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Full text of "Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro"

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REVISTA 

DO 

INSTITDTO  HISTÓRICO  E  GEOGRAPHIGO 


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D,Blradb,GOO<^le 


REVISTA 

DO 

USTITOTO  HISTÓRICO  E  BEOGRAPIICO 

BRAS2ILEIHO 
Fundado  no  Hlo  de  Janeiro  em  1838 


(1915) 
J:'A.BXE    li 


Hoc  tadli  ut  longos  durcnt  bens  gesU  p«r«aaot, 
Et  poMlnl  lera  poateriutc  frui. 


DIRECTOR 

Dr.  B.  F.  Ramiz  Gahào 


RIO  DE  JANEIRO 

lUrRSMSA    NACIONAL 
1916 

DigtizedbyGOOgle 


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DOCUMENTOS 


A  VIDA  F,  A  OBRA  DE  NICOLAU  ANTÓNIO  TAUNAY 

UM  DOS  FUNDArjORES  DA  ESCIIOLA  NACIONAL 
DE  IIELLAS  ARTES 


Dr.  AffoNSO  D'Esí:nAr.NOtLR  Taonw 


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SR.  L.  SOVLLIÉ 


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Diaintu  iitoi  a  lUa  le  Uq  liloilo  TaDDiy  \\\\\\\\% 
BI  IK  tiBlalBtei  ia  Euboia  Racioial  le  Miai  Irtn 


BREVE  NOTICIA  BIOGRAPHICA  ACERCA  DE  NICOLAU 
ANTÓNIO  TAUNAY 

Oriundo  de  antiga  família  do  Poitou  [i]  qilc  se  convertera  ao 
calvinismo  no  século  XVI  e  muito  sof&era,  sob  todos  os  sentido;;, 
por  esse  motivo,  sobretudo  com  o  exilio,  após  a  revogaç3o  do 
Eklito  de  Nantes  e  o  subsequente  regresso  ao  solo  pátrio,  nasceu 
Nicolau  António  Taunay  em  Pariz,  a  lo  de  Fevereiro  de  1755. 

Foi  seu  pae  Pedro  António  Henrique  Taunay  ( 172&-17ÍI7), 
durante  longos  annos  chimico  e  perito  da  Manu&ctura  real  de  por- 
ccUanas  de  Sivres  ;  hábil  artista,  inventor  de  diversos  esmaltes  e 
matizes,  concedera-lheLuizXVoqualificativo  então  muito  honroso 
depensionisla  do  rei. 

Desde  os  primeiros  annos  da  meninice  revelou  Nicolau  An- 
tónio irresistível  pendor  para  o  dcscuiio.  Aos  doze  annos  entrou 
para  o  a^íer  do  Lepicié,  passando  depois  ao  de  Brenet  e  afinal 
para  o  de  Casanova,  que  então  tinha  immensa  reputação.  Reti* 
rando-se  de  Casanova  para  a  Rússia,  resolveu  Taunay  tomar  como 
único  mestre  a  natureza ;  muito  affeiçoado  a  paizagistas  célebres 
como  Demarne,  Bruandet,  Swebach,  começou  por  estudar  as  flo- 
restas dos  arredores  de  Paris,  detidamente,  e  depois  partiu  cm  com- 
panhia de  Demarne  e  ouUos  amidos  para  uma  lonpa  excursão  pelo 
Delphinado,  Sabóia  e  Suissa , 


inno  de  iSCti,  tomo  KXI,  arilgo 

■         DigtizedbyGOOgle 


to  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Pela  primeira  vez  exhibiu-se  em  publico,  oo  anno  de  i7j-7,  na 
Exposição  da  Mocidade,  sendo  então  muito  notadas  as  suas  pai- 
zagens  c  ^uaches  ;  disse  a  critica  da  épocha  que  essas  obras  eram 
uoalvore^ierdotaleDtodeuni  novo  Berglicm  ».  Em  1779  concorreu 
pela  s^unda  vez  à  Exposição  da  Mocidade,  obtendo  novoi 
triumphos.  Em  I782reapparecea  no  Salon  de  h  Correspondcnce  ; 
já  tinha  cntSo  uma  reputação  Teita  de  artista  de  mérito. 

Em  1784  foi acceiío  agreáá  Academia  Real  de  Bellas  Artes, 
mcrecendo-lhe  esta  distíncçâo  um  quadro  inspirado  por  um  assumpto 
do  Ariosto. 

Muito  querido  de  Fragonarde  de  Hubert  Robert  relacionou-so 
por  intermédio  destes  com  o  conde  de  Angcvilliers,  Superintendento 
dos  Edifícios  Reaes  e  de  Bellas  Artes,  sob  Luiz  XVI ;  offcreccu-lhe 
d'Angevilliers  um  logar  de  pensionista  da  Academia  de  França  em 
Roma ;  acceitou-o  Taunay,  que  na  Itália  esteve  três  annos,  até  o  fim 
de  1787,  estudando  sob  a  direcção  de  Lagrenée  e  Menageot.  obser- 
vando e  viajando  muito. 

Voltando  à  França,  casou-se  em  princípios  de  1788  com  Josc- 
phina  Rondei,  de  quem  teve  cinco  filhos,  Félix,  barão  de  Taunay 
(1795-1881},  por  longos  annos  director  da  Academia  de  Bellas  Artes 
do  Rio  de  Janeiro;  Hippolyto,  iitterato  e  professor ;  Adriano,  pintor 
e  naturalista  e  Iitterato,  morto  afc^ado  no  rio  Guaporé  { 1803-1828) ; 
Carlos,  militar  e  Iitterato;  Theodoro,  cônsul  de  França  no  Rio 
de  Janeiro. 

Em  1787,  ainda  na  Itália,  expoz  pela  primeira  vez  no  salfm 
official,  concorrendo  mais  tarde  às  exposições  de  1789,  1791  e  1793. 
Os  numerosos  quadros  apresentados  angariaram-lhe,  desde  logo, 
grande  reputação  de  consummado  paizagista. 

Os  acontecimentos  terríveis  da  Revolução  fizeram-no  re- 
tirar-se  e  até  occultar-se  em  Montmorency,  numa  propriedade 
outr'ora  pertencente  a  J.  J.  Rousseau.  Em  1795  foi  chamado  para 
fazer  parte  do  Instituto  de  França,  classe  de  Bellas  Artes,  secçjío 
de  pintura,  fundado  nesse  anno. 

Expoz  nos  salons  de  1796,  1798,  1801,  i8oa  quadros  que 
lhe  accresccram  ainda  a  reputação.  Em  1801  obteve  uma  grande 


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DOCnUENTOS  SOBRE  K    VIDA  R  A  OBRA  DE  NICOLAD  A. 

medalha  e  premio  de  animação  instituído  pelo  govôrao  e  tomou 
parte  no  concurso  para  a  eitecuçáo  da  Batalha  de  Kamrelh, 
encommendada  pelo  Governo  Francez. 

Intimo  da  imperatriz  Joscpliina,  foí-lhe  o  Império  muito  favo- 
rável. 

Teve  muitas  e  valiosas  encommendas  do  Estado,  de  grandes 
quadros  sòbrc  assumptos  militares,  telas  essas  eipostas,  com 
muitas  outras,  nos  salons  de  i8a),  i!to6,  1808, 1810,  181 2  e  1814; 
em  1804  obteve  um  grande  premio. 

A.  queda  do  Império  e  graves  revezes  financeiros  que  quasi  o 
haviam  arruinado  decidiram-no  a  acceitar  o  offèrecimcnto  do  po- 
vômo  portufíuez,  a  regência  de  uma  cadeira  na  Academia  de  Belbs 
Artes  projectada  no  Rio  de  Janeiro  por  d.  J(^o  VI  e  o  conde  da 
liarca.  Chegou  a  esta  cidade  a  2Õ  de  Março  de  1816,  em  com- 
panhia de  diversos  outros  artistas  como  seu  crmSo  Augusto  Taunay, 
cscuiptor,  Debrel,  Lebreton,  Grandjean  de  Montigny  e  Pradier. 

A  morte  do  conde  da  Barca  em  Junho  de  1817  fez  com  que 
nada  se  executasse  do  que  fora  projectado.  Passou  Tauoay  quasi 
cinco  annos  no  Brasil,  aproveitando  o  tempo  para  fixar  em  nume- 
rosas telas  trechos  da  paizagem  fluminense.  Cm  1819  fallecia  Le- 
breton, chefe  da  colónia  artística  franceza ;  a  nomeação  de  um  ullra- 
mediocrc  pintor  portuguez,  Henrique  José  da  Silva,  para  o  sub- 
stituir, melindrou  o  artista,  que  resolveu  retirar-ae  para  França 
cm  princípios  de  1831. 

Trabalhador  infatigável,  recomeçou  aos  65  annos  a  sua  labuta 
contínua ;  do  Brasil  concorrera  ao  ââ/ofl  de  1819;  reappareceu  o 
seu  nome  nos  de  1632,  1834,  1827  e  1831,  sendo  uo  ultimo  uma 
exposição  posthuma.  Achando-se  no  Brasil  ainda  dera-lhc   Luiz 

XVIII  a  cruz  da  Leg^o  de  Honra. 

ladiffêrente  ã  Incta  do  romantismo  contra  o  classicismo,  como 
quasi  indifferente  se  mantivera  sempre  ao  combate  dado  pelos 
claasistas  á  antiga  eschola  do  século  XVllI  não  divergiu  Taunay 
na  velhice  da  orientado  escolhida  na  mocidade. 

Entristeceram-lhe  os  últimos  annos  de  vida  grandes  deí^ostos: 
em  Maio  de  1834  &llecia  no  Rio  o  único  ermão,  Augusto,  que 


Cooglc 


12  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

considerava  como  seu  primogénito  ;  em  Janeiro  de  1828  brutal 
catastrophc  roubava  a  existência  ao  mais  joven  dos  filhos,  Adri- 
ano, moço  possuidor  dos  maiores  dotes  artísticos.  Recorreu  ao 
trabalho  intenso  como  a  um  grande  consolador  e,  pôde  dizer-se, 
morreu  com  os  piaceis  na  mão,  produzindo  sempre,  sem  que  a 
edade  viesse  trazer-Ihe  o  enfraquecimento  ao  talento.  Falleceu  a 
30  de  Marij-o  de  1830;  os  collegas  do  Instituto  de  França,  de 
quem  era  o  decano,  e  o  mundo  artístico  em  geral  fizeram-lhe 
muito  sentidas  exéquias.  Sobre  o  seu  tumulo  pronunciou  Gros 
commovidas  palavras,  lembrando  quanto  aquclle  artista  illustre 
fora  um  homem  de  bem  na  extcnsSo  da  palavra. 

Taunay  representa  com  Dcmarnc  a  eschola  de  paizagistas  de 
transição  do  século  XVIII  ao  século  XIX.  Os  contemporâneos  cha- 
mavam-lhe  o  Poussin  dos  quadros  peqttcnos  c  o  í.  j  Fonlaine  da 
pintura . 

Os  traços  característicos  de  sua  obra  são  a  firmeza  do  toque,  a 
habilidade  e  elegância  da  composição  e  a  notável  belleza  de  archi- 
lectura.  Pertencente  á  eschola  histórica,  Tautiay  possue-lhe  as  qua- 
tidades  sem  que  lhe  revele  os  defeitos:  « toque  espirituoso  c  largo, 
colorido  natural  c  vivo,  figuras  bem  desenhadas  e  ingénuas». 
Charles  Blanc,  um  de  seus  lerventes  admiradores,  notando-lhc  a 
tendência  philosophica  dos  quadros,  appellidou-o  David  dos  pC' 
quenos  quadros. 

»  Pela  ductilídade  do  talento  taulo  póJe  Taunay  ser  conside- 
rado paizagiata,  cultor  da  pintura  anecdotica  e  anímalisti,  como 
pintor  de  historia.»  E'  sobretudo  como  paizagísta  e  aníraalista  que 
mais  o  apreciam  os  críticos  e  conhecedores  modernos ;  neste  parti- 
cular, entende  Quatremère  de  Qumcy,  procede  directamente  dos 
grandes  mestres  hollandezes,  de  Woúwermans  e  Berghem. 

A  OBRA  DE  NICOLAU  ANTÓNIO  TAUNAY 

Apaiiíonado  de  sua  arte,  para  a  qual  quasi  exclusivamente 
vivia,  e  trabalh.idor  infatigável,  raethodico,  desses  que  á  risca  se- 
guem o  preceito  do  mestre  dos  mestres  da  antiga  pintura  :  o  nulla 
dies  sine  linea,  deixou  Nicolau  António  Taunay  copiosíssima 


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DOCUMENTOS  SOBRE  A   VIDA   E  A  OBRA  DE  NICOLAU  A.  TAU.NAY        I3 

obra  :  centenas  de  quadros  a  oleo,  deguacheseaquareilas,  dese- 
nhos c  esboços  de  toda  espécie. 

Pintou  e  desenhou  durante  mais  de  sessenta  annòs,  e  graças  a 
esse  labor  formidável,  diuturno  e  continuo,  pude  dar  execução  aos 
innumcros  planos  que  a  tcrtil  imagiuação  lhe  suggeria.  Traba- 
lhava, pintava,  constantemente,  em  viagem  como  no  atelier.  Diz 
Charles  Blanc  que  a  arte  o  absorvia  de  modo  tal  que  lhe  succedeu 
uma  vez,  na  juventude,  não  perceber  a  appariçâo  de  um  ratoneiro 
que,  saltando  o  muro  do  quintal,  ch^ra  certa  noite  até  á  porta  en- 
vidraçada  do  atelier,  em  que  o  pintor  costumava  trabalhar  até  alta 
madrugada.  Só  no  dia  seguinte  pôde  verificar  a  presença  do  suspeito 
c  intruso  graças  aos  vestigios  dos  grosseiros  sapatos  sobre  a  neve. 

Já  sexagenário,  apenas  chegado  ao  Rio  de  Janeiro,  viram-no 
de  modo  tal  empolgado  pela  beJIeza  dos  panoramas  fluminenses, 
pintar  dias  c  semanas  a  fio,  fazendo  enormes  caminhadas  atravez 
da  floresta  que  coroava  as  montanhas  da  Tijuca  para  descobrir 
novos  pontos  de  vista  e  paizagens,  que  llic  lixassem  a  attenção. 

Não  ó  exagerado  suppôr  que  haja  produzido  mais  de  septe- 
centos  quadros;  muitos  delles,  verdade  c,  de  restrictas  dimensões 
como  diversos  apontados  no  presente  ensaio  de  catalogação,  mt- 
niaturas  etc. 

Guaches  lambem  deixou  numerosas,  hoje  altamente  cotadas, 
pois  segundo  Edmundo  de  Goncourt  supportam  o  confronto  com 
as  melhores  de  Lancret  c  Pater.  Infelizmente  só  lhe  conhecemos 
uma  meia  dúzia.  Uma  delias  La  Parade,  hoje  no  LiOuvre  graças  ao 
legado  da  collecçáo  Audeoiid,  attingiu  em  leilão  em  Paris  a  somma 
elevada  de  dezoito  mil  e  cem  francos  no  anno  de  1907. 

Dosdesenhos  de  Taunay  S(j  temos  noticia  de  duas  collecçõcs 
organizadas,  uma   no  museu  do  Louvre  c  outra  no  de  Versaitles. 

Por  occasiáo  do  leilão  de  seu  espolio  artístico  innumeros  foram 
vendidos,  provavelmente  hoje  dispersos ;  dos  mais  importantes  al- 
guns por  vezes  tCm  reapparecido  no  Hotel  Drouot,  alcançando 
sempre  elevados  preços. 

Trabalhosa  foi  a  confecção  do  catalogo  de  quadros  de  Taunay 
que  se  segue  a  estas  linhas,  pelo  grande  numero  de  fontes  estu- 

.  Google 


14  REVISTA   DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

dadas  e  numerosas  consultas  aos  museus  da  Europa,  sobretudo  aos 
da  França. 

As  maiores  contribuições  para  a  lista  dos  foram  fornecidas  \)dos 
catálogos  das  exposições  ofEciacs  dos  sa/ons  de  17U7,  1789,  1791, 

'?93i     1796,    1798,    1801,    j802,    1834,    1806,    1808,     lillO,     !Íll2, 

1814,  i8ig,  i832,  1824,  1837  e  1831,  a  que  concorreu  o  pintor, 
pelos  dos  dous  leilões  do  seu  atelier,  após  sua  morte,  em  1831  e 
1835,  por  diversas  obras  como  o  Trésordc  lacuriostíé,  de  Charles 
Blanc,  o  Guide  de  VAmaleur,  de  Tb.  Lejeune,  etc. 

Além  desses  elementos  tivemos  os  que  nos  deram  os  catálogos 
de  numerosos  leilões  de  quadros  em  Paris  e  diversas  outrafi  cidades, 
sendo  nessa  tarefa  auxiliados  poderosamente  pelo  erudito  em  ma- 
téria de  historia  de  arte  o  sr.  L.  Soullié,  que  com  verdadeira 
amizade  nos  ajudou. 

Devemos  ainda  excellcutes  apontamentos  á  gentileza  do  sr. 
dr.  Luiz  Gastão  d'Escr3gnolle  Dória,  que  teve  a  amabilidade  du  põr 
à  nossa  disposição  as  notas  por  elle  colligidas  sobre  a  obra  de 
nosso  antepassado  commum. 

Aos  srs.  dr.  Goffredo  d'Escragnolle  Taunay  e  Victor  A. 
Taunay  também  devemos  o  mais  valioso  auxilio,  prcstundo-ncs 
estes  caros  e  bons  parentes  o  concurso  de  seu  conhecimento  da  his- 
toria de  arte  1'ranceza  e  das  tradições  da  familL-i. 

Muito  ha  ainda  que  averbar  no  inventario  artístico  de  Ni- 
colau António  Taunay  ;  as  indicavócs  a  este  respeito,  porém,  si) 
poderão  avultar  como  producto  de  constantes  c  longas  pesquisas. 

E'  possivel  e  mesmo  provável  que  alguns  dos  quadros  aqui 
mencionados  sejam  as  mesmas  teias  designadas  por  nomes  diversos, 
lalhando-nos  até  agora,  acerca  de  muitas,  o  conhecimento  dos  ciu' 
racieristicos  que  as  podem  precisar  exactamente,  como  as  dimen- 
sões, a  natureza  dos  objectos  pintados,  a  descripção  dos  assumpto.-^, 
ctc.  {1). 

(1)  V.  .1  Missiii  .Irlisik-J.lí  ill,',,  pelo  auctor  Un  presente  tliwio  ii.l  Itctisli  .1" 
Imlltuh  HisUirko  c  Cc-igrjphic- ISrjsUcir'',  tomo  LXXIV.  parlo  i'  (1911)01.11^ 
^cp.irata  Riu  Ju  Janeiro.  i'>i:,KoJrJKUCSU  C)i.,so9pai;slii.a.u 


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FiisrxT:riiA.s  a.  olbo 


SCENA   marítima   NO  RIO   DC  JANEIRO 

TeU:  iltur»  o^.íSo ;  camptlmelito  O^.SJIJ 

Pertence  este  quadro  ao  Victoria  and  Albert  Muaeum  {South 
Kcnsington)  de  Londres,  em  ^virtude  de  um  legado  do  collcccio- 
nador  Townshend)  em  1869,  e  é  notável  peia  pureza  e  admirável 
bcllcza  dos  céus,  representação  exacta  do  llrmamento  brasileiro.  No 
lundo  vò'Se  a  fortaleza  de  Sancta  Cruz  e  as  montanhas  que  formam 
o  sacco  da  Jurujuba.  A'  extrema  direita  a  ponta  correspondente  á  for- 
taleza de  S.  João.  Dous  veleiros  estão  ancorados  na  bahia,  a  seu  lado 
vc^m  escaleres.  Uma  falua  com  as  velas  enfunadas,  onde  se  lé  a 
assignatura  do  pintor,  dirige-se  para  a  praia,  onde  está  uma  esqua- 
drilha de  botes  tripulados  por  brancos  e  negros.  De  uma  das 
embarcações  descarregam  tardos  de  mercadorias;  num  desses 
fardos  lí-ee  —  Mr.  Sainl.  Esta  tela  é  uma  das  melhores  vistas  da 
bahia  do  Rio  de  Janeiro,  uma  das  mais  lindas  paisagens  de  Taunay. 


VISTA   DA   BAHIA    DO    RIO   DB   JANEIRO   TOMAUA   UAS    MONTANHAS  UA 
TIJUCA 

Teia:  altur*  o",53;  cOmprimcJilo  «"At 

Este  quadro  pertenceu  á  collecçáo  de  Etienne  Arago,  dispersa 
em  Maio  de  1892,  c  hoje  pertence  (1914)  ao  dr.  Raimundo  de  Castro 
Maya ;  a  vista  parece  ter  sido  tirada  da  Estrada  Velha  da  Tijuca, 


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l6  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

nas  vizinhanças  da  Boa  Vista.  No  fundo  vij-se  a  cidade  do  Rio  de 
janeiro,  a  bahia,  uma  ilha  e  as  praias  da  margem  opposta.  - 

iV  direita,  montanha  cheia  de  matto.  No  segundo  plano  á  es- 
querda está  um  coqueiro  em  cuja  vizinhança  pastam  bois.  No  pri- 
meiro plano,  ú  direita,  um  grupo  formado  de  uma  senhora  de  pé, 
com  uma  umbella  na  mão,  trcs  moças  sentadas  e  um  homem  só, 
interpellado  por  um  cavalieiro.  Atraz  do  grupo  vô-se  um  n^ro 
carregando  um  fardo  á  cabeça. 

«6TA    DO    RIO    JANEIRO,  TOMADA  DO    JARDIM     1>0    CONVENTO    DB 
S.   FRANCISCO 

Tela  :  allMra  o^.is ;  comprimento o^.j? 

No  jardim  estão  três  religiosos,  um  dos  quaes,  o  mestre  do 
imperador  d.  Pedro  I,  aos  pés  dos  companheiros. 

No  fundo  vèm-so  a  bahia  do  Rio  de  Janeiro,  montanhas. 
Pivcrsas  figuras  animam  a  paizagem. 

VISTA  DA   BAHIA    E    DA    CIDADE    DO   RIO     IIE    JANEIRO,    TIRADA     DO 
TERRAÇO  DO  CONVENTO  DE  S.    FRANCISCO 


Quadro  exposto  no  leilão  Tauuay  de  1S31.  No  terraço  vários 
religiosos  obscrvam.o  panorama  ;  servc-se  um  dcllcs  de  um  óculo 

dS' alcance. 

o  CORPO  DA  GUARDA  VELHA  VISTO  DO  MORRO  DESANCTO  ANTÓNIO, 
K.M    18 16 

Teta  :  aJtiira  tf".4&:  comprjmeiílo  o"", 57 

Quadro  pertencente  á  Pinacotheca  Nacional  do  Rio  de  Janeiro. 

(V.  o  numero  da  Renascença,  de  Julho  de  1907,  em  que  o 
quadro  foi  reproduzido  em  trichromia.)  No  primeiro  plano  á 
^uerda  conversam  três  frades  de  Saneio  António,  um  sentado  no 
chão  e  dous  de  pé.  No  segundo  plano  o  casario  da  cidade  que  se 
prdonga  até  o  porto,  onde  se  veera  fundeados  numerosos  veleiros. 
A  direita  um  morro  com  uma  casinha  no  cimo, 

D,3t,ZBdbyGOO<^le 


DOCUUENTOS  SOBRE  K  VIDA  C  K  OBRA  DE  NICOLAU  A.  TAUNAY       I? 

Na  base  desse  morro  uma  rua,  em  que  ae  vêem  diversos 
transeuntes  e  uma  boiada  que  caminha  meio  esparsa.  Sob  um 
alpendre,  numa  pequena  praça,  uma  sentinella  e  diversos  soldados. 

VISTA    DAS    MONTANHAS  DA  OAVEA    E   DE   BOTAFOGO,   TOUADA  DA 
BABIA   DE    BOTAFOGO 

Tela :  altura  o™ ,31 ;  comprimento  D",4a 

ESeito  de  occaso.  Este  quadro  figurou  nas  venles  Taunay  de 
1831  e  1635.  A  paizagem  é  observada  de  uma  das  barcas  que  se 
acham  nas  aguas  da  bahia.  O  Corcovado  tem  um  aspecto  azu- 
lado  ác  crepúsculo,  enquanto  a  Gávea  ainda  está  coberta  de  sol. 

VISTA  DA  BAlItA  DE  BOTAFOGO  TOHADA  DE  UMA  EMINÊNCIA 
PRÓXIMA,  DE  ONDE  SE  AVISTAM  AS  MONTANHAS  DA  DAVEA  E 
CORCOVADO 

Tela:  altura  0^,40;  comprimento  0^,45 

Quadro  que  figurou  nas  ventes  Taunay  de  1831  e  1835. 
Numa  ladeira  sobem  algumaã  negras,  uma  montada  num 
burro  e  outras  a  carregar  embrulhos  e  pacotes. 

VISTA  DA  BAHIA  DE  BOTAFOGO 

Tela:  altura  0^,315  ;  comprimento  0^,455 

Quadro  pertencente  á  Pinacotheca  Nacional  do  Rio  de  Ja- 
neiro. 

FURACÃO  NO    RIO  DE  JANEIRO 

Tela;  altura  o" ,61;  comprimento  o"^i 

Caí  o  raio  na  vizinhança  do  magnifico  aqueducto  que  em- 
moldura  as  elegantes  ^bricas  da  cidade.  Apezar  da  tempestade 
ínlclízes  negros  continuam  sem  descanço  a  trabalhar  numa  mina, 
que  cs^o  obrigados  a  perfurar.  Noa  ares  numerosas  gaivotas. 
Venles  Tauaay  de  1831  e  1835. 


DigtizedbyGOOgle 


l8  BBVUTA  DO  WBTITDTO  MUtORlâl 

CiSCAtA  A  DOSE  LfeGUAS  DO  Rlõ  DE  jAMetttO 
Tela:  comprlneato  ■".jM;  altura  a^.ioo 

Quadro  que  figura  na  vente  Taunay  em  1835,  e  que  a  MaaU- 
factura  d«  Sévres  mandou  copiar  para  o  reprodusír  em  porcellana. 
O  piutor  se  representou  copiando  a  natureza  no  momento  em  que 
um  Índio  vem  trazer-Ibe  o  producto  de  sua  caçada. 

TUTA  DOa   ARRKDORBS  DO  RIO  DK  JANEIRO 
Tela :  altura  o"^  ;  comprlmetilo  a*,5B 

Tela  assignada  à  esquerda.  LeiUo  de  36  de  Maio  de  1888,  era 
Pariz  por  Haro  e  Bloche. 

TISTA    DA    EGREJA    DA    OLORIA,    NO   RIO    DE  JANEIRO,  TIRADA   DO 
PALÁCIO  DO    MARQUEZ  DE   BELLAS 

Quadro  exposto  no  salon  de  1Õ34  sob  o  numero  1.668. 

TUTA    DO  BAIRRO  DO    RIO  DE   JANEIRO    CBABtADO  MATA-CAVALLOS 

Quadro  exposto  no  sjIoh  de  iSai  sob  o  numero  1.334. 

NATUREZA     BRAZILEIRA 

Grande  quadro  existente  00  gabinete  do  conservador  do  Museu 
de  Zoologia  do  Jardim  das  Plantas  de  Pariz. 

Representa  o  auctor  a  pintar  no  mdo  da  natureza  virgem, 
tendo  perto  de  si  dou3  de  seus  lilhos.  Um  caçador  indígena,  do 
lundo  do  quadro,  traz  uma  tieíra  de  pássaros. 

VKTA     DA    CASA    DO    PINTOR    A    UMAS   CINCO   LÉGUAS   DO   RIO   DE 
JANEIRO 

Quadro  exposto  no  salon  de  1822  sob  o  numero  1.237. 

VISTA  DO  PALÁCIO  DE  sXo  CHRISTOVAM 

Ap.  Debret,  Voj-oge  pitloresgue  au  Bristí. 


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fiOCUHENTOS  SOBRE  A  VIDA  B  K  OBllA  DE  NICOLAU  A.  TAONAT      H) 

VISTA  DO  RIO  DE  JANEIRO  TIRADA  DO  CONVENTO  DE  sXo 
FRANCISCO 

Pequeno  quadro  pertencente  ao  sr.  Victor  A.  Taunay,  de 
Pariz. 

CASCATA  NO  BRASIL  PERTENCENTE  AO  AUCTOR 

Quadro  exposto  no  salon  de  1833  sob  o  numero  1.338. 

PAIZAGEM   DO  BRASIL 

Quadro  exposto  no  salon  de  1819  sob  o  numero  1.063. 

LOGAR   DO   BRASIL  NA   SERRA  DOS  ORGXOS 

Quadro  exposto  no  salon  de  1833  sob  o  numero  1.333. 

No  primeiro  plano  vfiem-se  muitas  plantas  characteristícas  da 
flora  tropical  e  um  indio  que  volta  da  caça  carregfando  grande  nu- 
mero de  aves  mortafc. 

VISTA  DA  OLORIA,   EQRBJA  DO  RIO  DE  JANEIRO 

Tela  :  aliara  0^,31 ;  comprimento  0"^ 

Paizagem  tirada  da  eminência,  em  que  se  acha  situada  a  egreja. 

O  mar  nos  primeiros  planos.  Barca  à  vela  e  chalupas.  Indí* 
viduos  banhando-se ;  tratadores  a  banhar  cavallos.  No  fiindo  as 
montanhas  do  Pão  de  Assucar.  Leilão  Taunay,  1831. 

VISTA  DE  UHA  HABITAÇÃO  RÚSTICA  NO  BRASIL 

Quadro  vendido  em  leiláo  de  sdeFevercirode  1834  pelo  perito 
Moriee. 

VISTA  DA  BARRA  DO  RIO  DG    JANEIRO,   TOMADA    DO   CONVENTO  DB 
SANCTO    ANTÓNIO 

Quadro  exposto  no  salon  de  1833  sob  o  numero  1.335. 

VISTA  DE  UM  DOS  BAIRROS  DO  RIO  DE  JANEIRO,   TOMADA  DO 
CONVENTO  DE  SANCTO  ANTÓNIO 

Quadro  «xposto  no  salon  de  1833  eob  o  numuo  1.936. 

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REVISTA.  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 


.  PAIZAGEM    BRASILEIRA 


No  primeiro  plano  um  rebanho  de  vaccas  pasta  numa  coUina, 
em  que  ha  diversas  arvores  tropicaes  e  onde  se  vêem  diversas  fi- 
guras. No  fiindo  do  quadro  uma  cidade  à  beira  mar,  atr^  da  qual 
ha  montanhas.  Quadro  pertencente  á  collecção  Saint  vendida  a  4 
de  Maio  de  1846  ein  Paris. 

A    VOLTA  DOS  PRADOS 

Tela  ;  altura  0^,45  ;  comprimento  0^,64 

Paizagem  brasileira.  Por  entre  arvores  e  mattas  pastores  con- 
duzem gado.  No  fundo  oPãodc  Assucarilluminadopelosot.  Venle 
Taunay,  1831. 

VISTA   DO  URANDE   AQUEDUCTO   DO   RIO  DE  JANEIRO 

Pequeno  quadro,  que  o  auctor  deste  catalogo  viu  em  Paris  em 
casa  de  um  amador.  Entre  os  arcos  passam  diversas  pessoas, 
brancos  e  pretos,  uma  sege,  ura  carro  de  bois,  uma  tropa  de  burros 
de  cangalhas.  A  um  canto  do  quadro  nota-se  um  grupo  de  escravos 
a  carregar  grande  fardo. 

o    BAMllO 
Tela:  altura  C.ij  ;  comprimocito  o", 3; 

Paizagem  pittoresca  do  Brasil.  Altos  rochedos,  entre  os  quaes 
correm  as  aguas  limpidas  de  uma  torrente.  A'  sombra  de  grandes 
arvores  varias  mulheres  moças  tomam  banho.  Ao  lado  das  que  se 
banham,  ohserva-as  outra  vestida  c  resguardada  por  uma  umbella. 
IVIais  longe  uma  escrava  sentada  está  alerta  para  que  ninguém  venha 
perturbar  o  prazer  de  suas  amas.  O  logaréum  dos  aspectos  da 
cascata  da  Boa  Vista  (cascatinha  Taunay).  Leilão  Taunay  de  1831. 

D.    MARIA   II   NA  SUA  INFÂNCIA 

A  futura  rainha  de  Portugal  d.  Maria  II  está  nos  braços  de 
uma  preta  e  tem  ao  lado  a  sua  aia.  No  ultimo  plano  vè-se  o  príncipe 
d.  Pedro,  o  futuro  primeiro  imperador  do  Brasil,  a  cavallo  e  diri- 
gindo-se  ao  encontro  da  filha.  Ap.  venle  Taunay,  1835. 


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UOCUUENTOS  SOBRE  A  VIDA  E  A  OBRA  DE  NICOLAU  A.  TAUNAT        SI 


Quadro*  ln«plrado«  poi*  epl«odlo«  da*  oatnpanlia*  re- 
publicana* A  Imperlaes.  pela  hlatorla  napolconica 
e  a  vida  oominuni  na  opocba  revolucionaria 


ATAQUE   DO  CASTELLO  DE  COSSARIA 

Tela:  altura  i^.sú;  largura  i".^.  Sãlon  de  1811 

Augereau  ordena  que  se  desaloje  o  general  auatriaco  Provera 
das  ruínas  do  antigo  castello  da  montanha  de  Cossaría  perto  de 
MUlesimo,  o  que  é  levado  a  efleito  a  13  de  Abril  de  1796  peloa 
granadeiros  do  general  Baunel. 

Este  quadro  cncommendado  pelo  governo  francez  figura  no 
museu  de  Versaillcs,  e  está  assignado  no  meio  da  tela  sobre  um  ro- 
chedo. Foi  gravado  por  Schroeder  (Frederico)  para  as  Galerias 
Históricas  de  Versailles.  Na  coUecção  Henniu,  na  Bibliotlieca 
Nacional  de  Pariz,  ha  um  esboço  a  tinta  do  quadro.  A  tela  re- 
presenta a  subida  da  ÍD^ntaria  franceza  pela  montanha  e  o  com- 
bate que  dá  aos  austríacos,  que  guarnecem  as  vizinhanças  das 
minas. 

o  GENERAL  BONAPARTE  RECEBE  PRISIONEIROS  NO  CAMPO  DE 
BATALHA,   1797 

Tela:  altura  i"'.6i ;  cotnprimcBio  i^.s? 

Quadro  exposto  no  salonde  1801,  adquirido  como  premia 
de  animado  ao  artista  nesta  data  e  incorporado  ás  collecções  do 
Louvre,  de  onde  foi  transferido  para  o  Museu  de  Versailles.  Nos 
últimos  planos  vô-se  uma  cidade  incendiada,  de  onde  saem 
grandes  rolos  de  fumaça  que  ennublam  a  atmosphera.  No  centro 
do  quadro  o  general,  montado  em  soberbo  corcel,  recebe  a  es- 
pada de  um  official  inimigo,  carregado  numa  maca  á  testa  do  seu 
regimento  desarmado.  No  primeiro  plano  um  cadáver  despojado 
da  roupa  e  vigiado  por  um  cáo,  um  granadeiro  carregando  um 
feixe  de  armas  e  de  bandeiras  inimigas ;  á  direita  Um  moribundo 


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3S  MTmA  DO  INSTITUTO  HBTOMCO 

aperU  nerroso  um  retrato  de  mulher;  á  esquerda  do  quadro 
vários  grupos  de  mortos  e  feridos,  de  cirurgiões  occupados  com 
as  soas  fiiDCÇ&es,  Montões  de  cadáveres  e  feridos. 

ATAQUE  AO  FORTE  DE  BARD 

Quadro  feito  em  collaboraçflo  com  Bidault  e  exposto  no  salon 
do  auno  IX  (iSoi),  sob  o  numero  335, 

O  general  Bonaparte,  adormecido  sobre  uma  padiola  á  beíra 
do  caminho  que  abriu  o  exercito  franccz,  é  contempiíido  com 
o  maior  carinho  pelos  soldados  que  destilam  deaate  dellc  em 
ulencio. 

EPISODIO  DAS  CAMPANHAS  DE  NAPOLEJLO  NA  ITÁLIA 

Bonaparte  rodeado  dos  seua  gencraea  mostra  a  planta  de  um 
monumento.  No  liindo  uma  porta  de  cidade  e  algumas  construo* 
çjjes  italianas.  Este  quadro  figurou  na  exposição  do  Ministério  da 
Guerra  sm  1889  (secção  5',  numero  7a  do  catalogo]  e  pertenceu  k 
coUecção  Moreau  Chaslon,  vendida  no  Hotel  Drouot  a  33  de  Março 
de  1891. 

o  EXERCITO    PRANCEZ  AO  DESCER  O  HONTE  SÃO  BERNARDO 


Quadro  exposto  no  salon  de  iSoi  e  adquirido  pelo  Estado 
francez  para  o  Museu  Napoleão.  Pertence  hoje  ao  Museu  de  Ver- 
sailles ;  foi  gravado  por  Aubert  pae  para  a  collecção  das  Galerias 
de  Versailles.  Representa  uma  columna  do  exercito  francez  des- 
cendo os  Alpes  para  o  lado  do  Piemonte,  debaixo  de  uma  nevada 
abundante,  que  dh  ao  quadro  um  effeito  muito  characteristico  e 
delle  faz  unia  bella  composição. 

A     TRAVESSIA   DO   MONTE   sXo   tlERNARDO 

Tela;  allur»  o'",jij ;  comprimento  O", jo 

Quadro  da  coUecçSo  Jourde,  provavelmente  reducçío  do  quo 
existe  com  o  mesmo  titulo  no  Museu  de  Versailles. 


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DOCIIMENTOS  SOBRB  K  VlDk  B  A  OBRA  DB  NICOLAU  A.  TAVNAT       93 
PASS&GEH  DOS  ALPES  PELO  GENERAL    BONAPARTí; 

Quadro  exposto  DO  5aIon  do  anuo  IX  (iSoi),  sob  O  oumero  33. 

Reprcsenu  Bonaparte  a  cavallo  animando  com  o  olhar  um 
artilheiro,  que  sustenta  uma  das  rodas  do  aeu  canhão  e  eoxuga  o 
suor  da  fronte. 

HOMENAOEU    A    VtRQlLlO 

Quadro  exposto,  sob  o  numero  757,  nosoíondoauBode  1810. 
O  assumpto  da  tela  é  o  s^uinte:  passando  por  Petiole,  perto  de 
Mantua  e  pátria  de  Vlrgilio,  Napoltíto  examina  o  planú  e  deseaho  da 
columna  que  ordenara  erigissem  no  local  da  casa,  onde  Virgilio 
TÍera  ao  mundo,  plano  esse  que  aa  auctoridadea  do  logarejo  lhe 
afffeseatam- 

BONAPARTE  MOSTIUNDO  AO  CONSELHO  MUNICIPAL  DE  MILIO  O 
PROJECTO  OE  COLUHNA  A  EDIPICAR^SE  PARA  COMMEUORAR  A 
FUNDAÇÃO    DA    REPUBLICA    CISALPINA 

Quadro  pertencente  á  collecç&o  do  marquez  de  Houdan,  dis- 
persa  em  Aogers,  a  r7  de  Agosto  de  i6tí8. 

ASIDHPTO    INSPIRADO    NDH    EPISODIO    DA    VIDA    DE    NAPOLEXo 

Painel  que  decorava  um  dos  salões  da  Malmaisos  e  encom- 
mendado  directamente  pela  imperatriz  Josephiha  (V.  Memorias  de 
Fontaine,  Revue  de  Paris,  15  de  Março  de  191 1), 

AS6DBIPTO    INSPIRADO    NUM    EPISODIO    DA    VIDA   DE    NAPOLEXo 

Painel  symmetrico  do  precedente,  num  dos  salões  da  Mal- 
maiaon  (V.  fonte  citada  adma). 

ENTRADA  DE    NAPOLEXO    EH    UUNICH    A  34  DE    OUTUBRO  DE    1805 
T«Í4:  Altura  1*^1  eomprlmanlo  i",78 

Etíe  quadro  foi  exposto  no  salon  de  1808,  pertenceu  ao  Museu 
NapoJeSo  e  hoje  faz  parte  das  Galerias  de  Versailles.  Está  repro- 
dtuido  numa  grande  gravura  por  Schroeder. 

DigtizBdbyGOOgle 


34  RETISTA  DO  INBTITCTO  HISHmíCO 

No  fundo  grande  casario  da  cidade  de  Muních,  de  onde  emeige 
uma  serie  de  torres  e  campanários.  Muita  tropa  formada,  intantaría 
e  cavallaría,  occupa  o  meio  do  quadro  e  uma  longa  rua  que  vae  ter  a 
uma  porta  da  cidade ;  muito  povo  rodeia  a  soldadesca. 

No  primeiro  plano  Napoleão,  de  cabeça  descoberta,  cercado  de 
grande  estado  maior,  recebe  a  deputaçSoda  municipalidade,  que  lhe 
ofierece  as  chaves  da  cidade.  A'  esquerda,  numeroso  concurso  de 
pessoas,  homens  e  mulheres,  bem  e  mal  vestidos.  Numa  grande 
arvore  garotos  trepados,  assim  como  sobre  um  muro. 

à     ENTREVISTA     DE     NAPOLEÃO     COM    O     PAPA     PIO    Vlt    EM 
PONTAINEBLEAU 

Madeira:  Bliura  0^.14 ;  comprimenio  0^,17 

Quadro,  pertencente  ã  collecção  do  barSo  Denon,  dispersa  em 
maio  de  1826. 

A   VIAJAR,   A  IMPERATtUZ  RECEBE  ESTAFETAS  QUE  TRAZEM  NOTICIAS 
DE    UMA    VICTORIA 
Tela:  altura  om.54 ;  comprimento  tf",Èe 
Quadro  exposto  sob  o  numero  575,  no  salon  de  1808.  A  impe- 
ratriz no  balcão  de  um  palácio  da  cidade  de  Milão  lé  um  boletim 
imperial  annunciando  uma  victoria  do  seu  séquito.  Numa  das  nãos 
segura  um  ramo  de  loureiro.  Grande  numero  de  populares  está  a 
correr  para  o  palácio. 

A  ENTRADA  EH  NÁPOLES  DO  EXERCrTO  DE  CHAMPIOTJNET,     1804 

Quadro  pertencente  â  galeria  do  conde  de  Narbonne  dispersa 
em  leilão  a  5  de  Abril  de  1843. 

ENTRADA  DA  GUARDA    IMPERIAL    EM     PARIZ  DEPOIS  DA  CAMPANEA 
DA  PRÚSSIA,    A    3S  DE    NOVEMBRO  DE    1807 

iTela;  altura  i*,8i ;  comprimento  s".!! 

A  guarda  imperial,  tendo  á  testa  o  marechal  Bessieres,  é  rece- 
bida pela  camará  municipal  de  Pariz,  presidida  pelo  prefeito  do 
Sena,  Prochot,  sob  um  arco  de  triumpho  que  a  cidade  mandara 
construir  além  da  barreira  de  La  Villette.  E^te  quadro,  exposto  no 


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&0cnHEHT03  SOBRE  A  VIDA  E  A  OBRA  DE  NICOLAU  A.  TADNAT       35 

salon  de  1810,  gravado  por  Schroader,  íoÍ  adquirido  cm  1833 
pelo  Estado  k  viuva  do  pintor ;  faz  parle  hoje  da  galeria  de  Ver- 
sailles.  Figurou  na  exposição  retrospectiva  da  arte  (ranceza,  por 
occasião  da  Exposição  Universal  de  Paris  em  1900. 

Accompanhaudo  a  tropa  vô-se  grande  multidão,  dentre  a  qual 
sobresae  numerosa  garotada.  Ao  lado  do  arco  de  trinmpho  está 
uma  espécie  de  coreto  ou  estrado  de  madeira,  sobre  o  qual  sobem 
diversos  indivíduos,  ao  passo  que  outros  já  alli  estão  installados. 

o  exercito  frakcez  atravessa  03  desfiladeiros  ca  sierra 
guadarrÁma 

Tela:  allura  i°',3o  ;  comprimento  a*" .11 

Este  quadro  esteve  exposto  no  salon  de  1813  ;  foi  adquirido 
pelo  Estado,  pertenceu  ao  Museu  Napoleão  e  hoje  figura  na  Galeria 
de  Versailles.  Gravado  por  Huot  e  por  Gelée,  lithographia  de  En- 
getmann.  Deste  quadro  existe  um  esboço,  que  faz  parte  da  collecção 
Heunin,  na  Bibliotheca  Nacional  de  Paris.  Sob  um  ceu  nevoso 
o  exerdto  francez  atravessa  os  altos  platós  da  Sierra  Guadarrama. 
No  fundo  do  quadro  vém-se  duasconstrucções  de  tamanho  regular 
parecendo  ser  mosteiros.  Entre  ellas  passa  a  estrada  pela  qual  tran- 
sita penosamente  a  infantaria.  No  primeiro  plano  vãem-se  soldados 
ajudando  o  esforço  doa  cavallos  que  puxam  boccas  de  fogo. 
Notam-se  alguns  cavalleiros,  offidaes  talvez,  e  uma  carroça  cujo 
toldo  está  sendo  sacudido  pelo  Tento.  A  figura  mais  em  evidencia 
do  quadro  é,  no  primeiro  plano,  a  de  um  soldado  que  se  senta 
no  chão,  descalça-se  e  examina  o  pé  ferido. 

PASSAGEM   DA  SiErRA   GUADARRAHA 

Redução  do  quadro  do  mesmo  titulo  pertencente  ao  Museu 
de  Versailles  e  vendido  num  leilão  em  Paris  a  24  de  Junho  de  1903 
pelo  perito  Blocbe. 

A   IMPERATRIZ  JOSEPIIINA  E  SEU   SÉQUITO  VISITANDO  A  ESTATUA 
DE  S.    CARLOS   DORROMEU,    PERTO  DO   LAGO    UAIOR 

Telai  allura  o^Ai;  comprimento  (/"A> 
Quadro  que  figurou  na  veníe  Taunay  em  1835  e  na  vente  Ron- 
dei em  i86g.  No  centro  de  uma  grande  avenida  se  ergue  a  estatua 

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36  RBT18TA  DO  INBTITVTO  UISTORICO 

colossal,  illuminada  pelos  raios  de  um  bello  sol,  Um  cardeal  recebe 
a  imperatriz  rodeada  de  seus  cortez^os ;  um  frade  distríbue  esmolas 
eatre  os  pobres,  cuja  attitude  eiprime  a  gratidão  que  dedicam  & 
generosa  soberana.  Uma  moça,  a  certa  distancia  de  Josepliioá, 
□ccupa-sc  em  desenhar  e  tem  diversos  observadores  em  tomo  de  st. 

A    IMPERATRIZ    JOSEPltlNA     RECOLHENDO  AS  OBRAS    DOS    ARTUTAB 
MODERNOS 

Teta  :  «liura<v°,jB;  comprlmanto  o°<,)j 

Quadro  exposto  no  ia/o»  de  1808  sob  o  numero  574.  No 
baldo  de  uma  casa  opulenta  estão  a  imperatriz  e  as  damas  do  seu 
séquito.  Uma  destas  apresenta  ã  soberana  um  retrato ;  ao  seu  lado 
um  padre  atira  dinheiro  aos  populares  que  estáo  na  rtu :  peregrinos, 
mendigos,  desvalidos,  homens,  mulheres  e  creanças.  Dous  homens 
semi-nús  carr^m  num  andor  uma  estatua  de  Apollo.  No  fundo, 
bellas  Fabricas  cheias  de  gente.  Este  quadro  foi  vendido  por 
1.331  frs.  no  leilão  da  collecção  Vigneron  a  3  de  Março  de  iSsS 
com  a  nota  de  que  fora  cncommendado  pela  imperatriz  Josephína, 
embora  o  catalogo  lhe  attríbua  assumpto  diverso. 

A   BATALHA   DA    PONTE   DE  LODI 

Pertenceu  à  galeria  de  Berthier,  príncipe  de  Wagram  e  Neuf- 
chatel,  por  quem  foi  encommendado,  e  esteve  exposto  no  salott  de 
i8io,  Berthier  ordena  à  cavallaría  que  transponha  o  rio  a  nado.  Na 
ponte  vê-se  grande  movimento  de  tropas  de  infontaría,  que  a  atra- 
vessam. O  marechal  está  rodeado  de  seu  estado  maior,  a  quem  dá 
ordens. 

Gravado  por... 

A   BATALHA    DA    PONTE   DE   LODI 

O  pintor  fez  outro  quadro,  reproducçâo  exacta  do  primeiro, 
de  menores  dimens&es  c  pertencente  em  191 1  ao  sr.  Victor 
A.  Taunay,  de  Pariz. 


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DOCUUENTOS  SOBRE  A  VIDA  B  A  OBRA  DB  NICOLAU  K.  TAUNAIT       Z7 

COJlttATE  DE  NAZARETH,  ABRIL  DE    I799 

Tota  :  Altura  o™ ,91 ;  comprl mento  i",!/} 

Quadro  destinado  a  commemorar  o  memorável  feito  (Tarmas 
em  que  Junot,  ã  testa  de  quiaheatos  homens,  destroçou  um  corpo 
de  eieráto  turco  do  cínco  mil  homens,  e  cujo  esboço  esteve  presente 
ao  concurso  aberto  para  o  fim  alludido  em  1801,  em  que  uma  tela 
de  Gros  obteve  o  premio.  Foi  adquirido  pelo  Estado  francez  em 
183S  da  viuva  do  artista  e  figura  nas  coilecçõea  do  Museu  de 
Versailles.  È  um  dos  quadros  mais  animados  de  Taunay  e  tem 
um  colorido  quente  e  harmonioso.  No  primeiro  plano  um  cavallo 
a  estorcer-se  com  as  patas  para  o  ar,  sobre  um  turco  mal  ierido, 
cadáveres  de  musuhnanos,  feridos  arrastando-se,  um  ottomano  a 
derrear-se,  mortalmente  attingído,  sobre  a  auca  do  cavallo  que  em- 
pina. Descaca-se  a  figura  do  general,  de  espada  desembainhada, 
montado  em  bello  cavallo  brauco,  a  commandar  a  carga.  No  fundo 
terrível  entrevero  de  cavallaria  e  Infantaria.  Nos  últimos  planos,  á 
direita  e  á  esquerda,  rochedos  escalvados.  Gravado  por  Aubert. 

A  BATALHA   DE   NAZARETH 

Reduc^  do  quadro  perteucente  ao  Museu  de  Versailles, 
outr'ora  parte  da  galeria  de  Ducos,  recebedor  geral  do  Thesouro, 
e  vendido  em  leilão  a  18  de  Dezembro  de  1837  sob  o  titulo  de  Com- 
bate  da  campanha  do  Bgyfilo. 

EPISODIO  DAS  GUERRAS   DE  IIISPANHA 

Tela  ;  altura  ií",Bi  ;  comprimento  o^.óo 

Quadro  pertencente  à  collecçâo  Petit  de  Meurville,  dispersa  no 
Hotel  Drouot  a  26  de  Maio  de  1908.  Representa  um  comboio 
militar  dirígindo-se  para  uma  cidade  por  uma  porta  de  aspecto 
mourisco.  Soldados  de  cavallaria  e  in&ntaria  marcham  debandados ; 
campouios  hispanhoes  os  accompanham.  No  primeiro  plano  á  di- 
reita uma  mulher  conversa  com  um  cavalleiro.  A'  extrema  direita 
um  soldado  sentado  num  rochedo.  Assignado  ã  direita,  sobre  um 
rochedo. 


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a8  REVISTA  DO  IHSTITDTO  HISTÓRICO 

TROPAS  NA  FONTAINE  d'eSPAGNB,   EM   1808 

Quadro  vendido  em  lei^  do  Hotel  Drouot  a  9  de  Junho  de 
1909,  em  Paris. 

o   INCÊNDIO  DE   MOSCOU 

Tela  ;  allura  o™ ,34 ;  coraprimonlo  o",59 

Esboço  de  um  assumpto  encommendado  por  Napoleão  pouco 
antes  de  sua  queda.  Figurou  nas  venles  Taunay,  1831  e  1835. 
A  cidade  em  chammas  occupa  o  fundo  do  quadro.  Os  habitantes 
espavorídoa  íbgem  carregando  o  que  possuem  de  melhor. 

A   DATALIIA  DE    EBERSDGRG 
Tela  :  altura  l'".ia ;  largura  ^'",03.  Salon  de  iG[q 

A  divisão  do  general  Claparòde  occupa  a  ponte  do  Traum, 
perto  de  Ebersberg  e  apodera-se  da  cidade.  Este  quadro  pertence 
ao  Museu  de  Versailles  e  representa  a  batalha  na  ponte,  que  os 
Austríacos  evacuaram.  A'  margem  do  rio  baterias  bombardeiam  os 
inimigos.  No  fundo  do  quadro  a  cidade  em  chammas. 

A   CHEGADA  DE  PIO  VII   A   FOÍJTAINEBLEAU 

Esboço  vendido  no  leilão  da  Galeria  de  Ducos,  recebedor 
geral  do  Tbesouro,  a  18  de  Dezembro  de  1837. 

A  LIBERDADE,  A  EGCALDADE  E   A   FRATERNIDADE   ACCLAMADAS  PELO 
POVO   E   PELO  ESERCrrO 

Tela:  altura  (P.ji;  comprimento  o",49 

Quadro  vendido  em  leilão  no  Hotel  Drouot  a  14  de  Março  de 
1908. 

A    MARSELREZA 

Quadro  exposto  na  Expoaiçío  Retrospectiva  da  cidade  de 
Pariz  por  occasíão  da  Exposição  Universal  de  tçoo,  e  pertencente 
á  collecçâo  Jorge  Lehman. 


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D0CUKEKT09  SOBRE  A  VIDA  E  A  OBRA  DE  HICOLAtI  &.  TAUNAT      39 
EPISODIO   DA  RETOLUÇÁO  DE   1793,    EM  BESANÇON 

Diversos  presos  das  cadeias  de  Besançon,  teodo  pedido  e 
obddo  a  permissão  de  combater,  voltam  victoríosos  ã  prisão, 
debaizo  das  acclamaçSes  do  povo  da  cidade.  Vente  Taunay,  1835. 

A  FEDERAÇÃO 

Tela;  altura  o™,38;  comprimento  if.54 

Numa  praça  publica,  e  nas  ruas  adjacentes,  vãm-se  grandes 
mesas  em  tomo  das  quaes  cidadãos  de  todas  as  classes  e  dos  dous 
sexos  celebram,  em  commum,  alegremente,  a  commemoraçãododia 
da  Federação  franceza.  Quadro  pertencente  á  collecção  Fossard, 
dispersa  em  Páriz  a  32  de  Abril  de  1835 ;  perito  Henry. 


Tclíi   altura  i",i7  ;  largura  i",i3 

Quadro  vendido  no  leilão  Felíx  Gérard,  a  28  de  Março  de 
1907,  e  representando  o  episodio  do  naufrágio  do  célebre  navio  de 
guerra  francez. 

FESTA  DA  FRATERNIDADE 

■Tela:  altura  o™,45  ;  comprimento  t^M 

Quadro  vendido  em  1859  no  leilão  da  collecção  A.  Lerous. 
Ap.  Th.  Lejeune:  Guta  do  amador  de  quadros. 

BANQirETE  cívico    CELEBRANDO  A  PAZ 

Uma  certa  porção  de  individnos  banqueteta-se  alegremente.  No 
cbão,  a  um  canto,  um  gato  e  um  cão  comem  no  mesmo  prato.  Ap. 
Charles  Blanc:  bic^aphia  de  Taunay  na  Historia  dos  pintores 
de  todas  as  escolas. 

UMA  TARDE  NO  PALAIS  ROTAt 

Assignado  á  extrema  direita.  Quadro  que  pertenceu  ao  grande 
pintor  russo  Weretschaguine  e  figurou  na  exposição  de  quadros 
antigos  feita  em  Petersburgo  em  1908.  (V.  Les  Arts  et  les  Ar- 


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30  ttMnrtK  DO  iNSTiTttto  uietouco 

listes  de  Março  de  1909.)  No  primeiro  plano  á  esquerda  sobre  um 
estrado  canta  uma  mulher,  para  quem  se  inclina  um  individuo  com 
ar  apaixonado.  Numerosa  orchestra  de  rab^uístas,  guitarristas, 
flautistas,  violoncellistas,  uns  quinze  artistas,  acompanha  a  cantCH'a. 
Junto  desta  se  acham  uma  menina  e  um  menino,  provavelmente 
seus  filhos.  A'  extrema  esquerda  um  grupo  de  crianças  olha  com 
curiosidade  para  ura  caderno  de  musica  collocado  sobre  uraa  estante. 
No  primeiro  plano  um  outro  livro  de  musica  aberto,  no  chão,  e 
onde  lê  um  joven  tocador  de  ferrinhos.  No  fundo  do  quadro  a  co- 
lumnata  do  Poiais  Royal  e  o  graode  repuxo  do  jardim.  Grande  con- 
curso de  povo  eeajuncta  para  ouvir  a  musica,  homens  e  mulheres, 
08  elegantes  da  épocha.  No  meio  da  multidão  se  destaca  um  mame* 
luco  com  o  turbante.  Assignado  á  extrema  direiu.  Este  quadro 
foi  vendido  em  1910  em  Paris  por  12.000  francos. 

0  JARDIM  DAS  TULHEttlAS  NO  COMEÇO   DO  SÉCULO   XtX 

Tela:  «liura  tf",qa ;  comprimento  i",» 

Quadro  muito  interessante,  que  làzia  parte  da  coUecçáo  de 
Mme.  Bruant,  vendida  no  Hotel  DrouotaSde  Maiode  1897.  Vê-se 
no  jardim  uraa  multidão  de  passeantes,  entre  os  quaes  numerosas 
celebridades  da  épocha,  como  Talleyrand,  Chateaubriand,  Madame 
Récamier,  etc. 

o  MENSAGEIRO  DE  PAZ 
Tola;  altura  o" ,41 ;  comprlmenio  o" ,61 
Quadro  pertencente  ã  Pinacotheca  Nadonal  do  Rio  de  Janeiro. 
A  uma  aldeia  de  França  chega  um  estafeta  trazendo  a  nova  de  que 
acaba  de  ser  concluída  a  paz,  um  dos  múltiplos  tractados  napoleó- 
nicos. Desmaia  uma  mulher  ao  saber  que  lhe  morreu  um  fílho.  Em 
tomo  do  cavalleiro  vê-se  numeroso  grupo  de  aldeões. 

o  CORREIO  DE  AMIENS 

Ap.  uma  referencia  da  Historia  da  Escola  Brazileira  do  dr. 
Fernando  Paes  Barreto,  que  cita  esse  quadro  como  existente  no 
Brasil. 


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MCOicBNtOft  sofiRB  K  Vida  s  a  osra  db  McoUu  a.  tAOHAV     31 


■  por  nasumptoM 

HENRIQUE  IV  VOLTANDO  DA  CAÇA 

O  rei  rodeado  de  cortezãos  saúda  Gabriella  d'E8trées,  que  cer- 
cadade  creados  está  num  balcão  «  Diga-me,  beldade,  poroude  pode 
se  entrar  neste  castello?  — Pela  porta  da  egreja,  Real  Senhor!  ». 

Quadro  perteQcente  em  iSsõà  galeria  Lejeaa,  exposto  nesse 
anno  na  galeria  Lebrun  ouma  exposição  organizada  em  proveito 
dos  gregos. 

HENRIQUE  IV  —  OS  ADEUSES 

TcU  :  altura  o".ii ;  comprimento  o™,ii 

Quadro  pertencente  á  collecçáo  do  duque  des  Cars  que  figurou 
na  exposição  realizada  no  Louvre  em  1889,  em  beneficio  das  orpbãs 
da  Alsacia-Lorena. 

HEKRIQIJB  IV  E  o  CAMPONIO 

TeU :  allura  of^.ii ;  corúprlmcnlo  tr.y) 

Estudo  para  o  quadro  do  sjlon  de  1804,  vendido  no  leilão  da 
collecção  Gasquet  a  9  de  Março  de  1888. 

HENRIQUE  IV  E  HtCHAUX 

Teia ;  allnra  o",íj  :   comprimento  o^.ji 

Composição  muito  espirituosa,  cheia  de  finura,  diz  o  catalogo 
de  Ittitío  da  collecção  Lacroix,  realizado  a  3  de  Abril  de  1886. 

HENIUQOE    IV    ClIEGANIK)  Á   PRESENÇA    DE   SUA    CORTE   COM   O 
LENHADOR  Á  GARUPA  DO  CAVALtX} 

Tela ;  altura  o", 16 ;  comprimento  tf".n 

Quadro  que  figurou  na  venie  Taunay  _'em  1835;  miniatura 
talvez  do  quadro  exposto  do  salon  de  1804.  Damas  e  fidalgos  v3o 
ao  encontro  do  reí,  que  é  o  único  que  se  não  descobre. 


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REVISTA  MJ  INSTITUTO  HIBTOIUCO 


BATALIU.   SOB  HENRIQUE:  IV 

Collecçáo  do  barão  de  Holbach  dispersa  em  1861.  Ap. 
Theodoro  Lejeune :  Guia  do  amador  de  quadros. 

OABRIELLA    D'eSTRÉES    CONTEMPLANDO  O    RETRATO   DE 
HENRIQUE  IV 

Esboço  a  óleo  que  figurou  na  vente  Rondei  em  1869. 

ENCONTRO  DB    HENRIQUE  IV  E  DE    SULLY  DEPOIS  DA    BATALHA  DE 
IVRY 

Tefa :  altura  «■".j; ;  coniprimeiíío  o'",'» ;  liyuraa  de  o'",[j 

Quadro  pertencente  ao  museu  de  Nantes,  a  que  foi  doado,  em 
1854,  peio  sr.  Urvoy  de  Sainl  Bédan.  A'  sombra  de  uma  arvore 
está  Sully  sobre  uma  padiola,  a  quem  o  rd,  adornado  do  famoso 
pennadio  branco,  abraça.  A'  direita  quatro  couraceiros  a  carallo. 
Em  tomo  do  rei  e  do  ministro  um  porta-estandarte  e  quatro  outros 
cavalleiros,  diversos  pagens,  um  dos  quaes  segura  o  cavallo  do  rei 
c  outro  traz  na  corrente  alguns  cães  de  caça  ;  soldados  a  pé,  apoiados 
sobre  os  mosquetes.  No  segundo  plano,  cavalleiros  que  parecem 
estar  de  sentinella.  A'  esquerda,  no  segundo  plano,  um  casal  de 
fidalgos  a  cavallo  precedidos  por  um  pagem,  também  a  cavallo,  e  um 
falcoeiro,  que  carrega  diversos  falcões,  dirigem-se  para  o  grupo 
principal.  No  fundo  do  quadro  a  planície  a  perder  de  vista  onde 
SC  destacam  cavalleiros  galopando  acompanhados  por  cães  de  caça. 

ENCONTRO   DE  HENRIQUE  IV  E  DE    SULLT    DEFOIS  DA    BATALItA  DE 
IVRY 

Teia  ;  altura,  ["',90;  comprimento  2" ,8o :  figuras  de  o^.io 

Quadro   encommendado  a  Nicolau    Taunay  pelo   rei  Lui2 
XVIII  em  1831,  adquirido  por  2.000  francos ;  esteve  exposto  no 
salon  de  1833.  Pertenceu  ao  museu  do  Louvre  e  hoje  está  no  de 
EVreux.  No  segundo  plano  Sully  ferido  e  carregado  numa  padiola  ■ 
e  rodeado  por  numeroso  cortejo  Icvanta-se  deaute  do  rei,  que  lhe 


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DOCUMENTOS  SOBRC  A   VIDA  B  A  ODRk  DB  NICOLAU  A.   TAUNAY       33 

aperta  a  mão.  No  priaieiro  plaao  está  um  pagem,  visto  de  costas, 
envolvido  num  manto  vermelho  e  segurando  uma  lança  e  dous 
cavalldros  couraceiros. 


Foi  este  quadro  exposto  no  salon  de  1789,  sob  o  numero  1O4, 
e  serviu  de  ponto  de  partida  para  os  dous  outros  citados  aqui,  os 
dos  museus  de  Nantes  e  de  Èvreuz. 

HENRIQUE    IV   E  o    CAMPONEZ 

Quadro  exposto  no  salon  de  1804,  sob  o  numero  450,  Mesmo 
assumpto  que  o  acima  rererido.  Henrique  IV,  tendo  se  perdido  na 
floresta,  encontra  um  camponio  a  quem  pede  que  o  guie ;  sobe  o 
rústico  á  garupa  do  cavalloe  pergunta-Ihe  como  ha  de  conhecer  o 
rei.  Diz-Ihe  Henrique  que  este  terá  a  cabeça  coberta  enquanto  os 
demais  se  hão  de  manter  de  chapéo  na  mão.  Ao  chegarem  ao  logar 
desejado,  onde  estavam  seus  corteiáos,  pergunta  Henrique  IV  ao 
camponio:  onde  estará  o  rei  ?  E'  boa !  o  rei  sou  eu  ou  tu,  pois 
somos  os  únicos  que  estamos  de  cabeça  coberta. 

PEDRO  o  EREMITA  PREGANDO  A  CRUZADA 
Tela;  íUura  (V", 41;  comprimento  O", M;   Ggxjras  de  o",o8 

Quadro  que  em  1846,  por  oaasiSo  da  dispersão  da  galeria  do 
sr.  Saint,  foi  adquirido  para  a  collecçao  de  Luiz  Philippc.  Pertence 
ao  museu  do  Louvre ;  á  direita  Pedio  o  Eremita,  num  rochedo, 
vestido  de  burel,  longa  barba,  fala  a  um  certo  numero  de  au- 
ditores, que  Jhe  estão  cm  frente  e  sob  uma  grande  arvore,  entre 
elles  um  guerreiro  a  cavallo,  um  soldado  de  pé,  revestido  de 
armadura.  No  meio  um  grupo  de  homens  e  mulheres  ajoelhados,  que 
ouvem  a  pregação  da  guerra  sancta.  No  primeiro  plano  á  direita  um 
cão  perto  de  uma  poça.  No  fundo  montanhas  cobertas  de  matto. 
Assignado  á  esquerda. 


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34  RBnSTà  DO  MSTItOTO  msTOUCO 

FRANCESCO  FRANCIA  DESMAIANDO  AO  VER  UM   QUADRO  DE    RAFAEL 

MaJelra ;  altura  o'",io ;   coaiprinieHlo  o^i.iú ;  figuras  de  0^,04 

Quadro  pcrteacente  ao  auctor  do  presente  ensaio.  No  atelier 
de  Francia  acaba  de  ser  desencaiitotado  o  quadro  de  Rafael,  Sancta 
Cecília,  que  dous  homens  p&em  em  pé.  O  pintor  cai  desmaiado  e 
é  sustido  na  queda  por  um  grupo  de  discipulos.  Do  fundo  do 
quarto,  onde  se  vè  uma  columnau,  acode  um  dos  discipulos  de 
braços  abertos.  Outro,  ajoelhado  sobre  a  tampa  do  caixão,  olha 
surpreso  para  o  velho  mestre.  A'  esquerda  uma  janella ;  á  direita, 
na  parede,  quadros,  uma  estatua  de  amazona.  Um  banquinho  em  que 
se  vê  uma  palheta  sobre  uma  capa.  No  chão  uma  torquez,  diversos 
pregos,  a  tampa  do  caixão. 

FRANCESCO    FRANGIA   DESMAIANDO  AO   VER    UM  QUADRO    DE    RAFAEL 

Tela:  .iltora  ff",»);  i;omprÍmenti>.u'",(ii 
A  venle  Taunay,  de  i!Í35  menciona  um  quadro  de  assumpto 
idêntico,  de  que  provavelmente  o  anterior  é  a  reproducçáo  era  di' 
meusóes  menores. 

FRANCESCO  FRANCIA  DESMAIANDO  AO  AVISTAR  <5  QUADRO  DE  RAFAEL 
—  SANTA  CECÍLIA 

Tda;  altura   «".p;   comprimento  cf".p 

Este  quadro,  cujo  assumpto  é  idêntico  ao  do5  que  atraz  estão 
mencionados,  Bgurou  na  vente  Taunay,  1835. 


Quadro  da  collecçao  Larché,  de  Dijon,  vendido  nesta  cidade 
em  leilão  a  16  de  Maio  de  1856. 

HORÁCIO  E  LÉSBIA 

Quadro  da  collecçâo  Larché,  de  Dijon,  vendido  em  leilão  a  16 
áe  Maio  de  1856. 


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^DOCUMENTOS  SODRE  h  VIDA  E  K  OBRA  CE  MICOLAD  A.  TAUNAY      35 
O  1.eXo  de  AKDftOCLEa 

Tela  que  figurou  durante  muitos  aduoS  do  palácio  imperial  de 
SáoChristo7Ío{V.T>assieax:  O"  arlisl2sfranLe\csttoe.\lrangeiro.) 


Paizagem  selvática,  rochedo  cheio  de  urzes,  onde  se  vã  um 
nmho  de  serpentes.  O  quadro  representa  Androclcs  no  momento 
em  que  acaba  de  tirar  o  espinho  do  p>^  do  leão.  Leilão  Taunay, 

1831. 

ANDROCLES 

Esboço  para  o  penúltimo  quadro.  Leilão  Taunay,  1851. 

VISITA  AO  PALÁCIO  DE  NERO 
Leilão  de  8  de  Abril  de  1890,  no  Hotel  DrouoC,  pelo  perito 
Bloche. 

JoXo  o   liOM    NA   DATALIIA    DE   POITIBRS 

Madeira:  aliur.i  o"'^a;   comptlmenlo 'jf.ge 

O  rei  ferido,  derrubado  sobre  a  garupa  do  cavallo,  está  amea- 
çado pela  lança  de  um  infante  e  em  via  de  ser  aprisionado. 

E^te  quadro  ligurou  nas  ventes  Taunay  e  na  venie  Rondei. 

Tem  enorme  vida  e  representa  um  combate  encarniçadíssimo 
entre  cavalleíros  e  infantes. 

FRANCISCO  I  NA    BATALHA    DE    PAVIA 

Quadro  de  dimensões  regulares,  que  o  auctor  deste  ensaio  viu 
em  Pariz  numa  coliecçáo  particular.  O  rei  cercado  pelos  inimigos 
esta  na  imminenda  de  render-se. 

A  MORTE  DE  BAYARD 

Madeira:    altura  o"',[ú ;  comprlmenlo  iy",iil 

Quadro  da  galeria  do  conde  de  Perregaux  vendida  a,  O  de  De> 
sembcode  1841. 

DigtizedbyGOOgle 


36  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

AESUUPTO    INSPIRADO  PELA  VIDA  DE  BAYARD 

Esbdço  a  óleo  que  figurou  na  vetile  Rondei,  1869. 

EPISODIO  DA  BATALHA  DE  FONTENOY 
TcU;  altura  D^i.i^icompriíiiâDlo  o°<,tS 

Quadro  pertencente  á  antiga  collecção  do  Palaís  Royal,  dos 
duques  de  Orléans  e  gravado  na  obra :  Galeríe  du  Falais  Ro;fal 
por  J.  Vatout,  4  volumes.  1823-1826.  Representa  um  combate  de 
infantes  e  cavallciros :  no  fundo  um  grupo  de  infantes  defende  a 
bandeira  do  regimento ;  no  primeiro  plano  cavalleiros  acutilam  os 
adversários  que  se  defendem  a  baioneta ;  um  cavallo  ferido  es- 
torce-se  de  dõr  com  a3  quatro  pernas  para  o  ar. 

Perdeu-sc  esta  tela,  segundo  parece,  no  grande  incêndio  do 
Palaia  Royal  em  1848. 

A   FAMÍLIA   DO    GENERAL   LAFAYETTE   NA   AMERICA 

Quadro  vendido  no  Hotel  Drouoi  a  2a  de  Junho  de  1878 
pelos  peritos  Feral  c  Pillel : 

ACCLAHAÇXO  DE   DOM   AFFONSO   HENRIQUES    REI   DE   PORTUGAL 

Quadro  que  lez  parte  por  muito  tempo  da  collecçâo  imperial 
do  Palácio  de  São  Christováo  e  hoje  pertence  aos  condes  d'Eu, 
achando-se  no  castello  d'Eu. 

No  primeiro  plano,  à  direita,  vários  personagens  elevam  o  novo 
rei  sobre  um  escudo.  D.  Affonso  Henriques,  apoiado  numa  lança 
faz  um  gesto  com  a  mão  esquerda  ã  multidão  que  o  acclama.  A'  sua 
frente  cornetas  e  tambores  o  saúdam.  No  primeiro  plano,  à  es- 
querda, um  pagem  que  lhe  mantém  o  palafrem,  uma  mulher  levando 
um  filho  no  collo  e  chamando  outro ;  um  popular  saúda  o  acclamado 
agitando  o  cliapéo.  No  segundo  plano  vêm-se  cavalleiros  com  os 
estandartes  de  d.  Affonso  Henriques.  No  fundo  enorme  concurso 
de  povo,  levantando  os  braços  e  os  chapéus,  e  à  extrema  direita 
um  castello  forte. 


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SOCOHENTOS  SOBRE  A  VIDA  E  A  ORRA  DE  NICOLAU  &.  TACKAT       37 
ACCLAMAÇÃO  DE  DOM  JOXO  V 

Ap.  Debret:  Voya^  Pilloresque  ati  Brésil. 

CIMABUB    B  QIOTTO 

Quadro  exposto  no  salon  de  1808,  sob  o  numero  570 ;  repre- 
senta o  encontro  do  grande  pintor  primitivo  italiano  do  século  XIII 
com  Giotto,  então  pastorínho,  no  momento  em  que  este  desenha 
aôbre  um  rochedo  uma  de  suas  vaccas  que  aliás  nâo  figura  no 
quadro.  Atraz  de  Cimabuevése  um  velho.  As  figuras  são  de 
grandes  dimensões.  V.  Journal  de  rEmpire.  Salon  de  1808. 


ASSUMPTO  DA  JERUSALÉM  LIBERTA 

Quadro  exposto  no  salon  de  1806.  Vafríno  escudeiro  de  Tan- 
credo, disfarçado  em  árabe,  penetra  no  exercito  egypcio,  que  o 
sultão  junctara  para  fazer  levantar  o  cerco  de  Jerusalém.  Chegado 
no  momento  em  que  Emiren  passa  revista  ãs  suas  tropas,  é  reco- 
nhecido  por  Hermínia,  amante  de  Tancredo,  rainha  de  Antíochia, 
que  lhe  dá  Ic^o  as  informações  que  lhe  haviam  motivado  a  viagem 
(Catalogo  do  salon  de  1806). 

O  sultão  numa  eminência  assiste  ao  desfilar  do  exercito. 
Brilhante  cavallaria;  profusão  de  armamento  reluzente  rico ;  desta- 
cam-se  dons  elephantes  trazendo  i  costa  torres  cheias  de  soldados. 
(Ap.  artigo  do  Journal  de  VEmpire,  1806). 

VAFRINo,   ESCUDEIRO  DE  TANCREDO 

Quadro  exposto  sob  o  numero  870  no  salon  de  1814.  Vafrino 
dis^çado  em  árabe  penetra  no  acampamento  musulmano  no  mo- 
meato  cm  que  Emiren  passa  em  revista  o  exercito  levantado  pelo 


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38  REVISTA  PO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

sultão  do  Egypto  pra  soccorrer  Jerusalém.  Vafríno  nesse  Ínterim 
consegue  falar  com  Hermínia.  Assumpto  idêntico  ao  cio  quadro 
exposto  no  salon  de  i8o6, 

IIERMIIÍI4   E-VTRE   QS   PASTORES 
Tela:    Bllura  i/",2i;  comprímeiílo  o™,;? 

A  guerreira  tranquiUi^  os  pastores  que  se  mostram  assustados 
com  n  sua  pr^ença.  Está  a  cavallo  e  levanta  a  viseira  para  acalniar 
os  receios  dos  zagaes,  que  se  occupam  em  fazer  cestos  de  vinte, 
(cíi/es  Taunay,  1831  e  1835. 

HERMÍNIA   E  os  PASTORES 

Tela:  altura  i",?;;  compfimento  i'",34 
Quadro  pertencente  ã  Pinacotheca  Nacional  do  Rio  de  Janeiro. 

CLORINDA,  GUIADA   PELA  SUA  AMA,  VISITA   O  TUMULO   DA  MÍE 

Quadro  veqdido  em  Paris  |iqm  leiloo  de  17  de  Fevereiro 
de  1849  pelo  perito  Simonet. 

CLORINDA  ENTRE  OS  PASTORES 

Ap.  um  artigo  ãa  Revue  Universais  des  ArU,  de  Outubro 
de  1861. 

ASSUtiPTO  INSPIRADO  POR   ARIOSTO 

Quadro  apresentado  à  Academia  Real  do  Pintura  quando  o 
auftor  pleiteou  a  gua  entrada  para  essa  sociedade  c  graças  ao  qual 
foi  aceeito  agréé. 

ROGÉRIO  NA    ILHA   BE    ALCINA 

Este  quadro,  cujo  assumpto  6  um  episodio  doOrlando  Furioso, 
figurou  no  ieilSo  do  Chevalkr  de  J.,.  a  10  de  março  de  1828. 

DON    QUICIIOTTE  ATACANDO   OS  CARNEIROS 

O3  pastores  levantóm-se  do  logar  onde  estão,  sob  umas 
Vvores  frondosas,  para  conter  o  cavalloiro,  (leante  do  qual  fogem 


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DOCnHENTOS  SOBBB  A  VIDA  B  A  OBRA  DE  NICOLAU  A.  TAHKAT       39 

08  carneiros  em  desordem.  Sancho,  segurando  as  rédeas  ào  burro, 
ri  a  baniJeiras  ({empregadas.  Leilão  no  Hotel  Drouot  a  5  de  Dezem- 
bro de  i838. 

o  APRENDIZ  CABPIklTBIRO  OB  ROfilNSON 

Ap.  uma  gravura  de  AUx  (1763-1817).  Robinson  sentado  sobre 
a  sua  canoa  apoia-se  num  machado.  Traz-lhe  um  cachorrinho  um 
martello,  na  bocca.  Ao  lado,  no  para-sol  de  colmo,  empoleira-se 
o  papagaio  do  naufrago.  No  fundo  arvores. 

ROBINSON,   O  niSPANHOL,   SEXTA-FEIRA   E  O  PAE 

^p.  outra  estampa  de  Altz.  Numa  praia  rodeada  de  altos  e 
sombrios  rochedos  está  encalhado  um  bote.  Sexta-feira  carregando 
o  pae  ás  costas  dirige-se  para  a  terra.  Já  esta  quasi  em  secco. 
Á  praia  T£>$e  Robinson  de  pé,  com  duas  carabinas  ao  hombro 
e  o  HispanhoJ  sentado  na  areia. 

SAINT    PREUX   NO  TUMULO  DE  JÚLIA 

Tela;  attura  tf", 15;  largura  ff»,io 

Saint  Preux  sentado  ao  lado  de  um  mausoleo,  em  que  se  lã  a 
inscripçao  Julie,  contempla  ou  antes  tem  em  mãos  o  retrato  da 
amada.  Arvores  no  fundo.  Este  quadro  figurou  na  venie  Forgeron, 
jo  de  Dezembro  de  1909. 

ASSUMPTO  mSPI^pO  PELA  IIISTOBIf  DB  PAP^O  B  VIRGINU 

Quadro  que  figurou  no  leiláo  da  coUecção  Des  Horties,  dispersa 
em  1852,  e  no  da  do  barão  Rodíer,  38  de  Janeiro  de  1833.  Ap. 
Th.  l^jeune :  GuiJe  de  tAmaleur  de  tabUaux.  Pauto  e  Yirginit 
perdidos  na  matta  são  descoberto^  pelo  negro  Domingo. 

ASSUMPTO  INSPIRADO  PELA  HISTORIA  DB  PAULO  E  VIRGÍNIA 

Quadro  que  pertencia  ã  collecção  pes  Horties,  dispersa  em 
1659  e  ã  do  barão  Rodier>  Servia  átpendanl  ao  precedente. 


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40  nevisTA  do  imstituto  histórico 

Ap.  Théodore  Lejeune  ;  GuUle  1'Amateur  de  íabkaux.  Re- 
presenta a  descoberta  do  cadáver  de  Virgínia,  na  praia,  por  Paulo 
e  Domingo. 

os  GANS08  DE   FREI  PUILIPPE 

Tela:  oltura  o",»';  comprimento  0^,165 

Pequena  pintura  pertencente  ao  auctor  deste  ensaio.  No 
fundo  do  quadro  um  rio  atravessado  por  uma  ponte,  e  tendo  á 
direita  diversos  ediãcios,  de  cujo  conjunto  se  destaca  um  zimbório 
e  UQi  campanário.  No  primeiro  plano  um  eremita  vestido  de  burel, 
apoiado  num  bastSo  e  precedido  por  um  pequeno  cSo,  dissuade 
um  rapaz  de  prestar  attençâoa  três  mulheres  que  lhe  fazem  signaes. 
Por  traz  dos  personagens  um  renque  de  quatro  grandes  arvores. 

os  GANSOS   DE   FREI   PUILIPPE 
Tela:  altura   o'".3]]  comprimenlo  <y",4s 

Quadro  que  figurou  nas  ventes  Taunay  era  1831  e  igjg. 
O  mesmo  assumpto  que  o  precedente,  que  è  talvez  uma  miniatura 
deste  quadro. 

os  GANSOS  DE    FREI  PHILIPPE 

Quadro  de  grandes  dimensões,  que  se  achava  outrVa  no 
salão  do  throno  do  Paço  da  Cidade  no  Rio  de  Janeiro.  (V.  Dus- 
sãeux :  Os  artistas  franceses  no  exiran^ro.  Assumpto  idêntico 
ao  dos  dous  quadros  anteriorescom  maiores  dimensões. 

o  MOLEIRO,  o  FILHO  E  O  ASNO 

Quadro  inspirado  pela  fabula  de  La  Fontaine,  vendido  em 
eilâo  de  34  de  Março  de  1840  pelo  perito  Simonet. 

A  FORTUNA  B  A  CRIANÇA 

Quadro  exposto  no  salon  de  1832,30b  o  numero  1.340,6 
inspirado  numa  íabula  de  La  Fontaine. 


D,gt,zedbyGOO<^le 


DOCUMENTOS  SOBRE  A  VIDA  E  A  OBRA  DE  NICOLAU  A.   TAUNAY        4I 
O  TELHO  E  SEUS    FILHOS 

Traducçâo  de  uma  fabiria  de  La  Fontaine,  exposta  no  salon 
de  1833,  sob  o  numero  1346. 

o  VELHO  E  os  TRES  RAPAZES 

Quadro  inspirado  pela  fabula  de  La  Fontaine,  vendido  em 
leilão  de  38  de  Março  de  1840  pelo  perito  Simonet. 


4eeiin*  bíblica*  e  ancraa 

adkahío  e  os  trez  anjos 
Tela:  altura  0^,31)  comprimento  0^,4] 
Quadro  exposto  no  salon  de  1793  sob  o  numero  141. 

AGAH  NO  DESERTO  PROCURA  REANIMAR  O  FILHO  COM   A   AGUA  DA 
FONTE,  QUE  UM  HXAGRE  LUE  ACABA  DE  REVELAR 

Teia;  nliura  o",}!;  larguraow.^o 

Este  quadro  figurou  nas  venles  Taunay  (1835)  e  Rondei 
{1868).  A  elie  se  refere  o  Trésor  de  la  Curiosilé,  de  Charles 
Blanc.  «  Numa  paízagem  mysteriosa,  natureza  virgem,  que  parece 
nunca  ter  sido  desvendada  por  pessoa  alguma,  perto  de  altas  ar- 
vores e  de  rochedos  eutre  os  quaes  correm  límpidas  aguas,  Agar  de 
joelhos  procura  reanimar  Ismael.  O  anjo  que  acaba  de  guia-la  a  esta 
fonte  bem&zeja  já  levantou  o  võo ;  não  tardará  a  desapparecer  ». 

BOOZ  E  RUTH 
Tela:  altura<y",3i.  cúmpriniento  o*<,43 

Quadro  exposto,  sob  0  numero  88,  no  salon  do  anno  de  1793. 

JOSt,  CRIANÇA,    EXPLICA   OS   SEUS   SONHOS  AOS   ERMÃOS 
Tela;  altura  iy",ji;  comprimento  o",4o 

Paízagem  grandiosa  contrastando  com  a  simplicidade  das 
figuras,  diz  o  cataliso  da  venle  Taunay.  José,  tendo  ao  lado  os 

D,s    zP.byCOOgle 


43  ItBVlBTl.  DO  IHSTITOTO   itlSTORICO 

crmSos  e  á  sombra  de  copadas  arvores,  dirige-lhes  a  palavra.  Km 
formosos  campos,  animaes  a  pastar. 

JACOB 

Quadro  exposto  no  sahn  de  1814  sob  o  numero  O71.  A  tela 
representa  o  encontro  do  patríarcha  com  Rachel,  que,  no  meio  de 
Buas  aiae,  se  entrega  a  trabalhos  domésticos. 

ELIEZER 

Quadro  que  sob  o  numerf)  i  .605  figurou  no  sahn  de  1834  e 
que  representa  o  enviado  de  Abrahío  estacando  ante  a  belleza  c 
el^ncia  de  Rebecca. 

ELIEZER    E    REBECCA 

Quadro  exposto  Bob  o  numero  gfii  no  sahn  de  1837. 

ELIEZER    E    REBECCA 

Quadro  que  figurou  na  vente  Taunay  em  1835. 

MOISÉS  SALVO  DAS  AGfjAS  EEL4  FILHA  00  PHAHAÓ 
Tela:  altura  o^.õ^;  coniprlipeDtú  o°<.3i 
Thermutis,  filha  do  Pharaó,  acaba  de  avistar,  entre  juncos  e 
caQlços,  o  pequeno  Moisés,  cujo  berço  fluctua  no  Nilo,  e  ordena 
a  quatro  de  suas  aias  que  tirem  a  creança  dalli.  Em  diversos  planos 
destacam-se  arvores,  bosque^,  uma  ponte ;  no  fundo  uma  cidade.  Na 
outra  margem  do  c^nal  três  mulheres  enchem  bilhas.  Ap.  vente 
Taunay  1831 . 0  quadro  reappireccu  na  veada  da  coilecção  Deneyer 
em  Bruxellas,  1908. 

HOISÉS  S4T.YO  DAS  iaiAS  PELA  FILHA  DO  PHARA<'i 

Pintura  que  o  cata|ogp  da  v^nfe  Taunay  (1835]  classifica  de 
esplendido  esboço  para  o  quadro  do  mesmo  nome  acima  mencio- 
nado, de  que  só  differe,  quanto  a  pormenores. 

llOIsts   SM.VO    DAS    AGUAS 

Quadro  ejposto  sob  o  ujirnero  979  no  salon  de  182^. 


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DOCUMENTOS  SOBRE  A  VIPA  B  A  OOBà  DE  HICQLAU  A.  TAUNAY       43 

A    VARADA  fíQ    ROCUEDÚ 

'Cela:  allura  of",(n ;  comprimenlo o^.Si 

O  quadro  representa  Moisés  no  momento  em  que  do  ro- 
chedo de  Oreb  faz  jorrar  uma  funte,  •  pinta  o  contraste  entre  a 
sofreguidão  de  parte  dos  israelitas  sedentos  e  o  estupor  daquelles 
a  quem  o  milagre  pasma  »  Numerosos  grupos :  um  pae  a  carregar 
o  filtio,  desmaiado,  uma  fílha  a  sustentar  a  mãe  exânime,  dous 
moços  carregando  um  velho,  indivíduos  precipitando-se  com  vasos 
e  outros  utensiUos  para  recolher  agua,  um  camello  a  caminhar  para 
a  fonte.  Moisés,  sobre  o  rochedo,  domina  toda  a  composição, 
á  sombra  de  uma  arvore  jmmensa.  Ap.  catalogo  d^  renlc 
Taunay,  1831 

HOIBÈS    PERI»DO   O    ROCHEDO 

Quadro  exposto  sob  o  numero  1.606  nq  salon  de  1834. 

A  VARADA  NO  ROCHEDO 
Tela;  altura o'",ig;  comprltneDio iv".38 

Museu  de  Quimper,  Quadro  pertencente  k  collecção  Silguy  t 
catalogado  sob  o  nuqiero  O35. 

A    VARADA    NO    ROCHEDO 

Variante  do  penúltimo  quadro,  que  figurou  na  venie  Taunay 
de  1831. 


Tel^;  ,itturao'"|39;  comprimento  o",  14 

Surprehendida  pelos  velhos,  Suzanna  salta  sijbre  a  roupa  que 
havia  deiíado  á  margem  do  regato  em  que  se  banhava,  á  sombra 
da  espessa  folhagem  de  um  carvalho. 

■1  Os  dous  seductores  csforçam-se  por  acalmar-lltc  o  temor 
fizcndo-lhe  os  protestos  de  um  amor  criminoso.  »  Vcnie  Taunay, 
1831.  Reducçáo  do  quadro  do  salon  de  1834. 


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44  RBVISTA  DO  INSTITUTO  Ut3T0RIC0 

SUZANNA  SURPREHEWOIDX  NO  BANHO  PELOS  VELHOS 

Quadro  exposto  no  salon  de  1824  sob  o  numero  s.354. 

A  VOLTA  DE  TOBIAS  E  DO  ANJO 
Tela:  altur&  i"',7o ;  comprimento i", 45 

Tobias,  sua  mãe  e  o  anjo  estão  no  primeiro  plano  do  quadro ; 
no  fundo  uma  paizagem  ornada  de  grandes  fobricas.  (Ap.  a  dea* 
cripção  do  catalogo  do  salon  de  1787) 

SANSÁO 

Quadro  etpostonosa/on  de  181430b  o  numero  873.  Passando 
por  Thamnata  o  juiz  israelita  encontra  um  bando  de  moças.  Uma 
delias  attrae-lhe  a  attençáo  e  &z-lhe  uma  proposta  de  casamento. 

PAIZAGEM  E  ASSUMPTO    BÍBLICO 

Pequeno  quadro  pertencente  á  coUecção  Audoin,  vendida  ao 
Hotel  Drouot  de  i6  a  i8  de  Novembro  de  i8gi. 

A  ADULTERA  AOS  PÉS  DE  JESUS 
Tda:  altura  o", jíicomprlinentao^.íS  ;  figurai  deo*,c6 

Este  quadro  foi  comprado  pela  cidade  de  Grenobie  em  1836 
por  3,000  frs.  Christo  está  rodeado  de  homens  e  mulheres ;  a  seus 
pés  está  uma  mulher  que  lhe  beija  a  fimbria  do  vestido.  No  pri- 
meiro plano  foge  um  homem  precipitadamente.  O  Redemptor 
esboça  largo  ge.<ito  de  accolhimento  e  protecção. 

A    ADULTERA    AOS     Pts    DE    C^RlSTO 
Teh:  altura  o™, 175;  coraprlmenloo^.jTo 

Qjadro  de  menores  dimensões  e  composição  idêntica  ao  que 
já  foi  mencionado ;  hoje  no  Museu  de  Grenobie.  Vendido  no  leilão 
da  Galeria  Fossard  a  aa  de  Abril  de  1837  pelo  perito  Henry. 

MULHER  CURADA  AO  TOCAR  AS  VESTES   DE  JESUS 

Quadro  que  sob  o  numero  433  figurou  no  sa!on  de  1796. 

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DiBlradbjGOOgle 


I>OCUtt£NTOS  SOBRE  A  VIDA  E  A  OCltA  D£  NICOLAU  A.  TAUNAY       4j 

JESUS  MO  UEIO  DOS  DOUTORES  DA  LEI  ANTIGA 
Altura:  o", 31 ;  comprimeiílo  o™ ,43 
Quadro  exposto  sob  o  numero  43  qo  salon  do  aano  de  1793. 

A  CANAMÉA 

Quadro  exposto  no  salon  de  179 1  sob  o  uumero  79  com  a 
designação :  pequena  tela. 

A  PARTIDA  DO  FILUO  PRÓDIGO 

Madaira  :  altura  0^,39 ;  comprimculo  o™i4j 

Exposto  no  salon  de  1806,  gravado  por  Descourtis,  na  serie 
das  quatro  estampas  do  Filho  Pródigo,  a  cores.  Assignado  ji 
direita,  em  baixo. 

A'  porta  da  casa  despede-se  o  Filho  Pródigo  da  famiiia:  do 
pae,  mãe,  erma  e  ermão.  As  mulheres  estão  chorosas,  o  pae  austero, 
O  ermão  inteiramente  indiflèrente.  A' janella  uma  creada,  que  estava 
a  fiar,  debruça-se  muito  commovida.  O  Filho  Predigo  prepara-se 
para  montar  num  cavallo,  cujos  arreios  revista  um  creado  agachado. 
No  primeiro  plano  um  cachorrinho.  Nos  últimos  diversas  coastruc- 
ções  typicas  do  estylo  de  Taunay  e  montanhas ;  em  baixo  de  uma 
arvore,  perto  de  um  aqueducto,  está  sentado  um  servo  que  vigia 
deus  cargueiros,  um  cavallo  e  uma  mula. 

Pertencia  o  quadro  à  bella  galeria  do  Exm.  Sr.  dr.  Augusto 
Carlos  da  Silva  Telles,  que  delle  fez  presente  ao  auctor  deste  ensaio. 

A  ORGIA  DO  FILHO  PRÓDIGO 
Madeira  :  altura  <y",39;  comprimento  0^,43 

Ap.  a  estampa  de  Descourtis  na  serie  do  Filho  Pródiga.  No 
primeiro  plano,  sob  frondosa  arvore  e  em  torno  de  uma  mesa  de 
mármore  estão  sentados  o  Fího  Predigo  e  duas  mulheres,  uma 
das  quaes  é  uma  guitarrista.  Coroado  de  louros  e  voltado  para  uma 
terceira  mulher,  que  depÉlhe  pÕe  uma  flor  nos  cabellos,  o  libertino 
tem  numa  das  mãoa  uma  maçã  e  extende  a  outra,  que  sustem  uma 


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46  RBVIStA  no  INSTITUTO  HISTÓRICO 

taça,  a  uma  escrava  negra  de  pè  a  despejar-lbe  vinho.  Com  o 
pé  direito  o  perdulário  inclina  uma  amphora  com  o  fito  de  des- 
p2jar  o  vinho  que  ella  contem.  A'  extrema  esquerda  uma  estatua  de 
Cupido  sentado.  JuDctoã  mesa,  um  cão  a  passar;  no  s^tindo  plano 
á  direita  duas  lavadeiras  e  um  menino,  que  estão  no  rio  que  occupa 
o  fundo  do  quadro.  Atraz  desse  rio,  uma  casa  alta  de  três  andares  c 
uma  columnata  occupam  todo  o  comprimento  do  quadro. 

o  FILHO  PRÓDIGO  GUARDANDO  PORCOS 

Ap,  a  estampa  de  Descourtis  iia  serie  chamada  do  Filfio 
Pródigo. 

No  primeiro  plano,  sentado  numa  pedra,  semi  nú,  ar  inrelicls- 
simo,  cabelleira  inculta,  está  o  Filho  Pródigo,  tendo  um  cajado  na 
mâo  e  aos  pés  um  porco  deitado.  Um  pouco  alraz  vê-se  uma  mu- 
lher que  o  aponta  a  dous  meninos.  Ao  infeliz  cercam  dous  porcos  e 
um  cão.  No  fundo  do  quadro  grandes  edilicioa,  arcos,  columnas, 
eimborio,  a  architectura  characteristica  do  artista.  Um  rebanho  de 
bois  e  carneiros  encaminha-se  para  a  direita,  guiado  por  uma 
mulher  montada  num  burro.  Eutre  03  aiiimaea  se  acha  um,  carre- 
gando grande  fardo.  A  esquerda  um  regato,  a  cuja  margem  esiãp 
pinheiros  e  palmeiras. 

A   VOLTA   DO   FILHO   PRÓDIGO 

A'  porta  de  casa  o  Filho  Pródigo  ajoelha-se  aos  pés  do  pae,'que 
O  manda  levantar-sc.  Atraz  deste  a  mãe  e  a  erma  do  joveii  perdu- 
lário approxiraam-se  delle,  o  ermâo  levanta  os  olhos  ao  céu,  a 
creada  acode  ás  pressas  tendo  na  mão  um  fuso ;  e  um  escravo  se 
adeanta  com  o  novilho,  que  deve  ser  immolado  em  sacríficio.  No 
fundo  do  quadro  um  ribeirão,  á  margem  do  qual  cstà  um  homem  a 
puxar  um  camello  pela  rédea,  edifícios  á  esquerda  ;  ao  fundo  pal- 
meiras, vegetação.  Ap.  a  gravura  de  Descourtis  na  serie  do  FHHo 
Prodigf}. 

o  BOM  SAMARITA.VO 

Ap.  o  Lexicoa  de  Nagler. 

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I 


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DOCUMENTOS  SODBE  A  VIDA  E  A  OBRA  bE  NICOLAU  A.  TAUKAY       47 

SXO  MATHEUS 

Tela:  altiiiil  cffii:  comprlmcnlo  o",Ri 

Niini  logar  calmo  e  solitário,  sob  grandes  arvores,  escreve  o 
Evangelista  sentado  numa  psdra  o  que  lhe  dieta  nm  anjo.  Esta 
tda  figurou  tia?  wntes  Taunay  (1835)  ê  Rondei  (1869). 

SÃO   UATIIEUS 

Tela;  flilura  o"',ii;  comprimeiílo  o"',.6 

Reducção  do  quadro  acima  descripto  e  piertencente  á  Pinaco- 
theca  Nadonal  do  Rio  de  Janeiro. 

SXO  MARCXDS 
Tela:  alliira  o^.fq;  comprimento  o".8( 
Uma  foQtc  corre  aos  pés  do  Evangelista,  que  medita  profun- 
dameate  sobre  o  que  acaba  de  escrever ;  o  leão  está  ao  lado  do 
sancto.  Este  quadro  figurou  na  rente  Tauoay  (1835). 

SÃO  MARCOS 

Telar  allura  tf",!!;  coraprimciilo  iy",i6 

Reducç3o  do  quadro  acima  mcQcioaado,  pertencente  á  Pina- 
cotheca  Nacional  do  Rio  de  Janeiro. 

SÁO  LUCAS 
Tela:  allura  o'",6í;  comprimento  iy",8i 

Ao  lado  do  Evangelista  está  deitado  o  boi,  que  lhe  6  attributivo. 
Este  quadro,  assim  como  os  três  precedentes,  figurou  na  vente 
Taunay  (1635),  No  fundo  do  quadro  vasta  e  espessa  floresta. 

sXo  LUCAS 
Tela;  altura  o",iCi  comprimento  o^.ió 

ReJucçáo  do  quadro  acima  mencionado,  pertencrate  á  Pina- 
cothecã  Nacional  do  Rio  de  Janeiro.  Figurou  na  vente  Taunay 
(■835). 


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4»  RE>1STA  00  INSTITUTO  HJSTORICO 

SkO   JOXO    EVANGELISTA 

Tela:  altura  c/"M:  eoaipr'mesiíocFfli 

O  Evangelista  acha-se  á  sombra  de  um  rochedo,  &õbre  o 
qual  está  pousada  a  águia  aitributiva,  que  nas  garras  esmaga  uma 
serpente.  E^te  qu4dro  figurou  na  vente  Taunay  (1835).  No  fundo 
do  quadro,  após  especo  bosque,  deslacam-se  edifícios  de  uma  d- 
dade  construída  em  amphitheatro. 

SXO    JOÃO    EVANGELISTA 
Tela:  altura  (y",3i;  comprimento o'",t(i 

Reducção  do  quadro  acima  mencionado  pertencente  á  Pína- 
cotheca  Nacional  do  Rio  de  Janeiro. 

SACRA  família 

Tela:  altura  o",ji;  comprimento  o"',tO 

Tela  pintada  no  gosto  da  eschola  italiana;  figurou  na  venie 
Taunay  de  1835. 

SÃO    JERONTMO 
Tela:  altura  o"' ,6,1;  comprimento  o™, 8| 

Sentado  perto  de  enormes  rochedos  coroados  de  urzes  e  de 
arbustos  selvagens,  Sâo  Jeronymo  parece  inspirado  pela  leitura  do 
que  acaba  de  escrever.  Um  leão  de  pé  no  primeiro  plano,  compa- ' 
nheiro  do  sancto,  é  o  único  ser  que  anima  esse  deserto.  Este 
quadro  figurou  na  venle  Rondei  (1869). 

A   PREGAÇÃO  DE  SXO  JOÃO  BAP1'1STA 

Teto:  altura  o™.9Sl  comprimento  1"^ ;  figuras  de  O^.if 

No  segundo  plano,  à  direita  e  perto  de  um  lago,  S3o  Jckío,  de 

p£  sobre  um  montículo  ensombrado  por  uma  grande  arvore,  tem 
em  mãos  uma  cruz  e  prega  a  um  auditório  numeroso.  Entre  os 
assistentes  destacam -se,  no  primeiro  plano,  á  direita,  dous  guerreiros 
sentados  qo  chão,  uma  mulher  sustentando  uma  creança  sobre  um 
burro,  no  meio  um  cavalleiro  inclinado  para  traz ;  no  fundo,  à  es^ 


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DOCUMENTOS  SOBRE  A  VlD.V  E  A  OBRA   Dt  NICOLAU  A.  TAUfJAY        49 

querda,  camellos,  uma  caravana  e  minas  sobre  uma  montanha  cheia 
de  matto.  Asaignado  sobre  um  rochedo ;  Taunay,  Rio  de  Janeiro 
i8t8.  Este  quadro  pertenceu  á  collecção  de  Luiz  XVIll ;  tòí 
exposto  no  salão  de  1IÍ19  e  adquirido  cm  1810  pclo  Estado  por 
trcs  mil  IVancoe.  A  paiza^m  é  um  Ic^r  do  Brasil.  Pertence  ao 
museu  de  Louvre  e  foi  por  este  emprestado  ao  de  Nice  (1911). 

A   PREGAÇÃO   DE  SÃO  JOXO    BAPTISTA 

Redução  do  quadro  existente  no  museu  de  Nice  c  vendido 
em  Pariz  num  leilão  a  37  de  Mar^x)  du  1871. 


NIOBt; 

Quadro  vendido  num  leilão  do  Hotel  Drouota  13  de  Março 
de  1856.  A'  direita  vé-sc  a  entrada  de  um  palácio  antigo  cora  co- 
tumoatas,  a  que  se  sobrepõem  eRtatua^í.  Nas  vízinhanvas  vé-se 
Niobe  implorando  a  clemcncb  de  Apoiln  cujas  llcchas  lhe  attingem 
inflexivelmente  os  Hthos. 

OKPIIEU    E   EUBVDICE  * 

Tela:  altura  f",j3  ;  tomprimcntu  (i'",4i 
Quadro  pertencente    â  coUecvâo  J.  L.,   dísjKrsa  no   Hotel 
Drouot,  a  14  do  Dezembro  de  igijJI,  c  rendido  por  i.ofy  francos 
pelo  perito  Feral. 

ORPHEU 

Tela:   aiameiro  o".Tn  (Circular) 

Quadrinho  pertencente  ã  exma.  ara.  da,  Adelaide  de  E. 
Taunay  Dória. 

KYMPHAS  A    PROCURAR    PROSÉRPINA 

Quadro  da  collecvâo  Rollin  de  Lyou,  dispersa  em  Pariz  a  i"  de 
Abril  de  1873.  Numa  paíz^em  cheia  de  grandes  arvores  diversas 
aympha«  munidas  de  archotes  exploram  a  matta. 

D,3    zB<ibyCOO<^le 


SO  REVISTA  DO  INSTITUTO  lUSTORICO 

XYMPIIA   E  AURORA 

Tela:  allurai>"',33;  coiuprimculo o",4( 

Quadro  pertencente  á  coltecção  J.  L.,  dispersa  no  Hotel 
Drouot  a  14  de  Dezembro  de  190ÍÍ ;  vendido  por  mil  francos  pelo 
perito  Feral. 

NYMHIAS  E  C!(IANI,:AS    EM    TORNO    DE   UM   POÇO 

Quadro  da  coUecção  Falbe,  de  Londres,  dispersa  em  leilão  a 
ig  de  IMarço  de  1900. 

HtLAS  E  UMA  NVHPIIA 

Tgla:  comprfmciUo  45  t/i  pullcijatiiis 

Quadro  da  collecção  Ctiristic,  dispersa  em  Londres,  em  1911, 
a  a8  de  Janeiro. 

UMA   COLU.MSATA,    NYMPllA    E    UUPIDO 

Quadro  da  collcc^o  Falbc,  vendido  em  leilão  cm  Londrus,  a 
Igde  Maio  de  1900. 

SUPPLICA   DO  AMOR 

Quadro  vendido  em  Paris  num  leilão  dirigido  pelo  perito 
LeIÊvre  a  ao  de  Março  de  1867.  Assignado  á  direita  e  em  baiso. 

sacrifício  a  ima  DIVINDADB 

Painel:  aitiira  a^.iy.  comprimcnlo  o'", 375 

A'  esquerda  um  sarcophago  monumental ;  á  direita  um  grupo 
de  amores  que  offireccm  ura  sacrifício  aos  manes  do  defunto.  Um 
deixa  que  uma  pomba  vúe ;  traz  outro  um  bode ;  no  fundo  uma 
paizagem  montanhosa.  Leilão  da  galeria  do  sr.  Alphonse  Wattel. 
Bayart  em  Roubaix  a  17  de  Dezembro  de  1906. 

A    ItACCllANTE 
Madeira:  allura  o"',a6;  comprimcnlo  o'", 13 

a  Uma  gruta  em  frente  á  qual  se  dá  nma  bacchanal.  A'  esquerda 
âatyios  e  nymphasdansam.  A' direita  grupos  enlaçados.  No  ceatro 


«byCoogIe 


IiOCOMEMOS  SOBIIE  A  VIDA  E  \  OORA  DE  NICOLAU   A.  TAUNAY        5I 

do  quadro  a  bacchante  seminua  adeanta-se  e  dansa,  agitando  um 
pandeiro.  Céus  muito  claros.—  Composição  cheia  de  vida  e  moci- 
dade e  toque  aprimorado  —  Aasignado  á  esquerda  N.  Taunay.  • 
Leilão  da  collecçâo  F.  Bohler  a  33  de  Fevereiro  de  1906. 

l-AUNOS   E    BACCHANTES 

Tela :  altura  i"",!; ;  coiuprlmcjiio,  u"',i/j 
Quadro  que  ligura  na  vente  Delassue  no  Hotel  Drouot  a  23 
de  Dezembro  de  1908. 

VII 

ti«;ena«  untisu* 

DESAFIO   ENTRE   PASTORES    QUE    DISPUTAM    O    PREMIO    DA    FLAUTA 
DE     PAX    NA    ARCÁDIA 

Quadro  de  grandes  dimensões  e  comprehendendo  muitas 
figuras,  que  outr'ora  ornava  a  sala  do  throno  do  palácio  de 
Sâo  Chrístoram.  Dussieux:  Lcs  artistes  f  rançais  à  Célranger. 

os    PASTORES    DA   ARCÁDIA 
Tela:  «llura  tf",:^);  comprimento  tf",]; 

Quadro  pertencente  ás  coliccçóes  do  Museu  de  Cherbourg. 

PASTORES  DE   THEOCRITO  E  VIRGÍLIO    RECOLHENDO  OS  SEUS 
líEDAXHOS 

Quadro  exposto  no  sahn  de  18:3,  sob  o  numero  i  .339. 

TOUADA    DE    UHA    CIDADE 
Tela:  altura  W^i  ;  comprimento  i'°,oo;  finuras  dco'".ro 

Quadro  adquirido  pela  administração  imperial  em  1800;  fez 
parte  do  museu  do  Louvre,  que  o  cedeu  ao  de  Nice.  A'  dirdta  nu- 
merosos habitantes  de  uma  cidade,  presa  das  chammas,  são  levados 
como  reféns,  atravessando  uma  ponte  situada  á  beira  de  um  rio 
atravessado  por  uma  ponte.  No  primeiro  plano,  ã  esquerda,  dous 
cavalleiros  marcham  á  frente  dos  prisioneiros,  que  outros  soldados 
acavallovi^am:  A'direita  vários  pinheirosde  Itália. 


byCoogIe 


53  HXVISIA   DO  l.NSTirctO  HISTÓRICO 

TOMADA   DE   LMA  CIDADE 
Tela:  altura  i"'.u:;  iiomprlniculo  i'".^ 

Assumpto  idcntico  tractado  em  maior  escala,  num  quadro 
exposto  sob  o  numero  14,  no  sahn  de  1793. 


Numa  paisagem  destacasse  um  grupo  de  moças  romanas 
acompanhadas  de  escravas.  A  um  canto  um  pastor  indica-lbes  o 
caminho.  Collccção  do  calligrapbo  Bertrand,  dispersa  no  leilão  de 
13  de  Novembro  de  1855,  no  Hotel  Drouot. 

PARTIDA  Para  uma  caçada  com  falcões 

Quadro  vendido  em  BruxcUas,  a  6  de  Novembro  de  1878,  pelo. 
pintor  E.  Tcnaerts. 

GUERREIROS  DA    MEDIA   EDADE  JOGANIK)  CARTAS 

Tela  ;  altura  0",^!  ;  ijompclrncnlu  0^,37 

Quadro  que  figurou  na  venlc  Taunay,  em  1835.  Jogam  os 
guerreiros,  inteiramente  indt^rentcs  cm  relação  á  sorte  dos  compa- 
nheiros (éridos  que,  atraz  dellee,  são  transportados  do  campo  de 
batalha  para  o  hospital. 

GUERREIRO  CARREGADO  SOBRE  CM  PA  VEZ 

Quadro  exposto  no  salon  de  1804,  sob  o  numero  44R. 

COMBOIO   DE   PRISIONEIROS    GUIADO    POR    CAVALLEIROS    MED1EVAE5 

Ap.  um  artigo  da  Revue  Universelle  des  Arls,  de  Outubro 
de  i86t. 

GUERREIROS   CONDUZINDO  PRISIONBIRUS 

Leilão  dirigido  pelo  perito  Bloche  a  17  de  Junho  de  1899. 

D,s    zP<:byCOOgle 


DOCDMEXTOa  SOBRE  A  VIDA  R  A  OBRA  DE  NICOL&r  A,  TAUNAY       53 

Tm 

Cleena»  oplentne* 


O  BAZAR 
Tela :  «llura  tf".3í ;  comprimento  o".*) 

Num  bazar  negociante!!  de  chalés,  jóias,  quadrOR,  etc,  oBêrecem 
suas  mercadorias.  O  grupo  principal  é  ctnistituido  por  um  individuo 
que  comprou  um  chalé  branco  a  dua»  mulheres,  uma  das  quaes 
eeatada  num  cesto.  Mais  I(M)ge,  um  homem  examina  com  uma  lente 
um  collar  que  uma  mulher  lhe  mostra ;  amadores  examinam  aiten- 
tamente  quadros  ;  aqui  e  acolá,  escravos  oecupadofi  em  transportar 
&rdo!i,  a  abri-los ;  no  Tundo  alguns  a  arranjar  quadros.  Atravcz  de 
uma  grande  porta  avista-se  uma  casa  rodeada  de  arvores.  Leilão 
Taunay,  1831. 

BAZAR  TURCO  ESTABELECIDO    EM   RUmAS  DA  GRÉCIA  ANTIOA 
Tela  ;  altura  iV",6s  ;  comprimrnro  o",8l 

Numerosos  mercadores  ambulantes  offèrccem  as  suas  merca- 
dorias a  uma  turba  de  compradores,  servindo  de  quadro  á  scena 
ruínas  de  cstylo  hcllenico,  perto  de  um  obelisco.  A  tela  pretende 
reproduzir  scenas  da  vida  asiática  e  tigurou  nos'  leilões  Taunay 
(1831  e  1835). 

No  primeiro  plano  um  Turco  ricamente  vestido  oferecendo 
uma  bolsa  a  um  homem  sentado  num  fardo.  Aos  diversos  perso- 
nagens rodeiam  escravos  e  negociantes.  A'  esquerda  do  quadro, 
outro  Turco,  montado  num  cavallo  baio  escuro  faz  esmola  a  uma 
mulher  que  segura  uma  creança.  Rscravos  carregam  e  arrumam 
fardos,  mascates  offerecem  mercadorias  a  mulheres ;  vâ-sc  no  meio 
da  multidão  um  grande  elephante. 

BAZAR  Tl'RCO   ESTABBLECmO  EM  RUWAS  DA  AÍTTIOA  QRKCIA 

Tela:  comprimento  if.^t  ;  altura  <i".,ij 

Reducçãp  do  quadro  precedente,  que  se  acha  mencionado  naa 
ventes  Tauoay  (1831  e  1835), 

DigtizedbyGOOgle 


54  MvnTA  DO  IN8TITDT0  KISTORtCO 

O   PAGODE 

Tela:  alturi  c/",73;  compnnienlo  o™ ,59 

Quadro  da  coUecção  Otlet  de  Bruxelks,  vendido  em  leilão 
nesta  ddade  a  30  de  Dezembro  de  1912. 

PREGAÇÃO   NOS   DESERTOS  DA  ARADIA 

Eabôçoa  óleo  que  tigurou  no  leilão  Tauoay,  em  1835. 

o  CONDtlCTOR   DE  CAMELLOS 

Madeira:  allura  iv",io;  comprimcnlu  o".h 

Um  camelieiro  guiando  um  camello  está  parado  â  porta  de 
uma  cabana.  Leilão  da  collec^o  Laloge  de  Dijon,  a  4  de  Abril  de 

1873. 

A   DESFILADA   DE   UM   EXERCITO  ORIENTAL 

Madoir.-i;  alliirii  tf", 46-,  comprimcnlo  o" ,63 

Quadro  vendido  no  Hotel  Drouot  a  3  de  Dezembro  de  igro 
por  5.600  francos.  Figurara  no  leilão  Miallet  em  1901.  No  centro, 
,  sobre  uma  eminência,  está  um  chefe,  coberto  de  turbante,  de  p6, 
accompanhado  de  pagens  e  guerreiros,  a  extender  o  braço  para  uma 
planície,  onde  desfilam  innumeravcls  tropas.  A'  direita  três  cle- 
phantes  carregados  de  guerreiros.  No  primeiro  plano  numerosas 
personagens,  cavalleiros,  soldados,  homens  de  côr  e  uma  mulher 
vestida  de  roupas  luxuosas. 


fRoeaa*  mil I tare* 

A    FOLGA    NO   ACASIPAHENTO 
Madeira:  altura  tf^.^s :  comprlmenio  o" ,07 

Quadro  pertencente  á  collec^o  imperial  da  Ermitage  em 
SSo  Petersburgo.  No  primeiro  plano,  sentado  ao  lado  de  uma 
barrica  e  tendo  um  papel  em  mãos,  está  um  soldado,  em  mangas  de 
camisa,  a  quem  um  camarada  dá  um  copo  de  vinho.  Em  torno 
vôem-sc  diversos  soldados  conversando,  um  tambor,  faxineiros  tra- 


z.cbyCOOgle 


DOCnUENTOS  SOBRG  A  VIDA  E  A  OBRA  HE  NICOLAU  A.  TAUNAV        SS 

balbar;  no  tiiodo  diversas  barracas  e  uma  grande  arvore,  tudo  isso 
ádíreita.  A'  esquerda,  no  primeiro  plano,  uma  vivandeira  ou  mulher 
de  ãoldado  a  carregar  dous  barrítetes,  um  homem  a  cavallo  bebendo 
numa  bilha.  No  plano  do  fundo,  á  díreiu,  desfilam  diversos  in- 
Êintes.  Este  quadro  foi  adquirido  pela  imperatriz  da  Rus^,  Maria 
Feodorowna,  do  ourives  da  corte  russa  Duval,  no  anno  de  1805, 
■  com  o  fito  de  com  elle  presentear  o  imperador  Alexandre  I  no  seu 
dia  onomástico. 

PAIZAGEM    E   ACAMPAMENTO 

No  primeiro  plano  vê-se  a  passagem  de  uma  bateria  de  arti- 
lheiros. No  fundo  as  barracas  de  um  acampamento.  Quadro  que 
figurou  numa  exposição  de  Fevereiro  de  1830,  no  Museu  Colbert, 
á  rua  ViTienne  em  Paris. 

VISTA   Dt    UM  ACAMPAMENTO 

Quadro  exposto  no  salon  do  anno  de  1791  sob  o  numero  754, 
e  a  indica^  de  que  se  tracta  de  uma  tela  pequena. 

EXTERIOR  DE  l'M    HOSPITAL   MILITAR 

Tda:  altura  i'",)^;  comprimemn  i'",òz:  figiuras  de  a",:a 

Este  quadro  foi  exposto  no  salon  do  anno  VI  (1798)  e  adqui- 
rido então  pelo  Estado.  No  primeiro  plano,  á  direita,  doentes  dei- 
tados na  t^rama ;  perto  de  uma  arvore  um  soldado  em  sentinella 
deante  de  uma  barraca.  No  segundo  plano,  á  esquerda,  outros 
doentes  passeiam  apoiados  em  muletas.  No  meio,  ao  pé  de  uma 
escada,  que  leva  a  um  grande  edificio  á  direita,  e  sobre  a  porta  do 
qual  está  escripto  «  Hospício  militar  »,  acha-se  parada  uma  carreta 
cheia  de  feridos.  Homens  diversos  tomam-nos  nos  braços  e  os 
transportam  para  o  interior  do  monumento.  Este  quadro  está  hoje 
BO  palácio  de  Compiègne. 

EXTERIOR  DE  UM   HOSPITAL  MILITAR 
Tela;  altura  o",fi:  comprimento  rf.à^ 

Reducção  do  quadro  do  salon  de  1798,  exposta  sob  o  numero 
449  do  s:jlon  do  anno  XII  (1804),  com  pequenas  modificações,  se- 


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■    5*  REVMTA    no  INSTITUTO  HISTÓRICO 

gundo  OB  críticos  da  épocha.  Vendido  por  3.635  frs.  no  leilão  da 
coUícção  da  Mra.  Milbank,  em  Londres,  a  7  de  Julho  de  1900. 

CUR&TIVOR  PEITOS  NUM  FERIDO  NO  INTERl(»t  RE  UH  K08PITAI. 

Tela:  alliira   o",!! ;  comprimento  1^,32 

Quadro  que  figurou  nas  v«n/etTauaay  cm  1831  e  1835.  No  pri- 
meiro plano  um  íerido  sôhre  uma  padioia,  a  quem  um  cirurgiSo, 
que  lhe  íaz  uma  ^tiigria  no  pé,  applica  uma  ligadura ;  uma  crmã  de 
caridade  ajuda  a  operação,  enquanto  um  dos  padioleiros  sustenta 
o  paciente.  No  fundo  da  sala  convalescentes  junto  ao  leito  e  perlo 
de  um  terraço  interior. 

UM  HO8PITA.L  MILITAR 

Quadro  que  pertenceu  á  collecçáo  do  marechal  Marmont, 
duque  de  Ra^isa,  dispersa  a|T«^  a  morte  da  diiqueza,  em  1859. 
Ap.  Th .  Lejcune :  Guia  âo  amador  de  quadros.  A  scena  se  passa  na 
Itália.  No  primeiro  plano,  sob  uma  grande  arvore,  vO-se  um  offieial 
superior  Tardado  de  gala,  tendo  em  torno  de  si  al<>:uns  soldados, 
cansados  ou  doentes,  uns  deitados,  outros  sentados.  O  grupo 
principal  do  quadro  é  o  que  cerca  uma  grande  carreta  puxada  por 
dous  cavallos  a  transportar  um  certo  numero  de  Teridoa.  Numa 
grande  escada  vèem-se  homens  carregando  doentes  ;  a  enfermeira 
extende  rou|)a  sobre  o  corrimão. 

ERHITàS    RAMnO    HOSPITALIDADE  A    MILITARES   PRANCEZES 

Quadro  exposto  no  -nlon  de  ifira  soh  o  numero  883  e 
reprodmtido  no  Museu  de  Landon  j  gravado  por  l.e  Nonnaod. 
Paizagem  arída  c  montuosa,  em  que  se  voem  pinheiros  e  carvalhos. 
No  fundo  grandes  cdificios,  que  parecem  os  de  uma  Cartuxa  situada 
sobre  penhascos.  No  primeiro  plano  à  esquerda  na  estrada  vèem-se 
cinco  soldadas  sentados  no  chão  c  um  cavalleiro  a  puxar  um 
cavallo.  Quatro  monges  descem  de  uma  vereda,  trazendo  viveres 
para  os  militares. 


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DOCUMENTOS  SOBRE  A  VmA  E  A  OBRA  DE  NICOLAU  A.  TATINAT       .';7 
OFFICIAL     DE   CAVALLARIA   E   SEU   ORDENANÇA 

Um  official  de  cavallaria,  montado  num  corcel  branco,  atravessa 
um  bosque,  a  conversar  com  um  hussardo  que  cavalga  a  seu  lado. 
No  fundo  pas8a  um  esquadt^  de  cavallaria. 

Rabôço  a  oleo  para  um  quadro.  Véwtó  Rondei,  1869. 

COMEtOrO   MILITAR    DE  GADO  EH  MARCHA 

Tcl.i:  altura  o", 19  ;  cnniprjmonlo  o", 11 

No  segundo  plano  destaca-se  um  grupo  imitando  o  de  Loih 
e  suas  filhas  a  tugir,  segundo  Rarael.  Catalt^o  da  vente  Taunay 
de  1835. 

COMBOIO    MILITAR    DmiGINDO-RE    PARA    A    PORTA  DE  UMA    CIDADE 
Tela:  altura  o°',6s;  comprimento  a".Bi 
Quadro  no  gosto  de   Wmivermans,  que   figurou  no  leilão 
Taunay  de  1835. . 

PARADA     DF     IIM     OOMUOIO      MILITAR 

Quadro  exposto  ao  aalon  de  i8i(i  soh  o  numero  758. 

PARADA    DE   tFM   COMBOIO   MILITAR 

Quadro  exposto  no  sahn  de  1814  sob  o  numero  86Ô. 

PARADA     DE    VOLUNTÁRIOS 

Quadro  exposto  no  saio»  de  1793  soh  o  numero  592. 

EXERCITO   MARCHANDO 

TffI.i:  nltiira 'i,"'^7 :  cumprimento  n.'".!'' 

Quadro  da  collecçâo  do  Conde  de  C. ,,,  vendido  am  laitâo 
em  Paris,  pelo  perito  RIoche,  a  12  de  Junho  de  1903. 

EXERCITO    ATRAVESSANDO    UM     OESFILADEIRO 

Quadrn  da  colleceSo  Dumond  (do  Instituto  de  França),  ven- 
dida no  Hotel  Drouot,  a  13  de  Fevereiro  de  1854. 


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58  REVISTA  DO  IHSnTUTO  HUTORICO 

MARCIIA     DE     TROPAS     IRANCEZAS 

Quadro  exposto  sob  o  numero  759,  no  salon  de  1796. 

-MARCHA   DE   TRUI'AS   NUM    DESKILADEIRO 

Cavalleiros  atravessam  um  ribeiro;  duas  mulheres  raar- 
cham-Ihe  á  frente.  No  segundo  plano  animaes  c  comboio  accom' 
panham  a  margem  do  rio;  no  fundo  do  quadro  deatacam-se 
altas  montanhas,  onde  se  vêem  algumas  fabricas.  Este  quadro  foi 
exposto  uo  saUm  de  1787. 

TltOPAS   1>ESCAN(;-AND0 
Tela;  alliirn  a",&t :  eomprimcnio  if".ai 

Militares  formando  a  cauda  de  numeroso  comboio,  cuja  van- 
guarda se  vè  no  primeiro  plano,  pararam  para  tomar  algum  repouso. 
Hm  carrega  um  cavallo  com  diversos  objectos,  outro  arranjão 
calcado,  enquanto  um  cavaltciro  escuta  o  que  uma  vivandeira  lhe 
conta.  Um  pouco  mais  longe  uma  carreta  com  feridos  juncto  à  qual 
estão  soldados  e  vivandeiras.  Dous  olficiaes  parecem  inspeccionar  a 
marcha  desses  retardatários.  No  fundo  do  quadro  se  vi  uma 
grande  c  alta  montanha.  Leilão  Taunay,  líl.v. 

TROPAS   MARCHANDO 

Quadro  pertencente  ao  sr.  Victor  A.  Taunay,  de  Pariz. 

TROPAS   DESCANÇAXDO 

Tolo:  altura  rf^t :  íomprimenm  """vl^j 

Repetição  do  penúltimo  quadro,  sob  menores  dimensões. 
Apenas  o  céu  tem  menos  nuvens.  Leilão  Taunay,  1831. 

PARADA  DE'  TROPAS  EH  JIARCHA,   A  HARQEM  DC  VM  RIBEIRO 
Tela:  «Itur»  """..H;  comprlmEnto  o'^,Ó4 

Quadro  que  figurou  na  vente  Taunay  de  1S35.  A'  margem  de 
nm  pequeno  rio  está  estacado  um  contingente  de  soldados  que  se 
desaltcram  nas  frescas  aguas  da  corrente.  Em  posição  de  destaque 
a  bandeira  do  regimento. 


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DOCUMENTOS  SOBRE  K  VIDA  E  A  OHRA  DE  NICOLAU  A.  TAUNAT        S9 
SOLDADOS   DE   iNrANTARU   DESCA\ÇANI)0   DA   -MARCHA 

Pequeno  quadro,  exposto  fóra  do  catalogo,  pouco  antes  do  fe- 
chamento do  saton  de  ii:toi,  .segundo  se  lè  num  artigo  do  Examett 
des  niivrages  du  saion  de  i8oi,  far  une  socUlé  Sartisles,  coIlecçSp 
Deloyoes,  t.  XXVI. 

o  PORTA    nSTANflARTE 

Tcl«;  almra  o",3i:  comprimem^  ií".i.\ 

Numeroso  contingente  de  in&ntaria  caminha  por  uma  ladeira 
acima  no  st^undo  piano ;  uo  primeiro  vO-se  um  grande  numero  de 
soldados  retardatários,  escoltando  uma  carreta  com  feridos  e  para~ 
dos  á  mar^m  de  um  regato,  onde  vários  se  desalteram,  um  delles 
carrega  um  crmão  darmas.  No  mesmo  logar,  entre  diversos  grupos, 
destaca-se  um  granadeiro  de  pè,  abraçando  a  bandeira  tricolor,  cuja 
altura  domina  a  scena.  O  quadro  representa  um  episodio  das  cam- 
panhas da  italia.  Vente  Taunay,  1H31. 

CAVALLBIROS     DESCANÇANDO 

Pequeno  quadro  que  liiíurou  no  leilão  Marlin,  a  4  de  abril  de 
ifigs  no  Hotel  Drouot. 

COMBATE    DE   HUSSARDas 

Leilão  de  aq  de  março  de  1861  pelo  perito  Laneuville.  O 
quadro  é  attribuido  a  Taunay. 

UM  COMnATE 

Tein;  alturn  o^iifl;  comprimento  o",;o 

Quadro  assignado,  que  pertenceu  á  coIlecçSo  do  rei  Ltiis 
Philippe  e  foi  vendido  no  leilão  Dumesnil  em  Pariz  a  10  de  Maio 
de  1900  por  1.780  francos, 

SUCCESSOS  COMTRADICTOniOS    ACONTECIDOS   APÓS  UMA   DATALHA 

Quadro  exposto  no  salon  de  i7f/'>  sob  o  numero  452.  Oa 
planos  do  fundo  são  occupados  por  tropas  que  combatem  ainda. 


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6o  nevisTA  do  ihbtituto  histórico 

No  primeiro  vêem-f^  guerreiros  a  despojar  cadáveres,  a  amon- 
toa-toa  e  outros  a  transportar  feridos.  (V.  Décadaire,  saion 
de  1796). 

o  DIA  SEGUINTE    AO  DE  UMA  BATALQ* 

Tela;  altura  o™ ,31 ;   comprimem 00" ,40 

Ap.  Quatremère  de  Quiacy :  Elogio  fúnebre  de  Taunay. 
Yécm-se  soldados  de  pé,  sentados  e  deitados  na  relva,  alguns  a 
jogar  cartas.  A'  direita,  perto  de  uma  barraca  improvisada,  uma 
mulher  carregando  viveres ;  do  outro  lado,  juncto  a  um  massiço 
de  arvores  verdes,  soldados  a  carrear  feridos,  fardos  e  um  carro 
puxado  por  vários  cavallos.  Mais  longe,  atravez  do  bosque,  um 
batalhão  de  infantaria  a  marchar  escoltado  de  oRiciaes.  Venie 
Taunay,  1831. 

A   CARRFTA    DOS  FERIDOS 

Quadro  pertencente  ít  íjaleria  do  barão  Pérignon,  dispersa 
no  Hotel  Drouot  a  i(>  de  Novembro  de  iftgf). 

RETIRADA   DOS   FERIDOS    APÓS   A  BATALHA 

Quadro  exposto  no  salon  de  179.-^,  sob  o  numero  ,566. 

SOLDADO   MORTO   XO   CAMPO   DE  IIONBA 

Quadro  vendido  pelo  perito  Fabre,  em  leil5o  de  17  de  Março 
de  1873. 

os  PRANCEZES 

Scena  militar  mencionada  no  DiccUmario  dos  Pintores,  de 
Tbeodoro  Guedy.  como  tendo  figurado  num  leilão  de  quadros  em 


DE  ARTILHARIA    ENTRANDO  XUMA   PRAÇA   FORTE 
■  Tel«:  :iUuta  n",?"  :    comprimento  i-"//- 

Quadro  vendido  no  Hotel  Drouot,  a  14  de  Dezembro  de  1908, 
na  vente  J.  L-  pela  somma  de  1 .760  frs.  Perito  Feral. 


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DOCUMENTOS  SOBRE  A  VIDA  E  A  OBRA  Dt  NICOLAU  A.  TADKAY        6l 
COMPANHIA   Dt   ARTILHEIROS 

No  (>riniciro  plano  de  uma  paiiagem  vti-sc  passar  uma  com- 
panhia de  um  ri^imento  de  artilbafia.  No  fundo  do  quadro  um 
acampamento.  Tela  que  ligurou  numa  exposi^o  do  Museu  Colbert, 
cm  Fevereiro  de  1830. 


UENÇAO  DOS   REBANHOS   EM    ROMA 

Quadro  exposto  sob  o  a.  209  no  saUm  do  anno  de  1787. 
Ura  religioso  abençoa,  sob  uma  arvore  em  cujo  tronco  se  vi  uma 
Madona,  os  rebanhos  guiados  por  uns  pastores. 

Vários  moi^^  com  cirios  acoesos  cercam-no. 

Vè-ae  uma  mulher  de  pé  oflêrecendo  um  cordeiro  c  zagaes 
ajoelhados.  Fabricas,  um  rio  com  uma  grande  ponte  de  pedra, 
montanhas  longínquas  occupam  o  resto  do  quadro.  Entre  os  pas- 
tores  acham-se  mulheres;  o  religioso  6  um  monge  branco.  Este 
quadro  pertenceu  à  cotleci;áo  do  Marechal  Marmont,  duque  de  Ra- 
gusa,  dispersa  a  14  de  Dezembro  de  1857  após  a  morte  de  sua 
viuva. 

U.HA  PRAÇA  PUBLICA  NU.MA  CIDADE  ITALIANA 

Numa  pra»;a  cercada  de  ediiicios  de  catylo  iulíano  rcaliza-se 
animada  feira.  Quadro  da  coUecção  do  calligrapho  Bcrtrand  dis- 
persa no  Hotel  Drouot  cm  leilão  de  13  do  Novembro  de  1855. 

o  JOGO  DL   itOLAS 


Quadro  pertencente  ao  museu  Fabre  de  Montpelller.  Quatorze 
figuras  priocipaes  no  plano  df)s  que  jogam  o  giuocco  Ji  bucci ;  no 
fundo  uma  cidade  italiana,  onde  se  vé  uma  ponte  sobre  um  rio. 

A  direita  arcadas  e  construcçõcs. 


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6^  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

LEILÃO  DE   QUADROS   AO  AR   LlVRt 
'l'ola ;  aliura  o"'.)a ;  copiprinicntij  V.fi 

Quadro  exposto  no  salon  de  1796  sob  o  auiuero  452  com 
quatro  outros  do  mesmo  auctor. 

Scena  italiana  :  um  leiloeiro  ttepado  num  estrado  susteauido 
por  barricas,  cm  frente  á  porta  de  uma  casa,  grita  com  todas  as 
forças  as  qualidades  do  quadro  que  mostra  ao  público.  A  seus  pés 
um  escrivão  regista  os  lances ;  os  amadores  sentados  em  cadeiras 
trocam  impressões  e  olhares  para  as  bellas,  que  o  pregão  pro* 
mettedor  de  obras  primas  attrahe. 

{V".  o  artigo  de  Philippe  Burty  na  Gíi\eUe  des  Bcaux 
Arls,  1^59  (tomo  II,  pag.  307.) 

MISSA    CELEBRADA   NUMA   CAPELLA   DE   SÃO  ROQUE  PARA  OUTER   DO 
CtU  A  CESSAÇÃO   DK     UMA    LPIDtMIA 

Tela:  aliiira  ['"jo:  comprinicnlo  i™,95:  ligiiras  -i",  1$ 

Este  quadro  pertenceu  à  collecção  de  Luiz  XVIII.  Foi  ex- 
posto  no  salon  de  1814  e  adquirido  pelo  Estado  por  3.400  francos. 
Pertenceu  ao  Museu  do  Louvre  e  hoje  faz  parte  do  de  Oouai. 

A'  esquerda  duma  pequena  apella,  em  cujo  frontespicio  se  lé 
S.  Rocco,  celcbra-ae  uma  missa.  O  padre,  de  braços  abertos,  vol- 
ta-se  paia  a  assistência  composta  de  campouios  de  pc  e  ajoelhados. 
Doentes,  um  cm  macca  outro  deitado  na  relva,  frades  a  rezar  em  bre- 
viários, crmãos  de  uma  confraria  com  o  seu  estandarte,  etc.  A'  ex- 
trema esquerda,  sob  uma  arvore,  uma  mulher  a  cozinhar  c  um 
aldeáo  ao  lado  de  um  burro.  No  fundo  do  quadro  os  ediHcios  de 
uma  cidade.  A'  direita  um  burro  a  espojar-sc  na  relva,  um  caval- 
leiro  que  acode  ao  local  e  um  camponio  que  se  afasta  levando  um 
cacete  ao  hombro. 

MISSA  CELEURADA  NUMA  CAPELLA  DE  SÃO  ROyUE  PARA  OUTER  DO  CEU 
A  CESSAÇÃO  DE  UMA  EPIDEMIA 

Tela:  altura  O'" ,074-,    comprímcnio  i'",05j 

O  mesmo  assumpto  que  o  precedente,  que  c  a  rcproduoção  cm 
ponto  maior  deste  quadro,  expostosobo  n.  !83nOíjíonde  1789. 
Diz  o  catalogo  que  a  tela  era  propriedade  do  sr.  Souris. 


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DOCUMENTOS  SOBHIi  A   VILA  L  A  OBRA   DE  MCOLAU  A.  TAUNAY        63 


Uma  praij-a  de  aldeia,  onde  se  vi  um  edilicio  bastante  grande 
cm  Irenie  a  uma  egreja.  No  fundo  do  quadro  uma  paizafjem. 
A'  porta  da  egreja  um  cruzeiro  tosco  de  madeira ;  um  missionário 
ajoelhado  prega  junto  â  cruz  a  numeroso  auditório  de  camponios. 
Quadro  vendido  cm  Pariz  num  leilão  pelo  perito  Hue  a  12  de 
Novembro  de  1832. 

DIBTRmUIÇÃO  UE  ESUOLAS  FEITA  POR  MiAGES  NA    ESCADARIA    DE  UM 
GRANDE  edifício  PERTO  DO  CONVENTO  DE  SÃO  JOÃO  DE  LATRÃO 


Leilão  Taunay,  ilfji.  Tela  de  pequenas  dimensões. 

DISTRIBUIÇÃO  DE  ESMOLAS  PEITA  POR  MONGES 
Tela:  alUira  o'",ji;  comprimuiiio  o"',  |0 

Quadro  comprado  em  1784  pelo  joalheiro  Langraff  ao  perito 
Paillet  pela  somma  de  800  fraa.  Ap.  Charles  Blanc,  bic^raphia  de 
Taunay. 

DISTRIBUIÇÃO   DE   ESMOLAS   POR   CARTUXOS 

Madeira:  altura  o"', 54;  comrrimciilo  o"',Oii 

Ap.  uma  gravura  de  Leprince.  A  scena  se  passa  na  Itália. 

No  primeiro  plano,  á  esquerda,  uma  galeria  que  dá  s<ibrc  uma 
escadaria.  Sobre  esta  se  acha  uma  multidão  de  mendigos,  makra- 
pidos,  semi-nús,  que  de  diversos  monges  recebem  esmolas  de  viveres 
e  roupas.  -Uma  mulher  levando  pela  mão  uma  criança  dirígc-sc 
para  o  grupo.  No  primeiro  degrau  um  mendigo  sentado  devora  um 
prato  de  sopa,  tendo  ao  lado  um  cachorrinho,  que  lhe  pede  sustento. 
No  primeiro  plano,  á  direita,  vâem-se  dous  velhos  miseráveis  e  rotos, 
que  se  apressam  em  caminhar  para  o  grupo  principal,  s^uidos  de 
um  cão.  No  fundo,  k  direita,  editicios  importantes.  Uma  columna 
supportando  uma  estatua. 

DISTRIIJCIÇÁO  DE  ESMOLAS  POR  FRADES  CARTUXOS 

Estudo  a  óleo  para  o  quadro  acima.  Vente  Rondei,  1869. 

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REVISTA  DO  ifCMTlTDTO  lIlSTOftlCO 


DISTRIBUIÇÃO   DE    ESMOLAsi    A    PORTA    DE    DM    MOSTEIRO    1 
TORRE  DE  NERO 


Assumpto  aaalogo  ao  da  distribuição  de  esmolas  pelos  Car- 
tuxos. Perto  da  torre  de  Nero,  no  pateo  de  um  claustro  e  sob  as 
suas  galerias,  frades  distribuem  víveres  a  diversos  meodjgos.  Entre 
outras  cousas  nota-sc  um  donato  soccorrcndo  uma  tamília  infeliz  c 
um  moço  que  recommcnda  paciência  a  dous  homens,  que  parecem 
acabrunhados  pela  fome  e  pela  fadiga.  Venles  Taunay  ( 1833}  e 
Rondei. 

WSTRIflUlÇXo    DE    ESMOLAS   k    fORTA    DL    UM    MOSTEIRO    PERTO   DA 
TORRE    DE    NERO 

Esboço  do  quadro  adma  mencionado  com  o  mesmo  titulo. 
Kente  Taunay,  1831. 

A    SALTARtLLA 

Ida:  aiiura  a-/»  :  i:ompiidienlo  •vfii 

Exposição  posthuma  no  salon  de  1851  sob  o  numero  I974> 
Um  Napolitano  e  sua  joven  companheira  executam  uma  dansa  cha- 
racteristica  Ã  vista  de  numerosa  assembléa  de  camponezes.  Entre 
os  curiosos  dcstaca-se  um  musico  trepado  sobre  taboas,  mulheres 
sentadas  e  dístrahidas  na  conversa,  um  cavalleiro  envolto  num 
manto ;  do  outro  lado  camponesas,  uma  das  quacs  montada  em 
um  cavallo  branco  perto  de  rapazes  sentados,  de  |x:  ou  deitados  na 
relva  Toneis  e  outros  objectos  trazidos  para  baixo  de  uma  barraca 
construída  ás  pressas,  annunciam  que  a  dansa  será  seguida  de 
banquete.  Coroa  o  quadro  um  bosque  de  arvores  altas ;  a  com- 
posição destaca-se  sòbrc  um  fundo  ornado  de  fábricas  c  terminado 
por  montanhas. 

A    TARANTELLA 

Numa  bclla  paizagcm  um  tocador  de  rabeca  c  um  guitarrista 
fazem  dansar  camponezes  napoUtaaos.  Além  dos  {nttorescòe  per- 


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DOCUMENTOS  SOBRE  A  VIDA  E  A  OBRA   DE  NICOLAU  A.  TAONAT        65 

sonageas  que  os  rodeiam,  ainda  se  vêem,  do  segundo  plano  do 
quadro,  muitos  outros  grupos  que  retratam  uma  serie  de  epi- 
sódios tnteressaales.  Ap.  catalago  da  vente  Ronde),  1869. 

FANDANGO   NAPOLITANO 
Tela:  altura  tf" ,3»;  comprimento  o", 4) 

Quadro  que  figurou  na  vente  Taunay  em  1835. 

No  primeiro  pl^no  dous  parea  de  dansarinos  bailam.  A'  direita 
assistem  Â  dausa  nove  pessoas  sentadas  no  chão,  das  quaes  uns  gui- 
tarristas e  um  camponio  depé:  á  esquerda  um  grupo  de  oito 
pessoas,  das  quaes  um  guitarrista  e  um  rabequista.  Completam  a 
assembléa  no  fundo  um  individuo,  que  levanta  no  ar  uma  mulher, 
outro  a  tocar  pandeiro,  uma  mulher  a  dansar  e  um  individuo  a 
chamar  alguém.  No  ultimo  plano  arvores,  um  almocreve  a  tocar 
um  burro,  uma  egreja  muito  alta  e  outros  edificios.  Gravado  pelo 
aguafortisla  Réveil  para  o  seu  Museu  de  Pintura  e  de  Esculptura 
(Pariz,  1873}. 

FESTA  NAPOLITANA 
Tela:  altura  0^,34 :  compTÍnenta  o"  ,4a 

Asmgnado  á  direita  e  datado:  1834.  E^te  quadro  pertenceu  á 
collecçâo  do  barão  Mourre  e  hoje  faz  parte  da  galeria  do  dr.  Rai- 
mundo de  Castro  Maia  (1915).  No  fundo,  altos  edificios,  uma  egreja; 
no  segundo  plano,  ã  direita,  um  bosque  de  arvores  esgalhadas  e 
copa  frondosa.  No  primeiro  plano  numerosa  reunião  de  camponezes 
rodeia  um  casal,  que  dansa  a  tarantella.  A' direita  uma  barraca, 
juncto  à  qual  está  um  homem  a  cavalto  e  uma  mulher  sentada  em 
outro  cavallo.  A'  esquerda  um  grupo  de  individues  sentados  ao 
lado  de  outro  grupo,  no  centro,  de  homens  de  pé. 

o  ENTOADOR  DE  CÂNTICOS 

Tela:  atiura  o",3i;  comprimento  iV",^ 

Trepado  num  estrado  está  um  cantor  italiano  a  entoar  hymnos 

religiosos  e  rodeado  de  numeroso  auditório,  a  quem  indica  com  o 

arco  da  rabeca  a  imagem  do  sancto,  cujos  louvores  celebra.  No 

D,r„cb,L.oo<^le 


66  REVISTA  DO  WeiITUTO  BISTOtllCO 

fun^  do  quadro  Tèem-aã  em  tórno  de  uma  mesa  diversos  individiioa 
parecendo  tidícularizar  o  myatícismo  do  cantor.  No  auditório  do- 
tam-se  honicns  s  mult^eiea  em  diveraaa  attitudes,  e  um  íaziarme 
a  cavallo,  benzendo-se.  No  primeiro  plano  uma  mulher  vestida  de 
brauco  afasta-se  do  grupo  cantando  num  livro,  que  acaba  de  comprar. 
Fábricas  ao  fundo.  Vonks  Taunay  de  1831  e  1835. 

o  ENTOADOR  DE   CÂNTICOS 

Primeiras  ideas  do  quadro,  que  tem  o  mesmo  titulo,  acima 
descripto.  Vçntç  Taunay,  1831. 

3CENA    ITALIANA 
Tela;  altura  o",Í4  ;  comprímcnlo  o^.Oo 

Um  grupo  de  raparigas  camponezas  volta  da  lavoura ;  á  di- 
reita numa  ponte  conversara  uma  mulher  montada  numa  mula 
er  um  mendigo,  à  esquerda  um  camponez  guarda  um  rebanho 
á  sombra.  Vaccas  estão  a  beber  numa  poça.  Assignado  à  directa 
e  em  baixo.  Leilão  da  collecção  Wattel  Bayart,  Roubaix,  17  de 
Dezembro  de  igo6. 

A   RAJADA 
Tcli:  nliura  o™,3i ;  íomprimcnio  tf°,íO 

Numa  estrada,  nas  vizinhanças  da  porta  de  uma  cidade  da 
Itália,  cujos  edi£ctos  occupam  todo  o  fiindo  do  quadro,  está  uma 
ponte  collocada  ao  pc  de  uma  grande  arvore  e  illuminada  pela  luz 
que  atravessa  espessaã  moitas.  Mulheres  allí  viim  buscar  agua, 
uma  delias  já  encheu  dous  vasos  o  vai  voltar.  Perto  um  via- 
jante e  uma  aldeã,  otoatada  a  cavallo,  dirigem-se  para  a  cidade. 
No  segundo  plano  vã-se  um  grande  rebanho.  As  nuvens,  o  movH 
mento  das  arvores,  as  roupas  agitadas  dos  personagens  mostram 
que  ha  vento.  Ken/e  Taunay,  1831. 

os  MENDIGOS   ROMANOS 

Quadro  que  tígurou  no  leiL^to  de  19  de  Novembro  de  1875  no 
Hotel  Droupt. 


D,gt,zedbyGOO<^le 


DOCnHENTOS  SOBRE  \  VIDA  E  A  OBRA  DE  NICOLAU  A.  TAUNAT      6? 


LAVADEIRAS   ITALIANAS 
Tela:  «llura  o" .33 ;  comprimento  0"J5 

Perto  de  grandes  arvores  e  moitas  espessas  diversas  mulheres, 
vestidas  com  os  trajes  das  camponias  italianas,  lavam  roupa  nas 
aguas  de  um  riacho  encoberto  por  íblbagens ;  uma  delias  chega 
carregando  um  fardo  na  cabeça.  Outra  mulher  sustenta  uma 
criança,  que  está  montada  na  anca  de  uma  vacca.  Outra  vacca  e  um 
cão  negro  completam  o  grupo. 

LAVADEIRAS  A   BEIRA    d'aGUA 

Tela ;  allura  o'",^ ;  comprtaeolo  0"^ 

No  fundo  v<^cm-se  edificios,  cujo  eslylo  revela  a  architcctura 
italiana.  Leilão  da  collecção  Jules  Burat  a  sS  de  Abril  de  iSGg. 

CAMPONEZAS   ITALIANAS  A  LAVAR  ROUPA  NUM   AÇUDE 

Tela:  altura  tf^^Si;  comprinesto  <p,4d 
Vtott-se  Tarias  lavadetras  occapadas  a  lavar  ronpa  &  margem 
de  um  pequeno  açude.  Na  vizinhança  pastam  muitos  anlmaes. 
Vettle  Taunay  de  1831; 

UOÇAS    ROUANAS  A    FONTE 

Em  tõnio  de  uma  fonte,  em  logar  umbroso,  algumas  jovens 
romanu  brincam.  No  fundo  os  edificios  de  uma  cidade  antiga. 
Collecção  do  calligrafriío  Bertrand,  vendida  no  HoCel  Drouot  a  16 
de  Novembro  de  1855. 

MULHERES   ROMANAS    A   MARGEM   DE   UM   RIO 

Quadro  da  collecção  do  calligrapho  académico  Bertrand,  ven- 
dido era  leilão  do  Hotel  Drouot  a  16  de  Novembro  de  1855. 

A  VOLTA  DO  MERCADO 
Tela  r  altura  d",64  :  comprimento  o^.S: 
Ap.  Quatremère  de  Quincy :  Elogio  fúnebre  ih  Tatinay. 
Qoitro  mulheres  moças,  trajadas  á  itaUana,  voltam  do  mercado,  a 

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68  REVISTA  DO  INSTITUTO  mSTORlCO 

conversar.  Três  carregam  diversos  objectos,  a  quarta  apenas  uma 
bolsa  e  parece  motejar  das  companheiras.  Mais  longe  uma  mulher 
montada  num  burro  atravessa  uma  ponte  a  conversar  com  um 
camponío ;  do  lado  opposto  vaccas  guiadas  por  um  pastor  atra- 
vessando  um  valle.  Planície  fértil  e  de  aspecto  ameno.  Vente 
Taunay.  1831. 

A  VOLTA  DO  MERCADO 

Tela :  allura  0^,14 ;  comprimento  o'°,3i 

O  mesmo  assumpto  do  ante-penukimo  quadro  com  uma  ligeira 
modifica^  na  paizagem:  a  ausência  de  um  grupo  de  arvores. 

VINDIHADORES   ITALIANOS  DESCANÇANDO 

Tela ;  altura  o",}i :  comprimento  <y",4'> 

Quadro  que  figurou  na  Venle  Taunay  em  1835  e  representa 
uma  scena  de  outomno. 

A   VINDIMA 

Vindimadores  trabalham  enquanto  outros  descansam.  Scena 
crepuscular.  Quadro  que  figurou  na  vente  Taunay  de  1831. 

o  EXTERIOR  DE  UMA  HERDADE  NA  ITÁLIA 
Madeira:  altura  o'°.ia;  comprimento  0^,49 
Num  grande  pateo  vS-se  um  rebanho  de  vaccas,  cabras  e  car- 
neiros, guiado  por  uma  mocinha  acavallo  que  se  dirige  em  compa- 
nhia de  dous  camponezes  cm  direcção  a  um  poço  circundado  por 
grande  carvalho,  perto  do  qual  um  burro  se  espoja.  Por  traz  doa 
muros  do  pateo  avistam-se  os  monumentos  e  a  porta  de  uma  cidade. 
Lulão  da  collecçâo  Vigneron,  a  3  de  Março  de  1838. 
A  saÍda  dos  rebanhos 

Madeira;  altura  o'",»;  comprimento  o", 30 

Num  logar  montanhoso,  onde  se  notam  edíGcios  de  arcbitcctura 
italiana,  uma  mulher  montada  num  burro  e  um  pastor  envolto  no 
seu  manto  tangem  um  rebanho  de  vaccas  e  carneiros.  A' esquerda, 
no  segundo  plano,  uma  vereda  onde  caminha  uma  rapariga  carre- 
gando uma  cesta.  O  sol  surgindo  no  horizonte  íllumina  o  campo ; 


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DOCDMENTOS  SOBRE  A.  V1D\  E  A  OBRA  DG  NICOLAU  A.  TAUNAT       69. 

as  arvores  e  as  casas  projectam  sombras  á  esquerda.  Leilão  da  col- 
lecção  Jules  Burat  a  38  de  Abril  de  18Õ9.  Foi  este  quadro  então 
vendido  por  3.100  francos. 

A   VOLTA   DOS  REBANHOS 
Tela:  allura  ly^j ;  comprimento  o'°,4a 

A  porteira  da  herdade  está  escancarada ;  os  pastores  entram 
tocando  seu&  rebanhos ;  no  primeiro  plano  um  burro  espoja-se  no 
solo,  levantando  poeira  e  perto  de  um  cáo  qae  late ;  á  direita  uma 
grande  arvore  e  um  poço,  onde  um  creado  tira  agua.  Quadro  de 
tom  alourado  e  ílluminado  pela  luz  do  Poente.  Pertenceu  â  collecção 
Jules  Burat  e  foi  vendido  a  28  de  Abril  de  1889,  por  3.100  francos. 

CAMPONIOS     DOS    ARREDORES     DE     GÉNOVA     TIRANDO     AGUA 
NUMA  FONTE 

Tela:  allurao".3);  comprimento  o",4o 

Mulheres  rodeando  uma  fonte  situada  a  pouca  distancia  da 
estrada.  Ap.  Le  Trésor  de  la  curiosité,  dfi  Ch.  Blanc. 


ilcona*  felrae*  o  aldeB« 

DANSA    DE  CAMP0NEZE8 

Tela:  o",5SSXo".«5  (Oval) 
Quadro  pertencente  â  collecção  imperial  da  Ermitage  em  SSo 
Petersburgo.  No  fundo  ruinas,  um  rio  atravessado  por  uma  ponte 
em  arcada,  â  direita ;  um  bosque  de  grandes  arvores  ã  esquerda  ; 
00  ultimo  plano  uma  montanha  nevada.  No  primeiro  plano  dis- 
tingue-se  um  individuo  debruçado  sobre  um  banco,  tendo  ao  lado 
am  musico  que,  de  pé  sobre  um  barril,  toca  para  que  dous  campo- 
nezes  e  três  camponezas  dansem  em  roda.  Á  esquerda,  no  se- 
gondo  plano,  uma  carroça  puxada  por  dous  bois.  No  primeiro, 
k  direita  conversam  dous  namorados  sentados  no  chSo.  Adqui- 
rido, em  1903,  por  500  rublos  (2.000  francos)  pela  direcção  dos 
Museus  Imperiaes  Russos  ao  sr.  A.  Bouniascowsky.  Assignado. 


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HETI9TA  DO  INSTITUTO  OBTOIUCO 


Mndeirs:  lUura  iy",i85:  comprimento 0^,17 

Uma  praça  pública,  em  que  á  direita  e  ã  esquerda  se  vêem 
lojas,  n^ociaates  e  compradores ;  casas  diversas  e  algumas  arvores 
no  fiindo  do  quadro.  No  primeiro  plano  uma  multidão  versicolor 
cheia  de  alaria.  Leilão  da  colle^  F.  Bohler  a  23  de  Fevereiro 
de  1906. 

FESTA  n' ALDEIA 

Madeira;  altura  o^.i^j;  comprimento o",Sí 

Quadro  da  collecçfio  Decourcelle,  vendido  em  leilão  a  39  dâ 
Maio  de  191 1  por  6.500  francos. 

DANSARINOS  IU8PANHÓE8 

Tola;  altura  ff°,3i ;  comprimento  o",<> 

Um  homem  está  a  locar  castanliolas  e  uma  mulher  rufa  um 
pandeiro ;  dansam  rodeados  de  numerosa  assembléa.  No  Tundo  do 
quadro  as  muralhas  elevadas  de  um  mosteiro.  Leilão  da  galeria 
Tancé  em  Lille  a  ia  de  Dezembro  de  1881. 

nAILG   CAMPESTRE 
Tela:  Bliura  o"ji ;  comprimento  o™, 40 

Cerca  de  trinta  camponios  italianos  bailam  ao  som  da  musica 
de  uma  orchestra  rústica.  No  fundo  do  quadro  um  mosteiro. 
Leilão  da  coUecçâo  Qasquet  a  9  de  Março  de  1888. 

FESTA  DE  ALDEIA 
Madeira  :  altura  o'',ii;  comprimento  a™,ii 

CampODCzes  estão  a  divertir-se ;  uns  jogando  bolas  e  outros 
cartas  deaute  de  uma  grande  columoata,  atravez  da  qual  se  v£  a 
praça  de  uma  cidade  da  Itália.  Quadro  pertencente  ao  mueeu  Fabre 
de  MootpeDsier,  a  que  foi  legado  pelo  ar.  Valedeau. 


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»     V  i 

9  11 


li- 
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DOCUMENTOS  SOBRE  A  VIDA  E  A  OBRA  DE  NlCOLAt  A.  TAtTNAT       ?! 
A  ROSlfcRE 

Festa  aideS.  Grupo  de  dansarinas  e  de  bebedores  occupam  os 
primeiros  planos ;  no  fundo  do  quadro  montanhas  cobertas  de  ar- 
vores. Quadro  exposto  em  1787,  sob  o  numero  ^10  do  catalogo,  e 
pertencente  então  ao  marechal  de  Noailles. 

pRocissAo 
Qoadro  exposto  no  salon  de  1812  aob  o  numero  883. 

INTERIOR  DE  TABERNA 


Quadro,  a  que  se  refere  o  artigo  de  W.  Burger,  na  Gazelle  des 
Beaux  Aris,  eôbre  uma  eiposiçâo  de  quadros  da  Escbola  Franceza 
no  B.dos  Italianos,  (tomo  VIII,  pag.  360,  anno  de  i86o}i  artigo  que 
é  accompanhado  por  uma  reproducção  da  tela,  desenhada  por  Ed- 
mond  Hédouin  e  gravada  por  SotaiUi  Trez  camponios  prcparam-se 
para  jogar  cartas.  Á  esquerda,  no  fuudoí  uma  chaminé,  deante  da 
qual  conTeraam  trez  outros  peraonagena. 

BODAS  DE  ALDEIA 

Ap,  a  celebre  estampa  de  Carlos  Melchior  Descourtis  (1753- 
lôao)  pertencente  á  serie  da  Rixa,  do  Tamboriletro  e  da  Feira  de 
Aldeia,  reproduzida  numa  grande  quantidade  de  edições.  Os 
noivos  dansam  uma  í^arabanda  em  frente  a  um  grande  circulo  de  ' 
convidados,  muitos  dos  quaes  se  acham  sob  uma  tenda,  seatadosa 
uma  mesa.  Um  tambor  e  um  tocadot-  de  cornamusa  formam  a 
musica  do  bailado.  No  primeiro  plano  uma  mulher  sentada  com  uma 
criança  ao  collo  e  dous  meninos  que  brigam  por  causa  de  um  do. 

AS   LIGAS  DA   NOIVA 

Quadro  ekposto  no  salon  de  1808  sobo  numero  571,  e  na  opi- 
nião do  critico  do  Journal  de  VEmpire  legitimo  primor.  Repre- 
aenta  um  basquete  de  casamento  ao  ar  livre  sob  um  pannosostido 
por  galhos  de  arvores.  Os  noivos  dao  o  agnal  da  retirada ;  nesse 


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73  BEVI8T4  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Ínterim  um  dos  convidados  atira-se  às  pernas  da  noira  para  lhe 
desatar  as  ligas  no  meio  de  grandes  gargalhadas  e  de  palmas  da 
assistência.  O  noivo  carrancudo  puxa  pelo  braço  da  mullier,  en- 
quanto o  cura  finge  assoar-se  para  não  ver  a  scena.  No  ultimo 
plano  uma  mulher  sentada  com  uma  criança  ao  collo,  um  rapaz 
deitado  no  chão,  outro  sentado  em  feixes  de  capim  e  applaudindo. 
Ap.  Journal  de  FEmpire;  salon  de  1808. 

A  NOIVA   DA   ALDEIA 
Madeira:  altura    (V",ii ;  comprimento  0^,17 

Enquanto  numerosos  aldeões  dansam  sob  uma  tenda  armada 
em  frente  a  uma  casa  rústica,  vé-se  no  primeiro  plano  o  noivo,  que 
traz  uma  rosa  na  mão,  deixar  o  baiie,  accompanhando-o  a  noiva.  Um 
camponío  a  tocar  rabeca  e  outro  a  tocar  flauta  fazem  dansar  a  assis- 
tência. Leilão  de  aa  de  Fevereiro  de  1872  no  Hotel  Drouot. 

NOIVOS  DE   ALDEIA 

Quadro  oatr'orapertencenteá  galeria  imperial  de  São  Chri»- 
tovam,    segundo  Dussieux :  Les  arlistes  français  à  rétranger. 

PRESENTES  DE   NÚPCIAS 

Quadro  exposto  no  salon  de  1806.  Os  convivas  de  uma  boda, 
depois  de  terem  feito  os  seus  presentes  aos  noivos,  recon- 
duzem-nos  para  a  casa  ao  som  de  uma  guitarra,  de  um  tambor  e 
de  um  pifano,  carregando  objectos  &miliares. 

nODAS  NO   CAMPO 

Um  rapazito  furta  a  liga  da  noiva  ;  o  cura  presente  á  festa 
finge  não  v£r  a  ac^o  maliciosa  do  rapaz,  assoaudo-se.  Ap.  Charles 
Blanc :  Bio^aphia  de  Taunay. 

o  DIA  SEGUINTE   AO   DE   UMAS   BODAS  DE   ALDEIA 

Quadro  exposto  no  salon  de  1814  sob  o  numero  869,  Os  con- 
vidados accompanham  os  recem-casados  ã  nova  casa,  carregando 
os  presentes. 


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DOOIUENTOS  SOBRE  A  VIDA  E  A  ODRA  DE  ttlCOLAtJ  A.  TADHAY        75 
FEIRA  DB  ALDEIA 

Ap.  a  celebre  estampa  de  Descourlis  da  serie  da  J!i:>a,  do  Tam- 
borileiro  e  da  Boda  de  Aldeia.  No  primeiro  plano,  ã  direita,  mo- 
desto estrado  ao  lado  de  uma  barraca  e  de  dou3  troncos  de  arrores. 
Nelle  estão  um  palhaço  e  um  pierrol  a  embasbacar  uma  roda  de  al- 
deões, homens  e  mulheres,  na  qual  se  acha  também  uma  mulher 
vestida  elegantemente,  decotada  e  penteada  com  apuro,  attrahida 
ao  local  pela  curiosidade,  ou  talvez  comparsa  dos  saltimbancos, 
pois  parece  s^urar  pela  mão  um  menino  vestido  de  palhaço. 

Em  frente  ao  estrado,  e  de  costas,  vâ-se  um  tamborzmho  a 
rufar  o  aeu  instrumento.  A'  direita  e  no  fundo  barracas  de  feira  ro- 
deadas de  gente.  Passam  uma  velha  levando  um  menino  e  dous 
frades  que  olham  curiosamente  para  os  palhaços.  No  primeiro 
plano  dous  cães  rosnam  um  para  o  outro. 

UMA   FEIRA 

Tcln:  altura  o",S4  ;  comprimento  o°>,67 
Quadro  exposto  conjunctamente  com  outro,  sob  o  numero 
188,  no  salon  de  1789. 

UMA   FEIRA 

Quadro  exposto,  sob  o  numero  885,  no  salon  de  i8i3. 

o  ARRANCADOR  DE  DENTES 
Madeira:  altura  o^,S! ;  comprimento  o",i7 

Ap.  Charles  Blanc :  Bic^raphía  de  Taunay  na  sua  Vida  dos 
pintores  de  todas  as  escholas. 

Um  arraucador  de  deistes  ambulante  está  sobre  um  palco 
em  frente  a  uma  multidão,  teado  ao  lado  o  ajudante  vestido  como 
Scapin. 

Este  quadro  e  o  aeu  pendanl :  Bailarinos  num  palco  foram 
vendidos  em  1813  no  salon  de  Charies  Godefroy  por  760  francos 
e  em  1834,  na  dispersão  da  collecção  do  Êimoso  banqueiro  Jacques 
Laffitte,  cada  qual  por  a.500  francos. 


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74  HBTBTA  BO  IKÍirTOTO  miTOnK» 

chablatXo  arrancando  um  dente 

Quadro  expoeto,  sob  o  numero  451,  no  salon  de  1804.  O  pa- 
ciente faz  horríveis  caretas  de  dór.  (V.  Journal  des  Dobais,  salon 
de  1804.) 

o  TIIEATRO  DE  LA   FOLIE 

Tela  :  allura  o'" ,64  ;  comprimento  o^.Si 

Numa  praça  publica  e  à  sombra  de  uma  grande  arrcH^ 
aúha-ee  nm  ttieatro  improvisado,  deante  do  qual  La  Folie,  montado 
num  estrado,  encara  os  espectadores  e,  sorriodo,  eBcrcve  a  vida  dos 
homens  illustres  dictada  por  Arlequino.  O  eccptro  do  jogral  col- 
locado  Bòbre  o  globo  terrestre  indica  que  a  tolice  preside  a  todas  as  » 
acções  humanas  ■.  Num  dos  lados  do  theatro  lè-ee  :  «  Halogar  para 
todos  n.  Na  3ssislenci'a  vé-se  gente  velha  e  moça,  pobre  e  rica,  de 
todas  as  classes  e  tempo.  Quadro  philosophico,  que  figurou  na  venle 
Tannay  de  1831. 

o  TIIEATRO  DE   LA  FOLIE 
TeU  :  aliurn   <i"',3i :  comprimento  o",!|i 

Quadro  pertenceote  ã  Pínacotheca  Nacional  do  Rio  de  Ja- 
neiro ;  é  a  reproducção  do  precedente. 

BAILARINOS  NUM  PALCO 
Madeira  ;  nllura  tV",37  ;  comprimento  o'",3y 

Arlequino  atira  o  seu  piston  sobre  uma  velha ;  um  actor  ves- 
tido de  jogral  tem  debaiso  do  braço  um  volume  da  Vida  dos 
Homens  fílustres,  de  Plutarclio.  Este  quadro  foi  Vendido  em  1813, 
no  leilão  de  Charles  Godefroy,  pela  somma  de  760  fraticos,  conjun- 
ctamente  com  o  seu  penianl  —  O  arrattcador  de  deHIei.  Em  1834, 
quando  se  deu  a  dispersão  da  collecçáo  do  famoBO  banqueiro 
Jacques  Lafflte,  attinglram  ambos  o  preço  de  a.500  ítaíieoB. 

03  CÓMICOS  AMBULANTES 

Quadro  da  coliccçâo  H.  F.  Broadwood,  dispersa  num  leilão  em 
Londres  a  37  de  Março  de  1899  e  vendido  nessa  occasiâo  por 
£310  (5.250  francos). 


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DOCDSGHTOS  SOBRE  A  TIDA  B  K  OORA  DE  NICOLAU  A.  TADNAT       75 

LA  FOLtB  ESCREVENDO  O  QUE  ARLEQUINO  LHE  DICTA 

Tcli :  altura  o*", 31 :  comprimento  0^,40 

Quadro  que  figurou  na  vi;n/«Taunay  em  1835.  Espectáculo  de 
pantomimeiros  num  dia  de  feira. 

o  MERCADO  ■ 
Tela;  aliurao^iSp;  comprlmenio o",?^ 
A'  entrada  de  uma  cidade  numerosos  indivíduos  estão  re- 
unidos ;  á  direita  saltimbancos  íazem  momices ;  à  esquerda  vé-se 
uma  ponte  sobre  um  rio.  Leilão  no  Hotel  Drouot  de  14  de  De- 
zembro de  1908,  collecção  do  sr.  J.  L. ;  vendeu-se  este  quadro 
por  1.700  francos;  perito  Feral,  v 

MERCADORES  AMOUIANTES 

Dous  mascates,  homem  e  mulher,  carregados  de  embrulhos, 
fizeram  parar  uma  cavalleira,  que  se  extasia  ante  a  belleza  das  fa- 
zendas que  o  mercador  lhe  apresenta.  No  fundo  do  quadro  mon- 
tanhas e  construcções  diversas,  uma  nrvore.  A'  esquerda,  no 
primeiro  plano,  um  c3o.  Paizagem  árida  em  que  só  se  vè  uma 
arvore.  Gravada  por  Ponce. 

TROPEIROS    NEGOCIANDO    UM    CAVALLO 

Madeira;  altura  o™, ao ;  comprimento  o",jB 

Quadro  pertencente  á  exma.   sra.  da.  Adelaide  C  Tauflay 

Dória.  Em  tomo  de  um  bello  animal  normando  sete  individuos 

discutem-lhe  as  qualidades  e  defeitos.  No  segundo  ptano  trez 

outros  personagens. 

o  POÇO 

Ap.  uma  lilhographia  de  Engelmann.  Em  torno  de  um  poço 
juncto  a  uma  arcada  véem-se  duas  mulheres  de  pé,  uma  das  quaes 
carr^a  uma  bilha  enquanto  a  outra  tem  na  cabeça  um  fardo. 

A'  direita,  outra  mulher  montada  a  cavallo,  installada  numa 
cangalha,  a  quem  accompanha  um  individuo  envolto  em  grande 
manto,  dirige-lbes  a  palavra. 


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76  REVISTA  DO  meriTOTO  histórico 

Sob  a  arcada  passam  um  boi  e  cinco  carneiros  guiados  por 
um  caralleiro. 

o  POÇO 

Uma  mulher  e  um  homem  tiram  agua  de  um  reservatório. 
Leilão  do  Hotel  Drouot  a  9  de  Maio  de  1874. 

A   PARTIDA  PARA  A  CIDADE 

Madeira  :  allura  o'",io:  compriminilo  0^,14 

Miniatura  pertencente  á  galeria  Laloye  de  Dijon,  vendida  em 
leilão  a  4  de  Abril  de  187a. 

os  au)eCes 

Quadro  exposto  fora  do  catalogo  pouco  antes  de  se  fechar  o 
salonde  1801.  V.  Examen des ouvrages du  salon  de  tSor,  collecçâo 
Deloynes  26. 

LEITURA   NUHA   FAHIUA  DB   ALDeSeS 

Quadro  exposto  sob  o  numero  591  no  salon  de  1793 

NOTICIAS    DA    GUERRA 

Tela:  altura  o°<,ii ;  comprlmciito  0^,34 

Em  frente  a  um  chalet  de  madeira  coberto  por  uma  vinha  que 
invade  todo  o  tecto,  camponezes,  sob  alegres  raios  de  sol,  rodeiam 
um  velho  sentado  numa  pedra  a  ler^lhes  um  jornal.  A'  direita, 
uma  moça  salta  de  um  escabello  para  um  burro ;  no  fiindo  trez 
rapazes  armados  de  varapaus. 

Quadro  vendido  por  i.ioo  francos  no  leilão  da  collecçâo 
Rothan  em  maio  de  1890. 

8cena«  onmpestrc*  o  paatnrl« 

PASTORES   A    TOCAR   FLAUTA  ENQUANTO  APASCENTAM    OS   RKBAíHIOS 

Tela  :  altura  0^,55  ;  comprimemo  o",3a 

Quadro  exposto  no  salon  de  iÕiosobonumero765.  A' sombra 
de  grandes  arvores  um  grupo  de  pastores  ouve  o  concerto  de  dous 


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DOCOMENTOS  SOBRE  A  VIDA   E  A  OBRA  DE  NICOLAU  A.  TAUNAY        77 

zagaes  Sautistas.  Bello  cfFéíto  de  luz  solar  coando  atravez  da  fo- 
lhagem copada.  Numerosos  bois  e  carneiros  espalham-se  pelo 
quadro,  que  figurou  no  leilão  da  galeria  do  perito  Robert  Leièvre 
em  "2  de  Março  de  1831. 

PASTORES    DISPUTANDO,    NUM    TORNEIO  DE   FLAUTA,   A    HONRA.  DS 
SEREM  COROADOS  POR  UMA  PASTORA 

Quadro  exposto  sob  o  numero  447  no  salon  de  1804. 

Segundo  um  artigo  do  Journal  des  Pelites  AJjiches  de  Ducray 
Dumesnil  sobre  o  sahn  de  1804  tracta-se  de  uma  grande  tela, 
■  cujas  figuras  estão  distribuidas  com  perfeita  elegância  em  altitude 
muito  interessante  ». 

o  TORNEIO  DE  FLAUTA 

Num  sitio  pittoresco  dous  pastores  estão  a  tocar  flauta  perante 
numerosa  assembléa.  Este  quadro  foi  vendido  no  Hotel  Drouot  a 
18  de  Novembro  de  1893  pelo  perito  Feral. 

o  TORNEIO  DE  FLAUTA 

Numa  bella  paizagem,  numerosos  bois  e  carneiros  descansam. 
&  sombra  de  grandes  arvores  ou  pastam.  No  primeiro  plano  di- 
versos  pastores  estão  a  tocar  flauta.  Leilão  em  Paríz,  de  17  de 
Dezembro  de  1893,  por  Feral. 

UM  PA3T0R  PENSA  AS  FERIDAS  DE  SEU  CÃO  QUE  ACABA  DE  DERRIBAR 
UM  LOBO 

Tela:  «ltutao™,7J;  comprimenio (i",ôi 

Um  pastor  pensa  as  feridas  de  seu  cáo  —  que  após  terrível 
combate  acaba  de  matar  um  lobo  —  e  para  isso  poz  em  tiras  a  ca- 
misa. O  fundo  do  quadro  é  uma  paizagem,  em  que  se  vém  alguns 
carneiros.  Este  quadro  figurou  nas  venles  Taunay  e  Rondei, 
Diz  o  caulogo  desta  que  foi  o  ultimo  quadro,  em  que  trabalhou  o 
artista,  deixandcK)  por  acabar. 


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78  KBriSTA  DO  imrnvTO  histórico 

o  PASTOR    DESC0\80LAtX) 

£^bàça  attribuido  a  Taunay.  Leil&o  de  8  de  Fevereiro  de  1908 
por  Sortaia. 

o  LOBO   HtDROPIIOBO 

Tela;  «Iturao^.sj;  comprimento o",ig 

No  momento  em  que  um  homem  e  uma  mulher  saem  de  casa 
são  assaltados  por  um  lobo  hydrophobo,  que  os  derriba  e  os  vicli- 
maria,  si  não  fosse  o  soccorro  ministrado  por  um  homem  corajoso, 
que  com  um  forcado  repelle  o  animal  e  sobre  si  attrahe  o  furor 
do  animal.  Um  creado  armado  de  pau  corre  em  defesa  do  homem, 
enquanto  um  menino  se  esconde  atraz  do  batente  da  porta,  es* 
pavorido. 

PASTORA    OFFEREC^DO   AS    PRIMÍCIAS    DO    LEITE,    QUE  ACADA    DE 
TIRAR,  AO  SANCTO  ERMITÍO  DO   ROCUEDO 

Quadro  exposto  no  sahn  de  1821,  sob  0  numero  1.343. 

A   PASTORA  DOS  ALPES 

Quadro  cxpoato  no  salon  de  1824,  sob  o  numero  1.607. 

SCENA   PASTORIL 

Quadro  exposto  no  salon  de  1814,  sob  0  numero    1875, 

A  COLHEITA 

Num  valle  pittoresco,  ri^do  por  um  rio,  vários  campo* 
Dtos  segam  os  trigos,  enquanto  outros  descansam  á  sombra. 
Lei^o  no  hotel  [>rouot  a  t6  de  Março  de  1879. 

A  COLHEITA  DE   NOZES 

Quadro  vendido  em  Pariz,  num  leilSo,  a  27  de  Fevereiro  de 
1867,  dirigido  pelo  perito  Dhias. 


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DOCUUCHTOS  SOBRE  A  VIDA  B  A  OBRA  OB  NICOLA0  A.  TAUKAT      7Q 
O    LENHADOR 

Quadro  exposto  fora  do  catalogo,  no  salon  de  i8oa ;  rçpre- 
aeota  um  lenhador  a  cortar  grosso  ramo  de  arvore. 

Ap.  um  anonymo  Reytie  du  salon  de  fan  X;  collecção 
Deloyncs,  tomo  XXVIII. 

ADERTORA    DE   UUA   ESTRADA   NO  CA3(PO 
Tela:  allura  (■.'"ji ;  comprlmonio  c>,'°is 

Quadro  exposto  em  1782,  no  Salon  de  la  Correspondance 
e  então  adquirido  pelo  conde  de  Cossé.  Um  operário  transporta 
terra  num  carrinho  de  mão,  ao  lado  de  um  carroceiro  que  enche 
com  aterro  a  sua  carroça,  e  de  uma  mulher  agachada.  Diversos 
cavouqueiros  trabalham  de  picareta.  Num  canto  võ-ae  um  individuo 
de  calças  caídas,  a  fazer  as  suas  necessidades  num  regato. 

Ap.  o  catalogo  do  leilão  da  collecção  dos  Goncourt. 

UMA  ESTRAUA    ATRAVBZ   DE  CAMPOS 

Uma  estrada  corta  uma  campina,  onde  se  vém  arvores,  moutas 
que  abrigam  [»storee  e  muitos  animaes.  Este  quadro  pertenceu  á 
collecção  de  Arsène  Houssayc  vendida  em  Iei&>  em  Paiiz  a  37  de 
Novembro  de  1907. 

ANtMAES   CAMINHANDO 

Um  rebanho  airavessa  aguas  tranquillas ;  uma  mulher  o  guia, 
levando  um  filho  pela  mão ;  no  segundo  plano  distinguem-se  al- 
gumas casas,  e  nos  últimos  planos  montanhas  e  um  lago.  Quadro 
exposto  sob  numero  sii  no  salon  de  1787. 

ANtUAES  CAMINHANDO 

Tela;  aliura iV",i6:  íomprimeolo o™,»4 

Paizageni  que  lemlva  as  do  Languedoc.  Um  pastor  accompa- 
ahado  de  duas  camponias,  uma  montada  num  burro  c  outra  num 
cavallo  branco,  conduz  numeroso  rebanho.  Â  eequerda,  no  se- 


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8o  REVISTA  DO  INSTITUTO  IIISTORICO 

gundo  plano,  um  pastor  guia  caroetros.  Altas  montanhas,  em  cujo 
sopé  corre  um  rio.  Grandes  arvores,  bosques.  Vente  Taunay, 
1831. 

ANIHAES  CAMINHANDO 

Telai  altura  o", içicomprlmento  o",m 

Grande  rebanho  guiado  por  pastores  e  suas  mulheres.  No 
fundo  um  comboio  militar.  No  primeiro  plano  destaca-se  um 
pastor  sentado  perto  de  seus  carneiros  a  tirar  um  espinho  do  pé. 
Vente  Taunay,  1831. 

REBANliO    CAMINHANDO 

Quadro  que  figurou  na  venle  da  duqueza  de  Ragusa  em  1857. 
Paizagem  montanhosa,  onde  se  tô  uma  fábrica  e  diversos  anímaes 
caminhando. 

VOLTA   DO  REBANHO  AO  APRISCO 

Quadro  exposto  no  salon  de  1814  sob  o  numero  873. 


Quadro  exposto  sob  o  numero  874  no  sa/ort  de  1811,  repre- 
sentando um  rebanho  a  caminhar, 

VOLTA  k   HERDADE 

Quadro  pertencente  à  coUec^o  da  duqueza  de  Ragusa  dis- 
persa em  1857.  Ap.  Lejeune :  Guide  de  ramaleur  de  tableaux. 

Um  homem  montado  num  cavallo  branco  precede  uma  car- 
reta puxada  por  dous  cavallos  e  seguida  por  um  rebanho  de  car- 
neiros e  vaccas. 

PASTOR  A  COLHER   CEREJAS 

Um  joven  pastor  está  a  colher  cerejas  de  uma  arvore  à  beira 
da  estrada.  Algumas  vaccas  estão  em  torno  dellc  a  pastar  ou  dei- 
tadas. Collecçâo  Ch.  de  Beiz,  dispersa  em  leilão  de  8  de  Março  de 
'  1878  em  Pariz. 


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DOCUMENTOS  SOBRE  A  VIDA  E  k  OBHA  DE  NICOLAU  A.  TAUNAT       8i 

PASTORES  E  ANIMAES 
MaJdra  -.  aUura  <y",ii ;  comprimcnlo  a",:^ 

No  primeiro  plano  um  pastor.  Uma  vacca  deitada,  outra  de 
pé  c  um  carDciro.  Em  plano  mats  atastado  um  pastor,  uma  pas- 
tora c  vários  autmacs.  Quadro  pertencente  ã  collecção  Saint, 
vendida  a  4  de  Maio  de  1846  cm  Paríz. 

Pertenceu  á  collecção  Etienne  Arago,  cujo  leilão  se  realizou 
a  8  de  Fevereiro  de  1872. 

PASTQRGS  E  ANIMAES   DESCALÇANDO 

Quadrinhos  formando  um  par  que  figurava  no  leilão  Martin, 
4  de  Abril  de  1893. 

PASTORES    DESCANÇANDO 

-MaJcira  ;  comprinicntci  o™ ,63 

Quadro  pertencente  ao  Museu  Fabrc  de  MontpcDlicr,  a  que 
foi  l^ddo  pelo  coticccionador  Valedeau.  Trcz  pastores  c  duas  mu- 
lheres com  08  seus  filhos  e  rodeados  de  rebanhos  conversam  sobre 
uma  eminência. 

PASTOR   E   BOI 

Madeira  :  allun  cy.to;  cumprimcuiú  &",n 
Miniatura  vendida  no  leilão  da  collecção  Laloye  de  Dijon  a  4 
de  Abril  de  1872. 

PASTORES    E    ANIMAES 
Tela  :  altura  o*", 50  ;   Comprimeiíto  <V",4J 

Num  terreno  muito  accídentado  alguns  pastores  tangem 
dcaote  de  si  um  grande  rebanho  de  carneiros  e  vaccas.  Leilão  no 
Hotel  Drouot  em  Paris,  a  22  de  Fevereiro  de  1873. 

PASTOR   E  REDANHO 

Madeira  :  allura  iy",io ;  comprimento  o'",!^ 

Ldião  da  galeria  Laloye  em  Dijon  a  4  de  Abril  de  1872. 


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RBVHTA  DO  INStlTDTO  UBTOMCO 


Ap.  uma  litbo^raphia de  EDgelmann.  Dous  pastores,  dos  quaes 
um  a  cavallo,  guiam  cm  aguas  pouco  profundas  um  boi  e  treze  car- 
neiros, vigiados  por  um  cão.  Ambos  cstao  de  costas. 

A' esquerda  ruínas  de  uma  torre.  A'  direita,  uma  margem 
baisa  onde  se  acham  uma  arvore  e  gramíneas. 


Ap.  uma  cstamjia  do  Muséc  de  Landon,  tomo  IV,  estampa  55. 
Um  rebanho  dn  bois  c  carneiros,  guiado  por  um  pastor,  passa 
um  rio  a  vau.  Gravado  por  Chancourtís. 

A  PASSAGEM   UO  VAU 
Tela:  altura  i>'",65 ;  i;omprlincnli)  o" ,57 

Assignado  c  datado  1H25.  Quadro  pertencente  á  collecção 
J.  L.  dispersa  no  Hotel  Drouot  a  14  de  Dezembro  de  1908. 

CAVALLOS  A  UtUER  NUM  VAU 
Tda:  altura  V.ii;  cumprlnicnlo  0^,411 

Num  ribeirão,  onde  se  acha  um  banhista,  estSo  a  beber,  dentro 
d'agua,  alguns  cavallos  conduzidos  por  tractadorcs;  um  dos  ani- 
macs,  no  primeiro  plano,  mostra-se  rebelde  ao  seu  guia.  A'  direita 
vd-sc  ptltorcsca  aldeia.  Este  quadro  figurou  nas  venlcs  Taunay  em 
183 1  c  1835. 

o  TOURO    FURIOSO 

Quadro  que  IJgurou  na  vcnlc  Fouquct  cm  1804. 

o  CAVALLO   DISPARADO 

Qaudro  exposto  no  salon  do  anco  de"i8o2  sob  o  numero  374. 

COCHEIRO    ARREANDO  CAVALLOS 

Madeira:  alliira  ir",io  ;  Comprlinenlo  lyn.i^ 

Quadro  da  coltcc^^o  Laioye  de  Dijon,  vendida  cm  leilão  a  4 
de  Abril  de  187a. 


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DOCUMENTOS  SOBRE  A  VIDA  E  &  OURA  DE  NICOLAU  A.  TAUdAT 
XIII 
Ijundi-os  auucdulioi»  liiaiiilmilua  |>ulua 


O  TAHfiORlLElRO 

PjpKlau;  altura  o",i5  :  cumprimunlo  O" ,17 

Ap.  a  ramosa  estampa  da  DescourtU,  da  serie  da  Ittxa,  da 
Bali  de  Aldeia  e  da  Feira  4e  AlJeia.  Numa  alameda  de  parque 
a06  pés  de  uma  estatua,  que  representa  um  personagem  mytholo- 
gioo,  sentado  e  tendo  entre  as  pernas  uma  aguía,  dous  ciganos 
lázem  trabalhar  antmaes  amestrados.  Um  delles  toca  tambor  e  uma 
pequena  trombeta,  enquanto  o  outro  faz  dansar  dous  cães  vestidos. 

A'  direita  uma  uumerosa  assembléa  de  damas  e  lidalgos  conversa, 
accompanhando  com  os"  olhos  os  exercidos.  Num  dos  cães  está 

montado  um  pequeno  macaco. 

Assignado  á  direita.  Este  quadro  figurou  no  leilão  do  Hotel 

Drouot  de  34  do  Abril  de  1907,  venlc  da  sra.  X .'. .  c  pertenceu  á 

collecção  da  imperatriz  Eugenia,  dispersa  em  Mar^o  de  iSUi. 

o  TROVADOR 

Numa  villa,  em  frente  a  um  repuxo,  à  sombra  de  grandes 
arvores,  numerosa  assembléa  ouve  os  cautos  de  um  trovador,  que 
SC  accompanha  num  bandolim.  Esboço  a  óleo,  que  ligurou  ua  vente 
Rondei,  i86g. 

ESPECTACUI/l  AO  AR  LIVRK 

Madeira;  sllura  'í",ji  :  cuiuprimcnW  o'i'.4» 

Um  clarim  e  um  palhaço  representam  uma  scena  cómica  num 
parque,  rodeados  de  muita  gente,  com  homens,  crianças  c  mulheres 
elegantemente  vestidas. 

Leilão  no  Hotel  Drouot  a  aa  de  Fevereiro  de  1U73. 

SCGNA  QE  CARNAVAL 
Veníe  Richard  W...  «  E^ta  Scena  de  earnaval  filia-sc  ao  pri- 
meiro estylo  de  Taunay,  que  se  approxima  de  Grcuze  e  é  o  melhor. 


D      z.cbyCOOgle 


tJ4  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

A  sccna  c  mais  fácil  de  pintar  do  que  descrever :  um  pierrot 
endiabrado,  teodo  tido  a  carnavalesca  idóa  de  caralgar  uma  torneira 
da  fonte,  faz  rir  velhos  e  moçose  escandaliza  as  senhorius  [)oriae 
c  Toinette,  que  cobrem  o  rosto  com  as  mãos  —  que  horror  I  —  dei- 
xando contudo  coar  o  olhar  pelos  dedos  ■.  Artigo  de  Charles  Blanc 
W3  Coiiricr  áe  Paris.  Este  quadro  foi  vendido  catão  (1857)  p» 
3.300  frs.  e  ]à  6gurara  do  leilão  de  LafBtte  em  i8.';4. 

SCENA   DE  CARNAVAL 

Um  palhaço  montado  numa  columna  de  chafariz  procura 
molhar  com  o  e^uicho  um  bando  araavalcsco ;  fogem  da  agua 
alguns  camponios,  que  estão  admirando  os  masaradoe  ( Journal 
des  Débats,  saloit  de  1804 ). 


Tda:  altura o",ji ;  comprimento  o^.ij 

Ap.a  celebre  estampa  de  Carlos  Melchior  Descourtís  da  serie 
do  Tamborileiro,  da  Boda  de  Aldeia  c  da  Fdra  de  Aldeia.  No 
fundo  uma  torre,  em  ruínas,  ao  lado  da  qual  se  vâ  uma  casa  e  uma 
arcada.  No  primeiro  plano,  á  esquerda,  uma  mesa  em  tomo  da  qual 
estão  sentados,  a  beber  e  a  jogar,  diversos  homens.  Dous  militares 
de  espadas  desembainhadas  preparam-se  para  o  duello.  Um  delles 
■  sustem  nos  braços  uma  mulher  desmaiada  e  está  contida  por  dons 
dos  companheiros  de  orgia,  ao  passo  que  ao  contendordetem  outra 
pessoa.  A'  mesa  dous  j<^adore9  proscguem  as  paradas,  indiffèrentca 
3  tudo.  Sob  a  arcada  trez  pessoas. 

Esteve  exposto  este  quadro  em  1888,  por  occasião  da  Expo* 
sição  Universal  de  Paríz,  no  Museu  das  Artes  da  OníamentaçSo  e 
foi  vendido  em  1898  por  7.300  frs.  no  leilão  da  collec^o  Decloux. 

UMA,  RIXA 

Madcir»:  nllura  o",i8;eompriincnioo™,:j 

Leilão  no  Hotel  Drouot  a  1  de  Junho  de  1901,  Arrastados  pela 
cholera  dous  homens,  armados  de  adagas,  não  se  batem  devido  á 
intervenção  de  mulheres  e  crianças  que  se  interpdem  ao  duello. 
Assignado  ã  direita  sobre  o  terreno. 


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D0CDHE.1T0S  SOBRE  A  VHJA  E  A  OBRA  PE  NICOLAU  A.  TAUXAY       «3 

O  RAPTO 

AUJeira:  altura  o'",]: ;  com  prime»  to  o^.iU 

Quadro  legado  ao  museu  de  Rennes  pelo  sr.  de  Trégoin.  Doua 
bandidos  pretendem  arrebatar  violentamente  uma  mulher  que  se 
debate,  no  auge  do  desespero.  Ao  longe  vé-se  um  cavaJleiro  me- 
dieval encouraçado  em  ferro,  que  a  galope  acode,  attrahido  pelos 
gritos  da  mulher.  Os  dous  raptores  ao  avista-lo  desembíúnham  as 
espadas. 

o   RAPTO 

Tela:  allura  a°ff) ;  cooiprimcnlo  o",B8 

Quadro  que  pertenceu  às  galerias  do  capitão  Slratfotd  e  de 
Gagaet. 

ATAQUE  DE  ItANDlDOS 
Tela:  Miuraiy",f5:  comprimento fi"", 53 
Quadro  pertencente  às  collecções  do  museu  de  Quimper  e  que 
outr'ora  fez  parte  da  collecção  Silguy. 


Um  ermita,  de  pé  sobre  um  montículo,  prega  ante  uma 
multidão  reunida  em  tomo  de  si ;  destacam-se  duas  mulheres  ajoe- 
lhadas e  um  guerreiro  uo  meio  de  muitas  outras  figuras.  No  fundo 
viiem-se  arvores,  os  subúrbios  de  uma  cidade  e  um  vasto  trato  de 
terras.  Ap.  a  descripçSo  do  catalt^  do  salon  de  17S7,  em  que  o 
quadro  esteve  expoâto. 

A   CARIDAI>E  DO  ERMITA 
Tela:  altura  o", 66:  comprimento  o~^ 

Um  ermita,  nas  vizinhanças  da  sua  gruta,  dá  de  beber  a 
ama  mulher  ajoelhada  que  traz  uma  criança  às  costas,  enquanto 
um  homem,  que  accompanha  as  duas,  bebe  sofTregamente,  de  pé, 
arrimado  a  um  bastão,  num  púcaro.  Um  cachorrinho  pede  com 
a  que  lhe  dém  alguma  cousa.  A'  porta  da  gruta  está  uma 


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86  REVISTA  DO  msTITDTO  DUTOBICO 

cruz  e  um  rosário  do  ermitão.  No  extremo  plano  vá-se  um  rebanho 
de  bois,  que  sobe  uma  ladeira,  guiado  por  um  cavalleiro  que  se 
volta  para  vòr  a  scena.  Esta  tela  pertencia  em  igii  a  Henri  Ro- 
chefort  e  esta  assignada  k  esquerda. 

VIAJANTE   A   DAR  ESHOLA   A   UH   ERHITA 
Teln  :  nltura  o",js;  comprimento  iy°,35 

Um  cavalheiro  dá  um  óbolo  ao  companheiro  de  um  ermitão 
sentado  à  marpem  de  um  rio. 

No  fundo  um  rebanho  e  massiçoíi  de  verdura.  Quadro  que 
figurou  na  vente  Tauoay  em  1835. 

ERMITA   ARRANCANT)0  O  DISCIPILO  H  SEDUCÇJJES  DA  CIDADE 

No  fundo  do  quadro,  ;i  margem  de  um  rio,  os  edíllcios  de  uma 
cidade.  Sein  )%rsonagens ;  o  ermita,  o  diíícipulo  ;  trez  cortezãs 
riem-se  do  velho  e  fazem  Rignaes  ao  moço.  Um  homem  a  tomar 
banho  á  margem  do  rio,  que  occupa  um  dos  planos  do  quadro. 
Esta  tela  foi  eiposta  no  saUm  de  18114.  Ap.  artigo  do  Journal  4es 
Débils  sobre  a  exposição. 

ERMITA    PRÉOANDO 

Quadro  esposto  no  salon  de  iSoA.  Sôhre  um  montículo  um 
ermita  vestido  de  hurel  e  tendo  longa  barba  cinzenta,  prega  a  uma 
grande  multidão  de  homens,  mulheres  e  crianças,  o  vento  agita-lhe 
o  vestuário  e  deixa  ver-lhe  aa  pernas  nuas.  Destacam-se  na  com- 
posição um  velho  deitado  no  chão,  com  a  cabeça  levantada,  a  olhar 
para  o  pregador,  uma  mulher  acocorada  de  mãos  postas,  e  outra 
mulher  no  primeiro  plano  com  o  rosto  em  terra.  Nos  últimos  planos 
vôm-se  soldados  a  cavallo  e  mulheres  a  levantar  crianças  nos  braços. 
{Ap.  Journal  de  VEmpire,  salon  de  Tan  1806). 

Este  assumpto  foi  tractado  por  Taunay  em  outros  quadros, 
como  em  Peiro  o  Eremita  pré^an-io  a  cruzada^  do  Museu  do 
Lonvre. 


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DOCDMENTOS  SOBRE  A  VIDA.  T.  A  OBRA  RR  HÍCOLAU  A.  TAUNAY      87 

O   JARDIM   DO   ERMITA 
Tela,  altura  tf".4i ;  comprlrnsnio  n^iji 

Rste  quadro  foi  vendido  em  leilão  do  Hotel  Drouot  a  idde 
Dezemhro  de  190A  pelo  perito  Lâír  Dubreiíil. 

CARTUXOS    TRANSPORTANDO   PARA   O  REU    MOSTEIRO    UM    FRRIDO 
QUE    ENCONTRARAM 

Quadro  esposto  sob  o  numero  333  no  salon  de  1801.  No 
fundo  de  uma  alameda  umbrosa  avistam-se  a  porta  e  o»  altos  muros 
da  Cartuxa  e  por  traz  de  tudo  o  zimbório  de  uma  egreja.  No  pri- 
meiro plano  do  quadro,  vêem-se  dous  religiosos  carregando  numa 
padiola  o  ferido  que  acabaram  de  encontrar.  Caminham  ao  lado  de 
um  açude,  num  cotovello  da  avenida  e  pararam  um  minuto  ;  o  mais 
moço  dos  monges  clptica  a  aventura  a  um  das  padres  que  vâo  ao 
seu  encontro,  enquanto  o  outro  prodigaliza  ao  moribundo  con- 
solos da  religião.  V.  Journal  des  Débats,  salon  de  ran  IX. 

o  CAPUCHINHO  MISSIONÁRIO 

nia melro  tf",in 

Pintura  redonda.  Vm  capuchinho  prega  perante  uma  assem* 
biéa  de  camponezes.  Leilão  de  13  de  Março  de  1907  por  P.  Roblin. 

EPISODIO  I>E  CAÇADA 

Uma  dama  elegaiTte,  montada  num  cavallo  branco,  ura  fidalgo 
com  chapéu  e  plumas  c  um  escudeiro  param  para  pedir  informa' 
çâes  a  um  camponio,  que  lhes  mostra  o  caminho,  de  pá  súbre  um 
velho  tronco  nodoso.  Nm  últimos  planos  véem-sc  um  asno  e 
alguns  carneiros  guiados  por  um  camponio.  (Leilão  pelo  fallecimento 
da  duqueza  de  Ragusa,  a  cuja  galeria  pertencia  este  quadro). 

ENCONTRO  NUMA   CAÇADA 

Tela :  aliura  ■i™,!^  ;  comprímonlo  iy",.ii 

Uma  lidaljta  vestida  de  amarello,  cuja  cauda  do  vestido  um 
pagem  carrega,  está  perto  da  sua  carruagem.  Vêem-sc  ainda  caval- 
leiro^,  lacaios,  moateiros,  cães.  Quadro  vendido  pelo  perito  Féral 
a  36  de  Abril  de  1907. 


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REVISTA  DO  INSTITUTO  KISTOBICO 


A   AMAZONA 


Montada  num  cavaJlo  branco  vé-se  uma  moça  de  botas  e  es- 
poras, tendo  na  mão  direita  um  chicote,  cujo  cabo  apoia  sobre  a 
ilharga.  Ti'az  saia  vermelha  c  corpinho  verde  e  um  chapéu  de 
largas  plumas  brancas.  Nos  coldres  da  solla  vâem-ee  pistolas.  Accom- 
panha-a  um  escudeiro  n^ro.  Galeria  Tencé,  vendida  em  leilão  a  17 
de  Sepetembro  de  1860,  em  Lille. 

CAVALLEIRO  CAÍDO  NUMA    TORRENTE 

Quadro  que  appareceu  do  leilão  da  cotlecção  Jorge  Téral,  a 
37  de  Fevereiro  de  1882. 

ENCONTRO    k    MARtiE.M    HA    TORRENTE 

Matlclrn  :  .iliura  0^,37;  comptimcnto  tf.iB 

Leilão  do  Hotel  Drouot,  24  de  Abril  de  1907.  Collecçãode 
Mme.  X . . .  No  primeiro  plano,  á  direita,  sobre  uma  nesga  de  ter- 
reno grammado,  entre  o  rio  e  um  rochedo  a  pique,  um  homem  a 
cavallo,  mãos  e  pés  nús,  encontra  uma  camponeza  carregando  um 
pote.  Na  margem  opposta  de  um  declive  quasi  abrupto,  atravcz  de 
grandes  rochedos,  uma  torrente  se  precipita  no  rio.  Na  curva  da 
colltna,  muito  vestida  de  vegetação,  apparecc  um  castello,  por  cima 
das  arvores.  Assignado  à  direita. 

VOI-TA   DO   MILrrAR   AO  LAR   PATERNO 

Ap,  uma  estampa  de  Bocquet,  gravador  do  principio  do 
século  XIX.  Uma  casinha  á  beira  da  estrada ;  ao  lado  umagrande 
arvore,  a  que  está  presa  uma  corda  sustentando  roupas;  num  plano 
do  fundo  seis  pinheiros,  grandes  massas  de  vegetação.  O  joven  mi- 
litar, que  regressa  ao  lar  paterno,  acaba  de  descavalgar  e  cai  nos 
braços  do  velho  pae,  que  o  beija  commovido.  Juncto  ã  parede  da 
casita,  está  sentada  uma  avó  octc^enaria  que,  não  podendo  le- 
vantar-se,  abre  os  braços  c  chama  o  neto.  A  mãe  do  moço,  desperta 


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DOCUMENTOS  SOBRE  A  VIDA  E  A  ODRA  DE  NICOLAU  A.  TAtIXAT       89 

pelo  ruido,  acaba  de  acenar  à  porta  da  habitação,  caminhando 
apressadamente  para  fora.  Os  ermáos  do  moço  tçmaram  conta  do 
cavallo  e  já  dou3  deites  se  encarrapitaram  sobre  o  animal. 

ANNUNCIO   UE    FELIZ   REGRESSO 

Ap.  uma  gravura  de  Bocquet  gravador  do  principio  do  século 
XIX.  Sentado  numa  pedra  em  frente  a  uma  casinha  de  madeira,  lô 
um  relho  uma  carta,  que  quatro  camponios  e  trez  camponczas 
ouvem  com  muita  atteu^o.  A  certa  distancia  vò-sc  uma  mulher, 
que  está  a  manter  um  burro ;  mais  longe  trez  pastores  a  conversar. 

A   VIAGEM   DO  MUSICO   INTERROMPIDA 

Quadro  exposto  no  salon  de  iQo2  sob  o  numero  371.  Vé-se 
uma  carruagem  cheia  de  bagagens  empaada.  (V.  tomo  XXVIII, 
collccção  Deloynes,  Revue  du  salon  de  l'an  X. 

o  EHBARQUB  DB  UMA   FAMÍLIA 

Quadro  da  colle^o  Briant,  vendido  em  leilão  de  27  de  Março 
de  1 1171,  cm  Pariz. 

o  CONTEMPLATIVO 

Quadro  exposto  sob  o  numero  207  no  nion  de  1787.  Pai- 
zagem  agreste  e  solitária ;  entre  duas  cadeias  de  montanhas  ncha-se 
um  vallc,  onde  se  viiem  um  pastor  e  rebanho  ã  margem  de  uma 
corrente.  Montanhas  limitam  o  horizonte ;  sobre  um  cume  elevado 
um  homem  de  pé  contempla  a  natureza.  Pertencia  a  tela  na  épocha 
ao  ar.  Villers  (Catalc^o  do  sjlon  de  1787), 

UMA   SALA   DE     BILHAR 

Quadro  exposto  no  sxlon  de  1608  sob  o  numero  571  e  muito 
louvado  pelo  critico  do  Journal  de  VEmpire.  Um  rapaz  no  centro 
da  sala  desafia  parceiros  para  o  j(^o.  Acima  da  porta  da  sala,  que 
tem  uma  bonita  decoração,  vê  se  a  figura  da  Victoria  tendo  na  mSo 
uma  bolsa  em  legar  da  palma ;  um  cachorrinho  enrolado  num 
manto  brinca  com  o  desaHador. 


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90  REVISTA  bO  INSTITUTO  UISTOtUCO 

O  CAFÉ   DES  ARTS 
Tela;  «Itiira  n",!; ;  comprimcnlo  tf",íí 

Ap.  um  artigo  de  W.  Burger  na  GaT^elle  des  lieaux  Aris, 
tomo  VII,  anno  de  1860,  pag.  356.  Figurou  este  quadro  na 
eKposi^o  do  Boulevard  dos  Italianos  em  1860  e  na  de  1874  no 
Palácio  do  Corpo  Legislativo  em  proveito  doa  Aisaciantfâ  e 
Lorenos.  Pertencia  eniâo  á  cóllecçáo  Burat.  Vô-se  nesse  quadro 
David  envolto  num  manto  vermelho,  Girodet  a  jc^r  bilhar  com  a 
mão  esquerda,  Gros  a  ofterecer  uma  bola  a  um  sujeito  visto  de 
costas.  Em    1889  foi  este  quadro  vendido  por  4,400  francos. 

A   PARTIDA   DE  BILHAR 
Madeira:  sliurn  o",i6;  comprlmenlo  o",« 
Quadro  mencionado  no  Dkcinnarío  dos  pintores,  de  Theo- 
doroGuedy  {Pariz,  1893)  como  lendo  figurado  na  v«i/e  Perregaux. 

A  PARTIDA  DE  RILHAR 
Quadro  pertencente  à  colleçflo  L.  de  Saint  Vincent  (gabinete 
Burat)  dispersa  em  1853.  Ap.  Th.  Lejeune:  Guidede  Vamateur 
de  laHeaux. 

o  CONCERTO 
Madcir»:  .illurn o".i6 ;  t^omprlmcnlo  iffix 

Quadro  da  galeria  do  conde  de  Perregaux,  vendido  em  leilão 
a  8de  Dezembro  de  1841. 

UM   COKCKRTO 

Quadro  ex|y»to  no  ,fj/o»  de  1810  sob  o  numero  761. 

os  JOGADORES   DE    CARTAS 

Quadro  de  pequenas  dimensões,  miniatura  a  que  allude  Charles 
DIanc  na  Ga^dl/e  dcs  Bcaux  Aris,  pag.  31Q,  1859,  com  enormes 
gabos.  Representa  jogadores  numa  taberna  rústica,  dcstacando-se 
dentre  as  figuras  a  de  um  conductor  de  diligencias,  que  ae  mostra 
muito  afflícto  com  a  feição  desfavorável  do  jí^o. 


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DOCirilENTOS  SOBRE  A  VIDA  E  A  OBRA  DE  NICOLAU  A.  TAC 
A  CLINICA    DO   bR.    HOREAU,    ROR  A   RI!3TAURAÇÍ< 

Quadro  do  MuFeu  Carnavalct  cm  Pariz,  aitribuido  a  ' 
ainda  por  tennÍDar. 

o  PIQUE-NIQUE 

Paizagem.  Num  vallc  ensombrado  damas  e  cavalheii 
parados  debaixo  de  grandes  arvores,  a  cuja  sombra  se  vêci 
parativos  de  um  repasto  campestre.  Quadro  da  collecçíío 
vendida  em  Parii  a  lae  i3de  Janeiro  de  1843  pelo  periti 

o  PASSEIO  NO   PARQUE 

Um  bando  de  passcnntes  ssuca  ante  um  pedestal,  cuj 
tombou  e  quebrou-se ;  uni  gaiato  trepando  sobre  elic  1 
logar  da  figura.  No  fuudo  do  quadro  umacoiumnata  co 
pturas  rodeando  um  lago.  Leilão  da  colIccçSo  Audoin,  en 
de  1893. 

09  TASSEANT^S 

Num  bello  parque  numerosos  passeantes  estáo  agruf 
torno  de  um  lago.  LeitSo  da  colIccçSo  Martin  a  4  de  Abril 

os  TURISTAS 

Leilão  Jules  Duelos  a  30  e  3t  de  Novembro  de  1878. 

A   CASA   Tt£  CAMPO 

TpIs  t  nliura  ■'".^n ;  comprlmcntn  (i",ji 

A  direita  ura  jardineiro  visto  de  costas ;  no  .centro  dui 
e  um  velho  sob  um  alpendre,  sõbrc  o  qual  se  empol 
voam  diversos  pombos.  Leilão  da  collecçSo  Jnles  Burat 
Abril  de  1R89. 

o    IXCENniO  DE    U.MA   CIDADE 

Quadro  da  coltecção  Du  Sommerard,  dispersa  em  lei 
de  Dezembro  de  1843,  em  Pariz, 


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93  RBVI8TA  DO  INSTITUTO  fltSTORtCO 

O    AMOR  E  A  BORBOLETA 
Ti.'la:  aliura  ly.ii  -.  coiapr intento  u°<,iã 
Quadro  vendido  em  Pariz  num  leilão,  a  1 1  de  Janeiro  de  1884, 
pelos  peritos  Haro  e  Bloche. 
Assignado  e  datado :  1823. 

AMOR  t  LOOCURA 

Quadro  da  coUecção  Chrístíe,  vendido  em  leilão  a  28  de  Ja* 
neirode  191 1. 

o   PASSARINHO   MORTO 

Madeiro:  sltura  ci",)i ;  comprimento  it^.j; 
Uma  mulher  moça  corre  num  parque,  coro  a  mão  na  testa  e  a 
outra  a  fazer  um  gesto  de  dôr.  Está  vestida  de  seda  branca,  sem 
coUete,  com  a  satã  levantada  pelo  vento.  Acaba  de  deixar  o  banco 
de  pedra,  onde  se  vè  um  passarinho  morto  e  diríge-se  para  uma  e3< 
tatua  de  Cui»do,  que  se  destaca  no  meio  de  um  roseiral.  Envolto 
em  ampla  capa  de  panno  pardo,  um  moço,  ajoelhando  no  chão,  abre 
03  braços  á  joveo  desesperada.  No  fundo  uma  balaustrada  rodeia 
um  tanque  ornado  deesphynges  e  de  um  grupo  csculptural. 
Quadro  vendido  por  a.ioo  frs.  no  leilão  Henri  LacroixaiSde 
Março  de  iqoi.  Assígnado  por  extenso. 

o   SOLDAIM    GALANTEADO!) 

Um  soldado  está  ajoelhado  aos  pós  de  uma  moça,  no  primeiro 
plano,  a  the  fazer  declarações.  No  segundo  plano  vfi-se  uma  ra- 
pariga a  aconselhar  o  objecto  do  amor  do  ardente  militar.  Miniatura 
vendida  a  38  de  Fevereiro  de  1899,  em  Pariz,  pelo  perito  Bloche. 

ODRA    DE   CARIDADE 

Quadro  exposto  no  silon  de  1814,  sob  o  numero  867. 

o   PROSCRIPTO 

Quadro  pertencente  à  coIlecçSo  Saint,  disperíta  em  1845  e  de 
que  fazia  parte  a  Prégaç3o  Je  Pedro  o  Eremita.  Ap.  Guide  Ae 


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DOCVUENTOS  SOBRE  A  VIDA  E  A  OBRA  DE   NICOLAU  A.  TAUKAT        93 

1'ãmaieur  de  kiblaiux,  por  Theodoro  LcjcuDc.  Doze  pcrsoDagens 
estão  a  conbbular  juncto  a  uma  choupana, 

A  SORPREZA 

Uut  rapazola  nò  collocou-se  em  attitudc  de  csulua  sòbrc  um 
pedestal,  rcsguardaado-se  contudo  com  a  clássica  folha  da  [xirrcira. 
Este  quadro  figurou  na  venie  Taunay  em  1835. 

A   VOLTA    DA   AMA 

Td* :  altora  if.lB;  comprimciilíjii"',;? 

Uma  camponesa,  montada  num  cavallo  cinzento,  tem  nos 
braços  um  mcniao  nú  que  cila  cntri^  a  seus  pães,  de  pé  no  limiar 
de  uma  casa.  No  primeiro  plano  vé-se  um  cão  deitado,  c  no  fundo 
do  quadro  um  homem  a  descarregar  um  burro.  Pertenceu  este 
quadro  á  collecção  Miallet  dispersa  no  Hot«l  Drouot  em  Junho  de 
1903. 

UMA   AMA  ENTREGA  UMA   URIANÇA  AOS  PAES 
Tela :  altura  o™^ ;  comprimento  ty.yi 
Quadro  exposto  no  salon  de  1793  sob  o  numero  tça, 

UM   WÒ   RODEADO  PELOS   NETOS 

Ap.  o  Lcxico  de  Nagler. 

tlM   PAE   A    LER  O  JORNAL  A   FAMÍLIA 

Quadro  exposto  no  sahn  de  1810  sob  o  numero  763. 
o  sacrifício  do  CORDEIRINHO  Q1'ER1D0 

Quadro  exposto  no  salon  de  1834  sob  o  numero  i  .610,  lilho- 
graphado  pela  sobrinha  de  C.  Mottc,  director  de  uma  typo- 
lithí^^phia,  segundo  reza  a  estampa  publicada  por  Giraldon 
Bonnet.  A  esquerda  uma  moça  corre  desesperada,  com  as  mãos  no 
rosto  para  1^  vér  a  morte  do  cordeirinho  querido,  que  um  mapa- 
refb  amarra  a  uma  argola  fixa  num  muro ;  o  animal  lambe  a  mão  do 
algoz,  em  que  está  o  cutello.  No  lundo  construoções  diversas,  um 
pastor  âzendo  entrar  um  rebanho  de  carneiros  numa  cocheira. 


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REVISTA  DO  INSTITUTO  HtSTORKO 


Tela:  altura  i'",S7;  comprimcniu  i' 


Quadro  exposto  no  sahndu  1803  j  obteve  um  premio  de 
animação,  foi  adquirido  pelo  Estado  para  o  Museu  Napoleão  e 
depois  cedido  pelo  Louvrc  ao  Museu  de  Argel. 

Representa  uma  moça,  que,  ao  passeíar  num  logar  solitário  e 
penhascoso,  encontra  uma  ursa  a  dormir  ao  lado  dos  dous  cachor- 
rinhos, que  acaba  de  dar  à  luz.  A  moça  espavorida  deixa  cair  um 
ramalhete  que  trazia  na  mão  e  preparasse  para  fugir. 


Esboço  da  galeria  do  pintor  Rcdoutc,  vendido  etii  leilão  a  33 
de  Julho  de  1B40. 

o   I' AR  A  VENTO 

Quadro  da  collecção  do  Abbé  Dourgat,  vendido  em  leilão  a  3 
de  Abril  de  1900  por  7.000  francus.  Perteucôra  ao  imperador 
Napoleão  1. 

XIV 

VIataa  <lu  Itália 

ARREDORBS   UK    NÁPOLES 

No  primeiro  plano  jMstores  e  aniraaes,  no  segundo  construc- 
çóes  italianas  sobre  um  grande  rochedo,  nos  últimos  planos  uma 
montanha,  cujo  cume  está  encoberto  pelas  nuvens.  Assignado  á  es- 
querda. Quadro  da  collecção  Meynier  de  Saint  Fal,  vendido  no 
leilão  Cotténeta  16  de  Maio  de  1881. 

ARRKUORIlS    de    N&rOLES 

No  fundo  do  quadro  edilicioe  de  Nápoles.  No  primeiro  plano 
cainponios  e  pastores  conduzindo  rebanhos.  Assignado.  Quadro 
pertencente  á  collecção  Meynier  de  Saint  Fal  dispersa  no  leilão  de 
10  de  Abril  de  1860  em  Pariz. 


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DOCDMENTOS  SOBRE  A  VIDA  E  A  OBRA  DE  NICOLAU  A.  TAUNAT      95 
VI8T&  DE  NATOLES 

Figurou  ua  vente  Taunay  em  1B35. 

VISTA   DOS   ARRLbORES  UE   MtSSlNA 

Pequeno  esboço  orígiaal  de  um  quadro  maior.  No  primeiro 
plano,  ã  direita,  raparigas  a  dansar  ao  som  da  guitarra.  Este  quadro, 
vendido  cm  leilão  pelo  perito  Hue  em  13  de  Novembro  de  1834, 
foi  gravado. 

AKREDOREli    DE     MESSLNA 

Quadro  da  ^olIecção-Ch.  de  Belz  dÍ8pa'sa  a  34  de  Março  de 
1878  pelo  perito  Horsiu  Déon.  Desta  tela  existe  uma  reducção.  Foi 
gravada. 

VISTA   DOS   ARREDORES  UE  GÉNOVA 

Tela;  altura  o'",:^ ;  tomprimciiio  o"',3i 

Marinheiros  occupam-se  cm  carregar  mercadorias  cm  chalupas. 
Na  praia,  entre  outros  grupos,  destaeam-se  duas  mulheres  a  con- 
versar e  um  marÍDhcíro  dispondo-se  a  carregar  um  fardo.  Mais 
longe  vê-se  uma  barca  com  o  paono  ferrado.  No  fundo  tàbricas  e 
altas  montanhas.  Vente  Taunay  em  1835. 

VISTA     DE    ITÁLIA      REPRESENTANDO     .MO.NTANHAS,      CORTADAS     DE 
VALLBS  E  tUOS  E  CObGRTAS   DG   tÁURlCAS   E   .MONUMENTOS 

Tola;  allura  V"^;  tomprimculo  &",^i 
No  primeiro  plano,  em  que  ha  muitas  liguras,  vi!em-se  trez  mu- 
lheres dansando.  Este  quadro  pertencia  ã  collecçâo  Orimod  de  la 
Reynière  vendida  em  Março  de  1797.  Ap.  Charles  Ulanc,  biographia 

de  Tauuay. 

VISTA    DE     ITÁLIA 

Paizagem,  cujas  liguras  foram  pintadas  por  David  c  data  da 
estada  do  pintor  na  Eschola  de  Roma.  Vendida  no  leilão  de  5  de 
Novembro  de  183a  pelo  perito  Hue. 


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90  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

VISTA   DE  UM   LOQAR   DA    ITÁLIA 

Quadro  eiposto  00  ofendo  anuo  de  1791,80b  o  numero  385. 

VISTA    UE     ITÁLIA 

Quadro  exposto  no  saionde  1791,  sob  o  numero  60. 

VISTA  DE  UMA  PEQUENA  CIDADE  ITAUANA 

Sobre  uma  emíocncia,  ao  sopé  da  qual  passa  um  rio  cujas 
aguas,  represadas  por  alguns  rochedos  formam  cascatas,  á  esquerda 
doquadro,  vtem-se  os  ediãcios  de  uma  pequena  cidade  italiana.  A 
mai^em  do  rio  estão  alguns  animaes  a  pastar,  guardados  por  uma 
pastora  assentada  num  rochedo.  LeiMo  de  14  de  Novembro  de  1843 
pelo  perito  Simonet. 

VISTA    DO   LAGO     DE   NEMI 

Quadro  exposto  no  Sii/on  doannode  1791,  sob  o  numero  321, 

TISTA  DA  PONTE  CHAMADA   DE  JÚLIO  CÉSAR   XA  SICÍLIA 
Tela:  altura  ly.ji;  tzomprlniciilo  o^.jo 

Num  rio  Tôem-se  varias  barcas  cheias  de  operários  c  mari- 
nheiros, que  estão  a  tirar  pedras  do  fiindo  d'agua.  Perto  da  ponte, 
á  margem,  pedreiros  carregam  pedras  para  uma  carroça  puxada 
por  vários  cavaltos.  Entre  ellcs  está  um  viajante  montado  num 
cavallo  branco ;  os  planos  do  fundo  mostram  altos  rochedos  c 
montanhas.  V^nteTaunay,  1831. 

VISTA   DA  PONTE  CIIA.MADA  DE  JUI.IO  CÉSAR,  NA  SICÍLIA 

Estudo  para  O  quadro  j  mencionado;  venle  Tmtay,   1831. 

AS  CASCATAS    DE    TIVOLI 

Quadro  vendido  em  leilão,  em  Paris,  a  14  de  Novembro  de 
1843  pelo  perito  Simonet. 

VISTA  I>A  CAMPANHA   ROMANA 

Quadro  que  figurou  na  vente  Taunay  em  1835. 


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DOCUltENTOS  SOBRE  A  VIDA  S  A  OBRA  DE  NICOLAU  A.  TAUNAT       97 

FÁBRICAS  DB  ROMA  ORNADAS  DE  FIGURAS 

Tela  :  allura  <»",J5  -,  comprimcnio  tf^ 

Quadro  exposto  conjunctameiíte  com  outro,  sebo  numero  i86, 
no  saion  de  1789. 

PAIZAGEH   DA    ITÁLIA 

Madeira  ;  altura  ti'°,33 ;  i:<ioipriniciito  <f°,ii) 

Pastores,  guiando  um  rebanho  de  vaccas  e  carneiros,  descem 
uma  coUina.  No  fundo  dcstacam-se  diversas  construcçóes  italianas. 
CoUecção  do  Barão  de  Beurnouville,  dispersa  em  leilão  a  9  de 
Maio  de  1881. 

PAIZAQEH   CA   ITALU 

Madeira  :  altura  <i/",ií ;  comprimcmo  cfjp 

Um  pastor  envolto  em  grande  manto  e  uma  mulher  montada 
num  burro  descem  uma  colHna,  sõbrc  a  qual  se  vécm  edificios  de 
aspecto  italiano,  cercados  de  grandes  arvores,  a  tangerem  grande 
rebanho  de  carneiros  e  vaccas.  Céo  nebuloso.  Leilão  da  collecção 
Ph.  Sichel  a  aa  de  Junho  de  1896 ;  pertencera  ao  barão  de  Beur- 
nouville. 

PAIZAGEH   DA     ITALU. 

Madeira:   altura  iV",)?;  comprioiculo  ij",ío 

A*  margem  de  um  rio  cncachoeirado,  num  local  montanhoso 
estão  diversos  camponios. 

Vendido  em  leilão  no  Hotel  Drouot  a  31  de  Abril  de  1910. 
Perito  Feral. 

PAIZAQEM   MONTANHOSA   DA  ITÁLIA 

Numa  estrada,  ã  margem  de  um  rio,  numerosos  personagens, 
rebanhos,  carros  animam  o  quadro.  Leilão  no  Hotel  Drouot  pelo 
perito  Bloche,  collecção  B...   10  a  13  de  Março  de  1890. 

PAIZAGEM  DA  ITAUA  ORNADA  DB  KÁDRICAB  E  DE  FIGiniAS 
Tela  :   allura  0^,54  ;  comprimento  o" .711 

Quadro  exposto  scb  o  numero  185  no  salon  de  1789. 

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MtVtttA  ttO  IKSTltDTO  UBtOKlCO 


A   TORRENTE 

Tela:  o'-,555>í*".-MS(Oval) 

Quadro  pertencente  á  collecção  imperial  do  Museu  da  Ermi- 
agc  cm  S.  Petersburgo.  Paizagem  que  parece  ser  do  Delphioado  ou 
do  Obcriand  bemez.  Uma  cascata  no  primeiro  piano  transposta  por 
uma  ponte  de  madeira.  iMontanhas  cobertas  de  neve  ao  fundo. 
A'  esquerda  um  tronco  quasi  morto  de  pinheiro ;  á  direiu  uma 
mulher  c  um  menino  guiam  um  pequeno  rebanho  de  bois  c 
carneiros  que  se  encaminha  para  a  pontezinha.  Mais  ao  fundo 
um  cavalheiro  parece  estar  chamando  alguém.  Foi  adquirido  cm 
1903  pela  direcção  dos  Museus  Imperiaes  russos  e  pela  quantia  de 
500  rublos  (a.ooo  frs.)  ao  sr.  A.  Bouniascowscsy.  Asisgnado. 

PAIZAGEM   MO.VTANHOSA 

LTma  cidade  edificada  sdbre  rochedos;  uma  estrada  c  uma 
ponte  que  a  e)ia  levam ;  no  fundo  altas  montanhas,  cujos  cumes  se 
confundem  com  as  nuvens ;  no  rio  vâm-ae  uma  barca  de  pescadores 
c  alguns  banhistas :  na  estrada  animaes  guiados  por  um  pastor,  um 
cavalheiro  que  dá  esmola  a  uma  crian^.  Enfim  à  esquerda,  sentado 
numa  pedra  e  absorto  pela  leitura  do  livro  que  abriu  sõbrc  os 
joelhos,  está  um  ermita,  cuja  gruta  se  acha  aberta  no  rochedo  da 
direita. 

Este  quadro  Itgurou  na  vcnle  Rondei  em  1U69. 

o  CREPÚSCULO  NA  MONTANHA 

O  sol  deitasse  atraz  de  montanhas,  illuminando  uma  paizagem 
muito  accidentada.  No  primeiro  plano  vaccas,  carneiros  e  cavallos 
deitados  ou  a  pastar. 

Leilão  da  galeria  Delamarche  em  Dijon,  a  39  de  Mato  de  1860. 


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OOCDUENtOS  SOBRE  A  VIDA  B  A  OBRA  DE  NICOLAU  A.  TAUNAY        99 
O  CAMINHO  RU8T1CO 

Quadro  pertencente  a  Marmont,  duque  de  Ragusa,  c  vendido 
em  leilão  em  1857,  após  o  lãllecimento  da  dirquezu.  Ap.  Th.: 
Lejeune,  Guia  tio  amador  de  quadros. 

o  REGATO  DO  BOSQUE 

Sob  frondosa  vegeução,  um  regato  cujo  leito  está  cheio  de 
pedfas ;  á  margem  do  ribeiro  diversas  personagens.  Quadro  da 
primeira  phasc  do  artista,  vendido  pelo  perito  Huc  num  leilão  em 
Pariz,  a'7  de  Novembro  de  1833. 


Representa  o  quadro  um  ribeiro,  em  cujas  maryena  so  víem 
altos  rochedos  coroados  de  [Mnheiros.  Num  canto  está  um  jiastor 
aguardar  trez  vuccas.  Leilão  da  collecção  Alph.  Giroux  a  16 de 
Dezembro  de  1833,  cm  Pariz. 


Tela  :  «Iciira  o'",J5  ;  cunipriínculo  <t',ii 

O  centro  do  quadro  é  occupado  por  um  rio,  que  vai  ter  a 
aqueductos  e  pcrde-sc  no  fundo  entre  montanhas ;  de  um  lado 
perto  de  uma  estrada  vécm-ae diversos  grupos  de  liguras  c  animaes, 
0bricas  c  minas ;  do  lado  opposto  collinas  cobertas  de  arvores. 
Leilão  da  galeria  do  barão  Denon,  Maio  de  1836. 


Ap.  Charics  Blanc,  biographia  de  Tauuay. 
A'  esquerda  uma  ponte,  sobre  a  qual  se  vò  uma  mulher  montada  a 
cavallo  c  tocando  gado.  Na  montanha,  ã  direita,  um  moinho  de 
vento. 

PAIZAGEM 
Míddra  :  allura  o",* ;  comprlmenlo  o"', 11 

Quadro  n.  i68  do  museu  de  Ais  ea  Frovencc.  Composição 
central  um  bosqucle  de  arvores  que  coroa  um  monliculo.  Num 

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100  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

caminho,  á  direita,  trez  personagens.  No  fundo  uma  cidade,  um 
castello  fortiiicado  e  casas ;  as$ignado  á  esquerda. 

PAtZAGEM   COM    PIGURAS 

Toli  :  altura  lí",  ji ;  coinprimeiílu  o",4g 

No  primeiro  plano  um  frade  sentado  a  ler.  Mais  longe  um 
cavalheiro  dá  esmola  a  um  pedinte,  e  um  pastor  guia  um  rebapho 
de  vaccas.  A'  margem  de  um  rio  atravessado  por  uma  ponte  vcem-se 
pescadores  num  pequeno  bote  e  vsrios  homens  que  se  banham. 
Além  da  ponte  um  rochedo,  sobre  o  qual  constroem  um  mos- 
teiro. Lólão  da  collecção  E.  Martinet  a  37  de  Fevereiro  de  1896* 

PASTAGEM   AO  SOPÉ  UA   MONTANHA 

Quadro  vendido  no  Hotel  Drouot  a  14  de  Abril  de  1910. 

TEMPO  TEMI'ESTUOSO 

Paizagem ;  efleito  de  chuva  torrencial.  Collecção  do  visconde 
de  Malczieux  dispersa  em  Pariz  a  32  de  Novembro  de  1893. 

PAIZAGEM 

Quadro  exposto  sob  o  numero  684  no  s^ilon  do  anno  de  1791, 

PAIZAOE.M    COH    FIGURAS 
Tela  !  altura  a",0!  -,  comprimuiito  o",í« 
Quadro  exposto  sob  o  numero  76  no  sahn  do  anno  de  1793. 

PAIZAGEM   COM    FIGURAS    E    ANIMAES 
Madeira:    altura  tfK.íO ;    comprimento   0",i7 

Leilão  judiciário  efectuado  em  Pariz  no  Boulevard  Maillot, 
n.  100,  a  35  de  Abril  de  1887. 

PAIZAZEM   E   ANIMAES 

Tela  :  altura  cf,S} ;  i:oinprlmcnto  o",4S 

Quadro  exposto  conjunctamente  com  outro,  sob  o  numero  186 
noíotonde  1789. 


D,gt,zedbyGOO<^le 


DOCtniEfTOS  SOBRE  A  VIDA  E  A  OBRA     DH  NICOt-AD  A.  TAUNAT      lOI 
PAtZAGEM    COM    ANIMAES    E    FIGURAS 

Quadro  exposto  conjunctamente  oom  outro  sob  o  numero  1 87, 
no  salon  de  1 789. 

PAIZAGEM 

Quadro  expoeto  no  sjlon  de  1791,  sob  o  numero  694. 

RUIMAS   A    MARGEM    DA   TORRENTE 

Quadro  rendido  em  leilão  do  hotel  Drouot,  a  30  de  Outubro 
de  ift86,  pelo  perito  Gaudon. 

A  CASCATA 

Madeira  :  altura  if.^i ;  (U^mprimenla  o™,i] 

Paizagfem  com  figuras,  que  Toi  vendida  no  leilão  de  8  de  Maio 
de  1895  pelo  perito  Haro  no  Hotel  Drouot. 

CASCATA   E  ARCO-IRtS 

Quadro  que  fíi^urou  HAVcnlc  Taunay  em  1835, 


Paiza^m  da  collecçâo  Delaunay,  dispersa  em  leilão  de  28  dé 
Janeiro  de  1848,  em  Pariz. 

VISTA    DE   UMA  FONTE  QVF.    SE  ESCAPA    BA  BASE    DE  UMA     COLUMKA 
CANNELLADA   QUE     SUPPORTA   UMA    ESTATUA 

Tela  oval  que  pertencia  á  collecçâo  da  duqueza  de  Ragusa 
dispersa  em  1847.  Cm  tòrno  da  fonte  vâem-sc  lavadeiras  a  molhar 
roupa  nas  aguas  do  bebedouro,  onde  animaes  guiados  por  uma 
pastora  bebem  ;  o  Tundo  é  uma  paiza^em  vaporosa  no  e^tylo  de 
Karel  Dujardín. 

VISTA  DA  GRANDE    CARTVXA    DE  GRENOBLE 

No  ultimo  plano  a<i  edifícios  do  grande  mosteiro  encostado  às 
fraldas  de  alcantilada  montanha  cheia  de  pinheiros.  No  primeiro 
plano  notam-se  diversos  operários  a  scrraj:  madeira ;  um  grupo 


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103  RmeTA  DO  INSTITUTO  HISTOUCO 

de  mODges  rod6a  um  burro  ricamente  ajaezado,  cuja  rédea  um  me* 
nino  tem  cm  m^OR  ;  um  desses  monges  está  com  uma  bolsa  de 
dinheiro  e  outro  a  concertar  a  cilha  do  animal.  A'  direita  dous 
crmãos  leigos  carrc^m  um  tacho  suspenso  de  uma  vara,  e  uni 
religioso  lú  attcntameote  o  breviário.  Este  quadro  está  gravado  e 
rcproduEÍdo  no  Musée  des  Árts,  de  Landon. 

VISTA  IK>  PALÁCIO  DE  VBEtSALlieS,  TOMADA   DO  LAGO  DOS  SUISSOS  EM 
FRENTE    k    OBANGEHIE 

Quadro  pertencente  à  collecção  D.  de  B.  vendida  no  Hotel 
Drouot,  a,iode  Fevereiro  de  1891. 

VISTA    DE  MONTMORENCY 

Ap.  uma  referencia  da  obra  de  Gault  de  Saint  Germain  : 
Les  Irois  siècles  de  la  peinture  en  France. 

PAIZAriKNS  COM   ANIMAES   E  FIOURAS 

Quadro  exposto  no  salon  do  anno  de  178^  sob  o  numero 
187  com  a  indicação  de  que  pertencia  a  um  sr.  Nodoue. 

PAtZAGEM   DO    FRANCO  CONDADO 

Quadro  exposto  no  salon  de  1834  sob  o  numero  lóis. 

VIADUCTO   EM    RUÍNAS 
Tcl*  :  aUum    o™,.-;!  ;  comprimenro  if.y) 

Quadro  vendido  no  hotel  Drouot  em  Pariz,  a  15  de  Maio  de 
1903,  por  1 .600  {■'ancos. 

XVI 

IMnrtnhn**  ««aiiM*     mnrlttmna 

VISTA   DE   UM   PQRTO 

Madeira;  altura  0^,14 ;  comprimento  o.^si 

No  primeiro  plano  numerosos  personagens  conversam.  Leilão 
da  galeria  de  i/itas.  Q.  Gr.  a  6  de  Junho  de  1899,  pelo  perito 
Sortais. 


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DOCUMENTOS  SOBRR  k  VtDA  S  K  OBDh  DE  NtCOtAlI  A.  TAONAY     lOJ 
VISTA   DE   UM   PORTO     DO     MEDITERRÂNEO 

Quadro  exposto  sob  o  numero  373  no  salão  de  i!Wl.  Num 
C3ci  rodeado  de  altos  edifícios  vò-se  grande  numero  de  fardos  de 
iiiiircadorias  de  toda  espécie  e  muitas  pessoas.  Céu  nebuloso. 
Leilão  da  coilcção  Odiot  a  3  de  jilarço  de  1B47, 

\1STA   DE   UM    PORTO   DE    MAR 

Madeira:    allur*  tf"^ ;  ctimprlmentn  o^/j,!  . 

Panorama  de  um  pono,  em  que  se  avíatim  i^odes  c  pe- 
quenos navios.  Este  quadro  faz  parte  da  galeria  dos  duques  de 
Leuchtenberg,  que  muito  tempo  existiu  em  Miinlch,  sendo  depois 
transportado  para  ^o  Peteraburgo.  (V.  catalogo  de  1837). 

UM  PORTO  DE  HAR 

Td«;  altura  r/",},i  :  comprimento  <^,4a 

Quadro  exposto  conjunctamente  com  outro  sob  o  numero  1S8 
no  salon  de  1789, 

UH    PORTO    DE  MAR 
Telai  altura  a*<,A8  :  comprimento  o",;; 

Quadro  exposto  no  salon  de  1789  sob  o  numero  188. 

VISTA    DE  UM   PORTO   MARÍTIMO  NUM    DIA    DE   VEVOEmO 

Quadro  exposto  ao  salnn  do  anno  de  1796,  sob  o  numero 

IKORNpIO  DE  UMA  CIDADE  MARÍTIMA 

Quadro  exposto  sob  o  numero  ^176,  no  salon  de  1814. 

PEÇOEWO  PORTO  DE  MAR 

Quadro  exposto  no  salon  de  1813,  sob  o  numero  884. 

MARI>nTA   NUM    DIA   DE     TEMPESTADE 

Quadro  vendido  num  leilão  diri^do  pelo  perito  George,  em 
Pariz,  a  17  de  Dezembro  de  1879. 


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I04  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

MARINHA 

Quadro  exposto  sob  o  numero  453   no  salon  de  1796. 

MARINHA,   EFFEITO    DE    LUAR 
Telí!  altura  om.j;  comprimento  o"^ 

Quadro  que  figurou  na  vente  Taunay  em  1835. 

NAVIOS  CARREGANDO 

A  beira-mar  vém-se  vários  navios  carr^ndo.  Sobre  riles  e 
na  praia  numerosas  figuras.  Leilão  da  galeria  da  viscondessa  de 
Cboiseul,  em  Paríz,  a  17  de  Março  de  1849. 

NADPRAQIO  DE  UMA  CHALUPA 

A  embarcação  vira  numa  cataracta.  De  pè  sobre  um  rochedo 
vê-se  uma  mulher  desesperada.  No  fando  do  quadro,  collinas 
revestidas  de  matta,  arvores  e  uma  fobríca.  (Catalogo  do  sahn 
de  1787,  em  que  esteve  exposto  o  quadro.) 

NAVIO  EM    PERIGO 

Collecção  Marcille  vendida  em  leilJlo  a  37  de  Abril  de  1857, 
em  Paríz, 

RASGO  DE  CORAGEM 
rcii;  altura  i'",i57  ;  comprimento  a^.gs  ;  fiÇflira»  de  ef.^o 

Quadro  exposto  no  síUoa  de  1802;  adquirido  pelo  Estado 
por  indicação  dos  artistas  expositores  d9  salon,  para  o  Museu  Na- 
poleão. Do  Louvrc  passou  para  o  museu  da  cidade  de  Saintcs. 

Representa  a  acção  heróica  de  uma  criança  de  doze  annos, 
Toussatnt  QuiUot,  de  Port  Léon,  na  Bretanha,  que  estando  a  banhar 
um  cavallo  do  ermSo,  vã  duas  crianças  prestes  a  afc^r-se  nas 
ondas  encapelladas,  attra-se  ã  agua  c  salva  as  duas  victimas.  O 
quadro  traduz  o  momento,  em  que  o  rapazito  volta  ã  praia 
asm  a  segunda  das  crianças.  A  primeira,  desmaiada,  jã  está  nos 
braços  da  mãe  e  de  uma  outra  mulher,  que  acudiram  ao  barulho  do 
perigo.  No  primeiro  plano  vfl-se  um  menino  segurando  nas  rédeas 


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DOCUMENTOS  SOBRE  A  VID\  E   K  OBRA  DF.  NICOLAU  A.  TAUNAT      105 

do  cavallo  do  joven  Toussaint;  perto,  outra  mulher  parece 
querer  levar  as  roupas  dos  banhistas,  outras  mulheres  e  velhos 
correm  de  diversos  lados  para  assistir  ao  espectáculo.  Nos  últimos 
planos,  numa  espécie  de  cães,  cheio  de  numerosos  edifícios,  avis- 
ta-se  uma  multidão  de  indivíduos  occupadoB  em  diversos  misteres ; 
num  canal  barcaças  carregadas  de  mercadorias,  mais  longe  um 
navio  que  está  sendo  concertado,  outro  ancorado  no  portO  e  um 
terceiro  que  entra  a  todo  o  pauno  para  evitar  a  tempestade,  que  ao 
longe  se  Torma. 

o  SALVAMENTO 

Madeira:  altura  (i™,i7  ;  comprimenlo  o",íl 

No  primeiro  plano  a  raultidSo  se  comprime  em  tomo  de 
varias  pessoas  que  acabam  de  ser  arrebatadas  ás  vagas,  num  porto 
de  mar.  Um  moço  segura  um  cavallo  pelas  rédeas.  A'  direita  uma 
pane  da  cidade  com  suas  torres,  estaleiros,  um  edificto  de  arcadas. 
Este  quadro  ó  a  primeira  idêa  de  outro  quadro  de  grandes  dimen* 
soes  :  o  Rasff)  Je  coragem  do  salon  de  1802,  hoje  no  Museu  de 
Saintcs.  Em  1878  esteve  exposto  no  Museu  das  Artes  da  De- 
coração e  em  1890  reappareceu  com  a  dispersão  da  coUecção  Rothan. 

os    NÁUFRAGOS 
Madeira;  altura  cf.ij-,  compriípcnto  •y",:} 

Quadro  que  figurou  no  leilSo  da  collecçáo  Haro  (30  de  Maio 
de  1392),  Provavelmente  ptndani  do  precedente. 


Ilctrata* 

AUTORETRATO 

Teli;  altura  o",is:  comprimento o™,it 

Quadro  pertencente  aosr.  Victor  A.  Taunay,  de  Pariz. 

Representa  o  artista  aos  quarenta  annos  mais  ou  meno»,  em 
'795,  cabelloa  crescidos  repartidos  ao  meio,  visto  quasi  de  frente ; 
traz  um  collarinho  e  uma  gravata  de  incroyahie.  Reproduzido  em 
A  Missjo  Arlistkci  de  T^ió,  obra  da  lavra  do  anctor  deste  catalc^. 


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I06  KIT»TA  DO  ntSTITDTO  HnTOIUCD 

ADTORETRATO 
Tcln:    allura  ''",73;  comprímontii  tf" ,59 

Quadro  que  figurou  na  /ítjftosiçáo  dos  Retratos  do  Scctiio  em 
1883  e  1884,  realizada  era  Parii  em  proveito  da  Sociedade  Phihn- 
tliropica.  Nessa  occasiáo  pertencia  ã  collecção  do  sr.  Boitellc. 

A  pintura  reproduzida  na  obra  do  dr.  Laudelino  Freire:  Um 
século  de  pintura,  como  o  autoretrato  de  Nicolau  António 
'1'aunay,  está  evidentemente  mal  attribuída  ao  pintor,  pois  repre- 
senta pessoa  que  em  nada  se  parece  com  qualquer  dos  seus  seis 
retratos  authenticos.  Houve  manifesto  c  absoluto  engano  nessa 
procurada  identificação. 

JOSEPHINA    TAUNAT,   ESPOSA   DO  flNTOR 

rtlametro  de  íf.fç  (Clrculsr). 

Miniatura  pertencente  ao  sr.  Victor  A.  Taunay,  de  Pariz. 

Representa  uma  moça  de  cabcUos  caídos  sobre  os  hombros, 
vestido  meio  decotado  deixando  ver  bello  collo.  Traz  ao  pescoço 
uma  corrente  que  sustenta  um  medallião  sobre  o  peito. 

MADAME  TAtJNAV  G  SEDS  FILHOS 
Marllqi:  diâmetro  o» ,08 (Circular). 
Miniatura  pertencente  em  191 1  ao  sr.  Victor  A.  Taunay,  de 
Pariz.  Madame  Taunay,  esposa  do  artista,  senhora  de  vinte  e 
lx>ucos  annos  tem  noa  braços  Tlieodoro,  seu  quarto  filho,  criança 
de  mezes.  Rodeíam-no  os  outros  três  filhos  mais  velhos :  Carlos,  de 
costas,  a  correr,  Hippoly  to  a  tocar  pandeiro  e  Feli  j  a  tocar  violino ; 
ã  direita  e  à  esquerda  arvores. 

CARLOS  TAtJNAY,   FILHO  DO  PINTOR 

Quadro  em  que  o  filho  do  pintor  é  representado  fardado  com 
o  uniforme  da  Grande  Armée.  e  pertencente  i  Pinacotheca  Nacional 
do  Rio  de  Janeiro, 

CARLOS   TAUMAY 


Representa-o  na  primeira  infância. 


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DOCOllEKTOS  SOHRR  K  VIDA  F.  A  OBRA  DE  NICOLAU  A.  TAUNAT      IO7 
HIPPOLYTO  TAUKAT,    FILHO  DO  PINTOR 

Teia  pertencente  ao  sr.  Victor  A.  Taunay.  RepreaenU  um 
aJolescente,  visto  de  trez  quartos,  vestido  de  farda,  com  um  largo 
collarínho,  cujas  pontas  caem  sabre  a  gola  do  uniforme, 

IIIPPOLYTO    TAUNAY 

Representa  um  adolescente.  Pertencente  a  Madame  Aíezes- 
cases  Taunay ,  de  Alcnçon. 

FÉLIX  TAUNAT,   FILHO   DO  PINTOR 

Qaadro  pertencente  á  Ftnacothcca  Nacional  do  Rio  de  Ja- 
neiro, Representa  um  adolescente. 

FÉLIX    TAUNAY 

Quadro  pertencente  4  Pinacothoca  Nacirmal  do  Rio  de 
Janeiro.  Representa  otna  criança, 

TIIEOtKJRO  TAUNAY,    FILHO  DO  PINTOR 

Quadro  pertencente  ú  Pinacotheca  Nacional  do  Rio  de  Ja- 
neiro. 

THEODORO     TAUNAY 

Quadro  pertencente  á  Pinacotheca  Nadonal  do  Rio  de  Janeiro. 

ADRIANO  TAUNAY,    FILHO   DO   PINTOR 

Quadro  pertencente  á  Pinacotheca  Nacional  do  Rio  de  Janeiro, 

ADRIANO  TAUNAY    FILHO  DO  PINTOR 

Retrato  em  criança  do  mais  moço  dos  filhos  do  artista. 

GERARDO  VAN  SPAENDONCK 
"m/i:  nilura  0.49;  coinpr1nientao,4o 

Este  quadro  pertence  ao  Mosen  de  Versalhes  e  hm  parte  da 
collecçâo  de  Luiz  Philippe,  que  o  adquiriu  em  1840.  Representa  o 
celebre  pintor  de  flores  em  avançada  edade,  com  longa  cabelleir 
branca  e  TÍsto  de  trez  quartos. 


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I08  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

IIUBERT    ROfiERT  E  SUA   FAMÍLIA 

Retrato  do  piotor,  aua  mulher  e  quatro  filhos,  executado  sobre 
a  tampa  de  uma  grande  tabaqueira. 

V.  a  obra  de  C.  Gabillot:  ffubert  Roberl  et  son  temps. 

JEANNETON, CREADA    ORAVE    KA  FAMÍLIA    TABNAY 

Quadro  pertencente  À  Pinacotheca  Nacional  do  RÍo-de  Ja- 


Ap.  uma  reFerencia  do  Leitíco  de  Napler,  biographia  de 
Taunay, 

o  NOIVADO  DO  PINTOR 
Papelão:  dlametia  <v",o6s  (Circular) 

Miniatura  pertencente  ao  sr.  Victor  A.  Taunay,  de  Pariz.  O 
artista  acaba  de  ver  o  seu  pedido  de  casamento  acceito.  Está  a  con- 
versar com  a  futura  sc^ra,  quando  entra  a  noiva.  M3e  e  filha 
abraçam-se  ternamente.  No  fundo  á  direita  um  aparador,  onde  se 
notam  uma  garrafa  de  crysta)  e  uns  pratos.  Ao  bdo  uma  cadeira ; 
á  esquerda  uma  grande  janella,  para  qual  dà  Nicolau  Taunay  as 
costas. 


Painel  decorativo  de  um  grande  relego  pertencente  ao  chefe 
de  policia  Cios,  amigo  de  Voltaire,  c  em  que  havia  pinturas  de 
Joseph  Vcrnet  e  a  representação  dos  signos  do  zodiaco  cinzelados 
por  Sauvage. 

ESTUDO  DE  GATO  E  MACACO 

Ap,  o  cataliso  da  vente  Taunay  de  1835. 


ESTUDO   DE  GATO    E   PAPAGAIO 

Ap,  O  catalogo  da  venle  Taunay  em  1835. 


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DOCONENTOS  SOBRE  &  VIDA  £  A  OBRA  DB  NIC01.AD  A.  TAUNAT     lOÇ 
NEGRO  MOÇO 

Tela  que  tigurou  na  venlc  Taunay  em  1B35. 

NEGRA  MOÇA 

Tela  que  figurou  na  venb:  Taunay  em  1835. 

Qnalm  ie  Nicolan  AntODiíi  %mi  perleDcenlGii  a  Mmas 

FRANÇA 

Pariz  (Museu  do  L^urre) — Pedro,  v  Eremita,  ^égxndoa 
ertrjada  —  A  parada  (guacbe). 

Museu  Caniavalcl  —  A  dinica  do  Dr,  Moreau. 

Jardim  das  plantas,  Museu  de  Zoologia  —  Visla  da  cascata 
Tauuay,  na  Tijuca. 

Versalhes  (Museu  Nacional)  —  Batalha  t^Ebersbcrg —  En- 
trada deKapoUáo  em  Munich  —  Combtic  de  Cassaria  —  Batalha 
de  Katareth  —  Bonaparte  rectí>endo  prisioneiros  no  campo  de 
batalha  —  Entrada  da  Guarda  Imperial  em  Pariz  —  A  passagem 
do  monte  São  Bernardo  —  A  travessia  da  Serra  Guadarrama 
—  Retrato  de  Gerardo  van  Spaeodonck. 

MoNTPELLiER  (Museu  Fabre)  —  O  joff)  de  botas  —  1'csía  de 
aldeia  —  Pastores  descansaiuio. 

Nantes  (Museu  de)  —  EiKotitro  de  Henriqne  IV  e  Sully 
depois  da  batalha  de  hry. 

Grenoule  (Museu  de)  —  A  adultera  aos  pés  de  Christo. 

Evreux  (Museu  de)  —  Encontro  de  Sidty  ferido  com  fíenm 
rique  IV. 

Cmerburgo  (Museu  de)  —  Os  pastores  da  Arcádia. 

Saintes  (Museu  de)  —  Rasgo  de  coragem  de  uma  crian^. 

D0UAI  (Museu  dé)  — Missa  campal  Htima  capdla  de  São 
Roque. 

Rennes  (Museu  de)  —  O  Rapto. 

Aix  EH  PROVENCB  (Museu  de)~-Paisigem. 


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lio  REV13TA  DO  INSTITUTO  HtSTOIUCO 

QuiMPER  (Museu  de)  —  Moisés  ferindo  o  rochedo  —  Ataque 
de  bandidos. 

CoMi-ikoNE  (Palácio  de)  —  fxíerior  de  um  hosfntal  mililar 
provisório. 

Nict,  Prefeitura  do.  Deparumeulo  dos  Alpes  Marilimos  —  A 
pregação  de  São  João  Baptista  —  Tomada  de  uma  cidade. 

AftGEL  (Museu  de)  — ^  ursa. 

DIVERSOS  PAIZGS 

Londres  (Victoria  and  Albert  Museum)  —  Hccna  marilima 
wi  Rio  de  Janeiro. 

McNicii  (Galeria  dos  duques  de  Leuchtenberg)  —  Marinha. 

São  Peteksuuruo  (Museu  Imperial  da  Ermitage)  —  A  fotgfl 
no  acampamento  —  A  iorrenlc  —  Dansa  de  aldeões. 

Rio  de  Janeiro  (Pinacotheca  Nacional)  —  O  thealro  de  La 
Folie  —  Herminia  e  os  pastores  —  O  mensageiro  da  paz  —  V 
.Largo  da  Carioca  visto  de  Saneio  António —  Vista  da  bahia  de 
Botafogp  —  Vista  tirada  do  Convento  de  Saneio  António  —  Doua 
retratos  de  Hippolyto  Taunay  —  Doua  retratos  de  Carlos  Taunay 
—  Dous  retratos  de  Félix  Taunay  —  Doos  retratos  de  Tlicodoro 
Taunay  —  Retraio  da  creada  grave  Jeanneton  —  Dous  retratos 
de  Adriano  Taunay  —  Quatro  esboços  :  Os  evanj^elistas. 

flnalros  Biisleotes  no  Brasil  e  {erEenceflles  a  coUgcijõbs  particnlarGS 

Rio  DE  Janeiro  —  O  vendedor  de  cavallos,  de  da.  Adelaide 
d'£scragnollu  Taunay  Dória  —  Festa  napolitana,  do  dr.  Raimundo 
de  Castro  Maia  —  Vista  tirada  da  £-^lrada  da  Tijiica,  do  dr.  Rai- 
mundo de  Castro  Maia  —  BaT^r  oriental,  da  baroueza  de  Ribeiro 
de  Almeida  —  Pastor  a  tocar  Jlaula,  do  dr.  Joaquim  Murtinho 
(altribuido  ao  pintor). 

SXo  Paulo  —  A  partida  do  Filho  Prodig<>,  do  dr.  Augusto  C. 
da  Silva  Telles  —  Franccsco  Francia  —  <}s  fftnaos  de  frei  Phi- 
lippe,  de  Affonso  d'E3cragnolIc  Taunay. 


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r>BSE3sriios 

Os  deseahos  de  Nicolau  Taunay  são  raramente  eDcontrados  e 
altamente  cotados.  A  seu  respeito  emittiu  Edmundo  de  Goncourt 
na  AhisoR  d'un  artiste  muito  lisongeiros  conceitos. 

Museus  que  os  possuam  só  conhecemos  o  Louvre  c  Versalhes, 
provenientes  da  acquisição  leitu  pelo  Estado  francez  aos  herdeiros 
de  Denon. 

O  celebre  director  do  Museu  Napoleão  tízcra  executar  uma 
grande  serie  de  desenhos,  aquarellase  guaches  por  diversos  artistas, 
entre  outros  fiagctti,  Bourgeoís,  Meyníer,  Zíx,  Taunay,  etc,  remo 
morando  os  episódios  mais  notáveis  da  campanha  da  Itália. 

Por  sua  morte,  porém,  esses  desenhos  tiguraram  em  inventario 
c  durante  longos  dcccnnios  pertenceram  aos  seus  herdeiros  até 
que,  ha  alguns  annos,  indo  a  leilão,  embargou  o  governo  francez 
a  praça  e  os  adquiriu  mediante  accõrdo  com  os  possuidores. 

Entre  etles  havia  quarenta  c  quatro  devidos  a  Taunay ;  Ibram 
divididos  entre  os  museus  do  Louvre  e  de  Versalhes,  licaddo  o 
primeiro  com  os  esboços  o  segundo  com  as  peças  definitivas. 

LOUVRK 
Heniiit:  altura  u'",iJ7  ;  coinpniDCiilo'<.'',}jii 
Esboço  para  o  desenho :  Incêndio  de  Baunasco. 

['lombaifloa  :  aliura  o",i7;  ;  twnpr]  ncnlo  rf",iS4 

lísbôço  para  o  desenho :  O  diKjiic  de  ModcitJ  /ogc  da  íiaade 
carregando  os  seus  Ihesouros. 

No  alto  o  Taunay  o    em  baixo  «  Sabida  do  duque  de  Modena  ■. 


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113  REVISTA  00  LXSTITUTO  UISTORICO 

Penna:  3Jturau'",iu5  ;  comprlmunlo  o*,j30 

Esboço  para  o  desenho :  Lannes  enira  em  Pavia,  que  é  en- 
tregue ao  saque. 

No  alto  w  Taunay  »  a  lápis. 

■■lomliaijiua:  altura  o"',aili ;  conpriíncnlo  (^,:j9 
Cerco  de  Mantua ;  entrada  da  ponte  de  S3o  Jorge. 

|>lomba(-iiia:  aJiura  oi^.ios ;  comprlmcnio  <j'°,iy> 

Esboço  para  o  desenho :  Batalha  de  Bor^teUo.  O  Miitcio. 
Caslellode  Vareggio. 

l'Ioiii batina:   allura  o'",iu5;  cumprlutiDlo  o'",^ 

Esboço,  sem  íadicaçócs :   Dms  folhas  coitadas.   Sem  as- 
signaura. 

I>lumbagiii3:  allura  o™.^;  i:onipriincii[oo'".33l 

Esboço  para  o  desenho  :  Cerco  de  Mantua,  O^palado  do  Tê, 

PJombagína:  altura  uio.iis^coDipniactita  V",i<n 

Esboço  para  o  desenho :  Peliole,  pátria  dt  Virgilio. 

l>ciiDa:  allura  oi>>,h3i  comprimento  ti^jm 
A  praça  principal  de  Lonato. 

,  Plombagina;  alliirx  c.i.jj-,  comprimento  o»', lúo 

Esboço  para  o  desenho:  Tomada  do  caslello  de  La  Pieira. 

Pcnna  a  plombagina:  aUura  o"", 191;  coioprinninio  o^.sjQ 

Esboço  para  o  desenho :  Batalha  de  Rivoli. 

Plomba;{lDa:  altura ,0^,119;  <;omprimciiio  o», 140 

Esboço  para  o  desenho :  O  exercito  Jrancez  se  apodera  de 
Faenza. 

Nanklm:  altura  o'".]i9;  comprimento  o<",3»i) 

Esboço  para  o  desenho :  Combate  no  desJUadeiro  da  Dura. 

Ptombagina:  allura  oi^.iio:  comprimento o<», 161 

Esboço  para  o  desenho :  Tomada  do  forte  de  Chiusa, 


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DOCUMENTOS  SOBRE  A  VIDA  E  A  OBRA  DE  NICOLAU  A.  TAUNAT     11$ 

VERSALHES 

NaDkim;  aliura  om,:s5;  comprimento  o", 115 

O  duque  de  Modena  foge  da  cidade  carregindo  os  seus  lhe- 
souroi.  Assigmtdo. 

Sepiae  uanklrn:  altura  oi^,!^;  coroprimenlo  o<°,3i3 

Incêndio  de  Bagnasco,  cujos  habitantes  haviam  tomado  armas 
contra  os  Francezes,  a  24  de  Maio  de  vjgb.  Aasignado. 
Naakim  :  altura  o^n.ill ;  comprímenlo  o™,356 

Lannes  em  Pavia,  que  é  entregue  ao  saque.  Assigoado. 

Nankiin  :  altura  om,ig6  ;  comprimento  o°<,3iã 

Batalha  de  Borghelío.  Os  granadeiros  do  general  Gardanne 
atravessam  o  Mincio,  28  de  Maio  de  1796.  Assigoado. 

Nankim  :  altura  o°',ti3  ;  iiomprimealo  0^,145 

Sitio  de  Mantua.  Bonaparte  occupa  o  bairro  de  Sãojorgp,  3 
de  Junho  de  ij()6.  Assignado. 


Circo  de  Manlua.  Bonaparte  faz  mudar  a  direcção  das  bale- 
rias  para  poupar  as  pinturas  de  Júlio  Romano  existentes  no  palácio 
do  Té,  Junho  de  7796.  Assignado. 

Nankim  :  altura  »",i8j  ;  comprimento  o",i83  ■ 

Petiolc,  pátria  de  Virgilio.  Bonaparte  ordejia  a  elevação  de 
um  monumento  em  honra  ao  poeta,  Jualio  de  7796.  Perdoa  aos 
habitantes  a  contribuição  de  guerra.  Assignado. 

Nankim:  altura  o"',i88 ;  comprimento  o",3Jo 

Combate  em  Saio  entre  Francezes  e  Austríacos,  a  31  de  Junho 
de  f^.  Assignado. 

Nankini:  altura  o*", 194 ;  cumprimento  o^,]ij 

O  exercito  passa  por  San  Miehele,  Março  de  r^.  Assignado. 


DigtizedbyGOOgle 


It4  ttwmtK  no  íiwnwto  Bmotacú 

NanUm ;  altura  o<",uq  -,  comprimeoto  o",iig 
Combale  no  desfiladeiro  da  Dura.  Assignado. 

NaDkím :  allura  o",!^ ;  comprimento  <^,S7ú 

A  arlUheria  passa  pela  vereda  de  Albaredo  a  2j  de  Mar^  de 
lõoo.  Assignado. 

Nauliím:  altura  o'", 4;8i  comprimcnlo  □".jsi 

Bonaparte  examina  o  forte  de  Bard,  a  13  de  Maio  de  1800. 
Não  assignado  nem  datado. 

Pcdn  negra  lavada  o 

Arona.  Eslatua  de  São  Carlos  Borromeu. 

Lápis  preto  lavado  com  nankrm  :  altura  o'",i9i{;  comprimento  (^,189 

Napoleão  chegando  a  Sancto  Ambrósio  no  dia  de  sua  coroação 
como  rei  da  Ilalia,  1805.  Assignado. 

Naitkjm :  aliura  o^.irj  comprimcnlo  o", agi 
Tomada  do  forte  de  Chiusa,  Março  de  fji^.  Assignado. 

Naokim  :  allHta  o^.tM  ;  comprimento  i^jjS 
O  exercito  f  rance:  se  apodera  de  Faenza  a  6  de  Fevereiro  de 
ti^.  Assignado. 

Plombagioa;  altura  o"", 307  ;  comprimento  o">,ais 
Bonaparte  entra  em  Imola,   Fevereiro  de  7797.  Náo  datado 
nem  assignado. 

Nankim:  altura  o", 119;  comprimcnlo  0^.6^0 
Serrurier  chamado  por  Bonaparte  levanta  o  cerco  de  Mantua, 
a  3í  de  Julho  de  i-^.  Assignado. 

Nanklm:  altura  tf", 135;  comprimento  o^.iõg 
Msnge,  enviado  por  Bonaparte,  é  recebido  pelo  Conselho  da 
Republica  de  São  Marinho,  Junho  de  J796.  Assignado. 

D,gt,zedbyGOO<^le 


DOCUMENTOS  SÔBRfe  A  VlbA  t  k  OBRA  DE  NICOLAU  A.  TAUNAY     11$ 

Nankini!  iltura  0",!^ ;  comprimento  iy*,jç7 

Bonaparte  chegi  a  Lonalo  ;  informam-no  de  que  a  guarnição 
foi  inlimaJa  a  que  se  rendesse,  4  de  Ág)sto  de  i-^4.  Aasignado. 

Nankim:  allura  <f"^li  ;  comprímcDlo  0>°.$i2 

Madame  Bonaparte  indo  para  Legnano  no  Lago  de  Guarda, 
Agasto  de  J79Õ.  Sem  data  nem  nome  de  auctor ;  attríbuido  a 
Taunay. 

A(]uarclla:  allura  (y",):6 ;  com  p  ri  mento  o"  ,301 

A  occupaçSo  de  Brescia,  4  de  Agosto  de  1796.  NSo  datado. 
Attribuido  a  Taunay  e  Montigny  (?). 

NaDklm:  altura  V.m!;  comprimento    on.sSo 

Casti^ione;  os  Austríacos  eniregindo  a  cidade.  Asàgnado. 

Nankim;  altura  o», 156 ;  comprimento  o>°,»8 

Combale  de  Ma\etta.  Massena  ataca  os  Austríacos  que  recuam 
fin  direcção  a  San  Marco.  Assignado. 

Nanliím:  altura  om, 179;  comprimento  ('",»5s 

Massena  e  Dammarlín  se  apoderam  do  citstello  da  Pieira. 
Asmgnado. 

NaDklm:  altura  00,179  ;  comprimento  0^,16; 

Escaramuça  no  desfiladeiro  de  Lavío.  Trez  caçadores  a 
cavailo  e  da^  granadeiros  contém  quatrocentos  Austríacos  e  os 
obrigim  a  capitular  ;  5  de  Setembro  de  !-^g6.  Asagnado. 

Nankim:   altura  o™  ,it6  ;  comprimento  0^.337 

Massena  entra  em  Bassano ;  8  de  Septemhro  de  ri<)6.  Aasi- 
gnado. 

Nankim:  altura  o™,3;t ;  comprimento  iif"fi« 

O  marechal  Wurmser  encerra-se  em  Manlua ;  3  de  Septembro 
de  1796.  Asugnado. 


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REVISTA  DO  INSIITUTO  HISTÓRICO 


Baialha  de  Rivoli.  Chegada  da  divisão  Rey  ao  nascer  do  sol ; 
14  de  Janeiro  de  1^9^.  Assignado. 


atf",íO;  comprimenio  iy",647 


Baialha  de  Favula.  O  ^neral  Provera  entregi-se;  16  de 
Janeiro  de  ii<^,  AssigDado. 


As  trez  illustraçoes,  que  Taunay  fez  para  a  grande  edição  das 
obras  de  Racine,  impressa  por  Didot  em  1801,  são  peças  de  alta 
valia:  duas  pertenceram  a  E,  de  Goncourt,  que  deilas  talla  na  Miúon 
^un  arliste,  e  têem  de  altura  onze  ceotimetros,  de  comprimento 
oito,  e  foram  vendidas  por  occasião  do  leilão  de  seu  espolio,  em 
Fevereiro  de  1897,  por  6co  francos. 

Representam  um  juiz  accompanhado  por  dous  indivíduos,  que 
lhe  illuminam  o  caminho  com  archotes ;  uma  audiência  de  Perrin 
Dandiu,  a  tão  cómica  scena  dos  cachorrinhos,  c  a  scena  em  que 
um  escrivão  ajoelhado  escreve  sobre  a  perna. 

A  primeira  foi  gravada  por  B.  L.  Prevost;  a  segunda  pòr  Le 
Villain  e  a  terceira  por  Duvai. 

A  Bibliotheca  Nacional  de  Parii  possue  dous  beilos  desenhos 
origiuaes  de  Taunay,  na  coUecçao  Hcnnin,  estudos  para  os  grandes 
quadros:  A  travessia  da  Sierra  Guadarrama  e  o  Ataque  do 
castello  de  Cassaria. 

No  primeiro,  caminha  o  exercito  francez  debaixo  de  ver- 
dadeira tromba  d'agua,  idea  que  o  pbtor  não  manteve  no 
quadro. 

Dentre  os  desenhos  grandes  de  Taunay  conhecemos:  Pemr 
da  família  real  de  Bourbon  sobre  o  tumulo  de  Luiz  XVI,  gra- 
vado :  arrbas  que  o  artista  entendeu  dar  á  Restauração,  de  que 
não  era  seu  inimigo;  o  Recitativo,  gravado  por  Ponce,  em  que  se 
vé  um  desfructavel  trissotin  a  recitar  ante  um  circulo  de  homens 
e  mulheres  mais  que  maduras. 


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DOCUMENTOS  SOBRE  A  VIDA  E  A  OBRA  DE  NICOLAU  A.  TAUNAY      M? 

O  catalogo  do  leilão  do  atelier  do  pintor,  em  1831,  menciona 
com  especial  referencia  um  grande  desenho  a  nankim  sobre  papel 
branco,  representando  José  tio  meio  dos  ermãos,  numa  bella  paí- 
zagem  animada  por  graodes  rebanhos.  «  Tal  desenho,  o  único  no 
género  deixado  por  Taunay,  attrahirá  certamente  a  atteaçâo  dos 
amadores»,  diz  o  livrinho. 

O  sr.  Victor  Taunay,  de  Pariz,  neto  do  artista,  possue  uma 
certa  quantidade  de  desenhos  diversos  do  seu  antepassado  illustre, 
a  nankim  e  sépia,  muitos  e  valiosos  estudos  de  cavallos,  carneiros  e 
bois,  i;rog»is  de  estudo  para  paizagens,  vistas  da  Itália,  diversos 
projectos  e  esboços  de  quadros,  muitos  dos  quaes  realmente  apre- 
ciáveis como  Uma  festa  de  aldeia ;  Camponezas  a  apanhar  agua 
àfonle;  Um  bazar;  Uma  procissão  na  Itália;  Rebanho  de  bois  e 
carneiros ;  Lacta  de  S.  Miguel  e  do  dragão ;  Tropas  ajnarchar, 
etc.  Os  estudos  sobre  animaes  são  realmente  de  nota. 

Em  i88g,  por  occasiâo  da  Exposição  Universal  de  Pariz,  fez-se 
uma  exposição  retrospectiva  de  quadros  e  desenhos  abrangendo 
o  período  de  1789  a  1889. 

A  mã  fé  ou  a  ignorância  dos  organizadores  fez  com  que  o 
nosso  pintor  hella  figurasse  representado  por  uma  tela  mais  que 
medíocre,  uma  de  suas  peiores  obras:  O  general  Bonaparte  rece- 
bendo prisioneiros  no  campo  da  batalha,  quadro  'do  Museu  de 
Versalhes,  que  é  realmente  pouco  digno  de  admiração.  Essa  gra- 
víssima injustiça  para  com  o  artista  levou  um  ou  outro  crítico  a 
lhe  depreciar  a  reputação,  estribando-se,  para  julgar  a  obra  de 
quem  produziu  centenas  de  telas,  no  estudo  de  um  único  exemplar 
de  sua  arte.  Entre  outros  o  sr.  Arsène  Alexandre,  litterato  cujo  re- 
nome Dão  vai  muito  além  do  circulo  de  suas  amizades  pessoaes, 
valha  a  verdade. 

Na  exposição  de  desenhos  organizada  pelo  sr.  Carlos  Ephnissi 
o  nosso  pintor  foi  muito  mais  feliz,  pois  delle  expuzeram  duas 
lindas  peças,  a  acreditarmos  o  que  diz  o  artigo  de  crítica  do 
marquez  de  Chennevières  na  Gazette  des  Beaux  Arls,  pag.  127, 
1889.  Esses  dous  desenhos  eram :  o  primeiro,  plomba^na  e  sepàa : 
Um  cura  a  reprehender  rapazes  e  raparigas,  sobretudo  ama  mo- 

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Il8  UniTA  DO  miTlTUTO  BUTOniCO 

^ila  qua  subira  numa  arvore  e  que  um  rapaz  ajuda  a  descer. 
«  Não  é  sinão  am  sopro,  diz  o  articulista,  amarei,  delicado,  fresco, 
porém  o ;  na  segunda  peça,  uma  aquarelU :  Fesla  campestre  na 
Itália,  ss  vèzm  oà  raflexos  doirados  daq^elle  sol  italiano,  qus  cod- 
vinham  maravilhosameate  á  palheta  daquelle  que  fpi  procurar  o 
Astro  Rei  até  ao  Brasil  ». 

De  quaado  em  quaaio  apparecem  no  Hotel  Drouot,  cm  Pariz, 
desenhos  e  aquarellas  do  Tauoay. 

Nos  ultitnoa  ânuos  temos  canhecimeRto  de  alguas,  bem  poucos 
inlsliimeote: 

O  Jariim  do  Poiais  Royal,  peona  e  aguada ;  collecçâo  De- 
loyes  dispersa  cm  Junho  de  1 899 ;  aasignado  e  datado ;  representa 
uma  multidão  de  elegantes  e  de  muscadins  a  passear  e  a  conversar ; 

O  Pastor  gilanteajor,  vendido  por  345  francos  no  Hotel 
Drouot  no  leilão  de  37  de  Novembro  de  1909  pelo  perito  Delteíl ; 

A  caçada  dn  veado,  as^iignado  e  datado:  1783,  desenho  a 
psnna  c  aapia  pertencente  á  collecç5o  Deatailleur,  pago  por  aóo 
francos  no  Hotel  Drouot,  em  igor  ; 

O  recreio,  coUecçâo  do  Marquez  de  Chenneviires,  vendido  a  6 
de  Maio  de  1898  no  Hotel  Drouot ;  altura  18  ceuttmctroa,  compri- 
mento 34  centímetros.  Ê  o  desenho,  a  que  se  refere  o  artigo  acerca 
de  exposição  retrospectiva  de  1889.  Alcançou  então  695  francos. 


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o  Louvre  possue  uma  linda  guache  deTaunay  proveaiente  do 
l^do  Audéoud :  La  Parade,  onde  se  \é,  sobre  um  estrado,  um 
palhaço  e  dous  pollchinellos  representando  perante  um  publico  e 
aldeões  em  alguma  feira.  Essa  obra  do  artista  é  soberba,  de  uma 
suavidade  de  colorido  extraordinária,  harmoaiosa  e  elegante  quanto 
possível.  Uma  gravura  popularizou-a,  desde  atgura  tempo  (i). 

Os  Goncoun  contavam  na  sua  esplendida  coUecçSo  artística 
diversas  guacbes  de  Taunay,  entre  outras :  Abertura  de  uma 
estrada  no  campo  (o" ,33  X  o",  25),  em  que  se  vê  um  certo  numero 
de  operários  trabalhar  na  terra,  e  vendida  a  17  de  Fevereiro  de  1897 
por  3.400  trs.  A  seu  respeito  exprime-se  E^mond  de  Goncourt 
na  Maison  d'un  arliste:  v  Um  desenhador  de  que  só  se  encontram 
habitualmente  desenhos  e  íllustraçóes  da.  velhice  sem  os  characte- 
ristícos  accentuados  do  século  XVIIl  e  que,  cousa  de  muitos 
ignorada,  foi  um  dos  mais  espirituosos  e  elegantes  guachístas  do 
século  XVIII,  um  guachista  que  sabre  a  pelle  apergaminhada  fez  re- 
viver a  clara  e  esfusianle  pintura  de  Pater  com  os  seus  deliciosos 
loques  claros  e  luminosidade  dos  suaves  matizes,  os  còr  de  cinza 
esverdeados,  os  vermelhões  e  amarellos  de  enxofre . . . «, 


NOU  :  Eitensos  apontamentos  súbre  mais  de  oitenta  quadros,  Dumerosos  de- 
senbos,  guachcs.etc.  da  lavra  de  Nicolau  A.  Tauna;  possuc-os  ainda  o  auclor 
deste  ensaio. 

Dclles,  iofelízmeote,  nSo  ponde  ulilliar-se  poli  que,  desde  Julbo  d( 
acham  os  seus  maauscríplo'!.  completos  para  orçamento,  em  mios  de 
esiabetecido  na  lona  da  França,  invadida  pelos  exércitos  alIemSes. 

Devia  uma  ediçSo  francezi  da  presente  memoria,  profusamente  illusl 
perecer  simuUaneamealc  com  a  brasileira  ;  vieram  os  acontecimentos  < 
graçSo  européa  Impedira  realização  de  um  projecto  summamentc  caro 
meno^,  pOT  longo  tempo  adiado. 

(i)  Fdra  esta  guacbc  vendida  ao  legatário  pela  somma  de  iS.Ioo  tia 

D,3    zB<ibyCOO<^le 


130  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

As  guaches  de  Taunay  attmgem  preços  muito  elevados  nos 
leilões  de  collecçóes  artísticas  em  França.  Citemos  nos  últimos 
annos:  A  entrevista,  da  collecção  do  conde  de  Bryas  dispersa  a  4 
de  Abril  de  1898  (altura  17,  e  comprimento  13  centímetros)  e  ven* 
dida  pela  somma  de  840  frs.;  Uma  boda  de  aldeia,  dacolIecçSo 
Pipard  (Hotel  Drouot,  3  de  Março  de  1900)  vendida  por  1,810 
Irancos. 


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Obras  iè  Tamiay  reprodiiziias  pela  giaTDra;  artistas  m  as  grararai 

De  todos  os  gravadores,  que  reproduziram  obras  de  Nicolau 
Taunay,  destaca-se  na  primeira  plana  Descourtis,  cujas  famosas  es- 
tampas Feira  de  Aldeia  e  BoJã  de  Aldeia,  reproduzidas  por 
varias  tiragens  fiancezas,  inglezas  e  allemans,  attingem  a  elevadís- 
simos preços,  quando  da  primeira  edição. 

Descourtis  {Carlos  Melchior),  gravador  em  cores,  no  mesmo 
género  db  que  Jeannlnet,  seu  mestre,  nasceu  em  Pariz  em  1753, 
e  alli  falleceu  em  1830. 

De  Taunay  gravou  duas  series  de  quatro  assumptos.  A  pri- 
meira consta  da :  Feira  da  aldeia ;  A  Boda  da  aldeia  ;  A  Rixa ;  O 
Tamborileiro  e  a  segunda  da  coUec^o  chamada  do  Filho  Pródigo, 
a  saber ;  A  Partida  do  Filho  Pródigo ;  A  Orgia  do  Filho  Pródigo ; 
o  Filho  Pródigo  guardando  porcos,  e  A  Volla  do  Filho  Pródigo. 

Das  duas  primeiras  dizem  o  barão  de  Portalis  e  Beraldy  na 
sua  obra  de  grande  auctoridade  acãrca  dos  gravadores  firancezes 
do  século  XVlll :  « Essas  duas  estampas  de  dous  quadros  fi- 
Dissiiiios  de  Taunay  foram  reproduzidas  com  um  gosto  encantador 
e  Duma  escala  de  tons  muito  harmoniosa  I  e  das  quatro  da  ultima  seria 
—  Os  assumptos  da  Vida  do  Filho  Prodi^  —  ^0  muito  maus  >. 

A  Rixa  e  o  Tamborileiro  sâo  boje  muito  estimados,  embora 
alcancem  preços  um  pouco  inferiores  aos  das  duas  primeiras. 

Na  vente  Behague  em  1877  alcançaram  as  quatro  provas,  da 
serie  avantioute  letlre,  a  cotação  de  1.500  francos:  as  mesmas,  em 
1885,  na  veíi/e  Hocqaert  attiogiram  3.100  francos. 

Descourtis  gravou  estas  estampas  em  dous  formatos,  um  de 
310  sobre  340  "/m  e  outro,  reduzido  para  33,  de  95  sobre  65  "/m. 

Do  grande  formato  ha  trez  estados :  antes  de  qualquer  lettreiro, 
com  lettreiro  e  armas,  armas  apagadas  e  lettreiro  substituído  por 

.  Google 


122  REVI3TA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

lettras  ínglezas  como  na  Ttixa  e  no  Tamborileiro.  Destas  duas  ha 
dous  estados ;  antes  do  lettreiro  e  com  letCreiro. 

«  As  estampas  de  pequeno  formato  no  original  sâo  negras,  às 
vezes  apparecem  coloridas,  inas  isso  não  é  sináo  uma  pura  phan- 
tasia  de  amador  que  as  pinte  e  mal.  Ha  uma  particularidade  a 
assignalar :  A  Boda  eetà  gravada  ao  inverso,  e  A  Feira  no  mesmo 
sentido  que  o  exemplar  maíor.  Ha  também  algumas  pequenas 
divergências  entre  o  pequeno  e  o  grande  formato :  A  Rixs  e  o  Tam- 
borileiro d3o  foram  reduzidas.  Toda  a  serie  é  muito  procurada ; 
as  duas  primeiras  tém  sobretudo  grande  cotação.  Foram  todas 
quatro  reproduzidas  pelo  sr.  Magner  e  muitas  veies  imitadas. » 

n  O  Marquez  de  Vareones  possuiu  uma  dezena  de  provas  ori- 
ginaes  de  ensaio  da  serie.  A  aquarella  original  da  Rixa  está 
actualmente  em  cosa  do  ar.  M.  F.  Vergues.  Ateia  original,  quo 
pertenceu  ao  sr.  Charles  Pillet,  figurou  em  1878  na  Exposição  das 
Artes  de  Decoração  ( 1 ) . 

Actualmente  o  preço  corrente  da  serie  é  3.000  frs.  para 
09  exemplares  que  téem  grandes  margens  {2). 

As  quatro  Filho  Pródigo  atttngem  quando  muito  a  300  frs., 
mas  são  muito  raras.  Em  todas  ha  um  certo  numero  de  versos 
de  auctor  a  nós  desconhecido. 

Alix  (Pedro  Miguel,  1763-1817),  gravador  de  grande  mérito, 
gravou  de  Taunay  duas  esump)as,  in  4',  sobre  comprido,  em 
cores, dizem  Portalise  Béraldy,  com  ^gM/mdealtosôbre  226"/'" 
de  comprido ;  seis  estampas,  segundo  o  Manual  do  Amador  de 
Estampa,  de  Charles  Blanc.  As  duas  que  conhecemos  são:  Ro- 
bison,  o  Hispanhol,  Sexta-Feira  e  o  Puee  O  aprendi\  carpin^ 
teiro  de  Robinson. 

Aubert  (Pedro  Eugénio)  nascido  em  Pariz  em  1780  e  grava- 
dor das  Galerias  Históricas  de  Versalhes,  foi  quem  reproduziu  o 


(I)  Bourcard,  Estampas  do  ScculoXVIll. 

(1)  No  tcjlão  P.  Barrot,  a  10  de  Junho  de  [907,  aa  quatro  cslampaa  cm  quesllo 
antes  da  Imprcs.^ao  das  armas  o  do»  retoques  fcllos  mais  tarde,  com  grandes 
margcDB,  altlngiram  o  prcfo  fabuloso  de  ig.ioo  rrancos . 


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DOCUMENTOS  SOB«E  A  VIDA  E  *  OBRA  D!!  NICOLAU  A.  TAUNAT     123 

Combale  de  Nai^relh  e  A  Passagem  do  São  Bernardo,  que 
tiguram  nessa  obra. 

De  Boquet  (Pedro  José),  gravador  de  aguadas  do  comíço  do 
Beculo  XIX,  conhecemos  duas  reproducções  de  Taunay  in  4°, 
Annuncio  de  feli^  regresso  iã  Volta  do  militar  ao  lar  paterno. 

De  Nicolau  Ponce  (1746-1831),  artista  dos  mais  considerados 
entre  os  gravadores  da  épocha,  conhecemos  a  reproducçSo  de  um 
pequeno  e  espirituoso  desenho  de  Taunay,  um<xnacu\oà&prícteux 
e  précieuses  a  ouvirem  um  trissotín  que  recita. 

A  Gelée  {António)  nascido  em  1796  e  discípulo  de  Pauquet 
—  grande  premio  de  Roma  em  1834,  habil  burilador,  mas  muito 
adsCricto  ao  losango,  se  deve  a  reproducçâo  da  Passagsm  do  Gua- 
darrama,  nas  Galerias  Históricas  de  Versalhes. 

Frederico  Schrceder,  originário  de  Hesse  Cassei  e  morto  em 
Parizno  annode  1839,  burilador,  gravadorde  paizagens,  de  alguma 
habilidade,  gravou  ;  Ataque  do  Caslello  de  Cassaria  e  a  Entrada 
de  Napoleão  em  Munich,  para  as  Galerias  Históricas  de  Versalhes. 
Do  ultimo  assumpto  fez  uma  estampa  de  granias  dimensões. 

Lacoste  pac,  gravador  xylographo  de  nomeada,  reproduziu 
de  Taunay  a  Batalha  da  Rivoli. 

De  Sotain  (Noel  Eugénio)  nascido  talvez  em  1816,  gravador 
sobre  madeira  para  o  Magasin  Pilloresque  c  a  Vida  dos  Pintores, 
conhecemos  um  Interior  de  taberna,  segundo  um  desenho  de  H6- 
douin  (V.  Ga\eUe  des  Beaux  Arls,  7",  anno  de  1860,  pag.  350 ). 
Além  desses  artistas  citemos  ;  Huet,  que  gravou  A  passagem  da 
Sierra  Guadarrama  ;  Chancourtis  e  C.  Motte,  a  quem  se  deve  a  re- 
producção  do  Vau  e  do  Sacrificio  do  cordeirinho  querido ;  Le- 
prince,  nomeado  pintor  e  gravador,  que  viveu  longos  annos  na 
Rússia  Ê  gravou  a  Distribuição  de  esmolas  por  monges  Cartuxos. 
Num  anigo  de  Charles  Blanc,  na  Gazeltc  des  Beaux  Arts,  2°  pe- 
ríodo, tomo  XI,  1875,  pag.  204  rcfcre-se  clle  a  umas  vibrantes  aguas 
fortes  de  Edmundo  Hédouin,  celebre  pintor  aguafortista  discípulo 
de  Delaroche,  Sapràs  Watteau,  e  d'après  Taunay. 

Dos  desenhos  de  Taunay  conhecemos  gravados,  além  da  Reci- 
tação,  Os  sentimentos  da  familia  de  Bourbon  sobre  o  tumulo  de 


134  REVISTA  DO  INSTITUTO  UISTOBICO 

Luiz  XVI,  reproduzido  porGirardet,  os  trei  relativo;  aos  Piai- 
deurs,  de  Racine,  da  grande  edição  de  luxo  de  F.  Didot  em  1801. 

O  do  primeiro  acto  traz  a  indicação  —  B.  L.  Prevôt  scuips, — ; 
odosegundoÉdevidoaDuval,  e  o  do  terceiro  aLe  ViJlaín,  artistas 
cujos  nomes  são  pouco  conhecidos.  De  Godofredo  Engelmann,  um 
dos  precursores  da  Lithographia,  lia  diversas  reproducções  de 
Taunay,  hoje  muito  apreciadas.  Nascido  em  Mulbouse,  em  1788, 
estreou  esse  artista  mandando  aos  sahns  de  1Õ17  e  1819  quadros 
conteúdo,  sob  o  titulo  de  «  productos  lithographicos  »,  composições 
de  Demame,  dos  Vernet,  Rcehn  e  Taunay. 

Delle  conhecemos  i  A  passa^m  da  serra  Guadarrama ;  Um 
rebanho  a  altravessar  um  pântano  onde  ha  uma  torre  arruinada, 
Umas  mulheres  a  tirar  agua  de  um  poço  nas  vizinhanças  de  aque- 
dueto  em  ruinas. 


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Liros  iimsMs  m  hcilao  AiMo  Una; 

Em  sua  primeira  mocidade,  aos  21  annos,  o  piotor  illustrou 
um  livrinho  de  frirolídades,  fructo  das  lucubrações  de  um  dos  tão 
fiiteis  quauto  numerosos  cenáculos  litterarios  do  século  XVllI:  a 
Ordem  da  Tavola  Redonda. 

Intitulasse  essa  obra:  A  Jornada  de  Amor  ou  Flores  de 
Cylhera,  e  seus  auctores  são  a  condessa  de  Turpin,  BoufEers, 
Gaillard,  Favan  e  o  abbade  de  Voisenon. 

Dedicado  ás  mulheres  e  impresso  auma  edição  muito  restricta, 
que  não  foi  exposta  ã  venda,  constitue  hoje  uma  raridade  bíblio- 
graphíca.  Tauaay  concorrera  com  quatro  figuras  «  das  mais  gra- 
ciosas "  e  oito  vinhetas  gravadas  por  Macret,  Michel  e  Pmneau. 

Foi  este  o  único  livro,  ao  que  nos  consta,  illustrado  exclusiva- 
mente por  Nicolau  António  Taunay ;  seu  formato  6  in  8°,  trazendo 
a  seguinte  e  desfructavel  indicação  de  proveniência  Gnido,  iTjb.  Col- 
laborou  porém  Taunay  com  outros  e  notáveis  artistas  em  diversas 
edições  como  a  esplendida  tiragem  feita,  em  1 801,  por  F.  Didot 
das  obras  completas  de  Racine. 

Esta  soberba  edição,  primor  de  arte  typographica,  tem  como 
illustradores,  além  de  Taunay :  Girodet,  François  Gérard,  Moitte, 
Scrangeli,  Chaudet,  Peyrou.  A  cada  artista  coube  fazer  as  illustra- 
çSes  para  um  certo  numero  de  peças  do  grande  trágico.  Taunay 
teve  os  Plaideurs  e  fez  os  três  soberbos  desenhos,  um  para  cada 
acto,  de  que  jà  fizemos  menção. 

Diz  Nagler,  no  seu  Léxico,  que  Taunay  fez  diversas  illustra- 
çôes  para  uma  edição  luxuosa  de  Paulo  e  Vir^nia. 

Egualmente  sabemos  que  a  casa  Didot  lhe  encommendara 
illustraçôes  para  uma  grande  edição  de  luxo  do  Orlando  Furioso, 
dez  assumptos,  conforme  se  deprehende  do  recibo  seguinte: 


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126  REVISTA  DO  INSTITUTO  HlSTORltiO 

n  O  abaixo  assígoado  declara  bavçr  recebido  do  cidadão  Didot 
a  somma  de  dez  mil  francos  pelos  septimo,  oitavo,  nono  e  decimo 
quadros  da  serie  do  Ariosto.  Pariz,  30  tbermidor,  anno  III  da  Re- 
publica (17  de  Agosto  de  1795). —  Taunay  «  (V.  Revue  de  tArl 
Franjais,  anno  de  1884).  Ainda  trabalhou  Nicolau  António,  se- 
gundo parece,  para  uma  edição  do  Robinson  Crusoé,  bzendo  uma 
qeríe  de  seis  assumptos,  que  Alix  gravou.  Essa  edição,  porém,  nSo 
foi  levada  a  cabo,  quer  noa  parecer. 


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ICONOGRAPHIA 

Dos  retratos  do  mestre  o  mais  conhecido  é  o  de  BoOly  (Luiz 
Leopoldo),  cujo  original  se  acha  no  museu  de  Lille  e  o  repre- 
senta em  companhia  de  I»abey.  Este  quadro  foi  gravado  por 
A.  Clément  e  Milius  e  reproduzido  num  dos  números  de  UArl 
em  excellente  estampa.  Isabey  como  que  reclinado  sobre  uma  ba- 
laustrada tem  uma  das  mãos  no  bolso  direito  e  é  visto  de  trez 
quanos;  Tauoay  eatà  inteiramente  de  perfil,  de  pi,  com  uma  das 
mãos  para  traz ;  longa  cabelleira  empoada  emsombra-lhe  o  rosto  t 
cai-lhe  sobre  as  orelhas.  Traz  os  indefectíveis  óculos,  veste  uma 
casaca  parda  e  usa  grande  gravata  branca. 

Em  outra  tela  coHocou  Boilly  o  retrato  do  amigo,  quando 
em  1800  expoz  a  sua  Reunião  de  Artistas,  mais  tarde  gravada  por 
A-  Clément  (i),  em  que  se  voem  as  cabeças  agrupadas  de  modo 
pittoresco  de  muitos  artistas  celebres,  entre  os  quaes  Percier,  Fon- 
taine,  Talma,  Girodet,  Isabey,  Bídault,  Swebach-Fontaine,  Mehul, 
Lethiére,  Charle-Veraet,  HoSinann  (o  auctor  dos  Contos)  Chaudet, 
Demame  e  o  próprio  auctor. 

Pintou-o  ahi  como  no  quadro  precedente,  de  cabello  em- 
poado e  óculos,  de  perfil,  com  o  pescoço  esticado. 

No  museu  de  Lille  ha  diversos  esboços  ainda  de  Boilly  para 
o  quadro  O  atelier  de  Isabey;  num  delles  vê-se  Taunay  de  cabellcs 
compridos  e  empoados  com  um  aspecto  a  Luiz  XVI,  magnifico, 
diz  L.  Gonze  do  seu  Estudo  sobre  o  Museu  de  Lille ;  em  outro 
esboço  reproduzido  na  bella  obra  de  Mme.  Basile  Callimaki  sôbrc 
Isabey  vê-se  numeroso  grupo  de  artistas  examinando  um  quadro 
coUocado  sobre  um  cavaliete ;  entre  elles  também  está  Nicolau  An- 
tónio Taunay. 

[  I }  Reproduzido  Da  Renuicença  úts  Julbo  de  190^, 

D,gt,zedbyGOO<^le 


130  REVISTA  DO  INSTITCTO  HISTÓRICO 

Em  1Õ35,  publicando  Julio  Boilly,  Slho  de  Luiz  Leopoldo, 
uma  collecção  de  Retratos  de  todos  os  membros  do  Instituto  de 
França,  nella  appareccu  o  de  Nicolau  Tauoay  que  entSo  tinha  se- 
ptenta  annos  de  edade,  representado  de  trez  quartos,  grande,  • 
cabelleira  branca,  óculos  espessos,  larga  griLvata-cacheneí  a  en- 
volver-lhe  o  pescoço  ecobrir-lhe  o  peito.  Este  retrato  aproveitou-o 
Charles  Blanc  para  a  sua  Historia  dos  Pintores  de  todas  as  Es- 
colas. Retratou-se  Taunay,  a  exemplo  do  que  geralmente  fazem  os 
pintores.  Representou-se  quasi  de  frente  com  os  cabellos  ondeados, 
puxados  para  traz  e  repartidos  ao  meio,  cobrindo-lhe  o  pdto  uma 
gravata  de  irKroyable,  o  que  faz  crer  que  o  quadro  date  de  1795, 
épocha  em  que  o  pintor  linha  quarenta  annos.. 

A  tela  pertence  ao  sr.  Victor  A,  Taunay,  de  Paris,  e  foi  re- 
produzida na  Missão  Arlistica  de  181Õ.  Além  desí«  retrato  existe 
outro  umbem  da  lavra  do  próprio  artista,  sobre  tela  (0^33  xcsg) 
que  pertenceu  á  collecção  do  sr,  Boitelle  e  figurou  na  Exposição 
dos  Retratos  do  Século  em  1884,  Pariz  (i). 

No  graude  e  notável  quadro  de  Heim,  hoje  no  Louvre, 
Carlos  X  distribuindo  recompensas  aos  artistas,  após  o  salon  de 
1824,  cm  que  o  auctor  retrata  todas  as  notabilidades  contemporâ- 
neas, aggrupando-as  num  conjuocto  realmente  soberbo,  vô-se  o  re- 
trato de  Taunay,  na  primeira  fila,  entre  os  membros  do  Instituto 
de  França,  muito  era  destaque,  graças  á  grande  cabelleira  branca  e 
os  óculos,  ao  lado  de  Mme.  Vigée  Lebrun  e  de  Horácio  Vemet. 

Bustos  de  Taunay  sabemos  da  existência  de  dons:  um  de 
Ramey  filho,  segundo  a  mascara  que  lhe  fot  modelada  síibre  o  rosto, 
logo  após  a  sua  morte,  e  outro  em  mármore,  existente  no  Museu 
de  Versalhes,  obra  do  esculptor  Roubaud,  encommcndado  pelo 
ministro  das  Bellas  Artes  sob  Napoleão  III,  o  sr.  de  Nicuwekerke, 
inspirando-se  o  artista  num  dos  quadros  em  que  Taunay  se  retratara. 
Deste  busto  possue  nossa  Eschola  Nacional  de  Bellas  Artes  uma 
rcproducçiío. 

r.Uú  altríbuido  peto  Jr.  t.íviídclliio  Ftciro  tio  pínlor  vide 


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Disciim  (a  laiRi  le  caslcllan,  lilo  i  itira  lo  Inilo  le  MM 
MH  Taaia!  gelo  larão  Sm,  o  ceM  giitoi  (') 

Scoborea  —  E'  próprio  da  natureza  das  sociedades  que  se  per- 
petuam tudo  ver  acabar  c  renovar-ae  em  lòrno  de  si. 

Um  único  dentre  nós,  Senhores,  assistira  à  fundação  do  Ins- 
tituto, accompaohando-lhe  as  vicissitudes,  e  vira  a  Academia  de 
BcUas  Artes  renovar-se  por  completo  :  triste  apanágio  o  de  sobre- 
viver aos  contemporâneos,  aos  amigos  I 

Sangrava-lhe  com  isto  o  coração  e  a  idéa  alHictiva  de  que  vivia 
entre  minas,  desligado  dos  liames  naturaes  que  o  prendiam  á  vida, 
c  esta  idea,  sempre  presente  ao  pensamento,  pode. ter  contribuído 
para  o  seu  fim. 

Com  eSeíto,  mal  deixáramos  o  lucto  do  ultimo  dos  fundadores 
da  eschola  moderna  de  pintura,  vemo-nos  obrigados  a  toma-lo  no- 
vamente pelo  decano  da  Academia,  que  ao  mesmo  tempo  era 
quasi  o  dos  pintores  da  èpocha  actual  e  um  dos  que  mantinham  do 
melhor  modo  a  tradição  dos  verdadeiros  princípios  da  Arte. 

Tannay,  qne  podemos  indicar  entre  os  regeneradores  do  bom 
gosto  em  França,  mais  influencia  exerceu  pelo  exemplo  do  que  pelos 
conselhos.  Não  se  tendo  filiado  a  eschola  alguma  propriamente 
dieta  conseguiu  mais  imitadores  do  que  modelos  tivera;  c  si 
acaso  existe  inimitável  originalidade  ú  essa,  que  Taunay  possue  c 
cujo  cunho  impoz  ás  suaa  obras. 

Não  foi  no  entanto  pela  exquisítice  que  se  mostrou  original ; 
nos  seus  quadros  nada  se  afasta  das  leis  da  natureza :  tudo  nellcs 
delia  lembra  os  traços  characteristicos,  combinados  por  um  génio 
creador  ou  animador  de  um  espirito  jocoso  ou  melancholico,  se- 


D,gt,ZBdbytr.OO<^le 


130  KBrtSTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

gundoas  impressões  experímentadas  pelo  artista,  a  que  subordinava 
o  assumpto  de  suas  composições. 

Asam  é  que  cremos  entrever  numa  de  suas  ultimas  telas  as 
prcoccupaçótís  de  um  espirito  impressionado  com  o  desappareci- 
mento  successivo  de  artistas,  amigos  da  mocidade;  representa  a  es- 
tatua colossal  do  virtuoso  Carlos  Borromeu,  isolada  na  eminência  de 
um  promontório  do  Lago  Maior  com  a  cabeça  envolta  em  nuvens. 

Ta&to  quanto  este  sancto  personagem,  pode  o  nosso  amigo  ler 
tido  rivaes,  inimigos  uunca.  [>esarmavam  a  inveja  a  sua  inalte- 
rável doçura  e  modesta  franqueza,  ass^urando-Ihe  perfeita  paz  a 
pureza  de  costumes,  por  assim  dizer  patríarchaes,  e  a  ausência  ab- 
soluta de  ambição. 

Quando  muito  saia  do  seu  retiro  para  assistir  às  nossas 
sessões,  certo  de  se  ver  rodeado  do  prestigio  e  do  respeito  que  lhe 
eram  devidos  e,  sobretudo,  o  que  mais  o  commovia,  da  mais 
carinhosa  afíèctuostdade. 

Escoara-se-lfae  a  vida  pauifica  mas  não  sem  glorias,  como  as 
aguas  dessas  fontes  que,  embora  escondidas  sob  modestas  folhagens, 
nem  por  isto  deixam  de  reflectir  os  mais  puros  raios  do  astro 
do  dia. 

Apaixonado  das  bellezas  da  natureza,  soube  Taunay  traduzi-las 
cm  todos  os  seus  quadros :  paizagens,  marinhas,  batalhas,  scenas 
familiares  ou  históricas,  tudo  pintou  tanto  sem  as  tbrçar  como  sem 
affe:taçÍo. 

A  França,  a  Suissa,  a  Itália  forneceram-lhe  assumptos.  Ainda 
mais  :  ch^ou  a  ir  ao  Novo  Mundo  na  anciã  de  descobrir  novas 
inspirações  e  estudos  numa  natureza  mais  virgem. 

Cheio  de  saudades  da  pátria,  onde  bem  sabia  que  o  apreciavam 
c  onde  deixara  amigos  que  lhe  choravam  a  ausência,  dentro  cm 
breve,  fugindo  penosamente  ao  abraço  dos  filhos  que  d3o  mais 
devia  ver,  regressou  á  França,  com  a  virtuosa  consorte  que  o  accom- 
panhara  sempre,  quer  uos  dias  de  felicidade  quer  nos  de  tristezas. 

Voltou  pois,  nada  trazendo  da  viagem  sinão  a  representação 
dos  Ihesouroa  naturacs  da  America,  thesouros  que  estavam  bem 
longe  de  o  haver  enriquecido. 


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DOCUMENTOS  SOBRÍ  A  VlOA  E  A  OnflA  DE  NICOLAU  A.  TADNAV      I3I 

Poudc  ao  menos  cncoatrar  corações  Reis :  um  dos  filhos,  uma 
nova  família  que  o  adorava;  os  mais  carinhosos  tratos  lhe  foram 
então  dispensados ;  tudo  teve,  tudo  quanto  os  entes  que  declinam  c 
se  enfraquecem  necessitam  de  amor  e  dedicação  para  se  sustentar 
G  brilhar,  ainda  que  por  lampejos,  antes  da  e-xtincçúo  total. 

Foi  pois  assim  que,  no  meio  de  doces  illusões  c  consoladoras 
realidades,  chegou  por  insensível  declive  á  penosa  transição  desta 
vida  ã  eterna  existência. 


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Elop  Hre  U  Hicolai  AiHo  Tana;  pratiailo  ii  InsUM 
le  Fnga  gelo  secrelailo  temttao  ijnalreiíière  1b  toiíc; 

KOTICIA     IIISTOKICA    SODRIC   A    VIDA    E   AS    OUKAiJ    IK)    SR.   TAUNAY, 
NASCIDO   EM   PARIZ  EM    I755  E  AIII   FALLECIDO   EM    183O 

Nasceu  Nicolau  António  l'aunay  cm  Pariz,  em  1755.  O  pae 
era  um  chimico  de  valor,  a  quem  a  píatura  deve  algumas  desco- 
bertas úteis,  inspiradas  por  forte  pendor  pelas  producçoes  desta 
arte.  Muito  oaturalmente  pois,  pôde  o  filho  encontrar  na  casa 
paterna  um  incentivo,  de  onde  nasceu,  c  mais  tarde  augmentou, 
uma  inclinação,  que  em  breve  se  converteu  no  preludio  de  uma 
vocação  franca. 

Foram-Ihe  naturalmente  os  álbuns  do  pae  os  primeiros  brin- 
quedos da  infância.  Dentro  em  breve  se  lhe  convertiam  elles  em 
habitual  motivo  de  occupação  e, .  afinal,  em  matéria  exclusiva  de 
apaixonado  estudo,  que  lhe  absorvia  as  faculdades  do  estudo.  En- 
tendeu  o  amor  paterno  dever  oppor  algumas  diversões  a  este  zelo, 
cuja  violência,  em  edade  ainda  tão  tenra,  poderia  prejudicar  o 
desenvolvimento  de  uma  constituição  ainda  traça. 

Vencendo  a  paixão  a  todos  esses  obstáculos,  foi  preciso  obcdc- 
cer-íhe,  e  o  pequeno  Taunay  pôde  enfim,  livremente,  eQtr<^ar-sc 
sem  reservas  aos  estudos  preliminares  da  pintura.  Até  então  seus 
gostos  e  desejos  se  tinham  resumido  na  prãctica  do  desenho.  Havia 
nos  seus  órgãos  visuaes  uma  imperfeição  assaz  commum,  que  teria 
podido  restringir- lhe  o  talento  ã  parte  linear  da  arte,  si  a  scíencia 
dos  ópticos,  por  intermédio  de  seus  vidros  mágicos,  não  houvesse 
dissipado  o  veu  que  lhe  encobria  o  encanto  das  cores,  com  que  a 
natureza  pintou  as  suas  obras. 

Desvendou-se-lhe  um  novo  mundo,  revelando-se-Ihe  ao  mesmo 
tempo  que  elle  estava  destinado  a  ser  um  colorista ;  de  oia  em 

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DOCUMENTOS  SOBRE  k  VIDA   F.  A   OBHi   DE  NirOLAU  A,  TAUNAY      I33 

deante o  pincele  a  palheta  lhe  iam  ser  os  instrumentos  predilectos, 
e  a  paízagem  com  tudo  o  que  a  natureza  campestre  apresenta  de 
vari^ado  ao  olhar  e  á  alma  passou  a  constituir  o  domínio  privi- 
I^iado  do  seu  talento. 

Começara  Tauaay  tendo  como  mestre  de  pintura,  verdade  é 
que  em  cuno  lapso,  um  pintor  de  historia,  Brenet,  que  nessa  épocha 
não  deixava  de  ter  certo  talento  e  celebridade.  Deixou-o,  porém,  para 
s^uír  a  Casanova,  pintor  de  batalhas  e  de  animaes,  que,  em 
breve,  se  viu  obrigado  a  sair  de  França,  para  se  estabelecer  na 
Rússia. 

