os referidos golphinhos para o chafariz
de ferro do largo do Paço.
Na acta da sessão da Camará Municipal, de 21 de Julho
de 1843, publicada no Diário do Rio de Janeiro, li parecer de
louvor dado pelo vereador, o distinctissimo homem de lettras,
dr. Félix Martins, depois barão de S. Félix.
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DAS ARTES PLÁSTICAS NO BRASIL
Em 1862, \'ictor Meirelles expõe o seu quadro Primeira
Missa lio Brasil, sendo agraciado com o grau de cavaileiro
da Ordem da Rosa, recebendo das mãos do imperador, de
presente, a respectiva venera. Principiou d'alii a phase bri- ,
Ihante da pintura de cavallete no Brasil, alcançando admirável
progresso na grande exposição geral de Beltas-Artes, inau-
gurada em 23 tle Agosto de 1884, quando director da Aca-
demia o conselheiro Nicolau Tolentino e secretario o professor
João Maximiano Mafra. As galerias estavam diariamente
abertas e franqueadas ao publico. \'íctor Meirelles se tomou
um artista muito conhecido.
Houve tempo em que o nosso compatriota era o pintor
popular por excellencia: Carlos Gomes na Musica, e Victor
Meirelles na Pintura, repetia-se de boca em bocca. Os Pa~
Horamas augmentaram a sua popularidade. Nasceu em Sancta
Catharina a 18 de .agosto de 1832. Em 1852 seguiu para a
Europa, na qualidade de pensionista da Academia.
Em Itália estudou com Minardi e era Pariz com Paulo
Delaroche. Tendo fallecido, ínaugurou-se em 1903 na Eschola
Nacional de Bellas-Artes uma exposição de seus trabalhos,
cm homenagem á sua memoria. Victor Meirelles por seus
trabalhos ficou nessa exposição em intimidade com o público.
Observou-se a sua conducta de artista, que seguiu os dictames
e exemplos dos grandes mestres.
Estavam, ã vista, os estudos prévios dos pormenores dos
seus grandes quadros e panoramas. \'Í quadriculas reduzidas,
delineamentos e esboços da Primeira Missa dos quadros Ba-
talha dos Guararapes, Batalha de Riachuelo, e Juramento da
Princeza Imperial sra. d. Isabel, regente do Império na au-
sência do imperador.
Deixou numerosas pastas repletas de estudos, a lápis, e
.iquarellã e alguns a penna, que mostravam quanto demora-
damente estudava deante da natureza, dado o modelo até
firmar a figura, o ambiente estudado com verdade, a paizagem
necessária ou minudencias da composição. Nesses momentos
graphicos de observação, nessa intimidade artística com os
ambientes, o que distinguiu e distingue os mestres da Pintura,
é onde o talento e probidade de \'Íctor Meirelles se maní-
lyCoogle
574 REVISTA DO INSTITUTO HISTOftICO
festou intensamente. Nessa exiwsição iiodcr-sc-liia accompa-
nha-lo, desde os seus trabalhos de alumno, desde os esboços,
até ás figuras definitivas em differentes posições, com a
indumentária, a ethnographia, ora por um, ora por outro pro-
cesso. Vi manciías de nuvens, de outros accidentes naturaes,
■ tomados em tleterminados instantes luminosos para céos a
compor, flora, e tantas outras minúcias, em que o desenho
preoccupava sobremaneira o artista.
Pintou quadros bíblicos, mytliologicos, históricos, de ba-
talhas, marinhas, natureza' morta.
No género de retrato muito trabalhou Victor Meirelles.-
Aqui e em cidades importantes brasileiras ha retratos pintados
admiravelmente por elle.
Da sua Primeira Missa no Brasil não se contam as re-
producções reduzidas, espalhadas nos livros nacionaes e ex-
trangeiros, em quadros paríetaes pedagógicos, cni oleogra-
phias, em xylographias e por todos os processos graphicos.
Victor Meirelles de Lima reflectiu em toda a sua obra
opulentissima a maneira do tempo em que viveu, é indivi-
dualidade culminante immorredoura na Pintura nacional. O
imperador sr. d. Pedro II o agraciou por mais de uma vez,
e o auxiliou quando pensionista da Academia.
Em nota do sr. d. Pedro II, de 23 de Abril de 1891,
publicada nos jornaes pelo visconde de Taunay (Alfredo
d'Escragnolle Taunay) escreveu sua Magestade, no exilio e
banido: «Nunca me exqueci da Academia de Belfas-Artes,
Pintura, Esculptura, Desenho e Gravura, e fiz o que pude
peio Lyceu de Artes e Officíos ». Não faltam documentos dé
todas as epochas de seu longo reinado para provar o que elle
saudoso relembrou naquellas linhas.
Pedro Américo (Pedro Américo de Figueiredo e Mello)
outro pintor eminente, contemporâneo de Victor Meirelles.
Pedro Américo nasceu na Parahiba do Norte, e morreu em
Florença em 1905 . Os restos mortaes foram trasladados para
a sua terra natal.
Já, ha annos, escrevi sobre este pintor. Disse um seu
biographo que « Pedro Américo começou a estudar Bellas-
Artes em 1856, depois de ter estudado humanidades no Col-
legio de Pedro II, e em 1859, por protecção exclusiva do
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DAS ARTkS PLÁSTICAS KO BKASIL S7S
imperador, partiu para a Kraiii;a, de onde voltou em 1864
regressando a Europa tempos dípois, para receber o grau de
doutor em sciencias pela Universidade de Bruxellas (14).
Em Pariz estudou pintura com Léon Coguiet, frequen-
tando ao mesmo tempo as aulas da Sorbona».
Na antiga Academia das Bellas-Artes professou Historia
das Artes e Esthetica. Cultivou as lettras, mostrou aptidão
notável para estudos philosophicos ; na tliese que defendeu
perante a Universidade de Bruxellas escolheu para a disser-
ta<;ão o ponto : « Da Liberdade do methodo e do Espirito de
systema no estudo da Natureza».
Em 1869 publicou o seu livro L,a Science et les systèmcs.
Do estudo da grande epocha da Arte, iniciada na Architectura
por Brunellesco e na Pintura por Giotto, resultaram para
Pedro Américo as seguintes cogitações philosophicas : — «a
libertação da Arte preparou a da Sciencia; a actividade esthe-
tica se transformou em actividade scientíficai, theses estas
que demonstrou.
Pensava elle em i86g, < que nas sociedades modernas o
artista é uma imagem de Roma. > A verdade, penso eu, é que
SC não foi exclusivamente romana, o tem sido greco-romana.
Pedro Américo publicou, além de discursos sobre Es-
thetica, o seu Holocausto.
Estudando-o como pintor, nota- se em seu estylo ten-
dência natural e espontânea para o génio decorativo das alle-
gorias. Nos próprios quadros bíblicos, e em alguns históricos,
se patenteia esse modo com que elle na plástica interpretava
os assumptos, salvo os seus quadros de batalhas.
O ultimo e momentoso quadro — Pax, é uma tela deco-
rativa de composição allegoríca.'
Pedro Américo foi o nosso grande pintor de batalhas. O
quadro Batalha de Avahi é, em pintura de cavallete, a maior
composição que possuímos. Não conheço no Brasil quadro
de cavallete, de maior fôlego do que esse. Não me refiro
quanto ás dimensões da tela (de cinco metros de altura
(14) Em ithí. u iniperaJor, visilaiido o CoHegío de Pedro II, auistíu a
na lub da (lual erí alumno Pedro Américo, que liofia por companheiro do
aco o ttr. Ramii Galvio. Pedro Américo caatempUndo a pesBoa do imperador
ou-ltae o ictiato 3 lápis, do que teve cooiteciínento o monatcba.
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576 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
sobre lO metros de comprimeoto) , mas ás scenas de guerra,
constantes dos differentes planos, scenas de movimentos va-
riados, que exigiram da parte do artista muitos desenhos
preliminares .
Nem todos imaginam a que estudos parciaes se entr^a
um pintor consciencioso até á interpretação definitiva do
conjuncto. Tracta-se do género Batalhas, oijde ha numerosos
vultos retratados, petrechos bellicos, paizagem, entra a caval-
laria, como enorme e variado elemento de composição.
Ha muitas diffículdades a vencer. Pedro Américo é lun
dos maiores artistas brasileiros.
No quadro da Batalha de Avahi o artista pintou o seu
retrato no soldado 33. Do mesmo pintor ha outra tela de
guerra O Episodio de Campo Grande.
Além da Batalha de Avahi, pertencem a galerias na-
cionaes as seguintes telas: A Carioca, talvez uma das mais
antigas e muito conhecida do publico ; Joanna d' Are ; Judith ;
A Noite, aecompanhada pelo estudo e pelo amar; Da. Catha-
riiia de Athayde; o infante D- João IV .o Voto de Heloísa; a
Rabequista árabe; Jacobed ao ir expor Moisés, seu filho, «as
margens do Nilo ; David ;'Voltaire abençoando o filho de Fran-
klin, e os retratos do conselheiro Philippe Lopes Netto e de
Porto-Alegre (barão de Sancto Angelo),
Outro contemporâneo de Victor Meirelles e Pedro Amé-
rico foi Agostinho da Motta, ex-pensionista e professor da
Academia, o dehcíoso jiaizagista, o melhor que tivemos na-
qtieJla epocha. Os finados Leôncio, e Estevam Silva, que se
especializou depois em fructas, não |}assaram de imitadores e
discípulos.) Foi o precursor de João Baptista da Costa na
interpretação brilhante da nossa luz, das nossas mattas, dos
nossos rios, das nossas serras e das nossas aguas, enfim da
nossa natureza. No que deixou se observa a revelação, não
de uma habilidade conimum, porém, de uma technica ma-
gistral, manejada por um grande talento.
Teve por discípulos os pintores contemporâneos, vivos,
Henrique Bernardelli, Peres, Medeiros e outros.
Agostinho da Motta não gosava de geraes sympathias,
apesar da consagração de paizagista emérito, e do respeito
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DAS ARTES PLASTICAB KO BRASIL 37?
que lhe tributavam os estudantes de Bellas-Artes. Era iró-
nico, pilhérico e mordaz.
Mereceu o apreço pessoal da imperatriz, que lhe encom-
mendou diversas paizagens a óleo e aquarellas, representando
parasitas das nossas florestas; quadros que Sua Magestade
mandava para seus parentes na Itália. Ao museu de Nápoles
l>ertencem algumas paizagens do nosso patricio. O seu afa-
mado quadro Serra de Petrópolis, encommenda da imperatriz,
vi reproduzido em lithographia, de Sisson, accompanhada de
uni artigo critico de Bethencourt da Silva, no Brasil lllustrado
de 1856. A Eschola possue algumas telas de .^gostinho da
Motta, que raras vezes deixava de pintar paizagens. Pintou
excepcionalmente um retrato de desconhecido e o offereceu
á Academia. E' bom trabalho de figura.
Representa um sujeito qualquer, que, julgando-se talvez
menos feio. recusou a téla. Motta pintou um barrete no re-
trato do sujeito e remetteu o quadro para a galeria,
O paizagista brasileiro morreu a 21 de Agosto de 1S78,
depois de uma vida de privações incalculáveis, e com as quaes
nunca se pôde conformar.-
Em 1861 e 1866 realizaram-se exposições de Industria
nacional .
Na cidade ainda se celebravam festas de regosijo, e jde;
gala, sumptuosas procissões catholicas e festividades religiosas
que alvoroçavam a cidade inteira. O costume já vinha do
tempo de d. João VI, brilharam com d. Pedro I c até aos
meiados do segundo reinado. Nas exposições nacionaes, de
1861 e 1866, ao lado dos productos agrícolas e industriaes do
paiz, viam-se expostos: artefactos e objectos de artes appli>
cadas, originalmente brasileiros.
O conde de Lahure, um erudito francez, aqui domiciliado
e muito amigo do Brasil, escreveu curiosas informações, em
forma de cartas a Machado de Assis, pelo Diário do Rio de
Janeiro, relidas jíor mim ha dias na Bibliotheca Nacional.;
Havia chegado a ejKicha da tyrannia da saia a balão no
vestuário das senhoras, trajo começado a usar em 1855 e
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578 BEVI3TA DO IN9T1T0TO IIISTORICO
1856, dando ensejo no Brasil Illustrado (15) para ensaios
interessantes da caricatura no género — correcção de costumes.
Re£iro-me á caricatura ao serviço do jornalismo.
No theatro, nos entrudos e outras festividades populares,
nos celeberrimos judas, nesse costume, regalo da garotagem,
existiu a caricatura burlesca e algumas vezes aggressiva.
Nos bonecos de panno (vulgarmente, denominados bru-
xas) ella appareceu a copiar grotescamente costuníes.
Não se deve exquecer também a brincadeira cómica das
formigas tanajuras sêccas de S. Paulo, vestidas, a imitarem
typos, scenas domesticas e theatracs.
O illusttado dr. Pinto da Rocha cm conferencia sobre
a Boneca, recentemente feita no Rio Grande do Sul, alludiu
de modo brilhante á phase da esculptura grotesca das bruxas
de panno.
A caricatura, e desenhos felizes, exaggerados, críticos,
jocosos, escarninhos, humorísticos ao serviço do jornalismo,
tiveram os seus primeiros ensaios em estampas do referido
Brasil Illustrado, em 1855 e 1856.
Publicou engraçados desenhos, por exemplo: um a cen-
surar os banhos de mar nas praias do Rio de Janeiro, quando
não havia processo regular de exgottos, a mostrar sorprezas
desagradáveis para o banhista; outros a criticar os exgottos
de aguas das chuvas a saírem dos tubos sobre o passeio da
rua. obrigando os transeuntes a uma serie continua de pulos;
outro, finalmente, a mostrar effeitos desastrosos compara-
tivos dos meios de illuminação a azeite e a gaz : allí é um
lampeão a azeite que caindo do supporte sobre um indi-
víduo, achata o chapéo ; acolá é o propheta que, com a escada
e lâmpada de accender, pela differença de luz, offusca a
vista do transeunte esborrachando-lhe as ventas.
A saia a balão, em uso nas senhoras, lembrou ao cari-
caturista um projecto de construcção especial de casas, onde
as portas e janellas de sacadas deviam ter vãos, com formas
de garrafão, para melhor servirem ás senhoras.
De 1860 data o primeiro cartaz publicado no Rio de
Janeiro. Annunciava a Scmatia Ilíustrada, jornal de cari-
di) Eívfst
,dbyGoogle
MS AliTEfl PLÁSTICAS NO BttAStL 579
catura e de humorismo, de propriedade e sob a directo
artística de Henrique Fleiuss, pintor allemão, que aqui sempre
viveu, contrahiu casamento com senhora brasileira e deixou
descendentes, bons Brasileiros.
Nasceu na Prússia Rhenana, em 1824 e falleceu em
1882. Em 1858 emigrou para o Brasil, esteve em algumas
províncias do Norte, onde pintou aquareltas, seu processo
predilecto. Conheço uma de propriedade de seu filho, quadro
f«liz como technica e allegoria e como registo histórico de
aspectos, de outr'ora, da nossa cidade. A composição allegorica
consiste em um grande arco deixando vêr o panorama da
cidade, e nos cantos do rectângulo vistas parciaes de monu-
mentos e sitios importantes, e a ornamentar todo esse con-
juncto: annas imperiaes e episcopaes, os retratos dos impe-
rantes, etc.
Henrique Fleiuss pintou outras aquarellas, e entre ellas
citarei a que recorda a sessão solenne de encerramento do
Parlamento, em 1859, quadro pertencente aos Instituto His-
tórico, Fundou a lUustração Brazileira, a melhor publicação
no género, impressa no Brasil naquelia epocha. Saiu das ofíi-
cinas de sua propriedade denominada — Imperial Instituto
Artístico. Conheci pessoalmente Henrique Fleiuss, com quem
tractei, quando accompanhei, em 1876, em suas officinas a
impressão de dous pequenos mapi>as de estradas de ferro,
por mim organizados, de ordem do visconde de Bom Retiro,
mappas esses annexos ao livro intitulado O Império do Brasil
tia Exposição Universal de Philadelpkia, cm iSjó.
O primeiro cartaz do annuncio Semana Ulustrada con-
sistia na ampliação da capa do seu primeiro numero. A Se-
mana distribuiu o seu primeiro numero em Dezembro de 1S60.
A composição humorística do titulo da SemOha Illus-
irada com a Lanterna magica, onde se lia « Ridendo casiiijal
mores», se conservou sempre a mesma até 1876, quando ella
'desappareceu do jornalismo hebdomadario ,
CoUaboraram no texto os mais notáveis talentos do
tempo. Todos os desenhos são de Henrique Fleiuss, que
creou o tyijo critico do cabeçudo Dr, Semana, do moleque e
da negrinha, personagens que aproveitou para seus desenhos
críticos e humorísticos de scenas, [mas sem aggressões e
lyCoogle
58o REVISTA DO INSTITUTO UISTOBICO
diatribes. Nunca se aíastou do progratnma < Rtdendo catigat
mores » . Durante o período da guerra contra o Paraguay
tornou a Sernana Illustrada ura jornal de docunientai;ão gra-
phica da campanha. Publicava retratos dos nossos heróes e
illustrações relativas a combates e batalhas feridas no Sul..
A coliecção da Semana Illustrada c preciosa pelo lado
histórico da caricatura, das phases politicas, pelos fieis re-
tratos dos nossos homens e peta collaboração Jitteraría do
texto.
A pagina da frente de seu primeiro numero pôde se vèr
reproduzida em fac-simile na Revista do Instituto Histórico,
tomo consagrado, em 1908, á Exposição do i' Centenário da
Imprensa periódica no Brasil.
O cartaz, que é a ampliação dessa pagina, era uma alle-
goria hunioristica, em que a Semana Illustrada, personificada,
começa a sua viagem pela America do Sul, dentro de um
vehiculo puchado por génios alados, e accompanhado já pelo
« moleque >. Num estandarte desfraldado se lê : « Sal lucet
omnibus». Nesse cartaz ha minudencias de fazer rir,
Henrique Fleiuss foi, portanto, no Rio de Janeiro, o
precursor de Raul Pederneiras, de J. Carlos, de Calixto, e
outros que, actualmente, collaboram nos nossos melhores
hebdomadarios illustrados...
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. y
AS PAUTES PLÁSTICAS ATÉ I89O — NOVA ORGANIZAÇÃO DADA
AO ENSINO artístico — AS BELLAS-ARTES E O INSTITUTO
HISTÓRICO
Sr. presidente do Instituto Histórico e Geographico Bra-
sileiro.
Meus sonhores:
Sabido ficou, qual o interesse patriótico, que ministros
da Regência tomaram pelo ensino e divulgação das Bellas-
Artes, € que a um delles, o conselheiro Manuel António
Galvão, se deve a fundação dos salões de arte ou exposições
geraes de Bellas-Artes. Todos os governos do Império pro-
curaram sempre melhorar o ensino, galardoando os servidores
e cultores das artes, e animando, o mais possível, aos que a
ellas se dedicavam. Os documentos constam da Legislação e
das referencias em relatórios officiaes dos ministros e dos
directores da Academia.
Nas exposições, que se inauguraram durante o reinado
. do sr, d. Pedro II, augmentou cada anno o numero de expo-
sitores, notando-se em, seus trabalhos gradual aperfeiçoa-
mento da technica e felizes composições.
Na Exposição de 1864 Pedro Américo apresentou a sua
conhecida CarioiCa; e Victor Meirelles, além de alguns re-
tratos, expoz o esboço de um quadro, que penso não desen-
volveu, a representar o imperador fallando ao povo na tarde
do dia 5 de Janeiro de 1863 (questão ingleza), e outro esboço
do acto solenne do Casamento da Princeza Imperial da. Isabel,
condessa d'Eu.
Da Exposição de 1865 á de 18S4 artistas de varias espe-
cialidades concorreram, além de pensionistas do Estado.
Os nossos maiores pintores da epocha, Victor Meirelles
e Pedro Américo, assim como Agostinho (fa Motta, nuiKa
lyCoogle
583 BEVISTA DO níSTITDTO HISTÓRICO
deixaram de expor, dando bom exemplo e animando aos
novos.
Foi em 1867 que João Zepityrino da Costa, então alumno
da Academia, em concurso final na aula de Pintura, alcançou
com brilhante resultado a grande medalha de ouro, revelando
decidida aptidão no trabalho apresentado.
Em Zephyrino vislumbravam os seus mestres o que elle
depois foi: um grande pintor. Thomaz Gomes dos Santos,
director da Academia, cm relatório que dirigiu em 1867 ao
Governo, e, annexo ao do ministro respectivo, apresentado á
Assembléa Geral Legislativa, se exprimiu deste modo : < o zelo
e metliodo dos professores e a applicação dos alumnos tiveram
muito vantajoso resultado. Com effeito, no concurso para
prémios eschoiares, no fim do anno, o Daniel na lago dos
leões, do alumno João Zephyrino da Costa, foi um trabalho
quasi completo; nunca, que eu saiba, apresentou a Academia,
em concursos eschoiares, quadro mais difíicíl e acabado».'
Em 1S67 a princeza imperial sra. da. Isabel concorreu ã
Exposição com trabalhos feitos por suas próprias mãos, con-
forme affirmou o director da Academia.
Os quadros da princeza, em numero de trez, represen-
tavam : uma paizagicm da Escossia, figuras de cães de caça,
e o terceiro se denominava o Acordar. Os dous primeiros per-
tenciam ao imperador c o ultimo ao conde d'Eu.
No período de 1862, data da exposição da Primeira Missa
de Victor Meirelles, até iHgo, inclusive, trabalharam no dif-
ficil género do retrato, além de Victior Meirtllcs, Pedro
Américo e Agostinho (fa Motta, os pintores já fallecidos:
Carlos Luiz do Nascimento, natural do Rio de Janeiro, dis-
cÍDulo de Debret, professor jubilado, exímio restaurador da
lemia; Sousa I^bo, Júlio Le Chevrel, Augusto Miiller
jra sua o retrato de Grandjean de Montigny), Francisco
mio Nery (com o retrato de Mjnardi), Luiz Augusto
:aux (Lagrange na opera Norma), Viriato de Freitas,
uim da Rocha Fragoso, Poluccno Manuel; Carvalho,
£ Perret, Alfredo Seelinger, Augusto Off e outros, Es-
n Silva, na exposição de 1884, ao lado de 14 quadros
ructas, no que se tornou famoso, concorreu com muitos
;tos por elle pintados. Ultimamente cultivaram o mesmo
.,Coogle
DAS ARTBS PLÁSTICAS NO BRASIL ■ 583
género Daniel Berard e no relevo os esculptoPes : Chaves Pi-
nheiro, Almeida Reis, e os gravadores Joaquim José da Silva
Guimarães, Quirino Santos e Lúster.
No desenho a lápis e na lithographía trabalharam no
retrato: Francisco da Cruz Antunes e Augusto Sisson, espe-
cialmente na Galeria de Brasileiros liluslres.
Em trabalhos de miniaturas em maríJm, sobresairani
em varias exposições: António José da Rocha, professor da
Eschola de Marinha (hoje Navai) e José Thomaz da Costa
Guimarães, da Casa Imperial.
Nas illuminuras heráldicas se especializou, no Rio dd
Janeiro, Aleixo Boulanger, que por isso exerceu caigo offi-
cial; necessário á expedição de titulos de nobreza e brazõeá
d'arma3 .
Em desenhos a bico de penna, ninguém aqui ainda excedeu
a Mariano José de Almeida, professor das princezas e da
Eschola de Marinha. O fallecido medico dr, Carlos Arthur
Moncorvo de Figueiredo, de natural aptidão e gosto para esse
processo de desenho, quando muito joven, aprendeu, por algum
tempo", com Mariano José de Almeida, chegando a expor
duas cópias, muito bem feitas, no salão da Academia, em
1865, conforme consta do catalogo publicado. Conheci Ma-
riano de Almeida; é para lamentar que muitos dos seus
desenhos se extraviassem. Vi, de sua lavra, delicadissimos
trabalhos em papel de arroz.
E uma particidaridade intima: — ensinou humanidades
elementares áquella que, ha 41 annos, faz a felicidade de
meu lar. . .
Distinguiu-se em obras de Ourivesaria, e até de esmalte,
Manuel Joaquim Valentim, com officina de ourives nesta
cidade. Vários objectos por elle fabricados figuraram em
exposições rfa Academia e também em Exposições da In-
dustria Nacional.
A casa de José Maria dos Reis, ainda hoje existente,
mas de outros donos, mantinha uma officina de instrumentos
de Óptica e conjunctamente de Ourivesaria. Obras de seus
peritos officiaes foram exhibidas não só na Academia, sinão
também cm outras exposições.
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^84 ftEVlSTA DO ntSTITDTO mSTOlUCO
Em obras de Ourivesaria, em prata, não tivemos, em
flores, ninguém que egualasse ao finado Pedro António da
Costa, velho andador da egreja da Sancta Casa da Mise-
ricórdia. Executava delicadíssimas flores em prata fina e
em prata de lei . Conheci-o e o \'i muitas vezes a formar rosas,
ramalhetes de cravos e violetas. Traballmva em aposentos
da velha egreja, e quando por lá eu apparecia, o velho Pedro
perguntava- me sempre si queria vêr a Bandeira da Mise-
ricórdia e os painéis da procissão dos Fogaréos. Accedia
sempre.
Em certa occasião (eu era engenheiro da Misericórdia)
o Pedro me chamou a attençâo para um pequeno escudo
antiquissinio, da Sancta Casa, pintado em madeira, que jazia
de mixtura com fragmentos de materiaes e refugos de cons-
trucção. Tractava-se de um bom trabalhinho contemporâneo
das remotas edades da pia instituição, e seu legitimo escudo.
Tirei-o do logar onde se achava, e pedi ao então muito joven
pintor sr. Eduardo de Sá, filho de um amigo meu, o finado
chefe da Secretaria da Sancta Casa, Fra'ncisco Augusto de Sá,
para restaura-lo, o que elle executou cuidadosamente. Auçto-
rizado pelo provedor, conselheiro Manuel de Oliveira Fausto,
coUoquei o escudo, onde permanece, á entrada da egreja, no
forro do pavimento do coro.
Nas Exposições de Industria Nacional, realizadas de
1861 a 1875, figuraram muitos trabalhos dos nossos artistas
em Pintura, Escuiptura, Gravura e outras especialidades. De-
pois da necessária selecção, o Governo os renietteu para as
exposições universaes de Pariz, em 1867, de Vienna d'Austria,
em 1873, e de Philadelphia. nos Estados Unidos, em 1876.
Nos respectivos catálogos, de fácil consulta na Bibliotheca
Nacional, encontram-se indicações sobre esses trabalhos, e
também em noticias publicadas, em monographias e nos jor-
naes diários.
Para as exposições da Industria nacional aproveitaram-
se os edifícios da Eschola Polytechníca, da Casa da Moeda
e da Secretaria da Viação e Obras Publicas. Na primeira, que
se inaugurou na Eschola Polytechnica, então Eschola Central,
recebeu o edifício decoração origina] executada, gratuitamente,
. Google
DAS ARtES PLÁSTICAS Nô BRASIL 5^5
sob plano e direcção de Henrique Fleiuss, com a collaboração
de Linde, outro artista.
Nessa ornamentação se notava a originalidade de seis
grandes flammulas symbolizando, pelas cores, as ordens hono-
rificas do Império: Pedro I, Cruzeiro, Rosa, Christo, Aviz
e S. Thiago.
Pelo catalogo das primeiras exposições industriaes, inau-
guradas nesta cidade, e referencias em outras publicações, se
vê que foram exposta's preciosas collecçõcs de rendas do
Norte e applicaçòes originaes do bordado, e curiosos arte-
factos de tartaruga do Rio Grande do Norte, e egualmente
obras de esculptura em madeira, sobresaíndo Carlos Span-
genberg, de Petrópolis, com um adereço de paii de café e
peroba, e coixjs de taquarussú com relevos de cortiça .-
Tiveram fama, não ha muitos annos, as bengalas fabri-
cadas por Spangenberg, que se esmerava nas escnlpturas dos
cabos, e em arabescos de cofres de jóias que também fabri-
cava com madeira nossa.
Vem a propósito lembrar uma festa silvestre, brasileira-
mente arranjada em 1861 pelo grande compatriota Mariano
Procopio Ferreira Lage, em sua vasta propriedade de Juiz
de Fora, por occasião da visita do imperador e da imperatriz,
e inauguração de 18 léguas da estrada União e Industria, essa
alcatifa de pedra, honra da Engenharia, personificada em
Halfeld e Oliveira Bulhões e presentemente votada ao com-
pleto abandono. A cerenionia se realizou em 23 de Junho de
1861 , Assistiu a ella um correspondente especial do Jornal do
Commercw, que escreveu circunstanciadas cartas, tiradas de-
pois em volume separado.
O imperador acceitou o convite da hospedagem no cas-
tello de Mariano Procopio, com a condição imposta de servir-
se somente de objectos e utensílios brasileiros, feitos 'no
paiz. Mariano Procopio particularizou mais: tudo era mi-
neiro, os cobertores brancos do leito, em que o imperador
dormiu, foram tecidos em Queluz por mãos brasileiras, com
a lã de carneiros do paiz ; um dos cobertores ostentava no
centro as armas imperiaes, e as toalhas de mesa e de mãos
foram executadas em tear mineiro com o algodão allí pro*
duzido.
DigtizedbyGOO!
^
586 REVISTA DO INSTITDTO IIISTORICd
As colchas de seda da cama de suas magestades serviram
a d, Pedro I quando, indo a Minas, se hospedou na cidade de
Barbacena em casa do pae de Mariano Procopio.
O almoço dado ao imperador no matto virgem, annexo
á colónia que o iilustre Mineiro fundara, extasiou a todos; e
ao dr. Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti, deputado então
pelo Rio Grande do Norte, o ambiente inspirou soneto allu-
sivo ao sitio e ao monarcha, que o Jornal do Cotiuncrciq
publicou :
« No meio dessa selva magestosa,
Cada arvore parece uma princeza >,
disse o sonetista.
Escreveu o correspondente do Jornal : « No logar desti-
nado ao almoço, e em curta distancia uma da outra, nota-
vam-se duas mesas rústicas, construídas de páos roliços, ainda
cobertos de casca, e cercadas de bancos da mesma espécie,
com os encostos tecidos de cipó. Por toalhas folhas de pal-
meiras, sobre as quacs descansavam em alvos guardanapos,
os assados e mais iguarias ! Os copos eram gomos de taquara,
cortados de conveniente grandeza; as garrafas, grandes gomos
de taquara ou taquarussú, entre dous nós, tendo ao lado na
parte superior unia pequena abertura, d'onde saia a agua
mais crystallina. (Foram os moringues). E tudo isso se pas-
sava no meio do matto vii^em, tão limpo, que por toda a
parte se podiam dirigir as pessoas desembaraçadamente».
Ficaram satisfeitos os desejos nativistas do imperador:
tudo brasileiro, agreste ou não.
Nas exposições nacionaes appareceram objectos de as-
pectos rústicos com formas sentidas.
A 30 de Março de 1862 solennemente inaugurou-se ná
cidade do Rio de Janeiro o mais importante monumento civil
de escujplura e symboJismo do Brasil; a estatua equestre de
d. Pedro I .
O monumento, lembrado em 1852, levaram a effeito por
meio de uma subscripção popular, cm virtude de deliberação
da Camará Municipal, em sessão de 7 de Septembro de 1854,
extraordinariamente convocada pelo seu presidente dr. Ro-
berto Joi^e Hadtfock Lobo. „
,dbyCoogle
DAS ARTES PLÁSTICAS NO BRASIL 587
Em 12 de Outubro de 1855 expirou o prasd dó concurso
aberto para os projectos; e no dia 14 desse mez e anno, a
commissão, da qual fazia parte Araiijo Porto-Alegre, reunida
no edificio da Academia das Bellas-Artes, tomou conheci-
mento dos 35 projectos apresentados e um modelo. Classificou
em 1° logar o de n. 28; em 2° logar o de n, 3; e em 3° logai;
o de n. 12. O primeiro classificado foi o de João Maximiano
Mafra, professor substituto de Pintura Histórica. Em 6 de
Maio de 1856 se contractou com o esculptor Luiz Rochet,
(classificado em 3° logar) a execução, no bronze, do desenho
de João Maximiano Mafra. Na execução Luiz Rochet modi-
ficou a composição na parte essencial da figura do primeiro
imperador. Mafra desenhou d, Pedro I com o braço direito
em gesto altivo, sustentando o chapéo na mão. Rochet cobriu
o imperador com o chapéo armado, para occultar talvez o
defeito da falta de similhaiiça physionomica, aliás tão bem
interpretada no busto de bronze, obra de Marc Ferrez, exis-
tente na bibliotheca da Eschola Nacional de Bellas-Artes.;
O estatuário Rochet, não sabendo que fazer da mão direita
do imperador, poz-lhe um papel que diziam ser o manifesto
ás nações, com a legenda: — Independência ou Morte,
Os grujjos symbolicos dos rios do pedestal constam do
desenho de Mafra. Alteraram as coiumnas ou supportes da
iUuminação a gaz. No desenho de Mafra as coiumnas eram
palmeiras, cujos fructos seriam os lampcões.
João Maximiano Mafra morreu velho, professor jubi-
lado e secretario aposentado, depois de ter prestado os mais
valiosos serviços ás Bcllas-Artes.
Quem estudar as Bellas-Artes no Brasil, já o disse e
repito, se certificará da influencia benéfica e protectora de
João Maximiano Mafra, que, como alumno da Academia,
obteve os melhores prémios, sendo um delles proposto por
Grantfjean de Montigny.
No balanço, a que o actual director da Eschola de Bellas-
Artes, sr. João Baptista da Costa, mandou proceder em cousas
que não se buliam, e jaziam no porão do edificio depois da
mudança da Eschola, encontraram-se duas estampas, photo-
graphias valiosas, sobre a estatua equestre de d. Pedro I;
uma a representar o desenho de Mafra e a outra a repre-
lyCoogle
588 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
sentar o esboceto de Rochet (maquette como por faceirice,
ignorância ou impostura franceza alguns dizem modernamente,
parecendo não haver em nosso idioma vocábulos expressivos e
apropriados).
Na photographia do esboceto de Rochet se verifica, com- ■
parando-se com a do desenho de Mafra, que o estatuário se
cingiu, nem podia deixar de o fazer, a pormenores, inclusive
os da anatomia movimentada do cavallo.
A estatua equestre de d. Pedro I é o melhor monumento
civil de Esculptura no Brasil.
No reinado do sr. d. Pedro 11 não faltaram governos
"que procurassem animar e proteger as Bellas-Artes : agra-
ciavam os artistas que mais se distinguiam; estabeleceram
por lei prémios com pensão para os aluninos se aperfeiçoarem
nos centros de cultura artística na Europa, pensão por seis
annos para Pintura, Esculptura e Architectura, e por quatro
annos para Gravura. Adquiriam obras de artistas, encom-
mendando algumas. O visconde de Ouro Preto, quando mi-
nistro da Marinha, encommendou a Victor Meirelles os qua-
dros: Batalha de Riachuelo e Passagem de Humaitá, e o
conselheiro João Alfredo a Batalha de Avahi a Pedro Amé-
rico. O conselheiro Fernandes Torres, ministro do Império,
comprou por dez contos de réis á viuva de Grandjean os
desenhos deixados por este-,
0 imperador, á custa de sua bolsa particular, educou na
Europa: Pedro Américo, Almeida Júnior, Daniel Berard e
Pedro Weingartner, Não regateou auxilios a Victor Meirelles
e a outros artistas.
Quando João Zephyrino da Costa, então pensionista da
Academia em Roma, obteve em 1870 o primeiro premio,
por concurso na Academia de S. Lucas, o imperador lhe
mandou de sua bolsa particular entregar mil francos; no anno
inte Zephyrino da Costa em outro concurso obteve a
na recompensa, o sr. d. Pedro II repetiu o donativo de
francos; e no terceiro anno, apesar do nosso compa-
1 não haver concorrido, sua magestade tornou a fazer
■ira remessa de mil francos.
Até então a pensão dos pensionistas da Academia na
ipa não excedia de trezentos francos mensaes. O sr. conde
lyCoogle
DAS ARTES PLÁSTICAS NO BRASIL 589
d'Eu, príncipe consorte, indo a Roma, esteve com Zephyrino
da Costa, e este lhe pediu que intercedesse, juncto do impe-
rador, a favor do augmento da pensão, allegando sua exigui-
dade para attender ás exigências do necessário aperfeiçoa-
mento do artista. Sua Alteza prometteu, e passado pouco
tempo o Governo Imperial elevava a pensão dos alumnos a
quinhentos franco? mensaes.
Com relação a esse grande artista bra|sileiro poderei
addicionar mais outro acto de fecunda protecção do impe-
rador. Zephyrino da Costa mostrou desejos de ser o pintor
decorador da egreja da Candelária, onde elle depois inimor-
taltzou o seu nome, e, meus senhores, quem o indicou á respe-
ctiva administração foi sua magestade.
Em 1886 se deu uni facto commigo, que o revelei era
conferencia feita em Dezembro ultimo, na Bibliotheca Na-
cional e recordarei agora.
Durante uma phase progressista da Architectura, no Rio
de Janeiro, me animei a publicar uma revista mensal — Re-
vista dos Constructores, particularizada a Architectura civil.
Luctei naturalmente com difficuldade para illusirar o texto,
sendo obrigado a empregar xylographia e lithographia, por
preços elevados.
Iniciei a propaganda com abundante coUaboração pa-
triótica. Publicaram-se trabalhos originaes. Pois bem, si
consegui fazer sair, de 1886 a 1889, a Revista dos Constru-
ctores, sem grande ónus material para mim, foi devido ao
auxilio todo espontâneo, que recebi do imperador. Sua
Magestade mandava pela thesouraria particular de sua Impe-
rial Casa, directamente á typographia, sem eu saber, os re-
cursos para serem pagas as despesas da impressão. Do facto
só me inteirava o sr. Augusto Mont'Alvenie, proprietário do
estabelecimento, depois de accusar o recebimento dos do-
nativos .
O imi>erador, quando lhe apparecia para agradecer, se
limitava a me acconseUiar que « trabalhasse e não desani-
masse >. Sua Magestade, portanto, interessava-se também
pela Architectura.
Na Academia das Bellas-Artes a <listrÍbuÍção dos pré-
mios aos alunmos celebrava-se sempre festiva e soleime.j
. Google
590 REVISTA t» 1S3T1TUT0 IlISTORlCO
O imperador, apesar dos affazeres de sua elevada funcçáo
em todo o território nacional, assistia a essas ceremonias pe-
riódicas, dando assim exemplo de seu amor ás artes e ani-
mação aos artistas.
O ministro d'Estado dos negócios do Império também
comparecia ao acto.
A 23 de Novembro de 1856 fundou-se o Lyceu de Artes
e Officios, por iniciativa e exforços do architecto Francisco
Joaquim Bethencourt da Silva, professor de Architectura da
Academia.
Considero o Lyceu um monumento de ínstrucção popular
e profissional, que honra- a nossa cultura e os nossos senti-
mentos altruisticos .
Inaugurado, a principio, no consistório da egreja do
Sacramento, como complemento da Sociedade Propagadora
das Beilas-Artes e hoje funccionando em casa própria, tem
tido uma existência fecunda de derrame de instrucção ás
classes operarias e ás profissões elemenfares, preparando arti-
fices e artistas nas artes do desenho respectivo, dando a
muitos fácil accesso ao estudo superior das Bellas- Artes.
O Lyceu, debaixo do ponto de vista do ensino do De-
senho, é de facto, e convém seja por lei expressa, uma eschola
practica de preparação á matricula no curso geral da Eschola
de Bellas- Artes.
Depois de iniciadas as primeiras aulas na egreja do
Sacramento, passaram estas a funccionar na egreja de S. Joa-
quim, então interdicta ao culto, construída juncto do edifício
do Externato dç Collegio Pedro II, desapropriada e demolida
na administração do prefeito Passos, para alargamento da
Tua estreita de S. Joaquim, a qual, com a antiga rua Larga
de S. Joaquim, formou a actual rua Marechal Floriano
Peixoto.
O Lyceu permaneceu na egreja de S . Joaquim até 3 de
Septembro de 1870. Mudou-se depois para o actual edifício,
que. antes servira de Secretaria d'Estado dos negócios do
Império, encasada hoje no próprio nacional da praça Tira-
lyCoogle
DAS VtltES PL.WTICAS NO DnASIL 59'
dentes. Tracta o Lyceu de possuir, no mesmo sitio, edifício
apropriado, cuja alvenaria modelar se acha em andamento.
Entre os nomes dos artistas, já fallecidos, que accederam
nos primeiros tempos, ao convite de Bethencourt da Silva
para o ensino gratuito, além de Victor Meirelles e Agostinho
da Motta, citarei :
— Francisco António Nery, pensionista da Academia de
1849 a 1851, auctor do quadro O lavrador dos campos da
Pharsaiia admirado da multidão de ossos humanos que en-
contra ao lavrar a terra (extrahido do i° livro das Georgicas
de Virgilio) ;
— Francisco Renato Moreaux, pintor histórico, discipulo
de Gros da eschola franceza;
— João José Alves, architecto, discipulo de Grandjean,
de quem já me occupei;
— Mariano José de Oliveira, eximío desenhador a bicco
de penna;
— Quirino Vieira, escuiptor; Poluceno Manuel e Fra-
goso, pintores retratistas.
O progresso da instituição se accentuou de anno a anno,
comprovado nas exposições annuaes dos alumnos, na elevada
estatística escholar que attingiu a mais de dous mil matri-
culados. Alli se prepararam alumnos que se destinaram á
Eschola Nacional de Bellas-Artes, onde foram professores, e
outros alcançaram os mais elevados prémios do Governo na-
quelle estabelecimento. Artífices, que no Lyceu aprenderam,
tornaram-se ornamentistas de nomeada.
Os poderes públicos, desde o antigo regime, dispensam
valiosa e justa coadjuvação nos orçamentos e em leis âo paiz.
E no tempo do Império o Governo condecorou, com graus
de or"tíens honorificas, aos professores do Lyceu, em attenção
aos serA-iços gratuitos no ensino technico profissional.
A's festas das distribuições de prémios aos alumnos que
assim o mereciam, comparecia o imperador, e de suas mãos
os laureados recebiam os prémios.
E" opportuno ainda uma vez recordar a phrase de sua
magestade banido e no exílio, e publicada pelo visconde de
Taunay : « Não me exquecí da Academia das Delias- Artes,
e fiz o que pude pelo Lyceu de Artes e Of ficios ».
■ C-o<H?|t:^
593 REVISTA 00 Instituto Oistorico
Das primeiras phases do Lyceu se occupou O Brasil
Arlistico, publicando os discursos da Sociedade Propagadora
das Bellas-Artcs . O que é hoje o Lyceu, e os serviços que
tem prestado ás artes do Desenho, não se precisa demonstrar;
não se demonstra o que está na consciência de todos. . .
A Exix>si(;ão Geral de Bellas-Artes, realizada em 1S84,
marcou epocha de espantoso progresso na pintura de ca\'allete.
Jamais se repetiu, infelizmente, uma exhibição de trabalhos
nacionaes, tão eloquente como aquelia .
Dirigia a Academia o conselheiro Nicolau Tolentino que
augmentou a collecção de esculpturas, enriquecendo-a de novos
géssos. Era secretario o professor João Maximiano Mafra.,
Organis da imprensa disseram que de ante mão se sabia
que a exposição deveria ultrapassar, em vastidão e progresso,
quantas a Academia tinha realizado desde a sua fundação.
Marcou, portanto pela sua importância, phase fulgurante da
Arte nacional. Foi inaugurada perante numerosa assistência,
a 14 de Agosto, pelo imperador acompanhado da princeza
imperial e seu esposo.
A Familia Imperial demorou-se duas horas na visita. A
Exposição, noticiou o Jornal do Commercio, que < fora uma
das melhores sinão a melhor que entre nós se tinha realizado,
com trabalhos de bastante merecimento», A commissão jul-
gadora, da qual faziam parte Victor Meirelles, Pedro Américo,
Mafra e Bethencourt da Silva, em seu laudo folgou em reco-
nhecer que os exiK)sitores, em numero de 75 com 399 tra-
balhos, foram dignos de louvor, porque não é sem grande
exfõrço, sem sacrifício de tempo e de dinheiro, sem abnegações
mesmo, que se trabalha para uma Exposição de Bellas-Artes,
a que infelizmente não corresponde o apreço do publico».:
Mas a estatistica deu o numero de 20. 154 pessoas que pa-
garam o ingresso, não se exigindo por este sinão módica con-
tribuição, cujo producto se destinava e se destinou á acqui-
siçâo das obras expostas, que foram mais dignas desta
distincção pelo seu merecimento e animação. Rendeu mais
de 14:000$ líquidos.
,dbyGoogle
DAS ARTES PLÁSTICAS NO BRASIL g93
Pergunto aos artistas de hoje: quando alguma exposição
attingiu depois áquelle numero de visitantes e áquella renda?
Nunca mais.. .
Na secção de Pintura figuraram trabalhos a óleo, a
aquarella, guache; pinturas sobre porcelana, desenhos a lápis,
a penna, a fumaça, etc. Annexou-se á exposição a collecçào
de quadros nacionaes formando a < Eschola Brasileira ».
De fallecidos pintores brasileiros, seguindo a ordem al-
phabetica do catalogo, distinguiram-se António Araújo de
Sousa Lobo, António Firmino Monteiro, Augusto Rodrigues
Duarte, Estevam Roberto da Silva, José Ferraz de Almeida
Júnior, Leôncio da Costa Faria « outros.
Muitos jovens artistas compareceram á celebre exposição,
e entre elles alguns são hoje mestres nojaveis.
Ao salão de 1884 concorreram Pedro Américo e Victor
Meirelles. Este com a Batalha de Riachuelo, réplica ida
quadro deste nome, cujo esboço pertence ao illustre sr. conde
de Affonso Celso, esboço que ha dias pela primeira vez tive o
prazer de contemplar em casa de s. ex., e também o da'
Passagem de Humaitá.
Com franqueza, acho mais sentido o esboço do quadro
da Batalha do que a réplica da grande tela, pintada, de 1882
a 1883, afim de reparar a primeira, feita em 1872, e inutilizada
na volta da Exposição de Philadelphia.
Firmino Monteiro, auctor das Exéquias de Camarim, o
pintor carioca por excellencia, fallecido em 1888, com 35
annos de edade, apresentou na memorável exposição o quadro
O FidigOÍ (já referido em licção passada, no tópico relativo
ao demolido oratório de pedra da rua d'AIfandega) ; e mais
outros quadros, quaes : í/w vendedor de balas e jornaes, phos-
phorosl (scenas de costumes), o Capitão João Homem, al-
gumas paizagens da bahia e duas telas históricas: Camões no
seu leito de morte e um Episodio da Retirada da Laguna.
Entre os quadros interessantes de costumes chamou a
attenção o da anecdotica historia entre o conde da Cunha e
João Homem, celebre sujeito dos tempos coloniaes, o qual
ligou se» nome á conhecida ladeira do bairro da Saúde. O
thema de Firmino Monteiro foÍ o facto acontecido entre o
vice-rei e o preguiçoso capitão.
S' D,gt,zedbyC.OOgle
S94 RmSTA DO INSTITUTO HUTOBICO
« Costumava o conde da Cunha assistir á chegada dos
tijolos para a construcçSo da casa d'armaB da fortaleza dâ
Conceição, e, tendo visto por varias vezes o capitão João
Homem divertindo-se em vez de trabalhar, enfesou-se com
isso, fe-lo um dia vir á iua presença, vestido de chambre
e touca de babados, como se achava, e o obrigou a carregar
tijolos. »
Foi na Exposição de 1884 que o pintor brasileiro José
Ferraz de Almeida Júnior apresentou notáveis íélas, que defi-
nitivamente o consagraram .
Almeida Júnior, natural de S. Paulo, ex-alumno d*
Academia, estudou na Europa á custa do imperador.
Os trabalhos com que concorreu, pertencentes ás nossas
galerias nacionaes, são: a Fugida da Sacra Família para o
Egypto (dadiva do imperador), o Descanso do modelo, o
Remorso de Judas, o Derrubador brasileiro. A composição
primacial de Almeida Júnior, em sua obra de artista, é A
Partida ^a monção.
Pintor brasileiro, brasileiro no sentir e no vibrar de todas
as suas telas, de assumptos da patría paulista, O dr. Brasilío
Machado, em eloquente discurso pronunciado no cemeterio em
S. Paulo, se exprimiu melhor do que eu poderia dizer agora'
a respeito de Almeida Jbnior,
Eis as palavras e conceitos do dr. Brasilío Machado:
< Não alludo ao apuro que põe no seu desenho, ao cuidado
com que prima em decompor o seu colorido, ao eguilibrío em
que dispõe os seus grupos, ã precisão com que surprehende
uma physíonomia, Ã felicidade com que copia as formas, á
arte na escolha de uma paizagem, á tenacidade em que gradua
e illumina o conjuncto. Os seus estudos de physíonomia são
incomparáveis em cada uma das telas animckdas pela presença
do homem, do nosso caboclo, que se contenta com a natureza
que o cerca contra as tentaçSes da civilização que o provoca.
No Violeiro, no Caipira pitando, na Amolação interrom-
pida, no Caipira negaceando, no Caipira picando fumo, e em
alguns dos sertanejos mais em saliência, na mais movimentada
e grandiosa de suas creações, A Partida da monção, o typo
do caboclo resalta num magistral relevo de .desenhos e cores,
e, como que um arrepio de vida percorre naquellas figuras
. Cooglc
DAS ARTBS PLÁSTICAS DO BHASIL 59$
tão sugestivas. Ião variadas, mas tào nossas, com os músculos
robustecidos pelo trabalho, a tez requeimada, o olhar apurado
pelos perigos vencidos, a actividade eccentuada i)os geatos, a
coragem adivinhada na altitude. » .
João Zephyrino da Costa, pintsr carioca, falleceu «m 04
de Agosto ultinio na ed&ds de y6 annos, depois de quarenta
de um magistério exemplar, Conhecí-o muito de perto no
lidar pedagógico e no convívio inteiro de amigo.
Circunspecto e competentíssimo na Bella-Arte que abra-
çou. Foi o nosso grande pintor mural, ninguém o excedeu,
ninguém o egualou. Mestre na verdadeira accep^o do vocá-
bulo, artista de raça, pintor por temperamento. Estudioso e
observador até a quasi despercebidas minudeneias.
Dotado de n^ pequena cultura, foi eonsiderada com
justiça um filho dilecto da velha Academia e que tanto
a honrou. Na qualidade de pensionista do Estado na Eu-
ropa, abundantes e primorosas eram as suas remessas de
trabalhos a demonstrarem sempre óptima applicação, incom-
parável aproveitamento « successivos progressos nos estudos.
Consultem-se os archivos escholares, os catálogos das Expo-
sições annuaes, os relatórios dos ministros, e ter-se-ha a eon-
firmaçKo do que dígo.
Depois dos donativos do imperador, enviados a Zephyrino
da Costa pelos seus triumphos obtidos na Academia de São
Lucas, em Roma, offerecendo-se occasião ao soberano de ir
k capital italiana, procurou ver os trabalhos premiados. Em
recente auto-declaraçlo escripta de Zephyrino, era meu poder,
elle af firma deste modo: «Quando sua magestade imperial
esteve em Roma, em 1871, accompanhado de sua magestade
a imperatriz e de seu séquito, e em minha companhia espon-
taneamente fez uma visita á Academia de São Lucas, com o
fim ^specíal (conforme el!e a mim se externou) de ir ver os
meus trabalhos premiados. » Qual a consequência da visita
do imperador?, . .
Um anno antes de terminar o praso da pensão por cinco
annos para Zephyrino estudar em Roma, o Governo Imperial,
considerando seu aproveitamento nos «studos, prorogou por
mais trez annos a pensão: sendo dous annos para terminar
com mais cuidado os últimos trabalhos e um para uma excursSo
:,gle
596 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
pelas principaes cidades artísticas da Europa antes de re-
gressar para a Pátria.
Em 1877, o Governo o nomeou professor honorário da
Academia, isto é, logo que regressou de seu pensionato em
Roma. Tornou-o efíectívo de Pintura histórica, durante li-
cença concedida a Victor Meirelles; em 1878 passou para
paizagem, com a morte de Agostinho da Motta; regeu a
cadeira de Desenho figurado, voltou á cadeira de Pintura his-
tórica, que leccionou até que tete de r^essar a Europa. Na
nova eschola de Bellas-Artes, desde 1890, professou sempre
Desenho de modelo-vivo e nesse cargo morreu, deixando es-
escripta uma Guia para se aprender Desenho de modelo-vivo,
trabalho esse repleto de estampas.;
E' livro excellente e utilíssimo, para cuja impressão envi-
darão exforços, certamente, o director e a Congregação dos
professores.
Nas galerias nacionaes existem boas telas de Zephyrino da
Costa, quaes: o Óbolo da VÍuz'a, A Pompeiana, Moisés re-
cebendo as tabuiís da Lei e S. João Baptista.
Mas a sua obra importante, na qual como já eu disse
immortalizou o seu nome, foi a decoração da nossa egreja da
Candelária, pinturas muraes, á vista de todos que visitam o
templo.
A composição em seu conjucto não tem rival no Rio
de Janeiro, quanto á magnitude dos assumptos tractados com
uma technica admirável, quanto ás reconstituições archeolo-
gicas constantes dos painéis da nave, quanto ás difficuldades
de perspectivas vencidas nas concavidades ou curvaturas dos
tectos, naturalmente por estudos prévios em cartões, onde
Zephyrino da Costa segniu á risca as licçÕes dos maiores
mestres da Pintura histórica.
Aquellas mãos, que tanto enriqueceram o interior da
egreja da Candelária, foram depois atacadas por uma para-
lysia que se tornou completa, privando-as de qualquer movi-
mento. Zephyrino da Costa morreu paralytico.
Ha dous annos, [wuco mais ou menos, foram requisitados
os seus serviços em restauração, c ajudado por seu discípulo
Sebastião Fernandes, elle as fez ; a paralysia das mãos ainda
não era completa; para trabalhar subia ás alturas da ^^eja
'■'Google
D&S ARTES PLÁSTICAS NO BAASIL S97
amarrado, e ascensores especiaes o conduziam a pontos em
que a sua presença se fazia necessária.
Na egreja da Candelária também se distinguiu outro
filho laureado da velha Academia, o architecto Heitor de
Çordoville, que morreu já professor da nova Eschola. Heitor
de Çordoville desenhou todas as ornamentações que se pas-
saram a mármore. Compoz a decoração no clássico do Renas-
cimento italiano, conforme indicara o director das obras dr,
António de Paula Freitas, successor do engenheiro Evaristo
Xavier da Veiga, o constructor do sumptuoso zimbório este-
reotomico. Evaristo a seu turno succedeu ao architecto Ferro
Cardoso, auctor de desenhos daquella obra complementar.
Da conclusão da ^reja da Candelária, no século XIX,
resultou um exemplar de aspecto syncretico, pela mixtura de
estylos, aliás legitimos na Architectura religiosa da cidade.
A epocha original de aspectos na edificação civil e reli-
giosa no Rio de Janeiro, nascida nos fins do século XVII, e
florescente no século XVIII e que se expandia no século XIX,
perturbou-se com o prestigio official do professor Grandjean
de Montigny, cujos projectos não jjassavam de correctissimas
composições 'ircheologicas greco-romanas ; a fachadi do antigo
edifício da Eschola Nacional de Bellas-Artes é documento
incontestável .
Grandjean era exclusivista, nada admittia fora do neo-
clássico, producto da phase artística contemporânea. Félix
Taunay accentuou esse critério do eminente architecto no
necrol<^ío que pronunciou em sessão plena da Congregação
da Academia.
Não tardou no Rio de Janeiro, que os imitadores appa-
recessem, mas os imitadores sem estudos fundamentaes. As
grammaticas architectonicas de Vignola e de Palladio ficaram
entregues a incompetentes, arvorados em profissionaes. Come-
çaram as cinco ordens a ser mal comprehendidas.. .
Constituiram-se fachadas abastardadas e insipidas: linhas
clássicas incorrectamente empregadas com os ornatos do sé-
culo X\'III atrapalhados. A cada passo encontram-se os
exemplos, porque não desappareccram de todo; ainda eslão
de pé typos intactos de constrticçào civil nestas condições.
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59B RsruTA DO irstituto histórico
Nin^em é mais admirador dos dous grammaticos, Vi-
gnala e Palladio, do que eu.As ordens clássicas têm seu logar ;
a fachada de uma Bibliotheca, de um Congresso Legislativo,
de um Palácio de Governo, typos de architectura politica en-
fim, devem ser clássicos.
A grammatica de Viguola é tão necessária ao artista,
parft o habito da proporção e correcção de linhas, como a
grammatica de uma lingua é necessária ao escriptor.
Habituado ao Vignola, o architecto jamais commetterá
incorrecções, jamais deixará de ser Ic^co em suas compo-
sições, qualquer que seja o systema construclivo e estylo oma-
menul.
Quando no meiado do século os constructorcs ensaiavam,
menos incorrectamente, as applicações clássicas, chegaram ao
Rio de Janeiro, vindos de Viana de Castello, muitos estu-
cadores portuguezes, alguns peritos no offtcio, chefiados por
um Nogueira e por um Zephyrino. Nunca consegui saber os
nomes cranpletos destes estucadores, Os tympanos dos fron-
tões, os frisos e os lisos das almofadas das paredes, princi-
piaram logo a ser vestidas com ornamentações em relevo de
cal ou gesso, novo aspecto ornamental das fachadas, que offe-
rece ao investigador muito interesse pela variedade, muitas
vezes com falta de l<^ca nas applicações. Numerosos eram
os exemplares antes da remodelação da cidade. Aquillo que,
em estuque, os pedreiros mais geitosos faziam somente em
molduras, porque não sabiam modelar, os estucadores tor-
neavam e iam pouco a pouco incutindo necessidade de serem
aproveitados os seus serviços.
Estucavam baixos relevos nos tympanos com composições
decorativas, entrando : chiméras, gryphos, dragões, outros ani-
maes fabulosos, até um morcego androcephalo modelaram em
um frontão de casa ainda existente á rua do Cattetc, sereias,
panóplias com golphinhos, attributos de Hermes ou Mercúrio,
o infallivel Pégaso alado, o caduceu, as comucopias com flores,
eras, iniciaes, grinaldas, ondas, meandros, feMÕes, o tridente
de Neptuno, a foice de Ceres e a sua figura, outras figuras
divinas da Mytliologia greco-romana, até em um tympano de
casa da rua Frei Caneca (a revista Renascença reproduziu).
Chaves Pinheiro esculpiu em estuque as trez Parcas sentadas,
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DAS ARTES PLÁSTICAS NO BRASIL 599
cada uma em sua funcção, num ambiente estrellado (15).-
Os azulejos dos corredores accompanhavam o gosto, pa-
rodia grosseira, do greco-romano ; em um prédio da rua do
I/avradio, nas paredes do vão da escada, puzeram um painel
com a representação de um cão acorrentado e o aviso em
letras latinas cave canem. {16).
Grande é o interesse que desperta quem estuda os as-
pectos de extravagâncias omamentaes de estuque na edifi-
cação urbana. Até certo ponto os ornatos de estuque não
tinham applicação, por não haver a menor correspondência
symbolica ou allegorica entre a decoração e o destino da
casa; entretanto, é preciso ponderar que, no meio de todas
essas faltas de lógica, muitos trabalhos delicados compuzeram.
Os ornatos executavam-se na própria parede, e não eram
fundidos em formas, e depois soldados, como actualmente.
No meio do século XIX generalizou-se o estuque nos
tectos das salas de visitas, não faltou campo aos ornamen-
tistas para as suas proezas floridas. Tectos decorados ainda
permanecem em bom estado de conservação, com ornatos
muito bem comprehendidos.
Durante a guerra contra o Par^uai o Governo não
podia melhorar a architectura official. Terminada a guerra,
o Estado mandou construir novos edifícios e reconstruir
outros melhorados quanto ás linhas artísticas.
A balbúrdia, as incorrecções, o falso gosto ornamental
imperam, até 1886, nas fachadas das particulares, construídas
no alinhamento das ruas. Todos viam, ha muitos annos, o
Palácio de São Christovam (outr'ora casarão de Elias A.
Lopes) typico, acabado, cujas linhas, em reducção modesta,
imitariam com vantagem decorativa, mas nada influiu. Afinal
cessou o delirio.
O ornamentista, portuguez ou brasileiro, quando sem
preoccupaçÕes, libertava-se de pensar no clássico, no abas-
tardado ou no caricato', desenhava, compunha, modelava es-
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600 REVISTA DO INSTITUTO HBTORICO
pontaneamente tios esiylos de seus antepassados do século
XVIII.
O finado arcliítecto José de Magalhães, natural de Per-
nambuco, tendo chegado de Paris, onde se diplomou, influiu
salutarmente em novas casas coiistruidas segundo planos pitto-
rescos e correctos; concorreu para a phase prc^ressista da
'Architectura civil no Rio de Janeiro, em 1886. Em 1890 houve
benéfica intervenção do architecto Henrique Bahiana, também
já fallecido.
IJado o primeiro passo, começou a evolução, mas com
vagar, accentuando-se intensamente na presidência Rodrigues
Alves e prefeitura Pereira Passos, nos concursos de projectos
de architectura, na abertura da avenida Rio Branco, e nos
novos arruamentos dados pela Municipalidade. Foi o período
fecundo e productivo para a edificação civil urbana do Rio
'de Janeiro.
Mas apesar do cosinopolismo e ecclectísmo na archite-
ctura, sente-se que, quanto ás decorações, o ornato atávico
apparece insistentemente no peninsular portuguez, ou na ada-
ptação creoula do luso-brasileiro .
O concheado está em toda parte: solitário, entremeiado
ou com variações. E' rara a fachada que não apresenta a
concha estylizada ou não, nas ornamentações míxtas ou sim-
ples. Ha a singularidade do emproo da concha solitária no
meio de vergas de janellas ou portas. . .
Dê-se a um artista peninsular ou brasileiro um problema
ornamental qualquer, dê-se-Ihe liberdade, elle espontanea-
mente, com o seu lápis, desenha um concheado simples ou
acceleradamente composto. E' observação pessoal minha, mas
penso que muita gente estará commigo (17). No mobiliário
mais trivial dos tempos que correm os marcineiros, que não
copiam modelos, e alguns nem os conhecem, mas os desenham
(17) Ein prídios de recente construcçio, carrcctos, Ué naquelles nade
phintaiiaí, intpi radas em linhas medievsci, ornam (achaiíai, ha sempre um
ponlo da casa com o concheado de feitio Luíi XV, aproveitado decorativa-
mente, e qnasi sempre no compartimento de mais luxo. No palacete, de aspecto
caslelão, ptopriedada do dr. Custodio de Almeida Magalhíes, na Avenida Li-
gatío. o sallo de honra é ornamentado rica e brillianlemmie naquelle estylo.
E' um exemplo moderno, espontâneo, da influencia dos modos 'decorativos
herdados dos colonjadores : a supremacia do barroco...
.ibiGoogle
DAS ARTES PLÁSTICAS NO BRASIL âoi
e OS imaginam, empregam também indefectivelmente a concha,
desta oti daquella maneira, a culminar ou acantonar o traste.
Nos jardins particulares dos quintaes a forma primitiva
nada tinha de prescripção architectonica paizagista; pareciam
ensaios para cultivo de flores: canteirínhús onde não faltavam
perpetuas, saudades e sempre-vivas . Macedo, em suas Me-
morias da Rua do Ouvidor, romantiza píttorescamente a
cultura de perpetuas roxas da Perpetua Mineira, estalajadeira
que hospedava Tiradentes em casa daquella rua. Os canteiros
nos terrenos exíguos se limitavam a rigoroso parallelismo
rectilíneo, sem outra intenção mais do que simples viveiros
de flores. Nos terrenos de maior superfície, nas chácaras,
o risco dos primitivos jardins particulares dependia da con-
figuração do terreno. Si era em declive construíam taboleiros,
terraplenados, ou em forma de terraço. Os recinctos ajardi-
nados eram ordinariamente fechados por muros, com ou sem
baixo gradil, de ferro, e encimando pilares notavam-se vasos
ou figuras de louça esmaltada portugueza (A Europa, Ásia,
Africa e America ou as estações do anno) .
Não faltava o repuxo, ou pelo menos a paquena fonte
com carrancas, a lançar agua em tanques rectangulares ou
curvos.
Nas orlas baixas dos muros construíam sofás de alve-
naria, revestidos de azulejos ou conchas; alguns sofás com
espaldares enfeitados de relevos de cal e com applicações da
arte catharinense, o que também usavam nas beiradas -dos
tanques dos repuxos.
Latadas floridas de jardineiros, caramanchões, arbustos
topiaricos, canteiros floridos, pontes, balaustradas, exedras
lembravam, embora vilmente, fragmentos de villas romanas.
A Renascença (18) reproduziu alguns desses velhos jardins
de grandes solares do Rio de Janeiro. Reinava a distribuição
symetrica, mas os espaços, cada um com o seu character deter-
minado .
Naquelles tempos não abundavam as estampas de con-
sultas, não se dispunha das revistas illustradas de hoje, não
eram tão frequentes nem rápidas as nossas communícações
(18) KevUU jt ciuda.
D,gt,zedbyGOO<^le ^
6ol BBTISTA 00 INSTITOTO HI8T0IUC0
cc»n a Europa, o artista ficava entregue a si próprio. Não se
imitava pelo simples desejo de innovar, guiava o artista o
bom senso, auxiliar poderoso de toda imaginação creadora.;
Não se pensava ainda nas formas do parque; os gra-
mados não figuravam nos jardins. O jardineiro recorria a
outros elementos, e nenhum dispensava a agua. £ na verdade
como compreliender-se um recincto preparado, arvores, ar-
bustos, e flores, sem a fonte ou à cascata, arroio ou pequeno
regato? Nos jardim particulares das antigas casas de campo
nunca faltou a agua. E no jardim do Passeio Publico deu
exemplo o mestre Valentim construindo a cascata dos jacarés.
As grandes superfícies, não ajardinadas, das grandes chá-
caras aproveitavam, dividindo-as em pomares, plantando ex-
tensas alas de arvores fructiferas — cambucaseiros, jabotl-
cabeiras, jaqUciras, mangueiras, etc. — , entremeiadas de bancos
de pedra, fontes nas encruzilhadas, ou juncto de caramanchões,
parreiras, latadas de maracujá; e em clareiras: espécies de
exedras, ou plantas topiariamente cuidadas, a imitarem sólidos
geométricos ou cadeiras, mesas e sofás. Cheguei a vêr muitas
dessas chácaras.
Em quasi todas as chácaras cercas de espinho fechavam
o terreno, verdadeiros muros de verdura ; em outras formavam
divisões internas, espirra dei ras, mimos de Vénus e roseiras
chamadas camponezas. Imagine-se o aspecto de tudo isso no
tempo de floração I! . . . Nada mais se fez que com esses accí-
dentes pitlorescos se pareça...
O dr. Júlio Furtado procura, entretanto, em certos sitios
ajardinados da cidade quebrar a monotonia, reconstituindo
notas dos nossos antigos jardins.
No Jardim Botânico ainda se poderão observar alguns
accidentes conservados a lembrarem os velhos recinctos das
nossas grandes chácaras.
Na administração do dr. Carlos Glasf, naturalista nascido
na Áustria mas naturalizado Brasileiro, fallecido ha annoS,
que constituiu familia e descendência aqui, prestou o relevante
serviço de um respeito a tudo quanto encontrou, e foi quem
iniciou o plantio de arvores, revestido de solennidade tocante.
O director dr. Glasl convidava para assistir os meninos alu-
mnos do Asylo Agricola, que funccionava juncto do Jardim
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DAS ARTES PLÁSTICAS HO BRASIL 603
Botânico. E um facto precisa ter relevo, foi o que li narrado
na Revitta do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura,
relati\o á festa do plantio do arbusto da Independência nos
dias 7 de Septembro. A primeira se effectuou a 7 de Se-
ptembro de 1871,
Na sumptuária imperial dos dias de gala, especialmente
nos dias de abertura e encerramento das sessões da Assem-
bléa Geral Legislativa (Senado e Cimara dos Srs. Deputados)
sobresaíam os coches, em particular aquelle que transportava
o imperador em trajo magestatico, do palácio ao edifício do
Senado. Completavam o brilhantismo do préstito solenne: as
alas da Guarda de archeiros, que ladeavam o cochtf, desde que
elle apparecia na praça Onze de Junho até á porta do Senado.
A Guarda de alabardeiros ou Guarda de archeiros é
creação, segundo Castro e Sousa, que vem do rei d. João IV.
D. João V ordenou o uso de fardas vermelhas.com galões
dourados. Os archeiros imperiaes vestiam uniformes verdes
com galões dourados, chapéo armado e lança.
A rainha da. Maria I possuía ricos coches com painéis
pintados. Quarenta e tantos dos antigos coches foram trans-
portados para o Rio de Janeiro, quando a Família Real se
retirou de Portugal. Por morte de d. Pedro I vieram mais
alguns para aqui. Os coches, quer os fabricados em Portugal,
quer os vindos de fora, ostentavam riqueza em vidraças da
Bohemia, finíssimas pinturas, bordados, estofos c vários orna-
mentos: folhas, flores, estatuas e outras figuras allegoricas,
a guarnecerem, em bem combinados themas, os lados, trazeiros
e jogos da frente. A forma e decorações de uns fíliou-se ao
estylo Luiz XIV, e outros a Luiz XV ou á modalidade curvi-
línea conhecida pelo nome de estylo d. João V de Portugal.
As carruagens, usadas por d. João VI, foram aprovei-
tadas no Império, com ornamentos imperiaes adaptados por
Francisco Pedro do Amaral, e usados nos préstitos de gala,
inclusive o coche envidraçado, estylo d. João V, aquelle que
servia para transportar o imperador ao Senado nos días de
abertura e encerramento das Camarás.; Apparatoso era o
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004 REVISTA DO I!4STITnT0 mSTORlCO
préstito nesses dias solennes, em que os archeiros, cocheiros,
lacaios, toma-lar^ras e mais creadagem, vestiam de gala e
movimentavam os lados das carruagens.
As artes decorativas de duração ephemera tiveram muito
emprego nas festas da coroação, com a varanda de Porto-
Alegre, na chegada da imperatriz, na inauguração da estatua
de d. Pedro I, nas ornamentações da cathedral, por occasiãd
jdos casamentos das princezas, e pela terminação da guerra,
que armaram-se arcos de triumpho nas ruas principaes da
cidade, e um pavilhão apalacetado, plano de Pedro Bosisio na
praça da Acclamação (praça da Republica) .
Nas festas populares de religiosidade, as grandes pro-
cissões exigiam elementos ornamentaes do culto, como painéis
pintados; e a procissão, chamada de S. Jorge, mais ainda
apparatosa, por ser principalmente a grande procissão de
Corpus Cliristi, á qual o imperador accompanhava segurando
em uma das varas do pallio, os ministros, a Camará Muni-
cipal com o seu estandarte, os gran-cruzes, commendadores e
cavalleiros de Christo, Aviz, todo o clero, ordens terceiras e
irmandandes religiosas da cidade.
A parte que mais attrahia o povo era o séquito da estatua
de S. Jorge, que saia, trajado como um cavalleiro da edade
média, montada em soberbo cavallo.
Por tradição, ouvi de antepassados meus, que esta pro-
cissão ostentava mais apparato no primeiro reinado. Rara era
a sacada de casa, de rua por onde tinha de passar a procissão,
que não estivesse enfeitada com ricas colchas de seda da
índia.
Nas festas do Espirito Sancto do campo de Sanct'Anna
alguns decoradores trabalharam.
O pintor brasileiro Reis Carvalho retratou a paizagem do
sitio nos dias de festa, em uma aquarella, que reproduzi al-
gures, na revista a Renascença, e pertence hoje á galeria da
Eschola Nacional de Bellas-Artes.
A festa, porém, mais ruidosa, mais querida, mais prezada
pelo povo carioca é o Carnaval. Houve um escriptor que o
julgou < uma instituição do Rio de Janeiro ». O carnaval em
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O.VS ARTES PLASriCAS NO BRASIL ^
sua phase mais brilhante, de 1870 a 1876, motivou felizes
caricaturas, caricaturas pintadas, simplesmente traçadas, e em
relevos.
Vieira Fazenda, em folhetim d'A Noticia, a propósito do
< Zé Pereira », conta a historia do Carnaval do Rio de Janeiro,
Os primeiros bailes carnavalescos realizaram-se em 1846; não
havia desapparecido o entrudo. As primeiras sociedades car-
navalescas (as Summidades e a Venesiana) datam de 1854.;
Apreciei de 1870 a 1876 o Carnaval no seu auge de
brilhantismo. A arte da caricatura, bem tractada, se espalhava
pela cidade, nos escudos dos postes e nos pannos, á guisa de
bandeiras, pendurados nos centros das ruas enfeitadas.
A excellente caricatura de políticos e jornalistas, nos
mascarados préstitos carnavalescos, causava demorada hilari-
dade. . .E no meio de tudo isso se notava riqueza, e symbo-
lismo apropriado, nos préstitos.
O ensino official de Bellas-Artes até 1890 se ministrava
na Imperial Academia. O governo provisório da Republica,
sendo ministro o dr. Benjamin Constant Botelho de Maga-
lhães, decretou em 1890 a reforma radical do ensino, extin-
guiu a Academia, que passou a ser: Eschola Nacional de
Bellas-Artes.
Jubilaram-se professores da Academia, foi nomeado novo
director e também outro corpo docente. Em dez annos a
experiência demonstrou a necessidade inadiável de outro regu-
lamento para a Eschola: os resultados da primeira reforma
não corresponderam á expectativa; deram as razões os prcn
prios ministros d'Estado em seus relatórios ao presidente da
Republica .
Na Presidência Campos Salles, em igoi, sendo ministro
do interior o dr. Epitacio Pessoa, o Governo promulgou no\os
estatutos que satisfaziam ás exigências do ensino. Neste pé
se achavam as cousas, quando no quatriennio presidencial
próximo passado, o Governo em 191 1 reformou estes esta-
tutos, aproveitando disposições do Regulamento de 1890.
O ensino e o modo de administrar a Eschola reclamavam
lyCoogle
6o6 RBVJST^ DO INSTITUTO HUTOBICO
urgentemente reforma do Regulamento de 191 1. O Governo,
ãuctorizado pelo Congresso, acaba de a fazer.
No actual regime politico, desde 1890, estabelece ram-se
em lei taxativamente dous prémios annuaes, um dg cinco annos
de pensionato no extrangeiro para alumnos, que em concursos
especiaes se distinguirem, e de dous annos para o artista quQ
por seus trabalhos o mereceram nas Exposições geraes de
Belias-Artes, E dotou a Eschola com um palácio para o seu
funccionamento, de suas galerias e installação do museu de
objectos artísticos.
A's Artes no Brasil se acham ligados nopies de presi-
dentes e vice^presidentes do Instituto Histórico e de alfuna
de seus sócios.
O visconde de S. Leojpoldo, primeiro presidente do
Instituto, foi o ministro de d. Pedro I que em 1826 resolveu
dar existência real á Academia, inaugurando-a a 5 de Agosto
desse anno, em edificio próprio, aquelle em que se acha actual-
mente o ministério da Fazenda.
O segundo presidente do Instituto, Cândido José de
Araújo Viana (marquez de Sapucahi) ministro do império do
segundo gabinete da Maioridade, lembrou sempre em relatórios
ao Corpo Legislativo a conveniência dos prémios de viagem
aos alumnos, com pensão nos centros de cultura artística, e
condecorou em 1842 com o habito de Christo a José Corrêa
de Lima, o pintor da Magnanimidade de Vieira.
O terceiro presidente, visconde do Bom Retiro (Luiz
Pedreira do Couto Ferraz), ministro do império em 1854,
augmentou o edifício escholar, dotando-o de vasto e aprcH
priado annexo para a Pinacotheca, e deu novos estatutos á
Academia .
Outro presidente do Instituto, Joaquim Norberto de
Sousa e Silva, fez parte com Porto-Alegre, da commissão
julgadora dos projectos apresentados em concurso para a
estatua equestre de d. Pedro I.
O vice-presidente visconde de Ouro Preto (Affonso
Celso de Assis Figueiredo), foi o ministro da Marinha que en-
commendou a Victor Meirelles os quadros da Batalha de Rta-
chuelo e da Passagem de Humaitá.
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{^^. DAS &RTE8 PLABTICA8 NO BRASIL 607
Quanto aos oradores do Instituto, Porto-Alegre, Macedo
e Taunay, c do sócio Moreira de AzeVedo basta citar seus
nomes . i
Outro presidente, o barão do Rio Branco, encommendou
a Pedro Américo o seu quadro allegorico Pax, que deve estar
na Secretaria do Exterior.
Quem desempenha presentemente o cargo de orador do
Instituto, o dr, Ramiz Galvão (barão de Ramiz), o qual por
commissões em que tem trabalhado, por seus eloquentes dis-
cursos e eruditos escriptos de varias epochas, pela creação,
que realizou em 1876, da importantíssima e preciosa Secção
de Estampas na nossa Bibliotheça Nacional, — pela Bíographia
do paleographo fr. Camillo de Monserrate publicada nos
cAnnaes» da mesma Bibliotheça, é assas conhecido.
O bibliothecario dr. Vieira Fazenda, recommendam-n'o
seus fecundos subsídios históricos da cidade do Rio de Janeiro.
O actuai primeiro secretario perpetuo, filho de um
artista que fundou uma eschola gratuita de Xylographia, onde
se prepararam gravadores em madeira, este publicou artigos
concernentes ás Bellas-Artes e, ainda não ha muitos annos,
escreveu a respeito de Victor Meirelles e seus quadros.
O 1" vice-presidente dr. Manuel Cícero Peregrino da
Silva, tem serviços ás Bellas-Artes como director da Biblio-
theça Nacional, adquirindo para ornamentação do respectivo
edificio obras dos nossos artistas, retratos, painéis decora-
tivos e estatuas symbolicas.
De V. exa. o sr. conde de Affonso Celso', que bondosa-
mente me incumbiu do curso que hoje termino, de v. exa.
me despeço e do auditório benevolente, não devendo me ex-
quecer do illustre artista director da Eschola de Bellas-Artes,
que, com a sua presença assídua, prestigiou de a
velho professor; de todos me despeço, saudoso
convívio, tão confortador, que a fortuna me
nesta curta temporada, A v. exa., escriptor de
e consagrado, a quem não falta amor ás Bellas-j^
que na tranquilidade de seu lar guarda com cai
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6o8 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
de opulenta e vasta livraria, obras de Victor Meírelles, e mais
um precioso fragmento do mármore da Acrópole de Athenas,
collecções de medalhas, marfins trabalhados, e numerosos pro-
ductos de arte, a v. exa. muitos protestos de reconhecimento,
pedindo relevar que, apenas tivesse eu esboçado aquillo, qu^
outros melhor desenvolverão,
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ACTAS DAS SESSÕES DE 1915
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PRIMEIRA SESSÃO ORDINÁRIA EM 20 DE ABRIL DE I9I5
Presidência do sr. conde de Affonso Celso
A's 20 e meia horas, na sede social abre-se a sessão com
a presença dos seguintes sócios:
Conde de Affonso Celso, desembargador António Fer-
reira de Souza Pitanga, dr. Benjamin Franklin Ramiz Gal-
vão, dr. Alfredo Valladão, dr. Homero Baptista, Basílio de
Magalhães, general dr. Gregório Thaumaturgo de Azevedo,
dr. António Olyntho dos Santos Pires, dr. José Américo
dos Santos, Eduardo Marques Peixoto, major dr. Liberato
Bittencourt, conselheiro Salvador Pires de Carvalho e Al-
buquerque, dr. Alfredo Rocha, dr. João Coelho Gomes Ri-
beiro e almirante Arthur índio do Brasil.
O Sr. Conde de Affonso Celso {presidente) diz que,
com a maior confiança, declara inaugurados os trabalhos das
sessões do Instituto no corrente anno, certo de que esses tra-
balhos hão de continuar as egrégias tradições da casa.
Entre as normas dignificadoras do procedimento do Ins-
tituto está a do culto por elle prestado á memoria dos Brasi-
leiros beneméritos.
Nenhum se avantaja ao barão do Rio Branco, cujo aben-
çoado 70° anniversario hoje se regista.
Propõe, e tão convicto se acha de que a proposta traduz
D sentimento unanime da assembléa, que se julga dispensado
de submette-Ia a debate e votação, — propõe que o primeiro
acto da sessão seja levantarem-se todos os circunstantes, em
effusivo movimento de veneração e saudade, como singelo
e commovido preito á lembrança do inexquecivel presidente
perpetuo do Instituto — barão do Rio Branco. (Adhesão
geral. )
Cumprindo esse dever, communíca ainda que no intervallo
das sessões falleceram os seguintes consócios, sobre os quaes
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fiia RSVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
dirá com a proverbial eloquência o benemérito orador do
Instituto; na classe dos honorários os srs. drs. d. Norberto
Quirno Costa e Alfredo Eugénio de Almeida Maia; na dos
eíf ectivos o barão de Paranapiacaba ; na dos correspondentes
o dr, d. Gonçalo de Quesada. Na forma dos Estatutos será
lançado um voto de pczar por esse facto, que privou o Insti-
tuto de illustres companheiros.
O Sr, FlEiuss (secretario perpetuo) communica a ge-
nerosa doação do illustre sócio effectivo dr, Luiz Rodolfo
Cavalcanti de Albuquerque, que offereceu ao Instituto toda
a sua bibliotheca e archivo,
O mesmo Sr. Secretario propõe, e é approvado, que
ao precioso acervo se dê o nome de < Cotlecção Luiz Rodolfo ».
