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Full text of "Revista michaelense"

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^útrrÒTú  wrj-n^^4 


índice 

DO  NUMERO  ANTECEDENTE 


Pag. 


Breve  noticia  da  reclusão  do  Conde  do  Rio  Grande,  Lopo  Furta- 
do DE  Mendonça,  almirante  da  Real  Armada,  no  castello  da 
Ilha  Terceira — por  Bernardino  José  de  Senna  Freitas  211 

Historia  do  Descobrimento  das  Ilhas  dos  Açores  e  sua  denomi- 
nação de  ilhas  Flamengas— pelo  dr.  Jules  Mées,  traducção  de 
Ayres   Jacome   Corrêa 220 

Paramentos  Religiosos  do  século  xiv  das  Egrejas,  Matriz  de  Pon- 
ta Delgada,  e  do  Collegio  de  Angra  do  Heroisvio— por  F. 
Afonso  Chaves _ 255 

A  Crise  da  Guerra    na    Inglaterra 264 

Poeiras  do  Passado— O  SOLAR— por  Anibal   Bicudo  278 

Notas  e  Estatística  da  Ilha    de    Santa    Maria,    pelo   Engenheiro 

Francisco  Borces  da  Silva  nos  princípios  do  século  xis.  283 

Chronica    Económica.., 293 

Apontamentos  sobre  Architectura   Regional— por  Luís    Bernardo 

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LOJA    DO    POVO 

frente  da  iTlaíriz 


PROPRIETÁRIO,  DIRECTOR  E  EDITOR  — AYRES    JACONIE    CORRÊA  : 


Redacção  e  administração 
RUA  DO  COLLEGIO  N.''  13 


1'ONTA  DKLCi. 


MKiCEL-AÇUUES 


Composição  e  mpressão 

Oficina  de  Artes  Graphloes 


Os  direitos  de  propriedade  são  todos  da  Revista  salvo  para  os  artigos^Çque  trouxerem  mançãò  especii 
COPIA  E  TRADUCÇÃO  INTERDICTAS 


fiNNO  ."2 


S.  IWIGUEL,  SETEIVIBRO  DE  1919 


r* 


A\ooo5r2^pbia  <íe  Sapta  Luziam  cio  logar 


por  Rntonib  losé  Lopes  da  Luz 

(IV  PRiOR  DAS  FETEIRAS) 

1908 


LOG/\R 

A  área  do  logar  das  Feteiras,  conhecida  por  este  nome,  conforme  nos  diz  Gas- 
par Fructuoso,  desde  o  tempo  em  que  abundavam  os  fetos  nm  seus  extensos  cam- 
pos de  pastos  e  mattos,  extende-se  de  norte  a  sul  por  pouco  mais  de  oito  kilome- 
tros,  desde  um  sitio  montanhoso,  antigo  logradouro  commum,  conhecido  ainda 
lioje  com  o  nome  de  Serra  Devassa,  extremo  limite  com  a  freguezia  de  S.  António, 
até  á  (3 ria  marítima  de  uma  altura  espantosa,  principalmente  no  sitio  intitulado  do 
Monte  Gordo.  Na  direcção  de  leste  a  oeste,  pela  estrada  publica  de  Ponta  Delgada 
aos  Mosteiros,  podemos  contar  sete  kilometros,  desde  a  Grota  da  Figueira,  que 
desce  pelo  Monte  Gordo,  extremo  limite  com  o  logar  da  Relva,  até  á  Grota  da 
Baldaia,  extremo  limite  com  o  logar  de  Candelária. 

Collocados  em  qualquer  sitio  do  Monte  Gordo  na  estrada  que  o  atravessa  dt 
léste  a  oeste,  e  olhando  para  os  lados  de  noroeste  a  nordeste,  não  podemos  deixar  de 
admirar  os  formosos  caprichos  da  natureza  e  os  encantos  que  n'esses  sitios  nos  offe- 
recem  os  vários  montes  e  valles,  os  picos  e  os  outeiros,  todos  cobertos  de  uma  ver- 
dura perpetua!...  De  uma  altitude  de  mais  de  700  metros,  no  cimo  do  Pico  d;;s 
Egoas,  no  centro  da  Serra  Devassa,  podemos  ainda  admirar  o  bello  panorama  que 
a  nossa  visia  descobre  a  distancia  de  muitos  kilometros  nas  parochias  circum lisi- 
nhas L  .  .  No  cimo  do  mesmo  pico  podemos  também  vêr  e  admirar  duas  lagoas,  a 
prim.eira  das  quaes,  no  rumo  de  oeste  para  léste,  é  intitulada  a  Lagoa  do  Junco,  e 
a  segunda  quasi  imperceptivelmente  formada  de  outras  duas,  a  que  se  dá  o  nome 
de  Caldeirões  do  Pico  das  Egoas.  Maior  ainda  do  que  estas,  e  quasi  atravessando 
a  Serra-Devassa  de  norte  a  sul  vê-se  a  Lagoa  Rasa,  e  entre  esta  e  outra  de  figura 
oval,  a  que  dão  o   nome  de  Lagoa  do  Carvão,  podemos  ainda   distinguir  duas  pe- 


346 


REVISTA    MICHAELENSE 


quenas  lagoas  intituladas  Caldeirões  da  Lagoa  Rasa,  e  outras  duas  maiores  intitu- 
ladas Caldeirões  das  Vaccas  Brancas. 

Além  da  Serra-Devassa,  já  nos  limites  das  freguezias  do  norte,  principia  o  vas- 
to campo  do  Carcereiro,  e  caminhando  de  leste  para  oeste,  o  Portal  do  Paul  com 
duas  Lagoas  no  centro  intituladas  as  Empadas  ou  Lagoas  do  Paul,  depois  de  um 
sitio  extenso  conhecido  por  Sitio  dos  Covões,  depois  ainda  o  sitio  do  Canário  com 
a  sua  lagoa  do  mesmo  nome  no  centro,  ejinaimente  o  Mtio  do  Ferreiro  junto  á 
rocha  das  Sete-Cidades. 

No  regresso  da  Serra-Devassa  á  nossa  parochia  das  Feteiras  podemos  passar 
de  leste  a  oeste,  por  qualquer  dos  pontos  seguintes :  sitio  dos  Folhadinlws,  Pico 
das  Oveiras,  Ponta  da  Lagoa  Rasa,  Pico  fiedondo,  Santos,  o  Ferreiro,  os  Agui- 
Ihões,  o  Serrádo-Novo,  a  Ferraria,  sitio  das  Covas,  os  tspigões,  deixando  á  nossa 
direita  a  Chã  da  Cancella  e  o  Pico  da  Viuva. 

Depois  de  termos  atravessado  vastissimos  campos  de  férteis  pastagens  e  al- 
guns de  boas  culturas,  chegamos  á  estrada  publica  do  Monte  Gordo,  de  uma  al- 
tura vertiginosa,  nada  menos  de  250  metros ^obre  as  pedras  continuamente  fusti- 
gadas pelas  vagas  muitas  vezes  embravecidas  do  oceano.  As  rochas  do  Monte- 
Gordo,  pouco  menos  do  que  escarpadas,  são  muito  divididas  em  cerrados  de  pe- 
quenas glebas,  cobertos  de  formosas  parreiras  onde  antigamente  se  colhia  em  gran- 
de abundância  o  verdelho,  o  sobrainho  e  a  malvasia,  e  onde  ainda  hoje  fructifica 
a  Izabel  ou  uva  de  cheiro  como  na  Caloura  ou  no  Cerco  de  Agua  de  PâU.  Algu- 
mas d'essas  glebas  são  regadas  pelas  ayuas  de  uma  boá  náScehté  de  agua  potável. 

-^   Penosamente    e    com    o 

j,:  1    máximo  cuidado  é  neces- 

I    -ario     descer    de     umas 

•^'  •         '   •  ■"■a  as  outras  glebas  em 

ípenhadeiros  horripi- 
iiites,  apoiando  muitas 
e/e-,  os  nossos  pés  em 
chcaleiras  cavadas  na  ro= 
cha,  e  lá  èm  baixo  as  va- 
í^as  do  oceano  mugindo 
L'  augmentando  em  nós  o 
Histo  e  o  receio  com  os 
seus  mugidos  ameaçado- 
res!... Muitas  das  peque- 
nas  glebas  são  tambcni 
cultivadas  de  batatas,  pro- 
duzindo d'este  género  fru- 
ctos  de  óptima  qualidade 
e  em  grande  abundância.  Deixando  o  Monte-Gordo  de  uma  superfície  de  muitos 
kilometros  quadrados,  e  caminhando  para  oeste,  cada  vez  nos  approximamos  mais 
do  povoado  das  Feteiras. 

Conforme  os  apontamentos,  que  obsequiosamente  recebi  do  nosso  illustra- 
dissimo  bibliothecario  de  Ponta  Delgada,  Alexandre  de  Souza  Alvim,  eis  como  GaS- 
par  Fructuoso  descreve,  com  referencia  a  um  ponto  anterior,  o  littoral  da  nossa 
parochia  das  Feteiras:— d'ahi  a  um  quarto  de  légua  está  a  grota  que  se  chama  da 
Figueira,  por  haver  tido  em  si  uma;  e  logo  junto  está  a  ponta  Aguda,  assim  dita 
por  ser  a  rocha  que  faz;  d'esta  ponta  Aguda  a  um  quarto  de  légua,  está  a  cruz  do 
Monte  Gordo  que  é  uma  terra  grossa  onde,  de  muito  tempo  a  esta  parte,  está  uma 
cruz  arvorada,  fazendo  alli  a  rocha  uma  ponta  ao  mar,  que  se  chama  ponfa  da 
Cruz,  defronte  da  qual  estão  no  már  uns  baixos;  adeante  está  outra  ponta  que 
chamam  das /v/^íras,  por  haver  n'ella  muitos /^/os,  que  tem  umas  ilhas  ao  mar 
muito  pequenas  (provavelmente  uns  Cachopos,  que  lá  existem  ainda  hoje)  entre  os 
quaes  e  a  ponta  passam  barcos  onde  estão  as  terras  que  foram   de  D.  Fernando  e 


PANOR.AM.A  DAS  hETEIRAS 
Vista  da  Estrada  Nacional  ao  Ramal 


REVISTA    MiCHAfcLENSE  '  34? 

de  D.  Guiomar  de  Sá,  sua  mulher;  d'alli  a  mais  de  lim  quarto  de  Jéguá  está  urti 
porto  cm  que  saliem  bateis,  pôr  cuja  razão  se  chama  o  porto  dos  Bítéis  (hdjfe  ccM- 
pletamente  abandonado)  no  qual  já  se  fez  antigamente  uma  náú  muito  grande;  é 
arriba,  na  terra,  está  o  logar  das  Feteiras  que  cobrou  este  nome,  pór  haver  n'ellé 
muitos/e^os,  ein  uma  terra  mais  baixa  e  rasa,  muito  bem  assombrada,  que  se  quer  pare- 
cer, n'esta  parte,com  a  da  ilha  da  Madeira,  cuja  freguezia  é  da  ihvocação  dé  St.''  Lu- 
zia, etc. 

Como  se  vê,  só  a  parte  baixa  da  nossa  parochia  era  povoada  no  tempo  dé 
Gaspar  Fructuoso,  sendo  hoje  muito  superior  à  populaÇtão  dos  sítios  mais  altos-. 
Vamos  agora  descrever  como  sabemos  toda  a  circumscripção  povoada; 

Uma  serrania  de  bons  terrenos  e  quasi  todos  bem  cuitivadoS)  ainda  qUe  mui- 
to expostos  ás  ventanias  do  sul,  n'uma  inclinação  mais  ou  menos  Íngreme  e  na  al- 
titude media  de  350  metros,  circumda  os  sitios  povoados  em  forma  de  um  perfeito 
arco  de  circunrferencia,  de  leste  a  oeste,  na  distancia  de  trez  kilometros  approxíma* 
damente.  fim  uma  só' rua,  muito  irregular,  interrompida  por  canadas  ou  becos,  e 
em  muitos  sitios  por  campos  de  cultura  sem  habitações,  muito  perto  das  encostas 
da  serrania,  e  separada  do  oceano  por  extensos  campos  de  boas  terras  lavradias, 
existe  a  população  actual  com  pouco  mais  de  500  fogos,  nos  quaes  se  abrigam 
pouco  mais  de  2.000  habitantes. 

Comtudo,  é  a  parochia  dividida  em  varias  secções,  e  muitas  d'çstas  são  co- 
nhecidas pelos  moradores  com  o  nome  de  ruas,  distinguindo-se  os  becos  e  as 
canadas  por  nomes  particularmente  próprios,  e  dando-se  o  nome  commum  de 
Rua  Direita  a  cada  uma  das  secções  da  única  que  merece  o  nome  de  rua,  aíndt 
que  composta  de  linhas  quebradas  a  certas  distancias. 

A  primeira  divisão,  que  em  outros  tempos  parecia  dividir  os  íiabitantes  em 
dois  povos  differentes,  principalmente  nas  occasiões  dos  impérios,  é  a  da  secção 
dos  de  cima  e  a  dos  de  baixo.  E'  muito  duvidoso  o  ponto  d'esta  divisão,  a  meio 
da  rua  principal,  nas  proximidades  da  Grota  de  Santa  Luzia,  por  que  alguns  dos 
moradores  de  um  dos  lados  da  grota  desejavam  pertencer  á  sociedade  dos  mora- 
dores do  outro  lado,  e  muitos,  em  fim,  mais  amigos  da  união  e  da  paz,  levavam 
sempre  a  mal  esta  divisão.  Sem  fundamento  algum  na  topographia  do  logar,  prin- 
cipalmente depois  de  se  ter  feito  por  conta  do  município  um  largo  aterro  em  for- 
ma de  uma  bonita  praça  sobre  um  arco  que  atravessa  a  grota  no  ponto  das  dis- 
córdias, esta  divisão  fundamenta-se  já  hoje  em  tradições  de  antigas  rivalidades  ou 
mesquinhas  dissidências  unicamente  por  causa  dos  impérios  do  Espirito  Santo. 

Principia  a  secção  dos  decima  na  Ponta  do  Espigão,  sitio  afastado  approxima- 
damente  uni  kilometro  do  logar  onde  principia  a  Vigia  do  Monte  Gordo,  e  pro- 
longa-se  para  oeste  na  distancia  de  200  metros  até  á  Grota  do  Ramalho,  com 
meia  dúzia  de  soffriveis  casas  de  habitação.  Nas  proximidades  da  Grota  do  Rama- 
lho, antes  de  chegarmos  ao  canto  de  uma  canada  muito  espaçosa  em  comprimen- 
to e  de  largura  regular  a  que  dão  o  nome  de  Rua  Nova,  podemos  contar  pouco 
mais  de  20  habitações,  menos  soffriveis  do  que  as  da  ponta  do  Espigão,  dando-se 
a  esta  parte  da  rua  principal  o  nome  de  Rua  Direita  do  Ramalho.  Descendo 
á  nossa  esquerda,  no  rumo  do  sul,  pela  referida  Rua  Nova,  n'uma  inclinação  de 
IO  'l„  contaremos  30  habitações,  algumas  de  palha  e  outras  de  telha,  mas  todas 
ellas  novas  e  térreas,  e  todas  ellas  indicando  nas  suas  humildes  apparencias  a  po- 
breza dos  seus  habitantes.  l'epois  do  canto  superior  da  Rua  Nova,  continuando 
sempre  na  rua  Principal,  e  agora  com  o  nome  de  Rua  Direita  da  Chã  da  Fonte, 
deixamos  no  rumo  do  norte  uma  canada  muito  íngreme  de  10  habitações  com  o 
nome  de  rua  da  Giesta.  Continuando  o  nosso  passeio  por  entre  24  habitações 
de  famílias  mais  ou  menos  remediadas,  algumas  baixas  e  outras  altas  de  soffri- 
vel  apparencia,  chegamos  pela  rua  Direita  da  Chã  da  Fonte  a  um  sítio  mais  lar- 
go do  que  a  rua,  onde  existe  uma  boa  fonte  de  agua  potável,  e  sem  interrupção 
alguma  pelo  pavimento  bem  nivelado  da  mesma  rua,  agora  com  o  nome  de  Rua 
Direita  da  Chã  da  Cruz  contamos  n'este  sitio  14  casas  telhadas  e   duas  de  palha. 


348  tefeYlSTA     MICtiA£LEMS£ 

Deriva  o  nome  d'er.ta  rua  de  uma  cruz  de  pedra  lavrada  a  que  se  refere  Gaspar 
Fructuoso,  conforme  vimos  nos  apontamentos  do  Snr.  Alvim.  Depois  da  Chã  da 
Cruz  atravessamos  a  Grota  das  Lagens  sobre  uma  ponte  construída  no  tempo  do 
Ex.""  Snr.  António  Borges  da  Camará  e  Medeiros,  e  que  é  sem  duvida  um  dos 
melhoramentos  referidos  no  Cartista  dos  Açores,  n."  148  de  23  de  agosto  de  1849, 
conforme  os  apontamentos  do  mesmo  Snr.  Alvim,  no  qual  gastou  S.  Ex,"  mais  de 
240.000  reis.  Além  da  pont&  podemos  descer  em  saltos  perigosissimos  para  a  Gro- 
ta das  Lagens  passando  por  oito  habitações  de  aspecto  miserável,  ou  subir  á  nos- 
sa direita  peia  Canada  da  Cruz  com  cinco  casas  de  aspecto  agradável.  A  Chã  da 
Cruz,  em  fim,  é  o  cimo  de  um  altíssimo  arrebentão,  cuja  altitude  pode  ser  calcu- 
lada em  mais  de  250  metros. 

Descemos  depois  o  referido  arrebentão  na  rua  principal  com  o  nome  de  Cal- 
ço da  Cruz,  contando  34  casas  em  ambos  os  lados  até  á  interrupção  da  Canada 
do  Engenho,  onde  podemos  contar  na  direcção  sul  18  casas  de  numerosas  famí- 
lias. Conforme  a  tradição,  deu-se  o  nome  de  Engenho  a  esta  canada,  porque  re- 
almente houve  n'ella  antigamente  um  Engenho  onde  se  fazia  o  extracto  do  óleo 
de  baga  de  louro.  Deixamos  n'este  sitio,  quasi  defronte  da  Canada  do  Engenho, 
mais  uma  fonte  de  boa  agua  potável,  e  continuamos  na  rua  principal  em  outra 
secção  de  Rua  Direita  do  Engenho  ao  Grotilhão  contando  20  casas,  até  que  dei- 
xamos á  jHossa  esquerda,  no  rumo  do^^^sul,  a  Canada  do  Grotilhão  com  lô  habita- 
ções de  famílias  muito  pobres.  Na  rua  principal,  sempre  intitulada  Rua  Direita,  nas 

^  suas  varias  secções,  esem- 
,  '  pre  a  descer  mais  ou  me- 

nos, contamos  ainda  uma 
dúzia  de  casas  de  soffri- 
veis  apparencias  até  á 
Grota  de  Santa  Luzia, 
hoje  uma  bonita  praça 
sobre  o  arco  ou  aque- 
ducto  da  Grota,  no  cen- 
tro do  qual  existe  um 
chafariz  de  mármore 
branco  com  q,uatro  fon- 
tes voltadas  para  os  qua- 
tro pontos  cardeaes,  e  que 
uurante  muitos  annos  ha- 
via servido  na  praça  do 
,  ,     ,  .  ,,    .     ;.,..,  niunicipio  de  Ponta  Del- 

gada.  Junto  a  Grota  de 
Santa  Luzia,  no  rumo  do  norte,  caminhamos  ao  princípio  pela  intitulada  rua  da 
Fonte  com  12  habitações  de  gente  pobre,  passando-se  pela  fonte  que  lhe  dá  o  no- 
me, e  sobe-se  depois  como  quem  sobe  um  grande  precipício  pela  rua  da  Azenha 
sobre  pedras  que  formavam  antigamente  uma  calçada,  e  em  toda  esta  rua  de  250 
metros  podemos  contar  25  casebres  de  pobres  famílias  de  lavadeiras. 

E'  agora  que  principiamos  no  sitio  dos  de  baixo  sem  interrompermos  o  nos- 
so passeio  pela  rua  principal,  e  continuando  pela  parte  d'esta  a  que  dão  o  nome 
de  Rua  do  Canto,  cjm  nove  habitações,  deixamos  á  nossa  direita,  para  o  norte,  a 
rua  do  Beco  com  doze  casas  de  famílias  pobríssimas,  e  seguimos  pela  rua  Direita 
da  Egreja  de  pavimento  bem  nivelado  contando  em  ambos  os  lados  10  casas  de 
boas  apparencias  onde  moram  famílias  bem  remediadas.  No  fim  d'esta  rua  encon- 
tramos á  nossa  esquerda  a  egreja  parochial  de  Santa  Luzia,  no  mesmo  sitio  da 
antiga  ermida  de  Nossa  Senhora  de  Guadalupe,  com  a  sua  frente  para  oeste,  edi- 
ficada em  1838  por  iniciativa  e  valiosos  auxílios  do  seu  primeiro  prior,  Sebastião 
Gonçalves  de  Moraes.  Em  outro  capítulo  diremos  o  que  se  pode  saber  das  recei- 
tas e  despezas  realisadas  nas  obras  d'este  edifício.  A  egreja  é  ampla  e  bem   cons- 


RteVtStA    MlCHAELSNSS  349 

truida  com  o  único  defeito  de  ser  a  sua  altura  desproporcionada  com  as  outras 
dimensões,  e  talvez  por  isso  de  péssimas  condições  acústicas.  Tem  a  egrcja,  além 
do  altar  da  capella-mór,  recentemente  edificado  e  dourado,  em  substituição  do 
primeiro,  e  a  mesma  capella  recentemente  pintada,  mais  quatro  altares,  dois  dos 
quaes  aos  lados  do  arco  cruzeiro,  também  reedificados  de  poucos  annos,  e  os  ou- 
tros dois  com  os  seus  retábulos  muito  antigos  e  que  em  outros  tempos  tinham  ser- 
vido na  egreja  do  Coilegio  de  Ponta  Delgada.  E'  justo  consignar-se  n'este  logar 
que  a  nova  imagem  do  orago  foi  adquirida  por  commutação  de  um  voto  de  100 
mil  reis  de  João  Raposo  Simões  e  uma  esmola  de  50.000  rs.  da  Ex.'""  Snr."  D.  Flo- 
rinda Izabel,  viuva  de  Jacintho  Raposo  Benevides,  fallecida  em  1905. 

E'  uma  imagem  encantadoi-a  de  perfeição  artística. 

Depois  da  rua  Direita  da  Egreja,  continuamos  o  nosso  roteiro  pela  rua  prin- 
cipal da  freguezia,  agora  intitulada  Rua  de  Fora,  porque  se  esconde  pelos. lados 
do  sul  e  oeste,  em  forma  dè  um  arco  muito  irregular,  a  Rua  d'Aiém,  c.om  a  sua 
entrada  junto  á  porta  principal  da  Egreja  e  a  sabida  no  termo  da  mesma  rua  de 
Eóra.  Tem  a  rua  d'Além  17  casas,  e  a  Rua  de  Fora  13,  muitas  d'ellas  de  famílias 
pobres  e  algumas  remediadas.  Continuando  o  nosso  roteiro  pela  rua  de  Eóra,  é 
necessário  no  fim  d'ella  descermos  por  um  curto  arrebentão,  atravessando  depois 
por  cima  de  um  arco  ou  aqueducto  a  Grota  das  Feteiras,  que  dá  o  nome  a  este 
sitio  com  as  suas  habitações.  Deixamos  depois  á  nossa  esquerda,  em  direcção  a  su-. 
doeste,  a  rua  dos  Vinte  e  Quatro,  ou  uma  canada  de  mais  de  200  metros,  até  qua- 
si  ao  cimo  da  rocha  marítima  com  20  miseráveis  albergues.  Em  seguida  ao  canto 
da  rua  dos  Vinte  e  Quatro  passamos  a  poucos  passos  pelo  cemitério-  publico  da 
parochia,  e  entramos  na  rua  Direita  dos  Grotilhões  com  14  habitações,  interrom- 
pida por  3  pequenos  becos,  dos  quaes  o  primeiro,  com  11  casas,  tem  o  nome 
pouco  conhecido  de  beco  da  Fé,  o  segundo  com  4  casas  tem  o  nome  de  beco 
da  Esperança,  e  o  terceiro  com  S  casas  tem  o  nome  de  beco  da  Caridade. 

Depois  da  Rua  Direita  dos  Grotilhões  continuamos  o  nosso  passeio  pelo  pro- 
longamento da  mesma  rua  com  o  nome  de  Rua  das  Cruzinhas  com  10  habitações 
altas  ou  baixas,  mas  todas  ellas  de  famílias  pobres.  No  fim  d'esta  rua  ha  uma  fon- 
te de  agua  potável  e  ao  lado  da  fonte,  no  rumo  do  norte,  uma  canada  com  o  no- 
me de  Canada  das  Cruzinhas,  que  liga  a  rua  principal  da  íreguezia,  ou  antiga  es- 
trada publica,  com  a  estrada  nova,  já  hoje  conhecida  com  o  nome  de  Rua  da  Es- 
trada Nova. 

Voltando  á  rua  principal  e  continuando  o  nosso  passeio,  sempre  de  leste  para 
oeste,  passamos  200  metros  de  caminho  desde  a  fonte  das  Cruzinhas  até  deixar- 
mos á  nossa  esquerda  uma  canada  que  desce  para  o  már  com  o  nome  de  Canada 
do  Porto,  e  que  termina  no  referido  porto  a  que  Gaspar  Fructuoso  chama  Porto 
dos  Bateis.  Podemos  contar  n'esta  Canada  apenas  quatro  habitações,  e  depois  de 
termos  passado  na  estrada  ou  caminho  principal  por  mais  sete  casas  muito  isola- 
das, ao  fim  de  150  metros  da  ultima,  chegamo:,  a 3  sitio  intitulado  do  Biscouto. 
Tem  este  sitio,  similhante  a  uma  pequenina  aldeii  muito  isolada,  24  albergues  de 
famílias  pobríssimas. 

Continuando  o  nosso  passeio  pela  antiga  e.-t.ada  publica,  passamos  200  me- 
tros de  caminho  sem  habitações,  e  deixando  á  ni'ssa  esquerda  um  casal  no  meio 
das  terras,  chegamos  á  Grota  de  Maria  Martins,  que  facilmente  atravessamos  so- 
bre uma  ponte  muito  alta,  depois  da  qual  caminhamos  mais  200  metros  até  ao 
ponto  em  que  encontramos  o  vértice  de  um  angulo  formado  pelo  encontro  da  es- 
trada nova  com  o  antigo  caminho.  Caminhando-se  mais  200  metros  pela  única  es- 
trada desde  o  ponto  de  convergência  das  duas,  chegamos  á  Grota  da  Baldaia,  e 
atravessando  esta  sobre  outra  ponte  ficamos  na  Lomba  da  Cruz.  Não  obstante  ser 
a  Grota  da  Baldaia  o  limite  civil  entre  as  parochias  de  Feteiras  e  Candelária,  con- 
tamos ainda  no  nosso  roteiro  parochial  14  fogos  na  Lomba  da  Cruz,  havendo  lá 
apenas  um  só  fogo  que  pertence  a  Candelária  no  foro  ecciesiastico. 

Na  estrada  nova,  encravada  na  serrania  pela  distancia  de  250  metros,  desde  a 


350  feEVtSTA    MICHAELENSE 

Ponta  do  Espigão,  mais  ou  menos  parallela  á  rua  principal  das  Feteiras,  até  segu- 
ramente 2.500  metros  no  ponto  em  que  ambas  se  encontram,  podemos  ainda  con- 
tar 16  habitações  isoladas  a  grandes  distancias,  todas  novas  e  muito  elegantes,  ain- 
da que  modestas  e  sem  signaes  alguns  de  riquezas  e  apparatos,  excepto  o  palácio 
pouco  afastado  da  mesma  estrada,  que  é  hoje  propriedade  do  111."''  e  Ex.""  S  nr. 
Dr.  Duarte  de  Andrade  Albuquerque.  Fora  da  cidade  de  Ponta  Delgada,  não  me. 
parece  que  haja  um  edifício  de  tanta  elegância  e  com  todas  as  commodidades  bem 
próprias  de  pessoas  ricas.  E'  este  palácio  rodeado  de  um  jardim  de  bom  gosto,  e 
nenhuma  distracção  mais  innocente  e  agradável  podemos  encontrar  n'esta  parochia 
do  que  um  passeio  por  aquelle  jardim,  com  a  permissão  do  seu  proprietário,  que 
é  realmente  um  cavalheiro  tão  illustre  como  generoso. 

Conforme  o  methodo  seguido  nas  nossas  Monogmpliias—àt  Candelária  e  Gi- 
netes, vamos  agora  fazer  a  nomenclatura  de  todos  os  sitios  povoados  ou  ermos, 
montes,  valles,  lagoas,  terras,  canadas,  mattos  e  pastos,  embora  repetindo  alguns 
acima  referidos. 

sítios  POUOflDOS 

Secções  dos  de  cima  e  dos  de  baixo— Ponidi  do  Espigão— Rua  Direita  do  Ra- 
malho—Rua Nova— Rua  da  Giesta —Rua  Direita  da  Chã  da  Fonte— Rua  Direita  da 
Chã  da  Cruz— Grota  das  Lagens— Canada  da  Cruz— Calço  da  Cruz— Canada  do 
Engenho  -Canada  do  Grotilhão— Rua  Direita  do  Engenho  ao  Qrotilhão-Rua  Di- 
eita  da  Grota  de  Santa  Luzia— Rua  da  Fonte— Rua  d'Azenha— Rua  do  Canto— 
Rua  do  Beco— Rua  Direita  da  Egreja— Rua  da  Cerca— Rua  de  Fora— Rua  d'Além 
—Rua  da  Grota  das  Feteiras— Rua  dos  Vinte  e  Quatro— Rua  dos  Grotilhões— Ca- 
nadas ou  becos  da  Fé — da  Esperança— da  Caridade— Rua  Direita  das  Cruzinhas 
—Canada  das  Cruzinhas— Canada  do  Porto— Sitio  do  Biscouto— Lomba  da  Cruz 
—Estrada  Nova— 

l/inhas  e  íerras  de  çUlííjra 

Fonte  Grande  — Rôcho —Branco — Fajã  do  Már — Rabo  Teso— Lapa — Fajans — 
Piqo  das  Voltas— Capello— Lomba  do  Quarteiro— Lomba  da  Grota  das  Lagens— 
Cova  do  Engenho— Olho  de  Peixe — Vinte  e  Quatro — Posto — Biscouto — Meio  Moio 
—Covas— Terças— Baldaia. 

Tçrras  ç  pastos  da  çstrada  ao  rnaíío 

Grota  da  Figueira —Grotilhão  do  Engenho— Furado  ou  Aberta- Grotilhão  do 
Vinho— Pico  de  D.  Antonia^Pico  do  Vigário  — Parede  da  Taveira— Sanguinho — 
-Grotilhão  da  Rocinha— Figueirinha— Vigia— Lomba  da  Pedra-Piquinhos— Lom- 
binhas—Tábolas—Romangos— Travessa— Parede  da  Cafúa— Roça— Foros  -  Covas 
— Chã  do  Tanque — Pico — Bardo — Courelas— Cruzinhas — Pau  Branco — Biscouto 
—  Escadinha— Aleixo— Maria  Martins— Tronqueira—Sanguinhos— Mattos— Rochão 
—Serrado  d'Areia—Lombinha— Serrado  da  Fonte— Lomba  Larga— Cintres— Va- 
queiro— Espigão  da  Ribeira — Pico  Redondo — Santos-  Terreiro — Serrado  do  Salto 
—Touril— Serrado  Novo— Ferraria— Covas— Espigões— Piquetes— Ginjal—Fajãs— 
Lombas— Pico  da  Viuva. 

Sítios  rnais  afastados  do  povoado 

Monte  Gordo— Serra  Devassa— Pico  das  Egoas— O  Pombal— A  Cancella— 
Chã  do  Tanque— Lagoas  do   Junco— dos    Caldeirões     do  Paul— do   Carvão— La- 


REVISTA     MICHAELENSE 


351 


gôa  Rasa — Lagoa  das  Empadadas — Lagoa  das  Vaccas  Brancas — Sitios  do  Carro-, 
ceiro— do  Portal  do  Paul -dos  Folhadinlios— do  Pico  das  Oveiras— das  Pontas  da 
Lagoa  Rasa— do  Pico  Redondo— Serrinha  dos  Santos— Pico  dos  Viúvos— dos  Ou- 
teiros- do  Outeiro  da  Cruz— Serrado  do  Curral— Valle  Fundo. 


POPULAÇÃO 


Menos  populoso,  aíílda  que  mais  antigo,  era  o  íogar  das  Feíeiras  do  que  o  de 
Candelária,  no  principio  do  século  XVil,  pois  que,  conforme  o  fiurilero  de  rtascí- 
Hieníos  no  decennio  de  1621 — a— 1630,  podemos  calcular  a  sua  população  tí'ú' 
ma  média  de  S5  fugõà  com  '482  habitantes,  quasi  a  mesma  população  qi(e  ve- 
mos em  Candelária  no  penúltimo  deceiínio  do  século  XVI,  emquanto  que  n'egte 
ultimo  logar  e  no  mesmo  decennio  de  1621— a— 1630  é  calculada  a  população 
n'uina  média  de  104  fogos  com  468  habitantes.  Pouco  mais  do  que  estacionaria 
continuou  a  população  das  Feteiras  até  ao  decennio  de  1661— a— 1Ó70,  augtííen- 
tando  nos  decennios  seguintes  até  1720,  diminuindo  sensivelmente  nos  deceiínios 
posteriores  ao  fim  do  século,  augmentando  espantosamente  no  século  XIX,  até 
que  no  anno  de  19Õ0  havia  rias  Feteiras  quasi  o  duplo  da  ponuLição  de  Candelária. 