Pode-se  pois  afBrmar  que  pouco  ficou  Taunay  a  dever  a  esses 
dons  mestres.  Maior  aprendizagem  lhe  teria  sído  utii  > 

Não  cremos.  A  continuação  dos  tempos  demonstrou  perfeita' 
mente  que  nelle  havia  um  germe  de  talento  próprio,  certa'  seiva 
de  originalidade,  que  a  direcção  de  uma  cultura  extranha  poderia 
ter  impedido  que  se  desenvolvesse,  a  contento  dos  meios  que  a 
natureza  lhe  proporcionara. 

Deveu  pois  a  este  feliz  espirito  de  independência  o  poder 
escolher  livre  c  judiciosamente  o  género,  para  o  qual  tinha  maiores 
dotes.  O  apurado  gosto  não  o  levava  a  medír-se  com  a  natureza,  nas 
altas  espheras  da  Imitação.  Em  vez  de  lançar-se  para  os  géneros 
de  arte  elevados,  onde  é  tão  commum  que  o  olvido  recompense  a 
mediocridade,  teve  o  bom  senso  du  ouvir  a  própria  voca^o  e, 
aquilatando  a  ambição  peta»  ri*irças,  creou  segundo  os  dictames 
de  seus  recursos  naturaes  um  género  de  superioridade,  que  nenhum 
dos  contemporâneos  poderia  disputar~lhe  um  dia. 

E' um  dom  bem  raro  da  natureza,  esse  de  bem  conhecer  o 
que  ella  de  nós  espera,  o  que  nos  impõe,  permitte  ou  recusa. 

Delia  recebera  Taunay  atilado  espirito,  delicados  sentimentos 
e  uma  imaginação  capaz  de  apprehendcr,  no  mundo  physico  e  na 
ordem  moral,  essas  subtis  harmonias,  cuja  graciosidade  é  causa  de 
tanto  encanto,  essas  filigranas  que  em  certos  géneros  ingcnuos  de 
lítteratura,  como  os  do  conto,  do  idyllio  ou  do  apologo,  immorta- 
tizaram  o  nome  de  certo  numero  de  poetas.  Ora,  o  génio  é  tão 
raro  nease  terreno  como  nos  demais.  Sem  querer  pois  levar  as 


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134  RGVBTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

suas  pretençães  a  mais  alto  ponto  teve  Taunay '  a  sensatez  de 
nivelar  o  seu  talento  c  a  sua  ambiçSo. 

Esforçou-se  por  crcar,  pela  reunião  de  duas  espécies  de 
méritos,  um  na  paizagcm,  outro  nos  assumptos  chamados  ane- 
cdotícos,  um  duplo  meio  de  encantar  e  attrahir  os  ollios  e  o 
espírito  de  grande  parte  do  público,  esse  que  antes  de  tudo 
pede  às  artes  eaeaR  imagens  suaves  e  ligeiras,  cuja  verosimilhança 
é  tanto  mais  racilmentc  apreciável  porquanto  se  acha  ao  alcance  de 
todos. 

Decidido  a  cntregar<se  inteiramente  ao  instincto,  que  o  levava  á 
práctica  da  paizagcm,  ornada  de  figuras,  foi  na  Suissa  que  Taunay 
entendeu  procurar  os  elementos  dessa  fclir  união,  que  tanto  harmo- 
niza a  natureza  agreste  das  localidades  com  a  simplicidade  dos 
costumes,  os  hábitos  campestres  dos  homens  c  o  variegado  dos 
trajoA  das  camponezas. 

Partiu  com  Demarnc  c  alguns  outros  companheiros  de  viagem 
ou  de  estudos  e,  de  accordo  com  elles,  ao  percorrerem  aquelle  paiz, 
verdadeiro  museu  de  pabjgcm,  não  cessou  um  só  dia  de  encher  a 
carteira  com  os  mais  interessantes  esboços,  e  ainda  melhor,  fixou- 
os  na  memoria,  instrumento  indispensável  ao  paizagista  que  a  ellc 
sempre  precisa  recorrer,  afim  de  resuscitar  esses  eHeitos  fugidios, 
dos  quaes  nenhum  elemento  pode,  na  realidade,  reproduzir-se  a 
contento  das  necessidades  do  artista. 

Regressando  a  Pariz  deu-se  Taunay  a  conhecer  por  intermédio 
de  um  quadro  de  cavallcte  que  representava  uma  festa  de  aldeia, 
graciosamente  homc^neo  no  seu  colorido  exacto,  e  fina  execução, 
prenunciando  um  desses  talentos,  cujo  nascimento  6  um  s^redo 
que  a  natureza  desvenda  quando  quer. 

Este  lindo  quadro  attrahiu,  de  modo  muito  especial,  a  attenção 
dos  conhecedores.  A  Acad^nia,  illimitada  então  no  numero  de 
seus  membros  e  na  liberdade  dos  iociUmentos  de  que  podia  knçar 
mão,  ao  felicitar  o  auctor  pelo  feliz  preludio  deu-lhe  a  entender  que 
nova  obra  do  seu  pincel,  mais  vasta  então  e  de  estylo  mais  elevado 
lhe  alcançaria  honrosos  c  utcis  sutfragios.  Taunay  comprehendeu 
quanto  havia   de   lisonjeiro  c  de  promissor  nesse  prognoaico. 


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DOCUMENTOS  SODRE  A   VrOA  E  A  OBRA  DE  NtCOLAU    A.   TAONAY      I3;; 

Apressou-se  em  respoader,  com  secundo  quadro,  cujo  aesumpto 
the  foi  inspirado  pelo  ArioRto. 

As  duas  obras  lhe  valeram  ser  eleito,  por  unanimidade  de  votos, 
sócio  correspondente  da  Academia,  eestc  novo  successolhe  trouxe 
um  premio  ainda  mais  vantajoso:  uma  estada  em  Roma,  a  no- 
meação para  a  vaga  aberta  com  a  morte  de  um  dos  pensionistas, 
o  joven  Taraval,  grande  premio  na  edade  de  dezesete  annos. 

Partiu  porá  Roma  em  1784  no  mesmo  anno  da  sua  eleição 
para  a  Academia. 

A  vista  c  o  estudo  da  natureza  na  Itália,  o  aspecto  c  a  influ- 
encia das  grandes  obras  d  arte,  nfio  podiam  deiíar  de  comniunicar- 
lhe  ao  talento  alguma  cousa  de  mais  nobre  no  cstylo,  na  escolha 
dos  assumptos  e  dos  accessorios,  na  composiçito  e  ciecução. 

Ha  paru  cada  categoria  de  assumptos,  mesmo  para  os  que  se 
filiam  a  uma  ordem  inferior  de  ídeas,  certo  numero  de  characteris- 
ticos  que  os  recommenda,  mais  ou  menos  intensamente,  aos  olhares 
e  gostos  do  amador,  mais  ou  menos  culto,  e  aciírca  do  qual  deve  ser 
estabelecido  o  seguinte  preliminar:  nem  lo^laa  ax  verdades  se 
prexlam  a  ser  pinladjs. 

Taunay  linha  muita  elegância  de  character  e  espirito  para  que 
ella  oSo  llie  influenciasse  as  composições.  O  género  da  copia 
servil  e  vulgar  nunca  poderia  tò-io  attrabtdo.  O  aspecto  de  Roma  e 
o  estudo  alli  iam,  porém,  contribuir  para  o  desenvolvimento  dessa 
feliz  tendência  do  sen  talento,  como  demonstraram  varias  das  telas, 
que  o  seu  pincel  fecundo  executou  naquella  cidade. 

Entre  eltas  citam-se  um  bello  quadro  representando:  A  bcnçd» 
í*M  rebanhos  e  sobretudo  uma  grande  paizagem  de  nobre  estylo, 
adornada  de  figuras,  maiores  do  que  geralmente  se  usa,  e  cujo 
principal  assumpto  6  o  Anjo  Rafaet  em  companhia  4e  Tobias. 
Com  as  mesmas  dimensAes  wnda  executou  em  Roma  outro  quadro 
representando :  l  'm  ermila  3  pregar,  tela  muito  notada  pela 
grande  variedade  dos  grupos  de  figuras,  pela  diversidade  de  trajos 
e  pelo  encanto  do  colorido. 

De  volta  a  Pariz,  após  trcr  annos  de  estudos  na  Itália,  vê-se 
Taunay  multiplicar  as  snas  composiçúes,  sempre  variadas,  cm  que  a 


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136  REVISTA  DO  INSTITDTO  HISTÓRICO 

verdade  do  colorido  e  a  facilidade  do  piocel  se  unem  para  a 
representação  de  ímagiDosos  assumptos  e  espirituosas  concepções 
que,  sem  pretençóes  a  attingit  ã  nobreza  do  género  histórico  ou 
heróico,  nem  por  isso  se  limitavam  a  ser  —  como  em  certas  cscholas 
aconteceu  —  simples  reflexo  de  vul^r  realismo. 

E'  impos^vel  deixar  de  reconhecer  que  em  todas  as  produc- 
çôes  do  seu  pincel  vive  inventivo  espirito,  realçado  por  não  muito 
extensa  erudito,  por  assún  dizer,  mas  adequada  ao  grau  de 
elevação  com  que  tractava  os  dífferentes  assumptos  e  pretendia 
íàzê-los  observar. 

Refiro-me  aos  que  ia  buscar  em  todas  as  regiões  da  fabula  e  da 
histOTÍa,  dos  costumes  antigos  e  contemporâneos,  a  todos  os  gé- 
neros de  acção  fabulosa  ou  real,  de  allusões  criticas  ou  espiri- 
tuosas. 

E'  assim  que  na  mais  completa  enumeração  das  suas  obras, 
tomada  ao  acaso,  vemos :  Moisés  ferindo  o  rochedo  e  a  Batalha  de 
Na^reth,  o  Theatro  de  La  Folie  e  ura  Ba?^r  Turco^  Moisés  salvo 
das  aguas  e  o  Lobo  damnadOt  a  Volta  do  Mercado  e  o  Dia  m- 
mediato  ao  de  uma  bataliia,  um  Hospital  militar,  José  explicando 
sonhos  aos  ermãos  e  um  Conto  de  La  Fonlaine . 

Poucas  ha,  porém,  dessas  numerosas  composições,  cm  que  o 
pintor  tenha  deixado  de  frisar  alguma  verdade  moral  ou  critica  es- 
pirituosa, capaz  de  deleitar  a  razão. 

Haverá  quem  sustente  que  essa  propriedade  de  dar  às  licções 
da  moral  um  disfarce,  que  lhe  attenue  a  severidade,  seja  o  privilegio 
da  poesia,  com  excluso  da  pintura?  Numerosos  exemplos  applica- 
veis  a  uma  e  outra  arte  nos  apresentam  o  problema  como  de  niuitc 
difficil  resolução. 

Contentemo-nos  em  dizer  que,  nesse  particular,  forneceria 
Taunay  novos  elementos  de  comparação  que  seriam  favoráveis  á 
arte  do  pintor,  podendo.se  invocar  a  seu  respeito  a  opinião  publica, 
que  o  baptisara:  —  «  O  La  Fontaine  da  Pintura  ». 

Seja-nos  dado  apontar  aqui,  cm  attenção  aos  louvores  que  me- 
rece, relevando-se-nos  essa  indicação  que  deveria  ser  mnis  abstracta 
do  que  synthetizada,  mais  geral  do  que  particularizada,  seja^nos 


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DOCUMENTOS  SOBRE  X   VIDA  E  A  OBRA  DE  MCOLAU  A.  TAUNAY      I37 

dado  apontar  esse  mérito,  cujas  qualidades  nosso  discurso  não  pode 
púr  em  pleno  destaque. 

Todas  as  artes  tèm  os  seus  recursos  próprios,  que  só  podem 
ser  apreciados  pelos  órgãos  que  a  cada  uma  correspondem.  Ora 
pretender  traduzir  em  palavras  as  composições  de  Taunay,  a  que 
aos  rereritnos,  seria  uma  cincada  egual  á  iltueão  do  pintor  que 
pretendesse  tomar  inteiligiveis  aos  olhos  &bulas  como  «  O  car- 
valho c  o  caniço  »  ou  «  A  mosca  e  a  form^a  >• . 

Havia,  como  fiiemos  ver,  dous  talentos  em  Taunay  e, 
digamos  assim,  dous  pintores,  tão  ideatificados  entre  si,  que  sen> 
timos  ter  sido  obrigados  a  delles  tractar  separadamente. 

Sim ;  sob  o  pomo  de  vista  do  paízagista  soube  creir  um 
logar,  que,  coUocando-o  em  destaque  na  numerosa  coborte  dos 
hábeis  mestres  que  esse  género  cultivaram,  ainda  no-lo  mostra 
muito  mais  sujeito  ã  inspiração  própria  do  talento  do  que  aos 
exemplos  dos  predecessores. 

Dabi  lhe  provam  a  saborosa  originalidade  das  obras,  oriunda 
de  uma  faculdade  instinctiva  do  artista  muito  mais  do  que  do 
estudo.  Em  Tauuay  tudo,  ate  a  maneira  com  que  encarava  a  natu- 
reza, era  original . 

Os  seus  estudos  do  natural  não  são  absolutamente  do  género 
desses  em  que  vemos  o  pintor  eslòrçar-se  por  surprehender  &s 
pressas,  para  Sxa-las  pelo  lápis  e  pelo  pincel,  imagens  moveis  e 
variáveis,  cffèitos  de  sombra  c  luz  c  os  diversos  accidentes  transi- 
tórios do  espectáculo,  cuja  fugitiva  impressão  deseja  estampar. 

Inspiravam-lhe  essas  impressões  a  disposição  de  espirito  que 
o  dominava,  auxiliando-K)  poderosa  memoria,  que  lhe  reproduzia 
todas  as  minúcias  do  conjuncto  e  das  particularidades  applicaveis 
303  assumptos  que  devia  tractar. 

Asúm  pintava  pois,  sem  a  realidade  de  modelo  algum,  a  scena 
que  a  imaginação  lhe  evocava,  e  as  figuras  que  nella  punha  vestia-as 
sem  o  auxilio  do  manequim.  Não  trabalhava,  não  dispunha  mctho- 
dtcamente  as  minúcias  de  uma  composição,  improvisava :  sem 
apalpadeltas,  sem  hesitações  nem  arranjos  prévios. 

Empolgado  por  um  assumpto  não  tractava  de  coordenar,  de 


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I3II  REVISTA  DO  INSTITtTO  nBTOKICO 

antemSo,  os  primeiros  planos  com  os  últimos,  as  massas  do  arvo- 
redo com  os  grupos  dos  personagens. 

Tudo  isto  já  o  executara  o  cérebro ;  nada  maín  tinha  do  que 
(a7^  a  traducção  em  cores;  era-lhe  isto  na  sua  arte,  como  um 
discurso  pronunciado  de  improviso  por  orador,  que  conhece  a 
tundo  o  seu  assumpto  c  recebe  de  subitanea  inspirado  essa  vivaci- 
dade de  efleitos,  que  a  lima  do  trabalho  embotaria. 

No  domínio  da  imitação,  que  era  o  seu,  creara  Taunay  uma 
como  que  universalidade  de  talentos  pela  reunião  de  quasi  todos  os 
géneros  de  habilidade  exigida  pelos  diversos  ramos,  um  dos  quaes 
basta  para  firmar  a  reputação  do  artista  que  o  cultiva  com  superio- 
ridade. Não  devemos  pois  eiquccer  de  lembrar  quanto  sobresaía 
□a  representação  dos  anlmaes ;  aos  entendidos  na  matéria  caberá 
fixar-lhc  uoi  Jogar  entre  Paulo  Potter,  Wouvermans  e  Berghcm. 
Tal  reunião  de  capacidades  e  de  utentos,  como  essa  que  esbo 
çamos,  deveria  ter  cODCcdído  a  Taunay  sináo  os  favores  dessa 
fortuna  qve  vende  o  que  se  acredita  que  ella  dS,  ou  pelo  menos  a 
feliz  abastança,  de  onde  decorre  a  doce  despreoccupação  do  flituro. 
Durante  algum  tempo  gozou  desta  ultima,  que  as  primeiras 
borrascas  revolucionarias  não  perturbaram,  no  seio  de  uma  femilia 
amável,  que  com  assíduos  carinhos  tractava  de  &zer  com  que  exque- 
cesse  os  perigos  passados  e  arrostasse  confiante  os  receios  mais 
series  do  futuro. 

Após  haver  perdido,  porém,  graças  ás  consequências  suces- 
sivas das  perturbações  politicas,  o  fructo  das  economias  e  o  dote  da 
mulher,  cm  vão  esperou  do  futuro  a  volta  das  circunstancias  afor- 
tunadas, que  lhe  haviam  aberto,  ao  talento,  útil  e  brilhante  carreira. 
O  titulo  de  académico,  que  a  formação  do  Instituto  lhe  havia 
conferido,  não  passava  de  equivalente  nominal,  inteiramente  in- 
capaz, na  nova  ordem  de  cousas,  de  lhe  assegurar  ao  talento  e  á 
collocação  dos  quadros  o  successo  e  a  reputação,  elementos  com 
que  pudesse  levantar  novamente  a  compromettida  fortuna. 

Nestas  circunstancias  novas  perspectivas  vieram  brilhar  apon- 
tando ã  natureza  especial  do  talento  e  ao  mau  estado  da  fortuna 
inesperados  recursos.  E,  com  efièito,  indicavam-Ihe  um  novo  mundo 


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DOCUMENTOS  SOBRR  A   VIRA  B  A  OBRA  DK  NICOLAU  A. 

a  explorar  e  conquistar  em  proveito  da  Arte  e  do  artista.  Agentes 
portuguczes,  residindo  cm  Pariz,  prctcadiam  recrutar  para  o  Brafiii 
pequena  colónia  de  hábeis  artistas,  cujos  talcotos  pudeíwem  implan- 
tar naquella  rt^áo  virgem,  si  assim  se  pode  diur,  galardoada  pela 
natureza  com  as  mais  ricas  dadivas,  o  g('>sto  pelos  artes  do  desenho 
quer  pelos  ensinamentos  quer  pela  virtude  dos  exemplos,  mais 
tbcundos  c  mais  activos  ainda  que  todas  as  licções.  Gabavam  à  portía 
a  magnificência  de  uma  natureza  novj,  a  rica  vegetação  das  flo- 
restas, que  o  machado  ainda  não  violara,  os  aspectos  pitlorcscos  das 
producçúes  e  das  plantas  desconhecidas  totalmente  na  Europa. 

O  novo  governo  do  Brasil  alli  desejava  introduzir  o  g<Jsto  de 
uma  nova  cultura,  a  das  artes  da  imitação,  e  ofierecia  aos  artistas 
parizienses  o  duplo  chamariz  da  fortuna  e  das  honrarias. 

Taunay  Jeixou^sc  levar  por  estas  promessas  Callazes  e  partiu 
para  o  Rio  de  Janeiro,  com  dous  dos  filhos  e  alguns  amigos,  atira- 
hidos  como  cllc  pelas  mesmas  esperanças.  Digamos  que  nem  todas 
lhe  foram  enganosas,  isto  é  para  o  talento  e  a  reputação.  AJais  de  uma 
grande  tela,  rcmcttida  á  Academia  durante  esse  voluntário  exilio' 
si  em  nada  contribuiu  a  uma  reputação  que  nada  mais  tiuha  que 
conquistar,  deu  novos  tcstímunhos  da  sua  rara  capacidade  em  se 
impregnar  de  todas  as  diversidades  das  formas  c  das  physionomias 
da  natureza. 

No  entanto,  decorridos  alguns  annos,  as  saudades  da  pátria  não 
podiam  deixar  de  nclle  produzir  o  effêíto  de  uma  desillusão>  a  que  se 
juncuram  o  pezar  da  perda  de  alguns  companheiros  do  voluntário 
desterro,  e  sobre  tudo  o  lucto  pela  morte  de  um  dos  filhoR,  cir- 
cunstancia que  acabou  de  lançar  um  véu  fúnebre  si'ibre  a  perspc- 
ctiva  de  fortuna  e  de  gloria  que  o  seduzira. 

Desde  ahi  nada  mais  desejou  sináo  respirar  o  ar  da  pátria, 
onde  o  chamavam  os  votos  dos  amigos  e  a  ennobrecedora  dis- 
lincçáo  da  cruz  de  honra,  que  parecia  ter  ido  procura-lo  no  Brasil 
unicamente  para  lhe  lembrar  quanto  se  honrava  a  pátria  com  os 
seus  talentos. 

Voltou  pois,  mais  para  gozar  da  reputação  adquirida  no  meio 
das  amigos  do  que  para  entrar  de  novo  em  líçn  com  a  multidão  dos 


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140  REVISTA  DO  rsSTITOTO  HISTÓRICO 

coQCurrentes,  que  os  eflettos  dos  acontecimentos  revolucionários 
haviam  suscitado. 

Mais  que  septuagenário  arranjou  pacifico  retiro,  ao  tado  da 
mullier  e  o  unico  filho  readente  em  França. 

Alli,  exemptode  sofliimeatos  physicos,  liberto  de  quaesquer 
preocupações  e  ambições,  comprazÍa-se  em  fazer  como  que  um 
retrospecto  dos  trabalhos  que  lhe  haviam  tomado  a  vida  toda.  Ro- 
deado de  grande  numero  de  obras  suas  aubmettia-as  a  uma  critica, 
cada  vez  mais  severa,  cujas  sentenças  acatava  pc^  meio  de  felizes 
retoques  até  que  estes  lhe  satisfizessem  plenamente  o  gosto.  Assim 
terminava  suavemente  a  carreira  no  meio  das  lembranças  de  uma 
existência  hohrada,  de  esperanças  de  duradoura  gloria  e  das  do- 
çuras da  vida  domestica,  gozando  da  estima  e  amizade  de  todos  os 
confrades,  confiante  em  que  a  sobriedade  da  vida  e  a  solidez  da 
constituído  lhe  haveriam  de  recuar  o  prazo  fatal,  ainda  por  alguns 
annos. 

Vá  eitperança  !  súbita  fraqueza,  funesto presagto da  morte  dclle 
se  apoderou. 

Nâo  era  moléstia  da  alçad.i  da  scicncla  nem  da  arte  dos  mé- 
dicos, e  sim  uma  extiacção. 

No  (im  de  quinze  dias  morrín,  aos<tãptenta  e  cinco  annos,  a  ao 
de  Março  de  iRyi. 


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A  «CIRCULAR..  DE  TllEOPHILO  OTTONl 

REPRODUCt, .^Q  DO  OI>USCULO  EDITADO  EH  l(!60  E  fSÕI,  SESTA  CAPITAL, 
COM  O  TITULO  "  CIRCULAR  DEDICADA  AOS  SR5.  ELEITORES  DE  SENA- 
DORES PELA  província  DU  ICINAS-GEHAES  NO  QUATniENNIO  ACTUAL 
B  ESPECIALMENTE  DIRIUIDAS  AOS  SR8.  ELEITORES  DB  DEPUTADOS  PELO 
3"  DISTRICTO  ELEITORAL  DA  MBSKA  PROVÍNCIA  PARA  A  PROXIllA  LE- 
GISLATURA 1>K,0  E\-DEPUTADO  TllEOPHILO  BENEDICTO  OTTONl  • 
PRECEDIDA  DE  U.UA  SUMHARIA  APRECIAÇ.tO  DA  VIDA  E  FEITOS  DO 
BENEMÉRITO  PATRIOTA. 


BASÍLIO  DE  MAGALHÃES 


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Ao  Sr.  professor  Basílio  de  Magalhães,  noSSo  c 
auxiliar,  pedíramos  um  prefacio,  destinado  a  justificar  a  in>- 
serção  do  precioso  documento  politico  de  Theophilo  Ottoni 
nas  paginas  de  nossa  <  Revista  >. 

Ai)enas  nos  foi  entregue  aquelle  trabalho,  leu-o  o  nosso 
venerando  bibliothccario,  o  provecto  dr.  Vieira  Fazenda,  que 
sobre  elle  traçou  esixjntaneaniente  as  linhas  seguintes: 

— « E'  o  estudo  mais  completo  que  conheço  sõbrc 
Theophilo  Uttoní,  inclusive  tudo  quanto  do  illustre  Mineiro 
escreveu  Joaquim  Nabuco». 

Nada  mais  nos  resta  a  accrescentar  a  esse  honroso  pa- 
recer, que  subscrevemos  sem  discrepância. 

A  DiKiiCCÃo. 


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A  emeHUE  »e  theopeilo  ottoni 

Em  boa  hora  resolveu  o  Instituto  Histórico  e  Geogra- 
phico  Brasileiro  estampar  na  sua  <  Revista  >,  por  ser  hoje 
de  extrema  raridade,  a  melhor  produc<;ão  das  postas  em  letra 
de  forma  pelo^naís  adeantado  liberal  do  império. 

Datada  de  19  de  Septembro  de  1860,  nesse  mesmo 
anno  saiu  dos  prelos  do  Correio  Mercantil,  de  M.  Barreto, 
Filhos  &  Octaviano,  á  rua  da  Quitanda  11.  55,  nesta  capital, 
a — €  Circular  dedicada  aos  srs, '  eleitores  de  senadores  pela 
província  de  Minas-Geraes  no  quatriennio  actual  e  especial- 
mente dirigida  aos  srs.  eleitores  de  deputados  pelo  2°  districto 
eleitoral  da  mesma  provincia  para  a  próxima  legislatura  pelo 
ex'deputado  Theophilo  Benedícto  Ottoni  », 

As  suas  161  paginas,  em  typo  miiido,  evidenciam  desde 
logo  que  tal  obra  fugia  á  vulgaridade,  ou,  melhor,  á  vacuidade 
que,  como  ainda  agora,  characterizava  então  as  congéneres. 

Assim  como  no  longo  período  colonial,  entre  as  ínnu- 
meras  florações  poéticas  aqui  abrolhadas  ás  inspirações  do 
cultísmo  ou  da  reacção  clássica,  só  duas  houveram  jus  á  ím- 
mortalidade,  —  o  «  Uruguay  »  de  José  Basílio  da  Gama  e  as 
«Cartas  chilenas  >,  de  Thomaz  António  Gonzaga — .assim 
também  do  sem-numero  de  opúsculos  políticos,  adubados  pelas 
agitações  em  que  nasceu  e  se  consolidou  a  nossa  soberania  c 
proliferaiTos  pelo  rotativismo  dos  grossos  partidos  nionar- 
chicos,  apenas  três  abriram  sulco  profundo  e  imperecível  na 
esteira  dos  pátrios  annaes :  —  o  «  Libello  do  povo  »  de  Ti- 
mandro  (Francisco  de  Salles  Torres  Homem,  depois  visconde 
de  Inhomirim),  a  admirável  synthese  a  que  Justiniano  José 
da  Rocha  deu  o  titulo  de  «  .■\cção,  reacção,  transacção»  e  a 
€  Circular»  de  Theophilo  Benedicto  Ottoni, 

Não  é  só  a  absoluta  escassez  desta  no  mercado  de  livros 

o  que  determina  a  necessidade  da  sua  reimpressão.  Não  fosse 

■  ella,  como  é,  o  inestimável  e  fidedigno  depoimento  dos  prín- 


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146  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

cipaes  episódios  da  evolução  brasileira  na  maior  parte  do 
regime  imperial,  prestado  por  quem  os  testimunhou  em  dila- 
tada e  brilhante  carreira  pública,  e,  sobretudo,  não  fosse  ella, 
como  é,  efficiente  doutrínamento  de  alto  civismo,  límpida 
licção  de  moral  politica,  —  sem  duvida  merecera  dormir  o 
somno  do  perpetuo  olvido,  como  tantas  outras  que  visaram  a 
interesses  de  occasião  e  sobre  as  quaes  paira  hoje  o  mais 
justificável  silencio, 

A  acção  exclaredda  e  perseverante  do  grande  liberal  e 
aquella  sua  autobiographia  constituem,  em  perfeito  conjuncto, 
não  só  um  luminoso  capitulo  da  Historia  nacional,  como 
também  um  edificante  exemplo  aos  homens,  a  quem  ora  in- 
cumbe a  direcção  dos  supremos  destinos  da  Pátria. 

Vamos,  pois,  bem  que  em  pallido  resumo,  corroborar  o 
que  acabamos  de  dizer,  demonstrando  ao  mesmo  tempo  o 
novo  serviço  meritório,  que  o  Instituto  Histórico  e  Geogra- 
phico  Brasileiro  tão  opportunamente  presta  ao  paíz,  com  o 
fazer  revibrar  a  voz  do  estrénuo  trabalhador,  o  qual,  além  de 
pôr  em  práctica,  com  o  completo  sacrificio  da  sua  fortuna  e 
da  sua  saúde,  a  defesa  e  o  desenvolvimento  dos  nossos  mais 
elevados  interesses  económicos,  foi  sempre  um  impolluto  e 
indefesso  paladino  das  franquias  democráticas,  afinal  con- 
quistadas pela  terra,  que  tanto  deve  ufanar-se  de  lhe  ter  sido 
berço. 

Nasceu  Theophilo  Ottoni  a  27  de  Novembro  de  1807, 
na  então  villa  do  Principe  e  hoje  cidade  do  Serro,  em  Minas- 
Geraes.  Argúe-lhe  o  cc^^nome  sangue  italiano,  pelo  lado  pa- 
terno (1) .  Era  sobrinho  de  José  Eloy  Ottoni,  um  dos  nossos 
mais  inspirados  lyricos  da  primeira  metade  do  século  XIX, 
e  ermão  de  Christiano  Benedicto  Ottoni,  erudito  mathematico 
e  proficiente  engenheiro,  a  quem  deve  o  Brasil  assígnalados 
serviços  (2). 

(1)  Sesundo  informacãai  qu>  tiot  foram  gcntUniente  larntciíU*  ptlo  ít. 
ir.  Júlio  Benedido  Olloni,  Theophilo,  que  era  lilho  de  Jorge  Benedicto  Ottoni 
e  d.  Rosália  Ottoni  e  neto  de  Manuel  Vieira  Ottoni  e  d.  Anna  Fellrarda  Pua 
Leme,  descendia  de  Manuel  Ottoni,  Genovei  emigrado  fiara  Portugal  e  de  IÍ 
para  o  Bruil  noi  fina  do  primeiro  quartel  do  século  XVIII.  poii  a  (ua  carta 
de  naturalizaçlo  foi  regiilada  na  canura  d>  cidade  de  S.  Paulo  a  ii  de  Julho 
da  t;»?. 


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k  CIRCULAR  DE  THBVHILO  OTTONi  1^7 

Na  terra  natal,  além  de  outras  disciplinas,  estudou  cuida^ 
dosamente  o  latim;  e  aos  quinze  annos  já  rimava  algumas 
estrophes  patrióticas,  incentivadas  pela  repercussão  que  tivera 
em  nossas  plagas  o  movimento  constitucionalista  portuguez 
de  1820. 

Vindo  para  esta  capital  em  182Õ,  aqui  se  matriculou  na 
Academia  de  Marinha  (primeira  denominação  que  teve  a 
Escola  Naval),  onde  logo  se  fez  notar  a  robustez  do  seu 
talento. 

Ao  concluir  as  provas  do  primeiro  anno,  teve  ensejo  de 
ouvir  do  presidente  da  banca  examinadora,  o  chefe  de  es- 
quadra José  de  Sousa  Correia,  as  seguintes  palavras  de  espon- 
tâneo elogio :  —  «  Estudantes,  como  este,  honram  aos  profes- 
sores e  á  própria  Academia  > . 

Durante  o  curso,  realizado  sempre  com  brilho,  ainda  o 
jovcn  Mineiro  teve  tempo  de  fazer-se  professor  de  Geometria, 
folgando  de  contar  entre  os  seus  discípulos  a  Evaristo  da 
Veiga,  de  quem  se  tornou  assiduo  e  sincero  amigo. 

Admira  que  ainda  lhe  sobrassem  momentos  de  lazer  para 
a  intensidade  jornalisttca,  a  que  também  se  entregou.  Assim 
é  que  collaborou  activamente  na  Astréa  (não  publicada  em 
S.  João  dei  Rey,  como  equivocadamente  af firma  Nelson  de 
Senna,  in  €  Rev.  do  Inst.  Hist.  e  Get^.  Brás. »,  LXV,  p.  2*, 
35S,  mas  editada  aqui,  no  Rio  de  Janeiro,  sob  a  direcção  de 
António  José  do  Amaral  e  José  Joaquim  Vieira  Souto,  tendo 
durado  de  1826  a  1832),  com  o  pseudonymo  de  c  Joven  Per- 
nambucano», pois,  sendo  menor,  teve  de  acceitar  para  seus 
escriptos  a  responsabilidade  legal,  que  generosamente  lhe  em- 
prestou tun  official  do  exercito,  filho  da  província  septen- 


lente  da  Academia  de  Uarinha  e  cathedratíco  da  Eichota  MiliUr,  lendo  escripM 
compendíot  de  Mathcmatica  dementar,  que  lhe  srMgefuit  ■  mili  Juals  nomeada. 
A'  timilhinta  do  teu  digno  ermáo,  começou  cedo  a  carreira  politica :— foi  depu- 
tado prorincial  em  iSjS,  e  nas  lesislatuias  de  iS+S,  1861  e  iSfi4  reprsientou 
Minas  na  Camará  temporária  geral;  eleito  e  escolhido  senador  pela  prorineia 
do  Espirito-Sanclo  em  1879.  enconlTOu-o  a  Republica  na  iiiemblía  nUlicia,  & 
qual,  transformada  pelo  nav«  reilme,  voltou  elle  em  iSei,  pelos  sutfragios  da 
sua  tern  utal.  Falleceu  aoi  81  iduoi,  teodo  coDMirado  i  Fatii»  4  meUiar  d« 
■ua  longa  e  piccioM  ejuttsncia. 


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I48  REVISTA  DO  INSTITUTO  HI8T0IUCO 

trional;  e  daqui  traçava  frequentes  correspondências  para  o 
Echo  do  Serro,  assun  como  para  o  Astro  de  Minas,  de  S.  João 
dei  Rei. 

Attrahia-o  a  Politica,  e  os  seus  primeiros  actos  denun- 
ciaram immediatamente  o  altivo  e  inflexivel  defensor  das 
liberdades  pátrias. 

Nas  eleições  de  1829,  acciamado  escrutador  da  mesa 
parochial  da  f  reguezia  do  Sacramento,  não  lhe  faltou  coragem  * 
para  propor  que  fosse  multado  o  general  Joaquim  de  Oliveira 
Alvares,  então  ministro  da  Guerra. 

Comprehende-se  facilmente  que  se  negasse  ao  audacioso 
estudante,  —  inscripto  no  «  index  >  desde  aquelle  dia  pelos 
que  dispunham  das  disposições  governamentaes  — ,  o  direito  de 
concluir  o  curso  de  Mathematíca  na  Academia  Militar,  por- 
quanto já  havia  elle  completado  o  da  Academia  de  Marinha. 
Não  se  lhe  permittiu,  siquer,  assistir,  como  ouvinte,  ás  licçÕes 
de  Mechanica  professadas  por  Joaquim  José  Rodrigues  Tor- 
res, depois  visconde  de  Itaborahi,  seu  digno  mestre  e  então 
illustre  correligionário. 

Ordens  de  embarque  para  a  inhospita  costa  da  Africa 
e  para  o  remoto  Amazonas,  assim  como  irritantes  inspecções 
de  saúde,  a  que  a  disciplina  militar  o  sujeitava,  forçaram 
Theophilo  Ottoni  a  pedir  baixa  do  posto  de  giiarda-marinha, 
tão  galhardamente  conquistado. 

Revoltara-o  já,  —  nem  iJodia  deixar  de  ser  assim  num 
espirito  onde  ardia  em  ara  perenne  o  fogo  sarado  da  demo- 
cracia — ,  o  facto  de  assentarem  aquella  praça  os  «  filhos  dos 
grandes,  ainda  que  idiotas »,  <  antes  mesmo  de  se  matri- 
cularem na  Academia  » ;  e,  para  que  se  lhe  dessem  as  duas 
estrellas,  fora  mister  que  elle  dirigisse  ao  Governo  um  pro- 
testo enérgico  a  favor  do  «  principio  da  egualdade  consagrado 
na  Constituição » .  Rebellando-se  contra  a  escandalosa  pro- 
tecção que  immerecidamente  se  fizera  a  condiscípulos  seus, 
logrou  o  denodado  moço  ser  o  único  Brasileiro  a  quem,  na- 
quelle  tempo,  coube,  independentemente  de  titulos  paternos 
ou  avitos,  <  assentar  praça  de  aspirante  graduado  em  guarda- 
marinha». 

Quando  ignóbil  perseguição  politica  lhe  cortou  a  car- 
reira profissional,  iniciada  sob  tão  fulgidos  e  risonhos  auspi- 


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A    CIRCULAR  DE  THEOPHILO  OTTONI  I49 

cios,  já  Theophilo  Ottoní  era  secretario  do  celebre  club  dos 
«Amigos  Unidos»,  de  que  proveio  mais  tarde  o  «Grande 
Oriente»  do  Passeio  Publico.  Tal  associação,  em  que  mili- 
tavam muitos  dos  mais  notáveis  agitadores  republicanos  da 
epocha,  entre  os  quaes  Cypriano  José  Barata  de  Almeida, 
«teve  mais  influencia  do  que  se  pensa  na  revolução  de  7 
de  Abril».  O  digno  Mineiro  deixa  claramente  entrever  na 
«  Circular  >  o  nobre  papel  que  coube  á  Maçonaria  na  árdua 
pugna  de  escalar  as  trincheiras  do  obscurantismo  e  de  chantar 
a  signa  excelsa  da  democracia  nos  torreões  do  « orienta- 
lismo»  e  «  moscovitismo  »  monarchicos. 

Em  1830  retirava-se  Theophilo  Ottoni  do  Rio  de  Ja- 
neiro para  o  seu  torrão  natal,  onde  ia  montar  uma  casa  com- 
mercial  e  para  onde  transportava  uma  pequena  typographia  .• 

Calcule-se  com  que  difficuldade,  num  tempo  em  que  não 
havia  ainda  nenhuma  ferrovia  no  território  nacional,  não 
arrastou  elle  para  o  longínquo  sertão,  desbravado  outr'orA 
pelo  <  caçador  das  esmeraldas  »,  o  material  de  que  ia  sair  o 
seu  novo  orgam  de  combate  ! 

A  Sentineiia  do  Serro,  offuscando  os  outros  raros  pe- 
riódicos da  provincia,  foi  a  rútila  almenara  que  de  lá,  das 
«  alterosas  montanhas  »,  iltuminou  a  áspera  e  íngreme  senda', 
por  onde  se  houvera  de  attingir  á  víctorta  dos  ideaes  demo- 
cráticos . 

A  3  de  Abril  de  1831  chegava  á  villa  do  Príncipe  a 
noticia  das  luctuosas  scenas  das  «garrafadas  >,  prenuncio  de 
inevitável  e  maior  explosão. 

Theophilo,  sem  perda  de  um  minuto,  chamou  ás  armas 
os  conterrâneos,  «para  deitar  por  terra  a  tyramiia».  Os 
cidadãos  válidos  congregaram-se  todos  sob  a  bandeira  do 
joven  chefe.  Até  as  matronas  mais  venerandas  concorreram 
com  as  suas  valiosas  offertas  para  a  caixa  militar.  Com- 
proU'Se  tudo  quanto  havia  no  commercío  local  de  arnías  e 
munições. 

Assim,  desde  o  dia  4  de  Abril,  aquelle  pintoresco  e 
histórico  recanto  de  Minas  se  transmudara  numa  praça  de 
guerra,  sob  a  direcção  do  ex-guarda-marinha .  Conservou-se 
ella  sempre  alerta,  até  que  lá  apparecesse  um  expresso,  man- 
dado de  Ouro-Preto  pelo  pae  de  Theophilo,  levando  a  boa 


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IjO  UnSTA  DO  INSTITUTO  msTORica 

nova  da  abdicação.  E  só  o  prestigio  da  palavra  do  «stímadò 
cabo  liberal  pôde  salvar  de  horrendo  morticínio  os  Portu- 
guezes   domiciliados  na   povoação   serrana. 

Ante  o  mallôgro  de  sua  ridente  aspiração  republicana, 
escreveu  Theophilo  Ottoni,  com  justa  razão,  que  — «  6  7  de 
Abril  foi  uma  verdadeira  journêe  des  dupes  » . 

Mas,  desde  que  elle  percebeu  o  perigo,  que  se  antolhava 
á  nação,  de  ve-la  mergulhada  na  anarchia  das  casernas,  na 
orgia  militar  apparelhada  pela  indisciplina  (&s  classes  far- 
dadas, sem  o  apoio  das  quaes,  todavia,  fora  impossível  con- 
seguir-se  a  deposição  de  Pedro  I,  —  não  hesitou  um  só  tns* 
tante  em  eollocar-se,  para  salvação  da  Pátria,  ao  lado  dos 
monarchistas,  que  arvoraram  o  gonfalão  do  liberalismo  mo- 
derado. 

Além  do  seu  valente  hebdomadario,  fundou  elle  no  Serro, 
em  1832,  a  €  Sociedade  Promotora  do  Bem  Publico  »,  a  cujo 
excellente  programma  Evaristo  da  Veiga,  pela  Aurora  Flu- 
minense, chamou  cEncycHca  Promotora».  Já  então  o  pre- 
vidente liberal  mineiro  se  insui^a  contra  o  conservatorismo 
do  Senado  e  pregava  francamente  a  reforma  unilaterit  da 
Constituição . 

Foi  por  causa  de  similhante  attitude  que  o  redactor  da 
Senlinella  do  Serro,  processado  e  perseguido,  teve  que  sus- 
pender a  publicação  do  seu  periódico. 

Na  imprensa  propugnou  elle,  hábil  e  energicamente,  pela 
modificação  radical  da  carta  outoigada  pelo  soberano  de- 
posto. E,  embora  não  conseguisse  que  triumphassem  todas  as 
suas  idéas,  como,  entre  outras,  a  da  abolição  da  vitaliciedade 
do  Senado,  rejeitada  pela  maioria  de  um  só  voto,  viu,  contudo, 
consagrada  no  Acto  Addicional  a  victoria  do  seu  alto  plano 
politico ;  —  a  suppressão  do  Conselho  de  Estado  vitalício  e  a 
conversão  dos  conselhos  geraes  em  assembléas  l^islativas,  o 
único  meio  de  manter  cohesas  as  dezoito  províncias  do  Im- 
pério . 

Houve,  é  certo,  quem  pensasse  existir  no  Acto  Addicional 
<  o  germe  da  anarchia  e  da  ruína  da  unidade  brasileira  t 
(Justiniano  José  da  Rocha,  €  Acção,  reacção,  transacção », 
pags.  S5  da  2*  ed.) .  Mas  é  evidente  que  não  daquella  lei  em 
si  mesma,  e  sim  dos  abusos  commettidofi  em  nome  delia,  da 


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A  CIRCOLAR  DB  TREOraiLO  OTTONI  iSl 

inexperiência  então  dominante  e  do  estado  de  confusão  que 
reinava  em  todos  os  espiritos,  foi  que  resultaram  dentro  em 
pouco  alguns  graves  males  e  graves  apprehensões,  a  que  se 
buscou  prompto  remédio  com  a  interpretação  de  1840. 

Promulgada  durante  as  exéquias  do  ex-imperador,  falle- 
cido  em  Porti^al  a  24  de  Septembro  de  1834,  aquella  reforma 
constitucional  foi  também  «  um  penhor  de  alltança,  que  .aos 
liberaes  mais  adeantados  offereciam  os  estadistas  moderados, 
senhores  da  situação».  E  Theophtlo,  de  quem  é  a  phrase, 
acredita,  num  insophtsmavel  julgamento  a  posteriori,  que  elles 
não  teriam  assentido  á  modificação  do  pacto  de  25  de  Março 
de  1834,  <  si  soubessem  mais  a  tempo  que  se  podiam  consti- 
tuir vice-reis  durante  a  menoridade,  si  vissem  deante  de  si  a 
perspectiva  de  serem,  depois  da  menoridade,  proclamados 
Césares,  e  associados  ao  Império,  mesmo  sob  o  reinado  do 
sr.  d.  Pedro  II  maior. . .  » 

O  trespasse  do  príncipe  que,  <  cedendo  ás  instancias  dos 
Andradas»,  tinha  concorrido  poderosamente  para  a  nossa 
independência,  alterou  profundamente  a  situação  politica  do 
Brasil.  Com  ef feito,  perdera  a  razão  de  ser  a  facção  dos 
restauradores  ou  caramurús,  e  com  estes  e  com  os  dissidentes 
de  todos  os  matizes  foi  que  Bernardo  de  Vasconcellos, — 
<o  Mirabeau  do  Brasil  >,  no  conceito  de  Armitage  (f  Historia 
do  Brasil »,  trad.,  ed.  de  1837,  pags.  229) — organizou  o  par- 
tido conservador,  depois  vulgarmente  chamado  saquarema,  que 
triumphou  nas  eleiçSes  de  1836. 

O  Acto  Addicíonal,  como  é  sabido,  estabelecera  a  re- 
gência una,  para  a  qual  fora  eleito  em  1835  o  enérgico  padre, 
que  tinha  sido  ministro  da  Justiça  do  segundo  triunvirato. 
Feijó,  character  espartano,  ao  qual,  como  a  Ottoni,  a  Paula 
Sousa  e  a  raros  outros,  não  faltara  quem  acoimasse  de  revo- 
lucionário e  anarchista,  Feijó,  o  inexorável  jugulador  dos 
pronunciamentos  quarteleiros  e  das  bernardas  civis  imme- 
diatamente  posteriores  ao  desthronamento  de  Pedro  I,  si  con- 
seguiu a  pacificação  do  Pará  por  meio  da  acção  efficaz  do 
general  Andréa,  não  I<^ou  chamar  ã  paz  os  «  Farrapos  »,  e, 
ante  a  formidável  opposição  parlamentar,  contra  elle  desen- 
cadeiada,  ante  a  impossibilidade  de  cumprir  lealmente  a  re- 
forma constitucional  de  1834,  renunciou  ao  seu  alto  posto. 


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153  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

.  entregando  o  poder  a  um  dos  mais  graduados  guieiros  das 
hostes  adversarias,  Pedro  de  Araújo  Lima,  depois  marquez 
de  Olinda,  e  <  astro  do  imperialismo  »,  como  lhe  chamaram 
mais  tarde  alguns  follicularios  «chimangos». 

Em  1835  Theophilo  Ouoni,  sem  a  menor  solicitação  de 
sua  parte,  fora  eleito  deputado  provincial,  e  a  sua  mira  prin- 
cipal consistiu,  como  elle  próprio  o  confessou,  em  defender  na 
assembléa  de  sua  terra  natal  o  c  famoso  palladium  >,  isto  é, 
o  Acto  Addicional,  que  elle  reputava  a  « tábua  de  salvação  do 
Brasil  ». 

Mas  não  se  adstringíu  a  isso:  muito  contribuiu  também 
para  o  desenvolvimento  do  ensino  público,  especialmente  do 
secundaHo,  até  então  muito  descurado,  e  tomou  parte  activa 
na  elaboração  e  votação  da  lei  de  constnicção  e  conservação 
das  estradas  de  rodagem  da  província,  interessando-se,  c(Mn 
muito  empenho,  pela  navegação  dos  rios  que  servem  a  MÍna<i 
e  ás  circunscripções  confinantes,  —  origem  da  sua  futura  em- 
presa do  Mucuri. 

No  pleito  logo  depois  travado  entre  liberaes  e  conserva- 
dores para  a  quarta  legislatura  do  Império,  a  sua  intelligencia 
e  os  seus  serviços  fizeram-no  conquistar  facilmente  uma  ca- 
deira na  Camará  temporária. 

Os  horizontes  políticos  estavam  medonhamente  contur- 
bados. A'  guerra,  francamente  separatista,  do  Rio  Grande  do 
Sul,  e  que  já  se  havia  extendído  a  Sancta-Catharina,  não 
tardou  a  sobrepôr-se  a  revolução  de  1837-1838,  conhecida  por 
<  Sabinada  >,  na  Bahia,  e  accrescida,  no  anno  mesmo  de  sua 
extincção,  pela  longa  lucta  civil  da  <  Balaiada  >,  que  ensan- 
guentou o  Maranhão  até  1841. 

Substituídos  no  poder  os  liberaes,  desde  a  renúncia  de 
Feijó,  pelos  conservadores,  ía  travar-se  o  renhido  e  memo- 
rável duello  parlamentar,  cujo  desfecho  foi  a  maioridade, 
também  journée  des  dupes  para  os  seus  defensores. 

A  província  de  Minas  timbrara  em  escolher  dentre  seus 
filhos  os  que  mais  dignamente  e  scíntillantcmente  a  podiam 
representar  na  assembléa  geral:  —  na  legislatura  de  1838  a 
1841,  Theophilo  Ottoni  teve  como  companheiros  de  bancada 
a  vultos  da  estatura  intellectual  e  moral  de  Bernardo  Pereira 


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A.  CIRCULAR  DE  THEOPBILO  OTTONI  1^3 

de  Vasconcellos,  Cândido  José  de  Araújo  Vianna,  Honório 
Hermeto  Carneiro  Leào,  António  Paulino  Limpo  de  Abreu, 
José  Joaquim  Fernandes  Torres,  José  Feliciano  Pinto  Coelho 
da  Cunha  e  padre  José  António  Marinho. 

Succederam-se  cinco  ministérios  conservadores  desde  19 
de  Septembro  de  1837  até  23  de  Julho  de  1840:  —  o  de  Ber- 
nardo de  Vasconcellos  (19  de  Septembro  de  1837  a  16  de 
Abril  de  1839),  o  de  Francisco  de  Paula  de  Almeida  e  Albu- 
querque (16  de  Abril  a  1°  de  Septembro  de  1839),  o  de  Alves 
Branco  (i°  de  Septembro  de  1839  a  iS  de  Maio  de  1840),  o  de 
Lopes  Gama  (iS  de  Maio  a  22  de  Julho  de  1S40),  e,  final- 
mente, o  de  Vasconcellos,  que  durou  apenas  poucas  horas,  a 
22  de  Julho  de  1840. 

Bateu-se  Theophilo  Ottoni,  rutila  e  infatigavelmente, 
contra  o  que  elle  denominava  de  *  oligarchia  »,  e  cuja  feição 
retrógrada  o  irritava  sobremaneira. 

Ao  restabelecimento  do  beija-mão  (também  estigmatizado 
em  1855  por  Justiniano  José  da  Rocha,  op.  àt,  pags.  56-57), 
devido  ao  ministério  de  19  de  Septembro  de  1837,  deu  elle 
o  epitheto  de  c  orientalismo  »,  de  «  acto  indigno  do  cidadão 
livre»,  apressando-se  a  impugna-lo,  1(^  que  se  iniciou  a 
sessão  legislativa  (discurso  de  10' de  Maio  de  1S38). 

Não  poude,  todavia,  obstar  a  que  os  rotineiros,  que  desde 
1836  vinham  cogitando  de  cercear  as  franquias  do  Acto  Addi- 
cional,  levassem  a  cabo  a  sua  tentativa,  concretizada  afinal  na 
interpretação,  promulgada  a  12  de  Maio  de  1840  e  que,  con- 
forme o  auctor  da  «Acção,  reacção,  transacção»  {pags.  57), 
foi  <  o  pomo  de  discórdia  lançado  em  meio  dos  partidos,  e 
traçou  a  linha  tfivisoría  entre  os  reactores  contra  a  organi- 
zação democrática  e  os  defensores  delia». 

Parecia  ao  espirito  de  largo  descortino  do  eximío  liberal 
mineiro  que  « se  devia  antes  alargar  do  que  restringir  as 
faculdades  provinciaes » ;  e,  apostolo  de  taes  prerogativas, 
€  tendo  fé  no  governo  do  povo  por  si  mesmo  »,  exforçou-se 
em  vão  por  impedir  que  se  convertesse  em  realidade  um  dos 
mais  «  atrevidos  lances  de  jogo  »  da  oligarchia  conservadora, 
isto  é,  <  D  maior  dos  erros  da  legislatura  de  183S  a  1841  »,  a 
lei  interpretativa. 


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154  RBVBTA  00  INBTITDTO  mfflORICO 

Theophilo  Ottoní,  cujas  idéas,  como  se  está!  vendo,  de- 
nunciavam um  perfeito  republicano,  foi,  entretanto,  um  dos 
mais  fervorosos  campeões  da  maioridade. 

Era  preciso  derribar  a  «  oligarchia  tenebrosa,  apoiada  no 
poder  e  no  dinheiro  dos  traficantes  da  costa  da  Africa  »,  e 
aos  que  o  accusaram  de  associar-se  a  um  movimento  em  que 
claramente  se  percebia  a  fome  do  poder,  explicou,  com  a  sua 
sinceridade,  —  que  « adoptava  a  idéa  da  maioridade  como 
uma  espécie  de  regresso,  segundo  a  definição  que  dava  a  esta 
palavra  o  seu  illustre  auctor:  recurso  contra  os  desatinos;  t 
queria  fazer  da  maioridade  uma  égide  em  favor  dos  princípios 
liberaes  > . 

Da  tribuna  da  Camará  temporária,  em  meio  de  sussurros 
de  reprovação,  teve  elle  a  coragem  de  dizer  que  discordava  de 
muitos  dos  seus  companheiros  de  campanha  maiorista,  para 
os  quaes  os  males  da  governação  provinham  de  serem  os  re- 
gentes homens  do  povo,  a  quem  faltava  o  prestigio  de  uma 
nobreza  perdida  em  a  noite  dos  séculos.  Proclamava  elle  que 
o  prestigio  de  d.  Pedro  II  nascera  aqui,  em  nosso  paiz,  no 
instante  em  que  seu  pae,  <  comprehendendo  bem  as  necessi- 
dades do  Brasil»,  adheriu  á!  nossa  independência.  E  accres- 
centava,  dilucidando  melhor  o  seu  pensamento:  —  «Si  acaso 
succedesse  que,  em  vez  de  ser  o  primeiro  imperador  do 
Brasil,  descendente  da  casa  de  Bragança,  quem  se  poz  á 
frente  deste  movimento  verdadeiramente  nacional,  que  nos 
elevou  á  categoria  de  nação,  fosse  outro  heróe,  como  João 
Fernandes  Vieira,  e  a  nação  tivesse  collocado  a  coroa  sobre 
a  sua  cabeça,  o  sr.  d.  Pedro  II,  descendente  desse  outro  heróe, 
e  não  do  filho  dos  reis,  não  teria  menos  prestígio». 

Apreciando,  a  seu  turno,  essa  inopinada  mutação  do 
nosso  scenario  politico,  occorrida  em  meiados  de  184D,  e  cujo 
estado  confusional  já  assignalara  em  linhas  anteriores,  assim 
se  exprimia  Justiniano  José  da  Rocha  {op.  cit.,  62):  —  «A 
acção  democrática  havia  tríumphado  em  1831 ;  que  importam 
seus  instrumentos,  as  paixões,  os  interesses  que  lhe  deram  o 
triumpho?  A  reacção  monarchica  triumphou  em  1840;  que 
importam  seus  instrumentos,  as  paixões  e  os  cálculos  que  lhe 
deram  o  triumpho?  A  grande  lei  do  progresso  achou-se  cum- 
prida ;  foi  essa  a  segunda  phase  da  lucta ;  era  tão  i 


rfbyGoOgIe 


A  GUtCUL&R  DE  THIOPBUO  OTTONI  155 

como  a  primeira,  tão  necessária  ramo  a  terceira.  Felicí- 
temo-nos;  que  nessas  jornadas  escabrosas  da  nossa  oi;ga- 
niza^  politica  a  Pátria  se  conservou  inteira,  incólume;  nos 
rochedos  em  que  teve  de  abalroar,  não  deixou  dispersos  os 
pedaços  do  seu  corpo  gigantesco ;  nelles  não  verá  o  pensador 
politico  os  destroços  de  uma  nacionalidade  extincta». 

Taes  palavras  indicam  nitidamente  que  a  adhesão  ao 
movimento  maiorista,  por  parle  dos  mais  sinceros  e  exclare- 
cidos  condottieri  do  liberalismo  adeantado,  foi  determinada 
não  só  pelo  receio  da  fragmentação  do  Brasil,  sinão  também 
pelo  temor  de  ve-Io  submergir-se  na  sangrenta  anarchia  do 
caudilhismo  e  do  caciquismo. 

Mas  a  victoria  de  23  de  Julho  de  1840, — 'para  a  qual, 
consoante  com  o  que  refere  pormenorizadamente  o  auctor  da 
<  Circular  >,  tanto  contribuiu  o  joven  monarcha,  que  aos 
quinze  annos  incompletos  já  sabia  tão  solertemente  manejar  os 
cordéis  da  titeragem  dos  partidos  em  lucta,  —  não  podta 
deixar  de  ser  ephemera,  no  ponto  de  vista  dos  altos  interesses 
da  nação  colltmados  pelos  liberaes,  e  o  triste  ludibrio  arrojou 
Theophilo  Ottoni  a  novas  refr^;as  no  parlamento,  assim  como 
a  encabeçar  a  revolução  de  1842  em  Minas-Geraes . 

Com  effeito,  a  vontade  do  joven  dynasta,  desde  cedo  es- 
tereotypada  na  fórmula  do  «quero  já>,  impoz  ao  seu  pri- 
meiro ministério  o  <  pontifice  da  seita  palaciana  >,  Aureliano 
de  Sousa  e  Oliveira  Coutinho,  associando  desse  modo  aos 
Andradas,  aos  hoplitas  da  Maioridade,  o  mesmo  homem  que 
já  havia  desterrado  para  a  ilha  de  Paquetá  e  feito  processar 
perante  o  jury  ao  <  Washington  brasileiro  »,  ao  patriarcha  da 
Independência . 

O  reinado  tfe  d.  Pedro  II,  que  começara  pela  mais  cla- 
morosa violação  do  pacto  constitucional,  assignalou-se  bem 
depressa  pela  maior  desorientação  na  « selva  escura  >  da 
Politica . 

Custa  crer  que  tivesse  podido  sustenlar-se  no  governo, 
durante  oito  mezes  precisos,  o  gabinete  de  23  de  Julho  de 
1840,  que,  além  de  acolher  o  chefe  do  aulicismo,  era  o  expo- 
ente de  c  uma- Camará  que  apoiou  sem  tergiversar  o  minis- 
tério parlamentar  de  1837,  o  ministério  r^encial  de  1839  e  o 
ministério  oligarchico  de  1840  e  que,  em  seguida,  depois  de 


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IS6  REVISTA  DO  IKSTITDTO  HISTÓRICO 

haver  alternadamente  condemnado  e  applaudído  a  Maioridade, 
accompanhou  servilmente  o  ministério  maiorista  e  terminou  a 
sua  carreira  obnoxía  como  rabadilha  do  ministério  palaciano 
de  23  de  Mari:o  de  1841  ». 

Custa  crer  qtie  os  liberaes,  a  quem  a  renúncia  de  Feijó 
derribara  do  poder,  tivessem  emprehendido  tão  longa  e  bri- 
lhante campanha  para  conquista-lo,  e,  uma  vez  trJumphantes, 
houvessem  revelado  tão  lamentável  subserviência'  à  imperial 
criança . 

Subindo  de  novo  ao  governo  e  encontrando  o  dócil  apoio 
de  tão  propicia  situação  parlamentar,  cuidou  o  partido  con- 
servador de  recorrer  a  todos  os  meios  possíveis,  afim  de  per- 
petuar-se  na  suprema  direcção  do  paiz. 

Não  lhe  foi  preciso  o  golpe  de  Estado,  que  planejara 
antes,  de  dar  por  nuUo  o  Acto  Addicional,  « a  pretexto  de 
que  na  sua  adopção  não  havia  intervindo  o  Senado». 

A  Camará  famosa,  —  na  qual  como  que  se  aleiloara  a 
dotação  civil  do  menino  imperante,  elevando-a  a  800  :ooo$ooo, 
quantia  que  assombrara  ao  honrado  Martím  Francisco  e  talvez 
&o  próprio  d.  Pedro  II,  —  não  vacillou  em  approvar  os  pro- 
jectos de  reforma  do  Código  do  processo  criminal  e  de  resta- 
belecimento do  Conselho  de  Estado,  isto  nos  últimos  dias  da 
legislatura. 

Em  vão  representaram  os  liberaes  contra  esse  garro- 
teamento  das  franquias,  que  a  tanto  custo  haviam  logrado 
inscrever  em  nosso  primitivo  pacto  constitucioti^l . 

Só  lhes  restava,  para  romper  aquellas  gargalheiras, 
aquelles  grilhões,  com  que  os  contrários  pretendiam  suffoca-los 
e  esmaga-los,  a  Camará  que  se  ia  reunir  a  3  de  Maio  de  1842, 
é  na  qual  contavam  com  grande  maioria.  ' 

Pois  bem :  —  essa  esperança  foi-lhes  também  tirada  pelo 
singular  decreto  de  i"  do  referido  mez  e  anno,  que  dissolveu 
uma  assembléa,  que  nem  siquer  chegara  a  abrir-se  legalmente  1 

Era  também,  —  como  salienta  Teixeira  de  Mello  em  suas 
€  Ephemerídes  nacionaes  >  (I,  275),  —  a  primeira  vez  que  se 
empregava  essa  violenta  medida,  depois  da  Constituinte. 

As  provincias  de  S.  Paulo  e  Minas-Geraes  recorreram 
então  ás  armas,  o  único  meio  de  que  dispunham  para  fazer 
tríumphar  a  vontade  soberana  da  nação. 


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A  CIRCULAR  DE  THEOFHILO  OTTONI  157 

Ainda  continuava  accesa,  no  extremo  Sul,  a  guerra  dos 
c  Farrapos  >,  e  é  innegavel  que  Pernambuco  teria  adherido 
ao  levante  dos  Mineiros  e  Paulistas,  si  não  o  houvessem  a 
tempo  desviado  de  tal  proceder  as  manobras  astuciosas  de 
Aureliano  Coutinho,  o  verdadeiro  imperante,  nos  inglórios 
prodromos  do  s^undo  reinado. 

Jã  era  sabida  a  derrota  dos  revolucionários  da  terra  dos 
bandeirantes  pelas  tropas  de  Caxias,  quando  Theophilo  Ottoni, 
que  em  1842  era  deputado  á  assembléa  legislativa  da  sua 
provinda  natal,  mas  estava  então  nesta  cidade,  daqui  partiu 
para  Minas,  afim  de  ir  pôr-se  á  frente  do  movimento  estalado 
em  Barbacena  a  10  de  Junho. 

A  attitude  do  denodado  chefe  liberal  foi  a  mais  digna, 
abn^;ada  e  coherente. 

A  fortuna,  que  sempre  sorrira  á  longa  e  rutilante  car- 
reira de  Luiz  Alves  de  Lima  e  Silva,  —  o  braço  direito  do 
s^tmdo  reinado — ,  permittiu-lhe  triumphar  dos  rebeldes  de 
Minas,  a  20  de  Agosto,  no  combate  decisivo  de  Sancta-Luzia, 
onde  tudo,  entretanto,  parecia  indicar  que  iam  emmurchecer 
os  lauréis  ganhos  no  Maranhão  e  em  Sorocaba.  Os  vencidos 
tinham,  contudo,  meios  sobejos  de  continuar  a  lucta.  Mas  n 
isso  se  oppoz  Theophilo  Ottoní.  Evitou  este,  em  primeiro 
Ic^ar,  que  se  lançasse  ás  chammas  o  archivo  da  revolução, 
afim  de  não  subtrãhir  ao  julgamento  dos  tribunaes  e  da 
posteridade  os  elementos  probantes  essencíaes  do  como  haviam 
procedido  os  Mineiros  no  seu  appêllo  ás  armas.  Obstou  a  que 
se  derramasse  inutilmente  mais  sangue  dos  seus  compatrícios 
e  fez  timbre  em  entregar-se  prisioneiro  ao  vencedor,  com 
todos  os  seus  companheiros  civis. 

Fazia  questão  de  que  o  poder  judiciário  decidisse  si 
eram  ou  não  inconstitucionaes  as  leis  de  23  de  Novembro  e 
3  de  Dezembro  de  1841,  assim  como  o  decreto  de  r  de  Maio 
de  1842,  que  dissolvera  a  Camará  temporária,  antes  de  começar 
ella  a  funccionar. 

Ao  mesmo  tempo,  em  que  se  justificava  .elle  pelas  co- 
lumnas  do  Ilacolomy,  publicado  em  Ouro-Preto,  muitos  dos 
seus  amigos  e  correligionários  também  lhe  acudiam  em  defesa, 
quer  nas  assembléas  provtnciaes,  quer  no  parlamento  nacional. 


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1S8  REVIBTA  DO  IHSTITIITO  HIBTOIUCO 

A  exemplo  do  que  se  dera  com  outros  cabeças  da  mallo- 
grada  revolta,  quando  Thec^hilo  Ottoni  se  apresentou  á 
barra  do  jury  de  Mariana,  todo  o  conselho  de  sentença,  de 
que  faziam  parte  muitos  dos  seus  adversários,  se  levantou 
para  homen^ea-lo,  e  a  sua  absolvição  foi  unanime,  após 
quasi  anno  e  meio  de  prisão.  Guardava  elle,  como  relíquia 
preciosa  do  seu  glorioso  passado,  a  penna  com  que  haviam 
sido  escriptas  as  respostas  aos  quesitos  do  juiz  de  direito. 

A  <  seita  palaciana  >,  que  constituíra  o  gabinete  de  23  de 
Março  de  1S41,  fora  excluída  do  ministério  de  20  de  Janeiro 
de  1843,  pois  os  conservadores  se  consideravam  sufficiente- 
tnente  assegurados  pelas  derrotas  infligidas  aos  liberaes  de 
S.  Paulo  e  Mínas-Geraes. 

Era  obvio,  portanto,  que  os  cortezãos  se  exforçassem  por 
alijar  do  poder  os  seus  amigos  da  véspera,  e,  como  isto  de- 
pendia apenas  do  alvedrio  da  imperial  criança,  a  2  de  Feve- 
reiro de  1844,  mercê  de  simples  capricho,  subiam  outra  vez 
os  liberaes  á  suprema  governação  do  paiz. 

Um  dos  primeiros  actos  da  nova  situação  foi  perdoar  a 
todos  os  implicados  nos  movimentos  de  1842,  sendo  a  expo- 
sição de  motivos,  redigida  por  Alves  Branco,  uma  justificação 
análoga  á  que  se  procedera  perante  os  tríbunaes  populares, 
que  haviam  absolvido  os  rebeldes. 

Governaram  os  liberaes  até  fins  de  1848,  com  òs  se- 
guintes gabinetes:  — Almeida  Torres  (visconde  de  Macahé), 
de  2  de  Fevereiro  de  1844;  visconde  de  Albuquerque,  de  5  de 
Maio  de  1846;  Alves  Branco  (visconde  de  Caravellas),  de 
22  de  Maio  de  1847,  com  o  qual  se  creou  o  cargo  de  presi- 
dente do  conselho  de  ministros,  regularizando-se  assim  o  sys- 
tema  parlamentar  do  Império;  Visconde  de  Macahé,  de  8  de 
Março  de  1848;  e  Paula  Sousa,  de  31  de  Maio  de  1848. 

Amnistiados  por  decreto  de  14  de  Março  de  1844,  os 
principaes  chefes  dos  vencidos  de  Sancta-Luzia  vieram  imme- 
diatamente  para  a  assembléa  geral.  Assim,  na  sexta  legis- 
latura, de  1845  a  1847,  tiveram  assento  alli,  como  represen- 
tantes de  Minas-Geraes,  Theophilo  Ottoni,  José  Pedro  Dias 
de  Carvalho,  o  padre  José  Antonb  Marinho  (que  foi  o  bri- 
lhante historiador  da  revolução),  José  Feliciano  Finto  Coelho 


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A  CUtOlUR  DE  THBOPHILO  OTTOHt  159 

da  Cunha  (depois  barão  de  Cocaes),  Joaquim  António  Fer- 
nandes Leão,  ao  lado  de  António  Paulino  Limpo  de  Abreu 
(depois  visconde  de  Abaete),  José  Joaquim  I^emandea  Torres, 
Herculano  Ferreira  Penna,  Paulo  Barbosa  da  Silva,  Fran- 
cisco de  Salles  Torres  Homem  (depois  visconde  de  Inho- 
mirim),  Manuel  Odorico  Mendes  e  outros.  Theophilo  Ottoni 
foi  eleito,  nessa  occasião,  vice-presidente  da  Camará  dos  depu- 
tados.' 

Convém  assignalarmos  aqui,  consoante  com  as  informa- 
ções que  nos  fornece  Christiano  Ottoni  (c  Biographia  de 
Theophilo  Ottoni»,  pags.  27-28),  que,  tendo  o  vice-presi- 
dente da  Camará  temporária  comparecido,  nesse  character, 
em  1846,  á  ceremonia  do  baptizamento  da  princeza  imperial 
d.  Isabel,  herdeira  presumptiva  da  coroa,  não  foi  entretanto 
condecorado,  contra  os  hábitos  tradicionaes  da  realeza  e  os 
assentos  da  pragmática.  Assim  se  deu  contudo,  a  pedido  do 
próprio  interessado,  que  entendia  não  deverem  os  membros 
do  poder  legislativo  acceitar  graças  do  executivo,  e  de  certa  por 
também  não  se  coadunarem  com  os  seus  princípios  democrá- 
ticos similhantes  honoríficencias.  Fot  aínda  aquelle  motivo  o 
que  elle  allegpu,  em  1863,  para  recusar  a  carta  de  conselho,  que 
lhe  fora  expedida  por  decreto.de  30  de  Maio  de  1862.  Do  Go- 
verno, portanto,  nunca  recebeu  ou  acceitou  nomeação  de  es- 
pécie alguma,  Aão  tendo  sido  presidente  de  provinéía,  nem 
ministro,  nem  titular,  nem  siquer  conselheiro.  Em  taes  con- 
dições, pôde  o  evangelizador  das  idéas  líberaes  hombrear-se, 
nas  paginas  immortaes  dos  nossos  fastos,  com  os  estadistas 
que,  para  prestarem  serviços  á  Pátria,  não  precisaram  das 
seducções  de  ouropéis,  com  que  era  costume  da  monarchia 
acenar-Ihes.  Bernardo  de  Vasconcellos,  Evariáto  da  Veiga, 
Dii^o  Feijó  e  a  trindade  andradina  também  passaram  á 
veneração  dos  pósteros  sem  que  aos  peitos  lhes  luzissem 
veneras  e  penduricalhos,  sem  que  os  seus  nomes  abençoados 
e  inexqueciveis  se  escondessem  sob  titulos  quaesquer...  O 
dr.  Ferreira  Vianna  (o  «Suetonio»  do  «Antigo  r^men», 
pags.i  113-116)  conta  como,  em  consequência  da  revolução 
de  1842,  António  Carlos  e  Martim  Francisco  foram  despo- 
jados das  funcções  de  gentis-homens  da  imperial  camará,  por 
decreto  de  12  de  Septembro  daquelle  anno,  o  qual  provocou  de 


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j6o  retista  do  instituto  histórico 

António  Carlos  a  resposta  immediata  de  que  assíni  ficara 
lavada  a  unka  nódoa  de  sua  vida  pública. 

Renovou-lhe  a  sua  provinda  o  mandato  em  1848,  tendo 
sido  a  esse  pleito  applícada,  pela  prÍQieira  vez,  a  lei  eleitoral 
de  19  de  Agosto  de  1846,  na  qual  tanto  elle  cooperara  e  que 
considerava  « talvez  o  único  padrão  que  a  legislatura  de  1845 
3  1S4S  levantou  ás  idéas  liberaes». 

Além  da  maior  parte  dos  seus  companheiros  (Ta  sexta 
legislatura,  contou  elle  também,  como  colida  de  bancada,  o 
seu  digno  e  illustrado  ermão  Chrístiano  Benedtcto  Ottoni. 

Afora  alguns  trabalhos  de  commissões,  a  que  se  não 
furtara,  remetteu-se  o  egrégio  liberal  a  completo  mutismo, 
que  <  foi  latamente  commentado  pelas  folhas  da  opposíção 
conservadora». 

Como  é  que  se  explica  essa  attítude  de  Theophilo  Ottoni? 

E'  elle  mesmo  quem  no-la  justifica,  por  meio  das  se- 
guintes palavras:  —  <A  situação  em  que  o  2  de  Fevereiro 
collocava  o  partido  liberal  era  a  mesma  que  o  23  de  Março 
de  1841  dera  aos  conservadores.  Em  1841  eu  os  havia  inve- 
ctivado em  pleno  parlamento,  por  se  haverem  sujeitado  á 
imposição  palaciana.  Não  podia  ser-me  agradável  que  o  par- 
tido liberal  se  collocasse  em  idêntica  situação:  essencialmente 
Mineiro,  eu  também  capricho  era  sustentar  o  pundonor  da 
coherencia ;  e  sabe  o  publico  que  o  meu  voto  não  prevaleceu 
nessa  conjunctura.  Achando-me  em  unidade,  e  não  querendo 
embaraçar  os  chefes  do  partido  liberal,  que  julgavam  das 
trevas  poder  tirar  a  luz,  eu  me  abstive  systematicamente  de 
toda  discussão  sobre  politica  geral  >. 

Analysando  aquelle  quatriennio  de  dominio  liberal.  Justi- 
niano José  da  Rocha  (op.  cit.,  pags.  64-66)  era  muito  maís 
explicito  do  que  Theophilo  Ottoni .  Dizia  elle :  —  «No  pe- 
ríodo de  1844  a  1848,  os  ministérios  que  se  succederam  com- 
puzeram-se  dos  seus  mais  notáveis  estadistas,  dos  seus  mais 
dedicados  alliados ;  todas  as  posições  de  predomínio  e  de 
influencia  foram  por  elles  occupadas;  as  camarás  davam-lhes 
qtiasí  unanime  apoio;  e  entretanto  a  doutrina  actualmente 
acceita  do  poder  moderador,  doutrina  tão  repi^nante  aos 
princípios  do  r^ime  parlamentar,  foi  por  algum  delles  in- 
vocada, por  todos  sustentada  e  firmada  no  paiz;  a  grande 


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A  CIRCOLAU  de  TIIEOPHILO  OTTONl  l6l 

conquista  do  veto  presidencial  sobre  os  actos  das  legislaturas 
das  províncias  á  interpretação  dos  dous  terços,  foi  por  um 
desses  ministérios  estatuída.  Explicaremos  esses  phenomenos, 
como  nos  dias  de  grande  lUcta  o  faziam  os  partidos?  Apre- 
senta-Ios-hemos  como  aviltamentos  dos  cliaracteres  politicos, 
como  denúncia  de  falta  de  convicções  e  de  pouca  fé  nas  idéas 
que  aproavam?  Longe  de  nós  simiihante  injustiça,  que 
desairaria  o  character  nacional;  não;  chamados  ao  poder,  os 
homens  dessas  opiniões  achavam-se  tolhidos  pela  tendência 
que  encontravam ;  ainda  não  era  o  temix>  das  suas  idéas, 
ainda  a  sociedade  não  sentia  a  justeza,  a  necessidade  delias, 
e  os  obrigava  a  recuar.  Deveriam  ter  largado  o  poder?  Mas 
o  poder  era-lhes  uma  dupla  garantia:  já  porque  os  livrava, 
a  elles  e  aos  seus  co-partidarios,  da  preponderância  de  homens 
que  a  cegueira  das  paixões  politicas  lhes  representava  como 
fataes,  já  porque  pensavam  assim  impedir  que  a  tendência, 
contra  a  qual  luctavam,  continuasse  em  novas  e  maiores  con- 
quistas » . 

E'  bem  de  ver  que  os  conservadores,  arrojados  ao  ostra- 
cismo em  1844  por  inexplicável  arbitrio  do  monarcha,  iam 
desde  logo,  sinão  imitar  os  liberaes  nas  suas  levas  de  broquéis, 
ao  menos  combater  por  todos  os  meios  e  modos  o  €  governo 
pessoal  >.  cuja  existência  eram  forçados  a  admittir,  em  vir- 
tude de  uma  experimentação  sobrevinda  quando  elles  menos 
a  esperavam. 

Dirigiram  essa  campanha  os  seus  dous  mais  scintillantes 
e  hábeis  timoneiros,  Bernardo  Pereira  de  Vasconcellos  e  Ho- 
nório Hermeto  Carneiro  Leão.  A'quelle  se  attribuiu  um  in- 
teressante e  sensacional  pamphleto,  saido  então  a  lume  com  o 
titulo  c  A  (Tissolução  do  gabinete  de  5  de  Maio  ou  a  facção 
aulica»,  que,  entretanto,  era  lavra  do  outro,  E  o  futuro 
marquez  de  Paraná,  em  1846.  como  relata  enthusiasticamente 
Theophilo  Ottoni,  quiz  organizar  uma  c  fusão  dos  brasi- 
leiros »,  afim  de  pôr  termo  ás  *  misérias  do  governo  pessoal  ■». 

Si.  congruente  com  as  suas  idéas  adeantadas  e  atten- 
dendo  ás  injuncções  do  seu  nobre  character,  o  preclaro  Serrano 
evitava  a  tribuna  parlamentar,  nesse  longo  periodo  de  do- 
mínio do  seu  partido,  para  não  se  ver  coheren  tem  ente  coagido 
a  profligar-lhe  a  deplorável  submissão  á  caprichosa  vontade 


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tfis  Revista  do  institdto  iiistorico 

da  coroa,  —  não  fugia,  entretanto,  ao  cumprimento  de  outros 
altos  deveres,  que  lhe  dictava  o  seu  exclarecído  e  efficiente 
patriotismo. 

Entaboladas,  em  1844,  com  o  então  conde  de  Caxias,  as 
negociações  para  a  pacificação  do  Rio  Grande  do  Sut,  dirigiu 
David  Canavarro  a  Theophilo  Ottoni  extensa  carta,  trazida 
por  mensageiro  idóneo,  para  que  o  illustre  Mineiro  defen- 
desse perante  o  Govêmo  o  reconhecimento  da  Republica  de 
Firatinim,  mediante  a  federação  com  o  Império. 

Sabendo  provavelmente  do  vergonhoso  tractado,  feito 
nesta  capital  a  24  de  Março  de  1S43,  pelo  qual  pediam  re- 
cursos ás  forças  de  Rosas  (que  felizmente,  e  para  maior  vílta 
nossa,  não  conveio  á  mal  inspirada  pretenção  da  politica  im- 
perial), afim  de  serem  definitivamente  esmz^dos  os  bravos 
republicanos  fronteiriços ;  temendo  o  despedaçamento  do  terri- 
tório nacional  e  desejando  ardentemente  que  os  heroiojs  c  Far- 
rapos »,  retornados  á  actividade  pacífica  de  outr'ora,  engros- 
sassem as  fileiras  dos  legionários  do  prc^resso  da  Pátria, — ■ 
o  prestigioso  chefe  liberal  respondeu  de  maneira  tão  precisa 
e  tão  convincente  ao  destemido  caudilho,  que  o  próprio  David 
Canavarro  foi  o  primeiro  a  confessar  ter  sido  similhante 
carta  «o  pharol  que  levou  ao  desejado  porto  os  Rio-gran- 
^enses  livres  ». 

Com  essa  nitida  visão  dos  interesses  vitaes  e  dos  supremos 
destinos  do  Brasil,  Theophilo  Ottoni,  em  mais  de  uma  qaestão 
fundamental  de  princípios,  achava-se  frequentemente  em  fla- 
grante antagonismo  com  os  seus  próprios  correligionários. 

Como,  a  exemplo  dos  conservadores,  adoptassem  cm 
geral  os  liberaes  a  theoria  de  que  a  abdicação  de  Pedro  I 
significava,  pura  e  simplesmente,  o  conwço  do  segundo  rei- 
nado, pela  ordem  natural  de  successão,  o  abalisado  pensador, 
cujo  espirito  critico  se  escudava  nas  irrefragavcis  licçÕes  da 
historia  pátria  e  da  evolução  do  mundo  culto,  insurgia-se  com 
razão  contra  aquelle  estreito  e  erróneo  ponto  de  vista,  de  que 
se  faziam  derivar  tão  importantes  corollaríos,  e  exclamava: 
— «  Não  querem  comprehender  que  no  dia  7  de  Abril  de 
1831  o  povo  e  a  tropa,  reunidos  no  campo  da  Honra,  ao 
grito  significativo  de  —  viva  a  federação  f  —  quando  simul- 
Uneamente  se  faziam  pronunciamentos  idênticos  em  Minas  e 


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A  CtttCtlLAR  DE  tllBOPtítLO  OTtOttt  163 

na  Bahia,  haviam  consummado  uma  revolu<;ão  como  a  de 
1688  na  Inglaterra.  Não  querem  comprehender  que  a  nação 
quebrou  no  dia  7  de  Abril  o  que  podia  haver  de  aspiraq^ 
tradicional  no  primeiro  reinado,  e  marcou  soberanamente  as 
condições  de  existência  do  segundo.  Não  querem  compre- 
hender que  as  instituições  no  dia  7  de  Abril  receberam  nova 
tempera,  e  que  nesse  (tia  foi,  por  antecipação,  inaugurada  a 
reforma  federativa  ou  acto  addicional.  Não  querem  com- 
prehender que  a  abdicação,  publicada  no  acto  do  embarque 
para  a  nau  ingleza  IVarspite,  foi  uma  inspiração  feliz,  mas 
não  acto  espontâneo,  e  que  realmente  nesse  dia  o  Brasil  tirou 
o  throno  ao  príncipe  portuguez  e  o  devolveu  regenerado  ao 
príncipe  brasileiro  V. 

E,  considerando  que  o  « governo  pessoal  >  constituía 
doença  mais  grave  do  que  o  dominio  de  camarilhas,  favo- 
ritos ou  validos,  declarava  alto  e  bom  som  que  o  culpado  da 
aberração,  a  que  havíamos  chegado,  não  era  d.  Pedro  II,  mas 
tão  somente  os  seUs  ministros  e  conselheiros,  liberaes,  con- 
servadores e  palacianos,  tntre  os  quaes  não  sui^ira  um  só 
que  dissesse  ao  imperador  a  verdade. . . 

A  29  de  Septembro  de  1848  voltaram  ao  poder  os  con- 
servadores, com  o  ministério  presidido  pelo  marquez  de  Olinda, 
e  o  primeiro  que  subiu  á  tribuna  parlamentar,  para  um  impe- 
tuoso discurso  de  opposição,  foi  Theophilo  Ottoni. 

Cessada  a  fermentação  mílitaresca  que  nos  viera  do  pri- 
meiro reinado,  enchera  todo  o  periodo  regenctal  e  se  extendera 
bem  após  a  Maioridade,  parecia  haver  o  paiz  entrado  em 
marcha  normal  e  que  não  mais  se  dariam  sublevações  civis. 

Entretanto,  assim  não  aconteceu.  Embora  não  contassem 
com  apoio  algum  nas  outras  provincias,  ao  contrario  do  que 
occorrera  em  1842,  rebellaram-se  os  Itberaes  em  Pernambuco, 
onde  facíl  foi  a  victoria  da  legalidade,  lamentando-se,  todavia, 
mais  que  tudo,  o  estupi<{o  homicídio  de  Nunes  Machado  e  o 
myiterioso  desapparecimento  da  privilegiada  intelligencia  de 
Pedro  Luiz. 

Referindo-se  á  lucta  <  praieira  »,  assim  se  expressa  Na- 
buco,  em  seu  substancioso  trabalho  <  Um  estadista  do  Im- 
pério» (vol.  I,  paga.  93) ;  —  «Quando  os  liberaes  foram  dis- 
pensados do  governo  em    1841,  fizeram  as  revoluções  de 


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l64  BBVISTA  DO  INSTITUTO  tItSTORICO 

S.  Paulo  c  Minas.  Nesse  tempo,  os  chimangos  faziam  po- 
litica sua,  á  parte  do  grupo  liberal  do  Sul,  que  se  ficou 
chamando  liido  e  apoiavam  com  todas  as  forças  o  minis- 
tério, que  abafou  aquellas  revoltas,  Erâ  agora  a  sua  vez: 
tinha  chegado  a  occasião  de  resgatarem  perante  o  partido  a 
sua  culpa  de  1842  » . 

Cumpre  ler  também  os  incisivos  períodos  em  que  Jus- 
tiniano José  da  Rocha  {op.  cit.,  pags.  69-81)  com  tanta 
imparcialidade  julgou  os  levantes  provocados  e  (firigidos  pelos 
liberaes.  Diz  elle :  «...  foi  o  erro  do  partido  liberal  nessa 
quadra,  erro  análogo  ao  que  em  quadra  diversa  haviam  com- 
mettido  os  caramunis:  desse  erro  aproveitou-se  a  tendência 
social  a  bem  da  auctoridade,  como  do  pensamento  da  restau- 
ração se  aproveitou  a  tendência  social  a  bem  da  democracia. . . 
O  partido  liberal  não  teve  fé  em  si,  nem  confiança  no  futuro ; 
quiz  tudo  apressar,  e  tudo  comprometteu ;  quiz  invocar  as 
paixões  da  revolta,  e  teve  de  exaggerar  as  suas  pretenções, 
afim  de  dar  arrhas  a  essas  paixões.  Hoje  hão  de  por  certo  os 
chefes  desse  partido,  vendo  o  estado  a  que  se  acha  reduzido 
o  paiz,  lamentar  as  fatalidades  de  1S42  e  1848  ! »  E  mais 
adeante :  —  «O  observador,  que,  desprevenido,  confrontar  as 
epochas,  verá  em  tudo  e  por  tudo  que  os  caramunis  de  1831 
a  1836  e  os  liberaes  de  1841  a  1851  desempenharam  o  mesmo 
papel,  commetteram  os  mesmos  erros,  fizeram  os  mesmos 
benefícios.  O  que  arredava  dos  caramunis  as  sympathias  da 
grande  massa  nacional,  era  a  restauração ;  o  que  arredava  dos 
liberaes  as  mesmas  sympathias,  era  o  constante  appêllo  para 
as  armas:  em  um  e  outro  caso,  revolta,  soffrimento,  ruína 
da  liberdade  e  da  ordem,  e  a  nação  queria  existir,  e  existir 
livre  » , 

Antes  de  proseguirmos  na  exposição  dos  factos  directa- 
mente vinculados  á  personalidade  do  grande  democrata  ser- 
rano, convém  que  deixemos  bem  exclarecido,  pelo  menos  em 
suas  linhas  geraes,  o  momento  histórico  singular,  que  chara- 
cterizou  o  segundo  reinado,  em  meiados  do  século  XIX. 

?í  nos  fosse  permittido  proceder  a  uma  simples  divisão 
didáctica  da  quasi  completa  meia  centúria  do  governo  de 
d.  Pedro  II,  —  diríamos  que  a  primeira  decade  se  distinguiu 
pela  jugulação  das  revoltas  intestinas,  assegurando  a  plena 


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DE  THEOPHILO  OTTONI  lÓJ 

tranquilidade  da  coroa;  que  as  duas  decades  seguintes  (1850- 
1870)  se  notabilizaram  pelas  nossas  questões  externas,  sobre- 
tudo pelas  nossas  interferências  no  Rio  da  Prata,  dando  en- 
sejo á  guerra  contra  Oribe  e  Rosas,  á!  lucta  pro-Flores  e 
contra  Aguirre,  e  á  prolongada  e  ruinosa  campanha  contra 
Solano  López;  e,  finalmente,  que  as  ultimas  decades  (1870- 
1889)  foram  assignaladas  pelo  duplo  movimento  da  abolição 
e  da  Republica,  sendo  a  victoria  do  primeiro  seguida,  quasi 
sem  solução  de  continuidade,  pela  victoria  do  segundo. 

Justiniano  José  da  Rocha  estabelece  {op.  cit.,  18)  uma 
synthese  interessantissima  da  evolução  politica  da  monarchia, 
3  partir  de  1822  e  terminando  em  1855,  data  em  que  saiu  do 
prelo  o  seu  substancioso  opúsculo.  Assim,  segundo  elle,  houve 
no  Brasil:  —  «De  1822  a  1831,  período  de  inexperiência  e 
de  lucta  dos  elementos  monarchico  e  democrático;  de  1831  a 
1836,  triumpho  democrático  incontestado;  de  1836  a  1840, 
lucta  de  reacção  monarchica,  acabando  pela  Maioridade;  de 
1840  até  1852,  dominio  do  principio  monarchico,  reagindo 
contra  a  obra  social  do  dominio  democrático,  que  não  sabe 
defender-se  sinão  pela  violência,  e  é  esmagado;  de  1852  até 
hoje  (1855),  arrefecimento  das  paixões,  quietação  no  pre- 
sente, anciedade  do  futuro,  período  de  transacção». 

Em  1849,  realizado  o  pleito  para  constituição  da  Camará 
temporária,  dissolvida  em  1848,  foi  Theophilo  Ottoni  esco- 
lhido mais  uma  vez   para  alli   representar  a  sua   província 

Não  obstante  isso,  protestou  elle  contra  a  legalidade  da 
eleição,  não  só  por  motivo  das  violências  de  que  haviam  sido 
victimas  os  liberaes  em  várias  freguezlas,  como  principalmente 
por  ter  sido  cumprida  a  ordem  do  Governo  de  se  reger  o 
processo  eleitoral  pela  derradeira  qualificação,  quando  a  lei 
de  19  de  Agosto  de  1846,  então  vigorante,  dispunha  que  no 
caso  se  obedecesse  á  qualificação  do  anno  anterior. 

Assim,  quando  foi  chamado  a  tomar  assento  na  assembléa 
geral,  como  supplente  por  Minas,  não  vaciJlou  elle  em  re- 
signar o  Ii^ar  de  deputado,  sobrepondo  a  cohcrencia  e  a 
dignidade  a  todos  e  quaesquer  outros  interesses. 

Para  que  se  possa  fazer  uma  apreciação  segura  da  intei- 
reza de  character  de  Theophilo  Ottoni,  cumpre  ouvir  áquelle 


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I66  RBTIBTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

propósito  as  suas  próprias  palavras,  relativas  aos  doze  annos 
do  seu  ostracismo  voluntário,  comprehendidos  entre  1848  « 
1860.  Eis  como  SC  explica  elle:  —  c  Desejo  somente  tornar 
bem  claro  que  em  todo  esse  longo  periodo  guardei  sempre  o 
pundonor  da  coherencia,  permanecendo  fiel  ao  symbolo  que 
articulei  no  jornalismo  em  1831  e  que  professei  imperterrito 
na  tribuna  da  assembléa  provincial  da  nossa  província,  na  da 
Camará  dos  deputados  e  no  banco  de  réu  perante  o  jury  de 
Mariana.  Quando,  em  1848,  o  arrefecimento  das  boas  graças 
do  palácio  afastou  os  liberaes  de  toda  a  participação  no  poder, 
tomada  a  praça  pelos  contrários,  nenhum  delles  me  disputou 
o  direito  de  retirar-me,  erguida  em  punho  a  bandeira  que,  ao 
entrar  no  parlamento  em  1838,  eu  arvorara  e  íôra  adoptada 
pela  opposição  liberal.  E,  em  1851,  quando,  com  razão  ou 
sem  ella,  me  pareceu  que  os  chefes  liberaes,  candidatos  ás 
pastas  tíe  ministros,  se  mostravam  na  imprensa  e  no  parla- 
mento dispostos  a  fazer  ao  governo  pessoal  mais  concessões 
do  que  aquellas  que  eu  julgava  admissíveis,  retirei-tne  da 
politica,  e  deixei  de  estar  em  communhão  com  qualquer 
partido». 

Bem  andou  em  assim  proceder  o  digno  Brasileiro,  que, 
sem  tardança,  revelou  em  outra  esphera  de  acção  a  energia 
da  sua  enfibratura. 

Enquanto  os  conservadores  jugulavam  a  revolta  «prai- 
eira  >,  derribavam  Rosas  (lançando  no  Prata  os  germes  de 
futuras  contendas),  extinguiam  o  trafico  de  africanos  (a  que 
a  Inglaterra,  pela  rigorosa  execução  do  bill  Aberdeen,  coagira 
o  Império)  e  apparelhavam  reformas,  num  palpável  exforço 
de  cimentarem  o  seu  tríumpho  na  opinião  do  paiz  e  a  sua 
perpetuação  nos  conselhos  da  coroa,  —  trocava  Theophilo 
Ottoni  o  campo  de  .'^gramantc  da  Politica  pelo  da  actividade 
commercíal. 

Desde  1845  montara  elle  nesta  capital  uma  importante 
casa  de  negocio,  e  vinha  de  mais  longa  data  a  sua  constante 
preoccupação  com  o  franqueí amento  de  vias  de  communi- 
cações  interiores,  que  ligassem  entre  si  as  províncias  de  Minas, 
Espírito-Sancto  e  Bahia,  bem  como  a  incessante  cogitação  de 
explorar  as  ubertosas  terras  do  hinterland  do  seu  berço  natal. 


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k    ClttCULAR  DE  TneOPlIILO  OTTQNI  167 

Dispondo  de  largo  credito  e  das  melhores  relações  nos 
círculos  financeiros,  aventurou-se  a  realizar  a  sua  antiga  e 
patriótica  aspiração. 

E'  de  1847  o  seu  opúsculo  intitulado  «  Condições  para  a 
incorporação  de  uma  companhia  de  commercio  e  navegação 
do  rio  Mucury  >. 

A  essa  árdua  e  vasta  empresa,  cujo  capital  era  de  réis 
1.200:000$,  quantia  enorme  para  aquella  epocha,  dedicou  por 
muito  tempo  os  seus  melhores  exforços,  o  seu  afan  pessoal, 
toda  a  sua  actividade,  toda  a  sua  fortuna,  enfim. 

Sobejam  documentos  para  o  estudo  integral  dessa  parte 
da  existência  do  eminente  cidadão,  de  quem  nos  estamos 
occupando.  Além  dos  relatórios  annuaes  da  <  Companhia 
Mucury  »,  publicados  desde  1852  até  1860,  traçou  elle  o 
histórico  do  seu  audaz  emprehendimento  nura  folheto  que, 
também  com  aquella  epigraphe,  deu  aqui  á  estampa  em  1856.' 
Pouco  depois  dirigia  a  Joaquim  Manuel  de  Macedo,  o  ce- 
lebre romancista,  então  secretario  do  Instituto  Histórico  e 
Geographico  Brasileiro,  extensa  carta  explicativa,  com  a  de- 
nominação de  «  Noticia  sobre  a  colónia  e  os  selvagens  do 
Mucury»,  inserta  na  €  Rev,  Trím.  »,  t.  XXI,  ps^s.  191-338, 
e  em  1858  tirada  em  separata,  numa  brochura  de  48  paginas. 
No  anno  seguinte  (1859)  editava  outro  volumito  sobre  o 
mesmo  assumpto,  «  A  colonização  do  Mucury  >,  e  em  1862, 
finalmente,  para  que  não  pairasse  a  menor  dúvida  no  espirito 
dos  accionistas  e  do  público  sobre  a  lisura  do  seu  proceder 
quanto  aquella  portentosa  tentativa,  infelizmente  mallograda, 
ainda  fez  sair  á  luz  uma  «  Breve  resposta  >,  que  se  enfeixava 
em  cerca  de  100  paginas. 

Antes  de  mais  nada,  cumpre-nos  salientar  quanto  o  bem 
formado  coração  do  benemérito  Brasileiro,  guiando-lhe  a  intel- 
ligencia  robustíssima,  se  sublevou  ante  as  montarias  que  se 
faziam  contra  os  nossos  desgraçados  aborigenes  e  o  com- 
pelliu  a  propor  a  única  solução  convtnhavel  ao  magno  pro- 
blema de  os  proteger  e  attrahir  para  o  nosso  convívio,  inte- 
grando-os  definitivamente  na  grande  Pátria,  originariamente 
só  delles,  e  na  qual  estavam  apenas  acampados.  As  idéas, 
que  a  esse  respeito  preconizava  elle,  eram  as  mesmas  que 
outr'ora  jorraram  da  alma  do  incomparável  estadista  que  ^i 


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l68  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

José  Bonifácio,  o  Patriarcha,  e  que  só  ultimamente  puderam 
ser  transformadas  em  realidade  pelo  moderno  apostolo  das 
nossas  selvas,  o  coronel  Rondon,  e  sua  abnegada  plêiade  de 
auxiliares , 

Ouçamos,  porém,  o  que  Theophílo  Ottoni  (vide  <  Rev. 
do  Inst,  Hist.  e  Geogr.  Brás.»,  t.  XXI,  pags.  200),  depois 
de  referir  os  innumeros  attentados  commettidos  pelos  brancos 
contra  os  indios  do  Mucuri.  racional  e  humanamente  apre- 
goava :  —  €  Eu  tinha  adquirido  a  convicção  de  que  os  sel- 
\'agens,  nas  suas  aggressões  contra  os  chrístãos,  eram  quasi 
sempre  incitados  por  violaicias  e  provocações  destes.  Em 
consequência,  acreditava  que  um  systema  de  generosidade, 
moderação  e  brandura,  não  podia  deixar  de  captar-lhes  a 
benevolência.  A  principal  difficuldade  para  a  execução,  ou 
ao  menos  ensaio  deste  systema,  estava  em  chamar  á  práctica 
e  convivência  os  filhos  das  selvas,  em  convencê-los  de  que 
havia,  com  effeito,  um  novo  processo  de  catechese,  que  não 
empregava  pólvora  e  bala,  nem  tinha  por  fim  roubar-lhes  os 
filhos  ». 

Nos  escriptos  acima  citados,  bein  como  em  algumas 
poucas  linhas  da  «  Circular  »,  deixava  o  inolvidável  Serrano 
transparecer  o  patriótico  enthusiasmo,  com  que  todo  se  votou 
á  realização  do  seu  grandioso  projecto. 

O  sector  comprehendido  entre  os  rios  Jequitinhonha  e 
Doce,  no  seu  angulo  central,  fora  o  ultimo  onde  penetraram 
os  descobridores  de  ouro,  na  zona  convizinha  do  litoral. 
O  nome  de  Minas-Novas  ligou-se,  por  isso,  ao  único  arraial 
de  exploração  metallica  alli  despontado,  quasi  em  meiados  do 
século  XVni. 

O  resto  daquella  vastissima  área  ficara  exclusivamente 
entregue  aos  seus  primitivos  donos,  aos  seus  posseiros  natu- 
raes,  os  índigenas. 

Um  centennio  depois,  o  bandeirante  que  alli  ousou  em- 
brenhar-se,  tão  intrépido  como  os  seus  antepassados  paulistas 
e  levando  na  alma  acendrada  róseos  sonhos  e  aspirações  mirí- 
ficas, foi  Theophílo  Ottoni. 

O  seu  escopo  não  consistia  apenas  em  desbravar  aquelle 
solo  virgem  e  feraz,  porém  sim  em  estabelecer  a  navegação 
de  todos  os  caudalosos  cursos  de  agua,  que  iam  do  sertão  em 


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A  CmcOLAR  DE  THEOPHILO  OTTONl  I69 

demanda  do  Atlântico,  e,  pois,  em  abrir  portos  no  oceano  a 
insulada  Minas. 

Não  é  difficil  imaginar  a  grande  força  de  vontade  que 
teve  Ottoni  de  pôr  em  jcgo,  afim  de  fugir  á  emmaranhada 
teia  das  preoccupações  partidárias  que  dominavam  todos  os 
espíritos,  naquella  phase  por  que  passava  a  nossa  conecti- 
vidade social,  e  afim  de  chamar  a  attengão  dos  administra- 
dores públicos  para  a  expansão  da  nossa  capacidade  eco- 
nómica , 

Legatário  dos  methodos  rotineiros  de  Portugal,  que 
sempre  oppoz  o  mais  ferrenho  monopólio  ás  aspirações  uni- 
versaes  do  livre-cambio ;  herdeiro  do  innominavel  systema 
escravista,  que  a  metrópole  aqui  implantou  e  que  existiu  até 
1888,  impossibilitando  tanto  o  nosso  prc^esso  moral  como 
o  nosso  progresso  material :  —  o  Brasil,  ainda  em  meiados  do 
século  XIX,  poucos  passos  havia  dado  a  beneficio  da  sua 
agricultura,  da  sua  pecuária,  do  seu  commercio,  da  sua  in- 
dustria. 

Basta  dizer,  —  cumpre  dizê-lo  com  tristeza  — ,  que, 
quando  Theophilo  Ottoni  emprehendia  aproveitar  os  ca- 
minhos naturaes  do  interior  para  o  intercambio  de  mérces, 
ainda  nem  siquer  o  Amazonas  havia  sido  aberto  aos  navios 
de  todas  as  nações  do  mundo,  o  que  só  foi  feito  pelos  de- 
cretos de  7  de  Dezembro  de  1866  e  31  de  Julho  de  1867  ! 

Basta  dizer  que,  quando  o  inspirado  patriota  arrostava 
os  maiores  incommodos  e  os  maiores  perigos  para  levar  a 
civilização  a  uma  extensa  superfície  do  território  nacional, 
ainda  não  havia  no  Brasil,  apesar  da  lei  de  31  de  Outubro 
de  1835,  emanada  da  regência  de  Feijó,  nenhuma  estrada  de 
ferro,  pois  a  primeira,  devida  á  iniciativa  de  Irineu  Evan- 
gelista rfe  Sousa  (visconde  de  Mauá),  só  se  inaugurou  a  30 
de  Abril  de  1854,  numa  extensão  de  14  kilometros,  e  ainda 
nem  se  sonhava  com  a  Central! 

O  projecto  do  genial  Serrano  mal  logrou -se ;  mas,  cm  não 
remoto  porvir,  quando  enormes  ferrovias  ligarem  o  Nordeste 
mineiro  ao  htoral  espiríto-sanctense,  —  o  seu  melhor  e  mais 
fácil  escoadouro  — ,  então  o  nome  de  Theophilo  Ottoni  será 
por  certo  relembrado  e  abençoado.' 


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170  REVISTA  DO  INSTITUTO  IIIÍTORICO 

Desde  1841  que  Theophilo  Ottqni,  quando  se  agitou  no 
parlamento  nacional  a  abertura  de  communicações  entre  a 
Bua  província  natal  e  as  confinantes  marítimas,  advc^u  :i 
linha  de  Minas-Novas  para  Caravellas  ou  immediações. 

No  meiado  do  século  XIX  procurou-se  corrigir  a  ve- 
tusta divisão  administrativa  do  Império,  herdada  da  metró- 
pole. Foram,  porém,  creadas  duas  circunscripções  novas; 
a  do  Paraná,  constituída  pela  antiga  comarca  de  Curitiba, 
desmembrada  de  S.  Paulo;  e  a  do  Amazonas,  formada  pela 
antiga  comarca  de  S.  José  do  Rio  Negro,  separada  do  Pará. 

Pela  mesma  epocha,  qual  se  vê  de  opúsculo  «  Pinsonia  > 
(pags.  IX)  de  Cândido  Mendes  de  Almeida,  também  se 
tentou  crear  a  província  Oiapockia  no  território  compre- 
hendido  entre  os  rios  Nhamundá  <  Amazonas,  o  oceano 
Atlântico  e  os  limites  septentrionaes  do  Brasil. 

Pois  bem:  —  o  grandioso  projecto  de  Theophilo  Ottoni, 
conta  o  seu  digno  ermâo  e  biographo  (op.  cit.,  pags.  29), 
<  fez  nascer  e  tornou  practicavel  uma  idéa  politica,  acceita 
pelo  marquez  de  Paraná,  advogada  por  vários  deputados,  mui 
'  bem  acolhida  pelas  populações  a  quem  interessava,  e,  para 
resumir  tudo  em  uma  só  palavra,  medida  de  vantagem  in- 
tuitiva. Tractava-se  de  crear  uma  nova  provincia,  contendo 
a  comarca  do  Jequitinhonha  e  parte  das  do  Serro  e  S.  Fran- 
cisco, em  Minas,  a  de  S.  Matheus,  no  Espiríto-Sancto,  e  as 
de  Caravellas  e  Porto-Seguro,  na  Bahia.  A  nova  provincia 
e  sua  rede  de  estradas  approximariam  do  oceano  mais  de 
100.000  habitantes  do  Norte  de  Minas,  facilitariam  o  rotea- 
mento  de  extensíssimas  matas,  e  dariam  um  porto  de  mar  a 
uma  grande  parte  da  província  (de  Minas),  que  não  pôde 
continuar,  em  toda  a  sua  vasta  extensão,  dependente  da  al- 
fandega do  Rio  de  Janeiro». 

Obstáculos  de  toda  sorte,  especialmente  por  parte  dos 
ministros  da  coroa,  esbarrondaram  a  enérgica  iniciativa  do 
rijo  sertanista. 

Não  foi  só  a  fortuna  que  elle  consumiu,  foi  também  a 
saúde  que  se  lhe  comprometteu  irremediavelmente. 

Para  que  não  morresse  a  empresa  do  Mucuri,  abriu  elle 
mão  das  indemnizações  a  que  porventura  tivesse  direito,  con- 


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*  CmCULAR  DE  THBOPHILO  OTTONI  t^I 

tando  que  assim  o  Governo  geral,  que  a  encampará  em  1860,  a 
levaase  auspiciosamente  a  bom  termo. 

Assim,  porém,  não  aconteceu.  Quando  o  dilecto  filho  da 
antiga  villa  do  Príncipe  expirou  em  1869,  restava  apenas,  da 
sua  obra  colossal,  a  povoação  cujos  alicerces  lançara  á  margem 
do  rio  Todo3-os-Sanctos,  affluente  do  Mucuri,  e  a  qual  dera 
o  bello  nome  de  Philadelphia,  hoje  substituído  pelo  do  seu 
fundador,  —  única  homenagem  que  em  boa  hora  e  até  ao 
presente  lhe  prestou  a  suprema  administração  dá  sua  terra 
natal . 

Depois  desse  hiato  de  um  decennio,  todo  consagrado  á 
sua  interpresa  sertaneja,  —  ei-Ío  de  novo  na  estacada,  na  van- 
guarda dos  mais  valentes  pelejadores,  o  intrépido  legionário 
da  democracia. 

Em  1853,  pondo  afinal  em  práctica  um  seu  antigo  plano, 
inaugurara  o  marquez  de  Paraná  a  chamada  <  politica  de 
conciliação  »,  formando  com  liberaes  e  conservadores  o  ga- 
binete de  6  de  Septembro  daquelle  anno.  Essa  nova  orientação 
tivera  no  auctor  do  Libello  do  povo  o  seu  grande  paladino  da 
imprensa  e  em  Nabuco  de  Araújo,  a  cujo  discurso  de  6  de 
Julho  se  deve  o  bem  posto  nome  de  *  ponte  de  ouro  ^,  o  seu 
evangelizador  parlamentar. 

Fallecendo  Honório  Hermeto  Carneiro  Leão,  que  deixou 
o  nome  inscripto  em  vários  serviços  prestados  á  Pátria  na 
quadra  mais  agitada  do  seu  evoluir,  Caxias,  que  o  substituiu 
então  na  presidência  do  conselho,  a  3  de  Septembro  de  1856, 
continuou  a  mesma  traça. 

Mas,  subindo  ao  poder  em  4  de  Maio  de  1857  o  minis- 
tério chefiado  pelo  marquez  de  Olinda,  começoií-se  a  fazer 
de  novo  a  separação  dos  dous  partidos. 

Foi  então  que  Theophilo  Ottoni,  vendo  já  em  traf^o  a 
estrada  do  Mucuri  e  adeantada  a  empresa  ingente  a  que  se 
abalançara,  entendeu  de  retornar  á  actividade  politica. 

Durante  a  abstenção  de  luctas  partidárias,  tinha  sido 
eleito  presidente  do  Montepio  Geral,  que  elle  reformou  con- 
venientemente, elevando-o  a  alto  grau  de  prosperidade. 

A  7  de  Outubro  de  1856,  elle  e  o  seu  illustre  e  digno 
ermão,  Christiano  Benedicto  Ottoni,  haviam  dirigido  aos  Mi- 
neiros uma  circular,  aventando  a  idéa  da  reforma  do  Senado.; 


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1^3  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Certos  de  que  — «  Senado  vitalício,  acostado  a  Conselho  de 
Estado  vitalício,  não  pôde  trazer  outro  resultado  sinão  a 
mais  detestável  das  oligarchias  »,  —  recommendavam  á.  massa 
suffragante  da  sua  província  natal  só  elegesse  representantes 
que  expressamente  se  compromettessem  a  pugnar  <  pela 
eleição  dos  senadores  por  circulo,  pela  renovação  parcial  do 
Senado  em  cada  legislatura». 

Sem  dar  cõr  partidária  á  sua  candidatura,  disputou  o 
inexquecivel  liberal  uma  curul  da  Camará  alta,  no  pleito  de 
21  de  Agosto  de  1859,  correspondendo  assim  á  confiança 
com  que  o  distinguiam  os  seus  comprovincianos,  que  em  1857 
espontaneamente  lhe  haviam  suffragado  o  nome  para  aquelle 
cargo,  pouco  faltando  o  ser  incluitfo  na  lista  sextupla. 

Veio  em  primeiro  logar  na  lista  tríplice;  mas,  submettida 
esta  ao  poder  moderador,  foi  escolhido  o  segundo  votado,  o 
conselheiro  Luiz  António  Barbosa,  a  cujos  serviços  e  eximias 
qualidades  fez  justiça  o  próprio  preterido. 

Havendo  outra  vaga,  também  por  Minas,  na  assembléa 
vitalícia,  pelo  fallecimento  do  venerando  senador  Vergueiro, 
novamente  entrou  na  liça  o  benquisto  patriota,  a  quem  outra 
vez  coube  a  honra  do  posto  culminante  na  lista  tríplice  de 
ri  de  Fevereiro  de  1860.  Mas,  quando  esta  foi  sujeita  á 
consideração  do  monarcha,  entendeu  d.  Pedro  11  de  escolher 
o  terceiro  dos  eleitos,  um  sr.    Manuel  Teixeira  de  Sousa. 

O  procedimento  da  Coroa  provocou  amplas  manifestações 
pela  imprensa  e  pela  tribuna  parlamentar,  A  esse  episodio  se 
ligam  três  pamphletos,  então  vindos  a  lume :  —  «  Monarchia 
e  democracia  »,  «  O  poder  moderador  e  o  sr.  Theophilo  Be- 
nedicto  Ottoni  »  (publicado  em  S.  Paulo)  e  <  Da  natureza  e 
limites  do  poder  moderador  »  (anonymo,  mas  geralmente 
attribuido  a  Zacharias  de  Góes  e  Vasconcellos) . 

O  probo  liberal  mineiro,  por  seu  turno,  não  pôde  sopitar 
o  profundo  resentimento  que  lhe  iransbordava  da  consciência 
justamente  indignada,  do  seu  grande  e  notório  mérito  ferido 
e  menosprezado.  Tendo  sido  officialmente  publicada  a  28 
de  Abril  de  1860  a  desastrosa  escolha  imperial,  no  dia  se- 
guinte inseria  elle  nos  jomaes  a  declaração  irrevogável  de 
que  não  disputaria  a  cadeira,  que  a  morte  do  conselheiro  Luiz 
António  Barbosa  deixara  vacante  no  Senado.    E  as  expli- 


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A   CIRCULAR  DE  THEOPHILO    OTTOM  173 

cações  de  similhante  absenteísmo  foram  feitas  eiii  <  lingua- 
gem rude  > . 

Afim  de  melhor  exprimir  o  seu  pensamento,  não  só  de 
gratidão  para  com  os  com  provincianos  que  lhe  haviam  reite- 
radamente attendido  á  pretenção  de  sentar-se  na  Camará  alta, 
como  ainda  de  pedir-lhes  os  suffragios  para  um  logar  na 
assembléa  temporária,  traçou  o  ineguãlavel  manifesto  politico, 
a  célebre  «Circular»,  que,  tanto  pela  quahdade  como  pela 
quantidade,  ficou  singular  em  nossa  Historia. 

•  Traz  a  data  de  19  de  Scptembro  de  1860.  Ora,  a  lei  de  18 
de  Agosto  desse  anno  modificara  o  systema  electivo  geral, 
pois.  embora  conservasse  os  dous  graus,  estabelecera  a  eleição 
por  circulo  de  trez  deputados,  o  que  obrigou  as  províncias  a 
remodelarem  as  suas  circunscripções  eleitoraes. 

Na  famosa  carta  apresentou-se  Theophilo  Ottoni  can- 
didato á  Camará  baixa,  pelo  2°  districto  de  Minas-Geraes . 
As  ultimas  paginas  daquelle  documento  notável  merecem  me- 
ditadas ainda  hoje.  Nellas  o  genial  Serrano,  com  a  sua 
assombrosa  clarividência,  referiu- se  ao  prodigioso  influxo 
que  a  artéria  ferroviária  central,  então  apenas  iniciada,  estava 
destinada  a  exercer  no  futuro  engrandecimento  da  terra  de 
Tiradentes.  E.  com  o  amplo  descortino  que  lhe  characterizava 
o  espirito  práctico,  assignalou  a  urgente  necessidade  de  mon- 
tar-se  no  rio  S.  Francisco  a  navegação  a  vapor,  afim  de 
facilitar  o  commercio  do  Septentrião  e  do  Nordeste  mineiro 
«com  as  comarcas  vizinhas  e  com  a  província  da  Bahia». 
Não  se  exquecera  também  de  lembrar  a  installaçâo  de  uma 
vasta  rede  de  estradas  de  ferro,  que  servisse  aos  valles  do 
Parahiba,  rio  Doce,  rio  Grande  (cabeceiras)  e  S.  Francisco. 

Quanto  ao  ponto  de  vista  geral,  o  seu  programma  con- 
tinuava a  ser  o  de  combate  sem. tréguas  ao  «governo  pes- 
soal >  e  o  de  levar  a  effeito,  constitucionalmente,  as  reformas 
que  o  seu  adeantado  liberalismo  desde  muito  pregava  e  recla- 
mava,—  abolir  o  «  flagello  da  prisão  arbitraria  »  e  o  recruta- 
mento forçado,  retirar  aos  agentes  policiaes  amovíveis  as 
íuncções  judiciarias  de  que  os  investira  a  lei  de  3  de  De- 
zembro de  1841,  e,  finalmente,  extinguir  a  vitaliciedade  do 
Senado. 


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Jf4  RbVbTA  M  ÍN8T1TDT0  ttlStOUlCO 

O  disputãdissinio  pleito  que  se  feriu  nas  urnas  para  a 
decima-primeira  legislatura  do  Império,  a  qual  devia  exten- 
der-se  de  1861  a  1864,  comprovou  á  saciedade  o  inabalável 
prestigio  de  que  gosava  em  todo  o  paiz  o  ardoroso  patriota. 

Dirigiu  elle,  pessoalmente,  o  partido  liberal  nas  eleições 
da  então  Corte,  e  tanto  o  2°  distncto  de  Minas  como  o  1' 
distrtcto  da  província  do  Rio  de  Janeiro  o  honraram  com  o 
mandato  para  os  representar  na  Camará  dos'deputados  geraes. 
A  19  de  Junho  de  1861  optou  elle  pelo  circulo  da  sua  terra 
natal,  tendo  tido  por  substituto  no  fluminense  o  indeslem- 
bravel  parlamentar  Martinho  Alvares  da  Silva  Campos,  de 
quem  Af  fonso  Celso  Júnior,  no  seu  trabalho  «  Oito  annos  de 
parlamento»  (pags.  41-50),  traça  com  brilho  o  interessante 
perfil  politico. 

E'  imprescindivel,  agora,  ouvirmos  a  opinião  de  Joaquim 
Nabuco  {op.  cit.,  vol.  II,  pags.  74-76)  sobre  aquelle  memo- 
rável pleito,  de  cujo  triumphador  fez  elle  ao  mesmo  tempo  o 
mais  elevado  juizo  no  que  respeita  ao  charactcr,  embora  sobre- 
modo injusto  quanto  á  valia  mental :  —  «  Essa  eleição  de  1860 
póde-se  dizer  que  assignala  uma  epocha  em  nossa  historia 
politica;  com  ella  recomeça  a  enclier  a  maré  democrática,  que 
desde  a  reacção  monarchica  de  1837  se  tinha  visto  continua- 
mente baixar  e  cuja  vasante  depois  da  Maioridade  chegara  a 
ser  completa.  No  Rio  de  Janeiro  a  campanha  foi  ardente, 
enthusiastica,  popular,  como  ainda  não  se  vira  outra ;  a  moci- 
dade tomou  parte  nella,  o  commercio  subscreveu  generosa- 
mente, o  povo  dirigia-se  de  uma  para  outra  freguezia  capi- 
taneado por  Theophilo  Ottoni,  cujo  lenço  branco  figura 
constantemente  nos  epigrammas  políticos  da  epocha.  A  chapa 
liberal  triumphou  toda:  Theophilo  Ottoni,  Octaviano,  Sal- 
danha Marinho ;  e  esse  acontecimento  tomou  as  proporções  de 
uma  revolução  pacifica,  qUc  tivesse  finalmente  derribado  a 
oligarchia  encastellada  no  Senado.  Tal  victoria  creava  um 
partido;  queria  dizer,  de  facto,  a  resurreição  do  partido  li- 
beral com  outro  pessoal  e  outras  idéas.  mas  com  as  mesmas 
tradições,  o  mesmo  espirito,  mais  forte  que  os  homens  e 
que  os  principíos.  Nabuco  tinha  previsto  bem:  a  situação 
era  de  Theophilo  Ottoni.  Si  este  não  fosse  então,  em  phrase  de 
Disraeli,  « imi  vulcãp   extincto  >,  um  homem  acabado,  de 


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A  tlRCttbAR  DC  "ÍHeOPIlILO  OTTONI  l^j 

outras  eras,  que  não  renovara  desde  1831  o  seu  cabedal 
politico,  um  veterano  novato,  apparecendo,  ao  lado  das  ge- 
rações modernamente  educadas  como  um  anachronismo  vivo, 
ter-se-ia  apossado  do  governo,  dominado  a  Camará  e  cur- 
vado o  imperador  deante  da  sua  popularidade.  A  repu- 
tação immensa  que  o  precedia  impunha-lhe,  porém,  obrigações, 
que  elle  não  podia  satisfazer ;  exigia  delle,  perante  um  publico 
por  natureza  critico  e  iconoclasta,  como  o  nosso  já  se  estava 
tomando,  um  talento  que  fizesse  sentir  a  superioridade  do 
passado  que  elle  representava,  ou  então  uma  mocidade  de 
espirito  que  lhe  permíttisse  partilhar  os  enthusiasmos  de  uma' 
epocha  profundamente  diversa  da  sua.  Theophilo  Ottoni  não 
tinha  nem  essas  faculdades  intellectuaes  poderosas,  nem  essa 
plasticidade  e  volubilidade  de  espirito.  Na  tribuna,  pertencia 
á  ordem  dos  oradores  espontâneos,  porém  diffusos  e  prolixos.. 
Sua  estréa,  anciosamente  esperada  em  1861,  é  um  contra- 
tempo; fala  até  ao  escurecer,  e,  a  uma  observação  do  presi- 
dente, declara-se  prompto  a  ir  até  meia-noite.  A  arenga  toda 
é  hoje  iilegivel ;  o  tributo  eleitoral  que  o  povo  seguia  arre- 
batado sentia- se  enjaulado  no  parlamento,  onde,  exclusiva- 
mente, se  conquistava  a  primeira  posição.  Com  sua  genero- 
sidade e  cavalheirismo,  egualdade  e  affabilidade  de  tracto,  elle 
é  particularmente  um  homem  estimado  e  querido  de  todos». 

E  logo  adeante :  —  «As  eleições  de  r86o  tiveram  im- 
mensa repercussão  em  todo  o  paiz.  O  ef feito  da  eleição  de 
Ottoni  e  seus  companheiros  de  chapa  foi  além  de  tudo  o  que 
imaginava  a  opposição  a  Ferraz.  A  oHgarchia  fora  desar- 
raigada, derribada  por  um  verdadeiro  furacão  politico.  Ferraz 
não  esperou  a  reunião  das  camarás  para  demittír-se.  Em  2  de 
Março  de  1861  formava-se  novo  gabinete  sob  a  presidência 
de  Caxias,  cujo  braço  direito  será  Paranhos». 

.  Chegou-se  a  pensar,  —  accrescenta  Nabuco,  em  nota,  a 
P^gs.  77,  —  que  « a  formação  do  ministério  de  2  de  Março 
de  1861,  com  o  marechal  Caxias  e  o  chefe  de  esquadra 
Joaquim  José  Ignacio  (Inhaíima),  aprese ntando-se,  além 
disso,  incompleto »,  era  «  uma  combinação  militar  do  impe- 
rador, em  resposta  á  eleição  de  Ottoni ». 

Ainda  em  1861,  sem  que  elle  houvesse  cogitado  de  simi- 
Ihante  candidatura,  insistiu  Minas  em  apresenta-lo  no  pri- 


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176  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

meiro  logar  á  consideração  do  monarcha  para  uma  curui  do 
Senado.  E  no  anno  seguinte  também  Mato-Grosso  o  exalçou 
á  sua  lista  tríplice  para  a  Camará  vitalicia. 

Excusado  é  dizer  que  a  essas  irrebativeís  manifestações 
de  valor  politico  corresponderam  outras  tantas  preterições, 
que,  todavia,  não  mais  estomagaram  o  invencivel  luctador, 
porque  este,  quando  lançou  a  público  a  sua  declaração  de  29 
de  Abril  de  1860,  atrás  mencionada,  já  as  havia  curialmente 
previsto,  quando  ponderava ;  —  «O  damno  que  a  minha  lin- 
guagem rude  ha  de  acarretar-me  é  talvez  irreparável...». 

Pela  mesma  occasião,  fazia  elle  sair  do  prélo  um  no\o 
e  vigoroso  pamphleto  politico,  intitulado  « A  estatua  eques- 
tre». As  idéas  de  Theophilo  Ottoni  a  respeito  do  movi- 
mento nacional  de  7  de  Abril  de  1831  já  deixámos  suffi- 
cientemente  evidenciadas  em  linhas  anteriores,  citando-lhe 
as  próprias  palavras. 

Ora,  tendo  sido  elle  escolhido  por  duas  assembléas  pro- 
vinciaes,  trinta  e  duas  camarás  municipaes  e  diversas  asso- 
ciações scientificas,  para  as  apresentar  no  acto  de  entregar- 
se  á  admiração  do  publico  a  «  mentira  de  bronze »,  julgou 
imprescindível  expor  pela  imprensa,  na  véspera,  do  dia  em 
que  a  população  carioca  devia  assistir  á  inauguração  do 
monumento,  que  ora  avulta  majestoso  em  meio  da  Praça  Ti- 
radentes,  os  sérios  motivos  que  o  compelHam  a  declinar  da- 
quella  incumbência. 

Marcada  para  25  de  Março,  data  conimemorativa  da 
outorga  da  carta  constitucional  de  1824,  foi,  contudo,  adiada 
para  30  do  mesmo  mez  a  pomposa  solennidade,  cujo  alvo 
histórico  era  zargunchado  pela  válida  penna  do  intrépido 
Serrano.  O  folheto,  hoje  posto  em  olvido,  teve  no  momento 
profunda  repercussão  em  todo  o  paiz,  dando  aso  a  varias 
publicações,  umas  de  applauso  e  outras  de  contradicta. 

O  anno  de  1862  assignala-se  por  extranhos  aconteci- 
mentos eni  nossa  historia  politica. 

Um  delles  é  a  defecção  de  vários  chefes  conservadores, 
—  o  marquez  de  Olinda,  José  Thomaz  Nabuco  de  Araújo, 
Zacharias  de  Góes  e  Vasconcellos,  José  António  Saraiva, — 
que,  descontentes  com  o  gabinete  de  3  de  Março  de  1861, 


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A  CIRCULAR  DB  TIIEOPHILO  OTTONI  T77 

presidido  pelo  marechal  Caxias,  se  passaram  com  armas  e 
bagagens  para  as  fileiras  contrarias. 

Com  o  famoso  discurso  do  <  uti  ix>ssidetis  >,  pronunciado 
por  Nabuco,  torna-se  triumphautc  a  «  Liga »,  c  o  resultado 
intniediato  de  tal  procedimento  foi  a  ascensão  dos  liberaes  ao 
poder,  em  que  se  conservaram  até  ao  golpe  de  Estado  de  i6_ 
de  Julho  de  1868. 

O  gabinete  de  24  de  Maio  de  1862,  presidido  por  Zacha- 
rias,  foi  chamado  de  «ministério  dos  anjinhos»,  porque  teve 
a  curta  existência  de  sete  dias,  derribando-o  pela  imprensa  a 
penna  máscula  de  Torres  Homem,  Mas,  a  30  de  Maio,  cons- 
tituia  Olinda  o  que  foi  denominado  <  ministério  dos  velhos  >, 
por  delle  fazerem  parte,  além  do  ex-regente  de  1837- 
1840,  o  marquez  de  Abrantes,  os  viscondes  de  Albuquerque  e 
de  Maranguape,  Joaquim  Rodrigues  de  Lamare,  Polydoro  dá 
Fonseca  Quintanilha  Jordão  (depois  visconde  de  Sancta- 
Tcrcsa)  c  João  Lins  Vieira  Cansanção  de  Sinimbu. 

Deu-se  no  tempo  deste  o  outro  « extranho  acot^ecí- 
mento  >  a  que  acima  nos  referimos,  poís  diversa  qualificação 
não  merece  aquillo,  a  que  em  nossa  Historia  se  conveio  em 
chamar  de  «questão  Christie». 

Este  lobrego  evento,  que  se  originou  do  naufrágio  da 
barca  ingleza  Prhice  of  Wales  nas  costas  do  Rio  Grande  do 
Sul,  em  Junho  de  1861,  e  da  prisão  em  fins  de  1862,  de 
officiaes  da  fragata  Port,  pertencente  á  marinha  de  guerra 
britannica  c  então  ancorada  na  bahia  de  Guanabara,  eviden- 
ciou a  inépcia  dos  estadistas  que  dirigiam  naquelle  momento 
a  {xilitica  nacional,  quer  no  ministério,  quer  no  Conselho  de 
Estado.  Com  effeito,  para  evitar  a  violação  da  soberania 
brasileira,  em  consequência  das  represálias  ordenadas  pelo 
representante  diplomático  de  Sua  Graciosa  Magestade,  era 
sufficiente  que  o  nosso  Governo  acceitasse  o  arbitramento 
para  os  dons  casos  em  litigio,  o  que  em  nada  podta  diminuir 
ou  lesar  a  dignidade  da  nossa  Patrta,  porquanto,  como  bem 
obser\'ou  um  dos  mais  insuspeitos  e  cultos  pensadores  desta 
terra,  R,  Teixeira  ^Fendes  («Benjamin  Constant>,  vol.  I, 
pags.  1 15-1 16),  si  procedesse  a  objecção  de  estar  a  Coroa 
convencida  da  sua  justiça  no  concernente  aos  salvados  da 
Priuce  of  Wales,  então,  logicamente  e  dignamente,  não  de- 

s"  lyCoogle 


ITS  nZVISTA  DO  IKSTlTDtO  BlStOMCO 

veria  também  ter  acceitado  o  juizu  arbitral  para  a  questão 
dos  officíaes  da  Fort, 

E'  sabido  que  o  povo  desta  capital  se  exaltou  leonina- 
tneiite  ante  a  injuria,  que  nos  irrogara  a  esquadra  do  almi- 
rante Warren,  nas  nossas  aguas  territoriaes,  ás  barbas  do 
monarcha  brasileiro. 

Coube  a  Theophilo  Ottoni  o  prestar,  nes^se  grave  passo 
da  nossa  evolução,  mais  um  dos  relevantes  serviços  que  lhe 
deve  a  nossa  Pátria.  Conhecido  e  respeitado  em  toda  a  cidade, 
onde  a  sua  iogosA  intelligencia,  liberalismo  avançado  e  ina- 
tacável probidade  o  haviam  erigido  a  um  dos  Ídolos  da 
população  carioca,  —  só  o  prestigio  de  tão  peregrinos  pre- 
fticados  e  a  fascinação  de  sua  palavra  foram  capazes  de 
impedir  excessos,  que  ix)deriam  ter  chegado  ás  mais  funestas 
consequências,  quando  a  grande  massa  popular  se  agitou, 
cholerica  e  impetuosa,  por  toda  parte,  contra  a  audácia  do 
plenipotenciário  da  Inglaterra  e  o  insólito  proceder  da  es- 
quadra britannica. 

St  a  questão  Christie  deixou  no  espirito  dos  dirigentes 
da  politica  brasileira  traços  indeléveis,  que  incontestavelmente 
contribuirani  para  arrojar-nos  em  1S64  á  intervenção  nos 
negócios  Íntimos  do  Uruguai,  precipitando-nos  na  prolongada 
e  sanguinolenta  camjjanha  contra  o  Paraguai,  —  verdadeiro 
crime  (,no  sentir  de  João  Ribeiro,  um  dos  nossos  mais  com- 
|K;tentes  historiadores)  da  dynastia  bragantina  occu^jadora  da 
único  throno  americano  — ,  não  é  menos  certo  que,  no  tocante 
á  pessoa  do  digno  filho  da  terra  dos  diamantes,  serviu  para 
riscar-lhe  o  nome  do  «livro  negro»,  em  que  o  inscrevera  o 
soberano.  i 

Em  1863  foi  tlissohida  a  Camará,  que,  entretanto,  applau- 
dira  com  grande  alarde  a  attitude  do  Governo  imperial  no 
deplorável  incidente  ai^lo-brasileiro. 

Travado  o  pleito  para  a  constituição  da  decima-segunda 
legislatura  geral,  que  devia  prolongar-se  de  1864  a  1866, 
Theophilo  Ottoni  foi  reeleito  deputado  por  Minas,  que 
Umbem,  como  que  porfiando  em  tributar-lhe  similhante  ho- 
menagem, o  mandou  na  lista  triplice  para  a  Camará  alta. 

Escolhido,  enfim,  pelo  monarcha,  e  tendo  acceitado  a 
curul  senatorial  foi  substituído,  na  bancada  mineira  da  as- 

lyCOOglC 


à ClftCOLAR  DB  THEOPHILO  OTTONI  174 

sembléa  tcm[x)raria,  \K)r  Manuel   Igiiacio  de  Carvalho  Meií- 
(loiii;a.  a  ^3  de  Junho  de  1864, 

Antes  de  proseguirnios,  devenius  acceiíttiar  que  o  nosso 
iltu^tre  patrício  andava  muito  mollior,  pondo  em  práctiva  a 
coherencia,  de  cujo  pondonor  tanto  se  desvanecia  e  de  que 
efíccti vãmente  dera  arrhas  por  tanto  teinpo,  —  si  fizesse  o 
bcllo  gesto  de  recusar  a  cadeira*  de  senador,  com  que  afinal 
o  distinguira  d.  Pedro  II. 

Preconizando,  e  com  sobeja  razão,  a  necessidade  de  re- 
formar-se  a  Camará  alta,  tornando-a  temporária,  isto  é,  reno- 
vável annualmente  pelo  terço;  e  carregando  em  sua  íé-de- 
officio  de  impolluto  democrata  tantas  preterições  injustas, 
de  que,  para  aquelle  cargo  electivo  o  fizera  alvo  o  arbítrio 
imperial :  —  quanto  mais  acertado  não  teria  sido  que  Theo- 
philo  Ottoni  continuasse  da  tribuna  da  Camará  dos  deputados 
a  sua  campanha  patriótica,  aureolado  então  por  novo  estenima 
de  desinteresse  politico,  \)or  mais  um  exemplo  raro  de  abne- 
gação e  de  dignidade  — ,  pela  recusa  de  um  posto  na  assembléa 
vitalícia  I 

Provavelmente,  foi  a  situação  especial  em  que  se  encon- 
trava naquella  epocha,  situação  de  extrema  responsabilidade 
na  grei  liberal,  que  o  compelliu  a  entrar  os  humbraes  do 
mesmo  Senado  vitalício,  por  elle  com  lanta  razão  combatido 
como  factor  de  oligarchia. 

De  facto,  desde  1863,  fora  arvorado  o  eminente  par- 
lamentar em  um  dos  mentores  da  situação  <  progressista », 
que  atravessou  os  gabinetes  de  Zacharias  e  de  Furtado., 
Aqiielle,  formado  a  15  de  Janeiro  de  1864,  contava  em  seu 
seio  dous  Mineiros,  José  Pedro  Dias  de  Carvalho,  um  dos 
chefes  revolucionários  de  1842,  e  Domiciano  Leite  Kibeiro 
(depois  visconde  de  Araxá),  além  do  formosíssimo  talento 
de  José  Bonifácio,  o  moço.  O  de  31  de  Agosto  do  mesmo 
annu,  constituído,  além  de  Francisco  José  Furtado,  |>or  José 
Liberato  Barroso,  Carlos  Carneiro  de  Campos  (visconde  de 
Caravellas,  substituído  em  4  de  Outubro  por  João  Pedro 
Dias  \'ieira),  Francisco  Xavier  Pinto  Lima,  Henrique  de 
lieaurepaire  Rohan  (visconde  de  Beaurei>aire,  substituído  no 
cotnc^  de  1865  pelo  visconde  de  Camamú)  e  Jesuino  Mar- 
condes de  Oliveira  e  Sá,   foi  o  que,  sem  perda  de  tem^, 

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Itly  HEVIbTA   UO   INSTITUTO  HISTÓRICO 

nplfcllou  para  o  volunlariado  e  recorreu  á  conscrip<^o  mi- 
lilar,  chamando  lambem  ás  armas  a  Guarda  nacional,  aíiin 
de  termos  exercito  com  que  enfrentar  a  invasão  ]>araguaia  no 
território  brasileiro  de  Mato-Grosso  e  cm  seguida  no  Rio 
Grande  do  Sul. 

Em  1865,  derrotado  no  parlamento  esse  ministério,  que 
foi  substituído  pelo  de  Olinda  a  12  de  Maio  do  mesmo  amio, 
entrou  em  declinio  a  coltigação  «  progressista  »,  que  se  rompeu 
completamente  em  iSó6,  quando  ao  gabinete  do  ex-regente 
succedeu  o  de  3  de  Agosto,  presidido  por  Zacharias. 

Foi  contra  este  ministério  que  Theophilo  Ottoni,  Chris- 
tiano  Ottoni,  Sousa  Franco,  Furtado  e  outros  liberaes  da 
vellia  guarda  lani;aram  a  público,  por  occasião  das  eleições 
de  1867,  «um  manifesto  acrimonioso»  (vide Uahuco,  op.  cil., 
vol.  III,  pags.  108),  no  qual,  além  de  muitas  outras  duras 
apostrophes,  vinha  esta:  —  «Em  vez  de  tocar  a  fibra  na- 
cional, appellando  para  o  alistamento  dos  voluntários. . .. 
chegou  ao  (xiiilo  de  atirar  ao  seio  do  exercito,  como  para 
salvar  o  pavilhão  brasileiro,  uma  centena  de  galés  de  Fer- 
nando de  Noronha  1 » 

Nesse  pleito,  entretanto,  ainda  foi  esmagadora  a  maioria 
.obtida  pelos  «  progressistas  > . 

E'  também  da  mesma  epoclia  (1867)  o  livro  de  Tito 
Franco  de  Almeida.  «  O  conselheiro  Francisco  José  Furtado, 
biograpliia  e  esludo  de  historia  politica  contemporânea  »,  do 
qual  jK^ssue  o  Instituto  Histórico  e  Get^raphíco  Brasileiro  o 
precioso  exemplar  que  pertenceu  a  d.  Pedro  II  e  em  cujas 
margens  traçou  o  zeloso  mouarcha,  de  seu  próprio  punho, 
interessantissímas  « notas »,  colligidas  pelo  operoso  e  com- 
petente snr,  Max  Fleiuss  na  «  Revista  >,  t.  LXXVII,  p,  i', 
l)ags.  245-289.  E'  documento  indisiiensavel  á  apreciação  in- 
tegral e  sincera  daquetla  quadra  de  transição  e  de  transacções. 
Basta  dizer  que  as  explicações  do  imperador  levaram  Tito 
Franco  a  entoar  pouco  mais  tarde  a  palinodía  do  seu  opús- 
culo «  Monarchia  e  monarchístas  » . 

Theophilo  Ottoni,  não  obstante  a  culminância  em  que 
estava  naquella  curiosa  phase  da  nossa  trajectória  politica, 
■  entendeu  de  não  participar  de  nenhuma  ot^nização  minis- 
terial .     I 


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A  CIRCtlLAR   DR  TIIROPIHLO  OTTOXI  ifll 


O  incidente  occorrido  entre  elle  e  Saraiva,  quando  se 
cogitava  de  formar  o  gabinete  de  12  de  Maio  de  1865,  afinal 
presidido  pelo  sacerdos  magitus  do  imperialismo,  Olinda,  pa- 
rece evidenciar-lhe  a   resolução   de   não   ser  conselheiro  da 

Como  Tito  Franco  insinuasse,  na  sua  obra  de  1867,  a 
existência  da  má  vontade  imperial  contra  Theopbilo  Ottoni 
e  Sousa  Franco,  declarou  d.  Pedro  II,  numa  das  referidas 
«  notas  >,  que  não  se  oppuzera  á  entrada  deites  na  combi- 
nação ministerial  incumbida  ao  depois  cliamado  *  vice-impe- 
rador  » . 

Ao  character  inteiriço  de  Theopbilo  Ottoni  não  podia 
deixar  de  ser  displicente  a  adhesão  interesseira  e  afortunada 
dos  antigos  conservadores,  que,  mal  se  tornaram  transfugas, 
ti\eram  logo  tomo  premio  os  mais  altos  [íostos  de  commando 
nas  novas  phalanges. 

Foi  elle  quem,  nas  luctas  entre  as  duas  facções  do  partido 
liberal,  respectivamente  constituidas  pelos  antigos  e  recentes 
elementos,  dirigiu  os  chamados  «históricos»  até  16  de  Julho 
de  1868,  que  foi  quando  galgaram  outra  vez  os  conservadores 
o  galarim  do  poder,  com  o  ministério  presidido  pelo  visconde 
de  Itaborahi. 

Exquecidas  então  muitas  animosidades  e  corrido  um  véu 
espesso  sobre  as  funestas  dissenções  domesticas,  unificaram-se 
«históricos»  e  «progressistas»  para  a  opposição  tenaz  ao 
partido  rival.  que.  todavia,  logrou  sustentar-se  no  governo 
durante  todo  um  decennio. 

A  25  de  Julho  de  1868  realizava-se  na  casa  de  Nabuco  a 
primeira  reunião  «  fusionista  »,  para  fundar-se  o  Centro  I,i- 
beral.  Christiano  Ottoni,  que  nisso  interpretava  fielmente  p 
sentir  do  ermào,  propoz  alli,  como  lábaro  do  partido,  «a  ex- 
tincção  do  poder  moderador».  Formaram  o  directório  inicial, 
que,  aliás,  pouco  ou  nada  fez,  Theopbilo  Ottoni,  Nabuco, 
Francisco  Octaviano,  Zacharias  e  Silveira  Lobo.  Nabuco  foí 
depois  eleito  o  presidente  definitivo.  O  «  Manifesto  do  Centro 
Liberal»  foi  publicado  cm  Março  de  18Ó9  (67  paginas),  e  o 
programma  saiu  a  lume  em  Maio  do  mesmo  anno.  O  Mani- 
festo, que  foi  assignado  por  Nabuco.  Theopbilo  Ottoni,  Sousa 
Franco,  Zacharias,  Chicliorro,  Furtado,  Octaviano,  Dias  de 


rfbyGoOgIe 


ifia  niíVISTA  DO  INSTITUTO  IIISTORICO 

Carvalho  e  Paranaguá,  é  um  documento  de  al^a  e  inestimável 
valia  para  o  estudo  da  politica  do  Império.  Por  um  pouca 
mais,  os  seus  eminentes  signatários,  todos  com  grandes  rcs- 
ponsaliilidades  nos  destinos  do  paiz,  teriam  cliegado  á  franca 
ajxjstolização  da  Republica,  Limitaram-se,  porém,  ao  grito  de 
—  reforma  ou  revolução  I 

Tlieopliilo  Ottoni  pouco  sobreviveu  a  essa  nova  procla- 
mação das  aspirações  liberaes.  Mas,  antes  de  esvaecer-se-lhe 
de  todo  o  excelso  espirito,  ainda  proferiu  no  Senado,  ao 
apagar  das  luzes  da  sessão  legislativa,  um  dos  seus  mais  pro- 
fundos e  mais  brilhantes  discursos,  o  seu  «canto  de  cyane». 

Expirou  a  17  de  Outubro  de  ifíóg  ("3),  pouco  antes  de 
ultimar-se  a  longa  refrega,  que  o  Império  travara  com  Solano 
Ltípez  e  que  o  golpe  de  Estado  de  1868  confiara  á  decisão 
dos  conservadores. 

E'  sabido  que  farte  quanto  aquella  derradeira  campanha 
do  Prata  influenciou  o  novo  norteamento  dado  á  solução  dos 
problemas  quintessenciaes  do  Brasil:  —  foi  realmente  com  a 
cessação  da  guerra  do  Paraguai  que  se  organizaram  de  ma- 
neira bem  definida  os  dous  movimentos  nacionaes  da  Abolição 
c  da  Republica. 

Si  Theophilo  Ottoni  vivesse  mais  uns  quinze  mezes. 
temos  de  certeza  que  assignaria  o  manifesto  de  3  de  Dezembro 
de  1R70,  iK)rque  o  digno  Mineiro  foÍ  incontestavelmente  um 
precursor  da  conquista  democrática  de  15  de  Novembro 
de  T889. 

Como  a  gigantesca  empreza  do  Mucnri  e  as  contínuas 
hictas  politicas  lhe  tivessem  consumido  os  bens  de  fortuna, 
Iiavidos  de  herança  ou  ganhos  no  trabalho  honrado,  e  lhe 
tivessem  também  minado  a  saúde,  combalindo-the  lethalmentc 
o  coração,  morreu  pobre  e  antes  de  attíngir  á  accentuada 
cdadc  da  velhice. 


(3)  o  HD  único  niho.  dr.   Thíophílo  Cirloi  Btncdicto  Otioní,  quí  chíRon 

(foi.  coRi  Rangi'!  l-rclanii,  Cmiiria  Alvim  <■  Araiijo  Mor.-Íra.  um  ftn^  rcdactnri-3 
lio  vilomsn  semanário  t  (I  Kiitiiro  ».  giiK  bc  editou  pni  S.  Paulo  por  nua»  lodo 
o  anno  At  tSújI,  lalleceu  aimia  nlalivaniniitc  moço.  Ifn.lo  rlcixado  npruas  quatro 
filhai,  it  modo  qur  com  dlc  te  cxlínguiu  d  descendência  masculina.  dirKIa  da 
IndilD  libera]  myMiro. 


D,Bi,z,db,Goo<^le 


A  CntCDLAR  DE  TUBOPHILO  OTTONI  183 

Quem  quizer  ver  pormenorizadamente  todo  o  sulco  de 
intenso  pesar,  que  o  passamento  do  egrégio  Mineiro  abriu  no 
paiz,  leia  as  paginas  sentidas  do  preito  de  fraterna  amizade 
que  c  a  sua  biographia,  tão  a  primor  traçada  pela  penna  de 
Christiano  Ottoni.  Não  eram  somente  ermãos  pelo  sangue: 
eram-n-o  também  pela  refulgente  cultura  do  espirito,  pela 
inteireza  do  character,  pelo  civismo  exclarecido,  pelas  idéas 
adeantadas,  pelos  serviços  que  porfiavam  em  prestar  á  Pátria 
estremecida. 

Ao  €  patriarcha  da  democracia  no  Brasil  do  século  XIX  » 
(como  bem  lhe  chamou  Nelson  de  Senna)  foram  tributadas 
homenagens  fúnebres,  só  a  raros  cidadãos  concedidas.  Das 
camarás  muntcipaes,  das  assembléas  provinciaes,  do  parla- 
mento nacional,  de  grémios  scientificos  e  de  sociedades  poli- 
ticas, do  jornalismo,  das  escholas  superiores,  das  classes  com- 
merciaes.  do  clero,  e,  sobretudo,  do  povo  desta  capital,  mere- 
ceram os  seus  despojos  as  honras,  que  aos  dos  salvadores  c 
heróes  da  Pátria  preíteavam  os  antigos  Romanos. 

Embora  não  se  possa  acoimar  de  apaixonada  a  obra 
que  o  benemérito  engenheiro  consagrou  á  memoria  do  ermão 
(4).  —  recorramos,  contudo,  de  preferencia,  ao  testimunho 
de  extranhos,  para  avaliarmos  devidamente  do  como  então  se 
julgou  o  grande  Serrano. 

Joaquim  Manuel  de  Macedo,  no  seu  c  Anno  bíographico 
brasileiro»  (vol.  ITI.  pags.  267-271),  assim  fala  do  inolvidável 
vexillario  do  liberalismo  radical :  —  «  Até  o  ultimo  dia  da  sua 
laboriosíssima,  fulgente  e  honrada  vida,  Theophilo  Ottoni 
foi  sempre  denodado  paladino  das  idéas  liberaes ;  nutria 
aspirações  republicanas:  soube,  {)orém,  sujeita-las  ao  pro- 
gramma  do  partido  liberal,  a  que  pertencia  e  de  que  foi  um 
dos  mais  prestigiosos  chefes,  sem  que  jamais  vacillassem  sua 
lealdade  e  sua  constância .  Ardente  e  vigoroso  nas  discussões 


(4i  Conlorme  »  justa  observiclij  ir  Martinho  Campos,  inaeiíi  no  prefacin 
dl  <  HiofiripliU  A»  Tbmphilo  Ottoni  >  (Rio.  iRro)  por  ChriMiano  Otionl.  tslt  tà 
«norou  no  ermío  o  político,  reputando  romo  *  louvor  em  bocc*  própria  >  todo 

■tnboi.  Achatn-*t  a<ndi  hiogriphiM  rio  Rrindt  libtral  minfico  na  f  Galeria  dni 
Liaiilciroi  illuitru  >  <<  Diccionario  >,  t.  II,  n.  C...  jj)  c  na  t  RcTÍata  coniem- 
porinu  ie  Porlu»a1  t  Braiil  >  (vol.  IV,  paas.  43S-4«).  dl  iBli,  por  J.  da 
C.    F.,  tados  MHi  Mcriptoi 


D,gt,zedbyGOO<^le    . 

â 


l84  REVISTA   Dl  INSTITUTO  HISTÓRICO 

politicas,  tribuno  ás  vezes  exaltado,  lionesto  e  probo  até  o 
ponto  de  desanimar  a  própria  calumnia,  elle,  principalmente 
nos  últimos  dez  annos  de  sua  vida,  foi  o  homem  mais  popular 
'do  Brasil.  Rico  de  virtudes,  alma  cândida  e  óptimo  coração, 
era  por  todos  estimado,  e  entre  os  seus  próprios  adversários 
politicos  deixou  numerosos  e  Íntimos  amigos.  A  morte  de 
Tlieophilo  Benedicto  Ottoni  foi  chorada  em  todo  o  Brasil,  e 
o  seu  enterro  espontaneamente  acompanhado  por  alguns  mil 
cidadãos».  ' 

Póde-se  affirraar  que  toda  a  imprensa  carioca  estampou 
necrológios  sentidos  por  occasiáo  do  passamento  de  Tlieo- 
philo  Ottoni,  e  os  periódicos  das  províncias  também  noti- 
ciaram com  sincero  sentimento  a  irreparável  perda  soffrida 
pela  democracia  brasileira.  Para  não  citarmos  as  expressões 
de  pesar  da  «  Reforma  »  e  do  «  Diário  do  Rio  »,  que  tinham 
accentuada  còr  politica,  limitemo-nos  a  transcrever  as  sin- 
gellas,  mas  justas  palavras,  com  que  o  «Jornal  do  Com- 
mercio»  (n.  319),  sempre  ini])arcial  e  criterioso,  comme- 
morou  no  dia  seguinte  o  trespasse  do  eminente  cidadão:  — 
'«  Foi  o  senador  Ottoni  um  dos  membros  mais  proeminentes 
do  partido  liberal,  em  cujas  fileiras  assentou  praça  ainda 
nos  mais  verdes  annos.  Estreou  na  imprensa  as  suas  pri- 
meiras armas,  e  desde  então  tomou  parte  activa  cm  todas  as 
luctas  politicas,  associando  o  seu  nome  a  alguns  dos  mais 
importantes  acontecimentos  do  paiz.  Deputado  á  assembléa 
geral  em  successivas  legislaturas,  assistiu  e  representou  papel 
conspícuo  em  algumas  das  mais  memoráveis  sessões  que  re- 
cordam os  annaes  do  nosso  parlamento.  O  seu  nome  chegou 
3  tornar-se  um  dos  mais  populares,  e  repetidas  vezes  in- 
cluído em  listas  tríplices  foi  Theophilo  Ottoni  afinal  esco- 
lhido senador  pela  província  de  Minas,  onde  nascera.  De 
tracto  ameno  e  maneiras  francas  e  cavalheirescas,  o  finado, 
apesar  de  partidário  estrénuo,  contava  muitos  e  bons  amigos 
em  todas  as  parcialidades  politicas,  que  faziam  justiça  ás 
suas  virtudes  e  inteireza  do  seu  character.  Disso  ainda  hon- 
tein  tivemos  duas  provas:  uma  no  cortejo  que  acompanhou 
o  saimento,  outra  na  assembléa  provincial  do  Rio  de  Janeiro, 
onde  uma  proposta  para  se  levantar  a  sessão  em  demonstra- 


,dbyGoogle 


A  CIRCULAR  nt  THEOPHILO  OTTONI  iflj 

ção  de  pesar  |>elo  |)assaniento  de  um  dos  iiiais  notáveis  ci- 
dadãos do  Império  foi  approvada  unanimemente  » . 

Poucos  dias  depois  da  sua  morte,  a  <  Semana  Illustrada  », 
que  se  publicava  nesta  capital,  inseria-lhe  o  retrato,  devido 
.10  lápis  amestrado  de  Henrique  Fleiuss,  assim  como  um 
artigo  da  lavra  de  Machado  de  Assis,  que  synthetizava  o  seu 
pensamento  nas  seguintes  palavras :  —  «  Theophilo  Ottoni  era 
«m  filho  querido  do  povo,  um  sacerdote  da  liberdade ;  não  era 
]x>ssivel  que  a  sua  morte  fosse  indifferente  áquelles  por  cujos 
direitos  pugnara  durante  toda  a  sua  vida  de  homem  publico». 

Era  natural  que  a  musa  patrícia  tanibem  vibrasse  as 
cordas  de  suas  lyras  e  tiorbas  em  altisonantes  loas  ao  nome 
e  aos  feitos  do  campeão  dos  ideaes  democráticos.  Entre  os 
que  lhe  descantaram  a  gloriosa  memoria,  destaca-se  a  sj^m- 
pathica  figura  do  inspirado  Bruno  Seabra,  que,  1<^o  após 
haver  elle  descido  á  sepultura,  lhe  consagrou  as  duas  se- 
guintes quadras,  dignas  de  lhe  servirem  de  epitapliio: 

«  O  athteta  liberal  baixou  ao  tumulo, 

Mas  não  lhe  morre  a  gtoría; 
E',  peto  pátrio  amor,  honra  c  civismo, 

Monumento  na  historia. 

Ottoni,  morto  já,  ainda  é  potente, 

B  exalta  a  heroicidade; 
Que  da  cova.  onde  jaz,  transpira  cm  ílnmmas 

O  amor  tia  liberdade  1 » 

Não  é  intento  nosso  transcrever  para  aqui  tudo  quanto 
saiu  a  lume  a  propósito  do  passamento  do  inolvidável  pa- 
triota . 

Da  sua  própria  «Circidar»  vé-se  que,  um  quarto  de 
século  antes  do  seu  trespasse,  já  havia  quem.  da  tribuna  de 
uma  assembléa  de  província  que  não  era  a  sua,  o  comparasse 
ao  Romano  prototypo  de  todas  as  virtudes  civicas. 

Com  effeito,  na  sessão  de  22  de  Abril  de  1843  da  Ca- 
mará dos  deputados  da  província  do  Rio  de  Janeiro,  José 
Augusto  César  de  Menezes,  referindo-se  a  Theophilo  Ottoni 
c  ao  papel  deste  na  revolução  de  1842  em  Minas,  assim  excla- 
mava:—  <  ..,.,esse  moço  por  quem  mais  se  deve  encher  de 


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RTA  DO  mSTlTOTO  msTORiro 

)  que  pelas  pedras  preciosas  que  rolam 
lis  rios,  esse  moço,  no  qual,  todas  as 
go :  —  Assim  foi  de  certo  Catão  na  sua 
do  Brasil,  si  alguma  commissão  militar 
a  cabeça,  ou  si  alguma  taça  ministrada 
tmigo  lhe  não  corroer  lentamente  as  en- 


esta  succinta  analyse  de  sua  existência, 
nente  o  contrario  daquelles  ignóbeis  pa- 

mondo  snl  per  far  letame », 

ita  objurgatoria  do  inspirado  Ariosto;  já 
la,  desde  a  infância  até  aos  últimos  mo- 
nplo  edificante  de  trabalho  fecundo  c  de 
I  collectivo. 

a,  encara-lo  quanto  ao  aspecto  da  sua 
,  que  também  não  é  pequena. 

0  hibliograpbico  brasileiro»,  de  A.  V.  A. 
[vol.  Vir,  fii.  V.  «Theophilo  Benedíclo 
>s,  coordenando-a  melhor  pelas  datas,  a 
3  escriptos  enfeixados  em  volumes  im- 
ituem  o  acervo  literário  do  digno  filho 
,  mineira : 

para  a  incorporação  de  uma  companhia 
gação  do  rio  Mucury»  (1847,  51  pags.). 
istorica  sobre  a  vida  e  poesias  de  José 
,  28  pags.). 
lia  Mucury  >  (relatórios  annuaes,  de  1852 

sobre  o  Montepio  Geral»  (1854-1857). 

1  Mucury»  (histórico  da  empresa,  1856, 

íbre  a  colónia  e  os  selvagens  do  Mucury  » 
n  Manuel  de  Macedo.  1858,  48  pags.). — 
o  Instiinto  Histórico  e  Oeographico  Bra- 
igs.    191-238. 
ização  do  Mucury»    (1859,   58  pags.). 


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A  CIRCULAR   DE  TUEOPHILO  OTTONI  187 

VIIQ  «Circular  dedicada  aos  srs.  eleitores  de  senadores 
pela  província  de  Minas-Geraes  no  quatriennio  actual  e  espe- 
cialmente  dirigida   aos   srs.    eleitores   de   deputados   pelo  2" 
fliRtricto  eleitoral  da  mesma  provincia  para  a  proxiir     ' 
latura>  (1860,  161  pags.)-  —  Fez-se  2'  edição  em  18 
163  pags. 

IX)  «A  estatua  equestre»   (1S62,   12  pags.). 

X)  «  Breve  resijosla  »  (a  propósito  da  <  Companl 
cury»,  i8()2,  96  pags.). 

XI)  «Parecer  sobre  bancos»  (1862). 

XII)  «Discurso  proferido  na  sessão  de  7  de  J 
1864  (9  pags.). 

XIII)  «Considerações  sobre  algumas  vias  de  ■ 
nicação,  férreas  e  fluviaes»  (1865), 

XIV)  « Manifeso  do  Centro  Liberal»  (i86g, 
ginas)    (5). 

Dos  annacs  do  parlamento  nacional  constam  os  s 
cursos,  que  não  foram  poucos,  e  das  collecções  de 
do  temjío  os  innumeros  escriptos  da  sua  phase  de 
jornalista. 

O  auctor  de  «Um  estadista  do  império  »,  — que. 
fala  na  eslréa  de  Theophilo  Ottoní  em  1861,  eviden 
se  refere  á  da  volta  deste  á  Gamara,  após  os  doze  a 
ostracismo  voluntário,  —  envida  deprimir  a  aureola 
diador  mineiro  na  curul  das  assembléas  legislativas, 
cendo-a,  porém,  na  tribuna  das  conciões. 

Ao  \\ú?.n  de  Joaquim  Nahuco,  uni  dos  Brasileiros 
mais  admiramos,  preferimos,  entretanto,  o  de  quem  o 


I  Diccionario  hibliograpliico  portaguez  >  (de  Innocencio 
Hmoido  por  Brílo  Aranha)  reUcíani  as  obrai  de  Thfoph 
.  uagi,   310-31J;  e  no  vol.    XIX   (XII  do  Bupplemento). 


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l88  REVISTA  DO  ISSTITIITO  IllSTORIfO 

intimamente  e  mais  de  perto  accomj>anhou  a  longa  carreira 
pública  do  filho  da  villa  do  Príncipe. 

Joaquim  Manuel  de  Macedo,  na  sua  citada  obra,  fez  de 
l'lieopbilo  Uttoni  uma  apreciação  enthusíastica,  encarando-o 
como  orador,  sem  elevar  o  tribuno  da  praça  pública  sobre  o 
polemista  da  Camará  e  do  Senado.  Contemporâneo  e  corre- 
ligionário, o  seu  testimunlio  é  fidedigno  e  Jião  suspeito,  por- 
quanto o  historiador  põe  desde  logo  em  foco  a  mais  rude 
justiça,  não  lhe  encomiando  a  gesticulação,  que  estava  longe 
de  adequar-se  á  elevação  de  sua  linguagem  e  aos  arroubos 
da  sua  imaginação.  Eis  o  que  detle  assevera  o  auctor  do 
« Anno  bic^raphico  brasileiro»  (loc.  cit.): —  «...  impe- 
tuoso, inspirado,  radiante  de  talento,  corajoso,  incapaz  de 
recuar,  estupendamente  altivo,  assoberbador  das  mais  vio- 
lentas tempestades  i>a ria mcn tares,  vulcão  arrojador  de  sar- 
casmos em  lavas  ardentes,  elle  era  como  o  génio  das  borrascas, 
sabendo  desenfreia-las  e  conte-las,  com  a  força  de  sua  vontade 
e  com  D  poder  de  sua  popularida<te .  Não  podia,  nunca  poude 
ser  Cicero;  mas  foi  Graccho,  pela  sua  influencia  sobre  o 
povo  > . 

Como  escriptor,  a  melhor  parte  da  bagagem  literária  de 
Tlieophilo  Ottoni  patenteia  a  sua  accentuada  disposição  para 
o  pamphletismo .  Não  era,  entanto,  a  modo  do  de  Courier, 
olympico,  escurril  e  mordaz,  mas  antes  sempre  lhano,  sempre 
cgual,  sempre  circunspecto,  envolvendo  tanto  as  mais  ferinas 
verdades  quanto  as  idéas  mais  altanadas  de  uma  serenidade 
inquebrantável  e  de  uma  seriedade  pertinaz,  irreductivel. 

Quem  se  der  ao  grato  trabalho  de  pesquisar-lhe  as  lu- 
cubrações  jornalísticas,  verá  que  lambem  alii  é  essa  a  feição 
predonu'nanle,  mesmo  nos  escriptos  da  mais  tenra  mocidade, 
quando  tudo  fazia  crer  que  lhe  borbotasse  da  alma  o  alegre 
devanear  tão  próprio  da  primavera  da  vida. 

Si  <o  estyto  é  o  character»,  —  como  hoje  parece  suffi- 
cientemente  demonstrado,  —  a  personalidade  moral  de  Thco- 
phílo  Ottoni,  vi.sta  através  de  suas  producções  literárias,  é  de 
honradez,  elevação  e  austeridade  ínnegavcís. 

A  excellente  cultura  tnathematica,  por  elle  haurida  na 
antiga  Academia  de  Marinha,  influiu  poderosamente  em  sua 


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k  CIRCULAR  DE  THEOPHILO  OTTONI  I89 

mentalidade.  Era  tal  a  i)redisposii;uo  que  o  animava  para  os 
estudos  das  sciencias  ijositivas,  que  mn  dos  seus  confessados 
pesares  foi  o  não  ter  podido  diplomar-sc  em  Engenharia,  pois 
acreditava  que  assim  teria  prestado  melhores  servit,-os  ao  paiz. 

Os  discursos,  artigos  de  imprensa  e  vários  folhetos,  de- 
vidos ao  preclaro  Brasileiro,  argueni  todos  a  sua  familiaridade 
com  a  disciplina  tão  á  justa  chamada  de  <  base  solida  de  todos 
os  conhecimentos  humanos  >. 

Não  é  só  a  lógica,  a  maneira  regular  de  entretecer  os 
argumentos  tirados  da  própria  inspiração  ou  tomados  ao 
adversário  iwra  prompto  revide,  o  que  lhe  distingue  as  flo- 
ra(;òes  intellectuaes.  mas,  sobretudo,  a  clareza  e  a  methodí- 
za<;ão  dos  assumptos  versados,  revelando  a  maneira  especial 
de  quem  esta\-a  habituado  a  armar  equações  algébricas  e  a 
demonstrar  theoremas  de  Geometria. 

.'V  <  Circular  »  de  1860  constitue  um  exemplo  frisaiiie  da 
ordem  que  reinava  tio  cérebro  de  seu  auctor  e  que  esse  sabia 
projectar  cm  todos  os  seus  escriptos. 

Além  disso,  os  fortes  estudos  de  Latinidade  que  elle  fizera 
na  terra  natal,  —  ninguém  ignora  quanto  em  Minas  se  pre- 
zava a  língua  matriz  da  nossa,  —  possibililaram-lhe  um  por- 
tuguez  escorreito,  ás  vezes  convizinho  do  vernáculo  granítico 
cm  que  Alexandre  Herculano,  espirito  congenial  pelo  libe- 
ralismo adeantado  e  pela  probidade  indesmentivel,  vasara  os 
seus  nobres  i>ensamentos  e  as  suas  imperecíveis  investigações. 

Embora  pertencesse  Theophilo  Ottoni  a  ei>oclia  em  que 
na  literatura  nacional  preponderava  a  eschola  romântica,  que 
teve  no  <  condoreirismo  »  e  no  «indianismo»  as  mais  bellas, 
mais  pujantes  e  mais  populares  manifestações  da  sua  vita- 
lidade, —  o  seu  estylo,  retratando-lhe  fielmente  a  tempera 
moral,  não  se  arreta  nunca  de  flores  de  Rhetortca :  é  asseiado, 
bem  composto  e  até  elegante,  mas  sem  troix)s  desnecessários 
c  sem  galas  frívolas. 


A  opportunidadc  da  redi\ulgação  da  c Circular »  justi- 
fica-se  cabalmente  por  diversos  motivos.. 


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iQo  Revista  do  instituto  histórico 

Documento  precioso  para  o  estudo  da  evolução  consti- 
tucional do  Brasil,  não  o  é  menos  para  a  historia  integral  do 
rotativismo  |>artidano  do  Império. 

Posto  que  muitas  das  idéas  alli  contidas  tenham  sido  rea- 
lizadas pelo  advento  do  novo  regime,  outras  ha  que  ainda 
são  de  palpitante  actualidade. 

Haja  vista  o  que  diz  Theophilo  Ottoní  quanto  á  feitura 
e  applicação  das  leis  annuas  da  monarchia.  O  que  se  teni 
passado  agora,  sob  a  Republica,  c  o  mesmo  que  arrastou  o 
Império  ao  abysmo  dos  defUits  permanentes .  Ataca  elle,  com 
zelo  civico,  o  systema  então  adoptado  de  se  não  cumprir  o 
orçamento,  mas  de  crear-se  uni  orçamento  novo  por  parte  do 
poder  executivo,  com  o  nome  de  «créditos  supplementares». 
Haja  vista,  egualmente,  ás  ponderosas  considerações  por  elle 
formuladas  sobre  a  interindependencia  dos  poderes  institu- 
cionaes  da  nação,  especialmente  quanto  ás  relações  entre  o 
legislativo  e  o  judidarío. 

Mas,  pondo  á  margem  toda  e  qualquer  outra  das  licções 
que  reçuinam  do  raro  e  sobranceiro  manifesto  politico,  bas- 
taria a  recommenda-lo  á  quadra  hodierna,  á  geração  brasileira 
actual,  o  alcandorado  doutrinamentu  que  jorra  de  um  exein[ilo 
perfeito  de  acendrado  e  inflexível  patriotismo,  de  trabalho 
perseverante  e  enérgico  em  mais  de  uma  esphera  da  acti- 
\'idade  humana  e  de  desinteressado  devotamento  á  causa  pú- 
blica, qual  foi  a  existência  de  Theophilo  Ottoni , 

Completando  o  julgamento,  que  em  synthese  admirável 
fez  Joaquim  Nabuco  (op.  cit.,  vol.  I,  pags.  32)  de  a^uns  dos 
constructores  e  consolidadores  da  nossa  nacionalidade,  cremos 
não  errar  affirmando  que,  si  a  gloria  de  José  Bonifácio  é  ter 
conquistado  a  nossa  independência,  si  a  gloria  de  Feijó  é  ter 
firmado  a  supremacia  do  governo  civil,  si  a  gloria  de  Eva- 
risto é  ter  salvado  o  principio  monarchico,  si  a  gloria  de 
\'asconccllos  é  ter  reconstruído  a  auctoridade,  —  a  gloria  de 
Theophilo  Ottoni  é  ter  sido  o  incansável  pregoeiro  de  prin- 
cípios adeantados,  alguns  dos  tiuaes  triumpliaram  ainda  na 
vigência  da  monarchia,  é  ter  sido  o  clarividente  precursor  da 
idéa  de  liberdade  int^a  e  definitiva,  realizada  vinte  ânuos 
depois  de  sua  morte. 


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A  CUtCnLAR  DE  THEO^HlLO  OttONl  I9I 

Assim,  pelo  seu  adamantino  character,  pelos  seus  ele- 
vados sentimentos,  pela  sua  primorosa  intelligencia,  e,  mais 
que  tudo  isso,  jtelos  serviços  iI1cotlta^'cis  que  prestou  á  nossa 
terra,  —  Theophilo  Ottoiíi  é  digno  de  íigurar  nos  altares  cí- 
vicos, onde  se  rende  culto  de  justit;a  e  de  reconhecimento  aos 
grandes  beneméritos  da  Pátria. 


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DEDICATÓRIA 

Aos  Sn.  «leltorttB  MpeciaeB  para  eleíçio  de  aenadores  na 
presente  legislatnra  pela  provincia  de  Minas 

Senhores  ! 

O  pequeno  trabalho  que  vai  sahir  á  luz  é  todo  inspiração 
vossa. 

A  generosidade  com  que  nestes  últimos  três  annos,  sem 
distincção  de  parcialidades,  me  haveis  galardoado  incitou-me 
a  publicar  uma  exposição  de  minha  modesta  vida  poltica 
e  um  juizo  critico  sobre  os  factos  contemporâneos  em  que 
eu  pudesse  ter  tido  participação.  Confesso  que  um  dos  fins 
a  que  mirava  era  provar  que  não  sou  indigno  da  vossa  con^ 
fiança.  Quem  sabe  se  errei  o  alvo?  1 

Em  todo  caso  estou  convencido  que  os  meus  nobres  com- 
provincianos  hão  de  acolher  com  bondade  o  meu  escripto, 
poque  a  singeleza  e  sinceridade  são  dotes  altamente  apreciados 
nas  montanhas  de  Minas-Geraes. 

E  os  meus  nobres  comprovincianos  sabem  que,  se  ando 
desvairado,  não  é  porque  intencionalmente  queira  afastar-me 
do  caminho  direito. 

Meus  erros  nascem  do  entendimento  e  não  da  vontade. 
Vosso  dedicado  comprovinciano 

Theophilo  Beuedicto  Ottoni. 


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ADVERTÊNCIA 

Quando  forão  para  o  prelo  as  primeiras  folhas  desta 
minha  circular  não  estava  ainda  feita  a  divisão  eleitoral  da 
província  de  Minas-Geraes. 

Somente  o  ultimo  capitulo  foi  escripto  depois  que,  co- 
nhecida a  divisão,  me  deliberei  a  solicitar  especialmente  o 
voto  dos  Srs.  eleitores  do  3°  districto. 

As  freguezias  que  compõem  o  2"  districto  creado  pelo 
decreto  n,  2.636  de  5  do  corrente  mez  são  as  seguintes. 

§  i.°  Tiradas  do  2''  districto  creado  pelo  decreto  n.  842 
de  19  de  setembro  de  1855  (districto  de  Pitanguy) :  —  Pi- 
tanguy,  Patafufo,  Bom  Despacho,  Sant'Anna  de  S,  João 
Acima,  S.  Gonçalo  do  Pará,  Matheus  Leme,  Santa  Quitéria, 
Dores  do  Indaiá,  Morada  Nova,  Taboleiro  Grande  e  Sete 
I^agôas. 

§  2.°  Tiradas  do  3°  districto  (Sabará):  —  Sabará,  Ra- 
posos, Congonhas  do  Sabará,  Caethé,  Lapa,  Curral  d'El-Rei, 
Capella  Nova  do  Betim,  Piedade  da  Paraopeba,  Santa  Luzia, 
Santíssimo  Sacramento  da  Barra  do  Jequitibá,  Santo  António 
do  Rio  Acima,  Lagoa  Santa,  Contagem,  Mattosinhos,  Roças 
Novas,  S.  João  Baptista  do  Morro  Grande  e  Trahiras. 

S  3.°  Tiradas  do  4"  districto  (Itabira) :  —  Itabira,  S.  José 
da  Lagoa,  S.  Gonçalo  do  Rio  Abaixo,  S.  Miguel  do  Piracicaba, 
Santa  Barbara,  S.  Domingos  do  Prata,  Morro  de  Gaspar 
Soares,  Sant'Anna  de  Cocaes,  Cattas  Altas  de  Matto  Dentro, 
Sant'Anna  dos  Ferros,  António  Dias  Abaixo,  Taquarussú, 
Sant'Anna  do  Alfié,  Joanezia  e  Cuiethé.. 

§  4."  Tiradas  do  5"  districto  (Serro) :  —  Conceição,  Nos- 
sa Senhora  do  Porto  e  Tapera. 

S  5.°  Tirada  do  6'  districto  (Diamantina):  —  Freguezia 
do  Curvello. 


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8rs.  elaitores  I 

Mais  uma  vez  ambiciono  ser  representante  da  nação. 

Solicito  uma  cadeira  na  camará  temporária. 

Ahi  pôde  collocar-me  a  vontade  dos  eleitores,  sem  depen- 
dência de  referenda. 

Se  for  eleito,  tenciono  empenhar-me  na  milida  activa 
da  politica. 

£  não  o  poderei  fazer  com  vantagem  sem  um  mandato 
explicito  e  significativo. 

Este  deve  basear-se  na  enunciação  franca  das  minhas 
aspirações. 

Relevar-me-heis,  pois  se  vou  fallar  de  mim  mais  ampla- 
mente do  que  é  de  estylo  em  taes  occasiões. 

Sigo  a  praxe  dos  antigos. 

Não  era  somente  quando  pleiteavão  eleições  populares 
que  os  romanos  se  explicavão  para  com  a  nação. 

Não  coravão  de  escrever  para  os  contemporâneos  a  nar- 
rativa dos  actos  de  sua  vida,  por  mais  modestos  que  fossem. 

O  escriptor  tinha  confiança  nos  costumes '  singelos  de 
seus  concidadãos. 

E  o3  cidadãos  acoroçoavão  essas  manifestações,  longe 
de  condemna-las  por  immodestas. 

Plerique  suam  ipsi  vitam  narrare,  fiduciam  pottus  morum 
quam  arrogantiam  arbitrati:  nec  id  RutUio  et  Scmtro  citra 
fidem  aut  obtrectationi  fuit. 

Firmado  nestes  exemplos,  ousarei  pôr  diante  dos  vossos 
olhos  o  meu  modesto  passado. 

Ao  menos  poderei  provar-vos  que  desde  os  mais  tenros 
amtos  tenho  sido  constante  servidor  da  liberdade  e  do  go- 
verno constitucional.  « A  educação,  diz  Capfigue,  deixa  em 
cada  um  de  nós  um  sello  indelével  —  as  mudanças  ulteriores 
não  penetrão  além  da  epiderme;  nascemos  e  morremos  com 
a  mesma  idéa  ou  o  mesmo  sentimento».  i.  CoOqIc 


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o  verdor  dos  annos 

Eu  contava  apenas  13  annos  de  idade  quando  em  1821 
ecoou  pelo  Brasil  o  grito  da  liberdade. 

Levantado  no  Porto  em  24  de  agosto  de  1820,  repercutiu 
successivamente  no  Pará,  na  Bahia,  e  chegou  ao  Rio  de  Ja- 
neiro a  26  de  fevereiro  de  1821. 

Foi  uma  faisca  eléctrica  que,  passando  através  do  espi- 
rito patriótico  de  meu  pai,  o  Sr.  Jorge  Benedicto  Ottoni, 
ãbrasou-me  também  a  joven  imaginação. 

E  que  ao  adolescente  analphabeto  arvorou  em  cantor 
da  idéa  regeneradora. 

Era  o  tempo  das  emoções  patrióticas.  Primeiro  a  liber- 
dade, depois  a  independência,  forão  o  assumpto  de  meus 
ensaios  poéticos,  desses  communs  nos  verdes  annos  e  de  que 
não  restão  vestigios  nem  na  memoria  dos  autores. 

Mas  que  obtinhão  applausos  nas  reuniões  enthusiasticas 
da  época,  e  que  assim  encarecião  a  meus  olhos  o  pequeno 
cabedal  de  intelligencia  que  concedeu-me  a  natureza,  e  enrai- 
zavão  no  meu  espirito  as  idéas  liberaes. 

Foi  desenrolando  diante  de  mim  os  novos  horizontes  que 
ia  abrir  aos  homens  illustrados  o  estabelecimento  de  um 
governo  livre  que  meu  pai  passou-me  das  lidas  commerciaes, 
em  que  me  estava  iniciando,  para  o  banco  dos  estudos  inter- 
médios. 

Estimulado  por  tão  nobre  emulação,  cedo  aprendi  o  que 
no  Serro-Frio  se  podia  ensinar,  e  achei-me  nesta  Babylo 
procurando  habilitar-me  para  servir  o  meu  paiz. 

Matriculado  na  academia  de  marinha,  appliquei-me,  cc 
é  próprio  dos  estudantes  aguilhoados  pelo  amor  da  glori 
pela  necessidade  de  conquistar  posição. 


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DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

A  primeira  praça  na  corporação  scieiítifica  da  marinha 
é  a  de  aspirante. 

Outr'ora  os  filhos  dos  grandes,  inda  que  idiotas,  tinhão 
o  direito  de  assentar  praça  de  guardas  marinhas,  e  os  des- 
cendentes de  quatro  avós  nobres  á  de  aspirantes,  isto  antes 
mesmo  de  se  matricularem  na  academia. 

Os  paisanos  como  eu,  que  não  tinhão  quatro  avós  nobres, 
só  podião  conquistar  o  direito  á  praça  de  aspirantes  obtendo 
approvaçào  plena  em  todas  as  matérias  do  i°  anno. 

Eu  estudava  o  i"  anno  em  1827. 

Era  ministro  da  marinha  o  fallecido  Sr,  marquez  de  Ma- 
ceió, que,  apezar  daquellas  regras  estabelecidas  nas  dispo- 
sições oi^nicas  da  academia,  no  meio  do  anno  lectivo,  por 
puro  favor,  mandou  que  assentassem  praça  de  aspirantes  di- 
versos condiscípulos  meus  paisanos  como  eu,  e  que,  portanto, 
só  podião  obter  as  duas  estretlas  sendo  no  fim  do  anno 
fpprovados  plenamente  em  todas  as  matérias. 

E,  como  o  motivo  dò  favor  se  dizia  ser  o  aproveitamento 
dos  agraciados,  alleguei  o  meu  direito,  requerendo  que  se 
verificasse,  mediante  as  informações  académicas,  se  eu  estava 
em  circumstancias  idênticas,  e  reclamando  no  caso  affirmativo 
igualdade  de  tratamento. 

Como  nunca  procurei  padrinhos,  o  meu  requerimento 
ficou  atirado  na  poeira  da  secretaria,  e  no  entanto  tive  de 
faier  acto  antes  de  obter  o  despacho. 

O  acto  era  presidido  pelo  meu  prezado  mestre  o  Sr.  chefe 
de  esquadra  José  de  Souza  Corrêa,  o  qual  convidou  os  exa- 
minadores para  não  me  arguirem  somente  sobre  o  ponto 
sorteado,  porém  sim  vagamente  sobre  as  matérias  do  1°  anno, 
accrescentando  a  respeito  do  examinando  palavras  de  tanto 
obsequio  que,  se  aqui  as  omitto,  é  porque  assim  o  pede  a 
modéstia,  e  não  porque  não  me  ficassem  indelevelmente  gra- 
vadas na  memoria  agradecida. 

Assistia  aos  exames  como  director  da  academia  o  fallecido 
chefe  de  esquadra  Sr.  Diogo  Jorge  de  Brito.  E  por  felicidade 
minha,  poucos  dias  depois,  o  Sr.  Diogo  Jorge  de  Brito  era 
encarregado  do  ministério  da  marinha,  em  logar  do  Sr.  mar- 
quez de  Maceió  e  em  solução  a  minha  reclamação  expedia 
a  seguinte 


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A  CIRCULAR  CE  TBEOPHILO  OTTONi 


c  Sua  Magestade  o  Imperador,  atendendo  ao  que  lhe 
representou  o  alumno  dessa  academia  Theophilo  Benedícto 
Ottoni,  e  a  constar  da  informação  que  Vm.  dera  a  seu  res- 
peito em  officio  de  28  do  mez  próximo  findo  ter  elle  sobre- 
sahido  entre  todos  os  alumiios  académicos  conio  o  melhor 
estudante,  ha  por  bem  conferir-lhe  a  praça  de  aspirante  gra- 
duado em  guarda-marinha,  concedendo-lhe  para  esse  effeito 
as  dispensas  necessárias.  O  que  participo  a  \'m.  para  sua 
intelligencia  e  execução.  Deus  guarde  a  Vm.  Paço,  em  2  de 
dezembro  de  1827.  —  Diogo  Jorge  de  Brito.  —  Sr.  José  de 
Souza  Corrêa, » 

Assim,  o  1°  acto  de  minha  vida  civica  era  um  protesto 
em  nome  do  principio  da  igualdade  consagrada  na  consti- 
tuição, e  obtinha  em  resultado  uma  distincção  honorifica:  — 
a  praça  de  aspirante  graduado  em  guarda-marinha.  Nunca 
houve  nem  na  armada  portugueza  nem  na  armada  brasileira 
nobre  ou  plebeu  que  assentasse  praça  de  aspirante  graduado 
em  guarda-marinha  senão  o  estudante  de  que  reza  a  portaria 
que  acabo  de  transcrever. 

£,  se  a  esta  singularidade  se  accrescentar  a  circumstancía 
dos  honrosos  fundamentos  da  promoção  creio  que  se  des- 
culpará o  meu  pequeno  amor  próprio,  se  guardo  cuidado- 
samente um  tal  pergaminho. 

Os  triumphos  académicos  não  enchião  minha  ambição, 
e  o  aspirante  graduado  em  guarda  marinha,  dominado  pelas 
inspirações  que  o  havião  arrancado  do  telonio  mercantil,  não 
cessava  de  entreter  o  fogo  sagrado  do  patriotismo. 

Sobrava-lhe  o  tempo  para  ganhar  o  pão,  explicando  geo- 
metria, para  estudar  suas  lições  de  astronomia  ou  calculo 
differencial,  e  ao  mesmo  tempo  para  occupar-se  de  politica. 

Cedo  foi  admittido  á  sociedade  de  Evaristo  e  de  Vas- 
concellos.  que  o  acariciavão  como  que  presagiando-=lhe  bri- 
lhantes destinos. 

De  Evaristo  o  aspirante  graduado  em  guarda-marinha 
leve  a  distincta  honra  de  ser  explicador  de  geometria. 


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903  hBVISTA  DO  IKSTlTtlTO  HISTÓRICO 

No  celebre  club  dos  Amigos  Unidos,  de  que  Origina- 
riamente proveiu  o  Grande  Oriente  do  Passeio  Publico,  foi 
secretario  o  aspirante  graduado  era  guarda-marinha.  Esle 
club  nasceu  sob  os  auspícios  (fallo  só  dos  mortos)  de  An- 
tónio José  do  Amaral,  José  Augusto  César  de  Menezes,  João 
Mendes  Vianna,  João  Pedro  Mainart,  Epiphanio  José  Pe- 
droso, Dr,  Joaquim  José  da  Silva  e  António  Rodrigues  Mar- 
tins. Um  dos  presidentes  honorários  do  club  era  o  Dr.  Cy- 
priano  José  Barata  de  Almeida. 

Oh  !  fortes  pejoraque  passt 

Mecum  saepe  viri. 

O  club  dos  Amigos  Unidos  teve  mais  influencia  do  que 
se  pensa  na  revolu<;ão  de  7  de  abril. 

O  secretario  dos  Amigos  Unidos  se  multiplicava  escre- 
vendo para  a  imprensa  daqui  e  de  Minas. 

Na  Astréa  publica  as  cartas  assignadas  Joven  Pernam- 
bucano, e,  não  estando  ainda  por  falta  de  idade,  no  gozo  dos 
direitos  políticos,  aceitava  para  seus  escriptos  a  responsa- 
bilidade legal  que  nobremente  lhe  concedia  um  distincto 
official  do  nosso  exercito,  filho  de  Pernambuco,  cujo  nome 
as  conveniências  mandão  que  se  cale,  e  que  ainda  hoje  con- 
serva puras  suas  crenças  do  verdor  dos  annos. 

No  Astro  de  Minas,  em  S,  João  d'Et-Rei,  e  no  £co  do 
Serro,  na  Diamantina,  fazia-se  sentir  a  actividade  do  escre- 
vinhador. 

Relacionado  com  os  patriotas  de  maior  consideração,  por 
elles  fui  levado  em  1829  á  mesa  parochial  da  freguezia  do 
Sacramento,  presidida  pelo  respeitável  Sr.  conselheiro  Fran- 
cisco Gomes  de  Campos,  hoje  procurador  da  coroa  e  sobe- 
rania nacional. 

Escrutador,  eu  fiz  abstracção  da  minha  farda  de  guarda- 
marinha,  para  somente  lembrar-me  que  era  cidadão. 

Discuti  com  calor  uma  questão  de  ordem  que  affectava 
a  pessoa  do  então  ministro  da  guerra,  o  Sr.  general  Joaquim 
de  Oliveira  Alvares,  que  propuz  fosse  multado. 

Se  já  não  estava  no  livro  negro,  fui  inscripto  nesse  dia, 


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&  CmCOLAR  DE  THBOPHILO  OTTOKI  30;} 

não  só  porque  o  meu  discurso  foi  talvez  inconveniente,  como 
principalmente  porque  excitou  os  applausos  do  povo  liberal. 

Dahi  começou  para  mim  a  perseguição  politica  que  o 
primeiro  reinado  legou  ao  segundo,  e  que  presentemente  mtí 
atropella. 

Tinha  completado  o  curso  da  academia  de  marinha  sem 
perder,  apezar  das  distracções  referidas,  o  legar  de  primeiro 
estudante. 

E  por  isso  foi  cheio  de  confiança  que  requeri  licença 
para  continuar  na  academia  militar  os  estudos  mathematicos. 

Será  difficil  cre-lo  t  mas  não  obtive  permissão  para  ma-! 
tricular-me. 

Estudava,  porém,  como  ouvinte  por  especial  favor  do 
lente  de  mecânica,  o  Sr.  Joaquim  José  Rodrigues  Torres,  hoje 
visconde  de  Itaborahy,  que  me  distinguia  como  estudante  e 
como  correligionário  politico. 

Ao  sahir  da  academia  eu  me  comprazia  muitas  vezes 
em  acompanhar  o  meu  digno  mestre  ao  tetonio  de  Evaristo. 

Não  sei  onde  o  Sr.  Rodrigues  Torres  enlevava  mais  o 
seu  discipulo,  se  na  academia,  iniciando-o  nas  formulas  de 
Francoeur  e'  de  Poisson,  se  nas  palestras  do  livreiro  patriota, 
explicando  as  bellas  theorias  de  Jefferson,  de  que  S.  Ex,; 
era  caloroso  en  comi  as  ta  e  eloquente  expositor. 

L'm  estudante  que  naquelle  tempo  tinha  as  boas  graças 
de  seu  mestre,  se  esse  mestre  era  o  Sr.  Joaquim  José  Ro- 
drigues Torres,  incorria  por  esse  simples  facto  no  desagrado 
do  governo.   Não  era  preciso  que  o  estudante  tivesse  sido  ■ 
escrutador  liberal  em  uma  eleição  parochial. 

Foi,  pois,  uma  questão  de  estado  separar  o  discipulo  do 
mestre,  e  na  secretaria  da  marinha  ha  de  existir,  para  ver- 
gonha daquella  época,  o  registro  das  portarias  expedidas  ao 
commandante  da  companhia  dos  guardas-marinhas,  para  fazer 
um  guet  apens  ao  ouvinte  do  Sr,  Rodrigues  Torres. 

Ordens  de  embarque  para  a  Costa  d'Africa  e  para  o  Baixo 
Amazonas,  inspecções  de  saúde,  já  pelo  cirurgião  dos  guar- 
das-marinhas, já  pelo  physico  e  cirurgião-mór  da  armada,  tudo 
foi  posto  em  pratica  para  que  eu  não  ouvisse  as  lições  do 
Sr.  Joaquim  José  Rodrigues  Torres. 


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304  REVISTA  DO  IHETITUTO  HISTORtCO 

Já  se  vê  que  o  ministro  não  podia  deixar  de  tríumpbar, 
e  tive  de  considerar-me  feliz  aceitando  baixa  do  posto  de  guar- 
da-marinhã,  e  consentindo,  pesaroso,  que  se  cortasse  a  minha 
carreira  de  engenheiro,  em  que  talvez  me  teria  habiUtado 
para  servir  melhor  o  meu  paiz. 

Era  isto  em  1830.  Separei-me  do  meu  mestre,  que  cá 
ficou  no  Rio  de  Janeiro  redigindo  o  Independente,  emquanto 
eu  transportava  para  Minas  uma  pequena  typographia,  e  ia  lá 
publicar  a  Sentinella  do  Serro. 


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o  iomalismo  •  o  progruunk  do  verdor  dos  lUiOB 

A  Sentinella  do  Serro  era  o  periódico  a  que  durante  a 
viagem  do  imperador  pela  província  de  Minas  o  Republico 
bradava  daqui: 

€  Olá  da  Sentinella  do  Serro,  alerta  I » 

Alerta  estava  a  Sentinella  I 

No  dia  3  de  abril  de  1831  chegou-nos  um  expresso  en- 
viado pelo  Sr.  José  Feliciano  Pinto  Coelho  da  Cunha,  hoje 
barão  de  Co<:aes. 

Communicava-nos  este  honrado  mineiro  as  lutuosas  scenas 
das  garrafadas  nas  noites  de  13  e  14  de  março  no  Rio  de 
Janeiro,  pedia  conselho  sobre  a  situação,  e  assegurava  da 
sua  parte  e  da  de  seus  íUustres  irmãos  que  todos  de  bom 
grado  sacrificarião  vida  e  fortuna  pela  liberdade. 

No  dia  3  de  abril  eu  fazia  uma  proclamação  aos  serranos, 
chamando-os  ás  armas,  para  deitar  por  terra  a  tyrannia. 

No  dia  6  mais  de  500  pessoas,  inclusive  todas  as  auto- 
ridades populares,  se  reimirão  no  paço  da  camará  municipal 
e  subscreverão  os  seguintes  artigos,  que  vou  transcrever  do 
n.  32  da  Sentinella  do  Serro,  publicado  a  9  de  abril  do  mesmo 
anno,  e,  portanto  dous  dias  apenas  depois  da  revolução  de 
7  de  abril  no  Rio  de  Janeiro,  Fizemos  no  Serro  no  dia  6 
o  mesmo  que  os  bahíanos  havião  feito  no  dia  4.  Esta  simul- 
taneidade prova  que  moralmente  a  revolução  já  estava  con-* 
summada  por  todo  o  Brasil,  em  razão  dos  desacertos  do 
governo. 

Era  presidente  dos  confederados  o  fallecido  Sr.  João 
Innocencio  de  Azeredo  Coitinho,  Eu  era  o  secretario. 

Formou-se  no  acto  da  reunião  uma  caixa  militar  com 
1 1  :ooo$.  Antecedentemente  se  havia  comprado  todo  o  chumbo, 
pólvora,  salitre  e  armamento  que  havia  no  commercio  da 


REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTORlcO 

icipe,  como  tudo  consta  do  citado  n.  32  da  SeH- 
7rro. 

:s  os  artigos  do  compromisso  jurado  publicamente 
■)T  solemnidade  no  dia  6  de  abril  de  1831 : 
dadãos  abaixo  assignados,  querendo  evitar  a 
;  ameaça  todo  o  Brasil  por  causa  das  desordens 
lo  logar  no  Rio  de  Janeiro,  se  obrígão  aos  sc- 
os,  e  cada  um  de  per  si  consente  em  ser  tratado 
■  e  inimigo  quando  se  não  preste,  pela  maneira 
'ada,  para  a  defesa  <ta  pátria  e  da  liberdade. 
:."  Pois  que  pelo  código  criminal  se  impõe  aos 
obrigação  de  resistir  ás  ordens  illegaes,  e,  visto 
utistas  peidem  lançar  mão  de  prisões  arbitrarias 
isar  os  esforços  aos  liberaes,  compromettem-se 

abaixo  assignados,  força  pela  força,  e  a  tirar 
alquer  cidadão  que  não  esteja  legalmente  preso. ' 
feito  logo  que  algum  dos  associados  souber  que 
Igum  cidadão  convidará  a  quantos  encontrar,  e, 
ao  logar  da  prisão,  examinará  se  ha  ordem  para 
io-a,  se  é  legal,  e,  logo  que  o  não  seja,  tirar-se-hd 
■ça  d'armas. 

°  Logo  que  cbeguem  noticias  que  continuão  33 
I  Rio  de  Janeiro  os  cidadãos  abaixo  assignados 
neste  mesmo  logar  para  concorrerem  com  as 
dsas  para  uma  caixa  militar,  que  servirá  para 
guardas  nacionaes  de  fora,  que  devem  ser  cha- 
1  pagar  soldo  aos  que  tiverem  de  marchar  contra 
s  e  a  favor  dos  patriotas. 
'  Todos  os  associados  assentarão  praça  na  guarda 

que  a  camará  municipal  a  estabeleça,  e  promo- 
o  entre  os  guardas  nacionaes,  e  o  entliusiasmo 
i  liberdade,  por  todas  as  maneiras  que  estiverem 

"  Se  antes  de  chegarem  noticias  do  Río  de  Ja- 
certeza  que  das  Divisões,  de  Minas-Novas,  ou 

Jquer  parte,  marchão  tropas  para  o  Serro,  ou 

-Preto  rebentou  também  a  lava  revolucionaria, 
immed latamente  todos  os  associados,  aqui  ou 

ar,  promoverão  a  reunião  da  camará  municipal 


byCoogIe 


A  CIRCULAR  DE  THEOPHILO  OTTOMi  ÍO? 

O  mais  breve  possível,  convocarád  todos  os  cidadãos  para  con- 
correrem ão  -largo  da  Cavalhada  e  ahí  se  alistarem  em  dif fe- 
rentes  companhias,  as  quaes  se  organisarão  em  batalhões,  na 
forma  da  representação  do  conselho,  afim  de  operar  em  defesa 
da  pátria  e  da  liberdade. 

cArt.  5.°  Se  a  segurança  individual  e  as  garantias  con- 
stitucionaes  forem  atacadas  aqui  com  estrondo  e  escândalo, 
ou  quando  cheguem  as  noticias  em  que  fallão  os  artigos 
antecedentes  logo  depois  da  reunião,  e,  se  esta  não  for  pos- 
sivel,  antes  delia,  e  logo  que  cheguem  as  noticias,  se  man- 
dará tocar  a  rebate  em  todas  as  igrejas  da  villa,  afim  de 
se  reunir  o  povo  em  defesa  da  pátria. » 

Quando  os  cidadãos  juravão  electrisados  os  artigos  acima 
foi  o  enthusiasmo  levado  ao  detirio  com  a  leitura  do  seguinte 
officio  de  algumas  das  principaes  senhoras  do  paiz,  que  offe- 
recião  suas  jóias,  seus  serviços  e  uma  quota  para  a  caixa 
mihtar.  A  primeira  assignatura  é  de  uma  das  matronas  mais 
veneráveis  que  tenho  conhecido,  já  pelas  suas  virtudes  do- 
mesticas e  exemplar  caridade,  já  pela  sua  elevada  intel- 
ligencia  e  rectidão  de  espirito,  Fallo  da  Exma.  Sra.  D.  Maria 
Salomé  Perpetua  de  Queíroga,  mãi  do  Exm,  Sr.  Dr.  Ber- 
nardino José  de  Queiroga,  tronco  illustre  de  uma  illustre  e 
estimável  descendência. 

Eis  o  officio: 

«Senhores.  —  As  abaixo  assignadas,  convencidas  da  uti- 
lidade que  seguramente  deve  resultar  da  reunião  patriótica 
de  seus  concidadãos  em  prol  da  liberdade,  e  tendo  noticia 
das  prestações  voluntárias  que  os  mesmos  teem  feito  de  suas 
pessoas  e  vidas,  e  de  seus  bens,  lamentando  a  fraqueza  do 
seu  sexo,  que  as  impede  de  empunhar  as  armas  para  a  defesa 
commum,  vêm  offerecer  espontaneamente  para  a  caixa  mi- 
litar suas  jóias,  seus  serviços,  quando  sejão  necessários. 

«  Além  das  of fertas  acima  declaradas,  onze  das  abaixo 
assignadas  offerecem  mais  para  a  mesma  caixa  850$. 

«  Villa  do  Príncipe,  6  de  abril  de  1831. 

«  Maria  Salomé  Perpetua  de  Queiroga.    -.;    ■..    ,; 
<Theodora  L.  de  Azeredo  Coutinho..  .  >j  ..  .  >: 


.  COCH^IC 


308  REVISTA  DO  INSTITUTO  BIBTORlCO 

€  Bernardina  Flora  de  Queiroz -  .  .■ 

€  Anna    Ermelinda    de    Queiroga ioo$ooo 

€  Marcelianna  Emília  de  Magalhães icx>$ooo 

€  Eufrosina  Perpetua  de  Queiroz ,.,  ioo$ooo 

€  Carbta  Joaquina  da  Fonseca.   ....,..,..  ioo$ooo 

€  Francisca  Dorothéa  de  Padilha ioo$ooo 

<Anna  Bonifacia  de  Lima .•   •  •  50$ooo 

<  Maria  Nazareth  de  Queiroz. 
«  Maria  Salomé  de  Queiroz. 

€  Marta  de  Nazaretli  de  Queiroz. 

<  Maria  Salomé  Azeredo  Coutinho. 
€  Maria  Flora  de  Castro  Lessa. 

<  Policena  Alexandrina  da  Fonseca. 
€  Firmiana  Henriqueta  da  Fonseca. 
«  Maria  Carlota  da  Fonseca. 

€  Maria  Nazareth  de  Lima. 

<  Eufrásia  Augusta  de  Lima.  » 

Do  dia  4  até  o  dia  22  de  abril  foi  o  Serro  uma  praça 
d'armas,  de  cuja  revolta  aberta  contra  o  governo  geral  eu 
assumi  com  prazer  a  principal  responsabilidade. 

Na  noite  de  22,  de  10  para  11  horas,  um  expresso  que 
meu  pai,  o  Sr.  Jorge  Benedicto  Ottoni,  me  expedira  do  Ouro- 
Preto,  trouxe-nos  a  noticia  da  revolução  de  7  de  abril  e  da 
abdicação  do  imperador. 

Instantaneamente  a  cidade  illuminou-se,  bandas  de  mu- 
sica acompanhavão  a  guarda  civica  e  a  população  em  massa, 
que  até  ao  romper  do  dia  percorrerão  as  ruas,  cantando 
hymnos  patrióticos,  entre  vivas  á  liberdade,  á  revolução  de 
7  de  abril,  ao  redactor  da  Seniinella  do  Serro,  etc,  etc. 

Nessa  noite,  sem  a  generosa  e  enérgica  intervenção  do 
redactor  da  Sentinella  do  Serro,  os  primeiros  Ímpetos  do  povo 
triumphante  terião  sido  fataes  a  alguns  poucos  desafectos  á 
nova  ordem  de  cousas  e  mesmo  a  pessoas  inoffensivas. 

Entre  os  hymnos  cos  vivas  repetia-se  com  furor  o  grito 
de  guerra  dos  dias  antecedentes :  —  Abaixo  o  tyranno  1  — 
Morrão  os  portuguezes  !  —  Morra  o  Japiassú  !  como  desi- 
gnavão  o  ouvidor  da  comarca,  desembargador  António  José 
Vicente  da  Fonseca,  magistrado  severo,  e  que  por  efíeitp  de 


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K  eiRCDLAR  DE  TllEOPUJLO  OTTONI  309 

suas  convicções  havia  desapprovado  o  nosso  movimento  revo- 
lucionário. 

A  exacerbação  dos  espirítos  prognosticava  scenas  horro- 
rosas ;  mas  minha  influencia,  graças  a  Deus  I  era  immensa. 
A*  porta  do  ouvidor,  depois  de  uma  scena  tumultuosa,  pude 
cons^^ir  silencio  e  attenção.  Arenguei  o  povo,  pregando  e 
exigindo  moderação  e  generosidade,  e  pedindo  que  os  — 
morras  —  somente  ecoassem  contra  o  tyranno,  e  que  não  man- 
chássemos com  excessos  criminosos  a  bella  victoria  que  nossos 
irmãos  fluminenses  acabarão  de  ganhar. 

Minha  palavra  tinha  autoridade,  e  coube-me  a  gloria 
de  salvar  um  magistrado  honrado  e  os  portuguezes  que  resi- 
dião  na  povoação,  alguns  dos  quaes  até  fraternisavão  com  as 
nossas  idéas.  Não  faltào  ainda  hoje  na  cidade  do  Serro  teste- 
munhas do  facto. 

Revolucionário  da  véspera,  o  redactor  da  Sentinella  da 
Serrcr  trz  o  ordeiro  typo  no  dia  do  triumpho. 

Não  significa  este  procedimento  que  eu  houvesse  de 
approvar  a  direcção  que  os  moderados  ião  dar  á  revolução. 

O  7  de  abril  foi  um  verdadeiro  jountée  des  dupes.  Pro- 
jectado por  homens  de  idéas  liberaes  muito  avançadas,  jurado 
sobre  o  sangue  dos  Canecas  e  dos  Ratecliffs,  o  movimento 
tinha  por  fim  o  estabelecimento  do  governo  do  povo  por  si 
mesmo,  na  significação  mais  lata  da  palavra. 

Secretario  do  club  dos  Amigos  Unidos,  iniciado  em  ou- 
tras sociedades  secretas,  que  nos  últimos  dous  annos  esprei- 
tavão  somente  a  occasião  de  dar  com  s^urança  o  grande 
golpe,  eu  vi  com  pezar  apoderarem-se  os  moderados  do  leme 
da  revolução,  elles  que  só  na  ultima  hora  tinhão  appellado 
comnosco  para  o  juízo  de  Deus  I 

O  redactor  da  Sentinella  do  Serro  acreditava,  como  o 
sábio  Camot,  que  a  liberdade  não  é  um  devaneio,  e  menos 
que  fosse  mostrada  ao  homem  só  para  que  este  se  lastimasse 
de  não  poder  goza-la. 

O  redactor  da  Sentinella  do  Serro  não  podia  admittir 
que  fosse  mera  illusão  esse  bem  tão  universalmente  prefe- 
rido a  (odos  os  bens,  e  sem  o  qual  não  tem  a  posse  dos 
outros  a  menor  valia. 


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310  REVISTA  DO  IN&TmTTO  BlETORlOa' 

Ao  redactor  da  Sentinella  do  Serro  dizia  o  coração  que 
a.  liberdade  é  possível,  que  o  seu  regimen  é  facíl  e  mais  es- 
tável que  o  dos  governos  arbitrários  de  qualquer  denominação. 
Mas  ainda  na  agitação  e  devaneio  da  luta  o  redactor 
da  Sentinella  do  Serro  nunca  sonhou  senão  democracia  paci- 
fica, a  democracia  da  classe  média,  a  democracia  da  gravata 
lavada,  a  democracia  que  com  o  mesmo  asco  repelle  o  despo- 
tismo das  turbas  ou  a  tyrannia  de  um  só. 

Ao  passo  que  censurava  os  chefes  do  partido  liberal  mo- 
derado, porque  desvirtuavão  a  revolução,  de  que  se  havião 
apoderado,  a  Sentinella  do  Serro  com  mais  energia  stygtna- 
tisava  os  excessos  anarchicos  applaudidos  pelas  folhas  demo- 
cráticas da  corte. 

Dahí  nasceu  que  a  Sentinella  do  Serro  mais  de  uma  vez 
foi  invocada  como  autoridade  contra  os  desordeiros,  tran- 
scripta  na  Aurora  por  Evaristo  e  no  Independente  pelo 
Sr.  Joaquim  José  Rodrigues  Torres,  hoje  visconde  de  Ita- 
borahy. 

Parece-me  ainda  hoje  que  eu  era  lógico  dentro  do  circulo 
das  minhas  convicções.  Censurava,  é  verdade,  alguns  ímpetos 
do  nosso  Cavãígnac  de  sotaina;  mas  era  somente  em  com- 
munhão  com  o  Sr.  Diogo  António  Feijó  e  com  as  notabí- 
lidades  parlamentares  do  ultimo  quatriennío  que  eu  admittia 
a  possibilidade  de  obter-se  uma  reforma  mais  liberal  em  a 
nossa  constituição. 

A  ordem  de  idéas  que  depois  de  14  de  julho  predominou 
no  governo  de  7  de  abril  não  me  agradava  por  certo.  E  se 
a  democracia  creasse  então  uma  opposição  regular,  eu  me 
não  chegaria  provavelmente  para  os  moderados.  Porém  a 
opposição  começou  a  revolver  na  corte  e  na  Bahia  os  mais 
perigosos  ínstinctos  da  nossa  sociedade,  chamou  em  seu  apoio 
a  espada  de  soldados  indisciplinados,  quando  se  tratava  da 
solução  das  mais  graves  questões  constitucionaes. 

Órgão  e  defensor  da  democracia  pacifica,  o  redactor  da 
Sentinella  do  Serro  em  tal  contingência  preferiu  acostar-se 
ao  principio  monarchico,  comtanto  que  a  monarchia  fizesse 
por  meio  de  reformas  legaes  na  constituição  largas  concessões 
ao  principio  democrático. 

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A.  CtRCOLAR  DE  THEOPHILO  OTTOMI  311 

Ahi  vai  o  programma  e  exposição  de  motivos  que  o  re- 
dactor da  Sentinella  do  Serro  offereceu  á  consideração  dos 
leitores  no  seu  n.  43  de  25  de  junho  de  1831.  Note-se  bem 
que  é  o  democrata  pacifico  que  logo  depois  de  7  de  abril 
propõe  aos  monarchistas  liberaes  a  transacção  de  principies, 
mediante  a  qual  se  devem  fundir  as  duas  nuanças  do  partido 
liberal 

ASTIGO  DS  SENTINEI.IA  DO  5ERK0 
<  Trezentos  annos  de  escravidão  não  podem  bem  pre- 
parar um  povo  para  entrar  no  gozo  da  mais  perfeita  Uberdade. 
Um  povo  educado  sob  o  despotismo,  sem  idéas  algumas  sobre 
a  organisação  do  corpo  social,  de  mais  imbuído  pelos  seus  . 
tyrannos  em  princípios  erróneos,  fautores  do  despotismo,  pre- 
cisa de  óptimos  guias  para  se  não  desvairar  e  perder  nas 
ignoradas  veredas  que  devem  conduzi-lo  ao  templo  da  divina 
liberdade.  Mãos  guias,  podem  leva-lo  aos  horrores  da  anarchia, 
ou  entr^a-lo  de  novo  ás  garras  do  poder  absoluto.  Estes 
os  dous  medonhos  cachopos  que  ameaçarão  a  náo  do  estado 
desde  os  primeiros  ensaios  que  fizemos  para  a  nossa  r^e- 
neração  politica.  Ora  a  anarchia,  ora  o  despotismo,  parecia; 
tragar-nos,  apezar  da  nobre  resistência  de  alguns  espirites  ge- 
nerosos; mas  em  1824  definitivamente  suppoz-se  não  haver 
mais  antídoto  contra  o  despotismo.  Esta  terrível  supposição 
e  a  fadiga  produzida  por  uma  luta  ínfructuosa  germinarão 
a  apathica  indífferença  politica,  que  como  epidemicamente 
grassou  em  todo  o  Brasil  nos  annos  de  1825  e  1826  e  mesmo 
em  1827, 

«A  causa  da  razão  e  da  pátria  estava  desesperada;  o 
despotismo  parecia  infallível,  e  a  ignorância  persuadia  a  não 
poucos  brasileiros  que  por  não  estarem  em  contacto  directo 
com  o  governo  podião  esperar  socego  no  cabos  do  absolutismo. 
As  phalanges  da  tyrannia  sensivelmente  engrossavão;  mas 
de  outro  lado  os  deputados,  affoitando-se  a  defender  na  tri< 
buna  nacional  os  direitos  inauferíveis  do  povo  soberano, 
tinhão  dado  calor  á  imprensa  para  debellar  a  tyrannia. 
Desde  então  começou  o  rebate  contra  os  traidores  que  nos 
opprimião;  os  clarins  da  liberdade  ojns^fuírão  muito,  acor- 
darão o  povo  do  lethargQ,  manifestárão-lhe  as  traiçdes  do 

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3ia  RBVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

poder  e  a  necessidade  de  abate-lo,  fizerão-lhc  apreciar  as 
doçuras  da  liberdade,  e  assim  o  obrigarão  a  correr  ás  armas 
e  lançar  por  terra  o  tyramio.  Este  resultado  maravilhoso 
e  quasi  inesperado  é  devido  á  espantosa  revolução  que  operou 
no  espírito  nacional  a  imprensa  livre  '  Ha  cinco  annos  (fal- 
íamos pelo  que  vimos  na  nossa  província)  erão  apontados 
como  temerários  e  loucos  os  cidadãos  que  tinhão  coragem  para 
advogar  a  causa  da  liberdade,  ou  mesmo  defender  essa  con- 
stituição illusoria  com  que  o  déspota  nos  quíz  embalar. 

cO  —  que  me  importa?  —  politico  estava  generalisado ; 
a  maior  parte  dos  cidadãos  fugia  a  todos  os  actos  públicos. 
Hoje  os  cidadãos  tcem  conhecido  que  a  sua  felicidade  ou 
desgraça  depende  essencialmente  do  andamento  do  corpo  po- 
litico; que  todos  os  sacrifícios  se  devem  fazer  para  evitar 
os  horrores  do  despotismo;  já  ninguém  ousa  negar  a  sobe- 
rania da  nação,  e  o  consequente  direito  que  tem  qualquer 
povo  para  alterar  e  modificar  sua  constituição ;  que  ninguém 
pôde  ser  punido  senão  em  virtude  das  leis ;  em  uma  palavra, 
conhecemos  nossos  direitos  e  estamos  na  firme  resolução  de 
sustenta-los.  Mas  por\'entura  está  na  mesma  linha  de  per- 
feição o  conhecimento  de  nossos  deveres?  O  amor  da  verdade 
nos  obriga  a  dizer  que  não. 

«  E  nem  a  educação  que  tivemos  nos  habilitou  para  es- 
tarmos hoje  ao  nivel  dos  americanos  do  norte. 

«  Faltão-nos  a  instrucção  e  moralidade  politica,  que  tanto 
distinguem  estes  nossos  conterrâneos.  Mas  desenganemo-nos ; 
se  tivermos  juizo,  baqueou  para  sempre  o  despotismo,  qual- 
quer tentativa  de  seus  satellites  servirá  somente  para  co- 
bri-los (se  é  possível)  de  maior  opprobrio:  é  preciso,  porém, 
reconhecermos  que  nas  actuaes  circumstancías  a  própria  uti- 
lidade nos  recommenda  muita  prudência,  circums^cção  e 
inteira  confiança  na  representação  nacional,  ou,  para  melhor 
dizer,  na  camará  dos  deputados,  emquanto  ella  marchar,  como 
até  agora,  dentro  da  orbita  que  lhe  traçou  a  lei  fundamental. 
A  camará  dos  deputados  é  actualmente  o  único  centro  de 
reunião  que  pôde  conservar  ligadas  as  províncias,  prestes  a 
desgarrar-se ;  a  camará  dos  deputados  é  o  único  poder  a  quem 
não  falta  ainda  o  apoio  da  opinião  publica,  e  por  isso  o 
único  capaz  de  oppór  diques  á  impetuosa  torrente  (&  anarchía, 


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A  aRCULAR  DE  TREOPHILO  OTTONI  2I3 

fomentada  por  alguns  ambiciosos,  que  querem  ser  melhor 
aquinhoados,  e  pelos  absolutistas,  que  pretendem,  anarchi- 
sando  o  Brasil,  fazer  ver  ao  mundo  que  não  somos  dignos 
da  liberdade  que  conquistámos.  A  SentincUa  do  Serro  nunca 
pertenceu  ao  partido  das  meias  medidas;  pelo  contrario,  em- 
quanto  existiu  o  tyranno  appellou  constantemente  para  os 
golpes  nacíonaes,  consagrou  em  suas  paginas  o  sagrado  di- 
reito da  insurreição;  mas  hoje,  caros  patrícios,  o  despotismo 
cahiu,  e,  se  nos  afastamos  da  orbita  da  lei,  nos  arriscamos  ú 
perder  o  muito  que  temos  ganho  pelo  pouco  que  nos  resta  a 
ganhar,  e  que  o  tempo  pôde  trazer  serenamente. 

c  £',  pois,  mister  sacrificarmos  alguma  cousa  de  nossas 
opiniões ;  isto  protesta  fazer  o  redactor  da  Sentinella  do  Serro. 

<  Por  exemplo,  somos  de  opinião  que,  se  aos  dous  can- 
didatos da  Nova  Lu::,  os  Srs.  Braulio  e  Manoel  de  Carvalho 
Paes  de  Andrade,  se  juntasse  o  Sr.  Vergueiro,  teríamos  uma 
óptima  regência:  mas,  se  a  assembléa  em  sua  sabedoria  ou 
mesmo  em  sua  moderação  nos  der  outros  quaesquer  regentes 
(que  comtudo  não  serão-  por  certo  Clementes  Pereiras)  nem 
por  isso  declararemos  guerra  á  representação  nacional,  nem 
a  essa  regência.  Somos  de  opinião  que  se  deve  lentamente 
republícanísar  a  constituição  do  Brasil,  cerceando  as  fataes 
ottribuições  do  poder  moderador,  organisando  em  assembléás 
Provinciaes  os  conselhos  geraes  de  provinda,  abolindo  a  vita^ 
liciedade  do  senado,  e  isto  desde  já.  Mas  se,  contra  a  nossa 
humilde  opinião,  a  camará  dos  deputados  se  conservar  esta- 
cionaria, nem  por  isso  appellaremos  para  golpes  da  nação; 
mas,  pelo  contrario,  continuaremos  a  reprovar  altamente  todos 
os  meios  violentos,  que  podem  levar-nos  á  anarchia  e  depois 
ao  despotismo  militar,  que  opprime  a  quasi  todas  as  cha- 
madas republicas  da  America  ex-hespanhola.  Ainda  assim, 
pois,  recommendaremos  obediência  aos  decretos  legaes  da 
assembléa  geral;  esperaremos  pe4a  próxima  legislatura,  e, 
fazendo  ver  aos  nossos  patrícios  a  necessidade  de  attenuar 
lealmente  o  demasiado  vigor  que  a  constituição  dá  ao  sempre 
funesto  elemento  monarchioo,  apontaremos  pelo  nome  os 
deputados  amigos  das  reformas  constitucionaes,  para  serem 
reeleitos,  e  os  deputados  estacionários  ou   retrógrados,  não 

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ai4  RETieT&  DO  INSTITUTO  RUTORICO 

para  os  insultar,  mas  para  que  o  povo  os  exclua  da  repre- 
sentação nacional. 

c  Estamos  intimamente  convencidos  de  que  só  assim 
poderemos  marchar  em  segurança  para  o  estado  de  perfeição 
e  felicidade  a  que  se  elevou  a  pátria  dos  Washington,  dos 
Jefferson  e  dos  Franklin,  Estamos  intimamente  persuadidos 
de  que,  se  Washington,  Franklin  e  todos  os  outros  pa- 
triarchas  da  liberdade  americana  tivessem  nas  actuaes  cir- 
cumstancias  o  leme  dos  negócios  do  Brasil,  elles  nos  enca- 
minharião  assim. 

'  «  Podemos  errar,  mas  é  esta  a  nossa'  convicção ;  e,  como 
escriptor  liberal  não  queremos  deixar  de  emittir  o  nosso 
voto  em  negocio  de  tanta  ponderação. 

«Quando  nos  chegou  a  noticia  da  abdicação  do  ex-im- 
perador  suppuzemos  que  a  revolução  iria  mais  avante,  ficando 
todavia  terminada  antes  que  o  brioso  povo  fluminense  depu- 
zesse  as  armas,  e  sahisse  do  campo  da  honra;  felizmente, 
porém,  o  resentimento  deixou  logar  á  reflexão,  e  a  revolução 
de  7  de  abril  tomou  á  direcção  mais  favorável  á  liberdade 
americana.  Nós  a  desfrutaremos,  e  liaremos  a  nossos  filhos 
e  netos  essa  venturosa  liberdade,  sem  que  para  isso  sejão 
precisas  mais  bernardas  e  rusgas ;  pelos  meios  legaes  podemos 
tudo  conseguir,  e  sahindo  do  circulo  da  constituição  tudo 
perder. 

«  Alguém  perguntará  que  cousa  pôde  ter  motivado  este 
longo  sermão? 

« Ao  que  responderemos :  « O  Rio  de  Janeiro  não  está 
€  em  socego :  pessoas  respeitáveis  nos  escrevem,  narrando 
<  que  os  homens  do  cacete  continuão  em  suas  correrias ;  que 
« vai  desapparecendo  da  corte  a  segurança  individual,  cuja 
« conservação  deve  ser  o  objecto  principal  de  todo  o  bom 
«governo;  que  os  assassínios  se  teem  multiplicado;  e  final- 
« mente  que  os  ambiciosos,  procurando  justificar-se  com  a 
«nimia  moderação  (no  que  aliás  alguma  razão  teem)  da 
■«  camará  dos  deputados  e  regência,  que  ainda  não  deitarão 
«para  fora  do  Brasil  os  guerreiros  de  fundo  de  garrafa, 
■<  querem  tudo  baralhar  para,  no  meio  da  confusão  geral,  cm- 
«polgarem  o  mundo». 

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A  COtCDL&R  D8  THEOPHILO  OTTONt  91$ 

€  Todavia  nós  esperamos  que  o  bom  e  honrado  povo  flu- 
minense não  deixará  murchar  os  louros  que  ha  colhido  nos 
para  sempre  memoráveis  dias  de  abril,  os  bravos  do  campo 
da  honra  servirão  de  guarda  â  assembiéa  geral,  e  não  per- 
mittiráõ  que  alguém  ouse  querer  dar  lei  á  representação  na- 
cional. »  _ ' 

O  artigo  que  acabo  de  reimprimir  palavra  por  palavra, 
29  annos  depois  de  sua  primeira  publicação,  não  precisa 
de  commentarios. 

Em  tempo  de  lutas  eleitoraes  os  meus  adversários  teem 
por  vezes  transcripto,  truncadas,  para  melhor  me  guer- 
rearem, algumas  dessas  palavra^  que  escrevi  no  verdor  dos 
annos  e  que,  longe  de  renegar,  ainda  hoje  repito  com  orgulho, 
considerando-as  um,  dos  brasões  da  minha  fidalguia  politica. 

Ahi  podem  os  Srs.  eleitores  ver  o  symbolo  da  fé,  a  cujo. 
serviço,  combatendo  na  imprensa  e  na  tribuAa,  tenho  consa- 
grado toda  a  minha  vida. 

Quaes  forão  as  reformas  que  o  joven  redactor  da  Sen- 
iinella  do  Serro  exigiu  em  25  de  junho  de  183 1  que  se  fi- 
zessem na  constituição  (declarando  que  só  as  queria  pelos 
meios  l^aes)  como  condição  do  seu  apoio  ao  governo  de 
7  de  abril?  ■    -:  ■■J.9r 

Leião  os  Srs.  eleitores  o  artigo  mencionado,  e  verão 
que  três  crão  as  modificações  que  eu  propunha  que  se  fi- 
zessem na  constituição: 

i."  Que  Os  conselhos  geraes  de  provinda  fossem  conver- 
tidos em  assembléas  provinciaes. 

2.*  Que  fossem  cerceadas  as  attribuições,  que  chamei  fa- 
taes,  do  poder  moderador. 

3.'  Que  fosse  abolida  a  vitaliciedade  do  senado. 

Poucos  mezes  depois  o  prt^ramma  da  Sentinella  do 
Serro  tinha  sancçao  legal  no  projecto  de  lei  approvado  na 
camará  dos  Srs.  deputados,  no  qual  se  ordenava  aos  eleitores  ^ 
da  seguinte  legislatura  que  dessem  poderes  ã  futura  camará 
para  reformar-se  a  constituição,  admittidas  as  três  bases 
mencionadas. 

E'  sabido  que  no  fim  do  anno  de  1831  os  homens  do 
velho  r^men  havião  tomado  a  si  do  atordoamento  que  lhes 
causara  a  inesperada  le  mal  aproveitada  .revolução  de  7  de 

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àl6  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

abril.  Só  o  governo  parecia  não  se  aperceber  deste  movi- 
mento retrogrado,  e  persistia  em  só  reconhecer  perigos  nas 
aspira<;ões  do  partido  liberal  mais  adiantado. 

O  senado  se  mostrava  sobranceiro  às  novas  ídéas,  e  os 
conservadores  preparavão-se  evidentemente  para  nma  le\'a  de 
broqueis. 

Derribar  com  o  governo  a  regência  em  nome  do  Sr. 

D.  Pedro  II  e  substitui-la  por  outra  em  nome  do  Sr.  D.  Pedro 

I,  tal  era  o  progamma  retrogrado,  qual  o  futuro  o  patenteou . 

As  circumstancias  erão  difficeis.  A  revolução  ia  para 

a  rua  em  nome  dos  conservadores. 

Não  pôde  admirar,  portanto,  que  os  liberaes  recorressem 
ao  direito  natural  da  própria  defesa. 

Era  o  tempo  das  sociedades  patrióticas  de  todas  as 
nuanças.  No  Rio  os  conservadores  conspiravãõ  na  sociedade 
Militar,  e  mesmo  em  um  dos  grandes  orientes  maçónicos 
convertido  em  alavanca  politica.  A  sociedade  Defensora  era 
com  as  suas  filiaes  o  instrumento  de  Evaristo  e  o  espirilo- 
sanlo  do  governo.  A  sociedade  Federal,  de  que  era  presi- 
dente o  Sr.  Frei  Custodio  Alves  Serrão,  symbolisava  o  pro- 
gresso pacifico. 

Nas  provicias  via-se  por  toda  a  parte  o  reflexo  da  corte. 
A  questão  que  mais  excitava  e  animava  as  diversas  tri- 
bunas politicas  era  o  projecto  de  reforma  da  constituição, 
que  acabei  de  mencionar,  e  que  havia  passado  na  camará  dos 
deputados . 

Era  \oz  geral  que  havia  infallivelmente  de  naufragar 
no  senadc. 

Foi  sob  estas  impressões  que  eu  installei  na  cidade 
do  Serro,  então  \ilta  do  Príncipe,  uma  associação  politica 
com  o  titulo  de  sociedade  Promotora  do  Bem  Publico,  que  a 
Aurora  Fluminense  denominava  a  Encyclica  Promotora. 

A  reforma  da  constituição  como  a  tinha  decretado  a 
camará  dos  deputados  era  uma  conquista  de  que  o  partido 
liberal  já  não  podia  prescindir,  e  que  negada  acarretaria  fu- 
nestos resultados  á  ordem  publica. 

A  sociedade  Protectora  do  Bem  Publico,  por  própria 
inspiração,  sem  a  menor  insinuação  estranha  ao  Serro-Frio, 
havia-se  apresentado  a  peito  descoberto,  propondo  um  golpe 


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&  aRCULAR  DE  TBEOPHILO  OTTONI  317 

de  estado  eleitoral  que  salvasse  o  projecto  de  reformas  appro- 
vado  na  camará  dos  deputados. 

Da  sociedade  Promotora  dá  ampla  noticia  a  Sentinella 
do  Serro  no  seu  numero  74  de  4  de  fevereiro  de  1832,  no 
artigo  que  passo  a  transcrever  textualmente  e  em  outros: 

ARTIGO  DA  <  SENTINELt^  DO  SKBRO  > 

c  No  dia  2  houve  sessão  da  sociedade  Promotora  do 
Bem  Publico,  e  por  indicação  de  um  dos  sócios  {*)  deli- 
berou-se  convidar  as  outras  sociedades  patrióticas  e  do  im< 
peno,  bem  como  as  municipalidades  para  que,  não  tendo 
pessado  no  senado  o  projecto  da  reforma  constitucional  ou 
havendo  sido  regeJtado  até  o  dia  da  convocação  da  assembléa, 
hajão  de  influir  nos  círculos  eleitoraes  do  seu  distrícto,  para 
que  os  eleitores  dêem  poderes  constituintes  aos  futuros  de- 
putados para  reformarem  a  constituição,  como  tudo  se  vê 
do  officio  circular  que  passamos  a  transcrever: 

<  A  mesa  que  dirige  interinamente  os  trabalhos  da  so- 
€  ciedade  Promotora  do  Bem  Publico,  estabelecida  na  villa 
«  do  Principe,  comarca'  do  Serro-Frio,  leva  ao  conhecimento 
«  da  sociedade  Patriótica,  estabelecida  em  Pouso-Alegre,  que 
«  o  Serro  conta  já  em  si  uma  associação  semelhante  áquellas 
«de  que  tantos  beneficios  teem  colhido  muitos  municípios.: 

« A  sociedade  Promotora  do  Bem  Publico,  anhelando 
c  com  todos  os  bons  cidadãos  a  prosperidade  e  gloria  da  pátria, 
'<  não  podia  deixar  de  lançar  os  olhos  sobre  a  questão  das 
S  reformas  constitucionaes,  que  actualmente  occupa,  não  só 
«os  amigos,  como  os  adversários  da  felicidade  publica,  os 
«  primeiros  trabalhando  por  afastar  os  estorvos  que  ínutilisão 
<  as  mais  bellas  garantias  que  a  constituição  offerece  e  por 
«  extinguir  as  instituições  européas,  que  se  pretendem  enraizar 
«  entre  nós ;  os  segundos,  ora  procurando  evitar  ou  retardar 
«estas  indispensáveis  reformas,  ora  querendo  precipita-las 
«  em  demasia,  occasionando  desordens  que  sirvão  a  seus  fins. 
«  A  sociedade  tem  meditado,  não  só  sobre  os  elementos  que 
«se  oppoem  á  reforma,  como  sobre  os  meios  de  os  destruir: 
"4  em  resultado  tem  concluido  existir  no  senado  o  primeiro 


{')    T.    B.    Otioní.' 


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Il8  XBVISTA  DO  INSTIT0TO  BUTOttRXy 

<  escolho  que  devemos  evitar,  se  queremos  ch^ar  ao  porto 

<  da  liberdade,  de  que  ha  tanto  tempo  nos  afastão  pilotos  impe- 
c  ritos  ou  mal  intencionados.  Este  corpo  coUectivo,  esque- 

<  cendo-se  do  cumprimento  de  seus  mais  sagrados  deveres, 

<  ou  antes  sendo  consequente  com  a  sua  péssima  oi^anísação 
« e  influencia  que  na  sua  eleição  exercitou  o  despotismo, 
€  esmera-se  continuamente  em  exci^tar  tropeços  ao  anda- 
c  mento  das  instituições  que  possuímos  e  ao  estabelecimento 
«daquellas  de  que  necessitamos.  A'  vtsta  disto,  julga  a  so- 
<(  ciedade  Promotora  do  Bem  Publico  que  os  brasileiros  devem 
c  prevenir  o  caso  de  que  o  senado  não  annúa  ao  projecto  das 
c  reformas  approvado  na  camará  dos  deputados ;  parecendo- 

<  lhe  mais  que  neste  caso  seria  contradicção  admittír  os  votos 
€  dos  actuaes  senadores  para  as  reformas  que  se  houverem 

<  de  fazer;  e,   firmada  nestas   razões,  deliberou  convidar  a 

<  todas  as  municipalidades  e  sociedades  patrióticas,  não  só 
«  desta  como  das  outras  provincias  para  que,  no  caso  de  que 
€  até  o  dia  da  convocação  da  futura  assembléa  l^slativa 
€  não  tenha  ainda  passado  ou  tenha  sido  regeitado  no  senado 
So  projecto  das  reformas  constitucionaes,  se  esforcem  de 
€  commum  accordo  para  que  nos  respectivos  círculos  elei- 
€  toraes  se  dêem  poderes  constituintes  aos  futuros  deputados 
« para  reformarem  a  constituição,  na  forma  do  projecto 
«  approvado  na  camará  dos  deputados,  fazendo-se  a  reforma 
€  independentemente  do  senado,  reunindo-se  os  futuros  eleitos 
c  o  mais  breve  que  possa  ser,  declarando  terminada  a  l^is- 
€  latura  actual  com  o  senado,  fazendo  os  deputados  eleitos 
«as  funcções  de  assembléa  legislativa  em  tudo  o  mais;  não 
«passando  os  seus  poderes  constituintes  além  do  projecto 
«  de  reforma  da  camará  dos  deputados,  actual,  e  continuando 
■<  depois  as  funcções  que  segundo  a  constituição  reformada 
«competirem  á  camará  dos  deputados. 

« A  sociedade  Promotora  do  Bem  Publico  espera  que 
«  a  sua  proposição  será  attendida  pelos  cidadãos  que  compõem 
«as  associações  a  quem  se  dirige,  e  de  cujas  luzes,  enei^a 
«e  patriotismo  depende  a  felicidade  futura  da  nossa  pátria.; 

«  Sala  das  sessões  da  sociedade,  2  de  fevereiro  de  1832. 
« —  Joaquim  Pereira  de  Queiras,  presidente.  — Bento  Josi 
'^'Affonso,  secretario.,  —  João  Innocencio,  de  'Azeredo^  Çour 


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A  CIRCULAR  DE  THEOPRILO  OTTONt  319 

<tinho,  secretario. — Joaquim  José  de  Araújo  Ponseca,  se- 
«cretario. — Theophilo  Benedicto  Ottoni,  secretario.» 

Tão  arrojada  iniciativa  da  sociedade  Promotora  do  Bem 
Publico  devia  causar  grande  abalo  no  paiz.  Os  moderados, 
que  estavão  no  governo,  não  podião  dar  de  súbito  a  sua 
adhesão  á  ousada  medida,  planejada  em  uma  villa  do  interior 
sem  o  seu  beneplácito. 

Demais,  na  occasião  a  regência  e  o  ministério  ainda  se 
achavão  na  esperança  de  que  os  homens  do  velho  regímen, 
—  os  homens  que  se  dízião  partidistas  e  enthusiastas  do  pai, 
• — não  serião  contradictoríos  a  ponto  de  quererem  derribar 
por  meios  violentos  o  governo  do  filho. 

Assim,  os  moderados  suppunhão  ter  somente  inimigos 
do  lado  liberal  um  pouco  mais  avançado.' 

Por  isso  guerreánio  quanto  puderão  a  representação 
encyclica,  o  jornal  que  a  sustentava  e  os  homens  que  a 
apoiavão. 

A  representação  foi  fulminada  pela  imprensa  do  po(fer, 
que  imaginava  a  pátria  em  perigo  e  a  anarchia  levantando 
o  coUo,  se  desse  ouvidos  ao  convite  condicional  da  socie- 
dade Promotora  do  Bem  Publico. 

A  perse^ição  politica  dos  constituintes  do  Serro-Frio 
tomou  vastas  proporções. 

A  Sentinella  do  Serro  cedeu,  menos  prudentemente,  ás 
provocações  das  gazetas  moderadas :  foi  processada,  e  víu-se 
na  necessidade  de  suspender  a  sua  publicação. 

Mas  tão  desculpáveis  erão  os  excessos  a  que  a  polemica 
levou  a  Sentinella  do  Serro  que  a  folha  achou  apoio  no  juizo 
dos  seus  pares.  Submettida  a  accusação  ao  jury  especial 
da  liberdade  de  imprensa,  na  forma  da  lei  então  em  vigor, 
o  jury  não  achou  matéria  para  accusação. 

Não  obstante,  os  membros  influentes  da  sogedade  Pro- 
motora do  Bem  Publico  não  tiverão  outro  recurso  senão  o 
de  deixar  o  campo  aos  seus  adversários,  ceder-lhcs  a  typo- 
graphia  e  retirar-se  completamente  da  scena. 


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Sediçflaa  oonservtdoria  —  Fnsio  dos  libertes. — O  meu  pro- 
aramma   convertida  em   lei   conititDoionel 

Homem  impossível  para  o  partido  conservador,  repu- 
diado pelos  moderados,  que  me  pers^uião,  e  sentindo  a  mais 
pronunciada  repugnância  pelos  anarchistas,  democrata'  paci- 
fico, recolhi-me  a  quartéis  de  inverno  e  passei  a  viver  retirado, 
na  mais  perfeita  abstenção. 

No  entanto  a  reacção  imprudente  dos  moderados  contra 
bs  reformistas  animou  por  tal  maneira  os  retro^ados  que 
um  mez  depois  do  encerramento  da  sociedade  Promotora  do 
Bem  Publico  tinhão  elles  empunhado  as  armas  no  Rio  de 
Janeiro  contra  o  governo, 

E  o  dia  17  de  abril  de  1832,  a  não  ser  a  repugnância 
que  tÍ\-erão  os  liberacs  exaltados  de  entrar  em  allíança  com 
os  retrógrados,  seria  o  ultimo  dia  da  regência  e  do  governo 
de  7  de  abril.  São  factos  que  a  historia  explicará  sem  du- 
vida. 

Abandonados  com  a  maior  ingratidão  pelos  retrcçrados, 
que  até  a  vida  lhes  deviao,  os  moderados  novamente  pro- 
curarão congraçar-se  com  os  Itberaes  exalta(fos. 

E,  para  captar  o  concurso  delles,  appellárão,  por  uma 
dessas  contradicções  usuaes  na  vida  dos  partidos,  para  o 
mesmo  recurso  que  havião  condemnado  quando  proposto  pela 
sociedade  Promotora  do  Bem  publico  e  que  havia  dado  em 
resultado  o  meu  ostracismo. 

Projectarão  esmagar  o  senado  e  reformar  a  constituição 
de  autoridade  própria.  Foi  o  golpe  de  estado  parlamentar 
tratado  entre  regentes,  ministros  e  maioria  na  noite  de  29, 
e  que  a  30  de  jidho  de  1832  frustrou-se  pela  habilidade  e 
valor  estratégico  de  um  pequeno  grupo  de  deputados,  capi- 
taneado pelo  Sr.  Honório  Hermeto  Carneiro  Leão,  que  nesse 
dia  não  acompanhou  os  seus  amigos  da  véspera. 

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A  CIRCULAR  DE  THEOPHILO  OTTOW  33| 

O  parecer  da'  commissão,  que  opinava  para  se  arvorar 
a  camará  dos  deputados  em  asserabléa  constituinte,  e  que 
foi  rejeitado,  é  o  seguinte: 

€  A  commissão  especial  encarregada  de  dar  o  seu  pa- 
recer a  respeito  da  mensagetn  da  regência  do  império,  em 
que  dá  a  sua  demissão  do  alto  emprego  para  que  fora  no- 
meada, passa  a  expor  a  sua  opinião  acerca  deste  objecto. 

€  Ninguém  de  boa  fé  pôde  duvidar  que  as  circumstanctas 
em  que  nos  achamos  são  extraordinárias,  que  a  nação  se 
acha  á  borda  de  um  abismo,  pelas  divisões  que  infelizmente 
teem  retalhado  o  nosso  paiz,  e  principalmente  pela  existência 
de  um  partido  retre^rado,  que,  não  contente  com  pregar 
abertamente  pela  imprensa  a  restauração  do  detestado  go- 
verno (fe  D.  Pedro  I,  tem  levado  a  audácia  a  ponto  de  em- 
punhar as  armas  contra  as  autoridades  lealmente  constí- 
tuidas,  não  duvidando  derramar  o  sangue  daquelles  que  não 
partilhão  seus  indignos  sentimentos.  E'  igualmente  manifesto 
que  o  governo  não  pôde  lutar  com  vantagem  contra  tal  par- 
tido com  os  meios  que  tem  á  sua  disposição,  principalmente 
quando  a  maioria  do  senado  e  parte  da  magistratura  pela 
sua  conducta  teem  mostrado  protege-lo  abertamente;  donde 
resultou,  não  só  a  demissão  de  todo  o  ministério,  que  merecia 
a  confiança  da  regência  e  da  nação,  mas  também  a  impossi- 
bilidade de  organisar  outro,  porque  os  cidadãos  mais  iUus- 
trados  e  reconhecidos  patriotas  recusão  collocar-se  em  tão 
difficil  e  arriscado  posto. 

<  Vendo,  pois,  a  commissão  que  das  causas  acima  ex- 
pendidas não  podem  deixar  de  resultar  os  maiores  males; 
vendo  imminente  a  guerra  civil  e  a  anarchia;  e  antolhando 
com  horror  as  revoluções  parciaes  e  desregradas  que  tie  certo 
hão  de  apparecer  nas  províncias,  e  de  que  podem  resultar 
a  desmembração  e  a  ruina  do  império:  julga  que  só  as  mais 
enérgicas  medidas  podem  salvar  a  nação  e  o  throno  consti- 
tucional do  Sr,  D.  Pedro  II.  E,  como  estas  não  cabem  nas 
nossas  attribuições,  nem  tão  pouco  aceitar  a  demissão  da 
regência  permanente,  é  de  parecer  que  esta  augusta  camará 
se  converta  em  assembléa  nacional,  para  então  tomar  as  re- 
soluções que  requer  a  crise  actual,  e  que  isto  mesmo  se 
participe  ao  senado. 


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333  RETUTA  DO  INSTITUTO  HieTOUCO. 

€  Paço  da  camará  dos  deputados,  em  30  de  julho  de 
1832.  — Prancisco  de  Paula  Araújo  e  Almeida.  — Gervásio 
Pires  Ferreira.  — Manoel  Odorico  Mendes.  — Gabriel  Men- 
des dos  Santos.  — Cândido  Baptista  de  Oliveira.  » 

H'  sabido  que  a  nova  constituição,  em  que  se  abolia  o 
senado  vitalício  e  se  tomavão  outras  medidas  de  igual  im- 
portância, estava  redigida  e  ia  ser  votada  por  acclamação 
logo  que  a  camará  se  convertesse  em  assembléa  nacional. 
A  sociedade  Promotora  do  Bem  Publico  estava  justi- 
ficada I  Triumphava  logo  depois  de  proscripta.:  Os  mode- 
rados, cinco  mezes  depois  de  haverem  condemnado  a  so- 
ciedade Promotora  e  a  Sentinella  do  Serro,  se  apresentavão 
em  campo  com  a  mesma  bandeira,  proclamando  os  mesmos 
princípios,  visando  ao  mesmo  fim. 

Não  podia  haver  melhor  justificação  para  oa  consti- 
tuintes do  Serro-Frio.; 

Nós  propúnhamos  simplesmente  que,  no  caso  de  não 
passar  no  senado  a  lei  da  reforma  constitucional,  os  eleitores 
fossem  convidados  a  dar  de  autoridade  própria  'poderes  aos 
novos  deputados  para  fazerem  a  reforma  qual  á  tinha  ap- 
provado  a  camará  dos  deputados.  Appellavamos  do  senado 
para  a  soberania  nacional. 

Os  moderados  em  30  de  julho  queríão  ir  além ;  —  arvo- 
ravão-se,  sem  missão,  em  assembléa  constituinte,  e  decretavão 
uma  nova  constituição. 

O  mallogro  do  30  de  julho  deu  era  resultado  o  ministério 
dos  40  dias,  em  que  figuravão  os  Srs.  Hollanda  Cavalcanti, 
hoje  visconde  de  Albuquerque,  e  Pedro  de  Araújo  Lima, 
hoje  marquez  de  Olinda. 

O  ministério  dos  40  dias  deu  alento  ao  partido  conser- 
vador, que  então  mats  do  que  nunca  sonhava  a  restauração 
do  Sr.  D.  Pedro  I. 

Aos  estadistas  do  segundo  reinado  não  podia  sorrir  tat 
idéa.  Se  o  duque  de  Bragança  voltasse  ao  Brasil  o  pessoal 
dos  altos  funccionarios  estava  de  antemão  designado,  e  devia 
naturalmente  compor-se  dos  que  tinbão  ficado  fieis  ao  ex- 
imperador  no  tempo  da  sua  desgraça. 

Mas  um  grupo  bem  conhecido,  que  se  havia  apoderado 
da  situação  em  7  de  abril,  e  que  a  explorava  em  proveito 


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k  CIRCULAR  DE  THEOrailO  OTTONI  393 

do  seu  domínio,  temia  que,  dada  uma  tal  eventualidade,  os 
seus  talentos  não  fossem  devidamente  aproveitados,  e  elles 
tivessem  de  voltar  ao  ingrato  papel  de  opposicíonistas,  como 
tinhão  sido  de  1826  a  1831. 

Ainda  nâo  tinha  chegado  o  tempo  de  deporem  a  mascara 
è  fundirem-se  no  partido  conservador,  acclamando-se  seus 
exclusivos  chefes  c  directores. 

For  isso  cahiu  o  ministério  dos  40  dias,  e  o  partido  mo- 
derado novamente  se  assenhoreou  da  situação,  e  tomou  a 
bandeira  da  reforma  amstitucional .; 

Para  obte-Ia  fazião  pressão  sobre  os  conservadores  mais 
tímidos,  encarecendo  os  perigos  que  corria  a  monarchia  se 
o  senado  não  condescendesse  com  a  reforma  constitucional. 
Para  chegar  a  seus  fins,  mesmo  nos  debates,  que  podem  ser 
estuiíados  nos  jomaes  do  tempo,  desenhavão  com  as  cores 
mais  medonhas  a  encyclica  Promotora,  de  que  eu  fora  se- 
cretario, bem  como  a  muito  fallada  republica  de  S,  Félix 
na  Bahia,  onde  pela  primeira  vez  entrou  em  scena  o  fallecido 
deputado  por  aquella'  província  Aprigio  José  de  Souza. 

Os  conservadores,  que  se  ião  reconhecendo  e  reforçando, 
á  medida  que  D.  Pedro  se  approximava  do  fim  < 
de  que  se  encarregara  em  Portugal,  não  pod 
os  livreiros  e  chapéos  redondos,  que  govemav: 
rebeldes  que  havião  conspirado  contra  a  mon: 
padores  que  se  coUocavão  no  logar  do  monarci 

Ao  passo  que  os  retrógrados  se  afastavão 
chegavão-se  elles  para  os  exaltados. 

Por  outro  lado,  o  facto  de  mallograr-se 
iex^erava  aos  olhos  do  partido  retrogrado  si 
fraqueza  do  governo, 

Deliberarão,  portanto,  fazer  uma  nova  lei 
e  apparecêrão  em  armas  no  Ouro-Preto  no  di 
de  J833,  depondo  violentamente  o  presidente, 
Ignacio  de  Mello  e  Souza  (depois  barão  do 
vice-presidente,  o  Sr.  Bernardo  Pereira  de 
que  prenderão,  bem  como  o  deputado  (depc 
Sr.  cont^o  José  Bento  Leite  Ferreira  de  M< 
g&rão  a  sahir  do  Ouro-Preto  acompanhados  p 
de  soldados,  com  orctem  de  deixarem  a  provin 


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234  RBVISTA  DO  INSTITUTO  UISTORlCa 

'  Foi  uma  sedição  militar  sem  a  mais  fraca  raiz  na  po- 
pulação. Minas  pôde  gloriar-se  dos  prodigios  cívicos  que 
então  praticou. 

O  povo  de  Queluz  libertou  o  vice-presidente  Vasconcellos, 
que  foi  installar  o  governo  em  S.  João  d'El-Rei,  e,  com  o 
profundo  tino  que  o  distinguia,  reuniu  em  torno  de  si  a, 
provincia  inteira. 

O  governo  nos  mandou  do  Rio  de  Janeiro  um  general, 
o  distincto  e  benemérito  Sr.  José  Maria  Pinto  Peixoto. 

O  Sr.  general  Pinto  Peixoto,  que  já  em  1821  fora  o 
principal  motor  do  estabelecimento  do  governo  provisório, 
que  assignalou  em  Minas  a  época  da  regeneração,  veiu  em 
1833  ganhar  novos  louros  e  conquistar  a  immorredoura  gra- 
tidão dos  mineiros. 

Tratava-se  de  combater  o  principio  retragrado,  e  por 
isso  eu  não  podia  ficar  neutral.  A'  voz  do  grande  cidadão, 
que  havia  assumido  em  S.  João  d'El-Rei  a  vice-presidencia, 
fiz-me  o  centro  do  movimento  no  Serro  e  marchei  comman- 
dando  uma  companhia  da  guarda  nacional  da  força  expedi- 
cionária, que  datli  foi  ao  Caethe,  e  que  não  custou  um  vintém 
de  despeza  ao  thesouro  publico. 

Os  serranos  não  tiverão  que  bater-se,  porque  durante 
a  sua  marcha  os  sediciosos  se  havião  rendido  ás  forças  da 
legalidade. 

Voltámos,  pois,  á  cara  pátria,  contentes  por  não  termos 
molhado  as  espadas  no  sangue  de  nossos  irmãos.  Trazíamos 
também  a  consciência  satisfeita,  não  só  por  termos  cumprido 
o  dever  que  nos  chamou  ás  armas,  como  porque  havíamos 
deixado  honrada  por  onde  passámos  a  severa  disciplina,  em 
que  caprichava  o  nosso  chefe,  o  Sr.  coronel  Faustino  Fran- 
cisco Branco,  e  a  generosidade  e  cavalheirismo  da  briosa 
guarda  nacional  serrana.  Em  prova  citarei  um  facto.  Es- 
tavão  compromettidos  na  sedição  os  meus  amigos,  os  Srs. 
Dr.  Jacintho  Rodrigues  Pereira  Reis,  coronel  José  de  Sá 
Bittencourt,  e  seus  illustres  irmãos,  os  quaes,  na  certeza,  que 
não  foi  iUudida,  de  que  no  acampamento  dos  serranos  livres 
serião  tratados  cavalheiramente,  caminharão  muitas  l^uas 
ao  nosso  encontro,  para  nos  honrarem  entregando-nos  de 
preferencia  as  suas  espadas. 


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A  CIRCULAR  DE  THliOPlIlLO  OTTOKI  33$ 

Terminada  a  expedição,  voltei  ao  meu  retiro,  onde  fui 
esperar  tranquillamente  o  resultado  da  reunião  da  camará 
constituinte  que  tinha  de  reformar  a  constituição. 

A  sedição  militar  do  Ouro-Preto  apparecêra  depois  de 
terem  sido  feitas  as  eleições  para  a  camará  constituinte.  E 
não  tinha  havido  logar  na  deputação  de  Minas  para  o  re- 
dactor da  Sentinella  do  Serro,  que  havia'  sido  na  província 
o  primeiro  arauto  da  reforma  ! 

Mas  de  ninguém  podia  eu  dizer  que  me  houvesse  atrai- 
çoado, porque  nesse  anno  não  troquei  palavra  acerca  de 
eleições  com  potestade  alguma. 

O  meu  nome  foi  arredado  das  umas  sob  o  falso  pre- 
texto de  falta  de  idade  legal,  e  pelo  motivo  real  de  não  ser 
eu  maleável  á  vontade  dos  chefes:  fiquei  entre  os  supplentes. 

Nem  por  se  me  haver  desviado  do  congresso  constituinte 
deixei  de  applaudir  as  suas  deliberações. 

Ao  contrario,  foi  com  grande  enthusiasmo  que  vi  con- 
signado no  acto  addicional,  e  conseguintemente  fazenda  parte 
da  constituição  do  império,  o  programma  que  três  annos  antes 
eu  havia  offerecido  á  consideração  publica  em  o  n.  43  da 
Sentinella  do  Serro,  que  já  transcrevi  nesta  carta. 

Das  três  bases  propostas  por  mim  só  não  tinha  vingado 
a  abolição  da  vitalidade  do  senado,  que  aliás  fora  regei- 
tada  pela  maioria  de  um  voto  apenas  em  sessão  promíscua 
da  assembléa  geral  legislativa. 

Os  conselhos  geraes  de  província  estavão  convertidos  em 
assembléas  legislativas  com  amplas  faculdades. 

A  suppressão  do  conselho  de  estado  vitalício  era  também 
um  grande  triumpho  da  idéa  liberal,  pois  que  annullava  era 
sua  essência  o  poder  moderador,  causa  de  tantas  apprehensões 
durante  o  primeiro  reinado. 


ed'b'yGOOgle 


o  poder  modarador 

Rehabilitado  por  unia  lei  inconstitucional,  a  do  conselho 
de  estado,  o  poder  moderador  resurgiu  com  pretçnçòcs  que 
ninguém  se  atreveu  a  cmprestar-lhe  no  primeiro  reinado, 
quando  era  um  poder  constitucional. 

Sophiamando  a  constituição,  pretende-se  lioje  que  não 
ha  responsabilidade  para  os  actos  do  poder  moderador,  e 
que  o  poder  moderador,  filho  do  direito  divino,  não  tem  no 
exercício  de  suas  funcções  outra  sancção  senão  o  foro  interno, 
para  não  dizer  o  capricho"  da  prestigiosa  individualidade  a 
quem  é  delegado. 

Assim  se  tem  ousado  affirmar  na  imprensa  e  no  parla- 
mento. 

Questão  tão  ímiHJrtante  que  vejo  nella  compromettido  se- 
riamente o  systema  constitucional. 

Por  isso  desculpareis  se,  cortando  o  fio  da  narração  que 
ia  escrevendo,  acerca  da  promulgação  do  acto  addicional,  eu 
me  antícipo  a  explicar-vos  o  modo  por  que  tenho  encarado 
sempre  o  poder  moderador  e  o  exercício  de  suas  funcções. 

Sonharão  alguns  políticos  em  seus  devaneios  especulativos 
a  creação  de  um  quarto  poder,  que  associassem  á  trindade 
orthodoxa  do  systema  constitucional :  —  poder  legislativo, 
executivo,  judiciário. 

Esse  poder  neutro  foi  introduzido  em  a  nossa  consti- 
tuição com  o  nome  de  poder  moderador. 

Era  unia  variante  de  certa  entidade  que  no  seu  projecto 
de  constituição  do  18  brumairc  Syees  inventara  com  o  nome 
de  —  grande  eleitor  —  e  que  Napoleão  annullou  com  o  ridí- 
culo de  uma  palavra  —  «O  vosso  grande  eleitor,  disse  Napo- 
leão a  Syees,  é  um  —  grand  cachou  » . 


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A  CmcULAB  DE  THEOrniLO  OTTONI  Í2f 

Morto  em  embrião  pelo  epigramma  do  i*  cônsul,  em  vão 
Benjamin  Constant  com  o  seu  talento  esforçou-se  por  tirar 
o  poder  neutro  dos  domínios  da  ideologia. 

Intercalado  cncapotadamente  no  art.  14  da  carta  de 
Luiz  XVIII,  succumbiu  com  a  revolução  de  julho,  de  que 
foi  pelo  menos  a  causa  occasional. 

Admittido  na  constituição  brasileira,  talvez,  na  intenção 
de  quem  o  iniciou,  o  poder  moderador  devesse  ficar  envol- 
vido nos  limbos  da  legitimidade,  para  ser  oppOrtunamente 
paraphrascado,  como  a  parábola  do  art,  14  da  charta  franceza 
o  foi  com  o  commentario  das  ordenanças  de  julho. 

Mas  o  bom  génio  que  presidiu  á  redacção  do  nosso  pacto 
fundamental  traduziu  a  parábola  em  linguagem  constitucional, 
definiu  o  poder  que  creava,  e  cortou  os  herpes  á  monomania 
absolutista.  Estudemos  na  constituição  o  poder  moderador  (*). 

Considerado  somente  no  art,  98,  o  poder  moderador  é 
tão  nominal  como  o  titulo  de  defensor  perpetuo  que  o  art.  100 
dá  ao  imperador.  , 

Com  effeito,  o  art.  98  não  encerra  attribuições  ou  pre- 
ceitos definidos,  [>orém  sim  meras  apreciações  do  que  o  poder 
moderador  fica  sendo,  com  as  attribuições  e  faculdades  que 
lhe  são  conferidas  em  outra  parte. 

Eis  as  palavras  do  art.  98: 

<  O  poder  moderador  é  a  chave  de  toda  a  organisaçáo 
politica  e  é  delegado  privativamente  ao  imperador,  como  chefe 
supremo  da  nação  e  seu  primeiro  representante,  para  que 
incessantemente  vele  sobre  a  manutenção  da  independência, 
harmonia  e  equilíbrio  dos  outros  poderes  políticos.  * 

A  legislação  constitucional,  mais  ainda  do  que  a  ordi- 
nária, deve  ser  precisa  em  sua  expressão  e  conter  somente 
regras  e  preceitos  claramente  definidos. 

Apreciações  abstractas  como  a  do  art.  98  são  mal  ca- 
bidas em  uma  lei  qualquer,  e  com  mais  forte  razão  no  pacto 
fundamental. 


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338  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Mas  é  evidente  que,  separadas  das  regras  e  prescripções 
segundo  as  quaes  o  poder  moderador  tem  de  manter  a  inde- 
pendência, liarmonia  e  equilibrio  dos  outros  poderes,  as  pa- 
lavras do  art.  98  nada  significão. 

São,  quando  muito,  como  o  cousiderandum  de  uma  lei,  ou 
os  fins  que  teve  em  mira  o  legislador,  os  quaes,  se  não  forão 
transportados  para  o  texto  da  lei,  não  podem  ser  tomados  em 
consideração  pe)o  executor. 

Se  attendermos  somente  ao  art.  98,  o  imperador  é  a  chave 
da  organisa<;ão  politica,  do  mesmo  modo  que  pelo  art.  100 
é  o  defensor  perpetuo  do  Brasil. 

São  títulos  e  apreciações  que  demonstrão  a  impor- 
tância de  que  o  legislador  constituinte  quiz  rodear  o  mo- 
narcha.  Nada  mais. 

Só  em  tempos  revolucionários,  e  porque  a  victoria  sanc- 
cionou  o  arrojo,  pôde  o  titulo  de  defensor  perpetuo  I^itimar, 
por  exemplo,  a  dissolução  da  constituinte. 

Somente  em  éfiocas  e  condições  análogas  poderá  o  poder 
moderador  apoiar-se  no  art.  98  para  praticar  por  sua  conta 
e  risco,  a  pretexto  de  ser  a  chave  da  organisação  politica,  qual- 
quer acto  que  não  esteja  expressamente  autorisado  por  outra 
disposição  constitucional. 

Moderador,  defensor  perpetuo,  chave  da  organisação  po- 
litica, são  palavras  sesquipedaes,  que  as  vezes  teem  préstimo 
nas  circumstancias  em  que  são  inventadas,  e  que  são  nullas 
em  tempos  normaes. 

O  art .  98  é  da  mesma  lavra  que  as  íntrucções  eleitoraes 
de  1824. 

<  O  eleitor,  dizia  um  dos  artigos,  não  deve  ter  a  mais 
leve  sombra  de  suspeita  de  inimizade  á  causa  do  Brasil.  » 
Sempre  se  entendeu  que  taes  palavras  erão  simples  adver- 
tência aos  votantes,  para  que  attentassem  na  importância  do 
eleitorado. 

As  únicas  condições  legaes  de  idoneidade  eleitoral  con- 
siderou-se  sempre  que  erão  aquellas  que  estavão  expres- 
samente definidas  na  constituição. 

O  titulo  de  defensor  perpetuo  ficou  sem  duvida  na 
região  das  palavras  sesquipedaes,  de  que  acabo  de  fallar,  e  só 

i.,CoojjíIc 


A  CTRCULAR  BE  TIIEOPHILO  OTTONl  239 

merece  nossos  respeitos  como  uma  designação  de  honra  dada 
pela  constituição  ao  chefe  do  estado. 

Dahi  não  passaria  o  poder  moderador  se  fosse  contem- 
plado somente  no  art.  98  da  constitui<;ão. 

Mas,  cumpre  confessa-lo,  o  poder  moderador  passou  da 
região  das  abstracções  para  a  do  positivismo. 

No  art.  lOi  e  no  capitulo  relativo  ao  conselho  de  estado 
estão  consagradas  em  termos  precisos  as  suas  attribuJçÕes  e 
meios  de  acção. 

No  art.  lOl  vêm  especificadas  uma  por  uma  as  attrí- 
butções  cujo  complexo  constitue  o  poder  moderador,  ç  que 
lhe  dão  os  meios  para  ser  a  chave  da  nossa  organisação 
política.  Fora  das  faculdades  que  o  art.  lOi  lhe  concede, 
nada  absolutamente  pode  o  poder  moderador. 

O  art.  lOi  seria  uma  excrescência  se  o  art.  98  desse 
quaesquer  outros  attributos  ao  monarcha,  pois  que,  se  os 
desse,  pela  generalidade  em  que  é  concebido,  a  concessão  com- 
prehenderia  os  attributos  que  estão  no  art.  loi  e  outros 
quaesquer. 

Tudo  quanto  ao  juizo  do  monarcha  se  tornasse  necessário 
para  restabelecer  a  independência,  harmonia  e  equilibrio  dos 
outros  poderes  sempre  que  Sua  Magestade  julgasse  estar 
perturbada  essa  independência,  harmonia  e  equilibrio  estaria 
no  art.  98. 

Oh  (  que  se  assim  fosse  nunca  o  poder  moderador  acharia 
lacunas  no  capitulo  de  suas  attribuiçÕes^  nunca  reputaria 
manca  a  constituição,  nem  lhe  chamaria,  como  Napoleão  ál 
do  directório :  —  Tola  constituição  ! 

Não  o  é  a  nossa,  e  ao  contrario  muito  sabia,  porque  con- 
sagrou em  todas  as  suas  disposições  a  divisão  e  harmonia 
dos  poderes  políticos,  conforme  a  bella  these  do  art.  9.' 

O  art.  142  é  a  chave  do  art.  101.  Estou  suppondo  exis- 
tente o  conselho  de  estado,  supprimido  pelo  art,  32  do  acto 
addicional. 

A  audiência  do  conselho  de  estado,  como  ahi  se  vè,  é 
obrigatória,  salvo  para  a  nomeação  dos  ministros,  em  todos 
os  casos  em  que  tenha  de  ser  exercida  qualquer  das  funcções 
consagradas  no  art.  lOi. 


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230  HEVISTA  DO  mSTlTCTO  HISTÓRICO 

E  logo  em  seguida  no  art.  143  se  declara  que  os  conse- 
Iheirps  são  responsáveis  pelos  conselhos  que  derem. 

Logo,  os  conselheiros  podem  aconselhar  o  crime,  e  o 
crime  aconselhado  pôde  eslar  nos  actos  do  poder  moderador. 

Castigo  para  o  conselho  e  impunidade  para  o  crime  com- 
mettido  por  virtude  do  mesmo  conselho  são  idéas  que  se  re- 
pellem  e  contrariào  todos  os  princípios  de  justiça. 

The  king  cannol  do  wrong,  dir-se-me-ha. 

Bem  sei  que  esse  é  um  dos  dc^;mas  da  monarchia  con- 
stitucional. 

E  não  tenho  a  menor  duvida  que  dahi  se  derive  a  irres- 
ponsabilidade da  pessoa  real.  «  Mas  o  principio  the  king  cannol 
do  wrong,  sobre  que  se  funda  a  irresponsabilidade,  diz  um 
cscriptor,  só  é  racional  subentendidas  estas  palavras :  —  Be' 
cause  he  does  nolhing». 

A  ficção  diz  somente  que  o  rei  não  pôde  fazer  mal,  e 
que,  portanto,  é  irresponsável. 

Não  diz  que  o  erro  ou  crime  não  possão  estar  nos  actos 
promulgados  em  nome  do  rei. 

Nem  a  constituição  o  ixideria  admittir,  porque  suppõe  a 
possibilidade  do  crime  no  conselho. 

E,  se  houve  crime  no  conselho,  não  pôde  deixar  de  ha- 
ve-lo  na  execução  do  conselho  criminoso. 

E  como,  segundo  a  ficção,  o  rei  não  pôde  fazer  mal,  é 
preciso  que  ao  lado  da  irresponsabilidade  real  esteja  sempre 
a  responsabilidade  de  um  executor. 

E'  outro  dogma,  sem  o  qual  a  ficção  constitucional  fora 
o  maior  dos  escarneos  ao  bom  senso. 

Pelo  mal,  que  pôde  estar  nos  actos  do  rei,  é  responsável 
quem  lhe  deu  o  cunho  da  exequibilidade. 

Não  ha  sophismas  e  filagranas  que  possão  contrariar 
esta  theoria. 

A  constituição  suppo-la,  porque  é  congénita  com  o  sys- 
tema,  e  consagrou  no  seu  texto  esta  supposição.' 

Occasional  mente,  quando  decretou  nos  arts.  69  g  70  o 
formulário  para  a  publicação  das  leis,  menciona  c  declara 
indeclinável  a  necessidade  da  referenda. 

Mal  cuidavão  os  legisladores  constituintes  que  no  Brasil 


U;    ZK:|-.yCOOgIC 


A  CmCOLAR  DE  TKEOPHILO  OTTONi  831 

A  constituição  suppo-la,  porque  é  congénita  com  o  sys- 
tema  constitucional  referenda  sem  responsabilidade. 

E  que  rebaixassem  os  ministros  de  estado  a  notários  pú- 
blicos, que  na  referenda  dos  actos  do  poder  moderador  nada 
fazem  senão  portar  por  fé  que  ta!  é  a  vontade  de  seu  au- 
gusto amo. 

Tal  direito  publico  é  o  da  Turquia:  lá  com  ef feito,  por 
virtude  da  constituição,  a  referenda  do  ministro  significa 
somente  que  no  serralho  se  decretou  como  está  escripto  no 
documento  assignado. 

Resta  definir  a  parte  que  tem  o  conselho  de  estado  nas 
funcções  do  poder  moderador. 

Quem  se  der  ao  trabalho  de  ler  as  discussões  do  acto 
addicional  reconhecerá  que  a  camará  constituinte  compre- 
hcndia  perfeitamente  a  intima  ligação  que  se  dava  entre  o 
poder  moderador  e  o  conselho  de  estado,  que  ficou  suppri- 
mido  pelo  art.  32. 

Demonstrada  a  responsabilidade  dos  ministros  pelos 
actos  do  poder  moderador,  as  funcções  deste  só  differião, 
antes  da  abolição  do  velho  conselho  de  estado,  das  funcções 
do  poder  executivo  em  um  único  ponto,  e  vem  a  ser,  que  a 
audiência  do  conselho  de  estado  era  obrigatória  sempre  que 
funccionava  o  poder  moderador,  excepto  no  caso  da  nomeação 
dos  ministros. 

Dahi  resulta  que  necessariamente  a  responsabilidade  pelos 
actos  do  poder  moderador  tinha  de  repartir-se  entre  os  mi- 
nistros e  os  conselheiros  de  estado,  emquanto  o  poder  exe- 
cutivo propriamente  dito  ficava  livre  para  obrar  por  si  e  só 
com  a  responsabilidade  ministerial. 

Não  vejo  na  constituição  outra  distincção. 

Mas  a  responsabilidade  dividida  entre  os  ministros  e  con- 
selheiros de  estado  se  enfraquece,  e  torna  menos  effectivas 
as  garantias  do  paiz  e  os  direitos  individuaes. 

Demais,  o  conselho  de  estado  vitalicio,  senhor  daa  tra- 
dições do  governo,  cônscio  da  importância  de  sua  posição, 
deve  perennemente  predominar  sobre  o  ministério. 

Eu  acredito  e  cuido  que  assim  se  pensava  em  1834,  que 
toda  a  vantagem  está  na  idéa  contraria.  Parece-me  que  os 


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33»  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

ministros  devem  ser  especialmente  feitura  da  camará  tem- 
porária, receber  as  inspirações  bebidas  na  eleição  popular. 

O  conselho  de  estado  vitalício,  creatura  e  auxiliar  nato 
do  poder  moderador,  estará  sempre  em  desconfiança  contra 
os  representantes  immediatos  do  povo, 

O  senado  vitalicio,  que  é  essencialmente  estacionário,  fica 
reforçado  em  extremo  com  a  existência  de  um  conselho  de 
estado  vitalicio.  Apoiar-se-hão  reciprocamente,  e  a  communhão 
de  interesses  facilmente  se  estabelecerá  entre  as  duas  corpo- 
rações. 

Para  isso  não  será  preciso  que  os  senadores  accumulem 
as  funcções  de  conselheiros  de  estado,  como  actualmente,  que 
de  dezesete  membros  do  conselho  de  estado  quinze  são  sena- 
dores. 

Com  as  duas  corporações  assim  organisadas  todo  o  mi- 
nistério que  não  esteja  filiado  na  confraria  vitalícia  é 
impossível. 

E  todo  o  progresso  igualmente. 

Abolido  o  conselho  de  estado,  os  ministros,  mais  des- 
assombrados em  presença  do  senado,  se  ínspirarião  e  se 
apoiarião  na  seiva  de  uma  camará  popular,  renovada  perio- 
dicamente, e  assim  poderião  mais  facilmente  levar  á  legis- 
lação as  reformas  que  houvessem  amadurecido  no  seio  da 
nação. 

Abolido  o  conselho  de  estado,  ficavão  os  ministros  res- 
ponsáveis únicos  pelos  actos  do  poder  moderador.  E,  depen- 
dentes os  seus  actos  da  referenda  ministerial,  sem  outro 
influxo  estranho,  estavão  o  poder  moderador  e  as  suas  attri- 
buições  suave  e  naturalmente  absorvidos  pelo  poder  executivo. 

Eis  ahi  as  razões  por  que  sempre  entendi  que  o  art.  32 
do  acto  addicional  fora  um  magnifido  triumpho  da  tdéa 
liberal,  e  que  annullava  em  sua  essência  o  poder  moderador. 

No  entanto  essa  conquista  nos  foi  confiscada  pela  lei 
inconstitucional  que  restaurou  o  conselho  de  estado.  Posso, 
para  assim  qualificar  a  lei  que  restaurou  o  conselho  de  estado, 
apoiar-me  na  prestigiosa  autoridade  do  Sr.  Carneiro  Leão, 
marquez  de  Paraná'. 

Na  sessão  de  19  de  maio  de  1840  S.  Ex.  fulminou,  como 
se  pôde  ver  no  Jornal  do  Commercio,  a  creação  de  estado  vi- 


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A  CIRCULAR  m  THEOPRILO  OTTOKI  233 

taltcio,  comparando  a  instituição  com  o  conselho  dos  dez 
em  Veneza,  e  provando  a  inconstitucionalidade  de  tal  creação. 

No  entanto  o  conselho  de  estado  foi  restaurado  vitalício, 
sendo  facultativa  a  sua  audiência,  circumstancia  que  dtminue 
as  garantias  e  augmenta  os  perigos  da  instituição. 

O  conselho  de  estado  vitalício,  convertido  em  conselho 
veneziano  dos  dez,  como  temia  o  Sr.  Carneiro  Leão,  pôde 
com  a  consulta  facultativa  prolongar  indefinidamente  o  seu 
dominio  sem  a  menor  sombra  de  responsabilidade. 

Fica  atrás  da  cortina,  e  colloca  no  ministério  os  seus 
instrumentos 


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[Tesio  e  regresso.  —  Origem  e  fins  da  ollgarchia 

1834  saudei  a  abolição  do  conselho  de  estado,  bem 
outras  disposições  do  acto  addlcional. 
cto  addicioiíal  era  no  meu  entender  uma  victoria  me- 
da democracia  pacifica. 

Fosse  lealmente  executado,  eu  pensava  que  o  systema 
tativo  se  tornaria  entre  nós  uma  realidade,  que  devia 
os  annos  satisfazer  as  aspirações  dos  amigos  da  li- 

[iie,  acasteltados  em  tão  bellõ  reducto,  mais  devião 

es  confiar  no  progresso  da  razão  publica  do  que  nas 

olucionarias. 

a  só  apprebciisão  me  incommodava. 

cto  addicional  era  um  penhor  de  alliança  que  aos  li- 

lais  adiantados  offerecião  os  estadistas  moderados, 

da  situação. 

entanto  a  concessão  tinha  sido  arrancada,  não  ás 
es,  mas  ao  medo. 

ectivamente  as  reformas  constitucionaes  forão  decre- 
12  de  agosto  de  1834. 
mulgárão-se  porque  os  estadistas  que  dominavão  a 

tcmião  o  duque  de  Bragança. 

lião-o,  porque    elle,    se  fosse    restaurado,  havia  de 

governar,  e  era  provável  que  chamasse  para  os  seus 

s,  antes  os  que  lhe  tinhâo  dado  provas  de  dedicação, 

iquelles  que  havião  decretado  o  seu  banimento. 

uque  de  Bragança  fallcceu  a  24  de  setembro  de  1834. 

este  facto  se  tivesse  dado  quatro  mezes  antes  não 

-ido  reforma  constitucional. 

istadistas  senhores  da  situação,  se  mais  cedo  se  vissem 

>  pesadelo  em  que  os  trazia  D,  Pedro,  se  soubessem 


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A  CIRCULAR  DE  THM>PHn.O  OTTONI  335 

mais  a  tempo  que  se  podião  constituir  vice-reis  durante  a 
menoridade,  se  vissem  diante  de  si  a  perspectiva  de  serem 
depois  da  menoridade  proclamados  Césares,  e  associados  ao 
império  mesmo  sob  o  reinado  do  Sr.  D.  Pedro  II  maior, — 
oh  !  por  sem  duvida  nada  terião  cedido  ao  principio  liberal, 
e  desde  logo  se  terião  constituido  os  mantenedores  do  prin- 
cipio da  autoridade. 

As  reformas  conslitucionaes  terião  fih^ado  á  margem, 
como  aspirações  chimericas  de  senhoradores  politicos,  se  não 
como    projecto    tenebroso    de    revolucionários    anarcbistas. 

Assim  ficarião  desde  logo  qualificados  os  Feijó,  os  Paula 
Souza,  e  alguns  outros  ursos,  que  não  teem  sabido  compre- 
hender  quantas  vantagens  e  gozos  em  unia  monarchia  como 
a  do  Brasil  poderião  ter  colhido  para  si  e  para  os  seus,  arvo- 
rando-se  também  em  donatários  irresponsáveis. 

Mas  em  fim  o  acto  addicional  foi  proclamado  durante 
as  exéquias  do  duque  de  Bragani;a. 

Dessa  circumstancia  nasceu  que  simultaneamente  se  de- 
lineassem as  feições  dos  partidos  do  segundo  reinado. 

Um  grupo  de  ambiciosos  formou  desde  então  essa  oli- 
garchia  famosa,  que  no  ministério  ou  fora  delle  tem  sido  o 
primeiro  poder  no  presente  reinado,  e  que  se]>arando-se  dos 
simplórios  que  querião  ainda  tomar  ao  serio  a  revolução  de  7 
de  abril  e  as  garantias  dos  cidadãos,  avassallárão  ministérios, 
regentes,  regências  e  a  própria  magestade. 

Neste  comenos,  eleito  deputado  provincial  sem  a  menor 
solicitação  minha,  fui  defender  na  assembléa  todas  as  vir- 
gulas desse  famoso  palladium.  que  ainda  hoje  pôde  ser  a 
taboa  da  salvação  do  Brasil. 

Conhecido  na  tribuna  provincial  ao  menos  pelo  zelo  com 
que  procurava  preencher  os  meus  deveres,  tendo  deixado  no 
livro  da  lei  mineira  vestígios  de  minha  dedicação  aos  inte- 
resses da  província,  tendo-me  cabido  a  gloria  de  haver  lutado 
com  athletas  como  Bernardo  Pereira  de  Vasconcellos,  pcr- 
mittir-se-me-lia  a  persuasão  de  que  não  foi  sem  titulos  que 
cm  1836  obtive  uma  cadeira  na  camará  quatríennal  da  quarta 
legislatura. 

Quando  em  183S  appareci  como  deputado  a  situação  era 
das  mais  difficeis. 


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336  REVISTA  DO  INSTITUTO  tnSTORICO 

Diogo  António  Feijó,  homem  como  os  antigos  de  melhor 
tempera,  havia  desanimado  na  tarefa  que  aceitara  de  ensaiar 
lealmente  a  execução  do  acto  addicíonal. 

Fundidos  na  oligarchia  alguns  conservadores  eminentes 
do  primeiro  reinado,  a  reacção  corria  á  rédea  solta. 

O  que  andava  na  berra  era  a  seita  do  regresso,  pro- 
clamada em  Ímpeto  de  desculpável  despeito  por  uma  das 
maiores  illustrações  brasileiras. 

Foi  a  bandeira  a  cuja  sombra  os  oHgarchas  derrocarão 
os  monumentos  de  civilisação  e  de  progresso  que  os  patriotas 
do  primeiro  reinado  havião  erigido  na  legislação  do  paiz. 
E  o  talisman  com  que  conquistarão  e  teem  explorado  com 
privilegio  exclusivo  o  segundo  reinado. 

Era  ameaçadora'  á,  catadura  da  oligarchia  em    1838  I 
Entre  os  cardeaes  da  seita  tive  o  pezar  de  vir  encontrar 
ministro  da  marinha  o  meu  antigo  mestre  o  Sr,  Joaquim  José 
Rodrigues  Torres. 

Quantum  mulatus  ab  illo. 
■  O  ministério  de  19  de  setembro  apresentava-se  diante  das 
camarás  brilhante  de  talentos,  com  a  aureola  que  não  se 
lhe  podia  contestar  de  haver  conquistado  parlamentarmente 
as  pastas,  reforçado  pela  sancção  do  corpo  eleitoral,  que  aca- 
bava de  elevar  â  r^encia  o  ministro  do  império,  rico  de  pres- 
tígio pelo  facto  de  haver  abafado  na  Bahia  uma  revolta 
perigosa,  aliás  insuflada  por  amigos  do  ministério  antes  da 
conquista  do  poder,  armado  com  a  força  que  lhe  dava  a  escola 
da  autoridade,  que,  arredada  oito  annos  da  scena  politica,  nella 
entrava  remoçada. 

Um  dos  symbolos  do  novo  credo  era  a  reforma  do  acto 
addicional,  que  já  havia  sido  proposta  a  titulo  de  interpretação. 
Minhas  convicções  e  meus  antecedentes  indicavão  suffi- 
cientemente  qual  seria  o  meu  logar  no  parlamento. 

A  verdade  do  acto  addicional,  —  eis  o  meu  prc^ramma: 
a  defesa  dos  opprimidos,  que  os  havia  numerosos,  e  a  eco- 
nomia na  distribuição  do  suor  dos  contribuintes,  —  eis  a 
missão  que  tomei  sobre  meus  débeis  hombros, 
O  combate  travou-se  no  voto  de  graças. 
Acerca  do  acto  addicional  ahí  vai  o  que  a  commissãó  - 
propoz  e  foi  approvado  que  se  dissesse  ao  throno. 


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A^CIRCULAR  DE  TIIEOPUILO  OTTONI  337 

Depois  de  estasiar-se  pela  victoria  da  Bahia  e  de  applaudir 
o  vigor  da  autoridade,  cujas  sanguinolentas  demasias  tinhão 
afeiado  o  triumpho  da  legalidade,  dizia  o  projecto  de  resposta 
á  falia  do  throno  proposta  pela  coniniissão  e  approvada  pela 
camará: 

<  A  camará  dos  deputados  está  firmemente  decidida  a 
sustentar  na  sua  essência  a  lei  constitucional  de  12  de  agosto 
de  1834,  que  reformou  alguns  artigos  da  constituição  do  im- 
pério, como  consequência  necessária  do  principio  de  justiça, 
que  exige  se  dê  ás  províncias  todos  os  meios  de  recursos  pro- 
vinciaes  que  não  podem  deixar  de  existir  dentro  delias :  reco- 
nkecendo   todavia  que  a   mesma  lei  tem  suscitado  duvidas 
graves  e  gerado  conflictos  perigosos  á  paz  do  império,  pelos 
termos  vagos,  obscuros  e  inexactos  com  que  forâo  redigidas 
algumas  de  suas  disposições,  trabalhará  por  esclarecer  o  que 
ha  de  obscuro,  precisar  o  que  existe  de  vago,  e  por  fazer 
desapparecer,  peJas  regras  de  uma  sã  hermenêutica,  qualquer 
intelligencia  que  pareça  estar  em  contradicção  com  o  rigor  dos 
nossos  princípios  constitucionaes,  afim  de  que  esse  acto,  de 
vital  esperança   para  o   Brasil,   possa  produzir  os   salutares 
benefícios  que  teve  em  vista  a  sabedoria  que  o  ditou.  > 
(/ornai  do  Commercio  de  9  de  maio  de  1838) 
Propuz  a  seguinte  emenda,  que  copio  do  mesmo  jornal: 
c   A  camará,  Senhor,  confia  que  o  prt^resso  da  razão 
publica,  ajudado  por  uma  administração,  firme,  liberal  e  pru- 
dente, severa  com  o  crime  e  indulgente  com  o  erro,  acalmará 
a  violência  das  paixões  e  firmará  a  obediência  legal  £'  prin- 
cipalmente da  escolha  de  delegados  esclarecidos  e  fieis  que 
muito  depende  a  ascendência  moral  do  governo  nas  províncias. 
O  Brasil  quer  o  desenvolvimento  progressivo  das  instituições 
constitucionaes,  quer  ver  respeitados  todos  os  direitos  e  cum- 
pridos com  fidelidade  todos  os  deveres.  O  Brasil,  Senhor, 
ama  a  liberdade  e  à  ordem.  A  camará  dos  deputados,  fiel 
aos  seus  juramentos,  está  firmemente  decidida  a  sustentar 
o  acto  addicionai,  hoje  parte  integrante  da  constituição  do 
estado,  e  não  se  recusará,  Senhor,  a  fixar  a  intelligencia  de 
algum   artigo   delle,   quando,   depois   de   maduro   exame,   se 
convencer  ser  duvidoso  o  seu  litteral  sentido. 


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IlEVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

do  deplorável  da  fazenda  publica  e  da  circulação 
erecerá  da  camará  o  mais  rigoroso  exame,  e  as 

que  lhe  parecerem  adequadas  ao  seu  tão  indis- 
Ihoramento.  Nenhuma  medida  porém.  Senhor, 
1  sem  que  os  ministros  de  Vossa  Magestade  Im- 
lo-se  ao  voto  geral  da  nação,  e  convencidos  da 
ie  uma  severa  e  intelligeute  economia  na  gestão 
s  nacionaes,  limitem  as  despezas  publicas  ás 
irias,  e  tomem  a  iniciativa  em  todas  as  reducções 
nerando-se  em  fazer  com  que  a  arrecadação  de 

seja  negligenciada. » 

enda,  eu  a  justifiquei,  conforme  se  vé  do  seguinte 
:  vou  transcrever  do  Jornal  do  Commerào  de  29 

1  mesmo  anno : 

Otixjni  —  Passando  a  tratar  da  resposta  ao 
lo  da  falia  do  throno,  o  orador  diz  que  procurara 
eJatorio  do  Sr.  ministro  da  justiça  quaes  crão 
traves  que  se  liSo  suscitado  sobre  a  lei  consti- 

2  de  agosto  de  1834,  mas  que  S.  Ex.  ahi  nada 
respeito,  o  que  o  orador  espera  que  S.  Ex.  faça 
ão. 

;  satisfaz  com  o  período  da  commissão,  ainda  com 
da  palavra  —  essência — ,  a  qual  realmente  lhe 
na  sensação,  e  que  podia  ter  uma  significação 

perigosa. 
i  que  o  art.  25  do  acto  addicional  somente  au- 
5  legislativo  para  resolver  quando  occorra  alguma 
;  um  ou  outro  artigo:  assim,  emquanto  do- 
ticiaes  nào  apparecerem  mostrando  que  se  teem 
'idas,  não  podem  passar  no  corpo  legislativo  reso- 
ías  á  inteiligencia  do  acto  addicional.  Observa 
;cies  lia  de  interpretação,  a  grammatíca  ou  lógica, 
a.  Guiado  pelo  art.  25  do  acto  addicional,  é  sua 

0  ix)der  constituinte  não  teve  em  vista  outra 
dar  ao  poder  legislativo  o  direito  de  quando 

itelligencias  differentes  em  diversas  assembléas 

1  seja  a  verdadeira,  isto  é,  qual  era  o  sentido 
nimatical  do  artigo  duvidoso;  que,  pois,  não  se 
nterpretação  que  se  chama  authentica,  por  meio 


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A  CIRCULAR  DE  THEOPItlLO  OTTONÍ  33<) 

da  qual  se  podem  insinuar  modificações  na  legislação  ante- 
rior, co!locando-se  o  que  interpreta  na  posição  do  que  legislou. 

«  Parece-lhe  que  a  illustre  commissão  no  seu  periodo  pro- 
mette  interpretar  reformando.  Tudo  quanto  tender  a  modi- 
ficar os  princípios  constitucionaes  que  são  garantidos  no  acto 
addicional  é  uma  reforma  que  está  fora  da  esphera  do  poder 
ordinário  e  não  pôde  ser  decretado  senão  por  um  poder  con- 
stituinte competentemente  autorisado.  Se  algumas  das  dis- 
posições do  acto  addicional  prejudicão,  entendidas  no  seu  . 
sentido  lógico  c  gramm atiçai,  ao  que  a  commissão  chama 
princípios  constitucionaes,  então  não  compete  ao  corpo  legis- 
lativo ordinário  senão,  referindo-se  ao  art.  174  da  constituição, 
decretar  que  os  eleitores  da  legislatura  seguinte  autorisent 
os  deputados  para  esta  reforma.  O  orador  julga  esta  questão 
de  summa  transcendência  e  expõe  as  funestas  consequências 
que  podem  resultar  se  se  entender  que,  pela  faculdade  de 
interpretar  expHcando-se  no  sentido  lógico  e  grammatical, 
pôde  se  estender  o  direito  de  interpretação.  » 

Durante  a  discussão  do  voto  de  graças  a  emenda  em 
que  eu  consagrava  como  artigo  de  fé  a  fidelidade  aos  prin- 
cípios do  acto  addicional  foi  rirticularisada  por  uma  maioria 
que  se  dizia  brasileira;  mas  tive  a  gloria  de  vè-la  elevada  ás 
alturas  de  um  programma  politico  —  proclamada  como  sym- 
bolo  e  bandeira  de  opposiçáo  —  adoptada  e  eloquentemente 
defendida  pelos  Montezuma,  Limpo  e  Alvares  Machado. 

Se  não  me  engano,  foi  o  Exm.  Sr.  Montezuma,  hoje 
visconde  de  Jequitinhonha,  quem  deu  ao  nosso  symbolo  o 
nome,  que  largos  annos  conservou,  de  —  uandeira  das  tkan- 

(jrEZAS    PROVINCIAES. 

Democrata  constitucional,  eu  procurei  combater  cora 
toda  a  energia  da  minha  natureza  o  orientatÍswx>  da  corte,  que, 
para  dar  arrhas  do  seu  recente  monarchísmo,  havíão  os  oli- 
garchas  restaurado. 

Um  dos  penhores  que  de  sua  conversão  haviáo  offe- 
recido  os  novos  ministros  fora  o  restabelecimento  do  beija- 
mão,  que  estava  era  desuso  durante  a  menoridade. 

Censurando  uma  tal  resurreição,  eu  qualifiquei  o  beija- 
mão  como  um  acto  indigno  do  cidadão  livre.. 


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Í4P  REVISTA  DO  INSTITUTO  lUSTOIUCO 

Este  incidente  de  um  dos  meus  discursos  deu  occasião 
a  uma  scena  de  que  dou  idéa  na  correspondência  que  vou 
reproduzir,  e  que  foi  publicada  no  Jornal  do  Commercio  de 
6  de  fevereiro  de  1857: 

os   MONAftCUISTAS 

«  Na  ausência  do  Sr.  Christiano  Benedicto  Ottoni,  que 
actualmente  viaja  inspeccionando  os  traballras  do  alinhamento 
da  estrada  de  ferro  de  Pedro  II,  não  posso  deixar  passar 
desapercebida  a  publicação  a  pedido  do  Jornal  do  Commercio 
de  hoje,  na  qual  um  Sr.  Monarchista  puro  exulta  de  pra:;er, 
a  pretexto  de  haver  o  Sr.  C.  B.  Ottoni  ultimamente  beijado 
a  mão  a  Sua  Magestade  o  Imperador;  e,  attribuindo  este 
procedimento  presente  ao  amadurecimento  da  idade,  comme- 
mora  o  Sr.  Monarchista  puro  a  sabia  politica  do  fallecida 
marquez  de  Paraná. 

c  Começarei  repellindo  com  desprezo  a  insinuação  de 
que  o  procedimento  do  Sr,  C.  E.  Ottoni  em  qualquer  acto 
seu  de  deferência  para  com  o  chefe  da  nação  possa  ter  sido 
pautado  pela  sabia  politica  do  fallecído  marquez  de  Paraná. 

cO  Sr.  C.  B.  Ottoni  nunca  teve  outras  relações  com 
o  illustre  morto  senão  as  de  vice-presidente  da  directoria  da 
estrada  de  ferro  de  D.  Pedro  II,  como  presidente  do  conselho 
de  ministros,  em  duas  entrevistas  a  respeito  do  fundo  de 
reserva  da  companhia;  tendo  tido  o  Sr.  C.  B.  Ottoni  a 
felicidade  de  chamar  o  nobre  marquez  á  sua  opinião  em 
favor  da  creação  do  fundo  de  reserva,  sem  affectar  a  ga- 
rantia dos  7  %. 

<  Seria,  pois,  conveniente  que  o  Monarchista  puro  ex- 
plicasse como  é  que  a  politica  sabia  actuou  sobre  o  Sr.  C. 
B.   Ottoni, 

S  Os  que  teem  feito  fortuna  especulando  com  as  <fis- 
cordiãs  civis,  e  que  desejão  continuar  nesse  modo  de  vida, 
incommodar-se-hão  acaso  de  ver  o  Sr.  C.  B.  Ottoni  retirado 
das  lutas  politicas,  e  prestando,  com  o  auxilio  dos  seus  hon- 
rados collegas  da  directoria  da  estrada  de  ferro  de  D.  Pedro  II, 
relevantíssimos  serviços  ao  paiz?  Como  quer  que  seja,  in- 
formarei ao  Sr.  Monarchista  puro  que  o  Sr.  C.  B.  Ottoni 
desde  1839  tem  tido  muitas  vezes  a  honra  de  se  achar  perante 


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k  ClItCCLAR  DE  TIIEOPIULO  OTTONI  34I 

Sua  Magestade  o  Imperador,  c  que  o  sen  procedimento  pre- 
sente é  pautado  pelo  seu  procedi  meti  lo  anterior.  Em  1ÍÍ48, 
por  exemplo,  o  Sr.  C.  B.  Ottoni  foi  convidado  pelo  fallecido 
visconde  de  Macahé,  autorisado  por  Sua  Magestatlc  o  Im- 
perador, para  aceitar  a  pasta  da  fazenda  ou  da  marinha  no 
ministério  de  que  S.  Ex.  era  presidente.  O  convite  foi  dous 
dias  discutido  no  terreno  do  programnia  ministerial. 

«O  Sr.  C.  B.  Ottoni  só  entraria  para  o  ministério 
comi)romet tendo- se  os  seus  collegas  a  restituir  ás  asSeqibléas 
provinciaes  as  faculdades  de  que  forão  ellas  inconstitucio- 
nalmente esbulhadas,  a  pretexto  de  interpretação  do  acto 
addicional.  Ousou  propor  que  fossem  retirados  do  conselho 
de  estado  ordinário  os  mais  proeminentes  chefes  do  partido 
conser\ador,  afim  de  que  assim  reconhecesse  o  paiz  que  a 
coroa  depositava  a  necessária  confiança  nos  seus  conselheiros 
responsáveis.  As  condições  da  aceitação  da  pasta  da  fazenda 
ou  da  marinha,  sobre  que  não  se  pudera  chegar  a  accordo, 
forão  com  toda  a  lealdade  postas  por  escripto  e  entregues 
ao  fallecido  visconde,  pelo  qual  foi  o  documento  levado  á 
augusta  presença  de  Sua  Magestade  o  Imperador,  Resolvida 
constitucionalmente  a  não  entrada  do  Sr.  C.  B.  Ottoni  jwra 
o  ministério,  restava  a  S.  S.  o  dever  de  ir  apresentar  a  Sua 
Magestade  o  Imperador  a  homenagem  de  sua  gratidão  pela 
alta  confiança  com  que  Sua  Magestade  o  Imperador  o  havia 
honrado,  permíttindo  que  fosse  convidado  para  seu  conse- 
lheiro official. 

<  Nessa  audiência,  que  obteve,  o  procedimento  do  Sr.  C: 
B.  Ottoni  foi  igual  ao  procedimento  presente.  E  posso 
accrescentar,  estimando  muito  que  isso  dê  prazer  ao  Mo~ 
narchista  puro,  que  o  Sr.  C.  B.  Ottoni  se  retirou  da  pre- 
sença imperial  penhorado  pelo  gracioso  acolhimento  que  teve, 
dignando-se  Sua  Magestade  louva-lo  pela  escrupulosa  since- 
ridade do  seu  procedimento. 

«  Parte  do  que  tenho  referido  está  no  doniinio  publico, 
e  poT  isso  (fevo  crer  que  o  Sr.  Moiiarckista  paro-  nas  suas 
historias  de  beija-mão  pensou  dirigir-se  ao  individuo  que  ora 
escreve  este  artigo,  e  que  teve  a  infelicidade  de  censurar  na 
camará  dos  deputados  em  1S38  o  restabelecimento  do  beija- 
mão.   Não  será  esta  a  primeira  vez  que,  em  razão  da  feliz 


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342  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

solidariedade  que  entre  iiós  existe,  tenha  o  Sr.  C.  B.  Ottoni 
remido  os  meus  peccados . 

«  Considerando-me,  pois,  chamado  também  a  contas  pelo 
ST.Mortarchista  puro,  vou  ter  a  honra  de  explicar-me  sobre 
este  objecto. 

«  Na  sessão  de  lo  de  maio  de  1838,  impugnando  as  ten- 
dências retrogradas  do  ministério  de  19  de  setembro  de  1837, 
citei,  por  exemplo,  o  restabelecimento  do  beija-mão,  que 
estivera  em  desuso  durante  todo  o  tempo  da  menoridade, 
e  que  me  parecia,  como  ainda  hoje  me  parece,  um  uso  oriental 
impróprio  do  cidadão  de  um  paiz  livre. 

€  .^s  poucas  palavras  que  eu  disse  neste  sentido  forão 
abafadas  pelos  gritos  de  ordem  e  pelos  insultos  da  policia 
ou  do  partido  ministerial,  que  preponderava  nas  galerias. 
Bepelli  com  energia  tão  indecorosa  manifestação,  e,  offen- 
dido  em  meus  brios  e  dignidade,  julguei  que  devia  dar  prova 
da  sinceridade  das  minhas  opiniões  não  me  sujeitando  jamais 
ao  uso  que  uma  vei  e  tão  solemnemente  condemnára.  Affirmo 
ao  Sr.  Monarchista  puro  que  teiiho  sido  fiel  a  este  pro|x)sito. 
E,  tendo  tido  a  honra  de  comiiarecer  perante  Sua  Magestade 
o  Imperador,  já  como  vice-presidente  da  camará  dos  de- 
putados em  1847,  já  como  orador  da  deputação  que  em  nome 
da  camará  felicitou  a  Sua  Magestade  o  Imperador  pelo 
nascimento  de  Sua  Alteza  o  principe  imperial,  e  já  como 
particular,  tenho  consciência  de  que  em  minhas  palavras  e 
no  meu  procedimento  tenho  sabido  conciliar  a  digniifade  da 
minha  iwsição  com  o  acatamento  devido  a  tão  augusta  pessoa, 
que,  com  os  sentimentos  elevados  que  lhe  são  conhecidos, 
não  é  iwssivet  que  tenha  levado  a  mal  vêr  diante  de  si  um 
hc»nem  em  pé. 

«  Não  seja,  pois,  o  Monarchista  puro  mais  realista  do 
que  o  rei,  e  detxe-me  em  paz ;  mas,  ainda  que  o  não  faça,  não 
voltarei  ú  imprensa  acerca  deste  assumpto. 

«Rio  de  Janeiro,  5  de  fevereiro  de  1857. 

«T.  B.  Ottoni.  » 

De  reacção  em  reacção  temos  penetrado  tão  longe  |iclas 
r^iões  asiáticas  que  muitos  espíritos  reflectidos  hão  de 
achar  pequenina  esta  questão  de  beija-mão. 


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K  CIBCOLAR  DE  THEOPAILO  OTTONI  343 

Não  o  é  em  suas  consequências  relativamente  a  mim,  se 
é  certo,  como  disse  um  jornal  diário  nesta  corte,  que  ainda 
este  anno  contribuiu  para  que  se  me  fechassem  as  portas 
do  senado. 

Para  avaliar  com  critério  um  facto  qualquer  diz  a  boa 
hermenêutica  que  se  devem  considerar  attentamentc  o  Icaiiw 
e  as  circnmstancias  sob  os  quaes  occorrcu. 

Jodici.   ofikium    «1,    ut    r»,    iu    lemi«ra    rcrum 
Quocicre;    ijuacsilu    temiiore    tutus    cris. 

O  restabelecimento  do  beija-mào  em  1837  delineava  as 
feições  de  unia  politica  nova  no  pair,  e  que  nunca  foi  minha . 

Sobre  este  objecto  diz  o  Sr.  Ur.  Justiniano  José  da 
Rocha,  á  pag.  32  de  um  interessante  paniphleto  puhlicaffo 
em  1856  com  o  titulo  —  Ac^ão,  reacção,  iransacíão,  verbis  ibi : 

«Appellamos  jíara  a  recordação  dos  que  então  vivlão 
e  se  achavão  na  capital  do  império:  elles  que  digão  i|uc  sen- 
sação immensa  produziu  na  cidade,  de  exaltação  cm  uns,  de 
intfignação  em  outros,  de  sorinreza  em  todos,  qwaiido  se 
soube  que  na  festividade  da  Cruz,  á  ixjrta  cfa  igreja,  diante 
de  numerosissimo  concurso,  havia-se  o  regente  inclinado  e 
beijado  a  mão  do  imperador  !» 

Na  sessão  de  1839  conscrvou-se  a  oligarcliia  fiel  ao  se» 
prc^ramma. 

Destruir  os  monumentos  levantados  ao  progresso  no  pri- 
meiro reinado  e  nos  primeiros  annos  da  menoridade  —  tal 
era  o  seu  empenho. 

Não  escondiào  o  nefando  propósito  de  comi>õr  um  go- 
verno arbitrário,  sob  o  qual,  associatTos  ao  império,  domi- 
nassem a  geração  presente, 

A  reforma  inconstitucional  do  acto  addicional,  pronuit- 
gada  com  o  nome  de  interpretação,  foi  um  dos  seus  mais 
atrevidos  lanços  de  jogo. 

Apostolo  das  franquezas  jirovinciaes,  tcmlo  fé  no  governo 
do  povo  iK>r  si  mesmo,  eu  procnrei  ]>ór  toda  u  sorte  de  em- 
bargos a  semelhante  lei,  que  considero  o  maior  dos  erros  da 
legislatura  de   1838  a  1841. 

Parecia-nie  (jue  se  devia  antes  alargar  do  que  restringir 
as  faculdades  provinciaes. 

DigtizedbyGOOgle 


344  REVISTA  l>0  IMSTiTUTO  IIláTORlCO 

Acho  ridiculo  que  o  ordenado  de  150$  do  carcereiro  de 
uma  aidéa  da  província  do  Amazonas  ou  de  outra  qualquer 
seja  objecto  de  um  decreto  imperial ;  que  as  províncias  não 
possão  designar  os  seus  vigários  c  officiaes  da  guarda  na- 
cional ;  que  um  tabellião  de  aldêa  ou  escrivão  dos  orpliãos  só 
possa  ser  nomeado  na  corte.  E'  um  modo  de  escolher  o  jicior 
e  de  augmentar  os  meios  de  corrupção  que  tem  o  governo 
geral  para  seduzir  os  representantes  da  nação. 

No  Jornal  do  Cammercio  de  11  de  junho  do  anno  de 
1S39  vem  um  dos  discursos  em  que,  protestando  contra  a 
intitulada  interpretação  do  acto  addicional,  assim  me  exprimi. 

Para  melhor  intelllgencia  do  meu  discurso  o  faço  pre- 
ceder do  projecto  depois  lei  de  interpretação  do  acto  addi- 
cional.: 

«  A  assembléa  geral  legislativa  decreta : 

«Art,  1."  A  palavra  municipal  do  art.  10  §  4"  do  acto 
addicíonal  comprehende  ambas  as  anteriores  —  policia  e  eco- 
nomia —  e  a  ambas  estas  se  refere  a  clausula  final  do  mesmo 
artigo,  precedendo  proposta  das  camarás .  A  palavra  — 
policia  —  comprehende  a  policia  municipal  administrativa 
somente  e  não  a  policia  judiciaria. 

«Art.  2."  A  faculdade  de  crear  e  supprímír  empregos 
municipaes  e  provinciaes,  concedida  ás  assembléas  de  pro- 
víncia pelo  S  7°  do  art.  10  do  acto  addicional,  somente  diz 
respeito  ao  numero  dos  mesmos  empregos,  sem  alteração 
da  sua  natureza  e  attribuiçÕes,  quando  forem  estabelecidos 
por  leis  geraes,  relativas  a  objectos  sobre  os  quaes  não  podem 
legislar  as  referidas  assembléas. 

«Art.  3.°  O  §  II  do  mesmo  art,  10  somente  compre- 
hende aquelles  empregados  provinciaes  cujas  funcções  são 
relativas  a  objectos  sobre  os  quaes  podem  legislar  as  as- 
sembléas legislativas  de  província,  e  por  maneira  alguma 
aquelles  que  são  creados  por  leis  geraes  relativas  a  objectos 
da  competência  do  poder  legislativo  geral. 

«Art.  4.'*  Na  palavra — magistrado — (de  que  usa  o 
art.  II  S  7"  do  acto  addicional,  não  se  comprehendem  os 
membros  das  relações  e  tribunaes  superiores. 

«Art,  5.*  Na  decretação  da  suspensão  ou  demissão  dos 
magistrados  procedem  as  assembléas  provinciaes  como  trí- 


«byCoogle 


A   rlRCUHR  DF.  TnROPHILO  OTTONr  Z45 

bunal  de  justiça.  Somente  ,  podem,  portanto,  ímpõr  taes 
penas  em  virtude  de  queixa  por  crime  de  responsabilidade, 
a  que  ellas  estão  impostas  por  leis  criminaes  anteriores,  obser- 
vando a  forma  de  processo  para  taes  casos  anteriormente  esta- 
belecida. 

«Art,  6,'  O  decreto  de  suspensão  ou -demissão  deverá 
conter:  i°,  o  relatório  do  facto;  2",  a  citação  da  lei  em  que 
o  magistrado  está  incurso;  3°,  uma  succinta  exposição  dos 
fundamentos  capitães  da  decido  tomada. 

«Art.  7.'*  O  art.  16  do  acto  addicional  comprehende 
implicitamente  o  caso  em  que  o  presidente  da  província  negue 
a  sancçào  a  um  projecto  por  entender  que  offende  a  consti- 
tuição do  império, 

«Art.  8."  As  leis  provinciaes  que  fjorem  oppostas  á 
interpretação  dada  nos  artigos  precedentes  não  se  entendem 
revendas  pela  promulgação  desta  lei  sem  que  expressamente 
o  sejão  por  acto  do  poder  legislativo  geral. 

<  Paço  da  camará  dos  deputados,  em  26  de  setembro  de 
1838. — Paulino  José  Soares  de  Sou::a. — /.  C.  de  Miranda 
Ribeiro.  — José  Clemente  Pereira.  » 

(Jornal  do  Commerdo  de  4  de  junho  de  1839.) 
«O  Sr.  Ottoni  —  Sr.  presidente,  levanto-me  para  sus- 
tentar o  requerimento  do  meu  nobre  colida  o  Sr.  Alvares 
Machado,  que  denunciou  conter  o  projecto  incoherencias,  con- 
tradicções  e  absurdos,  por  ser  manifestamente  contrario  á 
constituição  e  por  envolver  uma  verdadeira  reforma  do  acto 
addicional,  debaixo  do  mal  fingido  pretexto  de  interpretar 
alguns  artigos. 

« Antes,  porém,  de  entrar  nas  provas  em  que  baseio  a 
minha  opinião,  seja-me  licito  responder  a  uma  censura  do 
nobre  deputado  pela  Bahia,  o  illustre  Sr.  3**  secretario. 

«Não  é  a  supposição  de  que  as  luzes  estejão  só  no  lado 
da  opposição  o  que  nos  obriga  a  abrir  mais  ampla  discussão 
sobre  este  projecto, 

<  O  anno  passado  a  opposição  impôz-se  ccMnpleto  silencio, 
não  teve  parte  no  debate  desta  lei ;  por  isso  tem  mais  obri- 
gação de  justificar  o  motivo  que  determinou  o  seu  proce- 
.dimento  nesta  importante  questão.. 


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a4Ó  REVISTA   DO  INSTITUTO   ilISTORirO 

<  Se  isto  é  iim  dever  imposto  ao  deputa'(ío  em  todos  os 
casos,  parece  de  mais  forte  razão  neste,  em  que  se  pro|>Õe 
modificar  a  consiitiiição  do  estado. 

« E'  de  rigorosa  obrigação  para  o  deputado  vencido 
justificar  o  seu  voto  perante  a  nação,  perante  a  maioria  da 
casa.  A  opposição  acha  para  justificar-se  a  occasião  minis- 
trada peto  regimento:  é  esse,  |x>is,  o  campo  que  escolho. 

€  Analysarci  os  differentes  artigos  do  projecto  que  se 
discute.  O  1°  artigo  diz  (lê).  Na  primeira  parte  deste  artigo 
concordo  em  que  está  a  única  doutrina  que  se  i>óde  qualificar 
como  interpretação:  vejo  que  diz  o  artigo  lo  S  4".  na  uUima 
parte,  precedtnda  proposta  das  camarás,  sem  que,  nem  a 
collocação  grammatical,  nem  qualquer  outra  circumstancia, 
nos  induza  a  crer  <|ue  esta  condição  não  comprehendc  ambas 
as  parles  do  1"  membro  do  paragrapho.  Ora,  se  a  uhíma 
condição  envoh-e  tanto  a  |}olicia  como  a  economia,  seguc-se 
que  a  [xilicia  de  que  se  traia  é  somente  a  mimicijial,  i>ois  do 
contrario  i>o<terião  as  camarás  fazer  propostas  sobre  a  policia 
gerai  da  provincia.  ^'ê-se,  (kiís,  a  razão  por  que  não  impugno 
a  primeira  ]>arte  do  art.  1".  Mas  não  sei  por  que  fatalidade, 
e  i)ara  não  haver  um  só  artigo  neste  projecto  que  não  seja 
inconstitucional,  foi-se  inventar  a  distincção  que  se  acha  na 
segunda  parte  do  artigo,  classificando  a  policia  municipal  em 
judiciaria  c  administrativa,  e  declarando  que  as  assenibléas 
provinciaes  não  ]>odem  legislar  sobre  policia  municipal  ju- 
diciaria . 

cO  Sr.  pRKsmiíVTií  —  O  Sr.  deputado  está  fallando 
fora  (Ia  ordem. 