O Sb. Presidente agradece, em nome do Institutcí, a
offerta do prestimoso consócio,
O Sr, Dr. Roquette Pinto (í" secretario) propõe, e é
approvada, uma mensagem de congratulações ao sr, coronel
Rondon, e o Sr. Presidente nomèa uma commissão para dar
as boas vindas a este illustre Brasileiro, commissão composta
dos seguintes sócios: dr, Roquette Pinto, general Thauma-
turgo de Azevedo, commandante Radler de Aquino, major
dr. Liberato Bittencourt e dr, António Olyntho dos Santos
Pires.
O Sr. Dr. Souto Maior dá conta da sua missão à's bi-
bliothecas da Hispanha, e pede ao Sr. Presidente para lêr
o seu relatório em uma ou mais conferencias.
O Sr. Presidente diz acceder com o mais grato em-
penho, combinando-se depois o dia para a conferencia do
illustre consócio.
O Sr. Secretario Perpetuo communica que em breve
tempo apparecerá o primeiro volume dos « Annaes do Pri-
meiro Congresso de Historia Nacional *. Salienta o grande
auxilio que lhe tem prestado no preparo de todos os tra-
balhos do Congresso o sr. Basilio de Magalhães e propõe um
voto de reconhecimento ao sr, dr. Urbano Santos da Costa
Araújo, honrado vice-presidente da Republica, que cons^uiu
a publicação de todos os « Annaes do Congresso de Historia »
na Imprensa Nacional.
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ACTAS 613
Essa moção é approvada unanimemente e por proposta
do Sr. Presidente tomada extensiva ao sr. Basílio de Ma-
galhães.
O Sr. 2° Secretario lè os seguintes officios:
< Buenos Aires, 27 de Enero de 1915. AI Senor Presi-
dente dei Instituto Histórico y Geográfico Brasilero. Dis-
tinguido Senor Presidente : Me es altamente honroso dirijirm«
a ,V. E-, rogándole queira dlgnarse proponer a mis distin-
guidos colhas dei Instituto Histórico e Geográfico Brasitero,
como sócio correspondiente de esa meritissima institución at
Senor Doctor D. Luiz Maria Torres.
La incorporación que propongo, justificada por propios
y notórios méritos, ai par que primiaria la labor cientifica, ,
constante y fecunda dei Doctor Torres, estrecharia aun más
si es posible las vinculaciones dei Instituto con varias insti-
tuciones y corporaciones similares de esta República, dentro
de las cuales él ocupa puestos importantes y ejerce acción
transcendente. Omito enumerar los títulos y trabajos históricos
y científicos dei Doctor Torres porque los expresa con toda
prodigalídad el Senor Gobernador de Ia Província de Cór-
doba, Doctor Don Ramón J. Cárcano, en la solicítud que
acompaiia a esta. Por este mismo correo remito para la bi-
blioteca dei Instituto las obras dei Doctor Torres que me ha
sido posible obtener y que servírán para apoyar con toda
eficácia el ingreso que solicito, Saludo a V, E.., y por su
intermédio a mis honorables colegaS, con mui mayor conside-
ración y respeto. — Carlos Lix Klett. »
« Buenos Aires, 9 de Octubre de 1914. Seiior Presidente
dei Instituto Histórico y Ge<^ráfico Brasilero, Distinguido
Senor Presidente: Tengo el alto honor de dirigirme por inter-
médio de V. E, a mis honorables colegas dei Instituto His-
tórico y Geográfico Brasilero, proponiendo como miembro
correspondiente de esa institución ai Senor Doctor Don Luis
Maria Torres.
Entre Ia nueva generación estudiosa de mi país el Doctor
Torres se destaca con caracteres propios y definidos, ha-
biendo alcanzado sus metódicos y originales trabajos sobre
arqueoli^ía, etnografia y história argentina y americana, justo
renombre no sólo en estos paises', sino también en los círculos
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' 6l4 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
científicos de Europa. £n mérito a estas condiciones la
Junta de História y Numismática Americana de esta cíudad lo
encorporó a la lista de sus miembros activos, y el Superior
Gobierno le confirió los cargos de Jefe de Sección e profesor
de etnografia en el Museo, profesor en la Sección de filosofia,
história y letras de la Universidad de La Plata, director de
publicaciones en la Facultad de Filosofia e Letras de Ia
Universidad de Buenos Aires. Hasta el presente, a parte de
los trabajos anónimos aparecidos en periódicos, revistas y
otros impresos, el Doctor Torres ha publicado las obras sj-
guientes: Prehistória y protohistória, Buenos Aire^, 1901.
Los cemeateríos indígenas dei sur de Entre Rios y su relación
con los dei Uniguay, túmulos de Campana y Santos (Brasil),
Buenos Aires, 1903. El cementerio indígena de Mazanica,
Buenos Aires, 1903. El Instituto Histórico Gec^ráfico Ar-
gentino, Buenos Aires, 1903 . História, Revista, Buenos Aires,
1903. La ciência prehistóríca en los programas de estúdios
generales, preparatórios y superiores, Buenos Aires, 1903.
La geografia física y esférica dei Paraguay y Misiones gua-
ranies, Buenos Aires, 1903. Les études géographiques et histo-
riques de Fehx de Azara, Buenos Aires, 1903. Clasificaciones
y exposición de colecciones arqueológicas en museus argen-
tinos, Buenos Aires, 1906, Arqueologia de la Cuenca dei Rio
Paraná, Buenos Aires, 1907. Viajes inéditos de Azara, Buenos
Aires, 1907. Informe sobre la exploración arqueológica ai
delta dei Paraná! y sur de Entre Rios, Buenos Aires, 1907.
Estúdios históricos, Buenos Aires, 1909. La gec^afia argen-
tina, La Plata, 1909. La enseiianza de la bistória cn la
Universidad de La Plata, Buenos Aires, 191 1. El totemismo,
su origen, su significado, efectos y supervivencia, Buenos
Aires, 191 1 , Los primitivos habitantes dei delta dei Paraná,
Buenos Aires, 1913. Confiando en la aceptación de la pro-
puesta que formulo, aprovecho la oportunidad para reiterar
a V, E. y a mis distinguidos colhas dei Instituto Histórico
y Geográfico Brasilero, las seguridades de mi máS alta consi-
ración y respeto. — 7. R. Cárcano. »
O Sr. Pkesidente diz que numa das próximas sessões
será apresentada a proposta respectiva.
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ACTAS 615
O Sr. Secretario Perpetuo lê o seguinte parecer da
Commissão de Fundos e Orçamentos:
— < A Conunissão de Fundos e Orçamento examinou
com o devido cuidado o balanço geral do anno de 1914 e todas
as contas que o instruíram. A severa exacção com que o
honrado thesoureiro do Instituto, sr. commendador Arthur
Ferreira Machado Guimarães, cumpre os seus deveres, impõe
sempre á commissão o maior applauso, opinando por isso
pela approvaçào das contas exemplarmente prestadas.
Não deixa a commissão de lembrar, com o maior aca-
tamento, a necessidade de se restringir o mais possível as
despesas, propondo ao Instituto, por intermédio do egr^o
sr. presidente, o não preenchimento de qualquer cargo que
vague na classe dos funccíonarios, passando o serviço a ser
feito, mediante pequeno addicionaT, por outro serventuário a
juízo do sr. presidente.
Rio de Janeiro, 27 de Março de 1915. — Clóvis Bevi-
láqua, relator, — Alfredo Rocha. — Rodrigo Octávio.
Annexo — Ministério da Justiça e Negócios Interiores.
Directoria da Contabilidade. Rio, 18 de Janeiro de 1915. 2*
Secção. N. 249. Sr, presidente do Instituto Histórico e
Geographíco Brasileiro: Declaro-vos approvadas as contas
que acompanharam o vosso officío de 2 do corrente, justi-
ficativa do emprego da subvenção de 25 :ooo$, concedida
a esse Instituto em virtude do aviso n. 1.19Õ, de 2 de abril
de 1914. — Saúde e fraternidade. — Carlos Maximiliano. >
O Sr. Presidente diz que nos termos do art. 41 S 2",
e 59, dos Estatutos, esse parecer deve ser discutido e votado
na presente sessão. Põe em discussão; ninguém pedindo a
palavra dá por encerrada a discussão. Põe em votação, e é
approvado por unanimidade.
O Sr. i" Secretario lê o s^uinte parecer da Com-
missão de Admissão de Sócios — < Como relator designado
da Commissão de Admissão de Sócios para emittir parecer
sobre as propostas que elevam a honorários os sócios effe-
ctivos, almirante Arthur índio do Brasil, dr. Rodrigo Octávio
de Langgaard Menezes, Arthur Ferreira Machado Guimarães,
dr. António Olyntho dos Santos Pires, e correspondentes,
drs. Domingos José Nogueira Jaguaribe e Martím Francisco
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6l6 RETISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Ribeiro de Andrada, penso que a simples declinação de taes
nomes constitue o melhor direito a essa distincção por parte
do Instituto.
Todas ellas estão perfeitamente nos casos estabelecidos
pelos Estatutos nas letras A e B, do art. lo, cumprindo sa-
lientar os serviços prestados pelo nosso thesoureiro, que ha
dez annos exerce tal cargo com o maior realce.
A approvação das propostas impõe-se, pois, como um acto
de justiça.
Rio de Janeiro, 9 de Março de 1915. — Dr. B. P. Ramis
Galvão, relator. — Miguel Joaquim Ribeiro de Carvalho. —
Gastão Ruch.»
Procedendo-se á votação, o parecer é approvado, e acto
continuo, o Sr. Presidente proclama os novos sócios hono-
O mesmo Sr. Secretario Perpetuo lê depois o seguinte
parecer também da Commissão de Admissão de Sócios:
— f A proposta relativa ao marechal José Bernardino
Bormann, cujos trabalhos já foram devidamente apreciados
pela illustre Commissão de Historia, merece ser approvada,
pois que está de accôrdo com as exigências dos nossos Esta-
tutos, tudo devendo o Instituto esperar da competência do
eminente proposto.
Instituto Histórico e Ge(^raphÍco Brasileiro, 10 de Abril
de 1915. — Manuel Cícero, relator. — Miguel Joaquim Ri-
beiro de Carvalho . — Gastão Ruch . »
Sendo approvado por unanimidaíle, o Sr. Presidente
proclama o novo sócio eífectívo.
O Sr. Secretario Perpetuo diz que ha ainda pareceres
e propostas a lêr ; pede, porém, a inversão da ordem dos tra-
balhos, pois que se acha na casa o sócio eífectivo sr. dr. João
Ribeiro,_que, tendo cumprido as exigências do art. 20 dos
Estatutos, vem tomar posse de sua cadeira.
O Instituto approva a inversão e o Sr. Presidente nomêa
os srs. Fleiuss, Roquette Pinto, Radler de Aquino e major
dr. Líberato Bittencourt para introduzirem no recinto o novo
(Dá entrada no recinto, presta o compromisso do % 3" do
art. 20 dos Estatutos e toma posse o sr. dr. João Ribeiro.)
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ACTAS 617
O Sr. Presidente dá a palavra ao sr. dr. João Ribeiro,
que profere o seguinte discurso:
cExm. sr. presidente. Meus confrades.
Agradecendo a benevolência vossa em me chamar ao
vosso grémio, devo seguir o exemplo de um académico famoso,
que em circunstancias idênticas não quiz confessar a sua
falta de mérito. Pois que, confessa-lo (e em mim não seria
falsa modéstia), seria diminuir o espirito de justiça, a sa-
bedoria e a ponderação que preside ás vossas escolhas.
Si me escolhestes, é que certamente eu o merecia.
Sempre tive as mesmas preoccupações que são as vossas ;
ha trinta annos, fallando, ou ensinando ou escrevendo, sempre
cultivei os assumptos nacionaes quí, todos, vos interessam.
Eis a medida única do meu mérito.
Premiastes em mim o meu persistente e diuturno ex-
fôrço. E a recompensa, eu a considero magnifica.
Consenti que eu aproveite a occasião para uma phantasia
do espirito.
Os archeologos e historiadores que, como os geólogos,
sabem descobrir os horizontes antigos e sabem delles se ori-
entar, podem desmentir todas as syntheses inhabeis dos que
são apenas simples curiosos como eu sou.
Mas a própria Historia é uma contínua substituição de
idéas e de factos. Ao grado do presente, todo o passado se
transforma ,
Quando Mommsen escreveu a sua < Historia Romana »,
o imperialismo já do seu tempo lhe suggeriu a apologia de
César e o descrédito de Cicero.
O presente é quem governa o passado e é quem fabrica
e compõe nos archivos a genealogia que lhe convém. A ver-
dade, corrente hoje, sabe buscar, onde os ha verosímeis,
os seus phantasmas predilectos de antanho.
Hoje elevamos estatuas a Tiradentes, porque o nosso
ideal de agora determinou esse culto. A fuga de d. João VI
traduzia-se ha pouco pelo euphemismo da transmigração,
como se lia nos compêndios. Também em França os revolu-
cionários de 89 ergueram um culto aos Brutos vingadores de
Lucrécia, E assim, o presente modela e esculpe o seu pas-
sado, levanta dos túmulos os seus heróes e constróe com as
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6l8 REVISTA DO raSTITUTO HISTÓRICO
suas vaidades ou a sua philosophia a hypothese do inundo
antigo.
A imparcialidade pôde ser immoral : nós temos a obri-
gação de justificar o presente, de fundar a Ethica da actua-
lidade.
O contrario seria o suicídio das nossas acquisíçõe».
Os Romanos buscai'am em Tróia a sua falsa ascen-
dência. Os bandoleiros eram já então homens honrados.
Isto não é falsificar por vangloria nem deturpar por
jactância, nem mentir por amor da mentira. E' extender ao
passado as mais nobres ambições do presente. E' resuscitar
o que é digno de resurreição.
Com esta philosophia, ou antes, com este pragmatismo,
é que tenho meditado sobre a nossa Historia.
Pof vezes, tenho procurado sorprehender q character ou
a expressão mais geral de nossa vida.
O character de um povo, ou, o que é o mesmo, o facto
mais assíduo e frequente da sua Historia, pôde talvez excla-
recer-nos a sua vocação ou o seu destino.
Resta evoca-lo, descobri-lo nas suas faces essenciaes; mas
sob aspectos menores e secundários, parece-me que um sen-
timento fundamental em nosso povo é o seu conservatismo
exagerado, o seu espirito contemporizador, o seu senso pro-
fundo e demorado das opportunidades .
Entre nós, os problemas, as questões mesmas que ti-
veram rápida execução, foram precedidas de longa espe-
ctativa .
A lentidão no resolver o anachronismo dos recursos, o
misoHeismo cauto e seguro contra idéas recentes, parece ter
sido a nossa bússola desde os primeiros passos.
A nossa Historia illustra perennemente essa vocação des-
cançada de paiz cunctator. Todas as nossas experiências
politicas e sociaes atraiçoam o culto da tradição, o amor do
passado e o temor do futuro.
Ao Brasil, antes que visse a luz, já a diplomacia lhe havia
traçado contorno. Nasceu sobre medida. O meridiano de
Tordesilhas marcava-lhe a extensão do berço.
Elle é assim, ao mesmo tempo, um facto de Prehistoria
antes de o ser da sua própria Historia.
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ACTAS 619
Da mesma sorte, a sua primeira organização foi outro
anachronismo. Fora desencavar na archeologia portugueza a
obsoleta Lei menlai de d. Duarte para justificar a creação
das capitanias hereditárias.
E ainda hoje persistem vivedoiras as capitanias antigas.
£ ou^ dizer até de algumas, que são ainda hereditárias.
Como quer que sejam, ellas enchem toda a nossa Historia e
deram-lhe a feição definitiva.
Sempre conservadores, sempre lentos, tardos e preca-
vidos, construimos com elementos medievaes os fundamentos
de uma nacionalidade, que desabrochou no renascimento.
Essa mesma lentidão de processos characteriza a immo-
bilidade da nossa vida.
Lembremo-nos de que em toda a historia colonial com-
batemos contra todos os povos e luctámos por uma idéa retro-
gada, a do maré clausum. Com esse lábaro anachronico e com
essa insensibilidade pelo progresso, exasperámos Ingleses,
Hollandezes e Francezes, a quem chamámos piratas.
A escravidão foi outra experiência da mesma espécie,
longa, interminável. A idéa abolicionista vencera em todo o
orbe. Nós outros resistimos e fomos o derradeiro povo a
resolver o problema.
A Republica, outro facto essencial, esteve ás nossas
portas desde o século XVIII, constantemente, sem descanço,
sem quasi interrupção. Resistimos ainda, e como sempre,
fomos os últimos a adoptar essa expressão da politica con-
tinental .
A própria Monarchia, sem écho na America, precária e
ephemera no México, aqui teve um longo asylo, uma hospe-
dagem por trez gerações. E em verdade, que hospedes ex-
cel lentes !
Não quero, porém, abusar da vossa attenção.
Lembrai-vos sem duvida, das interessantes « Memorias »
(publicadas em vossa «Revista»), do major prussiano Von
Versen, prisioneiro de Lopez, na guerra do Paraguai. Para
Von Versen, que não era nada nosso amigo, entretanto a ■
nossa maior inépcia, de que nos accusava, era a da lentidão
dos nossos generaes, tarda, vagarosa, passeira e inexplicável.;
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030 REVISTA DO INSTITUTO BUTOIUCO
Perdoae-me ainda um despropósito : dizem que as nossas
terras são o habitat único de um curioso animal, — a pre-
guiça — . Deram a esta pobre alimária o nome de um vicio
e até de um peccado mortal . Mas a natureza não tem vicios, e
eu estou que — a preguiça — sabe muito bem por que é lenta
e v^arosa. E as suas pausas devem encerrar um segredo
divino .
E' bom entender ou pelo menos respeitar todos os mys-
terios .
Quando vejo o que nos falta, ou quando reflicto sobre os
nossos defeitos, eu cuido ver a alma incompleta e ainda infante
do Brasil, que rtie diz em sua transparência luminosa:
— Para que tanta pressa', si eu tenho por mim a eter-
nidade !
Assim é, ou assim deve ser. Um paiz, quando tem as
proporções do nosso, pôde desafiar o tempo. E' o facto mesmo
da grandeza material que nos faz lentos. As nossas energias
andam dispersas por uma área quasi infinita, não é fácil
coordena-las ou move-las; não é de extranhar que sendo dis-
persas, umas contradictem a outras, ou que sejam entre si
indifferentes. Todo o nosso trabalho é concentrar as poucas
que concorrem, convergem, ajudam e formam o nosso tur-
bilhão vital.
Perdemos, assim em grandeza, em multiplicidades inúteis
a ef ficiencia da densidade aproveitável . Por ísso é que somos
lantos, por uma ataxia fatal e inevitável, e tudo, pois, espe-
ramos da longevidade das cousas.
Mas, quantas vantagens nesse vagaroso movimento !
Quantos fructos !
Fomos pelo maré clausum, pelo mar fechado ao com-
mercio dos povos, mas essa idéa anachronica creou os pri-
meiros surtos da nossa autonomia, guardou-nos das com-
petências mundiaes, e sem ella seriamos dilacerados pela
cobiça dos corsários europeus, hollandezes, francezes e in-
glezes. Sem esse anachronismo preservador seriamos um re-
talho andrajoso, multicolor, perdido na Babel das raças.
Revivemos com as capitanias hereditárias o feudalismo,
é bem verdade. Mas essa tradição archaica lançou os funda-
mentos de uma fórmula nova, a da federação. E assim por
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■um caminho antigo e exquecido chegámos á larga estrada do
liberahsmo de hoje. O feudo preparou o self-govemment.
Conservámos a escravidão, talvez mais do que devíamos.
Também é certo ; mas, soubemos lentamente transforma-la em
uma chuva de flores e de benções sem os tormentos formi-
dáveis da Secessão e da guerra civil.
Este mesmo admirável senso da opportunidade guiou-nos
no problema politico. A monarchia, mau grado a impaciência
dos republicanos, gozou de longa e demorada hospitalidade;
mas, até por isso, com ella evitámos um século de pronun-
ciamentos e de revoluções que abrazaram e ainda crepitam
na America Latina.
Vê-se, pois, que a celeridade ou a rapidez nem sempre é
de vantagem. E antes é um perigo.
Nos próprios exemplos da natureza ha animaes céleres e
ligeiros, que são débeis e fracos. Na mesma historia humana,
neste momento assistimos a um temeroso espectáculo. A
grande nação que se originou da pequena Prússia, célere,
rápida e fulminante, acha-se agora embaraçada e detida deante
das lentezas britannicas e do tardo tropel do valoroso Slavo.
Eu acredito, pois, que a nossa incoordenaçào de movi-
mentos, que resulta da enormidade material da terra, é pro-
picia á madureza das nossas resoluções.
Ainda na infância, temos a certeza da vida longa.
Somos um povo de tradições e de costumes, e de tal arte
arraigados, que podiamos dispensar a lei escripta. No tempo
de d. João VI já tinhamos a independência sem a lei e antes
delia; na Monarchia, já tinhamos a Republica pela democracia
profunda da sociedade.
Parece que temos em alto grau o senso da espectativa e
da opportunidade. Entre nós não ha soluções precipites ou
antecipadas.
A nossa terra é uniforme, sem accidentes abruptos, sem
tremores e cataclysmoS, physica e moralmente.
Sobre essa região tranquilla podemos assentar a tenda
da nossa eternidade.
Quanto a nossa Historia, que parece v^a e tediosa como
é a paz, e monótona como o trabalho quotidiano, cumpre
mostrarmos como é ella fecunda, honesta e bella 1
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622 REVISTA DO INSTITUTO HIBTORICO
E este sábio coilegio é a mais formosa contribuição que
podemos prestar á definição dos nossos destinos. {Applausos
prolongados . )
L^o depois o Sr. Dr. Benjamin Franklin Ramiz
Galvão {orador do Instituto) responde do s^^uinte modo-
ao recipiendiario :
«Sr. presidente. lUustres consócios. Sr. dr. João Ri-
beiro — Ha muitos annos entraram para o quadro dos f une-
cionarios da Bibliotheca Nacional, pela porta larga e luminosa
do concurso, dous jovens Brasileiros de real talento e pro-
mettedores de brilhante futuro. Delles o mais antigo, Ga-
pistrano de Abreu, alli no meio de livros e de documentos-
preciosos, engolfado na leitura insaciável, investigador e critico-
sagaz, adextrou-se para a conquista da cadeira de Historia do
Brasil no Collegio Pedro II, para as eruditas annotações aa
livro do visconde de Porto Seguro, para uma série c<q>iosa
de trabalhos históricos de grande valor.
O outro sois vós, sr. dr. João Ribeiro. Estudiosissima
cultor da lingua portugueza, desde os verdes annos, come-
çastes alli a série de livros didácticos, que vos deram o justo
renome de philolc^o, e vos preparastes também para a funcção
de professor de Historia desse mesmo collegio, que já foi
um instituto modelar de ensino, — fonte abundosa, donde
brotaram notabilidades brasileiras da estatura de Perdigão
Malheiros, barão de Ourém, Paulino de Sousa, Ferreira
Vianna, José Carlos Rodrigues, Escragnolle Taunay, d. An-
tónio Benevides, Rodrigues Alves, Carlos de Laet, Vieira
Fazenda, Gastão Ruch, Bulhões Carvalho, Lima Drummond
e tantos mais, cujos nomes não preciso declinar, — uns que
a morte já arrebatou na sàa voragem, outros que ainda per-
lustram gloriosamente carreiras públicas, prestando reaes e
valiosos serviços á Pátria.
Como philologo, tendes vosso logar na Academia Bra-
sileira, e poucos, bem poucos, alH vos disputarão a primazia.
Como historiador, confesso, sr, dr, João Ribeiro, que tar-
dáveis aqui, neste Cenáculo, onde se congregam para estudar
as cousas da Pátria quantos por sua Historia, pela sua Geo-
graphia se desvelam. Tardáveis, repito, porque, si em vossos
curiosos estudos linguisticos já tendes demonstrado o pendor
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ACTAS 633
com que lucidamente inquiris o passado, e a sagacidade com
que ides ás fontes beber ensinamento, em vossa « Historia
do Brasil >, si bem que elementar, revelastes orientação se-
gura e moderna, critica perspicaz e judiciosa.
As vossas próprias palavras, que acabámos de ouvir com
summo interesse, demonstram claramente quanto haveis me-
ditado sobre esta ordem de assumptos c o espirito philosophico
com que tendes por habito encarar a nossa existência como
povo.
Este é o paÍ2 cunctator, dizeis, e talvez com acerto.
O nosso movimento é vagarosd, quasi tardo; o gigante sul-
americano demora os passos, deixando ao tempo amadurecer
as resoluções graves, que podem decidir do seu futuro.
Enumerastes alguns fructos preciosos colhidos neste
modo de agir. Não pretendo oppôr-vos contradicta e quasi
me confesso de accõrdo. Fizemos a nossa independência sem
luctas sangrentas; assistimos ao golpe politico de 1831, e só
podemos exaltar o patriotismo daquella pujante geração de
estadistas, cujo bom senso salvou então a Pátria das con-
vulsões da anarchia; precipitámos a Maioridade, é certo,
mas como a Providencia parece ter velado sempre pelos nossos
destinos, tivemos a fortuna de passar o governo deste grande
paiz ás mãos de um príncipe judicioso, radicalmente patriota,
que de accõrdo com a nossa Índole characteristica o foi con-
duzindo lentamente pelo caminho do progresso material e
moral, sem surtos de génio, mas também sem o perigo de
abalos profundos.
Ganhámos e saudámos com flores a grande victoría da
Emancipação, em 1888, mas preparada pelas reformas de
1871 e 1885, com que os beneméritos Rio Branco e Saraiva
aplainaram o caminho da idéa civilizadora tríumphante.
A Republica implantou-se em 1889 sem os horrores
desencadeados em outras nações, quasi como uma transição
natural do regime liberalissimo, que nos felicitara por cerca
de meio século.
Tudo isso é verdade e até certo ponto justifica os vossos
assertos ; só tenho dúvida sobre a conveniência de manter por
tempo indefinido este regime de espectativa e de oppor-
tunidade.
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634 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
A táctica do grande Fábio deteve por muito tempo as
hostes do temeroso e arrojado Annibal, salvando a Republica
romana de maiores desastres. Da mesma forma o nosso
illustre Caxias, com sua celebre marcha de flanco, paralysou
a investida audaz do inimigo e deu tempo á convergência de
exforços para garantir o êxito da campanha.
Mas, quando foi chegada a hora, não irrompeu inespera-
damente em Sancto António, não se arrojou valorosamente
pela ponte de Itóroró, não deu a batalha campal de Avahi,
não coroou em Lomas Valentinas a victoria das armas bra-
sileiras, anniquillando as forças regulares de Lopez, que só
se salvou fugindo caminho das Cordilheiras?
« A nossa terra, dizeis, é uniforme, sem accidentes abru-
ptos, sem tremores e cataclysmos, physica e moralmente.»
E' verdade. Mas um povo de tradições honrosas, e ambi-
lenta da America, quasi de braços cruzados deante dos varia-
cioso de luz e de progresso, manter-se-ha nesta r^ião opu-
dissimos problemas, que se agitam no presente para abrir-nos
as portas do futuro?
Não será tempo de abandonar a prudente expectativa e
enveredar com animo resoluto por um caminho, mais áspero
tal\'ez, porém mais curto para ganharmos a posição que o
destino nos prepara?
Perdoae, collega illustre, perdoae-me também vós, se-
nhores, si estas expressões, que traduzem o anhelo de mi-
nh'alma de Brasileiro enthusiasta de seu nobre paíz parecem
estar em contradicção com os cabellos brancos que me cir-
culam a fronte, denunciantes indiscretos de uma velhice, que
já não deve ter sonhos nem outra esperança sinão a do re-
pouso final.
Perdoae-me; mas este fogo sagrado do amor da Pátria,
com que sempre vivi desde os verdes annos, ainda se não
apagou. Continuo a ter a mesma f é e a confiança de todos os
tempos na grandeza do futuro brasileiro, e espero que as
almas varonis da geração contemporânea sacudam o ojrpo
deste gigante, que não tem licença de adormecer nà calma
da expectativa.
E' tempo de faze-lo ei^er-se, forte e corajoso para a
lucta. Todos nós temos o dever imperioso de correr á estacada.
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ACTAS 635
cada qual na sua esphera de acção, para illuminarmos o
povo, para defendermos a sua honra e o seu nome, para re-
solvermos os diff iceis problemas administrativos que nos
embaraçam a marcha.
Vós também, prezadíssimo collega, que hoje aqui vos
alistaes nesta cohorte de trabalhadores, vós que tendes predi-
cados de mestre e um espirito de elevada cultura', vós sereis de
certo um collaborador precioso na nossa grande obra na-
cional .
O Instituto Histórico faz também a sua campanha; sol-
dados (la vossa estatura são garantias de victoria. Sede ben-
vindo ! > (Applausos prolongados.)
O Sr. Presidente dá a palavra ao sr. Basilio de Ma-
galhães para ler, como relator, o parecer da Commissão de
Historia sobre as obras que serviram de base ái. proposta que
indica o sr. dr. Alberto Lamego para sócio correspondente.
O Sr. Basílio de Magalhães lê o seguinte parecer:
« Applicando em boa hora o conceito feliz de Fustel de
Coulanges, de que < o. verdadeiro patriotismo não é somente
o amor á terra, mas o amor ao passado, o respeito pelas
gerações que nos precederam » — vem o sr. Alberto Lam^o
apparecendo, desde algum tempo, nas revistas mais impor-
tantes da nossa terra, a firmar trabalhos de alta valia sobre
personalidades e episódios da nossa evolução colonial", reve-
lando-se douto e paciente mourejador do campo vasto, e ainda
tão mal explorado, dos primórdios da vida do Brasil.
Vimos pela primeira vez o seu nome subscrevendo a pu-
blicação e commenfarios de importantes e novos documentos
relativos a Cláudio Manuel da Costa, na « Revista da Aca-
demia Brasileira», desta Capital. Exclareceram-se, graças a
taes achegas, que eram de todo ignoradas, vários pontos
obscuros da existência do inspirado poeta inconfidente : —
o logar do seu nascimento, as suas relações literárias e o
rol exacto das suas producções — assumptos de que também
cogitara, com a erudição que o distingue, o sr. barão de Ramiz
Galvão, pela «Revista Brasileira», de 15 de Abril de 1895.
Mais tarde, no tomo LXXV, parte II da « Revista do
Instituto Histórico e Geographico Brasileiro», ínseriram-se
os « Papeis inéditos sobre João Fernandes Vieira > — curioso
^' Coogle
OID REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
achado, que o sr, Alberto Lamego fizera nos archivos por-
tuguezes e constante de canas contendo graves denúncias
contra o heróe luso da epopéa pernambucana, assim como do
parecer do Conselho Ultramarino e da resolução do soberano
sobre o caso. As accusações anonymas, formulad^as sem du-
vida por inimigos do Madeirense, não são de molde a des-
poja-lo da* aureola com que perpetuamente lhe circundou a
fronte a posteridade, reconhecida aos seus inolvidáveis ser-
viços. Libellos de tal natureza surdem em todos os tempos,
e o simples facto de não trazerem editor responsável tira-
Ihes grandemente o valor probante, reduzindo-os á espécie
Ínfima dos pasquins. Como quer que seja, porém, a mo-
nographia do sr. Alberto Lamego, enriquecida por um cri-
terioso prefacio de Oliveira Lima, interessa consideravelmente
aos que, estudando por menor os episódios máximos das
priscas eras da nossa terra, querem vèr através de todos os
prismas as personagens que culminaram no scenario da His-
toria pátria.
Não foi, entretanto, com esses escriptos que o sr. Alberto
Lamego se apresentou candidato a um logar no quadro social
deste benemérito grémio.
Foi, sim, proposto sócio correspondente do Instituto com
uma obra de fôlego, ainda não acabada, e que se intitula « A
terra goytacá á luz de documentos inéditos».
E' este o primeiro de uma série de cinco volumes, em
que o auctor pretende enfeixar, amontoando-os conveniente-
mente, os preciosos papeis antigos, em numero superior a mil,
que se lhe depararam nas bibliothecas e archivos, públicos e
particulares, da Europa, sobre a historia das capitanias de
S. Thomé e de Parahyba do Sul, onde outr'ora, rodeados de
varias tribus, dominaram os bravios Goitacazes.
Com Langlois et Seígnobos, em sua < Introduction aux
ctudes historiques >, pensa, e com razão, o sr. Alberto La-
mego que — € rien ne supplée aux documents ; pas de do-
cuments, pas d'Iiistoire>.
A' medida que coordenava e deletreava os manuscriptos
vetustos, que a sua porfia perseverante desenterrava do pó
das livrarias, verificava o auctor da < Terra goytacá » quanus
lendas os tradicionalistas faziam passar como factos reaes
lyCoogle
iCTAS 63?
tio tocante á donatária de Pêro de Góeá, mais tarde adju-
dicada pela Coroa á posse dos Assecas.
Sobre a mencionada região, além das referencias abun-
dantes nos chronislas e historiographos, não faltam < me-
morias » especiaes, como os « Campos dos Goytacazes », de
Teixeira de Mello, os < Apontamentos para a historia da
capitania de S. Thomé», de Augusto de Carvalho, a < His-
toria do descobrimento e povoação da cidade de S. João da
Barra e Campos dos Goytacazes», de J. J. Martins, e os
< Subsídios para a historia de Campos dos Goytacazes >, de
Júlio Feydit.
Resentiam-se, porém', todas essas monc^aphias, não
obstante o exfòrço profícuo de seus íllustres auctores, da falta
de elementos litteraes probantes, os quaes escasseavam quasí
completamente no Brasil e abundavam nos archivos de
além-mar.
Colligindo-os durante longos annos, habtlitou-se o sr. Al-
berto Lamego a pôr hombros á sua alevantada e diffícil em-
presa', iniciada com o volume ora entregue á nossa apreciação.
Abrange elle o periodo de 1500 a 1730 e divide-se em
dous livros, o primeiro com cinco e o segundo com doze capí-
tulos, fora um appendice. Cumpre-nos, antes de mais nada,
observar que se tracta de uma edição artística, com photo-
gravuras coloridas, mappas, brazão e documentos fac-simi-
lados, — tudo revelando o carinho e o enthusiasmo com que
o auctor se consagrou ás suas patrióticas pesquizas.
Não é fácil resumir o contingente de exclarecimentos que
trazem á historia da capitania da Parahíba do Sul as peças
authenticas, cerca de trezentas, reunidas neste volume do
sr. Alberto Lamego,
No livro L onde vêm reproducções fac-simílares dos
mappas de Jodocus Hondíus (de 1630) e do cosmographo
João Teixeira (de 1645), tracta elle de Pêro de Góes, desde
a sua vinda para o Brasil, até que, mallogrados os exforços
para povoar a sua donatária e depois de exercer o cargo de
capitão-mór da costa no governo de Thomé de Sousa, re-
gressou definitivamente para Portugal, indo fallecer na índia,
provavelmente em 1600. Re£ere-se ainda a Vasco Fernandes
Coutinho e Martim Affonso de S^sa, ao3 índios ida r<iff3tí,
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628 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
305 sítios em que se fundaram as primeiras povoações e á
renúncia do filho e successor de Pêro de Góes, Gil de Góes
da Silveira, dos direitos á capitania, por escriptura de 2Z de
Março de 1619. Menciona o «roteiro dos septe capitães» e
discute-lhe a authenticidade, contestada pelo erudito Vieira
Fazenda com certidões e com sólidos arg:umentos.
Do capitulo III em deante avulta a personalidade de
Salvador Correia de Sá e Benevides, tão mal estudada até
agora e que tanto relevo tem nas paginas dos nossos annaes,
não só por haver governado trez vezes o Rio de Janeiro (cuja
alçada jurisdicional se extendia então a S, Paulo e ao Espirito
Sancto), como também pelas propriedades que adquiriu em
nossa terra, dando origem a sangrentas luctas e prolongados
pleitos, que tiveram por theatro as mai^ens do Parahiba
do Sul.
Os prepostos da metrópole não se descuidavam dos seus
próprios interesses materJaes. Disto é exemplo frisante o
general Salvador, que para si obteve aforamento do terreno,
onde se estabelecera o primeiro trapiche que houve nesta
Capital, assim como os privilégios da balança e da varanda
para a venda de negros, verduras e fructos do paiz, e, mais
tarde, ainda pediu ao rei 100 léguas de costa, de Sancta Ca-
tharina ao Rio da Prata.
Recenseiam-se também os serviços de Sá e Benevides na
investigação das minas do sertão do Espirito Sancto e de
S, Paulo, os motins occorridos no Rio de Janeiro em 1660-
1661, e, finalmente, as primeiras tentativas de occupação dos
campos dos Goitacazes.
Ahi, além de outros, eram proprietários de sesmarias o
general Salvador, os jesuitas e os frades benedictínos . A
ambição de todos esses sesmeiros levou a desordem áquella
região, de onde foram mandados expulsar os posseiros pri-
mitivos, que resistiram ao mandado e á força. Já então houve
pensamento de crear-se em villa a povoação de S. Salvador.
E entre os muitos documentos curiosos, que se enquadram no
livro r. merecem lembrados os da informação que o admi-
nistrador da Justiça Ecclesiastica do Rio de Janeiro, o prelado
António de Mariz, deu sobre o' procedimento do clero de todo
o seu districto, em cumprimento de uma carta-régia. Porém,
byCoogIe
ACTAS 639
OS r^fulares de S. Bento, muito mais que os clérigos se-
culares, foram os que desempenharam papel capital nas
questões, que ensanguentaram os campos goitacazes.
O livro II é a exposição minudenciosa da varia fortuna
de terra goitacá sob o domínio dos Assecas. Com effeito, os
Correias de Sá, filhos do general Salvador, obtêm, em 1674,
a doação de uma extensa capitania ao Sul do Brasil, na re^pão
da antiga donatária de S. Tliomé. Em vão lhes oppõem em-
bargos os heréus e outros proprietários dos campos. E são
logo depois erectas em villas as povoações de S. Salvador e
de S. João da Praia (hoje S. João da Barra), devendo-se
ao paulista Bartholomeu Bueno Feio (isto é, o «Anhan-
guera») o baptismo de sangue da matriz daquella.
Como o 3* visconde de Asseca, Diogo Correia de Sá,
vendesse ao prior Duarte Teixeira Chaves todos os seus bens
sitos no Brasil, abre-se estirado e vigoroso litigio entre o
adquirente e os herdeiros do vendedor,
Ahi apparece a figura singular de Luiz Vahia Monteiro,
sobrinho do prior da coUegiada de Chaves', e que, empossado
em Maio de 1725 no governo do Rio de Janeiro, patrocinou
francamente a causa do tio. Fez administração enérgica. Des-
terrou dous abbades de S, Bento, E quando o rei lhe es-
creveu uma carta cínsurando-lhe os excessos de poder, Vahia
Monteiro deu ao soberano altiva resposta, confessando «os
seus Ímpetos e fúrias > e mostrando não só a necessidade
de tal procedimento como as vantagens delle resuItaTites para
a boa direcção dos povos.
Enquanto estavam sub judice as lides entre os Assecas c
o prior de Chaves, entrando nellas uma terceira personagem,
o infeliz Domingos Alvares Pessanha, — as villas ribeirinhas
do Parahiba progrediam. Mas o descobrimento do ouro em
nosso hinlerland não tardou a determinar no Rio de Janeiro
uma tremenda crise, que promptamente se reflectiu na terra
goitacá. E' a épocha da carestia de viveres, do abandono dos
engenhos de assucar e do êxodo para as Minas.
Reponta a nova phase de contendas em 1727, quando
Martim Correia de Sá, como procurador de seu pae, toma
posse da capitania da Parahiba do Sul. Como si isto não
bastasse, ainda naquelle mesmo anno, de triste recordação
lyCoogle
630 RSVtSTA DO INSTITUTO UISTORICd
para a terra goitacá, eram obrigadas as villas de S. Sal<
vador e de S. João da Praia a pagar pesado donativo para p
casamento dos príncipes de Portugal e Hispanha.
Vahia Monteiro consegue alijar a Martim Correia do
governo da capitania da Farahiba do Sul. Nisto surde um
novo motivo de dissídio : — a lei do contracto sobre os € gados
de vento». Neste período, destaca-se a figura varonil de
Benta Pereira, cujos filhos João Alvares Barreto e Francisco
Manhães Barreto tomam parte saliente nos successos então;
desenrolados alli.
Enquanto prosegue a lucta entre o governador e Martim
Correia e se depõem capitães-móres nas villas do Parahiba',
onde os partidos se extremam, apparelhando-se para maíp
graves eventos, Luiz .Vahia Monteiro faz timbre em que se
cumpra o contracto dos gados, e para isso confia a respectiva!
diligencia ao capitão Francisco Pereira Leal, com uma força
de trinta soldados. Esta expedição desempenha-se não só
do encargo especial que levava, como também prende a cri-
minosos e desertores, que infestavam aquella zona.
Continuava aberto o conflícto entre os moradores da
capitania da Parahiba do Sul e os Assecas, contra cujo do-
minio o governador do Rio de Janeiro sustentava tenaz per-
seguição. Mas os Correias de Sá dispunham de valimento
perante o monarcba. Isso impoz á terra goitacá a necessidade
de preparar-se para uma revolta efficaz.
Eis ahí, em palHdo resumo, o que se contém neste pri-
meiro volume submettído á nossa consideração pelo sr. Alberto
Lamego.
Cumpre-nos fazer algumas observações quanto ao cri-
tério histórico posto em prova pelo auctor e quanto ao seu
processo de utilização dos documentos.
No tocante aos aborígenes do Brasil, não nos parece ra-
zoável, em face das recentes conclusões da Ethnographia
americana; dividi-los somente em duas tribus — uma auto-
chthone, a dos tapuias, e outra conquistadora, a dos tupis
(pag- ^5) ■ Em vez de apegar-se nesse ponto a Rocha Pombo,
o sr. Alberto Lamego melhor faria si adoptasse, quanto aos
íncolas do Novo-mundo, os postulados de Nott e Gliddon, em
i.,CoojjíIc
&CTA< 63!
seus < Types of mankind » e o eschema que dos nossos selvi-
colas traçaram Karl von Steinen e Paul Ehrenreich.
Custa-nos acreditar que um espirito positivo, que tão
rectilineamente se norteia, em Historia, pelas provas do-
cumentaes, dé accolhida em sua obra á. invencionice jesuítica
da vinda de S. Thomé ás nossas plagas, — donde o admittir
o auctor que os tamoios primitivamente se chamaram tzoméos
(pag. 16), quando o certo é que aquelle nome tribal provém
de tamoio, avô, por se julgarem os índios da Guanabara mais
antigos que os seus ermãos do nheengatú.
Não devera também o sr, Lamego perfilhar (pag, 17)]
a origem dos Botucudos dada por Miliet de Saint Adolphe,
sabido como é, que aquelle vocábulo não promana de bota
e côdea, etymologia absurda, porém sim de batoque, ou por
alliteração botogue, termo lusitano correspondente ao tembetá
tupico .
Lamentamos também que o auctor houvesse dado guarida,
em seu excellente trabalho, á existência de tribus como a dos
ovaitagnasses (pag. 17) ; guiatacás e waitaquases (pag. 22).,
como distinctas da dos goilacás, ou, com a dupla forma st-
gmatica da aportuguezação, goitacases. E' bem de ver que
aquellas trez primeiras denominações não passam de variantes
da última, ordinariamente devidas a enxacocos ou a erros
graphicos dos tractadistas antigos.
Os documentos colligidos na « Terra goytacá » não só
clareiam muitos passos obscuros da historia da capitania da
Parahiba do Sul, como sejam os actos essenciaes dos dous
primeiros donatários. Fero e Gil de Góes, fundadores de
povoações, que aliás não vingaram, ás margens do Itaba-
poana e do Itapemcrim, mas ainda jorram luz sobre factos
respeitantes á capitania do Espirito Sancto, isto é, aos seus
limites com aquella outra e ao surto dos seus núcleos de
povoamento. Servem também para exclarecer vários relanços
da actividade das ordens religiosas no Brasil.
Notaremos que o documento de pags. 154-156 demonstra
que já em 1676 era abbade do Mosteiro de S. Bento do
Rio de Janeiro fr. Francisco do Rosário, que na lista da
extensa e erudita monographia do barão de Ramiz Galvão,
á pag. 317 do tomo XXXV, parte II, da «Revista do Ins-
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633 REVISTA DO tNSTITUTO HKTORICO
titulo Histórico e Geographico Brasileiro», consta ter exer-
cido aquelle cargo em 1677.
E' certo, contudo, que alguma das pe<^s antigas, ora tão
bem aproveitadas pelo sr. Alberto Lamego, deixam ainda
margem a dúvidas, em razão das datas que lhes são attri-
buidas, quando em confronto com os episódios a que con-
cernem .
Tomaremos um exemplo characteristico.
E' questão controversa a de ter Salvador Correia de Sá
e Benevides, ou pessoalmente, ou representado por seu filho
João Correia de Sá, feito penetração nos sertões do Espirito
Sancto, á cata de esmeraldas.
Dos que têm modernamente versado esses assumptos,
com profundeza e competência, Calc^eras, em seu vasto e
óptimo traballK) «As minas do Brasil e a sua legislação»,
vol. I, pag. 398, acredita ter occorrido aquella entrada, em-
bora lhe dè como ignorados os fructos; e Orville Derby, no
seu substancioso escriplo sòbrc « Os primeiros descobrimentos
de ouro em Minas Geraes» ín «Revista do Instituto His-
tórico de S. Paulo», vol. V, pag. 2G0, duvida de que se
haja realizado tal expedição naquella zona e naquella epocha,
mas que não lhe faz a menor referencia o parecer de Salvador
Correia de Sá e Benevides, de 3 de Maio de 1677, no Con-
selho Ultramarino (f« « Revista do Instituto Histórico e
Geographico Brasileiro», tomo LXIII, parte I) — que é uma
ampla exposição de todos os seus serviços aqui no Brasil,
prestados á Coroa portugueza.
Pois bem ; o auctor da « Terra goytacá » admitte até a
existência <]e duas entradas no sertão do Espirito Sancto, ao
tempo do segundo governo de Salvador Correia de Sá e
Benevides, no Rio de Janeiro, uma pessoalmente dirigida por
«lie e outra por seu filho João Correia de Sá, ambas em pro-
cura das pedras coradas.
Na primeira, o governador < preparou quatro caravellas
com mais de 100 homens e saiu em busca da mysteriosa
serra. Por muito tempo esquadrilhou o interior das florestas,
e o encantado thésouro não appareceu» (pags. 65-66).
Achamos inexplicável que o general Salvador, — cuja
posse foi a 18 de Abril de 1659, e que a 4 de Outubro desse
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ACTAfi 633
anno já lavrava, na Bahia, a patente de mestre de campo a
seu filho João Correia de Sá para a segunda expedição, — não
podendo, pois, ter ct^itado de outra cousa que não do des-
cobrimento das esmeraldas no sertão espirito-sanctense, dei-
xasse de mencionar, no citado parecer do Conselho Ultra-
marino,— um verdadeiro depoimento pessoal — a jornada
sob sua chefia, e á mesma não se referisse na patente de 4
de Outubro de 1659, passada a seu filho.
Este caso da patente, estreitamente vinculado á leva em
que « partiu o capitão João Correia de Sá, com grande con-
curso de gente, em busca das encantadas minas, e a serra das
Esmeraldas, ainda uma vez, não foi encontrada» — offerece-
nos também dúvidas sérias.
Diz o sr. Alberto Lamego que o governador pediu ao
soberano a approvação do acto de 4 de Outubro de 1659;
que o Conselho Ultramarino, em / de Maio de 1660, se pro-
nunciou desfavoravelmente; que o governador cxpoz nova-
mente as vantagens da nomeação do filho para aquelle posto ;
que o Conselho, ouvido ainda a 14 de Abril, não alterou o seu
modo de pensar; e, em nota, informa (pag. 67), que as
cartas régias, homologadoras dos pareceres do Conselho, têm
as datas de 6 de Março de 16Ó0 (a i"), e 16 de Abril do
mesmo attno (a 2').
Ora, isto não pôde ter-se dado assim. Si o Conselho foi
ouvido, a primeira vez, em / de Maio de 1660, a segunda data,
14 de Abril, será então do anno seguinte. Quanto ás datas
das cartas r^ias, basta ponderar que o espaço de tempo com-
prehendido entre 6 de Março e 16 de Abril de 1660, mal dava
então, e muito estrictamente, para que a resolução do mo-
narcha viesse ter ás mãos de Salvador Correia, Imagine-se,
agora, si este pedido, de facto, reconsideração do despacho
real, quantos dias, ou melhor, quantos mezes não se fariam
necessários para que chegasse a Portugal o novo requeri-
mento, fosse ouvido o Conselho Ultramarino e subisse afinal
o parecer deste á deliberação do soberano.
Ha, portanto, em tudo isso, enganos palpáveis, que é
mister dilucidar, a bem da prestabilidade dos documentos.
Que houve realmente tentativas de penetração nas
terras do Espírito Sancto, em 1659 e 1660, á busca de esmc-
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634 ItBVISTA DO IK3TITUT0 HISTOKICO
raldas, — são accórdcs em af firma-lo várias provas hístoricaS.
A's mesmas allude Taques em sua < Informação sobre as
minas de S, Paulo» (ín «Revista do Instituto Histórico d
Gebgraphico Brasileiro», tomo LXIV, parte I, pag, 20),
citando peças officiaes existentes nos registos paulistanos:
mas, logo adeante (pag. 27), assegura, sem se apoiar era
prova alguma, que no descobrimento das appetecidas esme-
raldas < tinha perecido o marechal de campo João Correia
de Sá com a maior parte dos seus soldados exploradores, no
anno de 1660». Entretanto, os documentos de pags. 118-119
e 129 e 130 da obra do sr. Alberto Lamego evidenciam que
João Correia de Sá, que daqui partira para a índia, obteve
licença régia afim de retomar ao Brasil em 1669 e ainda:
vivia em 1676, não havendo dúvida alguma de que esse era
o filho de Salvador Correia de Sá e Benevides, a quem este
{Ilegalmente dera, em 4 de Outubro de 1659 a patente de
mestre de campo, não confirmada pelo soberano,
Bis ahi, no meio de poucas jacas, que um exame mats
meticuloso dos papeis vetustos houvera seguramente desfeito
em tempo, o subido valor da matéria probante, accumulada
pacientemente no trabalho do sr. Alberto Lamego. Ha fi-
guras de grande destaque em nossos fastos, que, mercê das
peças antigas ora saídas a lume na « Terra goytacá », têm
de ser encaradas a outro aspecto. Uma delias é a de Salvador
Correia de Sá e Benevides, que, em seus trez períodos de go-
verno, prestou alguns serviços á nossa terra, porém, cuja
Ímproba ganância está agora demonstrada que farte. Outra
é a de Luiz Vahia Monteiro, tarado para a demência de que
veio a fallecer, mas enérgico administrador, guiado embora,
muitas vezes, por paixões pessoaes.
Os documentos da obra do sr. Alberto Lamego, reunidos
aos materíaes que colligiu no Archivo Nacional o sr, Eduardo
Marques Peixoto e enfeixou em sua « Memoria » offerecida
ao Primeiro Congresso de Historia Nacional, cremos que
exgottaram tudo quanto existe a respeito daquelle preposto da
metrópole, que governou o Rio de Janeiro de 1725 a 1733.Í
Quem sabe quanto custa descobrir nos repositórios pú-
blicos ou particulares esses poeirentos códices, quem sabe
quanto custa le-los, ou, antes, decifra-los e, em summa, tirat;
«ibyCoogIe
ACTAS 635
delles os exclarecímentos tjue proporcionam a um dado epi-
sodio e a uma epocha, — não deixará de sinceramente louvar
o patriótico exfòrço do sr. Alberto Lamego, que por tantos
annos vive nas terras de além-Atlantico a perquirir as arcas
do passado em beneficio da Historia do Brasil.
Premio não pequeno merece quem faz obra de tanta valia.
Assim, a Commissão de Historia é de parecer que o.
sr. Alberto Lamego, — que em seus escriptos se tem revelado
um erudito e perseverante cultor da Heurística, no que eila
of f erece de mais interessante ao nosso passado colonial, —
deve ser acceito sócio correspondente do Instituto Histórico e
Geographico Brasileiro. — Rio de Janeiro, 8 de Abril de 1915.
— Basiiio de Magalhães, relator. — Clóvis Beviláqua. — Al-
fredo Valladão,*
O parecer é approvado por unanimidade, e a proposta é
remettida á Commissão de Admissão de Sócios, sendo relatoi:
o sr. dr, Ramiz Galvão.
O Sr. Presidente dá a palavra ao sr. dr. Alfredo Val-
ladão, para, como relator, lêr os pareceres da Commissão de
Historia, sobre as obras que instruiram as propostas rela-
tivas aos srs. drs. Aurelino Leal e António de Barros Ramalho
Ortigão.
O Sr. Dr. Alfredo Valladão lê os segintes pareceres ;
t Os conhecidos trabalhos do sr. dr, Aurelino Leal, como
jurista e como publicista, já bastavam para que se lhe abris-
sem as portas do Instituto Histórico.
Recommenda-o, porém, especialmente a producção de
historiador, com que elle enriqueceu os « Annaes > do Pri-
meiro Congresso de Historia Nacional, no relatório de uma
das theses da quarta secção.
A these era ampla : — O Acto Addicional — Reacção,
Conservadora — Bernardo de Vasconcellos — A Lei de Inter-
pretação — O Golpe de Estado da Maioridade — O Minisi
terio das Nove Horas.
Apezar disto foi explanada na sua integra, e com grandã
proficiência.
Salienta o auctor que a reforma da Constituição era idéa
corrente, nos últimos tempos do reinado de Pedro I. E o prín-
cipe lhe deu character official com o exprobra-la, na famosa
..Coojj^Ic
636 REVISTA DO INSTITUTO BISTORICO
proclamação que publicou, quando fez a sua desastrada vi^em
a Minas Geraes.
Também os leaders dos partidos nacionaes alludiam á
reforma na representação, que dirigiram ao príncipe, com-
binada na Chácara da Floresta após os motins que se deram
no mez de Março,
Estava assim officialmente posta a questão, antes mesmo
do 7 de Abril.
Verificado o 7 de Abril, « não tardou em apparecer no
parlamento o propósito de se cumprirem as idéas pregadas
antes da abdicação». £ o movimento inicial foi dado pelo
deputado Cesário Ribeiro, na sessão da Camará, de 6 de Maio
de 1831, com o projecto que apresentou.
O auctor estuda a reforma da Constituição desde este
momento até que se promulgou o Acto Addicional.
£' um estudo minucioso e perfeito.
Foram pesquizados todos os detalhes da elaboração par-
lamentar, bem como as causas sociaes e politicas, que in-
fluiram nesta elaboração.
Em seguida, o auctor se occupa da Lei de Interpretação.
Salienta que o Acto Addicional se mostrou imprestável
para realizar os fins visados pelos seus auctores, que pre-
tendiam harmonizar a contrasteação do poder central com a
descentralização administrativa das províncias.
E isto, principalmente, por causa de uma disposição que
a elle se encorporou, em virtude de emenda offer«cida pelo
deputado Paula Araújo, na discussão do respectivo projecto.
Indispensável se tornou, assim, a Lei de Interpretação,
Da. Reacção, Conservadoraíractaotiuctor d^emoTadamentie.
Estuda as formações partidárias desde o 7 de Abril, até
que, desapparecendo o perigo da restauração de Pedro I,
cessando desfarte as preoccupações do nativismo, chegou o
momento de uma grande e systematica organização conser-
vadora, expressa na Politica do Regresso, cuja bandeira foi
desfraldada por Bernardo de Vasconcellos .
Bernardo de Vasconcellos é a própria Reacção Conser-
vadora !
A sua figura não tem par naquelle momento de nossa
Historia politica.
,dbyGoogle
ACTAS 637
E ainda se desmede sempre que Vasconcellos apparece
collaborando na obra legislativa ou em qualquer dos ramos
da administração.
Armitage foi o primeiro a põr em destaque a figura de
Vasconcellos.
O barão do Rio Branco chamou-o de — mestre do nosso
parlamentarismo; e Joaquim Nabuco de — gigante parlar
menlar .
Euclides da Cunha, Xavier da Silveira e, moderadamente,
EscragnoUc EMria, manifestaram também o seu enthusiasmo
pela figura do grande Brasileiro.
O dr. Aurelino Leal confessa, desde logo, a sua admi-
ração por Vasconcellos, lastimando mesmo que a sua per-
sonalidade ainda não tenha sido convenientemente estudada.
E accompanha, com encómios, a acção que Vasconcellos
desenvolveu .
O auctor discorre ainda com vantagem sobre o Colpe
de Estado da Maioridade e sobre o Ministério das Nove
Horas, apresentando interessantes considerações a respeito
destes acontecimentos.
O trabalho, que reconimenda o sr. dr, Aurelino Leal,
toma certo, como se vê, que elle poderá prestar reaes ser-
viços á causa do Instituto Histórico.
A Commissão de Historia é de parecer, pois, que seja
approvada a proposta de seu nome para sócio effectivo.
Sala das Commissões do Instituto Histórico, aos 17 de
Abril de 1915. — Alfredo Fatíadão, relator. — Clóvis Bevi-
láqua.— Basílio de Magalhães.*
— € A Commissão de Historia examinou a proposta de
admissão do sr. dr. António de Barros Ramalho Ortigão
como sócio effectivo do Instituto.
O relatório official sobre uma das theses da secção de
Historia económica, do Congresso de Historia, que se reuniu
nesta Capital no anno próximo passado, é o trabalho com
que elle se apresenta.
Intitula-se este trabalho A Moeda circulante do Brasil e
mereceu franca approvação daquelle Congresso.
A Moeda circulante do Brasil é de facto mais uma reve-
lyCoogle
638 REVISTA DO IN3TITUT0 HISTÓRICO
lação da competência, com que o sr. Ramalho Ortigão cultiva
os assumptos económicos e financeiros.
Em seu prefacio occupa-se o auctor da natureza e func-
çÕes da moeda e se manifesta acaloradamente contra o ínflac-
cionismo que, no momento de seu relatório, se preparava
« para celebrar a mais estrondosa victoria que tem conseguido,
desde que se implantou no paiz».
Allude o auctor ao projecto de emissão de papel-moeda,
que se converteu em lei no anno extincto.
E acconselha : -
« Os homens públicos porém, que, governando e legis-
lando, contrahem grandes responsabilidades perante a Nação
e perante a Historia, deveriam pôr-se ao corrente do que tem
sido, no mundo inteiro, o flagello do papel-moeda e do curso
forçado, si não basta a lembrança dos dias tristes e sombrios
de 1898, antes de em definitiva resolverem sobre o augmento
dessa espécie de moeda : porque, não obstante os ouropéis e
as lentejoulas de que costuma revistir-se esse factor de crises
e desgraças, falia mais alto e transluz a verdade dos factos
Decorridos e comprovados em toda parte.»
Em seguida!, desenvolve a historia de nosso meio cir-
culante, desde a chegada de d. João VI, em 1808, até o anno
de I91-1, no momento em que a politica enveredava decisi-
vamente para um grande inflacionismo.
Nada de interessante lhe escapou nas suas investigações
sobre aquelle assumpto.
E o facto histórico é sempre apreciado com lucidez e
pleno conhecimento da matéria.
A Commíssão de Historia entende, pois, que o sr, An-
tónio de Barros Ramalho Ortigão está em condições de
prestar reaes serviços á causa do Instituto, pelo que deve ser
inscripto entre os sócios effectivos.
Sala das Commissões do Instituto Histórico, aos 17 de
Abril de 1915. — Alfredo Valladão, relator. — Clóvis Bevi-
láqua. — Basílio de Magalhães.»
Os pareceres são approvados por imanimidade e as
propostas enviadas á Commissão de Admissão de Sócios,
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ACTAS 639
3endo relatores: — da 1', o sr. dr. Miguel Joaquim Ribeiro
de Carvalho e da 2', o sr. dr. António Olyntho.
O Sr. 2" Secretario lè depois os s^uintes pareceres,
também da Commissão de Historia :
€ A Politica brasileira no Prata até á guerra contra Rosas
é uma excellente contribuição para a Historia politico-inter-
nacional do nosso paiz, no periodo em que elle se procurava
organizar e assentar as bases do seu destino ainda indeciso
e obscuro. O auctor penetrou, com animo desprevenido, nesse
labyrintho de marchas e contra marchas, em que o inconsciente
da Historia ludibriou dos exforços mais habilmente com-
binados. Conhecedor do Direito internacional, que tem pro-
fessado com applausos geraes, o dr. Pinto da Rocha pôde
dar aos acontecimentos estudados a sua interpretação moral,
histórica e jurídica. Andámos por séculos luctando, para
incorporar ao organismo brasileiro a nesga de terra, onde
hoje floresce a próspera Republica do Uruguai. Nas vicis-
situdes dessa empresa, herdada dos tempos coloniaes, a. acti-
vidade militar do Brasil -impe rio não teve fortes motivos para
desvanecimentos. Mas a actividade diplomática, tenaz, con-
tinua, intelligentemente dirigida, com surtos de extraordinária
clarividência, poude dar relevo á nossa politica interven-
cionista, que aliás era a dominante em toda parte ; e, apezar
de alguns deliquios funestos, influiu consideravelmente na
consolidação das nacionalidades, que se formaram na bacia
do Prata. Esta synthese resalta, nitida e luminosa, da erudita .
dissertação do dr. Pinto da Rocha, que accompanha pacien-
temente através de luctas e desasos, de movimentos gene-
rosos e arremettidas inúteis, a curva complicada dos aconte-
cimentos da Politica, do conflicto das ambições, desde a
fundação da Colónia do Sacramento até á queda do célebre
caudilho platino, tão diversamente apreciado por escriptores
do seu paiz e do extrangeiro.
Em alguns juízos parciaes sobre pessoas e sobre factos
poderemos delle divergir, mas as linhas de conjuncto e a con-
clusão, que põe natural remate á obra, nos parecem traçadas
com felicidade e seguro critério,
Hoje, que já nos é permittido olhar para o desenredar
dos acontecimentos com exempção de espirito, que as rívali*
lyCOOglC
640 REVISTA DO INStrrUTO HISTÓRICO
dades se diluíram e apagaram, afogadas na luz da oimpre-
hensão das próprias necessidades e dos destinos de cada um
dos povos em contacto neste bello trecho da America, todos
os Brasileiros devem ter uma grande satisfacção em reco-
nhecer que, si a Cisplatina rompeu os laços da nossa obe-
diência, si o rtçime do cavalheresco protectorado foi antes
causa de recíprocos dissabores do que de benefícios mútuos,
esses contactos permíttiram que um sedimento de sympathias
consolidasse entre os dous povos uma forte amizade, que se
traduziu nesses dous bellos gestos: a communhão das aguas
da lagoa Mirim, com a rectificação das fronteiras pelo
tkalzveg dos cursos d'agua ; e a denominação Rio Branco dada
a um navio da Marinha de guerra da Republica vizinha.
A Diplomacia brasileira, no Rio da Prata, não podia ter
preparado e colhido mais bellos fructos.
A monographia do dr. Pinto da Rocha orna-se com
duas virtudes de alto valor: tem o sentimento da Historia,
isto é, traduz o sentimento geral, que as massas experimentam
sem poder definir, e sobrenada, na poeira informe dos factos,
como nebulosa esparsa, de onde surgirão mundos, — e indica
a direcção, que a Politica imprimiu ou parece ter impresso ás
energias sociaes, vencendo diffículdades creadas pela con-
fusão de documentos, que ainda não soffreram o desbas-
tamento depurador da Critica, nem foram siquer methodica-
mente classificados para o aproveitamento da Historia. E'
portanto, um trabalho de grande merecimento, como apre-
ciação geral, synthese histórica e comprehensão da marcha e
do rythmo dos acontecimentos.
Rio de Janeiro, 29 de Março de 1915. — Clóvis Bevi-
láqua, relator. — Viveiros de Castro. — Basílio de Magalhães.>
— cE' a proposta do dr, Alfredo Pinto Vieira de Mello
para sócio do Instituto Histórico e Geographico Brasileiro
accompanhada da monographia — O Poder judiciário do
Brasil (1532 a 1871), Esse estudo contém uma synthese his-
tórica, ou, mais precisamente (tal é a concisão com que se
expõe cada um dos períodos mais notáveis da evolução do
nosso Poder judiciário), uma descripção quasi eschematica da
judicatura no Brasil durante o longo espaço de tempo de quasi
trez séculos e meio. Desde os primórdios da nossa organização
. Google
ICtAS 54!
judiciaria em i53^,*epocha em que aos donatários das capi-
tanias foi concedida nos foraes de doação a alçada, sem a^pel-
laçào nem aggravo, em causas crimes, até morte natural para
os peões, escravos e gentios, e até dez annos de d^redo e
cem cruzados de pena para as pessoas de qualidade e nas
causas eiveis, com appellação e aggravo, somente quando exce-
dessem cem mil réis; dando noticia em seguida da creação
dos ouvidores e provedores em 1549, da Relação da Bahia
com a denominação de Relação do Brasil, em 1606, e da do
Rio de Janeiro, em 1751, das successivas creações dos juizes
privativos do crime nesta cidade, juizes de fora, ouvidores,
corregedores e juizes ordinários nas villas do interior, até ás
grandes instituições judiciarias que promulgámos depois da
Independência do Brasil, o Código do Processo Criminal de
1632, que veio logo depois do Código Penal de 1830, a lei de
3 de Dezembro de 1S41, que parece ter sido imposta pelas
circunstancias do momento histórico, e até á liberal reforma
feita pelos conser\adores por meio da lei de 20 de Septembro
de 1871 ; o dr. Alfredo Pinto faz uma perfeita resenha do
que tem sido a nossa organização judiciaria em todo esse
vasto decurso de tempo. De incontestável utilidade é essa
synopse histórica do Poder judiciário no Brasil para a ins-
trucção dos que querem aprender, e para a recordação dos
que já aprenderam . Não tivesse o dr. Alfredo Pinto revelado
antes a acurada cultura do seu espirito e a sua vigorosa iotel-
ligcncia nos cargos de deputado federal e chefe de policia
desta cidade, e o seu excellente trabalho, de que tão rapida-
mente nos é dado occupar-nos neste instante, seria sufficiente
para justificar a eleição do illustre compatriota para o logar
de sócio correspondente do Instituto Histórico e Geographico
Brasileiro. Rio de Janeiro, 6 de Janeiro de 1915. — Pedro
Lessa, relator. — Viveiros de Castra. — Alfredo Valladão. >
— « Mestre na scieiícia que professa, admirado e esti-
mado em todo o paiz e no extrangeiro, eximio poeta, histo-
riador consummado, apaixonado cultor da lingua portugueza,
fino causeur. o professor dr. António Fernandes Figueira é
actualmente um dos mais auctorizados exix>entes da intelle-
ctualidade brasileira.
,dbyGoogle
642 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Producto de seus próprios exforços, tem subido, con-
fiando exclusivamente no seu real merecimento, e se afas-
tando systematicamente dessas egrejinhas litterarias ou
scientificas, que entre nós cream celebridades pelos mesmos
processos com que as empresas de publicidade lançam no
mercado um novo producto industrial.
Innumeros e irrecuzaveis são os testimunhos do seu alto
valor como medico.
A sua obra sobre medicina infantil (approvada unani-
memente pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e
premiada pelo Congresso Nacional) foi publicada em francez
com um prefacio do professor Hutenel ; foi traduzida para o
italiano e adoptada na Itália, alta distincçÈto ainda não con-
ferida a nenhum outro medico brasileiro; e tem recebido os
maiores elogios dos principaes especialistas da Europa e da
America .
E' director da Polyclinica de Crianças (fundada pelo
nosso eminente consócio honorário dr. José Carlos Rodri-
gues), tendo sido indicado para cargo de tanta responsabi-
lidade pelo professor Hutenel. a quem o referido fundador
da Polyclinica havia pedido a indicação de um especialista
francez para dirigir o estabelecimento.
Já foi presidente da Academia Nacional de Medicina, em
cujo cargo publicou o livro de Bibliographia medica brasi-
leira, ao qual já tive occasião de me referir, no parecer sobre
outro medico illustre, o professor dr. Juliano Moreira.
E- pediatra do Hospital Nacional de Alienados e presi-
dente perpetuo da Sociedade Brasileira de Pediatria.
Tendo comparecido espontaneamente, sem a min ima
representação official, ao Congresso Internacional de Pe-
diatria de Pariz (em 1912) presidiu a uma das sessões, honra
que foi conferida somente a 1 1 dentre os 280 especialistas do
mundo inteiro alli reunidos.
O professor Meyer of fereceu-lhe um banquete em Berlim,
recebendo elle em Pariz idêntica gentileza, promovida pelos
professores Hutenel, Nobecourt, Lesage e outros.
E' auctor de grande numero de monographias medicas,
justamente apreciadas pelos competentes e avidamente pro-
«ibyCoogle
&CTAS 643
curadas pelos que têm necessidade de estudar os respectivos
assumptos.
Poeta muito estimado, sob os pseudonymos de Alcides
Plavio e Genuino Rocha, o dr. Fernandes Figueira se afasta
do lyrismo-erotico, que é a nota predominante na Poesia bra-
sileira ; o seu estro ora vibra indignado contra as desigual-
dades sociaes, ora se approxima do symbolismo, < lembra
Ibsen» na phrase do nosso illustre consócio dr. Basilío de
Magalhães, conceito que eu registo sem commentar, por-
que confesso (lue a minha alma fundamentalmente latina
tem um instinctivo terror pelos nevoeiros escandinavos.
Para testimunhar o alto valor do dr. Fernandes Figueira
como poeta bastará yanscrever a seguinte jóia litteraria —
A Virgem da Miséria:
Coscumsm perecer no catre do botpiui...
Que M
onlarim a fotne, a enlermidaije, o mal.
E etiqua
Atirando
Não lhe
tita que ellas vão do sólio da r.qucia
o desdém ás rilhas da nobreça,
Nu». At
Si nio
■ada aqui a virgem da miséria,
goia d> tumba a placidei lunerea.
Como carta credencial para justificar a sua entrada neste
Instituto, o professor dr. Fernandes Figueira apresenta a
excellente « Memoria » «O Padre António Vieira », com
que enriqueceu os « Annaes » do Primeiro Congresso de His-
to(Ía Nacional.
Não era tarefa pouco trabalhosa escrever sobre o ce-
lebre jesuíta, não somente porque a sua individualidade
enche largo período da nossa Historia colonial, como também
porque sobre Vieira havia escripto um historiador do valor
de João Francisco Lisboa, considerado o melhor dos seus
biographos .
Limitando o seu estudo a uma das phases da vida do
padre António Vieira — como superior das MissSes Pará-
lyCoogle
644 REVISTA DO INSTrrlJTO HISTÓRICO
Maranhão-» justamente para melhor aprofundar esse es-
tudo, o dr, Fernandes Figueira deu cabal desempenho á
tarefa que emprehendeu : pela linguagem castiça, riqueza da
documentação, justiça dos juizos e elevação dos a>nceitos,
a sua < Memoria > pôde emular com o trabalho do notável
publicista maranhense.
Não seria possível, no reduzido espaço de um parecer
sobre admissão de sócio, analysar desenvolvidamente tão im-
portante trabalho ; percorrerei de relance as suas paginas :
Começa a « Memoria » accentuando que, quando o padre
António Vieira chegou ao Maranhão cm Janeiro de 1653,
jà firmara a sua reputação como diplomata, theologo, orador
e estadista ; e traeia amadurecido o seu plano de defesa da
liberdade dos indíos, plano cujo inicio foi a provisão -de 29
de Maio de 1649, dando salário obrigatório ao serviço dos
índios e concedendo-lhes a faculdade de se ausentarem das
lavouras de canna e de tabaco.
Descreve o abandono em que ficaram as Missões, depois
da catastrophe do Itapicurú; e a atmosphera hostil que havia
na colónia contra a obra humanitária do grande jesuita,
animosidade que se exteriorizou no motim de 31 de Janeiro,
apezar do espirito conciliador que elte manifestara, empe-
nhando-se sinceramente em afastar motivos de controvérsias.
Uma questão de amor próprio (que faz lembrar o
hyssopo que tão espantosa guerra suscitou na Sé de Elvas),
indispoz contra os jesuítas o animo do capitão-mór Bal-
thazar de Sousa: foi o caso que o padre Matheus Delgado,
antes de iniciar um sermão, lhe não pediu a vénia devida,
persuadido que similhante honraria somente fosse cabivel
aos capitães-móres e governadores na vigência do cargo de
vice-reis t
A habilidade diplomática de Vieira acalmou momenta-
neamente a tempestade ; mas « o mar de leite occultava a
calmaria. A exaltação cessou, foi celebrada a paz, e contudo
nem trégua lhe poderíamos chamar. A lucta pequena, dis-
simulada, traduzida em picuinlias e traições, essa verdadei-
ramente não teve interrupção. Affrontou-a Vieira, e somente
obteve a derrota. Não lhe valeu a dedicação á causa da
caridade, a tentativa de erguer um hospital, o que não po-
lyCoogle
ACTAS 64S
dendo levar a effeho a Irmandade da Misericórdia, para
clle entranhadamente concorreu o jesuíta, até o seu leito
offerecendo aos enfermos, em troca de uma esteira em que
passou a dormir. NSo lhe valeu pregar constantemente nas
egreJBs matriz e do collegío, dirigir procissões, ensinar as
crianças e os Índios, dispender nas Missões o cabedal das
suas economias e dos honorários de pregador d'el-rei. Fo-
ram inexoráveis os interesses subalternos dos colonos».
Com a elegante concisão de um mestre que conhece pro-
fundamente o assumpto sobre o qual discorre, o dr. Fer-
nandes Figueira narra todos os episódios desta lucta titânica,
que o abnegado jesuita travou pela liberdade dos Jndíos
contra a sórdida ganância dos maioraes da colónia e contra
a cobi<;a dos governadores, mais ne^ciantes do que admi-
nistradores, e tendo contra si a rivalidade das outras ordens
religiosas, que lhe não perdoavam os seus triumphos ora-
tórios, os quaes tanto augmentavam o prest^o da Companhia
de Jesus.
Embora vencido na lucta, Vieira saiu engrandecido, re-
velou qualidades admiráveis de luctador, empregou todos os
recursos do seu privilegiado talento, e impoz o seu nome á
admiração dos que estudam a nossa Historia sem preoc-
cupaç5es sectárias, fazendo justiça aos indefessos propugna-
dorçs da civilização e do progresso no período colonial.
Si a caridade e a abnegação evangélica do padre An-
tónio ^'ieira não resaltasgem de todos os seus actos como
superior das Missões do Maranhão, bastaria para compro-
va-las essa admirável excursão que elle, para apaziguar os
Nhengaibas e Tabajaras, emprehendeu á serra do Ibiapaba,
« fazendo aquelle enorme percurso a pé, não raro descalço,
pisando alagados, cntanguido de frio pelas aguas das pro-
cellas > .
Pagina admirável, em tudo digna dos fastos da Egreja.
Enquanto os governadores, exquecidos da missão que
cl-rei lhes confiara, se entregavam inteiramente, salvo hon-
rosas excepções, á avidez do lucro; e os colonos, certos
da impunidade, sacrificavam os índios in^iedosamente, o
abnegado jesuila, o pregador de el-rei, o diplomata eminente,
lyCoogle
É46 REVISTA DO IKeTITCTO HISTÓRICO
O theoio^ consummado, trocava as commodidãdes da vida
relativamente fácil em uma capital colonial pelas agruras dos
Ínvios sertões, e descalço, como o mais obscuro peão, ia,
pescador das almas, converter os selvagens, prestando ao
mesmo tempo ao progresso do Brasil o relevante serviço de
tomar franco e s^uro o caminho do Maranhão ao Ceará.
Em synthese admirável, assim resumiu o dr. Fernandes
Figueira a vida tão cheia do padre António Vieira:
« A poucas vidas se poderia applicar mais á justa do que
á de Vieira o tutto ei provo da ode de Manzoni a Napoleão.
Quando no tumulto da restauração chega a Lisboa, um
ei^no quasi lhe destróe a existência.
Peregrinou em a Bahia por entre as devastações da
febre amarella e tremeu entanguido nos calafrios ferozes da
malária do Amazonas.
A mão amistosa apertou a reis e a chancelleres e ex-
plicou o catechismo aos selvagens do Brasil.
Em Roma pregou em italiano no meio de applausos dos
luminares da Egreja, e apodou-o o povo do Maranhão quando
proferiu o sermão de Sancto António.
Conheceu o poderio sob d. João IV, o quasi-olvido com
a rainha-regente, o exilio e a prisão quando reinava Af-
fonso VI.
Julgou-se o salvador de Portugal ao acconselhar a guerra
defensiva na campanha a Castella, e os colonos do Maranhão
o accusaram de traidor vendido á Hollanda.
Viu de perto a acclamação e a chufa, o vozerio que
condemna e o grito que eieva ; tentou edificar o Quinto Im-
pério em terras do Brasil, e lhe assacaram a pecha de enca-
recer o abandono de Pernambuco; dedicou a intellígencia á
gloria da Fé, e a Inquisição intimou-o a retratar-se e não
mais escrever ou pregar; a roupeta de jesuíta illuminou-se
á irradiação dos seus talentos, e a Companhia determinou
expulsa-lo de seu grémio.
Abatido e exaltado, remontando e caindo, percorreu a
linha ascensional de uma cordilheira; descer para subir de
novo, até o ponto mais alto, o do grande repouso.»
Não menos admirável é a synlhese da sua apreciação
. Coojj^Ic
ACTAS 647
sobre a catechese dos jesuítas, tão malsinada nestes tempos
de of f jciãlização e laicalismo :
< O resultado máximo das Missões decorreu sempre do
conhecimento perfeito, por parte dos padres, da lingua dos
aborigenes.
Esse era o precioso segredo, ajudado em sua acção
magica pela brandura da catechese e a ausência de elementos
civis conquistadores, para que os selv^ens se conservassem
por. longo prazo ao lado da civilização.
Certo não a poderiam assimilar em curtas dezenas de
annos, mas o trabalho lento se iria fatalmente processando.)
Um historiador insuspeito como Oliveira Martins aponta
as aldeias christianizadas como aquellas em que havia mais
ordem e mais doçura. £ alhures pondera, justificando os
jesuitas de militarem pelo temporal das Missões: < As duas
Missões eram inseparáveis; e nisto demonstravam os padres,
como em tudo, um conhecimento da alma humana, nunca
excedido, nem antes, nem depois. A prova é que as aldeias
se despovoaram, que os índios regressaram á vida selvagem,
fugindo de novo para o sertão, quando em 1768 os seus pa-
dres... foram expulsos do Brasil». De onde se conclue
que, retirados os missionários, ninguém mais os substituiu
idónea mente . »
A < Memoria » do dr. António Fernandes Figueira é c^ra
de mestre, que por si só bastaria para lhe assegurar um
logar neste Instituto, par droit de conquêle, mesmo que se
tractasse de auctor desconhecido, e não de tão egrégio com-
patriota .
Admittindo-o nas nossas fileiras, faremos justiça ao seu
mérito e prestaremos assignalado serviço á Historia pátria,
porque c de esperar que no ambiente desta Casa, que eu já
tive occastão de chamar « sacrário augusto das gloriosas tra-
dições da nossa Historia», se torne ainda mais vivo o amor
do dr. Fernandes Figueira pelos estudos históricos, prestan-
do-nos a efficaz collaboração que temos o direito de esperar
de um consócio tão operoso e competente.
Sala das Commissões do Instituto Histórico e Geogra-
phico Brasileiro, 12 de Abril de 1915. — Viveiros de Castro,
relator. — Clóvis Beviláqua. — Alfredo Valladão .
lyCoogle
648 REV13TA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Os pareceres são approvados unanimemeate e as pro-
postas enviadas à Comniissão de Admissão de Sócios, sendo
relatores: da i», o sr. dr. Manuel Cicero, da 2», o sr. dr, An-
tónio Olyntho, da 3', o sr. dr, Ramiz Galvão.
O Sr. Secretario Perpetuo lê a seguinte proposta,
que é approvada unanimemente :
— € Completando a 17 de Fevereiro de 1916 o centenário
do nascimento de Francisco Adolfo de Vamhagen, depois
visconde de Porto Seguro, nome que pertence á nossa His-
toria por ser principalmente o de um de seus maiores cul-
tores, propomos que o Instituto Histórico Brasileiro celebre
nesse dia uma sessão especial em fiomenagem a esta data, e
que o Instituto convide o eminente consócio sr, dr. Pedro
Augusto Carneiro Lessa para escrever um trabalho sobre
a individualidade do egrégio Brasileiro, trabalho esse que
lerá no todo ou em parte na referida sessão especial, sendo
depois publicado na íntegra na c Revista » com um retrato do
célebre historiador.
Sala das Sessões, 20 de Abril de 1915. — Pleiuss. — Ro-
quetie Pinto.*
E' lida pelo Sr. 2» SechEtario a seguinte proposta :> —
€ Temos a honra de propor para sócio do Instituto Histórico
e Geographico Brasileiro a sr, professor José Cervans y
Rodriguez', natural do Porto, sócio da Academia de Sciencias
de Portugal, sócio correspondente da Sociedade de Geographia
de Lisboa, académico da Real Academia Galega-Coruna-
Espaiia, sócio honorário do Instituto de Coimbra, sócio ho-
norário do Real Instituto de Lisboa, membro do Consultório
dos Jogos Floraes Euskaros de San Sebastian, sócio de mé-
rito e honra da Real Sociedade Económica de Granada, sócio
honorário da Societá Literária Luigi Camone, sócio hono-
io do Circolo Partenopeo Giambattista VÍco, sócio cor-
pondente da Academia dei Lincei de Torino, honorário da
ademia de Escriptores y Artistas de Madrid, honorário
Associação .^rtistico-.^rcheologica de Barcelona, honorário
Associação de Buenas Letras, de Barcelona, commen-
lor das ordens: Militar de N. S. da Conceição de ViUa
;o3a, Civil e Litteraria de Af fonso XII ; of f icial das Or-
is: do Mérito Litterario e Scientifico de S. Tiago, da
lyCoogle
ACTAS 649
Academia Franceza, da Ordem de Inslrucçao Publica, da
Ordem' de Carlos III; medalhas de ouro das: Cruz Ver-
melha Hispanhola, Cruz Vermelha de Portugal, Sociedade
de Soccorros e Náufragos.