Tomaremos  para  fundamento  dos  nossos  cálculos  ~'r.hi-r  n  m-nimento  popu- 
lar das  Feteiras  o    mesmo    principio   que   nos  _  , _ 

guiou  nas  Monograpliias  de  Candelária  e  Gi-  .' 
netes,  isto  é,  o  producto  de  seis  unidades  pela 
media  de  nascimentos  de  cada  decennio,  al- 
cançando ■d'este  modo  a  media  de  fogos  dé- 
cada anilo  do  mesmo  decennio,  e  o  producto 
■da  media  de  fogos  por  quatro  unidades  e 
citldo  decimas  para  alcançarmos  a  media  an- 
nual  do  numefo  prbvaVel  de  habitantes. 

Menos  feliz  no  archivo  patochial  das    Fi- 
teiras do  que  no  de  Candelária,  mas  certam 
te  mais  feliz  do  que  no  de   São  Sebastião    h 
Ginetes,  nas  minhas  pesquisas  de   documeiíi 
antigos,  encontro  a  escripturação  de  casaiiu 
tos  e  nascimentos  L.em  interrupção  alguma  d 
de  1818  até  hoje.  Não  a;:ontece,  porem,  o  iiit-  - 
mo  nos  assentos  de  óbitos,  pois  que  só  encon- 
tro os  dos  adultos*  de  1630— a— 1760,  e   de  to- 
das as  edades  de  1771  por  diante. 

No  nosso  novo  trabalho  dos  Boletins  pu- 
demos contar  2772  famílias  no  longo  decorni' 
de  280  anno?.  ou  de  162'— a— IÇOO,  das  qii:i<' 
1982  constituídas  pelo  casamento  n'esta  paii- 
chia,  683  cujos  chefes  contrahiram  matrimonio 
em  outras  parochias,  algumas  d'estas  ultima- 
mente nos  Estados  L'nidos  d'Americ?.,  e  98  de 
mulheres  solteiras  ou  viuvas  com  filhos  illegi- 
timos,  e  finalmente  nove  uniões  illegaes.  Como  meio  de  facilmente  se  poder  apre- 
ciar o  movimento  demographico  das  Feteiras  de  duzentos  e  oitenta  annos,  vamos 
apresentar  o  respectivo  mappa  em  vinte  e  oito  decennios. 


':.^^^mm 


o  Ramal  Novo 


352 


REVISTA    MICHAELENSE 


Mappa  do  rqouirnçnto  popiíiar  de  1621-a-1900 

Numero?  por  decennios  de 

Famílias 

illegitimas 

DECENNIOS 

CS  2 

Nascimentos 

ÓBITOS 

Medias  de 

ii 

Él 

ti 

u  1 

M. 

F. 

Total 

^'_ 

>7 

Total 

Fogos 

Almas 

Jj 

1 

1621 -a -1630 

22 

73 

69 

142 

85 

382 

1631-3—1640 

23 

82 

78 

160 

24 

24 

96 

432 

7 

1641-a-1650 

31 

82 

84 

166 

32 

32 

99 

445 

3 

2 

1651— a- 1660 

31 

86 

76 

162 

43 

43 

97 

436 

3 

T 

1661  —  3-1670 

21 

84 

65 

149 

43 

43 

89 

400 

2 

1671-3-1680 

29 

97 

84 

181 

52 

52 

108 

486 

5 

16Sl~a-16Ç0 

41 

120 

93 

213 

110 

110 

127 

571 

3 

1691—3-1700 

48 

"135 

129 

264 

143 

143 

158 

711 

1 

1 

1701-3-1710 

68 

158 

127 

285 

55 

55 

171 

769 

1 

1711-3—1720 

62 

160 

154 

314 

80 

80 

188 

846 

3 

1721-3-1730 

62 

158 

148 

306 

140 

140 

183 

823 

1 

1731—3—1740 

57 

140 

160 

300 

87 

87 

180 

810 

2 

1741— a— 1750 

66 

147 

126 

273 

107 

107 

163 

733 

1751—3—1760 

57 

144 

124 

268 

128 

128 

160 

720 

2 

176!  — 3— 1770- 

55 

154 

155 

309 

103 

103 

185 

832 

3 

1771-3-1780 

57 

131 

140 

271 

144 

160 

304 

162 

749 

2 

1781-3-1790 

62 

146 

95 

241 

114 

64 

178 

144 

648 

1 

1791-3—1800 

63 

145 

133 

278 

98 

106 

204 

166 

747 

2 

1801—3-  1810 

72 

168 

177 

345 

185 

110 

295 

207 

931 

10 

2 

,1811-3-1820 

76 

171 

175 

346 

171 

183 

354 

207 

931 

í 

1821—3-1830 

80 

245 

213 

458 

146 

180 

326 

274 

1433 

4 

1831-3-1840 

100 

215 

223 

438 

171 

180 

351 

262 

1179 

1841-  3-1850 

95 

294 

265 

559 

121 

327 

448 

335 

1437 

4 

C3 

1851—3-1860 

87 

342 

287 

629 

150 

207  1  447 

377 

1696 

4 

75 

1861—3—1870 

106 

320 

260 

580 

205 

249     454 

348 

1566 

/ 

1 

51 

1871  —  3—1880 

176 

408 

394 

8í>2 

205 

350    ■555 

48J 

2164 

4 

1 

14 

1881-3—1890 

163 

439  j  402 

841 

236  i  362  ;  598 

504 

2268 

14 

1 

1 

1891—3-1900 

172 

403  j  457 

8(jO 

224  i  317     541 

516 

2322 

5 

___ 

OBSERUflÇOES 

Vê-se  no  m3pp3  precedente,  que  ein  280  3nnos -iiasceiMiii  10.140  indivíduos, 
dos  qu3es  5.427  do  sexo  m3Sculino,  e  4.893  do  sexo  feminino,  havendo  por  t3nto 
um3  differença  de  354  indivíduos  3  f3vor  do  sexo  forte. 

CoiTip3rando  a  nat3lid3de  com  a  mort3líd3de,  vê-se  que  nos  3nnos  de  1771  — 
3—1900  fnlieceram  5.055  indivíduos,  dos  quaes  2.170  maiores  de  sete  3nnos,  e 
2.885  menores  d3  mesma  ed3de.  No  mesmo  período  de  tempo  nascersm  6.648  in- 
divíduos de  3mbos  os  s?xos,  e  por  t3nto,  teínos  a  mortalidade  de  pouco  mais  de 
76  "lo  sobre  a  n3ta]id3de,  ou  m3is  de  8  "[o  do  que  n3  proxims  freguezia  de  Can- 
delária. 

Diz  Gaspar  Fructuoso,  conforme  os  spontamentos  do  Snr.  Alvim,  referindo- 
se  á  parochÍ3  d3s  Feteír3s:  Tem  92  fogos,  e  almas  de  confissão  402,  das  quaes  são 
de  communhão  280.  E  conforme  3  fíevista  dos  Açores,  vol.  Xi,  pag.  145,  devia  ser 
a  população  das  Feteiras  em  1591  de  101  fogos,  em  1592  de  105  fogos,  e  em  1593 
de  103  fogos.  Parece-nos  pois,  que  a  populaçcão  das  Feteiras  diminuiu,  ainda   quç 


RFVISTA     MICHAEIENSE  353 

pouco,  pelos  fins  do  século  XVI  ou  princípios  do  século  X\'il,  porque  -i  ■.;  en- 
nio  de  1621 — a— 1630  appireceni-nos  no  registo  parochia'  só  142  raso  ne.  to  ou 
a  media  annual  de  pouco  mais  de  14,  e  por  tanto,  ccrforme  os  nossos  cílculos,  5 
fogos  com  3S2  habitantes, 

Outra  estatística  da  mesma  Revista  e  no  mesmo  vol.  prg.  146,  diz  que  era  i 
população  das  Feteiras  no  anno  de  1640  de  09  fogos  com  350  alma;--,  e  em  1646 
de  104  fogos  com  543  almas.  Parece-nos  pouco  em  1640,  e  niuito  em  1646,  por- 
que no  decennio  de  1641— a— 1650  temos  a  média  de  pouco  mais  de  16  na^':i- 
mentosj  que  multiplicada  por  6  unidades,  dá-nos  QQ  fogos  com  445  alma*.  São  tão 
pequenas  porem,  estas  differenças,  que  sem  prejudicar  a  verdade  da  Revista  dos 
Açores,  mais  servem  de  confirmp.r  a  grande  probabilidade  dos  nossos  cálculos,  r- 
nicamente  fundados  no  numero  de  nascimentos  do  registo. 

Uma  referencia  de  Fr.  Agostinho  de  AlonfAlverne.  incluída  nos  mesmos  a- 
pontamentos,  dá-nos  pelos  fins  do  século  XVll  uma  população  de  349  com  598 
pessoas  de  communhão.  Parece-nos  muito  exaggerados  estes  números,  porque  no 
decennio  de  1691  — a— 1700  apenas  encontramos  a  media  annual  de  pouco  mais 
de  26  nascimentos,  e  por  tanti-'  o  numero  provável  de  158  fogos  com  711  habitan- 
tes, ou  pouco  mais,  mas  não  a  grande  população  de  349  fógo«,  que  só  noi  appa- 
rece  mais  de  século  e  meio  depois,  isto  é  no  decennio  de  1861— a— 1870. 

Do  mesmo  modo  ex.iggerado  me  parece  o  informador  de  Francisco  Aff^nso 
Chaves  e  Mello  na  sua  Margarita  Animada  (Archivo  dos  Açores,  vol.  I  pag.  217) 
fixando  a  população  d'esta  freguezia  nos  princípios  do  século  XVIII  em  462  cum 
660  almas  de  confissão,  pois  que  a  media  annual  de  nascimentos  no  derennio  de 
1721— a— 1730  não  excede  30,6  de  indivíduos,  e  por  tanto  183  fogos  com  823  ha- 
bitantes, nem  nos  parece  em  verdadeira  relação  o  numero  de  462  fogos  com  660 
almas  de  confissão. 

Com  maior  exactidão  se  pode  ver  a  população  das  FeteÍT-as  na  íjicvcíopidia 
Portuguezn  lUustrada  (vol.  IV  pag.  738)  abstrahindo  da  eniigr,^ -ão,  pc-.|Ui  ;á  hoje 
seguramente  a  terça  parte  d'ella  existe  nos  Estados  Unidos  da  Anierica    lo  Norte. 

E'  muito  arbitrário,  em  fim,  o  modo  de  contar  os  fogos  de  uma  p.pulação.  No 
nosso  modo  de  vêr  devemos  contar  por  cada  fogo  todos  os  iP  livíaaos  que  consti- 
tuem uma  communidade  que  se  abriga  na  mesma  casa,  ou  viven  economicamente 
unidos  (excepto  as  hospedarias,  as  communidades  religiosas  e  os  c,aArtci?  milita- 
res), não  só  o  pae,  a  mãe  e  os  filhos,  mas  ainda  alguns  outros  in  ^ividuo^  p-.r^ntes 
ou  relacionado^  com  a  mesma"  família  por  qualquer  circumstanicia  d-  vida,  o  nao 
viuvo  ou  sogro  do  chefe  da  casa,  ou  da  sua  mulher,  um  irmão,  solteiro  ou  viuvo, 
de  um  ou  do  outro,  uma  irmã  ou  uma  cunhada,  .solteira  ou  ''iuva  crcauos  ou  cre- 
adas,  e  até  uma  ou  mais  pessoas,  embora  estranhas,  mas  accid^nt^lmente  hospeda- 
das na  mesma  casa.  Alguns  dos  meus  antecessores  porem,  cuP':âvam  p^i  tantos 
fogos  na  mesma  casa  quantos  os  indivíduos  que  não  loscein  o  pa?,  a  mãe  e  es  fi- 
lhos, e  assim  tínhamos  na  mesma  casa  dois  fogos  q-ian-^o  n'ella  residia  ^ni  irmão, 
um  cunhado,  um  tio,  o  sogro  ou  a  sogra,  o  pae  ou  a  mãe  do  ch^íe  da  fa^-sili^,  e 
d'este  modo  chegou  o  numero  de  fogos  à\  nossa  parochia  ha  muitos  anr.o--  r.  ni--''. 
de  600,  sendo  verdade  que  ainda  hoje  podemos  contar  pouco  mais  de  500. 

FfiMILl ^3 

Raposos—Rodrigues— Pacliecos— Botelhas— Furtados— ^nixt  os  troncos  mais 
antigos  das  actuaes  famílias  que  con'ecf-m. "IS  nas  Feteiras  podemos  aqui  njnear 
Pedro  Raposo  e  Maria  Rodrigues,  qu-  fizeram  baptizar  n'esta  egreja,  entre  outros, 
um  filho  de  nome  João  Rodrigues,  depoi'-.  capitão,  casado  em  1652  :om  Maranria 
Pacheco,  pães  do  alferes  António  Pach-^co  Kapciso,  cas.ido  em  1718  cor"  Anua  de 
Araújo,  pães  de  Maria  Josepha  da  Conceiv-U',  que  casou  em  ■''/47  cc.n  José  /eiho 
Botelho,  pães  de  Pedro  Botelho,  que  caso.i  eui  IV.-^O  '-.m  Man.;nna  Hntoni.?  Lui/:, 
pães  de  .^nna  Wiquelina  da  Gloria,  que  casou  '^m  ".S23  com  jost  Furtado,  .)rox - 
mos  ascendentes  da  numerosa  fauiilia  dos  Furtado; 


354  feEVISTA     MICHAELENSE 

Macedos— Botelhas  -Sampaiôs— Raposos— Benavides— Do  mesmo  modo  muito 
antigas,  e  sem  duvida  as  mais  iiiustres  pelos  seus  ascendentes  entre  todas  as  fami- 
lias  de  origens  muito  remotas  na  nossa  freguezia  das  Feteiras,  embora  cruzadas 
com  outras  de  origens  recentes,  temos  a  família  Macedos,  antepassados  do  P."  Je- 
rónimo de  Macedo,  que  nasceu  em  lõ70  e  faliecen  em  1735. 

Era  eile  tio  paterno  do  P/  João  Botelho  de  Macedo,  e  irmão  do  capitão  Ma- 
nuel Ignacio  de  Macedo,  e  pelo  cruzamento  matrimonial  de  um  filho  d'este,  cujo 
nome  ignoramos,  com  a  familia  Sampaios  de  Ponta  Delgada,  conhecemos  ainda  no 
nosso  a^chivo  parochial  Estevão  Botelho  de  Sampaio,  pae  do  capitão  António  Bo- 
telho de  Macedo  de  Sampaio,  pae  de  José  Botelho  de  Sampaio,  do  qual  nasceu  u- 
ma  filha  de  nome  Thereza  Josepha  de  Vasconcellos,  que  casou  com  André  Raposo 
de  Benavides,  dos  quaes  nasceu  José  Rapozo  Benavides  próximo  ascendente  da  a- 
ctual  familia  Benavides  das  Feteiras. 

Raposos— Benavides— Pe\3L  linha  masculina  descende  esta  familia  do  referido 
José  Raposo  Benavides  (casado  em  1836  com  D.  Florina  Emilia  Cândida)  filho  de 
André  Raposo  Benavides  (casado  em  1790  com  Thereza  Josepha  de  Vasconcellos) 
filho  de  Miguel  Raposo  Benavides  (casado  em  1747  com  Antónia  do  Espirito  Santo) 
filho  de  Francisco  Raposo  Carvalho  Benavides  (casado  em  1702  com  Anna  do 
Monte)  filho  de  Manuel  Raposo  Carvalho  (casado  em  lô6Q  com  Anna  de  Souza)  fi- 
lho de  Pedro  Gonçalves  de  Carvalho,  casado  com  Águeda  Baptista  Raposo  em 
1630. 

Rodrigues— Sousas  Raposos— Regos— Dn  mesma  familia  Sampaios  descende  a 
actual  familia  conhecida  por  estas  trez  espécies  de  cognomes,  por  ter  casado  Maria 
Rita  Joaquina,  filha  de  José  Botelho  de  Sampaio,  com  Manuel  Rodrigues,  intitulan- 
do-se  alguns  d'esta  familia  Sousas  Raposos  por  serem  descendentes  pela  linha  fe- 
minina, de  Amaro  de  Sousa  casado  em  1787  com  Maria  Tavares  Raposo,  ou  tam- 
bém Regos  pelo  cruzamento  matrimonial  de  um  filho  de  Amaro  de  Sousa,  de  no- 
me João  Botelho  Raposo  de  Scuza,  irmão  do  P.''  André  Francisco  do  Rego,  e  pae 
de  Joaquina  Ermelinda  Soares,  que  casou  em  1846  com  Luiz  Botelho  Rodrigues, 
próximo  tronco  dos  actuaes  Rodrigues,  ou  Sousas  Raposos,  ou  Regos. 

Oliveiras— Raposos— Díi  familia  Raposos  Benavides  são  do  mesmo  modo  pa- 
rentes consanguíneos  os  actuaes  Oliveiras  Raposos,  porque  Pedro  Oonçalves  de 
Carvalho  e  Águeda  Baptista,  casados  em  1630,  eram  os  progenitores  de  Manuel 
Raposo  Carvalho,  casado  em  1669  com  Anna  de  So.uza,'que,  por  ser  filha  de  Ma- 
ria Benavides,  adoptou  o  seu  filho  Francisco  o  nome  de  Francisco  Raposo  Benavi- 
des, que  casou  em  1702  com  Anna  do  Monte,  dos  quaes  nasceu  Luiz  Raposo  Be- 
navides, que  casou  em  1742  com  Henrique  da  Silva,  pnes  de  André  de  Oliveira, 
casado  em  1822  com  Izabel  de  Jesus,  dos  quaes  descendem  os  actuaes  Oliveiras 
Raposos. 

Pereiras — Pereiras  Soares— H'  também  de  origem  muito  antiga  n'este  logar  e 
do  mesmo  modo  relacionada  com  a  familia  Benavides  a  numerosa  familia  dos  Pe- 
reiras, porque  de  Sebastião  Martins,  casado  com  Beatriz  Oonçalves,  nasceu  uma 
filha  baptisada  em  1618  com  o  nome  de  Izabel  Martins,  que  casou  em  1638  com 
Thomé  Rodrigues,  dos  quaes  nasceu  Anna  Martins,  casada  em  1676  com  Manuel 
da  Costa  Teixeira,  dos  quaes  nasceu  outra  Anna  Martins,  que  casou  em  1712  com 
João  de  Sousa  Cabral,  dos  quaes  nasceu  Josepha  Martins,  que  casou  em  1762  com 
João  da  Costa  Benavides,  que  casou  em  1802  com  Maria  Raposa,  dos  quaes  nas- 
ceram duas  filhas,  Anna  Francisca  e  Maria  de  Jesus,  casadas,  a  primeira  em  1834 
com  José  Corrêa  do  logar  da  Relva,  e  a  segunda  com  Manuel  Pereira  Soares  em 
1826,  existindo  da  primeira  dois  filhos  casados  com  duas  irmãs  da  famiHa  Benavi- 
des, e  da  segunda  a  numerosa  descendência  dos  Pereiras  Soares.  Era  Manuel  Pe- 
reira Soares  filho  de  outro  do  mesmo,  neto  paterno  de  António  Pereira  Soares,  na- 
tural de  Ponta  Delgada,  filho  de  Gonçalo  de  Sousa  Benavides  e  de  Ignez  Pereira, 
casado  n'esta  freguezia  no  anno  de  1745  com  Maria  do  Rego  Ascensão. 

Rebellos — Soares  Rebellos — Da  mesma  origem  dos  Raposos  Benavides   são   os 


hEVlSTA     MICHAELENSE  355 

actuaes  Rebellos  ou  Soares  Rebellos,  pelo  lado  materno,  porque  Maria  Ricarda 
dos  Anjos,  casada  em  1855  com  Henrique  Soares  Rebello,  era  filha  de  António  Ra- 
poso Benavides  casado  em  1835,  neta  de  Francisco  Rapozo,  casado  em  1791,  bis- 
neta de  António  Rapozo  Benevides  casado  em  1742,  trisneta  de  Francisco  Raposo 
Benavides,  casado  em  1702,  quarta  neta  de  Manuel  Raposo  Carvalho,  casado  em 
1669,  quinta  neta  de  Pedro  Gonçalves  de  Carvaliio  que  casou  em  1630  com  Águe- 
da Baptista,  dos  quaes  existem  já  hoje  descendentes  na  decima  geração. 

CorA-í-as—f/Zo/^os— A  familiad'estes  cognomes  descende  de  Antónia  Corrêa,  filha 
de  Oonsalo  Corrêa  e  de  Alaria  de  Sousa,  ignorando-se  a  naturalidade  e  ascendên- 
cia d'estes,  mas  sabendo-se  que  casou  a  filha  n'esta  parochia  em  1727  com  Ventu- 
ra Barbosa,  dos  quaes  nasceu  António  Corrêa,  que  casou  com  Antónia  Raposo  em 
1750,  dos  quaes  nasceu  João  Corrêa,  que  casou  em  1787  com  Anna  de  S.  André, 
dos  quaes  nasceu  António  Corrêa  que  casou  em  1812  com  Anna  de  Jesus,  dos 
quaes  nasceram  os  actuaes  Correas  Filotos,  não  se  sabendo  já  hoje  em  qual 
dos  descendentes  principiou  a  alcunha  de—Fi/ofos — Sonsas — Soeiros — De  um  dos 
ascendentes  da  família  Raposos  Benavides  nasceu  n'esta  freguezia  Manuel  Martins, 
casado  com  Maria  Soeira,  pães  de  out.a  Maria  Soeira,  que  casou  n'esta  freguezia 
em  1759  com  José  \'ieira,  dos  quaes  nasceu  Manuel  de  Souza  Soeira,  que  casou 
em  1823  com  Maria  de  Jesus,  dos  quaes  nasceu  José  de  Souza  Soeira,  casado  em 
1855  com  Florinda  Emilia,  próximos  troncos  dos  actuaes  habitantes  conhecidos 
por  Sousas  Soeiras. 

Cramz-os— Manoel  de  Sousa  Canéllas,  cuja  naturalidade  se  ignora,  casado 
com  uma  mulher  do  freguesia  da  Bretanha  de  nome  Rosa  Rita  de  Araújo,  fizeram 
baptisar  n'esta  egreja  em  1747  um  filho  de  nome  António,  conhecido  mais  tarde 
por  António  de  Sousa  Craveiro,  que  casou  em  1791  com  Victoria  da  Trindade,  dos 
quaes  nasceu  Francisco  de  Sousa  Craveiro,  que  cascu  em  1823  com  Anna  Bo- 
telha, dos  quaes  descendem  os  actuaes  habitantes  intitulados  Craveiros. 

Raposos  Simões-— ]oã.o  Raposo  Simões  cuja  filiação  e  naturalidade  se  igno- 
ra era  viuvo  de  Clara  Fragosa  da  freguezia  de  Candelária,  e  passou  a  segun- 
das núpcias  nas  Feteiras  em  1706  com  Luiza  Pereira  de  Póvoas  filha  de  Philippe 
de  póvoas  e  de  Maria  Pereira,  havendo  d'este  matrimonio  um  filho  de  noriíe  Ma- 
nuel Raposo  Simões,  que  casou  em  1738  com  Maria  de  Sousa,  dos  quaes  nasceu 
Francisco  Raposo  Simões,  que  casou  em  1800  com  Antónia  de  Jesus,  dos  quaes 
nasceu  outro  Francisco  Raposo  Simões,  que  casou  em  1821  com  Antónia  Francis- 
ca, dos  quaes  nasceu  João  Raposo  Simões,  que  casou  em  1849  com  Florinda 
Rosa,  próximos  troncos  dos  actuaes  Raposos  Simões  de  numerosas  famílias. 

7"fli'a/í'5— Manuel  Tavares,  natural  da  Relva,  filho  de  Manuel  Tavares  e  de  Vic- 
toria de  Viveiros,  casou  nas  Feteiras  em  1774  com  Anna  Pavôa  de  Sá,  filha  de  An- 
tónio Pavão  e  de  Caetana  de  Sá,  havendo  d'este  matrimonip  um  filho  do  mesmo 
nome  do  pae,  Manuel  Tavares,  que  casou  em  1818  com  Anna  Rosa,  dos  quaes  des- 
cende a  numerosa  família  dos  Tavares  pelos  novos  troncos,  António,  João,  justi- 
niano, José,  Maria  e  Senhorinha.  Pela  linha  masculina  de  Anna  Pavôa  de  Sá,  era 
seu  pae  António  Pavão,  filho  de  Lourenço  Gonçalves  e  de  Clara  Pavôa,  casados 
em  1716,  neta  paterna  de  Manuel  Rodrigues  Carreiro  e  Maria  Tavares,  casado  em 
1687,  bisneta  de  José  Ferreira  Fnnes  e  Ànna  da  Costa,  casados  em  1655,  e  trisno- 
ta  de  Francisco  Ennes  e  Barbara  Rodrigues,  casados  no  anno  de  1620. 

Pedras  — Terceiras — Ha  também  n'esta  freguezia  uma  numeroí^a  família  de  Pe- 
dras, simplesmente  por  serem  descendentes  em  linhas  rectas  de  Peir-)  Martins,  ca- 
sado em  1814  com  Maria  da  Silva,  e  ha  outra  família  não  menos  numerosa  de 
Terceiras,  por  serem  descendentes  de  um  indivíduo  a  quem  deram  esta  alcunha, 
cujo  nome  era  Manuel  Martins,  natural  da  Várzea  dos  Ginetes,  e  que  n'esta  fre- 
guezia constituiu  família  em  1764  pelo  seu  casamento  com  Antónia  Francisca,  filha 
de  António  de  Sousa  e  de  Antónia  Raposa. 

Almeidas  e  Sousas— Conhecemos  finalmente  uma  família,  já    hoje   muito   nu- 


356  REVISTA    MICHAELENSE 

merosa,  de  Sousas  e  Almeidas,  oriundos  por  uma  das  linhas  dos  Sousas  e  Almei- 
das dos  Ginetes,  e  por  outra  linha  oriundos  da  Relva. 

De  todas  as  outras  famílias,  mais  ou  menos  numerosas,  e  mais  ou  menos  obs- 
curas, ainda  que  algumas  queiram  ostentar  origens  illustres,  conliecemos  pelos 
cognomes  as  seguintes  : 

Durante  o  século  XVll—Avellares— Chaves— Dias— Fernandes— Ferreiras — 
oallegos— Guerras— Góes— Gonçalves— Martins— Montes— Nunes  —  Pavões  —  Pó- 
voas— Vasconcellos— Veliósos — Tevês. 

Durante  o  século  XVlll—Aguiares— .^raujos-Barbosas— Botelhos— Carvalhos 
—Cordeiros— Concellos— Furtados— Gomes— Medeiros--  Mellos  —  Moreiras  — Pa- 
checos— Pires— Sás. 

Durante  o  século  XIX— Amaraes— Arrudas— Brilhantes— Cabraes— Ca maras— 
Carreiros—Correas-Cunhas-Martins-Mattos— Medeiros  —  Machados  —Pereiras 
-Pimenteis— Pinheiros— Pachecos  -Pontes— Raposos— Regos— Reis— Rochas— Re- 
cendes—Soares—Silvas— Valentes— Vieiras— Viveiros. 

Conhecemos  ainda  de  origens  muito  recentes  as  famílias  seguintes:  Felicianos, 
por  serem  descendentes  de  António  Feliciano  Martins,  natural  dos  Fenaes  de  Nos- 
sa Senhora  da  Luz,  que  casou  n'esta  freguezia  em  1837.  Almeidas,  por  serem  des- 
cen-t  intes  de  Jacintha  Eufrazia  Leonor  da  família  Almeidas  dos  Ginetes.  Cadimos, 
por  serem  descendentes  de  um  individuo  de  nome  João  Raposo,  a  quem  de- 
ram o  epitheto  de  Cadimo,  que  n'esta  freguezia  constituiu  família  pelo  seu  casa- 
mento em  1815.  Sebastiões,  por  serem  descendentes  de  uma  familia  de  Candelária, 
cujo  tronco  mais  próximo  tinha  o  nome  de  Sebastião.  Qermanos,  por  serem  des- 
cendentes de  um  individuo  de  nome  Germano  da  mesma  freguezia  de  Candelária. 

flLCUN/iflS 

Do  mesmo  modo  que  em  Candelária,  Ginetes,  e,  sem  duvida,  em  todos  os  Jo- 
gares, villas  e  cidades,  também  nas  Feteiras  se  distinguem  muitas  famílias  pelas 
suas  alcunhas,  mais  ou  menos  engraçadas.  Temos  ouvido  falar  muitas  vezeá  nas 
seguintes  :^Aréstas  —  Ba- , 
déjas  —  Barrúscos  —  Batu- 
cos  —  Barreiras  —  Bispos 
ou  Bispas — Buzanos — Ca- 
garras  —  Calca  Ruas  - 
Cancellas—Canellas— Ca- 
ta Cadéllas  —  Croinhas 
Dourados— Escravellias  - 
Estaquinhos  —  Feveieinic 
—Finezas—  Torquilhas 
Gafanhotos  —  Gaidólsis- 
Lambedores—  Maganos— 
Malícias  —  Manteigas 
Minhotos  —  Moletas  — 
Morganhos  —  Moriões  — 
Outeiros  —  Paciências  — 

Paes  do   Somno— Pains—     calço  da   CKU^-t)fsaiinainlo  no  Maximiliano-Bom  vinho 

Pães— Pães  Quentes— Pilrinhos-Priores— Queridos— Raivas— Rebolas— Salvões— 
Serôdios— Cerejas— Sete  Orelhas— Trinca  Richos—  Varas  'e  Meias— Zengos. 

P  fl  RO  C  fl  1  fi 

Mais  inclemente  e  devastador  do  que  na  parochia  de  São  Sebastião  dos  Gi^ 
netes,  passou  o  vento  do  desmazelo  pelas  antigas  administrações  fabriqueiras  de 
Santa  Luzia  das  Feteiras,  levando  na  sua  voragem  tudo  o  que  pudesse  haver  de 
mais  precioso  em  documentos  antigos!. . , 


JP^       ■» 


pteVISTA     MlCHAELENSl  357 

Excepto  os  livros  do  registo  parochial  com  os  seus  assentos  de  baptísrrtôs  des- 
de 1618,  com  os  de  casamentos  desde  1622,  e  coni  os  dos  óbitos  desde  1694,  na-  . 
da  mais  encontramos  de  preciosidades  antigas,  senão  algumas  passagens  com  re- 
ferencia á  antiga  Ermida  de  Nossa  Senhora  de  Guadalupe.  D'este  desmazelo  se 
queixava  amargamente  o  ultimo  vigário  e  primeiro  prior  Sebastião  Gonçalves  dê 
Moraes,  vendo-se  obrigado  a  formular  as  suas  queixas  no  livro  das  contas  da  fa- 
brica maior,  e  pedindo  ás  auctoridades  do  seu  tempo  que  forçassem  as  mesas  das 
irmandades  e  confrarias  a  depositarem  no  archivo  parochial  todas  as  escripturas  e 
outros  documentos  que  ainda  restavam.  Comtudo,  alguma  cousa  do  que  foi  esta 
parochia  nos  primeiros  tempos  da  sua  população  Vamos  agora  relatar.  Citando  as 
fontes  dos  nossos  apontamento^. 