«O  Sr.  Ottoni  —  Perdoe  \.  Ex.  En  pretendo  mostrar 
que  o  projecto  é  todo  contrario  á  constituição,  e  por  isso  con- 
tradictorio,  absurdo  e  incoherente.  Proseguirei,  portanto, 
consentindo  \' .  Ex.  Anteriormente  ao  acto  addicional  j:i 
as  i>rovincias  gozavão  das  garantias  de  legislar,  por  meio 
de  suas  camarás  e  conselhos  gcraes.  sobre  a  policia  judiciaria 
municipal:  vejo  que  o  art.  tGg  da  constituição  diz  que  uma 
lei  regidanientar  marcará  o  modo  da  eleição  das  camarás 
e  a  formação  de  suas  posturas  policiaes:  vejo  que  a  assembléa 
geral,  desenvolvendo  este  arligo  constitucional  na  lei  do 
I"  (Ic  outubro  de  1S28,  determinou  no  art.   71    (Jê)  que  as 


«byCoogIe 


K  CIRCOLAR   DE  THBOPHILO  OTTONI  247 


poãfiiras  das  camarás  versarião  também  sobre  a  segurança 
publica,  e,  como  que  não  satisfeita  com  esta  declarai;ão  ge- 
nérica, decretou  no  art.  66  (lê)  que  as  camarás  municipaes 
[KKtiíio  fazer  as  posturas  contra  injurias  e  obsceni<fades . 

«Ora,  se  isto  não  é  o  que  se  chama  policia  judiciaria 
municipal,  não  sei  o  que  ser  possa. 

«  Por  conseguinte,  na  intelligeticia  do  corpo  legislativo, 
as  camarás  municipaes  podião  fazer  essas  posturas  sobre 
a  policia  judiciaria,  que  os  conselhos  geraes  approvavão  para 
serera  If^o  observadas .  Os  legisladores  constituintes  que 
tinham  de  dar  destino  a  estas  attribuições  dos  conselhos  ge- 
raes nada  mais  fizerão  senão  traspassa-las  para  as  assembtéaa 
provinciaes,  sem  terem  intenção  de  tirar  o  que  aos  muni- 
cípios j  se  havia  conferido.  Se,  pois,  é  essa  a  intelligencia 
cia  assembléa  geral,  como,  sem  uma  manifesta  violação,  nào 
9Ó  do  acto  addicional,  como  do  art.  169  da  constituição,  se 
ha  de  admíttir  semelhante  interpretação? 

«  Sr.  presidente,  chegou  o  tempo  da  reacção,  e  não  se 
contentão  os  nobres  deputados  em  querer  parar  em  18.14: 
quer-se  regressar  de  24  para  trás.  Porque  nesse  tempo  não 
se  achou  tão  perigoso  dar  ás  províncias  o  que  agora  se  lhes 
quer  tirar?  Quando  tratou-se  de  reformar  a  constituição  foi 
em  consequência  de  um  clamor  geral  de  todos  os  ângulos 
do  império,  porque  as  províncias  distantes  oitocentas  e  mais 
l^uas,  com  tantai>  necessidades,  tanta  difficuldade  de  com- 
municações,  não  podião  dispensar  por  mais  tempo  o  desen- 
\olvimento  desse  gérmen  federativo,  já  consagrado  na  consti- 
tuição do  estado.  Entretanto  a  reacção  que  appareceu  ao  tempo 
em  que  essa  fatal  idéa  do  regresso  foi  proclamada  não  se 
contentou  em  destruir  o  trabalho  da  camará  constituinte  de 
1834,  mas  quer  ir  ainda  muito  para  trás. 

«Vamos  ao  art.  2."  Antes  de  entrar  na  analyse  deste 
artigo,  farei  uma  observação :  'parece  que  até  ha  receio  de 
se  dar  ás  assembléas  legislativas  provinciaes  o  titulo  que  lhes 
compete.  O  artigo  já  somente  as  chama  assembléas  de  pro- 
víncia; daqui  a  pouco  serão  reduzidas  a  conselhos  adminis- 
tratívos  do  governo. Outra  observação  que  julgo  dever  fazer 
é  relativa  á  invenção  feita  de  empregados  geraes  provinciaes 
e  empregados  municipaes  geraes.   Não  posso  deixar  de  con- 


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348  REVISTA  DO  INSTlTfTO  HISTÓRICO 

fcssar  que  é  uma  (iistincção  galante,  para  não  chamar  absurda. 
Nos  Esta<Ios-Unidos  existem,  ou  empregados  federaes,  isto 
é,  empregados  da  união,  ou  empregados  dos  estados;  creio 
que  não  ha  outra  distincqão.  Tribunaes  federaes  e  tribunaes 
dos  estados.  Neste  projecto,  porém,  ha  uma  ídéa  inteiramente 
nova,  e  vem  a  ser  empregados  geraes  municipaes  e  empre- 
gados geraes  provinciaes;  parece  que  era  o  mesmo  que  dizer 
nacionaes  estrangeiros. 

«Outra  observação  ainda.  Dada  a  intelligencia  que  o 
art.  2»  estabelece  para  o  §  7°  do  art.  10,  isto  é,  de  que  a 
attribuição  ahi  conferida  ás  assembléaS  legislativas  provinciaes 
reduz-se  a  marcar  o  numero  dos  taes  empregados  provinciaes 
geraes  e  municipaes  geraes,  esse  §  7°  é  a  mais  insignificante 
parte  do  acto  addicional.  E,  com  ef feito,  se  recorremos  á 
classe  dos  empregados  judíciaes,  os  mais  importantes  com- 
prehendidos  neste  §  7°  são  os  juizes  de  direito;  mas  já  pelo 
§  I"  do  mesmo  art.  10,  podendo  as  assembléas  provinciaes 
legislar  sobre  a  divisão  judiciaria,  isto  é,  podendo  crear  as 
comarcas  que  acharem  conveniente,  tinhão  implicitamente  o 
direito  de  marcar  o  numero  dos  juizes  de  direito.  Portanto, 
na  classe  judiciaria  nada  trouxe  o  §  7°,  ou  quasi  nada,  que 
já  não  estivesse  no  §  1°.  Na  jerarchia  ecciesiastica  os  em- 
pregados comprehendidos  no  S  7"  são  os  parochos;  ora, 
cabendo  jú  pelo  mesmo  §  i"  do  artigo  ás  assembléas  pro- 
vinciaes legislar  sobre  a  divisão  ecciesiastica,  implicitamente, 
e  sem  ser  preciso  vir  essa  idéa  no  §  7",  marcavão  as  assembléas 
provinciaes  o  numero  dos  parochos.  Vê-se,  pois,  que  a  in- 
telligencia dada  pelo  artigo  2"  do  projecto  reduz  o  §  7°  do 
artigo  a  uma  redundância,  inutilidade  ou  insignificância. 

«  Ora,  eu  desejo  que  se  confronte  imparcialmente  esta 
redundância,  inutilidade  ou  insignifcancia.  a  que  se  pretende 
reduzir  o  S  7°,  com  o  que  disse  ante-houtem  o  nobre  ex- 
mtnistro  da  marinha,  Revelofl-nos  S.  Ex,  que  em  uma  con- 
ferencia de  seus  amigos  políticos,  os  do  tempo  em  que  se 
reformou  a  constituição,  S.  Ex.  se  pronunciou  altamente 
contra  este  S  7°  do  art.  10,  por  julga-lo  inadaptado  ás  cir- 
cumstaiicias  do  paiz ;  que  igual  opposição  lhe  fizerão  outras 
personagens  que  afinal  cederão;  mas  que  emfim  S.  Ex.,  não 
tendo  podido  convir  cm  tal  posição,  e  tendo  ella  sido  appro- 


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A  rlUrULAR  DE  T1IE0P1I1I.0  OTTOHI  549 

vada,  taes  escrúpulos  lhe  trouxera  que  até  \eiu  a  votar  contra 
a  atloi«;ào  do  acto  addicioiíal.  Se,  ix>is,  o  nobre  ex-niinistro 
nas  suas  conferencias  com  seus  amigos  (mliticos  de  então 
julgou  tão  im]X)rtantc  esta  doutrina  que  não  admittiu  transi- 
gência alguma,  apezar  de  cederem  outras  personagens,  não 
devo  eu  desta  circumslancia  concluir  que  na  intelligencia  dos 
d^ijnlados  con^ititui-ites  o  §  7°  era  um  dos  mais  importantes 
do  acto  addicional  ?  Que  087"  não  era  uma  inutilidade,  porém, 
sim  dispo»i(;ão  tão  transcendente  que  a  seu  respeito  não 
admittia  transigência  alguma  entre  as  personagens  que  aliás 
parecião  estar  até  alli  de  intelligencia  e  accordo?  Esta  de- 
claração, de  que  tomei  nota,  me  parece  summamente  preciosa 
para  demonstrar  que  a  intelligencia  que  se  quer  dar  não  é 
3  dos  legisladores  que  o  povo  mandou  a  esta  casa  com  a 
missão  especial  de  crear  um  poder  legislativo  provincial  e 
marcar-lhe  altribuições . 

<  Entro  agora  na  analyse  do  S  7°,  como  está  concebido. 
Creio  que  quando  a  mesma  lei  a  respeito  dos  mesmos  objectos 
se  exprime  com  os  mesmos  termos  parece  que  hermeneuti- 
camente  não  se  pôde  concluir  senão  que  ella  quiz  decretar  a 
mesma,  idêntica  disposição.  Vejo  que  a  constituição  no 
art.  15  §  16  determina.  (Lê).  Se,  pois.  a  constituição,  mar- 
cando nossas  atlribuições  sobre  a  creação  e  suppressão  de 
empregos,  usa  das  mesmas  palavras  com  que  o  acto  addicional 
dá  ás  assembleias  provinciaes  o  mesmo  direito,  como  se  pôde 
negar  ás  assembléas  provinciaes  fazer  o  mesmo  que  nôs  aqui, 
tendo  ellas  legislação  idêntica  pelos  mesmos  próprios  termos? 
Creio  (jue  esta  identidade  de  termos,  tratando  do  mesmo 
objecto,  significa  a  identidade  de  idéas  que  o  legislador  quiz 
exprimir.  Sr.  presidente,  noto  mais  que  ainda  ha  pouco 
tempo  a  assembléa  geral  se  pronunciou  em  diff crente  modo. 
Aqui  se  legislou  que  os  officiaes  da  guarda  nacional  do  mu- 
nicípio neutro  fossem  nomeados  pelo  governo.  Ora,  se  a 
assembléa  não  se  julgou  autorisada  para  legislar  sobre  a 
guarda  nacional  senão  no  municipio  neutro,  é  porque  reco- 
nheceu que  havião  attribuições  de  outro  poder,  que  são  as 
assembléas  provinciaes,  a  quem  o  negocio  está  commettido 
nas  províncias.  A  este  respeito,  todas  as  províncias,  ou  a 
maioria  delias,  teem  dado  a  mesma  intelligencia  que  a  camará 


«ibyCoogIe 


350  REVISTA  DO  INSTITDTO   BISTORICO 

e  a  assembléa  geral  teem  dado.  No  Rio  de  Janeiro  não  se 
legislou  sobre  isto  ?  Creio  mesmo  que  essa  lei  foi  sanccionada 
pelo  nobre  deputado  o  Sr.  Paulino,  ou  pelo  Sr.  ex-miiiistro 
da  marinha.  Se  o  nobre  deputado  foi  quem  sanccionou  uma 
tal  lei,  já  por  este  facto  reconheceu  que  no  §  7"  do  art.  10 
está  comprehendida  uma  faculdade  mais  ampla  do  que  a  de 
marcar  o  numero  dos  empregados.  Como  é  que  o  nobre 
deputado  teve  de  arredar-se  de  um  voto  tão  solemne?  Nessa 
occasião  devia  ter  examinado  a  natureza  dessas  attrihuições 
provinciaes,  e,  com  a  vastidão  de  intelligencia  que  tem  o 
uohre  deputado,  proceder  na  forma  da  constituição.  Eis  a 
intelligencia  da  maioria  das  assembléas  provinciaes,  da  geral 
e  dos  próprios  autores  e  defensores  deste  projecto,  e  que 
todos  esta\ão  de  accordo  a  dar  a  esse  §  7°  tal  qual  se  acha 
nas  suas  palavras.  Como,'pois,  eu  hei  de  convercer-me  sem 
que  appareção  razões  que  destruão  tantas  e  tão  respeitáveis 
convicções?  Como  acreditar  que  este  artigo  tem  outra  intel- 
ligencia? São  mysterios  que  não  posso  penetrar  I  A  commissão 
quando  desenvolveu  estas  idéas  estabeleceu  varias  hypothescs 
e  diz  (Lê  o  parecer  da  commissão.) 

€  Sr.  presidente,  quanto  á  primeira  hypothese,  não  acho 
inconveniente;  declaro-o  com  franqueza,  apezar  do  que  se 
possa  dizer  a  este  respeito.  E,  se  o  inconveniente  é  real,  o 
meio  de  o  remediar  é  outro.  Se  de  um  artigo  da  constituii:ão 
resullãn  inconvenientes,  estes  remedeião-se  refomiando-o 
pelos  meios  constitucionaes,  e  não  é  de  necessidade  que  seja 
este  artigo  por  isso  interpretado  contra  a  litteral  disposição. 
das  suas  palavras.  Se  acaso  a  assembléa  conhecesse  que  os 
códigos  devião  ser  uniformes  no  império,  e  o  acto  a<rdÍcÍonal 
determinasse  o  contrario,  resultaria  a  obrigação  de  pedir  ao 
povo  soberano  a  autoridade  para  reformar  este  artigo  do 
acto  addicional. 

<  Devia-se  primeiramente  provar  que  a  intelligencia  não 
era  esta;  podem  haver  inconvenientes,  mas  ha  o  remédio, 
qtie  é  autorisar  a  camará  dos  deputados  para  remove-los: 
faça-sc  isso  pelos  meios  legaes  e  não  (permitta-me-se  dizer) 
revolucionariamente . 

(O  orador  lè  a  2'  3"  e  4"  hypotheses  do  parecer  da  com- 
missão; c,  concordando  com  as  conclusões  a  este  respeito, 


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A  riRfULAH   DE  THEOPIIILO  OTTONI  3SI 

ainda  insiste  em  fazer  ver  que  os  inconvenientes  resultantes 
da  primeira  hypothese  só  podem  ser  removidos,  se  existem, 
reformando-se  a  constituição,  e  passa  ao  art.  3"  do  projecto.) 

«Sr.  presidente,  estabelece  este  art.  3'  a  mesma  dis- 
tincção  entre  empregados  provinciaes  creados  por  leis  geraes 
e  empregados  provinciaes  creados  por  leis  provinciaes,  e  diz 
que  só  a  respeito  destes  podem  as  assembléas  provinciaes 
legislar  quaifto  á  nomeação,  etc.  Eu  já  demonstrei  que  tal 
dístincção  não  está  no  acto  addicional ;  e  assim  creio  poder 
concluir  que  também  o  art.  3°  é  offensivo  da  lei  f undai^ental .1 
Direi  mais,  O  8  11  do  art.  10  autorisou  as  assembléas  pro- 
vinciaes para  legislarem  sobre  os  casos  e  o  modo  de  nomeação 
dos  empregados  provinciaes,  sem  excepção  alguma.  iL,ê.) 
Ora.  é  sabido  que  mesmo  antes  da  reforma  constitucional 
havia  graves  descontentamentos  nas  províncias,  por  ser 
preciso  vir  mendigar  de  tão  longe  á  corte  a  nomeação  de 
um  juiz  de  direito,  de  um  vigário,  de  um  professor,  de  um 
escrivão,  etc.  ;  e  em  1831  a  assembléa  geral  compenetrou-se 
da  importância  destes  inconvenientes,  e  convenceu-se  da  ne- 
cessidade de  pôr  nas  províncias  o  remédio.  Em  consequência, 
na  lei  da  regência  se  fez  a  primeira  dístincção  entre  empre- 
gados geraes  e  provinciaes,  e  -se  autorizou  no  art.  18  (lè)  o 
que  está  hoje  no  S  7"  e  S  11  do  art.  10  do  acto  addicional, 
os  quaes  não  são  mais  do  que  uma  cópia  do  que  está  na  lei 
da  regência,  com  [lequenas  modificações.  Como  esta  lei  fosse 
interina,  por  vigorar  somente  durante  a  menoridade  do  impe- 
rador, a  assembléa  geral  quiz  fazer  desta  disposição  uma 
legislação  permanente,  e  por  isso  é  que  vem  o  g  ir  do  art.  lo.. 
Mas  os  nobres  deputados  dizem  e  argumentarão  que,  se  o 
S  II  concedesse  aos  presidentes  a  nomeação  dos  juízes  de 
direito,  por  exemplo,  ficaria  reformado  o  art.  102  da  consti- 
tuição, que  não  foi  julgado  reformavel. 

« Esta  razão  prova  de  mais.  Porquanto,  se  o  8  3'  do 
art.  102  diz  que  a  nomeação  do  magistrado  comgiete  ao 
imperador,  084*  também  dá  ao  imperador  o  provimento 
dos  mais  empregos ;  e,  se  tal  razão  prevalecesse  para  o  S  3°, 
devia  também  prevalecer  para  054":  entretanto,  eu  creio  que 
os  nobres  deputados  não  quererão  negar  também  ás  pro- 
víncias, vcrbi  graiia.  o  direito  de  nomear  os  mestres  de  pri- 


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342  REVISTA   DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

nieiras  letras.  A  coarctada.  ik>ís,  de  artigos  da  constituição 
reformáveis,  ou  não  reformáveis,  provando  de  mais.  nenhum 
peso  merece.  A  lei  de  12  de  outubro  de  1832.  ordenando  aos 
eleitores  que  mandassem  a  esta  casa  deputados  com  facul- 
dade para  crear  um  poder  legislativo  provincial  (tacs  são 
suas  expressões),  virtualmente  exigiu  que  o  poder  constituinte 
tivesse  a  amplitude  de  investir  o  novo  poder  legislativo  de 
tudo  quanto  podem  ser  attribuições  legislativas.  -Citarei  mais 
alguns  exmplos  que  mostrão  a  debilidade  da  argumentação 
contraria.  O  art.  13  da  constituição  delega  todo  o  poder  legis- 
lativo ás  duas  camarás,  com  a  sancção  do  imperador:  o 
art.  13  não  foi  julgado  reformavel,  e  seguir-se-Iia  dahi  que 
não  tenbão  as  assembléas  provinciaes  uma  boa  parte  do  poder 
legislativo  I 

<  O  art.  36  diz  que  a  iniciativa  sobre  impostos  é  da 
exclusiva  competência  da  camará  dos  deputados;  o  art.  36 
não  foi  julgado  reformavel:  e  haverá  quem  negue  ás  assem- 
bléas, nào  só  o  direito  de  iniciar,  como  o  de  decretar  impostos? 

«Tassarei  agora  ao  art.  4°  do  projecto.  Diz  este  artigo 
que  na  palavra  magistrado  não  se  compreliendem  os  membros 
da  relação  e  tribunaes  superiores.  O  acto  addicional  §  7"  do 
art.  II  diz.  (Lê.)  Ora,  á  vista  desta  generalidade,  só  se  não 
comprehenderáõ  aqui  os  membros  das  relações  e  tribunaes 
superiores  se  elles  não  são  magistrados;  do  contrario  será 
também  este  artigo  uma  verdadeira  reforma. 

€  Passemos  ao  art.  5°.  que  declara  que  as  assembléas  pro- 
vinciaes procedem  como  tribunaes  de  justiça  quando  decretão 
a  suspensão  ou  demissão  do  magistrado. 

«Em  primeiro  logar  observarei  que  nunca  1Í  ou  ouvi 
applicar-se  o  verbo  decretar  para  exprimir  uma  funcção  de 
tribunal  de  justiça ;  e  me  parece  que,  se  o  acto  addicional  qui- 
zesse  converter  em  corpos  judiciários  as  assembléas.  diria, 
em  vez  de  —  compete  ás  assembléas  provinciaes  decretar  a 
suspensão,  etc,  —  julgar  os  magistrados,  applÍcaiido-Ihes  a 
pena  de  suspensão,  etc.  A  constituição,  porém,  escolheu  a 
phrase  legislativa  ou  administrativa,  e  sujeitou  o  termo  ju- 
diciário. E'  dos  Estados- Unidos  que  se  transplantou  para  o 
3rasil  esta  disposição.  Nos  Estados-Unidos  (na  constituição 


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A  CIRCULAR  DE  TlIEOl-HILO  OTTONI  353 

federal,  por  exemplo)  o  senado  é  declarado  tribunal  de  jus- 
ti»;a  para  julgar  todos  os  empregados  públicos  por  causa  po- 
litica {empeachement),  impondo  a  pena  de  demissão  e  decla- 
rando a  inliabilitação  para  outros  empregos.  Entretanto,  a 
par  desta  disposição,  que  também  reconhece  a  constituição 
particular  do  estado  de  New- York,  vem  ahí  outra  disposição 
do  ã  13  da  secção  IV.  E'  esta  disposição  que  está  copiada  no 
acto  addictonal.  Dá  a  constituição  de  New-York  neste  para- 
grapho  ás  duas  camarás  simultaneamente  o  direito  de  decretar 
a  demissão  dos  magistrados,  cujos  titulos  lhes  dão  o  direito 
de  continuar  emquanto  bem  servirem. 

« A  segunda  parte  deste  artigo  diz  que  as  assembléas 
provinciaes  só  poderão  impor  a  i)ena  de  suspensão  ou  de- 
missão no  caso  de  crimes  a  que  estas  penas  estejáo  impostas 
por  leis  criminaes  anteriores.  Ora,  permitta-me  V.  Ex,  que 
eu  combata  esta  parte  do  artigo  com  um  principio  geral  con- 
signado no  parecer  da  commissão  que  propoz  este  projecto. 
{Lê.)  Como,  pois,  com  este  principio  quíz  a  commissão  fazer 
dependentes  das  leis  da  união  um  acto  das  assembléas  provin- 
ciaes? Não  será  isto  tornar  mancas  e  imperfeitas  suas  attri- 
buições?  Não  pôde,  por  exemplo,  a  assembléa  geral  por  uma 
lei  ordinária  inutilisar  completamente  este  artigo  consti- 
tucional, marcando  para  os  crimes  dos  magistrados  em  todos 
os  casos  penas  que  não  sejão  a  suspensão  ou  demissão? 
Vê-se,  pois,  que  a  conversão  das  assembléas  provinciaes  em 
tribunaes  de  justiça  é  mais  uma  inconstitucionalidade  do 
projecto. 

«O  art,  6"  declara  que  o  decreto  da  suspensão  deve  ser 
formulado  de  uma  maneira  especial.  Na  verdade,  se  as  assem- 
bléas provinciaes  são  tribunaes  da  união,  pôde  esta  marcar, 
não  só  as  formulas  do  julgamento,  como  as  das  sentenças; 
mas  uma  difficuldade  acho  eu,  e  consiste  em  que  pelo  art.  il 
(lê)  compete  ás  assembléas  provinciaes  decretar  seus  regi- 
mentos com  certas  e  determinadas  excepções;  accrescentar 
outras  não  é  interpretar,  é  evidentemente  reformar. 

«Art.  7.°  {Lê.)  Dá  aos  presidentes  o  direito  de  sus- 
pender os  actos  legislativos  que  julgarem  contrários  á  con- 
stituição. Este  artigo  é  o  filho  querido  do  regresso,  cujo 
originário  autor,  o  Sr.  ex-ministro  da  justiça,  já  assim  en- 

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354  REVISTA  DO  ÍNSTITUTO  HiSTOBICO 

taideu  o  acto  atldicioiíal,  e  assim  o  inaiidou  executar  pelos 
seus  presidentes.  Se  elle  governasse  sempre,  até  bem  podião 
dispensar  este  artigo  os  mesmos  senhores  apaixonados  do 
regresso ;  mas,  como  podem  vir,  e  eu  o  espero,  administrações 
para  quem  a  constituição  não  seja  letra  morta,  conviria  de- 
cretar-se  a  verdadeira  intelligencia,  se  duvida  pudesse  haver 
a  este  respeito.  Eu  me  explico. 

<  O  acto  ãddicional,  declarando  o  modo  por  que  serião 
submettidos  á  sancção  os  actos  legislativos  provinciaes,  disse  " 
que  os  presidentes  negarião  a  sancção  quando  entendessem 
(jue  esses  actos  não  convinhão  ao  bem  da  província.  Talvez 
]Kjr  uma  espécie  de  poder  l^islativo,  não  quiz  a  consti- 
tuição declarar  hypotheses  em  que  as  assembléas  provinciaes 
fossem-lhe  contrarias  em  seus  actos.  Quiz  que  a  formula  geral 
com  que  o  presidente  negasse  a  sancção  fosse  com  o  pretexto 
de  que  as  leis  não  sanccionadas  não  convinhão  aos  interesses 
provinciaes :  assim  também  na  constituição,  quando  suppõe-sc 
que  o  imperador  não  dè  a  sancção  a  uma  lei  geral  (e  note-se 
que  pôde  em  algum  caso  ser  essa  lei  no  juizo  do  imperador 
contraria  á  constituição)  se  diz  que  o  fará  pela  formula  cheia 
de  cortezia: — O  imperador  quer  meditar.  — No  art,  15  do 
acto  ãddicional  estão,  pois,  a  regra  e  a  formula  geral  para 
a  não  sancção,  quando  as  leis  são  pela  primeira  vez  enviadas 
ao  presidente. 

«  O  art.  16,  porém,  é  já  para  o  caso  de  querer  a  assenibléa 
provincial  por  dous  terços  de  votos  fazer  prevalecer  sua 
opinião  sobre  a  do  presidente:  o  acto  ãddicional  dá  esse 
correctivo  ao  veto  presidencial,  mas  estabelece  duas  hypo- 
theses, em  que  o  presidente  possa,  a  despeito  do  juizo  da 
assembléa,  suspender  a  execução  da  lei,  e  appetlar  para  a  de- 
cisão da  assembléa  geral.  Diz  o  art.  (Lê.)  Conheceu  o  legis- 
lador que,  se  se  desse  ao  presidente  a  faculdade  de  suspender 
todos  os  actos  legislativos  pro\'Ínciaes  cm  que  pudessem  achar 
pretextos  de  offensivos  dos  interesses  de  outras  províncias, 
seria  isto  uma  grande  latitude  dada  ao  executivo  provincial : 
restringiu,  pois,  o  legislador  essa  suspensão  ao  caso  uníco 
do  S  8"  do  art.  10,  isto  é,  quanto  á:  lei  relativa  á  aav^fação, 
estrada,  ou  outra  obra  publica,  que  possa  trazer  dauino  a 
outra  proviucia. 


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A  CdlCULAR  DE  THEOPUIIX)  OTtONI  355 

<  Quanto  á  excepção  relativa  ás  leis  que  possão  oífendcr 
os  tratados,  bem  se  vê  em  primeiro  logar  que  ella  se  limita 
por  sua  natureza  a  poucas  leis  provinciaes,  e  em  segundo 
logar  que  era  um  recurso  indispensável  aos  delegados  do 
poder  executivo  geral,  que  tem  o  direito  exclusivo  de  fazer 
a  guerra  e  a  paz,  e  de  tratar  com  as  nações  estrat^eiras. 
Se  esta  restricçào  não  houvesse,  poderia,  verbi  gratia,  uma 
província  maritima  decretar  taes  medidas  que  trouxessem 
inevitavelmente  a  guerra  com  alguma  potencia  estrangeira. 
Thlas  se,  além  destas  duas  excepções,  tão  restrictas,  tão  limi- 
tadas, tão  positivas,  se  ^'ai  ainda  accrescentar  uma,  e  tão 
ampla  como  a  que  se  acha  consignada  no  artigo,  me  dirá  V.  £x. 
onde  vão  as  attribuições  das  assembléas  provinciaes,  as  suas 
garantias  ? 

<  Finabnente  ha  o  art.  8.°  {Lê.)  Já  íoi  muito  suííicien- 
temente  provado  quanto  eile  é  absurdo,  quanto  é  contrario  á 
constituição :  desnecessário  é  ajuntar  as  minhas  vozes  ás  dos 
oradores  que  tão  de  espaço  sobre  esta  matéria  fallárão.  Li- 
mitar-me-hei  a  dizer :  <  Aqui  está  o  maior  dos  absurdos,  a 
maior  das  extravagâncias  l^islativas  que  tenhão  apparecido.> 

«  Determinar  que  certos  actos  legislativos  das  assembléas 
provinciaes  são  contrários  ã;  constituição,  e  na  mesma  lei 
determinar  que  ficáo  em  vigor  esses  actos,  isto  não  se  poderá 
applicar  senão,  verbi  gratia,  como  uma  transacção  com  uma 
província  importante.  Quando  ha  factos  que  parecem  jus- 
tificar boatos  creio  que  não  estamos  inhibidos  nesta  tribuna 
de  apresentar  esses  boatos.  No  projecto  original  offerecido 
pela  commissào  não  appareceu  este  artigo,  com  a  declaração 
nuva  e  muito  curiosa :  —  Ficão  em  vigor  as  disposições  em 
contrario.  Creio  mesmo  que  este  artigo,  proposto  na  2"  dis- 
cussão, foi  rejeitado,  declarando-se  a  maioria  da  camará 
contra  tão  cerebrina  disposição;  mas  boatos  correrão  de  que 
a  representação  de  Pernambuco  estava  muito  mal  satisfeita 
com  a  interpretação  do  acto  addicional,  porque  ia  revt^r 
leis  que  estão  em  vigor  naquella  província,  que  aquella  repre- 
sentação suppõe  que  teem  feito  muito  beneficio,  e  que  revo- 
gando-se  podião  causar  abalos:  diz-se  mesmo  que  o  Sr.  ex- 
ministro  da  guerra  não  era  alheio  a  esta  opinião;  que  em 


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956  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

consequência  unia  lransac<;ão  se  fez,  afim  de  que  se  respei- 
tassem essas  leis  que  se  revogarão. 

«  Swpponho.quc  semelhante  modo  de  proceder  não  c 
de  maneira  alguma  airoso  á  camará  dos  deputados:  ou  a  cousa 
cou\em  ou  não;  mas  I^istar-se  com  receio  de  certas  influ- 
encias, legislar-se  por  transacções  a  respeito  do  acto  addicional, 
a  respeito  da  constituição,  não  aciío  muito  decoroso.  Entre- 
tanto, como  a  minha  razão  não  me  subministra  um  só  racio- 
cinio  em  a|X>io  desta  disposição,  que  acho  extravagante,  eis 
|K)rque  dou  algum  credito  ao  boato  de  que  ella  foi  feita  por 
transacção ;  e,  como  em  tudo  e  por  tudo  sou  adverso  a  trans- 
acções, é  uma  razão  de  mais  para  que  eu  vote  contra  a  dis- 
jiosição  (io  art.  8",  manifestamente  absurda. 

«  Tenho  dado  em  geral  as  razões  em  que  me  fundo  para 
julgar  contradictorio,  absurdo,  incoherente  e  anti-consli- 
tucional  o  projecto  em  discussão.  \'oto,  jTOrtanto,  para  que 
assim  se  julgue,  e  entrando  elle  em  nova  discussão  se  emen- 
dem esses  absurdos,  incoherencias,  contra  dicções,  que  resultâo 
de  sua  inconstitucionalidade  provada. » 

{/ornai  do  Commcrcio  de  ii  de  junho  de  1839.) 


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A  maioridade 

No  meio  destas  lutas,  cliegámos  ao  atino  da  maioridade 
do  Sr.  D.  Pedro  II.  — 1840. 

O  principio  de  que  o  rei  não  pôde  fazer  mal  nunca 
esteve  em  mais  proveitoso  relevo  do  que  durante  a  meno- 
ridade do  Sr.  D.  Pedro  II. 

Em  todo  esse  período  os  erros  das  câmaras,  das  r^encias, 
dos  regentes  e  dos  ministros  prejudicavão  somente  o  elemento 
popular,  de  que  erão  filhas  essas  entidades. 

As  desordens  do  primeiro  reinado  estavão  em  1840  como 
que  apagadas  da  memoria  dos  contemporâneos. 

A  as  demasias  do  governo  pessoal,  que  havião  acarretado 
a  animadversão  nacional  contra  o  Sr.  D.  Pedro  I,  comple^ 
tamente  esquecidas. 

Apenas  se  estudava  a  liistoria  do  passado  na  devota  pali- 
nodía  que  cantavão  penitentes,  e,  batendo  no  peito,  alguns 
coripheus  (outr'ora)  do  liberalismo. 

Os  realistas  do  bom  velho  tempo,  evocados  complacente- 
mente pelos  novos  conversos^  batião  palmas  na  esperança  de 
verem  reerguidos  os  altares  da  sua  idolatria. 

Acreditavão  sinceramente  que  o  prestigio  da  realeza  havia 
de  reparar,  como  por  encanto,  os  estragos  produzidos  pelo 
governo  da  plebe. 

Contavão  que  seríão  suffocadas  para  sempre  nossas  dis- 
senções  intestinas,  e  que  teríamos  de  desfrutar  a  idade  de 

Applaudião  antecipadamente  as  festas  natalícias  com  as 
chuvas  de  grai;aá  e  condecorações,  que  são  o  seu  inseparável 
cortejo. 

E  os  oligarchas  aproveitavão  o  tempo,  procurando  en- 
raizar o  seu  ominoso  domínio',  estudando  a  maneira  de  s^ 

s.  írCoogle 


age  REVISTA  DO  IN3TITDT0  HI8T0MCO 

fazerem  homens  necessarbs  e  beneméritos  do  império,  na 
sua  qualidade  de  restauradores  da  monarchia  e  exclusivos 
devotos  da  boa  causa. 

Por  sua  parte,  os  Itberaes  bem  sabiao  quanto  terreno 
tínhão  perdido  nos  últimos  annos. 

E  nos  seus  apertos  e  embaraços  sonhavão  encarnar-se 
na  monarchia,  e  inicia-la  no  manejo  honesto  do  governo. 

Era  o  desideratum  que  havia  falhado  sob  a  regência  ç 
regentes  populares. 

E  por  accordo  universal  appareceu  a  idéa  de  decretar-se 
am  supprimento  de  idade  para  o  joven  imperador. 

Oppunha-se  a  constituição,  que  é  terminante  no  seu  ar- 
tigo 121 :  «  O  imperador  ê  menor  até  a  idade  de  dezoito  annos 
completos. » 

Por  esse  pequeno  embaraço  não  se  deixavão  prender  os 
oligarchas. 

Ao  contrario,  o  seu  plano  confessado  era  apparelhar  a 
machina  do  governo  forte,  para  entregal-a  nominalmente  ao 
imperador  menino. 

Em  nome  das  sympathias  que  desafiava  o  orphão  da 
nação,  ião  élles  confiscando,  uma  a  uma  as  garantias  consa- 
gradas no  pacto  fundamental. 

Erão  os  preparativos  do  seu  projecto  de  maioridade. 

Mas,  se  a  maioridade  fosse  iniciada  em  lei  ordinária 
pelos  liberaes,  era  quasi  certo  que  a  lei  seria  combatida 
pelos  conservadores  em  nome  da  constituição. 

Da  constituição  I  que  elles  acabavão  de  rasgar  violen- 
tamente na,  interpretação  do  acto  addicional  1 

A  maioridade  só  poderia  ter  o  cunho  da  constitucio- 
nalidade se  fosse  iniciada  e  decretada  por  essa  oligarchia 
tenebrosa,  que,  apoiada  no  poder  e  no  dinheiro  dos  trafi- 
cantes da  costa  d'AfrÍca,  a  cujas  emprezas  se  associara, 
começava,  segundo  a  phrase  de  um  aproveitado  neophito, 
a  plantar  «o  corte  o  seu  futuro. 

E  que,  posta  á  margem  a  constituição,  preparava  ousa- 
damente as  machinas  de  guerra  que  devião  ass^iirar-lhes, 
e  de  facto  assegurarão,  o  dominio  em  nome  do  Sr.  D.  Pedro  II. 

O  partido  liberal  havia  reconhecido  o  gravíssimo  perigo 
da  situação. 

DigtizBdbyGOOgle 


A  CIRCULAR  DE  THEOPUILO  OTTONI  359 

A  verdade  do  systema  constitucional  estava  ameaçada 
pelo  trama  oligarchico. 

A  lei  da  interpretação  antes  da  annullação  do  acto  addi- 
cioBal  era  a  precursora  da  lei  inconstitucional  de  3  ^^  <^^ 
zembro  de  1S4I1  da  restauração  inconstitucional  do  conselho 
de  estado,  e  das  mais  armadilhas  I^islativas  que  confiscarão 
as  liberdades  publicas  em  proveito  da  oligarchia. 

E  que  fiíerão  a  de^fraça  e  sellárão  o  opprobrio  do  pre- 
sente reinado. 

A  escola  do  liberalismo  verdadeiro  é  a  escola  da  lega- 
lidade e  da  ordem  bem  entendida. 

Mas  cumpre  confessar  que  circumstancias  se  dão  em  que 
a  letra  da  lei  mata  e  o  espirito  vivifica. 

€  Para  aproveitar-se  uma  occasião  fugitiva  de  fazer  o 
bem  do  paiz,  diz  Jefferson,  é  licito  ir  além  da  coostituição. 
Nestes  casos,  os  representantes  da  nação,  se  interpretão  bem 
as  necessidades  publicas,  devem  prescindir  de  subtilezas  meta- 
physicas,  e,  arriscando-se  como  fieis  mandatário^,  pedir  depois 
á  soberania  nacional  um  biil  de  indemnidade.  Se  o  facto  pra- 
ticado é  verdadeiramente  utíl  e  honesto,  a  nação  não  des- 
approvará  o  procedimento  dos  seus  mandatários,  e  o  bill  de 
indemnidade,  tomando  mais  salientes  os  traços  da  separação 
da  linha  dos  poderes,  longe  de  enfraquecer,  ccHisolidará  a 
constituição.  > 

De  conformidade  com  a  sã  doutrina  que  acabo  de  citar, 
justificados  se  devem  considerar  os  liberaes  brasileiros  se, 
na  deplorável  situação  que  está  descripta,  appellárão  para 
um  golpe  de  estado  parlamentar,  proclamando,  apezar  da  con- 
stituição, a  maioridade  do  imperador,  e  procurando  identificar 
com  a  gloria  do  reinado  a  salvação  das  garantias  consti- 
tucionaes. 

Pensavão  os  liberaes  que  Sua  Magestade  o  Imperador 
podia  ser  o  instrumento  providencial  que  fizesse  resvalar  o 
golpe  liberticida  e  quebrar  as  taboas  de  proscripção  decre- 
tadas pela  oligarchia.' 

Offerecendo  o  seu  apoio  ao  imperador  menor,  os  liberaes 
erão  sinceros  e  procuravão  assim  dirigir  no  sentido  dos  seus 
principios  a  politica  do  segundo  reinado.  Não  tinhão  pensa- 
mento reservado.  Estava  longe  da  idéa  dos  liberaes  brasileiroa 


a60  REVISTA  DO  IXSTITUTO  rilSTORKO 

O  exemplo  dessa  opposição  famosa  que,  como  diz  H  ■  Heíiie, 
durante  a  restauração  protestou  em  França  que  se  conten- 
tava com  a  carta,  que  depois  da  revolução  de  julho  alardeava 
ter  representado  quinze  annos  uma  farça  que  aliás  continuava, 
fazendo-se,  com  visivel  ironia  e  manifesta  repugnância,  com- 
parsa da  realeza. 

Erão  unisonos.  No  dia  2  de  dezembro  de  1838,  na  cidade 
do  Serro  os  conservadores  faztão  a  festa  do  natalicio  impe- 
rial, e  a  consideravão  festa  de  partido,  em  que  os  liberaes 
nada  tinhão  que  vér. 

E  no  meio  dos  seus  cantares  estourou  entre  elles  a  profecia 
da  maioridade,  por  parte  de  um  liberal,  como  symbolo  e 
bandeira  de  todo  o  partido  liberal  do  império. 

Empunha   o   sceptro    teu,    o1i  I    magestsdc  t 
Eimiiga   a    ntpaliiuio,    ■    prepotcncu. 
O    regresso,    o    terror,    >    iniquidade. 

Uue  Kja  o  <filbo>,  oh  1  queira  a  Ptovideucia  I 

O   defenaor,    o   heróe   da    liberdade. 

Bem  como  o  e  pai  »  o  foi  di  independência   (") 

Assim  acabava  um  soneto  recitado  por  meu  fallecido 
irmão,  o  Sr.  Honório  Benedicto  Ottoni,  no  theatro  levantado 
pelos  conservadores,  e  onde  etles  julgavão  estar  sós. 

Nesta  disposição  dos  espíritos  abriu-se  a  sessão  legis- 
lativa em  1840. 

Uma  associação  se  formou  com  o  comprtrtnisso  confes- 
sado de  se  levar  a  effeito  a  maioridade. 

Creio  que  o  primeiro  motor  da  idéa  foi  o  senador  Alencar, 
em  cuja  casa  a  associação  celebrou  todas  as  suas  sessões. 

Quatorze  éramos  os  confederados,  seis  senadores  e  oito 
deputados. 

Entre  os  senadores  contavão-se  \'erfueÍro,  José  Bento 
e  Alencar ;  entre  os  deputados  os  dous  Andradas  e  Marinho. 
além  de  um  illustre  veterano  da  independência,  que  tivera 
a  prioridade  da  idéa,  propondo-a  dous  annos  antes  em  casa 
de  Alvares  Machado.  Além  do  meu  humilde  nome  só  me 
considero  autorisado  para  declinar  os  daquelles  que  já  per- 
tencem á  historia. 


{')  Vide   ejornal  do    ComiDcrcío»   de   a?   dc  Julbo  de   i&t». 

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A  attCDLAR  CE  THEOPHILO  OTTONl  36l 

Com  OS  íins  confessados  a  medida  só  podia  attingir  o 
seu  alvo  se  obtivéssemos  previamente  o  accordo  e  a  benevo- 
lência do  imperador.  a , 

Neste  presupposto,  delíberou-se  na  primeira  sessão,  antes 
de  tudo,  sondar  o  animo  de  Sua  M^estade. 

Os  Andradas  ficarão  encarregados  de  o  fazer  por  inter- 
médio de  pessoas  alto  collocadas,  e  que  tinhão  accesso  junto 
de  Sua  Magestade. 

Deliberou-se  mesmo  a  formula  da  missiva,  que  devia 
reduzir-se  a  estes  restrictos  termos: 

f  Os  Andradas  e  seus  amigos  desejão  fazer  decretar  pelo 
corpo  legislativo  a  maioridade  de  Vossa  Magestade  Imperial ; 
mas  nada  iniciarão  sem  o  consentimento  de  Vossa  Mages- 
tade Imperial. » 

€  Quero  e  estimo  muito  que  esse  negocio  seja  reau- 
ZADO  PELOS  Andradas  e  seus  amigos.  » 

Tal  a  resposta  imperial  que  trouxe  a  António  Carlos  um 
dos  embaixadores.  Era  o  gentil-homem  Bento  António  Vahia, 
que  no  dia  2  de  dezembro  desse  mesmo  anno,  em  remuneração 
do  serviço  que  prestou  ao  club  maiorístá,  foi  despachado 
conde  de  Sarapuhy. 

O  gentil-liomem  Vahia  teve  por  coli,ega  m  delicada 
missão  que  se  lhe  confiou  outro  cavalheiro  de  igual  jerarchia, 
e  que  também  foi  despachado  titular  no  mesmo  dia. 

Além  destes,  um  dos  deputados  confederados  para  a 
maioridade  estava  encarregado  de  visitar  repetidas  vezes  o 
palácio  de  S.  Christovão,  para  se  assegurar  das  boas  dispo- 
sições do  imperador. 

Desde  que  tivemos  o  assentimento  imperial  mettêmos 
mãos  á  obra. 

Discutíu-se  na  reunião  um  projecto  de  maioridade  desde 
já  acompanhado  com  diversas  providencias,  e  entre  ellas  a 
creação  de  um  conselho  de  estado. 

Por  pouco  que  esta  medida  era  o  pomo  da  discórdia  no 
club  maiorista. 

Já  expliquei  em  outra  parte  a  importância  que  dou  ao 
art.  32  do  acto  addicional.  Foi  no  meu  entender  uma  grande 
concessão  ás  idéas  democráticas  e  annullou  completamente  o 

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963  REnSTA  DO  INSTITUTO  UISTOIUCO 

poder  moderador.  O  fallecido  monsenhor  Marinho  tinha  as 
mesmas  idéas. 

Era,  pois»  impossível  que  nos  sujeitássemos  a  advogar 
nas  camarás  um  projecto  que  contrariava  nossas  mais  que- 
ridas aspirações. 

Marinho  era  um  allíado  prestimoso,  de  quem  o  club  não 
podia  prescindir. 

Por  consideração  para  com  elle  e  bondade  para  comigo, 
o  club  deliberou  destacar  as  duas  idéas  e  apresenta-las  em 
projectos  separados.  —  maioridade  e  conselho  de  estado. 

Assim  trabalhávamos  unanimemente  para  a  maioridade, 
e  nos  separaríamos  segundo  a  convicção  de  cada  um  na  lei 
do  conselho  de  estado. 

Os  dous  projectos  geraes  forão  redigidos  na  reunião  em 
o  dia  12  de  maio  de  1840  e  no  dia  seguinte  forão  submettidos 
i  consideração  do  senado. 

PROJECTO  DE  RESOLUÇÃO  PASA  DECLARAS  A  UAIOSIDAJ)E 

Sessão  em  13  de  maio  de  1840. 

«Artigo  único.  O  Sr.  D.  Pedro  IP.  imperador  consti- 
tucional e  defensor  perpetuo  do  Brasil,  é  declarado  maior 
desde  já. 

€  Antónia  Francisco  de  Paula  Hollanda  Cavalcanti  de  'AU 
buquerque.  —  José  Martiniano  de  'Alencar. — Francisco  de 
Paula  Cavalcanti  de  Albuquerque. — José  Bento  Ferreira  de 
Mello.  —  'António  Pedro  da  Costa  Ferreiro.  —  Manoel  Ignacio 
de  Mello  e  Sousa.  > 

Tinha-se  deliberado  no  club  solicitar  para  o  projecto 
da  maioridade  a  assignatura  do  marquez  de  Paranaguá,  que 
se  inculcava  o  monarchista  por  excellencia,  mas  que  não  com- 
mungava  com  a  oligarchía.  O  marquez  declarou  que  não 
assignava,  mas  comprometteu-se  a  adv<^r  sua  adopção  na 
tribuna,  como  effectivamente  o  fez,  apezar  de  não  ter  sido 
a  doutrina  impugnada. 

Emquanto  pendia  de  decisão  do  senado  o  projecto  de 
maioridade,  o  deputado  Carneiro  Leão,  para  melhor  fazer 
pressão  sobre  a  «unara  vitalícia,  motivou  na  camará  tem- 

Coogle 


K  CniCCLÂR  DE  THEOPHIIO  OTTONI  263 

poraria  um  projecto  de  reforma  da  constituição,  autorisando 
os  eleitores  da  seguinte  legislatura  a  darem  poderes  consti- 
tuintes aos  novos  deputados  para  refonnarcm  o  art.  121,  que 
marca  a  época  da  maioridade  do  monarcha. 

A  discussão  abriu-sc;  e,  como  tenho  já  exposto  meus 
principies  e  modo  de  encarar  a  questão,  está  claro  qual  terál 
sido  o  meu  precedímento  nesta  eventualidade. 

Quando  oradores  distinctos  trouxerão  para  o  campo  da 
argumentação  subtilezas  metaphysicas,  e  pretenderão  provar 
que  a  dispensa  da  idade  imperial  cabia  nas  faculdades  ordi- 
nárias da  legislatura,  os  princípios  puderão  mais  no  meu 
espirito  do  que  a  consideração  que  eu  tributava  e  tributo  ainda 
ás  illustrações  que  assim  se  enunciavão. 

No  Jornal  do  Commercio  de  18  de  julho  de  1840  vem 
o  discurso  em  que  mais  detalhadamente  me  expliquei  a  res- 
peito. 

Disse  eu: 

«  Sr.  presidente,  eu  estava  resolvido  a  não  tornar  parte 
'  no  presente  debate,  porque  oradores  muito  abalisados  já  de 
antemão  se  havião  empenhado,  mesmo  antes  de  começar  a 
discussão  do  projecto,  em  analísa-lo,  e  havião  annunciado  a 
intenção  em  que  estavão  de  faze-lo,  como  teem  feito,  com 
profundidade  de  conhecimentos  e  de  illustração,  que  eu  nem 
de  longe  poderei  imitar. 

«  Entretanto,  Sr.  presidente,  fui  obrigado  a  pedir  a  pa- 
lavra, provocado  pelo  nobre  deputado  2°  secretario,  chamado 
a  terreiro  e 'interrogado  sobre  minhas  opiniões  antigas  a  este 
respeito;  fui  por  consequência  forçado  a  pedir  a  palavra  para 
tomar  parte  na  presente  discussão:  entrarei,  pois,  nella,  é 
serei  o  mais  resumido  que  for  possível,  dando  a  minha  opi- 
nião a  respeito  do  projecto,  a  respeito  de  alguns  tópicos  que 
se  teem  aventado  na  casa,  e  algumas  respostas  ás  observações 
que  teem  apparecido. 

«  Sr.  presidente,  eu  voto  contra  o  projecto  que  está  em 
discussão  porque  é  inteiramente  inútil  e  não  preenche  os  fins 
que  se  diz  ter  em  vista  com  a  sua  apresentação.  Quer  o 
projecto  que  os  eleitores  que  teem  de  nomear  os  deputados 
da  legislatura  que  ha  de  começar  em  1842  lhes  confirão  nas 
procurações  especial  faculdade  para  reformar  a  constituição 


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304  «BVISTA   DO  INSTITUTO  RISTORtCO 

110  artigo  que  diz  respeito  ao  termo  da  menoridade  do  mo- 
iiarcha:  entretanto,  Sr.  presidente,  a  legislatura  de  1842,  na 
forma  da  constituição,  está  convocada  desde  o  dia  3  de  junho ; 
e,  na  íórma  da  lei  de  29  de  julho  de  1828  no  S  1°  do  art.  r, 
no  prazo  de  seis  mezes,  contados  da  época  em  que  o  decreto 
da  convocação  chegar  ás  differentes  províncias,  as  eleições 
devem  estar  ultimadas.  E'  verdade  que  S.  Ex.  o  Sr.  ministro 
da  justiça  já  declarou  no  senado  que  havia  recommendado 
aos  presidentes  das  provincias  que  tivessem  em  consideração 
na  execução  da  lei  o  projecto  que  se  achava  no  sraiado,  es- 
paçando as  eleições. 

«  Mas,  Sr.  presidente,  nem  a  intenção  do  governo,  se- 
gundo se  expressou  o  Sr.  ministro  da  justiça,  era  que  se 
espaçasse  contra  a  lei  o  prazo  das  eleições  além  dos  seis 
mezes,  nem  as  circumstancias  actuaes  são  hoje  aquellas  sob 
as  quaes  fez  esta  declaração  o  Sr.  ministro  da  justiça. 

«Quasi  dous  mezes  são  passados  da  convocação;  restão, 
portanto,  apenas  quatro  mezes,  dentro  dos  quaes  se  teem 
de  ultimar  as  eleições  nas  provincias  mais  longínquas,  como 
o  Pará  e  Mato-Grosso.  Por  consequência,  serál  possível  que 
esta  lei  que  discutimos  chegue  a  estas  provincias  antes  de 
se  fazerem  as  eleições?  Evidentemente  é  ímpossivel.  O  espa- 
çamento das  eleições  acaba  de  ser  rejeitado  na  camará  vi- 
talícia, tendo-se  votado  alli,  não  só  contra  o  artigo  que  deter- 
mina que  as  eleições  se  não  facão  senão  no  anno  de  1841,  como 
contra  todas  as  outras  providencias,  á  excepção  de  uma, 
que  se  achavão  consignadas  naquelle  projecto.  Por  conse- 
quência, já  o  senado  interpoz  a  sua  opinião  a  respeito  do 
espaçamento  da  eleição;  e,  se  o  curto  prazo  marcado  pela 
constituição  e  pela  lei  regulamentar  respectiva  não  permitte 
que,  ainda  no  caso  de  passar  o  projecto  que  se  acha  em 
discussão  pelos  tramites  exigidos  na  constituição,  chegue  elle 
a  tempo  de  poderem  os  eleitores  conferir  poderes  especiaes 
aos  deputados  da  seguinte  legislatura,  é  evidente  que  o  pro- 
jecto é  inteiramente  ocioso,  é  inútil.  Nem  vejo  razão  para 
que  nos  occupemos  de  um  projecto  que  não  preenche  os  fins 
a  que  se  destina. 

«  E'  verdade  que  o  nobre  autor  do  projecto  e  os  nobres 
deputados  que  o  defenderão  adví^rão  na  casa  o  espaçamento 


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A  CmCDLAIl  BB  THEOt-HIU)  OTTOHI  265 

das  eleições;  mas  eu  tenho  de  lamentar  uma  contradicção 
bem  flagrante  a  este  respeito,  e  é  que  os  alliados  dos  nobres 
deputados  defensores  do  projecto,  que  formão  a  maioria  no 
senado,  não  fizessem  passar  alli  o  espaçamento  das  eleições  I 
Os  alliados  do  ministério  actual,  os.  alliados  do  nobre  depu- 
tado autor  do  projecto,  já  de  antemão  havião  declarado  nó 
senado  que  não  querião  este  projecto.  Ora,  á  vista  destes 
successos,  eu  faem  podia  capitular  este  projecto  como  uma 
allicantina  parlamentar,  tendente  unicamente  a  fazer  cahir 
na  outra  camará,  como  já  se  disse;  outro  projecto  que  se 
temia. 

«  Sr.  presidente,  os  nobres  defensores  do  projecto  parece 
que  hoje  tomão  o  conselho  que  Felippe  II  dava  aos  estadistas : 
dizia  este  monarcha  que  o  homem  politico  devia  constan- 
temente voltar  os  costas  para  o  alvo  a  que  pretendia  cliegar, 
e  que  devia  proceder  como  os  remadores,  que,  sentados  nos 
seus  bancos,  voltão  as  costas  para  onde  a  força  de  seus 
braços  impelle  a  embar<^ção.  Sem  duvida,  á,vista  do  succf ssq 
Decorrido  na  outra  camará,  de  se  rejeitar  o  espaçamento 
das  eleições,  á  vista  da  impossibilidade  em  que  estamos  de 
que  tenha  logar,  pela  reforma  exigida  no  projecto,  a  maio- 
ridade, é  evidente  que  os  defensores  do  projecto,  conforme 
Felippe  II  aconselha  aos  estadistas  que  procedão,  fazem  como 
os  remadores;  voltão  as  costas  para  o  alvo  a  que  pretendem 
attingir ;  mas  remão  para  elle.  Os  nobres  defensores  do  pro- 
jecto voltão  prudentemente  a  cara  para  S.  Christovão.  mas 
remão  para  a  rua  dos  Arcos.  (Risadas  e  apoiados.) 

«  Sr,  presidente,  a  isto  poderia  eu  limitar-me  pelo  que 
diz  respeito  ao  projecto;  na  casa  tem-se  jS  discutido  suffi- 
cientemente  qual  o  meio  de  fazer  terminar  o  provisório  actual, 
qual  o  meio  mais  conveniente  e  constitucional  para  elevar-se 
ao  throno  o  Sr.  D.  Pedro  II ;  mas  os  defensores  do  projecto 
contradizem-se,  porque  alguns,  como  o  nobre  deputado  pela 
província  de  Minas-Geraes,  fazendo  ver  que  a  idade  de  18 
annos  é  a  mais  apropriada  em  geral  para  terminar  a  meno- 
ridade, entretanto  votão  pelo  projecto. 

f  Se  a  idade  de  18  annos  é  a  mais  apropriada  para  ter- 
minar a  menoridade  do  monarcha,  por  que  razão  votão  os 
nobres  deputados  por  um  projecto  que  tende  a  enairlar  este 


Dy  Google 


REVISTA.  DO  INSTITUTO  HUTOaiOO 

e  03  nobres  deputados  ju^o  tão  razoável?  Mas, 
lente,  esta  mesma  contradicção  dos  nobres  deputados 
suas  convicções,  revela  que  os  nobres  deputados  estSo 
os  á  vista  da  marcha  dos  n^ocios  públicos,  que 
lis  possível  que  o  mesmo  braço  que  hoje  dirige  o 
istado  continue.  (Apoiados.) 
presidente,  eu  entro  com  alguma  difficuldade  nesta 
lorque  tem  alguma  cousa  de  pessoal  a  respeito  da 
rresponsavel.  Mas  em  primeiro  Ic^r  eu  vejo  que 
lição  s6  declara  irresponsável  o  r^ente,  não  o  de- 
iolavel,  por  consequência,  permitte  que  se  discuta 
mportamento:  em  segundo  Ic^r  tenho  os  prece- 
>s  nobres  deputados  que  hoje  formão  a  maioria. 
s.)  Constantemente  na  legislatura  passada  se  dis- 
aneira  mais  ou  menos  constitucional  por  que  a  von- 
iponsavel  de  então  se  dirigiu  no  exercicio  do  seu 
ego  ..»,.,,..    ^    ,.-.,..    . 

i,  Sr.  presidente,  á  vista  destas  considerações  e  de 
:  resultão  dos  factos  que  expuz,  factos  não  meus, 
do  a  que  pertenço,  mas  de  outras  pessoas  que  teem 
a  contacto  com  o  governo  actual  não  resulta  que 
ias  circumstancias  as  mais  melindrosas  e  delicadas 
paiz  talvez  se  tenha  achado,  e  que  será  preciso  alguma 
le  remova  os  males  que  nos  estão  imminentes  ?  Creio 
s  observações  evidentemente  se  concluc  a  conveni- 
lecretar-se  a  maioridade  do  monarcha,  e  que  somente 
aridade  do  monarcha  podem  cessar  os  males  pu- 

rtanto,  se  a  decretação  desta  medida  não  pôde  ter 

)s  meios  que  o  projecto  indica,  e  se,  ainda  que  pu- 

logar,  não  sei  se  nossos  males  admittem  uma  demora 

annos. . . 

Sr9.  Quadro  Aranha  e  Andrada  :  —  Apoiado. 

Sb.  Ottoni — ...  creio  que  nestas  circumstancias 
camará,  quando  se  apresentasse  um  projecto  dis- 
os  annos  que  restão  para  cí«npletar-se  a  maiori- 

nonarcha,  deveria  sem  duvida  tomar  sobre  si  a  res- 


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A  CiaCDLAB  DE  TBB0PH1I.0  OTTONI  367 

ponsabilidade  que  desse  seu  acto  pudesse  provir  e  decretar 
a  dispensa. 

<  Sr.  presidente,  eu  não  pretendo  entrar  na  discussão 
da  constitucionalidade  do  art.  121  da  constituição.  Entre- 
tanto, as  minhas  opiniões  a  este  respeito  estão  consignadas 
em  um  discurso  que  o  nobre  deputado  pela  provinda  de 
Minas-Geraes  teve  a  bondade  (fe  trazar  á  casa;  e  a  camará 
ha  de  permittir  que  eu  leta  duas  linhas  desse  discurso,  onde 
bem  expressamente  se  dá  a  entender  qual  é  minha  opinião., 
Eu  disse  na  assembléa  legislativa  provincial  de  Minas-Geraes, 
tratando  de  um  artigo  que  está  nas  circumstancías  do  art  121 
da  constituição :  <  Se  o  artigo  da  constituição  (o  que  exige 
a  idade  de  25  annos  para  o  parente  mais  próximo  do  impe- 
rador poder  assumir  a  regência)  não  tem  caracter  de  consti- 
tucional, então  não  ha  na  constituição  alguma  disposição  que 
seja  ctmstltucional,  e  tudo  está  á  discrição  e  mercê  da  as- 
sembléa geral  l^slativa.  > 

«  Sr.  presidente,  a  consideração  que  mais  tem  influidò 
no  meu  espírito  para  emittir  este  voto,  e  que  ainda  hoje  me 
obriga  a  sustentar  esta  minha  opinião,  apezar  de  argumentos 
tão  luminosos  que  teem  sido  apresentados  pelos  senhores  do 
meu  lado,  e  apezar  de  ter  sido  discutida  com  tanto  saber  a 
questão  da  constitucionalidade  do  artigo;  a  consideração  de 
conveniência,  digo,  que  me  obrigou  e  me  obriga  a  insistir 
nesta  opinião  que  professo  é  o  receio  de  que  a  assembléa 
geral  abuse  de  um  precedente  desta  natureza,  e  queira  re- 
formar outros  artigos  da  constituição  a  pretexto  de  que  não 
são  constítucionaes .  Foi  sempre  a  minha  opinião  que  era 
constitucional  tudo  que  estava  na  constituição,  mesmo  apezar 
do  disposto  no  art.  178.  Se  nós  formos  querer  entender  lit- 
teralmente  o  art.  i^S  da  constituição,  achar-nos-hemos  a 
respeito  de  quasi  todos  os  artigos  nos  mesmos  embaraços  em 
que  se  teem  achado  os  oradores  do  lado  opposto,  para  res- 
ponder aos  argumentos  dos  oradores  do  lado  a  que  pertenço, 
que  sustentão  que  o  artigo  não  é  constitucional. 

<  Quando  se  tratou  da  reforma  do  acto  addicional  e  em 
outras  occasiões  tenho-me  pronunciado  contra  a  omnipotência 
parlamentar;  tenho  declarado  que  devemos  considerar  consti- 
tucional tudo  que  existe  na  constituição,  não  obstante  a  letra 


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368  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO' 

"do  art.  178,  e  que  nunca  rfeviamos  admittir  reforma  de  um 
artigo  da  constituição  a  pretexto  de  que  não  era  disposição 
constitucional,  pelos  inconvenientes  e  abusos  que  daqui  podem 
r-se.  Por  consequência,  quando  apparecer  o  projecto 
jridade  de  Sua  Magestade  o  Imperador,  eu  votarei  por 
as  pela  razão  de  conveniência  (apoiados),  pondo  de 
1  questão  de  constitucionalidade;  porque,  segundo  os 
irincipios,  em  certas  circumstancias  e  occasiões,  pode 
itor  das  leis  e  da  constituição  tomar  sob  sua  respon- 
:de  o  não  proceder  inteiramente  de  accordo  com  a  letra 
10  espirito  da  lei,  quando  motivos  muito  ponderosos 
ão  este  seu  procedimento.  Digo  a  minha  opinião 
nente,  e  quando  apparecer  em  discussão  na  casa  um 
í  a  este  respeito  tomarei  francamente  sobre  mim  a 
abilídade,  e  direi  á  nação :  <  A  minha  convicção  me 
este  artigo  é  constitucional :  eu  tenho  receio  de  que 
ibléa  geral  entre  na  discussão  de  quaes  são  os  artigos 
icionaes  e  de  quaes  o  não  são:  entretanto  o  governo 
)ela  maneira  por  que  procede  abisma'  a  nação:  o  meio 
icional  que  sympathisaria  mais  com  meus  princípios, 
e  acha  consagrado  na  constituição,  é  inexequível,  por 
I  cabe  no  tempo;  e,  quando  não  seja  inexequível,  trará 
iltado  tomar-se  a  medida  daqui  a  dous  annos,  quando 
I  precisa  de  remédio  immediato,  quando  dous  annos 
antes  talvez,  ou  antes  quando  dous  annos  são  bastantes 
)  para  acabar-se  de  perder  a  nação.  > 
Testas  circumstancias,  eu,  posto  aqui  por  meus  consti- 
para velar  na  guarda  da  constituição  e  das  leis,  tomo 
lim  esta  responsabilidade  de  emittir  um  voto,  não 
r  dos  meus  principios,  não  muito  de  accordo  com  os 
rincipios,  mas  porque  as  circumstancias  da  nação  o 

.'  vista  desta  declaração  franca  e  leal,  os  meus  consti- 
decidirão  se  obrei  bem  ou  mal ;  elles,  ou  me  darão 
e  idemnidade,  ou,  lançando-me  fora  dos  bancos  desta 
anifestarào  que  desapprovão  e  que  censurão  o  meu 
nento . 

r.    presidente,  creio  que,   se  a  legislatura  brasileira, 
a  época  da  maioridade,  dissesse  ao  Brasil:  «Eis 


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DE  TIIEOPHILO  OTTOHI  s69 

aqui  a  constituição  com  o  art.  121  intacto;  entendi  que  este 
artigo  era  constitucional  e  tive  escrúpulos  (apezar  de  que  o 
povo  lhe  potfia  responder:  «Não  tiveste  tanto  escrúpulo 
quando  trataste  de  reformar  o  acto  addicional  !...  >  Mas 
quero  pór  isto  de  parte),  tive  escrúpulos  de  tocar  neste  artigo, 
que  julguei  constitucional,  entendido  restrictaniente ;  entrego- 
vos,  portanto,  a  constituição  nesta  parte  ao  menos  do 
art.  izi  intacta.  »  Mas  o  Rio  Grande  perdeu-se,  a  confla- 
gração continua  em  todo  o  orbe  brasileiro;  a  bancarota  bate 
á  porta;  e  entretanto  não  pudemos  evitar  isto,  porque  o  re- 
gente, que  tomou  posse  no  anno  de  1838,  tinha  direito  adqui- 
rido, como  nos  disse  um  illustre  jurisconsulto  bontem,  a 
governar  o  Brasil  por  quatro  annos;  e,  como  nos  disse  outro 
nobre  deputado  de  Pernambuco  hoje,  porque  a  camará  dos 
deputados,  ou  os  deputados  adquirirão  o  direito  de  ser  de- 
putados por  quatro  annos,  e,  se  acaso  a  maioridade  do  mo- 
narcha  tiver  Ic^r  desde  já,  poslergão-se  os  nossos  direitos 
adquiridos,  pôde  haver  alguma  dissolução,  e  nós  perdemos 
o  direito  de  ser  deputados  por  quatro  annos.    (Risadas.) 

«  Creio,  Sr,  presidente,  que  o  povo  brasileiro  em  taes 
circumstancias  não  applaudiria  certamente  o  nosso  respeito 
pelo  art.  121  da  constituição;  pelo  contrario  estou  persuadido 
que  o  povo  applaudiria  aquelles  que,  iwsto  não  estivessem 
convencidos  de  que  cabia  nas  attribuições  da  assembléa  geral 
a  medida:  de  que  fallo,  comtudo  tinhão-Uie  dado  seu  voto, 
por  julgarem  que  as  circumstancias  o  exigião. 

«Tem-se,  Sr.  presidente,  argiunentado  muito  com  os 
defeitos  das  regências,  tem-se  querido  persuadir  que  todos 
os  nossos  males  nascem  da  falta  de  prestigio  que  acompanha 
ordinariamente  a  estes  governos. 

«  Sr.  presidente,  eu  estou  intimamente  con\cncido  de  que 
os  inconvenientes  que  teem  sido  apresentados  nesta  casa  como 
próprios  das  menoridades  e  dos  governos  regenciaes  teem 
logar  especialmente  nas  monarchias  absolutas;  não  entendo, 
portanto,  que  seja  da  construcção  e  da  organtsação  do  governo 
durante  a  menoridade  que  nasção  nossos  males;  nascerão, 
sim,  do  desacerto  da  escolha.  Eu  estou  persuadido  dt  que, 
se  os  votos  dos  cidadãos  brasileiros  tivessem  collocado  no 
alto  posto  de  regente  a  um  individuo  que  comprehendesse 


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370  ■    REVISTA  DO  tM8TITUI0  HBIXHUCO 

bem  o  elevado  daquella  posição,  a  um  individuei  que  tratasse 
de  corresponder  á  espectativa  de  seus  concidadãfos,  esses 
decantados  inconvenientes  da  franqueza  das  regências  não 
terião  apparecido,  embora,  Sr.  presidente,  os  votos  dos  ci- 
dadãos fossem  procurar  em  uma  fabrica  de  velas  o  filho 
do  proprietário;  se  succedesse  que  esse  homem,  pelo  voto 
de  seus  concidadãos,  assim  tirado  da  obscuridade,  fosse  um 
Franklin,  não  seria  por  falta  de  prestigio  que  elle  deixaria 
de  cumprir  os  elevados  deveres  de  sua  posição. 

<  Terei  de  dizer  mais  algumas  verdades,  bem  que  triviaes; 
entretanto  eu  julgo-me  obrigado  a  dize-las.s 

«  Eu  confio  muito  em  que  o  prestigio  da  realeza  contri- 
buirá alguma  cousa  para  melhorar  as  difficuldades  do  go- 
verno; entretanto  não  entendo  que  o  prestigio  que  cerca  o 
throno  do  Sr.  D,  Pedro  II  venha  de  que  seus  antepassados, 
desde  séculos  muito  remotos,  occupassem  thronos  na  Europa. 

«Sr.  presidente,  o  prestigio  do  Sr,  D.  Pedro  II  nasce 
do  campo  da  Acciamação,  onde  seu  pai  foi  acclamado  im- 
perador do  Brasil,  não  porque  descendesse  de  uma  antiga 
linhagem  de  reis  da  Europa,  mas  porque,  comprehendendo 
bem  as  necessidades  do  Brasil,  pòz-se  á  frente  da  nossa  inde- 
pendência, e  soltou  nas  margens  do  Ypiranga  esse  grito  fa- 
moso:—  Independência  ou  morte  1  Se  acaso  succedesse  que, 
em  vez  de  ser  o  primeiro  imperador  do  Brasil,  descendente 
da  casa  de  Bragança,  quem  se  pôz  á  frente  deste  movimento 
verdadeiramente  nacional,  que  nos  elevou  á  categoria  de  nação, 
fosse  outro  heróe,  como  João  Fernandes  Vieira,  e  a  nação 
tivesse  collocado  a  coroa  sobre  a  sua  cabeça',  o  Sr.  D  Pedro  II, 
descendente  desse  outro  heróe,  e  não  do  filho  dos  reis,  não 
teria  menos  prestigio.  (Susurro  de  reprovação).  O  prestigio 
do  Sr.  D.  Pedro  II  nasce  da  constituição  e  da  acciamação, 
pela  qual  o  povo  elevou  o  primeiro  imperador  ao  throno  que 
elle  tinha  erigido. 

«  Passarei  agora  a  responder,  ainda  que  mui  levemente, 
a  alguns  dos  tópicos  do  discurso  do  nobre  deputado  que  me 
precedeu. 

«  Muito  sinto  que  o  nobre  deputado  se  tivesse  retirado 
da  casa ;  mas,  como  estou  prompto  para  repetir  quando  S.  Ex, 
.estiver  presente  o  que  vou  agora  dizer  á  camará,  não  se  to- 


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A  CIRCUtAR  DE  THEOPHILO^OITONI  37I 

mará  como  falta  de  generosidade  de  minha  parte  fallar  pela 
maneira  por  que  o  vou  fazer ;  porque  seria  na  verdade  falta 
de.  generosidade  da  minha  parte  censurar  no  illustre  deputado 
ausente  uma  contradicção  flagrante  «e  eu  não  estivesse  re- 
solvido  a  dizer  o  mesmo  em  qualquer  occasião  on  que  o  nobre 
deputado  possa  defender-se. 

«  O  nobre  deputado  começou  o  seu  discurso  declarando 
que  não  queria  arriscar  a  inexpeqencia  dos  primeiros  annos 
do  imperador. 

€  Ora,  pergunto  ao  illustre  deputado :  «  O  imperador 
ficaria  mais  moço,  ficaria  mais  inexperiente,  de  25  de  maio 
de  1837  para  cá?  Desejava  que  o  nobre  deputado  me  res- 
pondesse a  isso,  porque,  segundo  vejo  no  .Correio  Official 
do  dia  26  de  maio  de  1837,  o  nobre  deputado  de  Pernambuco, 
ex-ministro  dos  negócios  estrangeiros,  que  acabou  de  fallar, 
foi  um  dos  dez  membros  desta  casa  que  apoiarão  um  pro- 
jecto do  Sr.  deputado  Vieira  Souto  propondo  por  uma  lei 
ordinária  a  maioridade  de  Sua  Magestade  o.  Imperador. 
(Apoiados.)  Eis  o  que  diz  o  Correio  Official  de  26  de  maio 
de  1837,.  (U.) 

«Alguns  Sbs.  deputados  —  Não  ha  a  menor  duvida. 

cO  Sb.  Ottoni:  —  Por  consequência,  desejava  que  o 
nobre  deputado  attendesse  bem  para  isto,  e  me  dissesse  se 
em  1840  o  imperador  era  mais  joven,  mais  inexperiente,  do 
que  em  1837.  (  Apoiados  e  risadas.) 

« Mas,  Sr.  presidente,  talvez  em  1837  existisse  com 
muito  mais  verdade  o  que  o  nobre  deputado  pela  provincia  de 
Minas-Geraes  nos  quer  attribuir  hoje.  O  nobre  deputado  disse- 
nos  que  quer-se  a  maioridade  porque  se  tem  fome  de  poder. 
Em  1837,  quando  o  joven  monarcha  não  era  joven,  não  era 
inexperiente,  por  que  razão  se  davão  estes  votos?  Porque  se 
tinha  fome  de  poder,  segundo  os  princípios  do  nobre  deputado 
peta  província  de  Mínas-Geraes  applicados  á  opposição 
actual. 

« Eu  não  cito,  senhores,  os  nomes  dos  dez  deputados 
que  votarão  desta  maneira,  porque  alguns  se  teem  pronun- 
ciado coherentemente  com  suas  opiniSes  de  então  e  outros 
ainda  se  não  enunciarão  na  casa;  e  não  quero  incorrer  na 
X  censura  que  fiz  ao  nobre  deputado  pela  provincia  de 


.  Cooglc 


373  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

ilinas-Geraes,  de  querer  achar  contradicção  antes  de  os  depu- 
tados emittirem  suas  opiniões. 

«  O  nobre  deputado  de  Pernambuco,  ex-mínistro  dos  ne- 
gócios estrangeiros,  fez  duas  distíncções  entre  mudanças  de 
princípios  que  se  tinhão  professado  no  verdor  dos  annos, 
quando  liberaes,  e  quando  o  não  erão.  Quando  os  princípios 
professatfos  por  alguém  no  verdor  dos  annos  são  liberaes  esse 
nobre  deputado  justifica  a  mudança;  mas  disse  que  o  nobre 
deputado  pela  provincia  de  S.  Paulo,  o  Sr.  Alvares  Machado, 
incorre  em  grave  censura,  porque  mudou  os  princípios  pro- 
fessados no  verdor  dos  annos  para  princípios  menos  liberaes 
actualmente.  Entretanto  a  demonstração  disto  cifra-se  na 
conducta  do  nobre  deputado  em  1837.  De  modo  que  agora 
é  que  sei  que  o  meu  nobre  amigo  em  1837  estava  no  verdor 
dos  annos.  {Apoiados^  e  risadas.)  Mas  creío  que  o  nobre 
deputado  não  estava  nas  circumstancias  mencionadas;  não 
mudou  suas  opiniões  liberaes  para  opiniões  menos  liberaes; 
nem  mudou  de  opiniões  que  erão  menos  liberaes  para  as 
opiniões  que  o  nobre  deputado  em  outras  occasiões  disse  que 
são  republicanas. 

«Mas,  Sr.  presidente,  o  nobre  deputado,  que  acha  o  meu 
nobre  amígo  de  S.  Paulo  corcunda,  achou  uma  cousa  que 
ninguém  sabia;  e  a  reputação  de  que  goza  o  Sr,  Alvares 
Afachado  con»  patriota,  como  amigo  das  instituições,  como 
amigo  do  progresso  na  ordem,  é  uma  reputação  bem  esta- 
belecida {Apoiados.)  Primeiramente,  não  sei  que  agora  de 
maneira  alguma  possa  estar  em  contradicção  com  os  prin- 
cípios que  tão  porfíadamente  tem  defendido  por  tão  longos 
annos  (Apoiados)  ;  em  segundo  logar,  o  nobre  deputado,  qile 
censurou  tanto  esta  incoherencia,  é  o  mesmo  que  votou  tam- 
bém nesta  casa  pela  adopção  do  acto  addícíonal,  e  vem  nos 
dizer  hoje  que  o  acto  addicional  é  illegal,  que  a  camará  cons- 
tituída em  1834  não  tinha  poderes  para  reformar  a  consti- 
tuição independentemente  do  senado. 

.« Eu  não  entrarei  nesta  questão,  porque  foi  ventilada 
na  casa  com  muita  sabedoria;  apresentárão-se  argumentos 
tirados  da  letra  c  espirito  da  constituição  e  índole  do  systenm 
representativo,  principalmente  em  um  paíz  cujo  dogma  fun- 
damental é  a  soberania  nacional.  Argumentou-se  nesta  casa 


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A  CIUCULAIt  DE  THEOPillLO  OTTONI  373 

com  considerações  deduzidas  deste  principio,  que  o  único 
poder  que  estava  competentemente  autorisado  para  modi- 
ficar o  pacto  social  era  a  camará  dos  deputados,  que  tinha 
recebido  do  povo  especial  autoridade  para  fazer  esta  modi- 
ficação. Não  preciso  entrar  nesta  questão,  que  foi  muito 
bem  decidida  nesta  casa,  depois  de  uma  discussão  muito  lu- 
minosa; mas  entretanto  o  nobre  deputado,  que  ■  estava  per- 
suadido que  era  nullo  o  acto  addJcional,  não  sei  como  justi- 
ficará o  seu  voto  a  favor  da  adopção  do  projecto. . . 
cO  Sr.  Quadros  Aranha:  —  Apoiado. 
«O  Sr.  Ottoni: — ...  quando  podia  ter  outros  argu- 
mentos para  rejeitar  o  acto  addicional,  os  quaes  vou  men- 
cionar, porque  podem  offerecer  outras  provas  da  incolierencia 
do  nobre  deputado.  O  nobre  deputado  podia  rejeitar  o  acto 
addicional  por  não  terem  passado  muitas  idéas  suas  e  de 
pessoas  com  quem  estava  intimamente  ligado,  querendo  que 
os  presidentes  não  fossem  nomeados  pelo  imperador,  mas 
pelos  eleitores  das  províncias,  em  listas  tríplices.  (Apoindos.) 
Outros  argumentos  desta  natureza  poderia  o  nobre  deputado 
apresentar  como  fundamento  para  rejeitar  o  acto  addicional, 
mas  desprezou  todos  esses  argumentos,  votou  pela  adopção 
do  acto  addicional,  e  agora  nos  vem  dizer  que  o  acto  addi- 
cional é  nullo,  porque  a  camará  dos  deputados  não  o  podia  ■ 
decretar  sem  o  concurso  do  senado.  Declarou-nos  também 
o  illustre  deputado  que  a  lei  da  regência  é  constitucional,  e 
que,  sendo  constitucional,  não  podia  ser  alterada  por  lei  or- 
dinária; entretanto  durante  o  tempo  em  que  o  Sr.  deputado 
fez  parte  do  seu  ministério  pedirão-se  modificações  á  lei  da 
regência,  como  autorisação  para  o  governo  dar  amnistia. 
(Apoiados.)  Entretanto  o  nobre  deputado  se  esqueceu  disto. 

«  Passo  agora  a  respontfer  ás  observações  de  um  nobre 
deputado  que  foi  presidente  de  Minas-Geraes,  e  na  mesma 
occasião  responderei  a  outros  argumentos  que  até  aqui  não 
tenho  tomado  em  consideração. 

cO  nobre  deputado  pela  província  de  Minas-Geraes,  a 
quem  me  refiro,  expressou,  como  é  seu  costume,  mui  franca- 
mente a  sua  opinião  a  este  respeito.  O  nobre  deputado  disse: 
<  Todos  os  males  do  Brasil  nascem  da  opposição  que  se  fez 
ao  governo  de  D.  Pedro  I  e  das  leis  que  forão  filhas  dessa 


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374  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

opposição  > ;  e  por  consequência  o  nobre  deputado  não  quer 
levar  o  imperador  ao  throno  emquanto  não  cahJr  por  terra 
toda  a  legislação  filha  da  opposição  feita  ao  governo  de 
D.  Pedro  I. 

€  O  nobre  deputado,  quando  raciocina  desta  maneira, 
quando  cstigmatisa  a  opposição  desde  1824  até  1831,  csque- 
ce-se  de  tutfo  o  que  occorreu  naquellas  épocas;  esquece-se 
de  tudo  absolutamente.  Pois  porventura  seria  menos  ra- 
zoável a  opposição  que  se  fez  á  dissolução  da  assembléa 
constituinte?  Porventura  seria  menos  razoável  a  opposição 
que  se  fez  quando  o  ministério  que  cahiu  em  dezembro  de 
1S29,  com  geral  applauso  da  nação,  tramava  para  o  absolu- 
tismo? Quando  esse  ministério  mandava  vir  das  províncias 
a  um  liomem  como  Pinto  Madeira,  de  quem  as  próprias  auto- 
ridades do  Ceará,  que  o  apoiavão  por  ordem  do  governo 
de  então,  dizião:  «Este  homem  é  um  tigre,  cuja  ferocidade 
se  exercita  contra  os  inimigos  de  Sua  Magestade  » ;  quando, 
digo,  o  ministério  mandava  vir  este  homem,  o  cobria  de 
comniendas  e  lhe  dava  postos  no  exercito,  e  o  encarregava 
do  commando  militar  das  villas  do  Jardim  e  do  Crato,  onde 
este  homem  foi  immediatamente  soltar  o  grito  do  absolutismo ; 
seria  menos  patriótica  a  opiiosição  feita  a  ministérios  que 
apoiavão,  galardoavão  e  premiavão  homens  desta  natureza? 
O  ministério  que  crcava  conimissÕes  militares,  que  mandava 
degolar  os  cidadãos  sem  sentença,  que  mandava  fazer  assas- 
sinatos jurídicos  em  virtude  de  sentenças  de  commissões  mi- 
litares; o  ministério  que  procedia  desta  maneira,  o  ministério 
que  compromettia  por  este  modo  o  fundador  do  império, 
não  terá  porventura  parte  alguma  na  abdicação  do  ex-im- 
perador?  Não  será  responsável  por  ella?  E  serão  rcsi>onsaveis 
por  essa  abdicação  os  cidadãos  generosos,  amigos  da  liber- 
dade da  sua  pátria,  que  ti\-erão  coragem  de  oppor-se  aos 
planos  de  absolutismo,  que  tiverão  a  coragem  de  oppôr-se 
aos  planos  da  sociedade  das  Columnas,  instituida  em  Per- 
nambuco? E,  se  são  responsáveis  como  causa  originaria  dessa 
abdicação  os  homens  cujos  erros  comprometterão  tão  grave- 
mente o  monarcha,  porque  o  nobre  deputado  lhes  dá  amnistia? 
Mas  em  verdade  o  nobre  deputado  está  coherente  com  seus 


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K  cmctíi.An  DE  THEOPiiiLo  OTTONi  a?5 

princípios  porque  o  nobre  deputado  absolveu  nesta  casa  a 
homens  que  tinhão  creado  commissões  militares. 

«O  Sr.  Miranda  Ribeiro:  — Eu  dei  as  ra2Õe3  por  que. 

«  O  Sr.  Ottoni  :  —  Mas  eu  quizera  que  o  nobre  depu- 
tado não  fizesse  recaliir  sobre  a  opposíção  generosa  e  patrió- 
tica da  primeira  legislatura,  que  começou  em  1826,  os 
peccados  que  são  propriamente  peccados  de  seua  alliados  po- 
líticos; porque  forão  elles  que  compromettêrão  o  primeiro 
imperador  do  Brasil;  porque  forão  elles  que  assustarão  a 
naqão.  caminhando  indevidamente  por  um  caminho  que  não 
era  constitucional.  Mas  o  nobre  deputado  não  quer  somente 
fazer  esta  opposição  patriótica  e  generosa,  solidaria  e  respon- 
sável pelo  que  então  succedeu.  quer  também  que  seus  actos 
sejào  todos  responsáveis;  quer  também  que  se  risquem  das 
collecções  das  leis  do  Brasil  todas  as  leis  filhas  desla  oppo- 
5Íi;ão,  e  que  se  sacrifiquem  cm  holocausto  aos  principios  do 
ministério  de  1829  e  das  instituições  das  Columnas.  Ora,  eu 
julguei  tanto  mais  necessário  pronunciar-me  contra  uma  pro- 
posição desta  natureza,  avançada  pelo  nobre  deputado,  quando 
o  partido  que  domina  no  Brasil  de  1837  para  cá  procura 
fazer  uma  especulação  verdadeiramente  immoral  com  os  sen- 
timentos de  benevolência  que  appareccm  em  favor  de  Sua 
Magestade  o  Imperador;  aproveitando-se  destes  sentimentos, 
que  todos  os  lados  da  camará,  e  em  geral  toda  a  nação,  nutre 
pelo  jovcn  monarcha,  vem  arrancar  leis  que  não  estão  de 
accôrdo  com  os  principios  do  systema  representativo.  Sirva 
de  exemplo  a  reforma  do  código  que  se  propõe  no  senado, 
restabelecendo  os  commissarios  de  ixilicia,  c  quando  nesta  casa 
se  vem  propor  uma  lei  mais  barbara  do  que  a  ordenação  do 
livro  5.'  Refiro-me  a  uma  proposta  do  ministério  de  19  de 
setembro,  que  diz;  <  No  código  criminal,  artigo  tal  e  tal,  onde 
diz  —  aos  cabeças  —  supprima-se  a  palavra  aos  cabeças. >  O 
código  criminal  tinha  reconhecido  que  nos  crimes  politicos 
as  massas  nunca  são  criminosas,  mas  são  arrastadas  por  am- 
biciosos, que  se  prevalecem  de  sentimentos  muitas  vezes  ge- 
nerosos de  que  estas  massas  se  achão  penetradas  para  arras- 
ta-las a  "fins  criminosos.  Por  consequência  o  código  quiz  que 
nos  crimes  de  conspiração,  sedição  e  rebellíão  somente  03 
paliieças  fossem  punidos. 

D,3    zB<ibyCOO<^Ie 


376  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

«  Ora,  Sr.  presidente,  este  principio  luminoso  que  se  acha 
no  código  até  certo  ponto  estava  reconhecido  na  legislação 
antiga:  a  mesma  ordenação  do  livro  5°  não  mandava  con- 
demnar,  proscrever  as  massas,  queimar  as  cidades  e  suffocar 
nos  porões  das  embarcações  as  massas  infelizes  que  pudessem 
ter  entrado  nas  rebelliões.  (Apoiados.)  Mesmo  antes  da  con- 
stituição o  espirito  philosophico  do  século  i>assado  tinha  já 
feito  proscrever  alguma  parte  da  barbaridade  que  se  infiltrara 
na  legislação  antiga.  {Apoiados.)  Já  antes  da  constituição 
não  se  quintavão  batalhões  quando  elles  tinhão  entrado  em 
algum  motim;  entretanto  hoje,  em  1840Í  depois  de  quasi 
20  annos  de  systema  representativo,  vem-se  pedir  a  esta  casa 
a  condcmnação  das  massas ;  vem-se  pedir  que  supprima-se 
no  código  a  palavra  —  cabeças  — ;  vem-se  pedir  emfim  que 
todos  aquelles  que  tiverem  parte  em  algum  movimento  po- 
litico estejão  sujeitos  ás  mesmas  penas.  E,  quando  se  argu- 
menta contra  esta  exigência,  os  coripheus  do  partido  nos 
respondem :  <  E'  preciso  dar  força  ao  governo,  porque  o 
monarcha  está  para  subir  ao  throno:  se  nós  o  estimamos, 
se  o  prezamos  verdadeiramente,  é  preciso  sacrificar  esta  legis- 
lação e  votar  neste  sentido. » 

<  Ora,  Sr.  presidente,  isto  é,  como  eu  já  disse,  uma  espe- 
culação verdadeiramente  immoral.   {Apoiados  da  opposição.) 

Toda  a  boa  acção  obtém  de  ordinário  recompensa.  A  sin- 
ceridade com  que  exprimi  na  occasião  minhas  convicções 
valeu-me  as  fehcitações  do  parlamentar  mais  distincto  que 
então  se  sentava  opposto  ao  meu  lado  na  camará  dos  depu- 
tados. 

« O  Sr.  Carneiro  Leão,  fallando  logo  depois  de  mim, 
disse  o  seguinte: 

«  Parece-me  que  os  meus  illustres  adversários  não  estão 
fortes:  um  só  é  que  o  está,  porque  foi  sincero.  {Apoiados.) 

«  Sr.  presidente,  eu  sou  como  esse  nobre  deputado ;  eu 
o  applaudo.  Sr.  presidente,  porque  a  sua  linguagem  não  é 
parecida  com  a  de  seus  nobres  alliados,  alguns  dos  quaes 
teeni  desmentido  lodos  os  seus  precedentes. 

« Eu,  Sr.  presidente,  muito  applaudo  que  este  nobre 
deputado  pudesse  sahir  do  meio  de  tanta  poeira  radiante  e 
permanecendo  nos   seus   princípios.    {Apoiados.)    Aparte-se 


.  Google 


A  CtltCULAR  DE  THEOPIIILO  OTTOOT  3?? 

tudo  quanto  diz  respeito  ao  odÍo  que  tem  contra  a  adminis- 
tração; aparte-se  tudo  quanto  se  não  dirigiu  a  esse  ponto: 
e  o  discurso  do  nobre  deputado  é  filho  da  sinceridade. 
(Apoiados.)  Eu  muito  applaudo  que  se  pudesse  libertar  do 
jugo  de  partido,  jugo  na  verdade  pesado,  para  pronunciar 
suas  opiniões  livre  e  sinceramente. . , 

cO  Sr.  Carneiro  da  Cunha:  —  Honra  lhe  seja  feita  1 

<0  Sr.  Carnkiro  LkÃo: — ...permanecendo  cm  seus 
principies  c  não  desconhecendo  a  verdade.  » 

(Jornal  do  Commercio  de  19  de  julho  de  1840.) 

Vê-se  também  do  meu  discurso  que  eu  estava  assustado 
com  a  tendência  demasiadamente  realista  que  a  discussão 
(fiscriminava. 

Eu  adoptava  a  ídéa  da  maioridade  como  uma  espécie  de 
regresso,  segundo  a  definição  que  dava  a  esta  palavra  o  seu 
illustre  autor:  —  Recurso  contra  desatinos  — ;  e  queria  fazer 
da  maioridade  uma  égide  em  favor  dos  principies  liberaes. 

E  os  meus  collaboradores,  na  melhor  intenção,  a  susten- 
tavão  na  tribuna,  fomentando  as  mais  extravagantes  anti- 
gualhas. 

No  entender  de  muitos  oradores  maioristas  o  mal  dos 
últimos  tempos  provinha  de  que  os  regentes  não  tinhão  o 
prestigio  do  nascimento  e  erão  homens  do  povo. 

O  remédio  que  se  esperava  devia  provir  essencialmente, 
assim  o  proclamavão,  do  esplendor  da  realeza  e  < 
á  dynastia,  cuja  nobreza  imaginavão  perder-se  na 
séculos. 

Eu  tinha  a  simplicidade  de  acreditar  que  a  ind 
era  uma  realidade,  e  que  o  Sr.  D,  Pedro  I  dev 
vãmente  a  coroa  á  ficção  da  unanimidade  constili 
os  brasileiros  consagrarão  no  seu  pacto  fundamenta 
que  a  dynastia  brasileira  tinha  nascido  no  dia  7  d 
de  1822,  e  que  o  Sr.  D.  Pedro  I  fora  acclamado 
não  porque  fosse  o  neto  dos  reis,  mas  porque,  1 
instancias  dos  Andradas,  então  seus  ministros,  tini 
a  missão  de  protogonista  no  drama  da  independeu 
ciando  a  pátria  onde  nascera  pela  nova  que  adopta 
gando  solemnemente  como  imperador  constituciojiE 


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3^8  REVISTA  DO  1N8TITDT0  HISTÓRICO 

a  dynastia,  de  que,  herdeiro  presumptivo  da  coroa  portu- 
gueza,  era  na  occasião  o  mais  moderno  representante. 

Assim  me  enunciei  em  1840,  e  assira  o  entendo  ainda 
hoje. 

Como  quer  que  fosse,  o  projecto  de  reforma  do  art.  121 
produziu  o  fim  que  tinha  em  vista  o  seu  illustre  autor,  con- 
tribuindo poderosamente  para  que  tosse  rejeitado  na  camará 
vitahcia  o  projecto  de  maioridade  em  lei  ordinária. 

No  mesmo  dia  em  que  se  deu  este  facto  reuniu-se  de 
novo  o  club  Alencar. 

A  agitação  dos  espíritos  era  excessiva,  geral  a  adhesão 
com  que  a  idéa  era  acolliida  pelo  povo,  tropa  e  guardi 
nacional . 

Da  parte  dos  dous  illustres  generaes  que  então  com- 
mandaváo  as  armas  e  a  guarda  nacional  se  assegurou  não 
haver  probabilidade,  apezar  de  qualquer  requisição  do  go- 
verno, de  ser  a  tropa,  ou  a  guarda  nacional,  empregada  contra 
as  reuniões  populares  que  porventura  se  formassem  com  o 
fim  da  proclamação  da  maioridade. 

Nas  camarás,  a  não  se  realizar  o  adiamento,  em  que  já  se 
fallava,  o  projecto  do  deputado  Carneiro  Leão,  propondo  a 
reforma  do  art.  121  da  constituição,  facilmente  seria  con- 
vertido em  resolução  de  maioridade  desde  logo. 

Tenho  explicado  francamente  as  aspirações  com  que  o 
partido  liberal  iniciou  a  maioridade. 

Outras  não  tinha  que  não  fossem  as  de  salvar  do  nau- 
frágio as  conquistas  que  o  espirito  progressista  havia  paci- 
ficamente, durante  os  primeiros  annos  da  menoridade  e  nos 
últimos  do  reina<fo  anterior,  consagrado  em  leis  constitucio- 
naes  e  regulamentares:  —  obstar  a  torrente  da  reacção,  em 
que  os  retrógrados  ameaçavão  tudo  submergir,  e  finalmente 
contraminar  o  trama  dos  Césares  em  projecto.. 

Parecia-nos  que  seria  grande  felicidade  para  o  Brasil 
se,  na  honestidade  da  adolescência,  e  logo  no  princípio  do 
seu  governo,  o  imperador  tivesse  occasião  de  apreciar  pra- 
ticamente a  alta  moralidade,  o  acrysolado  patriotismo  e  pu- 
reza de  intenções  dos  Andradas,  dos  Feijós,  dos  Paula  Souzas, 
dos  Vergueiros,  dos  Alencares,  dos  Alvares  Machados,  além 
de  outros  illustres   finados,   não   faltando,  para  não  offen- 

D,gt,zedbyGOO<^le 


à.  CIRCULAR  DB  TDEOPHILO  OTTONI  979 

der-lhes  a  modéstia,  nos  vivos,  que  ahi  estão,  c  que  airosa- 
mente se  agrupavão  em  tão  belía  companhia. 

Bem  que  fossem  confessáveis  de  cabeça  levantada  tão 
patrióticos  fins,  está  claro  que  fora  loucura  insistir  em  sua 
realização  se  não  estivéssemos  bem  seguros  das  disposições 
de  animo  do  mancebo  imperial,  se  não  contássemos  com  o 
seu  beneplácito,  e,  para  tudo  dizer,  com  as  suas  boas  graças. 

Era  preciso  que  fossemos  hábeis  politicos  e  até  certo 
ponto  cortezãos. 

Já  tínhamos  a  palavra  imperial  dada  por  intermédio  do 
conde  de  Sarapuhy  e  do  seu  illustre  collega  na  embaixada. 
Já  tínhamos  certeza  de  que  o  imperador  estava  disposto  .1 
assumir  as  rédeas  do  governo,  e  que  se  comprazia  em  rece- 
be-las das  mãos  puras  e  venerandas  dos  anciãos  da  inde- 
pendência. 

Kazia-se  em  geral  o  mais  vantajoso  conceito,  não  só  dos 
dotes  moraes  do  imperador,  como  do  seu  desenvolvimento  in- 
tellectual,  e  mais  que  tudo  do  profundo  critério  e  discreta  re- 
serva, em  que  se  mostrava  eminente. 

No  entanto,  em  tão  verdes  annos,  era  licito  temer  que 
as  primeiras  manifestações  benévolas  com  que  o  imperador 
acolhera  a  idéa  da  maioridade  significassem  somente  consi- 
deração pelos  patriarchas  da  independência  que  a  propunhão, 
e  velleidades  de  emancipação,  naturaes  em  todos  os  moços,  e 
a  cuja  lei  creio  que  não  haverá  irreverência  em  affirmar  que 
não  escapão  nem  mesmo  os  filhos  do  direito  divino. 

O  caso  era  grave;  os  chefes  do  partido  liberal  temião 
arriscar  os  grandes  interesses  do  progresso.  Se  não  vencessem 
passarião  por  ambiciosos  vulgares,  que  só  tinhão  tido  em  mira 
as  vantagens  do  poder. 

Nossa  derrota  teria  de  ser  explorada,  com  a  habilidade 
que  os  distingue,  pelos  Césares  em  projecto,  que  sobre  as 
ruinas  do  partido  liberal  garantirão  o  seu  futuro  no  presente 
reinado.  Só  a  sancção  da  victoria,  a  posse  do  poder  e  a 
realização  do  programma  da  opposição  liberal  nos  últimos  trea 
annos  podião  justificar  nossa  participação  em  tal  empreza. 

Assim,  era  de  indeclinável  necessidade  que  tivéssemos 
segurança  prévia  de  que  o  poder  nos  viria  para  as  mãos  se 


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38o  RETISTA  DO  INeTITOtO  HISTÓRICO 

nossa  idéa  triumphasse.  aliás  traballiariainos  estupidamente 
para  reforçar  a  preponderância  dos  retrógrados. 

Nesta  nossa  conspiração,  mais  do  que  em  qualquer  outra, 
O    segredo    era    uma    das   condições    indispensáveis    para   o 


No  momento  em  que  se  certificassem  que  o  imperador 
queria  deveras  ser  maior,  nós  temíamos,  e  com  razão,  que  os 
oligarchas  nos  tomassem  a  dianteira,  confiscassem  a  maio- 
ridade, em  proveito  do  regresso,  e  pudessem  ápplicar  á  nossa 
simplicidade  o  —  sic  vos  non  vobis  —  do  poeta. 

Nós  já  tinhamos  provas  irrecusáveis  do  fino  tacto  e  dis- 
crição superior  á  sua  idade  que  distinguião  o  imperador. 

Na  tarde  do  dia  em  que  fora  rejeitado  no  senado  o  pro- 
jecto da  maioridade  redigido  em  o  nosso  club  o  imperador 
entrava  a  respeito  em  expansões  intimas  com  uma  alta  per- 
sonagem que  se  havia  declarado  neutral  na  questão  da  maio- 
ridade. Durante  o  colloquio  appareceu  um  dos  mestres  de 
Sua  Magestade,  senador,  que  havia  votado  contra  a  maio- 
ridade. E  o  imperador  ordenou  silencio  ao  seu  interlocutor, 
e  passou  placidamente  a  entreter-se  com  o  seu  illustre  mestre 
em  objectos  de  litteratura. 

Esta  circumstancia,  de  que  tivemos  immediato  conhe- 
cimento, provou-nos,  não  só  que  o  imperador  havia  reflecti- 
damente acolhido  a  idéa  da  maioridade,  mas  também  que 
a  queria  decretada  pelos  Andradas  e  seus  amigos.  Sobravão- 
nos  motivos  de  animação. 

Mas  como  é  que  se  havião  de  esconder  á  policia  perspicaz 
do  Sr.  conselheiro  Euzebio  os  fios  directores  da  conspiração 
que  transpirava  por  todos  os  poros  da  sociedade? 

Como  é  que  havíamos  de  occultar  nossas  relações  com 
o  imperial  protogonista,  junto  do  qual  tinhão  accesso  franco 
e  diário  os  homens  da  situação? 

A  alta  policia  do  palácio,  que  necessariamente  havia  de 
funccionar  por  conta  da  regência  e  dos  oligarchas.  como  é 
que  poderia  ficar  ignorando  que  os  promotores  da  maioridade 
marchavão  \ys.sso  por  passo  de  accordo  e  com  autorisação  do 
imperador  ? 

O  perigo  de  comprometter-se  o  segredo  da  augusta  inti- 
midade era,  pois,  um  terrivel  pesadelo. 


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A  CIRCULAR  DE  TIIBOPHIIO  OTTONI  281 

Para  obvia-lo  tratou-se  de  precipitar  os  acontecimentos. 

Um  memorial  foi  escripto  por  uma  de  nossas  illustraçÕes, 
no  qual  se  expunha  a  anciedade  publica,  o  voto  universal  do 
paiz  e  os  meios  do  triumpho. 

Ass^urava-se  a  Sua  Magestade  que  as  camarás  em  sua 
grande  maioria  entravão  com  enthusiasmo  nas  vistas  dos  An~ 
dradas  e  seus  amigos,  e  que,  no  caso  de  adiamento,  que  os 
oligarchas  projectavão,  o  povo,  a  tropa  e  a  guarda  nacional 
saudarião  com  unanimes  acclama(;Ões  o  imperador  maior, 
porém  respeitosamente  declarámos  ao  mesmo  tempo  que  nada 
se  tentaria  se  a  empreza  não  fosse  do  agrado  imperial  e  sem 
expressa  approvação  do  imperador.  Terminava  o  memorial 
pedindo  que  esta  approvação  não  fosse  verbal,  mas  sim  em 
despacho  escripto. 

O  memorial  nos  foi  devolvido  com  um  —  SIM  —  escripto 
pelo  próprio  punho  do  imperador. 

A  maioridade  estava  decretada,  e  decretada  exclusi- 
vamente pelo  partido  liberal,  com  a  sancção  imperial  antici- 
padamente  concedida. 

E  o  regente,  o  ministério,  em  que  figuravão  os  cardeaes 
da  oligarchia,  a  policia  do  palácio,  a  policia  do  parlamento 
e  a  policia  do  Sr.  Euzebio,  gente  toda  de  primeira,  plana, 
estavão  mystificados. 

Ninguém,  senão  os  conjurados  e  o  imperador,  sabia  das 
molas  secretas  que  govemavão  o  jc^o  da  scena  ! 

Não  é  que  a  espionagem  do  palácio  fosse  confiada  so- 
mente a  agentes  subalternos.  Os  mais  illustres  arautos  da 
situação  não  se  dedignavão  de  ir  lá!  directamente  sondar  o 
terreno. 

Em  certa  tarde,  um  dos  deputados  que  estavão  no  segredo 
foi  a  S.  Christovão  fazer  sua  corte  ao  imperador,  que  na 
occasiao  passeiava  pela  cidade,  e  que,  chegando  em  seguida, 
disse  estas  palavras:  «  Vi  hoje  (tantos)  deputados  maioristas; 
a  casa  de  F.  estava  fechada.  >  F. :  c  Vossa  Magestade  não 
o  podia  ver,  porque  está  aqui  para  ter  a  honra  de  apresentar 
seus  respeitos  a  Vossa  Magestade.  ^ 

Este  exórdio  indica  sufficientcmente  quanto  seria  gra- 
cioso o  acolhimento  feito  ao  deputado  maiorisía,  que  se  achava 


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aSa  tlEVlSTA  DO  INSTITUTO  mSTORICO 

no  palácio,  e  súbito  se  apreseniou  para  beijar  a  mão  a  Sua 
Magestade. 

Estavão  em  conferencia,  quando  appareceu  também  o 
Sr.  Honório  Hermeto  Carneiro  Leão.  De  prompto  Sua  Ma- 
gestade  deixou  o  visitante  de  intimidade  com  quem  se  entre- 
tinha, e  tomou  o  braço  de  Honório  Hermeto  Carneiro  Leão, 
com  quem  passeiou  largo  tempo. 

No  dia  s^uinte  o  Sr.  Carneiro  Leão  dizia  triumpliante 
a  alguns  deputados  liberaes  por  Minas,  cujo  testemunho  sendo 
preciso  posso  invocar,  que  os  projectistas  da  maioridade  os 
compromettião,  levando-os  a  votar  por  uma  idéa  que,  a  tri- 
umphar,  faria  ministro  a  elle  Carneiro  Leão. 

Justificou  o  seu  dito  com  a  anecdota  que  acabei  de  referir, 
c  de  que  já  tínhamos  conhecimento. 

E  tão  ufano  estava  com  a  sua  supposta  privança  que  não 
quiz  mostrar-se  communicativo  somente  nos  bancos  da  ca- 
mará ;  subiu  á  tribuna  para  alardear  o  seu  validismo. 

O  Jornal  do  Comtnercio  do  dia  19  de  maio  de  1840  re- 
produz esta  parte  do  discurso  do  exímio  parlamentar  nestes 
termos.  Ahi  se  lê  na  pag,  2',  cot.  2*; 

O  Sk.  Carmkiro  Lkâo: — ...  Não  hei  de  procurar, 
como  tenho  ouvido  que  se  tem  procurado,  homens  rasteiros 
para  seduzir  o  animo  do  imperante...  para  perturbar  os 
seus  estudos,  acendendo-lhe  o  desejo  de  governar...  > 

Vè-se  que  se  nos  lançava  em  rosto  pretendermos  seduzir 
o  animo  inexperto  do  joven  monarcha,  por  intermédio  da 
Ínfima  criadagem. 

Parece  que  a  policia  ageítou  um  criado  de  galão  branco 
que  se  fosse  offerecer  aos  Andradas  para  medianeiro  e  por- 
tador de  quaesquer  confidencias,  das  quaes  devia  dar  conhe- 
cimento ao  governo.  Algumas  palavras  calculadas  para  enredar 
os  governadores  forão  confiados  ao  agente  provocador,  e  ahi 
está  tudo  quanto  a  alta  policia  regencial,  ministerial  e  oli- 
garchica  pôde  descobrir  de  nossas  relações  com  o  palácio. 
O  que  provão  o  discurso  do  Sr.  Carneiro  Leão  e  as 
confidencias  que  referi  é  que  o  imperador  com  14  annos  soube 
inutilisar  a  indiscreta  curiosidade  dos  oligarchas,  e  habil- 
mente mystificou  o  estadista  mais  sagaz  dos  que  se  teem 
sentado  nos  seus  conselhos. 


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K  CIRCULAR  SB  THBOPIULO  OTTONI  9Õ3 

Os  conjurados  estavão  senhores  da  situação:  ou  se  votava 
o  projecto  Carneiro  Leão  com  o  additamento  de  um  desde 
já,  pois  que  tal  era  nos  últimos  dias  a  tendência  da  camará; 
ou,  dado  o  adiamento,  o  povo,  e  a  guarda  nacional  procla- 
mavão  a  maioridade. 

Quem  fazia  um  triste  papel  em  toda  a  comedia  erão  os 
ministros  oligarchas  que  suppunhão  ter  força  para  supplantar 
os  anarckistas,  e  estavão  elles  mesmos  isolados  no  meio  da 
população  do  Rio  de  Janeiro,  sem  que  apparecesse  ao  menos 
uma  alma  caridosa  que  lhes  abrisse  os  olhos  e  dissesse  que 
o  seu  reinado  estava  findo,  e  que  elles  já  não  tinhão  nem 
soldados,  nem  guarda  nacional,  nem  força  policial,  nem  depu- 
tados e  ncni  imperador.  E  que  tudo  estava  a  nosso  lado  1 

E  taJ  era  a  confiança  que  tinhão  em  si  que,  se  algum 
amigo  lhes  levasse  estas  noticias  verdadeiras,  passaria  por 
visionário. 

Na  simplicidade  do  seu  orgulho,  o  Sr.  Rodrigues  Torres 
na  véspera  da  maioridade  foi  alta  noite  ao  Macaco  solicitar 
do  fallecido  senador  o  Sr.  Bernardo  Pereira  de  Vasconceílos 
que  entrasse  para  o  ministério,  afim  de  os  auxiliar  na  em- 
preitada que  premeditava  o  governo  para  o  dia  seguinte. 

E'  lun  ponto  histórico  digno  de  investigar-se  a  parti- 
cipação de  Vasconceílos  na  tentativa  de  suppressão  da  maio* 
ridade. 

Quando  se  dissolveu  o  ministério  de  19  de  setembro, 
porque  os  ministros  recusarão  assignar  a  carta  imperial  de 
senador  para  o  Sr,  Lopes  Gama,  hoje  visconde'  de  Ma- 
ranguape,  que  o  regente  desejava  escolher,  Vasconceílos  reti- 
rou-se  descontente  com  a  vontade  irresponsável  e  com  os 
collegas. 

Parece  que  já  então  Vasconceílos  começava  a  ser  homem 
impossivel  para  os  Césares,  como  depois  o  foi  para  Augusto. 

O  cerlo  é  que  no  dia  20  de  maio  a  oligarchia  voltou  para 
o  poder,  deixando  á  margem  o  chefe  do  ministério  de  19  de 
setembro,  que  á  margem  ficou  até  o  fim  da  vida,  salvas  as 
nove  horas  de  agonia  da  menoridade. 

O  certo  é  que  o'  infeliz  deputado  Navarro,  creatura  de 
Vasconceílos   e  um   dos   primeiros  atiradores  que  soltou  o 


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284  REVISTA  DO  INSTITUTO  mSTORICO 

brado  da  maioridade,  era  considerado  como  sentinella  per- 
dida, que  o  velho  parlamentar  arriscara  no  meio  dos  inimigos. 
Parece  mesmo  que  da  parte  de  Vasconcellos  alguma 
abertura  se  fez  a  alguns  dos  coripheus  da  maioridade,  não 
tendo  tido  seguimento  a  idéa  da  coalHsão  que  o  facto  sup- 
punha. 

Vasconcellos  no  dia  21  de  julho  estava  em  unidade.  Com 
o  tino  politico  que  lhe  era  conhecido,  eu  creio  que  Vasconcellos 
bem  sabia  que  a  maioridade  ia  triumphar  e  também  que 
os  maioristãs  nâo  tinhão  condições  de  permanência  110  poder. 
Presentira  a  nossa  força  do  momento  pelo  facto  de  não 
termos  dado  ás  suas  aberturas  o  devido  apreço.  Para  calcular 
o  desmantelamento  do  castello  que  se  ia  levantar  não  era 
mister  ser  Vasconcellos. 

Portanto,  Vasconcellos,  certo  de  que  os  oligarchas,  que 
havião  reentrado  para  o  ministério  sem  o  seu  beneplácito, 
ião  cahir  com  o  regente,  associou-se  calculadamente  á  queda 
delles,  para  obriga-los  a  aceitar  a  sua  direcção  na  hora  da 
victoria  que  próxima  se  lhe  affigurava,  c  que  próxima  estava 
com  effeito. 

Aceitou  o  convite  do  Sr.  Rodrigues  Torres,  e  veiu  pre- 
encher o  que  chamava  as  nove  horas  mais  gloriosas  da  sua 
vida,  gloriosas  sem  duvida,  porque  nunca  provou  melhor  ser 
forte  em  estratégia  politica, 

O  decreto  de  adiamento  e  as  scenas  que  se  lhe  s^;uirão 
constão  dos  jornaes  da  época. 

Consta  igualmente,  e  está  o  facto  authenticado  até  na 
acta  da  assembléa  geral,  publicada  no  Jornal  do  Commercio 
de  25  de  julho,  que  o  regente,  o  Sr.  Pedro  de  Araújo  Lima, 
foi  comprometi  ido  pelos  ministros  oligarchas.  a  ponto  de  ir 
a  S.  Christovãó  de  manhã  dar  conta  do  adiamento  das  ca- 
marás, declarando  que  o  seu  fiin  era  unicamente  preparar 
a  solemtiidade  para  se  proclamar  a  s  de  dezembro  a  maio- 
ridade do  imperador. 

Já  expliquei  quaes  erão  as  solemnidades  com  que  os  oli- 
garchas querião  proclamar  a  maioridade. 

Lei  do  conselho  de  estado,  que  lhes  garantisse  a  asso- 
ciação no  governo  da  presente  geração. 


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A  CIRCULAR  DE  TIIBOPHILO  OTTONI  s8S 

Reforma  do  código,  de  sorte  que  a  policia  se  tornasse 
omnipotente, 

Nomeação  dos  postos  da  guarda  nacional  pelo  governo 
central. 

Nova  lei  de  eleições,  feita  de  modo  que  os  agentes  de 
policia  tivessem  larga  influencia  na  designação  dos  votantes. 
Taes  erão  os  arcos  triumphaes  com   que,  no  interesse 
do  seu  ominoso  domínio,  querião  festejar  a  maioridade. 

Nesses  fogos  de  artificio  qiieimavão  sem  consciência  a 
constituição. 

Ou  o  imperador  ouviu  silencioso  as  communicações  que 
o  ministério  oligarcliico  lhe  fazia  por  intermédio  do  regente, 
ou  deu  explicita  approvação  às  medidas  que  lhe  ião  annunciar. 
Em  todo  o  caso,  o  fim  manifesto  de  Sua  Magestade  devia 
ser  estudar  até  que  ponto  chegavão  a  imprevidência  e  cegueira 
ou  do  ministério  ou  dos  conjurados. 

Mal  se  leu  no  senado  o  decreto  de  adiamento,  uma  cTas 
maiores  glorias  da  medicina  no  Brasil  partiu  para  S.  Chris- 
tovão,  encarregado  de  saber  de  Sua  Magestade  a  sua  ultima 
palavra  acerca  da  maioridade,  e  de  assegurar  a  Sua  Mages- 
tade a  vinda  da  deputação  que  o  publico  suppõz  ser  inspi- 
ração que  acudira  de  momento  aos  deputados  e  senadores 
reunidos  no  paço  do  senado. 

O  distincto  medico  tinha  também  a  missão  de  saber  de 
Sua  Magestade  se  Sua  Magestade  esperaria  pela  deputação, 
ainda  que  o  governo  nomeasse  outro  tutor,  como  se  dizia, 
e  este  convidasse  a  Sua  Magestade  para  ir  temporariamente 
residir  em  Santa  Cruz. 

A  resposta  não  foi  demorada.  Sua  Magestade  não  iria 
em  caso  algum  para  Santa  Cruz,  e  esperava  a  deputação. 

Sabe-se  que  o  desenlace  do  drama  correspondeu  á  espe- 
ctativa  dos  conjurados,  deixando  em  relevo  a  alta  sagacidade 
e  discreta  reserva  de  Sua  Magestade  o  Imperador,  qur  *-  — 
pôde,  como  certo  imperador  romano,  estimar  estas  quali 
como  das  mais  eminentes  que  tem : 

Nullam  aeque  c.v  i-irlutibits  suis  quam  dissimtilal 
àiUgcbat. 


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Mal  triumphava  a  maioridade,  já  sobravão  razões  ao  par- 
tido liberal  para  se  arrepender  de  havc-la  iniciado.  Podia 
cobrir  a  cabe<;a  mesmo  no  dia  do  triumpho. 

Ainda  resoavão  os  vivas  da  festa,  e  já  o  governo  pessoal 
se  inaugurava  com  a  nomeação  do  chefe  da  facção  aulica, 
o  Sr.  Aureliano  de  Souza  e  Oliveira  Coutinho,  para  ministro 
dos  negócios  estrangeiros. 

E  os  maioristas  não  tinhao  que  estranhar. 

A  deliberação  do  —  quero  já  — ,  que  havião  solicitado 
c  applaudido,  era  de  muito  mais  importância  do  que  uma 
composição  de  gabinete. 

A  doutrina  do  governo  pessoal  decorria  naturalmente  do 
precedente  estabelecido. 

Instincto  ou  inspiração,  o  imperador  nomeou  livremente 
o  seu  primeiro  ministério. 

Cinco  ministros  forão  tirados  do  grupo  parlamentar  que 
proclamara  a  maioridade.  Erão  os  Srs.  António  Carlos  e 
Martim  Francisco,  HoUanda  e  Paula  Cavalcanti,  e  o  Sr.  Limpo 
de  Abreu.  O  sexto  era  o  ministro  dos  negócios  estrangeiros. 

Se  considerarmos  o  montc-pio  dos  servidores  do  estado, 
a  casa  de  correcção,  a  navegação  a  vapor,  a  companhia  de 
omnibus,  e  outras  fundações  úteis  a  que  está  ligado  honro- 
samente o  seu  nome,  Aureliano  de  Souza  e  Oliveira  Coutinho 
é  um  brasileiro  benemérito,  e  já  o  era  então. 

Mas,  arredado  da  sccna  politica  jior  ciúmes  de  prepon- 
derância, este  notável  estadista  se  afastara  dos  oligarclias, 
e  se  constituirá  o  fundador  e  pontífice  da  seita  palaciana. 

Na  grande  batalha  que  se  acabava  de  pelejar  o  Sr.  Au- 
reliano se  havia  conservado  em  estudada  neutralidade,  e  os 

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A  CIRCULAR  DE  THEOPUILO  OTTONI  30/ 

seus  antecedentes  cm  relação  aos  collcgas  b  collocavao  em 
perfeito  antagonismo  para  com  cada  um  delles. 

Mal  se  comprehendia,  em  vista  da  feliz  solidariedade  que 
se  conservou  inalterada  entre  os  irmãos  Andradas,  que  os 
dous  superstites  de  bom  grado  se  associassem  no  governo 
com  o  ministro  que  havia  desterrado  para  a  ilha  de  Paquetá 
e  feito  processar  perante  o  jury  o  Andrada  —  primogénito, 
José  Bonifácio  —  o  Washington  Brasileiro. 

Menos  cordiaes  ainda  devião  ser  as  relações  com  o 
collega  da  justiça,  que,  na  qualidade  de  presidente  de  Minas, 
recusando  cumprir  um  decreto  do  poder  moderador,  havia 
apressado  a  queda  do  ministério  anti-restaurador,  em  que  era 
figura  proeminente  o  Sr.  Aureliano. 

Donde  vinha,  pois,  tão  anómala  organização  de  gabi- 
nete? Como  fora  aceita? 

Capricho  infantil  ou  trama  palaciano,  o  gabinete  de  24 
de  julho  tinha  no  ministro  dos  estrangeiros  o  principio  dis- 
solvente, 

O  que  ia  fazer  o  ministério?  Os  seus  dedicados  amigos 
o  ignora  vão. 

Pela  minha  parte  vi  com  a  mais  dolorosa  sorpreza  que, 
tomado  o  castello,  depois  de  assedio  tão  prolongado  e  assalto 
tão  perigoso,  os  generaes  não  houvessem  içado  nos  torreões 
a  nossa  bandeira  victoriosa. 

Como,  porém,  faze-lo  se  a  organização  ministerial  não 
era  o  producto  de  uma  combinação  politica,  nem  exprimia, 
como  se  devera  esperar,  o  triumpho  do  programma  que  a 
opposição  sustentava  desde  1838? 

Parecia  que  um  dos  corollarios  immediatos  do  que  decor- 
rera era  a  dissolução  da  camará  dos  deputados,  e  a  convo- 
cação de  outra  que  viesse  reconsiderar  o  que  pudesse  haver 
de  inconstitucional  na  legislação  novíssima  e  iniciar  a  poli- 
tica do  segundo  reinado. 

Assim  era  preciso,  até  para  que  a  soberania  naci 
pronunciasse  quanto  ao  bill  de  indemnidade  de  que  c 
os  autores  da  maioridade, 

A  dissolução  teria  poupado  á  moralidade  publica 
gonhoso  espectáculo  de  uma  camará  que  apoiou  setr 
versar  o  ministério  parlamentar  de  1837,  o  ministério 


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388  REVISTA  DO  INSTITDTO  HISTÓRICO 

ciai  <íe  1839  e  o  ministério  oligarchico  de  1840,  e  que  em 
seguida,  depois  de  haver  alternadamente  condemnado  c 
applaudído  a  maioridade,  acompanhou  servilmente  o  minis- 
tério maiorista,  e  terminou  a  sua  carreira  obnoxia  como 
rabadilha  do  ministério  palaciano  de  23  de  março  de  1841. 
Mas,  em  vez  do  decreto  da  dissolução  e  prc^ramma 
ministerial,  o  publico  foi  edificado  com  os  despachos  que 
tiverão  os  ministros,  primeiros  agraciados  da  maioridade. 

Logo  no  dia  seguinte  ao  da  organisação  do  ministério 
o  pontífice  da  seita  palaciana  vestia  com  a  libré  de  cama- 
rista os  seus  cinco  collegas. 

E  os  Andradas,  sobre  cujas  cabeças  venerandas  resplan- 
jdecia  o  astro  do  Ypiranga,  conforme  a  bella  e  verdadeira 
phrase  do  meu  amigo  o  Sr.  Salles  Torres-Homem,  tiverão 
de  enfileirar-se  nas  ceremonias  da  corte  com  a  criadagem 
imperial. 

Mais  cavalheiros  do  que  estadistas,  os  ministros  que  ha- 
vião  incitado  o  imperador  a  trocar  os  seus  estudos  pelas 
rédeas  do  governo  se  achavão  por  essa  circumstancia  obri- 
gados a  condescendências  que  senão  impossíveis  em  outra 
situação. 

O  tempo  era  excepcional,  e  a  reacção  absolutista,  que 
os  oligarchas  havião  suscitado  para  o  fim  de  serem  declarados 
beneméritos  da  monarchia,  estava  ainda  no  seu  período  ascen- 
dente. 

Logo  que  as  camarás  reabrirão  as  sessões  jKirfiavão  os 
oradores  em  mostrar-se  cada  qual  mais  realista  do  que  o  seu 
vizinho. 

A  discussão  do  projecto  que  decretava  a  dotação  do  im- 
perador é  uma  pagina  digna  de  estudo,  Líberaes  e  conser- 
vadores, opposicionistas  e  ministeriaes.  disputarão  entre  si 
quem  do  pão  do  compadre  havia  de  dar  mais  lai^  fatia  ao 
augusto  afilhado. 

O  Sr.  António  Carlos  cobriu  o  lanço  dos  outros  lici- 
tantes propondo  800  :ooo$,  que  forão  votados  de  enthusiasmo. 
Ainda  assim  a  imprensa  dos  oligarchas  invectivou  o  minis- 
tério por  não  ter  aceitado  a  emenda  excêntrica  do  infeliz 
deputado  Navarro,  que  concedia  1.000:000$  em  quanto  mais 
pão  permíttisse  a  penúria  do  thesouro. 


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A  CIIICULAR  DE  TIIEOI-IIILO  OTTONl  369 

Quando  se  votava  a  dotação  na  camará  dos  deputados  o 
venerável  Martim  Francisco  celebrava  sua  primeira  coníe- 
rencia  e  despacho  com   Sua   Magestade  o   Imperador. 

Ao  chegar  de  S.  Christovão  fui  eu  quem  lhe  annunciou 
a  votação  dos  8oo:cxx)$.  «E'  muito,  me  disse  o  honrado 
velho;  o  thesouro  está  pobre,  e  o  imperador  se  contentava 
com  menos.  E'  bom  menino,  tem  latriotismo,  e  póde-sc  fazer 
dcDe  alguma  cousa.» 

Em  seguida  me  referiu  que  Sua  Magestade  exigira  uma 
lista  dos  brasileiros  que  com  os  Andradas  havião  projectado 
a  maioridade. 

Se,  como  é  provável,  a  lista  foi  apres|entada,  é  a^ 
primeira  em  que  o  meu  humilde  nome  foi  submettído  á  alta 
consideração  de  Sua  Magestade  o  Imperador. 

Approvada  a  dotação,  tivemos  scena  igualmente  des- 
fructavel  com  a  decretação  da  nova  festa  nacional  de  24 
de  julho. 

Cortezanice  ou  epigramma,  o  Sr.  Henriques  de  Rezende 
propoz  por  emenda  que  dos  dias  de  festa  nacional  se  riscasse 
o  7  de  abril. 

No  Jornal  do  Commercio  de  26  de  julho  de  1840  vera  o 
pequeno  protesto  que  fiz  contra  a  emenda  do  nobre  repre- 
sentante por  Pernambuco. 

<  O  Sr.  Ottoni  :  —  Não  posso  deixar  de  protestar  contra 
a  emenda  que  se  acha  sobre  a  mesa,  e  admira-me  que  fosse 
ella  proposta  pelo  digno  representante  de  Pernambuco. 
Quando  se  leu  esta  emenda  eu  recordei-me  de  um  facto 
Decorrido  no  senado,  depois  do  dia  7  de  abril,  a  apresentação 
de  um  projecto  pelo  fallecido  Sr.  senador  Gomide,  riscando  - 
o  dia  12  de  outubro  do  catalogo  dos  dias  de  festa  nacional. 
Esta  coincidência  penalisa-me,  e  ainda  mais  por  ver  que  a 
censura  merecida  pelo  sobredito  senador  podia  ser  applicada 
a  um  cidadão  tão  distincto  como  o  nobre  deputado  o  Sr.  Re- 
zende. O  dia  7  de  abril  ha  de  ser  constantemente  de  festa 
nacional;  o  dia  7  de  abril  não  está  nas  mãos  de  ninguém 
risca-lo  da  memoria  do  povo.    (Apoiados.)» 

Fallando  assim  eu  quiz  demonstrar  que  a  torrente  ainda 
não  me  tinha  assoberbado,  e  que,  soldado  do  progresso,  me 
conservava  com  firmeza  no  meu  modesto  posto  de  honra. 

i.aoogie  ' 


aço  REYIBTA  BO  INSTITUTO  SISTÒRICO 

Porém,  conhecida  a  tendência  dos  espíritos,  recolhi-me 
ao  silencio  e  á  inércia,  reducto  em  que  mais  de  uma  vez 
me  tenho  entrincheirado,  ora  i>or  considerar-me  inferior  á 
situação,  ora  por  faUa  de  resolução  para  collocar-me  em  anta- 
gonismo com  os  meus  amigos  da  véspera. 

A  posição  dos  ministros  era  melindrosa.  O  deposto  dos 
liberaes  tão  manifesto  como  o  trabalho  incessante  do  ele- 
mento palaciano,  ({ue  pretendia  depurar  o  gabinete. 

Por  sua  parte  os  ohgarchas  não  cessavão  de  inculcar-su 
L'omo  os  únicos  capazes  de  salvar  a  monarchia.  Incutindo 
terrores  no  animo  do  monarcha,  proclamavão-se  homens  ne- 
cessários, certos  de  que  assim  conquistariáo  a  posição  de  Cé- 
sares associados  ao  império.  Segunda  tenho  repetido  c  cuido 
que  demonstrado,  esta  era  a  sua  idéa  fixa. 

Como  invejavão  a  excellente  posição  do  Sr.  Auretiano, 
querião  tomar'lh'a,  e  foi  contra  elle  que  mais  especialmente 
assentarão  as  suas  baterias. 

Consultem-se  os  annaes  do  parlamento  na  sessão  de  1840, 
e  muito  se  terá  que  aprender  na  discussão  do  orçamento 
para  a  repartição  dos  negócios  estrangeiros. 

Fora  <So  parlamento  não  se  descuidavão  os  oligarthas 
de  aviventar  a  fé  dos  traficantes  da  costa  d'Africa,  que  erão 
os  seus  mais  prestimosos  alliados.  Neste  ponto  o  arrojo  tocou 
a  meta  do  delirio,  e,  para  dar  arrhas  de  sua  adhesão  ao 
trafico,  um  senador  do  império  fez  entrada  triumphal  em 
uma  povoação  importante  da  provinda  do  Rio,  escoltando 
imia  ponta  de  moleques  de  tanga  e  barrete  vermelho,  em  ura 
domingo,  á  hora  em  que  o  povo  estava  reunido  para  ouvir 
a  missa  conventual. 

Declararão  ao  Sr.  Hollanda  Cavalcanti,  ministro  da  ma- 
rinha, a  guerra  mais  indecente,  |X>rque  S.  Ex.  deu  ínstrucções 
aos  commandantes  dos  navios  de  guerra  para  apprehensão 
dos  barcos  suspeitos.  O  conimandfinte  de  um  lanchão  que 
|)erturbou  certo  desembarque  foi  desembaraçadamente  pro- 


Em  taes  circumstancias,  cônscio,  tanto  das  difficuldades 
com  que  lutavão  os  ministros,  como  da  pureza  de  suas  in- 
tenções, dei-lhes  constantemente  o  roeu  voto,  bem  que  silen- 
cioso; mas,  estando  posto  inteiramente  á  margem  o  pro- 


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K  CtnCtLAR  DE  THEOPHILO  OTTONI  agi 

grãmma  das  franquezas  provinciaes,  e  o  ministério  entregue 
á  vida  inglória  do  expediente,  recusei  ser  seu  collaborador 
official. 

E  ao  meu  amigo  o  Sr.  Limpo  de  Abreu,  que  íJor  bondade 
sua  me  destinara  um  emprego  eminente,  tive  a  honra  de  pon- 
derar (|uc,  estando  próxima  a  elevação  dos  conservadores  eu 
julgava  melhor  ficar  de  sentinella  no  aprisco  liberal,  onde, 
soldados  da  mesma  idéa,  breve  estaríamos  reunidos  para  de- 
bellar  o  inimigo  commum. 

Encerradas  as  camarás,  fui  para  a  minha  província 
absorver  essa  seiva  vivificadora  de  que  a  ahna  fica  satu- 
rada quando  se  respira  o  ar  livre  da  província  de  Minas. 

Quando  voltei  em  1S41  as  scenas  tialião  mudado  com- 
pletamente. O  elemento  palaciano  tinha  predominado.  £,  au- 
torisado  o  Sr.  Aureliano  para  reorgaiiisar  o  gabinete,  od 
oligarchas  se  havião  prestado  a  coadjuva-lo  com  a  mais  sera- 
phíca  humildade. 

Expiarão  amplamente  as  injustiças  que  havião  feito  ao 
regente  Feijó,  exigindo  um  ministério  parlamentar  e  con- 
demnando  a  intevenção  das  camarilhas  nas  organisações  dos 
gabinetes . 

Ninguém  lhes  perguntou  quaes  erão  os  chefes  parla- 
mentares que  as  camarás  quererião  elevar  ao  ministério. 

O  elemento  i^alaciano,  que  se  havia  achado  mal  na  uni- 
dade em  que  estivera  no  ministério  da  maioridade  pro- 
curou reforçar-se,  e  chamou  para  o  seu  lado  o  Sr.  Araújo 
Vianna,  docíl  até  a  subserviência  e  mestre  do  imperador;  o 
Sr.  José  Clemente,  que  outra  politica  não  tinha  que  não  fosse 
o  pagamento  de  uns  celebres  800  .■000$  a  Guilherme  Young, 
e  que  na  ultima  hora  havia  desertado  das  bandeiras  oli- 
garchicas  para  apoiar  a  maioridade;  e  finalmente  o  Sr.  mar- 
quez  de  Paranaguá,  que  fazia  ranclio  á  parte. 

Aos  oligarchas  propriamente  ditos  concedeu-se  somente 
e  como  que  por  favor  um  Ic^ar  no  ministério. 

A  oligarthia  do  sul  nunca  foi  um  partido  politico,  mas 
sim  um  grupo  de  homens  que  associarão  a  sua  influencia 
e  a  sua  intelligencia,  para  explorar  em  próprio  proveito  o 
Segundo  reinado. 


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392  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Creando  terrores  imaginários  e  imaginários  perigos  i>arii 
a  iiionarchia,  conseguirão  acastellar-se  em  posições  vitalícias 
rendosas,  donde  suscitão  a  seu  bel  prazer  manifestações  po- 
pulares, abalos  financeiros  e  verdadeiras  sedições,  que,  na 
qualidade  de  mestres  do  officio,  são  chamados  a  comprimir. 
E'  a  sua  faina  mais  lucrativa. 

Que  o  digào  a  revolução  de  Minas  em  1842  e  a  de  Per- 
nambuco em  1S49.  Formão  uma  espécie  de  companhia  domi- 
nica  com  o  seu  geral  e  capítulos,  recrutando  os  talentos  sem 
consciência,  que,  certos  da  omnipotência  da  ordem  na  dis- 
tribuição dos  donsi  do  estado,  são  nas  mãos  do  seus  supe- 
riores perinde  ac  cadáver. 

Governem  liberaes  ou  i>alacianos,  se  um  noviço  da  con- 
fraria é  convocado  para  servir  em  qualquer  posição  eminente, 
ministério  ou  presidência,  antes  de  ir,  como  é  de  regra,  levar 
sua  resposta  a  palácio,  vai  consuhar  a  vontade  do  synhedrim 
e  receber  as  devidas  instrucções. 
Por  via  de  regra  aceita. 

Ministro  não  discute  em  conferencia  com  os  seus  col- 
legas,  ou  mesmo  em  despacho  com  o  imperador,  assumpto 
que  não  tenha  sido  suffícientemente  esclarecido  nos  capítulos 
da  ordem,  que  assim  imprime  sua  acção  e  direcção  ao  governo 
do  estado.  Esta  explicação  deve  aclarar  o  que  ha  de  obs- 
curo, e  ás  vezes  de  incomprehensivel  mesmo,  no  procedi- 
mento de  certos  ministérios,  instrumentos  involuntários  da 
iissociação  mysteriosa. 

Já  em  1S41  era  assim. - 

E  felizmente  para  a  oltgarchia,  o  neophito  convidado 
para  fazer  parte  do  ministério  de  23  de  março  de  1841  era 
de  primeira  força. 

O  Sr.  Paulino  José  Soares  de  Souza,  depois  senador, 
visconde  de  Uruguay,  era  o  relator  que  propoz  e  o  ministro 
tjue  sanccionou  a  reforma  do  acto  addícional. 

Sob  os  auspicios  do  ministério  de  23  de  março  de  1841 
desencadeou- se  contra  os  ex-ministros  o  furor  da  oligarchia, 
que  lhes  não  perdoava  have-la  defraudado  do  "seu  dominio 
oito  longos  mczes. 

E  eu,  que  apenas  havia  prestado  ao  ministério  maiorísta 
um  apoio  silencioso  na  sessão  de  1840,  glorío-me  de  ter 


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A  CmCULAR   RE  TIIEOPHILO  OTTOSI  293 

occupado  perennementc  a  trilnina  em  1S41,  defendendo  os 
ex-ministros  e  os  altos  funccionarios  que  havião  sahído  das 
fileiras  da  opposição  liberal. 

Também  occupei  numerosas  vezes  a  tribuna  por  occasião 
de  discutit-se  a  reclamação  que  fazia  o  súbdito  inglez  Gui- 
llierme  Young  da  somma  de  800:000$,  como  indemnisação 
de  perdas  e  damnos  que  allegava  em  consequência  de  não 
haver  o  governo  de  7  de  abril  recebido  uma  porção  de  arma- 
mento que  lhe  havia  encommendatto  em  1829  o  ministro  da 
guerra,  o  Sr.  Clemente  Pereira. 

Naquelle  tempo  ainda  não  se  havia  descoberto  a  Cali- 
fórnia dos  créditos  supplementares,  com  que  os  ministros 
legalisão  toda  a  casta  de  despezas  a  que  os  leva  a  sua  phan- 
lasia,  reduzindo,  como  effectivamente  teem  reduzido,  a  lei 
úd  orçamento  á  mais  escandalosa  das  mystjfícações. 

Naquelle  tempo  ainda  não  havia  camarás  que  fossem 
feitura  exclusiva  da  policia,  e  tinha-se  a  pretenção  —  hoje 
risível  —  de  que  a  lei  da  responsabilidade  dos  ministros  de 
estado  não  fosse  tetra  morta. 

Assim,  o  governo  de  7  de  abril  recusou  receber  a  encom- 
menda,  por  que  o  ministro  a  fizera  sem  ter  para  isso  fundos 
decretados  na  lei  do  orçamento. 

E  a  camará  dos  deputados  decretou  a  accusação  do  mi- 
nistro, que  foi  levado  á  barra  do  senado,  convertido  em 
tribunal  de  justiça. 

O  ministro  defendeu-se  produzindo  um  documento  em 
que  o  negociante  inglez  declarava  ter  sido  a  encommenda 
condicional,  ficando  a  recepção  das  armas  e  o  pagamento  de- 
pendentes de  autorisação  legislativa. 

O  ministro  foi  absolvido,  e  o  negociante  vendeu  ao  go- 
verno, por  mais  do  que  o  preço  do  custo,  uma  parte  das 
armas,  e  com  as  restantes  especulou,  remettendo-as  para  o  Rio 
da  Prata  e  para  a  Grécia,  então  em  guerra  com  a  Sublime 
Porta. 

Passados  annos,  o  vento  começou  a  rondar  para  o  qua- 
drante do  absolutismo,  e,  portanto,  era  preciso  honrar  ci 
recompensar  o  ministro  que  havia  armado  no  Ceará  a  Pinto 
Madeira,  e  que  havia  colmado  de  condecorações  quantos  se 
havião  declarado  em  rebellião  contra  o  systema  constitucional. 

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394  BEVrSTA  DO  INSTITUTO  IlIflTORICO 

Em  consequência,  foi  levada  ás  camarás,  sob  a  protecção 
do  ministro  eno^mmendante,  a  reclamação  de  perdas  e 
daniiios,  na  importância  de  8ooX)00$,  somma  a  que  se  fazia 
chegar,  mediante  uma  conta  de  juros  compostos,  o  preço 
originário  da  factura  apresentada  em  1831,  sem  ao  menos, 
fropter  decus,  abater-se  a  quota  que  na  mesma  occasião  o 
governo  de  7  de  abril  comprara  e  pagara. 

Abriu-se  largo  debate  sobre  a  questão,  em  que  me  em- 
ptnhei  com  alguma  tenacidade. 

Vinha  o  pedido  documentado  com  uma  sentença,  bem  ou 
mal  emanada,  do  poder  judiciário,  e  que  pela.s  tralhas  e  pelas 
malhas  havia  passado  em  julgado. 

Pretendeu-se  que  uma  sentença  do  poder  judiciário  con- 
demnando  a  fazenda  publica  ao  pagamento  de  uma  somma 
de  dinheiro  obriga  o  corpo  legislativo,  sem  mais  exame^  a 
decretar  os  fundos  para  a  execução  da  sentença. 

Fiz  os  maiores  esforços  para  que  nSo  vingasse  tão  ruim 
principio. 

Se  os  poderes  politicos  creados  pela  constituição  s5o  inde- 
pendentes, um  não  se  pôde  subordinar,  sem  exame,  ás  deti- 
beraçScs  do  outro. 

A  votação  annua  dos  impostos  6  uma  das  mais  seguras 
garantias  do  systema  constitucional. 

Supponhamos  que  por  falta  de  confiança  no  ministério 
as  camarás  recusão  os  impostos  e  que  o  ministério  de  auto- 
ridade própria  levanta  um  emprestimo-e  o  applica  ao  seniço 
publico. 

No  meu  entender,  voltando  a  situação  ao  estado  normal, 
o  ministério  subsequente  não  pôde  fazer  a  despeza  do  ser- 
viço desse  empréstimo  sem  que  as  camarás  a  decretem. 

Supponhamos  que  as  camarás  se  recusem  a  amortizar 
esse  empréstimo  illegal. 

Os  possuidores  dos  titulos  do  empréstimo  podem  sem 
duvida  ventilar  o  seu  direito  perante  os  tribunaes  judiciários 
te  estes  reconhecer-lh'o. 

Mas  a  sentença  judiciaria  não  ê  exequível  sem  o  placet 
do  corpo  legislativo,  grande  jury  neste  caso. 

Desta  theoria,  que  sustentei  como  pude,  derivei  o  corol- 
lario  de  que,  assim  como  as  sentenças  do  poder  judiciário 

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,A  CIRCni.AR  DF  THEOPHILO  OTTONI  295 

não  podem  coarctar  a  liberdade  de  exame  ao  poder  legislativo 
quando  importão  novos  ónus  aos  contribuintes,  assim  também 
os  actos  do  poder  le^alativo  que  possão  prejudicar  as  attri- 
bui^ões  e  regalias  que  a  constituição  confere  a  qualquer  dos 
cutros  poderes  não  são  obrigatórios  para  estes. 

E'  uma  alta  questão  constitucional  que  eu  muito  dese- 
jaria ver  aprofundada  pelos  jurisconsultos  abalisados  que 
abundão  entre  nós. 

Eu  sustentei,  por  exemplo,  que,  se  o  corpo  leipsUtivo 
decretar  uma  lei  inconstitucional,  o  poder  judiciário  pôde, 
como  os  tribunaes  da  união,  nos  Estados-Unidos,  não  applicar 
essa  lei  aos  casos  occurrentes. 

E  do  contrario  os  poderes  não  serião  independentes. 

Assim  como  dizemos  estados  independentes  aquelles  que 
são  soberanos  em  relação  uns  aos  outros,  parece  que  dos  po- 
deres independentes  podemos  também  dizer  que  são  sobe* 
ranos  uns  em  relação  aos  outros,  isto  é,  que  a  nenhum  obrigão 
os  actos  dos  outros  quando  não  são  traçados  dentro  da  orbita 
de  cada  um. 

Se  o  poder  legislativo  ordinário  decretasse,  por  exemplo, 
a  mudança  da  dynastía,  sem  duvida  o  poder  executivo  estaria 
no  seu  direito  considerando  como  papel  sujo  um  tal  decreto, 
porque  as  camarás  exorbitarião  de  suas  attribuições  se  a 
promulgassem. 

E  o  poder  legislativo  não  pôde  dar  ordens  ao  poder 
cxeci^ivo,  que  é  independente,  ou  por  outra  soberano  dentro 
da  orbita  de  suas  faculdades. 

Cuido  que  o  mesmo  se  deve  dar  a  respeito  do  poder 
judiciário. 

Sou,  porém,  o  primeiro  a  confessar  que  esta  juris- 
prudência, de  cujo  fundo  de  verdade  estou  compenetrado,  é 
sobremodo  singular  no  nosso  paiz,  onde  o  juiz  municipal,  o 
de  direito,  o  tribunal  do  commercio,  e  não  sei  se  até  o  da 
relação,  consultão  aos  ministros  do  poder  executivo  acerca 
da  intelligencia  dos  actos  legislativos,  e  gastão  o  seu  tempo 
estudando  a  jurisprudência  dos  avisos  e  portarias. 

Revoltava-me  a  condescendência  c  a  amabilidade  com  que 
os  antigos  chefes  do  partido  parlamentar,  que  apeou  Feijó 
da  regência,  agora  se  curvavão  perante  o  reposteiro. 

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296  REVISTA   DO   INSTITUTO  mSTORICO 

No  anuo  da  graça  de  1841  quem  ousava  fallar  em  facção 
aulica  era,  sem  ceremonia,  proclamado  anarchista. 

Estavão  os  óligarchas  enfeitando  os  arcos  festivos  com 
que  em  1840  querião  festejar  a  maioridade. 

A  reforma  do  código  do  processo,  abastardado  o  jury, 
generalisada  a  prisão  arbitraria  a  titulo  de  averiguação,  sup- 
primida  a  inviolabilidade  do  asylo  que  a  constituição  tinha 
garantido  á  casa  do  cidadão,  entr^ues  aos  espiões  da  po- 
licia as  funcções  judiciarias,  preparou  o  domínio  absoluto 
para  o  governo  pessoal.  Hoje  o  conhece  e  deplora  talvez 
a  própria  oligarchia. 

Mas  em  1841,  no  interesse  de  associação,  o  conselho  de 
estado  deixou  de  ser  conselho  veneziano  dos  dez.  Consagrado 
cm  lei,  deixou  de  ser  inconstitucional,  porque  fundava-se  em 
proveito  da  oligarchia,  e  era  o  terrível  reducto  em  que  ella 
ia  acastellar-se,  conquistando  os  óligarchas  a  posição  de  Cé- 
sares associados  ao  império. 

Era  preciso  a  todo  o  transe  inutilisar  a  opposíção  liberal, 
que  lhes  fazia  frente. 

Para  esse  fim  continuarão  a  trama  revelada  na  tribuna 
quando  se  discutia  a  maioridade. 

Nessa  occasião  o  chefe  mais  hábil  e  mais  prestigioso 
dos  óligarchas,  mas  ao  mesmo  tempo  o  mais  franco  e  mais 
generoso,  havia  intimado  ao  partido  liberal  e  ao  paiz  o  seu 
ultimatum. 

No  Jorna!  da  Commerdo  de  19  de  julho  de  1840  i'êm  as 
seguintes  memoráveis  palavras  do  Sr.  Carneiro  Leão : 

<  Eu  o  que  receio,  senhores,  é  que  as  cousas  não  se  es- 
tejão  preparando  para  fazer  eleger  uma  camará  opposicionista 
ao  Sr.  D,  Pedro  II.  Se  tal  apparecer  declaro  desde  já  que 
o  Brasil  se  declarará  contra  toda  essa  camará;  se  tal  acon- 
tecer, quando  O  Sr.  D.  Pedro  II  governar  com  todos  os  po- 
deres magestaticos  que  a  constituição  lhe  concede,  seus  con- 
selheiros não  deixarão  de  representa r-lhe  que  uma  assembléá 
eleita  debaixo  das  influencias  perniciosas  que  actualmente 
dirigem  os  destinos  do  Brastl  não  pôde  ser  apropriada  para 
cooperar  com  o  Sr.  D.  Pedro  II.  > 

Vê-se,  pois  que  antes  da  maioridade  os  óligarchas,  se- 
nhores de  todas  as  i>osições  officiaes  de  alguma  im|K>rtancÍa, 


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A  CIRCWLAR   DG   TltEOMtlLO  OTTONI  307 

com  esses  e  outros  meios  de  influencia  que  tínhão,  contavão 
derrocar  e  substituir  de  prompto  qualquer  ministério  que 
o  imperador  organisasse,  e  de  antemão  nos  intímavão  a  guerra 
de  extermínio  que  nos  estava  preparada. 

As  palavras  que  o  Sr.  Carneiro  Leão  proferiu  no  par- 
lamento em  1840  serião  uma  jactância  indiscreta  se  não  ficasse 
transparente  o  fim  que  levavão  em  mira. 

Era  uma  advertência  feita  aos  seus  soldados  da  camará 
f  de  fora  para  não  se  apressarem  a  fazer  engajamentos 
com  os  commandantes  interinos  que  ião  ter,  visto  que  os  pro- 
prietários não  tardarião  a  empunhar  o  bastão,  que  lhes  per- 
tencia et  par  droit  de  naissance  et  par  droit  de  conquèle, 
<  Se  decretardes  a  maioridade,  dizia-nos  o  Sr.  Carneiro 
Leão  para  aviventar  a  fidelidade  dos  seus  satellites,  se  con- 
seguirdes nomear  uma  camará  de  deputados  das  vossas 
idéas,  desde  já  a  proclamamos  camará  de  opposição  ao  im- 
perador, e  protestamos  que  havemos  de  enxota-la  do  paço 
l^slativo.  porque  não  permittimos  que  ninguém  seja  mo- 
narchista  senão  os  oligarchas.  » 

Quando  ouvi  aquellas  palavras  em  1840  confesso  que 
lhes  não  dei  todo  o  peso  que  devia  dar,  até  porque  o  orador 
qile  as  proferiu  não  costumava  discorrer  em  vão. 

Na  sessão  de  1841  o  Sr.  Carneiro  Leão  annunciou  que 
a  letra  sacada  da  tribuna  em  1840  havia  de  ser  aceita  o 
mesmo  p^a  antes  do  vencimento. 

Estudou-se  na  tribuna  cynicamente  o  meío  pelo  qual  a 
oligarchia  se  havia  de  descartar  dos  seus  adversários,  que  em 
grande  maioria  estavão  eleitos  para  a  seguinte  legislatura. 
Primeiramente  se  declarou  que  o  governo  bem  podia  dis- 
solver a  camará,  que  estava  terminando  o  quatriennio,  e  que 
ri  dissolução  desta  importaria  a  da  camará  eleita. 

Reconhecido  o  absurdo  deste  expediente,  imaginarão  o 
discutirão  outro  que  o  não  era  menos,  a  dissolução  prévia  e  ao 
mesmo  tempo  um  golpe  de  estado,  por  virtude  do  qual  se 
desse  por  nullo  o  acto  addicional,  a  pretexto  de  que  na  sua 
adopção  não  havia  intervindo  o  senado. 

Na  discussão  apparecêrão  em  frente  um  do  outro  os  dous 
princípios  que  estão  em  luta  eterna  em  todos  os  governos 
possíveis,  o  principio  progressista  e  o  conservador. 


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398  REVISTA   DO  INeriTDTO  HISTÓRICO 

A  grande  táctica  dos  oligarchas  consistiu  em  procla- 
marem-se  os  arautos  exclusivos  do  principio  conservador,  que 
exagerarão  a  capricho. 

Era  um  meto  de  ganhar  terreno  no  espirito  do  joven 
monarcha,  sendo  o  fim  tanto  mais  fácil  de  alcançar,  porque 
os  representantes  progressistas  defendião  os  princípios  sem 
estratégia  e  sem  pensamento  reservado. 

Aproveitando-se  de  nossa  sinceridade,  exageravão  as 
theorias  oppostas,  certos  de  que  assim  fazião  a  corte  e  le- 
va vão  a  agua  ao  seu  moinho. 

De  exageração  em  exageração,  o  Sr.  Carneiro  Leão 
chegou  a  formular  como  expressão  resumida  do  seu  symbolo 
politico  este  notável  theorema : 

<  O  governo  é  sempre  legitimo  a  cuja  frente  está  o  im- 
perador. » 

Para  symbolisar  a  politica  opposta,  eu  sustentei  que,  se  o 
governo  do  Rio  de  Janeiro  dissolvesse  previamente  a  camará 
dos  deputados,  e  declarasse  nullo  o  acto  addicionai,  seria  para 
mim  um  governo  de  facto  tão  legitimo  como  o  de  Piratinim . 

E'  fácil  de  avaliar  qual  das  duas  theorías  agradaria  mais 
ao  governo  pessoal. 

Mediante  esta  explicita  profissão  de  fé  que  os  oligarchas 
corroborarão  annullando  todas  as  garantias  que  a  legislação 
anterior  concedia  ás  liberdades  publicas,  ficou  decidido  que 
a  situação  lhes  pertencia  exclusivamente  e  que  as  suas  con- 
dições esta  vão  aceitas. 

Pensavão  que,  entrincheirados  como  estavâo  no  senado 
e  apoderanJo-se  do  conselho  de  estado,  que  estavão  decre- 
tando, erão  homens  necessários,  que  podílo  dar  a  lei  tanto  ao 
povo  como  ao  monarcha. 

Cedo  tiverão  de  verificar  que  com  a  machina  executiva 
f  judiciaria  que  havião  montado  não  havia  mais  poder  effe- 
ctivo  no  Brasil  senão  o  de  quem  nomeia  os  ministro.i. 

Cedo  tiverão  de  reconhecer  que,  fautores  da  iniquidade, 
não  ficarião  preservados  contra  os  corollarios  naturaes  da 
sua  theoria.  e  que,  se  quizcssem  continuar  a  desfructar  as 
gordas  pitanças  que  ageitassem  ou  tivessem  ageitado.  terião 
de  passar  humildemente  pelas  forcas  caudinas  do  palácio. 


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A  CIRCULAR   nP  TIIKOPHIIXI  OTTONI  '  399 

Em  1841  estávamos  em  plena  reacção  e  nmguem  via 
as  ultimas  consequências  da  situação. 

Não  pretendo  escrever  a  historia  dessa  memorável  sessão, 
mas  simplesmente  explicar-vos,  Srs.  eleitores,  que  no  fim  da 
legislatura  eu  advc^va  os  mesmos  principios  que  tinha  invo- 
cado no  começo,  e  que  era  coherente  comigo  mesmo.  E  que 
tinha  seguido  o  preceito:  Qualis  ab  incoepto  processerit,  et 
sibi  constei. 

Para  esse  fim  porei  diante  dos  vossos  olhos  alguns  pe- 
ríodos de  um  longo  discurso  que  proferi  na  sessão  de  12  de 
julho  por  occasião  de  discutir-se  o  orçamento  do  império 
e  que  foi  publicado  no  Jornal  do  Commercio  de  14  de  julho 
de  1841. 

\"ereis  também  do  meu  discurso  que  já  nessa  época,  isto 
é.  ha  quasi  vinte  annos,  eu  estudava  seriamente  a  m^na 
questão  das  communicações  do  centro  e  norte  de  noss^  pro- 
vincia  com  o  litoral  adjacente. 

Entendia  que  não  erão  proveitosamente  applicados  os 
esforços  para  abrir  estradas  de  Marianna  e  Ouro-Pretp  para 
a  Victoria,  mas  já  então  indicava  as  estradas  de  Itapemirim, 
S.  Fidelis  e  Mucury  como  as  que  tinhão  mais  actualidade. 
O  tempo  provou  que  eu  estava  bem  informado :  o  povo,  sem 
auxilio  algum  do  governo,  tem  aberto  estradas  para  S,  Fi- 
delis, Itabapoana  e  Itapemirim,  no  sul  do  Espirito  Santo, 
e  a  companhia  do  Mucury  as  communicações  desta  corte  com 
o  norte  de  Minas. 

Entendia,  como  igualmente  vereis  do  meu  discurso,  que 
era  preciso  proteger  a  companhia  do  Rio-Doce,  que  muito 
podia  ter  feito  em  prol  do  commercio  e  engrandecimento  da 
Ilabira  e  do  Serro,  se  o  governo  a  não  deixasse  morrer  des- 
prot^ida  e  abandonada.  Mal  podia  eu  imaginar  em  1841, 
quando  intercedia  em  favor  da  companhia  do  Rio-Doce,  que 
\  ínte  annos  depois  eu  seria  director  de  uma  companhia  seme- 
lhante, c  que  lutaria  com  difficuldades  análogas  ! 

Na  rede  dos  meios  de  communicação  dos  Abrolhos  para 
o  sul  figurará  no  futuro  o  Rio-Doce,  como  dependência  que 
é,  tanto  cnmo  o  Mucury.  do  porto  de  Caravellas. 

«O  Sh,  Ottoni:  —  Sr.  presidente,  o  discurso  do  nobre 
ministro  do  império  tomou  cm  consideração  o  que  cu  disse 

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300  RF.V19TA  DO  INSTITUTO  llISTOBiro 

sobre  estradas  de  communicação  entre  a  província  de  Minas 
e  o  vasto  litoral  compreheiKÍido  entre  a  barra  do  Parahyba 
c  a  barra  do  Jequitinhonha  no  Belmonte,  on  a  do  Rio-Pardo 
em  Cana-Vieiras. 

« No  meu  discurso  a  este  respeito  mostrei  quanto  o 
relatório  bavia  sido  lacónico  sobre  taes  objectos.  Sr.  presi- 
dente, sem  duvida  que  uma  das  matérias  de  mais  transcen- 
dência que  estão  commettidas  especialmente  ao  ministério  do 
império  é  o  melhoramento  das  vias  de  communicação.  La- 
mento tanto  laconismo  da  parte  do  nobre  ministro  no  seu 
relatório,  tanto  laconismo  nesta  discussão. 

«  A  censura  que  fiz,  especialmente  acerca  da  companhia 
do  Rio-Doce,  o  nobre  ministro  a  justificou  trazendo  á  casa 
'informações  que  deverião  estar  consignadas  no  relatório. 
Sr.  presidente,  ha  dous  ou  três  mezes  que  se  achão  apodre- 
cendo, no  porto  do  Rio  de  Janeiro,  uma  ou  mais  embarcações 
da  companhia,  por  causa  das  difficuldades  suscitadas  pelo  go- 
verno ou  pelos  seus  agentes.  Eu  estou  bem  certo  que  o 
governo  não  pôde  ter  desejos  de  suscitar  embaraços  á  com- 
panhia; mas  entretanto  era  preciso  que  essas  difficuldades  ti- 
vessem já  cessado.  A  companhia,  com  muita  razão,  se  recusa 
a  pagar  a  siza  do  valor  de  embarcações  que  lhe  são  próprias, 
c  a  respeito  das  quaes  exige-se  o  pagamento,  segimdo  in- 
formou o  nobre  ministro,  i>elo  simples  facto  de  mudarem 
a  bandeira  ingleza  que  trouxerão  para  a  bandeira  nacional. 

<  Supponho  que  com  isto  não  ha  transferencia  de  do- 
mínio, são  os  mesmos  proprietários,  e  somente  por  esta  mu- 
dança de  bandeira  não  se  devia  exigir  a  siza;  mas,  quando 
a  legislação  fosse  duvidosa  a  este  respeito,  o  governo  devia 
p.pressar-se  em  trazer  ao  conhecimento  da  camará  estas  diffi- 
culdades. Não  sei  mesmo  qual  é  a  deliberação  do  governo, 
desejava  sabe-la  em  tempo  de  poder  offerecer  um  remédio 
na  lei  do  orçamento.  Estou  certo  que  a  camará  não  recusaria, 
no  caso  do  governo  dever  exigir  da  companhia  o  pagamento 
da  Siza ;  estou  certo  que  a  camará,  em  attenção  á  importância 
e  magnitude  da  empreza,  não  se  recusaria  a  alliviar  a  com- 
panhia deste  e  de  outros  pagamentos  iguaes;  mas,  para  se 
offerecer  uma  emenda  a  este  respeito,  é  preciso  que  o  nobre 


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A  CmCULAll  DE  TIlEOrUlLO  OTTOKI  301 

ministro  me  iiiíonne  definitivamente  qual  é  a  intenção  do 
governo. 

«  A  respeito  das  communicaçôes  da  província  de  Minas 
com  o  litoral,  lamento  que  o  nobre  ministro  nada  respondesse. 
Eu  tinha  em  vista,  quando  fiz  algumas  considerações  em 
outra  occasião,  nâo  só  chamar  a  attenção  do  nobre  ministro 
sobre  este  importante  objecto,  como  excita-lo  também  para 
que  os  dinheiros  públicos  não  fossem  despendidos  de  uma 
maneira,  ou  improfícua,  ou  menos  vantajosa.  Estando  eu 
na  província  de  Minas,  recebi  a  cópia  de  uma  interessante 
memoria,  escripta  sobre  a  estrada  chamada  do  Rubim,  que 
communica  a  província  do  Espirito-Santo  com  a  província  de 
Minas,  pelos  rios  Guandu  e  Manhuassú  ao  termo  de  Ma- 
rianna,  nos  dístrictos  da  Ponte-Nova  e  de  Casca. 

« Esta  memoria  foi  escripta  pelo  muito  digno  ex-pre- 
sidente  da  província  do  Espirito  Santo,  o  Sr.  José  Joaquim 
Machado  de  Oliveira,  que  o  governo  apressou-se  em  demittir, 
c  accrescentou  á  demissão  dada  a  este  benemérito  servidor 
o  menosprezo  com  que  tratou  aquella  sua  aliás  importante 
producção.  O  nobre  ex-presídente  me  communícára  em  uma 
carta  que  enviara  á  secretaria  do  ímperio  a  sua  memoria. 
Creio  que  ella  deve  existir  na  secretaria,  mas  não  mereceu 
menção  no  relatório  do  nobre  ministro,  quando  o  nobre  mi- 
nistro fallou  a  respeito  das  estradas  de  communícaçào  do 
Espirito-Santo  com  Minas,  que  não  podião  ser  senão  as  duas 
únicas  actualmente  em  projecto,  que  são  a  estrada  de  Ita- 
pemirim,  que  vai  ter  á  barra  deste  rio  e  vítla  do  mesmo 
nome,  e  a  estrada  de  Rubim,  que  vai  ter  á  bahia  da  Victoria. 
Mas  o  nobre  ministro  nada  disse  a  este  respeito,  e  eu  de- 
sejo que  S.  Ex-  tome  em  consideração  essa  memoria,  e  que, 
entretanto,  examine  o  que  eu  disse  a  respeito  da  maior  uti- 
lidade de  promover  as  communicações  do  município  do  Pre- 
sidio com  o  de  Campos,  e  o  do  município  de  Minas-Novas 
com  as  comarcas  de  Caravellas  e  Porto-Seguro. 

<  As  duas  estradas  que  se  dirigem  do  Espirito-Santo 
l>ara  o  centro  da  província  de  Minas,  para  a  capital  da  pro- 
víncia, teem  a  distancia  de  6o  a  70  léguas. 

€  Ora,  sendo  a  distancia  do  Ouro-Preto  ao  Rio  de  Ja- 
neiro quasi  a  mesma  pela  estrada  do  Parahybuna  ou  pela 


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30*  RBVISTA   DO  INSTITUTO  BlflTORICO 

estrada  do  Mar  de  Hes]panha;  sendo  estas  duas  estradas 
muito  mais  frequentadas;  estando  já  consideravelmente  me- 
lhoradas, a  ponto  de  em  muitas  léguas  poderem  já  actualmente 
iodar  carruagens;  atcrescendo  que  o  mercado  do  Rio  de 
Janeiro  não  pôde  ter  comparação  alguma  com  u  insigni- 
ficante mercado  da  Victoria:  é  evidente  que,  nas  actuaes 
circunistancias,  seria  talvez  em  pura  perda  a  despeza  que 
o  governo  fizesse  mandando  abrir  aquellas  estradas.  En- 
tretanto, 05  sacrificios  que  o  governo  parece  inclinado  a  fazer 
jior  aquelle  lado,  se  os  fizer  pelo  lado  do  Presidio  a  Campos, 
ou  pelo  lado  de  Minas-Novas,  comniunícando  este  munjcipio 
com  Caravellas  e  Porto-Seguro,  podem  trazer  extraordinária 
vantagem,  porquanto  os  municípios  do  Presidio  e  da  Poniba, 
na  [Kirte  (|uc  pôde  ter  relato  immediata  com  a  cidade  de 
Canii)os,  cujo  mercado  é  já  alguma  cousa  considerável,  com- 
prehende  uma  iiequena  distancia,  talvez  menos  de  metade 
da  distancia  que  ha  desse  ponto  para  a  capital  do  império. 

cO  Sr,  P.  Cândido:  —  Metade  precisamente. 

«O  Sr.  Ottoni:  —  Metade  precisamente,  diz  o  nobre 
deputado.  Já  se  vè,  pois,  que  grandes  vantagens  se  podem 
tirar  de  qualquer  sacrificio  que  se  fa^  para  accelerar  esta 
coramunicação.  No  momento  em  que  o  productor  mineiro 
daqucllas  paragens  puder  levar  a  Campos  os  seus  productos 
imniedi  atam  ente  deixa  esta  dispendiosa  e  muito  mais  longa 
estrada  do  Parahybuna  e  Mar  de  Hespaiiha,  e,  mesmo 
quando  tenha  de  vir  procurar  o  grande  mercado  da  corte 
fa-lo-ha  com  mais  vantagem  indo  embarcar  os  seus  productos 
na  cidade  de  Campos. 

<  Ora,  a  respeito  de  Minas-Novas  a  vantagem  é  ainda 
mais  considerável. 

«  O  municipio  de  Minas-Novas  aproveita-se  já  do  Je- 
qui tinlionha  e  de  sua  nascente  e  insignificante  navegação 
para  obter  alguns  géneros  de  primeira  necessidade  da  Bahia ; 
nmitos  outros  desses  géneros,  ou  se  vão  buscar  em  costas 
de  bestas  á  cidade  da  Bahia,  ou  ao  Rio  de  Janeiro,  cami- 
nhando-se  por  terra  a  distancia  de  150  para  200  léguas:  en- 
tretanto, toda  esta  interessante  comarca  está  em  muita  vizi- 
nhança com  Porto-S^uro  e  Caravellas;  a  população  tem 
affluido  para  aquelle  lado,  e,  se  se  facilitarem  as  comum- 


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A  circdlar  de  thbophilo  ottoni  303 

nicaçÕes,  o  algodão,  interessante  ramo  de  producção  <ia 
industria  agricola  de  Minas-Novas,  e  que  hoje  talvez  não 
se  produza  em  maior  escala  por  causa  das  despezas  extra- 
ordinárias do  transporte,  inimediatamente  Iteiá  um  incre- 
mento considerável,  porque,  ein  vez  de  se  transportar  este 
producto  por  150  ou  200  léguas,  poder-se-ha  transportar  por 
20  ou  40  léguas.  Creio  que,  á  vista  destas  considerações,  o 
nobre  ministro  procurará  antes^^lsr  impulso  á  communícação 
da  provinda  de  Minas  por  estas  duas  extremidades  do  que 
pelo  centro  com  a  província  do  £spÍrito-Santo. 


€  O  nobre  deputado  (o  Sr.  Carneiro  Leão)  yeiu  de 
alguma  maneira  confirmar  as  minhas  apprehensões  acerca 
do  acto  addicional.  Eu  peço  á  camará  que  haja  de  pensar 
bem  nas  palavras  do  nobre  deputado  a  este  respeito.  O 
nobre  deputado,  depois  de  fazer  ver  que  só  admitte  os 
golpes  de  estado,  não  como  jurisprudência  ordinária,  mas 
em  casos  excepcionaes,  depois  de  haver  declarado  que  o  acto 
addicional  havia  peccado  em  sua  origem,  que  tinha  defeitos, 
e  que  o  nobre  deputado,  apezar  de  receber  os  factos  con- 
summados,  ainda  não  se  tinha  desviado  de  seus  príncipios 
a  respeito  da  origem  desse  acto,  accrescentou  que  não  devia 
haver  receio  algum  na  actualidade  I 

«O  Sr.  Carneiro  Leão:  —  Porque  não  tenho  a  pre- 
sumpção  de  prever  o  futuro ;  é  o  que  isto  prova  unicamente. 

«  O  Sr.  Ottoni  :  —  O  nobre  deputado  passou  a  explicar 
mais  este  seu  pensamento.  Depois  de  dizer  que  na  actualidade 
não  podia  ser  conveniente  de  modo  algum  semelhante  golpe 
de  estado,  passou  a  dar  os  motivos  porque  o  governo  não 
poderia  da-lo,  não  porque  não  fosse  justo  que  o  governo  lan- 
çasse mão  deste  recurso,  mas  somente  porque,  estando  actu- 
almente empenhado  em  uma  guerra  para  conservação  da 
integridade  do  império,  não  devia  chamar  sobre  si  mais  diffí- 
culdades. 

«  Quaes  são  os  corollarios  que  daqui  se  podem  tirar  ? 
O  governo  não  deVe  dar  por  ora  o  golpe  de  estado  para 
annullação  do  acto  addicional,  pelo  receio  de  que  deste  golpe 
nasção  reacções  e  se  venhão  a  complicar  as  difficuldades. 


.  Cooglc 


3«4 


KBVISTA  DO  INSTITUTO  litSTOlUCO 


Eni  ultimo  resultado,  a  guerra  do  Rio-Grande  do  Sul,  a 
rebellião  do  Rio-Grande  do  Sul,  no  entender  do  nobre  depu- 
tado, é  a  única  difficuldade  que  pôde  haver  para  supplA- 
tar-se  o  acto  addicional. 

cO  Sr.  Caunkiro  Leão:  —  E'  má  lógica. 

<  O  Sr.  Ottoni  :  —  E'  como  a  do  nobre  deputado,  que, 
sendo  muito  forte  em  argumentar,  não  vejo  que  o  fosse  muito 
no  discurso  a  que  respondo. 

€  Attendendo-se,  pois,  a  este  motivo  que  deu  o  nobre 
deputado,  póde-se  dizer  que  a  guerra  do  Rio-Grande  do  Sul 
é  quem  conserva  o  acto  addicional,  Veja-se  o  perigo  que 
pôde  resultar  das  inducções  que  naturalmente  nascem  das 
palavras  do  nobre  deputado. 

€0  Sr.  Carneiro  Leão:  —  Taes  inducções  com  ef feito 
são  perigosas,  e  por  isso  é  que  as  combato. 

«O  Sr.  Ottoni:  —  Mas,  se  tal  é  o  pensamento  occulto 
do  governo,  e  se  espera  unicamente  achar-se  com  os  braços 
livres  pelo  lado  do  Rio-Grande  do  Sul  para  dar  esse  golpe 
de  estado,  está  o  governo  muito  enganado:  nem  o  exercito 
legalista  que  ha  de  pacificar  o  Rio-Grande  servirá  de  instru- 
mento para  quaesquer  machinações  iniquas  contra  a  consti- 
tuição do  estado.  (Apoiados.) 

<Eu  tinha  dito  que,  no  caso  do  governo  annullar  as 
eleições  da  camará  futura,  contra  todo  o  direito  e  contra 
a  constituição,  se  continuasse  a  praticar  medidas  de  seme* 
Ihante  natureza,  toma-se-hia  um  governo  de  facto.  O  nobre 
deputado  de  S.  Paulo  sem  duvida  estranhou  também  uma 
jiarte  de  minha  proposição,  e  não  attendeu  ao  todo  delia. 
Eu  não  declarei  que  o  acto  da  dissolução  da  camará  era  por 
si  sô  motivo  pATi  declarar  o  governo  do  império  o  governo 
de  facto.  Lá  está  no  Jornal  do  Commercio  o  meu  discurso 
tal  qual  o  proferi,  e  appello  demais  para  a  memoria  da 
casa.  Eu  disse  que,  se  o  governo  praticasse  esse  acto,  que 
eu  considerava  contrario  á  constituição,  e  continuasse  a  pra- 
ticar actos  semelhantes,  isto  é,  actos  contrários  á  constituição, 
entre  os  quaes  estava  sem  duvida  o  que  eu  mencionei,  de 
annullar  o  governo  de  autoridade  própria  o  acto  addicional, 
em  taes  circumstancias  o  governo  tornar-se-hia  um  governo 
(ie  facto,  tão  legitimo  como  o  de  Piratinira. 


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A  CIRCULAR  DE  THEOPHILO  OTTOKl  30$ 

«  O  Sr.  Carneiro  Leão  :  —  Isto  é  o  que  eu  nego. 

<  O  Se.  Ottomi  :  —  Tão  legitimo  como  o  governo  de  Pi- 
latinitn. 

tO  Sb.  Carneiro  LeÃo;  —  Essa  proposição  ha  de  ser 
refutada;  mas  quem  se  atreve  a  refutar  seus  discursos  são 
iras  e  cóleras. 

€  O  Sr.  Ottoni  :  —  Da  minha  parte  é  que  é  ousadia 
muito  grande  refutar  o  nobre  deputado ;  mas  tenha  paciência. 

«O  Sr.  Carneiro  Leão:  —  Eu  gosto  que  o  senhor  se 
occupe  de  mim. 

«  O  Sr.  Ottoni  :  —  O  nobre  deputado  disse  que  pouco 
falta  para  que  esta  doutrina  seja  semelhante  á  de  algimi 
convencionista  incendiário,  e  que  o  governo  é  sempre  legi- 
timo a  cuja  testa  está  o  poder  moderador. 

c  (Lê  a  parte  do  discurso  do  Sr.  Honório.) 

« Ora,  Sr  presidente,  em  primeiro  logar  tomarei  em 
consideração  o  que  me  diz  respeito,  e  especialmente  neste 
período  do  discurso  do  nobre  deputado,  em  que  elle  qualifica 
a  doutrina  enunciada  na  proposição  a  que  ha  pouco  me  re- 
feri como  anarchica,  incendiaria,  própria  dos  convencionistas, 
e  somente  tolerável  no  club  dos  Sansculottes .  Se  a  minha 
proposição  é  anarchica  e  incendiaria,  não  sei  como  possa 
qualificar  a  doutrina  do  nobre  deputado,  de  que  p  governo 
do  monarcha  é  sempre  legitimo  era  todos  os  casos;  não  sei 
como  possa  qualificar  a  doutrina  que  annulla  o  direito  de 
resistência  e  de  insurreição. 

«O  Sr.  a.  Machado:  —  Esta  doutrina  é  própria  par* 
At^l  e  Constantinopla. 

«O  Sr.  Ottoni:  —  Mesmo  em  Constantinopla  somente 
é  própria  para  ser  proferida  pelos  eunucos  do  sultão  ás 
portas  do  serralho.  (Apoiados  da  opposição.)  Mesmo  lá  as 
revoluções  protestão  contra  a  doutrina.  Mas  examinemos  a 
questão. 

«  O  Sr,  Carneiro  Leão  :  —  Ahi  é  que  é  o  principal. 

«  O  Sr.  Ottoni  :  —  O  governo  a  cuja  frente  está  o  poder 
moderador  é  sempre  legitimo,  dada  mesmo  a  hypothese  de 
que  seja  destruída  a  constituição. 

«O  Sr.  Carneiro  Leão:  —  De  violar. 


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306  RinSTA  DO  INSTITUTO  HIBTORICO 

'« O  Sr.  Ottoni  :  —  O  nobre  deputado  admittíu  até  a 
liypothese  de  destruição  da  constituição ;  mas  eu  admitto  que 
tivesse  dito  —  violar  — ;  é  já  um  principio  de  retracção  do 
nobre  deputado.  O  nobre  deputado  modificou  o  seu  discurso, 
mas  lé  deixou  estas  plavras:  «O  govemp  a.  X-uja.  testa 
está. . .  » 

{Ouvem-se  numerosos  apartes  dos  differentes  lados  da 
camará.) 

c  O  Sr.  Ottoki  {Depois  de  uma  pequena  pausa) :  — 
■€  O  governo  a  cuja  testa  está  o  monarcha  é  sempre  legitimo. 
O  imperante  é  sempre  chefe  do  governo  Intimo;  é  sempre 
legitimo  o  governo  a  cuja  testa  está  o  imperador.»  Ora, 
examinemos  primeiramente  esta  questão  com  os  factos  da 
casa. 

«  Esta  doutrina  annulla  evidentemente  o  direito  de  in- 
surreição e  resistência ;  considera  em  todos  os  casos  a  resis- 
tência criminosa,  a  insurreição  illegitima. 

«  O  Sr.  Carneiro  Leão  dá  um  aparte  que  não  ouvimos. 

€  O  Sr.  Ottoni  ;  —  O  nobre  deputado  guarde  para  de- 
pois a  resposta,  afim  de  refutar  os  princípios  que  s^uiu 
em  1817;  mas  agora  tenha  a  bondade  de  me  ouvir. 

c  Na  opinião  do  nobre  deputado  a  resistência  pôde  deixar 
de  ser  sempre  criminosa  contra  um  governo  que  é  sempre 
legitimo. 

<  Não  quero  mencionar  as  tentativas  que  o  Brasil  fez 
antes  de  1821  para  conquistar  a  sua  liberdade  e  independência: 
não  commemorarei  os  esforços  nobres  desses  illustres  mi- 
neiros, que  em  1790  procurarão  sacudir  o/jugo  de  Portugal, 
o  jugo  do  despotismo;  não  trarei  â  casa  os  motivos  hon- 
rosos que  impeli  irão  os  patriotas  pernambucanos  a  iniciar 
este  movimento  grandioso  em  1817.   (Apoiados.) 

«  Começarei  em  1821.  Já  não  era  então  o  Brasil  colónia  de 
Portugal,  mas  um  dos  três  reinos  da  monarchia  portugueza; 
havião-se  installado  as  cortes  da  nação  portugueza;  o  mo- 
narcha legitimo  dos  três  reinos,  D.  João  VI,  se  achava  em  Por- 
tugal á  testa  do  governo  dos  três  reinos ;  por  consequência,  o 
governo  de  Portugal  era  em  1821  a  respeito  do  Brasil  o 
governo  único  legitimo.  Entretanto,  o  Brasil,  depois  de  ter 
nomeado  deputados  ás  cortes  geraes  e  extraordinárias  da 


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A  CIRCOLAR  BE  THEOPHILO  OTTONI  307 

nação  portugueza,  reconheceu  que  o  governo  de  Portugal 
não  correspondia  a  suas  intenções  e  calcava  aos  pés,  direitos 
que  j4  tinha  como  reino  que  era  e  parte  integrante  da  nação 
portugueza.  Em  taes  circumstancias,  qual  foi  o  nosso  com- 
portamento? Corremos  ás  armas,  procurámos  decidir  a  questão 
como  rebeldes,  porque  é  o  que  éramos  a  principio. 

«O  Sr.  Martim  FRANasco :  —  Muita  gente  ainda  pensa 
que  o  somos  e  nos  trata  como  taes. 

cO  Sr.  Ottoni:  —  Emfim,  a  rebeUião  grassou  desde 
o  Pará  até  o  Uruguay :  as  armas  dos  rebeldes  ganharão  tri< 
umphos  gloriosos,  e  humilharão  as  quinas,  vencedoras  em 
outras  épocas  {apoiados) ;  e  entretanto  a  quem  se  fazia  a 
guerra?  Ao  governo  legitimo,  a  cuja  testa  estava  o  Sr.  D, 
João  VI.  E'  preciso,  pois,  que  façamos  amende  honori^le 
do  nosso  comportamento. 

«O  Sr.  Casneiko  Leão:  —  Ha  uma  confusão  manifesta 
de  idéas. 

«O  Sr.  Ottoni:  —  Os  rebeldes,  que  tomá!rão  as  armas 
para  chamar  o  governo  de  Porti^l  ao  cimiprimento  de  seus 
deveres,  entenderão  que,  á  vista  da  falta  de  fé  com  que 
aquelle  governo  nos  pretendeu  tratar  (a  nomeação  dos  depu- 
tados ás  cortes  de  Lisboa  provou  que  os  brasileiros  estavão 
resolvidos  a  continuar  a  fazer  parte  da  monarchia  portu- 
gueza), era  violado  o  pacto  fundamental  da  monarchia  pelas 
cortes  e  pelo  monarcha  a  respeito  do  Brasil;  e,  longe  de 
considerarem  como  verdadeira  a  doutrina  do  nobre  deputado, 
correrão  ás  armas,  tendo  ã  sua  frente  o  Sr.  D.  Pedra  I,  re- 
belde a  seu  pai,  a  seu  monarcha  e  á  sua  nação.  Veja  o  nobre 
deputado  se  pretende  que  a  memoria  deste  principe  expie 
esse  crime,  visto  que  declarou-se  contra  um  governo  que, 
s^undo  os  principies  do  nobre  deputado,  era  o  único  In- 
timo, só  pelo  facto  de  que  o  monarcha  estava  á  testa  desse 
governo. 

«  O  Sr.  Carneiro  Leão  :  —  Admira-me  como  se  con- 
fimdem  assim  todas  as  idéas. 

«O  Sr.  Ottoni:  — o  nobre  deputado  nio  pôde  dar 
outra  resposta  senão  generalidades  desta  natureza. 

«O  Sr.  Carneiro  LeÃo:  — Eu  lhe  mostrarei  se  lhe  res- 
pondo tom  generalidades. 

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30B  REVISTA  DO  INSTITUTO  mSTORlCO 

«  O  Sr.  Ottoni  :  —  E  também  deste  lado  haverá  quem 
replique. 

«O  Sr.  Carneiro  Leão  :  —  Não  me  assusto  com  as  res- 
postas. 

«O  Sk.  Ottoni:  —  E'  certo  que  a  coragem  do  nobre 
deputado  é  invencível.  (Risadas.)  Mas  pergunto  se  o  governo 
de  Portugal,  havendo  violado  o  pacto  social  a  respeito  do 
Brasil,  quando  nós  lhe  faziamos  a  guerra  naquella  occasião, 
-era  para  o  Brasil  mais  legitimo  do  que  o  governo  de  Pira- 
tiním?  Creio  que  não:  ambos  erão  tll^aes  e  illegítímos; 
tanto  o  governo  de  D.  João  VI  como  o  de  Piratinira  estão 
nas  mesmas  circumstancias ;  um,  porque  não  quer  submet- 
ter-se;  e  outro,  porque  não  queria  que  subsistíssemos  como 
nação,  quando  já  o  éramos.  Entretanto,  o  governo  de 
D.  João  VI  era,  na  opinião  do  nobre  deputado,  sempre 
legitimo,  porque  á  sua  testa  estava  o  rei.  O  nobre  deputado 
vai  para  diante  com  a  sua  argumentação.  A  respeito  do 
aparte  que  dei,  quando  disse  que  na  verdade  o  governo  do 
imperador  do  Brasil  era  legitimo,  mas  emquanto  existisse 
constituição,  o  nobre  deputado  declarou  que  não  havia  tal. 

«  O  Sr.  Carneiro  Leão  :  —  Eu  não  ouvi  dessa  maneira : 
bem  sabe  que  quem  está  orando  não  pôde  ouvír  bem  os  apartes. 
Pela  resposta  que  dei  bem  se  vê  que  não  entendi  dessa 
maneira. 

«O  Sr.  Ottoni:  —  O  nobre  deputado  disse:  [Lê  parte 
do  discurso  do  Sr.  Carneiro  Leão.)  Por  consequência,  na  opi- 
iiião  do  nobre  deputado,  a  legitimidade  do  imperador  não 
vem  da  constituição. 

«O  Sr.  Carneiro  LeÃo:  —  Não  vem  só  da  constituição, 
«  O  Sr.  Ottoni  :  —  Vou  chamar  os  factos  da  historia  da 
Qossa  independência  em  meu  apoio.  O  nobre  deputado  diz 
que  a  Intimidade  do  imperador  não  vem  só  da  constituição, 
porque  elle  é  imperador  por  unanime  acciamação  dos  povos. 
Quando  a  constituição  falia  em  unanime  acciamação  dos 
povos  não  menciona  um  facto,  mas  dá  um  título.  E  nem  de 
outra  sorte  se  podia  considerar  esse  artigo  da  constituição, 
porque  o  Sr.  D.  Pedro  I  não  foí  acciamado  unanimemente. 
Sabe-se  que  houve  dissidências,  tanto  de  brasileiros,  que  pre- 
tendião  outra  forma  de  governo,  como  do  partido  portt^ez. 


lyCOOglC 


A  ORCOLAR  DB  THBOPttILO  OTTONI  309 

que  pretendia  recolonísar-nos.  Por  consequência,  não  foí  accla- 
mado  unanimemente,  e  não  é  da  acclaraação  que  vem  o  titulo, 
mas  da  constituição. 

€  Eu  appello  para  os  factos  e  para  a  liistoria  da  revo- 
lução que  começou  em  1821.  O  fim  dessa  revolução  era  a 
liberdade :  é  por  ísso  que  todo  o  Brasil,  nomeando  deputados 
para  as  cortes  de  Lisboa  e  tendo  ficado  príncipe  r^ente  o 
Sr.  D.  Pedro  I,  em  2  de  março  se  exigiu  que  se  começassem 
a  formar  certas  instituições  tendentes  ad  estabelecimento 
do  governo  representativo.  Tal  foi  o'  estabelecimento  da  li- 
berdade da  imprensa,  que  teve  logar  em  2  de  março  de  1821, 
abolindo-se  a  censura  prévia,  que  então  existia,  tal  foi  o 
juramento  das  bases  da  constituição  portugueza,  que  o  povo 
reunido  exigiu  que  fosse  prestado  peta  familia  real,  e  taes 
forão  outros  muitos  factos  que  occorrèrão  em   1821. 

«  Em  1822,  quando  apparecérão  as  tentativas  das  cortes 
de  Lisboa,  para  roubar  ao  Brasil  as  prerogativas  de  que  já 
gozava,  o  Brasil  come^u  a  agitar-se  mais,  trabalhando  ao 
mesmo  tempo  para  a  liberdade  e  para  a  independência,  nunca 
perdendo  de  vista  o  fim  a  que  primeiro  se  propoz,  que  era 
a  liberdade. 

« Em  i6  de  fevereiro  de  1822  exigiu-se  a  reunião  de 
procuradores  geraes  das  províncias  do  Brasil,  para  virem 
trafar  dos  negócios  do  reino  do  Brasil.  Em  23  de  março 
bouve  um  movimento  do  povo  do  Rio  de  Janeiro,  talvez  por 
alguma  suspeita  de  tendência  contra  o  systema  de  governo 
que  o  Brasil  queria  estabelecer.  Antes  da  acclamação  do 
imperador  existe  o  facto  da  convocação  da  assembléa  geral 
constituinte.  Reuniu-se  a  junta  de  procuradores  geraes,  e 
por  sua  resolução  immediata,  á  qual  se  "uniu  o  conselho  de 
estado,  1(^0  depois  foi  convocada  para  o  dia  3  de  junho  uma 
assembléa  constituinte  lígislativa,  em  virtude  de  uma  requi- 
sição da  camará  municipal  e  do  povo,  e  o  Sr.  D.  Pedro  I 
tomou  o  titulo  de  constitucional  logo  depois,  no  dia  10  de 
junho.  Finalmente,  no  dia  7  de  setembro  proclama  o  prin- 
cipe  nas  margens  do  Ypiranga  a  independência  do  Brasil, 
e,  tendo  de  antemão  já  reconhecido  a  constituição  e  o  sys- 
tema representativo,  recebe  o  titulo  de  imperador  consti- 
tucional em  12  de  outubro  de  1822. 

D,gt,ZBdi,yCOO<^le 


3>o 


REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 


€  Ora,  pergunto  eu,  não  estarão  em  todos  estes  factos 
bem  formuladas  as  condições  com  que  o  Brasil  elevou  ao 
throno  o  Sr.  D.  Pedro  I?  Sem  duvida  nenhuma.  Se  o  nobre 
deputado,  não  achando  bastantemente  valiosas  todas  estas  re- 
clamações, todos  estes  actos  que  tiverão  logar  no  decurso  do 
anno  de  1822,  recorrer  ás  actas  por  que  nas  diversas  camarás 
municipaes  o  imperador  foi  acclamado,  achará  condições 
muito  expressas  na  maior  parte  delias,  pelo  menos  condições 
analc^s  ás  palavras  celebres  do  magistrado  do  Aragão  quando 
entregava  ao  rei  as  insignias  do  poder.  A  nação  brasileira, 
reconhecendo  o  seu  poder,  a  força,  o  direito,  que  tinha  reco- 
brado tornando-se  independente  de  Portugal,  disse  ao  prín- 
cipe como  os  aragonezes  de  outro'ora :  «  Nós,  que  somos  tanto 
como  vós,  e  que  podemos  mais  do  que  vós,  nós  vos  fazemos 
imperador  constitucional,  com  a  condição  de  que  respei- 
tareis as  instituições  que  a  convenção  ou  assembléa  consti- 
tuinte, que  já:  se  acha  convocada,  houver  de  instituir,  >  E  o 
imperador  o  jurou.  Por  consequência,  se  por  um  juramento 
persistente  o  imperador  se  obrigou  a  respeitar  em  todos  os 
casos  3  constituição,  é  falsissima  a  doutrina  do  nobre  depu- 
tado, como  os  factos  da  historia  do  nosso  paiz  demonstrão, 
e  a  proposição  que  emittí  não  é  das  que  são  somente  dignas 
de  ser  proferidas  por  detrás  de  barricadas. 

€A  constituição  me  resguarda,  me  defende  sufficien- 
temente,  para  poder  proferir  proposições  muito  mais  fortes 
na  tribuna  nacional,  Resguarda-me  mais  do  que  quantas  bar- 
ricadas possão  imaginar-se. 

«  O  Sr.  Carneiro  Leão  :  —  Resguarda  a  pessoa,  mas  não 
toma  a  doutrina  verdadeira,  nem  a  applicação. 

«  O  Sr.  Ottoni  :  —  Já  expliquei  a  historia  e  os  factos 
succedidos  no  nosso  paiz. , . 

cO  Sr.  Carneiro  L&So:  —  Fiquei  na  mesma. 

'« O  Sr.  Ottoni  :—._..  para  comprovar  que  as  dou- 
trinas que  expendi,  longe  de  serem  revolucionarias,  não  podem 
ter  o  mais  leve  resaibo  de  menos  constitucionaes ;  vejamos 
o  que  dizem  os  publicistas  os  menos  suspeitos  a  esse  res- 
peito. Eu  citarei  dous  ou  três. 

€  Creio  que  não  pôde  ser  suspeito  Vatel,  cujo  compendio, 
na  conformidade  das  leis,  serve  á  instrucção  da  mocidade  nos 

Google 


JL  CntCULUt  DB  THEOPHILO  OTTONl  3II 

cursos  jurídicos.  No  cap  2"  8  do  direito  das  gentes,  diz  cHe: 
(lendo)  «  Vatel,  §  50,  pag.  84,  vol.  I,°  Droit  des  Gens:  —  Se 
« a  autoridade  do  principe  é  limitada  e  regulada  por  lets 
«  íundamentaes,  o  principe,  sahindo  dos  limites  que  lhe  estão 
«traçados,  governa  sem  direito  algtmi  e  mesmo  sem  título; 
c  a  nação,  desobrigada  da  obediência,  pôde  resistir  ás  suas 
<t  tentativas  injustas.  Desde  que  ataca  a  constituição  o  prin- 
<  cipc  rompe  o  contrato  que  o  ligava  com  o  povo  1  o  acto 
« do  monarcha  desobriga  os  súbditos,  que  o  podem  consí- 
« derar  como  usurpador.  Esta  verdade  é  reconhecida  por 
« todos  os  escríptores  sensatos,  cuja  penna  não  está  escra- 
«  visada  ao  temor  ou  vendida  ao  interesse.  > 

<  Outros  publicistas,  cuja  autoridade  creio  que  é  tão 
pouco  suspeita  como  Vatel,  emittem  proposições  semelhantes, 
sem  precisarem  de  barricadas,  á  face  do  mundo... 

«  O  Sr.  Carneiro  Leão  :  —  Não  estavão  na  tribuna,  de 
certo. 

«  O  Sr.  Ottoni  :  —  ...  onde  havia  constituição  escrípta, 
onde  se  sabía  o  que  era  governo  de  facto  e  governo  legitimo. 
Diz  Silvestre  Pinheiro,  por  exemplo. 

«O  Sr.  Carneiro  Leão:  —  Não  aceito  a  autoridade. 
«O  Sr.  Ottoni:  —  Mas  não  é  suspeito,  e,  se  é  sus- 
peito, não  o  pôde  ser  de  certo  de  sans-culottismo. 

«  O  Sr.  Carneiro  Leão  :  —  Mas  tem  muitas  doutrinas 
falsas. 

cO  S».  Ottoni  :  — Silvestre  Pinheiro  diz  no  art.  3": 
(lendo)  €  Silvestre  Pinheiro,  Droit  constitutionel  du  pouvoir 
alegidatif,  pag.  158:  Deixai  aos  que  se  fazem  patanaes  do 
«  absolutismo  a  crença  que  fingem  ter  de  que  toda  a  resis- 
«tencia  ao  poder  é  uma  rebellião  e  toda  a  insurreição  contra 
« o  arbitrio  uma  revolta. »  e  mais  abaixo :  c  A  insurreição 
*  do  homem  livre  pôde  também  occasionar  guerra,  se  o  dcs- 
4  potismo  é  tão  cego  que,  para  execução  de  suas  medidas 
€  illegaes,  ousa  recorrer  á  força,  » 

«  Portanto,  Silvestre  Pinheiro  reconhece  também  o  di- 
reito de  resistência  e  de  insurreição  todas  as  vezes  que  é 
violado  o  contracto  social,  dizendo  mui  expressamente :  «  Point 
de  loi,  point  d'obéissance.  »  Logo  que  cessa  o  império  das  leis, 
cessa  o  dever  da  obediência.  Não  sei  se  o  nobre  deputado 

C.oo<^le 


312  RET1ST4  DO  INSTITUTO  HKTOIUCO 

aceitarii  a  autoridade  de  Delolme,  autor  muito  conhecido, 
que  expõe  as  excellencias  do  governo  inglez.  Depois  de  de- 
senvolver os  differentes  princípios  da  magna  carta... 

cO  Sb.  Carneiro  Leão:  —  A  citação  é  mal  feita  para 
justificar  a  proposição. 

cO  Sr.  Ottoni: — ...diz  que  todas  estas  instituições 
bem  combinadas,  como  forão,  sem  o  direito  de  resistência 
serião  inteiramente  nullas:  occupa-se  longamente  em  desen- 
volver este  principio,  e  diz_  (tendo):  c  Delolme,  ConstituUon 
d'Ãngleterre,  tom.  2",  cap.  XIV :  «  FoÍ  a  resistência  que  deu 
«  nascimento  á  m^na  carta,  fundamento  e  base  'da  liberdade 
« ingleza,  e  os  excessos  de  um  poder  estabelecido  pela  força 
«  forão  reprimidos  pela  força. :» 

<Já  se  vè,  pois,  que  não  é  só  por  detrás  das  barricadas 
que  se  considerão  governos  illegitímos  governos  presididos 
pelos  monarchas,  e  que  pelo  contrario  autores  que  estão 
acima  de  toda  a  suspeita,  como  estes  que  citei,  entendem  que 
nos  casos  em  que  o  governo  se  pÕe  acima  das  leis  elle  se 
torna  ÍtlegÍlÍmo.  Como  quer,  pois,  o  nobre  deputado  que  eu 
acredite  que  é  o  governo  legitimo  um  governo  que  é  ille- 
gitimo,  illegal?  Para  mim,  se  o  governo  é  Intimo,  eu  o 
considero  legítimo,  se  é  illegal,  illegal,  e  no  meu  espirito 
não  posso  graduar  a  differença  da  illegalídade  que  ha  entre 
iim  governo  usurpador  qualquer  e  o  governo  de  PJratiním. 
Eu  poderia  citar  ainda  Chateaubriand,  cuja  autoridade  sem 
duvida  110  caso  presente  não  pôde  ser  contestada,  porque 
é  um  realista  e  até  le^timista,  como  tal  estimado  de  todos 
os  realistas  distinctos  e  de  boa  fé.  Quando  uma  facção  ávida 
e  interesseira,  para  seus  fins  particulares,  para  realizar  seus 
projectos  de  ambição,  procurou  fazer  derribar  a  constituição, 
ou  uma  parte  delia  na  França,  é  bem  sabido  que  Chateau- 
briand e  muitos  outros  legitimistas  distinctos  virão  o  perigo 
em  que  punhão  o  monarcha  especuladores  politicos  presi- 
didos por  M.  Víllele. 

«O  Sr.  Carneiro  Leão: — Não,  por  Poligtiac  sim. 

«O  Sr.  Ottoni:  —  Polignac  estava  então  na  Inglaterra. 

«O  Sr.  Carneiro  Leão:  — Não  em  1827. 

«  O  Sr.  Ottoni  :  —  Em  1827  houve  a  coallisão  de  Cha- 
teaubriand, de  Hyde  de  Neuville  e  outros  realistas  distinctos 

.  Cooglc 


k  CmCOLiR  DE  THEOPHILO  OTTOHI  313 

com  os  patriotas  mais  decididos  e  contra  o  ministério  dos 
especuladores  politicos,  á  frente  dos  quaes  estava  Mr.  Vil- 
lele,  que  compromettía  a  monarchla,  para  satisfazer  suas  am- 
bições. Mr.  Cháteaubríand  previu  o  que  havia  de  succeder 
a  Carlos  X,  e  lhe  gritou  da  tribuna  que  temia  nas  circimi- 
standas  da  França  muito  mais  as  revoluções  que  vinhão 
<b  governo  do  que  as  que  vinhão  do  povo. 

«  O  Sr.  Cakneiro  Leão  :  —  Eu  temo  pelo  contrario,  por 
experiência. 

«  O  Sr.  Ottoni  :  —  Sem  duvida  o  cMnportamento  de 
Chateaubriand  em  toda  a  sua  vida  dá  direito  a  pensar  que 
CS  seus  receios  erão  nascidos  do  interesse  que  votava  mais 
especialmente  ao  throno;  mas,  infelizmente,  Carlos  X  não 
tinha  a  força  de  razão  que  caracterisava  o  seu  predecessor 
Luiz  XVin,  e  por  isso  acreditou  mais  nos  especuladores 
politicos  Villele  e  Polignac,  nos  sectários  das  transacções,  e 
o  resultado  foi  comprometter  o  seu  throno  na  revolução  de 
julho.  Eu  não  quero  fazer  confrontações  históricas;  estou 
certo  de  que  o  monarcha  actual  do  Brasil  ha  de  seguir  de 
preferencia  os  passos  esclarecidos  de  Luiz  XVIII,  e  que  não 
se  ha  de  deixar  arrastar  pelos  Villele  e  Polignac.  (Apoiados.) 

<0  Sr.  Marinho.:  —  Apoiado:  bravo  ! 

€  (Bravos  e  apoiados  vas  galerias.) 

€  Muitas  vozes  :  —  Ordem  !  ordem  I 

^(Restabelece-se  o  silencio  nas  galerias.) 

(Jornal  do  Commercio  de  14  de  julho  de  1841 . ) 


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Revolnção  de  iO  de  jVDbo  de  1842.  —  Paclficagfio  de  Hlnas 

A  fatalidade  que  em  lo  de  junho  de  1842  sublevou  3 
heróica  cidade  de  Barbacena  e  toda  a  província  de  Mínas, 
c  bem  assim  a  minha  voluntária  comparticipação  no  movi- 
mento, são  pontos  históricos  de  que  está  cada  um  de  vós 
cabalmente  informado. 

Creio  sinceramente  que  mais  teria  ganho  o  systema  con- 
stitucional se,  apezar  de  rebellado  o  governo  contra  a  consti- 
tuição, se,  apezar  da  promulgação  das  leis  ínconstitucíonaes 
de  1841,  apezar  da  dissolução  prévia  da  camará  dos  depu- 
tados, apezar  de  tudo,  a  opposição  mineira,  em  vez  do  recurso 
ás  armas,  de  preferencia  empregasse  contra  o  governo  os 
meios  pacíficos  que  ainda  lhe  restavão. 

Infelizmente  a  opposição  era  de  tal  modo  provocada  e 
arrastada  para  o  terreno  fora  da  lei  que  não  havia  meio  de 
conte-la. 

O  facto  era,  portanto,  indeclinável. 

A  não  ser  esta  consideração,  eu  poderia  lamentar  que 
a  energia  e  a  acerbidade  das  minhas  invectivas  na  sessão 
de  1841  pudessem  ter  contribuído  para  o  movimento  de  10 
de  junho. 

Em  todo  o  caso,  porém,  posta  a  mão  na  consciência,  ainda 
acho  lá  o  éco  de  minhas  palavras,  e  assevero  que  erão  es- 
tremes de  ódio  e  de  ambição. 

E  posso  recordar-me  complacentemente  que  na  noite  de 
15  para  16  de  junho  de  1842,  arrostando  perigos,  e  com  o 
fim  de  partilhar  a  sorte  de  meus  amigos,  parti  do  Rio  para 
Minas,  quando  aqui  já  se  festejava  a  derrota  da  Venda 
Grande,  a  retirada  da  Ponte  dos  Pinheiros,  e  consequen- 
temente a  queda  da  revolução  de  S.  Paulo, 

,      DigtizBdbyGOOgle 


A  CanCULAR  DB  THEOPHtLO  OTTOm  31$ 

A'  memoria  do  meu  saudoso  amigo  monsenhor  Marinho 
rendo  graças,  porque  á  pag.  207  do  i'  vol.  da  sua  Historia 
da  revolução  de  Minas  consignou  esse  acto  de  lealdade  que 
pratiquei  para  com  os  meus  amigos. 

O  generoso  historiador  omittiu  systematicamente  os  seus 
próprios  serviços  e  grandes  sacrifícios,  mas  não  perdeu  occa- 
sião  de  pòr  em  relevo  a  mais  pequena  circumstancia  que 
podia  ennobrecer  o  caracter  de  seus  amigos. 

Assim,  á  pag.  252  e  seguintes  e  nos  documentos  que  se 
Icem  no  2°  vol,  o  historiador  mineiro  r^strou: 

i.°  O  propósito  em  que  estava  em  19  de  agosto  de  aceitar 
a  presidência  e  a  direcção  do  movimento  depois  da  batalha 
que  teve  Ic^r  no  dia  20. 

2.'  A  resolução  que,  de  accordo  com  outros  amigos  tomei 
no  dia  20,  de  acabarmos  com  a  revolução  em  Santa  Luzia, 
e  ahi  ficarmos  para  sermos  presos,  em  vez  de  nos  retirarmos 
escoltados  pelas  forças  respeitáveis  de  Galvão  e  Alvarenga, 
que  até  a  noite  occupárão  a  ponte  da  villa  para  protegerem 
a  retirada  dos  insurgentes. 

3.°  O  facto  de  se  acharem  na  Lagoa  Santa  no  dia  21, 
immediato  ao  da  batalha  de  Santa  Luzia,  mais  de  2.000  ho- 
mens bem  armados  e  municiados,  e  que  debandarão  por  se 
ter  dissolvido  o  governo  insurgente, 

4."  O  importante  documento  assígnado  pelos  coronéis 
Galvão  e  Alvarenga,  perante  o  subdelegado  de  Mattosinhos, 
declarando  que  debandavão  suas  forças,  recolhião-se  ás  suas 
casas,  e  não  se  opporião  mais  ás  leis  em  vigor,  afim  de  pôr 
termo  ao  derramamento  de  sangue  dos  mineiros.  E'  tambcm 
datado  de  ár  de  agosto  de  1842. 

Bem  apreciados  os  dados  expostos,  claro  está  qual  era 
a  ordem  das  minhas  idéas  naquella  crise. 

Se  o  Sr.  barão  de  Caxias  fosse  vencido,  como  tínhamos 
as  melhores  esperanças  de  que  o  fosse,  a  revolução  estava 
terminada  pelo  triumpho,  e  estaria  acabada  a  guerra  civil. 
<  Dentro  de  três  dias,  dizia  eu  aos  meus  amigos,  estamos  no 
palácio  do  Ouro  Preto,  dentro  de  qutnue  dias  um  ministério 
liberal  terá  suspendido  a  lei  inconstitucional  de  $  de  dezembro 
c  a  do  conselho  de  estado,  e  terá  annutlado  o  decreto  incon- 
stitucional que  dispersou  os  representantes  da  nação.  > 

lyCoogle 


3l6  ABTISTA  fiO  IH8TITCT0  BISTORICO 

Nossa  tarefa  estaria  finda,  restabelecida  a  ordem,  a 
ordem  bem  entendida,  que  é  inseparável  da  verdadeira  li- 
berdade. 

Perdida  a  batalha  de  Santa  Luizia,  sobravão  elementos 
ao  partido  liberal  para  continuar  uma  guerra  de  recursos, 
cujo  resultado  é  difficil  calcular  qual  teria  sido. 

Mas  eu  não  comprehendo  revolução  senão  quando  o  povo 
se  levanta  em  massa  para  dizer  aos  seus  oppressores :  <B<uta.» 

Pensávamos,  os  mineiros,  que  em  1842  seria  assim;  e, 
como  nem  queríamos  nem  suppunhamos  guerra  civil,  os  que 
estávamos  no  Rio  não  enviámos  para  Minas  nem  uma  espin- 
garda nem  uma  libra  de  pólvora. 

Contávamos  que  a  provincia  de  S.  Paulo  se  levantaria 
como  um  só  homem,  e  que  aos  mineiros  não  estava  destinada 
outra  tarefa  senão  a  de  uma  manifestação  popular  até  certo 
ponto  pacifica. 

Frustrada  a  revolução  em  S.  Paulo,  nada  tínhamos  que 
fazer. 

*  Mas  o  pundonor  dos  guardas  nacionaes  mineiros,  sua 
energia  e  enthusiasmo  um  momento  persuadÍrão-nos  que, 
desprevenidos  como  tinhamos  entrado  na  luta,  e  mesmo  tendo 
ficado  a  sós,  podiamos  dar  leis  ao  império. 

E  pouco  faltou  para  que  esta  esperança  se  realizasse 
no  dia  20  de  agosto  de  1842. 

Longe  de  mim  duvidar  da  coragem  pessoal  e  mais  qua- 
lidades que  concorrem,  como  universalmente  se  reconhece,  e 
eu  sou  o  primeiro  a  confessar,  na  pessoa  do  nobre  general 
marquez  de  Caxias,  illustre  veterano  da  independência. 

Mas  estou  persuadido  que  os  cordões,  os  bordados  e  as 
condecorações  dadas  a  S.  Ex.  em  razão  da  batalha  de  Santa 
L,uzia  mais  racionalmente  adomarião  a  estatua  do  Destino. 

Acerca  deste  combate  os  chefes  insurgentes  podião  dizer 
como  Napoleão  em  Santa  Helena,  f aliando  de  Waterloo: 
«  Ney  !  Grouchy  1  Dia  incomprehensivel,  em  que  tudo  se 
perdeu  depois  que  tudo  estava  ganho!  Houve  traição  ou 
foi  uma  dessas  fatalidades  com  que  o  destino  se  apraz  em 
zombar  das  mais  bellas  combinações  do  espirito  humano  ?  I . . . » 

Como  quer  que  fosse,  perdida  a  batalha  de  Santa  Luzia, 
pensava  eu,  ainda  antes  do  facto,  que,  se  era  certo  que  po- 


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A  CIRCULAR  DE  THGOPBILO  OTTONI  317 

diamos  continuar  a  revolução  com  chanças  de  successo, 
também  era  fora  de  duvida  que  só  conseguiríamos  assolando 
os  bellos  campos  de  Minas  e  anarchísando  a  provincia.  Diante 
de   tamanha   responsabilidade   honro-me   de   haver   recuado. 

Julguei  que  em  taes  circumstancias  mais  ganhava  o  paiz 
se  da  sentença  lavrada  pelas  baionetas  do  Sr.  Caxias  appel- 
lassemos  para  os  tribunaes  judiciários. 

E,  como  só  podíamos  discutir  estando  presos,  ficámos 
em  Santa  Luzia,  havendo-se  retirado  os  chefes  militares, 
p  quem  o  juízo  dos  seus  pares  nos  conselhos  de  guerra  não 
podia  inspirar  a  confiança  que  depositávamos  no  jury. 

Já  em  frente  do  Ouro-Preto,  vendo  os  ânimos  dispostos 
a  uma  capitulação,  e  não  querendo  que  para  o  fim  de  ob- 
terem os  chefes  condições  menos  duras  se  arriscasse  uma 
gota  de  sangue  mineiro,  tinha  eu  feito  a  seguinte  proposta, 
que  também  copio  da  historia  de  Marinho: 

c  §  i.°  Que  o  presidente  interino  proclamasse  a  todas 
as  forças  que  em  seu  nome  podião  estar  e  de  facto  estavão 
em  armas  na  provincia  que,  tendo  sido  feita  a  revolução  de 
Minas  unicamente  como  tmia  manifestação  destinada  a  apoiar 
a  de  S.  Paulo,  pacificada  aquella  provincia,  devião  os  mi- 
neiros depor  as  armas,  e  a  isso  os  convidava. 

€  §  2."  Que  esta  proclamação  fosse  de  prompto  enviada 
ao  barão  de  Caxias,  declarando-se-lhe  que,  para  evitar  effusão 
do  sangue,  e  pelo  motivo  na  dita  proclamação  exarado,  de- 
punhão  os  mineiros  as  armas,  depois  de  uma  victoria  bri- 
lhante, qual  a  de  Queluz,  e  se  entregavão  á  discrição  da  de- 
mência imperial. 

<  ã  3.'  Que  então  todas  as  pessoas  notáveis  que  se 
achavão  no  acampamento,  tendo  á  sua  frente  o  presidente 
interino,  se  fossem  apresentar  ao  general  em  chefe. » 

Esta  minlu  proposta,  que  não  foi  possível  levar  a  effcilo 
diante  do  Ouro-Preto  nos  últimos  dias  de  julho,  realizou-se 
em  Santa  Luzía  no  dia  20  de  agosto. 

Os  Srs.  José  Pedro  Dias  de  Carvalho,  vigário  Joaquim 
Camíllo  de  Brito,  coronel  João  Gualberto  Teixeira  de  Car- 
valho, capitão  Pedro  Teixeira  de  Carvalho,  tenente  Antonío 
Teixeira  de  Carvalho,  padre  Manoel  Dias  do  Couto  Guima- 
rães e  Francisco  Ferreira  Paes  voluntariamente  esperarão 


.  Coo^^lc 


3l8  REnSTA  DO  INSTITUTÚ  HUTOUCO 

comigo  a  entrada  do  exercito  vencedor,  para  darmos  teste- 
munho de  que  alli  tinhamos  ficado  até  a  ultima  hora  e  que 
a  revoluçáo  estava  acabada. 

Das  reminiscências  da  campanha  de  1842,  acreditai-me, 
Srs.  eleitores  mineiros,  são  estas  ultimas  as  mais  gratas  ao 
meu  coração. 


\ 

\ 
t 

\ 

I 

DiglizibyGOOgle 


A  revolução  de  Minas  findou  repentinamente  e  como  que 
por  encanto  no  dia  20  de  agosto. 

Findou,  permitta-se-me  que  o  repita  com  satisfação, 
porque  eu  não  quiz  assumir  a  vice-presidencia. 

€Se  o  ex-deputado  Ottoni,  diz  o  historiador  da  revo- 
lução, que  tanto  prestigio  linha  no  exercito  e  na  província, 
não  tivesse  ficado  em  Santa  Lusia  o  sucesso  de  zo  de  agosto 
seria  apenas  um  revés.  > 

Dissolvido  o  governo  insurgente,  coube  aos  coronéis 
António  Nunes  Galvão  e  Francisco  José  de  Alvarenga  a 
honra  de  authenticarem  perante  o  subdel^ado  da  Lagoa 
Santa  a  pacificação  da  provinda.  Por  toda  a  parte  deban- 
davão  as  forças  rebeldes,  e  cada  qual  recolheu-se  para  os  seus 
lares  mansa  e  pacificamente.  O  confticto  dos  liberaes  com 
o  governo  ia  entrar  em  nova  phase  perante  os  tribunaes. 

Fui  eu,  como  cfiz  Marinho  na  Historia  da  revolução, 
quem  conservou  o  archivo  rebelde,  material  valiosíssimo  para 
os  processos  e  para  a  historia. 

Preservei-o  das  chammas  a  que  o  havião  condemnado, 
mais  feliz  de  que  o  bibliothecario  de  Alexandria,  se  é  certo  que 
com  effeito  o  califa  Ornar  queimou  a  bibltotheca  daquella  ci- 
dade, e  se  não  procedem  as  objecções  de  Gibbon  contra  essa 
tradição  histórica. 

O  archivo  rebelde  era  o  auto  de  corpo  de  delicto  imi- 
versai  dos  revolucionários. 

Tinhão  elles  protestado  em  lo  de  junho  que  a  lei  de  3  de 
dezembro  de  1841  e  a  dissolução  prévia  erão  actos  inconsti- 
tucionaes. 

Os  tribunaes  ião  decidir  se  aquelle  protesto  tinha  sido 
um  crime  ou  uma  resistência  legaL 


,dbyGoogle 


320  RBTISTA  00  INBTITDTO  aiSTORlCO 

Era  da  maior  conveniência  pleitear  a  causa  perante  a  opi- 
nião e  discutir  perante  os  jurados,  não  só  a  theoria  consti- 
tucional e  as  causas  longo  tempo  acciunuladas,  e  as  paixões 
exacerbadas  que  havião  produzido  c  podião  justificar  o  mo- 
vimento de  lo  de  junho,  mas  também  o  modo  por  que  os 
rebeldes  havião  procedido. 

Glorio-me  de  haver  conservado  as  peças  justificativas  ne- 
cessárias aos  libellos  do  promotor  publico  e  aos  numerosos 
advogados  da  defesa. 

Para  serem  devidamente  aproveitados  estes  materíaes 
era  indispensável  um  centro  e  curadoria  geral  dos  accusados. 
que  systematisasse  a  discussão,  reunisse  em  um  feixe  os 
casos  julgados  que  devião  compor  a  jurisprudência  da 
questão,  e  que  enfim,  resumindo  os  debates,  tornasse  bem 
patente  o  julgamento  definitivo  do  poder  judiciário  e  da 
opinião  publica  acerca  do  movimento  de  lo  de  junho. 

Tal  foi  a  missão  do  Ifacolomy,  publicado  logo  que  se 
levantou  o  sequestro  á  typographia  liberal  do  Ouro-Preto. 
Collaborárão  activamente  no  Itacolomy  alguns  dos  compro- 
mettidos  que  tinhão  feito  parar  o  carro  revolucionário  era 
Santa  Luzia,  e  se  havião  rendido  á  discrição,  certos  de  que 
era  mesmo  estando  presos  que  poderião  melhor  defendef  sua 
causa  e  de  seus  amigos  perante  a  opinião  e  perante  os  tri- 
bunaea. 

Ainda  as  algemas  nos  roxeavão  os  pulsos,  e  já  estávamos 
appellando  para  a  imprensa,  que  tudo  salvou. 

Reparávamos  assim  o  grande  erro  que  havíamos  com- 
mettido  recorrendo  ás  armas,  mas  não  cessávamos  de  esti- 
gmatisar  os  actos  inconstitucionaes  que  tinhão  dado  causa  ao 
movimento. 

Tinhamos  o  maior  empenho  em  que  fosse  a  questão  ven- 
tilada solemnemente  perante  os  tribunaes, 

E  éramos  tão  sinceros  nesta  opinião  que  a  nosso  pedido 
a  assembléa  legislativa  provincial,  na  qual  o  voto  de  nossos 
amigos  preponderava,  se  absteve  de  representar  ao  poder 
moderador  pedindo  amnistia  para  os  presos  e  compromettidos. 

Não  procedemos  assim  porque  pensássemos  que  houvesse 
o  menor  dezar  em  appetlar  em  casos  taes  para  o  poder  mo* 
derador. 


,dbyGoogle 


A  CmCtJLAR  bE  THEOPHILO  OTTONl  3*1 

EsUvamos  longe  de  uma  opinião  tão  inconstitucional. 
A  amnistia  deve  ser  concedida  sempre  que  o  aconselhar 
o  bem  do  estado. 

E'  um  direito  e  uma  garantia  do  cidadão  brasileiro,  que 
l)óde  invoca-la  logo  que  julgue  dar-se  a  hypothese  da  con- 
stituição, do  mesmo  modo  que  pôde  requerer  um  habeas- 
corptiS. 

Na  assembléa  provincial  fluminense  uma  voz  generosa 
suscitou  a  nobre  idéa,  e  durante  a  discussão  patenteou-se  ao 
paiz  quanta  consideração  mereciâo  os  proscriptos. 

O  fallecido  Sr.  José  Augusto  César  de  Menezes,  homem 
da  tempera  dos  antigos,  e  que  levou  ao  tumulo  firme  a  sua 
reputação  e  inabaláveis  suas  crenças  politicas,  disse  o  se- 
guinte ; 

€  Vou  agora,  Sr.  presidente,  não  fazer  uma  resenha,  mas 
apresentar  alguns  individues  implicados  no  movimento  de 
que  falíamos,  para  vermos  se  merecem  os  convicios  que  lhes 
lançou  o   parecer   da   nobre   commíssão. 

;<  Será  inimigo  da  ordem  publica,  ousado,  lurbulent», 
vilipendiador  das  leis,  aquelle  varão  probo  (o  Sr.  Vergueiro) 
e  prestante,  que,  comprehendendo  bem  o  que  é  uma  pátria 
adoptiva,  resistiu  á  tentaição  das  doces  emoções  que  faz 
nascer  a  vista  do  solo  natal,  para  neste  trabalhar  por  sua  li- 
berdade e  independência,  cuja  estada  no  poder  era  uma  ga- 
rantia de  socego  e  ordem? 

«  Será  inimigo  da  ordem  publica,  ousado,  turbulento, 
idipendiador  das  leis,  aquelle  estóico  e  desinteressado  (o 
Sr.  Feijó),  que  regeitou  um  bispado  e  resignou  uma  regência, 
logar  que  mais  de  um  especulador  quereria,  ainda  dando 
400  %  sobre  o  seu  orçamento?  o  qual,  se  commetteu  algum 
excesso,  ninguém  deixará  de  confessar  que  foi  por  amor 
da  ordem,  excesso  que  teve  talvez  por  causa  principal  a  sua 
sinceridade,  illudida  pela  falsa  amizade,  da  qual  fallou  o 
Sr.  Dias  da  Motta,  quando  ella  lhe  aconselhava  que  mane- 
jasse a  clava  de  Hercules?  que  deixou  o  poder  quando  viu 
que  a  continuação  da  sua  gestão  podia  occasionar  a  per- 
turbação da  paz  publica? 

«  Merecerá  aquelles  epithetos  esse  moço,  por  que  mais 
se  deve  encher  de  orgulho  o  Serro  do  que  pelas  pedras  pre- 


.  Gv^ogle 


3^3  REVUTA  DO  IHSTtTDTO  USTORICO 

ciosas  que  rolão  pelos  leitos  dos  seus  rios,  esse  moço  no  qual 
todas  as  vezes  que  penso  digo:  —  Assim  foi  de  certo  Catão 
na  sua  idade  e  será  esperança  do  Brasil,  se  alguma  ccKJunissão 
militar  lhe  não  fizer  saltar  a  cabeça,  ou  se  alguma  taça  mi- 
nistrada por  algum  fingido  amigo  lhe  não  corroer  lenta- 
mente as  entranhas  ?  »        . 

(Diário  do  Rio  de  27  de  abril  de  1843.  Sessão  de  23  do 
mesmo  mez  e  anno.) 

Na  camará  dos  deputados,  entre  outros  levantou-se  em 
nossa  defesa  o  honrado  bahiano  o  Sr.  João  José  da  Cruz 
Rios. 

Assim  apoiados  na  tribuna  legislativa,  proseguiamos 
tenaz  mas  pacificamente  na  discussão  do  nosso  direito. 

O  exercito  podia  desarmar  os  mineiros,  inutilisar  a  sua 
resistência,  mas  não  decidir  a  questão  constitucional. 

A  resistência  de  10  de  junho,  discutida  de  mil  modos 
perante  05  tribunaes  de  Minas,  ficou  plenamente  justificada 
como  uma  resistência  legal. 

Qualquer  que  tenha  continuado  a  ser  a  opinião  dos  po- 
deres legislativo  e  executivo,  os  actos  contra  os  quaes  se 
erguera  o  grito  de  Barbacena  forão  declarados  inconsti- 
tucionaes  pelo  poder  judiciário,  que  também  é  independente. 

Todos  os  chefes  de  alguma  importância  levados  ao  jury 
obtiverão  absolvição  e  em  muitos  casos  apotheose. 

Era  regra  que  quando  entrava  no  jury  algum  dos  muitos 
cabeças  da  revolução  o  tribunal  em  peso  levantava-se  apezar 
das  reclamações  de  alguns  juizes  de  direito.  Este  facto  está 
registrado  no  Jornal  do  Commercio  de  outubro  de  1843. 

Era  homenagem  prestada  ã  nossa  boa  f é  e  á  honestidade 
dos  motivos  de  nosso  procedimento. 

E  cumpre  observar  que  no  maior  numero  de  casos  os 
jurados  que  absolvião  os  rebeldes  e  com  elles  fraternisavão 
nos   tribunaes   erão   os   legalistas   da   véspera. 

Honra  aos  mineiros  !  Os  mesmos  que  havíão  feito  os 
maiores  sacrifícios  para  abafar  a  revolução,  cujas  consequên- 
cias temião,  estavão  longe  de  approvar  o  procedimento  do  go- 
verno, e  não  querião  de  modo  algum  sanccionar  o  precedente 
de  poderem  a  assembléa  geral  e  o  governo  decretar  leis  in- 
constitucionaes. 

D,3t,ZBdbyGOO<^le 


A  ahCDLAR  DE  TllEOPUILO  OTTOHI  3*3 

Honra  ao  jury  de  Maríanna,  do  Ouro  Preto,  <fa  Piranga 
e  outros,  que  nos  restituirão  ao  gozo  de  nossos  direitos,  com- 
pletamente justificados,  salvando  o  principio  de  resistência 
a  ordens  illegaes,  e  com  mais  forte  razão  a  leis  ínconsti- 
tucionaes. 

Assustada  com  o  verdict  dos  jurados  a  imprensa  con- 
servadora da  província  começou  a  aconselhar-nos  a  resis- 
piscencia  dos  nossos  actos.  Já  se  contentavão  que  ao  menos 
nos  mostrássemos  contrictos. 

€  Peção  misericórdia  !  nos  repetia  a  Ordem  de  S.  João 
d'El-Rei. 

<  Peção  misericórdia  I  repetíamos  no  liacoiomy.  Mise- 
ricórdia devem  pedir  esses  irmãos  degenerados,  que  se  teem 
locupletado  com  a  rapina  e  engordado  com  o  espolio  do 
orphão  e  da  viuva,  que  teem  opprimido  os  seus  concidadãos, 
que  teem  vendido  a  justiça  e  commettido  toda  a  sorte  de 
iniquidades,  e'  muita  contricção  precisão  eltes  para  que  Deus 
lhes  perdoe  por  sua  infinita  misericoridía.  Quanto  aos  ci- 
dadãos que  por  effeito  de  suas  convicções  tomarão  parte 
nos  movimentos  políticos  do  anno  passado,  de  que  hão  de 
pedir  perdão  ?  Porque  forão  rebeldes  ?  Mas  esses  rebeldes 
não  estão  em  circumstancias  de  fazer  acto  de  contricção. 
Coube-lhes  a  rara  fortuna  de  que  seus  pares  e  juízes  nos 
tribunaes  judiciários  teem  antecipado  a  purificação  de  sua 
conducta,  emittindo  acerca  das  revoluções  de  Barbacena  e 
Sorocaba  um  juízo  que  a  posteridade  sem  duvida  confir- 
mará > . 

(Do  Itacolomy  de  28  de  agosto  de  1843.) 
Effecti vãmente  jurados  mineiros  unanimes  e  sem  dís- 
tincção  de  partidos  decretavão  por  toda  a  parte  que  era  jus- 
tificável o  nosso  procedimento,  e  que,  portanto,  criminosos 
erão  os  ministros  que  havião  promulgado  a  tei  de  3  de  de- 
zembro de  1841  e  dispersado  os  representantes  do  povo  com 
o  mesmo  direito  com  que  Cromwell  mandou  fechar  as  portas 
do  parlamento. 

Eu  fui  um  dos  absolvidos  por  unanimidade  no  jury  de 
Maríanna,  composto  o  conselho  de  liberaes  e  conservadores 
promiscuamente. 


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324  REVISTA   DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

O  presidente  do  conselho  era  o  distincto  mineiro  e  meu 
amigo  o  Sr.  José  Marianno  Pinto  Monteiro,  lioje  residente 
em  Ubá  e  alli  um  dos  prestigiosos  chefes  do  partido  liberal. 

O  Sr.  Pinto  Monteiro  fez-me  presente  da  penna  com 
que  havia  lançado  as  respostas  unanimes  aos  quesitos  do 
juiz  de  direito.  Essa  penna  é  uma  reliquia  preciosa  que  con- 
servo, e  que 'inactiva  depois  de  i8  annos,  vai  hoje  servir-me 
para  escrever  neste  papel,  afim  de  que  sejão  transmittidos 
á  imprensa  acompanhados  de  bênçãos  sinceras  e  de  meu 
agradecimento  immorredouro,  os  nomes  dos  cidadãos  cujo 
memorável  verdict  me  restituiu  á  minha  família  puro  de  toda 
a  criminalidade. 

São  os  Srs.: 


José  Marianno  Pinto  Monteiro,  presidente. 
José  de  Souza  Cimha,  secretario. 


Francisco  Xavier  Pereira. 

Manoel  Coelho   Linhares. 

Ignacio  Alves  da  Rocha. 

José  Pedro  Gonçalves. 

Quintiliano  de  Abreu  e  Lima, 

António  Gonçalves  Machado. 

Francisco  José  Ferreira. 

Manoel   Francisco   Damasceno. 

■Manoel  Moreira  da  Cruz. 

José  Bernardino  dos  Reis. 
A  sede  de  perseguição  fora  tão  longe  que  no  meu  pro- 
cesso se  investigou  sobre  discursos  que  proferi  como  depu- 
tado, sobre  escriptos  que  dez  annos  antes  dei  ao  prelo  como 
jornalista,  e  finalmente  sobre  minhas  opiniões  em  abstracto, 
quanto  ás  bases  constitutivas  do  governo. 

De  minha  defesa  perante  o  jury,  publicada  no  Itaco- 
lomy  de  26  e  30  de  setembro  de  1843,  ver-se-ha  que  vinguei 
os  privilégios  de  deputado  c  a  liberdade  da  imprensa,  expli- 
cando ao  juiz  formador  da  culpa  esses  pontos  do  nosso  di- 
reito constitucional.  Quanto  ao  terceiro  tópico,  é  manifesto 
que  a  minha  dignidade  não  podia  permittir  alli  a  menor  expli- 
cação, visto  que  não  havia  autoridade  para  m'a  exigirem. 
Limitei-me,  pois,  a  protestar  que  na  constituição  luvia  Jogar 


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A  CIRCULAR  DE  THEOPHILO  OTTONi  335 

para  todos,  e  forte  com  a  minha  consciência  repeti  aos  ju- 
rados os  versos  de  Phílinto: 


Quando  os  jurados  mineiros  começarão  a  multiplicar 
desenganos  ao  espirito  retrogrado,  o  governo  e  seus  agentes 
delirarão. 

O  jury,  mutilado  pela  lei  de  3  de  agosto,  posto  debaixo 
da  tutela  humilhante  do  juiz  de  direito,  pela  absurda  fa- 
culdade da  appella-ião  que  se  lhe  deixou,  e  pelo  arbítrio  no 
formular  os  quesitos,  arbítrio  que  em  grande  numero  de  casos 
tira  ao  jury  a  apreciação  moral  do  facto  imputado  e  legi- 
tima a  condemnação  de  accusados  que  o  jury  tem  intenção 
de  absolver,  o  jury  assim  mesmo  estropiado  não  servia  ás 
exigências  dos  dominadores. 

E  o  secretario  do  governo,  deputado  á  assembléa  pro- 
vincial, propoz  que  se  pedisse  ao  poder  legislativo  oulra 
forma  de  processo. 

Ko  Ilacolomy  de  5  de  julho  de  1843  vêm  transcriptos  a      , 
proposta  e  o  parecer  da  commissão,  cuja  conclusão  appro- 
vada  era  a  seguinte : 

«  Que  não  se  tome  em  consideração  a  indicação  para  se 
pedir  aos  poderes  supremos  a  suppressão  do  jury.  —  Paço 
da  assembléa  provincial,  em  30  de  junho  de  1843.  —  João 
de  Salomé  Queiroga.  —  F.  de  A.  L.  Mendes  Ribeiro-.  —  /.  Ro- 
drigues DuOrte. » 

Emquanto  o  jury  de  nossa  província  rehabilitava  os  com- 
promettidos,  ganhava  terreno  na  corte  a  reacição  conspx- 
vadora,  e  julgava-se  o  partido  conservador  com  força  para 
no  dia  20  de  janeiro  de  1843  (fissolver  o  ministério  pala- 
ciano de  23  de  março  de  1841. 

Apezar  de  ser  triumpho  de  retrógrados,  o  dia  20  de  ja- 
neiro seria  um  bello  dia  para  o  systema  representativo  se 
o  Sr.  Paulino  José  Soares  de  Souza,  autor  principal  da 
dissolução,  viesse  explica-la  ao  parlamento  como  filha  da 
necessidade    de  fazer    cessar    o  governo    pessoal,    supplan-    . -jl,. 


336  REVISTA  DO  INflinUTO  HISTÓRICO 

tando-se  as  camarilhas  e  restituindo  á  sua  pureza  as  normas 
constitucionaês. 

Nada  disso.  S.  Ex.  sahiu  com  outros  seus  collegas  a  20 
de  janeiro,  para  tornar  a  entrar  dias  depois,  E  nas  expli- 
caijões  que  deu  ás  camarás,  em  vez  de  confessar  a  defei- 
tuosa organisação  do  gabinete  dissolvido,  referiu-se  assim 
ao  facto  recente: 

«  O  Sr.  Paulino  :  —  As  causas  que  originarão  a  crise 
ministerial  que  produziu  a  dissolução  do  gabinete,  da  qual 
acabamos  de  ser  testemunhas,  não  são  de  muito  recente  data. 
Existião  entre  alguns  membros  do  dito  gabinete  descon- 
fianças reciprocas,  relativas  em  pontos  de  lealdade  de  uns 
para  com  outros.  Dahi  nascia  uma  desintelligencia  sensive! 
e  funesta,  da  qual  devia  necessariamente  resentir-se  o  ser- 
viço publico,  e  que  devia  influir  sobre  o  estada  da  camará 
e  do  paiz;  e  nunca  as  suas  circumstancias  requererão  mais 
união,  mais  harmonia  e  mais  fortaleza  nos  conselhos  da 
coroa. » 

{Jornal  do  Commercto  de  24  de  janeiro  de  1843.) 

O  Sr.  Soares  de  Souza  guardou-se  bem  de  deixar  es- 
capar uma  só  palavra  que  denunciasse  a  flagrante  inconsti- 
tucionalidade da  organisação  e  dissolução  dos  gabinetes  sem 
interferência  do  parlamento. 

As  reciprocas  desconfianças  em  pontos  de  lealdade  forão 
o  pretexto  infeliz  com  que  se  pretendeu  acobertar  a  ver- 
dadeira causa  do  facto  que  acabava  de  occorrer. 

Se  se  tratasse  de  restabelecer  os  bons  princípios,  outras 
serião  as  palavras  do  ilUistrado  Sr.  Soares  de  Souza;  mas 
a  verdade  produz  ódio  e  podia  prejudicar  na  opinião  de 
Augusto  o  interesse  dos  Césares. 

Nem  uma  palavra  sobre  governo  pessoal  —  camarilha  — 
poder  aulico,  e  outros  synonimos.  S.  Ex.,  em  vez  disso  ini- 
ciou essa  giria  de  mystificações  que,  mutandis  mutatis,  ora 
sob  a  forma  de  cansaço,  ora  sob  a  de  doença,  tem  regulado 
com  força  de  pragmática  nas  exéquias  ministeriaes. 

Quaesquer,  porém,  que  fossem  as  sinuosidades  pelas 
quaes  se  chegou  ao  ministério  de  20  de  janeiro,  por  mais 
errada  que  me  pareça  ter  sido  a  sua  politica  de  compressão, 

>glc 


A  CIRCULAR  DE  THEOPHILO  OTTOMI  33? 

a  historia  saudará  o  primeiro  ministério  do  Sr.  Carndro 
Leão  como  uma  tentativa  honrosa  para  o  restabelecimento 
do  governo   representativo. 

Demais,  o  ministério  de  20  de  janeiro  expiou  nobremente 
no  dia  do  passamento  os  peccados  de  sua  vida. 

Contempla-lo-hei  somente  nesse  transe,  que  vou  tomar 
em  consideração  simultaneamente  com  o  nascimento  bastardo 
do  ministério  de  2  de  fevereiro  de   1844. 


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X 

o  3  d«  fevereiro  de  1844.— Progresios  do  governo  peasoil 

Tenho  feito  estudo  para  não  contrariar  nesta  minha  carta 
a  máxima  fundamental  de  que  o  rei  não  pôde  fazer  mal. 

Quando  me  refiro  a  factos  inconstitucionaes  acobertados 
com  o  nome  do  imperador  entenda-se  sempre  que  longe  está 
de  minha  intenção  a  mais  leve  sombra  de  censura  que  vá 
além  dos  ministros,  que  aceitão,  ou  conservão  as  pastas, 
quando  taes  factos  se  dão. 

Dirijo-me  exclusivamente  aos  agentes  responsáveis  quando 
moraliso  sobre  a  entidade  inviolável . 

Feita  esta  declaração  franca  e  leal,  vou  entrar  em  al- 
gumas considerações  acerca  do  2  de  fevereiro  de  1844. 

Primeiro  façamos  um  ligeiro  retrospecto. 

A  seita  palaciana  havia  predominado  desde  a  maioridade 
até  o  dia  20  de  janeiro  de  1843. 

Os  ministros  da  maioridade  tiverão  de  resignar  o  poder, 
por  não  se  sujeitaram  ao  conselho  aulico  do  seu  collega  dos 
estrangeiros. 

A  condescendência  do  partido  conservador  facilitou  ao 
Sr.  Aureliano  a  tarefa  da  reorganisação  ministerial  de  23 
de  março  de  1841. 

Quando  na  sessão  desse  anno  eu  denunciava  na  camará 
dos  deputados  as  invasões  do  reposteiro,  os  Césares  esta- 
vão-lhe  na  cauda,  e  fazião  coro  com  o  pontifice  palaciano. 

Abstinhão-se  cautelosamente  da  menor  allusão  que  pu- 
desse offender  as  susceptibilidades  do  palácio. 

Foi  somente  depois  de  vencido  no  campo  da  batalha  em 
Minas  e  S.  Paulo  o  partido  liberal  que  elles  se  considerarão 
senhores  da  situação,  e  em  20  de  janeiro  de  1843  ousarão 
excluir  do  ministério  o  elemento  palaciano. 


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X  CIRCnUR  DE  THEOPHILO  OTTOHI  339 

Manifestamente  o  ministerío  de  20  de  janeiro  de  1843 
foi  organísado  pelo  enérgico  e  illustrado  Sr.  Carneiro  I^eão, 
na  dupla  intenção  de  reifenerar  o  governo  parlamentar  e 
consagrar  o  dominio  do  partido  conservador. 

Rodeados  de  uma  camará  unanime,  acastellados  no  con- 
selho de  esíado  e  no  senado,  os  Césares  imaginarão  que  o  seu 
poder  não  tinha  mais  competidor  possível. 

Por  sua  parte  os  palacianos  bem  sabião  que,  se  estavão 
arredados  das  doçuras  do  governo,  não  era  por  terem  cabido 
em  desgraça,  e  sim  por  virtude  das  circumstancias . 

Postos  em  disponibilidade,  suspirarão  pelas  cebolas  do 
Egypto,  e  espreitavão  a  occasião  de  vingar  a  injuria  que  em 
nome  das  desconfianças  em  ponto  de  lealdade  fora  irrc^da 
ao  chefe  da  seita. 

Repellidos  pelos  conservadores,  era  natural  que  os  cor- 
tezãos  se  voltassem  para  o  lado  liberal,  e  com  elie  se  enten- 
dessem para  apoiar-se  qualquer  ministério  que  não  estivesse 
nos  interesses  do  inimigo  commum. 

Esmagados  sob  a  tyrannia  ministerial,  os  liberaes  não 
podião  ser  difficeis  de  chegar  a  accordo. 

Foi  em  taes  circumstancias  que  nasceu  o  ministério  de 
2  de  fevereiro  de  1844. 

Sua  missão  era  demonstrar  praticamente  aos  Césares 
que  elles  não  erão  homens  necessários. 

Aceito  este  mandato,  o  ministério  de  2  de  fevereiro  pro- 
curou apoiar-se  simultaneamente  nos  palacianos  e  nos  li- 
beraes, 

«O  2  de  fevereiro  (diz  o  meu  amigo  Sr,  Salles  Torres- 
Homem)  não  foi  um  triumpho  da  opinião  liberal,  não  foi 
uma  satisfação  ás  exigências  constitucionaes  do  Brasil,  foi  uma 
simples  vindicta  da  corte ;  e  a  duração  da  nova  ordem  politica 
que  dahi  resultava  tinha  de  ser  circumscripta  pelo  tempo 
que  persistisse  a  causa  sentimental  e  pessoal  que  a  creára  » . 

E'  exactamente  o  que  disse  no  senado  o  Sr.  Carneiro 
Leão  quando  explicou  a  dissolução  do  ministério  de  20  de 
janeiro,  declarando  que  se  retirara  por  não  ter  podido  obter 
a  demissão  do  inspector  da  alfandega,  que  tomava  ares  de 
valido  e  pelas  gazetas  desafiava  o  ministério  a  que  o  demit- 
lisse  se  pudesse.; 


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330  REVISTA  DO  INSTITUTO  HHTORICO 

Não  podendo  conseguir  a  demissão  do  inspector  da  al- 
fandega, o  Sr.  Carneiro  Leão  nobre  e  parlamentarmentc 
dissolveu  o  ministério  que  organisára,  e  veiu  ás  camarás  tudo 
explicar. 

O  inspector,  aliás  homem  de  grande  mérito,  era  irmão 
do  pontífice  da  seita  palaciana,  e  solidário  com  seu  irmão. 

Demittido  o  ministério,  o  pontífice  foi  de  prompto  en- 
carregado da  presidência  do  província  do  Rio  de  Janeiro. 

A  decifração  do  enigma  de  2  de  fevereiro  estava  parti- 
cularissiniamente  nessa  nomeação. 

A  província  do  Rio  de  Janeiro,  inaugurada  em  virtude 
do  acto  addicional,  estivera  perenncmente  sob  o  domínio 
pessoal  da  oligarchia. 

Entrega-la  ao  pontífice  palaciano',  que  um  anno  antes 
sahira  do  ministério  expulso  pelos  oligarchas,  era  por  si  só 
um  facto  altamente  significativo. 

E,  para  que  não  restasse  a  menor  duvida,  um  ministro 
"do  2  de  fevereiro  affixou  perante  as  camaras_  como  parte 
essencial  do  seu  programma  este  notável  hexametro :  c  Parcere 
subjectis  et  debellare  sitperbos.  > 

Dizia-se  ao  ouvido  que.  nomeando  o  novo  presidente  do 
Rio  de  Janeiro,  o  ministério  reagia  contra  a  irreverência 
com  que  o  Sr.  Cerneiro  Leão  havia  indicado  á  coroa  para 
seu  successor  o  próprio  inspector  da  alfandega,  que  era  causa 
da  dissolução  do  gabinete. 

Seja  como  for,  guerra  mais  formal  não  se  podia  declarar 
aos  oligarchas. 

Era  insignificante  o  partido  palaciano,  e  por  isso  mal 
estaria  o  ministério  sem  o  apoio  liberal. 

Para  ganha-lo  o  Sr,  Alves  Branco,  que  na  occasião  não 
estava  ligado  a  partido  algum,  mas  cujas  idéas  erão  essencial- 
mente brasileiras  e  progressistas,  e  cujos  talentos  erão  tão 
brilhantes,  como  vasta  a  sua  illustração  e  pura  a  sua  virtude, 
impoz  como  condição  para  entrar  no  ministério  a  amnistia 
aos  rebeldes  de  S.  Paulo  e  Minas. 

Na  memorável  exposição  de  motivos  que  precedeu  o 
decreto  de  amnistia  em  14  de  março  justificou  o  Sr.  Alves 
Branco,  como  o  jury  de  Minas  já  tinha  justificado,  os  movi- 
mentos que  o  seu  futuro  collega  da  marinha  havia  denominado 


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A  CIRCULAR  DE  TREOPHILO  OTTONI  33! 

nobres  e  generosos.  Serviço  tão  relevante  devia  «necessaria- 
mente ganhar  os  tiberaes  em  favor  do  ministério  de  2  de 
fevereiro . 

Quebrava-lhes  os  ferros,  libertava-os  da  policia  arbitraria, 
rehabilitava-os  emfim,  e,  portanto,  havia  de  obter  essas  maio- 
rias de  amor  e  de  ternura,  como  por  escameo  forão  quali- 
ficadas na  época,  mas  que  realmente  symbolisavão  o  cavalhei- 
rismo do  partido  amnistiado  em  14  de  março  de  1844. 

O  que  é  triste  vem  a  ser  que  tudo  isto  nascesse  de  um 
simples  capricho  da  corte. 

O  ministério  de  20  de  janeiro  de  1843  dissolveu-se  por 
negar-lhe  a  coroa  a  demissão  do  inspector  da  alfand^a,  que 
estava  em  antagonismo  com  os  ministros.  A  coroa,  porém, 
mostrou  desejar  continuar  a  mesma  politica  pelo  facto  de 
chamar  primeiramente  para  a  substituição  dos  ex-ministros 
pessoas  que  commungavão  com  os  principios  delles,  As«im 
o  declarou  no  senado  o  Sr.  Carneiro  Leão. 

Eis  o  discurso  do  Sr.  Carneiro  Leão,  qual  se  lê  no  Jornal 
do  Commercio  de  13  de  maio  de  1844: 

cO  Sh.  Carneiro  Le.^o:  — A  causa  da  retirada  do  mi- 
nistério foi  uma  questão  pessoal :  nenhuma  havia  na  politica, 
quer  interna,  quer  externa.  Eu  comprehendi  que  o  pensa- 
mento da  coroa  era  conservar  a  mesma  politica,  dadas  as 
divergências  que  se  podem  dar  entre  dous  homens  que  partí- 
cipão  dos  mesmos  principios.  Pareceu-me  que  a  coroa  queria 
manter  a  mesma  politica.  Porém  o  ministério  entendeu  que 
não  podia  continuar  a  servir  um  chefe  de  repartição  de  fa- 
zenda que  era  inteiramente  opposto  á  sua  politica  e  que  por 
algum  motivo  occulto  era  inimigo  pessoal  da  administração. 

«  Ora,  que  a  administração  que  me  succedeu,  vendo  que 
esse  empr^fado  a  que  me  referi  não  estava  em  divergência 
com  o  seu  pensamento,  o  conservasse  é  cousa  muito  regular. 
Penso  mesmo  que  a  administração  obrou  com  muito  pouco 
critério  não  chamando  esse  empregado  para  o  ministério;  é 
uma  verdade,  não  se  pôde  duvidar  da  sua  capacidade,  do  alto 
conceito  em  que  a  população  do  império,  principalmente  a  do 
Rio  de  Janeiro,  o  tem  tido  sempre. 

<  Era  de  suppor  que  se  reputasse  revestido  de  uma  alta 
confiança,  e  ninguém  pôde  duvidar  que  esta  alta  confiança 

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33a  REVISTA  to  INSTITUTO  HISTÓRICO 

é  um  dos  elementos  fortes  para  a  administração.  A  admi- 
nistração do  paiz  deve  ser  forte ;  nem  servem  administrações 
fracas,  vacíllantes,  que  a  todos  os  momentos  estejão  a  cahir. 

<  A  administração  que  entrava  em  taes  circumstancias 
apresentar-se-liia  com  muito  mais  força  representando  a  con- 
fiança do  coroa  se  esse  empregado  fizesse  parte  delia.  Esse 
empregado,  posto  fora  do  administração,  necessariamente 
seria  um  embaraço  para  ella, 

<  A  administração  sabe  muito  bem  o  que  são  os  corlesãos, 
os  aulicos;  a  administração  sabe  muito  bem  o  que  são  os 
homens  interesseiros,  que  servem  todas  as  administrações, 
levando  em  vista,  não  os  interesses  do  paiz,  o  bem  da  nação, 
a  prosperidade  do  governo  imperial,  mas  seus  interesses  par- 
ticulares. 

€  Portanto,  devera  receiar-se  a  administração  que,  quando 
se  apresentassem,  por  exemplo,  em  um  logar  dado  a  admi- 
nistração e  esse  empregado,  todas  as  vistas  fossem  para  ellc 
como  sol  nascente.  E  que  esse  empr^fado  tivesse  uma  in- 
fluencia no  paiz  era  regular,  porque  tinha  um  elemento  para 
essa  influencia.  > 

Todas  as  palavras  do  discurso  do  Sr.  Carneiro  Leão 
são  solemnes  e  dignas  do  estudo  dos  homens  que  se  inte- 
ressão  deveras  pelo  Brasil;  mas  merece  mais  acurado  exame 
a  declaração  de  que  a  coroa  só  admittiu  outra  politica  quando 
não  foi  possível  organisar  no  aprisco  oligarchico  um  gabinete 
condescendente . 

Evidentemente  o  governo  pessoal  transigia  com  os  li- 
beraes,  sem  sympathias  e  sem  convicções,  somente  para  punir 
os  chefes  conservadores  das  velteidades  de  independência  que 
havião  recentemente  despertado  entre  elles. 

Para  tamanha  impiedade  todo  o  castigo  era  brando. 

O  presidente  pontífice  tomou-os  á  sua  conta. 

Se  recorrermos  ás  gazetas  de  então  acharemos  este  inte- 
ressante memorandum,  que  se  dizia  ter  sido  dirigido  ao  mi- 
nistro do  império  peto  presidente  do  Rio  de  Janeiro: 

«Pôde  V.  Ex.  tranquillisar  a  Sua  Magestade  quanto 
aos  receios  que  hontem  manifestou-me.  Nenhum  dos  Lobatos 
(f aliava  em  geral  dos  oligarchas)  ha  de  sahir  deputado  por 
esta  província.  > 


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A  CIRCULAR  DE  TIIEOPinLO  OTTONI  333 

A  presidência  do  Rio  de  Janeiro  em  1844,  a  vida  intima 
do  ministério  de  2  de  fevereiro  e  a  historia  da  organisação 
dos  gabinetes  de  1844  a  1848,  podião  sahir  da  minha  penna 
tão  minuciosas  e  não  menos  instructivas  do  que  a  da  maio- 
ridade. Mas  lembro-me  que  Sir  Robert  Peei  recommendou 
que  se  não  pubHcassem  as  memorias  que  deixou  emquanto 
estivesse  vivo  um  só  dos  actmres  nellas  commemorados. 

Seguindo  tão  salutar  conselho,  passo  adiante. 

A  presidência  do  Rio  de  Janeiro  e  o  ministério  de  2  de 
fevereiro  converterão  aos  bons  princípios  os  parlamentares 
da  escola  da  autoridade. 

Não  creio  ,em  extravagantes  projectos  que  então  se  lhes 
attribuirão,  envolvendo  o  nome  de  Sua  Alteza  o  Sr.  conde 
d'Aquila.  Foi  provavelmente  intriga  palaciana. 

Mas  os  conservadores  tomarão  constitucionalmente  uma 
bella  posição. 

Se  não  appellárão  para  a  theoria  Tliiers,  de  que  rei  reina 
e  não  governa,  profligárão  com  coragem  a  intervenção  incon- 
stitucional da  vontade  irresponsável  nos  actos  do  ministério. 

Não  foi  somente  na  tribuna  legislativa  que  o  ex-ministro 
da  fazenda  censurou  com  severidade  o  modo  inconstitu- 
cional da  organisação  e  dissolução  dos  ministérios. 

Dous  annos  depois,  por  occasião  da  dissolução  do  mi- 
nistério de  5  de  maio  de  1846,  o  Sr.  Carneiro  Leão  veiu  á 
imprensa  condemnar  com  a  sua  lógica  inexorável  a  usurpação 
dos  direitos  do  parlamento,  que  cada  dia  se  tornava  mais 
flagrante. 

Um  pamphleto  se  publicou  na  occasião,  intitulado  A  disso- 
lação  do  gabinete  de  5  de  maio  ou  a  facção  aulica.  Esse  es- 
cripto  foi*  attribuido  pelos  defensores  da  situação  ao  Sr.  se- 
nador Bernardo  Pereira  de  Vasconcellos .  Assim  o  declara 
a  resposta  dada  em  nome  do  Sr.   Alves  Branco. 

No  entanto  supponho  poder  asseverar,  baseado  em  va- 
liosos tesemunhos.  os  quaes  sendo  preciso  invocarei,  que  o 
importante  pamphleto  é  da  lavra  do  Sr.  Honório  Hermeto 
Carneiro  Leão,  depois  marquez  de  Paraná. 

Porei  diante  dos  vossos  olhos,  Srs.  eleitores,  algumas 
poucas  citações  do  folheto,  e  reconhecereis  com  quanta  força 

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336  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

da  coherencia  são  qualidades  a  que  os  mineiros  prestão  culto 
religioso.  O  adversário  politico  em  Minas  sabe  lionrar-se, 
honrando  a  consitancia  e  a  sinceridade  dos  seus  adversários. 
Cumpre  também  confessar  que  algumas  vezes  o  anta- 
gonismo está  nas  rivalidades  locaes. 

Quaesquef,  porém,  que  sejão  os  matizes  sob  os  quaes 
a  opinião  se  manifeste  na  província,  acliar-se-ha  entre  os  mi- 
neiros acerca  de  certos  princípios  constitutivos  de  todo  o 
governo  livre  maravilhosa  harmonia. 

Garanta  um  ministério  qualquer  a  execução  franca  c  leal 
da  constituição,  a  liberdade  e  seriedade  das  eleições,  a  hones- 
tidade na  administração,  a  economia  na  gestão  dos  dinheiros 
públicos,  e  eu  asseguro  que  um  tal  ministério  terá  o  applauso 
universal  dos  mineiros,  sem  distincção  de  partidos. 
Assim  é  hoje,  assim  era  em  1845,  184Õ  e  1847. 
A  situação  em  que  o  -  de  fevereiro  coUocava  o  partido 
liberal  era  a  mesma  que  o  23  de  março  de  1841  dera  aos 
conservadores . 

Em  1841  eu  os  havia  invectivado  em  pleno  parlamento 
por  se  haverem  sujeitado  á  imposição  palaciana. 

Não  podia  ser-me  agradável  que  o  partido  liberal  se 
collocasse  em  idêntica  situação:  essencialmente  mineiro,  eu 
tembem  capricho  em  sustentar  o  pundonor  da  coherencia;  e 
sabe  o  publico  que  o  meu  voto  não  prevaleceu  nessa  con- 
junctura  ■ 

Achando-me  em  unidade  e  não  querendo  embaraçar  os 
chefes  de  partido  liberal,  que  julgavão  das  trevas  poder  tirar 
a  luz,  eu  me  abstive  systematicamente  de  toda  a  discussão 
sobre  politica  geral. 

O  meu  silencio  de  então  foi  largamente  commentado 
pelas  folhas  da  opposição  conser\'adora .  Mas  o  que  poderia 
eu  fazer  contra  a  torrente?  A  reacção  da  maioridade  corria 
á  rédea  solta,  e  não  havia  recurso  senão  curvar  a  cabeça  e 
deixar  passar  a  onda. 

A  justificação  dos  chefes  do  partido  liberal  que  estíverão 
no  ministério  durante  o  lamentável  quinquénio  foi  magis- 
tralmente escripta  pela  penna  illustrada  e  não  suspeita  do 
Sr.  Dr.  Justiniano  José  da  Rocha.  Do  folheto  a  que  já 
me  referi  vou  copiar  algumas  judiciosas  apreciações.. 


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A  CimUí.AR   DE  Tl[r,01'H[I.O  OTTONI  337 

A'  pag.   38  diz  o  Sr.    Rocha: 

<  No  período  de  1S44  a  1848  os  ministérios  que  succe- 
dèrão  conipuzerão-se  dos  seus  (o  autor  íalla  do  («rtido  li- 
beral) mais  notáveis  estadistas,  dos  seus  mais  dedicados 
alliados ;  todas  as  ix>sji,-ões  de  predominio  e  de  influencia 
forão  por  elles  occupadas ;  as  camarás  davâo-lhcs  quasi  una- 
nime apoio;  e  entretanto  a  doutrina  actualmente  aceita  acerca 
do  poder  moderador,  doutrina  tão  repugnante  aos  princípios 
do  regimen  parlamentar,  foi  por  alguns  delles  invocada,  por 
lodos  sustentada  e  firmada  no  paiz:  a  grande  conquista  do 
veto  presidencial  sobre  os  actos  das  legislaturas  das  províncias, 
a  interpretação  dos  dous  ter^s,  foi  por  um  desses  ministérios 
estatuída . 

<  Explicaremos  esses  phenomenos  como  nos  días  da 
grande  luta  fazião  os  i>artidos?  Apresenta-los-hemos  como 
aviltamento  dos  caracteres  políticos,  como  denuncias  de  falta 
de  convicções  e  de  pouca  fé  nas  idéas  que  apregoavào?  Longe 
de  nós  semelhante  injustiça,  que  desairaria  o  caracter  na- 
cional ;  não ;  chamados  ao  poder  os  homens  dessas  opiniões, 
achavão-se  tolhidos  pela  tendência  que  encontravão;  ainda 
não  era  o  tempo  das  suas  idéas,  ainda  a  sociedade  não  sentia 
a  justeza,  a  necessidade  dellaS,  e  os  obrigava  a  recuar.  De- 
verião  ter  largado  o  poder  ?  Mas  o  poder  era-lhes  uma  dupla 
garantia,  já  porque  os  livrava,  a  elles  e  aos  seus  co-partidaríos, 
da  preponderância  de  homens  que  a  cegueira  das  paixões 
politicas  lhes  representava  como  fataes;  já  porque  pensavão 
assim  impedir  que  a  tendência  contra  a  qual  lutavão  conti- 
nuasse cm  novas  e  maiores  conquistas. 

«  Entretanto  elles  próprios  a  serviào.  Quando,  na  dis- 
cussão do  voto  de  graças,  quiz  o  senado  apresentar  uma  indi- 
cação de  politica  diversa  da  que  pelo  governo  era  annunciada, 
foi  por  este  trazida  a  campo  a  vontade  imperial,  como  de- 
vendo, pelo  acatamento  que  infundia,  cohibir  essa  indicação: 
quando  um  senador  disse  algumas  verdades  theoricas  acerca 
da  monarchia  real  e  da  pessoal,  mil  capítulos  se  erguerão, 
derão-se  mil  interpretações  ás  suas  palavras,  de  modo  a  mover 
enredos  absurdos  no  regímen  representativo:  quando  se  apre- 
sentarão aos  eleitores  pernambucanos  as  candidaturas  dos 
Srs.  Chichorro  e  Ferreira  França,  não  duvidarão  desculpar- 

5"  t»ioo<^le 


33S  ItSVtSTA  DO  INBTITUtO  UIBtOMCO 

SC  desta  ultima  declarando-a  imposta  pelo  imperador;  e 
quando,  emfim,  forão  apresentadas  ao  senado  as  cartas  im- 
periaes  desses  dous  senhores,  quando  o  senado  <]uiz  discutir 
a  validade  da  eleição  pernambucana,  afadigárão-se  na  Uda 
insana  de  tornar  odioso  o  senado,  apregoando  que  queria 
desattender  á  coroa  e  cassar  cartas  iniperíaes  I 

€  Erão  homens  de  opiniões  liberaes  I  Criraina-los-hemos  ? 
Não,  pois  sabemos  que  o  poder  impõe  necessidades,  que  ha 
tendências  sociaes  imperiosas,  que  os  partidos  teem  arras- 
tamentos irresistiveis.  Ora,  a  tendência  de  todas  as  forças 
£  de  toda  a  opinião  corria  nesse  sentido;  a  atmosphera  que 
a  todoB  nos  rodeava,  em  que  totjos  vivianios,  era  essa;  está- 
vamos em  plena  reacção. 

c  Firmou-se  então  a  doutrina  de  que  os  actos  do  poder 
moderador  não  jxKlem  ser  discutidos,  pois  são  privativos  da 
coroa,  que  é  sagrada  e  irresponsável.  Estabeleceu-se  que 
nesses  actos  o  ministro  referendador  obrava  como  machina 
passiva,  sem  responsabilidade  alguma,  nem  mesmo  a  que  re- 
sulta das  discussões  perante  o  juizo  da  razão  nacional.  Em- 
balde se  dizia  que  a  rubrica  importava  a  responsabilidade, 
que  devia  o  ministro,  a  bem  do  paiz,  examinar  o  acto,  e,  se 
o  achasse  cx)ntrario  aos  públicos  interesses,  devia,  por  leal- 
dade á  constituição,  e  até  por  lealdade  á  coroa,  negar-lhe 
essa  rubrica;  embalde  se  dizia.,..  <  Calai-vos,  respondião: 
Q  acto  é  da  privativa  attribuição  do  imperador,  e  o  imperador 
é  inviolável  e  sagrado;  calai-vos;  pois  nás  ministros  tambetu 
nos  calamos;  referendamos,  como  simples  officiaes  de  secre- 
taria; a   nossa   referenda   é   uma   formula   vã.    Calai-vos.  > 

No  interesse  geral  dos  partidos  regulares  achei  tendência 
e  disposição  para  fazer-se  uma  lei  de  eleições. 

Bçm  compenetrado  de  que  era  indispensável  subtrahir 
as  eleições  aos  esbirros  de  policia,  sob  cuja  tutela  havião  sido 
postas  pelas  instrucções  do  i"  de  maio  de  1842,  empreguei-me 
com  fervor  na  confecção  da  lei  eleitoral. 

Devo  confessar  que  os  conservadores  não  puzerão  em- 
baraço a  esta  lei,  que  ao  contrario  procurarão  melhorar. 

A  experiência  lhes  ttnha  feito  sentir  que  havião  dous 
gumes  na  espa<hi  eleitoral  do  decreto  de  4  de  maio  de  1842. 

Patere  legem  quam  í«  ipse  tulisti,  dizião  os  liberaes  ar- 


.  COCH^IC 


A  CIRCULAR  DE  THEOPKILO  OTTONi  339 

vorados  em  subdelegados  e  delegados  de  policia,  excluindo 
legal,  mansa  e  pacificamente  das  camarás  os  chefes  conser- 
vadores, que  liavião  fabricado  as  instrucções  em  vigor. 

Quem  estudar  os  debates  do  senado  verificará  que,  sem 
o  auxilio  poderoso  do  Sr.  Carneiro  Leão,  o  governo  teria 
ficado  armado  com  as  instrucções  de  4  de  maio  de  1842 
para  despachar   livremente  os   deputados. 

O  Sr.  Carneiro  Leão  havia  comprehendido  que  era  in- 
dispensável coarctar  a  omnipotência  do  governo  pessoal  e 
reliabilitar   o  systema   representativo. 

A  extrema  consideração  com  que  o  illustrado  senador  no 
seu  folheto  Jntulado  Facção  Aulica,  que  já  mencionei,  tratou 
a  deputação  hberal  de  Minas  liga-se  a  este  procedimento  no 
Senado  e  á  política  do  seu  ultimo  ministério. 

Muito  teria  ganho  o  paiz  se  animosidades  pessoaes  não 
houvessem  embaraçado  em  1846  a  fusão  dos  brasileiros,  que 
conhecião  as  misérias  do  governo  [wssoal  e  desejavão  pór- 
Ihes  termo. 

Que  o  Sr.  Carneiro  Leão  fez  tudo  para  que  essa  fusão 
se  realizasse  provão-o  de  sobejo  os  factos  referidos. 

Membro  da  commissão  de  poderes  com  os  Srs.  António 
Carlos  e  Urbano,  eu  empreguei  os  maiores  esforços  para 
que  se  garantissem  na  lei  a  liberdade  do  voto  e  a  verdade  da 
eleição.  Na  proposta  sobre  as  incompatibilidades,  apresentada 
então,  o  meu  humilde  nome  corre  associado  ao  do  illustre 
paulista  o   Sr.   Gabriel  José  Rodrigues  dos   Santos. 

Promulgada  em  19  de  agosto  de  1846,  é  a  lei  eleitoral 
talvez  o  único  padrão  que  a  legislatura  de  1845  a  1848  le- 
vantou  ás  idéas   liberaes:   foi   trabalho  da  sessão  de   1845. 

Se  a  lei  de  3  de  dezembro  atravessou  incólume  este 
período,  asseguro-vos  que  não  foi  por  falta  de  diligencias  da 
minha  parte. 

Guarda  da  constituição  e  da,s  leis,  não  perdi  occasião  de 
condemnar  as  violências  praticadas  contra  os  cidadãos. 

A  prisão  arbitraria  é  uma  das  maiores  chagas  da  actua- 
lidade. 

E'  risível  que  aspiremos  aos  foros  de  povo  livre  e  alar- 
deemos as  garantias  consagradas  na  constituição  emquanto, 
a  pretexto  de  averiguações,  o  cídadãb  pôde  ser  índefini- 

Coogle 


340  REVISTA  DO  INSTITUTO  niSTOmCO 

(lamente  conser\a<lo  na  prisão  pela  autoridade  policial,  eni- 
quanto  o  subdelegado,  amovivel  ad  nutum,  estiver  revestido 
de  attribuições  mais  amplas  que  as  do  magistrado  vitalício. 

€  A  prisão  arbitraria,  diz  ainda  o  erudito  Sr.  Dr.  Rocha, 
com  todos  os  escândalos  das  paixões  mesquinlias  de  mil 
agentes  prendedores,  com  todo  o  desdém  pela  sorte  das  vi- 
ctimas,  pelo  sof f rimento  dos  cidadãos ;  a  prisão  arbitraria, 
contra  a  qual  não  ha  senão  uni  recurso,  a  carta  de  empenho, 
tal  foi  o  principio  de  uma  organisação  policial  irresponsável, 
soberana,  que  só  depende  do  governo,  que  só  ao  governo  dá 
conta  de  si.  > 

Bem  que  retirado  do  campo  das  discussões  |X)liticas,  os 
annaes  da  época  conservão  vestígios  de  que  procurei  sempre 
resguardar  contra  os  horrores  da  prisão  arbitraria  as  garan- 
tias índividuaes  do  cidadão. 

Apresentarei  um  exemplo  no  seguinte  parecer  da  com- 
missão  de  constituição,  de  que  eu  era  membro  com  os  Srs.  An> 
tonio   Carlos  e   Urbano. 

Eu  dava  o  meu  voto  aos  ministros  do  2  de  fevereiro  nas 
questões  de  confiança,  mas  não  hesitei  em  levantar  a  voz 
em  defesa  de  um  opprimido  e  infeliz  amnistiado. 


I  de  constituição  e  poderes  foi  presente 
o  requerimento  de  Eduardo  Francisco  Nc^eira  Angelim,  que 
pede  ser  restituído  á  sua  liberdade  e  retirado  do  presidio  de 
Fernando,  em  que  se  acha  contra  a  lei.  E,  considerando  a 
commissão : 

«  i."  Que  o  supplicante,  tendo  sido  implicado  na  re- 
bellião  do  Pará,  foÍ  amnistiado  pelo  decreto  de  22  de  agosto 
de  1840,  e  obrigado,  na  forma  do  art.  2°  do  dito  decreto,  a 
residir  temporariamente  onde  a  autoridade  llie  indicasse ; 

•  2."  Que.  sujeitando-se  a  esta  condição,  e  assignando  o 
termo  competente  de  residir  no  Rio  de  Janeiro,  e  não  poder 
voltar  para  o  Pará  senão  no  fim  de  dez  annos,  foi  Para  aqui 
mandado  pelo  presidente  daquella  província,  e  apresentou-se 
á  autoridade  competente ;  mas  que  no  fim  de  poucos  dias  foÍ 
preso,  remettido  para  a  fortaleza,  e  depois  embarcado  no 
,dia  I»  de  agosto  de  1841  para  a  ilha  de  Fernando; 

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A  riRrri,An   DE  THEOPHILO  OTTOM  34l 

*«  3."  Que,  tendo  o  supplicante  ciitnpriflo  a  condição  eh 
amnistia,  e  sortindo  ella  por  conseguinte  o  devido  effeíto, 
sem  poder  rescindir-se  senão  no  caso  de  quebrar  o  suppli- 
cante o  termo,  facto  i>elo  qual  perderia  o  gozo  da  amnistia 
concedida,  mas  nunca  poderia  ser  punido  sem  sentença; 

« 4."  Que,  lavando  a  amnistia  todos  os  crimes  politicos 
para  que  fora  concedida,  e  não  liavendo  o  supplicante  pra- 
ticado nenhum  outro  que  o  sujeitasse  á  acção  das  leis  fora 
o  acto  do  ministro  que  o  condemnára  a  um  degredo  um  per- 
feito attentado  contra  a  liberdade  individual ; 

€  5.'  Que  assim  o  tem  pensado  o  actual  ministro  da 
justiça,  fazendo  voltar  para  Goyaz  ao  Dr.  Francisco  Sabino 
Alves  da  Rocha  \'ieira,  que  ahi  estava  em  consequência  do 
termo  que  assignára  de  residência,  do  forte  do  Príncipe  da 
Beira,  na  província  de  Mato-Grosso  ,para  onde  o  arremessara 
injusta  e  violenta  arbitrariedade: 

<  E'  de  parecer  que  seja  o  requerimento  do  supplicante 
remettido  ao  ministro  da  justiça,  para  lhe  deferir  na  forma 
da  constituição  e  das  leis, 

«  Paço  da  camará,  14  de  fevereiro  de  1845. — A.  C.  Ri- 
beiro de  A.  M.  e  Silva.  — T.  B.  Oitoni.  —  U.  S.  Pessoa  de 
Mello. » 

Este  parecer  foi  approvado  em  22  de  abril  de  1845;  e  en 
suppunha  ter  produzido  os  seus  naturaes  effeJtos,  quando 
ânuos  depois  soube  que  o  Sr,  Angeltm  era  conservado  com 
os  condemnados  no  presidio  da  ilha  de  Fernando. 

O  Sr.  Eduardo  Angelim,  sem  outra  sentença  conde- 
mnatoria,  lá  esteve  dez  annos  com  sua  família,  e  lá  enlou- 
queceu de  desespero  sua  infeliz  senhora. 

E  o  infeliz,  que  fora  illegalmente  para  o  inhospíto  porto 
do  Príncipe  da  Beira,  lá  succumbíu  ! 

Sem  ser  julgado  e  sem  sentença  condemnatoria,  lá  está 
também  na  ilha  de  Fernando  ha  mais  de  oito  annos  Vicente 
de  Paula,  que  pôde  ser  muito  criminoso,  mas  que  tem  di- 
reito a  ser  considerado  innocente  emquanto  outra  cousa  não 
disserem  os  tríbunaes. 

Oxalá  que  fossem  raras  as  violências  desta  ordem  ! 

Só  por  escameo  ao  bom  senso  se  pôde  considerar  livre 
um  paiz  em  que  taes  attentados  se  praticão. 


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343  REVISTA  DO  ItieTITDTO  HISTÓRICO 

Segundo  lord  Palmerstoii  disse  no  iiarlaniento,  em  Ná- 
poles o  mal  consiste  essencialmente  em  que  o  governo  é  a 
IKílicia  e  a  policia  é  o  governo. 

Srs.  eleitores,  vós  bem  o  sabeis,  no  Brasil  quem  diz  go- 
verno (Tiz  policia,  e,  o  que  é  peior  ainda,  quem  diz  policia 
diz  poder  judiciário. 

Pro  honra  da  civilísação  é  preciso  que  entremos  nas  con- 
dições normaes  do  systema  representativo. 

Foi  no  anno  de  1844  que  me  coube  a  grande  felicidade 
de  contribuir  para  um  facto  importantíssimo  que  occorreu 
durante  o  ministério  de  2  de  fevereiro. 

rnnegavetmente  o  serviço  mais  relevante  que  prestou  ao 
paiz  o  ministério  de  2  de  fevereiro  foi  a  pacificação  do  Rio- 
Grande  do  Sul. 

Com  razão  o  Sr.  Salles  Torres-Homem  se  extasia  diante 
de  tão  prospero  acontecimento. 

Diz  elle: 

«  Em  breve  foi  apagado  o  terrível  incêndio  que  a  tanto 
tempo  devorava  S.  Pedro  do  Sul.  e  firmada  a  concórdia 
nessa  província,  que  o  imperador  pôde  então  viajar  sobre 
caminhos  juncados  de  flores,  naqwelles  mesmos  logares  onde 
apenas  dous  annos  antes  só  encontraria  os  rastilhos  da  re- 
belHão  e  os  destroços  sangrentos  dos  combates.  Bastou  a 
força  morai  de  nossa  moderação  e  de  nossa  lealdade;  bastou 
a  ascendência  de  nossos  princípios  de  nacionalidade,  de  fra- 
ternidade e  conciliação,  para  que  cahissem  as  armas  das  mãos 
daquelles  a  quem  um  decennio  de  porfiadas  lutas,  tantos  exér- 
citos e  riqueza  destruídos  não  puderão  domar. 

Noa    annimi    domuere    dícem,    non    mi  lie    carinct. 

(ViíCiUO.) 

Entaboladas  em  1844  com  o  Sr.  conde  de  Caxias  as 
negociações  para  a  pacificação  do  Rio-Grande  do  Sul,  o  go- 
verno de  Piratinim  mandou  um  emissário  ao  Rio  de  Janeiro. 

Este  emissário,  que  hospedei  çm  minha  casa,  foi  portador 
de  uma  caria  que  me  dirígia«o  bravo  Sr.  general  David  Ca- 
navarro e  communicações  do  governo  republicano, 

Ilavíão  os  río-grandenses  projxjsto  ao  governo  imperial 


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A  CIRCIfLAR  DE  THEOPHILO  OTTONI  34J 

O  reconhecimento  da  republica  de  Piratiiiim  mediante  a  fede- 
ração com  o  império. 

Dado  que  não  chegasse  a  accordo  com  o  governo  impe- 
rial, eu  era  consultado  sobre  a  possibÍh'dade  de  fazer  reappa- 
recer  a  revolução  na  província  de  Minas,  para  o  que  se  noa 
offerecião  os  melhores  officiaes  río-grandenses  para  virem 
rommandar  os  tnsurgentes  de  Minas. 

Se  eu  tenho  horror  á  guerra  civil,  mais  me  assusta  ainda 
o  aparcelameiito  do  Brasil.  Nunca  fui  separatista. 

Cotn  o  direito  <ias  gentes  do  século  actual  a  maior  das 
desgraças  para  uma  nação  é  ser  pequena. 

Por  isso  nutri  sempre  03  mais  sinceros  desejos  de  que 
o  Rio-Crande  se  não  destacasse  do  grémio  brasileiro. 

Ambicionava  ver  os  rio-grandenses  livres,  reforçando 
o  partido  liberal  das  outras  provincias  irmãs. 

Já  se  vê,  porém,  que  eu  não  podia  comprehender  paci- 
ficação sem  que  aos  rio-grandenses  livres  se  concedesse  capi- 
tulação honrosa. 

A  opportunidade  era  magnifica,  certo  como  eu  estava 
das  disposições  conciliadoras  do  governo. 

Eu  temia  que  se  a  pacificação  se  adiasse  viesse  a  ter 
logar  sob  o  dominio  dos  Césares,  como  a  de  Varsóvia  ou  de 
Perusa. 

Em  consequência,  sem  dizer  palavra  aos  ministros  acerca 
da  federação  proposta,  annunciei  a  Canavarro  que  tal  idéa 
seria  por  certo  repellida. 

Ao  mesmo  tempo  fiz  ao  general  rio-grandense  uma 
exposição  franca  e  leal  acerca  do  estado  da  opinião  em  Minas 
e  S.  Paulo,  informando  com  verdade  que  datli  os  rio-gran- 
denses não  devião  esperar  a  menor  diversão. 

Chamei  a  attenção  de  Canavarro  para  o  facto  de  terem 
estado  no  poder  chefes  liberaes  de  Minas  e  S.  Paulo,  e  terem 
feito  aos  rio-grandenses  livres  a  mesma  guerra  que  lhes  fa- 
2Íão  os  conservadores. 

E,  demonstrando  que  os  río-grandenses  estavão  isolados, 
lhes  declarei  que  só  podião  contar  para  a  execução  do  seu 
intento  com  o  valor  e  resignação  de  que  a  nove  annos  davão 
brilhantes  exemplos. 


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J44  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Voltando  ao  Kio-íírandc  o  emissário,  teve  logar  a  i)ad- 
ficação  da  província. 

Em  seguida  o  distJncto  Sr.  general  David  Canavarro 
declarou-me  que  a  minha  carta  foi  o  pharol  que  lez-ou  ao 
desejado  porto  os  rio-grandenscs  livres. 

Eis  textualmente  o  que  me  escreveu  o  illustre  rio-gran- 
dense : 

<  Illm.  Sr,  Theophilo  Benedicto  Ottoni  —  Se  a  mais 
tempo  não  tenho  respondido  á  estimada  carta  que  V,  S.  se 
dignou  dirigir-me  em  24  de  setembro  do  anno  findo,  tem  sido 
essa  falta  devida  á  escassez  de  um  seguro  meio  pelo  qual 
fizesse  chegar  ás  mãos  de  V.  S.  a  minha  resposta.  Agora, 
porém,  contando  com  o  favor  do  meu  illustre  amigo  o 
Sr,  José  Simeão  de  Oliveira,  por  cuja  intervenção  espero 
que  V.  S.  não  deixe  de  honrar-me  com  suas  letras,  vou  pagar 
uma  divida  em  que  estava  para  com  \'.  S. 

«  Tomando  em  alta  consideração  as  sabias  reflexões  de 
V.  S-,  fiquei  convencido  da  impossibilidade  de  levar  a  ef- 
feito  a  desejada  federação  desta  província,  pela  qual  fervo- 
rosos pugnarão  mais  de  nove  annos  os  rÍo-gran deuses  livres, 
tanto  mais  assegurando  \ .  S.  que  só  devíamos  contar  com  os 
nossos  irmãos  d'armas,  por  isso  que  nenhuma  coadjuvação 
nos  proviria  dos  homens  que  em  1842  lutarão  em  S.  Paulo 
e  Minas  a  favor  dos  mesmos  principios.  e  que  finalmente 
os  próprios  chefes  do  partido  progressista  quando  no  poder 
fazem  a  mesma  guerra  que  os  regressi.stas.  Apreciando,  pois, 
a  franqueza  de  \'.  S.  e  leal  exposição  que  me  fez  do  estado 
geral  das  cousas,  me  convenci  a  empregar  os  meus  esforços 
e  diminuta  influencia-  na  terminação  da  guerra  que  por 
tanto  tempo  devastou  as  bellas  campinas  deste  continente, 
podendo  assegurar  a  V,  S.  que  a  sua  carta  foi  o  pharol  que 
conduziu  os  continentistas  ao  desejado  porto. 

«  Oxalá  que  esse  tão  rclet-aiite  serviço  por  V.  S.  prestado 
em  favor  do  bem  geral  e  da  liberdade  fosse  um  dia  lembrado 
pela  governo  eom  o  mesmo  apreço  com  que  o  recordâo  os 
rio^randenses  livres. 

€  Desnecessário  seria  relatar  a  V.  S.  as  condições  por 
que  foi  terminada  essa  importante  questão,  vislo  que  delias 
estará  V.   S.  scienti ficado. 


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A  CIRCULAR  DD  TIIEOPHILO  OTTOXI  345 

€  Hoje  me  aclio  retirado  á  vida  privada,  e  [jor  isso  so- 
mente com  as  influencias  de  um  particular;  porém,  mesmo 
assim  me  ufanarei  se  tiver  occastão  de  executar  as  ordens 
de  V.  S,  de  quem  com  o  mais  alto  apreço  e  consideração 
me   firmo  attento   venerador  e  criado,  —  David  Canai-arro. 

€  Fazenda  da  Alegria.  30  de  maio  de  1845. » 

Com  a  pacificação  do  Rio-Grande  devia  crer-se  que  o 
partido  liberal  saliisse  da  quarentena. 

E  que,  tendo  dado  testemunho  do  seu  afferro  á  consti- 
tuição, ser-Ihe-hia  permittido  lenta  e  progressivamente  entrar 
no  pri^ramma  progressista  com  que  havia  iniciado  a  maio- 
ridade. 

Vã  esperança  ! 

<  De  1845  em  diante,  diz  o  meu  amigo  o  Sr,  Torres- 
Homeni,  foi  o  corpo  l^slativo  tratado  sem  a  mínima  con- 
sideração; gabinetes  se  compuzerão  fora  de  sua  influencia, 
c  até  sem  sciencia  sua :  o  ministro  incumbido  de  os  organísar 
propunha  em  palácio  os  nomes  daquelles  com  quem  lhe  con- 
vinha ser\nr,  de  accordo  com  o  voto  parlamentar ;  esses  nomes 
crão  regeitados;  lembrava  outros,  depois  outros,  até  que  fi- 
nalmente, esgotada  a  longa  lista  dos  ministros  impossiveis, 
o  governo  pessoal  compunha  um  amalgama  de  entidades  hete- 
rogéneas, onde  apenas  um  ou  outro  liberal  era  induido,  para 
que  se  não  dissesse  que  o  pensamento  dominante  no  parla- 
mento havia  sido  desattendido, 

€  Era  isto  guardar  realmente  as  regras  e  observar  as  con- 
dições que  prescreve  o  regimen  representativo?  O  que  dc- 
via-se  esperar  de  gabinetes  assim  formados,  retalhados  entre 
si  \ioT  diversidade  de  opiniões,  debilitados  e  desacreditados 
logo  ao  nascer  por  esses  germens  de  destruição  que  trazião 
no  próprio  seio?  Por  outro  lado.  o  que  l>odião  as  camarás 
fazer  de  útil  e  de  grande,  tendo  em  frente  de  si  ministérios 
em  que  seus  princípios  não  erão  convenientemente  repre- 
sentados, e  que  mal  poderião  dar  impulso,  direcção  e  systema 
í  seus  trabalhos,  navegando  elles  próprios  a  ludibrio  de  todos 
os  ventos? 

€  Por  muilo  tempo  a  camará  dos  deputados  devorou  em 
silencio  esta  infracção  clamorosa  das  normas  da  constituição, 
que  eslerilisava  seus  esforços  e  a  inhibia  de  cumprir  os  graves 


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340  REYISTA  DO  INSTITOTO  HI8T0IUC0 

empenhos  que  havia  contrahido  para  com  a  nação.  Mas  ella 
sabia  que  só  tinha  que  optar  entre  a  sujeição  á  influencia 
inconstitucional  da  coroa,  ou  então  a  guerra  civil,  o  desmo- 
ronamento do  paiz,  effeitos  inevitáveis  da  rehabilítação  im- 
mediata  dos  apóstolos  do  absolutismo,  com  quem  já  se  tinha 
feito  pazes  e  com  quem  se  a  ameaçava  quotidianamente. 

«  Se  o  partido  liberal  ama  e  respeita  os  princípios  da 
organisação  politica  que  abraçamos,  também  consagra  iguaes 
sentimentos  á  ordem  e  paz  publica ;  e  não  queria  expo-las 
a  medonhas  contingências,  rompendo  logo  com  o  poder  fátuo 
c  desasisado,  que  não  olharia  as  consequências  de  sua  vin- 
gança. Cumpria-lhe,  no  interesse  do  paiz,  ter  prudência  por 
si,  e  por  quem  a  não  tinha;  cumpria-lhe  de  dous  males  pre- 
ferir o  menor,  e  dar  tempo  ao  tempo,  esperando  da  mesma 
circumspecção  de  sua  conducta,  da  diuturnidade  de  sua  pa- 
ciência e  dos  triumphos  pacíficos  da  razão  publica  que  se 
chegasse  a  aceitar  frequentemente  o  governo  da  constituição 
com  todos  os  seus  corollarios. 

<  Assim  correu  este  período  monótono  da  vida  parla- 
mentar até  a  abertura  da  sessão  de  1848  em  que  perante  a 
camará  dos  deputados  um  novo  gabinete  compareceu,  mb- 
saicamente  composto  como  os  anteriores,  com  a  differença, 
porém,  que  uma  de  suas  fracções,  preponderando,  pelo  visível 
apoio  de  alta  personagem,  ameaçava  arrogantemente  inverter 
a  situação  politica,  que  ella  laboriosamente  fundara  e  que 
tomava  a  peito  conservar. 

€  Desta  vez  a  resignação  da  camará  devia  ter  limite ;  o  que 
se  atacava  era  a  bandeira  mesma  de  sua  politica;  o  que  corria 
perigo  era  a  ordem  de  cousas  que  os  acontecimentos  havião 
justificado  e  legitimado,  e  em  cuja  manutenção  estavão  com- 
promettidas  sua  fé  e  sua  honra.  Uma  votação  solemne  e 
hostil  ao  presidente  do  conselho  arrependido,  e  a  impressão 
da  nova  assustadora  da  revolução  de  Paris,  que  naquelle 
mesmo  tempo  aqui  chegara,  determinarão  o  reposteiro  irri- 
tado a  demittir  a  seu  pezar  o  ministério,  e  a  escolher  outro 
menos  desestimado,  que  provisoriamente  tranquilisasse  a  opi- 
nião ate  o  termo  da  sessão  legislativa. 

€  A  nomeação  do  gabinete  Paula  Souza  não  era  com 
effeito  mais  do  que  um  armistÍcÍo,  um  espaçamento  da  luta 


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A  CIRCULAR  DE  THEOPHILO  OTTONI  34? 

qtie  se  ia  travar  com  o  partido  constitucional.  A  corte,  vendo 
arder  as  barbas  de  Ugalegonte,  recuava,  porém  não  desistia 
de  seu  projecto,  e  antes  cada  vez  mais  suspirava  pela  volta 
de  seus  bons  alliacfos,  os  sectários  da  monarchia  sem  tram- 
bolho. Mas  quantas  decepções  e  perfídias  não  era  mister 
empregar  para  reter  o  ministério  no  seu  posto  até  o  encer- 
ramento da  assembléa,  e  isto  quando  por  outro  lado  o  redu- 
zião  á  mais  miserável  nullidade  ! 

«  Antes  de  dous  mezes  já  o  vco  da  illusão  estava  roto 
para  o  primeiro  ministro  Paula  Souza,  contrariado  em  suas 
vistas,  impossibilitado  de  obrar,  e  a  quem  só  se  pretendia 
deixar  a  responsabili<fade  do  governo  sem  a  realidade  da 
acção. 

<  Tarde  elle  reconheceu  o  laço  armado  á  sua  boa  fé ;  e, 
tendo  debalde  instado  pela  demissão,  retirou-se  a  pretexto 
de  moléstia,  e  foi  occultar  em  S.  Domingos  profundos  des- 
gostos, deixando  seus  collegas  entregues  á  traição  e  aos  desa- 
catos de  reposteiro.  Aquilio  de  que  não  havia  ainda  exemplo 
nas  monarchias  modernas,  a  criadagem  da  casa  do  rei  ul- 
trajar impunemente  os  depositários  do  governo  da  nação, 
estava  reservado  a  esta  triste  época.  Um  dia  era  o  cama- 
rista da  semana  que  enxotava  os  ministros  de  palácio  como 
a  cães,  e  vedava-lhes  brutalmente  o  accesso  junto  á  pessoa 
do  monarcha;  outro  dia  era  o  medico  de  Sua  Magestade 
que  vinha  vangloriar-se  em  pleno  parlamento  das  humilhações 
que  os  vira  soffrer,  e  cobri-los  de  impropérios  e  de  escarneo. 
È  esse  camarista  não  teve  a  minima  admoestação,  e  esse 
medico  foi  promovido  ao  logar  de  director  da  escola  de  me- 
dicina, sem  embargo  da  opposição  dos  ministros,  a  quem 
acabava  de  enxovalhar  publicamente  !  A  recompensa  do  in- 
sulto commettido  foi  a  satisfação  que  se  deu  ás  queixas  dos 
membros  de  um  dos  poderes  do  estado  !  Faltava-nos  mais 
este  opprobrío  ! 

<  Entretanto  o  gabinete,  manietado,  e  a  quem  calcula- 
damente  recusavão-se  as  medidas  necessárias  para  o  bom  des- 
empenho de  suas  funcções,  conser\-ava-se  nessa  posição  anó- 
mala e  vergonhosa,  receiando,  dizia-se,  descobrir  a  coroa 
nas  explicações  que  fosse  por\cntura  obrigado  a  dar  ao  corpo, 
legislativo  sobre  as  causas  de  sua  demissão.  Que  íalta  de 


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^  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

coinprehensão  das  verdadeiras  regras  <la  nionarcliia  repre- 
sentativa ! 

<  Sem  duvida  é  obrigação  dos  ministros  amparar  a  coroa 
com  seu  corpo,  assumir  a  responsabilidade  inteira  dos  actos 
do  governo,  ou  sejão  voluntariamente  praticados,  ou  extor- 
quidos á  sua  fraqueza  e  á  sua  deferência  para  conii  a  vontade 
da  pessoa  real.  Mas,  se  essa  entidade  inviolável,  sahindo 
de  sua  espliera  própria,  e  invadindo  os  poderes  activos  que 
!i  constituição  confiou  a  ministros  res]X)nsaveis,  tornasse  im- 
possível a  tarefa  destes,  então  o  caso  seria  differente;  então 
seria  de  seu  dever  abandonar  sem  demora  o  governo  e  expor 
sem  rebuço  ás  camarás  os  motivos  por  que  o  fizerão.  E'  um 
mal  que  a  coroa  seja  ixjsta  a  descoberto;  ninguém  o  nega; 
mas  iiào  é  outro  mal  mil  \ezes  maior  que  o  systema  consti- 
tucional seja  falseado  em  um  dos  seus  pontos  mais  vitaes, 
sem  que  o  paiz  o  saiba,  sem  que  a  opinião  publica  possa  fazer 
voltar  o  poder  transviado  ao  limite  em  que  se  deve  conter  ? » 

Nos  periodos  que  acabo  de  trancrever  do  Livro  do  poz-o 
o  seu  illustre  autor  desenhou  com  o  pincel  de  Tácito  ou  de 
Gibbon  as  ultimas  scenas  do  drama  que  começou  em  2  de 
fevereiro  de  1844. 

Na  citação  que  fiz  algumas  observações  mais  enérgicas 
são  filhas  das  paixões  do  tempo;  |X)r  isso  não  podem  servir 
de  argumento  contra  a  natural  amenidade  de  espirito  do  meu 
illustre  amigo. 

Desejei  supprimi-las,  por  me  parecer  que  sahião  dos  li- 
mites estudadamente  guardados  neste  escripto. 

Mas  uma  palavra  que  fosse  omittida  podia  prejudicar  o 
brilhante  do  colorido  e  o  incisivo  da  critica,  em  que  tanto 
se  avantaja  o  Livro  do  povo. 

No  entanto,  para  pro\'ar  que  não  creava  entes  de  ima- 
ginação, eu  estava  obrigado  a  cítar  as  autoridades  contem- 
porâneas dos  factos  a  que  atludia,  e  que  delles  podiâo  dizer: 
—  Quorum  pars  magna  fui  —  Eis  o  motivo  da  citação  textual. 

Eu  deveria,  para  vos  inteirar  cabalmente  do  meu  modo 
de  encarar  3  situação  politica  naquella  época,  addicionar  a 
este  capitulo  um  discurso  que  proferi  na  camará  dos  depu- 
tados condemnando  a  organisação  do  ministério  palaciano 
ide  29  de  setembro  de  1848,  e  denunciando  factos  semelhantes 


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A  CIRCULAR   DE  TIIEOPHILO  OTTOXI  3^9 

nas  anteriores  orgaiibaçues  ministeriacs.  Mas  o  meu  discurso 
seria  apenas  o  pallidu  reflexo  do  que  acabo  de  transcrever; 
e,  se  fez  alguma  sensação  em  1848,  é  jwrque,  ou  bondade 
para  comigo,  ou  para  de  minha  franqueza  tirarem  partido 
em  favor  da  politica  a  que  estavão  adstrictos,  alguns  illustres 
ad\'ersarios  derão  importância  ao  meu  pronunciamento. 

Mal  toquei  nas  fimbrias  do  governo  pessoal  o  dislincto 
Sr.  Car\-allio  Moreira,  hoje  nosso  ministro  em  Londres,  ex- 
clamou :  —  /acta  est  alea  ! 

E  o  illustrado  Sr.  Wanderley,  argumentando  com  o  meu 
silencio  anterior,  quiz  transformar  em  acontecimento  politico 
as  minhas  modestas  considerações,  das  quaes  por  pouco  não 
concluiu  que  a  pátria  estava  em  perigo. 

Tocou  alarma  no  seu  acampamento,  dizendo  astucio- 
samente que  Achilles  havia  sabido  de  sua  tenda. 

Coitado  do  AchtUes  do  Sr.  Wanderley  !  Como  a  melhor 
^'ontade  nestes  casos  é  insufficiente,  nada  pôde  contra  os 
Heitores  que  defendião  a  praça  sitiada;  viu  os  seus  alliados 
levantarem  o  cerco,  sem  que  estivessem  de  accordo  com 
algum  Sinon  palaciano,  e  ao  contrario  deixando  em  poder 
dos  Paris  oligarchas  e  cortezãos  a  Helena  que  pretendião 
libertar,  que  era  a  constituição. 

O  Achilles  do  Sr.  Wanderley  teve  de  voltar  ao  Scyros 
da  abstenção  e  ^  silencio,  e  oito  annos  não  forão  expiação 
bastante  para  applacar  a  cólera  dos  deuses. 


O  discurso  a  que  tetdio  alludido  está  no  Jornal  do  Com- 
mercio  de  3  de  outubro  de  1848. 


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AÍDdi  o  geverno  pesseal 

A'  parte  a  ficção  constitucional  que  acato  como  devo, 
nenhum  brasileiro  mais  conscienciosamente  faz  honra  ás 
rectas  intenções  e  elevação  de  espirito  que  ennobrecem  a  au- 
gusta pessoa  que  de  presente  occupa  o  throno  do  Brasil. 

Com  consciência  de  que  nem  os  meus  lábios  nem  a  minha 
penna  se  contaminarão  jamais  com  as  misérias  da  bajulação, 
espero  que  ninguém  ponha  em  duvida  a  sinceridade  do  juizo 
que  acabo  de,  emíttir. 

Se  as  qualidades  moraes  dos  monarchas  por  si  somente 
significassem  bom  governo,  bem  estaria  a  nossa  pátria. 

Porém  o  mal  que  nesta  carta  tenho  por  vezes  denun- 
ciado é  independente  das  individuahdades,  porque  é  um  vicio 
orgânico  do  systema. 

Conforme  a  constituição  art.  102  o  imperador  deve 
exercitar  o  poder  executivo  pelos  seus  ministros  de  estado. 

Se,  em  vez  de  guiar-se  pelo  preceito  constitucional,  con- 
sentem os  ministros  em  que  somente  se  lhes  conceda  a  po- 
sição de  meros  copistas  e  amanuenses  do  palácio,  bem  se  vè 
que  a  monarchia  constitucional  ficará  transformada  na  mo- 
narchia  pessoal,  que  debalde  denunciou  o  distincto  mineiro 
o  Sr.  senador  Vasconcellos . 

A  palavra  governo  constitucional  é  synonimo  de  governo 
responsável :  se  a  entidade  inviolável  e  irresponsável  governa 
pessoalmente,  de  duas  uma:  ou  se  ha  de  annuUar  a  inviola- 
bilidade e  a  irresponsabilidade,  ou  se  ha  de  admittir  o  abso- 
lutismo. 

No  senado,  a  28  de  maio  de  1832,  dizia  o  Sr.  marquez 
de  Barbacena: 

«  O  poder  moderador  é  uma  innovação  no  systema  con- 
stitucional c  incompativel  com  a  inviolabilidade  do  monarcha, 


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í  CtRCVLKR  DE  THBOPHILO  OTTONl  Sjl 

a  qual  só  pôde  existir  quando  todos  os  actos  são  referendados 
por  um  ministro  responsável.  » 

O  nobre  marquez,  por  não  admittir  a  responsabilidadt: 
ministerial  para  os  actos  do  poder  moderador,  concluia  logi- 
camente que  este  poder  é  incompatível  com  a  inviolabilidade 
do  nionarcha.  E'  uma  dcmonstra<;ão  por  absurdo  da  respon- 
sabilidade ministerial  em.  todo  o  caso. 

Se  disse  que  o  absolutismo  do  poder  moderador  está  no 
adverbio  privativamente,  que  no  art.  98  exprime  o  modo  da 
delagação. 

Ao  adverbio  privativamente  do  art.  98  responde  do  modo 
o  mais  conveniente  o  adverbio  Uvrefnente  do  art.  lOi  I  6°. 
A  nomeação  e  demissão  dos  ministros  é  a  única  attribuiçáo 
que  o  poder  moderador  exerce  sem  responsabilidade  de 
ninguém.  Que  outra  significação  pôde  ser  o  livremente  do 
art.  loi  §  6.°? 

Eu  estou  convencido  de  que  no  animo  constitucional  do 
Sr.  D.  Pedro  II  não  se  aninha  a  mais  remota  idéa  de  usur- 
pação. 

E'  a  subserviência  dos  ministros  e  cortezãos,  que  pro- 
clamào  unisonos  a  omnipotência  imperial,  quem  perverteu 
completamente  a  nossa  forma  de  governo. 

Os  Srs.  marquez  de  Paraná  e  conselheiro  Barbosa  profU- 
gárão  na  imprensa  e  na  tribuna  os  excessos  da  facção  aulica, 
íncukando-a  como  dominadora,  e  a  mim  próprio  talvez  me 
escapassem  expressões  análogas. 

Ha  flagrante  inexactidão  e  injustiça  em  uma  tal  impu- 
tação. 

O  imperador  não  é  nem  foi  dominado  pela  facção  aulica 
ou  por  favoritos  e  validos,  que  nunca  teve,  e  que  parece  fazer 
estudo  de  ostentar  que  não  tem. 

O  Sr.  Aureliano  de  Souza  e  Oliveira  Coutinho  foi  sacri- 
ficado em  1843  e  18^8  ás  exigências  dos  conservadores  com 
um  desapego  que  em  nada  se  assemelhava  a  essas  effusões 
do  coração  e  grandes  expansões  de  sensibilidade  que  em 
occasiões  análogas  a  historia  attribue  a  Luiz  XVIII  c 
Carlos  X.  Quando  a  reacção  legitimjsta  derribo»  do  minis- 
tério o  duque  de  Decaze,  Luiz  XVIII,  banhado  em  lagrimas, 


3^3  RBVIST%  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

se  despediu  do  seu  ministro  predilecto  despachando-o  em- 
baixador da  Inglaterra  e  dando-llic  o  titulo  de  duque. 

«  Ao  menos  aqui  me  fica  o  teu  retrato,  que  não  me  dei- 
xará» disse  Luiz  XVIH  a  Decaze,  apontando  para  o  fundo 
do  seu  gabinete,  onde  mandara  collocar  o  retrato  do  favorito 
apeado  do  ministério. 

Annos  depois  no  gabinete  de  Carlos  X  dava-se  uma  scena 
igual  com  o  conde  de  Portalis  na  occasião  da  demissão  do 
ministério  Martignac. 

O  monarcha  do  Brasil  não  tem  ministros  validos,  mas 
Sua  Magestade  o  Imperador  tem  politica  pessoal,  e  a  politica 
dos  monarclias  constitucionaes  outra  não  deve  ser  senão  a 
do  parlamento. 

E,  conforme  as  exigências  da  sua  politica,  Sua  Mages- 
tade, ora  se  apoia  sobre  a  facção  aulica,  ora  sobre  o  partido 
liberal,  ora  sobre  o  partido  conservador. 

Dá  ou  retira  aos  partidos  e  aos  individuos  o  grão  de 
preiwnderancia  que  julga  conveniente  em  qualquer-  emer- 
gência . 

Parece  mesmo  que  cm  cada  partido  a  politica  imperial 
tem  sentinellas  avançadas,  que  procurão  modificar  os  voos 
da  opinião  e  obrigão  os  chefes  a  não  tomar  uma  posição  muito 
decisiva  em  relação  ao  paço. 

Não  estamos  e  nunca  estivemos  sob  o  domiuio  de  cama- 
rilha,  favoritos  ou  validos,  mas  padecemos  de  doença  muito 
mais  grave  do  que  essas  todas:  é  o  governo  pessoal. 

E  quem  é  o  culpado  desta  situação?  Será  o  imperador? 
Não  por  certo.  Os  culpados  somos  nós,  e  especialmente  os 
ministros  liberaes,  conservadores  e  palacianos  :A''tíj  cotisulcs, 
nos  cônsules  desumtís. 

Se  o  Sr.  D,  Pedro  II  tivesse  tido  a  fortuna  de  encontrar 
entre  os  seus  ministros  um  conde  de  Cavour,  seria  talvez  o 
Victor  Emmanuel  da  America,  e  com'  uma  politica  generosa 
e  americana  quem  sabe  se  os  ducados  do  Rio  da  Prata  hoje 
não  teriào  constituído  comnosco  um  estado  mais  i>oderoso  do 
que  o  sonhado  reino  da  Itália. 

Oh  I  que  cm  tal  caso  ao  menos  não  se  reformaria  incon- 
stitucionalmente o  art.  6°  da  nossa  constituição,  por  assim 
te-lo  ordenado  a  legação  franceza. 


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A  CIRCULAR  BE  TIIEOPIIILO  OTTONI  353 

Mas  O  certo  é  que  os  nossos  homens  de  estado  nunca 
dizem  ao  imperador  a  verdade.  Não  lli'a  dizem  porque  lh'o 
prohibem  a  ambição  do  poder  e  o  temor  de  que  lhes  faltem 
os  graciosos  sorrisos  e  boas  graças. 

Desde  o  verdor  dos  annos  o  espirito  do  monarcha  tem 
estado  perennemente  exposto  á  acção  corrosiva  da  lisonja. 

Pelos  escríptos  da  época  actual  publicados  sob  os  auspí- 
cios do  ministério  se  podem  bem  avaliar  quantos  erros  fu- 
nestos, infiltrando-se  por  todos  os  poros  officiacs,  teem 
procurado  inocular-se  no  animo  imperial. 

Vimos  em  1860  em  imi  folheto  que  sahiu  dos  prelos  da 
folha  official  com  o  titulo  —  Moiiarchia  c  democracia  — 
proclamar-se  que  era  tradicional  a  monarchia  brasileira,  deri- 
vados do  campo  de  Ourique  os  seus  direitos  e  annuUadas 
conseguintemente  a  nossa  independência  e  emancipação. 

Na  corte  é  theoria  banal  que  o  dia  7  de  abril  significa 
pura  e  simplesmente  o  principio  do  segundo  reinado  pela 
ordem  natural  de  successão. 

Não  querem  comprehender  que  no  dia  7  de  abril  de  1831 
o  povo  e  tropa  reunidos  no  campo  da  Honra  ao  grito  signi- 
ficativo de  —  viva  a  federação  !  —  quando  simultaneamente 
■  se  fazião  pronunciamentos  idênticos  em  Minas  e  Bahia,  havião 
consummado  uma  revolução  como  a  de  1688  na  Inglaterra. 

Não  querem  comprehender  que  a  nação  quebrou  no  dia 
7  de  abril  o  que  podia  haver  de  aspiração  tradicional  no  pri- 
meiro reinado,  e  marcou  soberanamente  as  condições  de  exis- 
tência do  segundo. 

Não  querem  comprehender  que  as  instituições  no  dia 
7  de  abril  receberão  nova  tempera,  e  que  nesse  dia  foi,  por 
anticipação,  inaugurada  a  reforma  federativa  ou  acto  addi- 
cional . 

Não  querem  comprehender  que  a  abdicação  publicada 
no  acto  do  embarque  para  a  náo  ingleza  Warspite  foi  uma 
inspiração  feliz,  mas  não  acto  espontâneo,  e  que  realmente 
nesse  dia  o  Brasil  tirou  o  throno  ao  príncipe  portuguez  e  o 
devolveu  regenerado  ao  príncipe  brasileiro. 

No  entanto,  em  bem  da  monarchia,  era  este  o  cathe- 
cismo  em  que  Sua  Magestade  o  Imperador  devera  ter  sido 
educado. 


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3S4  REVISTA  bO  INSTTTtrrO  aiBtORIdb 

Pelo  contrario,  parece  que  desde  o  berço  os  cortezãos 
lhe  soletravão  o  direito  divino  e  os  devaneios  da  It^timidade. 
E  os  ministros  liberaes  e  conservadores  em  vez  de  recti- 
ficarem o  que  havia  de  fallaz  no  direito  publico  dos  cortezãos, 
porfião,  para  dar  arrhas  de  sua  orthodoxia,  em  augmentar 
o  elasterio  ao  principio  da  autoridade,  annuUando  calcula- 
damente  tudo  quanto  de  longe  que  seja  pôde  parecer  limitação 
da  prerogativa  imperial. 

Para  demonstrar  a  proposição  que  acabo  de  enunciar  é 
bastante  folhear  os  annaes  do  parlamento  e  repetir  o  que  lá 
está  escripto  em  nome  dos  ministros  de  primeira  plana  que 
acabavão  de  sahir  dos  conselhos  da  coroa. 