Servem de base a esta proposta as varias obras, que o
auctor offereceu ao Instituto Histórico.
Rio de Janeiro, 20 de Abril de 1914. — Dr. Alfredo Nas-
cimento.— Fleiuss. — Sebastião de Vasconcelhs Gaivão.>
Vai á Commissão de Historia; relator o sr. dr. Clóvis
Beviláqua.
O Sr. Presidente diz que, nada mais havendo a tractar,
agradece o comparecimeato de todos e levanta a sessão.
O sr. dr. Silvio Romero Filho representou o sr. dr.
Isauro Muller, ministro das Relações Exteriores,
£ncerra-sc a sessão ás 22 i|2 horas.
RoQuETTE Pinto,
SEGUNDA SESSÃO ORDINÁRIA, EM 3I DE MAIO DE I915
Presidência do sr. dr. Manuel Cicero Peregrino da Silva
(/° vice-presidente)
A's 20 e meia horas, na sede social, abre-se a sessão com
a presença dos seguintes sócios:
Dr. Manuel Cícero, desembargador António Ferreira de
Sousa Pitanga, dr. Benjamin Franklin Ramiz Galvão, Max
Fleiuss, dr. Pedro Souto Maior, general dr. Gregório Thau-
maturgo de Azevedo, almirante António Coutinho Gomes Pe-
reira, conselheiro Salvador Pires de Can-alho e Albuquerque,
coronel Jesuino da Silva Mello e dr. João Coelho Gomes Ri-
beiro.
O Sb. Dr. Manuéi. Cícero (/" vice-presidente, servindo
'de presidente) diz que por motivo de força maior não pôde
comparecer o egrégio presidente do Instituto, sr. conde de
Affonso Celso.
,dbyGoogle
650 REVISTA DO INSTITUTO HIBTOIUCO
O Sr. FlEIUSs {secretario perpetuo) lê a acta da sessão
anterior, a qual é approvada sem discussão. Conununica de-
pois o mesmo secretario que o sr. Roquette Pinto não compa-
receu á sessão por justo motivo.
O Sr. Presidente communíca ao Instituto o fallecimento
em Lisboa do consócio dr. Vicente Ferrer de Barros Wan-
derley Araújo e declara que na acta da sessão será lançado,
por esse motivo, um voto de profundo pezar.
O Sr. General Thaumaturco de Azevedo pede também
ao Instituto que seja lançado na acta da sessão outro voto
de pezar pelo fallecimento do consócio dr. Luiz Rodolfo
Cavalcanti de Albuquerque.
O Sr. Secretario Perpetuo diz que o Instituto se fez re-
presentar no enterro e nos suffragios mandados celebrar pela
alma do digno consócio.
O Sr. General Thaumaturco de Azevedo diz que a
Commissão do Instituto incumbida de apresentar os cumpri-
mentos ao sr. coronel Rondon em seu regresso ao Rio cumpriu
o seu dever.
O Sr. FlEiuss {secretario perpetuo), communicando
dever ch^ar proximamente a esta cidade de regresso de sua
viagem ás Republicas do Uruguai, Argentina e Chile o
illustre consócio honorário sr. dr. Lauro Muller, requer que,
a exemplo dos precedentes, seja nomeada uma commissão que
o saúde em nome do Instituto. Esta proposta é unanimemente
approvada, nomeando em seguida o Sr. Presidente para a
commissão requeritTa os srs. dr. general Thaumaturgo, co-
ronel Jesuino de Mello, commandante Raul Tavares, dr. Pedro
Souto Maior e Max Fleiuss.
O Sr. Secretario Perpetuo diz mais que todos os pare-
ceres das commissões estão correndo os respectivos tramites.
Communica depois achar-se na casa o sócio correspon-
dente sr. dr. Nicoláo José Debbané, que, tendo cumprido o
disposto no art. 20 dos Estatutos, vem tomar posse; requer
l}or isso a nomeação de uma commissão para introduzi-lo no
recinlo.
O Sk. Presidente nomêa para esse fim os srs. Fleiuss,
Souto Maior e João Coelho Gomes Ribeiro.
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ACTAS 651
Dá entrada no recinto e presta o compromisso dos Esta-
tutos o Sr, Dh. Nicoláo José DEbbané, que em seguida pro-
fere o seguinte discurso :
«Exmo. Sr, presidente. Meus senhores — E' muito dif-
ficil para mim expôr-vos com precisão os sentimentos com-
plexos que me movem neste instante: reconhecimento pela
honrosa distincção que vos dignastes conferir-me, elegendo-
me vosso sócio correspondente, gratidão pelo alento que a
vossa escolha dá aos meus exforços no extrangeiro em prol
do nosso paiz e pelo auxilio que o facto de pertencer á vossa
illustre sociedade prestar-me-ha no cumprimento da minha
tarefa, sentimentos em mim junctos a esta commoção indescri-
ptivel, que sacode o coração do desterrado ao vèr a pátria;
que agita a alma daquelle que viveu annos e annos em terras
distantes, quando volta aos seus; todos estes diversos senti-
mentos, impregnados da indizível impressão de socego e de
quietação que experimentamos, quando estamos em nossa casa
e no seio da nossa familia, após uma longa ausência.
Para explicar-vos o que sinto, deverei analysar o raro
phenomeno psycholi^co: o da dissociação da vida numa
mesma 'pessoa, cujo ser material estava, pela força jdas
circunstancias, durante muitos annos exilado nas mai^ens
remotas do Nilo, ao mesmo tempo que o seu espirito e a sua
alma viviam além-mar, na sua pátria longínqua, accompa-
nhando cada dia, apezar dos milhares de léguas de distancia,
os acontecimentos que se davam nella; alegrando-se por seus
júbilos, agoniando-se por suas dores, vibrando por suas com-
moções, amando-a tanto mais quanto delia não podia gosar,
— amando-a, não com esta delicia tranquilla e moderada dos
felizes que gosam da saúde ou da liberdade, mas com o amor
exasperado e consumidor do doente pela saúde e do captivo
pela liberdade ; amando-a tanto mais ainda quanto a distancia,
em vez de diminuir, augmentava a sua formosura, e que tudo
nella era animador e vivificador, A uma certa distancia da
orchestra algumas notas erradas não se reparam: só fica a
impressão de execução geral da peça musical ; a certa dis-
tancia da paizagem, a desolação de algumas aldeias e a aridez
de algims sitios desapparecem : só permanece o aspecto encan-
tador do panorama. Longe do campo da batalha, não se vêem
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653 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
a attitude frouxa de alguns soldados, nem os erros de al-
gumas unidades de combate: só apparece a marcha vencedora
das operações, que anima e acoroçõa O espectador.
Não conseguirei, pois, meus senhores, representar-vos
convenientemente os meus sentimentos : melhor é deixar vossa
própria intuição ve-los e comprehende-los .
A mim, compatriota desconhecido e quasi desterrado, vos
dignastes chamar ao vosso grémio, que encerra as intellectuali-
(tades mais altas do nosso paiz, os maiores vultos da nossa
terra, no domínio da sciencia, do pensamento e da acção, os
grandes obreiros, de cuja sabedoria e de cuja actividade de-
pendem os progressos do Brasil.
Si as escolhas dos sócios da vossa Sociedade são apenas
honrosos conhecimentos dos méritos dos eleitos, dir-vos-hei,
confessando a minha falta de merecimentos, que a vossa bene-
volência vos illudiu no que diz respeito á minha humilde perso-
nalidade.
Si são prémios ou recompensas, essa mesma benevolência
avaliou demais os meus fracos exforços em prol do nosso
Brasil, tanto mais que estes exforços, sendo simples cumpri-
mentos de um dever categórico, não mereciam recompensa tão
alta e tão magnifica.
Mas, meus senhores, outras razoes vos dirigem nas vossas
escolhas ,
Vosso Instituto é, antes de tudo, uma alta reunião de
obreiros em prol do Brasil: vossas eleições, antes de serem
honrosas distincções, antes de serem recompensas valiosas, são
verdadeiras incitações ao trabalho patriótico: eleger um sócio
quer dizer chamar um trabalhador de boa vontade para
cooperar convosco na obra que proaeguis, que é o bem do
Brasil : unido a vós, aproveita elle a vossa sabedoria e encontra
em vós o alento e o auxilio da parte que lhe incumbe nesta
tarefa commum.
Assim, meus senhores, vos dignastes chamar-me, e eu
ousei comparecer ao vosso banquete, apezar de não trajar a
alva túnica dos merecimentos, mas apenas o simples vestuário
da boa vontade.
Corri ao vosso convite tanto mais depressa quanto já
soou a hora do trabalho ardente e intenso, em prol da nossa
«ibyCoogIe
ACTAS 653
pátria, aqui, como no extrangeiro, e que, para sair das diífi-
culclades que o enleiam, o Brasil já hasteou o signal de Nelson
em Trafalgar, chamando cada um dos seus filhos a cumprir
o seu dever.
Precisando eu, nesta emergência, de novas energias e de
novos alentos, em nenhuma parte poderia hauri-los mais co-
piosamente que no vosso seio.
Com effeito, meus senhores, qual é a characteristica e o
escopo deste Instituto? Que quereis, que procuraes nas vossas
reuniões ?
En^na-se quem acreditar que este Instituto é apenas uma
reunião de sábios sem outro fim que o deleite do próprio es-
pirito, que a vã satisfacção da própria curiosidade ou o prazer
egoístico da própria cultura.
Erramos também, si vemos em vosso Instituto uma as-
semblés que tem por alma, apenas, estudos puramente espe-
culativos.
Kem mesmo seria exacto dizer que o Instituto é um ponto
de descan<;o, um refugio, onde o lidador fatigado vem repousar
longe dos entrechoques do combate . Não, meus senhores ; o
Instituto náo é a tenda de Achilles, é antes o centro da direcção
da lucta, e o arsenal onde se fabricam as armas da acção paci-
fica, mas por isso não menos effectíva, em prol do progresso
do Brasil : no frontão deste edifício vós podeis também mandar
gravar esta divisa: «Aqui se aprende a defender a pátria».
Desde algum tempo tendes um rumo especial, que dis-
tingue a vossa sociedade de muitas outras associações ; vossos
estudos, vossos trabalhos se characterizam por um cunho prá-
ctico, de tal modo que todos os vossos exforços convergem para
um alvo commum, o bem e o progresso do Brasil . Innumeras
são as provas que manifestam esta orientação especial : basta-
nte lembrar os cursos que mandou organizar neste Instituto
o vosso illustrissimo presidente, sobre a Historia dij
financeira, tributaria e económica do Brasil, cursos fe
vossas maiores auctoridades nestas matérias, com ■
espalhar e vulgarizar o conhecimento dos assumpto:
cupam ou devem occupar em breve a attcnção das a:
legislativas, do Governo e de cada um dos cidadãos d
Cada vez mais vos tomaes uma espécie de coi^e
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^4 REVISTA DO INSTITUTO UiSTOBICO
Icctual ijennaneiue do paiz, uma espécie de conselho de Estado
technico, unia assembléa com um escopo utilitário, altruistico
e generoso e, por isso mesmo, alto, nobre e glorioso.
Do meu exilio accompanhei a vossa evolução e o vosso
desenvolvimento, pois que vós também vos desenvolvestes,
conforme a grande regra da natureza que rege a herva do
campo assim como a estrella, como vos lembrava, faz algum
tempo, o illustre consócio sr. Félix Pacheco; vossa evolução
foi, portanto, natural, isto é, providencial.
Ora, a Providencia é, . . previdente. Além de uma so-
ciedade dedicada a estudos theoricos, precisava-se mais cada
dia de um centro de acção intellettual práctica.
Um centro de trabalhadores em prol do Brasil, uma as-
sembléa de intellectuaes que desempenhasse o papel pensante,
organizador e vivificante, para este ser moral, que é o Brasil,
era uma necessidade imprescindivel para o nosso paiz mais
que para qualquer outro, mais nas circunstancias actuaes do
que em qualquer epocha da nossa Historia. As próprias leis
da natureza, creando ou transformando os órgãos conforme
as necessidades de seres, deram esta feição nova ao vosso
grémio .
Com effeito, o problema da civilização, ou, mais ainda, o
da regeneração de um paiz encerra sempre uma parte psycho-
logíca e moral, e esta parte é talvez mais importante no Brasil
que nos outros paizes.
Assim, o que se chama nossa'crise actual é crise psycho-
logica antes que material.
De facto, donde provém esta crise e qual é o seu cunho
ctistinctivo ?
Perdeu, porventura, o nosso subsolo os seus thesouros, o
nosso solo a sua fertilidade, o nosso sol a sua virtude fe-
cundante ?
Perdeu o nosso povo os seus predicados de intelligencia
e de resistência?
Perdeu repentinamente a nossa nação as suas qualidades
e os seus dons?
Houve um cataclysmo geral que abysmou a nossa terra
e a nossa alma?
Não, senhores!
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ACTAS 655
O nosso subsolo continua rico, os nossos rios flncnlcs, a
nossa terra ubérrima e o. nosso sol vivificador, Apezar Jas
apparencias contrarias, tudo o que escreveu, faz agora quinze
annos, o illustrissimo presidente deste Instituto, sobre os mo-
tivos que temos de ser ufanos do nosso paiz e de nós mesmos,
continua rigorosamente exacto.
Então, que se deu?
Deu-se este facto humano, verdadeiramente humano.
A herdade que nos foi dada era immensa, e poucos eram
os trabalhadores. A nossa tarefa era mais difficil, mas por
isso mesmo mais gloriosa que aquella que incumbiu a outros
paizes; vinte milhões de homens tiveram que explorar uma
superfície egual á da Europa com os seus quatrocentos milhões
de trabalhadores.
Illudimo-nos a respeito da importância da nossa tarefa.
Acreditámos que precisávamos trabalhar quanto permit-
tiam as nossas forças, quando era preciso trabalhar < mais do
que pramettia a força humana >. Incumbiu-nos a obrigação de
ser, não homens, mas sobre-homens, mas heroes, pois que ás
vezes o heroismo é dever simples.
Vendo que o f ructo do nosso trabalho estava ainda longe.
Parámos desanimados. Alguns abandonaram a lucta; ou-
tros, recuperando a energia depois de ter descançado, conti-
nuaram a trabalhar, mas [»r sí só, e ]x>r sua parte, sem fazer
caso dos outros. Não havendo direcção única, não havendo
ideal commum, não havendo mais concentração dos exforços,
não havendo mais uma directriz geral, estes exforços esporá-
dicos não prestaram para nada, porque, si a união faz a força,
a disseminação não pôde produzir sinão fraqueza. A falta de
solidariedade produziu o individualismo, o qual por sua vez
gerou o egoísmo feroz. O cansaço tirou o desejo de trabalhar,
mas não apagou o appetite natural para gosar; o problema
tornou-se, para alguns, achar o modo de gosar o mais, traba-
lhando o menos, ou mesmo de gosar sem trabalhar ; outros não
desejaram nem gosar nem trabalhar, ainda outros continuaram
a gastar cimente a sua energia, mas em cousas improfícuas.
A OTnsequenda foi o torpor geral.
.y Google
6S6 REVISTA DO INeXITUTO HISTÓRICO
Podemos exforçar-nos, mas esmorecemos, vendo que nin-
guém harmoniza os nossos exforços, ninguém os r^ula, mas
vários os estragam; ninguém os concentra, mas muitos os
dissipam; ninguém nos alenta, mas todos nos acobardam.
Entretanto, ao fundo das cousas, ã nossa alma e o oosso
corpo nacional permanecem sãos ; somos anemíados, mas não
. aleijados; narcotizados, mas não paralysados ; soffremos de
uma crise transitória, mas não de uma enfermidade insanável.
Os mananciaes da nossa energia não estão exhaustos; mas
esta energia, em vez de fluir no canal que a leva ás grandes
officinas do trabalho util, se desvia numa fenda deste canal,
e se perde no abysmo do pessimismo e do desânimo.
Para este mal de ordem moral precisamos um remédio (Te
ordem moral, e para administra-lo precisamos de um órgão que
oriente a energia dos egoístas e dos indolentes (simples va-
riedade de egoístas), para o trabalho util e altruistico, que
anime os obreiros desalentados, e, mais do que tudo, que ensine
■ o que se deve fazer para coordenar as diversas energias que
ficam estéreis só por serem dissociadas.
Qual será este órgão ?
A voz pública, a consciência da nação? Devemos contar
com a influencia reciproca de cada um dos nossos compa-
triotas sobre o outro para regenerar a alma nacional, como o
que se daria em casos análogos em muitos outros paízes?
Não, porque a nossa formação é inteiramente especial.
Ha paizes em que os diversos elementos da sociedade
estão mais ou menos a um mesmo nivel, como em certas for-
mações geológicas, nas quaes longa evolução levantou as partes
baixas, tomando toda a região um planalto, onde os rios cor-
rem com diversos rumos, e onde nada impede as çommuni-
cações nem a compenetração reciproca dos elementos. Em
taes casos, a voz emiltida em qualquer ponto é ouvida em toda
a superfície da região, e a lu;!, accesa em qualquer parte, c
vista de qualquer outro logar; assim nascerá uma opinião
púl)lica ou uma alma nacional.
Noutras regiões, porém, onde não se acabou esta evo-
lução, as partes não chegaram ao mesmo nivel; ha camadas
geológicas como sociaes, ha valles e montes, ha picos e abjrs-
mos. E' verdade que ha innumeras potites para atravessar os
,dbyGoogle
ACTAS 657
abysmos é id^ráos para subir aos montes ; mas pontes e de-
gráos, si vencem o abysmo, não o fazem desapparecer.
Nestas regiões, a voz solta ou a luz accesa numa fralda
do monte não pôde ser vista ou ouvida longe. Em taes regiões
é diííicil haver uma opinião verdadeiramente geral, uma
alma universal para todo o paíz.
Em terreno tão accidentado, pois, para dar os signaes aos
habitantes do valle, precisa-se escolher o ponto mais alto e
mais visivel do território e alli edificar o pharol ou o cam-
panário .
Qual será, porém, esse logar onde brilhe o f(^o que
dirije e illumine?
Caberá esta funcção educadora ao Governo? Não, meus
senhores, porque esta acção se deve exercer pela influencia
moral e não pela força administrativa. O Estado tem outras
funcções. O Poder Judiciário julga, o Legislativo delibera, o
Executivo executa ; mas precisa-se de um órgão para pensar,
estudar, organizar, acconselhar, preparar, facilitar, animar,
sustentar, corrigir.
Este papel é justamente o que o vosso Instituto está des-
empenhando .
Para preencher estas funcções, que se subdividem em in-
numeras especialidades, precisa-se da synthese e da cooperação
de todas as forças intellectuaes do paiz em ramos muito di-
versos. E, precisamente, similhante synthese s6 se encontra
no vosso Instituto.
Os vossos consócios pertencem a todas as classes, pro-
fissões e especialidades que cooperam no adeantamento do
Brasil; nas classes pensadoras, nas classes dirigentes, e nas
classes docentes. No vosso recinto, o ministro de Estado se
encontra e coopera com o professor, o juiz com o almirante,
o mathematico com o escriptor e o philologo com o deputado.
São trabalhadores em diversos offícios, reunidos para a con-
strucção de um mesmo edifício.
Que proveito fruirá o Brasil da nova feição que ides
adoptando, é fácil ve-lo pelos resultados de uma experiência
que foi feita em matéria idêntica, e que deu os mais brilhantes
resultados.
Raríssimas são as experiências no dominio da sciencia
Dy Google
658- It£?IBTA DO INSttTDTO HI8TOIUCO
social ; mas neste assumpto encontramos uma, que f^preciosis-
sima, não somente pelos seus resultados, mas também peto
valor do seu auctor, que não é outro sinão o grande Napoleão c
quero fatiar do Instituto do Egypto.
Numa conferencia que tive a honra de fazer aqui, ha
algum tempo, salientei que quasi todas as ídéas postas em
execução por Napoleão imperador já existiam numa forma
embryonaria no espirito do general Bonaparte: grande ver-
dade annunciava o poeta francez quando dizia: Déjà Napo-
léon perçait sous Bonaparte.
Pois bem, meus senhores : Napoleão, que mais tarde devia
dar vida nova ao Instituto de França e esperar sobretudo
desta corporação de sábios a r^eneração da sua pátria sa-
cudida pela esteira da revolução, já achava que não somente
a regetteração de imi paiz, paiz anemiado, mas também a
cmlhação de um paiz primitivo só podiam ser feitas por meto
de um centro de estudos e de influencia moral com fundações
quasi idênticas ás da nova feição, que vós agora ides tomando.
O general corso zarpou para o ^;ypto com o intuito, não
de occupar militarmente esse paiz, mas de annexa-lo defini-
tivamente ao domínio francez, de fazer das margens do Nilo
imi prolongamento da França alem do Mediterrâneo, de fundar
alli uma America Mediterrânea para <Iar á França imia com-
pensação por colónias perdidas. Precisava-se, pois, não so-
mente conquistar, mas civilizar o ^ypto, ou antes renova-lo.
Esse resultado não podia ser alcançado nem pela força
das armas nem por leis e decretos. O general Bonaparte o
sabia, antes mesmo de sair da França; por isso, a frota que
zarpou para o Egypto, no anno de 1798, levava não somente
canhões, armas, petrechos e soldados, mas também os sábios
mais illustres da França dessa epocha, como Monge, Lepérc,
Arago, Dolomieu, Berthollet e muitos outros.
Dentro apenas de um anno após o seu desembarque,
apezar da lucta continua e sem esperar mesmo a pacificação do
Egypto, Napoleão organizava o Instituto Egypcio, pois era
precisamente este Instituto, que devia também operar «sta
pacificação.
Ora, é interessante ver o curioso papel que o general Bona-
parte deu a esse Instituto. Não quiz fazer delle uma sociedade
D,s zP<:byCOOgle
aCías 6sg
de estudos especulativos, mas antes um centro vivo de acção,
um grémio de trabalhadores intellectuaes com intuitos prá-
cticos, mna espécie de cotiselho de Estado techtiico : o Instituto
devia ser o cérebro pensador e organizador da vida do paiz.;
A func(;ão deste conselho era tanto maia cffectiva quanto
era officiosa.
Absorvidos pela parte administrativa de suas funcções, é
humanamente impossível aos membros do executivo se dedi-
carem a outra cousa. Quanto ao legislativo nunca uma questão
de grande interesse i)ara o paiz, atirada bruta e informe no
seio das aasembléas legislativas, podia ser estudada iniparciat-
mente em meio das paixões politicas e dos interesses partidá-
rios. Ao legislativo competia decidir, mas a questão devia antes
ser estudada com vagar, examinada por especialistas, e apre-
sentada tendo a seu prol a auctoridade de sábios competentes «
imparciaes, fora e acitna das luctas politicas. O Instituto des-
empenhando este papel era assim o cérebro, o órgão pensante,
iniciador e aperfeiçoador do Governo.
Não tendo nenhum character official gozava assim de
maior liberdade-:
Não havia nenhuma intromissão offictal do Governo no
Instituto, nem do Instituto no Governo,
Era, porém, grande sua influencia moral c, em troca da
fôri^ moral, dizia Eduardo VII estar prompto a abrir mão
de qualquer poder!
De que modo se exercia esta influencia, e como o Insti-
tuto desempenhava seu papel, isso variava segundo as cir-
cunstancias. A's vezes, o general Bonaparte adiava official-
mente um assumpto para ser estudado, preparado e discutido
no Instituto, afim de que o voto deste lhe servisse de exclare-
címento, como quando se tractou de organizar os impostos e q
ensino práctico no Egypto conquistado.
Outras vezes, o Instituto discutia e estudava espontanea-
mente os assumptos: o valor dos membros do Instituto era
tão reconhecido, que o seu parecer era quasi sempre acatado
no Governo.
Em outros casos, enfim, as communicações e os trabalhos
do Instituto tinham por fim crear indirectamente o ambiente
que era necessário para crear e preparar o estudo das questões.
. Google
66o HEV13TA aO'IXSTITUTO IlISTOfUCO
(jue em breve deviam servir de assumpto de disi
regulamentação do Governo.
Assim, precisamente, vós mesmos fazeis agora, quando
organizaes cursos sobre a Historia financeira ou económica
do paiz.
Nunca Napoleão pensou em sujeitar o Governo à opinião
do Instituto, mas sempre o convidou a ouvi-la e poodera-ta.
Si me demorei sobre esta feição práctica e patriótica dos
institutos de Napoleão, o Instituto de França e o Instituto do
Egypto, é porque precisamente o pensamento napoleónico teve
a sua repercussão sobre d. Pedro II, o qual ficou grandemente
impressionado pelo papel do Instituto do ^rypWi cujas tra-
dições e modo de trabalhar estudou longamente. Já relatei que
estudos para o uso do Brasil d. Pedro mandou fazer no
Instituto do Egypto, especialmente sobre a cultura do algodão,
da canna de assucar, do fumo e do café, sobre a refinação do
óleo do caroço do algodão e vários outros assumptos. Mas, o
que era mais importante que tudo isso, era a feição napoleonica
da cooperação do Instituía no Governo, plano que já concor-
dava com as suas próprias idéas, que levou consigo e que
não pouco influiu sobre a importância especial que dera ao
vosso próprio Instituto.
Vós sois, pois, meus senhores, um dos factores mais im-
portantes do desenvolvimento da vida do paiz.
Mas que é a vida, sinão como sabeis, o intercambio com
o exterior?
Os seres apenas são viventes por terem um constante
movimento de permuta com o ambiente externo : só os corpos
inanimados, como os crystaes, se modificam por um movi-
mento interno da sua própria substancia.
Os seres vivos, mas inferiores, como as plantas e as es-
ponjas, ainda que se desenvolvam lentamente pela nutrição
exterior, não vão buscar elles mesmos a sua própria alimen-
tação : esperam, pegados á rocha, que o ar, a terra ou o mar
lhes levem o que precisam. Tanto mais, porém, os seres são
superiores quanto mais são activos; não esperam que os ali-
mentos venham, elles vão procura-los, e a zona da sua activi-
dade e de sua mobilidade é tanto mais extensa quanto estes
seres são mais perfeitos.
,dbyGoogle
ACTAS 66l
r Esta lei biológica é também lei social e económica.
Não communicar com o exterior é ser morto.
Não nos podemos desenvolver, a não ser pela permuta das
nossas riquezas com o mundo exterior. Antes que este inter-
cambio se opere, os nossos productos. por valiosos que sejam,
não são riquezas: são apenas * possibilidades * de riquezas;
não se transformarão em riqueza effectiva sinão depois da
troca feita.
Mas, para este intercambio necessário á nossa vida, espe-
raremos aqui tranquillamente que os negociantes extrangeiros
venham para vender-nos os seus productos e comprar-nos os
nossos, impondo-nos os preços e condições que quizerem e não
as que nós quizermos? Continuaremos a não importar e á
•não exportar nada, deixando somente os extrangeiros impor-
tar o que precisamos e exportar o que precisam, fa::endo
assim depender a nossa própria vida económica, não da nossa
própria actividade, mas exclusivamente da actividade dos ne-
gociantes extrangeiros?
Esperaremos, de braços cruzados, que o mar nos traga
os alimentos de que precisamos?
Mas isso, meus senhores, seria exactamente viver como,
vivem os ostras e os mexilhões, collados ao rochedo.
Isso seria viver uma vida inferior, uma vida abaixo dá
nossa dignidade: isso não é viver 1
A única vida, que é condigna de nós mesmos, é a vída
pela nossa acção no exterior, pela conquista de novos mer-
cados para nossos productos, pelo aperfeiçoamento da collo-
cação dos nossos géneros nos antigos mercados, pela occupação
effectiva do logar que nos cabe na sociedade das nações. Em
resumo, precisamos viver como seres superiores, que vão aonde
querem, que podem procurar elles mesmos o que precisam, que
só dependem de si mesmos para ter os alimentos de que ne-
cessitam .
Para isso teem os seres superiores garras e braços, teem
órgãos de tacto e de prehensão.
Para o paiz este órgão de tacto, de prehensão, de acção
no ambiente externo, é a sua Diplomacia.
Qual seria o papel da Diplomacia, si não fosse o do
braço que procura os alimentos necessários á vida económica
«ibyCoogIe
663 RBTISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
da nação, que lhe revela o que é frio e o que é quõité, o que
'é liso e o que é áspero no mundo exterior?
Posto deante dos olhos este axioma, que um paia se não
pôde desenvolver sinõo fòr por sua acção no exterior, ap-
parece numa fulguração de evidencia esta outra verdade, que
debalde trabalhar-se-ha, debalde desdobrará o paiz toda a sua
energia, debalde cada um dos cidadãos, cada um dos outros
órgãos officiaes, cada um dos outros ser\'iços públicos gastará
os seus exforços, si a Diplomacia não cons^uir desempenhar
activa e intelligentemente o papel que lhe cabe.
Ai de um paiz cuja Diplomacia é inferior á tarefa que lhe
incumbe! Ai do homem robusto e vigoroso, mas de braços
paralysados, ao qual é impossível tomar os alimentos de que
necessita ! Que vida é a deste hércules aleijado, que por falta
de braços não está em contacto com o mundo exterior, que
não pôde pegar por si mesmo naquillo que precisa e que só
vive graças a alguns mercenários, que lhe mettem parcimo-
niosamente os alimentos na bocca !
Preferível é para um paiz ter imperfeições, erros e des-
acertos em todos ou outros ramos dos serviços públicos, que
na sua Diplomacia, porque essas faltas prejudicam apenas um
serviço único, quando as da Diplomacia prejudicarão o con-
juncto de todos os ser\'ÍçoS, do mesmo modo qua a paralysia
dos braços estorva a nutrição de todo o corpo.
Erros e desacertos nos serviços interiores do Estado são
facilmente reparados e por isso curados; a indolência e a
inacttvi<lade do diplomata passam despercebidas, e os seus
effeitos nocivos só se manifestam tarde demais.
Um funccionario público, de um serviço interior, que falta
aos seus deveres, falta por assim dizer apenas na própria casa
e deante dos olhos dos seus ; o diplomata incapaz ou indolente
não prejudica apenas o ramo do seu serviço, mas a própria
consideração e I)oa opinião, o próprio credito moral e mate-
rial do seu paiz, e isso deante dos olhos dos extrangeiros.
Exasperado pelas insolências do ministro hollandez acre-
ditado na França, o rei Luiz XIV fez guerra á Hollanda.
Vencida, a Hotlanda pediu a paz, apresentando (Tesculpas.
Feita a paz, o novo ministro hollandez reprochou amigavel-
mente a Luiz XIV de ter feito tanto caso dos actos e da inca-
lyCoogle
pacídade do precedente representante hollandez, « o qua],
disse o novo ministro, era apenas um imbecil ou um louco».;
« Nós também temos muitos imbecis e loucos na França »,
respondeu Luiz XIV, emas... não os encarregamos de nos
representar juncto ás nações extrangeiras » 1
Um diplomata brasileiro, meus senhores, deve ser um
bandeirante da acção económica do Brasil.
Bandeirante, não se deve contentar de executar as ín-
strucções do seu estado-maior ; incumbe-lhe mais, incumbe-lhe
ter iniciativa, incumbe-lhe, tractando-se de regiões novas, de Jr
espontaneamente á descoberta e inteirar aos chefes do que
ah) está.
A primeira qualidade que se exige deste bandeirante é ter
enraizado no mais intimo da alma o sentimento do dever.;
Este sentimento da obrigação deve ser ainda mais vivo
e mais ardente no coração do diplomata que no do offtcíat de
Marinha ou do Exercito, porque estes são animados pelos
chefes e subordinados que os acccMnpanham, mas o diplomata
vive longe e vive sósinho. Na sua solidão em patzes remotos,
este sentimento bastará para levar o diplomata a resistir á
tentação de se abandonar ao descanço ocioso, para guiar o
diplomata no que deve fazer em caso de falta de instrucções
precisas, para anima-lo a observar, buscar e considerar espon-
taneamente o que pôde ser útil ao seu paiz sem que seja
preciso empurra-lo continuamente por ordens ou instrucções.
Sem esta profunda comprehensâo do dever, sem este zelo
abrazador, nada mais fácil para um diplomata que tomar
nullas as suas funcções, nada mais fácil que transformar o
seu cargo, em ócio sem dignidade, nada mais fácil que não
fazer nada, tanto mais que, si os erros são ás vezes censurados,
a indolência passa sempre impune, pois que nada é mais fácil
que dar ao público a ÍUusão enganadora de um trabalho que
se não faz. ainda que haja nisso mais estupidez que indolência,
si considerarmos que custa menos trabalhar effectivamente
que simular, exforços !
Quanto, pois, precisa um paiz comprehender a importância
do papel do diplomata para seu desenvolvimento e quanto pre-
cisa o dípli:imata avaliar a grandeza e a nobreza das funcções
que lhe incumbem !
,dbyGoogle
664 REVISTA DO raSTITtJTO HBTORICO
Encarei as obrigações do diplomata apenas no que dií
respeito ao p recesso económico do paiz que representa,
porque estas são as principaes obrigações do diplomata bra-
sileiro, digo, propositadamente do diplomata, e não somente
do cônsul, porque é ao diplomata ainda mais que ao cônsul
que incumbe o dever de velar pelo desenvolvimento económico
de seu paiz.
No meu humilde modo de ver, julgo que erra o diplomata
que deixa o cuidado das questões económicas aos cônsules,
como si estes assumptos estivessem abaixo da dignidade da
Diplomacia.
Outras podem ser as funcções que incumbem a um di-
plomata francez, inglez, russo ou allemão, por exemplo; mas
o diplomata brasileiro, representante de um paiz que não tem
a própria ou impropriamente chamada grande politica exte-
rior, que não tem politica colonial, militar ou naval, repre-
sentante de um paiz que é apenas um paiz agricola, que não
pôde viver nem se desenvolver sÍnÍo pela collocação dos seus
productos nos mercados extrangeiros, o diplomata brasileiro
deve ser sobretudo o agente do desenvolvimento económico do
seu paiz. Esse é o seu papel principal e ás vezes o seu único
papel. Si o não desempenhar, pergimtar-se-lhe-ha, que então
tem elle que fazer?
E este papel não é de pouca importância.
Quão poderosa alavanca para o desenvolvimento eco-
nómico de um paiz pôde ser a sua Diplomacia, é uma verdade
de que não fui inteirado pelo raciocinio nem pelos livros: vi-a
com os próprios olhos, tacteei-a com os dedos, como si tivesse
um corpo material.
Antes de receber a minha missão das auctoridades offi-
ciaes, recebi-a de uma auctoridade ainda mais poderosa: a das
circunstancias. Não foi preciso para mim dir^r-me para o
campo de uma lucta económica encarniçada : vim á luz da vida
neste campo; não entrei nas fileiras da nossa acção, no exte-
rior, nasci nellas. Filho e neto de Brasileiros, que estiveram
no extrangeiro como representantes do Brasil, vi .a luz preci-
cisamente no theatro da contenda económica mais animada de
todos os povos do mundo. Já avançado em annots era meu
pae, quando cheguei á edade adulta, de modo que era para
Google
ACTAS 665
mim um simples dever a mais inteira cooperação, que eu lhe
pudesse dar. Assim, os primeiros espectáculos que tive deante
dos olhos eram os da lucta económica entre as diversas nações
do mundo para se apoderarem dos ricos mercados do Leste
Mediterrâneo: assistia cada dia ás peripécias da lucta, vi
manobrar os exércitos e tomar os espólios, vi nações graças á
sua activa diplomacia económica lucrarem quantias avultadas,
e outras, outr'ora soberanas, serem vergonhosmente expulsas
do seu antigo predomínio.
Assim, senhores, os meus primeiros cuidados de moço
não eram outros sinão o do desenvolvimento da nossa acção
no extrangeiro, e os meus primeiros desejos eram os de dar atí
nosso paiz neste vasto campo de desenvolvimento económico
o logar que lhe é destinado, e o meu constante soffrimento era
ver o nosso paiz deixar perder a maior parte da rica messe que
lhe pertencia neste campo e que outros vinham segar.
Com effeito, milhões de libras esterlinas, a nós destinadas,
representando o valor dos nossos próprios productos que o
Oriente compra ou quer comprar, são colhidos por outros, e
ao mesmo tempo que nos queixamos de não saber onde e como
collocar os nossos productos, desleixamos e abandonamos mer-
cados tão preciosos I '
Ah! meus senhores, quanto dif ferem as idéas daquelle
que viu o exercito nas manobras e nas guerras, dos conceitos
daquelle que só viu nos quartéis, nas revistas e nas forma-
turas de parada! Quanto caso fará o primeiro observador da
efficiencia do tiro, do valor e da resistência dos soldados e da
sciencia e habilidade dos chefes, e quão pouca será a impor-
tância que attribuirá ao brilho dos botões da farda, á forma
do pennacho e ao talento do solista da banda regimental I
Essa é a grande licção que recebe o que accompanha os
campos da lucta oriental.
Nada mais que o clarão dos canhões e dos incencítos da
guerra económica revela, quão vã e ôca, quão lastimável e
triste, é a Diplomacia de parada, a Diplomacia dos salões, dos
bridgs, dos five-ó-clock-tea e dos jantares. Nesta Diplo-
macia Tatleyrand pensava quando disse que para ser diplo-
mata bastava não ser nada, mas para ser diplomata perfeito
precisava-se, além disso, ter um bom cozinheiro e um bom
i,CoojíIc
666 REVISTA DO INSITTOTO ustorico
estômago: mas Talleyrand disse isso por ter sido Talleyrand,
e foi Talleyrand apenas por não ter sido nada, e por ter tido
outra cousa, além de um bom cozinheiro e de um bom estô-
mago.
Quanto acertou, pois, o vosso consócio titular da pasta do
Exterior, o illustrissimo ministro Lauro Muller, orientando a
nossa Diplomacia para o lado útil, para o lado commercial e
jeconomico. Engenheiro, o que quer dizer mathematico, não
podia deixar de ser positivo e práctico.
O nosso diplomata, pois, tem que fazer o que faz qualquer
representante de uma grande casa commercial. Não ha neste
papel, apparentemente modesto, nada que esteja abaixo da
dignidade da nossa Diplomacia.
O senhor, do qual a Diplomacia brasileira é servi, não é
um fidalgo ocioso, rebento débil de uma estirpe desvigorada,
que, receioso de callejar as mãos delicadas, aperta apenas as
mãosinhas macias das pallJdas e franzinas donzellas da aris-
tocracia; ao contrario é um varão robusto, filho de gaúchos
varonis, de broncos vaqueiros e de vigorosos sertanejos, é da
nobreza sã e viril conferida pelos exforços e pela lucta, é pro-
prietário de engenhos de assucar, de seringaes, de plantações
. 'de café e de algodão, E' um fazendeiro que tem valiosos pro-
ductos para coUocar e quer colloca-los para alimentar os seus
recursos. Bem é, pois, que frequente a sociedade, que lhe é
practicamente útil e que não despreze a companhia dos fre-
guezes. Quer desenvolver aquelles recursos por ter numerosas
cargas de familia. Quer ser rico: nascendo, foi baptisado
pela fórmula sagrada « independência ou morte » e quer se
rico, porque pobreza é escravidão, quer ser rico para ser forte,
e ser forte, porque assim o manda a dignidade humana, porque
fraqueza é mais que um crime.
Prudente e práctico, este fazendeiro collocou ao redor do
seu brazão de nobreza humildes amostras dos productos de
sua terra, para que a Diplomacia que o serve, si quizer ás
vezes voar, passada a região das nuvens, onde não se vè nada,
e chegando ao céo das constellações, visse cercando as estrellas
das nossas armas nacionaes, modestos ramos de café e de
■fumo, erguidos á altura sideral — o que é ao menos symbolico,
si não fôr muito esthctico.
,dbyGoogle
ACTAS 667
Meus senhores. ^
Do cabo S, Roque até ao Acre e do Amazonas até á lagoa
Mirim, não ha um fitho do paiz que não anhele que nossa
pátria tome a desenvolver a sua vida económica, tanto no inte-
rior como no exterior, o que quer dizer que não ánhele a nossa
transformação e r^eneração.
Mas esta regeneração se não pôde realizar apenas com
uma boa vontade affectiva, precisa-a effectiva.
Mas, a quem incumbe s^r?
Só ao Governo?
O maior çrro de uma nação, que procura a sua regene-
ração, é contar só com o Governo, e não também e antes
consigo mesmo, e de se queixar só do Governo e não de si
mesmo .
Emanação de nós mesmos, o Governo não é sinão o que
somos. Producto natural do povo, para salva-lo e regenera-lo,
os Governos não têm outros predicados sinão os mesmos que
já tem o próprio povo para ser salro.
A nação é um medico adoecido, que só elle conhece o re-
médio da moléstia de que soffre: o Governo é um enfer-
meiro carinhoso e habii, que pôde grandemente auxiliar a cura ;
mas só o doente pôde se medicar a si mesmo.
A acção do Governo, para se realizar, precisa ser levada,
por assim dizer, pelo conjuncto das energias atómicas, que
constituem a alma da nação.
Para produzir effeitos precisa achar o terreno já prepa-
rado. !
Ora, é a vós, meus senhores, que cabe a formação, e é de
vós que depende a manifestação destas enei^s atómicas sal-
vadoras .
E' a vossa influencia moral, são os vossos estudos e o
vosso ensino, são os vossos conselhos e a vossa acção patriótica
directa ou indirecta, que produzirão no paiz o ambiente pro-
picio para que o progresso continue e ande de passo ainda mais
accelerado que outr'ora.
Muito acertastes adoptando a vossa nova feição e o vosso
novo espirito, que originará um novo Brasil.
E assim, meus senhores, justificais hoje o vosso titulo de
Instituto Histórico e Geographíco: Gecçraphico, não porque
Google
k
668 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
VOS abysmeis em vãs minúcias da sciehcia de nossa terra, mas
porque ensinaes o modo de aproveitar, para o nosso desenvol-
vimento, as riquezas do nosso paiz e nos animaes a grangea-las ;
Histórico, não tanto porque conservaes e relataes a nossa His-
toria, mas antes, porque sois vós que estaes fazendo e creando
a Historia do Brasil.» (Calorosos applausos.)
O Sr. Dr. Ramiz Galvão (orador) profere o s^uinte
discurso em resposta ao sr, dr, Nicoláo José Débbané:
« Sr. presidente, dignissimos coltegas, sr. Nicoláo Déb-
bané, prezado consócio — As bellas palavras que acabamos de
ouvir confirmam o acerto com que esta companhia vos chamou
para o seu grémio.
Éreis conhecido de todos nós pela noticia dos relevantes
serviços que prestáveis á Pátria, longe delia, em paiz remoto..
Já éreis aqui prezado em virtude dessa interessantíssima Con-
ferencia, que fizestes no Instituto ^ypcio, da cidade do Cairo,
sobre a personalidade de d. Pedro II, o querido e sempre
lembrado protector do Instituto Histórico Brasileiro, Os jus-
tíssimos conceitos, que alli exarastes sobre o grande patriota
que dirigiu os destinos deste paiz por espaço de meio século,
preparando-o com o auxilio de prestimosos estadistas para o
papel que elle deve representar no mundo, — esses conceitos
desapaixonados e sinceros echoaram naturalmente do modo
mais sympathico sobre os nossos corações e deram de vosso
culto espirito uma idéa alevantada, que hoje se consolida.
O nosso segundo imperador foi de certo o mais activo e
prestigioso diplomata, que tivemos no século passado juncto ás
nações extrangeiras, que visitou em suas viagens memoráveis
de 1871 e iS/ó ao Velho Mundo e á grande Republica da
America do Norte. Não fez então convenções nem tractados,
não tomou parte em Congressos, não conferenciou com mi-
nistros. — mas deu do Brasil, sua pátria querida, tão alta idéa,
representou tão galhardamente a nossa cultura, a nossa avidez
de saber e de progresso, os nossos sentimentos de confraterni-
zação internacional, que, bem se pôde dizer, abriu uma nova
éra para o historia desta gloriosa terra, de que todos nos.
ufanamos. Dos grandes e notáveis ser\iços que prestou ao
seu berço o neto de Marco Aurélio, como o chamava Victor
Hugo, este não foi um dos menores certamente.
lyCoogle
ACTAS 669
A vossa homenagem, sr. Debbané, foi, portanto, um acto
de grande justiça, a que o Instituto Histórico se confessa reco-
nhecido.
Discorrestes, illustre consócio, com largueza de vistas,
sobre o papel que cabe a esta agremiação de eruditos Brasi-
leiros, mormente depois que, em obediência á. orientação nova,
ella não se limita a prescrutar o passado, — missão importante
que aliás não descura. Alludindo aos nossos cursos recente-
mente organizados, tivestes a gentileza de qualificar o Insti-
tuto— «centro de direcção da lucta, e arsenal onde se fa-
bricam as armas da acção pacífica e effectiva em próI do
progresso do Brasil; espécie de congresso intellectual perma-
nente do paiz, assembléa com escopo utilitário, altruísta e
generoso, e por isso mesmo alto, nobre e glorioso > .
Gentilissimas expressões, illustre consócio, e que traduzem
até certo ponto os nossos patrióticos intuitos.
Não é que tenhamos a pretenção de dar normas a go-
vernos nem intervir descabidamente em negócios públicos,
entr^ues, como elles devem ser, a mãos competentes e expe-
rimentadas.
Mas a Historia, como a entendemos, abrange todos os
ramos da actividade humana. Estudando-a, esmerilhando-a á
luz do mais acendrado patriotismo, preparamos também ca-
minho para a acção administrativa efficaz, iluminamos a es-
trada do porvir em que serão batalhadores nossos filhos,
semeamos idéas que hão de fructificar no correr do tempo
para lustre e gloria da Pátria.
Na phase perturbada que atravessamos, já por equivoco
nosso, já por efíeíto dessa tremenda convulsão que agita o
mundo e cujas consequências ainda não é licito medir com
precisão, nesta phase, mais do que nunca, o Brasil republicano
carece da luz de todos os seus filhos, da cooperação de todas
as forças vivas do paiz. desinteressada e patriótica, sem a
paixão dos corrilhos politicos, sem a animosidade de velhas
desaffeições, sem a lucta estéril de interesses offendidos.
Parece que chegámos a uma daquellas situações criticas,
em que o máximo de coragem e de abn^ação se faz indispen-
sável para atravessar uma ponte d'Arcole symbolica e perigosa.
ic Suivez votre general > exclamou o genial Bonaparte naquelle
.,Coogle
670 REVISTA DO msTlTOTO HISTÓRICO
passo difftcil da campanha de Itália. E os soldados fraacezes
electrízados correram á víctoría.
Assim convém egualmente que sigamos unidos, compactos,
o pendão auri-verde dos que nos apontam a estrada do dever
deante dos temerosos embaraços, que o Brasil encontra na
sua marcha.
E ahi está porque nos rejubilamos, nós os do Instituto
Histórico, com a entrada de mais imi soldado prestante e valo-
roso para fortalecer as nossas fileiras.
Sede bem vindo, sr. Débbaoé.
{ApplaMSos prolongados.)
Nada mais liavendo a tractar, levanta-se a sessão ás 22
horas.
Dr. Pedro Souto Maiok,
Servindo de 2" secretario. /
ACTA DA TERCEIRA SESSÃu UUDINAHIA, EM 2% DE JUNHO DE 1915
Presidência do sr. conde de 'Affonso Celso
A's vinte horas e trinta minutos, na sede social, sob a
presidência do sr, conde de Affonso Celso, presentes os se-
guintes sócios srs.: conde de Affonso Celso, Max Fleiuss,
dr. Ei^rd Roquette Pinto, dr. Pedro Souto Maior, dr. Ni-
coláo José Debbané, dr. Alfredo Valladão, dr. Alfredo Rocha,
dr. Miguel Joaquim Ribeiro de Carvalho, dr. João Coelho
Gomes Ribeiro, general dr. Gregório Thaumaturgo de Aze-
vedo, dr. José Américo dos Santos, capitão de corveta Raul
Tavares, dr. Augusto Tavares de Lyra, capitão de corveta
Francisco Radler de Aquino e dr. João Luiz Alves, abre-se a
sessão.
O Sr. Dr. Roquette Pinto (2° secretario) lê a acta da
sessão anterior, que é sem debate approvada.
O Sr. Fleiuss {secretario perpetuo) lê os s^uintes pa-
receres da Commissão de Admissão de Sócios :
— c O sr. dr. António Fernandes Figueira e um nome
sobejamente conhecido por seu valor intellectual e moral.'
i,Coogle
ACTàS 6?'
A Commissão, pois, recommenda com empenho a approvação
da proiK)bta que o indica para sócio eífectivo.
Rio de Janeiro, ló de Junho de 1915. — Dr. Benjamin
Franklin Ramiz Galvão, relator. — Miguel Joaquim Ribeiro,
de Carvalho. — Manuel Cicero Peregrino da Silva. ^An-
tónio Olyntho dos Santos Pires. >
— ít O illustre homem de lettras, sr. dr. Arthur Pinto da
Kocha, é uni nome de todos conhecido pelas várias obras de
que é auctor, e com as quaes muitos applausos ha grangeado..
Não fora isso, e ainda leriamos no sr. Pinto da Rocha um
character elevado e um trabalhador incansável, digno em tudo
de fazer parte deste grémio.
A Commissão de Admissão de Sócios, pois, não só apoia
a proposta que o indicou para sócio effectivo, como recom-
menda a sua approvação com o maior empenho.
Rio de Janeiro, 16 de Junho de 1915. — Manuel Cicero
Peregrino da Silva, relator. — Miguel Joaquim Ribeiro de.
Carvalho. — Dr, Benjamin Franklin Ramiz Galvão. — An-
tónio Olyntho dos Santos Pires. »
— < A Commissão de Admissão de Sócios acha que a
proposta que indicou o sr. dr. Alfredo Pinto Vieira de Mello
para sócio effectivo merece a sancção do Instituto, tractan-
do-se, como se tractsc, de um homem de alto valor, digno em
tudo da consideração que todos lhe tributam.
Rb de Janeiro, 16 de Junho de 1915. — António Olyntho,
dós Santos Pires, relator. — Miguel Joaquim Ribeiro de Car-
valho.— Dtí Benjamin Franklin Ramic Galvão. — Manuel
Cicero Peregrino da Silva. »
— <0 sr. dr. Aureltno Leal, pelos trabalhos de que é
auctor, bem como pelas suas nobres qualidades intellectuaes
e moraes, digno por isso da admiração que todos lhe rendera,
está perfeitamente nos casos de merecer deste Instituto a
approvação da proposta que indica o seu nome para sócio
effectivo.
A Commissão de Admissão de Sócios julga, pois, que
deve ser approvada a mesma proposta.
Rio de Janeiro, 16 de Junho de 1915. — Miguel Joaquim
Ribeiro de Carvalho, relator. — Manuel Cicero Peregrino da
,dbyGoogle
(122 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Silva. — Dr. Benjamin Franklin Ramis Galvão. — António
Olynllio dos Santos Pires. >
— < A Commissão de Admissão <le Sócios nada tem a
oppõr á proposta que indicou o nome do sr. dr. António de
Barros Ramalho Ortigão para sócio effectivo do Instituto,
antes, felicita-se pela nova acquisiijào de um estudioso de
valor, pois reconhece no íllustre proposto todas as qualidades
necessárias para muito auxiliar a nossa aggremiação.
Rio de Janeiro, i6 de Junho de 1915. — António Olynlho
dos Santos Pires, relator, — Dr. Benjamin Franklin Ramiz
Galvão. — Manuel Cícero Peregrino da Silva.»
— «A Commissão de Admissão de Sócios nada tem a
oppór á proposta que apresentou para sócio correspondente
do Instituto o dr. Alberto Lamego, reconhecendo-lhe todas as
qualidades que o eminente consócio sr. dr. Oliveira Lima,
seu primeiro patrono, a seu respeito externou e cuja opinião
merece o maior acatamento do Instituto.
Pensa, ik>ís, que j)óde ser approvada a mesma proposta.
Rio de Janeiro, 16 de Junho de 1915. — Dr. Benjamin
Franklin Ramis Galvão, relaíor. — Miguel Joaquim Ribeiro
de Carvalho. — António Olyntho dos Santos Pires. >
Corridos os escrutínios são approvados — por unanimi-
dade — os pareceres relativos aos srs. drs. António Fernandes
Figueira, Arthur Pinto da Rocha, Alfredo Pinto Vieira de
Mello, Aurelino Leal e António de Barros Ramalho Ortigão,
e — por maioria de votos — o relativo ao sr. dr. Alberto
Lam^o.
O Sr. Conde de Affonso Celso (presidente) faz as
proclamações .
O Sk. Fleiuss (i" secretaria perpetuo) lè a s^uintc
proposta, que vae á Commissão de Admissão de Sócios, sendo
relator o sr. dr, Benjamin Franklin Ramiz Galvão:
— «Considerando que o dr. Urbano Santos da Costa
Araújo é uni Brasileiro notável, a vários aspectos, tendo dei-
xado na magistratura, na alta administração, na imprensa, no
foro, na tribuna parlamentar, irrecusáveis documentos de
capacidade intellectual, operosidade e character;
Considerando que o Brasil inteiro o tem distinguido com
justificadas demonstrações de acatamento;
,dbyGoogle
ACTAS 6?3
Consideraiitlo que, de longa data, mostra elle particular
estima ao Instituto Histórico, ao qual tem prestado preciosos
serviços :
Propomos que seja elle índuido, de accôrdo com os
Estatutos, na lista dos nossos sócios honorários.
Rio de Janeiro, 28 de Junho de 191 5. — Conde de Affonso
Celso. — M. Fleiuss. — Clóvis BevUaqua. — Arlhur Guima-
rães.— Manuel Cícero. — Alfredo Rocha. — Roquette Pinto.
— Radler de Aquino. — Tavares de Lyra. — Pedro Souto
Maior. — João Luiz Alves. »
O Sr. Fleiuss {/" secretario perpetuo) lê depois uma
carta pertencente ao archivo do conselheiro Saraiva e devida
ao conselheiro Francisco Octaviano de Aljneida Rosa, datada
de Buenos Aires, a 20 de Junho de 1865, tractando da batalha
do Riachuelo.
Esta carta desperta a oiais agradável impressão no audi-
tório.
Passando-se á segunda parte da ordem dos trabalhos, o
sr. dr. Pedro Souto Maior lê a conclusão do seu relatório
sobre os archivos hispanhoes em desempenho da c
. do Instituto, sendo ao terminar muito applaudido.
Levanta-se a sessão ás 22 horas.
Roquette Pinto,
2" secretario.
ACTA DA QUARTA SESSÃO ORDINÁRIA, EM 31 DE JULHO DE 1915
Presidência do sr. conde de Affonso Celso
A's 20 e meia horas da noite, na sede social com a
presença dos seguintes sócios: srs. drs. conde de Affonso
Celso, Manuel Cicero Peregrino da Silva, barão Homem de
Mello, desembargador António Ferreira de Souza Pitanga,
Max Fleiuss, drs. Edgard Roquette Pinto, Benjamin Franklin
Ramiz Galvão. Augusto Tavares de Lyra, Homero Baptista,
general dr. Gregório Thaumaturgo de Azevedo, almirante
António Coutinho Gomes Pereira, conselheiro Salvador Pires
de Carvalho e Albuquerque, dr. João Coelho Gomes Ribeiro,
Manuel Álvaro de Sousa Sá Vianna, commandantes Fran-
co byCoOglc
674 REVISTA DO INSTITUTO mSTOMCO
cisco Radler cie Aquino e Raul Tavares, major dr. Lilicrató
Bittencourt, drs. Miguel Joaquim Ribeiro de Carvalho, Ro-
drigo Octávio de Langgaard Menezes, José Américo dos
Santoí, Alfredo Valladão « Eduardo Marques Peixoto, abre-se
a sessão.
O Sa. Fleiuss (/' secretario perpetuo) communíca ao
Instituto que a idéa do Congresso Internacional de Historia
da America para commemorar o Primeiro Centenário da Inde-
pendência do Brasil tem tido a maior repercussão nos Estados
Unidos, havendo, neste sentido, o illustre Embaixador,
sr. Morgan, prestado o seu valioso apoio.
Em seguida communica a offerta, pelo atictor, da ma-
quetle do busto do saudoso consócio desembargador Lima
Drummond, trat>alho devido ao esperançoso artista patrido,
sr. Pitanga, filho do nosso illustrado 3° vice-presidente.
O Sr. Conde de ApPonso Celso (presidente) diz que
o Instituto muito agradece a offerta.
O Sr. Fleiuss usa de novo da palavra para conimunicar
ao Instituto que se acha na casa o sr. dr. Arthur Pinto da
Rocha, sócio effectivo eleito, que vem tomar posse da sua
cadeira.
O Sr. Conde de Affonso Celso (presidente) designa
para em commissfio, accompanharem o novo sócio ao recinto
os srs. drs. José Américo dos Santos, Roquette Pinto e Fleiuss.
Dá entrada no recinto, presta o compromisso dos Esta-
tutos e toma posse o sr. dr. Arthur Pinto da Rocha.
O Sr. Conde de Affonso Celso (presidente) dá a pa-
lavra ao novo sócio.
O Sr. Dr. Arthur Pinto da Rocha lè o s^uinte dis-
curso:
«Egrégio presidente — Illusires confrades:
Voltaire, a summa potestade do seu tempO, cantando a
própria vida, escreveu :
« AppoUan présidait ou pour qui m'a vu nattre;
< au sortir du berceau j'ai bígayé des vers. »
Perdoae, que, remembrando agora a vaidade justificada
do génio soberano ao hombrear com a majestade de Frede-
,dbyGoogle
ACtAS 6?$
rico, si não a excedeu, a pequenez do meu espirito vá de
rastros, até beijar a sandália divina do poeta.
Talqualmente se oi^lhara o historiador do século de
Luiz XIV pelo haver Apollo presidido ao dia do seu appa-
recimento no mundo, á distancia de centúria e meia eu me
envaideço de entrar neste cenáculo de varões assignalados e
de espíritos insignes, presidindo vós, sr. conde, á hora da
minha investidura.
Si ao sair do berço o grande génio, que devia ser depois
o épico da Henriqueida, um dos sábios da Encyclopedia e
precursor máximo da revolução — bégayatl des vers, — não
será de espantar, nem, muito menos, para censurar que,
prestes a satr da vida, a quasi extíncta energia do meu espi-
rito claudique e a ronceira actividade da minha palavra tar-
tamudeie!, no instante de vos dizer, senhores meus e meus
illustres confrades, que só por mui generosa benquerença,
haveis consentido em trazer ao vosso grémio a quem não
sendo eloquente ou fecundo, nem diserto, não é também sa-
bedor nem erudito.
Oxalá vos não sintaes futuramente repesos de haverdes
confiado em demasia nos impulsos do vosso coração, que, á
minha parte, vos af firmo eu, tudo empenharei: alma, vida,
entendimento e braço por amor de bem servir a causa da
sciencia que, ha JJ annos, no seio deste venerando sodalicio
por onde passou e fulgiu o vulto austero e saudoso do sábio,
honrado e magnânimo amigo da Liberdade e da Pátria, que
foi o imperador Pedro H, tem sido carinhosamente defen-
dida, junctamente com as tradições e com as glorias bra-
sileiras, por < tantas mentes ás musas dadas e muitos braços
ás armas feitos ».
Nem só de pão vive o homem : que si o trigo alimenta
o corpo, a sciencia alimenta o espirito e aniboí, trigo e sciencia,
são filhos da mesma origem: da terra, mãe commum, da
natureza, conjuncto ainda mysterioso de todas as grandezas.i
E ao entender do immenso tribuno da Ibéria,
c/o naturalesa seria coma un templo sin sacerdotes, â
como un geroglifico sin decifradores ó interpretes, si no la
comprendicra el pensamiento y »o la iluminara la poejÍa>.,
«byCoogIe
676 llEViaTA DO INSTITDTO HISTÓRICO
Nesta atmosphera serena e austeríssima, em cujo ambi-
ente se cultua a Historia como num templo cheio de sacerdotes,
a natureza tem, concomitantemente, decifradores e interprete?
para os seus hieroglyphos, porque teve sempre o pensamento
que a comprehen desse e a poesia que a ílluminasse.
Nem a Historia poderia viver sem o pensamento, quando
ella desce ás camadas geológicas ou penetra os meandros do
cérebro, para subir depois á vastidão etherea, onde os mundos
se cruzam no labyrintho maravilhoso da Polynesia sideral:
nessas peregrinações, como a lâmpada eterna 'da legenda
oriental, vae accompanhada sempre pelo espirito humano, ou
etle baixe com Cuvier e os seus precursores ás profundidades
do Planeta a sorprehender nos despojos siluricos dos fosseis
a vida dos foraminiferos e nos af^lomerados coraliaiios do
jurássico os movimentos rudimentares dos espongiários; ou
eite se alevante ás reigões, onde paira a fonte da vida universal,
com o engenho de Copérnico, a luneta de Gallileu e o génio
do padre Sechi, '
E no seio da Historia, como em um precioso relicário,
egualmente aquecidas pelo mesmo affecto, guardadas pelo
mesmo carinho, o pensamento encontra a majestade viva e
eloquente do Direito e a majestade morta, mas evocativa
das ruinas, illimiinadas ambas pelo fulgor da Poesia, com-
panheira inseparável da Justiça que nasce do Direito, como a
côr emerge da luz e como o sussurro doce e mesto dos des-
pojos da vida que murmura nas ruinas, á similhança do
marulho eterno das vagas, na concavidade dos búzios.
Repetem as almas frias, inaccessiveis aos encantos da
arte, que a austeridade da sciencia e a precisão das suas leis
repellem, por perigoso, o contacto da Poesia, em virtude da
subtileza leve e vaga das suas im^ens e pela volubilidade do
seu rythmo : para essas almas, uma é a realidade severa e forte,
a outra é a phantasia alada, gárrula e flebil , . ,
Entretanto, o genío de Viço, o verdadeiro- fundador da
Historia, o creador dessa < sciencia nova, relativa á natureza
commum das nações, [wr meio da qual se descobrem novos
princípios de direito natural das gentes », Viço levanta o seu
espirito ao estudo da sabedoria poética e á descoberta do
verdadeiro Homero.
,dbyGoogle
ACTAS 677
Foi na leitura de Platão, escabichando imagens poçticas,
foi na leitura de Tácito, estudando o estylo puríssimo do
historiador romano, que o sábio Viço bebeu inspiração e en-
controu os fundamentos da sua audaciosa theoria.
Foi estudando os despojos das velhas civilizações, as
ruínas dos impérios mortos, donde se evola, ininterrupto, como
a espira azulada do incenso, o fumo da tradição e das lendas
mythicas, que o precursor da Philosophia da Historia pôde
negar, um século antes de Wolf, a existência de Homero
poeta, para affirmar apenas a belleza legendaria da poesia
grega, para affirmar que o génio do cego cantor da « Iliade » e
da € Odysséa > não é mais que o génio da raça hellenica, can-
tando-se a si mesma nas lyras dos seus rhapsodos e cele-
brando a pequenez exigua do seu berço, mas a grandeza pn>-
digiosa da sua civilização.
Com a Poesia se íonfuiide a historia da existência pri-
meva dos povos: é cantando que a alma humana grava no
tempo e na memoria das gerações as façanhas dos seus heróes
e 3 marcha da sua evolução inconsciente.
E, ás vezes, nem sempre, inseparavelmente ligado a
ambos, soffrendo as mesmas vicissitudes, erguendo-se nos
mesmos arroubos, tombando nas mesmas quedas, salvando-se
dos mesmos cataclysmos, o Direito sobrevive com ellas, atra-
vessando o século, ao aniquillamento dos impérios e prende-se
a ambas como a hera ás ruinas.
Das dynastias dos lesos, dos Lagidas e dos Pharaós ficou
sobre o solo do Egypto a maravilhosa grandeza dos destroços
de palácios, de templos e de sepulcros; do Direito, nenhum
monumento se salvou, mas nas ruinas dos obeliscos, nos hiero-
glyphos dos templos, nos papyros dos sepulcros, nos sar-
cophagos das múmias, os egyptologos modernos e os velhos
historiadores, como Heródoto e Diodoro, assignalam a exis-
tência dos oito livros de Thot, que representaram, na vida
daquellas monarchias barbaras do Nilo o papel, que as leis
das XII taboas desempenharam entre os Romanos.
Mas, si com as gigantescas proporções da arte egypcia,
que Theophilo Gauthier tão severamente descreve na sua en-
cantadora < Noite <le Cleópatra » e que a longa jornada dos
séculos, atravessando todos os temporaes e o desabamento das
lyCoogle
676 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
civilizações, não conseguiu destruir, o Direito sossobrou, a
Poesia perdura, canta nas aragens do deserto, quando passam
pelas pyramides, pelas esphynges, pelos sepulcros ; a Poesia
vibra no mysticismo da Religião e da Philosophia; a Poesia
rola e soluça nas aguas do Nilo, geme e reza na cidade dos .
mortos < no valle dos túmulos reaes', onde uma natureza
exuberante proseguiu a sua obra de creação no meio da
lucta selvagem dos elementos; onde, parece, na verdade,
que se abrem as portas do mundo subterrâneo », e onde Cham-
pollion foi surprehender, na frieza dos papyros e na immobi-
lidade eterna das múmias, os segredos dos hieroglyphos, as
abreviaturas symJbolicas da escriptura hierática e os chara-
cteres do alphabeto demotico.
Da Grécia antiga, que a humanidade civilizada nunca
deixará de admirar e que, na phrase sugestiva de Letoumeau,
é o fermento da civilização oriental, a Historia surge com a
Poesia aos primeiros albores da alma hellenica, aos primeiros
vagidos da raça, aos primeiros passos do povo, e antes que
Heródoto, Thucydides e Xenophonte houvessem fixado no
mármore da prosa estylizada a gloria das Musas e as fa-
çanhas dos Lybicos, as victorias do Peloponeso e a Anabase,
já o espirito hellenico vibrava na garganta e na lyra dos aedos
c dos rhapsodos, já o mytho ou a realidade de Homero havia
cantado na «lliade» e na «Odysséa», já a «Iliade» appa-
recera como o pacto de alliança, da nacionalidade hellenica,
a maior obra da imaginação dos homens, a synthese magnifica
de uma civilização, o modelo por excellencia da epopeia; já a
« Odysséa », si bem que menos gigantesca', menos heróica, mais
profunda porém, se havia feito o modelo da belleza simples,
e, unidas, sob a invocação do mesmo espirito creador, encer-
ravam, como um escrinio opulento do Oriente, todas as jóias
de rara belleza artística.
Ia bem alto, no zenith, a gloria lyrica de Therpandro,
quando o archonte Dracon surgiu com o código das suas leis,
em cujo contexto a pena capital dominava soberanamente
como expressão da sua natureza feroz. E quando Sólon, ame-
nizando a crueldade draconiana com a moderação do seu
Direito novo, deu a Pisistrato a honra immortal de restituir
a Athenas o predominío da ordem e da justiça, havia mais
rfbyGoOgIe
ACTAS 679
de meio século que o génio de Alceu fulgia no colorido das
suas formosas imagens; Sapho augmentara para dez o numero
das Musas com a melodia dos seus versos e a perfeição
absoluta das suas estrophes; Erynna, morta entretanto aos
dezoito annos, havia cantado 300 versos do seu poema com
tal genlo, que provocava a admiração de Antlpater e o enthu-
siasmo de Asclepiades: e Tyrtheu, com o estro flammejante
dã sua inspiração heróica, talvez caldeada no sangue de
Achllles, havia ei^ído a alma da Lacedemonia para lança-la
cm ímpetos indomáveis contra a ferocidade dos Messenios.
Quarenta annos fazia que durava a peregrinação do povo
de Israel através do deserto da Arábia, quando Moisés lhe
deu a legislação que recebera no Sinai : mas a esse tempo já a
alma semítica, sonhadora e mystica, embalada pelo seu mono-
theismo simples e forte, confiante no Creador do céo e da
terra, no Deus sublime que castiga o mal e dá prémios ao
bem, havia cantado com os patriarchas a belleza dos seus
costumes ingénuos e pacíficos, realçando a f^ra nobre de
José na firmeza resignada e serena, aureolada por uma des-
ventura tenaz e sempre envolta na legenda encantadora que
lhe attribue a virtude de adivinhar os sonhos; já se fixara
na tradição poética a historia dos amores de Abrahãp e de
Agar ; já se constituirá na lenda rude e bella da retirada de
Ismael para o deserto, dando origem ao povo árabe ; já andava
de bocca em bocca a rivalidade entre Esaú e Jacob, e aquella
formosa novella de amor, em cuja tecitura delicada se en-
redam as almas doces de Rachel e de Lia, figuras feitas de
luar e seda, tão distantes de nós e ainda tão puras tio sectilo
XVI, que inspiravam o génio de Camões, o qual não soubera
até então comprehender como bastara
« para tão grande amor tão curta vida »;
já havia caído sobre a cabeça dos Israelitas a escravidão que
lhes impuzera o Pharaó; já a alma das mães extremecera
de pavor ouvindo a narrativa da asphyxia das crianças nas
aguas do Nilo e a lenda emocionante da salvação de um berço
que fluctuava entre os juncaes da margem, levando no seio,
como gotta de orvalho na corolla de um nenuphar, o futuro
guiador do povo e legislador da raça, tão grande que, ainda
trez mil annos depois, immortalízou o cinzel dp Buonarotti.
«ibyCoogIe
68o REVISTA DO IN6TITUT0 EOSTORICO
Mas a Historia, a Poesia, o Direito e a própria vida dos
Israelitas se confundiam com a sua religião; nas paginas da
sua historia vibra a alma hebréa, de um lyrismo delicioso,
fulgem a rigidez da sua legislação e a austeridade da sua
moral, flue a simplicidade patriarchal dos seus costumes, tudo
isso envolto num véo de mysticismo, que se casa admiravel-
mente á paizagem longínqua da sua Mesopotâmia pastoril.
As formas altas, grandiosas e trágicas da Poesia, a epopeia
e o drama, que se inspiram directamente na magestade da
Historia accidentada e forte, nas campanhas da conquista, nos
arrebatamentos das paixões desencadeadas, nas fúrias guer-
reiras que geram o ódio dos inimigos, nunca o povo hebreu
ns realieou. Por isso mesmo a historia da gente de Israel é
diluida na forma poética mais simples e mais doce; ora
psrtlmodica, soluçando com a harpa de David, ora didáctica
e philosophica sob as legendas de Job, com que se louvam e
cultuam as obras da justiça de Deus, ora idyllica e humana,
como no « Cântico dos Cânticos >, ora gnomica e proverbial,
como nas sentenças de Salomão; e por isso mesmo o Direito e
a legislação hebraicos atravessaram os séculos e ainda hoje
ensinam a civilização moderna.
Os psalmos de David são verdadeiros primores; seriam
gemmas preciosas de qualquer litteratura actual, si não fossem
a expressão flagrante, original, characteristica e sublime da
alma hebréa. Nunca o espirito humano, em qualquer momento
da vida do planeta, subiu tão alto na sua aspiração para Deus,
nunca a phantasia do homem creou imagens de tamanho fulgor,
nunca as orações da crença tiveram tanto fervor e tanta
uncção, nunca as lamentações da consciência vibraram com
tal sentimento, nunca os soluços da queixa arrancaram de
tão fundo para voarem tão alto, e, a não ser a magestade
olympica da < Divina Comedia », nada ha em toda a vastidão
da terra que se compare a essa obra do génio semilico, so-
nhada, gemida, soluçada, cantada pela alma hebraica.
Weber, o historiador allemão, estudando as origens dos
povos orientaes, tracta rudemente a China; a esse povo mille-
nario a penna do escriptor germânico distingue com este
juizo de uma crueldade innominavel : « Covarde e impotente,
servil e humilde, sem vigor, sem dignidade, sem elevação
,dbyGoogle
intellectual, penetrado entretanto de uma cega infatuação e
do mais soberbo desprezo pelos outros, povos >.
Todavia, ao ter de apreciar os livros de Confúcio, nos
quaes se acham reduzidas e coordenadas as antigas doutrinas,
historias e tradições, Weber assevera que o terceiro livro,
sob o titulo de c Schi-King », t encerra a collecção dos an-
tigos cânticos nacionaes, cheios de graça, de dignidade, dç
belleza >.
Sem attender á contradicção flagrante em que incorre p
sábio historiographo germânico, a respeito da psychologia do
povo chinez, veriíica-se, no entanto, que muito antes de appa-
recer a Historia que fixou e firmou a tradição oral, vaga e
fluctuante, a alma chineza havia cantado a poesia cheia de
graça, de dignidade e de belteza dos seus hymnos, as façanhas
das suas edades primitivas, os encantos da sua paizagem illu-
minada e exhuberante, a simplicidade da sua vida agricola
e a maravilhosa transparência do Iseu firmamento e das
suas aguas.
Ora, o livro dos versos de Confúcio, como aliás todos os
Thing, remonta ao septimo século antes de Chrísto, e a pri-
meira parte desse livro era simplesmente uma coUectanea das
canções populares que a tradição e a musica haviam con-
servado de tempos immemoriaes.
Assim, pois, como observam Letoumeau, d'Hervey, St.
Denis e Bouillet, já á epocha da fundação de Roma os Chinezes
haviam descoberto o c foik-lore >, fazendo por elle o estudo
da sua própria psychologia social; e as mais antigas das
canções recolhidas remontam ao século XVIII antes de
Christo, ao reinado quasi lendário, nebuloso, do imperador
Chun, apagado na bruma da distancia.
Durante trinta séculos a alma mongolica vibrou e gemeu,
cantou e sentiu, soluçou e sorriu, blasphemou e pediu no
lyrismo inconfundivel da sua Poesia; durante trinta séculos
a China teve poetas, inclusive entre os seus imperadores,
como Wouti, soberano da dynastia dos Han, a cujo estro se
deve a formosa € Canção dos remos », salva pelo próprio
Confúcio do incêndio que outro imperador, 212 annos antes
de Christo, mandou atear aos livros com o fim de extinguir
a tradição ancestral; trez mil annos antes de surgir a pri-
lyCoogle
663 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
meira codificação das leis do IV livro de Confucid, a historia
dos primeiros Chinezes, ao despontar a sua existência nacional,
palpitava na inspiração dos poetas e perpetuava-se nas canções
populares .
O lyrismo desses poemetos é characteristicamente impes-
soal, apezar da sua antiguidade quasi fabulosa, e esse facto
demonstra que já na éra, em que foram produzidos pelo
génio dos poetas, a sociedade chineza devia contar uma exis-
tência de séculos; com esses tempos que se perderam, per-
deram-se também a legislação e a chronica, mas salvou-se a
Poesia, a qual deu a Confúcio a matéria prima para reconsti-
tuir o Direito e fixar a Historia do único império antigo que
resistiu á acção corrosiva dos séculos, á influencia demolidora
dos cataclysmos e vive, ainda hoje, no isolamento das suas
muralhas e na quasi immobilidade ascética da sua religião ; na
China foi a Poesia popular o fio tenuissimo que conservou a
unidade nacional e conseguiu salva-la do exquecimento.
O sabío l,etoumeau, estudando a evolução litteraria hu-
mana, dedica um brilhante e eloquente capitulo ao desenvol-
vimento do México e do Pcrú, especialmente ás primeiras
edades : são as origens recuadissimas de duas civilizações
extinctas, que interessem á intelligencia do erudito e philo-
sopho.
Essas civilizações elle as compara nestas linhas, que
formam tmia synthese do seu estudo:
«As duas civilizações são, entretanto, comparáveis: os
dous impérios eram monarchias absolutas, obedeciam a se-
nhores adorados como deuses; apenas o Peru nos apresenta
o mais bello typo de socialismo monarchico e auctoritario, que
ha existido; o México, ao contrario, era uma monarchia abso-
lucta, feudal, mas os dous Estados eram aristocráticos e
theocraticos. Sob o ponto de vista da Esthetica litteraria, o
México e o Peru são análogos».
E referindo-se ao idioma fallado no í*erú, Letourneau
af firma que foi primitivamente o < quichua », e que « les
poésies de i'ancien Pérou ont donc été toutes composées en
< quichua », e quando estuda a representação graphíca do
idioma dos Aztccas, assevera que fora ella uma ' escriptura
Google
figurativa, simples aperfeiçoamento de um primitivo processo
de expressão da pictcçraphia usada pelos Pelles-Vermelhas.
E' tudo quanto o espirito humano conhece de mais remoto
na tradição dessas regiões do continente americano.
Pois bem t Graças a essa escriptura rudimentar, podemos
hoje conhecer que já nesses tempos recuadissimos da vida
dos Incas e dos Aztecas, quando a Iti^ua fatiada era o
< quichua >, antes da formação das suas monarchias theocra-
tica é socialista, muitos séculos antes da conquista hispanhola,
yj. a alma barbara dessas paragens tinha as suas legendas de
rara belleza e a sua poesia original e encantadora, em cuja
lettra se conservou e pôde chegar até o nosso século a historia
desses povos perdidos na profundeza da noite das edades.'
« E' impossível a esperança de encontrar no Peru uma
Ittteratura livre e em espontâneo desabrochar. A immensa
massa de povo explorada, dominada c conduzida como imi
rebanho humano, vivia fora da litteratura official dessas duas
vetustas organizações barbaras. Tudo alli era convencional:
somente o Inca, a sua vida, a sua pessoa sagrada podiam ser
assumptos dos hymnos, das chronica^, das orações. Poetas,
trovadores, e havanecás tomavam para themas dos seus tra-
balhos, das suas canções e bailadas, os acontecimentos mais
brilhantes da existência dos monarchas, de modo que dessa
litteratura administrativa resalta, é certo, um corpo de poesia
tradicional, mas cortezã.
Da mesma forma, no México, as tradições guerreiras
são ensinadas sob a forma de cantos e hymnos. »
E' o próprio Letourneau quem o af firma:
<A inspiração litteraria só é fecunda com a condição
jde ser livre».
Não obstante a organização theocratíca, absoluta das duas
monarchias :
■t à peine sorties de la sauvagerie, nous sommes plus heureux
pour les textes, et dSverses poésies ou fragments de poésie
lyrique, oeuvre des anciens bardes méxicains ou péruviens,
sont parvenus jusqu'à nous. II en existe mème de différents
genres et je puis citer ici des chants de guerre, des prophéties
poétiques, une ode composée par un souverain et enfin des
chansons d'amour. Les bardes de 1'Amérique centrale, à la
lyCoogle
684 BETIBTA DO INSTITUTO BISTORICO
fois poetes et musiciens, composaient ies vers et les airs de
leurs chants et chansons».
Mas official ou não, espontânea ou administrativa, a
poesia na origem primeva dos dous impérios foi a forma pela
qual se manifestaram as almas inca e asteca, foi na sua
expressão lyrica, bem como no seu rythmo delicado que se
salvaram a historia daquelles dous povos americanos e toda
a infinita belleza das lendas dos selvicolas da nossa terra,
synthetizadas pela phantasia romântica de Alencar nas paginas
do < Guarany >, tal qual se salvara da formidável inundação a
branca formosura de Ceei e a rudeza cobreada de Peri, ro-
lando na corrente vertiginosa, sobre o tronco derribado da
palmeira.
Ninguém ignora que entre os Árabes primitivos e nó-
mades, embora cantada numa toadilha monótona, de tristeza
amaríssima, de melancholia extrema, monotonia, tristeza e
melancholía que parecem hauridas na extensão estéril do de-
serto, a poesia foi a expressão primeira de sua alma errante,
e essa influencia tal e tão profunda que, apezar do tempo
transcorrido, das modificações immensas que o povo expe-
rimentou atravez das suas peregrinações aventureiras, ainda
hoje na península ibérica, sobretudo no Sul de Portugal, na
província do Algarve e especialmente no Além-Tejo, onde
os characteres physiologicos e a expressão physica se conser-
varam no povo lusitano, ainda hoje são entoadas, nas festas
populares do Natal e de S. João, as velhas canções mosarabes,
quasi litanias, de uma funda e magoada morbidez, de uma
saudade doentia, inextinguível, emergindo do fundo de uma
tradição millenaria, que tem raízes, talvez, no ix}ema de
Antar. >i
A poesia árabe constitue um thesouro moral e intel-
lectual preciosíssimo da tribu ; era na sua forma sempre deli-
cada e suggestiva que se perpetuavam a distincçao das
famílias, a memoria das grandes acções, das nobres façanhas,
a própria pureza da língua e até mesmo os direitos das tribus
e dos clans.
E os versos de ouro, essas jóias que davam gloria ás
tribus, que a \oz das mulheres cantava nos grandes festins
em honra dos poetas, vieram até nós, ora trazendo a historia.
byCoogIe
ora transportando a lenda, ora perpetuando a crença, e o
culto, € a língua, como as custodias, também de ouro, que os
génios de Cellini e de Gil Vicente cinzelaram para depósitos
pulcros das sagradas partículas.
Na índia, o próprio Ríg, o sacrário da historia, da reli-
gião e do direito primitivo, é composto na forma de hymnario:
é a poesia que perpetua todas essas manifestações da alma
védica; ha nesse monumento o trabalho de muitas centenas
de poetas ; também na construcção das pyramides de Gizeh
collaboraram milhares de operários, e o Rig é bem a pyramide
das tradições vedicas.
A invasão árabe destruiu todos os livros que topou na
Pérsia; salvou-se o Zend'Avesta. Entretanto, os antigos sol-
dados de Alexandre ouviram dos Persas poesias amorosas de
um grande e suavíssimo encanto; tudo isso se perdeu, mas o
que nos foi transmittido pelo Zend'Avesta, embora não seja
sublime, é suffíciente para demonstrar que também a alma
persa gravou na poesia toda a expressão do seu sentimento
nativo, triumphando contra a asphyixa da conquista, o que
nos dá a idéa de uma raça viril e sã, muito embora se haja
eclipsado totalmente a velha poesia persa anterior á conquista
árabe, ao estabelecimento da monarchia absoluta c da religião
mazdeana .