Tratando  da  antiguidade  da  parochia  de  Nossa  Senhora  das  Candeias  na  nos- 
sa Monographia  de  Candelária,  dizíamos,  que  fora  ella  instituída  n'uma  épocha 
muito  próxima  do  anno  de  1535,  porque  approximadamente  a  esse  anno  fez  cons- 
truir no  respectivo  paçal  a  sua  residência  o  primeiro  vigário  Braz  Pires,  e,  alle- 
gando  a  meu  favor  as  honras  da  antiguidade  do  cargo  n'aquella  parochia,  dizia 
também,  que  era  elle  talvez  tão  antigo  como  o  do  episcopado  nos  Açores,  pois 
que,  sendo  terceiro  bispo  da  diocese  D.  Jorge  de  S.  '1  hiago,  era  já  terceiro  vigário 
de  Candelária  o  meu  antecessor  Gaspar  Marreiro.  Conforme  os  apontamentos  do 
nosso  illustradissimo  bibliothecario  Alexandre  de  Sousa  Alvim,  vemos  agora,  que 
mais  antiga  é  ainda  a  nossa  parochia  de  Santa  Luzia  das  Feteiras,  pois  que  antes 
de  principiar  o  mesmo  Braz  Pires  no  exercício  de  primeiro  vigário  de  Candelária 
em  1535,  tinha  já  exercido  os  seus  serviços  parochiaes  nas  Feteiras,  onde  venceu  a 
sua  côngrua  de  3.500  reis  pelo  anno  de  1526— a— 1527,  como  se  pode  ver  no  Ar- 
chivo dos  Açores  vol.  IV  pag.  109,  f"  melhor  ainda  podemos  conjecturar  a  anti- 
guidade da  nossa  parochia  de  Santa  Luzía^  lendo  no  vol.  1  do  mesmo  Archivo 
pag.  63— a— 64  a  Carta  Regia  de  D.  .Manuel  de  8  de  Agosto  de  1515,  desannexan- 
do  o  logar  das  Feteiras  da  jurísdícção  de  Villa  Franca  e  incliiindo-o  na  de  Ponta 
Delgada.'  Finalmente  nas  datas  da  Persuasão  do  nosso  illustradissimo  antiquário 
Francisco  Maria  Supico,  citando  os  Annaes  da  Ilha  Terceira  vol.  I  pag.  166,  vemos 
que  o  Archípclago  dos  .^çores  foi  desmembrado  do  arcebispado  da  Madeira  a  pe- 
dido de  D.  Manuel  pelo  Santissim.o  Padre  Cleniente  Vil,  e  principiou  a  constituir 
um  bispado  com  a  sua  manutenção  de  òOO  cruzados  em  cada  anno.  Vê-se  pois, 
que  a  instituição  da  parochia  em  Candelária  é  evidentemente  contemporânea  da 
instituição  do  bispado  nos  Açores;  e  que  a  nossa  freguezia  de  Santa  Luzia  das  Fe- 
teiras deve  ser  .cejiamente  mais  antiga.  E  se  no  anno  de  1515  foi  ella  desannexada 
de  jurisdição  de  Villa  Franca  e  incluída  na  de  Ponta  Delgada,  sem  duvida  alguma 
15  annos  antes,  isto  é,  no  anno  de  1500  era  já  uma  parochia  ou  pelo  menos  um 
logar  povoado,  e  portanto  incluída  no  pequeno  numero  das  povoações  do  século  XV. 

Comtudo,  não  nos  parece  admissível,  que  durante  as  successões  de  trez  pa- 
rochos  n'este  logar  íiouvesse  decorrido  mais  de  um  século.  Ora,  mais  adiante  nós 
veremos,  que  o  ultimo  dos  trez.  Domingos  Affonso,  foi  contemporâneo  de  Gaspar 
Fructuoso  fallecido  em  1591.  O  mesmo  Fructuoso,  como  já  vimos,  dá-nos  na  ul- 
tima metade  do  século  XVI  a  população  das  Feteiras  de  92  fogos  com  402  almas, 
sendo  a  esse  tempo  a  população  de  Candelária  (posteriormente  constituída  em  pa- 
rochia) de  98— a— 100  fogos.  Parece-nos  pois,  com  a  máxima  probabilidade,  que  a 
paroch.ia  de  Santa  Luzia  das  Feteiras  foi  instituída  pelos  últimos  annos  do  século 
X\',  sem  duvida  menos  de  meio  século  depois  do  inicio  da  colonisação  na  iiha. 
Com  respeito  á  egreja  parochial,  veja-se  o  capítulo  da  Fabrica  de  Guadaluije. 

PflRCCflOS 

Como  todos  ou  quasi  todos  os  parochos  inamovíveis  d'este  districto  e  de  toda 
a  diocese,  eram  collados  os  parochos  de  Santa  Luzia  das  Feteiras,  anteriormente 
ao  anno  de  1832,  com  o  título  de  Vigários,  sendo  este  título  substituído,  conforme 
um  decreto  d'aquelle  anno,  pelo  novo  titulo  át  Priores,  com  maior  congtua  do 


358  REVISTA  MICHAELENSE 

que  a  que  foi  novamente  arbitrada  aos  curas-parochos,  substituidores  dos  antigos 
vigários  na  maior  parte  das  parochias  do  districto  de  Ponta  Delgada. 

Vigários — Conforme  os  apontamentos  do  nosso  illustrado  bibiiothecario,  diz 
Gaspar  Fructuoso,  depois  da  descripção  dos  sitios  da  orla  marítima  d'este  logar:- 
Ciijo  primeiro  Vigário  não  siibe  o  nome,  o  segundo  foi  António  Fernandes,  e  o  ter- 
ceiro Domingos  Affonso  que  agora  tem  este  cargo.  Não  sabia  Gaspar  Fructuoso, 
como  vemos,  o  nome  do  primeiro  vigário,  mas  a  pag.  109  do  IV  vol.  do  Archivo 
dos  Açores  oodemos  ver,  nas  ordinárias  de  152Õ,  Braz  Pires  com  a  sua  côngrua 
ou  ordinária  de  3.500  reis.  Dá-se-lhe  n'este  logar  o  titulo  de  cura,  mas  como  por 
um  lado  não  é  crivei  que  houvessí-  n'aquelle  tempo  já  um  cura,  além  do  vigário, 
com  uma  tão  diminuta  população,  e  por  outro  lado  sabemos  que  eram  conhecidos 
com  o  titulo  de  curas  alguns  dos  parochos  de  outros  logares,  devemos  crer  que 
foi  realmente  Braz  Pires  o  primeiro  vigário,  passando  também  a  ser  o  primeiro  vi- 
gário de  Candelária  no  anno  de  1535.  Foi  seu  successor  António  Fernandes,  sub- 
stituído por  Domingos  Affonso,  que,  conforme  o  testemunho  do  mesmo  Fructuo- 
so, parece-nos  ser  o  mesmo  de  quem  se  trata  no  cap.  38  do  liv.  IV  com  o  titulo 
de  Beneficiado  de  S.  Jorge  do  Nordeste.  A  Domingos  Affonso,  contemporâneo  de 
Gaspar  Fructuoso,  succedeu  na  nossa  ègreja  parochial  um  vigário  de  nome  Ruy 
Cortes,  desde  uma  epocha  anterior  a  lól8  até  1628,  e  conforme  os  assentos  do  re- 
gisto parochial  succedem-se  todos  os  outros  pela  ordem  seguinte: — João  de  Simas 
Barreto  de  lõ28--a— lóôO;— Mathias  Quaresma  de  1661  a— 1663;-  jeronymo  Ta- 
vares de  1663— a— 1673;— Lazaro  da  Costa  Pavão  de  1674— a— 1712;— João  de  Sou- 
za Vasconcellos  de  1714 — a — 1718; — Bartholomeu  Jacintho  de  Vasconcellos  de 
1719— a— 1733;— Manuel  de  Mello  de  1733— a— 1749;— Lourenço  de  Medeiros  Sil- 
va de  1751— a  — 1756;— Ignacio  de  Mello  de  1759— a— 1775;— António  de  Fontes 
de  1791— a— 1805;— Sebastião  Gonçalves  de  Moraes  de  1814— a— 1832. 

P/70/-^s— Sebastião  Gonçalves  de  .Moraes  de  1832— a— 1866;— José  Machado 
Homem  de  1870— a— 1895;— Manoel  Ignacio  Vieira  de  1896— a— 1903,— António 
José  Lopes  da  Luz  de  1905  até  que  Deus  queira. 

Noías  Biographiças 

De  João  de  Simas  Barreto  sabemos  apenas,  que  falleceu  n'esta  freguezia  a  2 
de  maio  do  anno  de  1661. 

Lazaro  da  Costa  Pavão,  substituído  no  serviço  parochial  por  vice-vigarios  nos 
annos  de  1770— a— 1773,  falleceu  n'esta  freguezia  a  9  de  Setembro  de  1775. 

António  de  Fontes,  antes  de  occupar  o  seu  logar  de  vigário,,  foi  n'esta  egreja 
vice-vigario  no  impedimento  de  Ignacio  de  Mello,  de  1770— a— 1773,  e  por  morte 
d'elle  de  1775— a— 1790,  falleceu  n'esta  freguesia  a  13  de  maio  de  1806,  efoi  o  seu 
corpo  conduzido  a  Ponta  Delgada  onde  foi  sepultado. 

Sebastião  Gonçalves  de  Moraes,  ultimo  vigário  e  primeiro  prior,  natural  de 
Bragança,  depois  de  52  annos  de  serviço  n'esta  egreja,  aqui  falleceu  a  4  de  agosto 
de  1866.  Foi  substituído  por  um  vice-prior,  durante  alguns  mezes  no  ultimo  anno 
da  sua  vida.  Ha  d'elle  uma  biog."aphia  muito  bella  e  interessante,  que  já  tivemos 
occasião  de  lêr.  pelo  favor  do  empréstimo  de  um  amigo,  e  podemos  ainda  fazer 
uma  idéa  do  seu  zelo  de  bom  pastor  n'esta  parochia  lendo  n'este  pequeno  traba- 
lho tudo  o  que  a  elle  se  refere  nos  seguintes  capítulos.  Os  sentimentos,  em  fim,  da 
sua  provadissima  caridade  são  ainda  hoje  proverbiaes  nas  boccas  dos  mais  velhos 
habitantes  d'este  logar. 

José  Machado  Homem  era  natural  da  Calheta  de  S.  Jorge,  nasceu  a  4  de  ou- 
tubro de  1820,  filno  de  outro  José  Machado  Homem  e  Marianna  Rosa  da  Silveira. 
Foi  substituído  no  serviço  parochial  por  vice-prior  durante  alguns  mezes  nos  annos 
do  1882  e  de  1895,  e  aposentado  n'este  ultimo  anno,  falleceu  em  Ponta  Delgada  a 
5  de  outubro  de  1904.  Era  sacerdote  casto  e  honestíssimo  na  sua  vida  particular, 
mas  faltava-lhe  certamente  a  paciência  muito  necessária  ao  cargo  que  exercia,  e 
principalmente  a  prudência  para  se  fazer  amar  dos  seus  parochianos.  Durante  mui- 


REVISTA    MICHAELEMSte  ^59 

tos  annos  conheci  na  sua  companhia  uma  rua  irmã  de  norte  Rosa  Amélia  da  Sil- 
veira, que  falleceu  em  Ponta  Delgada  com  67  annos  de  edade  a  20  de  julho 
de  1890. 

Manuel  Ignacio  Vieira,  terceiro  prior,  natural  de  Agua  de  Pau,  filho  de  Manuel 
Vieiri  e  de  Thomasia  Maria,  falleceu  n'esta  freguezia  com  edade  de  57  annos  a  29 
de  janeiro  de  1903,  sendo  o  seu  corpo  conduzido  á  errta  da  sua  naturalidade  óndé 
foi  sepultado.  Estudou  preparatórios:  no  Lyceu  de  Ponta  Delgada  pelos  annos  dé 
1863— a— 1868,  e  o  curso  theologico  no  seminário  d'Angra  pelos  annos  de  1868— 
a— 1871.  Pelos  fins  d'este  ultimo  anno  e  princípios  do  seguinte  recebeu  a  sagrada 
ordenação  na  egreja  de  S.  Paulo  de  Lisboa  do  bispo  D.  José  Lino,  resignatario  de 
Angola  e  Congo.  Regressou  me/es  depois  a  esta  iliia,  sendo  logo  nomeado  cura- 
parocho  de  Candelária,  onde  se  demorou  até  1874,  transferido  no  mesmo  anno 
para  a  egreja  de  Nossa  Senhora  da  Oliveira  da  Fajã  de  Cima,  e  poucos  mezes  de- 
pois para  a  de  Santa  Cruz  da  Lagoa.  Finalmente  collado  com  o  titulo  de  vigário 
na  egreja  de  Nossa  Senhora  dos  .-Xnjos  do  logar  de  Agua  de  Pau,  n'esta  freguezia 
da  sua  naturalidade  parociíiou  por  muitos  annos,  até  que  em  abril  de  1896  tomou 
a  sua  posse  solemne  como  prior  d'esta  de  Santa  Luzia  das  Feteiras.  Era  o  prior 
Vieira  muito  obsequiador  e  affavel,  muito  amigo  de  popularidades  e  ovações,  e 
por  isso  mesmo  muito  devoto  de  procissões,  de  festas  e  apparatos  religiosos. 

O  quarto  prior,  auctor  d'este  pequeno  trabalho,  é  também  natural  de  Agua  de 
Pau,  nasceu  a  22  de  agosto  de  1844,  e  portanto,  contemporâneo  do  seu  antecessor 
ainda  que  poucos  annos  mais  velho,  conterrâneo  e  até  visinho  d'ellc  nos  primeiros 
annos  da  vida,  seu  amigo  e  condiscípulo  tiesde  a  aula  de  instrucção  primaria  e  em 
alguns  dos  preparatórios  do  lyceu,  mas  estudou  theologia  no  seminário  de  Santa- 
rém. E'  filho  de  Luciano  José  Lopes  e  de  Albertina  de  Jesus  Lopes,  neto  paterno 
de  José  Ignacio  Lopes  e  Anna  Joaquina  do  Amaral,  irmã  do  P.''  Mestre  João  José 
d'Amaral,  e  materno  de  António  Furtado  do  Porto  e  de  Francisca  Cândida  da 
Costa. 

Paroçhos  aniouiuçis 

-  Nas  vagas  ou  justos  impedimentos  de  alguns  dos  vigários  ou  priores,  dirigi- 
ram o  serviço  parochial  de  Santa  Luzia  das  Feteiras  os  seguintes: 

l//f^-v/^í7/7£>s— Matheus  Fernandes  de  Sampaio  de  1626— a— 1627;— ^mbrosio 
do  Rego  de  1690— a— 1700;— João  Tavares  Martins  de  1706— a— 1707;— Matheus 
Guoduim  Stone  de  1711— a— 1714;— Manuel  Pinheiro  Borges  em  1750;— Manuel 
José  da  Silveira  de  1757— a— 1758;— António  de  Fontes  (antes  de  ser  vigário)  de 
1770— a— 1773,  e  de  1775— a— 1790;— André  Francisco  do  Rego  de  1806- a— 
1809;— Francisco  José  de  Macedo  em  1810;— Luiz  Bento  de  Gouveia  em  1810;— 
Manuel  José  Soares  de  Menezes  de  1811— a— 1814. 

Vice-príores—Ma.nuitl  da  Costa  Diogo  em  1866;— José  Francisco  de  Medeiros 
em  1867;— Dr.  Luiz  dos  Reis  Fernandes  Silva  de  1868— a— 1870;  — José  Ignacio  Fer- 
reira em  1882;— Manuel  de  SOusa  Calouro  em  1895;— José  Lino  dos  Anjos  de 
ig03-a— 1905. 

Ctiras-coadiUíores 

João  Martins  Batalha  em  1618;— Manuel  de  Miranda  de  1 618— a— 1623;  — 
Francisco  Oonçalvss  (a)  de  1623— a— 1624;— Manuel  Rodrigues  de  1624— a— 1625; 
—Francisco  Gonçalves  (a)  de  1625— a— 1645;— Mathias  Quaresma  (antes  de  ser  vi- 
gário) de  Í645—a— 1661;— Domingos  da  Cunha  de  1661— a— 1662;— António  Fer- 
reira da  Silva  de  1662— a— 1678;— André  de  Sousa  Raposo  de  1678— a  — 1686;— 
João  do  Rego,  1686— a— 1695;— Manuel  Ferreira  de  1695— a— 1699;— António  Pi- 
nheiro Pereira  de  1699— a— 1703;— Leandro  de  Sousa  Vasconcellos  de  1703— a— 
1707;— José  Barbosa  da  Silveira  de  1707— a— 1708;— Matheus  Guoduim  Stone  (an- 
tes de  ser  vice-vigario)  de  1709— a— 1711; —Belchior  Manuel  da  Costa  de  1711— a— 
1719;— Jeronymo  Macedo  Botelho  (b)  de  171Q— a— 1732;— João  de  Mello  Cabral  de 


360  REVISTA     MICHAELENSE 

1732— a— 1733;— Manuel  de  Oliveira  Cabra!  de  Õ733— a— 1735;— Manuel  Botelho 
do  Couto  de  1735— a  — 1743;— João  de  Sousa  Raposo  de  1743— a— 1744;— António 
Pereira  Moniz  de  1744— a— 1740;— Manuel  Pinlieiro  Borges  (antes  de  vice-vigario) 
de  1746— a— 1750;— António  de  Sousa  Paclieco  de  1750— a— 1751;— João  de  Sousâ 
d'AlnRÍQa  em  1751;— Manuel  Perinho  Borg-^s  de  1752— a— 1753;— Manuel  José  da 
Silveira  de  1753— a— 1757;— Manuel  de  Oliveira  Moniz  de  1757— a— 1759;— Qas- 
par  da  Silva  de  1759— a— 17Ó5;— Lourenço  Pimentel  Rodovalho  de  1765— a— 1769; 
António  de  Fontes  em  1770;— Francisco  Xavier  Lopes  de  1770— a— 1773;— Anto- 
nic  de  Fontes,  segunda  vez  antes  de  ser  vigário,  de  1773 — a — 1775; — Francisco 
Xavier  Lopes,  segunda  vez,  de  1775— a  — 1778;— André  Francisco  do  Rego  de 
1778— a— 1805; -José  António  Coelho  (c)  de  180ô—a— 1808;— André  Francisco  Pe- 
leira  lavares  de  1808— a — ISOQ; — Manuel  José  Soares  de  Menezes  (antes  de  ser  vi- 
ce-vigi'io)  de  lc09— a— 1811;— Francisco  losé  Macedo  de  1811— a— 1812;— João 
J(  sé  Q\  Cunha  o-  1812— a-1813;— Manuel  José  Rebeilo  (d)  de  1813— a— 1820;— 
J<.,é  Jacuitho  Pavão  'e)  de  1820— a— 1843;— Joaquim  de  Oliveira  Cabral  de  1843— 
a— 1815; — José  Jacintho  Pavão  (segunda  vez)  de  1845— a — 1860; — José  Francisco 
de  Medeiros  (f)  dv;  1860— a— 1866;— Emílio  Tavares  de  Medeiros  em  1866;— Manuel 
da  Costa  Diogo  (g)  depois  de  vice-vigario  em  1867; — José  Francisco  de  Medeiros, 
segunda  vez,  de  1868-a— 1878— ;Lacio  de  5. -usa  Cabral  de  1879-a— 1880;— Ma- 
nuel António  Botelho  de  1881— a— 1882;  -Mmuel  de  Sousa  Calouro  (antes  de 
vjce-nrior)  de  1883— a— 1894;— José  Jacintho  Vieira  em  1895;— Manuel  de  Sousa 
Calouro,  segunda  vez,  dé  1896— a— 1899;— José  Lino  dos  Anjos  (antes  de  ser  vice- 
prior)  de  1900— a— 1903;— José  Lino  dos  Anjos,  segunda  vez,  de  1905  por  deante; 
—António  Tavares  Furtado,  poucos  mezes  em  1905. 

Notas  Biographiças 

— 'i)— 0-P/  Francisco  Gonçalves,  provavelmente  natural  d'esta  freguezia,  on- 
de tinha  parentes  muito  próximos,  depois  de  ter  aqui  parochiado  duas  vezes,  a  pri- 
meira por  um  anno  e  a  segjnda  por  vinte  annos,  foi  transferido  para  idêntico  lo- 
gar  na  egreia  àz  Nossa  Senhora  das  Neves  do  logar  da  Relva,  d'onde  regressou  no 
,mi  da  vida  e  aqui  .alleceu  a  10  de  Novembro  de  1652.  Fez  testamento  deixando 
a  sen  irmão  Gaspai  do  Monte  uma  casa  telhada  e  outra  de  palha,  ambas  com  os 
sPUí,  qaintaes,  impondo  a  obrigação  de  uma  missa  em  cada  anno  por  sua  alma, 
devendo  dar  ao  c.lebrante  a  esmola  de  um  pão  de  trigo  e  um  quartilho  de  vinho. 

— (b) — O  Padre  leronymo  Macedo  Botelho,  pertencia  á  illustre  familia  dos 
Botelhos  Mucedos  -.  Sampaios,  nasceu  n'esta  freguezia  a  6  de  outubrj  de  1670,  e 
falleceu  a  14  de  Dez.mbro  de  1/35. 

— (c)— O  Padre  José  António  Coelho  era  natural  de  Ponta  Delgada,  e  faileceu 
n'esta  fregv^zia  co.n  edade  de  33  annos  a  ló  de  Dezembro  de  1808. 

—(•:■'>— O  PaJre  Aanuel  José  Rebeilo  faileceu  n'esta  freguezia  com  edade  de  60 
annos  a  18  c'e  Janeiro  de  1820. 

— (e)  -O  Padre  Joié  Jacintho  Pavão  era  natural  de  São  Sebastião  dos  Ginetes 
e  faileceu  n'esta  freguezia  com  edade  de  86  annos  a  2  de  Abnl  de  1877. 

— (f)— O  Padre  José  Francisco  de  Medeiros  era  natural  de  S.  Pedro  de  Ponta 
Delgada,  e  depois  de  ter  parochiado  na  Fajã  de  Cima  e  em  outros  logares  no  res- 
to da  sua  vida,  regressou  a  esta  freguezia,  onde  tinha  duas  irmãs  casadas,  e  aqui 
faileceu  a  23  de  março  de  1888. 

— (g)— O  Padre  Vlanuel  da  Costa  Diogo  era  natural  de  Agua  de  Pau,  filho  de 
outro  Manuel  da  Costa  Diogo,  e  parente  do  auctor  d'estas  notas,  e  depois  de  ter 
parochiado  n'estd  freguezia  foi  transferido  para  Santa  Cruz  da  Lagoa  e  depois 
para  SanfAnna  do  valle  das  Furnas,  onde  faileceu  ainda  novo. 

CONGROflS 

Diz  o  nosso  muito  erudito  e  prestimoso  bibliothecario  nos  seus  preciosos  a- 
pontamentos,  que  no  vol.  IV  pag.  119  do  Archivo  dos  Açores  podemos  ler  um  re- 


REVISTA    MICHAELE^^SE  36l 

cibo  da  côngrua  do  cura  Braz  Pires,  que,  com  muita  probabilidade,  suppomos  ter 
sido  o  primeiro  parocho  d'esta  egreja,  nos  termos  seguintes  :— 

Disao  eu  Braz  Pires  cura  que  ora  sou  da  ií^reja  das  Feteiras  que  lie  verdade  que 
receb'  de  Jordarn  Prioste  trcz  mil  c  quinhentos  reis  da  ordinária,  da  dita  igreja  os  quaes 
dous  quartes  (quartéis)  sani  de  San  Joani  da  éra  de  mil  quinhentos  e  vinte  e  seis 
que  corre  a  Sam  Joam  de  quinhentos  e  vinte  e  sete,  e  por  que  assim  he  verdade  que 
recebi  os  ditos  trez  mil  e  quinhentos  reis  assinei  aqui  oje  quatro  de  Março  da  dita 
éra.  Braz  Pires 

Dissemos  em  outro  logar,  e  repetimos  agora,  que  foi  Braz  Pires  o  primeiro  pa- 
rocho d'esta  egreja,  embora  intitulado  cura,  como  curas  se  intitulavam  alguns  dos 
parochos  das  outras  freguezias,  pois  não  é  crivei  que  a  diminuta  população  inicial 
da  parochia  exigisse  os  serviços  parochiaes  de  dois  ecclesiasticos,  sabendo-se  que 
só  no  fim  de  muitos  annos,  exactamente  no  tempo  do  terceiro  parocho,  contem- 
porâneo de  Fructuoso,  ainda  essa  população  não  havia  attingido  o  numero  de  100 
fogos.  Havendo  em  Candelária,  parochia  instituída  muitos  annos  depois,  maior  po- 
pulação no  anno  de  1580,  comtudo  só  na  ultima  metade  do  século  seguinte  nós 
vemos  os  dois,  vigário  e  cura.  Dissemos  também,  e  mais  uma  vez  repetimos,  que 
a  parochia  das  Feteiras  foi  provavelmente  instituida  pelos  fins  do  século  XV,  pois 
que  no  anno  de  1515  foi  ella  desannexada  da  jurisdicção  de  Villa  Franca.  Acaba- 
mos agora  de  lèr,  n'uma  transcripção  que  fez  de  Cordeiro  o  Diário  dos  Açores 
n."  4QQ3,  os  vários  preços  do  trigo  d'esses  annos,  e  de  todos  elles  o  mais  caro  no 
anno  de  1508  foi  de  600  rs.  o  moio,  de  que  não  nos  devemos  admirar,  porque 
mais  de  um  século  depois,  no  anno  de  1631,  conforme  se  pode  ver  no  movimento 
da  fabrica  maior  de  Candelária,  ainda  o  trigo  se  vendia  a  80  rs.  o  alqueire.  Sendo 
pois  como  vemos  no  recibo  de  Braz  Pires,  de  3.500  rs.,  a  importância  da  sua  côn- 
grua, e  admittindo  que  o  preço  mais  caro  do  trigo  nos  seus  primeiros  tempos  se- 
ria de  600  rs.,  o  moio,  seria  a  sua  côngrua  equivalente  a  5  moios  e  50  alqueires,  e 
portanto  equivalente  a  280  mil  reis  na  actualidade,  porque  não  encontramos  ac- 
tualmente bom  trigo  por  menos  de  800  reis  o  alqueire. 

Conforme  os  referidos  apontamentos  do  Snr.  Alvim,  podemos  ver  no  vol.  XI 
pag.  184— a— 1Q2  do  Archivo  dos  Açores  a  Carta  Regia  de  D.  Sebastião  de  30  de 
julho  de  1568,  conforme  a  qual  se  accrescentou  a  côngrua  do  clero  parochial  aço- 
reano, e,  sendo  a  do  vigário  das  Feteiras  11.000  rs.,  foi  elevada  n'essa  occasião  a 
20.000  reis. 

Em  uma  nota  tirada  do  registo  d'alfandega  pelo  Ex.™°  Snr.  Dr.  Ernesto  do 
Canto,  fs.  1  do  livro  III,  podemos  ver  no  capitulo  da  visita  de  D.  Jeronymo  Teixei- 
ra Cabral  de  21  de  agosto  de  1603,  que  sendo  a  côngrua  do  vigário  das  Feteiras 
de  25.000  reis,  passou  a  ser  de  30.000  reis  a  começar  do  primeiro  de  Julho  do 
mesmo  anno. 

Conforme  o  Archivo  dos  Açores,  vol.  Xll  pag.  16,  era  ainda  da  importância  de 
30.000  reis  a  côngrua  do  vigário  d'esta  freguezia  no  anno  de  1634,  mas  foi  accres- 
centada  de  3.000  reis  pelos  encargos  da  capella  dos  infantes,  ou  a  somma  de  6 
moios  e  39  alqueires  de  trigo  e  11.000  reis  em  dinheiro.  Era  esta  a  mesma  côngrua 
que  vencia  no  anno  de  1830  Sebastião  Gonçalves  de  Moraes,  porque  recebia  em 
dinheiro  o  equivalente  a  6  moios  e  3  112  alqueire^  detrigo  e  mais  10.000  reis.e  pe- 
los encargos  ou  missas  dos  infantes  36,318  alqueires  de  trigo  e  1.000  reis  em  di- 
nheiro. Vencia  o  cura  no  mesmo  anno  a  quantia  equivalente  a  3  moios  e  38,118 
alqueires  de  trigo  e  mais  6.000  reis,  e  vencia  o  thesoureiro  2  moios  de  trigo  e 
3.500  reis  em  dinheiro. 

Finalmente  em  1832,  substituído  o  titulo  de  vigário  pelo  de  prior,  principiou 
este  a  vencer  a  congiua  annual  de  400.000  reis,  o  cura  250.000  reis,  e  o  thesourei- 
ro 60.000  reis. 

Assim  como  nas  egrejas  parocniaes  de  Candelária  e   Ginetes,  e   sem   duvida 


362  REVISTA    MtCHAfeLENSE 

nas  de  todas  as  outras  da  diocese,  também  na  de  Santa  Luzia  das  Feteiras,  até 
proximamente  depois  da  instituição  das  juntas  de  parocliia,  houve  sempre  duas 
admmistrações,  além  das  confiarias  ou  irmandades,  com  as  suas  receitas  e  corres- 
pondentes despezas  do  culto.  A'  primeira  d'essas  administrações  dava-se  o  titulo 
de  fabrica  grossa  ou  maior,  cuja  receita  era  ordinariamente  constituída  por  subsí- 
dios do  Estado,  e  dava-se  o  nome  de  fabrica  menor  ás  mordomias  de  varias  fontes 
de  receita  conforme  os  costumes  das  localidades,  e  particularmente  nas  Feteiras  ás 
mordomias  de  Santa  Luzia,  de  Nossa  Senhora  de  Guadalupe,  de  Nossa  Senhora 
da  Victoria,  da  intitulada  mordomia  dos  Santos. 

Fabrica  rnaior 

Ncão  sabemos,  por  descaminho  dos  mais  antigos  livros  da  fabrica  maior,  quan- 
do esta  principiou  a  funccionar  na  nossa  egreja  parochial  das  Feteiras,  e  apenas 
podemos  conhecer  o  seu  movimento  a  principiar  no  anno  de  1778.  Antes  de  tudo 
porem,  devido  aos  preciosos  apontamentos  do  nosso  illustradissimo  bibliothecario, 
vamos  dizer  o  que  nos  consta  principalmente  das  despezas  realisadas  n'esta  egreja 
a  custa  da  fazenda  real,  a  principiar  pelos  subsídios  ordinários  de  cada  anno. 

Conforme  o  capitulo  da  visita  de  D.  jeronymo  Teixeira  Cabral  de  21  d'agosto 
de  1603  e  o  alvará  de  accresccntamento  conhecido  n'esse  capitulo,  recebia  esta  egre- 
ja de  subsidio  annual  da  fazenda  real  (ignora-se  desde  quando)  a  quantia  de  3.000 
reis,  sendo  esse  subsidio  elevado  a   4.000    reis 
í  desde  o  primeiro  de    julho  do    mesmo   anno, 

com  um  valha  apesar  do  tempo  ser  passado  de 
6  de  novembro  de  1610.  Registado  em  Ponta 
Delgada  a  28  de  julho  de  161 L  Esta  nota,  diz 
o  Snr.  Alvim,  é  do  Dr.  Ernesto  do  Canto,  que 
a  tirou  de  fs.  1  do  registo  d'alfandega  relativo 
"'**  ao  período  de  1603— a— 1638.  O  mesmo  sub- 
sidio de  4.000  reis  continuou,  como  veremos 
até  1832. 
'f  Passando  agora  aos    subsídios  extraordiná- 

rios, ou  despezas  da  fazenda  real  na  egreja  das 
f '  Feteiras,  podemos  ver  na  Revista  dos    Açores, 

,    vol.  XII,    pag.  41    as    seguintes :— no  anno    de 
.    1712,  com  a  ferragem  do  sino,  7.200  rs.,  e  com 
    ornamentos  na  antiga  egreja   parochial  92.000 
^.  ■    rs.;— no   a.ino   de   1729,  com    ornamentos    na 

egreja  parochial  144.000  rs.;— no  anno  de  1730, 
com  um  sino  113.280  rs.,  com   a   ferragem  do 
.     mesmo  sino    16.200  rs.,  e  com  obras    de   car- 
pinteiro,   188.000    rs.;— no    anno   de   1731,  em 
obras  de  entalhador  342.000  rs.;— no  anno    de 
1732  em  obras  de  pedreiro    na    capélla-mór  e 
sacristia  372.000  rs.;— no  anno  de  1734,  com  o 
sino,-á  conta  113.000  rs.,  ferragens   do  mesmo 
sino  16.000  rs.,  com  o    retábulo,  ultimo    paga- 
mento,   83.000  rs.,  com    obras    de    entalhador 
ijiaituiz  r  /'raça  de  j/."  Lu^ia        47.000  rs.,  e  com  a  torre  dos  sinos,  ultimo  pa- 
gamento, 9.700  rs.;-  em    1737,  com   ornamen- 
tos 74.000  rs.;— em  1738,  com  o  arco  da  capélla-mór,  23.000   rs.;— em    1740,  com 
ornamentos  49.500  rs.; — em  1748  com  a  douradura  do   retábulo   326.000  rs.; — em- 
1750,  com  a  douradura  do  mesmo  ictabulo  326.000  rs.  Conforme  o   livro  d'alfan- 
dega,  gastou-se  mais  em  1720,  com  pedreiros  na  capélla-mór,  sacristia  e  campaná- 
rio 144.000  rs.;— em  1731,  com  obras  de  entalhador  83.000  rs.;— e   finalmente   em 
1737  com  obras  de  alfaiate  e  ornamentos,  meio  preço,  37.000  reis. 


REVISTA    MICHAELfeNSE  363 

Soinmam  pois,  durante  a  primeira  metade  do  século  XVIII,  as  despezas  ex- 
traordinárias da  fazenda  real,  com  a  antiga  egreja,  que  os  mais  antigos  dos  actuaes 
habitantes  nãc  chegaram  a  conhecer,  a  quantia  de  2.605.880  rs.  Ignoramos  as  des- 
pezas  realisadas  nos  séculos  anteriores,  e  veremos  agora  no  mais  antigo  livro  que 
conhecemos  da  fabrica  maior,  de  1788  por  diante,  o  seu  movimento  ordinário  com 
o  antigo  subsidio  annual  de  4.000  reis.  Do  referido  subsidio  da  fazenda  real  fica- 
vam no  priostado  geral  200  rs.  de  descontos  ou  emolumentos,  e  recebia-se  por  tan- 
to, 3.800  rs.  firam  limitadas  as  despezas  d'esta  administração  ao  asseio  e  reparos 
da  capélla-mór  e  objectos  mais  necessários  da  sacristia. 