Ainda  me  soão  aos  ouvidos  as  palavras  proferidas  pelo 
meu  venerável  e  saudoso  amigo  o  Sr.  António  Carlos  Ribeiro 
de  Andrada  Machado  e  Silva  na  discussão  do  orçamento  dos 
estrangeiros  em  1841. 

A  cordialidade  com  que  Sua  Magestade  o  Imperador 
havia  aceitado  a  cooperação  dos  Andradas  e  de  seus  amigos, 
para  levar-se  a  effeito  a  maioridade,  havia  subjugado  aquella 
altiva  e  generosa  natureza. 

Dessa  circumstancia  resentirào-se  muitos  actos  do  mi- 
nistério de  24  de  julho  de  1840. 

Com  a  sinceridade  que  lhe  era  congénita,  António  Carlos 
explicou  ás  camarás  a  origem  e  progressos  do  governo  pessoal. 

Tratava-se  de  apurar  entre  o  ministro  dos  negócios  es- 
trangeiros e  os  ex-ministros  as  causas  da  dissolução  do  gabi- 
nete, e  souberão  as  camarás  que  o  facto  de  não  ser  conde- 
corado opportunamente  o  irmão  do  ministro  palaciano  fora 
ura  dos  princípios  dissolventes  do  ministério  de  24  de  julho. 

JORNAL  DO  COMMERCIO  DE  23  DE  JUNHO  DE   184I 

Sessão  de  21  do  mesmo  mes 

«O  Sr.  Andrada  Machado: — Propondo-se  esta  re- 
nmneração.  Sua  Magestade  disse  que  seria  mellior  que  se 
esperasse  para  quando  se  remunerassem  »s  officiaes  do  Rio 
Grande,  que  devião  ser  contemplados,  e  mandou-me  esperar; 
deixou-se,  pois,  de  dar  a  condecoração  ao  Sr.  Dr.  Satur- 


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A  aRCQLAR  DE  THEOPHtLO  OTTONI  355 

nino.  Mas,  deix>is  e  rqK-iitinaiutiilt,  Sua  ilagcsladc  quiz,  c 
repare-se  que  Sua  Magestade  quiz  por  uma  razão  que  podia 
ser  particular,  pois  nesse  tempo  alguém  mais  havia  que  podia 
pretender  o  mesmo,  [xjr  exemplo,  o  nobre  general  nosso 
collega:  mas  tudo  se  espaçava  para  coniprehender  a  todos 
os  que  no  Rio  Grande  tinlião  prestado  servii;os:  eis  que  Sua 
Magestade  repentinamente  mandou  que  se  lhe  desse ;  e  eu  tive 
então  de  o  fazer  por  condescendência.  * 

Nenhuma  reclamação  appareceu  contra  as  palavras  do 
cx-ministro  do  império. 

E  quem  havia  de  reclamar? 

A  opposição?  Essa  conhecia  por  demais  o  patriarcha  da 
independência,  e  conhecia  os  nobres  motivos  jáo  seu  proce- 
dimento. 

Os  Césares?  Esses,  além  de  fraternisarem  na  occasião 
com  os  palacianos,  tinhão  inaugurado  o  programma  do  em- 
pereur  quand  même...  pela  boca  do  seu  chefe  mais  presti- 
gioso. 

Tinhão  proclamado  que  onde  está  o  rei  está  a  lei,  e  não 
jiijdião  censurar  os  desmandos  do  governo  pessoal,  que  aco- 
roçoavão,  na  intenção  de  se  lhe  associar. 

Se  em  todo  o  caso  é  legitimo  o  governo  a  cuja  frente 
está  o  imperador,  desapparece  esse  temor  salutar  que,  recor- 
dando a  punição  de  1688,  obriga  os  reis  de  Inglaterra  a  não 
governar  senão  como  apraz  ao  parlamento. 

Se  a  revolução  de  7  de  abril  de  183 1  tivesse  entre  nós 
o  mesmo  prestigio  que  a  de  1Ó88  na  Inglaterra  o  systcm^ 
constitucional  teria  lançado  raizes  mais  profundas. 

Quem  compara,  porém,  as  cortezias  do  nosso  parlamento 
com  a  linguagem  varonil  empregada  na  tribuna  ingleza  tem 
de  reconhecer  que  o  machinismo  do  nosso  governo  é  uma 
caricatura . 

Em  1825  o  duque  de  York,  herdeiro  presumptivo  da 
coroa,  com  assento  na  camará  dos  lords,  foi  portador  de  um 
requerimento  do  deão  e  do  capitulo  da  igreja  collegial  de 
.M'indsor  contra  a  emancipação  dos  catholicos. 

Ao  mandar  á  mesa  o  requerimento  Sua  Alteza  Real, 
depois  de  abundar  em  protestos  de  um  zelo  exclusivista  e 


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35<^  ItEVlSTA  DO  INSTITUTO  IIISTOIUCO 

intolerante  em  favor  da  igreja  anglicana,  exclamou  com 
emoção,  diz  o  Annuario  de  Lesur,  pag.  526: 

«...  e  em  qualquer  situação  em  que  para  o  futuro  eu 
^el1ha  a  ser  collocado,  por  maior  que  seja  a  censura  a  que 
esta  declaração  me  exponha,  hei  de  perseverar  em  minha 
opposiçào  á  emancipação  dos  catholicos.  Assim  D«us  me 
ajude.  > 

Na  noite  seguinte  Brougham',  que  então  tinha  assento 
na  camará  dos  communs,  depois  de  ter  analysado  o  discurso 
do  príncipe,  declarando  que  as  doutrinas  pregadas  por  Sua 
Alteza  Real  atacavão  a  segurança  do  estado,  e  as'sentavão  mal 
na  boca  de  um  príncipe  cuja  familia  occupava  o  throno  de 
Inglaterra,  por  virtude  dos  princípios  da  revolução  de  1688, 
accrescentou : 

<  Eu  não  odeio  a  perseverança,  não  condemno  mesmo 
um  zelo  violento  e  a  linguagem  de  uma  honesta  obstinação; 
mas  lamento  ver  essas  qualidades  varonis  obscurecidas  pela 
ignorância,  exas))eradas  pelos  prejuízos  e  cegas  pela  hypo- 
crisia.  Não  receio  dizer  que  nunca  monarcha  algum  ch^ou 
ao  throno  desíes  reinos  em  um  espirito  de  hostilidade  tão 
directo,  tão  predeterminado,  tão  altamente  declarado  de 
antemão  contra  as  opiniões  e  voto  do  seu  povo.  Quando  tal 
acontecimento  tiver  Ic^r  o  bill  será  impossível,  e  mesmo 
agora  sua  approvação  esta  cercada  de  duvidas  e  de  perigos, 
desde  que  tal  personagem  lhe  prepara  semelhante  opposição. 
O  momento  presente  é  critico,  o  tempo  passa,  e  esta  gloriosa' 
occasião  pôde  escapar,  E  no  entanto  chegará  o  reinado  da 
hypocrisia  e  sorprender-vos-ha  como  um  homem  armado 
sorprende  á  noite  homens  adormecidos,  e  destruirá  a  paz  da 
Irlanda,  comprometterá  a  segurança  da  Inglaterra,  e  amea- 
çará a  liberdade  de  todo  o  império. . .  eu  não  me  queixo  de 
uma  resistência  sincera  e  leal,  a  ninguém  acuso  de  má  fé 
nesta  camará  ou  fora  delia...  mas  é  preciso  confessar  que 
muitas  vezes  homens  honestos,  á  força  de  ignorância,  tornão 
se  adversários  tão  perversos  que  ninguém  se  deve  intro- 
metter  a  corrigi-los  de  seus  erros.   Assim  Deus  os  ajude.  > 

A  revolução  memorável  que  expelliu  do  throno  a  dy- 
nastta  dos  Stuarts  a  cada  passo  é  commemorada  pelos  maiores 
homens  de  Inglaterra,  como  uma  gloria  nacional,  sem  que 


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A  CIRCDLAR  DE  THEOPniLO  0TT(M»1  357 

níiigiieni  se  lembre  de  attribnir  essas  manifestações  a  affe- 
tação  de  patriotismo  ou  a  despeito  de  estadista  que  perdeu 
as  boas  gragas  da  corte.  Lord  John  Russell,  primeiro  ministro 
da  rainha,  ainda  este  anno  na  camará  dos  lords  foi  muito 
explicito  sobre  esta  matéria. 

A  opposição  havia  qualificado  o  invicto  Garibaldi,  heróe 
da  Sicilia,  de  pirata  e  flibusteiro.  Lord  John  Russell  respon- 
deu-lhe  simplesmente: 

«  A  historia  é  que  ha  de  decidir  se  é  pirata  e  flibusteiro, 
ou  patriota  e  heróe.  Em  novembro  de  1688  desembarcava 
nas  costas  da  Inglaterra  um  pirata  e  flibusteiro,  e  a  revolução 
que  fez  é  uma  das  maiores  glorias  da  nação.» 

Lord  John  Russell,  faliava  assim  a  respeito  do  chefe  da 
dynastia  de  Sua  Magestade  a  rainha  de  Inglaterra,  glorían- 
do-se  de  compara-lo  a  Garibaldi,  qualificado  na  camará  de 
pirata  e  flibusteiro. 

Se  em  o  nosso  parlamento  um  ministro  se  atrevesse  a 
comparar  com  o  de  Garibaldi  o  procedimento  do  Sr.  D. 
Pedro  I,  quando,  cm  virtude  das  vivas  instancias  dos  An- 
dradas.  poz  sobre  o  braço  a  legenda  da  independência,  no  dia 
seguinte  não  seria  mais  ministro. 

Ainda  na  ultima  sessão  um  deputado,  tendo  ousado 
fazer  uma  remota  allusão  á  incúria  com  que  se  consente  que 
os  filhos  da  nossa  estimada  princeza  a  Sra.  D.  Januaria  se 
estejão  educando  sob  os  auspícios  de  uma  corte  beata  e  abso- 
lutista como  a  de  Naix)les,  os  ministros  tiverâo  a  sem  cere- 
monia  de  impor  silencio  ao  orador,  proclamando  que  tal 
objecto  não  podia  estar  na  alçada  do  parlamento. 

Pelo  que,  acerca  da  illusire  princeza,  o  parlamento  deve 
não  ter  outro  direito  senão  o  de  votar  annualmente  ro2:ooo5 
de  pensão  para  Sua  Alteza  e  mais  6:000$  para  cada  príncipe 
napolitano  que  Sua  Alteza  dá  á  luz. 

Na  Inglaterra  a  rainha,  acompanhando  os  sentimentos 
e  sympathtas  do  rei  consorte,  que  tanto  ou  quanto  é  também 
austriaco,  desejou,  organisando  o  anno'passado  um  ministério 
liberal,  dar  a  presidência  a  lord  de  Gramville,  liberal  pala- 
ciano, mas  recuou  de  tal  pretenção,  porque  a  vontade  sobe- 
rano do  parlamento  lhe  impoz  como  primeiro  ministro  a  lord 
John  Russell. 


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3S>>  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

E  a  rainha  de  Inglaterra  não  se  julgou  com  isso  desairada. 

No  Brasil  o  imperador  escolhe  a  politica  que  ha  de  do- 
minar e  marca-lhe  periodicamente  o  tempo  de  sua  duração, 
e  designa  qual  é  o  primeiro  ministro  que  deve  representar 
cada  partido,  quaes  são  os  collegas  que  o  primeiro  ministro 
deve  ter,  e  recusa  ao  ministério  a  demissão  de  empregados 
de  confiança. 

E  os  cortezãos  justificão  o  governo  pessoal  escrevendo, 
como  se  escreveu,  que  o  imperador  do  Brasil  com  a  vastidão 
dos  seus  conhecimentos  não  pôde  resignar-se  ao  papel  passivo 
da  rainha  iVictoria. 

Esquecem  que  o  papel  dos  reis  constitucionaes  é  essen- 
cialmente passivo.  -        ■; 

Durante  os  cem'  dias  Napoleão  dizia  a  Benjamin  Constant : 
«  Sinto-me  velho,  e  por  isso  me  parece  que  já  sirvo  para  rei 
constitucional.»  '■'•    •*■:»■'■ 

Infelizmente  pretende-se  que  no  Brasil  o  exercício  da 
realeza  corres|K)nda  ao  serviço  activo  da  milícia. 


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I     JUstençfio  politico.  —  Hncnrr 

NSo  entra  nas  minhas  vistas  escrever  a  historia  destes 
iiltimos  doze  annos.  nem  cabe  ella  nos  limites  desta  carta  .■ 

Desejo  somente  tomar  bem  claro  que  «n  todo  esse  longo 
período  guardei  sempre  o  pundonor  da  coherencia,  perma- 
necendo fiel  ao  symbolo  que  articulei  no  jornalismo  em  1831, 
e  que  professei  imperterrlto  na  tribuna  da  assembléa  pro- 
jvincial  da  nossa  provincia,  na  da  camará  dos  deputados  e 
no  banco  de  réo  perante  o  jury  de  Marianna. 

Quando  em  1848  o  arrefecimento  das  boas  graças  do 
palácio  afastou  os  liberaes  de  toda  a  participação  no  poder, 
tomada  a  praça  pelos  contrários,  nenhum  delles  me  disputou 
o  direito  de  retirar-me  erguida  em  punho  a  bandeira  que, 
ao  entrar  no  parlamento  em  1838,  eu  arvirára  e  fora  adoptada 
pela  opposição  liberal. 

E  em  1851,  quando,  com  razão  ou  sem  ella,  pareceu-me 
que  os  chefes  liberaes,  candidatos  ás  pastas  de  ministros  se 
mostravão  na  imprensa  e  no  parlamento  dispostos  a  fazer 
ao  governo  pessoal  mais  concessões  do  que  aquellas  que  eu 
julgava  admissíveis,  relirei-me  da  politica,  e  deixei  de  estar 
em  communhão  com  qualquer  partido. 

Uma  declaração  que  então  fiz,  e  a  que  se  associou  o 
Sr.  conselheiro  C.  B,  Ottoni,  publicada  nas  folhas  diárias 
da  corte,  valeu-nos  a  seguinte  felicitação  dos  Hberaes  mais 
avançados  do  município  de  Itabíra: 

FEUCiTAçXo 

c  Cidadãos  Ottonis  t 
«  Sendo-nos  presente  o  Jornal  do  Commercio  de  22  de 
julho  passado,  nas  poucas  linhas  que  ahi  estampastes  encon- 


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36o  REVISTA   DO  INSTITOTO  HISTÓRICO 

trámos  abundantes  e  irrecusáveis  provas  de  vossas  cívicas 
virtudes,  virtudes  que  ha  muito  temos  a  satisfação  de  ler  em 
vossos  corações  verdadeiramente  americanos ;  e,  comparti- 
lhando os  sentimentos  por  vós  manifestados,  comvosco  nos 
congratulamos,  e  vos  offcrecemos  nossos  serviços  como  signal 
de  consideração  pela  franqueza,  lealdade  e  desinteresse  com 
que  procurais  servir  ao  paiz  que  nos  viu  nascer. 

<  Temos  o  prazer  de  assignar-nos 

<  Vossos  patrícios  dedicados  e  amigos  certos 

«João  Baptista  Vianna  Drummond. 

« Domingos    IgnacJo    Capistrano    de   OHveira.j 

«Custodio  Martins  da  Costa. 

«Francisco  Félix  Pereira. 

«  Raymundo  Gomís  da  Silva. 

«  Thomaz  d' Aquino  e  Oliveira. 

«Joaquim  Reitor  Motta. 

€  Bento  José  Machado, 

«João  José  Ventura. 

«Manoel  Moreira  Figueiredo. 

«Pedro  Anacleto  da  Silva  Lopes. 

«Joaquim   Fernandes   Passos, 

«Manoel  António  de  Freitas, 

«Germano  do  Prado  Ferreira. 

«João  da  Silva  Torres. 

«Joaquim    Pereira   Novaes. 

«José  Rodrigues  Lage, 

«José  de  Souza  Pereira  Júnior. 

«Clemente  dos  Santos. 

«Francisco  de  Paula  Farias, 

«  Custodio  Alves  de  Farias. 

«António  Rodrigues  Vieira. 

«  Sebastião  Pio  da  Costa. 

«António  Teixeira  Godoy. 

«  António  Alves  Moreira, 

«Joaquim  Zeferino  de  Magalhães. 

«Joaquim  José  de  Oliveira. 

«  Francisco  Rodrigues  Vieira. 

«Joaquim   José   Rosa. 

<  Germano  Mendes  de  Brito,. 


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A  circulaK  de  THEonniLO  OTTOXi  361 

«Quintiliano  Messias  da  Costa. 
«Joaquim  José  dos  Santos. 

<  Florêncio  José  Pereira . 
«Joào  Prisco  Alves  de  Araújo. 
« Martiniano  da  Costa  Torres. 

<  Bernardino,  de  Souza  Brandão. 

«  Pauto  Procopio  da  Silva  MonteírO( 
«  Manoel  Lazaro  da  Assumpção. 
«José  Marcellino  da  Cruz, 
«José  Joaquim  de  Andrade. 

<  Manoel  Jacintho  da  Fonseca. 
«Antonb  Pires  da  Silva  Pontes. 
«João  Alves  dos  Santos. 

«José  Alves  de  Araújo. 

«Joaquim  Basílio  dos  Santos. 

«Basílio  José  Vieira. 

«Caetano  Rodrigues  Malta. 

«  Felício  José  de  Mendonça. 

«  Basílio  José  da  Costa. 

«  Raymundo  Ferreira  da  Silva, 

«Joaquim  de  Souza  Pereira  Primo, 

« Itabira  de  Matto-Dentro,  18  de  agosto  de  1851.  »' 

Do  Itamontano.  que  então  se  publicava  no  Ouro-Preto, 

e  de  que  até  essa  data  eu  fui  na  córie  um  dos  correspondentes, 

vou  copiar  a  resposta  que  dei  aos  meus  amigos  de  Itabira: 


«Concidadãos  ! 

«  Os  jornaes  teem  dado  noticia  de  um  programma  oppo- 
sicionista,  no  qual  pareceu-nos,  não  só  pelo  seu  contexto, 
como  por  circumstancias  que  precederão  a  sua  publicação, 
pão  estarem  formulados  sufficientes  compromissos  para  com 
ás  idéas  políticas  que  em  nossa  curta  e  insignificante  vida 
publica  cuidamos  ter  servido  com  alguma  constância. 

«  E,  como  não  desejemos  contribuir  de  modo  algum  para 
que  uma  nuança  qualquer  da  opinião  libera]  chegue  ao  poder 
sem  intenções  previamente  confessadas,  que  lhe  dêem  a  força 
moral  indispensável  á  realização  das  grandes  reformas  que 
são  reclamadas  pela  nação,  por  esses  motivos  escniputisámos 


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^63  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTOHICO 

ficar  comparticipantes  do  mencionado  prc^amma,  e  assim 
o  declarámos  pura  e  simplesmente  em  uma  correspondência 
transcripta  no  Jornal  do  Commercio  de  22  de  julho. 

<  Coube-nos  a  fortmia  de  que  esta  nossa  declaração  tão 
benevolamente  fosse  por  vós  interpretada  que,  qualiíicando-a 
como  prova  de  lealdade  para  com  o  partido  liberal  e  para 
com  o  paif,  tendes  a  bondade  de  galardoa-la  com  a  honrosa 
congratulação  da  vossa  carta  de  18  de  agosto  passado. 

<  Altamente  penhorados  por  tamanha  distincção,  pro- 
curaremos não  desmentir  a  vossa  confiança,  persistindo  com 
firmeza  em  o  nosso  modesto  posto  de  honra,  bem  compene- 
trados da  importância  dos  deveres  que  nos  impÕe  a  lisongeira 
adhesão  de  nossos  comprovincianos . 

«  E  tanto  mais  grato  nos  é  o  brinde  com  que  fomos  sau- 
dados do  pico  de  Itabira,  porque  em  suas  expressões  encon- 
tramos provas  do  bom  e  patriótico  espirito  que  anima  a  oppo- 
sição  mineira,  convencida  sem  duvida  que,  embora  se 
prolonguem  um  pouco  mais  os  soffrimentos  da  actualidade, 
cumpre  que  olhemos  para  o  futuro,  não  com  a  mira  era 
Victorias  ephemeras  e  concessões  precárias  ou  pouco  sinceras, 
mas  com  a  firme  intenção  de  conquistar  e  consolidar  as  ga- 
rantias de  liberdade  que  nos  faltão. 

« Possuídos  destes  sentimentos,  temos  a  satisfação  em 
nos  assignarmos 

c  Vossos  patrícios  e  agradecidos  amigos 

<  Theophilo  Benedicto  Ottoni. 

<  Chrístiano  Benedicto  Ottoni . 
«Rio  de  Janeiro,  15  de  setembro  de  1851.  » 

Estava  eu  nessas  disposições  de  espirito  quando  fuí 
chamado  a  tomar  assento  na  camará  dos  deputados  como 
supplente  por  Minas. 

Ainda  nessa  conjunctura  foi  o  pudor  da  coherencia  que 
determinou  o  meu  procedimento. 

Havia  eu  protestado  contra  a  l^alidade  da  eleição,  não 
só  em  razão  das  violências  praticadas  contra  a  opposição 
em  muitas  freguezias,  como  especialmente  iielo  vicio  da 
origem  .j 


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A  CIRCULAR   DE  THEOPHIIO  OTTONI  ,163 

A  lei  de  jg  de  agosto  de  1846  dispõe  terminantemente 
que,  dado  o  caso  de  dissolução,  a  eleição  da  nova  camará  se 
faça  pela  qualificação  do  anno  anterior ;  de  ordem  do  governo, 
o  processo  eleitoral  se  fizera  pela  qualificação  novissima. 

Resignei,  por  isso,  o  logar  de  deputado. 

Afastado  da  politica  procurei  outro  terreno,  em  que 
pudesse  ser  útil  ao  meu  paiz. 

Uma  idéa  grandiosa  me  havia  assaltado  o  espirito. 

Eu  a  segui  com  ardor  proporcional  á  importância  do 
objecto  que  representava. 

Quem  ha  ahi  mineiro  que  ignore  o  que  é  a  empreza  do 
Mucury  e  os  motivos  patrióticos  que  a  puzerão  em  scena? 

Tratavã-se  de  abrir  fácil  sabida  para  o  oceano  a  mais 
de  200.000  mineiros. 

Tratava-se  de  lhes  proporcionar  terrenos  fertilissimos 
e  tão  vastos  que  em  poucos  annos  poderião  vender  ao  estran- 
geiro tantos  milhões  de  arrobas  de  café  como  o  valle  do 
Parabyba. 

Tratava-se  de  absorver  a  princeza  dos  Abrolhos  na  pátria 
de  Tiradeiites  —  crear  um  magnifico  porto  de  mar  para  a 
briosa  provincia  de  Minas. 

E,  se  não  devesse  Minas  continuar  peça  inteiriça,  e  nova 
estrella  se  houvesse  de  destacar  da  constellação  mineira  e 
da  promogenita  de  Cabral,  tratava-se  de  abrilhanta-la  de 
modo  que,  ao  apparecer  entre  as  demais  irmãs,  não  desmen- 
tisse a  sua  nobre  linhagem. 

Era  arrojado  o  esforço,  e  bem  se  me  podia  dizer: 

Uagna  petía,   Ptiacton,   «t  qux  non  vitíbus   iilis. 

Mas  o  Rubicon  estava  passado. 
■  Arrisquei  um  cento  de  vezes  a  minha  vida,  arruinei  a 
minha  saúde  e  sacrifiquei  os  meus  interesses. 

Foi  mister  sujeitar-me  ao  agro  viver  das  mais  inhospitas 
brenhas.  Era  somente  cada  anno,  quando  volvia  ao  Rio  de 
Janeiro,  que  eu  avaliava  o  insano  da  luta  em  que  estava  em- 
penhado. 

Então,  comparando  as  doçuras  do  lar  domestico  com  a 
vida  agreste  das  selvas,  confesso  que  me  arrependia  do  passo 
temerário  que  havia  dado. 


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364  REVBTA  DO  IMSTITtm)  HMTOHKO 

Mas  de  volta  ao  Mucury.  a  imaginação  predominava, 
e  iwr  entre  os  espinhos  via  somente  as  flores. 

A'  proa  do  meu  gentil  Peruipe,  eu  me  enlevava  ao  ve-lo 
cortar  desembaraçado  as  torrentes,  naquelles  mesmos  logares 
onde  três  annos  antes  a  canoa  rompia  com  difficuldade  por 
entre  o  balseíro. 

Se  atravessava  ao  galope  as  florestas  ainda  ha  pouco 
virgens  de  todo  o  contacto  com  o  homem  civilisado,  se  me 
afigurava,  mesmo  ao  correr,  estar  reconhecendo  frescas  as 
peadas  do  meu  sapato  ferrado,  primeiro  que  alli  tinha 
pisado. 

Oh  !  que  emoções  me  assaltavão  quando  ao  cruzar  as 
veredas  dos  selvagens  eu  era  detido  aos  gritos :  —  Pogirum  I 
Pc^irum  !  com  que  alegres  me  davão  a  boa  vinda  essas  ca- 
bíldas,  que  a  historia  aponta  como  as  mais  ferozes  entre 
os  anthropofagos. 

E  que  effectivamente  ainda  dons  ou  três  annos  antes 
erâo  o  terror  da  minha  própria  bandeira. 

E  cujos  horrorosas  proezas  ainda  o  mez  passado  se  fi- 
zerão  sentir  no  Rio-Doce. 

Quando  pelas  estradas,  que,  engenheiro,  administrador 
t  operário,  eu  tinha  improvisado,  encontrava,  aqui  a  barraca 
de  uma  tropa,  alli  um  carro  tirado  por  bestas,  mais  adiante 
outro  de  bois  carregando  fardos  de  fazendas,  que  ião  chegar 
.'I  Minas-Novas  dous  mezes  mais  cedo  do  que  pelas  velhas 
estradas,  cheia  estava  a  medida  dos  meus  desejos. 

Em  1857  foi  talvez  com  sentimentos  de  vaidade  que  per- 
corri no  meu  carrinho  as  27  Xj  léguas  da  estrada  de  Santa 
Clara,  e  no  dia  23  de  agosto  entrei  tríumphante  na  minha 
Philadelphia. 

Sob  as  impressões  em  que  este  complexo  de  drcum- 
stancias  me  embalava  não  havia  arrependimento  possivel, 
todos  os  sacrifícios  me  parecião  compensados. 

Sentia-me  mesmo  com  disposição  de  os  fazer  maiores, 
e  me  suppunha  sufficientemente  forte  para,  daquelle  reducto  , 
que  havia   levantado,  inutilisar  quaesquer  tramas  que  ur- 
dissem contra    o  emprezario    e  director    da  companhia    do 
Mucury. 

Parecia-me  que,  pisando  o  solo  do  Mucury,  crescia  o 

D,gt,zedbyGOO<^le 


A  CIRCULAR  DE  T11EOPIIIL0  OTTOHI  365 

meu  alento  na  proiwrção  da  base  larga  e  solida  em  que  podia 
apoiar-ine. 

Ligado  por  laços  multiplicados  aos  interesses  daquella 
terra,  que  minha  fora,  ainda  que  mineiro  eu  não  fosse,  me 
considerava  na  posição  desse  gigante  invencivel  emquanto 
se  podia  aquecer  ao  seio  materno. 

Mal  pensava  que  a  clava  ministerial  cm  mão  de  qual- 
quer Hercules  burlesco  podia  arredar  do  thcatro  dos  seus 
serviços  o  director  da  companhia  do  Mucury,  e  então  facil- 
mente suffoca-lo. 

E  é  o  que  succedeu. 

Não  referirei  a  historia  das  ultimas  crises  da  companhia 
do  Mucury ;  ctunprometto-me,  porém,  a  escreve-la  mais  de  es- 
paço e  detalhadamente. 

E'  sabido  que  ha  um  anno  interrompi  os  importantes 
trabalhos  da  estrada  do  Alto  dos  Bois,  por  não  poder  su- 
jeitar-me  ás  duras  condições  que,  contra  toda  a  lei  e  todo  o 
direito,  pretendeu  impor  á  companhia  do  Mucury  o  mínistiiç 
da  fazenda,  o  Sr.  Angelo  Moniz  da  Silva  Ferraz,  o  qual  fez 
dependente  de  clausulas  inaceitáveis  a  entrega  do  emprés- 
timo feito  por  conta  e  ordem  da  companhia,  e  que  indevi- 
damente está  retido  no  thesouro. 

Para  provar-vos  que  as  minhas  exigências  não  erão  de- 
sarrazoadas, bastará  lembrar  que  o  ministro  do  império,  o 
Sr.  João  de  Almeida  Pereira  Filho,  estava  em  antagonismo 
com  o  seu  collega  da  fazenda,  e  pretendeu  debalife  que  jus- 
tiça fosse  feita  á  companhia. 

Estabelecido  o  conflicto  em  razão  da  diversa  intelligencia 
dada  pelos  dous  ministros  á  lei  de  8  de  junho  de  1859,  fez-se 
appello  para  o  corpo  legislativo,  que  tinha  de  explicar  o 
sentido  controvertido. 

De  accordo  comigo,  a  deputação  mineira  unanimemente 
comprehendeu  os  verdadeiros  interesses  da  província,  e 
propoz  a  pedida  explicação,  intercalando  a  respeito  tia  lei 
de  orçamento  um  artigo  additivo. 

Esta  explicação,  impugnada  pelo  ministro  da  fazenda, 
foi  retirada  pelos  nobres  deputados  por  Minas,  que  em  tal 
coUisão  tiverão  de  abraçar  o  alvitre,  insinuado  pelo  ministro, 

.gle 


366  REVISTA  DCUNSntUTO  HISTÓRICO 

de  encampar-sc  d  contrato  com  a  companhia  do  Mucury, 
pagando-se  aos  seus  accionistas  o  capital  realizado. 

Em  vista  do  occorrido,  reuni  os  accionistas  da  com- 
panhia, c  fui  por  elles  autorisado  a  aceitar  as  condições  que 
o  governo  imperial  nos  impunha,  tendo-iue  eu  abstido  de 
tomar  parte  nessa  questão,  e  tendo  tido  os  accionistas  a 
generosidade  de  declarar  que  a  sua  acceitação  subentendia  que 
ficavão  salvos  os  direitos  que,  na  forma  do  art.  22  dos  esta- 
tutos, tem  o  emprezario  a  uma  indemnisação.  Pela  minha 
parte  comniuniquei  esta  deliberação  ao  governo  imperial; 
mas ,  não  querendo  que  meus  interesses  pecuniários  pu- 
dessem embaraçar  uma  solução  que  no  estado  actual  das 
cousas  os  accionistas  desejão,  antecipadamente  declarei  ao 
governo  imperial  que  essa  indemnisação  que  me  é  devida  não 
devia  prejudicar  nem  retardar  a  solução  da  questão,  porque 
acerca  do  meu  direito  eu  me  louvava  no  que  deliberasse  a 
a  secção  do  conselho  de  estado  dos  negócios  do  império,  pro- 
testando nada  reclamar  se  me  for  contraria  a  sua  decisão. 

Assim,  a  encampação  da  companhia  do  Mucury  deve 
suppor-se  um  negocio  acabado,  e  eu  aguardo  somente  as 
ordens  do  governo  imperial  para  saber  a  quem  devo  fazer 
entrega  da  administração. 

No  entanto  a  empreza  do  Mucury  não  morreu.  D'ora 
em  diante  não  é  mais  negocio  em  que  quemquer  que  seja 
possa  enxergar  pretenções  individuaes.  E'  imia  empreza  geral 
que  interessa  ás  províncias  do  Espirito  Santo,  Bahia  e  mais 
especialmente  á  de  Minas,  cuja  deputação  se  estiver  unida 
na  futura  legislatura  pôde  obter  que  justiça  se  faça  neste 
e  em  outros  pontos  á  nossa  provincia,  tão  desconsiderada  e 
mesmo  ludibriada  pelo  ministério  actual. 

Pelo  que  me  diz  respeito,  applaudo-me  considerando  que 
a  provincia  de  Mínas-Geraes  não  está  circumscripta  ao  Mu- 
cury, e  que,  se  um  voto  parcial  dalli  me  arrancou,  mil  votos 
imparciaes  ijodem  designar-me  outro  posto  em  que,  debel- 
lando  os  Hercules  do  cortezanismo  e  da  oligarcliia,  eu  tenha 
a  gloria  de  ser\ir,  não  somente  aos  interesses  de  Minas  como 
aos  do  Brasil  em  geral. 


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Candidatura  Bonatorla 

Em  1857,  inaugurada  a  estrada,  do  Mucury,  comecei  a 
perguntar  a  mim  mesmo  se  não  era  tempo  de  saber  o  que 
se  havia  feito  em  politica  durante  a  minha  longa  abstenção. 

Havia  no  senado  duas  vagas  por  Minas,  Apresentar-me 
candidato  á  senatoria,  não  tendo  solicitado  um  logar  na  mi- 
lícia activa  da  deputação,  parecia-me  pouco  consentâneo  com 
os  meus  antecedentes. 

Qaiz,  porém,  significar  aos  mineiros  que  me  achava 
prompto  para  entrar  em  actividade  politica  se  os  meus  ser- 
viços fossem  reclamados. 

O  Sr,  Carneiro  Leão  acabava  de  descer  ao  tumulo,  com 
o  seu  recente  titulo  de  marquez  de  Paraná,  sem  ter  podido 
realizar  o  pensamento  reformador  que  na  opinião  geral  o 
acompanhara  durante  o  seu  ultimo  ministério. 

Nove  annos  depois  das  revelações  feitas  ao  senado  por 
occasião  da  dissolução  do  gabinete  de  20  de  janeiro  de  1843 
havia  o  Sr,  Carneiro  Leão  entrado  novamente  para  um  mi- 
nistério que  organisára. 

Não  era  já  o  corajoso  orador  da  oligarchia,  que  em  1S41 
mais  contribuirá  para  as  vtctorias  e  conquistas  dos  Césares, 
e  que  sustentara  com  calor  essa  these  famosa  que  tive  a 
gloria  de  prof ligar:  «O  governo  é  sempre  legal,  a  cujo 
frente  está  Sua  Magestade  o  Imperador.  > 

O  Sr.  Carneiro  Leão  de  1853  era  o  pamphletista  para 
quem  não  ha  na  constituição  poder  algum  absoluto,  nem 
mesmo  o  poder  moderador  quando  nomeia  os  ministros. 

Era  o  estadista  que  nas  explicações  dadas  ao  parlamento 
acerca  da  dissolução  do  outro  gabinete  a  que  prisidira  se 
havia  abalançado  a  denunciar  os  excessos  do  governo  pessoal 
e  sua  interferência  indébita  na  organisação  dos  gabinetes.     . 


368  nEVISTA  00  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Era  o  conservador  que  eni  1845  e  1846  mais  se  havia 
empenhado  no  senado  pelo  triumpho  da  lei  eleitoral  qu«  os 
liberaes  havião  proposto. 

E  que  em  1848  auxiliara  poderosamente  o  Sr.  Paula 
Souza  para  traduzir  eni  lei  as  incompatibilidades  dos  funccío- 
narios  públicos  nas  eleições  populares. 

Ou  fosse  desgosto  contra  o  governo  pessoal,  em  razão 
do  que  os  Césares  soffrérão  no  aimo  de  1844  e  seguintes,  ou 
nobre  reconhecimento  de  passados  erros,  o  certo  é  que  nos 
últimos  annos  de  sua  vida  o  Sr.  Carneiro  Leão  pareceu  de- 
sejar sinceramente  a  fusão  dos  dous  grandes  partidos  politicos, 
para  assim  regenerar  o  systema  representativo. 

Nessa  intellígencia  os  liberaes  prestarão  apoio  ao  seu 
ultimo  ministério,  depois  que  elle,  acudindo  ao  reclamo  da 
patriótica  manifestai;ão  de  Vassouras,  pareceu  entrar  fran- 
camente nos  caminhos  do  progresso. 

Bellas  esperanças,  que  todas  murcharão  em  flor  I 

Mas  que,  amenisando  a  lousa  do  illustre  morto,  ainda 
por  algum  tempo  embalarão  docemejite  o.  paiz. 

Foi  sob  as  impressões  desses  factos  que  eu  tive  a  honra 
de  vos  escrever  a  seguinte: 


€  Srs.  eleitores  mineiros  !  —  Ha  algum  tempo  que  ouvis 
proclamar  do  alto  das  cadeiras  minísteriaes  a  necessidade  de 
reformas  em  nossa  organisação  politica. 

<  Parece  que  a  voz  do  povo  encontrou  éco  nas  regiões 
do  poderi" 

«  As  promessas  de  melhoramento,  o  prc^ramma  da  li- 
berdade de  voto  e  de  reforma  parlamentar,  aconselhavão 
aos  abaixo  assignados  que  persistissem  na  inércia  politica, 
em  que  se  teem  conservado  estes  últimos  annos. 

«  Cumpria  não  perturbar  o  trabalho  regenerador  se,  como 
õ  de  crer,  nelle  se  empenhão  os  obreiros  com  sã  consciência 
e  patriótica  sinceridade. 

«  Se  ao  contrario  alguma  decepção  amarga  ameaçasse  o 
paiz,  desejarão  os  abaixo  assignados  esquivar-se  á  respon- 
sabilidade de  figurar  em  tal  profanação. 

D,3t,ZBdbyGOO<^le 


DE  THEOPHILO  OTTOHl  369 

«  Neste  intuito  se  abstiverão  de  toda  a  interferência  nos 
preparativos  para  o  festim  eleitoral  que  vai  ter  logar  no  paiz ; 
aliás  resolvidos  a  aceitar  o  mandato  espontâneo,  que  porven- 
tura os  seus  concidadãos  lhes  conferissem. 

«  Podendo,  porém,  este  procedimento  ter  sido  attribuido 
a  reprehensivel  indifferentismo,  os  abaixo  assignados  se 
julgão  na  obrigação  de  explicar-se  perante  o  respeitável  corpo 
eleitoral  de  Minas,  cujos  suffragios  os  teem  honrado  mais 
de  uma  vez. 

«E  volverão  novamente  ao  silencio  da  vida  privada  e 
ao  cumprimento  de  outros  deveres,  em  cujo  desempenho  (*) 
se  lisongeão  de  prestar  serviços  á  sua  pátria. 

€  No  entanto,  para  que  a  abstenção  politica  dos  abaixo 
assignados  não  seja  interpretada  como  abandono  dos  prin- 
cípios a  cuja  defesa  teem  elles  consagrado  os  melhores  annos 
de  sua  vida,  se  aproveitão  da  opportunidade  da  eleição  de 
dous  senadores  que  vai  ler  logar  na  provinda,  e  chamão  a 
attenção  do  corpo  eleitoral  para  uma  necessidade  palpitante 
ua  actualidade. 

«  Foi  encetada  pelos  poderes  do  estado  a  reforma  elei- 
toral, mas  combinadas  de  tal  sorte  as  disposições  novíssimas 
que,  podendo  melhorar  a  representação  temporária  do  paiz, 
nenhuma  influencia  terão  na  escolha  dos  representantes  vi- 
lalicíos. 

<  Anomalia  inconcebivel  ! 

«  Dir-se-hia  que  o  pensamento  reformista  progrediu  até 
ás  portas  do  senado,  e  que  ahi  se  lhe  fecharão  os  reposteiros, 

5  E'  assim  que  a  eleição  por  círculos  attenderá  de  ora 
em  diante  aos  interesses  legítimos  de  todas  as  localidades 
proscrevendo  o  falseamento  das  urnas  por  meio  das  chapas 
provinciaes;  e  todavia  a  dos  senadores  aínda  se  fará  pelo 
velho  systema,  que  a  lei  aboliu  por  vicioso. 

«  Reflecti,  senhores,  e  só  encontrareis  a  explicação  ló- 
gica desta  anomalia  no  estéril  principio  da  vitaliciedade. 

€  Velha  instituição,  que,  imitando  a  medo  as  dos  governos 
aristocráticos,  jjossue  todos  os  defeitos  e  nenhuma  das  van- 
tagens do  pariato  hereditário. 


<*)  Emprcii   do  Mucuíí.  —  Estrada  de  ittto  de  D.   Fedro   II. 

DiBlradbjGOOgle 


370  REVISTA  DO  IN8TITDT0  HISTÓRICO 

«  Srs.  eleitores  mineiros,  se  desejais  o  prt^resso  refle- 
ctido e  pacifico,  a  reforma  sem  lutas  violentas,  tentai  inocular 
no  senado  o  principio  reformista. 

€  Purifiquem-se  dos  vicios  reconhecidos  as  eleições  da 
segunda  camará. 

€  Sejâo  chamados  os  senadores  ao  juizo  das  urnas,  como 
os  deputados,  embora  em  mais  largo  período. 

«  Invocando  estes  princípios,  os  abãíxo  assignados  hão  se 
dirigem  exclusivamente  a  partido  algum,  porque  a  reforma 
do  senado  é  pensamento  gravado  na  consciência  de  todos  os 
brasileiros  patriotas,  sem  distincção  de  creíiças  politicas. 

€  Srs.  eleitores  mineiros  !  Em  nome  da  paz,  do  pro- 
gresso e  da  concórdia  politica  vos  pedem  os  abaixo  assi- 
gnados :  —  elegei  deputados  e  senadores  que  expressamente 
se  compromettão  a  pugnar  por  todos  os  meios  tegaes : 

tPela  eleisão  dos  senadores  por  circulas. 

'4  Pela  renovação  parcial  do  senada  em  cada  legislatura, 
«  Theophilo  Benedicto  Ottoni. 
€  Christiano  Benedicto  Ottoni. 

«  Rio  de  Janeiro,  7  de  outubro  de  1856.  > 

Estive  sempre  persuadido  que  um  senado  vitalício  dá  so- 
mente garantia  aos  interesses  indivíduaes  dos  senadores  e 
de   suas   famílias. 

O  senado  temporário  da  Bélgica  tem  sido  alli  o  fiador 
da  monarchia  constitucional. 

Senado  vitalício,  acostado  a  .conselho  de  estado  vitalício, 
não  pôde  trazer  outro  resultado  senão  a  mais  detestável  das 
oligarchias . 

No  entanto  no  meu  programma  de  1838,  apresentado  á 
camará  dos  Srs,  deputados,  não  vem  uma  só  palavra  acerca 
da  reforma  do  senado. 

Por  três  legislaturas  já  tive  a  honra  de  occupar  uma  ca- 
deira entre  a  deputação  de  Minas;  subi  repetidas  vezes  ú 
tribuna,  e  nunca  propuz  nem  advoguei  a  reforma  do  senado. 

Seria  por  estarem  modificadas  minhas  opiniões  acerca  da 
vitaliciedade  do  senado? 

De  nenhum  modo.  Tudo,  porém,  quer  occasíão  opportuna. 

Se  reflectirdes  no  que  escrevi  á  pag.  21,  reconhecereis 


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A  CIRCULAR  DE  TBEOPBILO  OTTONt  3?! 

que  desde  o  verdor  (fos  annos  eu  não  adniítto  reformas  cou- 
stitucionaes  senão  dictadas  pelo  progresso  da  .razão  publica 
c  amadurecidas  mediante  uma  discussão  diuturna. 

Somente  o  progresso  lento  e  reflectido  ha  de  trazer-noa 
uma  reforma  conveniente  no  senado. 

E'  preciso  aproveitar-se  a  occasião  propicia,  e  se  a  qui- 
zerem  crear  artificial  o  principio  liberal  pódc  perder,  em  vez 
de  ganhar. 

Eu  me  explico. 

Se  o  governo  pessoal  se  persuadir  que  é  mais  conforme 
com  o  direito  divino  que  a  escolha  dos  senadores  se  faça 
livremente  e  deixe  de  ser  inquinada  pelo  filtro  eleitoral,  re- 
formar o  senado  fora  desservir  o  principio  progressista. 

Com  effeito,  o  elasterio  dado  ao  adverbio  livremente  do 
art.  lOi  S  6'  da  constituição  e  a  omnipotência  ministerial  e 
policial  consagrada  em  nossa  legislação  habilitão  quaesquer 
estafermos  de  posse  das  pastas  para  manipularem  uma  ca- 
mará constituinte  e  decretarem  que  a  composição  do  senado 
seja  da  privativa  competência  do  poder  moderador. 

Ora,  a  um  senado  exclusivamente  palaciano  eu  prefiro 
o  senado  actual  com  todas  as  suas  mazelas. 

Quizera,  porém,  de  preferencia  o  que  estava  decretado 
na  constituição  de  30  de  julho  de  1832,  a  qual  tirava  á  coroa 
o  direito  de  concorrer  com  os  eleitores  para  a  formação  do 
senado. 

E,  escrevendo  em  1857  acerca  de  eleição  senatorial,  era 
indispensável  que  os  Srs.  eleitores  soubessem  minha  opinião 
sobre  esta  importante  questão. 

E'  claro  que  a  minha  circular  não  significava,  como  se 
pretendeu  inculcar,  que,  entrando  para  o  senado,  eu  iria 
propor  uma  tal  reforma,  que  aliás  somente  pôde,  na  forma 
da  constituição,  ter  iniciativa  na  camará  dos  deputad"" 

A  minha  manifestação  nada  significava  senão 
tenho  o  pundonor  da  coherencia,  e  que  conserva\ 
ainda  conservo,  aquella  opinião,  de  nenhum  modo  het 

Significava  que,  se  eu- fosse  senador  e  da  can 
deputados  fosse  dirigida,  em  tempo  que  me  parecess 
tuno,  uma  proposição,  por  virtude  da  qual  os  eleitore 
autorisados  a  dar  poderes  constituintes  aos  deput 


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371  REVISTA  DO  INSTITBTO  HISTÓRICO- 

seguinte  legislatura  para  reformarem  a  constituição  em  refe- 
rencia ao  senado,  eu  havia  de  votar  para  que  aquella  pro- 
posição da  camará  dos  deputados  fosse  dirigida  ao  imperador, 
declarando-se,  na  forma  da  constituição,  que  era  útil  e  van- 
tajosa, e  pedindo-se  a  sancção  a  Sua  Magestade  Imperial, 

Fica  também  fora  de  duvida  que  o  tempo  somente  me 
pareceria  opportuno  para  a  reforma  se  eu  tivesse  fundada  espe- 
rança de  que,  em  substituição  á  camará  vitalícia,  se  decre- 
taria um  senado  temporário  e  electivo,  como  a  camará  dos 
deputados,  salva  a  differença  razoável  nas  condições  de  ido- 
neidade e  de  duração  das  funcçòes. 

Era,  portanto,  aquella  circular  um  acto  de  franqueza  e 
de  lealdade  de  candidato  honesto  para  com  os  seus  consti- 
tuintes. 

Minhas  palavras  singelas  desafiarão  a  vossa  genero- 
sidade, Srs.  eleitores  mineiros,  e,  sem  distincção  de  partidos, 
vossos  votos  espontâneos  captivárão  a  gratidão  do  candidato 
que  apenas  indirectamente  se  apresentara. 

Veiu  depois  a  eleição  de  21  de  agosto  de  1858. 

Então  eu  me  dirigi  francamente  aos  meus  illustres  com- 
provincianos. 

Todos  vós,  Srs.  eJeitores,  tereis  em  lembrança  a  lin- 
guagem da  minha  solicitação. 

Penhorado  sobremodo  pela  circumstanda  de  ter  sido  na 
eleição  anterior  votado  promíscua  e  espontaneamente  !por 
ambas  as  parcialidades  em  que  a  provincia  está  dividida,  eu 
considerei  que  era  de  minha  parte  um  dever  de  delicadeza 
não  dar  còr  politica  á  minha  candidatura. 

Por  isso,  sem  dizer  uma  palavra  que  estivesse  em  con- 
tradicção  com  o  meu  passado,  eu  me  limitei  em  minha  cir- 
cular de  10  de  junho  de  1859  a  declarar-mc  candidato  sob 
os  auspicies  da  \ossa  benevolência. 

E,  dirigindo-me  especialmente  aos  conservadores  meus 
amigos,  eu  Jhes  dizia: 

«  As  cadeiras  do  senado,  na  forma  da  constituição,  são 
destinadas  para  recompensar  os  serviços  prestados  ao  estado. 
Se  julgais  que  teem  alguma  importância  os  beneficios  que 
a  empreza  do  Mucury  já  está  prestando  á  nossa  provincia, 
dai  um  voto  ao  emprezario,  dai  um  voto  ao  mineiro  que  pri- 


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A  CmCULAn  DE  THEOPHILO  OTTOSI  373 

meiro  levou  um  vapor  do  Rio  de  Janeiro  á  província  de 
Minas. » 

Primeiro  na  escala  da  votação,  eu  me  considerei  sobe- 
jamente galardoado  com  essa  obsequiosa  manifestação  de 
meus  comprovincianos. 

E  quando,  submettida  a  lista  triplice  ao  poder  mode- 
rador, foi  escolhido  o  segundo  votado,  o  Sr.  conselheiro  Luiz 
António  Barbosa,  não  fui  dos  últimos  a  reconhecer  que  jus- 
tiça fora  feita. 

Muitos  dentre  vós  poderão  verificar  que  esta  linguagem 
está  em  perfeita  harmonia  com  a  minha  correspondência  de 
então. 

Justiça  fora  feita. 

O  Sr.  conselheiro  Luiz  António  Barbosa,  politica  a 
parte,  era  um  mineiro  que  honrava  a  nossa  província.  Ma- 
gistrado da  maior  integridade,  administrador  zeloso  e  orador 
íUustrado,  é  deplorável  que  tão  prematuramente  fosse  rou- 
bado ao  senado,  de  que  seria  um  dos  mais  bellos  ornamentos. 
Antes  da  sentida  morte  do  Sr.  conselheiro  Barbosa  outra  ca- 
deira tinha  vagado  no  senado. 

Honrado  como  eu  havia  sido  pelos  meus  comprovincianos, 
não  me  apresentar  candidato  na  eleição  de  ii  de  fevereiro  deste 
anno  fora  revelar  um  despeito  tão  pretencioso  como  ridículo. 

Kovamente  appareci  solicitando  a  vossa  benevolência 
e  a  vossa  generosidade. 

Com  o  resultado  da  eleição  de  ii  de  fevereiro  deste 
anno  fiquei  confundido. 

Com  fundamento  ou  sem  elle,  se  me  afigurou  que,  apezar 
do  mérito  real  que  os  distinguia  e  das  sympatbias  que  os 
meus  illustres  competidores  justamente  desafiavão-se,  havia 

na  maioria  dos  collegíos  estudados  expedientes —  - 

meu  humilde  nome  fosse  submettido  com  algum; 
ã  consideração  da  coroa. 

Segunda  vez  me  couberão  as  honras  do  prii 
na  lista  triplice,  avantajando-me  em  174  votos 
gundo  votado  e  em  294  sobre  o  terceiro. 

E  tão  uniforme  se  manifestou  a  vontade  d 
que,  se  a  eleição  de  senadores  se  fizesse  por  cír 
a  dos  deputados,  eu  teria  tido  a  gloria  de  ser 

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374  REVISTA  DO  msTITITTO  HISTÓRICO 

ã  coroa  pelos  20  distríctos-  eleitoraes  de  Minas,  primeiro  da 
lista  triplice  em  treze,  segundo  em  cinco,  terceiro  no  decimo 
nono,  c  ficando  empatado  em  terceiro  Ic^ar  no  vigésimo. 

Em  19  dos  circulos  eu  teria  sido  apresentado  á  coroa  pela 
maioria  absoluta  dos  eleitores,  só  o  sendo  por  maioria  rela- 
tiva em  um  circulo,  onde  aliás  obtive  43  votos  em  85  elei- 
tores. 

Pareceu-me  que  eu  podia  exclamar  como  Cícero,  eleito 
cônsul,  e,  como  acontecia  a  meu  respeito,  primeiro  na  escala 
da  votação: 

Me  omnes  ordines,  me  universo  civitas,  me  cuncta  Itália 
tion  prius  tabeliã,  quatn  você,  priorem  consulem  declaravit. 

Os  partidos  sem  discrepância,  a  universalidade  dos  colle- 
gios,  a  província  em  massa,  antes  que  as  urnas  faltassem, 
me  designavão  a  uma  voz  para  senador  do  império. 

No  entanto,  submettida  a  lista  triplice  á  illustrada  con- 
sideração de  Sua  Magestade  o  Imperador,  foi  escolhido  o 
Sr.  Manoel  Teixeira  de  Souza,  terceiro  votado. 

A  escolha  foi  publicada  nos  jornaes  do  dia  28  de  abril 
do  corrente  anno,  e  no  dia  immediato  sahiu  á  luz  a  minha  cir- 
cular dã  mesma  data,  declarando  que  eu  não  seria  candidato 
na  eleição  senatoria  a  que  tinha  de  proceder-se  em  conse- 
quência do  prematuro  f allecimenHo  do  Sr.  conselheiro 
Barbosa. 

Se  eu  tivesse  por  costume  antepor  meus  interesses  indi- 
viduaes  á  causa  publica  não  teria  escripto  a  circular  de  28 
de  abril. 

O  damno  que  a  minha  linguagem  rude  ha  de  acarre- 
tar-me  é  talvez  irreparável;  mas  a  tudo  me  resigno  conso- 
lado, porque  o  meu  procedimento,  por  excepcional  que  fosse, 
deu  occasião  a  uma  discussão  larga  e  proveitosa  sobre  o 
mecanismo  da  nossa  constituição"  nas  suas  mais  transcendentes 
disposições.  A'  guelgue  chose  malkeur  est  bon. 

Aferiu-se  o  poder  moderador  pelo  padrão  constitucional 
e  reconheceu-se  que  nas  medidas  usadas  havia  manifesta  fal- 
sificação. 

A  imprensa  e  a  tribuna  ecoarão  o  pro  e  o  contra. 

No  trimestre  immediato  á  escolha  senatoria  de  Minas 


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A  CIRCULAR  DB  THEOPHILO  OTTOMI  37$ 

tnultiplicárão-se  acerca  das  attribuições  do  poder  moderador 
as  publicações  jornalísticas  e  pamphletos. 

Um  intitulado  —  Monarchia  e  democracia  —  sahiu  da 
penna  do  principal  defensor  official  do  ministério  nas  co- 
lumnas  do  Jornal  do  Commercia. 

Publicou-se  outro  em  S.  Paulo,  em  que  sobresahe  a  in* 
conveniência  do  titulo: —  Opoder  moderador  e  o  Sr.  T.  B, 
Ottoni. 

Um  publicado  nesta  corte  cm  anonymo  e  com  o  titulo  — 
Da  naturesa  e  limites  do  poder  moderador  —  é  o  escripto 
mais  importante  dos  que  se  teem  levado  aos  prelos  sobre  o 
objecto;  tem  sido  geralmente  attribuido  ao  ílluatrado  Sr.  con- 
selheiro Zacharias  de  Góes  e  Vasconcellos. 

As  conclusões  seguintes,  com  que  o  Sr.  conselheiro  Za- 
charias encerra  o  seu  folheto,  dimanão,  por  uma  deducção 
lógica  e  rigorosa,  dos  princípios  mais  sãos  bebidos  na  letra  de 
nossa  constituição,  e  em  muitas  e  valiosas  autoridades,  apro- 
priadamente adduzídas  pelo  illustre  pamphletista. 

<  Concluamos,  diz  S.  Ex. ; 

«  No  exercício  do  direito  de  graça,  ou  de  qualquer  outra 
funcção  do  poder  moderador,  assim  como  no  das  do  poder 
executivo,  a  responsabilidade  ministerial  é,  em  nossa  forma 
de  governo,  uma  consequência  necessária,  irrecusável,  da  in- 
violabilidade do  imperante. 

«  O  actual  imperador  dos  francezes  não  se  apoia  na  res- 
ponsabilidade de  seus  ministros;  mas  a  razão  disso  está  no 
art.  5°  da  constituição  daquelle  paiz,  que  declara  o  chefe 
do  estado  responsável  perante  o  povo  francez. 

€  O  chefe  do  estado  iR  União  Anglo-Americana  não 
depende  da  responsabilidade  ministerial ;  mas  ahi  esse  chefe 
é  directamente  responsável  e  sujeito  a  uma  jurisdicção  con- 
stituida. 

«  Não  ha  meio  termo :  em  paiz  livre,  ou  pelo  menos  não 
de  todo  escravo,  ou  o  chefe  do  estado  é  responsável,  e  neste 
caso  decide  e  governa  como  entende,  sem  necessidade  de 
firmar-se  na  responsabilidade  de  seus  agentes;  ou  elle  é  irres- 
ponsável, e  então  não  ha  funcção,  não  ha  prerogatíva  que 
possa  exercer  sem  o  arrimo  da  responsabilidade  ministerial, 

ogle 


376  REVISTA  DO  INSTITDTO  HISTÓRICO 

responsabilidade  que,  ainda  não  estando  expressamente  esta- 
belecida, não  é  menos  incontestável,  visto  que  decorre  da 
Índole  do  systema  politico  consagrado  na  lei  fundamental  do 
paiz. 

«E  com  ef  feito,  para  que  os  ministros  não  respondessem 
entre  nós  pelos  actos  do  poder  moderador,  dous  artigos,  além 
de  outros,  fora  preciso  cancellar  da  constituição  do  império, 
a  saber: 

«O  art.  3°,  CUJO  theor  é:  cO  governo  do  Brasil  é  mo- 
narchico  hereditário,  coftstituctoiídl  e  representativo. »' 

<  E  o  art.  99,  que  diz :  <  A  pessoa  do  imperador  é  in- 
violável e  sagrada.  Elle  não  está  sujeito  a  responsabilidade 
alguma.  > 

Em  uma  advertência  preliminar  pulverisou  o  Sr.  con- 
Iheíro  Góes  e  Vasconcellos  diversas  proposições  dos  mi- 
nistros do  império  e  da  fazenda  quando  este  anno  perante 
as  camarás  pretenderão  demonstrar  que  os  ministros  nada 
teem  que  ver  nos  actos  do  poder  moderador,  mas  que  não 
obstante  nenhum  se  recusaria  a  tomar  a  responsabilidade 
desses  mesmos  actos. 

Ao  nobre  ministro  da  fazenda  fiquei  devendo  especial 
fineza  pelo  empenho  que  S,  Ex.  mostrou  ter  nessa  occasião' 
■de  discutir  a  preferencia  dada  ao  Exm.  Sr.  Teixeira  de 
Souza. 

Cumpre  confessar  que  é  uma  descoberta  em  direito  pu- 
blico constitucional  esta  singular  theoria  da  responsabilidade 
ministerial  voluntária  I 

Os  ministros  são  responsáveis  emquanto  quizerem  ter 
a  generosidade  de  o  ser. 

Não  é  por  certo  esta  nova  espécie  a  responsabilidade 
dogma  que  o  systema  constitucional  suppôe. 

O  systema  constitucional  impõe  aos  ministros  a  respon- 
sabilidade de  amores  nos  actos  do  poder  moderador. 

A  nova  theoria  colloca  os  ministros  na  posição  dos 
testas  de  ferro,  conhecidos  da  imprensa,  que  se  responsa- 
bilisão  pelo  que  outros  escrevem. 

No  entanto  os  expositores  da  doutrina  forão  inspirados 
pela  musa  da  historia. 

DigtizedbyGOOgle 


A  CIRCUUia  BE  THEOPHILO  OTTONI  377 

Professarão  a  jurisprudência  dos  precedentes,  pois  que 
é  innegavel  que,  tanto  no  primeiro  como  no  segundo  reinado, 
os  ministros  teem  sido  no  império  do  Brasil  responsáveis 
somente  na  qualidade  de  testas  de  ferro, 

A  imprensa  fluminense  fez  justiça  ao  luminoso  trabalho 
do  Exm.  Sr.  conselheiro  Góes  e  Vasconcellos.  Eu  a  acom- 
panho no  juizo  imparcial  que  emittiu.  E  na  maior  since- 
ridade reconheço  que  S.  Ex.  prestou  ao  paíz  um  serviço 
relevante. 

Mas  não  posso  deixar  de  deplorar  que  S.  Ex.,  sem 
duvida  porque  em  minha  circular  de  28  de  abril  eu  me  não 
exprimisse  com  a  devida  clareza,  sem  nomear-me,  pareça 
emprestar-me  opiniões  que  não  professo  nem  alli  estão  con- 
signadas, e  supponha  no  meu  modo  de  proceder  motivos  que 
me  não  guiarão. 

Não  me  pôde  caber  a  imputação  de  que  eu  figurasse 
a  coroa  na  nomeação  dos  senadores  livre  como  o  pensa- 
mento. 

Se  eu  disse  que  a  prerogativa  não  tinha  limitação, 
motivei  essa  declaração  pela  circumstancia  de  ser  o  poder 
moderador  o  Juiz  da  preferencia  que  a  constituição  manda 
dar  ao  mais  digno,  sem  que  de  modo  algum  negasse  a  respon- 
sabilidade dos  ministros  pelos  actos  do  poder  moderador. 

Também  não  disse  que,  deixando  de  recahir  a  escolha 
sobre  um  candidato  apresentado  seguidamente  diversas  vezes, 
isso  trouxesse  dezar  á  provincia  que  o  apresentava.  Menos 
queixei-me  da  preterição,  considerando-me  mais  digno  do  que 
o  nomeado. 

Limitei-me  a  explicar  os  motivos  Ja  minha  desistência, 
que  é  também  um  direito,  e  tão  sagrado  pelo  menos  como 
o  que  tem  o  poder  moderador  de  escolher  entre  os  eleitos 
o  individuo  que  lhe  parecer  maís  digno. 

Commemorei  as  diversas  coincidências  segundo  as  quaes 
talvez  mal  aconselhado  pelo  amor  próprio,  que  sem  duvida 
engana  a  muita  gente,  e  me  deve  ter  enganado  muitas 
vezes,  acreditei  que  os  collegios  eleitoraes,  guardadas  as  con- 
veniências, havião  revelado  sufficientemente  que  ambicio- 
navão  a  minha  escolha. 

D,3    zB<ibyCOO<^le 


378  KcrmA  do  ntvmmo  butorico 

A  província  podia  assim  interceder  por  um  individuo 
que  não  fosse  digno  da  mercê;  mas,  se  o  pediu,  houve  rae- 
nospreço  no  indeferimento,  E  por  isso  eu  disse : 

«Essencialmente  mineiro,  se  me  fattão  os  predicados 
para  ser  escolhido  senador  do  império,  sobra-me  patriotismo 
para  zelar  o  nome  e  pundonor  da  minha  província. »  E  por 
isso  deixei  de  apresentar-me. 

Se  eu  me  equivocava  acerca  da  aspiração  dos  dignos 
eleitores  mineiros,  cessavão  sem  duvida  o  menosprezo  e  o 
dezar,  mas  haveria  nesse  caso  dobrada  razão  para  que  eu 
não  solicitasse  uma  nova  eleição. 

Por  ultimo,  é  muito  expressa  e  sem  restricção  mental 
a  declaração  que  fiz  na  circular  de  que  sou  o  mais  obscuro 
e  talvez  dentre  os  da  lista  tríplice  o  que  menos  serviço  tenha 
prestado  ao  paiz. 

Não  se  pense,  porém,  que  exagero  a  modéstia  ao  ponto 
de  admittir  que  uma  cadeira  de  senador  deva  estar  fora  do 
alcance  de  minhas  aspirações. 

O  nome  de  Theophilo  Benedicto  Ottoni,  se  não  é  des- 
conhecido na  briosa  provincia  de  Minas-Geraes,  também  não 
o  pôde  ser  perante  a  coroa. 

T.  B.  Ottoni  em  1845  foi  o  orador  da  deputação  que 
em  nome  da  camará  dos  deputados  levou  ao  imperador  as 
felicitações  pelo  feliz  nascimento  de  Sua  Alteza  Imperíal  o 
fallecido  Sr.  príncipe  D.  Affonso. 

T.  B.  Ottoni  em  1846  foi  o  vice-presidente  da  camará 
dos  deputados,  que  de  ordem  de  Sua  Magestade  o  Imperador 
teve  de  ser  convidado  pelo  ministro  do  império  para  assistir 
ao  baptisado  de  Sua  Alteza  Imperial  a  Sereníssima  Sra.  prín- 
ceza  D.  Izabel. 

T.  B.  Ottoni,  na  qualidade  de  vice-presidente  da  camará 
dos  deputados,  e  por  designação  especial  de  Sua  Magestade 
o  Imperador,  foi  um  dos  seis  grandes  do  império  que  teve 
a  honra  de  carregar  uma  das  varas  do  pallio,  sob  o  qual 
passou  o  berço  de  Sua  Alteza  Imperial  do  paço  para  a  ca- 
pella  imperial. 

T.  B.  Ottoni  é  o  deputado  que  de  1845  a  1848  foi  apon- 
tado pela  imprensa  opposicíonista  como  chefe  da  patriótica 

.  Google 


k  CIRCULAR  DE  THEOPHtLO  OTTOKI  Z?9 

maioria  da  camará  dos  deputados,  bem  que  seja  dle  o  pri- 
meiro a  reconhecer  que  tal  qualificação  não  lhe  podia  caber 
em  «ma  camará  onde  avultavão  estadistas  e  oradores  como 
os  Andradas,  Limpo  de  Abreu,  S.  Torres-Homem,  Gabriel 
Saturnino,  Urbano,  Marinho  e  outros  muitos. 

No  entanto: 

T.  B.  Oltoni,  insignificante  deputado  pela  provincia 
de  Minas-Geraes,  merecia  nesse  tempo  alguma  consideração 
aos  seus  collegas  e  aos  ministros  da  coroa,  alguns  dos  quaes 
lhe  fizerão  a  honra  de  o  ouvir  com  obsequiosa  complacência 
mesmo  sobre  as  organisações  ministeriaes,  como  por  certo 
não  terá  escapado  á  perspicácia  de  Sua  Magestade  o  Im- 
perador. 

Dadas  estas  circumstancias  felizes  para  mim,  posso  li- 
songear-me  que  do  meu  humilde  nome  subsistão  alguns  ves- 
tígios nas  altas  regiões  da  corte. 

Lá,  onde  se  conhece  dia  por  dia  a  vida  dos  brasileiros 
que  estão  na  scena  publica. 

Lá,  onde  apparece  em  notas  transparentes  a  tarifa  das 
consciências  e  suas  applicações,  se  sabe  perfeitamente  que 
o  deputado  Ottoni  nunca  se  curvou  ou  bajulou,  e  nunca  es- 
peculou com  a  politica, 

E,  portanto,  se  acaso  o  ministério  de  lo  de  agosto,  sub- 
mettendo  á  consideração  da  coroa  a  ultima  lista  senatoría  de 
Minas,  commemorasse  alguns  dos  serviços  que  tenho  tído  a 
fortuna  de  prestar  ao  paiz ; 

Se  lembrasse,  por  exemplo,  que  o  desinteresse  e  inde- 
pendência são  traços  característicos  da  minha  biographía  par- 
lamentar ; 

Se  soubesse  e  mencionasse  a  parte  que  tomei  na  paci- 
ficação do  Rio-Grande; 

Se  tivesse  um  momento  de  remorsos  para  accusar-se  da 
guerra  ignóbil  que  tem  feito  á  patriótica  empreza  do  Mu- 
cury,  e  penitente  confessasse  os  serviços  relevantes  que,  ar- 
riscando a  minha  vida,  arruinando  a  minha  saúde  e  compro- 
mettendo  a  minha  fortuna,  glorío-me  de  haver  alli  prestado; 

Não  seria  do  espirito  elevado  do  imperador  que  poderíão 
nascer  objecções  pequeninas  para  que  me  não  fosse  expedida 

Cooglc 


RBTISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 


a  carta  imperial,  embora  em  minha  rustícidade  não  pudesse 
eu  allegar  como  o  cortezão  de  Pliilinto: 


Cinsadoí    ittvitoi:    por   vinte   ai 
Alio  ter  curttdo  o»  venenndoí 
Tijoloi  de  paticio,  e  feito  airoui 
No  bcij>-mlo  »  lalJtBi  mctursi. 


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Candidatara  á   camará  temporária 

Comecei  esta  carta  dizendo-vos  francamente  que  ia  es- 
crever uma  circular  de  candidato. 

Nas  circumstancias  excepcionaes  em  que  fui  coUocado, 
minha  candidatura  para  a  camará  temporária,  que  em  outros 
tempos  fora  talvez  uma  velleidade  condemnavel,  hoje  é  po- 
sição obrigada  e  um  dever  de  honra. 

Acolhidas  tão  benevolamente  como  forão  minhas  ultimas 
aspirações  eleitoraes,  censurável  seria  não  estar  eu  na  lista 
dos  pretendentes,  agora  que  se  trata  de  composição  da  ca- 
mará, que  é  feitura  exclusiva  do  corpo  eleitoral. 

Se  eu  não  me  apresentasse  dir-se-hia,  e  com  razão,  que, 
ambicioso  vulgar,  somente  appetecia  deitar-me  nos  cobcões 
macios  dos  princípes  e  dos  Césares. 

E'  por  isso  que  mais  empenho  faço  para  obter  uma 
cadeira  de  deputado. 

Sou  partidista  da  eleição  do  campanário,  como  foi  de- 
cretada em  1855. 

Quizera  para  aperfeiçoa-la,  que  a  reforma  abrangesse  a 
eleição  primliria. 

Sem  chegar  á  eleição  directa,  para  ficar  dentro  da  con- 
stituição, bem  podia  dividir-se  cada  freguezia  em  tantos  quar- 
teirões eleitoraes  quantos  eleitores  houvesse  de  dar. 

A  cada  quarteirão  eleitoral  corresponderia  um  eleitor. 

Este  processo  pelo  menos  havia  de  matar  um  sem  nu- 
mero de  fraudes. 

E  o  corpo  eleitoral,  vera  effigie  da  população,  de  que 
assim  sahiria  regularmente,  havia  de  escolher  o  deputado  que 
melhor  conhecesse  as  necessidades  do  districto  e  melhor  o 
representasse. 


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382  REVISTA  DO  IMSTITDTO  HISTÓRICO 

Na  ultima  reforma  eleitoral  os  legisladores  infelizmente 
abstrahirão  dos  vicios  e  defeitos  da  eleição  primaria. 

Alargarão  os  círculos  e  deixarão  a  designação  dos  depu- 
tados ao  capricho  irracional  das  maiorias  relativas. 

Eis  a  reforma, 

A  nova  divisão  eleitoral  da  provincia  muito  me  pre- 
occupava,  porque  do  modo  pelo  qual  íosse  delineada  dependia 
a  minha  candidatura. 

Tinha-rae  eu  lembrado  do  campanário,  que  tive  a  gloria 
de  erguer  no  centra  das  matas  do  Mucury,  onde  fiz  minha 
maior  residência  estes  últimos  annos- 

Lembrava-me  também  do  campanário  do  Serro,  que 
abriga  o  meu  berç©  natal. 

E  a  pia  onde  bebi  as  aguas  do  baptismo. 

E  o  jazigo  em  que  repousão  as  cinzas  de  alguns  (fos 
meus  maiores. 

Parecia-me  que  a  lei  da  contiguidade  reuniria,  para  for- 
mar-se  o  novo  districto,  os  de  Minas-Novas  e  Serro  com  o 
da  Diamantina,  onde  affinidades  de  opinião  e  de  familia 
animavão  minhas  aspirações. 

E  esse  era  o  districto  eleitoral  que  eu  ambicionava  re- 
presentar. 

Lá  mais  do  que  em  qualquer  outra  região  de  Minas, 
minha  vida  está  ao  alcance  da  investigação  publica. 

Lá  se  sabe  que  para  mim  forão  sempre  sagrados  o  pa- 
trimónio do  orphão  e  da  viuva. 

Lá  se  sabe  que  não  são  para  mim  palavras  vãs  nem  os 
deveres  domésticos  nem  os  da  humanidade. 

Lá  os  eleitores  podem  melhor  avaliar  se  o  emprezarío 
da  companhia  do  Mucury  é  um  especulador  ou  um  patriota. 

E  até  onde  vai  a  magnitude  dos  sacrifícios  a  que  se  su- 
jeitou para  dar  ao  norte  de  Minas  um  porto  de  mar. 

Lá,  no  Serro,  em  Minas  Novas,  na  Conceição  e  na  Dia- 
mantina, minha  candidatura  estava  apadrinhada  pelas  recor- 
dações do  campanário. 

Mas  o  decreto  n.  2.636,  de  s  do  corrente  mez,  se  reuniu 
Minas-Novas  e  Serro  com  a  Diamantina,  mutilou  estes  dous 
últimos  districtos,  separando  sem  razão  sufficíente  fregueziaa 
que,  a  julgar  pela  benevolência  com  que  me  considerarão  nas 


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A  ClttCOLAR  DE  THBOPHILO  OTTONl  383 

ultimas  eleições  senatoriaes,  era  provável  que  em  sua  maioria 
me  conferissem  o  mandato  para  a  camará  quatriennal. 

Enfraquecida  minha  candidatura  com  esta  inesperada 
mutilação,  outro  recurso  não  me  resta  senão  appellar  para  a 
generosidade  dos  bons  vizinhos  que  formão  o  actual  2°  dis- 
tricto  eleitoral,  a  que  forão  adjudicados  os  eleitores  seques- 
trados dos  distríctos  do  Serro  e  Diamantina. 

Foi  o  2°  districto  que  me  honrou  com  maior  numero 
de  votos  nas  ultimas  duas  eleições  senatoriaes. 

Ainda  na  eleição  de  1 1  de  fevereiro  tive  a  gloria  de  ser 
o  primeiro  votado  nos  três  circulos  em  que  então  se  dividia 
da  Itabira,  Sabará  e  Pitanguy. 

Tanta  benevolência  desculpa,  se  não  justifica,  minha 
apresentação  já  na  ultima  hora. 

O  meu  prt^ramma  está  nos  antecedentes  da  minha  vida. 

Deputado,  meus  principaes  esforços  serão  para  que  o  sys- 
tema  constitucional  seja  restituído  á  sua  verdade. 

Farei  opposição  aos  ministros  de  qualquer  partido  que 
se  subordinarem  ao  governo  pessoal. 

Hei  de  também  esforçar-me  para  que  cesse  o  flagello 
da  prisão  arbitraria,  para  que  seja  abolido  o  recrutamento 
forçado,  e  retiradas  aos  agentes  policiaes  amovíveis  as  fun- 
cções  judiciarias,  que  pela  constituição  só  podem  caber  aos 
magistrados. 

E,  dada  a  opportunidade,  procurarei  fazer  com  que  lejão 
levadas  a  ef feito  constítucionahnente  as  reformas  a  que  tenho 
alludido  nesta  carta. 

Isto  pelo  que  toca  ao  geral. 
■  O  3°  districto  eleitoral  de  Minas  tem  necessidades  espe- 
ciaes. 

Do  lado  do  poente  o  rio  de  S.  Francisco  está  reclamando 
a  navegação  a  vapor,  que  facilite  o  commercio  das  comarcas 
de  Pitanguy  e  Sabará  com  as  comarcas  contíguas  e  com  a 
província  da  Bahia. 

E'  objecto  de  que  ha  mais  de  um  anno  me  occupo,  na 
intenção  de  mostrar-me  grato  á  generosa  província  de  Minas, 
cujo  filho  me  ensoberbeço  de  ser. 

Na  Januaría  poder-se-hão  encontrar  as  provas  desta 
minha  asserção. 


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384  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Na  eleição  de  21  de  agosto  de  1859  um  só  exemplo  de 
unanimidade  appareceu  nos  collegios  eleitoraes  tia  nossa  pro- 
vinda. 

Foi  no  collegio  da  Januaria,  composto  de  liberaes  e  con- 
servadores, que  todos  sem  discrepância  me  honrarão  com  o 
seu  voto. 

Penhorado  por  tamanha  distincção,  despertou-se-me  q 
desejo  de  ser  útil  aos  Januarenses. 

Nesse  intuito  dirigi-me  ao  honrado  negociante  da  Ja- 
nuaria o  meu  amigo  Sr.  Manoel  Caetano  de  Souza  e  Silva, 
l>edin<fo-lhe  noticias  circumstanciadas  sobre  a  natureza  e 
valor  do  commercio  que  se  faz  pelo  rio  S.  Francisco,  do  Porto 
do  Salgado  com  as  comarcas  limitrophes  da  província  da 
Bahia,  e  sobre  a  lotação  das  embarcações  empregadas  na- 
quello  trafego. 

As  informações  não  se  fizerão  esperar  c  me  vierão  os 
dados  estatísticos  mais  completos  e  satisfactorios  sobre  o 
commercio  das  canoas,  e  ajoujos  usados  no  caudaloso  São 
Francisco,  sobre  o  numero  approximado  dos  volumes  trans- 
portados, preço  dos  fretes,  etc. 

Confrontadas  estas  informações  com  a  interessante  der< 
rota  do  Sr.  Halfeld,  não  hesitei  em  aconselhar  o  meu  amigo 
Sr.  Souza  e  Silva  para  pôr-se  á  frente  da  idéa  da  naví^ção 
a  \'apor  no  rio  S.  Francisco,  do  Joazeiro  para  cima,  offe- 
recendo-me  para  auxilia-lo  com  a  experiência  que  tão  caro 
me  tem  custado  no  Mucury. 

Em  carta  de  15  de  julho  ultimo  o  raeu  amtgo  me  an- 
nuncia  que  aceitou  com  enthusiasmo  a  idéa  da  navegação  a 
vapor  no  S.  Francisco,  que  se  tem  entendido  a  respeito  eom 
os  negociantes  e  capitalistas  das  villas  ribeirinhas  na  pro- 
víncia da  Bahia,  que  todos  estão  adherindo  á  idéa  com  o 
mesmo  enthusiasmo.  O  Sr.  Souza  e  Silva  vem  ao  Rio  de 
Janeiro  tratar  desse  importante  objecto. 

Resta  que  antes  do  apparecimento  do  meu  amigo  algum 
magno  charlatão,  desses  que  sabem  ò  geito  para  conquistar 
as  boas  graças  da  corte,  não  obtenha  gorda  pitança  e  lai^^a 
subvenção,  a  pretexto  de  ter  sido  o  pai  da  idéa  e  o  descobridor 
da  navegarão  da  rio  S.  Francisco.  São  cousas  que  já  se  teem 
visto. 


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A  cmcULAR  DE  TIIEOPHILO  OTTONt  S^S 

A  praticabilidade  da  navegação  a  vapor  no  rio  das  Velhas 
c  para  niím  duvidosa ;  mas  na  extensão  de  mais  de  200  lé- 
guas, entre  o  municipio  do  Joazeiro  e  a  cachoeira  de  Pira- 
pora,  acima  da  barra  do  rio  das  Velhas,  o  S.  Francisco  com- 
porta vapores  de  maior  lotação  do  que  os  do  Ohio,  nos  Es- 
tados-Unidos. 

E  para  pequenos  vapores  lambem,  sem  nenhuma  obra 
hydraulica,  parece  que  é  adaptado  o  S.  Francisco  algumas 
dezenas  de  léguas,  desde  o  Pirapora  até  a  barra  do  rio  do 
Pará,  na  comarca  do  Pitanguy. 

E,  hoje  que  a  estrada  de  ferro  de  D,  Pedro  11  passou 
do  domínio  das  utopias  para  o  dos  factos,  hoje  que  todos  os 
espíritos  positivos  já  adniittem  que  o  cavallo  dynamico  nestes 
próximos  três  annos  terá  de  desalterar-se  nas  aguas  do  Pa- 
rahyba,  é  tempo  de  investigar  que  partido  podemos  tirar  das 
incalculáveis  riquezas  do  valle  do  rio  S.  Francisco, 

Um  ramal  do  braço  do  sul  da  estrada  de  ferro  de 
D.  Pedro  II  pôde  ir  facilmente  á  villa  de  Lavras  com  menos 
de  30  léguas. 

E  a  estrada  de  Lavras,  aproveitadas  algumas  dezenas 
de  léguas  de  navegação  do  Río-Grande,  franco  para  bons 
vapores  nessa  extensão,  é  a  estrada  de  todo  o  valle  do  rio 
S.  Francisco. 

O  2°  districto  eleitoral  de  Minas,  alongando-se  na  linha 
léste-oeste  da  cachoeira  das  Escadinhas,  no  Rio  Doce,  até  as 
contra  ver  tentes  do  Parnahyba,  tem  de  ser  envolvido  em  doce 
amplexo  pelos  dous  braços  que  a  razão  indica  para  a  estrada 
de  ferro  de  D.  Pedro  II. 

Antes  que  o  braço  do  sul  se  tenha  estendido  até  Lavras 
o  sibilar  da  locomotiva  terá  feito  decuplicar  a  actividade  e 
energia  dos  yankees  mineiros,  que  em  tão  poucos  annos  im- 
provisarão o  rico  municipio  da  Leopoldina. 

Quando  o  braço  do  norte  da  estrada  de  ferro  chegar  á 
Leo|x>ldina,  o  valle  do  Rio  Doce  começará  a  ser  devidamente 
apreciado.  Então  se  conhecerá  que  as  terras  que  alli  jazem 
incultas  teem  mais  valor  do  que  o  ouro  do  Congo,  de  Co- 
caes  e  da  Itabira. 

A  principal  necessidade  da  população  de  léste  do  2'  dis- 


J 


3,%  RKVtSTA    DO  ItnriTDTO  IIIBTOIUCO 

tricto  está  em  facilitar-se-lhe  os  meios  de  tirar  partido  das 
férteis  terras  do  Rio-Doce. 

Decrete-se  a  rede  futura  das  nossas  estradas  de  ferro 
ao  menos  em  relação  aos  valles  do  Parahyba,  Rio-Doce,  Rio- 
Grande  (cabeceiras)   e  S.  Francisco. 

Preparem-se  caminhos  ligeiros,  na  direcção  dos  ramaes 
que  devem  vir  entroncar-se  no  ramal  do  norte,  e  essa  vigo- 
rosa emigração,  que  deixa  os  municipios  de  Itabira  e  cir- 
cumvizinhos  para  vir  enriquecer  Itabapoana,  Campos  e  Ita- 
'  pemirim,  achará  perto  onde  empregue  mais  vantajosamente 
sua  actividade  e  seus  capitães. 

Escrevi  estes  últimos  periodos  na  intenção  de  demon- 
strar-vos  que  não  estou  alheio  a  algumas  ao  menos  das  prin- 
cipaes  necessidades  do  2"  districto. 

Se  obtiver  a  vossa  confiança,  de  antemão  appello  para 
as  camarás  municipaes,  afim  de  que,  na  forma  da  lei  de  sua 
creação,  me  auxiliem  com  as  indicações  convenientes,  na  cer- 
teza de  que  serão  por  mim  tomadas  na  mais  seria  consi- 
deração. 

Eu  sou  o  primeiro  a  reconhecer  que  no  2*  districto 
abundão  intelligencias  que  não  hão  de  deslustrar  no  parla- 
mento a  província  de  Minas. 

Sei  que  aos  veteranos  da  luta  politica  ahi  residentes  se 
associa  uma  brilhante  plêiade  de  jovens  lidadores,  cujas  as- 
pirações applaudo  sinceramente,  e  que,  partidista  como  sou 
da  eleição  do  campanário,  não  posso  estranhar  que  me  sejão 
antepostos. 

Conheço  mesmo  que  nestes  casos  ha  impossibilidades 
moraes,  que  acato  devidamente,  porque  venero  a  religião  da 
palavra. 

Resumamos,  pois: 

Expuz  sem  restricção  mental  minhas  opiniões  sobre 
questões  da  maior  transcendência. 

Disse  claramente  o  que  quero  e  para  onde  vou. 

Declarei  estar  em  disponibilidade  e  mesmo  desejoso  de 
entrar  no  serviço  activo  da  politica. 

^  (atta,  Srs.  eleitores,  ficareis  sabendo 
I  quaes  posso  ter  a  honra  de 
'  latlvo  por  vossa  parte. 

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A  CIRCULAR  DE  TIIEOriULO  OtTONI  38? 

Portanto,  se  entenderdes  que  com  as  idéas  que  expendi 
eu  posso,  na  camará  dos  deputados,  ser  de  alguma  utilidade 
á  nossa  pátria; 

E  se  em  vosso  espirito  ainda  não  está  fixado  irrevoga- 
velmente o  voto  que  tendes  de  levar  ás  urnas: 

Aceitarei  agradecido  um  logar  entre  os  mandatários  do 
z"  districto  eleitoral  de  Minas-Geraes. 

Vosso  dedicado  comprovinciano 

O  ex-deputado  Theophiivo  Benedicto  Ottoni, 

Rio  de  Janeiro,  19  de  setembro  de  1860.         ' 


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ENTRE  OS  BOROROÍ 


(TRàCUCÇXO  do  CAP.  XVll  DA  OBRA.  "  ONTER  Dl 
ZENTRAL-BRASILIENS »  DO  DR.  KARL  TON 


Professor  Basílio  de  Magalh 


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ENTRE  OS  BORORÓS 


-PAETE  HISTÓRICA  — FUNDAÇÃO  DAS 
COLÓNIAS  (i) 


Borõro  di  Campanhi  < 


Distinguem-se  em  Mato-Grosso  dons  grupos  de  Bororós, 
os  Bororós  da  Campanha  ou  da  planice  e  os  Borôros-Caba- 
çáes  ou  do  rio  Cabaçal.  Os  Bororós  da  Campanha  vivem  em 
pequenos  aldeiamentos  abaixo  de  Villa-Maria,  á  margem  di- 
reita do  Paraguai  e  Jaurú,  para  o  lado  da  Bolívia ;  os  Bororós 
do  Cabaçal  não  longe  daquelleSj  ao  Norte,  nas  margens  e  nas 


(i)  o  que  M  v*l  ler  f  o  cap.  XVII  dl  obrm  ( Untct  den  NstnrTÔIksro 
Zcntral-Smilieni  >  (Bertim,  1894)  do  dr.  Karl  von  den  Steinan.  Achate 
>11i  de  pigs.  441  B  51S,  sob  a  eplgraphe  ■  Zu  dm  BorotA».  Tendo  eu  pla- 
nejado um  trabalho  ifibrc  ■  Intereasante  trihu  inattO'KroiHn>e.  com  tf»  re- 
pre^cntantei  da  qual  um  aca&o  feliE  pic  puzera  cm  contacto  por  1909,  nfio 
podia  prescindir  d«a  curiosa  ■  a  tidedlgnas  informacSes,  conitantci  do  forte 
volume  publicado  pelo  operoao  eiplorador  germânico.  Maa  o*  meuB  conhe- 
cimento! da  língua  allemi  nto  eram  Ho  complelo),  que  me  poiíibilitasiem 
evitar  quaesquer  enganoi  em  termos  technicos,  de  que  nSo  haviam  cogilado 
01  leiicographoi,  Aulm,  o  receio  de  totnar-me  <  iraditorc  *,  que  nlo  <  Ira- 
dutlorea,  mo  levou  a  procurar  □  auxilio  do  erudito  profciaor  ir.  Tlieodot 
Vahn.  cuj(9  venerandas  cSa  >e  contam  como  outros  tantos  Eervli;o9  prettados 
ao  enaino  am  Campinas.  Devo  atfirmar,  em  homenagem  ao  meu  hondoto 
amigo,  que  ■  UaducQio  toÍ  em  grande  parte  (eita  por  elle,  cabende-me  prín- 
cifiatmente  a  Mnna  definitiva,  em  que  ella  te  vasou,  Accreaccntei  uma  ou 
outra  noia  e  aupprlmi  Iodai  ■■  remlisSes,  que  poderiam  antei  perturbar  que 
facilitar  a    leitura.    Dai    «tampas,   apenas   *e   coniervou   o   quadro   de   arcos   e 

ia  armas  doa  Botíto».  Como  o  btilhante  i*  Congreíso  d*  Historia  Nacional 
approvou  a  lembrança  de  le  vertet  para  o  nosso  idioma,  além  doa  eacriptoi 
de  outros  aabios  teutaes,  a  acima  citada  obra  de  von  den  Steinen, — Julgvcl- 
do  meu  dever  oftcriar  ao  no»o  benemérito  Inatituto  o  preaenle  trabalho,  que 
cxali  sirva   de  estimulo  ao*  maia  competentes  do  que  eo. — Baailio  de  Ma- 


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393  RBVISTA  DO  INBTITUTO  UISTORICÚ 

cabeceiras  do  rio  desse  nome  e  do  Jaurú,  ambos  os  quaeS 
desemboccam  no  lado  direito  do  alto  Paraguai,  aquelle  juncto 
a  Villa-Maria  e  este  um  pouco  mais  ao  Sul. 

Estes  Bororós  não  raras  vezes  foram  visitados  por  via- 
jantes: em  1827  entraram  em  contacto  com  a  expedição 
Langsdorff ;  no  mesmo  anno,  o  naturalista  austríaco  Natterer 
obteve  entre  ellcs  uma  rica  coUecção,  que  hoje  se  acha  no 
Museu  Imperial  de  \'Íenna ;  o  conde  Castebiau  e  seu  com- 
panheiro Weddell,  que  de  1845  a  1846,  em  sua  celebre  tra- 
vessia pela  America  do  Sul,  estanciaram  em  Mato-Grosso, 
deixaram-nos  um  pequeno  vocabulário;  o  engenheiro  Rodolfo 
Waehneldt  dá  uma  intuitiva  descripção  de  taes  Índios  na 
Revista  Trimensal  do  Instituto  Histórico,  t.  27,  do  anno  de 
1863;  e,  finalmente,  o  coUeccíonador  Ricardo  Rohde,  que, 
por  1883-1884,  em  commíssão  ethnographíca  do  Museu  ber- 
línense,  viajou  na  parte  meridional  de  Mato-Grosso,  inseriu 
alguns  dados  no  caderno  n.  i  das  «  Communicaçõcs  originaes 
da  secção  ethnoli^ica  dos  reacs  museus  de  Berlim»  (1885). 

Estes  Bororós  da  Campanha  e  do  Cabaçal  são  tidos  como 
restos  de  uma  tribu  poderosa,  que  occupava  a  região  entre  o 
rio  Paraguai  e  o  rio  Cuiabá,  vivia  em  lucta  acirrada  com 
os  colonos,  sobretudo  perturbando  sensivelmente  o  commercío 
entre  Cuiabá  e  Villa-Maria  e  Mato-Grosso,  e  se  repartia 
em  numerosas  e  hoje  já  destruídas  sub-tribus. 

Por  João  Pereira  Leite,  abastado  fazendeiro  das  vizi- 
nhanças de  Villa-Maria,  o  qual  durante  seis  annos  pelejou 
com  elles,  matando  450  e  aprisionando  50,  os  Bororós  da 
Campanha,  no  segundo  decennio  do  nosso  século,  foram  pela 
primeira  vez  pacificados  e  em  parte  baptizados  (2).  Os  Bo- 
rorós do  Cabaçal,  os  ordinariamente  mencionados,  só  era 
1842  é  que  foram  estabelecidos  no  Jaurú,  «  por  suave  per- 
suasão e  presentes»,  pelo  vigário  de  Mato-Grosso,  José  da 
Santa  Fraga;  mostraram-se,  porém,  muito  rebeldes  aos  tra- 
balhos ruraes,  plantaram  só  um  pouco  de  arroz„  batatas  e 
bananas,  e  preferiram  a!ímentar-se  principalmente  da  caça, 
obtida  por  meio  de  arco  e  flecha.   Hoje,  á  margem  direita 


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EN-TBE  08  BOBflROa  393 

do  Paraguai,  são  os  Bororós  uma  decaída  e  miserável  com- 
munhão.  Não  puderam  supportar  a  civilização  por  meio  de 
syphilis  e  cachaça. 

De  outros  Bororós  nos  fala  a  historia  da  colonização  da 
provinda,  já  nas  suas  mais  remotas  epochas.  Em  1743,  António 
Pires  saiu  com  um  bando  de  Paulistas  c  500  Bororós  alliados. 
para  siibmcttcr  os  Caiapós  na  parte  sul  da  província,  fez 
também  mais  de  1.000  prisioneiros,  estabeleceu  algiuis  postos 
militares  c  deixou  alli  «uma  guarnição  de  Bororós»    (3). 

Todos  estes  Bororós  saíram  originariamente  da  região  do 
rio  S.  Lourenço;  da  sua  parte  baixa  estes  caçadores  nómades 
extenderam-se  pela  zona  sita  entre  elle  e  o  seu  affluente,  o 
Cuiabá,  como  também  pela  margem  direita  do  Paraguai, 
que  fica  defronte  da  sua  foz;  ao  passo  que',  depois,  tendo  saldo 
da  parte  alta  do  S.  Lourenço,  se  estabeleceram  a  Esle  e 
Sudeste  da  província,  nas  cabeceiras  do  Araguaia,  nas  con- 
travertentes  do  S.  Lourenço,  como  vizinhos  e  inimigos  dos 
não  menos  fortes  Caiapós. 

E'  difficil  comprehender  por  que  razão,  a  respeito  dos 
Bororós,  existia  a  maior  confusão  de  idcas,  tanto  entre  os 
próprios  Mato-grossenses,  como  na  literatura.  Diz-nos  Cas- 
telnau  que  os  Bororós  do  Cabaçal  eram  também  chamados 
tPornidos»;  mas  «o  nome  velho  do  rio  S.  Lourenço,  que 
ainda  hoje  elle  conserva  na  parte  alta»,  como  ensina  o  geo- 
grapho  Melgaço  {Rei:  Tr.,  t.  47,  pags.  459),  é  «rio  dos 
Porrudos  »   (4) . 

Os  Índios  do  S.  Lourenço  são  hoje  chamados  Coroados, 
—  o  que  provoca  confusões.  Coroados  podeuamos  também 
chamar  aos  Índios  do  Xíngú;  Coroados  havia,  antes  de  tudo, 
na  bacia  do  Paraná,  e  ainda  outros  no  rio  Xipotó,  na  divisa 


(3)  Refcrt 

K    0   A.    « 

9  de 

Campos. 

Kão   meneioo 

a,   entre- 

t.nto,    os    Bor 

Õros   do    Ri< 

)   das    Oraçis, 

oa    quaes    forai 

n    pacifi. 

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em    iSçr 

pelo    benemeri 

to    Cândido 

Mariano    da 

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Rondon, 

hoje    c 

loronel 

•nlío    servia    i 

lob    >s    ordei 

n»    d«    Gomes 

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cotiilruccio    das    ILnba» 

teleKraphicai  d 

le   Matlo-Grc 

liSo.    Os  Borói 

-os  do  5.    Loui 

-am  pacificado! 

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vCTcSo   de   Ros».   a   *  Rot£ 

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0   híbito   desie   enfeite,    egual    ( 

1    Brasil, 

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por  todl  p»rte 

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que  0 

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diiia 

a  íente. 

lorâm  aqui  pn 

(NoW  do  A.).: 

i'"-  ,  _ 

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394  .  hEVISTA  DO  INSTITUTO  BMTORICO 

das  províncias  de  Mínas-Geraes  e  Rio  de  Janeiro,  tribus  que 
são  de  todo  differentes  pela  origem  e  linguagem,  e  diversas 
dos  Coroados  de  Mato-Grosso. 

Em  Cuiabá,  os  Coroados,  a  nossa  chegada,  eram  objecto 
de  interesse  geral.  Depois  de  terem  passado  como  os  mais 
ferozes  inimigos  da  povoação  rural,  em  toda  a  região  entre 
o  rio  Cuiabá  e  o  S,  Lourenço  até  ás  fronteiras  de  Goiaz, 
foram  finalmente  pacificados  e  estabelecidos,  em  1886,  em 
duas  colónias  militares  sitas  si.  margem  do  S,  Lourenço,  graças 
aos  exforços  do  presidente  Galdino  Pimentel  (5). 

Mas,  nem  todas  as  crueldades,  que  correm  por  conta  dos 
Coroados,  foram  commettidas  por  elles.  Têm  sido  elles,  a 
tal  propósito,  confundidos  com  os  Caiapós,  que  ao  Nordeste 
de  Cuiabá  fizeram  invasões  de  rapina.  Também  na  capital 
ninguém  sabia  que  os  temidos  Coroados  não  eram  mais  do 
que  ermãos  de  tribu  dos  mesmos  Bororós,  os  quaes  desde 
muito  tempo  viviam  em  differentes  aldeiamentos,  ao  lado 
direito  do  Paraguai,  em  relações  i>acificas,  bem  que  em  estado 
de  accentuada  decadência.  Antes  do  meiado  do  século  XVIII, 
já  eram  alliados  do  fundador  de  Cuiabá,  António  Pires,  e 
foram  empregados  por  elle  como  soldados  de  guarnição. 

Eu  fiquei  bem  admirado,  quando  Atahualpa,  um  dos 
Coroados  que  foram  conduzidos  para  a  capital  afim  de  re- 
ceber o  baptismo,  me  informou  de  que  elles  se  denominavam 
a  si  mesmos  Bororós. 

Deste  modo,  cheguei  também  a  decifrar  logo  outro 
enigma,  que  me  offereceu  a  conversação  com  Atahualpa.  Eu 
tinha  acabado  de  ler  um  relatório  sobre  alguns  Coroados 
que,  em  1859,  foram  levados  presos  para  Cuiabá  {duas  rapa- 
rigas e  um  rapaz),  no  livro  de  Joaquim  Ferreira  Moutinho, 
Noticia  da  Provinda  de  Matto  Grosso  (S,  Paulo,  1869, 
pags.  425  e  segs.),  onde  achei  um  vocabulário  (pags.  192),' 
que  então  tractei  de  comparar  com  os  meus  próprios  aponta- 
mentos. Com  grande  admiração  minha,  não  concordava  nada, 
mas  nada.  O  auctor  tinha  colhido  as  palavras  de  um  rapaz 
Coroado  de  Cuiabá,  com  o  nome  de  Sebastião  e  que  lhe 
havia  contado  historias  commoventes.  «Vamos  dar  algumas 

(;)  A  pcetidtncta  d*  Jeaquin  Galdino  Pimentel  eitendeu-Be  de  5  d«  Ko- 
vembro  de  iSSj  a  9  de  Ociembro  de  IÍU  (NoM  de  B.  de  it.)x 


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BNTRB  08  BORÚROa  39j 

palavras  que  aprendemos  delle»,  e  segucm-sc  52  palavras 
eopiadas  do  glossário  de  Martius,  pags.  195  e  segs.,  e  ori- 
undas infelizmente  dos  Coroados  do  bem  distante  rio  Xipotó, 
nas  fronteiras  do  Rio  de  Janeiro,  os  quaes  tão  pouco  com  os 
Coroados  do  Paraná  e  os  Coroados  de  Mato-Grosso  nada 
mais  têm  de  commum  do  que  o  infeliz  nome  porti^ez  t  Sem 
o  nome,  esta  deplorável  confissão  não  se  tornara  possível  (6). 
Ingenuamente,  Moutinho  não  aproveitou  a  occasiáo  de  infor- 
mar-se  melhor,  quando  visitou  a  aldeia  da  sub-tribu  do  rio 
Cabaça!,  chamada  com  razão  Bororós,  mas  não  Coroados. 
Nessa  visita,  que  descreve  a  pags.  169  e  segs.,  deveria  elle 
ter  observado  que  os  indios  falavam  um  dialecto  da  língua 
do  pequeno  e  piedoso  Sebastião.  Consultou  outra  vez  o  seu 
Martius,  e  alli,  a  pags.  14,  achou  os  Bororós  e  copiou  40  pa- 
lavras, que  eífectivamente  pertencem  aos  Bororós  do  Cabaçal. 
Também  aqui  podemos  descobrir  o  infortúnio  da  sua  fonte. 
Pois  as  palavras  notadas  pela  expedição  Castelnau  não  têm, 
infelizmente,  o  character  portuguez,  e  sim  o  franceZ,  em  que 
os  diphthongos  têm  uma  pronuncia  de  todo  diversa  da  dos 
portuguezes  e  concordam  de  um  modo  tal,  como  podem  con- 
cordar duas  notas  differentes. 

Um  dos  poucos  que  suppuzeram,  com  razão,  como  mais 
tarde  verifiquei,  a  identidade  dos  Coroados  com  os  Bororós, 
foi  o  barão  de  Melgaço  (7),  tão  hábil  presidente  (pela  pri- 
meira vez,  em  1851)  (8),  como  gcographo  de  Mato-Grosso. 
«Os  Coroados  vagueiam  na  região  das  cabeceiras  do  S,  Lou- 


(6)  Conl.  Moulhitig:  — íMosliimos  um  dia  o 

céu  no  pequeno   SehíStiSo. 

Elle,  Ixanunda  aa  miai  <m  >ÍKn*l  da  venencío,  tt 

ttupane»  1   (N-    B.   palavra  tupi,  que  qu(r  diíer  <i 

irovSo»,  peloí  miícionarioa 

lhe    0    10!.  — e    elle    di>»: 

ai    a   «lol»,    Inclinando   a 

CEbew  tm  (igual   de  «.peito..    Nenhum   rapai  C  .1 

oado  conheceu  u  paUir» 

€  lupans  *  e  <  obé  >,  c  ainda  menos  jamaii  um  de11< 

rs  teve  aquella  deTo.;tci  lio 

es    anecdoti*    ifo    lomadai 

auelor,    na   lua    i(norancia,    nlo   tem    idéa   da    grand 

lisiinia    necedade,    que   com 

bom   intuito  ofierece   (Noia  do   A.V 

(7)  «Bev.  Tr.  >.  (.  *},  page.  396.  O  barfio  de  Melgaço  tinha  o  nott 
buriuei  d*  Auguito  Levatger,  de  origem  Iranceia  (Nota  do  A.). 

(S)  Augusto  Leverger.  depois  batio  de  UelgaQo,  presidiu  por  trei  veii 
■  província  de  Mato-Groiio:  de  11  de  Fevereiro  de  1851  a  >S  de  Pevereii 
4*  iSlS.  da  IJ  de  Feiertlrti  da  18M  a  a  da  Fevereiro  d*  1I1Í7  c  de  aí  t 
Uaio  de    ■8e9  a   ■'   de   Outubro   de    1970    tNol*  de  B.   da   M-). 


yCoOglC 


396  ttensTA  do  iHsrmiTú  oistorico 

renço;  nada  têm  de  commuin  com  os  da  bacia  do  Paraná; 
supponho  que  sejam  Bororós».  Elle  apenas  os  julgou  ex- 
tinctos. 

Devido  á  confusão  que  reina  no  próprio  paíz,  não  po- 
demos extranhar  que  Martius  tenha  tido  concepções  erróneas 
a  respeito  dos  Bororós.  Tracta  delles  entre  os  Tupis  cen- 
traes  (9) ;  duvida,  porém,  e  com  razão,  que  representem  uma 
tribu  tupi,  mas  torna-se  então  victima  de  idéas  singulares 
que  dominaram  outrora  sobre  a  composição  de  tribus  Índias 
e  que  melhor  se  externam  pela  sua  expressão  predilecta 
«colluvies  gentium».  —  <E'  possível  que  em  Bororós  se 
comprehendam  geralmente  Índios  inimigos,  sem  determinação 
certa  de  nome,  e  até  talvez  uma  c  colluvies  gentium  >,  que. 
sem  nacionalidade  characteristica  e  conservada,  em  língua,  cos- 
tumes e  apparencia  physica,  dividida  em  pequenos  bandos  e 
sem  morada  fixa,  vagou  roubando  e  matando,  Taes  hordas 
salteadoras  talvez  tenham  tido  por  fundadores  indivíduos  de 
origem  tupi.  Mas,  tendo-se  alliado  com  elles  outros  índios, 
transformaram  a  sua  língua  em  uma  gíria  de  ladrões  (!)  ». 
Cazal  {Chorographia  Brasílica,  pags.  302)  menciona  duas 
tribus  bororós:  os  Coroados  e  os  Barbados.  «Os  primeiros 
não  são  navegadores,  mas  sim  caçadores  nómades,  que,  diz-se, 
vagam  ao  Sul  e  Sudoeste  da  cidade  de  Cuiabá,  em  ermos 
inaccessiveis,  nas  nascentes  do  rio  S,  Lourenço  e  do  rio 
das  Mortes,  tributário  do  Araguaia». — Estas  indicações  de 
Cazal  são  completamente  exactas',  e  também  clle  considerou 
os  Coroados  como  Bororós,  «Entre  os  Barbados,  continua 
Martius,  deviam  talvez  estar  comprehendidos  os  Guatos: 
elles  atacaram  de  vez  em  quando  as  bandeiras  que  iam  de 
Goiaz  para  Cuiabá  e  extenderam  os  seus  assaltos  até  Diaman- 
tino. Mas  os  Guatós  nunca  chegaram  a  essas  regiões,  e  vivem 
ainda  hoje  como  nómades  de  agua,  na  região  do  alto  Paraguai ; 
aquelles  Barbados  provavelmente  eram  Caiapós  ou  talvez 
Bororós  » . 

Naturalmente  explica  Martius  o  nome  «Borõro»  pela 
língua  geral,  ou  como  <  guerreiros  inimigos  »,  no  entender  dos 
vizinhos,  ou  como  «  donos  da  terra  >,  na  sua  própria  accepção. 

(9)  c  ConIrjbuitScs  para  a  Elhnosraphia  amtricuii»,  fie*.  »9  k  •*(■■•  C 

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ENTRE  OS  BORORÓS  397 

Os  Bororós,  porém,  não  sabem  nada  da  lingua  geral,  e  elles 
mesmos  chatnam-se  assim. 

Abstrahindo  agora  do  nome  « Coroado »,  vou  relatar 
alguma  cousa  sobre  a  tal  chamada  catechese  ou  conversão 
dessa  tríbu  boróro,  —  a  qual  foi  durante  longos  annos  dese- 
jada em  vão,  e  que  não  pôde  ser  bem  succedida,  porque  as 
tentativas  foram  feitas  ineptamente.  Como  ponto  de  apoio, 
serviu  uma  colónia  militar  á  margem  do  S.  Lourenço,  que 
foi  estabelecida  no  fim  do  f  decennio  (1875-1880)  pelo 
major  J.  Lopes  da  Costa  Moreira. 

Em  1878,  o  capitão  Alexandre  Bueno  formou  uma  expe- 
dição de  70  índios  Terenas,  —  tribu  pertencente  ao  grupo  dos 
Guanús,  —  cpara  expulsar  os  Bororós».  Tinha  elle,  conforme 
me  asseguraram,  a  incumbência  secreta  de  matar  a  tiro  quantos 
pudesse,  e  o  êxito  foi-lhe  de  tal  modo  favorável,  que  pôde 
exhibir  ao  presidente  um  sacco  cheio  de  orelhas.  De  vivos, 
apenas  trouxe  duas  mulheres  e  duas  creanças. 

No  dia  9  de  Outubro  de  1880,  os  Bororós  atacaram  a 
fazencfa  de  José  Martins  de  Figueiredo,  no  Bananal  (rio 
Cuiabá),  matando  diversas  pessoas.  Apparelharam-se,  por 
issd,  ao  mesmo  tempo,  várias  expedições  contra  elles.  Foi 
commandante  de  uma  delias  o  alferes  António  José  Duarte; 
accommetteu  este,  sem  vantagem,  uma  aldeia,  aprisionando 
cinco  mulheres  e  12  crianças.  Mais  não  se  alcançou.  Dizem 
que  nos  annos  de  1875-1880  os  Bororós  incendiaram  43  casas, 
mataram  204  pessoas  (134  homens,  46  mulheres,  17  crianças, 
septe  escravos)  e  feriram  27  pessoas  (11  homens,  seis  mu- 
lheres, trez  crianças,  septe  escravos).  Quantos  Bororós  foram 
niortoá,  —  não  se  conta.  Não  lia  dúvida  que  a  matança  era  re- 
ciproca. Notou-se  geralmente  que  os  indígenas  mostraram 
grande  tenacidade  na  satisfacção  dos  seus  planos  de  vingança. 
Um  Brasileiro,  que  de  modo  cruel  lhes  matara  duas  crianças,  ■ 
foi  systematícamente  perseguido  durante  quatro  annos,  até 
que  finalmente  o  aprisionaram  e  despedaçaram,  como  merecia. 
Nos  seus  ataques  usavam  de  toda  a  previdência,  espionando 
durante  dias  e  semanas,  até  offerecer-se  a  occasião  de  estarem 
poucas  pessoas  no  sitio.  Viajantes  escoteiros,  elles  os  deixavam 
escapar;  acontecia,  porém,  si  queriam  estabelecer  a  sua  pou- 


lyCoogle 


398  REVISTA  DO  INSTITUTO  mSTOMCO 

sada,  de  noite,  serem  impedidos  por  gritos  que  saiam  do 
mato :  —  «vá  embora  ! »  Não  viam  ninguém :  mas,  caso  não 
obedecessem,  podiam  esperar  uma  flechada.  Em  Fevereiro 
de  1881,  foram  mortos  pelos  Bororós,  na  Forquilha,  a  10 
léguas  de  Cuiabá,  dous  homens  e  septe  crianças  e  penetraram 
aquelles  Índios  até  Urubu,  perto  da  fábrica  de  pólvora,  a 
cinco  léguas  da  capital. 

O  alferes  António  José  Duarte,  que  já  mencionei,  al- 
cançou finalmente  a  feliz  modificação  desse  estado  insuppor- 
tavel.  Fez  voltar  com  ricos  presentes  mulheres  aprisionadas, 
e  prometteu  mais  regalos,  si  os  homens  se  approximassem ; 
e  desse  modo  se  obteve  felizmente  a  conciliação.  Em  Janeiro 
tle  1887  elle  levou  para  Cuiabá  cerca  de  400  Bororós.  Havia 
de  apresentar-se  então  um  singular  movimento  nas  ruas  da 
cidade.  O  que  mais  agradou  foram  as  crianças,  que  se  mos- 
traram muito  selvagens  e  foram  comparadas  a  pequenos 
jaguares,  «somente  unha  c  dente»;  as  mulheres  saltavam  as 
cercas  dos  jardins  e  trepavam,  conforme  o  seu  costume,  nas 
arvores  para  apanhar  fructos. 

A  provincia  exultou  de  contentamento.  Avaliaram-se  os 
Índios,  com  a  acostumada  exaggeração,  em  lO.cxx)  almas,  e 
imaginaram-se  estes  10.000  indivíduos  como  trabalhadores 
ruraes  e  de  engenho.  O  Governo  immediatamente  poz  á  dis- 
posição da  catechese  70  contos  de  réis,  e  a  burguezia  con- 
tribuiu voluntariantente  com  3  contos  de  réis,  o  que  tudo 
junctO,  naquelle  tempo,  importava  em  140.000  marcos. 

As  despesas,  dentro  em  pouco,  subiram  a  118  contos  de 
réis. 

Os  Índios  foram  estabelecidos  em  duas  colónias :  uma,  na 
confluência  do  Prata  com  o  S .  Lourenço,  foi  chamada  <  Te- 
resa-Christina  »,  do  nome  da  imperatriz ;  a  outra,  na  foz  do 
Piquiri  com  o  S .  Lourenço,  foi  chamada  «  Isabel »,  do  nome 
da  princeza  imperial,  esposa  do  conde  d'Eu.  O  presidente 
também  fundou  um  «CoIIegio  de  N.  S.  da  Conceição»,  para 
educação  dos  filhos  dos  indíos,  —  um  collegio  que  nunca  teve 
alumnos. 

Toda  aquelta  gente  foi  solenncmente  baptizada  pelo 
bispo,  sendo  padrinhos  o  então  presidente  dr.  Álvaro  Mar* 


,dbyGoogle 


ENTRE  09  BORArOS  JQQ 

condes  (lo)  e  sua  esposa:  o  cacique  Moguiocúri,  de  quem 
adeante  falaremos,  —  magnifica  figura  indígena,  com  ef feito, 
—  com  i",90  de  altura,  e,  apesar  de  alguma  brutalidade,  um 
bondoso  typo,  —  recebeu  o  nome  de  Álvaro.  O  seu  christia- 
nismo',  porém,  limitoií-se  á  lembrança  desse  nome  por  alguns 
dias. 

«  Moguiocúri,  —  assim  se  expressou  o  Jornal  do  Com- 
tnercio,  em  uma  carta  de  Cuiabá  — ,  parece  inteiramente  iden- 
tificado com  a  questão  da  civilização  de  sua  tribu ;  frequenta 
assiduamente  o  palácio  para  visitar  o  presidente  e  offerecer- 
Ihe  presentes;  mostra  a  maior  sympatliia  para  com  elle,  e  o 
chama  de  padrinho,  beijando-lhe  a  mão,  sempre  que  o  vê. 
Todas  as  vezes  que  encqntra  o  presidente,  manifesta  a  sua 
alegria  com  muitas  risadas  e  repetidos  abraços.  > 

Difficile  est  saliram  iion  scribere.  E'  mesmo  muito  dif- 
ficil.  O  bom  do  Moguiocúri  certamente  tinha  a  melhor  in- 
tenção, conforme  o  seu  raciocinio  &  enquanto  não  lhe  faltaram 
presentes.  O  Índio,  o  official,  o  fornecedor,  cada  qual  quiz 
enriquecer  á  vontade,  —  eis  o  que  foi  a  catechese.  O  governo 
fornecia  os  meios  a  mancheias,  ^  o  que  .se  conseguiu  foi 
única  e  simplesmente  quç  as  inimizades,  de  que  ambas  as 
partes  estavam  egualmente  animadas,  cessassem,  O  christia- 
nismo,  o  habito  de  trabalhar,  o  ensino  da  juventude,  —  a 
minha  penna  recusa-se  a  escrever  essas  bonitas  palavras.  O 
dinheiro  destinado  aos  Índios  serviu  só,  com  certeza,  para 
acabar  com  esta  magnifica  materia-prima  humana.  O  alferes 
Duarte,  director  de  Teresa-Christína,  era  ef fectivamente,  como 
disseram  os  Cuiabanos,  « o  deus  dos  Coroados  * ;  dava-lhes 
tudo  o  que  pediam,  e  tomou-os  mansos  por  meio  desse  me- 
thodo  simples,  que  não  lhe  custava  nada,  e  pelo  qual  deixava 
ganhar  os  negociantes,  conforme  os  conhecidos  systemas  de 
calculo . 

O  numero  dos  Índios,  aos  quaes  o  Estado  paga  por  cabeça, 
é  naturalmente  indicado  como  muito  grande,  e  a  isso  ajuncla- 
se  o  considerável  ganho  que  o  ofíicial  percebe  do  soldado 
raso,  o  qual  é  obrigado  a  comprar  delle  ou  do  fornecedor  por 


(lo)  o  dr.  Álvaro  Sodovalho  Harcondet  doa  Seit-  pruldiu  a  provincia 
d«  Maio-Crosio  de  g  de  Ouembro  de  1886  a  iC  de  NoTcmbio  de  1BS7  (Nota 
de  B.   de  M.). 


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400  REVISTA  DO  INSTITUTO  UISTORICO 

elle  contractado.  Não  só  os  géneros  fornecidos  pela  cidade 
ou  pelas  fazendas  ao  longo  do  caminVio  para  a  colónia  eram 
na  colónia  mais  caros  para  o  pobre  soldado  do  que  na  cidade 
para  o  burguez ;  a  farinha,  o  feijão,  o  toucinho  custavam  o 
■   dobro  1 

Tomei  nota  dos  seguintes  preços  (1.000  réis  egual  a  dou3 
marcos) : 

1  litro  de  farinha 

I  litro  de  arroz 

I  litro  de  feijão ■.   , 

I  kilo  de  toucinho 

I  litro  de  sal 

I  maço  de  phosphoros  .... 
I  garrafa  de  aguardente  .  .  . 
I  cálice  de  aguardente  .... 
I  kilo  de  carne  verde     .... 

I  kilo  de  carne  secca 

I  arroba   de   carne   secca .    .    ,    .    .(11)  3$000 

I  kilo  de  matte ,   . 

I  rapadura 

O  soldado  recebia  600  réis  tfc  etapa  diária,  o  que,  devido 
áquelles  preços,  era  pouco  para  elle  e  sua  companheira.  De 
soldo  recebia  mensalmente  5.000  réis,  além  de  5.000  réis 
de  gratificação. 

«Eu  bem  sei,  —  disse  um  dos  presidentes,  —  que  Duarte 
descobriu  uma  Califórnia».  Mas  também  o  presidente  não 
IKxIia  modificar  cousa  alguma.  Logo  que  adquire  unia  certa 
orientação,  tem  que  deixar  o  seu  posto,  e,  quanto  mais  queira 
oppor-se  á  administração  ruim,  tanto  mais  rapidamente  vem 
a  sua  substituição,  porque  todos  os  que  com  isso  ganham  são 
seus  inimigos.  Não  vale  a  pena  entrar  na  questão  principal, — 
si  o  soldado  brasileiro,  inclusive  o  bom  e  honesto,  é  capaz  de 
resolver  a  certamente  não  fácil  tarefa  de  fazer  que  os  índios 
sejam  um  elemento  util  da  collectividade. 

As  paginas  seguintes  hão  de  niostrar-nos  isso. 


Cid.de 

Colónia 

$100 

$200  ! 

$160 

$300! 

$160 

$300  ! 

$Soo 

i$500  ! 

$200 

$500! 

$320 

$800  ! 

$400 

2$ooo  ! 

$080 

$250! 

$200 

$200 

$400 

$500 

)  3$ooo 

8$ooo 

$400 

I$OO0  1 

$120 

$250  ! 

citado  (Nota  de  B.  de  M.). 


,dbyG00gle 


U..— QUADROS  DA  CATECHESE    : 

Ao  S.  IiOurcufo  (Primeiro  enconlro  com  oi  biptiudos  de  CuUU.  VUgcm). 
Os  habitantes  (Clemenlt)  e  a  siluacio  da  colónia.  Vectuario  Í  europ^. 
Uodo  de  cultiTar  o  campo.  Ai  nouas  impreasJtaa .  Briga  e  Ineta  fsniiiiiia 
(Maiia).  Dislrihuiçlo  de  carne.  LamenUçõa  noctnrnaa.  Orofio  da  Urde. 
Escândalo  com  Arateba.  Sexta-lcira  da  Paíxio.  LamcnUcão  pelo*  morto*. 
Sabbado  da  Alleluia  <judai).  <Caiap6ii.  Ameafa  de  destruiçlo  da  coloni». 
<  Eichoia  >.  Os  ermios  ÍDimigos.  Diicipliiu.  Chegada  de  Doirtc.  « Vo* 
luntuioa   da    Pátria  >.    Almoso   e   secenala. 

Ao  S.  LousçNço. — Já  em  Julho  de  1887  podíamos 
examinar  os  primeiros  Bororós;  Duarte  havia  trazido  al- 
guns, para  que  fossem  baptizados.  De  outros  tomámos  co- 
nhecimento no  principio  de  Março  de  1888.  Estavam  des- 
calços, porém  no  mais  vestidos  ái  bui^eza,  e  traziam  ao 
pescoço  um  cordão  com  um  papel  verde  do  tamanho  de  um 
cartão  de  visita,  que  encerrava  o  seu  novo  nome:  Atahu- 
alpa,  Montezuma,  José  Domingos,  etc.  José  Domingos 
tossia  fortemente;  disseram-me  que  se  havia  constipado  no 
acto  do  baptismo.  Debaixo  do  vestuário  traziam  todos  o 
seu  habitual  cartucho  de  palha;  logo  que  se  achavam  fora 
dos  muros  da  cidade,  despojavam-se  de  tudo,  embrulhavam 
as  preciosidades,  e  ficavam  somente,  por  poucos  dias,  com 
o  seu  cartão  verde  ao  pescoço,  —  como  lembrança  da  con- 
versão. 

Eram  rapazes  altos  e  corpulentos,  com  testas  salientes, 
sem  sobrancelhas  e  pestanas.  Mostraram  grande  contenta- 
mento pelas  cousas  boas  de  Cuiabá,  onde  foram  tractados  com 
excessivo  carinho,  sendo  somente  de  notar  que  lhes  deram 
bebidas  alcoólicas,  em  logar  de  guloseimas  doces.  A  sua  prin- 
cipal al^ia  era  o  ckapéu-claqite  de  Guilherme ;  saudaram-no 
á  maneira  de  urros  de  urso,  com  risadas  de  A«,  A«,  e  batiam 
no  hombro  de  Guilherme,  em  signal  de  applauso.  Em  nossa 
casa  queriam  sempre  beber  c  comer,  mandioca  ou  tapira  (que 


Croogie 


403  ^REVISTA  DO  INSTITUTO  BISTOIUCO 

significa  carne  de  vacca  e  não  tapir)  (12),  ou  então  dormir 
pu  enfeitar-se.  Em  toda  parte  achavam  amigos;  e  quando, 
juDcto  a  nós,  estavam  á  porta  da  rua,  cada  negra  que  passava 
dizia  alegremente,  acenando  com  a  cabeça :  — «  Ob  1  com- 
padre 1  Como  vae,  compadre?» 

No  dia  14  de  Março  de  1888  partimos  para  Teresa- 
Christina,  pois  não  podiamoa  visitar  Isabel.  Duarte  ainda 
tinha  de  demorar-se  algum  tempo  em  Cuiabá,  e  pretendia 
ir  mais  tarde.  Fomos  atcompanhados  pelo  bakaeri  António 
e  os  dous  camaradas  Carlos  e  Pedro.  As  mulas  estavam, 
como  sempre,  aa  tão  bom  estado,  que  nos  serviram  de  ani- 
maes  de  sella.  O  nosso  primeiro  atvo,  a  velha  colónia  militar, 
está  situada  a  i6°-32'-6"  de  latitude  Sul,  e  a  o°-S9'-9"  a 
Leste  de  Cuiabá,  sobre  a  margem  direita  do  S.  X^urenço, 
quasi  em  direcção  Sudeste  para  Cuiabá.  Tivemos  de  passar 
alguns  affluentes  do  rio  Cuiabá,  subimos  a  chapada  e  che- 
gámos, a  18  de  Março,  ao  meio  do  caminho,  que  é  a  fazenda 
<  S.  José>,  numa  altura  de  555  ms.  sobre  o  pateo  da  cathe- 
dral  cuiabana.  Ao  Sudoeste  delia,  estão  situadas  as  fazendas 
do  €  Cupim  »  e  €  Palmeiras  >,  quf  abastecem  principalmente 
as  colónias.  Do  outro  lado  de  «S.  José»,  a  região  não  é 
habitada;  o  estabelecimento  é  uma  pequena  casa  branca,  cer- 
cada de  muros,  como  si  fosse  uma  fortaleza,  e  apparece  na 
grande  çolidão  occupando  uma  depressão  do  solo  com  de- 
clives cobertos  de  relva  e  nada  mais.  No  riacho,  cujas  mar- 
gens eram  juncadas  por  muitas  palmeiras  buritis  novas,  havia 
uma  única,  mas  alta  arvore.  Era  preciso  ter  coragem,  para 
morar  e  trabalhar  alli.  Fora  dos  muros  de  «  S .  José  »,  quasi 
quasi  nada,  durante  o  trajecto,  lembrava  as  pelejas  contra  os 
Bororós.  Somente  de  vez  em  quando  chamavam  a  nossa  at- 
tenção  apertados  e  baixos  caramanchões,  que  eram  compostos 
de  definhadas  arvoresinhas  do  sertão;  tinham  sido  feitos  por 
soldados,  afim  de  se  abrigarem  durante  a  noite.  Passando 
campos  horrivelmente  desertos,  chegámos,  a  19  de  Março, 
aos  primeiros  affluentes  do  S.  Lourenço,  que  tinham  poucos 
metros  de  largura.   Deparou-se-nos  no  ribeirão  Prata  uma 

(11)  c'rapira>  é  uini  ãta  TarissLmaa  palavras  que  o*  BorArol  tomaniD 
de  empTeiitiiiii>  ac  cabanbecn»;  mas,  eÍ  na  linKiia  s«ra1  >  uU  (c  Tapir  ame- 
licao^is  »)  é  chamada  <  tapíra  >,  d&o  o  é  entre  oi  iadioi  do  S.  Louienço,  que 
Ike  did  o  nome  d«  €ki>  (Nota  de  B.  de  IC.). 


,dbyGoogle 


BNTRE  OS  BOROROS  403 

aprazível  paísagenzinha,  que  nos  lembrou  a  floresta,  o  viçoso 
prado  e  a  linha  argentina  do  riachinho  do  nosso  lar.  Esta 
impressão  foi  apenas  contrariada  por  algumas  palmeiras  novas 
e  pelo  thermometro,  que  obstinadamente  marcava  para  a 
refrescante,  €  gelada  agua»,  22'',8.  No  dia  21  de  Março 
descemos  do  terraço  do  planalto,  passando  pinturescas  rochas 
de  renito,  e  pela  tarde  alcançámos  os  laranjaes  da  colónia  mi- 
litar, onde  passa,  ccHn  uma  largura  de  127  ms.,  o  matagoso 
S.  Lourengo.  Fomos  muito  hospitaleiramente  recebidos  pelo 
commandante,  capitão  Serejo. 

No  dia  s^uinte  chegámos  a  Teresa-Chrístina .  Está  si- 
tuada para  dma  da  margem  direita,  não  pouco  abaixo  da 
barra  do  Prata;  mas  o  S.  Lourenço  faz  fortes  curvas  e  a 
região  florestal  é  tão  pantanosa,  que  o  viajante  é  forçado  a 
dar  tuna  grande  volta. 

Avistámos  então :  —  uma  extensa  roça  coberta  de  magro 
mato,  no  qual  se  distinguiam  muitos  cepos  velhos  e  vários 
troncos  de  pau,  uma  porção  de  baixas  e  quadrilongas  cabanas 
uom  tectos  de  sapé  dispostos  immediatamente  por  cima  da 
porta,  tudo  monótono  e  triste,  côr  de  palha  e  barro,  cercado 
de  matas  e  de  um  rio  considerável,  além  do  qual  apparece  o 
perfil  de  tuna  floresta  viçosa,  deante  de  uma  cadeia  de  col- 
linas.  — Eis  o  que  era  Teresa-Christina. 

O  representante  de  Duarte,  que  nos  recebeu  com  muita 
cordialidade,  era  o  cadete  Elyseu  Pinto  d'Annunciação.  Ca- 
detes, no  Brasil,  são  aspirantes  a  officiai  (geralmente  filhos 
de  funccionaríos  públicos  e  de  officiaes),  que  servem  desde 
soldado  raso  e  cuja  promoção  depende  de  protecção.  Nosso 
Elyseu  tinha  o  posto  de  sargento  e  disse  que  seria  logo  al- 
feres, si  eu  no  Rio  me  empenhasse  por  elle.  Era  um  bom 
e  consciencioso  hcrniem,  que  poderia  ter  sido  util,  si  tivesse 
tido  o  direito  de  agir,  consoante  com  a  sua  opinião.  Um  se- 
gundo cadete,  —  officiai  subalterno,  —  chamava-se  Caldas 
(13),  moço  de  aptidão  musical  e,  mediante  luna  gratifica^, 
mestre  dos  rapazes  bororós.  E^le  também  tinha  formado  tmj 


(13)  Josí  Augugto  Caldu  cim  alteres  em  iSgç,  uino  em  que  pi 
KU  «Vocabulirio  da  lingua  udisena  doi  Boraras-Coroados  >  <Cuii 
<  d'0  MaCo-Groiia  >),  pequena  bcochuta  de  44  pagi.,  dedíeida  i 
do  Ms«tt»corand  Astcoio  Ja*t  DoMts  (Notk  ds  B.  d*  K.), 


yCoogIe 


4CH  RBnSTA  DO  INSTITUTO  BISTOIUCO 

vocabulário,  e  era  portanto,  alli,  o  representante  da  arte  e 
das  scicncias.  Ainda  havia  outro  cadete,  Joaquim,  um  bo- 
ticário e  o  administrador  Ildefonso.  Mas  para  mim  a  per- 
sonagem mais  importante  «ra  Clemente,  que  tinha  28  annos, 
dos  quaes  passara  trez  em  captiveiro  entre  os  Bororós.  Seu 
pae,  Manuel  Pedroso  de  Alvarenga,  morava  juncto  a  Peixe  de 
Couro,  aííluente  do  Piquiri,  que  desembocca  no  rio  S.  Lou- 
renço. Em  Scptembro  de  1873  os  Bororós  assaltaram  alli 
cinco  crianças,  que  tomavam  banho:  duas  foram  mortas,  uma 
escapou  e  duas  foram  aprisionadas,  —  Clemente  e  um  ermão 
menor.  Contou-nos  elle  que  se  lhe  haviam  amarrado  as  mãos 
deante  dos  olhos,  e,  assim,  até  chegar  á  aldeia  dos  indios, 
passou  cinco  dias  sem  parar.  O  ermão  morreu  logo.  E  ellc 
em  1886  foi  restituído  pelos  Bororós.  A  esse  tempo,  porém, 
já  elle  mesmo  se  havia  tomado  borôro:  não  só  andava  nesse 
trajo  com  arco  e  flecha,  não  só  havia  exquecído  quasi  total- 
mente o  seu  portuguez,  mas  tinha  também,  como  pude  em 
proveito  próprio  observar,  soffrido  no  seu  modo  de  pensar 
e  de  saber  uma  educação  puramente  india.  Por  outro  lado, 
nesse  Ínterim,  tinha  bastante  aproveitado  da  sua  lingua  ma- 
terna, para  poder  servir-me  de  interprete  prestimoso.  Infeliz- 
mente deixou  antes  de  nós  Teresa-Christina,  porque  lá  <  não 
se  aprendia  nada».  Até  os  officiaes  não  sabiam  nada.  No 
seu  lar,  dizia  elle,  havia  um  homem  que  era  capaz  de  curar 
todos  os  doentes  e  de  abrir  qualquer  fechadura. 

Situação  da  colónia. — A  casa  principal  da  colónia 
tinha  por  plano  um  rectângulo  comprido  e  muito  estreito. 
Consistia  em  uma  porção  de  compartimentos  de  terra  chã, 
com  paredes  de  pau  a  pique  e  tecto  baixo  de  palha ;  as  portas 
abriam  todas  do  mesmo  lado  para  o  patw.  O  mobiliário  li- 
mitava-se  a  uma  mesa,  cadeiras  e  caixas.  De  um  lado  ficava 
o  quarto  de  Duarte,  com  uma  janella,  sem  porta  para  fora; 
em  seguida  vinha  o  refeitório,  onde  Caldas,  ás  vezes,  dava  ■ 
aula  de  manha,  e  que  servia  geralmente  para  as  reuniões, 
com  uma  porta  para  o  pateo  e  outra  para  o  lado  opposto;  á 
esquerda  estava  a  entrada  para  o  quarto  de  Duarte,  e  á  di- 
reita uma  porta  para  a  dispensa,  que  era  também  deposito 
de  cachaça,  e  cuja  chave,  nas  rehições  com  os  indios,  repre- 
sentava um  grande  papel.  Depois,  viam-sc  outras  portas  para 


BNTttB  03  BtHtdROS  405 

O  pateb',  um  pequeno  cubículo  destinado  aos  soldados  presos, 
o  qual  estava  sempre  occupado  e  cujos  habitantes  haviam 
de  ficar  na  rede,  mais  um  quarto  para  Elyseu  e  o  adminis- 
trador, e  ainda  armazéns.  O  boticário  possuía  uma  bem  pro- 
vida guarnição  de  venenos  em  uma  casinha  sita  defronte,  a 
poucos  passos.  Os  soldados  moravam  em  pequenos  ranchos, 
dispostos  parte  em  direcção  ao  rio  e  parte  á  beira  da  flo- 
resta. Em  redor  achavam-se  as  cabanas  dos  Índios,  feitas 
com  tectos  triangulares  que  chegavam  até  ao  solo,  de  seis 
passos  de  largura  e  10  a  13  de  comprimento;  estavam  ao 
abrigo  do  sol  e  algum  tanto  contra  a  chuva.  Eram  muito 
simples,  e  cada  uma  servia  para  uma  família. 

No  meio  da  colónia  havia  um  grande  pateo.  Ahi  se 
elevava  o  tal  chamado  ranchão,  o  baíto  dos  índios,  de  lO 
passos  de  largo  e  26  de  comprido.  Também  este,  apesar  de 
feito  com  o  auxilio  dos  soldados,  não  tinha  arte ;  as  paredes 
lateraes  consistiam  em  paus  roliços,  negligentemente  reves- 
tidos de  folhas  de  palmeira,  distanciados  de  modo  que  quasi 
em  toda  parte  offerecíam  entrada.  Os  lados  estreitos  quast 
sempre  eram  abertos. 

Os  moços  solteiros  trabalhavam  e  dormiam  no  bailo. 
Este  era  também  o  centro  das  festividades,  principalmente 
para  entoar  os  cantos  de  caça,  para  as  dansas  e  para  as 
lamentações  pelos  mortos,  bem  como  para  as  deliberações. 
Para  as  mulheres  a  entrada  era  livre,  e,  conforme  havemos 
de  ver,  ellas  ás  vezes  eram  levadas  para  lã  á  força. 

As  cabanas  quasi  todas  avançavam  até  á  bocca  da  mata. 
Estreitos  atalhos  conduziam  para  lá;  lebres  para  servir  ás 
necessidades  corporaes,  mesmo  da  maneira  mais  primitiva, 
tão  pouco  existiam  nas  habitações  como  em  Cuiabá',  e,  como 
na  ddade  para  esse  fim  se  procuravam  os  pomares,  na  co- 
lónia para  isso  servia  o  mato.  Rio  acima  estava  a  olaria, 
donde  tiravam  o  barro;  ahi  havia  um  forno,  que  nunca  foi 
utilizado.  O  pouco  de  plantação  achava-se  numa  clareira. 
De  animaes  só  se  viam  poucos  cachorros  e  gallinhas,  per- 
tencentes aos  soldados,  e  algumas  araras  vermelhas  dos  ín- 
dios. Também  vagavam  nas  proximidades  alguns  urubus. 
As  rezes  a  abater  eram  laçadas  no  campo  pelos  vaqueanos. 


nunca  foi 

I  clareira.  ; 

nhãs,  per- 
as dos  ín- 
s  urubus. 

aqueanos. 

-â 


406  REnSTA  DO  INSTITUTO  HI8T0IUC0 

Também  as  mulas  andavam  soltas,  sendo  só  procuradas  para 
o  serviço  e  para  a  verificação  do  seu  numero. 

Existiam  na  colónia  mais  ou  menos  50  Brasileiros,  ajmi- 
ctando-se-lhes  as  suas  companheiras;  poucos  eram  mais  daros 
que  os  Bororós  e  muitos  eram  mais  escuros.  Avaliei  o  nu- 
mero dos  Bororós  presentes,  inclusive  mulheres  e  crianças, 
em  cerca  de  200.  Porém  um  bando  tinha  ido  fazer  uma  ex- 
cursão de  caça  e  Duarte  levara  consigo  uns  20  para  Cuiabá. 
Avaliando  alto,  a  somma  total  importava  em  350,  offi- 
cialmente  em  450.  Diz-se  que,  no  começo,  eram  muito  mais, 
—  e  Elyseu  avaliou-os  um  dia  em  i.ooo.  Ef lectivamente, 
também  Clemente  contava  que  se  haviam  apresentado  alli 
os  Bororós  de  todas  as  aldeias.  Assim,  vemos  que  os 
« 10.000  >,  de  que  se  falava  em  Cuiabá,  eram  imaginários. 

Vestuário  k  europía..  — A  primeira  impressão  que 
recebemos  dos  Bororós  era  essencialmente  diversa  da  que 
tínhamos  dos  ordeiros  e  actívos  índios  do  Xingu.  Não  tanto 
a  respeito  da  falta  de  vestuário.  O  cacique  Moguíocúrí,  sím, 
andava  quasi  sempre  só  de  camisa,  raras  vezes  de  calças; 
só  o  bruto  cacique  Arateba  é  que  andava  sempre  de  camisa 
e  calças;  de  noite  e  em  dias  mais  frios,  gostavam  de  embru- 
Ihar-se  nos  seus  cobertores;  algumas  mulheres,  prindpal- 
mente  as  que  tinham  relaçSes  intimas  com  os  dirigentes  da 
colónia,  distinguíam-se  pelo  uso  de  camisas  de  cores  e  dese* 
nhos  bizarros,  paletós  e  saias;  porém  os  mais  ou  menos  ves- 
tidos de  ambos  os  sexos  constituíam  excepção.  Os  homens 
traziam  um  cordão  ã  cinta  e  o  cartucho  de  palha,  as  mulhe- 
res  um  oordlo  ou  dnta  feita  de  casca  (Basibind)  (14).  Os 
dou9  sexos  gostavam  de  enfeites  para  o  pescoço  e  o  peito.- 
Mais  tarde  relatarei  as  particularidades.  A  Moguiocãrí  dei 
uma  peça  preciosa,  que  lhe  agradou  bastante:  —  uma  ca- 
misola turca  bem  vermelha,  bordada  de  arabescos  e  de  man- 
gas largas  que  um  dia,  em  Dussetdorff,  servira  a  um  mas- 
carado. O  sempre  risonho  gigante  offereceu,  nesse  el^ante 
trajo,  um  aspecto  muito  engraçado. 

<Que  é  que  havemos  de  fazer?  >,  queixava-se  o  ca- 


(14)  Ao  cirtnebo,  doiomliudo  <M>,  e  i  dota  de  cuca,  dunuda  «M- 
dobie  >,  refere-Bc  Ton  den  Steinen  pormcnoriaduuent^  nul*  adcaote  (H«tt 
de  B.   d<  U.). 


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ENTRE  OS  BpRdROS  4O7 

pitão  Serejo,  na  colónia  militar.  Quando  a  grande  turma 
embarcou  para  Cuiabá,  tinham-se-lhe  arranjado  430  vestuá- 
rios. A  isso  ainda  em  Cuiabá  se  junctarani  muitos,  E,  quando 
os  índios  voltaram,  de  tudo  isso  não  restava  nada.  Em  pri- 
meiro logar,  por  terem  os  negociantes  fornecido  fazenda 
ruim,  muito  fina  e  mal  fabricada,  que  lhes  era  impos«vd 
vender;  depois,  porque  os  vestidos  eram  muito  apertados  e 
curtos,  as  camisas  não  fechavam  sobre  o  largo  peito,  e  as 
calcas  rompiam-se;  e,  finalmente,  porque  os  Bororós  tra- 
ctavam  os  presentes  da  civilizado  com  o  mais  solenne  pouoo 
caso.  Logo  que  se  sentiam  incommodados,  arremessavam- 
n-os  fora;  quando  precisavam  de  um  sacco  para  carrear  carne 
ou  peixe,  utilizavam-se  para  isso  de  suas  coberturas  e  ca- 
misas. Em  redes,  de  que  cortavam  pedaços,  e  em  toalhas  de 
mesa,  —  um  original  presente  brasileiro  para  índios  nús, — 
envolviam  os  seus  corpos  untados.  Elles  mesmos  nSo  usam 
de  redes,  e  dormem  sobre  esteiras.  Nem  por  sonho  pensavam 
na  lavagem  da  roupa;  as  camisas  ficaram  da  côr  de  barro, 
como  os  seus  corpos,  o  chão  e  as  cabanas. 

Os  bons  Bororós  eram  era  demasia  tão  carinhosamente 
tractados,  que  os  nossos  modestos  artigos  de  troca  eram  mal 
vistos  por  elles.  Já  eram  tão  conhecedores,  que  s6  pediam 
machados  norte-americanos .  De  maior  apreço  lhes  foram 
as  nossas  contas  (de  vidro),  mas  também  a  respeito  disso  as 
mulheres  eram  bastante  caprichosas,  e,  sem  ceremonia,  indi- 
cavam as  que  não  lhes  ^p-adavam,  com  a  tristíssima  ex- 
pressão portugueza,  que  a  catcchese  tinha  geralmente  vu^- 
rízado,  —  <  Porcaria  I  >  ou  <  Merda  I  >,  a  não  se  lembrarem 
do  companheiro  c  Diabo  !  >. 

AcRictJLTtniA .  —  Os  Bororós  devem  roçar  e  plantar! 
Practicamente,  os  offíciaes  ficavam  satisfeitos,  quando  con- 
seguiam salvar  as  plantações  dos  saldados  contra  os  Bororós. 
Logo  que  os  indígenas  se  apanhavam  de  posse  dos  machados, 
divertíam-se  em  abater  os  piquis,  para  não  teren 
de  trepar  nessas  arvores  e  colher-lhes  os  fructos. 
militar  havia  um  bonito  cannavial:  era  preciso 
guarda,  para  evitar  a  devastação.  Os  Índios,  poi 
excursSes  nocturnas  e  achavam  meios  de  occu 
illudir  os  seus  protectores,  pois,  sem  quebrar  as  ; 


«ibyCoogIe 


410  tivnstí  DO  IHBTITUTO  BOTORICO 

separaram-n-as  ál  força;  mas,  então,  o  'berreiro  adquiriu 
maior  vehemencia,  gritando  muitas  contra  muitas.  Era  prin- 
cipalmente uma  velha  quem  dominava  tudo  com  a  sua  voz 
estridente.  Caldas,  que  via  com  pesar  que  a  sua  companheira 
de  tenda,  também  luctadora,  tinha  o  peito  rasgado,  empurrou 
para  tá  o  grande  cacique  Moguiocúrí.  Com  ímraensa  tran- 
quillidade  entrou  no  torvelinho,  e,  de  súbito,  fez-se  com- 
pleto silencio.  O  seu  poderoso  e  formidável  braço  poz  de 
uma  vez  para  o  lado  as  trez  perigosas  mulheres.  Maria,  que 
decididamente  tinha  perdido,  não  disse  palavra;  estava  alli 
com  olhos  entristecidos,  de  braços  cruzados  sobre  o  peito 
offe^^te,  enquanto  uma  sua  partidária,  lhe  compunha  o 
cabelb  desenhado.  Descontentes  procuravam  ainda  avivar 
a  tempestade;  mas  as  risadas  de  Corona  dominavam.  Sepa- 
raram-se  e,  em  corrida  triumphal,  foi  levada  por  trez  mu- 
lheres a  ruidosa  velha. 

Sacudindo  a  cabeça,  encaminhábio-nos  para  o  nosso 
rancho,  mas  de  lá  tivemos  que  retroceder,  por  causa  de  tun 
barulho  infernal.  Os  soldados  estavam  dansando  com  as 
mulatas  e  indias  ao  bello  luar,  e  faziam  musica  com  sanfona, 
pratos  e  garfos,  —  expansão  de  alegria  em  toda  parte  1 

Voltei  ao  rancho  dos  homens;  dous  delles  faziam  exer- 
cidos athleticos.  Agarraram-se  por  debaixo  dos  braços  e, 
fortemente  encurvados  para  a  frente,  ficaram  por  muito 
tempo  Dessa  posição;  até  que,  de  repente,  um  delles  tentou, 
com  a  perna  ou  o  calcanhar,  fazer  dobrar  a  perna  do  outro, 
afim  de  derriba-lo;  foi,  porém,  suspenso  pelo  adversário,  e 
perdeu.  Pequenas  fogueiras  ardiam  ao  lot^  da  casa.  Os 
homens  estavam  deitados  com  a  cabeça  sobre  pedaços  de  pau, 
um  ao  lado  do  outro,  em  fileira,  para  dormirem  alli  fora; 
proseavam  e  mascavam  canna,  atirando  em  curva  os  bagaços 
para  trás.  Divertiram-se  muito,  quando  me  sentei  de  cócoras 
junto  á  fogueira,  notando  as  suas  palavras.  A  um  lado,  não 
longe  das  fogueiras,  também  dormiam  casaes;  também  cri- 
anças a>rriam  e  brincavam  al^emente,  até  alta  noite,  no 
pateo. 

DiSTBiBuiçXo  DE  CARNE,  26  de  Março.  —  Uma  admi- 
nistração provecta  acharia  no  modo  da  distribuição  dos  vi- 
veres um  meio  excellente  para  acostumar  os  índios  á  ordem.; 


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ENTRE  OS  BOItditOB  4II 

Mas  ninguém  pensa  em  uma  justa  proporção,  nem  a  res- 
peito das  provisões,  nem  a  respeito  de  outras  cousas.  Tudo 
corre  arbitrariamente.  A  barbara  scena  da  distribuição  do 
iapira  (15),  isto  é,  do  boi,  é  espectáculo  repugnante.  Geral- 
mente são  abatidas  duas  rezes,  e  em  Mato-Grosso  a  carne 
de  vacca  é  um  género  immensamente  barato.  Não  hi 
mais  commodo  para  os  Brasileiros.  Os  pedaços  de  c 
03  ossos  são  amontoados  sobre  um  couro  deante  da  e 
Índios,  homens,  mulheres  e  meninos,  em  parte  muni< 
cestas,  ficam  ao  lado,  á  espera.  Um  dos  cadetes  dá  o 
—  e  todo  o  bando  precipita-se  sobre  a  carne  e  os  ossos 
uma  ãlcatéa  de  lobos.  Era  um  espectáculo  tão  nojeni 
me  tirou  o  bom  humor,  ao  passo  que  muitos  assiste 
apreciaram  com  grande  alegria.  O  idiota  DtapocúH 
de  cretino,  foi  quem  mais  prendeu  a  attenção  geral 
selvi^ería  animal,  o  idiota,  representante  do  rancho  d 
mens,  conquistou  trez  pedaços  enormes,  e,  de  olhos  bríl! 
levou-os  com  um  grunhir  triumphal,  enquanto  a  ba 
escorria  pelo  mento.  Si  isto  tivesse  sido  um  gracejo,  < 
rude,  vá  IS;  mas  não:  —  este  é  o  systema  r^ular  e  ha 
O  Índio,  com  isso,  fica  rebaixado  a  um  estado  que  jâ 
transposto  na  sua  vida  de  caçador,  desde  tempos  im 
ríaes ;  pois  um  dos  fins  capitães  da  instituição  dos  baris, 
homens-medicos  (como  veremos),  era  evitar  a  discor 
repartição  das  presas,  bem  que  esse  problema,  em  v< 
seja  resolvido  por  ficarem  elles  com  os  melhores  pe 
Lamentações  NOcrtniNAS. — Noite  a  noite  r 
pelos  menos  de  quatro  ou  cínco  cabanas,  as  lamurias 
gumas  mulheres.  São  esposas  de  caçadores,  cuja  volta  < 
rada  dentro  de  poucos  dias.  Bãbela  bâbela  bá. ..  baba  e 
queixumes  prolongaram- se  até  alta  noite;  é  quasi  imp 
dormir.  Têm  elles  um  fim  determinado.  Contam  as  mi 
que,  quando  deitadas,  o  sonho  lhes  revelará'  o  regresso  d( 
homens.  Na  manhã  seguinte,  porém,  é  que  de  facto  o  f 
Presentemente  ellas  se  occupam  um  tanto  mais  cot 


(ij)  cTiidni  é  gido  em  lera]  e  cspeetelmeDte  o  t>c 
ncca>  é  <  tapIra-cAdo  > ;  qaindo  frnc*  ou  rerâe,  chimi-» 
qaanda  lecca,  Ctipira.codti]cÍ  >.  <BdI>  dlz-tt  cuplra^ncdi 
<t>plra.v«de>  (Note  4e  B.   de  H.>. 


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413  REVISTA  DO  INSTITUTO  HBTOUCO 

thema,  por  ter  morrido  a  mulher  de  um  dos  ausentes,  o  indio 
Coqueiro.  No  rancho  dos  homens  tinham  posto  o  panno  ver- 
melho dos  mortos,  um  vaso  e  as  duas  conchas  de  trabalho  da 
finada;  dous  baris  entoavam  um  longo  canto  lúgubre,  en- 
quanto ao  fundo  se  avistava  uma  porção  de  mulheres  entris- 
tecidas . 

Oração  da  tarde,  —  A's  oito  horas  da  noite  realiza-se  a 
<  reza  >,  a  Ave- Maria  dos  soldados.  Hontem  observámos  mais 
exactamente  esta  funcção,  e,  para  aprecia-la  collocámo-nos 
deante  da  porta  do  xadrez,  quando  o  cometeiro  deu  o  signal. 
Pouco  a  pouco,  reuniram-se  32  homens,  ao  lado  da  sentinella 
permanente,  na  casa  principal,  e  arranjaram-se  á  vontade 
em  duas  fileiras,  grandes  e  pequenos  mixturados,  com  fardas 
dtfferentes,  cada  um  munido  do  seu  fuzil-Comblain.  A  lua 
cheia  derramava  a  sua  branda  claridade  sobre  os  exquisitos 
rapazes .  A'  frente  estavam  dous  cadetes :  enquanto  um  delles 
lia  os  nomes  á  luz  de  uma  vela,  o  outro  picava  tranquillamente 
uma  canna,  chupando  os  pedaços.  I^ogo  que  era  chamado  um 
nome,  o  dono  respondia  com  um  «  prompto  ! »,  ora  alto,  ora 
baixo,  conforme  o  temperamento.  Com  surpresa,  ouvimos  de 
repente  o  «  prompto  ! »  também  por  traz  de  nós,  com  uma  voz 
sepulcral,  que  saia  do  cárcere;  atravez  de  uma  fresta  da  porta, 
víamos  com  prazer,  pela  sombra  movediça,  como  o  malfeitor 
se  balançava  na  rede,  dentro  do  xadrez  bem  allumiado .  Após 
a  chamada,  a  gente  se  descobriu,  cantando,  ou,  melhor,  ber- 
rando, sobresaindo  uma  voz  clara: 

—  <  O'  Virgem  da  Conceição,  Maria  Immaculada,  vós 
sois  a  advogada  dos  peccadores,  criaes  todos  cheia  de  graça, 
com  o  vossa  felis  grandeza,  vós  sois  dos  céus  prínceza,  do 
Espiriío-Sancto  esposa.  Maria,  mãe  de  graça,  mãe  de  miseri- 
córdia, rogae  Jesus  por  nós,  recebae  { \)~nos  na  hora  da 
morte  !  Senhor  Deus,  pequei  ( ?),  Senhor,  misericórdia  !  Por, 
vossa  mãe.  Maria  Sanctissima,  misericórdia  (16).  > 

Os  Índios,  que,  por  acaso,  passaram,  não  só  gritaram 
lambem  «  prompto  1  >,  como  ainda  tomaram  activamente  parte 

(i6>  Versos  burlescos: 

cO'   Virsem   da   Conceiflo, 

Mirik  Imniacullda, 

Pagae  o  oosio  aoldo, 

Deiíiiie  de  cafoada  ',>   (Nota   do  A.).- 


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ENTRB  08  BORdHOB  4I3 

na  cantarola;  lá  dentro  de  casa,  Caldas  exercitava-se  na  ra- 
beca. Finalmente,  ajoelharam-se  todos,  inclusive  a  sentínella, 
e  também  o  cadete  com  a  canna.  Os  Bororós  não  faziam 
mais  caso  deste  acto,  que  lhes  era  muito  conhecido.  Porém 
uma  hora  mais  tarde  appareceu  deante  da  nossa  porta  uma 
dúzia  de  rapazes,  cantapdo  (a  melodia  certa,  as  palavras, 
afora  o  começo,  incomprehensíveis  e  confusas):  —  <0h! 
Saneia  Maria,  mãe  de  graxa  !>  —  abraçando-se  alegremente 
e  pondo-se  numa  linha  sem  ordem.  / 

Lá  pelas  nove  horas,  ainda  Moguiocúri  se  apresentou  pe- 
rante os  cadetes,  exigindo  cachaça.  Para  variar,  este  cacique, 
€  totabnente  identificado  com  a  civilização  da  sua  tríbu », 
vestia  uma  camisa  vermelha  de  mulher  e  um  paletot  de  linho 
branco;  insistiu  porque  fossem  buscar  a  chave  da  despensa, 
c  afinal  recebeu  a  sua  garrafa.  EIte  não  era  menos  feliz, 
quando,  de  vez  em  vez,  para  o  mesmo  fim  acordava  os 
senhores,  a  horas  avançadas  da  noite. 

Escândalo  com  Arateba. — Este,  como  sempre  total- 
mente bêbado,  ainda  clama  por  mais  pinga;  desta  vez,  porém, 
a  celebre  chave  foi-lhe  recusada.  Então,  alarma  elle  com  os 
seus  berros  e  injurias  a  colónia  inteira,  corre  para  o  rancho 
e  volta  com  duas  «  espadas  >  !  Dando  furiosas  pranchadas  no 
ar  e  cambaleando  de  um  lado  para  outro,  apenas  ameaça. 
Arranca  primeiro  a  camisa,  depois  as  calças,  e  atira  esses 
objectos  aos  pés  do  pobre  Elyseu;  depois,  dirige-se  aos  sol- 
dados, que  alli  estavam  vadiando,  e  cobre-os  de  injurias,  bem 
como  aos  seus  superiores.  Quer  ir-se  embora,  e  isso  comnosco, 
por  lhe  haverem  negado  a  cachaça.  Afinal,  volta  camba- 
leando para  casa. 

Sexta-Feira  da  P.uxÃo,  30  de  Março. — A  sentínella 
traz  a  espingarda  com  o  cano  voltado  para  baixo.  As  cara- 
binas dos  outros  soldados  jazem  extendidas  no  chão.  As  com- 
panheiras dos  soldados  dirigem-se  para  o  cimiterío,  em  trajes 
domingueiros  bem  engommados,  levando  cruzes  e  velas. 
Abre-se  a  cadeia :  saem  dous  presos,  um  dos  quaes,  um  negro 
alto,  tem  ás  costas  um  surrão,  —  sacco  de  couro  que  lhe  serve 
•  de  mochila,  —  e  á  mão  o  coxo,  violino  dos  sertanejos,  que 
alegremente  repinica.  Os  caçadores  voltaram  com  grande 
carga,  trazendo  em  seus  cestos  tuna  porção  de  caça;  Coqueiro, 


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414  REVISTA.  DO  IKSTITOTO  HISTÓRICO 

O  recem-viuvo,  ainda  pennancce  na  colónia  militar.  Mas  o 
cadáver  de  sua  mulher  já  foi  exhumado.  Os  ossos,  já  limpos, 
foram  á  noite  trazidos  do  rancho  dos  homens,  dentro  de  um 
cesto;  ao  lado  está  um  novo  cesto,  para  o  qual  elles  devem 
ser  removidos  na  occasião  dos  funeraes  próprios,  e  também 
alli  está  mn  pote  com  agua.  O  iocal  conserva-se  no  escuro, 
apenas  mal  allumiado  por  algumas  brasas  que  ardem  e  que 
servem  para  os  fumantes  accender  os  cigarros.  Muitos 
homens,  mulheres  e  creanças  estão  commodament e  extendidos 
no  chão.  Os  cestos,  porém,  bem  como  o  pote,  estão  rodeados, 
em  semi-drculo,  por  vultos  acocorados,  com  o  bári  no  meio: 
entoam  lun  monótono,  mas  alto  canto  de  lamentação.  O  bári 
sacode  incessantemente  a  matraca  (17),  uma  cabaça*  cheia 
de '  pedaços  de  conchas ;  a  sua  voz,  trémula  e  baixa,  sobresae 
com  forte  pathos  entre  a  de  todos.  Não  cessa  de  cantar  e 
de  sacudir  a  matraca,  até  lhe  faltarem  3  voz  e  a  mão ;  então, 
emmudece,  e,  tremulamente,  deixa  a  matraca  ir  parando; 
ha  uma  pequena  pausa,  durante  a  qual,  no  seu  êxtase,  elle 
ligeiramente  leva  um  cigarro  á  bocca,  chupando  «mu  força 
a  fumaça  e  tragando-a.  De  novo  canta  e  agita  a  matraca, 
e  nesse  entretanto  continua  a  fumar;  até  que,  após  uma 
pequena  meia  hora,  está  cumprido  o  dever.  Deixam  todos  o 
ranchão,  vagando  por  fora,  tagarellando  e  rindo,  como  quasí 
todas  as  noites.  Ainda  se  ouve  nas  cabanas  o  barulho  de  socar 
milho,  alli  e  acolá  arde  uma  fogueirínha,  allumiando  um 
grupo  pinturesco,  canta-se,  faz-se  ruído,  os  rapazes  ^arram- 
se  brincando,  namorados  vão  e  vêm,  —  enfim,  festas  por 
toda  parte,  somente  com  a  (fifferença  de  abundar  a  quanti- 
dade de  tendas,  em  que  os  selvagens  devoram  coelhos  e  adoram 
as  estrellas. 

Sabbado  da  Aixeluia.  —  No  dia  s^fuinte  a  Sexta-feira 
da  Paixão,  celebra-se  no  Brasil  o  tal  chamado  Sabbado  da 
Alleluia.  Ao  meÍo-dÍa,  acaba  o  lucto  geral  e  transforma-se 
num  alegre  desenfreiamento :  em  toda  parte  estalam  tíros; 
o  traidor  Judas,  pendurado  a  uma  arvore,  é  injuriado  e  des- 
pedaçado. 


raça,  coirespondeiitc  ao  <  manei  >  doi  Tupis,  diTsm  oa 
« bipo  >,  e.  qumdo  ncDin',  cheia  de  aenoitai  da  oolclí 
ram-lbe  «Upo-rA8o>  (NoM  da  B.  de  !!.}■ 


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■NTRE  06  BORÚaOB  415 

Na  colónia,  o  começo  da  Alleluia  é  annunciado  ás  oito 
horas  da  manhã,  por  terem,  antes,  de  abater  uma  vacca  e  um 
porco.  O  rio  subiu,  não  se  pôde  pescar  por  causa  da  enchente, 
afim  de  se  fazerem  provisões  para  a  Paschoa,  e  o  transporte  da 
came  cessou.  O  bom  do  Elyseu,  c(»n  toda  a  seriedade,  descul- 
pa-se  perante  nós  de  ter  sido  forçado,  pelas  referidas  cir- 
cunstancia, a  marcar  o  fim  da  Paixão;  nós  o  tranquillizãmos, 
mostrando-lhe  a  differença  do  tempo  com  Jerusalém.  O 
Judas  está  pendurado  numa  arvore  nova,  a  i  yá  metro  de 
altura  do  chão :  fato  de  algodão  branco,  botas  el^antes,  mas 
apertadas,  mascara  de  papel,  faces  pintadas  de  vermelho  com 
urucú,  barba  e  cabello  feitos  de  cabellos  de  mulheres  Índias, 
com  enchimento  de  cavacos  €Cabatáf>,  («Que  é  isto?»), 
—  perguntam  os  admirados  Bororós.  Judas  tem  na  manga 
direita  um  sabre  de  pau;  de  uma  algibeira  sobresae  o  gargalo 
de  uma  garrafa  de  cerveja;  um  pedaço  de  papel  mettido  no 
paietot  —  é  o  testamento  do  traidor.  A's  oito  horas,  porém,  os 
soldados,  bem  asseiados  nos  seus  uniformes  de  Unho  branco, 
desfilam;  olhos  europeus  haviam  de  extranhar  os  pés  des- 
calços. Elyseu  está  munido  de  uma  faixa  vermelha.  O  cozi- 
nheiro mette  um  cartucho  na  barriga  de  Judas: — ouve-se 
um  estalo,  sae  fumaça,  e  Judas  começa  lentamente  a  queimar- 
se.  O  cometeiro  entoa  uma  fanfarra;  nesse  Ínterim,  dão-se 
trez  salvas,  e,  nos  intevallos,  ajunctam-se  á  musica  as  lamen- 
tações penetrantes  que  saem  de  uma  das  cabanas;  os  indios, 
que  aqui  se  acham  em  turmas  compactas,  tapam  os  ouvidos, 
de  certo  pensando  no  tempo  em  que  ouviam  nas  suas  matas 
o  estampido  dos  tiros.  Moguiocúri  e  seu  filho,  que  ainda  o 
excedia  em  altura,  apresentam-se  para  também  atirar  umas 
flechas  nos  destroços  do  Iscariote.  Os  soldados  rettram-se; 
em  toda  parte  dão  tiros;  até  os  nossos  camaradas  não  podem 
resistir  a  essa  tentação;  do  largo  do  pateo  da  cozinha,  onde 
haviam  abatido  um  porco,  ouve-se  barulho  infernal;  a  alaria 
reina  em  toda  parte : —  AUduia  1 

Caiafós  1  — As  exéquias  pela  mulher  de  Coqueiros, — 
ceremonia  cujos  pormenores  ainda  hei  de  dar,  —  caíram  numa 
s^unda-feira  depois  da  Paschoa  (i°  de  Abril);  nós,  hos- 
pedes, continuámos  sempre  a  admirar  estes  curiosos  contras- 
ta, que  cada  dia  da  vida  agitada  da  colonía  apresentava  ao^ 


«byCoogIe 


4l6  REVISTA  DO  INSTITUTO  UISTORICO 

nossos  <dhos.  Apenas  haviam  cessado  as  lamurias,  apenas  foi 
levado  o  cesto  funeral,  —  deu-se  nova  agitação.  Os  Bororós 
suppuzeram  ter  percebido  no  mato  dous  Caiapós,  que  elles 
chamam  de  Caiámo.  O  inimigo  figadal  nas  proximidades  da 
colónia  I  Deixar  a  colónia  immediatamente,  á  noite,  —  parece 
incrível,  —  era  a  senha  geral  dos  índios.  Os  soldados  ficaram 
alarmados;  expediu-se  uma  ronda,  qíie  devia  dar  uma  dúzia 
de  tiros  no  recanto  suspeito  da  mata.  Deste  modo,  tranquilli- 
zaram-se  si  et  in  quantum ;  mas  o  grande  cacique  Moguiocúrí, 
o  terror  de  Mato-Grosso,  pousava,  para  maior  segurança 
'  pessoal,  não  com  as  suas  duas  mulheres  e  crianças,  e  stm  com 
Clyseu. 

Também  em  a  noite  de  2  para  3  de  Abril  tudo  ficou  em 
vigília.  Os  nossos  amigos  indios  levaram-nos  ao  ranchão,  con- 
vidando-nos  a  tomar  parte  numa  sessão  que  tinha  por  fim 
animarem-se  com  musica,  na  esperança  de  uma  victoria  sobre 
os  malvados  Caiapós.  No  começo  lá  estivemos  de  pé  c 
dansámos,  enquanto  no  meio  havia  um  velho  cacique,  que 
cantava  e  sacudia  fortemente  a  matraca;  tapando  a  bocca 
com  as  mãos  concavas,  bradámos  também  um  surdo  u,  u... 
dobrando  os  joelhos  ao  compasso.  Reparando  como  com  isso 
os  Bororós  ficaram  consolados,  continuámos  por  algum  tempo 
nessa  maneira.  Os  nossos  homens  trabalhavam  no  escuro; 
somente  de  quando  em  quando  deitavam  palha  ao  fogo,  e 
as  sérias  visagens  ficavam  por .  momentos  vivamente  allu- 
miadas.  A  dansa  durou  meia  hora.  Depois  nós  nos  sentámos, 
rodeando  o  velho  matraqueiro,  que  tremia  muito  pelo  ex- 
cessivo exfòrço  e  bebia  agua  em  fortes  goles.  Havíamos  de 
levar-lhe  o  vaso  á  bocca,  pois  sem  isto  elle  não  podia  con- 
seguir o  seu  intento.  Então,  todos  nós  ficámos  possuídos 
de  nova  coragem;  o  venerável  ancião  explicava,  em  tom 
meio  cantarolado,  o  objectivo  da  sessão,  e  o  nosso  grande 
coro  respondia-the  encantado:  —  tuakina  t>,  isto  é,  €  muito 
bem  I »,  ou  rindo  grosseiramente  « háháhâ »,  ou  resoluta- 
mente ameaçador  ««A...»,  conforme  o  temperamento. 

No  dia  3  de  Abril  chegou  ao  auge  o  enthusiasmo  patrió- 
tico contra  o  inimigo  ínvísivcl.  Estávamos  nuina  refeição, 
quando,  de  súbito,  vimos  correndo  impetuosam«ntc  10  a  12 


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ENTRE  OS  BORdROS  4'7 

Bororós,  em  trajes  selvagens,  A  frente  delles  achava-se  Mo- 
guíocúri,  bêbado,  com  a  cara  afogueada,  vestido  com  a  minha 
camisola  turca,  armado,  ou,  por  melhor  dizer,  carregado  de 
arco,  flechas,  mão  de  pilão  e  pesado  machado  sem  cabo ;  atraz 
delle,  José  Domingos,  com  o  rosto 'e  o  corpo  pintados  de 
fuligem,  sacudindo  um  bonito  arco  enfeitado  com  pennas  de 
ema,  tendo  amarrado  no  pulso,  para  proteger-se  contra  o  re- 
saltar  da  corda,  um  cordão  de  cabellos  pretos,  e  trazendo 
ligado  ao  corpo  nú,  com  uma  tira  de  couro,  um  oscíllante 
sabre;  o  resto  dos  heróes,  com  idêntico  apparato  bellico, — 
e,  last  nol  least,  o  idiota  Diapocúri .  Este  infeliz  imbecil  tam- 
bém se  havia  besuntado  todo  de  fuligem,  e  sobre  o  crânio 
pathologico  trazia  um  cordão  de  cabellos  pretos,  á  maneira 
de  trança  chineza.  Pendia-Ihe  das  costas  comprido  facão  de 
cozinha,  e  com  a  dextra  vibrava  um  porrete  no  ar;  similhante 
a  um  possesso,  articulando  sons  confusos,  cabriolava,  com 
gáudio  de  quantos  se  achavam  á  mesa.  Os  temiveis  guer- 
reiros saíram  então  á  procura  dos  rastos  dos  Caiapós.  Re- 
tornaram logo :  como  não  tivessem  encontrado  vestigios  dos 
inimigos,  parece  que  então  os  bobos  ganharam  juizo,  —  e 
assim  terminou  o  episodio. 

No  ranchão  dos  homens,  desde  o  romper  da  manhã, 
tinham  estado  em  muita  actividade.  Pela  tarde,  até  ao  es- 
curecer, uns  12  Bororós  divertiam-se  em  pintar  festiva- 
mente para  a  noite  o  cabello,  a  cara  e  o  corpo,  com  tinta 
muito  vermelha ;  e  lá  fora  occorria,  \<ygo  ao  crepúsculo,  outra 
scena.  Tinham  levado  para  fora  da  cabana  uma  criança  de 
dous  annos,  que  desde  24  horas  estava  agonizando,  c  cuja 
morte  os  baris  tinham  predicto.  Estava  ella  ao  collo  da  mãe, 
rodeada  pelos  [<  homens-medicos »  e  parentes,  que  soltavam 
lamentos.  Por  traz  da  mãe  estaia  acocorado  o  pae,  que  por 
alguns  momentos  ficou  sem  mexer-se;  depois,  —  justamente 
quando  um  dos  espectadores  fez  luz,  para  accender  o  ca- 
chimbo, —  levou  um  cordão  á  roda  do  pescoço  da  pobresinha, 
e  assim  a  prophecJa  dos  curadores  rapidamente  se  cumpriu. 
Levantaram-se  todos  immediatamente,  excepto  a  mãe;  os 
baris  foram  buscar  os  seus  enfeites  de  pennas  e  as  suas 
matracas,  e  começaram  a  dansa  fúnebre  com  o  estridente  can* 
tico:  —  <.aroé.  ■ .,  aroé. . .». 

S«  D,3    zB<iby(aOO<^le 


4l8  REVISTA  DO  UWriTVTO  HISTÓRICO 

Mas  a  festa  interna  e  a  ceremonia  fúnebre  externa  do 
ranchão  foram  de  súbito  medoahtunente  interrompidas,  quando 
se  ouviram  dous  tiros  do  lado  do  mato.  Atirava-se  alli  outra 
vei  contra  os  Catapós  !  Um  homem,  a  quem  a  bebedeira 
fizera  dormir,  os  tinha  visto  e  ouvido  gritar  1  Acorcfodo,  deu 
o  grito  de  alarma,  que  teve  como  consequência  um  enorme 
alvoroço.  Elyseu  chamou  os  soldados  ás  armas;  em  pouco 
tempo,  o  pateo  ficou  repleto  de  homens,  carreados  de  arcos 
e  flechiis,  de  mulheres,  que  nos  seus  cestos  haviam  arrumado 
todos  os  seus  haveres  portáteis,  conduzindo  ainda  crianças 
e  empurrando  outras  adeante  de  si,  e  de  rapazotes,  que  ge- 
ralmente estavam  também  armados.  Somente  não  saiu  do 
■eu  logar  a  mulher  com  o  pequeno  cadáver  ao  collo ;  e  alguns 
dansantes,  tendo  á  cabeça  uma  grande  roda,  feita  de  ver- 
melhas pennas  de  arara,  batiam  os  pés,  cantavam  e  matra- 
queavam sem  cessar,  ou,  depois  de  ter  tomado  parte  na  ce- 
leuma geral,  voltavam  promptamente  aos  seus  deveres. 

A  multidão,  em  grande  alvoroço,  rodeava  a  casa  prin- 
cipal. Alli  estavam  os  soldados  em  longa  fileira;  ós  cadetes 
e  funccionarios  mal  e  mal  supportavam  o  aperto,  e  ninguém 
podia  ouvir  bem  a  própria  palavra.  E  era  noite  escura.  Os 
exaltados  exigiam  que  fossem  removidos  para  a  outra  mai^em 
do  rio,  antes  da  chegada  dos  Caiapós ;  toda  a  multidão  estava 
promptã  para  sair.  Felizmente,  porém,  não  tinham  animo  de 
separar-se  dos  soldados.  Era  uma  effervescencia  tal,  que  não 
se  sabia  si  os  cinco  sentidos  f unccionavam .  Pouco  a  pouco 
a  agitação  foi  arrefecendo.  Mais  alto  resoava  o  solenne  aroé 
dos  dansantes,  os  moços  e  as  raparigas,  pintados  de  vermelho, 
procuravam  as  suas  pousadas  no  mal  allumiado  ranchão,  e 
a  multidão,  que  se  apinhava  no  pateo,  dividia-se  em  pequenos 
aggrupamentos ;  alli  e  acolá  lobrigavam-se  na  escuridão  achas 
ardentes,  e,  ao  clarão  de  uma  fogueira,  avistavam-se  hor- 
rendos arcos  e  flechas,  cestos,  os  enfeites  de  pennas  dos  can- 
tores, e,  acocoradas  e  deitadas,  pessoas  de  todas  as  edades 
e  sexos,  sobre  cujos  robustos  corpos  o  contraste  de  lui  e 
sombras,  no  momento  em  que  eram  allumiados,  produzia 
effeitos  singulares. 

Na  repartição  principal  da  colónia,  todos  os  aposentos 
estavam  cheios:  em  casa  de  Elyseu,  de  Caldas  e  do  admi- 

'■'Google 


KKTRE  03  BOnõROS  419 

nistrador,  em  toda  parte  havia  mulheres  e  creanças,  com  todas 
as  trouxas,  em  redor  da  mesa  e  sobre  ella  e  em  todos  os 
cantos,  —  similhando  uma  grande  porção  de  ímmigrantes 
amontoados  numa  estação  ferroviária.  Algumas  das  mulheres 
mais  mo<;as  e  bonitas  davam  na  vista  pela  posse  de  travesseiros 
brancos.  Os  brasileiros  zombavam  delias  e  consolavam-n-as ; 
—  €  Caiámo  bakitno  »,  «  os  Caiapós  não  valem  nada  ! »  Os 
Índios  gabavam-se  de  que  não  tinham  medo,  entesando  os 
arcos  e  baixando-se  á  maneira  de  espiões,  para  espreitarem 
o  inimigo.  E,  nesse  ínterim,  esmolavam  fumo  e  cachaça. 

Mais  uma  vez  deu-se  grosso  alarido:  disseram  que  um 
Borôro  tinha  sido  morto  por  um  Caiapó,  perto  das  ultimas 
casas  I  Trouxeram  um  homem  com  a  testa  machucada:  a 
esposa,  desesperada,  prectpitou-se  sobre  eile  para  examinar 
a  ferida.  Nós  fizemos  o  mesmo.  Uns  pares  de  gottas  de 
sangue,  uma  pequena  contusão;  o  ferido  relatou  que,  no  acto 
de  espiar,  fora  attíngido  por  um  pontudo  osso  de  boi.  Si 
foi  má  brincadeira  de  a^m  amigo  frívolo,  ou  si  o  projéctil 
era  destinado  a  um  Caiapó,  —  isso  ficou  segredo  daquella 
noite  sinistra. 

Pelas  II  horas  da  noite,  julgámos  ser  tempo  de  retirar- 
nos.  Não  havia  mais  novidade  em  espectativa.  Os  cadetes 
jogavam  cartas,  os  caciques  estavam  muito  embriagados.  Lá 
íóra  também  se  havia  feito  silencio.  Os  soldados  haviam-se 
recolhido,  e  ao  seu  lado  estavam  as  respectivas  mulheres, 
deitadas  sobre  pelles.  O  fuiíebre  pranteio  continuava;  no 
bailo,  completa  escuridão. 

EscHotA.  —  Observemos  agora  um  quadro  mais  pacifico. 
Os  meninos  bororós  tornaram-se  meus  amigos  espedaes. 
Delles  aprendi  os  melhores  termos  da  lingua.  Mostravam-se 
muito  vivos,  ousados,  mais  ou  menos  como  pequenos  neger- 
boys,  e  primando  sobre  a  juventude  civilizada  da  Europa  em 
subtileza  physica  e  espiritual.  Gostaram  muito  do  seu  papel 
de  mestres  meus  e  incitavam-me  incessantemente  a  tomar 
apontamentos:  —  €poiedie  papératt   (18)   mais  ou  menos 


(iS)  Conforme  o  qnc  outí  doi  Borâroi.  o  certo  t  cpoghMje>,  que  Unto 
■Jtnifica  «continue»,  como  timbem  «outra  tu»  ou  <nomnent*>.  A  p>- 
I>Tn  «papíri*  t  1  idaptaçlo  phonetica  do  vocábulo  portuiow  <pip«l>> 
(Nota  de  B.   de  U.). 


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430  RBVISTA  DO  INSTITUTO  BUTORICO 

€  Continue  no  papel  ! »  A  elles  principalmente  devo  o  conhe- 
cimento dos  prefixos  pronominaes  para  as  partes  do  corpo, 
que  variam  para  cada  pessoa,  e  bem  depressa  se  tomou  o 
seu  sport  favorito  o  declamar  na  sua  língua  —  cmeu  nariz, 
teu  nariz,  nosso  nariz,  vosso  nariz,  seu  nariz  >,  em  todas  as 
variações.  Nomeadamente  revelava  intelligencia  o  pequeno 
diabrete,  que  figura  no  meio  da  estampa  n.  128.  Também 
no  nosso  allemão  elie  sempre  descobria  borôro.  Usámos  da 
expressão  <  pap^eienmaessig  > ;  immediatamente  ouvimos  a 
exclamação  <  pafagaima  I  >  ( 19)  c  vamoa  tomar  banho  I » 
Quando,  uma  noite,  Ehrenreich  se  dirigia  á  lua  com  as  pa- 
lavras do  dr.  Faust,  recitando  o  verso  « In  deinem  Thau  ge- 
sund  mich  baden  >,  o  tratantinho  accompanhou  immediata- 
mente €  itáu,  akáu,  áu  »,  isto  é,  «  meu  cabello,  teu  cabello,  seu 
cabello».  Esta  brincadeira  era  tanto  mais  original,  quanto  o 
|::adete  Caldas,  seu  magister,  que  também  devia  fazer  um 
trabalho  sobre  a  lingua  borôro,  declarava  que  os  prefixos 
pronominaes  americanos,  que  eu  procurava,  eram  mentiras 
e  invenções  dos  rapazitos,  conforme  a  linguagem  das  gallinhas. 

Elle  sustentava  isso,  por  ser  muito  teimoso  em  suas  opi- 
niões. Expressava-se  também  desdenhosamente  em  relação 
ao  nosso  asserto  de  que  a  lingua  latina  era  uma  lingua  morta, 
porque  esse  idioma  era  falado  no  Egypto...  Mas,  peíor  era 
quando  elle  affirmava  que  Muller  (sabe  Deus  donde  lhe  veio 
o  conhecimento  dessa  uníca  palavra  allemã  !)  era  palavra 
franceza,  e  insistia  nisso,  apesar  do  cómico  desespero  de 
Ehrenreich,  que,  como  filho  da  Athenas  do  Spree,  em  face 
de  tmi  ataque  tão  inaudito  ao  <  Guia  de  informações »  de 
Berlim,  offendia  a  base  do  seu  pensar  e  sentir.i 

Si  Caldas,  que,  pelo  ensino  aos  rapazitos  boròroá,  recetna 
uma  gratificação,  aprendia  pouco  dos  seus  discipulos,  estes 
certamente  ainda  menos  aprendiam  delle.  E'  verdade  que  os 
marotos  não  gostavam  de  frequentar  a  aula :  no  começo,  nem 
appareceram  lá;  mais  tarde,  capitularam,  quando  alguns  pães 


(19)  c  Tomar  bontio  >  r  « úma  >,  cuja  primeira  pesscA  gilural  do  iinpr- 
TBlivo  é  ipagaima»  (de  <pighi>,  nús).  Em  <papaBa!ma>  ha,  tvideiltinait^ 
o  prefixo  intensito  <pi>,  que  i  a  tylbiba  iokial  tia  pronome  4CÍma  citado. 
(NoU  de  B.   do  M.).: 


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BNTRE  08  BORdROS  431 

curiosos  também  tomaram  assento  na  eschola.  Eram,  enfim, 
muito  desattentos.  Eu  pensava  que  as  creanças  deviam  apren- 
der em  primeiro  logar  os  nomes  portuguezes  das  cousas  mais 
conhecidas,  —  plantas  de  cultura,  animaes,  utensílios,  —  que 
haviam  de  contenta-los  e  que  elles  espontaneamente  me  per- 
guntavam. Eu  pensava  mais  si  elles  não  haviam  por  força 
de  aprender  a  ler...,  mas  não  vale  a  pena  insistir  no  meu 
modo  de  pensar,  é  melhor  restringir-me  ao  meu  papei  de 
relator.  >  ' 

Cada  um  dos  rapazes  tinha  na  mão  uma  folha  de  papel, 
manuscrípta  por  Caldas.  Liamos  —  ai,  el,  U,  ol,  ul,  bal,  bel, 
hil,  boi,  bui,  dal,  dei,  dil,  dol,  dul,  e  assím  pbr  deante,  pela 
pagina  inteira.  O  mestre  lia-lhes  linha  a  linha,  que  os  alumnos 
tinham  de  reproduzir.  Durante  horas  assim  se  exercitaram 
elles,  sacudindo  alegremente  o  seu  papel  e  dizendo: — bal, 
hei,  bil,  boi,  bui,  dal,  dei,  dil,  dol,  dul,  etc.  DuTbnte  alguns 
mezes  não  passaram  além  disso.  Caldas  mesmo  parecia 
perder  a  paciência  e  perguntou-nos  três  vezes  quantas  horas 
eram  durante  o  pouco  tempo  em  que  assistimos  ás  suas  licções. 
Dous  pães  bororós  estavam  sentados  a  um  canto,  murmu- 
rando de  vez  em  quando,  não  sem  alguma  devoção:  —  bal,  bel, 
bil,  boi  bui.  Entre  as  minhas  notas  linguisticas  acho  o  seguinte : 
—  os  Bororós  me  disseram  «  elle  ensina  a  ler  os  rapazes  » ; 
a  phrase  é,  em  traducção  litteral,  conforme  o  verdadeiro  obje- 
ctivo, «elle  ensina  os  meninos  a  olhar  no  papel».  Caldas, 
porém,  esperava  obter  logo  melhores  resultados;  os  rapazes, 
dizia  elle,  eram  um  bando  malcreado,  que,  antes  de  tudo, 
devia  aprender  a  obediência.  EUe,  até  então,  os  tinha  casti- 
gado, batendo-lhes  com  a  régua  nos  dedos,  quando  estavam 
desattentos.  ^ora,  porém,  possue  um  mais  aperfeiçoado  sys- 
tema  de  palmatória,  que  nos  exhibiu  em  dous  exemplares: 
tinham  ellas  a  forma  de  colheres  de  pau,  mas  com  uma  peça 
terminal  chata,  circular,  e  esta,  —  nisto  é  que  consistia  o 
melhoramento,  —  era  perfurada  como  uma  peneira ;  dizia 
Caldas  que  o  ar,  penetrando  pelos  buracos,  augmentaria  a 
dõr.  Esperava,  poiá,  que  as  novas  palmatórias  vingassem  bem 
e  que  os  rapazitos  chiassem  pelo  menos  ao  xat,  xel,  xil,  xol, 
xul.  Èm  nosso  tempo,  o  resultado  era  sempre  dal,  dei,  dil, 
'dol,  dul. 

DigtizedbyGOOgle 


433  REVISTA  DO  tNtTITDTO  mSTOBICO 

Os  ermXos  inimigos.  —  No  dia  9  de  Abril,  Arateba  tor- 
nou a  fazer,  no  estado  de  bebedeira,  mais  uma  das  suas  proe> 
zas.  Furioso,  derribou  a  cabana  de  uma  viuva,  que  lhe  não 
quiz  satisfazer  aos  desejos.  Aquelle  trabalho  foi-lhe  de  facíl 
execução,  apesar  do  perigo  de  a  cada  arranco,  cair  de  costas. 
Seu  ermão  e  dous  previdentes  amigos  carregaram-n-o  aos 
hombros,  levando-o  para  o  seu  rancho.  Alli,  durante  um 
quarto  de  hora,  foi  tomado  de  um  ataque  de  choro;  levanta- 
se,  porém,  depois  de  irrigado  com  agua  fria,  e  apparece  deante 
da  casa  do  commandante.  Como  um  leio  que  ruge  na  jaula, 
elle  passeia  alli  de  um  lado  para  outro,  desafiando  o  ermão 
para  a  lucta  e  injuriando-o  muito  perante  o  povo.  O  ermão 
avan<;a'  para  elle,  e,  acurvado,  saltita  algum  tempo  deante 
delle;  em  seguida,  engalfinham-se  furiosamente.  Arateba, 
por  quatro  vezes,  é  derribado  ao  chão.  Então  Maria,  sua  erma, 
intervém  resolutamente  e  segura-o  com  tanto  vigor,  que  elle 
não  pode  mexer-se.  São  levados  os  ermãos  para  direcções 
oppostas.  Da  choça  de  Arateba  sai  de  novo  uma  gritaria 
selvagem  e  outra  vez  apparece  o  cambaleante  bêbado :  —  tem 
a  physionomia  de  um  verdadeiro  criminoso,  e,  além  disso,  a 
cabeça  rapada,  —  e  penetra  na  cabana  onde  esconderam  o 
ermão.  Golpes  retumbantes,  gritos  medonhos,  briga  geral. 
A  excitada  multidão,  em  cujo  meio  se  destaca  a  figura  de 
Moguiocúri,  vem  para  fora:  alguns  luctam  corpo  a  corpo, 
Arateba  é  outra  vez  posto  em  terra,  as  mulheres  precipitam-se 
então  accesamente  no  torvelinho.  Maria  subjuga  o  bêbado, 
este  é  arrastado  para  fora,  todos  riem-se,  voltam  para  o 
ranchão,  €  alguns  dizem,  não  sem  razão:  —  <  Piga  pega!», 
isto  é,  €  a  pinga  é  coisa  má  !  >  (20) . 

Disciplina. — Estando  taes  scenas  na  ordem  do  dia, 
nSo  se  podia  evitar  que  ellas  exercessem  influencia  nefasta 
nos  soldados.  Estes  andavam  irritados,  por  terem  de  fazer 
todos  05  trabalhos,  ao  passo  que  os  indios  vadiavam ;  por 
terem  de  pagar  a  garrafa  de  cachaça  a  2$,  isto  é,  cinco  vezes 


(10)  «Pisa»  é  alinplet  comiptcU  do  vi>c>bulD  ptrtagatx  «pinga».  A'  >!• 
mllhin;!  ão  duplo  slgnifiodo  doi  termos  tupicos  tpoxi>  e  c  porangi  >  (alii), 
«n  nosu  própria  Unsui  «bonito*  6  um  darlndo  ds  «bom»),  —  «ptsa*.  em 
borâra,  terve  para  indicar  aa  ideai  de  « mau  i  •  de  ■  feio  >,  aialm  como 
«peméga*  ou  «  pemegárf  >  tanto  quer  diíer  «bom»  quanto  <  boplto  >.  CNoU 
de  B.  de  If.). 


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ENTRE  09  BORdlOS  413 

mais  do  que  o  preço  da  cidade,  ao  passo  que  os  Índios  a 
recebiam  de  graça,  para  beber  á  vontade;  e,  finalmente, 
porque  tinham  de  frequentar  o  xadrez,  em  consequência  dos 
seus  delidos,  ao  passo  que  os  Índios  podiam  impunemente 
gritar  &  cara  dos  officiaes  ura  insultuoso  —  *  filho  da...  .'» 
No  mais,  o  bom  do  Elyseu,  que  não  podia  modificar  o  systema, 
era  ínnocente,  —  até  era,  por  exemplo,  tão  indulgente,  que 
perdoou  a  um  homem  que  sobre  elle  avançara  de  faca  em 
punho.  O  soldo,  naturalmente,  era  gasto  no  jogo  de  cartas. 
Um  tinha  perdido  100.000  réis  no  <  vinte-e-um  >  e  no  «  trinta- 
e-um  *,  quando  chegou  o  dia  do  pagamento .  Não  tendo  mais 
dinheiro,  vendiam  por  uma  bagatella  todos  os  trastes  da  casa. 

O  ódio  contra  o  administrador  concentrou-se  em  uma 
pequena  rebellião,  quando  um  dos  camaradas  foi  preso  por 
causa  da  calumnia  de  que  o  dicto  administrador  lhe  havia 
feito  â  companheira  propostas  deshonestas,  promettendo 
dar-lhe  um  vestido  novo  do  seu  armazém.  Queriam  os  re- 
beldes assaltar  o  cárcere  e  matar  Ildefonso  a  tiros.  Conse- 
guiram acalma-los,  fazendo-lhes  ver  que  Duarte  ia  regressar 
togo  e  então  decidiria  a  contenda.  Ildefonso,  porém,  está 
muito  exaltado .  Disse  elle  que  tinha  apenas  dado  c  bons-dias  > 
á  rapariga;  outrora,  não  o  negava,  tinha-lhe  feito  cousas  como 
a  de  que  era  accusado;  mas,  agora,  para  elle,  <  a  mulher  era 
ideai  >. 

Chegada  de  Duarte- — No  dia  ii  de  Abril,  mais  ou 
menos  ao  meio-día,  muito  celeuma  e  grande  imitação :  —  Di- 
uáte  I  Diuáie  !  Chiavam  do  mato,  —  não  ha  opereta  que 
represente  cousa  mais  bonita, — 14  Bororós,  um  atraz  do 
outro,  descalços,  em  trajo  branco-sujo,  rodeado  de  bainha  ver- 
melha, com  claros  chapéus  de  palha  de  abas  largas,  debaixo 
dos  quaes  ondulava  o  opulento  cabello  preto,  com  grossas 
borlas  vermelhas  e  fitas  vermelhas  soltas  com  o  disticho  <  Co- 
lónia Teresa-Christina  >,  sabres  com  talins  e  copos  enfeitados, 
grandes  e  redondas  botijas  de  cachaça,  de  vez  em  quando  um 
guarda-sol  aberto.  E  atrás  Duarte  a  cavallo,  e  trez  caciques 
montados  era  mulas,  com  o  uniforme  azul-marinho  de  galões 
vermelhos  de  u'a  mão  de  largura,  que  contrastavam  bastante 
com  os  pés  nús,  trazendo  a  espingarda  na  mão,  e  sobre  a 
manga  uma  brilhante  rodella  de  latão  com  os  dizeres  c  Vo- 


,dbyGoogle 


434  REVISTA  DO  INSTITUTO  BISTORICO 

luntarios  da  Pátria».  Viva  da.  Carmina,  a  presidenta  (21) 
Pois  nisso  consiste  a  catechese  da  exma.  sra.  !  Os  robustos 
rapazes,  é  verdade,  tinham  um  porte  garboso,  quando  cami- 
nhavam aos  raios  do  sol,  e  marchavam  recta  via  para  a  casa 
principal;  iam,  com  grande  seriedade,  sem  siquer  desviar  a 
vista  da  linha  recta,  pois  nem  lançavam  uma  olhadela  de 
lado  para  as  suas  ululantes  mulheres  e  creanças,  que  pareciam 
loucas  de  alaria.: 

Ainda  no  refeitório  conservavam  a  mesma  solenne  atti- 
lude.  Nós,  os  extrangeiros,  estávamos  sentados  em  bancos, 
postos  ao  redor  da  mesa  e  junto  ás  paredes,  em  grande  con- 
traste com  os  barulhentos  e  desnudos  filhos  da  brasilea  tribu. 
Havia  notadamente  quatro  mulheres,  que  se  lamentavam  de 
modo  a  causar  dó,  relatando,  com  os  rostos  banhados  de 
lagrimas,  os  acontecimentos  desfiados  desde  a  separação;  a 
mais  exaltada  rasgava  a  pelle  do  peito,  braços  e  pernas,  tor- 
cendo em  vas't05  queixumes  o  ensanguentado  corpo  côr  de 
barro  amarello  aos  pés  do  esposo,  que,  em  seu  trajo  theatral, 
estava  tesamente  sentado  no  banco. 

A  12  de  Abril,  accompanhando  com  atrazo  de  um  dia  o 
director  da  colónia,  chegaram  dous  enormes  carros  carregados 
de  géneros,  puxado  cada  um  por  duas  dúzias  de  bois.  Para 
os  soldados  houve,  então",  uma  mudança:  —  na  ordem  do-dia 
da  véspera  pubHcara-se  que  de  então  em  deante  cessava  a 
venda  da  cachaça,  principalmente  porque,  no  momento  da 
entrada  do  tenente,  foram  encontrados  muitos  bêbados. 

Ai.Moço  lí  SERENATA. — Depoís  de  regulados  taes  ne- 
gócios, Duarte  só  no  dia  seguinte  foi  que  verdadeiramente 
recebeu  os  cumprimentos  de  boas  vindas  dos  seus  subordi- 


>.)  0 

core 

nd    Francíse. 

Rafa 

I  de  Mello 

R«go  p 

elidiu   >  provincia  de 

Mil 

-Cross 

0  dea 

e   16  de  Novembro 

de  188?  até 

6  de  Fe 

pereiro  de  1889.  <  Ot 

Oarmin»  > 

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a  com  i|ue 

cida  alli.  pelo  povo  e 

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eduiido!.  n 

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A    € 

Bra 

LleLra  »  (vol. 

Ilt.  ia 

!f9.    13  e  14),  inseriu 

um  traUlho  do  entlo 

ernt 

11o   R 

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03  de  Mato 

Croiso: 

oi    Borõros-Coroadoí  > 

e  jS 

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Maria 

do  Carmo  Mello  Ren, 

■liado 

*  Rosí.   a    Borato 

(vol. 

II.    jSçis). 

No  mesmo   anno,   dern   tUa   i 

pub 

pequeno    o|> 

«  Ouido  >. 

oiisagrad 

0    &    memoria    de    um 

no  boríiro. 

ilho,  dando 

ahi  euri 

uella    tribu 

nsula 

Mat 

-Gros 

<  Arletactoí 

indigc 

as  de  Mato-Grosío» 

são,  respectivamente. 

de  ■ 

897  e 

999. 

(Noia  de  B 

de  M.). 

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ENTRB  OS  BORMOS  435 

nados.  Em  primeiro  logar,  houve  ao  almoço  boni  vinho  do 
Porto.  Este  era  em  abundância,  apesar  de  o  tomarem  dous 
cadetes  num  copo  só.  Duarte  era  muito  morigerado,  por 
causa  do  seu  figado.  Ao  vinho  seguiu-se  uma  collecçao  de 
garrafas  de  clara  cerveja  extrangeira,  cujo  rótulo  nos  lembrou 
a  pátria  distante:  a  brasserie  era  em  Hanover.  Seis  brindes 
celebraram  a  Duarte  como  soldado  do  Paraguai,  como  pae 
de  f amíha,  etc . ,  etc .  Havia  sempre  novos  motivos  para  elogios, 
a  todos  os  quaes  elle  respondia  com  o  seu  amistoso  —  c  obri- 
gado I  9 . 

Esta  sessão,  porém,  era  apenas  um  preludio  da  serenata : 
Caldas  com  violino,  Duarte  com  guitarra,  Ildefonso  com  o 
coxo.  Foi  uma  noite  linda  e  alegre,  que  nos  encheu  do  mais 
alto  respeito  pela  força  para  beber  por  parte  dos  Brasileiros ; 
nunca  eu  poderia  pensar  que  nos  seus  sertões  houvesse  (fessas 
cousas.  Duas  grandes  caixas  de  cerveja  foram  totalmente  es- 
vaziadas, antes   de  chegar  a   vez   da  cachaça.    Ainda  mais 
infinita  era  a  correnteza  dos  discursos.  Eu  fiz  o  meu  brinde 
ao  fundador  da  catechese  dos  Bororós,  o  presidente  Galdino 
Pimentel,  de  quem  não  foi  a  culpa  de  que  mais  tarde  ella 
entrasse  numa  senda  falsa,  e  assim  evitei  o  dilemma  de 
mentir  ou  de  of fender  inutilmente.  Duarte,  então,  tomou  a 
palavra  e  falou  muito  bem.   Estava  descontente  com  o  go- 
verno ;  era   por  conta   do   c  governo   ingrato »   o  que  ainda 
faltava  para  o   aperfeiçoamento   da    colónia.    Considerava 
também  um  erro  que  Elyseu  ainda  não  estivesse  promovido, 
porém  elle  mesmo  tinha  tido  razões  de  dissuadir  o  governo 
de  mandar  o  seu  joven  amigo  para  a  colónia  '€  Isabel  »*,  porque 
poderia  acontecer  que  este,  por  uma  única  falta,  prejudicasse 
toda  a   sua  carreira  !  —  De   facto,  era  admirav 
observador  imparcial  ver  como  os  cadetes  confia 
temal  cuidado  de  Duarte,  —  cuidado  que  a  elle  p 
veitava,  —  e  como  lhe  pareciam  ser  inteiramente 
Avaliei  pouco  mais  ou  menos  em  30  ou  35  os  bi 
noite,  dos  quaes  pelo  menos  20  consagrados  ao  b 
Duarte,    Muito  engraçado  era  o  bom  do  Elyseu 
incumbiu  o  palavroso  Ildefonso  de  falar  por  elU 
algum   tempo,   porém,   elle   mesmo   se   levantou, 
resolutamente :  —  «  Não  tendo  a  devida  intelligenc 


«byCoogIe 


436  BBVUTA  DO  INSTITim)  HISTÓRICO 

então  em  deante,  fez  até  corajosamente  muitos  brindes,  co- 
meçando  sempre  com  a  desculpa  de  que  não  possuía  a  neces- 
sária capacidatfe  tntellectual,  e  pedindo,  toda  vez  que  termi- 
nava, a  coadjuvencia  dos  presentes,  para  vivarem,  c  debaixo 
de  todo  o  enthusiasmo  »,  successivamente  vários  membros  da 
familiã  de  Duarte,  a  esposa  em  Cuiabá,  o  ermão  e  principal- 
mente ã  filha  mais  velha.  Quanto  mais  tomavam  cerveja, 
tanto  mais  solennes  e  series  ficavam  os  discursos.  O  boticário 
era  poeta,  sabia  muita  cousa  de  flores  de  toda  espécie,  e 
comparava  o  grotesco  sargento  Joaquim  com  um  botã<^,  e 
celebrava  a  mulher,  a  qual,  —  primeira  parte,  —  devia  ser 
considerada  uma  criança,  mas,  para  elle,  —  s^unda  parte,  — • 
era  uma  divindade,  que  para  nós,  os  homení,  sempre  seria 
um  mysterio  insondável.  Ao  mavioso  accompanhamento  da 
guitarra,  recitou  Caldas  umas  inspiradas  poesias;  as  bellas 
palavras  succediam-se  muitas  vezes  com  uma  incrível  presteza, 
e  do  mesmo  modo  as  nossas  impressões  tinham  de  variar  do 
delicado  ao  pathetico,  do  forte  ao  meigo.  Apoderou-se  de 
todos  uma  commoção  profunda.  Duarte  foi  abraçado  como 
um  pae,  Elyseu  ajoelhou-se  deante  delle,  pedindo-lhe  a  benção, 
ao  que,  porém,  o  pae  brandamente  se  recusou,  com  um — ■ 
<  isso  não,  meus  amigos  I  » . 

Ainda  não  me  referi  aos  Bororós.  Estes,  porém,  não 
faltavam  de  modo  algum,  e  estavam  alli  bem  a  geito.  Vi, 
pela  primeira  vez,  um  soberbo  cacique  índio  desarrolhar  uma 
garrafa  de  cerveja  allemã.  A  miude,  serviam-se  elles  com 
prazer  do  sueco  da  cevada  e  da  canna,  tomando  muito  mais 
do  que  podiam  supportar.  Frequentes  vezes,  entresachavam 
com  2  sua  tagarellice  os  discursos  sentimentaes,  o  que  a 
ninguém  incommodava,  levantavam  as  suas  garrafas  ao  tinir 
dos  copos,  tocando-as  também,  e  não  se  cansavam  de  abra- 
çar-se  cordialmente.  Moguiocúri  também  tomara  assento  alli, 
entoando  uma  canção  ruidosa  e  tocando  guitarra,  cujas  cordas 
elle  arrancava  como  um  tapir  que  empurra  bambus.  Fal- 
tavam ã  serenata  somente  mulheres  índias.  Mas  duas  moças, 
já  desde  o  começo,  tinham  sido  levadas  por  Moguiocúri  para 
o  quarto  de  Duarte,  que  ficava  ao  lado  do  refeitório.  Na 
manhã  seguinte,  alli  chegaram  á  janella,  para  serem  admi- 
radas, com  pentes  de  tartaruga  nos  cabellos,  correntes  de 


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ENTRE  OS  BORdltOS  437 

plaquei  ao  pescoço,  com  pulseiras  côr  de  rosa,  e  honestamente 
vestidas  de  compridas  camisolas,  que  eram  estampadas  de 
enormes  e  variegadas  figuras  de  ramos  de  palmeira. 

Aqui  talvez  posso  eu  fechar  o  meu  caleidoscópio :  — 
havia  de  ser  somente  uma  repetição  de  quadros.  Até  á  nossa 
saída,  no  dia  18  de  Abril,  não  tivemos  occasião  de  observar 
que  as  nossas  desfavoráveis  primeiras  impressões  fossem 
causadas  pela  ausência  do  director  da  catechese.  Pelo  con- 
trario. Duarte  ia  tomar  banho,  dava  um  passeio  á  olaria,  ou 
fazia  cousas  similhantes;  no  resto  do  dia,  deixava-se  ficar 
no  seu  quarto,  onde  também  sempre  se  viam  muitos  Bororós, 
Todos  esmolavam.  Uns  ganhavam  alguma  cousa,  outros  nada. 
Bêbados  havia  sempre  entre  elles.  Para  construcçlo  do  novo 
edifício,  os  soldados  carregavam  paus  e  folhas  de  palmeiras, 
que  tinham  tirado  do  mato.  Certa  vez  até  alguns  Bororós 
os  ajudaram  um  bocadinho,  a  troco  de  cachaça. 

Si  preguiça  e  divertimentos  por  parte  dos  funccionarios 
e  Índios  eram  o  objecto  da  colónia,  —  então  esta  poderia  ser- 
vir de  brilhante  modelo. 


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III.  — OBSERVAÇÕES 


poloeícM.   Htibito  cMento   (Ctbtlla. 


Ptntuid.  Onumeot^çio) .  O  «arAe».  Caca  e  cultiva 
do  campo.  Armai.  Trabalhos  no  ranchio  e  icchnica.  AlímentaçEo ;  «beo- 
limentoii  pat  meio  doa  ( biríi  >.  Dinu  t  úlraaOta.  Instrumento*  de 
muiica;  aonidom.  Arte  de  dnenho.  Diíeíta  e  casamento  (Coitumei  d> 
familia  do  rancbla).  Nascimento;  nomes.  Featai  dos  mortos.  Alma  e  vida 
de  além-tomulo.   Ni^uas  celestes.    Conjurat^o  de  meleoros. 

Observações  antropológicas .  Alíura: 

20  homens:  max.   191,2;  min.    167,0;  med.   173,6. 
i6  mulheres:  max.  168,2;  min.  156,2;  med.  i6o,S- 

Uma  pasmosa  differença  da  altura  dos  índios  do  Xingu  ! 
As  mulheres  bororós  regulam  pouco  mais  ou  menos  com  os 
homens  da  tribu  dos  Bakaeris.  A  média  dos  26*  Bororós  de 
ambos  os  sexos,  que  medi,  é  de  170,6,  numero  esse,  porém, 
que,  na  desproporção  de  20  homens  para  seis  mulheres  não 
tem  valor  algum.  Tomando  por  base  o  eschema  de  Topinard, 
os  Bororós  são  individuos  de  estatura  alta,  sendo  de  170,0 
o  seu  timlte  inferior.  Na  tabeliã  communicada  por  Topinard 
{22)  sobre  a  média  da  altura  dos  homens,  occupariam  os 
Bororós  o  3°  logar  entre  as  10  tribus  de  estatura  alta.  Só 
seriam  superados  pelos  Teuclches  da  Patagonia  (178,1)  e 
pelos  Poiynesíos  (176,2),  e  quasi  egualariam  os  Iroquezes 
(■73,5)- 

Extensão  dos  braços  abertos  —  Altura  egual  a  100. 

20  homens:  max.    113,2;  min.  99,9;  med.    104,7. 
6  mulheres:  max.    102,4;  min.  97^4;  med.   100,3, 

O  mínimo  dos  homens  —  0,2  tinha  o  maior  Borôro  me- 
dido, o  qual,  com  191,2  de  altura,  tinha  191,0  de  extensão 
da  braçada.  Em  duas  das  seis  mulheres,  a  braçada  era  menos 
que  a  altura :  —  0,2  para  uma  altura  de  156,2  e  —  4,2  para  uma 
altura  de  160,7. 


€  Anthropologia  > 


byCoógIe 


ENTRE  OS  BOROROS  4^9 

Distancia  inter-humeral  —  A)  Altura  egual  a  loo. 

19  homens:  max.  25,0;  min,  21,6;  med,  23^. 
6  mulheres:  max.  22,6;  min.  20,4;  med.  si,8. 

B)  Absoluta. 

19  homens:  max.  45,3;  min.  38,5;  med.   41,6. 
6  mulheres:  max.  38,0;  min.   32,5;  med.  34,6' 

O  máximo  da  distancia  absoluta  pertence  ao  comprido 
fitho  do  cacique  Moguiocúri,  que,  com  a  altura  de  191,2, 
teve  para  a  distancia  inter-humeral  relativa  23,7.  O  numero 
mais  approximativo  para  a  distancia  inter-humeral  absoluta 
é  de  43,5  para  uma  relativa  de  23,6.  Comparando  com  os 
Índios  do  Kulisehú,  a  média  absoluta  dos  Bororós  é  de  41,6, 
maior  do  que  a  maior  média  (41,4)  dos  Mehinakús,  e  a 
média  relativa  dos  Bororós  (23,9)  é  menor  que  a  menor 
média  (24,1)  dos  Nahuquás. 

Circunferência  tkoracica — A)  Altura  egual  a  100. 

19  homens:  max.   58,4;  min.   524;  med.  55,1. 
6  mulheres:  max.  55,5;  min.  47,9;  med.  51,3. 

B)  Absoluta. 

19  homens:  max.   ioo,S;  mín.  90,0;  med.  95,4. 
6  mulheres:  max.  9i,3;  min.  76.6;  med.  82,$. 

Comparando  esta  medida,  como  a  anterior,  com  a  dos 
Índios  do  Kulisehú  (pags.  166-167),  achamos  de  novo  a 
maior  média  absohita  dos  Bororós  (954)  maior  do  que  a 
maior  média  (95,1)  dos  Mehinakús,  e  a  menor  média  re- 
lativa dos  Bororós  (55,1)  egual  á  menor  média  dos  Nahu- 
quás (55,1). 

Altura  da  cabeça  —  Altura  do  corpo  cg\a\  a  100. 

18  homens:  max.    19,4;  min.    12^;  med.    14,6. 
6  mulheres:  max.    16,1;  min.   13,0;  med.   14,5. 

Dous  homens  têm  números  bem  altos.  Si  compararmos 
média  das  seis  mulheres. 

próximo  16,8  (31,0  cm.),  veremos  que  os  18  homens  têm 
uma  média  de  0^4  com  só  14,2,  a  qual  é  menor  do  que  a 
média  das  sets  mulheres. 

Circunferência  da  cabeça  —  Altura  do  corpo  egual  a  100. 

20  homens:  max.   34,4;  min.    31,1;  med.   32,9. 
6  mulheres:  max.  36,6;  min.  31,6;  med.  33,4. 

O  minimo  que  achámos  nos  homens  medidos  no  Xinga, 

.  Cooglc 


430  RBVISTÀ  DO  nwnTDTO  mSTORtCO 

por  exemplo  em  um  Trumaí,  —  foi  de  32^.  A  média  dos 
Bororós,  32,9,  é  mais  baixa  que  a  média  mais  baixa  das  séries 
lá  observadas,  37,7  dos  Kamaíurás,  e,  bem  entendido,  a  dif- 
ferença  de  0,8  é  justamente  egual  á  differença  entre  a  média 
mais  baixa  e  a  mais  alta  das  tribus  do  Kulisehú  (Kama- 
iurá,  33.7;  Auetó,  34,5). 

Índice  craniano  em  relação  á  largura  e  ao  comprimento. 

20  homens:  max.    85,6;  min.    75,0;  med.   8o,S. 
6  mulheres;  max.  79,8;  min.  76,2;  med.  77,7. 

10  homens  abaixo  da  média :  75,0,  76^,  77,0,  77i^t 
77'^.  79.4,  79A  80,2,  80,3,  80,3  e 

10  homens  acima  da  média:  80,9,  81,5,  81,8,  83,3  82,5, 
84,0,  844,  84,8,  85,5,  85,6. 

3  mulheres  abaixo  da  média :  76,2,  76,6,  77,6  e 

3  mulheres  acima  da  média:  77,9,  78,3,  79,8. 

Tenho  mencionado  todos  esses  algarismos  singelos,  afim 
de  demonstrar  que  as  médias,  neste  caso,  offerecem  uma 
imagem  fiel.  Os  homens  têm  a  distancia  entre  a  máxima  e 
a  minima  tão  colossal,  que  parece  incrível,  A  máxima  das 
mulheres  é  mais  baixa  que  a  média  dos  homens,  e  a  diffe- 
rença entre  os  dous  sexos  tem  um  aspecto  muito  diverso  do 
que  observámos  no  Kulisehú.  Quanto  á  média,  os  algarismos 
referentes  aos  homens  Bororós  regulam  com  os  mais  altos 
do  Kulisehú  e  são  apenas  excedidos  pelo  índice  dos  Trumaís, 
que  é  de  8:,8. 

Proporção  do  comprimento  da  cabeça  para  a  altura  da 
orelha  —  O  maior  comprimento  da  cabeça  ^^al  a  icxj. 

20  homens;  max.   75,4;  min.   61,3;  med.   67,9. 

6  mulheres:  max.  f)QA'>  min.  62,2;  med.  66,e. 

Angulo  maxillar — Limite  do  cabello  —  mento  egual  a 

19  homens:  max.  65,9;  min.   51,7;  med.  5Í,j. 
6  mulheres:  max.  67,3;  min.  524;  med.  58,4. 
Arco  do  osso  malar  —  Limite  do  cabello  —  mento  egual 
00. 
19  homens:  max.  85,2;  min.  72,8;  med.   75,7. 
6  mulheres:  max.  84,6;  min.  70,3;  med.  78,5. 
Tuberosidade   do    osso    »ki/ar— Limite    do    cabello  — 
ito  egual  a  100. 


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BNTRB  OS  BORdROS 


43' 


19  homens:  max.    57,6;  min.    45,7;  med.    4Ç,o. 
6  mulheres:  max.  49,1;  min.   42,7;  med.  46,6. 

Face  média  —  Raiz  nasal  —  mento  egual  a  100. 

20  homens:  max.   69,4;  min.    53,8;  med.   óo.ç. 
6  mulheres:  max.  68,0;  min.  58,0;  med.  óí,j. 

Altura  do  naris  —  Comprimento  do  nariz  ^;ual  a  100. 
18  homens;  max.    112,5;  ">'"•   92,o;  med.   ioo,t. 
6  mulheres:  max.   111,6;  min.    102,3;  med.   106,8. 
Largura  do  naris  —  Comprimento  do  nariz  egual  a  100. 

18  homens:  max,    108,9;  ™'n.   77.8;  med,  8ç,i. 
6  mulheres:  max.  95,1;  min,   73,3;  med.  8$,^. 

Altura   das  espáduas  —  Altura   do  corpo  ^ual   a   100, 
20  homens:  max.    89,9;  min.    79,4;  med.    84,^. 

6  mulheres:  max.  85,3;  min,,  82,3;  med.  8^,ç. 
Altura  do  umbigo  —  Altura  do  corpo  egual  a  100. 
20  homens:  max.   63,0;  min.   57,4;  med.  sp,^. 

6  mulheres:  max.  63,0;  min.   58,9;  med.  60,4. 
Altura  da  symphyse — Altura  do  corpo  egual  a  lOO. 

19  homens:  max.   53,3;  min.   47,1;  med.  50,9. 
6  mulheres:  max.   53,3;  min.  47,4;  med.   4Ç,8. 

Altura  da  crista  Uiaca  —  Altura  do  corpo  egual  a  100. 

20  homens:  max.   62,3;  min.    55,8;  med.   ^p,ç. 

4  mulheres:  max  61^7;  min.    58,1;  med.   6o,t. 
Comprimento  do  braço  —  Altura  do  corpo  egual  a  100. 

18  homens:   max.    52,5   min.    43,6;   med.    46,5. 
6  mulheres:  max.  46,2;  min.  42,9;  med.   44,$. 

Comprimento  da  mão  —  A)   Absoluto, 

19  homens:  max.    19,2;  min.    16,1;  med.    17,8. 
6  mulheres:  max.   174;  min,  16.0;  med.  16,6. 

B)  Altura  do  corpo  egual  a  100. 

19  homens;  max.    11, i;  min.  9,5;  med.    10,4. 
6  mulheres;  max.    11,3;  min.  9,8;  med.   10,4. 

C)  Comprimento  do  braço  egual  a  100. 

20  homens;  max.    24,2;  min.    19,3;  med.    í2,i, 
6  mulheres:  max.  24,3;  min.   21,7;  med.  sj.s. 

índice   do    comprimento    e   largura   da   mão  — 
mento  da  mão  ^ual  a  100. 

18  homens:  max.   50,3;  min.  41,6;  med.   45, 

5  mulheres:  max.  46,9;  min.  41,2;  med.  44, 


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433  RBVIBTA  DO  INSTITUTO  HUTOIUCO 

Altura  do   irochanter  —  Altura  do  corpo  ^ual  a   lOO. 

20  homens;  max.    53,6;  min.    48,4;  med.   51,1. 
6  mulheres:  max.  55,6;  min.  494;  med.  5^,1. 

Comprimento  do  pé  —  A)  Absoluto. 

20  homens:  max.    28,3;  min.   24,0;  med.    íó/i. 
6  mulheres:  max.  25,5;  min.  23,1;  med.  24,0. 

B)  Altura  do  corpo  e^at  a  100. 

20  homens:  max.    164;' min.    14,1;  med.    15,3. 
6  mulheres:  max.   15,2;  min.   14,6;  med.   14,9. 

índice  do  comprimento  e  largura  do  pé  —  Comprimento 
do  pé  ^ual  a  too. 

20  homens:  max.   43,3;  min.   30,8;  med.   57,5. 
6  mulheres;  max,  38,9;  min.  36,1;  med.  S7'5' 

Altura  do  pé  —  Altura  do  trochanter  egual  a  100. 

17  homens:  maiç.  9,1;  mín.  7,1;  med.  7,<í. 
5  mulheres:  max:  7,9;  min.  6,8;  med.  ^,4. 

A  pelle  tinha  a  còr  exacta  de  barro ;  havia,  porém,  todos 
os  matizes  de  tons,  desde  o  amarello-claro  (nas  faces)  até 
ao  violeta  (no  peito).  Em  geral,  servia  melhor  Radde  33  m.; 
a  testa  um  pouco  mais  vermelha,  também  com  33  n.  e  com 
33  o.  (bem  como  as  faces). 

Em  alguns  índividuos  notava-se  já  uma  affecção  de 
pelle,  que  mais  pronunciada  se  via  na  mulher  de  Moguíocúri. 
Tinha  ella  só  livre  a  cara,  o  hypogastrio  para  baixo  do  um- 
bigo, onde  a  peite  estava  coberta,  e  o  dorso  dos  pés.  No 
mais,a  epiderme  mostrava-se  tapetada  de  uma  erupção  esca- 
mosa, que  se  desenvolvia  em  curvas  concêntricas,  circulos  e 
ettipses.  similhante  á  face  que  apresenta  uma  pedra  de  aga- 
tha  polida  (23). 

Cabello  preto,  e  tão  liso  quanto  ondulado,  e  mais  raras 
vezes,  —  isto  em  dous  para  20  homens,  —  crespo. 

Barba,  quando  não  arrancada,  rara  no  queixo  e  no  lábio 
superior. 


J3)  A  esta  alfítíão  epidirmicí,  ii  «tudada  por  alguns  do»  intclliscnttt 
:iH  patricioc  que  íerviram  na  lommiaíão  Rondon.  — dra.  E.  Roquftle 
e  M.  de  Sou»  Campos,  — dão  oi  Boràras  a  dcDominacio  da  «blrigírí», 
c  escamosa*,  ou  ainda  « biti-ldíoriri »,  bto  é,  ca  pctie 
i  de  B.   de  U.). 


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ENTRE  OS  DORdROS  433 

Cabeça  geralmente  alta,  ordinariamente  lai^,  ás  vezes 
redonda.  Saliência  do  occSpicio  bem  desenvolvida.  Testa 
baixa,  nos  homens  ás  mais  das  vezes  inclinada,  nas  mulheres 
commummente  direita,  mas  algumas  vezes  alta  e  abobadada, 
frequentemente  cabelluda.  Fortes  saliências,  principalmente 
nos  homens,  são  signaes  characteristicos.  Cara  geralmente  alta 
e  larga,  raras  vezes  alta  e  estreita,  na  maioria  dos  casos  oval, 
raras  vezes  redonda,  sendo  excepcional  a  quadrada.  Ossos 
malares  salientes.  i  ,: 

íris  castanho-escura,  de  vez  em  quando  castanho-clara. 
Distancia  dos  olhos,  grande.  Abertura  das  pálpebras  muito 
obliqua,  mas  na  maioria  dos  casos  horizontal,  geralmente 
baixa,  em  forma  de  amêndoa,  de  vez  em  quando  rabada.' 
Lóbulos  da  orelha  pequenos  ou  diminutos,  ás  mais  das  vezes 
indistinctos.  Nariz:  —  raiz  mais  vezes  larga  do  que  estreita, 
mais  vezes  achatada  do  que  saliente;  dorso  quasi  sempre 
largo,  geralmente  direito  ou  levemente  arqueado,  ás  vezes 
também  em  forma  de  sellim ;  narinas,  ás  vezes  em  forma  de 
telhas,  fortes  nos  homens,  finas  nas  mulheres;  ponta  um 
pouco  aguda;  ventas  dirigidas  para  deante,  redondas.  Lábios 
grossos,  arqueados  para  cima  e  muito  salientes.  Dentes  re- 
gulares, sólidos,  opacos,  geralmente  amarellos,  mas  de  vez 
em  quando  brancos,  muitas  vezes  gastos  até  á  metade.  Pro- 
gnathismo  médio;  queixo  raras  vezes  reintrante. 

Seio  das  mulheres  que  deram  á  luz  —  caídos,  com 
grandes  circules  em  roda  do  bico.  Orgams  genitaes  dos  ho- 
mens—  pequenos.  O  prepúcio  é  artiftcialmetite  alongado 
pelas  manipulações  com  o  cartucho. 

Mãos  e  pés  proporcionalmente  pequenos;  Índices  curtos. 
Circunferência  da  coxa,  tomada  em  um  homem  de  i'°,73  de 
altura,  í^al  a  0^,50 ;  da  barriga  da  perna,  o",35.  Artelhos 
mais  compridos:  em  17  homens,  nove  vezes  II,  sete  vezes  I, 
uma  vez  I  egual  a  II ;  em  cinco  mulheres,  trez  vezes  II,  duas 
vezes  I. 

Habito    externo.  —  Pestanas,    sobrancelhas, 
pellos  são  arrancados  ou  raspados.  Agora  começaram 
as  pestanas  de  algumas  creanças,  o  que  lhes  foi  mi 
tajoso  era  relação  ao  nosso  gosto. 

!<  D,gt,zedbyGOO<^le 


434  RETISTA  DO  HffiTITOTO  HIBTORICO 

O  cabelló  era  tractado  dífferentemente,  mas  tanto  nos 
luHnens  como  nas  mulheres  do  mesmo  modo  arbitrário.,  A 
tonsura,  que  se  devia  esperar  conforme  o  nome  de  c  Coroa- 
dos», restringe-se  a  uma  de  o™,oi  de  diâmetro,  que  se  ob- 
serva casualmente.  Talvez  aquelle  nome  se  origine  das  gran- 
des coroas  de  pennas.  Viuvo  e  viuva  trazem  o  cabello  cor- 
tado rente.  O  modo  mais  commum  e  original  dos  dous  sexos 
é  pentearem  o  cabello  para  a  testa,  onde  o  cortam  em  Unha 
recta,  caindo  atrâz  livremente.  Ao  lado  das  orelhas  fazem 
ás  vezes  um  corte  ou  deixam  u'a  madeixa  atada  em  forma 
de  pincel,  e  ás  vezes  os  homens  trazem  o  cabello  arranjado 
atraz  em  forma  de  nó  ou  amarrado  com  uma  tira.  de  embira.- 
As  mulheres,  que  se  inclinavam  ás  modas  brasileiras,'  repar* 
tiam  o  cabello  ao  meio.  Havia  também  homens  que  traziam, 
o  cabello  solto,  não  cortado,  e  repartido  ao  meto.  Geralmente 
era  cortado  com  tesoufa;  pelo  methodo  velho,  entre  duas 
conchas.  O  pente  era  fetto  de  dous  pausinhos  pontudos,  afia- 
dos nas  extremidades  e  ligados  na  parte  média  por  fibras 
v^etaes;  estas  eram  dispostas  entre  duas  travessinhas,  que 
iam  além  das  extremidades. 

Os  homens  traziam,  quasi  sem  excepção,  um  cordão  á 
cintura.  Havia,  porém,  um  ou  outro  sem  elle.  O  cartucho, 
iiiobá  (de  no,  palmeira  uaussú,  e  bá,  ovo  ou  scrolum)  (24), 
chamado  gravata  pelos  Brasileiros  já  foi  descripto  por  mim 
(com  bandeira  festival).  Póde-se  construir  facilmente  ura 
modelo  com  uma  tira  de  papel  de  mais  ou  menos  0,3  de 
largo  por  0,14  de  comprido,  ligando  as  duas  extremidades 
em  forma  de  annel,  dobrando  uma  ntun  angulo  de  90°,  e 
pondo-a  por  debaixo  da  outra.  Quando  applicavam  um  car- 
tucho algo  apertado,  então  o  prepúcio  deante  da  glande  era 
amarrado  por  um  cordel  e  puxado  para  fora;  por  esta  mani- 
pulação e  applicação  do  cartucho,  o  prepúcio  fica  repu- 
xado e  alongado.  A  bandeira  festival  é  uma  tira  de  palha  de 
0,20  de  comprimento,  collocada  ao  lado.   Também  o  apri- 

(14)  Hl  aqui  um  engano  de  tod  den  Steisen!  —  o  catlucho  pmU  Cb*. 
ma-ie  c  bi  >,  conforme  dlsaemos  em  a  nota  14.  t  InobS  >  quer  diíer  <a  meu 
cartucho  penil  1,  pois  (in<i>  é  o  ad]«ctiTO'pionome  posseasivo  da  primeira 
peisoa  gíngular.  A  palavra  bapiisiú  ou  uauBsú  chama-te  ciMÍdo>  e  nio 
«no».'   (NoU  de  B.   de  H.).< 


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BHTRB  06  BORAROS  435 

sionadó  Clemente  recebeu  um  cartucho  ê  queixou-se  'dè  ter 
sentido,  em  consequência  da  applícação  delle,  dores  e  inflam- 
mação.  A  expedição  Langsdorff  refere,  a  respeito  dos  Bororós 
da  Campanha,  no  anno  de  1S27,  que  os  homens  costumavam 
amarrar  o  prepúcio  com  uma  embira,  á  maneira  dos  Guatós, 
e  que  a  embira  lhes  servia  de  cinta;  e  que  outros  o  cobrem 
com  um  cartucho  de  folhas  (25),  Já  citei  a  observação  de 
JVaehneldt,  o  qual  certifica  que  o  cordão  da  cintura',  sem 
cartucho,  como  no  Kulisehú,  era  bastante.  Rohde  (26)  ex- 
pressa-se  erroneamente,  quando  diz :  —  c  Os  homens  andam 
completamente  nús,  cobrem  somente  o  penis  com  um  cartucho 
de  junco,  amarrando  o  membro  para  cima  do  corpo».'  Pois 
os  cartuchos  de  junco,  entregues  por  elle  ao  Museu  Berli- 
nense  de  Bthnographia,  são  exactamente  os  cartuchos  já 
descriptos,  que  somente  cobrem  o  penis,  porquanto  a  glande 
é  uma  parte  delle,  e  o  resto  parece  retrahido  no  escroto.  A' 
constricção  do  penis  no  cordão  da  cintura,  —  não  a  vimos 
no  S.  Lourenço.  Dizem  que  ella  é  usada  apenas  por  aquelles 
que  não  trazem  cartucho.  Disso  resulta  que  o  fim  para  que 
amarram  o  penis  não  é,  como  affirma  Waehneldt,  facili- 
tar-lhes  o  correrem  mais  desimpedidos;  mas  sim,  um  intuito 
especial.  O  verdadeiro  objectivo,  a  que  se  destinam  o  cordão 
da  cintura  e  o  cartucho,  é  o  prolongamento  do  prepúcio; 
differe  somente  pelo  methodo,  mas  tem  sido  observado  na 
grande  maioria  das  tribus  brasilicas. 

A  respeito  das  mulheres  dos  Bororós,  diz  o  relator  da 
expedição  Langsdorff ;  —  «As  mulheres  têm  um  costume 
singular,  não  sei  si  para  se  cobrirem,  caso  esse  em  que  ficam 
longe  do  seu  louvável  intento.  Em  primeiro  l<^ar,  quero 
dizer  que,  por  uma  razão  qualquer,  ellas  apertam  a  cintura 
com  um  pedaço  de  casca  de  dez  poUegadas  de  largura,  e 
isso  com  tanta  força,  que  a  carne,  á  altura  do  estômago, 
forma  um  ref^o,  o  que  contríbue  para  as  afeiar;  mas,  vol- 
tando ao  costume  singular,  tenho  de  accrescentar  que,  deste 
cinto,  adeante  e  atraz,  prendem  dous  filamentos  de  duas  a  trez 
poUegadas  de  largura».  Conforme  Waehneldt,  as  mulheres 


(2])  «Rcv.   Trim.  >,  3i.  U.  pass.  'S'-   (Noti  do  A.). 
<a6)  OMumaniciffica    originaci    da    « AbtheiluoKm  >,    I>    P>SB.-    14,-   '<NoU 
ia  A.).  '~~ 


yCoogIe 


436  REVISTA  bO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

usam  um  pedaço  de  couro  de  anta,  de  palmo  e  meio  dé  lar- 
gura, em  volta  do  ventre :  <  delle  sai  uma  imbira  de  meio 
palmo  de  largura,  que  cobre  as  suas  partes  genitaes  » .  Rohde 
diz :  —  «  As  mulheres  também  andam  nuas ;  o  único  objecto 
com  que  pretendem  cobrir-se  é  uma  tira  estreita  de  casca  de 
cacto,  que  somente  lhes  cobre  a  mínima  parte  dos  oi^;ams 
genitaes  > . 

Em  relação  ás  nossas  mulheres  bororós,  já  referi  que 
usavam  no  cordão  da  cintura  uma  faixa  de  embira  de  trez 
a  quatro  dedos  de  largura,  côr  de  cinza,  a  qual,  durante  a 
menstruação,  era  substituida  por  uma  de  cõr  preta,  e  que 
também  traziam,  em  logar  do  cordão  da  cintura,  um  pedaço 
de  Cctsca  endurecida,  do  qual  resaia,  indo  de  cima  para  baixo 
até  prender-se  atraz,  a  liga  T,  ambos  seguros  jxir  um  cordão 
de  embira  torcida.  Mulheres  mais  moças  pareciam  preferir 
o  espartilho  ao  cordão  de  cintura;  o  ventre  ficava  vigorosa- 
mente apertado  naquella  dura  couraça  de  casca. 

A  embira  cinzenta  tirava-se  do  pau-jangada,  cuja  madeira 
leve  era  usada  para  a  construcção  de  jangadas,  e  que  também 
é  chamada  embira  branca,  e  cujo  nome  botânico  é  Apeiba  cym- 
baiaria  (da  familia  das  Tiliaceas),  O  mencionado  cinto  preto 
era  feito  de  casca  do  jequitibá  {Lecythis),  bonito  ornamento 
da  mata  virgem,  com  copa  gigantesca.  De  troncos  de  tamanho 
médio  tiravam  um  pedaço  grosso  de  casca,  collocando-o  na 
agua  durante  uma  semana.  Finda  esta  operação,  era-Ihes 
fácil  tirar  da  parte  interior  uma  camada  molle  e  fina,  que 
fornecia  os  cintos  hygienicos.  Estes,  depois,  eram  coloridos  de 
preto  por  meio  de  tijuco  podre.  As  outras  camadas  duras  e 
mais  grossas  davam  material  para  cintos  de  uma  largura  até 
o",28.  Muitas  vezes  encontravam-se  até  crianças  de  três  a 
quatro  annos  trazendo  taes  cintos, — o  que  era  engraçado  de 
ver. 

Conforme  o  que  notámos,  deve-se  considerar  o  cinto  de 
casca  apenas  como  um  substituto  do  cordão  de  cintura,  cujo 
aperto,  enquanto  a  moda  não  se  tornou  exaggerada,  talvez 
lhes  causasse  prazer. 

Conforme,  porém,  a  descripção  de  Langsdorff,  apparece 
o  cinto  como  o  objecto  principal,  porquanto  delle  pendiam 
livremente  filamentos  e  não  havia  liga  que  servisse  para 

I  Google 


BNTRB  03  BORdROS  437 

segura-lo.  O  próprio  observador  não  acreditava  no  destino 
da  cobertura.  As  mulheres  bororós  eram  indifferentes  a  esse 
respeito,  e,  no  tocante  ao  seu  pejei,  este  lhes  era  não  só  em 
parte  como  totalmente  desconhecido,  ou,  para  melhor  dizer, 
revelavam  nisso  um  verdadeiro  impudor,  que,  mesmo  não 
levando  em  conta  a  licenciosidade  dos  Brasileiros,  tinham  em 
grande  abundância.  A'  vista  de  tudo  isso,  não  acho  impossível 
que  o  largo  cinto  de  casca  ou  de  couro  de  anta  houvesse 
originalmente  de  servir  para  outro  fim.  As  mulheres  vol- 
tavam do  mato  com  cestas  tao  carregadas  de  cocos  de  pal- 
meira', que  pareciam  acabrunhadas  sob  o  peso,  não  podendo 
quasi  andar;  nisso,  a  extremidade  da  cesta  apoiava-se  sobre 
aquelle  cinto  duro.  e  este  assim  lhes  protegia  a  pelle,  do 
mesmo  modo  que  os  annéis  de  embira  protegiam  os  hombros 
dos  Índios  do  Kulisehú  no  transporte  das  canoas.  De  facto, 
um  pedaço  de  couro  de  anta  havia,  assim,  de  prestar  excel- 
lente  serviço.  Com  o  andar  dos  tempos,  disso  nasceu  aquella 
afamada  couraça  apertadora. 

O3  lóbulos  das  orelhas  de  ambos  os  sexos  eram  perfu- 
rados, mas  isto  se  fazia  nos  rapazes  quando  na  edade  de  oito 
para  10  annoá,  isto  é,  quando  começavam  a  exercitar-se  para 
o  mister  de  caçadores.  O  operador  era  o  pae,  e  das  raparigas, 
como  veremos  adeante,  era,  em  sentido  bem  differente,  o 
futuro  esposo. 

O  lábio  inferior  perfurado  era  distinctivo  da  tribu  para 
os  homens.  Já  referi  que  o  nosso  António,  sendo  reclamado 
por  certa  mulher  como  filho  seu  roubado,  foi  examinado  a 
respeito  daquelle  signal.  Conta  Waehneldt,  a  propósito  dos 
Bororós  do  Jaurú,  que  alguns  tinham  também  uma  espécie 
de  €  palito  »  atravessando  o  septo  nasal ;  no  perfurado  lábio 
inferior  de  muitos  achavam-se  pedaços  de  pau  como  enfeites. 
Os  nossos  Bororós  na  vida  quotidiana  não  carregavam  cousa 
alguma  no  furo  do  lábio  inferior.  Somente  quando  rapazitos, 
é  que  costumavam  empregar  pequenos  toletes,  para  impedirem 
o  fechamento  do  furo:  assim,  observavam-se  lascas  de  osso, 
por  exemplo,  de  jacaré,  ás  vezes  um  prego  ou  pr^uinhos  de 
resina,  providos  de  um  botãosinho  na  extremidade  interior. 
Os  adultos  exhibiam  no  trajo  festivo  pregos  da  mesma  qua- 
lidade ou   uma   corrente   labial.    Consistia   tal  corrente  em 


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438  itEviBT&  DO  ntanTUTO  Htnoitioo 

meia  'dúzia  'dê  fragmentos  alongados  de  concha,  ligaifos  infé- 
ríormeate  uns  aos  outros  por  meio  de  uma  borla  de  íios  do 
comprimento  de  o",i2. 

O  orifício  labial  era  feito  no  recemnascido  pelo  <  homem- 
medico»  (bári) ,  O  instrumento,  com  que  se  practicava  a 
operação,  chama-se  baragara:  constava  de  Um  osso  pontea- 
gudo,  tendo  por  extremidade  uma  vareta  de  pennas ;  tinha  um 
aspecto  imponente  e  era  usado  no  cabello  em  occasiões  fes- 
tivas; a  vareta,  á  qual  o  osso  estava  ligado  com  resina,  era 
bem  coberta  de  penninhas  grudadas,  ora  vermelhas,  ora  côr 
de  laranja,  em  meio  das  quaes  também  se  viam,  aqui  e  acolá, 
pennugens  brancas  e  macias,  e  finalizava,  na  parte  superior, 
por  uma  comprida  penna  azul  de  arara,  de  cuja  base  pendia 
um  molho  de  pennas  listradas  de  gavião,  de  papagaio  e  de 
arara,  medindo  todo  o  instrumento,  de  ponta  a  ponta,  mais 
ou  menos  um  metro.  O  bári  dansava,  cantando,  com  a  bara- 
gara na  mão',  deante  do  recemnascido,  avançando  e  recuando, 
até  que,  num  dado  momento,  lhe  perfurava  o  lábio. 

A  tatuagem  era  desconhecida;  signaes  de  cicatrizes  acci- 
dentaes  não  eram  raros.  Um  instrumento  similhante  ao  ras- 
pador de  feridas  dos  Índios  do  Kulisehú,  —  não  o  encontrámos 
aqui.;  Riscava-se  a  pelle,  não  para  fins  medícínaes,  porém  sim 
para  coça-la,  como  todo  mundo,  quando  tem  comichão,  e  até 
tinham,  para  poderem  faze-lo  nas  costas,  um  objecto  especial, 
um  osso  de  o'°,2i  de  comprido,  ornado  com  pennas  de  ema, 
o  qual  era  muito  usado,  com  grande  proveito,  pelos  dansa- 
dores,  quando  suavam  muito  nas  festas.  As  cicatrizes  acima 
alludidas  provinham  das  ceremontas  pelos  mortos. 

A  pintura  tinha  pouca  importância,  mas  o  enfeite  dí 
pennas  representava  notável  papel.  Não  sem  razão  fala  Wa- 
ehneldt  das  festas  quotidianas  dos  Bororós.  Esta  observação 
também  era  completamente  justa  a  respeito  dos  nossos  Índios. 
Com  effeito,  cada  caçada  era  iniciada  com  dansas  e  cantos.' 
Também  a  rapariga,  levada  á  força  para  o  ranchão,  era 
pintada  pelos  seus  amigos  do  modo  mais  meticuloso  possível.; 
Finalmente,  era  um  remédio  diário  o  enfeitar-se  com  pennas., 
'A  febre  intermittente"  era  frequente  na  colónia;  as  creançaá 
a  cada  instante  ficavam  doête,  isto  é  «  doentes,  »  E  deste' 
modo,  era-nos  absolutamente  impossível  perceber  onde  es- 


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EHTRB  08  BORteM  439 

tavam  os  limites  entre  a  medicina  e  a  arte  do  aijõmo.  Os 
legares  do  corpo  que  doíam  eram  friccionados  com  resina 
de  almíscar  e,  depois,  cobertos  de  pennugens.  Viamos  cri- 
anças que  tinham  mangas  completas  de  branca  pennugem  de 
pato.  A  resina  de  pintura  era  preta  (27).  Para  grudarem  a 
cara  com  pennas,  appl içavam  ao  longo  dos  limites  do  cabello 
uma  tira  com  grude,  de  um  dedo  de  largura,  e  ligavam-se 
de  vez  em  quando  as  extremidades  ao  lado  das  orelhas  por 
uma  tira  travessa,  que  passava  entre  o  nariz  e  o  lábio,  de 
modo  que,  quando  a  tira  era  larga  e  não  grudada,  similhava 
uma  semi-mascara.  O  quadro  de  lacre,  originalmente  desti- 
nado ás  pennas,  também  era  usado  sem  ellas. 

O  quadro  27  mostra-nos  um  Borôro  festivamente  en- 
feitado de  pennas.   Os  braços  estão  totalmente  involtos  cm 
verdes  pennugens  de  papagaio,  como  também  a  parte  vizinha 
do  peito;  acima  do  umbigo  acha-se  imia  pequena  faixa  de 
pennas,    e   nas   costas,   posso   accrescentar,    imia   parte   dos 
hombros  e  um  espaço  da  largura  da  mão  nas  costas  estão 
egualmente  cobertos  de  pennugens.  O  quadro  de  lacre  preto 
da  cara  já  tem  perdido  muito  da  sua  primitiva  boniteza  e 
plumagem,  e  de  orelha  a  orelha  exten<Te-se,  similhante  a  um 
formidável  bigode,  aquella  travessa  grudada  de  pennas  total- 
mente brancas.  O  cabello,  pintado  de  urucú,  é  na  frente  bem 
coberto  de  penninhas  vermelhas  de  arara,  e  ao  lado  vêm-se 
madeixas  coloridas  de  vermelho;  a  parte  superior  da  cabeça, 
rodeando  a  tonsura,  uma  coroasinha  vermelha  de  pennas  de 
arara,  circundada   irregularmente   de  um   punhado   de  pen- 
ninhas negligentemente  grudadas.  Nas  mulheres  doentes  repa- 
ravamos  não  raras  vezes  logares  pequenos  cobertos  de  pennas: 
Maria,  certo  dia  em  que  se  queixava  de  febre,  appareceu  mais 
carregada  deste  remédio,  pois  o  tinha 
na  cara  e  no  peito.  A  esposa  de  um  cai 
longa  ausência,  para  recebe-lo,  tinha-: 
e  o  cabello  á  moda  das  raparigas  do  r 
transformado  a  pelle  do  busto,  da  cint 
paletó  de  pennas,  aberto  na  frente.   1 


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4^0  BET18TA  DO  IKSTITCTO  HISTÓRICO 

também  o  crânio,  antes  do  final  enterro,  é  coberto  de  pennas, 
de  modo  similhante  ao  adómo  dos  bárts,  ao  passo  que  os 
outros  ossos  são  apenas  untados  com  o  oleo  de  urucú.  Não 
posso  dizer  si  a  esse  enfeite  ligam  a  muito  vã  esperança 
de  um  effeito  medicinal. 

Não  havia  o  pintar  diário  com  fuligem  oleosa  e  urucú', 
como  no  Xingu.  Também  os  materiaes  de  pintura  não  eram 
applicados  em  nenhum  dos  seus  utensis,  a  não  ser  nas  ma- 
tracas; em  logar  delles,  viam-se  no  S,  Lourenço,  por  toda 
parte,  as  pennas,  tanto  no  corpo  como  nos  utensis.  Também 
■não  faltava  a  praga  dos  mosquitos  e  dos  micuins;  de  outros 
bichos,  víamos,  e  ouviamos  dizer  na  colónia,  somente  innu- 
meros  gríllos,  que  faziam  barulho  nos  paióes  de  milho.  O 
urucú,  de  que  h^via  pouco,  era  mixturado  com  azeite  de 
peixe.  Applicavam-n-o  muito  economicamente ;  também  a 
pintura  a  preto  limitava-se  ao  quadro  de  lacre  e  a  enn^recer 
a  cara  e  o  corpo,  quando  marchavam  contra  os  Caiapós. 
Com  o  urucú  é  que  enfeitavam  para  a  noite  a  rapariga  do 
ranchão.  Punham-n-a  sentada  sobre  uma  coberta  vermelha, 
tendo  ao  lado  uma  concha  cheia  de  oleo  de  peixe  e  um 
pedaço  de  pasta  de  urucú,  O  cabelto  era  grosseiramente 
untado,  e  ao  busto  davam  também  uma  camada  de  tinta ;  mas 
a  operação  principal,  que  durava  muito  tempo,  era  a  pintura 
da  cara  com  uma  palha  ou  uma  estreita  varinha  de  bambu. 
Deste  modo,  a  risca  transversal  da  testa  não  era  feita  de  uma 
só  vez,  mas  iam  imprimindo  alli,  pouco  a  pouco,  a  varinha 
de  bambu,  molhada  na  tinta,  até  perfazerem  aquella  travessa 
frontal.  Pintavam  também  a  pálpebra  superior  até  a  borda 
dos  cilios.  Nas  faces  traçavam  triângulos.  Mais  tarde,  hei 
de  referir-me  á  significação  da  travessa  e  dos  triângulos  (cf . 
o  que  eu  disser  a  respeito  da  arte  do  desenho,  depois  da  de- 
scripção  das  matracas,  que  será  a  única  occasião  que  ainda 
tenho  para  falar  de  symbolos) . 

Trabalhos  da  arte  de  enfeitar  com  pennas,  para  me  ex- 
pressar assim,  em  contraste  com  a  simples  cobertura  de 
pennas,  —  viam-se  de  uni  modo  magnifico.  Os  principaes  pro- 
ductos  da  arte  venatoria  estão  reunidos  no  quadro  I,  com  o 
cacique  em  gala.  Uma  formidável  roda  raiada,  de  plumas 
azues  da  cauda  da  arara,  amarellas  no  avesso,  levanta-se  ín- 


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ENTBE  06  BORAROB  44' 

clinada  para  a  frente  e  a  testaita:  é  o  pariko.  As  pennas  de 
arara,  de  o"r45  de  comprimento,  são  presas  por  um  feixinho 
de  palhas,  que  circunda  a  cabeça  e  é  ligado  por  um  cordão; 
o  quarto  inferior  das  compridas  pennas  é  coberto  de  algumas 
filas  de  plumagens  vermelhas  e  verdes  de  papagaio.  Um 
pequeno  diadema  ficava  depois  inchnado  para  baixo.  Na 
parte  posterior  da  cabeça,  tortamente  inclinado  para  traz 
e  mais  arqueado  do  que  o  pariko,  destaca-se  um  diadema, 
^fual  a  elle  em  tamanho,  de  pennas  listradas  de  gavião,  or- 
nato esse  chamado  kurugúgua.  Das  orelhas  pendem  sobre  o 
peito  pedaços  variegados,  que  são  feitos  de  penninhas  do 
peito  do  tucano,  muito  bem  dispostas  em  listras  atravessadas 
(também  são  usados  os  grandes  bicos  de  tucano) .  Molhos 
de  pennas  das  azas  de  arara  e  papagaio  e  outros  pássaros 
de  cõr  brilhante  pendem  dos  braços,  do  mesmo  modo  que  se 
observam  nos  arcos  e  nos  perfuradores  labiaes. 

Ha,  porém,  ainda  outros  adornos  de  pennas.  Merece 
menção  principal  a  bonita  nabuleâga  {nabúre.  arara)  (28) : 
pennas  de  arara,  ondulantes  pennas  de  ema  e  brancas  borlas 
de  penugem,  ligadas  em  torno  de  uma  vareta,  que  intro- 
duzem no  furo  do  lóbulo  e  têm  o",s6  de  comprimento. 
Do  mesmo  modo,  punha-se  no  cabello  uma  armação  de 
varinhas  com  a  forma  oval  de  uma  cabeça  de  matraca,  o 
marobóro ;  o  esqueleto  delia  era  coberto  de  plumagem  branca, 
tendo  por  cima,  fixada,  uma  penna  de  cauda  de  arara.  Final- 
mente, é  preciso  mencionar  o  chignon  dos  homens,  enfeitado 
de  pennas.  O  nó  dos  cabeltos  era  rodeado  por  uma  coroa 
de  pennas,  ou  com  pennas  salientes  em  forma  de  raios. 

Dentes  eram  também  emproados,  principalmente  para 
adômo  do  peito:  os  mais  preferidos  eram  os  grandes  do 
jaguar,  geralmente  dous  pares  reunidos,  e  pequenos  dentes  de 
macaco,  que,  enfiados  e  dispostos  em  filas  atravessadas, 
formavam   uma   peça   de  o™, 30   de   largura,   cobrindo  quasi 


m  de  <  n«bú(e.  que,  com  i 

jm   t  u  *  qua^i   egual  an  <  u  >  francez. 

irata   vermelha    (<  Macroce 

nabuleaga»,    porím    sLoi    < 

rnabureíga»    (<  iga    quer    diíer    « ca- 

..).    Vou    den    Sleinen    ei 

mpreita    «n    vários    vocábulos    borâros 

itrelanto,  nXo  uiile  na  «; 

mora  língua  de  tae»  lolvicolas,    (Kata 

de  O.  de  M.]. 


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443  REVI8T&  DO  INSTITUTO  BIBTOMCO 

totalmente  6  peito.-  Raras  vezes  acontecia  quê  também  mu- 
lheres recebessem  desses  adornos,  e  isso  mesmo  parece  ser 
devido  á  modificação  dos  costumei,  effectuada  pela  coloni- 
zação; pois  dos  Bororós  se  relatava  que  somente  os  homens 
se  enfeitavam.;  Era  characterístico  que  Clemente,  que  pensava 
de  modo  indio  e  falava  portuguez,  chamasse  taes  dentes  en- 
fiados de  rosários;  os  selvicolas  ligavam  a  esse  adorno  a  idéa 
de  que  elle  os  fazia  fortes  e  ágeis.  EUes  tinham  até  arrancado 
dentes  aos  seus  prísioneiíibs  brasileiros,  applicando^os  no 
corpo,  a>mo  enfeite;  de  egual  modo,  andavam  com  queixadas 
dos  inimigos.  Julgavam  também  ser  protegidos  pelo  cabello 
dos  mortos,  cabello  que  usavam  trançando-o  em  fios  e  re- 
duzindo-o  a  cordões,  —  o  que  era  dif  f  icil  de  realizar.  Borlas 
de  cabello  com  pennas  pendiam  dos  braceletes. 

Garras,  pequenas  de  roedores  e  grandes  de  tatu  gigan- 
tesco, —  eram  ligadas  de  duas  em  duas,  formando  assim  uma 
meia-lua ;  do  ponto  central  em  que  estavam  ligadas  e  cobertas 
de  resina,  pendia  um  ma^  de  fios;  na  resina  embutíam-se 
pedãQos  de  concha,  de  forma  annular.  ^ual  composiçãode 
garras  de  tatu  gigantesco  tivemos  ensejo  de  conhecer  no  Kuli- 
sehú,  não  como  adorno,  porém  sim  como  utensílio.  Os  Bororós 
imitavam  o  enfeite  de  garras,  cortando  da  folha  de  latas  dê 
conserva  brasileira  pedaços  da  mesma  forma  e  tamanho.  Este 
modo  de  uso  é  tanto  mais  interessante  quanto  os  dous  pedaços 
de  lata  não  indicavam  absolutamente  que  se  originassem  dê 
duas  garras,  e,  com  gáudio  nosso,  ouvimos  de  um  Cuiabano 
a  opinião  de  que  este  uso  era  prova  de  que  os  Bororós  ado- 
ravam a  lua. 

Era  esta  a  maneira  pela  qual  os  Índios  trabalhavam  ém 
metal.  Também  os  pregos  labiaes  eram  cortados  da  folha  de 
latas  de  conserva. 

Garras  de  jaguar  eram  reunidas  numa  espécie  de  coroa, 
—  adorno  muito  similhante  ao  collar  do  cacique  Auetó,  feito 
do  mesmo  material. 

Havia  correntes  de  pérolas  de  conchas,  coco,  pedacinhos 
(fe  osso  e  sementes  perfuradas;  tinham,  porém,  menos  im- 
portância do  que  as  do  Xingu.  Estimavam-se  mais  as  pé- 
rolas feitas  do  casco  de  tatu.  Tornarei  a  falar  disso,  quando 
chegar  a   descrever  a   actividade  do   ranchão   dos  homens.] 


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ENTRB  08  BORORÓS  443 

Então,  hei  <Je  tractar  também  idos  cortlões  de  adorno,  qué 
estamos  acostumados  a  chamar  suspensórios,  usados  pelos 
dous  sexos. 

O  ARÓE.  — O  centro  da  existência  boróro  é  o  baíto,  p 
ranchão,  e,  ao  lado  da  vida  horrivelmente  barulhenta  quí 
aqui  ha  dia  e  noite,  as  cabanas  domesticas  quast  não  são  mais 
do  que  a  residência  das  mulheres  e  crianças.  A  reunião  dos 
homens  chama-se  aróe,  e  isto  principalmente  em  consideração 
á  caçada  commum.  Sem  exageração,  póde-se  dizer  que, 
nas  cantarolas  estridentes  saídas  dia  e  noite  do  baíto,  aróe 
nSo  era  a  terceira,  mas  a  segunda  palavra;  pois  os  cantos 
continham  nomes  de  animaes  e  cousas  que,  uma  vez  profe- 
ridos, eram  seguidos  de  aróe.  Havia  cantarola  em  todos  os 
acontecimentos,  que  de  qualquer  modo  excitassem  sentimentos 
de  tristeza  ou  de  alegria,  não  só  na  véspera,  si  era  possivel, 
como  também  depois  de  acabados.  O  cacique,  de  tarde,  an- 
nuncia  uma  caçada  para  o  dia  seguinte:  —  a  gente,  em  vez 
de  procurar  prudentemente  conciliar  o  somno,  até  ch^ar  a 
hora  matinal  da  partida,  reune-se  no  aróe  para  o  canto  da 
caçada,  e  os  mais  ardorosos  cantarolam  até  ao  romper  da  alva. 
A  tribu  dá  a  impressão  de  uma  *  sociedade  masculina  de 
canto  >,  composta  de  caçadores,  cujos  membros  se  compro" 
mettem  a  não  casar,  enquanto  não  tiverem  mais  ou  menos 
40  annos,  e  moram  em  convívio  no  «  Club  » .  Os  sócios  mais 
velhos,  que  têm  familia,  são  os  estimados  dignitários  e  po- 
dem, por  esse  motivo,  pouco  demorar  em  casa;  tomam  parta 
nas  excursões  venatorias  ou  trabalham  no  c  Club »,  onde 
mantêm  a  ordem,  dirigem  os  cantos  e,  nos  dias  de  muita 
occupaçSo,  alli  participam  das  refeições,  mandadas  pelaS 
mulheres. 

Clemente  assegurava  que  os  índios  da  colónia  não  vivíanl 
diffcrentemente  das  suas  aldeias,  e  que  nestas,  pelo  contrario, 
a  caçada  commum  era  muito  mais  importante,  porque  só  por 
meio  delia  é  que  podiam  obter  o  seu  sustento.  Assim,  parece 
que  a  vida  no  Kulisehú  differe  essencialmente  da  da  aldeia 
borõro.  Alli,  morava-se  em  bons  ranchos  de  família;  aqui, 
possuía  cada  casal  com  filhos  uma  pequena  e  miserável  chou- 
pana; alli,  os  solteiros  eram  a  excepção;  aqui,  a  maioria; 
alli,  os  homens,  que  viviam  em  monogamia,  tinham  a  suí 


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444  REVUrA  DO  INBTimTO  mBTORICO 

casa  de  musica,  onde  não  entrava  mulher  alguma,  e  que  servia 
para  as  assembléas  e  dansas,  e  onde,  porém,  somente  se  tra- 
balhava quando  era  preciso  fabricar  adornos  festivaes;  aqui, 
eram  levadas  á  força  para  o  ranchão  dos  homens  as  rapa- 
rigas que  caíam  na  posse  de  vários  companheiros,  e  o  tra- 
balho r^ular  de  armas  e  utensis  era  feito  no  ranchão  dos 
homens.  Entre  os  Bororós,  a  vida  familiar  era  manifesta- 
mente uma  conquista  exclusiva  dos  mais  velhos  e  dos  maÍ3 
fortes.  O  sustento  só  podia  ser  obtido  pelo  exfòrço  colle- 
ctivo  da  maioria  dos  homens,  que  eram  obrigados  a  afastar-se 
por  longo  tempo  na  caça,  —  o  que  era  impossível  para  o 
individuo  isoladamente.  Esse  sustento  era  escasso,  e  os  mais 
moços  haviam  de  ficar  contentes,  quando  podiam  saciar  a 
sua  própria  fome;  tanto  não  podiam  obter,  para  satisfazerem 
também  a  mulher  e  os  filhos.  Graças  ao  cultivo  pacifico  do 
campo,  que  entre  as  tribus  do  Kulissehu  a  mulher  practicara 
ou  aprendera,  modificou-se  completamente  esse  estado  de 
coisas:  a  communhão  dos  homens,  o  aróe,  perdeu  a  impor- 
tância e  podia  restringir-se  á  pesca  e  ás  dansas  festivaes.  A 
entrada  de  viveres  era  agora  tão  abundante  e  regular,  que 
cada  qual  recebia  o  suf ficiente  pelo  menos  para  uma  pequena 
familia,  —  o  indio  cuidava  de  conservar  a  família,  —  e  agora, 
que  a  actividade  da  mulher  se  tomara  mais  prestimosa,  era, 
pelo  contrario,  mais  vantajosa  a  reunião  das  mulheres  para 
o  trabalho  commum :  —  vivia-se  familiarmente  em  uma 
grande  casa. 

Caça  e  cultivo  do  campo.  —  Na  estação  chuvosa,  elles 
passam  <  dias  e  dias,  sem  nada  para  comer »,  —  assim  re- 
latava Clemente,  Que,  para  se  fortificarem,  bebiam  muita 
agua  mixturada  com  barro,  mas  não  comiam  barro;  planta- 
vam somente  tabaco,  algodão  e  cuias,  e  isto  principalmente 
os  Bororós  que  moravam  á  beira  de  riachos,  nas  cabeceiras 
do  S.  Lourenço,  e  que  eram  pescadores  hábeis.  Trocavam 
aquelles  productos  vegetaes  por  flechas,  vindas  das  aldeias 
collocadas  mais  abaixo. 

Observa-se,  portanto,  que,  neste  caso,  o  cultivo  não  co- 
meçou pelas  plantas  alimentícias  !  Os  nossos  Bororós,  esta- 
belecidos em  Teresa-Chrístína,  não  podiam  mesmo  aprender 
a  plantar  cousa  alguma.  Effectivamente,  aqui  não  havia  ca- 


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ENTRB  OS  BORÓROQ  445 

baças,  nem  cuias  compridas  para  guardar  pennas,  e  cuías 
pequenas  eram  raras,  sendo  appltcadas  sobretudo  á  fabricação 
de  matracas  para  o  canto  arôc  ou  para  pequenos  tubos  de 
sòpro.  Para  a  caça,  não  precisavam  de  vasilhas,  ou  se  ar- 
ranjavam com  fructeiras  feitas  de  bambu;  as  pennas,  guar* 
davam-n-as  em  grandes  caixas  de  bambu,  e,  em  casa,  as 
mulheres  fabricavam  tijellas  e  potes.  O  bambú-gigante  tam- 
bém não  crescia  nas  proximidades  da  colónia,  porém  sim  era 
buscado  de  mais  longe ;  vimos  caixotes  de  50  a  6o  centimetros 
de  comprimento  e  9  centimetros  de  grossura,  em  cujo  lado 
se  applicava  uma  tampa. 

Já  citei  exemplos  frisantes  da  crassa  ignorância,  que  ti- 
nham os  Bororós  a  respeito  do  cultivo  do  campo  pelos  Bra- 
sileiros. Os  homens  afastavam-se  dias  e  semanas  para  a 
caçada;  de  vez  em  quando,  algumas  mulheres  os  accompa- 
nhavam.  A  sua  vida,  portanto,  não  era  puramente  nómade, 
pois  possuíam  uma  espécie  de  domiciliação.  Esta  domici- 
líação  era  possibiHtada  pelo  assar  da  caça  e  pela  pesca. 

Observámos  um  bando  de  caçadores  que  regressavam: 
traziam  em  jacas  uma  porção  de  carne  muito  bem  assada, 
preta,  sêcca,  principalmente  de  porco  do  mato,  de  aves  e  de 
tartarugas.  E  notámos  nella  grandes  pedaços  de  couro  carbo- 
nizados, com  pouca  carne.  Os  Brasileiros  apreciavam  os  Bo- 
rorós como  excellentes  achaciores  de  rasto:  com  o  seu  auxilio 
foram   aprisionados   soldados,   que   haviam   desertado    (29). 

Pegados  com   flechas  ou  anzóes,  estes   fabricados   pelo 
modelo  brasileiro,  de  ferro  furtado  ou  do  casco  de  tatii,  eram 
os  peixes,  ou  então  apanhados  em  redes,   formando-se  um 
cerco  e  impellindo-os  para  lá.  Em  rios  largos,  faziam  cercas 
por  meio  de  galhos  e  grama,  deixando  alguns  buracos  em 
forma  /íe  funil   como  entrada,  havendo  do  outro  lado  um 
tapume  de  varas  de  bambu.   Em  rios  rasos,  —  cor 
mente,  —  os  índios  trabalhavam  na  agua  durante  '■ 
luz  de  tochas  de  palmeira.   Não  comprehendi  a  a; 
de  que  elles  podiam  permanecer  longo  tempo  debaix( 


(19)  Para  impedirem  o  ddcobrímento  de  uma  aldeia  peloa 
tdos,  os  índígeoaa  applicavam  ■  utucia  de  faier  a  ultima  i 
minlio  o   maii   paisivd   dentro   do  maio.    (Nota  do  A.). 


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446  REVISTA  DO  INSTITUTO  BtSTORICO 

Elles  mascavam  as  folhas  amainas  da  arvore  €Diorúbo> 
(30),  antes  de  mergulharem,  cuspindo-as  depois.  Debaixo 
da  agua,  agarravam  peixes.  EUe  conhecia  um  indio  que  fi- 
cava no  fundo  da  ^;ua  durante  uma  hora,  voltando  <  ccmi 
um  braço  cheio  de  pintados ». 

O  certo  é  que  os  Bororós  gostavam  de  estar  na  agua. 
t)o  alto  da  colónia  viam-se,  a  um  ou  dous  kilometros  de 
distancia,  apparecer  no  rio  os  caçadores  que  regressavam  do 
mato :  nadavam  ou  vadeavam  o  rio  com  agua  até  ao  ptsccxp, 
em  Ic^r  de  virem  pela  estrada  ou  de  atravessarem  de  uma 
vez  o  rio  a  nado.  Já  de  longe  lhes  ouvíamos  o  tagarellar  e 
rir;  vinham  de  dous  em  dous,  com  curtos  intervallos,  todos 
empinando  os  arcos,  em  cima  dos  quaes  estavam  amarrados 
os  molhos  de  flechas,  conduzindo-os  acima  da  cabeça,  á  sí- 
milhança  de  cruzes  alçadas,  e  carregando  ao  peito  as  presas. 
As  mulheres  voltavam  do  mesmo  modo,  carregadas  com  os 
pesados  jacas,  cheios  de  cocos  e  raízes  ou  grossos  feixes  de 
compridas  folhas  de  palmeira,  para  servirem  de  telhado  e 
paredes.  Traziam  ellas  os  jacas  amarrados  em  travessas  de 
quatro  a  quatro,  dirigindo-os  em  cordões  como  pelota.  Con- 
duziam ás  costas  os  cestos,  ligados  com  um  laço  de  fibras, 
que  lhes  passava  pela  testa. 

Os  Bororós  não  possuíam  canoas..  Denominaram  as  dos 
,  Brasileiros  ica,  a  mesma  palavra  que  usavam  para  a  desi- 
|*^^o  de  ramos  e  galhos  (não  troncos,  que  diziam  ipó  (31), 
j^í^esmo  modo  como  estavam  acostumados  a  amarra-los 
■tfÇ^ conducção  das  cargas,  em  jangadas. 

!ães,  que  suppunhamos,  conforme  o  exemplo  dos  nossos 

iSassados,  fossem  indispensáveis  aos  primitivos  caçadores, 

am   aos   Bororós :   quer  no  seu   habitat   original,   quer 

,  que  elles  podiam  dispor  de  taes  animaes  em  grande 

verilicar,   não  me  i  licito   In. 

itTC    Dl    Bororós .    <  Djorúbo  >, 
>    t    *  ronedio  > ;    e    <  djotúbo- 

.    .    >«..    t  ip  j  >    o   dciisnatlio 

preparsdi  >    cbunam 

para    dciignor    uma   Iraiin* 
oa   Inttatiiioa. 


0,1,1,1  bjGoogle 


ENTRE  03  BOROROS 

numero,  não  os  utilizavam.  Só  mais  tardt 
dizer  algo  a  respeito  da  distribuição  da  caça 
Armas.  —  Arcos  e  flechas  denotavam  ( 
envolvimento  da  technica.  Eram  feitos  cot 
nitidez  e  perfeição.  Aqui  se  podia  ver,  do  i 
possivel,  que,  si  os  aguilhoasse  a  necessidade 
estes  selvicolas  a  invenções  posteriores.  O  : 
arma  de  guerra,  á  excepção  da  maça.  A  resp 
da  campanha,  relata-se  que  eram  raras  as  1 
de  ferro,  osso  ou  pedra.  A  maça  do  S.  1 
comprimento  de  i  i]3  de  metro:  era  um 
menos  chato  de  pau  de  palmeira,  com  3  a  , 
largura  e  terminando  por  um  achatamento 
metros  de  largura. 

O  arco  commum,  baíga  (mostra-no-lo  a 
tem  de  comprimento  até  i",9,  sendo  circui 
tensão  de  cf°,$  por  um  cordão  de  fibras  de  p 
de  reserva  que  geralmente  é  a  continuação 
arco.  Os  arcos,  usados  pelos  caciques  em  c 
ou  recebidos  como  presentes  solennes,  tèn 
feite  de  pennas  (esse  enfeite  é  mostrado  pelí 
é  totalmente  envolvido  em  pennugens  variegs 
vermelhas  e  amarellas,  ou  azues  e  amarellas, 
ás  vezes  de  plimiagem  branca,  e  a  ponta  su 
de  um  molho  de  pennas  similhantes.  Um 
também  ás  vezes  enfeita  o  arco  commum  < 
caçador  de  um  jaguar  é,  finalmente,  disting 
da  fig.  2;  esse  é  exornado  por  uma  dúzia 
melhas  de  folha  de  uaussú  (AtuUea  specta 
têm  o  dorso  mais  ou  menos  chato,  ao  pass 
ferior  é  convexa,  ao  contrario  dos  arcos  dos 
.  As  hastes  das  flechas  são  feitas  oú  di 
baiúva  ou  da  elegante  e  preta  palmeira  seri 
Quando  feitas  de  seríba,  cujas  varas  são  da 
lápis  fino,  têm  a  ponta  de  taquara,  em  que  se 
de  cauda;  são  cuidadosamente  aplainada 
conchas  perfuradas  de  bulimus  e  alisadas  ci 
peras  da  lixa. 


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446  REVISTA  DO  INSTITUTO  mSTOMCO 

Todas  as  flechas  têm  de  commum  duas  peiínas  de  aza, 
amarradas  em  espiral  e  cujas  terminações  estão  ligadas, 
amarradas  em  espiral  e  cujas  terminações  estão  ligadas, 
encurvada.  Entre  ellas  ha  muitas  vezes  alguns  anneis  feitcs 
de  bonitas  penninhas. 

As  flechas  têm  o  comprimento  de  i",5o  a  i'",75.  O  que 
geralmente  serve  para  fazer  as  flechas  de  caça  e  pesca  — 
são  pedaços  de  madeira  pontudos,  entravados  na  canna  de 
cambaiúva  e  encimados  por  um  fragmento  de  osso  afiado. 
A's  vezes  têm  elles  um  osso  que  serve  de  farpa  {vide  a 
fig.  7),  ou  a  madeira  é  talhada  {vide  a  fig.  6).  Os  ossos 
são  de  macaco  ou  de  anta.  Para  a  caça  de  pássaros,  ser- 
vem-se  de  flechas  de  ponta  obtusa ;  essa  ponta  é  uma  espécie 
de  pião,  com  a  face  larga  para  cima  e  tendo  no  meio  uma 
saliência  em  forma  de  botão.  Em  outras  flechas  observam-se 
pontas  de  pedaços  afiados  de  bambu,  previamente  defumados 
por  longo  tempo,  afim  de  seccarem  bastante.  A  fig.  8  mostra 
a  forma  mais  simples,  destinada  á  caça  de  porcos  do  mato: 
—  a  ponta  chata  de  barabú.  com  30  a  40  centímetros  de  com- 
primento e  2  i|2  centímetros  de  largura,  é  amarrada  na  haste. 
A  fig.  3  representa  a  linda  flecha  de  seriba  para  a  caça  do 
jaguar:  a  flecha  inteira  tem  o  comprimento  de  i°,75,  é  en- 
feitada na  ponta  com  i>ennas  de  o"'.24,  e  a  ponta  de  bambu 
tem  o" ,6o  de  comprimento  e  o" ,3  de  largura ;  a  vara  de  se- 
riba está  firmada  nimi  ôco  da  ponta  chata  de  bambu,  feito 
pelo  formão  de  dente  de  capivara,  e  ligeiramente  ligada  com 
um  pouco  de  fios  e  resina  (vide  fig,  4).  A  flecha  de  guerra 
(vide  fig  10),  também  trabalhada  de  seriba,  termina  por 
um  pedaço  de  bambu  estreito  (1  a  2  cms.)  e  redondo,  mas 
aguçado  em  toda  a  extensão  {o'",37).  As  pontas  de  bambtt 
quebram  no  corpo. 

A  flecha  farpada  é  provida  de  arpão  para  a  caça  de  ja- 
carés e  peixes  grandes.  O  comprimento  dessa  flecha  na  fig-. 9 
importava  em  i",78,  contando  o'",3i  para  a  fi^,  e  ligada 
com  um  cordão;  a  haste  era  um  grosso  ubá,  ainda  enleiado 
na  extensão  de  o°,50. 

A  tensão  do  arco  resalta  da  photographia  instantânea 
da  est.  138  e  quadro  28.  O  atirador  está  de  cócoras,  empu- 
nhando o  arco  horizontalmente.  O  caçador,  quando  de  pé, 


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escolhidos  punham-se  de  cócoras  em  rede 


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4S0  REVISTA  DO  INSTITUTO  HI6T0IUC0 

nejando  bem  as  conchas-colhéres .  Quem  comparasse  essa 
stena  patriarchal  com  a  da  repartição  da  carne  á  brasileinit 
havia  de  tomar-se  de  justa  cholera  por  aquelle  vergonhoso 
facto. 

O  idiota  do  Diapocúri  assava  3  carne  de  vacca,  obtida 
naquelle  « forrageamento  de  animaes>.  Trouxera  fc^o  de 
uma  das  cabanas.  O  fogo  já  não  precisava  de  ser  feito  pelo 
altrito,  pois  a  administração  fornecia  phosphoros  suecos.' 
O  processo  original  dos  Bororós  era  o  mesmo  que  o  do  Kuli- 
sehú.  A  melhor  madeira  para  esse  fim  era  julgada  a  da 
canella  brava  {Pseudocaryophyllus  sericeus) .  Naturalmente 
não  havia  mais  indios  com  machados  de  pedra  e  dentes  cor- 
tantes de  peixe;  existiam  em  abundância  machados  e  facas 
metallicos.  Mas  ainda  havia  a  observar  muita  cousa  dos 
velhos  tempos.  Assim,  os  Bororós,  quando  comiam,  segu- 
ravam entre  os  dentes  grandes  pedaços  de  carne,  cortando-os 
rente  á:  bocca  com  lascas  de  bambu;  usavam  como  raspadeira 
um  dente  de  capivara  até  o°',8  de  comprimento,  firmado  numa 
vareta ;  amolavam  esse  dente  com  um  dente  de  paca  {Coela- 
geiíys  paca),  pequeno  roedor;  aplainavam,  alisavam  e  per- 
furavam de  modo  bem  indígena. 

A  sua  plaina  era  um  caramujo,  rúo,  de  o",io  de  com- 
prido, perfurado  por  meio  de  um  coco  de  ouaussú.  Elles 
também  alisavam  madeira,  por  exemplo  os  sonidores,  que 
serviam  nos  funeraes,  esfr^ando-os  durante  um  quarto  de 
hora  com  uma  pedra  lisa  e  molhada,  ou  para  isso  usavam 
das  folhas  ásperas  do  pau-lixa  ou  de  embaúba.  Sentavam-se 
com  os  tornozelos  cruzados,  e  cortavam  e  aplainavam  os  ob< 
jectos  de  quaesquer  espécies,  firmando-os  nos  pés.  No  tor- 
nozelo exterior,  que  ficava  encostado  ao  chão,  observei-lhes 
muitas  vezes  callosidades  e  também  pedaços  cartilaginosos 
móveis.  Ossos  de  macaco  para  adornos  de  correntes,  elles  os 
cortavam  sobre  o  pé,  de  modo  que  eu  a  cada  instante  temia 
jiela  sorte  de  tal  oi^am . 

Practicavam  o  perfuramento  por  meio  de  ura  molinete. 
Firmavam  um  prego  numa  vareta  de  o",SO  de  comprimento, 
e  esta  era  rodada  entre  as  duas  mãos,  que  ora  subiam  ora  se 
abaixavam.  Perfuravam  desta  maneira  pedacinhos  de  casca 
para  as  suas  correntes  labiae^,  que  preparavam  quebrando 


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EN1RB  OS  BORORÓS  45I 

uma  concha  e  limando  as  bordas  dos  fragmentos  sobre  uma 
pedra.  Assim  também  perfuravam  os  dentes,  e  prendiam  os 
que  eram  pequenos,  para  não  escaparem,  dentro  de  um  coco 
de  uaussú.  Original  era  também  o  preparo  das  pérolas  do 
casco  de  tatu;  apresenta-se  este  como  um  escudo  concavo, 
composto  de  innumeros  pequenos  polygonos ;  do  lado  de  dentro 
de  cada  quadrangulosinho,  ba  um  ponto  fundo  natural ;  nesse 
ponto  assenta-se  o  perfurador  de  molinete,  e,  só  depois  de 
ser  assim  perfurado  o  escudo  inteiro,  como  uma  peneira,  é 
que  era  quebrado  nas  differentes  partículas,  que  amolavam 
até  dar-lhes  a  forma  redonda,  e  enfiavam . 

Trançavam  cabazes,  que  serviam  de  deposito  de  ossos 
para  os  funeraes;  abanadores  de  fogtí,  de  forma  quadrangular, 
que  também  serviam  de  pratos,  ou  se  ligavam  como  bandei- 
rinhaa  numa  haste,  afim  de  servirem  para  tocar  mosquitos; 
e  grandes  esteiras  de  folhas  de  uaussú  (2'',0  de  comprimento 
por  afigo  de  largura) . 

Parece  que  os  fundos  jacas  eram  trançados  pelas  mu- 
lheres .' 

Os  homens  fiavam.  Era  o  boito  uma  reunião  de  fian- 
deiras !  Confesso  que  para  mim  foi  uma  scena  singular, 
quando,  pela  primeira  vez,  vi  um  daquelles  caçadores  desem- 
baraçar no  seu  arco  guedelhas  de  algodão,  pela  vibração  da 
corda.  Fiavam  algodão  e  o  cabello  de  seus  mortos,  mas  de 
maneira  differente  da  das  mulheres  do  Kulisehú.  O  castão 
do  fuso,  de  4  a  4  ^  centimetros  de  diâmetro,  era  uma  roda 
de  barro  ou  de  concha  e  estava  assentada  no  quarto  superior 
da  vareta,  que  a  atravessava.  Enquanto  a  mão  esquerda  se- 
gurava a  guedelha  espichada  ou  alguns  cabellos  dobrados, 
fixando-os  na  ponta  curta  dã  vareta,  a  mão  direita  rodava  a 
maior  parte  da  vareta  abaixo  do  castão,  em  posição  inclinada 
do  fuso  sobre  a  parte  superior  da  coxa  direita;  os  fios  for- 
mavam-se,  pois,  por  cima  do  castão,  na  parte  mais  curta  da 
vareta,  e  o  fio  preparado  enrolava-se  na  parte  «Hnprída  da 
vareta,  debaixo  do  castão. 

Os  fios  de  cabello  eram  trançados  em  cordão,  que  se 
punha  em  redor  da  cabeça,  ou  no  ventre,  ou  para  prot^er 
a  munheca  contra  o  attrito  da  corda  do  arco.  O  cordão  de 
fibras  de  pahneira  enrolava-se  ao  c<wnprido,  com  a  mão,  sobre 


.  Google 


45-  REVISTA   DO  tNBTlTUTO  IlISTOItlCU 

a  parte  superior  da  coxa,  Utiliza\aiii-sc  muitas  vezes  do  dedo 
grande  para  a  formação  dos  fios. 

O  «tecer  propriamente  dicto  »,  isto  é,  o  entrelaçar  dos 
fios  para  formar  rectângulos,  era  desconhecido.  Os  homens 
fabricavam,  com  fios  de  algodão,  tiras  estreitas,  entrelaçadas 
com  cerdas  de  porco-espinho,  e  que  eram  usadas  á  maneira 
de  suspensórios  ou  como  cordões  de  peito  para  ambos  os 
sexos,  e  também  como  braceletes,  graças  a  um  entrelaçamento 
artístico  do  fio  entre  duas  varetas  delgadas. 

Quão  elegante  e  nitidamente  os  homens  trabalhavam,  — 
notava-se  principalmente  no  arranjo  das  flechas.  Havia  ahi 
muitas  habilidades! nhãs,  que  parecia  mais  natural  devessem 
ser  confiadas  ás  delicadas  mãos  femininas.  Por  exemplo,  o 
adônio  feito  de  miudinhas  e  variegadas  pennugens,  que  eram 
postas  uma  a  uma  no  chão  e  meticulosamente  arranjadas. 
E  mesmo  em  uma  roda  de  fiandeiras  não  se  ixHlia  mais  taga- 
rellar  e  rir  do  que  ahi  no  baitoi  !  Certamente,  era  pouco  femi- 
nino, quando,  de  repente,  para  variar,  levantavam-se  dous  dos 
trabalhadores,  offerecendo  o  espectáculo  de  uma  regular  lucta 
corporal,  que  os  outros  accumpanhavam  com  o  maior  inte- 
resse. ErgMÍam-se,  luctavam,  derrubavam-se,  e  continuavam 
depois  o  seu  trabalho,  ou  deitavam-se  para  o  dolce  far  niente. 
Pois  nunca  faltavam  preguiçosos  e.  indolentes ;  muitas  vezes 
cncontravam-se  também  pares  enamorados,  —  posto  que  as 
mulheres  não  apparecessem  alli,  —  que  se  devertiam  debaixo 
de  um  coramum  cobertor  vermelho.  Ninguém  se  iiicom- 
modava  com  isso,  excepto  alguns  amigos  atormentados  pelo 
ciúme  e  que  haviam  de  contentar-se  com  o  poderem  sentar-sg 
ao  lado  do  casal  e  palestrar  comeste. 

De  vez  em  quando,  Dtapocúri  fazia  uma  das  suas  farças. 
No  idiota,  que  mal  sabia  balbuciar,  os  seus  companheiros  de 
tribu  não  estavam  longe  de  ver  um  ente  superior.  EHe  gos- 
tava principalmente  de  imitar  a  briga  das  mulheres,  fazendo 
os  gestos  mais  furiosos  e  arremedando  o  reciproco  arranhar 
e  arrancar  dos  cabellos.  Extremamente  excitado  ficava  elte, 
quando  algum  soldado,  tomando  um  pau  aos  hombros  e  man- 
quejando com  passos  exagerados,  bolia  com  elte,  figurando- 
Ihe  a  saida  em  perseguição  dos  Catapós :  —  o  pobre  diabo 
espumava  de  raiva,  atirava  os  seus  tições  accesos  contra  o 


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ENTRE  OS  eORdROS  453 

niotejador  e.  quando  não  tinlia  mais  outro  recurso,  apanhava 
do  chão  alguns  cavacos,  assiçnalando  com  elles  o  logar  do 
bigode,  fazendo  caretas,  arreganhando  os  dentes  e  regougando 
articulações  sem  nexo.  Após  algum  tem|x>  socegava,  e  exer- 
citava-se  cm  sacudir  duas  matracas,  grunhindo  compa; 
mente  o  canto  aróe. 

Passámos  assim,  no  ranchão,  horas  divertidas  e  ii 
clivas.  Mas  uma  cousa  era  intolerável,  —  o  continuo  pedi 
de  tabaco.  Meu  cachimbo  andava  de  bocca  em  bocca.  A 
dictava-me  paginas  inteiras  de  boróro,  aproveitando  pa 
phrases  cada  incidente  que  occorria,  e  m'as  faziam  n 
rindo-se  depois  tão  contentes  como  os  Bakaeris,  Quanto 
ficámos  familiarizados  com  elles,  tanto  mais  notámos 
eguaidade  de  temperamento  e  de  cliaracter  com  os  indi 
Kulisehú,  Executámos  também  me<li(;òes  anthropologii 
elles,  depois,  também  tomaram  a  minha  altura  num  m 
do  ranchão.  Mastigaram  um  iiedaço  de  carvão,  amassarai 
com  saliva  e  fizeram  no  mourão,  em  cima  da  minha  ci 
uma  linha  preta  circular. 

Aumentos  :     <  benzimentos  ».  —  Conforme    Ciei 
nos  narrou,  apesar  <ie  todo  o  modo  de  caça,  os  alimente 
getaes,   preparados  [lelas   mulheres,   é   que   tinham   a   i 
importância,  porque  entravam  mais  regular  e  abun<lanteni 
As  mulheres  desenterram  raizes  por  meio  de  um  pau  por 
trepam   com   grande   agilidade   nas   palmeiras,   preferir 
uaussú  e  a  akuri,  colhem  os  cocos,  cortam  na  copa  o  pal- 
mito, procuram  fructos.  como  o  jatobá,  o  piqui,  etc.  Os  côcoii 
são  torrados  ou  socados  no  chão,  e,  de|)ois,  misturados  com 
agua.   para   obter-se   uma   l)ebida   grossa.  —  o   refresco,   que 
corresponde  ao  mingau  ou   caldo  grosso   do  Kulisehú,  que 
era    offerecido    ao    hospede.    O    angíi,    que    aprendemos    a 
conhecer   no   ranchão,    faltava   nas   aldeias,   por   não   haver 
milho.    As  mulheres  preparam  os   alimentos   v^etaes.    Fa- 
bricam também  os  potes,  que,  aliás,  existiam  em  diminuta 
quantidade .     Havia    apenas    duas    qualidades :    uma    tigella 
aberta,  ruôho,  na  qual  se  cozinhava,  e  uma  outra,  poli  (32), 


<3i)  Alili,    cpóri>.    OmtonnE   ji   disatmos   atraz,   s 
Mue   o   «om  mnespandcnte  ao   nosio   c  I  ».    (Noia  de  B.   de  M.), 


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4S4  RBTISTA  DO  INSTtTDTO  BISTOKICO 

com  gargalo  curto  e  assento  estreito,  quasi  da  forma  de 
um  almofariz,  e  que  também  servia  de  vaso  para  guardar 
agua.  Eram  de  feição  grosseira,  mal  queimados  e  não  en- 
yemizados.  O  pilão,  toscamente  talhado,  de  mais  ou  menos 
D'",45  de  altura,  mas  facilmente  transportável,  tinha  mais  ou 
menos  a  forma  de  um  ovo  a  que  se  truncasse  um  polo,  e, 
para  ser  utilizado,  era  preciso  firmar-se  no  chão.  Além  dos 
cocos,  também  socavam  nelle  carne  e  ossos  (33) . 

Quando  as  mulheres  voltavam  a  Teresa-Christina,  davam 
aos  homens  « carne  de  coco  »  e  recebiam  delles  os  restos  da 
[«carne  de  gado».  Sal  e  toucinho  eram  desprezados,  ao  passo 
que  a  carne  de  porco  do  mato  era  o  seu  prato  predilecto. 
Rejeitavam  a  carne  do  porco  domestico,  visto. ser  o  animal 
creado  por  seu  possuidor.  Quando  era  servido  aos  officiaes 
um  leitão,  os  Índios  saíam  do  refeitório.  Idêntica  aversão, 
entretanto,  não  tinham  elles  para  com  os  bichos  que  tiravam 
dos  pés  (observámos  uma  india  que  practicava  essa  pequena 
operação  com  um  garfo  tirado  da  mesa  posta).  Diziam  que 
«os  comiam,  porque  elles  também  comiam  o  seu  sangue», 
.Toda  caça  era  assada  em  couro,  e  só  se  coziam  as  tripas; 
'dobradinhas  de  bucho  constituiam  a  especialidade  culinária 
de  Diapocúri,  Comiam  tudo  «o  que  havia  na  mata  e  no  río». 
Muito  apreciados  eram  os  jacarés,  caçados  com  a  flecha  de 
arpão.   Não  matavam  nem  comiam  veados  campeiros. 

Não  se  comem,  nem  se  matam  araras  mansas.  Elles 
apanhavam  novas  as  aves  de  pennas  brilhantes,  creavam-n-as 
e  arrancavam-lhes  depois  as  pennas.  Dizia  Clemente  que 
também  entendiam  de  pintar  de  amarello  as  araras,  esfr^ndo 
com  o  sucGo  de  certa  arvore  os  logares  depennados.  Este 
costume,  conhecido  por  muHos  índios,  provavelmente  foi 
achado  pelo  tractamento  medicinal  dos  animaes,  á  força  pri- 
vados das  suas  pennas.  Mais  tarde  voltarei  a  tractar  do  como 
amavelmente  poupavam  o  veado  e  a  arara. 

A  etiqueta  não  impedia  de  modo  algum  que  os  Bororós 
comessem  junctos,  como  os  Bakaeris  e  Carajás;  mas,  em 
logar  dissci,  tinham  outros  usos  singulares,  que  mqstram  cla- 


fònna  a  que  se  encontra  o 


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ENTRE  OS  BORÕBOG  4SS 

ramente  que  as  tribus,  cuja  caçada  era  escassa,  haviam  de 
recorrer,  de  outro  modo,  a  meios  de  evitar  questões  e  brigas 
na  repartição  das  presas.  Para  conseguirem  isso,  tinham,  em 
primeiro  \ogar,  uma  norma  extraordinária :  —  ninguém  as- 
sava a  caça  que  havia  apanhado,  mas  entr^gava-a  a  outrem 
para  aquclle  fim  !  A  mesma  sábia  precaução  é  posta  em  prá- 
ctica  a  respeito  das  pelles  preciosas  e  dentes.  Caçado  um 
jaguar,  segue-se  uma  grande  festa;  a  carne  é  comida.  Mas, 
não  é  o  seu  caçador  quem  recebe  nem  a  pelle  nem  os  dentes, 
e,  sim,  —  o  que  hei  de  descrever  depois,  —  o  parente  mais 
próximo  do  indio  ou  india  que  morreu  ultimamente.  O  caçador 
é  honrado  com  o  recebimento  de  presentes,  por  parte  de  todos, 
de  pennas  de  araras,  assim  como  do  arco  ornado  de  laços  de 
naussn.  Porém  a  medida  mais  importante  para  evitar  dis- 
córdias acha-se  ligada  á  funcção  do  <  homem-medico »,  de 
quem  vou  tractar  agora. 

Os  Bororós  distinguem  o  bárt  e  o  aroê-taurári .  As  func- 
ç5es  de  ambos  não  se  excluem.  Ambos  são  curandeiros,  mas 
o  aroê'taurári,  em  primeiro  logar,  é  entoador  e  guiador  de 
dansa  durante  o  canto  e  dansa  arâe,  ao  passo  que  o  bári  é, 
ahtes  de  tudo,  o  medico  assistente.  Os  Brasileiros  chamavam 
áquelle  5  padre  t,  a  este  t  doutor  » .  Limitemo-nos  á  expressão 
bári  ou  €  homem-medico  > .  O  seu  aprendizado  parece  ser 
menos  complicado  do  que  o  é  geralmente;  o  que  aqui  vale 
mais  é  a  vocação  natural.  No  tempo  de  sècca,  —  o  nome  não 
se  entende  propriamente  com  a  sede,  —  bebem  muito  vinho 
da  palmeira  akuri :  furam-lhe  o  tronco  e  apanham  o  sueco 
em  uma  vasilha  ou  almofariz,  tomando-o  cm  copos  tíe  bambu. 
O  vinho  é  acidulado,  mas  abundante.  Ambos  os  sexos  embe- 
bedam-se  a  valer.  Quem  mais  aguenta  isso,  chega  a  ser 
c  homem-medico  >.  Quando  deste  se  diz  que  é  comprehendido 
pelos  pássaros  do  mato,  que  pôde  conversar  com  as  arvores 
e  os  animaes  de  toda  espécie  em  sua  lingua  delles,  espero 
que  não  se  refira  isso  a  um  medico  illuminado  pelo  vinho  de 
palmeira,  mas  sim  que  se  pense  no  estudo  alcançado  na  so- 
lidão e  no  do  canto  de  aróe,  no  qual  são  invocados  os  animaes. 
O  bári  tracta  dos  seus  doentes  pelo  modo  já  conhecido:  — 
geme,  torce-se,  fuma,  e  chupa  a  causa  da  doença,  —  aqui 
tal  causa  é  geralmente  um  osso,  —  do  corpo  do  paciente. 

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45*^  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Nesse  acto  são  observadas  duas  cousas:  em  primeiro  logar, 
apenas  mostra  o  osso,  que  não  lhe  sai  da  mão;  e,  depois,  o 
<  homem-medico  >  só  cura  de  noite. 

Cousa  simtlhante  relata  Waehneldt  a  respeito  dos  Bororós 
do  Jaurú.  Alli,  curava-se  no  meio  de  uma  grande  fumaceira, 
murmurando  palavras  incomprehensiveis  e,  «cousa  capital», 
fazendo  movimentos  convulsivos ;  <  eu  assisti  á  cura,  feita 
por  um  tal  paxlre,  a  qual  consistia  no  seguinte:  chupava  em 
diversas  partes  do  corpo,  fumando  por  intervallos  no  seu 
cachimbo  e  mastigando  o  boccal  do  canudo.  Depois  de  cada 
chupadella,  cuspia  os  pedaços  mastigados  do  cachimbo,  fa- 
zendo crer  ao  doente  que  aquillo  era  a  causa  do  seu  soffri- 
mento  » .  Mais  ainda,  —  e  assim  tornamos  a  chegar  á  presa 
da  caça,  —  uma  capi\'ara,  antes  de  se  poder  toca-la  ou  come-la. 
havia  de  ser  benzida  no  sanctuarium  de  um  por  um  dos  quatro 
a  seis  padres.  Os  baris  cortavam  os  melhores  pedaços,  dei- 
xando o  resto  para  os  outros. 

No  S.  Lourenço,  do  mesmo  modo,  os  curandeiros  viviam 
ainda  na  edade  de  ouro.  Seria  injusto  pensar  aqui  em  abuso 
ridículo  da  primitiva  híerarchia,  pois  o  bári  não  era  «  padre» 
c  sim  €  doutor  ».  ainda  com  a  diff crença  de  que  não  sabia 
mais  do  que  um  €  padre  i^.  O  benzimento  era  cffectuado  exa- 
ctamente do  mesmo  modo  por  que  se  procura  resuscitar  um 
morto.  A  lógica  é  muito  simples:  em  primeiro  logar,  os  ani- 
macs  a  benzer  são  exactamente  os  mesmos  em  que  penetram 
os  baris  mortos,  c.  deiiois,  os  baris  transformam-se  post-mor- 
tem  nos  animaes.  que  são  reputados  como  a  melhor  caça. 
Aqui  é  preciso  persuadir-se  de  que  o  animal  apanhado  não 
pôde  mais  ser  resuscltado,  e  nesta  tentativa  é  que  consiste  o 
benzimento.  Tinham  pescado  um  grande  jahú,  que  foi  con- 
duzido para  o  ranchão  dos  homens,  —  um  exemplar  de  quasí 
i^.SO  de  comprimen',o  e  que  não  podia  ser  assado  de  uma 
só  vez.  Um  bári,  que  estava  de  cócoras  perto  delle,  começou 
a  tremer  muito,  fechou  os  olhos,  tremeu  horrivelmente  com 
a  mão  direita  que  tajiava  a  bocca,  depois  principiou  a  soprar 
c  a  gritar  vái,  vái,  lançando  bruscamente  a  cabeça  para  trás, 
c,  tocando  o  peixe  em  todas  as  partes,  molhou-o  com  saliva, 
em  seguida  abriu  a  bocca  do  animal,  gritou  e  cuspiu  para 
dentro  delia,  f cchou-a  outra  vez,  —  e  prompto  !  Esse  acto, 

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ESTRE  08  BORORÓS  457 

que  foi  executado  profissionalmente  ligeiro,  durou,  conforme 
o  meu  relógio,  somente  trez  minutos.  Depois,  pegou  numa 
faca  e  cortou  o  peixe  em  pedaços,  tomando  para  si  o  melhor, 
que  cu  também  teria  escolhido. 

Os  animaes,  que  incondicionalmente  haviam  de  ser  ben- 
zidos, eram  os  grandes  peixes  jahú,  pintado  e  dourado,  assim 
como  a  capivara,  a  anta  e  o  jacaré.  E'  principalmente  a  cabega 
da  anta  que  precisa  da  ceremonia.  Ninguém,  excepto  o  bári, 
pódc  comer  a  tromba  da  anta.  que  contém  a  carne  mais  tenra, 
e  o  lombo  do  pescoço;  também  dos  outros  animaes  a  parte 
melhor  pertence  «  ao  bári  e  aos  seus  amigos  »,  que  a  repartem 
entre  si,  depois  de  assada.  O  systema  tem  sido  também  ex- 
tendido  a  algumas  fructas.  como  o  piqui  e  a  mangaba,  e 
até  ao  milho,  —  outra  vez  os  mais  saborosos.  Quanto  aos 
cocos  da  akurí,  não  era  necessário  esse  processo;  e,  com 
relação  ao  milho,  só  era  elle  applicado  desde  que  os  Brasi- 
leiros forneciam  regularmente  aquelle  grão  á  colónia.  Até  um 
bári  devia  estar  presente,  quando  os  animaes  eram  caçados  ! 
Quando  tim  peixe,  dos  sujeitos  á  tal  inspecção  official  da 
carne,  cai  na  rede,  sem  que  esteja  presente  um  bári,  tem  de 
Rcr  jwsto  em  liberdade,  e  Clemente  dizia  que,  de  facto,  isto 
.SC  dava,  mas  só  excepcionalmente,  porque  havia  sempre  vários 
baris  e  estes  sempre  estariam  presentes.  Quem  infringir  tacs 
usos,  morre  l<^o.  \'ède  mais  adeante  «a  transmigração  das 
almas  > . 

Dansa  r.  ovTHAS  DiVKRSõRs.  — Conforme  o  precedente- 
mente narrado,  o  canto  aróc.  com  que  se  abre  cada  acto  de 
caça  c  pesca  communs,  perde  todo  o  maravilhoso.  O  bári. 
que  no  fim  re|>arte  solennemente  a  presa,  é  também  quem 
cuida  do  solenne  preparo  da  empresa.  A  ídéa  das  relações 
entre  animal  e  homem  é  a  base  (faquella  apreciação;  sem  taes 
ceremonias,  pareceria  uma  invenção  de  impostores ;  com  ellas, 
justifica-se  a  sua  origem;  mas  isto  aqui  não  nos  import:i. 
O  canto  de  caça  é  o  mesmo  que  se  entoa  nos  funeraes  !  Im- 
pressiona seriamente ;  de  noite,  porém,  a  impressão  é  medonha. 
Nos  funeraes,  homens  e  mulheres  cantam  junctos,  mas  as 
mulheres  ficam  de  um  lado  ou  ^lo  fundo  e  muitas  vezes  fazem 
pausa,  ao  passo  que  os  homens  nunca  a  fazem.  No  preparo 
vespertino  para  a  caçada,  muitas  vezes  se  ouviam  as  baixas 

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4S8  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

e  resoantes  vozes  do  coro  dos  homens.  Ao  cadete  Caldas 
c  que  eu  devo  os  respectivos  dados.  Elle  distingia  um  pri- 
meiro canto  só  para  homens,  e  um  segundo  canto  para 
homens  e  mulheres.  O  texto,  por  elle  fornecido  a  respeito" 
do  primeiro,  tornou-se  infelizmente  imprestável.  Tracta  da 
gaivota,  schibaiú,  que  também  apparece  no  segundo,  e  não 
é  uma  simples  enumeração  de  nomes,  apesar  das  múltiplas 
repetições .  Esses  nomes,  seguidos  de  aróe,  constituem  o  texto 
do  segundo  canto,  formando  tamhem  uma  longa  repetição: 
esse  é  o  texto  geralmente  cantado,  não  menos  pobre  em  va- 
riação do  que  a  sua  musica,  a  qual,  apesar  de  não  ser  eu 
versado  nessa  arte,  me  parece  a  mais  monótona  possível.  Os 
seguintes  «  versos  >,  traduzidos  por  Clemente,  estão  na  devi<Ja 
ordem :  —  bacororó  aróe,  okóge  aróe,  schibaiú  aróe,  kuru- 
gtige  aróe,  boloróe  aróe,  imaiaré  aróe,  diureiólo  aróe,  kata- 
tóto  aróe,  manotólo  aróe,  palavras  essas  que  (menos  aróe) 
querem  dizer:  —  agua  (uma  determinada?  geralmente  póbe), 
dourado  (peixe),  gaivota,  gavião,  uma  outra  ave  de  rapina 
que  come  peixe,  <  seu  peito  »,  sucuri,  pilão,  herva  do  pantanal. 
A  scena,  portanto,  passa-se  á  beira  da  agua;  mais  não  posso 
adeantar.  Si  o  morto,  juncto  ao  cesto  onde  está  depositada 
a  sua  ossada,  experimenta  qualquer  cousa;  si  desejam  que 
os  animaes,  que  também  concorrem  para  a  pesca,  estejam 
no  pilão,  —  o  que  era  mais  para  acreditar,  —  isso  não  cheguei 
a  saber.  Alternando  com  esse  canto,  também  faziam  ouvir 
—  «jaguar»,  «capivara»,  «  paríko  »  (diadema  de  pennas). 
seguidos  de  ehê;  isto,  porém,  não  applicavam  aos  funeracs, 
e,  sim,  somente  em  relação  á  caçada. 

Rohde  fala  de  uma  dansa  fararú,  para  a  qual  se  enfei- 
tavam com  coroas  de  pennas,  guisos  e  outros  adornos.  Um 
guiatlor  de  dansa,  tendo  em  cada  mão  a  matraca  e  nos  pés 
guisos  feitos  do  casco  de  veado,  acha-se  no  meio  de  uma 
roda,  formada  pelos  homens,  a  qual  é  circundada  por  uma 
roda  maior,  constituída  pelas  mulheres.  Dansam  com  com- 
passo, saltam  e  matraqueiam  longo  tempo,  até  que,  finalmente, 
o  guiador  da  dansa  berra  hou  !  e  dá  um  feroz  salto  ultimo, 
que  é  imitado  por  toda  a  coiqpanhia.  Waehneldt  viu  dansas 
imitativas  de  animaes  e  diz  que  acha  sobremodo  extravagante 
a  dansa  dos  mycetes  (macacos  roncadores),  a  qual  ccxistste 

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PRIMEIRO 


'h<-n.ii}i\^ 


SEGUNDO  CAN' 

Jiomens 


ba-ko-ro-ró     a-ró  -   e 


'yT^M^A^ 


a  -  ro 
Jâulheres 


^  ka  _  Ifn   -     rn   _    r>n 


ba  -  ko  -  ro  -  PQ 


*-^    Bchi-bs  -  yu       B  -  ró  -  e 


D,gt,ZBdbyCOO<^le 


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ENTRE  OS  BORdBOa  459 

èm  arremedar-lhes  todas  as  vozes  e  movimentos.  Na  «  d^nsa 
da  pelle  do  jaguar»  tomam  parte  homens  e  mulheres;  estas 
nunca  chegam  a  ver  a  pelle  do  jaguar,  carregada  ás  costas 
por  um  homem,  que  finge  mostra-la  com  os  movimentos  que 
faz  a  cada  passo;  o  medo  das  mulheres  é  o  dou  da  diversão. 
€  A  dansa',  que  consistia  na  imitação  dos  costumes  dos  ante- 
passados (?),  era  algo  rude  e  accompanhada  de  cantos  numa 
lingua  que  é  differente  da  de  hoje.  A  dansa  mais  melan- 
cholica  e  triste  era  dedicada  á  recordação  dos  mortos:  estes 
eram  representados  como  presentes  nella,  conversando  com  os 
vivos  e  fazendo-lhes  carinhos  de  toda  espécie». 

A  dansa,  que  servia  para  encoraja-los  ao  combate  contra 
os  inimigos  Caiapós,  e  na  qual  tivemos  de  tomar  parte,  já 
a  descrivi.  Pormenores  sobre  a  dansa  e  o  canto  dos  funeraes, 
eu  os  direi  no  relatório  especial  sobre  as  exéquias  da  esposa 
de  Coqueiro,  e  ahi  descreverei  também  a  dansa  da  véspera, 
quando  foram  incinerados  os  trastes  da  morta. 

No  dia  8  de  Abril  presenciámos  uma  dansa  cómica,  cha- 
mada párc;  quatro  rapazes,  adornados  com  o  pariko,  appa- 
receram  atraz  do  ranchão,  guiados  por  Domingos,  que  em 
cada  mão  agitava  uma  matraca. 

Elles  deram  compassadamente  pequenos  saltos  com  os 
dous  pés  junctos  e  assim  dansaram  em  roda,  dirigindo  a  frente 
alternativamente  ora  para  dentro  ora  para  fora.  Depois 
chegaram  três  mocinhas,  cada  uma  das  quaes  dansava  atraz 
de  um  moço,  pegando-o  pelas  ancas.  Os  espectadores  es- 
tavam muito  contentes,  mas  sua  alegria  redobrou,  quando 
uma  quarta  personagem,  com  cinto  de  casca  e  liga  de  embira, 
corajosamente  saltou  no  meio  da  roda,  e,  apesar  de  trazer 
a  cabeça  coberta  com  um  [lanno,  facilmente  foi  reconhecida 
como  sendo  um  homem.  Estava  enfeitado  com  collarcs  de 
pérolas  e  tinha  na  mão  uma  esteirinha,  com  que,  a  compasso, 
abanava  o  chão,  O  divertimento  durou  mais  ou  menos  um 
quarto  de  hora.  As  mulheres  saíram  da  roda,  a  fingida  em 
primeiro  logar,  os  homens  dansaram  ainda  uma  vez  a  com- 
passo apressado  e  depois  lá  se  foram  tomar  banho. 

Havia  pacificas  luctas  corporaes,  consoante  com  as  re- 
gras que  vou  referir.  Quem  pretendia  desafiar  a  alguém, 
pegava-lhe  na  munheca  direita.    Os  dous  enfrentam-sc,  e 


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46o  REVISTA  DO  INSTITUTO  BISTORICO 

cada  qual  põe  as  mãos  debaixo  dos  hombros  ou  em  redor 
das  virilhas  do  outro;  nesse  abraço  ficam  os  dous  com  os 
cor|ws  inclinados  verticalmente  e  com  os  \>és  bem  abertos,  de 
modo  que  um  aviste  as  costas  do  outro.  Rindo-se,  perma- 
necem assim  durante  algum  tempo;  de  repente,  porém,  ficam 
muito  sérios:  o  plano  é  um  dar  uma  rasteira  no  outro,  afim 
de  derriba-lo.  Um  delles  começa  o  ataque,  procurando  pÔr 
o  calcanhar  na  curva  poplitea  do  outro,  afim  de  dobra-la; 
mas  o  outro  i>õe  a  perna  tão  bem  esticada  para  trns,  que 
aquelle  não  chega  a  applicar  a  força.  Essas  tentativas  são 
rapidamente  feitas  de  ambos  os  lados,  até  que  iim  dos  lucta- 
dores  caia.  Sempre  se  realiza  a  desforra.  Em  tal  diverti- 
mento mostrou-se  habilissimo  no  ranchão  um  rapaz  pequeno, 
dextro,  mais  feio  e  caolho,  que  nós  denominamos  clown,  bem 
que  o  seu  nome  de  baptismo  cuiabano  fosse  Camões,  o  qual 
derribou  seguidamente  a  trez  ou  quatro  dos  .seus  mais  altos 
companheiros  de  tribu.  Os  adversários,  que  eram  mais  cor- 
pulentos e  robustos,  costuinavam  levanta-lo  orgulhosamente, 
mas  no  mesmo  instante  sentiam  o  seu  calcanhar  na  cu^^■a  do 
joelho  e  caiam  redondamente  no  cbão, 

Muitas  vezes,  no  pateo  livre,  exercitavam-se  no  atirar 
com  arco. 

\'ell)os  e  moços  gostavam  muito  da  gangorra  (burika), 
invenção  dos  soldados.  Era  um  pau  horizontal  com  cordas 
nas  extremidades  o  qual  gira  no  meio  sobre  um  mourão.  O 
pau  fa-ln  girar  rapidamente  alguém,  que  por  momentos  fica 
])erlo  do  mourão,  até  que  os  individuos  montados  nas  extre- 
midades voem  para  os  lados. 

Na  estampa  vêem-se  dous  objectos  de  brinquedos  de 
creanças:  —  /•n/^í  (34).  peteca  feita  de  palha  de  milho,  tendo 
na  ponta  uma  |)enna  de  arara,  e  tagóra.  um  chicote  munido  de 
uma  peuna  preta  de  urubu  na  [mnta  da  tala;  manejavam  o 
chicote  de  modo  que.  com  um  prazer  [»uco  commovente,  a 
penna  por  um  momenlo  ficava  jxista  jierpendicularmente  no 
sóin.  quando  o  calx),  por  um  rude  movimento  da  munheca, 


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ENTRE  06  BDRÕROS  46I 

se  dirigia  para  baixo.  Um  dia  vi  dous  rapazes  que  faziam 
esvoaçar  uma  abelha  e  uma  borboleta,  presas  a  um  fio. 