E que doce suavidade a desse lyrismo primitivo I São do
Livros dos Reis, relativamente recente, estas imagens que
muitos poetas de agora assignaríam contentes e felizes :
— € O sol ergueu-se como a alegria de uma mulher que
arrebata corações ,
— Rosas frescas e lindas como as faces das mulheres,
que dissipam tristezas.
— Repentinamente espalhou-se a luz sobre as montanhas,
como si o sol houvesse derramado rubis pelo azul do céo. »
E, si alguma cousa chegou ao nosso conhecimento a
resiieito da evolução do Direito, tanto na recente origem dos
Incas e dos Aztecas, como na profunda noite da remota anti-
guidade persa, foi pela poesia que se salvou, pouquíssima em
documentos escriptos que os temporaes da vida extinguiram,
muita pelo prestigio mudo das ruínas sepultadas na crosta
,dbyGoogle
&6 DBVISTA. DO meflTOTO HUTORICO
do planeta ou perdidas nas solidões dos desertos, quãsi tuHci
pela tradição que a poesia conservou e reproduziu ao per-
passar das gerações, guardada avaramente pela alma e pelo
sangue das raças, como a voz daquella deusa mysteriosa da
própria lenda persa, que, não querendo fazer a ninguém a con-
fidencia dos seus amores, depositou-a incautamente no seio
de um busio, á beira do oceano; depois, quando este surpre-
hendeu o s^redo, não houve onda que o não soubesse, nem
sereia que o não cantasse .
Foi também na Hellade. A Grécia é senhora de uma
Historia, que encerra o mais opulento thesouro de lendas e
documentos, mas além desses documentos que constituem ver-
dadeiramente a Historia, ha no berço oriental da civilização,
como em todos os povos, uma fonte abundante e inextinguível,
a tradição popular que precedeu a Historia, que foi oral antes
de ser escripta.
Bssa tradição, que a Historia depois incorporou ao seu
dominio, nunca se desgarrou da alma da raça; a conquista
turca foi impotente para estancar a fonte, porque, st esmagou
as instituições, não conseguiu absorver o espirito que a liber-
dade nativa das montanhas conservou; que a nostalgia da
primitiva felicidade guardou na memoria e na saudade, e que
veio a reflorir mais tarde, quando as condições sociaes tor-
naram possivcl o resurgimento politico do povo.
Mas o cofre, em que toda essa riqueza se conservou du-
rante séculos, na temperatura macia de um amor que não
se esvaiu, foí a poesia dos aedos, dos rhapsodos; foi nesse
ambiente de lar carinhoso que a alma da Hetlade cantou a sua
proto-historia, como demonstram as crianças de Samos indo de
casa em casa, garganteando choros em honra a ApoUo,
' cujos versos de uma antiguidade immensa ficaram entre as
bellezas, qtít constituem o espolio de Homero ; além das An-
themas, as perfumosas canções das flores, além dos poemas
de Harmodio e de Aristogiton, além de toda a poesia de
Hesiodo e, sobretudo, aquellas barcarolas somnolentas e
mornas que os marujos da Grécia ainda hoje cantam; ao
rythmo cadenciado dos remos nas praias da Eubéa, de Co-
ríntho e de Egina, e que vivem na litteratura da Hellade como
,dbyGoogle
ACtU 687
(ructos da inspiração de Arístopliane'^, mas qaS 1'êinõntam á|
era mythologica da lenda de Prometheu, da revolta dos
Titans e da phantasia de Pandora.
B, si na poesia de Hesiodo vibra a alma de um poeta
e na de Homero canta a alma de um povo, em ambas fervilha
o sangue da raça: a de Hesiodo vendo a natureza atravéz de
um temperamento individual, a de Homero caldeada nos sen-
timentos coUectivos é, por isso mesmo, genial, triumphante
contra os embates do tempo e das transformações : uma é a
forma que varia, a outra é a essência que não muda, a rela-
tividade da matéria e a eternidade da substancia aquella é a
Mythologia que se foi, esta é a Grécia que ficou ; por isso
Homero ainda hoje é cantado pelas crianças e pelos marujos,
e Hesiodo entrou no museu das antiguidades raras.
O século XIX foi, sem dúvida, um século profundamente
egoísta e mercantil ; parece que o espirito humano, vencido
pelas necessidades da vida, ergueu, como lemma da sua acção
vertiginosa, o velho brocardo latino: primo vivere, deinde
phUosopkare, deixando-se dominar pelo utilitarismo de Hobbes.
E, como expressões eloquentes dessa febre devoradora,
além do prc^resso da Economia politica e da Estatistica, sur-
gem a organização de quasi todos os Códigos comm«rciaes
do mundo civilizado, o desenvolvimento assombroso das so-
ciedades anonymas, o pteno dominio do luxo e do epicurismo,
a lucta portentosa da producção industrial, a conquista armada
dos grandes centros de consumo, a larga expansão das expo-
sições intemacionaes e nacionaes, e sobretudo o incremento
incomparável da navegação marítima mercante, devassando
todos os recantos occultos nas costas dos cinco continentes,
cruzando em todos os roteiros, por todos os mares do planeta,
constantemente a carregar productos no intercambio commer-
cial, sempre a seguir o conselho de Yago:
Piitting money in the pursc.
No entanto, em meio de toda essa materialidade utilita-
rista, não houve século, na historia humana, tão fértil em
aventuras heróicas inspiradas e impulsionadas pela Poesia,.
A França não podia vêr com bons olhos, como nação, a
libertação e a unidade da Itália; seria a concurrencia forte de
,dbyGoogle
688 REVISTA DO INSTITDTO HISTÓRICO
uma nova entidade politica partilliaiido o domínio do Medi-
terrâneo e a projectar futuramente a sua influencia histórica
sobre a costa fronteira, no continente africano, mas
€ se alzaban sombras tan augustas de sus campos y vocês
tan sublimes de sus sepulcros; se veian, derramadas por sus
aires, cadencias tales en los Misereres de Palestrina y en las
plegarias de Rossini ; se veian en sus cíelos de arreboles tantas
figuras hermosas surgidas de inagotable palleta, y en sus
piedras de marmoles tantos relieves trazados por creador
cincel, que cada corazon sentia una emocion artística a su
recuerdo; y todas estas emociones se juntaron a suscitar la
cruzada que abríó el sepulcro donde yacia enterrada la
madre de todas nuestras itaciones. »
Também â Inglaterra, como Estado, não convinha a inde-
pendência da Grécia ; os seus interesses no Oriente lhe aconse-
lhavam que abandonasse á sua sorte escrava o berço da civi
]ÍEação européa, e, no entanto, levou-lhe o seu poderoso
auxilio
< por attender ai coro de poetas que la pedia en sus
versos, sacrificando asi, a una ídéa esthetica mas que politica,
Ia razon de Estado. >
E como era a alma dos poetas que soluçava; como era
a tradição hellenica dos rhapsodos e aedos que palpitava na
voz dos poetas, a Inglaterra não se limitou a auxiliar com
a sua esquadra o berço da civilização, libertandoo da escra-
vidão turca, por entre a fumarada de Navarino, revivendo a
gloria de Salamína; a Inglaterra mandou-lhe, na inspiração
de lord Byron, a alma sonhadora da sua raça e, com a lyra
do poeta de Chíld-Harold e de Mazzeppa, evocando a inspi-
ração primitiva de Athelstan e de Coedon, saudou em Misso-
longhi a gloria millenaria de Homero.
Mas foi também esse o século, em que a sagração da
Poesia culminou no apogeu de todas as apotheoses, porque
si é verdade que, em synthese, toda a magestade de Roma
se funda em Virgílio; si toda a sublimidade da Itália se
concretiza em Dante; si to,da a gloria da Inglaterra se crys-
tallíza em Shakespeare ; si toda a heroicidade lusitana esta
reunida em Camões; si todo o triumpho germânico se juncta
em Goethe; si toda a galhardia ibérica hispanbola se con-
,dbyGoogle
centra em Cervantes; sí toda a vida luminosa da França
irradia dos olhos de Victor Hugo; si todo o martyrio da
Polónia vibra em Sienkevicz ; si toda a alma forte da Hungria
pragueja em Kossuth ; si todo o sof f rimento da Rússia soluça
em Tolstoi; si todo o mysterio lendário da Scandínavia se
esbate na alma de Ibsen ; não é menos exacto que, unida pela
espada de Garibaldi no throno de Sabóia, a Itália, pela terceira
vez na Historia, personifica em Carducci a grandeza do seu
génio ; p«la terceira vez a Inglaterra, unida em torno do throno
dos Oranges, synthetiza em Rudyard Kippling a superioridade
da sua força; pela terceira vez Portugal, nas luctas da sua
evolução politica, symboliza em Quental e Junqueiro a no-
breza vetusta do seu génio; pela terceira vez a Hispanha,
unida no throno dos Bourbons, espiritualiza a delicadeza da
sua graça e a impetuosidade do seu sangue nas rimas de
Campoamor e nos bronzes de Rueda; pela terceira vez a
Germânia, unida no throno dos Hohenzollern, personifica a
nebulosidade das suas origens na intellectualidade de Suder-
mann; pela terceira vez a França, unida pela Marselhesa,
culmina com Rostand e Anatole a ascensão alpinista da raça
na cordilheira magestosa da sua Historia.
Disse ». (Calorosos applausos. ) %
O Sb. Dr. Ramiz Galvão (orador do Instituto) responde
nos seguintes termos :
cSr. presidente e illustres collegas — Sr. dr. Pinto da
Rocha — Abrem-se de par em par as portas deste templo
sagrado para receber-vos, sr. dr. Pinto da Rocha. Vindes
com as credenciaes honrosissimas do talento, do trabalho e da
integridade moral, que são as grandes forças capazes de manter
e dilatar o brilho do nosso Instituto, — sempre desvanecido
de acolher em suas fileiras os distinctos Brasileiros, que
honram a Pátria.
Si pôde Voltaire dizer, com evidente pretenção aliás, que
Apollo presidira ao dia do seu apparecimento no mundo, com
grande justiça poderei affirmar que um bom génio preside
á hora, em que temos a fortuna de abraçar-vos como illustre
companheiro desta cornada, em que todos imos canuoho do
cbyCÍIoogle
690 REVISTA DO iNSTITUrO HISTÓRICO
futuro ein busca tia Verdade, sem a qual se não faz Historia
digna deste nome.
Nem estaes no sair da vida, prezadissimo confrade, nem
tendes extincta a energia do espírito, nem podemos muito
tnenos acceitar o epitheto de ronceira que destes á actividade
de vossa palavra, a qual, ao contrario, sentimos inflammãnte,
calorosa e vibrante deante de tudo quanto é bello e nobre.
A vossa brilhante oração foi mais uma prova do que
asseguro. Dissertastes com facúndia sobre a alliança da
Poesia com a Historia na existência primeva dos povos, — e
nesse particular estou contente de accompanhar-vos.
Peço entretanto licença para ponderar que, si na infanda
dos povos é perfeitamente admissível, para não dizer positiva,
essa confusão, não podemos nem devemos acceita-Ia no do-
mínio da Historia propriamente dieta, -^ aquella severa mestra
da vida, que tem por pharol a Razão, por norma a Justiça e
por fito a Verdade.
Filha primogénita da imaginação, a Poesia abandona a
planura dos valles, onde se debate a Humanidade, e folga de
subir a regiões superiores, onde a visão é mais ampla stm,
mas onde se perdem os pormenores, — o ar é mais puro sim,
porém mais rarefeito e menos adequado á respiração do
commum dos mortaes.
Por seu lado, filha legitima da Verdade, a Historia ana-
lysa com frieza de naturalista os homens e os acontecimentos,
apaga as ficções da lenda, disseca com o escalpello da critica as
tradições, para lavrar o julgamento supremo e definitivo das
acções humanas, dos povos, e de quantos tiveram no tempo
decisiva influencia sobre os destinos sociaes, porque a Historia
é antes de tudo um tribunal augusto.
Não é vulgar, illustrado consócio, que essas duas facul-
dades, 3 Imaginação e a Razão, se associem efficazmente no
espirito humano para dar-nos obras de soberano valor. Nem
Pindaro, nem Theocrito, nem Sophocles, grandes engenhos da
Héllade, fizeram a obra serena e grave de Thucydides, nem
este conipotia as comedias mordentes e cáusticas de Aristo-
plianes. Virgílio e Séneca não levantariam o monumento im-
morredouro dos Annaes de Tácito, nem este dedilhou jamais
% lyra sonorosa de Ovídio e Catullo.
,dbyGoogle
E a explicação do facto está naquelle assaz conhecido
asserto do vcllio Horácio, na sua famosa Epistola aos Pisões:
, . , Fictoribus alque poetis.
Quidltbet audenti semper fuit aequa potestas.
De ousar quanto lhe apraz justa licença
Teve sempre o pintor e sempre o vate.
Isto não quer dizer entretanto que poetas não possam ser
ou não tenham sido exímios cultores da Historia. Para não
ir mais longe, no próprio seio do nosso amado Instituto ti-
vemos ensejo de admirar Joaquim Manuel de Macedo — o
festejado poeta da Nebulosa, mimoso romancista da More-
ninha, applaudido comedíc^rapho que nos deu o Phantasma
branco e a Torre em concurso, e ao mesmo tempo respeitado
professor de Historia. Joaquim Norberto escreveu formosas
Bailadas e uma excellente Historia da Conjuração Mineira.
Taunay, o saudoso e brilhante escriptor da Innocencia, \egqa-
nos a sua Retirada da Laguna, que é sem duvida superior á
cAnabase» do illustre Xenophonte.
Permittt, egrégio consócio, que em voss^ própria obra,
vasta e multiforme, se me depare um feliz exemplo desta
mesma alliança. A vossa bella Talilha e outras muitas compo-
sições em verso, com que haveis enriquecido a titteratura na-
cional e honrado o nosso caro berço rio-grandense, são obras
de verdadeiro poeta; mas ao lado dessas gemmas preciosas
tendes O Tractado do Condomínio, tendes O Barão do Rio
Branco, tendes A Politica brasileira no Prata até á guerra
contra Rosas e uma longa série de outros livros valiosos, em
que se revela o vosso espirito superior de bic^rapho, analysta
e historiador. }
O que daqui se conclue é que a vossa entrada neste
grémio de estudiosos das cousas da Pátria significa uma
bellissima acquisição di
de homenagem ao voss
Polygrapho emine
tíncto, jornalista vigon
digno collega c patricj
se desvanece, sois da
xonados e illustres, e
novos e relevantes ser
,dbyGoogle
693 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Não sei si abandonastes totalmente a arena da Politica,
a qual, ou cega vos não comprehendeu, ou acinte fechou os
olhos para se não deslumbrar com o vosso talento promissor e
omnímodo. Si assim fòr, o Parlamento pôde ter perdido um
dos seus luminares, mas, como o amor da Pátria' vos estimula
o cérebro, aqui tendes outro campo largo, e este tranquiilo,
em que a vossa actividade se pôde traduzir em fructos opimos,
— em que os dotes singulares do vosso espirito exclarecido
podem enriquecer-nos com outras jóias de esmerado lavor.
O que devo assegurar é que entraes triumphante na
nossa of ftcina de trabalho ; e estou certo de que, saudado com
applausos geraes, não deporeis a penna brilhante, que tanto
pôde servir á nossa causa patriótica.
Vinde pois, laborioso e illustre collega, vinde sentar-vos
ao nosso lado. Pertenceis também á familia daquelle grande
sábio francez, Miguel Chevreul, que, ao se lhe festejar o
glorioso centenário, declarou que era simplesmente o mais
velho dos estudantes de França. Todos nós estudamos sempre
por amor do nosso idolatrado Brasil. Vinde com o exemplo
e com a palavra fortalecer-nos, ajudar-nos, vós que ainda
estaes muito longe do centenário, mas já coberto de louros,
que neste cenáculo só hão de avultar e reproduzir-se. »
{Applausos prolongados.)
O Sr. Dr. Roquette Pinto {segundo secretario) lê o
seguinte parecer da Commissão de Admissão de Sócios:
— € O sr. dr. Urbano dos Santos da Costa Araújo reúne
todos os predicados que justificam a distincção proposta.
Atém do seu mérito comprovado em altas posi<;ões como
magistrado, administrador e politico, esse illustre Brasileiro é
credor da gratidão do nosso Instituto por serviços de alta
valia, que fora grave injustiça exquecer.
O vivo interesse, que elle revelou pelos trabalhos do Con-
gresso de Historia realizado em 1914, demonstra cabalmente
quanto apreço lhe merecem estes estudos e tudo o que se rela-
ciona com o progresso e o renome da Pátria.
A commissão é, pois, de parecer que seja approvada a
proposta do sr. dr. Urbano Santos da Costa Araújo para
eocio honorário do Instituto Histórico e Geographico Brasi-
leiro .
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ACTAS 693
Sala das SessÕis, 12 de Julho de 1915. — Dr. B. P.
Ramis Galvão, relator. — Miguel Joaquim Ribeiro de Car-
valho. — António Olyntho dos Santos Pires. »
Correndo-se o escrutínio, é o parecer approvado por
unanimidade de suffragios e, acto continuo, o SR. conde dí
Affonso Celso {presidente) proclama o sr. dr. Urbano
Santos da Costa Araújo sócio honorário do Instituto.
O Sr. Barão Homem de Mello pede a palavra para
of ferecer ao Instituto um exemplar do — < Projecto de Con-
stiluifão para o Império do Brasil, organizado no Conselho
de Estado, sobre as bases apresentadas por Sua Magestade
Imperial o senhor d. Pedro I, Imperador Constitucional e
Defensor Perpetuo do Brasil. — Rio de Janeiro. Na TypO'
graphia Nacional, 1823.
Sobre essa offerta faz diversas considerações, assigna-
lando que o referido projecto foi apresentado em 1 1 de De-
zembro de 1823, com as assignaturas de João Severiano Ma-
ciel da Costa. — Lui:: José de Carvalho e Mello. — Clemente
Ferreira França. — João Gomes da Silveira Mendonça. —
Francisco VUlela Barbosa. — Barão de S. Amaro. — António
Luís Pereira da Cunha. — Manoel Jacintho da Gama. — José
Joaquim Carneiro de Campos. »
O Sr. Conde de Affonso Celso (presidente) declara
que o Instituto recebe com o maior agrado a offerta do seu
illustrado 2* vice-presidente.
O Sr. Commandante Raul Tavares pede a palavra e lê
as seguintes palavras:
€ Não poderia, sr. presidente, encontrar melhor occasião
do que a de hoje, para lançar o meu protesto contra a ameaça
insólita de intervenção extrangetra nos nossos mais Íntimos
negócios, na nossa vida de nação independente, soberana e
livre. Não poderia, sr. presidente, achar melhor momento do
que este para, com todas as minhas energias, vèr gravado na
acta desta sessão o protesto de sangue contra a ameaça que
o senador francez sr. Pierre Baudin atirou á face enrubecída
do Brasil inteiro. Protesto de sangue, sim, sr. presidente,
porque irrompe das minhas veias, onde corre sangue brasi-
leiro; promana do meu coração, onde se alimenta ardente
amor da Pátria; e emerge dos mais recônditos sentimentos
DigtizedbyGOOgle
694 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
de dignidade e de patriotismo. O meu protesto, consequente-
mente, sr. presidente, feito aqui nesta casa, que se orgulha
com justiça de ser a guarda zelosa e vigilante das tradições
do renome brasileiro, tem tanto maior valor, é tanto mais
opportuno, quanto é elle filho da necessidade imperiosa, dia
a dia mais urgente, mais indispensável, que sente o Brasil,
neste momento de máxima gravidade politico-intemacional,
de assegurar ao mundo, por maneira inequívoca, de um modo
positivo, formal e solenne, que havemos de saber repellir,
sejam quaes forem as consequências futuras, os arreganhos da
força e as ameaças, venham elles da Europa, da America, da
Oceania, da Ásia ou da Africa.
O Brasil ainda não perdeu a noção e o direito adquirido
por quasi um século de historia, cheia de exemplos nobilitantes
de patriotismo e altivez, de se considerar nação soberana e
livre, capaz, si a tanto a obrigarem, de fazer valer os seus
direitos, mantendo intangivel e immaculada a sua soberania,
conquistada com o sangue precioso e bom dos nossos maiores.
E' predso, sr. presidente, que o extrangeiro se craapenetre
de que nós Brasileiros também trazemos no coração c no espi-
rito as palavras com que Goethe synthetizou a alma germâ-
nica : Resister en bravant toutes tes puissances du monde et ne
jamais courber la tête. Tenho dicto ».
O Sr. Conde de Apponso Celso (presidente) diz que
as vibrantes e patrióticas palavras do illustre consócio sr.
commandante Raul Tavares encontram toda a sympathia no
coração não só do Instituto como dos Brasileiros, que aliás
estão certos de que os Poderes Públicos saberão salvaguardar
em qualquer emei^encia a dignidade nacional.
O Sb. Barão Homem db Mello pede depois a palavra
para aprensentar a seguinte rectíf Ícaç5o :
c O parecer da commissão especial nomeada pelo Insti-
tuto para dizer sobre o projecto da Carta Geral da Republica,
em resposta ao officio do Ministério da Guerra, publicado na
Revista de 1901, de pags. 170 a 183, foi todo redigido pelo
orador, começando pelas palavras:
Pag. 170 — «A commissão nomeada pelo Instituto His-
tórico e Geographico Brasileiro para dar parecer sobre a
Carta Geral da Republica, organizada pela terceira secção do
,dbyGoogle
ACTAS 693
Estado-Maior do Exercito, em 9 de Abril de 1900, vem se
desempenhar do encargo, que lhe foi commettido, submettendo
á exclarecida attenção desse Instituto o resultado de seu
exame.»
Termina pelas palavras :
Pag. 183 — «Esse exame virá concorr
tados das novas operações no terreno para
das vantagens da organização da Carta do Bi
lei ao Estado-Maior do Exercito, qual a da
trabalho cartographico, da qual decorre a i
mappas geographicos dos differentes Estado:
Essa commissão foi nomeada na sessãc
do mesmo anno, composta dos seguintes 1
quez de Paranaguá, coronel Thaumaturgo dt
Homem de Mello, dr. José Américo e H. í
nomeado relator porque, fazendo parte da t
presidente do Instituto, o marquez de Parani
petía dirigir os respectivos trabalhos.
Ef f ectívamente, este convocou logo a m
Nesta o barão Homem de Mello fez verbalm
dos termos, em que devia ser dada a respost
officio do Ministério da Guerra. Tendo sido
sição, o presidente da commissão, marquei
convidou o membro da mesma commissão b
Mello a apresentar por escripto a exposição
bava de fazer.
Em cumprimento dessa incumbência, o n:
o trabalho, que foi approvado pela commíssi
Na sessão de 12 de Abril, estando o at
barão Homem de Mello, impedido de proce
mesmo, por estar então cego, só sendo oper;
dous annos depois, foi esta leitura feita pelo 1
missão dr. José Américo.
Terminada a leitura, o barão Homem di
palavra e declarou que em seu entender o In:
acceitar a parte escripta pelo mesmo membr
dr. José Américo, começando pelas seguinte:
< Aos applausos aqui tão sinceramente 1
o conjuncto do projecto, sente a commissão n
,dbyGoogle
696 DBylSTA DO INSTITUTO KISTORICO
egaa.] demonstração quanto a dous pontos do mesmo, «mtwra
tenha merecido grande favor tanto do exmo, sr. general sub-
chefe do Estado-Maior, em seu parecer, como da terceira
secção do mesmo Estado-Maior, »
E accrescentou, que o addendum apresentado pelo illustre
membro da commissão-se referia na sua primeira parte á
questão administrativa de pertencer o Observatório Astronó-
mico ao Ministério da Guerra, ou ao Ministério do Interior,
e ser a segunda parte de character inteiramente teclinico da
privativa competência de institutos congéneres, comi) o Club
de Engenharia ou o Instituto Polytechnico ; e como tal aber-
rava inteiramente do fim social do Instituto, definido nos
seus estatutos e dessa forma só se occupando da Historia,
Geographia e Ethnographia do Brasil.
Na publicação da acta foi supprimido o seu discurso,
mas a verdade do que se passou transparece das palavras ahi
transcriptas : « entendendo (o barão Homem de Mello) que o
Instituto, propriamente, só se deve manifestar sobre a parte
histórica e geographica do trabalho».
O Instituto não acceitou a prejudicial suscitada pelo
barão Homem de Mello, pelo que este ficou como voto ven-
cido, como declarou. »
Em seguida o dr. José Américo dos Santos pede a pa-
lavra e diz que < parecendo-lhe certo tópico das palavras que
que acaba de proferir o illustre consócio barão Homem de
Mello conter uma insinuuação sobre a lealdade do orador,
assignando, como relator, o parecer que em tal character leu
em sessão de 12 de Abril de 1901 e publicado na Revista do
mesmo anuo, não pôde prescindir de, em breves palavras,
produzir a sua defesa perante o mesmo selecto auditório, que
ouviu 3 accusação.
Tendo-lhe constado que similhante accusação seria apre-
sentada nesta sessão, procedeu a uma pesquisa em seu archivo
e teve a fortuna de encontrar o rascunho do parecer, qiís
COIMO relator por incumbência do presidente da commissão,
o finado marquez de Paranaguá, redigiu e, passado a limpo
por empregado da Secretaria do Instituto, leu naquella sessão
de 12 de Abril de 1901 e se acha archivado, assignado por
toda a commissão, estando em seguida á assignatura do sr.
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ACTJVS 697
barão Homem de Mello a declaração de — com restricqÕes
quanto á parte techníca final.
Está certo de que a maioria dosque o ouvem conhece
bem com que sacrifício tem sabido manter a lealdade e inde-
pendência de charactar na orientação de sua vida.
Foi outro, não elle orador, quem asstgnou pelo sr. barão
a pedido por se achar, conforme ha pouco declarou, no seu
periodo de nebulose, isto é, sof frendo de cataracta.
O orador estava vendo bem claro e viu que leu o parecer,
copiado de seu rascunho, que ora apresenta e pôde ser exa-
minado por quem conhecer sua calligraphia e que cotejou com
o que se acha publicado, inserido na acta da dfcta sessão na
Revista de 1901, sendo reproducção ipis verbis do que foi
lido.
Foi elle, orador, incumbido pelo exmo. sr. marquez de
Paranaguá, presidente da commissão, de redigir o parecer que
assignou como relator sem protesto algum de qualquer dos
membros da commissão ou do secretario que redigiu a acta
da sessão ou da Directoria do Instituto, quando na sessão
s^:uinte, á qual esteve presente o sr. barão, foi essa acta
approvada .
E a mais flagrante prova do que affirma encontra-se na
contradicção entre o tópico da exposição do sr. barão, cha-
mando a si a auctoria exclusiva do parecer, dando ao orador
o simples papel de ledor, e o tópico immediato, em que já
admitte que do dicto parecer ha uma parte por este escripta
e que em seu entender não devia ser acceita pelo Instituto.
Bem fizeram a maioria da Commissão e o Instituto ap-
provando, como parte integrante do parecer, esse trecho, cuja
rejeição o illustre consócio propunha, pois que sem etle, o
parecer não teria cabalmente respondido á consulta tão honro-
samente dirigida ao Instituto pelo Ministério da Guerra.
Dirá, ainda, o orador que, a esse tempo, era também
membro da commissão incumbida pelo Instituto Polytechnico
Brasileiro de responder a egual consulta. »
O Sr. Conde de Affonso CElso {presidente) diz que
o Instituto ouviu as declarações do sr, barão Homem de
Mello e as do sr. dr. José Américo dos Santos, o primeiro o
decano dos sócios actuaes e merecedor, por isso, além de
,dbyGoogle
698 XenSTA DO INfiTtTDTO HISTÓRICO
outros titulos, da maior veneração, e o se^ndo egualmente
digno do máximo apreço.
Tracta-se de um facto occorrido ha mais de 14 annos, mas
sempre é tempo de rectificar a verdade, por ventura alterada,
ou mal comprehendida.
Nem as palavras do sr. barão Homem de Mello, nem a
lealdade do sr. dr. José Américo dos Santos podem soffrer
a menor sombra de duvida. O Instituto e o patz inteiro bem
09 conhecem a ambos, considerando-os íUustres Brasileiros
cheios de serviços á Pátria.
As referidas declarações serão consignadas na acta da
sessão de hoje, ficando assim, de modo completo e definitivo,
encerrado o incidente.
Nada mais havendo a tractar, o Sr. Prbsidsntk levanta
a sessão ás 22 i|2 horas.
RoQUETTB Pinto,
3* secretario.
ACTA DA QUINTA SESSÃO ORDINÁRIA, SH 23 DE AGOSTO DB 191S
Presidência do sr. conde de Affonio Celso
A's 20 ^ horas, na sede social, abre-se a ses^ com a
presença dos s^uintes sócios:
Srs. conde de Affonso Celso, dr. Manuel Cícero Pere-
grino da Silva, desembargador António Ferreira de Sousa
Pitanga, dr. Benjamin Franklin Ramiz Galvão, Max Fleiuss,
dr. Edgard Rocinette Pinto, dr. Augusto Tavares de Lyra,
dr. Homero Baptista, general dr. Gregório Thaumaturgo
de Azevedo, almirante António Coutinho Gomes Pereira,
dr. Pedro Lessa, dr. Souto Maior, conselheiro Salvador Pires
de Carvalho Albuquerque, dr. Manuel Álvaro de Sousa Sã
Vianna, dr. Lucas Ayarragaray, major dr. Liberato Bitten-
court, coronel Jesuino da Silva Mello, dr. Arthur Pinto da
Rocha, dr, Alfredo Valladão, Eduardo Marques Peixoto,
dr. José Américo dos Santos, dr. Alfredo Rocha e dr. Ni-
colau José Debbané.
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ACTAB 699
O Sr. Db. Roquettí Pinto (í" secretario) lê a acta da
sessão anterior, que é approvada unanimemente,
Em seguida, o Sr. Fleiuss (i' secretario perpetuo)
communica as offertas, feitas ao Instituto pelo digno con-
sócio dr. Eugénio ^;as, de vários autographos do padre
Diogo António Feijó e de alguns impressos raríssimos.
Communica egualmente que o illustre consócio sr. dr.
Miguel Calnion du Pin e Almeida teve a bondade de trater
da Europa diversos retratos de figuras predcMninantes na
politica do Velho Mundo e de militares, que se têm distin-
guido na actual guerra, sobrelevando o retrato, com dedicatória
autographa ao Instituto, do presidente Poincaré, devendo em
breves dias trazer também um retrato do rei Alberto I, da
Bélgica, em idênticas condiçSes.
O Sr. Condb de ApFonso Cslso (presidente) agradece
em nome do Instituto ^ valiosas offertas.
O Sr. FXbiuss (i° secretario perpetuo) lê depois as se-
guintes propostas:
— «De conformidade com a indicação apresentada pelos
eminentes consócios srs. dr. Ramón J. C&rcano e Carlos Lix
Klett, temos a honra de propor, para sócio correspondente do
Instituto Historiai e Geographico Brasileiro, o sr. dr. d. Luiz
Maria Torres, notável scientista argentino, servindo de justi-
ficativa desta proposta as obras de sua lavra, offerecidas ao
Instituto, cuja relação foi publicada na acta da primeira
sessão do corrente anno.
Rio de Janeiro, 28 de Agosto de 1915. — M. PUiuss. —
T/taumaturgo de Asevedo. — Eduardo Marques Peixoto. —
Roquette Pinto.:» — A' Commissão de Historia, sendo re-
lator o sr. dr, Clóvis Beviláqua. »
— « Temos a honra de propor, de accôrdo com o resol-
vido pelo Instituto Histórico e Geographico Brasileiro, para
seu sócio correspondente, o senador federal sr. JoSo de Lyra
Tavares, professor de Chor<^aphÍa e Historia do Brasil na
Eschola Normal da Parahiba e de contabilidade do
mesmo Estado, auctor de diversas obras, notad:
memoria — Economia e Finanças dos Estados — a
ao Primeiro Congresso de Historia Nacional e of)
Instittito.
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700 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Rio de Janeiro, 28 de Agosto de 1915. — M. Fleiuss. —
Thaumaturgo de Azevedo. — Eduardo M. Peixoto. — Ro-
quette Pinto » . — A' Commissão de Historia, sendo relator o
sr. dr. Viveiros de Castro. »
— «Temos a honra de propor, de conlormidade com o
resolvido pelo Instituto Histórico e Geographico Brasileiro,
para seu sócio effectivo, o sr, dr. José Luiz Baptista, enge-
genheiro e auctor da memoria — Historia das Bstradas :
determinação das áreas que exploraram — apresentada ao
Primeiro Congresso de Historia' Nacional.
Rio de Janeiro, 28 de Agosto de 1915. — M. Fleiuss. —
Thaumaturgo de Azevedo. — Eduardo M. Peixoto. — Ro~
quette Pinto ». — A' Commissão de Geographia, sendo relator
o sr. dr. Gastão Ruch. >
— < Temos a honra de propor para sócio effectivo do
Instituto Histórico e Geographico Brasileiro o sr. dr. João
Chrysostomo da Rocha Cabral, jurista de renome e auctor dos
seguintes trabalhos publicados: Evolução do Direito Inter-
nacional, Das fallencias e do respectivo processo. Catalogo
dos productos do Estado do Piauhy na Exposição Nacional de
IÇ08, A nova reforma do ensino, além de outros, os quaes
servem de base a esta proposta.
Rio de Janeiro, 28 de Agosto de 1915. — M. Fleiuss. —
Thaumaturgo de Azevedo. — Eduardo M. Peixoto. — Ro-
quette Pinto. »
Annexa á proposta acha-se a seguinte carta de candida-
tura do sr. dr. Rocha Cabral:
«Rio de Janeiro, 23 de Agosto de 1915. — Extno. sr.
conde de Affonso Celso, digníssimo presidente do Instituto
Histórico e Gec^raphico Brasileiro.
Amando ardentemente as tradições gloriosas da nossa
Pátria, accompanho com a mais viva sympathia os exforços
que, por conserva-las e aviventa-las, despende o Instituto His-
tórico e Geographico Brasileiro, com o desprendimento, fir-
meza e alto descortino que o tornam verdadeiramente digno
da benemerência pública. As minhas occupações profissionaes
e poucas luzes não me permittem, entretanto, concorrer com
um contingente ponderável para essa obra scientifica e pa-
triótica. Exemplo disso e, ao mesmo tempo, daquella bôa
,dbyGoogle
ACTA3 701
vontade, são os parcos subsídios, que, nas publicações que
esta accompanham, tenho a honra de apresentar a V, Ex.
com o pedido, que ouso fazer, de um logar nessa conspícua
corporação. Queira V. Ex. acceitar os protestos de subida
estima e da mais alta consideração, com que sou — De V. Ex,
Att. Admirador e leal patricto, João C. da Rocha Cabral. »
A proposta e os trabalhos são enviados á Commíssão
de Historia, sendo relator o sr. dr. Alfredo Valiadão.
— «Temos a honra de propor, de conformidade com o
resolvido pelo Instituto Histórico e Geographico Brasileiro,
para seu sócio effectivo, o sr. dr. João Martins de Carvalho
Mourão, notável jurisconsulto, professor de Direito, e auctoF
da memoria — Os Municípios. Sua importância politica no
Brasil colonial e no Brasil-reino . Situarão em que ficaram
no Brasil-imperio pela Cot^stituição de 1824 e pelo Acto Addi-
cional — apresentada ao Primeiro Congresso de Historia Na-
cional.
Rio de Janeiro, 28 de Agosto de 1915. — M. Pleiuss. —
Thaumaturgo de Azevedo. — Eduardo M. Peixoto. — Ro-
quette Pinto. > — A' Commíssão de Historia, sendo relator o
sr. dr. Pedro Lessa. >
O mesmo Sr. 1° Secretario PerpETL'0 lê o seguinte pa-
recer da Commissão de Historia :
— « Por seus estudos especiaes, a Geographia e a Historia
do seu paiz, que algumas vezes se entrelaçam ás da America
em geral, o illustre professor de Historia do Collegio NO'
cional de Buenos Aires, sr. José Juan Biedma, muito merece
ser eleito sócio correspondente do Instituto Histórico e Geo-
graphico Brasileiro.
Entre vários trabalhos, publicados pelo sr. Biedma, é
digno de especial menção o Atlas Histórico de la Republica
Argentina, em que o auctor começa por um mappa (diseíío)
do globo em 1492, ao lado de um outro de 1515 a 1520, com
breves explicações históricas do conceito que formaram os
antigos acerca da America. Em seguida, pelo mesmo processo,
vem mostrando o que foi o mundo na epocha dos grandes
descobrimentos, das viagens maiores (1499-1504), o resultado
das viagens menores de Vicente Pinzon, de Ojeda, Juan de
Ia Cosa, Americ^ Vespucio, Pedro Alvares Cabral, Juan Diaz
ly Google
703 RE?iaTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
de Solis, Fernando de Magalhães, a viagem e conquista do
México por H . Cortez, a divisão politica da America do Sul
nos séculos XVÍ e XVII, as conquistas e explorações do
século XVI, ãs províncias austraes do více-reinado do Peru
no século XVII, o vice-reinado do Prata, a primeira e se-
gunda invasão ingleza no Rio da Prata, a guerra da Indepeo-
dencia Argentina, a campanha do Brasil (1S26-1S28), a
guerra do Paraguai (1865-1870) e finalmente as guerras
civis e campanhas contra os índios.
Como trabalho didáctico, não se lhe pôde pôr em duvida
a excellencia do methodo, a clareza, a concisão, o interesse
das elucidações geographicas e históricas, ao lado do primor
das cartas, dos desenhos, por meio dos quaes tão fácil e niti-
damente se grava na memoria o conjuncto das lícções do
mestre.
Mas, indefesso trabalhador, offerece-nos o sr. Biedma
junctamente com esse muitos outros livros, em que dá prova
do grande devotamento com que estuda e divulga a historia
da sua pátria, especialmente a bi<^aphiã dos seus homens
illustres. Pringles, o general Espinosa, Suarez e Olavanía,
Mitre, são paciente, cuidadosa e carinhosamente estudados
em sua vida, seus feitos, seus escriptos. O entranhado pa-
triotismo do auctor exulta, porque pôde concluir a bic^raphia
de Mitre, reproduzindo estas phrases de um outro com-
patriota :
c Quando a posteridade formular seu juiso sobre o te-
nente-general Barthotomeu Mitre, com prévio estudo pro-
fundo de sua vida e com o critério pkUosopkico de Plutarcho
ou Tácito, mui poucos serão os Americanos comparáveis ao
illustre Argentino. Militar exclarecida, que reáUsou façanhas
estratégicas como a passagem do Paraná, pelo exercito al-
liado, e a campanha de Quadrilátero na guerra com o Pa-
raguai, elevou-se á altura dos generaes de génio; estadista
não egualado em sua pátria, realisou o que ninguém lograra —
11 união das províncias argentinas sob o regime federativo-
nacional, e deu rumos superiores á politica interna e extertta
da Republica; historiador e publicista de reputação européa;
cidadão de virtudes exemplares, que no apogeu do poder como
no seio humilde do pais tem inspirado sempre aos teus eom-
,dbyGoogle
ACTAS 703
patriotas um carinho intenso, de que só ha um exemplo no^
que Washington inspirou aos de sua nação; Mitre é um
conjuncto de qualidades e feitos illustres, que a Historia im-
parcial collocará entre as primeiras grandezas do século XIX. *
Este exaltado patriotismo faz algumas vezes que o estu-
dioso geographo e historiador argentino diminua, ou não veja
bem, os homens e os feitos das outras nações, como acontece,
por exemplo, em relação ao Brasil em mais de uma passagem
da sua longa Chronica histórica dei Rio Negro de Patogones.
Não sabemos si é preferível censurar taes slnões do
illustre cbronista, ou apresenta-los aos nossos patrícios como
tmi espelho em que devem mirar-se, para corrigir os defeitos
oppostos de que padecem.
Seja como fõr, o que é innegavel é o grande e ininter-
rupto exfòrço do sr. José Juan Bíedma por conhecer e
vulgarizar a Geographia e a Historia do seu paiz. Que outro
melhor titulo poderia elle exhibir á eleição do Instituto His-
tórico e Geographico Brasileiro?
Rio de Janeiro, 4 de Dezembro de 1914. — Pedro Lessa,
relator. — Basílio de Magalhães, com restrícções quanto ao
anti-brasileirismo de que ha sobejas manifestações nas obras
de Biedma. — Clóvis Beviláqua. Subscrevendo o parecer do
eminente confrade dr. Pedro Lessa, julgo opportuno lembrar
que o sr. J. J. Biedma, saudando o nosso chanceller — o ge-
neral dr. Lauro MúUer, que um pensamento de paz e con-
córdia levava a Buenos Aires e Santiago, depois de passar por
Montevideo, recordou a acção conjuncta do Brasil e da Ar-
gentina na erecção da Republica Oriental do Uruguai, consi-
derando esse facto «evocador do começo de imia amizade
internacional consolidada, no tempo, por grandes factos histó-
ricos e recíprocos interesses, a qual irradiará calor e luz na
alma e na consciência dos povos da Ameríca, que nos con-
templam » .
O parecer é approvado e o processo é remettido á Com-
missão de Admissão de Sócios, sendo relator o sr. dr. Ma-
nuel Cicero.
Participa depois o Sr. M. Fi^us3 (i" secretario per-
petuo) que se acham presentes o sócio effectivo dr. Aurdino
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704 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
]>al e o sócio correspondente dr. Eugénio Egas, que vêm
tomar posse de suas cadeiras.
O Sr. Presidente noméa a seguinte commissão para in-
troduzi-los no recinto: M. Fleiuss', Roquette Pinto, Pedro
l^essa, Alfredo Valladão e José Américo dos Santos.
Dão entrada no recincto e prestam o compromisso dos
Estatutos os srs. drs. AureHno Leal e Eugénio Egas.
O Sr. Presidente dá a palavra ao Sr. 0r. Aurelino
Leal, que lê o seguinte discurso :
«Exmo. sr. presidente, meus senhores:
Si tivesse sido eu próprio juiz da proposta, que me
acenou com a idéa seductora de ser recebido nesta casa,
como companheiro dos que lhe exaltam a fama e lhe guardam
nobremente as gloriosas tradições, certamente a consciência
ter-me-hia imposto uma recusa formal. Fostes mais gene-
rosos: eu não teria vacillado em declarar-me, sinão indigno,
pelo menos sem condições culturaes para pertencer ao grémio
illustre, a que servis com o brilhante nome que conquistaes
no meio nacional ; ao passo que vós, por consenso unanime,
me conduzistes da nav» do templo, onde já me habituara á
simples condição de fiel, ao majestoso sanctuario, para par-
ticipar da honra de formar ao lado dos sacerdotes do culto e
com elles celebrar os magnificentes cerímoniaes do vosso rito.
Não leveis á conta de modéstia convencional ou calcu-
lada o conceito, assim expresso, da minha inópia para figurar
entre vós. O meu logar era e devia ser ainda por muito
tempo entre discípulos d«sta casa.
Não coro de dizer-vos que é ao Instituto Histórico que
devo o ter-me instruído um pouco nas cousas da nossa vida
e das nossas gentes.
Antes do Congresso de Septembro do anno passado e do
meu curso de Outubro, eram bem escassos — e ainda agora
são estreitíssimos — os meus conhecimentos sobre Historia
pátria. O tempo apagara grande parte dos meus deficientes
estudos coUegiaes, e a minha especialização na vida publica,
atropelada de intercurrencias políticas, não raro dolorosas e
amaríssimas, não me permittiu, até ha pouco, tomar-me fami-
liar com tão attrahentee investigações.
,dbyGoogle
ACTAS 703
Ora, o Congresso de Historia Nacional e o meu curso
6ão de hontem, apenas, e em tempo tão breve jamais ninguém
se fez levita. Religionario era eu, decidido, da vossa íé; e
agora, sem deslumbrar-me com a honra que não solicitei,
hypotheco-vos, em mesquinha troca da vossa fidalga bondade,
toda a energia, todQ o exfòrço, toda a bôa vontade de que fõr
capaz pela obra gloriosa e fecunda, que vindes construindo,
O logar de membro effectivo do Instituto Histórico não
é simples dignidade scieiítifica, que os vaidosos inscrevem no
activo de triumphos fáceis. E' positivamente um posto de
res[x>nsabil idades socíses e de exigências que jogam com o
civismo.
A grandeza e o exacto valor das cousas nem sempre se
imaginam bem atravez de concepções abstractas. Vale muito
senti-las de perto, toca-las com a mão e receber, nesse con-
tacto com a mentalidade e a evidencia, a sensação real de sua
importância,
" Quem qiiizer avaliar bem a obra do Instituto Histórico
deve transpor os seus umbraes. A primeira impressão que se
tem é bem egual á do crente que visita uma cathedral vetusta,
onde abundam relíquias. E' o contacto respeitoso com o pas-
sado, a commovecfora visão de vultos e factos de eras priscas;
adoração de grandes personagens, revistas em effigie, coiistru-
ctoras do qiie somos e expoentes do que valemos.
Santa emoção, senhores, essa que o passado nos des-
perta ! Nós a sentimos com a leitura ou com a imagem das
cousas. A descripção dos factos, de que o paiz natal foi
scenario, cmiwlga os filhos da terra e enche-os de orgulho e
de fé: orgulho pelos ascendentes de que emergiram, fé pelas
energias de que foram herdeiros e que constituem os seus
recursos de combate na continuada porfia, que aspira á gran-
deza nacional. A imagem não é menos suggestiva. A *"
de um pro-homem, que fnoldou no barro informe <
joven a figura represent.itiva das nossas conquistas;
de estatuário carinhoso e collaborou na obra gigant
nossa evolução cultural, contornando-nos uma cabeç
refulgem scentelhas de génio, abrindo-nos olhos or
gurani estrellas. talhando-nos hombros cyclopicos caf
supportar todo o peso do progresso', desperta-nos un
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706 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
cível sentimento de adoração: nós o contemplamos como o
fetichista ao idolo, revendo na sua fronte gloriosa e enrugada,
na brancura dos seus cabellos, na viveza de seu olhar, na
magnitude do seu porte, como que o próprio Brasil hu-
manado.
Essa emoção sentem todos que entram nesta casa. Ou
visitando a sua apreciável bibhotheca, ou contemplando as
curiosidades históricas de seu museu, ou attentando nos
quadros que lhe adornam as paredes, quem quer que aqui
venha sente a magestade do passado; e si, só por isso, não
comprehende que ha em tudo um conjlincto de factos repre-
sentativos de determinado valor sociológico; si não descobre
o elo que os une a todos, percebe, pelo menos, a necessidade
que o homem tem, como cidadão, de manter uma certa con-
ducta para que as futuras gerações sintam o mesmo, recebam
as mesmas impressões de orgulho, de satisfacção cívica ou
enlevo patriótico ao contemplarem, reduzidos á materialidade,
os feitos das gerações que passaram.
Ha uma série de motivos que justificam essa paciente
actividade, com que vos empenháes em exclarecer o passado.
Todos elles se movem dentro do circulo immenso da Moral:
da Moral cívica e da Moral social.
O próprio cuidado dos legisladores, contemplando o en-
sino da Historia no curso de humanidades, é indicativo de que
se tornou victoriosa a necessidade de lançar-se na alma do
adolescente o conhecimento dos tempos já vividos.
Nas paginas d'0 Ensino sob o ponto de vista nacional.
Fouillce bem o accentuou em abstracto, cO ser que não tem
nenhuma noção de Historia é novo no mundo como uma
criança ou mesmo como um orphão que jamais tivesse conhe-
cido seus pães». (Op. cit., pag. 286.)
O conceito seria perfeitamente exacto, si fosse susceptível
de objectivação. A ausência da noção de Historia implicaria
a indifferença do homem por tudo que o cercasse. O passado
é e será em todos os tempos um estimulante do presente e um
provocador ás boas imitações.
Na realidade, não existe um só homem sem o sentimento
histórico. O camponez dos nossos sertões não tem a menor
idéa da esteira de luz, que a civilização tem deixado atravez
«byCoogIe
Actas
da sua trajectória multisecular. Ignora, sem duvida,
toria de todos os povos do velho continente e a nossa
no fundo da sua alma, bruxoleando como uma luz s:
que os zelos da saudade alimentam, illumínando-lhe o
como uma estrella polar a indicar-lhe o futuro cheio d(
ranças, vive a consciência de seu meio pequenino, c
aldeia branca e pobre, sobre a qual derrama bênçãos i
humilde do campanário amigo. E' a consciência histor
seu habitat, que elle aprendeu a amar atravéz das trj
ouvidas, na lareira, dos avós encanecidos; das lendas '
velhos lhe ensinaram ; das superstições locaes que lhe
Iharam no cerebrO, tudo a lhe affirmar a sua posição de
sentante de outras gerações, que elle venera e imita,
E este sentimento existente em todo o homem é
ptivel de ser explorado em um sentido educativo e í
mente utilitário.
A Historia, por isso mesmo que nos faz amar as ge
que já viveram, por isso mesmo que nos conta os feifi
grandes homens e nos apresenta o formidável balar
cousas úteis que a humanidade construiu, representí
grande e poderosa suggestão, que força o homem de '.
seguir as pegadas do homem de hontem, imítando-lhe
ducta moral e civica .
O conhecimento do passado desenvolve-lhe « o senti
da solidariedade humana e da solidariedade nacio:
(Fouillée, ibd, ibd.)
E essa é, sem dúvida, uma face brilhantíssima da
missão: argamassar as bases dessa solidariedade, cime
toma-la o expoente de um grande povo c a pedra fundai
de um glorioso _paiz.
Quem estuda a Historia brasileira recebe a imp
f ascinadora de um passado cheio de bellezas . . .
Antes de tudo, é a terra formosa vista pela primei
das amuradas de navios veleiros — cysnes da descobet
dando ao mar — cançados de uma longa travessia e i
mente esperançosos de uma enseada azul e bonançosa, t
as primeiras linhas do novo continente se desenharam n<
zonte remoto. . . Logo depois vem a scena immortal di
bração da primeira missa. . .
D,gt,zedbyGOO<^le
REVISTA DO 1S3TITUT0 lUSTOIlICO
r-se-hia que o Brasil foÍ um sonho', que se realizou e
ebeu as bênçãos da Fé no alvorecer da sua vida de
^... A Cruz distendeu os seus braços protectores.
... a palmeira que domina ufana
Os altos cimos da floresta espessa. . .
IO carinhoso amplexo predisse que, como a palmeira
lora, seria
. . . bem presto no mundo novo
O Brasil bem fadado.
;strada que a terra joven percorreu apresenta perspe-
e contínuas variantes.
que todos comprehendessem que o Brasil era um
e formidável potencial, capaz, tempo adeante, de enri-
is velhas nações européas, foi alvo de larga e natural
Nem têm outra explicação as arremetidas a que foi
■esistir de « Francezes, Hispanhoes, Hollandezes e In-
disputarem a presa rica, que a sentença jjapal houvera
confirmado ás lusas quinas». (Borges dos Reis:
do Brasil, vol. I, i>ag. 53.)
ivéz do nosso destino nem sempre foi fácil a nossa
passando pela organização das capitanias, pela re-
is Francezes, pelo jugo hoUandez. A terra amada,
florestas e prateada de areia 5 beira mar, não podia,
ima na sua área, rcvelar-se de uma vez ao braço
lor. Neste sentido, quaesqucr que sejam as expli-
loraes que lhe attribuam, o bandeirismo ha de consti-
storia das grandes audácias, ha de ser, na chronica
ie, unia pagina tie coragem, ambiciosa embora, mas
el.
patriota, porem, o que mais encanta na Historia do
perceber que. ainda ao refulgirem os primeiros raios
1 nossa civilização, se esboçaram na alma do povo
;s iniciaes de um sentimento nacionalista, que se dcs-
gloriosamente até á independência. Af firma-lo assim
i que tiveram manifestações precursoras em 1710,
lyCOOglC
ACTAS 709
com a proposta de Bernardo Vieira de Meilo para procla-
mar-se um govénio republicano á similhança do de Veneza,
e em 1783, com a Inconfidência Mineira, não é exaggerar
relativamente a um paiz que fora descoberto em 1500 e que,
já em 1821, tinha inscripto o seu nome no mappa das ha0es
como figura componente da magna civitas.
De facto, estando ainda no Brasil d. João VI, for-
mulou-se em termos positivos o problema da constituciona-
lização do paiz,
O grito contra o regime absoluto viera de longe, e o
próprio Portugal o repetira. Mas o desejo da submissão á
vida legal não era sinão um passo para a emancipação de-
finitiva .
Quando se medita sobre os acontecimentos desdobrados
naquelle tempo sente-se bem que houve' homens de Estado
que, occupando um meio termo entre os libertadores d ou-
trance e os sustentadores do regime colonial absoluto, apoiados
a extremos centralistas, defenderam uma politica temperada
da autonomia brasileira, sem se quebrarem, todavia, os laços
de dependência com a metrópole lusitana. Mas, si as velhas
cortes constituintes tivessem accordado em uma solução que
contentasse á deputação brasileira, nem por isso ella seria
duradoura .
Todos esses factos occorreram quando não existiam o
vapor e o telegrapho, quando o velho mundo se isolava do
novo durante mezes, quando a liberdade politica desfraldava
bem alto o seu £ormoso pavilhão, impondo franquias em bem
do» povos...
Ora, as nossas relações com Portugal, estremecidas aqui
com as reacções nacionalistas, não podiam ser duradouras,
atravéz de uma tão grande distancia. Uma providencia go-
vernamental gastaria pelo menos dous mezes para ser ado-
ptada. Por outro lado era latino o nosso sangue, latina a nossa
alma, o que nos emprestava um grau avantajado
sionabilidade capaz de lances fáceis nas manif
civismo .
O príncipe, que então presidia aos nossos i
veljiculo fácil ás idéas que incendiavam o animo di
byCoogIe
710 ItEVISTA M INSTITUTO HISTÓRICO
do tempo', anímando-as, a despeito dos protestos de submissão
á distante auctoridade paterna.
Principalmente sob o ponto de vista passivo, pelo muito .
que poderia oppôr e não oppôz á idéa da emancipação politica,
o imperador Pedro I foi-lhe precioso alliado. Infelizmente
não quiz e!le comperehender que a consciência da naciona-
lidade não era appareiite ; que o sentimento da terra natal, e
porque não dize-lo ? o orçulho peia sua extensão, pela belleza
surprehendente do seu pliysico, entraram em uma phase de
franco desenvolvimento e intensa percepção de si mesmo.
Dahi a lucta entre Portuguezes e Brasileiros, aquelles aspi-
rando a um dominio no governo, que estes ciosamente não
permittiam.
Si ha uma pagina histórica, da qual se possa dizer que
teria sido escripta de outra forma, si não fosse o character
do primeiro imperante, é essa do alvorecer da independência -^
D, Pedro era versátil. Cedia facilmente á lisonja. Dei-
xava-se dominar pelo amor das mulheres, e quem mais grãos
de incenso queimava em sua honra mais graças reaes recebia
em troca. Por outro lado, era irritadiço e vaidoso. Quando
se convencia do erro, difficilmcnte o confessava e corrigia.
D'ahi a apassivar-se ás mãos do gabinete secreto foi ura
passo, com a funesta consequência de perder os seus melhores
amigos .
O sentimento nacionalista poz-se de guarda, e não de-
morou em romper fogo cerrado contra a gente lusitana.
A jornada de 1831, no famoso 7 de-Abril, é fundamental*
mente uma victoria nacional. Com a abdicação ou com a
simples mudança do ministério, a sua explicação seria uma.só :
a do sentimento civico, a da consciência popular fugindo ao
jugo extranho para fazer, ella mesma, o governo da terra.
D'ahi, ainda, até á morte de d. Pedro I, com uma ligeira
solução de continuidade, é sempre o sentimento nacional que
domina. A volta do principe reviveria o absolutismo, o do-
mínio da versatilidade, da intriga palaciana, do dissidio entre
, os filhos do paiz e os Portuguzes, que era o quí aquelles
mais temiam.
Quando desappareceu do scenario da vida o nosso pri-
meiro imperador, o Brasil entrou na posse moral de si mesmo,
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ACTAS 711
■ Sem outra preoccupação que não fosse resolver entre os seus
naturaes e adoptivos as pendências da sua directriz.
Sem mais perigos da temida politica de restaurai^o, des-
envolveu-se a politica da moderação conservadora que, aliais,
já vinha sendo practicada de par com a resistência ao partido
caramurú, desde o inesperado acontecimento de 7 de Abril,
D'alii até á Republica a historia do paiz, no dominio
politico e no dominio da administração, é, meus senhores, um
grande repositório de licções eloquentíssimas.
A primeira vantagem que a abdicação nos trouxe foi a
certeza de que possuímos homens de formidável envergadura .f
Feijó revela-se no perfil de um puro e de um bravo. Um só
dos seus actos definiu-lhe o valor: a licença da tropa, moral-
mente dissolvida pela exploração politiqueira. Evaristo faz de
apostolo da paz, entre as labaredas do ódio politico. O titulo
que escolhera para o seu jornal — « Aurora Fluminense » — ■
indica por si só que, a seu juizo, passara a noite cruel das
dissenções c surgia, imponente e cheio de majestade, o sol
de uma outra éra. Vasconcellos, com o cérebro cheio de saber
e a vontade temperada de aço, imprime á politica do tempo
o cunho do seu valor de gigante. Um firma a «supremacia
do Governo civil», no dizer de Nabuco; o segundo salva o
«principio monarchico»; o terceiro ganha fama de «ter re-
construído a auctorídade » . ( Um Estadista do ItKferio, vol. T,
pag- 32)-
Dos homens de então disse Nabuco que elles « revelavam
um grau de virilidade e enei^a superior >. (Ibd-, ibd., pag. 33.)
Na verdade, o periodo regencial está escripto em uma
pagina de ouro da Historia brasileira. O patriotismo dos nossos
antepassados ahi se destacou em alto grau. Houve, é certo,
ambições desenfreadas, explosões de ódios e intrigas parti-
dárias . Mas é consolador encontrar uma « elite » gloriosa
com a mão firme ao leme da náo, livrando-a de
pestuoso e procurando mante-la ao abrigo da ense
Nas agitações que antecederam o 7 de Abril e
descencias que a elle se seguiram, foi a moderaç
salvou. Foi ella que evitou o golpe de Estado de
venceu as impaciências dos exaltados na refonr
cional de 1834, até transformar-se, com a sua ban
,dbyGoogle
REVISTA. DO INSTITDTO HISTÓRICO
não i>otente do grande A^asconcelloS, no espirito
r da interpretação e na própria Maioridade, que
uma obra de estratégia dos liberaes, não foi menos
ucção conservadora para acabar com as incertezas
n provisório e cançado da Regência,
nado do segundo imperador essa moderação con-
Eoi ainda doniinanle. O poder pessoal de Pedro
■a foi o maior freio que conteve a machiiia }>olitica
actuando sobre a paixão dos homens de partido,
as suas ambi^ções e diminuindo as demasias dos
SOS e prejuizos.
lolitica, disse Nabuco do saudoso dynasta, de certo,
ue os ministros propõem ou as Camarás votam
1 sua risca; é elle quem faz as sondagens de um
ro do canal, onde se navega.* (Op. cit., Ill
1 imaginar a auctoridade do grande rei, que sempre,
buço quem diz, se reservou o direito de apear do
•esidentes do Conselho', impedindo, facilitando re-
i e impondo condições. {Ibd., idb., 561.)
se subníettessem elles t O imperador tinha < a
nciosa, esperando um chamado» (ibd., ibd., ibd.) ;
dativa, para os homens do ixider, inmitneras vezes
ilmante ás explosões do zelo.
D a sua vontade começou a enfraquecer, quando
'. possivel assistir ao drama da politica e do go-
a constância dos outros tempos, a Republica sor-
los. Mas ainda ahi, a despeito das exaltações da
, a moderação conservadora guiou os nossos des-
irimeiras providencias do novo regime foram uni-
stamente como convinha á mudança brusca que
istruir-se o edificio constitucional, o sentimento
os interveio de novo: as demasias do federalismo
:m. E ás idéas conservadoras erttão preferidas têm
.rios estadistas de renome, que as patrocinaram na
:. As próprias prédicas da revisão abundam de
jnitaristas, que enchem de razão aos que, em 1891,
I a falsa soberania dos Estados.
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ACTAS 713
Em synthese, a nossa historia politica é essa de que fiz
ligeiríssimo esboço. Pôde não ser brilhante, mas é, conso-
ladora .
O estudo psychologico da nossa trajectória revelou-se
por iim \ivo sentimento nacional, cuja primeira manifestação
foi o anceio pela independência, obra a que se dedicaram pa-
triotas da tempera dos gloriosos Andradas. Realizada a
grande aspiração, os Brasileiros mostraram-se avessos á tutela
extrangeira dentro do próprio paiz. Estado que acabava de
percorrer o não pequeno cyclo colonial, tinha uma grande
população portugueza no seu seio, contrastando-lhe o governo,
encampando-lhe a administração, o .que suspeitava a inde-
pendência de ter sido um mytho e expunha os nacionaes a
uma condição de incapacidade de dirigirem os próprios des-
tinos. Vencida que foi esta gloriosa campanha, esboçou-se
na nossa Historia a politica moderada, transigente com os
liberaes exaltados, até desfraldar a bandeira conservadora sem
propósitos de emperramentos, que nos trouxe atravez da re-
gência, do segundo reinado e da Republica, até á! situação em
que nos encontramos.
Certamente, a licção não deflue da nossa Historia com
pretençÕes á originalidade. Mas o simples facto de faltar-lhe
cunho de universalidade é sufficiente para que bemdigamos
a memoria dos que construiram este paiz, dos que fundaram
esta pátria, voltando as costas ás demasias e encontrando na
tolerância, nas transacções superiores, nas combinações bem
orientadas o especifico contra os visionários ou demagogos.
O estudo dos paizes da America, para não sairmos deste
continente, revela esta verdade: onde a moderação politica
e as prácticas conservadoras foram cultivadas com carinho
e senso, a eurythmia politica não se comprometteu
porém, a ambição tomou o logar ao interesse social, a
partidária entrou- em connubio com o egoísmo desenfr
intriga dissolvente perturbou as sàs combinações si
levando de vencida, em uma derrocada fatal, os e
gloriosos dos que criam mais na therapeutica so<
balsâmicos e dos tónicos do que nas applicações selv
inopportunas dos revulsivos inúteis; a collectiv idade
confusão, em desordem, recuando ao envés de avança
byCoogIe
f 14 REVISTA DO INSTITBTO BISTORICÔ
lando-se pobre de homens e ameaçada de absorpção pelos
mais fortes.
No governo e na. politica brasileira, resistir aos exaltados
tem sido uma práctica repetida e feliz. Insistamos nella para
endereçarmos ás gerações vindouras a historia dos tempos
de hoje vasada nos moldes aproveitáveis da tolerância, da
moderação, do patriotismo e, ao mesmo tempo, da energia
que nos legaram os nossos antepassados ! > (O orador c viva-'
mente appiaudtdo.)
O Sr. Presidente dá em seguida a palavra ao sr. dr. Eu-
génio E^AS, que lê este discurso:
« Meus senhores.
Não sei como possa stgniíicar-vos a minha profunda
gratidão, o meu eterno íeconhecimento pela honra insigne,
que me foi conferida, de possuir uma cadeira nesta casa.;
Nesta casa, que é o sanctuario da pátria ; nesta casa, onde os
grandes espíritos, que já se foram, deixaram o exemplo de
suas virtudes cívicas e do seu intenso amor á terra e ao
povo brasileiro; nesta casa, onde os grandes espíritos, que
actuam sobre o nosso meio social, dão o exemplo de seu pa-
triotismo, do seu trabalho e da sua carinhosa dedicação ao
Brasil; aqui, as virtudes civicas recebem novo alento para
novos feitos e conquistas gloriosas; aqui, a descrença des-
apparece e a confiança como que renasce para entoar cân-
ticos altísonantes ao futuro fulgido, e não remoto, da na-
cionalidade, que nos é commum.O Instituto deu-me um título,
que eu guardarei com esse nobre orgulho, que tão bem assenta
nas almas simples e modestas, desejosas de aprender para
melhor applaudir.
Confesso, meus senhores, e mui ingenuamente, que a
honra de me achar ao vosso lado, e neste recincto, com-
move-me sobremaneira. Sinto-me melhor cidadão, reco-
nheço-me mais brasileiro. Contemplando daqui a nossa so-
ciedade, o nosso meio e a nossa terra, melhor admiro o seu
passado, e mais enthusiasticamente confio no seu porvir.
Os trabalhos do Instituto, os seus annaes, os seus
manuscriptos, a sua bibliotheca, as suas gravuras, os seus
retratos, as suas variadas e opulentas collecções, o seu patri-
mónio, enfim, bem c bastante provam que somos uma na-
byCoogle
ACTAS 7'á
cionalidade, uma sociedade com traços firmemente accen-
tuados possuindo Historia digna de ser conhecida e estudada.
Como devemos lastimar que espíritos tào altos e tão gentiS
se deixem perturbar pela paixão d" momento, oara aore-
goarem que — <o eoíotiírafão iben
insuccesso, foi uma desgraça para a
neta. Não chegam a ser nações os
ganglios de populações mixtiças, ori
rjoridades humanas, querem por /i
O amalgama artificial chamado Bn
de duas ou três gerações terem cheg
alusão do artificio, que agora vai fin
talentos primorosos, justamente ac2
doutrina não termos Historia, porqi
— « O Brasil não tem Historia, por
Mas, que é a Historia sinão « o cotiji
heróes?» Sinão a narrativa dos j
cimentos, que attestam a victoria do
com intuitos de progresso e bem-ei
factos practicados na defesa de di
pátria?
Quem mais contribuiu para mU'
aquelie grande príncipe solitário de !
mento, encerrado no Promontorium .
■ agudeza do espirito, mais do que con
intérminas dos mares desconhecidos
cioso, iiaquella célebre torre debn
Neptuno procurava descobrir, no rui
ameaçadoras, o mysterio de uma linj
á intelligencia robusta a esperança e
brimentos .
Dado o primeiro passo, os disc
Portugal descobriram Porto-Sancto,
Branco, o cabo Verde... Arrebatad
quando suas esperanças, seus sonhe
tasias, seus estudos se convertiam e
a eschola de Sagres proseguiu em si:
Ihciro de Covilham e Bartholonieu
mente em demanda do caminho das
DigtizBdbyGOOgle
Íl6 REVISTA DO INSTITUTO BlSTORtCO
trilha do Mediterrâneo; outro acconipanha o perfil da costa
africana, Covilham vai ao Cairo, atravessa Suez, desce pela
Arábia, embarca em Aden e cliega á índia, Bartholomeu Dias
alcança o cabo das Tormentas e verifica que desse ponto em
deante a costa africana toma rumo Norte, Mais um pouco
de sorte, accrcscenta Tourvillc, e os dous atrevidos Portu-
guezes encontrar-se-hiam no extremo sul africano.
Covilham jamais voltou a Portugal. Dias gosou a ven-
tura de rever a pátria, cuja gloria era também sua. Depois,
vieram os feitos de Vasco da Gama, de Cabral ... de tantos
outros. E foi por gente portugueza que se descobriu, fundou
e organizou este nosso paiz, esta nossa nacionalidade. Minha
intelHgencia é de curtos horizontes c o meu valor é nenhum.
Mas quando, na calma dos meus estudos e na contemplação
serena dos factos cliron o lógicos da nossa terra, e das biogra-
phias dos nossos grandes homens, eu procuro conhecer a nossa
Historia, convenço-me de que somos um povo, de que somos
uma nacionalidade, de que no Brasil existe sociedade.
A formação geographica do nosso território é, sem duvida
alguma, commettimento que põe á prova a energia e a audácia
de um povo.
O descobrimento e exploração das minas demonstram a
tenacidade de uma raça e sua capacidade oi^nizadora e diri-
gente,
A lucta sem tréguas, áspera, sangrenta e longa que os
nossos antepassados sustentaram contra o culto povo hol-
landez, o aguerrido e audacioso povo hispanhol, e o temerário,
intelligente e adeantado povo francez é prova irrecusável de
uma energia, que só egual se poderá encontrar; maior, não a
conheço, dadas as circunstancias do tempo e do espaço.
Poderão advertir-me de que estou relembrando cousas que
não são nossas, isto é, não são brasileiras, mas sim portu-
guezas. Acceita embora a advertência, seguirei na minha
ordem de idéas, ponderando que o trabalho preparatório da
separação do Brasil de Portuga!, e consequente independência,
é um episodio histórico, tão brilhante, tão habilmente prepa-
rado e levado a effeito, que delle poderiam ter inveja c ciúme
os povos mais argutos, mais atilados e mais talentosos. De
facto, estudando este passo histórico, pelos documentos da
,dbyGoogle
ACTAS 7'7
epoclia, e mais especialmente pelas cartas do príncipe regente
ao seu augusto pae, vê-se claramente como foi bem com-
binado, bem lançado e melhor dirigido o movimento politico
que nos daria esta Pátria, cuja vida; cheia de altos e baixos,
é nosso dever assegurar, na grandeza de sua evolução e do
seu futuro, com os exemplos grandíloquos de honra, pro-
bidade e civismo, que o passado nos legou com superabun-
dância. Rio de Janeiro, Minas e S. Paulo foram o centro da
agitação ; e o inspirador magno desse genial trabalho tornou-se,
com justiça, o homem representativo da Independência. De-
pois, vieram dias tempestuosos, a g\ierra e perda da Cisplatina,
a dissolução da Constituinte, tormentos sem conta, symptomas
graves de desorganização social, tudo, até que a abdicação de
Abril pareceu serenar a agitação geral, em que o paiz poderia
ter sossobrado, O fundador do Império abandonara o paiz;
mas outros patriotas, sinceros, políticos honrados, dirigentes
probos tomaratji o leme á náo do Estado, e ella pôde chegar
salva ao ancoradouro seguro da Maioridade. Não foram bo-
nançosos todos os ditas deste período, que vai de 31 a 40,
Os deuses bons, porém, nos ajudaram. A espada de Lima
e Silva na regência trina; o pulso férreo do padre regente; a
penna fecunda e profícua de Evaristo fizeram a obra de
caima e pacificação indispensável. E, como demonstração de
que os altos interesses da pátria nunca foram olvidados, mesmo
na mais forte das refregas, políticas e sociaes, o legislativo
\-otou a lei de estradas de ferro, ligando o Sul ao Norte do
paiz, cujo objectivo, em parte, só ha poucos mezes foi alcan-
çado, e fez a reforma constitucional. No grande episodio da
Maioridade, o homem representativo é António Carlos, que,
naquella sua celebre phrase «Quem é patriota e Brasileiro,
conimígo para o Senado » — exprimiu e concretizou o pensa-
mento de nossa nacionalidade.
Fechou-se o segundo período da vida nacional. Todos
reconheceram que era tempo de restaurar o império da paz
e da ordem para que o paiz progredisse melhor.
As ultimas agitações, já então afastadas e pouc
rosas, haviam de cessar de todo com a acção segun
dosa do soldado fidalgo, cuja espada brilhou', pela
vez, ao serviço da ordem no tempo da regência tr
lyCoogle
71 8 REVISTA DO INSTITirtO HISTÓRICO
facto, o general, depois barão de Caxias, cumpriu com zelo
e dedicação inegiialavel as ordens recebidas, firmou a paz em
todo o território nacional, e consolidou a ailiança e funda
união, que deviam e devem ligar todos os Brasileiros na
cohesão do mesmo pensamento. Sobre os progressos moraes e
intetlectuaes do Brasil, sobre o desenvolvimento de todas as
nossas riquezas e forças, sobre o credito e bom nome de nossa
Pátria, sobre a ponctualidade absoluta com que se cumpriam
os nossos encargos, sobre a altivez e dignidade serena com que
recebíamos as pretençÕes extrangeiras, sobre o respeito, acata-
mento e admiração com qiie éramos tractados, sobre a nossa
honra intangível, sobre a nossa probidade invejada, no tempo
que os nossos destinos estiveram confiados ao príncipe illustre,
glorioso e venerando, cuja memoria o Instituto tem cumulado
de respeito e de bênçãos, que poderei eu dizer? Direi que o
Brasil progrediu e se desenvolveu tanto, e por tal forma, que
as suas glorias desse largo periodo de meio século quasi
perduram até lioje, e hão de perdurar eternamente. Em todos
os ramos dos conhecimentos humanos, em todas as manifes-
tações da força moral e íntellectual, da riqueza e das artes,
conseguimos muito. Talvez pudéssemos ter feito mais?...
Não sei. E' preciso, entretanto, não exquecer que as
nações nunca terminam a sua obra de progresso e civilização.
Qual delias já alcançou a perfeição definitiva, ideal que
fc^e á medida que delle nos avizinhamos? O Brasil, durante
o terceiro periodo de sua organização, viu suas. armas trium-
phantes sob a direcção de chefes valorosos; viu sua fortuna
e seu credito augmentados e consolidados; viu o renome dos
seus intellectuaes, diplomatas e artistas ultrapassar as fron-
teiras americanas e os limites do oceano. Foi, portanto', forte,
rico e culto. E não é difficil perceber, através da historia de
nossa terra, a continuidade e sequencia do trabalho dos seus
principaes agentes na obra do engrandecimento nacional.
A Grécia, depois de ter sido a principal nação do seu
tempo, esmoreceu, definhou e desappareceu, para só viver
na Historia, na sua linda e fulgurante historia. Roma, que
foi senhora do mundo, que não conheceu limites nem obstáculos
ao seujwderio, á sua ambição, também passou 1 e hoje admi-
ramos as suas glorias immortaes, estudando a Historia, qu^
«byCoogIe
ACTAS .719
archivou, em seus annaes, os monumentss deixados pelos seus
architectos, jurisconsultos e poetas.
César, o homem uiiico, o homem completo e perfeito,
■que organizou um império, mais producto inanimado da Arte
do que creação da Natureza, no dizer de Mommsen, também
passou, deixando á posteridade a solução desse difficil pro-
blema:— quem foi maior, César ou o Império? César é um
" producto de Roma, ou Roma é uma creação de César ? A Roma
de César caiu, para resurgir transformada, pelo liberalismo
de então, no império tolerante de Constantino. A religião fez
esse milagre, como séculos depois a unificação nacional
realizou a terceira resurreição. Os povos desses trez periodos
são os mesmos? O ambiente physico é o mesmo. A terra
italiana e as estrellas que tão intensamente brilham naquelle
céo, que cobre a gloriosa península, são as mesmas. Da Roma
antiga restam a terra e a historia. Tudo mais deixou de
•existir I
Os povos são outros e differentes 1
Portugal, cujos navegantes percorrera
CUJOS exploradores bateram todas as terras
opulento, poderoso, respeitado e admirado i
vive, como a Grécia, das suas tradições gloi
reis portuguezes foram -se, deixando entret
nidade terras, ilhas, continentes e thesouros
e a industria ainda não tiveram tempo de e
A Hispanha, que ao tempo de Cario;
os dominios austríacos, a Itália, os Paizes ]
mensuráveis colónias do Novo Mundo, tamt
inconcebível brilho de opulência, riqueza <
deram o predomínio mundial da epocha. A
cheia de poder, de riqueza, de artes e de 1
para o domínio do passado e para a eterni
Mas quem ousará pretender que a
Itália e Hispanha não sejam sociedades e
loria ?
Quem ousará dizer que o Portuguez de
hontem ; que o Híspanhol de agora, como o
não é o mesmo typo anthrópolc^ico e não
,dbyGoogle
JM . REVISTA. DO IfSTITUTO HISTÓRICO
raça forte, capaz de todos os nobres e audaciosos comnietti-
mentos ?
O meu espirito, a minha intelligencia, confesso, não têm
força de penetração sufficiente para explicar similhantes
phenomenos. Em vão procuro, nos mestres de PHilosophia da
Historia, solução para tão pesados e rudes problemas, que a
Politica e a Sociologia apresentam. A verdade, entretanto,
parece ser que todos os povos, todas as sociedades, todas as
nações se julgam superiores ás outras e só temem aquellas
que lhes parecem fortes. Certo, seria absurdo pretender que
todos os povos tenham a mesma capacidade moral e intel-
lectual, os mesmos defeitos e virtudes.
Nas trez grandes nações européas, Inglaterra, França e
Allemanha, estamos observando, neste extraordinário mo-
mento histórico, a diversidade de sentimentos, de aptidões, de
capacidade, de resistência. Estamos vendo como fracassaram
os ideaes de altruísmo, as doutrinas pacifistas, o culto á Arte,
o respeito aos monumentos e a veneração ao passado.
A febre de tudo destruir, de tudo anniquilar, de tudo
arrazar, apoderou-se, dominou e empolgou os povos mais civi-
lizados, mais adeantados. mais respeitados em seu saber e
em sua cultura. A Historia volveu a ser a < simples recor-
dação de tyratinias e matanças, que, immortalhaiida os actos
execráveis de uma edade, perpetua a ambição de se com-
metter^n outros em todas as que se seguem ».
Ha alguma lei que determine a fatalidade de tão abomi-
náveis acontecimentos? Por que os ideaes de paz universal,
pregados desde tantos séculos, ainda não são realidade ? Por
que o si vis pacem para bellum, dos Romanos, ainda não se
transformou no si vis pacem para paccm do philosopho
francez?^ Mysterios profundos; que os séculos reteem com
usura e os pensadores nào puderam desvendar. A Historia
ainda não é uma sciencia positjva. E' sim registo de factos
e acontecimentos, provocados ou dirigidos pelos super-homens,
e serve para guiar no futuro, com a experiência do passado',
a acção dos que teem os encargos da direcção social.
E' a Historia que diz como se deiicrão firmar as vati-
tagivts dos Governos com a menor inconveniência dos gover-
nados. ■ ' .
,dbyGoogle
Razão tem o phílosopho quando ensina que, nas so-
ciedades, os homens são tudo, as instituições, os códigos e as
leis são quasi nada. As sociedades valem confonne os dire-
ctores que presidem aos seus destinos. As leis, as instituições,
os códigos são corpos inertes. Nada significam, si os homens
não lhes derem impulso vivificador.
E os maleficios ou benefícios que delles resultam são
uma consequência das virtudes ou dos vicios, da capacidade
ou da incapacidade de quem lhes dá o movimento. A nossa
Historia, que é apenas de algumas dezenas de annos, está cheia
de exemplos que confirmam o principio.
Meus senhores, peço-vos desculpa de vir aqui repetir o
que já estaes fartos e cançados de saber. Mas eu era obrigado
a esta digressão para declarar que não me conformo com a
opinião de que não somos um povo nem temos sociedade.
A existência e a vida deste Instituto são a prova do contrario.
E' bem solida a verdade de que os contemporâneos são os
peiores juizes. Raros são os casos, em que a sentença final
pôde ser lavrada in continenti.
Erros e desvarios de contemporâneos compromettem o
presente, retardam os fructos do futuro, mas não podem anni-
quilar a obra do passado, alicerce das construcções sociaes.
Ella ahi está para exemplo. E agora, que fiz a minha
declaração de fé e de confiança nos destinos de nossa pátria,
e vos manifestei o meu reconhecimento, vou sentar-me na-
quella cadeira afastada, naquelle ultimo logar, que é o que
me cabe. De lá*, na minha lealdade de consócio obscuro, na
minha profunda gratidão á vossa bondade (que me accolhea
neste augusto e sagrado recincto), poderei encorajar-me com
os vossos exemplos e aprender nas vossas sabias lícçÕes. Per-
doae-me si vos cancei a attenção por mais tempo do que o
permittido pela cortezia, em occasiÕes como esta.
Ex abundantia corais os loquitur. (_Muitos opplausos.")
O Sk. Presidente concede depois a palavra ao orador do
Instituto, Sr. Dr. Ramiz Galvão, que lé o seguinte dis-
curso:
<Exmo. sr. presidente, meus dignos coll^;as, illustre
sr. dr. Aurelíno Leal — Haveis de permittir, distincto con-
frade, que entre os muitos e merecidos applausos conferidos
Coo^lc
733 limSTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
por esta assembléa á vossa brilhante oração inaugural dis-
corde eu, em nome do Instituto Histórico, de uma de vossas
proposições .
Nào é neophyto inexperto o auctor da Historia Consti-
tucional do Brasil — série de lúcidas conferencias aqui reali-
zadas com intenso brilho; não é neophyto quem escreveu a
bella monc^raphia, com que honrastes o nosso recente Con-
gresso de Historia Nacional.
Desde 1895 enriqueceis as lettras pátrias com livros e
publicações, que fazem grande honra ao vosso talento e ao
vosso saber jurídico.
Chamado a melindrosas funcções administrativas, que
haveis exercido com fulgor e com o applauso de vossos con-
cidadãos, não é de extranhar que vos tenha faltado espaço
para investigar e elucidar pontos obscuros da nossa Historia;
mas o alicerce do edifício estava solidamente apparelhado e
só carecíeis de opportunidade e de estimulo para levantar uma
construcção digna de alto apreço. Filho desse bello torrão
brasileiro, onde se accendeu o pharol da nossa civilização,
terra feraz e prestadia que assistiu aos primeiros benefícios
da catechese e onde se assentou o primeiro Governo da co-
lónia; filho dessa gloriosa Bahia, que é uma das estrellas
mais fulgentes da nossa constellação politica, continuaes com
muita honra, sr. dr. Aurelíno Leal, a cadeia luminosa de
talentos que alH têm ennobrecido o nome brasileiro perante
a Historia.
Fonte de luz e de acenilrado patriotismo essa lendária
Bahia, onde tiveram berço summidades litterarias, scientificas
e politicas, que honraram e honram a nossa querida pátria!