Considerava-se  mordomo  d'esta  fabrica  e  d'ella  fazia  as  vezes  de  thesoureiro 
o  próprio  parocho.  Foram  approvadas  as  contas  de  1788— a— 1798  pelo  visitador 
Dâmaso  de  Carvalho,  e  por  sua  ordem  escreveu-se,  em  seguida  á  sentença- de  con- 
tas, a  copia  de  uma  Provisão  de  Sua  Magestade  na  qual  se  manda,  que  tomem 
conta  da  fabrica  maior  ou  dos  subsídios  da  fazenda  real,  não  thesoureiros  ou  mor- 
domos seculares  como  acontecia  em  algumas  parochias,  mas  sim  o  próprio  paro- 
cho. Não  transcrevemos  aqui  esse  documento,  porque  se  acha  transcripto  na  nos- 
sa Monograpliia  dos  Ginetes.  Nas  despezas  maiores  com  reparos  e  retelhos  da  ca- 
pélla-mór e  sacristia,  bem  como  em  acquisições  de  paramentos,  era  esta  fabrica 
auxiliada  por  subsídios  extraordinários  das  intituladas  mordomias. 

No  anno  de  1810,  achando-se  vago  o  cargo  de  vice-vigario  per  impossibilida- 
de physica  do  P."  André  Francisco  do  Rego,  recebeu  o  seu  successor  Manuel  ]osé 
Soares  de  Menezes,  em  beneficio  da  fabrica  maior,  a  importância  de  2.000  rs.,  da 
respectiva  côngrua  durante  o  tempo  da  vacatura,  e  no  anno  de  1814  vemos  a  fa- 
vor da  mesma  fabrica  4.000  rs.,  pelos  paramentos  muito  usados  com  que  foi  a- 
mortalhado  o  cadáver  do  mesmo  ?.*■  André  Francisco  do  Rego.  Vemos  mais  nas 
contas  d'este  anno,  que  os  descontos  ou  emolumentos  do  priostado  geral  deveriam 
importar  em  100  rs.,  e  não  em  200  rs.,  como  erradamente  exigiam,  principiando- 
se  a  receber  desde  então  3.Q00  rs.  Dispendia-se,  em  fim,  com  a  sentença  de  con- 
tas 975  reis. 

Não  obstante  a  exiguidade  da  receita,  cresciam  os  saldos  de  uns  para  os  ou- 
tros annos,  de  maneira  que  em  1819  sommava  a  receita,  incluindo  os  saldos,  a 
quantia  de  20.930  rs.,  mas  devido  a  despezas  extraordinárias  n'esse  anno  com  pa- 
ramentos ficou  o  saldo  reduzido  a  5.785  rs.  Sendo  no  mesmo  anno  arguido  o  vi- 
gário Sebastião  Gonçalves  de  Moraes  de  não  apresentar  os  recibos  justificativos 
das  respectivas  contas,  desculpou-se  no  mesmo  livro  depois  da  sentença  dizendo  : 
—  Que  sendo  necessário  sellos  e  reconhecimentos  em  quasi  todos  os  recibos,  e  pagan- 
do se  alem  d' isso  975  reis  nas  sentenças  de  contas,  pouco  ou  quasi  nada  ficaria  do 
subsidio  da  fazenda  real.  Assim  continuaram  as  contas  da  fabrica  maior,  sem  alte- 
ração alguma  na  receita,  e  variando  apenas  nas  despezas  até  ao  anno  de  1832. 

Conforme  um  alvará  da  prefeitura  de  7  de  novembro  de  1833,  em  harmonia 
com  o  decreto  da  reforma  ecclesiastica  ri."  25  de  17  de  maio  de  1832,  passou  o  li- 
vro da  fabrica  maior  a  intitular-se  livro  da  fab.'i:a  do  priorado  das  Feteiras,  no 
qual  se  fazia  a  escripturação  dos  subsídios  do  Estado,  desde  então  mais  avultados 
e  accumulados  no  novo  priorado,  distribuídos  dopois  pelas  quatro  parochias  visi- 
nhas,  e  que  se  julgava  dependentes  ou  suffrao-j-i:\is.  Relva,  Feteiras,  Candelária, 
Ginetes  e  Mosteiros.  Era  n'esse  tempo  geralmenío  considerado  o  novo  prior  das 
Feteiras,  conforme  a  interpretação  que  se  dava  ao  referido  decreto,  um  legitimo 
superior  dos  seus  collegas  .las  outras  parochias,  e  tinha  o  cura  da  sua  egreja  o  ti- 
tulo de  fabriqueiro  geral,  porque  era  elle  o  encarregado  da  escripturação  da  fa- 
brica geral  das  cinco  egrejas.  Concedia  o  Estado  a  esta  espécie  de  microscópica  dio- 
cese o  subsidio  annual  de  250.000  rs.,  que  o  novo  prior  mandava  distribuir  pelas 
parochias  visinhas,  reservando  a  parte  que  tocava  á  sua  egreja,  ordinariamente  aos 
trimestres.  Existindo  no  cofre  do  priorado  em  princípios  do  anno  de  1837  a  quan- 
tia de  255.400  rs.,  com  destino  aos  subsídios  das  outras  parochias,  recebeu-se  um 
officio  da  administração  do  concelho   no  qual   se  mandou,  que  o  prior   fizesse  a 


364 


bfeVlSTA     MiChAELENSE 


distribuição  definitiva  d'est€  dinheiro  pelas  outras  egrejas,  e  assim  se  entregou  ao 
cura  parocho  de  São  Sebastião  dos  Ginetes  a  quantia  de  Õ7.5Õ0  rs.,  e  a  cada  um 
dos  das  outras  egrejas  46.960  rs.  Durou  por  tanto,  esta  centralisação  de  subsídios 
cinco  annos. 

Antes  da  extincção  do  cofre  do  priorado  existia  um  outro  livro  com  as  Contas 
particulares  da  fabrica  maior  das  Feteiras,  e  n'esse  livro  deveríamos  encontrar  as 
primeiras  contas  da  junta  de  parochia,  pois  que  em  1832  principiou  a  funccionar 
esta  nova  instituição,  mas  diz  o  fabriqueiro  geral,  desculpando-se,  que  esse  livro 
se  desencaminhou  na  camará  municipal  de  Ponta  Delgada. 

Fabrica  rrienor 

Debaixo  d'esta  epigraphe  devemos  entender  as  administrações  de  todas  as  ca- 
pellas  ou  mordomias  seguintes: 

Santa  Ldzia 

Não  encontramos  escripturação  alguma  da  fabrica  ou  supposta  confraria  do 
orago  d'esta  egreja  anteriormente  ao  anno  de  1727.  Realisou  se  n'este  anno  uma 
eleição  de  mesarios,  ficando  eleitos  para  provedor  João  Borges  da  Gamara,  para 
escrivão  Domingos  de  Póvoas,  para  thesoureiro  João  Raposo,  e  mais  seis ,  devotos 
para  servirem  de  mordomos,  entre  elles  o  alferes  Manuel  de  Medeiros,  e  o  alferes 
Estevão  de  Sampaio,  todos  elles  pessoas  das  mais  graduadas  famílias  d'aquelle 
tempo,  principalmente  o  ultimo,  que  é  ascendente  em  linhas  rectas  das  actuaes  fa- 
mílias Raposos  Benavides,  Rodrigues  e  Oliveiras  Raposos. 

A  primeira  conta  que  encontramos  refere-se  ao  anno  de  1726  e  resume-se  no 
seguinte: — saldo  dos  annos  anteriores  16.165  rs.,  cinco  verbas  de  foros  a  iinheiro 
na  importância  de  2^450  rs.  Não  podemos  ler  n'estas  contas  as  despezas  correspon- 
dentes, e  como  additamento  á  receita  vemos  ainda  dez  verbas  de  juros  de  capi- 
tães mutuados  na  im- 
portância total  de  2.505 
reis. 

Nova  eleição  de  me- 
sarios se  realisou  no 
anno  seguinte,  e  depois 
da  eleição  vemos  as 
contas  relativas  a  1727. 
Saldo  do  anno  antece- 
dente, 16.Q40  rs.;  —  15 
verbas  de  juros  na  im- 
portância total  de  9.910 
rs.;  — mais  duas  verbas 
de  juros  na  importân- 
cia de  1.200  rs.;— uma 
verba  de  acompanha- 
mentos na  importância 
de  1.200  reis.;— aluguel 
de  cera,  750  rs.,— uma  esmola  de  240  rs;— Somma  a  receita  29.600  rs.  Apenas  se 
gastou  d'esta  receita  o  necessário  com  a  festa  do  orágo. 

Gom  pouca  differença,  a  mais  ou  a  menos,  vemos  as  contas  dos  annos  de 
1727— a— 1730,  e  não  vemos  nas  contas  dos  annos  seguintes  individualisação  al- 
guma de  veròas,  mas  simplesmente  os  nomes  das  pessoas  de  que  eram  cobradas, 
até  que  pelos  annos  de  1755— a— 1760  são  formuladas  as  contas  pela  maneira  se- 
guinte :— juros  e  foros  de  seis  annos  50.742  rs.,  importando  as  despezas  com  a  fes- 
ta do  orágo  nos  jnesmos  seis  em  52.300  rs.,  ficando  por  tanto  um  déficit  de 
1.558  reis. 

Nas  contas  prestadas  pelos  annos  de  1770— a— 1775  desappareceu  o  provedor, 


A  Fonte  da  Chã 


REVISTA    MICHAELENSE  365 

O  escrivão,  o  thesoureiro  e  os  mordomos,  e  apparece-nos  simplesmente  um  depo- 
sitário de  nome  Francisco  Gomes,  prestando  as  suas  contas  de  seis  annos,  e  ain- 
da d'esta  voz  não  podemos  distinguir  os  foros  dos  juros,  porque  apenas  se  escre- 
via o  nome  do  devedor  e  a  importância  da  verba,  sendo  ainda  a  mesma  despeza 
com  a  festa  do  orágo. 

Pelo  mesmo  teor  continuam  todas  as  contas  dos  annos  seguintes,  até  que  emi 
1797  encontramos  um  novo  rendimento  de  renda  de  uma  ladeira  de  terras  de  120 
rs.,  e  dez  addições  de  juros  de  capitães  mutuados,  entre  ellas  algumas  de  130  rs., 
e  uma  de  100  rs.,  paga  por  um  capitão!  Uma  pequena  alteração  no  teor  das  con- 
tas passadas  encontramos  nós  nas  de  1807,  onde  se  pode  vêr,  que,  alem  cia  ren- 
da de  terra  de  uma  ladeira  de  120  rs.,  havia  mais  dois  foros  de  200  rs.,  um  de 
225  rs.,  um  de  500  rs.,  e  duas  verbas  de  juros  de  485  reis  e  de  130  reis. 

No  anno  de  ISOQ  dá-se  o  nome  de  foros  aos  antigos  juros  de  130  rs.,  do  ca- 
pitão Manuel  Ignacio  e  de  485  rs.,  de  António  Raposo  Jacome,  continua  a  antiga 
renda  de  120  rs.,  e  os  foros  conhecidos  pejas  contas  de  1807,  apparecendo  uma 
nova  verba  de  rendimentos  da  caixa  das  esmolas  na  importância  de  QOO  rs.  Em 
quasi  todas  as  contas  passadas  e  ainda  nas  seguintes  notamos  entre  as  varias  des- 
pezas  com  a  festa  do  orágo  a  esmola  de  200  rs.,  ao  vigário  por  cantar  a  missa. 
Nas  contas  de  1825  di-se  o  nome  de  juros  a  todas  as  verbas  dos  antigos  foros  e 
encontramos  um  novo  foro  de  850  rs.,da  terra  anteriormente  arrendada  por  120  rs. 

Na  ultima  conta  do  mesmo  livro  prestada  em  1828  apparece-nos  a  declaração 
de  um  capitão,  Joaquim  José  Arnaud,  dizendo,  que,  como  procurador  de  uma  fi- 
lha de  Antoni:.  de  Macedo  não  pagaria  mais  o  antigo  foro  de  130  rs.,  que  paga- 
vam os  seus  antepassados,  emquanto  não  lhe  mostrassem  o  titulo  d'aquella  pen- 
são annual,  e  apparece-nos  outra  declaração  de  José  Soares,  morador  na  Calheta 
de  Ponta  Delgada,  dizendo,  que  não  pagaria  mais  o  foro  de  850  rs.,  de  uma  quar- 
ta de  terra  que  tinha  arrematado,  por  faltarem  algumas  varas  á  medida  da  mesma 
terra,  e  com  estas  declarações  termina  o  livro  mais  antigo  que  conhecemos. 

No  anno  de  1830  princinia  o  mordomo  no  novo  livro  dizendo,  que  não  se  re- 
ceberia mais  um  juro  que  costumava  pagar  José  Soares  na  importância  de  200  rs., 
e  que  constava  de  um  titulo  de  1758,  sei-vindo  de  hypotheca  a  casa  de  sua  resi- 
dência, porque  o  mesmo  José  Soares  distractára  o  capital  entregando  4.000  rs.  Ou- 
tra declaração  encontramos  do  mesmo  mordomo,  dizendo,  que,  a  quantia  de  260 
rs.,  paga  por  José  da  Silva,  era  foro  e  não  juro,  como  se  podia  ver  em  um  titulo  de 
arrematação  de  uma  casa  onerada  comaquelia  pensão.  Por  estas  declarações  e  por 
vermos  muitas  vezes  empregados  em  sentido  indifferente  ywws  ou  faros,  devemos 
concluir,  que  alguns  dos  foros  das  antigas  mordomias  ou  confrarias  'iveram  a  sua 
origem  em  juros  de  capitães  mutuados,  ficando  depois  as  propriedades  hypothe- 
i-adas  com  o  foro  correspondente  aos  antigos  juros.  Continua  finalmente  o  capitão 
Joaquim  José  Arnaud  recusando-se  a  pagar  o  antigo  foro  ou  juro  de  130  rs.,  e  do 
mesmo  modo  o  José  Soares  a  pagar  o  foro  de  850  rs.,  e  sem  duvida,  ixir  taes  mo- 
tivos, encontramos  depois  das  contas  de  1830  as  seguintes  declarações  do  ultimo 
vi.gario : — Como  todos  os  que  pagam  juros  ou  foros  a  esta  egreja  em  geral  não  ha 
titulo  algum  por  onde  possam  ser  obrigados,  e  por  outro  lado  vim  a  saber,  que 
n'.putro  tempo  e  não  mui  remoto,  mas  antes  de  eu  ser  parocho  n'esta  egreja,  ha- 
via um  maço  de  papeis  que  acompanhava  o  livro  das  contas,  os  quaes  por  o- 
missão  ou -por  malicia  dos  mordomos  fallecidos  se  desencaminharam,  proponho  a 
esse  juizo,  que  ordene  a  todos  os  mordomos  d'esta  egreja,  que  me  entreguem 
todos  os  titulos  que  tiverem  em  seu  poder  para  serem  guardados  no  archivo  paro- 
chial.  Nas  mesmas  contas  de  1830,  em  fim,  só  encontramos  dois  foros,  o  de  850 
rs..  e  o  de  200  rs.  Todas  as  outras  verbas,  intituladas  foros  algumas  vezes,  passam 
a  ser  classificadas  de  juros  nas  contas  do  anno  seguinte. 

Nas  contas  de  1834,  approvadas  em  1835,  são  rendimentos  da  mordomia  de 
Santa  Luzia  os  seguintes  ;—l."  de  José  Soares,  juros  de  que  não  ha  titulo,  500  rs.-, 
—2."  João  Carreiro,  juros  de  que  não  ha  titulo,  335  rs.,— 3."  de  Maria  Branca,  ju- 


366  REVISTA     MICHAELENSE 

ros  de  que  não  ha  titulo,  225  rs.,--4."  de  Antónia  Raposa,  juros  de  que  não  ha  ti- 
tulo, 200  rs.,— 5."  foro  de  uma  casa  150  rs., — 6.°  foro  de  uma  quarta  de  terra 
850  rs.,— 7.°  esmolas  da  caixa  450  rs.,  e  assim  continuam  as  contas  dos  annos  se- 
guintes, variando  só  as  esmolas  da  caixa  em  quantias  sempre  inferiores  a  1.000  rs. 
No  anno  de  1842  manda  o  administrador  do  concelho,  que  passem  os  rendi- 
mentos da  mordomia  de  Santa  Luzia  para  a  administração  da  junta  de  parochia. 
Comtudo,  limita-se  a  Junta  a  rever  e  approvar  as  contas  da  mordomia  sem  ainda 
se  apoderar  dos  seus  rendimentos.  No  anno  de  184Q  finalmente,  são  incorporados 
os  rendimentos  de  Santa  Luzia  na  administração  da  junta  de  parochia,  e  eram  el- 
les  os  seguintes:— 1 ."  um  foro  de  1  quarta  de  terra  850  rs., — 2.°  um  foro,  antiga- 
mente juros,  de  José  de  Póvoas  225  rs.,— 3.°  um  foro,  antigamente  juros,  dos  her- 
deiros de  Luiz  Botelho  da  Silva,  200  rs.  —4."  um  foro  dos  herdeiros  de  Anna  Branca 
200  reis. 

Nossa  Sçnhora  dç  GtiadalUpe 

Com  boas  razões  podemos  affirmar,  que  houve  antigamente  n'este  logar,  além 
da  egreja  parochial,  uma  outra  casa  de  oração  particularmente  dedicada  ao  culto 
da   Santistissima  Virgem  com  o  titulo  de  Nossa  Senhora  de  Guadalupe. 

Occupava  essa  egreja  ou  ermida  o  mesmo  logar  que  é  hoje  occupado  pela  ca- 
pella-mór  da  actual  egreja  parochial,  e  por  debaixo  da  guarnição  da  parede  do  la- 
do norte,  conforme  dizem,  pode-se  ver  ainda  hoje  os  siguães  evidentes  de  uma 
porta:  que  deveria  ser  n'esse  tempo  a  porta  de  communicação  da  antiga  ermida 
com  a  su.i  sacristia.  A  egreja  parochial  de  Santa  Luzia  era  então  um  templo  mui- 
to mais  antigo  e  arruinado,  nas  mesmas  ou  pouco  maiores  dimensões  da  ermida, 
situado  ao  lado  sul  do  templo  actual,  alem  da  Grota  de  Santa  Luzia,  no  paçaj  do 
parocho,  onde  podemos  ver  ainda  hoje  alguns  vestígios  de  pedras  lavradas,  nas 
quaes  se  acham  gravadas  algumas  lettras  ou  algarismos  e  pequenos  fragmentos  de 
materiaes  de  cal  muito  antigos  e  misturados  com  a  terra.  A  escripturação  da  fa- 
brica ou  mordomia  de  Guadalupe  não  nos  deixa  duvidas  a  tal  respeito,  e  a  tradi- 
ção dos  mais  antigos  moradores  d'este  logar  assim  o  affirma  de  perfeitíssimo  ac- 
cordo  com  os  assentos  de  baptismos  e  casamentos  desde  os  fins  do  século  XVII 
até  meado  do  scculo  XVIII,  nos  quaes  lemos  muitas  vezes  estas  palavras:  -n'esta 
egreja  de  Nossa  Senhora  de  Guadalupe  servindo  de  parochial. 

A  antiga  imagem  de  Nossa  Senhora  de  Guadalupe,  finalmente,  collocada  ain- 
da hoje  n'um  dos  altares  lateraes  do  actual  templo  parochial,  é  também  uma  ima- 
gem de  muita  devoção  d'este  povo.  Eis  o  que  encontramos  a  tal  respeito  nos  apon- 
tamentos do  snr.  Alvim,  tirados  de  Gaspar  Fructuoso  : 

Mora  ali  (nas  Feteiras)  alguma  gente  nobre,  principalmente  o  generoso  fidalgo 
Jorge  Camello  da  Costa  Cogumbreiro,  casado  com  D.  Margarida,  filha  de  Pedro 
Pacheco,  e  ainda  que  não  tem  filhos  com  que  gastar  o  seu,  é  tão  grandioso  e  libe- 
ral que  70  moios  de  trigo  que  terá  de  renda  cada  anno,  assim  alli  como  no  logar 
dos  Mosteiros,  fora  os  muitos  que  recolhe  de  suas  searas  de  que  alguns  annos  pa- 
ga o  dizimo  de  12  a  14  moios,  quasi  todos  gasta  em  sustentar  parentes  e  parentas 
honradas  e  com  muitos  hospedes  que  nunca  lhe  faltam  e  com  esmolas  que  elle  e 
sua  mulher  fazem  a  pobres;  fez  no  mesmo  logar  uma  egreja  da  adoração  de  Nossa 
Senhora  de  Guadalupe,  tam  alta,  com  uma  capella  d'abóbada  tam  bem  lavrada  e 
ornada,  que  bem  se  parece  a  obra  d'ella  com  quem  a  mandou  fazer,  em  que  gas- 
tou mais  de  trez  mil  cruzados,  com  que  está  honrado  e  amparado  e  dando  lustre 
áquelle  logar,  enriquecendo-o  com  as  suas  obras  pias,  supprindo  todas  as  faltas, 
ennobrecendo-o  com  a  sua  presença  e  ajudando-o  com  o  seu  favor,  sendo  pae  de 
todos  sem  ter  filhos,  e,  finalmente  não  poupando  nada  do  seu  para  valer  e  enri- 
quecer a  todos,  pelo  que  é  sua  casa  um  rico  hospital  de  pobres  e  um  farto  agasa- 
lho de  ricos,  um  refugio  de  caminhantes  e  uma  pousada  geral  para  hospedes. 

Diz  o  Dr.  Ernesto  do  Canto  no  Preto  no  Branco,  n.°  117,  que  Jorge    Camello 


REVISTA     MICHAELENSE 


367 


Pereira,  o  mesmo  a  quem  Fructuoso  chama  Jorge  Camello  da  Costa  Cogumbreird, 
ou  Jorge  Camello  da  Costa,  coniiecido  também  por  Jorge  Camello  Colunibreíro, 
fez  seu  testamento  em  1507  depois  de  ter  feito  edificar  a  egreja  de  Nossa  Senhoraí 
de  Guadalupe,  e  que  a  sua  mulher  1).  Margarida  Pacheco  deixou  á  confraria  de 
Guadalupe  em"  seu  testamento  de  1  de  dezembro  de  15Q9  um  foro  de  6.540  rs,,  e 
mais  adiante  nós  veremos  no  livro  das  contas  da  mordomia,  que,  além  d'aquelle 
foro  em  dinheiro,  deixou  ella  mais  outro  foro  de  75  alqueires  de  trigo,  com  a  con- 
dição de  se  dotar  unia  noiva  todas  as  vezes  que  as  sobras  da  mordomia  de  Gua- 
dalupe chegassem  a  15.000  reis. 

Em  termos  idênticos  e  do  mesino  modo  elogiosos  escreve  Fr.  Agostinho  de 
Santa  Maria  no  titulo  XXiX,  dizendo,  além  do  que  já  sabemos  de  Fructuoso,  que 
o  Cavalleiro  Jorge  Camello  dá  Costa  Cogumbreiro  (descendente  de  Diogo  Affonso 
Coiumbreiro  que  edificou  a  Casa  e  Santuário  de  Nossa  Senhora  Mãe  de  Deus)  era 
casado  com  D.  Margarida,  filha  de  Pedro  Pacheco,  e  que  elle  e  sua  mulher  edifi- 
caram uma  casa,  á  mesma  Mãe  de  Deus,  e  a  dedicaram  á  Senhora  debaixo  do  ti- 
tulo de  Guadalupe  n'este  logar  das  Feteiras. 

Nas  saudades  da  Terra,  livro  IV  Cap.  4.",  diz  ainda  Gaspar  Fructuoso,  confor- 
me os  mesmos  apontamentos  do  Snr.  Alvim,  que  Jorge  Camello  da  Costa  era  filho 
de  Pedro  Affonso  da  Costa  Coiumbreiro  e  de  D.  Leonor  Camello,  e  depois  dos 
elogios  qtie  já  conhecemos,  diz  a^nda,  que  elle  fizera  no  logar  onde  mora  (Feteiras) 
e  nas  casas  que  foram  de  seu  pay  a  sumptuosa  egreja  em  que  gastou  trez  mil  cru- 
zados. 

Finalmente,  em  uma  resposta  episcopal  de  1768  a  uma  consulta  do  vigário  Ig- 

nacio  de  Mello,  veremos  mais  adiante,  que  no  tempo  em  que  foi  edificada  a  ermida 

de  Guadalupe,  já  se  falava  na  transferencia  dos  serviços  parochiaes  para  ella,  ou  na 

possibilidade  de  ser  a  nova  ermida  elevada  a  e- 

2  ^P  greja  parochial. 

É  ^f;?:.  De  todos  estes  documentos  devemos  nós  ti- 

g  "*      -1  rar  desde  já  as  conclusões  seguintes: 

g  J^^..  j  — 1."— A  primitiva  egreja  p'arochial  de  Santa 

a      ■       '^    .  Luzia,  edificada  no  terreno  do  paçal    pelos    fins 

T  ^ ■'■      '       "„-.  do  século  XV,  achava-se  já   an-iiinad-i  ou    inca- 

,Jr*    '-  ""3  paz  dos  serviços  do  culto  no   ultinio  quartel    do 

r-       ']      ■■^^^'^  ■'   scculo  XVI. 

^yíf"-      .  ,  —2."— A  nova  egreja  de  Guadalupe  foi  edi- 

.....  ^^J^ .'  ^f  ficada  na  ultima  metade  do    século    XVI,  certa- 

■■■.^^í  '  ^  ,;   mente  antes  de  15Q7,  á  custa,  e  no  mesmo  logar 

d'  casa  paterna,  de  Jorge  Camello  da  Costa  Co- 
giiiribrciro, filho  de  Pedro  Affonso  da  Costa  Co- 
aumbrL^iro  (descendente  de  Diogo  ,^ffonso,  insti- 
ga ,  tuidor  da  ermida  de  Nossa  Senhora  Mãe  de  Deus) 
*^  •  1-  de  D.  Leonor  Camello,  casado  com  D.  Marga- 
^r^.'.^  rida  Pacheco,  filha  de  Pedro  Pacheco,  pessoas 
I^P^-^'^-  -  limito  nobres,  ricas  e  piedosas,  gastando-se  n'essa 
^^                                               ohia  mais  de  trez  mil  cruzados. 

—3.°— A  ermida  de  Guadalupe  principiou  a 
';  -ii\ir  de   egreja    parochial,  sendo   a  antiga   de 

milita  Luzia  abandonada,  logo  nos  princípios  do 
L'culo  XVII,  e  já  incapaz  de  semr  na  primeira 
metade  do  século  seguinte,  n'ella  gastou  a  fazen- 
da real  mais  de  2.600.000  rs.,  como  jà  vimos  no 
uíovimento  da  fabrica  maior  pelos  annos  de 
1720— a— 1750. 

_4;'_Conforme  veremos  no  movimento  económico  da  junta  de  parochia,  foi 
a  mesma  egreja  de  Guadalupe  muito  ampliada  e  transformada  em  egreja  parochial 


Egreja  Parochial 


368  REVISTA      MICHAELENSE 

de  Santa  Luzia,  por  iniciativa  e  valiosos  auxílios  do  primeiro  prior  Sebastião  Gon- 
çalves de  Moraes  no  anno  de  1833. 

Dos  benefícios  ou  rendimentos  com  que  fora  dotada  em  antigos  tempos  a  er- 
mida de  Nossa  Senhora  de  Guadalupe,  encontramos  ainda  no  nosso  archivo  al- 
guns documentos,  que  vamos  aqui  transcrever.  Não  sabemos,  é  verdade,  desde 
quando  foram  doados  ou  deixados  em  testamento  esses  legados,  mas  podemos  cer- 
tamente conjecturar  que  alguns  d'e!les  datam  de  uma  epocha  anterior  ao  segundo 
quartel  do  século  XVII. 

Primeiramente  sabemos,  que  um  capitão  de  nome  João  Rodrigues  e  seus  des- 
cendentes eram  obrigados  á  sustentação  de  uma  lâmpada  perpetuamente  accesa  di- 
ante da  imagem  de  Nossa-  Senhora  de  Guadalupe,  como  encargo  das  seguintes 
propriedades  deixadas  em  testamento  : — 1." — 10  ou  12  alqueires  de  terra,  livredeou- 
tros  encargos,  sita  no  logar  de  Candelária,  cujo  rendimento  era  de  64  alqueires  de 
trigo; — 2.° — um  foro  de  20  alqueires  de  trigo  de  outra  propriedade  no  mesmo  sitio 
de  Candelária; — 3." — outro  foro  de  20  alqueires  de  trigo  de  uma  propriedade  sita 
na  Lomba  da  Cruz.  Além  do  foro  de  Ó.540  rs.,  que  já  vimos  no  Preto  no  Branco, 
n."  117,  deixou  mais  D.  Margarida  Pacheco  um  foro  de  75  alqueires  de  trigo,  com 
a  condição  de  se  dotar  uma  orphã  com  os  sobejos  das  despezas  no  culto  da  ima- 
gem de  Nossa  Senhora  de  Guadalupe,  e  finalmente  um  foro  de  13  canadas  de 
azeite  de  um  individuo  da  Bretanha  de  nome  António  Marques  Vamos  transcre- 
ver os  documentos. 

Lm  uma  folha  solta,  envolvida  no  meio  de  outras  de  um  livro  antigo  da  con- 
fraria do  Santíssimo  Sacramento,  lê-se  o  seguinte; — Teor  de  trez  verbas  que  per- 
tencem ás  confrarias,  assim  de  Nossa  Senhora  de  Guadalupe,  feitas  a  folhas  25  do 
livro  da  mesma  confraria,  como  também  a  esta  do  Salvador.— 1."— Disseram  elles 
testadores,  que  tinham  no  logar  de  Candelária  dez  ou  doze  alqueires  de  terra  la- 
vradia dizima  a  Deus,  a  qual  terra  traz  Simão  Rodrigues,  de  que  paga  em  cada  an- 
no moio  e  quatro  alqueires  de  trigo,  a  qual  terra  por  morte  de  elles  testadores  irá 
a  seu  irmão  João  Rodrigues  com  a  obrigação  de  alumiar  todos  os  dias  a  lâmpada 
de  Nossa  Senhora  de  Guadalupe  emquanto  o  mundo  durar,  e  a  dita  terra  nunca 
será  vendida,  nem  alheada,  nem  empenhada,  e  por  morte  de  seu  irmão  João  Ro- 
drigues irá  correndo  linha  direita,  e  poderá  dispor  no  filho  ou  filin  que  lhe  pare- 
cer com.  o  mais  que  nomearem  para  este  fim.  Referem-se  as  outras  duas  verbas, 
em  termos  similhantes,  aos  dois  foros  de  20  alqueires  de  trigo  cada  um,  deixados 
a  João  Rodrigues  e  com  as  mesmas  condições.  E'  datado  este  documento  e  assig- 
nado  pelo  vigário  Lazaro  da  Costa  Pavão  em  1683. 

Não  se  diz  no  documento  supra  quem  foram  os  testadores,  mas  podemos  ave- 
riguar pelo  nosso  trabalho  dos  boletins  de  familias,  que  o  capitão  Jdão  Rodrigues 
nasceu  em  1628,  falleceu  em  1684,  tendo  casado  com  Marianna  Pa'^heca  em  1652, 
deixando  numerosa  descendência. 

Quanto  ao  foro  de  75  alqueires  de  trigo,  deixado  por  D.  Margarida  Pacheco, 
viuva  de  Jorge  Camello,  encontramos  um  assento  de  óbito  nos  termos  seguintes:— 
Aos  vinte  e  dois  de  janeiro  de  seis  centos  e  oitenta  e  outo  foi  dado  á  sepultura  o 
corpo  de  Martinho  de  Souza  Pereira,  que  foi  muitos  annos  thesoureiro  em  a  egre- 
ja  da  Senhora  de  Guadalupe,  havia  recebido  todos  os  sacramentos,  não  fez  testa- 
mento, por  que  não  tinha  mais  que  a  terra, da  Rocha,  d'onde  se  pagam  cinco  quar- 
teiros  de  trigo  á  confraria  da  Senhora  de  Guadalupe,  o  qual  legado  deixou  Dona 
Margarida  Pacheco, -mulher  de  Jorge  Camello,  e  deu  de  foro  a  mesma  terra  a  An- 
tónio Pereira  (pae  d'este  defuncto)  para  seus  filhos  com  certa  f')rma,  e  porque  não 
apparecia  descendente  fez  certo  partido  com  Gaspar  de  Viveiros  e  sciis  filhos,  que 
lhe  mandaram  um  habito:  de  alguns  moveis  que  se  lhe  arremataram  se  lhe  fizeram 
um  officio  e  algumas  missas  e  pagaram  as  dividas.  Vigário  Lazaro  da  Costa  Pavão. 