Instrumentos  de  musica;  sonidores.  — No  uso  ordi- 
nário, somente  se  applicavam  grandes  matracas  de  cabaça, 
de  o",2o  de  comprimento,  e  uma  pequena  cuia  para  soprar, 
chamada  poári.  O  poári  servia  de  corneta  para  a  caçada;  era 
uma  abóbora  da  forma  e  do  tamanho  de  uma  grande  maçã, 
tendo  na  parte  inferior  uma  alwrtura  redonda  e  em  cima  u'n 
canudinho  delgado,  da  extensão  de  um  dedo,  e  ao  lado  do  qual 
existia  uma  lingueta.  Os  poáris,  munidos  de  madeixas  de 
cabellos  de  mortos,  difficilmente  se  poderiam  adquirir  dos 
Bororós.  A  única  flauta  ou  trombeta,  que  nós  vimos,  tinha 
i^.zi  de  comprimento  e  era  tocada  na  festa  dos  mortos,  bem 
como  quando  voltavam  para  casa  os  cestos  de  ossada.  Um 
tambor,  que  era  usado  no  ranchào  para  a  mesma  ceremonia, 
não  nos  fez  a  impressão  de  ser  original :  consistia  num  pedaço 
de  couro  de  boi  esticado  sobre  pilões  de  madeira;  como  ba- 
quetas, serviam  umas  varinhas  de  seribas. 

Maior  interesse  offerecem  os  sonidores  (35),  não  só  pelo 
mysterio  que  se  lhes  ligou,  como  também  por  causa  da  pin- 
tura, pois  são  o  único  instrumento  pintado.  Como  usavam 
os  sonidores,  já  o  relatei.  Mas,  ao  passo  que  no  Kulisehit 
elles  serviam  somente  para  as  alares  dansas  masquées  ou 
ainda  como  brinquedo,  no  S.  Lourenço  eram  usados  apenas 
nas  ceremonias  fúnebres,  primeiro  quando  se  queimavam  os 
trastes  dos  mortos,  occasião  em  que  queriam  dizer  aos  mortos, 
suppostos  presentes,  por  uma  dansa  pantomímica,  que  nada 
ficara  do  que  lhes  pertencera  em  vida,  e  que  elles,  os  ex- 
tinctos,  portanto,  nada  mais  tinham,  para  o  futuro,  que 
vir  procurar  no  aldeiamento;  e,  depois,  quando  mais  tarde 
o  cesto  da  ossada  era  conduzido  para  fora,  deixando  assim 
o  morto  o  aldeiamento.  O  conceito  fundamenlal  de  todas 
essas  solennidades  consiste  uo  medo  de  que  o  morto  pcfssa 
voltar  para  buscar  os  vivos.  Das  ceremonias  celebradas  i>ara 
impossibililar-lhes    isso,    exclue-se    cuidadosamente    o    sexo 


(is)  «Sonidori  loi  o  único  Icrmo  <tnr  o  piol.  Vaim  i>ucle  achar  cm  nos» 
Imviu  para  Induzir  o  illemio  *  Schwirrliolz.  O  vocábulo  vulgar,  porvm, 
■PPlicBdo    dííde    muito    pelos    nosioi    pairicioi    ao    «aídje»    tloa    Borõroi,    i 


«berra-boi*    (Nota   de  B. 


byCoogIe 


46)  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

fraco.  Durante  ellas,  as  mulheres  fogeni  para  o  mato  ou 
esçondetn-se  nas  cabanas.  O  signal  é  dado  pelo  sonidor,  cujo 
mJda  raturalmente  tem  um  character  apavorante.  Si  ellas 
estivessem  presentes,  correriam  o  risco  de  morrer.  Até  ahi, 
tudo  parece  lógico  e  natural.  Mas,  nessas  usanças  accrescen- 
taram  a  crendice  de  que  havia  perigo  para  as  mulheres  no 
avistarem  o  sonidor.  Diziam  mesmo  que  ellas  morreriam, 
si  o  avistassem. 

E'  esse  um  augmento  certamente  exaggerado,  porém 
sem  nenhuma  incompreliensibilidade .  Por  parte  das  nossas 
mulheres  lia  idênticas  exag^erações,  quanto  ao  medo  de 
armas  de  fogo.  Uma  senhora,  minha  conhecida,  tapava  os 
ouvidos,  quando  eu  lhe  mostrava  um  revólver  sem  balas,  e 
pedia-me,  tão  excitada  que  não  queria  ouvir-me  nem  vêr 
cousa  alguma,  instantemente  que  eu  o  guardasse,  pois  dizia 
ella,  —  eu  cito  bem  historicamente,  —  que  <  acontecia  muitas 
vezes  que  esses  bichos  disparavam  frequentemente,  mesmo 
sem  que  estivessem  carregados » .  Quando  o  sonidor  troa 
entre  os  Bororós,  nas  dietas  occasiões,  então  isso  corresponde 
ao  revólver  carregado ;  é  um  perigo  para  homens  e  mulheres, 
mas  o  cuidado  por  parte  das  ultimas  é  maior,  porquanto  os 
Índios  acreditam  ser  peculiar  das  mulheres  o  chorar  e  tremer, 
sempre  que  as  ameaçam  animaes,  inimigos,  até  somente  que- 
das de  agua,  e  que  ellas  precisam  sempre  de  protecção.  SI 
a  mulher  corre  perigo  avistando  um  sonidor,  então  isso  em 
parte  é  ainda  egual  ao  medo  do  revólver  não  carregado,  e 
cm  parte  já  uma  fórmula  inane,  adquirida  pela  práctica  das 
gerações,  e,  sem  critério,  anxiosamente  applicada .  Do  mesmo 
modo,  Wallace  observou,  na  região  do  Amazonas,  que  as 
mulheres  fogem,  quando  resoam  as  flautas  da  dansa  dos 
demónios  juruparis,  e  ouviu  dizer  que  ellas  morreriam,  si 
as  avistassem ;  também  elle  só  pôde  obter  algumas  dessas 
flautas    mediante  condições  especiaes. 

Com  effeito,  quando  se  lê  que  os  Australianos  contaram 
a  um  viajante,  com  as  mesmas  palavras  com  que  me  foram 
referidos  estes  factos  a  respeito  dos  Bororós,  que  «as  mu- 
lheres morreriam,  si  avistassem  o  sonidor»,  sendo  que  o  al- 
ludido  sonidor,  nas  mais  diversas  tribus  do  velho  mundo, 
representava  um  papel  em  ritos,  de  que  eram  excluídas  as 


■'Google 


ENTRB  08  BORORÓS  463 

mulheres,  acha-se  isto,  á  primeira  vista,  singular.  Realmente 
é  difficil  comprehender  que  fosse  essa  a  razão  de  pensar 
entre  os  elementos  mais  heterc^eneos,  cuja  connexão  me- 
diata ou  immediata  carece  totalmente  de  prova;  pois  não  se 
deve  considerar  como  uma  grande  conquista  do  espirito  hu- 
mano a  invenção  de  uma  tábua  gyrada  no  ar  por  meio  de 
cordas,  e  de  que  só  uma  vez  apparecesse  isso  no  curso  da 
historia ;  e  não  se  deveria  também  achar  tão  singular  o  medo 
de  doença  e  morte,  as  tentativas  de  explicações  desses  phenc^- 
menos,  as  idéas  da  existência  de  além-tumulo,  a  interpretação 
dos  sonhos,  etc,  etc,  e  que  um  povo  só  de  outro  podia  receber 
a  sua  medicina.  Nesse  caminho,  como  para  uma  longa  série 
de  invenções  e  costumes  pôde  o  mesmo  ser  provado,  chega-se 
a  um  paraíso  ethnographico  da  Humanidade,  —  caminho  esse 
que  para  o  sonidor  certamente  não  existe  mais,  desde  o 
brilhante  artigo  «  The  bullroarer  »  no  Cusiom  and  Myth  de 
Andrew  Lang  (Londres,  1885). 

€  As  mais  diversas  tribus,  diz  Lang,  têm  os  seus  mys- 
terios,  necessitam  de  um  signal  para  chamar  as  pessoas  que 
neltes  podem  tomar  parte  e  para  avisar  as  que  o  não  podem ; 
occultando  o  instrumento  ás  mulheres,  etles  têm  a  dupla  cer- 
te2a  de  que  o  sexo  curioso  se  espanta  e  afasta».  Entre  os 
Bororós,  o  caso  é  algo  differente;  tem-se  cuidado  das  mu- 
lheres. Pôde  ser  que  em  outras  tribus  se  tracte  de  ameaçar 
as  mulheres  com  a  pena  de  morte,  —  e,  assim,  cada  caso  deve 
ser  investigado  particularmente,  pois  a  singular  concordância 
será  talvez- apenas  exterior,  —  como  a  índia  do  Kuliaehú  se 
exporia  a  um  perigo  de  corpo  e  alma,  si  entrasse  na  casa 
em  que  os  homens  tocam  flauta.  A  expressão  —  «as  mu- 
lheres morreriam  >  pôde  ter  duas  interpretações  differentes. 

Era-nos  absolutamente  impossível  obter  sonidores  dos 
Bororós.  O  medo  do  abuso,  em  razão  do  procedimento  dos 
Brasileiros,  era  bem  fundado.  Pediam  instantemente  a  Gui- 
lherme que  não  mostrasse  ás  mulheres  sonidores  por  elle 
pintados.  Quando  nós  lhes  fizemos  offertas  de  compra,  os 
aidies  foram  escondidos.  Parece  que  até  os  homens  tinham 
um  certo  medo,  quando  nós  falávamos  desses  objectos,  como 
de  arcos  e  flechas  e  quaesquer  outros  objectos  de  collecção; 
um  virou  timidamente  a  cara,  quando  eu  lhe  toquei  no  thema 


lyCoogle 


4^4  REVISTA   DO  INSTITUTO 

aidic,  c  inani  ícstou-mc  cliiranientc  que  gostaria  iiiais  de  não 
ouvir  tractar  de  similhante  assumpto :  a  cousa  estava  bem 
ligada  com  o  medo  da  morte.  Somente  lográmos  a  satisfac<;ào 
dos  nossos  desejos  por  meio  de  trez  rapazes  mais  velhos,  que 
estavam  no  verdadeiro  tenijx)  da  molecagem,  e  que  tanto  as- 
piravam às  nossas  pequenas  contas  vermelhas  quanto  nós 
aos  seus  sonidores.  Elles  os  entalharam  e  pintaram  no  mato. 
O  primeiro  appareceu  mysteriosamente  em  nosso  quarto  pela 
calada  da  noite,  exigindo  que  trancássemos  porta  e  janellas. 
Depois,  veio  o  segundo,  batendo  á  porta.  e.  finalmente,  assim, 
o  terceiro.  Cada  um  trazia  um  sonidor  debaixo  de  um  i>aniio; 
segredaram-nos  que  devíamos  occulta-los  cuidadosamente, 
pois  mulheres  e  creanças  morreriam,  si  os  avistassem,  e  in- 
sistiram também  porque  os  homens,  —  o  moleque  Tobakiu 
tinha  muito  medo  de  seu  pac  Moguiocúri,  —  também  não 
soubessem  nada  daquillo,  para  não  ficarem  <  brabos  >  e  não 
daren]  desapiedadamente  nelles.  Nós  tomámos  esse  pedida 
em  muita  consideração,  e,  á  vista  delles,  puzemos  os  trez  pe- 
rigosos paus  no  iK)iito  mais  fundo  da  nossa  mala. 

A  forma  dos  sonidores  é  comprido-oval,  o  tamanho  é 
de  o"',40  a  o" ,42,  na  extremidade  da  corda  acha-se  um  talhe 
e,  um  pouco  distante  deste,  na  linha  média  da  tábua,  um  ori- 
ficio,  i)ara  ficar  segura  a  corda  entre  esse  orifício  e  o  talhe. 

Arte  DF.  DESENHO.  — Aqui  posso  continuar  com  os  so- 
nidores. No  quadro  acha-se  um  feito  a  lápis.  Na  figura 
vemos  os  lados  algum  tanto  adelgaçados  e  pintados  de  preto, 
e  assim  também  os  lados  dos  sonidores;  a  face  entre  elles  é 
pintada  de  urucú,  e  sobre  este  fundo  vermelho  aclia-se  so- 
breposto o  molde  preto.  Os  moldes  têm  (jor  motivos  o  qnc 
mais  lhes  interessa.  No  sonidor,  que  nos  funeracs  da  mulher 
de  Coqueiro  foi  trazido  pelo  bári,  estão  pintados  semicirculos 
clieios  de  pontos:  representa  isso  a  caixa  craniana  enfeitada 
com  penninhas,  tal  como  deve  ir  para  o  cesto  da  ossada. 
Em  outros  sonidores  apparecem  também  pintadas  partes  do 
trajo  feminino,  ou  o  cinto  de  casca,  em  forma  de  travessas 
lai^s  e  pretas,  ou  faixas  de  embira  em  forma  de  triângulos 
e  com  a  presilha.  Este  ultimo  motivo  encontra-se  no  sonidor. 
que  figura  no  quadro.  Em  cada  lado  está  desenhada  uma 
presilha  com  três  faixas  de  embira.  Aqui,  ix>rtanto,  teríamos 


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'  ENTRE  08  B0RÔR08  4^5 

O  triangulo,  por  nós  conhecido  entre  os  Uluris  do  Kulisehú, 
tsmbem  com  a  faixa  de  embira,  e  cuja  respectiva  imitação 
gostaríamos  de  ter  obtido  dos  Tramais.  Em  um  exemplar 
de  sonidor,  que  também  mostra  olhos  de  madrepérola  e  por 
elles  um  semicírculo  sem  pontos,  não  só  estão  pintados  trez 
cintos  de  casca  em  forma  de  trez  travessas,  como  ainda,  no 
interior,  pequenos  círculos,  á  direita  e  á  esquerda  dos  quaes 
ha  ao  lado  um  quadrado.  A  significação  disso  não  é  clara; 
é  provável,  porém,  que  os  cestos  de  ossada  sejam  represen- 
tados pelos  quadrados  e  o  crânio  peto  circulo. 

Pintavam  a  cara  das  raparigas  do  ranchão  com  as  fi- 
guras do  cinto  de  casca  e  da  faixa  de  embira,  do  mesmo  modo 
que  parte  dos  sonidores:  punham-lhes  sobre  a  testa  e  fontes 
a  mesma  travessa,  circundando  os  olhos  e  deixando  livre  a 
fronte,  e  os  mesmos  triângulos  nas  faces,  um  de  cada  lado. 
Somente  esta  pintura  era  feita  com  o  mais  alegre  urucú.  A 
gente  selvicola  fez  um  dia  a  graça  de  dístinguir-nos  com  uma 
ligeira  pintura  na  cara,  o  que  era  um  gáudio  para  as  ra- 
parigas que  encontrámos;  disseram  ellas  em  voz  alta,  o  que 
para  nós  era  enigmático,  <  aidiV  ! »,  isto  é,  «sonidores». 
Tirando  com  a  )x>nta  do  dedo  a  tinta  de  um  Borôro  enfeitado, 
que  estava  perto,  ellas  ainda  nos  accrescentaram  uns  pares 
de  triangulosinhos .  — Finalmente,  também  eram  pintadas  de 
vermelho  as  bandeiras  do  cartucho  penil  festival. 

Os  desenhos  a  lápis,  feitos  pelos  Bororós,  já  os  descrevi 
junctamente  com  os  dos  Índios  do  Kulisehú. 

Os  seus  desenhos  na  areia  também  foram  descriptos  allí. 
Com  predilecção  especial,  um  indio.  que  estava  caçando  anta, 
foi  representado  com  um  gigantesco  membro  viril,  no  mo- 
mento em  que  disparava  a  flecha.  Notámos  também  um  va- 
queano  que  atirava  o  laço.  O  mais  bonito,  porém,  era  o  de- 
senho scintillante  de  um  jaguar.  Os  desenhos  de  Guilherme 
sempre  lhes  causavam  vivo  interesse.  De  noite,  era  frequente 
recebermos  visitantes,  que  os  estudavam  com  a  maior  exa- 
ctidão possível  e  propunham  novas  tarefas :  um  desejava  ver 
a  figura  de  uma  unha,  outro  apanhava  uma  traça  para  serviç 
de  modelo,  etc.  Elles  comprehendiam  também  uma  paizagem 
e  conheciam  certa  arvore  perto  de  uma  cabana,  que  Gui- 
lherme tinha  desenhado  em  proporções  maiores. 

s.  ■    líQpogle 


466  REVISTA  DO  nfSTITDTO  HISTÓRICO 

Direito  b  casamento.  — O  cacique  manda  na  guerra 
e  determina  a  caçada  durante  a.  paz.  Como  no  Kulisehú,  tam- 
bem  dirigia  a  plantação.  Quauto  ao  mais,  a  sua  funcção,  que 
'é  hereditária,  não  tem  importância.  Os  Brasileiros  procura- 
yam  affirmar-lhe  o  mais  possivel  da  auctorídade,  afim  de 
terem  uma  pessoa  com  quem  pudessem  contar;  porém  uma 
auctorídade!,  qual  a  de  que  gosava  M<^iocúri,  era,  conforme 
dizia  Clemente,  uma  cousa  artificialmente  augmentada.  Real- 
mente,  era  muito  melhor  o  posto  de  « homem-media> » 
(_bári) ;  pois,  si  aquelle,  em  primeira  linha,  recebia  presentes 
jdos  Brasileiros,  o  bári  estava  na  posição  agradável  de  obter 
sempre  o  melhor  quinhão  por  meio  dos  seus  benzimentos.: 
Com  effeito,  era  muito  trabalhoso  o  matraquear,  que  fazia 
parte  do  seu  officio  (36).- 

Tanto  quanto  me  foi  possivel  entender,  dívidia-se  a 
tribu  em  duas  grandes  classes:  a  das  cabanas  de  famílias  e 
a  do  ranchão.  Aquella  comprehendia  os  mais  velhos  pães 
de  familta,  que  viviam  em  matrimonio  regular;  .a  outra,  os 
Solteiros,  que  arranjavam  raparigas,  possuidas  em  commum 
[por  pequenos  grupos.  O  rapto  de  mulheres,  que  se  dava  de 
tribu  a  tribu,  era  feito  dentro  da  própria  tribu.  Só  uma 
parte  dos  companheiros  de  tribu  estavam  na  posse  perma- 
nente de  mulheres.  E'  fora  de  dúvida  que  estes  factos  sin- 
gulares não  eram  certamente  um  producto  casual  da  oAoniã. 
Referia  Clemente  que  o  mesmo  occorria  nas  aldeias,  e, — 
o  que  constitue  maior  prova,  —  os  próprios  costumes  mos- 
tram que  aqui  se  tracta  de  cousas  habituaes.  Parece  que  em 
« Teresa-Christina  >  afora  o  cabo  brasileiro  Ehiarte  com  as 
suas  duas  mulheres,  só  Moguiocúri  é  que  vivia  em  poly- 
gamia,  e  a  maneira  era  interessante:  tinha  elle  por  esposai 
tuna  mulher  velha  e  a  filfaa  do  primeiro  matrimonio  desta; 
casara  etie,  portanto,  com  uma  viuva  que  tinha  uma  filha, 
e,  depois  que  a  mãe  se  tomara  feia  e  a  filha  bonita,  <  casou  > 
também  com  esta. . .  Nas  aldeias,  porém,  era  mais  ampla  a 
polygamta  dos  velhos.   Parece  que,  devido  ás  pretoições  dos 

(36)  Ao    cacique   dio   os    Bororós    o   appellatiTO   àc   «midijíia».    <TUe- 
<  písbi  *,   <  DÓI  *}   O  cbe- 


byCoogle 


ENTRE  OS  DORdnoa  467 

Brasileiros,  existia  na  colónia,  a  esse  respeito,  um  estado  de 
excepção,  poÍ3  faltavam  mulheres,  tanto  para  as  calranas, 
como  para  o  ranchão. 

Dos  Bororós  do  Jaurú  relata  Waetineldt  o  s^uinte:  — 
;«  Nos  seus  casamentos  não  têm  outra  ceremonia  sínão  tomar 
tantas  mulhefes  quantas  possam  sustentar,  ou,  melhor  dicto, 
tantas  quantas  (de  fora)  apparectam  lá;  quasi  todos  os  ho- 
mens casados  tinham  diversas  mulheres,  até  seis,  enquanto 
na  aldeia  dos  Bororós  perto  de  S.  Mathias  havia  tão  grande 
falta  de  mulheres,  que  se  serviam  de  meninas  de  8  a  lo 
annos».  Alli  não  havia  o  ranchão;  em  Ic^r  deste,  havia 
somente  um  cercado  de  4",5o  de  diâmetro,  no  qual  os  «  pa- 
dres »  faziam  os  benzimentos  e  onde  não  podiam  entrar  as 
mulheres  e  as  creanças,  —  era  o  sanctuarium.  Não  se  exigia 
para  o  casamento  a  permissão  dos  pães .  Estes  nem  dão  nem 
recebem  nada.  Oppondo-se  elles,  então  ha  briga,  e  a  força 
decide  a  questão.  Quem  é  vencido,  deixa  a  aldeia.  BaseÍa-Be 
tudo  no  direito  da  força. 

A  nova  esposa  permanece  com  os  filhos  na  casa  dos 
pães.  O  novo  esposo  fica  em  casa  durante  a  noite,  e,  de  dia, 
quando  não  vai  á  caça,  vive  no  ranchão.  Têm  os  recemca- 
sados  um  fogão  próprio,  um  pouco  ao  lado  do  qual  está 
assentada  a  avó  com  os  netos.  Assim  se  passa  tudo  até  k 
morte  dos  avós.  A  avó  di  de  mammar,  quando  o  casal  se 
dirige  ou  ã  caça  ou  á  procura  de  cocos  no  mato ;  «  ellas,  as 
avós,  têm  ainda  leite,  quando  casam  as  filhas». 

Os  rapazes  cuidam  em  tempo  de  achar  mulher,  e  ahí 
ha,  em  relação  ao  gesto,  dous  costumes  muito  interessantes. 
Os  lóbulos  da  orelha  da  rapariga  são  perfurados  por  seu  fu' 
'turo  esposo  (37) ;  si  elle  não  casar  com  ella,'  então  o  filho 
delle  a  desposará. 

Quem  applica  ao  rapaz  o  cartucho  penil,  t  acunhada-se  » 
cora  elle  em  consequência  disso,  e  tem  que  desposar-lhe  a 
erma  ou  a  tia. 

Agora,  os  costumes  do  ranchão .  —  Os  Brasileiros  af fir- 
hiavam  ter  acontecido  que  30  a  40  homens,  um  após  o  outro, 
forçavam  a  mesma  mulher,  que  era  agarrada  pelos  braços  e 


erturadoí  pelo  pae  (NoU  do  A.) 


lyCoogle 


408  REVISTA  00  INSTITUTO  ItlBTOKlCO 

pernas.  Em  parte,  as  raparigas  eram  procuradas  de  dia,  pu- 
blicamente, e,  como  já  foi  descripto,  pintadas  e  enfeitadas 
em  meio  de  muitos  gracejos;  em  parte,  eram  capturadas  ao 
cair  da  noite.  Assim,  nós  observámos,  certa  noite,  como  os 
solteiros,  deitados  deante  do  ranchão,  atacaram  uma  turma  de 
mulheres  que  voltavam  de  uma  assembtéa  de  lamentação :  duas 
foram  seguras,  depois  de  uma  lucta  silenciosa,  ficando  involtas 
em  pannos,  de  modo  que  não  era  possivel  conhecel-as,  c  le- 
vadas para  o  ranchão.  Porém,  uma  das  duas  era,  como  vimos 
na  manhã  seguinte,  a  muito  experta  Maria,  cuja  opposíção 
por  certo  não  fora  muito  séria.  — «  Então  hontem  tu  não  te 
querias  casar  ? »,  pei^ntei-lhe .  —  <  Agora  já  me  casei »,  res- 
pondeu-me  com  bom  humor.  Estava  etla,  com  toda  a  com- 
modidade,  deitada  ao  lado  do  seu  homem  favorito,  debaixo 
de  um  cobertor  va-melho,  e  quebravam  cocos.  Vimos  um  dia 
'Maguiocúri  animar  ^os  rapazes  a  enfeitarem  a  Maria,  que  na 
lucta  corporal  era  tão  selvagem,  e,  agora,  estava  tão  submissa, 
Immediatamente  seis  delles  se  precipitaram  sobre  ella  e  a 
pintaram . 

As  mulheres  do  ranchão  eram  presenteadas  por  seus 
amantes  com  grandes  flechas  de  lascas  de  bambu.  Cada  um 
offerecia  duas,  que  a  rapariga,  acocorada,  recebia  com  indif- 
ferença.  Contei,  uma  vez  em  que  a  isso  estive  presente,  de-  * 
zoito  de  taes  settas  de  amor  para  uma  só  rapariga.  Esses 
mimos  eram  entregues  depois  ao  seu  ermão  ou  ao  ermão  de 
sua  mãe.  As  raparigas  do  ranchão  não  casavam  mais  com 
outrem :  os  filhos  eventuaes  têm  por  pães  todos  os  homens  do 
ranchão,  com  quem  ella  tivera  relações.  São  estas,  portanto; 
nonnas  perfeitamente  reguladas,  que  provêm  da  supremacia 
dos  velhos:  estes  têm  a  posse,  e,  em  pagamento,  recebem 
pelas  raparigas,  cedidas  ao  ranchão,  —  e  para  o  que  têm  de 
fazer  accôrdo,  como  regular  fonte  de  renda,  —  flechas  ou 
também  enfeites,  como,  por  exemplo,  cordas  de  suspensórios.; 
Dizem  que  a  pederastia  não  era  desconhecida  no  ranchão, 
porém  que  só  occorria  quando  alli  era  muito  grande  a  falta 
de  raparigas. 

Quão  regulados  eram  os  direitos  de  propriedade,  já  b 
vimos  pela  circunstancia  de  que  a  presa  da  caça  não  fica 
<em  poder  de  quem  a  effectuou.  A  familia  sente  um  grande 

I.  Google 


ENTRE  OS  BOKOrOS  469 

prejuízo,  quando  morre  um  membro  delia,  poís  tudo  quanto 
possuía  o  morto  é  queimado  e  lançado  ao  rio,  ou  mettido  no 
cesto  —  ossuario,  para  que  o  extincto  não  tenha  mais  motivo 
de  voltar.  A  cabana  fica  então  completamente  desguarnecida.; 
Os  sobrevivos,  porém,  de  novo  recebem  presentes,  fabricam 
arcos  e  flechas-  para  si,  e,  —  assim  o  exige  o  costume,  — 
quando  é  morto  um  jaguar,  a  pelle  é  dada  « ao  ermão  da 
mulher  ultimamente  fallecida  ou  ao  tio  do  homem  que  morreu 
ultimamente»;  como  protector  official  da  mulher,  encon- 
tramos sempre  o  seu  ermão.  As  flexas  são  objecto  de  mais 
valor ;  ellas  são  dadas  ao  ermão  da  rapariga  do  ranchão  ou 
ao  matador  do  jaguar;  são  também  os  objectos  de  troca  para 
o  tabaco  e  o  algodão. 

Furtos  occasionaes  são  investigados  com  muito  barulho, 
mas  sem  resultado.  Os  caciques  ou  pessoas  velhas  corriam  por 
toda  parte  no  pateo  livre  e  ouvia-se  grande  vozeria.  Assim 
aconteceu,  quando  Ehrenreich  deu  por  falta  de  uma  faca. 
la-se  de  cabana  a  cabana,  todos  tinham  que  exhibir  as  suas 
facas,  e,  com  surpresa,  vimos  que  as  havia  em  grande  abun- 
dância (em  poder  de  certa  mulher  contámos  21).  Porém, 
no  fim  de  contas,  dizia-se  sempre  que  o  objecto  estava  es- 
condido no  mato. 

Nascimento;   nomes. — A  mulher  dá  á  luz  no  mato, 
encostada  ao  pae,   tenho  eu   tomado  nota,  mas   não  sei   si 
antes  não  devera  ter  escripto  «  ao  pau  > .  Sopra-se  fortemente 
nos  olhos  da  creança ;  o  pae  corta  o  cordão  umbilical  com  uma 
lasca  de  bambu  e  faz  a  ligadura  com  um  fio.  Durante  dous 
dias,  nem  pae  nem  mãe  comem  cousa  alguma ;  no  terceiro  dia 
é  que  podem  tomar  alguma  agua  morna.   Si  o  homem  co- 
messe, a  mulher  e  a  creança  ficariam  ( 
é  enterrada  no  mato.   A  mijlher  não  pó 
á  volta  da  menstruação;  depois  porém,  c 
muitos  banhos.   Provocar  abortos  por  m 
que  é  frequentemente  practicado,  principa 
mulheres  do  ranchão.   Si  as  mães  não  t 
mentar,  expremem  o  peito  e  «  fazem  se 
fogo,   com   o   que   elle   desapparece», 
creanças  adoecidas,  feitos  pelo  boticário,  ; 


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470  SET18T&  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

paes.  A  respeito  da  couvade,  virfe  page.  334  (38).  A  questão; 
secundaria  —  que  o  pae  esteja  na  rede  —  tem  immediata  so- 
lução entre  os  Bororós,  pois  elles  não  possuem  redes  de 
dormir  e  praticam,  entretanto,  a  couvade. 

Dá-se  nome  ao  menino,  logo  após  o  nascimento,  na  occa- 
BÍão  de  ser-Ihe  perfurado  o  labio  inferior,  o  que,  na  falta  do 
bári,  pôde  também  ser  practicado  por  outras  pessoas.  O  ope- 
raíJor  pergunta,  qualquer  pessoa  propõe,  e  o  n(«ne  respectivo 
fica  acceito.  A  menina  também,  \iygQ  depois  do  nascimento, 
recebe  nome  por  parte  dos  parentes.:  Oa  nomes  designavam 
animaes  e  plantas;  disseram-me  que  Moguiocúri  é  animal 
parente  da  cotia.;  ' 

Waehneldt  accentua  o  grande  amor  dos  paes  para  com 
OB  filhos.  «Biles  guardam-n-os  (contínua  elle)  cuidadosa- 
mente dos  salteadores;  logo  que  cheguei  lá,  elles  esconderam 
todas  as  creanças,  as  quaes  só  tomaram  a  apparecer  depois 
'de  terem  adquirido  a  convicção  de  que  nada  tinham  a  recear. 
Um  dos  índios  pediu-me  remédio  para  um  filho  doente,  di- 
zendo que,  caso  a  crcança  morresse,  elle  havia  de  comer  tanta 
terra,  até  ficar  enterrado  nella » .  O  furo  do  labio  inferior, 
destinado  a  marcar  as  creanças,  também  tem,  portanto,  entre 
os  Bororós  do  Jaurú,  a  sua  razão  determinada.  De  egual  modo 
podemos  falar  do  amor  para  com  os  ítlhos :  apesar  da  carga 
pesada,  geralmente  o  bebe  é  levado  ao  mato  e,  de  volta,  vem 
sentado  aos  hombros  da  mãe,  com  a  cabeça  desta  entre  as 
pernas .  O  respeito  para  com  os  paes,  ao  contrario,  era  pouco 
manifestado:  as  creanças  eram  marotas,  desaforadas,  porém 
intelligentes,  e  antes  obstinadas  do  que  obedientes. 

A  applícação  de  cartuchos  nos  rapazes  c  feita  festiva- 
mente. Devem  passar  o  dia  anterior  no  mato,  sem  que  hajam 
recebido  cousa  alguma  para  comer.  Os  jovens  guerreiros  são 
pintados  de  ferrugem  e  hão  de  sujeitar-se  a  muitas  malícias ; 
a  burla  principal  consiste  em  fazer  o  rapaz,  posto  entre  dous 
partidos,  ser  jogado  de  um  para  outro  através  de  uma  fo^ 
gueira. 


(]8}  Alli,  com  referancU  ia  tribui  da>  cibeceiru  At>  Xingu,  tncta  oanctor 
detidamente  (de  paga.  334  a  339)  do  nascimento  e  da  *  couvade  >  catre  aquelles 
Índios.    (Nota   de   B.   de   M.>. 


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BNTRE  OS  BORdROS  4?1 

Cerímonias- FUNEBKES. — Saibamos,  antes  do  mais,  o 
que  diz  Wachneldt  a  respeito  dos  Bororós  do  Jaurú: 

—  cAs  suas  solennidades  de  lucto  e  de  enterro  realí- 
zam-se  no  meio  de  suas  aldeias,  mesmo  no  sanctwirium  (o 
cercado  referido  a  pags.  Soi).  Mostraram-nos  a  bssada 
lirapa  do  mais  velho  dos  Índios,  sucimíbido  ha  poucos  mezes, 
o  qual  tinha  sido  exhumado  depois  de  ter  ficado  sob  a  terra 
durante  seis  mezes;  os  ossos  estavam  limpos  e  não  faltava 
nenhtun. 

«  Alli  dansavam  e  entoavam  todas  as  tardes  os  seus  cantos 
de  lamentação,  cobrindo  cada  osso  com  pennas  multicores  e 
enfeitando  ricamente  o  crânio  com  pennas  de  arara  e  de 
outros  pássaros. 

<  Essas  ceremonias  duram  muitas  semanas,  sendo,  final- 
mente, inhumados  de  novo  os  ossos,  previamente  depositados 
numa  uma.  Essas  honrarias,  porém,  não  são  eguaes  para 
todos  os  mortos. 

«  O  cadáver  fica  durante  trez  dias  no  seu  leito,  sem  que 
ninguém  toque  netie,  até  que  a  decomposição,  já  muito  adean- 
tãda,  produza  um  fétido  nauseante;  no  terceiro  dta,  o  deftmcto 
é  involto  em  pelles,  esteiras  e  folhas  verdes,  depois  do  qu£ 
é  posto  na  cova,  sendo  esta  recoberta  com  terra,  folhas  dti 
palmeira  e  esteiras. 

c  As  sepulturas  acham-se  no  meio  da  aldeia  e  são  con- 
servadas muito  limpas:  tinham  o  aspecto  de  um  cemeterio 
europeu  » . 

A  respeito  destes  informes  valiosos,  deve  ser  exdareddoí 
mais  um  ponto.  Waehneldt  vê  nos  Bororós  de  Mato-Grosso, 
entre  os  quaes  teve  uma  curta  parada,  Íncolas  immemoríaes 
da  região,  e  acredita,  porque  assistiu  á  inhumação  das  umas, 
que  também  estas,  —  existentes  em  grande  abundância  nas 
antigas,  mas  hoje  desprezadas  habitações,  cheias  de  ossadas 
na  sua  maior  parte,  —  seriam  oriundas  dos  antepassados  dos 
Bororós.  Os  Bororós  delle,  porém,  são  os  mesmos  aqui  do- 
miciliados, depois  de  longas  pelejas,  pelo  fazendeiro  Leite; 
antigos  cemeterios  de  urnas  de  similhante  espécie,  ha  muitos 
na  vizinhança  de  Villa- Maria ;  elles  nada  têm  de  commum  com 
os  modernos  Bororós,  c  ainda  são  objecto  de  investigações.' 
JVaehneldt  mesmo  diz  que  encontrou  só  <  poucos  vasos  de 


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473  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

barro,  fabricados  por  elles  próprios,  e,  além  disso,  alguns 
vasos  maiores,  destinados  á  guarda  de  diversos  objectos,  os 
quaes,  porém,  eram  cousas  herdadas  dos  antepassados,  por, 
não  mais  se  fabricarem  hoje  ».  Ou  os  Bororós  tinham  imitado 
taes  umas  e  substituido  por  ellas  os  seus  cestos-ossuarios,  — 
ainda  um  antecessor  da  urna,  —  ou,  o  que  acho  mais  pro- 
vável, por  causa  da  sua  reconhecida  pouca  habilidade  cerâ- 
mica, que  corresponde  exactamente  á  dos  nossos  Bororós,  e 
pela  indica<;ão  de  que  também  de  outro  modo  foram  usadas 
velhas  umas,  —  elles  depunham  os  seus  mortos  nas  velhas 
umas,  que  encontravam  em  grande  numero,  em  parte  já  va- 
zias, nas  antigas  habitações,  hoje  abandonadas.  O  costume 
originai  dos  Bororós  é  o  mesmo  que  o  dos  Atures  de  Hum- 
boldt,  dos  quaes  este  explorador  somente  encontrou  um  resto 
em  numero  de  seiscentos  bem  conservados  cestos  de  cabos 
de  folhas  de  palmeira,  que  continham,  como  arrtmiados  num 
sacco  quadrangular,  esqueletos  pintados  de  urucú,  e  de  cuja 
língua  apenas  um  velho  papagaio  da  missão  próxima  sabia 
articular  ainda  algumas  palavras.  Conforme  a  tradição, 
também  os  Atures  depositavam  os  seus  cadáveres  primeira- 
mente na  terra,  durante  algum  tempo,  deixando  decompor-se 
a  carne,  limpando  bem  os  esqueletos  com  pedras  afiadas  e 
depositando-os  nos  cestos.  Uma  porção  de  mortos  também 
eram  já  inhumados  em  umas  de  azas. 

Assistimos  no  S.  Lourenço  a  duas  ceremonias  fúnebres: 
a  primeira  celebrou-se  justamente  á  nossa  chegada;  a  segunda, 
que  vou  tentar  descrever,  observámo-la  de  principio  a  fim.> 

A  primeira  inhumação  effectua-se  no  segundo  ou  ter- 
ceiro dia,  quando,  pela  decomposição,  nào  ha  mais  dúvida  da 
morte.  O  cadáver  é  enterrado  no  mato,  perto  de  agua,  e 
descarnado  mais  ou  menos  depois  de  quinze  dias,  celebran- 
do-se  então  a  ceremonia  principal,  cujo  fim  é  enfeitar  e 
arrumar  o  esqueleto.  Nesse  Ínterim,  mantêm-se  relações  com 
o  morto,  tanto  durante  o  dia.  como  também,  e  sobretudo, 
durante  a  noite,  no  bailo,  jjor  meio  de  cantos  de  lamentação, 
os  quaes,  em  nosso  caso,  podiam  ser  restringidos  a  proporções 
menores,  por  se  tractar  de  uma  mulher,  a  esposa  de  Coqueiro. 

A  solennidade  capital  caiu  no  domingo  da  Paschoa.  No 
dia  anterior,  sabbado  da  Allehiia,  depois  de  liquidado  o  Judas, 


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BNTRE  OS  BOnÔROS  473 

OS  Índios  começaram  activamente  os  preparativos,  aplainando 
e  pintando  sonidores,  concertando  enfeites,  enquanto  um  bãri, 
adornado  com  as  pennas  do  pariko  e  sentado  negligentemente 
a  um  canto,  matraqueava  e  cantarolava  um  pouco;  o  viuvo 
Coqueiro,  na  sua  cabana,  lanhava  braços  e  pernas,  que  se 
cobriam  de  crostas  de  sangue  coagulado,  e  só  bem  tarde  foi 
realizada  a  solenne  destruição  dos  objectos  d^  morta,  melhor 
dicto,  dos  trastes  da  família  particular,  que  com  ella  tinha 
morada  na  mesma  cabana,  —  acontecimento  esse  ligado  a 
uma  interessante  pantomina,  que  merece  descripção  circun- 
stanciada. 

Alguns  Bororós  mostravam-se  de  grande  gala  por  detraz 
do  ranchão,  cabello  e  corpo  pintados  de  urucú,  testa  cir- 
cundada da  lista  de  lacre  preto,  com  o  cartucho  festivo  enci- 
mando a  bandeira  pintada,  tendo  grudadas  nos  braços  e  no 
cabello  pennas  verdes  de  papagaio  e  trazendo  á  cabeça  deus 
parikos  e  a  baragára,  achando-se  as  rodas  de  pennugem  e  o 
perfumador  dos  lábios  também  adornados  de  pennas.  En- 
quanto dous  delles  se  sentavam  numa  esteira  e  chocalhavam 
a  matraca,  o  próprio  Coqueiro  pegava  em  frescos  e  verdes 
molhos  de  folhas  e,  tendo-os  ligado  num  cabo  em  forma  de 
pincel,  amarrava-os  aos  hombros  do  moço  melhormente  en- 
feitado, onde  tinha  este  manchas  negras  de  pixe,  assim  como 
nos  braços,  joelhos  e  tornozelos.  Este  Boròro,  com  o  adorno 
verde  de  folhagem,  representava  o  morto  no  estado  actual, 
em  que  fora  inhumado  sob  um  cobertor  de  folhas  verdes. 
Approximaram-se  quatro  homens  com  um  cabaz,  do  qual  ti- 
ravam vestidos  da  mulher  de  Coqueiro,  applicando-os  ao 
homem  «  Vçrde  »,  que  alli  estava  gemendo  e  tremendo  com 
os  joelhos,  —  um  quadro  de  desgraça,  mas,  consoante  com 
as  nossas  idéas,  <  uma  pobre  alma  »,  sobrecarregada,  no  seu 
singular  aspecto,  de  pennas  azues  de  arara,  grinaldas  verdes 
e  cinco  saias  de  chita  multicor.  Os  outros  também  se  co- 
briram com  vestidos  de  mulher,  um  com  uma  pelle  de  jaguar, 
e,  entregando  ao  c  Verde  >  um  flautim  enfeitado  de  penninhas 
brancas,  arranjaram  uma  dansa.  Um  homem,  com  duas  ca- 
baças, começou  a  dansa  de  roda,  tendo  atraz  de  si  o  «  Verde  > 
e  atraz  deste  quatro  outros;  todos  seis  cantarolla\'am  em 
coro  e  dansavam  ora  para  a  direita,  ora  para  a  esquerda. 


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474  REVISTA  DO  IKSTITUTO  HISTÓRICO 

marchando  em  direcção  ao  baito;  voltavam  então  e,  pisando 
fortemente,  marcavam  um  circulo  no  chão.  De  repente,  porém, 
debandaram  e  correram  atropeladamente  para  o  mato,  onde 
desappareceram.j 

Por  meio  do  flautim  de  cucurbitacea,  o  joven  represen- 
tante da  morta  invocou  dous  velhos  índios,  que  já  ha  muito 
jaziam  debaixo  da  terra.  Estes  deviam  estar  presentes  ao 
acto  da  entrega  dos  trastes,  receber  o  novo  companheiro  e 
averiguar  o  que  lhe  pertencia,  afim  de  que  não  viessem  nada 
reclamar  em  posteriores  visitas  desagradáveis. 

Depois  de  tun  quarto  de  hora,  a  turma  saía  do  mato, 
correndo  e  berrando  muito,  carregando  ás  costas,  —  hurrah, 
os  mortos  cavalgam  depressa  !  —  dous  vultos  verdadeiramente 
horrendos,  nús,  sem  adornos,  e  desde  a  cabeça  até  aos  pés 
cobertos  de  barro  do  rio.  Soltando  gritos  infemaes,  aquellas 
assombrações  de  barro  pulavam  como  antmaes  selvagens,  si- 
milhando  gigantescos  zangams  a  zumbir,  e,  agitando  vehe- 
mentemente  trez  sonidores,  —  não  era  visível  nenhum  ente 
feminino,  c  as  cabanas,  fechadas  com  esteiras,  pareciam  des- 
habitadas,  —  accenderam  com  muita  ligeireza  uma  fogueira 
no  meio  do  círculo  anteriormente  demarcado,  conduzindo  para 
alli  uma  infinidade  de  toda  sorte  de  trastes  caseiros,  cestos, 
ventarolas,  faixas  de  embira,  cintos  de  casca,  um  cobertor 
vermelho,  muitas  pantculas  de  milho,  cabaças  e  conchas ;  foram 
também  quebrados  arcos  e  flechas,  e  tudo  reunido  em  um 
montão.  Entrou  logo  tmia  certa  ordem  na  interessante  scena: 
05  homens  circuitavam  o  fogo  e  moviam-se  ao  redor  delle, 
pulando  devagarzinho  com  ambos  os  pés .  O  <  Verde »  foi 
agarrado  e  calcado  em  terra  pelos  dous  vultos  de  barro,  nos 
quaes  mal  e  mal  reconhecemos  o  bravo  Moguiocúri  e  o  bári 
principal  (o  atirador  do  quadro  28) .  As  matracas  choca- 
lhavam, os  sonidores  zumbiam,  e  o  fogo  então  ardia  vivamente. 
O  «  Verde  >  foi  posto  era  liberdade,  e  elle  e  outro  companheiro, 
que  se  achava  atraz  delle  vestitío  de  períko,  arremessavam 
ás  chammas  os  trastes,  dansando  em  roda  e  desviando-se  or.i 
para  a  esquerda,  ora  para  a  direita.  Nesse  entrementes, — 
e  isto,  no  meu  entender,  era  o  mais  notável  de'  toda  estar' 
scena,  —  os  dous  representantes  dos  mortos  velhos  curavam 
uma  mulher  doente,  alH  apparecida  de  repente  não  sei  como: 


byCoogIe 


BttTRB  03  BOKdROS  47^ 

sopravam  nella  a  esperança  consoladora  de  que  tão  cedo  não 
seria  buscada.  Alguns  correram  ao  rio  próximo,  arremessando 
nelle  facas  e  machadinhas.  Coqueiro  atiçava  o  fogo,  dansa 
e  canto  acabavam.  Os  enfeites  de  pennas  estavam  deitados 
juncto  ao  fogo,  o  «  Verde  »  ajunctava  as  suas  grinaldas,  e  os 
baris,  que  estavam  acocorados  em  ]inha,  um  atraz  do  outro, 
eram  aspergidos  com  agua.  Pouco  depois,  grande  celeuma: 
o  cão  de  um  soldado  tinha  mordido  uma  creança.  Moguiocúri, 
ainda  sujo  de  barro,  dirige-se  furibimdo  ao  dono  do  cachorro, 
o  qual,  para  sua  própria  segurança,  marcha  para  o  cárcere; 
com  isso  se  contentou  o  cacique,  fechando  com  uma  das  mãos- 
a  bocca  da  mSe  iracunda,  que  então  se  foi  embora  calada,  mas 
arre^nhando  os  dentes  alegremente  e  pondo  a  língua  de 
fora. 

Na  seguinte  noite,  canto  ininterrupto  de  aróe  do  lado  dos 
índios :  ninguém  nas  cabanas  e  no  ranchão ;  homens,  mulheres 
e  creanças,  todos  fora.  Musica  incessante,  dansas,  risadas, 
tagarellices,  do  lado  dos  soldados.  Esplendido  luar.  A  pri- 
meira hora  solenne  da  Paschoa  viu  assim  maravilhosos  con- 
trastes nos  grupos  da  inhumaçao  e  da  resurreição. 

De  manhã  entrou  no  ranchão,  tendo  á  frente  Mogu-- 
iocúri,  uma  extensa  fila  de  gente,  todos  com  ramos  verdes  nas 
mãos,  vindo  no  meio  o  ermão  da  morta,  com  o  cesto  quadran- 
gular, que  continha  a  ossada  limpa  do  esqueleto,  exhumado 
pela  madrugada.    Posto  o  cesto  sobre  uma  esteira,  quatro 
homens  tiraram  delle  o  crânio    e  o  maxilllar  inferior,  que 
brilhavam  de  brancura  e  polimento,  como  os  mais  lindos  pre- 
parados, e  começaram  a  enfeita-los  de  pennas,  assim  como 
3  um  cesto  novo.  Moguiocúri,  ornado  de  grande  gala  e  com 
os  cabellos  e  epiderme  pintados  de  vermelho,  estava  sentado 
sobre  uma  pelle  de  jaguar,  com  uma  cinta  de  folh"    '        ' 
meira  akurí,  tendo  coUadas  aos  hombros  pennas  a: 
de  mutimi,  pendendo-lhe  das  orelhas  tiras  amarello-i 
de  pennas  de  tucano,  trazendo  á  cabeça  o  mais  boni 
e  no  buraco  do  lábio  inferior  a  corrente  de  conchii 
lado  delle,  e  também  adornados  de  paríkos,  achavam- 
baris,  os  quaes,  de  olhos  fechados,  sacudiam  ^s  m 
pulavam  compassadamente,  batendo  com  os  pés.-  C 
estava  literalmente  cheio,  principalmente  de  mulhei 


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4?6  RXnSTA  DO  INSTITUTO  mSTORtCO 

ancas,  que  accompanhavam  o  canto  e  batiam  palmas  Tythmí- 
camente.  Algumas  das  mulheres  approximaram-se  do  cesto- 
ossuario,  pondo-lhe  as  mãos  em  cima;  a  mais  velha,  então, 
fez  nos  próprios  braços,  com  estilhas  de  vidro,  umas  incisões 
rápidas  e  agudas,  de  modo  que  o  sangue  caía  sobre  as  mãos 
das  outras  e  salpicava  de  rubro  a  palha  de  palmeira  do  cesto. 

Os  moços,  que  estavam  no  meio,  pintaram  primeiro  o 
maxillar  inferior  com  urucú,  envolvendo-o  depois  com  pen- 
nugens  brancas.  Ao  lado,  tinham  elles  urucú  num  casco  de 
tatu,  um  potesinho  com  olco  de  peixe,  uma  concha  com  re- 
sina, uma  esteira  com  penninhas  brancas  soltas  e  uma  grande 
tigdla  de  barro  cheia  de  penninhas  de  cõr  purpúrea,  O  cesto 
novo  foi  pintado  por  dentro  e  por  fora  ctwn  urucú,  e,  en- 
quanto uns  grudavam  pennas  no  cesto,  os  outros  cuidavam  do 
crânio,  encaixando-lhe  primeiro  o  maxillar  e  enfeitando-o 
depois  meticulosamente  com  as  alludidas  penninhas  de  cõr 
purpúrea,  a  começar  do  occipital.  Cada  penninha  era  humi- 
decida  de  resina  por  meio  de  uma  vareta  e  collocada  ca<ta 
uma  de  per  si. 

Nesse  ínterim,  allí  chegou  também  Coqueiro,  conduzindo 
uma  creança  pela  mão.  Silenciosamente,  sentou-se  alli  ao 
Jado,  soluçando  e  chorando.  Afóhi  um  cinto  preto,  que  elle 
havia  manufacturado  dos  cabellos  de  sua  mulher,  não  trazia 
nenhum  outro  adõmo.  As  suas  faces  estavam  banha<^  de 
lagrimas,  e  elle  apertava  os  olhos,  como  si  o  chorar  lhe  fosse 
muito  doloroso. 

Pouco  a  pouco,  a  caixa  craniana  se  cobria  como  que  de 
um.  velludo  de  vermelhas  penninhas  de  arara.  Quem  tinha 
de  limpar  as  mãos,  fazia-o  no  próprio  cesto.  Alguns  dos 
parentes  bem  depressa  não  deram  mais  importância  á  cere- 
monia.  As  creanç^s  saltitavam  aqui  e  acolá,  alguns  homens 
roíam  espigas  de  milho  e  trabalhavam,  umas  mulheres  ca- 
tavam-se  piolhos  reciprocamente,  continuando,  porém,  devo- 
tamente a  cantar.  Por  fim,  o  K^ar  rareou  de  gente. 

Ficava-se.  afinal,  tonto  de  tanto  zunir  e  retumbar.  Um 
tambor,  que  sobreviera,  tinha  os  braços  cobertos  de  uma  pel- 
lica  toda  cheia  de  penninhas  de  papagaio.  De  novo  se  encheu 
o  espaço.  Septe  mulheres  approximaram-se  do  velho  cesto-os- 
suario,  lanhando-se  e  pondo-lhe  os  pés  em  cima,  de  modo  que 


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ENTRE  Oa  BORORÓS  47? 

O  sangue  delias  lhe  tingia  também  a  palha.  As  incisões  dis- 
tavam dous  a  três  centímetros  uma  da  outra.  Um  enredado 
vermelho  cobria-lhes  pemas  e  braças,  seios  e  ventre.  As  fcíçÊ«s 
do  rosto,  porém,  estavam  tranquillas  e  demonstravam  que  ellas 
não  sentiam  dór.  Lanhavam-se  com  movimentos  ligeiríssimos. 
Todas  embrulharam  os  seus  estilhaços  de  vidro  em  uma  folha 
e  a  entregaram  a  Coqueiro,  sentando-se-Ihe  ao  pé.  Novos 
grupos  chegavam  para  se  lanhar,  sempre  só  mulheres  e  moças, 
procedendo  todas  do  mesmo  modo;  cada  uma  molhava  o  seu 
estilhaço  na  bocca,  antes  de  dar  o  talho.  Rosnando,  roncando, 
duas  flautas  mixturaram-se  com  a  musica  das  matracas  cho- 
calhantes,  do  tambor,  do  canto  e  do  batuque.  Os  cantores 
dãnsavam  com  incrível  perseverança.  Coqueiro  também,  aco- 
corado junto  ao  cesto,  se  lanhava  os  braços,  estando  alli  a 
seu  lado  uma  mulher  com  uma  creança  ás  costas. 

Pelo  meio-dia  crânio  e  cesto  estavam  promptos.  O 
gorro,  como  que  íeito  de  velludo  vermelho,  tinha  sido  ter- 
minado com  uma  Unha  travessa  lindamente  amarellada.  O 
cesto  novo  estava  recoberto  de  penninhas  alvinitentes,  e  em 
cada  lado  delle  havia  dispostas,  similhantes  a  janellas,  duas 
filas  de  quadrângulos  vermelhos.  Era  de  ver  o  mimoso  e 
delicado  desse  trabalho  daquelles  rudes  caçadores  !  Então, 
foi  arranjada  uma  ccremonia  especial,  —  o  «benzimento>  do 
crânio  e  do  cesto  novo.  Construiram  uma  espécie  de  capella, 
o  sanctuarium,  ficando  em  semicírculo  cinco  arcos  e  cobrin- 
do-os  com  esteiras  e  pannos.  Collocaram  nesse  nicho  o  cesto 
enfeitado,  encostando  ainda  nelle  trez  scmidores  não  pintados, 
e  deitando  o  crânio  sobre  uma  esteira  juncada  de  um  monte 
de  pennas  soltas;  o  mais  activo  dos  baris  tomou  assento  na 
entrada,  que  ficou  assim  fechada  pelo  seu  corpo,  e  o  tambor 
se  lhe  coUocou  atraz.  agora  sem  o  instrumento.  Para  entre- 
te-los,  foram  também  postos  no  nicho  dous  potes  com  agua 
barrosa  do  rio  e  trez  charutos.  Começando  de  vagar  e  em 
voz  baixa,  entoaram  os  dous  o  seu  canto,  sacudindo  o  bári 
um  chocalho  em  cada  mão.  Os  demais,  alegremente  sentados 
em  roda,  faziam  pequenas  troças,  esmolavam  tabaco  e  jun- 
ctavam  a  sua  voz  rugidora  ao  compasso  final.  Pouco  a  pouco, 
o  canto  se  tornou  mais  vivo:  claras  vozes  femininas  ajuda- 
vam-n-o  fortemetite,  e  os  dous  cantores  do  sanctuarium  tra- 


478  REnSTA  DO  INSTITirrO  HUTORICO 

balhavam  a  plenos  pulmões,  de  sorte  que,  depois  de  trêz  quaitoá 
de  hora,  estavam  completamente  exhaustos.  Curvavam-se  para 
o  nicho,  afim  de  beber,  mas  o  corpo  se  lhes  sacudia,  oomo  si 
estivessem  febricitantes,  de  modo  que  se  fazia  mister  am- 
parar-lhes  o  pote  de  agua;  enxugavam  então  o  suor  e  mal 
e  mal  podiam  balbuciar  uns  sons  inarticulados,  a  que  o  coro 
unísono  respondia  satisfeito,  com  murmúrios  de  reconheci- 
mento. Trémulos,  fumavam  os  seus  charutos. 

Tiraram  as  cobertas  do  nicho.  Seis  homens,  —  entre  elles 
agora  também  Coqueiro,  —  sacudiam  os  chocalhos,  cantavam 
€  dansavam,  sempre  de  olhos  fechados,  cMnpIetamente  con- 
centrados em  si  mesmos.  Nós  também  dansámos  e  matra- 
queámos algum  tempo,  com  grande  satísfacção  por  parte  dos 
índio.  Somente  um  ou  outro  pausava  um  pouco  de  vez  em 
quando,  fumando  então  apressadamente  o  seu  charuto,  e 
limpando  o  suor,  que  dos  corpos  dos  seis  corria  como  em 
rios.  Numerosas  mulheres  accompanhavam  o  canto,  passando 
o  tempo  a  catar  piolhos  e  sacudindo  os  seus  abanos  para  re- 
frescarem os  dansatfores,  que  estavam  atraz  delias;  os  homens, 
em  grande  numero,  estavam  entendidos  ao  longo  da  parede 
e  descansavam.  Só  uma  vez  fizeram  uma  pausa  geral,  ficando 
então  a  cantarola  substituída  pelos  sons  alegres  de  harmónica 
mal  tocada,  que  vinham  dos  ranchos  dos  soldados;  porém, 
logo  depois  de  trez  ou  quatro  minutos,  a  matraca  de  Mogaí- 
ocúri  zumbia,  dando  o  signal  de  continuação.  Todos  os  ossos, 
um  por  um,  foram  pintados  de  urucú,  —  primeiro  o  fémur, 
(depois  o  humero  e  os  do  braço  inferior  e  os  das  pernas,  a 
bacia  repartida  em  duas  partes,  as  costellas  e  os  ossos  da  mão 
e  do  pé,  até  á  ultima  phalange.  Tractando-se  de  uma  creaaça, 
o  trabalho  é  mais  fácil:  o  esqueleto  fica  arrumado  í«  tofum. 
Si  03  ossos  pingavam  oleo,  posto  em  demasia,  extendiam  co- 
bertores e  esteiras  por  baixo  delles,  pois  nada  devia  ser  per- 
dido. Limpavam  as  mãos  nas  folhas  de  palmeira  previamente 
trazidas.  Eram  cuidadosamente  collocadas  no  cesto  todas  as 
partes  do  esqueleto,  todas  as  phalanges  das  mãos  e  dos  ar- 
telhos, embrulhadas  em  folhas  especíaes,  ajunctando-sc-Ihes  i 
roupa,  —  trez  calças  (mme.  Coqueiro  I),  um  paletó  de  mulher, 
trez  camisas,  —  e  ainda  as  folhas  de  palmeira  já  servidas, 
tudo  isso  no  cesto  já  cheio  a  arrebentar.    Costurarftm-n-0 

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enTRE  06  borAros  479 

na  parte  superior  coni  agulhas  de  pau  de  um  pé  de  compri- 
mento; foi  necessário  o  forte  punho  de  Moguiocúri  para 
serem  approximadas  as  beiras,  afim  de  poder  o  cesto  ser  fe- 
chado. As  pontas  das  folhas  de  palmeira,  que  sobresairam  nos 
dous  cantos,  foram  cortadas  .^  ' 

A*s  cinco  e  um  quarto  estava  tudo  prompto;  cantaram 
ainda  um  boccadinho,  o  logar  foi,  finalmente,  ficando  quasi 
que  de  todo  vazio,  e  a  ceremonia  acabou  sem  encerramento 
solenne:  poz-se-lhe  termo  singellamente.  Moguiocúrí  pediu 
o  meu  cachimbo  e  tagarellou  gostosamente.  A  festa  fúnebre 
já  tinha  sido  exquecida.  Uma  velha  tomou  ás  costas  o  cesto  ' 
de  ossada,  e  um  moço  se  lhe  poz  na  deanteira,  soprando  melan- 
cbolicamente  a  flauta  dos  mortos.-  Ninguém  lhes  deu  impor- 
tância. Ambos  caminhavam  ao  cair  do  crepúsculo,  a  mociíbde 
e  a  velhice,  —  um  encantador  quadro  vespertino,  como  de  um 
conto  de  fadas.  Com  uns  murmúrios  plangentes,  entr^aram 
o  cesto  a  Coqueiro,  que  estava  sentado  á  porta  da  cabana 
vazia,  e  voltaram  apressadamente  para  juncto  dos  outros.  E 
algumas  horas  mais  tarde,  nesse  domingo  da  Paschoa,  re- 
bentou o  barulho  por  causa  dos  Caiapós . 

Coqueiro  ficara  sem  nada.  Os  seus  amigos  fabricaram 
arcos  e  flechas,  e  com  isso  o  presentearam..  Na  terceira  manhã 
após  a  ceremonia  fúnebre,  conduziu  elle  o  cesto  de  ossa(&, 
indo-lhe  atraz  uma  mulher  com  carga  idêntica.  Pois  é  cos- 
tume que  o  morto  espere  o  próximo  extincto,  e  assim  os  dous 
deixam  junctos  o  aldeiamento.  Parecia  que  ninguém  se  im- 
portava com  elles,  e  poder-se-la  crer  que  levavam  dous  cestos 
com  mandioca.    Porém,  logo  se  approximaram  apressada- 
mente quatro  moços  e  accompanharam  os  dous  conductores 
para  o  mato :  o  primeiro  agitava  um  sonidor,  o  segundo  e  o 
terceiro  soltavam  gritos  cheios  de  terror,  e  o  quarto  arrastava 
após  si  uma  folha  de  palmeira,  afim  de  apagar  os  rasti 
f  icultar  aos  mortos  o  regresso  á  aldeia.  Não  se  via  alli 
alguma.  Um  delles  carregava  também  uma  enxada.  C 
foram  inhumados,  parece  que  numa  ilhota  rio  acima. 

AtUA  E  VIDA  DE  AI.ÉM-TUMUMJ,  —  Nos  acordados 
fespecie  de  alcance  á  distancia,  que  lembra  a  nossa  cr. 
tinir  dos  ouvidos.  No  Kulisehu,  disse-me  Tumaíau 
vez  em  que  espirrei,  — 5  que  eu  estava  sendo  chamj 

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48o  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

minha  mnlher,  a  qual  estava  triste,  por  eu  não  ter  ainda  vol- 
tado > .  Em  occasião  similhantcí,  disseram-me  os  Bororós  a 
mesma  cousa :  certa  vez  em  que  espirrei  ao  lado  de  uma  int^, 
esta  logo  perguntou  pelos  nomes  dos  meus  parentes :  —  «  Como 
se  chama  tua  mãe?,  teu  ermão?,  teu  cunhado?» 

A  alma  chama-se  búpe  (39).  Durante  o  sonho,  ella  deixa 
o  corpo.  Punham  bastante  de  manifesto  o  medo  de  accordar  a 
adormecidos.  Clemente  também  pensava  que  isso  seria  muito 
prejudicial.  Mas,  tem  o  seu  lado  útil,  como  vimos  um  dia 
no  ranchào.  Guilherme  devia  tirar  o  retrato  de  um  íidorme- 
cido.  Isto,  porém,  lhes  pareceia  ser  o  peior  dos  males,  certa- 
mente porque  o  retrato  poderia  servir  para  bruxarias.  Os 
Bororós  geralmente  se  obstinavam  contra  os  exforços  de  Gui- 
lherme em  tal  sentido;  apesar  disso,  mais  tarde,  quando  elle 
lhes  mostrava  retratos  tirados  a  furto,  muito  se  alegravam 
com  isso.  Em  todo  caso,  parecia-lhes  perigoso  tirar  o  retrato 
do  adormecido.  Queriam  acorda-lo,  e,  quando  eu  os  impedia 
disso,  censurando-Ihes  o  modo  de  agir,  procuravam  realizar 
furtivamente  (pelo  cuspir  e  atirar  pedacinhos  de  pau)  o  seu 
intento.' 

Não  conheço  o  sentido  exacto  de  búpe.  Durante  o  sonho, 
a  alma  sai  voando  em  forma  de  ave,  Ella,  então,  vê  e  ouve 
muita  cousa.  Acreditam  firmemente  no  que  o  despertado  re- 
lata. Assim,  os  Caiapós,  effectívamente,  tinham  estado  nas 
proximidades  da  colónia:  ninguém  duvida  disso.  Clemente 
confirmava,  com  a  sua  experiência,  a  exactidão  das  suas  pre- 
visões :  —  quando  a  mulher,  deixada  na  aldeia,  durante  a  au- 
sência do  homem  na  caçada,  ficava  sósinha,  por  metade  da 
noite  sentada  na  cabana,  queixando-se  e  lamentando-se  al- 
gumas horas  e  deitando-se  depois  para  dormir,  a  sua  alma, 
então,  ia  com  certeza  achar  o  caçador ;  e,  depois  de  acordadas, 
as  mulheres  sempre  davam  informações  certas  do  ponto  em 
que  estavam  os  caçadores  e  quando  haviam  de  regressar.  A 


(M>     A  I 

,aUvr. 

exita  É 

.  bõpe . 

>,  tiio  • 

■  búpe 

..   Sesundo 

.  0  vocabultrio  áoí 

Sklesianos,   equivale  . 

■  «diab. 

)».    Pai 

que  1 

cerWram  bem  com 

0  aignificado. 

porc|u< 

!  indagai 

ido  eu 

dos  B. 

ao  inimigo  de 

Deu», 

e  me  f. 

essio  «bóe-píía», 

Isto   #.   «cou» 

K   ruim 

..    NSo 

seri  < 

bópt> 

coatraccKo 

de   fb6«-pÈB»»f» 

íNol»  de  B. 

át  M. 

). 

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EMTRE  OS  BORdROS  481 

proximidade  do  inimigo  era  presenciada  no  sonho,  de  modo 
que,  fugindo-se,  o  inimigo  chegaria  a  uma  aldeia  abandk>nada. 

O  certo  é  que  os  baris  prediziam  com  exactidão  a  morte 
de  um  doente  em  estado  grave.  Não  só  a  çreança,  de  que 
falei  a  pags.  460,  foi  morta,  quando  já  era  chegado  o  seu 
tempo,  como  também  no  caso  da  mulher  de  Coqueiro  elles 
a  haviam  ajudado  artificialmente.  Ainda  viva,  foi  conduzida 
para  o  ranchão  com  a  cara  coberta  por  um  panno,  e,  debaixo 
deste  panno,  ficou  suffocada.  Era  o  quarto  dia,  quando  ella 
devia  morrer,  conforme  os  baris,  e  de  facto  morreu.  Eu  creio 
que  se  pôde  comprehender  facilmente  essa  intromissão  no , 
officio  de  Atropos  por  parte  de  uma  tribu  nómade  de  caça- 
dores, mesmo  si  ella  não  puzesse  tão  seriamente,  como  os 
BorôroS,  homens  e  animaes  em  egual  plano:  —  elles  estavam 
acostumados  a  dar  o  golpe  mortal  nos  animaes  moribundos, 
e  não  podiam  permanecer  á  vontade  em  certos  logares.  Que 
os  baris  souberam  tirar  proveito  desse  estado  de  necessidade, 
—  era  o  seu   negocio. 

As  idéas  a  respeito  da  morte  e  da  vida  post-morlctn  são 
nisso  essencialmente  diversas  das  dos  Índios  do  Kulisehú,  por 
não  morarem  os  curandeiros,  causadores  da  morte,  em  uma 
aldeia  vizinha,  onde  fizessem  as  suas  bruxarias,  mas,  sim, 
estão  incorporados  em  certos  animaes,  que,  infeliz  ou  tola- 
mente, se  matam,  e  que  então  se  vingam,  buscando  os  vivos. 
Enquanto  o  «homem-medico  »  dos  Bakaerts,  só  de  passagem 
na  narcose,  se  transforma  em  animaes,  e,  depois  da  morte, 
vai  para  o  céu  sob  a  forma  humana,  —  aqui,  a  morte  não  é 
nada  mais  do  que  uma  transformação  animal,  um  sonho  cuja 
realidade  é  a  todos  visivel. 

Crè-sc  geralmente  que  o  Borõro,  homem  ou  mulher,  se 
transforma,  depois  da  morte,  em  uma  arara  vermelha,  por- 
tanto em  ave,  como  a  alma  no  sonho.  Carne  e  pelle  apodrecem ; 
a  ossada,  solennemente  adornada,  é  entregue  do  melhor  modo 
por  que  o  exlíncto  a  pôde  exigir;  reune-se  e  queima-se  o  seu 
vestuário,  os  parentes  sacrificam  todos  os  utensís  domésticos 
que  elle  occupava,  dào-lhe  até  do  seu  sangue:  — si  clle,  graças 
a  tudo  isso,  puder  retomar  a  sua  figura  antiga,  então  os 
sobreviventes  de  certo  não  lhe  devem  mais  nada,  e  mais  agora 
elle  não  pôde  pretender,  não  precisa  de  achar  o  caminho  da 


Gvkh^Ic 


403  ItEVlSTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

volta  e  deve  contentar-se  com  a  sua  vida  de  arara.  As  araraã 
vermelhas  são  Bororós,  sim,  os  Bororós  vão  mais  longe,  como 
já  o  referi,  e  dizem :  —  «  Nós  somos  araras  > .  Ou  isso  é  rnn 
exaggero  posterior,  que  de  modo  evidente  mostra  quão  indif- 
ferentes  são  aos  Índios  os  escrúpulos  dos  nossos  zool<^os,  ou 
a  alma-volatil  é  crida  como  sendo  a  arara.  Não  comem  nunca 
a  arara  e  nunca  a  matam.  Lamentam  quando  morre  alguma. 
Somente  são  mortas  as  araras  selvagens,  por  causa  do  adorno 
de  pennas,  e,  pela  mesma  razão,  também  as  mansas  devem 
conformar-se  com  a  sua  systematica  deplumação. 

Os  '« exti netos  de  outras  tribus»  transformam-se  em 
outras  aves.  Os  negros  viram  urubus  pretos.  A  escolha  não 
é  illogica:  um  malquerente  bem  pôde  ser  incitado  a  tal  es- 
colha pela  cõr,  pela  catinga  e  pelos  trejeitos,  —  e  os  Bororós 
não  gostam  dos  negros. . .  Perguntando  a  Maria  o  que  é  que 
eu  seria  depois  de  morto,  deu-me  ella,  com  toda  a  seriedade, 
a  seguinte  lisongeira  resposta:  —  cuma  garça  branca»,  A 
alma,  já  durante  a  vida,  é  um  pássaro,  e  isto  não  parece  nada 
admirável,  por  ella  poder  chegar,  durante  o  sonho,  a  logares 
longínquos,  com  grande  celeridade,  e  o  ente,  capaz  de  fazer 
isso,  não  pôde  deixar  de  ser  ave  para  o  caçador;  é  questão 
secundaria  qual  a  espécie  de  ave  de  uma  ou  de  outra  tribu. 
Não  é  difficil  comprehender  que  uma  tribu  escolha  para  si 
mesma  a  ave  mais  bonita,  que  ao  mesmo  tempo  fala  e  cuja 
plumagem  dá  ao  vivo  e  ao  morto  um  efíeito  magnifico.  Os 
Bororós',  porém,  não  são  dl'aras  azues,  e  sim  vermelhas,  como 
os  negros  são  ou  serão  aves  pretas  e  os  brancos  aves  brancas. 

Não  menos  fácil  é  comprehender  a  seguinte  ampliação: 
—  os  baris,  depois  da  sua  morte,  podem  também  transmudar-se 
em  outros  animaes,  por  exemplo,  em  peixes,  bagre,  jahú  e 
especialmente  dourado,  peixes  esses  todos  grandes  e  suc- 
culentos.  Por  isso  é  que  o  bári  deve  estar  presente,  quando 
se  pescam  aquellas  espécies  e  até  benze-las.  Um  papel  espe- 
cial ainda  cabe  ao  veado.  Dizia  Clemente:  —  «Não  sei  que 
sympathia  os  Bororós  tem  pelo  veado;  é  verdade  que  alguns 
o  comem,  quando  está  bento.  Também  o  aróe-taurári  só  o 
pôde  comer,  depois  de  feito  o  benzimento;  outros,  si  o  co- 
messem, morreriam ;  matam-n-o  raras  vezes,  mesmo  que  es- 
teja bem  perto.  Não  sei  si  é  saneio  áellíst. 


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EÍJTBE  09  DOnÒHOá  4^3 

Nem  foi  Boróro,  porém  sim  um  cachorro,  que  certo  dia 
matou  um  veado:  um  homem  provou  da  carne,  adoeceu  no 
mesmo  dia  e  morreu  dentro  em  pouco.  Clemente  sabia  contar 
outro  caso,  —  de  um  homem  que  tinha  matado  um  enorme 
dourado  e  que  morreu  logo  depois.  «Vede,  —  diziam  os  Bo- 
rorós, depois  de  preparado  o  cesto  de  ossada  —  o  dourado  era 
bári,  e  este  matou  também  o  homem  que  o  pescou». 

A  base  dessa  hypothese,  —  como  também  aprendemos  a 
conhecer  entre  os  Índios  lío  Kulisehú,  —  é  a  viva  e  original 
superstição  que  os  Boróroí,  no  seu  estado  de  caçadores,  têm 
de  que  os  homens  e  animaes  não  são  mais  do  que  diversas 
personagens.  A  morte  de  um  dos  seus  é  considerada  como 
vingança  do  que  foi  morto.  Um  caçador  adoece  ou  morre, — 
quem  é  o  culpado  desse  mal  ?  —  Um  animal-pessoa,  que  ellc 
próprio  matou  e  que  então  se  vingou ;  como  sempre  existe  a 
probabilidade  dessa  explicação,, ha  de  formar-se  a  crença  geral 
de  que  —  o  morto  busca  o  vivo.  Como  é,  porém,  que  o  animal 
morto  faz  isso?  —  Ora...,  um  bári  está  encerrado  nelle..,, 
um  que  pôde  tudo,  sem  que  a  gente  saiba  como  é  que  eile  o 
faz.: 

Deste  modo  se  completam  as  tentativas  de  explicação; 
aqui,  onde  se  tracta  de  tantas  tradições  e  de  tantos  affectos, 
não  importa  que  também  cheguem  a  sophismar.  Seria,  po- 
rém, difficultar  a  comprehensão,  si  se  quizesse  identificar 
a  intuição  dos  Bororós  sobre  a  vida  post-mortem  com  o 
eschema  da  metempsychose.  Uma  espécie  de  metempsychose, 
elles  a  experimentam  todas  as  noites.  Que  animaes  e  homens 
somente  são  diversas  personagens,  —  é  mais  importante  do 
que  pôr-se,  devido  a  circunstancias  posteriores,  em  relações 
mais  intimas  com  um  ou  outro  animal-pessoa.  De  facto,  eu 
comprehendo  mais  facilmente  aquelle  povo,  quando  consi- 
dero a  affirmação,  que  parece  ser  a  mais  moderna  e  confusa, 
que  elles  fazem,  —  «  Nós  somos  aves  >,  e  que  me  parece  ser 
a  mais  simples,  não  como  <  eu  serei  uma  ave  »,  e  sim  como, 
—  peço  que  não  tomem  isso  na  accepção  bcrlinense,  —  « te- 
nho uma  ave,  soti  uma  ave,  que  agora  volita  de  noite,  porem 
que  um  dia,  espero  que  mui  tardiamente,  não  mais  voltará 
á  sua  familia,  si  uma  outra  personagem,  homem,  ave  ou  mam- 
mífero,  que  of fendi  mortalmente,  a  impedir  disso,,  e  que 

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484  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

então  ficará  obrigada  a  guardar  a  sua  figura  noctunia,  a 
qual,  de  tal  momento  em  deante,  como  garça  branca  na  la- 
guna, apanhará  peixes,  e  seriamente  contará  que  os  filhos 
e  netos  não  a  matem  e  comam,  mas,  sim,  logo  que  fõr  pre- 
ciso, lhe  arranquem  as  pennas». 

NiCUAS  CELKSTES;  CONJURAÇÃO  DE  METEOROS. — Sol  € 
lua  são  pennas  de  arara.  Não  pude  verificar  que  idéas  exis- 
tem sobre  os  seus  possuidores.  Os  Bororós,  porém,  riram-se 
de  mim,  quando  lhes  perguntei  si  sol  e  lua  eram  homens,  e 
sustentaram  que  eram  <  pennas  de  arara  >,  e  não  araras  sim- 
plesmente, como  si  pudessem  ser  aves.  «  Nós  moramos  numa 
grande  ilha.  no  meio  de  um  rio  que  se  chama  Darupáru, — ■ 
a  reduplicação  de  bám,  céo.  Lua  e  sol  (isto  é,  os  seus  pos- 
suidores) estão  de  um  lado  e  caminham  pelo  rio;  quando 
chegam  junctos,  a  lua  passa  e  vem  lua  nova». 

O  Cru::eirb  do  Sul  consiste  nos  dedos  de  uma  grande 
ema,  o  Centauro  representa  uma  perna  da  dieta  ema,  Orion 
é  uma  carapaça  de  jaboti  e,  na  parte  dirigida  para  Sirius,  um 
jacaré,  e  as  Plêiades  são  ramalhetes  de  flores  do  angico  (Aca~ 
àa) ;  os  Bororós  mostraram-me  tudo  isso  com  muito  prazer, 
deixando  ouvir  um  ih...  de  admiração,  porém  nem  sempre 
eram  concordes  quanto  á  sua  significação,  de  modo  que  se 
me  tornou  duplamente  dífficil  obter  informações  dellcs.  Em 
um  ponctcí,  entretanto,  estavam  de  completo  accórdo,  e  isto 
com  razão  me  admirou  sobejamente:  —  as  estreitas  em  geral, 
afora  as  conste  Ilações  especiaes.  semeadas  no  céo  como 
lK)ntos  pequenos  e  grandes,  e  os  meteoros,  que  se  vêem  correr 
no  firmamento,  —  tudo  isso  eram  bichos  de  pi;  a  via-Iactca, 
na  qual  se  acham  mais  densamente  aggrupadas,  era  cinza,  e 
Vciias  era  o  grande  bicho  de  pé  (40) , 

Como  nos  Bakaeris,  a  base  daquella  concepção  é  que  os 
animaes  celestes  lã  chegaram  por  encantamento  e  que,  no  sen 
aspecto,   dif ferem   das   creaturas   terrestres;   pois,   logo   que 


,. 

0)  «  Cuiídje »,   de   facto,    sJBiiifici 

odUferentemenle  .eslrell».  «  «bicho 

de  l.. 

curircu>   í  (grande*)    e   a   via-lactu 

lédjc   uruRL'>do>;   *  iirugúdo  *   è  t  c 

iiiaí).    Xi   rrlacão  das  coii51tHações. 

IU-8I   von    deii    Steineii   da   -/ulear 

ce-urarcghe  >,    isto    é.    pila*    de    |ierni- 

».   Caldas  e  os  Salesianos  nlo  re 

Lataram  esse  vocábulo,  que  colhi  dire 

cume 

nie  dat  «elvicoUs.    (NoU  d«  B.    d 

e  M.). 

D,ji,z,db,Goo<^le 


ENTHE  03  B0BÔB03  485 


apparece  um  novo  phenomeno,  estão  promptos  com  a  sua 
explicação  por  meio  do  bári.  Um  bári  é  a  grande  cobra  de 
agua,  pintada,  que  nós  chamamos  arco-iris  (41).  Um  ma- 
gnifico meteoro,  que  caiu  durante  a  nossa  estada  alli,  era  ^  a 
alma  de  um  bári*,  que  de  repente  appareceu,  afim  de  com- 
municar  aos  Bororós  que  clle  tinha  vontade  de  comer  «  carne 
de  caçador  »  e  havia  de  mandar  a  um  dellcs  a  dysenteria.  A 
sccna,  mediante  a  qual  tentam  evitar  essa  desgraça,  merece 
descripção  pormenorizada . 

O  meteoro  scintillou  no  espaço  a  14  de  Abril,  ás  8,35 
da  noite,  para  o  lado  do  Sul,  como  uma  bola  de  mais  ou 
menos  um  quarto  do  tamanho  da  lua :  passou  por  sobre  todo 
D  pateo  um  brilho  intenso.  Caiu  muito  ligeiro,  em  45°,  na 
direcção  de  Leste,  deixando  atraz  de  si  um  rasto  do  tamanho 
de  quatro  bichos  de  pé  celestes  de  primeira  grandeza  e  di- 
vidido em  duas  partes,  como  um  bastão,  na  extremidade  com 
o  brilho  de  estrellas  e  no  disco  fulgcntemente  azul.  Durante 
quatro  minutos,  julguei  vêr  ainda  aquelle  rasto  como  uma  fu- 
maraça embranquiçada . 

No  mesmo  instante  em  que  appareceu  o  meteoro,  resoou 
do  lado  dos  Índios,  partida  de  cem  vozes,  uma  gritaria  alta 
e  continua.  De  todos  os  pontos  precipitaram-se  para  o  ran- 
chão,  onde,  durante  algum  tempo,  borbulhavam  para  dentro 
e  para  fora,  como  um  formigueiro  assustado.  Em  seguida 
dirigiram-se  para  a  parte  do  pateo  próxima  da  margem  do 
rio.  Accenderam  alli  algumas  fc^ueirinhas,  e  logo  se  viram, 
assentados  ao  longo  das  cabanas,  muitos  pequenos  grupos 
de  homens,  mulheres  e  creanças,  phantasticamente  allumia- 
dos.  Como  eu  me  houvesse  ausentado  por  alguns  minutos, 
voltei  attrahido  por  um  grande  barulho.  Dous  baris,  sobre- 
modo pintados  de  urucú,  estavam  no  meio  da  multidão  e, 
andando  em  roda  excitados,  cuspinhavam  para  o  céu,  ba- 
bando ainda  um  pouco  de  saliva,  do  mesmo  modo  por  que 
os  Índios  do  Kulisehú  conjuravam  as  nuvens  de  tempestade. 
Enfrentando  então  o  ponto  em  que  tinha  apparecido  o  me- 


(41}  Os  Borõroi  dto  tn 
t  Sucuri  >  (c  Boa  wytate  ■ 
c  graphsm  <jlir«i,  ciradi 
lola   ái  B.   de   MJ. 


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406  RE?I3TA  DO  IKSTITUTO  HISTÓRICO 

teóro,  ululavam  com  voz  ameaçadora,  pávida:  —  vué;  vuê  I, 
tapando  a  bocca  com  o  concavo  da  mão  e  extendendo  para 
o  céu  o  braço  esquerdo,  no  qual  cada  um  empunhava  um 
feixe  de  cigarros  de  palha  de  milho  do  comprimento  de  um 
palmo.  ■ — «Aqui,  olha  bem,  pareciam  dizer,  todo  este  tabaco 
sacrificamos,  afim  de  afastar  o  mal.  Ai  de  ti,  si  tu  não  nos 
deixas  em  paz  !  > 

Uma  singular  mixtura  de  medo  e  coragem,  sendo  que 
esta,  infelizmente,  tinha  o  seu  tanto  de  artificial,  como  na 
conjuração  do  perigo  dos  Caiapós.  O  tremor  augmentou- 
Ihes,  o  corpo  todo  lhes  vibrava,  a  cabeça  inclinada  para  traz 
vacillava,  e,  com  movimentos  convulsivos,  apalpavam  e  fric- 
cionavam peito  e  ventre,  como  que  para  fazer  sair  delles  todo 
o  mal.  Depois  de  ter  esta  scena  durado  algum  tempo,  tJra- 
ram-lhes  das  mãos  os  feixes  de  cigarros  e  os  accenderam  ao 
fogo,  enquanto  os  excitados  « curadores  »  descansavam  uns 
momentos,  gemendo  c  tremendo  de  medo.  Meia  dúzia  de 
homens  levantaram-se,  deram  para  seu  consolo  e  fortificação 
umas  chupadas  e  cRtão  entregaram  os  cigarros  aos  baris,  que 
immediatamente  recomeçaram  o  seu  processo  de  cura.  Os 
baris  chuparam  no  feixe  inteiro,  berraram  contra  o  céu  ainda 
mais  viva  e  increpadoramente  do  que  antes,  esfriaram  ainda 
mais  o  ventre,  coçaram  fortemente  a  cabeça,  sorveram  outra 
vez  fumaça  do  seu  feixe,  sugaram  convulsivamente  na  parte 
anterior  dos  braços,  como  si  quizessem  fazer  o  sangue  subir 
do  interior,  e  gritaram  sempre  mais  alto: — vué;  vuáu  l, 
vuáu  \  Extremeceram  e  sopraram  em  direcção  ás  estrdlzs, 
os  seus  membros  cambaleavam,  os  seus  músculos  contra- 
hiam-se. 

Afinal  começaram,  de  súbito,  a  pesquisar  circunva- 
gantemente  a  multidão,  como  procurando  alguma  cousa:  fa- 
lavam com  os  mais  próximos,  indigitaram  um  ou  outro  e 
depois  entraram  no  grupo  principal,  onde  sujeitaram  a  uma 
pequena  cura  um  ancião  alquebrado,  o  .cacique  Domingos, 
e  a  alguns  dos  mais  distinctos,  que,  naquelle  caso  especial, 
pareciam  suspeitos.  Levanfavam-lhes  a  cabeça,  inspeccão- 
nando-os  penetrantemente,  e,  dizendo  —  pzu,  psu;  perdigo- 
tavam-lhes  de  cuspo  a  cara,  tomando  a  gritar,  por  detraz  do 
concavo  da  mão,  o  seu  ameaçador  vâu  !  ou  ura  estridente 

Google 


ENTRE  03  BOBÔROS  48? 

hahahó,  e  nâo  se  exquecendo  de  acabar  de  fumar  o  seu  feixe 
de  cigarros.  O  coro  tinha-se  em  geral  conduzido  séria  c 
quietamente;  apenas  uma  ou  outra  vez  rompeu  em  um  uni- 
sono  Ituhá,  o  que  agora  pelo  fim  repetiu  triumphantemente, 
quando  os  dous  «  doutores  »  se  retiraram  batendo  os  dentes 
e  murmurando  com  calafrios  —  tédede,  tédede.  Resoou  a  noite 
inteira  o  canto  de  aroé. 

Tinham  aqui  applicado  a  fumaça  de  tabaco,  do  mesmo 
modo  por  que  contra  a  tempestade  haviam  empregado  o 
cuspinhar,  e  eu  tive  a  impressão  de  que  a  fumarada  do 
«medico»  se  parecia  com  o  incensamento .  Talvez  isto  seja 
importante  para  se  comprehender  o  sentido  primitivo  do 
methodo  de  curar. 

Domingos  tinha  tido,  dous  dias  antes  da  conjuração  do 
meteoro,  um  ataque  de  fraqueza.  No  terceiro  día,  17  de  Abril, 
estava  doente  e  parecia  achar-se  muito  incommodado.  Arras- 
tava-se  timidamente  de  um  logar  para  outro,  tendo  as  mãos 
envoltas  em  trapos  e  a  cabeça  e  a  cara  embrulhadas,  de  ma- 
neira que  não  se  podia  reconhece-lo.  Como  deixámos  a  co- 
lónia no  dia  18  de  Abril,  não  pudemos  infelizmente  verificar 
6Í  lhe  fizera  ef feito  o  remédio  empregado. 

Tradições  sobre  os  antepassados.  —  Arigá-Boròro  é 
o  fundador  da  tribu.  Tinha  uma  mulher.  Arigá  é  o  nome  do 
puma.  Mais  tarde,  dous  homens  e  duas  mulheres  vieram  do 
rio  Barupáru  para  Leste  sobre  a  terra  e  estabeleceram-se  no 
S.  Lourenço.  Mais  não  pude  colher.  Clemente,  para  isso, 
era  totalmente  imprestável ;  elle  próprio  não  sabia  nada  a  tal 
propósito,  e  arranjava  as  suas  indicações  conforme  os  co- 
nhecimentos que  possuía  do  Brasil,  dizendo  que  os  Bororós 
tinham  vindo  originariamente  do  Rio  de  Janeiro.  Consoante 
com  o  que  pude  entender,  os  Bororós  moravam,  desde  o 
tempo  em  que  deixaram  o  céu,  nas  cabeceiras  do  S.  Lou- 
renço, e  aquella  chegada  de  Leste  nada  tem  que  ver  com  as 
migrações  da  tribu,  mas,  sim,  é  apenas  outra  vez  o  resultado 
da  mui  natural  reflexão  de  que  o  sol  estava  de  posse  dos 
antepassados  e  que  estes,  portanto,  haviam  de  ter  morado 
lã  donde  nasce  o  sol. 

Moguiocúri  €  é  muito  creança  >,  —  dizia  Clemente,  — 
pois  não  sabia  nada,  e  tsto  ficou  confirmado  pelo  facto  de  que 


.,CoogIc 


488  REVISTA  DO  INSTITUTO  IllSTORICO 

O  cacique  não  tinha  conhecido  o  avó,  como  elle  me  confessou. 
Um  ancião  longevo,  que  realmente  sabia  alguma  cousa  sobre 
a  creaçào  do  mondo,  —  pois  tinHa  ouvido  do  seu  avô,  que  a 
ella  estivera  presente,  as  circunstancias  mais  próximas, — 
uma  tão  preciosa  testimunlia  infelizmente  estava  ausente, 
na  caça. 

Mesmo  as  informações  sobre  outras  tribus,  com  as  quaes 
os  Eorõros  tinham  relações,  eram  muito  escassas,  restrin- 
gindo-se  a  algumas  indicações  relativas  aos  Caiapós,  —  que 
tinham  arcos  lisos  e  curtos,  mas  muito  duros  e  fortes,  flechas 
de  taquarinha  um  tanto  pequenas,  com  pennas  costuradas  c 
dous  ganchos  de  ferro,  e  lambem  uma  chata  clava  de  pal- 
meira seriba,  em  fornia  de  peixe,  com  i^^.o  de  comprimento, 
e  pendurada  do  pescoço  por  meio  de  uma  corda. 

Porém,  afora  os  Caiapós,  ainda  havia  outros  vizinhos 
exquisito,  na  tribu  dos  Rarái,  também  chamados  baredie- 
ragúdo.  Vêem-se  elles  só  de  noite,  e  dous  a  três;  usam 
de  mantos  de  embira,  e  são  empretecidos,  nunca  de  cór  clara. 
São  macacos.  Elles  tinham,  num  ou  noutro  logar,  arremes- 
sado os  Bororós  ao  chão,  fugindo  em  seguida .  Clemente,  — 
e  o  que  elle  dizia  não  era  destituído  de  valor,  porquanto  re- 
petia exactamente  informações  colhidas  dos  próprios  índios, 
^jurava  a  pés  firmes  que  os  Rarái  eram  macacos,  que  não 
tinham  flechas,  mas  tomavam  do  chão  pedras  e  paus  para 
atirar,  e  que  tinham  (jarruchas,  «  pistolas  *  como  as  que  os 
camaradas  brasileiros  e,  portanto,  também  os  negros  e  es- 
cravos fugidos  possuíam  geralmente. —  «  São  macacos  e  ati- 
ram com  pistolas?»' — «Sim,  são  macacos,  com  pistolas  de 
ferro » .  O  negro,  portanto,  tem  a  escolha  agradável  de  ser 
macaco  ou  urubu  preto.  Mas,  deve-se  sempre  ter  em  vísta 
que  não  ha  limite  entre  homem  e  animal,  e  que  a  posse  dt 
objectos  civilizados  também  não  quer  dizer  nada.  Si  os  ma- 
cacos têm  pistolas,  então  não  se  pôde  dizer  que  elles  não  as 
tenham. 

Língua.. — O  material  linguistico,  colleccionado  entre 
os  Bororós,  e  que  talvez  seja  sufficiente  para  darão  menos 
idéa  dos  mais  importantes  elementos  grammatícaes, .  ainda 
não  está  preparado.  Até  agora,  ainda  não  pude  descobrir 
nenhum    parentesco   linguistico   com   outros   idiomas   conhe- 


ço byGoOglc 


ESTRE  03  nORÔROS 


489 


eidos.  Em  todo  caso,  os  Bororós  não  pertencem  ao  grupo 
tupi,  nem  ao  gê,  nos  quaes  se  poderia  pensar.  Também  não 
seria  nada  de  admirar,  si  todos  estes  exforços  ficassem  im- 
profícuos, porque  a  vizinhança  do  seu  território,  em  grande 
parte,  já  desde  a  primeira  colonização  de  Mato-Grosso, 
atravessou  ejKíchas  de  grande  perturbação.  Ao  Norte  exten- 
de-se  a  estrada  que  vai  para  Goiaz,  que  elles  muitas  vezes 
assaltaram ;  ao  Sul  appareceram  as  levas  dos  descobridores 
idos  de  S.  Paulo;  e  aqui,  como  acolá,  houve,  durante  longos 
annos,  caçadas  de  escravos. 

A  lingua  é  harmoniosa  e  parece  de  facil  aprendizagem. 
Das  consoantes  falta  somente  o  /,  abstrahindo-se  de  foto-gúro 
(42),  que  significa  c  saliva  >  ^  consoantes  duplas  são  raras; 
a  desinência  é  vocálica.  O  accento  recai  em  geral  na  penúl- 
tima syllaba.  Não  existe  terminação  plural  para  o  substan* 
tivo.  Os  pronomes  pessoaes  independentes  são:  —  1)  imi, 
eu;  2)  áki,  tu ;  3)  ema,  au,  elle;  4)  paghi,  nós;  5)  taghi,  vós; 
6)  emaghi,  elles.  Os  correspondentes  suffíxos  pronominaes 
para  o  substantivo  e  o  verbo  são : 

i)  '■;  2)  a;  3)—;  4)  pa;  5)   te;  6)  e. 

No  seu  uso  apparecem  diversas  formas  de  mudança  de 
phonema  e  influencias  sobre  o  radical  inicial.  A  titulo  pro- 
visório, vou  dar  alguns  exemplos: 


i)  i-wiia 

2)  a-wiia 

3)  í"''o 

4)  pa-wiia 

5)  le-wiia 

6)  e-iviia 


iketio 
a-keno 
eno 

pa-ghetto 
le-gkeno 

e-keno 


i-laura 
a-kaura 
kaura 

pa-gaura 
le-taura 
e-taura 


%-iua 

o-fua 

tua 

pa-dua 

tcdua 

e-tua 


Os  números  seguem  o  eschema  dos  Bakaeris: — i,  2, 
.1,  2.  .2,  2.  .2. ,  I,  2.  ,2,, 2.  /  chama-se  mito,  s  pól 


3  possDc  ■  língua  barõro  o 
ilenaniínte   it   íccõrdo    cor 


,dbyGoogle 


490  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

esses,  porém,  apparecem  nos  termos  seguintes,  então  tomam 
accrescimos,  nos  quaes  podemos  distinguir  os  pronomes  da  ter- 
ceira pessoa,  ema  e  au  (este).  No  numero  j  ainda  está.  con- 
tida a  negação  bòcua,  bocuárei  pobéma  au  metiiia  (também 
metia)  bocuáre,  e  isso  parece  significar:  —  aqui  tenho  dous, 
lá  não  mais  do  que  um  > .  4  é  pobéma  augure  pobe,  isto  é, 
«  aqui  dous  e  lá  também  dous  ■>;  5  é  pobéma  augure  pobéma 
áu  tnetúya  bocuáre;  ó  é  augure  pobéma  augure  pobéma  au- 
gure póbe.  Com  grãosinhos  fizeram  a  formação  de  grupi- 
nhos  de  dous,  exeactamente  como  os  Bakaeris,  e  do  mesmo 
modo  foram  consultados  os  dedos.  O  meu  desejo  de  conhecer 
os  numeraes  foi  interpretado,  sempre  e  sem  excepção,  como 
EÍ  eu  desejasse  a  enumeração  dos  parentes.  O  interrogado 
batia  no  peito,  dizendo:  —  «eu»,  e  contava  mãe,  pae,  ra- 
pariga, rapaz,  com  ou  sem  adjudicação  de  um  e  dous,  fazendo 
corresponder  a  cada  dedo  um  membro  da  famitia.  Não  pude 
descobrir  si  os  dedos,  como  taes,  têm  nomes  de  parentes; 
julguei,  a  principio,  que  o  pollegar  fosse  mãe,  mas  fiquei 
duvidoso  a  respeito  disso,  porquanto  as  indicações  digitaes 
variaram  por  parte  de  outras  pessoas,  devido  ás  circunstan- 
cias especiaes  da  familia.  Aquj,  o  seu  interesse  capital  era 
evidentemente  o  enumerar.  Acredito,  portanto,  que  tambeni 
aqui  o  seu  proceder  era  o  seguinte:  citavam  uma  porção  de 
pessoas,  marcando-as  pelos  dedos,  e  empregando  para  isso 
demonstrativos  ou  pronominaes,  o  que,  para  o  começo,  era 
a  mesma  cousa,  e  determinando  o  limite  para  dous  não  na 
mão,  porém,  sim  nas  cousas,  quebrando  uma  em  duas  partes 
e  solvendo  o  calculo  por  meio  dos  dedos. 


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MANUEL  MARCONDES  DE  OLIVEIRA  E  MELLO 
(ruuEuta  bauXo  de  piMDÀUOKojitiaABA] 

NOTAS  BIOGRAPHICAS 


Dr.  JoXo  Marcondes  de  Modra  Romeiro 


D,Bi,z,db,Google 


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iniDEl  UnES  DE  gUHIHII  E  UILO 


■     NOTAS   UIQCRAPHICAS 

Quando  algueiii  se  dispõe  a  traçar  a  biographia  de  quem 
quer  que  seja  não  pôde  deixar  de  ser  sua  principal  preoc- 
cupação  a  feição  moral  daquelie  que,  por  se  haver  salientado 
entre  os  seus  contemporâneos,  o  induziu  a  faze-lo  reviver. 

Com  referencia  ao  honrado  conterraned,  de  quem  nos 
occupamos,  não  será  fácil  esta  tarefa. 

Estudando  a  vida  do  coronel  Manuel  Marcondes  de 
Oliveira  e  Mello,  primeiro  barão  de  Pindamonhangaba,  não 
se  sabe  á  primeira  vista  si  se  tracta  de  um  cidadão  natural- 
mente democrata  ou  de  um  genuíno  representante  da  velha 
e  enfezada  fidalguia  portugueza,  para  quem  se  justificavam 
todas  as  oppressões  exercidas  pela  realeza  contra  o  povo. 

A  ouvi-lo  fallar  da  familia  imperial  e  notando-se  a  ve- 
neração e  respeito,  que  consagrava  a  Pedro  i"  e  ás  pessoas 
qite  entulhavam  o  Paço,  parecia  que  não  poderia  haver  nin- 
guém que  o  excedesse  em  dedicação  á  monarchia.  No  en- 
tretanto na  vida  intima  e  tractando  com  particulares,  era  de 
uma  burguezia  exagerada  e  que  talvez  não  condissesse  com 
o  logar,  que  occupava  no  meio  social  em  que  vivia.  E  o  que 
é  mais,  nas  poucas  vezes  que  teve  de  intervir  na  politica  do 
paiz  foi  sempre  para  defender  a  causa  do  povo. 

O  coronel  Marcondes,  primeiro  barão  de  Pindamo- 
nhangaba, militou  toda  a  vida  no  antigo  partido  liberal,  accoin- 
panhando  de  coração  a  politica  dos  Andradas  e  de  Feijó,  dos 
quaes  era  admirador  sincero. 


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494  REVISTA  DO  IKSTITUTO  niSTOHICO 

Em  1842  adheria  de  prompto  á  revolução  chefiada  pelo 
brigadeiro  Rafael  Tobias  de  Aguiar  e  prestou  aos  revoltosos 
de  nossa  cidade  o  apoio  e  protecção  de  que  precisavam.  Todos 
os  seus  aggregados  e  camaradas  tomaram  armas  e  para  re- 
sistir aos  « legaes  >  se  prepararam . 

Dir-se-ha  que  assim  procedia  por  acconipanhar  seu  ermão, 
monsenhor  Marcondes,  de  quem  era  amigo  extremosissimo, 
e  que  andava  na  mais  estreita  correspondência  com  o  briga- 
deiro Tobias.  Mas  não  é  exacto;  embora  se  mostrasse  cau- 
teloso e  prudente,  e  não  quizesse  assumir  a  responsabilidade 
de  possíveis  violências,  que  eram  de  esperar  dos  mais  exal- 
tados, o  que  é  certo  é  que  pela  causa  dos  revoltosos  tinha 
real  e  sincera  sympathía. 

Como  se  sabe,  foi  nossa  cidade  um  dos  baluartes  da  revo- 
lução. Eram  trez  as  localidades  do  Norte  de  S.  Paulo  dis- 
postas a  accompanhar  Tobias  até  seus  últimos  momentos: 
Ptndamonhangaba,  Lorena  e  Arêas.  E  não  seria  possivel  que 
o  espirito  de  revolução  fosse  tão  bem  acceito  no  nosso  mu- 
nicipid,  si  monsenhor  Marcondes,  que  era  chefe  de  grande 
prestigio  do  partido  liberal,  e  seu  ermão  o  barão  de  Pinda- 
monhangaba  não  tivessem  esposado  a  causa  sustentada  pela 
inegualavel  coragem  de  Tobias  e  pela  reconhecida  firmeza 
do  dr,  Gabriel  Rodrigues  dos  Santos. 

Foi  só  depois  da  derrota  dos  revoltosos  e  da  tomada  de 
Sorocaba  pelo  barão  de  Caxias,  que  os  filhos  da  nossa  terra 
depuzeram  as  armas  e  debandaram.  Até  então  mantiverám-se 
todos  no  seu  posto,  não  lhes  causando  medo  nem  receio  a  pre- 
sença de  Caxias  em  S.  Paulo,  nem  a  noticia  de  forças  que 
vinham  por  terra,  e  já  tinham  saído  vencedores  de  um  com- 
bate em  Arêaí,  travado  com  paisanos  arregimentados  pelo 
tenente  Anacleto  Ferreira  Pinto. 

Naquella  epocha  de  abnegação  e  patriotismo  ninguém  se 
lembrava  do  interesse  individual  e  todos  se  occupavam  na 
cidade  dos  meios  de  defesa,  no  caso  de  invasão  dos  inimigos, 
e  de  promptidão  se  mantinham  para  cumprir  sem  demora  as 
ordens,  que  pelos  chefes  lhes  fossem  transmittidas. 

Comprehende-se  que  não  se  sustentaria  tão  difftcil  e  pe- 
rigosa situação,  si  a  ella  não  prestassem  braço  forte  os  dous 
>  Marcondes,  que  eram  sem  contestação  as  pessoas  de 

I.  Google 


ÍIAXUEL  MARCONDES  DE  OLIVEmA  E  MELLO  A^Í 

mais  influencia,  mais  ricas  e  de  melhores  relai;Ões  e  mais  con- 
sideradas não  só  na  terra  do  seu '  nascimento,  coriío  em  todo 
o  Korte  de  S.  Paulo.  EUes  tinham  o  povo  todo  em  suas  mãos 
e  podiam  leva-lo  onde  quízessem.  Ninguém  com  mais  se^- 
rança  podia  dizer,  como  o  chefe  dos  Tamoios: 

«O  céo  é  de  Tupá,  a  terra  é  nossa». 

A  pureza  de  seu  viver,  o  seu  entranhado  amor  pelo  logar 
em  que  haviam  nascido,  o  cuidado  que  tomavam  pelo  bem 
estar  e  harmonia  das  famílias,  entre  as  quaes  viviam  como  • 
verdadeiros  patriotas,  e  ás  quaes  apresentavam  proveitosas 
licções  no  exemplo  de  sua  vida  perfeitamente  correcta  e  ina- 
tacável —  davam-lhes  direito  a  essa  posição  que  haviam 
alcançado,  e  que  em  parte  tinham  herdado  de  seu  pa^,  o 
capitão-mór  Ignacio  Marcondes  do  Amaral.  , 

Ninguém,  pois,  pôde  duvidar  que  a  attitude  altiva  e  nobre 
em  que  se  manteve  a  nossa  cidade,  no  periodo  revolucionário 
de  1842,  era  obra  principalmente  do  barão  de  Pindamo- 
nhangaba,  que  procedia,  em  relação  aos  acontecimentos,  com 
prudência,  mas  com  firmeza  e  patriotismo. 

No  entretanto,  e  era  cousa  de  admirar,  a  esse  espirito 
tão  liberal,  e  quando  no  paiz  já  tinham  echoado  as  idéas  repu- 
blicanas—  o  governo  de  uma  nação  se  afigurava  inteiramente 
incompatível  com  outra  forma  que  não  fosse  a  monarchia. 

No  modo  de  ver  cio  1°  barão  de  Pindamonhangaba  o 
direito  de  governar  um  povo  e  reger  os  seus  destinos  vinha 
de  Deus.  Para  elle  as  familias  reinantes  constituíam  uma 
casta  separada  com  attríbutos  especiaes  que  lhe  davam  capa- 
cidade e  aptidão,  que  os  outros  homens  não  possuiam,  para 
exercer  os  poderes  magestaticos. 

Si  tivesse  vivído  nos  tempos  medievaes  traria  com  cer- 
teza esta  legenda  em  seu  escudo :  «  Pela  Pátria  e  pelo  Rei  — • 
Neste  ponto  era  írreductivcl.  A'  pessoa  do  monarcha  votava 
respeito  religioso. 

Não  SC  supponha,  que  se  servisse  de  baixa  adulação  para 
se  fazer  credor  da  affeição  da  gente  do  Paço,  ás  quaes  tractava 
com  a  maior  consideração,  é  certo,  mas  também  com  digni- 
■   dade  e  com  muita  nobreza. 

O  primeiro  barão  de  Pindamonhangaba  foi  guarda- 
roupa  do  imperador  Pedro  I,  e  mais  tarde  foi  nomeado 

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496  KEVISTA  DO  1N9T1TDT0  HISTÓRICO 

veador  de  s,  m.  a  imperatriz  d.  Leopoldina,  primeira  mulher 
do  imperador,  de  quem  vivia  nas  melhores  graças,  ao  que 
parece,  por  saber  eila  que  o  coronel  Manuel  Marcondes  era 
dos  poucos  amigos  de  d.  Pedro,  que  não  applaudiam  suas 
escandalosas  rapaziadas. 

Em  sua  viagem  para  S.  Paulo,  em  1S22,  e  nas  vésperas 
da  proclamação  da  Independência,  d.  Pedro,  passando  por 
esta  localidade,  hospedou-se  com  o  barão,  com  quem  passou 
■  um  dia  de  descanço,  mostrando-se  sempre  muito  commu- 
nicativo  e  satisfeito.  E  daqui  seguiram  junctos,  depois  de 
reunida  a  Guarda  de  Hoiíra,  sob  o  commando  do  coronel 
Manuel  Marcondes,  que  teve  a  gloria  de  ser  uma  das  prin- 
cipaes  testimunhas  do  grande  acontecimento  passado  nas 
margens  do  Ipiranga. 

E  com  que  prazer  relatava  o  nosso  illustre  e  honrado 
conterrâneo  as  scenas,  que  alli  se  realizaram  e  que  constituem 
facto  único,  na  vida  das  nações  ! 

c  No  dia  7,  sobre  a  madrugada  —  contava  o  velho  servidor 
da  pátria  —  deixámos  Santos  em  regresso  para  S.  Paulo. 
D.  Pedro  vinha  montado  em  uma  possante  besta  gateada,  e 
não  em  cavallo  mineiro,  como  inventaram  os  nossos  novel- 
listas.  Em  toda  sua  viagem  mostrava-se  agitado  e  appre- 
hensivo,  adivinhando  todos  que  eram  noticias  de  Portugal  que 
o  impacientavam. 

Logo  depois  que  subimos  a  serra  do  Cubatão,  queixou- 
se  o  príncipe  de  ligeiras  cólicas  intestinaes,  vendo-se  por  isso 
obrigado  a  apear-se  para  attender  ás  exigências  da  natureza. 
Pouco  havíamos  caminhado,  e  elle  teve  necessidade  de  nova- 
mente apear-se  para  o  mesmo  fim.  Percebendo  então  que 
continuava  o  incommodo,  deu  ordem  i>ara  que  a  Guarda  se- 
guisse adeante,  caminhando  elle  mais  á  vontade  e  socegada- 
mente  com  toda  a  comitiva,  que  o  accompanhava  desde  o  Rio. 
Assim  fizemos;  mas  ao  chegarmos  ao  Ipiranga',  já  muito 
perto  de  S .  Paulo,  e  onde  havia  uma  pequena  casa  de  negocio, 
fiz  a  Guarda  suspender  a  marcha,  esperando  por  d.  Pedro',  que 
não  iM)dia  entrar  na  cidade  sem  ser  devidamente  escoltado. 

Pouco  tempo  alii  estivemos  em  descanço,  e  sempre  com   • 
os  olhos  voltados  para  a  estrada,  quando  se  nos  apresenta  um 
official,  chegado  do  Rio,  pedindo  noticias  de  d.  Pedro,  a 

lyCOOglC 


K&NUEL  lURCONDCS  DE  OLIVEIRA  E  HBLLO  497 

quem  precisava  entregar,  e  com  urgência,  papeis  de  stimtna 
importância  que  lhe  eram  enviados  por  José  Bonifácio.  Com- 
prebendemos,,  mais  ao  menos,  que  se  tractava  da  posição  de  - 
s.  a.  perante  as  Cortes  de  L,Ísboa,  que  todos  sabiam  qu,e 
eram  contrarias  ás  idéas  nactonaes  do  príncipe,  a  quem  por. 
isso  procuravam  afastar  do  Brasil.  Esta  supposição  ainda 
mais  robusteceu-sc  quando  nos  informou  o  mensageiro  que, 
um  dia  antes  de  sua  partida,  havia  ancorado  no  porto  do  Rio 
uma  galera  procedente  de  Lisboa.  Contamos-lhe  que  d-  Pedro 
não  podia  demorar-se,  e  elle  partiu  logo  a  seu  encontro. 

Dividimo-nos  então  em  grupos,  onde  as  conversas  con- 
sistiam em  conjecturas  sobre  o  assumpto  daquella  commissão; 
mas  todos  attentos  e  á  espera  do  signal  que  nos  devia  trans- 
mittir  a  sentinella,  que  mandei  postar  em  Ic^r  mais  eminente, ' 
e  donde  se  descobria  longa  extensão  da  estrada,  por  onde 
vinha  o  principe. 

Teria  decorrido  um  quarto  de  hora,  quando  nos  foi  an- 
nunctada  a  chegada  de  d.  Pedro,  e  Ic^o  ouvimos  o  tropel  da 
cavalgada  que  vinha  pela  estrada,  galopando.  Immediata- 
mente  procurámos  nos  pôr  sobre  nossos  animaes,  e  saímos 
a  encontra-lo.  Mas  ainda  a  Guarda  não  pudera  pôr-se  em 
forma  e  já  d.  Pedro  era  chegado,  visivelmente  agitado  e 
satisfeito,  com  as  faces  radiantes  e  amarrotando  na  mão  di- 
reita um  grande  maço  de  papel.  Pudemos  apenas  formar  um 
meio  circulo,  envolvendo  sua  pessoa. 

Foi  então  quí,  descobrindo-se  e  com  voz  firme  e  tim- 
brante,  annunciou-nos  a  resolução  que  tomara  no  momento  de 
declarar  a  nossa  pátria  independente. 

<  —  Amigos,  disse  d.  Pedro,  não  é  mais  possível  vi- 
vermos sob  o  dominio  de  Portugal,  que  persiste  era  contrariar 
as  mais  justas  aspirações  do  povo  brasileiro  !  Somos  livres  e 
de  ora  em  deante  que  seja  a  nossa  divisa :  —  Independência 
ou  morte  ! » —  E  ergueu  um  viva  ao  Brasil  independente. 
Nem  se  pode  imaginar  o  immenso  enthusiasmo,  que  o 
extraordinário  acontecimento  nos  causou.  Levantámos  repe- 
tidos vivas  a  d.  Pedro,  e  ao  Brasil,  procurando  ao  mesmo 
tempo  cada  qual  tomar  logar  no  cortejo,  que  tinha  de  accom- 
panhar  o  príncipe;  pois  d.  Pedro  proferiu  aquellas  palavras 


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496  WMlSTk  DO  INSTITUTO  lUSTORlCO 

e  foi  logo  voltando  o  animal  em  direcção  á  cidade  de  S.  Paulo, 
e  a  meio  galope  caminhando,  como  costumava  viajar. 

Quando  chiámos  á  cidade,  já  estava  conhecido  o  facto 
estupendo,  que  se  passara  no  Ipiranga.  Pelo  menos  ninguém 
se  mostrou  surprehendido  com  a  noticia  que  levávamos.  Pa- 
recia que  a  voz  de  d.  Pedro  echoara  até  S.  Paulo,  cuja  popu- 
lação cruzava  as  ruas,  mostrava-se  extraordinariamente  ani- 
mada, como  é  fácil  de  se  imanar. 

De  noite  houve  espectáculo,  de  gala,  com  a  presença  de 
s.  a.  O  theatro,  que  ficava  no  largo  do  Palácio  e  era  muito 
acanhado,  regorgitava  de  gente,  tendo  comparecido  o  alto 
funccionalismo  de  S.  Paulo,  e  todos  que  puderam  alli  achar 
logares. 

A'  hora  apropriada,  e  quando  começavam  a  se  impa- 
cientar os  espectadores  com  a  demora  do  príncipe,  eí-lo  que 
surge  em  seu  camarote,  accompanhado  dos  mais  graduados 
representantes  do  governo.  A'  sua  presença  reboou  por  todo 
theatro  uma  prolongada  salva  de  palmas,  sendo  em  s^uida 
levantados  muitos  vivas  a  d.  Pedro  e  ao  Brasil,  os  quaes 
eram  delirantemente  correspondidos  pela  multidão.  Logo  de-  • 
pois  o  padre  Ildefonso  Xavier  Ferreira,  que  era  dos  mais 
exaltados,  tendo-me  consultado,  e  por  que  lhe  respondi  que 
me  parecia  agradável  a  s.  a,  trata-lo  como  imperador, — 
ergueu-se  em  seu  camarote,  e  voltando-se  para  d .  Pedro  disse 
com  o  maior  enthusiasmo:  —  Viva  d.  Pedro  imperador  do 
Brasil  !  O  povo  redobrou  de  enthusiasmo  e  animação,  prin- 
cipalmente quando  viu  d.  Pedro  agradecer,  fazendo,  com  a 
cabeça,  um  signal  de  assentimento. 

De  então  em  deante  ninguém  mais  quiz  saber  do  que 
se  ia  representar,  trans  formando- se  o  theatro  em  uma  com- 
pleta assembléa,  onde  só  se  tractava  e  discutia  o  heroísmo 
do  príncipe  e  sua  dedicação  á  causa  do  Brasí),  de  quem  se 
havia  feito  verdadeiro  libertador. 

Passados  estes  factos,  tractou  d.  Pedro  de  regressar 
com  celeridade  para  o  Rio,  onde  José  Bonifácio  o  esperava 
para  responder  ao  governo  portuguez,  e  lhe  communicar  que 
o  príncipe  havia  sido  acclamado  imperador  do  Brasil.  Ao 
chegarmos  a  esta  cidade,  que  era  então  simples  villa,  foi  a 
guarda  dispensada.de  accompanhar  o  imperador,  que  s^uttt 


D      z.cbyCOOgle 


HAKUEL  MARCONDES  DE  OIIVEIRA  E  MELLO  499 

viagem,  caminhando  dia  e  noite,  para,  de  concerto  com  seu 
ministro,  providenciar  sobre  os  meios  mais  acertados  de  ga- 
rantir a  emancipação  politica  do  paiz,  que  estava  feita. 

Eis  ahi  como  se  passaram  os  factos,  de  que  fui  testi- 
munha,  referentes  ál  proclamação  da  Independência,  e  nos 
quaes  tive  de  tomar  parte  como  commandante  da  Guarda  de 
honra.  E  permitta-me  dizer,  d.  Pedro  foi  um  heroe  1». 

Assim  fazia  o  barão  de  Pindamonhangaba  a  narrativa  do 
que  se  passou  nas  margens  do  Ipiranga  no  dia  7  de  Se- 
ptembro  de  1822. 

Foi  cc»ti  esta  exposição  exacta  que  Pedro  Américo,  o 
grande  pintor  brasileiro,  reviveu  em  uma  de  suas  melhores 
telas  a  scena  grandiosa,  originada  dos  mais  decididos  im- 
pulsos do  patriotismo,  e  toda  elta  envolvida  em  uma  atmos- 
fera verdadeiramente  cavalheiresca.  Para  execução  do  quadro 
histórico  teve  o  distincto  artista  de  visitar  nossa  cidade,  para 
colher  elementos  que  levassem  sua  obra  a  approximar-se 
quanto  possível  da  realidade. 

Foi  aqui  que  o  artista  ficou  conhecendo  os  capacetes,  as 
espadas,  as  dragonas  e  os  fardamentos,  de  que  usavam  os 
soldados  e  officiaes  da  Guarda  de  honra.  Daqui  levou  também 
os  retratos,  que  poude  encontrar,  dos  guardas  que  foram  tes- 
timunhas  da  acclamaçào  de  d,  Pedro,  nas  margens  do  Ipi- 
ranga. Considerava  o  illustre  pintor  que  devia  preferir  as 
pessoas  que  realmente  faziam  parte  da  Guarda  de  honra,  para 
aym  ellas  preencher  os  logares,  onde  deviam  se  achar  os 
fieis  companheiros  de  d.  Pedro.  O  barão  de  Pindamo- 
nhangaba lá  está;  é  aquelle  que  segue  na  frente,  de  espada 
em  punho  e  galopando  ao  encontro  do  princtpe.  A  seu  lado 
devem  caminhar  José  Romeiro,  Manuel  Ribeiro  do  Amaral 
e  Manuel  de  Godoy  Moreira,  também  nossos  conterrâneos. 

Aos  que  tiveram  occasião  de  tractar  com  estes,  d' 
acabrunhados  pelos  annos,  não  será  facíl  reconhec» 
tela  de  Pedro  Américo  que,  para  ser  corrcctcí,  precii 
dar  mocidade  e  enfeita-los  de  bigodes,  de  que  sõ 
quando  em  serviço  e  por  exigência  de  d,  Pedro.  Mas 
que  o  illustre  pintor  teve  em  vista  representa-los 
quadro,  onde  se  destaca  o  barão  de  Pindamonhangal 

D:    zPcbyCOOgIe 


500  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

perfil  é  conhecido,  e  deixa  ver  o  desenvolvido  órgão  nasal, 
characteristico  da  familia. 

Como  se  vè,  foi  o  barão  de  Pindamonhangaba  um  deli- 
gente  e  honrado  servidor  da  pátria ;  e  nos  tempos  que  cor- 
rem é  bom  consignar  que  nunca  se  aproveitou  de  sua  im- 
portante posição  para  augmentar  a  sua.  fortuna ;  nunca  em 
sua  vida  recebeu  um  real  dos  cofres  públicos,  por  conta  sua 
correndo  sempre  todas  as  despesas  que  lhe  impunham  os 
serviços  da  Guarda  de  honra.  O  mesmo  se  dava  com  todos 
que  pertenciam  a  esta  milicia,  verdadeira  guarda  nobre,  com- 
posta de  moços  das  príncipaes  famílias  das  provincías  do  Rio 
de  Janeiro,  Minas  e  S.  Paulo;  não  só  não  recebiam  soldo, 
como  se  mantinham  a  expensas  próprias,  notando-se  que  bem 
avultadas  deviam  ser  estas,  attento  o  grande  luxo  e  esplendor 
com  que  se  apresentavam. 

Verdadeira  phantasia  de  d.  Pedro,  que  por  ventura 
deixou-se  inspirar  no  pensamento  que  dictou  a  Napoleão  a 
instituição  da  sua  heróica  e  famosa  <  Garde  Impériale  >. 
Tinha  uma  organização  toda  especial  a  chamada  Guarda  de 
honra.  Os  soldados  gosavam  de  honras  de  alferes,  e  as  ou- 
tras patentes  davam  aos  officiaes  honras  correspondentes  ás 
de  dous  postos  acima  da  sua  graduação  em  outros  corpos. 
E  dahi  decorria  o  direito,  que  tinha  o  coronel  Marcondes  ás 
honras  de  general. 

A  Guarda  se  compunha  de  dous  batalhões,  de  um  dos 
quaes  era  o  nosso  conterrâneo  commandante. 

Depois  da  abdicação  de  d.  Pedro,  em  7  de  Abril  de  1831, 
o  coronel  Marcondes  afastou-se  inteiramente  da  vida  publica, 
procurando  exquecer  de  uma  vez  o  que  se  passava  no  Paço 
imperial;  e  recolheu-se  á  sua  terra  natal,  onde  pretendia  viver 
o  resto  da  vida,  certo  de  que  juncto  de  sua  iliustre  e  extensa 
familia  e  no  meio  dos  muitos  amigos  que  contava,  não  lhe 
faltariam  consideração,  respeito  e  amizade,  que  era  tudo  o 
que  então  ambicionava. 

Conta-se  que,  dias  depois  da  abdicação,  passou  por  esta 
cidade  um  official  que  seguia  para  S,  Paulo,  levando  offi- 
cios  do  Governo,  Foi  hospede  do  coronel,  a  quem  relatou  mi- 
nuciosamente os  successos  do  dia  7  e  a  retirada  do  imperador. 
Informado  do  desastre  de  d.  Pedro,  mostrou-se  triste  e  pe- 


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HAiniEL  MARCONDES  DE  OLIVHRA  E  UELLO  501 

saroso,  observando  ao  mesmo  tempo  que  era  aquillo  de 
esperar-se  desde  que  havia  afugentado  de  juncto  de  si  os  me- 
lhores amigos,  para  entregar-se  cegamente  aos  adversários 
do  paiz.  E  accrescentoií,  que  a  d.  Pedro,  apezar  de  suas 
muitas  qualidades  de  imperante,  faltavam  moderação  e  pru- 
dência, predicados  indispensáveis  a  quem  se  propõe  a  governar 
um  povo. 

No  segundo  império,  o  coronel  Marcondes  £oÍ  surpre- 
hendido  com  o  titulo  de  barão  de  Pindamonhangaba  (1856). 
Por  esta  forma  procurou  d.  Pedro  II  dar  testimunhr^ 
de  seu  reconhecimento  aos  serviços  que  o  nosso  conterrâneo, 
com  a  maior  dedicação  e  lealdade,  havta  prestado  a  seu  pae 
e  ao  paiz. 

O  barão  de  Pindamonhangaba  possuía  varias  condeco- 
rações, entre  as  quaes  as  dignitárias  da  Ordem  de  Christo  e 
da  Rosa  e  o  offícialato  do  Cruzeiro,  que  se  considerava  dis- 
tincção  das  mais  honrosas. 

Era  filho  de  Ignacio  Marcondes  do  Amaral,  que  foi  du- 
rante sua  longa  vida  capitão-mór  da  nossa  villa,  em  que 
nascera ;  era  neto  de  António  Marcondes  do  Amaral,  o  tronco 
da  grande  família  actualmente  disseminada  por  todo  o  paiz. 
Este  António  Marcondes,  s^;undo  informações  colhidas  pelo 
barão  Homem  de  Mello,  em  assentos  existentes  no  archivo 
da  thesouraria  de  Porto  Alegre,  <  era  filho  de  Dionysio  Mar- 
condes e  sua  mulher  d.  Maria  Vieira,  moradores  na  ilha  de 
5.  Miguel,  reino  de  Portugal,  o  qual  tinha  sido  mandado  ao 
Brasil,  como  mestre  da  sumaca  S.  Boaventura,  trazendo 
casaes  e  soldos  de  Dragões,  um  conto  de  réis  da  Real  T'a- 
zenda  e  22  barris  de  gerebita ;  e  por  que  sof f resse  naufrágio 
nas  praias  do  Bujurú,  ficando  salva  a  tripulação,  depois  de 
arrecadadas  as  mercadorias,  intemou-se  pelo  Brasil,  e  veio 
estabelecer-se  afinal  nesta  localidade  > . 

Nasceu  o  i"  barão  de  Pindamonhangaba  em  1780, 
Foi  casado  em  primeiras  núpcias  com  d.  Maria  Justina 
do   Bomsuccesso,   filha   do   capitão   Custodio   Varella   Lessa 
(barão  de  Parahibuna)  o  mais  rico  fazendeiro  do  nosso  mu- 
nicípio. 

Enviuvando,  casou-se  mais  tarde  com  d.  Maria  An- 
gélica da  Conceição,  de  importante  familia  de  Jacarehi. 


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$03  BEnSTA  DO  INSTITUTO  WBTOUi» 

O  ultimo  quartel  da  vida  passou  na  terra  onde  nascera, 
longe  dos  negócios  públicos,  mas  sem  nunca  ter  cedido  das 
honras  e  prerogativas,  a  que  lhe  davam  direito  seus  títulos 
nobitiarchioos. 

Vendo  em  seus  ascendentes  provas  de  fidalguia  e  de  no- 
breza, entendendo  dever  honra-los,  cercando-se  de  verdadeiro 
fausto  e  de  grandeza,  como  suppunha  exigir  a  posição  que 
pretendia  occupar  entre  os  seus  concidadãos. 

Senhor  de  grande  fortuna,  poude  facilmente  realizar  esse 
ideal. 

Effectivamente,  desde  sua  mocidade  vivia  em  sua  villa, 
como  verdadeiro  fidalgo.  Já  nesse  tempo  possuía  carro  ti> 
rado  por  bellas  parelhas  só  para  conduzi-lo  ás  festividades 
e  reuniões,  que  em  sua  terra  se  effectuavam  e  â!s  quaes  se: 
dignava  honrar  cora  seu  comparecimento. 

Os  criados  que  então  o  accompanhavam,  conforme  a 
moda  da  Còrtt!,  vestiam  calções  e  usavam  chapéo  armado. 

Em  sua  residência  teve  á  honra  de,  por  varias  vezes, 
hospedar  com  verdadeira  sumptuosidade  o  imperador  Pedro 
I*  e  sua  comitiva,  e  desempenhou  esta  tarefa  sem  precisar 
recorrer  a  extranhos.  Quer  dizer  que  tinha  á  mão  todos  os 
recursos  para  receber  e  obsequiar  as  pessoas,  que  por  ventura 
o  procurassem,  mesmo  que  tivessem  direito  a  hospedagem 
principesca . 

De  facto,  o  que  havia  de  mais  fino  em  linho  e  seda  en- 
contrava-se  nos  guarda-roupas  de  sua  residência.  E  por- 
cellanas,  crystaes  e  pratas  para  banquetes,  ninguém  possuía 
de  mais  gosto  e  mais  riqueza.  Sua  nobre  casa  correspondia 
exactamente  ao  tractamento  fidalgo  de  seus  donos;  guarnecida 
de  finíssimos  moveis,  nella  não  faltavam  objectos  de  arte  que 
a  ornamentavam. 

No  meio  deste  fausto,  que  deveria  ser  difficil  de  man- 
ter-se,  vivia  o  barão  de  Pindamonhangaba  em  companhia  de 
seu  ermâo  e  amigo,  monsenhor  Marcondes.  E  muito  satis- 
feito, porque  todos  o  estimavam  e  respeitavam. 

A's  grandes  solennidades  religiosas  comparecia  sempre, 
e  sempre  rodeado  de  aparatei,  que  bem  se  pôde  imaginar.- 
Abotoado  em  sua  casaca  de  veador,  toda  recamada  de  bor- 


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KANOEL  lURCÚNDBS  DB  OLITEUU  B  IfELLO  SO3 

dados  de  ouro  e  cingindo  longo  espadim,  occupava  logar  re^ 
servado  juncto  ao  altar-mór. 

Alguém,  ignorando  o  que  era  a  sociedade  de  ent&o,  poderá 
considerar  extravagante  e  ridículo  esse  modo  de  vida,  que  na 
actualidade  nos  parece  muito  fora  de  propósito. 

Mas  é  preciso  considerar  que  o  povo  desse  tempo  dava 
a  maior  importância  ás  exteríorídades,  parecendo-lhe  que 
03  homens  valiam  mais  por  aquillo  que  ostentavam,  do  que 
por  sua  capacidade  moral.  Questão  de  tempo  e  de  costumes.- 

Basta  lembrar  que  pessoas  de  tractamento  não  saíam  á 
rua  sem  ser  de  chapéo  alto,  e  que  vereadores  da  nossa  Camará 
Municipal  tinham  por  dever  rigoroso  comparecer  ás  sessões 
encasacados.  E  tudo  assim  é.  Haveria  nada  de  mais  extra- 
vagante que  o  uso  de  cabelleiras  empoadas  e  de  rabicho,  com 
que,  enfiados  em  calções  e  sapatos  de  fívella,  ainda  no  tempo 
da  Independência,  se  apresentavam  em  público  os  altos  f unc- 
cionarios  ? 

O  que  é  verdade  é  que  todos  achavam  muito  natural  e 
ninguém  deve  poder  suppo-lo  um  aristocrata  intractavel  e 
coronel  Manuel  Marcondes  de  Oliveira  e  Mello,  primeiro 
barão  de  Pindamonhangaba,  na  terra  de  seu  nascimento  e 
no  meio  de  amigos  e  parentes. 

Mas  é  preciso  notar  que,  vendo-o  no  meio  desse  fausto, 
ninguém  deve  poder  suppo-lo  um  aristocrata  intractavel  e 
presumpçoso.  Comprehendia  muito  bem  que  nenhuma  incom- 
patibilidade havia  entre  a  verdadeira  fidalguia  e  a  urbanidade, 
e  por  isso  tractava,  a  quem  quer  que  fosse,  com  toda  a  consi- 
deração e  cortezia. 

O  barão  de  Pindamonhangaba  era  um  homem  bom,  na 
significação  da  palavra.  Foi  sempre  inimigo  de  luctas  pessoaes, 
e  quando  se  contestavam  seus  direitoí,  referentes  a  interesses 
individuaes,  não  punha  dúvida  em  ceder,  para  prevenir  ca- 
prichos e  paixões.  Nunca  em  sua  vida  precisou  recorrer  ao 
poder  publico  para  resolver  uma  pendência,  que  lhe  dissesse 
respeito.  Era  sobretudo  respeitador  da  lei,  a  qual  com  a  maior 
satis  facção  se  submettia. 

Apezar  da  importância  que  gosava,  não  consta  que, 
em  qualquer  tempo,  se  aproveitasse  de  sua  posição  para  ex- 
ercer vinganças  ou  para  melhorar  a  sua  fortuna. 


byCoogIe 


S0i4  RETISTA  00  INSTITUTO  BtSTORTCO 

Em  sua  vida  nunca  negou  o  seu  concurso  para  os  melho- 
ramentos, que  podiam  redundar  em  proveito  do  publico.  Em 
seu  testamento  deixou  importante  le^do  para  o.  estabeleci- 
mento de  uma  Casa  de  Misericórdia  nesta  cidade.  £  a  que 
ainda  existe,  e  na  qual  são  tractados  os  pobres  da  localidade, 
foi  adquirida  com  o  dinheiro  que  elle  le^ou  á  pobreza. 

Falleceu  o  coronel  Manuel  Marcondes  de  Oliveira  e 
Mello,  1°  barão  de  Pindamonhagaba,  nesta  cidade,  a  6  de 
Agosto  de  r863. 

Como  se  vê,  soube  elle  honrar  a  terra  em  que  nasceu, 
destacando-se  nobremente  em  importantes  acontecimentos  da 
nossa  Historia.  E  isto  que  para  a  nossa  cidade  deve  constituir 
um  glorioso  património  não  pôde,  não  deve  cair  em  exque- 
cimento.  Si  seus  parentes  não  se  descuidam  de  guardar  com 
carinho  e  respeito  estas  lembranças,  devem  também  seus  con- 
terrâneos sentir  prazer  em  recorda-las,  pois  as  honras  alcan- 
çadas por  aquelles,  a  cujo  lado  nascemos,  não  deixam  de 
reflectir  sobre  nós  todos,  a  quem  muito  pôde  aproveitar  o 
exemplo  suggestivo  de  uma  vida  honrada  e  nobre. 


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DAS  ARTES  PLÁSTICAS  NO  BRASIL  EM  GERAL 
E  NA  CIDADE  DO  RIO  DE  JANEIRO  EM    PARTICULAR 


(CDRSO,  EM  CINCO  LICçOeS,  PROFESSADO  NO  INSTITUTO  HISTOItlCO 
E  CEOâRAPaiCO  BRASILEIRO) 


Dr.  Ernesto  da  Cuniu  de  Araújo  Viana 


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Das  Urtes  plásticas  id  Brasil  em  geral 

e  na  cidade  do  Rio  de  Janeiro  em  particular 


CENSIIAI,IDADES  KELATIVA5  As  ARTES  PLÁSTICAS  NO  BRASU; 

Sr.  presidente  do  Instituto  Histórico  e  Gcographico  Bra-* 
sUdro. 

Meos  senhores. 

Sinto-me  abalado  em  falar  no  Instituto  Histórico,  abaladd 
e  commovido  por  motivo  de  ordem  tão  intima,  que,  só  fazendo 
violência  ao  meu  temperamento,  impeço  de  correr  o  pranto 
de  uma  saudade,  que,  quanto  mais  os  annos  passam,  mais 
profunda  se  toma  em  meu  coração  reconhecido,. 

Relevará  esta  expansão,  sr.  presidente,  v  ex.  cujo  áureo 
traço  de  character  foi  sempre  de  encantadora  e  extremosa 
dedicação  filial... 

Aos  meus  63  Maios,  cabe-me  a  honra  de,  pela  primeira 
vez,  tomar  a  palavra  no  seio  do  Instituto  Histórico,  da  egrégia 
associação  que  teve  durante  largos  annos  como  seu  presi- 
dente Cândido  José  de  Araújo  Viana  (marquez  de  Sapucahi) 
meu  avô  paterno,  meu  s^^ndo  pac,  porque  do  primeiro  (*) 
fiquei  orpham  aos  nove  annos  incompletos.  No  lar  tranquillo  de 
meus  avós,  os  marquezes  de  Sapucahi,  onde  nasci  e  me  edu- 
quei, juncto  dos  incessantes  desvelos  de  minha 
sempre  carinhosas  e  justas  referencias  ao  InstÍtut( 
ambiente  de  modéstia  e  sabedoria  que  aprendi  a 


{')  o  doaior  mt  Ifcdiciat  Enitito  AufUito  de  Aiknjo  ^^m 


D,3t,ZBdbyGOO<^le 


ífX  RPnSTK  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

venerar  o  Instituto  Histórico.  Não  poderia,  portanto,  deixar 
de  acudir  ao  seu  chamado  para  a  tarefa  do  curso,  que  inicio. 

Constará  etle  de  cinco  licções,  occupando-tne  na  de  hoje 
apenas  de  generalidades  sobre  as  Artes  plásticas  no  Brasil. 

Tractareí  do  assumpto  com  mais  desenvolvimento, 
quando,  nas  subsequentes  licções,  o  particularizar  na  cidade 
do  Rio  de  Janeiro. 

Passo  a  cumprir  uma  ordem,  que  como  tal  devo  consi- 
derar o  convite  do  sr.  presidente  do  Instituto. 

Meus  senhores. 

As  Bellas-Artes,  segundo  classificação  moderna  e  accei- 
tavel,  abraçam  em  synthese  duas  cat^orias: 

I.'  Artes  estáticas  ou  plásticas; 

2.'  Artes  dynamicas  ou  de  movimento. 

As  da  primeira  categoria  são:  a  Architectura,  a  Esaã- 
piurtí  e  a  PinturO;,  as  respectivas  derivadas,  subordinadas  e 
annexas.  Pertencem  á  segunda  categoria:  a  Poesia,  a  Musica 
e  a  Eloquência. 

A  dança,  que  impressiona  pela  vista  e  pelo  ouvido,  houve 
íjuem  a  considerasse  Arle  plástica  animada,  a  estatuária  viva 
íe  movimentada. 

As  Bellas-Artes  da  primeira  cat^oria  farão  consequcnte- 
hiente  o  objecto  do  nosso  curso. 

A  Architectura,  ao  mesmo  tempo  arte  e  sciencia,  subor- 
dina a  matéria  inorgânica  ás  formas  rigorosamente  geomé- 
tricas, e  se  rf^e  pelas  leis  da  estabilidade  e  da  ornamentação.' 
São  suas  annexas:  a  arte  dos  jardins,  o  mobiliário,  as  artes 
decorativas  ou  artes  menores,  e  também  a  Esculptura,  a  Pin- 
tura; enfim  todas  as  artes  plásticas. 

A  Architectura  é  arte  independente  por  exceUencia;  é 
uma  arte  de  Estado. 

A  Esculptura  imprime  na  matéria  lenhosa,  na  matéria 
morta,  na  matéria  inorgânica,  as  formas  da  vida.  As  mais 
importantes  de  suas  subordinadas  são:  a  Glyptica  (gravura 
de  medalhas),  a  Numismática,  a  Ourivesaria,  a  Cerâmica,  a 
Vidraria,  a  Panóplia  e  a  Indumentária. 

A  Cerâmica  e  a  Crystalaria  auxiliam  também  a  Pintura. 

A  Pintura  é  a  Bella-Arte,  que,  por  meio  de  linhas,  cores 
e  matizes,  simula,  em  uma  mesma  superfície  plana,  as  trez 


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DAS  ARTES  PLÁSTICAS  NO  BRASIL  509 

dimensões  do  espaço.  Delia  se  derivam :  a  Agua-forle,  a  Tape- 
taria, o  Mosaico,  o  Esmalte,  a  Paleographia,  a  Calligraphia,  a 
Diphtnalica,  a  Miniatura  e  a  Heráldica. 

Consideram  hoje  subordinadas  á  Pintura  as  artes  me- 
nores: a  Lithographia,  a  Photographia,  o  papel  de  forrar 
muros  e  os  tecidos  de  toda  sorte, 

A  Pintura  tem  géneros,  e  estes  podem  se  executar  por 
diversos  processos. 

Está  na  consciência  dos  que  comprehendem  o  sentir  quão 
elevada  é  a  missão  social  das  Bellas-Artes,  que  educam  o 
homem,  o  tornam  bom,  despertam  e  fortalecem  o  patriotismo.. 

Os  characteres  das  Artes  distinguem  epochas  e  escholas. 
A  Historia,  mas  a  Historia  não  hyperbolicamente  admirativa 
ou  esbabacante,  a  Historia,  com  documentos  comparados, 
ensina  quaes  as  formas  do  todo  e  das  particularidades  que 
cada  povo,  desde  afastados  tt^pos,  collocado  em  condições 
determinadas,  deu  ás  producções  artisticas.  E  isso  como  con- 
sequência do  temperamento  ethnologico,  do  clima,  dos  re- 
cursos moraes,  da  respectiva  civilização,  das  necessidades, 
especiaes,  e,  finalmente  dos  costumes. 

O  historiador  de  Artes  plásticas  deve  conhecer  e  tomar 
por  base  de  sua  narração,  simples  ou  philosophica,  a  evolução 
do  ornato,  estudado  em  suas  formas  geométrica  e  sentimental . 

Os  artistas,  desde  os  primeiros  ensaios,  não  o  gravaram, 
não  o  esculpiram,  não  o  pintaram,  discrecionariamente .  Com 
a  crescente  cultura  intellectual,  a  serie  decorativa  se  cingiu 
a  linhas  entrelaçadas  a  principio,  ou  não;  a  essas  linhas  se 
s^uiu  a  imitação  de  accidentes  do  rosto  humano,  até  á  folha 
ou  á  flor,  que  indica  estado  adeantado  de  cultura. 

Não  se  comprehende  historiar  Artes  plásticas,  sem  aquella 
exigência,  para  não  se  reduzir  a  Historia  a  emmierações, 
relações  chronologicas  ou  descripções  de  monumentos,  de  es- 
tatuas ou  de  quadros,  precedendo-as  ou  intercalando-as  de 
commentarios  encomiásticos. . . 

A  Arte  plástica  humana  teve,  no  ornato  gravado,  a  sua 
primitiva  manifestação. 

No  Brasil  os  primeiros  ensaios,  as  timidas  e  grosseiras 
tentativas  de  Arte  occidental,  não  se  fizeram  em  linhas  de  edi- 
ficação, nem  na  Estatuária,  nem  na  Pintura,  e  sim  na  escul- 


Coogle 


5  IO  RETBT*  no  DWHTDTO  mSTOMCO 

ptura  de  ornatos  de  altares  e  banquetas  das  toscas  capellas 
da  cathechese,  levantadas  pelos  virtuosos  padres  da  Companhia 
de  Jesus,  os  mestres  de  aborígenes  que  foram  o9  primeiros 
entalhadores.  E'  o  que  se  deduz  do  estudo  das  chronicas. 

Mostrarei,  quando  me  occupar  das  phases  artísticas  da 
cidade  do  Rio  de  Janeiro,  a  influencia  do  ornato,  resultanifo 
do  temperamento  ethno1<^co  dos  colonizadores,  e  da  prefe- 
rencia e  acciimatação  naturalmente  dadas  aos  systemas  archi- 
tectcmicos  e  decorrentes  estylos  decorativos  em  v^a  na  me- 
trópole. 

Por  transformações  passaram  os  diversos  modos  de 
c<»istrucção  e  as  várias  maneiras  de  ornamentar,  conforme  as 
revoluções  rel^osas  e  políticas,  as  invasões  e  immígrações, 
que  acarretam  novas  e  imprevistas  necessicbdes. 

Pelo  estudo  da  doctunentação  artistica,  atravez  dos  povos 
e  das  epochas  se  observa  o  facto  que,  dos  diversos  elementos 
míxturados  com  os  systemas  e  estylos  dominantes,  surge 
sempre  novo  aspecto,  embora  em  nada  original,  desde  que  se 
proceda  á  analyse  attenta  dos  characteristicos,  mas  que,  por 
convenção,  passa  a  constituir  estylo,  ganha  supremacia,  segue 
curso  e  acaba  por  attingir  a  derradeira  phase. 

Nada  mais  interessante  do  que  historiar  a  Arte  no  Ocd< 
dente  até  á  epocha  do  descobrimento  e  colonização  portugueza 
em  nossas  terras.  Exige,  porém,  a  matéria  desenvolvimento 
superior  aos  limites  do  nosso  curso. 

As  Artes  plásticas  no  Brasil  abrangem  dous  grandes 
aspectos  geraes:  o  prehístorico  ou  oriental,  e  o  histórico  ou 
Occidental . 

O  primeiro  se  acha  por  estudar  profundamente,  apesar 
das  importantes  investigações,  constantes  dos  Archivos  do 
Museu  Nacional^  e  dos  trabalhos  de  Ladislau  Netto  Ca- 
panema,  Hartt,  Herculano  Penna,  Couto  de  Magalhães, 
Charles  Wiener  e  outros.  Não  faltam  elementos  para  estudos 
dos  objectos  encontrados:  nos  sambaquis  do  nosso  littoral, 
especialmente  em  Santa  Catharina ;  na  epigraphia  hiero- 
glyphica  ou  symbolica  descoberta  em  rochedos  de  nosso  terri- 
tório e  nos  escarpados  dos  valles  dos  nossos  grandes  rios, 
especialmente  os  que  regam  a  região  amazonica,  e  na  estação 
funerária  de  Marajó,  da  qual  Ladislau  Netto  fez  recoosti- 


«byCoogIe 


.DA?  ARTES  KUnCAS  NO  BRAUL  $11 

tuição  graphica  com  a  fornia  do  jaboti,  animal  sagrado  entre 
aborígenes,  cujas  lendas  Hartt  narrou  e  foram  publicadas 
nos  citados  archívos  do  Museu,  assim  coma  a  theoria  sobre 
a  gF^  ornamental  lançada  por  esse  naturalista. 

Não  deixarei  também  de  alludir,  de  passagem,  e  apenas 
em  attenção  á  memoria  de  André  Rebouças,  ás  suas  cogi- 
tações insertas  na  Revista  do  Instituto  Polytechnico  Brasi- 
leiro,  a  respeito  da  hypothese  polygenica  de  Edens,  aliás 
inadmissível,  que  o  notável  engenheiro  e  sociólogo  imaginou, 
pittorescamente  applicando-a  á  formação  dos  primeiros  nú- 
cleos humanos  no  Brasil. 

A  estação  funerária  de  Marajó  lembra  monumentos  de 
povos  da  America,  extinctos  e  de  origem  ignorada,  quaes  os 
dos  mounds-bUders,  estudados  por  archeol<^s  americanistas. 

Os  mounds,  conforme  desenhos  da  obra  de  Crottal, 
além  de  alguns  apresentarem  formas  de  sólidos  geométricos, 
(Mitros  as  têm  de  animaes.  E'  celebre  o  mound  da  Serpente, 
em  Ohio,  nos  Estados  Unidos.  A  secção  de  Archeologia  do 
Museu  Nacional  possue  objectos  gravados  e  pintados,  nelles 
notando-se  morphotogia  linear  e  humana.  Nos  traços  e  colo- 
ração revelam  oríentalismo. 

Confirmarão  eguabnente  a  suspeita  ethnographica  alguns 
artefactos  de  aborigenes  e  a  tatuagem,  não  exquecendo  as 
conhecidas  cuias,  que  para  mím  parecem  um  charão  ingénuo  e 
grosseiro. 

O  aspecto  prehístorico,  que  reclama  successivas  e  demo- 
radas investigações,  deve  pertencer  a  tmia  Archeolc^a,  infeliz- 
mente ainda  não  constituída,  nem  disciplinada. . . 

No  aspecto  artístico  occidental  existiu  a  sabida  phase 
hollandeza,  no  Norte  do  Brasil,  aliás  interessantíssima,  porém 
mais  do  domínio  da  Historia  Geral  politica  ou  de  informações. 
Não  se  perpetuaram  (pelo  menos  não  conheço  nenhum), 
sobre  o  solo  documentos  de  Artes  plásticas,  que  influíssem  na 
civilização  implantada  no  paiz.  Relativamente  a  esta  phase, 
puramente  histórica,  ha  escriptos  luminosos  dos  srs.  Oliveira 
Lima,  Pereira  da  Costa  e  Souto  Maior. 

O  nosso  programma  refere-se  especialmente  ás  Artes 
plásticas  no  Brasil  português  e  no  Brasil  independente.  Foi 


lyCoogle 


512  REVISTA  DO  INSTITDTO  BISTORICQ 

a  civilização  da  metrópole  a  vencedora,  continuada  e  cultí< 
vada  até  hoje,  embora  não  tenham  faltado  attentados  até 
contra  as  tradições  da  nossa  vemaculidade  porti^ueza. . . 

Portugal,  ou  melhor  ainda,  toda  a  Península  Ibérica 
recebeu  e  acclimou,  como  seus,  os  modos  de  construcção  e 
os  estylos  decorativos,  emigrados  de  Itália,  depois  da  epocha 
brilhante  do  Renascimento,  guando  artistas  celebres  quasi 
deliravam  em  composições  curvilíneas,  complicações  ornamen- 
taes,  entrando  a  concha,  a  rocalha,  o  rústico,  e  perdendo  a 
architectura  exterior  a  feição  harmónica  de  suas  linhas  com 
os  tumultos  ornameotaes  dos  interiores.  Desenvolvi  este 
ponto  em  conferencia,  que  a  respeito  das  Phases  da  Archi- 
tectura no  Brasil  fiz,  em  Dezembro  ultimo  (i),  na  Bibliotbeca 
Nacional . 

A  colonização  portugueza  coincidiu  com  a  epocha  do  en- 
thusiasmo  pelos  modos  e  estylos  do  barroco. 

A  Arte  estava  ao  serviço  da  Religião ;  consequentemente 
os  templos  foram  os  primeiros  a  receber  aquelles  influxos, 
que  perduraram,  e  só  muito  mais  tarde  passaram  á  edificação 
civil.  Appareceu  então,  progressivamente,  a  Sumptuária  nos 
interiores  das  casas,  em  seu  mobiliário,  na  Indumentária  civil, 
nos  vehiculos  de  transporte. 

Nos  interiores  das  casas;  em  seus  tectos,  na  carpintaria 
e  marcenaria  das  esquadrias  dos  batentes  das  portas  e  janellas ; 
nos  respectivos  caxilhos  envidraçados;  nas  clarabóias;  na 
serralheira  das  fechaduras  das  portas  e  bahás  a  rivalizarem 
com  as  das  egrejas  e  conventos;  no  emprego  do  luxuoso  da- 
masco a  substituir  tapeçarias  na  forraçao  de  paredes  dos 
salões  nobres;  nas  lâmpadas,  nos  espivitadores,  nos  foga- 
reiros defumadores,  nos  castiçaes,  nas  palmatórias,  tudo  de 
prata  ou  de  casquinha  simulando  este  metal;  nos  lustres  de 
velas,  dourados,  com  pingentes  de  crystal  para  a  irização;  nos 
azulejos  historiados  ou  não,  hoUandczes  ou  portugueses,  a 
vestirem  barras  dos  grandes  saguões,  corredores,  e  casas  de 
jantar;  nos  leitos  e  suas  colchas  de  seda  oriental;  nas  arcas, 
nos  armarias,  nas  mesas  e  cadeiras  do  nosso  jacarandá  e  do 
mogno  importado;  nas  baixelas  de  pratq,  com  brasões  ou 


<i)  Conlcrcncia  ícaliitds  a  i6  d<  Dciembio  de  i 


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DAS  AllTES  PLÁSTICAS  KO  URASIL  513 

iniciaes  gravadas  á  guiza  de  monc^rammas ;  finalmente  na 
loui;a  (ta  Inclia,  e  generatizarain-se  jardins  characteristicos  nos 
grandes  solares. 

Resumindo  direi  que  até  1817  o  modo  exclusivo  de 
construir,  quanto  ás  linlias  systeniaticas  e  o  estylo  decorativo, 
quanto  aos  ornamentos,  representam  producto  sincero  e  uni- 
forme do  sentimento  nacional,  reflexo  artístico  dos  séculos 
XVII  e  X\'III  da  metrópole.  Longe  estava  a  anarchia  do 
século  XIX  !... 

Para  o  demonstrar  basta  que  se  percorra  o  Brasil,  co- 
meçando da  Bahia,  e  observar  o  que  se  executou  desde  as 
humildes  capellas,  com  as  incorrecções  desculpáveis,  até  aos 
grandes  templos  definitivos  da  cidade  de  S.  Salvador,  os  de 
Minas  Geraes,  S,  Paulo,  Parahiba  do  Norte,  Pernambuco, 
Pará  e  os  da  cidade  do  Rio  de  Janeiro. 

Si  me  fosse  possível  destacar  exemplos  concretos,  mos- 
tra-los, veriam  que,  constantemente,  com  pequenas  dífferenças, 
por  conveniência  económica,  a  architectura  exterior  em  geral 
de  alguns  edifícios  religiosos  tem  infallívelmente  as  formas 
jesuíticas,  e  â  de  outros  as  linhas  de  rococõ;  e  no  interior 
a  sumptuária  de  Burromini  na  talha  mural,  nos  aliares,  nas 
balaustradas;  nas  molduras  de  quadros  e  espelhos,  nos  ar- 
caces,  nas  mesas,  nos  bancos,  nos  púlpitos,  nas  banquetas  dos 
allcSres,  na  ourivesaria  de  prata  em  castigaes,  lâmpadas,  lam- 
padários e  em  outros  objectos  do  culto. 

As  velhas  egrejas  constituem  verdadeiros  museus  de 
Archeol<^ia  artística.  Muitos  trabalhos  contemplados  são  da 
lavra,  infelizmente,  de  artistas  anonymos 

S.  Francisco  na  cidade  de  S  Salvador;  5'.  Francisco 
em  Ouro  Preto;  S.  Francisco  em  S.  João  d'EI-Rei ;  S .  Fran- 
cisco na  Parahiba  do  Norte ;  algumas  egrejas  do  Recife  e 
Olinda ;  de  Alagoas,  do  Maranhão  e  outros  estados ;  S.  Bento, 
S.  Francisco  da  Penitencia  e  outras  da  cidade  do  Rio  de 
Janeiro,  possuem  trabalhos  inestimáveis:  em  Esculptura  de 
ornatos,  em  Estatuária,  mesmo  em  Pintura,  em  Ourivesaria, 
em  miniaturas,  em  documentos  paleoyraphicos  e  em  Arcbeo- 
logia  campanário. 

Em  obras  de  relevo  sobresaeni  as  dos  precur.wres,  dis- 
cípulos e  contemporâneos  de  Chagas  (o  Cabra)  na  Bahia;  as 

s'  ^^.oogle 


SM  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

de  António  Francisco  Lisboa  C»  Aleijadinho)  e  discipulos 
em  Minas  Geraes;  e  as  de  Valentim  da  Fonseca  e  Silva 
(mestre  Valentim),  seus  discipulos  e  contemporâneos  nesta 
cidade. 

Do  Aleijadinho,  em  Minas  (.cuja  biographia  publicou  3 
Revista  do  Archivo  Publico  Mineiro  em  1896),  ha  mara- 
vilhas em  madeira  e  pedra.  Esmerou-se  o  artista  no  con- 
cheado, nas  folhas,  nos  curvilíneos,  nas  volutas;  é  de  admirar 
a  estatuária,  extasia  a  massa  tfecorativa,  an  synthese  e  nos 
pormenores,  das  egrejas  de  Ouro  Preto  e  S.  João  d'El-Rei, 
Lisboa  (o  Aleijadinho)  fallecido  a  iS  de  Novembro  de  1S14 
e  Valentim  (mestre  Valeatim)  fallecido  em  i"  de  Março 
de  1813,  ambos  Mineiros  e  mixtiços,  considero  os  maiores 
artistas  do  século  XVIJI  no  Brasil;  o  que  penso  ser  hoje 
corrente,  ou  de  facillima  prova  com  documentação  compa- 
rativa. 

Nos  tempos  coloniaes  cultivaram  a  Pintura,  a  principio, 
artistas  quasi  auto-didacticos,  e,  apesar  das  difficuldades  do 
ambiente,  muito  se  exforçaram:  não  lhes  foi  fácil  trabalhar. 
Mas  á  medida  que  augmentaram  os  recursos,  redobraram  em 
exforços,  e  alguns  chiaram  a  attingir  incríveis  perfeições 
de  colorido  e  perspectiva  em  quadros  pintados  nesta  cidade. 

Adstrictos  a  assumptos  religiosos,  escasseou,  na  maioria 
dos  nossos  pintores  coloniaes,  originalidade  nas  composições ; 
poucos  se  entregaram  ao  género  "do  retrato  e  da  paizagem, 
outros  fizeram  apenas  decorações  de  claro-escuro. 

E'  vezo  formarem,  a  respeito  de  muitas  das  obras  de 
arte  coloniaes,  juízos  ou  conceitos  systemattcamente  admi- 
rativos, quanto  á  invenção  e  lechnica,  e  com  a  maior  facilidade 
classificam  de  obras  sublimes  a  meros  ensaios  ou  tentativas, 
aliás  resultados  de  louváveis  exforços,  deante  da  relatividade 
do  meio  e  dos  meios. . . 

Citam  na  Bahia  José  Joaquim  da  Rocha,  fundador  de 
ama  eschola  de  Desenho,  e  seus  discipulos;  em  Minas,  José 
Joaquim  Viegas,  que  cultivou  o  retrato  e  teve  discipulos, 

A  evolução  histórica  da  Pintura  colonial  nesta  cidade, 
conheço  pelo  estudo  e  observação  deante  dos  oríginaes. 

Auxiliava  á  Esculptura  decorativa  outro  elemento  lindo 
e  precioso,  a  cerâmica  historiada  nas  barras  de  oaves,  capellas 


■hyCOOJjíIC 


BRASIL  SI  5 

mores  e  recinclos  claustraes.  Azulejos  primorosos  existem 
ainda  em  egrejas  e  mosteiros  nos  Bstados  e  na  cidade  do  Rio 
de  Janeiro.  Os  do  claustro  de  S.  Francisco,  em  S-  Salvador 
da  Bahia,  são  dignos  de  inen(;ão  (2) . 

A  construcção  dos  ediíicios,  enriquecidos  posteriormente 
com  obras  de  arte,  teve  a  sua  infância;  mas...  curioso  e 
lógico,  o  que  é  natural,  foi  o  encadeamento,  conforme  os 
recursos  desde  o  pão  a  pique  das  capellas  choças,  desde  o 
uso  da  taipa,  dos  adobes,  da  alvenaria  de  pedras  seccas,  de 
alvenarias  de  pedras  argamassadas  com  cal,  da  cantai^a, 
augmentando  gradualmente  a  solidez,  até  ás  paredes  de  exces- 
siva espessura  e  secular  resistência,  rfypos  dessa  solidez 
espantosa  «xempltf içam :  os  muros  e  abobadas  de  vetustas 
egrejas,  conventos,  fortificações  e  de  algumas  velhas  pontes 
dormentes. 

Na  especialidade  lenhosa  das  construcções  se  observou 
similhante  encadeamento.  O  primeiro  official,  da  respectiva 
profissão  elementar,  foi  o  carpinteiro  que  preparou  a  grande 
Cruz  inicial  e  armou  o  altar  da  Primeira  Missa,  missa  re- 
constituída na  celebre  tela  de  Victor  Meirelles,  na  qual  os 
contrastes  da  indumentária  do  conquistador  portuguez,  do 
seu  séquito,  com  o  sitio  agreste  descoberto,  e  a  multidão 
aborígene  surprehendida,  compõem  um  scenario  de  elevada 
emoção  histórica. 

Os  madeiramentos  passaram  por  todos  os  systemas,  a" 
começar  pelo  emprego  dos  páos  rústicos  como  vinham  dos 
mattos.  Os  forros  dos  tectos  de  coberturas  apparec^am 
depois  do  muito  uso  da  telha  vã,  á  guisa  do  estylo  latino  da 
primitiva  Architectura  christã. 

O  facto  do  Descobrimento  lembra  immediatamente  a 
carta  de  Pêro  Vaz  Caminha,  verdadeiro  monumento  tfa  nossa 
Paleographia.  Em  estudos  comparativos  paleographicos,  refe- 
ridos em  curso  publico  do  Pedagogium  em  1903,  deante  de 
projecções  luminosas,  mostrei  o  facto  da  escripta  de  1500 
se  assimilhar  com  a  castelhana,  naturalíssimo,  mas  contendo 
interessantes  traços  exclusivamente  lusitanos.    O  livro  his- 


(1)  Na  cidadã  do  Rio  do  Janeira  ha  ainda  iiaca  contemptar  velhos  aiulejoi 
■u  egrelas  da  Gloria  do  Ouicíro,  de  Sancti  Cruz  (antiga  Faitnda  Impcríatl  e 
da  PeuiH  de  Jacuípasuí. 


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5t6  REVISTA  DO  INSTITDTO  HISTÓRICO 

panhol  que  me  ser\iu  de  guia  e  mestre  nesse  assumpto  data 
de  1870,  e  tem  por  titulo :  Escola  de  lêr  cursivos  antigos  e  mo- 
dernos desde  a  entrada  dos  Godos  em  Hespanha  até  nossos 
dias,  por  André  Merino  de  Jesu  Christo,  religioso  professo 
das  Escholas  pias  da  província  de  Castella. 

Bibliothecas,  conventos,  archivos  de  irmandades,  ordens 
terceiras,  archivos  officiaes,  guardam  preciosidades  paleo- 
graphicas  e  calligraphicas,  onde  ha  muito  a  estudar,  a  com- 
parar e  a  decifrar.  Algumas  são  miniaturas  e  illuminuras  de 
valor  artístico. 

Vi,  algures,  no  Convento  do  Carmo  desta  cidade,  lindos 
exemplares  de  graphia  attribuida  a  frades  do  Pará,  de  1721 
e  1730.  Constavam  de  frontespicios  e  letras  iniciaes  dos 
cânticos  e  hymnos  com  molduras,  guarnições  e  demais  orna- 
mentos, bem  desenhados,  imitações  bysantínas  e  gothicas, 
com  as  cores  admiravelmente  conservadas. 

Quanto  á  Epigraphia,  arte  que  se  subordina  á  Pintura  e 
é  annexa  á  Gravura,  possuímos  bellissimas  e  characteristicas 
lapides  tumulares  nos  cemeteríos  claustraes,  e  ínscripções  em 
carteias  de  obras  publicas,  principalmente  em  chafarizes  colo- 
niaes,  nesses  edifícios  de  feição  calma  e  bondosa,  os  quaes 
na  Archeologia  das  cidades  brasileiras  retratam  a  historia 
da  formação  da  nossa  sociedade  civil  e  documentam  serviços 
da  administração. 

Em  uma  aquarella,  pintada  na  Bahia  pelo  fallecido  ar- 
tista Henrique  Fleiuss,  pae  do  digno  secretario  perpetuo  do 
Instituto  Histórico,  e  que,  no  Rio  de  Janeiro,  prestou  valioso 
concurso  technico  ás  artes  graphicas,  fiquei  conhecendo,  na 
paizagem  de  um  pittoresco,  inédito,  a  forma  de  velho  cha- 
fariz bahiano,  no  qual  se  destaca  um  golphinho  na  parte  mais 
alta. 

Os  competentes  consideram  as  ínscripções  chrístans 
classe  importante  da  Epigraphia. 

Os  Romanos  transmiti  iram  aos  povos  occídentaes  a 
epigraphia  latina,  gravada  ou  em  relevo,  nas  legendas  hono- 
rificas, nos  edifícios,  nos  sóccos,  nos  pedestaes  das  estatuas 
ou  monumentos,  nos  túmulos,  nas  medalhas,  nos  escudos,  em 
divisas,  carteias,  bandeiras  e  estandartes.  No  Brasil,  onde 
o  latim,  durante  muito  tempo,  se  ensinou  e  se  aprendeu  com 


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D\3  MITFJ  plástica!»  NO  TIRASIT.  51? 

seriedade,  as  inscripções  e  legendas  latinas  generalizaram-se, 
o  que  hoje  se  faz  excepcionalmente. 

Não  conheço  lingua  mais  synthetica  e  de  maior  utilidade 
decorativa  do  que  a  latina. 

A  Epigraphta  muito  auxiliou  a  Arte  campanaria.  Na 
Europa,  ha  alguns  annos,  os  sinos  figuravam,  nos  prc^ramnias 
dos  estudos  archeologicos  e  históricos,  apenas  como  titulo 
do  mobiliário  ecclesiastico .  Depois  da  publicação  de  Henri 
Jadart,  em  1884,  a  respeito  do  celebre  sino  de  Reims,  foi 
que,  entre  os  eruditos  technicos,  a  matéria  despertou  interesse 
histórico  e  artistico.  Fundou-se  então  a  Archeologia  cam- 
panaria, cujo  melhor  tractado  é  de  Berthelé. 

E'  assumpto  de  apparencia  simples,  mas  que  entretanto 
elucida  pontos  de  importância  histórica. 

Portugal  importou  sinos  para  quasi  todas  as  nossas 
egrejas,  poucos  se  fundiram  no  Brasil ,  Nelles  se  notam  eras 
em  relevo,  ornatos,  armas  e  symbolos.  Em  templos  desta 
cidade  dobram  sinos  seculares,  aos  quaes  attribuem  chronicas, 
algumas  somente  por  tradição  oral  transmittidas . 

Os  characteres  no  bronze  dos  sinos  indicam  que  a  Epi- 
graphia  campanaria  accompanhou  bem  de  perto  o  que  os  con- 
temporâneos fizeram  em  carteias  e  nas  lapides  tumulares. 


Nas  artes  menores,  ou  artes  applicadas,  excluindo  por 
completo  os  artefactos  dos  aborigenes,  sobresaem  pela  origi- 
nalidade ;  a  arte  chamada  catharínense,  a  joalharia  e  os  tectos 
rústicos  de  Minas  Geraes,  as  indumentárias  rio-grandense  e 
bahiana,  e  finalmente  o  lindíssimo  tecido  que  vulgarmente 
nomeiam  de :  —  Rendas  do  Norte. 

A  arte  catharínense  se  poderá  dividir  em  duas  cat^orías : 
a  mural  e  a  applicada  a  objectos  de  mobiliário.  A  primeira 
consiste  exclusivamente  de  mosaicos  de  conchas,  escamas  de 
peixe  e  de  pennas,  e  a  segunda  de  vários  objectos,  quaes  pe- 
queninos leitos  decorativos  e  Joías  com  caramujos. 

O  mestre  em  bonitas  composições  foi  o  illustre  Catha- 
rínense Francisco  Xavier  Cardoso  Caldeira  (o  Xavier  dos 
Pássaros)  fallecido  em  1810,  o  qual  com  Francisco  dos  Santos 
Xavier  (  o  Xavier  das  Conchas)  que  segundo  o  sr.  Henríqi 


nque  1 

■  Coosle      jM 


J 


5(8  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Boiteux  (3),  aprendeu  a  especialidade  em  Sancta  Cãtharína, 
auxiliou  a  mestre  Valentim  nas  ornamentações  dos  pavilhões 
do  Passeio  Publico. 

Na  joalharia  de  Minas  Geraes  a  originalidade  está  no 
emprego  do  coco  estriado  ou'  lapidado,  como  as  antigas  jóias 
inglezas  de  carvão  de  pedra. 

Os  tectos  rústicos,  que  observei  em  modestissímas  habi- 
tações de  arraiaes,  em  Minas  Geraes,  reduzem-se  a  esteiras 
compostas  de  varas  de  taquara  caprichosamente  trançadas, 
resultando  um  tecido  forte.  Os  trançados  geram  figuras  re- 
ctilineas,  tangentes  e  seccantes,  enfim  uma  espécie  de  mo- 
saico, tosco  e  grosseiro  na  verdade,  mas  em  não  poucos  ha 
desenho  espontâneo.  Quem  sabe  qual  será  a  evolução  desses 
tectos  nas  habitações  campestres? 

Nas  artes  applicadas  á  indumentária  tndigena  são  typicos : 
a  sumptuária  do  trajo  completo  do  gaúcho  e  a  do  vestuário 
das  mulheres  bahianas  de  cõr  preta,  nos  dias  de  tafularia  em 
sua  terra  natal.  Estas  duas  indumentárias  fornecem  matéria 
de  Ethnographia  comparada  e  themas  pittorescos  para  quadros 
de  costumes. 

Não  poderei  exquecer  as  redes,  evolução  aborigene,  que 
serviram  e  ainda  servem  em  certas  localidades  de  meio  de 
transporte  e  até  de  féretros  transitórios  para  cemeterios  de 
Ix>voaçÕes  ruraes.  Pertencem  hoje  mais  ao  mobiliário  pro- 
vinciano, como  leito  ou  movei  de  descanso.  Fabricam-se  lu- 
xuosas, com  malhas,  crivos,  franjas,  listas  coloridas  e  com 
vários  enfeites  ingénuos  ou  imitados. 

Chanfrando  cantos  de  varandas  abertas  das  nossas  habi- 
tações de  campo,  a  rede,  além  do  conforto,  que  proporcionará 
áquelles  que  a  apreciam  por  esse  lado,  será  nota  decorativa 
Complementar.  Assim  saibam  escolher  o  typo  e  adopta-lo  no 
ponto  mais  conveniente  do  compartimento... 

As  belHssimas  rendas  de  bilro,  tecidas  especialmente  nos 
Estados  do  Norte,  constituem  outra  especialidade  indígena  de 
Arte  applicada. 

Na  historia  universal  das  rendas  artísticas  se  dividem 
estas  em  rendas  de  aqttlha  e  rendas  de  bilro. 


XaviíT  <Jo5  Passart»,  no  «Jornal  do  Conunercío»,  de  1 


oglc 


DAS  ARTE3  PLÁSTICAS  NO  BRASIt  glÇ 

''  O  crivo  (ou  labyrintho)  incluo  naqiiella  categoria,  porque 
e  com  agulha  que  elle  se  completa. 

No  Brasil,  do  mesmo  modo  que  na  Bélgica,  na  Itália  ou 
na  França,  tecem  outra  espécie,  a  cotijuncta  —  isto  é,  parte 
feita  a  agulha  e  outra  a  bilro.  Ha  bonitas  variedades  desta 
espécie,  fabricadas  em  Alagoas,  no  Ceará  e  no  Maranhão. 

Fiz  estudos  demorados  a  respeito  das  rendas,  estudos 
que  em  resumo  publiquei  no  Brasil  Artístico  (4) . 

No  Norte  do  Brasil  usam  das  linhas  de  novello,  de  car- 
retel, de  meadas,  de  algodão,  linho  ou  seda,  e  também  do  fio 
extrahido  da  fibra  da  palmeira  tucum,  fio  comparável,  na 
finura  e  resistência,  ao  do  algodão  de  Alcântara  no  Maranhão 
ou  ao  do  Egypto.  Tecem  também  rendas  com  fios  da  bana- 
neira .; 

A  arte  da  renda  é  bella  «  feliz  applicação  do  Desenho  ao 
trajo  e  a  accessorios  do  mobiliário.  No  século  XVIII,  em 
plena  tyrannia  da  rocalba,  tiveram  culminância  as  rendas  de 
bilro.  Inventaram-se  desenhos  originaes.  Para  o  trajo  femi- 
nino, vaporoso,  de  fazendas  diaphanas  e  transparentes,  se 
adoptou  feitio  apropriado  ao  emproo  do  novo  ornamento; 
primorosas  composições  cobriram  então  de  prestigio  as  rendas 
de  bilro  ! 

A  renda  de  bilro,  que  começara  modesta  e  timtda,  a 
principio  estreitinha,  a  orlar  somente  roupas  brancas,  afinal 
se  tornou  na  Europa  tão  preciosa  como  a  da  agulha. 

As  primeiras  mestras  em  rendar,  vindas  de  Portugal 
para  o  Brasil,  aprenderam  com  rendeiras  de  Puy,  em  França. 

Penso  não  soffrer  duvida,  estudando-se  as  phases  do 
tecido,  que  o  primitivo  ensino,  em  Hispanha,  Portugal  e  Ame- 
rica, foi  devido  ás  mestras  ou  discípulas  de  Puy.  A  industria 
artística  é  peculiar  ás  localidades  portuguezas  ao  longo  da 
costa,  facto  que  se  observa  também  no  Brasil. 

A's  rendas  do  Norte  mais  apreciadas  chamam  de  rendas 
do  mar  ou  da  praia,  isto  é,  as  tecidas  no  littoral. 

As  artisticas  rendas  brasileiras,  conforme  a  classificação 
das  rendeiras  do  Norte  se  dividem:  1°,  de  cordão,  quando  ha 
um  fio  mais  grosso  a  formar  desenhos  com  os  mais;  2"  de 

(4)    Revista    tlnl.ycío    de    Artíi    t    Olliciol.    Vt  A.    Nolicia  >,    poUlquci 


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530  REVISTA  CO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

panno,  quando  os  fios  são  todos  eguaes,  e  dos  desenVios  re- 
sultam espa<;os  quasi  tapados. 

Variam  os  desenhos,  nem  sempre  originaes.  Quanto  á 
nomenclatura  nortista,  chamam  de  bico  ou  ponta  as  que  no 
Rio  de  janeiro  chamamos  renda;  e  o  que  denominamos  de 
entremeio,  intitulam  de  renda.  Dizem :  renda  de  bico  ou  ponta, 
e  renda  de  entremeio.  Ha  tecidos  que  rivalizam  com  a  mellibr 
guipure  franceza. 

Antes  de  1816  não  existiu  no  Brasil  ensino  official  de 
Bellas-Artes.  Foi  o  notável  estadista  conde  da  Barca  (An- 
tónio de  Araújo  de  Azevedo)  ministro  de  d.  João  VI  (rex 
fidelissimus,  artiutn  amantissimus) ,  quem  sug^eríu  a  este 
principe  a  resolução  de  fundar  no  Rio  de  Janeiro  o  ensino  das 
Bellas-Artes:  e  o  conseguiu  naquelle  anno,  mandando  o  Go- 
verno contractar,  em  Pariz,  por  intermédio  do  respectivo 
agente  diplomático,  illustres  artistas  francezes,  de  nomeada 
em  seu  paiz. 

O  decreto  de  12  de  Agosto  de  1816,  que  está  a  completar 
o  centenário,  foi  o  primeiro  acto  do  Governo  regulando  os 
deveres  e  ordenados  dos  professores  contractados,  dando 
outras  providencias  concernentes  ao  ensino, 

E'  facto  conhecido  da  nossa  Historia,  e  que  se  destaca  no 
fecundo  reinado  de  d.  João  VI, 

As  Bellas-Artes  a  elle  se  prendem  pela  phase  de  transição 
do  advento  da  arte  neoclássica,  que  succedeu  á  da  adaptação 
creoula,  resultando  da  instrucção  official  pela  preferencia,  até 
certo  ]K>nto  opportuna,  de  exclusivos  ensinamentos  greco-ro- 
manos,  ministrados  pelos  artistas  francezes,  artistas  eminentes 
provindos  da  e|x>cha  napoleonica,  que  em  França  foi  a  das 
linhas,  formas  e  maneiras  do  clássico  na  Architectura,  na 
Esçulptura  e  na  Pintura, 

As  Bellas-Artes  na  cidade  do  Rio  de  Janeiro,  desde  a 
fundação  do  ensino  official  e  em  determinados  characteres 
gcracs  dos  tempos  anteriores,  poder-se-hão  considerar  como 
as  do  paiz  inteiro.  A  irradiação  depois  se  accentuou,  devido 
Ãquellc  ensino  com  influencia  generalizada. 

Até  então  os  artistas  brasileiros  representavam  o  ideal 
dos  seus  compatriotas,  personificavam  sinceramente  o  senti- 
mento contemporâneo  das  Artes  plásticas  no  paiz. 


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DAS  ARTES  PLÁSTICAS  NO  BRASIL  531 

No  Brasil  dos  vices-reis  veremos  na  cidade  do  Rio  de 
Janeiro  documentos,  que,  sem  solução  de  continuidade  apre- 
ciável, marcam  graduações  ponderadas,  e  outros  evidenciam 
a  imaginação  crcadora  de  alguns  dos  nossos  patrícios,  os 
quaes  isolados,  longe  da  civilização  da  Europa,  entregues  á 
sua  própria  inspiração  produziram  obras  suas,  exclusivamente 
suas,  na  originalidade  da  traça  e  ornamentação. 

Apesar  das  influencias  do  clássico  no  Brasil  do  primeiro 
imperador,  durante  o  reinado  do  sr.  d.  Pedro  II,  até  hoje, 
ainda  se  nota  no  ornato  a  primitiva  adapta<;ão  creoula  pelo 
atavismo  ethnographico  dos  colonizadores,  adeptos  dos  es- 
tylos  decorativos  do  seailo  XVIII. 

O  reinado  do  sr.  d.  Fedro  II  foi  para  as  Beltas-Artes 
no  Brasil  a  phase  brilhante  da  pintura  de  cavallete  no  género 
histórico,  no  qual  jamais  tiveram  competidores  Victor  Mei- 
relles  e  Pedro  Américo,  e  no  género  paizagem  Agostinho  da 
Motta,  contemporaneamente  áquelles  artistas,  o  precursor  de 
João  Baptista  da  Costa. 

Na  epocha  colonial  no  Rio  de  Janeiro,  me  apresso  em 
citar,  antecipadamente,  na  grande  arte  da  Pintura  mural,  José 
de  Oliveira  que  inimortalizou  seu  nome  na  composição  do 
tecto  da  nossa  egreja  da  Penitencia,  e,  modernamente,  João 
Zeferino  da  Costa,  ha  poucos  dias  arrebatado  pela  morte,  na 
edade  de  75  annos  e  depois  de  40  de  um  magistério  exemplar. 

Tradicionalista  que  sou  por  educação  e  convicção,  de- 
dicado ás  Bellas-Artes,  as  quaes  estudo,  e  cujos  prt^ressos 
accompanho  ha  muitos  annos,  me  congratulo  commigo  mesmo, 
por  ter  merecido  a  confiança  do  sr.  presidente  do  Instituto 
Histórico,  a  quem  procurarei,  quanto  em  mim  couber,  cor- 
responder no  desempenho  da  incumbência  de  historiar  as 
Artes  plásticas  na  cidade  do  Rio  de  Janeiro,  occupando-me 
nas  subsequentes  licções  da  sua  Architectura  urbana  e  rural, 
religiosa  e  civil,  da  sua  Escuiptura  de  ornatos  e  estatuária, 
da  Pintura,  de  suas  fontes  e  aqueductos,  dos  seus  jardins  an- 
tigos, da  sua  arte  funerária,  da  sua  epigraphia  religiosa  e 
civil,  da  Gravura  e  das  Artes  graphicas  ao  serviço  do  jorna- 
lismo. 


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DAS    ARTES    PLÁSTICAS    NA    CIDADE   DO   RIO   DE    JANEIRO  —  RIO 
DE  JANEIRO   COLONIAL  —  PERtODO  DOS  VICE-REIS 

Sr.  presidente  do  Instituto  Histórico  e  G«^raphico  Bra- 
sileiro. 

Meos  senhores. 

Ao  principiar  as  licções  particularizadas  á  cidade  do  Rio 
de  Janeiro,  um  dever  se  impõe  á  minha  consciência:  pre- 
cede-las da  referencia  ao  nome  de  um  nosso  c<Mnpatriota,  a 
quem  de  longa  data  conheço,  desde  que  cursei  o  saudoso 
Collegio  Pedro  II,  e  a  quem  accompanho  na  sua  vida  de  ser-- 
viços  a  esta  cidade,  como  seu  chronista  erudito  e  paciente 
investigador  de  seu  passado. 

A  sua  obra  de  historiographo  e  reconstructor  da  velha 
Topologia  carioca  não  se  pôde  medir,  nem  pesar,  tal  o  seu 
valor. , . 

Quero  me  referir,  já  todos  podem  prever,  ao  dr.  José 
Vieira  Fazenda.  A  preciosa  collectanea  de  seus  art^s  se- 
manaes,  n'A  Noticia,  durante  um  decennio  ou  talvez  mais 
um  pouco,  constitue  um  património  inestimável. 

Alcgra-me  vê-lo  aqui,  desde  o  inicio  do  curso,  animando- 
me  com  a  sua  presença. 

Outro  dever  de  consciência  é  render  preito  á  memoria 
d'aquelles,  que  por  seus  escriptos  foram  meus  guias  no  co- 
meço dos  estudos  relativos  ás  Belias- Artes  no  Brasil.  De 
Manuel  de  Araújo  Porto-Alegre  (barão  de  Sancto  Angelo)  os 
trabalhos  insertos  no  Osiensor  Brasileiro,  na  Gutmabara,  na 
Minerva  BrasUiense,  e  na  Revista  do  Instituto  Histórico,  nas 
actas  da  Imperial  Academia  das  Belias  Artes,  na  qual  elle 
aprendeu,  foi  professor  e  director;  de  Moreira  de  Azevedo, 
meu  mestre  no  antigo  Collegio  Pedro  II;  e  de  Joaquim  Manuel 
de  Macedo,  os  seus  escriptos  históricos,  os  discursos  solennes 
do  Instituto,  os  quaes.  muitas  vezes,  tive  a  ventura  de  ouvir, 

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DAS  ARTES  PLÁSTICAS  HO  BRASIL  g33 

pronunciados  com  aquella  voz  canora,  com  que  Macedo  com- 
movia  o  auditório  selecto,  os  seus  romances,  desde  a  More- 
ninha ás  Viclimas  Algozes,  e  o  seu  theatro. 

Finalmente  não  devo  exquecer  Joaquim  Maximiano 
Mafra,  o  velho  Mafra,  sabedor  como  ninguém  de  toda  a 
historia  das  Bellas-Artes  no  Brasil,  secretario  aposentado  e 
professor  jubilado  da  Academia  e  auctor  do  desenho  funda- 
mental da  estatua  equestre  de  d,  Pedro  I.  Para  todas  as 
duvidas,  todos  os  pontos,  obscuros  para  mim,  relativos  aos 
artistas  brasileiros  e  ás  suas  obras,  encontrei  promptos  excla- 
recimentos  em  Mafra,  que,  recebia  sempre  o  seu  discípulo  de 
Desenho  da  antiga  Eschola  Central,  com  prestimosa  e  bene- 
volente solicitude. 

Estudaremos  as  Artes  plásticas  na  cidade  do  Rio  de  Ja- 
neiro com  os  governadores,  com  os  vice-reis,  com  o  rei,  com 
o  primeiro  imperador,  durante  o  periodo  da  R^encia,  até  á 
proclamação  da  Republica. 

A  Villa  Velha,  fundada  por  Estacio  de  Sá,  foi  natural- 
mente o  inicio  da  Architectura  carioca,  constituída  de  choqas 
com  feitio  mixto,  aborigene  e  occidental,  choças  de  toscos 
ramos  e  palmas  sèccas  algum  tanto  selvagens,  algum  tanto 
pittorescas,  que,  pouco  a  pouco,  desappareceram  com  a  mu- 
dança da  sede  da  povoação  para  o  morro  do  Castello. 

Vencidos  os  Francezes  que  sonhavam  com  a  Henriville 
e  com  a  França  Antárctica,  retira-se  Mem  de  Sá,  o  governo 
passa  a  Salvador  Corrêa  de  Sá.  Começaram  as  construcçSes 
e  fortificações. 

A  egreja  nova  Sé.  a  principio  de  taipa,  melhorou  e  chegou 
a  cathedral.  Posteriormente  entrou  em  absoluto  abandono,  e 
as  edificações  se  dilatavam  pela  planície  ou  várzea. 

Exhumado  o  corpo  de  Estacio  de  Sá,  sepultado  na  ca- 
pella  da  Villa  Velha,  os  restos  mortaes  foram  trasladadon  nara 
a   nova   Sé.    Ahi   receberam   tumulo  com  lapide  1 
epigraphada,  a  qual  ainda  sç  acha  em  carneiro  da  c 
mandada    construir    especialmente    em    1863,    pel 
Pedro  11. 

No  cimo  do  morro  ainda  lá  se  acham,  por 
histórica,  o  tumulo  na  capella-mór  da  egreja  de  S. 
e  o  marco-padrão  no  cunhal  deste  templo. 

D,3t,ZBdbyGOO<^le 


534  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

O  marco,  padrão  fundamental  da  cidade,  é  de  mármore 
IX)rtiiguez ;  a  sua  forma  geométrica  af fecta  o  de  paralleli- 
l)ipedo  alongado,  de  pequena  espessura. 

Em  uma  das  faces  estão  em  relevo  as  quinas  portuguezas 
e  na  outra  a  cruz  que  figurava  nas  caravellas  e  galeões  dos 
conquistadores. 

Sobresae  na  lapide  tumular  do  fundador  da  ctdáde  a 
epigrapliia,  cujos  characteres  modernamente  procuram,  com 
vantagem  decorativa,  reviver  em  legendas,  dtsticlios  e  títulos 
de  textos. 

Na  Peninsula  Ibérica  sempre  predominaram  os  alpha- 
betos  grego  e  romano,  ás  vezes  com  variantes  devidas  a  ex- 
tranhos.  No  secuto  XVI  a  cousa  chegou  a  extravagância  sem 
nome.  Não  tardaram  as  inscri|3ÇÒes  a  revestir  forma  inintelli' 
givel  com  abreviaturas. 

Appareceu  a  filiação  medieval  dos  characteres  conjugados, 
uns  dentro  de  outros,  formando  syllabas  da  palavra.  Assim 
a  syllaba  ca,  punham  o  a  dentro  do  c ;  formavam  a  syllaba  ta, 
traçando  o  (  no  próprio  o. . . 

A  eptgraijhia  da  lapide  tumular  do  fundador  da  cidade  i 
um  exemplo. 

O  morro  do  Castello,  |X)rtanto,  origem  da  nossa  grandi 
cidade,  considero  monumento  histórico  para  o  Rio  de  Janeiro, 
do  mesmo  modo  que  o  território  bahiano  para  todo  o  Brasil 

Não  tem  faltado  entretanto  ambiciosos  pretendentes  ao 
arrazamento  do  morro,  o  que  a  realizar-se  seria  attentar 
contra  a  tradição,  contra  a  historia  e  direi  mesmo  contra  a 
esthetica  urbana.  Melhorem  o  morro  abandonado,  o  tractem 
com  carinho.  Porque  e  para  que  arraza-lo?  Realçam  a  nossa 
cidade  a  sua  belleza  e  a  singular  descontinuidade  plana.  Não 
faltam  os  núcleos  de  população  edificados  em  terrenos  chatos. 

Não  ha  typo  mais  commum  do  que  o  de  cidades  planas, 
nas  quaes  predomina  a  monotonia  rectilínea,  e  onde  o  traçado 
geometral  jamais  poderá  evitar  a  melancholica  perspectiva  da 
linha  (Io  horizonte,  a  perder  de  vista. . .  O  typo  exclusivo  da 
cidade  plana  adstricto,  pela  obcessão  rectilínea,  aos  alinha- 
mentos longos  e  exhastivos,  é  simplesmente  banalissimo. . . 

Alludi  que  a  colonização  portuguesa  coincidiu  com  a 
épocha  do  enthusiasmo  petos  modos  e  estylos  do  barroco,  e 


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DAS  ARTES  PLÁSTICAS  NO  BRASIL  53$ 

que  a  Arte,  achando-se  ao  serviço  da  Religião,  consequente- 
mente os  templos  foram  os  primeiros  a  receber  aquelles  in- 
fluxos em  Architectura,  Esculptura,  Pintura  e  nas  artes  appli- 
cadas.  Considero  os  conventos  e  velhas  egrejas  do  Rio  de 
Janeiro,  os  nossos  museus  de  Arte  colonial .  Quanto  á  vetustez 
architectonica  urbana  cito  a  egrejinlia  de  Sancto  Ignacio  de 
Loyola,  na  ladeira  da  Misericórdia,  subida  para  o  Castello, 
juncto  ao  actual  Hospital  de  S,  Zacharias,  casarão  histórico 
e  jesuítico. 

A  pobreza  de  linhas,  simplicidade  demasiada  na  con- 
strucção  e  proporções,  indicam  que  não  seria  essa  a  egreja 
definitiva,  eeffectivamente  não  seria,  porque  ao  lado  se  con- 
servam ainda  as  paredes  e  ornatos  corinthios  do  sumptuoso 
templo  (começado  pelos  Jesuitas)  cujas  paredes  e  recinctos 
aproveitaram  para  o  funccionan)ento  do  Observatório  Astro- 
nómico. ' 

Temos  alli  naquelles  trechos,  por  concluir,  admiráveis 
lavores  em  pedra  documentando  a  pericia  dos  escuiptores,  e  a 
reclamarem  memoria  technica  de  Archeologia  sobre  o  typo  de 
resistência  das  alvenarias,  sobre  o  plano  do  templo,  em  cons- 
trucçào,  sobre  a  interpretação  e  execução  dos  ornatos . 

Si  fosse  possível  destacar  exemplos  concretos,  mostra-los, 
veriam  constantemente  que,  com  ligeiras  differenças,  decor- 
rentes da  respectiva  conveniência  económica,  a  architectura 
exterior  dos  antigos  edifícios  religiosos,  affecta:  em  algumas 
egrejas,  infallivelmente,  as  formas  jesuíticas  nas  fachadas;  e, 
em  outras  ^rejas,  as  linhas  do  rococô. 

Nos  interiores,  porém,  é  empregada  a  sumptuária  de 
Borromíní,  com  mais  ou  menos  riqueza,  com  mais  ou  menos 
profusão  de  ornatos. 

Duas  egrejas,  no  Rio  de  Janeiro,  culminam  na  sumptuária 
de  Borromini :  a  do  Mosteiro  de  S.  Bento  e  a  de  S.  Francisco 
da  Ordem  Terceira  da  Penitencia,  no  morro  de  Sancto  António. 

A  architectura  jesuítica  começada  em  Itália  produziu 
bom  ef feito  em  França ;  Maria  de  Medíeis  confiou  a  Brosse 
a  egreja  de  Saint-Gervais  em  Paríz. 

Dahi  para  aquella  architectura  a  divisão  em  dous  typos 
ou  escholas:  a  jesuítica  italiana  e  a  jesuítica  franceza;  a  pri- 
meira de  frontão  triangular,  e  a  segunda  de  frontão  curvo.; 


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526  Revista  do  ixaiiTUTO  hisíorico 

No  Rio  de  Janeiro  o  estylo  jesuítico  se  adoptou  nas 
mais  antigas  egrejas,  e  o  rococô  para  as  demais. 

Os  conventos  de  S.  Bento,  Sancto  António  e  Sancta  Te- 
reza;  a  Cathedral,  a  Cruz  dos  Militares,  a  Conceição  e  Bóa 
Morte,  3  rua  do  Rosário;  e  as  egrejas  do  morro  do  Castello, 
por  exemplo,  são  jesuiticas  da  eschola  italiana.  A  da  Miseri- 
córdia, de  frontão  curvo,  pertence  a  sua  fachada,  apesar  da 
pobreza  e  das  numerosas  incorrecções,  a  um  typo  que  classifico 
na  eschola  franceza.  São  do  rococó  as  fachadas:  da  egreja  do 
Carmo,  á  rua  Primeiro  de  Março ;  da  Candelária,  embora  com 
seu  zimbório  mais  moderno  do  Renascimento;  a  de  S.  Fran- 
cisco de  Paula;  a.  da  Mãe  dos  Homens  á  rua  da  Alfandega; 
a  de  Sancta  Iphigenia,  do  Bom  Jesus  do  Calvário,  de  Sancta 
Luzia,  S.  José  e  outras. 

Dous  edificios  religiosos  antigos  se  destacam  pela  forma 
singular  das  respectivas  plantas. 

A  forma  commummente  preferida,  na  planta  das  antigas 
egrejas  do  Rio  de  Janeiro,  foi  a  rectangular  para  a  nave;  e 
rectangular  ou  polygonal  ou  curvilinea,  para  a  capella-mór.- 

A  forma  da  cruz  latina  se  accentúa  apenas  na  Cathedral 
e  na  Candelária.  Em  S.  Bento  a  planta  seria  em  cruz  latina 
perfeita,  si  um  dos  braços  da  cruz  não  tivesse  sido  inter- 
rompido pela  c<Histrucção  do  claustro. 

Destacam-se  pela* forma  singular  da  planta:  a  egreja  da 
Gloria  do  Outeiro,  de  projecção  polygbnal,  e  a  de  S.  Pedro 
(5),  á  rua  deste  nome,  de  forma  curvilinea.  Esta  é  a  única, 
cuja  forma  da  planta  lembra  o  exclusivismo  de  curvas  con- 
vexas e  concavas,  systema  tão  preconizado  por  Borrominí. 

A  planta  das  primitivas  egrejas  no  Brasil  se  derivou  do 
cruzeiro  plantado  no  aldeamento  ou  povoado.  Construiram-se 
em  seguida  as  capéllinhas  transíormadas  em  templos  de 
maiores  dimensões,  conforme  o  desenvolvimento  do  nuclra 
de  população  e  exigência  do  culto.'  Uniu-se  ás  capellinhas 
outro  corpo  maior,  rectangular;  fez-se  um  arco  para  commu- 
nicar  o  novo  corpo  com  a  nova  construcção,  arco  que  ainda 
se  chama  arco  cruzeiro,  sem  a  planta  ter  a  forma  de  cruz, 
mas  por  analogia  com  as  egrejas  em  cruz. 


(;)   EsCTCci  nuticii  illustrada.  a  rcspeiío  da  cgriúa  de  S.   Pedro,  1 
twiiucciíti  >.  n.    í6,  da  Abiil  de   1906. 


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bAS  ARTES  PLÁSTICAS^  NO  BRASIL  ^37 

E  assim  se  constituiu  a  forma  particular  das  nossas  pri- 
meiras egrejas,  das  quaes  se  derivaram  todas  as  outras.  A 
prioridade  desta  explicação  pertence  a  Manuel  de  Araújo 
Porto  Alegre  que  primeiro  a  dera,  em  1849,  "*  revista  Gmo- 
nabaro. 

A  egrejã  e  mosteiro  de  S.  Bento  são,  nesta  cidade,  ricos 
museus  de  Arte  dos  séculos  XVII  e  XVIII  (6) . 

Alli  foi  o  berço  da  pintura  a  óleo  no  Rio  de  Janeiro;  a 
Esculptura  e  a  Estatuária  em  madeira  predominam  na  dourada 
e  sumptuosa  decoração  mural  do  templo ;  a  Ourivesaria  se  es- 
merou nos  lampadários  e  a  Architectura  na  estereotomia  dos 
arcos  e  abobadas;  a  Carpintaria  legou  magníficos  batentes, 
fartamente  almofadados,  e  os  caixotões  dos  tectos  do  con- 
vento; e  a  Marcenaria  nas  várias  peças  do  mobiliário;  a  Epi- 
graphia  se  characterizou  nas  lapides  tumulares  do  claustro ;  e, 
nos  trabalhos  com  a  nossa  pedra  feitos  na  fachada  e  mesmo 
no  exterior  apparecem  obras  esculpidas,  algumas,  com  formas 
animaes.: 

Informações  históricas  sobre  a  Ordem  Benedictina  no  Rio 
de  Janeiro  encontram-se  nos  escriptos  de  Porto  Alegre,  Mo- 
reira de  Azevedo,  já  fallecidos,  e  nos  dos  drs.  Ramiz  Galvão 
e  Vieira  Fazenda. 

Naqueiles  recinctos  seculares  de  S.  Bento  são  para 
admirar;  os  primeiros  aspectos  da  Pintura  a  óleo  em  nossa 
cidade;  os  modos  da  talha  brasileira  com  originalidade  de 
applicação  e  desenvolvimento  floral;  o  espirito  subtil  e  pa- 
ciente do  artista  na  delicada  execução  de  curvaturas  e  mi- 
núcias do  mobiliário;  o  feliz  resultado  da  martelagem  em 
obras  de  prata,  e,  finalmente,  um  prc^ramma  de  solidez  na 
grande  fabrica  architectonica  que,  no  systema,  não  possuimos 
superior  no  Rio  de  Janeiro.  O  mosteiro  de  S.  Bento  já 
como  cónstrucção,  já  no  ponto  de  vista  ornamental,  é  um 
dos  melhores  padrões  de  Arte  dos  tempos  coloníaes. 

A  frei  Ricardo  do  Pilar,  o  primeiro  mestre  de  Pintura  a 
óleo  no  Rio  de  Janeiro,  pertencem  as  pinturas  da  ^reja.  De 
frei  Domingos  da  Silva,  são  muitos  ornamentos  e  figuras 


i   S .    Bculo  >,  publicido  por  i 


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DO  INSTITDTO  mSTOBIUO 

esculpidas,  sobresaíndo  o  crucifixo,  mais  de  duas  vezes  se- 
cular, que  se  vê  no  coro;  e  de  Valentim  da  Fonseca  (mestre 
Valentim)  os  lampadários  de  prata  da  capella-mór.  José  da 
Conceição  e  Simão  da  Cunha  trabalharam  na  talha  decorativa 
das  naves,  e  José  de  Oliveira  pintou  os  painéis  da  capella  de 
relíquias  do  convento. 

Não  se  classifiquem  de  obras  primas  as  producçOes  de 
frei  Ricardo  do  Pilar.  Sente-se  que  elle,  aproveitando  natural 
aptidão,  se  prestou,  na  falta  de  outro,  a  ornar  painéis  do 
templo,  tornou-se  pintor:  consequentemente  deveria  ter  tido 
discípulos.  A  sua  obra  principal  é  o  quadro  da  sacristia:  O 
Salvador. 

Observando-se  os  trabalhos  de  frei  Ricardo,  \ê-sc  a  prin- 
cipio o  desenho  fraco,  colorido  ora  infantil,  ora  indeciso,  em 
alguns  painéis,  melhorando  consideravelmente  no  quadro  d'0 
'Salvador.  Ahi  se  revela  como,  no  Rio  de  Janeiro,  até  então 
ninguém  o  conseguira. 

Na  figura  de  Chrísto,  o  pintor  benedictino  procurou 
evidentemente  inspirar-se  na  maneira  de  Fra  Angélico,  Não 
se  conclua  dahi  que  se  possa  estabelecer  parallelismo  artistico 
entre  o  benedictino  e  o  dominicano,  celebridade  universal  na 
Pintura  sacra. 

A  Escutptura  de  ornatos,  principal  riqueza  artística  da 
egreja  de  S.  Bento,  pode  ser  estudada  por  partes,  e  qualquer 
delias  daria  margem  para  muito  dizer:  taes  os  resultados  de 
espontaneidade  fecunda  e  imaginação  creadora,  taes  os  ef- 
feitos  da  plástica  contornada,  figurada,  symbolica,  folheada, 
floreada  e  concheada,  obedecendo  a  talha,  ora  a  movimentos 
accelerados,  ora  uniformes,  ora  tudo  dispondo-se  em  linhas 
discretas  e  tranquillas . . . 

Espalharam  bellezas  na  talha  das  naves,  onde  a  origi- 
nalidade se  patenteia  na  preferencia  de  um  ornamento  domi- 
nante, o  da  folha  do  acantho,  ora  crespa,  enroscada,  ora 
espalmada,  opulenta  e  cheia  nos  planos  inferiores,  adelga- 
çando-se,  á  guiza  de  rebentos,  perto  das  cimathas  e  dos  arcos. 

A  Epigraphia,  nas  lapides  do  cemeterio  claustral.  exem- 
plifica o  estylo  lapidar  nos  differentes  aspectos  dos  chara- 
cteres  latinos  e  no  modo  de  disix)-los.  nas  respectivas  ins- 
cripções,  conforme  se  usava  nos  séculos  XVI,  XVII  e  XVIII. 


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UÀS  ARTES  PLÁSTICAS  NO  BRASIL  539 

Em  algumas  pedras  se  notam  bem  tractados  motivos  herál- 
dicos, monacaes  e  seculares.  Muito  ainda  poderia  dizer  de 
S.  Bento  !. . .  E*  de  esperar  que  os  religiosos,  que  se  acham 
de  posse  do  mosteiro,  conservem,  com  carinho,  todo  esse 
património  de  Arte  nacional  !... 

A  vetusta  egreja  da  Ordem  Terceira  da  Penitencia,  no 
morro  de  Sancto  António,  ostenta  também  primorosa  talha,  é 
monumento  de  Arte  ornamental .  Em  sua  phantasia  decorativa 
se  observam  os  caprichos  das  estylizações  da  concha,  nos  eu- 
roscanientos  ou  em  simples  contornos,  rigorosamente  geomé- 
tricos, infalliveis  no  interior  de  toda  egreja  antiga  do  Rio  de 
Janeiro. 

A  egreja  da  Penitencia  é  [xir  assim  dizer  uma  decoração 
construída,  mais  escuipturesca  e  pictural  do  que  archite- 
ctonica,  modalidade  extra-phantasista,  onde  as  columnas,  bases, 
architraves,  cornijas,  frisos,  são  cortados,  interrompidos, 
atormentados,  torsos,  desnaturados;  finalmente,  sob  uma 
invasão  profusa  e  \'ariada  de  ornatos,  não  existem  elementos 
architectonicos  com  as  suas  verdadeiras  linhas,  forma,  cha- 
racter  e  funcção. 

Culmina  no  tecto  a  grande  composição  do  pintor  José 
de  Oliveira,  maravilha  de  arte  decorativa  mural,  magia  de 
perspectiva  no  conceito  de  Porto  Alegre.  Discípulo  incon- 
testavelmente de  frei  Ricardo,  José  de  Oliveira  excedeu  ao 
mestre. 

No  mobiliário  do  vizinho  Convento  de  Sancto  António 
existe  documento,  obra  prima  de  Marcenaria  e  talha  no  nosso 
jacarandá.  Refiro-me  ao  arcas  da  egreja:  opulento  em  orna- 
mentação admiravelmente  combinada. 

Possuiu  o  Convento  rica  cerâmica  de  azulejos  historiados.- 

Ainda  ha  trez  dias  por  lá  andei,  os  não  vi  mais ;  restando 
apenas  alguns,  simplesmente  ornamentaes,  em  limitados 
trechos  de  barras.  A  fiada  de  cabecinhas  de  frades  em  relevo 
por  baixo  do  coro,  que  dizem  representar  martyres  da  Ordem ; 
as  contemplei  de  novo,  na  occasião  em  que  enfeitavam,  não 
sei  porque,  as  severas  columnas  e  ornamentos,  com  flores 
azues  de  papel  e  panno  ! . . , 

Ninguém  me  deu  mais  informações  do  milagroso  mo- 
ringue  de  frei  Fabiano,  personagem  histórica  do  romance 


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530  REVISTA  DO  INSTITUTO  BI8TOI1ICO 

Franceses  «o  Rio  de  Janeiro,  por  Moreira  de  Azevedo,  mo- 
ringue  que  até  ha  poucos  aniios  conservaram  como  relíquia 
venerada  do  monge  querido  e  popularíssimo  em  tempos  pas- 
sados . 

A  bengala  real,  presente  attribuido  a  d.  João  VI,  ainda 
figfura  ao  lado  do  orago  nas  festividades. 

O  que  commove  toda  vez  que  se  passa,  á  noite,  pelo 
largo  da  Carioca  e  se  olha  para  o  Convento,  é  ver  luzir, 
pobremente,  a  lâmpada  do  nicho  exterior  da  egreja;  é  vê-la 
luzir,  como  foi  de  uso  medieval,  vulgarizado  no  Brasil,  espe- 
cialmente durante  o  século  XVIII Todos  poderão  ver  a 

tradição  transmittida  e  respeitada  em  pleno  século  XX,  frente 
a  frente  com  os  lampeões  de  gaz  e  cffln  a  luz  eléctrica  t , . . 
A  Cathedral,  outr'ora  capella-real  e  depois  imperial,  é 
das  poucas  antigas  egrcjas,  cuja  planta  affecta  a  cruz  latina 
perfeita.  A  ornamentação  da  Sumptuária  borrominica  reina 
em  todo  o  templo.  As  figuras  dos  apóstolos  por  José  Leandro 
de  Caiyalho  documentam  uma  phase  da  Pintura  colonial. 
Alli  também  existiu  a  tela  commemorando  a  Cêa,  de  Rai- 
mundo da  Costa  e  Silva, 

As  principaes  egrejas,  cujas  fachadas  se  traçaram  no 
rôcocò,  quaes  a  do  Carmo,  S,  Francisco  de  Paula  e  Sacra- 
mento, não  se  conctuiram  no  século  XVIII.  A  sinceridade 
dos  architectos,  que  concluíram  algumas  no  século  seguinte. 
se  evidencia  na  harmonia  da  passagem  do  modo  decorativo, 
sem-chóque,  semnotavel  solução  de  continuidade  ornamental. 
A  do  Carmo,  á  rua  Primeiro  de  Março,  que  ostenta  fachada 
de  cantaria,  com  primorosos  lavores  de  mármore  do  mestre 
Valentim,  conseguiu  ter  suas  torres  levantadas  no  século  XIX, 
Mello  Còrte-Real,  mais  conhecido  como  pintor,  deu  os 
desenhos  para  essas  torres,  exactamente  executados.  Compoz 
desenhos  harmoniosos,  com  zimbórios  azulejados  de  painéis 
in te rmit tentes,  com  originalidade,  ora  na  collocação  da  concha, 
ora  na  collocação  da  folha  de  acantho  {7). 

Na  de  S.  Francisco  de  Paula,  Pádua  e  Castro  fez  pórtico 
clássico,  e,  na  do  Sacramento,  Bethencourt  da  Silva  harmo- 


a  (Duembro  de  i^j) ,' 


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bAS  AUTES  PLÁSTICAS  NO  BRASIL  531 

nizou  a  agtilha  medieval  com  o  dorico  abastardado  da  fachada. 
Modernamente  profanam  fachadas  de  algumas  egrejas  com 
revestimentos  de  cimento,  depois  de  ter  recebido,  como  a  da 
Gloria  do  Outeiro,  ultimamente,  coloração  descabida. 

Si  passarmos  á  edificação  civil  na  Arte  pública  colonial, 
sobresaem  os  chafarizes  (8). 

O  serviço  de  aguas  de  beber  atravessou  diversas  phases 
com  os  vice-reis,  com  o  rei,  no  império,  tornandose  afinal 
realidade  que  honra  a  Engenharia  brasileira.  O  Rio  de  Ja- 
neiro colonial  não  dispunha  de  recursos  da  technica  moderna 
do  Rio  de  Janeiro  actual. 

O  antigo  chafariz  da  Carioca,  não  o  que  existe,  mas  o 
colonial,  exprimia  nas  linhas  de  sua  construcção  a  arte  domi- 
nante. Pelo  solido  aqueducto,  hoje  em  parte  viaducto  dos 
carris  de  ferro  de  Sancta  Tereza,  pelo  aqueducto  vinha  á 
fonte  do  largo  a  preciosa  agua,  que,  na  phrase  de  Macedo, 
—  «tinha  feitiço  de  formosura»,  Obra  de  arrojo,  e  prova 
de  que  os  nossos  maiores  não  vacillavam  deante  de  grandes 
commettimentos,  desde  que  fossem  em  proveito  da  população. 
Os  vice-reis,  apesar  de  arbitrários,  despóticos  e  violentos, 
não  se  descuidavam  do  elemento  vital.  Evitar  a  falta  d'agua 
foi  em  todos  os  temixis  a  preoccupação  da  administração 
pública.  O  espirito  dos  homens  do  século  XVIII  era  outro 
que  o  do  periodo  seguinte.  As  fontes,  no  risco  e  na  execução, 
traduziam  innocentemente  um  sentimento  uniforme;  nellas 
nenhuma  cousa  supérflua,  nem  accessorio  inútil  nem  o 
pretencioso  decorativo. 

Citarei  entre  fontes  coloniaes  do  Rio  de  Janeiro:  o 
fariz  de  granito  e  mármore  do  largo  doPaço  (praça  Quin 
Novembro),  o  das  Marrecas  que  em  forma  de  exedra  e: 
na  rua  Evaristo  da  Veiga,  planos  e  execução  de  m 
Valentim;  o  da  rua  da  Gloria;  o  que  existiu  na  r« 
Riachueio;  o  do  Lagarto,  á  rua  Frei  Caneca,  abastecido 
destruído  aqueducto  de  Catumbi,  e  o  que  desapparece 
praia  D.   Manuel.   As  inscripções  latinas  ou  em  portu] 


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532  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

gravadas  em  carteias  omamentadaSf  são  exemplos  de  bôa 
arte  e  accrescentarei  mesmo  de  bôa  litteratura  em  algumas. 
As  inscripíões  latinas  do  chafariz  colonial  da  praça  Quinze 
de  Novembro,  de  Valentim,  levantado  no  govêmo  de  Luiz  de 
Vasconcellos,  gravadas  em  largas  e  decorativas  carteias  de 
mármore,  são  eloquentes,  como  também  o  era  a  inscripção 
de  outro  chafariz  desapparecido  da  ma  do  Riachuelo,  man- 
dado construir  em  1772  pelo  marquez  do  Lavradio. 

Carteias  com  inscripções  perderam-se  muitas;  bellissima 
a  que  havia,  á  rua  da  Assembléa,  na  parede  do  antigo  Reco- 
lhimento do  Parto ;  bellissima  a  existente  no  frontão  que- 
brado do  pórtico  da  actual  Repartição  dos  Telegraphos,  e  não 
menos  interessantes  se  notam  duas  110  Aqueducto  da  Carioca. 
Como  sabemos,  no  século  XVIII,  o  artista  culminante 
fora  Valentim  da  Fonseca  e  Silva  (mestre  Valentim),  cujo 
centenário  da  morte  a  Prefeitura  do  Districto  commemorou, 
inaugurando,  a  i"  de  Março  de  1913,  o  busto  do  artista  no 
Passeio  Publico,  obra  que  o  mestre  tanto  amou . 

Está  hoje  na  consciência  de  todos  o  que  elle  compoz  e 
executou:  a  Cruz  dos  Militares,  os  mármores  e  talha  da 
egreja  do  Carmo,  esculpturas  da  Conceição  e  Bôa  Morte,  da 
capella-mór  de  S.  Francisco  de  Paula,  os  dous  melhores  cha- 
farizes, um  que  foi  demolido,  e  o  outro,  o  do  largo  do  Paço, 
onde  mestre  Valentim  deu  cunho  individual,  a  estatuária 
demolida  da  fonte  das  Marrecas,  a  ourivesaria  em  Sancta 
Rita  e  em  S.  Bento,  e  o  plano  original  do  Passeio  Publico, 
o  primeiro  jardim  da  cidade,  o  jardim  querido  e  tradicional, 
que  elle  executou  tão  brasileiramente  quanto  lhe  foi  possivel 
imaginar. 

A  Architectura  civil  ficou  a  principio  restringida  á  mo- 
dalidade administrativa  palaciana,  da  qual  é  exemplo  o 
outr'ora  palácio  real  e  !m])erial,  actualmente  Repartição  Geral 
dos  Telegraphos.  Embora  modificado  o  seu  exterior,  pela 
introducção  da  platibanda,  substituindo  os  antigos  beiraes 
corridos,  conserva-se  intacto  o  feitio  colonial  das  sacadas  e 
o  vão  da  frente  principal,  de  èstylo  ròcocô,  com  a  artística 
carteia  epigraphada  no  quebrado  do  frontão,  a  que  já  alludi  .■ 
A  cidade  das  trez  portinhas,  assumpto  de  que  tractoti 
Porto-Alegre   na   Guanabara,   em    1849,   evoluiu   na   própria 


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Da3  AltTES  PLÁSTICAS  NO  BHASII.  533 

èpocha  colonial,  e  apesar  de  vários  aspectos  que  apresentou  e 
apresenta  até  hoje,  não  abandonou  de  todo  os  trez  vãos  tra- 
dicionaes. 

As  casas  propriamente  dietas  urbanas,  de  sobrado  ou 
não,  se  construiram  com  fachadas  characteristicas :  feitios  por- 
tuguezes,  com  reminiscências  asiáticas  na  forma  das  cober- 
turas de  beiraes  em  pontas  recurvadas  e  mouriscas  nas  rotulas 
dos  vãos  das  janelias,  de  portas  e  sacadas  e  nos  caixilhos 
conjugados  de  janelias  com  ou  sem  postigos. 

Pedreiros  ensaiaram  a  principio  ornatos  de  estuque,  e 
nos  interiores  começaram  a  empregar  as  barras  de  azulejos 
nos  saguões,  e  nas  casas  de  jantar. 

Nas  moradas  de  abastados,  fora  do  limite  urbano,  ado- 
ptaram o  typo  de  abarracados  com  avanço  dos  telhados,  dando 
nascimento  a  varandas,  sustentadas  |)or  pilares  ou  columnas  de 
alvenaria  rebocada. 

A  vasta  habitação  de  Elias  José  Lopes,  offerecida  a 
d,  João  VI,  residência  deste,  dos  dous  imperadores  e  actual- 
mente Museu  Nacional,  apresentava  esse  aspecto,  o  que  se 
verifica  em  desenho  de  João  Baptista  Debret. 

Esse  typo  de  habitação  patriarchal,  de  hygiene  instinctiva, 
existe  ainda  em  velhas  casas  de  arrabaldes ;  generaJizou-se 
nas  nossas  casas  ruraes,  não  só  no  Rio  de  Janeiro,  mas 
também  nas  fazendas,  nos  engenhos  e  nas  estancias. 

Ensaiaram  depois  ingénua  architectura  paizagista  em 
pequenos  jardins  efe  quintaes  urbanos;  cultivavam-se  can- 
teirinhos  de  perpetuas,  sempre-vivas,  saudades  e  outras  flores. 
Os  ensaios  precederam  aos  jardins  extensos,  accidentados, 
characteris ticos  das  chácaras  dos  grandes  solares. 


A  Pintura  durante  os  governadores  e  vice-reis  teve  em 
frei  Ricardo  do  Pilar  o  primeiro  mestre,  ie  em  José  de 
Oliveira,  natural  do  Rio  de  Janeiro,  discípulo  e  continuador.- 

Por  muito  tempo  os  artistas  se  limitaram  exclusivamente 
a  trabalhos  nas  egrejas,  e  só  para  os  fins  do  século  XVIII 
appareceu  o  retrato  com  Manuel  da  Cunha  e  Leandro  Joaquim, 
e  a  paizagem  com  este.  Decoradores  foram  todos  os  pintores 
ida  epocha  colonial  e  omamentistas  sacros.  Manuel  da  Cunha, 


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534  REVISTA  DO  INSTITUTO  BISTOHICÍI 

escravo  (ia  família  do  cónego  Januário  da  Cunha  Barbosa, 
aprendeu  a  arte  em  Lisboa  (9).  Considero  Manuel  da  Cunha 
o  melhor  retratista  daquellcs  tempos;  entre  seus  trabalhos 
sobresae  o  retrato  de  Gomes  Freire  de  Andrade  (conde  de 
Bobadella)  que  se  acha  no  Conselho  Municipal. 

Foi  regular  pintor  de  figura.  Em  seus  contemporâneos 
houve  apenas  tentativas,  aliás  louváveis,  exceptuando-se  José 
Leandro  de  Carvalho  e  Manuel  Dias  de  Oliveira  Brasiliense 
(o  Romano),  que  estabeleceu  na  rua  do  Hospício  uma  aula  de 
modelo- vivo . 

Estes  e  Raimundo  da  Costa  e  Silva  trabalharam  também 
no  tempo  do  rei;  pintaram  quadros  decorativos  para  a  va- 
randa da  coroação  de  d.  João  VI. 

De  Líandro  Joaquim  chronistas  mencionam  quadros  que 
desappareceram  de  egrejas,  onde  foram  pintados.  São  seus 
os  dous  painéis  guardados  na  egreja  do  Parto,  representando 
o  incêndio  e  reconstrucçâo  do  antigo  Recolhimento,  que  existiu 
juncto  daquella  egreja. 

De  um  delles  e  a  muito  custo,  a  meu  pedido,  o  então 
alumno  da  Eschola  Nacional  de  Bellas-Artes  e  hoje  professor, 
sr.  Lucilio  de  Albuquerque,  conseguiu  extrahir  os  traços 
physionomicos  de  mestre  Valentim,  retrato  que  em  gravura 
saiu  n'A  Noticia,  ha  onze  annos,  e  serviu  ao  esculptor  para 
o  busto  inaugurado  a  i"  de  Março  de  1913,  no  Passeio  Publico. 

Leandro  retratou  Luiz  de  Vasconcellos,  quadro  este  que 
pertence  á  mesma  egreja. 

No  género  de  retrato  observa-se,  nos  originaes,  gradações 
successivas  de  progresso  da  parte  dos  artistas.  E'  interessante 
a  galeria  dos  benfeitores  e  provedores  da  Sancta  Casa  da 
Misericórdia,  e  de  outras  casas  de  religião  e  caridade.  Es- 
tuda-se,  nesses  originaes,  o  progresso  no  desenho,  no  colorido, 
e  as  variantes  da  Indumentária  accorde  ao  uso  e  á  moda. 

No  género  paizagem,  nos  antigos  pavilhões  do  Passeio, 
onde  brilhou  a  arte  cathannense  de  Xavier  dos  Pássaros  e 
Xavier  das  Conchas,  pintou  Leandro  Joaquim  elogiadas  pai- 
zagens  de  engenhos  de  assucar,  mandioca,  de  extracção  de 
ouro,  scenas  maritímas  e  panoramas  da  cidade. 

(9)  Vide  eícciplos  de  PorlO'AlBgrc  e  Moreira  de  Aievcdo  a  retpcíto  deitas 
■riiitu. 

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DAS  ARTES  PLÁSTICAS  NO  BRASIL  535 

Na  arte  applicada,  João  Manso  Pereira,  natural  de 
Minas,  conhecedor  do  hebraico,  do  grego  e  do  latim,  fabricou 
porcellana  com  argilla  da  ilha  do  Goveniador,  imitou  o  charão 
e  fez  camafeus. 

O  dr.  Moreira  de  Azevedo  affirmou  que  Manso  offe- 
receu  a  d.  João  VI  um  apparelho  de  porcellana,  e  ao  vice-rei 
Luiz  de  Vasconcellos,  o  Mecenas  dos  tempos  coloniaes,  uma 
mesa  feita  [)or  elle,  onde  estavam  representadas,  em  ouro,  com 
diversas  cores,  a  cidade  do  Rio  de  Janeiro  e  algumas  villas. 

Na  pequena  esculptura  de  figurinhas  de  presépio  tor- 
nou-se  conhecido  o  pintor  Raimundo  da  Costa  e  Silva.  Fa- 
mosos foram  os  seus  presépios  do  morro  do  Livramento. 

Entre  os  trabalhos  da  pintura  antiga  colonial  devemos 
mencionar  o  da  bandeira -estandarte  da  Misericórdia,  o  dos 
painéis  que  figuravam  nas  procissões,  entre  ellas  a  dos  foga- 
réos,  a  respeito  da  qual,  assim  como  de  outras  e  de  festas 
populares,  tem-se  ocupado  magistralmente  o  nosso  Vieira 
Fazenda, 

Em  arte  applicada,  especialmente  festiva,  vem  a  pro- 
pósito recordar  o  que  Moreira  de  Azevedo  alludiu,  e  Vieira 
Fazenda  descreveu  algures  n'A  Noticia:  os  carros  allegoricos 
do  tenente  António  Francisco  Soares,  o  precursor  de  Ftusa 
c  Marroig,  carros  mythologicos  que  se  celebrizaram  na  festa 
de  178^,  percorrendo  as  ruas  da  cidade,  festa  commemoratíva 
do  casamento  de  d.  João  depois  rei,  com  a  princeza  Car- 
lota  (lO). 

Agora  apenas  como  curiosidade: 

Entre  as  artes  applicadas  menores  e  ephemeras  esteve 
muito  em  voga  a  Siloplastica,  cujas  producções  fizeram,  por 
muito  tempo,  o  regalo  de  muitos  lares,  nos  dias  de  festa, 
ornando  mesas  de  banquetes  e  bandejas  de  chã,  levadas  ás 
salas  pela  criadagem  luxuosamente  trajada...  reminiscên- 
cias dos  costumes  iK>rtuguezcs  do  tempo  de  d.  João  V. , . 

Cultivaram-n'a  também  no  nosso  interior,  especialmente 
nos  estados  do  Norte. 


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53Í  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Do  Pará  nos  vêm  ainda  as  selvagens  esculpturas  anima- 
listas  de  guaraná . . . 

Os  conventos  de  freiras  do  Rio  de  Janeiro,  particular- 
mente o  ex-convento  da  Ajuda,  conquistaram  celebridade  na 
doçaria   que   fabricavam. 

Durante  o  século  XVIII,  e  mesmo  no  século  passado, 
a  Sitoplastíca  constituiu  especialidade  entre  senhoras  e  mesmo 
entre  homens;  imaginavam  themas,  animaes  reaes  c  phantas- 
ticos.  A  Sitoplastica  carioca,  ou  nortista,  cuidada  com 
esmero  elevou-se  á  altura  da  pequena  Estatuária ;  embora 
ephemera  e  com  estivei,  nelta  se  revelaram  aptidões  artis- 
ticas  perdidas  e  não  aproveitadas. . . 

As  formas,  inventadas  pela  industria,  acabaram  com  a 
esculptura  confeiteira  e  com  os  pães  e  biscoutos  figurados, 
modelados,  e  não  fundidos. 

A  Confeitaria  foi  arte  com  escholas.  O  geito  de  decorar 
bolos  e  lhes  imprimir  cunho  artistico,  occupou  a  não  pouca 
gente.   E  naquillo  que  por  machina  se  faz  hoje,  isto  é,  nos 
rendados  de  papel  para  os  pratos  e  para  cobrir  bolos,  espe-  ■ 
cializaram-se  pessoas  que  disputavam  desenhos  inéditos. 


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AINDA    AS    ARTKS    COM    OS    VIClí-BEIS,    COM     O    REI.  —  O    RIO 
D5   JANEIRO   IMPERIAL,   DURANTE  O   PRIMEIRO   REINADO 

Sr.  presidente  do  Instituto  Histórico  e  Geographico  Bra- 
sileiro . 

Meus  senhores. 

A  reconstituição  paízagista  da  nossa  cidade,  com  os 
vice-reis,  seria  assumpto  interessantíssimo  para  delle  tractar 
um  pintor  histórico.  Si  o  thema  apresenta  difficuldades, 
como  apresentam  todos  os  problemas  archeologicos,  não  fal- 
tarão elementos  e  subsídios  para  vence-Ias, 

Seriam  aspectos  curiosíssimos  a  reconstruir... 

Vimos  e  repito  que,  em  todo  o  Brasil,  antes  do  advento 
da  Família  Real  Portugueza,  muito  antes,  portanto,  da  vinda 
da  missão  artística  franceza  e  do  rei  fundar  o  ensino  official 
de  Bellas-Artes  no  Rio  de  Janeiro,  já  se  cuidava,  cchu  esmero, 
das  Artes  plásticas,  cujos  exemplos  perduram  na  Bahia, 
Minas  Geraes,  Parahiba  do  Norte,  Pernambuco,  em  outros 
Estados  e  nesta  cidade;  exemplos  de  arte  ornamental,  não 
egualados  até  hoje,  quanto  mais  excedidos,  no  talento  da 
invenção,  na  interpretação  decorativa  executada,  e  na  solidez 
das  architecturas . 

Para  o  bom  senso  não  pôde  haver  maior  disparate  do 
que  os  juízos  escarninhos,  comparativos,  com  a  successão 
progressiva  das  cousas,  que  infelizmente,  muitas  vezes,  menos 
ingénua  e  menos  sincera,  perturba  de  algum  modo  um  enca- 
deamento lógico,  quebrando  elos  resultantes  de  exforços 
dignos  de  perpetuo  louvor. 

Recentes  escriptos.  com  referencias  a  antigos  e  modernos 
documentos  brasileiros  de  arte,  ou  são  de  excessiva  admi- 
ração, ou  injustos  a  demonstrarem:  maldade,  absoluta  falta 


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S38  REVISTA  no  INSTITUTO  HISTÓRICO 

de  comprehensão,  ou  escassez  extraordinária  do  senfimeníõ 
do  saber-vêr. 

Magnificas  obras  coloniaes,  ou  antigas,  de  arte  estão 
levianamente  a  considerar  velharias  insupportaveis,  negando-se 
primor  onde  ha,  não  se  querendo,  ou  não  sabendo  vêr  o  que 
está  á  vista.  Os  Brasileiros  não  poderão  se  desnacionalizar 
accompanhando  a  perversos  escrj  vinha  d  ores,  que  já  não  se 
contentam  com  a  propaganda  manhosa  na  palestra. . . 

A  audácia  forasteira,  tão  bem  hospedada,  atira-se  com 
axiomática  incompetência  a  rabiscar,  que  nunca  tivemos  nem 
temos  Arte  nacional  !...  Não  vale  a  pena  dar-lhes  impor- 
tância: o  que  falarem  não  se  ouve,  o  que  rabiscarem  não 
se  lê . , , 

A  reconstituição  paizagista  da  cidade,  por  phases  dis- 
tinctas,  mostraria  transformações  consoantes  os  respectivos 
recursos,  sem  as  precipitações  económicas,  sem  os  descuidos 
financeiros  de  hoje. 

A  picareta  do  progresso  material  passou  rasoura  em 
quarteirões  inteiros  de  casas  de  varias  epochas,  com  os  vãos 
characteristicos  de  janellas  e  portas,  desde  os  rectangulares 
com  portaes  e  vergas  de  madeira,  até  aos  de  cantaria  da  nossa 
pedra,  ou  do  lioz  importado. 

A  forma  do  rectângulo  predominou  por  muito  tempo. 
A  facilidade  do  desmonte  das  rochas  gneissicas  das  nossas 
primeiras  pedreiras  exploradas  concorreu  para  o  emprego 
desse  material.  A  verga  em  segmento  circular,  de  madeira 
ou  pedra,  appareceu  na  edificação  particular  depois  que  o 
puzeram  nas  egrejas.   GeneraUzou-se  a  forma. 

No  século  XVIII,  e  no  principio  do  passado,  revestiam 
muitos  vãos  de  porias  e  janellas  com  o  mármore  portuguez, 
adoptando  aquelle  arco.  Empregaram  o  arco  semi-circular 
tardiamente,  usado  a  principio  somente  nas  portas  do  pri- 
meiro pavimento. 

Os  vãos  rectangulares  modernamente  estão  a  voltar  na 
architectura  commercial  ou  industrial,  E'  a  forma  dictada 
pela  utilidade.  Em  Architectura,  a  utilidade  é  a  arte  de  apro- 
priar o  edifício  ao  seu  destino  e  escolher  orgams  e  formas, 
que  melhor  se  prestem.^ 


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DAS  ARTC3  PLÁSTICAS  NO  BRABIC.  539 

A  evolução  de  terraplagena  do  antigo  solo  urbano  é 
nota  a  estudar  para  a  reconstituição  paizagista:  saber-se 
quaes  os  aterros  que  substituíram  as  rústicas  pontes  de  ma- 
deira, que  ligavam  ruas  atravez  de  braços  de  pântanos  de 
mar,  abaulamentos  posteriores,  pavimentações  de  pedra  me- 
lhorando as  superfícies  para  a  rodagem...  Tudo  isso  é 
interessanti  saimo . 

Ainda  até  pouco  temjjo  se  encontravam,  no  centro  da 
cidade,  typos  de  edificação  vetusta,  casas  térreas,  casas  de 
abastados,  abarracadas,  assobradadas  ou  de  sobrado;  typos 
assignalando  epochas  pela  forma  dos  vãos  das  sacadas,  das 
coberturas,  das  clarabóias,  das  alvenarias,  dos  rebocos  e  da 
natureza  das  caiações. 

Nos  interiores,  então,  as  epochas  se  assignalam  pelas  al- 
covas, de  largas  portas  envidraçadas,  dando  para  as  salas 
de  visita  e  casas  de  jantar.  N'^  Noticia  escrevi,  em  artigos 
semanaes  { 1 1 ) ,  notas  a  respeito  de  todos  esses  pormenores, 
até  á  invasão  do  papel  pintado  de  forrar  paredes,  o  qual 
completamente  branco,  e  adamascado,  era  o  preferido  para 
as  salas  nobres,  illuminadas  por  lustres  de  velas,  que  pendiam 
do  centro  do  tecto,  o  qual  tinha  forma  pyramidal  truncada. 

Encontram-se  mais  facilmente  esses  antigos  typos  nos 
sítios  suburbanos  ou  ruraes,  ou  nos  Estados,  isto  é,  antigos 
lypos  intactos  de  habitações  vastas,  com  as  suas  alpendradas 
de  telha  vã,  sustentadas  por  pilares  ou  columnas  de  alvenaria 
rebocada . 

As  casas  dos  primitivos  tempos  coloníaes,  e  também  os 
edifícios  religiosos,  não  deram  aos  respectivos  arcabouços  das 
coberturas  outro  aspecto  que  o  de  duas  abas  ou  aguas,  á 
guisa  do  que  se  vê  em  choças,  e  ranchos  de  algumas  tribus 
aborigenes.  Algims  dos  typos  destas  habitações  aborígenes 
foram  imitados  pelos  primeiros  colonos  portuguezes  nos  cha- 
mados ranchos,  onde  abrigavam  as  tropas  de  cargueiros. 

O  beiral  corrido,  sem  calhas  e  sem  conductores  verticaes 
de  exgôtto  de  aguas  das  chuvas,  caídas  sobre  o  telhado  das 
velhas  casas,  ainda  se  usou  no  meiado  do  século  passado.  Os 


(ii>  Folhetim  finntdoa  com  m  mioliii  InicUa  A.  V.,  ft  comvtar  da  1901,; 

D,rzB.byCOO<^le 


540  REVISTA  DO  DÍSTITDTO  niSTOHICO 

telhados,  <Ie  duas  ou  de  quatro  aguas,  resumem  a~s  formas 
posteriores  das  coberturas  dos  nossos  edifícios.  Os  telhados 
são  amouriscados,  de  meia  mourisca,  cravados  oU  de  canudos 
cintados  e  os  de  telha  vã.  A  telha  curva,  chamada  portugueza, 
mas  de  origem  mourisca,  é  a  clássica  na  Archeologia  bra- 
sileira. 

Para  reconstituição  paizagtsta  da  cidade,  além  dos  fron- 
tispícios de  casas,  devem  ainda  reapparecer  accessorios  de 
rua,  quaes,  os  oratórios  e  os  frades  de  pedra. 

O  ultimo  oratório  demolido  foi  o  da  rua  da  Alfandega, 
esquina  da  rua  do  Regente  (hoje  Tobias  Barreto),  e  os 
mais  velhos  frades  de  pedra  (de  lioz  portuguez),.coloniaes, 
por  muito  tempo  existiram  no  passeio  fronteiro  ao  real  palácio 
da  cidade,  hoje  Repartição  Geral  dos  Telegraphos, 

Dizem  chronistas,  que,  até  ao  governo  do  vice-rei  conde 
de  Rezende,  a  cidade  não  tinha  illuminação. 

Na  edade  média  da  Historia  usavam  accender,  á  noite, 
candeias  em  lanternas,  juncto  das  estatuas  da  Virgem  c  dos 
Sanctos,  ás  portas  dos  conventos.  Em  quasi  todos  os  paizes 
catholicos  ha  reminiscências  desse  costume  medieval.  Do 
pintor  Luiz  de  Freitas  possuo  um  quadrinho  a  representar 
construcção  italiana,  que  lembra  a  dos  nichos  históricos  ou 
oratórios,  nos  quaes  ardiam  lanternas.  Na  licção  passada  me 
referi  á  lanterna  do  nicho  do  nosso  Convento  de  Sancto  An- 
tónio. 

O  único  oratório  de  rua,  que  ainda  perdura  intacto,  é  o 
de  N.  S.  do  Cabo  da  Bôa  Esperança,  á  rua  do  Carmo,  Do 
Rio  de  Janeiro,  antes  que  tivesse  illuminação,  escreveu  o 
meu  finado  mestre  dr.  Moreira  de  Azevedo:  «Deante  dos 
nichos  que  ornavam  as  esquinas  das  ruas  accendia-se  á  noite 
um  candieiro  de  azeite  ou  uma  vela  de  cera,  e  essas  luzes, 
collocadas  em  frente  das  imagens  pela  fé  e  devoção  do  povo, 
constituíam  a  única  illuminação  da  cidade.  Naquelles  tempos 
o  povo  se  recolhia  cedo;  ao  anoitecer  se  fechavam  quasi 
todas  as  casas,  havia  limitado  numero  de  lojas  de  commercio, 
e  sendo  as  ruas  tortuosas,  estreitas,  sem  calçamento  nem 
illuminação,  tornava-se  perigoso  o  transito  nocturno,  especial- 
mente nas   ruas  em  que  não  havia  luz  nos  nichos,    Quem 


,dbyGoogle 


bAS  ARTES  fLASTlCAS  NO  BRASIL  54I 

tinha  servos  mandava  algum  com  archotes  alumiar  o  ca- 
minho» (11  a). 

Nas  ultimas  décades  do  século  passado  vi  ainda  carre- 
gadores de  casliçaes  accesos,  com  mangas  de  vidro,  ou  com 
candelabros,  acconipanhando  famílias  em  algumas  ruas  de 
arrabaldes,  á  noite,  por  insufficiencia  da  jlluminação  pú- 
blica. 

O  oratório  de  pedra,  da  esquina  da  rua  da  Alfandega, 
permaneceu  em  seu  sitio  secular  até  1906,  quando  demoliram 
a  respectiva  casa  para  em  seu  logar  construirem  outra.   Não   ■ 
faltaram  pretendentes  ao  oratório;  ignoro  que  rumo  levou. . .; 

No  conhecido  romance  de  Manuel  de  Almeida  —  Memo- 
rias de  um  sargento  de  milicias  —  se  lê  descripção  daquellas 
paragens  na  pavorosa  epoclia  do  Vidigal  e  seus  camarões. 

Um  artista  brasileiro,  fallecído  ainda  moço,  António  Fir- 
mino Monteiro,  pintou  um  quadro  a  que  denominou:  —  O 
Vidigal,  exposto  pela  primeira  vez,  na  Academia  das  Bellas- 
Artes,  em  23  de  Agosto  de  1884. 

O  pintor  escolheu  scena,  na  qual  o  Vidigal  exercia  a  sua  ■ 
temida  auctoridade,  na  rua  do  Regente  esquina  da  da  Alfan- 
dega: vê-se  na  tela  representado  o  oratório  de  pedra.  Neste 
quadro  histórico  se  acha  o  celebrizado  major,  chamando  á 
falia  um  trovador  de  esquina,  que  se  desculpa,  atrapalhado, 
ante  os  camarões  dos  granadeiros.  Pertenceu  ao  dr.  Mon- 
teiro de  Azevedo;  consegui  uma  reproducção  phott^raphica, 
que  me  serviu  em  projecção  luminosa  na  prelecção  do  curso 
publico  do  Pedagogium,  em  1903  e  1904.  A  respectiva  chapa 
deve  estar  guardada  nesse  instituto  municipal. 

Na  collecção  de  vistas  do  Rio  de  Janeiro,  desenhadas  [lor 
Moreau,  vé-se  um  dos  antigos  oratórios  de  esquina;  e  Vieira 
Fazenda  em  artigo  d'A  Noticia,  de  1°  de  Julho  de  1906,  men- 
cionou oratórios  da  cidade,  a  saber :  da  rua  do  Rosário  es- 
quina da  da  Quitanda  e  Septe  de  Septembro;  Uruguaiana  e 
Hospício;  da  praça  da  Constituição;  rua  da  Alfandega;  no 
principio  da  rua  da  Carioca;  Primeiro  de  Março  e  S.  Pedro; 
no  fim  da  de  Treze  de  Maio;  no  largo  da  Batalha;  na  tra- 
vessa de  D.  Manuel;  ruas  do  Cotovello  e  Misericórdia;  e  cm 

(11   a)  Dl.   Morciía  de  Aievsdo^iO  Bio  de  Janeiro». 

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542  REVISTA  DO  1S9T1TBT0  HISTORlCâ 

frente  ao  Açougue  Grande,  o  de  N.  S.  dos  Prazeres,  cuja 
imagem  é  actualmente  venerada  na  egreja  de  Sancto  António 
dos  Pobres.  Esses  nichos  construídos  no  exterior  das  casas 
davam  effeito  algum  tanto  ornamental.  Na  estatuária  reU- 
gíosa  respectiva,  conforme  referencias  lidas  algures,  pri- 
mavam imagens  esculpidas  e  encarnadas  na  Bahia,  que  por 
muito  tempo  se  especializou   nesse   mister  artístico. 

No  estudo  da  historia  das  Artes  plásticas,  para  uma  re- 
constituição paizagista,  taes  informações  escríptas  ou  dese- 
nhadas tornar-se-hão  preciosos  subsídios. 
*  *  * 

Os  frades  de  pedra,  ou  postes  de  pedra,  de  rua,  são  ■ 
assim  denominados  pela  forma  da  parte  superior,  que  lembra 
a  da  cabeça  raspada  de  um  monge,  O  nome,  com  tal  accepção 
figurada,  provavelmente  resultou  de  alguma  capadoçagem, 
tomou  foros  na  cidade  e  entrou  no  vocabulário  da  língua. 
Desapparecen  de  nossas  praças  e  ruas  grande  quantidade  de 
antigos  frades  de  pedra,  que  ladeavam  portões  das  chácaras 
dos  grandes  solares ;  portões  characteristicos  de  alvenaria,  com 
pilares  por  assim  dizer  cabeçudos,  aos  quaes,  muitos  annos 
depois,  junctaram  vasos,  espheras  de  louça  esmaltada,  figuras 
de  leões  ou  cães  do  mesmo  material. 

Na  especialidade  portões,  construíram -se  alguns  artís- 
ticos :  o  do  Passeio  Publico,  o  antígo  da  Coroa  na  Quinta  da 
Boa  Vista,  de  linhas  originaes,  e  outros.  Os  frades  de  pedra 
indicavam  (e  ainda  hoje  indicam)  prohibíção  de  rodagem. 
São  invenções  greco-romanas :  a  sua  historia  seria  longo  re- 
cordar. . ,  Entre  nós,  e  em  Portugal,  fincavam  pedras  nos 
cantos  das  ruas,  alinhadas  no  sentido  do  comprimento  das 
mesmas,  preservando  as  casas  do  choque  dos  carros  e  garan- 
tindo o  livre  transito  de  peões,  em  trecho  determinado  das 
calçadas.  Não  foi  moderado  o  uso  dos  frades  de  pedra  na 
edade  média,  e  desappareceram  paulatinamente  depois  que  se 
inventaram  os  passeios. 

Considerados  pedras  protectoras  e  elementos  de  orna- 
mentação juncto  de  monumentos,  limitavam  e  fechavam  deco- 
rativamente logradouros  públicos.  Nos  tempos  coloniaes 
fincaram  frades  de  pedra  sem  correntes  no  Pelourinho  do 
largo  do  Rocio  (praça  Tiradentes)  e  com  correntes  fazendo 


hyCoogIe 


DA9  ARTES  fLASTICAS  NO  BRASIL  J^^ 

de  cerca  nesse  mesmo  largo,  e  no  Rocío  Pequeno,  (praça 
Onze  de  Junho). 

Davam-se,  em  geral,  a  taes  pedras  fradescas  a  forma 
que  se  reproduziu  em  modernas,  collocadas  em  novos  trechos 
de  rua  ou  vielas;  outras  pedras  porém  eram  simplesmente 
cylindricas,  sem  terminações  especiaes  (12). 

De  pedra  lioz  plantaram-se  poucos  no  Rio  de  Janeiro,  só 
excepcionalmente,  e  por  luxo,  ou  quando  ainda  não  se  traba- 
lhava bem  com  as  nossas  rochas.  Curiosa  é  a  pertinácia  do 
predomínio  da  forma  invariável  na  maioria  dos  casos,  sem 
que  algum  canteiro,  durante  longa  serie  consecutiva  de  annos, 
se  lembrasse  de  tentar  ornamentos  ou  gravasse  inscrípção. 
Os  modernos  frades  de  pedra  só  differem  dos  seus  prede- 
cessores, da  epocha  colonial,  unicamente  na  qualidade  da  pedra 
e  no  lavrado  da  cantaria. 

Animavam  os  ambientes  urbanos,  suburbanos  ou  ruraes 
do  Rio  de  Janeiro,  os  primitivos  vchiculos  de  transportei 
redes,  carros  de  bois,  bangués,  liteiras,  cadeirinhas,  seges,  tra- 
quitanas e  coches.  Os  três  primeiros  vehiculos  interessam 
ao  exclusivamente  pittoresco,  ao  passo  que  os  outros  (liteiras, 
cadeirinhas,  seges  e  coches)  interessarão  a  arte  pelas  formas, 
pelos  relevos  e  ornamentos  pintados,  e  pela  libré  da  criadagem. 

A  nossa  cidade  assistiu  a  trez  grandes  solennidades  poli- 
ticas :  a  coroação  e  sagração  de  um  rei,  a  coroação  e  sagração 
dos  dous  imperadores. 

Si  no  tempo  dos  vice-reis  já  existia  a  arte  sumptuária 
em  vehiculos  de  transporte  terrestres  (liteiras  e  cadeirinhas), 
ella  augmentou  com  o  rei,  cuja  nobreza  trouxe  para  o  RÍo 
de  Janeiro  lindos  exemplares,  e  se  accentuou  mais  especial- 
mente no  império.  Nessas  solennidades  se  apresentaram  va- 
riados vehiculos  durante  os  cortejos. 

Apesar  do  progresso  de  vehiculos  de  r< 
venção  de  vários  typos,  ainda  por  algum  temp 
de  cadeirinhas,  não  mais  das  ricas  de  portii 
çadas  com  relevos  e  pinturas  originaes,  ou  a 
cret,  Watteau  e  Fragonard,  porém  das  cadeirii 


(13)  Vid«   estampai   antiga)  na   Bibliothcc 


,dbyGoogle 


544  ,     REVISTA  DO  INSTITOTO  HISTÓRICO 

cortinados  de  um  azul  escuro  com  cercaduras  de  galões  la- 
vrados . 

Daria  matéria  para  mais  de  uma  licção  só  o  tractar  dos 
vehiculos  usados  no  Rio  de  Janeiro  em  todos  os  tempos,  não 
só  quanto  ás  origens  históricas,  ao  conforto,  mas  também  á 
evolução  das  formas  e  tracção,  ao  vestuário  dos  sotas  e  dos 
lacaios,  e  enfim  ao  aspecto  completo  do  vehiculo  a  preencher 
a  sua  funcção.  Tudo  isso  é  pittoresco,  tudo  isso  é  Arte. 

O  pintor  Debret  em  sua  conhecida  obra  junctou  es- 
lam|)as  representando  muitos  vehiculos  antigos  de  rodagem,  e 
|)or  ellas  poder-se-ha  imaginar  a  sege  e  a  traquitana. 

Os  vice-reis  já  se  utilizavam  da  sege,  carro  da  predi- 
lecção de  d,  João  \'I,  o  qual  foi  representado,  em  gravura, 
dirigindo  a  sua  sege. 

*  *  * 

Entre  os  artistas  pintores,  que  aqui  se  distinguiram  antes 
da  vinda  da  Familia  Real  Portugueza,  além  de  José  de  Oli- 
veira, Manuel  da  Cunha,  Leandro  Joaquim,  Raimundo  da 
Costa,  Manuel  Dias  de  Oliveira  Brasiliense  (o  Romano),  já 
citados,  não  devemos  exquecer  os  pintores  João  de  Sousa, 
auctor  da  Virgem  do  Carmelo  do  Convento  do  Carmo,  mestre 
de  Manuel  da  Cunha  e  discípulo  de  José  de  Oliveira,  Muzzí, 
scenographo  da  Casa  da  Opera,  e  frei  Francisco  Solano,  pintor 
sacro  e  decorador,  e  também  pintor  scientista  que  se  encar- 
regou de  desenhar  plantas  estudadas  por  frei  Velloso  em  sua 
Flora  Pluminense . 

Frei  Velloso  dirigiu  o  celebre  estabelecimento  typogra- 
phico  do  Arco  do  Cego.  Algumas  estampas  existem  na  Biblio- 
theca  Nacional. 

Neste  estabelecimento  público,  onde  o  consultante  en- 
contra a  maior  solicitude  e  bòa  vontade  da  parte  dos  func- 
cionarios  de  qualquer  categoria  ou  classe,  guardam-se  provas 
de  gravuras  do  padre  Viegas,  patural  de  Minas  Geraes,  da- 
tadas de  1807,  em  Ouro  Preto.  E'  notável  a  nitidez  das  letras 
e  a  originalidade,  sempre  variada,  das  cercaduras  dos  chara- 
cteres  romanos. 

Frei  Solano,  além  de  artista,  tinha  a  aptidão  simultânea 
de  pintor  scientista.  O  pintor  artista  dá  a  forma  sentimental, 
e  o  pintor-scientista  desenha  a  forma  circunstanciada.,. 


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DAS  ARTES  PLÁSTICAS  NO  BRASIL  545 

O  desenho  scieiítista  constitue  uma  especialidade.  La- 
dislau  Netto  e  Barbosa  Rodrigues,  ambo6  naturalistas  e  aquelle 
também  archeologo,  ambos  ex-alumnos  da  Academia,  hoje 
Eschola  de  Bellas-Artes,  foram  nos  tempos  modernos  dese- 
nhadores scientistas  em  Botânica.  O  primeiro  accompanhou 
Liais  em  sua  excursão  ao  rio  S .  Francisco  e  pelo  interior  do 
Brasil,  e  o  segundo  desenhava  muito  bem  o  reino  vegetal. 

A  respeito  dos  estudos  graphicos  do  finado  Ladislau 
Netto,  sobre  plantas  brasileiras,  se  referiu  Duchartre  em  seu 
Tractado  de  Botânica,  compendio  por  onde  estudei  a  disciplina 
quando  alumno  da  saudosa  Eschola  Central,  hoje  Polytechnica. 

No  tocante  á  Zoologia,  á  Zootechnia,  á  Floricuitura,  ha 
especialistas  no  desenlio  scientifico,  do  mesmo  modo  que  os  ha 
para  o  desenho  de  emoção. 

Tem  dado  boas  provas,  recentemente,  no  Rio  de  Janeiro, 
no  desenho  da  Zootechnia  de  emoção,  os  jovens  Carlos  Os- 
wald  e  Eurico  Alves,  professores  do  Lyceu  de  Artes  e  Of- 
ficios. 

Frei  Francisco  Solano  sobresaíu,  simultaneamente,  como 
pintor  artista  e  desenhador  scientista. 

Achavam-se  a  Architectura,  a  Esculptura  e  a  Pintura,  c 
suas  dírivadas  no  estado  descripto,  quando  aportou  ao  Rio 
de  Janeiro  a  Famiiia  Real  Portugueza,  tendo  á  sua  frente  o 
príncipe  r^ente  d.  João. 

O  vice-rei  conde  dos  Arcos  mandou  mobiliar  e  ornar  o 
palácio,  que  passou  a  ser  real.  Ligaram-n'o  ao  convento  do 
Carmo  (hoje  Instituto  Commercial)  por  um  passadiço.  Os 
frades  se  retiraram,  e  a  rainha  interdicta,  d.  Mana  I,  e  suas 
damas,  passaram  a  residir  na  parte  que  fora  convento.  A 
quinta  de  Elias  António  Lopes  (Quinta  da  Bóa  Vista)  foi 
escolhida  pelo  rei  para  a  sua  residência,  assim  como  poste- 
riormente destinou  o  palacb  da  Fazenda  de  Sancta  Cruz  para 
habitação  de  recreio. 

Mas  quando  chegou  a  Famiiia  Real,  as  melhores  e  mais 
artísticas  egrejas  se  achavam  concluidas,  e  a  cidade  jâ  tinha 
chafarizes,  aqueductos,  Passeio  Publico;  cultivavam-se  a  Ar- 
chitectura,  a  Esculptura,  a  Pintura  e  algumas  das  artes  deri- 
Tadas  ou  subordinadas . 


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5^6  REVISTA.  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

E'  ponto  muito  iwtido  e  sabido  o  dizer  bem  do  reinado 
de  d.  João  VI ;  adeantou-se  a  cidade,  crearam-se  úteis  estabele- 
cimentos e  importantes  instituições;  indiscutível  foi  o  seu 
amor  ás  Bellas-Artes,  valendo-lhe  por  isso  ser  rex  fiáelissimus, 
artittm  amaniissimus . 

Notabilizou-se  o  período  pelas  festividades  religiosas,  ce- 
lebradas com  pfMupa  e  luxo,  pelas  continuadas  solennidades 
da  corte,  festas  populares  do  Natal,  Rets  e  do  Espirito  Sancto, 
procissões  religiosas,  fogos  de  artificio,  etc. 

O  Senado  da  Camará  projectou  um  monumento  para 
commemorar  a  chegada  da  Família  Real.  O  rei  não  o  ac- 
ceitou. 

A  sua  Coroação  motivou  artísticas  obras  commeraora- 
tivas  e  festivas. 

As  ruas  juncaram-se  de  folhas  e  as  janellas  omaram-se 
de  colchas;  numerosos  arcos  de  tríumpho  levantaram-se  por 
toda  a  passagem  do  rei,  um  obelisco  ostentava-se  coberto 
completamente  de  inscrípções  em  honra  ao  monarcha. 

Na  varanda  da  Coroação  aproveitada  depois  com  d. 
Pedro  I,  houve  um  painel  pintado  por  Manuel  Dias  de  Oli- 
veira Brasíliense,  o  mesmo  que  compoz  o  quadro  da  As- 
sumpção, onde  se  vê  esboçado  d.  João  VI,  quadro  pertencente 
á  Finacotheca  da  Eschola  Nacional  de  Bellas-Artes. 

O  architecto  da  varanda  valeu-se  da  collaboração  de 
outro  artista,  Raimundo  da  Costa  e  Silva,  que  pintou  diversos 
quadros,  e  também  da  de  José  Leandro  de  Carvalho,  egual- 
mente  pintor  notável,  reputado  o  melhor  retratista  do  rei. 

Póde-se  affirmar  que  o  governo  de  d.  João  VI  se  serviu, 
para  as  grandes  festividades  reaes,  com  vantagem,  e  quasi 
que  exclusivamente,  dos  artistas  brasileiros,  que  aqui  culti- 
vavam a  Esculptura  e  a  Pintura. 

E  a  maior  parte  das  decorações  para  a  recepção  do  rei 
inciunbíram  a  Manuel  Dias  de  Oliveira  Brasiliense,  cognomi- 
nado o  Romano,  por  ter  estudado  pintura  em  Italía. 

Manuel  Dias  pintou  ainda  maís:  flores,  f metas  e  na- 
tureza morta. 

Aos  membros  da  missão  f  ranceza  contractada  por  aCto  de 
12  de  Agosto  de  1816,  para  fundar  o  ensino  official  de  Bellas- 
Artes,  commetteram-se  posteriormente  os  trabalhos  artísticos 

r,  ..    I.  COCH^IC 


DAS  ARTES  PLÁSTICAS  NO  BRASIL  547 

de  ornamentação,  que  se  tornaram  necessários  e  agradáveis 
ao  governo. 

J.  B.  Debret,  pintor,  e  Grandjean  de  Montigny,  archt- 
tecto,  se  distinguiram  nessas  incumbências. 

Durante  o  primeiro  e  segundo  reinados  couberam  a 
Grandjean  de  Montigny  vários  encargos  de  architectura.  An- 
daria mal  o  poder  público  si  não  o  fizesse,  tractando-se  de 
incomparável  competência. 

Começou  para  o  Brasil  o  período  da  arte  neo-classica, 
devido  aos  ensinamentos  e  planos  de  Grandjean,  no  Rio  de 
Janeiro . 

Os  planos  do  edificio  da  Academia  das  Bellas-Artes, 
hoje  Ministerío  da  Fazenda,  do  primeiro  Mercado  e  salão  da 
Alfandega,  lhe  pertencem;  também  compoz  os  arcos  para  as 
festas  do  primeiro  casamento  de  d.  Fedro  I  com  a  princeza 
l-eopoldina,  e  as  decorações  do  largo  do  Faço,  por  occasião 
da  chegada  da  imperatriz  Amélia,  segunda  esposa  de  d.  Pedro 
I,  e  vários  chafarizes. 

A  Debret  coube  tarefa  valiosa  nas  festas  reaes;  foi  obra 
sua  o  scenario  para  o  theatro  S.  Fedro.  Fintou  os  quadros 
Sagração  de  d.  Pedro  I,  a  Acclamação  do  mesmo  imperador; 
Desembarque  da  imperatriz  d.  Leopoldina  e  o  retrato  de 
d.  João  VI.  Fossuem  as  nossas  galerias  de  Bellas-Artes 
algumas  destas  telas,  e  também  algumas  de  Félix  Taunay, 
outro  membro  da  Missão  Franceza,  o  terceiro  director  do 
ensino  de  Bellas-Artes,  que  succedeu  a  Henrique  Silva,  —  o 
causador  de  séries  desavenças  no  seio  do  corpo  docente. 

A  vinda  da  Familia  Real  Fortugueza  acarretou  grande 
multidão  de  nobres  e  fidalgos,  que  para  aqui  importaram 
quadros,  tapeçarias,  objectos  artísticos,  pertencentes  ao  rei, 
á  sua  corte,  á  fidalguia,  e  muitos  delles  retirados  de  Mafra, 
por  que  receiavam  o  saque  de  Junot. 

Algumas  dessas  telas,  suspeitas  cópias  para  alguns,  mas 
originaes  no  meu  fraco  entender,  fazem  parte  das  nossas  ga- 
lerias. 

De  instrumentos  de  musica,  harpas  e  cravos  dourados; 
lâmpadas;  candeias;  candelabros;  tocheiros;  lustres;  baixellas 
completas  de  prata ;  trastes ;  pannos  de  Arras ;  damascos  legi- 
times; tonkins;  ricas  porcellanas,  serviços  de  charão;  tecidos 

r    .  I.  Google 


548  REViaxA  DO  instituto  histórico 

oríentaes  complicados;  tamboretes  esculpidos;  canapés  com 
tapeçarias  ou  não;  espelhos;  reposteiros  heráldicos;  esteiras 
indianas;  thesouros  de  joalharia;  velludos;  sedas;  rendas  pre- 
ciosas; bordados;  leques  com  pinturas  do  século  XVIII; 
pentes  lavrados;  bastões  abengalados  com  ourivesaria;  mi- 
niaturas chinezas  em  marfim;  custosas  caixinhas  para  o  uso 
do  rapé,  e  de  tantas  outras  cousas  mais,  consistia  a  Sumptuária 
importada  por  essa  occasião  no  Rio  de  Janeiro;  afora  a  Indu- 
mentária real  e  da  corte:  as  librés  dos  lacaios;  as  fardas;  os 
ornamentos  das  ordens  honorificas;  os  paramentos  religiosos; 
as  t^as  da  m^stratura,  e  os  elementos  do  vestuário  de  gala 
das  auctoridades  municipaes. 

O  archeologo  portuguez  Vilhena  Barbosa  em  seu  estudo 
sobre  Tapeçarias,  pags.  269  a  270,  escreveu :  «  As  pessoas  qUe 
sobem  pela  primeira  vez  as  escadarias  do  Palácio  de  Mafra, 
ficam  absortas,  contemplando  aquella  extensa  galeria  de  salas 
vastíssimas,  com  as  suas  altas  paredes  desataviadas  de  adornos, 
e  contrastando,  singularmente,  com  a  grandiosidade  do  edi- 
fício, e  com  as  galas  architectonicas  da  vizinha  basílica. 

Pois  todas  essas  paredes,  agora  nuas,  estiveram  até  fins 
de  Novembro  de  1S07  esplendidamente  vestidas  de  magní- 
ficos pannos  de  Arras,  e  de  outras  tapeçarias  e  lambem  de 
bellos  painéis  a  óleo. 

E  e^almente  se  viam  cobertos  os  pavimentos  dae  mesmas 
salas  de  ricas  alcatifas  da  Pérsia  e  de  França.' 

Porém  de  tudo  isso  foi  despojado  o  palácio  por  occasião 
da  partida  da  família  real  para  o  Brasil. 

As  soberbas  tapeçarias  de  Mafra,  arrancadas  apressada- 
mente como  as  de  Villa  Viçosa,  lá  foram  perder-se,  arma- 
zenadas nas  casas  do  pavimento  térreo  do  paço  do  Rio  de 
Janeiro,  onde  o  calor  e  a  humidade,  de  envolta  com  as  ba- 
ratas, em  breve  as  destruíram  inteiramente.  » 

Direi :  nem  tudo  se  estragou,  e  muita  cousa  pára  em 
mãos  incautas,  que  não  sabem  o  que  possuem. 


Com  a  morte  de  pessoas  da  família  real  e  da  família 
imperial  successora,  a  gala  fúnebre,  110  Rio  de  Janeiro,  para 
os  féretros,  tomou  aspecto  algum  tanto  artístico.; 

lyCoogle 


DAS  ARTBS  PLABTICAa  NO  IIIIA9IL  549 

A  arte  monumental  funerária  antiga  se  reiluziu  aos  tú- 
mulos da  primeira  imperatriz,  cujos  restos  mortaes  foram 
recentemente  trasladados  do  deposito  do  convento  da  Ajuda 
para  o  de  Sancto  António,  e  outras  umas  de  mármore  que  se 
guardam  neste  convento. 

A  inhumação  vulgar  era  feita  em  covas  abertas  no  chão 
das  egrejas  ou  em  nichos  muraes  conhecidos  com  o  nome  de 
catacumbas .' 

As  nossas  catacumbas  ou  sepulturas  muraes,  ha  longos 
annos  interdictas,  consistiam  em  nichos,  abertos  nas  paredes 
dos  pateos,  corredores  ou  jardins  das  egrejas,  e  dispostos  em 
fiadas  parallelas.  A  forma  externa  desses  nichos  era  con- 
stante :  rectilínea  na  parte  inferior  e  na  superior  apresentava 
um  revestimento  sinuoso,  accorde  á  preoccupação  curvilínea 
que  especialmente  assignalou  as  ornamentações  do  estylo  do 
século  XVIII. 

Levavam  o  corpo  no  caixão  para  o  nicho,  onde  depois  de 
collocado  com  ca!,  fechavam  hermeticamente  o  vão  com  alve- 
naria de  pedra  ou  tijolo. 

Findo  o  praso  do  depósito  na  catacumba,  retiravam  os 
ossos,  e  os  punham  em  umas  de  madeira,  das  quaes  conser- 
vavam as  chaves  pessoas  da  família  do  morto.  Os  cofres  fune- 
rários ficavam  sob  a  guarda  perpétua  da  ordem  religiosa,  ou 
irmandade,  a  que  pertencia  o  templo.  Urnas  houve,  de  jaca- 
randá! ou  cedro,  obras  bem  acabadas  de  Marcenaria. . . 

Entre  as  mais  celebres  dessas  necropolcs  muraes  mencio- 
narei as  das  egrejas  do  Carmo,  S.  Francisco  da  Penitencia 
e  S.  Francisco  de  Paula.  O  recincto  da  Penitencia  está 
mais  ou  menos  intacto,  cuidadosamente  respeitado. 

Extendeu-se  a  quasi  todos  os  templos  o  singular  typo  de 
construcção,  provindo  da  Península  Ibérica,  a  representar  uma 
phase  da  arte  dos  túmulos.  O  vão  de  porta,  que  do  pateo  da 
^reja  do  Carmo  se  communicava  com  o  recincto  das  cata- 
cumbas, hoje  casa  de  banhos,  embora  fechado  com  alvenaria, 
conserva  characteristicos  a  exprimir  tristeza  em  seus  relevos 
de  vetusta  pedra. . . 

De  todas  as  modalidades  das  artes  é  a  funerária  a  que 
se  destaca  na  Historia  da  Architectura,  por  phases  accen- 
tuadas  nas  Unhas  da  construcção,  na  escuiptura  emblemática 


550  REVISTA  DO  INSTITDTO  HISTÓRICO 

e  na  estatuária  symbolica.  Percorram-se  todos  os  exemplos 
atravez  dos  séculos  e  dos  povos;  as  pyramides  pharaonicas, 
os  teocalis  da  America;  os  sepulcros  musulmanos,  as  mas- 
tabas  e  hypogeus  egypcios  ou  hindus,  as  tumbas  chaldaicas; 
as  sepulturas  reaes  dos  Medo- Persas ;  toda  a  Judéa ;  as  ca- 
marás funerárias  dos  Phenicios,  os  monumentos  da  Lycia,  os 
ataúdes  chinezes,  as  esteias  dos  cemeterios  gregos,  os  túmulos 
dos  Etruscos,  e  as  construcções  sepulchraes  dos  Romanos  que 
excederam  em  esplendor  e  luxo, 

A  nossa  arte  funerária,  depois  das  catacumbas,  se  re- 
sente  e  resentír-se-ha  da  influencia  herdada  do  século  XVIII, 
mesmo  nos  féretros  e  nos  carros  fúnebres,  quanto  á  funcção 
emblemática  do  ornato  e  á  estatuária  symbolica. 

Nos  séculos  XVII  e  XVIII  os  edifícios  fúnebres  não 
apresentavam  a  calma  e  eleva<;ão  artística  dos  séculos  ante- 
riores. 

A  decoração  consistia  em  uma  multiplicidade  de  attri- 
butos,  ossos,  esqueletos,  caveiras,  fachos  de  mater iaes  di- 
versos, em  opposição  aos  mármores  brancos  e  pretos. 

No  século  X\'ni  esse  gosto  attíngiu  ao  máximo  de  ex- 
clusivismo.. .  entretanto  nada  mais  expressivo  na  arte  tu- 
mular, do  que  a  simplicidade. . .  As  nossas  catacumbas  pri- 
mavam pela  simplicidade.  Penso  que  no  tumulo  a  simpli- 
cidade deve  dominar  no  conjuncto  e  nos  pormenores. 

As  Bellas-Artes  encontraram,  depois  da  Independência 
politica,  no  primeiro  imperador  a  mesma  protecção  que  lhe 
dispensava  tão  dedicadamente  seu  augusto  jrae.  Reformou 
o  ensino,  fundando  definitivamente,  era  1826,  a  Academia 
Imperial  das  Bellas-Artes  que  funccionou,  desde  1<^,  em 
edifício  próprio,  riscado  por  Grandjean  de  Montigny,  pri- 
meiro professor  official  de -Architectura. 

D.  Pedro  I  possuia  natural  e  espontânea  aptidão  artís- 
tica, E'  sabida  a  influencia  directa  que  teve  o  primeiro  impe- 
rador no  arranjo  da  nossa  primeira  bandeira  e  das  Armas 
Imperiaes,  na  sua  indumentária  niagestatica,  aproveitando  a 
plumagem  amarella  do  tucano,  a  combinar  symbolicamente 
com  o  verde  do  manto  bordado  a  ouro.  D.  Pedro  I  teve  a 
coUaboração  artistica  de  Debret. 


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DAS  AftTRS  PL&STICAS  NO  BRASIL  551 

O  sceptro  real  era  encimado  por  uma  esphera  armillar, 
mas  o  imperial  pelo  dragão  da  Casa  de  Bragança,  animal 
fabuloso  esse,  que  deu  nome  e  allegoria  á  ordem  honorifica 
do   fundador   do  Império. 

A  corte,  damas  e  fidalgos,  receberam  trajo  derivado  dos 
em  uso  na  corte  portugueza,  modificado  nas  cores  e  nos 
bordados,  sendo  verdes  os  mantos,  bordados  a  ouro,  e  bor- 
dados de  prata  os  vestidos  brancos,  de  seda,  decotados,  das 
damas  que  ostentavam  beltas  plumas  brancas  no  respectivo 
penteado. 

As  fardas  verdes  bordadas  a  ouro  vestiam  a  nobreza.  O 
trajo  de  gala  dos  grandes  do  Império  no  primeiro  reinado 
encontra-se  fielmente  representado  no  retrato  do  marquez  de 
Inhambupe,  tela  pertencente  á  Eschola  de  Bellas-Artes. 

Nas  fardas,  conforme  a  categoria  da  corte,  gentil-homem 
ou  veador,  variava  o  distinctivo.  Chave  de  ouro  distinguia  o 
gentil-homem  do  imperador  e  o  dragão  era  o  distinctivo  do 
veador   da   imperatriz. 

A  bellissima  composição  da  ordem  honorifica  da  Rosa 
foi  inspiração  e  risco  de  d,  Pedro  I. 

Lembro-me  de  que,  em  uma  das  viagens  a  Europa,  sua 
magestade  o  imperador  sr.  d.  Pedro  II  visitou  Affonso 
Karr  grande  cultivador  e  amador  de  rosas. 

Agraciou  o  romancista  com  o  gráo  de  cavalleiro  da 
Ordem  da  Rosa.  Li,  tempos  dejwis,  em  um  jornal  La  Rose 
que  se  publicava,  não  me  recordo  bem,  si  em  França  ou  na 
Bélgica,  um  artigo  intitulado  —  Chevalier  de  la  Rose,  no  qual 
Affonso  Karr  mostrava-se  enthusiasmado  pela  ordem  hono- 
rifica, e  ao  primeiro  enxerto  deu  o  nome  de  Chevalier  de  la 
Rose. 

A  rosa  é  o  emblema  da  Arte,  e  côr  de  rosa  a  sua  còr 
symbolica ! . . . 

Publicou-se,  ha  alguns  annos,  succinta  noticia  illustrada 
sobre  as  ordens  honorificas  brasileiras  por  Artidor-  v---— 
Pinheiro,  digna  de  ser  lida  por  quem  desejar  conh 
as  condecorações,  com  as  quaes  se  galardoavam  se 
regime  imperial. 

Durante  os  primeiros  annos  do  reinado  de  d. 
dous  pintores  brasileiros  mereceram  pelo  seu  valoi 


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553  RETISTA  DO  INSTITUTO   HISTÓRICO 

fiança  do  soberano:  José  Leandro  de  Carvalho,  já  notável 
com  d.  JcMÍo  VI,  e  seu  diseipulo  Francisco  Pedro  do  Amaral 
aquelle  Fluminense  e  este  Carioca. 

Francisco  Pedro  do  Amaral  nlo  assistiu  ao  aconteci- 
mento politico  de  7  de  abril  de  1831,  morreu  seis  mezes 
antes. 

A  principio  estudou  com  um  artista  porti^:uez  Manuel 
da  Costa  que,  segundo  um  biographo,  era  de  génio  violento  e 
dorminhoco,  principalmente  depois  de  jantar. 

Aprendeu  em  seguida  com  José  Leandro,  Manuel  Dias, 
e  frequentava  assiduamente  as  aulas  de  Jo3o  B.  Debret.  Foi 
architecto,  pintor  decorador,  scenc^rapho  e,  entre  os  artistas 
nacionacs  seus  contemporâneos,  se  distinguiu  na  invenção  c 
technica;  era  lettrado. 

Contam  que  Amaral  abandonou  a  auía  de  Manuel  da 
Costa  por  uma  brincadeira,  resultando-lhe  por  isso  muitas 
sympathias.  Aproveitou  fazer  surpresa  no  momento  em  que 
Manuel  da  Costa  depois  do  jantar  dormia  profundamente  no 
sofá.  Usava  este  chinelas,  as  deixou  no  soalho,  ficando  des- 
calçados os  pés.  Amaral  as  escondeu,  e  tractou  de  pintar 
outras  admiravelmente  eguaes  no  mesmo  logar. 

Despertado,  Manuel  da  Costa  sentou-se  e  luctou  para 
encaixar  os  pés  nas  chinelas,  arrastando-os  debalde  no  chão, 
tal  era  a  similhança  da  pintura. 

Francisco  Pedro  do  Amaral  decorou  o  interior  do  pala- 
cete da  marqueza  de  Santos,  amplo  e  correcto  edifício  em 
S.  Christovãtí,  hoje  propriedade,  me  parece,  do  medico 
dr.  Abel  Parente.  Pois  bem,  ao  lado  de  trabalhos  irrepre- 
hensiveis  de  pintura,  ainda  conservados,  divertiu-se  em  pintar, 
fora  de  propósito,  uma  mosca  em  ponto  da  casa,  intencional- 
mente para  illudir. 

Não  tem  faltado  quem  a  enxote  inutilmente:  a  mim  me 
aconteceu  quando  alh  residiu  o  visconde  de  Mauá... 

D,  Pedro  I  o  nomeou  para  o  cargo  de  pintor,  chefe  e 
director  das  decorações  da  Casa  Imperial.  Restaurou  tod'os 
os  trens  do  soberano,  adaptando  aos  velhos  coches  e  car- 
ruagens ornamentos  do  novo  império. 

O  dr.  Moreira  de  Azevedo  refere  que  Amaral,  em  1829, 
publicou  um   folheto  intitulado: — Explicação   allegqrica  da 


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DAS  ARTES  PLÁSTICAS  NO  BRASIL  553 

decoração  dos  coches  de  Estado  de  S.  M.  o  Senhor  Dom 
Pedro  l,  descrevendo  o  seu  trabalho  de  ornamentista . 

Por  mais  que  investigasse  em  bibliothecas,  não  consegui 
ainda  encontrar  o  precioso  folheto  que  tanto  desejo  lêr...i 

Ao  passo  que  no  ex-palacete  da  marqueza  de  Santos 
conservam-se  as  pinturas  de  F.  P.  do  Amaral,  não  se  dá  o 
mesmo,  e  ha  muitos  annos,  no  antigo  solar  da  faraiiia  do 
marquez  de  Inhambupe,  prédio  actualmente  do  Derby-Club, 
á  praça  Tiradentes,  muitas  vezes  transformado  para  peior 
desde  que  na  casa  se  installou  um  famoso  hotel  de  outros 
tempos,  o  chamado  —  Hotel  dos  Príncipes. 

Alli  Amaral,  segundo  disse  Porto-Alegre,  pintou  entre 
outras  scenas  tradicionaes  a  de  uma  fogueira  de  S,  João. 

Decorou  também  a  sala  da  velha  casa,  onde  por  largos 
annos  esteve  a  Bibliotheca  Nacional. 

O  pintor  carioca  era  um  interessado  sincero  por  tudo 
quanto  se  relacionasse  com  a  sua  Arte ;  fundou,  a  22  de  Abril 
de  1827,  a  Sociedade  de  S.  Lucas,  composta  de  pintores, 
a  qual,  disse  Moreira  de  Azevedo,  durante  septe  annos  eífe- 
ctuou  reuniões  em  casa  do  sócio  António  da  Cunha  Pereira, 
á  rua  Princeza  dos  Cajueiros,  hoje  rua  Barão  de  S.  Félix, 


D.  Pedro  I  sentia  a  Arte,  sabia  ver,  amava  a  Musica 
e  o  Desenho,  Deve-se  a  elle,  ao  seu  ministro  José  Clemente 
Pereira,  como  já  alludí  no  inicio  deste  curso,  principalmente 
ao  notável  pintor  João  Baptista  Debret,  auxiliado,  por  seu 
discípulo  Manuel  de  Araújo  Porto-AIegre,  a  realização,  em 
1829,  da  primeira  exposição  pública  de  Beilas-Artes,  no  Rio 
de  Janeiro.  Porto-Alegre  contava  apenas  23  annos  de  edade; 
morreu  cincoenta  annos  depois,  tendo  nascido  na  antiga  pro- 
víncia, hoje  Bstado  do  Rio  Grande  do  Sul,  a  29  de  No- 
vembro de   1806. 

O  professor  Debret  não  tinha  nessa  occasião  menos  de 
61  annos,  e  morreu  octc^enario. 

Não  foi,  sem  difficuldade,  que  Debret  conseguiu  o  que 
desejava,  apesar  da  bòa  vontade  do  ministro.  Oppunha-se 
o  director  da  .Academia,  Henrique  Silva.. 


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554  REVISTA  DO  IMSTITUTO  HISTÓRICO 

Debret  insistiu,  incumbindo  ao  seu  discípulo  Porto- 
Alegre  de  renovar  o  pedido  juncto  ao  ministro, 

O  imperador  soube  do  que  occorria;  a  acção  enérgica 
de  d.   Pedro  I   não  se   fez  esperar, 

A  exposição  se  oi^nizou,  inaugurando-se  a  5  de  No- 
vembro de  1829,  perante  numerosa  e  selecta  assistencip. 
A  essa  exposi<^  concorreram  com  trabalhos  os  mestres  da 
Academia   e  seus  discípulos. 

Em  1830  se  realizou  outra  exposição;  ainda  Debret  re- 
correu ao  seu  discípulo  Porto-Al^re. 

Por  mais  de  uma  vez  neste  curso  tenho  pronunciado  o 
nome  de  Manuel  de  Araújo  Porto  Alegre,  o  pintor  archi- 
tecto,  poeta  e  escriptor,  deante  do  seu  grande  quadro  (por 
concluir) — A  Coroação  do  sr.  d.  Pedro  II,  e  que  presente- 
mente orna  uma  das  paredes  desta  sala. 

Em  Agosto  de  1907  descobriram,  abandonada,  a  tela 
em  aposentos  da  então  sede  da  Sociedade  de  Geographia. 

Ernesto  Senna  obteve  que  fosse  exposta  em  uma  das 
salas  da  Escbola  Nacional  de  Bellas-Artes. 

Por  essa  occasião  o  dr.  Vicente  Píragibe,  que  dirigia  o 
Correio  da  Manhã,  appellou  para  mim,  pedindo  algumas 
linhas  a  respeito  da  composição  de  Porto-Alegre,  no  que 
assenti .  Foram  publicadas,  em  forma  de  folhetim  na  terceira 
■  pagina  da  edição  desse  orgam,  de  2  de  Septembro  daquelle 
anno,  firmadas  com  as  iniciaes  A.  V.,  usadas  por  mim  de 
longa  data  nos  escriptos  quC,  sobre  Arte,  saem  em  jomaes 
diários. 

Direi,  em  extracto,  deante  do  quadro,  o  que  escrevi 
em  1907: 

A  composição  commemorativa  da  imperial  ceremonia  é 
vasta,  e,  si  tivesse  sido  concluída,  contemplaríamos  a  obra 
artística  de  mais  fôlego  produzida  por  Porto-Alegre,  não 
só  pelas  dimensões  da  superfície  pintada,  mas  príncipalmente 
pelas  complicações  do  scenario,  e  numeroso  concurso  de  fi- 
guras. 

Decorreram  já  muitos  annos;  raríssimos  contemporâneos 
poderiam  restar,  testimunhas  do  facto  histórico.  Estava  viva 
então,  em  1907,  uma  das  testimunhas  e  único  collaborador 
de  Porto-Alegre  na  pintura  da  tela. 


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DAS  ARTES  PLÁSTICAS  HO  BR&tUL  555 

Era  o  venerando  artista,  meu  prezado  mestre  e  amigo 
João  Maximiano  Mafra,  de  saudosa  memoria. 

Tornou-se  indispensável  conferenciar  com  elle;  sem  as 
suas  informações  não  descobriria  na  composição  algum^ 
personagens  retratadas ;  escasseiam  retratos  da  .epocha  para  a 
comparação.  E  quem  quizesse  se  regular  pelo  programma  da 
ceremonia  imperial,  inserto  no  Jornal  do  Commercio  e  no 
Diário  do  Rio  de  Janeiro  de  Julho  de  1841,  só  cons^uiria 
descobrir  alguns  retratados  por  distinctivos  que  carregavam, 
mas  outros  absolutamente  não.  Membros  da  coroação  quaes: 
Cândido  José  de  Araújo  Viana  (depois  visconde  e  marquez 
de  Sapucahi),  José  Clemente  Pereira,  e  Miguel  Calmon  du 
Pin  e  Almeida  (depois  marquez  de  Abrantes)  se  acbam  re- 
presentados: o  primeiro,  (ministro  do  Império)  sem  a  Con- 
stituição, o  segundo  sem  a  espada  (era  o  ministro  da  Guerra) 
e  o  terceiro  (ministro  da  Fazenda)   sem  a  coroa. 

Pelo  prcçramma  da  solennidade,  entretanto,  a  estes  mi- 
nistros conpetia  conduzir  aquellas  insignias. 

A  composição  representa  o  imperador,  muito  moço  e 
imberbe,  em  pé.  juncto  do  throno,  já  coroado  e  empunhando 
o  sceptro.  A  figura  de  Miguel  Calmon  du  Pin  e  Almeida, 
(marquez  de  Abrantes),  por  exemplo,  incumbido  da  coroa, 
não  poderia  mais  estar  com  ella.  De  José  Clemente  Pereira 
ha  esculpturas  para  termo  de  comparação,  e  de  Araújo  Viana 
(marquez  de  Supucahi)  dous  retratos  que  o  recordam  com 
a  physionomia  que  tinha  nessa  epocha,  uma  cópia  photc^a- 
phica  pertence  a  um  dos  seus  netos,  e  o  original  fora  pintado, 
ha  muitos  annos  no  Maranhão,  em  homenagem  á  sua  presi- 
dência e  deve  ainda  se  achar  na  capital  daquelle  estado  do 
Norte. 

As  informações  do  sr.  professor  Mafra  foram  valiosas, 
a  mim  ministradas  pacientemente,  em  sua  residência,  quando 
já  doente,  carregando  mais  de  80  annos,  e  quasi  na  ímminencia 
de  uma  cegueira. 

O  velho  e  bom  Mafra  conservou  até  morrer  sempre 
admirável  memoria.  Deu-me  as  razões  da  interrupção  da 
pintura  do  quadro,  c  consequentemente  porque  ficou  a  com- 
posição por  concluir. 


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556  REVISTA  DO  IHSTITOTO  HISTÓRICO 

Ao  Instituto  pertence  a  photographia  do  esboço  funda- 
mental do  quadro;  a  Bibliotheca  Nacional  possue  tanlbem 
outra  cópia  photographica. 

Resolvida  a  enconunenda  do  Quadro,  cederam  por  em- 
préstimo ao  pintor,  para  atelier,  uma  sala  do  antigo  edificio 
da  praça  do  Commercio,  á  rua  Primeiro  de  Março. 

O  sr.  Mafra  traçou  a  quadricula  e  os  primeiros  deli- 
neamentos da  perspectiva  do  quadro,; 

Os  retratos  foram  pintados  deante  dos  respectivos  mo- 
delos vivos.  Porto-Alegre  conseguiu-o,  indo  pessoalmente  á 
casa  de  cada  um  delles,  O  sr.  Mafra  pintou  duas  cabeças. 
Depois  do  trabalho  muito  adeantado,  a  Associação  Cont- 
mercial  precisou  da  sala.  Enrolaram  a  tela  e  a  removeram 
para  o  almoxarifado  do  Palácio  Imperial  da  cidade.  Nunca 
mais  Porto-Alegre  pôde  pros^uir,  distrahicfo  por  outras 
occupações,  algumas  em  paizes  extrangeiros. 

A  tarefa,  tão  bem  começada,  ficou  por  terminar,  e  afinal 

exquecida  e  abandonada  em  um  recanto  de  dependências  do 

Palácio,  occupadas  depois  pela  Sociedade  de  Geographia, 

Na  tela  ha  espaços  own  esboços  de  pintura,  outros  em 

branco,  e  naturalmente  damníficados . 

Felizmente  o  quadro  tem  agora  pouso  digno,  em  sala  da 
associação  que  Porto-Al^re  tanto  prezava  e  a  qual  tanto 
illustrou  com  o  seu  talento. 

Não  falta  o  que  vêr  na  pintura. , . 

O  facto  histórico  da  coroação  do  imperador  sr,  d.  Pedro  II 
é  matéria  sabida.  As  noticias  da  apparatosa  ceremonia,  men- 
cionando os  nomes  das  altas  personagens  presentes,  constam 
de  jornaes  de  1841,  referidas  e  reproduzidas  em  outras  pu- 
blicações modernas. 

O  desenho  da  celebre  varanda,  projecto  de  Porto-Alegre, 
já  tem  sido  egualmente  reproduzido, 

O  quadro  mostra  o  ambiente  da  sala  do  throno  da  va- 
randa, no  momento  da  proclamação  pelo  arcebispo  da  Bahia, 
d,  Romualdo,  mais  tarde  agraciado  com  o  titulo  de  marquez 
de  Sancta  Cruz. 

O  throno  e  o  docel  estão  por  acabar,  A  figura  do  prelado 
apresenta  a  cabeça  ligeiramente  esboçada,  e,  como  essa  figura, 
se  vê  a  que  deve  representar  o  condestavel,  cujo  papel  coube 


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DAS  ARTES  PLAStlCAB  KO  BRASIL  $$? 

ao  primeiro  marquez  de  Paranaguá  (Francisco  yillelá  Bar- 
bosa) ministro  da  Marinha. 

Distinguem-se  todos  os  demais  ministros,  alguns  membros 
da  Còrle  e  do  Clero. 

Nota-se  o  predomínio  das  figuras  de  perfil;  a  do  joven 
imperador  está  de  perfil. 

Dos  ministros  pintados  ao  lado  do  throno  se  percebe 
facilmente  o  de  Extrangeiros,  Aureliano  de  Souza  Oliveira 
Coutinho  (visconde  de  Sepetiba),  por  que  traz  o  globo,  men- 
cionado no  programma  official  da  ceremonia. 

A  figura  de  Miguel  Calmon  du  Pin  e  Almeida  (marquez 
de  Abrantes)  se  acha  perto.  Do  outro  lado  um  pouco  á 
frente,  se  destacam  o  alferes-mór  conde  de  Lages  (depois 
marquez)  empunhando  o  estandarte  imperial,  e  juncto  delle 
o  ministro  da  Justiça  Paulino  José  Soares  de  Sousa  (visconde 
do  Uruguai), 

No  plano  posterior,  em  frente  a  dous  moços  fidalgos, 
estão  Cândido  José  de  Araújo  Viana  (marquez  de  Sapucahi) 
e  José  Clemente  Pereira.  O  commandante  das  Armas  se 
acha  nesse  grupo  em  figura  charactertstica. 

Araújo  Viana  não  usava  da  barba  nesse  tempo  mais  do 
que  pequenas  costelletas,  e  os  cabellos  se  conservavam  ainda 
todos  pretos.  E'  um  dos  retratos  que  se  pôde  considerar  quasi 
acabado  pelo  artista.  Em  grande  maioria  as  pessoas  evidentes 
do  quadro  vestem  casaca  de  Corte  e  trazem  o  manto  da 
Ordem  honorifica  de  Christo. 

O  bispo  do  Rio  de  Janeiro  de  então,  conde  de  Irajá, 
parece  representado  na  tela,  cingindo  a  mitra  e  empunhando 
o  cajado  episcopal.  Dos  retratados,  além  dos  já  referidos, 
devem  estar  os  marquezes  de  Barbacena,  de  S.  João  Marcos, 
de  S.  João  da  Palma,  de  Itanhahem  e  outros  titulares. 

No  primeiro  plano,  quasi  no  eixo  vertical  da  compo- 
sição, é  interessante  o  grupo  do  mestre  da  capella,  cónego 
Moreira,  e  a  do  conselheiro  Paulo  Barbosa  da  Silva,  mestre 
da  sala.  Porto-Alegre  os  pintou,  um  juncto  do  outro  a  con- 
certarem ceremonias. . .  Vultos  das  princezas  d.  Januaria  e 
d.  Francisca,  ermas  do  imperador,  assistem  de  uma  tribuna. 
Nos  trechos  em  branco,  o  artista  incluiria  outras  perso- 
nagens . . . 


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558  REVISTA  DO  INST1T0TO  HISTÓRICO 

A  figura  de  António  Carlos  de  frente,  lado  opposto  ao 
throno,  basta  para  recommendar  um  pintor. 

Felizmente  está  salvo  o  precioso  dociunento  de  Arte 
nacional,  sob  a  guarda  vigilante  do  Instituto  Histórico  e 
Geographico  Brasileiro ... 


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CONTINUAÇÃO  DAS  ARTES  KO  PRIMEIRO  REINADO  —  PERÍODO 
DA  REGÊNCIA  —  AS  ARTES  E  ARTISTAS  NO  REINADO  DO 
SR.  D.  PEDRO  II 

Sr.  presidente  do  Instituto  Histórico  e  Gec^aphico  Bra- 
sileiro. 

Meus  senhores: 

Em  1829  estava  dado  o  primeiro  passo  paia  os  subse- 
quentes certamens  de  arte,  com  a  inauguração,  no  Rio  de 
Janeiro,  da  i'  Exposição  de  Bellas  Artes.  Ficaram  satisfeitos 
os  justos  desejos  do  professor  João  Baptista  Debret, 

A'  Exposição  seguinte,  em  1S30,  quando  ministro  do 
império  o  conselheiro  José  António  da  Silva  Maia,  concor- 
reram mais  expositores,  e  entre  elles  recordo  apenas  por 
curiosidade  histórica  o  nome  do  auctor  dos  Suspiros  Poéticos 
e  da  Confederação  dos  Tomoios,  Domingos  José  Gonçalves 
de  Magalhães  (mais  tarde  visconde  de  Araguaia),  então 
alumno-amador  da  Academia. 

O  successor  do  illustre  Lebreton  na  direcção  do  ensino 
das  Bellas-Artes,  Henrique  da  Silva,  embaraçou,  como  vimos, 
o  quanto  lhe  foi  possível,  as  exposições. 

Henrique  foi  um  pintor  importado  de  Lisboa  para 
illustrar  traducções  de  Targini  (barão  de  S.  Lourenço),  o 
seu  protector  e  que  em  má  hora  se  lembrou  de  po-lo  á  testa 
do  ensino.  Era  um  artista  de  pouco  valor. 

A  morte  do  conde  da  Barca  se  tomou  calamidade  para 
os  artistas  francezes,    que    se  consideraram    desamparados. 

Simão  Pradier  retirou-se  em  1818  para  a  Europa;  Le- 
breton retrahiu-se,  indo  residir  em  uma  casa,  á  praia  do 
Flamengo,  fallecendo  em  Maio  de  1819. 

Henrique  da  Silva  desgostou  os  illustres  artistas  fran- 
cezes, contractados  por  d.  João  VI,  e  peior  'não  aconteceu 


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56o  REVISTA  DO  INSTITUTO  lUSTORlCO 

devido,  segundo  Porto-Alegre,  a  plácida  constância  'de  Debret, 
aos  seus  talentos  e  ás  suas  virtudes. 

cAquelle  nosso  compatriota,  quando  se  matriculou  em 
1827  na  Academia  das  Bellas-Artes,  já  a  encontrou  num 
cahos  incomprehensivel  de  desordem  e  de  odíos  recíprocos. 
Henrique  da  Silva,  não  podendo  ferir  os  mestres,  feria  o 
ensino,  entravava  o  seu  andamento;  muito  protegido  levou  a 
Academia  de  rastros,  até  1829,  quando  com  a  bóa  vontade  de 
José  Clemente  Pereira  e  energia  do  imperador  d.  Pedro  I, 
cessaram  as  hostilidades,  inaugurando-se  a  primeira  expo- 
sição, com  catalogo  impresso  ã  custa  de  Debret  >. 

E'  sina  do  estabelecimento  até  hoje:  de  vez  era  quando 
apparecem  factos  de  uma  analogia  flagrante... 

O  medíocre  successor  de  Lebreton  procurou  de^^star 
principalmente:  a  Nicolau  Taunay,  a  Debret  e  a  Grandjean 
de  Montigny,  artistas  consagrados,  e  cujas  bi<^raphias  podem 
ser  lidas  nos  melhores  diccionarios  encyclopedicos.  Prete- 
ridos na  direcção  da  Academia,  que  fundaram,  difficilmente 
supportariam  o  novo  estado  de  cousas.  Nicolau  Taunay,  já 
membro  do  Instituto  de  França,  retirou-se ;  Debret  aqui  ficou 
apenas  para  desenhar  a  sua  Viagem,  e  Grandjean  por  ter 
gasto  os  haveres  em  uma  propriedade,  que  não  conseguiu 
vender  como  lhe  convinha. 

O  acontecimento  politico  de  7  de  Abril  dei83i  acarretou 
consequentemente  natural  perturl)ação  Cm  todos  os  serviços 
públicos:  o  das  Bellas-Artes  não  deixou  de  ser  attingido. 
Debret  regressou  para  a  Europa,  pe<fíndo  mais  tarde  de- 
missão, ao  que  o  Governo  annuiu  e  lhe  concedeu  uma  pensão. 
Porto-Alegre  accompanhou  seu  mestre. 

De  1S31  a  1834  o  ensino  das  Bellas-Artes  qUasi  não  dava 
signal  de  si,  a  não  serem  referencias,  nem  sempre  agradá- 
veis, constantes  de  relatórios,  de  ministros  do  Império  do 
período  inicial  da  Regência. 

Em  1834  (29  de  Outubro)  morreu  o  director  Henrique. 
Nomeado  Grandjean  de  Montigny,  não  acceítou,  recaindo  a 
eleição  no  pintor  e  professor  Félix  Emilio  Taunay,  filho 
do  eminente  artista  Nicolau  Taunay. 

A  primeira  referencia  desagradável  de  um  ministro  da 
Regência  foi  a  de  José  Lino  Coutinho  em  seu  relatório  de 


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IJA3  ARTE3  PLÁSTICAS  NO  BRJkSlL     -  561 

1832.  Disse  elle:  «a  Academia  de  Bellas-Artes  crêada  para 
aproveitar  a  mocidade  brasileira  nas  obras  de  imaginação  e 
de  gosto,  para  as  quaes  tem  grande  queda,  estava,  por  assim 
dizer,  em  perfeita  nullidade,  sem  estatutos  nem  plano  de 
estudos  theoricos  e  practicos ;  nem  os  mestres  ensinavam,  nem 
-os  discípulos  aprendiam». 

€  Deu-se-lhe,  portanto,  um  plano  regular  de  estudos, 
marcaram-se  as  obrigações  dos  professores  e  seus  empre- 
gados, e  o  Governo  espera,  que  com  taes  medidas  esta  Aca- 
demia dará  para  o  futuro  artistas  instruídos  e  hábeis  em 
seus  ramos. » 

O  ministro  Nicolau  Vergueiro,  em  1833,  não  se  mani- 
festou muito  favorável  á  opportunidade  do  ensino  de  Bellas- 
Artes,  porquanto  dirigindo-se  ao  Corpo  Legislativo  escreveu ; 
€  A  Academia  das  Bellas-Artes  é  lim  estabelecimento  que 
não  pôde  apresentar  grande  prosperidade  em  um  paiz,  onde 
estão  em  atraso  as  que  são  mais  necessárias  á  vida,  contudo 
ella  é  frequentada  por  24  alunjpos  matriculados  e  muitos 
amadores,  entre  os  quaes  alguns  se  notam  com  grande  apro- 
veitamento » . 

O  ministro  Chichorro  da  Gama,  que  succedeu  a  Ver- 
gueiro, pediu  reforma,  citou  aulas,  opinando  que  o  ensino 
de  Anatomia  conviria  ser  simultâneo  com  o  do  Desenho  figu- 
rado e  de  modelo-vivo,  não  constituindo  cadeira  indepen- 
dente . 

Em  1835,  Joaquim  Vieira  da  Silva  e  Sousa  foÍ  o  pri- 
meiro ministro  do  império  que  officiahnente  pediu  aucto- 
rização  para  prémios  nas  aulas  de  Desenho  e  modelo-vívo. 

Já  em  1836.  pelo  relatório  de  José  Ignacio  Borges,  vê-se 
que  houve  aproveitamento  na  mocidade  da  Academia,  visto 
como  muitos  alumnos  foram  premiados  em  Esculptura, 
Pintura  e  Desenho.  Limpo  de  Abreu  (visconde  de  Abaete), 
ministro  do  Império  em  1837,  pediu  a  creação  de  uma  cadeira 
de  Gravura  de  medalhas.  Bernardo  Pereira  de  \'asconcellos 
em  1838  julgou  pequena  a  verba  consignada  para  a  Aca- 
demia. Em  1839,  Francisco  de  Paula  Almeida  e  Albuquerque 
desapropriou  os  prédios  para  a  formação  da  praça  semi- 
circular em  frente  á  Academia,  e  a  abertura  da  rua  Leopol- 
dina, hoje  Barbara  de  Alvarenga. 

No  período  da  Regência  foi  que  se  pensou  nos  salões  deOQlC 
Arte  propriamente  dictos,  ou  exposições  geraes  de  Bellas- 
5'  3» 


g6a  •    REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTOHICO 

ArteS,  concorrendo  alumnos  da  Academia  e  artisías  éxtranhos 
a  ella.: 

O  conselheiro  Manuel  António  Galvão,  que  conversara 
com  Porto-Alegre  em  Londres  e  ouvira  aqui  Félix  Taunay, 
expediu,  a  31  de  Março  de  1840,  o  aviso,  memorável  para  a 
Arte  nacional,  determinando  que  a  Exposição  annual  da  Aca-. 
demia  se  tomasse  Exposição  de  Bellas-Aries  e  que  se  confe- 
rissem prémios  aos  expositores  mais  notáveis,  quer  fossem 
pertencentes  ao  estabelecimento,  quer  fossem  éxtranhos.  O 
conselReiro  Manuel  António  Galvão,  ministro  da  Regência, 
foi,  por  conseguinte,  o  fundador  dos  salões  annuaes  de  Arte 
no  Rio  de  Janeiro. 

No  relatório  de  14  de  Maio  de  1840,  ainda  no  período 
da  Regência,  apresentado  pelo  ministro  do  Império,  Fran- 
cisco Ramiro  de  Assis  Coelho,  ha  providencias  lembradas  era 
matéria  de  Bellas-Artes,  dignas  de  apreço. 

Assis  Coelho  lembrou  a  creação  de  academiaã  filiaes 
nas  capitães  das  provincias,  e  na  justificação  perante  o  Corpo 
Legislativo  terminou  com  as  seguintes  palavras :  <  si  vos 
dignardes  de  prestar  a  esta  idéa  a  vossa  attenção,  as  paredes 
dos  nossos  edifícios,  hoje  adornadas  com  tapeçarias  e  gra- 
vuras extrangeiras,  em  breve  tempo,  brilharão  com  quadros 
das  nossas  encantadoras  paizagens  e  dos  acontecimentos  mais 
notáveis  da  Historia  do  Brasil  >, 

O  conselheiro  Assis  Coelho  lembrou  mais  mandar  pen- 
sionistas ã  Europa,  escolhidos  entre  os  alumnos  mais  dis- 
tinctos,  para  se  aperfeiçoarem  nos  melhores  centros  de  cultura 
artística.  Foi  além  do  seu  antecessor  relativamente  á  pro- 
tecção ás  Bellas-Artes;  projectou  r^ulamentação  para  as  ex- 
posições geraes,  com  jury  prévio  e  prémios. 

Do  exposto  se  conclue  que  os  governos  do  período  da 
Regência  não  se  descuidaram;  pelo  contrario,  ministros  tor- 
naram em  realidade  medidas  proteccionistas  ás  Bellas-Artes, 
hoje  tão  repetidas  como  cousas  novas,  quando  já  as  passadas 
gerações  dirigentes  as  tinham  lançado. 

Não  houve  tempo  para  se  inaugurar  a  primeira  Expo- 
sição Geral  de  Bellas-Artes,  no  período  da  Regência,  de 
accôrdo  com  as  suas  mencionadas  decisões.  Inaugurou-se  já 
no  primeiro  ministério  da  Maioridade. 


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DAS  ARTB8  PLÁSTICAS  NO  BRASIL  563 

Deste  salão,  propriamente  dicto,  principiou  a  phase  de 
movimento  da  Pintura,  o  qual  precedeu  ás  phases  brilhanteii 
dessa  Arte  era  todo  o  reinado  do  sr.  d.  Pedro  II. 

-Nesse  reinado  de  aniôr  e  protecijáo  ás  Lettras,  ás  Sciencias 
e  ás  Artes,  só  houve  durante  a  guerra  contra  o  Paraguai 
uma  epocha  de  i^aralysação  artistica  e  isso  somente  para  a 
Architectura,  que  entretanto  melhorou  e  progrediu  logo  após 
a  terminação  da  campanha,  a  qual  absorvia  grande  parte  da 
renda  pública. 

Para  se  estudar  a.  Pintura,  a  Esculptura  e  Gravura,  no 
Brasil,  desde  a  Regência  até  1889,  bastava  tomar  como  ele- 
mento inicial  ou  fundamental  a  effigíe  do  imperador  menino, 
adolescente,  imberbe,  com  pouca  barba,  completamente  bar- 
bado, e  encanecido;  o  imperador,  em  todos  os  tempos,  com 
todas  as  edades. 

Estuda-se  a  Gravura,  a  Esculptura  e  a  Pintura  de  di- 
versas epochas,  a  Lithographia,  a  agua-íorte,  a  Xylograpliia, 
a  Photographia,  enfim  todas  as  artes  do  retrato  inclusive  a 
derivada  da  Gravura,  a  Niunismatica. 

O  imperador  foi  representado  com  a  indumentária  ma- 
gestatica  ou  imperial,  uniformizado  de  almirante  ou  gene- 
ralissimo,  de  casaca  preta  ou  de  sobrecasaca;  o  sr.  d.  Pedro  II 
de  perfil  ou  não,  em  busto,  em  pé,  sentado  ou  a  cavallo. 
No  Brasil  não  hóíive  até  hoje  quem  fosse  mais  retratado, 
Attingiu-o  naturalmente  a  caricatura. . .   Mas  muitas  vezes 
a  caricatura,  injustamente  cheia  de  ódio,  desrespeitosa,  des- 
graciosa,  da  lavra  de  extrangeíros  ingn 
sando-se  dest'arte  dos  sentimentos  ultra 
do  monarcha  patriota,  condescendente,  b 
magnânimo  e  abnegado. 

Percorra-se  o  Brasil  inteiro,  e  não 
ou  possua  um  retrato  do  s^;undo  imper; 

Durante  o  seu  longo  reinado,  o  sr. 
e  protegeu  as  artes  e  artistas.  E  a  muti 
Imperial,  agraciando  aos  que  mais  se  di 
pela  emulação,  para  o  desenvolvimento 
Brasil. 

Araújo  Viana  (marquez  de  Sapuc 
gimdò  gabinete  da  Maioridade,  em  seu 

DigtizBdbyClOOgle 


564  REVISTA  DO  IXSTITOTO  HISTÓRICO 

« a  Academia  de  Bellas-Arles  continuava  a  prosperar,  e  o 
Governo  empenhava-se  em  animar  as  pessoas,  que  a  ellas 
se  dedicavam,  concedendo  medalhas;  condecorações  ás  que 
por  suas  protfucções  se  tornaram  mais  distinctas;  elle,  porém, 
estava  persuadido  de  que  taes  providencias  não  bastavam 
para  se  dar  a  este  ramo  todo  o  desenvolvimento  que  se  dese- 
jasse ».  Entre  as  medidas,  accentuou  o  ministro  Araújo 
Viana,  que  poderia  lembrar-vos,  <  se  me  offereceu  como 
grandemente  efficazes,  a  de  mandar  viajar  na  Europa  alguns 
dos  discipulos  mais  aproveitados,  para  se  aperfeiçoarem  nas 
escholas  celebres  e  estudarem  os  primores  das  Artes,  e  a  de 
abrir  aos  que  a  ellas  se  dedicam  o  caminho  para  um  futuro, 
ao  menos  exempto  das  vexações  da  indigência  >. 

E  Almeida  Torres  (visconde  de  Macahé),  ministro  no 
gabinete  de  2  de  Fevereiro  de  1844,  referíndo-se  aos  bons 
resultados  das  distincções  honorificas,  accentuou  que  <  a  Mu- 
nificência imperial  galardoando  com  distincções  os  auctores 
das  principaes  obras  que  figuravam  nas  exposições  annuaes 
da  Academia  de  Bellas-Artes,  ia  despertando  entre  os  que 
as  cultivavam,  salutar  rivalidade,  e  estimulando  os  alumnos  a 
se  exforçarem  para  merece-las  » .  O  Governo  dessa  epocha 
ainda  mais,  como  meio  de  auxilio,  mandava  admittir  como 
addidos,  para  desenhar  na  Inspecção  das  Obras  Publicas, 
alumnos  distinctos  da  Academia. 

Dos  artistas  francezes  contractados,  o  que  bons  serviços 
prestou  ao  ensino  de  Bellas-Artes  foi  incontestavelmente  J. 
B,  Debret;  aos  seus  exforços  se  deve  a  primeira  exposição, 
pintou  quadros  e  decorações  já  mencionadas,  além  de  ter 
desenhado  com  indicações  do  primeiro  imperador  a  primeira  * 
bandeira  brasileira,  as  armas  imperiaes,  as  ordens  honorificas, 
a  indumentária  imperial  e  tudo  mais  que  reclamava  a  sua 
collaboração  competente. 

Entre  seus  discipulos  citarei  Simplício  Rodrigues  da 
Silva,  que  pintou  vários  retratos  de  d.  Pedro  I,  dos  quaes  um 
se  vê  nesta  sala.  Porto-Alegre,  o  architecto  da  varanda  da 
coroação  do  sr.  d,  Pedro  II,  pintor  de  vários  quadros,  entre 
elles  o  painel  representando  d,  Pedro  I  a  entregar  o  decreto 
da  reforma  da  Faculdade  de  Medicina  ao  Corpo  docente; 
a  Ceia,  encommendada  por  José  Clemente  Pereira  para  a 

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DAS  ARTES  PLÁSTICAS  NO   RRASIL  S(>5 

capella  do  Hospital  da  Misericórdia,  onde  se  acha,  aliás  com 
letoques  posteriores  e  grosseiros  feitos  por  pessoa  iiicom- 
petentissima ;  decorou  a  sala  do  tliroiio;  preparou  o  paço  im- 
perial para  o  casamento  do  sr.  d.  Pedro  11,  e  foi  decorador 
dos  festejos  do  baptisado  dos  príncipes  d.  Affonso  e  d.  Pedro, 
filhos  do  segundo  imperador. 

Chamado  a  servir  de  vereador  supplente  da  Camará  MU7 
nicipal  mostrou-se  arcliitecto:  acabou  com  as  gotteiras  dos 
beiraes  dos  telhados,  fazendo  com  que  as  aguas  se  enca- 
minhassem por  tubos  verticaes  de  descarga,  insistiu  pela  sub- 
stituição das  velhas  calçadas,  projectou  o  afornioseamento  do 
CanijK)  de  SancfAnna,  Imje  Praça  da  Republica,  mais  tarde 
ajardinado  com  as  formas  de  parque  |>or  Glaziou;  pintou 
ornamentações  no  antigo  Palácio  Municii)a] ;  foi  professor  de 
Pintura  histórica,  jubilado  em  1858,  e  director  da  Academin 
das  Bellas-Artes,  de  1854  a  1857. 