Estadistas illustres de estatura de Abrantes, Zacharías de
Góes, visconde do Rio Branco e Cotegipe; scientístas do
valor de Rodrigues Ferreira, Cairá e Nabuco; professores da
cnveig;adura de Manuel Víctorino e de fr. José de Sancta
Maria Amaral ; poetas da ordem de Junqueira Frtiite e
Castro Alves, prelados do valor de Macedo Costa, e outros
muitos que me excuso de citar, constituem uma plêiade
gloriosa, cujo brilho não é fácil ^fualar. E claro é que não
alludo sinão á geração que transpôz os umbraes da mort«;
dentre os vivos sabemos todos que um cortejo de primorosos
byCoogIe
«ngenhos circunda o extraordinário vulto de Ruy Barbosa,
esplendor da nossa raça. Fazeis parte, iUustre collega, dessa
cohorte de beneméritos trabalhadores que labutam no sce-
nario nacional para solver gravíssimas difficuldades e con-
duzir a Pátria aos seus grandes destinos. Sobre uns pesa a
ingente tar^a legislativa, cheia de árduos problemas no pre-
sente; sobre outros pesa a faina da administração em todos
os seus ramos; a estes cabe a delicada missão do magis-
tério, áquelles a distribuição serena, mas difficil, da justiça;
áqueiroutros o preparo indispensável dos defensores da honra
e da integridade do paiz.
Aqui recolhemos nós amorosamente as tradições do
passado e registamos, com a serenidade de operários, sem
paixão e sem preconceito de eschola ou de partido, as acções
do presente, accumulando e polindo materiaes para a Historia
do futuro.
Competências como a vossa são, portanto, preciosíssimas
acquisições para esta obra patriótica. Nos lazeres de vossa
vida dedicada ao bem publico trazei-nos, digno e illustre col-
lega, trazei-nos a luz de vosso espirito, e bendiremos sempre
o dia em que fomos buscar-vos no recesso de vossa modéstia
para abrilhantar e engrandecer as nossas fileiras.
Presado collçga sr, dr. Eugénio ^as.
Resumbram vehemente patriotismo as vossas palavras.
Quem quer que seja esse escriptor, vesgo pela paixão
ou pelo despeito, a cujos olhos « A colonização ibérica da
America foi um insuccesso e uma desgraça para a civilização
de nosso planeta » ; quem quer que seja esse desvairado, em
cujo parecer <o amalgama artificial chamado Brasil está
desfeito, não tem Historia nem sociedade » ; quem quer que
elle seja, ou nos desconhece ou consciente negou a luz do
dia; digamo-lo bem alto.
< Agrupamento de populações mixtiças oriundas de todas
as inferioridades humanas que quer á força fingir de povo »
— esse é o labéo que nos atira o pseudo-sociologo em pleno
século XX, deante do espectáculo que nos offerece a Europa,
— solo e empório aliás da raça ariana, sede de velhas monar-
chias e de Estados, em que a civilização se diz chegada ao seu
apc^eu — fonte luminosa, donde partiram na edade moderna
,dbyGoogle
7H REVISTA DO INSTtTDTO BISTOEUCO
para todos os cantos do globo e para nós próprios o primor
das artes, as conquistas gloriosas da sciencía, os princípios
f«cundos da Humanidade e da Justiça.
« Agrupamento de populações mixtiças ! > Mas esta popu-
lação de sangue europeu, caldeado é certo muitas vezes com
o sangue aborigene e com o africano, este povo ainda não
ra^ou tractados solennes pela louca ambição de cxinquistas,
nem se gaba de matar mulheres a golpes de baioneta; este
povo não torpedeia navios de commerdo„ condemnando á
morte crianças innocentes e cidadãos inermes de um patz
amigo, nem esboroa universidades e cathedraes pelo simples
prazer satânico de extermínio.
c Agrupamento de populações mixtiças 1 > Mas elle nunca
fez cousa que se parecesse com a matança de S. Bartholomeu,
com a condemnação de tmi Carlos I ou de um Luiz XVI ao
cadafalso, com as carnificinas de Suvaroff em Varsóvia, com
os bárbaros morticínios auctorizados por Benedek, na Itália.,
Quando o Brasil fez a sua independência, chamou ao
throno o príncipe cavalheiresco, que abraçara com ardor a sua
causa; quando venceu em pugna leal o Paraguai, não sacri-
ficou uma víctima innocente, nem quíz do Estado vizinho,
aliás exhausto e vencido, uma pollegada de território; quando
decretou a libertação dos escravos fê-lo entre braçadas de
flores, palmas e hosannas; quando pôz termo ao regime da
monarchia, respeitou as cans veneráveis do príncipe augusto,
que havia sido por espaço de meio século o modelo da mode-
ração, da prudência e do patriotismo.
E é a este povo que se ousa qualificar de < amalgama
artificial oriundo de todas as ínferioridades humanas » ! E é,
quando tacs predicados se revelam perante o mundo, que ousa
alguém condemnar como « insuccesso > a colonização ame-
ricana feita pelos filhos da Ibéria'
Exceptue-se, senhores, exceptue-se a grande Republica
do Norte, no corpo de cujos illustres cidadãos corre sangue
generoso de Franklin e Washington, e não se encontra no uni-
verso uma nação moderna, que dispute primazia á brasileira,
constituída pelo exfõrço lusitano, ou ás nossas ermas pla-
tinas e transandinas, que devem o seu prc^esso e o seu geni»
ao exfõrço castelhano.
,dbyGoogle
ACTA8 7S5
« Insuccesso da colonisação ibérica » ! Mas um feixe de
nações sul-americanas, oriundas de seu tronco latino, constítue
o A-B~C, cuja intervenção diplomática, feliz e luminosa, acaba -
de ser consagrada perante o mundo; são nobres nacionalidades
que fecharam o cyclo de suas agitações internas para tomarem
rumo da ordem, do progresso, da confraternização, á sombra
do Direito e da Justiça; são povos dignos e laboriosos, que
levantam nos Andes o symbolo augusto da paz internacional,
ou assentam marcos bendictos para celebrar o condomínio da
Lagoa Mirim.
« Amalgama artificial oriundo de todas as inferioridades
humanas *\ Mas este amalgama de raças produziu até agora
eminentes scientistas, poetas, parlamentares, jornalistas, pre-
lados, guerreiros e artistas, que honram a pátria e a humani-
dade— alvos da admiração e do respeito das sociedades que
se proclamam mais cultas e pretendem a hegemonia no globo.
Não citarei nomes, senhores, porque são muitos e todos
vós os conheceis á farta; ims estão na Historia aureolados,
outros labutam comnosco no presente, produzindo, traba-
lhando pelo brilho das sciencias, das lettras, das armas, da
religião e das artes — isto é, para a prosperidade e gloria da
Terra de Sancta Cruz.
Bem haja, pois, o illustre confrade, que, além de tantos
outros méritos como parlamentar, advc^do e funccionario
publico, não quiz assentar-se ao nosso lado sem demonstrar
o seu alevantado patriotismo com o protesto soleniic de
Brasileiro, que ouvimos attentos e com calor applaudimos.
Desse nobilissimo sentimento patriótico participa o Insti-
tuto Histórico, que recebe com palmas o novo luctador. »
(O discurso do sr. dr. Ramis Galvão provoca repetidos ap-
plausos e dupla salva de palmas ao terminar, )
O Sr. Dr. Roquette Pinto (í" secretario) le e justifica
a seguinte proposta, que diz encerrar um verdadeiro pro-
gramma de estudos para o Instituto:
« Propomos que o Instituto organize um Diccionario
histórico, geographico e ethnc^raphico do Brasil, nas seguintes
bases:
I.' O sr, presidente do Instituto nomeará uma com-
missão redactora.
,dbyGoogle
736 REVISTA DO
2.* A conunissão redactora poderá convidar a quem en-
tender para tractar de determinados assumptos.
3.* Serão recebidas as contribuições de todos quantos
desejarem concorrer para essa obra com as notas que pos-
suírem. A commissão redactora fará exame e selecção do
material recebido.
4.' A publicação da obra será feita em ordem alphabetica,
em volumes successivos, illustrados sempre que fõr possível.
5.' A edição será feita pelo Instituto ou pelo editor
que a quizer contractar nas melhores condições, a juízo do
sr. presidente do Instituto.
Sala das Sessões, 28 de Agosto de 1915. — Roquetie
Pinto. — M. Fleiuss. »
O Sr. Presidente considera a proposta approvada, tão
meritória lhe parece. Envia-a, porém, á Commissão de Ethno-
graphia, sendo relator o- sr. desembargador Sousa Pitanga.
Levanta-se a sessão ás 22 horas.
RoQUETTE Pinto,
2" secretario.
ACTA DA SESSÃO EXTRAORDINÁRIA, EM 15 DE SEPTEMBRO
DE 1915
Presidência do sr. conde de Affonso Celso
A's 20 yí horas abre-se a sessão extraordinária, com a
presença dos seguintes sócios:
Srs. conde de Affonso Celso, dr. Benjamin Franklin
Ramiz Galvão, Max Fleiuss, dr. Edgard Roquette Pinto,
dr, Manuel Cicero Peregrino da Silva, barão Homem de
Mello, dr. Augusto Tavares de Lyra, dr. Augusto Olympio
Viveiros de Castro, general dr. Gregório Thaumaturgo de
Azevedo, dr, Manuel Álvaro de Sousa Sá Vianna, dr, Mi-
guel Joaquim Ribeiro de Carvalho, conselheiro Salvador Pires
de Carvalho Albuquerque, major dr. Liberato Bittencourt,
dr. José Américo dos Santos, dr. Alfredo Valladão, Eduardo
Marques Peixoto, dr. João Coelho Gomes Ribeiro, dr. AI-
,dbyGoogle
ACTAS 727
fredo Rocha, dr. d. Lucas Ayarragaray, dr. João Ribeiro,
dr. Arthur Pinto da Rocha e dr. Nicoláo José Debbané.
O Sr. Dr. Roquette Pinto {s' secretario) lê a acta da
sessão anterior, que é approvada sem debate.
O Sr. F1.EIUSS (/" secretario perpetuo) communica
achar-se na casa o sócio effectivo eleito, sr. dr. Miguel
Calmon du Pin e Almeida, que vem tomar posse.
O Sr. Conde de Affonso Celso {presidente) nomêa
uma commissão, composta dos srs. M, Fleiuss, dr. Roquette
Pinto,- dr. Sá Vianna, general dr. Thaumaturgo de Azevedo
e Eduardo Marques Peixoto, para introduzir no recincto o
sr. dr. Miguel Calmon.
{Dá entrada no recincto e presta o compromisso dos Es-
tatutos o sr. dr. Miguel Calmon.)
O Sb. Conde de Affonso Celso (presidente) dá a pa-
lavra ao Sb. Dr. Miguel Calmon, que pronuncia o seguinte
discurso:
«Exmo. sr. presidente do Instituto. Minhas senhoras.
Meus senhores. Illustres confrades.
Foi, sem duvida, o desejo de conservar a tradição de um
nome, que vos é caro, a razão de me terdes escolhido para
yosso consócio neste antigo e afamado Instituto, que, ha
quasi um século, reflecte com íi^pVn^aili' n Hp<cnvnlvirnpntr»
da cultura scientifica e litteraría d
O illustre homonymo, que n
relevantes serviços á Nação, o titul
foi sempre dos mais devotados
como já o havia sido da « Sociedac
Nacional », a cuja iniciativa deve c
Apresenta elle em sua longa
lhe dê logar único na nossa His
Estado, não era dos que confiava
Estado, antes dos que a temiam s
blicã e o impulso da iniciativa pa
nava o exercício de funcções goi
de associações, de que fora o proir
communhão de exforços.
A sua actividade repartiu-se, i
deveres da causa pública, como t
,dbyGoogle
738 REVISTA DO INSTITUTO BISTORICO
Estado, diplomata, deputado ou senador do Império, e os
postos, que occupou, na « Sociedade de Agricultura da Pro-
víncia da Bahia », na « Sociedade de Instrucção Elementar »,
na c Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional », neste
< Instituto >, e, sobretudo, na « Sancta Casa da Misericórdia »
desta Capital, que ainda conserva traços vivos da sua generosa
e provecta direcção.
Não é o momento de recordar a sua obra de estadista,
desde o papel proeminente que desempenhou nas luctas da
Independência da Bahia até ã defesa da nossa dignidade e so-
berania na questão Christie; nem a sua solicitude cm prol
da abolição do trafico africano e da escravidão; nem os
seus serviços na reforma da nossa contabilidade pública ; nem
o tacto, com que soube evitar-nos uma guerra no Prata, me-
diante a participação de Estados europeus; nem a sua acção
efficaz em beneficio do nosso desenvolvimento agrícola e
commercial, promovendo a introducção de culturas novas, a
applicaçáo de melhores methodos de trabalho, o estabeleci-
mento do credito agricola e a colonização allemã no Sul do
paiz ; nem a sua visão prophetica, quando nos concitava, desde
1S46, a imitar a Prússia na organização methodica e pre-
vidente.
Quem lêr os seus relatórios e memorias, publicados de
1S23 a 1865, guardará impressão indelével das suas qualidades
complexas de estadista, que sabia conciliar as necessidades
publicas com os interesses legitimos dos particulares. Não
sei de homem de governo, entre nós, que houvesse, tanto e
tão bem quanto elle, dedicado ás nossas aspirações económicas
o desvelo e attenção, que por mais de quarenta annos nunca
se lhe arrefeceram.
Tinha, pois, o Instituto motivos ponderosos para pro-
curar reviver um nome, que está indissoluvelmente ligado
assim á Historia pátria como á própria : e descobre-se, enfim,
a verdadeira razão por que me fostes buscar, em dominio
tão apartado de vós, para distinguir-me com honra, que me
assoberba, e que acceito, profundamente reconhecido, como
homenagem ao nome, do qual sou portador, e não á minha
pessoa, sem mérito nem valia, que a justifiquem.
,dbyGoogle
ACTAB 739
Certo, podeis também pretender que, honrando-me de
tal sorte, me púnheis em brio de vos corresponder á summa
confiança, e, talvez, grangeasseís assim mais um fervoroso
crente nas virtudes da Historia, Excusaveis o appéllo, que,
de muito, tenho a convicção de serem os paízes sem Historia
como essas florestas plantadas de estacas, que deslumbram
os olhos da multidão com a folhagem vistosa, enquanto a
primeira borrasca não as desarvora e desfigura, patent^ndo-
Ihes a superficialidade e a inconsistência.
O culto da Historia faz que os homens públicos refreiem
as suas ambições é respeitem os interesses da Pátria, Que
mais bello exemplo da força indeclinável da Historia do que
a resurreição da Itália e da Grécia?
Ao povo, que teve o dom de transformar em soberbo
empório de riqueza e civilização uma ilha — onde, segiutdo
Cícero, < nada havia que fosse objecto de medo ou lucro, ou
merecesse conquista, por não existir alli um grão de ouro e
prata ou bôa presa » — attribuiu Carlyle o seguinte predicado :
< Os Inglezes tiveram sempre o instincto invencível de avançar
impellidos pelo passado; de admittir o mínimo de novo; de
expandir, si possível, alguns velhos hábitos ou methodos,
quando achavam isso de proveito para as suas novas neces-
sidades, £' um instincto de grande apreço, verdadeiro alliado
<]a força e da sabedoria. O futuro, dest'arte, não fica dis-
sociado do passado, e baseía-se continuamente nelle; cresce
com todas as vitalidades do passado, e arraiga-se nos funda-
mentos de nós mesmos. Aos legisladores inglezes repugna,
por completo, crer em eras novas. »
E' por isso que os Americanos do Norte tanto empenho
fazem de manter e prestigiar as tradições nacionaes, e de
importar antigualhas de outras partes, que possam fortalecer
a fé no passado da civilização a que pertencem, e crear estí-
mulos para o próprio futuro, confiantes no dtcto do poeta:
As invejas da alheia e illustre historia
Fazem mil vezes feitos sublimados.
Nós, que, como elles, procedemos de raças diversas, cuja
Historia nos deve ser, em parte, commum, podemos recolher-
Ihe as mais bellas flores, para enfeitar o nosso passado ainda
curto.
730 REVISTA DO INSTITOTO BISTOBICO
Até porque é aqui na America, carente de densas popu-
lações primitivas, que se hào de íundir todas as antigas civi-
lizações do globo, e acabar as rivalidades que as separam, e
que ainda agora produzem o espectáculo de barbaria e de
destroços, que todos deploramos.
Mas, para conseguirmos tão feliz resultado, importa
zelar a nossa altitude de Americanos e Brasileiros, isto é,
não transportar para aqui as desavenças dos outros povos,
considerando, indistinctamente, os extrangeiros como amigos,
sem preferencias, que nos levem a servir de écho ás paixões e
interesses de cada qual. Não temos o direito de of fender
compatriotas, que prezam a estirpe dos seus antecedentes,
com manifestações exaggeradas contra esses ou aquelles ele-
mentos extrangeiros.
Está claro que nos cumpre condemnar, sem tergiver-
sações, os crimes de lesa-humanidade, practicados pelos bellí-
gerantes; e, sobretudo, a nós. Americanos, não deve ficar a
pecha de pactuar com o que possa attentar contra o patri-
mónio de civilização, accumulado através de tantos exforços
e sacrifictos pelo conjuncto da Humanidade. H', em esphera
mais limitada, o dever elementar que incumbe a todo o homem
de bem, quando se practicam actos que ameaçam de dissolução
a vida em sociedade.
Havemos, porém, de distinguir trez sortes de extran-
geiros: os que se deixaram assimilar por nós; os que con-
servam a nacionalidade de origem, mas que nos trazem a
contribuição da sua capacidade e saber, com desinteresse ou
mediante legitimo interesse; e, por ultimo, os que apparentam
não poder decidir-se por uma nem por outra pátria, para
melhor explora-las em beneficio próprio.
Os primeiros devem ser tractados como ermãos, sem
restricção alguma, e antes com certo carinho, que é apanágio
dos ermãos mais novos, e servirá de meio efficaz para os
prender definitivamente a nós. Os segundos fazem jus á
nossa sympathia e á nossa proverbial hospitalidade, assegti-
rando-Ihes, sem regatear, a egualdade de direitos, que a Con-
stituição lhes confere. Mas aos terceiros reservaremos a
mais franca repulsa, porque abusam das relações, que ad-
quirem em nosso meio, e, fiados na condescendência dos ami-
,dbyGoogle
gos, exorbitam das prerogativas de súbditos extrangeiros,
toda vez que entram em jogo interesses inconfessáveis.
Foram desse jaez os extrangeiros que precipitaram a
ruina do ^ypto e do México, e os que chegaram quasi a
coraprometter recentemente o bom nome da Bélgica e da
Itália. Lord Cromer, no seu livro celebre sobre o Egypto, re-
ti-ata-os com justeza: «Nos exforços, quando possivel, bem
intencionados, porém certamente mal dirigidos, que Ismail
Pachá fez para introduzir de prompto a civilização européa no
Egypto, era obrigado necessariamente a recorrer á assistência
extrangeira. A única probabilidade de introduzir o vinho
novo das idéas européas nas antigas vazilhas do Oriente
conservador, sem produzir perigosa fermentação, estava em
proceder com cautela, e mormente em escolher com excessivo
zelo os elementos europeus, por intermédio dos quaes as mu-
danças podiam ser gradualmente effectuadas. Infelizmente,
não houve tal cuidado. Os Europeus, em cujas mãos caiu
Ismail Pachá, pertenciam todos á casta que devia ser pro-
scripta. Na maior parte, eram aventureiros do typo do
« Nabab > de Alphonse Daudet, cujo único objectivo consistia
em se enriquecerem à custa do paiz. O elemento novo intro-
duzido na administração, em vez de impedir, accelerou »
advento da crise. >
Quem julga ser de grande beneficio para a civilização o
papel de tutores, que certos povos se arrogam sobre os mais
fracos, labora em grande equivoco,
De que valeu á índia ou a Java o dominio inglez ou
hollandez sinão de conservar as populações daquelles paizes
em pereime infância moral ? Comparem-se com o Japão, que,
graças á pobreza do seu solo e dos seus habitantes, nunca foi
cobiçado pelo extrangeiro; e conclua-se, do confronto, si a
liberdade e a independência são ou não os factores mais effi-
cazes de progresso real ! Mas, que acontece ás próprias ar-
vores, si crescem arrimadas em tutor? As mais das vezes não
chegam a supportar a carga dos f ructos ; que dirá, o choque
de forças extranhas ! ?
A mesma Historia nos mostra como a influencia do
dominio extrangeiro é nociva ás nações, ainda quando resulte
.jyCoogle
732 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
de direitos dynasticos, como foi o caso de Portugal, depois
da morte de d. Sebastião. Apezar dos erros commettidos
pelos dirigentes, a sorte das suas colónias teria sido mui
diversa sem a politica desastrada do governo hispanhol.
Além disso, a grande questão nacional passou a ser, para os
melhores espiritos, a da independência do paiz, e não a defesa
das colónias, que ficaram á mercê dos caprichos de Madrid.
Proclamada a Independência, a maior parte dos territórios
perdidos não pôde ser rehavída, porque estava a nação ex-
hausta e os inimigos cada vez mais fortes e opulentos. Ainda
assim, conseguiu libertar-nos, com o concurso decisivo dos
naturaes, do domínio hollandez.
Não ha negar a parte que cabe ao extrangeiro no nosso
desenvolvimento, mas acho que não se fez ao elemento indí-
gena bastante justiça, pois, quanto a mim, a elle devemos o
intransigente espirito de independência e de apego ao solo,
que levou o Brasil a repellir as invasões successivas de outros
povos e a manter intactas as fronteiras do seu dilatado terri-
tório, bem como a resistência physica, que nos permíttiu
affrontar e transformar uma natureza tropical, tão pouco
clemente, de Ínsito, com o homem europeu.
Quaes são as populações mais viris do Brasil? As que
habitam S. Paulo e os sertões, que se extendem desde a
Bahia até ao Ceará e ao Rio Grande do Norte. Foram ellas
que crearam as duas maiores riquezas do Brasil: o café e a
borracha .
Que houve nellas de characteristico ? Diz-nos Theodoro
Sampaio: < Em S. Paulo o predomínio do tupi (referia-se á
lingua, mas a extensão parece legitima) é quasi completo. *
«Na região das séccas (foi a outra região assignalada)
só o gentio adaptado ahi permanece, como que prot^ido pela
própria inclemência do clima t »
E accrescenta, citando o padre António Vieira: « E' certo
que as famílias dos Portuguezes e Índios de S. Paulo estão
tão ligadas umas com as outras, que as mulheres e os filhos
se criam mystica e domesticamente, e a lingua, que nas dietas
famílias se falia, é a dos Índios, e a portugueza a vão os
meninos aprender á eschola ».
Assim, o que characteriza, ethnicamente, aquellas popu-
,dbyGoogle
ACTAS 733
lações, de que noa ufanamos com justo orgulho, é o fundo
de raça indígena, que subsiste nellas.
Não nos exqueça, pois, a lastimável sorte dos nossos ver-
dadeiros ermãos, até pouco tempo ainda espoliados, na quasi
generalidade, da sua terra e das suas tabas, para nos prepa-
rarmos convenientemente a resistir, sem desfallecimento, aos
desvarios e ás ambições de qualquer nação extrangeira.
Ha de advertir-se que o prq>aro do paiz para a guerra,
quando bem concebido, traz até sérias e inconcussas van-
tagens á sua vida ordinária, ao passo que a guerra, propria-
mente dieta, é sempre de effeitos problemáticos, devendo
evitar-se em absoluto, salvo quando se tracte de defesa da
soberania nacional offendida, sem desaggravo possível por
solução arbitral.
Demais, é nessa phase prévia que ha legitimo interesse
e maior mérito, como tão bem salientou o notável escríptor
portuguez Agostinho de Campos, em palavras inimitáveis de
força e concisão : < Heróicos » são os que, em dezenas e
dezenas de annos de paz, prepararam, afinaram c conseguiram
manter a postos o instrumento de precisão, que tem de ser um
verdadeiro exercito moderno. Esses luctaram dia a dia, e
minuto a minuto, contra as forças miúdas, teimosas e formi-
dáveis que se oppõem á transformação de milhões de homens
^n uma machina única e infallivel. Luctaram contra a sua
própria fraqueza humana e venceram pela consciência do
dever. Luctaram contra a ligeireza incorrigivel do povo, que
não vê a vantagem futura, mas apenas o sacrifício actual.
Luctaram contra a infiltração dissolvente das doutrinas que
se exhalam da paz podre e anniquilam o instincto de conser-
vação collectiva. Luctaram contra o egoísmo, a imprevidência,
3 indisciplina, a impopularidade. B venceram a victoría longa
e lenta, a mais inglória e difficil, sobre todas essas forças
naturaes. . . >
Quem presencia um quadro como o da Bélgica, que,
desde a sua independência, não tinha outra preoccupação
ainão gosar dos benefícios de nação neutra e pacifica, inva-
dida e assolada sem piedade, não pôde deixar de affligir-se
com as deficiências de nossa defesa militar!
Ha idéas falsas que adquirem, ás vezes, tal poder 'ãt
^gle
734 RETISTA DO INSTITOTO HISTÓRICO
persuasão, que muitos povos acabara víctimas inconscientes
da sua nefasta influencia.
Pemiitti que vos narre um caso, sem que se lhe deva
emprestar significação exaggerada, pois o trago perante vós
como exemplo do perigo que ha em certos contágios, quando
os homens de Governo não possuem sufficiente força de
resistência para os neutrahzar.
Em uma viagem de estudos, que fiz a Java e a outros
paizes do Oriente, conheci a bordo do paquete francez Sydney,
que me transportou de Marselha a Singapura, o íltustre es-
criptor castelhano Gomes Carrillo, que ia visitar o Japão
para colher, a pedido de Argentinos e Hispanhoes, impressões
daquelle paiz, cuja victoria contra a Rússia acabava de es-
pantar o mundo, Contou-me que vários amigos lhe tinham
escripto de Buenos Aires, em resposta á pergunta que dir^ra
a elles sobre o que queriam do Japão, pedindo explicações mi-
nuciosas de como se fisera grande tão depressa.
Li, depois, as suasimpressões de lá( e nada transparecia
nellas que fizesse notar a influencia da guerra no progresso
verificado, pois este a precedera, não se devendo jamais con-
fundir a manifestação, que torna conhecido um estado phy-
sico ou social, com a sua própria existência, visto que aquella
pôde demorar séculos sem prejudicar esta, como acontece
com a luz de certas estrellas, que tanto custa a ch^ar até
nós.
Faz dous mezes que, de passagem pela Hispanha, vi
annunciado um livro seu, recensaido a lume, com o titulo
Campos de bataila y campos de ruínas, e, por*curiosid3de na-
tural, comprei-o logo, e comecei a le-lo. Com sorpreza minha,
encontrei no livro a seguinte dedicatória, á maneira de pre-
facio, em honra ao dr. d. José Luiz Murature, ministro das
Relações Exteriores da Republica Argentina :
€ Permita-me usted, querido amigo, que ponga su nombre
ilustre a la entrada de esta galeria de horrores.
« Cuando estuvo en Buenos Aires, hace un ano, me pa-
recia que muchos Argentinos hablan de la guerra en general
con un entusiasmo romântico — Lo que necessitamos para
ser un gran puebh — me dijo un escritor notable — és una
gran guerra.
,dbyGoogle
«CTA3 735
< Aquel escritor tenia una noción caballeresca de las
luchas entre puebtos. Y, si he de confesar la verdad, io tam-
bién la tenia entonces, por non haberla visto sino en los
poemas y en los lienzos de los museos. Crear una leyenda
nueva digna de ser perpetuada por un Ruben Dario, por un
Leopoldo Lugónes, por un Mariano de Vedia, sin duda la
tentación parecianos foella!. . .
— Tiene usted razón — le conteste.
< Y he aqui que esta simple frase pronunciada en un
café, entre el humo de los cigarrillos y los vapores dei cham-
pagne, me persigue desde hace meses a través de los campos
de batalla con una persistência de remordimiento y de obse-
sión. Porque la guerra vista de cerca, no es bella, no. Es
horrible. Aunque uno se empene en engalanaria con festones
de heroísmo, la dura realidad aparece siempre en cifras de
espanto que se dijeran grabadas por Callot en una plancha
de acero.
< Por eso quiero gritar a la Argentina y a America con
^oda mi alma, con toda mi voz:
€ Ved lo que es la guerra !. . ■ Ved que no ha en ella ar-
maduras lucientes, ni clarines sonoros, ni bellos gestos he-
róicos, ni nobles generosidades, ni estandartes vistosos, sino
sangre, miséria, llama, crimenes, sollozos. . .
c Mi grito, a usted lo lanzo, querido amigo, porque para
mi, como para muchos otros, usted és el representante más
ilustre de la futura politica argentina. Oigalo usted con
benevolência, y creame siempre. . .»
O appéllo de Gomez Carrillo não ficou sem écho — as
recentes demonstrações de solidariedade sul-americanas são
um dos primeiros benefícios desta guerra, que tantos males
desencadeou sobre o mundo. E' força convir que, antes disso,
já se haviam estreitado os laços da nossa sympathTã, mas
nunca foram tão unanimes os protestos de verdadeira con-
córdia, de parte a parte, como por occasião do trabalho do
tractado dicto do A . B . C . , celebrado ultimamente . Só de-
vemos louvar os eminentes homens de Estado, que, com tacto
pouco vulgar, souberam tirar de circunstancias tão críticas
novos elementos de paz e de progresso.
736 REVIBTA DO INSTITDTO HISTÓRICO
Falla-se commummente no serio perigo que se tornaria
para nós a victoria da Allemanha, como egual perigo não
adviesse da hegemonia de outros povos sobre o mundo. Não
pretendo, com isso, advogar a causa da Allemanha, mas assi-
gnalar que, para respondermos a qualquer eventualidade, de-
vemos fiar, em primeiro logar, de nós mesmos, dispondo-no»
a combater sem tréguas, como o fizemos no período colonial,
contra as tentativas do extrangeiro de se implantar no nosso
solo, e, em seguida, afim de illudir as dif ferenças, que possam
resultar de um equilibrio europeu mal condicionado, practicar
lealmente a politica adoptada por nós desde algum tempo — a
da approximai;ão e da solidariedade, cada vez mais estreita,
entre todos os povos da America. Tal politica exige, porém,
de nós a observância rigorosa de perfeita solidariedade na-
cional . ,
Os Americanos do Norte costumam dividir a sua historia
em trez phases capitães: a da independência, a da liberdade
e a da união. Também podemos pretender a mesma evolução,
com termos a segunda phase subdividida em duas partes, cor-
respondentes á liberdade civil e politica, desde que entremos
sinceramente, como elles, na phase da união, relegando quantos
motivos subsistam ainda — e não são poucos — de separação
e conflicto.
A solidariedade deve ser hoje para nós sagrado evan-
gelho, porque só ella confere ás nações a força moral neces-
sária para arrostar as commoçÕes internas e repellir os em-
bates externos. Sem ella, a quas! totalidade dos problemas,
cuja pesquisa nos obsedia e enerva, nunca serão resolvidos
por nós definitivamente.
Sempre julguei que o melhor meio de servir ao bem pú-
blico, mesmo sob os maus governos, é o que attribuia Tácito
a Agrícola : < Póde-se achar, entre a resistência que se perde
e o servilismo que se deshonra, um caminho, ao mesmo tempo,
exempto de baixeza e de perigos > . O desconhecimento dessa
norma tem conduzido os políticos de muitos paizes a sacri-
ficar a própria independência nacional á satisfacção de suas-
ambições e de seus ódios.
Quando um homem público adquire consciência dos des-
tinos da Pátria faz como aquelle prestante Romano, que aunc&
byCoogIe
desesperou delia, ainda nos peiores dias, ou como o Grego de
t^ora, que resume em si as aspirações eternas de uma raça
heróica, e que, por isso mesmo, não teme o sacrifício pessoal,
quando lh'o exigem os interesses nacionaes. Venízelos é
modelo que redime a fama de irrequietos, que adquiriram os
políticos dos paizes de civilização greco-latina, e força é que
honremos a quem tanto nos eleva, elevando a própria Pátria,
no £onceito da Humanidade!
Felizmente, a despeito de exaltação natural, resolveram
sempre os Brasileiros as questões capitães da sua evolução
politica e social sem precipitação nem violência. A indepen-
dência, a abolição dos escravos e a proclamação da Republica
foram fructos lentamente amadurecidos e colhidos em tempo
próprio.
As tendências manifestadas em períodos recentes, de
soluções violentas, na politica federal ou na dos Estados, re-
clamam da nossa parte a mais intransigente opposJção, afim
de não medraron desassombradas e pompearem em toda a
vida nacional. São pendores novos, que cumpre atalhar sem
remissão.
Só assim lograremos vencer as diffículdades naturaes e
artifíciaes, que se oppõem ao nosso progresso material e
Os preconceitos de clima e de insalubridade, justificados
tanto que não dispúnhamos de armas irresistíveis para af-
fronta-los, obstaram, por muito tempo, ao racional aproveita-
mento dos nossos múltiplos recursos, o que não fora talvez
grande mal, si não nos exquecesse a longa aprendizagem 4
custa de nós mesmos; pois o perigo principal, em paizes
novos, está no açodamento peculiar da mocidade, o qual não
deixa enraizar-se nada que vingue de vagar, posto alcance
maior duração e melhor préstimo.
Ao lado dos progressos scientificos, que nos proporcio-
naram a solução do problema hygienico, outros têm concor-
rido e concorrem para supprir o desfalque do ouro das nossas
minas e da producção das nossas terras, exhaurídas por uma
metrópole carente de capitães e ávida de riquezas.
Dous exemplos definirão, com pri^riedade, o meu as-
serto.
,dby(3oogle
738 REVISTA DO IKBTtTUTO HUTOIUCO
Durante muito tempo, as areias da costa do Sul da Bahia
impressionavam pelo seu aspecto insólito e grande peso, mas
apenas serviam de lastro aos navios, que ninguém lhes dava
valor, Ch^a o dia, porém, de descobrir Auer o principio dos
véos incandescentes para a illumínação de gaz, a qual con-
seguiu, mercê de tal invenção, luctar com a de electricidade,
que a principiava de desthronar; e as nossas areias toma-
ram-se, de súbito, terras raras e preciosas. Que de sorpre^s,
como essa, não nos estarão ainda reservadas ? E' verdade que
a inépcia administrativa desvalorizou, quanto pôde, o bem
inesperado que a sciencia nos grangeára.
Oxalá não succeda o mesmo á outra conquista, que
também lhe devemos. Outr'ora, as aguas dos rios e dos cor-
r^os não tinham estimação sinao como vias liquidas ou para
a irrigação das culturas agrícolas. Hoje essas duas applicações
se tomaram subsidiarias da principal, que é a producção de
energia eléctrica, susceptível de ser transportada aonde con-
\'enha utiliza-la, e de se transformar em outras formas de
energia mais accessivels aos usos cc«nmuns. Com o seu au-
xilio havemos de restituir ás nossas terras o azoto, do qual
t]ma exploração de rapinagem as desfalcara.
Agora, já o privil^o industrial dos paizes ricos em
hulha negra cede o passo aos que possuem, como nós, fonte
mais barata e mais abundante de energia, o que aconteceu
sempre que um instrumento novo de trabalho ou acção dotou
os povos com superioridade notória sobre os demais. A im-
portância fabril recente da Suécia, Noruega, Suissa e Itália
desvanece quaesquer dúvidas a tal respeito.
Aliás, o estudo da Geographia hunuma havia muito tempo
que nos fazia vêr, e prever, como o prt^resso das artes úteis
e das communicações foram, e vão aos poucos, libertando os
povos das contingências locaes e abríndo-lhes horizontes vas-
tíssimos, que só demandam pertinácia e sã orientação, para
serem descortinados de perto.
Kxplica-nos ella porque a superioridade wnmiercial dos
Phenicios passou successivamente aos Carthaginezes, aos Ma-
laios, aos Árabes, aos Venezianos, aos Allemães, aos Por-
tuguezes, aos Hispanhóes, aos Hollandezes e aos Xnglezes;
como o descobrimento dos diversos metaes e combustíveis
«ibyCoogIe
ACTAS 739
como a influencia dos meios naturaes e artificiaes de trans-
porte, como os processos mais aperfeiçoados de industria e
agricultura, como a organização do credito e dos methodos
commerciaes deslocaram tantas vezes os focos de civilização,
DO curso da Historia.
Não serão poucos os agradecimentos que se devem a
Ratzel, com a creação feliz da Anthropo-Ceographia, que
projectou luz nova na interpretação dos phenomenos hu-
manos, os quaes se resentiam de concepções ideaes, que não
attendiam ás condições reaes do meio em que se davam, nem
á complexidade dos factores que nelles influíam.
A Geographia humana veiu deslindar uma série de abu-
sões históricas e, ao mesmo passo, auctorízar previsões que,
dentro de certos limites, são dignas de acatamento, confe-
rindo assim, com os dous princípios da actividade e da con-
nexidade, character scientífico a estudos que tinham algo da
Alchimia em relação á Chimica, ou da Astrologia em relação á
Astronomia .
Todos os sociólogas attribuiam aos povos de climas tropi-
caes a propensão ao servilismo e a acceitar, sem reluctancia,
o dominio mais ou menos disfarçado do extrangeiro ; pois a
facilidade {sic) da vida os deshabituara de luctar, tanto que
não chiaram nos tempos modernos a constituir uma grande
nação independente. Uma poesia holtandeza assignala bem
esse sentimento, em relação aos Jáos : c Vão e vêm as nuvens;
vão e vêm os exlrangeiros; só o fUho de Java é sempre a
mesmo; não consegue ser dono na própria lerra. »
Mas o que produz isso não é só o clima nem o meio. E'
a segr^ação e o regime sob que vivem taes povos, sem que
os mconvenientes daquelle possam ser corrigidos pela expe-
riência de uma actividade livre, nem pelas reacções naturaes,
produzidas ao contacto de outras civilizações, visto que houve,
em todos os tempos, paizes sob a mesma latitude com graus
oppostos de desenvolvimento. Como não notar o contraste da
Irlanda e da Inglaterra, e não applicar aos povos de outros
hemispherios o conceito de Carlyle, que o exprime com a
crueza habitual ? : < Kitdare, quando alli penetrei, via-a de mal
a peior — uma das aldeias mais miseráveis do mundo que já
conheci, e invadida de mendigos desesperados — exótica no
«byCoogIe
740 BEYISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
seu conjuncto, como uma aldeia de Dahomey, homens e
creanças egualmente. >
< Entretanto, a Irlanda è um paiz encantado. Tem um
'solo apto, como nenhum outro, a receber cultivo. Tem um>
povo capaz de cultiva-lo, de cobrir-lhe a superfície com lares
prósperos e felizes, si fosse governada, como varias nações,
segundo methodos que consultassem o seu temperamento nO'
cional. »
Eis porque Brunhes attribue á intelligencia e á vontade
humana papel tão importante na vida dos povos, assignalando
que € todos os phenomenos humanos dependem de um meio,
mas de um meio que evoluciona e evolucionará sempre».
Quanto a nós, mau grado o clima, ninguém pôde lan-
çar-nos em rosto falta de intelligencia nem tibieza de vontade
em cultivar o espirito de liberdade e independência. Já o
« Publicista da Regência » nos reivindicava essas qualidades :
Havemos, entre as nações,
Nossos destinos manter:
Corra embora o sangue em fios:
Independência ou morrer.
Os Tapuias preferiram desapparecer a submetter-se ao
extrangeiro mais forte e bem armado. Como que nos her-
daram elles a vaccina contra o servilismo, para se vingarem
assim do invasor abominado, que não podia mais repellir,
qual faz a natureza, em sua providencia a favor da espécie,
quando inocula nos descendentes dos alcoólicos o horror do
álcool .
O Brasil cresceu, durante cincoenta annos, são e robusto,
realizando lenta, mas calmamente, a sua evolução infantil, e
conquistando sem sobresaltos as liberdades, a que aspirava
na adolescência.
Mas, assim como ha doenças que são inoffensivas na
infância e que se tomam graves depois, assim, quando o
Brasil, sentindo-se mal amanhado nas apertadas roupas que
o vestiam, procurou rasga-las, a mudança favoreceu o surto
dessas doenças, a que escapara até então, entregando-se du-
rante cinco annos a desvarios, que podem bem ser levados ã
conta da edade, pouco própria daquellas.
DigtizBdbyGOOgle
ACTAS 741
Seguiram-se annos de restauração e crescimento rápido,
que não permittiram creasse sufficiente resistência aos maus
contágios .
Antigamente, chamavam-se climáticas certas doenças que
se attribuiam ao tempo. Parece que havia, na atmosphera do
mundo, miasmas que as fizeram apparecer em vários povos
da terra. Começaram pelo velho Portugal, propagando-se á
Turquia e ao México. Depois, a Inglaterra principiou a re-
sentir-se do mesmo mal ; o Japão, com ser tão joven na vida
civilizada, demonstrava indícios de contaminação; a França'
não o estava menos, e a AUemanha via surgirem, pela pri-
meira vez, no caso de Saveme, fermentos da peior espécie.
Não podia o Brasil, ainda sem equilibrio material nem
moral, escapar a contagio tão generalizado, e foram novos
annos de delírio, que, desta feita, porém, o deixaram bastante
alquebrado de forças, posto que ainda nos julguemos felizes
de não ter ido tão longe, na fúria mórbida, como os velhos
paizes do antigo continente, accommettidos do mesmo mal.
E' que a Divina Providencia véla sobre nós, e a ella
rendamos graças do restabelecimento da ordem civil e admi-
nistrativa, que voltou a ter o nosso paiz, em meio da tormenta
de violência e soffrimento que se abateu sobre o universo.
E, através das vicissitudes por que tem passado a nossa
pátria, vemos a cada passo a influencia da liberdade da-
quella comnosco, de que é tempo não abusarmos mais.
Macedo, cuja memoria tanto preza este Instituto, pro-
clamava, ha cincoenta annos, sem rebuços : « Não haverá um
só Brasileiro que não agradeça á Providencia Divina ter-nos
conservado essa integridade, base fundamental da nossa fu-
tura grandeza. Hollandezes no Norte, Portuguezes ao centro,
Francezes no Sul, seriamos fracos e desunidos; f aliaríamos
trez línguas, teríamos talvez duas religiões: e o gigante dos
trópicos. . . seria olhado com desprezo, e nem siquer escutado
nos conselhos da America. >
€ A despeito dos erros gravíssimos dos governantes, o
paiz crescia e prosperava; entregues a nós mesmos, expul-
sámos do nosso solo o extrangeiro todas as vezes que nelle
se quiz estabelecer. »
.yGOO^fé^^
743 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Uma raça — que, de tal arte, manteve a iategridade na-
cional, resistindo durante séculos a todos os ataques do ex-
trangeíro; que luctou victoriosamente contra um meio, ainda
não bem conforme com o homem, e ao qual teve de adaptar
a civilização européa,' própria de outros climas ; que fomentou
riquezas, como os cafezaes em S. Paulo, os seringaes no
extremo Norte, os cacauaes na Bahia e os hervaes nas regiões
do Sul, sem estímulos e antes com embaraços por parte dos
governos; que é prolífica, e tem sede de aperfeiçoamento;
que creou uma litteratura rica, a qual nos colloca acima de
todas as nações sul-americanas, — não pôde temer-se de des-
mandos accidentaes, contra os quaes tem forças immanentes
de reacção, tarda, mas efficaz.
Com esssa raça, virá o Brasil a ser uma grande nação, si
timbrarmos em promover a utilização nacional das inexhau-
riveis fontes de energia physíca, que existem disseminadas
pela vasta superfície do solo pátrio, e tivermos sempre em
mente subtrahir-nos á ínvolução que conduziu a Índia, tão
similhante comnosco a mais de um respeito, á prostração e á
decadência moral, que lhe conhecemos.
Aqui, a terra é firme, as raizes estão já entranhadas, e a
seiva circula abundante; e, com tal, ha de crescer a planta
donosa, e carregar-se de fructos, si abalos repetidos não a
resolverem em flores estéreis.
Sim, correspondamos á bondade divina, ajudando-a nos
seus nobres e insondáveis desígnios, que realizaremos o sonho
acalentado pelo patríarcha da nossa Independência:
Qual a palmeira que domina ufana
Os altos topos da floresta espessa,
Tal bem presto ha de ser no mundo novo
O Brasil bem fadado.
(O discurso do sr. dr. Miguel Cattnon é vivamente ap-
plaudido . )
Em seguida o Sr. Presidente concede a palavra ao
orador do Instituto, Sr. Dr. Ramiz Galvão, que lê este dis-
curso:
« Exmo. sr, presidente — Illustres confrades — Prezado
consócio sr, dr. Miguel Calmon — E' com grande jubilo que
esta laboriosa companhia vos recebe em seu seio.
,dbyGoogle
ACTAS 743
Portador de um nome muito iliustre e muito caro á
politica e á administração brasileira, e, o que é mais, filho de
vossas proprías obras, recommendam-vos um passado já lu-
minoso e uma reputação conquistada peto talento, pelo estudo
e pelo trabalho.
Ao vosso grande Estado e á nossa querida Pátria haveis
prestado notáveis serviços, já em altas funcções administra-
tivas como secretario geral do Governo da Bahia e ministro
da Viação e Industria durante a presidência do saudoso e
honrado Affonso Pcnna, já no exercício do magistério como
professor da Eschola Polytechnica da Bahia, já como operoso
parlamentar e auctor estimadissimo de livros que se recom-
mendam ao alto apreço dos Brasileiros.
Não seria possivel entrar em pormenores sôhre a vossa
carreira pública, tanto mais digna de encómios quanto é
certo que em breves annos ganhastes todos esses lauréis. São
de hontem os vossos inapreciáveis serviços á nobre causa do
paiz; dentre elles sobrelevam o melhoramento dos portos, o
desenvolvimento da viação férrea, a fundação auspiciosa de
estações agronómicas, a catechese dos Índios, a ligação tele-
graphica de Matto-Grosso ao Amazonas, confiada em bôa
hora a esse intemerato patrício, coronel Rondon, benemérito
entre os beneméritos.
No meio de vossas numerosas publicações, todas sobre
assumpto do maior interesse práctico para o desenvolvimento
da industria e da riqueza nacional, permitt! que eu destaque
o vosso precioso livro € Factos económicos », fructo de uma
longa viagem ao Oriente, onde soubestes colher ensinamentos
do mais alto valor para o nosso progresso agricola e indus-
trial, — livro que revela um observador intelligentissimo e
competente, além de um ardoroso patriota.
A chave de ouro desse livro é o discurso que pronun-
ciastes na Camará dos Deputados em Septembro de 1912 sobre
o < ensino como factor do progresso industrial> ; e a chave
adamantina desse discurso é a celebre phrase de Leibnitz,
com que declarastes resumir o vosso pensamento.
< Quem é dono da educação é dono do mundo. »
Não ha verdade mais amplamente demonstrada na His-
toria. A Allemanha moderna fez-se poderosa e forte, culti-
vo byGoOglc
744 REVISTA DO INSTITDTO HISTÓRICO
vando com esmero esta planta magica; a Suissa constituiu-se
o modelo das republicas com a sábia e vasta disseminação do
seu ensino publico; a opulenta Republica da America do
Norte cimentou nas escholas o solido e invejável edifício de
sua prosperidade.
Ha mais de 48 annos, quando na Exposição Universal de
Vienna me coube a honra de fazer parte do jury de Instnicção
Publica, como delegado do Brasil, tive o feliz ensejo de exa-
minar os dados estatísticos de todos os paizes do mundo em
matéria de ensino, e já nessa epocha o cantão de Vaud, na
Suissa, ganhava a palma da victoria, não contando um só
onalpkabeto. Eis o segredo dos triímiphos dessa democracia
modelar, eis a razão de ser do vosso enthusiasmo pela edu-
cação bem orientada do nosso povo — enthusiasmo que vos
faz a maior honra como estadista, sr. dr. Miguel Calmon, e
que eu desejaria ínflammasse a todos os directores da nossa
vida nacional.
A vossa obra, illustre colida, como ministro da Industria,
Viação e Obras Publicas, foi tudo quanto em trinta mezes de
governo um espírito superior poderia realizar, e bem mereceu
aquellas palavras de consagração, com que o honrado decano
da imprensa brasileira fez justiça aos vossos méritos,
« O paiz, disse elle, que possue um estadista de menos de
30 annos, capaz de conceber e realizar as grandes obras que o
dr. Calmon ideou e levou ao cabo, é na verdade tmi paiz que
pôde confiar no seu futuro e dormir tranquillo dos seus
destinos » .
Perdoae-me si para aqui trago, em vossa presença, estes
testimunhos de alto apreço de vossos contemporâneos, mas
enche de prazer a minha alma de Brasileiro esta justiça pres-
tada ao distincto filho do meu velho companheiro de estudos
gymnasiaes, o venerando e nobilíssimo contra-almirante
Calmon, que também -foi estrella radiante na sua classe, e que
ao meu lado iniciou, com grande brilho, a sua carreira tão
prematuramente cortada pela morte. A vossa bellissima e
conceítuosa oração inaugural, prezado collega, foi mais um
testimunho do quanto o Instituto Histórico pôde esperar do
patriotismo e da lucidez de um espirito privilegiado.
A Pátria carecerá sem duvida da vossa cooperação presti-
,dbyGoogle
ACTAS 745
tnosa em elevados postos de vária natureza; não tendes o di-
reito de recusa-la, nem o fareis de certo. Mas, já agora, que
temos a fortuna de contar-vos nas nossas fileiras, também o
Instituto merecerá o carinho do illustre patrício, que tanto
ama o seu berço. Aqui tendes mais um campo aberto para
conquistar a gratidão do Brasil e as bênçãos da posteridade.
Entre sábios conselhos nos convidastes a corresponder á
bondade divina, ajudando-a nos seus nobres e insondáveis
desígnios, para se realizar o sonho acalentado pelo patríarcha
da nossa independência. Sim. Tenhamos fé. Com patriotismo
e exfórço, guiados por homens da vossa tempera, seremos
Qual a palmeira que domina ufana
Os altos topos da floresta espessa.
Deixae só que eu prosiga a leitura da ode do grande José
Bonifácio aos Bahíanos:
Em vão de paixões vis cruzados ramos
Tentarão impedir do sol os raios :
A luz vae penetrando a copa opaca ;
O chão brotará flores.
Estas flores estão, de facto, surgindo e continuarão a
surgir de geração em geração, porque a Providencia não aban-
dona a Terra de Sancta Cruz, e no coração dos Brasileiros
não desfallece a confiança no futuro, muito embora nuvens
sombrias toldem por vezes, como nesta hora critica, os nossos
horizontes.
O vosso coração é um delles, e nesta operosa Companhia
todos pulsam com o mesmo vigor pela felicidade e grandeza
da Pátria.
A' sombra das nossas gloriosas tradições, que guardamos
com indefesso carinho, alimentando noite e dia o fogo vivo da
nossa ara sacrosancta, levitas desta religião, ante cujos altares
nos unimos em solidariedade inabalável e promissora de farta
messe, constituiremos, como até aqui, um tribunal sereno e
augusto para exaltar a virtude dos grandes patriotas, assim
como para mndemnar os erros, as ambições indébitas, os in-
teresses mesquinhos, as paixões monstruosas e os desvarios,
que acaso pretendam desviar a rota e macular o nome do
gigante sul-americano .
dbyGoogte
74<^ RBVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Para esta obra meritória também o Instituto conta ami-
vosco, sr. dr. Miguel Calmon, — preclaro batalhador dos
bons combates ! »
(O discurso do sr. dr. Ramis Galvão provoca grandes ap~
plausos. )
O Sr. Conde de Affonso Celso {presidente) diz que
nada mais havendo a tractar nesta sessão extraordinária, con-
vocada especialmente para a recepção do sr.; dr. Miguel
Calmon, agradece o comparecimento do selecto auditório e
levanta a sessão ás 22 J4 horas.
RoQUETTE Pinto,
2° secretario.
ACTA DA SEXTA SESSÃO ORDINÁRIA, EM 29 DE SEPTEMBRO DK
DE 1915
Presidência do sr. conde de Affonso Celso
A's 20 ^ horas, na sede social, abre-se a sessão com a
presença dos seguintes sócios:
Srs. conde de Affonso Celso, Max Fleiuss, dr. Edgard
Roquette Pinto, dr. Benjamin Franklin Ramiz Galvão, Arthur
Guimarães, dr. Manuel Cícero Peregrino da Silva, barão
Homem de Mello, desembargador António Ferreira de Sousa
Pitanga, dr. Homero Baptista, dr. António Olyntho dos
Sanctos Pires, dr. José Américo dos Santos, dr. Miguel Joa-
quim Ribeiro de Carvalho, dr. Augusto Olympto Viveiros de
Castro, dr. João Coelho Gomes Ribeiro, major dr. Liberato
Bittencourt, commandante Raul Tavares, dr. Domingos Ja-
guaribe, Eduardo Marques Peixoto, dr. Arthur Pinto da
Rocha, dr. Pedro Souto Maior, dr. d. Lucas Ayarragaray,
dr. Miguel Calmon du Pín e Almeida e dr. Nicoláo Debbané.-
O Sr. Dr. Roquette Pinto (í* secretario) lê a acta da
sessão anterior, que é approvada sem debate.
O Sr. Fleiuss (/' secretario perpetuo) lè o s^uinte
parecer :
,dbyGoogle
ACTAS 747
Da Conunissão de Fundos e Orçamento:
c A apresentação da proposta de orçamento do Instituto
Histórico e Geographico Brasileiro constitue simples forma^
lidade, que é observada para que tenham inteiro -cumprimento
os Estatutos. Todos nós sabemos com que honestidade e es-
crúpulo são despendidos os fundos do Instituto pelo egrégio
presidente e pelo digno i" secretario perpetuo, confiadas todas
as quantias á guarda zelosíssima do honrado thesoureiro.
A Commissão de Fundos e Orçamento approva, portanto,
a proposta elaborada pelo i" secretario perpetuo, proposta que
traduz completa realidade.
Não deixa, porém, a Commissão de propor ( o que já fez
no anterior parecer) que o illustre presidente do Instituto
fique plenamente auctorizado a realizar no orçamento as mo-
dificações, que as circunstancias e o alto interesse da asst>-
ciação ' determinarem .
Rio de Janeiro, 20 de Septembro de 1915. — Clóvis Be-
viláqua, relator . — Alfredo Rocha. — Rodrigo Octávio. —
Bnéas Galvão. »
ANNEXOS
< Rio de Janeiro, 16 de Setembro de 1915.
Ulmo. e exmo, sr. dr. conde de Affonso Celso, m. d.
presidente do Instituto Histórico e Geographico Brasileiro:
Cumprindo a determinação do S 2° do art. 43 dos Esta-
tutos, tenho a subida honra de offerecer ao alto. critério de
V. ex. a € Proposta do orçamento para o anno de 1916».
Como V. ex. sabe, com a mudança do Instituto para o
novo edifício, augmentaram consideravelmente as despesas.
Devo propor a v. ex. não sejam preenchidos dous lebres
de of f iciãl da secretaria — desde que vaguem — , estabele-
cendo-se, quando houver necessidade, diaristas por tempo de-
terminado.
Prevaleço-me do ensejo para apresentar a v. ex., mais
uma vez, os protestos de meu profundo respeito. — O i" se-
cretario perpetuo, Fleitus».
,dbyGoogle
748 REVISTA DO INBTITDTO HISTÓRICO
— € Vai á Comraissão de Fundos e Orçamento, sendo
relator o sr. dr, Clóvis Beviláqua. — Rio, 17 de Septembro
de 1915. — Conde de Affonso Celso».
ORÇAMENTO PARA I916
S I.* Subvenção do Congresso 25 :ooo$ooo
S 2.° Juros das apólices 6 40o$ooq
S 3.° Quotas beneficiarias das loterias (compu-
tado cada conto de réis em 200$, segundo
o calculo do Thesouro Nacional 4 :8oo$ooo
§ 4.° Receitas diversas 5oo$ooo
36:700$ooo
ORÇAMENTO PARA 1916
Despesa
S i.° Pessoal (vide docimiento annexo) 21 ::
S 2." Compra de livros e encademaçSes $:(.
§ 3," Impressão e re-impressão da Revista...
S 4 . " Material do expediente 3 »oo$ooo
§ 5.° Despesas miúdas — comprehendendo o
porteamento da correspondência e dos
livros, carretos, limpeza do edifício,
pequenos concertos 2 400$ooo
S 6." Eventuaes i :932$ooo
36:70o$ooo
jtizedbyGOOgIe
Detalhe do pessoal
1 bíbliothecario
I director da Revista
3 of ficiaes
1 of ficial-dactylographo
I collaborador
I porteiro
I servente
I conservador do edíficio
3 empregados do Syllogeu
Addicionaes de um of ficial, con-
cedidos era Assembléa Geral.
Congresso Internacional de His-
toria da America
300$ooo
30o$ooo
450$ooo
2IO$000
6o$ooo
i38$333
I2(^O00
i5$ooo
7o$ooo
59$ooo
3:6oo$ooc)
3:6oo$ooo
S:4oc$ooo
2:5!20$ooo
720$000
i:66o$ooo
i44o$ooo
S40$ooo
7o8$ooo
6oo$ooo
i:772$333 2i:268$ooo
Nota — Não se preencherá o cargo de auxiliar de bíblio-
thecario.
Rio de Janeiro, i6 de Septembro de 1915. — Fleiuss,
O Sr. Conde de AíFOnso CElso {presidente) declara
em discussão o parecer da Commissão de Fundos e Orçamento,
bem como a proposta de orçamento. Não houve discussão.
Postos em votação, são os mesmos approvados unani-
memente.
O Sr. Fleiuss (/' secretario perpetuo) lê depois estea
pareceres:
Da Commissão de Historia:
Approvada, como foi, pelo Primeiro Congresso de His-
toria Nacional, que unanimemente apoiou o justo e bem
lançado parecer relatado pelo sr. dr. Arrojado Lisboa e sub-
scrípto por todos os seus dignos companheiros de commissão,
— pouco é o que nos resta dizer da mon<^aphia intitulada
< As primeiras tentativas da independência do Brasil >, of fe-
750 RETIBTA DO U«T1TDT0 HISTÓRICO
recida pelo sr, dr. A. Velloso Rebello áquelle douto cenáculo
scientifico, e com a qual é o nosso illustre compatriota pro-
posto agora para o quadro social deste benemérito grémio.
Traçando excellente plano do seu mencionado trabalho,
o operoso conselheiro da embaixada brasileira juncto ao
governo de Portugal, depois de evidenciar o papel importante
representado pelo factor indígena em todas as luctas pela
conquista da nossa soberania, analysou criteriosamente o in-
fluxo de idéas liberaes, que nos trouxeram no século XVII
os invasores neerlandezes, assim como os princípios prados
pelas escholas philosophicas da centúria excepcional de que
resultou a revolu<;ão franceza de 1789, o mais próximo funda-
mento geral da nossa independência.
Entrando a estudar os episódios, que considerou como
precursores da nossa definitiva autonomia politica de 1822,
não olvidou o tentamen de emancipação local dos Palmares,
no tocante ao qual perfilhou o conceito de Quatrefages — de
que € foi uma das maiores expressões de revolta da raça
ne^ra contra o jugo da raça branca >, considerando-a também
como um assignalado passo na civiliEação brasileira; recen-
seou os conflictos nativistas que ensanguentaram Pernambuco
e Minas Geraes na primeira decade do século XVIII e que
se fixaram em nossos fastos com os nomes de < guerra dos
mascates* e guerra dos gmboabas»; encarou a revolta de
1720, em ViUa Rica, acaudilhada por Philippe dos Sanctos,
como um preludio da Inconfidência mineira; e, depois de
summariar, com largo e nítido descortino, a mallograda con-
juração de 1789, que immortalizou em nossa Historia a um
obscuro alferes de milícias, o mí^fnanimo Tiradentes, — de-
teve-se, afinal, a apreciar a sublevação pernambticana de 1817,
predecessora immedíata do grito do Ipiranga.
A clareza de linguagem, a forma bem cuidada, o methodo
de exposição, a despretenciosidade de erudição, revelada
pelas raras datas citadas e pelas ainda mais raras remissões
às fontes históricas, — tudo isso se encontra no substancioso
Cscrípto do sr. dr. A. Velloso Rebello.
Cumpre-nos, contudo, registar que lhe escapou S ames-
trada penna um ou outro engano, de fácil rectificação. Com
effeito, affirmou elle, no capitulo III, que o conde de As-
,dbyGoogle
ACTAS 7Sl
sumar «governava a capitania de S. Vicente*. Ora, no pe-
ríodo administrativo de d. Pedro de Almeida, já não sub-
sistia esta denominação, desde muito offidalmente substi-
tuída.
O hinterland aurífero foi disjungido da subordinação
jurisdiccional do Rio de Janeiro pela carta régia de 9 de
Novembro de 1709 (doe. avulso, existente no Archivo Na-
cional), que creou a capitania de «S. Paulo e Minas de
Ouro », 3 qual teve trez governadores ; António de Albu-
querque Coelho de Carvalho (empossado a 18 de Junho de
1710), d. Braz Balthazar da Silveira (a 31 de Agosto de
1713) e d. Pedro de Almeida, conde de Assumar (a 4 de
Septembro de 1717). E' de 2 de Dezembro de 1720 o alvará
com que d. João V separou de S. Paulo a capitania de Minas
Geraes.
Não disse o sr. dr. A. Velloso Rebello uma só palavra
sobre a revolta de Beckmann, occorrida no Maranhão pelo
ultimo quartel do século XVII, o que quer dizer que elle a
excluiu do rói dos factos considerados como tentativas de
independência da Pátria. Bera andou em assim proceder,
porque, realmente, a sublevação de 1684 foi antes movimento
de natureza mercantil (contra o açambarcamento dos Índios
pelos Ignãcianos e contra o monopólio da Companhia de
Commercio) do que rebellião destinada a obter imia decisiva
autonomia, regicHial ou nacional. Si a houvesse promovido
por motivos políticos e com aquelle alto objectivo, Manuel
Beckmann, graças á sua aprimorada cultura e inteireza de
character, devera ser alcandorado á categoria de Ríenzi da
nossa Historia.
Mas o sr. dr. A. Velloso Rebello não quiz aprofundar
o que diz respeito ao tentame paulista de meiados do sé-
culo XVII. Limitou-se a íazer-lhe passageira referencia nas
primeiras linhas do capitulo IV de sua memoria. Antes de
mais nada, notemos que a asserção ahi contida de que — «os
rebeldes de Minas, os Paulistas, chiaram a pensar na accla-
mação de imi rei próprio, que seria esse Amador Bueno, seu
chefe até á derrota do Rio das Mortes », — não tem assento
nas chronicas nem amparo nos documentos históricos. Destes,
entretanto, ha alguns extremes de qualquer suspeita, que se
byCoogIe
REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
m no Archivo Nacional e que demonstram ter-se
|i a acdamação de Amador Bueno da Ribeira
bisneto Amador Bueno da Veiga, cabo dos Pau-
1 da guerra dos emboabas) como rei de S. Paulo,
jeitado a coroa, que lhe fora offerecida por seus
e por vários Hispanhoes alli domiciliados. Não
er posta em exquecimento tal iniciativa, que de
á emancipação politica da colónia luso-americana,
contemporânea de similhante episodio a expulsão
levada então violentamente a cabo pelos audazes
rvações que ahi ficam em nada apoucam o ele-
jue fazemos do trabalho entregue á nossa apre-
itualidades de investigador das nossas tradições
e escriptor postos de manifesto pelo sr. dr. A.
;lIo, em sua monographía < As primeiras tenta-
•pendencia- do Brasil >, hão de, por certo, asse-
n dia logar de destaque entre os cultores do
o, si não descontinuar a sua labuta em tao vasta
ara.'
condições, a Commissão abaixo assignada é de
0 Instituto Histórico e Geographico Brasileiro
lucrar, abrindo as suas portas ao sr, dr. A..
;llo.
Janeiro, 25 de Septembro de 1915. — Basilio de
■elator. — Clóvis Beviláqua. — Viveiros de Cas-
:r é approvado e vai com a proposta á Commissão
de sócios, sendo relator o sr. dr. Manuel Cícero
1 Silva.
de Historia litteraria os livros do sr. J, Cer-
Iriguez, que nos foram apresentados, — Litera-
r e Letras brasileiras. No primeiro, mostra-se o
erudito, conhecedor das litteraturas gallega, eu-
ia e catalã; no segundo, falia, como amigo, das
leiras e, em particular, dos nossos progressos de
ectual.
s propomos a fazer a crítica desses trabalhos,
ndo-os no seu espirito, nas suas linhas geraes.
«byCoogIe
ACTAS 753
notando ã curiosidade, que revelam por algumas litferaturas
mais conhecidas e o desejo de chamar para ellas a attenção
dos leitores, e achando que ás litteraturas são phenomenos his-
tóricos, ao lado da Religião, da Politica e da Economia, que,
estudados em sua evolução, constituem objecto das investi-
gações a que nos consagramos, somos de parecer que o
sr. Cervaens y Rodriguez será um bom elemento em nossa
associação .
Rio de Janeiro, 29 de Septembro de 1915. — Clóvis Be-
viláqua, relator. — Viveiros de Castro. — 'Basílio de Maga-
lhães*. . r
O parecer é approvado « vai, com a proposta, á Com-
missão de Admissão de sócios, sendo relator o sr. dr. Miguel
de Carvalho.
— Da Comraissão de Admissão de Sócios :
< A Commissão de Admissão de sócios nada têm a oppõr
á admissão do illustre sr. dr. Juliano Moreira como socIo
effectivo neste Instituto. '
Ao contrario: é mais um estudioso que virá concorrer
com as luzes do seu saber e com a nobreza do seu character
para mais elevar os créditos da associação, que o receberá..
Rio de Janeiro, 29 de Septembro de 1915. — Miguel ]ot3f
qmm de Carvalho^ relator. — António Olyntho. — Manuel
Cícero. »
Fica para ser votado na primeira sessão.
— < Proposto para sócio correspondente deste Instituto
o eminente escriptor argentino don Juan José Biedma, emittiu
a respeito a Commissão de Historia bem elaborado parecer,
que conctue pelo reconhecimento dos méritos do candidato e
pela conveniência da approvação da proposta.
Pensa do mesmo modo a Commissão de Admissão de
Sócios, que se honra em declarar que o i)ro|X>sto reúne as
condições necessárias para ser eleito sócio correspondente,
certa de que será proveitosa ao Instituto a colJaboração do
distincto homem de lettras. um dos propugnadnrcs da con-
córdia americana .
,dbyCoogle
754 REVISTA DO INSTITUTO BUTOfUCO
Instituto Histórico e Geographico Brasileiro, 15 de Sé-
ptembro de 1915. — Manuel Cicero, relator. — A/íflttfJ Joa-
quim Ribeiro de Carvalho. — António Olyntho. »
Fica para ser votado na primeira sessão.
O mesmo S». 1° Secretario Perpetuo lê esta proposta:
«Temos a honra de propor para sócio effectivo do
Instituto Histórico e Geographico Brasileiro o sr. dr. Érico
Marinho da Gama Coelho, professor cathedratico da Facul-
dade de Medicina do Rio de Janeiro, membro titular da
Academia Nacional de Medicina, senador federal, auctor de
yarios trabalhos scientiíicos, entre os quaes a memoria — ^
■mulher e a guerra, escripta especialmente para o Instituto
Histfwiao. ao quid é offerecida.
Instituto Histórico, 29 de Septembro de 1915. -^Fleiuss.
— Pinto da Rocha. — José Américo dos Sanctos. — dr. Souto
'Maior*.
Vai á Commissâo de Historia, sendo relator o sr. dr.
Clóvis Beviláqua.
O Se. Fi^iuss (/* secretario perpetuo) communica que
se acham presentes os sócios effectivos eleitos, srs. drs. An-
tónio Fernandes Figueira, marechal José Bernardino Bor-
maan ê dr. António de Barros Ramalho Ortigão, que vêm
tomar posse.
O Se. Conde de Affonso Celso {presidente) nomèa a
sef|;uinte commissâo para introduzi-los no recincto : srs .
Fleiuss, Roquette Pinto, Miguel de Carvalho, Souto Maior,
Marques Peixoto e Gomes Ribeiro,
(Dão entrada no recincto e prestam o compromisso do
art. 20 % 2" dos Estatutos os sócios effectivos dr. António
Pernandes Piguetra, marechal José Bernardino Bormann e
dr. António de Barros Ramalho Ortigão).
O Sr. Conde de Affonso Celso (presidente) dá a pa-
lavra ao SR. DH. António Fernandes Figueira, que lê o
seguinte discurso:
< Exmo. sr. presidente, meus senhores — Invocando o
direito de liberdade como justificativa da minha futura copar-
ticipação em vossos trabalhos, vindes ao encontro, senhores
membros do Instituto Histórico, de uma profunda aspiração
latente. Nos dias que correm um frémito de derrota leva os
lyCoogle
ACTAS 755
homens de pensaiiietito a desejar os recinctos quietos da
meditação, onde cheguem fiUrados pela inteireza do racio-
cinio os échos da commoção, que lá íóra estrondeia.
Recolhamo-los contando as ^'ib^ações de cada som, eni um
registo mathematico, Faze-los reboar dentro de nossa con-
sciência vencida seria o abdicar de princípios aqui profes-
sados. A Historia foi Poesia, confundiu-se com os deuses,
humilhou-se nas enumerações chronologicas : agora é Scíencia.
A origem da rememoração do passado, — doutrina Ed.i
Meyer — prende-se á origem dos mythos.
No desdobramento da alma para além do que a circunda,
em procura de mais acolhedores themas, estou em dizer se
encontra a finalidade dos estudos históricos. Mofinos appa-
reciam os homens de sua epocha á imaginação de Hesiodo, e
por isso que mofinos, o poeta declara que somente cantará o
{parecido os heróes de uma raça forte e dignos do epítheto,
que lhes outorgou, de semi-deuses.
Aht se descobre a tendência ao symbolo, á correcção das
irregularidades e das asperezas do presente. Porque — per-
mitti que vos affirme — a existência do individuo e das so*
ciedades humanas oscilla entre a construcção e a mina de
taes symbolos, a um tempo a nossa consolação e o nosso
damno.
A criança inexperta, que desenha, não copia o objecto
assim como elle ao olhar se destaca.
Tanto a figura eschematica a subjuga, que lhe não con-
sente enxergar a unilateralidade de um perfil, ou o volume
de uma arvore de conformidade com o plano em que pousa.
Também no âmbito do moral, nascem dentro de nós, super-
pondo-se á evidencia, os deuses do lar, e tão vasta, bem o
sabeis, é a somma de dotes que accumulamos nos seres
constelladores de nosso tecto, que o brilho das virtudes ma-
temaes se transforma para todo homem no s«h<:triirtn Hn «p»
pundonor. No anceio da evasão da realidad
a Arte, acertaram os Gregos em alargar o ang
estatuas c lhes imprimir desse geito mais vel
pressão, e de sorte que pairassem acima ds i
si então culminou por esse artificio a estatu
elle não somente deve o prestigio que a illui
DigtizBdbyGOOgle
756 REVISTA DO INSTITTJTO HISTÓRICO
Falla-nos, como toda a producção esthetica do Christíanismo',
da espiritualização de noções idealistas; vem arrancar-iios á
contingência de dia a dia, que, rejjresentada com a technica
perfeita de hoje, não nos transporta o entendimento: com-
parae o que desperta de sensações a vista de um quadro de
scenas contemporâneas á de uma das telas milagrosas de Ra-
fael... A fascinação da belleza, da intelligencia, da magna-
nimidade, da bravura, incorporadas em vultos, que admiramos,
os vai despojando das nossas imperfeições, e os integra na
Historia, na qualidade de symbolos. . . AÍ de nós, que ahi
está — repito — a nossa consolação e o nosso damno.
Do bronze fundido levanta o esculptor a exteriorização
dos mais abstractos e empolgadores sentimentos. Uma, por
pxemplo, modelada nos estos da alma de moço a librar-se
áquellas alturas melhores, porque invisiveis, cognominou —
digamos — a illusão. Acercanio-nos da obra de arte e vamos
pontempla-la . Prompto nos adverte o auctor como é justo
nos colloquemos para que a luz se reparta propicia e a cohesão
jdo conjuncto nos domine as faculdades estheticas. .. E é,
notae bem, o producto factício da imaginação. E si as esta-
tuas não devem ser vistas de qualquer lado, quanto mais os
homens e quanto mais os povos, que são aggregados de homens,
de matizes diversos e em vários tempos? !
Exquecemos, no entanto essas verdades intuitivas. Revi-
demos a cada instante a theoria dos lieróes, ou queremos
organizar uma galeria de sanctos, e, distribuindo por aqui e
alli os vicios e as virtudes, ousamos aquilatar do presente
pelo estalão arbitrário dos symbolos. Tão longe caminha o
pendor anthropomorphico, que pretendemos emprestar aos
povos os predicados do individuo, e tal escriptor, que aprecia
a marcha de um povo, affeiçõa o julgamento, ainda que o
não perceba, aos contornos das próprias particularidades de
sentir. Estes são bárbaros, aquelles civilizados; uns, virtuosos,
outros, egoístas, cofno si houvesse algo de absoluto na evo-
lução da nossa natureza. Mas com que precisos elementos se
constróe jiadrão para essas pretenciosas demarcações, si a
licção dos sociólogos pleitêa pela relatividade da comprehensão
tão apregoada de progresso?
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ACTAS 757
Si attribiiis a algiiem o epithelo de espartano, evocais para
logo, symbolicaniente, as qualidades nobilitantes dos filhos
de Esparta. E alH, si a legislação não cogitava do adultério,
o facto provinha do uso legal da polyandria, principalmente,
ao que ensinam Platão e Aristóteles, para a consecução da
maternidade. Da França, que em meio á sanha revolucionaria
abriu maternalmente os braços adoptando as criancinhas espú-
rias como filhos da Nação, partiu o applauso ao conquistador
sinistro, que sepultou oito milhões de vidas. Sobre columnas
de porphyro eviterno assentou a Inglaterra o « habeas-
corpus» e a instituição do jurj, ao passo que mereceu de um
de seus altos filhos, de Herbert Spencer, o anathema de
sociophaga. A' frente do Socialismo a soberania de Virchow,
a Allemanha moldou a sua vida interna pela cooperação das
classes, enquanto obedecia ao programma de seu imperador
ao subir ao throno: « Lembrar-me-hei semjjre — exclamou o
Kaiser — que o olhar dos meus antepassados me accompanha
do alto do firmamento e a elles responderei pela honra e pela
gloria do exercito».
Em que moderno paiz de completa civilização, um pensador
escreveu que a virtude é um dever tão iniprescriptivel, que si
não houvesse Deus para o governo dos mundos,ella não dei-
xaria de constituir a lei imperativa da vida ? A proposição lá
está no Ramayana, tantos séculos antes do Christianismo e
tão remota das philosophias.da nossa epocha !. . . Como essas
parariam assombradas em suas dediicções de progresso femi-
nista e perfeição do anarchismo, lendo em Heródoto a narra-
tiva dos costumes de tribus africanas, em que ás virgens cabia
a effectividade do serviço militar, ou conhecendo daquelles
povos da Polynesia, que prescindem de todo o governo dentro
do commercio da sua primitividade?
Si não decorre de instituições politicas, acaso dependerá
do fastígio das artes a illação do progresso das nações? Artes
não as tiveram os Phenicios, reis dos mares; os Árabes, não
o olvidemos, excederam nesse ponto aos Romanos, e, enquanto
a humanidade transpunha o abysmo da edade média, a arte
goíhica, num vóo de contida emoção, alçava para o azul e
para a eternidade a sua ogiva triumphante.
Porventura o desenvolvimento litterarig e o scíentifico
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758 HEVISTA DO INSTITUTO HinORICO
fundamentarão o titulo de apogeu das raças? Cotejae bem as
potencias do século XX, aquellas que acreditamos á frente
da civilização, e ajuizae das cambiantes e das fundas diffe-
renças que nesse particular as extremam. . .
Tanto asseveramos a desconfiança dos paizes não chrís-
tianizados e a sua proverbial insidia. E no século XVI a
átrazada Mourama — ensina a Chronica do cardeal d. Hen-
rique— aos fidalgos portuguezes facultava que sob palavra
á pátria regressassem, elles, os promotores da menos defen-
^vel das guerras. . . Foi em Athenas ou foi agora, que uma
cortezan formosíssima, Aspasia, revolucionou o equilíbrio so-
cial e a seu talante dispoz do pertinente á Republica? ! Quanto
ha sido commentada, entre louvores ou sob condemoações,
aquella providencia de um povo antigo, que sacrificava os
recemnascidos disformes, assim cooperando para a melhoria
da raça ? 1 E contudo os Mainas, lá no Amazonas — escreve
o padre Francisco Figueirôa — a < sus hijos que nascen en
alguna monstruosidad o defecto natural los arrojan ó enterran
vivos I»,
A estimação da moral das agremiações himianas pela
craveira da Ethica individual baseia-se, quando muito, na con-
cepção pessimista de S. Francisco de Salles. Para elle é da
essência da amizade o querermos ao amigo tanto, que a
affeição não supplante a que a nós mesmos votamos. Desse
jaez as nações que se entreolham amigas, e que elevam sobre
os da Humanidade os seus interesses. E qual o interesse das
poderosas nações ?
Menos hypocritas as antigas, publicavam a pretenção de
Uilatar a f é e o império ; querem as de agora libertar de selva-
jeria, mas sem procuração bastante, os territórios alheios,
E tanto nos templos de Londres, de Pariz, de Berlim, os
sacerdotes exoram a Deus para a manutenção do património
de conquista, como á luz pujante dos céos da America os mis-
sionários imprecavam o auxilio da Divindade para expulsar
do Brasil outros que não os Portuguezes, donos da terra
mediante a mais iníqua das campanhas... Luctas de inde-
pendência, mudanças de forma de governo por torta a parte
se archilectam de conjurações, em que a lealdade fallece ao
jugo do salus populi ou das condescendentes razões de Es-
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ACTAS 759
tado... Rebeldia de filho contra a própria mãe, e, pel(í
menos, o seu degredo, conferiu gloria a d. Affonso Henriques,
na unanimidade dos historiadores. «Nesse tempo — escreva
Alexandre Herculano — a desordem dos costumes fazia com
que similhante procedimento não estampasse um ferrete inde-
lével de ignominia na fronte dos principes, que assim calcavam
aos pés o amor filial, até porque lhes serviam de desculpa —
si taes factos podem em tempo nenhum merece-la — os erros
ou crimes de seus progenitores e as conveniências, bem ou mal
entendidas, da pátria». Mas hoje são familias reaes de pa-
rentes que ensanguentam o Velho Mundo, em nome do que
chamam a felicidade ou a honra de seus paizes, e pôde ser
apenas a segurança dynastica. Por sua vez, ái tyrannia de
nivelamento democrático o prestigio bellico serve muíto bem de
estimulo para deslumbrar as multidões fascinadas.
E quando o delirio allucina as raças, não só os exércitos,
sinão também os pensadores, pelo angulo turvo da parciali-
dade, aquilatam os acontecimentos. Quem de nós não possúe
no limiar da consciência uma condemnação para Domingos
Calabar, que Irahiu os Portuguezes em favor das hostes de
Hollanda, e quem se lembra daquelle Sebastião de Souto,
que trahia os de Hollanda como espião de Mathias de Albu-
querque e delle recebeu o galardão maior?». Este, — pondera
recente monographia, menos trahidor não foi entretanto que
o vencido de Porto Calvo. . . Que affrontoso qualificativo
reservarieis para a mulher que perfeitamente seduzisse um ge-
neral, o embriagasse em seguida, e depois lhe decepasse a
cabeça? Mas si considerarmos a cidade de Bethulia, um certo
general Holophemes e uma viuva Judith, o feito voará entre
nuvens de incenso das páginas dos livros sanctos ás magni-
ficencias do púlpito christão.
Basta — parece-me de argumento; e a recordação seriaria
dessas bases da eschola evolucionista apenas explica o desígnio
de uma profissão de fé. Julguei-a indispensável nesta occa-
sião. tJão me vivifica um animo subordinado ao preconceito
dos symbolos, que ora desvaira a lucidez dos que nos cercam,
e serenamente a Historia repudia. Menos ainda posso com-
prehender a phantasia de sujeição dos estudos históricos a
methodos florescidos na segunda metade do século XIX .;
,dbyGoogle
TÔO REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
O descortino, que então lograram as sciencias naturaes, accom-
panhoa-as de alguns prejuízos inn^aveis. Max Muller em
Linguistica, Novicow em Sociologia, Taine em Critica liltc-
raria exageraram as applicações possíveis de taes pesquisas.
A concepção, o seu tanto forçada, de organismo conduziu a
símiles de que hoje poderemos sorrir, ao passo que um pseudo
determinismo dos phenomenos classificou como resultantes
mórbidas as producções deste ou daquelle prosador ou poeta.
Por mim, sem desconhecer quanto ha de solidariedade e mu-
tuas subrogações entre ^'árias sciencias, não exqueci o methodo
que cabe a cada uma. Aqui venho em agradecimento de quem
pôde enxergar na Historia a f mestra da vida », Cícero não
deve ser julgfado somente pela sua eloquência e nem caiam em
commisso as fraquezas domesticas de Catão, Investigamos
todas as faces, e não nos assoberbam os semideuses de He-
siodo, mas homens falliveis, eguaes á nossa desvalida con-
tingência, embora de venerável relevo sob um dado ponto de
vista. Como tudo nos instrue para tolerarmos as falhas dos
nossos Ciceros e dos nossos Catões, quando combatem os
méritos os mais nobres para recom]jensarem os seus serviçaes
eos seus asseclas?