Não  podemos  saber  em  que  anno  foi  dado  de  aforamento  o  prédio  da  Rocha 
a  António  Pereira,  mas  sabemos  que  falleceu  a  mulher  d'este,  já  viuva,  em  1658  e 
podemos  portanto,    conjecturar,  que  o  aforamento  data  de  um  tempo  mais  ou  me- 


REVISTA     MICHAELF.NSE  3Ô9 

nos  próximo  do  anno  de  1599,  em  que  Margarida  Pacheco  fez  o  seu  testamenio,  e 
já  n'esse  tempo  se  faiava,  como  vamos  ver,  na  próxima  mudança  dos  serviços  pa- 
rocliiaes  para  a  ermida  de  Guadalupe,  ou  de  ser  esta  ermida  ^Hc-vada  a  egreja  pa- 
rociíiai.  Na  resposta  episcopal,  a  que  já  nos  referimos,  a  uma  advertência,  que  já 
não  se  pode  iêr,  e  que  nos  parece  ser  uma  consulta  formulada  pelo  vigário  Igna- 
cio  de  Mello,  querendo  justificar  o  motivo  porque  se  deveria  gastar  n'aquelle  anno 
os  sobejos  do  foro  com  um  novo  altar  de  Nossa  Senhora  de  ( luadalupe,  deixando 
de  se  dotar  uma  orphã,  podemos  Iêr  o  seguinte: — E'  certo,  como  bem  adverte  o 
ministro  supra,  que  a  primeira  intenção  dos  voventes  é  o  augmento  do  divino  ciiito, 
econio  todo  o  empenho  da  doadora  D.  Margarida  Pacheco  foi  a  conservação  do 
culto  da  sagrada  imagem  de  Nossa  Senhora  de  Guadalupe,  orágo  que  era  d'esta 
egreja,  emquanto  ermida,  dando-Ihe  para  esse  fim  cinco  quarteiros  de  trigo,  d'cste 
rendimento  se  deve  continuar  a  satisfazer  o  mesmo  culto  5  dita  sagrada  imagem, 
sem  embargo  da  substituição  que  deu  de  dote  para  uma  moça  da  obrigação  de 
sua  casa,  se  aquella  ermida  viesse  a  ser  egreja  parochial,  por  já  n'esse  tempo  falar 
.  ....^,^  ,_  „-  -  -  •  em  a  mudarem  para  a  di- 

ta ermida,  por  quanto 
com  a  referida  mudança 
e  creação  da  ermida  em 
parochial,  não  só  conse- 
guiu a  mesma  sagrada 
^  imagem  de  Nossa  Senho- 

-•^  ra  de    Guadalupe    novo 

culto,  que  o  oue  presen- 
f  _  temente  a  mesma  doado- 

^  .  j        {  -■'■',  ^.;:  ra  conjecturava,  e  ficasse 

ij?  ^         r"*  '■■ '  patrona  da  mesma  egre- 

^JV  )'T,  antes  sim  menos  apre- 

sa ço,   pondo-a  duas    vezes 

"*"  110    canto    do   altár-mór 

quando  os    mordomos  e 

''  '^'"^  ^'"'''  devotos  lhe  faziam  a  sua 

festa,  c  de  ordinário  pelos  da  sacristia,  o  que  moveu  os  mesmos  mordomos  a  sup- 

plicarem  ao    Provedor  dos    Resíduos    lhe   mandassem    fazer  altar  e  paramental-o 

d'este  rendimento,  suspenso  o  legado  do  dote  no  entretanto. 

Ponta  líelgada  em  visita  de  outubro  26  de  176S.  Bispo  d' Angra. 

Desappareceram  os  antigos  livros  das  contas  da  mordomia  de  Guadalupe,  e 
apenas  emontramos  o  ultimo,  a  principiar  na  receita  e  despeza  do  anno  económi- 
co de  1747 — a — 1748.  Além  do  legado  de  75  alqueires  de  trigo  deixado  por  D. 
;Vargarida  Pacheco,  como  foro  do  antigo  prédio  de  Martinho  de  Souza  Pereira, 
não  vemos  mais  receita  alguma,  senão  esmolas  de  milho,  liquidado  n'esse  anno  a 
lòO  Vi.,  o  alqueire.  Do  encargo  que  pesava  sobre  os  bens  herdados  pelo  capitão 
Jof.o  Rodrigues,  bem  como  do  foro  de  6.540  rs.,  de  D.  Margarida  Pacheco,  nada 
vemos  n'estas  contas,  nem  nas  dos  annos  futuros. 

No  anno  de  1752  vemos,  que  o  foro  de  75  alqueires  de  trigo  de  D.  Margarida 
Pacheco,  imposto  no  prédio  da  Rocha,  primeiramente  de  António  Pereira,  passan- 
do a  seu  filho  Martinho  de  Souza  Pereira,  e  depois  a  Gaspar  de  Viveiros  e  seus 
filhos,  tinha  já  passado  ao  tenente  João  Borges  de  Medeiros,  ascendente  da  illustre 
família  Borges  de  Medeiros  de  Ponta  Delgada,  e  portanto  ao  illustre  titular  d'esta 
nobre  família,  que,  recusando-se  a  pagar,  desde  muitos  annos,  este  legado,  parece 
ignorar  a  origem  d'elle,  sem  duvida  alguma  um  foro  imposto  desde  princípios  do 
século  XVII  ou  fins  do  século  XVI  por  D.  Margarida  Pacheco  no  seu  prédio  da 
Rocha  d'esta  freguesia.  Vê-se  finalmente,  nas  mesmas  contas  de  1752,  que  era  esse 
fosse  onerado  com  uma  capella  de  missas. 

Nas  contJis  de  1749  apparecc-nos  um  rendimento  de  9.440  rs.,  sem    se  decla- 


370  REVISTA    MICHAELENSE 

rar  a  proveniência  d'elle,  mas  nas  de  1755— a— 1756  vê-se  que  era  o  producto  li- 
quido do  antigo  fòro'de  13  canadas  de  azeite  a  que  era  obrigado  um  individuo  da 
Bretanha,  e  juntando  a  importância  d'este  foro  á  importância  do  foro  de  75  al- 
queires de  trigo  e  ás  esmolas  do  milho,  somma  a  receita  d'este  anno  35.400  rs., 
importando  a  despeza  em  32.100  rs.  Eram  muito  restrictas  as  despezas  da  mordo- 
mia de  Guadalupe,  pois  que  constavam  somente  do  asseio  e  reparos  do  respectivo 
altar,  do  cumprimento  do  legado  de  uma  capella  de  missas,  e  do  pequeno  dote  a 
uma  orphã,  e  por  isso  mesmo  crescem  os  saldos  de  uns  para  os  outros  annos,  de 
maneira  que  no  anno  de  1760  somma  a  receita  70.035  rs.,  incluindo  o  saldo  do 
anno  anterior  na  importância  de  52.435  rs.  Em  1767  subia  o  saldo  incluso  na  re- 
ceita 108.655  rs.,  liquidafido-se  o  foro  do  trigo  por  18.000  e  o  de  azeite  por  2.600 
reis.  No  anno  de  1773  era  emphyteuta  dos  75  alqueires  de  trigo  o  morgado  Gas- 
par de  Medeiros,  liquidando-se  o  trigo  n'esse  anno  a  240  rs,,  e  não  havendo  mais 
verba  alguma  de  receita  além  das  duas  conhecidas,  o  trigo  e  o  azeite,  som  mando 
a  receita  n'esse  anno  40.870  rs.,  e  a  despeza  23.550  reis. 

Em  1780  são  approvadas  todas  as  contas  de  1771— a -1770,  advertindo  a  res- 
pectiva auctoridade,  que  não  se  devia  dar  pelas  esmolas  das  missas  mais  do  que  a 
taxa  do  costume,  que  era  de  100  rs.,  e  não  120  rs.,  como  dava  c  mordomo.  Ficou 
para  o  anno  seguinte  um  saldo  de  89.760  reis. 

No  anno  de  1800  importava  a  receita  em  60.37Q  rs.,  incluindo  do  anno  ante- 
rior o  saldo  de  30.379  rs.,  e  sommando.a  despeza  apenas  9.400  reis. 

No  anno  de  1811  requereu  o  vice-vigario  Manuel  José  Soares  de  Menezes  ao 
provedor  do  concelho  e  ao  bispo  da  diocese  a  necessária  auctorização  para  serem 
applicadas  as  sobras  do  rendimento  do  trigo,  em  logar  de  dotes  a  orphãs,  aos  re 
paros  de  que  muito  carecia  a  egreja  de  Nossa  Senhora  de   Guadalupe,  para  conti- 

..     -.,.    nuar  a  servir    de  egreja 

.-^    parochial,    visto   achar- 

■'     '■    se  já    desde   muitos  an- 

;■  nos  abandonada  a  de 

.,  Santa  Luzia. 

,',  ■  Depois    das    contas 

^^^' '  ...■       cie    1823,     sentenciadas 

_     í|^        ,  ^  in  1824,  comum  saldo 

^^  '""«'        '    '  ^  ;     de  50.797  rs.,  vemos  a 

'opia  de  um  requeri- 
ii;ento  do. vigário  Sebas- 
lifio  Gonçalves  de  Mo- 
les, pedindo  á  respecti- 
'  ;  auctoridade,  que  as 
:a" --.-  .-Í5-..ÍV j».  .- '-s-s.-; '      despezas    com   dotes   a 

.  ^    ,     .    ^     .         ^.    ,  orphãs  se   fossem  accu- 

A  Fonte  da  Fgreja  e  o  ,Hcairo  mulando  em  saidos  a  fa- 

vor da  projectada  egreja  parochial,  e  sendo  favoravelmente  despachada  esta  peti- 
ção, vemos  que  sommavam  esses  saldos  no  anno  de  1825  a  quantia  de  129  446  rs., 
em  1827  a  quantia  de  204.078  rs.,  em  1S30  a  quantia  de  309.495  rs.,  em  1834  a 
quantia  de  360.764  rs.,  havendo  ,n'esíe  anno  a  receita  de  398.264  rs.,  e  gastando- 
se  d'esta  somma  com  a  nova  egreja  de  Santa  Luzia  324.515  rs.,  ficando  ainda  um 
novo  saldo  de  73.749  reis. 

No  anno  de  1842  manda  o  administrador  do  Concelho,  que  sejam  os  ren- 
dimentos da  mordomia  de  Guadalupe  incorporados  na  administração  da  junta  de 
parochia,  mas  as  administrações  continuam  separadas  por  mais  dois  annos,  até 
que    no   anno   económico    de  1S44— a~1845  acabou  a  mordomia. 

Nossa  Senhora  ds  l/ictoria 

Não  encontramos  escripturação  alguma  d'esta  mordomia  anteriormente  ao  an- 


REVISTA     MICHAELENSE 


371 


no  de  1736,  e  pelas  contas  dos  annos  económicos  de  1736— a— 1740  só  podemos 
ver  o  rendimento  de  um  quarteiro  de  trigo,  não  se  podendo  ler  bem  as  despezas 
correspondentes.  Apparece-nos  logo  depois  d'estas  contas  uma  sentença  de  D.  Fr. 
Valério  do  Sacramento,  em  visita  n'esta  egrejanomez  de  outubro  de  1742,  appro- 
vando  o  movimento  económico  da  mordomia  nos  últimos  quatro  annos  decorridos 
com  a  receita  de  93.400  reis  e  a  despeza  de  64.000  reis. 

No  anno  de  1745  são  sentenciadas  e  approvadas  as  contas  pelo  visitador  Pe- 
dro Ferreira  de  Medeiros,  vigário  de  São  José  de  Ponta  Delgada,  havendo  uma  só 

0  a  mísma  verba  de  receita  do  foro  de  15  alqueires  de  trigo,  liquidado  n'essc  an- 
no a  160  rs.,  e  gastando-se  no  asseio  do  altar  a  quantia  de  4.740  reis. 

Pelas  contas  de  1745— a— 1746  ficamos  sabendo,  que  os 45  alqueires  de  trigo 
de  rendimento  da  mordomia  era  um  foro  do  P."  António  Sampaio,  liquidado  n'es- 
se  anno  a  200  rs.,  havendo  encargo  annexo  ao  mesmo  foro  de  uma  missa  em  ca- 
da anno.  Assim  continuam  as  contas  nos  annos  seguintes,  apenas  augmentadas  as 
receitas  com  alguns  juros  de  capitães  mutuados  e  nada  mais  de  despezas  senão  o 
asseio  do  altar  e  o  azeite  da  larnpada. 

No  anno  de  1766  são  approvadas  todas  as  contas   dos  ãnnos   anteriores   por 

1  •.  António  Claetano  da  Rocha,  e  em  logar  do  antigo  emphyteuta  P.*-'  António  de 
-  impaio  vemos  o  seu  successor  Duarte  Borges 'da  Gamara.  Por  essas  contas  po- 
demos vèr,  que  o  íôro  do  trigo  c  o  respectivo  eiicargo  da  missa  era  uma  disposi- 
vão  testamenH-',  ■'-   \rr.>nio   Marques,  passando  em  1788  de  Duarte   Borges   da 

çfig.^— -'!.  ja.  -  -  ;     Camará  á  sua    viuva    D.    Anna    josepha,    em 

*v7'*-7 '  ^^-  í'^^7  ao  morgado   António   Pedro    Borges   de 

•'   '  Medeiros,  liquidando-se  o  trigo  n'este  anno  a 

«V    .  :^    240  rs. 

"^  f -      .  ^  Do  anno  de  1810  por  diante  deixa  o  mor- 

..'    domo  de  mandar   celebrar  a  missa,    passando 
;     este  encargo  a  legados  não  cumpridos,  e  haven- 
/'     donoawno  seguinte   um  saldo  de   31.195  rs., 
1  pede  o  vice-vigario  Manuel  José  Soares  de  Me- 

'  :     nezes  para  gastar   d'esta  quantia  20.000  rs.   em 

^i     concertos  e  reparos  da  ermida  de  Guadalupe, 
.  j^    transformada,  como  já  vimos,  em  egreja  paro- 

-!'  ^  chiai.  No  anno  de  1820  havia  um  s^ldo  dos  an- 
nos anteriores  na  importância  de  53.825  rs., 
vendendo-se  o  trigo  a  400  rs.,  e  declarando-se, 
que  nada  havia  de  esmolas  a  esta  capella. 

No  anno  de  1834,  havendo  uma  receita  de 
140.718  rs.,  incluindo  o  saldo  dos  annos  ante- 
riores na  importância  de  133.215  rs.,  deu  a 
mordomia  para  as  obras  da  nova  egreja  paro- 
cliial  49.150  rs.,  e  volta  o  mordomo  ao  antigo 
costume  de  mandar  celebrar  a  missa  do  lega- 
do pio.  Desde  muitos  annos  havia  já  passado 
o  foro  de  15  alqueires  de  trigo  para  o  morga- 
do Duarte  Borges  da  Camará  A^ledeiros.  Deu 
mais  esta  mordomia  para  o  complemento  das 
obras  da  nova  egreja  parochial  em  1836  a  quantia  de  90.160  rs.,  e  em  1839  a 
quantia  de  30.000  rs.,  passando  o  rendimento  do  antigo  foro  de  15  alqueires  de 
trigo  no  anno  de  1843  para  a  administração  da  junta  de  parochia,  e  acabando  por 
este  facto  a  mordomia  de  Nossa  Senhora  da  Victoria. 


BSE*B?s- 


Altar  que  pertenceu  á  velha  egieja  do 

Collegio  de  Ponta  Delgada  da  O-dem 

dos  Jesuítas 


Fabrica  dos  Saníos 
Assim  como  nas  egrejas  parochiaes  de  São  Sebastião  dos  Ginetes  e  de  Nossa 


372 


REVISTA     MICHAELENSE 


Senhora  das  Candeias  do  lo.^ar  de  Candelária,  também  na  nossa  de  S.  Luzia   das 
Feteiras  havia  antigamente  uma  fabrica  ou  mordomia  intitulada  dos  Santos. 

Era  esta  mordomia  adiTtinistradora  dos  rendimentos  das   imagens,  ainda  hoje 
nos  seus  respectivos  altares,  de  S.  Pedro,  de  S.  Antão  e  de  S.  Sebastião. 

O  antigo  e  único  livro  da  sua  administração,  que  nos  foi  po^sivei  encontrar  no 
nosso  archivo  parochial,  principia  pela  seguinte  declaração:— /l/a/wcT/  do  altar  de  S. 
Pedro,  c  de  S.  Antão,  são  5  tostões  dos  qiiaes  paga  hoje  Manuel  Gonçalves  um  cruzado 
do  assento  em  que  mora,  para  cujo  pagamento  liade  cobrar  150  rs.,  do  vigário  La- 
zaro da  Costa  das  casas  qne  foram  do  P!  Miguel  Gonçalves  Raposo,  e  um  tostão 
do  assento  de  Manuel  do  Monte,  e  a  tudo  está  encabeçado  o  dito  por  tradição  dos 
possuidores  do  dito  assento,  e  paga  mais  um  tostão  Mamui  <lc  leve  do  assento  on- 
de mora,  e  hade  cobrade  seus  cunhados  e  her- 
deiros de  Manuel  de  Oliveira  o  que  lhe  tocar  a   ^' 

cada  um,  por  ser  encabeçado.  2  de  Junho  de  679.  ''  | 

Devemos  pois,  concluir,  que   eram    rendimentos  j, 

d'esta  .fabrica  no  anno  de  1679  dois  foros  ou  en-    :  '  1 

cargos  de  qualquer  natureza,  um  de  400  rs.,  e 
outro  de  100  rs.,  impostos  em  assentos  ou  casas  '.  ' 

de  habitação.  Em  seguida  a   esta  declaração  po-  * 

demos  ainda  lêr  o  seguinte: — Tem  mais  e^la 
confraria  os  bens  moveis  seguintes:— yW.7/i'//í'/  dt/ 
Costa  Raposo   deve   dois   mil  íeis  por    escripto. 

Manuel  de   Póvoas  deve  cinco  mil  e    quinhentos  "'•  % 

reis,  Anna  Jorge,  viuva   de  Peiro  Fernandes,  por 
escripto  de  seu  marido  e  sedula  em   que   morreu, 
sete  mil  e  quinhentos  íeis,  e  tem  mais  quatro  ca- 
beças de  Cabras  na  mão  do  capitão  João   Rodri- 
gues. Termina,  em  fim,  a  primeira  pagina  da  ; 
meira  folha  por   estas    palavras  :~Estes  são 
bens  que  tem  esta  confraria,  a  que  se  obrigam  o., 
mordomos  que  hoje  são  juiz   Francisco  Raposo, 
escrivão  António  de  Vasconcellos,  mordomos  Fran- 
cisco Martins  e  Manuel    de  Póvoas  e  procurador 
depositário  Matheus  da    Costa  Teixeira,  a  cobrar 
e  a  administrar  com  toda  a  devoção   c  cuidado,  e 
declaram  que  as  pessoas   que  pagam    a   fabri,! 
não  devem  nada    e  com  isto  se  assinam  comnui 
hoje  29  de  junho  de  1679.  Pavão. 

Na  primeira  folha  do  mesmo  livro  diz  ain- 
da o  vigário  Lazaro  da  Costa  Pavão,  que  uma 
senhora  da  Relva  de  nome  Águeda  da  Motta, 
viuva  de  Pedro  Rebello,  deixou  a  Nossa  Senhora  do  Bom  Successo  da  mesma  pa- 
rochia  e  a  S.  Sebastião  d'esta  freguezia  um  foro  de  10  alqueires  de  trigo  de  uma 
propriedade  que  herdara  de  Simão  de  Tevês,  e  que  este  foro  tinha  sido  substi- 
tuído por  outro  a  dinheiro  na  importância  de  8.300  rs.,  que  pagava  n'aquella  epo- 
cha  o  capitão  João  Rodrigues  Pavão.  Havia  no  mesmo  foro,  conforme  diz  o  vigá- 
rio Lazaro,  o  encargo  de  uma  missa  em  cada  anno,  dividindo-se  depois  este  foro 
em  duas  partes,  a  primeira  de  5.000  rs.,  para  o  culto  de  Nossa  Senhora  do  Bom 
Successo  no  logar  da  Relva,  e  a  segunda  de  3.300  rs.,  livres  de  qualquer  encargo 
para  o  culto  de  São  Seba-stião  no  logar  das  Feteiras.  Não  vemos  porem,  este  ren- 
dimento em  receita  alguma  do  livro  de  que  nos  vamos  occupar. 

Importa  a  receita  no  anno  de  1681  em  3.540  rs.,   incluindo  1.250   rs.,  de    trez 
cabras  que  se  venderam,  gastando-sé  d'esta  somma  3.605  rs-,  incluindo  a  despeza 


í 

Ê 
'ffi 


Alta)  , 
es:re/a  i 


velha  niiijiiia  qne  vciuncfu  ã 
xtinda  de  S.  los'  aonde  depois 
ai  edificado  o   Theatro  (/) 


(I)  Também  este  altar  esteve  no  Collegio  como  diz  o  aiictor  da  monographia. 


PEV1STA     MICHAELENSE  373 

de  500  rs,  da  comedia,  ou  pastos  dos  animaes,  c  100  rs.,  da  esmola  de  uma  mis- 
sa a  S.  Antão. 

Nas  contas  de  1696— a— 1699  vê-se,  que  a  confraria  mutuava  os  seus  saldos  a 
5  °Io,  ou,  como  ordemnava  o  visitador  Simão  da  Costa,  a  50  por  milhar.  E'  sem 
duvida  por  essa  razão  que  vemos  nas  contas  d'esses  quatro  annos  os  rendimentos 
seguintes  :—l.°  uma  pensão  de  1.500  rs.,  pelo  juro  de  30.000  rs  :— 2  °— duas  pen- 
sões de  600  rs.,  pelo  juro  de  24.000  rs:— 3."— uma  pensão  de  300  rs.,  pelo  juro  de 
6.0M  rs. — 4.° — umi  pensão  de  700  rs,,  pelo  juro  de  14.0C0  rs.  Tinha  por  tanto,  a 
mordomia  em  capitães  mutuados  a  somma  de  74.000  rs.,  com  o  juro  de  3.700  rs. 
Apparece-nos  mais  n'estas  contas  o  ahiguel  de  uma  casa  doada  pelo  capitão  Agos- 
tinho Raposo  na  importância  de  600  rs.,  um  foro  de  400  rs.,  dois  foros  de  100  rs., 
metade  do  custo  de  uma  bezerra  por  550  rs.,  e  o  custo  de  duas  cabras  vendidas 
por  900  rs.  Incluindo  o  saldo  de  18^0  rs.,  do  anno  de  1695,  importava  a  receita 
em  21.400  rs.  São  as  despezas  dos  mesmos  annos  de  1696— a— 1699  formuladas  do 
modo  seguinte:— trez  sermões  com  a  esmola  de  dois  cruzados  cada  um,  2.400  rs. 
—concertos  de  uma  lâmpada  e  castiçaes,  820  rs.  -quatro  missas  a  S.  Pedro  com 
a  esmola  de  100  rs.,  cada  uma— benesses  ao  thesoureiro,  210  rs.  — concertos  nos 
altares,  460  rs.— gastos  de  cera,  3.800  r?,.— comedia  ou  pastos  dos  animaes,  260  rs. 
ífra  mordomo  e  prestou  estas  contas  .Mathi;is  Barbosa,  casado  n'esta  freguezia  com 
Luiza  Carreira,  failecido  com  idade  de  60  annos  em  1721,  deixando  numerosa  des- 
cendência, e  havendo  já  hnje  d'elle  quintos  netos  nas  familias  Tavares. 

Do  mesmo  modo  continuam  as  receitas  dos  annos  seguintes,  juros,  foros  e  a 
renda  ou  aluguel  de  uma  casa.  No  anno  de  1705  sommam  os  capitães  mutuados 
apenas  24.000  rs.,  com  o  juro  correspondente  de  1.200  rs.,  continuando  o  aluguel 
da  casa,  e  os  foros  de  400  rs.,  e  de  200  reis.  No  anno  de  1715  subiram  os  capi- 
tães mutuados  a  32.100  rs.,  distribuidos  por  nove  indivíduos,- recebeu-se  a  esmola 
de  um  boi  liquidado  por  8.200  rs.,  e  a  esmola  de  uma  cabra  por  640  reis.  infeliz- 
mente descaminhou-se  a  escripturação  dos  annos  seguintes,  e  nada  mais  podemos 
saber  da  antiga  administração  d'esta  fabrica  ou  mordomia. 


Continua 


374  REVISTA     MlCHÀELÉNg  K 

lotas  e  Eslatístifii  Ha  ia  è  í  iigii-Pi  Um\m  Mmm  Mm 

ailSiliKPFiliSãQlii. 


ViLLS  DO  NORDESTE 


o  ^i   LOQfíSÍ  Orí   ILMfl 


%■- 


Situado  no  interior  3  léguas  a  N,  NE,  do  Fayal.— Este  logar  que  no  seu  prin- 
cipio era  jurisdicção  de  Villa  Franca  foi  erecto  em  Viila  em  18  de  julho  de  1514, 
por  El-Rei  D.  Manoel;  é  pequeno  bem  situado,  e  muito  sadio;  os  seus  campos  sãr; 
férteis  em  trigo,  nos  bons  annos,  nas  melhores  terras  produz  12  por  1;  e  milho  ó') 
por  1;  favas,  maçãs,  pêras,  figos,  vinho  e  tem  bastante  gado,  e  gallinhas  a  200  reis. 

Nos  bons  annos  dá  120  pipas  de  vinho,  350  moios  de  trigo,  800  de  milho,  isto 
é  todo  o  districto. 

O  mar  abunda  em  grandes  congros,  chernes,  garoupas,  tartarugas  etc. 

O  seu  districto  é  desde  a  metade  d'Agua  Retorta  até  á  Algarvia;  comprehende 
os  logarejos  da  Lomba  da  Cruz;  da  Fazenda  d'Assumada;  da  La/areira,  o  logar  do 
Nordeste;  o  logarejo  do  Espigcão;  de  Santo  António,  do  Calvo;  o  logar  da  Algarvia, 
correndo  a  costa  para  o  norte;  e  para  o  Sul,  o  logarejo  da  Nazareth,  da  Grota  do 
Barro,  e  da  Pedreira. 

Ha  Vigário  na  Egreja  de  São  Jorge,  com  Cura  e  collegiada,  e  um  Convento 
de  Franciscanos. 

População 

Em  1580 — 584  almas  de  confissão  òm  128  fogos. 

Em  1690— 8Q2  almas  de  confissão  em  225  fogos. 

Em  1800 — 1765  almas,  e  mais  47  nascimentos,  do  que  mortes. 

Em  1813—1892  almas,  em  459  fogos. 

S.  M:  S.  F:   l',:  1;  V:  V::  1:1    ',;  N:  P::  1;  52   i; 

M:  P::  1:  62  j ;  N:  Al::  N:  F::  1:  1  r^^.  augmento  effectivo  de  população  em  13 
annos  427  almas,  ou  35  por  anno;  mas  o  termo  médio  de  augmento  era  44  almas, 
que  em  13  annos  faziam  572,  tem  só  425,  logo  emigraram  145  almas. 

Occupaçõcs  dos  habitantes 

Em  1800  Em  1813 

Corpo  Ecclesiastico 10 •     .13 

Corpo  Civil 10 

Lavradores 47 ■ 96 

Artistas 19 38 

Trabalhadores  . . .  • 164 .^ 218 

Homens  do  mar 14 14 

Em  1813  tinha  todo  o  districto  da  Villa  2794  almas  em  709  fogos. 
Em  1813  tinha,  Frades  5,  Clérigos  8,  Officiaes  de  Justiça  10,  Cirurgiões  2,  Car- 
pinteiros 11,  Serradores  7,  Pedreiros  3,  Cabouqueiros  I,  Ferreiros   2,  Cesteiros  17, 
Sapateiros  21,  Práticos  da  costa  13,  1  Sargento  Mór  de  Ordenanças    e   4   compa- 
nhias com  513  praças. 

Producçõcs  de  todo  o  díss^ricto  da  villa 


Em  1800 

Em  1813 

Exportação 

Trigo 

290  moios 

330  moios 

30 

Milho  .... 

350  moios 

710  moios 

50 

REVISTA    MICHAELENSE  375 

Em  ISOO  Em  1813 

Linho....  60  quintaes.  .  . .  

Fava 18  moios 4  moios 

Feijão 40  alqueires  ...  1       »     

Legumes..  13  moios  20  alqueires 

Vinho  ....  10  pipas 31  pipas 

Cevada 1  moio 


Ha  3  caminhos  d'esta  vilia  para  a  costa  do  sul:  o  1."  peio  Pico  da  Trunquei- 
ra,  e  Agua  Retorta  á  Povoação;  3  lioras  a  pé,  e  5  a  cavallo;  é  muito  máu. 

O  2."  pela  Pedreira,  logarejo  a  uma  légua  do  Nordeste,  de  360  almas  e  pela 
serra  do  Lombo  Gordo,  até  á  Povoação:  3  horas  a  pé  e  4  a  cavallo;  o  3."  indo 
pelo  Nordestinlio,  ou  pela  Algarvia  ao  Pico  da  Vara,  e  de  lá  pelos  Graminhaes 
para  as  Furnas,  e  d'ahi  á  Povoação. 

Caminho  da  \'illa  do  Nordeste  para  o  logar  do  Nordestinho. 

A  113  de  légua  da  Villa  do  Nordeste,  está  a  Ribeira  dos  Moinhos  que  nunca 
secca. 

A  113  de  légua  o  logarejo  da  Lomba  da  Cru7,  e  o  caminho  do  mesmo  nome, 
que  do  Nordeste  vae  á  Povoação  peio  Pico  da  Trunqueira. 

A  1  légua  de  Nordeste  a  Ermida  da  Conceição  do  logarejo  da  Fazenda;  a  94 
braças  a  Grota  da  Arrubeira  do  Arraiai,  que  secca  no  verão. 

A  141  braças  a  Grota  da  Figueira. 

A  376  braças  o  resto  do  logarejo  da  Fazenda  cujos  campos  são  férteis. 

E  a  235  braças  a  Grota  sem  nome,  secca,  a  113  de  légua  o  logarejo  da  Assumada. 

A  113  de  légua  a  Ribeira  de  João  de  Aroses,  não  secca;  e  logarejo  da  Lazeira; 
segue-se  a  Ribeira  d'Agua,  que  secca  no  verão,  e  a  2  léguas  ("a  V^illa  do  Nordeste, 
o  principio  do  logar  do  Nordestinho,  e  o  caminho  para  o  Pico  da  Vara,  pela  ca- 
nada do  Feno. 

A  1!3  de  fegua  do  principio  do  logar,  está  a  Ribeira  do  Espigão  Morto,  que 
secca  e  é  o  fim  do  logar  e  ao  pé  o  logarejo  do  Espigão  Morto. 

A  315  braças  a  ribeira  e  logarejo  de  Santo  António. 

A  113  de  legua  a  Grota  e  logarejo  do  Calvo. 

A  ISO  braças  ccuneça  a  descida  da  Ribeira  Despe-te  que  suas;  e  a  2|3  de  legua 
está  o  fim  da  subida  d'esta  mesma  ribeira,  e  um  caminho  ao  sul  r>ar:i  o  Pico  da 
Vara,  passando  pelo  logarejo  da  Algarvia. 

A  1  legua  c  213  do  Nordestinho,  está  o  logarejo  da  Algarvia,  Curato  suffraga- 
neo  do  Nordestinho  na  Egreja  da  Senhora  do  Amparo,  situado  entre  a  Ribeira  — 
Despe-te  que  suas — e  a  da  iMulher,  de  descida  e  accesso  tão  difficultoso  como  a 
primeira,  e  é  o  limite  do  Districto  do  Nordestinjio,  e  da  Villa  do  Nordeste,  a  costa 
do  Topo  ou  Ponta  do  Nordeste  corre  a  N,  N.  O.  forma  o  pontal  dos  Frades,  a 
Ponta  da  Ribeira  dos  Moinhos,  e  corre  para  O.  até  ao  Pico  da  Al,^:ir\':a,  que  se  vê 
de  grande  distancia:  como  a  costa  é  muito  alcantilada,  e  cortada  por  muitas  gro- 
tas e  ribeiras,  que  todas  tem  as  suas  vertentes  no  cordão  das  altura^  dos  Grami- 
nhaes, o  caminho  que  atravessa  todas  estas  ribeiras,  é  assaz  incommodo  mesmo 
com  bom  tempo  pelas  descidas  e  subidas. 

Logar  fio  Mordcstânho,  o  25."  da  ilha 
Situado  2  léguas  a  N.  NO.  da  Villa  do  Nordeste. 
■   E'  pequeno,  tem  Vigário  e  Cura  na  Egreja  de  S.  Pedro. 
População 

Em  1580  tiriha  181  almas  de  confissão  em  41  fogos. 

Em  (6yO— (comprehendendo  a  Algarvia  na  freguezia  de  S.  Pedro)  748  pessô:'s 
cm  189  fogos. 

Em  1800  985  almas,  e  mais  2  mortes  do  que  nascimentos, 
Em  1813  875  almas  em  175  fogos. 


376  REVISTA     MICHAELENSE 

S.  M:  S.  F::  I:  I  114;  V:  V::  I:  4  112;  N:  P::  I:  19  1146;  C:  N::  I:  2  718;  C: 
P:  :  1:  54  11116;  M:  P::  I:  58  113;  N:  M::  3:  1  1115;  mais  21  nascimentos  do 
que  mortos;  diminuição  de  população  em  13  annos,  110  almas;  o  termo  médio  do 
augmento  era  10  almas,  que  em  13  annos  produziam  130,  logo  emigraram  150 
almas. 

Occupaçõcs  dos  habitantes 

Em  1800  Em  1813 

Corpo  Ecciesiastico 2 3 

Corpo  Civil . .           1 • 10 

Lavradores 68 76 

Artistas 15 24 

Trabalhadores....- 297 220 

Mendigos ■ 3 

ProducçÕG^ 

De  ISOO  e  1813  incluídas  nas  da  Villá  do  Nordeste. 