Notáveis  se  tornaram  os  seus  discursos  nas  sessões  da 
Congregação,  discursos  cheios  de  patriotismo,  e  que  constam 
dos  livros  das  actas  da  Academia, 

Pertencem  á  galeria  da  Eschola  de  Bellas-Artes  duas 
paizagens  por  Porto-Alegre  e  um  retrato  de  d.  Pedro  I. 

Segue-se:  José  Corrêa  de  Lima,  natural  de  Minas  Gcraes, 
outro  discipulo  de  Debret,  e  um  dos  seus  successores  na  ca- 
deira de  Pintura  histórica.  Falleceu  a  22  de  Junho  de  1857, 
Ensinou  pintura  a  \"ictor  Meirelles. 

Quando  depois  da  morte  de  Victor  Meirelles  se  inau- 
gurou na  Eschola  Nacional  de  Bellas-Artes  uma  exposição 
de  trabalhos  deste  artista,  procurou-se  um  retrato  de  seii 
mestre  para  ser  alçado  em  logar  distincto;  não  se  encontrou. 
Resoh-eu-se  então,  em  homenagem  ao  mestre,  collocar-se  um 
de  seus  quadros,  existentes  na  Galeria,  e  assim  se  fez. 

Corrêa  de  Lima  viajou  pela  Europa  depois  de  pintor  e 
professor.  Nos  primeiros  tempos  de  seus  estudos  escholares 
dedicou-se  simultaneamente  a  trabalhos  de  Architectwra ; 
algims  figuraram  em  exposições  de  alumnos. 

Na  Pinacotheca  da  Eschola  conservam-se  trez  quadros 
do  mestre  de  Victor  Meirelles :  um  de  1841  —  Magnanimidade 
de  Vieira,  facto  acontecido  no  dominio  hollandez,  em  Per- 
nambuco; o  segundo  datado  de  1853,  é  o  retrato  do  intrépido 

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566  REVISTA  DO  INSTITDTO  HISTÓRICO 

marinheiro  Simão,  carvoeiro  do  vapor  Pernambucano,  que  no 
dia  9  <Je  Outubro  de  1853,  na  costa  do  Sul  da  Laguna,  em 
Sancta  Catharina,  salvou  trez  pessoas ;  o  terceiro  quadro  é  de 
1856,  excellente  na  scena  e  nos  retratos;  tracta-se  da  pintura 
de  uma  sala  onde  juncto  de  um  piano  se  vè  Francisco  Manuel 
<lã  Silva,  o  compositor  do  nosso  Hymno  Nacional,  e  suas  duas 
enteadas. 

As  duas  senhoras  representadas  pertenciam  á  nossa  so- 
ciedade distincta:  uma,  a  esposa  do  finado  conselheiro  An- 
drade Pertence,  lente  da  Faculdade  de  Medicina,  e  a  outra 
d.  ■  Henriqueta  de  Almeida  Arèas,  baroneza  de  Ourem,  cuja 
voz  alcançou  real  celebridade  nos  salões  do  Rio  de  Janeiro.; 
A  composição  deste  quadro  honra  ao  pintor. 

A  sua  obra  não  foi  tão  extensa,  nem  tão  opulenta  como 
a  do  discípulo  illustre,  mas  também  viveu  muito  menos  do 
que  este. . . 

Zeferino  Ferrez,  o  primeiro  professor  official  de  Gra- 
vura de  medalhas,  compoz,  além  de  trabalhos  restrictos  de 
sua  especialidade,  baixos  relevos  da  fachada  do  antigo  pa- 
lácio das  Bellas-Artes,  riscado  por  Grandjean,  e  hoje  Minis- 
tério da  Fazenda.  O  baixo-relevo  allt^orico,  do  tympano  do 
frontão,  a  representar  Phebo  em  seu  carro  luminoso,  é  de 
sua  lavra,  e  os  dous  génios  alados  que  ladeiam  a  porta  de 
ingresso.  Em  um  delles  o  artista  esculpiu  fructas  brasileiras 
a  saírem  de  uma  cornocopia. 

Cabe  a  Zeferino  Ferrez  a  prioridade  da  esculptura  de 
nossas  fructas,  no  que  quasi  contemporaneamente  o  imitaram 
em  uma  velha  casa  que  acabam  de  demolir  na  rua  d'AIfan- 
'dega,  esquina  da  da  Conceição  (Vasco  da  Gama).  Muito 
mais  tarde  Bethencourt  da  Silva  aproveitou  o  ornato  nas  cor- 
nucopias  decorativas  e  symbolicas  da  abundância,  no  frontis- 
pício do  edifício  da  Associação  Commercial,  á  rua  Primeiro 
de  Março;  e  modernamente  Oliveira  Passos  na  fachada  pos- 
terior do  Theatro   Municipal. 

Obras  primas  de  Zeferino  Ferrez  sSo:  suas  medalhas 
desde  a  da  coroação  de  d.  Jfxío  VI  até  ás  gravadas  no  se- 
gundo reinado,  essas  que  o  artista  gravou  com  a  effigie  do 
segundo  imperador  do  Brasil.  Só  como  elle  tem  gravado,  no 

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I)A8  ARTES  PLÁSTICAS  NO  BIIA8II.  567 

Brasil,  Augusto  Girardet  que  é  entre  os  gravadores  mundiaes 
um  artista  completo  na  especialidade. 

A  Escliola  de  Bellas-Artes  guarda  muitos  gesses  de  me- 
dalhas, e  medalhas  de  várias  epochas.  As  collecções  da  Bi- 
bliotheca  Nacional  muito  interessam;  e  entre  amadores  são 
opulentíssimas  as  collecções  do  dr.  Domingos  de  Góes  e  Vas- 
concellos,  filho  do  notável  estadista  do  Império,  Zacharias  de 
Góes  e  Vasconeellos.  A  seu  convite  visitei  as  suas  collecções.; 
As  salas  sâo  pequenos  museus ;  alli  se  coUeccionam  mobiliário 
Intimo  estylo  d.  João  V,  Luiz  XV,  cadeiras  de  Córdova, 
tamboretes,  objectos  de  marfim  antigo,  floretes  e  armas  do 
tempo  do  Império,  todas  as  veneras  completas  das  ordens 
honorificas  imperiaes,  documentos  da  sumptuária  do  século 
XVIII,  e  da  sumptuária  imperial.  Interessaram-me  as  chaves 
distinctivos  do  reinado  de  d,  João  VI  e  de  d.  Pedro  I,  as 
quaes  conheci  apenas  por  desenho.  As  do  reinado  do  segundq 
imperador  eram  muito  minhas  conhecidas... 

O  ornato  tradicional,  accentuado  nas  chaves  dos  gentis- 
homens  do  rei,  desapparece  nas  dos  camaristas  de  d.  Pedro  I, 
com  a  influencia  clássica  dos  artistas  da  epocha,  mas,  por 
atavismo,  reapparece,  caprichoso,  nas  curvaturas  do  dragão 
nas  chaves  dos  camaristas  do  segundo  reinado.  Parece  de 
pouca  importância  esta  nota;  entretanto  será  um  elemento  a 
junctar,  confirmando  conclusões  antecipadas  no  inicio  deste 
curso,  isto  é.  relativas  ao  vigor,  á  preferencia  ethnographica, 
á  adoptarão  creoula  de  determinado  estylo  decorativo  que  os 
colonizadores  importaram. 

O  dr.  Domingos  de  Góes  conta  em  suas  collecções  cerca 
de  2.500  medalhas.  Possue  medalhas  commemorativas  do 
domínio  hollandez,  e  na  serie  das  medalhas  brasileiras  vi  em 
seu  museu  a  primeira  medalha  cunhada  no  Rio  de  Janeiro 
em  1820,  gravura  de  Zeferino  Ferrez;  todas  as  de  campanha; 
das  exposições  e  prémios  de  Bellas- Artes ;  religiosas;  de  pré- 
mios collegiaes  e  clubs;  da  coroação  de  d.  Pedro  11  (fir- 
madas por  Azevedo) ;  da  campanha  de  1852;  etc.  O  peso  das 
medalhas  de  ouro  attinge  a  quatro  kílos.  Interessantíssimo  o 
mnscu  do  dr.  Domingos  de  Góes... 

Joaquim  José  da  Silva  Guimarães,  pensionista  da  Aca- 
demia, Quintino    de  Faria,    Silva    Santos,    Quirino  Vieira, 


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568  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Christovam  Lustcr  foram  gra\adores  que  tonto rreram  a  vá- 
rias exix>si<;ões. 

Marc  Ferrez,  esculptor  estatuário,  succedeu  a  Augusto 
Taunay  no  magistério  de  Esculptura  na  Academia.  Formou 
dous  grandes  discípulos  que  lhe  succederam  na  r^encia  da 
cadeira. 

O  primeiro  Francisco  Elydeo  Pamphiro,  artista  de  grande 
talento,  carioca,  nascido  em  1823,  pensionista  do  Governo  em 
Roma,  e  em  1850  succedeu  ao  seu  mestre.  Falleceu  em  1852. 
Delle  guardam  as  galerias  da  Eschola :  uma  estatua  de  Achilles 
e  Endymião,  baixo- relevo. 

Esculpiu  ornatos  na  sanca  do  salão  nobre  da  então  Es- 
chola Militar,  hoje  Polytechnica.  Morreu  muito  jovem,  quando 
havia  começado  baixos-relevos  de  scenas  do  poema  Caramurú, 
de   Sanctã  Rita  Durão. 

O  outro  discípulo  de  Marc  Férrez,  e  successor  de  Pam- 
phiro no  ensino  officia!  da  Esculptura,  foi  Francisco  Manuel 
Chaves  Pinheiro,  mestre  do  esculptor  contemporâneo,  Ro- 
dolfo Bernardelli.  Extensa  se  apresenta  a  obra  de  Chaves 
Pinheiro  que,  por  longos  annos,  pontificou  na  Academia,  No 
ensino  e  na  composição  artística  abraçou  a  maneira  clássica, 
doutrina  da  maioria  dos  professores  francezes,  especialmente 
Debret  na  Pintura,  Zeferino  Ferrez  na  Gravura  e  Grandjean 
na  Architectura .  Transmittiram  naturalmente  os  modos  de 
sentir  a  todos  os  seus  discípulos.  A  epocha  era  a  do  clássico 
no  ornamento. 

Outros  discípulos  deixou  Marc  Ferrez:  Quiríno  Vieira 
e  João  Duarte  Moraes.  O  trabalho  mais  cotado  destes  ar- 
tistas é  o  baixo-relêvo  da  empena  do  edifício  do  Cassino, 
(hoje  Club  dos  Diários)  no  lai^o  da  Lapa.  Representa  o 
Genío  do  Brasil,  presidindo  ás  Musas,  grupadas  dos  dous 
lados,  de  modo  a  preencherem  completamente  a  empena. 

Fernando  Pettrich,  estatuário  dtnamarquez,  que  viveu 
e  trabalhou  no  Rio  de  Janeiro  por  mais  de  13  annos,  com 
atelier  em  aposento  do  pavimento  térreo  do  Palácio  imperial 
da  cidade,  cedido  bondosamente  por  Sua  Magestade  o  Impe- 
rador. Formou  o  esculptor  Severo  Quaresma  \'ieíra,  que  se 
conceituou  num  busto  do  conde  de  Traja,  bispo  illustre  da 
diocese  do  Rio  de  Janeiro. 


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DAS  ARTES  PLÁSTICAS  MO  BRASIL  S^ 

Oulro  esculptor  é  preciso  citar:  Honorato  Manuel  de 
Lima,  o  ornanientista  nos  festejos  urbanos  por  occasião,  em 
1843,  (la  chegada  da  terceira  imperatriz  do  Brasil,  esposa  vir- 
tuosa do  sr,  d.  Pedro  II,  e  auctor  do  plano  da  escadaria  e 
rampas  da  frente  do  edifício  da  Escliola  Polytechnica .  Para 
alli  projectou  estatuas  de  mármore,  não  levadas  a  effeito. 

Pettricli,  o  esculptor  dinamarquez,  deixou  duas  boas  es- 
tatuas dos  dous  imperadores  e  de  José  Clemente  Pereira ;  esta 
deve  se  acbar  no  Hospicio  de  Alienados.  O  modelo  em  gesso 
está  no  Hospital  Geral  da  Misericórdia. 

Pettricb  offereceu  á  Bibliotheca  do  Lyceu  de  Artes  e 
Ofíicios  estampas  gravadas  em  aço,  accompanhadas  de  texto 
explicativo,  reproduzindo  trabalhos  do  celebre  estatuário 
.Thorwaldsen . 

A  obra  de  Marc  Ferrez  não  se  attesta  no  Rio  de  Ja- 
neiro com  muitos  documentos.  Sobresaem  apenas  bustos  pas- 
sados a  bronze,  especialmente  os  do  primeiro  imperador  e 
as  estatuas  de  Apollo  e  Minerva,  modeladas  para  o  frontis- 
picio  da  Academia,  e  actualmente  damnificadas.  Soffreram 
mutilações  quando  dalli  as  retiraram  para  o  novo  edifício  da 
Escliola  de  Bellas-.^rtes.  A  administração  tracta  de  restau- 
ra-las. c  dar-lhes  sitio  conveniente. 

Chaves  Pinheiro  foi  o  esculptor  brasileiro  que  mais  pro-? 
duziu  no  século  pessado.  Conheci-o  de  perto.  Tinha  as  qua- 
lidades e  o  modo  de  interpretação  artistica  de  seu  tempo. 
Resumindo  direi:  entre  seus  trabalhos  se  de.-stacam  a  estatua 
equestre  ainda  em  gesso  do  sr.  d.  Pedro  II.  e  a  pedestre  do 
actor  João  Caetano,  passada  a  bronze,  e  situada  no  parque  da 
Praça  da  Republica.  A  estatua  de  Buarque  de  Macedo  no 
Jardim  da  Secretaria  da  Viação  e  Obras  Publicas,  é  da  lavra 
de  Chaves  Pinheiro,  e  numerosas  estatuas  em  gesso  do  segundo 
imperador,  bustos  de  estadistas  e  personagens  illustres,  tym- 
panos  e  alguns  baixos- relevos  de  tectos,  como  o  do  salão 
nobre  do  Hospital  Geral  da  Misericórdia  e  o  do  salão  do 
Palácio  da  Prefeitura, 

Um  esculptor  de  ornatos  seu  contemporâneo  devo  citar 
pelos  trabalhos  de  madeira:  António  de  Pádua  e  Castro, 
professor  de  Escuiptura  de  ornatos  da  antiga  Academia.  O 
pórtico  da  egreja  de  S.  Francisco  de  Paula  e  todo  o  seu 


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S70  REVISTA  DO  INSTITDTO  niSTORtCO 

interior,  menos  a  capella-mór,  foram  trabalhados  por  elle, 
auxiliado  nas  figuras  e  scenas  esculpidas,  por  Chaves  Pi- 
nheiro, e  por  Cândido  Caetano  de  Almeida  Reis,  auctor  da 
estatua  do  poeta  António  José,  do  grupo  A  Miséria  e  o  Génio, 
exposto  em  15  de  Março  de  1879,  e  da  figura  allegorica  do 
Progresso,  que  se  vê  na  estação  inicial  da  Estrada  de  Ferro 
Central  do  Brasil. 

A  pintura  de  paizagem  teve  como  professor,  até  jubi- 
lar-se  em  1851,  Félix  Emilio  Taunay,  3"  Director  do  ensino, 
artista  de  muito  valor.  Não  se  poderá  dizer  que  elle  se  de- 
dicou exclusivamente  a  especialidade  que  ensinou  na  Aca- 
demia. 

Em  toda  a  sua  vida  de  artista  primou  pela  sinceridade 
absoluta,  revelada  por  mais  de  imia  vez  nos  discursos  pro- 
nunciados nas  sessSes  da  Congregação  de  professores,  e  tran- 
scriptos  no  respectivo  livro  das  actas.  Não  se  poderá  dizer 
que  Félix  Taunay  tivesse  sido  exclusivamente  paizagista,  por- 
que era  professor  de  paiz^em.  Das  suas  obras,  constantes 
das  nossas  galerias  nacionaes,  só  duas  são  paizagens  propria- 
mente dietas — ^ista  da  Mãe  d' Agua  e  a  Vista  de  matto  em 
queimada . 

Nos  quadros —  O  Caçador  e  a  Onça  e  a  Descoberta  das 
'Aguas  Thermaes  de  Piratininga  ha  paizagem,  mas  acciden- 
talmente.  O  seu  quadro  retratando  d,  Pedro  II,  em  1835,  é 
delicadissimo  e  primoroso' trabalho  de  pintura. 

Passando  á  Architectura  direi  que  os  ensinamentos  do 
neo-classico,  devidos  a  Grandjean  de  Montigny,  ínfluiram  nas 
principaes  construcçSes ;  a  começar  o  exemplo  pela  fachada 
da  Academia.  Continuou  a  obra  do  mestre  seu  discípulo  José 
Maria  Jacintho  Rebello,  auctor  dos  projectos  do  Hospital 
Geral  da  Misericórdia,  do  corpo  central  do  Hospício  de  Alie- 
nados, do  hemicyclo  do  antigo  matadouro  e  de  outras  obras. 

Lá  estão  os  frontões,  as  infalliveis  columnas  ou  pila^ 
trás . . . 

Do  discípulo  de  Grandjean,  Job  Justino  Alcântara,  seu 
successor  no  ensino  official  da  disaplina,  só  ha  noticia  da) 
architectura  commemorativa  e  ephe?iera  nos  arranjos  oma- 
mentaes  de  praças  e  ruas,  por  occasião  do  desembarque  da 
imperatriz  sra,    d.    Tereza    Christina.    Do  outro    discípulo. 


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DAS  ARTES  PLÁSTICAS  NO  BRASIL  57I 

João  José  Alves,  ha  o  edifício  onde  funccionou  o  Institutoj 
Nacional  de  Musica,  e  finalmente  de  José  António  Monteiro, 
a  fachada  e  lados  do  edifício  da  Prefeitura,  antes  de  ser  pro^ 
longado.  Depois  de  Jacíntho  Rebello,  o  discípulo  exclusivista 
na  adopção  das  linhas  do  neo-classico,  segue-se  Bethencourt 
da  Silva,  professor  da  Academia,  que  foi  durante  annos  quasi 
um  architecto  de  Estado;  dahi  o  ter  sido  auctor  de  muitas 
obras  de  archítectura  escholar,  palaciana,  politica,  commercial, 
commemorativa,  de  regosijo  nacional  ou  de  lucto,  religiosa, 
funerária,  paízagista  e  domestica   (13). 

Extensa  e  fecunda  é  a  obra  de  Archítectura  de  Bethen- 
court da  Silva.:  j 

Em  1849  apparece  o  pastel,  em  vasta  escala,  pela  pri- 
meira vez  em  uma  exposição  que  nesse  anno  se  realizou.  Até 
essa  data  predominava  exclusivamente  na  pintura  de  quadros 
o  processo  do  óleo. 

O  pintor  francez  João  Baptista  Borely  introduziu  o  pro- 
cesso do  pastel,  com  o  retrato  do  dr.  Joaquim  Caetano  da 
Silva,  reitor  do  Collegio  de  Pedro  II. 

Não  se  conhece  documento  nenhum  até  agora  anterior, 
que  possa  contrariar  a  affirmação  da  prioridade.  No  nosso 
meio  de  artistas  viveu  o  francez  Gensollen,  que  pintou  alguma 
cousa  pelo  frágil  processo.  Nas  galerias  da  nossa  Eschola 
deve  existir  desse  pintor  um  quadro,  a  pastel,  de  natureza 
morta.  Houve  mesmo,  muito  antes  detle,  outros  que  tentaram 
o  processo,  mas  repito,  a  prioridade  da  introducção  parece 
pertencer  a  Borely,  Quem  o  denunciou  primeiro  foi  Porto- 
Alegre  na  revista  Guanabara,  dando  conta  circunstanciada  da 
referida  Exposição. 

Entre  os  quadros  da  nossa  Pínacotheca  ha  um  bom  retrato, 
a  pastel,  do  conselheiro  dr,  Thomaz  Gomes  dos  Santos,  5' 
director  da  antiga  Academia,  pintado  por  Borely,  e  o  Instituto 
Histórico  possue  outro  pastel  do  mesmo  artista.  Conheci  João 
Baptista  Borely,  em  1876,  residindo  no  arraial  do  Taboleiro 
do  Pomba,  em  Minas  Geraes,  a  pintar,  não  pelo  processo  do 


(ij)  Jo*í  Radriini«i  Marcira,  peniionuta  in  Acadrinia  em  Roma  e  di*ci- 
pulo  de  Canina,  foi  (luniDo  de  Crindjean.  Deixou  muiloi  projeclt»  bem  de- 
«enhadoR  ■ 


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572  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTOBIfO 

pastel,  mas  retratos  a  oleo.  3  torto  e  a  direito,  de;  toda  a 
gente  do  arraial  e  adjacências,  e  a  todo  preço — 

Por  esperto  não  firmava  as  telas  que  não  prestavam.  O 
preço  e5ta^'a  tão  ao  alcance,  que  não  houve  por  allj  quem 
deixasse  de  se  retratar  pelo  Borely...  Entretanto,  meus  se- 
nhores, í[uando  não  se  achava  embriagado,  aliás  quasi  seu 
estado  habitual,  pintava  bons  quadrinhos.  Fallava-me  sempre 
nos  dous  retratos  pintados  por  elle  no  Rio,  exaltando,  com 
razão,  o  do  conselheiro  Thomaz  Gomes  dos  Santos. 

Minha  filha  contava  apenas  qualro  mezes  de  edade;  su- 
jeitei á  contemplação  de  Borely,  que  me  pintou  da  prezada 
menina  um  retrato  bem  tractado,  bem  cuidado. 

Borely  era  muito  intelligente,  e  tinha  estudos  regulares 
de  algum  estabelecimento  de  instrucção  secundaria  e  especial 
de  Desenho  em  França. 

Quando  o  conheci  apparentava  40  e  poucos  annos  de 
cdade.  Ignoro  a  data  de  seu  nascimento,  e  em  que  localidade 
de  Minas  morreu.  Soube  que  nunca  mais  deixou  aquellas 
paragens,  onde  o  hospedaram  com  carinho  e  o  aturavam  pa- 
cientemente nas  bebedeiras  mansas. 

Disse,  ha  pouco,  que  o  architecto  Alcântara  se  encarre- 
gara, em  1843,  das  decorações  commemorativas  e  festivas, 
por  occasião  da  chegada  da  imperatriz  a  sra.  da.  Tereza 
Christina;  e  preciso  ponderar  que  taes  decorações  soffreram 
da  parle  de  Porto-Alegre  severa  critica  em  artigo  da  revista 
—  Mhicn-a  Brasiliense. 

E  desde  que  ha  opportunidade  recordo  o  cães  construído 
especialmente  para  desembarque  da  imperatriz,  na  praça  Mu- 
nicipal, antigo  \'allongo,  onde  se  collocaram  dous  interessantes 
golphinhos  de  bronze,  escuipturas  do  nosso  compatriota  João 
Justino  de  Araújo,  que  os  vendeu  á  Municipalidade  por 
745$200. 

Com  a  demolição  do  cães  removeram,  na  administração 
do  prefeito  Passos,  os  referidos  golphinhos  para  o  chafariz 
de  ferro  do  largo  do  Paço. 

Na  acta  da  sessão  da  Camará  Municipal,  de  21  de  Julho 
de  1843,  publicada  no  Diário  do  Rio  de  Janeiro,  li  parecer  de 
louvor  dado  pelo  vereador,  o  distinctissimo  homem  de  lettras, 
dr.  Félix  Martins,  depois  barão  de  S.  Félix. 


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DAS  ARTES  PLÁSTICAS  NO  BRASIL 


Em  1862,  \'ictor  Meirelles  expõe  o  seu  quadro  Primeira 
Missa  lio  Brasil,  sendo  agraciado  com  o  grau  de  cavaileiro 
da  Ordem  da  Rosa,  recebendo  das  mãos  do  imperador,  de 
presente,  a  respectiva  venera.  Principiou  d'alii  a  phase  bri-  , 
Ihante  da  pintura  de  cavallete  no  Brasil,  alcançando  admirável 
progresso  na  grande  exposição  geral  de  Beltas-Artes,  inau- 
gurada em  23  tle  Agosto  de  1884,  quando  director  da  Aca- 
demia o  conselheiro  Nicolau  Tolentino  e  secretario  o  professor 
João  Maximiano  Mafra.  As  galerias  estavam  diariamente 
abertas  e  franqueadas  ao  publico.  \'íctor  Meirelles  se  tomou 
um  artista  muito  conhecido. 

Houve  tempo  em  que  o  nosso  compatriota  era  o  pintor 
popular  por  excellencia:  Carlos  Gomes  na  Musica,  e  Victor 
Meirelles  na  Pintura,  repetia-se  de  boca  em  bocca.  Os  Pa~ 
Horamas  augmentaram  a  sua  popularidade.  Nasceu  em  Sancta 
Catharina  a  18  de  .agosto  de  1832.  Em  1852  seguiu  para  a 
Europa,  na  qualidade  de  pensionista  da  Academia. 

Em  Itália  estudou  com  Minardi  e  era  Pariz  com  Paulo 
Delaroche.  Tendo  fallecido,  ínaugurou-se  em  1903  na  Eschola 
Nacional  de  Bellas-Artes  uma  exposição  de  seus  trabalhos, 
cm  homenagem  á  sua  memoria.  Victor  Meirelles  por  seus 
trabalhos  ficou  nessa  exposição  em  intimidade  com  o  público. 
Observou-se  a  sua  conducta  de  artista,  que  seguiu  os  dictames 
e  exemplos  dos  grandes  mestres. 

Estavam,  ã  vista,  os  estudos  prévios  dos  pormenores  dos 
seus  grandes  quadros  e  panoramas.  \'Í  quadriculas  reduzidas, 
delineamentos  e  esboços  da  Primeira  Missa  dos  quadros  Ba- 
talha dos  Guararapes,  Batalha  de  Riachuelo,  e  Juramento  da 
Princeza  Imperial  sra.  d.  Isabel,  regente  do  Império  na  au- 
sência do  imperador. 

Deixou  numerosas  pastas  repletas  de  estudos,  a  lápis,  e 
.iquarellã  e  alguns  a  penna,  que  mostravam  quanto  demora- 
damente estudava  deante  da  natureza,  dado  o  modelo  até 
firmar  a  figura,  o  ambiente  estudado  com  verdade,  a  paizagem 
necessária  ou  minudencias  da  composição.  Nesses  momentos 
graphicos  de  observação,  nessa  intimidade  artística  com  os 
ambientes,  o  que  distinguiu  e  distingue  os  mestres  da  Pintura, 
é  onde  o  talento  e  probidade  de  \'Íctor  Meirelles  se  maní- 


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574  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTOftICO 

festou  intensamente.  Nessa  exiwsição  iiodcr-sc-liia  accompa- 
nha-lo,  desde  os  seus  trabalhos  de  alumno,  desde  os  esboços, 
até  ás  figuras  definitivas  em  differentes  posições,  com  a 
indumentária,  a  ethnographia,  ora  por  um,  ora  por  outro  pro- 
cesso. Vi  manciías  de  nuvens,  de  outros  accidentes  naturaes, 
■  tomados  em  tleterminados  instantes  luminosos  para  céos  a 
compor,  flora,  e  tantas  outras  minúcias,  em  que  o  desenho 
preoccupava  sobremaneira  o  artista. 

Pintou  quadros  bíblicos,  mytliologicos,  históricos,  de  ba- 
talhas, marinhas,  natureza' morta. 

No  género  de  retrato  muito  trabalhou  Victor  Meirelles.- 
Aqui  e  em  cidades  importantes  brasileiras  ha  retratos  pintados 
admiravelmente  por  elle. 

Da  sua  Primeira  Missa  no  Brasil  não  se  contam  as  re- 
producções  reduzidas,  espalhadas  nos  livros  nacionaes  e  ex- 
trangeiros,  em  quadros  paríetaes  pedagógicos,  cni  oleogra- 
phias,  em  xylographias  e  por  todos  os  processos  graphicos. 

Victor  Meirelles  de  Lima  reflectiu  em  toda  a  sua  obra 
opulentissima  a  maneira  do  tempo  em  que  viveu,  é  indivi- 
dualidade culminante  immorredoura  na  Pintura  nacional.  O 
imperador  sr.  d.  Pedro  II  o  agraciou  por  mais  de  uma  vez, 
e  o  auxiliou  quando  pensionista  da  Academia. 

Em  nota  do  sr.  d.  Pedro  II,  de  23  de  Abril  de  1891, 
publicada  nos  jornaes  pelo  visconde  de  Taunay  (Alfredo 
d'Escragnolle  Taunay)  escreveu  sua  Magestade,  no  exilio  e 
banido:  «Nunca  me  exqueci  da  Academia  de  Belfas-Artes, 
Pintura,  Esculptura,  Desenho  e  Gravura,  e  fiz  o  que  pude 
peio  Lyceu  de  Artes  e  Officíos  ».  Não  faltam  documentos  dé 
todas  as  epochas  de  seu  longo  reinado  para  provar  o  que  elle 
saudoso  relembrou  naquellas  linhas. 

Pedro  Américo  (Pedro  Américo  de  Figueiredo  e  Mello) 
outro  pintor  eminente,  contemporâneo  de  Victor  Meirelles. 
Pedro  Américo  nasceu  na  Parahiba  do  Norte,  e  morreu  em 
Florença  em  1905 .  Os  restos  mortaes  foram  trasladados  para 
a  sua  terra  natal. 

Já,  ha  annos,  escrevi  sobre  este  pintor.  Disse  um  seu 
biographo  que  «  Pedro  Américo  começou  a  estudar  Bellas- 
Artes  em  1856,  depois  de  ter  estudado  humanidades  no  Col- 
legio  de  Pedro  II,  e  em  1859,  por  protecção  exclusiva  do 


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DAS  ARTkS  PLÁSTICAS  KO  BKASIL  S7S 

imperador,  partiu  para  a  Kraiii;a,  de  onde  voltou  em  1864 
regressando  a  Europa  tempos  dípois,  para  receber  o  grau  de 
doutor  em  sciencias  pela  Universidade  de  Bruxellas   (14). 

Em  Pariz  estudou  pintura  com  Léon  Coguiet,  frequen- 
tando ao  mesmo  tempo  as  aulas  da  Sorbona». 

Na  antiga  Academia  das  Bellas-Artes  professou  Historia 
das  Artes  e  Esthetica.  Cultivou  as  lettras,  mostrou  aptidão 
notável  para  estudos  philosophicos ;  na  tliese  que  defendeu 
perante  a  Universidade  de  Bruxellas  escolheu  para  a  disser- 
ta<;ão  o  ponto :  «  Da  Liberdade  do  methodo  e  do  Espirito  de 
systema  no  estudo  da  Natureza». 

Em  1869  publicou  o  seu  livro  L,a  Science  et  les  systèmcs. 
Do  estudo  da  grande  epocha  da  Arte,  iniciada  na  Architectura 
por  Brunellesco  e  na  Pintura  por  Giotto,  resultaram  para 
Pedro  Américo  as  seguintes  cogitações  philosophicas :  —  «a 
libertação  da  Arte  preparou  a  da  Sciencia;  a  actividade  esthe- 
tica se  transformou  em  actividade  scientíficai,  theses  estas 
que  demonstrou. 

Pensava  elle  em  i86g,  <  que  nas  sociedades  modernas  o 
artista  é  uma  imagem  de  Roma.  >  A  verdade,  penso  eu,  é  que 
SC  não  foi  exclusivamente  romana,  o  tem  sido  greco-romana. 

Pedro  Américo  publicou,  além  de  discursos  sobre  Es- 
thetica, o  seu  Holocausto. 

Estudando-o  como  pintor,  nota- se  em  seu  estylo  ten- 
dência natural  e  espontânea  para  o  génio  decorativo  das  alle- 
gorias.  Nos  próprios  quadros  bíblicos,  e  em  alguns  históricos, 
se  patenteia  esse  modo  com  que  elle  na  plástica  interpretava 
os  assumptos,  salvo  os  seus  quadros  de  batalhas. 

O  ultimo  e  momentoso  quadro — Pax,  é  uma  tela  deco- 
rativa de  composição  allegoríca.' 

Pedro  Américo  foi  o  nosso  grande  pintor  de  batalhas.  O 
quadro  Batalha  de  Avahi  é,  em  pintura  de  cavallete,  a  maior 
composição  que  possuímos.  Não  conheço  no  Brasil  quadro 
de  cavallete,  de  maior  fôlego  do  que  esse.  Não  me  refiro 
quanto  ás  dimensões  da  tela    (de  cinco  metros  de  altura 


(14)  Em  ithí.  u  iniperaJor,  visilaiido  o  CoHegío  de  Pedro  II,  auistíu  a 
na  lub  da  (lual  erí  alumno  Pedro  Américo,  que  liofia  por  companheiro  do 
aco  o  ttr.  Ramii  Galvio.  Pedro  Américo  caatempUndo  a  pesBoa  do  imperador 
ou-ltae  o  ictiato  3  lápis,  do  que  teve  cooiteciínento  o  monatcba. 


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576  REVISTA   DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

sobre  lO  metros  de  comprimeoto) ,  mas  ás  scenas  de  guerra, 
constantes  dos  differentes  planos,  scenas  de  movimentos  va- 
riados, que  exigiram  da  parte  do  artista  muitos  desenhos 
preliminares . 

Nem  todos  imaginam  a  que  estudos  parciaes  se  entr^a 
um  pintor  consciencioso  até  á  interpretação  definitiva  do 
conjuncto.  Tracta-se  do  género  Batalhas,  oijde  ha  numerosos 
vultos  retratados,  petrechos  bellicos,  paizagem,  entra  a  caval- 
laria,  como  enorme  e  variado  elemento  de  composição. 

Ha  muitas  diffículdades  a  vencer.  Pedro  Américo  é  lun 
dos  maiores  artistas  brasileiros. 

No  quadro  da  Batalha  de  Avahi  o  artista  pintou  o  seu 
retrato  no  soldado  33.  Do  mesmo  pintor  ha  outra  tela  de 
guerra  O  Episodio  de  Campo  Grande. 

Além  da  Batalha  de  Avahi,  pertencem  a  galerias  na- 
cionaes  as  seguintes  telas:  A  Carioca,  talvez  uma  das  mais 
antigas  e  muito  conhecida  do  publico ;  Joanna  d' Are ;  Judith ; 
A  Noite,  aecompanhada  pelo  estudo  e  pelo  amar;  Da.  Catha- 
riiia  de  Athayde;  o  infante  D-  João  IV  .o  Voto  de  Heloísa;  a 
Rabequista  árabe;  Jacobed  ao  ir  expor  Moisés,  seu  filho,  «as 
margens  do  Nilo ;  David  ;'Voltaire  abençoando  o  filho  de  Fran- 
klin, e  os  retratos  do  conselheiro  Philippe  Lopes  Netto  e  de 
Porto-Alegre  (barão  de  Sancto  Angelo), 

Outro  contemporâneo  de  Victor  Meirelles  e  Pedro  Amé- 
rico foi  Agostinho  da  Motta,  ex-pensionista  e  professor  da 
Academia,  o  dehcíoso  jiaizagista,  o  melhor  que  tivemos  na- 
qtieJla  epocha.  Os  finados  Leôncio,  e  Estevam  Silva,  que  se 
especializou  depois  em  fructas,  não  |}assaram  de  imitadores  e 
discípulos.)  Foi  o  precursor  de  João  Baptista  da  Costa  na 
interpretação  brilhante  da  nossa  luz,  das  nossas  mattas,  dos 
nossos  rios,  das  nossas  serras  e  das  nossas  aguas,  enfim  da 
nossa  natureza.  No  que  deixou  se  observa  a  revelação,  não 
de  uma  habilidade  conimum,  porém,  de  uma  technica  ma- 
gistral, manejada  por  um  grande  talento. 

Teve  por  discípulos  os  pintores  contemporâneos,  vivos, 
Henrique  Bernardelli,  Peres,  Medeiros  e  outros. 

Agostinho  da  Motta  não  gosava  de  geraes  sympathias, 
apesar  da  consagração  de  paizagista  emérito,  e  do  respeito 


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DAS   ARTES  PLASTICAB  KO  BRASIL  37? 

que  lhe  tributavam  os  estudantes  de  Bellas-Artes.   Era  iró- 
nico, pilhérico  e  mordaz. 

Mereceu  o  apreço  pessoal  da  imperatriz,  que  lhe  encom- 
mendou  diversas  paizagens  a  óleo  e  aquarellas,  representando 
parasitas  das  nossas  florestas;  quadros  que  Sua  Magestade 
mandava  para  seus  parentes  na  Itália.  Ao  museu  de  Nápoles 
l>ertencem  algumas  paizagens  do  nosso  patricio.  O  seu  afa- 
mado quadro  Serra  de  Petrópolis,  encommenda  da  imperatriz, 
vi  reproduzido  em  lithographia,  de  Sisson,  accompanhada  de 
uni  artigo  critico  de  Bethencourt  da  Silva,  no  Brasil  lllustrado 
de  1856.  A  Eschola  possue  algumas  telas  de  .^gostinho  da 
Motta,  que  raras  vezes  deixava  de  pintar  paizagens.  Pintou 
excepcionalmente  um  retrato  de  desconhecido  e  o  offereceu 
á  Academia.  E'  bom  trabalho  de  figura. 

Representa  um  sujeito  qualquer,  que,  julgando-se  talvez 
menos  feio.  recusou  a  téla.  Motta  pintou  um  barrete  no  re- 
trato do  sujeito  e  remetteu  o  quadro  para  a  galeria, 

O  paizagista  brasileiro  morreu  a  21  de  Agosto  de  1S78, 
depois  de  uma  vida  de  privações  incalculáveis,  e  com  as  quaes 
nunca  se  pôde  conformar.- 


Em  1861  e  1866  realizaram-se  exposições  de  Industria 
nacional . 

Na  cidade  ainda  se  celebravam  festas  de  regosijo,  e  jde; 
gala,  sumptuosas  procissões  catholicas  e  festividades  religiosas 
que  alvoroçavam  a  cidade  inteira.  O  costume  já  vinha  do 
tempo  de  d.  João  VI,  brilharam  com  d.  Pedro  I  c  até  aos 
meiados  do  segundo  reinado.  Nas  exposições  nacionaes,  de 
1861  e  1866,  ao  lado  dos  productos  agrícolas  e  industriaes  do 
paiz,  viam-se  expostos:  artefactos  e  objectos  de  artes  appli> 
cadas,  originalmente  brasileiros. 

O  conde  de  Lahure,  um  erudito  francez,  aqui  domiciliado 
e  muito  amigo  do  Brasil,  escreveu  curiosas  informações,  em 
forma  de  cartas  a  Machado  de  Assis,  pelo  Diário  do  Rio  de 
Janeiro,  relidas  jíor  mim  ha  dias  na   Bibliotheca   Nacional.; 

Havia  chegado  a  ejKicha  da  tyrannia  da  saia  a  balão  no 
vestuário  das  senhoras,  trajo  começado  a  usar  em  1855  e 


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578  BEVI3TA  DO  IN9T1T0TO  IIISTORICO 

1856,  dando  ensejo  no  Brasil  Illustrado  (15)  para  ensaios 
interessantes  da  caricatura  no  género  —  correcção  de  costumes. 
Re£iro-me  á  caricatura  ao  serviço  do  jornalismo. 

No  theatro,  nos  entrudos  e  outras  festividades  populares, 
nos  celeberrimos  judas,  nesse  costume,  regalo  da  garotagem, 
existiu   a  caricatura   burlesca   e   algumas   vezes   aggressiva. 

Nos  bonecos  de  panno  (vulgarmente,  denominados  bru- 
xas) ella  appareceu  a  copiar  grotescamente  costuníes. 

Não  se  deve  exquecer  também  a  brincadeira  cómica  das 
formigas  tanajuras  sêccas  de  S.  Paulo,  vestidas,  a  imitarem 
typos,   scenas   domesticas   e  theatracs. 

O  illusttado  dr.  Pinto  da  Rocha  cm  conferencia  sobre 
a  Boneca,  recentemente  feita  no  Rio  Grande  do  Sul,  alludiu 
de  modo  brilhante  á  phase  da  esculptura  grotesca  das  bruxas 
de  panno. 

A  caricatura,  e  desenhos  felizes,  exaggerados,  críticos, 
jocosos,  escarninhos,  humorísticos  ao  serviço  do  jornalismo, 
tiveram  os  seus  primeiros  ensaios  em  estampas  do  referido 
Brasil  Illustrado,  em  1855  e  1856. 

Publicou  engraçados  desenhos,  por  exemplo:  um  a  cen- 
surar os  banhos  de  mar  nas  praias  do  Rio  de  Janeiro,  quando 
não  havia  processo  regular  de  exgottos,  a  mostrar  sorprezas 
desagradáveis  para  o  banhista;  outros  a  criticar  os  exgottos 
de  aguas  das  chuvas  a  saírem  dos  tubos  sobre  o  passeio  da 
rua.  obrigando  os  transeuntes  a  uma  serie  continua  de  pulos; 
outro,  finalmente,  a  mostrar  effeitos  desastrosos  compara- 
tivos dos  meios  de  illuminação  a  azeite  e  a  gaz :  allí  é  um 
lampeão  a  azeite  que  caindo  do  supporte  sobre  um  indi- 
víduo, achata  o  chapéo ;  acolá  é  o  propheta  que,  com  a  escada 
e  lâmpada  de  accender,  pela  differença  de  luz,  offusca  a 
vista  do  transeunte  esborrachando-lhe  as  ventas. 

A  saia  a  balão,  em  uso  nas  senhoras,  lembrou  ao  cari- 
caturista um  projecto  de  construcção  especial  de  casas,  onde 
as  portas  e  janellas  de  sacadas  deviam  ter  vãos,  com  formas 
de  garrafão,  para  melhor  servirem  ás  senhoras. 

De  1860  data  o  primeiro  cartaz  publicado  no  Rio  de 
Janeiro.   Annunciava   a   Scmatia   Ilíustrada,   jornal   de  cari- 


di)  Eívfst 


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MS  AliTEfl  PLÁSTICAS  NO  BttAStL  579 

catura  e  de  humorismo,  de  propriedade  e  sob  a  directo 
artística  de  Henrique  Fleiuss,  pintor  allemão,  que  aqui  sempre 
viveu,  contrahiu  casamento  com  senhora  brasileira  e  deixou 
descendentes,  bons  Brasileiros. 

Nasceu  na  Prússia  Rhenana,  em  1824  e  falleceu  em 
1882.  Em  1858  emigrou  para  o  Brasil,  esteve  em  algumas 
províncias  do  Norte,  onde  pintou  aquareltas,  seu  processo 
predilecto.  Conheço  uma  de  propriedade  de  seu  filho,  quadro 
f«liz  como  technica  e  allegoria  e  como  registo  histórico  de 
aspectos,  de  outr'ora,  da  nossa  cidade.  A  composição  allegorica 
consiste  em  um  grande  arco  deixando  vêr  o  panorama  da 
cidade,  e  nos  cantos  do  rectângulo  vistas  parciaes  de  monu- 
mentos e  sitios  importantes,  e  a  ornamentar  todo  esse  con- 
juncto:  annas  imperiaes  e  episcopaes,  os  retratos  dos  impe- 
rantes, etc. 

Henrique  Fleiuss  pintou  outras  aquarellas,  e  entre  ellas 
citarei  a  que  recorda  a  sessão  solenne  de  encerramento  do 
Parlamento,  em  1859,  quadro  pertencente  aos  Instituto  His- 
tórico, Fundou  a  lUustração  Brazileira,  a  melhor  publicação 
no  género,  impressa  no  Brasil  naquelia  epocha.  Saiu  das  ofíi- 
cinas  de  sua  propriedade  denominada  —  Imperial  Instituto 
Artístico.  Conheci  pessoalmente  Henrique  Fleiuss,  com  quem 
tractei,  quando  accompanhei,  em  1876,  em  suas  officinas  a 
impressão  de  dous  pequenos  mapi>as  de  estradas  de  ferro, 
por  mim  organizados,  de  ordem  do  visconde  de  Bom  Retiro, 
mappas  esses  annexos  ao  livro  intitulado  O  Império  do  Brasil 
tia  Exposição  Universal  de  Philadelpkia,  cm  iSjó. 

O  primeiro  cartaz  do  annuncio  Semana  Ulustrada  con- 
sistia na  ampliação  da  capa  do  seu  primeiro  numero.  A  Se- 
mana distribuiu  o  seu  primeiro  numero  em  Dezembro  de  1S60. 

A  composição  humorística  do  titulo  da  SemOha  Illus- 
irada  com  a  Lanterna  magica,  onde  se  lia  «  Ridendo  casiiijal 
mores»,  se  conservou  sempre  a  mesma  até  1876,  quando  ella 
'desappareceu  do  jornalismo  hebdomadario , 

CoUaboraram  no  texto  os  mais  notáveis  talentos  do 
tempo.  Todos  os  desenhos  são  de  Henrique  Fleiuss,  que 
creou  o  tyijo  critico  do  cabeçudo  Dr,  Semana,  do  moleque  e 
da  negrinha,  personagens  que  aproveitou  para  seus  desenhos 
críticos  e  humorísticos  de  scenas,  [mas  sem  aggressões  e 


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58o  REVISTA  DO  INSTITUTO  UISTOBICO 

diatribes.  Nunca  se  aíastou  do  progratnma  <  Rtdendo  catigat 
mores » .  Durante  o  período  da  guerra  contra  o  Paraguay 
tornou  a  Sernana  Illustrada  ura  jornal  de  docunientai;ão  gra- 
phica  da  campanha.  Publicava  retratos  dos  nossos  heróes  e 
illustrações  relativas  a  combates  e  batalhas  feridas  no  Sul.. 

A  coliecção  da  Semana  Illustrada  c  preciosa  pelo  lado 
histórico  da  caricatura,  das  phases  politicas,  pelos  fieis  re- 
tratos dos  nossos  homens  e  peta  collaboração  Jitteraría  do 
texto. 

A  pagina  da  frente  de  seu  primeiro  numero  pôde  se  vèr 
reproduzida  em  fac-simile  na  Revista  do  Instituto  Histórico, 
tomo  consagrado,  em  1908,  á  Exposição  do  i'  Centenário  da 
Imprensa  periódica  no  Brasil. 

O  cartaz,  que  é  a  ampliação  dessa  pagina,  era  uma  alle- 
goria  hunioristica,  em  que  a  Semana  Illustrada,  personificada, 
começa  a  sua  viagem  pela  America  do  Sul,  dentro  de  um 
vehiculo  puchado  por  génios  alados,  e  accompanhado  já  pelo 
«  moleque  >.  Num  estandarte  desfraldado  se  lê :  «  Sal  lucet 
omnibus».   Nesse  cartaz  ha  minudencias  de  fazer  rir, 

Henrique  Fleiuss  foi,  portanto,  no  Rio  de  Janeiro,  o 
precursor  de  Raul  Pederneiras,  de  J.  Carlos,  de  Calixto,  e 
outros  que,  actualmente,  collaboram  nos  nossos  melhores 
hebdomadarios  illustrados... 


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.  y 

AS    PAUTES    PLÁSTICAS   ATÉ    I89O  —  NOVA   ORGANIZAÇÃO    DADA 

AO  ENSINO  artístico  —  AS  BELLAS-ARTES  E  O  INSTITUTO 
HISTÓRICO 

Sr.  presidente  do  Instituto  Histórico  e  Geographico  Bra- 
sileiro. 

Meus  sonhores: 

Sabido  ficou,  qual  o  interesse  patriótico,  que  ministros 
da  Regência  tomaram  pelo  ensino  e  divulgação  das  Bellas- 
Artes,  €  que  a  um  delles,  o  conselheiro  Manuel  António 
Galvão,  se  deve  a  fundação  dos  salões  de  arte  ou  exposições 
geraes  de  Bellas-Artes.  Todos  os  governos  do  Império  pro- 
curaram sempre  melhorar  o  ensino,  galardoando  os  servidores 
e  cultores  das  artes,  e  animando,  o  mais  possível,  aos  que  a 
ellas  se  dedicavam.  Os  documentos  constam  da  Legislação  e 
das  referencias  em  relatórios  officiaes  dos  ministros  e  dos 
directores  da  Academia. 

Nas  exposições,  que  se  inauguraram  durante  o  reinado 
.  do  sr,  d.  Pedro  II,  augmentou  cada  anno  o  numero  de  expo- 
sitores, notando-se  em,  seus  trabalhos  gradual  aperfeiçoa- 
mento da  technica  e  felizes  composições. 

Na  Exposição  de  1864  Pedro  Américo  apresentou  a  sua 
conhecida  CarioiCa;  e  Victor  Meirelles,  além  de  alguns  re- 
tratos, expoz  o  esboço  de  um  quadro,  que  penso  não  desen- 
volveu, a  representar  o  imperador  fallando  ao  povo  na  tarde 
do  dia  5  de  Janeiro  de  1863  (questão  ingleza),  e  outro  esboço 
do  acto  solenne  do  Casamento  da  Princeza  Imperial  da.  Isabel, 
condessa  d'Eu. 

Da  Exposição  de  1865  á  de  18S4  artistas  de  varias  espe- 
cialidades concorreram,  além  de  pensionistas  do  Estado. 

Os  nossos  maiores  pintores  da  epocha,  Victor  Meirelles 
e  Pedro  Américo,  assim  como  Agostinho  (fa  Motta,  nuiKa 

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583  BEVISTA  DO  níSTITDTO  HISTÓRICO 

deixaram   de   expor,   dando   bom   exemplo   e   animando  aos 
novos. 

Foi  em  1867  que  João  Zepityrino  da  Costa,  então  alumno 
da  Academia,  em  concurso  final  na  aula  de  Pintura,  alcançou 
com  brilhante  resultado  a  grande  medalha  de  ouro,  revelando 
decidida  aptidão  no  trabalho  apresentado. 

Em  Zephyrino  vislumbravam  os  seus  mestres  o  que  elle 
depois  foi:  um  grande  pintor.  Thomaz  Gomes  dos  Santos, 
director  da  Academia,  cm  relatório  que  dirigiu  em  1867  ao 
Governo,  e,  annexo  ao  do  ministro  respectivo,  apresentado  á 
Assembléa  Geral  Legislativa,  se  exprimiu  deste  modo :  <  o  zelo 
e  metliodo  dos  professores  e  a  applicação  dos  alumnos  tiveram 
muito  vantajoso  resultado.  Com  effeito,  no  concurso  para 
prémios  eschoiares,  no  fim  do  anno,  o  Daniel  na  lago  dos 
leões,  do  alumno  João  Zephyrino  da  Costa,  foi  um  trabalho 
quasi  completo;  nunca,  que  eu  saiba,  apresentou  a  Academia, 
em  concursos  eschoiares,  quadro  mais  difíicíl  e  acabado».' 
Em  1S67  a  princeza  imperial  sra.  da.  Isabel  concorreu  ã 
Exposição  com  trabalhos  feitos  por  suas  próprias  mãos,  con- 
forme affirmou  o  director  da  Academia. 

Os  quadros  da  princeza,  em  numero  de  trez,  represen- 
tavam :  uma  paizagicm  da  Escossia,  figuras  de  cães  de  caça, 
e  o  terceiro  se  denominava  o  Acordar.  Os  dous  primeiros  per- 
tenciam ao  imperador  c  o  ultimo  ao  conde  d'Eu. 

No  período  de  1862,  data  da  exposição  da  Primeira  Missa 

de  Victor  Meirelles,  até  iHgo,  inclusive,  trabalharam  no  dif- 

ficil   género   do   retrato,   além   de    Victior    Meirtllcs,   Pedro 

Américo  e  Agostinho  (fa   Motta,  os  pintores  já   fallecidos: 

Carlos  Luiz  do  Nascimento,  natural  do  Rio  de  Janeiro,  dis- 

cÍDulo  de  Debret,  professor  jubilado,  exímio  restaurador  da 

lemia;  Sousa  I^bo,  Júlio  Le  Chevrel,  Augusto  Miiller 

jra  sua  o  retrato  de  Grandjean  de  Montigny),  Francisco 

mio  Nery   (com  o  retrato  de  Mjnardi),  Luiz  Augusto 

:aux   (Lagrange  na  opera  Norma),  Viriato  de  Freitas, 

uim   da   Rocha    Fragoso,    Poluccno   Manuel;  Carvalho, 

£  Perret,  Alfredo  Seelinger,  Augusto  Off  e  outros,  Es- 

n  Silva,  na  exposição  de   1884,  ao  lado  de  14  quadros 

ructas,  no  que  se  tornou  famoso,  concorreu  com  muitos 

;tos  por  elle  pintados.  Ultimamente  cultivaram  o  mesmo 


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DAS  ARTBS  PLÁSTICAS  NO  BRASIL  ■         583 

género  Daniel  Berard  e  no  relevo  os  esculptoPes :  Chaves  Pi- 
nheiro, Almeida  Reis,  e  os  gravadores  Joaquim  José  da  Silva 
Guimarães,  Quirino  Santos  e  Lúster. 

No  desenho  a  lápis  e  na  lithographía  trabalharam  no 
retrato:  Francisco  da  Cruz  Antunes  e  Augusto  Sisson,  espe- 
cialmente na  Galeria  de  Brasileiros  liluslres. 

Em  trabalhos  de  miniaturas  em  maríJm,  sobresairani 
em  varias  exposições:  António  José  da  Rocha,  professor  da 
Eschola  de  Marinha  (hoje  Navai)  e  José  Thomaz  da  Costa 
Guimarães,  da  Casa  Imperial. 

Nas  illuminuras  heráldicas  se  especializou,  no  Rio  dd 
Janeiro,  Aleixo  Boulanger,  que  por  isso  exerceu  caigo  offi- 
cial;  necessário  á  expedição  de  titulos  de  nobreza  e  brazõeá 
d'arma3 . 

Em  desenhos  a  bico  de  penna,  ninguém  aqui  ainda  excedeu 
a  Mariano  José  de  Almeida,  professor  das  princezas  e  da 
Eschola  de  Marinha.  O  fallecido  medico  dr,  Carlos  Arthur 
Moncorvo  de  Figueiredo,  de  natural  aptidão  e  gosto  para  esse 
processo  de  desenho,  quando  muito  joven,  aprendeu,  por  algum 
tempo",  com  Mariano  José  de  Almeida,  chegando  a  expor 
duas  cópias,  muito  bem  feitas,  no  salão  da  Academia,  em 
1865,  conforme  consta  do  catalogo  publicado.  Conheci  Ma- 
riano de  Almeida;  é  para  lamentar  que  muitos  dos  seus 
desenhos  se  extraviassem.  Vi,  de  sua  lavra,  delicadissimos 
trabalhos  em  papel  de  arroz. 

E  uma  particidaridade  intima:  —  ensinou  humanidades 
elementares  áquella  que,  ha  41  annos,  faz  a  felicidade  de 
meu  lar. . . 

Distinguiu-se  em  obras  de  Ourivesaria,  e  até  de  esmalte, 
Manuel  Joaquim  Valentim,  com  officina  de  ourives  nesta 
cidade.  Vários  objectos  por  elle  fabricados  figuraram  em 
exposições  rfa  Academia  e  também  em  Exposições  da  In- 
dustria Nacional. 

A  casa  de  José  Maria  dos  Reis,  ainda  hoje  existente, 
mas  de  outros  donos,  mantinha  uma  officina  de  instrumentos 
de  Óptica  e  conjunctamente  de  Ourivesaria.  Obras  de  seus 
peritos  officiaes  foram  exhibidas  não  só  na  Academia,  sinão 
também  cm  outras  exposições. 


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^84  ftEVlSTA  DO  ntSTITDTO  mSTOlUCO 

Em  obras  de  Ourivesaria,  em  prata,  não  tivemos,  em 
flores,  ninguém  que  egualasse  ao  finado  Pedro  António  da 
Costa,  velho  andador  da  egreja  da  Sancta  Casa  da  Mise- 
ricórdia. Executava  delicadíssimas  flores  em  prata  fina  e 
em  prata  de  lei .  Conheci-o  e  o  \'i  muitas  vezes  a  formar  rosas, 
ramalhetes  de  cravos  e  violetas.  Traballmva  em  aposentos 
da  velha  egreja,  e  quando  por  lá  eu  apparecia,  o  velho  Pedro 
perguntava- me  sempre  si  queria  vêr  a  Bandeira  da  Mise- 
ricórdia e  os  painéis  da  procissão  dos  Fogaréos.  Accedia 
sempre. 

Em  certa  occasião  (eu  era  engenheiro  da  Misericórdia) 
o  Pedro  me  chamou  a  attençâo  para  um  pequeno  escudo 
antiquissinio,  da  Sancta  Casa,  pintado  em  madeira,  que  jazia 
de  mixtura  com  fragmentos  de  materiaes  e  refugos  de  cons- 
trucção.  Tractava-se  de  um  bom  trabalhinho  contemporâneo 
das  remotas  edades  da  pia  instituição,  e  seu  legitimo  escudo. 
Tirei-o  do  logar  onde  se  achava,  e  pedi  ao  então  muito  joven 
pintor  sr.  Eduardo  de  Sá,  filho  de  um  amigo  meu,  o  finado 
chefe  da  Secretaria  da  Sancta  Casa,  Fra'ncisco  Augusto  de  Sá, 
para  restaura-lo,  o  que  elle  executou  cuidadosamente.  Auçto- 
rizado  pelo  provedor,  conselheiro  Manuel  de  Oliveira  Fausto, 
coUoquei  o  escudo,  onde  permanece,  á  entrada  da  egreja,  no 
forro  do  pavimento  do  coro. 

Nas  Exposições  de  Industria  Nacional,  realizadas  de 
1861  a  1875,  figuraram  muitos  trabalhos  dos  nossos  artistas 
em  Pintura,  Escuiptura,  Gravura  e  outras  especialidades.  De- 
pois da  necessária  selecção,  o  Governo  os  renietteu  para  as 
exposições  universaes  de  Pariz,  em  1867,  de  Vienna  d'Austria, 
em  1873,  e  de  Philadelphia.  nos  Estados  Unidos,  em  1876. 
Nos  respectivos  catálogos,  de  fácil  consulta  na  Bibliotheca 
Nacional,  encontram-se  indicações  sobre  esses  trabalhos,  e 
também  em  noticias  publicadas,  em  monographias  e  nos  jor- 
naes  diários. 

Para  as  exposições  da  Industria  nacional  aproveitaram- 
se  os  edifícios  da  Eschola  Polytechníca,  da  Casa  da  Moeda 
e  da  Secretaria  da  Viação  e  Obras  Publicas.  Na  primeira,  que 
se  inaugurou  na  Eschola  Polytechnica,  então  Eschola  Central, 
recebeu  o  edifício  decoração  origina]  executada,  gratuitamente, 


.  Google 


DAS  ARtES  PLÁSTICAS  Nô  BRASIL  5^5 

sob  plano  e  direcção  de  Henrique  Fleiuss,  com  a  collaboração 
de  Linde,  outro  artista. 

Nessa  ornamentação  se  notava  a  originalidade  de  seis 
grandes  flammulas  symbolizando,  pelas  cores,  as  ordens  hono- 
rificas do  Império:  Pedro  I,  Cruzeiro,  Rosa,  Christo,  Aviz 
e  S.  Thiago. 

Pelo  catalogo  das  primeiras  exposições  industriaes,  inau- 
guradas nesta  cidade,  e  referencias  em  outras  publicações,  se 
vê  que  foram  exposta's  preciosas  collecçõcs  de  rendas  do 
Norte  e  applicaçòes  originaes  do  bordado,  e  curiosos  arte- 
factos de  tartaruga  do  Rio  Grande  do  Norte,  e  egualmente 
obras  de  esculptura  em  madeira,  sobresaíndo  Carlos  Span- 
genberg,  de  Petrópolis,  com  um  adereço  de  paii  de  café  e 
peroba,  e  coixjs  de  taquarussú  com  relevos  de  cortiça  .- 

Tiveram  fama,  não  ha  muitos  annos,  as  bengalas  fabri- 
cadas por  Spangenberg,  que  se  esmerava  nas  escnlpturas  dos 
cabos,  e  em  arabescos  de  cofres  de  jóias  que  também  fabri- 
cava com  madeira  nossa. 

Vem  a  propósito  lembrar  uma  festa  silvestre,  brasileira- 
mente arranjada  em  1861  pelo  grande  compatriota  Mariano 
Procopio  Ferreira  Lage,  em  sua  vasta  propriedade  de  Juiz 
de  Fora,  por  occasião  da  visita  do  imperador  e  da  imperatriz, 
e  inauguração  de  18  léguas  da  estrada  União  e  Industria,  essa 
alcatifa  de  pedra,  honra  da  Engenharia,  personificada  em 
Halfeld  e  Oliveira  Bulhões  e  presentemente  votada  ao  com- 
pleto abandono.  A  cerenionia  se  realizou  em  23  de  Junho  de 
1861 ,  Assistiu  a  ella  um  correspondente  especial  do  Jornal  do 
Commercw,  que  escreveu  circunstanciadas  cartas,  tiradas  de- 
pois em  volume  separado. 

O  imperador  acceitou  o  convite  da  hospedagem  no  cas- 
tello  de  Mariano  Procopio,  com  a  condição  imposta  de  servir- 
se  somente  de  objectos  e  utensílios  brasileiros,  feitos  'no 
paiz.  Mariano  Procopio  particularizou  mais:  tudo  era  mi- 
neiro, os  cobertores  brancos  do  leito,  em  que  o  imperador 
dormiu,  foram  tecidos  em  Queluz  por  mãos  brasileiras,  com 
a  lã  de  carneiros  do  paiz ;  um  dos  cobertores  ostentava  no 
centro  as  armas  imperiaes,  e  as  toalhas  de  mesa  e  de  mãos 
foram  executadas  em  tear  mineiro  com  o  algodão  allí  pro* 
duzido. 

DigtizedbyGOO! 


^ 


586  REVISTA  DO  INSTITDTO  IIISTORICd 

As  colchas  de  seda  da  cama  de  suas  magestades  serviram 
a  d,  Pedro  I  quando,  indo  a  Minas,  se  hospedou  na  cidade  de 
Barbacena  em  casa  do  pae  de  Mariano  Procopio. 

O  almoço  dado  ao  imperador  no  matto  virgem,  annexo 
á  colónia  que  o  iilustre  Mineiro  fundara,  extasiou  a  todos;  e 
ao  dr.  Amaro  Carneiro  Bezerra  Cavalcanti,  deputado  então 
pelo  Rio  Grande  do  Norte,  o  ambiente  inspirou  soneto  allu- 
sivo  ao  sitio  e  ao  monarcha,  que  o  Jornal  do  Cotiuncrciq 
publicou : 

« No    meio   dessa    selva    magestosa, 
Cada  arvore  parece  uma  princeza  >, 

disse  o  sonetista. 

Escreveu  o  correspondente  do  Jornal :  «  No  logar  desti- 
nado ao  almoço,  e  em  curta  distancia  uma  da  outra,  nota- 
vam-se  duas  mesas  rústicas,  construídas  de  páos  roliços,  ainda 
cobertos  de  casca,  e  cercadas  de  bancos  da  mesma  espécie, 
com  os  encostos  tecidos  de  cipó.  Por  toalhas  folhas  de  pal- 
meiras, sobre  as  quacs  descansavam  em  alvos  guardanapos, 
os  assados  e  mais  iguarias  !  Os  copos  eram  gomos  de  taquara, 
cortados  de  conveniente  grandeza;  as  garrafas,  grandes  gomos 
de  taquara  ou  taquarussú,  entre  dous  nós,  tendo  ao  lado  na 
parte  superior  unia  pequena  abertura,  d'onde  saia  a  agua 
mais  crystallina.  (Foram  os  moringues).  E  tudo  isso  se  pas- 
sava no  meio  do  matto  vii^em,  tão  limpo,  que  por  toda  a 
parte  se  podiam   dirigir  as  pessoas   desembaraçadamente». 

Ficaram  satisfeitos  os  desejos  nativistas  do  imperador: 
tudo  brasileiro,  agreste  ou  não. 

Nas  exposições  nacionaes  appareceram  objectos  de  as- 
pectos rústicos  com  formas  sentidas. 

A  30  de  Março  de  1862  solennemente  inaugurou-se  ná 
cidade  do  Rio  de  Janeiro  o  mais  importante  monumento  civil 
de  escujplura  e  symboJismo  do  Brasil;  a  estatua  equestre  de 
d.  Pedro  I . 

O  monumento,  lembrado  em  1852,  levaram  a  effeito  por 
meio  de  uma  subscripção  popular,  cm  virtude  de  deliberação 
da  Camará  Municipal,  em  sessão  de  7  de  Septembro  de  1854, 
extraordinariamente  convocada  pelo  seu  presidente  dr.  Ro- 
berto Joi^e  Hadtfock  Lobo.  „ 


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DAS  ARTES  PLÁSTICAS  NO  BRASIL  587 

Em  12  de  Outubro  de  1855  expirou  o  prasd  dó  concurso 
aberto  para  os  projectos;  e  no  dia  14  desse  mez  e  anno,  a 

commissão,  da  qual  fazia  parte  Araiijo  Porto-Alegre,  reunida 
no  edificio  da  Academia  das  Bellas-Artes,  tomou  conheci- 
mento dos  35  projectos  apresentados  e  um  modelo.  Classificou 
em  1°  logar  o  de  n.  28;  em  2°  logar  o  de  n,  3;  e  em  3°  logai; 
o  de  n.  12.  O  primeiro  classificado  foi  o  de  João  Maximiano 
Mafra,  professor  substituto  de  Pintura  Histórica.  Em  6  de 
Maio  de  1856  se  contractou  com  o  esculptor  Luiz  Rochet, 
(classificado  em  3°  logar)  a  execução,  no  bronze,  do  desenho 
de  João  Maximiano  Mafra.  Na  execução  Luiz  Rochet  modi- 
ficou a  composição  na  parte  essencial  da  figura  do  primeiro 
imperador.  Mafra  desenhou  d,  Pedro  I  com  o  braço  direito 
em  gesto  altivo,  sustentando  o  chapéo  na  mão.  Rochet  cobriu 
o  imperador  com  o  chapéo  armado,  para  occultar  talvez  o 
defeito  da  falta  de  similhaiiça  physionomica,  aliás  tão  bem 
interpretada  no  busto  de  bronze,  obra  de  Marc  Ferrez,  exis- 
tente na  bibliotheca  da  Eschola  Nacional  de  Bellas-Artes.; 
O  estatuário  Rochet,  não  sabendo  que  fazer  da  mão  direita 
do  imperador,  poz-lhe  um  papel  que  diziam  ser  o  manifesto 
ás  nações,  com  a  legenda:  —  Independência  ou  Morte, 

Os  grujjos  symbolicos  dos  rios  do  pedestal  constam  do 
desenho  de  Mafra.  Alteraram  as  coiumnas  ou  supportes  da 
iUuminação  a  gaz.  No  desenho  de  Mafra  as  coiumnas  eram 
palmeiras,  cujos  fructos  seriam  os  lampcões. 

João  Maximiano  Mafra  morreu  velho,  professor  jubi- 
lado e  secretario  aposentado,  depois  de  ter  prestado  os  mais 
valiosos  serviços  ás  Bcllas-Artes. 

Quem  estudar  as  Bellas-Artes  no  Brasil,  já  o  disse  e 
repito,  se  certificará  da  influencia  benéfica  e  protectora  de 
João  Maximiano  Mafra,  que,  como  alumno  da  Academia, 
obteve  os  melhores  prémios,  sendo  um  delles  proposto  por 
Grantfjean  de  Montigny. 

No  balanço,  a  que  o  actual  director  da  Eschola  de  Bellas- 
Artes,  sr.  João  Baptista  da  Costa,  mandou  proceder  em  cousas 
que  não  se  buliam,  e  jaziam  no  porão  do  edificio  depois  da 
mudança  da  Eschola,  encontraram-se  duas  estampas,  photo- 
graphias  valiosas,  sobre  a  estatua  equestre  de  d.  Pedro  I; 
uma  a  representar  o  desenho  de  Mafra  e  a  outra  a  repre- 

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588  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

sentar  o  esboceto  de  Rochet  (maquette  como  por  faceirice, 
ignorância  ou  impostura  franceza  alguns  dizem  modernamente, 
parecendo  não  haver  em  nosso  idioma  vocábulos  expressivos  e 
apropriados). 

Na  photographia  do  esboceto  de  Rochet  se  verifica,  com-    ■ 
parando-se  com  a  do  desenho  de  Mafra,  que  o  estatuário  se 
cingiu,  nem  podia  deixar  de  o  fazer,  a  pormenores,  inclusive 
os  da  anatomia  movimentada  do  cavallo. 

A  estatua  equestre  de  d.  Pedro  I  é  o  melhor  monumento 
civil  de  Esculptura  no  Brasil. 

No  reinado  do  sr.  d.  Pedro  11  não  faltaram  governos 
"que  procurassem  animar  e  proteger  as  Bellas-Artes :  agra- 
ciavam os  artistas  que  mais  se  distinguiam;  estabeleceram 
por  lei  prémios  com  pensão  para  os  aluninos  se  aperfeiçoarem 
nos  centros  de  cultura  artística  na  Europa,  pensão  por  seis 
annos  para  Pintura,  Esculptura  e  Architectura,  e  por  quatro 
annos  para  Gravura.  Adquiriam  obras  de  artistas,  encom- 
mendando  algumas.  O  visconde  de  Ouro  Preto,  quando  mi- 
nistro da  Marinha,  encommendou  a  Victor  Meirelles  os  qua- 
dros: Batalha  de  Riachuelo  e  Passagem  de  Humaitá,  e  o 
conselheiro  João  Alfredo  a  Batalha  de  Avahi  a  Pedro  Amé- 
rico. O  conselheiro  Fernandes  Torres,  ministro  do  Império, 
comprou  por  dez  contos  de  réis  á  viuva  de  Grandjean  os 
desenhos  deixados  por  este-, 

0  imperador,  á  custa  de  sua  bolsa  particular,  educou  na 
Europa:  Pedro  Américo,  Almeida  Júnior,  Daniel  Berard  e 
Pedro  Weingartner,  Não  regateou  auxilios  a  Victor  Meirelles 
e  a  outros  artistas. 

Quando  João  Zephyrino  da  Costa,  então  pensionista  da 

Academia   em   Roma,   obteve   em   1870   o  primeiro   premio, 

por  concurso  na   Academia  de   S.   Lucas,  o  imperador  lhe 

mandou  de  sua  bolsa  particular  entregar  mil  francos;  no  anno 

inte  Zephyrino  da   Costa   em  outro  concurso  obteve  a 

na  recompensa,  o  sr.  d.  Pedro  II  repetiu  o  donativo  de 

francos;   e  no  terceiro  anno,   apesar  do  nosso  compa- 

1  não  haver  concorrido,  sua  magestade  tornou  a  fazer 
■ira  remessa  de  mil  francos. 

Até  então  a  pensão  dos  pensionistas  da  Academia  na 
ipa  não  excedia  de  trezentos  francos  mensaes.  O  sr.  conde 

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DAS  ARTES  PLÁSTICAS  NO  BRASIL  589 

d'Eu,  príncipe  consorte,  indo  a  Roma,  esteve  com  Zephyrino 
da  Costa,  e  este  lhe  pediu  que  intercedesse,  juncto  do  impe- 
rador, a  favor  do  augmento  da  pensão,  allegando  sua  exigui- 
dade para  attender  ás  exigências  do  necessário  aperfeiçoa- 
mento do  artista.  Sua  Alteza  prometteu,  e  passado  pouco 
tempo  o  Governo  Imperial  elevava  a  pensão  dos  alumnos  a 
quinhentos  franco?  mensaes. 

Com  relação  a  esse  grande  artista  bra|sileiro  poderei 
addicionar  mais  outro  acto  de  fecunda  protecção  do  impe- 
rador. Zephyrino  da  Costa  mostrou  desejos  de  ser  o  pintor 
decorador  da  egreja  da  Candelária,  onde  elle  depois  inimor- 
taltzou  o  seu  nome,  e,  meus  senhores,  quem  o  indicou  á  respe- 
ctiva administração  foi  sua  magestade. 

Em  1886  se  deu  uni  facto  commigo,  que  o  revelei  era 
conferencia  feita  em  Dezembro  ultimo,  na  Bibliotheca  Na- 
cional e  recordarei  agora. 

Durante  uma  phase  progressista  da  Architectura,  no  Rio 
de  Janeiro,  me  animei  a  publicar  uma  revista  mensal  —  Re- 
vista dos  Constructores,  particularizada  a  Architectura  civil. 
Luctei  naturalmente  com  difficuldade  para  illusirar  o  texto, 
sendo  obrigado  a  empregar  xylographia  e  lithographia,  por 
preços  elevados. 

Iniciei  a  propaganda  com  abundante  coUaboração  pa- 
triótica. Publicaram-se  trabalhos  originaes.  Pois  bem,  si 
consegui  fazer  sair,  de  1886  a  1889,  a  Revista  dos  Constru- 
ctores, sem  grande  ónus  material  para  mim,  foi  devido  ao 
auxilio  todo  espontâneo,  que  recebi  do  imperador.  Sua 
Magestade  mandava  pela  thesouraria  particular  de  sua  Impe- 
rial Casa,  directamente  á  typographia,  sem  eu  saber,  os  re- 
cursos para  serem  pagas  as  despesas  da  impressão.  Do  facto 
só  me  inteirava  o  sr.  Augusto  Mont'Alvenie,  proprietário  do 
estabelecimento,  depois  de  accusar  o  recebimento  dos  do- 
nativos . 

O  imi>erador,  quando  lhe  apparecia  para  agradecer,  se 
limitava  a  me  acconseUiar  que  « trabalhasse  e  não  desani- 
masse >.  Sua  Magestade,  portanto,  interessava-se  também 
pela  Architectura. 

Na  Academia  das  Bellas-Artes  a  <listrÍbuÍção  dos  pré- 
mios aos  alunmos  celebrava-se  sempre  festiva  e  soleime.j 

.  Google 


590  REVISTA  t»  1S3T1TUT0  IlISTORlCO 

O  imperador,  apesar  dos  affazeres  de  sua  elevada  funcçáo 
em  todo  o  território  nacional,  assistia  a  essas  ceremonias  pe- 
riódicas, dando  assim  exemplo  de  seu  amor  ás  artes  e  ani- 
mação aos  artistas. 

O  ministro  d'Estado  dos  negócios  do  Império  também 
comparecia  ao  acto. 


A  23  de  Novembro  de  1856  fundou-se  o  Lyceu  de  Artes 
e  Officios,  por  iniciativa  e  exforços  do  architecto  Francisco 
Joaquim  Bethencourt  da  Silva,  professor  de  Architectura  da 
Academia. 

Considero  o  Lyceu  um  monumento  de  ínstrucção  popular 
e  profissional,  que  honra-  a  nossa  cultura  e  os  nossos  senti- 
mentos altruisticos . 

Inaugurado,  a  principio,  no  consistório  da  egreja  do 
Sacramento,  como  complemento  da  Sociedade  Propagadora 
das  Beilas-Artes  e  hoje  funccionando  em  casa  própria,  tem 
tido  uma  existência  fecunda  de  derrame  de  instrucção  ás 
classes  operarias  e  ás  profissões  elemenfares,  preparando  arti- 
fices  e  artistas  nas  artes  do  desenho  respectivo,  dando  a 
muitos  fácil  accesso  ao  estudo  superior  das  Bellas- Artes. 

O  Lyceu,  debaixo  do  ponto  de  vista  do  ensino  do  De- 
senho, é  de  facto,  e  convém  seja  por  lei  expressa,  uma  eschola 
practica  de  preparação  á  matricula  no  curso  geral  da  Eschola 
de  Bellas- Artes. 

Depois  de  iniciadas  as  primeiras  aulas  na  egreja  do 
Sacramento,  passaram  estas  a  funccionar  na  egreja  de  S.  Joa- 
quim, então  interdicta  ao  culto,  construída  juncto  do  edifício 
do  Externato  dç  Collegio  Pedro  II,  desapropriada  e  demolida 
na  administração  do  prefeito  Passos,  para  alargamento  da 
Tua  estreita  de  S.  Joaquim,  a  qual,  com  a  antiga  rua  Larga 
de  S.  Joaquim,  formou  a  actual  rua  Marechal  Floriano 
Peixoto. 

O  Lyceu  permaneceu  na  egreja  de  S .  Joaquim  até  3  de 
Septembro  de  1870.  Mudou-se  depois  para  o  actual  edifício, 
que.  antes  servira  de  Secretaria  d'Estado  dos  negócios  do 
Império,  encasada  hoje  no  próprio  nacional  da  praça  Tira- 


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DAS    VtltES  PL.WTICAS  NO  DnASIL  59' 

dentes.  Tracta  o  Lyceu  de  possuir,  no  mesmo  sitio,  edifício 
apropriado,  cuja  alvenaria  modelar  se  acha  em  andamento. 
Entre  os  nomes  dos  artistas,  já  fallecidos,  que  accederam 
nos  primeiros  tempos,  ao  convite  de  Bethencourt  da  Silva 
para  o  ensino  gratuito,  além  de  Victor  Meirelles  e  Agostinho 
da  Motta,  citarei : 

—  Francisco  António  Nery,  pensionista  da  Academia  de 
1849  a  1851,  auctor  do  quadro  O  lavrador  dos  campos  da 
Pharsaiia  admirado  da  multidão  de  ossos  humanos  que  en- 
contra ao  lavrar  a  terra  (extrahido  do  i°  livro  das  Georgicas 
de  Virgilio) ; 

—  Francisco  Renato  Moreaux,  pintor  histórico,  discipulo 
de  Gros  da  eschola  franceza; 

—  João  José  Alves,  architecto,  discipulo  de  Grandjean, 
de  quem  já  me  occupei; 

—  Mariano  José  de  Oliveira,  eximío  desenhador  a  bicco 
de  penna; 

—  Quirino  Vieira,  escuiptor;  Poluceno  Manuel  e  Fra- 
goso, pintores  retratistas. 

O  progresso  da  instituição  se  accentuou  de  anno  a  anno, 
comprovado  nas  exposições  annuaes  dos  alumnos,  na  elevada 
estatística  escholar  que  attingiu  a  mais  de  dous  mil  matri- 
culados. Alli  se  prepararam  alumnos  que  se  destinaram  á 
Eschola  Nacional  de  Bellas-Artes,  onde  foram  professores,  e 
outros  alcançaram  os  mais  elevados  prémios  do  Governo  na- 
quelle  estabelecimento.  Artífices,  que  no  Lyceu  aprenderam, 
tornaram-se  ornamentistas  de  nomeada. 

Os  poderes  públicos,  desde  o  antigo  regime,  dispensam 
valiosa  e  justa  coadjuvação  nos  orçamentos  e  em  leis  âo  paiz. 
E  no  tempo  do  Império  o  Governo  condecorou,  com  graus 
de  or"tíens  honorificas,  aos  professores  do  Lyceu,  em  attenção 
aos  serA-iços  gratuitos  no  ensino  technico  profissional. 

A's  festas  das  distribuições  de  prémios  aos  alumnos  que 
assim  o  mereciam,  comparecia  o  imperador,  e  de  suas  mãos 
os  laureados  recebiam  os  prémios. 

E"  opportuno  ainda  uma  vez  recordar  a  phrase  de  sua 
magestade  banido  e  no  exílio,  e  publicada  pelo  visconde  de 
Taunay :  «  Não  me  exquecí  da  Academia  das  Delias- Artes, 
e  fiz  o  que  pude  pelo  Lyceu  de  Artes  e  Of ficios  ». 


■  C-o<H?|t:^ 


593  REVISTA  00  Instituto  Oistorico 

Das  primeiras  phases  do  Lyceu  se  occupou  O  Brasil 
Arlistico,  publicando  os  discursos  da  Sociedade  Propagadora 
das  Bellas-Artcs .  O  que  é  hoje  o  Lyceu,  e  os  serviços  que 
tem  prestado  ás  artes  do  Desenho,  não  se  precisa  demonstrar; 
não  se  demonstra  o  que  está  na  consciência  de  todos. . . 


A  Exix>si(;ão  Geral  de  Bellas-Artes,  realizada  em  1S84, 
marcou  epocha  de  espantoso  progresso  na  pintura  de  ca\'allete. 
Jamais  se  repetiu,  infelizmente,  uma  exhibição  de  trabalhos 
nacionaes,  tão  eloquente  como  aquelia . 

Dirigia  a  Academia  o  conselheiro  Nicolau  Tolentino  que 
augmentou  a  collecção  de  esculpturas,  enriquecendo-a  de  novos 
géssos.   Era  secretario  o  professor  João  Maximiano  Mafra., 

Organis  da  imprensa  disseram  que  de  ante  mão  se  sabia 
que  a  exposição  deveria  ultrapassar,  em  vastidão  e  progresso, 
quantas  a  Academia  tinha  realizado  desde  a  sua  fundação. 
Marcou,  portanto  pela  sua  importância,  phase  fulgurante  da 
Arte  nacional.  Foi  inaugurada  perante  numerosa  assistência, 
a  14  de  Agosto,  pelo  imperador  acompanhado  da  princeza 
imperial  e  seu  esposo. 

A  Familia  Imperial  demorou-se  duas  horas  na  visita.  A 
Exposição,  noticiou  o  Jornal  do  Commercio,  que  <  fora  uma 
das  melhores  sinão  a  melhor  que  entre  nós  se  tinha  realizado, 
com  trabalhos  de  bastante  merecimento»,  A  commissão  jul- 
gadora, da  qual  faziam  parte  Victor  Meirelles,  Pedro  Américo, 
Mafra  e  Bethencourt  da  Silva,  em  seu  laudo  folgou  em  reco- 
nhecer que  os  exiK)sitores,  em  numero  de  75  com  399  tra- 
balhos, foram  dignos  de  louvor,  porque  não  é  sem  grande 
exfõrço,  sem  sacrifício  de  tempo  e  de  dinheiro,  sem  abnegações 
mesmo,  que  se  trabalha  para  uma  Exposição  de  Bellas-Artes, 
a  que  infelizmente  não  corresponde  o  apreço  do  publico».: 
Mas  a  estatistica  deu  o  numero  de  20. 154  pessoas  que  pa- 
garam o  ingresso,  não  se  exigindo  por  este  sinão  módica  con- 
tribuição, cujo  producto  se  destinava  e  se  destinou  á  acqui- 
siçâo  das  obras  expostas,  que  foram  mais  dignas  desta 
distincção  pelo  seu  merecimento  e  animação.  Rendeu  mais 
de  14:000$  líquidos. 


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DAS  ARTES  PLÁSTICAS  NO  BRASIL  g93 

Pergunto  aos  artistas  de  hoje:  quando  alguma  exposição 
attingiu  depois  áquelle  numero  de  visitantes  e  áquella  renda? 
Nunca  mais.. . 

Na  secção  de  Pintura  figuraram  trabalhos  a  óleo,  a 
aquarella,  guache;  pinturas  sobre  porcelana,  desenhos  a  lápis, 
a  penna,  a  fumaça,  etc.  Annexou-se  á  exposição  a  collecçào 
de  quadros  nacionaes  formando  a  <  Eschola  Brasileira  ». 

De  fallecidos  pintores  brasileiros,  seguindo  a  ordem  al- 
phabetica  do  catalogo,  distinguiram-se  António  Araújo  de 
Sousa  Lobo,  António  Firmino  Monteiro,  Augusto  Rodrigues 
Duarte,  Estevam  Roberto  da  Silva,  José  Ferraz  de  Almeida 
Júnior,  Leôncio  da  Costa  Faria  «  outros. 

Muitos  jovens  artistas  compareceram  á  celebre  exposição, 
e  entre  elles  alguns  são  hoje  mestres  nojaveis. 

Ao  salão  de  1884  concorreram  Pedro  Américo  e  Victor 
Meirelles.  Este  com  a  Batalha  de  Riachuelo,  réplica  ida 
quadro  deste  nome,  cujo  esboço  pertence  ao  illustre  sr.  conde 
de  Affonso  Celso,  esboço  que  ha  dias  pela  primeira  vez  tive  o 
prazer  de  contemplar  em  casa  de  s.  ex.,  e  também  o  da' 
Passagem  de  Humaitá. 

Com  franqueza,  acho  mais  sentido  o  esboço  do  quadro 
da  Batalha  do  que  a  réplica  da  grande  tela,  pintada,  de  1882 
a  1883,  afim  de  reparar  a  primeira,  feita  em  1872,  e  inutilizada 
na  volta  da  Exposição  de  Philadelphia. 

Firmino  Monteiro,  auctor  das  Exéquias  de  Camarim,  o 
pintor  carioca  por  excellencia,  fallecido  em  1888,  com  35 
annos  de  edade,  apresentou  na  memorável  exposição  o  quadro 
O  FidigOÍ  (já  referido  em  licção  passada,  no  tópico  relativo 
ao  demolido  oratório  de  pedra  da  rua  d'AIfandega) ;  e  mais 
outros  quadros,  quaes :  í/w  vendedor  de  balas  e  jornaes,  phos- 
phorosl  (scenas  de  costumes),  o  Capitão  João  Homem,  al- 
gumas paizagens  da  bahia  e  duas  telas  históricas:  Camões  no 
seu  leito  de  morte  e  um  Episodio  da  Retirada  da  Laguna. 

Entre  os  quadros  interessantes  de  costumes  chamou  a 
attenção  o  da  anecdotica  historia  entre  o  conde  da  Cunha  e 
João  Homem,  celebre  sujeito  dos  tempos  coloniaes,  o  qual 
ligou  se»  nome  á  conhecida  ladeira  do  bairro  da  Saúde.  O 
thema  de  Firmino  Monteiro  foÍ  o  facto  acontecido  entre  o 
vice-rei  e  o  preguiçoso  capitão. 

S'  D,gt,zedbyC.OOgle 


S94  RmSTA  DO  INSTITUTO  HUTOBICO 

« Costumava  o  conde  da  Cunha  assistir  á  chegada  dos 
tijolos  para  a  construcçSo  da  casa  d'armaB  da  fortaleza  dâ 
Conceição,  e,  tendo  visto  por  varias  vezes  o  capitão  João 
Homem  divertindo-se  em  vez  de  trabalhar,  enfesou-se  com 
isso,  fe-lo  um  dia  vir  á  iua  presença,  vestido  de  chambre 
e  touca  de  babados,  como  se  achava,  e  o  obrigou  a  carregar 
tijolos. » 

Foi  na  Exposição  de  1884  que  o  pintor  brasileiro  José 
Ferraz  de  Almeida  Júnior  apresentou  notáveis  íélas,  que  defi- 
nitivamente o  consagraram . 

Almeida  Júnior,  natural  de  S.  Paulo,  ex-alumno  d* 
Academia,  estudou  na  Europa  á  custa  do  imperador. 

Os  trabalhos  com  que  concorreu,  pertencentes  ás  nossas 
galerias  nacionaes,  são:  a  Fugida  da  Sacra  Família  para  o 
Egypto  (dadiva  do  imperador),  o  Descanso  do  modelo,  o 
Remorso  de  Judas,  o  Derrubador  brasileiro.  A  composição 
primacial  de  Almeida  Júnior,  em  sua  obra  de  artista,  é  A 
Partida  ^a  monção. 

Pintor  brasileiro,  brasileiro  no  sentir  e  no  vibrar  de  todas 
as  suas  telas,  de  assumptos  da  patría  paulista,  O  dr.  Brasilío 
Machado,  em  eloquente  discurso  pronunciado  no  cemeterio  em 
S.  Paulo,  se  exprimiu  melhor  do  que  eu  poderia  dizer  agora' 
a  respeito  de  Almeida  Jbnior, 

Eis  as  palavras  e  conceitos  do  dr.  Brasilío  Machado: 
<  Não  alludo  ao  apuro  que  põe  no  seu  desenho,  ao  cuidado 
com  que  prima  em  decompor  o  seu  colorido,  ao  eguilibrío  em 
que  dispõe  os  seus  grupos,  ã  precisão  com  que  surprehende 
uma  physíonomia,  Ã  felicidade  com  que  copia  as  formas,  á 
arte  na  escolha  de  uma  paizagem,  á  tenacidade  em  que  gradua 
e  illumina  o  conjuncto.  Os  seus  estudos  de  physíonomia  são 
incomparáveis  em  cada  uma  das  telas  animckdas  pela  presença 
do  homem,  do  nosso  caboclo,  que  se  contenta  com  a  natureza 
que  o  cerca  contra  as  tentaçSes  da  civilização  que  o  provoca. 

No  Violeiro,  no  Caipira  pitando,  na  Amolação  interrom- 
pida, no  Caipira  negaceando,  no  Caipira  picando  fumo,  e  em 
alguns  dos  sertanejos  mais  em  saliência,  na  mais  movimentada 
e  grandiosa  de  suas  creações,  A  Partida  da  monção,  o  typo 
do  caboclo  resalta  num  magistral  relevo  de  .desenhos  e  cores, 
e,  como  que  um  arrepio  de  vida  percorre  naquellas  figuras 

.  Cooglc 


DAS  ARTBS  PLÁSTICAS  DO  BHASIL  59$ 

tão  sugestivas.  Ião  variadas,  mas  tào  nossas,  com  os  músculos 
robustecidos  pelo  trabalho,  a  tez  requeimada,  o  olhar  apurado 
pelos  perigos  vencidos,  a  actividade  eccentuada  i)os  geatos,  a 
coragem  adivinhada  na  altitude. »  . 

João  Zephyrino  da  Costa,  pintsr  carioca,  falleceu  «m  04 
de  Agosto  ultinio  na  ed&ds  de  y6  annos,  depois  de  quarenta 
de  um  magistério  exemplar,  Conhecí-o  muito  de  perto  no 
lidar  pedagógico  e  no  convívio  inteiro  de  amigo. 

Circunspecto  e  competentíssimo  na  Bella-Arte  que  abra- 
çou. Foi  o  nosso  grande  pintor  mural,  ninguém  o  excedeu, 
ninguém  o  egualou.  Mestre  na  verdadeira  accep^o  do  vocá- 
bulo, artista  de  raça,  pintor  por  temperamento.  Estudioso  e 
observador  até  a  quasi  despercebidas  minudeneias. 

Dotado  de  n^  pequena  cultura,  foi  eonsiderada  com 
justiça  um  filho  dilecto  da  velha  Academia  e  que  tanto 
a  honrou.  Na  qualidade  de  pensionista  do  Estado  na  Eu- 
ropa, abundantes  e  primorosas  eram  as  suas  remessas  de 
trabalhos  a  demonstrarem  sempre  óptima  applicação,  incom- 
parável aproveitamento  «  successivos  progressos  nos  estudos. 
Consultem-se  os  archivos  escholares,  os  catálogos  das  Expo- 
sições annuaes,  os  relatórios  dos  ministros,  e  ter-se-ha  a  eon- 
firmaçKo  do  que  dígo. 

Depois  dos  donativos  do  imperador,  enviados  a  Zephyrino 
da  Costa  pelos  seus  triumphos  obtidos  na  Academia  de  São 
Lucas,  em  Roma,  offerecendo-se  occasião  ao  soberano  de  ir 
k  capital  italiana,  procurou  ver  os  trabalhos  premiados.  Em 
recente  auto-declaraçlo  escripta  de  Zephyrino,  era  meu  poder, 
elle  af firma  deste  modo:  «Quando  sua  magestade  imperial 
esteve  em  Roma,  em  1871,  accompanhado  de  sua  magestade 
a  imperatriz  e  de  seu  séquito,  e  em  minha  companhia  espon- 
taneamente fez  uma  visita  á  Academia  de  São  Lucas,  com  o 
fim  ^specíal  (conforme  el!e  a  mim  se  externou)  de  ir  ver  os 
meus  trabalhos  premiados.  »  Qual  a  consequência  da  visita 
do  imperador?, . . 

Um  anno  antes  de  terminar  o  praso  da  pensão  por  cinco 
annos  para  Zephyrino  estudar  em  Roma,  o  Governo  Imperial, 
considerando  seu  aproveitamento  nos  «studos,  prorogou  por 
mais  trez  annos  a  pensão:  sendo  dous  annos  para  terminar 
com  mais  cuidado  os  últimos  trabalhos  e  um  para  uma  excursSo 


:,gle 


596  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

pelas  principaes  cidades  artísticas  da  Europa  antes  de  re- 
gressar para  a  Pátria. 

Em  1877,  o  Governo  o  nomeou  professor  honorário  da 
Academia,  isto  é,  logo  que  regressou  de  seu  pensionato  em 
Roma.  Tornou-o  efíectívo  de  Pintura  histórica,  durante  li- 
cença concedida  a  Victor  Meirelles;  em  1878  passou  para 
paizagem,  com  a  morte  de  Agostinho  da  Motta;  regeu  a 
cadeira  de  Desenho  figurado,  voltou  á  cadeira  de  Pintura  his- 
tórica, que  leccionou  até  que  tete  de  r^essar  a  Europa.  Na 
nova  eschola  de  Bellas-Artes,  desde  1890,  professou  sempre 
Desenho  de  modelo-vivo  e  nesse  cargo  morreu,  deixando  es- 
escripta  uma  Guia  para  se  aprender  Desenho  de  modelo-vivo, 
trabalho  esse  repleto  de  estampas.; 

E'  livro  excellente  e  utilíssimo,  para  cuja  impressão  envi- 
darão exforços,  certamente,  o  director  e  a  Congregação  dos 
professores. 

Nas  galerias  nacionaes  existem  boas  telas  de  Zephyrino  da 
Costa,  quaes:  o  Óbolo  da  VÍuz'a,  A  Pompeiana,  Moisés  re- 
cebendo as  tabuiís  da  Lei  e  S.  João  Baptista. 

Mas  a  sua  obra  importante,  na  qual  como  já  eu  disse 
immortalizou  o  seu  nome,  foi  a  decoração  da  nossa  egreja  da 
Candelária,  pinturas  muraes,  á  vista  de  todos  que  visitam  o 
templo. 

A  composição  em  seu  conjucto  não  tem  rival  no  Rio 
de  Janeiro,  quanto  á  magnitude  dos  assumptos  tractados  com 
uma  technica  admirável,  quanto  ás  reconstituições  archeolo- 
gicas  constantes  dos  painéis  da  nave,  quanto  ás  difficuldades 
de  perspectivas  vencidas  nas  concavidades  ou  curvaturas  dos 
tectos,  naturalmente  por  estudos  prévios  em  cartões,  onde 
Zephyrino  da  Costa  segniu  á  risca  as  licçÕes  dos  maiores 
mestres  da  Pintura  histórica. 

Aquellas  mãos,  que  tanto  enriqueceram  o  interior  da 
egreja  da  Candelária,  foram  depois  atacadas  por  uma  para- 
lysia  que  se  tornou  completa,  privando-as  de  qualquer  movi- 
mento. Zephyrino  da  Costa  morreu  paralytico. 

Ha  dous  annos,  [wuco  mais  ou  menos,  foram  requisitados 
os  seus  serviços  em  restauração,  c  ajudado  por  seu  discípulo 
Sebastião  Fernandes,  elle  as  fez ;  a  paralysia  das  mãos  ainda 
não  era  completa;  para  trabalhar  subia  ás  alturas  da  ^^eja 

'■'Google 


D&S  ARTES  PLÁSTICAS  NO  BAASIL  S97 

amarrado,  e  ascensores  especiaes  o  conduziam  a  pontos  em 
que  a  sua  presença  se  fazia  necessária. 

Na  egreja  da  Candelária  também  se  distinguiu  outro 
filho  laureado  da  velha  Academia,  o  architecto  Heitor  de 
Çordoville,  que  morreu  já  professor  da  nova  Eschola.  Heitor 
de  Çordoville  desenhou  todas  as  ornamentações  que  se  pas- 
saram a  mármore.  Compoz  a  decoração  no  clássico  do  Renas- 
cimento italiano,  conforme  indicara  o  director  das  obras  dr, 
António  de  Paula  Freitas,  successor  do  engenheiro  Evaristo 
Xavier  da  Veiga,  o  constructor  do  sumptuoso  zimbório  este- 
reotomico.  Evaristo  a  seu  turno  succedeu  ao  architecto  Ferro 
Cardoso,   auctor  de  desenhos   daquella  obra  complementar. 

Da  conclusão  da  ^reja  da  Candelária,  no  século  XIX, 
resultou  um  exemplar  de  aspecto  syncretico,  pela  mixtura  de 
estylos,  aliás  legitimos  na  Architectura  religiosa  da  cidade. 

A  epocha  original  de  aspectos  na  edificação  civil  e  reli- 
giosa no  Rio  de  Janeiro,  nascida  nos  fins  do  século  XVII,  e 
florescente  no  século  XVIII  e  que  se  expandia  no  século  XIX, 
perturbou-se  com  o  prestigio  official  do  professor  Grandjean 
de  Montigny,  cujos  projectos  não  jjassavam  de  correctissimas 
composições  'ircheologicas  greco-romanas ;  a  fachadi  do  antigo 
edifício  da  Eschola  Nacional  de  Bellas-Artes  é  documento 
incontestável . 

Grandjean  era  exclusivista,  nada  admittia  fora  do  neo- 
clássico, producto  da  phase  artística  contemporânea.  Félix 
Taunay  accentuou  esse  critério  do  eminente  architecto  no 
necrol<^ío  que  pronunciou  em  sessão  plena  da  Congregação 
da  Academia. 

Não  tardou  no  Rio  de  Janeiro,  que  os  imitadores  appa- 
recessem,  mas  os  imitadores  sem  estudos  fundamentaes.  As 
grammaticas  architectonicas  de  Vignola  e  de  Palladio  ficaram 
entregues  a  incompetentes,  arvorados  em  profissionaes.  Come- 
çaram as  cinco  ordens  a  ser  mal  comprehendidas.. . 

Constituiram-se  fachadas  abastardadas  e  insipidas:  linhas 
clássicas  incorrectamente  empregadas  com  os  ornatos  do  sé- 
culo X\'III  atrapalhados.  A  cada  passo  encontram-se  os 
exemplos,  porque  não  desappareccram  de  todo;  ainda  eslão 
de  pé  typos  intactos  de  constrticçào  civil  nestas  condições. 


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59B  RsruTA  DO  irstituto  histórico 

Nin^em  é  mais  admirador  dos  dous  grammaticos,  Vi- 
gnala  e  Palladio,  do  que  eu.As  ordens  clássicas  têm  seu  logar ; 
a  fachada  de  uma  Bibliotheca,  de  um  Congresso  Legislativo, 
de  um  Palácio  de  Governo,  typos  de  architectura  politica  en- 
fim, devem  ser  clássicos. 

A  grammatica  de  Viguola  é  tão  necessária  ao  artista, 
parft  o  habito  da  proporção  e  correcção  de  linhas,  como  a 
grammatica  de  uma  lingua  é  necessária  ao  escriptor. 

Habituado  ao  Vignola,  o  architecto  jamais  commetterá 
incorrecções,  jamais  deixará  de  ser  Ic^co  em  suas  compo- 
sições, qualquer  que  seja  o  systema  construclivo  e  estylo  oma- 
menul. 

Quando  no  meiado  do  século  os  constructorcs  ensaiavam, 
menos  incorrectamente,  as  applicações  clássicas,  chegaram  ao 
Rio  de  Janeiro,  vindos  de  Viana  de  Castello,  muitos  estu- 
cadores  portuguezes,  alguns  peritos  no  offtcio,  chefiados  por 
um  Nogueira  e  por  um  Zephyrino.  Nunca  consegui  saber  os 
nomes  cranpletos  destes  estucadores,  Os  tympanos  dos  fron- 
tões, os  frisos  e  os  lisos  das  almofadas  das  paredes,  princi- 
piaram logo  a  ser  vestidas  com  ornamentações  em  relevo  de 
cal  ou  gesso,  novo  aspecto  ornamental  das  fachadas,  que  offe- 
rece  ao  investigador  muito  interesse  pela  variedade,  muitas 
vezes  com  falta  de  l<^ca  nas  applicações.  Numerosos  eram 
os  exemplares  antes  da  remodelação  da  cidade.  Aquillo  que, 
em  estuque,  os  pedreiros  mais  geitosos  faziam  somente  em 
molduras,  porque  não  sabiam  modelar,  os  estucadores  tor- 
neavam e  iam  pouco  a  pouco  incutindo  necessidade  de  serem 
aproveitados  os  seus  serviços. 

Estucavam  baixos  relevos  nos  tympanos  com  composições 
decorativas,  entrando :  chiméras,  gryphos,  dragões,  outros  ani- 
maes  fabulosos,  até  um  morcego  androcephalo  modelaram  em 
um  frontão  de  casa  ainda  existente  á  rua  do  Cattetc,  sereias, 
panóplias  com  golphinhos,  attributos  de  Hermes  ou  Mercúrio, 
o  infallivel  Pégaso  alado,  o  caduceu,  as  comucopias  com  flores, 
eras,  iniciaes,  grinaldas,  ondas,  meandros,  feMÕes,  o  tridente 
de  Neptuno,  a  foice  de  Ceres  e  a  sua  figura,  outras  figuras 
divinas  da  Mytliologia  greco-romana,  até  em  um  tympano  de 
casa  da  rua  Frei  Caneca  (a  revista  Renascença  reproduziu). 
Chaves  Pinheiro  esculpiu  em  estuque  as  trez  Parcas  sentadas, 


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DAS  ARTES  PLÁSTICAS  NO  BRASIL  599 

cada  uma  em  sua  funcção,  num  ambiente  estrellado  (15).- 
Os  azulejos  dos  corredores  accompanhavam  o  gosto,  pa- 
rodia grosseira,  do  greco-romano ;  em  um  prédio  da  rua  do 
I/avradio,  nas  paredes  do  vão  da  escada,  puzeram  um  painel 
com  a  representação  de  um  cão  acorrentado  e  o  aviso  em 
letras  latinas  cave  canem.  {16). 

Grande  é  o  interesse  que  desperta  quem  estuda  os  as- 
pectos de  extravagâncias  omamentaes  de  estuque  na  edifi- 
cação urbana.  Até  certo  ponto  os  ornatos  de  estuque  não 
tinham  applicação,  por  não  haver  a  menor  correspondência 
symbolica  ou  allegorica  entre  a  decoração  e  o  destino  da 
casa;  entretanto,  é  preciso  ponderar  que,  no  meio  de  todas 
essas  faltas  de  lógica,  muitos  trabalhos  delicados  compuzeram. 
Os  ornatos  executavam-se  na  própria  parede,  e  não  eram 
fundidos  em  formas,  e  depois  soldados,  como  actualmente. 

No  meio  do  século  XIX  generalizou-se  o  estuque  nos 
tectos  das  salas  de  visitas,  não  faltou  campo  aos  ornamen- 
tistas  para  as  suas  proezas  floridas.  Tectos  decorados  ainda 
permanecem  em  bom  estado  de  conservação,  com  ornatos 
muito  bem  comprehendidos. 

Durante  a  guerra  contra  o  Par^uai  o  Governo  não 
podia  melhorar  a  architectura  official.  Terminada  a  guerra, 
o  Estado  mandou  construir  novos  edifícios  e  reconstruir 
outros  melhorados  quanto  ás  linhas  artísticas. 

A  balbúrdia,  as  incorrecções,  o  falso  gosto  ornamental 
imperam,  até  1886,  nas  fachadas  das  particulares,  construídas 
no  alinhamento  das  ruas.  Todos  viam,  ha  muitos  annos,  o 
Palácio  de  São  Christovam  (outr'ora  casarão  de  Elias  A. 
Lopes)  typico,  acabado,  cujas  linhas,  em  reducção  modesta, 
imitariam  com  vantagem  decorativa,  mas  nada  influiu.  Afinal 
cessou  o  delirio. 

O  ornamentista,  portuguez  ou  brasileiro,  quando  sem 
preoccupaçÕes,  libertava-se  de  pensar  no  clássico,  no  abas- 
tardado ou  no  caricato',  desenhava,  compunha,  modelava  es- 


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600  REVISTA  DO  INSTITUTO  HBTORICO 

pontaneamente  tios   esiylos  de   seus  antepassados  do  século 
XVIII. 

O  finado  arcliítecto  José  de  Magalhães,  natural  de  Per- 
nambuco, tendo  chegado  de  Paris,  onde  se  diplomou,  influiu 
salutarmente  em  novas  casas  coiistruidas  segundo  planos  pitto- 
rescos  e  correctos;  concorreu  para  a  phase  prc^ressista  da 
'Architectura  civil  no  Rio  de  Janeiro,  em  1886.  Em  1890  houve 
benéfica  intervenção  do  architecto  Henrique  Bahiana,  também 
já  fallecido. 

IJado  o  primeiro  passo,  começou  a  evolução,  mas  com 
vagar,  accentuando-se  intensamente  na  presidência  Rodrigues 
Alves  e  prefeitura  Pereira  Passos,  nos  concursos  de  projectos 
de  architectura,  na  abertura  da  avenida  Rio  Branco,  e  nos 
novos  arruamentos  dados  pela  Municipalidade.  Foi  o  período 
fecundo  e  productivo  para  a  edificação  civil  urbana  do  Rio 
'de  Janeiro. 

Mas  apesar  do  cosinopolismo  e  ecclectísmo  na  archite- 
ctura, sente-se  que,  quanto  ás  decorações,  o  ornato  atávico 
apparece  insistentemente  no  peninsular  portuguez,  ou  na  ada- 
ptação creoula  do  luso-brasileiro . 

O  concheado  está  em  toda  parte:  solitário,  entremeiado 
ou  com  variações.  E'  rara  a  fachada  que  não  apresenta  a 
concha  estylizada  ou  não,  nas  ornamentações  míxtas  ou  sim- 
ples. Ha  a  singularidade  do  emproo  da  concha  solitária  no 
meio  de  vergas  de  janellas  ou  portas. . . 

Dê-se  a  um  artista  peninsular  ou  brasileiro  um  problema 
ornamental  qualquer,  dê-se-Ihe  liberdade,  elle  espontanea- 
mente, com  o  seu  lápis,  desenha  um  concheado  simples  ou 
acceleradamente  composto.  E'  observação  pessoal  minha,  mas 
penso  que  muita  gente  estará  commigo  (17).  No  mobiliário 
mais  trivial  dos  tempos  que  correm  os  marcineiros,  que  não 
copiam  modelos,  e  alguns  nem  os  conhecem,  mas  os  desenham 


(17)  Ein  prídios  de  recente  construcçio,  carrcctos,  Ué  naquelles  nade 
phintaiiaí,  intpi radas  em  linhas  medievsci,  ornam  (achaiíai,  ha  sempre  um 
ponlo  da  casa  com  o  concheado  de  feitio  Luíi  XV,  aproveitado  decorativa- 
mente, e  qnasi  sempre  no  compartimento  de  mais  luxo.  No  palacete,  de  aspecto 
caslelão,  ptopriedada  do  dr.  Custodio  de  Almeida  Magalhíes,  na  Avenida  Li- 
gatío.  o  sallo  de  honra  é  ornamentado  rica  e  brillianlemmie  naquelle  estylo. 
E'  um  exemplo  moderno,  espontâneo,  da  influencia  dos  modos 'decorativos 
herdados   dos   colonjadores :   a   supremacia   do  barroco... 


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DAS  ARTES  PLÁSTICAS  NO  BRASIL  âoi 

e  OS  imaginam,  empregam  também  indefectivelmente  a  concha, 
desta  oti  daquella  maneira,  a  culminar  ou  acantonar  o  traste. 

Nos  jardins  particulares  dos  quintaes  a  forma  primitiva 
nada  tinha  de  prescripção  architectonica  paizagista;  pareciam 
ensaios  para  cultivo  de  flores:  canteirínhús  onde  não  faltavam 
perpetuas,  saudades  e  sempre-vivas .  Macedo,  em  suas  Me- 
morias da  Rua  do  Ouvidor,  romantiza  píttorescamente  a 
cultura  de  perpetuas  roxas  da  Perpetua  Mineira,  estalajadeira 
que  hospedava  Tiradentes  em  casa  daquella  rua.  Os  canteiros 
nos  terrenos  exíguos  se  limitavam  a  rigoroso  parallelismo 
rectilíneo,  sem  outra  intenção  mais  do  que  simples  viveiros 
de  flores.  Nos  terrenos  de  maior  superfície,  nas  chácaras, 
o  risco  dos  primitivos  jardins  particulares  dependia  da  con- 
figuração do  terreno.  Si  era  em  declive  construíam  taboleiros, 
terraplenados,  ou  em  forma  de  terraço.  Os  recinctos  ajardi- 
nados eram  ordinariamente  fechados  por  muros,  com  ou  sem 
baixo  gradil,  de  ferro,  e  encimando  pilares  notavam-se  vasos 
ou  figuras  de  louça  esmaltada  portugueza  (A  Europa,  Ásia, 
Africa  e  America  ou  as  estações  do  anno) . 

Não  faltava  o  repuxo,  ou  pelo  menos  a  paquena  fonte 
com  carrancas,  a  lançar  agua  em  tanques  rectangulares  ou 
curvos. 

Nas  orlas  baixas  dos  muros  construíam  sofás  de  alve- 
naria, revestidos  de  azulejos  ou  conchas;  alguns  sofás  com 
espaldares  enfeitados  de  relevos  de  cal  e  com  applicações  da 
arte  catharinense,  o  que  também  usavam  nas  beiradas -dos 
tanques  dos  repuxos. 

Latadas  floridas  de  jardineiros,  caramanchões,  arbustos 
topiaricos,  canteiros  floridos,  pontes,  balaustradas,  exedras 
lembravam,  embora  vilmente,  fragmentos  de  villas  romanas. 
A  Renascença  (18)  reproduziu  alguns  desses  velhos  jardins 
de  grandes  solares  do  Rio  de  Janeiro.  Reinava  a  distribuição 
symetrica,  mas  os  espaços,  cada  um  com  o  seu  character  deter- 
minado . 

Naquelles  tempos  não  abundavam  as  estampas  de  con- 
sultas, não  se  dispunha  das  revistas  illustradas  de  hoje,  não 
eram  tão  frequentes  nem  rápidas  as  nossas  communícações 


(18)  KevUU   jt    ciuda. 


D,gt,zedbyGOO<^le  ^ 


6ol  BBTISTA  00  INSTITOTO  HI8T0IUC0 

cc»n  a  Europa,  o  artista  ficava  entregue  a  si  próprio.  Não  se 
imitava  pelo  simples  desejo  de  innovar,  guiava  o  artista  o 
bom  senso,  auxiliar  poderoso  de  toda  imaginação  creadora.; 

Não  se  pensava  ainda  nas  formas  do  parque;  os  gra- 
mados não  figuravam  nos  jardins.  O  jardineiro  recorria  a 
outros  elementos,  e  nenhum  dispensava  a  agua.  £  na  verdade 
como  compreliender-se  um  recincto  preparado,  arvores,  ar- 
bustos, e  flores,  sem  a  fonte  ou  à  cascata,  arroio  ou  pequeno 
regato?  Nos  jardim  particulares  das  antigas  casas  de  campo 
nunca  faltou  a  agua.  E  no  jardim  do  Passeio  Publico  deu 
exemplo  o  mestre  Valentim  construindo  a  cascata  dos  jacarés. 

As  grandes  superfícies,  não  ajardinadas,  das  grandes  chá- 
caras aproveitavam,  dividindo-as  em  pomares,  plantando  ex- 
tensas alas  de  arvores  fructiferas  —  cambucaseiros,  jabotl- 
cabeiras,  jaqUciras,  mangueiras,  etc.  — ,  entremeiadas  de  bancos 
de  pedra,  fontes  nas  encruzilhadas,  ou  juncto  de  caramanchões, 
parreiras,  latadas  de  maracujá;  e  em  clareiras:  espécies  de 
exedras,  ou  plantas  topiariamente  cuidadas,  a  imitarem  sólidos 
geométricos  ou  cadeiras,  mesas  e  sofás.  Cheguei  a  vêr  muitas 
dessas  chácaras. 

Em  quasi  todas  as  chácaras  cercas  de  espinho  fechavam 
o  terreno,  verdadeiros  muros  de  verdura ;  em  outras  formavam 
divisões  internas,  espirra  dei  ras,  mimos  de  Vénus  e  roseiras 
chamadas  camponezas.  Imagine-se  o  aspecto  de  tudo  isso  no 
tempo  de  floração  I! . . .  Nada  mais  se  fez  que  com  esses  accí- 
dentes  pitlorescos  se  pareça... 

O  dr.  Júlio  Furtado  procura,  entretanto,  em  certos  sitios 
ajardinados  da  cidade  quebrar  a  monotonia,  reconstituindo 
notas  dos  nossos  antigos  jardins. 

No  Jardim  Botânico  ainda  se  poderão  observar  alguns 
accidentes  conservados  a  lembrarem  os  velhos  recinctos  das 
nossas  grandes  chácaras. 

Na  administração  do  dr.  Carlos  Glasf,  naturalista  nascido 
na  Áustria  mas  naturalizado  Brasileiro,  fallecido  ha  annoS, 
que  constituiu  familia  e  descendência  aqui,  prestou  o  relevante 
serviço  de  um  respeito  a  tudo  quanto  encontrou,  e  foi  quem 
iniciou  o  plantio  de  arvores,  revestido  de  solennidade  tocante. 
O  director  dr.  Glasl  convidava  para  assistir  os  meninos  alu- 
mnos  do  Asylo  Agricola,  que  funccionava  juncto  do  Jardim 


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DAS  ARTES  PLÁSTICAS  HO  BRASIL  603 

Botânico.  E  um  facto  precisa  ter  relevo,  foi  o  que  li  narrado 
na  Revitta  do  Imperial  Instituto  Fluminense  de  Agricultura, 
relati\o  á  festa  do  plantio  do  arbusto  da  Independência  nos 
dias  7  de  Septembro.  A  primeira  se  effectuou  a  7  de  Se- 
ptembro  de  1871, 


Na  sumptuária  imperial  dos  dias  de  gala,  especialmente 
nos  dias  de  abertura  e  encerramento  das  sessões  da  Assem- 
bléa  Geral  Legislativa  (Senado  e  Cimara  dos  Srs.  Deputados) 
sobresaíam  os  coches,  em  particular  aquelle  que  transportava 
o  imperador  em  trajo  magestatico,  do  palácio  ao  edifício  do 
Senado.  Completavam  o  brilhantismo  do  préstito  solenne:  as 
alas  da  Guarda  de  archeiros,  que  ladeavam  o  cochtf,  desde  que 
elle  apparecia  na  praça  Onze  de  Junho  até  á  porta  do  Senado. 

A  Guarda  de  alabardeiros  ou  Guarda  de  archeiros  é 
creação,  segundo  Castro  e  Sousa,  que  vem  do  rei  d.  João  IV. 
D.  João  V  ordenou  o  uso  de  fardas  vermelhas.com  galões 
dourados.  Os  archeiros  imperiaes  vestiam  uniformes  verdes 
com  galões  dourados,  chapéo  armado  e  lança. 

A  rainha  da.  Maria  I  possuía  ricos  coches  com  painéis 
pintados.  Quarenta  e  tantos  dos  antigos  coches  foram  trans- 
portados para  o  Rio  de  Janeiro,  quando  a  Família  Real  se 
retirou  de  Portugal.  Por  morte  de  d.  Pedro  I  vieram  mais 
alguns  para  aqui.  Os  coches,  quer  os  fabricados  em  Portugal, 
quer  os  vindos  de  fora,  ostentavam  riqueza  em  vidraças  da 
Bohemia,  finíssimas  pinturas,  bordados,  estofos  c  vários  orna- 
mentos: folhas,  flores,  estatuas  e  outras  figuras  allegoricas, 
a  guarnecerem,  em  bem  combinados  themas,  os  lados,  trazeiros 
e  jogos  da  frente.  A  forma  e  decorações  de  uns  fíliou-se  ao 
estylo  Luiz  XIV,  e  outros  a  Luiz  XV  ou  á  modalidade  curvi- 
línea conhecida  pelo  nome  de  estylo  d.  João  V  de  Portugal. 

As  carruagens,  usadas  por  d.  João  VI,  foram  aprovei- 
tadas no  Império,  com  ornamentos  imperiaes  adaptados  por 
Francisco  Pedro  do  Amaral,  e  usados  nos  préstitos  de  gala, 
inclusive  o  coche  envidraçado,  estylo  d.  João  V,  aquelle  que 
servia  para  transportar  o  imperador  ao  Senado  nos  días  de 
abertura  e  encerramento  das  Camarás.;  Apparatoso  era  o 


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004  REVISTA  DO  I!4STITnT0  mSTORlCO 

préstito  nesses  dias  solennes,  em  que  os  archeiros,  cocheiros, 
lacaios,  toma-lar^ras  e  mais  creadagem,  vestiam  de  gala  e 
movimentavam  os  lados  das  carruagens. 


As  artes  decorativas  de  duração  ephemera  tiveram  muito 
emprego  nas  festas  da  coroação,  com  a  varanda  de  Porto- 
Alegre,  na  chegada  da  imperatriz,  na  inauguração  da  estatua 
de  d.  Pedro  I,  nas  ornamentações  da  cathedral,  por  occasiãd 
jdos  casamentos  das  princezas,  e  pela  terminação  da  guerra, 
que  armaram-se  arcos  de  triumpho  nas  ruas  principaes  da 
cidade,  e  um  pavilhão  apalacetado,  plano  de  Pedro  Bosisio  na 
praça  da  Acclamação  (praça  da  Republica) . 

Nas  festas  populares  de  religiosidade,  as  grandes  pro- 
cissões exigiam  elementos  ornamentaes  do  culto,  como  painéis 
pintados;  e  a  procissão,  chamada  de  S.  Jorge,  mais  ainda 
apparatosa,  por  ser  principalmente  a  grande  procissão  de 
Corpus  Cliristi,  á  qual  o  imperador  accompanhava  segurando 
em  uma  das  varas  do  pallio,  os  ministros,  a  Camará  Muni- 
cipal com  o  seu  estandarte,  os  gran-cruzes,  commendadores  e 
cavalleiros  de  Christo,  Aviz,  todo  o  clero,  ordens  terceiras  e 
irmandandes  religiosas  da  cidade. 

A  parte  que  mais  attrahia  o  povo  era  o  séquito  da  estatua 
de  S.  Jorge,  que  saia,  trajado  como  um  cavalleiro  da  edade 
média,  montada  em  soberbo  cavallo. 

Por  tradição,  ouvi  de  antepassados  meus,  que  esta  pro- 
cissão ostentava  mais  apparato  no  primeiro  reinado.  Rara  era 
a  sacada  de  casa,  de  rua  por  onde  tinha  de  passar  a  procissão, 
que  não  estivesse  enfeitada  com  ricas  colchas  de  seda  da 
índia. 

Nas  festas  do  Espirito  Sancto  do  campo  de  Sanct'Anna 
alguns  decoradores  trabalharam. 

O  pintor  brasileiro  Reis  Carvalho  retratou  a  paizagem  do 
sitio  nos  dias  de  festa,  em  uma  aquarella,  que  reproduzi  al- 
gures, na  revista  a  Renascença,  e  pertence  hoje  á  galeria  da 
Eschola  Nacional  de  Bellas-Artes. 

A  festa,  porém,  mais  ruidosa,  mais  querida,  mais  prezada 
pelo  povo  carioca  é  o  Carnaval.  Houve  um  escriptor  que  o 
julgou  <  uma  instituição  do  Rio  de  Janeiro  ».  O  carnaval  em 


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O.VS  ARTES  PLASriCAS  NO  BRASIL  ^ 

sua  phase  mais  brilhante,  de  1870  a  1876,  motivou  felizes 
caricaturas,  caricaturas  pintadas,  simplesmente  traçadas,  e  em 
relevos. 

Vieira  Fazenda,  em  folhetim  d'A  Noticia,  a  propósito  do 
<  Zé  Pereira  »,  conta  a  historia  do  Carnaval  do  Rio  de  Janeiro, 
Os  primeiros  bailes  carnavalescos  realizaram-se  em  1846;  não 
havia  desapparecido  o  entrudo.  As  primeiras  sociedades  car- 
navalescas (as  Summidades  e  a  Venesiana)  datam  de  1854.; 

Apreciei  de  1870  a  1876  o  Carnaval  no  seu  auge  de 
brilhantismo.  A  arte  da  caricatura,  bem  tractada,  se  espalhava 
pela  cidade,  nos  escudos  dos  postes  e  nos  pannos,  á  guisa  de 
bandeiras,  pendurados  nos  centros  das  ruas  enfeitadas. 

A  excellente  caricatura  de  políticos  e  jornalistas,  nos 
mascarados  préstitos  carnavalescos,  causava  demorada  hilari- 
dade. .  .E  no  meio  de  tudo  isso  se  notava  riqueza,  e  symbo- 
lismo  apropriado,  nos  préstitos. 


O  ensino  official  de  Bellas-Artes  até  1890  se  ministrava 
na  Imperial  Academia.  O  governo  provisório  da  Republica, 
sendo  ministro  o  dr.  Benjamin  Constant  Botelho  de  Maga- 
lhães, decretou  em  1890  a  reforma  radical  do  ensino,  extin- 
guiu a  Academia,  que  passou  a  ser:  Eschola  Nacional  de 
Bellas-Artes. 

Jubilaram-se  professores  da  Academia,  foi  nomeado  novo 
director  e  também  outro  corpo  docente.  Em  dez  annos  a 
experiência  demonstrou  a  necessidade  inadiável  de  outro  regu- 
lamento para  a  Eschola:  os  resultados  da  primeira  reforma 
não  corresponderam  á  expectativa;  deram  as  razões  os  prcn 
prios  ministros  d'Estado  em  seus  relatórios  ao  presidente  da 
Republica . 

Na  Presidência  Campos  Salles,  em  igoi,  sendo  ministro 
do  interior  o  dr.  Epitacio  Pessoa,  o  Governo  promulgou  no\os 
estatutos  que  satisfaziam  ás  exigências  do  ensino.  Neste  pé 
se  achavam  as  cousas,  quando  no  quatriennio  presidencial 
próximo  passado,  o  Governo  em  191 1  reformou  estes  esta- 
tutos, aproveitando  disposições  do  Regulamento  de  1890. 

O  ensino  e  o  modo  de  administrar  a  Eschola  reclamavam 


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6o6  RBVJST^  DO  INSTITUTO  HUTOBICO 

urgentemente  reforma  do  Regulamento  de  191 1.  O  Governo, 
ãuctorizado  pelo  Congresso,  acaba  de  a  fazer. 

No  actual  regime  politico,  desde  1890,  estabelece ram-se 
em  lei  taxativamente  dous  prémios  annuaes,  um  dg  cinco  annos 
de  pensionato  no  extrangeiro  para  alumnos,  que  em  concursos 
especiaes  se  distinguirem,  e  de  dous  annos  para  o  artista  quQ 
por  seus  trabalhos  o  mereceram  nas  Exposições  geraes  de 
Belias-Artes,  E  dotou  a  Eschola  com  um  palácio  para  o  seu 
funccionamento,  de  suas  galerias  e  installação  do  museu  de 
objectos  artísticos. 

A's  Artes  no  Brasil  se  acham  ligados  nopies  de  presi- 
dentes e  vice^presidentes  do  Instituto  Histórico  e  de  alfuna 
de  seus  sócios. 

O  visconde  de  S.  Leojpoldo,  primeiro  presidente  do 
Instituto,  foi  o  ministro  de  d.  Pedro  I  que  em  1826  resolveu 
dar  existência  real  á  Academia,  inaugurando-a  a  5  de  Agosto 
desse  anno,  em  edificio  próprio,  aquelle  em  que  se  acha  actual- 
mente o  ministério  da  Fazenda. 

O  segundo  presidente  do  Instituto,  Cândido  José  de 
Araújo  Viana  (marquez  de  Sapucahi)  ministro  do  império  do 
segundo  gabinete  da  Maioridade,  lembrou  sempre  em  relatórios 
ao  Corpo  Legislativo  a  conveniência  dos  prémios  de  viagem 
aos  alumnos,  com  pensão  nos  centros  de  cultura  artística,  e 
condecorou  em  1842  com  o  habito  de  Christo  a  José  Corrêa 
de  Lima,  o  pintor  da  Magnanimidade  de  Vieira. 

O  terceiro  presidente,  visconde  do  Bom  Retiro  (Luiz 
Pedreira  do  Couto  Ferraz),  ministro  do  império  em  1854, 
augmentou  o  edifício  escholar,  dotando-o  de  vasto  e  aprcH 
priado  annexo  para  a  Pinacotheca,  e  deu  novos  estatutos  á 
Academia . 

Outro  presidente  do  Instituto,  Joaquim  Norberto  de 
Sousa  e  Silva,  fez  parte  com  Porto-Alegre,  da  commissão 
julgadora  dos  projectos  apresentados  em  concurso  para  a 
estatua  equestre  de  d.   Pedro  I. 

O  vice-presidente  visconde  de  Ouro  Preto  (Affonso 
Celso  de  Assis  Figueiredo),  foi  o  ministro  da  Marinha  que  en- 
commendou  a  Victor  Meirelles  os  quadros  da  Batalha  de  Rta- 
chuelo  e  da  Passagem  de  Humaitá. 


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{^^.      DAS  &RTE8  PLABTICA8  NO  BRASIL  607 

Quanto  aos  oradores  do  Instituto,  Porto-Alegre,  Macedo 
e  Taunay,  c  do  sócio  Moreira  de  AzeVedo  basta  citar  seus 
nomes .  i 

Outro  presidente,  o  barão  do  Rio  Branco,  encommendou 
a  Pedro  Américo  o  seu  quadro  allegorico  Pax,  que  deve  estar 
na  Secretaria  do  Exterior. 

Quem  desempenha  presentemente  o  cargo  de  orador  do 
Instituto,  o  dr,  Ramiz  Galvão  (barão  de  Ramiz),  o  qual  por 
commissões  em  que  tem  trabalhado,  por  seus  eloquentes  dis- 
cursos e  eruditos  escriptos  de  varias  epochas,  pela  creação, 
que  realizou  em  1876,  da  importantíssima  e  preciosa  Secção 
de  Estampas  na  nossa  Bibliotheça  Nacional,  —  pela  Bíographia 
do  paleographo  fr.  Camillo  de  Monserrate  publicada  nos 
cAnnaes»  da  mesma  Bibliotheça,  é  assas  conhecido. 

O  bibliothecario  dr.  Vieira  Fazenda,  recommendam-n'o 
seus  fecundos  subsídios  históricos  da  cidade  do  Rio  de  Janeiro. 

O  actuai  primeiro  secretario  perpetuo,  filho  de  um 
artista  que  fundou  uma  eschola  gratuita  de  Xylographia,  onde 
se  prepararam  gravadores  em  madeira,  este  publicou  artigos 
concernentes  ás  Bellas-Artes  e,  ainda  não  ha  muitos  annos, 
escreveu  a  respeito  de  Victor  Meirelles  e  seus  quadros. 

O  1"  vice-presidente  dr.  Manuel  Cícero  Peregrino  da 
Silva,  tem  serviços  ás  Bellas-Artes  como  director  da  Biblio- 
theça Nacional,  adquirindo  para  ornamentação  do  respectivo 
edificio  obras  dos  nossos  artistas,  retratos,  painéis  decora- 
tivos e  estatuas  symbolicas. 


De  V.  exa.  o  sr.  conde  de  Affonso  Celso',  que  bondosa- 
mente me  incumbiu  do  curso  que  hoje  termino,  de  v.  exa. 
me  despeço  e  do  auditório  benevolente,  não  devendo  me  ex- 
quecer  do  illustre  artista  director  da  Eschola  de  Bellas-Artes, 
que,  com  a  sua  presença  assídua,  prestigiou  de  a 
velho  professor;  de  todos  me  despeço,  saudoso 
convívio,  tão  confortador,   que  a   fortuna  me 
nesta  curta  temporada,  A  v.  exa.,  escriptor  de 
e  consagrado,  a  quem  não  falta  amor  ás  Bellas-j^ 
que  na  tranquilidade  de  seu  lar  guarda  com  cai 


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6o8  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

de  opulenta  e  vasta  livraria,  obras  de  Victor  Meírelles,  e  mais 
um  precioso  fragmento  do  mármore  da  Acrópole  de  Athenas, 
collecções  de  medalhas,  marfins  trabalhados,  e  numerosos  pro- 
ductos  de  arte,  a  v.  exa.  muitos  protestos  de  reconhecimento, 
pedindo  relevar  que,  apenas  tivesse  eu  esboçado  aquillo,  qu^ 
outros  melhor  desenvolverão, 


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ACTAS  DAS  SESSÕES  DE  1915 


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PRIMEIRA  SESSÃO  ORDINÁRIA  EM   20  DE  ABRIL  DE    I9I5 

Presidência  do  sr.  conde  de  Affonso  Celso 

A's  20  e  meia  horas,  na  sede  social  abre-se  a  sessão  com 
a  presença  dos  seguintes  sócios: 

Conde  de  Affonso  Celso,  desembargador  António  Fer- 
reira de  Souza  Pitanga,  dr.  Benjamin  Franklin  Ramiz  Gal- 
vão, dr.  Alfredo  Valladão,  dr.  Homero  Baptista,  Basílio  de 
Magalhães,  general  dr.  Gregório  Thaumaturgo  de  Azevedo, 
dr.  António  Olyntho  dos  Santos  Pires,  dr.  José  Américo 
dos  Santos,  Eduardo  Marques  Peixoto,  major  dr.  Liberato 
Bittencourt,  conselheiro  Salvador  Pires  de  Carvalho  e  Al- 
buquerque, dr.  Alfredo  Rocha,  dr.  João  Coelho  Gomes  Ri- 
beiro e  almirante  Arthur  índio  do  Brasil. 

O  Sr.  Conde  de  Affonso  Celso  {presidente)  diz  que, 
com  a  maior  confiança,  declara  inaugurados  os  trabalhos  das 
sessões  do  Instituto  no  corrente  anno,  certo  de  que  esses  tra- 
balhos hão  de  continuar  as  egrégias  tradições  da  casa. 

Entre  as  normas  dignificadoras  do  procedimento  do  Ins- 
tituto está  a  do  culto  por  elle  prestado  á  memoria  dos  Brasi- 
leiros beneméritos. 

Nenhum  se  avantaja  ao  barão  do  Rio  Branco,  cujo  aben- 
çoado 70°  anniversario  hoje  se  regista. 

Propõe,  e  tão  convicto  se  acha  de  que  a  proposta  traduz 
D  sentimento  unanime  da  assembléa,  que  se  julga  dispensado 
de  submette-Ia  a  debate  e  votação,  —  propõe  que  o  primeiro 
acto  da  sessão  seja  levantarem-se  todos  os  circunstantes,  em 
effusivo  movimento  de  veneração  e  saudade,  como  singelo 
e  commovido  preito  á  lembrança  do  inexquecivel  presidente 
perpetuo  do  Instituto  —  barão  do  Rio  Branco.  (Adhesão 
geral. ) 

Cumprindo  esse  dever,  communíca  ainda  que  no  intervallo 
das  sessões  falleceram  os  seguintes  consócios,  sobre  os  quaes 


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fiia  RSVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

dirá  com  a  proverbial  eloquência  o  benemérito  orador  do 
Instituto;  na  classe  dos  honorários  os  srs.  drs.  d.  Norberto 
Quirno  Costa  e  Alfredo  Eugénio  de  Almeida  Maia;  na  dos 
eíf ectivos  o  barão  de  Paranapiacaba ;  na  dos  correspondentes 
o  dr,  d.  Gonçalo  de  Quesada.  Na  forma  dos  Estatutos  será 
lançado  um  voto  de  pczar  por  esse  facto,  que  privou  o  Insti- 
tuto de  illustres  companheiros. 

O  Sr,  FlEiuss  (secretario  perpetuo)  communica  a  ge- 
nerosa doação  do  illustre  sócio  effectivo  dr,  Luiz  Rodolfo 
Cavalcanti  de  Albuquerque,  que  offereceu  ao  Instituto  toda 
a  sua  bibliotheca  e  archivo, 

O  mesmo  Sr.  Secretario  propõe,  e  é  approvado,  que 
ao  precioso  acervo  se  dê  o  nome  de  <  Cotlecção  Luiz  Rodolfo  ». 
O  Sb.  Presidente  agradece,  em  nome  do  Institutcí,  a 
offerta  do  prestimoso  consócio, 

O  Sr,  Dr.  Roquette  Pinto  (í"  secretario)  propõe,  e  é 
approvada,  uma  mensagem  de  congratulações  ao  sr,  coronel 
Rondon,  e  o  Sr.  Presidente  nomèa  uma  commissão  para  dar 
as  boas  vindas  a  este  illustre  Brasileiro,  commissão  composta 
dos  seguintes  sócios:  dr,  Roquette  Pinto,  general  Thauma- 
turgo  de  Azevedo,  commandante  Radler  de  Aquino,  major 
dr.  Liberato  Bittencourt  e  dr,  António  Olyntho  dos  Santos 
Pires. 

O  Sr.  Dr.  Souto  Maior  dá  conta  da  sua  missão  à's  bi- 
bliothecas  da  Hispanha,  e  pede  ao  Sr.  Presidente  para  lêr 
o  seu  relatório  em  uma  ou  mais  conferencias. 

O  Sr.  Presidente  diz  acceder  com  o  mais  grato  em- 
penho, combinando-se  depois  o  dia  para  a  conferencia  do 
illustre  consócio. 

O  Sr.  Secretario  Perpetuo  communica  que  em  breve 
tempo  apparecerá  o  primeiro  volume  dos  « Annaes  do  Pri- 
meiro Congresso  de  Historia  Nacional  *.  Salienta  o  grande 
auxilio  que  lhe  tem  prestado  no  preparo  de  todos  os  tra- 
balhos do  Congresso  o  sr.  Basilio  de  Magalhães  e  propõe  um 
voto  de  reconhecimento  ao  sr,  dr.  Urbano  Santos  da  Costa 
Araújo,  honrado  vice-presidente  da  Republica,  que  cons^uiu 
a  publicação  de  todos  os  «  Annaes  do  Congresso  de  Historia  » 
na  Imprensa  Nacional. 


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ACTAS  613 

Essa  moção  é  approvada  unanimemente  e  por  proposta 
do  Sr.  Presidente  tomada  extensiva  ao  sr.  Basílio  de  Ma- 
galhães. 

O  Sr.  2°  Secretario  lè  os  seguintes  officios: 

<  Buenos  Aires,  27  de  Enero  de  1915.  AI  Senor  Presi- 
dente dei  Instituto  Histórico  y  Geográfico  Brasilero.  Dis- 
tinguido Senor  Presidente :  Me  es  altamente  honroso  dirijirm« 
a  ,V.  E-,  rogándole  queira  dlgnarse  proponer  a  mis  distin- 
guidos colhas  dei  Instituto  Histórico  e  Geográfico  Brasitero, 
como  sócio  correspondiente  de  esa  meritissima  institución  at 
Senor  Doctor  D.  Luiz  Maria  Torres. 

La  incorporación  que  propongo,  justificada  por  propios 
y  notórios  méritos,  ai  par  que  primiaria  la  labor  cientifica,  , 
constante  y  fecunda  dei  Doctor  Torres,  estrecharia  aun  más 
si  es  posible  las  vinculaciones  dei  Instituto  con  varias  insti- 
tuciones  y  corporaciones  similares  de  esta  República,  dentro 
de  las  cuales  él  ocupa  puestos  importantes  y  ejerce  acción 
transcendente.  Omito  enumerar  los  títulos  y  trabajos  históricos 
y  científicos  dei  Doctor  Torres  porque  los  expresa  con  toda 
prodigalídad  el  Senor  Gobernador  de  Ia  Província  de  Cór- 
doba, Doctor  Don  Ramón  J.  Cárcano,  en  la  solicítud  que 
acompaiia  a  esta.  Por  este  mismo  correo  remito  para  la  bi- 
blioteca dei  Instituto  las  obras  dei  Doctor  Torres  que  me  ha 
sido  posible  obtener  y  que  servírán  para  apoyar  con  toda 
eficácia  el  ingreso  que  solicito,  Saludo  a  V,  E..,  y  por  su 
intermédio  a  mis  honorables  colegaS,  con  mui  mayor  conside- 
ración  y  respeto.  —  Carlos  Lix  Klett.  » 

«  Buenos  Aires,  9  de  Octubre  de  1914.  Seiior  Presidente 
dei  Instituto  Histórico  y  Ge<^ráfico  Brasilero,  Distinguido 
Senor  Presidente:  Tengo  el  alto  honor  de  dirigirme  por  inter- 
médio de  V.  E,  a  mis  honorables  colegas  dei  Instituto  His- 
tórico y  Geográfico  Brasilero,  proponiendo  como  miembro 
correspondiente  de  esa  institución  ai  Senor  Doctor  Don  Luis 
Maria  Torres. 

Entre  Ia  nueva  generación  estudiosa  de  mi  país  el  Doctor 
Torres  se  destaca  con  caracteres  propios  y  definidos,  ha- 
biendo  alcanzado  sus  metódicos  y  originales  trabajos  sobre 
arqueoli^ía,  etnografia  y  história  argentina  y  americana,  justo 
renombre  no  sólo  en  estos  paises',  sino  también  en  los  círculos 


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'   6l4  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

científicos  de  Europa.  £n  mérito  a  estas  condiciones  la 
Junta  de  História  y  Numismática  Americana  de  esta  cíudad  lo 
encorporó  a  la  lista  de  sus  miembros  activos,  y  el  Superior 
Gobierno  le  confirió  los  cargos  de  Jefe  de  Sección  e  profesor 
de  etnografia  en  el  Museo,  profesor  en  la  Sección  de  filosofia, 
história  y  letras  de  la  Universidad  de  La  Plata,  director  de 
publicaciones  en  la  Facultad  de  Filosofia  e  Letras  de  Ia 
Universidad  de  Buenos  Aires.  Hasta  el  presente,  a  parte  de 
los  trabajos  anónimos  aparecidos  en  periódicos,  revistas  y 
otros  impresos,  el  Doctor  Torres  ha  publicado  las  obras  sj- 
guientes:  Prehistória  y  protohistória,  Buenos  Aire^,  1901. 
Los  cemeateríos  indígenas  dei  sur  de  Entre  Rios  y  su  relación 
con  los  dei  Uniguay,  túmulos  de  Campana  y  Santos  (Brasil), 
Buenos  Aires,  1903.  El  cementerio  indígena  de  Mazanica, 
Buenos  Aires,  1903.  El  Instituto  Histórico  Gec^ráfico  Ar- 
gentino, Buenos  Aires,  1903 .  História,  Revista,  Buenos  Aires, 
1903.  La  ciência  prehistóríca  en  los  programas  de  estúdios 
generales,  preparatórios  y  superiores,  Buenos  Aires,  1903. 
La  geografia  física  y  esférica  dei  Paraguay  y  Misiones  gua- 
ranies,  Buenos  Aires,  1903.  Les  études  géographiques  et  histo- 
riques  de  Fehx  de  Azara,  Buenos  Aires,  1903.  Clasificaciones 
y  exposición  de  colecciones  arqueológicas  en  museus  argen- 
tinos, Buenos  Aires,  1906,  Arqueologia  de  la  Cuenca  dei  Rio 
Paraná,  Buenos  Aires,  1907.  Viajes  inéditos  de  Azara,  Buenos 
Aires,  1907.  Informe  sobre  la  exploración  arqueológica  ai 
delta  dei  Paraná!  y  sur  de  Entre  Rios,  Buenos  Aires,  1907. 
Estúdios  históricos,  Buenos  Aires,  1909.  La  gec^afia  argen- 
tina, La  Plata,  1909.  La  enseiianza  de  la  bistória  cn  la 
Universidad  de  La  Plata,  Buenos  Aires,  191 1.  El  totemismo, 
su  origen,  su  significado,  efectos  y  supervivencia,  Buenos 
Aires,  191 1 ,  Los  primitivos  habitantes  dei  delta  dei  Paraná, 
Buenos  Aires,  1913.  Confiando  en  la  aceptación  de  la  pro- 
puesta  que  formulo,  aprovecho  la  oportunidad  para  reiterar 
a  V,  E.  y  a  mis  distinguidos  colhas  dei  Instituto  Histórico 
y  Geográfico  Brasilero,  las  seguridades  de  mi  máS  alta  consi- 
ración  y  respeto.  —  7.  R.  Cárcano.  » 

O  Sr.  Pkesidente  diz  que  numa  das  próximas  sessões 
será  apresentada  a  proposta  respectiva. 


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ACTAS  615 

O  Sr.  Secretario  Perpetuo  lê  o  seguinte  parecer  da 
Commissão  de  Fundos  e  Orçamentos: 

—  <  A  Conunissão  de  Fundos  e  Orçamento  examinou 
com  o  devido  cuidado  o  balanço  geral  do  anno  de  1914  e  todas 
as  contas  que  o  instruíram.  A  severa  exacção  com  que  o 
honrado  thesoureiro  do  Instituto,  sr.  commendador  Arthur 
Ferreira  Machado  Guimarães,  cumpre  os  seus  deveres,  impõe 
sempre  á  commissão  o  maior  applauso,  opinando  por  isso 
pela  approvaçào  das  contas  exemplarmente  prestadas. 

Não  deixa  a  commissão  de  lembrar,  com  o  maior  aca- 
tamento, a  necessidade  de  se  restringir  o  mais  possível  as 
despesas,  propondo  ao  Instituto,  por  intermédio  do  egr^o 
sr.  presidente,  o  não  preenchimento  de  qualquer  cargo  que 
vague  na  classe  dos  funccíonarios,  passando  o  serviço  a  ser 
feito,  mediante  pequeno  addicionaT,  por  outro  serventuário  a 
juízo  do  sr.  presidente. 

Rio  de  Janeiro,  27  de  Março  de  1915.  —  Clóvis  Bevi- 
láqua, relator, —  Alfredo  Rocha. —  Rodrigo  Octávio. 

Annexo  —  Ministério  da  Justiça  e  Negócios  Interiores. 
Directoria  da  Contabilidade.  Rio,  18  de  Janeiro  de  1915.  2* 
Secção.  N.  249.  Sr,  presidente  do  Instituto  Histórico  e 
Geographíco  Brasileiro:  Declaro-vos  approvadas  as  contas 
que  acompanharam  o  vosso  officío  de  2  do  corrente,  justi- 
ficativa do  emprego  da  subvenção  de  25  :ooo$,  concedida 
a  esse  Instituto  em  virtude  do  aviso  n.  1.19Õ,  de  2  de  abril 
de   1914. — Saúde  e  fraternidade. — Carlos  Maximiliano.  > 

O  Sr.  Presidente  diz  que  nos  termos  do  art.  41  S  2", 
e  59,  dos  Estatutos,  esse  parecer  deve  ser  discutido  e  votado 
na  presente  sessão.  Põe  em  discussão;  ninguém  pedindo  a 
palavra  dá  por  encerrada  a  discussão.  Põe  em  votação,  e  é 
approvado  por  unanimidade. 

O  Sr.  i"  Secretario  lê  o  s^uinte  parecer  da  Com- 
missão de  Admissão  de  Sócios  —  <  Como  relator  designado 
da  Commissão  de  Admissão  de  Sócios  para  emittir  parecer 
sobre  as  propostas  que  elevam  a  honorários  os  sócios  effe- 
ctivos,  almirante  Arthur  índio  do  Brasil,  dr.  Rodrigo  Octávio 
de  Langgaard  Menezes,  Arthur  Ferreira  Machado  Guimarães, 
dr.  António  Olyntho  dos  Santos  Pires,  e  correspondentes, 
drs.  Domingos  José  Nogueira  Jaguaribe  e  Martím  Francisco 


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6l6  RETISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Ribeiro  de  Andrada,  penso  que  a  simples  declinação  de  taes 
nomes  constitue  o  melhor  direito  a  essa  distincção  por  parte 
do  Instituto. 

Todas  ellas  estão  perfeitamente  nos  casos  estabelecidos 
pelos  Estatutos  nas  letras  A  e  B,  do  art.  lo,  cumprindo  sa- 
lientar os  serviços  prestados  pelo  nosso  thesoureiro,  que  ha 
dez  annos  exerce  tal  cargo  com  o  maior  realce. 

A  approvação  das  propostas  impõe-se,  pois,  como  um  acto 
de  justiça. 

Rio  de  Janeiro,  9  de  Março  de  1915. — Dr.  B.  P.  Ramis 
Galvão,  relator. —  Miguel  Joaquim  Ribeiro  de  Carvalho. — 
Gastão  Ruch.» 

Procedendo-se  á  votação,  o  parecer  é  approvado,  e  acto 
continuo,  o  Sr.  Presidente  proclama  os  novos  sócios  hono- 

O  mesmo  Sr.  Secretario  Perpetuo  lê  depois  o  seguinte 
parecer  também  da  Commissão  de  Admissão  de  Sócios: 

—  f  A  proposta  relativa  ao  marechal  José  Bernardino 
Bormann,  cujos  trabalhos  já  foram  devidamente  apreciados 
pela  illustre  Commissão  de  Historia,  merece  ser  approvada, 
pois  que  está  de  accôrdo  com  as  exigências  dos  nossos  Esta- 
tutos, tudo  devendo  o  Instituto  esperar  da  competência  do 
eminente  proposto. 

Instituto  Histórico  e  Ge(^raphÍco  Brasileiro,  10  de  Abril 
de  1915. —  Manuel  Cícero,  relator. —  Miguel  Joaquim  Ri- 
beiro de  Carvalho .  —  Gastão  Ruch . » 

Sendo  approvado  por  unanimidaíle,  o  Sr.  Presidente 
proclama  o  novo  sócio  eífectívo. 

O  Sr.  Secretario  Perpetuo  diz  que  ha  ainda  pareceres 
e  propostas  a  lêr ;  pede,  porém,  a  inversão  da  ordem  dos  tra- 
balhos, pois  que  se  acha  na  casa  o  sócio  eífectivo  sr.  dr.  João 
Ribeiro,_que,  tendo  cumprido  as  exigências  do  art.  20  dos 
Estatutos,  vem  tomar  posse  de  sua  cadeira. 

O  Instituto  approva  a  inversão  e  o  Sr.  Presidente  nomêa 
os  srs.  Fleiuss,  Roquette  Pinto,  Radler  de  Aquino  e  major 
dr.  Líberato  Bittencourt  para  introduzirem  no  recinto  o  novo 

(Dá  entrada  no  recinto,  presta  o  compromisso  do  %  3"  do 
art.  20  dos  Estatutos  e  toma  posse  o  sr.  dr.  João  Ribeiro.) 


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ACTAS  617 

O  Sr.  Presidente  dá  a  palavra  ao  sr.  dr.  João  Ribeiro, 
que  profere  o  seguinte  discurso: 

cExm.   sr.  presidente.   Meus  confrades. 

Agradecendo  a  benevolência  vossa  em  me  chamar  ao 
vosso  grémio,  devo  seguir  o  exemplo  de  um  académico  famoso, 
que  em  circunstancias  idênticas  não  quiz  confessar  a  sua 
falta  de  mérito.  Pois  que,  confessa-lo  (e  em  mim  não  seria 
falsa  modéstia),  seria  diminuir  o  espirito  de  justiça,  a  sa- 
bedoria e  a  ponderação  que  preside  ás  vossas  escolhas. 

Si  me  escolhestes,  é  que  certamente  eu  o  merecia. 

Sempre  tive  as  mesmas  preoccupações  que  são  as  vossas ; 
ha  trinta  annos,  fallando,  ou  ensinando  ou  escrevendo,  sempre 
cultivei  os  assumptos  nacionaes  quí,  todos,  vos  interessam. 
Eis  a  medida  única  do  meu  mérito. 

Premiastes  em  mim  o  meu  persistente  e  diuturno  ex- 
fôrço.  E  a  recompensa,  eu  a  considero  magnifica. 

Consenti  que  eu  aproveite  a  occasião  para  uma  phantasia 
do  espirito. 

Os  archeologos  e  historiadores  que,  como  os  geólogos, 
sabem  descobrir  os  horizontes  antigos  e  sabem  delles  se  ori- 
entar, podem  desmentir  todas  as  syntheses  inhabeis  dos  que 
são  apenas  simples  curiosos  como  eu  sou. 

Mas  a  própria  Historia  é  uma  contínua  substituição  de 
idéas  e  de  factos.  Ao  grado  do  presente,  todo  o  passado  se 
transforma , 

Quando  Mommsen  escreveu  a  sua  <  Historia  Romana  », 
o  imperialismo  já  do  seu  tempo  lhe  suggeriu  a  apologia  de 
César  e  o  descrédito  de  Cicero. 

O  presente  é  quem  governa  o  passado  e  é  quem  fabrica 
e  compõe  nos  archivos  a  genealogia  que  lhe  convém.  A  ver- 
dade, corrente  hoje,  sabe  buscar,  onde  os  ha  verosímeis, 
os  seus  phantasmas  predilectos  de  antanho. 

Hoje  elevamos  estatuas  a  Tiradentes,  porque  o  nosso 
ideal  de  agora  determinou  esse  culto.  A  fuga  de  d.  João  VI 
traduzia-se  ha  pouco  pelo  euphemismo  da  transmigração, 
como  se  lia  nos  compêndios.  Também  em  França  os  revolu- 
cionários de  89  ergueram  um  culto  aos  Brutos  vingadores  de 
Lucrécia,  E  assim,  o  presente  modela  e  esculpe  o  seu  pas- 
sado, levanta  dos  túmulos  os  seus  heróes  e  constróe  com  as 


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6l8  REVISTA  DO  raSTITUTO  HISTÓRICO 

suas  vaidades  ou  a  sua  philosophia  a  hypothese  do  inundo 
antigo. 

A  imparcialidade  pôde  ser  immoral :  nós  temos  a  obri- 
gação de  justificar  o  presente,  de  fundar  a  Ethica  da  actua- 
lidade. 

O  contrario  seria  o  suicídio  das  nossas  acquisíçõe». 

Os  Romanos  buscai'am  em  Tróia  a  sua  falsa  ascen- 
dência. Os  bandoleiros  eram  já  então  homens  honrados. 

Isto  não  é  falsificar  por  vangloria  nem  deturpar  por 
jactância,  nem  mentir  por  amor  da  mentira.  E'  extender  ao 
passado  as  mais  nobres  ambições  do  presente.  E'  resuscitar 
o  que  é  digno  de  resurreição. 

Com  esta  philosophia,  ou  antes,  com  este  pragmatismo, 
é  que  tenho  meditado  sobre  a  nossa  Historia. 

Pof  vezes,  tenho  procurado  sorprehender  q  character  ou 
a  expressão  mais  geral  de  nossa  vida. 

O  character  de  um  povo,  ou,  o  que  é  o  mesmo,  o  facto 
mais  assíduo  e  frequente  da  sua  Historia,  pôde  talvez  excla- 
recer-nos  a  sua  vocação  ou  o  seu  destino. 

Resta  evoca-lo,  descobri-lo  nas  suas  faces  essenciaes;  mas 
sob  aspectos  menores  e  secundários,  parece-me  que  um  sen- 
timento fundamental  em  nosso  povo  é  o  seu  conservatismo 
exagerado,  o  seu  espirito  contemporizador,  o  seu  senso  pro- 
fundo e  demorado  das  opportunidades . 

Entre  nós,  os  problemas,  as  questões  mesmas  que  ti- 
veram rápida  execução,  foram  precedidas  de  longa  espe- 
ctativa . 

A  lentidão  no  resolver  o  anachronismo  dos  recursos,  o 
misoHeismo  cauto  e  seguro  contra  idéas  recentes,  parece  ter 
sido  a  nossa  bússola  desde  os  primeiros  passos. 

A  nossa  Historia  illustra  perennemente  essa  vocação  des- 
cançada  de  paiz  cunctator.  Todas  as  nossas  experiências 
politicas  e  sociaes  atraiçoam  o  culto  da  tradição,  o  amor  do 
passado  e  o  temor  do  futuro. 

Ao  Brasil,  antes  que  visse  a  luz,  já  a  diplomacia  lhe  havia 
traçado  contorno.  Nasceu  sobre  medida.  O  meridiano  de 
Tordesilhas  marcava-lhe  a  extensão  do  berço. 

Elle  é  assim,  ao  mesmo  tempo,  um  facto  de  Prehistoria 
antes  de  o  ser  da  sua  própria  Historia. 


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ACTAS  619 

Da  mesma  sorte,  a  sua  primeira  organização  foi  outro 
anachronismo.  Fora  desencavar  na  archeologia  portugueza  a 
obsoleta  Lei  menlai  de  d.  Duarte  para  justificar  a  creação 
das  capitanias  hereditárias. 

E  ainda  hoje  persistem  vivedoiras  as  capitanias  antigas. 
£  ou^  dizer  até  de  algumas,  que  são  ainda  hereditárias. 
Como  quer  que  sejam,  ellas  enchem  toda  a  nossa  Historia  e 
deram-lhe  a  feição  definitiva. 

Sempre  conservadores,  sempre  lentos,  tardos  e  preca- 
vidos, construimos  com  elementos  medievaes  os  fundamentos 
de  uma  nacionalidade,  que  desabrochou  no  renascimento. 

Essa  mesma  lentidão  de  processos  characteriza  a  immo- 
bilidade  da  nossa  vida. 

Lembremo-nos  de  que  em  toda  a  historia  colonial  com- 
batemos contra  todos  os  povos  e  luctámos  por  uma  idéa  retro- 
gada,  a  do  maré  clausum.  Com  esse  lábaro  anachronico  e  com 
essa  insensibilidade  pelo  progresso,  exasperámos  Ingleses, 
Hollandezes  e  Francezes,  a  quem  chamámos  piratas. 

A  escravidão  foi  outra  experiência  da  mesma  espécie, 
longa,  interminável.  A  idéa  abolicionista  vencera  em  todo  o 
orbe.  Nós  outros  resistimos  e  fomos  o  derradeiro  povo  a 
resolver  o  problema. 

A  Republica,  outro  facto  essencial,  esteve  ás  nossas 
portas  desde  o  século  XVIII,  constantemente,  sem  descanço, 
sem  quasi  interrupção.  Resistimos  ainda,  e  como  sempre, 
fomos  os  últimos  a  adoptar  essa  expressão  da  politica  con- 
tinental . 

A  própria  Monarchia,  sem  écho  na  America,  precária  e 
ephemera  no  México,  aqui  teve  um  longo  asylo,  uma  hospe- 
dagem por  trez  gerações.  E  em  verdade,  que  hospedes  ex- 
cel lentes  ! 

Não  quero,  porém,  abusar  da  vossa  attenção. 

Lembrai-vos  sem  duvida,  das  interessantes  «  Memorias  » 
(publicadas  em  vossa  «Revista»),  do  major  prussiano  Von 
Versen,  prisioneiro  de  Lopez,  na  guerra  do  Paraguai.  Para 
Von  Versen,  que  não  era  nada  nosso  amigo,  entretanto  a  ■ 
nossa  maior  inépcia,  de  que  nos  accusava,  era  a  da  lentidão 
dos  nossos  generaes,  tarda,  vagarosa,  passeira  e  inexplicável.; 


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030  REVISTA  DO  INSTITUTO  BUTOIUCO 

Perdoae-me  ainda  um  despropósito :  dizem  que  as  nossas 
terras  são  o  habitat  único  de  um  curioso  animal,  —  a  pre- 
guiça — .  Deram  a  esta  pobre  alimária  o  nome  de  um  vicio 
e  até  de  um  peccado  mortal .  Mas  a  natureza  não  tem  vicios,  e 
eu  estou  que  —  a  preguiça  —  sabe  muito  bem  por  que  é  lenta 
e  v^arosa.  E  as  suas  pausas  devem  encerrar  um  segredo 
divino . 

E'  bom  entender  ou  pelo  menos  respeitar  todos  os  mys- 
terios . 

Quando  vejo  o  que  nos  falta,  ou  quando  reflicto  sobre  os 
nossos  defeitos,  eu  cuido  ver  a  alma  incompleta  e  ainda  infante 
do  Brasil,  que  rtie  diz  em  sua  transparência  luminosa: 

—  Para  que  tanta  pressa',  si  eu  tenho  por  mim  a  eter- 
nidade ! 

Assim  é,  ou  assim  deve  ser.  Um  paiz,  quando  tem  as 
proporções  do  nosso,  pôde  desafiar  o  tempo.  E'  o  facto  mesmo 
da  grandeza  material  que  nos  faz  lentos.  As  nossas  energias 
andam  dispersas  por  uma  área  quasi  infinita,  não  é  fácil 
coordena-las  ou  move-las;  não  é  de  extranhar  que  sendo  dis- 
persas, umas  contradictem  a  outras,  ou  que  sejam  entre  si 
indifferentes.  Todo  o  nosso  trabalho  é  concentrar  as  poucas 
que  concorrem,  convergem,  ajudam  e  formam  o  nosso  tur- 
bilhão vital. 

Perdemos,  assim  em  grandeza,  em  multiplicidades  inúteis 
a  ef ficiencia  da  densidade  aproveitável .  Por  ísso  é  que  somos 
lantos,  por  uma  ataxia  fatal  e  inevitável,  e  tudo,  pois,  espe- 
ramos da  longevidade  das  cousas. 

Mas,  quantas  vantagens  nesse  vagaroso  movimento  ! 

Quantos  fructos  ! 

Fomos  pelo  maré  clausum,  pelo  mar  fechado  ao  com- 
mercio  dos  povos,  mas  essa  idéa  anachronica  creou  os  pri- 
meiros surtos  da  nossa  autonomia,  guardou-nos  das  com- 
petências mundiaes,  e  sem  ella  seriamos  dilacerados  pela 
cobiça  dos  corsários  europeus,  hollandezes,  francezes  e  in- 
glezes.  Sem  esse  anachronismo  preservador  seriamos  um  re- 
talho andrajoso,  multicolor,  perdido  na  Babel  das  raças. 

Revivemos  com  as  capitanias  hereditárias  o  feudalismo, 
é  bem  verdade.  Mas  essa  tradição  archaica  lançou  os  funda- 
mentos de  uma  fórmula  nova,  a  da  federação.  E  assim  por 


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■um  caminho  antigo  e  exquecido  chegámos  á  larga  estrada  do 
liberahsmo  de  hoje.   O  feudo  preparou  o  self-govemment. 

Conservámos  a  escravidão,  talvez  mais  do  que  devíamos. 
Também  é  certo ;  mas,  soubemos  lentamente  transforma-la  em 
uma  chuva  de  flores  e  de  benções  sem  os  tormentos  formi- 
dáveis da  Secessão  e  da  guerra  civil. 

Este  mesmo  admirável  senso  da  opportunidade  guiou-nos 
no  problema  politico.  A  monarchia,  mau  grado  a  impaciência 
dos  republicanos,  gozou  de  longa  e  demorada  hospitalidade; 
mas,  até  por  isso,  com  ella  evitámos  um  século  de  pronun- 
ciamentos e  de  revoluções  que  abrazaram  e  ainda  crepitam 
na  America  Latina. 

Vê-se,  pois,  que  a  celeridade  ou  a  rapidez  nem  sempre  é 
de  vantagem.  E  antes  é  um  perigo. 

Nos  próprios  exemplos  da  natureza  ha  animaes  céleres  e 
ligeiros,  que  são  débeis  e  fracos.  Na  mesma  historia  humana, 
neste  momento  assistimos  a  um  temeroso  espectáculo.  A 
grande  nação  que  se  originou  da  pequena  Prússia,  célere, 
rápida  e  fulminante,  acha-se  agora  embaraçada  e  detida  deante 
das  lentezas  britannicas  e  do  tardo  tropel  do  valoroso  Slavo. 

Eu  acredito,  pois,  que  a  nossa  incoordenaçào  de  movi- 
mentos, que  resulta  da  enormidade  material  da  terra,  é  pro- 
picia á  madureza  das  nossas  resoluções. 

Ainda  na  infância,  temos  a  certeza  da  vida  longa. 

Somos  um  povo  de  tradições  e  de  costumes,  e  de  tal  arte 
arraigados,  que  podiamos  dispensar  a  lei  escripta.  No  tempo 
de  d.  João  VI  já  tinhamos  a  independência  sem  a  lei  e  antes 
delia;  na  Monarchia,  já  tinhamos  a  Republica  pela  democracia 
profunda  da  sociedade. 

Parece  que  temos  em  alto  grau  o  senso  da  espectativa  e 
da  opportunidade.  Entre  nós  não  ha  soluções  precipites  ou 
antecipadas. 

A  nossa  terra  é  uniforme,  sem  accidentes  abruptos,  sem 
tremores  e  cataclysmoS,  physica  e  moralmente. 

Sobre  essa  região  tranquilla  podemos  assentar  a  tenda 
da  nossa  eternidade. 

Quanto  a  nossa  Historia,  que  parece  v^a  e  tediosa  como 
é  a  paz,  e  monótona  como  o  trabalho  quotidiano,  cumpre 
mostrarmos  como  é  ella  fecunda,  honesta  e  bella  1 


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622  REVISTA  DO  INSTITUTO  HIBTORICO 

E  este  sábio  coilegio  é  a  mais  formosa  contribuição  que 
podemos  prestar  á  definição  dos  nossos  destinos.  {Applausos 
prolongados . ) 

L^o  depois  o  Sr.  Dr.  Benjamin  Franklin  Ramiz 
Galvão  {orador  do  Instituto)  responde  do  s^^uinte  modo- 
ao  recipiendiario : 

«Sr.  presidente.  lUustres  consócios.  Sr.  dr.  João  Ri- 
beiro —  Ha  muitos  annos  entraram  para  o  quadro  dos  f une- 
cionarios  da  Bibliotheca  Nacional,  pela  porta  larga  e  luminosa 
do  concurso,  dous  jovens  Brasileiros  de  real  talento  e  pro- 
mettedores  de  brilhante  futuro.  Delles  o  mais  antigo,  Ga- 
pistrano  de  Abreu,  alli  no  meio  de  livros  e  de  documentos- 
preciosos,  engolfado  na  leitura  insaciável,  investigador  e  critico- 
sagaz,  adextrou-se  para  a  conquista  da  cadeira  de  Historia  do 
Brasil  no  Collegio  Pedro  II,  para  as  eruditas  annotações  aa 
livro  do  visconde  de  Porto  Seguro,  para  uma  série  c<q>iosa 
de  trabalhos  históricos  de  grande  valor. 

O  outro  sois  vós,  sr.  dr.  João  Ribeiro.  Estudiosissima 
cultor  da  lingua  portugueza,  desde  os  verdes  annos,  come- 
çastes alli  a  série  de  livros  didácticos,  que  vos  deram  o  justo 
renome  de  philolc^o,  e  vos  preparastes  também  para  a  funcção 
de  professor  de  Historia  desse  mesmo  collegio,  que  já  foi 
um  instituto  modelar  de  ensino,  —  fonte  abundosa,  donde 
brotaram  notabilidades  brasileiras  da  estatura  de  Perdigão 
Malheiros,  barão  de  Ourém,  Paulino  de  Sousa,  Ferreira 
Vianna,  José  Carlos  Rodrigues,  Escragnolle  Taunay,  d.  An- 
tónio Benevides,  Rodrigues  Alves,  Carlos  de  Laet,  Vieira 
Fazenda,  Gastão  Ruch,  Bulhões  Carvalho,  Lima  Drummond 
e  tantos  mais,  cujos  nomes  não  preciso  declinar,  —  uns  que 
a  morte  já  arrebatou  na  sàa  voragem,  outros  que  ainda  per- 
lustram  gloriosamente  carreiras  públicas,  prestando  reaes  e 
valiosos  serviços  á  Pátria. 

Como  philologo,  tendes  vosso  logar  na  Academia  Bra- 
sileira, e  poucos,  bem  poucos,  alH  vos  disputarão  a  primazia. 

Como  historiador,  confesso,  sr,  dr,  João  Ribeiro,  que  tar- 
dáveis aqui,  neste  Cenáculo,  onde  se  congregam  para  estudar 
as  cousas  da  Pátria  quantos  por  sua  Historia,  pela  sua  Geo- 
graphia  se  desvelam.  Tardáveis,  repito,  porque,  si  em  vossos 
curiosos  estudos  linguisticos  já  tendes  demonstrado  o  pendor 


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ACTAS  633 

com  que  lucidamente  inquiris  o  passado,  e  a  sagacidade  com 
que  ides  ás  fontes  beber  ensinamento,  em  vossa  «  Historia 
do  Brasil  >,  si  bem  que  elementar,  revelastes  orientação  se- 
gura e  moderna,  critica  perspicaz  e  judiciosa. 

As  vossas  próprias  palavras,  que  acabámos  de  ouvir  com 
summo  interesse,  demonstram  claramente  quanto  haveis  me- 
ditado sobre  esta  ordem  de  assumptos  c  o  espirito  philosophico 
com  que  tendes  por  habito  encarar  a  nossa  existência  como 
povo. 

Este  é  o  paÍ2  cunctator,  dizeis,  e  talvez  com  acerto. 
O  nosso  movimento  é  vagarosd,  quasi  tardo;  o  gigante  sul- 
americano  demora  os  passos,  deixando  ao  tempo  amadurecer 
as  resoluções  graves,  que  podem  decidir  do  seu  futuro. 

Enumerastes  alguns  fructos  preciosos  colhidos  neste 
modo  de  agir.  Não  pretendo  oppôr-vos  contradicta  e  quasi 
me  confesso  de  accõrdo.  Fizemos  a  nossa  independência  sem 
luctas  sangrentas;  assistimos  ao  golpe  politico  de  1831,  e  só 
podemos  exaltar  o  patriotismo  daquella  pujante  geração  de 
estadistas,  cujo  bom  senso  salvou  então  a  Pátria  das  con- 
vulsões da  anarchia;  precipitámos  a  Maioridade,  é  certo, 
mas  como  a  Providencia  parece  ter  velado  sempre  pelos  nossos 
destinos,  tivemos  a  fortuna  de  passar  o  governo  deste  grande 
paiz  ás  mãos  de  um  príncipe  judicioso,  radicalmente  patriota, 
que  de  accõrdo  com  a  nossa  Índole  characteristica  o  foi  con- 
duzindo lentamente  pelo  caminho  do  progresso  material  e 
moral,  sem  surtos  de  génio,  mas  também  sem  o  perigo  de 
abalos  profundos. 

Ganhámos  e  saudámos  com  flores  a  grande  victoría  da 
Emancipação,  em  1888,  mas  preparada  pelas  reformas  de 
1871  e  1885,  com  que  os  beneméritos  Rio  Branco  e  Saraiva 
aplainaram  o  caminho  da  idéa  civilizadora  tríumphante. 

A  Republica  implantou-se  em  1889  sem  os  horrores 
desencadeados  em  outras  nações,  quasi  como  uma  transição 
natural  do  regime  liberalissimo,  que  nos  felicitara  por  cerca 
de  meio  século. 

Tudo  isso  é  verdade  e  até  certo  ponto  justifica  os  vossos 
assertos ;  só  tenho  dúvida  sobre  a  conveniência  de  manter  por 
tempo  indefinido  este  regime  de  espectativa  e  de  oppor- 
tunidade. 


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634  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

A  táctica  do  grande  Fábio  deteve  por  muito  tempo  as 
hostes  do  temeroso  e  arrojado  Annibal,  salvando  a  Republica 
romana  de  maiores  desastres.  Da  mesma  forma  o  nosso 
illustre  Caxias,  com  sua  celebre  marcha  de  flanco,  paralysou 
a  investida  audaz  do  inimigo  e  deu  tempo  á  convergência  de 
exforços  para  garantir  o  êxito  da  campanha. 

Mas,  quando  foi  chegada  a  hora,  não  irrompeu  inespera- 
damente em  Sancto  António,  não  se  arrojou  valorosamente 
pela  ponte  de  Itóroró,  não  deu  a  batalha  campal  de  Avahi, 
não  coroou  em  Lomas  Valentinas  a  victoria  das  armas  bra- 
sileiras, anniquillando  as  forças  regulares  de  Lopez,  que  só 
se  salvou  fugindo  caminho  das  Cordilheiras? 

«  A  nossa  terra,  dizeis,  é  uniforme,  sem  accidentes  abru- 
ptos, sem  tremores  e  cataclysmos,  physica  e  moralmente.» 
E'  verdade.  Mas  um  povo  de  tradições  honrosas,  e  ambi- 
lenta  da  America,  quasi  de  braços  cruzados  deante  dos  varia- 
cioso  de  luz  e  de  progresso,  manter-se-ha  nesta  r^ião  opu- 
dissimos  problemas,  que  se  agitam  no  presente  para  abrir-nos 
as  portas  do  futuro? 

Não  será  tempo  de  abandonar  a  prudente  expectativa  e 
enveredar  com  animo  resoluto  por  um  caminho,  mais  áspero 
tal\'ez,  porém  mais  curto  para  ganharmos  a  posição  que  o 
destino  nos  prepara? 

Perdoae,  collega  illustre,  perdoae-me  também  vós,  se- 
nhores, si  estas  expressões,  que  traduzem  o  anhelo  de  mi- 
nh'alma  de  Brasileiro  enthusiasta  de  seu  nobre  paíz  parecem 
estar  em  contradicção  com  os  cabellos  brancos  que  me  cir- 
culam a  fronte,  denunciantes  indiscretos  de  uma  velhice,  que 
já  não  deve  ter  sonhos  nem  outra  esperança  sinão  a  do  re- 
pouso final. 

Perdoae-me;  mas  este  fogo  sagrado  do  amor  da  Pátria, 
com  que  sempre  vivi  desde  os  verdes  annos,  ainda  se  não 
apagou.  Continuo  a  ter  a  mesma  f é  e  a  confiança  de  todos  os 
tempos  na  grandeza  do  futuro  brasileiro,  e  espero  que  as 
almas  varonis  da  geração  contemporânea  sacudam  o  ojrpo 
deste  gigante,  que  não  tem  licença  de  adormecer  nà  calma 
da  expectativa. 

E'  tempo  de  faze-lo  ei^er-se,  forte  e  corajoso  para  a 
lucta.  Todos  nós  temos  o  dever  imperioso  de  correr  á  estacada. 


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ACTAS  635 

cada  qual  na  sua  esphera  de  acção,  para  illuminarmos  o 
povo,  para  defendermos  a  sua  honra  e  o  seu  nome,  para  re- 
solvermos os  diff iceis  problemas  administrativos  que  nos 
embaraçam   a   marcha. 

Vós  também,  prezadíssimo  collega,  que  hoje  aqui  vos 
alistaes  nesta  cohorte  de  trabalhadores,  vós  que  tendes  predi- 
cados de  mestre  e  um  espirito  de  elevada  cultura',  vós  sereis  de 
certo  um  collaborador  precioso  na  nossa  grande  obra  na- 
cional . 

O  Instituto  Histórico  faz  também  a  sua  campanha;  sol- 
dados (la  vossa  estatura  são  garantias  de  victoria.  Sede  ben- 
vindo  !  >   (Applausos  prolongados.) 

O  Sr.  Presidente  dá  a  palavra  ao  sr.  Basilio  de  Ma- 
galhães para  ler,  como  relator,  o  parecer  da  Commissão  de 
Historia  sobre  as  obras  que  serviram  de  base  ái.  proposta  que 
indica  o  sr.  dr.  Alberto  Lamego  para  sócio  correspondente. 

O  Sr.  Basílio  de   Magalhães   lê  o  seguinte   parecer: 

«  Applicando  em  boa  hora  o  conceito  feliz  de  Fustel  de 
Coulanges,  de  que  <  o.  verdadeiro  patriotismo  não  é  somente 
o  amor  á  terra,  mas  o  amor  ao  passado,  o  respeito  pelas 
gerações  que  nos  precederam  »  —  vem  o  sr.  Alberto  Lam^o 
apparecendo,  desde  algum  tempo,  nas  revistas  mais  impor- 
tantes da  nossa  terra,  a  firmar  trabalhos  de  alta  valia  sobre 
personalidades  e  episódios  da  nossa  evolução  colonial",  reve- 
lando-se  douto  e  paciente  mourejador  do  campo  vasto,  e  ainda 
tão  mal  explorado,  dos  primórdios  da  vida  do  Brasil. 

Vimos  pela  primeira  vez  o  seu  nome  subscrevendo  a  pu- 
blicação e  commenfarios  de  importantes  e  novos  documentos 
relativos  a  Cláudio  Manuel  da  Costa,  na  «  Revista  da  Aca- 
demia Brasileira»,  desta  Capital.  Exclareceram-se,  graças  a 
taes  achegas,  que  eram  de  todo  ignoradas,  vários  pontos 
obscuros  da  existência  do  inspirado  poeta  inconfidente :  — 
o  logar  do  seu  nascimento,  as  suas  relações  literárias  e  o 
rol  exacto  das  suas  producções  —  assumptos  de  que  também 
cogitara,  com  a  erudição  que  o  distingue,  o  sr.  barão  de  Ramiz 
Galvão,  pela  «Revista  Brasileira»,  de  15  de  Abril  de  1895. 

Mais  tarde,  no  tomo  LXXV,  parte  II  da  «  Revista  do 
Instituto  Histórico  e  Geographico  Brasileiro»,  ínseriram-se 
os  «  Papeis  inéditos  sobre  João  Fernandes  Vieira  >  —  curioso 

^'  Coogle 


OID  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

achado,  que  o  sr,  Alberto  Lamego  fizera  nos  archivos  por- 
tuguezes  e  constante  de  canas  contendo  graves  denúncias 
contra  o  heróe  luso  da  epopéa  pernambucana,  assim  como  do 
parecer  do  Conselho  Ultramarino  e  da  resolução  do  soberano 
sobre  o  caso.  As  accusações  anonymas,  formulad^as  sem  du- 
vida por  inimigos  do  Madeirense,  não  são  de  molde  a  des- 
poja-lo da*  aureola  com  que  perpetuamente  lhe  circundou  a 
fronte  a  posteridade,  reconhecida  aos  seus  inolvidáveis  ser- 
viços. Libellos  de  tal  natureza  surdem  em  todos  os  tempos, 
e  o  simples  facto  de  não  trazerem  editor  responsável  tira- 
Ihes  grandemente  o  valor  probante,  reduzindo-os  á  espécie 
Ínfima  dos  pasquins.  Como  quer  que  seja,  porém,  a  mo- 
nographia  do  sr.  Alberto  Lamego,  enriquecida  por  um  cri- 
terioso prefacio  de  Oliveira  Lima,  interessa  consideravelmente 
aos  que,  estudando  por  menor  os  episódios  máximos  das 
priscas  eras  da  nossa  terra,  querem  vèr  através  de  todos  os 
prismas  as  personagens  que  culminaram  no  scenario  da  His- 
toria pátria. 

Não  foi,  entretanto,  com  esses  escriptos  que  o  sr.  Alberto 
Lamego  se  apresentou  candidato  a  um  logar  no  quadro  social 
deste  benemérito  grémio. 

Foi,  sim,  proposto  sócio  correspondente  do  Instituto  com 
uma  obra  de  fôlego,  ainda  não  acabada,  e  que  se  intitula  «  A 
terra  goytacá  á  luz  de  documentos  inéditos». 

E'  este  o  primeiro  de  uma  série  de  cinco  volumes,  em 
que  o  auctor  pretende  enfeixar,  amontoando-os  conveniente- 
mente, os  preciosos  papeis  antigos,  em  numero  superior  a  mil, 
que  se  lhe  depararam  nas  bibliothecas  e  archivos,  públicos  e 
particulares,  da  Europa,  sobre  a  historia  das  capitanias  de 
S.  Thomé  e  de  Parahyba  do  Sul,  onde  outr'ora,  rodeados  de 
varias  tribus,  dominaram  os  bravios  Goitacazes. 

Com  Langlois  et  Seígnobos,  em  sua  <  Introduction  aux 
ctudes  historiques  >,  pensa,  e  com  razão,  o  sr.  Alberto  La- 
mego que  —  €  rien  ne  supplée  aux  documents ;  pas  de  do- 
cuments,  pas  d'Iiistoire>. 

A'  medida  que  coordenava  e  deletreava  os  manuscriptos 
vetustos,  que  a  sua  porfia  perseverante  desenterrava  do  pó 
das  livrarias,  verificava  o  auctor  da  <  Terra  goytacá  »  quanus 
lendas  os  tradicionalistas  faziam  passar  como  factos  reaes 

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iCTAS  63? 

tio  tocante  á  donatária  de  Pêro  de  Góeá,  mais  tarde  adju- 
dicada pela  Coroa  á  posse  dos  Assecas. 

Sobre  a  mencionada  região,  além  das  referencias  abun- 
dantes nos  chronislas  e  historiographos,  não  faltam  <  me- 
morias »  especiaes,  como  os  « Campos  dos  Goytacazes »,  de 
Teixeira  de  Mello,  os  <  Apontamentos  para  a  historia  da 
capitania  de  S.  Thomé»,  de  Augusto  de  Carvalho,  a  <  His- 
toria do  descobrimento  e  povoação  da  cidade  de  S.  João  da 
Barra  e  Campos  dos  Goytacazes»,  de  J.  J.  Martins,  e  os 
<  Subsídios  para  a  historia  de  Campos  dos  Goytacazes  >,  de 
Júlio  Feydit. 

Resentiam-se,  porém',  todas  essas  monc^aphias,  não 
obstante  o  exfòrço  profícuo  de  seus  íllustres  auctores,  da  falta 
de  elementos  litteraes  probantes,  os  quaes  escasseavam  quasí 
completamente  no  Brasil  e  abundavam  nos  archivos  de 
além-mar. 

Colligindo-os  durante  longos  annos,  habtlitou-se  o  sr.  Al- 
berto Lamego  a  pôr  hombros  á  sua  alevantada  e  diffícil  em- 
presa',  iniciada  com  o  volume  ora  entregue  á  nossa  apreciação. 

Abrange  elle  o  periodo  de  1500  a  1730  e  divide-se  em 
dous  livros,  o  primeiro  com  cinco  e  o  segundo  com  doze  capí- 
tulos, fora  um  appendice.  Cumpre-nos,  antes  de  mais  nada, 
observar  que  se  tracta  de  uma  edição  artística,  com  photo- 
gravuras  coloridas,  mappas,  brazão  e  documentos  fac-simi- 
lados,  —  tudo  revelando  o  carinho  e  o  enthusiasmo  com  que 
o  auctor  se  consagrou  ás  suas  patrióticas  pesquizas. 

Não  é  fácil  resumir  o  contingente  de  exclarecimentos  que 
trazem  á  historia  da  capitania  da  Parahíba  do  Sul  as  peças 
authenticas,  cerca  de  trezentas,  reunidas  neste  volume  do 
sr.  Alberto  Lamego, 

No  livro  L  onde  vêm  reproducções  fac-simílares  dos 
mappas  de  Jodocus  Hondíus  (de  1630)  e  do  cosmographo 
João  Teixeira  (de  1645),  tracta  elle  de  Pêro  de  Góes,  desde 
a  sua  vinda  para  o  Brasil,  até  que,  mallogrados  os  exforços 
para  povoar  a  sua  donatária  e  depois  de  exercer  o  cargo  de 
capitão-mór  da  costa  no  governo  de  Thomé  de  Sousa,  re- 
gressou definitivamente  para  Portugal,  indo  fallecer  na  índia, 
provavelmente  em  1600.  Re£ere-se  ainda  a  Vasco  Fernandes 
Coutinho  e  Martim  Affonso  de  S^sa,  ao3  índios  ida  r<iff3tí, 


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628  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

305  sítios  em  que  se  fundaram  as  primeiras  povoações  e  á 
renúncia  do  filho  e  successor  de  Pêro  de  Góes,  Gil  de  Góes 
da  Silveira,  dos  direitos  á  capitania,  por  escriptura  de  2Z  de 
Março  de  1619.  Menciona  o  «roteiro  dos  septe  capitães»  e 
discute-lhe  a  authenticidade,  contestada  pelo  erudito  Vieira 
Fazenda  com  certidões  e  com  sólidos  arg:umentos. 

Do  capitulo  III  em  deante  avulta  a  personalidade  de 
Salvador  Correia  de  Sá  e  Benevides,  tão  mal  estudada  até 
agora  e  que  tanto  relevo  tem  nas  paginas  dos  nossos  annaes, 
não  só  por  haver  governado  trez  vezes  o  Rio  de  Janeiro  (cuja 
alçada  jurisdicional  se  extendia  então  a  S,  Paulo  e  ao  Espirito 
Sancto),  como  também  pelas  propriedades  que  adquiriu  em 
nossa  terra,  dando  origem  a  sangrentas  luctas  e  prolongados 
pleitos,  que  tiveram  por  theatro  as  mai^ens  do  Parahiba 
do  Sul. 

Os  prepostos  da  metrópole  não  se  descuidavam  dos  seus 
próprios  interesses  materJaes.  Disto  é  exemplo  frisante  o 
general  Salvador,  que  para  si  obteve  aforamento  do  terreno, 
onde  se  estabelecera  o  primeiro  trapiche  que  houve  nesta 
Capital,  assim  como  os  privilégios  da  balança  e  da  varanda 
para  a  venda  de  negros,  verduras  e  fructos  do  paiz,  e,  mais 
tarde,  ainda  pediu  ao  rei  100  léguas  de  costa,  de  Sancta  Ca- 
tharina  ao  Rio  da  Prata. 

Recenseiam-se  também  os  serviços  de  Sá  e  Benevides  na 
investigação  das  minas  do  sertão  do  Espirito  Sancto  e  de 
S,  Paulo,  os  motins  occorridos  no  Rio  de  Janeiro  em  1660- 
1661,  e,  finalmente,  as  primeiras  tentativas  de  occupação  dos 
campos  dos  Goitacazes. 

Ahi,  além  de  outros,  eram  proprietários  de  sesmarias  o 
general  Salvador,  os  jesuitas  e  os  frades  benedictínos .  A 
ambição  de  todos  esses  sesmeiros  levou  a  desordem  áquella 
região,  de  onde  foram  mandados  expulsar  os  posseiros  pri- 
mitivos, que  resistiram  ao  mandado  e  á  força.  Já  então  houve 
pensamento  de  crear-se  em  villa  a  povoação  de  S.  Salvador. 
E  entre  os  muitos  documentos  curiosos,  que  se  enquadram  no 
livro  r.  merecem  lembrados  os  da  informação  que  o  admi- 
nistrador da  Justiça  Ecclesiastica  do  Rio  de  Janeiro,  o  prelado 
António  de  Mariz,  deu  sobre  o'  procedimento  do  clero  de  todo 
o  seu  districto,  em  cumprimento  de  uma  carta-régia.  Porém, 


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ACTAS  639 

OS  r^fulares  de  S.  Bento,  muito  mais  que  os  clérigos  se- 
culares, foram  os  que  desempenharam  papel  capital  nas 
questões,  que  ensanguentaram  os  campos  goitacazes. 

O  livro  II  é  a  exposição  minudenciosa  da  varia  fortuna 
de  terra  goitacá  sob  o  domínio  dos  Assecas.  Com  effeito,  os 
Correias  de  Sá,  filhos  do  general  Salvador,  obtêm,  em  1674, 
a  doação  de  uma  extensa  capitania  ao  Sul  do  Brasil,  na  re^pão 
da  antiga  donatária  de  S.  Tliomé.  Em  vão  lhes  oppõem  em- 
bargos os  heréus  e  outros  proprietários  dos  campos.  E  são 
logo  depois  erectas  em  villas  as  povoações  de  S.  Salvador  e 
de  S.  João  da  Praia  (hoje  S.  João  da  Barra),  devendo-se 
ao  paulista  Bartholomeu  Bueno  Feio  (isto  é,  o  «Anhan- 
guera»)  o  baptismo  de  sangue  da  matriz  daquella. 

Como  o  3*  visconde  de  Asseca,  Diogo  Correia  de  Sá, 
vendesse  ao  prior  Duarte  Teixeira  Chaves  todos  os  seus  bens 
sitos  no  Brasil,  abre-se  estirado  e  vigoroso  litigio  entre  o 
adquirente  e  os  herdeiros  do  vendedor, 

Ahi  apparece  a  figura  singular  de  Luiz  Vahia  Monteiro, 
sobrinho  do  prior  da  coUegiada  de  Chaves',  e  que,  empossado 
em  Maio  de  1725  no  governo  do  Rio  de  Janeiro,  patrocinou 
francamente  a  causa  do  tio.  Fez  administração  enérgica.  Des- 
terrou dous  abbades  de  S,  Bento,  E  quando  o  rei  lhe  es- 
creveu uma  carta  cínsurando-lhe  os  excessos  de  poder,  Vahia 
Monteiro  deu  ao  soberano  altiva  resposta,  confessando  «os 
seus  Ímpetos  e  fúrias  >  e  mostrando  não  só  a  necessidade 
de  tal  procedimento  como  as  vantagens  delle  resuItaTites  para 
a  boa  direcção  dos  povos. 

Enquanto  estavam  sub  judice  as  lides  entre  os  Assecas  c 
o  prior  de  Chaves,  entrando  nellas  uma  terceira  personagem, 
o  infeliz  Domingos  Alvares  Pessanha,  —  as  villas  ribeirinhas 
do  Parahiba  progrediam.  Mas  o  descobrimento  do  ouro  em 
nosso  hinlerland  não  tardou  a  determinar  no  Rio  de  Janeiro 
uma  tremenda  crise,  que  promptamente  se  reflectiu  na  terra 
goitacá.  E'  a  épocha  da  carestia  de  viveres,  do  abandono  dos 
engenhos  de  assucar  e  do  êxodo  para  as  Minas. 

Reponta  a  nova  phase  de  contendas  em  1727,  quando 
Martim  Correia  de  Sá,  como  procurador  de  seu  pae,  toma 
posse  da  capitania  da  Parahiba  do  Sul.  Como  si  isto  não 
bastasse,  ainda   naquelle  mesmo  anno,  de  triste  recordação 


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630  RSVtSTA  DO  INSTITUTO  UISTORICd 

para  a  terra  goitacá,  eram  obrigadas  as  villas  de  S.  Sal< 
vador  e  de  S.  João  da  Praia  a  pagar  pesado  donativo  para  p 
casamento  dos  príncipes  de  Portugal  e  Hispanha. 

Vahia  Monteiro  consegue  alijar  a  Martim  Correia  do 
governo  da  capitania  da  Farahiba  do  Sul.  Nisto  surde  um 
novo  motivo  de  dissídio :  —  a  lei  do  contracto  sobre  os  €  gados 
de  vento».  Neste  período,  destaca-se  a  figura  varonil  de 
Benta  Pereira,  cujos  filhos  João  Alvares  Barreto  e  Francisco 
Manhães  Barreto  tomam  parte  saliente  nos  successos  então; 
desenrolados  alli. 

Enquanto  prosegue  a  lucta  entre  o  governador  e  Martim 
Correia  e  se  depõem  capitães-móres  nas  villas  do  Parahiba', 
onde  os  partidos  se  extremam,  apparelhando-se  para  maíp 
graves  eventos,  Luiz  .Vahia  Monteiro  faz  timbre  em  que  se 
cumpra  o  contracto  dos  gados,  e  para  isso  confia  a  respectiva! 
diligencia  ao  capitão  Francisco  Pereira  Leal,  com  uma  força 
de  trinta  soldados.  Esta  expedição  desempenha-se  não  só 
do  encargo  especial  que  levava,  como  também  prende  a  cri- 
minosos e  desertores,  que  infestavam  aquella  zona. 

Continuava  aberto  o  conflícto  entre  os  moradores  da 
capitania  da  Parahiba  do  Sul  e  os  Assecas,  contra  cujo  do- 
minio  o  governador  do  Rio  de  Janeiro  sustentava  tenaz  per- 
seguição. Mas  os  Correias  de  Sá  dispunham  de  valimento 
perante  o  monarcba.  Isso  impoz  á  terra  goitacá  a  necessidade 
de  preparar-se  para  uma  revolta  efficaz. 

Eis  ahí,  em  palHdo  resumo,  o  que  se  contém  neste  pri- 
meiro volume  submettído  á  nossa  consideração  pelo  sr.  Alberto 
Lamego. 

Cumpre-nos  fazer  algumas  observações  quanto  ao  cri- 
tério histórico  posto  em  prova  pelo  auctor  e  quanto  ao  seu 
processo  de  utilização  dos  documentos. 

No  tocante  aos  aborígenes  do  Brasil,  não  nos  parece  ra- 
zoável, em  face  das  recentes  conclusões  da  Ethnographia 
americana;  dividi-los  somente  em  duas  tribus  —  uma  auto- 
chthone,  a  dos  tapuias,  e  outra  conquistadora,  a  dos  tupis 
(pag-  ^5)  ■  Em  vez  de  apegar-se  nesse  ponto  a  Rocha  Pombo, 
o  sr.  Alberto  Lamego  melhor  faria  si  adoptasse,  quanto  aos 
íncolas  do  Novo-mundo,  os  postulados  de  Nott  e  Gliddon,  em 

i.,CoojjíIc 


&CTA<  63! 

seus  <  Types  of  mankind  »  e  o  eschema  que  dos  nossos  selvi- 
colas  traçaram  Karl  von  Steinen  e  Paul  Ehrenreich. 

Custa-nos  acreditar  que  um  espirito  positivo,  que  tão 
rectilineamente  se  norteia,  em  Historia,  pelas  provas  do- 
cumentaes,  dé  accolhida  em  sua  obra  á.  invencionice  jesuítica 
da  vinda  de  S.  Thomé  ás  nossas  plagas,  —  donde  o  admittir 
o  auctor  que  os  tamoios  primitivamente  se  chamaram  tzoméos 
(pag.  16),  quando  o  certo  é  que  aquelle  nome  tribal  provém 
de  tamoio,  avô,  por  se  julgarem  os  índios  da  Guanabara  mais 
antigos  que  os  seus  ermãos  do  nheengatú. 

Não  devera  também  o  sr,  Lamego  perfilhar  (pag,  17)] 
a  origem  dos  Botucudos  dada  por  Miliet  de  Saint  Adolphe, 
sabido  como  é,  que  aquelle  vocábulo  não  promana  de  bota 
e  côdea,  etymologia  absurda,  porém  sim  de  batoque,  ou  por 
alliteração  botogue,  termo  lusitano  correspondente  ao  tembetá 
tupico . 

Lamentamos  também  que  o  auctor  houvesse  dado  guarida, 
em  seu  excellente  trabalho,  á  existência  de  tribus  como  a  dos 
ovaitagnasses  (pag.  17) ;  guiatacás  e  waitaquases  (pag.  22)., 
como  distinctas  da  dos  goilacás,  ou,  com  a  dupla  forma  st- 
gmatica  da  aportuguezação,  goitacases.  E'  bem  de  ver  que 
aquellas  trez  primeiras  denominações  não  passam  de  variantes 
da  última,  ordinariamente  devidas  a  enxacocos  ou  a  erros 
graphicos  dos  tractadistas  antigos. 

Os  documentos  colligidos  na  « Terra  goytacá »  não  só 
clareiam  muitos  passos  obscuros  da  historia  da  capitania  da 
Parahiba  do  Sul,  como  sejam  os  actos  essenciaes  dos  dous 
primeiros  donatários.  Fero  e  Gil  de  Góes,  fundadores  de 
povoações,  que  aliás  não  vingaram,  ás  margens  do  Itaba- 
poana  e  do  Itapemcrim,  mas  ainda  jorram  luz  sobre  factos 
respeitantes  á  capitania  do  Espirito  Sancto,  isto  é,  aos  seus 
limites  com  aquella  outra  e  ao  surto  dos  seus  núcleos  de 
povoamento.  Servem  também  para  exclarecer  vários  relanços 
da  actividade  das  ordens  religiosas  no  Brasil. 

Notaremos  que  o  documento  de  pags.  154-156  demonstra 
que  já  em  1676  era  abbade  do  Mosteiro  de  S.  Bento  do 
Rio  de  Janeiro  fr.  Francisco  do  Rosário,  que  na  lista  da 
extensa  e  erudita  monographia  do  barão  de  Ramiz  Galvão, 
á  pag.  317  do  tomo  XXXV,  parte  II,  da  «Revista  do  Ins- 


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633  REVISTA  DO  tNSTITUTO  HKTORICO 

titulo  Histórico  e  Geographico  Brasileiro»,  consta  ter  exer- 
cido aquelle  cargo  em  1677. 

E'  certo,  contudo,  que  alguma  das  pe<^s  antigas,  ora  tão 
bem  aproveitadas  pelo  sr.  Alberto  Lamego,  deixam  ainda 
margem  a  dúvidas,  em  razão  das  datas  que  lhes  são  attri- 
buidas,  quando  em  confronto  com  os  episódios  a  que  con- 
cernem . 

Tomaremos  um  exemplo  characteristico. 

E'  questão  controversa  a  de  ter  Salvador  Correia  de  Sá 
e  Benevides,  ou  pessoalmente,  ou  representado  por  seu  filho 
João  Correia  de  Sá,  feito  penetração  nos  sertões  do  Espirito 
Sancto,  á  cata  de  esmeraldas. 

Dos  que  têm  modernamente  versado  esses  assumptos, 
com  profundeza  e  competência,  Calc^eras,  em  seu  vasto  e 
óptimo  traballK)  «As  minas  do  Brasil  e  a  sua  legislação», 
vol.  I,  pag.  398,  acredita  ter  occorrido  aquella  entrada,  em- 
bora lhe  dè  como  ignorados  os  fructos;  e  Orville  Derby,  no 
seu  substancioso  escriplo  sòbrc  «  Os  primeiros  descobrimentos 
de  ouro  em  Minas  Geraes»  ín  «Revista  do  Instituto  His- 
tórico de  S.  Paulo»,  vol.  V,  pag.  2G0,  duvida  de  que  se 
haja  realizado  tal  expedição  naquella  zona  e  naquella  epocha, 
mas  que  não  lhe  faz  a  menor  referencia  o  parecer  de  Salvador 
Correia  de  Sá  e  Benevides,  de  3  de  Maio  de  1677,  no  Con- 
selho Ultramarino  (f«  « Revista  do  Instituto  Histórico  e 
Geographico  Brasileiro»,  tomo  LXIII,  parte  I) — que  é  uma 
ampla  exposição  de  todos  os  seus  serviços  aqui  no  Brasil, 
prestados  á  Coroa  portugueza. 

Pois  bem ;  o  auctor  da  «  Terra  goytacá  »  admitte  até  a 
existência  <]e  duas  entradas  no  sertão  do  Espirito  Sancto,  ao 
tempo  do  segundo  governo  de  Salvador  Correia  de  Sá  e 
Benevides,  no  Rio  de  Janeiro,  uma  pessoalmente  dirigida  por 
«lie  e  outra  por  seu  filho  João  Correia  de  Sá,  ambas  em  pro- 
cura das  pedras  coradas. 

Na  primeira,  o  governador  <  preparou  quatro  caravellas 
com  mais  de  100  homens  e  saiu  em  busca  da  mysteriosa 
serra.  Por  muito  tempo  esquadrilhou  o  interior  das  florestas, 
e  o  encantado  thésouro  não  appareceu»  (pags.  65-66). 

Achamos  inexplicável  que  o  general  Salvador,  —  cuja 
posse  foi  a  18  de  Abril  de  1659,  e  que  a  4  de  Outubro  desse 


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ACTAfi  633 

anno  já  lavrava,  na  Bahia,  a  patente  de  mestre  de  campo  a 
seu  filho  João  Correia  de  Sá  para  a  segunda  expedição,  —  não 
podendo,  pois,  ter  ct^itado  de  outra  cousa  que  não  do  des- 
cobrimento das  esmeraldas  no  sertão  espirito-sanctense,  dei- 
xasse de  mencionar,  no  citado  parecer  do  Conselho  Ultra- 
marino,—  um  verdadeiro  depoimento  pessoal  —  a  jornada 
sob  sua  chefia,  e  á  mesma  não  se  referisse  na  patente  de  4 
de  Outubro  de  1659,  passada  a  seu  filho. 

Este  caso  da  patente,  estreitamente  vinculado  á  leva  em 
que  «  partiu  o  capitão  João  Correia  de  Sá,  com  grande  con- 
curso de  gente,  em  busca  das  encantadas  minas,  e  a  serra  das 
Esmeraldas,  ainda  uma  vez,  não  foi  encontrada» — offerece- 
nos  também  dúvidas  sérias. 

Diz  o  sr.  Alberto  Lamego  que  o  governador  pediu  ao 
soberano  a  approvação  do  acto  de  4  de  Outubro  de  1659; 
que  o  Conselho  Ultramarino,  em  /  de  Maio  de  1660,  se  pro- 
nunciou desfavoravelmente;  que  o  governador  cxpoz  nova- 
mente as  vantagens  da  nomeação  do  filho  para  aquelle  posto ; 
que  o  Conselho,  ouvido  ainda  a  14  de  Abril,  não  alterou  o  seu 
modo  de  pensar;  e,  em  nota,  informa  (pag.  67),  que  as 
cartas  régias,  homologadoras  dos  pareceres  do  Conselho,  têm 
as  datas  de  6  de  Março  de  16Ó0  (a  i"),  e  16  de  Abril  do 
mesmo  attno  (a  2'). 

Ora,  isto  não  pôde  ter-se  dado  assim.  Si  o  Conselho  foi 
ouvido,  a  primeira  vez,  em  /  de  Maio  de  1660,  a  segunda  data, 
14  de  Abril,  será  então  do  anno  seguinte.  Quanto  ás  datas 
das  cartas  r^ias,  basta  ponderar  que  o  espaço  de  tempo  com- 
prehendido  entre  6  de  Março  e  16  de  Abril  de  1660,  mal  dava 
então,  e  muito  estrictamente,  para  que  a  resolução  do  mo- 
narcha  viesse  ter  ás  mãos  de  Salvador  Correia,  Imagine-se, 
agora,  si  este  pedido,  de  facto,  reconsideração  do  despacho 
real,  quantos  dias,  ou  melhor,  quantos  mezes  não  se  fariam 
necessários  para  que  chegasse  a  Portugal  o  novo  requeri- 
mento, fosse  ouvido  o  Conselho  Ultramarino  e  subisse  afinal 
o  parecer  deste  á  deliberação  do  soberano. 

Ha,  portanto,  em  tudo  isso,  enganos  palpáveis,  que  é 
mister  dilucidar,  a  bem  da  prestabilidade  dos  documentos. 

Que  houve  realmente  tentativas  de  penetração  nas 
terras  do  Espírito  Sancto,  em  1659  e  1660,  á  busca  de  esmc- 


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634  ItBVISTA  DO  IK3TITUT0  HISTOKICO 

raldas,  —  são  accórdcs  em  af firma-lo  várias  provas  hístoricaS. 
A's  mesmas  allude  Taques  em  sua  <  Informação  sobre  as 
minas  de  S,  Paulo»  (ín  «Revista  do  Instituto  Histórico  d 
Gebgraphico  Brasileiro»,  tomo  LXIV,  parte  I,  pag,  20), 
citando  peças  officiaes  existentes  nos  registos  paulistanos: 
mas,  logo  adeante  (pag.  27),  assegura,  sem  se  apoiar  era 
prova  alguma,  que  no  descobrimento  das  appetecidas  esme- 
raldas <  tinha  perecido  o  marechal  de  campo  João  Correia 
de  Sá  com  a  maior  parte  dos  seus  soldados  exploradores,  no 
anno  de  1660».  Entretanto,  os  documentos  de  pags.  118-119 
e  129  e  130  da  obra  do  sr.  Alberto  Lamego  evidenciam  que 
João  Correia  de  Sá,  que  daqui  partira  para  a  índia,  obteve 
licença  régia  afim  de  retomar  ao  Brasil  em  1669  e  ainda: 
vivia  em  1676,  não  havendo  dúvida  alguma  de  que  esse  era 
o  filho  de  Salvador  Correia  de  Sá  e  Benevides,  a  quem  este 
{Ilegalmente  dera,  em  4  de  Outubro  de  1659  a  patente  de 
mestre  de  campo,  não  confirmada  pelo  soberano, 

Bis  ahi,  no  meio  de  poucas  jacas,  que  um  exame  mats 
meticuloso  dos  papeis  vetustos  houvera  seguramente  desfeito 
em  tempo,  o  subido  valor  da  matéria  probante,  accumulada 
pacientemente  no  trabalho  do  sr.  Alberto  Lamego.  Ha  fi- 
guras de  grande  destaque  em  nossos  fastos,  que,  mercê  das 
peças  antigas  ora  saídas  a  lume  na  «  Terra  goytacá  »,  têm 
de  ser  encaradas  a  outro  aspecto.  Uma  delias  é  a  de  Salvador 
Correia  de  Sá  e  Benevides,  que,  em  seus  trez  períodos  de  go- 
verno, prestou  alguns  serviços  á  nossa  terra,  porém,  cuja 
Ímproba  ganância  está  agora  demonstrada  que  farte.  Outra 
é  a  de  Luiz  Vahia  Monteiro,  tarado  para  a  demência  de  que 
veio  a  fallecer,  mas  enérgico  administrador,  guiado  embora, 
muitas  vezes,  por  paixões  pessoaes. 

Os  documentos  da  obra  do  sr.  Alberto  Lamego,  reunidos 
aos  materíaes  que  colligiu  no  Archivo  Nacional  o  sr,  Eduardo 
Marques  Peixoto  e  enfeixou  em  sua  «  Memoria  »  offerecida 
ao  Primeiro  Congresso  de  Historia  Nacional,  cremos  que 
exgottaram  tudo  quanto  existe  a  respeito  daquelle  preposto  da 
metrópole,  que  governou  o  Rio  de  Janeiro  de  1725  a  1733.Í 

Quem  sabe  quanto  custa  descobrir  nos  repositórios  pú- 
blicos ou  particulares  esses  poeirentos  códices,  quem  sabe 
quanto  custa  le-los,  ou,  antes,  decifra-los  e,  em  summa,  tirat; 


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ACTAS  635 

delles  os  exclarecímentos  tjue  proporcionam  a  um  dado  epi- 
sodio e  a  uma  epocha,  —  não  deixará  de  sinceramente  louvar 
o  patriótico  exfòrço  do  sr.  Alberto  Lamego,  que  por  tantos 
annos  vive  nas  terras  de  além-Atlantico  a  perquirir  as  arcas 
do  passado  em  beneficio  da  Historia  do  Brasil. 

Premio  não  pequeno  merece  quem  faz  obra  de  tanta  valia. 

Assim,  a  Commissão  de  Historia  é  de  parecer  que  o. 
sr.  Alberto  Lamego,  —  que  em  seus  escriptos  se  tem  revelado 
um  erudito  e  perseverante  cultor  da  Heurística,  no  que  eila 
of f erece  de  mais  interessante  ao  nosso  passado  colonial,  — 
deve  ser  acceito  sócio  correspondente  do  Instituto  Histórico  e 
Geographico  Brasileiro.  —  Rio  de  Janeiro,  8  de  Abril  de  1915. 
—  Basiiio  de  Magalhães,  relator. —  Clóvis  Beviláqua. —  Al- 
fredo Valladão,* 

O  parecer  é  approvado  por  unanimidade,  e  a  proposta  é 
remettida  á  Commissão  de  Admissão  de  Sócios,  sendo  relatoi: 
o  sr.  dr,  Ramiz  Galvão. 

O  Sr.  Presidente  dá  a  palavra  ao  sr.  dr.  Alfredo  Val- 
ladão,  para,  como  relator,  lêr  os  pareceres  da  Commissão  de 
Historia,  sobre  as  obras  que  instruiram  as  propostas  rela- 
tivas aos  srs.  drs.  Aurelino  Leal  e  António  de  Barros  Ramalho 
Ortigão. 

O  Sr.  Dr.  Alfredo  Valladão  lê  os  segintes  pareceres ; 

t  Os  conhecidos  trabalhos  do  sr.  dr,  Aurelino  Leal,  como 
jurista  e  como  publicista,  já  bastavam  para  que  se  lhe  abris- 
sem as  portas  do  Instituto  Histórico. 

Recommenda-o,  porém,  especialmente  a  producção  de 
historiador,  com  que  elle  enriqueceu  os  «  Annaes  >  do  Pri- 
meiro Congresso  de  Historia  Nacional,  no  relatório  de  uma 
das  theses  da  quarta  secção. 

A  these  era  ampla :  —  O  Acto  Addicional  —  Reacção, 
Conservadora  —  Bernardo  de  Vasconcellos  —  A  Lei  de  Inter- 
pretação —  O  Golpe  de  Estado  da  Maioridade  —  O  Minisi 
terio  das  Nove  Horas. 

Apezar  disto  foi  explanada  na  sua  integra,  e  com  grandã 
proficiência. 

Salienta  o  auctor  que  a  reforma  da  Constituição  era  idéa 
corrente,  nos  últimos  tempos  do  reinado  de  Pedro  I.  E  o  prín- 
cipe lhe  deu  character  official  com  o  exprobra-la,  na  famosa 


..Coojj^Ic 


636  REVISTA  DO  INSTITUTO  BISTORICO 

proclamação  que  publicou,  quando  fez  a  sua  desastrada  vi^em 
a  Minas  Geraes. 

Também  os  leaders  dos  partidos  nacionaes  alludiam  á 
reforma  na  representação,  que  dirigiram  ao  príncipe,  com- 
binada na  Chácara  da  Floresta  após  os  motins  que  se  deram 
no  mez  de  Março, 

Estava  assim  officialmente  posta  a  questão,  antes  mesmo 
do  7  de  Abril. 

Verificado  o  7  de  Abril,  «  não  tardou  em  apparecer  no 
parlamento  o  propósito  de  se  cumprirem  as  idéas  pregadas 
antes  da  abdicação».  £  o  movimento  inicial  foi  dado  pelo 
deputado  Cesário  Ribeiro,  na  sessão  da  Camará,  de  6  de  Maio 
de  1831,  com  o  projecto  que  apresentou. 

O  auctor  estuda  a  reforma  da  Constituição  desde  este 
momento  até  que  se  promulgou  o  Acto  Addicional. 

£'  um  estudo  minucioso  e  perfeito. 

Foram  pesquizados  todos  os  detalhes  da  elaboração  par- 
lamentar, bem  como  as  causas  sociaes  e  politicas,  que  in- 
fluiram  nesta  elaboração. 

Em  seguida,  o  auctor  se  occupa  da  Lei  de  Interpretação. 

Salienta  que  o  Acto  Addicional  se  mostrou  imprestável 
para  realizar  os  fins  visados  pelos  seus  auctores,  que  pre- 
tendiam harmonizar  a  contrasteação  do  poder  central  com  a 
descentralização  administrativa  das  províncias. 

E  isto,  principalmente,  por  causa  de  uma  disposição  que 
a  elle  se  encorporou,  em  virtude  de  emenda  offer«cida  pelo 
deputado  Paula  Araújo,  na  discussão  do  respectivo  projecto. 

Indispensável  se  tornou,  assim,  a  Lei  de  Interpretação, 

Da. Reacção, Conservadoraíractaotiuctor   d^emoTadamentie. 

Estuda  as  formações  partidárias  desde  o  7  de  Abril,  até 
que,  desapparecendo  o  perigo  da  restauração  de  Pedro  I, 
cessando  desfarte  as  preoccupações  do  nativismo,  chegou  o 
momento  de  uma  grande  e  systematica  organização  conser- 
vadora, expressa  na  Politica  do  Regresso,  cuja  bandeira  foi 
desfraldada  por  Bernardo  de  Vasconcellos . 

Bernardo  de  Vasconcellos  é  a  própria  Reacção  Conser- 
vadora ! 

A  sua  figura  não  tem  par  naquelle  momento  de  nossa 
Historia  politica. 


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ACTAS  637 

E  ainda  se  desmede  sempre  que  Vasconcellos  apparece 
collaborando  na  obra  legislativa  ou  em  qualquer  dos  ramos 
da  administração. 

Armitage  foi  o  primeiro  a  põr  em  destaque  a  figura  de 
Vasconcellos. 

O  barão  do  Rio  Branco  chamou-o  de  —  mestre  do  nosso 
parlamentarismo;  e  Joaquim  Nabuco  de  —  gigante  parlar 
menlar . 

Euclides  da  Cunha,  Xavier  da  Silveira  e,  moderadamente, 
EscragnoUc  EMria,  manifestaram  também  o  seu  enthusiasmo 
pela  figura  do  grande  Brasileiro. 

O  dr.  Aurelino  Leal  confessa,  desde  logo,  a  sua  admi- 
ração por  Vasconcellos,  lastimando  mesmo  que  a  sua  per- 
sonalidade ainda  não  tenha  sido  convenientemente  estudada. 

E  accompanha,  com  encómios,  a  acção  que  Vasconcellos 
desenvolveu . 

O  auctor  discorre  ainda  com  vantagem  sobre  o  Colpe 
de  Estado  da  Maioridade  e  sobre  o  Ministério  das  Nove 
Horas,  apresentando  interessantes  considerações  a  respeito 
destes  acontecimentos. 

O  trabalho,  que  reconimenda  o  sr.  dr,  Aurelino  Leal, 
toma  certo,  como  se  vê,  que  elle  poderá  prestar  reaes  ser- 
viços á  causa  do  Instituto  Histórico. 

A  Commissão  de  Historia  é  de  parecer,  pois,  que  seja 
approvada  a  proposta  de  seu  nome  para  sócio  effectivo. 

Sala  das  Commissões  do  Instituto  Histórico,  aos  17  de 
Abril  de  1915. — Alfredo  Fatíadão,  relator. — Clóvis  Bevi- 
láqua.—  Basílio  de  Magalhães.* 

—  €  A  Commissão  de  Historia  examinou  a  proposta  de 
admissão  do  sr.  dr.  António  de  Barros  Ramalho  Ortigão 
como  sócio  effectivo  do  Instituto. 

O  relatório  official  sobre  uma  das  theses  da  secção  de 
Historia  económica,  do  Congresso  de  Historia,  que  se  reuniu 
nesta  Capital  no  anno  próximo  passado,  é  o  trabalho  com 
que  elle  se  apresenta. 

Intitula-se  este  trabalho  A  Moeda  circulante  do  Brasil  e 
mereceu  franca  approvação  daquelle  Congresso. 

A  Moeda  circulante  do  Brasil  é  de  facto  mais  uma  reve- 


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638  REVISTA  DO  IN3TITUT0  HISTÓRICO 

lação  da  competência,  com  que  o  sr.  Ramalho  Ortigão  cultiva 
os  assumptos  económicos  e  financeiros. 

Em  seu  prefacio  occupa-se  o  auctor  da  natureza  e  func- 
çÕes  da  moeda  e  se  manifesta  acaloradamente  contra  o  ínflac- 
cionismo  que,  no  momento  de  seu  relatório,  se  preparava 
«  para  celebrar  a  mais  estrondosa  victoria  que  tem  conseguido, 
desde  que  se  implantou  no  paiz». 

Allude  o  auctor  ao  projecto  de  emissão  de  papel-moeda, 
que  se  converteu  em  lei  no  anno  extincto. 

E  acconselha :    - 

« Os  homens  públicos  porém,  que,  governando  e  legis- 
lando, contrahem  grandes  responsabilidades  perante  a  Nação 
e  perante  a  Historia,  deveriam  pôr-se  ao  corrente  do  que  tem 
sido,  no  mundo  inteiro,  o  flagello  do  papel-moeda  e  do  curso 
forçado,  si  não  basta  a  lembrança  dos  dias  tristes  e  sombrios 
de  1898,  antes  de  em  definitiva  resolverem  sobre  o  augmento 
dessa  espécie  de  moeda :  porque,  não  obstante  os  ouropéis  e 
as  lentejoulas  de  que  costuma  revistir-se  esse  factor  de  crises 
e  desgraças,  falia  mais  alto  e  transluz  a  verdade  dos  factos 
Decorridos  e  comprovados  em  toda  parte.» 

Em  seguida!,  desenvolve  a  historia  de  nosso  meio  cir- 
culante, desde  a  chegada  de  d.  João  VI,  em  1808,  até  o  anno 
de  I91-1,  no  momento  em  que  a  politica  enveredava  decisi- 
vamente para  um  grande  inflacionismo. 

Nada  de  interessante  lhe  escapou  nas  suas  investigações 
sobre  aquelle  assumpto. 

E  o  facto  histórico  é  sempre  apreciado  com  lucidez  e 
pleno  conhecimento  da  matéria. 

A  Commíssão  de  Historia  entende,  pois,  que  o  sr,  An- 
tónio de  Barros  Ramalho  Ortigão  está  em  condições  de 
prestar  reaes  serviços  á  causa  do  Instituto,  pelo  que  deve  ser 
inscripto  entre  os  sócios  effectivos. 

Sala  das  Commissões  do  Instituto  Histórico,  aos  17  de 
Abril  de  1915. — Alfredo  Valladão,  relator. — Clóvis  Bevi- 
láqua. —  Basílio  de  Magalhães.» 

Os  pareceres  são  approvados  por  imanimidade  e  as 
propostas  enviadas  á  Commissão  de  Admissão  de  Sócios, 


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ACTAS  639 

3endo  relatores:  —  da  1',  o  sr.  dr.  Miguel  Joaquim  Ribeiro 
de  Carvalho  e  da  2',  o  sr.  dr.  António  Olyntho. 

O  Sr.  2"  Secretario  lè  depois  os  s^uintes  pareceres, 
também  da  Commissão  de  Historia : 

€  A  Politica  brasileira  no  Prata  até  á  guerra  contra  Rosas 
é  uma  excellente  contribuição  para  a  Historia  politico-inter- 
nacional  do  nosso  paiz,  no  periodo  em  que  elle  se  procurava 
organizar  e  assentar  as  bases  do  seu  destino  ainda  indeciso 
e  obscuro.  O  auctor  penetrou,  com  animo  desprevenido,  nesse 
labyrintho  de  marchas  e  contra  marchas,  em  que  o  inconsciente 
da  Historia  ludibriou  dos  exforços  mais  habilmente  com- 
binados. Conhecedor  do  Direito  internacional,  que  tem  pro- 
fessado com  applausos  geraes,  o  dr.  Pinto  da  Rocha  pôde 
dar  aos  acontecimentos  estudados  a  sua  interpretação  moral, 
histórica  e  jurídica.  Andámos  por  séculos  luctando,  para 
incorporar  ao  organismo  brasileiro  a  nesga  de  terra,  onde 
hoje  floresce  a  próspera  Republica  do  Uruguai.  Nas  vicis- 
situdes dessa  empresa,  herdada  dos  tempos  coloniaes,  a.  acti- 
vidade militar  do  Brasil -impe  rio  não  teve  fortes  motivos  para 
desvanecimentos.  Mas  a  actividade  diplomática,  tenaz,  con- 
tinua, intelligentemente  dirigida,  com  surtos  de  extraordinária 
clarividência,  poude  dar  relevo  á  nossa  politica  interven- 
cionista, que  aliás  era  a  dominante  em  toda  parte ;  e,  apezar 
de  alguns  deliquios  funestos,  influiu  consideravelmente  na 
consolidação  das  nacionalidades,  que  se  formaram  na  bacia 
do  Prata.  Esta  synthese  resalta,  nitida  e  luminosa,  da  erudita  . 
dissertação  do  dr.  Pinto  da  Rocha,  que  accompanha  pacien- 
temente através  de  luctas  e  desasos,  de  movimentos  gene- 
rosos e  arremettidas  inúteis,  a  curva  complicada  dos  aconte- 
cimentos da  Politica,  do  conflicto  das  ambições,  desde  a 
fundação  da  Colónia  do  Sacramento  até  á  queda  do  célebre 
caudilho  platino,  tão  diversamente  apreciado  por  escriptores 
do  seu  paiz  e  do  extrangeiro. 

Em  alguns  juízos  parciaes  sobre  pessoas  e  sobre  factos 
poderemos  delle  divergir,  mas  as  linhas  de  conjuncto  e  a  con- 
clusão, que  põe  natural  remate  á  obra,  nos  parecem  traçadas 
com  felicidade  e  seguro  critério, 

Hoje,  que  já  nos  é  permittido  olhar  para  o  desenredar 
dos  acontecimentos  com  exempção  de  espirito,  que  as  rívali* 

lyCOOglC 


640  REVISTA  DO  INStrrUTO  HISTÓRICO 

dades  se  diluíram  e  apagaram,  afogadas  na  luz  da  oimpre- 
hensão  das  próprias  necessidades  e  dos  destinos  de  cada  um 
dos  povos  em  contacto  neste  bello  trecho  da  America,  todos 
os  Brasileiros  devem  ter  uma  grande  satisfacção  em  reco- 
nhecer que,  si  a  Cisplatina  rompeu  os  laços  da  nossa  obe- 
diência, si  o  rtçime  do  cavalheresco  protectorado  foi  antes 
causa  de  recíprocos  dissabores  do  que  de  benefícios  mútuos, 
esses  contactos  permíttiram  que  um  sedimento  de  sympathias 
consolidasse  entre  os  dous  povos  uma  forte  amizade,  que  se 
traduziu  nesses  dous  bellos  gestos:  a  communhão  das  aguas 
da  lagoa  Mirim,  com  a  rectificação  das  fronteiras  pelo 
tkalzveg  dos  cursos  d'agua ;  e  a  denominação  Rio  Branco  dada 
a  um  navio  da  Marinha  de  guerra  da  Republica  vizinha. 

A  Diplomacia  brasileira,  no  Rio  da  Prata,  não  podia  ter 
preparado  e  colhido  mais  bellos  fructos. 

A  monographia  do  dr.  Pinto  da  Rocha  orna-se  com 
duas  virtudes  de  alto  valor:  tem  o  sentimento  da  Historia, 
isto  é,  traduz  o  sentimento  geral,  que  as  massas  experimentam 
sem  poder  definir,  e  sobrenada,  na  poeira  informe  dos  factos, 
como  nebulosa  esparsa,  de  onde  surgirão  mundos,  —  e  indica 
a  direcção,  que  a  Politica  imprimiu  ou  parece  ter  impresso  ás 
energias  sociaes,  vencendo  diffículdades  creadas  pela  con- 
fusão de  documentos,  que  ainda  não  soffreram  o  desbas- 
tamento  depurador  da  Critica,  nem  foram  siquer  methodica- 
mente  classificados  para  o  aproveitamento  da  Historia.  E' 
portanto,  um  trabalho  de  grande  merecimento,  como  apre- 
ciação geral,  synthese  histórica  e  comprehensão  da  marcha  e 
do  rythmo  dos  acontecimentos. 

Rio  de  Janeiro,  29  de  Março  de  1915. — Clóvis  Bevi- 
láqua, relator. —  Viveiros  de  Castro. —  Basílio  de  Magalhães.> 
—  cE'  a  proposta  do  dr,  Alfredo  Pinto  Vieira  de  Mello 
para  sócio  do  Instituto  Histórico  e  Geographico  Brasileiro 
accompanhada  da  monographia  —  O  Poder  judiciário  do 
Brasil  (1532  a  1871),  Esse  estudo  contém  uma  synthese  his- 
tórica, ou,  mais  precisamente  (tal  é  a  concisão  com  que  se 
expõe  cada  um  dos  períodos  mais  notáveis  da  evolução  do 
nosso  Poder  judiciário),  uma  descripção  quasi  eschematica  da 
judicatura  no  Brasil  durante  o  longo  espaço  de  tempo  de  quasi 
trez  séculos  e  meio.  Desde  os  primórdios  da  nossa  organização 

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ICtAS  54! 

judiciaria  em  i53^,*epocha  em  que  aos  donatários  das  capi- 
tanias foi  concedida  nos  foraes  de  doação  a  alçada,  sem  a^pel- 
laçào  nem  aggravo,  em  causas  crimes,  até  morte  natural  para 
os  peões,  escravos  e  gentios,  e  até  dez  annos  de  d^redo  e 
cem  cruzados  de  pena  para  as  pessoas  de  qualidade  e  nas 
causas  eiveis,  com  appellação  e  aggravo,  somente  quando  exce- 
dessem cem  mil  réis;  dando  noticia  em  seguida  da  creação 
dos  ouvidores  e  provedores  em  1549,  da  Relação  da  Bahia 
com  a  denominação  de  Relação  do  Brasil,  em  1606,  e  da  do 
Rio  de  Janeiro,  em  1751,  das  successivas  creações  dos  juizes 
privativos  do  crime  nesta  cidade,  juizes  de  fora,  ouvidores, 
corregedores  e  juizes  ordinários  nas  villas  do  interior,  até  ás 
grandes  instituições  judiciarias  que  promulgámos  depois  da 
Independência  do  Brasil,  o  Código  do  Processo  Criminal  de 
1632,  que  veio  logo  depois  do  Código  Penal  de  1830,  a  lei  de 
3  de  Dezembro  de  1S41,  que  parece  ter  sido  imposta  pelas 
circunstancias  do  momento  histórico,  e  até  á  liberal  reforma 
feita  pelos  conser\adores  por  meio  da  lei  de  20  de  Septembro 
de  1871 ;  o  dr.  Alfredo  Pinto  faz  uma  perfeita  resenha  do 
que  tem  sido  a  nossa  organização  judiciaria  em  todo  esse 
vasto  decurso  de  tempo.  De  incontestável  utilidade  é  essa 
synopse  histórica  do  Poder  judiciário  no  Brasil  para  a  ins- 
trucção  dos  que  querem  aprender,  e  para  a  recordação  dos 
que  já  aprenderam .  Não  tivesse  o  dr.  Alfredo  Pinto  revelado 
antes  a  acurada  cultura  do  seu  espirito  e  a  sua  vigorosa  iotel- 
ligcncia  nos  cargos  de  deputado  federal  e  chefe  de  policia 
desta  cidade,  e  o  seu  excellente  trabalho,  de  que  tão  rapida- 
mente nos  é  dado  occupar-nos  neste  instante,  seria  sufficiente 
para  justificar  a  eleição  do  illustre  compatriota  para  o  logar 
de  sócio  correspondente  do  Instituto  Histórico  e  Geographico 
Brasileiro.  Rio  de  Janeiro,  6  de  Janeiro  de  1915. — Pedro 
Lessa,  relator.  —  Viveiros  de  Castra.  —  Alfredo  Valladão.  > 
— «  Mestre  na  scieiícia  que  professa,  admirado  e  esti- 
mado em  todo  o  paiz  e  no  extrangeiro,  eximio  poeta,  histo- 
riador consummado,  apaixonado  cultor  da  lingua  portugueza, 
fino  causeur.  o  professor  dr.  António  Fernandes  Figueira  é 
actualmente  um  dos  mais  auctorizados  exix>entes  da  intelle- 
ctualidade  brasileira. 


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642  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Producto  de  seus  próprios  exforços,  tem  subido,  con- 
fiando exclusivamente  no  seu  real  merecimento,  e  se  afas- 
tando systematicamente  dessas  egrejinhas  litterarias  ou 
scientificas,  que  entre  nós  cream  celebridades  pelos  mesmos 
processos  com  que  as  empresas  de  publicidade  lançam  no 
mercado  um  novo  producto  industrial. 

Innumeros  e  irrecuzaveis  são  os  testimunhos  do  seu  alto 
valor  como  medico. 

A  sua  obra  sobre  medicina  infantil  (approvada  unani- 
memente pela  Faculdade  de  Medicina  do  Rio  de  Janeiro  e 
premiada  pelo  Congresso  Nacional)  foi  publicada  em  francez 
com  um  prefacio  do  professor  Hutenel ;  foi  traduzida  para  o 
italiano  e  adoptada  na  Itália,  alta  distincçÈto  ainda  não  con- 
ferida a  nenhum  outro  medico  brasileiro;  e  tem  recebido  os 
maiores  elogios  dos  principaes  especialistas  da  Europa  e  da 
America . 

E'  director  da  Polyclinica  de  Crianças  (fundada  pelo 
nosso  eminente  consócio  honorário  dr.  José  Carlos  Rodri- 
gues), tendo  sido  indicado  para  cargo  de  tanta  responsabi- 
lidade pelo  professor  Hutenel.  a  quem  o  referido  fundador 
da  Polyclinica  havia  pedido  a  indicação  de  um  especialista 
francez  para   dirigir  o  estabelecimento. 

Já  foi  presidente  da  Academia  Nacional  de  Medicina,  em 
cujo  cargo  publicou  o  livro  de  Bibliographia  medica  brasi- 
leira, ao  qual  já  tive  occasião  de  me  referir,  no  parecer  sobre 
outro  medico  illustre,  o  professor  dr.  Juliano  Moreira. 

E-  pediatra  do  Hospital  Nacional  de  Alienados  e  presi- 
dente perpetuo  da  Sociedade  Brasileira  de  Pediatria. 

Tendo  comparecido  espontaneamente,  sem  a  min  ima 
representação  official,  ao  Congresso  Internacional  de  Pe- 
diatria de  Pariz  (em  1912)  presidiu  a  uma  das  sessões,  honra 
que  foi  conferida  somente  a  1 1  dentre  os  280  especialistas  do 
mundo  inteiro  alli  reunidos. 

O  professor  Meyer  of fereceu-lhe  um  banquete  em  Berlim, 
recebendo  elle  em  Pariz  idêntica  gentileza,  promovida  pelos 
professores  Hutenel,  Nobecourt,  Lesage  e  outros. 

E'  auctor  de  grande  numero  de  monographias  medicas, 
justamente  apreciadas  pelos  competentes  e  avidamente  pro- 


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&CTAS  643 

curadas  pelos  que  têm  necessidade  de  estudar  os  respectivos 
assumptos. 

Poeta  muito  estimado,  sob  os  pseudonymos  de  Alcides 
Plavio  e  Genuino  Rocha,  o  dr.  Fernandes  Figueira  se  afasta 
do  lyrismo-erotico,  que  é  a  nota  predominante  na  Poesia  bra- 
sileira ;  o  seu  estro  ora  vibra  indignado  contra  as  desigual- 
dades sociaes,  ora  se  approxima  do  symbolismo,  <  lembra 
Ibsen»  na  phrase  do  nosso  illustre  consócio  dr.  Basilío  de 
Magalhães,  conceito  que  eu  registo  sem  commentar,  por- 
que confesso  (lue  a  minha  alma  fundamentalmente  latina 
tem  um  instinctivo  terror  pelos  nevoeiros  escandinavos. 

Para  testimunhar  o  alto  valor  do  dr.  Fernandes  Figueira 
como  poeta  bastará  yanscrever  a  seguinte  jóia  litteraria  — 
A  Virgem  da  Miséria: 

Coscumsm  perecer  no  catre  do  botpiui... 


Que  M 

onlarim  a  fotne,  a  enlermidaije,  o  mal. 

E  etiqua 
Atirando 
Não  lhe 

tita  que  ellas  vão  do  sólio  da  r.qucia 
o  desdém   ás   rilhas   da  nobreça, 

Nu».    At 
Si   nio 

■ada   aqui   a   virgem    da  miséria, 
goia    d>    tumba    a    placidei    lunerea. 

Como  carta  credencial  para  justificar  a  sua  entrada  neste 
Instituto,  o  professor  dr.  Fernandes  Figueira  apresenta  a 
excellente  « Memoria »  «O  Padre  António  Vieira »,  com 
que  enriqueceu  os  «  Annaes  »  do  Primeiro  Congresso  de  His- 
to(Ía  Nacional. 

Não  era  tarefa  pouco  trabalhosa  escrever  sobre  o  ce- 
lebre jesuíta,  não  somente  porque  a  sua  individualidade 
enche  largo  período  da  nossa  Historia  colonial,  como  também 
porque  sobre  Vieira  havia  escripto  um  historiador  do  valor 
de  João  Francisco  Lisboa,  considerado  o  melhor  dos  seus 
biographos . 

Limitando  o  seu  estudo  a  uma  das  phases  da  vida  do 
padre  António  Vieira  —  como  superior  das  MissSes  Pará- 

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644  REVISTA  DO  INSTrrlJTO  HISTÓRICO 

Maranhão-» justamente  para  melhor  aprofundar  esse  es- 
tudo, o  dr,  Fernandes  Figueira  deu  cabal  desempenho  á 
tarefa  que  emprehendeu :  pela  linguagem  castiça,  riqueza  da 
documentação,  justiça  dos  juizos  e  elevação  dos  a>nceitos, 
a  sua  <  Memoria  >  pôde  emular  com  o  trabalho  do  notável 
publicista  maranhense. 

Não  seria  possível,  no  reduzido  espaço  de  um  parecer 
sobre  admissão  de  sócio,  analysar  desenvolvidamente  tão  im- 
portante trabalho ;  percorrerei   de  relance  as  suas  paginas : 

Começa  a  «  Memoria  »  accentuando  que,  quando  o  padre 
António  Vieira  chegou  ao  Maranhão  cm  Janeiro  de  1653, 
jà  firmara  a  sua  reputação  como  diplomata,  theologo,  orador 
e  estadista ;  e  traeia  amadurecido  o  seu  plano  de  defesa  da 
liberdade  dos  indíos,  plano  cujo  inicio  foi  a  provisão  -de  29 
de  Maio  de  1649,  dando  salário  obrigatório  ao  serviço  dos 
índios  e  concedendo-lhes  a  faculdade  de  se  ausentarem  das 
lavouras  de  canna  e  de  tabaco. 

Descreve  o  abandono  em  que  ficaram  as  Missões,  depois 
da  catastrophe  do  Itapicurú;  e  a  atmosphera  hostil  que  havia 
na  colónia  contra  a  obra  humanitária  do  grande  jesuita, 
animosidade  que  se  exteriorizou  no  motim  de  31  de  Janeiro, 
apezar  do  espirito  conciliador  que  elte  manifestara,  empe- 
nhando-se  sinceramente  em  afastar  motivos  de  controvérsias. 

Uma  questão  de  amor  próprio  (que  faz  lembrar  o 
hyssopo  que  tão  espantosa  guerra  suscitou  na  Sé  de  Elvas), 
indispoz  contra  os  jesuítas  o  animo  do  capitão-mór  Bal- 
thazar  de  Sousa:  foi  o  caso  que  o  padre  Matheus  Delgado, 
antes  de  iniciar  um  sermão,  lhe  não  pediu  a  vénia  devida, 
persuadido  que  similhante  honraria  somente  fosse  cabivel 
aos  capitães-móres  e  governadores  na  vigência  do  cargo  de 
vice-reis  t 

A  habilidade  diplomática  de  Vieira  acalmou  momenta- 
neamente a  tempestade ;  mas  « o  mar  de  leite  occultava  a 
calmaria.  A  exaltação  cessou,  foi  celebrada  a  paz,  e  contudo 
nem  trégua  lhe  poderíamos  chamar.  A  lucta  pequena,  dis- 
simulada, traduzida  em  picuinlias  e  traições,  essa  verdadei- 
ramente não  teve  interrupção.  Affrontou-a  Vieira,  e  somente 
obteve  a  derrota.  Não  lhe  valeu  a  dedicação  á  causa  da 
caridade,  a  tentativa  de  erguer  um  hospital,  o  que  não  po- 


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ACTAS  64S 

dendo  levar  a  effeho  a  Irmandade  da  Misericórdia,  para 
clle  entranhadamente  concorreu  o  jesuíta,  até  o  seu  leito 
offerecendo  aos  enfermos,  em  troca  de  uma  esteira  em  que 
passou  a  dormir.  NSo  lhe  valeu  pregar  constantemente  nas 
egreJBs  matriz  e  do  collegío,  dirigir  procissões,  ensinar  as 
crianças  e  os  Índios,  dispender  nas  Missões  o  cabedal  das 
suas  economias  e  dos  honorários  de  pregador  d'el-rei.  Fo- 
ram inexoráveis  os  interesses  subalternos  dos  colonos». 

Com  a  elegante  concisão  de  um  mestre  que  conhece  pro- 
fundamente o  assumpto  sobre  o  qual  discorre,  o  dr.  Fer- 
nandes Figueira  narra  todos  os  episódios  desta  lucta  titânica, 
que  o  abnegado  jesuita  travou  pela  liberdade  dos  Jndíos 
contra  a  sórdida  ganância  dos  maioraes  da  colónia  e  contra 
a  cobi<;a  dos  governadores,  mais  ne^ciantes  do  que  admi- 
nistradores, e  tendo  contra  si  a  rivalidade  das  outras  ordens 
religiosas,  que  lhe  não  perdoavam  os  seus  triumphos  ora- 
tórios, os  quaes  tanto  augmentavam  o  prest^o  da  Companhia 
de  Jesus. 

Embora  vencido  na  lucta,  Vieira  saiu  engrandecido,  re- 
velou qualidades  admiráveis  de  luctador,  empregou  todos  os 
recursos  do  seu  privilegiado  talento,  e  impoz  o  seu  nome  á 
admiração  dos  que  estudam  a  nossa  Historia  sem  preoc- 
cupaç5es  sectárias,  fazendo  justiça  aos  indefessos  propugna- 
dorçs  da  civilização  e  do  progresso  no  período  colonial. 

Si  a  caridade  e  a  abnegação  evangélica  do  padre  An- 
tónio ^'ieira  não  resaltasgem  de  todos  os  seus  actos  como 
superior  das  Missões  do  Maranhão,  bastaria  para  compro- 
va-las essa  admirável  excursão  que  elle,  para  apaziguar  os 
Nhengaibas  e  Tabajaras,  emprehendeu  á  serra  do  Ibiapaba, 
«  fazendo  aquelle  enorme  percurso  a  pé,  não  raro  descalço, 
pisando  alagados,  cntanguido  de  frio  pelas  aguas  das  pro- 
cellas  > . 

Pagina  admirável,  em  tudo  digna  dos  fastos  da  Egreja. 

Enquanto  os  governadores,  exquecidos  da  missão  que 
cl-rei  lhes  confiara,  se  entregavam  inteiramente,  salvo  hon- 
rosas excepções,  á  avidez  do  lucro;  e  os  colonos,  certos 
da  impunidade,  sacrificavam  os  índios  in^iedosamente,  o 
abnegado  jesuila,  o  pregador  de  el-rei,  o  diplomata  eminente, 

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É46  REVISTA  DO  IKeTITCTO  HISTÓRICO 

O  theoio^  consummado,  trocava  as  commodidãdes  da  vida 
relativamente  fácil  em  uma  capital  colonial  pelas  agruras  dos 
Ínvios  sertões,  e  descalço,  como  o  mais  obscuro  peão,  ia, 
pescador  das  almas,  converter  os  selvagens,  prestando  ao 
mesmo  tempo  ao  progresso  do  Brasil  o  relevante  serviço  de 
tomar  franco  e  s^uro  o  caminho  do  Maranhão  ao  Ceará. 

Em  synthese  admirável,  assim  resumiu  o  dr.  Fernandes 
Figueira  a  vida  tão  cheia  do  padre  António  Vieira: 

«  A  poucas  vidas  se  poderia  applicar  mais  á  justa  do  que 
á  de  Vieira  o  tutto  ei  provo  da  ode  de  Manzoni  a  Napoleão. 

Quando  no  tumulto  da  restauração  chega  a  Lisboa,  um 
ei^no  quasi  lhe  destróe  a  existência. 

Peregrinou  em  a  Bahia  por  entre  as  devastações  da 
febre  amarella  e  tremeu  entanguido  nos  calafrios  ferozes  da 
malária  do  Amazonas. 

A  mão  amistosa  apertou  a  reis  e  a  chancelleres  e  ex- 
plicou o  catechismo  aos  selvagens  do  Brasil. 

Em  Roma  pregou  em  italiano  no  meio  de  applausos  dos 
luminares  da  Egreja,  e  apodou-o  o  povo  do  Maranhão  quando 
proferiu  o  sermão  de  Sancto  António. 

Conheceu  o  poderio  sob  d.  João  IV,  o  quasi-olvido  com 
a  rainha-regente,  o  exilio  e  a  prisão  quando  reinava  Af- 
fonso  VI. 

Julgou-se  o  salvador  de  Portugal  ao  acconselhar  a  guerra 
defensiva  na  campanha  a  Castella,  e  os  colonos  do  Maranhão 
o  accusaram  de  traidor  vendido  á  Hollanda. 


Viu  de  perto  a  acclamação  e  a  chufa,  o  vozerio  que 
condemna  e  o  grito  que  eieva ;  tentou  edificar  o  Quinto  Im- 
pério em  terras  do  Brasil,  e  lhe  assacaram  a  pecha  de  enca- 
recer o  abandono  de  Pernambuco;  dedicou  a  intellígencia  á 
gloria  da  Fé,  e  a  Inquisição  intimou-o  a  retratar-se  e  não 
mais  escrever  ou  pregar;  a  roupeta  de  jesuíta  illuminou-se 
á  irradiação  dos  seus  talentos,  e  a  Companhia  determinou 
expulsa-lo  de  seu  grémio. 

Abatido  e  exaltado,  remontando  e  caindo,  percorreu  a 
linha  ascensional  de  uma  cordilheira;  descer  para  subir  de 
novo,  até  o  ponto  mais  alto,  o  do  grande  repouso.» 

Não  menos  admirável  é  a  synlhese  da  sua  apreciação 


.  Coojj^Ic 


ACTAS  647 

sobre  a  catechese  dos  jesuítas,  tão  malsinada  nestes  tempos 
de  of  f  jciãlização  e  laicalismo : 

<  O  resultado  máximo  das  Missões  decorreu  sempre  do 
conhecimento  perfeito,  por  parte  dos  padres,  da  lingua  dos 
aborigenes. 

Esse  era  o  precioso  segredo,  ajudado  em  sua  acção 
magica  pela  brandura  da  catechese  e  a  ausência  de  elementos 
civis  conquistadores,  para  que  os  selv^ens  se  conservassem 
por. longo  prazo  ao  lado  da  civilização. 

Certo  não  a  poderiam  assimilar  em  curtas  dezenas  de 
annos,  mas  o  trabalho  lento  se  iria  fatalmente  processando.) 

Um  historiador  insuspeito  como  Oliveira  Martins  aponta 
as  aldeias  christianizadas  como  aquellas  em  que  havia  mais 
ordem  e  mais  doçura.  £  alhures  pondera,  justificando  os 
jesuitas  de  militarem  pelo  temporal  das  Missões:  <  As  duas 
Missões  eram  inseparáveis;  e  nisto  demonstravam  os  padres, 
como  em  tudo,  um  conhecimento  da  alma  humana,  nunca 
excedido,  nem  antes,  nem  depois.  A  prova  é  que  as  aldeias 
se  despovoaram,  que  os  índios  regressaram  á  vida  selvagem, 
fugindo  de  novo  para  o  sertão,  quando  em  1768  os  seus  pa- 
dres... foram  expulsos  do  Brasil».  De  onde  se  conclue 
que,  retirados  os  missionários,  ninguém  mais  os  substituiu 
idónea  mente . » 

A  <  Memoria  »  do  dr.  António  Fernandes  Figueira  é  c^ra 
de  mestre,  que  por  si  só  bastaria  para  lhe  assegurar  um 
logar  neste  Instituto,  par  droit  de  conquêle,  mesmo  que  se 
tractasse  de  auctor  desconhecido,  e  não  de  tão  egrégio  com- 
patriota . 

Admittindo-o  nas  nossas  fileiras,  faremos  justiça  ao  seu 
mérito  e  prestaremos  assignalado  serviço  á  Historia  pátria, 
porque  c  de  esperar  que  no  ambiente  desta  Casa,  que  eu  já 
tive  occastão  de  chamar  «  sacrário  augusto  das  gloriosas  tra- 
dições da  nossa  Historia»,  se  torne  ainda  mais  vivo  o  amor 
do  dr.  Fernandes  Figueira  pelos  estudos  históricos,  prestan- 
do-nos  a  efficaz  collaboração  que  temos  o  direito  de  esperar 
de  um  consócio  tão  operoso  e  competente. 

Sala  das  Commissões  do  Instituto  Histórico  e  Geogra- 
phico  Brasileiro,  12  de  Abril  de  1915.  — Viveiros  de  Castro, 
relator.  —  Clóvis   Beviláqua.  —  Alfredo    Valladão . 

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648  REV13TA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Os  pareceres  são  approvados  unanimemeate  e  as  pro- 
postas enviadas  à  Comniissão  de  Admissão  de  Sócios,  sendo 
relatores:  da  i»,  o  sr.  dr.  Manuel  Cicero,  da  2»,  o  sr.  dr,  An- 
tónio Olyntho,  da  3',  o  sr.  dr,  Ramiz  Galvão. 

O  Sr.  Secretario  Perpetuo  lê  a  seguinte  proposta, 
que  é  approvada  unanimemente : 

—  €  Completando  a  17  de  Fevereiro  de  1916  o  centenário 
do  nascimento  de  Francisco  Adolfo  de  Vamhagen,  depois 
visconde  de  Porto  Seguro,  nome  que  pertence  á  nossa  His- 
toria por  ser  principalmente  o  de  um  de  seus  maiores  cul- 
tores, propomos  que  o  Instituto  Histórico  Brasileiro  celebre 
nesse  dia  uma  sessão  especial  em  fiomenagem  a  esta  data,  e 
que  o  Instituto  convide  o  eminente  consócio  sr,  dr.  Pedro 
Augusto  Carneiro  Lessa  para  escrever  um  trabalho  sobre 
a  individualidade  do  egrégio  Brasileiro,  trabalho  esse  que 
lerá  no  todo  ou  em  parte  na  referida  sessão  especial,  sendo 
depois  publicado  na  íntegra  na  c  Revista  »  com  um  retrato  do 
célebre  historiador. 

Sala  das  Sessões,  20  de  Abril  de  1915. — Pleiuss. —  Ro- 
quetie  Pinto.* 

E'  lida  pelo  Sr.  2»  SechEtario  a  seguinte  proposta  :> — 
€  Temos  a  honra  de  propor  para  sócio  do  Instituto  Histórico 
e  Geographico   Brasileiro  a   sr,    professor  José  Cervans   y 
Rodriguez',  natural  do  Porto,  sócio  da  Academia  de  Sciencias 
de  Portugal,  sócio  correspondente  da  Sociedade  de  Geographia 
de   Lisboa,   académico    da   Real    Academia   Galega-Coruna- 
Espaiia,  sócio  honorário  do  Instituto  de  Coimbra,  sócio  ho- 
norário do  Real  Instituto  de  Lisboa,  membro  do  Consultório 
dos  Jogos  Floraes  Euskaros  de  San  Sebastian,  sócio  de  mé- 
rito e  honra  da  Real  Sociedade  Económica  de  Granada,  sócio 
honorário  da   Societá  Literária   Luigi  Camone,  sócio  hono- 
io  do  Circolo  Partenopeo  Giambattista   VÍco,   sócio  cor- 
pondente  da  Academia  dei  Lincei  de  Torino,  honorário  da 
ademia   de  Escriptores  y   Artistas  de  Madrid,  honorário 
Associação  .^rtistico-.^rcheologica  de  Barcelona,  honorário 
Associação  de   Buenas   Letras,   de   Barcelona,   commen- 
lor  das  ordens:  Militar  de  N.   S.   da  Conceição  de  ViUa 
;o3a,  Civil  e  Litteraria  de  Af fonso  XII ;  of f icial  das  Or- 
is:  do  Mérito  Litterario  e  Scientifico  de  S.  Tiago,  da 


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ACTAS  649 

Academia  Franceza,  da  Ordem  de  Inslrucçao  Publica,  da 
Ordem' de  Carlos  III;  medalhas  de  ouro  das:  Cruz  Ver- 
melha Hispanhola,  Cruz  Vermelha  de  Portugal,  Sociedade 
de  Soccorros  e  Náufragos. 

Servem  de  base  a  esta  proposta  as  varias  obras,  que  o 
auctor  offereceu  ao  Instituto  Histórico. 

Rio  de  Janeiro,  20  de  Abril  de  1914.  — Dr.  Alfredo  Nas- 
cimento.—  Fleiuss.  —  Sebastião  de  Vasconcelhs  Gaivão.> 

Vai  á  Commissão  de  Historia;  relator  o  sr.  dr.  Clóvis 
Beviláqua. 

O  Sr.  Presidente  diz  que,  nada  mais  havendo  a  tractar, 
agradece  o  comparecimeato  de  todos  e  levanta  a  sessão. 

O  sr.   dr.    Silvio  Romero  Filho  representou  o  sr.   dr. 
Isauro  Muller,  ministro  das  Relações  Exteriores, 

£ncerra-sc  a  sessão  ás  22  i|2  horas. 

RoQuETTE  Pinto, 


SEGUNDA  SESSÃO  ORDINÁRIA,  EM  3I  DE  MAIO  DE  I915 

Presidência  do  sr.  dr.  Manuel  Cicero  Peregrino  da  Silva 
(/°  vice-presidente) 

A's  20  e  meia  horas,  na  sede  social,  abre-se  a  sessão  com 
a  presença  dos  seguintes  sócios: 

Dr.  Manuel  Cícero,  desembargador  António  Ferreira  de 
Sousa  Pitanga,  dr.  Benjamin  Franklin  Ramiz  Galvão,  Max 
Fleiuss,  dr.  Pedro  Souto  Maior,  general  dr.  Gregório  Thau- 
maturgo  de  Azevedo,  almirante  António  Coutinho  Gomes  Pe- 
reira, conselheiro  Salvador  Pires  de  Can-alho  e  Albuquerque, 
coronel  Jesuino  da  Silva  Mello  e  dr.  João  Coelho  Gomes  Ri- 
beiro. 

O  Sb.  Dr.  Manuéi.  Cícero  (/"  vice-presidente,  servindo 
'de  presidente)  diz  que  por  motivo  de  força  maior  não  pôde 
comparecer  o  egrégio  presidente  do  Instituto,  sr.  conde  de 
Affonso  Celso. 


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650  REVISTA  DO  INSTITUTO  HIBTOIUCO 

O  Sr.  FlEIUSs  {secretario  perpetuo)  lê  a  acta  da  sessão 
anterior,  a  qual  é  approvada  sem  discussão.  Conununica  de- 
pois o  mesmo  secretario  que  o  sr.  Roquette  Pinto  não  compa- 
receu á  sessão  por  justo  motivo. 

O  Sr.  Presidente  communíca  ao  Instituto  o  fallecimento 
em  Lisboa  do  consócio  dr.  Vicente  Ferrer  de  Barros  Wan- 
derley  Araújo  e  declara  que  na  acta  da  sessão  será  lançado, 
por  esse  motivo,  um  voto  de  profundo  pezar. 

O  Sr.  General  Thaumaturco  de  Azevedo  pede  também 
ao  Instituto  que  seja  lançado  na  acta  da  sessão  outro  voto 
de  pezar  pelo  fallecimento  do  consócio  dr.  Luiz  Rodolfo 
Cavalcanti  de  Albuquerque. 

O  Sr.  Secretario  Perpetuo  diz  que  o  Instituto  se  fez  re- 
presentar no  enterro  e  nos  suffragios  mandados  celebrar  pela 
alma  do  digno  consócio. 

O  Sr.  General  Thaumaturco  de  Azevedo  diz  que  a 
Commissão  do  Instituto  incumbida  de  apresentar  os  cumpri- 
mentos ao  sr.  coronel  Rondon  em  seu  regresso  ao  Rio  cumpriu 
o  seu  dever. 

O  Sr.  FlEiuss  {secretario  perpetuo),  communicando 
dever  ch^ar  proximamente  a  esta  cidade  de  regresso  de  sua 
viagem  ás  Republicas  do  Uruguai,  Argentina  e  Chile  o 
illustre  consócio  honorário  sr.  dr.  Lauro  Muller,  requer  que, 
a  exemplo  dos  precedentes,  seja  nomeada  uma  commissão  que 
o  saúde  em  nome  do  Instituto.  Esta  proposta  é  unanimemente 
approvada,  nomeando  em  seguida  o  Sr.  Presidente  para  a 
commissão  requeritTa  os  srs.  dr.  general  Thaumaturgo,  co- 
ronel Jesuino  de  Mello,  commandante  Raul  Tavares,  dr.  Pedro 
Souto  Maior  e  Max  Fleiuss. 

O  Sr.  Secretario  Perpetuo  diz  mais  que  todos  os  pare- 
ceres das  commissões  estão  correndo  os  respectivos  tramites. 

Communica  depois  achar-se  na  casa  o  sócio  correspon- 
dente sr.  dr.  Nicoláo  José  Debbané,  que,  tendo  cumprido  o 
disposto  no  art.  20  dos  Estatutos,  vem  tomar  posse;  requer 
l}or  isso  a  nomeação  de  uma  commissão  para  introduzi-lo  no 
recinlo. 

O  Sk.  Presidente  nomêa  para  esse  fim  os  srs.  Fleiuss, 
Souto  Maior  e  João  Coelho  Gomes  Ribeiro. 


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ACTAS  651 

Dá  entrada  no  recinto  e  presta  o  compromisso  dos  Esta- 
tutos o  Sr,  Dh.  Nicoláo  José  DEbbané,  que  em  seguida  pro- 
fere o  seguinte  discurso : 

«Exmo.  Sr,  presidente.  Meus  senhores  —  E'  muito  dif- 
ficil  para  mim  expôr-vos  com  precisão  os  sentimentos  com- 
plexos que  me  movem  neste  instante:  reconhecimento  pela 
honrosa  distincção  que  vos  dignastes  conferir-me,  elegendo- 
me  vosso  sócio  correspondente,  gratidão  pelo  alento  que  a 
vossa  escolha  dá  aos  meus  exforços  no  extrangeiro  em  prol 
do  nosso  paiz  e  pelo  auxilio  que  o  facto  de  pertencer  á  vossa 
illustre  sociedade  prestar-me-ha  no  cumprimento  da  minha 
tarefa,  sentimentos  em  mim  junctos  a  esta  commoção  indescri- 
ptivel,  que  sacode  o  coração  do  desterrado  ao  vèr  a  pátria; 
que  agita  a  alma  daquelle  que  viveu  annos  e  annos  em  terras 
distantes,  quando  volta  aos  seus;  todos  estes  diversos  senti- 
mentos, impregnados  da  indizível  impressão  de  socego  e  de 
quietação  que  experimentamos,  quando  estamos  em  nossa  casa 
e  no  seio  da  nossa  familia,  após  uma  longa  ausência. 

Para  explicar-vos  o  que  sinto,  deverei  analysar  o  raro 
phenomeno  psycholi^co:  o  da  dissociação  da  vida  numa 
mesma  'pessoa,  cujo  ser  material  estava,  pela  força  jdas 
circunstancias,  durante  muitos  annos  exilado  nas  mai^ens 
remotas  do  Nilo,  ao  mesmo  tempo  que  o  seu  espirito  e  a  sua 
alma  viviam  além-mar,  na  sua  pátria  longínqua,  accompa- 
nhando  cada  dia,  apezar  dos  milhares  de  léguas  de  distancia, 
os  acontecimentos  que  se  davam  nella;  alegrando-se  por  seus 
júbilos,  agoniando-se  por  suas  dores,  vibrando  por  suas  com- 
moções,  amando-a  tanto  mais  quanto  delia  não  podia  gosar, 
—  amando-a,  não  com  esta  delicia  tranquilla  e  moderada  dos 
felizes  que  gosam  da  saúde  ou  da  liberdade,  mas  com  o  amor 
exasperado  e  consumidor  do  doente  pela  saúde  e  do  captivo 
pela  liberdade ;  amando-a  tanto  mais  ainda  quanto  a  distancia, 
em  vez  de  diminuir,  augmentava  a  sua  formosura,  e  que  tudo 
nella  era  animador  e  vivificador,  A  uma  certa  distancia  da 
orchestra  algumas  notas  erradas  não  se  reparam:  só  fica  a 
impressão  de  execução  geral  da  peça  musical ;  a  certa  dis- 
tancia da  paizagem,  a  desolação  de  algumas  aldeias  e  a  aridez 
de  algims  sitios  desapparecem :  só  permanece  o  aspecto  encan- 
tador do  panorama.  Longe  do  campo  da  batalha,  não  se  vêem 


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653  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

a  attitude  frouxa  de  alguns  soldados,  nem  os  erros  de  al- 
gumas unidades  de  combate:  só  apparece  a  marcha  vencedora 
das  operações,  que  anima  e  acoroçõa  O  espectador. 

Não  conseguirei,  pois,  meus  senhores,  representar-vos 
convenientemente  os  meus  sentimentos :  melhor  é  deixar  vossa 
própria  intuição  ve-los  e  comprehende-los . 

A  mim,  compatriota  desconhecido  e  quasi  desterrado,  vos 
dignastes  chamar  ao  vosso  grémio,  que  encerra  as  intellectuali- 
(tades  mais  altas  do  nosso  paiz,  os  maiores  vultos  da  nossa 
terra,  no  domínio  da  sciencia,  do  pensamento  e  da  acção,  os 
grandes  obreiros,  de  cuja  sabedoria  e  de  cuja  actividade  de- 
pendem os  progressos  do  Brasil. 

Si  as  escolhas  dos  sócios  da  vossa  Sociedade  são  apenas 
honrosos  conhecimentos  dos  méritos  dos  eleitos,  dir-vos-hei, 
confessando  a  minha  falta  de  merecimentos,  que  a  vossa  bene- 
volência vos  illudiu  no  que  diz  respeito  á  minha  humilde  perso- 
nalidade. 

Si  são  prémios  ou  recompensas,  essa  mesma  benevolência 
avaliou  demais  os  meus  fracos  exforços  em  prol  do  nosso 
Brasil,  tanto  mais  que  estes  exforços,  sendo  simples  cumpri- 
mentos de  um  dever  categórico,  não  mereciam  recompensa  tão 
alta  e  tão  magnifica. 

Mas,  meus  senhores,  outras  razoes  vos  dirigem  nas  vossas 
escolhas , 

Vosso  Instituto  é,  antes  de  tudo,  uma  alta  reunião  de 
obreiros  em  prol  do  Brasil:  vossas  eleições,  antes  de  serem 
honrosas  distincções,  antes  de  serem  recompensas  valiosas,  são 
verdadeiras  incitações  ao  trabalho  patriótico:  eleger  um  sócio 
quer  dizer  chamar  um  trabalhador  de  boa  vontade  para 
cooperar  convosco  na  obra  que  proaeguis,  que  é  o  bem  do 
Brasil :  unido  a  vós,  aproveita  elle  a  vossa  sabedoria  e  encontra 
em  vós  o  alento  e  o  auxilio  da  parte  que  lhe  incumbe  nesta 
tarefa  commum. 

Assim,  meus  senhores,  vos  dignastes  chamar-me,  e  eu 
ousei  comparecer  ao  vosso  banquete,  apezar  de  não  trajar  a 
alva  túnica  dos  merecimentos,  mas  apenas  o  simples  vestuário 
da  boa  vontade. 

Corri  ao  vosso  convite  tanto  mais  depressa  quanto  já 
soou  a  hora  do  trabalho  ardente  e  intenso,  em  prol  da  nossa 


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ACTAS  653 

pátria,  aqui,  como  no  extrangeiro,  e  que,  para  sair  das  diífi- 
culclades  que  o  enleiam,  o  Brasil  já  hasteou  o  signal  de  Nelson 
em  Trafalgar,  chamando  cada  um  dos  seus  filhos  a  cumprir 
o  seu  dever. 

Precisando  eu,  nesta  emergência,  de  novas  energias  e  de 
novos  alentos,  em  nenhuma  parte  poderia  hauri-los  mais  co- 
piosamente que  no  vosso  seio. 

Com  effeito,  meus  senhores,  qual  é  a  characteristica  e  o 
escopo  deste  Instituto?  Que  quereis,  que  procuraes  nas  vossas 
reuniões  ? 

En^na-se  quem  acreditar  que  este  Instituto  é  apenas  uma 
reunião  de  sábios  sem  outro  fim  que  o  deleite  do  próprio  es- 
pirito, que  a  vã  satisfacção  da  própria  curiosidade  ou  o  prazer 
egoístico  da  própria  cultura. 

Erramos  também,  si  vemos  em  vosso  Instituto  uma  as- 
semblés  que  tem  por  alma,  apenas,  estudos  puramente  espe- 
culativos. 

Kem  mesmo  seria  exacto  dizer  que  o  Instituto  é  um  ponto 
de  descan<;o,  um  refugio,  onde  o  lidador  fatigado  vem  repousar 
longe  dos  entrechoques  do  combate .  Não,  meus  senhores ;  o 
Instituto  náo  é  a  tenda  de  Achilles,  é  antes  o  centro  da  direcção 
da  lucta,  e  o  arsenal  onde  se  fabricam  as  armas  da  acção  paci- 
fica, mas  por  isso  não  menos  effectíva,  em  prol  do  progresso 
do  Brasil :  no  frontão  deste  edifício  vós  podeis  também  mandar 
gravar  esta  divisa:  «Aqui  se  aprende  a  defender  a  pátria». 

Desde  algum  tempo  tendes  um  rumo  especial,  que  dis- 
tingue a  vossa  sociedade  de  muitas  outras  associações ;  vossos 
estudos,  vossos  trabalhos  se  characterizam  por  um  cunho  prá- 
ctico,  de  tal  modo  que  todos  os  vossos  exforços  convergem  para 
um  alvo  commum,  o  bem  e  o  progresso  do  Brasil .  Innumeras 
são  as  provas  que  manifestam  esta  orientação  especial :  basta- 
nte lembrar  os  cursos  que  mandou  organizar  neste  Instituto 
o  vosso  illustrissimo  presidente,  sobre  a  Historia  dij 
financeira,  tributaria  e  económica  do  Brasil,  cursos  fe 
vossas  maiores  auctoridades  nestas  matérias,  com  ■ 
espalhar  e  vulgarizar  o  conhecimento  dos  assumpto: 
cupam  ou  devem  occupar  em  breve  a  attcnção  das  a: 
legislativas,  do  Governo  e  de  cada  um  dos  cidadãos  d 
Cada  vez  mais  vos  tomaes  uma  espécie  de  coi^e 


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^4  REVISTA  DO  INSTITUTO  UiSTOBICO 

Icctual  ijennaneiue  do  paiz,  uma  espécie  de  conselho  de  Estado 
technico,  unia  assembléa  com  um  escopo  utilitário,  altruistico 
e  generoso  e,  por  isso  mesmo,  alto,  nobre  e  glorioso. 

Do  meu  exilio  accompanhei  a  vossa  evolução  e  o  vosso 
desenvolvimento,  pois  que  vós  também  vos  desenvolvestes, 
conforme  a  grande  regra  da  natureza  que  rege  a  herva  do 
campo  assim  como  a  estrella,  como  vos  lembrava,  faz  algum 
tempo,  o  illustre  consócio  sr.  Félix  Pacheco;  vossa  evolução 
foi,  portanto,  natural,  isto  é,  providencial. 

Ora,  a  Providencia  é, . .  previdente.  Além  de  uma  so- 
ciedade dedicada  a  estudos  theoricos,  precisava-se  mais  cada 
dia  de  um  centro  de  acção  intellettual  práctica. 

Um  centro  de  trabalhadores  em  prol  do  Brasil,  uma  as- 
sembléa de  intellectuaes  que  desempenhasse  o  papel  pensante, 
organizador  e  vivificante,  para  este  ser  moral,  que  é  o  Brasil, 
era  uma  necessidade  imprescindivel  para  o  nosso  paiz  mais 
que  para  qualquer  outro,  mais  nas  circunstancias  actuaes  do 
que  em  qualquer  epocha  da  nossa  Historia.  As  próprias  leis 
da  natureza,  creando  ou  transformando  os  órgãos  conforme 
as  necessidades  de  seres,  deram  esta  feição  nova  ao  vosso 
grémio . 

Com  effeito,  o  problema  da  civilização,  ou,  mais  ainda,  o 
da  regeneração  de  um  paiz  encerra  sempre  uma  parte  psycho- 
logíca  e  moral,  e  esta  parte  é  talvez  mais  importante  no  Brasil 
que  nos  outros  paizes. 

Assim,  o  que  se  chama  nossa'crise  actual  é  crise  psycho- 
logica  antes  que  material. 

De  facto,  donde  provém  esta  crise  e  qual  é  o  seu  cunho 
ctistinctivo  ? 

Perdeu,  porventura,  o  nosso  subsolo  os  seus  thesouros,  o 
nosso  solo  a  sua  fertilidade,  o  nosso  sol  a  sua  virtude  fe- 
cundante ? 

Perdeu  o  nosso  povo  os  seus  predicados  de  intelligencia 
e  de  resistência? 

Perdeu  repentinamente  a  nossa  nação  as  suas  qualidades 
e  os  seus  dons? 

Houve  um  cataclysmo  geral  que  abysmou  a  nossa  terra 
e  a  nossa  alma? 

Não,  senhores! 


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ACTAS  655 

O  nosso  subsolo  continua  rico,  os  nossos  rios  flncnlcs,  a 
nossa  terra  ubérrima  e  o. nosso  sol  vivificador,  Apezar  Jas 
apparencias  contrarias,  tudo  o  que  escreveu,  faz  agora  quinze 
annos,  o  illustrissimo  presidente  deste  Instituto,  sobre  os  mo- 
tivos  que  temos  de  ser  ufanos  do  nosso  paiz  e  de  nós  mesmos, 
continua  rigorosamente  exacto. 

Então,  que  se  deu? 

Deu-se  este  facto  humano,  verdadeiramente  humano. 

A  herdade  que  nos  foi  dada  era  immensa,  e  poucos  eram 
os  trabalhadores.  A  nossa  tarefa  era  mais  difficil,  mas  por 
isso  mesmo  mais  gloriosa  que  aquella  que  incumbiu  a  outros 
paizes;  vinte  milhões  de  homens  tiveram  que  explorar  uma 
superfície  egual  á  da  Europa  com  os  seus  quatrocentos  milhões 
de  trabalhadores. 

Illudimo-nos  a  respeito  da  importância  da  nossa  tarefa. 

Acreditámos  que  precisávamos  trabalhar  quanto  permit- 
tiam  as  nossas  forças,  quando  era  preciso  trabalhar  <  mais  do 
que  pramettia  a  força  humana  >.  Incumbiu-nos  a  obrigação  de 
ser,  não  homens,  mas  sobre-homens,  mas  heroes,  pois  que  ás 
vezes  o  heroismo  é  dever  simples. 

Vendo  que  o  f  ructo  do  nosso  trabalho  estava  ainda  longe. 


Parámos  desanimados.  Alguns  abandonaram  a  lucta;  ou- 
tros, recuperando  a  energia  depois  de  ter  descançado,  conti- 
nuaram a  trabalhar,  mas  [»r  sí  só,  e  ]x>r  sua  parte,  sem  fazer 
caso  dos  outros.  Não  havendo  direcção  única,  não  havendo 
ideal  commum,  não  havendo  mais  concentração  dos  exforços, 
não  havendo  mais  uma  directriz  geral,  estes  exforços  esporá- 
dicos não  prestaram  para  nada,  porque,  si  a  união  faz  a  força, 
a  disseminação  não  pôde  produzir  sinão  fraqueza.  A  falta  de 
solidariedade  produziu  o  individualismo,  o  qual  por  sua  vez 
gerou  o  egoísmo  feroz.  O  cansaço  tirou  o  desejo  de  trabalhar, 
mas  não  apagou  o  appetite  natural  para  gosar;  o  problema 
tornou-se,  para  alguns,  achar  o  modo  de  gosar  o  mais,  traba- 
lhando o  menos,  ou  mesmo  de  gosar  sem  trabalhar ;  outros  não 
desejaram  nem  gosar  nem  trabalhar,  ainda  outros  continuaram 
a  gastar  cimente  a  sua  energia,  mas  em  cousas  improfícuas. 

A  OTnsequenda  foi  o  torpor  geral. 


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6S6  REVISTA  DO  INeXITUTO  HISTÓRICO 

Podemos  exforçar-nos,  mas  esmorecemos,  vendo  que  nin- 
guém harmoniza  os  nossos  exforços,  ninguém  os  r^ula,  mas 
vários  os  estragam;  ninguém  os  concentra,  mas  muitos  os 
dissipam;   ninguém  nos  alenta,  mas  todos  nos  acobardam. 
Entretanto,  ao  fundo  das  cousas,  ã  nossa  alma  e  o  oosso 
corpo  nacional  permanecem  sãos ;  somos  anemíados,  mas  não 
.  aleijados;  narcotizados,  mas  não  paralysados ;  soffremos  de 
uma  crise  transitória,  mas  não  de  uma  enfermidade  insanável. 
Os  mananciaes  da  nossa  energia  não  estão  exhaustos;  mas 
esta  energia,  em  vez  de  fluir  no  canal  que  a  leva  ás  grandes 
officinas  do  trabalho  util,  se  desvia  numa  fenda  deste  canal, 
e  se  perde  no  abysmo  do  pessimismo  e  do  desânimo. 

Para  este  mal  de  ordem  moral  precisamos  um  remédio  (Te 
ordem  moral,  e  para  administra-lo  precisamos  de  um  órgão  que 
oriente  a  energia  dos  egoístas  e  dos  indolentes  (simples  va- 
riedade de  egoístas),  para  o  trabalho  util  e  altruistico,  que 
anime  os  obreiros  desalentados,  e,  mais  do  que  tudo,  que  ensine 
■  o  que  se  deve  fazer  para  coordenar  as  diversas  energias  que 
ficam  estéreis  só  por  serem  dissociadas. 
Qual  será  este  órgão  ? 

A  voz  pública,  a  consciência  da  nação?  Devemos  contar 
com  a  influencia  reciproca  de  cada  um  dos  nossos  compa- 
triotas sobre  o  outro  para  regenerar  a  alma  nacional,  como  o 
que  se  daria  em  casos  análogos  em  muitos  outros  paízes? 
Não,  porque  a  nossa  formação  é  inteiramente  especial. 
Ha  paizes  em  que  os  diversos  elementos  da  sociedade 
estão  mais  ou  menos  a  um  mesmo  nivel,  como  em  certas  for- 
mações geológicas,  nas  quaes  longa  evolução  levantou  as  partes 
baixas,  tomando  toda  a  região  um  planalto,  onde  os  rios  cor- 
rem com  diversos  rumos,  e  onde  nada  impede  as  çommuni- 
cações  nem  a  compenetração  reciproca  dos  elementos.  Em 
taes  casos,  a  voz  emiltida  em  qualquer  ponto  é  ouvida  em  toda 
a  superfície  da  região,  e  a  lu;!,  accesa  em  qualquer  parte,  c 
vista  de  qualquer  outro  logar;  assim  nascerá  uma  opinião 
púl)lica  ou  uma  alma  nacional. 

Noutras  regiões,  porém,  onde  não  se  acabou  esta  evo- 
lução, as  partes  não  chegaram  ao  mesmo  nivel;  ha  camadas 
geológicas  como  sociaes,  ha  valles  e  montes,  ha  picos  e  abjrs- 
mos.  E'  verdade  que  ha  innumeras  potites  para  atravessar  os 


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ACTAS  657 

abysmos  é  id^ráos  para  subir  aos  montes ;  mas  pontes  e  de- 
gráos,  si  vencem  o  abysmo,  não  o  fazem  desapparecer. 

Nestas  regiões,  a  voz  solta  ou  a  luz  accesa  numa  fralda 
do  monte  não  pôde  ser  vista  ou  ouvida  longe.  Em  taes  regiões 
é  diííicil  haver  uma  opinião  verdadeiramente  geral,  uma 
alma  universal  para  todo  o  paíz. 

Em  terreno  tão  accidentado,  pois,  para  dar  os  signaes  aos 
habitantes  do  valle,  precisa-se  escolher  o  ponto  mais  alto  e 
mais  visivel  do  território  e  alli  edificar  o  pharol  ou  o  cam- 
panário . 

Qual  será,  porém,  esse  logar  onde  brilhe  o  f(^o  que 
dirije  e  illumine? 

Caberá  esta  funcção  educadora  ao  Governo?  Não,  meus 
senhores,  porque  esta  acção  se  deve  exercer  pela  influencia 
moral  e  não  pela  força  administrativa.  O  Estado  tem  outras 
funcções.  O  Poder  Judiciário  julga,  o  Legislativo  delibera,  o 
Executivo  executa ;  mas  precisa-se  de  um  órgão  para  pensar, 
estudar,  organizar,  acconselhar,  preparar,  facilitar,  animar, 
sustentar,  corrigir. 

Este  papel  é  justamente  o  que  o  vosso  Instituto  está  des- 
empenhando . 

Para  preencher  estas  funcções,  que  se  subdividem  em  in- 
numeras  especialidades,  precisa-se  da  synthese  e  da  cooperação 
de  todas  as  forças  intellectuaes  do  paiz  em  ramos  muito  di- 
versos. E,  precisamente,  similhante  synthese  s6  se  encontra 
no  vosso  Instituto. 

Os  vossos  consócios  pertencem  a  todas  as  classes,  pro- 
fissões e  especialidades  que  cooperam  no  adeantamento  do 
Brasil;  nas  classes  pensadoras,  nas  classes  dirigentes,  e  nas 
classes  docentes.  No  vosso  recinto,  o  ministro  de  Estado  se 
encontra  e  coopera  com  o  professor,  o  juiz  com  o  almirante, 
o  mathematico  com  o  escriptor  e  o  philologo  com  o  deputado. 
São  trabalhadores  em  diversos  offícios,  reunidos  para  a  con- 
strucção  de  um  mesmo  edifício. 

Que  proveito  fruirá  o  Brasil  da  nova  feição  que  ides 
adoptando,  é  fácil  ve-lo  pelos  resultados  de  uma  experiência 
que  foi  feita  em  matéria  idêntica,  e  que  deu  os  mais  brilhantes 
resultados. 

Raríssimas  são  as  experiências  no  dominio  da  sciencia 


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658-  It£?IBTA  DO  INSttTDTO  HI8TOIUCO 

social ;  mas  neste  assumpto  encontramos  uma,  que  f^preciosis- 
sima,  não  somente  pelos  seus  resultados,  mas  também  peto 
valor  do  seu  auctor,  que  não  é  outro  sinão  o  grande  Napoleão  c 
quero  fatiar  do  Instituto  do  Egypto. 

Numa  conferencia  que  tive  a  honra  de  fazer  aqui,  ha 
algum  tempo,  salientei  que  quasi  todas  as  ídéas  postas  em 
execução  por  Napoleão  imperador  já  existiam  numa  forma 
embryonaria  no  espirito  do  general  Bonaparte:  grande  ver- 
dade annunciava  o  poeta  francez  quando  dizia:  Déjà  Napo- 
léon  perçait  sous  Bonaparte. 

Pois  bem,  meus  senhores :  Napoleão,  que  mais  tarde  devia 
dar  vida  nova  ao  Instituto  de  França  e  esperar  sobretudo 
desta  corporação  de  sábios  a  r^eneração  da  sua  pátria  sa- 
cudida pela  esteira  da  revolução,  já  achava  que  não  somente 
a  regetteração  de  imi  paiz,  paiz  anemiado,  mas  também  a 
cmlhação  de  um  paiz  primitivo  só  podiam  ser  feitas  por  meto 
de  um  centro  de  estudos  e  de  influencia  moral  com  fundações 
quasi  idênticas  ás  da  nova  feição,  que  vós  agora  ides  tomando. 

O  general  corso  zarpou  para  o  ^;ypto  com  o  intuito,  não 
de  occupar  militarmente  esse  paiz,  mas  de  annexa-lo  defini- 
tivamente ao  domínio  francez,  de  fazer  das  margens  do  Nilo 
imi  prolongamento  da  França  alem  do  Mediterrâneo,  de  fundar 
alli  uma  America  Mediterrânea  para  <Iar  á  França  imia  com- 
pensação por  colónias  perdidas.  Precisava-se,  pois,  não  so- 
mente conquistar,  mas  civilizar  o  ^ypto,  ou  antes  renova-lo. 

Esse  resultado  não  podia  ser  alcançado  nem  pela  força 
das  armas  nem  por  leis  e  decretos.  O  general  Bonaparte  o 
sabia,  antes  mesmo  de  sair  da  França;  por  isso,  a  frota  que 
zarpou  para  o  Egypto,  no  anno  de  1798,  levava  não  somente 
canhões,  armas,  petrechos  e  soldados,  mas  também  os  sábios 
mais  illustres  da  França  dessa  epocha,  como  Monge,  Lepérc, 
Arago,  Dolomieu,  Berthollet  e  muitos  outros. 

Dentro  apenas  de  um  anno  após  o  seu  desembarque, 
apezar  da  lucta  continua  e  sem  esperar  mesmo  a  pacificação  do 
Egypto,  Napoleão  organizava  o  Instituto  Egypcio,  pois  era 
precisamente  este  Instituto,  que  devia  também  operar  «sta 
pacificação. 

Ora,  é  interessante  ver  o  curioso  papel  que  o  general  Bona- 
parte deu  a  esse  Instituto.  Não  quiz  fazer  delle  uma  sociedade 

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aCías  6sg 

de  estudos  especulativos,  mas  antes  um  centro  vivo  de  acção, 
um  grémio  de  trabalhadores  intellectuaes  com  intuitos  prá- 
cticos,  mna  espécie  de  cotiselho  de  Estado  techtiico :  o  Instituto 
devia  ser  o  cérebro  pensador  e  organizador  da  vida  do  paiz.; 

A  func(;ão  deste  conselho  era  tanto  maia  cffectiva  quanto 
era  officiosa. 

Absorvidos  pela  parte  administrativa  de  suas  funcções,  é 
humanamente  impossível  aos  membros  do  executivo  se  dedi- 
carem a  outra  cousa.  Quanto  ao  legislativo  nunca  uma  questão 
de  grande  interesse  i)ara  o  paiz,  atirada  bruta  e  informe  no 
seio  das  aasembléas  legislativas,  podia  ser  estudada  iniparciat- 
mente  em  meio  das  paixões  politicas  e  dos  interesses  partidá- 
rios. Ao  legislativo  competia  decidir,  mas  a  questão  devia  antes 
ser  estudada  com  vagar,  examinada  por  especialistas,  e  apre- 
sentada tendo  a  seu  prol  a  auctoridade  de  sábios  competentes  « 
imparciaes,  fora  e  acitna  das  luctas  politicas.  O  Instituto  des- 
empenhando este  papel  era  assim  o  cérebro,  o  órgão  pensante, 
iniciador  e  aperfeiçoador  do  Governo. 

Não  tendo  nenhum  character  official  gozava  assim  de 
maior  liberdade-: 

Não  havia  nenhuma  intromissão  offictal  do  Governo  no 
Instituto,  nem  do  Instituto  no  Governo, 

Era,  porém,  grande  sua  influencia  moral  c,  em  troca  da 
fôri^  moral,  dizia  Eduardo  VII  estar  prompto  a  abrir  mão 
de  qualquer  poder! 

De  que  modo  se  exercia  esta  influencia,  e  como  o  Insti- 
tuto desempenhava  seu  papel,  isso  variava  segundo  as  cir- 
cunstancias. A's  vezes,  o  general  Bonaparte  adiava  official- 
mente  um  assumpto  para  ser  estudado,  preparado  e  discutido 
no  Instituto,  afim  de  que  o  voto  deste  lhe  servisse  de  exclare- 
címento,  como  quando  se  tractou  de  organizar  os  impostos  e  q 
ensino  práctico  no  Egypto  conquistado. 

Outras  vezes,  o  Instituto  discutia  e  estudava  espontanea- 
mente os  assumptos:  o  valor  dos  membros  do  Instituto  era 
tão  reconhecido,  que  o  seu  parecer  era  quasi  sempre  acatado 
no  Governo. 

Em  outros  casos,  enfim,  as  communicações  e  os  trabalhos 
do  Instituto  tinham  por  fim  crear  indirectamente  o  ambiente 
que  era  necessário  para  crear  e  preparar  o  estudo  das  questões. 

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66o  HEV13TA  aO'IXSTITUTO   IlISTOfUCO 

(jue  em  breve  deviam  servir  de  assumpto  de  disi 
regulamentação  do  Governo. 

Assim,  precisamente,  vós  mesmos  fazeis  agora,  quando 
organizaes  cursos  sobre  a  Historia  financeira  ou  económica 
do  paiz. 

Nunca  Napoleão  pensou  em  sujeitar  o  Governo  à  opinião 
do  Instituto,  mas  sempre  o  convidou  a  ouvi-la  e  poodera-ta. 
Si  me  demorei  sobre  esta  feição  práctica  e  patriótica  dos 
institutos  de  Napoleão,  o  Instituto  de  França  e  o  Instituto  do 
Egypto,  é  porque  precisamente  o  pensamento  napoleónico  teve 
a  sua  repercussão  sobre  d.  Pedro  II,  o  qual  ficou  grandemente 
impressionado  pelo  papel  do  Instituto  do  ^rypWi  cujas  tra- 
dições e  modo  de  trabalhar  estudou  longamente.  Já  relatei  que 
estudos  para  o  uso  do  Brasil  d.  Pedro  mandou  fazer  no 
Instituto  do  Egypto,  especialmente  sobre  a  cultura  do  algodão, 
da  canna  de  assucar,  do  fumo  e  do  café,  sobre  a  refinação  do 
óleo  do  caroço  do  algodão  e  vários  outros  assumptos.  Mas,  o 
que  era  mais  importante  que  tudo  isso,  era  a  feição  napoleonica 
da  cooperação  do  Instituía  no  Governo,  plano  que  já  concor- 
dava com  as  suas  próprias  idéas,  que  levou  consigo  e  que 
não  pouco  influiu  sobre  a  importância  especial  que  dera  ao 
vosso  próprio  Instituto. 

Vós  sois,  pois,  meus  senhores,  um  dos  factores  mais  im- 
portantes do  desenvolvimento  da  vida  do  paiz. 

Mas  que  é  a  vida,  sinão  como  sabeis,  o  intercambio  com 
o  exterior? 

Os  seres  apenas  são  viventes  por  terem  um  constante 
movimento  de  permuta  com  o  ambiente  externo :  só  os  corpos 
inanimados,  como  os  crystaes,  se  modificam  por  um  movi- 
mento interno  da  sua  própria  substancia. 

Os  seres  vivos,  mas  inferiores,  como  as  plantas  e  as  es- 
ponjas, ainda  que  se  desenvolvam  lentamente  pela  nutrição 
exterior,  não  vão  buscar  elles  mesmos  a  sua  própria  alimen- 
tação :  esperam,  pegados  á  rocha,  que  o  ar,  a  terra  ou  o  mar 
lhes  levem  o  que  precisam.  Tanto  mais,  porém,  os  seres  são 
superiores  quanto  mais  são  activos;  não  esperam  que  os  ali- 
mentos venham,  elles  vão  procura-los,  e  a  zona  da  sua  activi- 
dade e  de  sua  mobilidade  é  tanto  mais  extensa  quanto  estes 
seres  são  mais  perfeitos. 


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ACTAS  66l 

r      Esta  lei  biológica  é  também  lei  social  e  económica. 
Não  communicar  com  o  exterior  é  ser  morto. 

Não  nos  podemos  desenvolver,  a  não  ser  pela  permuta  das 
nossas  riquezas  com  o  mundo  exterior.  Antes  que  este  inter- 
cambio se  opere,  os  nossos  productos.  por  valiosos  que  sejam, 
não  são  riquezas:  são  apenas  *  possibilidades  *  de  riquezas; 
não  se  transformarão  em  riqueza  effectiva  sinão  depois  da 
troca  feita. 

Mas,  para  este  intercambio  necessário  á  nossa  vida,  espe- 
raremos aqui  tranquillamente  que  os  negociantes  extrangeiros 
venham  para  vender-nos  os  seus  productos  e  comprar-nos  os 
nossos,  impondo-nos  os  preços  e  condições  que  quizerem  e  não 
as  que  nós  quizermos?  Continuaremos  a  não  importar  e  á 
•não  exportar  nada,  deixando  somente  os  extrangeiros  impor- 
tar o  que  precisamos  e  exportar  o  que  precisam,  fa::endo 
assim  depender  a  nossa  própria  vida  económica,  não  da  nossa 
própria  actividade,  mas  exclusivamente  da  actividade  dos  ne- 
gociantes extrangeiros? 

Esperaremos,  de  braços  cruzados,  que  o  mar  nos  traga 
os  alimentos  de  que  precisamos? 

Mas  isso,  meus  senhores,  seria  exactamente  viver  como, 
vivem  os  ostras  e  os  mexilhões,  collados  ao  rochedo. 

Isso  seria  viver  uma  vida  inferior,  uma  vida  abaixo  dá 
nossa  dignidade:  isso  não  é  viver  1 

A  única  vida,  que  é  condigna  de  nós  mesmos,  é  a  vída 
pela  nossa  acção  no  exterior,  pela  conquista  de  novos  mer- 
cados para  nossos  productos,  pelo  aperfeiçoamento  da  collo- 
cação  dos  nossos  géneros  nos  antigos  mercados,  pela  occupação 
effectiva  do  logar  que  nos  cabe  na  sociedade  das  nações.  Em 
resumo,  precisamos  viver  como  seres  superiores,  que  vão  aonde 
querem,  que  podem  procurar  elles  mesmos  o  que  precisam,  que 
só  dependem  de  si  mesmos  para  ter  os  alimentos  de  que  ne- 
cessitam . 

Para  isso  teem  os  seres  superiores  garras  e  braços,  teem 
órgãos  de  tacto  e  de  prehensão. 

Para  o  paiz  este  órgão  de  tacto,  de  prehensão,  de  acção 
no  ambiente  externo,  é  a  sua  Diplomacia. 

Qual  seria  o  papel  da  Diplomacia,  si  não  fosse  o  do 
braço  que  procura  os  alimentos  necessários  á  vida  económica 


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663  RBTISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

da  nação,  que  lhe  revela  o  que  é  frio  e  o  que  é  quõité,  o  que 
'é  liso  e  o  que  é  áspero  no  mundo  exterior? 

Posto  deante  dos  olhos  este  axioma,  que  um  paia  se  não 
pôde  desenvolver  sinõo  fòr  por  sua  acção  no  exterior,  ap- 
parece  numa  fulguração  de  evidencia  esta  outra  verdade,  que 
debalde  trabalhar-se-ha,  debalde  desdobrará  o  paiz  toda  a  sua 
energia,  debalde  cada  um  dos  cidadãos,  cada  um  dos  outros 
órgãos  officiaes,  cada  um  dos  outros  ser\'iços  públicos  gastará 
os  seus  exforços,  si  a  Diplomacia  não  cons^uir  desempenhar 
activa  e  intelligentemente  o  papel  que  lhe  cabe. 

Ai  de  um  paiz  cuja  Diplomacia  é  inferior  á  tarefa  que  lhe 
incumbe!  Ai  do  homem  robusto  e  vigoroso,  mas  de  braços 
paralysados,  ao  qual  é  impossível  tomar  os  alimentos  de  que 
necessita !  Que  vida  é  a  deste  hércules  aleijado,  que  por  falta 
de  braços  não  está  em  contacto  com  o  mundo  exterior,  que 
não  pôde  pegar  por  si  mesmo  naquillo  que  precisa  e  que  só 
vive  graças  a  alguns  mercenários,  que  lhe  mettem  parcimo- 
niosamente os  alimentos  na  bocca  ! 

Preferível  é  para  um  paiz  ter  imperfeições,  erros  e  des- 
acertos em  todos  ou  outros  ramos  dos  serviços  públicos,  que 
na  sua  Diplomacia,  porque  essas  faltas  prejudicam  apenas  um 
serviço  único,  quando  as  da  Diplomacia  prejudicarão  o  con- 
juncto  de  todos  os  ser\'ÍçoS,  do  mesmo  modo  qua  a  paralysia 
dos  braços  estorva  a  nutrição  de  todo  o  corpo. 

Erros  e  desacertos  nos  serviços  interiores  do  Estado  são 
facilmente  reparados  e  por  isso  curados;  a  indolência  e  a 
inacttvi<lade  do  diplomata  passam  despercebidas,  e  os  seus 
effeitos  nocivos  só  se  manifestam  tarde  demais. 

Um  funccionario  público,  de  um  serviço  interior,  que  falta 
aos  seus  deveres,  falta  por  assim  dizer  apenas  na  própria  casa 
e  deante  dos  olhos  dos  seus ;  o  diplomata  incapaz  ou  indolente 
não  prejudica  apenas  o  ramo  do  seu  serviço,  mas  a  própria 
consideração  e  I)oa  opinião,  o  próprio  credito  moral  e  mate- 
rial do  seu  paiz,  e  isso  deante  dos  olhos  dos  extrangeiros. 

Exasperado  pelas  insolências  do  ministro  hollandez  acre- 
ditado na  França,  o  rei  Luiz  XIV  fez  guerra  á  Hollanda. 
Vencida,  a  Hotlanda  pediu  a  paz,  apresentando  (Tesculpas. 
Feita  a  paz,  o  novo  ministro  hollandez  reprochou  amigavel- 
mente a  Luiz  XIV  de  ter  feito  tanto  caso  dos  actos  e  da  inca- 


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pacídade  do  precedente  representante  hollandez,  « o  qua], 
disse  o  novo  ministro,  era  apenas  um  imbecil  ou  um  louco».; 
«  Nós  também  temos  muitos  imbecis  e  loucos  na  França », 
respondeu  Luiz  XIV,  emas...  não  os  encarregamos  de  nos 
representar  juncto  ás  nações  extrangeiras  »  1 

Um  diplomata  brasileiro,  meus  senhores,  deve  ser  um 
bandeirante  da  acção  económica  do  Brasil. 

Bandeirante,  não  se  deve  contentar  de  executar  as  ín- 
strucções  do  seu  estado-maior ;  incumbe-lhe  mais,  incumbe-lhe 
ter  iniciativa,  incumbe-lhe,  tractando-se  de  regiões  novas,  de  Jr 
espontaneamente  á  descoberta  e  inteirar  aos  chefes  do  que 
ah)  está. 

A  primeira  qualidade  que  se  exige  deste  bandeirante  é  ter 
enraizado  no  mais  intimo  da  alma  o  sentimento  do  dever.; 

Este  sentimento  da  obrigação  deve  ser  ainda  mais  vivo 
e  mais  ardente  no  coração  do  diplomata  que  no  do  offtcíat  de 
Marinha  ou  do  Exercito,  porque  estes  são  animados  pelos 
chefes  e  subordinados  que  os  acccMnpanham,  mas  o  diplomata 
vive  longe  e  vive  sósinho.  Na  sua  solidão  em  patzes  remotos, 
este  sentimento  bastará  para  levar  o  diplomata  a  resistir  á 
tentação  de  se  abandonar  ao  descanço  ocioso,  para  guiar  o 
diplomata  no  que  deve  fazer  em  caso  de  falta  de  instrucções 
precisas,  para  anima-lo  a  observar,  buscar  e  considerar  espon- 
taneamente o  que  pôde  ser  útil  ao  seu  paiz  sem  que  seja 
preciso  empurra-lo  continuamente  por  ordens  ou  instrucções. 

Sem  esta  profunda  comprehensâo  do  dever,  sem  este  zelo 
abrazador,  nada  mais  fácil  para  um  diplomata  que  tomar 
nullas  as  suas  funcções,  nada  mais  fácil  que  transformar  o 
seu  cargo,  em  ócio  sem  dignidade,  nada  mais  fácil  que  não 
fazer  nada,  tanto  mais  que,  si  os  erros  são  ás  vezes  censurados, 
a  indolência  passa  sempre  impune,  pois  que  nada  é  mais  fácil 
que  dar  ao  público  a  ÍUusão  enganadora  de  um  trabalho  que 
se  não  faz.  ainda  que  haja  nisso  mais  estupidez  que  indolência, 
si  considerarmos  que  custa  menos  trabalhar  effectivamente 
que  simular,  exforços  ! 

Quanto,  pois,  precisa  um  paiz  comprehender  a  importância 
do  papel  do  diplomata  para  seu  desenvolvimento  e  quanto  pre- 
cisa o  dípli:imata  avaliar  a  grandeza  e  a  nobreza  das  funcções 
que  lhe  incumbem  ! 


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664  REVISTA  DO  raSTITtJTO  HBTORICO 

Encarei  as  obrigações  do  diplomata  apenas  no  que  dií 
respeito  ao  p recesso  económico  do  paiz  que  representa, 
porque  estas  são  as  principaes  obrigações  do  diplomata  bra- 
sileiro, digo,  propositadamente  do  diplomata,  e  não  somente 
do  cônsul,  porque  é  ao  diplomata  ainda  mais  que  ao  cônsul 
que  incumbe  o  dever  de  velar  pelo  desenvolvimento  económico 
de  seu  paiz. 

No  meu  humilde  modo  de  ver,  julgo  que  erra  o  diplomata 
que  deixa  o  cuidado  das  questões  económicas  aos  cônsules, 
como  si  estes  assumptos  estivessem  abaixo  da  dignidade  da 
Diplomacia. 

Outras  podem  ser  as  funcções  que  incumbem  a  um  di- 
plomata francez,  inglez,  russo  ou  allemão,  por  exemplo;  mas 
o  diplomata  brasileiro,  representante  de  um  paiz  que  não  tem 
a  própria  ou  impropriamente  chamada  grande  politica  exte- 
rior, que  não  tem  politica  colonial,  militar  ou  naval,  repre- 
sentante de  um  paiz  que  é  apenas  um  paiz  agricola,  que  não 
pôde  viver  nem  se  desenvolver  sÍnÍo  pela  collocação  dos  seus 
productos  nos  mercados  extrangeiros,  o  diplomata  brasileiro 
deve  ser  sobretudo  o  agente  do  desenvolvimento  económico  do 
seu  paiz.  Esse  é  o  seu  papel  principal  e  ás  vezes  o  seu  único 
papel.  Si  o  não  desempenhar,  pergimtar-se-lhe-ha,  que  então 
tem  elle  que  fazer? 

E  este  papel  não  é  de  pouca  importância. 

Quão  poderosa  alavanca  para  o  desenvolvimento  eco- 
nómico de  um  paiz  pôde  ser  a  sua  Diplomacia,  é  uma  verdade 
de  que  não  fui  inteirado  pelo  raciocinio  nem  pelos  livros:  vi-a 
com  os  próprios  olhos,  tacteei-a  com  os  dedos,  como  si  tivesse 
um  corpo  material. 

Antes  de  receber  a  minha  missão  das  auctoridades  offi- 
ciaes,  recebi-a  de  uma  auctoridade  ainda  mais  poderosa:  a  das 
circunstancias.  Não  foi  preciso  para  mim  dir^r-me  para  o 
campo  de  uma  lucta  económica  encarniçada :  vim  á  luz  da  vida 
neste  campo;  não  entrei  nas  fileiras  da  nossa  acção,  no  exte- 
rior, nasci  nellas.  Filho  e  neto  de  Brasileiros,  que  estiveram 
no  extrangeiro  como  representantes  do  Brasil,  vi  .a  luz  preci- 
cisamente  no  theatro  da  contenda  económica  mais  animada  de 
todos  os  povos  do  mundo.  Já  avançado  em  annots  era  meu 
pae,  quando  cheguei  á  edade  adulta,  de  modo  que  era  para 


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ACTAS  665 

mim  um  simples  dever  a  mais  inteira  cooperação,  que  eu  lhe 
pudesse  dar.  Assim,  os  primeiros  espectáculos  que  tive  deante 
dos  olhos  eram  os  da  lucta  económica  entre  as  diversas  nações 
do  mundo  para  se  apoderarem  dos  ricos  mercados  do  Leste 
Mediterrâneo:  assistia  cada  dia  ás  peripécias  da  lucta,  vi 
manobrar  os  exércitos  e  tomar  os  espólios,  vi  nações  graças  á 
sua  activa  diplomacia  económica  lucrarem  quantias  avultadas, 
e  outras,  outr'ora  soberanas,  serem  vergonhosmente  expulsas 
do  seu  antigo  predomínio. 

Assim,  senhores,  os  meus  primeiros  cuidados  de  moço 
não  eram  outros  sinão  o  do  desenvolvimento  da  nossa  acção 
no  extrangeiro,  e  os  meus  primeiros  desejos  eram  os  de  dar  atí 
nosso  paiz  neste  vasto  campo  de  desenvolvimento  económico 
o  logar  que  lhe  é  destinado,  e  o  meu  constante  soffrimento  era 
ver  o  nosso  paiz  deixar  perder  a  maior  parte  da  rica  messe  que 
lhe  pertencia  neste  campo  e  que  outros  vinham  segar. 

Com  effeito,  milhões  de  libras  esterlinas,  a  nós  destinadas, 
representando  o  valor  dos  nossos  próprios  productos  que  o 
Oriente  compra  ou  quer  comprar,  são  colhidos  por  outros,  e 
ao  mesmo  tempo  que  nos  queixamos  de  não  saber  onde  e  como 
collocar  os  nossos  productos,  desleixamos  e  abandonamos  mer- 
cados tão  preciosos  I  ' 

Ah!  meus  senhores,  quanto  dif ferem  as  idéas  daquelle 
que  viu  o  exercito  nas  manobras  e  nas  guerras,  dos  conceitos 
daquelle  que  só  viu  nos  quartéis,  nas  revistas  e  nas  forma- 
turas de  parada!  Quanto  caso  fará  o  primeiro  observador  da 
efficiencia  do  tiro,  do  valor  e  da  resistência  dos  soldados  e  da 
sciencia  e  habilidade  dos  chefes,  e  quão  pouca  será  a  impor- 
tância que  attribuirá  ao  brilho  dos  botões  da  farda,  á  forma 
do  pennacho  e  ao  talento  do  solista  da  banda  regimental  I 

Essa  é  a  grande  licção  que  recebe  o  que  accompanha  os 
campos  da  lucta  oriental. 

Nada  mais  que  o  clarão  dos  canhões  e  dos  incencítos  da 
guerra  económica  revela,  quão  vã  e  ôca,  quão  lastimável  e 
triste,  é  a  Diplomacia  de  parada,  a  Diplomacia  dos  salões,  dos 
bridgs,  dos  five-ó-clock-tea  e  dos  jantares.  Nesta  Diplo- 
macia Tatleyrand  pensava  quando  disse  que  para  ser  diplo- 
mata bastava  não  ser  nada,  mas  para  ser  diplomata  perfeito 
precisava-se,  além  disso,  ter  um  bom  cozinheiro  e  um  bom 


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666  REVISTA  DO  INSITTOTO  ustorico 

estômago:  mas  Talleyrand  disse  isso  por  ter  sido  Talleyrand, 
e  foi  Talleyrand  apenas  por  não  ter  sido  nada,  e  por  ter  tido 
outra  cousa,  além  de  um  bom  cozinheiro  e  de  um  bom  estô- 
mago. 

Quanto  acertou,  pois,  o  vosso  consócio  titular  da  pasta  do 
Exterior,  o  illustrissimo  ministro  Lauro  Muller,  orientando  a 
nossa  Diplomacia  para  o  lado  útil,  para  o  lado  commercial  e 
jeconomico.  Engenheiro,  o  que  quer  dizer  mathematico,  não 
podia  deixar  de  ser  positivo  e  práctico. 

O  nosso  diplomata,  pois,  tem  que  fazer  o  que  faz  qualquer 
representante  de  uma  grande  casa  commercial.  Não  ha  neste 
papel,  apparentemente  modesto,  nada  que  esteja  abaixo  da 
dignidade  da  nossa  Diplomacia. 

O  senhor,  do  qual  a  Diplomacia  brasileira  é  servi,  não  é 
um  fidalgo  ocioso,  rebento  débil  de  uma  estirpe  desvigorada, 
que,  receioso  de  callejar  as  mãos  delicadas,  aperta  apenas  as 
mãosinhas  macias  das  pallJdas  e  franzinas  donzellas  da  aris- 
tocracia; ao  contrario  é  um  varão  robusto,  filho  de  gaúchos 
varonis,  de  broncos  vaqueiros  e  de  vigorosos  sertanejos,  é  da 
nobreza  sã  e  viril  conferida  pelos  exforços  e  pela  lucta,  é  pro- 
prietário de  engenhos  de  assucar,  de  seringaes,  de  plantações 
.  'de  café  e  de  algodão,  E'  um  fazendeiro  que  tem  valiosos  pro- 
ductos  para  coUocar  e  quer  colloca-los  para  alimentar  os  seus 
recursos.  Bem  é,  pois,  que  frequente  a  sociedade,  que  lhe  é 
practicamente  útil  e  que  não  despreze  a  companhia  dos  fre- 
guezes.  Quer  desenvolver  aquelles  recursos  por  ter  numerosas 
cargas  de  familia.  Quer  ser  rico:  nascendo,  foi  baptisado 
pela  fórmula  sagrada  «  independência  ou  morte »  e  quer  se 
rico,  porque  pobreza  é  escravidão,  quer  ser  rico  para  ser  forte, 
e  ser  forte,  porque  assim  o  manda  a  dignidade  humana,  porque 
fraqueza  é  mais  que  um  crime. 

Prudente  e  práctico,  este  fazendeiro  collocou  ao  redor  do 
seu  brazão  de  nobreza  humildes  amostras  dos  productos  de 
sua  terra,  para  que  a  Diplomacia  que  o  serve,  si  quizer  ás 
vezes  voar,  passada  a  região  das  nuvens,  onde  não  se  vè  nada, 
e  chegando  ao  céo  das  constellações,  visse  cercando  as  estrellas 
das  nossas  armas  nacionaes,  modestos  ramos  de  café  e  de 
■fumo,  erguidos  á  altura  sideral  —  o  que  é  ao  menos  symbolico, 
si  não  fôr  muito  esthctico. 


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ACTAS  667 

Meus  senhores.  ^ 

Do  cabo  S,  Roque  até  ao  Acre  e  do  Amazonas  até  á  lagoa 
Mirim,  não  ha  um  fitho  do  paiz  que  não  anhele  que  nossa 
pátria  tome  a  desenvolver  a  sua  vida  económica,  tanto  no  inte- 
rior como  no  exterior,  o  que  quer  dizer  que  não  ánhele  a  nossa 
transformação  e  r^eneração. 

Mas  esta  regeneração  se  não  pôde  realizar  apenas  com 
uma  boa  vontade  affectiva,  precisa-a  effectiva. 

Mas,  a  quem  incumbe  s^r? 

Só  ao  Governo? 

O  maior  çrro  de  uma  nação,  que  procura  a  sua  regene- 
ração, é  contar  só  com  o  Governo,  e  não  também  e  antes 
consigo  mesmo,  e  de  se  queixar  só  do  Governo  e  não  de  si 
mesmo . 

Emanação  de  nós  mesmos,  o  Governo  não  é  sinão  o  que 
somos.  Producto  natural  do  povo,  para  salva-lo  e  regenera-lo, 
os  Governos  não  têm  outros  predicados  sinão  os  mesmos  que 
já  tem  o  próprio  povo  para  ser  salro. 

A  nação  é  um  medico  adoecido,  que  só  elle  conhece  o  re- 
médio da  moléstia  de  que  soffre:  o  Governo  é  um  enfer- 
meiro carinhoso  e  habii,  que  pôde  grandemente  auxiliar  a  cura ; 
mas  só  o  doente  pôde  se  medicar  a  si  mesmo. 

A  acção  do  Governo,  para  se  realizar,  precisa  ser  levada, 
por  assim  dizer,  pelo  conjuncto  das  energias  atómicas,  que 
constituem  a  alma  da  nação. 

Para  produzir  effeitos  precisa  achar  o  terreno  já  prepa- 
rado. ! 

Ora,  é  a  vós,  meus  senhores,  que  cabe  a  formação,  e  é  de 
vós  que  depende  a  manifestação  destas  enei^s  atómicas  sal- 
vadoras . 

E'  a  vossa  influencia  moral,  são  os  vossos  estudos  e  o 
vosso  ensino,  são  os  vossos  conselhos  e  a  vossa  acção  patriótica 
directa  ou  indirecta,  que  produzirão  no  paiz  o  ambiente  pro- 
picio para  que  o  progresso  continue  e  ande  de  passo  ainda  mais 
accelerado  que  outr'ora. 

Muito  acertastes  adoptando  a  vossa  nova  feição  e  o  vosso 
novo  espirito,  que  originará  um  novo  Brasil. 