Que vale aquella estonteadora fama das guerras, que
cega os soberanos e estarrece os povos ? Vede nas capílacs da
Europa os arcos de tríumpho e as alamedas da víctoria ; vede
a admiração das armas collocando á frente do Reichstag a
figura de Bismarck, enquanto sob a cu])ola do Panlheon o
Pensador, de Rodin, ostenta num lance de ironia as fónnas
athleticas. . . Deixae que a Moral dos povos consista na revi-
viscencia de prerogativas ethnicas, que a intriga politica com
pureza ou malícia agita na alma infantil das massas. ímpel-
lindo-as ao sacrifício da honra e ao sacrifício da vida. Tudo
passará; nações dirigentes e nações dirigidas, inimigas da
véspera, commungando na mesma lide, assim o jaguar e a
cobra, no dizer de um dos nossos poetas, se approxímam sem
lucta na hora tremenda da floresta em chammas. A íilora!
das nações decide dos factos do momento; a intelligcncia das
nações governa os séculos. Esta nos proporciona as insti-
tuições romanas até hoje acceitas, a arte dos Gregos, o Direito
dos povos modernos, a scícncia, que preside sempre. Roma
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ACTAS 761
esboroou-se á pressão dos Bárbaros, e a sua lingua, dividida
em outras, íalla e recorda os dias mortos na belleza plástica
dos idiomas novo-latinos . Expulsaram do Brasil aos Fran-
cezes os nossos maiores, e não nos conquistaram todavia: a
nossa cultura vive conncxa em suzera^ta á iriada cultura
franceza; e que exércitos poderosos extirparão da alma hu-
mana os extasts sagrados, quando ella escuta a musica sobre-
natural de Beethoven? E' que assim como o espírito boiava
sobre as aguas, na phrase do Génesis, o do homem fluctuará
sempre com um refluxo divino sobre as suas próprias mi-
sérias.
Scintillai;ões delle refulgem aqui e acolá em todos os
povoa, em todas as eras. Na China e na Pérsia e na índia
pensadores se batiam pelas maravilhas da paz ; no « Ra-
maiana > decanta o poeta a immortalidade da virtude. Con-
tudo não Imaginamos possível a universalidade de espíritos
perfeitos, que tanto montara em acreditar que as areias do
mundo estão palhetadas de ouro. Algumas sem dúvida o
contém, mas poucas. O metal precioso lá está occulto no
âmago da pedra e, raro e occulto, ha mister um longo tra-
balho para descobri-lo. Não se confunde, destaca-se. Ainda
que disperso, não se mixtura. E si os ideaes acaso se con-
gregassem no seio das sociedades, poderiam impregna-la
apenas em sua passagem, como as correntes interoceanícas
proseguem e perduram no inflexível roteiro através a im-
mensidão oscíllante das aguas.
Não extranheís a fervida apologia da intelligencia,
quando em declive rápido me adeanto. Lá no alto as irra-
diações solares povoaram de visões phantasticas a paizagem.
De costas para a luz, na meia sombra, distinguimos bem as
linhas delimitantes, e o raio visual não se conturba trémulo.
Certo a estrada é mais triste, mas daquella tristeza salutar do
gabinete do sabío ou do claustro de Mendel, de onde uma
aurora emergiu para o mundo. Também a solidão apavora,
ou é uma realidade, somente para as almas vasias. No centro
da selva amazonica o sabío Agassiz, ao encontrar a folha de
lima Bauhinia, reconheceu nullo o seu isolamento, poís no
disco verde e mudo se revelou o nome de um compatriota.
Na investigação pura dos factos, em correctíssima projecção
byCoogIe
^153 REVISTA DO INSTITUTO HIBTORICO
objectiva, podemos alheíar-nos, numa ascendência superíof,
da f arundulagem de glorias e incompetências, que não attíngem
siquer á depuração crítica, porquanto representam a despre-
zível escoria dos tempos. Nesse labor invade-nos a despre-
occupadã sobranceria dos que sondaram o desdobrar dos
séculos. Adoptamos com facilidade a suprema religião da
renúncia. EHa deste recincto se eleva em preces recônditas.'
Aprendeu-a o membro do Instituto Histórico, que, apeado
de um throno, desceu, erecto ancião, os d^ráos do tumulo,
porque confiava «da justiça de Deus na voz da Historia >.;
Prosternaram-se perante o altar desse culto grandes Bra-
sileiros, que partiram, e outros, que hoje solícitos abrem a
porta ái minha humildade. Pequeno o espaço que venha a ser
occupado por um exfórço jâ esvanescente, mas que seja bas-
tante para que eu possa repetir- como Euripides : Nem da
esperança necessito agora: cheguei ao porto da tranquilU-
dade. »
O Sr. Conde de Afponso Celso {presidente) dá em
seguida a palavra ao sr. marechal José B&rnasdino Bor-
MANN, que lè este discurso:
«Exmo. sr. presidente — Illustres senhores — Quando,
devido á protecção de Goethe, um dos maiores i>oetas da AUe-
manha, o auctor do drama « Os Salteadores », que tão per-
niciosamente influiu na mocidade daquelle paiz, esse poeta
conseguiu a cadeira de professor de Historia, na Univer-
sidade de lena, o discurso na abertura de seu professorado
teve, pelo brilhantismo dos conceitos, um estrondoso successó.
Nesse discurso e depois nas prelecções, que se s^^íram,
em linguagem elevada estudou elle e analysou, salientando a
verdade histórica, os factos que ínfluiram no destino da
Humanidade, desde os tempos mais remotos até ao século seu
contemporâneo.
Nessas prelecções mostrou elle que os philosophos, os
políticos, os sábios, os grandes capitães encontraram na His-
toria modelos dignos de imitação.
O grande poeta, enfim, fez reviver em toda a Allemanha
o gosto pelos estudos históricos e se erigiu em historiador,
escrevendo e publicando a « Historia da Gtierra de Trinta
Annos>.
,dbyGoo<^le
ACTAS 763
Desde logo appareceram ínnumeras memorias, bií^ra-
pliias, annaes, monograpliias. chronicas, que prestaram ser-
viços aos historiadores.
Estas espécies de trabalho podem muitas vezes, como
fonte de consulta, fornecer informações que, segundo um
escriptor, dão a chave de certos enigmas, que se deparam na
Historia muito obscuros.
E como taes trabalhos versam, em geral sobre um ou
mais individuos, uma ou mais collectivtdades, póde-se talvez
dizer que a Historia, partindo de um ou mais indíviduos ou
de uma ou mais collectividade, se distende até abranger n
Humanidade; assim, ella parte do infinitamente pequeno — o
homem — para o infinitamente grande — a Humanidade.
Renan considerava a Humanidade, em seu conjuncto,
como um homem de mediana capacidade : egoísta, interesseiro
e muitas vezes ingrato.
Seja on não verdade o que dizia Renait, não ha n^r
que a principal funcção da Historia é occupar-se da Huma-
nidade.
Mas, seja-nos licito fazer uma pergunta.
Quando se deve escrever a Historia? Será em absoluto
conveniente deixar correr o tempo sobre os acontecimentos
para, com imparcialidade, o iiistoriador lavrar o seu juizo?
Dizia Napoleão aos seus bravos e fieis companheiros que
partilharam de seu exílio:
< A verdade histórica tantas vezes invocada e que cada
um appella com solicitude não é muitas vezes sinão uma pa-
lavra. Ella não pôde existir no momento dos acontecimentos,
no calor das paixões contrárias umas ás outras; e, si, mais
tarde, os escriptores estão de accórdo entre si, é porque os
interessados e contradictores não existem mais.»
Entretanto, o grande capitão julgou que devia dictar no
cxilio a Historia de seus actos públicos, isto é, a Historia de
seus actos politicos e militares, quando os acontecimentos de
sua prodigiosa carreira eram bem recentes, quando os reis e
imperadores tinham ainda bem vivas recordações das derrotas,
humilhações que soffreram pelo homem destinado a aba-
ter-lhes o orgulho: quando, enfim, tremiam ainda ao ouvir
pronunciar seu nome, e a Europa não tinha cicatrizadas com-
,dbyGoogle
764 REVISTA DO ISSTITÍTO HISTÓRICO
pletametitc as feridas de vinte annos de um combate inces-
sante.
Dictando e explicando seus actos i»liticos e militares, elle
queria deixar subsidios para a Historia, e dizia saber que
as narrações seriam combatidas ; mas perguntava : < qual o
homem neste mundo que a parte contrária não ataque e con-
tradiga ? »
Porém, continuava o grande homem, € minha vida me-
recerá tanto conceito como a de qualquer outro aos olhos do
homem sábio, imparcial, meditativo e razoável, e eu não receio
a sentença final. Existem hoje tantas luzes sobre mim que,
quando as paixões tiverem desapparecido, quando as nuvens
se tiverem dissipado, eu confio no esplendor que ha de
ficar. »
Não houve, perguntamos nós, de parte do immortal con-
quistador, receio de que, sem os subsidios que legou á * His-
toria >, os seus actos fossem mal interpretados?
Imitando o imperador, os marechaes e generaes que ser-
viram sob suas ordens, sateUites do grande astro, escreveram
e publicaram «Memorias». Os civis, diplomatas e altos
funccionarios, que representaram papel proeminente naquella
epoclia, tão fértil de acontecimentos extraordinários, também
publicaram em vida «Memorias» interessantes.
Baseado em taes documentos, o grande patriota Thiers
escreveu a primorosa obra intitulada : < Historia do Consulado
e do -Império», continuação da sua «Historia da Revolução
Franceza » .
Muitas outras obras appareceram' sobre esse período
épico da grande nação franceza. Mais tarde, Guizot, Lamar-
tine, Louís Blanc, publicaram obras acerca da revolução de
1848, que tão fatal foi a Luiz Philippe.
Estes homens eminentes haviam representado papel de
grande destaque durante o govêtrno daquelle rei. Assim,
muitos homens notáveis na Politica, nas armas, na Diplomacia,
publicaram em vida « Memorias » ; obras, enfim, sobre épochas
da < Historia » de seus paizes, em que figuraram como emi-
nentes personagens, e explicaram o motivo da conducta que
tiveram .
Entr^ar os actos ao juizq dos pósteros, seni concorrer
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ACTAS 765
com os próprios subsídios para o julgamento, pódé muitas
vezes ser um erro, que contribua para que sobre a memoria
de um homem illustre pesem injustiças. Guardar silencio
para evitar discussões, contradictas e explicações penosas,
porque as paixões ainda estão vivaa, ardentes, pôde ser com-
modo; mas, não deve assim proceder, especialmente, o homem
público. Elle não deve exquecer que tem um iiome a zelar
jp que lhe cumpre transmitti-lo ao paiz e aos descendentes sem
a menor mácula.
Quantos homens notáveis, indifferentes ao juizo dos con-
temporâneos, confiam que, depois da morte, os descendentes
saibam defende-los das injustiças de que foram victimas?
O tumulo é muitas vezes o exquecimento, e, quando o
que alli repousa não está exquecido, nem sempre os descen-
dentes, embora o queiram, podem rehabilitar-lhes a memoria^
por falta de elementos e, assim, não sabem explicar si certos
actos, por exemplo, foram filhos do character ou das cir-
cunstancias em que se achpu o individuo.
Esse inconveniente não existiria, si tivessem com since-
ridade escripto as suas próprias < Memorias».
Elias são muitas vezes a fé d'officio do homem público.
Mas, dirão: Será muito raro o auctor de suas próprias c Me-
morias» confessar nellas os erros. E' possivel, é natural que
procure dar-lhes um aspecto favorável na intenção de trans-
forma-los em acções meritórias, e assim legará á Historia
inverdades, ás vezes difficeis de serem reconhecidas.
Quando um homem eminente, mesmo ainda no calor das
paixões e luctas, publica um livro a cerca de sua conducta nos
negócios públicos, si é conciencioso, cumpre-lhe dizer a
verdade; si, porém, a procura escurecer, será em vão, porque
a Historia tem os seus processos de investigação.
Ella é como o chimico que, no seu laboratório, estuda,
investiga as propriedades de um corpo e chega a determinar
os seus elementos.
A Historia procede dessa forma: chega á verdade.
■ElIa dispõe do instrumento de analyse, denominado « Critica »
e elle tem tal importância, que a Historia, sem elle. não
c Historia: será apenas uma «-Chronica», é, como diz Cantú,
um cego que toma outro por guia.
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766 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Enfretaiito, apezar desse i>otIcroso subsidio, que é a i Cri-
tica >, difficil deve ser a missão do historiador 1
Factos de que fomos testimunhas oculares são narrados
por outras pessoas de modo inteiramente diverso e até muitas
vezes com circunstancias que absolutamente não se derani !
Imagine-se julgar factos que Decorreram ha séculos 1 St
o historiador não fôr senhor da arte da c Critica >, terá de
acceltar o juizo dos antecessores, nem sempre baseados na
verdade, na moral e na justiça. Não fará: juizo original: não
fará obra sua.
Enquanto na Allemanha, nos fins do século XVIII, os
trabalhos históricos tinham quasi cessado e só graças a
SchiDer, recuperaram a antiga actividade, em França não
amortecera o gosto por esses trabalhos ; assim é que esse paiz,
sempre na vanguarda da civilização e na realização de idéas
generosas, contar, em seus innumeros íntellectuaes, historia-
dores de grande mérito.
Em nosso paiz são raras as « Memorias » ou qualquer
outro género de trabalho, que sirva para auxilio do histo-
riador. Os homens públicos ás vezes vão á imprensa explicar
ou justificar os seus actos; mas o jornal tem uma existência
ephemera; o livro fica.
Parece que ha em nosso paiz certa aversão pela Historia,
a mestra da vida, como a definiu um grande orador da anti-
guidade; entretanto, o seu cultivo especialmente por aquelles
que dirigem ou aspiram dirigir os negócios públicos, é uma
grande necessidade, porque em suas paginas ellcs encontrarão
ensinamentos que evitarão erros e mesmo desastres. O homem
público que lembrar-se de que a Historia, oomò disse Lamar-
tine, é o Pantheon dos nomes illustres, mas também o pelou-
rinho dos nomes infames, ha de pautar os actos pelos pre-
ceitos da moral e da justiça, para que a memoria não seja
acorrentada ao pelourinho, a essa columna, emblema da igno-
minia, que a Historia ergue em suas paginas para o castigo
dos maus.
Plutarcho, tratando de Solorí, conta que esse legislador
gr^o mandou pôr em vigor uma lei, que prohibia que se
dissesse mal dos mortos, e accrescenta o illustre historiador
das « Vidas dos Varões Illustres » : « Com ef feito, é um dever
lyCoogle
ACTAa 767
religioso e sancfo o que nos faz considerar os mortos como
sagrados; a justiça manda respeitar a memoria dos que já
não existem ; a Politica mesmo não quer que os ódios sejam
eternos » ,
Sólon sem duvida exceptuava dessa lei o historiador,
IKircjue ao contrario a Grécia não leria Historia, ou, então,
esta não passaria de um panegyríco reservado aos mortos,
quer elles tivessem sido em vida verdugos do género humano
ou grandes beneméritos. Todos seriam equiparados. Sem
duvida que o ódio não deve ser immortal ; seria melhor que
não existisse no coração humano: mas como, infelizmente,
é uma realidade, que não passe ao menos do individuo odiado ;
deve ser como a pena: não ir além do delinquente.
A Historia tem immunidades, prer^^tivas: cumpre-lhe
dizer a verdade, louvar os beneméritos e estigmatizar os maus,
A [Hedade pôde perdoar os erros e mesmo os crimes dos
homens que desappareceram do scenario do mundo; a Hii-
toria não. Ella é inexorável; assim, si a piedade escreve na
lousa do sepulchro de um mau uma prece, a Historia, sí
alli tivesse de escrever alguma cousa, seria um epitaphio de
maldicçSes .
Exmo. sr, presidente ; meus senhores — Feitas estas toscas
e ligeiras considerações, é meu dever agradecer profundamente
penhorado a minha admissão nesta illustre Companhia, que
tanto se recommenda pelos seus trabalhos e patriotismo.
Si este Instituto não existisse, a Historia do nosso paiz
teria innumeras paginas em branco, porque não s3o muitos
os seus cultores, não obstante o grande numero de distinctos
lettrados e scíentistas que possuimos.
E' incansável esta patriótica e benemérita corporação.
Ella trabalha, trabalha sempre, mesmo presentemente no meio
de tantas angustias, fazendo lembrar o camponez, referido
peto illustre conde de Afíonso Calso em certa occasiâo, que,
nas proximidades do campo de batalha de Watetloo lavrava
calmamente as terras de sua herdade, indífferente ao troar
dos canhões dos combatentes.
Entretanto, meus senhores, a batalha ia decidir da sorte
de um império I
,dbyGoogle
768 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Como os bravos que nessa pugna se illustravám pela prá-
ctica de actos heróicos, não menos glorioso era o camponio
lavrando as terras de sua herdade, porque o homem extra-
ordinário, que contemplava nesse campo de batalha a queda
de seu colossal poder, sempre acreditaria haver só dous campos
dignos de gloria: um regado pelo sangue generoso do soldado;
o outro pelo suor honesto do lavrador. »
O discurso do sr. marechal Bormann é muito applaudido.
O Sr. Conde de Affonso Celso (presidente) em se-
guida dá a palavra ao sr. dr. António de Barros Ramalho
Ortigão que lè o seguinte discurso :
«Egrégio presidente, illustres confrades. Minhas se-
nhoras, senhores — Quando, no decorrer do decimo sexto
século, foi escripta e publicada a mais bella epopeia que existe
em lingua portugueza, acabava também de descobrir-se o
Brasil, incorporando-o aos vastos domínios do venturoso rei,
cujo pcriodo, em plena Renascença, marca sem dúvida a phase
mais brilhante da nação e do povo, da raça e da lingud, que
começavam então a transplantar-se para as terras ainda apenas
conhecidas do novo mundo.
O Brasil, a. terra recentemente descoberta e na qual fora
logo alçada a Sancta Cruz, era o emblema da força e da
coragem dos antigos navegadores, era o attestado de vita-
lidade da raça dos descobridores.
Os « Lusiadas », o poema extraordinário que surgia, eram
a alma dessa raça e dessa lingua, que se expandia a consagrar
os grandes feitos, tendo por divisa ao mesmo tempo singela e
grandiosa: — €Canlando espalharei por toda a parle».
O Brasil era a ultima palavra, era o resumo, era a es-
sência em que se concentrava a extensa série de descobertas
e conquistas que, « por mares nunca dantes navegados >, disse-
minavam no mundo inteiro a semente fecunda do trabalho,
da perseverança e da actividade, representada nas três grandes
forças económicas — commercid, industria e nav^ação.
Os < Lusíadas » foram a consagração dessa corrente de
factos e de idéas.
O Brasil era a terra, os < Lusiadas » eram a lingua, que
se uniam para formar um grande povo, a Nação Brasileira.
byCoogIe
ACIA8 769.
€ Enquanto a Humanidade não soube formular scientifi-
camente as leis do seu destino, — diz o auctor à\4s Farpas —
o mundo precisoif de ter uma epopeia assim como precisou de
ter uma biblia. A Biblta era o pacto transcendente das relações
do homem com o Céo e com Deus. O poema era o evangelho
das relações do homem com o homem e com o mundo. A cada
um dos cyclos das antigas civilizações corresponde um Messias
novo, um novo poeta.
Quando a Grécia federal e democrática preponderava pela
politica, pela religião e pelas artes como norma da associação
humana, cabe a Homero a missão épica .
Quando a Grécia homérica decae e a GalUa, a Hispanha,
a Africa e a Ásia se submettem á centralização romana, o
épico do mundo latino é Virgílio.
Quando a invasão dos Bárbaros destróe a unidade do
império dos Césares e entrega ao feudalismo a Europa miuda-
mente retalhada, a epopeia dispersa-sc, como se dispersa a
tradição, e fragmenta-se nas canções de Gesta.
Quando com a Renascença as relações humanas adquirem
í forma commercial, e quando para regular essas relações
novas um novo poder apparece, af firmado entre as nações pelo
regime industrial, o poeta dessa evolução é Camões. O livro
com que se encerra na Htteratura universal o período épico
da Poesia é o dos « Lusíadas » .
Do confronto entre as idéas que se expressam nos dous
factos a que me venho referindo — a descoberta do Brasil e
o apparecimento dos < Lusíadas > — resulta a noção do en-
contro e da harmonia de duas forças, uma physica, outra
moral, que a humanidade ao evoluir dos seus extensos c
superiores destinos precisa cultivar. A primeira consiste no
movimento, na energia, na acção, que le\am aos grandes
commetimentos e ás notáveis acquisições de ordem práctica;
a segunda se resume em coordenar, descrever e registar esses
actos e os auspiciosos resultados decorrentes, como por
exemplo o incitamento ás gerações seguintes que perlustram
o mesmo cammho, a cuja margem ficam, assim, os marcos
indeléveis de outra gente e de outros tempos que passaram..
E' o culto do traballio e da tradição que desse modo se
expressa e se resume nestas duas palavras : — agir e recordar .
i^toogle
770 REVISTA 00 UnTlTOTO HUTORK»
Agir é viver. Conjugam-sí as faculdades, extremam-se
os exforços do indivíduo para conseguir o melhor, e o mais
que pôde são manifestações de vida que se» põem ao senriço
da obra geral do prt^resso e da civilização.
Mas recordar é reviver. Relembram-se os detalhes desse
concurso de forças physicas e moraes; restabelece-se na me-
moria o conjuncto de factos que cooperaram na obtenção do
bom êxito; reveem-se os que nelles tomaratp parte; lamen-
tam-se, não raramente, os bons dias do passado : é a saudade.
Relatam-se e registam-se os incidentes assim rememorados e
transmittem-se, dessa forma, aos que vieram depois e ainda
hão de vir: é o inciumento, é o
exemplo
De amor dos pátrios feitos valorosos.
Em versos divulgado numerosos.
No perpassar dos annos e dos séculos, porém, o modo de
agir e de recordar se foi a pouco e pouco sistematizando e
tomando outra forma. A acção já não se exerce só nem
principalmente pelas armas. A recordação e o registo dos
factos já não inspiram epopeias.
As guerras di conquistas, os actos de intrepidez, foram
cedendo o passo aos processos tranquillos e s^uros da ex-
pansão económica dos povos. A navegação deixou de ser um
acto de temeridade e tomou-se factor normal das relações
internacionaes . O amor dos pátrios feitos já se não de-
monstra, nas edades moderna e contemporânea, só nem prin-
cipalmente pelas armas e passou a evidenciar-se também nos
exforços tendentes a melhorar cada vez mais a sorte e a
condição dos indivíduos, cujo conjuncto constitue a nação,
sejam esses exforços de ordem moral ou material, classí-
fiquem-se, embora, como scientificos e lítterarios, ou como
manifestações simples e correntes do espirito económico e
financeiro, da Iniciativa mercantil e industrial. O character
da política internacional é hoje muito menos militar do que
económico e financeiro. Ao direito da força sobrapoz-se a
força do direito, e a guerra já não se faz sinSo depois que
a Diplomacia tem dicto a última palavra.
A epopeia, por sua vez, cedeu o passo á Historia : e o
que esta r^ista já! não são só os feitos d'armaB « os aoonte-
*CT*8 7?l
cimentos políticos. As grandes e preciosas descobertas de
character scientifico e industrial, que cada vez mais augmentam
o cabedal de bem-estar e de conhecimentos dos povos; as
diversas modalidades da evolução social, distribuídas nos diffe-
rentes ramos de actividade e de progresso, são outras tantas
secções em que se divide a missão do historiador.
Bem comprehendeis, portanto, a vossa esphera de inter-
ferência no desenvolvimento e na vída do paiz, admittindo
no vosso grémio os que estudam todas essas manifestações
do crescimento das nações. Diviso, entre vós, os mais dis-
tinctos cultores dos variados ramos de conhecimentos com
que, directa e indirectamente, se relaciona o objecto desta
instituição. E' evidente, portanto, que si me abris hoje as
portas do sanctuarío, onde penetro sem ruido, daes assim
* provas de longanimidade muito maior do que a sMnma de
attributos que eu pudesse reunir para explicar a razão de ser
da elevada distincção que assim me conferis.
Occorre-me, ao dizer-vos estas palavras, a lenda bera
conhecida e divulgada, que só refiro pela propriedade com
que se ajusta ao meu caso.
Existia, em certa cidade da Pérsia, uma célebre aca-
demia cujo regulamento determinava que os seus membros
pensassem muito, escrevessem pouco e fallaisem o menoã
possivel. Por isso a denominaram Academia Silenciosa, e não
havia sabto de mérito, no paiz, que não nutrisse desejos de
fazer parte delia.
Um destes, tendo ouvido dizer na província, onde vivia
retirado, que havia uma vaga nessa corporação, apressou-se
a comparecer para a solicitar, mandando o seu cartão no qual
o pedido era expresso em quatro palavras.
O logar, porém, já tinha sido preenchido. Para dar-lhe
esta resposta, o director faz encher um co
completamente, que uma gotta a mais o fizesí
lh'o mostra com um gesto triste, sem proferir
O candidato comprehende que já não exi
sem desanimar, toma uma pétala de rosa e (
na superficie da aguai, sem que uma só gotta
Todo o mundo bate palmas a esta treplica
pretendente é accetto como suprantunerark).
DigtizBdbyGOOgle
773 REVISTà W) INSTITUTO HBTÓRICO
então, o registo da academia, no qual o recipiendario devia
inscrever-se ; e feito isso, só lhe reataria pronunciar algumas
palavras de agradecimento. EUe, porém, prefere escrever;
lança á marçem da inscripção o numero r^ular dos seus
novos confrades; colloca um zero ã esquerda e escreve por
baixo: — não valerão ttem mais nem menos.
Como a pétala de rosa no copo repleto de agua, a rainha
modesta e obscura individualidade não poderá, senhores, pro-
duzir entre vós a menor alteração; e si esperáveis benigna-
mente que o meu debil concurso pudesse trazer ao Instituto
Histórico e Geographico Brasileiro o menor accessorio á já
existente cópia de lllustração e saber, prefiro desilludir-vos
desde já.
Accolhei, entretanto, nessa formula numérica, o meu
agradecimento pela honra que quizestes conceder-me, e que eu *
recebo jubiloso ao evocar as tradições que esta casa repre-
senta em quasi oitenta annos de útil, brilhante e gloriosa
existência .
« Nel me-co- dei cammin di nostra vila , encontrei-me,
por vezes, a contemplar o exterior deste templo; e pelas
janellas largo abertas parecia-me que se coava uma luz
mais clara, e que o ar deste recincto impregnado de ondulações
suaves do passado devia repercutir os échos de uma phase, cujo
rememorar acaricia o nosso amor á pátria brasileira.
E' nesta calma atmosphera do estudo e dos livros que
o velho e magnânimo imperador, cuja effigie ainda preside ás
sessões, se comprazia em celebrar os factos e as tradições na-
cionaes no agradável convivio com os mais devotados cultores
da sciencia e das lettras.
Retrocedendo, mentalmente, aos prímittivos tempos desta
instituição, eu tinha illusào de ouvir vibrar as vozes de Araújo
Vianna, depois marquez de Sapucahi, Silva Lisboa, que era
o visconde de Cairú, José Clemente Pereira, Acaiaba de
Montezuma. também visconde de Jequitinhonha, Oliveira
Coutinho, que foi visconde de Sepetibk, e outros sócios fun-
dadores desta selecta corporação.
Mais de espaço evocava outros vultos, alguns que eu
conheci pessoalmente, cuja elevada «statura intellectual os fac
credores de respeitoso preito. Eram: Silva Paranhos (barSo,
I. Cooglc
ACTAB 773
do Rio Branco), o augmentador e delimitador do território
brasileiro; Affonso Celso (visconde de Ouro Preto) esta-
dista notável e financeiro insigne ; Joaquim Nabuco, cuja ex-
traordinária mentalidade dispensa outras referencias; Fran-
klin Dória (barão de Loreto), poeta, parlamentar e professor;
Varnhagen (visconde de Porto Seguro), a quem se deve uma
das melhores historias do Brasil; Alfredo d'Escragnolle Tau-
nay (visconde de Taunay) auctor da Retirada da Laguna;
Joaquim Manuel de Macedo, auctor da Moreninha; Araújo
Porto Alegre, Franklin Távora, Teixeira de Mello « tantos
outros, cujos nomes estão ligados a este Instituto e á vida
intellectual do nosso paiz.
Com um aceno, então, convidastes-me a approximar-me
e a vér de perto o local, onde algumas gerações teem prestado
ao paiz assignalados serviços. Entrei.
Mas o êxtase não passou. Entrecerrando os olhos eu
via, agora, as longas e alvas barbas do monarcha, que por
mais de meio século foi o guia do Brasil, através de longas
e differentes crises, para o desabrochar sereno e grandioso
no convívio das nações mais cultas, e o educador da moci-
dade que elle fazia cuidadosamente instruir, preparando os
homens da geração seguinte.
O local, porém, já não era o mesmo. Viá-o passar nos
extensos corredores do velho edifício, onde funccionava o
Externato que se honra com o seu nome, entrar em uma
das aulas, sentar-se á mesa do lente e continuar a licção.
Via-o sorrir bondoso a cada um dos rapazes que chamava
pelos nomes ao consultar a lista de presença, e
não perdia mais de vista, no percurso e até ao fim <
Neste ponto a minha alma se confrange e:
saudade, porque intervém outra memoria, para
tissima. Foi quando o vi, assim de perto, a pr
Meu pae, grande e sincero amigo do Brasil,
Portugal, mas Brasileiro de alma e coração, tinh
prevendo que o encontro occorreria : — Não proc
ximar-te; espera que as circunstancias te coltoquei
inteiramente natural, na presença do imperador. S
tecer, beija-lhe a mão; é o maior dos Brasileiros
da Nação, do teu paiz.
,dbyGoogle
774 REVISTA DO tNSmUTO HWrOMCO
£ as cousas se passaram exactamente como havia deli-
neado o meu maior e mais querido amigo.
Como é bom recordar, reviver o passado 1
Permitti, Senhores, que eu interponha aqui, sem pronun-
ciar, uma palavra que nasce no coração e morre nos lábios,
de grande e profundo affecto á memoria desse que me legou
um nome honrado, que elle soube illustrar e elevar.
Eu o quero relembrar neste momento, para mim tão
feliz, associando^ á austera solennidade da minha investidura
no honroso posto, que bondosamente me assignalastes.
Faltemos, agora, do paiz, da nossa pátria commum, k
qual devemos todo o carinho, todo o exforço, tudo quanto o
nosso concurso possa dar, para arranca-la aos sobresaltos do
momento actual, em que o desequilíbrio financeiro resultante,
por um lado, de excessivos encargos a solver, e, por outro,
de uma considerável depressão da renda, já nos levou a novo
accôrdo com os credores extrangeíros e compelliu a reincidir
na prática funesta das emissões inconversiveis e de curso
forçado.
Esta situação, a nosso vèr, não nasceu com a guerra
horrível e cruenta, em que ha mais de anno na Europa se
estraçalham paizes, que até ha pouco caminhavam na van-
guarda das nações civilizadas. Vinha se desenhando, cada vez
mais nitidamente, desde o insuccesso do empréstimo externo
de 1913, quasi todo deixado na mão dos banqueiros pelos sub-
scriptores que apenas consentiram em tomar tmia parte insi-
gnificante; defíníu-se na inviabilidade do outro empréstimo
externo tentado em 1914, para o qual se nos impunha a con-
dição do controle sobre a arrecadação e o enjprêgo da receita
pública; e acabou na suspensão dos pagamentos em espécie,
com o novo r^me de moratória, cujo prazo expira em mais
dous annos.
Não é difficil conjecturar, e o espirito público bem
apprehende, que situação se nos pôde deparar si, no decurso
desse tempo, o paíz não se achar em condições de reassumir
o pagamento, em dinheiro, dos juros da divida externa. As
enormes despesas da guerra, consumindo as reservas de ca-
pital circulante que existiam nos paizes belligerantes, entre
os quaes estão exactamente os que constituíam mais impor-
lyCoogle
ACTAi 77S
tantes núcleos das finanças c do credito, já os levam talvez
a pensar em contrahir empréstimos externos.
Dentro em pouco as reservas mundiaes podem tornar-se
escassas para acudir á exhaustão resultante desse abysmo
insaciável de vidas e de capitães.
Quando chegarmos ao termo da moratória, será também
talvez o termo da guerra; e teremos deante dos olhos a Eu-
ropa devastada, incendiada, em grande parte demolida, a pre-
cisar de reunir recursos, que ainda assim não serão bastantes,
para a restauração de tudo quanto a ferocidade humana, livre
das peias e dos liames de alguns séculos de compressora ci-
vilização, terá chegado a arrazar nesta nevrose lamentável de
anníquiliamento.
Sí, nesse dia^, os credores extrangeiros pretendessem en-
xovalhar-nos a soberania nacional que, como a honra, é ab-
soluta e intangível, sentiríamos, no intimo do nosso ser, a
revolta dos sentimentos mais nobres e mais dignos contra
esse acto deprimente. Temos por certo que, em tal emergência,
haveríamos de vêr vibrar a alma brasileira e de assistir ao
despertar do sangue de Mem de Sá, de Mathias de Albu-
querque, de João Fernandes Vieira e de "Vidal de N^reiros,
de Philippe Camarão e de Henrique Dias, que ainda corre nas
veias do nosso povo.
Não seria, porém, talvez, tão fácil renovar a situação
de direito, que se creou com o penhor da renda das alfan-
d^as aos portadores dos titulos representativos do capital
que empregamos em melhoramentos materiaes, ou simples-
mente deixamos dissipar, como o foi extirpar as situações
de facto, promovidas por Maurício de Nassau, por Coligny,
Villegaignon, Duguay-Trouín e outros que, em tempos idos,
a cobiça movera á conquista do Brasil.
A reacção efficaz e digna, no nosso caso actual,
operar-se pelo preventivo, evitando a emergência de r»
rer-se ao remédio. O tempo urge; mas, dada a capftci
recuperativa do organismo novo do nosso paiz, não nos
o diraíto de duvidar que, si houver coragem e persiste
para adoptar medida» systematicas de boa politica financ
baseada na restricção da despesa e no alargamento da rec
,dbyGoogle
776 RBnSTA DO INSTITUTO BtSTORlCO
poderemos superar este obstáculo, como já superamos outros
que se nos tem deparado na accídentada evolução até aqui
percorrida .
As circunstancias económicas do paiz, apesar de tudo,
são favoráveis. A estatistica do commercio exterior, no pri-
meiro semestre do anno corrente, apresenta o valor da ex-
portação muito approximado ao da de igii e superior ao
verificado em 1910. Temos base, portanto, onde firmar a
resistência e a reconstituição financeira.
Só nos rests, . nestes termos, comprehender que de nós
mesmos. Brasileiros, depende conjurar o perigo imminente.
Tenhamos fé nos altos e gloriosos destinos da pátria'
brasileira, mas saibamos apoía-los no nosso exforço, na nossa
dedicação e no nosso trabalho.
Veneremos as tradições da nossa terra, da nossa raça e
da nossa Hngua. Os laços assim formados são tão fortes e
tão indissolúveis, que resistem a todos os embates da fortuna
adversa .
Para sermos realmente um povo grande e forte é preciso
que nós mesmos tenhamos a consciência do valor, do acerto
e da Dpportunidade dos nossos actos.
Com estes predicados venceremos.
A Sancta Cruz, que os primitivos descobridores implan-
taram no solo abençoado da nossa pátria, defende-nos e pre-
serva da influencia nefasta da inveja, da cobiça, do despeito,
de quantos sentimentos mãos pôde gerar a alma humani
quando se transvia do bem e do dever.
IVnhamos fé, Deus protege o Brasil .
E no sacrário dos nossos corações saibamos manter ar-
dente o culto da nossa nacionalidade e dos nossos gloriosos
antepassados, repetindo com Garret estas bellas palavras que
elle poz nos lábios expirantes do cantor dos « Lusiadas » :
Suberbo Tejo, nem padrão ao menos
Ficará de tua gloria? Nem herdeiro
De teu renome?. .. Sim: recebe-o, guaròa-o.
Generoso Amazonas, o legado
De honra, de fama e brio; não se acabe
A língua, o nome portuguez na terra.
,dbyGoogle
ACTAS 777
o Sr. Conde de Affonso Celso (presidente) concede
idepois a palavra ao sr. dr. Ramiz Galvão, orador do In-
stituto, que lê o discurso que se s^ue:
Exmo. sr. presidente. Prezadíssimos consócios. Mi-
nhas senhoras e senhores. lUustre sr, dr. Fernandes FÍj-
gueira.
E' certo, certissimo, que ao entrardes nesta casa de tra-
balho e de velhas tradições chegais a um porto de tranquil-
idade, onde a quietação do estudo não é perturbada pelo
vendaval das paixões que agitam o mundo, nem pelas luctas,
ás vezes odientas e ferozes, da Politica.
Essa profunda aspiração latente, que confessais haver
alimentado, será pois satisfeita, e, si o vosso jubilo é grande,
p nosso não é menor.
A arvore symbolica do Instituto, que obedece, como todo
ser vivo, ás leis da Natureza, perde todos os annos uma parte
valiosa da sua rica folhagem, e reclama por isso mesmo re-
bentos novos, cheios de vida, abundantes de seiva, garantias
'de uma aspiração ampla, perfeita e reparadora.
Illustre coII^:a, que hoje vos inscreveis no nosso quadro,
fazendo desta sessão mais um dia festivo nos nossos annaes,
,vindes coberto de louros em árdua e nobre missão, e offe-
receis-nos como preciosas credenciaes trabalhos que honram
a vossa penna e o vosso bello talento.
Não careço perscrutar o brilhante curso gymnasial e aca-
demicd, por onde passastes festejado, nem a mim me cabe
assignalar os triumphos que haveis obtido na sciencia de
Hippocrates, exercendo esse sublime sacerdócio com a mais
notória competência e vivo applauso de vossos pares.
Não appellando tão pouco para outro género de trabalhos,
em que o vosso mérito se tenha revelado, cingir-me-hei exclu-
sivamente á especialidade que faz objecto dos estudos âesp
Companhia, e com isso terei motivo bastante para saudar-vos
com effusão e dar ao nosso Instituto cordíaes parabéns pela
solenne investidura, que hoje vos confere.
A excellente Memoria, que escrevestes para o Primeiro
Congresso de Historia Nacional, teve por assumpto fO Padre
^nlonio Vieira.
,dbyGoogle
ffi REVIBTA DO DOIITOTO HISTOItICO
E' claro que da vida desse extraordinário luzeiro da
Companhia de Jesus não podíeis tomar sinão um capitulo.
Diplomata, iheologo, orador e estadista, como bem accen-
tuastes, Vieira teve uma larga vida de excepcionaes serviços
a Deus, á Humanidade e ã Pátria; muitos volumes seriam
precisos para offerece-Io por todas as suas faces á admiração
da posteridade e particularmente á 'admiração dos Brasileiros.
Escolhestes uma phase daquella preciosa existência: o
período das missões jesuíticas por elle dirigidas, no Maranhão
e no Pari, ou, o que vale o mesmo, o periodo das maiores
luctas accesas, entre a cupidez dos colonos e o anceio pela
liberdade dos Índios, — esta causa sagrada pela qual se ba-
teram sempre os filhos de Loiola na magna questão da ca-
techese americana, — esta causa sancta que teve no exímio
padre António Vieira um dos mais exforçados e gloriosos
paladinos.
Vossa lúcida Memoria, preclaro colida, é neste par-
ticular mais um documento valioscf, que se juncta a tantos
outros trazidos á luz em defesa da nobre Companhia de Jesus,
a quem a civilização brasileira muito deve.
Entre os excellentes trabalhos que haveis produzido,
sr. dr. Fernandes Figueira, ha outro que me falia atí ao co-
ração, e é ainda um attestado vivo dos altos predicados que
vos exomam. Refiro-me aos Traços biographicos do pro-
fessor Torres Homem, que antepusestes ao PormuJarto pra-
ctíco .
Tive a fortuna de pertencer á cohorte dos discípulos da-
quelle glorioso e amado mestre, fui honrado com a sua es-
tima, e coube-me também o prazer de sentar-me depois a seu
lado no augusto cenáculo da Faculdade de Medicina do Rio
de Janeiro. Ha 47 annos que ouvi as suas licções brilhantes,
e ainda conservo nítida a lembrança do enthusiasmo da mo-
cidade de então ante a palavra eloquente e persuasiva do
mestre, ante a segurança do seu diagnostico, ante a solicitude
com que adextrava os neophytos na arte de curar.
Podereis agora comprehender quanta verdade encontrei
nestas palavras do vosso escorço biographico, que eu peço
licença para reproduzir como um echo saudoso das impressões
de minha juventude.
,dbyGoogle
Ãcrtu T19
* Modesto e desprctencioso no traje, dizeis, Torres-
Hc»nem não nutria, honra lhe seja, a ambição de se destacar
por estultas exterioridades. Mas a face banal, — de onde
entanto resumbrava algo de compassiva bondade — , a figura
commum se metamorphoseava, accesa de enthusiasmo, no
ensino da Clinica medica. A' cabeceira dos doentes as suas
phrases assumiam proporções de solennes e irrevogáveis sen-
tenças. Orando, as descrípções menos interessantes e as mais
vulgares palpitavam exuberantemente de vida, e victoriosas
levavam persuasão irrefragavel aos alumnos.
€ Possuía um poder magico na voz extensa, ampla, cheia,
que reboava sonoramente majestosa. Era uma voz que, sem
tonalidades fúnebres, se mantinha sempre grave, e pela au<
ctoridade de seu timbre impunha submissão aos que a es<
cutavam .
« Ufania do clinico são o diagnostico extreme de hesi-
tações e a therapeutica adequada e proveitosa, pontos esses
mais entranhadamente colHmados por Torres Homem na edu-
cação profissional dos seus alumnos. Com dextreza magistral
executava os processos physicos de exame. No tocante á
apalpação estava apercebido daquella persõnltche Pingerfer-
tigkeit, mais tarde assignalada por Boas. Percutia com in-
vejável perfeição, e podiam-se restar como dados inaba-
láveis as informações que revelava aquelle ouvido de helix
adherente. Na auscultação apurou ao máximo os sentidos,
tendo irresistível pendor pelo estudo das affecções thoracicas,
departamento da Pathologiá, em que culminou como sum-
midade .
< Encarada em seu todo a actividade do apreciado clinico,
talvez levianamente se julgue que foi exígua. Pondere-se,
entretanto, que neste paiz ninguém ainda a teve maior na
sciencia medica, que Torres Homem. A sua radiante gloria
pôde cifrar-se no inolvidável ensino medico, que ainda não
foi excedido, mau grado os eminentes predicados de seus
continuadores > .
E' o retrato fidelissimo do grande mestre, sr. dr. Fi-
gueira; ninguém diria melhor sobre os altos predicados peda-
gógicos desse luminar da sciencia brasileira. Esta, sem dúvida
progrediu, conquistou novos recursos therapeuticos, que ha
lyCOOglC
78o RETI8TÁ DO mStmiTO HIBTORtCO
30 annos não eram conhecidos ou mal bruxoleavam no ho-
rizonte do saber humano. Mas, do seu tempcf. Torres H(Mnem
foi effecti vãmente astro de primeira grandeza, e o vosso tes-
timunho é mais uma confirmação do distincto critério cx>ía
que sabeis aquilatar, respeitar e amar o passado.
Com estas virtudes vindes ptestar-nos um inapreciável
concurso.
Aqui vos aguardamos cheios de confiança: aqui, inter
toedia el labores da vossa profissão encontrareis um azado
remanso para prestar óptimos serviços á Historia Pátria c
ás lettras brasileiras, em cujo nome vos saúdo.
Sr. marechal Bernardino Bormann:
Entraes nesta casa de estudiosos e patriotas com uma fé
de officio brilhantissima.
Applaudido na guerra e na paz tivestes ensejo de escrever
com a própria espada um dos mais gloriosos capítulos da
nossa Historia, arriscando a vida preciosa nesses porfiados
combates em que, defendendo os brios da nossa bandeira,
- levámos ao mesmq tempo a liberdade a um povo ermão e
valente, que o capricho feroz de um déspota sug^estionara
e quasi escravizara.
Laureado nos prélios da campanha do Paraguai, vol-
vestes aos labores da paz, e ahi, ajudante de ordens do emi-
nente Caxias durante o seu ultimo ministério, depois sub-
chefe e chefe do Grande Estado Maior do Exercito, e por
fim ministro da Guerra e ministro do Supremo Tribunal
Militar, occupastes com distincção altos postos de sacrifício,
pelos quaes passou impolluto o vosso nome, e com os quaes
grangeastes a estima e o respeito dos vossos conterrâneos.
De accôrdo com o pensamento, que considero muito sa-
lutar e legitimo, pensamento que ha pouco externastes em
vossa oração inaugural, não quízestes guardar em silencio
feitos em que havieis tomado parte, de que fostes testimunha
ocular e para cuja elucidação podieis concorrer com a ga-
rantia de vossa palavra honrada de general brasileiro. Es-
crevestes a Historia da guerra do Paraguai, em cujos lances
se haviam passado os dias de vossa primeira mocidade.
Oxalá tivessem procedido egualmente tantos outros sol-
dados gloriosos, que se illustraram naquella pugna vivaz e
byCoogIe
&CT&9 7^1
mortífera, 'reriamos depoimentos seguros e preciosos, como
a bella Retirada da Laguna, em que foi parte o nosso sau-
doso e benemérito Alfredo Taunay; teríamos luz bastante
para exclarecer dúvidas que sempre subsistiram na apreciação
de homens, planos e acontecimentos, que decidiram por vezes
desta ou daquella phase da longa e memorável campanha.
Dizeis com grande acerto que essas memorias escriptas
pelos próprios actores do drama são da maior valia para o
julgamento definitivo da Historia. E' quando ainda vivem os
contemporâneos, é quando se não pôde faltar á verdade sem
o protesto caloroso dos que também assistiram ou tiveram
parte nos successos, é então que a Justiça falia mais alto e
a verdade se apura melhor.
Em outros livros, digno coUega, haveis trabalhado egual-
mente para a elucidação de nossa Historia militar. Para o
nosso recente Congresso de Historia Nacional contribuístes
com material valioso.
Tendes finalmente um rico manancial nos documentos
de vossa longa vida pública de quasí meio século devotado
ao serviço do paíz.
Trazei-nos, trazei-nos outras jóias para o címelio sagrado
do Instituto, que vos accolhe jubiloso e ufano como a um
benemérito propugnador das nossas glorias.
Sr. António de Barros Ramalho Ortigão:
«A epopeia cedeu o passo á Historia» acabais de dizer,
e eu sou convosco.
E' positivo que os grandes e preciosos descobrimentos
de character scientifico e industrial, e < que cada vez mais
augmentam o cabedal de bem estar e de conhecimentos dos
povos; as diversas modalidades da evolução social, distri-
buídas nos differentes ramos de actividade e de progresso,
são outras tantas secções em que se divide a missão do his-
toriador ».
Eis exactamente o motivo do nosso desvanecimento, ao
vermos que vos dignastes acudir ao reclamo do Instituto
Histórico, vindo abrilhantar o nosso quadro social para co-
operar comnosco nesta província de estudos especiaes, que
representa hoje boa parte do largo território da Historia
pátria.
,dbyGoogle
76> REVISTA DO INSTITUTO B18T0UC0
Com singular modéstia lembrastes o famoso conto da
Academia persa. Permitti que não acceite o « símile >, visto
que não sois um simples petalo de rosa a fluctuar no copo
repleto d'agua, nem tão pouco se possa acquíescer ao vosso
qualificativo de zero á esquerda do numero, que lhe não
altera a grandeza.
Sois, ao envez disto, de hoje em deante uma das mais
fragrantes flores do nosso jardim social, si jardim me é licito
denominar esta assembléa de Brasileiros graves ou encane-
cidos no servi<^ da Fatrja e das lettras.
Em vossa bella oração, prezado e distincto patrício,
alludis ao assumpto de vossos estudos predilectos — a questão
económica e financeira — de tão capital importância para o
bem estar da nação, assumpto que neste difficil momento
mais deve preoccupar o espirito dos patriotas, porque delle
depende a honorabilidade do nome brasileiro, que todos de-
vemos zelar como um património sagrado.
Accentuais com sobeja razão a necessidade imperiosa de
se prevenir a emergência de um vexame nacional. Bom e
avisado filho desta querida terra, dais o atartne contra o
perigo, como o celebre mestre da frota portugueza que de-
mandava a índia:
Alerta, disse, estai, que o vento cresce
Daquella nuvem negra, que apparece.
Patriota ardoroso, não vos colhe todavia o desânimo; e
esta situação d'alma deve merecer o nosso applauso sincero,
porque já outro perigo superámos, e não é crivei que os filhos
da terra de Sancta Cruz, exquecidos da licção de Murtínho e
Campos Salles, deixem que se sacrifique por culposa inad*
vertencia o destino de um grande povo, sempre fiel aos seus
compromissos, sempre fiel aos díctames da honra.
Si o momento é angustioso, a boa politica financeira,
baseada, firme e inabalavelmente, na restricção da despesa
e no alargamento da receita, poderá conjurar, conjurará de
certo o escolho que nos ameaça e para onde nos conduziram
a má politica e as facilidades da incompetência.
Sim, faz-se mister uma grande coragem e um ardente
sentimento patriótico. Mas eu repito convosco : c Tenhamos
fé. Deus protege o Brasil >j,
DigtizedbyGOOgle
o generoso Amazonas, obediente ao reclamo de Garret,
guardará o legado de honra, de fama e de brio.
Senhores. Por singular e fehz coincidência, honrou-se
hoje o nosso Instituto com a posse de três distinctos bata-
lhadores que vieram abrilhantar as nossas fileiras, oriundos
de campos diversos, mas unidos todos pelo laço precioso e
indissolúvel do amor da Pátria commuhi, e todos elles já
laureados por serviços relevantes prestados em ^orioso tiro-
cínio profissional. Um symboHza a sciencia da vida; outro,
a garantia e defesa da honra nacional ; o terceiro, não menos
illustre, propugna os salutares principtos da Economia po-
litica, que devem servir de norma á conquista da riqueza
páblica — fundamento da ordem e do progresso, lemma da
nossa bandeira.
Aquelle estuda e preside ao solido preparo da geração,
que tem de intervir amanhã nos destinos do paíz com a luz
de seu espirito e a robustez de seu braço. Este, já experi-
mentado nos campos de batalha em que se illustrou ao lado
de grandes capitães, e já encanecido na faina da adminis-
tração militar, traz-nos o fructo sazonado de seu saber e
licções prácticas de civismo. Este outro, finalmente, financista
emérito, investigador paciente e exclarecido, accende a luz
que, descobrindo e revelando erros do passado, deve servir
de pharol aos honrados timoneiros do presente e do futuro
para que a nave do Estado transponha a salvamento as syrtes
perigosas que a ameaçam nesta hora critica de sua derrota
por mares agitados e duvidosos.
Bem hajam todos três dignissimos Brasileiros, que en-
cerram o cyclo de 1915 com tamanho brilho, robustecendo a
nossa cohorte com forças vivas de notável talento e trazendo-
nos o precioso contingente do patriotismo, da experiência e
do saber.
O escalpelio, a espada e a penna, aqui se enlaçam neste
dia para gloria nossa e a bem da Historia da Pátria, O es-
calpelio dissecará as tradições e o depoimento dos archivos;
a espada, á maneira de buril, insculpirá na lousa do passada
as glorias nacionaes; a penna registará para a posteridade
os feitos heróicos e brilhantes das gerações que se foram
,dbyGoogle
784 REVISTA DO INSTITUTO «IBTOIUCO
e da que hoje labuta com intrepidez pela salvação e pela
grandeza do nosso amado Brasil.
Súlvete, batalhadores illustres I »
O discurso do sr. dr. RamJz Galvão recebe grandes e re-
petidos applausos.
Logo depois o Sr. Fi,f.iuss {secretario perpetuo) pede
a palavra e lê a seguinte allocução:
€ Meus caros confrades — Seja-me licito, ao menos uma
vcz, prevalecer-me do facto de ter sido auctor de uma das
tentativas que se traduziram em triumphos para o nosso In-
stituto.
Coube-me a honra de propor a convocação do Primeiro
Congresso de Historia Nacional, cujo êxito excedeu de muito
ás espectativas mais sympathicas e ainda maís se affirmarã
nos cinco volumes, em que apparecerão os trabalhos offe-
recidos, muitos dos quaes se impõem a grande louvor.
Pois bem: quero neste instante dirigir-vos a palavra
como promotor e secretario geral que fui daquelle Congresso,
Pelo regulamento que approvámos cabe ao presidente do
Instituto Histórico e ao presidente do Congresso a medalha
de ouro mandada cunhar em commemoração do brilhante em-
prehendimento.
E' um direito incontestável, que assiste aos dous illustres
personagens .
Nada im|jede, porém, ao Instituto accrescentar e esse di-
reito uma homenagem de agradecimento aos serviços pres-
tados pelas duas figuras que mais cooperaram para o pa-
triótico successo da patriótica empresa, credores, em tudo, do
respeito unanime desta Casa.
Acceitando a herança dííficillima de Rio Branco, o actual
presidente do Instituto mantém intacto o alto prestigio que
tanto characterizou a administração do grande Brasileih).
Ninguent, com effeito, no momento reunia, nesta associação,
como o sr. conde de Affonso Celso, melhores condições
para a successão de Rio Branco.
Aos seus múltiplos predicados íntellectuaes, Affonso
Celso contava — contará sempre — , os elementos representa-
tivos, que o tornaram desde cedo luna das personalidades mais
justamente queridas e acatadas do nosso paiz. E não é pre-
,dbyGoogle
ciso dizer dos seus attributos de coração, que esses não ha
quem os deixe de proclamar.
Ramiz Galvão, o presidente eífectivo do Congresso, teve
também que assumir um posto, cujo desempenho no Instituto
tem sido sempre uma eschola de eloquência, em que luziram
Porto Alegre, Macedo, Taunay, Nabuco, para só fallar nos
mortos.
Coube-lhe, porém, substituir immedíatamente a um orador
de raça, dos mais apreciados, cujas manifestações da palavra
f aliada possuem todos os encantos.
E a tribuna continua aqui com a mesma intensidade de
brilho, vasadas as orações nos mais puros moldes da nossa
lingua.
A Rio Branco — como presidente — Affonso Celso; a
Affonso Celso — na oratória — Ramiz Galvão, ambos
A receber de nós tributos grandes.
Assim, peço aos illustres confrades que me accompanhem
nesta demonstração aos dous egrégios consócios, entr^an-
do-lhes, entre applausos, as medalhas de ouro, cuja insígnia
— Priora disquirendo patriam coiimus — elles teem sabido
traduzir com altivez e talento, dando o bello exemplo de que
para elles, sobre os gosos da vida:
Ha mais alta missão, mais alta gloria: —
O combater, á grande luz da Historia.
Estas palavras do sr. Fleíuss provocam unanimes palmas
do auditório que, sempre applaudindo, assiste á entrega das
medalhas.
Os Srs, Conde de Affonso Cetso e Dr. Ramiz Galvão
agradecem commovidos esta homenagem do Instituto, levan-
tando-se em seguida a sessão, ás 22 horas.
Roquetie PintOj
a" secretario.
,dbyU.OOgle
?66 RETISTA DO INSTITUTO HI8T0IUC0
Acta da septima sessÃo ordinária, hm 12 de outubro de 1915
Presidência do sr. conde de Affonso Celso
A'5 20 1/2 horas, na sede social, abre-ae a sessão, com
a preKti^ dos seguintes sócios:
Srs. conde de Affonso Celso, dr. Benjamin Franklin
Ramiz Galvão, Max Fleiuss, dr. Manuel Cicero Peregrino
da Silva, barão Homem de Mello, dr. Homero Baptista, dr.
Miguel Joaquim Ribeiro de Carvalho, dr. Pedro Souto Maior,
conselheiro Salvador Pires de Carvallio Albuquerque, dr. João
Coelho Gomes Ribeiro, dr. Alfredo Rocha e dr. AnttHiio
Fernandes Figueira.
Aberta a sessão, o sr. dr. Pedro Souto Maior, servindo
de 2" secretario, procedeu á leitura da acta da sessão anterior,
a qual foi approvada sem debate.
O Sr. Fleiuss (/° secretario perpetuo) communica ao
Instituto que acaba de lhe chegar ás mãos um telegramma
do illustre consócio, sr. dr. Hélio Lobo, digníssimo secretario
do sr. presidente da Republica, declarando que s. ex. re-
ceberá na próxima quinta-feira, 14, ás 14 h. e 45 minutos, a
commissão do Instituto, que o irá convidar para a sessão
magna, a realizar-se no dia 21, ás 21 horas.
O SR. PRESIDENTE nomêa para esse fim a seguinte com-
missão : srs. drs. Raraiz Galvão, Fleiuss e Manuel Cicero.
- O Sr. Fleiuss justifica a ausência do 2° secretario,
sr. dr, Roquette Pinto.
O mesmo sr. secretario perpétuo lê o seguinte parecer
da Commissão de Historia :
— < Õs vários e interessantíssimos trabalhos que tem pro-
duzido o sr. Ernesto da Cunha de Araújo Vianna, distincto
professor da Eschola de Bellas Artes, sobre a evolução es-
thetica do Brasil, especialmente no que diz respeito á Pintura,
Esculptura e Architectura, justificam á saciedade a proposta
do seu illustre nome para a matricula no quadro de sócios
effectivos do Instituto Histórico e Geographico Brasileiro.
.abrilhantado, desde os seus primeiros tempos, pela fina
flor da intellectualidade patrícia, nunca este antigo e bene-
mérito grémio se olvidou de desempenhar o culminante papel
.,Coogle
ACTAS 787
de preniiador de todos os exforços elevados e de solicito im-
pulsor de todos os espíritos de escol, votados ao progresso
da nossa vida cultural, Eutrc os que no seu seio represen-
taram então, com imperecível yloria, o departamento da-
quellas artes, coQta-se o barão de Sancto iXngelo, Manuel de
Araújo Porto Alegre, iroeta e pintor, a quem se pudera ri-
gorosamente applicar, no sentido mais sympathico da ex-
pressão, o conceito do velho Horácio:
Pictoribi» atquc poelis icmpcr fuit aeqiu polous
pois que visaram sempre a traduzir-se em obras primas,
tanto nas ríinas como nas cores, os seus livres e espontâneos
ousios .
E' innegavel a rela<;ão das producções artistícas com o
ramo da Dynamica social que particularmente cultuamos neste
templo; tanto sãó fontes históricas os annaes, as chronicas, os
livros de linhagens, como as telas e as estatuas, como os ce-
nóbios e as cathedraes. £ como as manifestações estheticas
constituem apanágio das civilizações depuradas no cadinho da
multimillenaria trajectória humana, romplexa é a sua apre-
ciação integral que demanda sólidos conhecimentos practicos
e fortes estudos de Sociologia, — donde a notória escassez
dos nossos criticos de arte, dignos de tal nome.
Ora, o sr. dr, Araújo Vianna, diplomado pela Eschola
Polytechnica, consagrou a sua exclarecida mentalidade desde
annos muito em flor ao estudo e ensino das Bellas-artes e á
analyse do que a tal aspecto se tem feito em nosso paiz.
Em uma das melhores revistas illustradas que sui^iram nesta
terra, A Renascença, deu elle á estampa curtas, mas verda-
deiras monographias (vejam-se, entre outros, os números de
Março de 1905, Abril de rgo6 e Julho de 1907 da citada pu-
blicação), nas quaes, além de pacientes estudos sobre as
vetustas egrejas desta Capital, aprofundou pesquisas sobre a
fulgurante plêiade franceza que, no primeiro quartel do
século XIX, isto é, quando occorreu o que Silvio Romero
tão adequadamente denominou de < inversão brasileira », veiu
iniciar a nossa gente nos arcanos da perfeita elaboração ar-
tística e ailoriiar a nossa metroix>le com os primores esthe-
lyCoogle
7™ HEVISTA DO INSTITUTO lUSTORKO
ticos vasãdos travez a iiiexcedivel concep(;ão peculiar da alma
latina.
Taes escriptos', onde se ])atenteia observador abatisado
e onde superabundani dados históricos denunciativos de in-
vestigador consciencioso, bastariam a franquear uma curul
deste sodalicio ao sr. dr. Araújo Vianna, Mas o nosso ope-
roso compatriota houve por bem de aureolar-se de novo
titulo áquelle galardão : — seu curso, quasi a terminar,
sobre as Artes plásticas no Brasil em geral e no Rio de Ja-
neiro em particular, obra jmí generis, completa c curiosa,
que está suscitando unanime admiração", merecendo calorosos
applausos por parte de quantos teem tido a ventura de ouvil-o,
e que, uma vez incluído na « Revista >, firmará ainda
mais inabalavelmente a merecida nomeada do provecto cathe-
dratico.
Assim, a commissão abaixo assignada é de parecer que
o Instituto Histórico e Geographico Brasileiro, acceitando
as credenciaes tom que se lhe apresenta o sr. dr, Araújo
Vianna, além de a este fazer justiça, muito lucrará com a
collaboraçào de quem tem posto em prova tanta competência
esi>ecial em um esgalho tão difíicil, e por isso mesmo tão
lK>uco explorado, da evolução intellectual - da nossa nacio-
nalidade. O neto do marquez de Sapucahi, que por tanto
tempo e tão superiormente presidiu a este cenáculo, onde
á sua veneranda men«oria é preiteada a mais profunda e
inalterável gratidão, longe de desluzir o rutilo estemma espi-
ritual que herdou, virá antes augmentar-lhe o brilho e hoii-
rar-lhe as excelsas tradições.
Rio de Janeiro, 9 de Outubro de 1915. — Basílio de Ma-
galhães, relator. — Clóvis Bevitacqiia. — Viveiros de Castro. *
O parecer é unanimemente approvado e com a proposta
remettido á Commissão de Admissão de Sócios, sendo relator
o sr. dr, Miguel de Carvalho.
O Sr. Fleiuss (/• secretario perpetuo) lê os seguintes
pareceres da Commissão de Admissão de Sócios:
— «A Commissão de Admissão de Sócios applaude in-
teiramente a eleição para sócio correspondente do illustre
sr. dr. A. Velloso Rebetlo, cujos predicados de cha^ctei*
são sobeja e vantajosamente conhecidos.
DigtizBdbyGOOgle
m:t.\b 789
Rio, ir de Outubro de 191 5. — Manuei Cícero, relator.
— Miguel Joaquim de Carfalho. — Ramiz Galvão. >
— «A Commissão de Admissão de Sócios nada tem a
oppor á eleição do sr. J. Cervaens y Rodrigiiez para sócio
correspondente.
Rio, II de Outubro de 1915. — Miguel Joaquim Ribeiro
de Carvalho, relator. — Manuel Cícero. — Rami: Galvão. >
O Sr. Condk de Affonso Ciílso {presidente) declara que
vae mandar correr o escrutiuio para votação não só desses
dons iiareceres, como dos relativos aos srs. dr. Juliano Mo-
reira e d. Juan José Biedma, lidos na sessão anterior.
Corrido o escrutinio, são a])provados |KJr unanimidade
os pareceres relativos aos srs. drs. Juliano Moreira, A. Vel-
loso Rebello. d. Juan José Biedma e approvado o relativo
ao sr. J. Cervaens y Rodriguez.
O Sr. Condk [>e Affonso Celso {presidente) proclama
sócio effectivo do Instituto o sr. dr. Juliano Moreira e
sócios correspondentes os srs. dr. A. Velloso Rebello, d. Juan
José Biedma e J. Cervaens y Rodriguez.
O Sr, F1.EIUSS (í" secretario perpetuo) justifica depois
a seguinte proposta:
« Notórios são os serviços que ao Instituto Histórico e
Geographico Brasileiro tem prestado o Jornal do Commcrcio ;
assim proponho que o Instituto confira ao mesmo jornal
uma medalha de ouro do Primeiro Congresso de Historia
Nacional, que também encontrou neste respeitado orgào de
publicidade o maior apoio,
Approvando o Instituto esta proposta, o sr. presidente
nomeará uma commissão para a entrega da medalha ao di-
rector è ao redactor-chefe do Jornal.
Sala das Sessões. 12 de Outubro de 1915 — FIciuss.*
O Sr. Condr de Affonso Celso {presidente) põe a votos
esta proposta, e sendo unanimemente approvada, nomêa a
seguinte commissão: Fleiuss. Manuel Cícero e Homero Ba-
ptista.
O Sr. Fleiuss (/" secretario perpetuo) diz que o In-
stituto soube, graças ao decisivo apoio do egrégio sr. conde
de Affonso Celso, dar plena execução á idéa do eminente
consócio sr. dr. Manuel de Oliveira Lima, quanto á Eschola
«ibyCoogIe
790 REVISTA DO INSTITOTO IIISTORICO
de Altos Estudos. O próprio sr. dr. Oliveira Lima, em re-
petidas cartas ao orador, tem manifestado o seu grande
applauso, reconhecendo que os brilhantíssimos cursos rea-
lizados no Instituto pelos srs. Basílio de Magalhães, Aurelíno
Leal, Pinto da Rocha, Viveiros de Castro, Ramalho Ortigão
e Araújo Vianna constituem a eschola que projectara.
Pensou o orador em dar uma systematização a esses
cursos e nesta conformidade, sempre prestigiado pelo sr. pre-
sidente, pediu ao sr. Oliveira Lima que organizasse um pro-
gramma dos trabalhos para o anno vindouro. Acaba de
receber do illustre consócio um esboço desse programma,
accompanhado das seguintes linhas:
< FelicitOH3 mais uma vez pela brilhante iniciativa dos
cursos do Instituto e mando-lhe incluso um resumo do pro-
gramma da Eschola de Sciencias Politicas e Administrativas
feito pelo Delgado de Carvalho, de um trabalho maior que
elte elaborou, Penso ser óptimo esse programma. Aproveita
dos programmas da Eschola de Sciencias Politicas de Paris,
da E'cole des Hautes Etudes Commerciales e da Ijondon
School of Economic and Politicai Science a indispensável
parte technica, reduzindo-a a suas menores proporções. Adapta
os referidos programmas ás necessidades da administração
brasileira, facilitando aos nossos estudantes as funcções pú-
blicas, ao jornalismo e á vida politica. Além das trez secçSes
mencionadas, poderia haver uma secção geral formada pelo
próprio candidato, segundo suas necessidades, pela combi-
nação dos três pr<^rammas. Agrupando os cursos congéneres,
poder-se-hia fazer com que ficasse entre as mãos de oito a
IO professores, não ficando qualquer delles com mais de
duas prelecções por semana. Qualquer cousa que se faça é
de simples justiça referir e publicar que quem elaborou o
programma do curso foi o Delgado de Carvalho, que está
prompto a dar todos os exclarecimentos a respeito. >
« Propõe, pois, o orador que o Instituto approve desde
já a creação da Eschola, ficando o illustre sr, presidente au-
ctorizado a dar-lhe execução, para o que nomeará uma com-
missão, incumbindo-a do estudo do projecto e do preparo
do regulamento que será submettido á sancção do mesmo
sr. presidente.
,dbyGoogle
ACTU 79>
c Passa a lêr o projecto enviado pelo sr. Oliveira Lima :
— €A Bscoia de Sciencias Politicas é destinada a pre-
parar funccionarios para os ministérios do Exterior, da Fa-
zenda e da Agricultura, Industria e Commercio e para as
administrações estadoaes.
Para a inscripção aos cursos da Eschola (com o fim de
obter o diploma), são necessários a edade de i6 annos e
um attestado de exame, nacional ou extrangeíro, julgado suf-
ficiente pelo director da Eschola.
Os estudos serão de dous annos e comprehenderão an-
nualmente cursos de 20 a 25 prelecções sobre as matérias
do pragramma.
A Eschola é formada de trez secções : diplomática, finan-
ceira e económica. Cada secção abrange prelecções ou cursos :
o) fundamentais (2 annos consecutivos) ;
b) regulares que sào obrigatórios para o exame;
c) facultivos, isto é, cursos que podem ser substituidos,
em cada secção, por cursos regulares de outras secções, com
a approvação escripta do director da secção em que deseja
o estudante ser diplomado.
As notas de exame, no fim de cada anno, serão dadas
de o a 20, sendo necessária, para approvação, a média geral
de 10, A frequência sexk levada em conta. > — No ultimo
anno, as Iheses (composições escriptaS, de 50 paginas, em
média) serão obrigatoriamente sobre assumptos nacionaes. —
Para o diploma não haverá concurso, mas unicamente uma
classificação dos diplomados.
O diploma de cada secção, exigindo conhecimentos effe-
ctívos e practicos, constituirá, em consequência, uma reoim-
mendação para a administração pública.
Além dos estudantes matriculados, serão admittidos au-
ditores em conformidade com o regulamento. — Em cada anno
lectivo a directoria convidará notabilidades nacionaes ou
extrangeiras para séries de cursos extraordinários (no pro-
gramma ou fora delle) e admittirá privat-docencia.
I. Secção Diplomática — Primeiro e segundo anno —
Historia Diplomática (2 annos, curso fundamental); His-
toria da America (curso regular) ; Direito Internacional Pu-
,dbyGoogle
793 REVISTA DO INSTnTJTO HISTÓRICO
blico {curso riflar) ; Direito Intemacíonel Americano
(curso regular).
Direito Internacional Privado (2 annos, curso facul-
tativo) : Direito commercial (curso regular) ; Organização
diplomática (curso regular) ; Economia politica (curso facul-
tativo) ; Economia nacional (curso facultativo) ; Geographii
commercial (curso facultativo).
Serão especialmente estudados, nestes cursos, os as-
sumptos seguintes:
Historia diplomática de 18^15-1915 — O Congresso de
Vicnna. — A Sancta Alliança. — As nacionalidades no sé-
culo XIX, — As questões do Oriente e do Extremo-Oriente.
— O equilibrio europeu, etc.
Historia da America — Descobrimento, conquista e in-
dependência argentina depois de Mitre. — Chile e Balma-
ceda. — México e Porf irio Dias. — Os Estados Unidos. —
Constituições americanas comparadas.
Historia diplomática do Brasil — A America portugueza,
Tordesillas e Madrid. — Emancipação. — D. Pedro I, d. Pe-
dro II, questão ingleza. — Relações com os paizes americanos.
— Delimitação territorial.
Organização diplomática e Prolocollo — Serviço diplo-
mático e consular. — Missões. — A Secretaria. — Correspon-
dência diplomática. — Officios, etc.
Direito Internacional Publico (programma clássico).
Direito Internacional Americano — Relações inter-amc-
ricanas. Bolívar, Monroe. — O Pan-amerícanismo e seus Con-
gressos. — A questão venezuelana, Drago. — O Brasil cm
Haia. — Questões de nacionalidade no Direito americano. —
Questões pendentes. — Tacna e Arica.
Direito Internacional Privado (programma clássico).
Direito Commercial (idem).
Economia Politica (idem).
Geographia Commercial, especialmente do Brasil.
Economia Nacional — A era colonial e o monopólio. —
D, João Vr e a abertura dos portos. — O Brasil independente
e unitário. — Abolição. — O Brasil republicano c federativo.
— Crises. — Colonização. — Valorização.
,dbyGoogle
ACTAS 793
II. Secção Financeira — Primeiro e segundo (mno —
Finanças Publicas {2 annos, curso facu3*ativo) ; Historia
financeira do Brasil (curso regular) ; Moeda, Credito, Cam-
bio (curso regular); Impostos (curso regular); Operações
bancarias (curso regular).
Contabilidade e éícripturação — (2 annos, curso facul-
tativo) : Economia Politica (curso regular) ; Direito Ctmi-
mercial (curso facultativo) ; Economia Nacional (curso fa-
cultativo) ; Geographia Commercial (curso facultativo).
Finanças Publicas — Theoria do Orçamento. — Periodo
orçamentário. — .Verbas. — Systemas comparados. — Despe-
sas publicas. — Credito. — Divida publica. — Finanças Esta-
doaes e Municipaes. — Fiscalização.
Historia Financeira do Brasil — Finanças Coloniaes. —
Primeiro Banco do Brasil. — Reformas de 1833 e 1846 —
Lei de 1853 — Crises — Abolição e meio circulante. — Lei
de 1890. — Emissões. — Ensilhamento. — O Funding loan,
— Caixa de Conversão, — Estudo da Divida pública actual.
Moeda, Credito, Cambio — FuncçÕes da moeda, me-
taes preciosos. — O Ouro. — Circulação fiduciária. — Papel-
moeda, curso forçado. — Cambio sobre Londres. — Systemas
monetários. — Reformas na Rússia. — Estados Unidos. — In-
do-China.
Operações bancarias — Capitães. — Depósitos. — Des-
conto. — Bancos de emissão. — Contractos liypothecarios. —
Operações da bolsa. — Especulação. — Bolsas do Rio c de
S. Paulo. — Organização bancaria. — Bancos de Estado. —
Banco do Brasil. — Arithmetica bancaria.
Impostos — Noções históricas e legislação tributaria, —
Contribuições directas e indirectas. — Taxas. — O imposto
territorial nos Estados. — Imposto de importação. — Tarifas,
pauta, — razão, % ouro. — Imposto de consumo. — Estudo
comparativo; Inglaterra, França e Estados Unidos.
Contabilidade e escripfuraçãa — Jornal. — Balanço. —
Entradas duplas. — Verbas dos dif ferentes niini.<«terios. —
Thesouro. — Collectorias. — Casa da Moeda. — Delegacia de
Londres. — Alfandega; etc.
Economia Politica — (Vide acima, Secção Diplomática),
,dbyGoogle
794 RBVI8TA DO WaTlTUTO lUSTOlUCO
Economia Nacional r- (Vide acima, Secção Diplomática).
Direito Commercial — (Vide acima, Secção Diplomática).
Geographia Commercial — (Vide acima. Secção Diplo-
mática).
III. Secção Económica — Primeiro c segundo anno —
Questões Agrícolas e Industriaes {curso facultativo) ; His-
toria Económica (curso regular) ; Colonização comparada
(curso regular) ; Economia Commercial (curso regular) ;
Economia Nacional (curso regular).
Geographia do Brasil — (Curso facultativo): Economia
Politica (curso facultativo) ; Direito Commercial (curso fa-
cultativo) ; Estudo das Mercadorias (curso r^ular) ; Geo-
graphia Commercial (curso facultativo) ; Questões Agrícolas
e Industriaes. — Occupação do Solo. — Culturas. — Matas.
— Propriedade: Sesmarias, fazenda, sitio, lote. — A Agri-
cultura, defesa agrícola. — O café, o cacâo, o trigo, etc —
Culturas industriaes. — A borracha e a concurrencia. — In-
dustria nacional.
Economia Commercial — Pesos e medidas. — Preços, os-
cillações. — Mercados. — Os transportes e as tarifas. — Via-
ção, navegação, estradas, vehiculos. — Methodos de compra
e venda. — Mechanismo das valorizações. — Crises commer-
ciaes. — Estudo especial do mercado do Rio,
Historia Económica — Era de navegação fluvial (As-
syria, índia). — Era de navegação marítima em mares es-
treitos. — Commercio medieval. — Era de navegação oceâ-
nica. — O mundo portuguez. > — Era industrial. — A Revo-
lução, as macliinas. — A organização capitalista, a concen-
tração,
ColonisaçÕo Comparada — As migrações humanas livres
e forçadas. — Regulamentos comparados. — Obras dos In-
glezes na índia, no Egypto. — Politica Americana, — Aus-
trália. — Nova Zelândia. — Indo-China. — Ai^lia. — Argen-
tina. Leis federaes e estaduaes no Brasil. — Elementos eu-
ropeus : restricções.
Geographia da Brasil — Clim5,tologia detalhada. — Re-
giões naturaes. — Brasil meridional. — Geographia económica
e social,
,dbyGoogle
ACTA! 795
Estudos das Mcrccrdorias e Organização da Secretaria
da AyriculUtra — (Conhecimentos practicos).
Economia Nacional — (Vide acima).
Economia Politica — (Vide acima).
Direito Commercial — (Vide acima),
Geographia Commercial — (Vide acima).
O Sr. Conds dk Apfonso Celso {presidente) pÕe a
votos a proposta apresentada pelo Sr. I° Secrrtario Picr-
PETuo, quanto á creação da Eschola, e sendo esta unanime-
mente approvada, noméa a seguinte commissão para estudar
detidamente o projecto, propor as alteraçSes que se fizerem
necessárias c elaborar o respectivo regulamento, composta dos
Srs. Ramiz Galvão, Fleiuss, Epitacio Pessoa, Manuel Cícero,
Viveiros de Castro, Augusto Tavares <ie Lyra, Gomes Ri-
beiro, Homero Baptista, Pinto da Rocha e Miguel Calmon.
O Sh, Dr, Gomes Riheiro lê depois um trabalho de sua
lavra sobre o antigo rio do Brasil, prioridade do nome —
Brasil — nos mappas do século XVT. — O mappa de Jero-
nymo Marini — do qua! o sr. dr. Lauro Miiller, digno mi-
nistro das RelaçSes Exteriores, offereceu um exemplar em
fac-simile ao Instituto. Pede o sr. dr. Gomes Ribeiro que
uma Commissão do Instituto dê parecer sobre esse mappa.,
O Sr. Conde de Affonso Cei,so (presidente) designa
a Commissão de Gec^aphia, sendo relator o sr. Gastão Ruch.
Em seguida o sr. presidente refere-se á honrosa pre-
sença, no Instituto, de s. ex. revma. o sr. d. Armando Babl-
mann, bispo prelado de Santarém, iltustre ethnolc^, cujos
serviços em sua prelazia são de notável valor para o nosso
paiz.
O mesmo sr. PREsrcENTS agradece a presença dos sócios,
convidando-os para a sessão magna a realizar-se no dia 21
ás 21 horas, e levanta a sesrâo ás 22 horas.
Dr. Sotrro Maior,
,dbyGoogle
79^ REVISTA DO ISSTITtTTO HISTÓRICO
SKSSÃO MAGNA COMMEMORATIVA DO SEPTUACESIMO SF.PTIMO
ANNIVERSARIO, EM 21 DE OUTUBRO DE 1915
Presidência do sr. conde de Affonso Celso
A's 21 horas abre-se a sessão magna commemorativa
do 77* aiiniversario da fundação, com a presença dos se-
guintes sócios: srs. conde de Affonso Celso, dr, Manuel Cí-
cero Peregrino da Silva, barão Homem de Mello, desem-
bargador António Ferreira de Sousa Pitanga, dr, Benjamin
Franklin Ramiz Galvão, Max Fleiuss, dr. Augusto Olympio
■\'iveiros de Castro, almirante Arthur índio do Brasil, ge-
neral dr, Gregório Thaumaturgo de Azevedo, dr, António
Olyntho dos Santos Pires, dr. Affonso Arinos de Mello
Franco, conde de Leopoldina, dr, d, Lucas Ayrragaray,
dr. Miguel Joaquim Ribeiro de Carvalho, dr, Alfredo Valladão,
dr, Alberto de Carvalho, dr. Souto Maior, major dr, Líbe-
rato Bittencourt, capitão de corveta Francisco Radler de
Aquino, dr. Au reli no Leal, dr. Arthur Pinto da Rocha,
dr, Nicolau José Debbané, dr. Hélio Lobo, dr, João Coelha
Gomes Ribeiro, coronel Jesuino da Silva Mello, marechal
José Bernardino Bormann. dr. Alfredo Rocha, dr. José Amé-
rico dos Santos, Eduardo Marques Peixoto e dr. António
de Barros Ramalho Ortigão.
O Sr, Conde de Affonso Celso {presidente), pro-
nuncia o seguinte discurso:
« Durante o anno decorrido, desde a nossa última sessão
solenne até á actual, enquanto na parte do globo apregoada
como depositaria do adeantamento, da opulência e da cultura,
os principaes Estados, os que viviam a incrcpar as pertur-
bações politicas sul-americanas. acoimando-as de causa de
atrazo. signal de inferioridade, motivo de desdém; enquanto
taes nações policiadas empregavam os recursos da força, os
artifícios da astúcia, as energias do engenho em mutuamente
se exterminar; enquanto a preoccupação do assalto e da de-
fesa empolgou alli o pensamento geral ; enquanto prtstinos
monumentos, construcções venerandas de áureas epochas, de-
leite, orgulho, refugio do espirito de gerações e gerações,
miram esphacelados pela metralha; enquanto a sciencia e
,dbyGoogle
ACTAS 797
a industria eram postas a serviço quasi exclusivo da des-
truição; enquanto aos olhos da Justiça impotente se con-
culcaram a tolerância, a lealdade, a misericórdia; enquanto
nos núcleos solarengos das artes, estas emmudeceram ao es-
trondo das armas, e, soberana única, se impoz a voz da ar-
tilharia, intervallada pelo choro de gemidos e imprecações;
enquanto prevaleceram o ódio, o furor, o morticínio, o Ím-
peto de ferir, de mutilar, de matar, de fazer e espalhar o
mal, com ferocíssimo requinte; enquanto os instinctos bru-
taes, os appetites monstruosos, subrepujaram os impulsos
nobres, as elações, os voos que não fossem os de apparelhos
aéreos convertidos em armas de combate, a desafiarem nas
nuvens os que, para melhor desfechar o golpe insidioso,
atacam nas entranhas do solo, ou no recesso das ondas; en-
quanto o mundo guiador se transformou em formidável acam-
pamento, cujas trincheiras e instrumentos mortíferos mal
dispensam espaço aos túmulos de milhões de sacrificados ano-
nymos; enquanto o sangue correu mais copioso do que a
tinta e as biWiothecas, salvas porventura do incêndio, se
mudaram em casernas ou hospitaes; enquanto os povos afas-
tados do conflicto, mas também por elle victimados (que
directa ou indirectamente o são todos) se debatem em aca-
brunhadores embaraços económicos, financeiros, sociaes; en-
quanto no Brasil, indemne, mercê de Deus, de tamanhas
desgraças, o decrescímento da receita, a falta de credito, os
graves compromissos, tantos temerosos problemas assoberbam
os menos pessimistas; enquanto atravessamos uma hora si-
nistra, de que os instantes se escoam como gottas sanguejantes
de uma clepsydra infernal, uma dessas horas pertencentes, no
dizer do Redemptor, á potestas tenebrarutn ; enquanto todos
luctam e soffrem, desanimados, apprehensivos, em colapso a
esperança; — o nosso Instituto também combalido pelos fu-
nestos acontecimentos mundiaes; o nosso Instituto, a quem,
como ao poeta clássico, nada de humano pôde ser alheio ou
indífferente, o nosso Instituto, nos doze mezes passados,
continuou sem um deslize, uma pausa, uma hesitação, a sua
obra de estudo, de ensino, de modelo, similhante a um pe-
queno templo de inconcussos alicerces, situado em plácida
collina, no flanco da qual estourem vagalhões do mar em
lyCoogle
790 REVISTA t>0 INSTITUTO HISTÓRICO
fúria, mas não perturbem nem interrompam as prácticas do
culto tradicional, da mesma forma que as lufadas da borrasca,
uivando embora nas frinchas, não vingam apagar a lâmpada
perenne, suspensa ante o sacrário, alimentada pela essência
maravilhosa da dedicação.