Do  logar  da  Algarvia  o  caminho  para  o  Pico  da  Vara  é  muito  bem  até  ao  si- 
tio a  que  vão  cortar  hmhas  no  matto;  d'ahi  para  cima  só  se  pode  subir  a  pé:  a  1 
516  de  légua  está  o  Pico  Redondo,  atravessam-se  as  alturas  dos  Qraminhaes  e  as 
vertentes  de  muitas  ribeiras,  e  grotas  que  desaguam  na  costa  do  norte  e  sul  da  ilha. 
—Subindo  mais  314  de  légua  ou  a  2  léguas  e  213  da  Algarvia  está  o  cimo  do  Pico 
da  Vara,  a  montanha  mais  alta  da  Ilha  d'onde  se  descobre  grande  parte  da  costa 
do  norte  e  do  sul;  está  quasi  sempre  coberto  de  névoa,  nas  faldas  observam-se  as 
vertentes  de  muitas  grosas,  e  uns  grandes  precipícios  chamados  os  caldeirões;  no 
ápice  do  Pico  da  Vara  achamos  resíduos  vulcânicos;  atravessando  os  Qraminhaes 
para  Oeste  correndo  ao  w  rte  pelas  alturas,  que  formam  os  dois  valles  da  Ribeira 
dos  Moinhos  e  da  Achada,  a  2  116  de  légua  do  Pico  da  Vara,  está  o  logar  da  A- 
chada  Grande;  o  caminho  é  muito  agradável;  e  o  viajante  descendo  do  cimo  da 
montanha  d'onde  muitas  vezes  se  vê  o  ceo  claro,  emquanto  os  valles  que  a  rodeiam 
estão  cobertos  de  névoa,  vae  gradualmente  vendo  grandfs  ribeiras,  campos  nmi 
bem  cultivados,  e  muitos  logares  da  costa  do  norte  da  ilha.— bahindo  da  Algarvia 
pelo  caminho  ao  longo  da  costa  atravessa  a  Ribeira  da  Mulher;  encontra-se  o  lo- 
garejo  da  Feteira;  a  Ribeira  do 'Folhado;  a  Ribeira  das  Pombas,  o  logarejo  da  Fe- 
teirinha;  a  Ribeira  da  Achada  e  o  logar  da 

?lchada  Grande  o  24."  da  ilha 

Situado  uma  légua  a  Oeste  do  logarejo  da  Algarvia,  e  4  2|3  de  légua  da  Villa 
do  Nordeste;  o  plano  de  base  do  logar  é  muito  superior  ao  nivel  do  mar  que  jun- 
to ao  dos  seus  campos  muito  bem  cultivados  dão  ao  espectador,  collocado  nas  fal- 
das dos  Qraminhaes  uma  scena  assaz  agradável;  produzem  bom  trigo  que  dá  de 
~  a  10  por  1;  milho  40  a  60  por  1;  tem  muito  gado,  gallinhas  etc,  não  tem  porto; 
tem  Vigário  e  Cura  na  Egreja  da  Senhora  da  Graça. 

População 

Em  1580 132  almas  de  confissão  em  32  fogos. 

Em  1690 290  almas  de  confissão  em  80  fogos. 

Em  1800 922  e  mais  10  nascimentos  do  que  mortes. 

Em  1813 792  almas  em  204  fogos. 

S.  M:  F::  I:  1  118;  V:  V::  I:  1  115;  N:  P::  i:  21;  C:  P::  1:  66;  M:  P : :  1:  49 
112;  N:  M::  2  318:  I,  mais  22  nascimentos  do  que  mortes:  N:  M:  N :  F: :  I:  1  119. 

Diminuição  de  população  em  13  annos  130  almas,  termo  médio  de  augmento 
rde  população  16  almas,  ou  208  em  13  annos;  mas  diminuíram  130,  logo  emigra- 
am  338  almas. 


REVISTA     MICHAELENSE  377 

Em  1800  Em  1813 

Corpo  ^eclesiástico 2         2 

Corpo  Civil õ         ...    6 

Lavradores 5U         60 

Artifices... 15         14 

Vivendo  de  rendas 1         ...'..■ 1 

Traballiadores 185         ..; 180 

Meiídisos -3 3 

ProducçÕGs 

[)o  loí^nr  da  Achada  (irande Do  lo<{ar  da  Achada  Grande  em  1813. 

e  Achadinha  em  ISno. 

AAilho 254  moios  e  10  alqueires  QS  moios  e  16  alqueires 

Fava 7  moios  e  16         "  1  moio    e  16  alqueires 

Legumes 67  moios  e  20 

Feijão 44  alqueires 

Cevada 3  moios  e  47  alqueires 

Linho 30  quintaes 

Em  1S13  tinha  o  logar  da  Achada  Grande  gado  vaccum  168  cabeças,  miúdo 
363,  bestas  cavallares  3,  muares  1;  jumentos  32;  carros  5. 

Sabindo  da  Achada  Grande,  encontra-se  a  113  de  légua  a  Ribeira  c  ?  /  '  I  ai 
nha,  ou  dos  Moinhos,  de  muita  agua;  e  a  113  de  légua  o  logar  da 

/\chadínha,  o  27."  da  ilha 

Situado  213  de  légua  a  Ueste  da  Achada  Grande,  e- 5  113  a    Oeste  da  Villa  do 
Nordeste;  os  seus  campos  produzem  bom  milho,  que  dá  60  por  1. 
Tem  vigário  na  Egreja  de  São  Pedro. 

Popuíação 

Em  1580  tinha  123  almas  de  confissão  em  61  fogos. 

Em  1600  tinha  425  almas  de  confissão  em  130  fogos. 

Em  1800  677,  e  mais  10  nascimentos  do  que  mortes. 

Em  1813  735  almas,  em  250  fogos. 

S.  M:  S.   F::  I:  1   117  V:  V::   1:   1  3110;  N:  P::  I:  26; 

C:  P::  I  :  4.3  213;  M  :  P  : :  I:  87  5I8;  N :  M;:  3  114:  1;  mais  nascimentos  que 
mortes  18  N.  M  :  N.  F-:'I:  1;  augmento  effectivode  população  em  13  annos  58  al- 
mas; termo  médio  de  augmento  44  almas,  ou  182  nos  13  annos;  augmentaram  só 
58,  logo  emigraram  124. 

OccupaçÕGs  dos  habitantes 

ISCO  1813 

Corpo  Ecciesiastico 3  • .  4 

Corpo  Civil 5  2    • 

Lavradores 51  33 

Artistas 1 60  .  119 

Mendigos 3  3 

ProducçÕGS 

1813 

Fava 2  moios  e  33  alqueires 

Feijão  _                     53  alqueires 

.Milho Í4Q  moios  e  21  alqueires 

Cevada 33  alqueires 

Centeio 24  alqueires 


378  REVISTA    michaelense 

Tinha  mais,  bestas  cavallares  40;  tntiares  3,  jumentos  116,  gado  miúdo  186 
cabeças. 

Sahindo  da  Achadinha,  encontra-se  a  l[4de  légua  a  Ribeira  do  Cachaço,  que 
não  secca;  e  a  lomba  da  Calumbreira;  a  470  braças  a  Ribeira  da  Aventura  que 
não  secca;  a  470  braças  a  Grota  do  Pompé  que  secca  no  verão;  os  lavradores  ob- 
servam, que  quando  esta  Grota  secca  em  Março,  e  não  torna  a  correr  até  Outu- 
bro, indica  que  o  anno  é  secco,  e  consequentemente  boas  as  colheitas  de  vinhos; 
trigos  etc;  e  o  contrario  se  corre  durante  esse  tempo:  a  336  braças  está  o  logarejo 
de  São  José  da  Salga,  curato  suffraganeo  da  Achadinha. 
População  em  1813.  58  casaes. — Producções. 

Milho  3Q  moios  3  alqueires 
Trigo    9  moios  1  alqueire 

Tinha  mais,  bestas  cavallares  4;  muares  1;  jumentos  22;  carros  13;  e  1  compa- 
nhia de  Ordenanças. 

A  114  de  légua  está  a  Ribeira  da  Salga,  que  não  secca. 

A  470  braças  o  logarejo  da  Lomba  de  São  Pedro. 

A  141  e  366  braças  duas  Grotas  de  São  Pedro  da  Lomba  no  principio  e  fim 
do  logarejo. 

A  470  braças  a  Ribeira  Secca,  que  nunca  secca. 

A  470  braças  o 
Logar  dos  Tcnacs  d'^juda,  ou  Vera  Gruz  19.°  da  ilha 

Situado  a  1  113  de  légua  a  Oeste  da  Achadinha,  e  6  213  a  Oeste  da  Villa  do 
Nordeste. 

Tem  Vigário  na  Egreja  dos  Reis  Magos. 

A  400  braças  ao  norte  do  logar,  sobre  a  costa  que  forma  um  saliente  chama- 
do a  Ponta  d'Ajuda  está  o  Convento  de  Franciscanos  com  i  Religiosos,  muito  ar- 
ruinado; é  bom  ponto  de  vista  descobrindo  a  Ponta  e  logar  de  Santo  António,  a 
Villa  da  Ribeira  Grande,  o  Pico  da  Algarvia,  os  Graminhaes  etc. 

O  terreno  produz  milho,  que  dá  60  por  1;  trigo  7  a  10  por  1,  e  feijão  5  por 
1,  tem  muito  gado,  perdizes,  e  pombas. 

População 

Em  1580  tinha  275  almas  de  confissão  em  72  fogos. 

Em  1690  tinha  753  almas  de  confissão  em  204  fogos. 

Em  1800...  1357  e  mais  28  nascimentos  do  que  mortes. 

Em  1813. . .  1227,  em  350  fogos. 

S.  M:  S.  F::  I:  1  116;  V:  V::  1  718;  N:  P::  1 :  20  119; 

C:  P::  I:  61  113;  M:  P::  I:  39  112;  C:  N:  I:  3  1120; 

N:  M::  1  30131:  1;  mais  30  nascimentos  do  que  mortes;  N.  M:  N.  T::  1 
1130:  1. 

Diminuição  da  população  em  13  annos  130  almas;  o  termo  médio  do  aug- 
mento  de  população  era  29  almas,  ou  397  de  augmento  nos  13  annosv  mas  dimi- 
nuiu de  130,  logo  emigraram  527. 


Em  1800 
Corpo  Ecclesiastico 
Corpo  Civil 

Occu 

paçÕGS  dos 

habita 

itcs 

I8h 

7 
6 

49 
7 
31 
172 
3 
4 

1      è| 

5 

II 

Lavradores 

96 

S-| 

4 

§  ^ 

...       49 

■s-^ 

Trabalhadores 

....      174 
6 

1        K     "^ 

Homens  do  mar 

Ui 

Mendigoí  

4 

REVISTA    MICHAELENSE  379 

Producçõcs 

ISOO  18J3 

Milho 2õ0  moios 340  moios 

Linho   20  quintaes 

Fava .  •  .  • .    .       10  moios 11  moios 

Feijão 3  moios  e  20  alqueires 10  moios 

Legumes 51   moios  e  40  alqueires 

Trigo  . .    • 160  moios 

Cevada i  moio  e  20  alqueij^es 

Tem  mais  gado  vaccum  407  cabeças,  e  miúdo  523;  bestas  cavallares  9,  mua- 
res 8,  jumentos  159;  carros  32. 

Sahindo  do  logar  cncontra-se  a  ribeira  das  Lages  que  não  secca;  o  logarejo 
da  creação,  e  o  Pico  do  Barbosa  ou  da  creação,  bastantemente  alto;  o  regato  da 
creação,  que  não  secca;  a  Ribeira  do  Vaqueiro  que  não  secca;  o  logarejo  da  Gro- 
ta funda:  e  a  Frmida  da  Senhora  da  Afflicção. 

Prcdocçocs  do  logarejo  da  QfoÉa  fiíeida 
75/:? 

Milho  .....  135  moios  e  30  alqueires  ,  Tinha  mais  1Ó7  cabeças   de  gado   vac- 

Trigo 40  moios  e  49         "  /    cum;  3S2  de  miúdo;  5  bestas  cavallares 

Cevada 52        »              3  muares;  49  jumentos;  14   carros,  e    1 

Feijão 47         =>  l    companhia  de  Ordenanças. 

Fava. 1  moio  e  30         >'  ) 

Scgue--se  a  CJrota  da  Ribeira  funda;  a  ribeira  funda  que  não  secca;  o  princi- 
pio da  Lomba  da  Maia;  a  ribeira  do  Preto,  que  não  secca,  a  ribeira  do  Salto,  que 
não  secca;  A  Ribeira  do  Barbosa  secca;  a  grota  e  logarejo    da  Lombinlia. 

A  costa  forma  até  aqui  diiierentes  saliências.  Segue-se  o 

Logar  da  I^aia  o  7  '  da  ilha 

Situado  2  léguas  e  meia  a  Oeste  dos  Fenaes  d'Ajuda,  e  9  HIO  a  Oeste  da  Vil- 
la  do  Nordeste  é  logar  pequeno  e  vigararia  na  Egreja  do  Espirito  Santo;  o  terreno 
produz  bom  trigo,  milho,  vinho,  e  fructas  :  tem  dentro  do  logar  2  ribeiras,  a  da 
Falevia,  e  da  Laginha. 

Producçõcs 

.As  de  1800  incluídas  nas  do  Porto  Formoso. 

Em  1813,  milho  231  moios  e  20  alqueires;  trigo  82  moios  e  õ  alqueires;  ce- 
vada 1  moio  e  56  alqueires;  feijão- 4  moios  e  4  alqueires;  fava  25  moios  e  37  al- 
queires; tinha  mais  de  gado  vaccum  282  cabeças;  miúdo  496;  bestas  cavallares  110 
iiiu  •  rts  5;  jumentf  s  94;  carros  11;  barcos  2;  foiíos  de  cal  1;  de  telha  1. 

Popylação 

Em  1580,  tinha  220  almas  de  confissão,  em  78  fogos. 

Em  1690,  tinha  900  almas  de  confissão,  e  253  fogos. 

Em  1800,  2661  almas  e  mais  45  nascimentos  do  que  mortes. 

Em  1S13,  2372  almas;  em  644  fogos  (nesta  população  estão  incluídos  os  loga- 
rejos  de  São  Braz  e  do  Yalle  das  Furnas)  S.  M:  S.  F  :  I  :  1  I|5;  V:  V::  1:  4 
213;  N:  P  : :  1 :  19  617:  C  :  P  : :  1 :  59  3110;  M  :  P ; :  i  :  38;  C  :  N  :  :  1:  3;  N  :  M  : :  18 
7|9:  1;  mais  57  nascidos  do  que  mortos;  N;  M: :  N.  F:  :  1  215:  1;  diminuição  da 
população  em  13  annos  289;  termo  medio  de  augmento  51  ahins,  ou  nos  13  an- 
nos  663  almas;  diminuiu  289,  logo  emigraram  952. 


380  .  REVISTA    MICHAELENSE 

Occupaçõcs  dos  habitantes 

Em  1800  Em  1813 

Corpo  Ecclesiastico •  . .  7  õ 

Lavradores ]  85  61 

Negociantes  e  Morgados. 1 

Artistas 75  42 

Homens  do  mar 15  15 

Trabalhadores .  439  346 

Vadios  e  Mendigos ■ 7 6 

Tem  mais  duascompanhias  de  Milícias. 

Sahindo  do  logr  para  oeste;    encontra-se  a  1|3  de  le.yua,  a  ribeira    da    Cruz- 
que  secca  no  verão 

A  315  braças,  a  ribeira  e  logarejo   da    CJoireana,  de    30    casas;  o   camiiilro    é 
máu;  a  470  braças  Grota  da  Maceda,  que  secca  no    verão  e  o   caminho  para   a 
Ermida  de  São  Braz  o  logarejo  do  mesmo  nome,  curato  suffraganeo  da  Maia. 
A  282  braças  ar,  deira  da  Lage,  que  secca. 

A  393  braças,  ouibo  caminho  ao  Sul,  para  a  Ermida  de  São  Braz:  a  282  bra- 
ças a  ribeira  do  Coicinho,  que  secca. 

A  141  braças  a  r  beira  dos  Monizes  que  secca,  e  a  ribeira  do  logar  de 

Popto  rormoso  o  22.    da  ilha 

Situado  1  légua  e  235  braças  a  oeste  da  Maia  e  10  114  da  Vilia  do  Nordeste. 

E'  vigararia  na  Egreja  da  Senhora  da  Graça,  o  seu  terreno  é  íertilissimo  cm 
trigo,  do  qual  produz  10  por  1,  o  milho  80  por  1,  nas  melhores  terras,  e  bons  an- 
nos:  no  meio  do  logar  tem  uma  grande  enseada,  chamada  a  Bahia  do  Porto  For- 
moso, abrigada  dos  ventos  dos  quadrantes  do  sul;  porem  duas  extensas  restingas 
de  pedra  que  tem  no  fundo,  o  vento  norte,  que  não  deixa  sahir  os  navios;  em- 
bravece muito  o  mar;  a  ancoragem  perigosa;  é  defendida  por  uma  bateria  colloca- 
da  no  pontal  de  leste;  na  costa  ha  boas  bicudas,  tainhas  e  cracas. 

As  doenças  que  mais  reinam,  são  dysenterias  no  verão  :  a  costa  desde  os  Fe- 
naes  d'Ajuda,  forma  a  ponta  da  Maia,  e  as  2  do  Porto  Formoso,  entre  as  quaes 
fica  a  bahia. 

População 

Em  1580  tinha  46  fogos,  e  175  almas  de  confissão. 

Em  1690  tinha  120  fogos,  e  408  almas  de  confissão. 

Em  1800  935  almas  e  mais  9  nascidos  do  que  mortes. 

Em  1813  946  almas  em  251  fogos. 

S.  M:  S.  F::  I:  1  112;  V:  Y::  1  3  1|6;  N:  M::  I:  31  213;  C:  P::  I:  157  2I3; 
M:  P::  1:  157  213;  C:  N::  1:  5  116;  N:  M::  I:  1;  N.  M::  N.  F::  1:  1  415: 

Augmento  de  população,  em  13  annos,  11  alm?s;  termo  médio  de  augmento 
4,  ou  em  13  annos  52  almas;  augmentou  11;  logo  emigraram  41  almas. 

Occupaçõcs  dos  habitantes 


Em  1800 

Corpo  Ecclesiastico 

Corpo  Civil 

3 

Em  1813 
3 

3 

1 

I  avrarinrps . 

10 

19 

Artistas 

56           

34 

Homens  do  mar 

Trabalhadores 

6         

182 

7 

'^05 

Vadios  e  mendigos 

1 

REVISTA     MICHAELENSE  381 

Producçõcs  do  Porto  formoso,  c  Maia 

Em  1800  Em  1813 

Milho ^'iO  moios. 83  moios  c  11  alqueires 

Linlio 30  quintaes 

Fava Õ3  moios  e  20  alqueires 2  moios  e  34         » 

Feijcão 3       »         42 

Legumes 122       »         10  alqueires  .  .  •  .  . 

Vinho 30  pipas • . . 

Feixe lõO  barris 

Irigo • y  moios  e  22  alqueires 

Tinha  mais  em  1813  gado  vaccuin  56  cabeças,  miúdo  140;  bestas  cavallares  3; 
muares  3;  jumentos  70;  porcos  211. 

O  caminho  mais  trilhado,  da  Villa  do  Nordeste  para  a  Cidade,  é  por  f^orto 
Formoso,  e  Ribeira  Grande. 

Ha  um  caminho  de  communicação  da  costa  do  sul  com  a  do  Norte  pelo  Val- 
le  das  Furnas,  que  é  do  logar  da  Povoação  caminhando-se  para  o  norte;  sobem-se 
os  Oraminhaes,  desce-se  a  Serra  do  Trigo;  chega-se  ao  Valle  das  Furnas;  sobe-se 
uma  ladeira  Íngreme,  rematada  por  uns  rochedos  chamados  as  Pedras  do  Oallego, 
meia  légua  distante  do  centro  do  Valle;  desde  este  Ingar,  o  caminho  é  mui  plano, 
bordado  de  tamujos,  urzes,  fetos,  silvas  etc;  no  verão  é  mui  agradável,  no  inverno 
forma  muitos  lamaçaes;  a  meia  legoa  das  Pedras  do  Gallego  divide-se.em  dois, 
um  corre  ao  norte,  e  depois  a  N.  O;  ao  N.  da  Lagoa  do  Congro,  e  depois  devide- 
se  em  dois,  dos  quaes,  um  conduz  ao  logarejo  da  Lombinha,  a  2  112  léguas  do 
Valle,  e  depois  ao  logar  da  Maia,  a  2  5lõ  de  léguas  do  Valle:  e  o  outro  conduz  a 
Porto  Formoso;  o  outro  corre  ao  Sul  da  Lagoa  do  Congro;  atravessando  toda  a 
achada  das  Furnas,  na  direcção  de  S.  O;  conduz  a  Villa  Franca  e  é  chamado  o 
cajTiinho  de  São  João. 

Sahindo  do  Porto  Formoso  para  Oeste  encontra-sc  a  113  de  légua,  a  ribeira 
secca,  que  nunca  secca. 

A  540  braças  a  enseada,  areal,  ribeira,  e  logarejo  dos  Moinhos  do  Porto;  a  ri- 
beira nunca  secca. 

A  168  braças  a  Grota  da  Ladeira,  limite  do  logar  do  Porto  Formoso,  e  prin- 
cipio da  ladeira  da  Velha,  que  sobe  113  de  légua,  e  84  braças;  bastantementeincom- 
moda  de  inverno;  no  fim  tem  uma  albergaria  muito  arruinada;  a  112  légua  está  a 
ribeira  do  Salto,  que  nunca  secca,  desagua  em  um  areal  chamado  a  Prainha. 

A  464  braças,  está  o  Pico  do  Lameiro,  e  o  da  Fajã  da  Burra. 

A  114  de  légua,  e  84  braças  está  o  logarejo  da  Ribeirinha,  e  caminho  ao  nor- 
te com  descida  bastantemente  íngreme,  para  o  portinho  de  Santa  Iria. 

A  126  braças  está  a  ribeira  da  Ribeirinha. 

A  378  braças  um  camiiiho  ao  sul  para  as  caldeiras  da  Villa  da  Ribeira  Gran- 
de, e  logarejo  das  Gramas:  112  légua  ao  sul  da  V^lla  3  112  distante  da  cidade; 
tem  110  almas  em  35  fogos. 

A  462  braças  a  Villa  da  Ribeira  Grande. 

Os  campos  da  Ribeirinha,  formam  uma  extensa  planície,  muito  fértil,  e  muito 
bem  cultivada.  A  costa  desde  o  Porto  Formoso  forma  a  enseada  dos  moinhos  do 
Porto,  e  do  Calhau  do  Ferreiro  ao  norte  do  qual  está  o  Calhau  da  Ladeira,  e  uns 
Ilhéus;  d'ahi  corre  a  N.  NO,  formando  o  portinho  de  Santa  Iria,  que  é  muito 
abrigado   e   um  grande    pontal    chamado  o  morro  da  Ribeira  Grande. 

O  Logarejo  da  Longaia  113  de  légua  da  Villa  da  Ribeira  Grande,  tem  36  al- 
mas em  9  fogos. 

(Conti/iiia) 


382  REVISTA     MICHAELENSE 

Goos2ilo  Xavier  d'Alcaçova  Carneiro 

E  carta?  cia  sua  correspondência 
particular  çorn  Antooio  Nuoey  Ribeiro  5ancbe5 


Os  homens  do  tempo  do  Marquez  de  Pombal— Antecedentes  lifterarios  do  se- 
ailo  XVII —as  Academias— A  Academia  Real  d' Historia—  Os  Littiratos 
do  século  XVIII— A  sciencia  da  litteratiira— As  bibliotliccas—A  vida 
de  Gonsalo  Xavier  d' Alcáçova  Carneiro  atravez  as  suas  cartas— rcprn- 
diicção  da  correspondência  com  o  Doutor  Ribeiro  Sanches. 

Os  Iiomens  do  século  XVIII  de  que  Pombal  resalta  como  um  modelo,  já  pe- 
los cargos  que  assumiu,  já  pela  alta  intellectualidade  que  era,  como  pelas  qualida- 
des moraes  que  formavam  o  seu  caracter  e  pelo  papel  que  desempenhou  na  poli- 
tica portugueza  do  fim  do  seu  século,  eram  homens  bem  diversos  d'aquelles  que 
no  século  seguinte  iam  proclamar  theorias  sociaes  á  Nação,  nas  Cortes,  no  moder- 
no regimen  parlamentar.  Emquanto  aquelles  eram  ponderados,  austeros,  robustos 
de  corpo,  pugnando  pelo  trabalho,  sacrificando  capital,  actividade,  attehção,  para 
o  seu  desenvolvimento,  e  tendo  por  moral  politica  o  socialismo.  d'Estado,  estes 
eram  homens  seccos,  nervosos,  excitados,  verbosos,  imbuídos  de  princípios  jurídi- 
cos combattendo  as  perseguições  politicas  com  doutrinas  sociaes  de  caracter  inter- 
naciona!i^.t;i  c  iíT-nn-ndo  forças  nacionaes  nos  desalentos  d'uma  população  que 
soffrer:;  i      irtc  com  as    invasões  francezas  com  a  permanência 

da  C(i!  i  icia  extrangeira,  com  as  perseguições  politicas  que 

deram  ■     .  ,     :,    .^  dos  conspiradores  em  1817. 

Os  primeirOõ  rcpicientaudo  um  regimen  e  tradições  mantiveram  os  patrimó- 
nios nacionaes  e  defenderam-nos  em  prol  da  Civilisação  pátria,  ao  mesmo  tempo 
que  se  preocuparam  com  o  industrialismo,  com  o  cnDimi-rrir  ^im  a  agricultura, 
com  os  ensinos  profissionaes  e  technicos  e  com  a  ■••ndo    e   fo- 

mentando o  empório  Colonial:  os  constitucionaes     !  ido-se  n'um 

mundo  dissolvido  reuniram-se  em  volta  da?  ideias  M.i.a^  ai  luuiiiacionalisação 
politica  adaptadas  á  constituição  portugueza  e  fizeram.  d'ellas  o  symbolo  da  resur- 
reição  da  Pátria. 

Os  homens  dos  reinados  de  D.  João  V  e  D.  José  educados  nas  bibliothecas  e 
nas  reuniões  litterarias  conduziram  a  sociedade  do  seu  tempo  aos  fins  que  lhes  di- 
tavam as  suas  superiores  intelligencias  emquanto  que  os  do  reinado  de  f).  João 
VI  foram  uns  intranquillizados,  uns  therapeutas  da  politica  que  sofíreram  a  missão, 
de  restaurar  um  paiz  revoltado  ao  seu  estado  normal,  restituindo  todas  as  garan- 
tias de  trabalho  e  de  segurança  á  sua  população. 

Pombal  apesar  dos  cargos  que  exerceu  no  extrangeiro  como  diplomata  ríão 
era  um  espirito  differente  do  da  epocha  entre  os  homens  cultos  de  Portugal  e  do 
seu  meio.  Pombal  não  era  um  d'estes  productos  originaes  que  revoluciona  uma 
epocha  trazendo  de  civilisações  exóticas  varias  collecções  d'organisações  sociaes  e 
applicando-as  na  sua  pátria  com  mais  ou  menos  successo.  Filho  d'uma  geração 
que  empregara  os  pingues  rendimentos  das  minas  do  Brazil  e  mais  explorações 
coloniaes  em 'vastos  monumentos  d'utilidade  publica  e  collecções  d'objectos  d'Ar- 
te,  assistindo  a  dois  males  económicos  que  d'essa  orientação  emanavam  como 
eram  os  da  atrophia  do  industrialismo  e  do  operariado,  ambDS  limitados  pelo 
exaggero  da  actividade  constructora  e  ornamentadora,  o  Marquez  de  Pombal  assu- 
mindo a  responsabilidade  de  reedificar  Lisboa  arrasada  em  1755  pelo  terramoto 
e  inundações  das  marés,  tratou  de  dar  expansão  e  de  facilitar  as  producções  agrí- 
colas e  industriaes  ao  mesmo  tempo  que  velava  por  uma  administração  escrupu- 
losa de  poupamento  de  despezas  publicas  e  desenvolvimento  de  receitas,  afim  de 
restabelecer  as  actividades  productoras  da  nação. 


íi^A^^', 


l 


REVISTA  ^MICHAELENSE  383 

Os  homens  que  elle  associou  na  sua  obra  eram  homens  Ha  mesma  cultura 
social  unidos  pela  mesma  vontade  de  reformas  económicas  e  espiritos  illustrados 
por  toda  uma  eschola  sahida  dos  encyclopedicos  do  Oratório,  e  dos  diplomatas 
da  Restauração. 

O  Oratório,  que  fora  a  creação  escholar  que  trouxera  a  instrucção  jesuítica 
para  o  dominio  religioso  apenas,  imprimindo  aos  variados  ensinos  o  sentimento  e 
o  espirito  pratico  e  nacional,  tinha  o  seu  complemento,  quanto  a  sciencia  social  e 
hii^torica,  n'uma  Instituição  cuja  alma  fora  D.  Manuel  Caetano  de  Souza,  aberta 
por  decreto  de  8  de  dezembro  de  1720,  n'uitia  das  salas  do  palácio  de  Bragança 
—  A  Academia  Real  d'Histdria. 

Depois  dos  Estudos  Universitários  de  Coimbra,  os  escriptores  tinham  a  Aca- 
demia de  Lisbô-a  que  lhes  publicava  as  obras  de  mérito  sobre  a  vida  social,  militar 
(Hl  ccclesiastica  do  paiz  sem  outra  censura  alem  daquela  qi^e  exerciam  4  nos  50 
académicos  existentes  que  formavam  uma  Commissão  para  esse  fim  designada. 

A  censura  litteraria  entregue  á  Inquisição  começara  alli  a  levar  o  golpe  que  em 
74  terminava  com  a  creação  da  Real^Mesa  Censória — um  conselho  superior  d'Ins- 
trucção  publica  que  superintendia  nas  escholas  secundarias  e  primarias  e  que  re- 
via as  obras  e  permittia  a  publicação  d'ellas. 

Entre  outros  homens  notáveis  do  cenáculo  litterario  da  Academia  contavam- 
se  os  Marquezes  de  Abrantes,  Alegrete,  Fronteira  e  Valença,  o  Conde  da  Ericeira, 

D.  António  Caetano  de 
Sousa,  Manuel  Telles  da 
Silva,  Diogo  Barbosa  Ma- 
chado, Alexandre  Ferrei- 
/ra,  Francisco  Leitão  Fer- 
reira, Jeronymo  Contador 
Argote,  Raphael  Bluteau, 
Padre  António  dos  Reis; 
^  e  o  secretario  d'essa  Aca- 
■f  demia  seria  mais  tarde 
Oonsalo  Xavier  d'Alcaço- 
va,  um  d'esses  indivíduos 
como  Seabra  da  Silva,  co- 
mo José  Corrêa  da  Serra, 
como  Avelar  Brotero,  o 
Padre  Theodoro  d'Almei- 
cU  e  tantos  outros  homens 
que  cultivavam  estudos  di- 
verso se  que  os  expandiam 
nas  mais  claras  e  eleva- 
das doutrinas  do  tempo. 
Oonsalo    Xavier  não  era 


PInlura  ilaliana  alegórica  á  dedicação  dispensada  por  D.  João  V  ãs  Academias  Verdadeiramente   nem   Um 

ld-u.u:.  capella  ru„erari.-L  cr:.:i.i  paru  as  .,..«.|Mias  >lv,   inoiíarciía  oíil  R0..K1)  pUblÍCÍSta,    UCm     Um    CUCy- 

clopedico,  nem  um  homem  de  sciencia  vulgarizador  do  ensino  pelo  livro;  Oonsalo 
Xavier  era  um  dilettante  litterario  fora  das  suas  attribuições  académicas,  e  lá,  por 
occasião'dos  anniversarios  de  família  Real,  lia  os  seus  elogios  expressamente  es- 
criptos  á  Academia,  de  que  existem  hoje  alguns  impressos  proferidos  na  Acade- 
mia Real  das  Sciencias;  as  publicações  mais  notáveis  que  se  faziam  em  França,  na 
Inglaterra,  nà  Allemanha,  e  na  Hollanda  elle  tomava  conhecimento  d^'ellas  com  a 
posse  que  tinha  das  linguas  e  expunha  o  resultado  das  suas  investigações  aos  seus 
collegas  nas  sessões  ordinárias  no  decorrer  do  anno,  e  lia  os  seus  trabalhos  de 
philosophia   histórica. 