E  assim,  meus  senhores,  justificais  hoje  o  vosso  titulo  de 
Instituto  Histórico  e  Geographíco:  Gecçraphico,  não  porque 


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668  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

VOS  abysmeis  em  vãs  minúcias  da  sciehcia  de  nossa  terra,  mas 
porque  ensinaes  o  modo  de  aproveitar,  para  o  nosso  desenvol- 
vimento, as  riquezas  do  nosso  paiz  e  nos  animaes  a  grangea-las ; 
Histórico,  não  tanto  porque  conservaes  e  relataes  a  nossa  His- 
toria, mas  antes,  porque  sois  vós  que  estaes  fazendo  e  creando 
a  Historia  do  Brasil.»  (Calorosos  applausos.) 

O  Sr.  Dr.  Ramiz  Galvão  (orador)  profere  o  s^uinte 
discurso  em  resposta  ao  sr,  dr,  Nicoláo  José  Débbané: 

«  Sr.  presidente,  dignissimos  coltegas,  sr.  Nicoláo  Déb- 
bané, prezado  consócio  —  As  bellas  palavras  que  acabamos  de 
ouvir  confirmam  o  acerto  com  que  esta  companhia  vos  chamou 
para  o  seu  grémio. 

Éreis  conhecido  de  todos  nós  pela  noticia  dos  relevantes 
serviços  que  prestáveis  á  Pátria,  longe  delia,  em  paiz  remoto.. 
Já  éreis  aqui  prezado  em  virtude  dessa  interessantíssima  Con- 
ferencia, que  fizestes  no  Instituto  ^ypcio,  da  cidade  do  Cairo, 
sobre  a  personalidade  de  d.  Pedro  II,  o  querido  e  sempre 
lembrado  protector  do  Instituto  Histórico  Brasileiro,  Os  jus- 
tíssimos conceitos,  que  alli  exarastes  sobre  o  grande  patriota 
que  dirigiu  os  destinos  deste  paiz  por  espaço  de  meio  século, 
preparando-o  com  o  auxilio  de  prestimosos  estadistas  para  o 
papel  que  elle  deve  representar  no  mundo,  —  esses  conceitos 
desapaixonados  e  sinceros  echoaram  naturalmente  do  modo 
mais  sympathico  sobre  os  nossos  corações  e  deram  de  vosso 
culto  espirito  uma  idéa  alevantada,  que  hoje  se  consolida. 

O  nosso  segundo  imperador  foi  de  certo  o  mais  activo  e 
prestigioso  diplomata,  que  tivemos  no  século  passado  juncto  ás 
nações  extrangeiras,  que  visitou  em  suas  viagens  memoráveis 
de  1871  e  iS/ó  ao  Velho  Mundo  e  á  grande  Republica  da 
America  do  Norte.  Não  fez  então  convenções  nem  tractados, 
não  tomou  parte  em  Congressos,  não  conferenciou  com  mi- 
nistros. —  mas  deu  do  Brasil,  sua  pátria  querida,  tão  alta  idéa, 
representou  tão  galhardamente  a  nossa  cultura,  a  nossa  avidez 
de  saber  e  de  progresso,  os  nossos  sentimentos  de  confraterni- 
zação internacional,  que,  bem  se  pôde  dizer,  abriu  uma  nova 
éra  para  o  historia  desta  gloriosa  terra,  de  que  todos  nos. 
ufanamos.  Dos  grandes  e  notáveis  ser\iços  que  prestou  ao 
seu  berço  o  neto  de  Marco  Aurélio,  como  o  chamava  Victor 
Hugo,  este  não  foi  um  dos  menores  certamente. 


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ACTAS  669 

A  vossa  homenagem,  sr.  Debbané,  foi,  portanto,  um  acto 
de  grande  justiça,  a  que  o  Instituto  Histórico  se  confessa  reco- 
nhecido. 

Discorrestes,  illustre  consócio,  com  largueza  de  vistas, 
sobre  o  papel  que  cabe  a  esta  agremiação  de  eruditos  Brasi- 
leiros, mormente  depois  que,  em  obediência  á.  orientação  nova, 
ella  não  se  limita  a  prescrutar  o  passado,  —  missão  importante 
que  aliás  não  descura.  Alludindo  aos  nossos  cursos  recente- 
mente organizados,  tivestes  a  gentileza  de  qualificar  o  Insti- 
tuto—  «centro  de  direcção  da  lucta,  e  arsenal  onde  se  fa- 
bricam as  armas  da  acção  pacífica  e  effectiva  em  próI  do 
progresso  do  Brasil;  espécie  de  congresso  intellectual  perma- 
nente do  paiz,  assembléa  com  escopo  utilitário,  altruísta  e 
generoso,  e  por  isso  mesmo  alto,  nobre  e  glorioso  > . 

Gentilissimas  expressões,  illustre  consócio,  e  que  traduzem 
até  certo  ponto  os  nossos  patrióticos  intuitos. 

Não  é  que  tenhamos  a  pretenção  de  dar  normas  a  go- 
vernos nem  intervir  descabidamente  em  negócios  públicos, 
entr^ues,  como  elles  devem  ser,  a  mãos  competentes  e  expe- 
rimentadas. 

Mas  a  Historia,  como  a  entendemos,  abrange  todos  os 
ramos  da  actividade  humana.  Estudando-a,  esmerilhando-a  á 
luz  do  mais  acendrado  patriotismo,  preparamos  também  ca- 
minho para  a  acção  administrativa  efficaz,  iluminamos  a  es- 
trada do  porvir  em  que  serão  batalhadores  nossos  filhos, 
semeamos  idéas  que  hão  de  fructificar  no  correr  do  tempo 
para  lustre  e  gloria  da  Pátria. 

Na  phase  perturbada  que  atravessamos,  já  por  equivoco 
nosso,  já  por  efíeíto  dessa  tremenda  convulsão  que  agita  o 
mundo  e  cujas  consequências  ainda  não  é  licito  medir  com 
precisão,  nesta  phase,  mais  do  que  nunca,  o  Brasil  republicano 
carece  da  luz  de  todos  os  seus  filhos,  da  cooperação  de  todas 
as  forças  vivas  do  paiz.  desinteressada  e  patriótica,  sem  a 
paixão  dos  corrilhos  politicos,  sem  a  animosidade  de  velhas 
desaffeições,  sem  a  lucta  estéril  de  interesses  offendidos. 

Parece  que  chegámos  a  uma  daquellas  situações  criticas, 
em  que  o  máximo  de  coragem  e  de  abn^ação  se  faz  indispen- 
sável para  atravessar  uma  ponte  d'Arcole  symbolica  e  perigosa. 
ic  Suivez  votre  general  >  exclamou  o  genial  Bonaparte  naquelle 


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670  REVISTA  DO  msTlTOTO  HISTÓRICO 

passo  difftcil  da  campanha  de  Itália.  E  os  soldados  fraacezes 
electrízados  correram  á  víctoría. 

Assim  convém  egualmente  que  sigamos  unidos,  compactos, 
o  pendão  auri-verde  dos  que  nos  apontam  a  estrada  do  dever 
deante  dos  temerosos  embaraços,  que  o  Brasil  encontra  na 
sua  marcha. 

E  ahi  está  porque  nos  rejubilamos,  nós  os  do  Instituto 
Histórico,  com  a  entrada  de  mais  imi  soldado  prestante  e  valo- 
roso para  fortalecer  as  nossas  fileiras. 

Sede  bem  vindo,  sr.  Débbaoé. 

{ApplaMSos  prolongados.) 

Nada  mais  liavendo  a  tractar,  levanta-se  a  sessão  ás  22 
horas. 

Dr.    Pedro  Souto  Maiok, 
Servindo  de  2"  secretario.      / 


ACTA  DA  TERCEIRA  SESSÃu  UUDINAHIA,  EM  2%  DE  JUNHO  DE  1915 

Presidência  do  sr.  conde  de  'Affonso  Celso 

A's  vinte  horas  e  trinta  minutos,  na  sede  social,  sob  a 
presidência  do  sr,  conde  de  Affonso  Celso,  presentes  os  se- 
guintes sócios  srs.:  conde  de  Affonso  Celso,  Max  Fleiuss, 
dr.  Ei^rd  Roquette  Pinto,  dr.  Pedro  Souto  Maior,  dr.  Ni- 
coláo  José  Debbané,  dr.  Alfredo  Valladão,  dr.  Alfredo  Rocha, 
dr.  Miguel  Joaquim  Ribeiro  de  Carvalho,  dr.  João  Coelho 
Gomes  Ribeiro,  general  dr.  Gregório  Thaumaturgo  de  Aze- 
vedo, dr.  José  Américo  dos  Santos,  capitão  de  corveta  Raul 
Tavares,  dr.  Augusto  Tavares  de  Lyra,  capitão  de  corveta 
Francisco  Radler  de  Aquino  e  dr.  João  Luiz  Alves,  abre-se  a 
sessão. 

O  Sr.  Dr.  Roquette  Pinto  (2°  secretario)  lê  a  acta  da 
sessão  anterior,  que  é  sem  debate  approvada. 

O  Sr.  Fleiuss  {secretario  perpetuo)  lê  os  s^uintes  pa- 
receres da  Commissão  de  Admissão  de  Sócios : 

—  c  O  sr.  dr.  António  Fernandes  Figueira  e  um  nome 
sobejamente  conhecido  por  seu  valor  intellectual  e  moral.' 


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ACTàS  6?' 

A  Commissão,  pois,  recommenda  com  empenho  a  approvação 
da  proiK)bta  que  o  indica  para  sócio  eífectivo. 

Rio  de  Janeiro,  ló  de  Junho  de  1915.  — Dr.  Benjamin 
Franklin  Ramiz  Galvão,  relator.  —  Miguel  Joaquim  Ribeiro, 
de  Carvalho. — Manuel  Cicero  Peregrino  da  Silva.  ^An- 
tónio Olyntho  dos  Santos  Pires.  > 

—  ít  O  illustre  homem  de  lettras,  sr.  dr.  Arthur  Pinto  da 
Kocha,  é  uni  nome  de  todos  conhecido  pelas  várias  obras  de 
que  é  auctor,  e  com  as  quaes  muitos  applausos  ha  grangeado.. 
Não  fora  isso,  e  ainda  leriamos  no  sr.  Pinto  da  Rocha  um 
character  elevado  e  um  trabalhador  incansável,  digno  em  tudo 
de  fazer  parte  deste  grémio. 

A  Commissão  de  Admissão  de  Sócios,  pois,  não  só  apoia 
a  proposta  que  o  indicou  para  sócio  effectivo,  como  recom- 
menda a  sua  approvação  com  o  maior  empenho. 

Rio  de  Janeiro,  16  de  Junho  de  1915.  — Manuel  Cicero 
Peregrino  da  Silva,  relator.  —  Miguel  Joaquim  Ribeiro  de. 
Carvalho.  —  Dr,  Benjamin  Franklin  Ramiz  Galvão.  —  An- 
tónio Olyntho  dos  Santos  Pires.  » 

—  <  A  Commissão  de  Admissão  de  Sócios  acha  que  a 
proposta  que  indicou  o  sr.  dr.  Alfredo  Pinto  Vieira  de  Mello 
para  sócio  effectivo  merece  a  sancção  do  Instituto,  tractan- 
do-se,  como  se  tractsc,  de  um  homem  de  alto  valor,  digno  em 
tudo  da  consideração  que  todos  lhe  tributam. 

Rb  de  Janeiro,  16  de  Junho  de  1915.  — António  Olyntho, 
dós  Santos  Pires,  relator.  —  Miguel  Joaquim  Ribeiro  de  Car- 
valho.—  Dtí  Benjamin  Franklin  Ramic  Galvão. — Manuel 
Cicero  Peregrino  da  Silva.  » 

—  <0  sr.  dr.  Aureltno  Leal,  pelos  trabalhos  de  que  é 
auctor,  bem  como  pelas  suas  nobres  qualidades  intellectuaes 
e  moraes,  digno  por  isso  da  admiração  que  todos  lhe  rendera, 
está  perfeitamente  nos  casos  de  merecer  deste  Instituto  a 
approvação  da  proposta  que  indica  o  seu  nome  para  sócio 
effectivo. 

A  Commissão  de  Admissão  de  Sócios  julga,  pois,  que 
deve  ser  approvada  a  mesma  proposta. 

Rio  de  Janeiro,  16  de  Junho  de  1915.  —  Miguel  Joaquim 
Ribeiro  de  Carvalho,  relator.  — Manuel  Cicero  Peregrino  da 


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(122  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Silva.  —  Dr.   Benjamin   Franklin   Ramis   Galvão.  —  António 
Olynllio  dos  Santos  Pires.  > 

—  <  A  Commissão  de  Admissão  <le  Sócios  nada  tem  a 
oppõr  á  proposta  que  indicou  o  nome  do  sr.  dr.  António  de 
Barros  Ramalho  Ortigão  para  sócio  effectivo  do  Instituto, 
antes,  felicita-se  pela  nova  acquisiijào  de  um  estudioso  de 
valor,  pois  reconhece  no  íllustre  proposto  todas  as  qualidades 
necessárias  para  muito  auxiliar  a  nossa  aggremiação. 

Rio  de  Janeiro,  i6  de  Junho  de  1915.  —  António  Olynlho 
dos  Santos  Pires,  relator,  —  Dr.  Benjamin  Franklin  Ramiz 
Galvão. — Manuel   Cícero   Peregrino   da   Silva.» 

—  «A  Commissão  de  Admissão  de  Sócios  nada  tem  a 
oppór  á  proposta  que  apresentou  para  sócio  correspondente 
do  Instituto  o  dr.  Alberto  Lamego,  reconhecendo-lhe  todas  as 
qualidades  que  o  eminente  consócio  sr.  dr.  Oliveira  Lima, 
seu  primeiro  patrono,  a  seu  respeito  externou  e  cuja  opinião 
merece  o  maior  acatamento  do  Instituto. 

Pensa,  ik>ís,  que  j)óde  ser  approvada  a  mesma  proposta. 
Rio  de  Janeiro,  16  de  Junho  de  1915.  —  Dr.  Benjamin 
Franklin  Ramis  Galvão,  relaíor.  —  Miguel  Joaquim  Ribeiro 
de  Carvalho.  —  António  Olyntho  dos  Santos  Pires.  > 

Corridos  os  escrutínios  são  approvados  —  por  unanimi- 
dade —  os  pareceres  relativos  aos  srs.  drs.  António  Fernandes 
Figueira,  Arthur  Pinto  da  Rocha,  Alfredo  Pinto  Vieira  de 
Mello,  Aurelino  Leal  e  António  de  Barros  Ramalho  Ortigão, 
e  —  por  maioria  de  votos  —  o  relativo  ao  sr.  dr.  Alberto 
Lam^o. 

O  Sr.  Conde  de  Affonso  Celso  (presidente)  faz  as 
proclamações . 

O  Sk.  Fleiuss  (i"  secretaria  perpetuo)  lè  a  s^uintc 
proposta,  que  vae  á  Commissão  de  Admissão  de  Sócios,  sendo 
relator  o  sr.  dr,  Benjamin  Franklin  Ramiz  Galvão: 

—  «Considerando  que  o  dr.  Urbano  Santos  da  Costa 
Araújo  é  uni  Brasileiro  notável,  a  vários  aspectos,  tendo  dei- 
xado na  magistratura,  na  alta  administração,  na  imprensa,  no 
foro,  na  tribuna  parlamentar,  irrecusáveis  documentos  de 
capacidade  intellectual,  operosidade  e  character; 

Considerando  que  o  Brasil  inteiro  o  tem  distinguido  com 
justificadas  demonstrações  de  acatamento; 


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ACTAS  6?3 

Consideraiitlo  que,  de  longa  data,  mostra  elle  particular 
estima  ao  Instituto  Histórico,  ao  qual  tem  prestado  preciosos 
serviços : 

Propomos  que  seja  elle  índuido,  de  accôrdo  com  os 
Estatutos,  na  lista  dos  nossos  sócios  honorários. 

Rio  de  Janeiro,  28  de  Junho  de  191 5.  —  Conde  de  Affonso 
Celso.  —  M.  Fleiuss.  —  Clóvis  BevUaqua.  —  Arlhur  Guima- 
rães.—  Manuel  Cícero.  —  Alfredo  Rocha.  —  Roquette  Pinto. 
—  Radler  de  Aquino. — Tavares  de  Lyra. — Pedro  Souto 
Maior.  — João  Luiz  Alves.  » 

O  Sr.  Fleiuss  {/"  secretario  perpetuo)  lê  depois  uma 
carta  pertencente  ao  archivo  do  conselheiro  Saraiva  e  devida 
ao  conselheiro  Francisco  Octaviano  de  Aljneida  Rosa,  datada 
de  Buenos  Aires,  a  20  de  Junho  de  1865,  tractando  da  batalha 
do  Riachuelo. 

Esta  carta  desperta  a  oiais  agradável  impressão  no  audi- 
tório. 

Passando-se  á  segunda  parte  da  ordem  dos  trabalhos,  o 

sr.  dr.  Pedro  Souto  Maior  lê  a  conclusão  do  seu  relatório 

sobre  os  archivos  hispanhoes  em  desempenho  da  c 

.  do  Instituto,  sendo  ao  terminar  muito  applaudido. 

Levanta-se  a  sessão  ás  22  horas. 

Roquette  Pinto, 
2"  secretario. 


ACTA  DA  QUARTA  SESSÃO  ORDINÁRIA,  EM  31  DE  JULHO  DE  1915 

Presidência  do  sr.  conde  de  Affonso  Celso 

A's  20  e  meia  horas  da  noite,  na  sede  social  com  a 
presença  dos  seguintes  sócios:  srs.  drs.  conde  de  Affonso 
Celso,  Manuel  Cicero  Peregrino  da  Silva,  barão  Homem  de 
Mello,  desembargador  António  Ferreira  de  Souza  Pitanga, 
Max  Fleiuss,  drs.  Edgard  Roquette  Pinto,  Benjamin  Franklin 
Ramiz  Galvão.  Augusto  Tavares  de  Lyra,  Homero  Baptista, 
general  dr.  Gregório  Thaumaturgo  de  Azevedo,  almirante 
António  Coutinho  Gomes  Pereira,  conselheiro  Salvador  Pires 
de  Carvalho  e  Albuquerque,  dr.  João  Coelho  Gomes  Ribeiro, 
Manuel  Álvaro  de  Sousa  Sá  Vianna,  commandantes  Fran- 


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674  REVISTA  DO  INSTITUTO  mSTOMCO 

cisco  Radler  cie  Aquino  e  Raul  Tavares,  major  dr.  Lilicrató 
Bittencourt,  drs.  Miguel  Joaquim  Ribeiro  de  Carvalho,  Ro- 
drigo Octávio  de  Langgaard  Menezes,  José  Américo  dos 
Santoí,  Alfredo  Valladão  «  Eduardo  Marques  Peixoto,  abre-se 
a  sessão. 

O  Sa.  Fleiuss  (/'  secretario  perpetuo)  communíca  ao 
Instituto  que  a  idéa  do  Congresso  Internacional  de  Historia 
da  America  para  commemorar  o  Primeiro  Centenário  da  Inde- 
pendência do  Brasil  tem  tido  a  maior  repercussão  nos  Estados 
Unidos,  havendo,  neste  sentido,  o  illustre  Embaixador, 
sr.  Morgan,  prestado  o  seu  valioso  apoio. 

Em  seguida  communica  a  offerta,  pelo  atictor,  da  ma- 
quetle  do  busto  do  saudoso  consócio  desembargador  Lima 
Drummond,  trat>alho  devido  ao  esperançoso  artista  patrido, 
sr.  Pitanga,  filho  do  nosso  illustrado  3°  vice-presidente. 

O  Sr.  Conde  de  ApPonso  Celso  (presidente)  diz  que 
o  Instituto  muito  agradece  a  offerta. 

O  Sr.  Fleiuss  usa  de  novo  da  palavra  para  conimunicar 
ao  Instituto  que  se  acha  na  casa  o  sr.  dr.  Arthur  Pinto  da 
Rocha,  sócio  effectivo  eleito,  que  vem  tomar  posse  da  sua 
cadeira. 

O  Sr.  Conde  de  Affonso  Celso  (presidente)  designa 
para  em  commissfio,  accompanharem  o  novo  sócio  ao  recinto 
os  srs.  drs.  José  Américo  dos  Santos,  Roquette  Pinto  e  Fleiuss. 

Dá  entrada  no  recinto,  presta  o  compromisso  dos  Esta- 
tutos e  toma  posse  o  sr.  dr.  Arthur  Pinto  da  Rocha. 

O  Sr.  Conde  de  Affonso  Celso  (presidente)  dá  a  pa- 
lavra ao  novo  sócio. 

O  Sr.  Dr.  Arthur  Pinto  da  Rocha  lè  o  s^uinte  dis- 
curso: 

«Egrégio  presidente  —  Illusires  confrades: 

Voltaire,  a  summa  potestade  do  seu  tempO,  cantando  a 
própria  vida,  escreveu : 

«  AppoUan  présidait  ou  pour  qui  m'a  vu  nattre; 
<  au  sortir  du  berceau  j'ai  bígayé  des  vers.  » 

Perdoae,  que,  remembrando  agora  a  vaidade  justificada 
do  génio  soberano  ao  hombrear  com  a  majestade  de  Frede- 


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ACtAS  6?$ 

rico,  si  não  a  excedeu,  a  pequenez  do  meu  espirito  vá  de 
rastros,  até  beijar  a  sandália  divina  do  poeta. 

Talqualmente  se  oi^lhara  o  historiador  do  século  de 
Luiz  XIV  pelo  haver  Apollo  presidido  ao  dia  do  seu  appa- 
recimento  no  mundo,  á  distancia  de  centúria  e  meia  eu  me 
envaideço  de  entrar  neste  cenáculo  de  varões  assignalados  e 
de  espíritos  insignes,  presidindo  vós,  sr.  conde,  á  hora  da 
minha  investidura. 

Si  ao  sair  do  berço  o  grande  génio,  que  devia  ser  depois 
o  épico  da  Henriqueida,  um  dos  sábios  da  Encyclopedia  e 
precursor  máximo  da  revolução  —  bégayatl  des  vers,  —  não 
será  de  espantar,  nem,  muito  menos,  para  censurar  que, 
prestes  a  satr  da  vida,  a  quasi  extíncta  energia  do  meu  espi- 
rito claudique  e  a  ronceira  actividade  da  minha  palavra  tar- 
tamudeie!, no  instante  de  vos  dizer,  senhores  meus  e  meus 
illustres  confrades,  que  só  por  mui  generosa  benquerença, 
haveis  consentido  em  trazer  ao  vosso  grémio  a  quem  não 
sendo  eloquente  ou  fecundo,  nem  diserto,  não  é  também  sa- 
bedor nem  erudito. 

Oxalá  vos  não  sintaes  futuramente  repesos  de  haverdes 
confiado  em  demasia  nos  impulsos  do  vosso  coração,  que,  á 
minha  parte,  vos  af firmo  eu,  tudo  empenharei:  alma,  vida, 
entendimento  e  braço  por  amor  de  bem  servir  a  causa  da 
sciencia  que,  ha  JJ  annos,  no  seio  deste  venerando  sodalicio 
por  onde  passou  e  fulgiu  o  vulto  austero  e  saudoso  do  sábio, 
honrado  e  magnânimo  amigo  da  Liberdade  e  da  Pátria,  que 
foi  o  imperador  Pedro  H,  tem  sido  carinhosamente  defen- 
dida, junctamente  com  as  tradições  e  com  as  glorias  bra- 
sileiras, por  <  tantas  mentes  ás  musas  dadas  e  muitos  braços 
ás  armas  feitos  ». 

Nem  só  de  pão  vive  o  homem :  que  si  o  trigo  alimenta 
o  corpo,  a  sciencia  alimenta  o  espirito  e  aniboí,  trigo  e  sciencia, 
são  filhos  da  mesma  origem:  da  terra,  mãe  commum,  da 
natureza,  conjuncto  ainda  mysterioso  de  todas  as  grandezas.i 

E  ao  entender  do  immenso  tribuno  da  Ibéria, 
c/o    naturalesa    seria    coma    un    templo    sin    sacerdotes,    â 
como  un  geroglifico  sin  decifradores  ó  interpretes,  si  no  la 
comprendicra  el  pensamiento  y  »o  la  iluminara  la  poejÍa>., 


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676  llEViaTA  DO  INSTITDTO  HISTÓRICO 

Nesta  atmosphera  serena  e  austeríssima,  em  cujo  ambi- 
ente se  cultua  a  Historia  como  num  templo  cheio  de  sacerdotes, 
a  natureza  tem,  concomitantemente,  decifradores  e  interprete? 
para  os  seus  hieroglyphos,  porque  teve  sempre  o  pensamento 
que  a  comprehen desse  e  a  poesia  que  a  ílluminasse. 

Nem  a  Historia  poderia  viver  sem  o  pensamento,  quando 
ella  desce  ás  camadas  geológicas  ou  penetra  os  meandros  do 
cérebro,  para  subir  depois  á  vastidão  etherea,  onde  os  mundos 
se  cruzam  no  labyrintho  maravilhoso  da  Polynesia  sideral: 
nessas  peregrinações,  como  a  lâmpada  eterna  'da  legenda 
oriental,  vae  accompanhada  sempre  pelo  espirito  humano,  ou 
etle  baixe  com  Cuvier  e  os  seus  precursores  ás  profundidades 
do  Planeta  a  sorprehender  nos  despojos  siluricos  dos  fosseis 
a  vida  dos  foraminiferos  e  nos  af^lomerados  coraliaiios  do 
jurássico  os  movimentos  rudimentares  dos  espongiários;  ou 
eite  se  alevante  ás  reigões,  onde  paira  a  fonte  da  vida  universal, 
com  o  engenho  de  Copérnico,  a  luneta  de  Gallileu  e  o  génio 
do  padre  Sechi,     ' 

E  no  seio  da  Historia,  como  em  um  precioso  relicário, 
egualmente  aquecidas  pelo  mesmo  affecto,  guardadas  pelo 
mesmo  carinho,  o  pensamento  encontra  a  majestade  viva  e 
eloquente  do  Direito  e  a  majestade  morta,  mas  evocativa 
das  ruinas,  illimiinadas  ambas  pelo  fulgor  da  Poesia,  com- 
panheira inseparável  da  Justiça  que  nasce  do  Direito,  como  a 
côr  emerge  da  luz  e  como  o  sussurro  doce  e  mesto  dos  des- 
pojos da  vida  que  murmura  nas  ruinas,  á  similhança  do 
marulho  eterno  das  vagas,  na  concavidade  dos  búzios. 

Repetem  as  almas  frias,  inaccessiveis  aos  encantos  da 
arte,  que  a  austeridade  da  sciencia  e  a  precisão  das  suas  leis 
repellem,  por  perigoso,  o  contacto  da  Poesia,  em  virtude  da 
subtileza  leve  e  vaga  das  suas  im^ens  e  pela  volubilidade  do 
seu  rythmo :  para  essas  almas,  uma  é  a  realidade  severa  e  forte, 
a  outra  é  a  phantasia  alada,  gárrula  e  flebil , . , 

Entretanto,  o  genío  de  Viço,  o  verdadeiro-  fundador  da 
Historia,  o  creador  dessa  <  sciencia  nova,  relativa  á  natureza 
commum  das  nações,  [wr  meio  da  qual  se  descobrem  novos 
princípios  de  direito  natural  das  gentes  »,  Viço  levanta  o  seu 
espirito  ao  estudo  da  sabedoria  poética  e  á  descoberta  do 
verdadeiro  Homero. 


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ACTAS  677 

Foi  na  leitura  de  Platão,  escabichando  imagens  poçticas, 
foi  na  leitura  de  Tácito,  estudando  o  estylo  puríssimo  do 
historiador  romano,  que  o  sábio  Viço  bebeu  inspiração  e  en- 
controu os  fundamentos  da  sua  audaciosa  theoria. 

Foi  estudando  os  despojos  das  velhas  civilizações,  as 
ruínas  dos  impérios  mortos,  donde  se  evola,  ininterrupto,  como 
a  espira  azulada  do  incenso,  o  fumo  da  tradição  e  das  lendas 
mythicas,  que  o  precursor  da  Philosophia  da  Historia  pôde 
negar,  um  século  antes  de  Wolf,  a  existência  de  Homero 
poeta,  para  affirmar  apenas  a  belleza  legendaria  da  poesia 
grega,  para  affirmar  que  o  génio  do  cego  cantor  da  «  Iliade  »  e 
da  €  Odysséa  >  não  é  mais  que  o  génio  da  raça  hellenica,  can- 
tando-se  a  si  mesma  nas  lyras  dos  seus  rhapsodos  e  cele- 
brando a  pequenez  exigua  do  seu  berço,  mas  a  grandeza  pn>- 
digiosa  da  sua  civilização. 

Com  a  Poesia  se  íonfuiide  a  historia  da  existência  pri- 
meva dos  povos:  é  cantando  que  a  alma  humana  grava  no 
tempo  e  na  memoria  das  gerações  as  façanhas  dos  seus  heróes 
e  3  marcha  da  sua  evolução  inconsciente. 

E,  ás  vezes,  nem  sempre,  inseparavelmente  ligado  a 
ambos,  soffrendo  as  mesmas  vicissitudes,  erguendo-se  nos 
mesmos  arroubos,  tombando  nas  mesmas  quedas,  salvando-se 
dos  mesmos  cataclysmos,  o  Direito  sobrevive  com  ellas,  atra- 
vessando o  século,  ao  aniquillamento  dos  impérios  e  prende-se 
a  ambas  como  a  hera  ás  ruinas. 

Das  dynastias  dos  lesos,  dos  Lagidas  e  dos  Pharaós  ficou 
sobre  o  solo  do  Egypto  a  maravilhosa  grandeza  dos  destroços 
de  palácios,  de  templos  e  de  sepulcros;  do  Direito,  nenhum 
monumento  se  salvou,  mas  nas  ruinas  dos  obeliscos,  nos  hiero- 
glyphos  dos  templos,  nos  papyros  dos  sepulcros,  nos  sar- 
cophagos  das  múmias,  os  egyptologos  modernos  e  os  velhos 
historiadores,  como  Heródoto  e  Diodoro,  assignalam  a  exis- 
tência dos  oito  livros  de  Thot,  que  representaram,  na  vida 
daquellas  monarchias  barbaras  do  Nilo  o  papel,  que  as  leis 
das  XII  taboas  desempenharam  entre  os  Romanos. 

Mas,  si  com  as  gigantescas  proporções  da  arte  egypcia, 
que  Theophilo  Gauthier  tão  severamente  descreve  na  sua  en- 
cantadora <  Noite  <le  Cleópatra  »  e  que  a  longa  jornada  dos 
séculos,  atravessando  todos  os  temporaes  e  o  desabamento  das 


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676  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

civilizações,  não  conseguiu  destruir,  o  Direito  sossobrou,  a 
Poesia  perdura,  canta  nas  aragens  do  deserto,  quando  passam 
pelas  pyramides,  pelas  esphynges,  pelos  sepulcros ;  a  Poesia 
vibra  no  mysticismo  da  Religião  e  da  Philosophia;  a  Poesia 
rola  e  soluça  nas  aguas  do  Nilo,  geme  e  reza  na  cidade  dos  . 
mortos  <  no  valle  dos  túmulos  reaes',  onde  uma  natureza 
exuberante  proseguiu  a  sua  obra  de  creação  no  meio  da 
lucta  selvagem  dos  elementos;  onde,  parece,  na  verdade, 
que  se  abrem  as  portas  do  mundo  subterrâneo  »,  e  onde  Cham- 
pollion  foi  surprehender,  na  frieza  dos  papyros  e  na  immobi- 
lidade  eterna  das  múmias,  os  segredos  dos  hieroglyphos,  as 
abreviaturas  symJbolicas  da  escriptura  hierática  e  os  chara- 
cteres  do  alphabeto  demotico. 

Da  Grécia  antiga,  que  a  humanidade  civilizada  nunca 
deixará  de  admirar  e  que,  na  phrase  sugestiva  de  Letoumeau, 
é  o  fermento  da  civilização  oriental,  a  Historia  surge  com  a 
Poesia  aos  primeiros  albores  da  alma  hellenica,  aos  primeiros 
vagidos  da  raça,  aos  primeiros  passos  do  povo,  e  antes  que 
Heródoto,  Thucydides  e  Xenophonte  houvessem  fixado  no 
mármore  da  prosa  estylizada  a  gloria  das  Musas  e  as  fa- 
çanhas dos  Lybicos,  as  victorias  do  Peloponeso  e  a  Anabase, 
já  o  espirito  hellenico  vibrava  na  garganta  e  na  lyra  dos  aedos 
c  dos  rhapsodos,  já  o  mytho  ou  a  realidade  de  Homero  havia 
cantado  na  «lliade»  e  na  «Odysséa»,  já  a  «Iliade»  appa- 
recera  como  o  pacto  de  alliança,  da  nacionalidade  hellenica, 
a  maior  obra  da  imaginação  dos  homens,  a  synthese  magnifica 
de  uma  civilização,  o  modelo  por  excellencia  da  epopeia;  já  a 
«  Odysséa  »,  si  bem  que  menos  gigantesca',  menos  heróica,  mais 
profunda  porém,  se  havia  feito  o  modelo  da  belleza  simples, 
e,  unidas,  sob  a  invocação  do  mesmo  espirito  creador,  encer- 
ravam, como  um  escrinio  opulento  do  Oriente,  todas  as  jóias 
de  rara  belleza  artística. 

Ia  bem  alto,  no  zenith,  a  gloria  lyrica  de  Therpandro, 
quando  o  archonte  Dracon  surgiu  com  o  código  das  suas  leis, 
em  cujo  contexto  a  pena  capital  dominava  soberanamente 
como  expressão  da  sua  natureza  feroz.  E  quando  Sólon,  ame- 
nizando a  crueldade  draconiana  com  a  moderação  do  seu 
Direito  novo,  deu  a  Pisistrato  a  honra  immortal  de  restituir 
a  Athenas  o  predominío  da  ordem  e  da  justiça,  havia  mais 


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ACTAS  679 

de  meio  século  que  o  génio  de  Alceu  fulgia  no  colorido  das 
suas  formosas  imagens;  Sapho  augmentara  para  dez  o  numero 
das  Musas  com  a  melodia  dos  seus  versos  e  a  perfeição 
absoluta  das  suas  estrophes;  Erynna,  morta  entretanto  aos 
dezoito  annos,  havia  cantado  300  versos  do  seu  poema  com 
tal  genlo,  que  provocava  a  admiração  de  Antlpater  e  o  enthu- 
siasmo  de  Asclepiades:  e  Tyrtheu,  com  o  estro  flammejante 
dã  sua  inspiração  heróica,  talvez  caldeada  no  sangue  de 
Achllles,  havia  ei^ído  a  alma  da  Lacedemonia  para  lança-la 
cm  ímpetos  indomáveis  contra  a  ferocidade  dos  Messenios. 
Quarenta  annos  fazia  que  durava  a  peregrinação  do  povo 
de  Israel  através  do  deserto  da  Arábia,  quando  Moisés  lhe 
deu  a  legislação  que  recebera  no  Sinai :  mas  a  esse  tempo  já  a 
alma  semítica,  sonhadora  e  mystica,  embalada  pelo  seu  mono- 
theismo  simples  e  forte,  confiante  no  Creador  do  céo  e  da 
terra,  no  Deus  sublime  que  castiga  o  mal  e  dá  prémios  ao 
bem,  havia  cantado  com  os  patriarchas  a  belleza  dos  seus 
costumes  ingénuos  e  pacíficos,  realçando  a  f^ra  nobre  de 
José  na  firmeza  resignada  e  serena,  aureolada  por  uma  des- 
ventura tenaz  e  sempre  envolta  na  legenda  encantadora  que 
lhe  attribue  a  virtude  de  adivinhar  os  sonhos;  já  se  fixara 
na  tradição  poética  a  historia  dos  amores  de  Abrahãp  e  de 
Agar ;  já  se  constituirá  na  lenda  rude  e  bella  da  retirada  de 
Ismael  para  o  deserto,  dando  origem  ao  povo  árabe ;  já  andava 
de  bocca  em  bocca  a  rivalidade  entre  Esaú  e  Jacob,  e  aquella 
formosa  novella  de  amor,  em  cuja  tecitura  delicada  se  en- 
redam as  almas  doces  de  Rachel  e  de  Lia,  figuras  feitas  de 
luar  e  seda,  tão  distantes  de  nós  e  ainda  tão  puras  tio  sectilo 
XVI,  que  inspiravam  o  génio  de  Camões,  o  qual  não  soubera 
até  então  comprehender  como  bastara 

«  para  tão  grande  amor  tão  curta  vida  »; 
já  havia  caído  sobre  a  cabeça  dos  Israelitas  a  escravidão  que 
lhes  impuzera  o  Pharaó;  já  a  alma  das  mães  extremecera 
de  pavor  ouvindo  a  narrativa  da  asphyxia  das  crianças  nas 
aguas  do  Nilo  e  a  lenda  emocionante  da  salvação  de  um  berço 
que  fluctuava  entre  os  juncaes  da  margem,  levando  no  seio, 
como  gotta  de  orvalho  na  corolla  de  um  nenuphar,  o  futuro 
guiador  do  povo  e  legislador  da  raça,  tão  grande  que,  ainda 
trez  mil  annos  depois,  immortalízou  o  cinzel  dp  Buonarotti. 


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68o  REVISTA  DO  IN6TITUT0   EOSTORICO 

Mas  a  Historia,  a  Poesia,  o  Direito  e  a  própria  vida  dos 
Israelitas  se  confundiam  com  a  sua  religião;  nas  paginas  da 
sua  historia  vibra  a  alma  hebréa,  de  um  lyrismo  delicioso, 
fulgem  a  rigidez  da  sua  legislação  e  a  austeridade  da  sua 
moral,  flue  a  simplicidade  patriarchal  dos  seus  costumes,  tudo 
isso  envolto  num  véo  de  mysticismo,  que  se  casa  admiravel- 
mente á  paizagem  longínqua  da  sua  Mesopotâmia  pastoril. 

As  formas  altas,  grandiosas  e  trágicas  da  Poesia,  a  epopeia 
e  o  drama,  que  se  inspiram  directamente  na  magestade  da 
Historia  accidentada  e  forte,  nas  campanhas  da  conquista,  nos 
arrebatamentos  das  paixões  desencadeadas,  nas  fúrias  guer- 
reiras que  geram  o  ódio  dos  inimigos,  nunca  o  povo  hebreu 
ns  realieou.  Por  isso  mesmo  a  historia  da  gente  de  Israel  é 
diluida  na  forma  poética  mais  simples  e  mais  doce;  ora 
psrtlmodica,  soluçando  com  a  harpa  de  David,  ora  didáctica 
e  philosophica  sob  as  legendas  de  Job,  com  que  se  louvam  e 
cultuam  as  obras  da  justiça  de  Deus,  ora  idyllica  e  humana, 
como  no  «  Cântico  dos  Cânticos  >,  ora  gnomica  e  proverbial, 
como  nas  sentenças  de  Salomão;  e  por  isso  mesmo  o  Direito  e 
a  legislação  hebraicos  atravessaram  os  séculos  e  ainda  hoje 
ensinam  a  civilização  moderna. 

Os  psalmos  de  David  são  verdadeiros  primores;  seriam 
gemmas  preciosas  de  qualquer  litteratura  actual,  si  não  fossem 
a  expressão  flagrante,  original,  characteristica  e  sublime  da 
alma  hebréa.  Nunca  o  espirito  humano,  em  qualquer  momento 
da  vida  do  planeta,  subiu  tão  alto  na  sua  aspiração  para  Deus, 
nunca  a  phantasia  do  homem  creou  imagens  de  tamanho  fulgor, 
nunca  as  orações  da  crença  tiveram  tanto  fervor  e  tanta 
uncção,  nunca  as  lamentações  da  consciência  vibraram  com 
tal  sentimento,  nunca  os  soluços  da  queixa  arrancaram  de 
tão  fundo  para  voarem  tão  alto,  e,  a  não  ser  a  magestade 
olympica  da  <  Divina  Comedia  »,  nada  ha  em  toda  a  vastidão 
da  terra  que  se  compare  a  essa  obra  do  génio  semilico,  so- 
nhada, gemida,  soluçada,  cantada  pela  alma  hebraica. 

Weber,  o  historiador  allemão,  estudando  as  origens  dos 
povos  orientaes,  tracta  rudemente  a  China;  a  esse  povo  mille- 
nario  a  penna  do  escriptor  germânico  distingue  com  este 
juizo  de  uma  crueldade  innominavel :  «  Covarde  e  impotente, 
servil  e  humilde,  sem  vigor,  sem  dignidade,  sem  elevação 


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intellectual,  penetrado  entretanto  de  uma  cega  infatuação  e 
do  mais  soberbo  desprezo  pelos  outros,  povos  >. 

Todavia,  ao  ter  de  apreciar  os  livros  de  Confúcio,  nos 
quaes  se  acham  reduzidas  e  coordenadas  as  antigas  doutrinas, 
historias  e  tradições,  Weber  assevera  que  o  terceiro  livro, 
sob  o  titulo  de  c  Schi-King »,  t  encerra  a  collecção  dos  an- 
tigos cânticos  nacionaes,  cheios  de  graça,  de  dignidade,  dç 
belleza  >. 

Sem  attender  á  contradicção  flagrante  em  que  incorre  p 
sábio  historiographo  germânico,  a  respeito  da  psychologia  do 
povo  chinez,  veriíica-se,  no  entanto,  que  muito  antes  de  appa- 
recer  a  Historia  que  fixou  e  firmou  a  tradição  oral,  vaga  e 
fluctuante,  a  alma  chineza  havia  cantado  a  poesia  cheia  de 
graça,  de  dignidade  e  de  belteza  dos  seus  hymnos,  as  façanhas 
das  suas  edades  primitivas,  os  encantos  da  sua  paizagem  illu- 
minada  e  exhuberante,  a  simplicidade  da  sua  vida  agricola 
e  a  maravilhosa  transparência  do  Iseu  firmamento  e  das 
suas  aguas. 

Ora,  o  livro  dos  versos  de  Confúcio,  como  aliás  todos  os 
Thing,  remonta  ao  septimo  século  antes  de  Chrísto,  e  a  pri- 
meira parte  desse  livro  era  simplesmente  uma  coUectanea  das 
canções  populares  que  a  tradição  e  a  musica  haviam  con- 
servado de  tempos  immemoriaes. 

Assim,  pois,  como  observam  Letoumeau,  d'Hervey,  St. 
Denis  e  Bouillet,  já  á  epocha  da  fundação  de  Roma  os  Chinezes 
haviam  descoberto  o  c  foik-lore  >,  fazendo  por  elle  o  estudo 
da  sua  própria  psychologia  social;  e  as  mais  antigas  das 
canções  recolhidas  remontam  ao  século  XVIII  antes  de 
Christo,  ao  reinado  quasi  lendário,  nebuloso,  do  imperador 
Chun,  apagado  na  bruma  da  distancia. 

Durante  trinta  séculos  a  alma  mongolica  vibrou  e  gemeu, 
cantou  e  sentiu,  soluçou  e  sorriu,  blasphemou  e  pediu  no 
lyrismo  inconfundivel  da  sua  Poesia;  durante  trinta  séculos 
a  China  teve  poetas,  inclusive  entre  os  seus  imperadores, 
como  Wouti,  soberano  da  dynastia  dos  Han,  a  cujo  estro  se 
deve  a  formosa  €  Canção  dos  remos »,  salva  pelo  próprio 
Confúcio  do  incêndio  que  outro  imperador,  212  annos  antes 
de  Christo,  mandou  atear  aos  livros  com  o  fim  de  extinguir 
a  tradição  ancestral;  trez  mil  annos  antes  de  surgir  a  pri- 

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663  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

meira  codificação  das  leis  do  IV  livro  de  Confucid,  a  historia 
dos  primeiros  Chinezes,  ao  despontar  a  sua  existência  nacional, 
palpitava  na  inspiração  dos  poetas  e  perpetuava-se  nas  canções 
populares . 

O  lyrismo  desses  poemetos  é  characteristicamente  impes- 
soal, apezar  da  sua  antiguidade  quasi  fabulosa,  e  esse  facto 
demonstra  que  já  na  éra,  em  que  foram  produzidos  pelo 
génio  dos  poetas,  a  sociedade  chineza  devia  contar  uma  exis- 
tência de  séculos;  com  esses  tempos  que  se  perderam,  per- 
deram-se  também  a  legislação  e  a  chronica,  mas  salvou-se  a 
Poesia,  a  qual  deu  a  Confúcio  a  matéria  prima  para  reconsti- 
tuir o  Direito  e  fixar  a  Historia  do  único  império  antigo  que 
resistiu  á  acção  corrosiva  dos  séculos,  á  influencia  demolidora 
dos  cataclysmos  e  vive,  ainda  hoje,  no  isolamento  das  suas 
muralhas  e  na  quasi  immobilidade  ascética  da  sua  religião ;  na 
China  foi  a  Poesia  popular  o  fio  tenuissimo  que  conservou  a 
unidade  nacional  e  conseguiu  salva-la  do  exquecimento. 

O  sabío  l,etoumeau,  estudando  a  evolução  litteraria  hu- 
mana, dedica  um  brilhante  e  eloquente  capitulo  ao  desenvol- 
vimento do  México  e  do  Pcrú,  especialmente  ás  primeiras 
edades :  são  as  origens  recuadissimas  de  duas  civilizações 
extinctas,  que  interessem  á  intelligencia  do  erudito  e  philo- 
sopho. 

Essas  civilizações  elle  as  compara  nestas  linhas,  que 
formam  tmia  synthese  do  seu  estudo: 

«As  duas  civilizações  são,  entretanto,  comparáveis:  os 
dous  impérios  eram  monarchias  absolutas,  obedeciam  a  se- 
nhores adorados  como  deuses;  apenas  o  Peru  nos  apresenta 
o  mais  bello  typo  de  socialismo  monarchico  e  auctoritario,  que 
ha  existido;  o  México,  ao  contrario,  era  uma  monarchia  abso- 
lucta,  feudal,  mas  os  dous  Estados  eram  aristocráticos  e 
theocraticos.  Sob  o  ponto  de  vista  da  Esthetica  litteraria,  o 
México  e  o  Peru  são  análogos». 

E  referindo-se  ao  idioma  fallado  no  í*erú,  Letourneau 
af  firma  que  foi  primitivamente  o  <  quichua »,  e  que  « les 
poésies  de  i'ancien  Pérou  ont  donc  été  toutes  composées  en 
<  quichua »,  e  quando  estuda  a  representação  graphíca  do 
idioma  dos  Aztccas,  assevera  que  fora  ella  uma '  escriptura 

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figurativa,  simples  aperfeiçoamento  de  um  primitivo  processo 
de  expressão  da  pictcçraphia  usada  pelos  Pelles-Vermelhas. 
E'  tudo  quanto  o  espirito  humano  conhece  de  mais  remoto 
na  tradição  dessas  regiões  do  continente  americano. 

Pois  bem  t  Graças  a  essa  escriptura  rudimentar,  podemos 
hoje  conhecer  que  já  nesses  tempos  recuadissimos  da  vida 
dos  Incas  e  dos  Aztecas,  quando  a  Iti^ua  fatiada  era  o 
<  quichua  >,  antes  da  formação  das  suas  monarchias  theocra- 
tica  é  socialista,  muitos  séculos  antes  da  conquista  hispanhola, 
yj.  a  alma  barbara  dessas  paragens  tinha  as  suas  legendas  de 
rara  belleza  e  a  sua  poesia  original  e  encantadora,  em  cuja 
lettra  se  conservou  e  pôde  chegar  até  o  nosso  século  a  historia 
desses  povos  perdidos  na  profundeza  da  noite  das  edades.' 

«  E'  impossível  a  esperança  de  encontrar  no  Peru  uma 
Ittteratura  livre  e  em  espontâneo  desabrochar.  A  immensa 
massa  de  povo  explorada,  dominada  c  conduzida  como  imi 
rebanho  humano,  vivia  fora  da  litteratura  official  dessas  duas 
vetustas  organizações  barbaras.  Tudo  alli  era  convencional: 
somente  o  Inca,  a  sua  vida,  a  sua  pessoa  sagrada  podiam  ser 
assumptos  dos  hymnos,  das  chronica^,  das  orações.  Poetas, 
trovadores,  e  havanecás  tomavam  para  themas  dos  seus  tra- 
balhos, das  suas  canções  e  bailadas,  os  acontecimentos  mais 
brilhantes  da  existência  dos  monarchas,  de  modo  que  dessa 
litteratura  administrativa  resalta,  é  certo,  um  corpo  de  poesia 
tradicional,  mas  cortezã. 

Da  mesma  forma,  no  México,  as  tradições  guerreiras 
são  ensinadas  sob  a  forma  de  cantos  e  hymnos. » 

E'  o  próprio  Letourneau  quem  o  af firma: 

<A  inspiração  litteraria  só  é  fecunda  com  a  condição 
jde  ser  livre». 

Não  obstante  a  organização  theocratíca,  absoluta  das  duas 
monarchias : 

■t  à  peine  sorties  de  la  sauvagerie,  nous  sommes  plus  heureux 
pour  les  textes,  et  dSverses  poésies  ou  fragments  de  poésie 
lyrique,  oeuvre  des  anciens  bardes  méxicains  ou  péruviens, 
sont  parvenus  jusqu'à  nous.  II  en  existe  mème  de  différents 
genres  et  je  puis  citer  ici  des  chants  de  guerre,  des  prophéties 
poétiques,  une  ode  composée  par  un  souverain  et  enfin  des 
chansons  d'amour.  Les  bardes  de  1'Amérique  centrale,  à  la 


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684  BETIBTA  DO  INSTITUTO  BISTORICO 

fois  poetes  et  musiciens,  composaient  ies  vers  et  les  airs  de 
leurs  chants  et  chansons». 

Mas  official  ou  não,  espontânea  ou  administrativa,  a 
poesia  na  origem  primeva  dos  dous  impérios  foi  a  forma  pela 
qual  se  manifestaram  as  almas  inca  e  asteca,  foi  na  sua 
expressão  lyrica,  bem  como  no  seu  rythmo  delicado  que  se 
salvaram  a  historia  daquelles  dous  povos  americanos  e  toda 
a  infinita  belleza  das  lendas  dos  selvicolas  da  nossa  terra, 
synthetizadas  pela  phantasia  romântica  de  Alencar  nas  paginas 
do  <  Guarany  >,  tal  qual  se  salvara  da  formidável  inundação  a 
branca  formosura  de  Ceei  e  a  rudeza  cobreada  de  Peri,  ro- 
lando na  corrente  vertiginosa,  sobre  o  tronco  derribado  da 
palmeira. 

Ninguém  ignora  que  entre  os  Árabes  primitivos  e  nó- 
mades, embora  cantada  numa  toadilha  monótona,  de  tristeza 
amaríssima,  de  melancholia  extrema,  monotonia,  tristeza  e 
melancholía  que  parecem  hauridas  na  extensão  estéril  do  de- 
serto, a  poesia  foi  a  expressão  primeira  de  sua  alma  errante, 
e  essa  influencia  tal  e  tão  profunda  que,  apezar  do  tempo 
transcorrido,  das  modificações  immensas  que  o  povo  expe- 
rimentou atravez  das  suas  peregrinações  aventureiras,  ainda 
hoje  na  península  ibérica,  sobretudo  no  Sul  de  Portugal,  na 
província  do  Algarve  e  especialmente  no  Além-Tejo,  onde 
os  characteres  physiologicos  e  a  expressão  physica  se  conser- 
varam no  povo  lusitano,  ainda  hoje  são  entoadas,  nas  festas 
populares  do  Natal  e  de  S.  João,  as  velhas  canções  mosarabes, 
quasi  litanias,  de  uma  funda  e  magoada  morbidez,  de  uma 
saudade  doentia,  inextinguível,  emergindo  do  fundo  de  uma 
tradição  millenaria,  que  tem  raízes,  talvez,  no  ix}ema  de 
Antar.  >i 

A  poesia  árabe  constitue  um  thesouro  moral  e  intel- 
lectual  preciosíssimo  da  tribu ;  era  na  sua  forma  sempre  deli- 
cada e  suggestiva  que  se  perpetuavam  a  distincçao  das 
famílias,  a  memoria  das  grandes  acções,  das  nobres  façanhas, 
a  própria  pureza  da  língua  e  até  mesmo  os  direitos  das  tribus 
e  dos  clans. 

E  os  versos  de  ouro,  essas  jóias  que  davam  gloria  ás 
tribus,  que  a  \oz  das  mulheres  cantava  nos  grandes  festins 
em  honra  dos  poetas,  vieram  até  nós,  ora  trazendo  a  historia. 


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ora  transportando  a  lenda,  ora  perpetuando  a  crença,  e  o 
culto,  €  a  língua,  como  as  custodias,  também  de  ouro,  que  os 
génios  de  Cellini  e  de  Gil  Vicente  cinzelaram  para  depósitos 
pulcros  das  sagradas  partículas. 

Na  índia,  o  próprio  Ríg,  o  sacrário  da  historia,  da  reli- 
gião e  do  direito  primitivo,  é  composto  na  forma  de  hymnario: 
é  a  poesia  que  perpetua  todas  essas  manifestações  da  alma 
védica;  ha  nesse  monumento  o  trabalho  de  muitas  centenas 
de  poetas ;  também  na  construcção  das  pyramides  de  Gizeh 
collaboraram  milhares  de  operários,  e  o  Rig  é  bem  a  pyramide 
das  tradições  vedicas. 

A  invasão  árabe  destruiu  todos  os  livros  que  topou  na 
Pérsia;  salvou-se  o  Zend'Avesta.  Entretanto,  os  antigos  sol- 
dados de  Alexandre  ouviram  dos  Persas  poesias  amorosas  de 
um  grande  e  suavíssimo  encanto;  tudo  isso  se  perdeu,  mas  o 
que  nos  foi  transmittido  pelo  Zend'Avesta,  embora  não  seja 
sublime,  é  suffíciente  para  demonstrar  que  também  a  alma 
persa  gravou  na  poesia  toda  a  expressão  do  seu  sentimento 
nativo,  triumphando  contra  a  asphyixa  da  conquista,  o  que 
nos  dá  a  idéa  de  uma  raça  viril  e  sã,  muito  embora  se  haja 
eclipsado  totalmente  a  velha  poesia  persa  anterior  á  conquista 
árabe,  ao  estabelecimento  da  monarchia  absoluta  c  da  religião 
mazdeana . 

E  que  doce  suavidade  a  desse  lyrismo  primitivo  I  São  do 
Livros  dos  Reis,  relativamente  recente,  estas  imagens  que 
muitos  poetas  de  agora  assignaríam  contentes  e  felizes : 

—  €  O  sol  ergueu-se  como  a  alegria  de  uma  mulher  que 
arrebata  corações , 

—  Rosas  frescas  e  lindas  como  as  faces  das  mulheres, 
que  dissipam  tristezas. 

—  Repentinamente  espalhou-se  a  luz  sobre  as  montanhas, 
como  si  o  sol  houvesse  derramado  rubis  pelo  azul  do  céo.  » 

E,  si  alguma  cousa  chegou  ao  nosso  conhecimento  a 
resiieito  da  evolução  do  Direito,  tanto  na  recente  origem  dos 
Incas  e  dos  Aztecas,  como  na  profunda  noite  da  remota  anti- 
guidade persa,  foi  pela  poesia  que  se  salvou,  pouquíssima  em 
documentos  escriptos  que  os  temporaes  da  vida  extinguiram, 
muita  pelo  prestigio  mudo  das  ruínas  sepultadas  na  crosta 


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&6  DBVISTA.  DO  meflTOTO  HUTORICO 

do  planeta  ou  perdidas  nas  solidões  dos  desertos,  quãsi  tuHci 
pela  tradição  que  a  poesia  conservou  e  reproduziu  ao  per- 
passar das  gerações,  guardada  avaramente  pela  alma  e  pelo 
sangue  das  raças,  como  a  voz  daquella  deusa  mysteriosa  da 
própria  lenda  persa,  que,  não  querendo  fazer  a  ninguém  a  con- 
fidencia dos  seus  amores,  depositou-a  incautamente  no  seio 
de  um  busio,  á  beira  do  oceano;  depois,  quando  este  surpre- 
hendeu  o  s^redo,  não  houve  onda  que  o  não  soubesse,  nem 
sereia  que  o  não  cantasse . 

Foi  também  na  Hellade.  A  Grécia  é  senhora  de  uma 
Historia,  que  encerra  o  mais  opulento  thesouro  de  lendas  e 
documentos,  mas  além  desses  documentos  que  constituem  ver- 
dadeiramente a  Historia,  ha  no  berço  oriental  da  civilização, 
como  em  todos  os  povos,  uma  fonte  abundante  e  inextinguível, 
a  tradição  popular  que  precedeu  a  Historia,  que  foi  oral  antes 
de  ser  escripta. 

Bssa  tradição,  que  a  Historia  depois  incorporou  ao  seu 
dominio,  nunca  se  desgarrou  da  alma  da  raça;  a  conquista 
turca  foi  impotente  para  estancar  a  fonte,  porque,  st  esmagou 
as  instituições,  não  conseguiu  absorver  o  espirito  que  a  liber- 
dade nativa  das  montanhas  conservou;  que  a  nostalgia  da 
primitiva  felicidade  guardou  na  memoria  e  na  saudade,  e  que 
veio  a  reflorir  mais  tarde,  quando  as  condições  sociaes  tor- 
naram possivcl  o  resurgimento  politico  do  povo. 

Mas  o  cofre,  em  que  toda  essa  riqueza  se  conservou  du- 
rante séculos,  na  temperatura  macia  de  um  amor  que  não 
se  esvaiu,  foí  a  poesia  dos  aedos,  dos  rhapsodos;  foi  nesse 
ambiente  de  lar  carinhoso  que  a  alma  da  Hetlade  cantou  a  sua 
proto-historia,  como  demonstram  as  crianças  de  Samos  indo  de 
casa  em  casa,  garganteando  choros  em  honra  a  ApoUo, 
'  cujos  versos  de  uma  antiguidade  immensa  ficaram  entre  as 
bellezas,  qtít  constituem  o  espolio  de  Homero ;  além  das  An- 
themas,  as  perfumosas  canções  das  flores,  além  dos  poemas 
de  Harmodio  e  de  Aristogiton,  além  de  toda  a  poesia  de 
Hesiodo  e,  sobretudo,  aquellas  barcarolas  somnolentas  e 
mornas  que  os  marujos  da  Grécia  ainda  hoje  cantam;  ao 
rythmo  cadenciado  dos  remos  nas  praias  da  Eubéa,  de  Co- 
ríntho  e  de  Egina,  e  que  vivem  na  litteratura  da  Hellade  como 


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ACtU  687 

(ructos  da  inspiração  de  Arístopliane'^,  mas  qaS  1'êinõntam  á| 
era  mythologica  da  lenda  de  Prometheu,  da  revolta  dos 
Titans  e  da  phantasia  de  Pandora. 

B,  si  na  poesia  de  Hesiodo  vibra  a  alma  de  um  poeta 
e  na  de  Homero  canta  a  alma  de  um  povo,  em  ambas  fervilha 
o  sangue  da  raça:  a  de  Hesiodo  vendo  a  natureza  atravéz  de 
um  temperamento  individual,  a  de  Homero  caldeada  nos  sen- 
timentos coUectivos  é,  por  isso  mesmo,  genial,  triumphante 
contra  os  embates  do  tempo  e  das  transformações :  uma  é  a 
forma  que  varia,  a  outra  é  a  essência  que  não  muda,  a  rela- 
tividade da  matéria  e  a  eternidade  da  substancia  aquella  é  a 
Mythologia  que  se  foi,  esta  é  a  Grécia  que  ficou ;  por  isso 
Homero  ainda  hoje  é  cantado  pelas  crianças  e  pelos  marujos, 
e  Hesiodo  entrou  no  museu  das  antiguidades  raras. 

O  século  XIX  foi,  sem  dúvida,  um  século  profundamente 
egoísta  e  mercantil ;  parece  que  o  espirito  humano,  vencido 
pelas  necessidades  da  vida,  ergueu,  como  lemma  da  sua  acção 
vertiginosa,  o  velho  brocardo  latino:  primo  vivere,  deinde 
phUosopkare,  deixando-se  dominar  pelo  utilitarismo  de  Hobbes. 

E,  como  expressões  eloquentes  dessa  febre  devoradora, 
além  do  prc^resso  da  Economia  politica  e  da  Estatistica,  sur- 
gem a  organização  de  quasi  todos  os  Códigos  comm«rciaes 
do  mundo  civilizado,  o  desenvolvimento  assombroso  das  so- 
ciedades anonymas,  o  pteno  dominio  do  luxo  e  do  epicurismo, 
a  lucta  portentosa  da  producção  industrial,  a  conquista  armada 
dos  grandes  centros  de  consumo,  a  larga  expansão  das  expo- 
sições intemacionaes  e  nacionaes,  e  sobretudo  o  incremento 
incomparável  da  navegação  marítima  mercante,  devassando 
todos  os  recantos  occultos  nas  costas  dos  cinco  continentes, 
cruzando  em  todos  os  roteiros,  por  todos  os  mares  do  planeta, 
constantemente  a  carregar  productos  no  intercambio  commer- 
cial,  sempre  a  seguir  o  conselho  de  Yago: 

Piitting  money  in  the  pursc. 

No  entanto,  em  meio  de  toda  essa  materialidade  utilita- 
rista,  não  houve  século,  na  historia  humana,  tão  fértil  em 
aventuras  heróicas  inspiradas  e  impulsionadas  pela  Poesia,. 

A  França  não  podia  vêr  com  bons  olhos,  como  nação,  a 
libertação  e  a  unidade  da  Itália;  seria  a  concurrencia  forte  de 


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688  REVISTA  DO  INSTITDTO  HISTÓRICO 

uma  nova  entidade  politica  partilliaiido  o  domínio  do  Medi- 
terrâneo e  a  projectar  futuramente  a  sua  influencia  histórica 
sobre  a  costa  fronteira,  no  continente  africano,  mas 

€  se  alzaban  sombras  tan  augustas  de  sus  campos  y  vocês 
tan  sublimes  de  sus  sepulcros;  se  veian,  derramadas  por  sus 
aires,  cadencias  tales  en  los  Misereres  de  Palestrina  y  en  las 
plegarias  de  Rossini ;  se  veian  en  sus  cíelos  de  arreboles  tantas 
figuras  hermosas  surgidas  de  inagotable  palleta,  y  en  sus 
piedras  de  marmoles  tantos  relieves  trazados  por  creador 
cincel,  que  cada  corazon  sentia  una  emocion  artística  a  su 
recuerdo;  y  todas  estas  emociones  se  juntaron  a  suscitar  la 
cruzada  que  abríó  el  sepulcro  donde  yacia  enterrada  la 
madre  de  todas  nuestras  itaciones.  » 

Também  â  Inglaterra,  como  Estado,  não  convinha  a  inde- 
pendência da  Grécia ;  os  seus  interesses  no  Oriente  lhe  aconse- 
lhavam que  abandonasse  á  sua  sorte  escrava  o  berço  da  civi 
]ÍEação  européa,  e,  no  entanto,  levou-lhe  o  seu  poderoso 
auxilio 

<  por  attender  ai  coro  de  poetas  que  la  pedia  en  sus 
versos,  sacrificando  asi,  a  una  ídéa  esthetica  mas  que  politica, 
Ia  razon  de  Estado.  > 

E  como  era  a  alma  dos  poetas  que  soluçava;  como  era 
a  tradição  hellenica  dos  rhapsodos  e  aedos  que  palpitava  na 
voz  dos  poetas,  a  Inglaterra  não  se  limitou  a  auxiliar  com 
a  sua  esquadra  o  berço  da  civilização,  libertandoo  da  escra- 
vidão turca,  por  entre  a  fumarada  de  Navarino,  revivendo  a 
gloria  de  Salamína;  a  Inglaterra  mandou-lhe,  na  inspiração 
de  lord  Byron,  a  alma  sonhadora  da  sua  raça  e,  com  a  lyra 
do  poeta  de  Chíld-Harold  e  de  Mazzeppa,  evocando  a  inspi- 
ração primitiva  de  Athelstan  e  de  Coedon,  saudou  em  Misso- 
longhi  a  gloria  millenaria  de  Homero. 

Mas  foi  também  esse  o  século,  em  que  a  sagração  da 
Poesia  culminou  no  apogeu  de  todas  as  apotheoses,  porque 
si  é  verdade  que,  em  synthese,  toda  a  magestade  de  Roma 
se  funda  em  Virgílio;  si  toda  a  sublimidade  da  Itália  se 
concretiza  em  Dante;  si  to,da  a  gloria  da  Inglaterra  se  crys- 
tallíza  em  Shakespeare ;  si  toda  a  heroicidade  lusitana  esta 
reunida  em  Camões;  si  todo  o  triumpho  germânico  se  juncta 
em  Goethe;  si  toda  a  galhardia  ibérica  hispanbola  se  con- 


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centra  em  Cervantes;  sí  toda  a  vida  luminosa  da  França 
irradia  dos  olhos  de  Victor  Hugo;  si  todo  o  martyrio  da 
Polónia  vibra  em  Sienkevicz ;  si  toda  a  alma  forte  da  Hungria 
pragueja  em  Kossuth ;  si  todo  o  sof  f  rimento  da  Rússia  soluça 
em  Tolstoi;  si  todo  o  mysterio  lendário  da  Scandínavia  se 
esbate  na  alma  de  Ibsen ;  não  é  menos  exacto  que,  unida  pela 
espada  de  Garibaldi  no  throno  de  Sabóia,  a  Itália,  pela  terceira 
vez  na  Historia,  personifica  em  Carducci  a  grandeza  do  seu 
génio ;  p«la  terceira  vez  a  Inglaterra,  unida  em  torno  do  throno 
dos  Oranges,  synthetiza  em  Rudyard  Kippling  a  superioridade 
da  sua  força;  pela  terceira  vez  Portugal,  nas  luctas  da  sua 
evolução  politica,  symboliza  em  Quental  e  Junqueiro  a  no- 
breza vetusta  do  seu  génio;  pela  terceira  vez  a  Hispanha, 
unida  no  throno  dos  Bourbons,  espiritualiza  a  delicadeza  da 
sua  graça  e  a  impetuosidade  do  seu  sangue  nas  rimas  de 
Campoamor  e  nos  bronzes  de  Rueda;  pela  terceira  vez  a 
Germânia,  unida  no  throno  dos  Hohenzollern,  personifica  a 
nebulosidade  das  suas  origens  na  intellectualidade  de  Suder- 
mann;  pela  terceira  vez  a  França,  unida  pela  Marselhesa, 
culmina  com  Rostand  e  Anatole  a  ascensão  alpinista  da  raça 
na  cordilheira  magestosa  da  sua  Historia. 

Disse  ».   (Calorosos  applausos. )  % 

O  Sb.  Dr.  Ramiz  Galvão  (orador  do  Instituto)  responde 
nos  seguintes  termos : 

cSr.  presidente  e  illustres  collegas  —  Sr.  dr.  Pinto  da 
Rocha  —  Abrem-se  de  par  em  par  as  portas  deste  templo 
sagrado  para  receber-vos,  sr.  dr.  Pinto  da  Rocha.  Vindes 
com  as  credenciaes  honrosissimas  do  talento,  do  trabalho  e  da 
integridade  moral,  que  são  as  grandes  forças  capazes  de  manter 
e  dilatar  o  brilho  do  nosso  Instituto,  —  sempre  desvanecido 
de  acolher  em  suas  fileiras  os  distinctos  Brasileiros,  que 
honram  a  Pátria. 

Si  pôde  Voltaire  dizer,  com  evidente  pretenção  aliás,  que 
Apollo  presidira  ao  dia  do  seu  apparecimento  no  mundo,  com 
grande  justiça  poderei  affirmar  que  um  bom  génio  preside 
á  hora,  em  que  temos  a  fortuna  de  abraçar-vos  como  illustre 
companheiro  desta  cornada,  em  que  todos  imos  canuoho  do 


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690  REVISTA  DO  iNSTITUrO  HISTÓRICO 

futuro  ein  busca  tia  Verdade,  sem  a  qual  se  não  faz  Historia 
digna  deste  nome. 

Nem  estaes  no  sair  da  vida,  prezadissimo  confrade,  nem 
tendes  extincta  a  energia  do  espírito,  nem  podemos  muito 
tnenos  acceitar  o  epitheto  de  ronceira  que  destes  á  actividade 
de  vossa  palavra,  a  qual,  ao  contrario,  sentimos  inflammãnte, 
calorosa  e  vibrante  deante  de  tudo  quanto  é  bello  e  nobre. 

A  vossa  brilhante  oração  foi  mais  uma  prova  do  que 
asseguro.  Dissertastes  com  facúndia  sobre  a  alliança  da 
Poesia  com  a  Historia  na  existência  primeva  dos  povos,  —  e 
nesse  particular  estou  contente  de  accompanhar-vos. 

Peço  entretanto  licença  para  ponderar  que,  si  na  infanda 
dos  povos  é  perfeitamente  admissível,  para  não  dizer  positiva, 
essa  confusão,  não  podemos  nem  devemos  acceita-Ia  no  do- 
mínio da  Historia  propriamente  dieta,  -^  aquella  severa  mestra 
da  vida,  que  tem  por  pharol  a  Razão,  por  norma  a  Justiça  e 
por  fito  a  Verdade. 

Filha  primogénita  da  imaginação,  a  Poesia  abandona  a 
planura  dos  valles,  onde  se  debate  a  Humanidade,  e  folga  de 
subir  a  regiões  superiores,  onde  a  visão  é  mais  ampla  stm, 
mas  onde  se  perdem  os  pormenores,  —  o  ar  é  mais  puro  sim, 
porém  mais  rarefeito  e  menos  adequado  á  respiração  do 
commum  dos  mortaes. 

Por  seu  lado,  filha  legitima  da  Verdade,  a  Historia  ana- 
lysa  com  frieza  de  naturalista  os  homens  e  os  acontecimentos, 
apaga  as  ficções  da  lenda,  disseca  com  o  escalpello  da  critica  as 
tradições,  para  lavrar  o  julgamento  supremo  e  definitivo  das 
acções  humanas,  dos  povos,  e  de  quantos  tiveram  no  tempo 
decisiva  influencia  sobre  os  destinos  sociaes,  porque  a  Historia 
é  antes  de  tudo  um  tribunal  augusto. 

Não  é  vulgar,  illustrado  consócio,  que  essas  duas  facul- 
dades, 3  Imaginação  e  a  Razão,  se  associem  efficazmente  no 
espirito  humano  para  dar-nos  obras  de  soberano  valor.  Nem 
Pindaro,  nem  Theocrito,  nem  Sophocles,  grandes  engenhos  da 
Héllade,  fizeram  a  obra  serena  e  grave  de  Thucydides,  nem 
este  conipotia  as  comedias  mordentes  e  cáusticas  de  Aristo- 
plianes.  Virgílio  e  Séneca  não  levantariam  o  monumento  im- 
morredouro  dos  Annaes  de  Tácito,  nem  este  dedilhou  jamais 
%  lyra  sonorosa  de  Ovídio  e  Catullo. 


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E  a  explicação  do  facto  está  naquelle  assaz  conhecido 
asserto  do  vcllio  Horácio,  na  sua  famosa  Epistola  aos  Pisões: 
, . ,  Fictoribus  alque  poetis. 
Quidltbet  audenti  semper  fuit  aequa  potestas. 
De  ousar  quanto  lhe  apraz  justa  licença 
Teve  sempre  o  pintor  e  sempre  o  vate. 
Isto  não  quer  dizer  entretanto  que  poetas  não  possam  ser 
ou  não  tenham  sido  exímios  cultores  da  Historia.  Para  não 
ir  mais  longe,  no  próprio  seio  do  nosso  amado  Instituto  ti- 
vemos ensejo  de  admirar  Joaquim  Manuel  de  Macedo  —  o 
festejado  poeta  da  Nebulosa,  mimoso  romancista  da  More- 
ninha, applaudido  comedíc^rapho  que  nos  deu  o  Phantasma 
branco  e  a  Torre  em  concurso,  e  ao  mesmo  tempo  respeitado 
professor  de  Historia.  Joaquim  Norberto  escreveu  formosas 
Bailadas  e  uma  excellente  Historia  da  Conjuração  Mineira. 
Taunay,  o  saudoso  e  brilhante  escriptor  da  Innocencia,  \egqa- 
nos  a  sua  Retirada  da  Laguna,  que  é  sem  duvida  superior  á 
cAnabase»  do  illustre  Xenophonte. 

Permittt,  egrégio  consócio,  que  em  voss^  própria  obra, 
vasta  e  multiforme,  se  me  depare  um  feliz  exemplo  desta 
mesma  alliança.  A  vossa  bella  Talilha  e  outras  muitas  compo- 
sições em  verso,  com  que  haveis  enriquecido  a  titteratura  na- 
cional e  honrado  o  nosso  caro  berço  rio-grandense,  são  obras 
de  verdadeiro  poeta;  mas  ao  lado  dessas  gemmas  preciosas 
tendes  O  Tractado  do  Condomínio,  tendes  O  Barão  do  Rio 
Branco,  tendes  A  Politica  brasileira  no  Prata  até  á  guerra 
contra  Rosas  e  uma  longa  série  de  outros  livros  valiosos,  em 
que  se  revela  o  vosso  espirito  superior  de  bic^rapho,  analysta 
e  historiador.  } 

O  que  daqui  se  conclue  é  que  a  vossa  entrada  neste 
grémio  de  estudiosos  das  cousas  da  Pátria  significa  uma 
bellissima  acquisição  di 
de  homenagem  ao  voss 
Polygrapho  emine 
tíncto,  jornalista  vigon 
digno  collega  c  patricj 
se  desvanece,  sois  da 
xonados  e  illustres,  e 
novos  e  relevantes  ser 


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693  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Não  sei  si  abandonastes  totalmente  a  arena  da  Politica, 
a  qual,  ou  cega  vos  não  comprehendeu,  ou  acinte  fechou  os 
olhos  para  se  não  deslumbrar  com  o  vosso  talento  promissor  e 
omnímodo.  Si  assim  fòr,  o  Parlamento  pôde  ter  perdido  um 
dos  seus  luminares,  mas,  como  o  amor  da  Pátria'  vos  estimula 
o  cérebro,  aqui  tendes  outro  campo  largo,  e  este  tranquiilo, 
em  que  a  vossa  actividade  se  pôde  traduzir  em  fructos  opimos, 
—  em  que  os  dotes  singulares  do  vosso  espirito  exclarecido 
podem  enriquecer-nos  com  outras  jóias  de  esmerado  lavor. 
O  que  devo  assegurar  é  que  entraes  triumphante  na 
nossa  of ftcina  de  trabalho ;  e  estou  certo  de  que,  saudado  com 
applausos  geraes,  não  deporeis  a  penna  brilhante,  que  tanto 
pôde  servir  á  nossa  causa  patriótica. 

Vinde  pois,  laborioso  e  illustre  collega,  vinde  sentar-vos 
ao  nosso  lado.  Pertenceis  também  á  familia  daquelle  grande 
sábio  francez,  Miguel  Chevreul,  que,  ao  se  lhe  festejar  o 
glorioso  centenário,  declarou  que  era  simplesmente  o  mais 
velho  dos  estudantes  de  França.  Todos  nós  estudamos  sempre 
por  amor  do  nosso  idolatrado  Brasil.  Vinde  com  o  exemplo 
e  com  a  palavra  fortalecer-nos,  ajudar-nos,  vós  que  ainda 
estaes  muito  longe  do  centenário,  mas  já  coberto  de  louros, 
que  neste  cenáculo  só  hão  de  avultar  e  reproduzir-se.  » 
{Applausos  prolongados.) 

O  Sr.  Dr.  Roquette  Pinto  {segundo  secretario)  lê  o 
seguinte  parecer  da  Commissão  de  Admissão  de  Sócios: 

—  €  O  sr.  dr.  Urbano  dos  Santos  da  Costa  Araújo  reúne 
todos  os  predicados  que  justificam  a  distincção  proposta. 

Atém  do  seu  mérito  comprovado  em  altas  posi<;ões  como 
magistrado,  administrador  e  politico,  esse  illustre  Brasileiro  é 
credor  da  gratidão  do  nosso  Instituto  por  serviços  de  alta 
valia,  que  fora  grave  injustiça  exquecer. 

O  vivo  interesse,  que  elle  revelou  pelos  trabalhos  do  Con- 
gresso de  Historia  realizado  em  1914,  demonstra  cabalmente 
quanto  apreço  lhe  merecem  estes  estudos  e  tudo  o  que  se  rela- 
ciona com  o  progresso  e  o  renome  da  Pátria. 

A  commissão  é,  pois,  de  parecer  que  seja  approvada  a 
proposta  do  sr.  dr.  Urbano  Santos  da  Costa  Araújo  para 
eocio  honorário  do  Instituto  Histórico  e  Geographico  Brasi- 
leiro . 


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ACTAS  693 

Sala  das  SessÕis,  12  de  Julho  de  1915.  — Dr.  B.  P. 
Ramis  Galvão,  relator.  —  Miguel  Joaquim  Ribeiro  de  Car- 
valho. —  António  Olyntho  dos  Santos  Pires.  » 

Correndo-se  o  escrutínio,  é  o  parecer  approvado  por 
unanimidade  de  suffragios  e,  acto  continuo,  o  SR.  conde  dí 
Affonso  Celso  {presidente)  proclama  o  sr.  dr.  Urbano 
Santos  da  Costa  Araújo  sócio  honorário  do  Instituto. 

O  Sr.  Barão  Homem  de  Mello  pede  a  palavra  para 
of ferecer  ao  Instituto  um  exemplar  do  —  <  Projecto  de  Con- 
stiluifão  para  o  Império  do  Brasil,  organizado  no  Conselho 
de  Estado,  sobre  as  bases  apresentadas  por  Sua  Magestade 
Imperial  o  senhor  d.  Pedro  I,  Imperador  Constitucional  e 
Defensor  Perpetuo  do  Brasil.  —  Rio  de  Janeiro.  Na  TypO' 
graphia  Nacional,  1823. 

Sobre  essa  offerta  faz  diversas  considerações,  assigna- 
lando  que  o  referido  projecto  foi  apresentado  em  1 1  de  De- 
zembro de  1823,  com  as  assignaturas  de  João  Severiano  Ma- 
ciel da  Costa.  —  Lui::  José  de  Carvalho  e  Mello.  —  Clemente 
Ferreira  França. — João  Gomes  da  Silveira  Mendonça. — 
Francisco  VUlela  Barbosa.  —  Barão  de  S.  Amaro.  —  António 
Luís  Pereira  da  Cunha.  —  Manoel  Jacintho  da  Gama. — José 
Joaquim  Carneiro  de  Campos. » 

O  Sr.  Conde  de  Affonso  Celso  (presidente)  declara 
que  o  Instituto  recebe  com  o  maior  agrado  a  offerta  do  seu 
illustrado  2*  vice-presidente. 

O  Sr.  Commandante  Raul  Tavares  pede  a  palavra  e  lê 
as  seguintes  palavras: 

€  Não  poderia,  sr.  presidente,  encontrar  melhor  occasião 
do  que  a  de  hoje,  para  lançar  o  meu  protesto  contra  a  ameaça 
insólita  de  intervenção  extrangetra  nos  nossos  mais  Íntimos 
negócios,  na  nossa  vida  de  nação  independente,  soberana  e 
livre.  Não  poderia,  sr.  presidente,  achar  melhor  momento  do 
que  este  para,  com  todas  as  minhas  energias,  vèr  gravado  na 
acta  desta  sessão  o  protesto  de  sangue  contra  a  ameaça  que 
o  senador  francez  sr.  Pierre  Baudin  atirou  á  face  enrubecída 
do  Brasil  inteiro.  Protesto  de  sangue,  sim,  sr.  presidente, 
porque  irrompe  das  minhas  veias,  onde  corre  sangue  brasi- 
leiro; promana  do  meu  coração,  onde  se  alimenta  ardente 
amor  da  Pátria;  e  emerge  dos  mais  recônditos  sentimentos 

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694  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

de  dignidade  e  de  patriotismo.  O  meu  protesto,  consequente- 
mente, sr.  presidente,  feito  aqui  nesta  casa,  que  se  orgulha 
com  justiça  de  ser  a  guarda  zelosa  e  vigilante  das  tradições 
do  renome  brasileiro,  tem  tanto  maior  valor,  é  tanto  mais 
opportuno,  quanto  é  elle  filho  da  necessidade  imperiosa,  dia 
a  dia  mais  urgente,  mais  indispensável,  que  sente  o  Brasil, 
neste  momento  de  máxima  gravidade  politico-intemacional, 
de  assegurar  ao  mundo,  por  maneira  inequívoca,  de  um  modo 
positivo,  formal  e  solenne,  que  havemos  de  saber  repellir, 
sejam  quaes  forem  as  consequências  futuras,  os  arreganhos  da 
força  e  as  ameaças,  venham  elles  da  Europa,  da  America,  da 
Oceania,  da  Ásia  ou  da  Africa. 

O  Brasil  ainda  não  perdeu  a  noção  e  o  direito  adquirido 
por  quasi  um  século  de  historia,  cheia  de  exemplos  nobilitantes 
de  patriotismo  e  altivez,  de  se  considerar  nação  soberana  e 
livre,  capaz,  si  a  tanto  a  obrigarem,  de  fazer  valer  os  seus 
direitos,  mantendo  intangivel  e  immaculada  a  sua  soberania, 
conquistada  com  o  sangue  precioso  e  bom  dos  nossos  maiores. 
E'  predso,  sr.  presidente,  que  o  extrangeiro  se  craapenetre 
de  que  nós  Brasileiros  também  trazemos  no  coração  c  no  espi- 
rito as  palavras  com  que  Goethe  synthetizou  a  alma  germâ- 
nica :  Resister  en  bravant  toutes  tes  puissances  du  monde  et  ne 
jamais  courber  la  tête.  Tenho  dicto  ». 

O  Sr.  Conde  de  Apponso  Celso  (presidente)  diz  que 
as  vibrantes  e  patrióticas  palavras  do  illustre  consócio  sr. 
commandante  Raul  Tavares  encontram  toda  a  sympathia  no 
coração  não  só  do  Instituto  como  dos  Brasileiros,  que  aliás 
estão  certos  de  que  os  Poderes  Públicos  saberão  salvaguardar 
em  qualquer  emei^encia  a  dignidade  nacional. 

O  Sb.  Barão  Homem  db  Mello  pede  depois  a  palavra 
para  aprensentar  a  seguinte  rectíf Ícaç5o : 

c  O  parecer  da  commissão  especial  nomeada  pelo  Insti- 
tuto para  dizer  sobre  o  projecto  da  Carta  Geral  da  Republica, 
em  resposta  ao  officio  do  Ministério  da  Guerra,  publicado  na 
Revista  de  1901,  de  pags.  170  a  183,  foi  todo  redigido  pelo 
orador,  começando  pelas  palavras: 

Pag.  170  —  «A  commissão  nomeada  pelo  Instituto  His- 
tórico e  Geographico  Brasileiro  para  dar  parecer  sobre  a 
Carta  Geral  da  Republica,  organizada  pela  terceira  secção  do 


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ACTAS  693 

Estado-Maior  do  Exercito,  em  9  de  Abril  de  1900,  vem  se 
desempenhar  do  encargo,  que  lhe  foi  commettido,  submettendo 
á  exclarecida  attenção  desse  Instituto  o  resultado  de  seu 
exame.» 

Termina  pelas  palavras : 

Pag.  183  —  «Esse  exame  virá  concorr 
tados  das  novas  operações  no  terreno  para 
das  vantagens  da  organização  da  Carta  do  Bi 
lei  ao  Estado-Maior  do  Exercito,  qual  a  da 
trabalho  cartographico,  da  qual  decorre  a  i 
mappas  geographicos  dos  differentes  Estado: 

Essa  commissão  foi  nomeada  na  sessãc 
do  mesmo  anno,  composta  dos  seguintes  1 
quez  de  Paranaguá,  coronel  Thaumaturgo  dt 
Homem  de  Mello,  dr.  José  Américo  e  H.  í 
nomeado  relator  porque,  fazendo  parte  da  t 
presidente  do  Instituto,  o  marquez  de  Parani 
petía  dirigir  os  respectivos  trabalhos. 

Ef  f  ectívamente,  este  convocou  logo  a  m 
Nesta  o  barão  Homem  de  Mello  fez  verbalm 
dos  termos,  em  que  devia  ser  dada  a  respost 
officio  do  Ministério  da  Guerra.  Tendo  sido 
sição,  o  presidente  da  commissão,  marquei 
convidou  o  membro  da  mesma  commissão  b 
Mello  a  apresentar  por  escripto  a  exposição 
bava  de  fazer. 

Em  cumprimento  dessa  incumbência,  o  n: 
o  trabalho,  que  foi  approvado  pela  commíssi 

Na  sessão  de  12  de  Abril,  estando  o  at 
barão  Homem  de  Mello,  impedido  de  proce 
mesmo,  por  estar  então  cego,  só  sendo  oper; 
dous  annos  depois,  foi  esta  leitura  feita  pelo  1 
missão  dr.  José  Américo. 

Terminada  a  leitura,  o  barão  Homem  di 
palavra  e  declarou  que  em  seu  entender  o  In: 
acceitar  a  parte  escripta  pelo  mesmo  membr 
dr.  José  Américo,  começando  pelas  seguinte: 

<  Aos  applausos  aqui  tão  sinceramente  1 
o  conjuncto  do  projecto,  sente  a  commissão  n 


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696  DBylSTA  DO  INSTITUTO  KISTORICO 

egaa.]  demonstração  quanto  a  dous  pontos  do  mesmo,  «mtwra 
tenha  merecido  grande  favor  tanto  do  exmo,  sr.  general  sub- 
chefe do  Estado-Maior,  em  seu  parecer,  como  da  terceira 
secção  do  mesmo  Estado-Maior,  » 

E  accrescentou,  que  o  addendum  apresentado  pelo  illustre 
membro  da  commissão-se  referia  na  sua  primeira  parte  á 
questão  administrativa  de  pertencer  o  Observatório  Astronó- 
mico ao  Ministério  da  Guerra,  ou  ao  Ministério  do  Interior, 
e  ser  a  segunda  parte  de  character  inteiramente  teclinico  da 
privativa  competência  de  institutos  congéneres,  comi)  o  Club 
de  Engenharia  ou  o  Instituto  Polytechnico ;  e  como  tal  aber- 
rava inteiramente  do  fim  social  do  Instituto,  definido  nos 
seus  estatutos  e  dessa  forma  só  se  occupando  da  Historia, 
Geographia  e  Ethnographia  do  Brasil. 

Na  publicação  da  acta  foi  supprimido  o  seu  discurso, 
mas  a  verdade  do  que  se  passou  transparece  das  palavras  ahi 
transcriptas :  «  entendendo  (o  barão  Homem  de  Mello)  que  o 
Instituto,  propriamente,  só  se  deve  manifestar  sobre  a  parte 
histórica  e  geographica  do  trabalho». 

O  Instituto  não  acceitou  a  prejudicial  suscitada  pelo 
barão  Homem  de  Mello,  pelo  que  este  ficou  como  voto  ven- 
cido, como  declarou. » 

Em  seguida  o  dr.  José  Américo  dos  Santos  pede  a  pa- 
lavra e  diz  que  <  parecendo-lhe  certo  tópico  das  palavras  que 
que  acaba  de  proferir  o  illustre  consócio  barão  Homem  de 
Mello  conter  uma  insinuuação  sobre  a  lealdade  do  orador, 
assignando,  como  relator,  o  parecer  que  em  tal  character  leu 
em  sessão  de  12  de  Abril  de  1901  e  publicado  na  Revista  do 
mesmo  anuo,  não  pôde  prescindir  de,  em  breves  palavras, 
produzir  a  sua  defesa  perante  o  mesmo  selecto  auditório,  que 
ouviu  3  accusação. 

Tendo-lhe  constado  que  similhante  accusação  seria  apre- 
sentada nesta  sessão,  procedeu  a  uma  pesquisa  em  seu  archivo 
e  teve  a  fortuna  de  encontrar  o  rascunho  do  parecer,  qiís 
COIMO  relator  por  incumbência  do  presidente  da  commissão, 
o  finado  marquez  de  Paranaguá,  redigiu  e,  passado  a  limpo 
por  empregado  da  Secretaria  do  Instituto,  leu  naquella  sessão 
de  12  de  Abril  de  1901  e  se  acha  archivado,  assignado  por 
toda  a  commissão,  estando  em  seguida  á  assignatura  do  sr. 


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ACTJVS  697 

barão  Homem  de  Mello  a  declaração  de  —  com  restricqÕes 
quanto  á  parte  techníca  final. 

Está  certo  de  que  a  maioria  dosque  o  ouvem  conhece 
bem  com  que  sacrifício  tem  sabido  manter  a  lealdade  e  inde- 
pendência de  charactar  na  orientação  de  sua  vida. 

Foi  outro,  não  elle  orador,  quem  asstgnou  pelo  sr.  barão 
a  pedido  por  se  achar,  conforme  ha  pouco  declarou,  no  seu 
periodo  de  nebulose,  isto  é,  sof frendo  de  cataracta. 

O  orador  estava  vendo  bem  claro  e  viu  que  leu  o  parecer, 
copiado  de  seu  rascunho,  que  ora  apresenta  e  pôde  ser  exa- 
minado por  quem  conhecer  sua  calligraphia  e  que  cotejou  com 
o  que  se  acha  publicado,  inserido  na  acta  da  dfcta  sessão  na 
Revista  de  1901,  sendo  reproducção  ipis  verbis  do  que  foi 
lido. 

Foi  elle,  orador,  incumbido  pelo  exmo.  sr.  marquez  de 
Paranaguá,  presidente  da  commissão,  de  redigir  o  parecer  que 
assignou  como  relator  sem  protesto  algum  de  qualquer  dos 
membros  da  commissão  ou  do  secretario  que  redigiu  a  acta 
da  sessão  ou  da  Directoria  do  Instituto,  quando  na  sessão 
s^:uinte,  á  qual  esteve  presente  o  sr.  barão,  foi  essa  acta 
approvada . 

E  a  mais  flagrante  prova  do  que  affirma  encontra-se  na 
contradicção  entre  o  tópico  da  exposição  do  sr.  barão,  cha- 
mando a  si  a  auctoria  exclusiva  do  parecer,  dando  ao  orador 
o  simples  papel  de  ledor,  e  o  tópico  immediato,  em  que  já 
admitte  que  do  dicto  parecer  ha  uma  parte  por  este  escripta 
e  que  em  seu  entender  não  devia  ser  acceita  pelo  Instituto. 

Bem  fizeram  a  maioria  da  Commissão  e  o  Instituto  ap- 
provando,  como  parte  integrante  do  parecer,  esse  trecho,  cuja 
rejeição  o  illustre  consócio  propunha,  pois  que  sem  etle,  o 
parecer  não  teria  cabalmente  respondido  á  consulta  tão  honro- 
samente dirigida  ao  Instituto  pelo  Ministério  da  Guerra. 

Dirá,  ainda,  o  orador  que,  a  esse  tempo,  era  também 
membro  da  commissão  incumbida  pelo  Instituto  Polytechnico 
Brasileiro  de  responder  a  egual  consulta.  » 

O  Sr.  Conde  de  Affonso  CElso  {presidente)  diz  que 
o  Instituto  ouviu  as  declarações  do  sr,  barão  Homem  de 
Mello  e  as  do  sr.  dr.  José  Américo  dos  Santos,  o  primeiro  o 
decano  dos  sócios  actuaes  e  merecedor,  por  isso,  além  de 


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698  XenSTA  DO  INfiTtTDTO  HISTÓRICO 

outros  titulos,  da  maior  veneração,  e  o  se^ndo  egualmente 
digno  do  máximo  apreço. 

Tracta-se  de  um  facto  occorrido  ha  mais  de  14  annos,  mas 
sempre  é  tempo  de  rectificar  a  verdade,  por  ventura  alterada, 
ou  mal  comprehendida. 

Nem  as  palavras  do  sr.  barão  Homem  de  Mello,  nem  a 
lealdade  do  sr.  dr.  José  Américo  dos  Santos  podem  soffrer 
a  menor  sombra  de  duvida.  O  Instituto  e  o  patz  inteiro  bem 
09  conhecem  a  ambos,  considerando-os  íUustres  Brasileiros 
cheios  de  serviços  á  Pátria. 

As  referidas  declarações  serão  consignadas  na  acta  da 
sessão  de  hoje,  ficando  assim,  de  modo  completo  e  definitivo, 
encerrado  o  incidente. 

Nada  mais  havendo  a  tractar,  o  Sr.  Prbsidsntk  levanta 
a  sessão  ás  22  i|2  horas. 

RoQUETTB  Pinto, 
3*  secretario. 


ACTA  DA    QUINTA  SESSÃO  ORDINÁRIA,  SH  23  DE  AGOSTO  DB  191S 

Presidência  do  sr.  conde  de  Affonio  Celso 

A's  20  ^  horas,  na  sede  social,  abre-se  a  ses^  com  a 
presença  dos  s^uintes  sócios: 

Srs.  conde  de  Affonso  Celso,  dr.  Manuel  Cícero  Pere- 
grino da  Silva,  desembargador  António  Ferreira  de  Sousa 
Pitanga,  dr.  Benjamin  Franklin  Ramiz  Galvão,  Max  Fleiuss, 
dr.  Edgard  Rocinette  Pinto,  dr.  Augusto  Tavares  de  Lyra, 
dr.  Homero  Baptista,  general  dr.  Gregório  Thaumaturgo 
de  Azevedo,  almirante  António  Coutinho  Gomes  Pereira, 
dr.  Pedro  Lessa,  dr.  Souto  Maior,  conselheiro  Salvador  Pires 
de  Carvalho  Albuquerque,  dr.  Manuel  Álvaro  de  Sousa  Sã 
Vianna,  dr.  Lucas  Ayarragaray,  major  dr.  Liberato  Bitten- 
court, coronel  Jesuino  da  Silva  Mello,  dr.  Arthur  Pinto  da 
Rocha,  dr,  Alfredo  Valladão,  Eduardo  Marques  Peixoto, 
dr.  José  Américo  dos  Santos,  dr.  Alfredo  Rocha  e  dr.  Ni- 
colau José  Debbané. 


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ACTAB  699 

O  Sr.  Db.  Roquettí  Pinto  (í"  secretario)  lê  a  acta  da 
sessão  anterior,  que  é  approvada  unanimemente, 

Em  seguida,  o  Sr.  Fleiuss  (i'  secretario  perpetuo) 
communica  as  offertas,  feitas  ao  Instituto  pelo  digno  con- 
sócio dr.  Eugénio  ^;as,  de  vários  autographos  do  padre 
Diogo  António  Feijó  e  de  alguns  impressos  raríssimos. 

Communica  egualmente  que  o  illustre  consócio  sr.  dr. 
Miguel  Calnion  du  Pin  e  Almeida  teve  a  bondade  de  trater 
da  Europa  diversos  retratos  de  figuras  predcMninantes  na 
politica  do  Velho  Mundo  e  de  militares,  que  se  têm  distin- 
guido na  actual  guerra,  sobrelevando  o  retrato,  com  dedicatória 
autographa  ao  Instituto,  do  presidente  Poincaré,  devendo  em 
breves  dias  trazer  também  um  retrato  do  rei  Alberto  I,  da 
Bélgica,  em  idênticas  condiçSes. 

O  Sr.  Condb  de  ApFonso  Cslso  (presidente)  agradece 
em  nome  do  Instituto  ^  valiosas  offertas. 

O  Sr.  FXbiuss  (i°  secretario  perpetuo)  lê  depois  as  se- 
guintes propostas: 

—  «De  conformidade  com  a  indicação  apresentada  pelos 
eminentes  consócios  srs.  dr.  Ramón  J.  C&rcano  e  Carlos  Lix 
Klett,  temos  a  honra  de  propor,  para  sócio  correspondente  do 
Instituto  Historiai  e  Geographico  Brasileiro,  o  sr.  dr.  d.  Luiz 
Maria  Torres,  notável  scientista  argentino,  servindo  de  justi- 
ficativa desta  proposta  as  obras  de  sua  lavra,  offerecidas  ao 
Instituto,  cuja  relação  foi  publicada  na  acta  da  primeira 
sessão  do  corrente  anno. 

Rio  de  Janeiro,  28  de  Agosto  de  1915.  — M.  PUiuss. — 
T/taumaturgo  de  Asevedo.  —  Eduardo  Marques  Peixoto.  — 
Roquette  Pinto.:»  —  A'  Commissão  de  Historia,  sendo  re- 
lator o  sr.  dr,  Clóvis  Beviláqua.  » 

—  « Temos  a  honra  de  propor,  de  accôrdo  com  o  resol- 
vido pelo  Instituto  Histórico  e  Geographico  Brasileiro,  para 
seu  sócio  correspondente,  o  senador  federal  sr.  JoSo  de  Lyra 
Tavares,  professor  de  Chor<^aphÍa  e  Historia  do  Brasil  na 
Eschola  Normal  da  Parahiba  e  de  contabilidade  do 

mesmo  Estado,  auctor  de  diversas  obras,  notad: 
memoria  —  Economia  e  Finanças  dos  Estados  —  a 
ao  Primeiro  Congresso  de  Historia  Nacional  e  of) 
Instittito. 


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700  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Rio  de  Janeiro,  28  de  Agosto  de  1915.  — M.  Fleiuss.  — 
Thaumaturgo  de  Azevedo.  —  Eduardo  M.  Peixoto.  —  Ro- 
quette  Pinto  » .  —  A'  Commissão  de  Historia,  sendo  relator  o 
sr.  dr.  Viveiros  de  Castro.  » 

—  «Temos  a  honra  de  propor,  de  conlormidade  com  o 
resolvido  pelo  Instituto  Histórico  e  Geographico  Brasileiro, 
para  seu  sócio  effectivo,  o  sr,  dr.  José  Luiz  Baptista,  enge- 
genheiro  e  auctor  da  memoria  —  Historia  das  Bstradas : 
determinação  das  áreas  que  exploraram  —  apresentada  ao 
Primeiro  Congresso  de  Historia'  Nacional. 

Rio  de  Janeiro,  28  de  Agosto  de  1915.  — M.  Fleiuss. — 
Thaumaturgo  de  Azevedo.  —  Eduardo  M.  Peixoto.  —  Ro~ 
quette  Pinto  ».  —  A'  Commissão  de  Geographia,  sendo  relator 
o  sr.  dr.  Gastão  Ruch.  > 

—  <  Temos  a  honra  de  propor  para  sócio  effectivo  do 
Instituto  Histórico  e  Geographico  Brasileiro  o  sr.  dr.  João 
Chrysostomo  da  Rocha  Cabral,  jurista  de  renome  e  auctor  dos 
seguintes  trabalhos  publicados:  Evolução  do  Direito  Inter- 
nacional, Das  fallencias  e  do  respectivo  processo.  Catalogo 
dos  productos  do  Estado  do  Piauhy  na  Exposição  Nacional  de 
IÇ08,  A  nova  reforma  do  ensino,  além  de  outros,  os  quaes 
servem  de  base  a  esta  proposta. 

Rio  de  Janeiro,  28  de  Agosto  de  1915.  — M.  Fleiuss.  — 
Thaumaturgo  de  Azevedo.  —  Eduardo  M.  Peixoto.  —  Ro- 
quette  Pinto.  » 

Annexa  á  proposta  acha-se  a  seguinte  carta  de  candida- 
tura do  sr.  dr.  Rocha  Cabral: 

«Rio  de  Janeiro,  23  de  Agosto  de  1915.  — Extno.  sr. 
conde  de  Affonso  Celso,  digníssimo  presidente  do  Instituto 
Histórico  e  Gec^raphico  Brasileiro. 

Amando  ardentemente  as  tradições  gloriosas  da  nossa 
Pátria,  accompanho  com  a  mais  viva  sympathia  os  exforços 
que,  por  conserva-las  e  aviventa-las,  despende  o  Instituto  His- 
tórico e  Geographico  Brasileiro,  com  o  desprendimento,  fir- 
meza e  alto  descortino  que  o  tornam  verdadeiramente  digno 
da  benemerência  pública.  As  minhas  occupações  profissionaes 
e  poucas  luzes  não  me  permittem,  entretanto,  concorrer  com 
um  contingente  ponderável  para  essa  obra  scientifica  e  pa- 
triótica. Exemplo  disso  e,  ao  mesmo  tempo,  daquella  bôa 


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ACTA3  701 

vontade,  são  os  parcos  subsídios,  que,  nas  publicações  que 
esta  accompanham,  tenho  a  honra  de  apresentar  a  V,  Ex. 
com  o  pedido,  que  ouso  fazer,  de  um  logar  nessa  conspícua 
corporação.  Queira  V.  Ex.  acceitar  os  protestos  de  subida 
estima  e  da  mais  alta  consideração,  com  que  sou  —  De  V.  Ex, 
Att.  Admirador  e  leal  patricto,  João  C.  da  Rocha  Cabral.  » 
A  proposta  e  os  trabalhos  são  enviados  á  Commíssão 
de  Historia,  sendo  relator  o  sr.  dr.  Alfredo  Valiadão. 

—  «Temos  a  honra  de  propor,  de  conformidade  com  o 
resolvido  pelo  Instituto  Histórico  e  Geographico  Brasileiro, 
para  seu  sócio  effectivo,  o  sr.  dr.  João  Martins  de  Carvalho 
Mourão,  notável  jurisconsulto,  professor  de  Direito,  e  auctoF 
da  memoria  —  Os  Municípios.  Sua  importância  politica  no 
Brasil  colonial  e  no  Brasil-reino .  Situarão  em  que  ficaram 
no  Brasil-imperio  pela  Cot^stituição  de  1824  e  pelo  Acto  Addi- 
cional  —  apresentada  ao  Primeiro  Congresso  de  Historia  Na- 
cional. 

Rio  de  Janeiro,  28  de  Agosto  de  1915.  — M.  Pleiuss. — 
Thaumaturgo  de  Azevedo.  —  Eduardo  M.  Peixoto.  —  Ro- 
quette  Pinto.  >  —  A'  Commíssão  de  Historia,  sendo  relator  o 
sr.  dr.  Pedro  Lessa.  > 

O  mesmo  Sr.  1°  Secretario  PerpETL'0  lê  o  seguinte  pa- 
recer da  Commissão  de  Historia : 

—  «  Por  seus  estudos  especiaes,  a  Geographia  e  a  Historia 
do  seu  paiz,  que  algumas  vezes  se  entrelaçam  ás  da  America 
em  geral,  o  illustre  professor  de  Historia  do  Collegio  NO' 
cional  de  Buenos  Aires,  sr.  José  Juan  Biedma,  muito  merece 
ser  eleito  sócio  correspondente  do  Instituto  Histórico  e  Geo- 
graphico Brasileiro. 

Entre  vários  trabalhos,  publicados  pelo  sr.  Biedma,  é 
digno  de  especial  menção  o  Atlas  Histórico  de  la  Republica 
Argentina,  em  que  o  auctor  começa  por  um  mappa  (diseíío) 
do  globo  em  1492,  ao  lado  de  um  outro  de  1515  a  1520,  com 
breves  explicações  históricas  do  conceito  que  formaram  os 
antigos  acerca  da  America.  Em  seguida,  pelo  mesmo  processo, 
vem  mostrando  o  que  foi  o  mundo  na  epocha  dos  grandes 
descobrimentos,  das  viagens  maiores  (1499-1504),  o  resultado 
das  viagens  menores  de  Vicente  Pinzon,  de  Ojeda,  Juan  de 
Ia  Cosa,  Americ^  Vespucio,  Pedro  Alvares  Cabral,  Juan  Diaz 


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703  RE?iaTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

de  Solis,  Fernando  de  Magalhães,  a  viagem  e  conquista  do 
México  por  H .  Cortez,  a  divisão  politica  da  America  do  Sul 
nos  séculos  XVÍ  e  XVII,  as  conquistas  e  explorações  do 
século  XVI,  ãs  províncias  austraes  do  více-reinado  do  Peru 
no  século  XVII,  o  vice-reinado  do  Prata,  a  primeira  e  se- 
gunda invasão  ingleza  no  Rio  da  Prata,  a  guerra  da  Indepeo- 
dencia  Argentina,  a  campanha  do  Brasil  (1S26-1S28),  a 
guerra  do  Paraguai  (1865-1870)  e  finalmente  as  guerras 
civis  e  campanhas  contra  os  índios. 

Como  trabalho  didáctico,  não  se  lhe  pôde  pôr  em  duvida 
a  excellencia  do  methodo,  a  clareza,  a  concisão,  o  interesse 
das  elucidações  geographicas  e  históricas,  ao  lado  do  primor 
das  cartas,  dos  desenhos,  por  meio  dos  quaes  tão  fácil  e  niti- 
damente se  grava  na  memoria  o  conjuncto  das  lícções  do 
mestre. 

Mas,  indefesso  trabalhador,  offerece-nos  o  sr.  Biedma 
junctamente  com  esse  muitos  outros  livros,  em  que  dá  prova 
do  grande  devotamento  com  que  estuda  e  divulga  a  historia 
da  sua  pátria,  especialmente  a  bi<^aphiã  dos  seus  homens 
illustres.  Pringles,  o  general  Espinosa,  Suarez  e  Olavanía, 
Mitre,  são  paciente,  cuidadosa  e  carinhosamente  estudados 
em  sua  vida,  seus  feitos,  seus  escriptos.  O  entranhado  pa- 
triotismo do  auctor  exulta,  porque  pôde  concluir  a  bic^raphia 
de  Mitre,  reproduzindo  estas  phrases  de  um  outro  com- 
patriota : 

c  Quando  a  posteridade  formular  seu  juiso  sobre  o  te- 
nente-general  Barthotomeu  Mitre,  com  prévio  estudo  pro- 
fundo de  sua  vida  e  com  o  critério  pkUosopkico  de  Plutarcho 
ou  Tácito,  mui  poucos  serão  os  Americanos  comparáveis  ao 
illustre  Argentino.  Militar  exclarecida,  que  reáUsou  façanhas 
estratégicas  como  a  passagem  do  Paraná,  pelo  exercito  al- 
liado,  e  a  campanha  de  Quadrilátero  na  guerra  com  o  Pa- 
raguai, elevou-se  á  altura  dos  generaes  de  génio;  estadista 
não  egualado  em  sua  pátria,  realisou  o  que  ninguém  lograra  — 
11  união  das  províncias  argentinas  sob  o  regime  federativo- 
nacional,  e  deu  rumos  superiores  á  politica  interna  e  extertta 
da  Republica;  historiador  e  publicista  de  reputação  européa; 
cidadão  de  virtudes  exemplares,  que  no  apogeu  do  poder  como 
no  seio  humilde  do  pais  tem  inspirado  sempre  aos  teus  eom- 


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ACTAS  703 

patriotas  um  carinho  intenso,  de  que  só  ha  um  exemplo  no^ 
que  Washington  inspirou  aos  de  sua  nação;  Mitre  é  um 
conjuncto  de  qualidades  e  feitos  illustres,  que  a  Historia  im- 
parcial collocará  entre  as  primeiras  grandezas  do  século  XIX.  * 
Este  exaltado  patriotismo  faz  algumas  vezes  que  o  estu- 
dioso geographo  e  historiador  argentino  diminua,  ou  não  veja 
bem,  os  homens  e  os  feitos  das  outras  nações,  como  acontece, 
por  exemplo,  em  relação  ao  Brasil  em  mais  de  uma  passagem 
da  sua  longa  Chronica  histórica  dei  Rio  Negro  de  Patogones. 
Não  sabemos  si  é  preferível  censurar  taes  slnões  do 
illustre  cbronista,  ou  apresenta-los  aos  nossos  patrícios  como 
tmi  espelho  em  que  devem  mirar-se,  para  corrigir  os  defeitos 
oppostos  de  que  padecem. 

Seja  como  fõr,  o  que  é  innegavel  é  o  grande  e  ininter- 
rupto exfòrço  do  sr.  José  Juan  Bíedma  por  conhecer  e 
vulgarizar  a  Geographia  e  a  Historia  do  seu  paiz.  Que  outro 
melhor  titulo  poderia  elle  exhibir  á  eleição  do  Instituto  His- 
tórico e  Geographico  Brasileiro? 

Rio  de  Janeiro,  4  de  Dezembro  de  1914.  — Pedro  Lessa, 
relator. — Basílio  de  Magalhães,  com  restrícções  quanto  ao 
anti-brasileirismo  de  que  ha  sobejas  manifestações  nas  obras 
de  Biedma.  — Clóvis  Beviláqua.  Subscrevendo  o  parecer  do 
eminente  confrade  dr.  Pedro  Lessa,  julgo  opportuno  lembrar 
que  o  sr.  J.  J.  Biedma,  saudando  o  nosso  chanceller  —  o  ge- 
neral dr.  Lauro  MúUer,  que  um  pensamento  de  paz  e  con- 
córdia levava  a  Buenos  Aires  e  Santiago,  depois  de  passar  por 
Montevideo,  recordou  a  acção  conjuncta  do  Brasil  e  da  Ar- 
gentina na  erecção  da  Republica  Oriental  do  Uruguai,  consi- 
derando esse  facto  «evocador  do  começo  de  imia  amizade 
internacional  consolidada,  no  tempo,  por  grandes  factos  histó- 
ricos e  recíprocos  interesses,  a  qual  irradiará  calor  e  luz  na 
alma  e  na  consciência  dos  povos  da  Ameríca,  que  nos  con- 
templam » . 

O  parecer  é  approvado  e  o  processo  é  remettido  á  Com- 
missão  de  Admissão  de  Sócios,  sendo  relator  o  sr.  dr.  Ma- 
nuel Cicero. 

Participa  depois  o  Sr.  M.  Fi^us3  (i"  secretario  per- 
petuo) que  se  acham  presentes  o  sócio  effectivo  dr.  Aurdino 


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704  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

]>al  e  o  sócio  correspondente  dr.   Eugénio  Egas,  que  vêm 
tomar  posse  de  suas  cadeiras. 

O  Sr.  Presidente  noméa  a  seguinte  commissão  para  in- 
troduzi-los no  recinto:  M.  Fleiuss',  Roquette  Pinto,  Pedro 
l^essa,  Alfredo  Valladão  e  José  Américo  dos  Santos. 

Dão  entrada  no  recincto  e  prestam  o  compromisso  dos 
Estatutos  os  srs.  drs.  AureHno  Leal  e  Eugénio  Egas. 

O  Sr.  Presidente  dá  a  palavra  ao  Sr.  0r.  Aurelino 
Leal,  que  lê  o  seguinte  discurso : 

«Exmo.  sr.  presidente,  meus  senhores: 

Si  tivesse  sido  eu  próprio  juiz  da  proposta,  que  me 
acenou  com  a  idéa  seductora  de  ser  recebido  nesta  casa, 
como  companheiro  dos  que  lhe  exaltam  a  fama  e  lhe  guardam 
nobremente  as  gloriosas  tradições,  certamente  a  consciência 
ter-me-hia  imposto  uma  recusa  formal.  Fostes  mais  gene- 
rosos: eu  não  teria  vacillado  em  declarar-me,  sinão  indigno, 
pelo  menos  sem  condições  culturaes  para  pertencer  ao  grémio 
illustre,  a  que  servis  com  o  brilhante  nome  que  conquistaes 
no  meio  nacional ;  ao  passo  que  vós,  por  consenso  unanime, 
me  conduzistes  da  nav»  do  templo,  onde  já  me  habituara  á 
simples  condição  de  fiel,  ao  majestoso  sanctuario,  para  par- 
ticipar da  honra  de  formar  ao  lado  dos  sacerdotes  do  culto  e 
com  elles  celebrar  os  magnificentes  cerímoniaes  do  vosso  rito. 

Não  leveis  á  conta  de  modéstia  convencional  ou  calcu- 
lada o  conceito,  assim  expresso,  da  minha  inópia  para  figurar 
entre  vós.  O  meu  logar  era  e  devia  ser  ainda  por  muito 
tempo  entre  discípulos  d«sta  casa. 

Não  coro  de  dizer-vos  que  é  ao  Instituto  Histórico  que 
devo  o  ter-me  instruído  um  pouco  nas  cousas  da  nossa  vida 
e  das  nossas  gentes. 

Antes  do  Congresso  de  Septembro  do  anno  passado  e  do 
meu  curso  de  Outubro,  eram  bem  escassos  —  e  ainda  agora 
são  estreitíssimos  —  os  meus  conhecimentos  sobre  Historia 
pátria.  O  tempo  apagara  grande  parte  dos  meus  deficientes 
estudos  coUegiaes,  e  a  minha  especialização  na  vida  publica, 
atropelada  de  intercurrencias  políticas,  não  raro  dolorosas  e 
amaríssimas,  não  me  permittiu,  até  ha  pouco,  tomar-me  fami- 
liar com  tão  attrahentee  investigações. 


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ACTAS  703 

Ora,  o  Congresso  de  Historia  Nacional  e  o  meu  curso 
6ão  de  hontem,  apenas,  e  em  tempo  tão  breve  jamais  ninguém 
se  fez  levita.  Religionario  era  eu,  decidido,  da  vossa  íé;  e 
agora,  sem  deslumbrar-me  com  a  honra  que  não  solicitei, 
hypotheco-vos,  em  mesquinha  troca  da  vossa  fidalga  bondade, 
toda  a  energia,  todQ  o  exfòrço,  toda  a  bôa  vontade  de  que  fõr 
capaz  pela  obra  gloriosa  e  fecunda,  que  vindes  construindo, 

O  logar  de  membro  effectivo  do  Instituto  Histórico  não 
é  simples  dignidade  scieiítifica,  que  os  vaidosos  inscrevem  no 
activo  de  triumphos  fáceis.  E'  positivamente  um  posto  de 
res[x>nsabil idades  socíses  e  de  exigências  que  jogam  com  o 
civismo. 

A  grandeza  e  o  exacto  valor  das  cousas  nem  sempre  se 
imaginam  bem  atravez  de  concepções  abstractas.  Vale  muito 
senti-las  de  perto,  toca-las  com  a  mão  e  receber,  nesse  con- 
tacto com  a  mentalidade  e  a  evidencia,  a  sensação  real  de  sua 
importância, 

"  Quem  qiiizer  avaliar  bem  a  obra  do  Instituto  Histórico 
deve  transpor  os  seus  umbraes.  A  primeira  impressão  que  se 
tem  é  bem  egual  á  do  crente  que  visita  uma  cathedral  vetusta, 
onde  abundam  relíquias.  E'  o  contacto  respeitoso  com  o  pas- 
sado, a  commovecfora  visão  de  vultos  e  factos  de  eras  priscas; 
adoração  de  grandes  personagens,  revistas  em  effigie,  coiistru- 
ctoras  do  qiie  somos  e  expoentes  do  que  valemos. 

Santa  emoção,   senhores,  essa  que  o  passado  nos  des- 
perta !  Nós  a  sentimos  com  a  leitura  ou  com  a  imagem  das 
cousas.   A   descripção   dos   factos,   de   que  o   paiz   natal   foi 
scenario,  cmiwlga  os  filhos  da  terra  e  enche-os  de  orgulho  e 
de  fé:  orgulho  pelos  ascendentes  de  que  emergiram,  fé  pelas 
energias  de  que  foram  herdeiros  e  que  constituem  os  seus 
recursos  de  combate  na  continuada  porfia,  que  aspira  á  gran- 
deza nacional.  A  imagem  não  é  menos  suggestiva.  A     *" 
de  um  pro-homem,  que  fnoldou  no  barro  informe  < 
joven  a  figura  represent.itiva  das  nossas  conquistas; 
de  estatuário  carinhoso  e  collaborou  na  obra  gigant 
nossa  evolução  cultural,  contornando-nos  uma  cabeç 
refulgem  scentelhas  de  génio,   abrindo-nos  olhos  or 
gurani  estrellas.  talhando-nos  hombros  cyclopicos  caf 
supportar  todo  o  peso  do  progresso',  desperta-nos  un 


byCoogIe 


706  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

cível  sentimento  de  adoração:  nós  o  contemplamos  como  o 
fetichista  ao  idolo,  revendo  na  sua  fronte  gloriosa  e  enrugada, 
na  brancura  dos  seus  cabellos,  na  viveza  de  seu  olhar,  na 
magnitude  do  seu  porte,  como  que  o  próprio  Brasil  hu- 
manado. 

Essa  emoção  sentem  todos  que  entram  nesta  casa.  Ou 
visitando  a  sua  apreciável  bibhotheca,  ou  contemplando  as 
curiosidades  históricas  de  seu  museu,  ou  attentando  nos 
quadros  que  lhe  adornam  as  paredes,  quem  quer  que  aqui 
venha  sente  a  magestade  do  passado;  e  si,  só  por  isso,  não 
comprehende  que  ha  em  tudo  um  conjlincto  de  factos  repre- 
sentativos de  determinado  valor  sociológico;  si  não  descobre 
o  elo  que  os  une  a  todos,  percebe,  pelo  menos,  a  necessidade 
que  o  homem  tem,  como  cidadão,  de  manter  uma  certa  con- 
ducta  para  que  as  futuras  gerações  sintam  o  mesmo,  recebam 
as  mesmas  impressões  de  orgulho,  de  satisfacção  cívica  ou 
enlevo  patriótico  ao  contemplarem,  reduzidos  á  materialidade, 
os  feitos  das  gerações  que  passaram. 

Ha  uma  série  de  motivos  que  justificam  essa  paciente 
actividade,  com  que  vos  empenháes  em  exclarecer  o  passado. 
Todos  elles  se  movem  dentro  do  circulo  immenso  da  Moral: 
da  Moral  cívica  e  da  Moral  social. 

O  próprio  cuidado  dos  legisladores,  contemplando  o  en- 
sino da  Historia  no  curso  de  humanidades,  é  indicativo  de  que 
se  tornou  victoriosa  a  necessidade  de  lançar-se  na  alma  do 
adolescente  o  conhecimento  dos  tempos  já  vividos. 

Nas  paginas  d'0  Ensino  sob  o  ponto  de  vista  nacional. 
Fouillce  bem  o  accentuou  em  abstracto,  cO  ser  que  não  tem 
nenhuma  noção  de  Historia  é  novo  no  mundo  como  uma 
criança  ou  mesmo  como  um  orphão  que  jamais  tivesse  conhe- 
cido seus  pães».   (Op.  cit.,  pag.  286.) 

O  conceito  seria  perfeitamente  exacto,  si  fosse  susceptível 
de  objectivação.  A  ausência  da  noção  de  Historia  implicaria 
a  indifferença  do  homem  por  tudo  que  o  cercasse.  O  passado 
é  e  será  em  todos  os  tempos  um  estimulante  do  presente  e  um 
provocador  ás  boas  imitações. 

Na  realidade,  não  existe  um  só  homem  sem  o  sentimento 
histórico.  O  camponez  dos  nossos  sertões  não  tem  a  menor 
idéa  da  esteira  de  luz,  que  a  civilização  tem  deixado  atravez 


«byCoogIe 


Actas 

da  sua  trajectória  multisecular.  Ignora,  sem  duvida, 
toria  de  todos  os  povos  do  velho  continente  e  a  nossa 
no  fundo  da  sua  alma,  bruxoleando  como  uma  luz  s: 
que  os  zelos  da  saudade  alimentam,  illumínando-lhe  o 
como  uma  estrella  polar  a  indicar-lhe  o  futuro  cheio  d( 
ranças,  vive  a  consciência  de  seu  meio  pequenino,  c 
aldeia  branca  e  pobre,  sobre  a  qual  derrama  bênçãos  i 
humilde  do  campanário  amigo.  E'  a  consciência  histor 
seu  habitat,  que  elle  aprendeu  a  amar  atravéz  das  trj 
ouvidas,  na  lareira,  dos  avós  encanecidos;  das  lendas  ' 
velhos  lhe  ensinaram ;  das  superstições  locaes  que  lhe 
Iharam  no  cerebrO,  tudo  a  lhe  affirmar  a  sua  posição  de 
sentante  de  outras  gerações,  que  elle  venera  e  imita, 

E  este  sentimento  existente  em  todo  o  homem  é 
ptivel  de  ser  explorado  em  um  sentido  educativo  e  í 
mente  utilitário. 

A  Historia,  por  isso  mesmo  que  nos  faz  amar  as  ge 
que  já  viveram,  por  isso  mesmo  que  nos  conta  os  feifi 
grandes  homens  e  nos  apresenta  o  formidável  balar 
cousas  úteis  que  a  humanidade  construiu,  representí 
grande  e  poderosa  suggestão,  que  força  o  homem  de  '. 
seguir  as  pegadas  do  homem  de  hontem,  imítando-lhe 
ducta  moral  e  civica . 

O  conhecimento  do  passado  desenvolve-lhe  «  o  senti 
da  solidariedade  humana  e  da  solidariedade  nacio: 
(Fouillée,  ibd,  ibd.) 

E  essa  é,  sem  dúvida,  uma  face  brilhantíssima  da 
missão:  argamassar  as  bases  dessa  solidariedade,  cime 
toma-la  o  expoente  de  um  grande  povo  c  a  pedra  fundai 
de  um  glorioso  _paiz. 

Quem  estuda  a  Historia  brasileira  recebe  a  imp 
f  ascinadora  de  um  passado  cheio  de  bellezas . . . 

Antes  de  tudo,  é  a  terra  formosa  vista  pela  primei 
das  amuradas  de  navios  veleiros  —  cysnes  da  descobet 
dando  ao  mar  —  cançados  de  uma  longa  travessia  e  i 
mente  esperançosos  de  uma  enseada  azul  e  bonançosa,  t 
as  primeiras  linhas  do  novo  continente  se  desenharam  n< 
zonte  remoto. . .  Logo  depois  vem  a  scena  immortal  di 
bração  da  primeira  missa. . . 

D,gt,zedbyGOO<^le 


REVISTA  DO  1S3TITUT0  lUSTOIlICO 


r-se-hia  que  o  Brasil  foÍ  um  sonho',  que  se  realizou  e 
ebeu  as  bênçãos  da  Fé  no  alvorecer  da  sua  vida  de 
^...  A  Cruz  distendeu  os  seus  braços  protectores. 


...  a  palmeira  que  domina  ufana 
Os  altos  cimos  da  floresta  espessa. . . 

IO  carinhoso  amplexo  predisse  que,  como  a  palmeira 
lora,  seria 

. . .  bem  presto  no  mundo  novo 
O  Brasil  bem  fadado. 

;strada  que  a  terra  joven  percorreu  apresenta  perspe- 
e  contínuas  variantes. 

que  todos  comprehendessem  que  o  Brasil  era  um 
e  formidável  potencial,  capaz,  tempo  adeante,  de  enri- 
is  velhas  nações  européas,  foi  alvo  de  larga  e  natural 
Nem  têm  outra  explicação  as  arremetidas  a  que  foi 
■esistir  de  «  Francezes,  Hispanhoes,  Hollandezes  e  In- 
disputarem  a  presa  rica,  que  a  sentença  jjapal  houvera 

confirmado  ás  lusas  quinas».    (Borges   dos  Reis: 

do  Brasil,  vol.  I,  i>ag.  53.) 

ivéz  do  nosso  destino  nem  sempre  foi  fácil  a  nossa 
passando  pela  organização  das  capitanias,  pela  re- 
is Francezes,  pelo  jugo  hoUandez.  A  terra  amada, 
florestas  e  prateada  de  areia  5  beira  mar,  não  podia, 
ima  na  sua  área,  rcvelar-se  de  uma  vez  ao  braço 
lor.  Neste  sentido,  quaesqucr  que  sejam  as  expli- 
loraes  que  lhe  attribuam,  o  bandeirismo  ha  de  consti- 
storia  das  grandes  audácias,  ha  de  ser,  na  chronica 
ie,  unia  pagina  tie  coragem,  ambiciosa  embora,  mas 
el. 

patriota,  porem,  o  que  mais  encanta  na  Historia  do 
perceber  que.  ainda  ao  refulgirem  os  primeiros  raios 
1  nossa  civilização,  se  esboçaram  na  alma  do  povo 
;s  iniciaes  de  um  sentimento  nacionalista,  que  se  dcs- 
gloriosamente  até  á  independência.  Af firma-lo  assim 
i  que  tiveram  manifestações  precursoras  em   1710, 

lyCOOglC 


ACTAS  709 

com  a  proposta  de  Bernardo  Vieira  de  Meilo  para  procla- 
mar-se  um  govénio  republicano  á  similhança  do  de  Veneza, 
e  em  1783,  com  a  Inconfidência  Mineira,  não  é  exaggerar 
relativamente  a  um  paiz  que  fora  descoberto  em  1500  e  que, 
já  em  1821,  tinha  inscripto  o  seu  nome  no  mappa  das  ha0es 
como  figura  componente  da  magna  civitas. 

De  facto,  estando  ainda  no  Brasil  d.  João  VI,  for- 
mulou-se  em  termos  positivos  o  problema  da  constituciona- 
lização  do  paiz, 

O  grito  contra  o  regime  absoluto  viera  de  longe,  e  o 
próprio  Portugal  o  repetira.  Mas  o  desejo  da  submissão  á 
vida  legal  não  era  sinão  um  passo  para  a  emancipação  de- 
finitiva . 

Quando  se  medita  sobre  os  acontecimentos  desdobrados 
naquelle  tempo  sente-se  bem  que  houve'  homens  de  Estado 
que,  occupando  um  meio  termo  entre  os  libertadores  d  ou- 
trance  e  os  sustentadores  do  regime  colonial  absoluto,  apoiados 
a  extremos  centralistas,  defenderam  uma  politica  temperada 
da  autonomia  brasileira,  sem  se  quebrarem,  todavia,  os  laços 
de  dependência  com  a  metrópole  lusitana.  Mas,  si  as  velhas 
cortes  constituintes  tivessem  accordado  em  uma  solução  que 
contentasse  á  deputação  brasileira,  nem  por  isso  ella  seria 
duradoura . 

Todos  esses  factos  occorreram  quando  não  existiam  o 
vapor  e  o  telegrapho,  quando  o  velho  mundo  se  isolava  do 
novo  durante  mezes,  quando  a  liberdade  politica  desfraldava 
bem  alto  o  seu  £ormoso  pavilhão,  impondo  franquias  em  bem 
do»  povos... 

Ora,  as  nossas  relações  com  Portugal,  estremecidas  aqui 
com  as  reacções  nacionalistas,  não  podiam  ser  duradouras, 
atravéz  de  uma  tão  grande  distancia.  Uma  providencia  go- 
vernamental gastaria  pelo  menos  dous  mezes  para  ser  ado- 
ptada. Por  outro  lado  era  latino  o  nosso  sangue,  latina  a  nossa 
alma,  o  que  nos  emprestava  um  grau  avantajado 
sionabilidade  capaz  de  lances  fáceis  nas  manif 
civismo . 

O  príncipe,  que  então  presidia  aos  nossos  i 
veljiculo  fácil  ás  idéas  que  incendiavam  o  animo  di 


byCoogIe 


710  ItEVISTA  M  INSTITUTO  HISTÓRICO 

do  tempo',  anímando-as,  a  despeito  dos  protestos  de  submissão 
á  distante  auctoridade  paterna. 

Principalmente  sob  o  ponto  de  vista  passivo,  pelo  muito . 
que  poderia  oppôr  e  não  oppôz  á  idéa  da  emancipação  politica, 
o  imperador  Pedro  I  foi-lhe  precioso  alliado.  Infelizmente 
não  quiz  e!le  comperehender  que  a  consciência  da  naciona- 
lidade não  era  appareiite ;  que  o  sentimento  da  terra  natal,  e 
porque  não  dize-lo  ?  o  orçulho  peia  sua  extensão,  pela  belleza 
surprehendente  do  seu  pliysico,  entraram  em  uma  phase  de 
franco  desenvolvimento  e  intensa  percepção  de  si  mesmo. 
Dahi  a  lucta  entre  Portuguezes  e  Brasileiros,  aquelles  aspi- 
rando a  um  dominio  no  governo,  que  estes  ciosamente  não 
permittiam. 

Si  ha  uma  pagina  histórica,  da  qual  se  possa  dizer  que 
teria  sido  escripta  de  outra  forma,  si  não  fosse  o  character 
do  primeiro  imperante,  é  essa  do  alvorecer  da  independência -^ 

D,  Pedro  era  versátil.  Cedia  facilmente  á  lisonja.  Dei- 
xava-se  dominar  pelo  amor  das  mulheres,  e  quem  mais  grãos 
de  incenso  queimava  em  sua  honra  mais  graças  reaes  recebia 
em  troca.  Por  outro  lado,  era  irritadiço  e  vaidoso.  Quando 
se  convencia  do  erro,  difficilmcnte  o  confessava  e  corrigia. 
D'ahi  a  apassivar-se  ás  mãos  do  gabinete  secreto  foi  ura 
passo,  com  a  funesta  consequência  de  perder  os  seus  melhores 
amigos . 

O  sentimento  nacionalista  poz-se  de  guarda,  e  não  de- 
morou em  romper  fogo  cerrado  contra  a  gente  lusitana. 

A  jornada  de  1831,  no  famoso  7  de-Abril,  é  fundamental* 
mente  uma  victoria  nacional.  Com  a  abdicação  ou  com  a 
simples  mudança  do  ministério,  a  sua  explicação  seria  uma.só : 
a  do  sentimento  civico,  a  da  consciência  popular  fugindo  ao 
jugo  extranho  para  fazer,  ella  mesma,  o  governo  da  terra. 

D'ahi,  ainda,  até  á  morte  de  d.  Pedro  I,  com  uma  ligeira 
solução  de  continuidade,  é  sempre  o  sentimento  nacional  que 
domina.  A  volta  do  principe  reviveria  o  absolutismo,  o  do- 
mínio da  versatilidade,  da  intriga  palaciana,  do  dissidio  entre 
,  os  filhos  do  paiz  e  os  Portuguzes,  que  era  o  quí  aquelles 
mais  temiam. 

Quando  desappareceu  do  scenario  da  vida  o  nosso  pri- 
meiro imperador,  o  Brasil  entrou  na  posse  moral  de  si  mesmo, 


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ACTAS  711 

■  Sem  outra  preoccupação  que  não  fosse  resolver  entre  os  seus 
naturaes  e  adoptivos  as  pendências  da  sua  directriz. 

Sem  mais  perigos  da  temida  politica  de  restaurai^o,  des- 
envolveu-se  a  politica  da  moderação  conservadora  que,  aliais, 
já  vinha  sendo  practicada  de  par  com  a  resistência  ao  partido 
caramurú,  desde  o  inesperado  acontecimento  de  7  de  Abril, 

D'alii  até  á  Republica  a  historia  do  paiz,  no  dominio 
politico  e  no  dominio  da  administração,  é,  meus  senhores,  um 
grande  repositório  de  licções  eloquentíssimas. 

A  primeira  vantagem  que  a  abdicação  nos  trouxe  foi  a 
certeza  de  que  possuímos  homens  de  formidável  envergadura  .f 
Feijó  revela-se  no  perfil  de  um  puro  e  de  um  bravo.  Um  só 
dos  seus  actos  definiu-lhe  o  valor:  a  licença  da  tropa,  moral- 
mente dissolvida  pela  exploração  politiqueira.  Evaristo  faz  de 
apostolo  da  paz,  entre  as  labaredas  do  ódio  politico.  O  titulo 
que  escolhera  para  o  seu  jornal  —  «  Aurora  Fluminense  »  — ■ 
indica  por  si  só  que,  a  seu  juizo,  passara  a  noite  cruel  das 
dissenções  c  surgia,  imponente  e  cheio  de  majestade,  o  sol 
de  uma  outra  éra.  Vasconcellos,  com  o  cérebro  cheio  de  saber 
e  a  vontade  temperada  de  aço,  imprime  á  politica  do  tempo 
o  cunho  do  seu  valor  de  gigante.  Um  firma  a  «supremacia 
do  Governo  civil»,  no  dizer  de  Nabuco;  o  segundo  salva  o 
«principio  monarchico»;  o  terceiro  ganha  fama  de  «ter  re- 
construído a  auctorídade  » .  ( Um  Estadista  do  ItKferio,  vol.  T, 
pag-  32)- 

Dos  homens  de  então  disse  Nabuco  que  elles  «  revelavam 
um  grau  de  virilidade  e  enei^a  superior  >.  (Ibd-,  ibd.,  pag.  33.) 

Na  verdade,  o  periodo  regencial  está  escripto  em  uma 
pagina  de  ouro  da  Historia  brasileira.  O  patriotismo  dos  nossos 
antepassados  ahi  se  destacou  em  alto  grau.  Houve,  é  certo, 
ambições  desenfreadas,  explosões  de  ódios  e  intrigas  parti- 
dárias .  Mas  é  consolador  encontrar  uma  « elite »  gloriosa 
com  a  mão  firme  ao  leme  da  náo,  livrando-a  de 
pestuoso  e  procurando  mante-la  ao  abrigo  da  ense 

Nas  agitações  que  antecederam  o  7  de  Abril  e 
descencias  que  a  elle  se  seguiram,  foi  a  moderaç 
salvou.  Foi  ella  que  evitou  o  golpe  de  Estado  de 
venceu  as  impaciências  dos  exaltados  na  refonr 
cional  de  1834,  até  transformar-se,  com  a  sua  ban 


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REVISTA.  DO  INSTITDTO  HISTÓRICO 

não  i>otente  do  grande  A^asconcelloS,  no  espirito 
r  da  interpretação  e  na  própria  Maioridade,  que 
uma  obra  de  estratégia  dos  liberaes,  não  foi  menos 
ucção  conservadora  para  acabar  com  as  incertezas 
n  provisório  e  cançado  da  Regência, 
nado  do  segundo  imperador  essa  moderação  con- 
Eoi  ainda  doniinanle.  O  poder  pessoal  de  Pedro 
■a  foi  o  maior  freio  que  conteve  a  machiiia  }>olitica 
actuando  sobre  a  paixão  dos  homens  de  partido, 
as  suas  ambi^ções  e  diminuindo  as  demasias  dos 
SOS  e  prejuizos. 

lolitica,  disse  Nabuco  do  saudoso  dynasta,  de  certo, 
ue  os  ministros  propõem  ou  as  Camarás  votam 
1  sua  risca;  é  elle  quem  faz  as  sondagens  de  um 
ro   do   canal,   onde   se   navega.*    (Op.   cit.,    Ill 

1  imaginar  a  auctoridade  do  grande  rei,  que  sempre, 
buço  quem  diz,  se  reservou  o  direito  de  apear  do 
•esidentes  do  Conselho',  impedindo,  facilitando  re- 
i  e  impondo  condições.  {Ibd.,  idb.,  561.) 
se  subníettessem  elles  t  O  imperador  tinha  <  a 
nciosa,  esperando  um  chamado»  (ibd.,  ibd.,  ibd.)  ; 
dativa,  para  os  homens  do  ixider,  inmitneras  vezes 
ilmante  ás  explosões  do  zelo. 
D  a  sua  vontade  começou  a  enfraquecer,  quando 
'.  possivel  assistir  ao  drama  da  politica  e  do  go- 
a  constância  dos  outros  tempos,  a  Republica  sor- 
los.  Mas  ainda  ahi,  a  despeito  das  exaltações  da 
,  a  moderação  conservadora  guiou  os  nossos  des- 
irimeiras  providencias  do  novo  regime  foram  uni- 
stamente  como  convinha  á  mudança  brusca   que 

istruir-se  o  edificio  constitucional,  o  sentimento 
os  interveio  de  novo:  as  demasias  do  federalismo 
:m.  E  ás  idéas  conservadoras  erttão  preferidas  têm 
.rios  estadistas  de  renome,  que  as  patrocinaram  na 
:.  As  próprias  prédicas  da  revisão  abundam  de 
jnitaristas,  que  enchem  de  razão  aos  que,  em  1891, 
I  a  falsa  soberania  dos  Estados. 


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ACTAS  713 

Em  synthese,  a  nossa  historia  politica  é  essa  de  que  fiz 
ligeiríssimo  esboço.  Pôde  não  ser  brilhante,  mas  é,  conso- 
ladora . 

O  estudo  psychologico  da  nossa  trajectória  revelou-se 
por  iim  \ivo  sentimento  nacional,  cuja  primeira  manifestação 
foi  o  anceio  pela  independência,  obra  a  que  se  dedicaram  pa- 
triotas da  tempera  dos  gloriosos  Andradas.  Realizada  a 
grande  aspiração,  os  Brasileiros  mostraram-se  avessos  á  tutela 
extrangeira  dentro  do  próprio  paiz.  Estado  que  acabava  de 
percorrer  o  não  pequeno  cyclo  colonial,  tinha  uma  grande 
população  portugueza  no  seu  seio,  contrastando-lhe  o  governo, 
encampando-lhe  a  administração,  o  .que  suspeitava  a  inde- 
pendência de  ter  sido  um  mytho  e  expunha  os  nacionaes  a 
uma  condição  de  incapacidade  de  dirigirem  os  próprios  des- 
tinos. Vencida  que  foi  esta  gloriosa  campanha,  esboçou-se 
na  nossa  Historia  a  politica  moderada,  transigente  com  os 
liberaes  exaltados,  até  desfraldar  a  bandeira  conservadora  sem 
propósitos  de  emperramentos,  que  nos  trouxe  atravez  da  re- 
gência, do  segundo  reinado  e  da  Republica,  até  á!  situação  em 
que  nos  encontramos. 

Certamente,  a  licção  não  deflue  da  nossa  Historia  com 
pretençÕes  á  originalidade.  Mas  o  simples  facto  de  faltar-lhe 
cunho  de  universalidade  é  sufficiente  para  que  bemdigamos 
a  memoria  dos  que  construiram  este  paiz,  dos  que  fundaram 
esta  pátria,  voltando  as  costas  ás  demasias  e  encontrando  na 
tolerância,  nas  transacções  superiores,  nas  combinações  bem 
orientadas  o  especifico  contra  os  visionários  ou  demagogos. 

O  estudo  dos  paizes  da  America,  para  não  sairmos  deste 
continente,  revela  esta  verdade:  onde  a  moderação  politica 
e  as  prácticas  conservadoras  foram  cultivadas  com  carinho 
e  senso,  a  eurythmia   politica  não  se   comprometteu 
porém,  a  ambição  tomou  o  logar  ao  interesse  social,  a 
partidária  entrou- em  connubio  com  o  egoísmo  desenfr 
intriga  dissolvente  perturbou  as   sàs   combinações   si 
levando  de  vencida,   em   uma   derrocada   fatal,  os  e 
gloriosos   dos   que   criam    mais   na    therapeutica    so< 
balsâmicos  e  dos  tónicos  do  que  nas  applicações  selv 
inopportunas  dos  revulsivos  inúteis;  a  collectiv idade 
confusão,  em  desordem,  recuando  ao  envés  de  avança 


byCoogIe 


f  14  REVISTA  DO  INSTITBTO  BISTORICÔ 

lando-se  pobre  de  homens  e  ameaçada  de  absorpção  pelos 
mais  fortes. 

No  governo  e  na.  politica  brasileira,  resistir  aos  exaltados 
tem  sido  uma  práctica  repetida  e  feliz.  Insistamos  nella  para 
endereçarmos  ás  gerações  vindouras  a  historia  dos  tempos 
de  hoje  vasada  nos  moldes  aproveitáveis  da  tolerância,  da 
moderação,  do  patriotismo  e,  ao  mesmo  tempo,  da  energia 
que  nos  legaram  os  nossos  antepassados  !  >  (O  orador  c  viva-' 
mente  appiaudtdo.) 

O  Sr.  Presidente  dá  em  seguida  a  palavra  ao  sr.  dr.  Eu- 
génio E^AS,  que  lê  este  discurso: 

«  Meus  senhores. 

Não  sei  como  possa  stgniíicar-vos  a  minha  profunda 
gratidão,  o  meu  eterno  íeconhecimento  pela  honra  insigne, 
que  me  foi  conferida,  de  possuir  uma  cadeira  nesta  casa.; 
Nesta  casa,  que  é  o  sanctuario  da  pátria ;  nesta  casa,  onde  os 
grandes  espíritos,  que  já  se  foram,  deixaram  o  exemplo  de 
suas  virtudes  cívicas  e  do  seu  intenso  amor  á  terra  e  ao 
povo  brasileiro;  nesta  casa,  onde  os  grandes  espíritos,  que 
actuam  sobre  o  nosso  meio  social,  dão  o  exemplo  de  seu  pa- 
triotismo, do  seu  trabalho  e  da  sua  carinhosa  dedicação  ao 
Brasil;  aqui,  as  virtudes  civicas  recebem  novo  alento  para 
novos  feitos  e  conquistas  gloriosas;  aqui,  a  descrença  des- 
apparece  e  a  confiança  como  que  renasce  para  entoar  cân- 
ticos altísonantes  ao  futuro  fulgido,  e  não  remoto,  da  na- 
cionalidade, que  nos  é  commum.O  Instituto  deu-me  um  título, 
que  eu  guardarei  com  esse  nobre  orgulho,  que  tão  bem  assenta 
nas  almas  simples  e  modestas,  desejosas  de  aprender  para 
melhor  applaudir. 

Confesso,  meus  senhores,  e  mui  ingenuamente,  que  a 
honra  de  me  achar  ao  vosso  lado,  e  neste  recincto,  com- 
move-me  sobremaneira.  Sinto-me  melhor  cidadão,  reco- 
nheço-me  mais  brasileiro.  Contemplando  daqui  a  nossa  so- 
ciedade, o  nosso  meio  e  a  nossa  terra,  melhor  admiro  o  seu 
passado,  e  mais  enthusiasticamente  confio  no  seu  porvir. 

Os  trabalhos  do  Instituto,  os  seus  annaes,  os  seus 
manuscriptos,  a  sua  bibliotheca,  as  suas  gravuras,  os  seus 
retratos,  as  suas  variadas  e  opulentas  collecções,  o  seu  patri- 
mónio, enfim,  bem  c  bastante  provam  que  somos  uma  na- 


byCoogle 


ACTAS  7'á 

cionalidade,  uma  sociedade  com  traços  firmemente  accen- 

tuados  possuindo  Historia  digna  de  ser  conhecida  e  estudada. 

Como  devemos  lastimar  que  espíritos  tào  altos  e  tão  gentiS 

se  deixem  perturbar  pela  paixão   d"  momento,   oara  aore- 

goarem  que  — <o  eoíotiírafão   iben 

insuccesso,  foi  uma  desgraça  para  a 

neta.   Não  chegam  a  ser  nações  os 

ganglios  de  populações  mixtiças,  ori 

rjoridades  humanas,   querem   por  /i 

O  amalgama  artificial  chamado  Bn 

de  duas  ou  três  gerações  terem  cheg 

alusão  do  artificio,  que  agora  vai  fin 

talentos  primorosos,  justamente  ac2 

doutrina  não  termos  Historia,  porqi 

—  «  O  Brasil  não  tem  Historia,  por 

Mas,  que  é  a  Historia  sinão  «  o  cotiji 

heróes?»    Sinão   a   narrativa   dos   j 

cimentos,  que  attestam  a  victoria  do 

com  intuitos  de  progresso  e  bem-ei 

factos  practicados  na  defesa  de  di 

pátria? 

Quem  mais  contribuiu  para  mU' 
aquelie  grande  príncipe  solitário  de  ! 
mento,  encerrado  no  Promontorium  . 
■  agudeza  do  espirito,  mais  do  que  con 
intérminas  dos  mares  desconhecidos 
cioso,  iiaquella  célebre  torre  debn 
Neptuno  procurava  descobrir,  no  rui 
ameaçadoras,  o  mysterio  de  uma  linj 
á  intelligencia  robusta  a  esperança  e 
brimentos . 

Dado  o  primeiro  passo,  os  disc 
Portugal  descobriram  Porto-Sancto, 
Branco,  o  cabo  Verde...  Arrebatad 
quando  suas  esperanças,  seus  sonhe 
tasias,  seus  estudos  se  convertiam  e 
a  eschola  de  Sagres  proseguiu  em  si: 
Ihciro  de  Covilham  e  Bartholonieu 
mente  em  demanda  do  caminho  das 

DigtizBdbyGOOgle 


Íl6  REVISTA  DO  INSTITUTO  BlSTORtCO 

trilha  do  Mediterrâneo;  outro  acconipanha  o  perfil  da  costa 
africana,  Covilham  vai  ao  Cairo,  atravessa  Suez,  desce  pela 
Arábia,  embarca  em  Aden  e  cliega  á  índia,  Bartholomeu  Dias 
alcança  o  cabo  das  Tormentas  e  verifica  que  desse  ponto  em 
deante  a  costa  africana  toma  rumo  Norte,  Mais  um  pouco 
de  sorte,  accrcscenta  Tourvillc,  e  os  dous  atrevidos  Portu- 
guezes  encontrar-se-hiam  no  extremo  sul  africano. 

Covilham  jamais  voltou  a  Portugal.  Dias  gosou  a  ven- 
tura de  rever  a  pátria,  cuja  gloria  era  também  sua.  Depois, 
vieram  os  feitos  de  Vasco  da  Gama,  de  Cabral ...  de  tantos 
outros.  E  foi  por  gente  portugueza  que  se  descobriu,  fundou 
e  organizou  este  nosso  paiz,  esta  nossa  nacionalidade.  Minha 
intelHgencia  é  de  curtos  horizontes  c  o  meu  valor  é  nenhum. 
Mas  quando,  na  calma  dos  meus  estudos  e  na  contemplação 
serena  dos  factos  cliron  o  lógicos  da  nossa  terra,  e  das  biogra- 
phias  dos  nossos  grandes  homens,  eu  procuro  conhecer  a  nossa 
Historia,  convenço-me  de  que  somos  um  povo,  de  que  somos 
uma  nacionalidade,  de  que  no  Brasil  existe  sociedade. 

A  formação  geographica  do  nosso  território  é,  sem  duvida 
alguma,  commettimento  que  põe  á  prova  a  energia  e  a  audácia 
de  um  povo. 

O  descobrimento  e  exploração  das  minas  demonstram  a 
tenacidade  de  uma  raça  e  sua  capacidade  oi^nizadora  e  diri- 
gente, 

A  lucta  sem  tréguas,  áspera,  sangrenta  e  longa  que  os 
nossos  antepassados  sustentaram  contra  o  culto  povo  hol- 
landez,  o  aguerrido  e  audacioso  povo  hispanhol,  e  o  temerário, 
intelligente  e  adeantado  povo  francez  é  prova  irrecusável  de 
uma  energia,  que  só  egual  se  poderá  encontrar;  maior,  não  a 
conheço,  dadas  as  circunstancias  do  tempo  e  do  espaço. 
Poderão  advertir-me  de  que  estou  relembrando  cousas  que 
não  são  nossas,  isto  é,  não  são  brasileiras,  mas  sim  portu- 
guezas.  Acceita  embora  a  advertência,  seguirei  na  minha 
ordem  de  idéas,  ponderando  que  o  trabalho  preparatório  da 
separação  do  Brasil  de  Portuga!,  e  consequente  independência, 
é  um  episodio  histórico,  tão  brilhante,  tão  habilmente  prepa- 
rado e  levado  a  effeito,  que  delle  poderiam  ter  inveja  c  ciúme 
os  povos  mais  argutos,  mais  atilados  e  mais  talentosos.  De 
facto,  estudando  este  passo  histórico,  pelos  documentos  da 


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ACTAS  7'7 

epoclia,  e  mais  especialmente  pelas  cartas  do  príncipe  regente 
ao  seu  augusto  pae,  vê-se  claramente  como  foi  bem  com- 
binado, bem  lançado  e  melhor  dirigido  o  movimento  politico 
que  nos  daria  esta  Pátria,  cuja  vida;  cheia  de  altos  e  baixos, 
é  nosso  dever  assegurar,  na  grandeza  de  sua  evolução  e  do 
seu  futuro,  com  os  exemplos  grandíloquos  de  honra,  pro- 
bidade e  civismo,  que  o  passado  nos  legou  com  superabun- 
dância. Rio  de  Janeiro,  Minas  e  S.  Paulo  foram  o  centro  da 
agitação ;  e  o  inspirador  magno  desse  genial  trabalho  tornou-se, 
com  justiça,  o  homem  representativo  da  Independência.  De- 
pois, vieram  dias  tempestuosos,  a  g\ierra  e  perda  da  Cisplatina, 
a  dissolução  da  Constituinte,  tormentos  sem  conta,  symptomas 
graves  de  desorganização  social,  tudo,  até  que  a  abdicação  de 
Abril  pareceu  serenar  a  agitação  geral,  em  que  o  paiz  poderia 
ter  sossobrado,  O  fundador  do  Império  abandonara  o  paiz; 
mas  outros  patriotas,  sinceros,  políticos  honrados,  dirigentes 
probos  tomaratji  o  leme  á  náo  do  Estado,  e  ella  pôde  chegar 
salva  ao  ancoradouro  seguro  da  Maioridade.  Não  foram  bo- 
nançosos todos  os  ditas  deste  período,  que  vai  de  31  a  40, 
Os  deuses  bons,  porém,  nos  ajudaram.  A  espada  de  Lima 
e  Silva  na  regência  trina;  o  pulso  férreo  do  padre  regente;  a 
penna  fecunda  e  profícua  de  Evaristo  fizeram  a  obra  de 
caima  e  pacificação  indispensável.  E,  como  demonstração  de 
que  os  altos  interesses  da  pátria  nunca  foram  olvidados,  mesmo 
na  mais  forte  das  refregas,  políticas  e  sociaes,  o  legislativo 
\-otou  a  lei  de  estradas  de  ferro,  ligando  o  Sul  ao  Norte  do 
paiz,  cujo  objectivo,  em  parte,  só  ha  poucos  mezes  foi  alcan- 
çado, e  fez  a  reforma  constitucional.  No  grande  episodio  da 
Maioridade,  o  homem  representativo  é  António  Carlos,  que, 
naquella  sua  celebre  phrase  «Quem  é  patriota  e  Brasileiro, 
conimígo  para  o  Senado  »  —  exprimiu  e  concretizou  o  pensa- 
mento de  nossa  nacionalidade. 

Fechou-se  o  segundo  período  da  vida  nacional.  Todos 
reconheceram  que  era  tempo  de  restaurar  o  império  da  paz 
e  da  ordem  para  que  o  paiz  progredisse  melhor. 

As  ultimas  agitações,  já  então  afastadas  e  pouc 
rosas,  haviam  de  cessar  de  todo  com  a  acção  segun 
dosa  do  soldado  fidalgo,  cuja  espada  brilhou',  pela 
vez,  ao  serviço  da  ordem  no  tempo  da  regência  tr 

lyCoogle 


71 8  REVISTA   DO  INSTITirtO  HISTÓRICO 

facto,  o  general,  depois  barão  de  Caxias,  cumpriu  com  zelo 
e  dedicação  inegiialavel  as  ordens  recebidas,  firmou  a  paz  em 
todo  o  território  nacional,  e  consolidou  a  ailiança  e  funda 
união,  que  deviam  e  devem  ligar  todos  os  Brasileiros  na 
cohesão  do  mesmo  pensamento.  Sobre  os  progressos  moraes  e 
intetlectuaes  do  Brasil,  sobre  o  desenvolvimento  de  todas  as 
nossas  riquezas  e  forças,  sobre  o  credito  e  bom  nome  de  nossa 
Pátria,  sobre  a  ponctualidade  absoluta  com  que  se  cumpriam 
os  nossos  encargos,  sobre  a  altivez  e  dignidade  serena  com  que 
recebíamos  as  pretençÕes  extrangeiras,  sobre  o  respeito,  acata- 
mento e  admiração  com  qiie  éramos  tractados,  sobre  a  nossa 
honra  intangível,  sobre  a  nossa  probidade  invejada,  no  tempo 
que  os  nossos  destinos  estiveram  confiados  ao  príncipe  illustre, 
glorioso  e  venerando,  cuja  memoria  o  Instituto  tem  cumulado 
de  respeito  e  de  bênçãos,  que  poderei  eu  dizer?  Direi  que  o 
Brasil  progrediu  e  se  desenvolveu  tanto,  e  por  tal  forma,  que 
as  suas  glorias  desse  largo  periodo  de  meio  século  quasi 
perduram  até  lioje,  e  hão  de  perdurar  eternamente.  Em  todos 
os  ramos  dos  conhecimentos  humanos,  em  todas  as  manifes- 
tações da  força  moral  e  íntellectual,  da  riqueza  e  das  artes, 
conseguimos  muito.   Talvez  pudéssemos  ter  feito  mais?... 

Não  sei.  E'  preciso,  entretanto,  não  exquecer  que  as 
nações  nunca  terminam  a  sua  obra  de  progresso  e  civilização. 

Qual  delias  já  alcançou  a  perfeição  definitiva,  ideal  que 
fc^e  á  medida  que  delle  nos  avizinhamos?  O  Brasil,  durante 
o  terceiro  periodo  de  sua  organização,  viu  suas.  armas  trium- 
phantes  sob  a  direcção  de  chefes  valorosos;  viu  sua  fortuna 
e  seu  credito  augmentados  e  consolidados;  viu  o  renome  dos 
seus  intellectuaes,  diplomatas  e  artistas  ultrapassar  as  fron- 
teiras americanas  e  os  limites  do  oceano.  Foi,  portanto',  forte, 
rico  e  culto.  E  não  é  difficil  perceber,  através  da  historia  de 
nossa  terra,  a  continuidade  e  sequencia  do  trabalho  dos  seus 
principaes  agentes  na  obra  do  engrandecimento  nacional. 

A  Grécia,  depois  de  ter  sido  a  principal  nação  do  seu 
tempo,  esmoreceu,  definhou  e  desappareceu,  para  só  viver 
na  Historia,  na  sua  linda  e  fulgurante  historia.  Roma,  que 
foi  senhora  do  mundo,  que  não  conheceu  limites  nem  obstáculos 
ao  seujwderio,  á  sua  ambição,  também  passou  1  e  hoje  admi- 
ramos as  suas  glorias  immortaes,  estudando  a  Historia,  qu^ 


«byCoogIe 


ACTAS  .719 

archivou,  em  seus  annaes,  os  monumentss  deixados  pelos  seus 
architectos,  jurisconsultos  e  poetas. 

César,  o  homem  uiiico,  o  homem  completo  e  perfeito, 

■que  organizou  um  império,  mais  producto  inanimado  da  Arte 
do  que  creação  da  Natureza,  no  dizer  de  Mommsen,  também 
passou,  deixando  á  posteridade  a  solução  desse  difficil  pro- 
blema:—  quem  foi  maior,  César  ou  o  Império?  César  é  um 
"  producto  de  Roma,  ou  Roma  é  uma  creação  de  César  ?  A  Roma 
de  César  caiu,  para  resurgir  transformada,  pelo  liberalismo 
de  então,  no  império  tolerante  de  Constantino.  A  religião  fez 
esse  milagre,  como  séculos  depois  a  unificação  nacional 
realizou  a  terceira  resurreição.  Os  povos  desses  trez  periodos 
são  os  mesmos?  O  ambiente  physico  é  o  mesmo.  A  terra 
italiana  e  as  estrellas  que  tão  intensamente  brilham  naquelle 
céo,  que  cobre  a  gloriosa  península,  são  as  mesmas.  Da  Roma 
antiga  restam  a  terra  e  a  historia.  Tudo  mais  deixou  de 
•existir  I 

Os  povos  são  outros  e  differentes  1 
Portugal,  cujos  navegantes  percorrera 
CUJOS  exploradores  bateram  todas  as  terras 

opulento,  poderoso,  respeitado  e  admirado  i 

vive,  como  a  Grécia,  das  suas  tradições  gloi 

reis  portuguezes  foram -se,  deixando  entret 

nidade  terras,  ilhas,  continentes  e  thesouros 

e  a  industria  ainda  não  tiveram  tempo  de  e 
A  Hispanha,  que  ao  tempo  de  Cario; 

os  dominios  austríacos,  a  Itália,  os  Paizes  ] 

mensuráveis  colónias  do  Novo  Mundo,  tamt 

inconcebível  brilho  de  opulência,  riqueza  < 

deram  o  predomínio  mundial  da  epocha.  A 

cheia  de  poder,  de  riqueza,  de  artes  e  de  1 

para  o  domínio  do  passado  e  para  a  eterni 
Mas   quem   ousará   pretender   que   a 

Itália  e  Hispanha  não  sejam  sociedades  e 

loria  ? 

Quem  ousará  dizer  que  o  Portuguez  de 

hontem ;  que  o  Híspanhol  de  agora,  como  o 

não  é  o  mesmo  typo  anthrópolc^ico  e  não 


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JM     .  REVISTA.  DO  IfSTITUTO  HISTÓRICO 

raça  forte,  capaz  de  todos  os  nobres  e  audaciosos  comnietti- 
mentos  ? 

O  meu  espirito,  a  minha  intelligencia,  confesso,  não  têm 
força  de  penetração  sufficiente  para  explicar  similhantes 
phenomenos.  Em  vão  procuro,  nos  mestres  de  PHilosophia  da 
Historia,  solução  para  tão  pesados  e  rudes  problemas,  que  a 
Politica  e  a  Sociologia  apresentam.  A  verdade,  entretanto, 
parece  ser  que  todos  os  povos,  todas  as  sociedades,  todas  as 
nações  se  julgam  superiores  ás  outras  e  só  temem  aquellas 
que  lhes  parecem  fortes.  Certo,  seria  absurdo  pretender  que 
todos  os  povos  tenham  a  mesma  capacidade  moral  e  intel- 
lectual,  os  mesmos  defeitos  e  virtudes. 

Nas  trez  grandes  nações  européas,  Inglaterra,  França  e 
Allemanha,  estamos  observando,  neste  extraordinário  mo- 
mento histórico,  a  diversidade  de  sentimentos,  de  aptidões,  de 
capacidade,  de  resistência.  Estamos  vendo  como  fracassaram 
os  ideaes  de  altruísmo,  as  doutrinas  pacifistas,  o  culto  á  Arte, 
o  respeito  aos  monumentos  e  a  veneração  ao  passado. 

A  febre  de  tudo  destruir,  de  tudo  anniquilar,  de  tudo 
arrazar,  apoderou-se,  dominou  e  empolgou  os  povos  mais  civi- 
lizados, mais  adeantados.  mais  respeitados  em  seu  saber  e 
em  sua  cultura.  A  Historia  volveu  a  ser  a  <  simples  recor- 
dação de  tyratinias  e  matanças,  que,  immortalhaiida  os  actos 
execráveis  de  uma  edade,  perpetua  a  ambição  de  se  com- 
metter^n  outros  em  todas  as  que  se  seguem  ». 

Ha  alguma  lei  que  determine  a  fatalidade  de  tão  abomi- 
náveis acontecimentos?  Por  que  os  ideaes  de  paz  universal, 
pregados  desde  tantos  séculos,  ainda  não  são  realidade  ?  Por 
que  o  si  vis  pacem  para  bellum,  dos  Romanos,  ainda  não  se 
transformou  no  si  vis  pacem  para  paccm  do  philosopho 
francez?^  Mysterios  profundos;  que  os  séculos  reteem  com 
usura  e  os  pensadores  nào  puderam  desvendar.  A  Historia 
ainda  não  é  uma  sciencia  positjva.  E'  sim  registo  de  factos 
e  acontecimentos,  provocados  ou  dirigidos  pelos  super-homens, 
e  serve  para  guiar  no  futuro,  com  a  experiência  do  passado', 
a  acção  dos  que  teem  os  encargos  da  direcção  social. 

E'  a  Historia  que  diz  como  se  deiicrão  firmar  as  vati- 
tagivts  dos  Governos  com  a  menor  inconveniência  dos  gover- 
nados. ■  '  . 


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Razão  tem  o  phílosopho  quando  ensina  que,  nas  so- 
ciedades, os  homens  são  tudo,  as  instituições,  os  códigos  e  as 
leis  são  quasi  nada.  As  sociedades  valem  confonne  os  dire- 
ctores que  presidem  aos  seus  destinos.  As  leis,  as  instituições, 
os  códigos  são  corpos  inertes.  Nada  significam,  si  os  homens 
não  lhes  derem  impulso  vivificador. 

E  os  maleficios  ou  benefícios  que  delles  resultam  são 
uma  consequência  das  virtudes  ou  dos  vicios,  da  capacidade 
ou  da  incapacidade  de  quem  lhes  dá  o  movimento.  A  nossa 
Historia,  que  é  apenas  de  algumas  dezenas  de  annos,  está  cheia 
de  exemplos  que  confirmam  o  principio. 

Meus  senhores,  peço-vos  desculpa  de  vir  aqui  repetir  o 
que  já  estaes  fartos  e  cançados  de  saber.  Mas  eu  era  obrigado 
a  esta  digressão  para  declarar  que  não  me  conformo  com  a 
opinião  de  que  não  somos  um  povo  nem  temos  sociedade. 
A  existência  e  a  vida  deste  Instituto  são  a  prova  do  contrario. 
E'  bem  solida  a  verdade  de  que  os  contemporâneos  são  os 
peiores  juizes.  Raros  são  os  casos,  em  que  a  sentença  final 
pôde  ser  lavrada  in  continenti. 

Erros  e  desvarios  de  contemporâneos  compromettem  o 
presente,  retardam  os  fructos  do  futuro,  mas  não  podem  anni- 
quilar  a  obra  do  passado,  alicerce  das  construcções  sociaes. 

Ella  ahi  está  para  exemplo.  E  agora,  que  fiz  a  minha 
declaração  de  fé  e  de  confiança  nos  destinos  de  nossa  pátria, 
e  vos  manifestei  o  meu  reconhecimento,  vou  sentar-me  na- 
quella  cadeira  afastada,  naquelle  ultimo  logar,  que  é  o  que 
me  cabe.  De  lá*,  na  minha  lealdade  de  consócio  obscuro,  na 
minha  profunda  gratidão  á  vossa  bondade  (que  me  accolhea 
neste  augusto  e  sagrado  recincto),  poderei  encorajar-me  com 
os  vossos  exemplos  e  aprender  nas  vossas  sabias  lícçÕes.  Per- 
doae-me  si  vos  cancei  a  attenção  por  mais  tempo  do  que  o 
permittido  pela  cortezia,  em  occasiÕes  como  esta. 

Ex  abundantia  corais  os  loquitur.    (_Muitos  opplausos.") 

O  Sk.  Presidente  concede  depois  a  palavra  ao  orador  do 
Instituto,  Sr.  Dr.  Ramiz  Galvão,  que  lé  o  seguinte  dis- 
curso: 

<Exmo.  sr.  presidente,  meus  dignos  coll^;as,  illustre 
sr.  dr.  Aurelíno  Leal  —  Haveis  de  permittir,  distincto  con- 
frade, que  entre  os  muitos  e  merecidos  applausos  conferidos 


Coo^lc 


733  limSTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

por  esta  assembléa  á  vossa  brilhante  oração  inaugural  dis- 
corde eu,  em  nome  do  Instituto  Histórico,  de  uma  de  vossas 
proposições . 

Nào  é  neophyto  inexperto  o  auctor  da  Historia  Consti- 
tucional do  Brasil  —  série  de  lúcidas  conferencias  aqui  reali- 
zadas com  intenso  brilho;  não  é  neophyto  quem  escreveu  a 
bella  monc^raphia,  com  que  honrastes  o  nosso  recente  Con- 
gresso de  Historia  Nacional. 

Desde  1895  enriqueceis  as  lettras  pátrias  com  livros  e 
publicações,  que  fazem  grande  honra  ao  vosso  talento  e  ao 
vosso  saber  jurídico. 

Chamado  a  melindrosas  funcções  administrativas,  que 
haveis  exercido  com  fulgor  e  com  o  applauso  de  vossos  con- 
cidadãos, não  é  de  extranhar  que  vos  tenha  faltado  espaço 
para  investigar  e  elucidar  pontos  obscuros  da  nossa  Historia; 
mas  o  alicerce  do  edifício  estava  solidamente  apparelhado  e 
só  carecíeis  de  opportunidade  e  de  estimulo  para  levantar  uma 
construcção  digna  de  alto  apreço.  Filho  desse  bello  torrão 
brasileiro,  onde  se  accendeu  o  pharol  da  nossa  civilização, 
terra  feraz  e  prestadia  que  assistiu  aos  primeiros  benefícios 
da  catechese  e  onde  se  assentou  o  primeiro  Governo  da  co- 
lónia; filho  dessa  gloriosa  Bahia,  que  é  uma  das  estrellas 
mais  fulgentes  da  nossa  constellação  politica,  continuaes  com 
muita  honra,  sr.  dr.  Aurelíno  Leal,  a  cadeia  luminosa  de 
talentos  que  alH  têm  ennobrecido  o  nome  brasileiro  perante 
a  Historia. 

Fonte  de  luz  e  de  acenilrado  patriotismo  essa  lendária 
Bahia,  onde  tiveram  berço  summidades  litterarias,  scientificas 
e  politicas,  que  honraram  e  honram  a  nossa  querida  pátria! 

Estadistas  illustres  de  estatura  de  Abrantes,  Zacharías  de 
Góes,  visconde  do  Rio  Branco  e  Cotegipe;  scientístas  do 
valor  de  Rodrigues  Ferreira,  Cairá  e  Nabuco;  professores  da 
cnveig;adura  de  Manuel  Víctorino  e  de  fr.  José  de  Sancta 
Maria  Amaral ;  poetas  da  ordem  de  Junqueira  Frtiite  e 
Castro  Alves,  prelados  do  valor  de  Macedo  Costa,  e  outros 
muitos  que  me  excuso  de  citar,  constituem  uma  plêiade 
gloriosa,  cujo  brilho  não  é  fácil  ^fualar.  E  claro  é  que  não 
alludo  sinão  á  geração  que  transpôz  os  umbraes  da  mort«; 
dentre  os  vivos  sabemos  todos  que  um  cortejo  de  primorosos 


byCoogIe 


«ngenhos  circunda  o  extraordinário  vulto  de  Ruy  Barbosa, 
esplendor  da  nossa  raça.  Fazeis  parte,  iUustre  collega,  dessa 
cohorte  de  beneméritos  trabalhadores  que  labutam  no  sce- 
nario  nacional  para  solver  gravíssimas  difficuldades  e  con- 
duzir a  Pátria  aos  seus  grandes  destinos.  Sobre  uns  pesa  a 
ingente  tar^a  legislativa,  cheia  de  árduos  problemas  no  pre- 
sente; sobre  outros  pesa  a  faina  da  administração  em  todos 
os  seus  ramos;  a  estes  cabe  a  delicada  missão  do  magis- 
tério, áquelles  a  distribuição  serena,  mas  difficil,  da  justiça; 
áqueiroutros  o  preparo  indispensável  dos  defensores  da  honra 
e  da  integridade  do  paiz. 

Aqui  recolhemos  nós  amorosamente  as  tradições  do 
passado  e  registamos,  com  a  serenidade  de  operários,  sem 
paixão  e  sem  preconceito  de  eschola  ou  de  partido,  as  acções 
do  presente,  accumulando  e  polindo  materiaes  para  a  Historia 
do  futuro. 

Competências  como  a  vossa  são,  portanto,  preciosíssimas 
acquisições  para  esta  obra  patriótica.  Nos  lazeres  de  vossa 
vida  dedicada  ao  bem  publico  trazei-nos,  digno  e  illustre  col- 
lega, trazei-nos  a  luz  de  vosso  espirito,  e  bendiremos  sempre 
o  dia  em  que  fomos  buscar-vos  no  recesso  de  vossa  modéstia 
para  abrilhantar  e  engrandecer  as  nossas  fileiras. 

Presado  collçga  sr,  dr.  Eugénio  ^as. 

Resumbram  vehemente  patriotismo  as  vossas  palavras. 

Quem  quer  que  seja  esse  escriptor,  vesgo  pela  paixão 
ou  pelo  despeito,  a  cujos  olhos  « A  colonização  ibérica  da 
America  foi  um  insuccesso  e  uma  desgraça  para  a  civilização 
de  nosso  planeta  » ;  quem  quer  que  seja  esse  desvairado,  em 
cujo  parecer  <o  amalgama  artificial  chamado  Brasil  está 
desfeito,  não  tem  Historia  nem  sociedade  » ;  quem  quer  que 
elle  seja,  ou  nos  desconhece  ou  consciente  negou  a  luz  do 
dia;  digamo-lo  bem  alto. 

<  Agrupamento  de  populações  mixtiças  oriundas  de  todas 
as  inferioridades  humanas  que  quer  á  força  fingir  de  povo  » 

—  esse  é  o  labéo  que  nos  atira  o  pseudo-sociologo  em  pleno 
século  XX,  deante  do  espectáculo  que  nos  offerece  a  Europa, 

—  solo  e  empório  aliás  da  raça  ariana,  sede  de  velhas  monar- 
chias  e  de  Estados,  em  que  a  civilização  se  diz  chegada  ao  seu 
apc^eu  —  fonte  luminosa,  donde  partiram  na  edade  moderna 


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7H  REVISTA  DO  INSTtTDTO  BISTOEUCO 

para  todos  os  cantos  do  globo  e  para  nós  próprios  o  primor 
das  artes,  as  conquistas  gloriosas  da  sciencía,  os  princípios 
f«cundos  da  Humanidade  e  da  Justiça. 

«  Agrupamento  de  populações  mixtiças  !  >  Mas  esta  popu- 
lação de  sangue  europeu,  caldeado  é  certo  muitas  vezes  com 
o  sangue  aborigene  e  com  o  africano,  este  povo  ainda  não 
ra^ou  tractados  solennes  pela  louca  ambição  de  cxinquistas, 
nem  se  gaba  de  matar  mulheres  a  golpes  de  baioneta;  este 
povo  não  torpedeia  navios  de  commerdo„  condemnando  á 
morte  crianças  innocentes  e  cidadãos  inermes  de  um  patz 
amigo,  nem  esboroa  universidades  e  cathedraes  pelo  simples 
prazer  satânico  de  extermínio. 

c  Agrupamento  de  populações  mixtiças  1  >  Mas  elle  nunca 
fez  cousa  que  se  parecesse  com  a  matança  de  S.  Bartholomeu, 
com  a  condemnação  de  tmi  Carlos  I  ou  de  um  Luiz  XVI  ao 
cadafalso,  com  as  carnificinas  de  Suvaroff  em  Varsóvia,  com 
os  bárbaros  morticínios  auctorizados  por  Benedek,  na  Itália., 

Quando  o  Brasil  fez  a  sua  independência,  chamou  ao 
throno  o  príncipe  cavalheiresco,  que  abraçara  com  ardor  a  sua 
causa;  quando  venceu  em  pugna  leal  o  Paraguai,  não  sacri- 
ficou uma  víctima  innocente,  nem  quíz  do  Estado  vizinho, 
aliás  exhausto  e  vencido,  uma  pollegada  de  território;  quando 
decretou  a  libertação  dos  escravos  fê-lo  entre  braçadas  de 
flores,  palmas  e  hosannas;  quando  pôz  termo  ao  regime  da 
monarchia,  respeitou  as  cans  veneráveis  do  príncipe  augusto, 
que  havia  sido  por  espaço  de  meio  século  o  modelo  da  mode- 
ração, da  prudência  e  do  patriotismo. 

E  é  a  este  povo  que  se  ousa  qualificar  de  <  amalgama 
artificial  oriundo  de  todas  as  ínferioridades  humanas  » !  E  é, 
quando  tacs  predicados  se  revelam  perante  o  mundo,  que  ousa 
alguém  condemnar  como  « insuccesso  >  a  colonização  ame- 
ricana feita  pelos  filhos  da  Ibéria' 

Exceptue-se,  senhores,  exceptue-se  a  grande  Republica 
do  Norte,  no  corpo  de  cujos  illustres  cidadãos  corre  sangue 
generoso  de  Franklin  e  Washington,  e  não  se  encontra  no  uni- 
verso uma  nação  moderna,  que  dispute  primazia  á  brasileira, 
constituída  pelo  exfõrço  lusitano,  ou  ás  nossas  ermas  pla- 
tinas e  transandinas,  que  devem  o  seu  prc^esso  e  o  seu  geni» 
ao  exfõrço  castelhano. 


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ACTA8  7S5 

« Insuccesso  da  colonisação  ibérica  »  !  Mas  um  feixe  de 
nações  sul-americanas,  oriundas  de  seu  tronco  latino,  constítue 
o  A-B~C,  cuja  intervenção  diplomática,  feliz  e  luminosa,  acaba  - 
de  ser  consagrada  perante  o  mundo;  são  nobres  nacionalidades 
que  fecharam  o  cyclo  de  suas  agitações  internas  para  tomarem 
rumo  da  ordem,  do  progresso,  da  confraternização,  á  sombra 
do  Direito  e  da  Justiça;  são  povos  dignos  e  laboriosos,  que 
levantam  nos  Andes  o  symbolo  augusto  da  paz  internacional, 
ou  assentam  marcos  bendictos  para  celebrar  o  condomínio  da 
Lagoa  Mirim. 

«  Amalgama  artificial  oriundo  de  todas  as  inferioridades 
humanas *\  Mas  este  amalgama  de  raças  produziu  até  agora 
eminentes  scientistas,  poetas,  parlamentares,  jornalistas,  pre- 
lados, guerreiros  e  artistas,  que  honram  a  pátria  e  a  humani- 
dade—  alvos  da  admiração  e  do  respeito  das  sociedades  que 
se  proclamam  mais  cultas  e  pretendem  a  hegemonia  no  globo. 

Não  citarei  nomes,  senhores,  porque  são  muitos  e  todos 
vós  os  conheceis  á  farta;  ims  estão  na  Historia  aureolados, 
outros  labutam  comnosco  no  presente,  produzindo,  traba- 
lhando pelo  brilho  das  sciencias,  das  lettras,  das  armas,  da 
religião  e  das  artes  —  isto  é,  para  a  prosperidade  e  gloria  da 
Terra  de  Sancta  Cruz. 

Bem  haja,  pois,  o  illustre  confrade,  que,  além  de  tantos 
outros  méritos  como  parlamentar,  advc^do  e  funccionario 
publico,  não  quiz  assentar-se  ao  nosso  lado  sem  demonstrar 
o  seu  alevantado  patriotismo  com  o  protesto  soleniic  de 
Brasileiro,  que  ouvimos  attentos  e  com  calor  applaudimos. 

Desse  nobilissimo  sentimento  patriótico  participa  o  Insti- 
tuto Histórico,  que  recebe  com  palmas  o  novo  luctador.  » 
(O  discurso  do  sr.  dr.  Ramis  Galvão  provoca  repetidos  ap- 
plausos  e  dupla  salva  de  palmas  ao  terminar, ) 

O  Sr.  Dr.  Roquette  Pinto  (í"  secretario)  le  e  justifica 
a  seguinte  proposta,  que  diz  encerrar  um  verdadeiro  pro- 
gramma  de  estudos  para  o  Instituto: 

« Propomos  que  o  Instituto  organize  um  Diccionario 
histórico,  geographico  e  ethnc^raphico  do  Brasil,  nas  seguintes 
bases: 

I.'  O  sr,  presidente  do  Instituto  nomeará  uma  com- 
missão  redactora. 


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736  REVISTA  DO 

2.*  A  conunissão  redactora  poderá  convidar  a  quem  en- 
tender para  tractar  de  determinados  assumptos. 

3.*  Serão  recebidas  as  contribuições  de  todos  quantos 
desejarem  concorrer  para  essa  obra  com  as  notas  que  pos- 
suírem. A  commissão  redactora  fará  exame  e  selecção  do 
material  recebido. 

4.'  A  publicação  da  obra  será  feita  em  ordem  alphabetica, 
em  volumes  successivos,  illustrados  sempre  que  fõr  possível. 

5.'  A  edição  será  feita  pelo  Instituto  ou  pelo  editor 
que  a  quizer  contractar  nas  melhores  condições,  a  juízo  do 
sr.  presidente  do  Instituto. 

Sala  das  Sessões,  28  de  Agosto  de  1915. — Roquetie 
Pinto.  —  M.  Fleiuss.  » 

O  Sr.  Presidente  considera  a  proposta  approvada,  tão 
meritória  lhe  parece.  Envia-a,  porém,  á  Commissão  de  Ethno- 
graphia,  sendo  relator  o-  sr.  desembargador  Sousa  Pitanga. 

Levanta-se  a  sessão  ás  22  horas. 

RoQUETTE  Pinto, 
2"  secretario. 


ACTA  DA  SESSÃO  EXTRAORDINÁRIA,   EM    15   DE   SEPTEMBRO 
DE   1915 

Presidência  do  sr.  conde  de  Affonso  Celso 

A's  20  yí  horas  abre-se  a  sessão  extraordinária,  com  a 
presença  dos  seguintes  sócios: 

Srs.  conde  de  Affonso  Celso,  dr.  Benjamin  Franklin 
Ramiz  Galvão,  Max  Fleiuss,  dr.  Edgard  Roquette  Pinto, 
dr,  Manuel  Cicero  Peregrino  da  Silva,  barão  Homem  de 
Mello,  dr.  Augusto  Tavares  de  Lyra,  dr.  Augusto  Olympio 
Viveiros  de  Castro,  general  dr.  Gregório  Thaumaturgo  de 
Azevedo,  dr,  Manuel  Álvaro  de  Sousa  Sá  Vianna,  dr,  Mi- 
guel Joaquim  Ribeiro  de  Carvalho,  conselheiro  Salvador  Pires 
de  Carvalho  Albuquerque,  major  dr.  Liberato  Bittencourt, 
dr.  José  Américo  dos  Santos,  dr.  Alfredo  Valladão,  Eduardo 
Marques  Peixoto,  dr.  João  Coelho  Gomes  Ribeiro,  dr.  AI- 


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ACTAS  727 

fredo  Rocha,  dr.  d.  Lucas  Ayarragaray,  dr.  João  Ribeiro, 
dr.   Arthur  Pinto  da  Rocha  e  dr.    Nicoláo  José  Debbané. 

O  Sr.  Dr.  Roquette  Pinto  {s'  secretario)  lê  a  acta  da 
sessão  anterior,  que  é  approvada  sem  debate. 

O  Sr.  F1.EIUSS  (/"  secretario  perpetuo)  communica 
achar-se  na  casa  o  sócio  effectivo  eleito,  sr.  dr.  Miguel 
Calmon  du  Pin  e  Almeida,  que  vem  tomar  posse. 

O  Sr.  Conde  de  Affonso  Celso  {presidente)  nomêa 
uma  commissão,  composta  dos  srs.  M,  Fleiuss,  dr.  Roquette 
Pinto,-  dr.  Sá  Vianna,  general  dr.  Thaumaturgo  de  Azevedo 
e  Eduardo  Marques  Peixoto,  para  introduzir  no  recincto  o 
sr.  dr.  Miguel  Calmon. 

{Dá  entrada  no  recincto  e  presta  o  compromisso  dos  Es- 
tatutos o  sr.  dr.  Miguel  Calmon.) 

O  Sb.  Conde  de  Affonso  Celso  (presidente)  dá  a  pa- 
lavra ao  Sb.  Dr.  Miguel  Calmon,  que  pronuncia  o  seguinte 
discurso: 

«Exmo.  sr.  presidente  do  Instituto.  Minhas  senhoras. 
Meus  senhores.  Illustres  confrades. 

Foi,  sem  duvida,  o  desejo  de  conservar  a  tradição  de  um 
nome,  que  vos  é  caro,  a  razão  de  me  terdes  escolhido  para 
yosso  consócio  neste   antigo  e   afamado   Instituto,   que,   ha 

quasi    um    século,    reflecte    com    íi^pVn^aili'    n    Hp<cnvnlvirnpntr» 

da  cultura  scientifica  e  litteraría  d 

O  illustre  homonymo,  que  n 
relevantes  serviços  á  Nação,  o  titul 
foi  sempre  dos  mais  devotados 
como  já  o  havia  sido  da  «  Sociedac 
Nacional  »,  a  cuja  iniciativa  deve  c 

Apresenta  elle  em  sua  longa 
lhe  dê  logar  único  na  nossa  His 
Estado,  não  era  dos  que  confiava 
Estado,  antes  dos  que  a  temiam  s 
blicã  e  o  impulso  da  iniciativa  pa 
nava  o  exercício  de  funcções  goi 
de  associações,  de  que  fora  o  proir 
communhão  de  exforços. 

A  sua  actividade  repartiu-se,  i 
deveres  da  causa  pública,  como  t 


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738  REVISTA  DO  INSTITUTO  BISTORICO 

Estado,  diplomata,  deputado  ou  senador  do  Império,  e  os 
postos,  que  occupou,  na  «  Sociedade  de  Agricultura  da  Pro- 
víncia da  Bahia  »,  na  «  Sociedade  de  Instrucção  Elementar  », 
na  c  Sociedade  Auxiliadora  da  Industria  Nacional »,  neste 
<  Instituto  >,  e,  sobretudo,  na  «  Sancta  Casa  da  Misericórdia  » 
desta  Capital,  que  ainda  conserva  traços  vivos  da  sua  generosa 
e  provecta  direcção. 

Não  é  o  momento  de  recordar  a  sua  obra  de  estadista, 
desde  o  papel  proeminente  que  desempenhou  nas  luctas  da 
Independência  da  Bahia  até  ã  defesa  da  nossa  dignidade  e  so- 
berania na  questão  Christie;  nem  a  sua  solicitude  cm  prol 
da  abolição  do  trafico  africano  e  da  escravidão;  nem  os 
seus  serviços  na  reforma  da  nossa  contabilidade  pública ;  nem 
o  tacto,  com  que  soube  evitar-nos  uma  guerra  no  Prata,  me- 
diante a  participação  de  Estados  europeus;  nem  a  sua  acção 
efficaz  em  beneficio  do  nosso  desenvolvimento  agrícola  e 
commercial,  promovendo  a  introducção  de  culturas  novas,  a 
applicaçáo  de  melhores  methodos  de  trabalho,  o  estabeleci- 
mento do  credito  agricola  e  a  colonização  allemã  no  Sul  do 
paiz ;  nem  a  sua  visão  prophetica,  quando  nos  concitava,  desde 
1S46,  a  imitar  a  Prússia  na  organização  methodica  e  pre- 
vidente. 

Quem  lêr  os  seus  relatórios  e  memorias,  publicados  de 
1S23  a  1865,  guardará  impressão  indelével  das  suas  qualidades 
complexas  de  estadista,  que  sabia  conciliar  as  necessidades 
publicas  com  os  interesses  legitimos  dos  particulares.  Não 
sei  de  homem  de  governo,  entre  nós,  que  houvesse,  tanto  e 
tão  bem  quanto  elle,  dedicado  ás  nossas  aspirações  económicas 
o  desvelo  e  attenção,  que  por  mais  de  quarenta  annos  nunca 
se  lhe  arrefeceram. 

Tinha,  pois,  o  Instituto  motivos  ponderosos  para  pro- 
curar reviver  um  nome,  que  está  indissoluvelmente  ligado 
assim  á  Historia  pátria  como  á  própria :  e  descobre-se,  enfim, 
a  verdadeira  razão  por  que  me  fostes  buscar,  em  dominio 
tão  apartado  de  vós,  para  distinguir-me  com  honra,  que  me 
assoberba,  e  que  acceito,  profundamente  reconhecido,  como 
homenagem  ao  nome,  do  qual  sou  portador,  e  não  á  minha 
pessoa,  sem  mérito  nem  valia,  que  a  justifiquem. 


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ACTAB  739 

Certo,  podeis  também  pretender  que,  honrando-me  de 
tal  sorte,  me  púnheis  em  brio  de  vos  corresponder  á  summa 
confiança,  e,  talvez,  grangeasseís  assim  mais  um  fervoroso 
crente  nas  virtudes  da  Historia,  Excusaveis  o  appéllo,  que, 
de  muito,  tenho  a  convicção  de  serem  os  paízes  sem  Historia 
como  essas  florestas  plantadas  de  estacas,  que  deslumbram 
os  olhos  da  multidão  com  a  folhagem  vistosa,  enquanto  a 
primeira  borrasca  não  as  desarvora  e  desfigura,  patent^ndo- 
Ihes  a  superficialidade  e  a  inconsistência. 

O  culto  da  Historia  faz  que  os  homens  públicos  refreiem 
as  suas  ambições  é  respeitem  os  interesses  da  Pátria,  Que 
mais  bello  exemplo  da  força  indeclinável  da  Historia  do  que 
a  resurreição  da  Itália  e  da  Grécia? 

Ao  povo,  que  teve  o  dom  de  transformar  em  soberbo 
empório  de  riqueza  e  civilização  uma  ilha  —  onde,  segiutdo 
Cícero,  <  nada  havia  que  fosse  objecto  de  medo  ou  lucro,  ou 
merecesse  conquista,  por  não  existir  alli  um  grão  de  ouro  e 
prata  ou  bôa  presa  »  —  attribuiu  Carlyle  o  seguinte  predicado : 
<  Os  Inglezes  tiveram  sempre  o  instincto  invencível  de  avançar 
impellidos  pelo  passado;  de  admittir  o  mínimo  de  novo;  de 
expandir,  si  possível,  alguns  velhos  hábitos  ou  methodos, 
quando  achavam  isso  de  proveito  para  as  suas  novas  neces- 
sidades, £'  um  instincto  de  grande  apreço,  verdadeiro  alliado 
<]a  força  e  da  sabedoria.  O  futuro,  dest'arte,  não  fica  dis- 
sociado do  passado,  e  baseía-se  continuamente  nelle;  cresce 
com  todas  as  vitalidades  do  passado,  e  arraiga-se  nos  funda- 
mentos de  nós  mesmos.  Aos  legisladores  inglezes  repugna, 
por  completo,  crer  em  eras  novas. » 

E'  por  isso  que  os  Americanos  do  Norte  tanto  empenho 
fazem  de  manter  e  prestigiar  as  tradições  nacionaes,  e  de 
importar  antigualhas  de  outras  partes,  que  possam  fortalecer 
a  fé  no  passado  da  civilização  a  que  pertencem,  e  crear  estí- 
mulos para  o  próprio  futuro,  confiantes  no  dtcto  do  poeta: 
As  invejas  da  alheia  e  illustre  historia 
Fazem  mil  vezes  feitos  sublimados. 

Nós,  que,  como  elles,  procedemos  de  raças  diversas,  cuja 
Historia  nos  deve  ser,  em  parte,  commum,  podemos  recolher- 
Ihe  as  mais  bellas  flores,  para  enfeitar  o  nosso  passado  ainda 
curto. 


730  REVISTA  DO  INSTITOTO  BISTOBICO 

Até  porque  é  aqui  na  America,  carente  de  densas  popu- 
lações primitivas,  que  se  hào  de  íundir  todas  as  antigas  civi- 
lizações do  globo,  e  acabar  as  rivalidades  que  as  separam,  e 
que  ainda  agora  produzem  o  espectáculo  de  barbaria  e  de 
destroços,  que  todos  deploramos. 

Mas,  para  conseguirmos  tão  feliz  resultado,  importa 
zelar  a  nossa  altitude  de  Americanos  e  Brasileiros,  isto  é, 
não  transportar  para  aqui  as  desavenças  dos  outros  povos, 
considerando,  indistinctamente,  os  extrangeiros  como  amigos, 
sem  preferencias,  que  nos  levem  a  servir  de  écho  ás  paixões  e 
interesses  de  cada  qual.  Não  temos  o  direito  de  of fender 
compatriotas,  que  prezam  a  estirpe  dos  seus  antecedentes, 
com  manifestações  exaggeradas  contra  esses  ou  aquelles  ele- 
mentos extrangeiros. 

Está  claro  que  nos  cumpre  condemnar,  sem  tergiver- 
sações, os  crimes  de  lesa-humanidade,  practicados  pelos  bellí- 
gerantes;  e,  sobretudo,  a  nós.  Americanos,  não  deve  ficar  a 
pecha  de  pactuar  com  o  que  possa  attentar  contra  o  patri- 
mónio de  civilização,  accumulado  através  de  tantos  exforços 
e  sacrifictos  pelo  conjuncto  da  Humanidade.  H',  em  esphera 
mais  limitada,  o  dever  elementar  que  incumbe  a  todo  o  homem 
de  bem,  quando  se  practicam  actos  que  ameaçam  de  dissolução 
a  vida  em  sociedade. 

Havemos,  porém,  de  distinguir  trez  sortes  de  extran- 
geiros: os  que  se  deixaram  assimilar  por  nós;  os  que  con- 
servam a  nacionalidade  de  origem,  mas  que  nos  trazem  a 
contribuição  da  sua  capacidade  e  saber,  com  desinteresse  ou 
mediante  legitimo  interesse;  e,  por  ultimo,  os  que  apparentam 
não  poder  decidir-se  por  uma  nem  por  outra  pátria,  para 
melhor  explora-las  em  beneficio  próprio. 

Os  primeiros  devem  ser  tractados  como  ermãos,  sem 
restricção  alguma,  e  antes  com  certo  carinho,  que  é  apanágio 
dos  ermãos  mais  novos,  e  servirá  de  meio  efficaz  para  os 
prender  definitivamente  a  nós.  Os  segundos  fazem  jus  á 
nossa  sympathia  e  á  nossa  proverbial  hospitalidade,  assegti- 
rando-Ihes,  sem  regatear,  a  egualdade  de  direitos,  que  a  Con- 
stituição lhes  confere.  Mas  aos  terceiros  reservaremos  a 
mais  franca  repulsa,  porque  abusam  das  relações,  que  ad- 
quirem em  nosso  meio,  e,  fiados  na  condescendência  dos  ami- 


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gos,  exorbitam  das  prerogativas  de  súbditos  extrangeiros, 
toda  vez  que  entram  em  jogo  interesses  inconfessáveis. 

Foram  desse  jaez  os  extrangeiros  que  precipitaram  a 
ruina  do  ^ypto  e  do  México,  e  os  que  chegaram  quasi  a 
coraprometter  recentemente  o  bom  nome  da  Bélgica  e  da 
Itália.  Lord  Cromer,  no  seu  livro  celebre  sobre  o  Egypto,  re- 
ti-ata-os  com  justeza:  «Nos  exforços,  quando  possivel,  bem 
intencionados,  porém  certamente  mal  dirigidos,  que  Ismail 
Pachá  fez  para  introduzir  de  prompto  a  civilização  européa  no 
Egypto,  era  obrigado  necessariamente  a  recorrer  á  assistência 
extrangeira.  A  única  probabilidade  de  introduzir  o  vinho 
novo  das  idéas  européas  nas  antigas  vazilhas  do  Oriente 
conservador,  sem  produzir  perigosa  fermentação,  estava  em 
proceder  com  cautela,  e  mormente  em  escolher  com  excessivo 
zelo  os  elementos  europeus,  por  intermédio  dos  quaes  as  mu- 
danças podiam  ser  gradualmente  effectuadas.  Infelizmente, 
não  houve  tal  cuidado.  Os  Europeus,  em  cujas  mãos  caiu 
Ismail  Pachá,  pertenciam  todos  á  casta  que  devia  ser  pro- 
scripta.  Na  maior  parte,  eram  aventureiros  do  typo  do 
«  Nabab  >  de  Alphonse  Daudet,  cujo  único  objectivo  consistia 
em  se  enriquecerem  à  custa  do  paiz.  O  elemento  novo  intro- 
duzido na  administração,  em  vez  de  impedir,  accelerou  » 
advento  da  crise.  > 

Quem  julga  ser  de  grande  beneficio  para  a  civilização  o 
papel  de  tutores,  que  certos  povos  se  arrogam  sobre  os  mais 
fracos,  labora  em  grande  equivoco, 

De  que  valeu  á  índia  ou  a  Java  o  dominio  inglez  ou 
hollandez  sinão  de  conservar  as  populações  daquelles  paizes 
em  pereime  infância  moral  ?  Comparem-se  com  o  Japão,  que, 
graças  á  pobreza  do  seu  solo  e  dos  seus  habitantes,  nunca  foi 
cobiçado  pelo  extrangeiro;  e  conclua-se,  do  confronto,  si  a 
liberdade  e  a  independência  são  ou  não  os  factores  mais  effi- 
cazes  de  progresso  real !  Mas,  que  acontece  ás  próprias  ar- 
vores, si  crescem  arrimadas  em  tutor?  As  mais  das  vezes  não 
chegam  a  supportar  a  carga  dos  f  ructos ;  que  dirá,  o  choque 
de  forças  extranhas  !  ? 

A  mesma  Historia  nos  mostra  como  a  influencia  do 
dominio  extrangeiro  é  nociva  ás  nações,  ainda  quando  resulte 


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732  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

de  direitos  dynasticos,  como  foi  o  caso  de  Portugal,  depois 
da  morte  de  d.  Sebastião.  Apezar  dos  erros  commettidos 
pelos  dirigentes,  a  sorte  das  suas  colónias  teria  sido  mui 
diversa  sem  a  politica  desastrada  do  governo  hispanhol. 
Além  disso,  a  grande  questão  nacional  passou  a  ser,  para  os 
melhores  espiritos,  a  da  independência  do  paiz,  e  não  a  defesa 
das  colónias,  que  ficaram  á  mercê  dos  caprichos  de  Madrid. 
Proclamada  a  Independência,  a  maior  parte  dos  territórios 
perdidos  não  pôde  ser  rehavída,  porque  estava  a  nação  ex- 
hausta  e  os  inimigos  cada  vez  mais  fortes  e  opulentos.  Ainda 
assim,  conseguiu  libertar-nos,  com  o  concurso  decisivo  dos 
naturaes,  do  domínio  hollandez. 

Não  ha  negar  a  parte  que  cabe  ao  extrangeiro  no  nosso 
desenvolvimento,  mas  acho  que  não  se  fez  ao  elemento  indí- 
gena bastante  justiça,  pois,  quanto  a  mim,  a  elle  devemos  o 
intransigente  espirito  de  independência  e  de  apego  ao  solo, 
que  levou  o  Brasil  a  repellir  as  invasões  successivas  de  outros 
povos  e  a  manter  intactas  as  fronteiras  do  seu  dilatado  terri- 
tório, bem  como  a  resistência  physica,  que  nos  permíttiu 
affrontar  e  transformar  uma  natureza  tropical,  tão  pouco 
clemente,  de  Ínsito,  com  o  homem  europeu. 

Quaes  são  as  populações  mais  viris  do  Brasil?  As  que 
habitam  S.  Paulo  e  os  sertões,  que  se  extendem  desde  a 
Bahia  até  ao  Ceará  e  ao  Rio  Grande  do  Norte.  Foram  ellas 
que  crearam  as  duas  maiores  riquezas  do  Brasil:  o  café  e  a 
borracha . 

Que  houve  nellas  de  characteristico  ?  Diz-nos  Theodoro 
Sampaio:  <  Em  S.  Paulo  o  predomínio  do  tupi  (referia-se  á 
lingua,  mas  a  extensão  parece  legitima)  é  quasi  completo.  * 

«Na  região  das  séccas  (foi  a  outra  região  assignalada) 
só  o  gentio  adaptado  ahi  permanece,  como  que  prot^ido  pela 
própria  inclemência  do  clima  t » 

E  accrescenta,  citando  o  padre  António  Vieira:  «  E'  certo 
que  as  famílias  dos  Portuguezes  e  Índios  de  S.  Paulo  estão 
tão  ligadas  umas  com  as  outras,  que  as  mulheres  e  os  filhos 
se  criam  mystica  e  domesticamente,  e  a  lingua,  que  nas  dietas 
famílias  se  falia,  é  a  dos  Índios,  e  a  portugueza  a  vão  os 
meninos  aprender  á  eschola  ». 

Assim,  o  que  characteriza,  ethnicamente,  aquellas  popu- 


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ACTAS  733 

lações,  de  que  noa  ufanamos  com  justo  orgulho,  é  o  fundo 
de  raça  indígena,  que  subsiste  nellas. 

Não  nos  exqueça,  pois,  a  lastimável  sorte  dos  nossos  ver- 
dadeiros ermãos,  até  pouco  tempo  ainda  espoliados,  na  quasi 
generalidade,  da  sua  terra  e  das  suas  tabas,  para  nos  prepa- 
rarmos convenientemente  a  resistir,  sem  desfallecimento,  aos 
desvarios  e  ás  ambições  de  qualquer  nação  extrangeira. 

Ha  de  advertir-se  que  o  prq>aro  do  paiz  para  a  guerra, 
quando  bem  concebido,  traz  até  sérias  e  inconcussas  van- 
tagens á  sua  vida  ordinária,  ao  passo  que  a  guerra,  propria- 
mente dieta,  é  sempre  de  effeitos  problemáticos,  devendo 
evitar-se  em  absoluto,  salvo  quando  se  tracte  de  defesa  da 
soberania  nacional  offendida,  sem  desaggravo  possível  por 
solução  arbitral. 

Demais,  é  nessa  phase  prévia  que  ha  legitimo  interesse 
e  maior  mérito,  como  tão  bem  salientou  o  notável  escríptor 
portuguez  Agostinho  de  Campos,  em  palavras  inimitáveis  de 
força  e  concisão :  <  Heróicos »  são  os  que,  em  dezenas  e 
dezenas  de  annos  de  paz,  prepararam,  afinaram  c  conseguiram 
manter  a  postos  o  instrumento  de  precisão,  que  tem  de  ser  um 
verdadeiro  exercito  moderno.  Esses  luctaram  dia  a  dia,  e 
minuto  a  minuto,  contra  as  forças  miúdas,  teimosas  e  formi- 
dáveis que  se  oppõem  á  transformação  de  milhões  de  homens 
^n  uma  machina  única  e  infallivel.  Luctaram  contra  a  sua 
própria  fraqueza  humana  e  venceram  pela  consciência  do 
dever.  Luctaram  contra  a  ligeireza  incorrigivel  do  povo,  que 
não  vê  a  vantagem  futura,  mas  apenas  o  sacrifício  actual. 
Luctaram  contra  a  infiltração  dissolvente  das  doutrinas  que 
se  exhalam  da  paz  podre  e  anniquilam  o  instincto  de  conser- 
vação collectiva.  Luctaram  contra  o  egoísmo,  a  imprevidência, 
3  indisciplina,  a  impopularidade.  B  venceram  a  victoría  longa 
e  lenta,  a  mais  inglória  e  difficil,  sobre  todas  essas  forças 
naturaes. . .  > 

Quem  presencia  um  quadro  como  o  da  Bélgica,  que, 
desde  a  sua  independência,  não  tinha  outra  preoccupação 
ainão  gosar  dos  benefícios  de  nação  neutra  e  pacifica,  inva- 
dida e  assolada  sem  piedade,  não  pôde  deixar  de  affligir-se 
com  as  deficiências  de  nossa  defesa  militar! 

Ha  idéas  falsas  que  adquirem,  ás  vezes,  tal  poder  'ãt 


^gle 


734  RETISTA  DO  INSTITOTO  HISTÓRICO 

persuasão,  que  muitos  povos  acabara  víctimas  inconscientes 
da  sua  nefasta  influencia. 

Pemiitti  que  vos  narre  um  caso,  sem  que  se  lhe  deva 
emprestar  significação  exaggerada,  pois  o  trago  perante  vós 
como  exemplo  do  perigo  que  ha  em  certos  contágios,  quando 
os  homens  de  Governo  não  possuem  sufficiente  força  de 
resistência  para  os  neutrahzar. 

Em  uma  viagem  de  estudos,  que  fiz  a  Java  e  a  outros 
paizes  do  Oriente,  conheci  a  bordo  do  paquete  francez  Sydney, 
que  me  transportou  de  Marselha  a  Singapura,  o  íltustre  es- 
criptor  castelhano  Gomes  Carrillo,  que  ia  visitar  o  Japão 
para  colher,  a  pedido  de  Argentinos  e  Hispanhoes,  impressões 
daquelle  paiz,  cuja  victoria  contra  a  Rússia  acabava  de  es- 
pantar o  mundo,  Contou-me  que  vários  amigos  lhe  tinham 
escripto  de  Buenos  Aires,  em  resposta  á  pergunta  que  dir^ra 
a  elles  sobre  o  que  queriam  do  Japão,  pedindo  explicações  mi- 
nuciosas de  como  se  fisera  grande  tão  depressa. 

Li,  depois,  as  suasimpressões  de  lá(  e  nada  transparecia 
nellas  que  fizesse  notar  a  influencia  da  guerra  no  progresso 
verificado,  pois  este  a  precedera,  não  se  devendo  jamais  con- 
fundir a  manifestação,  que  torna  conhecido  um  estado  phy- 
sico  ou  social,  com  a  sua  própria  existência,  visto  que  aquella 
pôde  demorar  séculos  sem  prejudicar  esta,  como  acontece 
com  a  luz  de  certas  estrellas,  que  tanto  custa  a  ch^ar  até 
nós. 

Faz  dous  mezes  que,  de  passagem  pela  Hispanha,  vi 
annunciado  um  livro  seu,  recensaido  a  lume,  com  o  titulo 
Campos  de  bataila  y  campos  de  ruínas,  e,  por*curiosid3de  na- 
tural, comprei-o  logo,  e  comecei  a  le-lo.  Com  sorpreza  minha, 
encontrei  no  livro  a  seguinte  dedicatória,  á  maneira  de  pre- 
facio, em  honra  ao  dr.  d.  José  Luiz  Murature,  ministro  das 
Relações  Exteriores  da  Republica  Argentina : 

€  Permita-me  usted,  querido  amigo,  que  ponga  su  nombre 
ilustre  a  la  entrada  de  esta  galeria  de  horrores. 

«  Cuando  estuvo  en  Buenos  Aires,  hace  un  ano,  me  pa- 
recia que  muchos  Argentinos  hablan  de  la  guerra  en  general 
con  un  entusiasmo  romântico  —  Lo  que  necessitamos  para 
ser  un  gran  puebh  —  me  dijo  un  escritor  notable  —  és  una 
gran  guerra. 


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«CTA3  735 

<  Aquel  escritor  tenia  una  noción  caballeresca  de  las 
luchas  entre  puebtos.  Y,  si  he  de  confesar  la  verdad,  io  tam- 
bién  la  tenia  entonces,  por  non  haberla  visto  sino  en  los 
poemas  y  en  los  lienzos  de  los  museos.  Crear  una  leyenda 
nueva  digna  de  ser  perpetuada  por  un  Ruben  Dario,  por  un 
Leopoldo  Lugónes,  por  un  Mariano  de  Vedia,  sin  duda  la 
tentación  parecianos  foella!. . . 

—  Tiene  usted  razón  —  le  conteste. 

<  Y  he  aqui  que  esta  simple  frase  pronunciada  en  un 
café,  entre  el  humo  de  los  cigarrillos  y  los  vapores  dei  cham- 
pagne,  me  persigue  desde  hace  meses  a  través  de  los  campos 
de  batalla  con  una  persistência  de  remordimiento  y  de  obse- 
sión.  Porque  la  guerra  vista  de  cerca,  no  es  bella,  no.  Es 
horrible.  Aunque  uno  se  empene  en  engalanaria  con  festones 
de  heroísmo,  la  dura  realidad  aparece  siempre  en  cifras  de 
espanto  que  se  dijeran  grabadas  por  Callot  en  una  plancha 
de  acero. 

<  Por  eso  quiero  gritar  a  la  Argentina  y  a  America  con 
^oda  mi  alma,  con  toda  mi  voz: 

€  Ved  lo  que  es  la  guerra  !. .  ■  Ved  que  no  ha  en  ella  ar- 
maduras lucientes,  ni  clarines  sonoros,  ni  bellos  gestos  he- 
róicos, ni  nobles  generosidades,  ni  estandartes  vistosos,  sino 
sangre,  miséria,  llama,  crimenes,  sollozos. . . 

c  Mi  grito,  a  usted  lo  lanzo,  querido  amigo,  porque  para 
mi,  como  para  muchos  otros,  usted  és  el  representante  más 
ilustre  de  la  futura  politica  argentina.  Oigalo  usted  con 
benevolência,  y  creame  siempre. . .» 

O  appéllo  de  Gomez  Carrillo  não  ficou  sem  écho  —  as 
recentes  demonstrações  de  solidariedade  sul-americanas  são 
um  dos  primeiros  benefícios  desta  guerra,  que  tantos  males 
desencadeou  sobre  o  mundo.  E'  força  convir  que,  antes  disso, 
já  se  haviam  estreitado  os  laços  da  nossa  sympathTã,  mas 
nunca  foram  tão  unanimes  os  protestos  de  verdadeira  con- 
córdia, de  parte  a  parte,  como  por  occasião  do  trabalho  do 
tractado  dicto  do  A .  B .  C . ,  celebrado  ultimamente .  Só  de- 
vemos louvar  os  eminentes  homens  de  Estado,  que,  com  tacto 
pouco  vulgar,  souberam  tirar  de  circunstancias  tão  críticas 
novos  elementos  de  paz  e  de  progresso. 


736  REVIBTA  DO  INSTITDTO  HISTÓRICO 

Falla-se  commummente  no  serio  perigo  que  se  tornaria 
para  nós  a  victoria  da  Allemanha,  como  egual  perigo  não 
adviesse  da  hegemonia  de  outros  povos  sobre  o  mundo.  Não 
pretendo,  com  isso,  advogar  a  causa  da  Allemanha,  mas  assi- 
gnalar  que,  para  respondermos  a  qualquer  eventualidade,  de- 
vemos fiar,  em  primeiro  logar,  de  nós  mesmos,  dispondo-no» 
a  combater  sem  tréguas,  como  o  fizemos  no  período  colonial, 
contra  as  tentativas  do  extrangeiro  de  se  implantar  no  nosso 
solo,  e,  em  seguida,  afim  de  illudir  as  dif ferenças,  que  possam 
resultar  de  um  equilibrio  europeu  mal  condicionado,  practicar 
lealmente  a  politica  adoptada  por  nós  desde  algum  tempo  —  a 
da  approximai;ão  e  da  solidariedade,  cada  vez  mais  estreita, 
entre  todos  os  povos  da  America.  Tal  politica  exige,  porém, 
de  nós  a  observância  rigorosa  de  perfeita  solidariedade  na- 
cional .    , 

Os  Americanos  do  Norte  costumam  dividir  a  sua  historia 
em  trez  phases  capitães:  a  da  independência,  a  da  liberdade 
e  a  da  união.  Também  podemos  pretender  a  mesma  evolução, 
com  termos  a  segunda  phase  subdividida  em  duas  partes,  cor- 
respondentes á  liberdade  civil  e  politica,  desde  que  entremos 
sinceramente,  como  elles,  na  phase  da  união,  relegando  quantos 
motivos  subsistam  ainda  —  e  não  são  poucos  —  de  separação 
e  conflicto. 

A  solidariedade  deve  ser  hoje  para  nós  sagrado  evan- 
gelho, porque  só  ella  confere  ás  nações  a  força  moral  neces- 
sária para  arrostar  as  commoçÕes  internas  e  repellir  os  em- 
bates externos.  Sem  ella,  a  quas!  totalidade  dos  problemas, 
cuja  pesquisa  nos  obsedia  e  enerva,  nunca  serão  resolvidos 
por  nós  definitivamente. 

Sempre  julguei  que  o  melhor  meio  de  servir  ao  bem  pú- 
blico, mesmo  sob  os  maus  governos,  é  o  que  attribuia  Tácito 
a  Agrícola :  <  Póde-se  achar,  entre  a  resistência  que  se  perde 
e  o  servilismo  que  se  deshonra,  um  caminho,  ao  mesmo  tempo, 
exempto  de  baixeza  e  de  perigos  > .  O  desconhecimento  dessa 
norma  tem  conduzido  os  políticos  de  muitos  paizes  a  sacri- 
ficar a  própria  independência  nacional  á  satisfacção  de  suas- 
ambições  e  de  seus  ódios. 

Quando  um  homem  público  adquire  consciência  dos  des- 
tinos da  Pátria  faz  como  aquelle  prestante  Romano,  que  aunc& 


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desesperou  delia,  ainda  nos  peiores  dias,  ou  como  o  Grego  de 
t^ora,  que  resume  em  si  as  aspirações  eternas  de  uma  raça 
heróica,  e  que,  por  isso  mesmo,  não  teme  o  sacrifício  pessoal, 
quando  lh'o  exigem  os  interesses  nacionaes.  Venízelos  é 
modelo  que  redime  a  fama  de  irrequietos,  que  adquiriram  os 
políticos  dos  paizes  de  civilização  greco-latina,  e  força  é  que 
honremos  a  quem  tanto  nos  eleva,  elevando  a  própria  Pátria, 
no  £onceito  da  Humanidade! 

Felizmente,  a  despeito  de  exaltação  natural,  resolveram 
sempre  os  Brasileiros  as  questões  capitães  da  sua  evolução 
politica  e  social  sem  precipitação  nem  violência.  A  indepen- 
dência, a  abolição  dos  escravos  e  a  proclamação  da  Republica 
foram  fructos  lentamente  amadurecidos  e  colhidos  em  tempo 
próprio. 

As  tendências  manifestadas  em  períodos  recentes,  de 
soluções  violentas,  na  politica  federal  ou  na  dos  Estados,  re- 
clamam da  nossa  parte  a  mais  intransigente  opposJção,  afim 
de  não  medraron  desassombradas  e  pompearem  em  toda  a 
vida  nacional.  São  pendores  novos,  que  cumpre  atalhar  sem 
remissão. 

Só  assim  lograremos  vencer  as  diffículdades  naturaes  e 
artifíciaes,  que  se  oppõem  ao  nosso  progresso  material  e 

Os  preconceitos  de  clima  e  de  insalubridade,  justificados 
tanto  que  não  dispúnhamos  de  armas  irresistíveis  para  af- 
fronta-los,  obstaram,  por  muito  tempo,  ao  racional  aproveita- 
mento dos  nossos  múltiplos  recursos,  o  que  não  fora  talvez 
grande  mal,  si  não  nos  exquecesse  a  longa  aprendizagem  4 
custa  de  nós  mesmos;  pois  o  perigo  principal,  em  paizes 
novos,  está  no  açodamento  peculiar  da  mocidade,  o  qual  não 
deixa  enraizar-se  nada  que  vingue  de  vagar,  posto  alcance 
maior  duração  e  melhor  préstimo. 

Ao  lado  dos  progressos  scientificos,  que  nos  proporcio- 
naram a  solução  do  problema  hygienico,  outros  têm  concor- 
rido e  concorrem  para  supprir  o  desfalque  do  ouro  das  nossas 
minas  e  da  producção  das  nossas  terras,  exhaurídas  por  uma 
metrópole  carente  de  capitães  e  ávida  de  riquezas. 

Dous  exemplos  definirão,  com  pri^riedade,  o  meu  as- 
serto. 


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738  REVISTA  DO  IKBTtTUTO  HUTOIUCO 

Durante  muito  tempo,  as  areias  da  costa  do  Sul  da  Bahia 
impressionavam  pelo  seu  aspecto  insólito  e  grande  peso,  mas 
apenas  serviam  de  lastro  aos  navios,  que  ninguém  lhes  dava 
valor,  Ch^a  o  dia,  porém,  de  descobrir  Auer  o  principio  dos 
véos  incandescentes  para  a  illumínação  de  gaz,  a  qual  con- 
seguiu, mercê  de  tal  invenção,  luctar  com  a  de  electricidade, 
que  a  principiava  de  desthronar;  e  as  nossas  areias  toma- 
ram-se,  de  súbito,  terras  raras  e  preciosas.  Que  de  sorpre^s, 
como  essa,  não  nos  estarão  ainda  reservadas  ?  E'  verdade  que 
a  inépcia  administrativa  desvalorizou,  quanto  pôde,  o  bem 
inesperado  que  a  sciencia  nos  grangeára. 

Oxalá  não  succeda  o  mesmo  á  outra  conquista,  que 
também  lhe  devemos.  Outr'ora,  as  aguas  dos  rios  e  dos  cor- 
r^os  não  tinham  estimação  sinao  como  vias  liquidas  ou  para 
a  irrigação  das  culturas  agrícolas.  Hoje  essas  duas  applicações 
se  tomaram  subsidiarias  da  principal,  que  é  a  producção  de 
energia  eléctrica,  susceptível  de  ser  transportada  aonde  con- 
\'enha  utiliza-la,  e  de  se  transformar  em  outras  formas  de 
energia  mais  accessivels  aos  usos  cc«nmuns.  Com  o  seu  au- 
xilio havemos  de  restituir  ás  nossas  terras  o  azoto,  do  qual 
t]ma  exploração  de  rapinagem  as  desfalcara. 

Agora,  já  o  privil^o  industrial  dos  paizes  ricos  em 
hulha  negra  cede  o  passo  aos  que  possuem,  como  nós,  fonte 
mais  barata  e  mais  abundante  de  energia,  o  que  aconteceu 
sempre  que  um  instrumento  novo  de  trabalho  ou  acção  dotou 
os  povos  com  superioridade  notória  sobre  os  demais.  A  im- 
portância fabril  recente  da  Suécia,  Noruega,  Suissa  e  Itália 
desvanece  quaesquer  dúvidas  a  tal  respeito. 

Aliás,  o  estudo  da  Geographia  hunuma  havia  muito  tempo 
que  nos  fazia  vêr,  e  prever,  como  o  prt^resso  das  artes  úteis 
e  das  communicações  foram,  e  vão  aos  poucos,  libertando  os 
povos  das  contingências  locaes  e  abríndo-lhes  horizontes  vas- 
tíssimos, que  só  demandam  pertinácia  e  sã  orientação,  para 
serem  descortinados  de  perto. 

Kxplica-nos  ella  porque  a  superioridade  wnmiercial  dos 
Phenicios  passou  successivamente  aos  Carthaginezes,  aos  Ma- 
laios, aos  Árabes,  aos  Venezianos,  aos  Allemães,  aos  Por- 
tuguezes,  aos  Hispanhóes,  aos  Hollandezes  e  aos  Xnglezes; 
como  o  descobrimento  dos  diversos  metaes  e  combustíveis 


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ACTAS  739 

como  a  influencia  dos  meios  naturaes  e  artificiaes  de  trans- 
porte, como  os  processos  mais  aperfeiçoados  de  industria  e 
agricultura,  como  a  organização  do  credito  e  dos  methodos 
commerciaes  deslocaram  tantas  vezes  os  focos  de  civilização, 
DO  curso  da  Historia. 

Não  serão  poucos  os  agradecimentos  que  se  devem  a 
Ratzel,  com  a  creação  feliz  da  Anthropo-Ceographia,  que 
projectou  luz  nova  na  interpretação  dos  phenomenos  hu- 
manos, os  quaes  se  resentiam  de  concepções  ideaes,  que  não 
attendiam  ás  condições  reaes  do  meio  em  que  se  davam,  nem 
á  complexidade  dos  factores  que  nelles  influíam. 

A  Geographia  humana  veiu  deslindar  uma  série  de  abu- 
sões históricas  e,  ao  mesmo  passo,  auctorízar  previsões  que, 
dentro  de  certos  limites,  são  dignas  de  acatamento,  confe- 
rindo assim,  com  os  dous  princípios  da  actividade  e  da  con- 
nexidade,  character  scientífico  a  estudos  que  tinham  algo  da 
Alchimia  em  relação  á  Chimica,  ou  da  Astrologia  em  relação  á 
Astronomia . 

Todos  os  sociólogas  attribuiam  aos  povos  de  climas  tropi- 
caes  a  propensão  ao  servilismo  e  a  acceitar,  sem  reluctancia, 
o  dominio  mais  ou  menos  disfarçado  do  extrangeiro ;  pois  a 
facilidade  {sic)  da  vida  os  deshabituara  de  luctar,  tanto  que 
não  chiaram  nos  tempos  modernos  a  constituir  uma  grande 
nação  independente.  Uma  poesia  holtandeza  assignala  bem 
esse  sentimento,  em  relação  aos  Jáos :  c  Vão  e  vêm  as  nuvens; 
vão  e  vêm  os  exlrangeiros;  só  o  fUho  de  Java  é  sempre  a 
mesmo;  não  consegue  ser  dono  na  própria  lerra.  » 

Mas  o  que  produz  isso  não  é  só  o  clima  nem  o  meio.  E' 
a  segr^ação  e  o  regime  sob  que  vivem  taes  povos,  sem  que 
os  mconvenientes  daquelle  possam  ser  corrigidos  pela  expe- 
riência de  uma  actividade  livre,  nem  pelas  reacções  naturaes, 
produzidas  ao  contacto  de  outras  civilizações,  visto  que  houve, 
em  todos  os  tempos,  paizes  sob  a  mesma  latitude  com  graus 
oppostos  de  desenvolvimento.  Como  não  notar  o  contraste  da 
Irlanda  e  da  Inglaterra,  e  não  applicar  aos  povos  de  outros 
hemispherios  o  conceito  de  Carlyle,  que  o  exprime  com  a 
crueza  habitual  ? :  <  Kitdare,  quando  alli  penetrei,  via-a  de  mal 
a  peior  —  uma  das  aldeias  mais  miseráveis  do  mundo  que  já 
conheci,  e  invadida  de  mendigos  desesperados  —  exótica  no 


«byCoogIe 


740  BEYISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

seu   conjuncto,   como   uma  aldeia  de   Dahomey,   homens  e 
creanças  egualmente.  > 

<  Entretanto,  a  Irlanda  è  um  paiz  encantado.  Tem  um 
'solo  apto,  como  nenhum  outro,  a  receber  cultivo.  Tem  um> 
povo  capaz  de  cultiva-lo,  de  cobrir-lhe  a  superfície  com  lares 
prósperos  e  felizes,  si  fosse  governada,  como  varias  nações, 
segundo  methodos  que  consultassem  o  seu  temperamento  nO' 
cional.  » 

Eis  porque  Brunhes  attribue  á  intelligencia  e  á  vontade 
humana  papel  tão  importante  na  vida  dos  povos,  assignalando 
que  €  todos  os  phenomenos  humanos  dependem  de  um  meio, 
mas  de  um  meio  que  evoluciona  e  evolucionará  sempre». 
Quanto  a  nós,  mau  grado  o  clima,  ninguém  pôde  lan- 
çar-nos  em  rosto  falta  de  intelligencia  nem  tibieza  de  vontade 
em  cultivar  o  espirito  de  liberdade  e  independência.  Já  o 
«  Publicista  da  Regência  »  nos  reivindicava  essas  qualidades : 

Havemos,   entre  as   nações, 

Nossos  destinos  manter: 

Corra  embora  o  sangue  em  fios: 

Independência  ou  morrer. 
Os  Tapuias  preferiram  desapparecer  a  submetter-se  ao 
extrangeiro  mais  forte  e  bem  armado.  Como  que  nos  her- 
daram elles  a  vaccina  contra  o  servilismo,  para  se  vingarem 
assim  do  invasor  abominado,  que  não  podia  mais  repellir, 
qual  faz  a  natureza,  em  sua  providencia  a  favor  da  espécie, 
quando  inocula  nos  descendentes  dos  alcoólicos  o  horror  do 
álcool . 

O  Brasil  cresceu,  durante  cincoenta  annos,  são  e  robusto, 
realizando  lenta,  mas  calmamente,  a  sua  evolução  infantil,  e 
conquistando  sem  sobresaltos  as  liberdades,  a  que  aspirava 
na  adolescência. 

Mas,  assim  como  ha  doenças  que  são  inoffensivas  na 
infância  e  que  se  tomam  graves  depois,  assim,  quando  o 
Brasil,  sentindo-se  mal  amanhado  nas  apertadas  roupas  que 
o  vestiam,  procurou  rasga-las,  a  mudança  favoreceu  o  surto 
dessas  doenças,  a  que  escapara  até  então,  entregando-se  du- 
rante cinco  annos  a  desvarios,  que  podem  bem  ser  levados  ã 
conta  da  edade,  pouco  própria  daquellas. 

DigtizBdbyGOOgle 


ACTAS  741 

Seguiram-se  annos  de  restauração  e  crescimento  rápido, 
que  não  permittiram  creasse  sufficiente  resistência  aos  maus 
contágios . 

Antigamente,  chamavam-se  climáticas  certas  doenças  que 
se  attribuiam  ao  tempo.  Parece  que  havia,  na  atmosphera  do 
mundo,  miasmas  que  as  fizeram  apparecer  em  vários  povos 
da  terra.  Começaram  pelo  velho  Portugal,  propagando-se  á 
Turquia  e  ao  México.  Depois,  a  Inglaterra  principiou  a  re- 
sentir-se  do  mesmo  mal ;  o  Japão,  com  ser  tão  joven  na  vida 
civilizada,  demonstrava  indícios  de  contaminação;  a  França' 
não  o  estava  menos,  e  a  AUemanha  via  surgirem,  pela  pri- 
meira vez,  no  caso  de  Saveme,  fermentos  da  peior  espécie. 
Não  podia  o  Brasil,  ainda  sem  equilibrio  material  nem 
moral,  escapar  a  contagio  tão  generalizado,  e  foram  novos 
annos  de  delírio,  que,  desta  feita,  porém,  o  deixaram  bastante 
alquebrado  de  forças,  posto  que  ainda  nos  julguemos  felizes 
de  não  ter  ido  tão  longe,  na  fúria  mórbida,  como  os  velhos 
paizes  do  antigo  continente,  accommettidos  do  mesmo  mal. 
E'  que  a  Divina  Providencia  véla  sobre  nós,  e  a  ella 
rendamos  graças  do  restabelecimento  da  ordem  civil  e  admi- 
nistrativa, que  voltou  a  ter  o  nosso  paiz,  em  meio  da  tormenta 
de  violência  e  soffrimento  que  se  abateu  sobre  o  universo. 
E,  através  das  vicissitudes  por  que  tem  passado  a  nossa 
pátria,  vemos  a  cada  passo  a  influencia  da  liberdade  da- 
quella  comnosco,  de  que  é  tempo  não  abusarmos  mais. 

Macedo,  cuja  memoria  tanto  preza  este  Instituto,  pro- 
clamava, ha  cincoenta  annos,  sem  rebuços :  «  Não  haverá  um 
só  Brasileiro  que  não  agradeça  á  Providencia  Divina  ter-nos 
conservado  essa  integridade,  base  fundamental  da  nossa  fu- 
tura grandeza.  Hollandezes  no  Norte,  Portuguezes  ao  centro, 
Francezes  no  Sul,  seriamos  fracos  e  desunidos;  f aliaríamos 
trez  línguas,  teríamos  talvez  duas  religiões:  e  o  gigante  dos 
trópicos. . .  seria  olhado  com  desprezo,  e  nem  siquer  escutado 
nos  conselhos  da  America.  > 

€  A  despeito  dos  erros  gravíssimos  dos  governantes,  o 
paiz  crescia  e  prosperava;  entregues  a  nós  mesmos,  expul- 
sámos do  nosso  solo  o  extrangeiro  todas  as  vezes  que  nelle 
se  quiz  estabelecer.  » 


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743  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Uma  raça  —  que,  de  tal  arte,  manteve  a  iategridade  na- 
cional, resistindo  durante  séculos  a  todos  os  ataques  do  ex- 
trangeíro;  que  luctou  victoriosamente  contra  um  meio,  ainda 
não  bem  conforme  com  o  homem,  e  ao  qual  teve  de  adaptar 
a  civilização  européa,'  própria  de  outros  climas ;  que  fomentou 
riquezas,  como  os  cafezaes  em  S.  Paulo,  os  seringaes  no 
extremo  Norte,  os  cacauaes  na  Bahia  e  os  hervaes  nas  regiões 
do  Sul,  sem  estímulos  e  antes  com  embaraços  por  parte  dos 
governos;  que  é  prolífica,  e  tem  sede  de  aperfeiçoamento; 
que  creou  uma  litteratura  rica,  a  qual  nos  colloca  acima  de 
todas  as  nações  sul-americanas,  —  não  pôde  temer-se  de  des- 
mandos accidentaes,  contra  os  quaes  tem  forças  immanentes 
de  reacção,  tarda,  mas  efficaz. 

Com  esssa  raça,  virá  o  Brasil  a  ser  uma  grande  nação,  si 
timbrarmos  em  promover  a  utilização  nacional  das  inexhau- 
riveis  fontes  de  energia  physíca,  que  existem  disseminadas 
pela  vasta  superfície  do  solo  pátrio,  e  tivermos  sempre  em 
mente  subtrahir-nos  á  ínvolução  que  conduziu  a  Índia,  tão 
similhante  comnosco  a  mais  de  um  respeito,  á  prostração  e  á 
decadência  moral,  que  lhe  conhecemos. 

Aqui,  a  terra  é  firme,  as  raizes  estão  já  entranhadas,  e  a 
seiva  circula  abundante;  e,  com  tal,  ha  de  crescer  a  planta 
donosa,  e  carregar-se  de  fructos,  si  abalos  repetidos  não  a 
resolverem  em  flores  estéreis. 

Sim,  correspondamos  á  bondade  divina,  ajudando-a  nos 
seus  nobres  e  insondáveis  desígnios,  que  realizaremos  o  sonho 
acalentado  pelo  patríarcha  da  nossa  Independência: 
Qual  a  palmeira  que  domina  ufana 
Os  altos  topos  da  floresta  espessa, 
Tal  bem  presto  ha  de  ser  no  mundo  novo 
O  Brasil  bem  fadado. 

(O  discurso  do  sr.  dr.  Miguel  Cattnon  é  vivamente  ap- 
plaudido . ) 

Em  seguida  o  Sr.  Presidente  concede  a  palavra  ao 
orador  do  Instituto,  Sr.  Dr.  Ramiz  Galvão,  que  lê  este  dis- 
curso: 

«  Exmo.  sr,  presidente  —  Illustres  confrades  —  Prezado 
consócio  sr,  dr.  Miguel  Calmon  —  E'  com  grande  jubilo  que 
esta  laboriosa  companhia  vos  recebe  em  seu  seio. 


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ACTAS  743 

Portador  de  um  nome  muito  iliustre  e  muito  caro  á 
politica  e  á  administração  brasileira,  e,  o  que  é  mais,  filho  de 
vossas  proprías  obras,  recommendam-vos  um  passado  já  lu- 
minoso e  uma  reputação  conquistada  peto  talento,  pelo  estudo 
e  pelo  trabalho. 

Ao  vosso  grande  Estado  e  á  nossa  querida  Pátria  haveis 
prestado  notáveis  serviços,  já  em  altas  funcções  administra- 
tivas como  secretario  geral  do  Governo  da  Bahia  e  ministro 
da  Viação  e  Industria  durante  a  presidência  do  saudoso  e 
honrado  Affonso  Pcnna,  já  no  exercício  do  magistério  como 
professor  da  Eschola  Polytechnica  da  Bahia,  já  como  operoso 
parlamentar  e  auctor  estimadissimo  de  livros  que  se  recom- 
mendam  ao  alto  apreço  dos  Brasileiros. 

Não  seria  possivel  entrar  em  pormenores  sôhre  a  vossa 
carreira  pública,  tanto  mais  digna  de  encómios  quanto  é 
certo  que  em  breves  annos  ganhastes  todos  esses  lauréis.  São 
de  hontem  os  vossos  inapreciáveis  serviços  á  nobre  causa  do 
paiz;  dentre  elles  sobrelevam  o  melhoramento  dos  portos,  o 
desenvolvimento  da  viação  férrea,  a  fundação  auspiciosa  de 
estações  agronómicas,  a  catechese  dos  Índios,  a  ligação  tele- 
graphica  de  Matto-Grosso  ao  Amazonas,  confiada  em  bôa 
hora  a  esse  intemerato  patrício,  coronel  Rondon,  benemérito 
entre  os  beneméritos. 

No  meio  de  vossas  numerosas  publicações,  todas  sobre 
assumpto  do  maior  interesse  práctico  para  o  desenvolvimento 
da  industria  e  da  riqueza  nacional,  permitt!  que  eu  destaque 
o  vosso  precioso  livro  €  Factos  económicos  »,  fructo  de  uma 
longa  viagem  ao  Oriente,  onde  soubestes  colher  ensinamentos 
do  mais  alto  valor  para  o  nosso  progresso  agricola  e  indus- 
trial, —  livro  que  revela  um  observador  intelligentissimo  e 
competente,  além  de  um  ardoroso  patriota. 

A  chave  de  ouro  desse  livro  é  o  discurso  que  pronun- 
ciastes na  Camará  dos  Deputados  em  Septembro  de  1912  sobre 
o  <  ensino  como  factor  do  progresso  industrial> ;  e  a  chave 
adamantina  desse  discurso  é  a  celebre  phrase  de  Leibnitz, 
com  que  declarastes  resumir  o  vosso  pensamento. 

<  Quem  é  dono  da  educação  é  dono  do  mundo.  » 

Não  ha  verdade  mais  amplamente  demonstrada  na  His- 
toria. A  Allemanha  moderna  fez-se  poderosa  e  forte,  culti- 


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744  REVISTA  DO  INSTITDTO  HISTÓRICO 

vando  com  esmero  esta  planta  magica;  a  Suissa  constituiu-se 
o  modelo  das  republicas  com  a  sábia  e  vasta  disseminação  do 
seu  ensino  publico;  a  opulenta  Republica  da  America  do 
Norte  cimentou  nas  escholas  o  solido  e  invejável  edifício  de 
sua  prosperidade. 

Ha  mais  de  48  annos,  quando  na  Exposição  Universal  de 
Vienna  me  coube  a  honra  de  fazer  parte  do  jury  de  Instnicção 
Publica,  como  delegado  do  Brasil,  tive  o  feliz  ensejo  de  exa- 
minar os  dados  estatísticos  de  todos  os  paizes  do  mundo  em 
matéria  de  ensino,  e  já  nessa  epocha  o  cantão  de  Vaud,  na 
Suissa,  ganhava  a  palma  da  victoria,  não  contando  um  só 
onalpkabeto.  Eis  o  segredo  dos  triímiphos  dessa  democracia 
modelar,  eis  a  razão  de  ser  do  vosso  enthusiasmo  pela  edu- 
cação bem  orientada  do  nosso  povo  —  enthusiasmo  que  vos 
faz  a  maior  honra  como  estadista,  sr.  dr.  Miguel  Calmon,  e 
que  eu  desejaria  ínflammasse  a  todos  os  directores  da  nossa 
vida  nacional. 

A  vossa  obra,  illustre  colida,  como  ministro  da  Industria, 
Viação  e  Obras  Publicas,  foi  tudo  quanto  em  trinta  mezes  de 
governo  um  espírito  superior  poderia  realizar,  e  bem  mereceu 
aquellas  palavras  de  consagração,  com  que  o  honrado  decano 
da  imprensa  brasileira  fez  justiça  aos  vossos  méritos, 

«  O  paiz,  disse  elle,  que  possue  um  estadista  de  menos  de 
30  annos,  capaz  de  conceber  e  realizar  as  grandes  obras  que  o 
dr.  Calmon  ideou  e  levou  ao  cabo,  é  na  verdade  tmi  paiz  que 
pôde  confiar  no  seu  futuro  e  dormir  tranquillo  dos  seus 
destinos  » . 

Perdoae-me  si  para  aqui  trago,  em  vossa  presença,  estes 
testimunhos  de  alto  apreço  de  vossos  contemporâneos,  mas 
enche  de  prazer  a  minha  alma  de  Brasileiro  esta  justiça  pres- 
tada ao  distincto  filho  do  meu  velho  companheiro  de  estudos 
gymnasiaes,  o  venerando  e  nobilíssimo  contra-almirante 
Calmon,  que  também  -foi  estrella  radiante  na  sua  classe,  e  que 
ao  meu  lado  iniciou,  com  grande  brilho,  a  sua  carreira  tão 
prematuramente  cortada  pela  morte.  A  vossa  bellissima  e 
conceítuosa  oração  inaugural,  prezado  collega,  foi  mais  um 
testimunho  do  quanto  o  Instituto  Histórico  pôde  esperar  do 
patriotismo  e  da  lucidez  de  um  espirito  privilegiado. 

A  Pátria  carecerá  sem  duvida  da  vossa  cooperação  presti- 


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ACTAS  745 

tnosa  em  elevados  postos  de  vária  natureza;  não  tendes  o  di- 
reito de  recusa-la,  nem  o  fareis  de  certo.  Mas,  já  agora,  que 
temos  a  fortuna  de  contar-vos  nas  nossas  fileiras,  também  o 
Instituto  merecerá  o  carinho  do  illustre  patrício,  que  tanto 
ama  o  seu  berço.  Aqui  tendes  mais  um  campo  aberto  para 
conquistar  a  gratidão  do  Brasil  e  as  bênçãos  da  posteridade. 
Entre  sábios  conselhos  nos  convidastes  a  corresponder  á 
bondade  divina,  ajudando-a  nos  seus  nobres  e  insondáveis 
desígnios,  para  se  realizar  o  sonho  acalentado  pelo  patríarcha 
da  nossa  independência.  Sim.  Tenhamos  fé.  Com  patriotismo 
e  exfórço,  guiados  por  homens  da  vossa  tempera,  seremos 
Qual  a  palmeira  que  domina  ufana 
Os  altos  topos  da  floresta  espessa. 

Deixae  só  que  eu  prosiga  a  leitura  da  ode  do  grande  José 
Bonifácio  aos  Bahíanos: 

Em  vão  de  paixões  vis  cruzados  ramos 
Tentarão  impedir  do  sol  os  raios : 
A  luz  vae  penetrando  a  copa  opaca ; 
O  chão  brotará  flores. 
Estas  flores  estão,  de  facto,  surgindo  e  continuarão  a 
surgir  de  geração  em  geração,  porque  a  Providencia  não  aban- 
dona a  Terra  de  Sancta  Cruz,  e  no  coração  dos  Brasileiros 
não  desfallece  a  confiança  no  futuro,  muito  embora  nuvens 
sombrias  toldem  por  vezes,  como  nesta  hora  critica,  os  nossos 
horizontes. 

O  vosso  coração  é  um  delles,  e  nesta  operosa  Companhia 
todos  pulsam  com  o  mesmo  vigor  pela  felicidade  e  grandeza 
da  Pátria. 

A'  sombra  das  nossas  gloriosas  tradições,  que  guardamos 
com  indefesso  carinho,  alimentando  noite  e  dia  o  fogo  vivo  da 
nossa  ara  sacrosancta,  levitas  desta  religião,  ante  cujos  altares 
nos  unimos  em  solidariedade  inabalável  e  promissora  de  farta 
messe,  constituiremos,  como  até  aqui,  um  tribunal  sereno  e 
augusto  para  exaltar  a  virtude  dos  grandes  patriotas,  assim 
como  para  mndemnar  os  erros,  as  ambições  indébitas,  os  in- 
teresses mesquinhos,  as  paixões  monstruosas  e  os  desvarios, 
que  acaso  pretendam  desviar  a  rota  e  macular  o  nome  do 
gigante  sul-americano . 


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74<^  RBVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Para  esta  obra  meritória  também  o  Instituto  conta  ami- 
vosco,  sr.  dr.  Miguel  Calmon,  —  preclaro  batalhador  dos 
bons  combates ! » 

(O  discurso  do  sr.  dr.  Ramis  Galvão  provoca  grandes  ap~ 
plausos. ) 

O  Sr.  Conde  de  Affonso  Celso  {presidente)  diz  que 
nada  mais  havendo  a  tractar  nesta  sessão  extraordinária,  con- 
vocada especialmente  para  a  recepção  do  sr.;  dr.  Miguel 
Calmon,  agradece  o  comparecimento  do  selecto  auditório  e 
levanta  a  sessão  ás  22  J4  horas. 

RoQUETTE  Pinto, 
2°  secretario. 


ACTA   DA   SEXTA   SESSÃO  ORDINÁRIA,   EM   29  DE   SEPTEMBRO  DK 
DE  1915 

Presidência  do  sr.  conde  de  Affonso  Celso 

A's  20  ^  horas,  na  sede  social,  abre-se  a  sessão  com  a 
presença  dos  seguintes  sócios: 

Srs.  conde  de  Affonso  Celso,  Max  Fleiuss,  dr.  Edgard 
Roquette  Pinto,  dr.  Benjamin  Franklin  Ramiz  Galvão,  Arthur 
Guimarães,  dr.  Manuel  Cícero  Peregrino  da  Silva,  barão 
Homem  de  Mello,  desembargador  António  Ferreira  de  Sousa 
Pitanga,  dr.  Homero  Baptista,  dr.  António  Olyntho  dos 
Sanctos  Pires,  dr.  José  Américo  dos  Santos,  dr.  Miguel  Joa- 
quim Ribeiro  de  Carvalho,  dr.  Augusto  Olympto  Viveiros  de 
Castro,  dr.  João  Coelho  Gomes  Ribeiro,  major  dr.  Liberato 
Bittencourt,  commandante  Raul  Tavares,  dr.  Domingos  Ja- 
guaribe,  Eduardo  Marques  Peixoto,  dr.  Arthur  Pinto  da 
Rocha,  dr.  Pedro  Souto  Maior,  dr.  d.  Lucas  Ayarragaray, 
dr.  Miguel  Calmon  du  Pín  e  Almeida  e  dr.  Nicoláo  Debbané.- 

O  Sr.  Dr.  Roquette  Pinto  (í*  secretario)  lê  a  acta  da 
sessão  anterior,  que  é  approvada  sem  debate. 

O  Sr.  Fleiuss  (/'  secretario  perpetuo)  lè  o  s^uinte 
parecer : 


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ACTAS  747 

Da  Conunissão  de  Fundos  e  Orçamento: 

c  A  apresentação  da  proposta  de  orçamento  do  Instituto 
Histórico  e  Geographico  Brasileiro  constitue  simples  forma^ 
lidade,  que  é  observada  para  que  tenham  inteiro  -cumprimento 
os  Estatutos.  Todos  nós  sabemos  com  que  honestidade  e  es- 
crúpulo são  despendidos  os  fundos  do  Instituto  pelo  egrégio 
presidente  e  pelo  digno  i"  secretario  perpetuo,  confiadas  todas 
as  quantias  á  guarda   zelosíssima  do   honrado  thesoureiro. 

A  Commissão  de  Fundos  e  Orçamento  approva,  portanto, 
a  proposta  elaborada  pelo  i"  secretario  perpetuo,  proposta  que 
traduz  completa  realidade. 

Não  deixa,  porém,  a  Commissão  de  propor  (  o  que  já  fez 
no  anterior  parecer)  que  o  illustre  presidente  do  Instituto 
fique  plenamente  auctorizado  a  realizar  no  orçamento  as  mo- 
dificações, que  as  circunstancias  e  o  alto  interesse  da  asst>- 
ciação '  determinarem . 

Rio  de  Janeiro,  20  de  Septembro  de  1915. —  Clóvis  Be- 
viláqua, relator .  —  Alfredo  Rocha.  —  Rodrigo  Octávio.  — 
Bnéas  Galvão. » 

ANNEXOS 

<  Rio  de  Janeiro,  16  de  Setembro  de  1915. 

Ulmo.  e  exmo,  sr.  dr.  conde  de  Affonso  Celso,  m.  d. 
presidente  do  Instituto  Histórico  e  Geographico  Brasileiro: 

Cumprindo  a  determinação  do  S  2°  do  art.  43  dos  Esta- 
tutos, tenho  a  subida  honra  de  offerecer  ao  alto.  critério  de 
V.  ex.  a  €  Proposta  do  orçamento  para  o  anno  de  1916». 

Como  V.  ex.  sabe,  com  a  mudança  do  Instituto  para  o 
novo  edifício,  augmentaram  consideravelmente  as  despesas. 

Devo  propor  a  v.  ex.  não  sejam  preenchidos  dous  lebres 
de  of f iciãl  da  secretaria  —  desde  que  vaguem  — ,  estabele- 
cendo-se,  quando  houver  necessidade,  diaristas  por  tempo  de- 
terminado. 

Prevaleço-me  do  ensejo  para  apresentar  a  v.  ex.,  mais 
uma  vez,  os  protestos  de  meu  profundo  respeito.  — O  i"  se- 
cretario perpetuo,  Fleitus». 


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748  REVISTA  DO  INBTITDTO  HISTÓRICO 

—  €  Vai  á  Comraissão  de  Fundos  e  Orçamento,  sendo 
relator  o  sr.  dr,  Clóvis  Beviláqua. —  Rio,  17  de  Septembro 
de  1915. — Conde  de  Affonso  Celso». 


ORÇAMENTO  PARA  I916 


S  I.*  Subvenção  do  Congresso 25  :ooo$ooo 

S  2.°  Juros  das  apólices 6  40o$ooq 

S  3.°  Quotas  beneficiarias  das  loterias  (compu- 
tado cada  conto  de  réis  em  200$,  segundo 

o  calculo  do  Thesouro  Nacional  4 :8oo$ooo 

§  4.°  Receitas  diversas 5oo$ooo 

36:700$ooo 


ORÇAMENTO  PARA    1916 

Despesa 


S  i.°  Pessoal  (vide  docimiento  annexo) 21 :: 

S  2."  Compra  de  livros  e  encademaçSes $:(. 

§  3,"  Impressão  e  re-impressão  da  Revista... 

S  4 . "  Material  do  expediente 3  »oo$ooo 

§  5.°  Despesas  miúdas  —  comprehendendo  o 
porteamento  da  correspondência  e  dos 
livros,   carretos,   limpeza   do  edifício, 

pequenos  concertos 2  400$ooo 

S  6."  Eventuaes  i  :932$ooo 


36:70o$ooo 

jtizedbyGOOgIe 


Detalhe  do  pessoal 


1  bíbliothecario    

I  director  da  Revista 

3  of ficiaes 

1  of  ficial-dactylographo    

I  collaborador   

I  porteiro   

I  servente  

I  conservador  do  edíficio 

3  empregados   do   Syllogeu 

Addicionaes  de  um  of  ficial,  con- 
cedidos era  Assembléa  Geral. 

Congresso  Internacional  de  His- 
toria da  America 


300$ooo 
30o$ooo 
450$ooo 

2IO$000 

6o$ooo 
i38$333 

I2(^O00 

i5$ooo 
7o$ooo 

59$ooo 


3:6oo$ooc) 
3:6oo$ooo 
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Nota —  Não  se  preencherá  o  cargo  de  auxiliar  de  bíblio- 
thecario. 

Rio  de  Janeiro,   i6   de   Septembro  de   1915.  —  Fleiuss, 

O  Sr.  Conde  de  AíFOnso  CElso  {presidente)  declara 
em  discussão  o  parecer  da  Commissão  de  Fundos  e  Orçamento, 
bem  como  a  proposta  de  orçamento.  Não  houve  discussão. 

Postos  em  votação,  são  os  mesmos  approvados  unani- 
memente. 

O  Sr.  Fleiuss  (/'  secretario  perpetuo)  lê  depois  estea 
pareceres: 

Da  Commissão  de  Historia: 


Approvada,  como  foi,  pelo  Primeiro  Congresso  de  His- 
toria Nacional,  que  unanimemente  apoiou  o  justo  e  bem 
lançado  parecer  relatado  pelo  sr.  dr.  Arrojado  Lisboa  e  sub- 
scrípto  por  todos  os  seus  dignos  companheiros  de  commissão, 
—  pouco  é  o  que  nos  resta  dizer  da  mon<^aphia  intitulada 
<  As  primeiras  tentativas  da  independência  do  Brasil  >,  of fe- 


750  RETIBTA  DO  U«T1TDT0  HISTÓRICO 

recida  pelo  sr,  dr.  A.  Velloso  Rebello  áquelle  douto  cenáculo 
scientifico,  e  com  a  qual  é  o  nosso  illustre  compatriota  pro- 
posto agora  para  o  quadro  social  deste  benemérito  grémio. 
Traçando  excellente  plano  do  seu  mencionado  trabalho, 
o  operoso  conselheiro  da  embaixada  brasileira  juncto  ao 
governo  de  Portugal,  depois  de  evidenciar  o  papel  importante 
representado  pelo  factor  indígena  em  todas  as  luctas  pela 
conquista  da  nossa  soberania,  analysou  criteriosamente  o  in- 
fluxo de  idéas  liberaes,  que  nos  trouxeram  no  século  XVII 
os  invasores  neerlandezes,  assim  como  os  princípios  prados 
pelas  escholas  philosophicas  da  centúria  excepcional  de  que 
resultou  a  revolu<;ão  franceza  de  1789,  o  mais  próximo  funda- 
mento geral  da  nossa  independência. 

Entrando  a  estudar  os  episódios,  que  considerou  como 
precursores  da  nossa  definitiva  autonomia  politica  de  1822, 
não  olvidou  o  tentamen  de  emancipação  local  dos  Palmares, 
no  tocante  ao  qual  perfilhou  o  conceito  de  Quatrefages  —  de 
que  €  foi  uma  das  maiores  expressões  de  revolta  da  raça 
ne^ra  contra  o  jugo  da  raça  branca  >,  considerando-a  também 
como  um  assignalado  passo  na  civiliEação  brasileira;  recen- 
seou os  conflictos  nativistas  que  ensanguentaram  Pernambuco 
e  Minas  Geraes  na  primeira  decade  do  século  XVIII  e  que 
se  fixaram  em  nossos  fastos  com  os  nomes  de  <  guerra  dos 
mascates*  e  guerra  dos  gmboabas»;  encarou  a  revolta  de 
1720,  em  ViUa  Rica,  acaudilhada  por  Philippe  dos  Sanctos, 
como  um  preludio  da  Inconfidência  mineira;  e,  depois  de 
summariar,  com  largo  e  nítido  descortino,  a  mallograda  con- 
juração de  1789,  que  immortalizou  em  nossa  Historia  a  um 
obscuro  alferes  de  milícias,  o  mí^fnanimo  Tiradentes,  —  de- 
teve-se,  afinal,  a  apreciar  a  sublevação  pernambticana  de  1817, 
predecessora  immedíata  do  grito  do  Ipiranga. 

A  clareza  de  linguagem,  a  forma  bem  cuidada,  o  methodo 
de  exposição,  a  despretenciosidade  de  erudição,  revelada 
pelas  raras  datas  citadas  e  pelas  ainda  mais  raras  remissões 
às  fontes  históricas,  —  tudo  isso  se  encontra  no  substancioso 
Cscrípto  do  sr.  dr.  A.  Velloso  Rebello. 

Cumpre-nos,  contudo,  registar  que  lhe  escapou  S  ames- 
trada penna  um  ou  outro  engano,  de  fácil  rectificação.  Com 
effeito,  affirmou  elle,  no  capitulo  III,  que  o  conde  de  As- 


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ACTAS  7Sl 

sumar  «governava  a  capitania  de  S.  Vicente*.  Ora,  no  pe- 
ríodo administrativo  de  d.  Pedro  de  Almeida,  já  não  sub- 
sistia esta  denominação,  desde  muito  offidalmente  substi- 
tuída. 

O  hinterland  aurífero  foi  disjungido  da  subordinação 
jurisdiccional  do  Rio  de  Janeiro  pela  carta  régia  de  9  de 
Novembro  de  1709  (doe.  avulso,  existente  no  Archivo  Na- 
cional), que  creou  a  capitania  de  «S.  Paulo  e  Minas  de 
Ouro »,  3  qual  teve  trez  governadores ;  António  de  Albu- 
querque Coelho  de  Carvalho  (empossado  a  18  de  Junho  de 
1710),  d.  Braz  Balthazar  da  Silveira  (a  31  de  Agosto  de 
1713)  e  d.  Pedro  de  Almeida,  conde  de  Assumar  (a  4  de 
Septembro  de  1717).  E'  de  2  de  Dezembro  de  1720  o  alvará 
com  que  d.  João  V  separou  de  S.  Paulo  a  capitania  de  Minas 
Geraes. 

Não  disse  o  sr.  dr.  A.  Velloso  Rebello  uma  só  palavra 
sobre  a  revolta  de  Beckmann,  occorrida  no  Maranhão  pelo 
ultimo  quartel  do  século  XVII,  o  que  quer  dizer  que  elle  a 
excluiu  do  rói  dos  factos  considerados  como  tentativas  de 
independência  da  Pátria.  Bera  andou  em  assim  proceder, 
porque,  realmente,  a  sublevação  de  1684  foi  antes  movimento 
de  natureza  mercantil  (contra  o  açambarcamento  dos  Índios 
pelos  Ignãcianos  e  contra  o  monopólio  da  Companhia  de 
Commercio)  do  que  rebellião  destinada  a  obter  imia  decisiva 
autonomia,  regicHial  ou  nacional.  Si  a  houvesse  promovido 
por  motivos  políticos  e  com  aquelle  alto  objectivo,  Manuel 
Beckmann,  graças  á  sua  aprimorada  cultura  e  inteireza  de 
character,  devera  ser  alcandorado  á  categoria  de  Ríenzi  da 
nossa  Historia. 

Mas  o  sr.  dr.  A.  Velloso  Rebello  não  quiz  aprofundar 
o  que  diz  respeito  ao  tentame  paulista  de  meiados  do  sé- 
culo XVII.  Limitou-se  a  íazer-lhe  passageira  referencia  nas 
primeiras  linhas  do  capitulo  IV  de  sua  memoria.  Antes  de 
mais  nada,  notemos  que  a  asserção  ahi  contida  de  que  —  «os 
rebeldes  de  Minas,  os  Paulistas,  chiaram  a  pensar  na  accla- 
mação  de  imi  rei  próprio,  que  seria  esse  Amador  Bueno,  seu 
chefe  até  á  derrota  do  Rio  das  Mortes  »,  —  não  tem  assento 
nas  chronicas  nem  amparo  nos  documentos  históricos.  Destes, 
entretanto,  ha  alguns  extremes  de  qualquer  suspeita,  que  se 


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REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

m  no  Archivo  Nacional  e  que  demonstram  ter-se 
|i  a  acdamação  de  Amador  Bueno  da  Ribeira 
bisneto  Amador  Bueno  da  Veiga,  cabo  dos  Pau- 
1  da  guerra  dos  emboabas)  como  rei  de  S.  Paulo, 
jeitado  a  coroa,  que  lhe  fora  offerecida  por  seus 
e  por  vários  Hispanhoes  alli  domiciliados.  Não 
er  posta  em  exquecimento  tal  iniciativa,  que  de 
á  emancipação  politica  da  colónia  luso-americana, 
contemporânea  de  similhante  episodio  a  expulsão 
levada  então  violentamente  a  cabo  pelos  audazes 

rvações  que  ahi  ficam  em  nada  apoucam  o  ele- 
jue  fazemos  do  trabalho  entregue  á  nossa  apre- 
itualidades  de  investigador  das  nossas  tradições 
e  escriptor  postos  de  manifesto  pelo  sr.  dr.  A. 
;lIo,  em  sua  monographía  <  As  primeiras  tenta- 
•pendencia-  do  Brasil  >,  hão  de,  por  certo,  asse- 
n  dia  logar  de  destaque  entre  os  cultores  do 
o,  si  não  descontinuar  a  sua  labuta  em  tao  vasta 
ara.' 
condições,  a  Commissão  abaixo  assignada  é  de 

0  Instituto  Histórico  e  Geographico  Brasileiro 
lucrar,  abrindo  as  suas  portas  ao  sr,  dr.   A.. 

;llo. 

Janeiro,  25  de  Septembro  de  1915.  —  Basilio  de 

■elator. — Clóvis  Beviláqua.  —  Viveiros  de  Cas- 

:r  é  approvado  e  vai  com  a  proposta  á  Commissão 
de  sócios,  sendo  relator  o  sr.  dr.  Manuel  Cícero 

1  Silva. 

de  Historia  litteraria  os  livros  do  sr.  J,  Cer- 
Iriguez,  que  nos  foram  apresentados,  —  Litera- 
r  e  Letras  brasileiras.  No  primeiro,  mostra-se  o 

erudito,  conhecedor  das  litteraturas  gallega,  eu- 
ia  e  catalã;  no  segundo,  falia,  como  amigo,  das 
leiras  e,  em  particular,  dos  nossos  progressos  de 
ectual. 

s  propomos  a  fazer  a  crítica  desses  trabalhos, 
ndo-os  no  seu  espirito,  nas  suas  linhas  geraes. 


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ACTAS  753 

notando  ã  curiosidade,  que  revelam  por  algumas  litferaturas 
mais  conhecidas  e  o  desejo  de  chamar  para  ellas  a  attenção 
dos  leitores,  e  achando  que  ás  litteraturas  são  phenomenos  his- 
tóricos, ao  lado  da  Religião,  da  Politica  e  da  Economia,  que, 
estudados  em  sua  evolução,  constituem  objecto  das  investi- 
gações a  que  nos  consagramos,  somos  de  parecer  que  o 
sr.  Cervaens  y  Rodriguez  será  um  bom  elemento  em  nossa 
associação . 

Rio  de  Janeiro,  29  de  Septembro  de  1915.  —  Clóvis  Be- 
viláqua, relator.  —  Viveiros  de  Castro. — 'Basílio  de  Maga- 
lhães*. .  r 

O  parecer  é  approvado  «  vai,  com  a  proposta,  á  Com- 
missão  de  Admissão  de  sócios,  sendo  relator  o  sr.  dr.  Miguel 
de  Carvalho. 

—  Da  Comraissão  de  Admissão  de  Sócios : 

<  A  Commissão  de  Admissão  de  sócios  nada  têm  a  oppõr 
á  admissão  do  illustre  sr.  dr.  Juliano  Moreira  como  socIo 
effectivo  neste  Instituto.  ' 

Ao  contrario:  é  mais  um  estudioso  que  virá  concorrer 
com  as  luzes  do  seu  saber  e  com  a  nobreza  do  seu  character 
para  mais  elevar  os  créditos  da  associação,  que  o  receberá.. 

Rio  de  Janeiro,  29  de  Septembro  de  1915.  —  Miguel  ]ot3f 
qmm  de  Carvalho^  relator.  —  António  Olyntho.  —  Manuel 
Cícero. » 

Fica  para  ser  votado  na  primeira  sessão. 

—  <  Proposto  para  sócio  correspondente  deste  Instituto 
o  eminente  escriptor  argentino  don  Juan  José  Biedma,  emittiu 
a  respeito  a  Commissão  de  Historia  bem  elaborado  parecer, 
que  conctue  pelo  reconhecimento  dos  méritos  do  candidato  e 
pela  conveniência  da  approvação  da  proposta. 

Pensa  do  mesmo  modo  a  Commissão  de  Admissão  de 
Sócios,  que  se  honra  em  declarar  que  o  i)ro|X>sto  reúne  as 
condições  necessárias  para  ser  eleito  sócio  correspondente, 
certa  de  que  será  proveitosa  ao  Instituto  a  colJaboração  do 
distincto  homem  de  lettras.  um  dos  propugnadnrcs  da  con- 
córdia americana . 


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754  REVISTA  DO  INSTITUTO  BUTOfUCO 

Instituto  Histórico  e  Geographico  Brasileiro,  15  de  Sé- 
ptembro  de  1915. —  Manuel  Cicero,  relator.  —  A/íflttfJ  Joa- 
quim Ribeiro  de  Carvalho.  —  António  Olyntho.  » 

Fica  para  ser  votado  na  primeira  sessão. 

O  mesmo  S».  1°  Secretario  Perpetuo  lê  esta  proposta: 

«Temos  a  honra  de  propor  para  sócio  effectivo  do 
Instituto  Histórico  e  Geographico  Brasileiro  o  sr.  dr.  Érico 
Marinho  da  Gama  Coelho,  professor  cathedratico  da  Facul- 
dade de  Medicina  do  Rio  de  Janeiro,  membro  titular  da 
Academia  Nacional  de  Medicina,  senador  federal,  auctor  de 
yarios  trabalhos  scientiíicos,  entre  os  quaes  a  memoria  —  ^ 
■mulher  e  a  guerra,  escripta  especialmente  para  o  Instituto 
Histfwiao.  ao  quid  é  offerecida. 

Instituto  Histórico,  29  de  Septembro  de  1915.  -^Fleiuss. 
—  Pinto  da  Rocha.  —  José  Américo  dos  Sanctos.  —  dr.  Souto 
'Maior*. 

Vai  á  Commissâo  de  Historia,  sendo  relator  o  sr.  dr. 
Clóvis  Beviláqua. 

O  Se.  Fi^iuss  (/*  secretario  perpetuo)  communica  que 
se  acham  presentes  os  sócios  effectivos  eleitos,  srs.  drs.  An- 
tónio Fernandes  Figueira,  marechal  José  Bernardino  Bor- 
maan  ê  dr.  António  de  Barros  Ramalho  Ortigão,  que  vêm 
tomar  posse. 

O  Se.  Conde  de  Affonso  Celso  {presidente)  nomèa  a 
sef|;uinte  commissâo  para  introduzi-los  no  recincto :  srs . 
Fleiuss,  Roquette  Pinto,  Miguel  de  Carvalho,  Souto  Maior, 
Marques  Peixoto  e  Gomes  Ribeiro, 

(Dão  entrada  no  recincto  e  prestam  o  compromisso  do 
art.  20  %  2"  dos  Estatutos  os  sócios  effectivos  dr.  António 
Pernandes  Piguetra,  marechal  José  Bernardino  Bormann  e 
dr.  António  de  Barros  Ramalho  Ortigão). 

O  Sr.  Conde  de  Affonso  Celso  (presidente)  dá  a  pa- 
lavra ao  SR.  DH.  António  Fernandes  Figueira,  que  lê  o 
seguinte  discurso: 

<  Exmo.  sr.  presidente,  meus  senhores  —  Invocando  o 
direito  de  liberdade  como  justificativa  da  minha  futura  copar- 
ticipação  em  vossos  trabalhos,  vindes  ao  encontro,  senhores 
membros  do  Instituto  Histórico,  de  uma  profunda  aspiração 
latente.  Nos  dias  que  correm  um  frémito  de  derrota  leva  os 

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ACTAS  755 

homens  de  pensaiiietito  a  desejar  os  recinctos  quietos  da 
meditação,  onde  cheguem  fiUrados  pela  inteireza  do  racio- 
cinio  os  échos  da  commoção,  que  lá  íóra  estrondeia. 

Recolhamo-los  contando  as  ^'ib^ações  de  cada  som,  eni  um 
registo  mathematico,  Faze-los  reboar  dentro  de  nossa  con- 
sciência vencida  seria  o  abdicar  de  princípios  aqui  profes- 
sados. A  Historia  foi  Poesia,  confundiu-se  com  os  deuses, 
humilhou-se  nas  enumerações  chronologicas :  agora  é  Scíencia. 
A  origem  da  rememoração  do  passado,  —  doutrina  Ed.i 
Meyer  —  prende-se  á  origem  dos  mythos. 

No  desdobramento  da  alma  para  além  do  que  a  circunda, 
em  procura  de  mais  acolhedores  themas,  estou  em  dizer  se 
encontra  a  finalidade  dos  estudos  históricos.  Mofinos  appa- 
reciam  os  homens  de  sua  epocha  á  imaginação  de  Hesiodo,  e 
por  isso  que  mofinos,  o  poeta  declara  que  somente  cantará  o 
{parecido  os  heróes  de  uma  raça  forte  e  dignos  do  epítheto, 
que  lhes  outorgou,  de  semi-deuses. 

Aht  se  descobre  a  tendência  ao  symbolo,  á  correcção  das 
irregularidades  e  das  asperezas  do  presente.  Porque  —  per- 
mitti  que  vos  affirme  —  a  existência  do  individuo  e  das  so* 
ciedades  humanas  oscilla  entre  a  construcção  e  a  mina  de 
taes  symbolos,  a  um  tempo  a  nossa  consolação  e  o  nosso 
damno. 

A  criança  inexperta,  que  desenha,  não  copia  o  objecto 
assim  como  elle  ao  olhar  se  destaca. 

Tanto  a  figura  eschematica  a  subjuga,  que  lhe  não  con- 
sente enxergar  a  unilateralidade  de  um  perfil,  ou  o  volume 
de  uma  arvore  de  conformidade  com  o  plano  em  que  pousa. 
Também  no  âmbito  do  moral,  nascem  dentro  de  nós,  super- 
pondo-se  á  evidencia,  os  deuses  do  lar,  e  tão  vasta,  bem  o 
sabeis,  é  a  somma  de  dotes  que  accumulamos  nos  seres 
constelladores  de  nosso  tecto,  que  o  brilho  das  virtudes  ma- 
temaes  se  transforma  para  todo  homem  no  s«h<:triirtn  Hn  «p» 
pundonor.  No  anceio  da  evasão  da  realidad 
a  Arte,  acertaram  os  Gregos  em  alargar  o  ang 
estatuas  c  lhes  imprimir  desse  geito  mais  vel 
pressão,  e  de  sorte  que  pairassem  acima  ds  i 
si  então  culminou  por  esse  artificio  a  estatu 
elle  não  somente  deve  o  prestigio  que  a  illui 

DigtizBdbyGOOgle 


756  REVISTA   DO  INSTITTJTO  HISTÓRICO 

Falla-nos,  como  toda  a  producção  esthetica  do  Christíanismo', 
da  espiritualização  de  noções  idealistas;  vem  arrancar-iios  á 
contingência  de  dia  a  dia,  que,  rejjresentada  com  a  technica 
perfeita  de  hoje,  não  nos  transporta  o  entendimento:  com- 
parae  o  que  desperta  de  sensações  a  vista  de  um  quadro  de 
scenas  contemporâneas  á  de  uma  das  telas  milagrosas  de  Ra- 
fael... A  fascinação  da  belleza,  da  intelligencia,  da  magna- 
nimidade, da  bravura,  incorporadas  em  vultos,  que  admiramos, 
os  vai  despojando  das  nossas  imperfeições,  e  os  integra  na 
Historia,  na  qualidade  de  symbolos. . .  AÍ  de  nós,  que  ahi 
está — repito  —  a  nossa  consolação  e  o  nosso  damno. 

Do  bronze  fundido  levanta  o  esculptor  a  exteriorização 
dos  mais  abstractos  e  empolgadores  sentimentos.  Uma,  por 
pxemplo,  modelada  nos  estos  da  alma  de  moço  a  librar-se 
áquellas  alturas  melhores,  porque  invisiveis,  cognominou  — 
digamos  —  a  illusão.  Acercanio-nos  da  obra  de  arte  e  vamos 
pontempla-la .  Prompto  nos  adverte  o  auctor  como  é  justo 
nos  colloquemos  para  que  a  luz  se  reparta  propicia  e  a  cohesão 
jdo  conjuncto  nos  domine  as  faculdades  estheticas. ..  E  é, 
notae  bem,  o  producto  factício  da  imaginação.  E  si  as  esta- 
tuas não  devem  ser  vistas  de  qualquer  lado,  quanto  mais  os 
homens  e  quanto  mais  os  povos,  que  são  aggregados  de  homens, 
de  matizes  diversos  e  em  vários  tempos?  ! 

Exquecemos,  no  entanto  essas  verdades  intuitivas.  Revi- 
demos a  cada  instante  a  theoria  dos  lieróes,  ou  queremos 
organizar  uma  galeria  de  sanctos,  e,  distribuindo  por  aqui  e 
alli  os  vicios  e  as  virtudes,  ousamos  aquilatar  do  presente 
pelo  estalão  arbitrário  dos  symbolos.  Tão  longe  caminha  o 
pendor  anthropomorphico,  que  pretendemos  emprestar  aos 
povos  os  predicados  do  individuo,  e  tal  escriptor,  que  aprecia 
a  marcha  de  um  povo,  affeiçõa  o  julgamento,  ainda  que  o 
não  perceba,  aos  contornos  das  próprias  particularidades  de 
sentir.  Estes  são  bárbaros,  aquelles  civilizados;  uns,  virtuosos, 
outros,  egoístas,  cofno  si  houvesse  algo  de  absoluto  na  evo- 
lução da  nossa  natureza.  Mas  com  que  precisos  elementos  se 
constróe  jiadrão  para  essas  pretenciosas  demarcações,  si  a 
licção  dos  sociólogos  pleitêa  pela  relatividade  da  comprehensão 
tão  apregoada  de  progresso? 


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ACTAS  757 

Si  attribiiis  a  algiiem  o  epithelo  de  espartano,  evocais  para 
logo,  symbolicaniente,  as  qualidades  nobilitantes  dos  filhos 
de  Esparta.  E  alH,  si  a  legislação  não  cogitava  do  adultério, 
o  facto  provinha  do  uso  legal  da  polyandria,  principalmente, 
ao  que  ensinam  Platão  e  Aristóteles,  para  a  consecução  da 
maternidade.  Da  França,  que  em  meio  á  sanha  revolucionaria 
abriu  maternalmente  os  braços  adoptando  as  criancinhas  espú- 
rias como  filhos  da  Nação,  partiu  o  applauso  ao  conquistador 
sinistro,  que  sepultou  oito  milhões  de  vidas.  Sobre  columnas 
de  porphyro  eviterno  assentou  a  Inglaterra  o  « habeas- 
corpus»  e  a  instituição  do  jurj,  ao  passo  que  mereceu  de  um 
de  seus  altos  filhos,  de  Herbert  Spencer,  o  anathema  de 
sociophaga.  A'  frente  do  Socialismo  a  soberania  de  Virchow, 
a  Allemanha  moldou  a  sua  vida  interna  pela  cooperação  das 
classes,  enquanto  obedecia  ao  programma  de  seu  imperador 
ao  subir  ao  throno:  «  Lembrar-me-hei  semjjre  —  exclamou  o 
Kaiser  —  que  o  olhar  dos  meus  antepassados  me  accompanha 
do  alto  do  firmamento  e  a  elles  responderei  pela  honra  e  pela 
gloria  do  exercito». 

Em  que  moderno  paiz  de  completa  civilização,  um  pensador 
escreveu  que  a  virtude  é  um  dever  tão  iniprescriptivel,  que  si 
não  houvesse  Deus  para  o  governo  dos  mundos,ella  não  dei- 
xaria de  constituir  a  lei  imperativa  da  vida  ?  A  proposição  lá 
está  no  Ramayana,  tantos  séculos  antes  do  Christianismo  e 
tão  remota  das  philosophias.da  nossa  epocha  !. . .  Como  essas 
parariam  assombradas  em  suas  dediicções  de  progresso  femi- 
nista e  perfeição  do  anarchismo,  lendo  em  Heródoto  a  narra- 
tiva dos  costumes  de  tribus  africanas,  em  que  ás  virgens  cabia 
a  effectividade  do  serviço  militar,  ou  conhecendo  daquelles 
povos  da  Polynesia,  que  prescindem  de  todo  o  governo  dentro 
do  commercio  da  sua  primitividade? 

Si  não  decorre  de  instituições  politicas,  acaso  dependerá 
do  fastígio  das  artes  a  illação  do  progresso  das  nações?  Artes 
não  as  tiveram  os  Phenicios,  reis  dos  mares;  os  Árabes,  não 
o  olvidemos,  excederam  nesse  ponto  aos  Romanos,  e,  enquanto 
a  humanidade  transpunha  o  abysmo  da  edade  média,  a  arte 
goíhica,  num  vóo  de  contida  emoção,  alçava  para  o  azul  e 
para  a  eternidade  a  sua  ogiva  triumphante. 

Porventura  o  desenvolvimento  litterarig  e  o  scíentifico 


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758  HEVISTA  DO  INSTITUTO  HinORICO 

fundamentarão  o  titulo  de  apogeu  das  raças?  Cotejae  bem  as 
potencias  do  século  XX,  aquellas  que  acreditamos  á  frente 
da  civilização,  e  ajuizae  das  cambiantes  e  das  fundas  diffe- 
renças  que  nesse  particular  as  extremam. . . 

Tanto  asseveramos  a  desconfiança  dos  paizes  não  chrís- 
tianizados  e  a  sua  proverbial  insidia.  E  no  século  XVI  a 
átrazada  Mourama  —  ensina  a  Chronica  do  cardeal  d.  Hen- 
rique—  aos  fidalgos  portuguezes  facultava  que  sob  palavra 
á  pátria  regressassem,  elles,  os  promotores  da  menos  defen- 
^vel  das  guerras. . .  Foi  em  Athenas  ou  foi  agora,  que  uma 
cortezan  formosíssima,  Aspasia,  revolucionou  o  equilíbrio  so- 
cial e  a  seu  talante  dispoz  do  pertinente  á  Republica?  !  Quanto 
ha  sido  commentada,  entre  louvores  ou  sob  condemoações, 
aquella  providencia  de  um  povo  antigo,  que  sacrificava  os 
recemnascidos  disformes,  assim  cooperando  para  a  melhoria 
da  raça  ?  1  E  contudo  os  Mainas,  lá  no  Amazonas  —  escreve 
o  padre  Francisco  Figueirôa  —  a  <  sus  hijos  que  nascen  en 
alguna  monstruosidad  o  defecto  natural  los  arrojan  ó  enterran 
vivos  I», 

A  estimação  da  moral  das  agremiações  himianas  pela 
craveira  da  Ethica  individual  baseia-se,  quando  muito,  na  con- 
cepção pessimista  de  S.  Francisco  de  Salles.  Para  elle  é  da 
essência  da  amizade  o  querermos  ao  amigo  tanto,  que  a 
affeição  não  supplante  a  que  a  nós  mesmos  votamos.  Desse 
jaez  as  nações  que  se  entreolham  amigas,  e  que  elevam  sobre 
os  da  Humanidade  os  seus  interesses.  E  qual  o  interesse  das 
poderosas  nações  ? 

Menos  hypocritas  as  antigas,  publicavam  a  pretenção  de 
Uilatar  a  f é  e  o  império ;  querem  as  de  agora  libertar  de  selva- 
jeria,  mas  sem  procuração  bastante,  os  territórios  alheios, 
E  tanto  nos  templos  de  Londres,  de  Pariz,  de  Berlim,  os 
sacerdotes  exoram  a  Deus  para  a  manutenção  do  património 
de  conquista,  como  á  luz  pujante  dos  céos  da  America  os  mis- 
sionários imprecavam  o  auxilio  da  Divindade  para  expulsar 
do  Brasil  outros  que  não  os  Portuguezes,  donos  da  terra 
mediante  a  mais  iníqua  das  campanhas...  Luctas  de  inde- 
pendência, mudanças  de  forma  de  governo  por  torta  a  parte 
se  archilectam  de  conjurações,  em  que  a  lealdade  fallece  ao 
jugo  do  salus  populi  ou  das  condescendentes  razões  de  Es- 


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ACTAS  759 

tado...  Rebeldia  de  filho  contra  a  própria  mãe,  e,  pel(í 
menos,  o  seu  degredo,  conferiu  gloria  a  d.  Affonso  Henriques, 
na  unanimidade  dos  historiadores.  «Nesse  tempo  —  escreva 
Alexandre  Herculano  —  a  desordem  dos  costumes  fazia  com 
que  similhante  procedimento  não  estampasse  um  ferrete  inde- 
lével de  ignominia  na  fronte  dos  principes,  que  assim  calcavam 
aos  pés  o  amor  filial,  até  porque  lhes  serviam  de  desculpa  — 
si  taes  factos  podem  em  tempo  nenhum  merece-la  —  os  erros 
ou  crimes  de  seus  progenitores  e  as  conveniências,  bem  ou  mal 
entendidas,  da  pátria».  Mas  hoje  são  familias  reaes  de  pa- 
rentes que  ensanguentam  o  Velho  Mundo,  em  nome  do  que 
chamam  a  felicidade  ou  a  honra  de  seus  paizes,  e  pôde  ser 
apenas  a  segurança  dynastica.  Por  sua  vez,  ái  tyrannia  de 
nivelamento  democrático  o  prestigio  bellico  serve  muíto  bem  de 
estimulo  para  deslumbrar  as  multidões  fascinadas. 

E  quando  o  delirio  allucina  as  raças,  não  só  os  exércitos, 
sinão  também  os  pensadores,  pelo  angulo  turvo  da  parciali- 
dade, aquilatam  os  acontecimentos.  Quem  de  nós  não  possúe 
no  limiar  da  consciência  uma  condemnação  para  Domingos 
Calabar,  que  Irahiu  os  Portuguezes  em  favor  das  hostes  de 
Hollanda,  e  quem  se  lembra  daquelle  Sebastião  de  Souto, 
que  trahia  os  de  Hollanda  como  espião  de  Mathias  de  Albu- 
querque e  delle  recebeu  o  galardão  maior?».  Este,  —  pondera 
recente  monographia,  menos  trahidor  não  foi  entretanto  que 
o  vencido  de  Porto  Calvo. . .  Que  affrontoso  qualificativo 
reservarieis  para  a  mulher  que  perfeitamente  seduzisse  um  ge- 
neral, o  embriagasse  em  seguida,  e  depois  lhe  decepasse  a 
cabeça?  Mas  si  considerarmos  a  cidade  de  Bethulia,  um  certo 
general  Holophemes  e  uma  viuva  Judith,  o  feito  voará  entre 
nuvens  de  incenso  das  páginas  dos  livros  sanctos  ás  magni- 
ficencias  do  púlpito  christão. 

Basta  —  parece-me  de  argumento;  e  a  recordação  seriaria 
dessas  bases  da  eschola  evolucionista  apenas  explica  o  desígnio 
de  uma  profissão  de  fé.  Julguei-a  indispensável  nesta  occa- 
sião.  tJão  me  vivifica  um  animo  subordinado  ao  preconceito 
dos  symbolos,  que  ora  desvaira  a  lucidez  dos  que  nos  cercam, 
e  serenamente  a  Historia  repudia.  Menos  ainda  posso  com- 
prehender  a  phantasia  de  sujeição  dos  estudos  históricos  a 
methodos  florescidos  na  segunda  metade  do  século  XIX .; 


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TÔO  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 


O  descortino,  que  então  lograram  as  sciencias  naturaes,  accom- 
panhoa-as  de  alguns  prejuízos  inn^aveis.  Max  Muller  em 
Linguistica,  Novicow  em  Sociologia,  Taine  em  Critica  liltc- 
raria  exageraram  as  applicações  possíveis  de  taes  pesquisas. 
A  concepção,  o  seu  tanto  forçada,  de  organismo  conduziu  a 
símiles  de  que  hoje  poderemos  sorrir,  ao  passo  que  um  pseudo 
determinismo  dos  phenomenos  classificou  como  resultantes 
mórbidas  as  producções  deste  ou  daquelle  prosador  ou  poeta. 
Por  mim,  sem  desconhecer  quanto  ha  de  solidariedade  e  mu- 
tuas subrogações  entre  ^'árias  sciencias,  não  exqueci  o  methodo 
que  cabe  a  cada  uma.  Aqui  venho  em  agradecimento  de  quem 
pôde  enxergar  na  Historia  a  f  mestra  da  vida  »,  Cícero  não 
deve  ser  julgfado  somente  pela  sua  eloquência  e  nem  caiam  em 
commisso  as  fraquezas  domesticas  de  Catão,  Investigamos 
todas  as  faces,  e  não  nos  assoberbam  os  semideuses  de  He- 
siodo,  mas  homens  falliveis,  eguaes  á  nossa  desvalida  con- 
tingência, embora  de  venerável  relevo  sob  um  dado  ponto  de 
vista.  Como  tudo  nos  instrue  para  tolerarmos  as  falhas  dos 
nossos  Ciceros  e  dos  nossos  Catões,  quando  combatem  os 
méritos  os  mais  nobres  para  recom]jensarem  os  seus  serviçaes 
eos  seus  asseclas? 

Que  vale  aquella  estonteadora  fama  das  guerras,  que 
cega  os  soberanos  e  estarrece  os  povos  ?  Vede  nas  capílacs  da 
Europa  os  arcos  de  tríumpho  e  as  alamedas  da  víctoria ;  vede 
a  admiração  das  armas  collocando  á  frente  do  Reichstag  a 
figura  de  Bismarck,  enquanto  sob  a  cu])ola  do  Panlheon  o 
Pensador,  de  Rodin,  ostenta  num  lance  de  ironia  as  fónnas 
athleticas. . .  Deixae  que  a  Moral  dos  povos  consista  na  revi- 
viscencia  de  prerogativas  ethnicas,  que  a  intriga  politica  com 
pureza  ou  malícia  agita  na  alma  infantil  das  massas.  ímpel- 
lindo-as  ao  sacrifício  da  honra  e  ao  sacrifício  da  vida.  Tudo 
passará;  nações  dirigentes  e  nações  dirigidas,  inimigas  da 
véspera,  commungando  na  mesma  lide,  assim  o  jaguar  e  a 
cobra,  no  dizer  de  um  dos  nossos  poetas,  se  approxímam  sem 
lucta  na  hora  tremenda  da  floresta  em  chammas.  A  íilora! 
das  nações  decide  dos  factos  do  momento;  a  intelligcncia  das 
nações  governa  os  séculos.  Esta  nos  proporciona  as  insti- 
tuições romanas  até  hoje  acceitas,  a  arte  dos  Gregos,  o  Direito 
dos  povos  modernos,  a  scícncia,  que  preside  sempre.  Roma 


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ACTAS  761 

esboroou-se  á  pressão  dos  Bárbaros,  e  a  sua  lingua,  dividida 
em  outras,  íalla  e  recorda  os  dias  mortos  na  belleza  plástica 
dos  idiomas  novo-latinos .  Expulsaram  do  Brasil  aos  Fran- 
cezes  os  nossos  maiores,  e  não  nos  conquistaram  todavia:  a 
nossa  cultura  vive  conncxa  em  suzera^ta  á  iriada  cultura 
franceza;  e  que  exércitos  poderosos  extirparão  da  alma  hu- 
mana os  extasts  sagrados,  quando  ella  escuta  a  musica  sobre- 
natural de  Beethoven?  E'  que  assim  como  o  espírito  boiava 
sobre  as  aguas,  na  phrase  do  Génesis,  o  do  homem  fluctuará 
sempre  com  um  refluxo  divino  sobre  as  suas  próprias  mi- 
sérias. 

Scintillai;ões  delle  refulgem  aqui  e  acolá  em  todos  os 
povoa,  em  todas  as  eras.  Na  China  e  na  Pérsia  e  na  índia 
pensadores  se  batiam  pelas  maravilhas  da  paz ;  no  « Ra- 
maiana  >  decanta  o  poeta  a  immortalidade  da  virtude.  Con- 
tudo não  Imaginamos  possível  a  universalidade  de  espíritos 
perfeitos,  que  tanto  montara  em  acreditar  que  as  areias  do 
mundo  estão  palhetadas  de  ouro.  Algumas  sem  dúvida  o 
contém,  mas  poucas.  O  metal  precioso  lá  está  occulto  no 
âmago  da  pedra  e,  raro  e  occulto,  ha  mister  um  longo  tra- 
balho para  descobri-lo.  Não  se  confunde,  destaca-se.  Ainda 
que  disperso,  não  se  mixtura.  E  si  os  ideaes  acaso  se  con- 
gregassem no  seio  das  sociedades,  poderiam  impregna-la 
apenas  em  sua  passagem,  como  as  correntes  interoceanícas 
proseguem  e  perduram  no  inflexível  roteiro  através  a  im- 
mensidão  oscíllante  das  aguas. 

Não  extranheís  a  fervida  apologia  da  intelligencia, 
quando  em  declive  rápido  me  adeanto.  Lá  no  alto  as  irra- 
diações solares  povoaram  de  visões  phantasticas  a  paizagem. 
De  costas  para  a  luz,  na  meia  sombra,  distinguimos  bem  as 
linhas  delimitantes,  e  o  raio  visual  não  se  conturba  trémulo. 
Certo  a  estrada  é  mais  triste,  mas  daquella  tristeza  salutar  do 
gabinete  do  sabío  ou  do  claustro  de  Mendel,  de  onde  uma 
aurora  emergiu  para  o  mundo.  Também  a  solidão  apavora, 
ou  é  uma  realidade,  somente  para  as  almas  vasias.  No  centro 
da  selva  amazonica  o  sabío  Agassiz,  ao  encontrar  a  folha  de 
lima  Bauhinia,  reconheceu  nullo  o  seu  isolamento,  poís  no 
disco  verde  e  mudo  se  revelou  o  nome  de  um  compatriota. 
Na  investigação  pura  dos  factos,  em  correctíssima  projecção 


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^153  REVISTA  DO  INSTITUTO  HIBTORICO 

objectiva,  podemos  alheíar-nos,  numa  ascendência  superíof, 
da  f  arundulagem  de  glorias  e  incompetências,  que  não  attíngem 
siquer  á  depuração  crítica,  porquanto  representam  a  despre- 
zível escoria  dos  tempos.  Nesse  labor  invade-nos  a  despre- 
occupadã  sobranceria  dos  que  sondaram  o  desdobrar  dos 
séculos.  Adoptamos  com  facilidade  a  suprema  religião  da 
renúncia.  EHa  deste  recincto  se  eleva  em  preces  recônditas.' 
Aprendeu-a  o  membro  do  Instituto  Histórico,  que,  apeado 
de  um  throno,  desceu,  erecto  ancião,  os  d^ráos  do  tumulo, 
porque  confiava  «da  justiça  de  Deus  na  voz  da  Historia >.; 

Prosternaram-se  perante  o  altar  desse  culto  grandes  Bra- 
sileiros, que  partiram,  e  outros,  que  hoje  solícitos  abrem  a 
porta  ái  minha  humildade.  Pequeno  o  espaço  que  venha  a  ser 
occupado  por  um  exfórço  jâ  esvanescente,  mas  que  seja  bas- 
tante para  que  eu  possa  repetir-  como  Euripides :  Nem  da 
esperança  necessito  agora:  cheguei  ao  porto  da  tranquilU- 
dade. » 

O  Sr.  Conde  de  Afponso  Celso  {presidente)  dá  em 
seguida  a  palavra  ao  sr.  marechal  José  B&rnasdino  Bor- 
MANN,  que  lè  este  discurso: 

«Exmo.  sr.  presidente — Illustres  senhores  —  Quando, 
devido  á  protecção  de  Goethe,  um  dos  maiores  i>oetas  da  AUe- 
manha,  o  auctor  do  drama  «  Os  Salteadores  »,  que  tão  per- 
niciosamente influiu  na  mocidade  daquelle  paiz,  esse  poeta 
conseguiu  a  cadeira  de  professor  de  Historia,  na  Univer- 
sidade de  lena,  o  discurso  na  abertura  de  seu  professorado 
teve,  pelo  brilhantismo  dos  conceitos,  um  estrondoso  successó. 

Nesse  discurso  e  depois  nas  prelecções,  que  se  s^^íram, 
em  linguagem  elevada  estudou  elle  e  analysou,  salientando  a 
verdade  histórica,  os  factos  que  ínfluiram  no  destino  da 
Humanidade,  desde  os  tempos  mais  remotos  até  ao  século  seu 
contemporâneo. 

Nessas  prelecções  mostrou  elle  que  os  philosophos,  os 
políticos,  os  sábios,  os  grandes  capitães  encontraram  na  His- 
toria modelos  dignos  de  imitação. 

O  grande  poeta,  enfim,  fez  reviver  em  toda  a  Allemanha 
o  gosto  pelos  estudos  históricos  e  se  erigiu  em  historiador, 
escrevendo  e  publicando  a  « Historia  da  Gtierra  de  Trinta 
Annos>. 


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ACTAS  763 

Desde  logo  appareceram  ínnumeras  memorias,  bií^ra- 
pliias,  annaes,  monograpliias.  chronicas,  que  prestaram  ser- 
viços aos  historiadores. 

Estas  espécies  de  trabalho  podem  muitas  vezes,  como 
fonte  de  consulta,  fornecer  informações  que,  segundo  um 
escriptor,  dão  a  chave  de  certos  enigmas,  que  se  deparam  na 
Historia  muito  obscuros. 

E  como  taes  trabalhos  versam,  em  geral  sobre  um  ou 
mais  individuos,  uma  ou  mais  collectivtdades,  póde-se  talvez 
dizer  que  a  Historia,  partindo  de  um  ou  mais  indíviduos  ou 
de  uma  ou  mais  collectividade,  se  distende  até  abranger  n 
Humanidade;  assim,  ella  parte  do  infinitamente  pequeno  —  o 
homem  —  para  o  infinitamente  grande  —  a  Humanidade. 

Renan  considerava  a  Humanidade,  em  seu  conjuncto, 
como  um  homem  de  mediana  capacidade :  egoísta,  interesseiro 
e  muitas  vezes  ingrato. 

Seja  on  não  verdade  o  que  dizia  Renait,  não  ha  n^r 
que  a  principal  funcção  da  Historia  é  occupar-se  da  Huma- 
nidade. 

Mas,  seja-nos  licito  fazer  uma  pergunta. 

Quando  se  deve  escrever  a  Historia?  Será  em  absoluto 
conveniente  deixar  correr  o  tempo  sobre  os  acontecimentos 
para,  com  imparcialidade,  o  iiistoriador  lavrar  o  seu  juizo? 

Dizia  Napoleão  aos  seus  bravos  e  fieis  companheiros  que 
partilharam  de  seu  exílio: 

<  A  verdade  histórica  tantas  vezes  invocada  e  que  cada 
um  appella  com  solicitude  não  é  muitas  vezes  sinão  uma  pa- 
lavra. Ella  não  pôde  existir  no  momento  dos  acontecimentos, 
no  calor  das  paixões  contrárias  umas  ás  outras;  e,  si,  mais 
tarde,  os  escriptores  estão  de  accórdo  entre  si,  é  porque  os 
interessados  e  contradictores  não  existem  mais.» 

Entretanto,  o  grande  capitão  julgou  que  devia  dictar  no 
cxilio  a  Historia  de  seus  actos  públicos,  isto  é,  a  Historia  de 
seus  actos  politicos  e  militares,  quando  os  acontecimentos  de 
sua  prodigiosa  carreira  eram  bem  recentes,  quando  os  reis  e 
imperadores  tinham  ainda  bem  vivas  recordações  das  derrotas, 
humilhações  que  soffreram  pelo  homem  destinado  a  aba- 
ter-lhes  o  orgulho:  quando,  enfim,  tremiam  ainda  ao  ouvir 
pronunciar  seu  nome,  e  a  Europa  não  tinha  cicatrizadas  com- 


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764  REVISTA   DO  ISSTITÍTO  HISTÓRICO 

pletametitc  as  feridas  de  vinte  annos  de  um  combate  inces- 
sante. 

Dictando  e  explicando  seus  actos  i»liticos  e  militares,  elle 
queria  deixar  subsidios  para  a  Historia,  e  dizia  saber  que 
as  narrações  seriam  combatidas ;  mas  perguntava :  <  qual  o 
homem  neste  mundo  que  a  parte  contrária  não  ataque  e  con- 
tradiga ?  » 

Porém,  continuava  o  grande  homem,  €  minha  vida  me- 
recerá tanto  conceito  como  a  de  qualquer  outro  aos  olhos  do 
homem  sábio,  imparcial,  meditativo  e  razoável,  e  eu  não  receio 
a  sentença  final.  Existem  hoje  tantas  luzes  sobre  mim  que, 
quando  as  paixões  tiverem  desapparecido,  quando  as  nuvens 
se  tiverem  dissipado,  eu  confio  no  esplendor  que  ha  de 
ficar. » 

Não  houve,  perguntamos  nós,  de  parte  do  immortal  con- 
quistador, receio  de  que,  sem  os  subsidios  que  legou  á  *  His- 
toria >,  os  seus  actos  fossem  mal  interpretados? 

Imitando  o  imperador,  os  marechaes  e  generaes  que  ser- 
viram sob  suas  ordens,  sateUites  do  grande  astro,  escreveram 
e  publicaram  «Memorias».  Os  civis,  diplomatas  e  altos 
funccionarios,  que  representaram  papel  proeminente  naquella 
epoclia,  tão  fértil  de  acontecimentos  extraordinários,  também 
publicaram  em  vida  «Memorias»  interessantes. 

Baseado  em  taes  documentos,  o  grande  patriota  Thiers 
escreveu  a  primorosa  obra  intitulada :  <  Historia  do  Consulado 
e  do -Império»,  continuação  da  sua  «Historia  da  Revolução 
Franceza  » . 

Muitas  outras  obras  appareceram'  sobre  esse  período 
épico  da  grande  nação  franceza.  Mais  tarde,  Guizot,  Lamar- 
tine,  Louís  Blanc,  publicaram  obras  acerca  da  revolução  de 
1848,  que  tão  fatal  foi  a  Luiz  Philippe. 

Estes  homens  eminentes  haviam  representado  papel  de 
grande  destaque  durante  o  govêtrno  daquelle  rei.  Assim, 
muitos  homens  notáveis  na  Politica,  nas  armas,  na  Diplomacia, 
publicaram  em  vida  «  Memorias  » ;  obras,  enfim,  sobre  épochas 
da  <  Historia  »  de  seus  paizes,  em  que  figuraram  como  emi- 
nentes personagens,  e  explicaram  o  motivo  da  conducta  que 
tiveram . 

Entr^ar  os  actos  ao  juizq  dos  pósteros,  seni  concorrer 


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ACTAS  765 

com  os  próprios  subsídios  para  o  julgamento,  pódé  muitas 
vezes  ser  um  erro,  que  contribua  para  que  sobre  a  memoria 
de  um  homem  illustre  pesem  injustiças.  Guardar  silencio 
para  evitar  discussões,  contradictas  e  explicações  penosas, 
porque  as  paixões  ainda  estão  vivaa,  ardentes,  pôde  ser  com- 
modo;  mas,  não  deve  assim  proceder,  especialmente,  o  homem 
público.  Elle  não  deve  exquecer  que  tem  um  iiome  a  zelar 
jp  que  lhe  cumpre  transmitti-lo  ao  paiz  e  aos  descendentes  sem 
a  menor  mácula. 

Quantos  homens  notáveis,  indifferentes  ao  juizo  dos  con- 
temporâneos, confiam  que,  depois  da  morte,  os  descendentes 
saibam  defende-los  das  injustiças  de  que  foram  victimas? 

O  tumulo  é  muitas  vezes  o  exquecimento,  e,  quando  o 
que  alli  repousa  não  está  exquecido,  nem  sempre  os  descen- 
dentes, embora  o  queiram,  podem  rehabilitar-lhes  a  memoria^ 
por  falta  de  elementos  e,  assim,  não  sabem  explicar  si  certos 
actos,  por  exemplo,  foram  filhos  do  character  ou  das  cir- 
cunstancias em  que  se  achpu  o  individuo. 

Esse  inconveniente  não  existiria,  si  tivessem  com  since- 
ridade escripto  as  suas  próprias  <  Memorias». 

Elias  são  muitas  vezes  a  fé  d'officio  do  homem  público. 
Mas,  dirão:  Será  muito  raro  o  auctor  de  suas  próprias  c  Me- 
morias» confessar  nellas  os  erros.  E'  possivel,  é  natural  que 
procure  dar-lhes  um  aspecto  favorável  na  intenção  de  trans- 
forma-los em  acções  meritórias,  e  assim  legará  á  Historia 
inverdades,  ás  vezes  difficeis  de  serem  reconhecidas. 

Quando  um  homem  eminente,  mesmo  ainda  no  calor  das 
paixões  e  luctas,  publica  um  livro  a  cerca  de  sua  conducta  nos 
negócios  públicos,  si  é  conciencioso,  cumpre-lhe  dizer  a 
verdade;  si,  porém,  a  procura  escurecer,  será  em  vão,  porque 
a  Historia  tem  os  seus  processos  de  investigação. 

Ella  é  como  o  chimico  que,  no  seu  laboratório,  estuda, 
investiga  as  propriedades  de  um  corpo  e  chega  a  determinar 
os  seus  elementos. 

A  Historia  procede  dessa  forma:  chega  á  verdade. 
■ElIa  dispõe  do  instrumento  de  analyse,  denominado  «  Critica  » 
e  elle  tem  tal  importância,  que  a  Historia,  sem  elle.  não 
c  Historia:  será  apenas  uma  «-Chronica»,  é,  como  diz  Cantú, 
um  cego  que  toma  outro  por  guia. 


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766  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Enfretaiito,  apezar  desse  i>otIcroso  subsidio,  que  é  a  i  Cri- 
tica >,  difficil  deve  ser  a  missão  do  historiador  1 

Factos  de  que  fomos  testimunhas  oculares  são  narrados 
por  outras  pessoas  de  modo  inteiramente  diverso  e  até  muitas 
vezes  com  circunstancias  que  absolutamente  não  se  derani  ! 

Imagine-se  julgar  factos  que  Decorreram  ha  séculos  1  St 
o  historiador  não  fôr  senhor  da  arte  da  c  Critica  >,  terá  de 
acceltar  o  juizo  dos  antecessores,  nem  sempre  baseados  na 
verdade,  na  moral  e  na  justiça.  Não  fará:  juizo  original:  não 
fará  obra  sua. 

Enquanto  na  Allemanha,  nos  fins  do  século  XVIII,  os 
trabalhos  históricos  tinham  quasi  cessado  e  só  graças  a 
SchiDer,  recuperaram  a  antiga  actividade,  em  França  não 
amortecera  o  gosto  por  esses  trabalhos ;  assim  é  que  esse  paiz, 
sempre  na  vanguarda  da  civilização  e  na  realização  de  idéas 
generosas,  contar,  em  seus  innumeros  íntellectuaes,  historia- 
dores de  grande  mérito. 

Em  nosso  paiz  são  raras  as  «  Memorias »  ou  qualquer 
outro  género  de  trabalho,  que  sirva  para  auxilio  do  histo- 
riador. Os  homens  públicos  ás  vezes  vão  á  imprensa  explicar 
ou  justificar  os  seus  actos;  mas  o  jornal  tem  uma  existência 
ephemera;  o  livro  fica. 

Parece  que  ha  em  nosso  paiz  certa  aversão  pela  Historia, 
a  mestra  da  vida,  como  a  definiu  um  grande  orador  da  anti- 
guidade; entretanto,  o  seu  cultivo  especialmente  por  aquelles 
que  dirigem  ou  aspiram  dirigir  os  negócios  públicos,  é  uma 
grande  necessidade,  porque  em  suas  paginas  ellcs  encontrarão 
ensinamentos  que  evitarão  erros  e  mesmo  desastres.  O  homem 
público  que  lembrar-se  de  que  a  Historia,  oomò  disse  Lamar- 
tine,  é  o  Pantheon  dos  nomes  illustres,  mas  também  o  pelou- 
rinho dos  nomes  infames,  ha  de  pautar  os  actos  pelos  pre- 
ceitos da  moral  e  da  justiça,  para  que  a  memoria  não  seja 
acorrentada  ao  pelourinho,  a  essa  columna,  emblema  da  igno- 
minia, que  a  Historia  ergue  em  suas  paginas  para  o  castigo 
dos  maus. 

Plutarcho,  tratando  de  Solorí,  conta  que  esse  legislador 
gr^o  mandou  pôr  em  vigor  uma  lei,  que  prohibia  que  se 
dissesse  mal  dos  mortos,  e  accrescenta  o  illustre  historiador 
das  «  Vidas  dos  Varões  Illustres  » :  «  Com  ef  feito,  é  um  dever 


lyCoogle 


ACTAa  767 

religioso  e  sancfo  o  que  nos  faz  considerar  os  mortos  como 
sagrados;  a  justiça  manda  respeitar  a  memoria  dos  que  já 
não  existem ;  a  Politica  mesmo  não  quer  que  os  ódios  sejam 
eternos  » , 

Sólon  sem  duvida  exceptuava  dessa  lei  o  historiador, 
IKircjue  ao  contrario  a  Grécia  não  leria  Historia,  ou,  então, 
esta  não  passaria  de  um  panegyríco  reservado  aos  mortos, 
quer  elles  tivessem  sido  em  vida  verdugos  do  género  humano 
ou  grandes  beneméritos.  Todos  seriam  equiparados.  Sem 
duvida  que  o  ódio  não  deve  ser  immortal ;  seria  melhor  que 
não  existisse  no  coração  humano:  mas  como,  infelizmente, 
é  uma  realidade,  que  não  passe  ao  menos  do  individuo  odiado ; 
deve  ser  como  a  pena:  não  ir  além  do  delinquente. 

A  Historia  tem  immunidades,  prer^^tivas:  cumpre-lhe 
dizer  a  verdade,  louvar  os  beneméritos  e  estigmatizar  os  maus, 
A  [Hedade  pôde  perdoar  os  erros  e  mesmo  os  crimes  dos 
homens  que  desappareceram  do  scenario  do  mundo;  a  Hii- 
toria  não.  Ella  é  inexorável;  assim,  si  a  piedade  escreve  na 
lousa  do  sepulchro  de  um  mau  uma  prece,  a  Historia,  sí 
alli  tivesse  de  escrever  alguma  cousa,  seria  um  epitaphio  de 
maldicçSes . 

Exmo.  sr,  presidente ;  meus  senhores  —  Feitas  estas  toscas 
e  ligeiras  considerações,  é  meu  dever  agradecer  profundamente 
penhorado  a  minha  admissão  nesta  illustre  Companhia,  que 
tanto  se  recommenda  pelos  seus  trabalhos  e  patriotismo. 

Si  este  Instituto  não  existisse,  a  Historia  do  nosso  paiz 
teria  innumeras  paginas  em  branco,  porque  não  s3o  muitos 
os  seus  cultores,  não  obstante  o  grande  numero  de  distinctos 
lettrados  e  scíentistas  que  possuimos. 

E'  incansável  esta  patriótica  e  benemérita  corporação. 
Ella  trabalha,  trabalha  sempre,  mesmo  presentemente  no  meio 
de  tantas  angustias,  fazendo  lembrar  o  camponez,  referido 
peto  illustre  conde  de  Afíonso  Calso  em  certa  occasiâo,  que, 
nas  proximidades  do  campo  de  batalha  de  Watetloo  lavrava 
calmamente  as  terras  de  sua  herdade,  indífferente  ao  troar 
dos  canhões  dos  combatentes. 

Entretanto,  meus  senhores,  a  batalha  ia  decidir  da  sorte 
de  um  império  I 


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768  REVISTA  DO  INSTITUTO   HISTÓRICO 

Como  os  bravos  que  nessa  pugna  se  illustravám  pela  prá- 
ctica  de  actos  heróicos,  não  menos  glorioso  era  o  camponio 
lavrando  as  terras  de  sua  herdade,  porque  o  homem  extra- 
ordinário, que  contemplava  nesse  campo  de  batalha  a  queda 
de  seu  colossal  poder,  sempre  acreditaria  haver  só  dous  campos 
dignos  de  gloria:  um  regado  pelo  sangue  generoso  do  soldado; 
o  outro  pelo  suor  honesto  do  lavrador. » 

O  discurso  do  sr.  marechal  Bormann  é  muito  applaudido. 
O  Sr.  Conde  de  Affonso  Celso  (presidente)  em  se- 
guida dá  a  palavra  ao  sr.  dr.  António  de  Barros  Ramalho 
Ortigão  que  lè  o  seguinte  discurso : 

«Egrégio  presidente,  illustres  confrades.  Minhas  se- 
nhoras, senhores  —  Quando,  no  decorrer  do  decimo  sexto 
século,  foi  escripta  e  publicada  a  mais  bella  epopeia  que  existe 
em  lingua  portugueza,  acabava  também  de  descobrir-se  o 
Brasil,  incorporando-o  aos  vastos  domínios  do  venturoso  rei, 
cujo  pcriodo,  em  plena  Renascença,  marca  sem  dúvida  a  phase 
mais  brilhante  da  nação  e  do  povo,  da  raça  e  da  lingud,  que 
começavam  então  a  transplantar-se  para  as  terras  ainda  apenas 
conhecidas  do  novo  mundo. 

O  Brasil,  a.  terra  recentemente  descoberta  e  na  qual  fora 
logo  alçada  a  Sancta  Cruz,  era  o  emblema  da  força  e  da 
coragem  dos  antigos  navegadores,  era  o  attestado  de  vita- 
lidade da  raça  dos  descobridores. 

Os  «  Lusiadas  »,  o  poema  extraordinário  que  surgia,  eram 
a  alma  dessa  raça  e  dessa  lingua,  que  se  expandia  a  consagrar 
os  grandes  feitos,  tendo  por  divisa  ao  mesmo  tempo  singela  e 
grandiosa:  —  €Canlando  espalharei  por  toda  a  parle». 