A sua vida, nesse período, resumem-n'a estas palavras:
exerceu com consciência todos os seus encargos.
Analc^amente á augusta matrona romana, cujo supremo
elogio consistia no domum senmvil, lanam fecit — não pra-
pticou feitos extraordinários.
Mas, hoje, na guerra, como na vida civil, rareatli fa-
çanhas excepcionaes : traduz também heroismo a continua
firmeza no estricto cumprimento de pequenos deveres quo-
tidianos.
£ de pequenos deveres não é licito qualificar aquelles
na observância dos quaes muito importam o zelo, o escrúpulo,
a abnegação,' o civismo, a virtude em summa.
Bastaria a ennobrecer a nossa missão o empenho diu-
turno e permanente de avivar o culto pelas tradições pá-
trias. Renegar, exquecer taes tradições significa aviltante
decadência. Exfor<;amo-nos aqui para impedi-la, para impos-
sibilita-la no Brasil.
Um estabelecimento, formado por homens de variadas
procedências e, ás vezes, de antinomicas opiniões, que, em
mais de trez quartos de século, se devota á victoria de ale-
vantados ideaes; que criou e sustenta unia publicação, por
si só inestimável bibliotheca de dados valiosíssimos sobre
cousas brasileiras : que traz á disposição do público um museu.
um archivo, uma livraria magnifica, já opulenta de milhares
de volumes e todo anno accrescida ; que, quando mister, aos
governantes e aos interessados fornece informes e documentos,
alhures inaccessiveis; que, entre muitos relevantes congressos,
promoveu o primeiro de Historia nacional, gerador de inves-
tigações, monographias c debates de eminente alcance; que
tomou a iniciativa de commemorar condignamente o pró-
ximo centenário da nossa separação da metrópole, mediante
outro grandioso congresso, eloquente expressão de solida-
riedade continental ; que dá ensinamentos diários de ordem,
ponctualidãde, exempção, methodo, disciplina, coragem, patrio-
lyCoogle
*CTA8 799
tismo; que, pelas suas conferencias e seus cursos, é desde
algum tempo uma eschola de altos estudos e está em via
de organizar essa eschola, segundo os mais aperfeiçoados pro-
cessos; um estabelecimoito nessas condições, foco, ao menos^
de operosa boa vontade, com este passado, com estes estí-
mulos, com estes intuitos, com estes títulos, com estes ser-
viços, coiistitue sem duvida, uma fundação de egrégia utili-
dade, uma preciosidade do património público, um brazão
de ufania, de consolo, de lustre, de gloria para o Brasil.
Ponderou uni pensador que a Pátria é um composto
de corpo e de alma. A alma são as recordações, os usos, as
legendai, as desgraças, a esperança, os pezares conununs;
o corpo é o solo, a raça, a língua, as montanhas, os rios,
as producções characteristícas . . . Uma communhão de homens
que, tendo realizado grandes cousas junctas, querem junctos
realizar outras ainda.
E um commentador desta bella definição accrescenfou :
um povo só é grande na razão directa do sacrifício que
tem feito á idéa de Pátria, na razão directa da certeza que
nutra da eternidade delia. A razão da Pátria tem razões,
que a razão individual desconhece ; esta acconselha o egoísmo,
prescreve que nos emancipemos da desgraça e do lucto pú-
blicos. O milagre da Pátria consiste em fazer calar-se esse
egoísmo tacanho, em ministrar ao cidadão a visão do pas-
sado e a de um futuro radioso para os seus filhos. Eis por
que o patriotismo permanece a primordial virtude do homem
civilizado.
Os citados conceitos dos dous escríptores synthetizam
e manifestam o programma adoptado pelo Instituto e inin-
terruptamente seguido desde o seu início, vai para dezeseís
lustros, até agora.
Occupa-se elle carinhosamente, como sempre se ha oc-
cupado, com o corpo e a alma da Pátria, com a sua situação
no espaço e o seu desenvolvimento no tempo, lidando por
infundir e intensar no coração do povo os mais significantes
sentimentos, os mais puros objectivos.
O que, no ultimo anno, nesse sentido effectuánios vai
minuciosamente relatar-vos o nosso prestantissimo secretario
perpetuo; e, em seguida, o nosso preclaro orador aureolará,
Google
buo REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
com OS clarões arrebatadores da sua eloquência, a memoria
dos companheiros caldos na jornada.
A mim, como o operário mais responsável i>elo regular
funccionamento desta officina de labor, perseverança e ani-
mação, a mim, o mais favorecido pela magnânima confiança
de meus pares, cabe apenas a honra e o jubilo de, agrade-
cendo o comparecimento de tão fina assistência, declarar
encetados os trabalhos de hoje.» {Grandes applausos.)
Em seguida o Sr. Max Fleiuss {i'secretario perpetuo)
lè o s^uinte relatório:
Sr. presidente — Meus eminentes coUegas :
Ao celebrar-se o septuagesimo anniversario desta bene-
mérita companhia, disse, da cadeira da presidência, o im-
mortal Kío Branco:
« Podemos volver olhos satisfeitos para o caminho per*
lustrado pelo Instituto e, sem immodestia, ter certa ufania
dos resultados até hoje obtidos, porque o foram principal-
mente pela iniciativa e pelo perseverante labor dos nossos
íllustre predecessores, que apenas procuramos imitar».
E' o sentimento que noã domina, pois o Instituto tem
pros^uido com imperturbável firmeza em suas uteís e nobres
tarefas, satisfazendo de modo integral aos fins que lhe di-
ctaram a fundação.
O anno que hoje termina — o septuagesimo septimo —
não destoou dos anteriores nos salutares exemplos do tra-
balho e de dedicação pela causa da Historia Nacional .
Felizmente, agora não ha quem não considere o Insti-
tuto 3 associação culminante de nossa Pátria. Nenhuma outra,
com effeito, conta maior acervo de serviços. Não tem sido
em sua longa existência um simples centro de agradáveis
reuniões, mas uma officina activa, em que se investiga o
nosso passado, cujas characteristícas foram, como observou
Rio Branco — «valor e lealdade, c um povo que mostra
em profusão na sua Historia exemplos de taes virtudes bem
pôde merecer confiança nos momentos difficeis de suas
crises internas ou internacionaes >.
E, buscando honrar esse passado, o Instituto não deixou
nunca de trabalhar, dando cada vez mais uma feição effi-
dente aos seus exforços.
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ACTAS Boi
Examine-se, para corroborar o que fica dicto, o anno
transcorrido de 21 de Outubro de 1914 ao dia de hoje.
Veremos os cursos realizados pelos drs. Aurelino Leal,
sobre «Historia Constituicijonal|»; Pinto da Rocha, sobre
« Historia Diplomática » ; Viveiros de Castro, sobre < His-
toria Tributaria > ; Ramalho Ortigão, sobre < Historia Fi-
nanceira > ; Araújo Vianna, sobre c Artes plásticas no Brasil ».
A simples enunciação dos nomes desses conferencistas
exclue a necessidade de accrescentar terem sido taes cursos
uma série notável de notáveis licções, todas sanccionadas pelo
applauso de quantos — e não foram poucos — puderam fruir
o prazer de ouvi-las.
Além dessas prelecções, a conferencia do dr. José Vieira
Fazenda sobre o local em que foram lançados os primeiros
fundamentos desta Capital, pagina de erudição e de ver-
dade, em que se reflectem os primorosos predicados intel-
lectuaes do prestantissimo e illustrado bibliothecario do Insti-
tuto; a do dr. Nicolau José Debbané, dando-nos aspectos
novos de d. Pedro II em sua viagem ao Egypto e na qual
mais luna vez a figura sem par do excelso principe surgiu,
aos nossos olhos, com aquella grandeza patriótica que se
impõe a unanimes homenagens; a do dr. Souto Maior, sobre
as fructuosas pesquisas que fez nos arcbivos da Hispanha,
Não nos exqueçamos da collocação do marco commemo-
rativo da fundação da cidade do Rio de Janeiro', nem da
entrega do archivo do general Osório, feita pelo digno neto
do valoroso Herval, dr. Joaquim Luiz Osório, e confirmada
pela veneranda filha do heróe. Em breve serão abertos os
caixões que encerram os preciosos documentos, que, classi-
ficados e estudados, apparecerão na «Revista» do Instituto.
A nomeação da Commissão Geral Executiva do Con-
gresso Internacional de Historia da America, ídéa que levan-
támos no Primeiro Congresso de Historia Nacional e rati-
ficada pelo Instituto Histórico, foi um acto feliz do nosso
presidente, o muito illustre prezado sr. conde de Affonso
Celso. A Commissão Executiva tem praparadas as theses
da secção de Historia Geral do Brasil, as quaes servirão
de norma aos trabalhos congéneres em todos os Estados da
America.
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8oa RKVI9TA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Cumpre assignalar o interesse que tem despertado a lem-
brança desse Congresso, que commemorará de modo verda-
deiramente aproveitável o primeiro centenário da nossa Inde-
pendência .
Não só obtivemos de prompto o apoio do Governo, não
só as sessões preparatórias da Commissão Executiva se têm
revestido de grande brilhantismo, como nos chegam dos Es-
tados Unidos da America do Norte constantes applausos,
considerada a tentativa como o mais feliz passo para a soli-
dariedade americana, segundo as expressões do presidente
da Universidade da Columbia.
— Passemos agora aos trabalhos das sessões, que foram
em numero de oito — septe ordinárias e uma extraordinária.
A primeira realizou-se a 20 de Abril. Delia os factos mais
importantes foram a homenagem prestada ál memoria de
Rio Branco, a designação de uma commissão para felicitar
o glorioso coronel Rondon, o annúncio do próximo appare-
clmento do primeiro volume dos « Annaes do Congresso de
Historia Nacional », o voto de reconhecimento ao illustrc
sr, dr. Urbano Santos e ao professor Basilio de Magalhães,
pelo muito que fizeram em prol do tomo especial da « Re-
vista >, a of ferta do saudoso consócio Luiz Rodolfo Ca-
valcanti de Albuquerque, que presenteou o Instituto com a
sua bibliotheca, em que ha exemplares de subido valor, a
proposta, nossa e do distincto companheiro sr. dr. Roquette
Pinto, para que ao eminente consócio sr. dr. Pedro Lessa
incumbisse o Instituto de escrever uma memoria sobre a
individualidade de Francisco Adolfo de Varnhagem (vis-
conde de Porto Seguro); o nosso historiador magno, afim
de ser condignaipente celebrada em sessão especial a data
centenária do seu nascimento, Acceitando o convite do Insti-
tuto, o sr. dr. Pedro Lessa dedica-se áquelle elevado encargo
com o maior empenho e, por certo, no dia 17 de Fevereiro
de 1916, em que nos lerá o novo fructo do seu privilegiada
saber, receberá o illustrado publicista todas as demonstrações
de apreço.
Houve, além disso, na i' sessão, a posse do sr. dr. João
Ribeiro como sócio effectivo, O que foi o seu discurso,
«byCoogIe
ACTAS 803
(lisse-o, em admirável sj'nthese, o Jornal do Commercto, con-
siderando-o um modelo de erudição, ironia e senso critico,
A João Ribeiro nos prende estima de mais de vinte annos ;
iniciamo-la no inexquecivel periodo da Semana, cujas co-
lumnas recolheram bellissímos fructos do seu espirito.
Na phase actual, o commentador da carta de Pêro Yaz
de Caminha é, sem contestação, uma das figuras mais rele-
vantes, entre as que mais o forem, das nossas lettras históricas.
Na segunda sessão, de 31 de Maio, tomou posse o sócio
correspondente sr. dr, Nicolau José Debbané, agente diplo-
mático do Brasil no Egypto.
Homem profundamente illustrado, conseguiu com o seu
discurso de apresentação agradar a todos, principalmente pelas
homenagens que com tanta justiça tributou a d. Pedro II.
Nessa mesma sessão tivemos ensejo de propor que uma
commissão do Instituto felicitasse o sr, dr. Lauro Muller,
digno ministro das Relações Exteriores, pela viagem que com
tanto êxito fizera ao Uruguai, á Argentina e ao Chile.
Na sessão de 2H de Junho, a terceira, votou-se a admissão,
como sócios effectivos, dos drs. António Fernandes Figueira,
Arthur Pinto da Rocha, Alfredo Pinto Vieira de Mello, Au-
relino de Araújo Leal e António de Barros Ramalho Ortigão,
e como correspondente a do dr. Alberto Lamego.
E' dispensável encarecer o valor desses nomes tão aca-
tados, mas o que nos cumpre salientar é a circunstancia de
haverem sido admittidos — os cinco primeiros — em virtude
de trabalhos especialmente escriptos para o Instituto. Assim,
o dr. Fernandes Figueira elaborou a monographia sobre o
« Padre -António Vieira », inserta no primeiro volume dos
« Annaes do Congresso de Historia»; o dr. Pinto da Rocha
explanou a these sobre a « Politica brasileira no Prata até á
guerra contra Rosas»; o dr. Alfredo Pinto fez o «Estudo
histórico do Poder Judiciário»; o dr. Aurelino Leal oc-
cupou-se do < Acto Addicional. Reacção Conservadora, Ber-
nardo de Vasconcelios, o Ministério das Nove Horas»; o
sr. Ramalho Ortigão apresentou a monographia sobre a
«Moeda circulante do Brasil».
Quanto ao dr. Alberto Lamego basta citar o seu tra-
balho: «A Terra Goytacá».
DigtizedbyGOOgle
804 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
A quarU sessão realizou-se & 31 de Julho, com a posse
do sr. dr. Arthur Pinto da Rocha, cujo discurso é uma
bella pagina de historia litteraria, patenteando os vastos co-
nhecimentos do seu auctor, indiscutivelmente um dos tnais
fortes espíritos da nossa epocha.
Nessa sessão demos conta da offerta feita por inter-
médio do nosso respeitado 3° vice-presidente, o sr, desem-
bargador Sousa Pitanga, do esboço, obra do seu digno filho,
do busto do lembrado consócio Lima Drummond.
Votámos também a admissão, como sócio honorário, do
illustrado sr. dr. Urbano Santos da Costa Araújo, digno
vice-presidente da Republica e que se tem salientado mais
de uma vez pela dedicação a este grémio.
A quinta sessão foi a 28 de Agosto. Abrilhantarara-n'3
a posse dos srs. drs. Aurelino Leal e Eugénio Egas, a offerta
de alguns retratos das príncipaes figuras da Politica européa,
trazidos pelo sr. dr. Miguel Calmon e a proposta do sr.
dr. Roquette Pinto para que o sr, presidente do Instituto
nomeasse uma commissão com o fim de tractar da elaboração
d^ um Diccionario histórico, geographico è ethnographico do
Brasil, idéa magnifica que, com certeza, fructificará.
O discurso do sr, Aurelino Leal exprime nitidamente
a nobreza do seu character e a elevação do seu espirito. O
dr. Aurelino Leal é uma das personalidades que immediata-
mente se impõem pelo talento, pelo amor ao estudo, pelo
critério. O Instituto muito deve delle esperar,
O discurso do sr. dr. Eugénio Egas teve também os
applausos que merecia, tanto mais quanto se tractava de um
delicado cultor das lettras históricas.
A 15 de Septembro realizou-se a sessão extraordinária,
tomando posse o sr. dr, Miguel Calmon du Pin e Almeida.
O nome tle Miguel Calmon já era caro ao Instituto, pois que
a elle pertencia desde 18 de Maio de 1839, quando foi eleito
sócio, o insigne Brasileiro mais tarde agraciado com o titulo
de marquez de Abrantes,
A investidura, pois, do sr. dr, Miguel Calmon te\'c o
character de uma rememoração, vendo todos nós reproduzidas
no joven estadista as notáveis qualidades do seu inolvidável
antepassado. E o seu discurso não foi somente uraa peça de
byCoogIe
ACTAS 805
apreciado valor litterario, mas verdadeiro programma na-
cional de largo descortino, digno de ser meditado.
O sr, Miguel Calmon é um trabalhador. O nosso emi-
nente orador chaniou-lhe com inteira propriedade — « pre-
claro batalhador dos bons combates»,
A sexta sessão effectiiou-se a 29 de Septembro com à
posse dos srs. dr. António Fernandes Figueira, marechal
José Bernardino Bormann e António de Barros Ramalho
Ortigão.
Ainda se não apagou a impressão dos discursos que pro-
feriram e aos quaes, com justiça, o Instituto não regateou
applausos.;
O sr. Ramiz Galvão, em sua feliz resposta, disse que
— «o escalpello, a espada e a penna aqui se enlaçavam na-
quelle dia para gloria nossa e a bem da Historia da pátria».
Ainda nessa sessão offerecemos, com applauso unanime
da assembléa, as medalhas de ouro do Primeiro Congresso
de Historia Nacional aos srs. conde de Afíonso Celso e
dr. Ramiz Galvão. Era um direito que lhes assistia, mas a
que o Instituto entendeu accrescentar uma homenagem.
Estes dous nomes — Affonso Celso e Ramiz Galvão —
synthetizam as duas primaciaes figuras da nossa companhia,
merecendo de todos nós a maior admiração, o maior carinho,
o mais devotado reconhecimento. Não ha, nesta casa, si ex-
ceptuarmos d. Pedro 11, quem os haja excedido na bene-
merência dos serviços.
A septima e ultima sessão celebrou-se ha dias, a 12 do
corrente, votando-se a admissão — como sócio ef f ectivo —
do sr. dr. Juliano Moreira e, como correspondentes, dos
srs, dr. Annibal Velloso Rebello, d. Juan Biedma e Cervaens
y Rodriguez. O dr. Comes Ribeiro leu também um trabalho
sobre o mappa de Marini, adquirido pelo illustre dr. Lauro
Miiller, nosso emérito consócio.
Nessa mesma sessão propuzemos uma homena{
Jornal do Commercio, que tanto nos tem auxiliado
seu apoio material e moral, e a creação da Eschola d
Estudos, corollario dos magnificos cursos com tão fel
realizados no Instituto.
,dbyGoogle
806 REVI3TA DO INSTITUTO B13T0R1C0
Ninguém ousará negar que as prelecções de Alberto
Rangel, Basílio de Magalhães, Aurelino Leal, Pinto da Rocha,
Viveiros de Castro, Ramalho Ortigão e Araújo Vianna con-
stituem beneméritos exforços cm prol do estabelecimento
dessa eschola, que virá a ser novo laurel para o Instituto.
E sejã-nos licito fazer uma referencia ao curso do sr.
dr. Araújo Vianna, único dos preleccionistas que ainda não
faz parte do nosso quadro social.
E', como o do sr. dr. Miguel Calmon, um nome que
recorda um dos maiores beneméritos do Instituto — o mar-
quez de Sapucahi — Cândido José de Araújo Vianna, que
presidiu effectivamente ao Instituto, de 12 de Agosto de
1847 a 23 de Janeiro de 1875, tendo antes, por vezes, exer-
cido interinamente a presidência.
lUustrado, meticuloso investigador, sentindo com alma
de artista, o dr. Araújo Vianna será em nosso grémio o
successor de Manuel de Araújo Porto Alegre.
— Examinemos agora outros pontos, de que se não pôde
eximir este relatório.
A nossa c Revista », que r^tlarmente apparece desde
1S39, está em dia.
Dentro em pouco distribuiremos as duas partes do tomo
']'j, encerrando trabalhos de Tavares de Lyra, Basilio de Ma-
galhães, Vieira Fazenda. Manuel Barata, Aurelino Leal, Se-
bastião Galrào, Figueira de Mello, Branner, visconde de Tau-
nay. Pinto da Rocha, Araújo Jorge, J. Lúcio de Azevedo,
Affonso Taunay e Teschauer.
As reimpressões também estão adeantadas.
E fallando na < Revista > manda a justiça registar o ex-
tremado cavalheirismo do distincto director geral da Im-
prensa Nacional, dr. Castello Branco, que nos tem auxiliado
efficazmente para a regularidade da publicação, agradeci-
mento que se deve tornar extensivo aos dignos operários da-
quelle estabelecimento.
A « Revista » do Instituto, tão superiormente dirigida
pelo sr, Ramiz Galvão, tem tido a maior divulgação entre
iis bibliothccas nacionaes c extrangciras, principalmente ame-
ricanas. Correspondemo-nos assiduamente com quasi todos
os centros bibliographicos da America.
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ACTAS 807
Estamos agora organizando, com a excellente collabo-
ração do estimado consócio dr. Pinto da Rocha, um novo
Índice da c Revista * até o tomo 77. Seria de grande alcance
alterar a designação, que nada adeanta, de parte 1' e 2*,
dando a cada volume um numero especial.
Essa medida consultaria de perto as necessidades das
pesquisas .
— A nossa opulenta bibliotheca accrescida de acquisições
que fizemos e de offertas valiosas como as do sempre lem-
brado consócio sr. Luiz Rodolfo, da veneranda viscondessa
de Ouro Preto, do nosso egrégio presidente, do digno consócio
sr. André Wernek e do illustre sr. ministro argentino, nosso
distincto consócio, teve maior frequência do que nos annos
anteriores, funccionando diariamente a sala pública de leitura,
sob a direcção do sr. dr. José Vieira Fazenda, cujos ser-
viços ao Instituto são excepcionalmente relevantes.
De facto, o sr. dr. Vieira Fazenda é considerado um
património do Instituto, recebendo de todos o preito rigoro-
samente devido ao seu immenso saber e absoluta lealdade.
— Por enfermidade do provecto consócio sr. professor
Basílio de Magalhães não pode ter maior andamento a re-
modelação do nosso archivo. Restabelecido, porém, mercê
de Deus, aquelle proficiente companheiro volverá ao nosso
convívio, trazendo-nos o concurso da sua real competência e
notável aptidão para trabalhos dessa natureza.
— Insistimos na idéa de fazer traduzir as mais impor-
tantes obras de Carlos Frederico Philippe von Martins e folgo
em communicar que a tentativa parece estar em vésperas de
realização.
A traducção dos trabalhos do grande Martius não é so-
mente uma necessidade para os estudiosos da Historia pátria,
será um acto de justiça nacional e que exige immediato cum-
primento .
— A nossa vida económica desenvolve-se nos limites de
acanhados recursos e da subvenção que, auctorizada pelo Con-
gresso Nacional, nos concede o riovêmo, e da qual sempre
nos primeiros dias de Janeiro de cada anno prestamos mi-
nuciosas contas ao Ministério do Interior, accompanhando-as
de todos os documentos.
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8o8 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Convém assignalar que á subvenção por parte do Con-
gresso teve o seu inicio em 1839, quando regente Pedro de
Araújo Lima, depois marquez de Olinda, e ministro do Im-
pério— Bernardo Pereira de Vasconcellos .
E não se pôde dizer sobre este capitulo, deixando em
olvido o nome do nosso prestimoso thesoureiro, o commen-
dador Arthur Guimarães, digno em tudo da nossa estima e
dos constantes elogios que lhe faz a Commissão de Fundos
e' Orçamento. Não deixaremos também de assignalar quanto,
neste particular, devemos aos srs. drs, Homero Baptista,
António Carlos, Félix Pacheco, José Bonifácio, Tavares de
Lyra e João Luiz Alves,
— Si no anno tivemos ,a ventura de receber novos col-
laboradores, que accolhemos com verdadeira alaria, peza-nos
dizer que a morte nos arrebatou o barão de Paranapiacaba,
d. Norberto Quirno Costa, d. Gonçalo de Quesada, Luiz
Rodolfo Cavalcanti de Albuquerque, Alfredo Maia e Vicente
Ferrer de Barros Wanderley Aratijo.
Sobre estes ouviremos daqui a instantes a palavra ma-
gistral do nosso orador.
— Senhores, Ha dias um dos nossos maiores homens
de lettras referiu-se ao desanimo que parece avassallar todas
as almas.
O Instituto Histórico e Gei^raphico Brasileiro é disso
uma triumphante excepção.
Aqui, nesta casa, ha 77 annos. Brasileiros de maior ou
menor valor, mas todos ernianados pelo mesmo sentimento
civico, trabalham, promovem o culto do nosso passado, bus-
cam diffundir as exemplares licções que herdamos e que de-
vemos imitar.
Rio Branco disse no recinto do Instituto:
« Somos da raça dos descobridores, não destruidores, dos
que ensinaram os caminhos marítimos para as terras desco-
nhecidas e não semearam nessas terras o ódio á civilização
européa, mal representada por ferozes conquistadores. De um
povo corajoso e bom tudo se pôde esperar em grandeza hu-
mana, contanto que se mantenha nelle a tradição do respeito
aos nobres exemplos do seu passado, assim como a do culto
do Direito e da disciplina cívica».
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E' a missão do Instituto, missão que elle tem cumprido
sem desfallecimentos e que saberá cumprir sempre com animo
varonil ,
Orgulhemo-nos do nosso Instituto, como nos devemos
orgulhar do nosso paiz 1
Temos concluído». (O reiaiorio do sr. secretario per-
petuo é muito applaudido.)
O Sr. Conde de Affonso Celso (presidente) dá logo
depois a palavra ao orador do Instituto, Sb. Db. Benjamin
Franklin Ramiz Galvão, que pronuncia este dircurso:
cSr. representante do exmo. Presidente da Republica
— Sr. presidente e illustrados consócios — Minhas senhoras
e senhores.
Como soldado fiel á disciplina e ás vozes de commando
aqui estou, ainda uma vez nesta tribuna, que tantos patrícios
illustres honraram, e a cujo brilho tradicional já de certo não
(corresponde a palavra desataviada de um cansado traba-
lhador, que está perto de celebrar as suas bodas de ouro
com o Instituto.
Para obedecer-vos, entretanto, buscarei inspirar-me nos
grandes modelos, em Porto Alegre, Macedo, Taunay e Joa-
quim Nabuco, que por aqui passaram deixando uma esteira
inapagavel de luz; pedirei também á Providencia que me
fortaleça com o reflexo desse astro scintillante, talento de
escol, coração adamantino, character puríssimo e sem jaca,
que ora preside aos nossos trabalhos, depois de haver sido
por alguns annos o verbo eloquente da nossa companhia, o
interprete ardoroso e facundo do pensar e do sentir do In-
stituto. (Applausos.)
Só assim poderei talvez corresponder, senhores, á má-
xima gentileza, com que ha dous annos vos dignastes repetir
a honra suprema de um mandato, que o vosso obscuro collega
estava longe de merecer. Ordenastes, porém, e elle aqui esta
na linha de batalha, emboccando o clarim da Fama e dos ap-
plausos da Posteridade para celebrar o nome dos ermãos e
dignos companheiros, que a morte implacável arrebatou ás
nossas fileiras gloriosas. EHe aqui está, sem a voz potente dos
mestres, mas inflammado desse ardor que os annos não
extinguem, porque o coração do patriota, o coração do en-
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8lO RBVieTA BO INSTITUTO HISTOMCO
thusiasta do Bím e do Bello resiste contumaz e heróico ao
desfallecimento da fibra muscular, á calcificaqão das artçrias,
ás desiliusões e tristezas do occaso da vida.
Macedo, meu saudoso mestre, aqui uma vez, com aquelle
encanto da palavra, que lhe era peculiar e que lhe saía dos
lábios doce, como o doce mel do Hymeto, Macedo disse
aqui uma vez esta verdade :
< Ha sepulturas distinctas, sobre cada uma das quaes se
levanta frondosa uma arvore sempre coberta de flores e
sempre cheia de fructos. Essa arvore chama-se a memoria
do bem ; cada f lõr é o emblema de uma acção generosa ; cada
fructo um exemplo de sabedoria ou de virtude deixado ao
mundo. A' sombra dessa arvore descançam os que souberam
ser beneméritos e os que foram bon5>.
Visitando-a hoje, illustres confrades, encontraremos
muito accrescida a opulenta ramagem dessa arvore symbolica,
e também multiplicadas as lousas que alvejam á sua sombn
amiga e serena.
Decifremos algims dos epitaphios recentes. E' obra de
gratidão e de amor devida aos nossos companheiros, que deste
mundo se partiram, chamados para aquella luz eterna da
Posteridade, a cujo clarão teremos todos de prestar conta
do trabalho que nos foi commettido pela Providencia nesta
arena fugaz de iuctas, illusões, anhelos, e esperanças.
E' obra de gratidão e de amor ; de gratidão, porque todos
na orbita de suas forças illustraram esta companhia ; de amor,
porque a nossa fraternidade não tem sombras. A' porta deste
templo sagrado os sacerdotes da Historia depõem as dissen-
ções politicas, as paixões e o odÍo para se alistarem, em um
só corpo e em uma só phalange, á sombra de uma só ban-
deira: a Verdade, deusa soberana do nosso culto.
Cumpramos, pois, a ceremonia do rito, lembrando vidas
preciosas que se dignificaram no estudo e no amor da Pátria;
uns — extrangeiros illustres. que na esphera de sua activi-
dade bem mereceram das lettras americanas; outros — pa-
tricios queridos e inexqueciveis, que honraram o nome brasi-
leiro e a brava legião do Instituto,
Pagámos este anno, como sempre, oneroso tributo á
morte. Mas si esta, inexorável e pertinaz, proseguiu na sua
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ACTAS 8l I
faina de anniquillamento, contesteraos-lhe ao menos o direito
de apagar da nossa memoria os grandes obreiros do Bem.; E'
funcção soberana da Historia : rememorar e celebrar as
glorias do passado, para estimulo do presente e IJcção do
futuro.
— D. Gonçalo de Quesada, nascido em Cuba — essa
bella jóia americana que por tão largos annos viveu adstncta
á condição subalterna de colónia hispanhola, foi, além de
espirito cultíssimo, um ardoroso patriota liberal.
E' dos nossos dias, é de hontem aquelle movimento de
revolta que incendiou a alma dos Cubanos, anctosos pela sua
independência, e todos nos lembramos da feliz intervenção
dos Estados Unidos em favor dessa idéa generosa, que logrou
cxito feliz e completo.
. Quesada havia sido um dos eminentes propE^ndistas
da autonomia da pátria, e com formoso talento se batera por
esse ideal, profligando com vehemencia, e ás vezes quiçá com
dureza apaixonada, os vexames do dominio hispanhol.
Respiram esse patriótico sentimento seus bellos livros:
€ Mi primera of renda ai patriotismo », « Ignacio Mira > e a
«Historia de Cuba Livre», que foi publicada em inglez. Ha
particularmente neste ultimo livro bellissimas p^nas de-
dicadas ás notáveis personalidades de Máximo e António
Maceo, de Simpson c Dewey. Era um apostolo da liberdade,
e no entranhado amor ao torrão natal pôde ser posto em
parallelo aos mais distinctos filhos do nosso continente.
CommJssario de Cuba na Exposição de Paris, em 1900,
depois encarregado de negócios de sua pátria em Washin-
gton, e mais tarde delegado ao Congresso Pan Americano,
que tivemos a fortuna de celebrar nesta Capital, Quesada deu
sempre conta brilhante das missões, que o governo cubano
confiara ao seu bello talento,
O nosso Instituto recebeu-o em seu grémio a 8 de Ou-
tubro de 1906. Em Fevereiro deste anno, nosso illustre con-
sócio veio a fallecer em Berlim, deixando envolta em lucto
a famosa pérola das Antilhas.
— O dr, d. Norberto Quirno Costa, magistrado, politico
c diplomata argentino, foi um dos vultos mais distinctos e
proeminentes da gloriosa Republica platina, nossa erma.
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8l3 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Em sua pátria exerceu com intenso brilho os mais altos
cargos administrativos e políticos, desde o mandato de depu-
tado e senador até á vice-presidencia da Republica, passando
com positivo relevo pelos ministérios do Interior e das Re-
lações Exteriores.
Seu nome acha-se intimamente ligado á nossa Historia
por um facto singular de grande notoriedade.
Está na memoria dos contemporâneos aquella calorosa
questão de limites, em que os herdeiros de Portuga! e His-
panha disputavam com pertinácia a famosa nesga do ter-
ritório de Palmas, impropriamente chamado das Missões.
A fronteira delineada pelo celebre tractado de 1750 per-
manecia incerta e sem demarcação positiva, porque se não
accordára jamais na exacta intelligencia do que eram real-
mente o — Sancto António — e o — Pipiriguaçú — .
A herança ominosa das rivalidades das duas metrópoles
passara como triste legado ás jovens nações americanas, que
haviam conquistado a sua autonomia. Tentativas infructíferas
por parte dos dous governos deixaram o problema insolvido
e como uma dolorosa ameaça para o futuro, não obstante a
communhão de ídéas e de interesses, que na guerra do Pa-
raguai havia posto lado a lado, em fraterna alliança, as
bandeiras argentina e brasileira.
Urgia, entretanto, dissipar essa nuvem temerosa para ser
um dia possivel, como de facto se tomou, a phrase adaman-
tino do eminente e saudoso Saenz Pefia; Tudo nos une,
nada nos separa.
Éramos dous povos ermanados pela religião e pela origem
latina, quasi ermanados pela lingua, adolescentes, avigorados
ambos pelas auras balsâmicas da pujante America, batalha-
dores ambos da liberdade, apóstolos ambos da Justiça e do
Direito, campeões um e outro da civilização de um continente
novo, rico de esperanças, abundante de seiva, sedento de pro-
gresso, de paz e de gloria.
Como admittir-se que por alguns kilometros quadrados,
minúsculo trecho de território deante da grandeza de nos.'^s
domínios, permanecesse ameaçadora aquella dissensão secular
a desunir ermãos fadados para grandes destinos no campo
sagrado da Historia?
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ACTAS 813
Este pensamento salutar inspirou os governos do grande
Brasileiro Pedro II e do benemérito presidente da Argentina,
que assentiram na Convenção de 7 de Septembro de 1889,
entregando ao arbitramento a solução do famoso litigio.
Mas a gloria dessa Convenção feliz não lhes cabe ex-
clusiva .
Ao illustre e saudoso visconde de Ouro Preto, presi-
dente do Conselho no ultimo ministério da monarchía, e ao
não menos illustre dr. Quirno Costa, então ministro das
Relações Exteriores da Republica Argentina, cabe não pe-
quena parte dos louros da victoria incruenta.
E o nosso Instituto, sempre solicito em distinguir o mé-
rito, não se demorou na demonstração de seu affecto e do
seu alto apreço: 10 dias depois era aqui proposto o dr.
Quirno Costa para a classe dos membros honorários da nossa
companhia, distincção que com applauso unanime lhe íoi
logo após conferida.
O grande estadista argentino, companheiro de tantos
outros vultos eminentes que nestas ultimas decades têm co-
operado com intelligencia e amor pátrio para o extraordinário
e notório desenvolvimento da querida Republica erma, assistiu
sem dúvida ao desenlace daquella questão internacional, em
que o provado saber do excelso Rio Branco nos deu o de-
cisivo triumpho.
Não creio que se houvesse elle magoado com a sentença
arbitral, porque era um espirito superior, incapaz de obedecer
ás sug^estões do falso patriotismo e da vaidade.
Falleceu o dr. Quirno Costa a 2 de Março deste anno,
deixando ao seu nobre paiz um copiosíssimo legado de ser-
viços relevantes, que a Historia regista e applaude.
— Luiz Rodolfo Cavalcanti de Albuquerque nasceu a 7
de Junho de 1847 na cidade de Belém, tendo por progenitores
o honrado cirurgião do exercito Francisco de Paula Caval-
canti de Albuquerque e d. Carlota Trovão Cavalcanti de
Albuquerque. Feitos os seus estudos preparatórios na pro-
víncia natal e em Pernambuco, en\eredou pela carreira de
empregado da Fazenda Nacional, em que se distinguiu pelo
zelo, pela probidade immaculada e por notável competência.
Funcção administrativa sem brilho, mas de grande impor-
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8t4 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
tancia social e moral, — essa do empregado de Fazenda, que
acautela interesses valiosíssimos do erário público, concor-
rendo com lucidez, ponctualidade e mcthodo para o jogo re-
gular e efficaz da machina administrativa, de onde parte
todo o movimento de progresso do paiz.
O nosso Governo encontrou sempre em Luiz Rodolfo
um trabalhador hábil e honesto, a quem se podiam delegar,
com segurança de êxito, commissões de alta responsabilidade.
Foi o nosso illustre consócio inspector das Thesourarias e
das Alfandegas de Belém, de Manáos, de S. Paulo e do Rio
de Janeiro; foi por ultimo director das Rendas no Thesouro
Nacional, — cargo em que se aposentou fatigado e jà enfra-
quecido ])or muitos annos de indefesso labor.
Com a experiência adquirida no tracto de tão elevadas
funcções públicas travou da penna mais de uma vez, e neste
sentido nos legou trabalhos de mérito incontestável.
São de sua lavra, entre outros, os dous livros: «Estudos
económicos e financeiros » e « Navegação e Commercio da
Amazónia », dos quaes o ultimo foi titulo bastante honroso
para dar-lhe entrada na nossa companhia em 23 de Septem-
bro de 1892.
Luiz Rodolfo falleceu a 26 de Abril do corrente anno,
legando á Pátria um nome honradíssimo e a este Instituto,
como signal de apreço que nos sensibilizou, a collecção de
seus livros, — esses companheiros fieis e inseparáveis, em que
se formou o seu espirito para bem servir ao Brasil.
— Outro filho dilecto da Pátria, outro ermão distincto
e operoso companheiro perdemos a 20 de Março na pessoa
do dr. Alfredo Eugénio de Almeida Maia.
Nascido 3 12 de Outubro de 1856 e dotado de notável
talento, concluiu em verdes annos com brilhantismo o curso
da nossa Eschola Polytechnica e, partindo logo para a Bél-
gica, alli conquistou em breve praso o diploma de engenheiro.
Era aos 22 annos de edade graduado pelos dous reputados
estabelecimentos de ensino.
De volta aos lares pátrios iniciou a brilhante carreira,
em que labutou toda a vida com êxito singular e desempe-
nhando-se galhardamente dos altos cargos confiados ã sua
competência .
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ACTAS 815
Chefe de secção da Estrada de Ferro D. Pedro TI, hoje
Centra] do Brasil, e depois director das respectivas officinas,
fez alli um tirocínio práctico, que lhe grangeou distincto
nome. Passou em 1886 a trabalhar como chefe de tracção
na Estrada de Ferro S . Paulo e Rio, assumindo mais tarde
a sua direcção por decreto de 11 de Novembro de 1890,
quando se transferiu a Estrada para o domínio do Estado,
A suspensão dos trabalhos de alargamento da bitola, or-
denada pelo ministro barão de Lucena, motivou a sua retirada
do serviço público. Alfredo Maia preferiu então o exercício
particular de sua profissão em S. Paulo. Mas alli sua repu-
tação estava já firmada, e o governo paulista entregou ao
nosso digno consócio a direcção da Secretaria da Agricultura
e Obras Públicas do Estado, em que se revelaram ainda uma
vez os seus já provados dotes administrativos. Uma dissençào
em matéria de serviço afastou-o, pouco depois, do referido
cargo.
Após alguns annos de interregno, o serviço público tor-
nou, porém, a solicitar o concurso de seu talento. Em 1898
o engenheiro F. Pereira Passos deixou a direcção da Estrada
de Ferro Central, e o Governo da Republica procurou em
Alfredo Maia a competência scíentifica e moral, que se faz
mister em postos de tamanha responsabilidade. Era alli dif-
ficil e espinhosissima a tarefa; mas o illustre engenheiro
nimca deixou de corresponder ao appêllo da Pátria. Alfredo
Maia acceitou a missão em epocha de sacríficio. O pro-
gramma patriótico e salvador do grande presidente Campos
Salles impunha severíssima economia dos dinheiros públicos
para salvaguardar o honrado nome brasileiro. Que desenvol-
vimento poderia dar o illustre director aos trabalhos neces-
sários e indispensáveis ao progresso da Central? Bem pouca
margem se lhe abria para novos emprehendimentos. Ainda
assim o que elle realizou foi notável : a linha dupla se pro-
longou até Maxambomba, e a estrada seguiu de Septe Lagoas
até á estação de Silva Xavier; e tudo isso com methodo, re-
gularidade dos serviços e exemplar fiscalização de despesas.
Em 1900 os predicados de Alfredo Maia foram recla-
mados para mais elevado mister; por espaço de dous annos,
no cargo de ministro da Viação e Industria, teve elle de
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&j6 revista do instituto BlSTOniCO
superintender todos os serviços daquelle departamento, mas
sem larguezas orçamentarias, peado conseguintemente pelas
circunstancias, fe-lo com o maior escrúpulo e com o maior
tacto.
Depois que deixou o ministério offereceu-se-lhe ainda
occasião de prestar óptimos serviços: primeiro, na direcção
da Sorocabana', por solicitação do illustre presidente dr. Ro-
drigues Alves e do syndicato americano que arrendou a
Estrada; depois, nas administrações da Light and Pon>er do
Rio de Janeiro e de S. Paulo, — logares em que a sua pro-
ficiência e o seu patriotismo acharam novo campo de acção.
Foi, como vedes, senhores, uma vida intensa e laboriosa.
No paiz e fora delle trabalhou sem trégua a bem do nosso
progresso, mantendo em toda a parte a reputação imniaculada
c o brilho de um nome, que nunca se desmentiu nem empal-
lideceu, desde os primeiros triumphos académicos.
Daquella luzida geração que com elle estudou e entrou
nas luctas da vida — geração em que se apontam nomes como
os de Getulio das Neves, Frontin, Gabriel Osório, Ortiz Mon-
teiro, Francisco Van Erven, Agostinho dos Reis, Carlos de
Laet e outros, que prestaram ou ainda prestam grande re-
nome á sua classe — dessa geração foi Alfredo Maia um dos
mais apreciados ornamentos. O Brasil perdeu nelle um filho
prestimoso e o Instituto um dos sócios honorários que mais
abrilhantavam o nosso quadro social.
— O dr. Vicente Ferrer de Barros Wanderley Araújo,
natural de Pernambuco, onde viu a luz do dia em 25 de
Julho de 1857, formou-se em Direito na Faculdade do Reciíe.
Tendo exercido a advocacia com brilho notório por alguns
annos, o cultor assiduo das lettras jurídicas deu a lume tra-
balhos de valor que lhe valeram a estima dos doutos.
f Execução do saimento Silvino de Macedo *, € Seitas
protestantes em Pernambuco », « Notas sobre o Código Penal
Brasileiro», < Os sodalicíos religiosos e o poder dos bisp03>,
€ Successão de extrangeiros no Brasil », « Cemitérios do Re-
cife », < Compra e venda mercantil », « Uma questão de direito
internacional privado >, são títulos de opúsculos e memo-
rias suas, em que fartamente se revelou o estudioso.
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A.CTA3 8l7
Tendo passado a residir em Lisboa, onde também ex-
erceu a profissão de advogado, foi nomeado vice-consul do
Brasil e alli demonstrou sempre vivíssimo interesse pelos
n^ocios da Pátria, que como filho amoroso não exquecia.
Membro de varias associações históricas e juridicas de
Pernambuco, Rio Grande do Norte, Bahia, S. Paulo e Lisboa,
pertenceu ao nosso Instituto como sócio correspondente desde
3 de Junho de 1904, mas só por occasião de vir em 1913
a esta Capital tomou posse da cadeira, que tão legitimamente
lhe fora dada.
Foi na sessão de 9 de Junho que tivemos opportunidade
de o ouvir, e ainda está gravado na memoria de todos nós
o insistente e patriótico appêllo que dirigiu ao Instituto, con-
vidando-o a examinar profundamente á luz de critica sadia
e desapaixonada a chamada guerra dos Mascates, em que € a
gente do Recife soffre até hoje a mais injusta condem-
nação », porque a luz da verdade histórica ainda se não fez
ampla e reparadora sobre aquelle episodio dos tempos co-
loniaes.
Era o dr. Vicente Ferrer um espirito amadurecido por
estudos sérios, que a morte infelizmente veio interromper
em Maio deste anno, quando muito era licito ainda esperar
do seu elevado critério e do amor que votava ao pátrio berço
e ás cousas do nosso passado.
— João Cardoso de Meneses e Sousa, depois barão de
Paranapiacaba, nasceu em Santos a 25 de Abril de 1827. As-
sistiu, portanto, aos últimos dias do primeiro Império, aos
agitados acontecimentos da Regência, á declaração da Maio-
ridade, a todo o largo período do governo do segundo im-
perador, á proclamação da Republica e ao desenvolvimento
do novo regímen até o dia 2 de Fevereiro deste anno, em
que exhalou o ultimo suspiro. Uma larga vida de 88 annos
de estudo e de trabalho, porque aquelle privilegiado espí-
rito só repousou, quando á Providencia divina aprouve de-
cretar-lhe o termo da vida.
O talentoso Paulista, feitos com primor seus estudos
preparatórios, matriculou-se na Faculdade Jurídica da sua
província em 1844, e em 1S48 alU se graduou.
D,3 zB<ibyCOO<^le
f}|8 REVISTA 00 INSTITUTO HISTÓRICO
iintrando na vida prácjica, iniciou-a pelo magistério, con-
quistando eni concurso a cadeira de Historia e Geographia
do Lyceu de Taubaté, onde aliás não lhe foi larga a per-
manência, porque senda a necessidade de horizontes mais
amplos para o exercício de suas faculdades superiores.
Depois de breve passagem por Parati, veio ao Rio de
Janeiro em 1S53, e sentiu logo que a Capital do Império devia
ser o theatro de sua promissora actividade. Para aqui trans-
feriu residência definitiva em Dezembro de 1855. S. Paulo
estava naquella epocha bem longe de ser o foco intellectual,
o centro luminoso de progresso e de vida espiritual, em que
se transformou nestes últimos decennios: a Capital do Im-
pério attrahía então naturalmente os melhores talentos, am-
biciosos de porvir e de renome.
Vindo ao Rio de Janeiro, João Cardoso julgou-se obri-
gado a procurar o imperador, que o conhecera e applaudira
em 1846 em S. Paulo, quando d. Pedro II, passando por
aquella cidade, visitara a Faculdade de Direito.
O académico fizera então ao soberano, em nome de seus
collegas, uma enthusiastica saudação em verso, e o imperador
que nada exquecia acolheu-o depois com singular benignidade.
Desse dia datou o profundo sentimento de amizade agra-
decida e de respeitosa admiração, que nosso illustre confrade
dedicou sem quebra á pessoa de d, Pedro II,
Até 1857 occupou seu tempo em trabalhos de advocacia
e escriptos para a imprensa diária. Entre outras folhas, para
as quacs trabalhou, se destaca o Jornal do Commercio, que
começou a publicar uma secção juridica de sua lavra.
Em Outubro de 1857 fez sua entrada triumphal no func-
cionalismo público, para o qual o chamou o notável Sousa
Franco, commettendo-Ihe a funcção de ajudante do pro-
curador fiscal do Thesouro. Dahí, á força de assíduo tra-
balho e notória competcncía, subiu a chefe da repartição e
director geral do Contencioso, onde os seus grandes serviços
mereceram sempre dos mipistros rectos e desapaixonados os
mais francos elogios.
Cordiaes relações com os próceres da Politica valeram-lhe
a eleição de deputado geral pela província de Goíaz, — func-
Ção que exerceu de 1873 a 1876.
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ACTAS 819
Na qualidade de alto funccionario do Thesouro e me-
recedor da maior confiança, dcsempenbou-se de melindrosas
commissões fiscaeS, e em todas ellas foram proverbiaes o
seu escrúpulo e a sua hombridade.
Como premio de taes serviços, o governo imperial agra-
ciou-o aim o titulo de barão de Paranapiacaba, por decreto
de 8 de Maio de 1883.
Estava escripto, porém, que não fosse só de flores jun-
cada a estrada do altivo e honesto funccionario público.
A paixão politica desvaira. Os nobilíssimos sentimentos eman-
cipadores de Paranapiacaba, que ao lado de um bello talento
possuia os maiores dotes de coração piedoso e bom, accen-
deram o despeito e a malquerença de um ministro da coroa, e
essa malquerença chegou ao ponto de se fazer do afastamento
do honrado servidor uma questão de gabinete. Ao dilemma do
ministro c ou eu ou «lie >, em circunstancias de grave inter-
esse público que se podia compromctter com a retirada do
ministro, o imperador, contrafeito, cedeu, e o director geral
do Contencioso foi aposentado em 1886 sem causa motivada,
gosando da estima do chefe da Nação, não se lhe attribuindo
outra culpa sinão a de dar por vezes informação favorável
a pretenções particulares contra os interesses do Thesouro.
Abençoada independência de character, direi eu c dirão
commigo todos os que prezam a soberania da Justiça e da
Verdade.
Os interesses do Estado são sem dúvida muito respei-
táveis e dignos de sacrifícios; mas o espirito recto do func-
cionario público não está por isso adstricto a mentir á sua
própria consciência, negando aos particulares o que é do
sagrado direito delles.
Urdir sophismas e subterfúgios para recusar esse di-
reito, muitas vezes claro, inconcusso, firmado na lei, isto é
que se rae afigura delictuoso e indigno dos representantes
honrados do poder público.
Faltar á Justiça, jamais ! O Estado se deslustra com
essa ignominia, como o particular se deshonra quando n^a
a sua divida.
E Paranapiacaba curtiu a dõr amai^ da aposentadoria
forçada, sereno e imperturbável sim, porque tinha a am-
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830 REVISTA DO IN-STITUTO HISTÓRICO
scíencia pura do tiometn recto, mas altivo e nobre como se
pôde ver do artigo que então estampou no Jornal do Com-
mercio:
€ Cônscio, disse elle, de que não mereci o estigma, com o
qual me tentou desaírar o sr. ministro da Fazenda, cujo
conceito individual, por mais auctorízado que pareça, não é o
da consciência pública, é-me impossível resignar-me á apo-
sentação que me foi imposta como castigo.
«Demissão, é que s. ex. devia ter conseguido do im-
perador, uma vez que na concha da balança da justiça poz
a auctoridade de sua palavra para affirmar como real e ver-
dadeiro o motivo (não sabido por mim) da punição, que me
infligiu.
«Os vencimentos, que me deixou como condecendencia
á edade e ao longo exercício do cargo, constituem uma es-
mola, « que não posso acceitar » sem of fensa á dignidade,
« Destas faculdades, que ha dezenas de annos têm sido
applicadas á causa pública, ainda resta vigor bastante para
trabalho aturado, que me proporcione os meios de completar
i educação de meus filhos, acostumados a venerar seu pae e
a quem me vejo embaraçado de responder, quando me pedem
explicação desta aposentadoria.
« Constrangido, aos 59 annos, a começar nova carreira,
atirando-me ás incertezas da Advocacia, espero que me so-
brarão algumas horas de lazer para dedicar-me ao estudo
dos negócios desta minha pátria, a quem tanto e com tão
entranhavel amor hei servido, que não é responsável pela
injustiça e ingratidão de alguns de seus filhos. »
Por honra da nação e do imperante que a dirigia, aquella
iniquidade, aquella inqualificável vindicta não produziu largo
ef feito; passados poucos mezes, Paranapiacaba era reinte-
grado pelo Governo do benemérito e honrado conselheiro
João Alfredo, continuando a bem servir o paiz, que tanto
amava.
A sua aposentação definitiva foi dada a pedido, por de-
creto de 8 de Janeiro de 1S90, já, portanto, em dias do regime
republicano.
De então por deante, alliviado dos ónus do serviço pú-
blico, e não obfitantc o peso dos annos, entregoti-se p digno
r .1. CoCH^Ic
ACTAS 831
Brasileiro mais desassombrado ao cultivo das lettras, que aliás
nunca abandonara, porque constituía para elle um ameno
oásis no deserto árido das cifras e dos deveres burocráticos.
Até então havia publicado primorosas traducções de La-
fontaine, Lamartine e Byron — livros que lhe fazem muita
honra e que teve opportunidade de submetter á apreciação
de juizes exclarecidos nas interessantes palestras litterarias
presididas pelo próprio imperador no Externato do Collegio
. Pedro II. Alli o encontrei por vezes, e alli o ouvi discorrendo
com maestria e elevado critério a propósito de producções
de vario género.
Até então havia também saído a lume da publicidade
a sua excellente memoria intitulada — « Theses sobre colo-
nização do Brasil » — que um critico competente já qualificou
de «obra monumental». Egualmente de sua lavra era já co-
nhecido um € Relatório sobre a discriminação das rendas gt-
raes e provinciaes », que o visconde do Cruzeiro assim chara-
cterizou ; « f ructo de alta intelligencía, profundo estudo e
achrysolado patriotismo».
E nada direi de outros, porque esses bastam a firmar-lhe
o renome de activo, zeloso e intelligentissímo funccionarío.
E' tempo, entretanto, de admirar o barão de Parana-
piacaba por outra face não menos brilhante: a de traductor
do theatro clássico grego e latino, vulgarizador de obras
primas da antiguidade.
Sua alma de poeta, extasiado deante das bellezas da-
quelles fructos do génio, não resistiu ao desejo de as tras-
ladar para a nossa lingua, e, como manejava magistralmente
o metro, passou-as para verso portuguez, com annotações
eruditas e preciosas.
Já António Castilho, abalizado mestre, dissera:
« O trasladar esmerado e primoroso não só não invalida
grandes reputações, se não que, fazendo hombrear o moderno
com o antigo, e confundindo-os num mesmo esplendor, re-
parte por entre ambos a gloria. »
De Plauto traduziu elle a Marmita; de Eschylo o Pro-
metheu acorrentado ; de Euripides a Alceste ; de Sophocles a
Antigone, e de Aristophanes As Nuvens. Eram as jóias do
theatro antigo, as mais bellas gemmas daquelle precioso es-
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822 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
crinio, onde tantos outros engenhos foram beber inspiração
mais tarde.
Trabalho de Hercules foi esse, tarefa penosíssima
aquelk, mormente si levarmos em conta que Faranapíacaba,
não sendo hellenista, só teve por guias as excellentes ver-
sões latinas e um ou outro traductor extrangeíro do theatro
clássico. Em taes condições era mister um altíssimo critério
para accompanhar as bellezas do original, vasa-las no metro
portuguez com fidelidade e perfeição. E essa tarefa elle levou
ao cabo, polindo com esmero o seu labor, dedicando-lhe toda
a perícia do habilissimo artista apaixonado de sua obra, en-
thusiasta de seus modelos, cultor amantíssimo do Bello e do
Sublime.
HéHade formosa, gloriosa Hâlade, em cujo seio se ou-
viram os primeiros clangores da tuba épica nos versos admi-
ráveis de Homero, o dedilhar da lyra mimosa de Anacreonte,
os vibrantes accentos das odes másculas de Pindaro, as es-
trophes primorosas da Antígone de Sophocles, as luminosas
cogitações philosophicas de Platão e Aristóteles, os conceitos
profundos do terso Thucydides; Héllade formosa, berço da
grande Poesia que encanta a imaginação, da grave Historia
que tmmortaliza o passado, da profunda Phtlosophia que
doutrina as almas, das Artes sublimes que elevam o espírito
á!s regiões supernas do ideal; Héllade formosa, que também
me habituei a amar desde o albor da minha mocidade, tu
foste alvo da justa admiração do nosso illustre patrício, cujos
(derradeiros dias encheste de luz e de consolação suavíssima.
Tu, canto glorioso da Europa, onde cada palmo de terra assi-
gnala uma victoria da civilização, tu com os prodígios de
teu génio fizeste o encanto de sua honrada velhice, nem
tiveste outra rival sinlo a esposa do poeta, modelar, e anian>
tissima, que á força de carinho e desvelo lhe suavizou as
tristes sombras do crepúsculo da vida.
Uma e outra recebam o testímunho de nosso reconhe-
cimento e as bênçãos de todos os que sabem estimar o que é
grande e nobre.
— E tu, Pátria muito amada:, guarda em teus Annaes
8 memoria destes filhos illustres, cuja vida acabo de lem-
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ACTAS 823
brar em rapido escorço, e que tanto buscaram engrandecer-te
e honrar-te.
Ha poucos dias um poeta exímio, gloria das lettras
brasileiras, em arroubos de enthusiasmo deante da mocidade
paulistana, concitando-a a levantar-se contra os desfalle-
cimentos e desânimos da hora presente, não achou na sua pri-
morosa palheta sinão a côr mais sombria para desenhar-te
o perfil.
Foste qualificado, Brasil augusto, de €/>aÍs sem naeio-
nalidade, pátria em que se não conhece o patriotismo, naçõo
devastada sem guerra e caduca antes da velhice >.
Protesta, nobre Pátria minha, contra o pessimismo atroz
do poeta illustre. Elle appella para o serviço militar gene-
ralizado, afim de corrigir a « desgraça de character >, e evitar
a « morte moral > ; elle convoca a phalange dos ephebos &
campanha de revivescência da Pátria, que os varões incapazes
ou indifferentes abandonaram sem ideal e sem nobresa de
alma.
Dize-lhe, pátria de Luiz Rodolfo, de Alfredo Maia e
de Paranapiacaba, dize-lhe que a caserna não é o único ba-
luarte do patriotismo (palmas); que na escbola se : ''-
a primeira luz salvadora (palmas) ; que em muitos ce
illustres, como este, arde noite e dia uma pyra sacn
deante da qual levitas devotados, encanecidos no serv
blico, mas ainda cheios de ardor e de confiança, tra
pelo brilho de teu nome sem a ganância do ouro, exq
do gôso e das seducçSes do prazer (palmas).
Dize-lhe que a onda do desanimo sempre inti
muitos, mas nSo devorou a todos os tripolantes dcst
symbolica, que através de syrtes e luctando com os
rijos da tempestade, s^uirá, mercê de Deus, o ru
progresso e da ordem.
Animemos, sim, a digna phalange dos moços, qi
de receber a nossa herança e em cuja alma Juvenil do
geralmente sentimentos nobres e patrióticos. E' justo,
tíssimo.
Mas a rigorosa justiça manda também que se ník
ralize o labéo de indifferentes, egoístas, vasios de ideal,
de desinteresse e de cohesão a uma geração inteira
byCoogIe
834 REVISTA DO INSTITDTO HISTÓRICO
dadãos conspícuos, que nas lettras, nas armas, na religião,
nas artes e na politica sustentam com galhardia a honra do
nosso nome, protestando pela acção e pela palavra contra
a supposta fallencia da alma nacional (paimas).
Não. A nacionalidade brasileira não falliu. Pátria muito
amada I Nas difficuldades e agruras que ensombram esta
hora (e' as houve mais ou menos em todos os tempos), seja
este clamor de protesto um como raio de conforto e de espe-
rança a illuminar-te o caminho da gloria, que, não está oh'i-
dado, que não está perdido». {Calorosos applausos. A assis-
tência de pé renova varias veses os applausos.)
O Sr. Conde de Affonso Celso (presidente) agradece
a presença de s. exa. o sr. ministro do Interior, a do repre-
sentante do exmo, sr, presidente da Republica, tomando ex-
tensivo seu agradecimento aos convidados que se dignaram
comparecer, e em seguida levanta a sessão ás 22 i|2 horas.
— Os Srs. presidente e secretario perpetuo receberam
os tel^rammas seguintes:
Do Pará (The Western Telegraph Company, Limited)
— Conde Affonso Celso — Instituto Histórico — Rio — Te-
nho grande prazer em accompanhar a justa commemoração do
septuagesimo septimo anniversario da fundação do Instituto
Histórico. Na pessoa illustre do seu digno presidente, saúdo
a douta e brilhante associação. — Manoel Barata.
Urbano — Conde de Affonso Celso — Instituto Histó-
rico — Não podendo comparecer, envio ao eminente presi-
dente do Instituto Histórico sinceras congratulações pelo
77" anniversario da utilíssima instituição; que tão grandes
serviços tem prestado ao nosso paiz. — José Bonifácio-
Urbano — Max Fleiuss — Instituto Histórico e Geogra-
phico — Impedido, pela conferencia na Cathedral, não posso
comparecer á sessão magna do Instituto. — Cardeal Arco-
verde.
Urbano — Exmo. conde de Affonso Celso, presidente
do Instituto Histórico — Congratulações Sociedade Geographia
data anniversr.ria glorioso Instituto Histórico. — José Boi-
teux, secretario gerai.
— Estiveram presentes á sessão, entre muitos outros,
os srs. dr. Hélio Lobo, pelo presidente da Republica; Júlio
byCoogIe
ACTAS 835
Barbosa, pelo dr. Urbano Santos, vice-presidente da Re-
publica; dr. Carlos Maximiliano, ministro do Interior; An-
tónio da Silva Couto, dr. João C. da Rocha Cabral, drs. José
Arthur Boiteux e Lucas Bojteux, Claudjo S alies Comes,
dr. Olympio da Fonseca, representante da Academia de Me-
dicina; capitão Miguel de Castro Ayres, representante do
general Olympio Abogar de Oliveira, dr. Lacerda, dr, Fran-
cisco de Góes, dr. Luiz Rodolfo Cavalcante de Albuquerque
Filho, Adolfo C. de Mendonça, J. Baptista da Costa, di-
rector da Eschola de Bellas Artes ; Ruben Gonçalves Barata,
Paulo de Gardénia, Gazeta de Noticias; tenente-coronel João
A. dã Costa, assistente militar do ministro do Interior;
dr. Alfredo Balthazar da Silveira, dr. Sérgio Barreto, pelo
ministro da Viação; dr. António Pizarro de Moraes, Joãií
de Souza Laurindo, Correio da Manhã; dr. Gabriel Osório
Mascarenhas, dr. Araújo Vianna, Manuel Coelho Rodrigues,
pelo dr. Lauro Muller, ministro do Exterior; 1° tenente C.
Taylor, pelo ministro da Marinha; Arinos Pimentel, Jornal
do Brasil; 1° tenente Francisco Jaguaribe Gomes de Mattos,
dr. Mário Bulhão, pelo prefeito do Districto Federal ; Victor
Vianna.
— Excusaram-se de comparecer, por justos motivos, os
sócios drs. Homero Baptista, Tavares de Lyra, Edgard Ro-
quette Pinto, Gastão Ruch, commendador Arthur Guimarães
e dr. Miguel Calmon.
— Após a sessão, o sr, dr, Carlos Maximiliano, ministro
do Interior, percorreu, rapidamente, accompanhado dos se-
nhores presidente e secretario perpetuo, as diversas secções
do Instituto, recebendo agradável impressão e promcttendo
renovar a visita, mais demorada.
Dr. Pedro Souto Maior,
Serriodo de a* lecreUriD.
.ibiGoogle
836 REnSTA DO INSimiTO BIBTORICO
ASSEMBI.ÉA GERAL EM 15 DE DEZEMBRO DE TgiS
Presidência do sr. conde de Affanso Celso {presidente) e
dr. Manuel Cícero Peregrino da Silva ( J» vice-presidente)
A's 21 horas, presentes os sócios: srs, conde de Affonso
Celso, dr. Manuel Cicero Peregrino da Silva, desembargador
António Ferreira de Sousa Pitanga, Max Fleiuss, dr, Edgard
Roquette Pinto, dr. Pedro Augusto Carneiro Lessa, dr. Mi-
guel Joaqiiim Ribeiro de Carvalho, dr. Homero Baptista, al-
mirante Arthur índio do Brasil, dr. Manuel Álvaro de Sousa
Sã Vianna, almirante António Coutinho Gomes Pereira,
dr. Arthur Pinto da Rocha, dr. António Fernandes Figueira,
dr. Miguel Calmoh du Pin e Almeida, general dr. Gregório
Thaumaturgo de Azevedo, dr. Alfredo Rocha, dr, Sebastião
de Vasconcellos Galvão, dr, Pedro Souto Maior, dr. Alfredo
Valladão, António de Barros Ramalho Ortigão, coronel Je-
suino da Silva Mello, conde de Leopoldina e Eduardo Mar-
ques Peixoto, abre-se a sessão de assembléa geral
O Sr. Conde de Affonso Celso {presidente) diz que o
fim da assembléa era o previsto nos Estatutos: — a eleição
da directoria e das commissÕes permanentes para o biennio
de 1916 a 1917.
Para escrutinadores nomêa os srs. drs. Alfredo Rocha,
Alfredo Valladão e Roquette Pinto. Antes, porém, propõe um
voto de pezar pelo fallecimento dos illustres consócios drs. Or-
ville Adalbert Derby e Bernardo Teixeira de Moraes Leite
Velho.
Antes também de mandar proceder á referida eleição
submette á considerarão da casa a proposta que pelo numero
de assignaturas pode considerar approvada:
— «De conformidade com os Estatutos e em reconhe-
cimento aos relevantes serviços já prestados ao Instituto,
temos a honra de propor para presidente honorário do
mesmo Instituto o sr. dr. Wcncesláo Braz Pereira Gomes,
^regio presidente da Republica.
Rio de Janeiro, sala das sessões do Instituto Histórico
e Geographiaj Brasileiro, em 15 de Dezembro de 1915,—
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ACTAS 837
Conde de Affonso Celso. — António Ferreira de Sousa Pi-
tanga. — Manuel Cícero Peregrino da Silvo. — Pedro Lessa.
— Sá Vianna. — Ramalho Ortigão. — Fleiuss. — Miguel J. C.
— de Carvalho. — Eduardo Marques Peixoto. — A. do BrasU.
— M. Calmon. — Alfredo Valladão. — Jesuino da Silva Mello.
— Dr. Pedra Souto Maior. — Sebastião Galvão. — Thauma~
lurgo de Azevedo. — Conde de Leopoldina. — Alfredo Rocha.
— Homero Baptista. — A. C. Gomes Pereira. — A. Pinto da
Rocha. — Roquette Pinto. >
A' vists de taes assignaturas o Sb. Conde de Apfonso
Celso proclama PRESIDENTE honorário do Instituto o
Sr. Dr. Wenceslau Braz Pereira Gomes,
Em seguida manda recolher as cédulas, observando que
nos termos dos Estatutos os votos devem ser manifestados
em duas cédulas, uma contendo os nomes dos membros da
directoria, outra os das commissões permanentes.
São recolhidas vinte e três cédulas que apuradas dão
o seguinte resultado:
Presidente, conde de Affonso Celso, 22 votos (reeleito) ;
dr. Ramiz Galvão, i voto; 1° vice-presidente, dr. Manuel
Cícero Per^^rino da Silva, 22 votos (reeleito) ; dr. Pedro
Lessa, i voto; 2° vice-presidente, barão Homem de Mello,
23 votos (reeleito) ; 3° vice-presidente, desembargador An-
tónio Ferreira de Sousa Pitanga, 22 votos (reeleito) ; ge-
neral dr. Thamaturgo de Azevedo, i voto; sf secretario,
dr. Edgard Roquette Pinto, 22 votos (reeleito) ; dr, Miguel
Calmon, i voto; thesoureiro, commendador Arthur Ferreira
Machado Guimarães, 23 votos (reeleito) ; orador, dr, Ben-
jamin Franklin Ramiz Galvão, 23 votos (reeleito).
O Sr. Presidente proclama os eleitos, salientando que
todos já servem, ha annos, nos mesmos cargos.
Apuradas as cédulas para as comtnissões
são reeleitas todas ellas.
Commissões Permanentes — Fundos e Orçt
Clóvis Beviláqua, dr. Enéas Galvão, dr. Alfred
ronel Jesuino da Silva Mello e dr. Rodrigo Octí
gaard Menezes.
Historia — T>T. Clóvis Beviláqua, dr. Pe.
,dbyGoogle
8j3 revista do instituto iustorico
Caraeiro Lessa, dr. Augusto Olympío Viveiros de Castro,
dr. Luiz Gastão d'Escragnolle Dória e dr. Alfredo Valladão.
Geographia — Barão Homem de Mello, general dr. Gre-
gório Thaumaturgo de Azevedo, almirante António Cou-
tinho Gomes Pereira, dr. Américo dos Santos e dr, Gastão
Ruch.
Archeologia e Ethnographia — Desembargador António
Ferreira de Sousa Pitanga, major dr. Liberato Bittencourt,
conselheiro Salvador Pires de Carvalho e Albuquerque,
dr. José Pereira Rego Filho e dr. Edgard Roquette Pinto.
Estatutos — Max Fleíuss, dr. Hélio Lobo, José Félix
Alves Pacheco, dr. Norival Soares de Freitas e dr. Eurico
de Góes.
Admissão de Sócios — Dr. Benjamin Franklin Ramiz
Galvão, barão de Alencar, dr. Manuel Cicero Peregrino da
Silva, dr. Miguel Joaquim Ribeiro de Carvalho e dr. An-
tónio Olyntho dos Santos Pires.
Pede depois a palavra o SR. dr. Arthur Pinto da
Rocha, que lè a s^uinte indicação:
— < Considerando que os precedentes desta Casa esta-
beleceram a distincção de se conceder a perpetuidade no
cargo de presidente e nella investiram, com a mator justiça,
os nomes dos seus grandes beneméritos visconde de S. Leo-
poldo, marquez de Sapucahi e barão do Rio Branco;
considerando que, eleito presidente do Instituto Histó-
rico e Geographico Brasileiro pelo voto da Assembléa Geral,
depois da grande perda nacional do saudoso demarcador do
território brasileiro, o sr. conde de Affonso Celso ha quatro
annos se acha no exercido do cai^o, tendo sido reeleito em
1913, o que demonstra a alevantada estima dos seus con-
sócios e o reconhecimento da proficuidade dos seus ser-
viços;
considerando ainda que, não obstante a relativa exigui*
dade do prazo decorrido desde o desapparecimento do ultimo
presidente perpetuo, o actual presidente desta Casa não tem
menor lista de serviços do que os seus illustres antecessores ;
considerando que com o elevado critério que o chara-
cteriza, com a energia da sua acção e com a dedicação da
seu espirito, o Instituto lhe deve o grau de prosperidade em
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ACTA3 839
que hoje se encontra, respeitado e distinguido como nunca
o foi mais;
considerando que já é trabalho de sua administração fe-
cunda a construcção deste prédio e a installação do Insti-
tuto na sede definitiva;
considerando que á exemplar iniciativa do seu actual
presidente deve o Instituto a magnífica organização dos seus
serviços, de modo a corresponder seguramente á vastidão
dos seus fins;
considerando que a superioridade de sua intelligencia, da
sua cultura e do seu amor á Pátria se deve a convocação
do Primeiro Congresso de Historia do Brasil, ser\Íço de tão
grande relevância que despertou em todo o território nacional
as mais vivas manifestações de enthusiasmo e permíttiu em
torno do Instituto a reunião dos melhores e dos mais fortes
espiritos do Brasil intellectual, além dos incalculáveis resul-
tados para o estudo de muitos problemas da nossa Historia
que ficaram definitivamente resolvidos, escoimada essa de
erros, lendas, ficções e falsidades que a enfeiavam e pre-
judicavam ;
considerando que ao seu amor pelo Instituto e pela His-
toria Pátria se deve ainda a realização da série brilhante
de cursos e conferencias celebradas nestas salas sobre va-
riados assumptos por homens de comprovada competência,
á excepção apenas daquelle que tem a honra de fatiar neste
momento;
considerando mais que s, ex, não descansou á sombra
dos louros colhidos e, tomando a iniciativa de convocar o
grande Congresso de Historia Geral da America a reunir-sc
em 1932 para solennizar o centenário da Independência do
Brasil, já lhe deu impulso tal, que conseguiu despertar ver-
dadeiro enthusiasmo por toda a parte, sendo já possível cal-
cular o successo não só moral, litterario e scientifico para
o Instituto, mas altamente politico para o Brasil, na accepção
elevada deste termo, sob o poncto de vista das relações inter-
nacionaes americanas ;
considerando ainda que á attitude do seu espirito deve
mais o Instituto a iniciativa, rasgadamente liberal e culta,
da creação da Eschola de Altos Estudos, cujos trabalhos de
..Coojj^Ic
830 REVISTA DO DiSTlTDTO HISTÓRICO
organização foram confiados a uin conjuncto de membros
desta Casa, sob a presidência do eminente sr. dr. Ramiz
Galvão, idéa promissora, felicíssima e nobre que vem dar
ao Instituto um brilho novo, levantando ainda mais o con-
ceito que já o enaltece;
considerando também que antes de ter sido elevado ao
cargo de presidente, que tanto ha iUustrado e honrado, s. ex.
exerceu com zelo indiscutivel as funcçÕes de orador, no qual
prestou serviços inexquedveis, com eloquência fluentissima
e attica, ainda hoje lembrada com saudade, felizmente com-
pensada por uma outra palavra de atticismo egualmente en-
cantador;
considerando finalmente que é, não só de conveniência
e utilidade, mas até mesmo necessário não quebrar, antes
fortalecer a continuidade de uma acção que vem assim fru-
ctificando e alargando a área das conquistas e da beneme-
rência que formam o património moral do Instituto His-
tórico, para que elle alcance o centenário da sua fundação,
attingindo o apogeu da sua gloria, e também que se conserve
á sua frente uma das mais betlas figuras representativas do
nosso tempo, da nossa sociedade e do nosso meio íntellectual,
nome integro, character sem jaca, grande coração e talento
de forte envergadura, dando aos velhos lauréis do Instituto
a gloria da sua própria individualidade, e attendendo aos
ímmensos, brilhantes e relevantíssimos serviços prestados .1
esta Casa durante tantos annos consecutivos, quer como
orador de primorosa eloquência, quer como presidente de
indiscutivel dedicação:
a Assembléa Geral resolve proclamar presidente per-
petuo do Instituto Histórico e Gec^raphico Brasileiro o
actual presidente effectivo sr, conde de Affonso Celso, a
cujo espirito confia os destinos desta instituição.
Sala das Sessões, 15 de Dezembro de 1915. — Arthur
Pinto da Rocha. »
O Sr. Conde de Affonso Celso agradece penhora-
dissimo a sua reeleição e, tendo em vista a proposta que
acaba de ser apresentada, pede licença para retirar-se do re-
cincto, passando a presidência ao illustre primeiro vice-pre-
sidente, sr. dr. Manuel Cicero.
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ACTAS 831
Assume a presidência o sr. dbl Mahuél Cícero, que sub-
mette á discussão a proposta.
Os SRS. DR. SÁ VlANNA E CENEEAI. ThaUMATUHGO DE
Azevedo pedem a palavra e propõem o encerramento da dis-
cussão, sugerindo a idéa de ser a indicação do sr. dr. Finto
da Kocha assignada pelos sócios presentes.
A indicação é logo depois assignada pelos srs. A. C. Go-
mes Pereira, Homero Baptista, Alfredo Rocha, Pedro Souto
Maior, Sebastião de Vasconcellos Galvão, Thaumaturgo de
Azevedo, C. de Leopoldina, Fernandes Figueira, A. índio do
Brasil, Sá Vianna, Pedro Lessa, A. F. de Sousa Pitanga,
B. Marques Peixoto, Miguel de Carvalho, Jesuino da Silva
Mello, Alfredo Valladão, M. Calmon, Ramalho Ortigão, Ma-
nuel Cicero, Roquette Pinto e Fleiuss.
O SK. DR. Manuei. Cícero (1° vice-presidente servindo
de presidente) considera approvada a proposta e proclama o
sr. conde de Affonso Celso — presidente perpetuo do Insti-
tuto, convidando os srs. Pedro Lessa, Thaumaturgo, índio
do Brasil, Alfredo Rocha, Miguel Calmon e Sá Vianna
para introduzirem no recincto o sr. conde de Affonso Celso.
{Dá entrada no recincto, sendo vivamente applaudido, o
sr. conde de Affonso Celso.)
O Sr. Conde de Affonso Celso {reassumindo a pre-
sidência) diz o seguinte:
< E' realmente, meus caros craisodos, extraordinária,
inexcedivel, infinita a vossa generosidade para commigo;
mas, em compensação, acreditae-me, é também illimitado o
meu reconhecimento para convosco e irrestricta, absoluta, a
minha dedicação ao Instituto. Com todas as veras do co-
ração enternecido, reitero os protestos de minha gratidão e
as seguranças de que procurarei corresponder á vossa alta
confiança, cônscio das immensas responsabilidades que dahi
me advêm. SÍ a perpetuidade no exercido dos cargos fosse
o assignalamento dos méritos e serviços, todos os meus no-
bres companheiros de Mesa mereceriam essa distincção. O
Instituto, porém, costuma observar r^ras tradicionaes, como,
por exemlo, a da antiguidade; e ha membros da Mesa que
têm a desvantagem, ou melhor a vantagem, de ser ainda
muito moços. Um nome, porém, imp5e-se á ronsideração
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833 RE\'1STA DO INSTITUTO lUSTORICO
especial — o dr. Ramiz Galvão. (Applausos.) E' um dos
mais antigos consócios, o terceiro, creio, da lista; é um dos
raros sócios beneméritos; é o zeloso redactor da Revista.
Ha quatro annos occupa com brilhantíssimo relevo o difficil
cargo de orador, que já, dignamente, outr'ora exerceu.
Foi figura primacial do Congresso de Historia; está
organizando o destinado a commemorar a Independência da
Pátria e elaborando a reconstituição da Eschola de Altos Es-
tudos. Numerosos e excepcionaes são os seus serviços ao
Instituto, que o considera um de seus vultos verdadeiramente
conspícuos. Si quereis manifestar ainda uma vez a vossa
magnanimidade para commigo, e, ao mesmo tempo, practicar
um acto de estricta justiça, approvae por acclamãção esta
proposta — O Instituto nomêa seu orador perpetuo, honraria
ainda até hoje a ninguém concedida, o sr. dr. Benjamin Fran-
klin Ramiz Galvão. {Palmas e applausos prolongados.)
A' vista das demonstrações da assembléa, o sr. presi-
DENTi; declara unanimemente acceita a proposta e proclama
orador perpetuo do Instituto o sr. dr. Benjamin Franklin
Ramiz Galvão.
Levanta-se em seguida a sessão, ás 10 horas da noite.
— Fleiuss, /" secretario perpetuo do Instituto.
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BIBLlOGRAf
.ibiGoogle
DiíiiMdbjGoogle
BIBLIOGRAPHIA
Iniciada esta secção de nossa Revista pelo nosso querido e
inexquecivel auxiliar sr. Luís Leitão, que, na 2' parle do tomo LXXII,
analysou o valioso trabalho do sr. Oliveira Lima sobre D. João VI no
Brasil e o substancioso Relaíorio do então capitão de fragata sr. An-
tónio Coutinho Gomes Pereira sobre a Viagem de cÍrc«mnavegaç3o
do iiavio~esikola ^.Benjoinin Coiislanl^ em ipoS, — foi continuada no
tomo LXXIII, no qual ainda saíram a lume apreciações sobre a in-
teressante Ckronira do tempo dos PhiUffies do sr. Affonso d'Es-
cragnolle Taunay, sobre a curiosa monographía, em que o sr. Alipio
Gama tnactou das Manifestações vulcânicas no Brasil, e outras.
Resolvendo a direcção da Revista reencetar ^gora a resenha
bibliographica das várias obras offerecidas a este Instituto, não só
para manifestar melhor o seu agradecimento a taes gentilezas, como
também para salientar a justa valia das producções intellectuaes, com
que somos frequentemente distinguidos, — cumprimos, entretanto, o
dever de prevenir os nossos leitores de que somente nos occuparemos
dos escríplos condizentes com os fins básicos do nosso gi
com os que encerrarem matéria histórica, geographic:
graphica.
E esperamos que a secção ora reínstaurada não mai
lução de continuidade.
J. P. Calogeraa.— Rio Branc
exterior (Rio de Janeiro, Impren
1916, 69pâgs.).
Não é fácil traçar em poucas páginas os contornos
Synth es e da acção politica do preclaro homem de Estado,
gigantesca teve em nossa Historia um predomínio sin(
ctando-se também vigorosa na alta diplomacia do univei
Não é fácil deixar bem nítidos os lineamentos das ei
nicas de definição dos nossos lindes c de alicercamento 1
rieana. devidas ao excelso Brasileiro, que foi, acima c
patriota ardente, abnegado, desambícioso e exclarecido,
um infatigável e sapientissimo cultor das nossas tradic&
lyCoogle
836 REVISTA DO IKSTITDTO HISTÓRICO
Pois O sr. Calogeras, na monographia que elaborou em 1913 no
remanso bucólico de Caeté c sú este anno entregue á lettra de
forma, logrou superiormente vencer os obstáculos da elevada tarefa,
a que se abalançou.
Accentuando embora o quanto o integrador de nossas fronteiras
deveu ao influxo do genitor, fora, todavia, para desejar que o A.
não se deslembrasse de dizer que o Brasil teve no visconde do Rio-
Branco uin dos estadistas mais completos e mais bem orientados,
depois do incomparável patriarcha da Independência.
Poí, entretanto, em evidencia como o jovcn Silva Paranhos se
educou sob a vigilância materna, como se preparou na eschola do
civismo paterno para a sua futura e grandiosa missão, como enfim,
depois de ter tido amplo tirocínio na Politica e no Jornalismo, con-
sagrou seus lazeres, já na funccão de cônsul, ao farto armazenamento
de informações históricas, geographicas e económicas, que tanto lhe
serviram para as victorias das Missões e do Amapá e para o admi-
rável esboço da Historia do Brasil, só equiparável ao trabalho con-
génere do emérito Capistraino de Abreu, na edição do Centro In-
dustria!.