Verdadeiramente  era  n'essa  troca  d'impressões   litterarias  que  estava  o  prin 
cipal  fim  da  Instituição  ligada  com  a  publicação  das  obras  escriptas    pelos  ac 


í 


\ 


384  REVISTA^  MICHAELENSE 

demicos,  ou  velhos  manuscriptos,  ou  trabalhos  achados  úteis  de  se  darem  á  luz 
da  publicidade;  e  as  necessidades  do  convívio  litterario  eram  por  tal  forma  jul- 
gadas imperiosas  que  a  sociedade  portugueza  dos  piincipios  do  século  XVlll  ti- 
nha já  feito  d'elle  uma  moda,  inspirada  nos  costumes  dos  escriptores  e  litteratos 
da  Restauração  reunidos  em  Academias  particulares  em  casa  dtD  Bispo  do  Por- 
to D.  Fernando  Corrêa  de  Lacerda  o  auctor  da  Catastronhe  de  Portugal  a 
"Instantânea»;  na  dos  "generosos-/  instituída  em  1647  por  D.  António  Alvares  da 
Cunha  trinchante  de  D.  Pedro  II  e  guarda  mór  da  Torre  do  Tombo;  a  dos 
"Singulares"  reunida  em  casa  de  D.»  Francisco  Manuel  de  Mello  aos  domingos, 
a  das  «Conferencias  Eruditas»  que  entre  lõQõ  e  1699  se  juntava  nas  salas  do  Con- 
de da  Ericeira  D.  Francisco  Xavier  de  Menezes;  e  tantas  outras  como  a  dos 
"Anonymos"  a  dos  "Eruditos-,  a  dos  "Applicados". 

O  IV  Conde  da  Ericeira  foi  o  verdadeiro  organisador  do  movimento  litte- 
rario das  academias  no  fim  do  século  XVII,  neto,  sobrinho  e  filho  de  litteratos 
elle  compõe  37  volumes  d'obras  (Poema  Henriqueida  edição  de  14  de  setembro 
de  1738)  tendo  feito  o  seu  debute  académico  nos  Instantâneos  com  oito  annos 
d'edade  indo  pouco  mais  velho  continuar  a  frequentar  os  Generosos  cujo  iestino 
elle  vae  depois  também  conduzir  reunindo  na  sua  bibliotheca  do  Palácio  da  An- 
nunciada  as  suas  Conferencias  eruditas  que  são  a  sequencia  dos  generosos  conti- 
nuados por  D.  Luiz  da  Cunha  em  1693  á  morte  de  seu  pae  António  Alvares  e 
de  que  fora  primeiro  presidente  o  Conde  com  vinte  annos  d'edade. 

E  emquauto  esses  académicos  de  Lisboa  soffrem  intermitencias  na  sua  vida 
associativa  passando  da  Academia  dos  Generosos  para  o  Palácio  do  Cunhal  das 
Boas  reunindo-se  os  membros  das  Ccnferencias  discretas  entre  1696-1703  se- 
cretariados pelo  Conde  da  Ericeira,  pela  província  criam-se  outros  centros  litte- 
rarios  com  estes  moldes,  em  Bellas,'  Setulial,  Santarém,  Coimbra,  Aveiro,  Braga 
e  Guimarães. 

O  Conde  da  Ericeira  passando  a  reunir  na  sua  bibliotheca  aos  domingos  os 
membros  das  Conferencias  discretas  com  o  titulo  de-  Academia  dos  Anonymos, 
tornando-lhe  a  dar  o  nome  de  Generosos  nos  primeiros  annos  do  século  XVIII 
e  em  1717  o  da  Academia  Portugueza  elle  conserva  por  assim  dizer  a  divisa  do 
"non  extinguetur-  com  o  emblema  symbolico  d'uma  vela  accesa  mantidos  pela 
Academia  dos  Generosos. 

E  de  facto  a  obra  do  Conde  da  Ericeira  não  se  extinguia  passando  da  Aca- 
demia Portugueza  para  a  Academia  d'Historia  constituída  com  os  seus  elementos 
e  com  os  da  Academia  dos  AnonyniOs  e  dos  lllustrados.  Em  1719  no  dia  de  S. 
João  Evangelista,  anniversario  do  Rei,  o  Conde  da  Ericeira  solicitou  a  graça  que 
lhe  foi  concedida  de  reunir  a  academia  no  Paço,  o  que  lisongeou  muito  o  sobe- 
rano e  a  tomou  sob  a  sua  guarda  e  de  facto  por  carta  regia  de  11  de  Janeiro 
de  1721  é  ordenada  a  entrega  a  todos  os  Cartórios  das  Comarcas  do  Reino  das 
noticias  necessárias  para  os  estudos  dos  académicos;  por  decreto  de  20  d'outu- 
bro  são  nomeados  8  officiaes  para  durante  um  anno  tirarem  copias  de  docu- 
mentos da  Torre  do  Totnbo;  por  decreto  de  29  d'Abril  de  1722  são  ishentes  de 
Censura  e  de  Licença  do  Desembargo  do  Paço  as  obras  dos  Académicos;  e  por 
decreto  de  6  de  janeiro  de  1721  foi-Ihe  concedida  um  subsidio  annual  de  um 
conto  de  reis. 

"Foram  membros  Constituintes  da  Academia: 

Padre  André  de  Barros,  da  Companhia  de  Jesus. 

Padre  D.  António  Caetano  de  Sousa,  Clérigo  regular,  Qualificador  do  Santo 
Officio. 

Padre  António  dos  I^eis,  da  Congregação  do  Oratório. 

António  Rodrigues  da  Costa,  conselheiro  ultramarino. 

—Por  lalecimeiito  entrou  no  seu  logar— Alexandre  de  Gusmão,  eleito  em  28 
de  fevereiro  de  1732. 


REVISTA     MICHAELENSE  385 

Padre  António  Simões,  da  Companhia  de  Jesus,  lente  de  Morai  no  Colleoio  de 
Santo  Antão-A-Por  fallecimento,  entrou  no  seu  lo^ar  l.ui/  Francisco  I'imentel,  eleito 
em  23  de  Dezembro  de  1723. 

Padre  Fr.  Bernardo  de  Castello  Branco,  da  ordem  de  Cister,  Chronista  mór 
do  Reino,  e  Qualificador  do  Santo  Officio.— Por  fallecimento  entrou  no  seu  logar 
D.  F'rancisco  de  Sousa,  eleito  em  3  de  janeiro  de  1726— Succedeu-lhe  Gonsalo 
Manoel  CJalvão  de  Lacerda,  eleito  em  17  de  Novembro  de  1729. 

Bartholomeu  Lourenço  de  Gusmfio,  Doutor  em  Cânones.— Por  ausência,  en- 
trou no  seu  logar  Nuno  da  Silva  Telles,  eleito  em  4  de  Janeiro  de  1725. 

Padre  Bartholomeu  de  Vasconcellos,  da  Companhia  de  Jesus,  lente  de  tlieolo- 
gia  no  Seminário  de  S.  Patricio. 

Caetano  José  da  Silva  Sotto-mayor,  Bacharel  formado  em  Cânones. 

Diogo  Barbosa  .Machado. 

Diogo  Corrêa  de  Sá,  visconde  da  Asseca. 

Diogo  de  Mendonça  Corte  Real,  Secretario  de  Estado.  -Por  falecimento  em  9 
de  Maio  de  1/35,  foi  eleito  o  Dr.  Francisco  Leitão  Ferreira,  em  17  de  Maio  de  1737. 

Padre  Fr.  Fernando  de  Abreu  da  ordem  dos  Pregadores. — Por  fallecimento 
eleito  para  o  seu  logar  D.  Diogo  Fernandas  de  Alineida  em  13  de  Março  de  1727. 

D.  Fernando  de  Mascarenhas,  Marquez  da  Fronteira,  vedor  da  Fazenda.- -Por 
fallecimento,  deito  Diogo  de  Mendonça  Corte  Real  eni  9  de  Março  de  172Q. 

D.  Fernando  de  Noronha,  Conde  de  Monsanto;  succedeu-lhe  D.  Francisco  de 
Portugal,  Marquez  de  Valença,  eleito  em  23  de  Dezembro  de  1722. 

FerUcão  Telles  dn  Silva,  Marquez  de  Alegrete;  por  fallecimento  cm  7  de  julho 
de  1734,  foi  eleito  João  Gomes  da  Silva,  Conde  de  Tarouca,  em  22  de  julho  do 
mesmo  anno. 

Francisco  Dionysio  de  Almeida  da  Silva  e  ( )liveii;.i.  -Entrou  no  seu  logar  iVLi- 
nuel  Dias  de  Lima,  eleito  em  10  de  janeiro  de  1722. 

Benef.  Francisco  Leitão  Ferreira,  parochodo  Loreto;  íalleceu  em  Março  de  1735, 
eleito  para  o  seu  logar  em  17  de  Março  o  P.""  D.  Caetano  de  Gouveia. 

D.  Francisco  Xavier  de  Menezes,  Conde  da  Ericeira,  da  Junta  dos  3  Estados. 

P.''  Jeronymo  de  Castilho,  da  Companhia  de  Jesus;  para  o  seií  logar  eleito  o 
Dr.  .\gostinho  Gomes  Guimatães  em  25  de  Maio  de  1730.  ^ 

O  P.''  D.  Jeronymo  Contador  de  Argote,  clérigo  regular. 
.     Jeronymo  Godinho  de  Nisa,  Offieial  maior  da  Secretaria  das  Mercês. 

jgnacio  de  Carvalho  de  Sousa. 

Dr.  João  Alvares  da  Costa,  Desembargador  da  Supplicação. 

João  Couceiro  de  Abrefu  e  Castro,  guarda-mór  da  Torre  do  Tombo. 

P.'-  João  Colt,  da  Congregação  do  Oratório. 

P.''  D.  José  Barbosa,  clérigo  regular,  Chronista  da  Casa  de  Bragança. 

José  Coutinho  deArgote— Succedeu-lhe  o  P.'"  Júlio  Francisco. 

José  do  Couto  Pestana.— Succedeu-lhe  o  P.  Francisco  Xavier  de  St.°  Thereza 
em  18  de  Agosto  de  1735. 

José  da  Cunha  Brochado,  Chanceller  da  .  Ordens  militares;  falleceu  em  27  de 
Setembro  de  1733;  succedeu-lhe  Sebastião  Jo.é  de  Carvalho  e  Athavde,  eleito  em 
8  de  Outubro  de  1733.  '      •  • 

R.°  Fr.  José  da  Purificação,  dominicano, K-n fedo  Collegio  de  N.  S.  da  Escada. 
Substituiu-o  Dr.  Alexandre  Ferreira,  eleito  em  i.l  de  Abril  de  1731. 

José  Soares  da  Silva. 

Júlio  de  Mello  de  Castro;  succedju-lhe  D.  João  de  Almeida  e  Portugal,  conde 
de  Assumar,  em  4  de  Março  de  1721,-  e  a  este  o  Dr.  Joaquim  Pereira  da  Silva  Leal 
em  21  de  Janeiro  de  1734. 

Lourenço  Botelho  de  Soutomayor. 

P."  Fr.  Lucas  de  Santa  Catharina,  Chronista  da  Ordem  dos  Pregadores. 

P.''  D.  Luiz  de  Lima. 

Manoel  de  Azevedo  Fortes,  Engcnheiro-mór. 


386  '!5VJSTA  JVUCHAELENSE 

Dr.  Manoel  de  Azevedo  Soares;  siiccedeu-lhe  o  Conde  de  Vimioso,  em  19  de 
janeiro  de  173  1. 

P."  D.  Manoel  Caetano  de  Sousa;  falleceu  em  18  de  Novembro  de  1734;  entrou 
em  seu  logar  o  Dr.  Ignacio  Barbosa  Machado,  em  2  de  Dezembro. 

P."  Manuel  de  Campos,  da  Companhia  de  Jesus,  lente  de  Mathematica  no  Coi- 
legio  de  Santo  Antão. 

Dr.  Manoel  Pereira  da  Silva  Leal. — Succedeu-lhe  o  Dr.  Manoel    M.  de  Sousa. 

Dr.  Manoel  da  Rocha,  cisterciense. 

Manoel  Telles  da  Silva,  conde  de  Villar  maior.  Entrou  em  seu  logar  o  ['adre 
Luiz  Cardoso,  eleito  em  1736. 

P.''  D.  Manoel  do  Tojal  da  Silva,  theatino. 

Martinho  de  Mendonça  de  Pina  Proença. 

Fr.  Miguel  de  St.'  Maria; — succedeu-lhe  D.  Franci-jco  de  Almeida. 

P."  Pedro  de  Almeida;  da  Companhia  de  Jesus;  excusando-se  do  iogar,  succe- 
deu-lhe-o  Phiiippe  Maciel. 

P."  Pedro  Monteiro  succedeu  lhe  o  Dr.  Nicoláo  Francisco  Xavier  da  Silva,  em 
1735. 

Raphae!  Bluteau,  falleceu  em  13  de  fevereiro  de  1734,  succedeu  lhe  o  Desem- 
bargador António  Andrade  Rego. 

D.  kodrigo  Annes  de  Sá  e  Almeida,  Marquez  de  .Abrantes;  succedeu-lhe  o 
Conde  de  Assumar  em  7  de  Maio  de  1733. 

A  casa  aonde  o  Conde  da  Ericeira  consolidara  as  reuniões  litterarias  das  ephe- 
meras  Academias  do  século  anterior,  aonde  elle  brilhava  com  os  seus  ta!en'os  litte- 
rarios,  dotes  a'dquiridos  no  convívio  e  nas  tradições  de  familia,  situada  no  largo 
da  Annunciada,  no  sitio  aonde  depois  foi  construído  o  theatro  da  Rua  dos  Condes 
era  uma  morada  o,nde  as  obras  d'arte  dos  mestres  da  pintura  como  Ticiano, 
Corregio,  Rubens,  Ouido  Reni  e  muitas  outras  celebridades  enriqueciam  uma  ha- 
bitação em  que  gerações  tinham  accumulado  um  archivo  de  collecções  de  docu- 
mentos superior  a  um  milhar  e  uma  livraria  de  18  mil  volumes  de  enumeras  varie- 
dades em  que  se  encontravam  uma  "Vida  de  Carlos  V»  autographa  do  monarcha, 
um  livro  de  plantas  illuminado  que  pertenceu  ao  rei  da  Hungria,  cartas  de  marear 
dos  nossos  primeiros  navegadores,  "de  Regimine  Principum»  deFreiOil  de  Roma, 
entre  uma  infinidade  de  obras  escolhidas  de  Medicina,  Historia  Natural,  Historia 
social,  Grammatica,  Diccionarios,  Oratórios,  Poética,  Manuscriptos  portuguezes-e 
extrangeiros  e-  obras  inéditas  de  membros  da  Casa  da  Ericeira  etc. 

E  eram  numerosas  as  obras  d'esses  Ericeiras  escriptores  em  que  figuram  o 
1."  Conde  D.  Diogo  de  Menezes  auctor  de  A  Vida  de  D.  Henrique  de  Menezes, 
governador  da  índia  (impressa  em  Viadrid  em  1Õ28); 

O  2:"  Conde  D.  Fernando,  auctor  de  muitos  manuscriptos  (ainda  existentes)  e 
da  Historia  de  Tanger  1732  A  Historia  da  Restauração  de  Portugal  (1656—1736) 
escripta  em  dois  volumesem  latim.  A  Historia  d'El-Rei  D.  João  1.  (1668); 

O  3.°  Conde  (seu  irmão  e  genro)  D.  Luiz,  auctor  da  Historia  de  Portugal  Res- 
taurado, da  Vida  de  Jorge  Castrioto  e  do  Compendio  da  Vida  do  Marquez  de  Távo- 
ra ^de  grande  copia  de  manuscriptos  militares,  políticos  e  poéticos;  a  3.°  condessa 
D.  Joanna  filha  e  mãe  do  2.  e  4."  Conde,  auctora  de  enumeras  obras  inéditas  entre 
as  quaes  figuram  poesias  hespanholas,  francezas  e  italianas,  comedias,  autos"sacra- 
mentaes,  cartas  familiares,  um  poema  em  cinco  cantos — Perseo,  o  Despertador  dei 
Alma  ai  suefio  de  la  Vida  (áè  300  oitavas)  que  corre  impresso  sob  o  anonymato  de 
Apollenario  de  Almada,  e  Reflexões  sobre  a  Misericórdia  divina  (1694). 

E  quasi  todos  estes  litteratos  tinham  nas  suas  casas  bibliothecas  da  familia  de 
grande  numero  d'exemplares  ou  de  manuscriptos  infolios  illuminados,  exemplares 
raros  d'impressões  portuguezas  e  extrangeiras  dos  séculos  X\T  e  XVll  na  reunião 
dos  quaes  constituíam  os  seus  estudos — os  santuários  de  trabalho  d'onde  sahiram 
esclarecidos  vice-reis  da  Índia,  Governadores,  generaes  e  homens  d'Estado  celebres 
pelos  seus  feitos  illustres. 


REVISTA     MICHAELENSE  387 

As  grandes  bibliothecas  do  século  XVII  eram  entre  outras  a  de  Oaspar  Seve- 
rim  de  Faria,  Chantre  da  Sé  d'Evora,  que  continha  também  um  medalheiro  e  mu- 
seu d'antiguidades  e  productos  naturaes;  a  dos  Condes  de  Viilar  Mayore  de  Tarou- 
ca; a  do  Cardeal  Arcebispo  de  Lisboa  D.  Luiz  de  Sousa  (de  3;)  mil  volumes)  que 
■por  sua  morte  passou  á  casa  d,e  Lafões,  a  dos  Condes  de  Vimieiro  e  da  Ericeira,  a 
do  Duque  de  Cadaval,  a  do  Marquez  d'Abrantes. 

O  typo  do  homem  de  tradições  de  nobreza  que  archivava  as  demonstrações 
raras  e  úteis  d'archeologia  para  o  estudo,  reunindo-se  para  trocar  impressões  e  fa- 
zer a  critica  ás  obras  de  sciencia  e  de  litteratura  nas  Academias,  esse  íypo  de  col- 
leccionador  e  estudioso,  ás  vezes  escriptor,  ás  vezes  homem  de  cargos  públicos  in- 
carciava-o  o  próprio^  Rei  que  creou  a  bibliotheca  de  Mafra  e  das  Necessidades  en- 
grandecendo a  do  Forte  do  Palácio  da  Ribeira  na  q.ual  se  fizeram  no  Torreão 
grandes  adaptações  e  se  viram  sumptuosas  estantes  em  madeiras  do  Brazil  escul- 
pidas e  entalhadas  por  esses  maravilhosos  artistas  que  nos  deixaram  as  galeotas  e 
os  coches  d'essa  epocha  e  para  essas  bibliothecas  trabalharam  os  livreiros  france- 
zes  que  se  achavam  em  Lisboa  em  negocio,  Gendron  e  Reycend,  os  quaes  man- 
daram também  vií^  grande  numero  d'obras  manuscriptas  e  inéditas  do  Extrangeiro. 

Só  no  anno  de  1731  fonmi  comprados  em  França,  nosPaizes  Baixos,  em  Lei- 
pzig e  outros  mercados  de  livros  da  Allemanha,  vinte  mil  volumes;  e  para  copiar 
manuscriptos  importantes  sobretudo  que  diziam  respeito  a  Portugal  foram  expedi- 
dos para  as  Cidades  sedes  de  grandes  Bibliothecas  da  Europa  amanuenses  e  paleo- 
graphos  para  lá  trabalharem. 

D.  João  V  também  teve  uma  grande  vaidade  em  formar  a  Academia  do  Rei- 
no a  fim  de  congrassar  todos  os  elementos  úteis  no  trabalho  commum  para  a 
vulgarisação  da  litteratura  e  das  sciencias. 

[).  Manuel  Caetano  de  Souza  estava  muito  interessado  na  publicação  d'uma 
historia  portugueza  da  egreja  nos  moldes  da  Itália  Sacra  de  Fernando  Ughelli  e  en- 
trevistava-se  com  el-Rei  e  submetteu  o  plano  da  Academia  em  projecto,  n'uma  d'es- 
sas  entrevistas  o  qual  recebeu  approvação  a  4  de  novembro  de  1720.  A  iniciativa  foi 

traduzida  n'um  extenso  re- ■     .  ^   .   ._ -_ 

latorio  elaborado  pelo  pa- 
dre Theatino  que  a  expoz 
á  Commissão  Organisadora 

e  15   dias   depois,  á   Com-  j-^^í-^-, 

missão  composta  pelo  auc-     '  "    '    '      -. 

tor  do  Relatório,  pelo  Con- 
de da  Ericeira,  pelo  Mar-  ^ 
quez  d'Alegrete,  por  Mar-  '^~-, 
tinlio  de  Mello  e  Castro  e 
pelo  Conde  de  Viliar  Ma-  _.. 
yor  que  reunidos  varias  ve-  '  v^Bm^^^^ll  ^ 
zes  para  a  discussão  do  Re- 
gulamento e  Estatuto  ap 
provado  por  decreto  de  4  de  janeiro  de  1721  de  ain  a  roíma  delnutiva  á  A:ade- 
mia  que,  como  já  vimos,  a  8  de  Dezembro  dj  amo  anterioi,  tinha  a  pinneira  ses- 
são na  Casa  de  Bragança  com  assistência  de  '  ':  ícademicos. 

Xavier  Alcáçova  era  erudito.  A  sua  biblio^  i.áa  levava-o  ao  conhecimento  de 
tudo  quanto  se  escrevia  de  celebre;  e  o  conhe::imcnto  das  livrarias,  dos  impressos, 
dos  editores,  dos  escriptores,  advinha-lhe  do  contacto  directo  por  occasião  de  varias 
visitas  feitas  ás  capitães  da  Europa  e  p2lo  conhecimento  e  cultura  das  linguas, 

Em  1751  encontrava-se  elle  com  Ribeiro  Sanches  em  Madrid  e  uma  amisade 
duradoira,  iria,  mais  de  vinte  annos,  consolidar- se  annualmente  por  troca  de  cor- 
respondência assidua  em  que  os  mais  estreitos  serviços  eram  prestados  de  parte  a 
parte,  com  livros  que  se  remettiam,  pequenos  objectos  d'utilidade  domestica,  pro- 
ductos coloniaes,  informações  que  se  davam,  noticias  qae  se  pirticipavam. 


388  REVISTA     MICHAELENSE 

António  Ribeiro  Sanclies  era  uma  celebridade  em  Paris  e  como  tal  não  só  es- 
tava também  em  contacto  com  os  inteiiectuaeS  do  seu  tempo  como  era  ouvido  nas 
especialidades  medicas  a  que  se  dedicava,  como  doenças  venéreas  e  hygiene.  Per- 
seguido por  christão  novo  com  a  família,  depois  d'um  curso  medico  com  frequên- 
cia nas  Universidades  de  Salamanca  e  Coimbra,  elle  vae,  na  Hollanda,  em  Leyde, 
doutorar-se  outra  vez  nos  mesmos  estudos,  com  as  celebridades  que  formavam 
então  o  Corpo  do  Professorado  d'aquella  Universidade  e  que  o  apresentam  ao 
mundo  scientiíico  do  Norte  da  Europa  e  da  Europa  Central;  e  na  Rússia  primeiro 
e  na  Áustria  depois  elle  desempenha  funcções  de  confiança  nos  exércitos,  fazen- 
do mesmo  a  guerra  russo-turca;  e  d'essa  aventura  do  oriente  elle  traz  para  Paris 
uma  innovação  therapeutica  -  os  banhos  de  vapor  que  elle  applica  com  grandes  re- 
sultados. 

É  em  Paris  que  o  Governo  do  Marquez  de  Pombal  entra  em  relações  com 
elle;  e  de  láelle  dirige  as  bellas  Cartas  para  a  Mocidade  esquissando  o  regimen 
escholar  ás  creanças  e  que  elabora  a  reforma  da  Universidade  de  Coimbra  as  quaes 
com  muitas  outras  obras  de  hygiene  o  tornaram  celebre' em  Portugal. 

Xavier  Alcáçova  corresponde-se  com  o  ex-medico  dos  exércitos  russos  vae 
estreitar  ainda  mais  as  relações  do  foragido  de  Portugal  com  o  seu  paiz,  que  elle 
apesar  de  tutlo,  sempre  ama,  com  carinho  de  filho. 

A  Erança  litteraria  não  estava -em  harmonia  com  a  Erança  politica  e  social:  a 
primeira  florescia,  a  segunda  decahia. 

A  Erança  debatia -se  então  n'uma  complicada  teia  de  gravames  que  origina- 
vam um  protesto  vehemente  e  systematico  das  populações  em  massa.  Os  impos- 
tos pesados  arrecadados  por  agentes  formados  em  companliia  que  exerciam  tam- 
bém os  mais  vis  vexames  que  as  leis  toleravam  sobre  os  contribuintes,  não  só  in- 
flingiam  a  desolução  na  sociedade  como  d^vam  lugar  a  agiotagem  por  parte  dos 
capitalistas  e  aos  desbanjamentps  nas  adminisiracções  publicas. 

A  constituição  da  companhia  arrecadadora  dos  impostos  em  16Q7  vinha  sal- 
var então  com  o  seu  contracto  da  arrematação  dos  principaes  impostos,  taes  como 
a  gabella  (impostos  sobre  o  sal)  os  impostos  das  alfandegas,  sobre  os  géneros  e  ta- 
baco, as  fintas  e  derramas  e  contribuições  prediaes,  medida  creada  pelos  contrala- 
dores  geraes  Chamillard  e  Desmarets,-a  crise  financeira  que  accusava  uma  divida 
|3ublica  consolidada  do  capital  de  1500  milhões  e  d'uma  divida  fluctuante  exigível 
de  250  milhões.  A  crise  era  a  resultante  de  successivas  guerras  e  delapidações  re- 
petidas dos  dinheiros  públicos,  e  apesar  da  guerra  que  de  novo  despontava  no  ho- 
rizonte politico  por  causa  da  successão  de  Hespanha,  os  37  milhões  do  contracto 
da  arrematação  dos  impostos  foram  empregados  naconstrucção  dos  tanques  do  par- 
que de  VersaHies.  Este  Critério  económico  do  Governo  de  Luiz  XIV  ia-se  manter 
durante  o  século  seguinte  aggravado  com  os  empregos  dos  dinheiros  capitalisados 
e  dos  vexames  exercidos  pela  gente  do  fisco. 

O  economista  Law  creára  o  organismo  do  banco  nacional  e  formaram-se  ide- 
ias de  credito  em  volta  da  instituição  que  reuniu  também  a  Companhia  do  Missis- 
sipi, a  propriedade  do  Senegal,  o  commercio  exclusivo  da  China,  a  antiga  Com- 
panhia das  Índias,  a  fabrica  da  moeda  e  a  arrecadação  dos  impostos;  mas  esse 
credito  que  devia  dar  expansão  ao  commercio  á  agricultura,  á  industria  e  a  todos 
os  ramos  d'actividade  degeneraram  n'uma  febre  de  especulação  de  todos  os  géne- 
ros-que  á  mistura  com  as  libertenagens  da  sociedada  burgueza  e  aristocrática  fo- 
ram arruinar  o  paiz. 

As  arrecadações  em  1763  eram  de  90  milhões  de  francos  e  as  imposições  at- 
tingiram  o  auge  da  crueldade  e  do  despotismo.  O  sal  cujo  consumo  era  obrigató- 
rio a  todo  o  individuo  maior  de  7  annos  vendia-se  doze  vezes  o  seu  valor,  e 
falsificadores  e  contrabandistas  tinham  a  punição  de  Q  annos  de  galera  e  500 
libras  de  multa.  Os  regimens  diversos  em  que  viviam  as  differentes  terras  de  Eran- 
ça denominadas  terras  d'eleição,  provincias  antigas  e  terras  redimidas  davam  lugar 
a  que  a  venda  do  sal  fosse  feita  pelo  preço  de  4  libras  o  quintal  n'uma,  8  n'outra,  24 


REVISTA    MICHAELENSE  38Q 

iVoutra,  chegando  a  attingir  em  Amiens  62  (1)  libras,  sendo  as  reincidências  puni- 
das com  forca.  N'essas  barreiras  entre  as  províncias  estavam  milhares  de  guar- 
das de  alfandega  que  absorviam  uma  grande,  parte  dos  rendimentos  públicos  d'im- 
postos  e  os  arrecadadores  d'elles  pagando  egualmcnte  um  numeroso  pessoal  de 
fiscalisação  e  cobrança  faziam  lucro  de  12  por  cento.  E  as  libertenagens  das  cida- 
des não  eram  de  molde  a  infundir  a  satisfacção  nas  populações  laboriosas. 

Os  agentes  que  tomavam  os  impostos  d'essc  rendimento  chamados  fermiers 
generaux  e  que  eram  banqueiros  ou  burguezes  ricos  desempenhavam  no  muuda- 
nismo  do  tempo  lugares  de  destaque,  citando-se  Saint-James  para  exemplo  que  fi- 
zera construir  em  Bagatelle  um  palácio  sumptuoso  para  offuscar  o  do  Conde  d'Ar- 
lois;  e  viviam  faustosamente  recebendo  nas  suas  casas  a  melhor  gente  do  tempo. 

Alexandre  Jean  Joseph  le  Riche  la  Pouplimiére  era  um  d'esses  fermiers  que 
cultivava  as  lettras  e  protegia  os  artistas  recebendo  a  célebre  Md.''  de  Genlis  o,-, 
primeiros  auxílios  d'elle,  e  ficando  conhecida  também  na  historia  litteraria  por  um 

Carta   autograp^a 

Uaia  noticia  de   Xavier  Alca»;ova  para  Ribeiro  Sanches 


romance-Daís-e  por  outro  livro-Tableau  des      ^^^^r^' u^-y^^-^^-''^^'/ 
Moeurs  du  Temps— ornado  de  gravuras   licen-   újir^^^/Ç)    /^^/^"^^  /í2d^ 
ciosas  descrevendo  a  vida  corrupta  da  epocha       .'        C^^-<^-^ ■  ^^  ^^1_^"' 
de  que  foi  tirado  apenas   um    exemplar  e  que  ^^y^  r      '  "'-^ 

mais  tarde  (1763)  quando  foi  vendida  a  biblio- 

theca  do  auctor  já  faliecido,  foi  aprehendido  por  determinação  regia.  A  sua  pró- 
pria mnlher  era  litterata  e  historiadora  sendo  auctora  entre  outras  obras  de  uma 
Historia  da  Successão  de  hiespanha  c  do  Extrait  du  systéme  de  Rameau;  e  per  isso 

(l)  — A  íibra  n'esta  epocha  valia  o  franco. 


390  REVISTA     MICHAELENSE 

as  sallas  de  sua  casa  eram  frequentadas  não  só  por  gente  da  nobreza,  da  finança 
e  do  commercio  mas  sobretudo,  por  gente  de  lettras  entre  as  quaes  Dalemberg  e 
Buffon  e  Xavier  Alcáçova  n'essa  casa  relacionou-se  com  m.uita  gente  do  mundo  das 
lettras. 

O  Paris  galante  d'essa  epocha  não  é  estranho  á  vida  do  estudioso  viajante  por- 
tuguez  e  uma  d'essas  fadas  do  theatro  que  brilhava  na  exhibição  das  scenas  eróti- 
cas dos  bailados  da  Opera  nas  representações  nocturnas,  vae  desprender  o  seu 
amor  real  nos  braços  do  aventureiro.  Chamava-se  essa  actriz  de  St.  Germain  e 
dos  amores  com  Xavier  de  Alcáçova  nasceu  um  filho  que  teve  por  nome  Armand 
Xavier  que  viveu  no  decurso  da  vida  do  pae  inspirando-lhe  mesmo  de  vez  em  quan- 
do grandes  curiosidades  e  receios,  sentimentos  que  eram  satisfeitos  com  as  infor- 
mações de  Ribeiro  Sanches.  Desvarios  da  mocidade!? 

Não  foram  conitudo  esses  amores,  resultantes  d'uma  tendência  sentimental  ou 
d'educação  aliás  justificáveis  n'um  hoinem  novo  na  força  da  vida. 

Xavier  Alcáçova  casado  com  D.  .Anna  Thereza  de  Saldanha  e  Albuquerque  da 
casa  dos  Condes  da  Ega  dama  da  rainha  D.  Marianna  Victoria  e  viuva  de  D.  João 
Manuel  da  Costa,  da  Casa  de  Soure,  foi  um  bomem  pautado  tanto  na  sua-vida  par- 
ticular como  na  sua  vida  publica,  vivendo  no  campo  com  as  suas  horas  divididas 
entre  os  passeios  hygienicos  a  cavallo  e  as  suas  leituras;  vindo  ao  desempenho  das 
suas  funcções  académicas,  entregue  completamente  a  duas  preoccupações  que  o  ab- 
sorviam—as lettras  e  uma  doença  gotosa  que  uma  debilidade  nervosa  por  vezes  dei- 
xava trespassar  intensas  dores  que  o  retinham  no  leito. 

D.  Francisco  de  Saldanha  3."  Patriarcha  de  Lisbca  amigo  pessoal  de  Xavier 
Alcáçova  já  por  remotas  ligações  de  familia  com  sua  Esposa,  uma  Saldanha  e  Al- 
buquerque já  por  afinidades  de  sentimento  e  de  caracter,  levava-o  frequentes  vezes 
ao  Tojal. 