O  Brasil  era  a  ultima  palavra,  era  o  resumo,  era  a  es- 
sência em  que  se  concentrava  a  extensa  série  de  descobertas 
e  conquistas  que,  «  por  mares  nunca  dantes  navegados  >,  disse- 
minavam no  mundo  inteiro  a  semente  fecunda  do  trabalho, 
da  perseverança  e  da  actividade,  representada  nas  três  grandes 
forças  económicas  —  commercid,  industria  e  nav^ação. 

Os  <  Lusíadas »  foram  a  consagração  dessa  corrente  de 
factos  e  de  idéas. 

O  Brasil  era  a  terra,  os  <  Lusiadas  »  eram  a  lingua,  que 
se  uniam  para  formar  um  grande  povo,  a  Nação  Brasileira. 


byCoogIe 


ACIA8  769. 

€  Enquanto  a  Humanidade  não  soube  formular  scientifi- 
camente  as  leis  do  seu  destino,  —  diz  o  auctor  à\4s  Farpas  — 
o  mundo  precisoif  de  ter  uma  epopeia  assim  como  precisou  de 
ter  uma  biblia.  A  Biblta  era  o  pacto  transcendente  das  relações 
do  homem  com  o  Céo  e  com  Deus.  O  poema  era  o  evangelho 
das  relações  do  homem  com  o  homem  e  com  o  mundo.  A  cada 
um  dos  cyclos  das  antigas  civilizações  corresponde  um  Messias 
novo,  um  novo  poeta. 

Quando  a  Grécia  federal  e  democrática  preponderava  pela 
politica,  pela  religião  e  pelas  artes  como  norma  da  associação 
humana,  cabe  a  Homero  a  missão  épica . 

Quando  a  Grécia  homérica  decae  e  a  GalUa,  a  Hispanha, 
a  Africa  e  a  Ásia  se  submettem  á  centralização  romana,  o 
épico  do  mundo  latino  é  Virgílio. 

Quando  a  invasão  dos  Bárbaros  destróe  a  unidade  do 
império  dos  Césares  e  entrega  ao  feudalismo  a  Europa  miuda- 
mente retalhada,  a  epopeia  dispersa-sc,  como  se  dispersa  a 
tradição,  e  fragmenta-se  nas  canções  de  Gesta. 

Quando  com  a  Renascença  as  relações  humanas  adquirem 
í  forma  commercial,  e  quando  para  regular  essas  relações 
novas  um  novo  poder  apparece,  af firmado  entre  as  nações  pelo 
regime  industrial,  o  poeta  dessa  evolução  é  Camões.  O  livro 
com  que  se  encerra  na  Htteratura  universal  o  período  épico 
da  Poesia  é  o  dos  «  Lusíadas  » . 

Do  confronto  entre  as  idéas  que  se  expressam  nos  dous 
factos  a  que  me  venho  referindo  —  a  descoberta  do  Brasil  e 
o  apparecimento  dos  <  Lusíadas  >  —  resulta  a  noção  do  en- 
contro e  da  harmonia  de  duas  forças,  uma  physica,  outra 
moral,  que  a  humanidade  ao  evoluir  dos  seus  extensos  c 
superiores  destinos  precisa  cultivar.  A  primeira  consiste  no 
movimento,  na  energia,  na  acção,  que  le\am  aos  grandes 
commetimentos  e  ás  notáveis  acquisições  de  ordem  práctica; 
a  segunda  se  resume  em  coordenar,  descrever  e  registar  esses 
actos  e  os  auspiciosos  resultados  decorrentes,  como  por 
exemplo  o  incitamento  ás  gerações  seguintes  que  perlustram 
o  mesmo  cammho,  a  cuja  margem  ficam,  assim,  os  marcos 
indeléveis  de  outra  gente  e  de  outros  tempos  que  passaram.. 

E'  o  culto  do  traballio  e  da  tradição  que  desse  modo  se 
expressa  e  se  resume  nestas  duas  palavras :  —  agir  e  recordar . 


i^toogle 


770  REVISTA  00  UnTlTOTO  HUTORK» 

Agir  é  viver.  Conjugam-sí  as  faculdades,  extremam-se 
os  exforços  do  indivíduo  para  conseguir  o  melhor,  e  o  mais 
que  pôde  são  manifestações  de  vida  que  se»  põem  ao  senriço 
da  obra  geral  do  prt^resso  e  da  civilização. 

Mas  recordar  é  reviver.  Relembram-se  os  detalhes  desse 
concurso  de  forças  physicas  e  moraes;  restabelece-se  na  me- 
moria o  conjuncto  de  factos  que  cooperaram  na  obtenção  do 
bom  êxito;  reveem-se  os  que  nelles  tomaratp  parte;  lamen- 
tam-se,  não  raramente,  os  bons  dias  do  passado :  é  a  saudade. 
Relatam-se  e  registam-se  os  incidentes  assim  rememorados  e 
transmittem-se,  dessa  forma,  aos  que  vieram  depois  e  ainda 
hão  de  vir:  é  o  inciumento,  é  o 

exemplo 

De  amor  dos  pátrios  feitos  valorosos. 
Em  versos  divulgado  numerosos. 
No  perpassar  dos  annos  e  dos  séculos,  porém,  o  modo  de 
agir  e  de  recordar  se  foi  a  pouco  e  pouco  sistematizando  e 
tomando  outra  forma.  A  acção  já  não  se  exerce  só  nem 
principalmente  pelas  armas.  A  recordação  e  o  registo  dos 
factos  já  não  inspiram  epopeias. 

As  guerras  di  conquistas,  os  actos  de  intrepidez,  foram 
cedendo  o  passo  aos  processos  tranquillos  e  s^uros  da  ex- 
pansão económica  dos  povos.  A  navegação  deixou  de  ser  um 
acto  de  temeridade  e  tomou-se  factor  normal  das  relações 
internacionaes .  O  amor  dos  pátrios  feitos  já  se  não  de- 
monstra, nas  edades  moderna  e  contemporânea,  só  nem  prin- 
cipalmente pelas  armas  e  passou  a  evidenciar-se  também  nos 
exforços  tendentes  a  melhorar  cada  vez  mais  a  sorte  e  a 
condição  dos  indivíduos,  cujo  conjuncto  constitue  a  nação, 
sejam  esses  exforços  de  ordem  moral  ou  material,  classí- 
fiquem-se,  embora,  como  scientificos  e  lítterarios,  ou  como 
manifestações  simples  e  correntes  do  espirito  económico  e 
financeiro,  da  Iniciativa  mercantil  e  industrial.  O  character 
da  política  internacional  é  hoje  muito  menos  militar  do  que 
económico  e  financeiro.  Ao  direito  da  força  sobrapoz-se  a 
força  do  direito,  e  a  guerra  já  não  se  faz  sinSo  depois  que 
a  Diplomacia  tem  dicto  a  última  palavra. 

A  epopeia,  por  sua  vez,  cedeu  o  passo  á  Historia :  e  o 
que  esta  r^ista  já!  não  são  só  os  feitos  d'armaB  «  os  aoonte- 


*CT*8  7?l 

cimentos  políticos.  As  grandes  e  preciosas  descobertas  de 
character  scientifico  e  industrial,  que  cada  vez  mais  augmentam 
o  cabedal  de  bem-estar  e  de  conhecimentos  dos  povos;  as 
diversas  modalidades  da  evolução  social,  distribuídas  nos  diffe- 
rentes  ramos  de  actividade  e  de  progresso,  são  outras  tantas 
secções  em  que  se  divide  a  missão  do  historiador. 

Bem  comprehendeis,  portanto,  a  vossa  esphera  de  inter- 
ferência no  desenvolvimento  e  na  vída  do  paiz,  admittindo 
no  vosso  grémio  os  que  estudam  todas  essas  manifestações 
do  crescimento  das  nações.  Diviso,  entre  vós,  os  mais  dis- 
tinctos  cultores  dos  variados  ramos  de  conhecimentos  com 
que,  directa  e  indirectamente,  se  relaciona  o  objecto  desta 
instituição.  E'  evidente,  portanto,  que  si  me  abris  hoje  as 
portas  do  sanctuarío,  onde  penetro  sem  ruido,  daes  assim 
*  provas  de  longanimidade  muito  maior  do  que  a  sMnma  de 
attributos  que  eu  pudesse  reunir  para  explicar  a  razão  de  ser 
da  elevada  distincção  que  assim  me  conferis. 

Occorre-me,  ao  dizer-vos  estas  palavras,  a  lenda  bera 
conhecida  e  divulgada,  que  só  refiro  pela  propriedade  com 
que  se  ajusta  ao  meu  caso. 

Existia,  em  certa  cidade  da  Pérsia,  uma  célebre  aca- 
demia cujo  regulamento  determinava  que  os  seus  membros 
pensassem  muito,  escrevessem  pouco  e  fallaisem  o  menoã 
possivel.  Por  isso  a  denominaram  Academia  Silenciosa,  e  não 
havia  sabto  de  mérito,  no  paiz,  que  não  nutrisse  desejos  de 
fazer  parte  delia. 

Um  destes,  tendo  ouvido  dizer  na  província,  onde  vivia 
retirado,  que  havia  uma  vaga  nessa  corporação,  apressou-se 
a  comparecer  para  a  solicitar,  mandando  o  seu  cartão  no  qual 
o  pedido  era  expresso  em  quatro  palavras. 

O  logar,  porém,  já  tinha  sido  preenchido.   Para  dar-lhe 
esta  resposta,  o  director  faz  encher  um  co 
completamente,  que  uma  gotta  a  mais  o  fizesí 
lh'o  mostra  com  um  gesto  triste,  sem  proferir 

O  candidato  comprehende  que  já  não  exi 
sem  desanimar,  toma  uma  pétala  de  rosa  e  ( 
na  superficie  da  aguai,  sem  que  uma  só  gotta 
Todo  o  mundo  bate  palmas  a  esta  treplica 
pretendente  é  accetto  como  suprantunerark). 

DigtizBdbyGOOgle 


773  REVISTà  W)  INSTITUTO  HBTÓRICO 

então,  o  registo  da  academia,  no  qual  o  recipiendario  devia 
inscrever-se ;  e  feito  isso,  só  lhe  reataria  pronunciar  algumas 
palavras  de  agradecimento.  EUe,  porém,  prefere  escrever; 
lança  á  marçem  da  inscripção  o  numero  r^ular  dos  seus 
novos  confrades;  colloca  um  zero  ã  esquerda  e  escreve  por 
baixo:  —  não  valerão  ttem  mais  nem  menos. 

Como  a  pétala  de  rosa  no  copo  repleto  de  agua,  a  rainha 
modesta  e  obscura  individualidade  não  poderá,  senhores,  pro- 
duzir entre  vós  a  menor  alteração;  e  si  esperáveis  benigna- 
mente que  o  meu  debil  concurso  pudesse  trazer  ao  Instituto 
Histórico  e  Geographico  Brasileiro  o  menor  accessorio  á  já 
existente  cópia  de  lllustração  e  saber,  prefiro  desilludir-vos 
desde  já. 

Accolhei,   entretanto,   nessa   formula   numérica,   o   meu 
agradecimento  pela  honra  que  quizestes  conceder-me,  e  que  eu  * 
recebo  jubiloso  ao  evocar  as  tradições  que  esta  casa  repre- 
senta em  quasi  oitenta  annos  de  útil,  brilhante  e  gloriosa 
existência . 

«  Nel  me-co-  dei  cammin  di  nostra  vila  ,  encontrei-me, 
por  vezes,  a  contemplar  o  exterior  deste  templo;  e  pelas 
janellas  largo  abertas  parecia-me  que  se  coava  uma  luz 
mais  clara,  e  que  o  ar  deste  recincto  impregnado  de  ondulações 
suaves  do  passado  devia  repercutir  os  échos  de  uma  phase,  cujo 
rememorar  acaricia  o  nosso  amor  á  pátria  brasileira. 

E'  nesta  calma  atmosphera  do  estudo  e  dos  livros  que 
o  velho  e  magnânimo  imperador,  cuja  effigie  ainda  preside  ás 
sessões,  se  comprazia  em  celebrar  os  factos  e  as  tradições  na- 
cionaes  no  agradável  convivio  com  os  mais  devotados  cultores 
da  sciencia  e  das  lettras. 

Retrocedendo,  mentalmente,  aos  prímittivos  tempos  desta 
instituição,  eu  tinha  illusào  de  ouvir  vibrar  as  vozes  de  Araújo 
Vianna,  depois  marquez  de  Sapucahi,  Silva  Lisboa,  que  era 
o  visconde  de  Cairú,  José  Clemente  Pereira,  Acaiaba  de 
Montezuma.  também  visconde  de  Jequitinhonha,  Oliveira 
Coutinho,  que  foi  visconde  de  Sepetibk,  e  outros  sócios  fun- 
dadores desta  selecta  corporação. 

Mais  de  espaço  evocava  outros  vultos,  alguns  que  eu 
conheci  pessoalmente,  cuja  elevada  «statura  intellectual  os  fac 
credores  de  respeitoso  preito.  Eram:  Silva  Paranhos  (barSo, 

I.  Cooglc 


ACTAB  773 

do  Rio  Branco),  o  augmentador  e  delimitador  do  território 
brasileiro;  Affonso  Celso  (visconde  de  Ouro  Preto)  esta- 
dista notável  e  financeiro  insigne ;  Joaquim  Nabuco,  cuja  ex- 
traordinária mentalidade  dispensa  outras  referencias;  Fran- 
klin Dória  (barão  de  Loreto),  poeta,  parlamentar  e  professor; 
Varnhagen  (visconde  de  Porto  Seguro),  a  quem  se  deve  uma 
das  melhores  historias  do  Brasil;  Alfredo  d'Escragnolle  Tau- 
nay  (visconde  de  Taunay)  auctor  da  Retirada  da  Laguna; 
Joaquim  Manuel  de  Macedo,  auctor  da  Moreninha;  Araújo 
Porto  Alegre,  Franklin  Távora,  Teixeira  de  Mello  «  tantos 
outros,  cujos  nomes  estão  ligados  a  este  Instituto  e  á  vida 
intellectual  do  nosso  paiz. 

Com  um  aceno,  então,  convidastes-me  a  approximar-me 
e  a  vér  de  perto  o  local,  onde  algumas  gerações  teem  prestado 
ao  paiz  assignalados  serviços.  Entrei. 

Mas  o  êxtase  não  passou.  Entrecerrando  os  olhos  eu 
via,  agora,  as  longas  e  alvas  barbas  do  monarcha,  que  por 
mais  de  meio  século  foi  o  guia  do  Brasil,  através  de  longas 
e  differentes  crises,  para  o  desabrochar  sereno  e  grandioso 
no  convívio  das  nações  mais  cultas,  e  o  educador  da  moci- 
dade que  elle  fazia  cuidadosamente  instruir,  preparando  os 
homens  da  geração  seguinte. 

O  local,  porém,  já  não  era  o  mesmo.  Viá-o  passar  nos 
extensos  corredores   do  velho  edifício,  onde   funccionava  o 
Externato  que  se  honra  com  o  seu  nome,  entrar  em  uma 
das  aulas,  sentar-se  á  mesa  do  lente  e  continuar  a  licção. 
Via-o  sorrir  bondoso  a  cada  um  dos  rapazes  que  chamava 
pelos  nomes  ao  consultar  a  lista  de  presença,  e 
não  perdia  mais  de  vista,  no  percurso  e  até  ao  fim  < 
Neste  ponto  a  minha  alma  se  confrange  e: 
saudade,  porque  intervém  outra  memoria,  para 
tissima.   Foi  quando  o  vi,  assim  de  perto,  a  pr 
Meu  pae,  grande  e  sincero  amigo  do  Brasil, 
Portugal,  mas  Brasileiro  de  alma  e  coração,  tinh 
prevendo  que  o  encontro  occorreria :  —  Não  proc 
ximar-te;  espera  que  as  circunstancias  te  coltoquei 
inteiramente  natural,  na  presença  do  imperador.  S 
tecer,  beija-lhe  a  mão;  é  o  maior  dos  Brasileiros 
da  Nação,  do  teu  paiz. 


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774  REVISTA  DO  tNSmUTO  HWrOMCO 

£  as  cousas  se  passaram  exactamente  como  havia  deli- 
neado o  meu  maior  e  mais  querido  amigo. 

Como  é  bom  recordar,  reviver  o  passado  1 

Permitti,  Senhores,  que  eu  interponha  aqui,  sem  pronun- 
ciar, uma  palavra  que  nasce  no  coração  e  morre  nos  lábios, 
de  grande  e  profundo  affecto  á  memoria  desse  que  me  legou 
um  nome  honrado,  que  elle  soube  illustrar  e  elevar. 

Eu  o  quero  relembrar  neste  momento,  para  mim  tão 
feliz,  associando^  á  austera  solennidade  da  minha  investidura 
no  honroso  posto,  que  bondosamente  me  assignalastes. 

Faltemos,  agora,  do  paiz,  da  nossa  pátria  commum,  k 
qual  devemos  todo  o  carinho,  todo  o  exforço,  tudo  quanto  o 
nosso  concurso  possa  dar,  para  arranca-la  aos  sobresaltos  do 
momento  actual,  em  que  o  desequilíbrio  financeiro  resultante, 
por  um  lado,  de  excessivos  encargos  a  solver,  e,  por  outro, 
de  uma  considerável  depressão  da  renda,  já  nos  levou  a  novo 
accôrdo  com  os  credores  extrangeíros  e  compelliu  a  reincidir 
na  prática  funesta  das  emissões  inconversiveis  e  de  curso 
forçado. 

Esta  situação,  a  nosso  vèr,  não  nasceu  com  a  guerra 
horrível  e  cruenta,  em  que  ha  mais  de  anno  na  Europa  se 
estraçalham  paizes,  que  até  ha  pouco  caminhavam  na  van- 
guarda das  nações  civilizadas.  Vinha  se  desenhando,  cada  vez 
mais  nitidamente,  desde  o  insuccesso  do  empréstimo  externo 
de  1913,  quasi  todo  deixado  na  mão  dos  banqueiros  pelos  sub- 
scriptores  que  apenas  consentiram  em  tomar  tmia  parte  insi- 
gnificante; defíníu-se  na  inviabilidade  do  outro  empréstimo 
externo  tentado  em  1914,  para  o  qual  se  nos  impunha  a  con- 
dição do  controle  sobre  a  arrecadação  e  o  enjprêgo  da  receita 
pública;  e  acabou  na  suspensão  dos  pagamentos  em  espécie, 
com  o  novo  r^me  de  moratória,  cujo  prazo  expira  em  mais 
dous  annos. 

Não  é  difficil  conjecturar,  e  o  espirito  público  bem 
apprehende,  que  situação  se  nos  pôde  deparar  si,  no  decurso 
desse  tempo,  o  paíz  não  se  achar  em  condições  de  reassumir 
o  pagamento,  em  dinheiro,  dos  juros  da  divida  externa.  As 
enormes  despesas  da  guerra,  consumindo  as  reservas  de  ca- 
pital circulante  que  existiam  nos  paizes  belligerantes,  entre 
os  quaes  estão  exactamente  os  que  constituíam  mais  impor- 


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ACTAi  77S 

tantes  núcleos  das  finanças  c  do  credito,  já  os  levam  talvez 
a  pensar  em  contrahir  empréstimos  externos. 

Dentro  em  pouco  as  reservas  mundiaes  podem  tornar-se 
escassas  para  acudir  á  exhaustão  resultante  desse  abysmo 
insaciável  de  vidas  e  de  capitães. 

Quando  chegarmos  ao  termo  da  moratória,  será  também 
talvez  o  termo  da  guerra;  e  teremos  deante  dos  olhos  a  Eu- 
ropa devastada,  incendiada,  em  grande  parte  demolida,  a  pre- 
cisar de  reunir  recursos,  que  ainda  assim  não  serão  bastantes, 
para  a  restauração  de  tudo  quanto  a  ferocidade  humana,  livre 
das  peias  e  dos  liames  de  alguns  séculos  de  compressora  ci- 
vilização, terá  chegado  a  arrazar  nesta  nevrose  lamentável  de 
anníquiliamento. 

Sí,  nesse  dia^,  os  credores  extrangeiros  pretendessem  en- 
xovalhar-nos  a  soberania  nacional  que,  como  a  honra,  é  ab- 
soluta e  intangível,  sentiríamos,  no  intimo  do  nosso  ser,  a 
revolta  dos  sentimentos  mais  nobres  e  mais  dignos  contra 
esse  acto  deprimente.  Temos  por  certo  que,  em  tal  emergência, 
haveríamos  de  vêr  vibrar  a  alma  brasileira  e  de  assistir  ao 
despertar  do  sangue  de  Mem  de  Sá,  de  Mathias  de  Albu- 
querque, de  João  Fernandes  Vieira  e  de  "Vidal  de  N^reiros, 
de  Philippe  Camarão  e  de  Henrique  Dias,  que  ainda  corre  nas 
veias  do  nosso  povo. 

Não  seria,  porém,  talvez,  tão  fácil  renovar  a  situação 
de  direito,  que  se  creou  com  o  penhor  da  renda  das  alfan- 
d^as  aos  portadores  dos  titulos  representativos  do  capital 
que  empregamos  em  melhoramentos  materiaes,  ou  simples- 
mente deixamos  dissipar,  como  o  foi  extirpar  as  situações 
de  facto,  promovidas  por  Maurício  de  Nassau,  por  Coligny, 
Villegaignon,  Duguay-Trouín  e  outros  que,  em  tempos  idos, 
a  cobiça  movera  á  conquista  do  Brasil. 

A  reacção  efficaz  e  digna,  no  nosso  caso  actual, 
operar-se  pelo  preventivo,  evitando  a  emergência  de  r» 
rer-se  ao  remédio.  O  tempo  urge;  mas,  dada  a  capftci 
recuperativa  do  organismo  novo  do  nosso  paiz,  não  nos 
o  diraíto  de  duvidar  que,  si  houver  coragem  e  persiste 
para  adoptar  medida»  systematicas  de  boa  politica  financ 
baseada  na  restricção  da  despesa  e  no  alargamento  da  rec 


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776  RBnSTA  DO  INSTITUTO  BtSTORlCO 

poderemos  superar  este  obstáculo,  como  já  superamos  outros 
que  se  nos  tem  deparado  na  accídentada  evolução  até  aqui 
percorrida . 

As  circunstancias  económicas  do  paiz,  apesar  de  tudo, 
são  favoráveis.  A  estatistica  do  commercio  exterior,  no  pri- 
meiro semestre  do  anno  corrente,  apresenta  o  valor  da  ex- 
portação muito  approximado  ao  da  de  igii  e  superior  ao 
verificado  em  1910.  Temos  base,  portanto,  onde  firmar  a 
resistência  e  a  reconstituição  financeira. 

Só  nos  rests, .  nestes  termos,  comprehender  que  de  nós 
mesmos.  Brasileiros,  depende  conjurar  o  perigo  imminente. 

Tenhamos  fé  nos  altos  e  gloriosos  destinos  da  pátria' 
brasileira,  mas  saibamos  apoía-los  no  nosso  exforço,  na  nossa 
dedicação  e  no  nosso  trabalho. 

Veneremos  as  tradições  da  nossa  terra,  da  nossa  raça  e 
da  nossa  Hngua.  Os  laços  assim  formados  são  tão  fortes  e 
tão  indissolúveis,  que  resistem  a  todos  os  embates  da  fortuna 
adversa . 

Para  sermos  realmente  um  povo  grande  e  forte  é  preciso 
que  nós  mesmos  tenhamos  a  consciência  do  valor,  do  acerto 
e  da  Dpportunidade  dos  nossos  actos. 

Com  estes  predicados  venceremos. 

A  Sancta  Cruz,  que  os  primitivos  descobridores  implan- 
taram no  solo  abençoado  da  nossa  pátria,  defende-nos  e  pre- 
serva da  influencia  nefasta  da  inveja,  da  cobiça,  do  despeito, 
de  quantos  sentimentos  mãos  pôde  gerar  a  alma  humani 
quando  se  transvia  do  bem  e  do  dever. 

IVnhamos  fé,  Deus  protege  o  Brasil . 

E  no  sacrário  dos  nossos  corações  saibamos  manter  ar- 
dente o  culto  da  nossa  nacionalidade  e  dos  nossos  gloriosos 
antepassados,  repetindo  com  Garret  estas  bellas  palavras  que 
elle  poz  nos  lábios  expirantes  do  cantor  dos  «  Lusiadas » : 

Suberbo  Tejo,  nem  padrão  ao  menos 

Ficará  de  tua  gloria?  Nem  herdeiro 

De    teu    renome?. ..  Sim:    recebe-o,    guaròa-o. 

Generoso  Amazonas,  o  legado 

De  honra,  de  fama  e  brio;  não  se  acabe 

A  língua,  o  nome  portuguez  na  terra. 


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ACTAS  777 

o  Sr.  Conde  de  Affonso  Celso  (presidente)  concede 
idepois  a  palavra  ao  sr.  dr.  Ramiz  Galvão,  orador  do  In- 
stituto, que  lê  o  discurso  que  se  s^ue: 

Exmo.  sr.  presidente.  Prezadíssimos  consócios.  Mi- 
nhas senhoras  e  senhores.  lUustre  sr,  dr.  Fernandes  FÍj- 
gueira. 

E'  certo,  certissimo,  que  ao  entrardes  nesta  casa  de  tra- 
balho e  de  velhas  tradições  chegais  a  um  porto  de  tranquil- 
idade, onde  a  quietação  do  estudo  não  é  perturbada  pelo 
vendaval  das  paixões  que  agitam  o  mundo,  nem  pelas  luctas, 
ás  vezes  odientas  e  ferozes,  da  Politica. 

Essa  profunda  aspiração  latente,  que  confessais  haver 
alimentado,  será  pois  satisfeita,  e,  si  o  vosso  jubilo  é  grande, 
p  nosso  não  é  menor. 

A  arvore  symbolica  do  Instituto,  que  obedece,  como  todo 
ser  vivo,  ás  leis  da  Natureza,  perde  todos  os  annos  uma  parte 
valiosa  da  sua  rica  folhagem,  e  reclama  por  isso  mesmo  re- 
bentos novos,  cheios  de  vida,  abundantes  de  seiva,  garantias 
'de  uma  aspiração  ampla,  perfeita  e  reparadora. 

Illustre  coII^:a,  que  hoje  vos  inscreveis  no  nosso  quadro, 
fazendo  desta  sessão  mais  um  dia  festivo  nos  nossos  annaes, 
,vindes  coberto  de  louros  em  árdua  e  nobre  missão,  e  offe- 
receis-nos  como  preciosas  credenciaes  trabalhos  que  honram 
a  vossa  penna  e  o  vosso  bello  talento. 

Não  careço  perscrutar  o  brilhante  curso  gymnasial  e  aca- 
demicd,  por  onde  passastes  festejado,  nem  a  mim  me  cabe 
assignalar  os  triumphos  que  haveis  obtido  na  sciencia  de 
Hippocrates,  exercendo  esse  sublime  sacerdócio  com  a  mais 
notória  competência  e  vivo  applauso  de  vossos  pares. 

Não  appellando  tão  pouco  para  outro  género  de  trabalhos, 
em  que  o  vosso  mérito  se  tenha  revelado,  cingir-me-hei  exclu- 
sivamente á  especialidade  que  faz  objecto  dos  estudos  âesp 
Companhia,  e  com  isso  terei  motivo  bastante  para  saudar-vos 
com  effusão  e  dar  ao  nosso  Instituto  cordíaes  parabéns  pela 
solenne  investidura,  que  hoje  vos  confere. 

A  excellente  Memoria,  que  escrevestes  para  o  Primeiro 
Congresso  de  Historia  Nacional,  teve  por  assumpto  fO  Padre 
^nlonio  Vieira. 


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ffi  REVIBTA  DO  DOIITOTO  HISTOItICO 

E'  claro  que  da  vida  desse  extraordinário  luzeiro  da 
Companhia  de  Jesus  não  podíeis  tomar  sinão  um  capitulo. 
Diplomata,  iheologo,  orador  e  estadista,  como  bem  accen- 
tuastes,  Vieira  teve  uma  larga  vida  de  excepcionaes  serviços 
a  Deus,  á  Humanidade  e  ã  Pátria;  muitos  volumes  seriam 
precisos  para  offerece-Io  por  todas  as  suas  faces  á  admiração 
da  posteridade  e  particularmente  á  'admiração  dos  Brasileiros. 
Escolhestes  uma  phase  daquella  preciosa  existência:  o 
período  das  missões  jesuíticas  por  elle  dirigidas,  no  Maranhão 
e  no  Pari,  ou,  o  que  vale  o  mesmo,  o  periodo  das  maiores 
luctas  accesas,  entre  a  cupidez  dos  colonos  e  o  anceio  pela 
liberdade  dos  Índios,  —  esta  causa  sagrada  pela  qual  se  ba- 
teram sempre  os  filhos  de  Loiola  na  magna  questão  da  ca- 
techese  americana,  —  esta  causa  sancta  que  teve  no  exímio 
padre  António  Vieira  um  dos  mais  exforçados  e  gloriosos 
paladinos. 

Vossa  lúcida  Memoria,  preclaro  colida,  é  neste  par- 
ticular mais  um  documento  valioscf,  que  se  juncta  a  tantos 
outros  trazidos  á  luz  em  defesa  da  nobre  Companhia  de  Jesus, 
a  quem  a  civilização  brasileira  muito  deve. 

Entre  os  excellentes  trabalhos  que  haveis  produzido, 
sr.  dr.  Fernandes  Figueira,  ha  outro  que  me  falia  atí  ao  co- 
ração, e  é  ainda  um  attestado  vivo  dos  altos  predicados  que 
vos  exomam.  Refiro-me  aos  Traços  biographicos  do  pro- 
fessor Torres  Homem,  que  antepusestes  ao  PormuJarto  pra- 
ctíco . 

Tive  a  fortuna  de  pertencer  á  cohorte  dos  discípulos  da- 
quelle  glorioso  e  amado  mestre,  fui  honrado  com  a  sua  es- 
tima, e  coube-me  também  o  prazer  de  sentar-me  depois  a  seu 
lado  no  augusto  cenáculo  da  Faculdade  de  Medicina  do  Rio 
de  Janeiro.  Ha  47  annos  que  ouvi  as  suas  licções  brilhantes, 
e  ainda  conservo  nítida  a  lembrança  do  enthusiasmo  da  mo- 
cidade de  então  ante  a  palavra  eloquente  e  persuasiva  do 
mestre,  ante  a  segurança  do  seu  diagnostico,  ante  a  solicitude 
com  que  adextrava  os  neophytos  na  arte  de  curar. 

Podereis  agora  comprehender  quanta  verdade  encontrei 
nestas  palavras  do  vosso  escorço  biographico,  que  eu  peço 
licença  para  reproduzir  como  um  echo  saudoso  das  impressões 
de  minha  juventude. 


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Ãcrtu  T19 

*  Modesto  e  desprctencioso  no  traje,  dizeis,  Torres- 
Hc»nem  não  nutria,  honra  lhe  seja,  a  ambição  de  se  destacar 
por  estultas  exterioridades.  Mas  a  face  banal,  —  de  onde 
entanto  resumbrava  algo  de  compassiva  bondade — ,  a  figura 
commum  se  metamorphoseava,  accesa  de  enthusiasmo,  no 
ensino  da  Clinica  medica.  A'  cabeceira  dos  doentes  as  suas 
phrases  assumiam  proporções  de  solennes  e  irrevogáveis  sen- 
tenças. Orando,  as  descrípções  menos  interessantes  e  as  mais 
vulgares  palpitavam  exuberantemente  de  vida,  e  victoriosas 
levavam  persuasão  irrefragavel  aos  alumnos. 

€  Possuía  um  poder  magico  na  voz  extensa,  ampla,  cheia, 
que  reboava  sonoramente  majestosa.  Era  uma  voz  que,  sem 
tonalidades  fúnebres,  se  mantinha  sempre  grave,  e  pela  au< 
ctoridade  de  seu  timbre  impunha  submissão  aos  que  a  es< 
cutavam . 

«  Ufania  do  clinico  são  o  diagnostico  extreme  de  hesi- 
tações e  a  therapeutica  adequada  e  proveitosa,  pontos  esses 
mais  entranhadamente  colHmados  por  Torres  Homem  na  edu- 
cação profissional  dos  seus  alumnos.  Com  dextreza  magistral 
executava  os  processos  physicos  de  exame.  No  tocante  á 
apalpação  estava  apercebido  daquella  persõnltche  Pingerfer- 
tigkeit,  mais  tarde  assignalada  por  Boas.  Percutia  com  in- 
vejável perfeição,  e  podiam-se  restar  como  dados  inaba- 
láveis as  informações  que  revelava  aquelle  ouvido  de  helix 
adherente.  Na  auscultação  apurou  ao  máximo  os  sentidos, 
tendo  irresistível  pendor  pelo  estudo  das  affecções  thoracicas, 
departamento  da  Pathologiá,  em  que  culminou  como  sum- 
midade . 

<  Encarada  em  seu  todo  a  actividade  do  apreciado  clinico, 
talvez  levianamente  se  julgue  que  foi  exígua.  Pondere-se, 
entretanto,  que  neste  paiz  ninguém  ainda  a  teve  maior  na 
sciencia  medica,  que  Torres  Homem.  A  sua  radiante  gloria 
pôde  cifrar-se  no  inolvidável  ensino  medico,  que  ainda  não 
foi  excedido,  mau  grado  os  eminentes  predicados  de  seus 
continuadores  > . 

E'  o  retrato  fidelissimo  do  grande  mestre,  sr.  dr.  Fi- 
gueira; ninguém  diria  melhor  sobre  os  altos  predicados  peda- 
gógicos desse  luminar  da  sciencia  brasileira.  Esta,  sem  dúvida 
progrediu,  conquistou  novos  recursos  therapeuticos,  que  ha 


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78o  RETI8TÁ  DO  mStmiTO  HIBTORtCO 

30  annos  não  eram  conhecidos  ou  mal  bruxoleavam  no  ho- 
rizonte do  saber  humano.  Mas,  do  seu  tempcf.  Torres  H(Mnem 
foi  effecti vãmente  astro  de  primeira  grandeza,  e  o  vosso  tes- 
timunho  é  mais  uma  confirmação  do  distincto  critério  cx>ía 
que  sabeis  aquilatar,  respeitar  e  amar  o  passado. 

Com  estas  virtudes  vindes  ptestar-nos  um  inapreciável 
concurso. 

Aqui  vos  aguardamos  cheios  de  confiança:  aqui,  inter 
toedia  el  labores  da  vossa  profissão  encontrareis  um  azado 
remanso  para  prestar  óptimos  serviços  á  Historia  Pátria  c 
ás  lettras  brasileiras,  em  cujo  nome  vos  saúdo. 

Sr.  marechal  Bernardino  Bormann: 

Entraes  nesta  casa  de  estudiosos  e  patriotas  com  uma  fé 
de  officio  brilhantissima. 

Applaudido  na  guerra  e  na  paz  tivestes  ensejo  de  escrever 
com  a  própria  espada  um  dos  mais  gloriosos  capítulos  da 
nossa  Historia,  arriscando  a  vida  preciosa  nesses  porfiados 
combates  em  que,  defendendo  os  brios  da  nossa  bandeira, 
-  levámos  ao  mesmq  tempo  a  liberdade  a  um  povo  ermão  e 
valente,  que  o  capricho  feroz  de  um  déspota  sug^estionara 
e  quasi  escravizara. 

Laureado  nos  prélios  da  campanha  do  Paraguai,  vol- 
vestes aos  labores  da  paz,  e  ahi,  ajudante  de  ordens  do  emi- 
nente Caxias  durante  o  seu  ultimo  ministério,  depois  sub- 
chefe e  chefe  do  Grande  Estado  Maior  do  Exercito,  e  por 
fim  ministro  da  Guerra  e  ministro  do  Supremo  Tribunal 
Militar,  occupastes  com  distincção  altos  postos  de  sacrifício, 
pelos  quaes  passou  impolluto  o  vosso  nome,  e  com  os  quaes 
grangeastes  a  estima  e  o  respeito  dos  vossos  conterrâneos. 

De  accôrdo  com  o  pensamento,  que  considero  muito  sa- 
lutar e  legitimo,  pensamento  que  ha  pouco  externastes  em 
vossa  oração  inaugural,  não  quízestes  guardar  em  silencio 
feitos  em  que  havieis  tomado  parte,  de  que  fostes  testimunha 
ocular  e  para  cuja  elucidação  podieis  concorrer  com  a  ga- 
rantia de  vossa  palavra  honrada  de  general  brasileiro.  Es- 
crevestes a  Historia  da  guerra  do  Paraguai,  em  cujos  lances 
se  haviam  passado  os  dias  de  vossa  primeira  mocidade. 

Oxalá  tivessem  procedido  egualmente  tantos  outros  sol- 
dados gloriosos,  que  se  illustraram  naquella  pugna  vivaz  e 


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&CT&9  7^1 

mortífera,  'reriamos  depoimentos  seguros  e  preciosos,  como 
a  bella  Retirada  da  Laguna,  em  que  foi  parte  o  nosso  sau- 
doso e  benemérito  Alfredo  Taunay;  teríamos  luz  bastante 
para  exclarecer  dúvidas  que  sempre  subsistiram  na  apreciação 
de  homens,  planos  e  acontecimentos,  que  decidiram  por  vezes 
desta  ou  daquella  phase  da  longa  e  memorável  campanha. 

Dizeis  com  grande  acerto  que  essas  memorias  escriptas 
pelos  próprios  actores  do  drama  são  da  maior  valia  para  o 
julgamento  definitivo  da  Historia.  E'  quando  ainda  vivem  os 
contemporâneos,  é  quando  se  não  pôde  faltar  á  verdade  sem 
o  protesto  caloroso  dos  que  também  assistiram  ou  tiveram 
parte  nos  successos,  é  então  que  a  Justiça  falia  mais  alto  e 
a  verdade  se  apura  melhor. 

Em  outros  livros,  digno  coUega,  haveis  trabalhado  egual- 
mente  para  a  elucidação  de  nossa  Historia  militar.  Para  o 
nosso  recente  Congresso  de  Historia  Nacional  contribuístes 
com  material  valioso. 

Tendes  finalmente  um  rico  manancial  nos  documentos 
de  vossa  longa  vida  pública  de  quasí  meio  século  devotado 
ao  serviço  do  paíz. 

Trazei-nos,  trazei-nos  outras  jóias  para  o  címelio  sagrado 
do  Instituto,  que  vos  accolhe  jubiloso  e  ufano  como  a  um 
benemérito  propugnador  das  nossas  glorias. 

Sr.  António  de  Barros  Ramalho  Ortigão: 

«A  epopeia  cedeu  o  passo  á  Historia»  acabais  de  dizer, 
e  eu  sou  convosco. 

E'  positivo  que  os  grandes  e  preciosos  descobrimentos 
de  character  scientifico  e  industrial,  e  <  que  cada  vez  mais 
augmentam  o  cabedal  de  bem  estar  e  de  conhecimentos  dos 
povos;  as  diversas  modalidades  da  evolução  social,  distri- 
buídas nos  differentes  ramos  de  actividade  e  de  progresso, 
são  outras  tantas  secções  em  que  se  divide  a  missão  do  his- 
toriador ». 

Eis  exactamente  o  motivo  do  nosso  desvanecimento,  ao 
vermos  que  vos  dignastes  acudir  ao  reclamo  do  Instituto 
Histórico,  vindo  abrilhantar  o  nosso  quadro  social  para  co- 
operar comnosco  nesta  província  de  estudos  especiaes,  que 
representa  hoje  boa  parte  do  largo  território  da  Historia 
pátria. 


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76>  REVISTA  DO  INSTITUTO  B18T0UC0 

Com  singular  modéstia  lembrastes  o  famoso  conto  da 
Academia  persa.  Permitti  que  não  acceite  o  «  símile  >,  visto 
que  não  sois  um  simples  petalo  de  rosa  a  fluctuar  no  copo 
repleto  d'agua,  nem  tão  pouco  se  possa  acquíescer  ao  vosso 
qualificativo  de  zero  á  esquerda  do  numero,  que  lhe  não 
altera  a  grandeza. 

Sois,  ao  envez  disto,  de  hoje  em  deante  uma  das  mais 
fragrantes  flores  do  nosso  jardim  social,  si  jardim  me  é  licito 
denominar  esta  assembléa  de  Brasileiros  graves  ou  encane- 
cidos no  servi<^  da  Fatrja  e  das  lettras. 

Em  vossa  bella  oração,  prezado  e  distincto  patrício, 
alludis  ao  assumpto  de  vossos  estudos  predilectos  —  a  questão 
económica  e  financeira  —  de  tão  capital  importância  para  o 
bem  estar  da  nação,  assumpto  que  neste  difficil  momento 
mais  deve  preoccupar  o  espirito  dos  patriotas,  porque  delle 
depende  a  honorabilidade  do  nome  brasileiro,  que  todos  de- 
vemos zelar  como  um  património  sagrado. 

Accentuais  com  sobeja  razão  a  necessidade  imperiosa  de 
se  prevenir  a  emergência  de  um  vexame  nacional.  Bom  e 
avisado  filho  desta  querida  terra,  dais  o  atartne  contra  o 
perigo,  como  o  celebre  mestre  da  frota  portugueza  que  de- 
mandava a  índia: 

Alerta,  disse,  estai,  que  o  vento  cresce 
Daquella  nuvem  negra,  que  apparece. 

Patriota  ardoroso,  não  vos  colhe  todavia  o  desânimo;  e 
esta  situação  d'alma  deve  merecer  o  nosso  applauso  sincero, 
porque  já  outro  perigo  superámos,  e  não  é  crivei  que  os  filhos 
da  terra  de  Sancta  Cruz,  exquecidos  da  licção  de  Murtínho  e 
Campos  Salles,  deixem  que  se  sacrifique  por  culposa  inad* 
vertencia  o  destino  de  um  grande  povo,  sempre  fiel  aos  seus 
compromissos,  sempre  fiel  aos  díctames  da  honra. 

Si  o  momento  é  angustioso,  a  boa  politica  financeira, 
baseada,  firme  e  inabalavelmente,  na  restricção  da  despesa 
e  no  alargamento  da  receita,  poderá  conjurar,  conjurará  de 
certo  o  escolho  que  nos  ameaça  e  para  onde  nos  conduziram 
a  má  politica  e  as  facilidades  da  incompetência. 

Sim,  faz-se  mister  uma  grande  coragem  e  um  ardente 
sentimento  patriótico.  Mas  eu  repito  convosco :  c  Tenhamos 
fé.  Deus  protege  o  Brasil  >j, 

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o  generoso  Amazonas,  obediente  ao  reclamo  de  Garret, 
guardará  o  legado  de  honra,  de  fama  e  de  brio. 

Senhores.  Por  singular  e  fehz  coincidência,  honrou-se 
hoje  o  nosso  Instituto  com  a  posse  de  três  distinctos  bata- 
lhadores que  vieram  abrilhantar  as  nossas  fileiras,  oriundos 
de  campos  diversos,  mas  unidos  todos  pelo  laço  precioso  e 
indissolúvel  do  amor  da  Pátria  commuhi,  e  todos  elles  já 
laureados  por  serviços  relevantes  prestados  em  ^orioso  tiro- 
cínio profissional.  Um  symboHza  a  sciencia  da  vida;  outro, 
a  garantia  e  defesa  da  honra  nacional ;  o  terceiro,  não  menos 
illustre,  propugna  os  salutares  principtos  da  Economia  po- 
litica, que  devem  servir  de  norma  á  conquista  da  riqueza 
páblica  —  fundamento  da  ordem  e  do  progresso,  lemma  da 
nossa  bandeira. 

Aquelle  estuda  e  preside  ao  solido  preparo  da  geração, 
que  tem  de  intervir  amanhã  nos  destinos  do  paíz  com  a  luz 
de  seu  espirito  e  a  robustez  de  seu  braço.  Este,  já  experi- 
mentado nos  campos  de  batalha  em  que  se  illustrou  ao  lado 
de  grandes  capitães,  e  já  encanecido  na  faina  da  adminis- 
tração militar,  traz-nos  o  fructo  sazonado  de  seu  saber  e 
licções  prácticas  de  civismo.  Este  outro,  finalmente,  financista 
emérito,  investigador  paciente  e  exclarecido,  accende  a  luz 
que,  descobrindo  e  revelando  erros  do  passado,  deve  servir 
de  pharol  aos  honrados  timoneiros  do  presente  e  do  futuro 
para  que  a  nave  do  Estado  transponha  a  salvamento  as  syrtes 
perigosas  que  a  ameaçam  nesta  hora  critica  de  sua  derrota 
por  mares  agitados  e  duvidosos. 

Bem  hajam  todos  três  dignissimos  Brasileiros,  que  en- 
cerram o  cyclo  de  1915  com  tamanho  brilho,  robustecendo  a 
nossa  cohorte  com  forças  vivas  de  notável  talento  e  trazendo- 
nos  o  precioso  contingente  do  patriotismo,  da  experiência  e 
do  saber. 

O  escalpelio,  a  espada  e  a  penna,  aqui  se  enlaçam  neste 
dia  para  gloria  nossa  e  a  bem  da  Historia  da  Pátria,  O  es- 
calpelio dissecará  as  tradições  e  o  depoimento  dos  archivos; 
a  espada,  á  maneira  de  buril,  insculpirá  na  lousa  do  passada 
as  glorias  nacionaes;  a  penna  registará  para  a  posteridade 
os  feitos  heróicos  e  brilhantes  das  gerações  que  se  foram 


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784  REVISTA  DO  INSTITUTO  «IBTOIUCO 

e  da  que  hoje  labuta  com  intrepidez  pela  salvação  e  pela 
grandeza  do  nosso  amado  Brasil. 

Súlvete,  batalhadores  illustres  I » 

O  discurso  do  sr.  dr.  RamJz  Galvão  recebe  grandes  e  re- 
petidos applausos. 

Logo  depois  o  Sr.  Fi,f.iuss  {secretario  perpetuo)  pede 
a  palavra  e  lê  a  seguinte  allocução: 

€  Meus  caros  confrades —  Seja-me  licito,  ao  menos  uma 
vcz,  prevalecer-me  do  facto  de  ter  sido  auctor  de  uma  das 
tentativas  que  se  traduziram  em  triumphos  para  o  nosso  In- 
stituto. 

Coube-me  a  honra  de  propor  a  convocação  do  Primeiro 
Congresso  de  Historia  Nacional,  cujo  êxito  excedeu  de  muito 
ás  espectativas  mais  sympathicas  e  ainda  maís  se  affirmarã 
nos  cinco  volumes,  em  que  apparecerão  os  trabalhos  offe- 
recidos,  muitos  dos  quaes  se  impõem  a  grande  louvor. 

Pois  bem:  quero  neste  instante  dirigir-vos  a  palavra 
como  promotor  e  secretario  geral  que  fui  daquelle  Congresso, 

Pelo  regulamento  que  approvámos  cabe  ao  presidente  do 
Instituto  Histórico  e  ao  presidente  do  Congresso  a  medalha 
de  ouro  mandada  cunhar  em  commemoração  do  brilhante  em- 
prehendimento. 

E'  um  direito  incontestável,  que  assiste  aos  dous  illustres 
personagens . 

Nada  im|jede,  porém,  ao  Instituto  accrescentar  e  esse  di- 
reito uma  homenagem  de  agradecimento  aos  serviços  pres- 
tados pelas  duas  figuras  que  mais  cooperaram  para  o  pa- 
triótico successo  da  patriótica  empresa,  credores,  em  tudo,  do 
respeito  unanime  desta  Casa. 

Acceitando  a  herança  dííficillima  de  Rio  Branco,  o  actual 
presidente  do  Instituto  mantém  intacto  o  alto  prestigio  que 
tanto  characterizou  a  administração  do  grande  Brasileih). 
Ninguent,  com  effeito,  no  momento  reunia,  nesta  associação, 
como  o  sr.  conde  de  Affonso  Celso,  melhores  condições 
para  a  successão  de  Rio  Branco. 

Aos  seus  múltiplos  predicados  íntellectuaes,  Affonso 
Celso  contava  —  contará  sempre  — ,  os  elementos  representa- 
tivos, que  o  tornaram  desde  cedo  luna  das  personalidades  mais 
justamente  queridas  e  acatadas  do  nosso  paiz.  E  não  é  pre- 


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ciso  dizer  dos  seus  attributos  de  coração,  que  esses  não  ha 
quem  os  deixe  de  proclamar. 

Ramiz  Galvão,  o  presidente  eífectivo  do  Congresso,  teve 
também  que  assumir  um  posto,  cujo  desempenho  no  Instituto 
tem  sido  sempre  uma  eschola  de  eloquência,  em  que  luziram 
Porto  Alegre,  Macedo,  Taunay,  Nabuco,  para  só  fallar  nos 
mortos. 

Coube-lhe,  porém,  substituir  immedíatamente  a  um  orador 
de  raça,  dos  mais  apreciados,  cujas  manifestações  da  palavra 
f aliada  possuem  todos  os  encantos. 

E  a  tribuna  continua  aqui  com  a  mesma  intensidade  de 
brilho,  vasadas  as  orações  nos  mais  puros  moldes  da  nossa 
lingua. 

A  Rio  Branco — como  presidente  —  Affonso  Celso;  a 
Affonso  Celso — na  oratória — Ramiz  Galvão,  ambos 

A  receber  de  nós  tributos  grandes. 

Assim,  peço  aos  illustres  confrades  que  me  accompanhem 
nesta  demonstração  aos  dous  egrégios  consócios,  entr^an- 
do-lhes,  entre  applausos,  as  medalhas  de  ouro,  cuja  insígnia 
—  Priora  disquirendo  patriam  coiimus  —  elles  teem  sabido 
traduzir  com  altivez  e  talento,  dando  o  bello  exemplo  de  que 
para  elles,  sobre  os  gosos  da  vida: 

Ha  mais  alta  missão,  mais  alta  gloria:  — 
O  combater,  á  grande  luz  da  Historia. 

Estas  palavras  do  sr.  Fleíuss  provocam  unanimes  palmas 
do  auditório  que,  sempre  applaudindo,  assiste  á  entrega  das 
medalhas. 

Os  Srs,  Conde  de  Affonso  Cetso  e  Dr.  Ramiz  Galvão 
agradecem  commovidos  esta  homenagem  do  Instituto,  levan- 
tando-se  em  seguida  a  sessão,  ás  22  horas. 

Roquetie  PintOj 
a"  secretario. 


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?66  RETISTA  DO  INSTITUTO  HI8T0IUC0 

Acta  da  septima  sessÃo  ordinária,  hm  12  de  outubro  de  1915 

Presidência  do  sr.  conde  de  Affonso  Celso 

A'5  20  1/2  horas,  na  sede  social,  abre-ae  a  sessão,  com 
a  preKti^  dos  seguintes  sócios: 

Srs.  conde  de  Affonso  Celso,  dr.  Benjamin  Franklin 
Ramiz  Galvão,  Max  Fleiuss,  dr.  Manuel  Cicero  Peregrino 
da  Silva,  barão  Homem  de  Mello,  dr.  Homero  Baptista,  dr. 
Miguel  Joaquim  Ribeiro  de  Carvalho,  dr.  Pedro  Souto  Maior, 
conselheiro  Salvador  Pires  de  Carvallio  Albuquerque,  dr.  João 
Coelho  Gomes  Ribeiro,  dr.  Alfredo  Rocha  e  dr.  AnttHiio 
Fernandes  Figueira. 

Aberta  a  sessão,  o  sr.  dr.  Pedro  Souto  Maior,  servindo 
de  2"  secretario,  procedeu  á  leitura  da  acta  da  sessão  anterior, 
a  qual  foi  approvada  sem  debate. 

O  Sr.  Fleiuss  (/°  secretario  perpetuo)  communica  ao 
Instituto  que  acaba  de  lhe  chegar  ás  mãos  um  telegramma 
do  illustre  consócio,  sr.  dr.  Hélio  Lobo,  digníssimo  secretario 
do  sr.  presidente  da  Republica,  declarando  que  s.  ex.  re- 
ceberá na  próxima  quinta-feira,  14,  ás  14  h.  e  45  minutos,  a 
commissão  do  Instituto,  que  o  irá  convidar  para  a  sessão 
magna,  a  realizar-se  no  dia  21,  ás  21  horas. 

O  SR.  PRESIDENTE  nomêa  para  esse  fim  a  seguinte  com- 
missão :  srs.   drs.  Raraiz  Galvão,  Fleiuss  e  Manuel  Cicero. 
-     O  Sr.  Fleiuss  justifica    a  ausência    do    2°    secretario, 
sr.  dr,  Roquette  Pinto. 

O  mesmo  sr.  secretario  perpétuo  lê  o  seguinte  parecer 
da  Commissão  de  Historia : 

—  <  Õs  vários  e  interessantíssimos  trabalhos  que  tem  pro- 
duzido o  sr.  Ernesto  da  Cunha  de  Araújo  Vianna,  distincto 
professor  da  Eschola  de  Bellas  Artes,  sobre  a  evolução  es- 
thetica  do  Brasil,  especialmente  no  que  diz  respeito  á  Pintura, 
Esculptura  e  Architectura,  justificam  á  saciedade  a  proposta 
do  seu  illustre  nome  para  a  matricula  no  quadro  de  sócios 
effectivos  do   Instituto  Histórico  e  Geographico  Brasileiro. 

.abrilhantado,  desde  os  seus  primeiros  tempos,  pela  fina 
flor  da  intellectualidade  patrícia,  nunca  este  antigo  e  bene- 
mérito grémio  se  olvidou  de  desempenhar  o  culminante  papel 


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ACTAS  787 

de  preniiador  de  todos  os  exforços  elevados  e  de  solicito  im- 
pulsor de  todos  os  espíritos  de  escol,  votados  ao  progresso 
da  nossa  vida  cultural,  Eutrc  os  que  no  seu  seio  represen- 
taram então,  com  imperecível  yloria,  o  departamento  da- 
quellas  artes,  coQta-se  o  barão  de  Sancto  iXngelo,  Manuel  de 
Araújo  Porto  Alegre,  iroeta  e  pintor,  a  quem  se  pudera  ri- 
gorosamente applicar,  no  sentido  mais  sympathico  da  ex- 
pressão, o  conceito  do  velho  Horácio: 

Pictoribi»    atquc    poelis    icmpcr    fuit    aeqiu    polous 


pois  que  visaram  sempre  a  traduzir-se  em  obras  primas, 
tanto  nas  ríinas  como  nas  cores,  os  seus  livres  e  espontâneos 
ousios . 

E'  innegavel  a  rela<;ão  das  producções  artistícas  com  o 
ramo  da  Dynamica  social  que  particularmente  cultuamos  neste 
templo;  tanto  sãó  fontes  históricas  os  annaes,  as  chronicas,  os 
livros  de  linhagens,  como  as  telas  e  as  estatuas,  como  os  ce- 
nóbios e  as  cathedraes.  £  como  as  manifestações  estheticas 
constituem  apanágio  das  civilizações  depuradas  no  cadinho  da 
multimillenaria  trajectória  humana,  romplexa  é  a  sua  apre- 
ciação integral  que  demanda  sólidos  conhecimentos  practicos 
e  fortes  estudos  de  Sociologia,  —  donde  a  notória  escassez 
dos  nossos  criticos  de  arte,  dignos  de  tal  nome. 

Ora,  o  sr.  dr,  Araújo  Vianna,  diplomado  pela  Eschola 
Polytechnica,  consagrou  a  sua  exclarecida  mentalidade  desde 
annos  muito  em  flor  ao  estudo  e  ensino  das  Bellas-artes  e  á 
analyse  do  que  a  tal  aspecto  se  tem  feito  em  nosso  paiz. 
Em  uma  das  melhores  revistas  illustradas  que  sui^iram  nesta 
terra,  A  Renascença,  deu  elle  á  estampa  curtas,  mas  verda- 
deiras monographias  (vejam-se,  entre  outros,  os  números  de 
Março  de  1905,  Abril  de  rgo6  e  Julho  de  1907  da  citada  pu- 
blicação), nas  quaes,  além  de  pacientes  estudos  sobre  as 
vetustas  egrejas  desta  Capital,  aprofundou  pesquisas  sobre  a 
fulgurante  plêiade  franceza  que,  no  primeiro  quartel  do 
século  XIX,  isto  é,  quando  occorreu  o  que  Silvio  Romero 
tão  adequadamente  denominou  de  <  inversão  brasileira  »,  veiu 
iniciar  a  nossa  gente  nos  arcanos  da  perfeita  elaboração  ar- 
tística e  ailoriiar  a  nossa  metroix>le  com  os  primores  esthe- 


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7™  HEVISTA  DO  INSTITUTO  lUSTORKO 

ticos  vasãdos  travez  a  iiiexcedivel  concep(;ão  peculiar  da  alma 
latina. 

Taes  escriptos',  onde  se  ])atenteia  observador  abatisado 
e  onde  superabundani  dados  históricos  denunciativos  de  in- 
vestigador consciencioso,  bastariam  a  franquear  uma  curul 
deste  sodalicio  ao  sr.  dr.  Araújo  Vianna,  Mas  o  nosso  ope- 
roso compatriota  houve  por  bem  de  aureolar-se  de  novo 
titulo  áquelle  galardão :  —  seu  curso,  quasi  a  terminar, 
sobre  as  Artes  plásticas  no  Brasil  em  geral  e  no  Rio  de  Ja- 
neiro em  particular,  obra  jmí  generis,  completa  c  curiosa, 
que  está  suscitando  unanime  admiração",  merecendo  calorosos 
applausos  por  parte  de  quantos  teem  tido  a  ventura  de  ouvil-o, 
e  que,  uma  vez  incluído  na  « Revista  >,  firmará  ainda 
mais  inabalavelmente  a  merecida  nomeada  do  provecto  cathe- 
dratico. 

Assim,  a  commissão  abaixo  assignada  é  de  parecer  que 
o  Instituto  Histórico  e  Geographico  Brasileiro,  acceitando 
as  credenciaes  tom  que  se  lhe  apresenta  o  sr.  dr,  Araújo 
Vianna,  além  de  a  este  fazer  justiça,  muito  lucrará  com  a 
collaboraçào  de  quem  tem  posto  em  prova  tanta  competência 
esi>ecial  em  um  esgalho  tão  difíicil,  e  por  isso  mesmo  tão 
lK>uco  explorado,  da  evolução  intellectual  -  da  nossa  nacio- 
nalidade. O  neto  do  marquez  de  Sapucahi,  que  por  tanto 
tempo  e  tão  superiormente  presidiu  a  este  cenáculo,  onde 
á  sua  veneranda  men«oria  é  preiteada  a  mais  profunda  e 
inalterável  gratidão,  longe  de  desluzir  o  rutilo  estemma  espi- 
ritual que  herdou,  virá  antes  augmentar-lhe  o  brilho  e  hoii- 
rar-lhe  as  excelsas  tradições. 

Rio  de  Janeiro,  9  de  Outubro  de  1915.  —  Basílio  de  Ma- 
galhães, relator.  —  Clóvis  Bevitacqiia.  —  Viveiros  de  Castro.  * 

O  parecer  é  unanimemente  approvado  e  com  a  proposta 
remettido  á  Commissão  de  Admissão  de  Sócios,  sendo  relator 
o  sr.  dr,  Miguel  de  Carvalho. 

O  Sr.  Fleiuss  (/•  secretario  perpetuo)  lê  os  seguintes 
pareceres  da  Commissão  de  Admissão  de  Sócios: 

—  «A  Commissão  de  Admissão  de  Sócios  applaude  in- 
teiramente a  eleição  para  sócio  correspondente  do  illustre 
sr.  dr.  A.  Velloso  Rebetlo,  cujos  predicados  de  cha^ctei* 
são  sobeja  e  vantajosamente  conhecidos. 

DigtizBdbyGOOgle 


m:t.\b  789 

Rio,  ir  de  Outubro  de  191 5.  —  Manuei  Cícero,  relator. 
—  Miguel  Joaquim  de   Carfalho.  —  Ramiz   Galvão.  > 

—  «A  Commissão  de  Admissão  de  Sócios  nada  tem  a 
oppor  á  eleição  do  sr.  J.  Cervaens  y  Rodrigiiez  para  sócio 
correspondente. 

Rio,  II  de  Outubro  de  1915.  —  Miguel  Joaquim  Ribeiro 
de  Carvalho,   relator.  —  Manuel   Cícero.  —  Rami:   Galvão.  > 

O  Sr.  Condk  de  Affonso  Ciílso  {presidente)  declara  que 
vae  mandar  correr  o  escrutiuio  para  votação  não  só  desses 
dons  iiareceres,  como  dos  relativos  aos  srs.  dr.  Juliano  Mo- 
reira e  d.  Juan  José  Biedma,  lidos  na  sessão  anterior. 

Corrido  o  escrutinio,  são  a])provados  |KJr  unanimidade 
os  pareceres  relativos  aos  srs.  drs.  Juliano  Moreira,  A.  Vel- 
loso  Rebello.  d.  Juan  José  Biedma  e  approvado  o  relativo 
ao  sr.  J.  Cervaens  y  Rodriguez. 

O  Sr.  Condk  [>e  Affonso  Celso  {presidente)  proclama 
sócio  effectivo  do  Instituto  o  sr.  dr.  Juliano  Moreira  e 
sócios  correspondentes  os  srs.  dr.  A.  Velloso  Rebello,  d.  Juan 
José  Biedma  e  J.  Cervaens  y  Rodriguez. 

O  Sr,  F1.EIUSS  (í"  secretario  perpetuo)  justifica  depois 
a  seguinte  proposta: 

«  Notórios  são  os  serviços  que  ao  Instituto  Histórico  e 
Geographico  Brasileiro  tem  prestado  o  Jornal  do  Commcrcio ; 
assim  proponho  que  o  Instituto  confira  ao  mesmo  jornal 
uma  medalha  de  ouro  do  Primeiro  Congresso  de  Historia 
Nacional,  que  também  encontrou  neste  respeitado  orgào  de 
publicidade  o  maior  apoio, 

Approvando  o  Instituto  esta  proposta,  o  sr.  presidente 
nomeará  uma  commissão  para  a  entrega  da  medalha  ao  di- 
rector è  ao  redactor-chefe  do  Jornal. 

Sala  das  Sessões.  12  de  Outubro  de  1915  —  FIciuss.* 

O  Sr.  Condr  de  Affonso  Celso  {presidente)  põe  a  votos 
esta  proposta,  e  sendo  unanimemente  approvada,  nomêa  a 
seguinte  commissão:  Fleiuss.  Manuel  Cícero  e  Homero  Ba- 
ptista. 

O  Sr.  Fleiuss  (/"  secretario  perpetuo)  diz  que  o  In- 
stituto soube,  graças  ao  decisivo  apoio  do  egrégio  sr.  conde 
de  Affonso  Celso,  dar  plena  execução  á  idéa  do  eminente 
consócio  sr.  dr.  Manuel  de  Oliveira  Lima,  quanto  á  Eschola 


«ibyCoogIe 


790  REVISTA  DO  INSTITOTO  IIISTORICO 

de  Altos  Estudos.  O  próprio  sr.  dr.  Oliveira  Lima,  em  re- 
petidas cartas  ao  orador,  tem  manifestado  o  seu  grande 
applauso,  reconhecendo  que  os  brilhantíssimos  cursos  rea- 
lizados no  Instituto  pelos  srs.  Basílio  de  Magalhães,  Aurelíno 
Leal,  Pinto  da  Rocha,  Viveiros  de  Castro,  Ramalho  Ortigão 
e  Araújo  Vianna  constituem  a  eschola  que  projectara. 

Pensou  o  orador  em  dar  uma  systematização  a  esses 
cursos  e  nesta  conformidade,  sempre  prestigiado  pelo  sr.  pre- 
sidente, pediu  ao  sr.  Oliveira  Lima  que  organizasse  um  pro- 
gramma  dos  trabalhos  para  o  anno  vindouro.  Acaba  de 
receber  do  illustre  consócio  um  esboço  desse  programma, 
accompanhado  das  seguintes  linhas: 

<  FelicitOH3  mais  uma  vez  pela  brilhante  iniciativa  dos 
cursos  do  Instituto  e  mando-lhe  incluso  um  resumo  do  pro- 
gramma da  Eschola  de  Sciencias  Politicas  e  Administrativas 
feito  pelo  Delgado  de  Carvalho,  de  um  trabalho  maior  que 
elte  elaborou,  Penso  ser  óptimo  esse  programma.  Aproveita 
dos  programmas  da  Eschola  de  Sciencias  Politicas  de  Paris, 
da  E'cole  des  Hautes  Etudes  Commerciales  e  da  Ijondon 
School  of  Economic  and  Politicai  Science  a  indispensável 
parte  technica,  reduzindo-a  a  suas  menores  proporções.  Adapta 
os  referidos  programmas  ás  necessidades  da  administração 
brasileira,  facilitando  aos  nossos  estudantes  as  funcções  pú- 
blicas, ao  jornalismo  e  á  vida  politica.  Além  das  trez  secçSes 
mencionadas,  poderia  haver  uma  secção  geral  formada  pelo 
próprio  candidato,  segundo  suas  necessidades,  pela  combi- 
nação dos  três  pr<^rammas.  Agrupando  os  cursos  congéneres, 
poder-se-hia  fazer  com  que  ficasse  entre  as  mãos  de  oito  a 
IO  professores,  não  ficando  qualquer  delles  com  mais  de 
duas  prelecções  por  semana.  Qualquer  cousa  que  se  faça  é 
de  simples  justiça  referir  e  publicar  que  quem  elaborou  o 
programma  do  curso  foi  o  Delgado  de  Carvalho,  que  está 
prompto  a  dar  todos  os  exclarecimentos  a  respeito.  > 

«  Propõe,  pois,  o  orador  que  o  Instituto  approve  desde 
já  a  creação  da  Eschola,  ficando  o  illustre  sr,  presidente  au- 
ctorizado  a  dar-lhe  execução,  para  o  que  nomeará  uma  com- 
missão,  incumbindo-a  do  estudo  do  projecto  e  do  preparo 
do  regulamento  que  será  submettido  á  sancção  do  mesmo 
sr.  presidente. 


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ACTU  79> 

c  Passa  a  lêr  o  projecto  enviado  pelo  sr.  Oliveira  Lima : 

—  €A  Bscoia  de  Sciencias  Politicas  é  destinada  a  pre- 
parar funccionarios  para  os  ministérios  do  Exterior,  da  Fa- 
zenda e  da  Agricultura,  Industria  e  Commercio  e  para  as 
administrações  estadoaes. 

Para  a  inscripção  aos  cursos  da  Eschola  (com  o  fim  de 
obter  o  diploma),  são  necessários  a  edade  de  i6  annos  e 
um  attestado  de  exame,  nacional  ou  extrangeíro,  julgado  suf- 
ficiente  pelo  director  da  Eschola. 

Os  estudos  serão  de  dous  annos  e  comprehenderão  an- 
nualmente  cursos  de  20  a  25  prelecções  sobre  as  matérias 
do  pragramma. 

A  Eschola  é  formada  de  trez  secções :  diplomática,  finan- 
ceira e  económica.  Cada  secção  abrange  prelecções  ou  cursos : 

o)  fundamentais  (2  annos  consecutivos)  ; 

b)  regulares  que  sào  obrigatórios  para  o  exame; 

c)  facultivos,  isto  é,  cursos  que  podem  ser  substituidos, 
em  cada  secção,  por  cursos  regulares  de  outras  secções,  com 
a  approvação  escripta  do  director  da  secção  em  que  deseja 
o  estudante  ser  diplomado. 

As  notas  de  exame,  no  fim  de  cada  anno,  serão  dadas 
de  o  a  20,  sendo  necessária,  para  approvação,  a  média  geral 
de  10,  A  frequência  sexk  levada  em  conta.  > — No  ultimo 
anno,  as  Iheses  (composições  escriptaS,  de  50  paginas,  em 
média)  serão  obrigatoriamente  sobre  assumptos  nacionaes. — 
Para  o  diploma  não  haverá  concurso,  mas  unicamente  uma 
classificação  dos  diplomados. 

O  diploma  de  cada  secção,  exigindo  conhecimentos  effe- 
ctívos  e  practicos,  constituirá,  em  consequência,  uma  reoim- 
mendação  para  a  administração  pública. 

Além  dos  estudantes  matriculados,  serão  admittidos  au- 
ditores em  conformidade  com  o  regulamento.  —  Em  cada  anno 
lectivo  a  directoria  convidará  notabilidades  nacionaes  ou 
extrangeiras  para  séries  de  cursos  extraordinários  (no  pro- 
gramma  ou  fora  delle)  e  admittirá  privat-docencia. 

I.  Secção  Diplomática  —  Primeiro  e  segundo  anno  — 
Historia  Diplomática  (2  annos,  curso  fundamental);  His- 
toria da  America  (curso  regular) ;  Direito  Internacional  Pu- 


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793  REVISTA  DO  INSTnTJTO  HISTÓRICO 

blico  {curso  riflar) ;  Direito  Intemacíonel  Americano 
(curso  regular). 

Direito  Internacional  Privado  (2  annos,  curso  facul- 
tativo) :  Direito  commercial  (curso  regular) ;  Organização 
diplomática  (curso  regular) ;  Economia  politica  (curso  facul- 
tativo) ;  Economia  nacional  (curso  facultativo) ;  Geographii 
commercial  (curso  facultativo). 

Serão  especialmente  estudados,  nestes  cursos,  os  as- 
sumptos seguintes: 

Historia  diplomática  de  18^15-1915  —  O  Congresso  de 
Vicnna.  —  A  Sancta  Alliança.  —  As  nacionalidades  no  sé- 
culo XIX,  —  As  questões  do  Oriente  e  do  Extremo-Oriente. 

—  O  equilibrio  europeu,  etc. 

Historia  da  America — Descobrimento,  conquista  e  in- 
dependência argentina  depois  de  Mitre.  —  Chile  e  Balma- 
ceda.  —  México  e  Porf irio  Dias.  —  Os  Estados  Unidos.  — 
Constituições  americanas  comparadas. 

Historia  diplomática  do  Brasil  —  A  America  portugueza, 
Tordesillas  e  Madrid. — Emancipação.  —  D.  Pedro  I,  d.  Pe- 
dro II,  questão  ingleza.  —  Relações  com  os  paizes  americanos. 

—  Delimitação  territorial. 

Organização  diplomática  e  Prolocollo  —  Serviço  diplo- 
mático e  consular.  —  Missões.  —  A  Secretaria.  —  Correspon- 
dência diplomática.  —  Officios,  etc. 

Direito  Internacional  Publico  (programma  clássico). 

Direito  Internacional  Americano  —  Relações  inter-amc- 
ricanas.  Bolívar,  Monroe.  —  O  Pan-amerícanismo  e  seus  Con- 
gressos. —  A  questão  venezuelana,  Drago.  —  O  Brasil  cm 
Haia.  —  Questões  de  nacionalidade  no  Direito  americano.  — 
Questões  pendentes.  —  Tacna  e  Arica. 

Direito    Internacional   Privado    (programma    clássico). 

Direito  Commercial  (idem). 

Economia  Politica  (idem). 

Geographia  Commercial,  especialmente  do  Brasil. 

Economia  Nacional  —  A  era  colonial  e  o  monopólio.  — 
D,  João  Vr  e  a  abertura  dos  portos.  —  O  Brasil  independente 
e  unitário.  —  Abolição.  —  O  Brasil  republicano  c  federativo. 

—  Crises.  —  Colonização.  —  Valorização. 


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ACTAS  793 

II.  Secção  Financeira  —  Primeiro  e  segundo  (mno  — 
Finanças  Publicas  {2  annos,  curso  facu3*ativo) ;  Historia 
financeira  do  Brasil  (curso  regular) ;  Moeda,  Credito,  Cam- 
bio (curso  regular);  Impostos  (curso  regular);  Operações 
bancarias   (curso  regular). 

Contabilidade  e  éícripturação — (2  annos,  curso  facul- 
tativo) :  Economia  Politica  (curso  regular) ;  Direito  Ctmi- 
mercial  (curso  facultativo) ;  Economia  Nacional  (curso  fa- 
cultativo) ;  Geographia  Commercial  (curso  facultativo). 

Finanças  Publicas  —  Theoria  do  Orçamento.  —  Periodo 
orçamentário.  — .Verbas.  — Systemas  comparados.  — Despe- 
sas publicas.  —  Credito.  —  Divida  publica.  —  Finanças  Esta- 
doaes  e  Municipaes.  —  Fiscalização. 

Historia  Financeira  do  Brasil  —  Finanças  Coloniaes.  — 
Primeiro  Banco  do  Brasil.  —  Reformas  de  1833  e  1846  — 
Lei  de  1853  —  Crises  —  Abolição  e  meio  circulante.  —  Lei 
de  1890.  —  Emissões.  —  Ensilhamento. —  O  Funding  loan, 
—  Caixa  de  Conversão,  —  Estudo  da  Divida  pública  actual. 

Moeda,  Credito,  Cambio  —  FuncçÕes  da  moeda,  me- 
taes  preciosos.  —  O  Ouro.  —  Circulação  fiduciária.  —  Papel- 
moeda,  curso  forçado.  —  Cambio  sobre  Londres.  —  Systemas 
monetários.  —  Reformas  na  Rússia.  —  Estados  Unidos.  —  In- 
do-China. 

Operações  bancarias  —  Capitães.  —  Depósitos.  —  Des- 
conto. —  Bancos  de  emissão.  —  Contractos  liypothecarios.  — 
Operações  da  bolsa.  —  Especulação. —  Bolsas  do  Rio  c  de 
S.  Paulo.  —  Organização  bancaria.  —  Bancos  de  Estado.  — 
Banco  do  Brasil.  —  Arithmetica  bancaria. 

Impostos  —  Noções  históricas  e  legislação  tributaria, — 
Contribuições  directas  e  indirectas.  —  Taxas.  —  O  imposto 
territorial  nos  Estados.  —  Imposto  de  importação.  —  Tarifas, 
pauta,  —  razão,  %  ouro.  —  Imposto  de  consumo.  —  Estudo 
comparativo;  Inglaterra,  França  e  Estados  Unidos. 

Contabilidade  e  escripfuraçãa  —  Jornal. — Balanço. — 
Entradas  duplas.  —  Verbas  dos  dif ferentes  niini.<«terios.  — 
Thesouro.  —  Collectorias.  —  Casa  da  Moeda.  —  Delegacia  de 
Londres.  —  Alfandega;  etc. 

Economia  Politica —  (Vide  acima,  Secção  Diplomática), 


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794  RBVI8TA  DO  WaTlTUTO  lUSTOlUCO 

Economia  Nacional r-  (Vide  acima,  Secção  Diplomática). 

Direito  Commercial —  (Vide  acima,  Secção  Diplomática). 

Geographia  Commercial — (Vide  acima.  Secção  Diplo- 
mática). 

III.  Secção  Económica  —  Primeiro  c  segundo  anno  — 
Questões  Agrícolas  e  Industriaes  {curso  facultativo) ;  His- 
toria Económica  (curso  regular) ;  Colonização  comparada 
(curso  regular) ;  Economia  Commercial  (curso  regular) ; 
Economia  Nacional   (curso  regular). 

Geographia  do  Brasil — (Curso  facultativo):  Economia 
Politica  (curso  facultativo) ;  Direito  Commercial  (curso  fa- 
cultativo) ;  Estudo  das  Mercadorias  (curso  r^ular) ;  Geo- 
graphia Commercial  (curso  facultativo) ;  Questões  Agrícolas 
e  Industriaes.  —  Occupação  do  Solo.  —  Culturas.  —  Matas. 
—  Propriedade:  Sesmarias,  fazenda,  sitio,  lote.  —  A  Agri- 
cultura, defesa  agrícola.  —  O  café,  o  cacâo,  o  trigo,  etc  — 
Culturas  industriaes.  —  A  borracha  e  a  concurrencia.  —  In- 
dustria nacional. 

Economia  Commercial  —  Pesos  e  medidas.  —  Preços,  os- 
cillações.  —  Mercados.  —  Os  transportes  e  as  tarifas.  —  Via- 
ção, navegação,  estradas,  vehiculos.  —  Methodos  de  compra 
e  venda.  —  Mechanismo  das  valorizações.  —  Crises  commer- 
ciaes.  —  Estudo  especial  do  mercado  do  Rio, 

Historia  Económica  —  Era  de  navegação  fluvial  (As- 
syria,  índia).  —  Era  de  navegação  marítima  em  mares  es- 
treitos. —  Commercio  medieval.  —  Era  de  navegação  oceâ- 
nica. —  O  mundo  portuguez.  > —  Era  industrial.  —  A  Revo- 
lução, as  macliinas.  —  A  organização  capitalista,  a  concen- 
tração, 

ColonisaçÕo  Comparada  —  As  migrações  humanas  livres 
e  forçadas.  —  Regulamentos  comparados.  —  Obras  dos  In- 
glezes  na  índia,  no  Egypto.  —  Politica  Americana,  —  Aus- 
trália. —  Nova  Zelândia.  —  Indo-China.  —  Ai^lia.  —  Argen- 
tina. Leis  federaes  e  estaduaes  no  Brasil.  —  Elementos  eu- 
ropeus :  restricções. 

Geographia  da  Brasil  —  Clim5,tologia  detalhada.  —  Re- 
giões naturaes.  —  Brasil  meridional.  —  Geographia  económica 
e  social, 


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ACTA!  795 

Estudos  das  Mcrccrdorias  e  Organização  da  Secretaria 
da  AyriculUtra — (Conhecimentos  practicos). 

Economia  Nacional — (Vide  acima). 

Economia  Politica — (Vide  acima). 

Direito  Commercial —  (Vide  acima), 

Geographia  Commercial —  (Vide  acima). 

O  Sr.  Conds  dk  Apfonso  Celso  {presidente)  pÕe  a 
votos  a  proposta  apresentada  pelo  Sr.  I°  Secrrtario  Picr- 
PETuo,  quanto  á  creação  da  Eschola,  e  sendo  esta  unanime- 
mente approvada,  noméa  a  seguinte  commissão  para  estudar 
detidamente  o  projecto,  propor  as  alteraçSes  que  se  fizerem 
necessárias  c  elaborar  o  respectivo  regulamento,  composta  dos 
Srs.  Ramiz  Galvão,  Fleiuss,  Epitacio  Pessoa,  Manuel  Cícero, 
Viveiros  de  Castro,  Augusto  Tavares  <ie  Lyra,  Gomes  Ri- 
beiro, Homero  Baptista,  Pinto  da  Rocha  e  Miguel  Calmon. 

O  Sh,  Dr,  Gomes  Riheiro  lê  depois  um  trabalho  de  sua 
lavra  sobre  o  antigo  rio  do  Brasil,  prioridade  do  nome  — 
Brasil  —  nos  mappas  do  século  XVT.  —  O  mappa  de  Jero- 
nymo  Marini  —  do  qua!  o  sr.  dr.  Lauro  Miiller,  digno  mi- 
nistro das  RelaçSes  Exteriores,  offereceu  um  exemplar  em 
fac-simile  ao  Instituto.  Pede  o  sr.  dr.  Gomes  Ribeiro  que 
uma  Commissão  do  Instituto  dê  parecer  sobre  esse  mappa., 

O  Sr.  Conde  de  Affonso  Cei,so  (presidente)  designa 
a  Commissão  de  Gec^aphia,  sendo  relator  o  sr.  Gastão  Ruch. 

Em  seguida  o  sr.  presidente  refere-se  á  honrosa  pre- 
sença, no  Instituto,  de  s.  ex.  revma.  o  sr.  d.  Armando  Babl- 
mann,  bispo  prelado  de  Santarém,  iltustre  ethnolc^,  cujos 
serviços  em  sua  prelazia  são  de  notável  valor  para  o  nosso 
paiz. 

O  mesmo  sr.  PREsrcENTS  agradece  a  presença  dos  sócios, 
convidando-os  para  a  sessão  magna  a  realizar-se  no  dia  21 
ás  21  horas,  e  levanta  a  sesrâo  ás  22  horas. 

Dr.  Sotrro  Maior, 


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79^  REVISTA   DO  ISSTITtTTO  HISTÓRICO 

SKSSÃO    MAGNA    COMMEMORATIVA    DO    SEPTUACESIMO    SF.PTIMO 
ANNIVERSARIO,  EM  21  DE  OUTUBRO  DE  1915 

Presidência  do  sr.  conde  de  Affonso  Celso 

A's  21  horas  abre-se  a  sessão  magna  commemorativa 
do  77*  aiiniversario  da  fundação,  com  a  presença  dos  se- 
guintes sócios:  srs.  conde  de  Affonso  Celso,  dr,  Manuel  Cí- 
cero Peregrino  da  Silva,  barão  Homem  de  Mello,  desem- 
bargador António  Ferreira  de  Sousa  Pitanga,  dr,  Benjamin 
Franklin  Ramiz  Galvão,  Max  Fleiuss,  dr.  Augusto  Olympio 
■\'iveiros  de  Castro,  almirante  Arthur  índio  do  Brasil,  ge- 
neral dr,  Gregório  Thaumaturgo  de  Azevedo,  dr,  António 
Olyntho  dos  Santos  Pires,  dr.  Affonso  Arinos  de  Mello 
Franco,  conde  de  Leopoldina,  dr,  d,  Lucas  Ayrragaray, 
dr.  Miguel  Joaquim  Ribeiro  de  Carvalho,  dr,  Alfredo  Valladão, 
dr,  Alberto  de  Carvalho,  dr.  Souto  Maior,  major  dr,  Líbe- 
rato  Bittencourt,  capitão  de  corveta  Francisco  Radler  de 
Aquino,  dr.  Au  reli  no  Leal,  dr.  Arthur  Pinto  da  Rocha, 
dr,  Nicolau  José  Debbané,  dr.  Hélio  Lobo,  dr,  João  Coelha 
Gomes  Ribeiro,  coronel  Jesuino  da  Silva  Mello,  marechal 
José  Bernardino  Bormann.  dr.  Alfredo  Rocha,  dr.  José  Amé- 
rico dos  Santos,  Eduardo  Marques  Peixoto  e  dr.  António 
de  Barros  Ramalho  Ortigão. 

O  Sr,  Conde  de  Affonso  Celso  {presidente),  pro- 
nuncia o  seguinte  discurso: 

«  Durante  o  anno  decorrido,  desde  a  nossa  última  sessão 
solenne  até  á  actual,  enquanto  na  parte  do  globo  apregoada 
como  depositaria  do  adeantamento,  da  opulência  e  da  cultura, 
os  principaes  Estados,  os  que  viviam  a  incrcpar  as  pertur- 
bações politicas  sul-americanas.  acoimando-as  de  causa  de 
atrazo.  signal  de  inferioridade,  motivo  de  desdém;  enquanto 
taes  nações  policiadas  empregavam  os  recursos  da  força,  os 
artifícios  da  astúcia,  as  energias  do  engenho  em  mutuamente 
se  exterminar;  enquanto  a  preoccupação  do  assalto  e  da  de- 
fesa empolgou  alli  o  pensamento  geral ;  enquanto  prtstinos 
monumentos,  construcções  venerandas  de  áureas  epochas,  de- 
leite, orgulho,  refugio  do  espirito  de  gerações  e  gerações, 
miram   esphacelados   pela   metralha;   enquanto  a   sciencia   e 


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ACTAS  797 

a  industria  eram  postas  a  serviço  quasi  exclusivo  da  des- 
truição; enquanto  aos  olhos  da  Justiça  impotente  se  con- 
culcaram  a  tolerância,  a  lealdade,  a  misericórdia;  enquanto 
nos  núcleos  solarengos  das  artes,  estas  emmudeceram  ao  es- 
trondo das  armas,  e,  soberana  única,  se  impoz  a  voz  da  ar- 
tilharia, intervallada  pelo  choro  de  gemidos  e  imprecações; 
enquanto  prevaleceram  o  ódio,  o  furor,  o  morticínio,  o  Ím- 
peto de  ferir,  de  mutilar,  de  matar,  de  fazer  e  espalhar  o 
mal,  com  ferocíssimo  requinte;  enquanto  os  instinctos  bru- 
taes,  os  appetites  monstruosos,  subrepujaram  os  impulsos 
nobres,  as  elações,  os  voos  que  não  fossem  os  de  apparelhos 
aéreos  convertidos  em  armas  de  combate,  a  desafiarem  nas 
nuvens  os  que,  para  melhor  desfechar  o  golpe  insidioso, 
atacam  nas  entranhas  do  solo,  ou  no  recesso  das  ondas;  en- 
quanto o  mundo  guiador  se  transformou  em  formidável  acam- 
pamento, cujas  trincheiras  e  instrumentos  mortíferos  mal 
dispensam  espaço  aos  túmulos  de  milhões  de  sacrificados  ano- 
nymos;  enquanto  o  sangue  correu  mais  copioso  do  que  a 
tinta  e  as  biWiothecas,  salvas  porventura  do  incêndio,  se 
mudaram  em  casernas  ou  hospitaes;  enquanto  os  povos  afas- 
tados do  conflicto,  mas  também  por  elle  victimados  (que 
directa  ou  indirectamente  o  são  todos)  se  debatem  em  aca- 
brunhadores embaraços  económicos,  financeiros,  sociaes;  en- 
quanto no  Brasil,  indemne,  mercê  de  Deus,  de  tamanhas 
desgraças,  o  decrescímento  da  receita,  a  falta  de  credito,  os 
graves  compromissos,  tantos  temerosos  problemas  assoberbam 
os  menos  pessimistas;  enquanto  atravessamos  uma  hora  si- 
nistra, de  que  os  instantes  se  escoam  como  gottas  sanguejantes 
de  uma  clepsydra  infernal,  uma  dessas  horas  pertencentes,  no 
dizer  do  Redemptor,  á  potestas  tenebrarutn ;  enquanto  todos 
luctam  e  soffrem,  desanimados,  apprehensivos,  em  colapso  a 
esperança;  —  o  nosso  Instituto  também  combalido  pelos  fu- 
nestos acontecimentos  mundiaes;  o  nosso  Instituto,  a  quem, 
como  ao  poeta  clássico,  nada  de  humano  pôde  ser  alheio  ou 
indífferente,  o  nosso  Instituto,  nos  doze  mezes  passados, 
continuou  sem  um  deslize,  uma  pausa,  uma  hesitação,  a  sua 
obra  de  estudo,  de  ensino,  de  modelo,  similhante  a  um  pe- 
queno templo  de  inconcussos  alicerces,  situado  em  plácida 
collina,  no  flanco  da  qual  estourem  vagalhões  do  mar  em 


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790  REVISTA  t>0  INSTITUTO  HISTÓRICO 

fúria,  mas  não  perturbem  nem  interrompam  as  prácticas  do 
culto  tradicional,  da  mesma  forma  que  as  lufadas  da  borrasca, 
uivando  embora  nas  frinchas,  não  vingam  apagar  a  lâmpada 
perenne,  suspensa  ante  o  sacrário,  alimentada  pela  essência 
maravilhosa  da  dedicação. 

A  sua  vida,  nesse  período,  resumem-n'a  estas  palavras: 
exerceu  com  consciência  todos  os  seus  encargos. 

Analc^amente  á  augusta  matrona  romana,  cujo  supremo 
elogio  consistia  no  domum  senmvil,  lanam  fecit  —  não  pra- 
pticou  feitos  extraordinários. 

Mas,  hoje,  na  guerra,  como  na  vida  civil,  rareatli  fa- 
çanhas excepcionaes :  traduz  também  heroismo  a  continua 
firmeza  no  estricto  cumprimento  de  pequenos  deveres  quo- 
tidianos. 

£  de  pequenos  deveres  não  é  licito  qualificar  aquelles 
na  observância  dos  quaes  muito  importam  o  zelo,  o  escrúpulo, 
a  abnegação,'  o  civismo,  a  virtude  em  summa. 

Bastaria  a  ennobrecer  a  nossa  missão  o  empenho  diu- 
turno e  permanente  de  avivar  o  culto  pelas  tradições  pá- 
trias. Renegar,  exquecer  taes  tradições  significa  aviltante 
decadência.  Exfor<;amo-nos  aqui  para  impedi-la,  para  impos- 
sibilita-la no  Brasil. 

Um  estabelecimento,  formado  por  homens  de  variadas 
procedências  e,  ás  vezes,  de  antinomicas  opiniões,  que,  em 
mais  de  trez  quartos  de  século,  se  devota  á  victoria  de  ale- 
vantados  ideaes;  que  criou  e  sustenta  unia  publicação,  por 
si  só  inestimável  bibliotheca  de  dados  valiosíssimos  sobre 
cousas  brasileiras :  que  traz  á  disposição  do  público  um  museu. 
um  archivo,  uma  livraria  magnifica,  já  opulenta  de  milhares 
de  volumes  e  todo  anno  accrescida ;  que,  quando  mister,  aos 
governantes  e  aos  interessados  fornece  informes  e  documentos, 
alhures  inaccessiveis;  que,  entre  muitos  relevantes  congressos, 
promoveu  o  primeiro  de  Historia  nacional,  gerador  de  inves- 
tigações, monographias  c  debates  de  eminente  alcance;  que 
tomou  a  iniciativa  de  commemorar  condignamente  o  pró- 
ximo centenário  da  nossa  separação  da  metrópole,  mediante 
outro  grandioso  congresso,  eloquente  expressão  de  solida- 
riedade continental ;  que  dá  ensinamentos  diários  de  ordem, 
ponctualidãde,  exempção,  methodo,  disciplina,  coragem,  patrio- 


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*CTA8  799 

tismo;  que,  pelas  suas  conferencias  e  seus  cursos,  é  desde 
algum  tempo  uma  eschola  de  altos  estudos  e  está  em  via 
de  organizar  essa  eschola,  segundo  os  mais  aperfeiçoados  pro- 
cessos; um  estabelecimoito  nessas  condições,  foco,  ao  menos^ 
de  operosa  boa  vontade,  com  este  passado,  com  estes  estí- 
mulos, com  estes  intuitos,  com  estes  títulos,  com  estes  ser- 
viços, coiistitue  sem  duvida,  uma  fundação  de  egrégia  utili- 
dade, uma  preciosidade  do  património  público,  um  brazão 
de  ufania,  de  consolo,  de  lustre,  de  gloria  para  o  Brasil. 

Ponderou  uni  pensador  que  a  Pátria  é  um  composto 
de  corpo  e  de  alma.  A  alma  são  as  recordações,  os  usos,  as 
legendai,  as  desgraças,  a  esperança,  os  pezares  conununs; 
o  corpo  é  o  solo,  a  raça,  a  língua,  as  montanhas,  os  rios, 
as  producções  characteristícas . . .  Uma  communhão  de  homens 
que,  tendo  realizado  grandes  cousas  junctas,  querem  junctos 
realizar  outras  ainda. 

E  um  commentador  desta  bella  definição  accrescenfou : 
um  povo  só  é  grande  na  razão  directa  do  sacrifício  que 
tem  feito  á  idéa  de  Pátria,  na  razão  directa  da  certeza  que 
nutra  da  eternidade  delia.  A  razão  da  Pátria  tem  razões, 
que  a  razão  individual  desconhece ;  esta  acconselha  o  egoísmo, 
prescreve  que  nos  emancipemos  da  desgraça  e  do  lucto  pú- 
blicos. O  milagre  da  Pátria  consiste  em  fazer  calar-se  esse 
egoísmo  tacanho,  em  ministrar  ao  cidadão  a  visão  do  pas- 
sado e  a  de  um  futuro  radioso  para  os  seus  filhos.  Eis  por 
que  o  patriotismo  permanece  a  primordial  virtude  do  homem 
civilizado. 

Os  citados  conceitos  dos  dous  escríptores  synthetizam 
e  manifestam  o  programma  adoptado  pelo  Instituto  e  inin- 
terruptamente seguido  desde  o  seu  início,  vai  para  dezeseís 
lustros,  até  agora. 

Occupa-se  elle  carinhosamente,  como  sempre  se  ha  oc- 
cupado,  com  o  corpo  e  a  alma  da  Pátria,  com  a  sua  situação 
no  espaço  e  o  seu  desenvolvimento  no  tempo,  lidando  por 
infundir  e  intensar  no  coração  do  povo  os  mais  significantes 
sentimentos,  os  mais  puros  objectivos. 

O  que,  no  ultimo  anno,  nesse  sentido  effectuánios  vai 
minuciosamente  relatar-vos  o  nosso  prestantissimo  secretario 
perpetuo;  e,  em  seguida,  o  nosso  preclaro  orador  aureolará, 


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buo  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

com  OS  clarões  arrebatadores  da  sua  eloquência,  a  memoria 
dos  companheiros  caldos  na  jornada. 

A  mim,  como  o  operário  mais  responsável  i>elo  regular 
funccionamento  desta  officina  de  labor,  perseverança  e  ani- 
mação, a  mim,  o  mais  favorecido  pela  magnânima  confiança 
de  meus  pares,  cabe  apenas  a  honra  e  o  jubilo  de,  agrade- 
cendo o  comparecimento  de  tão  fina  assistência,  declarar 
encetados  os  trabalhos  de  hoje.»  {Grandes  applausos.) 

Em  seguida  o  Sr.  Max  Fleiuss  {i'secretario  perpetuo) 
lè  o  s^uinte  relatório: 

Sr.  presidente  —  Meus  eminentes  coUegas : 

Ao  celebrar-se  o  septuagesimo  anniversario  desta  bene- 
mérita companhia,  disse,  da  cadeira  da  presidência,  o  im- 
mortal  Kío  Branco: 

«  Podemos  volver  olhos  satisfeitos  para  o  caminho  per* 
lustrado  pelo  Instituto  e,  sem  immodestia,  ter  certa  ufania 
dos  resultados  até  hoje  obtidos,  porque  o  foram  principal- 
mente pela  iniciativa  e  pelo  perseverante  labor  dos  nossos 
íllustre  predecessores,  que  apenas  procuramos  imitar». 

E'  o  sentimento  que  noã  domina,  pois  o  Instituto  tem 
pros^uido  com  imperturbável  firmeza  em  suas  uteís  e  nobres 
tarefas,  satisfazendo  de  modo  integral  aos  fins  que  lhe  di- 
ctaram  a  fundação. 

O  anno  que  hoje  termina — o  septuagesimo  septimo  — 
não  destoou  dos  anteriores  nos  salutares  exemplos  do  tra- 
balho e  de  dedicação  pela  causa  da  Historia  Nacional . 

Felizmente,  agora  não  ha  quem  não  considere  o  Insti- 
tuto 3  associação  culminante  de  nossa  Pátria.  Nenhuma  outra, 
com  effeito,  conta  maior  acervo  de  serviços.  Não  tem  sido 
em  sua  longa  existência  um  simples  centro  de  agradáveis 
reuniões,  mas  uma  officina  activa,  em  que  se  investiga  o 
nosso  passado,  cujas  characteristícas  foram,  como  observou 
Rio  Branco — «valor  e  lealdade,  c  um  povo  que  mostra 
em  profusão  na  sua  Historia  exemplos  de  taes  virtudes  bem 
pôde  merecer  confiança  nos  momentos  difficeis  de  suas 
crises  internas  ou  internacionaes  >. 

E,  buscando  honrar  esse  passado,  o  Instituto  não  deixou 
nunca  de  trabalhar,  dando  cada  vez  mais  uma  feição  effi- 
dente  aos  seus  exforços. 


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ACTAS  Boi 

Examine-se,  para  corroborar  o  que  fica  dicto,  o  anno 
transcorrido  de  21  de  Outubro  de  1914  ao  dia  de  hoje. 

Veremos  os  cursos  realizados  pelos  drs.  Aurelino  Leal, 
sobre  «Historia  Constituicijonal|»;  Pinto  da  Rocha,  sobre 
«  Historia  Diplomática  » ;  Viveiros  de  Castro,  sobre  <  His- 
toria Tributaria  > ;  Ramalho  Ortigão,  sobre  <  Historia  Fi- 
nanceira > ;  Araújo  Vianna,  sobre  c  Artes  plásticas  no  Brasil  ». 

A  simples  enunciação  dos  nomes  desses  conferencistas 
exclue  a  necessidade  de  accrescentar  terem  sido  taes  cursos 
uma  série  notável  de  notáveis  licções,  todas  sanccionadas  pelo 
applauso  de  quantos  —  e  não  foram  poucos  —  puderam  fruir 
o  prazer  de  ouvi-las. 

Além  dessas  prelecções,  a  conferencia  do  dr.  José  Vieira 
Fazenda  sobre  o  local  em  que  foram  lançados  os  primeiros 
fundamentos  desta  Capital,  pagina  de  erudição  e  de  ver- 
dade, em  que  se  reflectem  os  primorosos  predicados  intel- 
lectuaes  do  prestantissimo  e  illustrado  bibliothecario  do  Insti- 
tuto; a  do  dr.  Nicolau  José  Debbané,  dando-nos  aspectos 
novos  de  d.  Pedro  II  em  sua  viagem  ao  Egypto  e  na  qual 
mais  luna  vez  a  figura  sem  par  do  excelso  principe  surgiu, 
aos  nossos  olhos,  com  aquella  grandeza  patriótica  que  se 
impõe  a  unanimes  homenagens;  a  do  dr.  Souto  Maior,  sobre 
as  fructuosas  pesquisas  que  fez  nos  arcbivos  da  Hispanha, 

Não  nos  exqueçamos  da  collocação  do  marco  commemo- 
rativo  da  fundação  da  cidade  do  Rio  de  Janeiro',  nem  da 
entrega  do  archivo  do  general  Osório,  feita  pelo  digno  neto 
do  valoroso  Herval,  dr.  Joaquim  Luiz  Osório,  e  confirmada 
pela  veneranda  filha  do  heróe.  Em  breve  serão  abertos  os 
caixões  que  encerram  os  preciosos  documentos,  que,  classi- 
ficados e  estudados,  apparecerão  na  «Revista»  do  Instituto. 

A  nomeação  da  Commissão  Geral  Executiva  do  Con- 
gresso Internacional  de  Historia  da  America,  ídéa  que  levan- 
támos no  Primeiro  Congresso  de  Historia  Nacional  e  rati- 
ficada pelo  Instituto  Histórico,  foi  um  acto  feliz  do  nosso 
presidente,  o  muito  illustre  prezado  sr.  conde  de  Affonso 
Celso.  A  Commissão  Executiva  tem  praparadas  as  theses 
da  secção  de  Historia  Geral  do  Brasil,  as  quaes  servirão 
de  norma  aos  trabalhos  congéneres  em  todos  os  Estados  da 
America. 


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8oa  RKVI9TA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Cumpre  assignalar  o  interesse  que  tem  despertado  a  lem- 
brança desse  Congresso,  que  commemorará  de  modo  verda- 
deiramente aproveitável  o  primeiro  centenário  da  nossa  Inde- 
pendência . 

Não  só  obtivemos  de  prompto  o  apoio  do  Governo,  não 
só  as  sessões  preparatórias  da  Commissão  Executiva  se  têm 
revestido  de  grande  brilhantismo,  como  nos  chegam  dos  Es- 
tados Unidos  da  America  do  Norte  constantes  applausos, 
considerada  a  tentativa  como  o  mais  feliz  passo  para  a  soli- 
dariedade americana,  segundo  as  expressões  do  presidente 
da  Universidade  da  Columbia. 

—  Passemos  agora  aos  trabalhos  das  sessões,  que  foram 
em  numero  de  oito  —  septe  ordinárias  e  uma  extraordinária. 

A  primeira  realizou-se  a  20  de  Abril.  Delia  os  factos  mais 
importantes  foram  a  homenagem  prestada  ál  memoria  de 
Rio  Branco,  a  designação  de  uma  commissão  para  felicitar 
o  glorioso  coronel  Rondon,  o  annúncio  do  próximo  appare- 
clmento  do  primeiro  volume  dos  « Annaes  do  Congresso  de 
Historia  Nacional »,  o  voto  de  reconhecimento  ao  illustrc 
sr,  dr.  Urbano  Santos  e  ao  professor  Basilio  de  Magalhães, 
pelo  muito  que  fizeram  em  prol  do  tomo  especial  da  «  Re- 
vista >,  a  of ferta  do  saudoso  consócio  Luiz  Rodolfo  Ca- 
valcanti de  Albuquerque,  que  presenteou  o  Instituto  com  a 
sua  bibliotheca,  em  que  ha  exemplares  de  subido  valor,  a 
proposta,  nossa  e  do  distincto  companheiro  sr.  dr.  Roquette 
Pinto,  para  que  ao  eminente  consócio  sr.  dr.  Pedro  Lessa 
incumbisse  o  Instituto  de  escrever  uma  memoria  sobre  a 
individualidade  de  Francisco  Adolfo  de  Varnhagem  (vis- 
conde de  Porto  Seguro);  o  nosso  historiador  magno,  afim 
de  ser  condignaipente  celebrada  em  sessão  especial  a  data 
centenária  do  seu  nascimento,  Acceitando  o  convite  do  Insti- 
tuto, o  sr.  dr.  Pedro  Lessa  dedica-se  áquelle  elevado  encargo 
com  o  maior  empenho  e,  por  certo,  no  dia  17  de  Fevereiro 
de  1916,  em  que  nos  lerá  o  novo  fructo  do  seu  privilegiada 
saber,  receberá  o  illustrado  publicista  todas  as  demonstrações 
de  apreço. 

Houve,  além  disso,  na  i'  sessão,  a  posse  do  sr.  dr.  João 
Ribeiro  como  sócio  effectivo,    O  que  foi  o  seu  discurso, 


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ACTAS  803 

(lisse-o,  em  admirável  sj'nthese,  o  Jornal  do  Commercto,  con- 
siderando-o  um  modelo  de  erudição,  ironia  e  senso  critico, 

A  João  Ribeiro  nos  prende  estima  de  mais  de  vinte  annos ; 
iniciamo-la  no  inexquecivel  periodo  da  Semana,  cujas  co- 
lumnas  recolheram  bellissímos  fructos  do  seu  espirito. 

Na  phase  actual,  o  commentador  da  carta  de  Pêro  Yaz 
de  Caminha  é,  sem  contestação,  uma  das  figuras  mais  rele- 
vantes, entre  as  que  mais  o  forem,  das  nossas  lettras  históricas. 

Na  segunda  sessão,  de  31  de  Maio,  tomou  posse  o  sócio 
correspondente  sr.  dr,  Nicolau  José  Debbané,  agente  diplo- 
mático do  Brasil  no  Egypto. 

Homem  profundamente  illustrado,  conseguiu  com  o  seu 
discurso  de  apresentação  agradar  a  todos,  principalmente  pelas 
homenagens  que  com  tanta  justiça  tributou  a  d.   Pedro  II. 

Nessa  mesma  sessão  tivemos  ensejo  de  propor  que  uma 
commissão  do  Instituto  felicitasse  o  sr,  dr.  Lauro  Muller, 
digno  ministro  das  Relações  Exteriores,  pela  viagem  que  com 
tanto  êxito  fizera  ao  Uruguai,  á  Argentina  e  ao  Chile. 

Na  sessão  de  2H  de  Junho,  a  terceira,  votou-se  a  admissão, 
como  sócios  effectivos,  dos  drs.  António  Fernandes  Figueira, 
Arthur  Pinto  da  Rocha,  Alfredo  Pinto  Vieira  de  Mello,  Au- 
relino  de  Araújo  Leal  e  António  de  Barros  Ramalho  Ortigão, 
e  como  correspondente  a  do  dr.   Alberto  Lamego. 

E'  dispensável  encarecer  o  valor  desses  nomes  tão  aca- 
tados, mas  o  que  nos  cumpre  salientar  é  a  circunstancia  de 
haverem  sido  admittidos  —  os  cinco  primeiros  —  em  virtude 
de  trabalhos  especialmente  escriptos  para  o  Instituto.  Assim, 
o  dr.  Fernandes  Figueira  elaborou  a  monographia  sobre  o 
«  Padre  -António  Vieira »,  inserta  no  primeiro  volume  dos 
«  Annaes  do  Congresso  de  Historia»;  o  dr.  Pinto  da  Rocha 
explanou  a  these  sobre  a  «  Politica  brasileira  no  Prata  até  á 
guerra  contra  Rosas»;  o  dr.  Alfredo  Pinto  fez  o  «Estudo 
histórico  do  Poder  Judiciário»;  o  dr.  Aurelino  Leal  oc- 
cupou-se  do  <  Acto  Addicional.  Reacção  Conservadora,  Ber- 
nardo de  Vasconcelios,  o  Ministério  das  Nove  Horas»;  o 
sr.  Ramalho  Ortigão  apresentou  a  monographia  sobre  a 
«Moeda  circulante  do  Brasil». 

Quanto  ao  dr.  Alberto  Lamego  basta  citar  o  seu  tra- 
balho: «A  Terra  Goytacá». 

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804  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

A  quarU  sessão  realizou-se  &  31  de  Julho,  com  a  posse 
do  sr.  dr.  Arthur  Pinto  da  Rocha,  cujo  discurso  é  uma 
bella  pagina  de  historia  litteraria,  patenteando  os  vastos  co- 
nhecimentos do  seu  auctor,  indiscutivelmente  um  dos  tnais 
fortes  espíritos  da  nossa  epocha. 

Nessa  sessão  demos  conta  da  offerta  feita  por  inter- 
médio do  nosso  respeitado  3°  vice-presidente,  o  sr,  desem- 
bargador Sousa  Pitanga,  do  esboço,  obra  do  seu  digno  filho, 
do  busto  do  lembrado  consócio  Lima  Drummond. 

Votámos  também  a  admissão,  como  sócio  honorário,  do 
illustrado  sr.  dr.  Urbano  Santos  da  Costa  Araújo,  digno 
vice-presidente  da  Republica  e  que  se  tem  salientado  mais 
de  uma  vez  pela  dedicação  a  este  grémio. 

A  quinta  sessão  foi  a  28  de  Agosto.  Abrilhantarara-n'3 
a  posse  dos  srs.  drs.  Aurelino  Leal  e  Eugénio  Egas,  a  offerta 
de  alguns  retratos  das  príncipaes  figuras  da  Politica  européa, 
trazidos  pelo  sr.  dr.  Miguel  Calmon  e  a  proposta  do  sr. 
dr.  Roquette  Pinto  para  que  o  sr,  presidente  do  Instituto 
nomeasse  uma  commissão  com  o  fim  de  tractar  da  elaboração 
d^  um  Diccionario  histórico,  geographico  è  ethnographico  do 
Brasil,  idéa  magnifica  que,  com  certeza,  fructificará. 

O  discurso  do  sr,  Aurelino  Leal  exprime  nitidamente 
a  nobreza  do  seu  character  e  a  elevação  do  seu  espirito.  O 
dr.  Aurelino  Leal  é  uma  das  personalidades  que  immediata- 
mente  se  impõem  pelo  talento,  pelo  amor  ao  estudo,  pelo 
critério.  O  Instituto  muito  deve  delle  esperar, 

O  discurso  do  sr.  dr.  Eugénio  Egas  teve  também  os 
applausos  que  merecia,  tanto  mais  quanto  se  tractava  de  um 
delicado  cultor  das  lettras  históricas. 

A  15  de  Septembro  realizou-se  a  sessão  extraordinária, 
tomando  posse  o  sr.  dr,  Miguel  Calmon  du  Pin  e  Almeida. 
O  nome  tle  Miguel  Calmon  já  era  caro  ao  Instituto,  pois  que 
a  elle  pertencia  desde  18  de  Maio  de  1839,  quando  foi  eleito 
sócio,  o  insigne  Brasileiro  mais  tarde  agraciado  com  o  titulo 
de  marquez  de  Abrantes, 

A  investidura,  pois,  do  sr.  dr,  Miguel  Calmon  te\'c  o 
character  de  uma  rememoração,  vendo  todos  nós  reproduzidas 
no  joven  estadista  as  notáveis  qualidades  do  seu  inolvidável 
antepassado.  E  o  seu  discurso  não  foi  somente  uraa  peça  de 


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ACTAS  805 

apreciado   valor   litterario,   mas   verdadeiro   programma   na- 
cional de  largo  descortino,  digno  de  ser  meditado. 

O  sr,  Miguel  Calmon  é  um  trabalhador.  O  nosso  emi- 
nente orador  chaniou-lhe  com  inteira  propriedade  —  «  pre- 
claro batalhador  dos  bons  combates», 

A  sexta  sessão  effectiiou-se  a  29  de  Septembro  com  à 
posse  dos  srs.  dr.  António  Fernandes  Figueira,  marechal 
José  Bernardino  Bormann  e  António  de  Barros  Ramalho 
Ortigão. 

Ainda  se  não  apagou  a  impressão  dos  discursos  que  pro- 
feriram e  aos  quaes,  com  justiça,  o  Instituto  não  regateou 
applausos.; 

O  sr.  Ramiz  Galvão,  em  sua  feliz  resposta,  disse  que 
—  «o  escalpello,  a  espada  e  a  penna  aqui  se  enlaçavam  na- 
quelle  dia  para  gloria  nossa  e  a  bem  da  Historia  da  pátria». 

Ainda  nessa  sessão  offerecemos,  com  applauso  unanime 
da  assembléa,  as  medalhas  de  ouro  do  Primeiro  Congresso 
de  Historia  Nacional  aos  srs.  conde  de  Afíonso  Celso  e 
dr.  Ramiz  Galvão.  Era  um  direito  que  lhes  assistia,  mas  a 
que  o  Instituto  entendeu  accrescentar  uma  homenagem. 

Estes  dous  nomes  —  Affonso  Celso  e  Ramiz  Galvão  — 
synthetizam  as  duas  primaciaes  figuras  da  nossa  companhia, 
merecendo  de  todos  nós  a  maior  admiração,  o  maior  carinho, 
o  mais  devotado  reconhecimento.  Não  ha,  nesta  casa,  si  ex- 
ceptuarmos d.  Pedro  11,  quem  os  haja  excedido  na  bene- 
merência dos  serviços. 

A  septima  e  ultima  sessão  celebrou-se  ha  dias,  a  12  do 
corrente,  votando-se  a  admissão  —  como  sócio  ef f ectivo  — 
do  sr.  dr.  Juliano  Moreira  e,  como  correspondentes,  dos 
srs,  dr.  Annibal  Velloso  Rebello,  d.  Juan  Biedma  e  Cervaens 
y  Rodriguez.  O  dr.  Comes  Ribeiro  leu  também  um  trabalho 
sobre  o  mappa  de  Marini,  adquirido  pelo  illustre  dr.  Lauro 
Miiller,  nosso  emérito  consócio. 

Nessa  mesma  sessão  propuzemos  uma  homena{ 
Jornal  do  Commercio,  que  tanto  nos  tem  auxiliado 
seu  apoio  material  e  moral,  e  a  creação  da  Eschola  d 
Estudos,  corollario  dos  magnificos  cursos  com  tão  fel 
realizados  no  Instituto. 


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806  REVI3TA  DO  INSTITUTO  B13T0R1C0 

Ninguém  ousará  negar  que  as  prelecções  de  Alberto 
Rangel,  Basílio  de  Magalhães,  Aurelino  Leal,  Pinto  da  Rocha, 
Viveiros  de  Castro,  Ramalho  Ortigão  e  Araújo  Vianna  con- 
stituem beneméritos  exforços  cm  prol  do  estabelecimento 
dessa  eschola,  que  virá  a  ser  novo  laurel  para  o  Instituto. 

E  sejã-nos  licito  fazer  uma  referencia  ao  curso  do  sr. 
dr.  Araújo  Vianna,  único  dos  preleccionistas  que  ainda  não 
faz  parte  do  nosso  quadro  social. 

E',  como  o  do  sr.  dr.  Miguel  Calmon,  um  nome  que 
recorda  um  dos  maiores  beneméritos  do  Instituto — o  mar- 
quez  de  Sapucahi  —  Cândido  José  de  Araújo  Vianna,  que 
presidiu  effectivamente  ao  Instituto,  de  12  de  Agosto  de 
1847  a  23  de  Janeiro  de  1875,  tendo  antes,  por  vezes,  exer- 
cido interinamente  a  presidência. 

lUustrado,  meticuloso  investigador,  sentindo  com  alma 
de  artista,  o  dr.  Araújo  Vianna  será  em  nosso  grémio  o 
successor  de  Manuel  de  Araújo  Porto  Alegre. 

—  Examinemos  agora  outros  pontos,  de  que  se  não  pôde 
eximir  este  relatório. 

A  nossa  c  Revista »,  que  r^tlarmente  apparece  desde 
1S39,  está  em  dia. 

Dentro  em  pouco  distribuiremos  as  duas  partes  do  tomo 
']'j,  encerrando  trabalhos  de  Tavares  de  Lyra,  Basilio  de  Ma- 
galhães, Vieira  Fazenda.  Manuel  Barata,  Aurelino  Leal,  Se- 
bastião Galrào,  Figueira  de  Mello,  Branner,  visconde  de  Tau- 
nay.  Pinto  da  Rocha,  Araújo  Jorge,  J.  Lúcio  de  Azevedo, 
Affonso  Taunay  e  Teschauer. 

As  reimpressões  também  estão  adeantadas. 

E  fallando  na  <  Revista  >  manda  a  justiça  registar  o  ex- 
tremado cavalheirismo  do  distincto  director  geral  da  Im- 
prensa Nacional,  dr.  Castello  Branco,  que  nos  tem  auxiliado 
efficazmente  para  a  regularidade  da  publicação,  agradeci- 
mento que  se  deve  tornar  extensivo  aos  dignos  operários  da- 
quelle  estabelecimento. 

A  «  Revista »  do  Instituto,  tão  superiormente  dirigida 
pelo  sr,  Ramiz  Galvão,  tem  tido  a  maior  divulgação  entre 
iis  bibliothccas  nacionaes  c  extrangciras,  principalmente  ame- 
ricanas. Correspondemo-nos  assiduamente  com  quasi  todos 
os  centros  bibliographicos  da  America. 


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ACTAS  807 

Estamos  agora  organizando,  com  a  excellente  collabo- 
ração  do  estimado  consócio  dr.  Pinto  da  Rocha,  um  novo 
Índice  da  c  Revista  *  até  o  tomo  77.  Seria  de  grande  alcance 
alterar  a  designação,  que  nada  adeanta,  de  parte  1'  e  2*, 
dando  a  cada  volume  um  numero  especial. 

Essa  medida  consultaria  de  perto  as  necessidades  das 
pesquisas . 

—  A  nossa  opulenta  bibliotheca  accrescida  de  acquisições 
que  fizemos  e  de  offertas  valiosas  como  as  do  sempre  lem- 
brado consócio  sr.  Luiz  Rodolfo,  da  veneranda  viscondessa 
de  Ouro  Preto,  do  nosso  egrégio  presidente,  do  digno  consócio 
sr.  André  Wernek  e  do  illustre  sr.  ministro  argentino,  nosso 
distincto  consócio,  teve  maior  frequência  do  que  nos  annos 
anteriores,  funccionando  diariamente  a  sala  pública  de  leitura, 
sob  a  direcção  do  sr.  dr.  José  Vieira  Fazenda,  cujos  ser- 
viços ao  Instituto  são  excepcionalmente  relevantes. 

De  facto,  o  sr.  dr.  Vieira  Fazenda  é  considerado  um 
património  do  Instituto,  recebendo  de  todos  o  preito  rigoro- 
samente devido  ao  seu  immenso  saber  e  absoluta  lealdade. 

—  Por  enfermidade  do  provecto  consócio  sr.  professor 
Basílio  de  Magalhães  não  pode  ter  maior  andamento  a  re- 
modelação do  nosso  archivo.  Restabelecido,  porém,  mercê 
de  Deus,  aquelle  proficiente  companheiro  volverá  ao  nosso 
convívio,  trazendo-nos  o  concurso  da  sua  real  competência  e 
notável  aptidão  para  trabalhos  dessa  natureza. 

—  Insistimos  na  idéa  de  fazer  traduzir  as  mais  impor- 
tantes obras  de  Carlos  Frederico  Philippe  von  Martins  e  folgo 
em  communicar  que  a  tentativa  parece  estar  em  vésperas  de 
realização. 

A  traducção  dos  trabalhos  do  grande  Martius  não  é  so- 
mente uma  necessidade  para  os  estudiosos  da  Historia  pátria, 
será  um  acto  de  justiça  nacional  e  que  exige  immediato  cum- 
primento . 

—  A  nossa  vida  económica  desenvolve-se  nos  limites  de 
acanhados  recursos  e  da  subvenção  que,  auctorizada  pelo  Con- 
gresso Nacional,  nos  concede  o  riovêmo,  e  da  qual  sempre 
nos  primeiros  dias  de  Janeiro  de  cada  anno  prestamos  mi- 
nuciosas contas  ao  Ministério  do  Interior,  accompanhando-as 
de  todos  os  documentos. 


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8o8  REVISTA  DO  INSTITUTO   HISTÓRICO 

Convém  assignalar  que  á  subvenção  por  parte  do  Con- 
gresso teve  o  seu  inicio  em  1839,  quando  regente  Pedro  de 
Araújo  Lima,  depois  marquez  de  Olinda,  e  ministro  do  Im- 
pério—  Bernardo  Pereira  de  Vasconcellos . 

E  não  se  pôde  dizer  sobre  este  capitulo,  deixando  em 
olvido  o  nome  do  nosso  prestimoso  thesoureiro,  o  commen- 
dador  Arthur  Guimarães,  digno  em  tudo  da  nossa  estima  e 
dos  constantes  elogios  que  lhe  faz  a  Commissão  de  Fundos 
e' Orçamento.  Não  deixaremos  também  de  assignalar  quanto, 
neste  particular,  devemos  aos  srs.  drs,  Homero  Baptista, 
António  Carlos,  Félix  Pacheco,  José  Bonifácio,  Tavares  de 
Lyra  e  João  Luiz  Alves, 

—  Si  no  anno  tivemos  ,a  ventura  de  receber  novos  col- 
laboradores,  que  accolhemos  com  verdadeira  alaria,  peza-nos 
dizer  que  a  morte  nos  arrebatou  o  barão  de  Paranapiacaba, 
d.  Norberto  Quirno  Costa,  d.  Gonçalo  de  Quesada,  Luiz 
Rodolfo  Cavalcanti  de  Albuquerque,  Alfredo  Maia  e  Vicente 
Ferrer  de  Barros  Wanderley  Aratijo. 

Sobre  estes  ouviremos  daqui  a  instantes  a  palavra  ma- 
gistral do  nosso  orador. 

—  Senhores,  Ha  dias  um  dos  nossos  maiores  homens 
de  lettras  referiu-se  ao  desanimo  que  parece  avassallar  todas 
as  almas. 

O  Instituto  Histórico  e  Gei^raphico  Brasileiro  é  disso 
uma  triumphante  excepção. 

Aqui,  nesta  casa,  ha  77  annos.  Brasileiros  de  maior  ou 
menor  valor,  mas  todos  ernianados  pelo  mesmo  sentimento 
civico,  trabalham,  promovem  o  culto  do  nosso  passado,  bus- 
cam diffundir  as  exemplares  licções  que  herdamos  e  que  de- 
vemos imitar. 

Rio  Branco  disse  no  recinto  do  Instituto: 

«  Somos  da  raça  dos  descobridores,  não  destruidores,  dos 
que  ensinaram  os  caminhos  marítimos  para  as  terras  desco- 
nhecidas e  não  semearam  nessas  terras  o  ódio  á  civilização 
européa,  mal  representada  por  ferozes  conquistadores.  De  um 
povo  corajoso  e  bom  tudo  se  pôde  esperar  em  grandeza  hu- 
mana, contanto  que  se  mantenha  nelle  a  tradição  do  respeito 
aos  nobres  exemplos  do  seu  passado,  assim  como  a  do  culto 
do  Direito  e  da  disciplina  cívica». 


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E'  a  missão  do  Instituto,  missão  que  elle  tem  cumprido 
sem  desfallecimentos  e  que  saberá  cumprir  sempre  com  animo 
varonil , 

Orgulhemo-nos  do  nosso  Instituto,  como  nos  devemos 
orgulhar  do  nosso  paiz  1 

Temos  concluído».  (O  reiaiorio  do  sr.  secretario  per- 
petuo é  muito  applaudido.) 

O  Sr.  Conde  de  Affonso  Celso  (presidente)  dá  logo 
depois  a  palavra  ao  orador  do  Instituto,  Sb.  Db.  Benjamin 
Franklin  Ramiz  Galvão,  que  pronuncia  este  dircurso: 

cSr.  representante  do  exmo.  Presidente  da  Republica 
—  Sr.  presidente  e  illustrados  consócios  —  Minhas  senhoras 
e  senhores. 

Como  soldado  fiel  á  disciplina  e  ás  vozes  de  commando 
aqui  estou,  ainda  uma  vez  nesta  tribuna,  que  tantos  patrícios 
illustres  honraram,  e  a  cujo  brilho  tradicional  já  de  certo  não 
(corresponde  a  palavra  desataviada  de  um  cansado  traba- 
lhador, que  está  perto  de  celebrar  as  suas  bodas  de  ouro 
com  o  Instituto. 

Para  obedecer-vos,  entretanto,  buscarei  inspirar-me  nos 
grandes  modelos,  em  Porto  Alegre,  Macedo,  Taunay  e  Joa- 
quim Nabuco,  que  por  aqui  passaram  deixando  uma  esteira 
inapagavel  de  luz;  pedirei  também  á  Providencia  que  me 
fortaleça  com  o  reflexo  desse  astro  scintillante,  talento  de 
escol,  coração  adamantino,  character  puríssimo  e  sem  jaca, 
que  ora  preside  aos  nossos  trabalhos,  depois  de  haver  sido 
por  alguns  annos  o  verbo  eloquente  da  nossa  companhia,  o 
interprete  ardoroso  e  facundo  do  pensar  e  do  sentir  do  In- 
stituto.  (Applausos.) 

Só  assim  poderei  talvez  corresponder,  senhores,  á  má- 
xima gentileza,  com  que  ha  dous  annos  vos  dignastes  repetir 
a  honra  suprema  de  um  mandato,  que  o  vosso  obscuro  collega 
estava  longe  de  merecer.  Ordenastes,  porém,  e  elle  aqui  esta 
na  linha  de  batalha,  emboccando  o  clarim  da  Fama  e  dos  ap- 
plausos da  Posteridade  para  celebrar  o  nome  dos  ermãos  e 
dignos  companheiros,  que  a  morte  implacável  arrebatou  ás 
nossas  fileiras  gloriosas.  EHe  aqui  está,  sem  a  voz  potente  dos 
mestres,  mas  inflammado  desse  ardor  que  os  annos  não 
extinguem,  porque  o  coração  do  patriota,  o  coração  do  en- 


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8lO  RBVieTA  BO  INSTITUTO  HISTOMCO 

thusiasta  do  Bím  e  do  Bello  resiste  contumaz  e  heróico  ao 
desfallecimento  da  fibra  muscular,  á  calcificaqão  das  artçrias, 
ás  desiliusões  e  tristezas  do  occaso  da  vida. 

Macedo,  meu  saudoso  mestre,  aqui  uma  vez,  com  aquelle 
encanto  da  palavra,  que  lhe  era  peculiar  e  que  lhe  saía  dos 
lábios  doce,  como  o  doce  mel  do  Hymeto,  Macedo  disse 
aqui  uma  vez  esta  verdade : 

<  Ha  sepulturas  distinctas,  sobre  cada  uma  das  quaes  se 
levanta  frondosa  uma  arvore  sempre  coberta  de  flores  e 
sempre  cheia  de  fructos.  Essa  arvore  chama-se  a  memoria 
do  bem ;  cada  f lõr  é  o  emblema  de  uma  acção  generosa ;  cada 
fructo  um  exemplo  de  sabedoria  ou  de  virtude  deixado  ao 
mundo.  A'  sombra  dessa  arvore  descançam  os  que  souberam 
ser  beneméritos  e  os  que  foram  bon5>. 

Visitando-a  hoje,  illustres  confrades,  encontraremos 
muito  accrescida  a  opulenta  ramagem  dessa  arvore  symbolica, 
e  também  multiplicadas  as  lousas  que  alvejam  á  sua  sombn 
amiga  e  serena. 

Decifremos  algims  dos  epitaphios  recentes.  E'  obra  de 
gratidão  e  de  amor  devida  aos  nossos  companheiros,  que  deste 
mundo  se  partiram,  chamados  para  aquella  luz  eterna  da 
Posteridade,  a  cujo  clarão  teremos  todos  de  prestar  conta 
do  trabalho  que  nos  foi  commettido  pela  Providencia  nesta 
arena  fugaz  de  iuctas,  illusões,  anhelos,  e  esperanças. 

E'  obra  de  gratidão  e  de  amor ;  de  gratidão,  porque  todos 
na  orbita  de  suas  forças  illustraram  esta  companhia ;  de  amor, 
porque  a  nossa  fraternidade  não  tem  sombras.  A'  porta  deste 
templo  sagrado  os  sacerdotes  da  Historia  depõem  as  dissen- 
ções  politicas,  as  paixões  e  o  odÍo  para  se  alistarem,  em  um 
só  corpo  e  em  uma  só  phalange,  á  sombra  de  uma  só  ban- 
deira: a  Verdade,  deusa  soberana  do  nosso  culto. 

Cumpramos,  pois,  a  ceremonia  do  rito,  lembrando  vidas 
preciosas  que  se  dignificaram  no  estudo  e  no  amor  da  Pátria; 
uns  —  extrangeiros  illustres.  que  na  esphera  de  sua  activi- 
dade bem  mereceram  das  lettras  americanas;  outros  —  pa- 
tricios  queridos  e  inexqueciveis,  que  honraram  o  nome  brasi- 
leiro e  a  brava  legião  do  Instituto, 

Pagámos  este  anno,  como  sempre,  oneroso  tributo  á 
morte.  Mas  si  esta,  inexorável  e  pertinaz,  proseguiu  na  sua 


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ACTAS  8l  I 

faina  de  anniquillamento,  contesteraos-lhe  ao  menos  o  direito 
de  apagar  da  nossa  memoria  os  grandes  obreiros  do  Bem.;  E' 
funcção  soberana  da  Historia :  rememorar  e  celebrar  as 
glorias  do  passado,  para  estimulo  do  presente  e  IJcção  do 
futuro. 

—  D.  Gonçalo  de  Quesada,  nascido  em  Cuba  —  essa 
bella  jóia  americana  que  por  tão  largos  annos  viveu  adstncta 
á  condição  subalterna  de  colónia  hispanhola,  foi,  além  de 
espirito  cultíssimo,  um  ardoroso  patriota  liberal. 

E'  dos  nossos  dias,  é  de  hontem  aquelle  movimento  de 
revolta  que  incendiou  a  alma  dos  Cubanos,  anctosos  pela  sua 
independência,  e  todos  nos  lembramos  da  feliz  intervenção 
dos  Estados  Unidos  em  favor  dessa  idéa  generosa,  que  logrou 
cxito  feliz  e  completo. 

.  Quesada  havia  sido  um  dos  eminentes  propE^ndistas 
da  autonomia  da  pátria,  e  com  formoso  talento  se  batera  por 
esse  ideal,  profligando  com  vehemencia,  e  ás  vezes  quiçá  com 
dureza  apaixonada,  os  vexames  do  dominio  hispanhol. 

Respiram  esse  patriótico  sentimento  seus  bellos  livros: 
€  Mi  primera  of  renda  ai  patriotismo  »,  «  Ignacio  Mira  >  e  a 
«Historia  de  Cuba  Livre»,  que  foi  publicada  em  inglez.  Ha 
particularmente  neste  ultimo  livro  bellissimas  p^nas  de- 
dicadas ás  notáveis  personalidades  de  Máximo  e  António 
Maceo,  de  Simpson  c  Dewey.  Era  um  apostolo  da  liberdade, 
e  no  entranhado  amor  ao  torrão  natal  pôde  ser  posto  em 
parallelo  aos  mais  distinctos  filhos  do  nosso  continente. 

CommJssario  de  Cuba  na  Exposição  de  Paris,  em  1900, 
depois  encarregado  de  negócios  de  sua  pátria  em  Washin- 
gton, e  mais  tarde  delegado  ao  Congresso  Pan  Americano, 
que  tivemos  a  fortuna  de  celebrar  nesta  Capital,  Quesada  deu 
sempre  conta  brilhante  das  missões,  que  o  governo  cubano 
confiara  ao  seu  bello  talento, 

O  nosso  Instituto  recebeu-o  em  seu  grémio  a  8  de  Ou- 
tubro de  1906.  Em  Fevereiro  deste  anno,  nosso  illustre  con- 
sócio veio  a  fallecer  em  Berlim,  deixando  envolta  em  lucto 
a  famosa  pérola  das  Antilhas. 

—  O  dr,  d.  Norberto  Quirno  Costa,  magistrado,  politico 
c  diplomata  argentino,  foi  um  dos  vultos  mais  distinctos  e 
proeminentes  da  gloriosa  Republica  platina,  nossa  erma. 


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8l3  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Em  sua  pátria  exerceu  com  intenso  brilho  os  mais  altos 
cargos  administrativos  e  políticos,  desde  o  mandato  de  depu- 
tado e  senador  até  á  vice-presidencia  da  Republica,  passando 
com  positivo  relevo  pelos  ministérios  do  Interior  e  das  Re- 
lações Exteriores. 

Seu  nome  acha-se  intimamente  ligado  á  nossa  Historia 
por  um  facto  singular  de  grande  notoriedade. 

Está  na  memoria  dos  contemporâneos  aquella  calorosa 
questão  de  limites,  em  que  os  herdeiros  de  Portuga!  e  His- 
panha  disputavam  com  pertinácia  a  famosa  nesga  do  ter- 
ritório de   Palmas,   impropriamente   chamado   das   Missões. 

A  fronteira  delineada  pelo  celebre  tractado  de  1750  per- 
manecia incerta  e  sem  demarcação  positiva,  porque  se  não 
accordára  jamais  na  exacta  intelligencia  do  que  eram  real- 
mente o — Sancto  António  —  e  o — Pipiriguaçú — . 

A  herança  ominosa  das  rivalidades  das  duas  metrópoles 
passara  como  triste  legado  ás  jovens  nações  americanas,  que 
haviam  conquistado  a  sua  autonomia.  Tentativas  infructíferas 
por  parte  dos  dous  governos  deixaram  o  problema  insolvido 
e  como  uma  dolorosa  ameaça  para  o  futuro,  não  obstante  a 
communhão  de  ídéas  e  de  interesses,  que  na  guerra  do  Pa- 
raguai havia  posto  lado  a  lado,  em  fraterna  alliança,  as 
bandeiras  argentina  e  brasileira. 

Urgia,  entretanto,  dissipar  essa  nuvem  temerosa  para  ser 
um  dia  possivel,  como  de  facto  se  tomou,  a  phrase  adaman- 
tino do  eminente  e  saudoso  Saenz  Pefia;  Tudo  nos  une, 
nada  nos  separa. 

Éramos  dous  povos  ermanados  pela  religião  e  pela  origem 
latina,  quasi  ermanados  pela  lingua,  adolescentes,  avigorados 
ambos  pelas  auras  balsâmicas  da  pujante  America,  batalha- 
dores ambos  da  liberdade,  apóstolos  ambos  da  Justiça  e  do 
Direito,  campeões  um  e  outro  da  civilização  de  um  continente 
novo,  rico  de  esperanças,  abundante  de  seiva,  sedento  de  pro- 
gresso, de  paz  e  de  gloria. 

Como  admittir-se  que  por  alguns  kilometros  quadrados, 
minúsculo  trecho  de  território  deante  da  grandeza  de  nos.'^s 
domínios,  permanecesse  ameaçadora  aquella  dissensão  secular 
a  desunir  ermãos  fadados  para  grandes  destinos  no  campo 
sagrado  da  Historia? 


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ACTAS  813 

Este  pensamento  salutar  inspirou  os  governos  do  grande 
Brasileiro  Pedro  II  e  do  benemérito  presidente  da  Argentina, 
que  assentiram  na  Convenção  de  7  de  Septembro  de  1889, 
entregando  ao  arbitramento  a  solução  do  famoso  litigio. 

Mas  a  gloria  dessa  Convenção  feliz  não  lhes  cabe  ex- 
clusiva . 

Ao  illustre  e  saudoso  visconde  de  Ouro  Preto,  presi- 
dente do  Conselho  no  ultimo  ministério  da  monarchía,  e  ao 
não  menos  illustre  dr.  Quirno  Costa,  então  ministro  das 
Relações  Exteriores  da  Republica  Argentina,  cabe  não  pe- 
quena parte  dos  louros  da  victoria  incruenta. 

E  o  nosso  Instituto,  sempre  solicito  em  distinguir  o  mé- 
rito, não  se  demorou  na  demonstração  de  seu  affecto  e  do 
seu  alto  apreço:  10  dias  depois  era  aqui  proposto  o  dr. 
Quirno  Costa  para  a  classe  dos  membros  honorários  da  nossa 
companhia,  distincção  que  com  applauso  unanime  lhe  íoi 
logo  após  conferida. 

O  grande  estadista  argentino,  companheiro  de  tantos 
outros  vultos  eminentes  que  nestas  ultimas  decades  têm  co- 
operado com  intelligencia  e  amor  pátrio  para  o  extraordinário 
e  notório  desenvolvimento  da  querida  Republica  erma,  assistiu 
sem  dúvida  ao  desenlace  daquella  questão  internacional,  em 
que  o  provado  saber  do  excelso  Rio  Branco  nos  deu  o  de- 
cisivo triumpho. 

Não  creio  que  se  houvesse  elle  magoado  com  a  sentença 
arbitral,  porque  era  um  espirito  superior,  incapaz  de  obedecer 
ás  sug^estões  do  falso  patriotismo  e  da  vaidade. 

Falleceu  o  dr.  Quirno  Costa  a  2  de  Março  deste  anno, 
deixando  ao  seu  nobre  paiz  um  copiosíssimo  legado  de  ser- 
viços relevantes,  que  a  Historia  regista  e  applaude. 

—  Luiz  Rodolfo  Cavalcanti  de  Albuquerque  nasceu  a  7 
de  Junho  de  1847  na  cidade  de  Belém,  tendo  por  progenitores 
o  honrado  cirurgião  do  exercito  Francisco  de  Paula  Caval- 
canti de  Albuquerque  e  d.  Carlota  Trovão  Cavalcanti  de 
Albuquerque.  Feitos  os  seus  estudos  preparatórios  na  pro- 
víncia natal  e  em  Pernambuco,  en\eredou  pela  carreira  de 
empregado  da  Fazenda  Nacional,  em  que  se  distinguiu  pelo 
zelo,  pela  probidade  immaculada  e  por  notável  competência. 
Funcção  administrativa  sem  brilho,  mas  de  grande  impor- 


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8t4  REVISTA   DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

tancia  social  e  moral,  —  essa  do  empregado  de  Fazenda,  que 
acautela  interesses  valiosíssimos  do  erário  público,  concor- 
rendo com  lucidez,  ponctualidade  e  mcthodo  para  o  jogo  re- 
gular e  efficaz  da  machina  administrativa,  de  onde  parte 
todo  o  movimento  de  progresso  do  paiz. 

O  nosso  Governo  encontrou  sempre  em  Luiz  Rodolfo 
um  trabalhador  hábil  e  honesto,  a  quem  se  podiam  delegar, 
com  segurança  de  êxito,  commissões  de  alta  responsabilidade. 
Foi  o  nosso  illustre  consócio  inspector  das  Thesourarias  e 
das  Alfandegas  de  Belém,  de  Manáos,  de  S.  Paulo  e  do  Rio 
de  Janeiro;  foi  por  ultimo  director  das  Rendas  no  Thesouro 
Nacional,  —  cargo  em  que  se  aposentou  fatigado  e  jà  enfra- 
quecido ])or  muitos  annos  de  indefesso  labor. 

Com  a  experiência  adquirida  no  tracto  de  tão  elevadas 
funcções  públicas  travou  da  penna  mais  de  uma  vez,  e  neste 
sentido  nos  legou  trabalhos  de  mérito  incontestável. 

São  de  sua  lavra,  entre  outros,  os  dous  livros:  «Estudos 
económicos  e  financeiros »  e  «  Navegação  e  Commercio  da 
Amazónia »,  dos  quaes  o  ultimo  foi  titulo  bastante  honroso 
para  dar-lhe  entrada  na  nossa  companhia  em  23  de  Septem- 
bro  de  1892. 

Luiz  Rodolfo  falleceu  a  26  de  Abril  do  corrente  anno, 
legando  á  Pátria  um  nome  honradíssimo  e  a  este  Instituto, 
como  signal  de  apreço  que  nos  sensibilizou,  a  collecção  de 
seus  livros,  —  esses  companheiros  fieis  e  inseparáveis,  em  que 
se  formou  o  seu  espirito  para  bem  servir  ao  Brasil. 

—  Outro  filho  dilecto  da  Pátria,  outro  ermão  distincto 
e  operoso  companheiro  perdemos  a  20  de  Março  na  pessoa 
do  dr.  Alfredo  Eugénio  de  Almeida  Maia. 

Nascido  3  12  de  Outubro  de  1856  e  dotado  de  notável 
talento,  concluiu  em  verdes  annos  com  brilhantismo  o  curso 
da  nossa  Eschola  Polytechnica  e,  partindo  logo  para  a  Bél- 
gica, alli  conquistou  em  breve  praso  o  diploma  de  engenheiro. 
Era  aos  22  annos  de  edade  graduado  pelos  dous  reputados 
estabelecimentos  de  ensino. 

De  volta  aos  lares  pátrios  iniciou  a  brilhante  carreira, 
em  que  labutou  toda  a  vida  com  êxito  singular  e  desempe- 
nhando-se  galhardamente  dos  altos  cargos  confiados  ã  sua 
competência . 


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ACTAS  815 

Chefe  de  secção  da  Estrada  de  Ferro  D.  Pedro  TI,  hoje 
Centra]  do  Brasil,  e  depois  director  das  respectivas  officinas, 
fez  alli  um  tirocínio  práctico,  que  lhe  grangeou  distincto 
nome.  Passou  em  1886  a  trabalhar  como  chefe  de  tracção 
na  Estrada  de  Ferro  S .  Paulo  e  Rio,  assumindo  mais  tarde 
a  sua  direcção  por  decreto  de  11  de  Novembro  de  1890, 
quando  se  transferiu  a  Estrada  para  o  domínio  do  Estado, 

A  suspensão  dos  trabalhos  de  alargamento  da  bitola,  or- 
denada pelo  ministro  barão  de  Lucena,  motivou  a  sua  retirada 
do  serviço  público.  Alfredo  Maia  preferiu  então  o  exercício 
particular  de  sua  profissão  em  S.  Paulo.  Mas  alli  sua  repu- 
tação estava  já  firmada,  e  o  governo  paulista  entregou  ao 
nosso  digno  consócio  a  direcção  da  Secretaria  da  Agricultura 
e  Obras  Públicas  do  Estado,  em  que  se  revelaram  ainda  uma 
vez  os  seus  já  provados  dotes  administrativos.  Uma  dissençào 
em  matéria  de  serviço  afastou-o,  pouco  depois,  do  referido 
cargo. 

Após  alguns  annos  de  interregno,  o  serviço  público  tor- 
nou, porém,  a  solicitar  o  concurso  de  seu  talento.  Em  1898 
o  engenheiro  F.  Pereira  Passos  deixou  a  direcção  da  Estrada 
de  Ferro  Central,  e  o  Governo  da  Republica  procurou  em 
Alfredo  Maia  a  competência  scíentifica  e  moral,  que  se  faz 
mister  em  postos  de  tamanha  responsabilidade.  Era  alli  dif- 
ficil  e  espinhosissima  a  tarefa;  mas  o  illustre  engenheiro 
nimca  deixou  de  corresponder  ao  appêllo  da  Pátria.  Alfredo 
Maia  acceitou  a  missão  em  epocha  de  sacríficio.  O  pro- 
gramma  patriótico  e  salvador  do  grande  presidente  Campos 
Salles  impunha  severíssima  economia  dos  dinheiros  públicos 
para  salvaguardar  o  honrado  nome  brasileiro.  Que  desenvol- 
vimento poderia  dar  o  illustre  director  aos  trabalhos  neces- 
sários e  indispensáveis  ao  progresso  da  Central?  Bem  pouca 
margem  se  lhe  abria  para  novos  emprehendimentos.  Ainda 
assim  o  que  elle  realizou  foi  notável :  a  linha  dupla  se  pro- 
longou até  Maxambomba,  e  a  estrada  seguiu  de  Septe  Lagoas 
até  á  estação  de  Silva  Xavier;  e  tudo  isso  com  methodo,  re- 
gularidade dos  serviços  e  exemplar  fiscalização  de  despesas. 

Em  1900  os  predicados  de  Alfredo  Maia  foram  recla- 
mados para  mais  elevado  mister;  por  espaço  de  dous  annos, 
no  cargo  de  ministro  da  Viação  e  Industria,  teve  elle  de 


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&j6  revista  do  instituto  BlSTOniCO 

superintender  todos  os  serviços  daquelle  departamento,  mas 
sem  larguezas  orçamentarias,  peado  conseguintemente  pelas 
circunstancias,  fe-lo  com  o  maior  escrúpulo  e  com  o  maior 
tacto. 

Depois  que  deixou  o  ministério  offereceu-se-lhe  ainda 
occasião  de  prestar  óptimos  serviços:  primeiro,  na  direcção 
da  Sorocabana',  por  solicitação  do  illustre  presidente  dr.  Ro- 
drigues Alves  e  do  syndicato  americano  que  arrendou  a 
Estrada;  depois,  nas  administrações  da  Light  and  Pon>er  do 
Rio  de  Janeiro  e  de  S.  Paulo,  —  logares  em  que  a  sua  pro- 
ficiência e  o  seu  patriotismo  acharam  novo  campo  de  acção. 

Foi,  como  vedes,  senhores,  uma  vida  intensa  e  laboriosa. 
No  paiz  e  fora  delle  trabalhou  sem  trégua  a  bem  do  nosso 
progresso,  mantendo  em  toda  a  parte  a  reputação  imniaculada 
c  o  brilho  de  um  nome,  que  nunca  se  desmentiu  nem  empal- 
lideceu,  desde  os  primeiros  triumphos  académicos. 

Daquella  luzida  geração  que  com  elle  estudou  e  entrou 
nas  luctas  da  vida  —  geração  em  que  se  apontam  nomes  como 
os  de  Getulio  das  Neves,  Frontin,  Gabriel  Osório,  Ortiz  Mon- 
teiro, Francisco  Van  Erven,  Agostinho  dos  Reis,  Carlos  de 
Laet  e  outros,  que  prestaram  ou  ainda  prestam  grande  re- 
nome á  sua  classe  —  dessa  geração  foi  Alfredo  Maia  um  dos 
mais  apreciados  ornamentos.  O  Brasil  perdeu  nelle  um  filho 
prestimoso  e  o  Instituto  um  dos  sócios  honorários  que  mais 
abrilhantavam  o  nosso  quadro  social. 

—  O  dr.  Vicente  Ferrer  de  Barros  Wanderley  Araújo, 
natural  de  Pernambuco,  onde  viu  a  luz  do  dia  em  25  de 
Julho  de  1857,  formou-se  em  Direito  na  Faculdade  do  Reciíe. 
Tendo  exercido  a  advocacia  com  brilho  notório  por  alguns 
annos,  o  cultor  assiduo  das  lettras  jurídicas  deu  a  lume  tra- 
balhos de  valor  que  lhe  valeram  a  estima  dos  doutos. 

f  Execução  do  saimento  Silvino  de  Macedo  *,  €  Seitas 
protestantes  em  Pernambuco  »,  «  Notas  sobre  o  Código  Penal 
Brasileiro»,  <  Os  sodalicíos  religiosos  e  o  poder  dos  bisp03>, 
€  Successão  de  extrangeiros  no  Brasil  »,  «  Cemitérios  do  Re- 
cife »,  <  Compra  e  venda  mercantil  »,  «  Uma  questão  de  direito 
internacional  privado  >,  são  títulos  de  opúsculos  e  memo- 
rias suas,  em  que  fartamente  se  revelou  o  estudioso. 


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A.CTA3  8l7 

Tendo  passado  a  residir  em  Lisboa,  onde  também  ex- 
erceu a  profissão  de  advogado,  foi  nomeado  vice-consul  do 
Brasil  e  alli  demonstrou  sempre  vivíssimo  interesse  pelos 
n^ocios  da  Pátria,  que  como  filho  amoroso  não  exquecia. 

Membro  de  varias  associações  históricas  e  juridicas  de 
Pernambuco,  Rio  Grande  do  Norte,  Bahia,  S.  Paulo  e  Lisboa, 
pertenceu  ao  nosso  Instituto  como  sócio  correspondente  desde 
3  de  Junho  de  1904,  mas  só  por  occasião  de  vir  em  1913 
a  esta  Capital  tomou  posse  da  cadeira,  que  tão  legitimamente 
lhe  fora  dada. 

Foi  na  sessão  de  9  de  Junho  que  tivemos  opportunidade 
de  o  ouvir,  e  ainda  está  gravado  na  memoria  de  todos  nós 
o  insistente  e  patriótico  appêllo  que  dirigiu  ao  Instituto,  con- 
vidando-o  a  examinar  profundamente  á  luz  de  critica  sadia 
e  desapaixonada  a  chamada  guerra  dos  Mascates,  em  que  €  a 
gente  do  Recife  soffre  até  hoje  a  mais  injusta  condem- 
nação  »,  porque  a  luz  da  verdade  histórica  ainda  se  não  fez 
ampla  e  reparadora  sobre  aquelle  episodio  dos  tempos  co- 
loniaes. 

Era  o  dr.  Vicente  Ferrer  um  espirito  amadurecido  por 
estudos  sérios,  que  a  morte  infelizmente  veio  interromper 
em  Maio  deste  anno,  quando  muito  era  licito  ainda  esperar 
do  seu  elevado  critério  e  do  amor  que  votava  ao  pátrio  berço 
e  ás  cousas  do  nosso  passado. 

—  João  Cardoso  de  Meneses  e  Sousa,  depois  barão  de 
Paranapiacaba,  nasceu  em  Santos  a  25  de  Abril  de  1827.  As- 
sistiu, portanto,  aos  últimos  dias  do  primeiro  Império,  aos 
agitados  acontecimentos  da  Regência,  á  declaração  da  Maio- 
ridade, a  todo  o  largo  período  do  governo  do  segundo  im- 
perador, á  proclamação  da  Republica  e  ao  desenvolvimento 
do  novo  regímen  até  o  dia  2  de  Fevereiro  deste  anno,  em 
que  exhalou  o  ultimo  suspiro.  Uma  larga  vida  de  88  annos 
de  estudo  e  de  trabalho,  porque  aquelle  privilegiado  espí- 
rito só  repousou,  quando  á  Providencia  divina  aprouve  de- 
cretar-lhe  o  termo  da  vida. 

O  talentoso  Paulista,  feitos  com  primor  seus  estudos 
preparatórios,  matriculou-se  na  Faculdade  Jurídica  da  sua 
província  em  1844,  e  em  1S48  alU  se  graduou. 


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f}|8  REVISTA  00  INSTITUTO   HISTÓRICO 

iintrando  na  vida  prácjica,  iniciou-a  pelo  magistério,  con- 
quistando eni  concurso  a  cadeira  de  Historia  e  Geographia 
do  Lyceu  de  Taubaté,  onde  aliás  não  lhe  foi  larga  a  per- 
manência, porque  senda  a  necessidade  de  horizontes  mais 
amplos  para  o  exercício  de  suas  faculdades  superiores. 

Depois  de  breve  passagem  por  Parati,  veio  ao  Rio  de 
Janeiro  em  1S53,  e  sentiu  logo  que  a  Capital  do  Império  devia 
ser  o  theatro  de  sua  promissora  actividade.  Para  aqui  trans- 
feriu residência  definitiva  em  Dezembro  de  1855.  S.  Paulo 
estava  naquella  epocha  bem  longe  de  ser  o  foco  intellectual, 
o  centro  luminoso  de  progresso  e  de  vida  espiritual,  em  que 
se  transformou  nestes  últimos  decennios:  a  Capital  do  Im- 
pério attrahía  então  naturalmente  os  melhores  talentos,  am- 
biciosos de  porvir  e  de  renome. 

Vindo  ao  Rio  de  Janeiro,  João  Cardoso  julgou-se  obri- 
gado a  procurar  o  imperador,  que  o  conhecera  e  applaudira 
em  1846  em  S.  Paulo,  quando  d.  Pedro  II,  passando  por 
aquella  cidade,  visitara  a  Faculdade  de  Direito. 

O  académico  fizera  então  ao  soberano,  em  nome  de  seus 
collegas,  uma  enthusiastica  saudação  em  verso,  e  o  imperador 
que  nada  exquecia  acolheu-o  depois  com  singular  benignidade. 

Desse  dia  datou  o  profundo  sentimento  de  amizade  agra- 
decida e  de  respeitosa  admiração,  que  nosso  illustre  confrade 
dedicou  sem  quebra  á  pessoa  de  d,  Pedro  II, 

Até  1857  occupou  seu  tempo  em  trabalhos  de  advocacia 
e  escriptos  para  a  imprensa  diária.  Entre  outras  folhas,  para 
as  quacs  trabalhou,  se  destaca  o  Jornal  do  Commercio,  que 
começou  a  publicar  uma  secção  juridica  de  sua  lavra. 

Em  Outubro  de  1857  fez  sua  entrada  triumphal  no  func- 
cionalismo  público,  para  o  qual  o  chamou  o  notável  Sousa 
Franco,  commettendo-Ihe  a  funcção  de  ajudante  do  pro- 
curador fiscal  do  Thesouro.  Dahí,  á  força  de  assíduo  tra- 
balho e  notória  competcncía,  subiu  a  chefe  da  repartição  e 
director  geral  do  Contencioso,  onde  os  seus  grandes  serviços 
mereceram  sempre  dos  mipistros  rectos  e  desapaixonados  os 
mais   francos  elogios. 

Cordiaes  relações  com  os  próceres  da  Politica  valeram-lhe 
a  eleição  de  deputado  geral  pela  província  de  Goíaz,  —  func- 
Ção  que  exerceu  de  1873  a  1876. 


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ACTAS  819 

Na  qualidade  de  alto  funccionario  do  Thesouro  e  me- 
recedor da  maior  confiança,  dcsempenbou-se  de  melindrosas 
commissões  fiscaeS,  e  em  todas  ellas  foram  proverbiaes  o 
seu  escrúpulo  e  a  sua  hombridade. 

Como  premio  de  taes  serviços,  o  governo  imperial  agra- 
ciou-o  aim  o  titulo  de  barão  de  Paranapiacaba,  por  decreto 
de  8  de  Maio  de  1883. 

Estava  escripto,  porém,  que  não  fosse  só  de  flores  jun- 
cada a  estrada  do  altivo  e  honesto  funccionario  público. 
A  paixão  politica  desvaira.  Os  nobilíssimos  sentimentos  eman- 
cipadores de  Paranapiacaba,  que  ao  lado  de  um  bello  talento 
possuia  os  maiores  dotes  de  coração  piedoso  e  bom,  accen- 
deram  o  despeito  e  a  malquerença  de  um  ministro  da  coroa,  e 
essa  malquerença  chegou  ao  ponto  de  se  fazer  do  afastamento 
do  honrado  servidor  uma  questão  de  gabinete.  Ao  dilemma  do 
ministro  c  ou  eu  ou  «lie  >,  em  circunstancias  de  grave  inter- 
esse público  que  se  podia  compromctter  com  a  retirada  do 
ministro,  o  imperador,  contrafeito,  cedeu,  e  o  director  geral 
do  Contencioso  foi  aposentado  em  1886  sem  causa  motivada, 
gosando  da  estima  do  chefe  da  Nação,  não  se  lhe  attribuindo 
outra  culpa  sinão  a  de  dar  por  vezes  informação  favorável 
a  pretenções  particulares  contra  os  interesses  do  Thesouro. 

Abençoada  independência  de  character,  direi  eu  c  dirão 
commigo  todos  os  que  prezam  a  soberania  da  Justiça  e  da 
Verdade. 

Os  interesses  do  Estado  são  sem  dúvida  muito  respei- 
táveis e  dignos  de  sacrifícios;  mas  o  espirito  recto  do  func- 
cionario público  não  está  por  isso  adstricto  a  mentir  á  sua 
própria  consciência,  negando  aos  particulares  o  que  é  do 
sagrado  direito  delles. 

Urdir  sophismas  e  subterfúgios  para  recusar  esse  di- 
reito, muitas  vezes  claro,  inconcusso,  firmado  na  lei,  isto  é 
que  se  rae  afigura  delictuoso  e  indigno  dos  representantes 
honrados  do  poder  público. 

Faltar  á  Justiça,  jamais  !  O  Estado  se  deslustra  com 
essa  ignominia,  como  o  particular  se  deshonra  quando  n^a 
a  sua  divida. 

E  Paranapiacaba  curtiu  a  dõr  amai^  da  aposentadoria 
forçada,  sereno  e  imperturbável  sim,  porque  tinha  a  am- 

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830  REVISTA  DO  IN-STITUTO  HISTÓRICO 

scíencia  pura  do  tiometn  recto,  mas  altivo  e  nobre  como  se 
pôde  ver  do  artigo  que  então  estampou  no  Jornal  do  Com- 
mercio: 

€  Cônscio,  disse  elle,  de  que  não  mereci  o  estigma,  com  o 
qual  me  tentou  desaírar  o  sr.  ministro  da  Fazenda,  cujo 
conceito  individual,  por  mais  auctorízado  que  pareça,  não  é  o 
da  consciência  pública,  é-me  impossível  resignar-me  á  apo- 
sentação que  me  foi  imposta  como  castigo. 

«Demissão,  é  que  s.  ex.  devia  ter  conseguido  do  im- 
perador, uma  vez  que  na  concha  da  balança  da  justiça  poz 
a  auctoridade  de  sua  palavra  para  affirmar  como  real  e  ver- 
dadeiro o  motivo  (não  sabido  por  mim)  da  punição,  que  me 
infligiu. 

«Os  vencimentos,  que  me  deixou  como  condecendencia 
á  edade  e  ao  longo  exercício  do  cargo,  constituem  uma  es- 
mola, «  que  não  posso  acceitar »  sem  of fensa  á  dignidade, 
«  Destas  faculdades,  que  ha  dezenas  de  annos  têm  sido 
applicadas  á  causa  pública,  ainda  resta  vigor  bastante  para 
trabalho  aturado,  que  me  proporcione  os  meios  de  completar 
i  educação  de  meus  filhos,  acostumados  a  venerar  seu  pae  e 
a  quem  me  vejo  embaraçado  de  responder,  quando  me  pedem 
explicação  desta  aposentadoria. 

« Constrangido,  aos  59  annos,  a  começar  nova  carreira, 
atirando-me  ás  incertezas  da  Advocacia,  espero  que  me  so- 
brarão algumas  horas  de  lazer  para  dedicar-me  ao  estudo 
dos  negócios  desta  minha  pátria,  a  quem  tanto  e  com  tão 
entranhavel  amor  hei  servido,  que  não  é  responsável  pela 
injustiça  e  ingratidão  de  alguns  de  seus  filhos. » 

Por  honra  da  nação  e  do  imperante  que  a  dirigia,  aquella 
iniquidade,  aquella  inqualificável  vindicta  não  produziu  largo 
ef feito;  passados  poucos  mezes,  Paranapiacaba  era  reinte- 
grado pelo  Governo  do  benemérito  e  honrado  conselheiro 
João  Alfredo,  continuando  a  bem  servir  o  paiz,  que  tanto 
amava. 

A  sua  aposentação  definitiva  foi  dada  a  pedido,  por  de- 
creto de  8  de  Janeiro  de  1S90,  já,  portanto,  em  dias  do  regime 
republicano. 

De  então  por  deante,  alliviado  dos  ónus  do  serviço  pú- 
blico, e  não  obfitantc  o  peso  dos  annos,  entregoti-se  p  digno 

r      .1.  CoCH^Ic 


ACTAS  831 

Brasileiro  mais  desassombrado  ao  cultivo  das  lettras,  que  aliás 
nunca  abandonara,  porque  constituía  para  elle  um  ameno 
oásis  no  deserto  árido  das  cifras  e  dos  deveres  burocráticos. 

Até  então  havia  publicado  primorosas  traducções  de  La- 
fontaine,  Lamartine  e  Byron  —  livros  que  lhe  fazem  muita 
honra  e  que  teve  opportunidade  de  submetter  á  apreciação 
de  juizes  exclarecidos  nas  interessantes  palestras  litterarias 
presididas  pelo  próprio  imperador  no  Externato  do  Collegio 
.  Pedro  II.  Alli  o  encontrei  por  vezes,  e  alli  o  ouvi  discorrendo 
com  maestria  e  elevado  critério  a  propósito  de  producções 
de  vario  género. 

Até  então  havia  também  saído  a  lume  da  publicidade 
a  sua  excellente  memoria  intitulada  — « Theses  sobre  colo- 
nização do  Brasil  »  —  que  um  critico  competente  já  qualificou 
de  «obra  monumental».  Egualmente  de  sua  lavra  era  já  co- 
nhecido um  €  Relatório  sobre  a  discriminação  das  rendas  gt- 
raes  e  provinciaes  »,  que  o  visconde  do  Cruzeiro  assim  chara- 
cterizou ;  «  f ructo  de  alta  intelligencía,  profundo  estudo  e 
achrysolado  patriotismo». 

E  nada  direi  de  outros,  porque  esses  bastam  a  firmar-lhe 
o  renome  de  activo,  zeloso  e  intelligentissímo  funccionarío. 

E'  tempo,  entretanto,  de  admirar  o  barão  de  Parana- 
piacaba  por  outra  face  não  menos  brilhante:  a  de  traductor 
do  theatro  clássico  grego  e  latino,  vulgarizador  de  obras 
primas  da  antiguidade. 

Sua  alma  de  poeta,  extasiado  deante  das  bellezas  da- 
quelles  fructos  do  génio,  não  resistiu  ao  desejo  de  as  tras- 
ladar para  a  nossa  lingua,  e,  como  manejava  magistralmente 
o  metro,  passou-as  para  verso  portuguez,  com  annotações 
eruditas  e  preciosas. 

Já  António  Castilho,  abalizado  mestre,  dissera: 

«  O  trasladar  esmerado  e  primoroso  não  só  não  invalida 
grandes  reputações,  se  não  que,  fazendo  hombrear  o  moderno 
com  o  antigo,  e  confundindo-os  num  mesmo  esplendor,  re- 
parte por  entre  ambos  a  gloria. » 

De  Plauto  traduziu  elle  a  Marmita;  de  Eschylo  o  Pro- 
metheu  acorrentado ;  de  Euripides  a  Alceste ;  de  Sophocles  a 
Antigone,  e  de  Aristophanes  As  Nuvens.  Eram  as  jóias  do 
theatro  antigo,  as  mais  bellas  gemmas  daquelle  precioso  es- 

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822  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

crinio,  onde  tantos  outros  engenhos  foram  beber  inspiração 
mais  tarde. 

Trabalho  de  Hercules  foi  esse,  tarefa  penosíssima 
aquelk,  mormente  si  levarmos  em  conta  que  Faranapíacaba, 
não  sendo  hellenista,  só  teve  por  guias  as  excellentes  ver- 
sões latinas  e  um  ou  outro  traductor  extrangeíro  do  theatro 
clássico.  Em  taes  condições  era  mister  um  altíssimo  critério 
para  accompanhar  as  bellezas  do  original,  vasa-las  no  metro 
portuguez  com  fidelidade  e  perfeição.  E  essa  tarefa  elle  levou 
ao  cabo,  polindo  com  esmero  o  seu  labor,  dedicando-lhe  toda 
a  perícia  do  habilissimo  artista  apaixonado  de  sua  obra,  en- 
thusiasta  de  seus  modelos,  cultor  amantíssimo  do  Bello  e  do 
Sublime. 

HéHade  formosa,  gloriosa  Hâlade,  em  cujo  seio  se  ou- 
viram os  primeiros  clangores  da  tuba  épica  nos  versos  admi- 
ráveis de  Homero,  o  dedilhar  da  lyra  mimosa  de  Anacreonte, 
os  vibrantes  accentos  das  odes  másculas  de  Pindaro,  as  es- 
trophes  primorosas  da  Antígone  de  Sophocles,  as  luminosas 
cogitações  philosophicas  de  Platão  e  Aristóteles,  os  conceitos 
profundos  do  terso  Thucydides;  Héllade  formosa,  berço  da 
grande  Poesia  que  encanta  a  imaginação,  da  grave  Historia 
que  tmmortaliza  o  passado,  da  profunda  Phtlosophia  que 
doutrina  as  almas,  das  Artes  sublimes  que  elevam  o  espírito 
á!s  regiões  supernas  do  ideal;  Héllade  formosa,  que  também 
me  habituei  a  amar  desde  o  albor  da  minha  mocidade,  tu 
foste  alvo  da  justa  admiração  do  nosso  illustre  patrício,  cujos 
(derradeiros  dias  encheste  de  luz  e  de  consolação  suavíssima. 
Tu,  canto  glorioso  da  Europa,  onde  cada  palmo  de  terra  assi- 
gnala  uma  victoria  da  civilização,  tu  com  os  prodígios  de 
teu  génio  fizeste  o  encanto  de  sua  honrada  velhice,  nem 
tiveste  outra  rival  sinlo  a  esposa  do  poeta,  modelar,  e  anian> 
tissima,  que  á  força  de  carinho  e  desvelo  lhe  suavizou  as 
tristes  sombras  do  crepúsculo  da  vida. 

Uma  e  outra  recebam  o  testímunho  de  nosso  reconhe- 
cimento e  as  bênçãos  de  todos  os  que  sabem  estimar  o  que  é 
grande  e  nobre. 

—  E  tu,  Pátria  muito  amada:,  guarda  em  teus  Annaes 
8  memoria  destes  filhos  illustres,  cuja  vida  acabo  de  lem- 


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ACTAS  823 

brar  em  rapido  escorço,  e  que  tanto  buscaram  engrandecer-te 
e  honrar-te. 

Ha  poucos  dias  um  poeta  exímio,  gloria  das  lettras 
brasileiras,  em  arroubos  de  enthusiasmo  deante  da  mocidade 
paulistana,  concitando-a  a  levantar-se  contra  os  desfalle- 
cimentos  e  desânimos  da  hora  presente,  não  achou  na  sua  pri- 
morosa palheta  sinão  a  côr  mais  sombria  para  desenhar-te 
o  perfil. 

Foste  qualificado,  Brasil  augusto,  de  €/>aÍs  sem  naeio- 
nalidade,  pátria  em  que  se  não  conhece  o  patriotismo,  naçõo 
devastada  sem  guerra  e  caduca  antes  da  velhice  >. 

Protesta,  nobre  Pátria  minha,  contra  o  pessimismo  atroz 
do  poeta  illustre.  Elle  appella  para  o  serviço  militar  gene- 
ralizado, afim  de  corrigir  a  «  desgraça  de  character  >,  e  evitar 
a  « morte  moral  > ;  elle  convoca  a  phalange  dos  ephebos  & 
campanha  de  revivescência  da  Pátria,  que  os  varões  incapazes 
ou  indifferentes  abandonaram  sem  ideal  e  sem  nobresa  de 
alma. 

Dize-lhe,  pátria  de  Luiz  Rodolfo,  de  Alfredo  Maia  e 
de  Paranapiacaba,  dize-lhe  que  a  caserna  não  é  o  único  ba- 
luarte do  patriotismo  (palmas);  que  na  escbola  se  : ''- 

a  primeira  luz  salvadora  (palmas) ;  que  em  muitos  ce 
illustres,  como  este,  arde  noite  e  dia  uma  pyra  sacn 
deante  da  qual  levitas  devotados,  encanecidos  no  serv 
blico,  mas  ainda  cheios  de  ardor  e  de  confiança,  tra 
pelo  brilho  de  teu  nome  sem  a  ganância  do  ouro,  exq 
do  gôso  e  das  seducçSes  do  prazer  (palmas). 

Dize-lhe  que  a  onda  do  desanimo  sempre  inti 
muitos,  mas  nSo  devorou  a  todos  os  tripolantes  dcst 
symbolica,  que  através  de  syrtes  e  luctando  com  os 
rijos  da  tempestade,  s^uirá,  mercê  de  Deus,  o  ru 
progresso  e  da  ordem. 

Animemos,  sim,  a  digna  phalange  dos  moços,  qi 
de  receber  a  nossa  herança  e  em  cuja  alma  Juvenil  do 
geralmente  sentimentos  nobres  e  patrióticos.  E'  justo, 
tíssimo. 

Mas  a  rigorosa  justiça  manda  também  que  se  ník 
ralize  o  labéo  de  indifferentes,  egoístas,  vasios  de  ideal, 
de  desinteresse  e  de  cohesão  a  uma  geração  inteira 


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834  REVISTA  DO  INSTITDTO  HISTÓRICO 

dadãos  conspícuos,  que  nas  lettras,  nas  armas,  na  religião, 
nas  artes  e  na  politica  sustentam  com  galhardia  a  honra  do 
nosso  nome,  protestando  pela  acção  e  pela  palavra  contra 
a  supposta  fallencia  da  alma  nacional  (paimas). 

Não.  A  nacionalidade  brasileira  não  falliu.  Pátria  muito 
amada  I  Nas  difficuldades  e  agruras  que  ensombram  esta 
hora  (e'  as  houve  mais  ou  menos  em  todos  os  tempos),  seja 
este  clamor  de  protesto  um  como  raio  de  conforto  e  de  espe- 
rança a  illuminar-te  o  caminho  da  gloria,  que,  não  está  oh'i- 
dado,  que  não  está  perdido».  {Calorosos  applausos.  A  assis- 
tência de  pé  renova  varias  veses  os  applausos.) 

O  Sr.  Conde  de  Affonso  Celso  (presidente)  agradece 
a  presença  de  s.  exa.  o  sr.  ministro  do  Interior,  a  do  repre- 
sentante do  exmo,  sr,  presidente  da  Republica,  tomando  ex- 
tensivo seu  agradecimento  aos  convidados  que  se  dignaram 
comparecer,  e  em  seguida  levanta  a  sessão  ás  22  i|2  horas. 

—  Os  Srs.  presidente  e  secretario  perpetuo  receberam 
os  tel^rammas  seguintes: 

Do  Pará  (The  Western  Telegraph  Company,  Limited) 
—  Conde  Affonso  Celso — Instituto  Histórico  —  Rio  —  Te- 
nho grande  prazer  em  accompanhar  a  justa  commemoração  do 
septuagesimo  septimo  anniversario  da  fundação  do  Instituto 
Histórico.  Na  pessoa  illustre  do  seu  digno  presidente,  saúdo 
a  douta  e  brilhante  associação.  —  Manoel  Barata. 

Urbano  —  Conde  de  Affonso  Celso — Instituto  Histó- 
rico —  Não  podendo  comparecer,  envio  ao  eminente  presi- 
dente do  Instituto  Histórico  sinceras  congratulações  pelo 
77"  anniversario  da  utilíssima  instituição;  que  tão  grandes 
serviços  tem  prestado  ao  nosso  paiz.  — José  Bonifácio- 

Urbano  —  Max  Fleiuss  —  Instituto  Histórico  e  Geogra- 
phico  —  Impedido,  pela  conferencia  na  Cathedral,  não  posso 
comparecer  á  sessão  magna  do  Instituto.  —  Cardeal  Arco- 
verde. 

Urbano  —  Exmo.  conde  de  Affonso  Celso,  presidente 
do  Instituto  Histórico  —  Congratulações  Sociedade  Geographia 
data  anniversr.ria  glorioso  Instituto  Histórico. — José  Boi- 
teux,  secretario  gerai. 

—  Estiveram  presentes  á  sessão,  entre  muitos  outros, 
os  srs.  dr.  Hélio  Lobo,  pelo  presidente  da  Republica;  Júlio 


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ACTAS  835 

Barbosa,  pelo  dr.  Urbano  Santos,  vice-presidente  da  Re- 
publica; dr.  Carlos  Maximiliano,  ministro  do  Interior;  An- 
tónio da  Silva  Couto,  dr.  João  C.  da  Rocha  Cabral,  drs.  José 
Arthur  Boiteux  e  Lucas  Bojteux,  Claudjo  S alies  Comes, 
dr.  Olympio  da  Fonseca,  representante  da  Academia  de  Me- 
dicina; capitão  Miguel  de  Castro  Ayres,  representante  do 
general  Olympio  Abogar  de  Oliveira,  dr.  Lacerda,  dr,  Fran- 
cisco de  Góes,  dr.  Luiz  Rodolfo  Cavalcante  de  Albuquerque 
Filho,  Adolfo  C.  de  Mendonça,  J.  Baptista  da  Costa,  di- 
rector da  Eschola  de  Bellas  Artes ;  Ruben  Gonçalves  Barata, 
Paulo  de  Gardénia,  Gazeta  de  Noticias;  tenente-coronel  João 
A.  dã  Costa,  assistente  militar  do  ministro  do  Interior; 
dr.  Alfredo  Balthazar  da  Silveira,  dr.  Sérgio  Barreto,  pelo 
ministro  da  Viação;  dr.  António  Pizarro  de  Moraes,  Joãií 
de  Souza  Laurindo,  Correio  da  Manhã;  dr.  Gabriel  Osório 
Mascarenhas,  dr.  Araújo  Vianna,  Manuel  Coelho  Rodrigues, 
pelo  dr.  Lauro  Muller,  ministro  do  Exterior;  1°  tenente  C. 
Taylor,  pelo  ministro  da  Marinha;  Arinos  Pimentel,  Jornal 
do  Brasil;  1°  tenente  Francisco  Jaguaribe  Gomes  de  Mattos, 
dr.  Mário  Bulhão,  pelo  prefeito  do  Districto  Federal ;  Victor 
Vianna. 

—  Excusaram-se  de  comparecer,  por  justos  motivos,  os 
sócios  drs.  Homero  Baptista,  Tavares  de  Lyra,  Edgard  Ro- 
quette  Pinto,  Gastão  Ruch,  commendador  Arthur  Guimarães 
e  dr.  Miguel  Calmon. 

—  Após  a  sessão,  o  sr,  dr,  Carlos  Maximiliano,  ministro 
do  Interior,  percorreu,  rapidamente,  accompanhado  dos  se- 
nhores presidente  e  secretario  perpetuo,  as  diversas  secções 
do  Instituto,  recebendo  agradável  impressão  e  promcttendo 
renovar  a  visita,  mais  demorada. 

Dr.  Pedro  Souto  Maior, 

Serriodo  de  a*  lecreUriD. 


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836  REnSTA  DO  INSimiTO  BIBTORICO 

ASSEMBI.ÉA  GERAL  EM    15  DE   DEZEMBRO  DE    TgiS 

Presidência  do  sr.  conde  de  Affanso  Celso   {presidente)   e 
dr.  Manuel  Cícero  Peregrino  da  Silva  ( J»  vice-presidente) 

A's  21  horas,  presentes  os  sócios:  srs,  conde  de  Affonso 
Celso,  dr.  Manuel  Cicero  Peregrino  da  Silva,  desembargador 
António  Ferreira  de  Sousa  Pitanga,  Max  Fleiuss,  dr,  Edgard 
Roquette  Pinto,  dr.  Pedro  Augusto  Carneiro  Lessa,  dr.  Mi- 
guel Joaqiiim  Ribeiro  de  Carvalho,  dr.  Homero  Baptista,  al- 
mirante Arthur  índio  do  Brasil,  dr.  Manuel  Álvaro  de  Sousa 
Sã  Vianna,  almirante  António  Coutinho  Gomes  Pereira, 
dr.  Arthur  Pinto  da  Rocha,  dr.  António  Fernandes  Figueira, 
dr.  Miguel  Calmoh  du  Pin  e  Almeida,  general  dr.  Gregório 
Thaumaturgo  de  Azevedo,  dr.  Alfredo  Rocha,  dr,  Sebastião 
de  Vasconcellos  Galvão,  dr,  Pedro  Souto  Maior,  dr.  Alfredo 
Valladão,  António  de  Barros  Ramalho  Ortigão,  coronel  Je- 
suino  da  Silva  Mello,  conde  de  Leopoldina  e  Eduardo  Mar- 
ques Peixoto,  abre-se  a  sessão  de  assembléa  geral 

O  Sr.  Conde  de  Affonso  Celso  {presidente)  diz  que  o 
fim  da  assembléa  era  o  previsto  nos  Estatutos:  —  a  eleição 
da  directoria  e  das  commissÕes  permanentes  para  o  biennio 
de  1916  a  1917. 

Para  escrutinadores  nomêa  os  srs.  drs.  Alfredo  Rocha, 
Alfredo  Valladão  e  Roquette  Pinto.  Antes,  porém,  propõe  um 
voto  de  pezar  pelo  fallecimento  dos  illustres  consócios  drs.  Or- 
ville  Adalbert  Derby  e  Bernardo  Teixeira  de  Moraes  Leite 
Velho. 

Antes  também  de  mandar  proceder  á  referida  eleição 
submette  á  considerarão  da  casa  a  proposta  que  pelo  numero 
de  assignaturas  pode  considerar  approvada: 

—  «De  conformidade  com  os  Estatutos  e  em  reconhe- 
cimento aos  relevantes  serviços  já  prestados  ao  Instituto, 
temos  a  honra  de  propor  para  presidente  honorário  do 
mesmo  Instituto  o  sr.  dr.  Wcncesláo  Braz  Pereira  Gomes, 
^regio  presidente  da  Republica. 

Rio  de  Janeiro,  sala  das  sessões  do  Instituto  Histórico 
e  Geographiaj  Brasileiro,  em  15  de  Dezembro  de  1915,— 


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ACTAS  837 

Conde  de  Affonso  Celso.  —  António  Ferreira  de  Sousa  Pi- 
tanga. —  Manuel  Cícero  Peregrino  da  Silvo.  —  Pedro  Lessa. 

—  Sá  Vianna. — Ramalho  Ortigão.  —  Fleiuss. — Miguel  J.  C. 

—  de  Carvalho.  —  Eduardo  Marques  Peixoto.  —  A.  do  BrasU. 
— M.  Calmon.  — Alfredo  Valladão.  — Jesuino  da  Silva  Mello. 

—  Dr.  Pedra  Souto  Maior.  —  Sebastião  Galvão.  —  Thauma~ 
lurgo  de  Azevedo.  —  Conde  de  Leopoldina.  —  Alfredo  Rocha. 

—  Homero  Baptista.  —  A.  C.  Gomes  Pereira. — A.  Pinto  da 
Rocha.  —  Roquette  Pinto.  > 

A'  vists  de  taes  assignaturas  o  Sb.  Conde  de  Apfonso 
Celso  proclama  PRESIDENTE  honorário  do  Instituto  o 
Sr.  Dr.  Wenceslau  Braz  Pereira  Gomes, 

Em  seguida  manda  recolher  as  cédulas,  observando  que 
nos  termos  dos  Estatutos  os  votos  devem  ser  manifestados 
em  duas  cédulas,  uma  contendo  os  nomes  dos  membros  da 
directoria,  outra  os  das  commissões  permanentes. 

São  recolhidas  vinte  e  três  cédulas  que  apuradas  dão 
o  seguinte  resultado: 

Presidente,  conde  de  Affonso  Celso,  22  votos  (reeleito) ; 
dr.  Ramiz  Galvão,  i  voto;  1°  vice-presidente,  dr.  Manuel 
Cícero  Per^^rino  da  Silva,  22  votos  (reeleito) ;  dr.  Pedro 
Lessa,  i  voto;  2°  vice-presidente,  barão  Homem  de  Mello, 
23  votos  (reeleito) ;  3°  vice-presidente,  desembargador  An- 
tónio Ferreira  de  Sousa  Pitanga,  22  votos  (reeleito) ;  ge- 
neral dr.  Thamaturgo  de  Azevedo,  i  voto;  sf  secretario, 
dr.  Edgard  Roquette  Pinto,  22  votos  (reeleito) ;  dr,  Miguel 
Calmon,  i  voto;  thesoureiro,  commendador  Arthur  Ferreira 
Machado  Guimarães,  23  votos  (reeleito) ;  orador,  dr,  Ben- 
jamin Franklin  Ramiz  Galvão,  23  votos  (reeleito). 

O  Sr.  Presidente  proclama  os  eleitos,  salientando  que 
todos  já  servem,  ha  annos,  nos  mesmos  cargos. 

Apuradas  as  cédulas  para  as  comtnissões 
são  reeleitas  todas  ellas. 

Commissões  Permanentes  —  Fundos  e  Orçt 
Clóvis  Beviláqua,  dr.  Enéas  Galvão,  dr.  Alfred 
ronel  Jesuino  da  Silva  Mello  e  dr.  Rodrigo  Octí 
gaard  Menezes. 

Historia  — T>T.  Clóvis    Beviláqua,    dr.  Pe. 


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8j3  revista  do  instituto  iustorico 

Caraeiro  Lessa,  dr.  Augusto  Olympío  Viveiros  de  Castro, 
dr.  Luiz  Gastão  d'Escragnolle  Dória  e  dr.  Alfredo  Valladão. 

Geographia — Barão  Homem  de  Mello,  general  dr.  Gre- 
gório Thaumaturgo  de  Azevedo,  almirante  António  Cou- 
tinho Gomes  Pereira,  dr.  Américo  dos  Santos  e  dr,  Gastão 
Ruch. 

Archeologia  e  Ethnographia — Desembargador  António 
Ferreira  de  Sousa  Pitanga,  major  dr.  Liberato  Bittencourt, 
conselheiro  Salvador  Pires  de  Carvalho  e  Albuquerque, 
dr.  José  Pereira  Rego  Filho  e  dr.  Edgard  Roquette  Pinto. 

Estatutos — Max  Fleíuss,  dr.  Hélio  Lobo,  José  Félix 
Alves  Pacheco,  dr.  Norival  Soares  de  Freitas  e  dr.  Eurico 
de  Góes. 

Admissão  de  Sócios  —  Dr.  Benjamin  Franklin  Ramiz 
Galvão,  barão  de  Alencar,  dr.  Manuel  Cicero  Peregrino  da 
Silva,  dr.  Miguel  Joaquim  Ribeiro  de  Carvalho  e  dr.  An- 
tónio Olyntho  dos  Santos  Pires. 

Pede  depois  a  palavra  o  SR.  dr.  Arthur  Pinto  da 
Rocha,  que  lè  a  s^uinte  indicação: 

—  <  Considerando  que  os  precedentes  desta  Casa  esta- 
beleceram a  distincção  de  se  conceder  a  perpetuidade  no 
cargo  de  presidente  e  nella  investiram,  com  a  mator  justiça, 
os  nomes  dos  seus  grandes  beneméritos  visconde  de  S.  Leo- 
poldo, marquez  de  Sapucahi  e  barão  do  Rio  Branco; 

considerando  que,  eleito  presidente  do  Instituto  Histó- 
rico e  Geographico  Brasileiro  pelo  voto  da  Assembléa  Geral, 
depois  da  grande  perda  nacional  do  saudoso  demarcador  do 
território  brasileiro,  o  sr.  conde  de  Affonso  Celso  ha  quatro 
annos  se  acha  no  exercido  do  cai^o,  tendo  sido  reeleito  em 
1913,  o  que  demonstra  a  alevantada  estima  dos  seus  con- 
sócios e  o  reconhecimento  da  proficuidade  dos  seus  ser- 
viços; 

considerando  ainda  que,  não  obstante  a  relativa  exigui* 
dade  do  prazo  decorrido  desde  o  desapparecimento  do  ultimo 
presidente  perpetuo,  o  actual  presidente  desta  Casa  não  tem 
menor  lista  de  serviços  do  que  os  seus  illustres  antecessores ; 

considerando  que  com  o  elevado  critério  que  o  chara- 
cteriza,  com  a  energia  da  sua  acção  e  com  a  dedicação  da 
seu  espirito,  o  Instituto  lhe  deve  o  grau  de  prosperidade  em 


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ACTA3  839 

que  hoje  se  encontra,  respeitado  e  distinguido  como  nunca 
o  foi  mais; 

considerando  que  já  é  trabalho  de  sua  administração  fe- 
cunda a  construcção  deste  prédio  e  a  installação  do  Insti- 
tuto na  sede  definitiva; 

considerando  que  á  exemplar  iniciativa  do  seu  actual 
presidente  deve  o  Instituto  a  magnífica  organização  dos  seus 
serviços,  de  modo  a  corresponder  seguramente  á  vastidão 
dos  seus  fins; 

considerando  que  a  superioridade  de  sua  intelligencia,  da 
sua  cultura  e  do  seu  amor  á  Pátria  se  deve  a  convocação 
do  Primeiro  Congresso  de  Historia  do  Brasil,  ser\Íço  de  tão 
grande  relevância  que  despertou  em  todo  o  território  nacional 
as  mais  vivas  manifestações  de  enthusiasmo  e  permíttiu  em 
torno  do  Instituto  a  reunião  dos  melhores  e  dos  mais  fortes 
espiritos  do  Brasil  intellectual,  além  dos  incalculáveis  resul- 
tados para  o  estudo  de  muitos  problemas  da  nossa  Historia 
que  ficaram  definitivamente  resolvidos,  escoimada  essa  de 
erros,  lendas,  ficções  e  falsidades  que  a  enfeiavam  e  pre- 
judicavam ; 

considerando  que  ao  seu  amor  pelo  Instituto  e  pela  His- 
toria Pátria  se  deve  ainda  a  realização  da  série  brilhante 
de  cursos  e  conferencias  celebradas  nestas  salas  sobre  va- 
riados assumptos  por  homens  de  comprovada  competência, 
á  excepção  apenas  daquelle  que  tem  a  honra  de  fatiar  neste 
momento; 

considerando  mais  que  s,  ex,  não  descansou  á  sombra 
dos  louros  colhidos  e,  tomando  a  iniciativa  de  convocar  o 
grande  Congresso  de  Historia  Geral  da  America  a  reunir-sc 
em  1932  para  solennizar  o  centenário  da  Independência  do 
Brasil,  já  lhe  deu  impulso  tal,  que  conseguiu  despertar  ver- 
dadeiro enthusiasmo  por  toda  a  parte,  sendo  já  possível  cal- 
cular o  successo  não  só  moral,  litterario  e  scientifico  para 
o  Instituto,  mas  altamente  politico  para  o  Brasil,  na  accepção 
elevada  deste  termo,  sob  o  poncto  de  vista  das  relações  inter- 
nacionaes  americanas ; 

considerando  ainda  que  á  attitude  do  seu  espirito  deve 
mais  o  Instituto  a  iniciativa,  rasgadamente  liberal  e  culta, 
da  creação  da  Eschola  de  Altos  Estudos,  cujos  trabalhos  de 


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830  REVISTA  DO  DiSTlTDTO  HISTÓRICO 

organização  foram  confiados  a  uin  conjuncto  de  membros 
desta  Casa,  sob  a  presidência  do  eminente  sr.  dr.  Ramiz 
Galvão,  idéa  promissora,  felicíssima  e  nobre  que  vem  dar 
ao  Instituto  um  brilho  novo,  levantando  ainda  mais  o  con- 
ceito que  já  o  enaltece; 

considerando  também  que  antes  de  ter  sido  elevado  ao 
cargo  de  presidente,  que  tanto  ha  iUustrado  e  honrado,  s.  ex. 
exerceu  com  zelo  indiscutivel  as  funcçÕes  de  orador,  no  qual 
prestou  serviços  inexquedveis,  com  eloquência  fluentissima 
e  attica,  ainda  hoje  lembrada  com  saudade,  felizmente  com- 
pensada por  uma  outra  palavra  de  atticismo  egualmente  en- 
cantador; 

considerando  finalmente  que  é,  não  só  de  conveniência 
e  utilidade,  mas  até  mesmo  necessário  não  quebrar,  antes 
fortalecer  a  continuidade  de  uma  acção  que  vem  assim  fru- 
ctificando  e  alargando  a  área  das  conquistas  e  da  beneme- 
rência que  formam  o  património  moral  do  Instituto  His- 
tórico, para  que  elle  alcance  o  centenário  da  sua  fundação, 
attingindo  o  apogeu  da  sua  gloria,  e  também  que  se  conserve 
á  sua  frente  uma  das  mais  betlas  figuras  representativas  do 
nosso  tempo,  da  nossa  sociedade  e  do  nosso  meio  íntellectual, 
nome  integro,  character  sem  jaca,  grande  coração  e  talento 
de  forte  envergadura,  dando  aos  velhos  lauréis  do  Instituto 
a  gloria  da  sua  própria  individualidade,  e  attendendo  aos 
ímmensos,  brilhantes  e  relevantíssimos  serviços  prestados  .1 
esta  Casa  durante  tantos  annos  consecutivos,  quer  como 
orador  de  primorosa  eloquência,  quer  como  presidente  de 
indiscutivel  dedicação: 

a  Assembléa  Geral  resolve  proclamar  presidente  per- 
petuo do  Instituto  Histórico  e  Gec^raphico  Brasileiro  o 
actual  presidente  effectivo  sr,  conde  de  Affonso  Celso,  a 
cujo  espirito  confia  os  destinos  desta  instituição. 

Sala  das  Sessões,  15  de  Dezembro  de  1915.  —  Arthur 
Pinto  da  Rocha. » 

O  Sr.  Conde  de  Affonso  Celso  agradece  penhora- 
dissimo  a  sua  reeleição  e,  tendo  em  vista  a  proposta  que 
acaba  de  ser  apresentada,  pede  licença  para  retirar-se  do  re- 
cincto,  passando  a  presidência  ao  illustre  primeiro  vice-pre- 
sidente, sr.  dr.  Manuel  Cicero. 


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ACTAS  831 

Assume  a  presidência  o  sr.  dbl  Mahuél  Cícero,  que  sub- 
mette  á  discussão  a  proposta. 

Os  SRS.    DR.  SÁ    VlANNA    E    CENEEAI.    ThaUMATUHGO    DE 

Azevedo  pedem  a  palavra  e  propõem  o  encerramento  da  dis- 
cussão, sugerindo  a  idéa  de  ser  a  indicação  do  sr.  dr.  Finto 
da  Kocha  assignada  pelos  sócios  presentes. 

A  indicação  é  logo  depois  assignada  pelos  srs.  A.  C.  Go- 
mes Pereira,  Homero  Baptista,  Alfredo  Rocha,  Pedro  Souto 
Maior,  Sebastião  de  Vasconcellos  Galvão,  Thaumaturgo  de 
Azevedo,  C.  de  Leopoldina,  Fernandes  Figueira,  A.  índio  do 
Brasil,  Sá  Vianna,  Pedro  Lessa,  A.  F.  de  Sousa  Pitanga, 
B.  Marques  Peixoto,  Miguel  de  Carvalho,  Jesuino  da  Silva 
Mello,  Alfredo  Valladão,  M.  Calmon,  Ramalho  Ortigão,  Ma- 
nuel Cicero,  Roquette  Pinto  e  Fleiuss. 

O  SK.  DR.  Manuei.  Cícero  (1°  vice-presidente  servindo 
de  presidente)  considera  approvada  a  proposta  e  proclama  o 
sr.  conde  de  Affonso  Celso  —  presidente  perpetuo  do  Insti- 
tuto, convidando  os  srs.  Pedro  Lessa,  Thaumaturgo,  índio 
do  Brasil,  Alfredo  Rocha,  Miguel  Calmon  e  Sá  Vianna 
para  introduzirem  no  recincto  o  sr.  conde  de  Affonso  Celso. 

{Dá  entrada  no  recincto,  sendo  vivamente  applaudido,  o 
sr.  conde  de  Affonso  Celso.) 

O  Sr.  Conde  de  Affonso  Celso  {reassumindo  a  pre- 
sidência)  diz  o  seguinte: 

<  E'  realmente,  meus  caros  craisodos,  extraordinária, 
inexcedivel,  infinita  a  vossa  generosidade  para  commigo; 
mas,  em  compensação,  acreditae-me,  é  também  illimitado  o 
meu  reconhecimento  para  convosco  e  irrestricta,  absoluta,  a 
minha  dedicação  ao  Instituto.  Com  todas  as  veras  do  co- 
ração enternecido,  reitero  os  protestos  de  minha  gratidão  e 
as  seguranças  de  que  procurarei  corresponder  á  vossa  alta 
confiança,  cônscio  das  immensas  responsabilidades  que  dahi 
me  advêm.  SÍ  a  perpetuidade  no  exercido  dos  cargos  fosse 
o  assignalamento  dos  méritos  e  serviços,  todos  os  meus  no- 
bres companheiros  de  Mesa  mereceriam  essa  distincção.  O 
Instituto,  porém,  costuma  observar  r^ras  tradicionaes,  como, 
por  exemlo,  a  da  antiguidade;  e  ha  membros  da  Mesa  que 
têm  a  desvantagem,  ou  melhor  a  vantagem,  de  ser  ainda 
muito  moços.  Um  nome,  porém,  imp5e-se  á  ronsideração 


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833  RE\'1STA  DO  INSTITUTO  lUSTORICO 

especial —  o  dr.  Ramiz  Galvão.  (Applausos.)  E'  um  dos 
mais  antigos  consócios,  o  terceiro,  creio,  da  lista;  é  um  dos 
raros  sócios  beneméritos;  é  o  zeloso  redactor  da  Revista. 
Ha  quatro  annos  occupa  com  brilhantíssimo  relevo  o  difficil 
cargo  de  orador,  que  já,  dignamente,  outr'ora  exerceu. 

Foi  figura  primacial  do  Congresso  de  Historia;  está 
organizando  o  destinado  a  commemorar  a  Independência  da 
Pátria  e  elaborando  a  reconstituição  da  Eschola  de  Altos  Es- 
tudos. Numerosos  e  excepcionaes  são  os  seus  serviços  ao 
Instituto,  que  o  considera  um  de  seus  vultos  verdadeiramente 
conspícuos.  Si  quereis  manifestar  ainda  uma  vez  a  vossa 
magnanimidade  para  commigo,  e,  ao  mesmo  tempo,  practicar 
um  acto  de  estricta  justiça,  approvae  por  acclamãção  esta 
proposta  —  O  Instituto  nomêa  seu  orador  perpetuo,  honraria 
ainda  até  hoje  a  ninguém  concedida,  o  sr.  dr.  Benjamin  Fran- 
klin Ramiz  Galvão.  {Palmas  e  applausos  prolongados.) 

A'  vista  das  demonstrações  da  assembléa,  o  sr.  presi- 
DENTi;  declara  unanimemente  acceita  a  proposta  e  proclama 
orador  perpetuo  do  Instituto  o  sr.  dr.  Benjamin  Franklin 
Ramiz  Galvão. 

Levanta-se  em  seguida  a  sessão,  ás  10  horas  da  noite. 
—  Fleiuss,  /"  secretario  perpetuo  do  Instituto. 


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BIBLlOGRAf 


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DiíiiMdbjGoogle 


BIBLIOGRAPHIA 


Iniciada  esta  secção  de  nossa  Revista  pelo  nosso  querido  e 
inexquecivel  auxiliar  sr.  Luís  Leitão,  que,  na  2'  parle  do  tomo  LXXII, 
analysou  o  valioso  trabalho  do  sr.  Oliveira  Lima  sobre  D.  João  VI  no 
Brasil  e  o  substancioso  Relaíorio  do  então  capitão  de  fragata  sr.  An- 
tónio Coutinho  Gomes  Pereira  sobre  a  Viagem  de  cÍrc«mnavegaç3o 
do  iiavio~esikola  ^.Benjoinin  Coiislanl^  em  ipoS,  —  foi  continuada  no 
tomo  LXXIII,  no  qual  ainda  saíram  a  lume  apreciações  sobre  a  in- 
teressante Ckronira  do  tempo  dos  PhiUffies  do  sr.  Affonso  d'Es- 
cragnolle  Taunay,  sobre  a  curiosa  monographía,  em  que  o  sr.  Alipio 
Gama  tnactou  das  Manifestações  vulcânicas  no  Brasil,  e  outras. 

Resolvendo  a  direcção  da  Revista  reencetar  ^gora  a  resenha 
bibliographica  das  várias  obras  offerecidas  a  este  Instituto,  não  só 
para  manifestar  melhor  o  seu  agradecimento  a  taes  gentilezas,  como 
também  para  salientar  a  justa  valia  das  producções  intellectuaes,  com 
que  somos  frequentemente  distinguidos,  —  cumprimos,  entretanto,  o 
dever  de  prevenir  os  nossos  leitores  de  que  somente  nos  occuparemos 
dos  escríplos  condizentes  com  os  fins  básicos  do  nosso  gi 
com  os  que  encerrarem  matéria  histórica,  geographic: 
graphica. 

E  esperamos  que  a  secção  ora  reínstaurada  não  mai 
lução  de  continuidade. 


J.  P.  Calogeraa.—  Rio  Branc 
exterior  (Rio  de  Janeiro,  Impren 
1916,  69pâgs.). 

Não  é  fácil  traçar  em  poucas  páginas  os  contornos 
Synth  es  e  da  acção  politica  do  preclaro  homem  de  Estado, 
gigantesca  teve  em  nossa  Historia  um  predomínio  sin( 
ctando-se  também  vigorosa  na  alta  diplomacia  do  univei 

Não  é  fácil  deixar  bem  nítidos  os  lineamentos  das  ei 
nicas  de  definição  dos  nossos  lindes  c  de  alicercamento  1 
rieana.  devidas  ao  excelso  Brasileiro,  que  foi,  acima  c 
patriota  ardente,  abnegado,  desambícioso  e  exclarecido, 
um  infatigável  e  sapientissimo  cultor  das  nossas  tradic& 


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836  REVISTA  DO  IKSTITDTO  HISTÓRICO 

Pois  O  sr.  Calogeras,  na  monographia  que  elaborou  em  1913  no 
remanso  bucólico  de  Caeté  c  sú  este  anno  entregue  á  lettra  de 
forma,  logrou  superiormente  vencer  os  obstáculos  da  elevada  tarefa, 
a  que  se  abalançou. 

Accentuando  embora  o  quanto  o  integrador  de  nossas  fronteiras 
deveu  ao  influxo  do  genitor,  fora,  todavia,  para  desejar  que  o  A. 
não  se  deslembrasse  de  dizer  que  o  Brasil  teve  no  visconde  do  Rio- 
Branco  uin  dos  estadistas  mais  completos  e  mais  bem  orientados, 
depois  do  incomparável  patriarcha  da  Independência. 

Poí,  entretanto,  em  evidencia  como  o  jovcn  Silva  Paranhos  se 
educou  sob  a  vigilância  materna,  como  se  preparou  na  eschola  do 
civismo  paterno  para  a  sua  futura  e  grandiosa  missão,  como  enfim, 
depois  de  ter  tido  amplo  tirocínio  na  Politica  e  no  Jornalismo,  con- 
sagrou seus  lazeres,  já  na  funccão  de  cônsul,  ao  farto  armazenamento 
de  informações  históricas,  geographicas  e  económicas,  que  tanto  lhe 
serviram  para  as  victorias  das  Missões  e  do  Amapá  e  para  o  admi- 
rável esboço  da  Historia  do  Brasil,  só  equiparável  ao  trabalho  con- 
génere do  emérito  Capistraino  de  Abreu,  na  edição  do  Centro  In- 
dustria!. 

Uma  das  feições  mais  interessantes  do  opúsculo  do  sr.  Calogeras 
é  a  que  diz  respeito  ao  visconde  de  Cabo-FrÍo.  Até  agora  ninguém 
se  havia  animado  a  dizer  a  verdade  sobre  a  rotineira  empolgaçâo, 
que  o  velho  e  respeitável  Joaquim  Thomaz  do  Amaral  exercia  sõbrc 
todos  os  titulares  da  pasta  dos  Negócios  Exteriores.  E  o  A.  faz 
justiça  a  Carlos  de  Carvalho  e  a  líio-Branco,  deixando  entrever  a 
lucta  de  ambos,  notadamente  do  grande  chanceller.  para  se  dcsvin- 
cilharem  das  garras  retrogradas  do  venerando  ancião. 

São  curiosissimaf  as  páginas  que  o  sr.  Calogeras  dedica  á  apre- 
ciação do  como  Rio- Branco  intervinha  no  periodismo  indig;ena,  do 
como  encarava  as  nossas  cousas  militares  e  do  como  pessoalmente 
combatia  a  nossa  «illusão  graphica»,  —  denominação  feliz  do  pheno- 
meno  de  deficiência  mental,  tão  conimum  no  Brasil,  onde  em  geral 
se  acredita  solvido  um  problema,  desde  que  se  tornou  objecto  de  um 
traclado,  de  um  regulamento  ou  de  uma  lei. 

Ao  pór  em  foco  quanto  o  barão  do  Rio-Branco  se  distinguiu 
como  conductor  de  homens,  fcz-nos  opporlunas  revelações  sõbrc  o 
methodo  de  trabalho  que  peculiariiava  o  incansável  estadista,  a  quem 
deveu  a  nossa  Pátria,  em  dezcsete  annos,  de  iStjz  a  ii)0(>.  a  solução 
de  « todos  os  problemas  da  hnha  divisória,  que  vinham  debatidos. 
a  bem  dizer,  desde  as  bulias  de  Alexandre  VI  e  o  traclado  de  Tor- 
desiHas,  em  1494». 

Depois  de  referir  que  tahibcm  a  assombrosa  clarividência  do 
iiicxcedivel  chanceller  nos  dotou  com  vinte  e  nove  pactos  de  arbi- 
tramento cclcbr.idos  de  1009  a  1911.  para  o  systema  de  congraça- 
mento  americano,  que  já  leve  no  A.  B.  C.  um  dos  seus  mais  primo- 
rosos fructos,  e  depois  de  recensear,  em  períodos  transudadores  dc 
profundo  «  exhanstivo  estudo,  os  resultados  da  acção  effidente  de 


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BIBLIOGRAPHU  837 

Sio-Branco  em  nossa  politica  interna  e  principalmente  na  politica 
exterior,  o  sr.  Calogeras  assim  conclue,  muito  apropositadamente 
applicando  ao  immortal  patriota  o  lindo  e  conceituoso  pensamento 
de  Vauvenargues :  — »  Em  sua  edade  madura,  realizara  o  seu  sonho 
de  mocidade:  engrandecer  o  Brasil». 

Dentre  os  muitos  escriplos  que  têm  apparecido  sobre  a  inclíta 
personalidade  do  definidor  do  território  nacional,  não  sabemos  de 
nenhum  que  eguale  ao  do  sr.  Calogeras,  quanto  ao  cabal,  vigoroso  e 
profundo  da  analyse,  cm  tão  limitado  numero  de  páginas. 

li'   trabalho  que   se   lè   com   summo  prazer,   c  não   pequeno  pro- 
veito,  o   saido   agora   da   mesma   penna   probidosa   c   idónea,   a   cuja 
lavra  pertence  o  magistral  parecer  intitulado  As  Minas  do  Brasil  e    . 
sua  legislação. 

O  nome  de  Rio-Branco  é  muito  e  mui  legitimamente  querido  neste 
Instituto,  que  se  ufana  de  tê-lo  tido  como  presidente,  e  presidente 
que  nunca  se  descuidou  do  posto,  donde  mais  de  uma  vez  se  fez 
ouvir  a  sua  voz,  repercutindo  energicamente  nos  mais  elevados  cír- 
culos diplomáticos  do  mundo. 

Assim,  foi  para  nós  motivo  de  sincero  regosijo  o  vêr  tão  cari- 
nhosamente e  tão  alçando radamente  Iractada  a  figura  do  excelso 
patriota  pelo  hoje  titular  da  pasta  da  Fazenda,  espirito  affeito  ás 
indagações  do  nosso  passado  e  sempre  disposto  a  servir  a  causa  do 
Brasil. 

Rio-Branco  e  a  politica  exterior  é  escripto  destinado  a  abrir 
sulco  em  nossa  pobre  litleratura  histórico- politica,  pois  do  grande 
chanceller  e  de  sua  acção  exfra-muros  da  Pátria  não  se  pôde  diíer 
mais  nem  melhor  do  que  o  fez  o  sr.  Calogeras, 


Uanuel  Barata.—  A  antiga  producqão  e 
exportação  do  Pará,  estudo  historieo-eco- 
nomico,  prefaciado  pelo  Dr.  Vieira  Fazenda 
(Belém  do  Pai-á,  typ.  da  Livraria  Gillct,  de 
Torres  &  Comp.,  1915,  47  págs.)- 

Já  o  venerando  bibliothçcario  do  Instituto,  sr.  Vieira  Fazenda. 
aquilatou  devidamente,  com  a  reconhecida  competência  aue  o  dis- 
tingue, a  summa  valia  deste  trabalho  do  en 
nuel  Barata,  gue  com  tanto  brilho  represe nt 
camará  aba  da  União  e  c  um  dos  nossos  1 
mais  devotados  ao  estudo  das  tradições  pa 

Pouco,   portanto,   é   o   que   nos   cabe   di 
quadrado  nesta   rápida   resenha  bibliographi 

AUiando  admiravelmente  os  dados  his 
económicas,   colhidas  nas    fontes  mais   íidc 


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838  REVISTA  DO  IVSTITDTO  HISTÓRICO 

em  curtos,  mas  substanciosos  capitnios,  iractar  das  materiu  se- 
guintes :  —  no  I,  da  exportaçSo  dos  produclos  paraenses  coetâneos 
(cacau,  arroz,  cate,  a]godão>,  desde  1778  até  1818;  no  11,  da  cullura 
do  cacau  (i'a(f-i:aii-<í(i  dos  indios),  iniciada  em  1678;  no  III,  da  fa- 
bricação do  chocolate,  começada  em  1687;  no  IV,  do  aproveitamento 
do  arroz  silvestre  ou  vermelho  {aualii  dos  tupis)  e  plantação  do 
arroz  branco  (da  Carolina),  encetada  em  1772;  no  V,  o  mais  inte- 
ressante de  todos,  da  introducção  do  caifé,  em  1727,  e  do  desenvolvi- 
mento da  lavoura  e  commercio  respectivos;  no  VI,  do  algodão 
(amaniú  dos  indígenas);  no  VII,  da  canna  de  assucar,  sendo  de 
notar  que  já  havia  engenhos  hollandezes  no  Pará  antes  de  1616  e  que 
foi  montado  em  1634,  nas  circunvizinhanças  de  Belém,  o  de  Feliciano 
Coelho,  datando  de  1797  a  vinda  da  canna  de  Caiena;  no  VIII,  da 
canela  {ibirá-peiai  dos  tupis);  no  IX,  dos  valores  da  exportação  dos 
vários  produclos  iacima  citados,  durante  a  m^ior  parte  do  século  XIX, 
assignalando  que  a  cultura  do  café  estava  de  todo  extincta  em  1870; 
no  X,  da  industria  extractiva  da  borracha  e  do  influxo  desta  no 
abandono  de  outros  géneros  em  exploração;  e  no  XI,  finalmente,  da 
pecuária,  observando  que  o  primeiro  gado  vaccum  veio  de  CUibo- Verde 
para  Belém  em  1644,  estabelecendo-se  em  1680  as  primeiras  estancias 
na  ilha  de  Joanes  (nome  que  vem,  não  do  latim,  mas  dos  indioa 
lauanai),  hoje  Mamjó,  que  é  o  mais  importante  centro  de  creação 
bovina  do  Pará. 

O  sr.  Manuel  Barata  põe  por  terra  a  versão,  propalada  pelo 
bispo  d,  fr.  João  de  S.  José  de  Queiroz  c  repetida  por  todos  os 
nossos  bons  historiadores,  de  que  o  café,  introduzido  no  Pará  em 
1727,  resultara  de  algumas  sementes  offcrecidas  a  Francisco  de 
Mello  Palheta  pela  galante  esposa  do  então  governador  de  Caiena, 
Claude  d'Orvilliers; —prova,  documentadamente,  que  este  lançara 
um  bando  prohibindo  a  venda  da  rubiacea  aos  Portuguczes,  apesar 
do  que  logrou  Palheta  adquirir  «mil  e  tantas  f metas  e  cinco 
plantas >,  origem  modesta  da  hoje  mais  portentosa  riqueia  do  Brasil. 

Mas  não  é  só  proveitosa  licção  de  Historia  o  que .  nos  propor- 
ciona o  inestimável  livrinho  do  sr,  Manuel  Barata;  — é  também,  e 
principalmente,  elevado  doutrinamento  económico. 

Sobretudo  na  angustiosa  quadra  de  agora,  cm  que  nossa  Pátria, 
Hantes  tão  próspera  e  florescente,  anda  a  debater-se  em  tremenda 
crise  financeira,  achando-se  egualmente  em  precárias  condições  pe- 
cuniárias o  outrora  tão  opulento  Estado  septentrional,  —  não  devem 
oair  em  olvido  os  sábios  conselhos,  com  que  o  colendo  patriota 
remata  o  seu  opportuno  e  criteriosíssimo  trabalho. 

Ei-Ios : 

<  Restabeleçamos,  melhoremos  e  desenvolvamos  a  industria  pe- 
cuária. O  Pari  pôde  bastar  a  s:  mesmo.  Do  que  produzir  para  o 
consumo  interno,  muito  lhe  sobrará  para  a  CTportação  e  permuta 
commercial.  As  suas  férteis  terras  lavradias  podem  dar  com  pro- 
fus5o,  como  Já  deram,  o  café,  o  assucar,  o  algodão,  o  arroz  c  todos 


lyCoogle 


BIBUOGRAPHIA  839 

OS  mais  cereaes,  as  várias  e  excellentes  ifructas,  como  a  laranja,  a 
banana  e  o  ananá;  as  suas  malas  opulentas,  a  materia-prima  para 
as  industrias  manufactureiras;  os  seus  extensos  campos  naturaes  de 
criação,  ia  carne  verde,  o  xarque  e  os  lacticinios.  Libertemo-nos  do 
fetichismo  da  borracha.  Trabalhemos.  Trabalhemos  na  cultura  da 
terra  e  na  exploração  de  outras  fontes  de  riqueza,  que  não  nos  faltam, 
e  que  ahi  se  estão  ofíerecendo  â  nossa  actividade  productora.  Le- 
vantemos das  minas  a  nossa  prosperidade.» 

Essas  palavras,  endereçadas  especialmente  ao  Pará,  podem,  com 
ligeiras  modificações,  ser  appticadas  a  todo  o  Brasil. 

A  salvação  da  nossa  privilegiada  terra  está,  — não  ha  quem  seria- 
mente o  ouse  contestar,  —  no  aproveitamento  intelligente  de  sua 
inexcedivel  uberdade  e  na  cata  de  suas  riquèias  latentes. 

As  luzes  da  Historia  demonstram-n-o  á  saciedade,  qual  se  vê  do 
interessante  e  opportuno  opúsculo  do  sr.  Manuel  Barata. 


Manuel  Barata.—  A  jornada  de  Francisco 
Caldeira  de  Castdlo  Branzo.  Fundação  da  ci- 
dade de  Belém,  estudo  critico-historico.  Nova 
edição  (Belém  do  Pará,  typ.  da  Livraria  Gillet, 
de  Torres  &  Comp.,  1916,  60  p&ga.). 

Afim  de  contribuir  para  a  commemoração  do  tricentenário  da 
fundação  de  Belém,  aprouve  ao  preclaro  Paraense  sr.  Manuel  Barata 
refundir  um  seu  antigo  escripto,  dado  á  estampa  em  1904:  —  tal  é 
a  origem  do  interessantíssimo  folheto,  ora  sujeito  á  nossa  analyse. 

Interessantissímo,  em  verdade,  não  sõ  pela  copiosa  documentação 
que  o  brdeía,  como  ainda  pelas  notas  dilucidativas  e  pelo  superior 
senso  critico  em  todo  elle  revelado. 

Confessa  o  A.,  com  patente  tristeza,  que  não  logrou  precisar  o 
dia  em  que  a  gente  lusitana,  enviada  de  S.  Luiz  do  Maranhão  por 
Alexandre  de  Moura,  pisou  as  margens  da  bahía  do  Guajará;  mas 
acredita,  com  toda  a  plausibilidade,  que  o  notável  acontecimento 
occorreu  em  fins  de  Janeiro  de  1616.  Quanto  á  partida  da  esqua- 
drilha, deixa  elle  plenamente  evidenciado  que  se  deu  a  35  de  De- 
zembro de  1615,  de  modo  que  a  esta  data  foi  que  se  ligou  o  nome  da 
povoação,  primeiro  «Presépio»  e  depois  «Belém». 

Passa  o  A.  em  revista  todos  os  historiadores  e  chronistas,  que 
tractaram  do  inicio  da  capital  paraense,  apreciando-lhes  os  relatos 
com  a  nitidez  de  visão  e  a  perspicácia  apurada  de  um  profundo 
competente,  que  é. 

O  que  ainda  mais  valoriza  o  opúsculo  do  sr.  Manuel  Barata  é  o 
não  se  haver  elle  exquecido  de  nenhum  dos  compartes  famosos  da 
célebre  expedição  de  Francisco  Caldeira  de  Castellq-B ranço.  Assim, 


D,gt,zedbyGOO<^le 


840  IlEVISTA  DO  I\STITCTO  mSTORICO 

além  das  notas  biographiças  a  este  referentes,  consagra  capítulos 
cspecraes: — ao  capitão  de  infanlaria  André  Pereira  Themudo,  Que 
morreu  depois  gloriosamente  em  Olinda,  a  16  de  Fevereiro  de  1630, 
combatendo  espartanamente  contra  os  soldados  de  Diederik  van 
Waerdenburch ;  a  Pedro  Teixeira,  que,  fora  outros  feitos  de  bravura, 
se  immortalizou  mais  tarde,  em  1637-1639,  renovando  a  jornada  de 
Orellana  em  sentido  inverso,  como  também  descendo  o  rio-mar;  e  ao 
piloto-mór  Anionio  Vicente  Cochado,  do  qual  existe  em  a  nossa 
Eibliotheca  Nacional  curiosa  Díscrip(ão  dos  rios  Pará,  Curuca  t 
Aihanonas,  descoberto  e  sondado  por  mandado  de  Suú  Mageslúde. 
Pelo  que  acabamos  de  expor,  vê-se  que  esta  producção  do  culto 
espirito  do  sr.  Manuel  Barata  em  nada  desmereceu  das  outras  que 
se  lhe  devem,  pois  veio  muito  opportunamente  trazer  novos  exclare- 
cimentos  á  Historia,  ainda  em  estado  obscuro,  da  conquista  de  nossa 
terra  para  a  civilização. 


JoSo  T.  Franckenbsrg. —  Historia  Jo 
Brasil,  por  perguntas  e  respostas  (Sclbach 
&  Comp.,  Porto- Alegre,  1916,  132  pàgs.). 

Como  se  infere  do  prefacio,  é  esta  uma  obrinha  didacticii,  edi- 
tada pela  primeira  vez  em  1883  e  successi vãmente  modificada,  até  á 
adopíão  final  do  methodo  socrático. 

Parece  que  esse  compendiosinho  anda  muito  em  voga  no  Río 
Grande  do  Sul,  por  mãos  de  discentes  e  docentes. 

Pois  é  pena, 

Pullulam  nelle  os  erros  de  Historia  em  quantidade  não  inferior 
aos  solecismos  e  barbarismos. 

Logo  á  pág.  3,  o  A.,  que,  apesar  de  von  Pranckenberg,  isto  é, 
legitimo  fidalgo  germânico,  mostra  ignorar  a  classificação  elbuo- 
graphica  dos  felichislas  brasileiros,  devida  a  von  deu  Sleiíten,  inclue 
os  Goitacazes  e  os  Guaicurús  entre  os  Tapuias,  ao  mesmo  tempo  que 
grapba  (tupimambás>  e  fala  em  tmoradias>  dos  Índios. 

Nada  sabe  quanto  á  falsidade  da  carta  de  19  de  Julho  de  150T, 
dirigida  por  d.  Manuel  I  aos  seus  sogros,  sobre  o  descobrimento  do 
Brasil  (pág.  4),  pouco  depois  de  affirmar  que  os  nossos  selvicolas 
usavam  tciaive,  feita  de  pau  duríssimo  e  pesado».  Não  admira, 
pois,  que  entre  os  nossos  aborígenes  houvesse  <  musica  de  panca- 
daria». 

Ainda  acceita  para  <Caraniurú>,  além  da  inverosímil  lenda  con- 
comitante, o  significado  de  «homem  do  trovão»,  desconhecendo. 
assim,  o  parecer  do  doutíssimo  Theodoro  Sampaio,  segundo  o  qual 
aquelle  agnome  tupico  equivale  a  «homem  molhado». 

A'  pág.  8,  inquire:— Que  sorte  lei-ou  a  capitania  dos  Ilhéus?»,  . 
empregando  o  mesmo  verbo  na  pergunta  seguinte.. 


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BIBLIOGRAPHIA  64I 

reíerir  que  o  Estado  do  Maranhão  fora  creado 
iue  a  metrópole  addicionou  áquella  nova  cir- 
cunscripção  a  capitania  do  Cabo  do  Norte,  quaffldo  esta  só  teve  exis- 
tência iegal  a  14  de  Junho  de  16^7.  E  logo  adeante  (pág.  26) 
transforma  o  bravo  almirante  Oquendo  em  Oquende... 

Mas,  para  não  augmentarmos  considerável  e  fastidiosamente  o 
rol  das  erronias  deste  livrinho,  —  limitamo-nos  a  encerrar  a  lista,  já 
não  pequena,  ooin  os  assertos  de  págs.  36-38.  Ahi,  não  só  o  A, 
inventa  um  bandeirante  até  hoje  desconhecido  dos  historiadores  e  dos 
linhagistas,  <  Fernando  Garcia  Rodrigues  > ;  não  só  admitte  um  «  rio 
das  Traições»,  até  ao  presente  ignorado  dos  geographos  pátrios  e 
alienigenas,  como  ainda  acredita  que  a  denominação  de  <  rio  das 
Mortes»  provêm  da  lucta  enlre  Paulistas  cíEmboabas»  (não  em  170S, 
como  elle  diz,  mas  em  Fevereiro  de  1709),  quando  o  certo  é  que 
aquelle  curso  de  agua  já  era  assim  chamado  desde  1702  pelo  menos; 
e,  para  coroar  essa  série  de  dislates,  assegura  que  o  districlo  das 
Minas  recebeu  «um  administrador  particular  em  1700»  (quem?  José 
Vaz  Pinto,  superintendente  geral,  só  foi  nomeado  em  170^),  e  no 
anno  de  j/^o  toi  elevado  -z.  capitania,  como  si  já  não  o  houvesse  sido 
em  i/Oít,  com  a  denominação  officíal  de  «Capitania  de  5.  Paulo  e 
Minas  do  Ouro>. 

Pelo  que  acabamos  de  lealmente  expor,  —  vê-se  que  o  compendio 
do  sr.  João  v.  Franckenberg,  quer  quanto  á  matéria  histórica,  quer 
quanto  á  correcção  da  linguagem,  está  longe  do  antigo  e  excellente 
livrinho  de  Lacerda. 

Para  que  a  puerícia  sul-riograYidense  se  não  vicie  no  vernáculo  e 
não  aprenda  mal  os  factos  da  evolução  pátria.  —  preciso  é  que  se 
condemne  a  um  inexorável  auto-de-íé  a  Historia  do  Brasil  l">r  fer- 
guulas  e  respostas  do  sr.   João  v,   Franckenberg. 

E'  um  verdadeiro  attentado  aos  nossos  foros  de  cultura  a 
adopção  de  livros  de  tat  jaez  nas  escholas  brasileiras,  —  sabido  como 
é  que  a  lingua  e  as  tradições  constituem  os  vínculos  mais  pujantes  e 
mais  bellos  da  nacionalidade,  e  que  o  escorreito  daquella  e  a  authen- 
ticidade  destas  formam  o  dever  primordial  dos  povos  progressivos, 
dos  povos  que  desejam  viver  longa  e  brilhantemente  na  Historia. 


AfTonso  Coata.—  As  minas  de  praia  Je 
Roberto  Dias,  á  luz  da  critica  moderTta 
(líahia,  Livraria  Económica,  1915,  lon  págs.). 

Tracta-se  de  um  trabalho  apresentado  ao  4"  Congresso  de  Geo- 
graphia,  realizado  no  Recife  em   1915. 

Não  ha  nesta  « memoria  >  a  menor  novidade,  quer  no  ponto  de 
vista  histórico,  quer  no  ponto  de  vista  geographico. 


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841  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Com  effeito,  o  A.,  que  se  jacta  de  ter  perlustrado  os  seiiõei 
por  onde  andou  oito  annos  o  caçador  das  minas  de  prata,  não 
corrigiu  as  identificações  do  roteiro  feitas  pelos  historiadores  patrí- 
cios, nem  apresentou  idéas  suas  a  esse  proposiio.  E,  si  teve  por 
intuito  capital  o  evidenciar  que  foi  o  pae  de  Roberio  Dias,  não  este, 
o  auctor  das  façanhas  attrihuidas  pelo  gongoríco  escriplor  da  Ame- 
rica Porlugueea  ao  bastardo  da  india  do  Gerú,  —  bastava-lhe  tão 
somente  reproduzir  os  documentos,  que  o  erudito  Capistrano  de 
Abreu  pacientemente  colhera .  no  Indíx  de  varias  noticias  perten- 
centes ao  estado  do  Brasil,  e  do  que  n'eUe  obrou  o  conde  de  Sabugosa 
no  tempo  do  seu  governo  (manuscripto  existente  no  archivo  deste 
Instituto,  onde  tem  o  n.  346),  e  publicara  na  Revista  da  Secção  da 
Sociedade  de  Geographia  de  Lisboa  no  Brasil,  números  de  Septembro 
e  Outubro  de  1885. 

Queremos  crer  que  o  sr,  Affonso  Cosia  nem  se  deu  ao  afã 
iinprescindivel  de  compulsar  os  elementos  probantes  do  assumpto  es- 
colhido para  as  suas  lucubraçSes. 

Assim  é  que,  á  pág.  63,  affirma,  que  no  texlo,  que  Melchior  Dias 
Moreya  partiu  para  a  corte  hispanhola  em  1604,  a  impetrar  do  soberano 
ajudas  e  mercês  a  troco  das  jazidas  do  metal  branco,  ao  passo  que  ad- 
mitte,  em  nola,  c  supposições  verídicas  de  que  esta  viagem  se  realiiára 
por  160S  >,  Entretanto,  basta  Ur  a  carta  de  Melchior  ao  duque  de 
Lerma,  datada  de  g  de  Julho  de  1Ó14,  para  se  saber  ao  certo  quando 
foi  a  jornada  do  sertanista  ã  metrópole  e  quanto  tempo  por  lá  se  de- 
morou. Si  elle  próprio  diz  alli: — cAchandome  nessa  Corte  a  Seii 
annos  em  que  nella  gaslcy  quatro»,  —  a  única  illação  possível  e  plau- 
sível é  que  o  neto  do  Caramurú  esteve  em  Madrid  de  1Õ08  a  1612.  Logo 
não  podia  também  estar  de  retorno  aos  penates  em  1609,  como  nos 
assegura  o  A.,  á  pág.  65. 

Acredita  o  sr.  Affonso  Costa  que  a  ultima  entrada  de  Melchior, 
em  companhia  de  d.  Luiz  de  Sousa,  se  etfectuou  em  i6ío.  Mas  um 
documento  estampado  nesta  Rezisla  (LXllI,  p.  i',  9-10)  deiíta 
entrever  que  aquelle  facto  occorreu  em  1618,  porquanto  a  outra  cousa 
não  se  pôde  referir  o  depoimento  de  Salvador  Correia  de  Sá  e  Be- 

Como  exemplo  de  enganos  deploráveis  da  monc^raphia  do  sr.  Af- 
fonso Costa,  é  sufficiente  apontarmos  o  da  pág.  38,  em  que  vem 
António  Carlos  de  Barros,  em  vez  de  António  Cardoso  de  Barros,  que 
não  foi  só  provedor  da  fazenda  no  governo  de  Thomé  de  Sousa, 
mas  figura  ainda  em  nossa  Historia  como  donatário  da  capitania  do 
Ceará,  embora  não  houvesse  dado  siquér  um  passo  para  lavrar 
aquellas  terras  de  sol. 

Eis  um  trecho  do  parecer  emittido  pela  commissão  do  men- 
cionado Congresso  de  Geographia  sobre  a  «memoria»  do  sr.  Affonso 
Costa:— «A  phmse  do  auclor,  tersa  e  castigada,  exalça-se  em  re- 
buscamento,  de  tal  modo  prolixa,  que,  muita  vez,  a  quem  a  deletreJa 
com  desejo  apressado  de  attingir  ao  fim  da  producção  scientifica, 


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DIBLIOGRAPHIA  &43 

pelo  interesse  que  a  curiosidade  provoca  e  nliiíienta,  prende  o  laby- 
rintho  de  uma  intricada,  pomposa  c  luxuriante  linguagem,  imprópria 
em  documentos  desse  porte...». 

Estamos  de  accôrdo  com  esse  juízo,  excepto  quanto  i  qua- 
lificação de  tersa,  mimoseada  á  linguagem  do  sr.  Affonso  Costa.  Não 
merece  tal  epitheto  generoso  quem  escreve :  — « ['or  vós  de  todo 
incógnitas»  (pág.  15).  «para  se  os  transformar»  (pág.  19),  *a  lhe 
cingir»  (pág,  ao),  «lá  por  as  terras»  (pág.  24),  «que  o  rivalizavam 
aos  mais  poderosos»  (pág.  27),  «opiniões  dos  que  lhes  antecederam 
na  descripção »  (pág.  31),  tpor  Caramurú»  (pág.  52),  «viagem 
de  annos  se  faseiidoy  (pág.  60),  cos  historiadores  tratantes  de 
Belchior»  (pág.  6[)t  «o  regresso  á  moradia*  (pág.  92)1  ou  quem 
commetle  cacographias  como  estas; — estractos  de  ouro  colmavam» 
(pág.  12),  €delriclos>  (pág,  22),  t  matololagem »  (pág,  go),  tgor- 
piaras»   (pág,    52)- 

Agora,   como  prova   do  preciosismo   que   characteriza   a   mono- 
graphia  do  sr.   Affonso  Costa,  formemos  um  pequeno  rol  dos  vo- 
cábulos do  seu   uso,   alguns   empregados   como   verdadeiro»   li(irHfi*>i. 
Substantivos:    reconquistação,    avisinhaíão,    desertão,    caii 
tvitação,  premiaíão,  curação  (de  curar),  forjamento,  orgu, 
exiingutmento,  Hmitameuto,  acuro,  indago,  inspiro,  accorr 
galaneio,  cpriairo,  jacenda    (por  jazida),  bibliolerio,  Iene 
grinagem  e  aurifice  (por  ourives);  adjectivos:  noxio,  vi 
turoso,  iniemcroso,  inieras,  iiiiigo,  pecortco  (por  pecuário 
empresar,  ambientar,  litigiar,  desmoçar,  sentinellar,   transn 
rotear,  desprecisar-se,  destribunizar . . . 

Note-se  que  ainda  puzemos  á  margem  um  grande  i 
expressões  dignas  de  figurar  entre  os  prcciosismos  mais 
quaes  as  seguintes.  —  <  íusionar  metaes  »,  «  fazer  fuga  i 
cado  no  occultamento»... 

Quem  redige  de  tai  maneira  o  nosso  formoso  idioi 
que  o  faz  com  o  intuito  deliberado  de  se  não  fazer  comprt 
de  só  ser  entendido  por  algum  leitor  paciente,  que  de  a 
muna  de  um  Elucidário  de  Viterbo. 

Urge,  pois,  que  o  sr.  Affonso  Costa  leia  melhor  os  d 
da  nossa  evolução  e  se  aveie  a  escrever  de  modo  mais 
mais  intelligivel,  si  é  que  seriamente  aspira  a  mourejar 
veito  na  fecunda  e  luminosa  seara  da  Historia. 


Afraulo  Vairoto.—  Minha  teri 
gente  (Rio,  Livraria  Francisco  Al 
in-S"  peq.,  de  230  págs.,  est.}. 

O  illusire  sr.  Atranio  Peioxto  já  deve  ter  condemnad' 
com  que  traçou  o  seu  ultimo  livro,  recentemente  adop 
uso  das  cscholas  primarias  da  capital  da  Republica  pela 


«byCoogIe 


844  REVISTA  DO  IXSTITDTO  BISTORtCO 

Girai  de  Insirucção  Publica  do  Dístricto  Federal,  de  que  é  hoje  O 
digno  titular. 

Talento  formosissimo,  que  fulgura  em  varias  obras  scicntifícas 
e  litterarias,  mereci  da  menle  applaudidas  pelos  criticos  mais  severos, 
devera  dar-nos  o  egrégio  académico  um  primoroso  livro  didáctico, 
destinado  á  educação   civíca   da  infância  brasileira.    Era   licito   cs- 

Excepluando-sc,  porém,  a  exccllencia  do  mclhodo  c  o  encanto 
do  estylo,  sempre  egual,  sem  rebuseamentos  e  até  por  vezes  descendo 
k  acceiíação  de  plebeísmos  excusaveis  (como  os  de  págs.  302  e  210), 
o  recente  escripto  do  sr.  Afranio  Peixoto  não  é  modelar  nem  pela 
doutrinação,  nem  pelo  absoluto  respeito  da  verdade  histórica,  nem 
ainda  pela  purena  da  linguagem. 

Não  é  detrahindo  a  terra  natal,  porém  sim  louvando-a  sempre, 
que  se  consegue  incrustar  na  alma  das  gerações  em  formação  o  alto 
sentimento  da  nacionalidade.  Para  combater  a  deliquescenda  moral, 
em  que  parece  presentemente  amarasmada  a  juventude  brasileira, 
antes  se  lhe  pregue  o  optimismo  que  o  pessimismo,  c  ha  por  certo 
ouiros  remédios  mais  effieazes  que  a  therapeutica  dos  amargos. 

Por  outro  lado,  reseflte-se  de  incoherencias  o  Minha  lerra  e 
miiilia  gente,  como  resalta  da  cotifrontação  dos  juízos  oppostos 
sobre  d.  Pedro  11.  a  págs.  165  c  i6(),  assim  como  da  apolc^ia  de 
Portugal,  [feita  cm  toda  a  primeira  parte  do  livro  e  destruída  á 
pág.   140. 

A'  pág.  116,  referíndo-se  ã  escravidão  dos  Africanos,  limita-se  o 
A.  a  dizer  que  foi  ella  tmal  inveterado  das  antigas  civilizações >, 
quando  a  pudera  e  devera  qualificar  de  retrogradação  innominavel, 
de  crime  ígnobi!  pract içado  pela  culta  Europa  contra  uma  raça 
atrazada  e  indefesa. 

A  págs.  120  e  216  affirma  que  os  Africanos  «estavam  numa 
evolução  social  mais  adeantada  que  a  dos  índios».  E'  esta  uma 
asserção  de  prova  sobremaneira  difficíl.  Com  effeito,  os  nossos  abo- 
rígenes eram  já  astrolatras,  enquanto  os  filhos  do  continente  negro, 
aqui  introduzidos,  não  haviam  ainda  transcendido  o  Fetichismo  puro, 
sendo  alguns  francamente  dendrolalras;  nem  pelos  artefactos,  nem 
pela.  cultura  dos  vegetaes,  nem  pela  domesticação  das  espécies  zooló- 
gicas, nem  pela  constituição  da  família  ou  da  tribu.  nem  pelos  conhe- 
cimentos astronómicos,  nem  pela  creação  da  linguagem  e  das  lendas, 
eram  os  pretos  superiores  aos  nossos  selvieoks ;  c,  até  quanto  ã 
separação  dos  poderes,  espiritual  e  temporal,  da  sua  rudimentar  orga- 
nização politica,  ainda  não  podem  os  aulochthoncs  do  Brasil  ser 
postos  em  degrau  inferior  aos  filhos  óa  terra  adusta  de  Ham., 

Ha  na  obrinha  do  sr.  Afranio  Peixoto  affirmações  singular- 
mente curiosas,  como  a  de  ser  «Mahomet  falso  propheía  árabe  > 
(pág.  20).  Falso  porque?  O  A.,  catliolíco  fervoroso  que  se  con- 
fessa, pôde  reputar  ^alsa  a  religião  fundada  pelo  celebre  coraichíta; 


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BIBUOattjM>UlA  84S 

mas  dahi  a  negar  que  este  fosse  legitimo  propheta  da  sua  gente  — 
vai  um  abysmo. 

Não  podemos  também  concordar  com  o  A.  no  ponto  em  que  diz 
(á  pág.  56)  que  Os  Lusíadas  constituem  «um  livro  nosso,  do- 
mestico, nacional  *,  pois  isso  não  exprime  a  realidade  dos  (actos, 
sendo  rara  a  pessoa  que  hoje  leia  no  Brasil,  ■a  não  ser  por  obrigação 
esclíolar,  o  immorlal  poema  portuguez,  que  não  é  lambem  um  «  com- 
pendio de  Historia  e  de  Morai  t.  tanto  que  nunca  pôde  ser  adoptado 
em  nossos  institutos  de  ensino  sem  profundas  mutilações.  Imagine-se 
a  descrip^ão  violentamente  sensual  da  «Ilha  dos  Amores»,  posta 
ante  os  olhos  da  juventude  feminina  das  nossas  escholas. 

Já  á  pág.  54,  no  texto  e  em  noGa,  dissera  o  A.  que  «Lusíadas» 
significa  «descendentes  de  Luso»,  isto  é,  o  mesmo  que  Ltisilaiios. 
Ha  nisso  equivoco.  « Lusíadas »  equivale  a  « (eitos  dos  Lusos ». 
<  Eneida  >  núo  quer  dizer  «  descendente  de  <  Enéas  >,  nem  c  Ilíada  » 
corresponde  a  «descendente  de  Ilion».  O  suífixo  ada  não  é  pairo- 
nymico  cm  grego,  porém  sim  o  suffixo  iiífl. 

Enumeremos  agora  alguns  dos  descuidos,  especialmente  histó- 
ricos, que  escaparam  á  scintillante  penna  do  sr.  Afratiio  Peixoto, 
no  opúsculo  que  estamos  rapidamente  apreciando: — à  pág.  76,  dá 
Pêro  Vaz  Caminha  como  <  escrivão  da  armada  >  de  Cabral,  quando  o 
certo  é  que  o  era  da  feitoria  a  installar-se  em  Calicut ;  a  págs.  1^6-97, 
deixa  em  hialo  a  fundação  da  primitiva  cidade  do  Rio  de  Janeiro 
por  Estacio  de  Sá,  na  pequena  peninsula  entre  o  morro  Cara  de  Cão 
c  o  Pão  de  Assucar;  á  pág.  gj.  daia  de  íófj  a  expulsão  dos  Francezcs 
do  Maranhão,  quando  tal  faclo  occorreu  em  lóisi  á  pág.  108,  con- 
funde eiitrçdas  e  bandeiras,  quando  aquellas  eram  em  regra  de  origem 
ofíicial.  e  estas  eram  geralm^te  espontâneas;  á  pág.  142,  olvida-se 
de  Ulrico  Schmidel,  e,  a  págs.  145-146,  grapha  í/ftii  e  Cockrane,  em 
vez  de  SleUien  e  Cochraiie;  á  pág.  155,  assevera  que  o  caíeeiro  nos 
veio  da  Guiana  Franceza  em  í?^j,  quando  o  major  Palheta  só  o 
trouxe  de  Caiena  para  Belém  do  Pará  cm  17JT;  á  pág.  158,  assegura 
que  perdemos  a  Província  Clsplatino  em  jSjo,  e,  entretanto,  o  tractado 
pelo  qual  reconhecemos  a  independência  da  Banda  Oriental  do  Uru- 
guai é  de  27  de  Agosto  de  iSê^;  á  pág.  162,  admitte  como  tendo  oito 
annos  em  1831  d.  Pedro  U,  nascido  aliás  a  2  de  Dezembro  de  iS^si 
a  págs.  165-166.  escreve  que  «o  irafico  dos  negros,  abolido  desde 
i8ji.  levaria  vinte  annos  para  ser  executado...»  {phrase  amphibo- 
logtca),  estando  averiguado  que  a  cessação  definitiva  do  contrabando 
negreiro  só  se  deu  em  1S5Ó.  anno  do  último  desembarque  clandestino 
de  pretos  em  Serinhaerá;  á  pág,  i6ã,  diz  que  «a  abertura  do  Ama- 
zonas ao  commcrcio  universal...  foi  protelada  até  1S74».  quando  a 
verdade  é  que  foi  realizada  a  7  de  Scpiembro  de  1867;  á  pág.  175, 
inclue  Tlicophilo  Olloni  entre  os  republicanos  transrriudados  em  validos 
do  ultimo  imperador,  quando  o  excelso  liberal  mineiro  morreu  comba- 
tendo o  poder  pessoal  do  monarcha,  a  quem  não  cortejou  jamais;  e  á 
pág.   197,  finalmente,  enaltece  o  possuir  o  Brasil  tfrala  e  oiro,  etn 


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846  REVISTA  DO  INSTltlTTO  HISTORICa 

tuiiiat  compensadoras >,  quando  até  hoje  ninguém  logrou  descobrir 
as  celebres  jazidas,  phantasiadas  por  Melchior  Dias  Moreya... 

A'  pág.  69,  tece  o  auctor  da  Minha  leira  t  minha  gente  um 
verdadeiro  pancgyrico  da  língua  portugueza,  apregoando  que  nos 
cumpre  <  respeita-la,  preservando  a  sua  pureza,  tal  como  nos  ensi- 
naram os  bons  exemplos  da  vernacuiídade  >.  Muito  bem  dicto;  mas 
terá  o  sr.  Afranio  Peixoto  obedecido  a  esse  seu  próprio  sábio 
conselho? 

Não  parece.  Acha-se  o  seu  trabalho,  hoje  entregue  ã  infância 
brasileira  por  ordem  o((icial,  invado  de  sínões  que  sobremodo  afeiam 
e  incompatibilizam  com  o  destino  didáctico  a  recente  producção  do 
auctor  de  Maria  Bonita.  Sem  falar  nos  signaes  diacriticos,  usados 
i ncoherent emente ;  sem  falar  na  pontuação,  que  é  menos  correcta, 
pois  ás  vezes  os  sujeitos,  simples  e  incomplexos,  estão  separadas  dos 
respectivos  predicados  por  virgulas  absurdas ;  sem  falar  em  caco- 
graphias,  como  allriclo  e  detricto  (págs.  184  e  198),  injustificáveis 
ante  os  elynvos  latinos  aítritus  e  detritus;  como  envés  (págs.  14  e  97), 
em  logar  de  em  ves,  porque  nem  corresponde  ao  latim  inversum, 
que  deu  o  vernáculo  invés;  como  vesinkos  (págs.  12,  50,  155.  182 
e  184);  como  iberos  (duas  vezes  á  pág.  24),  por  iberos,  do  latim 
ibérus;  como  artemanhas  (pág.  66),  sohir  e  cerimonia  (pág.  73), 
em  vez  de  artimanhas,  sair  e  ceremonta;  como  discrição  (pág.  223), 
por  discreçâo ;  sem  falar  na  graphia  puramente  lusitana  de  oiro,  lO' 
voira,  vindoiro,  inadmissivel  no  Brasil,  onde  a  prontincía  popular 
(utui',  quem  paenes  arbilrium  est,  et  jw  et  norma  toguendi)  e  cor- 
rente é  ouro,  lavoura,  vindouro;  recenseemos  Ião  somente  os  lapsos 
syntacticos,  também  abundantes  no  livrinho  do  sr.  dr.  Afranio  Pei- 
xoto:—  «romanos  ou  latinos,  natural  de  Roma»  (pág.  12);  «re- 
duzir nesla  formula*  (pág.  14);  «por  toda  a  parte»  (pág.  15); 
«piedade  a  Deus*  (pág.  16);  «era  a  certeza  de  que  a  esperança... 
não  lhe  enganava*  (pág.  36);  «a  se  descobrir»  (pág.  37),  vicio 
de  toponymia  pronominal  repetido  eu  outros  'logares;  «aspirar  o  mo- 
nopólio» (pág.  39);  «avistaram  um  monte,  que  chamaram  Monte 
Paschoal*  (pág..  75);  «aprendeu  a  li;igua  dos  bárbaros,  e  lhes 
doutrinava  nella*  (pág.  90);  «João  Ribeiro  chama-oj  o  elemento 
moral*  (pág.  91) ;  «em  correspondência  á  França»  (pág.  96) ; 
(conformado  á  nossa  emancipação*  (pág.  139);  oasada  com  mo- 
rido  estrangeiro»  (pagi  168);  «a  independência  se  veiu  a  faser, 
feita  e  dirigida  por  elle»  (pág.  173);  «sem  carvão,  pretendemos 
virar  num  país  íabril  *  e  «  ociosos  viraram  activos  >  (págs.  202  e  210) ; 
«o  Brasil  de  agora  e  o  de  amanhã  terá»  (pág.  227). 

Temos  como  certo  que  o  sr.  Afranio  Peixoto,  si  houvesse  dis- 
posto de  mais  lazer  para  a  elaboração  e  revisão  do  seu  uhimo  livro, 
não  o  deixaria  vir  a  público  com  taes  máculas,  entre  as  quaes  nem 
siquér  relacionámos  alguns  cacophatos  facilmente 
çalumnias»,  «por  costumes»,  «por  capuchinhos», 


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BlBLÍOGIlAPHIA  84? 

Aguardamos  ancíosos  novas  e  escorreitas  producçóes  do  emi- 
nente scientista  e  Icttrado,  que  é  o  sr,  Afranío  Peixoto,  para  lhe 
tributarmos  todos  os  louvores,  que,  em  sã  consciência,  não  podem 
ser  dados  á  sua  obrinha  didáctica  Minha  terra  e  minha  gente. 


A.  O.  de  Araújo  Jorge.—  Eifsaios  de  His- 
toria e  Critica  (Rio  de  Janeiro,  Imprensa  Na- 
cional, 1916,  in  8°,  de4  fls.  — 258pâgs). 

Várias  monographias,  dadas  á  estampa,  em  differenles  epochas, 
no  Jornal  do  Commercio  e  na  Revista  America}ta,  foram  ultimamente 
enfeixadas  pelo  sr.  Araújo  Jorge,  seu  auctor,  no  volume  que  teve  a 
amabilidade  de  offerecer  ao  Instituto. 

A  parte_  referente  a  Alexandre  de  Gusmão,  *  o  avò  dos  diplo- 
matas brasileiros  >,  é  sem  duvida  o  trabalho  mais  completo  da  nossa 
litteralura  histórica  sobre  o  secretario  de  d.  João  V,  sobre  o  Santista 
illustre  que,  no  conceito  de  Camillo  Castello-Branco,  além  de  «esta- 
dista que  nas  sciencias  politicas  foi  mais  arguto  que  d.  LuÍ2  da 
Cunha  e  na  sagacidade  e  lucidez  de  fino  sentir  foi  o  mais  avançado 
espirito  de  seu  século»,  ainda  excedeu  ao  padre  Vieira  e  a  d.  Fran- 
cisco Manuel  de  Mello  «na  esperteza  da  observação  e  na  solercia 
da  critica». 

Santos,  o  afortunado  berço  dos  Gusmões  e  dos  Andradas  e 
povoação,  cujos  fundamentos  se  devem  a  Braz  Cubas  em  1536,  era 
ainda  villa  em  1710,  e  nao  cidflde,  como  é  licito  inferir-se  da  asserção 
da  pág.  4- 

Apreeia  o  A.,  firmado  nos  melhores  testímunhos,  o  estado  de 
deliquescencia  politica  da  terra  lusitana  durante  o  longo  reinado  de 
d.  João  V  e  o  supremo  afã  que  coube  a  Alexandre  de  Gusmão 
para  a  incontestável  e  gloriosa  viciaria  colhida  por  Portugal  com  o 
tractado  de  13  de  Fevereiro  de  1750,  que,  ratificando  a  audaciosa 
expansão  dos  bandeirantes  paulistas,  nos  deu  com  ligeiras  modi- 
ficações o  Brasil  actual,  trez  vezes  maior  que  o  d 
To  rd  es  i  lias. 

A  critica  do  livro  de  Euclides  da  Cunha,  A'  mar 
toria,  não  vale  tanto  pela  succinta  analyse  dessa  proi 
pelo  impressivo  perfil  moral  que  o  sr,  Araújo  Jorge  Si 
traçar  do  immortal  escriplor  dos  Sertões,  a  pags.  5. 
tamos  não  dispor  de  espaço  bastante  para  transcrever 
do  jovcn  Alagoano,  as  quaes,  a  nosso  ver,  equivalem  a 
photographia  psychologica  do  patrício  eminente  (e  tão 
cuja  penna  fecunda  egualnienlc  se  devem  as  página; 
vigorosas  dos  Contrastes  e  confrontos. 

A  propósito  de  um  opúsculo  do  actual  director  d 
Nacional    de   Buenos-Aires,    Paul   Groussac,   sob  o   til 


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848  REVISTA  DO  IMTITOTO  HBTOMdO 

Malouines,  e  impresso  em  1910,  fez  o  sr.  Araújo  Jorge,  — além  da 
apreciação  da  personalidade  desse  Argentino  adoptivo,  que  não  va- 
cillou  em  dizer  aos  historiadores  do  Prata  as  mais  duras  verdades 
sobre  o  descaso  com  que  ás  vezes  tractam  os  documentos  do  passado 
de  sua  terra,  — um  claríssimo  resumo  da  questão  do  archipelago  do 
Atlântico  austral,  também  conhecido  pelo  nome  de  <  Ilhas  Falkland  », 
e  incorporado  á  força,  não  ex  vi  júris,  á  soberania  britannica,  em  1765. 

Ahi,  reportando-sé  a  «  escribas  de  compactos  volumes,  illegiveis, 
hostis»,  e  falando  fortuitamente  de  J.  Toribio  Medina,  julga-o 
«diligente  formiga,  a  armazenar  inexgoitavel mente  um  eelleiro  in- 
terminável >,  o  que  pensamos  deve  ser  tomado  antes  em  sentido 
encomiástico  do  que  depreciativo   do  preclaro  Chileno. 

Seguindo  a  corrente  geral  dos  geographos  Iuso-brasileiros, 
grapha  o  A.  «  Malvinas  >.  em  logar  de  c  Maloinas  >  pois  a  denomi- 
nação do  grupo  insular  provém  de  Saint-Malo,  —  procedência  de 
Porée.  que  aportou  no  sobredieto  archipelago  em  1708,  nada  tendo  o 
toponymo  que  ver  com  o  subslanlivo  próprio  «Malvina». 

O  mais  curto,  porém  um  dos  melhores  capitulos  dos  Bnsaiot 
do  sr.  Araújo  Jorge,  é  o  em  que  este  estuda  com  tanto  critério 
c  superioridade  de  vistas  a  Crandesza  e  decadensa  di  Roma,  de 
Gughelmo  Ferrero.  Producção  de  límpido  estylo,  fartamente  exor- 
nada  de  primores  da  portentosa  elaboração  greco- romana,  falia. 
contudo,  á  obra  do  publicista  italiano  quer  o  espirito  de  synthese, 
quer  a  exhibição  de  algum  novo  processo  histórico.  Não  se  en- 
contram alli  nem  a  c  fôr^a  motriz  >  de  que  fala  Gumplovicz,  nem  a 
potencia  generalizadora,  imprescindível  ao  sociólogo. 

Os  quatro  restantes  artigos  do  excellente  volume  do  sr.  Araújo 
Jorge  formam  um  verdadeiro  conjuncto  de  «  Christianologia».  Com 
effeito,  ahi  faz  elle  uma  erudita  critica  dos  seguintes  trabalhos  re- 
centemente .apparecidos  sobre  a  figura  histórica  do  rabbino  da  Gal- 
liléa:  — Gíí«  Crislo  non  è  mai  esislilo,  de  Emílio  Bossi;  La  Folie 
de  Jísus,  de  Binet-Sanglé ;  La  Vic  incotmue  de  Jcsus-Chrisl,  cuja 
responsabilidade  foi  assumida  por  Nícolas  Notovitch ;  c  La  Signi- 
ficaciún  histórica  dei  christianismo,  de   Clemente  Ricci. 

Desde  muito  que  o  sr.  Araújo  Jorge  se  vem  entregando  a  simi- 
Ihantes  investigações,  contando  já  em  sua  bagagem  litleraria  um 
forte  opúsculo  intitulado  Jesus  (ensaios  de  Psychologia  mórbida), 
ora  aproveitado  nO  coUecianea  cm  apreço,  saido  a  lume  em  1912. 
Assim,  não  é  de  admirar  que  tenha  elle  podido  metter  o  escalpello. 
com  tanta  segurança  e  tanlo  brilho,  nas  obras  da  primeira  decade 
do  presente  século,  consagradas  á  personalidade  do  Nazareno. 

Não  nos  deteremos  em  accompanhar  o  A.  na  longa  peregrinação 
aos  logarcs  sanctos,  onde  repontou  a  doce  religião  do  nosso  povo, 
nem  ás  fontes  em  que  lanto  se  tem  pcrquirido  sobre  as  controvérsias 
relativas  aos  Evangelhos  e  até  á  própria  existência  do  Messias. 
Restringimo-nos,  aqui.  a  consignar  que,  antes  do  «profundo  Scherer> 
(págs.  244-245)  attribuir  a  S,  Paulo  o  ter  este  dado  ao  Christianismo 


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UBUOGRAPUIA 

a  (calegoria  de  religião  iinivorsat  >.  jú  Augusto  Con 
time  de  poiitique  fosUhv,  (págs.  40'>4io)  havia  est; 
cessaria  distinc^ão  entre  o  <  Christianismo»,  seita  pura: 
e  o  «  Catliolicísnio >,  cuja  universalidade  (o  nome  o  int 
do  ( dominio  universal  de  Roma  >,  ou  de  ler  sido  c\ 
incomparável  Paulo  de  Tarso,  apostolo  da  gentilidade 

O  sr.  Araujo  Jorge  maneja  bem  o  vernáculo,  ju 
reeção  da  phrasc  certa  belleza  de  forma,  que  trae 
verdadeiro  artista  da  palavra.  Ha,  contudo,  em  se 
vocábulos,  como  cmbilesgar  (pág.  5),  jraiidMias  (p. 
gulhcuto  (pág.  95),  3  que  preferiríamos  os  mais  cad 
lógicos  embetesgar,  farandulas  e  engulkento. 

A'  pág.  28,  notámos  o  grave  erro  typographico,  < 
1861,  em  vez  de  1681. 

O  sr.  Araujo  Jorge  é  moço,  intelligenie  e  Iraball 
portanto,  natural  que  as  letiras  pátrias  esperem  nov 
eguaes,  sinão  ainda  superiores  ás  enquadradas  no  sut 
Ensaios  de  Historia  e  Critica,  cuja  leitura  nos  pi 
mesmo  tempo  tanto  prazer  e  tanto  proveito. 


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ANNEXO 


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CADASTRO  DOS  SÓCIOS 


lutlMIo  niitaríco  eaeotrRphlco  Brulldro,  em  Jl  de  lulho  de  1916,  «riuiludo 
de  Inteira  cootornldide  con  os  Eslatuloa  de  27  de  junbo  de  1912 


PRESIDENTES  HONORÁRIOS 


ORDEM,   NOME,   DATA   DA  ENTRADA  NO  INSTITUTO,  REaiDENCIA 


1.  Conde  d'Eu,  i6  de  setembro  de  i8 
3.  Dr,  Francisco  de  Paula  Rodrigues 
1896.  S.  Paulo. 

3.  Dr.  Nilo  Peçanha,  27  de  novembr 
(Rio de  Janeiro). 

4.  Marechal  Hermes  Rodrigues  da  Fe 
de  1911.  Petrópolis  ( Rio  de  Janeiro) . 

5.  Dr.  Wencesláu  Braz  Pereira  Gom» 
1915.  Rio  de  Janeiro. 

SÓCIOS  BENEMERIT( 

1.  BarSo  Homem  de  Mcllo,3dcjunhoi 

2.  Dr.   Benjamin   Franklin  Ramiz  G 
1873.  Rio  de  Janeiro. 

3.  Barão  de  Alencar,    13  de   sctcir 
Janeiro. 

o  signal  CJ  Indiea  que  o  sócio  6  cdrangciro. 
O  stgnal  X  lnillca  que  o  sócio  nSo  tomou  posse,  [ 


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654  RBViaTJL  DO  INSTITUTO   HISTÓRICO 

4.  Dr.  Conde  de  Aflbnso  Celso,  2  de  dezembro  de  1893.  Rio 
de  Jandro. 

5  a  10. —  Vagos. 

SÓCIOS  HONORÁRIOS  (50) 
I.  BaHío  de  Tefife,  37  de  outubro  de  1883.  Rio  de  Janeiro. 
3.  Dr.  Domingos  José  Ní^eira  Jaguaribe,  7  de  dezevabro  de 
1883.  S.  Paulo. 

3.  Dr.  D.  Estanislao  S.  Zeballos(*)  x,  7  de  dezembro  de 
1883.  Buenos  Aires. 

4.  Conselheiro  Dr.  João  Alfredo  Corroa  de  Oliveira,  19  de 
outubro  de  18Ô7.  Rio  de  Janeiro. 

5.  Professor  JtóoCapiatrauo  de  Abreu,  19  de  outubro  de  1887. 
Rio  de  Janeiro. 

6.  Almirante  Arthur  índio  do  Brasil,  31  de  agosto  de  t888. 
Rio  de  Janeiro. 

7.  D.  Pedro  Augusto  de  Saie|Coburgo,  3  de  agosto  de  1889. 
Vienna. 

8.  Commendador  Tobias  Laureano  Figueira  de  Mello,  13  de 
dezembro  de  1890.  Rio  de  Janeiro. 

9.  Dr.  Alfredo  do  Nascimento  e  Silva,  13  de  dezembro  de 
1890.  Rio  de  Janeiro. 

10.  Dr.  Barão  de  Studart,  30  de  maio  de  1892.  Fortaleza 
{Ceará). 

it.  D.  Carlos  Luiz  d'Amour  x,  9  de  dezembro  de  1893. 
Cuyabá  (Matto  Grosso). 

12.  Dr.  António  Olyntho  doe  Santos  Pires,  4  de  maio  de 
1894.  Rio  de  Janeiro. 

13.  Dr.  Manuel  de  Oliveira  Lima,   11  de  agosto  de  1895. 
Londres. 

14.  D.  Jeronymo  Thomé  da  Silva,  35  de  julho  de  1897. 
Bahia. 

15.  D.  Francisco  do  Rego  Maia,  25  de  julho  de  1897,  Roma. 

16.  Cardeal  D.  Joaquim  Arcoverde  de  Albuquerque  Caval- 
canti, 31  de  outubro  de  1897.  Rio  de  Janeiro. 


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CADASTRO  DOS  SOCtOB  85S 

17.  Dr.  Amaro  Cavalcanti,  6  de  dezembro  de  1897.  Rio  de 
Janeiro. 

18.  Conselheiro  Jo5o  de  Oliveira  Sá  Camelo  Lampreia  (*), 
15  dâ  maio  de  1898.  Lisboa. 

19.  Dr.  Miguel  Joaquim  Ribeiro  de  Carvalho,  12  de  dezembro 
de  1899.  Rio  de  Janeiro. 

30.  D.  Pedro  de  Orléans  e  Bragança  x,  33  de  junho  de 
1900.  Eu  (França). 

31.  Desembargador  António  Ferreira  de  Sousa  Pitanga,  3 
deagosto  de  1900.  Rio  de  Janeiro. 

32.  Max  Fleiuss,  3  de  agosto  de  1900,  Rio  de  Janeiro. 

33.  Dr.  Rodrigo  Octávio  de  Langgaard  Menezes,  26  de  ou- 
tubro de  1900.  Rio  de  Janeiro. 

24.  Bduardo  MúUer  (*]  x,  iode  dezembro  de  1900.  Suissa. 

35.  Dr.  Epitacío  da  Silva  Pessoa,  39  de  março^  de  1901.  Rio 
de  Janeiro. 

26.  Dr.  Pedro  Augusto  Carneiro  Lessa,  33  de  agosto  ds  1901. 
Rio  de  Janeiro. 

37.  Dr.  Sabino  Barroso  Júnior,  3  de  maio  de  1903.  Rio  de 
Janeiro. 

98.  Dr.  Martim  Francisco  Ribeiro  de  Andrada,  34  de  outubro 
de  1902.  S.  Paulo. 

39.  Alberto  dos  Santos  Dumont,  11  de  setembro  de  1903.  Paris. 

30.  D.  Luiz  de  Orléans  e  Bragança  x  r  6  de  novembro  de 

1903.  Eu  (França). 

31.  Dr.  Manuel  de  Mello  Cardoso  Barata,  30  de  maio  de 

1904.  Belém  (Pará). 

32.  Barão  de  Muritíba  x,  13  de  agosto  de  1904.  Paris. 

33.  Comraendador  Arthur  Ferreira  Machado  Guimaiiles,  9  de 
dezembro  de  1904.  Rio  de  Janeiro. 

34-  Dr.  José  Joaquim  Seabra,  28  de  abril  de  1905.  Rio  de 
Janeiro. 

35-  Dr.  Jasé  Leopoldo  de  BulhÔcs  Jardim,  38  de  abril  de 

1905.  Rio  de  Janeiro. 

36.  D.  João  Braga  x ,  3i  de  julho  de  J905.  Curityba  (Paraná). 


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856  REVIST4  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

37.  Dr.  Manuel  Cícero  Per^rino  da  Silva,  ai  de  julho  de 
1905.  Rio  de  Janeiro. 

3Õ.  Dr.  Clóvis  Beviláqua,  15  de  outubro  de  1906.  Rio  de 
Janeiro. 

39.  D.  Joaquim  José  Vieira  x ,  6  de  maio  de  1907.  S.  Paulo. 

40.  Dr.  Augusto  Olympio  Viveiros  de  Castro,  20  de  maio 
de  1907.  Rio  de  Janeiro. 

41.  Dr.  José  Carlos  Rodrigues,  10  de  junho  de  1907.  Rio  de 
Janeiro. 

43.  Dr.  Augusto  Tavares  de  Lyra,  16  de  aetambro  de  1907. 
Rio  de  Janeiro. 

43.  Dr.  Alberto  de  Seixas  Martins  Torres,  3  de  outubro  de 
1910.  Rio  de  Janeiro. 

44.  £)r.  Homero  Baptista,  36  de  agosto  de  1911.  Rio  de 
Janeiro. 

45.  Dr.  D.  Júlio  Feruandez  (*),  4  de  maio  de  1913,  Buenos 
Aires. 

46.  Dr,  Rivadavia  da  Cunha  Corrêa  x,  4  de  maio  de  1912. 
Rio  de  Janeiro. 

47.  Dr.  Lauro  Severiano  Múlier  x.  4  de  maio  de  1912.  Rio 
de  Janeiro. 

48.  Coronel  Theodoro  Roosevclt  ('),  6  de  outubro  de  1913. 
Estados  Unidos  da  America. 

49.  Dr.  Urbano  Santos  da  Goste  Araújo  x>  3'  de  julho  de 
1915.  Rio  de  Janeiro. 

50. —Vago. 

SÓCIOS  EFFECTIVOS  (60) 

1.  Almirante  José  Cândido  Guillobel,  24  de  aovembro  de 
1883.  Rio  de  Janeiro. 

2.  Dr.  Brasilio  Augusto  Machado  de  Oliveira,  12  de  setembro 
de  1890.  Rio  de  Janeiro. 

3.  Dr.  Francisco  Baptista  Marques  Pinheiro  (*),  11  de  agosto 
de  1895.  Rio  de  Janeiro. 


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CABAITRO  DOS  SOCIOt  857 

4.  Dr.  Paulino  J06é  Soares  de  Sousa,  ii  de  junho  de  1898. 
Rio  de  Janeiro. 

5.  Dr.  Manuel  Álvaro  de  Sousa  Sà  Vianoa,  17  de  outubro 
de  1899.  Rio  de  Janeiro. 

6.  General  Dr.  tnnocencío  Serzedello  Corrâa,  8  de  dezembro 
de  1899.  Rio  de  Janeiro. 

7.  Dr.  José  Américo  doa  Santo»,  ra  de  dezembro  de  1899. 
Rio  de  Janeiro. 

8.  José  Francisco  da  Rocha  Pombo,  3  de  agosto  de  1900. 
Rio  de  Janeiro. 

9.  General  Dr.  Gregório  Thaumaturgo  de  Azevedo,  17  de 
agosto  de  1900.  Rio  de  Janeiro. 

10.  Dr.  Sebastião  de  Vasconcellos  Galvão,  36  de  outubro  de 
igoo.  Rio  de  Janeiro. 

11.  Conselhsiro Dr.  Ruy  Barbosa  x,  33  de  mato  de  1903.  Rio 
de  Janeiro. 

13.  Conselheiro  Salvador  Pires  de  Carvalho  e  Albuquerque, 
13  de  junho  de  1902.  Rio  de  Janeiro. 

13.  Monsenhor  Vicente  Ferreir»  Lustosa  de  Lima,   19  de 
junho  de  1903.  Rio  de  Janeiro. 

14.  Dr.  Alberto  de  Carvalho,  18  de  outubro  de  1903,  Rio 
de  Janeiro. 

15.  Eduardo  Marques  Peixoto,  agde  outubro  de  1903.  Rio  de 
Janeiro. 

i6.  Coronel  Jesuiao  da  Silva  Mello,  33  de  outubro  de   1903. 
Rio  de  Jaoetro. 

17.  Conselheiro  Dr.  Cândido  Luiz  Maria  de  Oliveira,  17  de 
junho  de  1904.  Rio  de  Janeiro. 

18.  Dr.  Joáo  Pandiá  Caiogeras,  18  de  setembro  de  1905.  Rio 
Janeiro, 

19.  Dr.  Joaquim  Nogueira  Paranaguá,  4  de  dezembro  de 
1905.  Rio  de  Janeiro. 

ao.  Dr.  José  Pereira  Rego  Filho,  35  de  junho  de  1906,  Rio 
Janeiro. 

a  I .  Paulo  Barreto  x .  29  de  julho  de  1907.  Rio  de  Janeiro. 


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85o  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

33.  Dr.  GastJo  Ruch  Sturzenecker,  39  de  julho  de  1907.  Rio 
de  Janeiro. 

33.  António  Jansen  do  Paço,  30  de  setembro  de  1907.  Rio  de 
Janeiro. 

24.  Dr.  João  Luiz  Alves,  30  de  setembro  de  1907.  Rio  de 
Janeiro. 

35.  General  Emygdio  Dantas  Barrãto,  39  de  agosto  de  1908, 
Rio  de  Janeiro. 

36.  Dr.  Alexandre  José  Barbosa  Lima,  sgde  agosto  de  1908. 
Rio  de  Janeiro. 

37.  Dr.  Alfredo  Augusto  da  Rocha,  29  de  agosto  de  1908. 
Rio  de  Janeiro. 

38.  Dr.  Norival  Soares  de  Freitas,  5  de  outubro  de  1908.  Rio 
de  Janeiro. 

39.  Dr.  João  Coelho  Gomes  Ribeiro,  so  de  agosto  de  1909. 
Rio  de  Janeiro. 

30.  Dr.  António  Ernesto  Lassance  Cunlia,  13  de  outubro  de 
1909.  Rio  de  Janeiro. 

31.  José  Félix  Alves  Pacheco,  i  de  agosto  de  1910.  Rio  de 
Janeiro. 

32.  Vice-almiranie  António  Coutinho  Gomes  Perara,  3  de 
outubro  de  1910.  Rio  de  Janeiro. 

33.  Dr.  Eurico  de  Góes,  3  de  outubro  de  1910.  Rio  de  Janeiro. 

34.  Dr.  Pedro  Souto  Maior,  I5de  julho  de  1911. Rio  de  Janeiro. 

35.  Dr.  AlipioGama  x,  15  de  julho  de  191 1.  Rio  de  Janeiro. 

36.  Dr.  Aloysío  de  Castro  Xi  15  (^^  julho  de  1911.  Rio  de 
Janeiro. 

37.  Capitão  de  corveta  Francisco  Radler  de  Aquino,  sõ  de 
agosto  de  191 1 .  Rio  de  Janeiro. 

38.  Dr.  Carlos  Maximiano  Pimenta  de  Laet  x,  lõ  de  outubro 
de  191 1 .  Rio  de  Janeiro. 

39.  Dr.  Luiz  Gastão  de  E^ragnolle  Dória,  4  de  maio  de 
1912.  Rio  de  Janeiro. 

40.  Major  Dr.  Liberato  Bitlencourt,  27  de  maio  de  191a. 
Rio  de  Janeiro. 


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CADASTRO  DOS  S0C103  859 

41.  Dr.  Hélio  Lobo,  6  de  junho  de  1912.  Rio  de  Janeiro. 
43.  Dr.  Alberto  Rangel,  6  de  junho  de  191a.  Rio  de  Janeiro. 

43.  Desembargador   Ataulpho  Nápoles  de  Paiva  Xi  6  de 
junho  de  1913.  Rio  de  Janeiro. 

44.  Francisco  Agenor  de  Noronha  Santos,  6  de  junho  de 

191 3.  Rio  de  Janeiro. 

45.  Dr.    Alfredo   Valladão,  19  de  julho  de  191 2.  Rio  de 
Janeh'0. 

46.  Capitão  de  corveta  Raut  Tavares,  33  de  agosto  de  1913, 
Rio  de  Janeiro. 

47.  Dr.  Edgard  Roquette  Pinto,  4  de  agosto  de  1913.  Rio  de 
Janeiro. 

48.  Dr.  Miguel  Calmon  du  Pin  e  Almeida,  30  de  abril  de 

1914.  Rio  de  Janeiro. 

49.  Dr.  Enéas  Galvão,  13  de  maio  de  1914.  Rio  de  Janeiro. 

50.  Dr.  João  Ribeiro,  n  de  maio  de  1914.  Rio  de  Janeiro. 

51.  Marechal  José  Bernardino  Bormann,  20  de  abril  de  1915. 
Rio  de  Janeiro. 

5a.  Dr.  Arthur  Pinto  da  Rocha,  38  de  junho  de  1915.  Rio  de 
Janeiro. 

53.  Dr.  Aurelino  de  Araújo  Leal,  28  de  junho  de  1915.  Rio 
de  Janeiro. 

54.  António  de  Barros  Ramalho  Ortigão,  28  de  junho  de 

1915.  Rio  de  Janeiro. 

55.  Dr.  António  Fernandes  Figueira,  38  de  junho  de  1915. 
Rio  de  Janeiro. 

56.  Dr.  Alfredo  Pinto  Vieira  de  Mello  x,   28  de   junho  de 
1915.  Rio  de  Janeiro. 

57.  Dr.  Juliano  Moreira  x,  12  de  outubro  de  1915.  Rio  de 


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Soo  RE?IST»  DO  INSTITUTO  IU8T0R1C0 

SÓCIOS  CORRESPONDENTES  (8o) 

I.  Dr.  Francisco  Auguato  Pereira  da  Costa,  9  de  dezembro 
de  1886.  Pernambuco 

a.  António  Ribeiro  de  Macedo  x,  19  de  outubro  de  1887. 
Antonina  (Paraná). 

3.  Dr.  Virgílio  Martins  de  Mello  Franco,  31  de  agosto  de 
1888.  Minas  Geraes. 

4.  D.  Enrique  Moreno  ('),  13  de  setembro  de  1888,  Mon- 
tevideo. 

5.  Rodolpho Marcos Theophilox,  1 1  de julhode  1890.  Ceará. 

6.  João  Baptista  Perdigão  de  Oliveira  x,  19  de  julho  de  1891. 
Ceará. 

7.  Dr.  António  Martins  de  Azevedo  Pimentel,  1  de  junho  de 
1894.  Campinas  (S.  Paulo). 

8.  Dr.  ChristiaDO  Frederico  Seybold  (*)  x,  1  de  junho  de 

1894.  Allemanba. 

9.  João  Lúcio  de  Azevedo  X,  31  de  março  de  1895.  Lisboa 
( Portugal ). 

10.  Dr.  Cincinato  César  da  Silva  Braga,  35  de  agosto  de 

1895.  S.  Paulo. 

II.  Coronel  Raymundo  Cyriaco  Alves  da  Cunha  x,  ao  do 
outubro  de  1895.  Belém  (Pará). 

IS.  Dr.  Henrique  Américo  de  Santa  Rosa  x,  16  de  agosto  de 

1896.  Belém  (Pará). 

13.  Padre  Raphael  Maria  Galanti,  S.  J.  (*),  aa  de  novembro 
de  1896.  Friburgo  (Rio  de  Janeiro). 

14.  André  Peiíoto  de  Lacerda  Vernek,   13  de  dezembro  de 
1896.  Rio  de  Janeiro. 

15.  D.  Joaquim  SilvcriodeSoQsa  X,  19  de  setembro  de  1897 
Diamantina  (Minas  Geraes). 

16.  Coronel  Honório  Lima,  10  de  novembro  de  1899.  Rio  de 
Janeiro. 

17.  Dr.  António  Zeferino  Cândido  (*),  24  de  novembro  de 
1899.  Lisboa. 


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CADASTRO  DOS  SÓCIOS  86l 

i8.  Dr.  Emilio  Augusto  GoeIdi('}  x.  lo  de  dezembro  de 
1900.  Berae. 

ig.  Dr.  Ermelino  Agostinho  de  Leão  x,  10  de  dezembro  de 

1900.  Curityba  {Paraná). 

ao.  Dr.  D.  Manuel  B.  Olero  (')  x,  34 de  maio  de  1901.  Mon- 
tevideo. 

ai.  Dr.  D.  Suaviela  Guarch  (*),  24  de  maio  de  1901.  Mon- 
tevideo. 

23.  Dr.  António  Augusto  de  Lima,  g  de  agosto  de  1901, 
Bcllo  Horizonte  (Minas  Geraes). 

33.  Dr.  João  Mendes  de  Almeida  Júnior,  33  de  agosto  de 

1901.  S.  Paulo. 

34.  Dr.  Nelson  de  Senna,  33  de  agosto  de  igoi.  Bello  Ho- 
rizonte (Minas  Geraes). 

35.  Dr.  Sebastião  Paraná  de  Sá  Sottomayor  x,  33  de  agosto 
de  1901.  Curityba  (Paraná). 

2Õ.  Horácio  de  Carvalho  x.  tõ  de  outubro  de  1901, 
S.  Paulo. 

37.  Dr.  José  Vieira  Couto  de  Magalhães,  18  de  outubro  de 
1901.  S.  Panio. 

38.  Dr.  Alfredo  de  Toledo  Xt  ^  de  dezembro  de  1901. 
S.  Paulo. 

ag.  D.  Carlos  Liz  Klet^C),  6  de  dezembro  de  19D1,  Bueno 
Aires. 

30.  Dr.  D.  Ernesto  QuesadaC)  x ,  6  de  dezembro  de  1901. 
Buenos  Aires. 

31.  Dr.  D.  AnseImoHéviaRiqueIme(*),8deag08tode  1903, 
Chile. 

33.  Dr.  Theodoro  Sampaio,  24deout 

33.  Dr.   Albino  Alves  Filho,  3a  de 
Geraes. 

34.  Dr.  José  Manuel  Cardoso  de  Olii 
1903.  Rio  de  Janeiro. 

35.  Dr.  Aogusto  de  Siqueira  Cardos 
1903.  S.  Paulo. 


D,gt,zedbyGOO<^le 


Si)2  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

36.  Dr.  José  Maria  Pereira  de  Lima('),  x  11  de  setembro 
de  1903.  Portugal. 

37.  Victor  Ribeiro  (•)  x,  n  de  setembro  de  1903.  Lisboa. 

38.  José  Felidaoo  de  Oliveira  x,  19  de  fevereiro  de  1904. 
Paris. 

39.  Alberto  Pimentel  (*)  x,  33  de  junho  de  1905.  Lisboa. 

40.  Dr.  Luiz  Gonzaga  da  Silva  Leme  Xt  ^t  de  julho  de  1905. 
S.  Paulo. 

41.  Dr.  Diogo  de  Vasconcellos  X,  4  <^^ '^^2^°)^''^^'^ '9°5- 
Ouro  Preto  (  Minas  Geraes ), 

43.  Dr.  Bernardino  Machado  Guimai^es  ('}  x,  9  de  julho  de 
190Õ.  Lisboa. 

43.  Dr.  D.  Daniel  Garcia  Acevedo  (')  x,  3  de  setembro  de 
igo6.  Montevideo. 

44.  Dr.  Adolpho  Augusto  Pinto,  30  de  maio  de  1907.  S.  Paulo. 

45.  Dr.    Luiz  António  Ferreira  Gualberto,  29  de  agosto  de 
1908.  S.  Francisco  do  Sul  (Santa  Cathariíu). 

46.  Fernando  A.  Georlettex,  34  de  maio  de  1909.  An* 
tuerpia. 

47.  D.  João  Baptista  Corrêa  Nery,  31  de  agosto  de  1909. 
S.  Paulo. 

48.  Dr.   D.  Ramón  J.    Cârcano  ('),  i  de  agosto  de  1910, 
Córdoba  (Republica  Ai^ntina). 

49.  Dr.  Justo  Jansen  Ferreira   x,  33  de  junho  de  1911. 
S.  Luiz  (Maranhão). 

50.  Dr.  Braz  Hermenq^do  do  Amaral  x,  33  de  junho  de 
191 1.  Bahia. 

51.  Dr.  Henry  R.LangOx,  33  de  junho  de  igii.  Cambridge 
( Estados  Unidos ) . 

53.   Dr.  José  Bonifecio  de  Andrada  e  Silva,  15  de  julho  de 
191 1.  Barbacena  (Minas  Geraes). 

53.  Dr.  Affonso  d'E^ragnolle  Taunay,  33  de  setembro  de 
1911.  S.  Paulo. 

54.  Dr.  D.  José  Salgado  (*)  x,  to  de  outubro  de  1911.  Mon- 
tevideo. 


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CADASTRO  DOS  SÓCIOS  863 

55.  Dr.  Washington  Luis  Pereira  de  Sousa  X,  4  da:  maio 
de  1913.  S.  Paulo. 

56.  Dr.  Afranio  de  Mello  Franco,  37  de  maio  de  1913.  Bello 
Horizonte  (Minas  Geraes). 

57.  Dr.  Manuel  Emílio  Gomes  de  Carvalho  x,  37  de  maio 
de  1912.  Lisboa. 

58.  Dr.  Nicotáo  José  Debbané,  33  de  agosto  de  191a.  Caro 
(Egypto). 

.59.  Dr.  John  Casper  Branner  ('),  30  de  maio  de  1913.  Cali- 
fórnia (Estados  Unidos). 

60.  Pedro  de  Azeredo  (')  x,  30  de  maio  de  1913.  Lisboa. 

õi.  Dr.  Eugénio  de  Andrada  Egas,  38  de  julho  de  1913. 
S.  Paulo. 

63.  Dr,  Gentil  de  Assis  Moura  x,  28  de  julho  de  1913. 
S.  Paulo. 

63.  Fidelíno  de  Figueiredo  (*)  x,  38  de  julho  de  1913. 
Lisboa. 

64.  Dr.  António  Carlos  Ribeiro  de  Andrada,  a6  de  setembro 
de  1913.  Juiz  de  Fora  (Minas  Geraes). 

65.  Dr.  Affonso  A.  de  Freitas  x.  >2  de  maio  de  1914. 
S.  Paulo. 

66.  Dr.  D.  Lucas  Ayarragaray  {'),  33  de  maio  de  1914. 
Buenos  Aires, 

67.  António  de  Portugal  de  Faria  (visconde  de  Faria)  (*)  x, 
33  de  maio  de  1914.  Genebra  (Sutasa)^ 

68.  Professor  Basilio  de  Magalhães,  37  de  agosto  de  1914. 
S.  Paulo. 

69.  José  Ribeiro  do  Amaral  x.  ^7  deagostodc  1914.  S.  Luiz 
(Maranhão). 

70.  Dr.  Alberto  Lamego  x.  28  de  Julho  de  1915.  Lon- 
dres. 

71.  D.  Juan  José  Bicdma  (')  x,  I3  de ouiiibrode  1915.  Buenos 
Aires. 

72.  Dr.  AnnibaJ  VcJloso  Rcbeilo  x,  ia  de  outubro  de  1915. 


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8$4  REVISTA  DO  IHSTIttrrO  BtSTORICO 

73,  José  Cervaens  y  Rodrigucz  (')  x,  ia  de  outubro  de  1915. 
Porto. 

74  a  80.—  Vagos. 

RESOHO 

Presidentes  hoaorarios 5 

Sócios  beneméritos  . 4 

Sócios  honorários 49 

SocioB  estivos 59 

Sócios  correspondentes 73 

190 

Secretaria  do  Instituto  Histórico  e  Geograptiico  Brasileiro,  31 
de  julho  de  1916.—  Francisco  Martins  QuimarAes.—  Visto, 
Fleiqss. 


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CADASTRO  SOCIAL 


l»titnlaH]>lDricaeQM|raphIcoBnuII«Ini,  oriulMdo  por  ordem  cbrenoloilta 


OROBll  CHRONOLOGIC»,   NOMES,  DATA  DA  ENTRADA  KO  INSTITUTO 

1 .  Barão  Homem  de  Mello,  3  de  junho  de  1859,  benemcrito. 

2.  Conde  d'Eu,    16  de  setembro  de  1864,  presidente  hono- 
rário. 

3.  Dr.  Benjamin  Franklin  Ramiz  Galvão,  16  de- agosto  de 
1872,  benemerilo. 

4.  Barâo  de  Teffi,  37  de  outubro  de  1882,  honorário. 

5.  Almirante  José  Cândido  Guillobel,  24  de  novembro  de 
1882,  efifectiTO. 

6.  Dr,  Domingos  José  Nogiidra  Jaguaribe,  7  de  dezembro 
de  1883,  honorário. 

7.  Dr.  D.  Estanislao  S.  Zeballos  ('),  7  de  dezembro  de  1883, 
honorário. 

8.  Dr.  Francisco  Augusto  Pereira  da  Costa,  9  de  dezembro 
de  1886,  correspondente. 

9.  Conselheiro  Dr.  Jcrao  Alfredo  Corrêa  de  Oliveira,  19  de 
outubro  de  1887,  honorário. 

10.  Professor  João  Capistrano  de  Abreu,  19  de  outubro  de 
1887,  honorário. 

1 1 .  António  Ribeiro  de  Macedo,  19  de  outubro  de  1887,  cor- 
respondente. 


O  sígnil  O  iuUica  que  O  sócio  t  eitrangeiro. 

S'  S5- 

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866  ll£VISTA~DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

ia.  Dr.  Virgílio  Martins  do  Mello  Franco,  31  de  agosto  de 
18UU,  correspondente. 

13.  Almiraate  A.rtliiir    ladío  do   Brasil,  31   de  agosto  de 

1888,  honorário. 

14.  D.  Pedro  Augusto  de  Sm  Cobnrgo,  3  de  agosto  ds 

1889,  hoaoraiio. 

15.  Barão  de  Alencar,    13  de  setembro     de   1889,  bau- 

16.  D.  Eoriqoe  Morena  ('),  13  de  satoaitMro  de  1889,  oor> 
nspoodeate. 

17.  Rodotpho  Marcos  Theoplnlo,  11  de  julho  de  1890^ 
ooncspoodam. 

tS.  Or.  Brasilio  Augusto  Machado  de  Olireiís,  ia  ds  s^ 
tnnbro  de  1890,  eSbctÍTO. 

19.  Commeodador  Tobias  Laureano  Figueira  de  Mello,  I3 
de  dezembro  de  1890,  h(HUHmio. 

30.  Dr.  Alfredo  do  Nascimento  e  Silva,  ta  de  dezemtvo  de 

1890,  honorário. 

91.  João  Baptista  Perdig^  de  Oliveira,  I9de  junho  de  1891, 
ooirespradenta. 

13.  Dr.  Baráo  de  Studart,  30  de  maio  de  1893,  honorário. 
33.  Dr.  Conde  de  ASonso  Celso,  3  de  dezembro  de  189a,  be- 


04.  D.  Carlos  Luiz  d'Amour,  9  de  dezembro  de  1893,  h(Mio- 
rarío. 

35.  Dr.  António  Olyntho  dos  Santos  I^res,  4  de  maio  da 
1894,  honorário. 

36.  Or.  Ann>mo  Martins  de  Azeredo  Púneatel,  t  de  jonho 
de  1894,  correspondente. 

37.  Dr.  Christiano  Frederico  Seybold  ('),  i  de  junho  de 
1894,  correspondente. 

38.  João  Lucto  de  Azevedo,  3  de  março  de  1895,  correspcm- 
dente. 

39.  Dr.  Manuel  de  Olivõra  Lima,  11  de  agosto  de  1895, 
honorário. 


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CADASTRO  SOCIAL  mj 

30.  Dr.  Francisco  Baptista  Marques  Pinheiro  ('),  1 1  de  agosio 
de  1895,  efiectivo. 

31,  Dr.  Cincioato  Cezar  da  Silva  Braga,    11  de  agosto  de 

1895,  correspondeote. 

3a.  Coronel  Rajmuodo  Cyriaco  AItcs  da  Cunha,  30  de  ou- 
tubro de  1895,  correspondente. 

33.  Dr.  Henrique  Américo  de  Santa  Rosa,  16  de  agosto  de 

1896,  correspondente. 

34.  Dr.  Francisco  de  Paula  Rodrigues  Aires,  30  de  agosto  de 
1896,  presidente  honorário. 

35.  I^dre  Raphael  Maria  Galaod,  S.  J.  (*),  m  de  novembro 
de  iSgõ,  correspondente. 

3Õ.  André  Peixoto  de  Lacerda  Vemek,  13  de  dezembro  de 
189Õ,  correspondente. 

37.  D.  Jeronymo  Thomè  da  Sitra,  35  de  julho  de  1897, 
honoraiiú. 

38.  D.  Francisco  do  Rego  Maia,  35  de  julho  de  1897,  hono- 
rário* 

39.  D.  Joaquim  Silvério  de  Sousa,  19  de  setembro  de  1897, 
correspondente. 

40.  Cardeal  D.  Joaquim  Arcoverde  de  Albuquerque  Cavalcanti, 
31  de  outubro  de  1897,  honorário. 

41.  Dr,  Amaro  Cavalcanti,  6de  dezembro  de  1897,  honorário. 
43.  Conselheiro  Jc^  de  Oliveira  Sá  Camelo  Lampreia  (*),  15 

de  nudo  de  1898,  honorário. 

43.  Dr.  Paulino  José  Soares  de  Sousa,  10  de  junho  de  1898, 
efiectivo. 

44.  Dr.  Manuel  Álvaro  de  Sousa  Sá  Víanna,  13  de  outubro 
de  1899,  eSectivo. 

45.  Coronel  Honório  Lima,  10  de  novembro  de  1899,  cor- 
respondente. 

46.  Dr.  António  Zeferino  Cândido  (*),  34  de  novembro  de 
1899,  correspondente. 

47.  General  Dr.  Innocencio  Serzedello  Corrêa,  8  de  dezembro 
de  1899,  eSectivo.  j. 


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868  REVISTA  DO   INSTITUTO  HISTÓRICO 

48.  Dr.  José  Américo  dos  Saatos,  12  de  dezembro  de  1899, 
efectivo. 

49.  Dr.  Migoel  Joaquim  Ribeiro  de  Carvalho,  is  de  de- 
zembro de  1Õ99,  honorário. 

50.  D.  Pedro  de  Orléans  e  Bragança,  sa  de  junho  de  1900, 
h(»iorario. 

51.  Desembargador  António  Ferreira  de  Sousa  Pitanga,  3 
de  agosto  de  1900,  honorário. 

5a.  José  Francisco  da  Rocha  Pombo,  3  de  agosto  de  1900, 
effectivo. 

53.  Max  Fleiuss,  3  de  agosto  de  1900,  honorário. 

54.  General  Dr.  Gregório  Thaumaturgo  de  Azevedo,  17  de 
agosto  de  1900,  efectivo. 

55.  Dr.  Rodrigo  Octávio  de  Lang^aard  Menezes,  aõ  de  ou- 
tubro de  1900,  honorário. 

56.  Dr.  Sebastião  de  Vasconcellos  Galvão,  36  de  outubro  de 
1900,  efectivo. 

57.  Dr.  Emitio  AugustoGoeldi  (*),  10  de  dezembro  de  1900, 
correspondente. 

58.  Eduardo  Muller  (*),  10  de  dezembro  de  1900,  hono- 
rário. 

59.  Dr.  Ermelino  Agostinho  de  Leão,  10  de  dezembro  de 

1900,  correspondente. 

õo.  Dr.  Epitacio  da  Silva  Pessoa,  29  de  março  de  1901,  ho- 
norário. 

61.  Dr.  D.  Manuel  B.  Otcro  ('),  24  de  maio  de  1901, 
correspondente. 

6a.  Dr.  D.  Susviela  Guarch  {*),  24  de  maio  de  1901,  corre- 
spondente. 

63.  Dr.  António  Augusto  de  Lima,  9  de  agosto  de  1901, 
correspondente. 

64.  Dr.  Pedro  Augusto  Carneiro  Lessa,  33  de  agosto  de 

1901,  honorário. 

65.  Dr,  João  Mendes  de  Almeida  Júnior,  23  de  agosto  de 
1901,  correspondente. 


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CADASTRO  SOCIAL  8Õ9 

Ó6.  Dr.  Nelson  de  Senna,  33  de  agosto  de  igoi,  corre- 
spondente. 

67.  Dr.  Sebastião  Paraná  de  Sá  Sotomayor,  33  de  agosto  de 
1901,  correspondente. 

68.  Horácio  de  Carvalho,  iS  de  outobro  de  1901,  correspon- 
dente. 

6g.  Dr.  José  Vieira  Couto  de  Magalhães,  18  de  outubro  de 

1901,  correspondente. 

70.  Dr.  Alfredo  de  Toledo,  6  de  dezembro  de  rgoi,  corre- 
spondente. 

71.  D.  Carlos  Lix  Klett  (*),  6  de  dezembro  de  1901,  corre- 
spondente. 

72.  Dr.  D.  Ernesto  Quesada  (*),  6  de  dezembro  de  igot, 
correspondente. 

73.  Dr.  Sabino  Barroso  Juníor,  2  de  maio  de  1903,  honorário. 

74.  Conselheiro  Dr.  Ruy  Barbosa,  23  de  maio  de  1903, 
effèctivo. 

75.  Conselheiro  Salvador  Hres  de  Carvalho  e  Albuquerque, 
13  de  junho  de  1902,  e&ctivo. 

76.  Or.  D.  Ansehno  Hévia  Rique]me(*),  8  de  agosto  de 

1902,  correspondente. 

77.  Dr.  Martim  Francisco  Ribeiro  de  Andrada,  34  de  ou- 
tubro de  1903,  correspondente. 

78.  Dr.  Theodoro  Sampaio,  24  de  outubro  de  1903,  corre- 
spondente. 

79.  Dr.  Albino  Alves  Filho,  33  de  maio  de  t903,  corre- 
spondente. 

80.  Dr,  Joaé  Manuel  Cardoso  de  Oliveira,  as  de  maio  de 

1903,  correspondente. 

81.  Monsenhor  Vicente  Lustosa  Ferreira  de  Lima,  19  de 
junho  de  1903,  effcctívo. 

83,  Dr.  Augusto  Siqueira  Cardoso,  25  de  junho  de  1903, 
correspondente. 

83.  Dr,  José  Maria  Pereira  de  Lima  ('),  11  de  setembro  de 
1903,  correspondente. 


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8/0  REVISTA  DO  IMSTITOTO  HISTÓRICO 

84.  Alberto  Santos  Dumoat,  11  de  setembro  de  19Q3,  bono* 
rario. 

85.  Victor  Ribeiro  {'),  11  de  setembro  de  1903,  correspon- 
dente. 

86.  Dr.  Albeno  de  Carvalho,  18  de  outubro  de   1903,  efib- 

CtiTO. 

87.  EÀluardo  Marques  Peixoto,  33  de  outubro  de  1903,  efe- 

CtÍTO. 

88.  Coronel  Jesuioo  da  Silva  Mello,  33  de  outubro  de  190^ 
efièctivo.  ^ 

89.  D.  Ldíz  de  Orléaos  e  Bragança,  6  de  novembro  de  1903, 
hoaorarío. 

90.  José  Feliciano  de  Oliveira,  ig  de  fevereiro  de  1904,  coiw 
respondente. 

91.  Dr.  Manuel  de  Mello  Cardoso  Barata,  30  de  maio  de 
1904,  honorário. 

93,  Conselheiro  Dr,  Cândido  Luiz  Maria  de  Oliveira,  17  de 
junho  de  1904,  e^ctívo. 

93.  Alberto  Pimentel  (*),  33  de  junho  de  1904,  co""ri™iHBnt« 

94.  Barão  de  Muritiba,  13  de  agosto  de  1904,  h 

95.  Commendador  Arthur  Ferreira  Machado  1 
de  dezembro  de  1904,  honorário. 

g6.  Dr.  José  Joaquim  Seabra,  38  de  abril  de 
rario. 

97.  Dr.  José  Leopoldo  de  Bnlhôea  Jardim,  s 
05,  honorário. 
q8.  d.  J<^o  Braga,  si  de  julho  de  1905,  honor 

99.  Dr.  Manuel  Cícero  Peregrino  da  Stlva,  s 
05,  honorário. 

100.  Dr.  Luiz  Gonzaga  da  Silva  Leme,  3t  de 
rres  pendente. 

loi.  Dr,  Jcâo  Pandíá  Calogeras,  18  de  setem 
êctivo. 

102.  Dr.  Joaquim  Nc^eira  Paranaguá,  4  do 
05,  eficctivo. 


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CMtASTRO  SOCIU,  87I 

103.  Dr.  Diogo  de  VaBConcelloa,  4  de  dezembro  de   1905, 
oorrespoodeDte. 

104.  Dr.  José  Perúra  R^[o  Filho,  35  de  junho  de  1906, 
efiectiTO. 

105.  Dr.  Bernardino  Machado  GidmaiSes (*),  çde Julho  de 
1906,  correspondente. 

106.  Dr.  Clóvis  Berilaqna,  15  de  ontabrode  1906,  hcmorario. 

107.  D.  Joaquim  José  Vidra,  6  de  mak)  de  1907,  hono- 
rário. 

loS.  Dr.  Augusto  Olympio  Vireíros  de  Castro,  ao  de  nudo 
de  1907,  honorário. 

109.  Dr.  Adolpho  Augusto  Pinto,  90  de  maio  de  1907,  cor- 
respondente. 

1 10.  Dr.  José  Carlos  Rodrigues,  10  de  junho  de  1907,  1k»k>* 
rario. 

111.  Dr.  Qastão  Rnch  Stmzenecker,  39  de  julho  de  1907, 


113.  Paulo  Barreto,  99  de  julho  de  1907,  efiectivo. 

113.  Dr.  Augusto  Tavans  de  Lyra,  lõ  de  setembro  de  1907, 
honorário. 

114.  António  Jansen  do  Paço,  30  de  setembro  de  1907, 
eSectÍTO. 

115.  Dr.  ]cAo  Luiz  Aires,  30  de  setembro  de  1907,  eGfecttvo. 

116.  General  Emygdio  Dantas  Barreto,  39  de  agosto  de  1908, 
efiectiTO. 

117.  Dr.  Alexandre  José  Barbosa  Lima,  99  de  agosto  de 
1908,  eflectivo. 

118.  Dr.  Alfredo  Augusto  da  Rocha,  39  de  agosto  de  1908, 
eflectivo. 

119.  Dr.  Luiz  António  Ferreira  Gualberto,  39  de  agosto 
de  igo8,  correspondente. 

ISO.  Dr,  Norival  Soares  de  Freitas,  5  de  outulMVJde  1908, 
efectivo. 

lai.  Fernando  Augusto  Georlette,  34  de  maio  de  1909, 
correspondente. 


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873  REVISTA  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

133.  Dr.  João  Coelho  Gomes  Ribeiro,  2ode  agostode  1909, 
e&ctivo. 

133-  !)•  }<^o  Baptista  Corrêa  Nery,  31  de  agosto  de  1909, 
correspondente. 

1 34.  Dr.  Ernesto  António  Lassance  Cunha,  1 2  de  outubro  de 
1909,  estivo. 

135.  Dr.  NDo  Peçanha,  37  de  novembro  de  1909,  presidente 
honorário. 

126.  Dr.  D.  Ramón  J.  Cárcano  (*),  i  de  agosto  de  igio,  cor- 
respondente. 

127.  José  Feliz  Alves  Pacheco,  i  de  agosto  de  1910,  eSe- 
ctivo. 

138.  Dr.  Alberto  de  Seixas  Martins  Torres,  3  de  outubro  de 
de  1910,  honorário. 

129.  Dr.  Eurico  de  Góes,  3  de  outubro  de  1910,  eSêctivo. 

130.  Vice-almirante  António  Coutinho  Gomes  Pereira,  3  de 
outubro  de  1910,  effectivo. 

131.  Dr.  Justo  Jansen  Ferreira,  33  de  junho  de  ig--    — 
respondente. 

133.  Dr.  Braz  Hermenegildo  do  Amaral,  22  de  ji 
1911,  correspondente. 

133.  Dr.  Henry  R.    Lang  (*),  32  de  junho  de  iç 
respondente. 

134.  Dr.  Pedro  Souto  Maior,  15  de  julho  de  191 1,  e 

135.  Dr.  José  Bonifácio  de  Andrada  e  Silva,  15  de 
1911,  correspondente. 

136.  Dr.  Altpío  Gama,  isdejulhode  1911,  efiectii 

137.  Dr.  Aloysio de  Castro,  15  dejnlhode   igii.f 

138.  Capitão  de  corveta  Francisco  Radler  de  Aquin 
agostode  igii,  effectivo, 

139.  Dr,  Homero  Baptista,  35  de  agosto  de  1911,  hc 

140.  Dr,  AfFonsod'Escragnolle  Taunay,  23  de  sete 
ig  1 1 ,  correspondente . 

141 .  Dr,  D.  José  Salgado  ('),  10  de  outubro  de  n 
respondente . 


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CADASTRO  SOCIAL  873 

143.  Dr.  Carlos  Maximiano  Hmenta  de  Laet,  i6  de  outubro 
efe  igii,  effectivo. 

143.  Marechal  Hermes  Rodrigues  da  Pooseca,  3i  de  novem- 
bro de  191 1,  presidente  honorário. 

144.  Dr.  D.  JuIio  Fernandez  (*],  4de  maiode  1913,  hono 
rario. 

145.  Dr.  Rivadavia  da  Cunha  Corrêa,  4  de  "maio  de  191a, 
honorário. 

146.  Dr.  Lauro  Sereriano  MuUer,  4  de  mato  de  1912,  ho- 
norário. 

147.  Dr.  Luiz  Gastão  d'EscragnoUe  Doría,  4  de  maío  de 
1913,  eBectivo. 

148.  Dr.  Washinton  Luis  Pereira  de  Sousa,  4  de  maiode 
1913,  correspondente. 

149.  Major  Dr.  Líberato  Bittencourt,  37  de  maio  de  1912, 
eflèctívot 

150.  Dr.  Afranio  de  Mello  Franco,  37  de  maio  de  1913, 
correspondente. 

151.  Dr.  Manuel  Emílio  Gomes  de  Carvalho,  37  de  maio  de 
1913,  correspondente. 

153.  Dr.  Hélio  Lobo,  6  de  Junho  de  1913,  effectivo. 

153.  Dr.  Alberto  Rangel,  6  de  junho  de  1912,  estivo. 

154.  Desembargador  Ataulpho  Nápoles  de  Paiva,  6  de  junho 
de  1913,  e^ctivo. 

155.  Francisco  Agenor  de  Noronha  Santos,  6  de  junho  de 
191 3,  eBectivo. 

156.  Dr.  Alfredo  Valladâo,  19  de  julho  de  1913,  efectivo. 

157.  Capitão  de  corveta  Raul  Tavares,  33  de  agosto  de  191S, 
eSectivo . 

158.  Dr.  Nicoláo  José  Debbané,  33  de  agosto  de  1913, 
correspondente . 

iSy.  Dr.  John  Casper  Branncr  (*),  30  de  maio  do  1913,  cor- 
resfxjndentc. 

160.  Pedro  Azevedo  (*),  30  de  maio  de  1913,  correspon- 
dente . 


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874  RCflBTA  DO  UMTITDTO  HBTORIOO 

161 .  Dr.  Eugénio  de  Andrada  Egas,  38  de  julho  de  1913, 
correspoodeate. 

163.  Dr.  Gentil  de  Assis  Moura,  aS  de  julho  de  1913,  cor- 
reqx)iideate. 

163.  Piddino  de  Figueiredo  (*),  38  de  jnlbo  de  1913,  ov- 
reapondente. 

164.  Dr.  Edgard  Roquette  E%to,  4  de  agosto  de  1913, 
eãectivo. 

165.  Dr.  António  Carios  Rib«ro  de  Andrada,  a6  de  setembro 
de  1913,  correspcmdente. 

166.  Corond   Theodoro  Rooserelt  {*),  6  de  outubro  de 

1913,  honorário. 

167.  Dr.  Miguel  Calmon  da  Pia  e  Almdda,  ao  de  abril  de 

1914,  eSectiTo. 

168.  Dr.  Enéas  Galv&o,  13  de  maio  de  1914,  eSectÍTo. 

169.  Dr.  JoSo  Ribeirr),  ta  de  maio  de  1914,  eSèctÍTO. 

170.  Dr.  Afibnso  A.  de  Freitas,  ta  de  maio  de  1914,  cor- 
respondente . 

171.  Dr.   D.  Lucas  Ayarragaray  {*),  asdemaiode  1914* 
corresp(Midente. 

17a.  António  de  Portuga)  de  Faria  (Visconde  de  Faria)  {*), 
33  de  maio  de  1914,  correspondente. 

173.  Professor  Basílio  de  Magalhães,  37  de  agosto  de  1914, 


174.  José  Ribeiro  do  Amaral,  33  de  agosto  de  1914,  corre- 
spondente. 

175.  Marechal  José  Bernardino  Bormann,   ao  de  abril  de 
1915,  eSectivo. 

176.  Dr.  Arthur  Pinto  da  Rocha,  38  de  jnnhodei9i5,effectÍTO, 

177.  Dr.   Aurelmo  de  Araújo  Leal,  38  de  junho  de  1915, 
-"--Sivo. 

178.  António  de  Barros  Ramalho  Ortigão,  38  de  junho  de 
5,  effectivo. 

179.  Dr.  António  Fernandes  Figueira,  38  de  junho  de  1915, 
aivo. 


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cu>&aTito  lOCuL  9?S 

180,  Dr.  Alfredo  Pinto  Vieira  de  Mello,  28  de  junho  de 
1915,  efiectívo. 

181.  Dr.  Alberto  Lamego,  38  de  junho  de  1915,  correspoD* 
dente. 

iSst  Dr.  Urbano  Santos  da  Costa  Aranjo,  31  de  julho  de 
1915,  honoraiio. 

183.  Dr.  Juliano  Moreira,  13  de  outubro  de  1915,  eãectiTO. 

184.  D.  Juan  Joeé  Biedma  ('),  13  de  outubro  de  1915,  cor- 
respondente. 

185.  Dr.  Anoibal  Velloso  Rebello,  13  de  ontubrode  1915, 
oorresponden^ 

186.  José  Cervaens  y  Rodrignez  (*),  i3  de  outubro  de 
1915,  correspondente. 

187.  Dr.  Wencesláu  Braz  Perdra  Gomes,  15  de  dezembro 
de  1915,  presidente  honorário. 

188.  Dr.  Ernesto  da  Cunha  de  Araújo  Viana. 

189.  Dr.  Érico  Marinho  da  Gama  Coelho. 

Secretaria  do  Instituto  Histórico  e  Get^raphioo  Brasileiro, 
3idejuUiodei9t6.  — Prancisc»  MARTunGuiiuiiiEs. — Visto, 
FLEitms. 

SodoB  lallecidai  apds  ■  sesiâo  mafu  de  21  de  ontabra  de  1915 

Dr,  Orville  Adalbert  Derby,  efectivo,  eldtoem  36  de  outubro 
de  1900,  fiillecido  em  37  de  novembro  de  1915. 

Dr.  Bernardo  Teixeira  de  Moraes  Leite  Velho  {*),  honorário, 
eleito  em  34  de  abri!  de  1903,  fallectdo  em  13  de  dezembro  de 
1915. 

José  Veríssimo  Dias  de  Mattos,  efectivo,  eleito  em  16  de 
novembro  de  1887,  fallecido  em  2  de  fevereiro  de  1916. 

Dr.  Aftjnso  Arinos  de  Mello  Franco,  correspondente,  eleito 
em  6  de  dezembro  de  1901,  ÊiIIecido  em  19  de  fevereiro  de 
1916. 

Dr.  Arthur  Orlando  da  Silva,  correspondente,  eleito  em  8  de 
outubro  de  1906,  Meddo  em  aS  de  mar^  de  1916. 


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876  RBVIST&  DO  INSTITUTO  HISTÓRICO 

Padre  Dr.  Júlio  Maria,  eSectiyo,  elãto  em  15  de  setembro  de 
1899,  fallecído  em  9  de  abril  de  1916. 

Conselheiro  Jraé  Francisco  Diana,  honorário,  eleito  em  13  de 
setembro  de  1889,  fãllecido  em  16  de  junho  de  1916. 

Dr.  Alfredo  Ferreira  de  Carvalho,  correspondente,  eleito  em 
7  de  julho  de  1905,  feUecido  em  33  de  junho  de  1916, 

Secretaria  do  Instituto  Histórico  e  Geographico  Braseiro,  31 
de  julho  de  igi6. —  Francisco  Martins  GuiuarXgs. —  Vbto, 
Fleiuss. 


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índice 

DAS 

matérias  contidas  no  tono  LIHVIII,  parte  II  da  «Retlsta» 


Documentos  sobre  «  vidaea  obradGNicoldoAntonioTauiiay(i755-i8jo)un 
dos  tuodadorcs  da  Escola  Nacional  de  Bell nS' Artes,  pelo  Dr.  ABbnsú 
d'EscraBnolle  Taunay,  soei  o  correspondente  do  Instituto 5 

A  circular  de  Tbcophilo  Ottont  (rcproducçSo  do  opúsculo  editado  em  iStM> 
e  1861,  nesta  Capital,  com  o  titulo  •  Circular  dedicada  aos  srs.  eleitores  de 
senadores  pela  provinda  de  Minas  Gcracs  no  quatriennfo  actua!  e  especi- 
almente dirigidas  aos  srs.  eleitores  de  deputados  pelo  i"  dislrlcto 
clciloral  da  mesma  província  para  a  próxima  legislatura  pelo  ex-depuiado 
Tljcoptillo  Benediclo  Oitoni  •  precedida  de  uma  summaria  apreciação  da 
vida  e  feitos  do  benemérito  pairloia),  por  Basílio  de  Magalhães,  soclo  do 
Instituto, 141 

Entreos  tiorcírús  (iraducçao  docap.  XVII  da  obra  Later  den  Nalarcólbern 
Zcnlral-Briilíiíns  do  Dr.  KarI  von  den  Steinen),  pelo  professor  Basílio  de 
Magalhlcs,  soclo  do  Instituto 380 

Manoel  Marcondes  de  Oliveira  e  Mello,  1°  barSode  Pindamonhangaba  {notas 

biographicas),  pelo  Dr.  João  Marcondes  de  Moura  Romeiro  .....     nyi 

Das  artes  plásticas  no  Brasil  em  geral  c  na  cidade  do  Rio  de  Janeiro  em 
particular  (curso  em  cinco  llctúes  professado  no  Instituto  Histórico  c  Gco- 
graphico  Brasileiro),  pelo  Dr.  Ernesto  da  Cunha  de  Araújo  Viana,  pro- 
fessor da  Escola  Nacional  de  Bellas-Artcs  do  Rio  de  Janeiro jc^ 

Actas  das  scssfles  de  1915 úog 

Blbllograptiia 633 

Anoexo— Cadastro <    •    ■     B$t 


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RIO  DB  JANEIRO 


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