Uma das feições mais interessantes do opúsculo do sr. Calogeras
é a que diz respeito ao visconde de Cabo-FrÍo. Até agora ninguém
se havia animado a dizer a verdade sobre a rotineira empolgaçâo,
que o velho e respeitável Joaquim Thomaz do Amaral exercia sõbrc
todos os titulares da pasta dos Negócios Exteriores. E o A. faz
justiça a Carlos de Carvalho e a líio-Branco, deixando entrever a
lucta de ambos, notadamente do grande chanceller. para se dcsvin-
cilharem das garras retrogradas do venerando ancião.
São curiosissimaf as páginas que o sr. Calogeras dedica á apre-
ciação do como Rio- Branco intervinha no periodismo indig;ena, do
como encarava as nossas cousas militares e do como pessoalmente
combatia a nossa «illusão graphica», — denominação feliz do pheno-
meno de deficiência mental, tão conimum no Brasil, onde em geral
se acredita solvido um problema, desde que se tornou objecto de um
traclado, de um regulamento ou de uma lei.
Ao pór em foco quanto o barão do Rio-Branco se distinguiu
como conductor de homens, fcz-nos opporlunas revelações sõbrc o
methodo de trabalho que peculiariiava o incansável estadista, a quem
deveu a nossa Pátria, em dezcsete annos, de iStjz a ii)0(>. a solução
de « todos os problemas da hnha divisória, que vinham debatidos.
a bem dizer, desde as bulias de Alexandre VI e o traclado de Tor-
desiHas, em 1494».
Depois de referir que tahibcm a assombrosa clarividência do
iiicxcedivel chanceller nos dotou com vinte e nove pactos de arbi-
tramento cclcbr.idos de 1009 a 1911. para o systema de congraça-
mento americano, que já leve no A. B. C. um dos seus mais primo-
rosos fructos, e depois de recensear, em períodos transudadores dc
profundo « exhanstivo estudo, os resultados da acção effidente de
,dbyG00gle
BIBLIOGRAPHU 837
Sio-Branco em nossa politica interna e principalmente na politica
exterior, o sr. Calogeras assim conclue, muito apropositadamente
applicando ao immortal patriota o lindo e conceituoso pensamento
de Vauvenargues : — » Em sua edade madura, realizara o seu sonho
de mocidade: engrandecer o Brasil».
Dentre os muitos escriplos que têm apparecido sobre a inclíta
personalidade do definidor do território nacional, não sabemos de
nenhum que eguale ao do sr. Calogeras, quanto ao cabal, vigoroso e
profundo da analyse, cm tão limitado numero de páginas.
li' trabalho que se lè com summo prazer, c não pequeno pro-
veito, o saido agora da mesma penna probidosa c idónea, a cuja
lavra pertence o magistral parecer intitulado As Minas do Brasil e .
sua legislação.
O nome de Rio-Branco é muito e mui legitimamente querido neste
Instituto, que se ufana de tê-lo tido como presidente, e presidente
que nunca se descuidou do posto, donde mais de uma vez se fez
ouvir a sua voz, repercutindo energicamente nos mais elevados cír-
culos diplomáticos do mundo.
Assim, foi para nós motivo de sincero regosijo o vêr tão cari-
nhosamente e tão alçando radamente Iractada a figura do excelso
patriota pelo hoje titular da pasta da Fazenda, espirito affeito ás
indagações do nosso passado e sempre disposto a servir a causa do
Brasil.
Rio-Branco e a politica exterior é escripto destinado a abrir
sulco em nossa pobre litleratura histórico- politica, pois do grande
chanceller e de sua acção exfra-muros da Pátria não se pôde diíer
mais nem melhor do que o fez o sr. Calogeras,
Uanuel Barata.— A antiga producqão e
exportação do Pará, estudo historieo-eco-
nomico, prefaciado pelo Dr. Vieira Fazenda
(Belém do Pai-á, typ. da Livraria Gillct, de
Torres & Comp., 1915, 47 págs.)-
Já o venerando bibliothçcario do Instituto, sr. Vieira Fazenda.
aquilatou devidamente, com a reconhecida competência aue o dis-
tingue, a summa valia deste trabalho do en
nuel Barata, gue com tanto brilho represe nt
camará aba da União e c um dos nossos 1
mais devotados ao estudo das tradições pa
Pouco, portanto, é o que nos cabe di
quadrado nesta rápida resenha bibliographi
AUiando admiravelmente os dados his
económicas, colhidas nas fontes mais íidc
,dbyGoogle
838 REVISTA DO IVSTITDTO HISTÓRICO
em curtos, mas substanciosos capitnios, iractar das materiu se-
guintes : — no I, da exportaçSo dos produclos paraenses coetâneos
(cacau, arroz, cate, a]godão>, desde 1778 até 1818; no 11, da cullura
do cacau (i'a(f-i:aii-<í(i dos indios), iniciada em 1678; no III, da fa-
bricação do chocolate, começada em 1687; no IV, do aproveitamento
do arroz silvestre ou vermelho {aualii dos tupis) e plantação do
arroz branco (da Carolina), encetada em 1772; no V, o mais inte-
ressante de todos, da introducção do caifé, em 1727, e do desenvolvi-
mento da lavoura e commercio respectivos; no VI, do algodão
(amaniú dos indígenas); no VII, da canna de assucar, sendo de
notar que já havia engenhos hollandezes no Pará antes de 1616 e que
foi montado em 1634, nas circunvizinhanças de Belém, o de Feliciano
Coelho, datando de 1797 a vinda da canna de Caiena; no VIII, da
canela {ibirá-peiai dos tupis); no IX, dos valores da exportação dos
vários produclos iacima citados, durante a m^ior parte do século XIX,
assignalando que a cultura do café estava de todo extincta em 1870;
no X, da industria extractiva da borracha e do influxo desta no
abandono de outros géneros em exploração; e no XI, finalmente, da
pecuária, observando que o primeiro gado vaccum veio de CUibo- Verde
para Belém em 1644, estabelecendo-se em 1680 as primeiras estancias
na ilha de Joanes (nome que vem, não do latim, mas dos indioa
lauanai), hoje Mamjó, que é o mais importante centro de creação
bovina do Pará.
O sr. Manuel Barata põe por terra a versão, propalada pelo
bispo d, fr. João de S. José de Queiroz c repetida por todos os
nossos bons historiadores, de que o café, introduzido no Pará em
1727, resultara de algumas sementes offcrecidas a Francisco de
Mello Palheta pela galante esposa do então governador de Caiena,
Claude d'Orvilliers; —prova, documentadamente, que este lançara
um bando prohibindo a venda da rubiacea aos Portuguczes, apesar
do que logrou Palheta adquirir «mil e tantas f metas e cinco
plantas >, origem modesta da hoje mais portentosa riqueia do Brasil.
Mas não é só proveitosa licção de Historia o que . nos propor-
ciona o inestimável livrinho do sr, Manuel Barata; — é também, e
principalmente, elevado doutrinamento económico.
Sobretudo na angustiosa quadra de agora, cm que nossa Pátria,
Hantes tão próspera e florescente, anda a debater-se em tremenda
crise financeira, achando-se egualmente em precárias condições pe-
cuniárias o outrora tão opulento Estado septentrional, — não devem
oair em olvido os sábios conselhos, com que o colendo patriota
remata o seu opportuno e criteriosíssimo trabalho.
Ei-Ios :
< Restabeleçamos, melhoremos e desenvolvamos a industria pe-
cuária. O Pari pôde bastar a s: mesmo. Do que produzir para o
consumo interno, muito lhe sobrará para a CTportação e permuta
commercial. As suas férteis terras lavradias podem dar com pro-
fus5o, como Já deram, o café, o assucar, o algodão, o arroz c todos
lyCoogle
BIBUOGRAPHIA 839
OS mais cereaes, as várias e excellentes ifructas, como a laranja, a
banana e o ananá; as suas malas opulentas, a materia-prima para
as industrias manufactureiras; os seus extensos campos naturaes de
criação, ia carne verde, o xarque e os lacticinios. Libertemo-nos do
fetichismo da borracha. Trabalhemos. Trabalhemos na cultura da
terra e na exploração de outras fontes de riqueza, que não nos faltam,
e que ahi se estão ofíerecendo â nossa actividade productora. Le-
vantemos das minas a nossa prosperidade.»
Essas palavras, endereçadas especialmente ao Pará, podem, com
ligeiras modificações, ser appticadas a todo o Brasil.
A salvação da nossa privilegiada terra está, — não ha quem seria-
mente o ouse contestar, — no aproveitamento intelligente de sua
inexcedivel uberdade e na cata de suas riquèias latentes.
As luzes da Historia demonstram-n-o á saciedade, qual se vê do
interessante e opportuno opúsculo do sr. Manuel Barata.
Manuel Barata.— A jornada de Francisco
Caldeira de Castdlo Branzo. Fundação da ci-
dade de Belém, estudo critico-historico. Nova
edição (Belém do Pará, typ. da Livraria Gillet,
de Torres & Comp., 1916, 60 p&ga.).
Afim de contribuir para a commemoração do tricentenário da
fundação de Belém, aprouve ao preclaro Paraense sr. Manuel Barata
refundir um seu antigo escripto, dado á estampa em 1904: — tal é
a origem do interessantíssimo folheto, ora sujeito á nossa analyse.
Interessantissímo, em verdade, não sõ pela copiosa documentação
que o brdeía, como ainda pelas notas dilucidativas e pelo superior
senso critico em todo elle revelado.
Confessa o A., com patente tristeza, que não logrou precisar o
dia em que a gente lusitana, enviada de S. Luiz do Maranhão por
Alexandre de Moura, pisou as margens da bahía do Guajará; mas
acredita, com toda a plausibilidade, que o notável acontecimento
occorreu em fins de Janeiro de 1616. Quanto á partida da esqua-
drilha, deixa elle plenamente evidenciado que se deu a 35 de De-
zembro de 1615, de modo que a esta data foi que se ligou o nome da
povoação, primeiro «Presépio» e depois «Belém».
Passa o A. em revista todos os historiadores e chronistas, que
tractaram do inicio da capital paraense, apreciando-lhes os relatos
com a nitidez de visão e a perspicácia apurada de um profundo
competente, que é.
O que ainda mais valoriza o opúsculo do sr. Manuel Barata é o
não se haver elle exquecido de nenhum dos compartes famosos da
célebre expedição de Francisco Caldeira de Castellq-B ranço. Assim,
D,gt,zedbyGOO<^le
840 IlEVISTA DO I\STITCTO mSTORICO
além das notas biographiças a este referentes, consagra capítulos
cspecraes: — ao capitão de infanlaria André Pereira Themudo, Que
morreu depois gloriosamente em Olinda, a 16 de Fevereiro de 1630,
combatendo espartanamente contra os soldados de Diederik van
Waerdenburch ; a Pedro Teixeira, que, fora outros feitos de bravura,
se immortalizou mais tarde, em 1637-1639, renovando a jornada de
Orellana em sentido inverso, como também descendo o rio-mar; e ao
piloto-mór Anionio Vicente Cochado, do qual existe em a nossa
Eibliotheca Nacional curiosa Díscrip(ão dos rios Pará, Curuca t
Aihanonas, descoberto e sondado por mandado de Suú Mageslúde.
Pelo que acabamos de expor, vê-se que esta producção do culto
espirito do sr. Manuel Barata em nada desmereceu das outras que
se lhe devem, pois veio muito opportunamente trazer novos exclare-
cimentos á Historia, ainda em estado obscuro, da conquista de nossa
terra para a civilização.
JoSo T. Franckenbsrg. — Historia Jo
Brasil, por perguntas e respostas (Sclbach
& Comp., Porto- Alegre, 1916, 132 pàgs.).
Como se infere do prefacio, é esta uma obrinha didacticii, edi-
tada pela primeira vez em 1883 e successi vãmente modificada, até á
adopíão final do methodo socrático.
Parece que esse compendiosinho anda muito em voga no Río
Grande do Sul, por mãos de discentes e docentes.
Pois é pena,
Pullulam nelle os erros de Historia em quantidade não inferior
aos solecismos e barbarismos.
Logo á pág. 3, o A., que, apesar de von Pranckenberg, isto é,
legitimo fidalgo germânico, mostra ignorar a classificação elbuo-
graphica dos felichislas brasileiros, devida a von deu Sleiíten, inclue
os Goitacazes e os Guaicurús entre os Tapuias, ao mesmo tempo que
grapba (tupimambás> e fala em tmoradias> dos Índios.
Nada sabe quanto á falsidade da carta de 19 de Julho de 150T,
dirigida por d. Manuel I aos seus sogros, sobre o descobrimento do
Brasil (pág. 4), pouco depois de affirmar que os nossos selvicolas
usavam tciaive, feita de pau duríssimo e pesado». Não admira,
pois, que entre os nossos aborígenes houvesse < musica de panca-
daria».
Ainda acceita para <Caraniurú>, além da inverosímil lenda con-
comitante, o significado de «homem do trovão», desconhecendo.
assim, o parecer do doutíssimo Theodoro Sampaio, segundo o qual
aquelle agnome tupico equivale a «homem molhado».
A' pág. 8, inquire:— Que sorte lei-ou a capitania dos Ilhéus?», .
empregando o mesmo verbo na pergunta seguinte..
,dbyGoogle
BIBLIOGRAPHIA 64I
reíerir que o Estado do Maranhão fora creado
iue a metrópole addicionou áquella nova cir-
cunscripção a capitania do Cabo do Norte, quaffldo esta só teve exis-
tência iegal a 14 de Junho de 16^7. E logo adeante (pág. 26)
transforma o bravo almirante Oquendo em Oquende...
Mas, para não augmentarmos considerável e fastidiosamente o
rol das erronias deste livrinho, — limitamo-nos a encerrar a lista, já
não pequena, ooin os assertos de págs. 36-38. Ahi, não só o A,
inventa um bandeirante até hoje desconhecido dos historiadores e dos
linhagistas, < Fernando Garcia Rodrigues > ; não só admitte um « rio
das Traições», até ao presente ignorado dos geographos pátrios e
alienigenas, como ainda acredita que a denominação de < rio das
Mortes» provêm da lucta enlre Paulistas cíEmboabas» (não em 170S,
como elle diz, mas em Fevereiro de 1709), quando o certo é que
aquelle curso de agua já era assim chamado desde 1702 pelo menos;
e, para coroar essa série de dislates, assegura que o districlo das
Minas recebeu «um administrador particular em 1700» (quem? José
Vaz Pinto, superintendente geral, só foi nomeado em 170^), e no
anno de j/^o toi elevado -z. capitania, como si já não o houvesse sido
em i/Oít, com a denominação officíal de «Capitania de 5. Paulo e
Minas do Ouro>.
Pelo que acabamos de lealmente expor, — vê-se que o compendio
do sr. João v. Franckenberg, quer quanto á matéria histórica, quer
quanto á correcção da linguagem, está longe do antigo e excellente
livrinho de Lacerda.
Para que a puerícia sul-riograYidense se não vicie no vernáculo e
não aprenda mal os factos da evolução pátria. — preciso é que se
condemne a um inexorável auto-de-íé a Historia do Brasil l">r fer-
guulas e respostas do sr. João v, Franckenberg.
E' um verdadeiro attentado aos nossos foros de cultura a
adopção de livros de tat jaez nas escholas brasileiras, — sabido como
é que a lingua e as tradições constituem os vínculos mais pujantes e
mais bellos da nacionalidade, e que o escorreito daquella e a authen-
ticidade destas formam o dever primordial dos povos progressivos,
dos povos que desejam viver longa e brilhantemente na Historia.
AfTonso Coata.— As minas de praia Je
Roberto Dias, á luz da critica moderTta
(líahia, Livraria Económica, 1915, lon págs.).
Tracta-se de um trabalho apresentado ao 4" Congresso de Geo-
graphia, realizado no Recife em 1915.
Não ha nesta « memoria > a menor novidade, quer no ponto de
vista histórico, quer no ponto de vista geographico.
,dbyGoogle
841 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
Com effeito, o A., que se jacta de ter perlustrado os seiiõei
por onde andou oito annos o caçador das minas de prata, não
corrigiu as identificações do roteiro feitas pelos historiadores patrí-
cios, nem apresentou idéas suas a esse proposiio. E, si teve por
intuito capital o evidenciar que foi o pae de Roberio Dias, não este,
o auctor das façanhas attrihuidas pelo gongoríco escriplor da Ame-
rica Porlugueea ao bastardo da india do Gerú, — bastava-lhe tão
somente reproduzir os documentos, que o erudito Capistrano de
Abreu pacientemente colhera . no Indíx de varias noticias perten-
centes ao estado do Brasil, e do que n'eUe obrou o conde de Sabugosa
no tempo do seu governo (manuscripto existente no archivo deste
Instituto, onde tem o n. 346), e publicara na Revista da Secção da
Sociedade de Geographia de Lisboa no Brasil, números de Septembro
e Outubro de 1885.
Queremos crer que o sr, Affonso Cosia nem se deu ao afã
iinprescindivel de compulsar os elementos probantes do assumpto es-
colhido para as suas lucubraçSes.
Assim é que, á pág. 63, affirma, que no texlo, que Melchior Dias
Moreya partiu para a corte hispanhola em 1604, a impetrar do soberano
ajudas e mercês a troco das jazidas do metal branco, ao passo que ad-
mitte, em nola, c supposições verídicas de que esta viagem se realiiára
por 160S >, Entretanto, basta Ur a carta de Melchior ao duque de
Lerma, datada de g de Julho de 1Ó14, para se saber ao certo quando
foi a jornada do sertanista ã metrópole e quanto tempo por lá se de-
morou. Si elle próprio diz alli: — cAchandome nessa Corte a Seii
annos em que nella gaslcy quatro», — a única illação possível e plau-
sível é que o neto do Caramurú esteve em Madrid de 1Õ08 a 1612. Logo
não podia também estar de retorno aos penates em 1609, como nos
assegura o A., á pág. 65.
Acredita o sr. Affonso Costa que a ultima entrada de Melchior,
em companhia de d. Luiz de Sousa, se etfectuou em i6ío. Mas um
documento estampado nesta Rezisla (LXllI, p. i', 9-10) deiíta
entrever que aquelle facto occorreu em 1618, porquanto a outra cousa
não se pôde referir o depoimento de Salvador Correia de Sá e Be-
Como exemplo de enganos deploráveis da monc^raphia do sr. Af-
fonso Costa, é sufficiente apontarmos o da pág. 38, em que vem
António Carlos de Barros, em vez de António Cardoso de Barros, que
não foi só provedor da fazenda no governo de Thomé de Sousa,
mas figura ainda em nossa Historia como donatário da capitania do
Ceará, embora não houvesse dado siquér um passo para lavrar
aquellas terras de sol.
Eis um trecho do parecer emittido pela commissão do men-
cionado Congresso de Geographia sobre a «memoria» do sr. Affonso
Costa:— «A phmse do auclor, tersa e castigada, exalça-se em re-
buscamento, de tal modo prolixa, que, muita vez, a quem a deletreJa
com desejo apressado de attingir ao fim da producção scientifica,
,dbyGoogle
DIBLIOGRAPHIA &43
pelo interesse que a curiosidade provoca e nliiíienta, prende o laby-
rintho de uma intricada, pomposa c luxuriante linguagem, imprópria
em documentos desse porte...».
Estamos de accôrdo com esse juízo, excepto quanto i qua-
lificação de tersa, mimoseada á linguagem do sr. Affonso Costa. Não
merece tal epitheto generoso quem escreve : — « ['or vós de todo
incógnitas» (pág. 15). «para se os transformar» (pág. 19), *a lhe
cingir» (pág, ao), «lá por as terras» (pág. 24), «que o rivalizavam
aos mais poderosos» (pág. 27), «opiniões dos que lhes antecederam
na descripção » (pág. 31), tpor Caramurú» (pág. 52), «viagem
de annos se faseiidoy (pág. 60), cos historiadores tratantes de
Belchior» (pág. 6[)t «o regresso á moradia* (pág. 92)1 ou quem
commetle cacographias como estas; — estractos de ouro colmavam»
(pág. 12), €delriclos> (pág, 22), t matololagem » (pág, go), tgor-
piaras» (pág, 52)-
Agora, como prova do preciosismo que characteriza a mono-
graphia do sr. Affonso Costa, formemos um pequeno rol dos vo-
cábulos do seu uso, alguns empregados como verdadeiro» li(irHfi*>i.
Substantivos: reconquistação, avisinhaíão, desertão, caii
tvitação, premiaíão, curação (de curar), forjamento, orgu,
exiingutmento, Hmitameuto, acuro, indago, inspiro, accorr
galaneio, cpriairo, jacenda (por jazida), bibliolerio, Iene
grinagem e aurifice (por ourives); adjectivos: noxio, vi
turoso, iniemcroso, inieras, iiiiigo, pecortco (por pecuário
empresar, ambientar, litigiar, desmoçar, sentinellar, transn
rotear, desprecisar-se, destribunizar . . .
Note-se que ainda puzemos á margem um grande i
expressões dignas de figurar entre os prcciosismos mais
quaes as seguintes. — < íusionar metaes », « fazer fuga i
cado no occultamento»...
Quem redige de tai maneira o nosso formoso idioi
que o faz com o intuito deliberado de se não fazer comprt
de só ser entendido por algum leitor paciente, que de a
muna de um Elucidário de Viterbo.
Urge, pois, que o sr. Affonso Costa leia melhor os d
da nossa evolução e se aveie a escrever de modo mais
mais intelligivel, si é que seriamente aspira a mourejar
veito na fecunda e luminosa seara da Historia.
Afraulo Vairoto.— Minha teri
gente (Rio, Livraria Francisco Al
in-S" peq., de 230 págs., est.}.
O illusire sr. Atranio Peioxto já deve ter condemnad'
com que traçou o seu ultimo livro, recentemente adop
uso das cscholas primarias da capital da Republica pela
«byCoogIe
844 REVISTA DO IXSTITDTO BISTORtCO
Girai de Insirucção Publica do Dístricto Federal, de que é hoje O
digno titular.
Talento formosissimo, que fulgura em varias obras scicntifícas
e litterarias, mereci da menle applaudidas pelos criticos mais severos,
devera dar-nos o egrégio académico um primoroso livro didáctico,
destinado á educação civíca da infância brasileira. Era licito cs-
Excepluando-sc, porém, a exccllencia do mclhodo c o encanto
do estylo, sempre egual, sem rebuseamentos e até por vezes descendo
k acceiíação de plebeísmos excusaveis (como os de págs. 302 e 210),
o recente escripto do sr. Afranio Peixoto não é modelar nem pela
doutrinação, nem pelo absoluto respeito da verdade histórica, nem
ainda pela purena da linguagem.
Não é detrahindo a terra natal, porém sim louvando-a sempre,
que se consegue incrustar na alma das gerações em formação o alto
sentimento da nacionalidade. Para combater a deliquescenda moral,
em que parece presentemente amarasmada a juventude brasileira,
antes se lhe pregue o optimismo que o pessimismo, c ha por certo
ouiros remédios mais effieazes que a therapeutica dos amargos.
Por outro lado, reseflte-se de incoherencias o Minha lerra e
miiilia gente, como resalta da cotifrontação dos juízos oppostos
sobre d. Pedro 11. a págs. 165 c i6(), assim como da apolc^ia de
Portugal, [feita cm toda a primeira parte do livro e destruída á
pág. 140.
A' pág. 116, referíndo-se ã escravidão dos Africanos, limita-se o
A. a dizer que foi ella tmal inveterado das antigas civilizações >,
quando a pudera e devera qualificar de retrogradação innominavel,
de crime ígnobi! pract içado pela culta Europa contra uma raça
atrazada e indefesa.
A págs. 120 e 216 affirma que os Africanos «estavam numa
evolução social mais adeantada que a dos índios». E' esta uma
asserção de prova sobremaneira difficíl. Com effeito, os nossos abo-
rígenes eram já astrolatras, enquanto os filhos do continente negro,
aqui introduzidos, não haviam ainda transcendido o Fetichismo puro,
sendo alguns francamente dendrolalras; nem pelos artefactos, nem
pela. cultura dos vegetaes, nem pela domesticação das espécies zooló-
gicas, nem pela constituição da família ou da tribu. nem pelos conhe-
cimentos astronómicos, nem pela creação da linguagem e das lendas,
eram os pretos superiores aos nossos selvieoks ; c, até quanto ã
separação dos poderes, espiritual e temporal, da sua rudimentar orga-
nização politica, ainda não podem os aulochthoncs do Brasil ser
postos em degrau inferior aos filhos óa terra adusta de Ham.,
Ha na obrinha do sr. Afranio Peixoto affirmações singular-
mente curiosas, como a de ser «Mahomet falso propheía árabe >
(pág. 20). Falso porque? O A., catliolíco fervoroso que se con-
fessa, pôde reputar ^alsa a religião fundada pelo celebre coraichíta;
,dbyGoogle
BIBUOattjM>UlA 84S
mas dahi a negar que este fosse legitimo propheta da sua gente —
vai um abysmo.
Não podemos também concordar com o A. no ponto em que diz
(á pág. 56) que Os Lusíadas constituem «um livro nosso, do-
mestico, nacional *, pois isso não exprime a realidade dos (actos,
sendo rara a pessoa que hoje leia no Brasil, ■a não ser por obrigação
esclíolar, o immorlal poema portuguez, que não é lambem um « com-
pendio de Historia e de Morai t. tanto que nunca pôde ser adoptado
em nossos institutos de ensino sem profundas mutilações. Imagine-se
a descrip^ão violentamente sensual da «Ilha dos Amores», posta
ante os olhos da juventude feminina das nossas escholas.
Já á pág. 54, no texto e em noGa, dissera o A. que «Lusíadas»
significa «descendentes de Luso», isto é, o mesmo que Ltisilaiios.
Ha nisso equivoco. « Lusíadas » equivale a « (eitos dos Lusos ».
< Eneida > núo quer dizer « descendente de < Enéas >, nem c Ilíada »
corresponde a «descendente de Ilion». O suífixo ada não é pairo-
nymico cm grego, porém sim o suffixo iiífl.
Enumeremos agora alguns dos descuidos, especialmente histó-
ricos, que escaparam á scintillante penna do sr. Afratiio Peixoto,
no opúsculo que estamos rapidamente apreciando: — à pág. 76, dá
Pêro Vaz Caminha como < escrivão da armada > de Cabral, quando o
certo é que o era da feitoria a installar-se em Calicut ; a págs. 1^6-97,
deixa em hialo a fundação da primitiva cidade do Rio de Janeiro
por Estacio de Sá, na pequena peninsula entre o morro Cara de Cão
c o Pão de Assucar; á pág. gj. daia de íófj a expulsão dos Francezcs
do Maranhão, quando tal faclo occorreu em lóisi á pág. 108, con-
funde eiitrçdas e bandeiras, quando aquellas eram em regra de origem
ofíicial. e estas eram geralm^te espontâneas; á pág. 142, olvida-se
de Ulrico Schmidel, e, a págs. 145-146, grapha í/ftii e Cockrane, em
vez de SleUien e Cochraiie; á pág. 155, assevera que o caíeeiro nos
veio da Guiana Franceza em í?^j, quando o major Palheta só o
trouxe de Caiena para Belém do Pará cm 17JT; á pág. 158, assegura
que perdemos a Província Clsplatino em jSjo, e, entretanto, o tractado
pelo qual reconhecemos a independência da Banda Oriental do Uru-
guai é de 27 de Agosto de iSê^; á pág. 162, admitte como tendo oito
annos em 1831 d. Pedro U, nascido aliás a 2 de Dezembro de iS^si
a págs. 165-166. escreve que «o irafico dos negros, abolido desde
i8ji. levaria vinte annos para ser executado...» {phrase amphibo-
logtca), estando averiguado que a cessação definitiva do contrabando
negreiro só se deu em 1S5Ó. anno do último desembarque clandestino
de pretos em Serinhaerá; á pág, i6ã, diz que «a abertura do Ama-
zonas ao commcrcio universal... foi protelada até 1S74». quando a
verdade é que foi realizada a 7 de Scpiembro de 1867; á pág. 175,
inclue Tlicophilo Olloni entre os republicanos transrriudados em validos
do ultimo imperador, quando o excelso liberal mineiro morreu comba-
tendo o poder pessoal do monarcha, a quem não cortejou jamais; e á
pág. 197, finalmente, enaltece o possuir o Brasil tfrala e oiro, etn
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846 REVISTA DO INSTltlTTO HISTORICa
tuiiiat compensadoras >, quando até hoje ninguém logrou descobrir
as celebres jazidas, phantasiadas por Melchior Dias Moreya...
A' pág. 69, tece o auctor da Minha leira t minha gente um
verdadeiro pancgyrico da língua portugueza, apregoando que nos
cumpre < respeita-la, preservando a sua pureza, tal como nos ensi-
naram os bons exemplos da vernacuiídade >. Muito bem dicto; mas
terá o sr. Afranio Peixoto obedecido a esse seu próprio sábio
conselho?
Não parece. Acha-se o seu trabalho, hoje entregue ã infância
brasileira por ordem o((icial, invado de sínões que sobremodo afeiam
e incompatibilizam com o destino didáctico a recente producção do
auctor de Maria Bonita. Sem falar nos signaes diacriticos, usados
i ncoherent emente ; sem falar na pontuação, que é menos correcta,
pois ás vezes os sujeitos, simples e incomplexos, estão separadas dos
respectivos predicados por virgulas absurdas ; sem falar em caco-
graphias, como allriclo e detricto (págs. 184 e 198), injustificáveis
ante os elynvos latinos aítritus e detritus; como envés (págs. 14 e 97),
em logar de em ves, porque nem corresponde ao latim inversum,
que deu o vernáculo invés; como vesinkos (págs. 12, 50, 155. 182
e 184); como iberos (duas vezes á pág. 24), por iberos, do latim
ibérus; como artemanhas (pág. 66), sohir e cerimonia (pág. 73),
em vez de artimanhas, sair e ceremonta; como discrição (pág. 223),
por discreçâo ; sem falar na graphia puramente lusitana de oiro, lO'
voira, vindoiro, inadmissivel no Brasil, onde a prontincía popular
(utui', quem paenes arbilrium est, et jw et norma toguendi) e cor-
rente é ouro, lavoura, vindouro; recenseemos Ião somente os lapsos
syntacticos, também abundantes no livrinho do sr. dr. Afranio Pei-
xoto:— «romanos ou latinos, natural de Roma» (pág. 12); «re-
duzir nesla formula* (pág. 14); «por toda a parte» (pág. 15);
«piedade a Deus* (pág. 16); «era a certeza de que a esperança...
não lhe enganava* (pág. 36); «a se descobrir» (pág. 37), vicio
de toponymia pronominal repetido eu outros 'logares; «aspirar o mo-
nopólio» (pág. 39); «avistaram um monte, que chamaram Monte
Paschoal* (pág.. 75); «aprendeu a li;igua dos bárbaros, e lhes
doutrinava nella* (pág. 90); «João Ribeiro chama-oj o elemento
moral* (pág. 91) ; «em correspondência á França» (pág. 96) ;
(conformado á nossa emancipação* (pág. 139); oasada com mo-
rido estrangeiro» (pagi 168); «a independência se veiu a faser,
feita e dirigida por elle» (pág. 173); «sem carvão, pretendemos
virar num país íabril * e « ociosos viraram activos > (págs. 202 e 210) ;
«o Brasil de agora e o de amanhã terá» (pág. 227).
Temos como certo que o sr. Afranio Peixoto, si houvesse dis-
posto de mais lazer para a elaboração e revisão do seu uhimo livro,
não o deixaria vir a público com taes máculas, entre as quaes nem
siquér relacionámos alguns cacophatos facilmente
çalumnias», «por costumes», «por capuchinhos»,
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BlBLÍOGIlAPHIA 84?
Aguardamos ancíosos novas e escorreitas producçóes do emi-
nente scientista e Icttrado, que é o sr, Afranío Peixoto, para lhe
tributarmos todos os louvores, que, em sã consciência, não podem
ser dados á sua obrinha didáctica Minha terra e minha gente.
A. O. de Araújo Jorge.— Eifsaios de His-
toria e Critica (Rio de Janeiro, Imprensa Na-
cional, 1916, in 8°, de4 fls. — 258pâgs).
Várias monographias, dadas á estampa, em differenles epochas,
no Jornal do Commercio e na Revista America}ta, foram ultimamente
enfeixadas pelo sr. Araújo Jorge, seu auctor, no volume que teve a
amabilidade de offerecer ao Instituto.
A parte_ referente a Alexandre de Gusmão, * o avò dos diplo-
matas brasileiros >, é sem duvida o trabalho mais completo da nossa
litteralura histórica sobre o secretario de d. João V, sobre o Santista
illustre que, no conceito de Camillo Castello-Branco, além de «esta-
dista que nas sciencias politicas foi mais arguto que d. LuÍ2 da
Cunha e na sagacidade e lucidez de fino sentir foi o mais avançado
espirito de seu século», ainda excedeu ao padre Vieira e a d. Fran-
cisco Manuel de Mello «na esperteza da observação e na solercia
da critica».
Santos, o afortunado berço dos Gusmões e dos Andradas e
povoação, cujos fundamentos se devem a Braz Cubas em 1536, era
ainda villa em 1710, e nao cidflde, como é licito inferir-se da asserção
da pág. 4-
Apreeia o A., firmado nos melhores testímunhos, o estado de
deliquescencia politica da terra lusitana durante o longo reinado de
d. João V e o supremo afã que coube a Alexandre de Gusmão
para a incontestável e gloriosa viciaria colhida por Portugal com o
tractado de 13 de Fevereiro de 1750, que, ratificando a audaciosa
expansão dos bandeirantes paulistas, nos deu com ligeiras modi-
ficações o Brasil actual, trez vezes maior que o d
To rd es i lias.
A critica do livro de Euclides da Cunha, A' mar
toria, não vale tanto pela succinta analyse dessa proi
pelo impressivo perfil moral que o sr, Araújo Jorge Si
traçar do immortal escriplor dos Sertões, a pags. 5.
tamos não dispor de espaço bastante para transcrever
do jovcn Alagoano, as quaes, a nosso ver, equivalem a
photographia psychologica do patrício eminente (e tão
cuja penna fecunda egualnienlc se devem as página;
vigorosas dos Contrastes e confrontos.
A propósito de um opúsculo do actual director d
Nacional de Buenos-Aires, Paul Groussac, sob o til
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848 REVISTA DO IMTITOTO HBTOMdO
Malouines, e impresso em 1910, fez o sr. Araújo Jorge, — além da
apreciação da personalidade desse Argentino adoptivo, que não va-
cillou em dizer aos historiadores do Prata as mais duras verdades
sobre o descaso com que ás vezes tractam os documentos do passado
de sua terra, — um claríssimo resumo da questão do archipelago do
Atlântico austral, também conhecido pelo nome de < Ilhas Falkland »,
e incorporado á força, não ex vi júris, á soberania britannica, em 1765.
Ahi, reportando-sé a « escribas de compactos volumes, illegiveis,
hostis», e falando fortuitamente de J. Toribio Medina, julga-o
«diligente formiga, a armazenar inexgoitavel mente um eelleiro in-
terminável >, o que pensamos deve ser tomado antes em sentido
encomiástico do que depreciativo do preclaro Chileno.
Seguindo a corrente geral dos geographos Iuso-brasileiros,
grapha o A. « Malvinas >. em logar de c Maloinas > pois a denomi-
nação do grupo insular provém de Saint-Malo, — procedência de
Porée. que aportou no sobredieto archipelago em 1708, nada tendo o
toponymo que ver com o subslanlivo próprio «Malvina».
O mais curto, porém um dos melhores capitulos dos Bnsaiot
do sr. Araújo Jorge, é o em que este estuda com tanto critério
c superioridade de vistas a Crandesza e decadensa di Roma, de
Gughelmo Ferrero. Producção de límpido estylo, fartamente exor-
nada de primores da portentosa elaboração greco- romana, falia.
contudo, á obra do publicista italiano quer o espirito de synthese,
quer a exhibição de algum novo processo histórico. Não se en-
contram alli nem a c fôr^a motriz > de que fala Gumplovicz, nem a
potencia generalizadora, imprescindível ao sociólogo.
Os quatro restantes artigos do excellente volume do sr. Araújo
Jorge formam um verdadeiro conjuncto de « Christianologia». Com
effeito, ahi faz elle uma erudita critica dos seguintes trabalhos re-
centemente .apparecidos sobre a figura histórica do rabbino da Gal-
liléa: — Gíí« Crislo non è mai esislilo, de Emílio Bossi; La Folie
de Jísus, de Binet-Sanglé ; La Vic incotmue de Jcsus-Chrisl, cuja
responsabilidade foi assumida por Nícolas Notovitch ; c La Signi-
ficaciún histórica dei christianismo, de Clemente Ricci.
Desde muito que o sr. Araújo Jorge se vem entregando a simi-
Ihantes investigações, contando já em sua bagagem litleraria um
forte opúsculo intitulado Jesus (ensaios de Psychologia mórbida),
ora aproveitado nO coUecianea cm apreço, saido a lume em 1912.
Assim, não é de admirar que tenha elle podido metter o escalpello.
com tanta segurança e tanlo brilho, nas obras da primeira decade
do presente século, consagradas á personalidade do Nazareno.
Não nos deteremos em accompanhar o A. na longa peregrinação
aos logarcs sanctos, onde repontou a doce religião do nosso povo,
nem ás fontes em que lanto se tem pcrquirido sobre as controvérsias
relativas aos Evangelhos e até á própria existência do Messias.
Restringimo-nos, aqui. a consignar que, antes do «profundo Scherer>
(págs. 244-245) attribuir a S, Paulo o ter este dado ao Christianismo
.,Coogle
UBUOGRAPUIA
a (calegoria de religião iinivorsat >. jú Augusto Con
time de poiitique fosUhv, (págs. 40'>4io) havia est;
cessaria distinc^ão entre o < Christianismo», seita pura:
e o « Catliolicísnio >, cuja universalidade (o nome o int
do ( dominio universal de Roma >, ou de ler sido c\
incomparável Paulo de Tarso, apostolo da gentilidade
O sr. Araujo Jorge maneja bem o vernáculo, ju
reeção da phrasc certa belleza de forma, que trae
verdadeiro artista da palavra. Ha, contudo, em se
vocábulos, como cmbilesgar (pág. 5), jraiidMias (p.
gulhcuto (pág. 95), 3 que preferiríamos os mais cad
lógicos embetesgar, farandulas e engulkento.
A' pág. 28, notámos o grave erro typographico, <
1861, em vez de 1681.
O sr. Araujo Jorge é moço, intelligenie e Iraball
portanto, natural que as letiras pátrias esperem nov
eguaes, sinão ainda superiores ás enquadradas no sut
Ensaios de Historia e Critica, cuja leitura nos pi
mesmo tempo tanto prazer e tanto proveito.
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ANNEXO
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CADASTRO DOS SÓCIOS
lutlMIo niitaríco eaeotrRphlco Brulldro, em Jl de lulho de 1916, «riuiludo
de Inteira cootornldide con os Eslatuloa de 27 de junbo de 1912
PRESIDENTES HONORÁRIOS
ORDEM, NOME, DATA DA ENTRADA NO INSTITUTO, REaiDENCIA
1. Conde d'Eu, i6 de setembro de i8
3. Dr, Francisco de Paula Rodrigues
1896. S. Paulo.
3. Dr. Nilo Peçanha, 27 de novembr
(Rio de Janeiro).
4. Marechal Hermes Rodrigues da Fe
de 1911. Petrópolis ( Rio de Janeiro) .
5. Dr. Wencesláu Braz Pereira Gom»
1915. Rio de Janeiro.
SÓCIOS BENEMERIT(
1. BarSo Homem de Mcllo,3dcjunhoi
2. Dr. Benjamin Franklin Ramiz G
1873. Rio de Janeiro.
3. Barão de Alencar, 13 de sctcir
Janeiro.
o signal CJ Indiea que o sócio 6 cdrangciro.
O stgnal X lnillca que o sócio nSo tomou posse, [
,dbyGoogle
654 RBViaTJL DO INSTITUTO HISTÓRICO
4. Dr. Conde de Aflbnso Celso, 2 de dezembro de 1893. Rio
de Jandro.
5 a 10. — Vagos.
SÓCIOS HONORÁRIOS (50)
I. BaHío de Tefife, 37 de outubro de 1883. Rio de Janeiro.
3. Dr. Domingos José Ní^eira Jaguaribe, 7 de dezevabro de
1883. S. Paulo.
3. Dr. D. Estanislao S. Zeballos(*) x, 7 de dezembro de
1883. Buenos Aires.
4. Conselheiro Dr. João Alfredo Corroa de Oliveira, 19 de
outubro de 18Ô7. Rio de Janeiro.
5. Professor JtóoCapiatrauo de Abreu, 19 de outubro de 1887.
Rio de Janeiro.
6. Almirante Arthur índio do Brasil, 31 de agosto de t888.
Rio de Janeiro.
7. D. Pedro Augusto de Saie|Coburgo, 3 de agosto de 1889.
Vienna.
8. Commendador Tobias Laureano Figueira de Mello, 13 de
dezembro de 1890. Rio de Janeiro.
9. Dr. Alfredo do Nascimento e Silva, 13 de dezembro de
1890. Rio de Janeiro.
10. Dr. Barão de Studart, 30 de maio de 1892. Fortaleza
{Ceará).
it. D. Carlos Luiz d'Amour x, 9 de dezembro de 1893.
Cuyabá (Matto Grosso).
12. Dr. António Olyntho doe Santos Pires, 4 de maio de
1894. Rio de Janeiro.
13. Dr. Manuel de Oliveira Lima, 11 de agosto de 1895.
Londres.
14. D. Jeronymo Thomé da Silva, 35 de julho de 1897.
Bahia.
15. D. Francisco do Rego Maia, 25 de julho de 1897, Roma.
16. Cardeal D. Joaquim Arcoverde de Albuquerque Caval-
canti, 31 de outubro de 1897. Rio de Janeiro.
DigtizedbyGOOgle
CADASTRO DOS SOCtOB 85S
17. Dr. Amaro Cavalcanti, 6 de dezembro de 1897. Rio de
Janeiro.
18. Conselheiro Jo5o de Oliveira Sá Camelo Lampreia (*),
15 dâ maio de 1898. Lisboa.
19. Dr. Miguel Joaquim Ribeiro de Carvalho, 12 de dezembro
de 1899. Rio de Janeiro.
30. D. Pedro de Orléans e Bragança x, 33 de junho de
1900. Eu (França).
31. Desembargador António Ferreira de Sousa Pitanga, 3
deagosto de 1900. Rio de Janeiro.
32. Max Fleiuss, 3 de agosto de 1900, Rio de Janeiro.
33. Dr. Rodrigo Octávio de Langgaard Menezes, 26 de ou-
tubro de 1900. Rio de Janeiro.
24. Bduardo MúUer (*] x, iode dezembro de 1900. Suissa.
35. Dr. Epitacío da Silva Pessoa, 39 de março^ de 1901. Rio
de Janeiro.
26. Dr. Pedro Augusto Carneiro Lessa, 33 de agosto ds 1901.
Rio de Janeiro.
37. Dr. Sabino Barroso Júnior, 3 de maio de 1903. Rio de
Janeiro.
98. Dr. Martim Francisco Ribeiro de Andrada, 34 de outubro
de 1902. S. Paulo.
39. Alberto dos Santos Dumont, 11 de setembro de 1903. Paris.
30. D. Luiz de Orléans e Bragança x r 6 de novembro de
1903. Eu (França).
31. Dr. Manuel de Mello Cardoso Barata, 30 de maio de
1904. Belém (Pará).
32. Barão de Muritíba x, 13 de agosto de 1904. Paris.
33. Comraendador Arthur Ferreira Machado Guimaiiles, 9 de
dezembro de 1904. Rio de Janeiro.
34- Dr. José Joaquim Seabra, 28 de abril de 1905. Rio de
Janeiro.
35- Dr. Jasé Leopoldo de BulhÔcs Jardim, 38 de abril de
1905. Rio de Janeiro.
36. D. João Braga x , 3i de julho de J905. Curityba (Paraná).
DigtizedbyGOOgle
856 REVIST4 DO INSTITUTO HISTÓRICO
37. Dr. Manuel Cícero Per^rino da Silva, ai de julho de
1905. Rio de Janeiro.
3Õ. Dr. Clóvis Beviláqua, 15 de outubro de 1906. Rio de
Janeiro.
39. D. Joaquim José Vieira x , 6 de maio de 1907. S. Paulo.
40. Dr. Augusto Olympio Viveiros de Castro, 20 de maio
de 1907. Rio de Janeiro.
41. Dr. José Carlos Rodrigues, 10 de junho de 1907. Rio de
Janeiro.
43. Dr. Augusto Tavares de Lyra, 16 de aetambro de 1907.
Rio de Janeiro.
43. Dr. Alberto de Seixas Martins Torres, 3 de outubro de
1910. Rio de Janeiro.
44. £)r. Homero Baptista, 36 de agosto de 1911. Rio de
Janeiro.
45. Dr. D. Júlio Feruandez (*), 4 de maio de 1913, Buenos
Aires.
46. Dr, Rivadavia da Cunha Corrêa x, 4 de maio de 1912.
Rio de Janeiro.
47. Dr. Lauro Severiano Múlier x. 4 de maio de 1912. Rio
de Janeiro.
48. Coronel Theodoro Roosevclt ('), 6 de outubro de 1913.
Estados Unidos da America.
49. Dr. Urbano Santos da Goste Araújo x> 3' de julho de
1915. Rio de Janeiro.
50. —Vago.
SÓCIOS EFFECTIVOS (60)
1. Almirante José Cândido Guillobel, 24 de aovembro de
1883. Rio de Janeiro.
2. Dr. Brasilio Augusto Machado de Oliveira, 12 de setembro
de 1890. Rio de Janeiro.
3. Dr. Francisco Baptista Marques Pinheiro (*), 11 de agosto
de 1895. Rio de Janeiro.
DigtizedbyGOOgle
CABAITRO DOS SOCIOt 857
4. Dr. Paulino J06é Soares de Sousa, ii de junho de 1898.
Rio de Janeiro.
5. Dr. Manuel Álvaro de Sousa Sà Vianoa, 17 de outubro
de 1899. Rio de Janeiro.
6. General Dr. tnnocencío Serzedello Corrâa, 8 de dezembro
de 1899. Rio de Janeiro.
7. Dr. José Américo doa Santo», ra de dezembro de 1899.
Rio de Janeiro.
8. José Francisco da Rocha Pombo, 3 de agosto de 1900.
Rio de Janeiro.
9. General Dr. Gregório Thaumaturgo de Azevedo, 17 de
agosto de 1900. Rio de Janeiro.
10. Dr. Sebastião de Vasconcellos Galvão, 36 de outubro de
igoo. Rio de Janeiro.
11. Conselhsiro Dr. Ruy Barbosa x, 33 de mato de 1903. Rio
de Janeiro.
13. Conselheiro Salvador Pires de Carvalho e Albuquerque,
13 de junho de 1902. Rio de Janeiro.
13. Monsenhor Vicente Ferreir» Lustosa de Lima, 19 de
junho de 1903. Rio de Janeiro.
14. Dr. Alberto de Carvalho, 18 de outubro de 1903, Rio
de Janeiro.
15. Eduardo Marques Peixoto, agde outubro de 1903. Rio de
Janeiro.
i6. Coronel Jesuiao da Silva Mello, 33 de outubro de 1903.
Rio de Jaoetro.
17. Conselheiro Dr. Cândido Luiz Maria de Oliveira, 17 de
junho de 1904. Rio de Janeiro.
18. Dr. Joáo Pandiá Caiogeras, 18 de setembro de 1905. Rio
Janeiro,
19. Dr. Joaquim Nogueira Paranaguá, 4 de dezembro de
1905. Rio de Janeiro.
ao. Dr. José Pereira Rego Filho, 35 de junho de 1906, Rio
Janeiro.
a I . Paulo Barreto x . 29 de julho de 1907. Rio de Janeiro.
DigtizedbyGOOgle
85o REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
33. Dr. GastJo Ruch Sturzenecker, 39 de julho de 1907. Rio
de Janeiro.
33. António Jansen do Paço, 30 de setembro de 1907. Rio de
Janeiro.
24. Dr. João Luiz Alves, 30 de setembro de 1907. Rio de
Janeiro.
35. General Emygdio Dantas Barrãto, 39 de agosto de 1908,
Rio de Janeiro.
36. Dr. Alexandre José Barbosa Lima, sgde agosto de 1908.
Rio de Janeiro.
37. Dr. Alfredo Augusto da Rocha, 29 de agosto de 1908.
Rio de Janeiro.
38. Dr. Norival Soares de Freitas, 5 de outubro de 1908. Rio
de Janeiro.
39. Dr. João Coelho Gomes Ribeiro, so de agosto de 1909.
Rio de Janeiro.
30. Dr. António Ernesto Lassance Cunlia, 13 de outubro de
1909. Rio de Janeiro.
31. José Félix Alves Pacheco, i de agosto de 1910. Rio de
Janeiro.
32. Vice-almiranie António Coutinho Gomes Perara, 3 de
outubro de 1910. Rio de Janeiro.
33. Dr. Eurico de Góes, 3 de outubro de 1910. Rio de Janeiro.
34. Dr. Pedro Souto Maior, I5de julho de 1911. Rio de Janeiro.
35. Dr. AlipioGama x, 15 de julho de 191 1. Rio de Janeiro.
36. Dr. Aloysío de Castro Xi 15 (^^ julho de 1911. Rio de
Janeiro.
37. Capitão de corveta Francisco Radler de Aquino, sõ de
agosto de 191 1 . Rio de Janeiro.
38. Dr. Carlos Maximiano Pimenta de Laet x, lõ de outubro
de 191 1 . Rio de Janeiro.
39. Dr. Luiz Gastão de E^ragnolle Dória, 4 de maio de
1912. Rio de Janeiro.
40. Major Dr. Liberato Bitlencourt, 27 de maio de 191a.
Rio de Janeiro.
DigtizedbyGOOgle
CADASTRO DOS S0C103 859
41. Dr. Hélio Lobo, 6 de junho de 1912. Rio de Janeiro.
43. Dr. Alberto Rangel, 6 de junho de 191a. Rio de Janeiro.
43. Desembargador Ataulpho Nápoles de Paiva Xi 6 de
junho de 1913. Rio de Janeiro.
44. Francisco Agenor de Noronha Santos, 6 de junho de
191 3. Rio de Janeiro.
45. Dr. Alfredo Valladão, 19 de julho de 191 2. Rio de
Janeh'0.
46. Capitão de corveta Raut Tavares, 33 de agosto de 1913,
Rio de Janeiro.
47. Dr. Edgard Roquette Pinto, 4 de agosto de 1913. Rio de
Janeiro.
48. Dr. Miguel Calmon du Pin e Almeida, 30 de abril de
1914. Rio de Janeiro.
49. Dr. Enéas Galvão, 13 de maio de 1914. Rio de Janeiro.
50. Dr. João Ribeiro, n de maio de 1914. Rio de Janeiro.
51. Marechal José Bernardino Bormann, 20 de abril de 1915.
Rio de Janeiro.
5a. Dr. Arthur Pinto da Rocha, 38 de junho de 1915. Rio de
Janeiro.
53. Dr. Aurelino de Araújo Leal, 28 de junho de 1915. Rio
de Janeiro.
54. António de Barros Ramalho Ortigão, 28 de junho de
1915. Rio de Janeiro.
55. Dr. António Fernandes Figueira, 38 de junho de 1915.
Rio de Janeiro.
56. Dr. Alfredo Pinto Vieira de Mello x, 28 de junho de
1915. Rio de Janeiro.
57. Dr. Juliano Moreira x, 12 de outubro de 1915. Rio de
DigtizedbyGOOgle
Soo RE?IST» DO INSTITUTO IU8T0R1C0
SÓCIOS CORRESPONDENTES (8o)
I. Dr. Francisco Auguato Pereira da Costa, 9 de dezembro
de 1886. Pernambuco
a. António Ribeiro de Macedo x, 19 de outubro de 1887.
Antonina (Paraná).
3. Dr. Virgílio Martins de Mello Franco, 31 de agosto de
1888. Minas Geraes.
4. D. Enrique Moreno ('), 13 de setembro de 1888, Mon-
tevideo.
5. Rodolpho Marcos Theophilox, 1 1 de julhode 1890. Ceará.
6. João Baptista Perdigão de Oliveira x, 19 de julho de 1891.
Ceará.
7. Dr. António Martins de Azevedo Pimentel, 1 de junho de
1894. Campinas (S. Paulo).
8. Dr. ChristiaDO Frederico Seybold (*) x, 1 de junho de
1894. Allemanba.
9. João Lúcio de Azevedo X, 31 de março de 1895. Lisboa
( Portugal ).
10. Dr. Cincinato César da Silva Braga, 35 de agosto de
1895. S. Paulo.
II. Coronel Raymundo Cyriaco Alves da Cunha x, ao do
outubro de 1895. Belém (Pará).
IS. Dr. Henrique Américo de Santa Rosa x, 16 de agosto de
1896. Belém (Pará).
13. Padre Raphael Maria Galanti, S. J. (*), aa de novembro
de 1896. Friburgo (Rio de Janeiro).
14. André Peiíoto de Lacerda Vernek, 13 de dezembro de
1896. Rio de Janeiro.
15. D. Joaquim SilvcriodeSoQsa X, 19 de setembro de 1897
Diamantina (Minas Geraes).
16. Coronel Honório Lima, 10 de novembro de 1899. Rio de
Janeiro.
17. Dr. António Zeferino Cândido (*), 24 de novembro de
1899. Lisboa.
DigtizedbyGOOgle
CADASTRO DOS SÓCIOS 86l
i8. Dr. Emilio Augusto GoeIdi('} x. lo de dezembro de
1900. Berae.
ig. Dr. Ermelino Agostinho de Leão x, 10 de dezembro de
1900. Curityba {Paraná).
ao. Dr. D. Manuel B. Olero (') x, 34 de maio de 1901. Mon-
tevideo.
ai. Dr. D. Suaviela Guarch (*), 24 de maio de 1901. Mon-
tevideo.
23. Dr. António Augusto de Lima, g de agosto de 1901,
Bcllo Horizonte (Minas Geraes).
33. Dr. João Mendes de Almeida Júnior, 33 de agosto de
1901. S. Paulo.
34. Dr. Nelson de Senna, 33 de agosto de igoi. Bello Ho-
rizonte (Minas Geraes).
35. Dr. Sebastião Paraná de Sá Sottomayor x, 33 de agosto
de 1901. Curityba (Paraná).
2Õ. Horácio de Carvalho x. tõ de outubro de 1901,
S. Paulo.
37. Dr. José Vieira Couto de Magalhães, 18 de outubro de
1901. S. Panio.
38. Dr. Alfredo de Toledo Xt ^ de dezembro de 1901.
S. Paulo.
ag. D. Carlos Liz Klet^C), 6 de dezembro de 19D1, Bueno
Aires.
30. Dr. D. Ernesto QuesadaC) x , 6 de dezembro de 1901.
Buenos Aires.
31. Dr. D. AnseImoHéviaRiqueIme(*),8deag08tode 1903,
Chile.
33. Dr. Theodoro Sampaio, 24deout
33. Dr. Albino Alves Filho, 3a de
Geraes.
34. Dr. José Manuel Cardoso de Olii
1903. Rio de Janeiro.
35. Dr. Aogusto de Siqueira Cardos
1903. S. Paulo.
D,gt,zedbyGOO<^le
Si)2 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
36. Dr. José Maria Pereira de Lima('), x 11 de setembro
de 1903. Portugal.
37. Victor Ribeiro (•) x, n de setembro de 1903. Lisboa.
38. José Felidaoo de Oliveira x, 19 de fevereiro de 1904.
Paris.
39. Alberto Pimentel (*) x, 33 de junho de 1905. Lisboa.
40. Dr. Luiz Gonzaga da Silva Leme Xt ^t de julho de 1905.
S. Paulo.
41. Dr. Diogo de Vasconcellos X, 4 <^^ '^^2^°)^''^^'^ '9°5-
Ouro Preto ( Minas Geraes ),
43. Dr. Bernardino Machado Guimai^es ('} x, 9 de julho de
190Õ. Lisboa.
43. Dr. D. Daniel Garcia Acevedo (') x, 3 de setembro de
igo6. Montevideo.
44. Dr. Adolpho Augusto Pinto, 30 de maio de 1907. S. Paulo.
45. Dr. Luiz António Ferreira Gualberto, 29 de agosto de
1908. S. Francisco do Sul (Santa Cathariíu).
46. Fernando A. Georlettex, 34 de maio de 1909. An*
tuerpia.
47. D. João Baptista Corrêa Nery, 31 de agosto de 1909.
S. Paulo.
48. Dr. D. Ramón J. Cârcano ('), i de agosto de 1910,
Córdoba (Republica Ai^ntina).
49. Dr. Justo Jansen Ferreira x, 33 de junho de 1911.
S. Luiz (Maranhão).
50. Dr. Braz Hermenq^do do Amaral x, 33 de junho de
191 1. Bahia.
51. Dr. Henry R.LangOx, 33 de junho de igii. Cambridge
( Estados Unidos ) .
53. Dr. José Bonifecio de Andrada e Silva, 15 de julho de
191 1. Barbacena (Minas Geraes).
53. Dr. Affonso d'E^ragnolle Taunay, 33 de setembro de
1911. S. Paulo.
54. Dr. D. José Salgado (*) x, to de outubro de 1911. Mon-
tevideo.
DigtizedbyGOOgle
CADASTRO DOS SÓCIOS 863
55. Dr. Washington Luis Pereira de Sousa X, 4 da: maio
de 1913. S. Paulo.
56. Dr. Afranio de Mello Franco, 37 de maio de 1913. Bello
Horizonte (Minas Geraes).
57. Dr. Manuel Emílio Gomes de Carvalho x, 37 de maio
de 1912. Lisboa.
58. Dr. Nicotáo José Debbané, 33 de agosto de 191a. Caro
(Egypto).
.59. Dr. John Casper Branner ('), 30 de maio de 1913. Cali-
fórnia (Estados Unidos).
60. Pedro de Azeredo (') x, 30 de maio de 1913. Lisboa.
õi. Dr. Eugénio de Andrada Egas, 38 de julho de 1913.
S. Paulo.
63. Dr, Gentil de Assis Moura x, 28 de julho de 1913.
S. Paulo.
63. Fidelíno de Figueiredo (*) x, 38 de julho de 1913.
Lisboa.
64. Dr. António Carlos Ribeiro de Andrada, a6 de setembro
de 1913. Juiz de Fora (Minas Geraes).
65. Dr. Affonso A. de Freitas x. >2 de maio de 1914.
S. Paulo.
66. Dr. D. Lucas Ayarragaray {'), 33 de maio de 1914.
Buenos Aires,
67. António de Portugal de Faria (visconde de Faria) (*) x,
33 de maio de 1914. Genebra (Sutasa)^
68. Professor Basilio de Magalhães, 37 de agosto de 1914.
S. Paulo.
69. José Ribeiro do Amaral x. ^7 deagostodc 1914. S. Luiz
(Maranhão).
70. Dr. Alberto Lamego x. 28 de Julho de 1915. Lon-
dres.
71. D. Juan José Bicdma (') x, I3 de ouiiibrode 1915. Buenos
Aires.
72. Dr. AnnibaJ VcJloso Rcbeilo x, ia de outubro de 1915.
,dbyGoogle
8$4 REVISTA DO IHSTIttrrO BtSTORICO
73, José Cervaens y Rodrigucz (') x, ia de outubro de 1915.
Porto.
74 a 80.— Vagos.
RESOHO
Presidentes hoaorarios 5
Sócios beneméritos . 4
Sócios honorários 49
SocioB estivos 59
Sócios correspondentes 73
190
Secretaria do Instituto Histórico e Geograptiico Brasileiro, 31
de julho de 1916.— Francisco Martins QuimarAes.— Visto,
Fleiqss.
,dbyGoogle
CADASTRO SOCIAL
l»titnlaH]>lDricaeQM|raphIcoBnuII«Ini, oriulMdo por ordem cbrenoloilta
OROBll CHRONOLOGIC», NOMES, DATA DA ENTRADA KO INSTITUTO
1 . Barão Homem de Mello, 3 de junho de 1859, benemcrito.
2. Conde d'Eu, 16 de setembro de 1864, presidente hono-
rário.
3. Dr. Benjamin Franklin Ramiz Galvão, 16 de- agosto de
1872, benemerilo.
4. Barâo de Teffi, 37 de outubro de 1882, honorário.
5. Almirante José Cândido Guillobel, 24 de novembro de
1882, efifectiTO.
6. Dr, Domingos José Nogiidra Jaguaribe, 7 de dezembro
de 1883, honorário.
7. Dr. D. Estanislao S. Zeballos ('), 7 de dezembro de 1883,
honorário.
8. Dr. Francisco Augusto Pereira da Costa, 9 de dezembro
de 1886, correspondente.
9. Conselheiro Dr. Jcrao Alfredo Corrêa de Oliveira, 19 de
outubro de 1887, honorário.
10. Professor João Capistrano de Abreu, 19 de outubro de
1887, honorário.
1 1 . António Ribeiro de Macedo, 19 de outubro de 1887, cor-
respondente.
O sígnil O iuUica que O sócio t eitrangeiro.
S' S5-
D,gt,ZBdbyCOO<^le
866 ll£VISTA~DO INSTITUTO HISTÓRICO
ia. Dr. Virgílio Martins do Mello Franco, 31 de agosto de
18UU, correspondente.
13. Almiraate A.rtliiir ladío do Brasil, 31 de agosto de
1888, honorário.
14. D. Pedro Augusto de Sm Cobnrgo, 3 de agosto ds
1889, hoaoraiio.
15. Barão de Alencar, 13 de setembro de 1889, bau-
16. D. Eoriqoe Morena ('), 13 de satoaitMro de 1889, oor>
nspoodeate.
17. Rodotpho Marcos Theoplnlo, 11 de julho de 1890^
ooncspoodam.
tS. Or. Brasilio Augusto Machado de Olireiís, ia ds s^
tnnbro de 1890, eSbctÍTO.
19. Commeodador Tobias Laureano Figueira de Mello, I3
de dezembro de 1890, h(HUHmio.
30. Dr. Alfredo do Nascimento e Silva, ta de dezemtvo de
1890, honorário.
91. João Baptista Perdig^ de Oliveira, I9de junho de 1891,
ooirespradenta.
13. Dr. Baráo de Studart, 30 de maio de 1893, honorário.
33. Dr. Conde de ASonso Celso, 3 de dezembro de 189a, be-
04. D. Carlos Luiz d'Amour, 9 de dezembro de 1893, h(Mio-
rarío.
35. Dr. António Olyntho dos Santos I^res, 4 de maio da
1894, honorário.
36. Or. Ann>mo Martins de Azeredo Púneatel, t de jonho
de 1894, correspondente.
37. Dr. Christiano Frederico Seybold ('), i de junho de
1894, correspondente.
38. João Lucto de Azevedo, 3 de março de 1895, correspcm-
dente.
39. Dr. Manuel de Olivõra Lima, 11 de agosto de 1895,
honorário.
,dbyGoogle
CADASTRO SOCIAL mj
30. Dr. Francisco Baptista Marques Pinheiro ('), 1 1 de agosio
de 1895, efiectivo.
31, Dr. Cincioato Cezar da Silva Braga, 11 de agosto de
1895, correspondeote.
3a. Coronel Rajmuodo Cyriaco AItcs da Cunha, 30 de ou-
tubro de 1895, correspondente.
33. Dr. Henrique Américo de Santa Rosa, 16 de agosto de
1896, correspondente.
34. Dr. Francisco de Paula Rodrigues Aires, 30 de agosto de
1896, presidente honorário.
35. I^dre Raphael Maria Galaod, S. J. (*), m de novembro
de iSgõ, correspondente.
3Õ. André Peixoto de Lacerda Vemek, 13 de dezembro de
189Õ, correspondente.
37. D. Jeronymo Thomè da Sitra, 35 de julho de 1897,
honoraiiú.
38. D. Francisco do Rego Maia, 35 de julho de 1897, hono-
rário*
39. D. Joaquim Silvério de Sousa, 19 de setembro de 1897,
correspondente.
40. Cardeal D. Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti,
31 de outubro de 1897, honorário.
41. Dr, Amaro Cavalcanti, 6de dezembro de 1897, honorário.
43. Conselheiro Jc^ de Oliveira Sá Camelo Lampreia (*), 15
de nudo de 1898, honorário.
43. Dr. Paulino José Soares de Sousa, 10 de junho de 1898,
efiectivo.
44. Dr. Manuel Álvaro de Sousa Sá Víanna, 13 de outubro
de 1899, eSectivo.
45. Coronel Honório Lima, 10 de novembro de 1899, cor-
respondente.
46. Dr. António Zeferino Cândido (*), 34 de novembro de
1899, correspondente.
47. General Dr. Innocencio Serzedello Corrêa, 8 de dezembro
de 1899, eSectivo. j.
DigtizedbyGOOgle
868 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
48. Dr. José Américo dos Saatos, 12 de dezembro de 1899,
efectivo.
49. Dr. Migoel Joaquim Ribeiro de Carvalho, is de de-
zembro de 1Õ99, honorário.
50. D. Pedro de Orléans e Bragança, sa de junho de 1900,
h(»iorario.
51. Desembargador António Ferreira de Sousa Pitanga, 3
de agosto de 1900, honorário.
5a. José Francisco da Rocha Pombo, 3 de agosto de 1900,
effectivo.
53. Max Fleiuss, 3 de agosto de 1900, honorário.
54. General Dr. Gregório Thaumaturgo de Azevedo, 17 de
agosto de 1900, efectivo.
55. Dr. Rodrigo Octávio de Lang^aard Menezes, aõ de ou-
tubro de 1900, honorário.
56. Dr. Sebastião de Vasconcellos Galvão, 36 de outubro de
1900, efectivo.
57. Dr. Emitio AugustoGoeldi (*), 10 de dezembro de 1900,
correspondente.
58. Eduardo Muller (*), 10 de dezembro de 1900, hono-
rário.
59. Dr. Ermelino Agostinho de Leão, 10 de dezembro de
1900, correspondente.
õo. Dr. Epitacio da Silva Pessoa, 29 de março de 1901, ho-
norário.
61. Dr. D. Manuel B. Otcro ('), 24 de maio de 1901,
correspondente.
6a. Dr. D. Susviela Guarch {*), 24 de maio de 1901, corre-
spondente.
63. Dr. António Augusto de Lima, 9 de agosto de 1901,
correspondente.
64. Dr. Pedro Augusto Carneiro Lessa, 33 de agosto de
1901, honorário.
65. Dr, João Mendes de Almeida Júnior, 23 de agosto de
1901, correspondente.
DigtizedbyGOOgle
CADASTRO SOCIAL 8Õ9
Ó6. Dr. Nelson de Senna, 33 de agosto de igoi, corre-
spondente.
67. Dr. Sebastião Paraná de Sá Sotomayor, 33 de agosto de
1901, correspondente.
68. Horácio de Carvalho, iS de outobro de 1901, correspon-
dente.
6g. Dr. José Vieira Couto de Magalhães, 18 de outubro de
1901, correspondente.
70. Dr. Alfredo de Toledo, 6 de dezembro de rgoi, corre-
spondente.
71. D. Carlos Lix Klett (*), 6 de dezembro de 1901, corre-
spondente.
72. Dr. D. Ernesto Quesada (*), 6 de dezembro de igot,
correspondente.
73. Dr. Sabino Barroso Juníor, 2 de maio de 1903, honorário.
74. Conselheiro Dr. Ruy Barbosa, 23 de maio de 1903,
effèctivo.
75. Conselheiro Salvador Hres de Carvalho e Albuquerque,
13 de junho de 1902, e&ctivo.
76. Or. D. Ansehno Hévia Rique]me(*), 8 de agosto de
1902, correspondente.
77. Dr. Martim Francisco Ribeiro de Andrada, 34 de ou-
tubro de 1903, correspondente.
78. Dr. Theodoro Sampaio, 24 de outubro de 1903, corre-
spondente.
79. Dr. Albino Alves Filho, 33 de maio de t903, corre-
spondente.
80. Dr, Joaé Manuel Cardoso de Oliveira, as de maio de
1903, correspondente.
81. Monsenhor Vicente Lustosa Ferreira de Lima, 19 de
junho de 1903, effcctívo.
83, Dr. Augusto Siqueira Cardoso, 25 de junho de 1903,
correspondente.
83. Dr, José Maria Pereira de Lima ('), 11 de setembro de
1903, correspondente.
DigtizedbyGOOgle
8/0 REVISTA DO IMSTITOTO HISTÓRICO
84. Alberto Santos Dumoat, 11 de setembro de 19Q3, bono*
rario.
85. Victor Ribeiro {'), 11 de setembro de 1903, correspon-
dente.
86. Dr. Albeno de Carvalho, 18 de outubro de 1903, efib-
CtiTO.
87. EÀluardo Marques Peixoto, 33 de outubro de 1903, efe-
CtÍTO.
88. Coronel Jesuioo da Silva Mello, 33 de outubro de 190^
efièctivo. ^
89. D. Ldíz de Orléaos e Bragança, 6 de novembro de 1903,
hoaorarío.
90. José Feliciano de Oliveira, ig de fevereiro de 1904, coiw
respondente.
91. Dr. Manuel de Mello Cardoso Barata, 30 de maio de
1904, honorário.
93, Conselheiro Dr, Cândido Luiz Maria de Oliveira, 17 de
junho de 1904, e^ctívo.
93. Alberto Pimentel (*), 33 de junho de 1904, co""ri™iHBnt«
94. Barão de Muritiba, 13 de agosto de 1904, h
95. Commendador Arthur Ferreira Machado 1
de dezembro de 1904, honorário.
g6. Dr. José Joaquim Seabra, 38 de abril de
rario.
97. Dr. José Leopoldo de Bnlhôea Jardim, s
05, honorário.
q8. d. J<^o Braga, si de julho de 1905, honor
99. Dr. Manuel Cícero Peregrino da Stlva, s
05, honorário.
100. Dr. Luiz Gonzaga da Silva Leme, 3t de
rres pendente.
loi. Dr, Jcâo Pandíá Calogeras, 18 de setem
êctivo.
102. Dr. Joaquim Nc^eira Paranaguá, 4 do
05, eficctivo.
D,gt,zedbyGOO<^le
CMtASTRO SOCIU, 87I
103. Dr. Diogo de VaBConcelloa, 4 de dezembro de 1905,
oorrespoodeDte.
104. Dr. José Perúra R^[o Filho, 35 de junho de 1906,
efiectiTO.
105. Dr. Bernardino Machado GidmaiSes (*), çde Julho de
1906, correspondente.
106. Dr. Clóvis Berilaqna, 15 de ontabrode 1906, hcmorario.
107. D. Joaquim José Vidra, 6 de mak) de 1907, hono-
rário.
loS. Dr. Augusto Olympio Vireíros de Castro, ao de nudo
de 1907, honorário.
109. Dr. Adolpho Augusto Pinto, 90 de maio de 1907, cor-
respondente.
1 10. Dr. José Carlos Rodrigues, 10 de junho de 1907, 1k»k>*
rario.
111. Dr. Qastão Rnch Stmzenecker, 39 de julho de 1907,
113. Paulo Barreto, 99 de julho de 1907, efiectivo.
113. Dr. Augusto Tavans de Lyra, lõ de setembro de 1907,
honorário.
114. António Jansen do Paço, 30 de setembro de 1907,
eSectÍTO.
115. Dr. ]cAo Luiz Aires, 30 de setembro de 1907, eGfecttvo.
116. General Emygdio Dantas Barreto, 39 de agosto de 1908,
efiectiTO.
117. Dr. Alexandre José Barbosa Lima, 99 de agosto de
1908, eflectivo.
118. Dr. Alfredo Augusto da Rocha, 39 de agosto de 1908,
eflectivo.
119. Dr. Luiz António Ferreira Gualberto, 39 de agosto
de igo8, correspondente.
ISO. Dr, Norival Soares de Freitas, 5 de outulMVJde 1908,
efectivo.
lai. Fernando Augusto Georlette, 34 de maio de 1909,
correspondente.
D,gt,zedbyGOO<^le
873 REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
133. Dr. João Coelho Gomes Ribeiro, 2ode agostode 1909,
e&ctivo.
133- !)• }<^o Baptista Corrêa Nery, 31 de agosto de 1909,
correspondente.
1 34. Dr. Ernesto António Lassance Cunha, 1 2 de outubro de
1909, estivo.
135. Dr. NDo Peçanha, 37 de novembro de 1909, presidente
honorário.
126. Dr. D. Ramón J. Cárcano (*), i de agosto de igio, cor-
respondente.
127. José Feliz Alves Pacheco, i de agosto de 1910, eSe-
ctivo.
138. Dr. Alberto de Seixas Martins Torres, 3 de outubro de
de 1910, honorário.
129. Dr. Eurico de Góes, 3 de outubro de 1910, eSêctivo.
130. Vice-almirante António Coutinho Gomes Pereira, 3 de
outubro de 1910, effectivo.
131. Dr. Justo Jansen Ferreira, 33 de junho de ig-- —
respondente.
133. Dr. Braz Hermenegildo do Amaral, 22 de ji
1911, correspondente.
133. Dr. Henry R. Lang (*), 32 de junho de iç
respondente.
134. Dr. Pedro Souto Maior, 15 de julho de 191 1, e
135. Dr. José Bonifácio de Andrada e Silva, 15 de
1911, correspondente.
136. Dr. Altpío Gama, isdejulhode 1911, efiectii
137. Dr. Aloysio de Castro, 15 dejnlhode igii.f
138. Capitão de corveta Francisco Radler de Aquin
agostode igii, effectivo,
139. Dr, Homero Baptista, 35 de agosto de 1911, hc
140. Dr, AfFonsod'Escragnolle Taunay, 23 de sete
ig 1 1 , correspondente .
141 . Dr, D. José Salgado ('), 10 de outubro de n
respondente .
DigtizedbyGOOgle
CADASTRO SOCIAL 873
143. Dr. Carlos Maximiano Hmenta de Laet, i6 de outubro
efe igii, effectivo.
143. Marechal Hermes Rodrigues da Pooseca, 3i de novem-
bro de 191 1, presidente honorário.
144. Dr. D. JuIio Fernandez (*], 4de maiode 1913, hono
rario.
145. Dr. Rivadavia da Cunha Corrêa, 4 de "maio de 191a,
honorário.
146. Dr. Lauro Sereriano MuUer, 4 de mato de 1912, ho-
norário.
147. Dr. Luiz Gastão d'EscragnoUe Doría, 4 de maío de
1913, eBectivo.
148. Dr. Washinton Luis Pereira de Sousa, 4 de maiode
1913, correspondente.
149. Major Dr. Líberato Bittencourt, 37 de maio de 1912,
eflèctívot
150. Dr. Afranio de Mello Franco, 37 de maio de 1913,
correspondente.
151. Dr. Manuel Emílio Gomes de Carvalho, 37 de maio de
1913, correspondente.
153. Dr. Hélio Lobo, 6 de Junho de 1913, effectivo.
153. Dr. Alberto Rangel, 6 de junho de 1912, estivo.
154. Desembargador Ataulpho Nápoles de Paiva, 6 de junho
de 1913, e^ctivo.
155. Francisco Agenor de Noronha Santos, 6 de junho de
191 3, eBectivo.
156. Dr. Alfredo Valladâo, 19 de julho de 1913, efectivo.
157. Capitão de corveta Raul Tavares, 33 de agosto de 191S,
eSectivo .
158. Dr. Nicoláo José Debbané, 33 de agosto de 1913,
correspondente .
iSy. Dr. John Casper Branncr (*), 30 de maio do 1913, cor-
resfxjndentc.
160. Pedro Azevedo (*), 30 de maio de 1913, correspon-
dente .
DigtizedbyGOOgle
874 RCflBTA DO UMTITDTO HBTORIOO
161 . Dr. Eugénio de Andrada Egas, 38 de julho de 1913,
correspoodeate.
163. Dr. Gentil de Assis Moura, aS de julho de 1913, cor-
reqx)iideate.
163. Piddino de Figueiredo (*), 38 de jnlbo de 1913, ov-
reapondente.
164. Dr. Edgard Roquette E%to, 4 de agosto de 1913,
eãectivo.
165. Dr. António Carios Rib«ro de Andrada, a6 de setembro
de 1913, correspcmdente.
166. Corond Theodoro Rooserelt {*), 6 de outubro de
1913, honorário.
167. Dr. Miguel Calmon da Pia e Almdda, ao de abril de
1914, eSectiTo.
168. Dr. Enéas Galv&o, 13 de maio de 1914, eSectÍTo.
169. Dr. JoSo Ribeirr), ta de maio de 1914, eSèctÍTO.
170. Dr. Afibnso A. de Freitas, ta de maio de 1914, cor-
respondente .
171. Dr. D. Lucas Ayarragaray {*), asdemaiode 1914*
corresp(Midente.
17a. António de Portuga) de Faria (Visconde de Faria) {*),
33 de maio de 1914, correspondente.
173. Professor Basílio de Magalhães, 37 de agosto de 1914,
174. José Ribeiro do Amaral, 33 de agosto de 1914, corre-
spondente.
175. Marechal José Bernardino Bormann, ao de abril de
1915, eSectivo.
176. Dr. Arthur Pinto da Rocha, 38 de jnnhodei9i5,effectÍTO,
177. Dr. Aurelmo de Araújo Leal, 38 de junho de 1915,
-"--Sivo.
178. António de Barros Ramalho Ortigão, 38 de junho de
5, effectivo.
179. Dr. António Fernandes Figueira, 38 de junho de 1915,
aivo.
DigtizedbyGOOgle
cu>&aTito lOCuL 9?S
180, Dr. Alfredo Pinto Vieira de Mello, 28 de junho de
1915, efiectívo.
181. Dr. Alberto Lamego, 38 de junho de 1915, correspoD*
dente.
iSst Dr. Urbano Santos da Costa Aranjo, 31 de julho de
1915, honoraiio.
183. Dr. Juliano Moreira, 13 de outubro de 1915, eãectiTO.
184. D. Juan Joeé Biedma ('), 13 de outubro de 1915, cor-
respondente.
185. Dr. Anoibal Velloso Rebello, 13 de ontubrode 1915,
oorresponden^
186. José Cervaens y Rodrignez (*), i3 de outubro de
1915, correspondente.
187. Dr. Wencesláu Braz Perdra Gomes, 15 de dezembro
de 1915, presidente honorário.
188. Dr. Ernesto da Cunha de Araújo Viana.
189. Dr. Érico Marinho da Gama Coelho.
Secretaria do Instituto Histórico e Get^raphioo Brasileiro,
3idejuUiodei9t6. — Prancisc» MARTunGuiiuiiiEs. — Visto,
FLEitms.
SodoB lallecidai apds ■ sesiâo mafu de 21 de ontabra de 1915
Dr, Orville Adalbert Derby, efectivo, eldtoem 36 de outubro
de 1900, fiillecido em 37 de novembro de 1915.
Dr. Bernardo Teixeira de Moraes Leite Velho {*), honorário,
eleito em 34 de abri! de 1903, fallectdo em 13 de dezembro de
1915.
José Veríssimo Dias de Mattos, efectivo, eleito em 16 de
novembro de 1887, fallecido em 2 de fevereiro de 1916.
Dr. Aftjnso Arinos de Mello Franco, correspondente, eleito
em 6 de dezembro de 1901, ÊiIIecido em 19 de fevereiro de
1916.
Dr. Arthur Orlando da Silva, correspondente, eleito em 8 de
outubro de 1906, Meddo em aS de mar^ de 1916.
^:,Coogle
876 RBVIST& DO INSTITUTO HISTÓRICO
Padre Dr. Júlio Maria, eSectiyo, elãto em 15 de setembro de
1899, fallecído em 9 de abril de 1916.
Conselheiro Jraé Francisco Diana, honorário, eleito em 13 de
setembro de 1889, fãllecido em 16 de junho de 1916.
Dr. Alfredo Ferreira de Carvalho, correspondente, eleito em
7 de julho de 1905, feUecido em 33 de junho de 1916,
Secretaria do Instituto Histórico e Geographico Braseiro, 31
de julho de igi6. — Francisco Martins GuiuarXgs. — Vbto,
Fleiuss.
,dbyGoogle
índice
DAS
matérias contidas no tono LIHVIII, parte II da «Retlsta»
Documentos sobre « vidaea obradGNicoldoAntonioTauiiay(i755-i8jo)un
dos tuodadorcs da Escola Nacional de Bell nS' Artes, pelo Dr. ABbnsú
d'EscraBnolle Taunay, soei o correspondente do Instituto 5
A circular de Tbcophilo Ottont (rcproducçSo do opúsculo editado em iStM>
e 1861, nesta Capital, com o titulo • Circular dedicada aos srs. eleitores de
senadores pela provinda de Minas Gcracs no quatriennfo actua! e especi-
almente dirigidas aos srs. eleitores de deputados pelo i" dislrlcto
clciloral da mesma província para a próxima legislatura pelo ex-depuiado
Tljcoptillo Benediclo Oitoni • precedida de uma summaria apreciação da
vida e feitos do benemérito pairloia), por Basílio de Magalhães, soclo do
Instituto, 141
Entreos tiorcírús (iraducçao docap. XVII da obra Later den Nalarcólbern
Zcnlral-Briilíiíns do Dr. KarI von den Steinen), pelo professor Basílio de
Magalhlcs, soclo do Instituto 380
Manoel Marcondes de Oliveira e Mello, 1° barSode Pindamonhangaba {notas
biographicas), pelo Dr. João Marcondes de Moura Romeiro ..... nyi
Das artes plásticas no Brasil em geral c na cidade do Rio de Janeiro em
particular (curso em cinco llctúes professado no Instituto Histórico c Gco-
graphico Brasileiro), pelo Dr. Ernesto da Cunha de Araújo Viana, pro-
fessor da Escola Nacional de Bellas-Artcs do Rio de Janeiro jc^
Actas das scssfles de 1915 úog
Blbllograptiia 633
Anoexo— Cadastro < • ■ B$t
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RIO DB JANEIRO
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