O  Tojal  era  a  residência  de  Campo  dos  Patriarclias.  Quando  foi,  a  solicitação 
de  D.  João  V,  creado  o  Patriarchado  de  Lisboa  em  1716  (bula  de  7  de  novembro) 
a  quem  fez  graça  das  honras  e  prerogativas  eguaes  ás  concedidas  aos  cardcaes  da 
Santa  Egreja  Romana  (decreto  de  12  de  fevereiro  de  1717)  doando-lhe  e  aos  seus 
snccessores  (decreto  de  1  d'Abril  de  171Q)  a  pensão  annual  de  220  marcos  d'oiro 
pagos  pelos  rendimentos  dos  quintos  do  oiro  de  Minas  Geraes,  D.  Thomaz  d'Al- 
meida  primeiro  patriarcha  tomou  o  veiho  palácio  da  Quinta  de  Pêro  Viegas  do 
Tojal  edificado  no  século  XVI  por  D.  Fernando  de  Vasconcellos  e  Menezes,  Ar- 
cebispo de  Lisboa,  destinado  a  servir  de  residência  de  prazer  aosPrelados,  e  pro- 
cedeu a  grandes  melhoramentos  quando  reconstruiu  a  Egreja  Paróchial,  amplian- 
do os  jardins  e  decorando  sumptuosamente  as  sallas  do  Palácio  de  Marvilla  que 
desde  então  se  tornou  a  estancia  predilecta  dos  Patriarchas.     ' 

E  as  suas  deslocações  eram  frequentes  indo  para  Torres  Novas,  para  Bellas, 
vèr  propriedades  ou- passar  uma  temporada,  mas  voltava  á  sua  vida  habitual  de  bi- 
bliotheca,  comprando  com  todos  os  rendinu-iUos  supérfluos  de  que  dispunha  livros 
para  ella  e  vendendo  fructa  para  augmentar  c^  seus  rendimentos. 

Esses  rendimentos  que  eram  pouco  avultados  contentavam  comtudo  o  fidalgo 
orgulhoso  do  seu  meio  e  das  tradicções  da  sua  casa,  e  no  dia  que  elle  solicita  al- 
guma recompensa  de  serviços  de  D.  José  e  em  1777  a  mercê  da  Alcaidaria  Mor 
de  Campo  Mayor,  as  saboarias  d'Olivença  e  levantar  uma  viUa  cujos  rendimentos 
como  elle  diz,  não  augmentariam  o  seu  IJien-être  mas  eram  uma  justa  restituição  de 
bens  (agora  da 'Coroa)  dos  avós  entre  os  quaes  figurava  D.  Pedro  Alcáçova^  Conde 
de  Idanha  o  celebre  Regente  do  Reino,  durante  a  expedição  de  D.  Sebastião  a  A- 
frica,  de  que  elle  era  repre-.entante  por  linha  feminina  (morrendo  em  Alkacer-Ki- 
bir  os  dois  filhos  varões  de  D.  Pedro  Alcáçova):  e  esse  deferimento  do  Monarcha 
ao  seu  reauerimento  é  para  elle  de  grande  valor  moral  coiuo  elle  diz: 

«A  circumstancia  de  ter  vida  n'estes  bens  me  deixão  acção  e  direito  a  muitos 
annos  decahidos,  os  quaes  todos  segurão  se  me  não  podem  negar.  Sendo  isto  as- 
sim em  huma  edade  já  crescida  livre  dos  faustos  e   de  illusões    populares,  satisfei- 


REVISTA    MICHAELENSE  ,  3Q1 

tos  todos  08  meus  encargos,  consigo  aqiiella  independência  com  a  qual  todos  são 
ricos;  e  entre  a  minha  familia,  alguns  amigos  e  os  meus  livros,  não  iiavendo  mo- 
léstias dolorosas,  com  que  são  pesadas  todas  as  fortunas,  in^^eiraniente  ficam  sa- 
tisfeitas as  minhas  ambiçoens;  e  perdoo  a  estes  bons  principcs  quaesquer  outros 
bens  que  podem  fazer-me;  mas  para  que  isso  assim  seja  hc  preciso  que  tenha  o 
seu  prompto  e  devido  effeito  este  despacho.» 

Esses  livros  a  que  elle  dedica  a  sua  attenção  e  o  melhor  do  seu  trabalho  são 
as  Memórias  da  Academia  de  Sciencias,  156  volumes,  que  elle  comprou  por  200 
libras  e  a  Pratica  do  Theatro  por  Doligneé,  a  Encyclopedia  d'Hyneidon,  Francisco 
1  por  Oaiilard,  o  Atlas  Histórico  de  Marnór,  o  Traité  des  Elements  de  Chi  mie 
de  Albelacassagne,  e  o  Diccionario  cirúrgico  de  V.  N.  e  de  la  M.  que  se  vendia 
chez  La  Combe,  é  o  Brrgé  de  la  liarmonie  por  Vial:  são  as  obras  de  de  Real  e 
de  Sebalthier,  de  Dalemberg  e  de  Voltoire;  é  o  Diccionario  dos  Homens  lllustres  de 
La  Combe  e  Sansoniste,  é  o  jornal  Encyclopedique  dos  Interets  des  Nations  de 
TEurope  et  les  príncipes  du  Gouyernement;  é  l'Art  du  Pouvoir  du  Magistrat  pour 
un  avocat  ou  Parlement:  é  THistuire  des  Progrés  de  L'espirit  humain  dans  les  Sci- 
ences exactes  de  Severín;  é  o  Diccionaire  du  Droti  Economique  e  Raizoné,  é  Une 
Machine  propre  á  blanchir  le  linge  inventée  en  Anglaterre  et  perfectionée  en  Alle- 
magne  traduit  de  Alleman  e  que  se  vendia  chez  Durand  neveu  rue  St.  jacques,  é 
a  Encyclopedia  que  se  vendia  em  Lisboa  a  8  mil  reis  o  volume  e  que  despertava 
um  grande  interesse  nos  bibliophilos  e  em  todos  os  paizes  nos  meios  escholares. 

E  as  informações  que  elle  presta  á  Academia  sobre  as  sciencias  expandidas 
n'estes  livros  valem  os  seusescriptos  pessoaes  em  que  elle  trabalha  e  que  se  com- 
punham d'um  plano  d'administracção  politica  para  o  Reino  e  para  as  Ilhas,  um 
DiccionaríO  portuguez.  Os  Progressos  do  Espirito  humano  desde  a  decadência  do 
Impéria  d'Occidente  até  aos  nossos  dias  (lido  na  sessão  de  18  d'outubro  de  1780) 
a  Decadência  do  Império  Romano  que  foi  apresentada  n'uma  conferencia  de  1781 
da  Academia  Real  das  Sciencias,  nm  livro  d'historía  uma  traducção  d'uma  Histo- 
ria da  America,  e  alguma  outra  obra  desconhecida'  no  Mundo  litferario,  aonde 
estes  também  certamente  se  não  conhecem  porque  creio  que  não  foram  editados, 
sendo  possível  que  hoje  existam  n'alguma  livraria  em  manuscriptos  ou  na  biblio- 
theca  da  Academia  das  Siencias. 

No  tempo  de  Xavier  Alcáçova  apesar  das  grandes  bibliothecas  terem  sido 
aniquiladas  pelo  terremoto  de  1755  outras  se  tinham  formado  e  engrandecido  as 
desbaratadas  pela  pilhagem  que  se  succedeu  aos  tremores  de  terra. 

As  livrarías  conventuaes  e  episcopaes  attingiram  o  seu  auge  até  então  visto, 
conio  a  de  Évora,  augmentada  pelo  Arcebispo  D.  Manuel  do  Cenáculo  de 
Villas  Boas  e  enriquecida  com  um  museu  d'antiguidades  a  qual  foi  uma-  das  prí- 
meiras  franqueadas  ao  publico :  a  livraria  do  Arcebispado  de  Braga  que  datava  a 
sua  fundação  do  século  XV  pela  iniciativa  de  D.  João  d'Azevedo,  a  livraria  do 
Convento  de  Jesus  de  80  mil  volumes,  aonde  hoje  se  acha  a  Academia  de  Scien- 
cias a  de  S.  Vicente  de  20  mil,  ambas  em  Lisboa,  a  de  Alcobaça  de  25  mil  volu- 
lumes,  a  de  St.^  Cruz  de  Coimbra  de  36  mil  volumes,  e.  a  do  Mosteiro  dos  Be- 
nedictinos  de  Tibães  a  unia  légua  distante  de  Braga  com  trinta  mil  volumes. 
Quanto  a  bibliothecas  particulares,  havia  a  do  Conde  de  S.. Lourenço,  a  da  Casa 
de  Lofões  engrandecida  pelo  D.  João  de  Bragança  qij,e  viajara  pela  Ásia  Menor 
pelo  ncrte  de  Afríca  e  pela  Europa,  e  a  do  Visconde  de  Balsemão,  no  Porto,  de 
12  mil  volumes. 

D.  João  Carlos  de  Bragança  de  Paula  Tavares  AAascarenhas  da  Silva  e  Ligne 
com  tradicções  de  familia  semelhantes  á  do  Conde  da  Ericeira  era  como  elle 
um  cultor  das  lettras. 

[doutorado  em  Coimbra  em  1742,  teve  que  sahir  do  Remo  em  1757  por  mo- 
tivos que  não  foram  conhecidos  mas  que  se  desconfia  terem  origem  em  amores 
palacianos  que  desagradavam  ao  Soberano  e  depois  de  percorrer  varias  terras  do 
Oriente  fixou-se  em    Vienna,  fazendo   como  voluntário  a  guerra  dos  sete  annos  e 


3Q2  REVISTA      MICHAELENSE 

nas  outras  capitães  como  Londres,  Paris  e  Roma  era  conliecido  sob  o  titulo  de 
Duque  de  Bragança  faiando  d'el!e  o  Conde  de  Becl<ford  nas  suas  cartas  c  o  mu- 
sicooraplio  inglez  Burney  egualmente  descrevendo  a  sua  casa  como  um  centro 
d'arlistas  e  poetas  como  Metastasio,  o  comediographo;  01ucl<,o  creador  do  drama 
musical,  o  abbade  Costa,  ojalin,  o  principe  Poniatosky,  a  Condessa  de  Tliun,  Has- 
se,  Faustina  Bordoni,  o  principe  Kaunits,  Mozart  (que  alii  tocou  com  12  annos 
d'edade). 

O  Duque  quando  22  annos  depois  de  se  ausentar  de  Portugal  volta  á  Corte 
aonde  D.  Marianna  Victoria,  a  rainha  viuva  de  D.  João  V  formara  a  melhor  or- 
chestra  talvez  que  existisse  então  nas  cortes  faustosas,  com  os  maestros  Egiziejli, 
Caferelli,  Rof,  Batistini,  Leonardi,  tocando  ella  própria  em  cravo  e  cantando  as  ce- 
lebres Tocatas  de  Scarlati,  mestre  de  musica  da  Rainha  Maria  Barbara  d'Hespanha 
quando  este  lioinem  que,  deixava  Lisboa  um  centro  d'arte  e  de  cultura,  voltou  ao 
Reino,  encontrou-o  bem  decahid)  pelas  perseguições  exercidas  cjntra  os  Jacobi- 
nos, pela  iutellectualidade  da  corte  preocupada  com  a  doença  nervosa  da  Rainha, 
pela  questão  religiosa  outra  vez  levantada  depois  do  afastarr.ento  de  Pombal  dos 
negócios  públicos,  questões  que  se  afundavam  em  esteris  debates  e  animadversões.  . 

Reconhecendo  os  enumeros  serviços  prestados  pelo  Conde  da  Ericeira  com  as 
suas  preocupações  das  Academias  ás  sciencias  das  lettras  quasi  entregues  aos  pa- 
dres congregassionistas  que  exploravam  a  historia  no  serviço  das  ordens,  turnan- 
do-a  essencialmente  monástica;  o  duque  de  Lafões  entregando-se  ás  correntes  sci- 
entificas  que  corriam  pela  fiuropa  com  os  trabalhos  zoológicos  de  Buffon,  com  as 
experiências  chimicas  de  Lavoisier  ellc  prcoccupou-se  em  orientar  n'esse  sentido  a 
Academia  que  pretendia  formar  e  vae  buscar  os  homens  da  Academia  Real  d'His- 
toria  entre  os  quaes  se  acha  o  ultin.io  dos  sócios  Gonsalo  Xavier  d'Alíaçova  per- 
feitamente orientado  n'esse  sentido  em  contacto  com  esses  grandes  escriptores  de 
França  que  expandiam  os  seus  trabalhos  por  toda  a  Europa,  lendd-os  á  'maneira 
que  elles  iam  apparecendo  e.commentando-os  na  Academia;  e  de  todas  as  outras 
Academias  se  juntam  membros  illustres  como  Portugal  e  Castro  e  o  (Jonde  de  S. 
Lourenço  da  Academia  dos  Occultos;  o  Padre  Foyos,  Cruz  e  Silva,  José  da  Fon- 
seca e  Ignacio  Alvarenga  da  Arcádia  Lusitana. 

Os  sócios  eram  nas  differeiítes  classes  que  occupavam  iiela  constituição  da  A- 
cademia : 

Presidente-  Duque  de  Lafões  Vicc-Secrciario-  -Correu  da  Serra 

Secretario—  Visconde  de  Barbacena  Orador    Padre  Tlteodoro  de  Almeida 

Ciasse  <le  sciei>cias  oaturaes 

Doniiii<>os  Vaiidcili,  Director  da  Classe  Fr.  Vicente  Ferrer 

José  Corrêa  da  Serra  Visconde  de  Barbacena 

loão  Faustino  Dr.  António  José  Pereira 

Bartliolomcu  da  Cesta  Dr.  António  Soares  Barbosa 

Class<f  úvj.  A\atbernaíic^ 

(J  Aíarquez  de  Ator//a,  Director  ■    José  Joaquim  de  Barros 

Padre  Theodoro  de  Almeida  Dr.  José  Monteiro  da  Rocha 

Conde  d' Azambuja  Dr.  Miguel  Franzini 

Dr.  João  António  Dalla-Beila 

Classe  íle  Litteratura 

D.  Miguel  de  Portugal,  Director  Pedro  José  da  Fonseca 

Padre  Joaquim  de  Foyos  Principal  Mascarenlias 

Coade  dn  Tarouca  Gonsalo  Xavier  de  Alcáçova 

Padte  António  Pereira  de  Figueiredo 


KKVISTA      MICIIAhLFNSt:  393 

Sócios  Honorários 

Ayrc<;  de  Sá  e  Mello  Marquez  de  An^eja 

Arcebispo  de  77/ ess o lo/iim  Marquez  de  Marialva 

Cardeal  da  Cunha  Marquez  de  Penalva 

Cardeal  Palriarcha  (não  acceitou)  Martinho  de  Mello  e  Castro 

Conde  de  S.  Lourenço  Principal  Almeida 

Conde  da  Ponte  Visconde  de  Villa  Nova  da  Cerveira 

5ocios  supra-nurrjçrarios 

Ant."  Ferreira  de  Andrade  Encerrabodes       D.  ternando  de  Lima 

Conde  da  Eoa,  D.  Dioíso  de  Noronha  Lrancisco  da  Cunha 

D.  Fernando  José  de  Portugal  José  António  Raposo 

Fr.  José  Maine  Dr.  José  Corrêa  Picanço 

José  Maria  de  Mendonça  José  Henriques  de  L^aiva 

José  de  Vasconcellos  Luiz  José  da  Costa 

D.  Thomaz  Caetano  do  Bem  Nicoláo  Tolentino  de  Almeida 

António  Caetano  do  Amaral  Paschoal  José  de  Mello 

Dr.  António  Ribeiro  dos  Santos  Ricardo  Luiz  Ante  (António?) 

Custodio  José  de  Oliveira       ,  António  Lienriques  da  Silveira 

Conde  de  Vimioso 

Sócios  correSpor)ílcr?te5  : 

CitaiL-mos  os  nomes  mais  celebres: 

Amónio  Ribeiro  Sanches  Manuel  Ignacio  Alvarenga 

Aníonio  Diniz  da  Cruz  e  Silva  D.  José  Maria  de  Sou.sa 

Joaquim  Corrêa  da  Serra  Agostinho  José  da  Costa  Macedo 

Dr.  Fr.  Joaquim  de  Santa  Clara  Bento  José  de  Sousa  Farinha 

Luiz  An'onio  Verney  Frei  loaquim  Lorjaz 

Luiz  Pinto  de  Sousa  Balsemão  Dr.  José  f^edro  Fiasse  de  Betem 

Como  vimas,  fallandò  da  Academia  Rea!  d'!iistoria  e  das  Academias  que  reu- 
niam particularmente  em  risa  d'iim  dos  membros  do  cenáculo,  as  preoccupações 
litterarias  extendiam-se  á  Provincia  :  cm  30  de  julho  de  1721  em  Setúbal  Gregório 
de  Freitas,  que  se  dava  a  estudos  d'ldistoría,  auctor  da  Historia  da  Villa  e  dos  ho- 
mens que  sobre  ella  tinham  escripto,  formou  a  Academia  Problemática;  e  da  mes- 
ma forma  se  crearam  as  Academias  dos  Laureados  de  Santarém  de  que  falia  Fr. 
Cláudio  da  Conceição  no  seu  gabinete  Histórico  (1);  em  Guimarães  é  a  Academia 
\'imarancnse  formada  em  1722  com  os  elementos  da  Academia  particular  que  se 
reunia  em  casa  do  donatário  dos  Coutos  de  Negrellos'  e  Abbadim,  Thadeu  Luiz  An- 
tónio Lopes  da  Fonseca  Carvalho  e  Camões,  académico  da  Academia  d'Historia 
dos  Infecundos  e  um  anno  depois  forma-se  em  Aveiro  a  Academia  dos  Aquilinos 
e  em  Braga  a  Tyrões  Bracharenses  (2);  ha  ainda  em  Torre  de  Moncorvo  a  Acade- 
mia dos  Unidos. 

N"e5tas  Academias  os  certaraens  tinham  por  fim  festejar  uma  data,  comme- 
morar  um  facto,  discutir  certos  themas  que  em  geral  procuravam  a  argúcia  littc- 
raria  rhetorica  ou  casuística,  elogiando  sempre:  na  Academia  de  Lisboa  dos  Appli- 
cados  que  era  uma  d'epsas  como  a  dos  Escolhidos,  dos  Anonymos  e  dos  Occul- 
tos,  patrocinada  pelo  Rei,  houve  uma  reunião  no  anno  de  1724  em  que  foi  celebra- 
da a  Eucharestia  na  casa  nova  do  Claustro  do  Convento  da  Graça  dos  Eremitas 
de  St.°  Agostinho,  e  outra  em  1734  para  se  fazer  o  panegyrico  de  Raphael  Bluteau 
por  occasião  da  sua  morte,  a  que  se  juntava  a  Academia  dos  Unidos  da  Torre  de 
Moncorvo;  são  dois  modelos  e  exemplos  do  que  eram  essas  reuniões  celebres  mas 

(l)^Tomo  Vl[  pagina  107. 

(2)— Ver  Thcophilo  d)  Braga  a  Arcidia  Lusitana  pagina  53. 


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REVISTA  MICHAELENSE 


os  académicos  reuniam-se  em  geral  para  tratar  de  pontos  de  moral  e  de  historia 
que  nem  sempre  respondiam  a  uma  utilidade  iitteraria.  Assim  na  Academia  dos 
Phleugmaticos,  da  Rua  do  Correão,  do  extracto  d'uma  das  sessões  se  faz  menção 
d'um  assumpto  heróico  para  ser  discutido,  o  que  tratou  da  apreciação  da  "acção 
do  Príncipe  Don  Duardo  se  fingir  hortelão  para  ver  e  falar  á  princeza  Florida  co- 
mo consta  do  auto  do  mesmo  Don  Duardos»,  e  depois  de  terminada  a  sonata,  o 
Secretario  distribuiu  o  segundo 'assumpto  que  visava  a  glosa  d'esta  trova  do  "Au- 
to da  Menina  Fermosa» : 

Isabel  e  mais  Francisca 
Ambas  vão  lavar  ao  mar, 
Se  bem  lavam  mel/ior  torcem 
Namorou-me  o  seu  lavar. 
A'  morte  do  Padre  Manuel  Caetano  de  Sousa,  presidente  da  Academia  d'His- 
toria,  na  Academia  Latina  e  Portugueza,  n'um  fúnebre  obsequio  de  30  de   janeiro 

de  1735  reunido    em   sua  _    

memoria,  depois  de   elo-"^"" 

giado  o  morto  pelo  Aca-      16 ]|  ifi  j^.^^^  -  ^V^,,,,,,,..^.^^!!  ?  B 

demico    Phihppe  José  da      <*—*-— «-íPssk«Rj*«i*.*^«~«*--«*»--s 

Gama  (Lisboa  1736)  foi  o 

seguinte   problema  posto 

á  discussão: 

De  quem  foi  a  maioi 
perda  na  morte  d'este  eru- 
ditíssimo varão,  se  da  Pá- 
tria se  das  Sciencias? 

A    primeira   parte   fo.  O  Palácio  d' Ajuda 

defendida    por  ]ose   Col- 

lasso  de  Miranda  e  a  segunda  por  António  Felix  Mendes,  lendo-se  em  seguida 
muitas  poesias  latinas  e  portuguezas  sobre  o  assumpto  no  m"eio  d'um  auditório  se- 
lecto de  religiosos,  fidalgos  e  sábios  da  Corte.  (1) 

Nas  Academias  da  Província,  diz  o  Snr.  Dr.  Theophílo  Braga  que  havia  a  pre- 
occupação  de  entregar  aos  jesuitus  a  consagração  das  cerimonias  e  cita  a  visita  do 
Arcebispo  Primaz  D.  Joseph  que  em  1744,  vizitaa  Academia  dos  Engenhosos  Bra- 
charenses  por  occasião  do'seu  anniversario,  cuja  cerimonia  foi  presidida  pelo  mes- 
tre de  Rhetorica  o  P/  Francisco  Pacheco  do  CoUegio  de  Braga;  e  n'outra  visita  do 
mesmo  prelado  3  annos  mais  tarde  á  Academia  Vimaranense  também  a  um  outro 
padre  do  mesmo  Collegio  é  dada  a  presidência  da  reunião. 

E'  n'esta  decadência  espiritual  que  alguns  poetas  de  génio  e  escriptores  de 
raça  António  Diniz  da  Cruz  e  Silva,  Manuel  de  Figueiredo,  Domingos  dos  Reis 
Quita  e  António  Corrêa  Garção  formam  em  1756  a  Arcádia  Lusitana,  Associação 
democrática  com  aspirações  a  reviver  a  poesia  quinhentista  á  semelhança  da  Ins- 
tituição de  Roma  também  formada  para  acabar  com  o  mau  gosto  observado  n'ou- 
tras  academias  para  a  qual  o  Rei  portuguez  dava  um  palácio  no  Monte  Janiculo 
chamado  pelos  Árcades  Bosque  Parrhasio,  e  foi  membro  com  o  titulo  de  pastor  Alba- 
no; a  Arcádia  que  teve  por  emblema  um  meio  braço  e  mão  pegando  n'um  podão 
com  a  epigraphe  Inutilia  truncat  reuniu-se  n'um  local  que  tinha  por  nome  o  mon- 
te já  symbolico  de  Ménalo  do  bucolismo  arcadiano,  pela  primeira  vez,  em  11  de 
Março  de  1755,  sendo  os  seus  Estatutos  lidos  em  23  de  Setembro  de  1756  e  inau- 
gurada em  19  de  julho  de  1757. 

A  Arcádia  d'onde  saiiiram  grandes  composições  litterarias  de  variados  géne- 
ros não  teve  o  patrocínio  régio,  tentou  reformar-se  em  1764  e  teve  a  Academia 
Real  d'Historia  que  protegida  melhor   pelos   Monarchas,  subsidiada    por   elles,  vi- 

(1)— Descriptos  nas  Memorias  históricas  e  chronologicas  dos  clérigos  regulares  em  Portugal,  tomo 
I  pag.  464  por  D.  Thomaz  Caetano  do  Bera. 


REVISTA     MICHAELENSE  395 

vendo  na  orientação  histórica  de  publicar  obras  e  manuscriptos  inéditos  de  escla- 
recer assumptos  importantes,  de  tornar  conhecidas  novas  theorias,  novos  princí- 
pios, novas  doutrinas,  quer  scientificas,  quer  litterarias,  quer  artísticas,  quer  jurídi- 
cas, quer  sociaes,  quer  económicas,,  manteve  a  preocupação  litteraria  de  Portugal 
durante  60  annos. 

D'esta  sahiram  : 

A  Bibliotheca  Lusitana  de  Barbosa  Machado,  a  Historia  Genealógica  da  Casa 
de  Bragança  por  D.  António  Caetano  de  Sousa,  o  Vocabulário  portuguez  de  Ra- 
phael  Bluteau,  as  Menv.rias  para  a  Historia  d'el  Rei  D.  João  1  por  José  Soares  da 
Silva,  o  Catalogo  das  Rainhas  de  Portugal  por  D.  José  Barbosa,  Memorias  e  noti- 
cias das  Ordens  dos  Templários  pelo  Dr.  Alexandre  Ferreira,  o  principio  do  Dic- 
cionario  geographico  do  P/  Luiz  Cardozo  e  o  Corpus  Poetarum  Lusitanorum  do 
P/  António  dos  Reis. 

Da  Arcádia  viveu  com  Manuel  Figueiredo;  o  Theatro. 

A  Academia  Real  das  Sciencias  que  substituiu  a  Academia  Real  d'Historia 
creada  pelo  Alvará  de  24  de  Qezembro  de  1779  e  na  qual  desempenhou  as  mes- 
mas funcções  de  Secretario  Qonsalo  Xavier  Alcáçova  reuniu  também  uma  enor- 
me bibliotheca  comprada  em  grande  parte  com  o  dote  que  lhe  foi  instituído  pro- 
veniente do  terço  do  producto  da  loteria  creada  n'esse  mesmo  anno  por  decreto 
de  IS  de  novembro  e  depois  de  suspensa  a  loteria  com  o  subsidio  regular  de 
4.800X00  reis;  e  em  29  de  fevereiro  de  1796,  já  fallecido  Qonsalo  Xavier  Alcáço- 
va que  não  presenciava  o  auto  mais  popular  sem  duvida  do  reinado  de  D.  Maria 
I,  o  Ministro  da  Fazenda  marquez  de  Ponte  de  Lima  e  o  desembargador  José  Sea- 
bra da  Silva  ministro  do  Reino  levaram  á  assignatura  regia  o  alvará  creando  a  Bi- 
bliotheca Publica  de  Lisboa  para  a  qual  entrou  para  Bibliothecario  o  Snr.  Antó- 
nio Ribeiro  dos  Santos,  desembargador  da  Casa  da  Supplicação  e  lente  de  direito 
da  Universidade  de  Coimbra  e  grande  conhecedor  de  bibliographia;  e  a  Institui- 
ção que  se  formava  com  os  livros  da  Mesa  Censória  e  livrarias  dos  extinctos  con- 
ventos dos  jesuítas  e  parte  dos  livros  que  se  salvaram  do  incêndio  em  1755  do 
paço  dos  duques  de  Bragança,  era  aqueila  que  ia  extender-se  a  quem  quer  que 
fosse  com  direitos  eguaes,  o  privilegio  e  o  apanágio,  guardados  entre  as  classes 
ricas  durante  séculos. 

Alem  dos  livros  recolhidos  das  bibliothecas  das  Ordens  extinctas  pelas  leis 
de  D.  Pedro  IV  de  1832  que  foram  enriquecer  a  Bibliotheca  Nacional,  ha  a  ci- 
tar a  compra  que  o  Estado  fez  por  dez  contos  de  reis  da  Collecção  de  livros  que 
contava  enumeras  edições  raríssimas  e'  que  pertenciam  a  D.  Francisco  de  Mello 
Manoel  da  Camará. 

E  essa  citação  vem  a  propósito  porque  é  o  neto  d'este  colleccionador,  o  Se- 
nhor Doutor  Francisco  de  Mello  Manuel  Leite  Arruda,  quem  hoje  proporciona  aos 
leitores  d'esta  Revista  as  bellas  cartas  de  Gonçalo  Xavier  Alcáçova  inéditas  que 
pertencem  ao  Archivo  Mello  Manuel  que  lhe  foi  dado  pelo  Snr.  Conde  da  Silva, 
seu  Tio. 

Não  existindo  nenhuma  obra  impressa,  de  Gonsãlo  Xavier  Alcáçova  creio,  a- 
lem  dos  elogios  aos  príncipes  por  occasião  dos  seus  anníversarios  pronunciados 
na  Academia  de  Sciencias,  estas  cartas  são  tanto  mais  valiosas  que  se  avaliam  por 
ellas  a  intellectualidade  do  auctor  por  uma  forma  expontânea  intima,  sem  a  preo- 
cupação de  brilho  na  procura  da  ideia  ou  pelo  rodeio  de  phrase.  E'  lamentável  que 
d'essas  obras  citadas  escriptas  por  Xavier  Alcáçova  não  existam  publicações,  por- 
que ahi  a  personalidade  do  auctor  resultaria  bem  definida  apreciando-se  as  con- 
cepções, as  ideias,  e  os  poderes  argumentativos  e  de  investigação,  e  os  critérios 
históricos  e  sociaes  que  o' ditariam;  na  sua  falta  as  cartas  do  Secretario  das  Aca- 
demias para  o  Dr.  António  Nunes  Ribeiro  Sanches  supprem  a  qualquer  critico  bio- 
graphico  os  elementos  moraes  para  a  reconstituição  da  individualidade  do  auctor 
e  nós  fazemos  com  ellas  um  trabalho  que  enquadra  bem  a  sua  vida  e  a  sua  obra 
n'um  esboço  a  traços  largos. 


396 


REVISTA    MICHAELENSE 


Como  ella  é  interessante  essa  individualidade  vista  intimamente  perto  das  ne- 
cessidades e  dos  elementos  necessários  á  sua  vida  quotidiana  quer  de  labor  quer 
de  commodidade,  procurando  um  bem  estar  que  lhe  permita  o  trabalho,  regular  e 
a  saúde  alterada  frequentemente  no  decurso  do  anno!     , 

inventam -se  uns  candieiros  a  azeite  em  Paris  commodos  para  mesa  de  traba- 
lho: e  vendem-se  também  em  qualquer  estabelecimento  que  annuncia  cadeiras 
de  bambu  commodas;  Xavier  Alcáçova  pede  ao  seu  correspondente  e  amigo  para 
as  enviar  As  pelles  de  lobo  da  Rússia,  elle  manda-as  vir  d'Hamhuigo  depois  de 
tentar  os  mercados  d'aquelle  paiz  por  intermédio  de  Ribeiio  Sju^-hes  para  com 
ellas  torrar  uma  sobie-casaca  l  inmtei-se  qu.  ntt    '     ^  "  i  is  d'liinver- 

._  -  n(>  t  dl  tiii  >!m   ['u^-sia   elle  pede 


pari  PLtLi 


clia  da  china 


Entrada  da  Bihliotheca  Nacional - 
S.  Francisco 


■digo  Mobteiro  de 


.    .que  para  alli  e  expoitado    em   ca- 
,  "*%  1  uaiias  atiavez  da  Mandchuria. 

hbtes    pequenos    pedidos    do 
Ibecietaiio  da  Academia  d'l^listoria 
;ão  intei  calados  nas  suas  cartas  por 
111)  meno^  inteiessantes   informa- 
s  que  elk  piesti  b-ohie  a  aber- 
I    i    do    Collegio    dos    Nobres,  â 
,    leação  dos  Institutos,  o  valor  dos 
1  lofessores  e    de    referencias   que 
.-cile  faz  aos  ensaios  que  alguns  me- 
niicos  portugiiezes  estavam  a  fazer 
Scom  a  terra  de  Mafra  sobre  algu- 
jma--  pf.-s-,'iTí  cancerosas;  e  quando 
j   '■   LM  I   ■ '  iM.i  'ii!  dezembro  de  1768 
'  vm    L1-.1IW.1   ('   lartuío    de   Moliére 
acabado  de  traduzir  em  verso  sol- 
to ou  a  Athalia    de 'Racine  em  fe- 
vereiro de    1769,  esses   dois  acon- 
tecimentos theatraes  que  interessavam  as  lettras  iTão  passam  sem  commentario. 

A  venda  em  Paris  da  bibliotheca  dos  judeus  e  que  é  comprado  pelos  domi- 
nicanos, Oonsalo  Xavier  refere-se  a  esse  facto  e  conta  que  em  Lisboa  os  domini- 
canos de  Portugal  desconheciam  a  venda  e  que  alguns  livreiros  de  Lisboa  ven- 
diam obras  d'esta  bibliotheca  tendo-lhe  sido  offerecida  a  Politif^a  de  Gay  por  25 
moedas  (a  mc.eda  no  reinado  da  C).  ]osé  valia  4  mil  reis);  e  por  occasião  d'outra 
venda  de  livros  celebre  pertencentes  a  D.José  Pessanha  e  comprados  pelo  Bispo  de 
Lisboa  elle  egualmente  allude  a  elles  com  algumas  das  suas  referencias  breves  e 
concisas  que  tornam  as  suas  cartas  tão  peculiares. 

Essa  correspondência  é  regularissima  com  Ribeiro  Sanches  e  quer  elle  esteja 
no  Tojal,  em  Bellas,  em  St.°  Amaro,  em  Torres, em  Collares  ou  em  Lisboa,  quando 
a  sahida  do  navio  se  annuncia  para  Rouen  ou  para  o  Havre,  Gonsalo  Xavier  re- 
dige a  sua  costumada  missiva  ao  seu  am.igo  de  Paris. 

Em  1770  Ribeiro  Sanches  pretende  vender  a  sua  bibliotheca  que  contem  ma- 
nuscriptos  diversos,  bellos  e  curiosos  exemplares  e  que  era  conhecida  tào  iirni  em 
Portugal  como  em  França.  A  sua  vontade  é  deixal-a  ao  paiz,  e  Martinho  de  Mello  e 
Castro  mostra-se  desejoso  de  a  adquirir.  Xavier  Alcáçova  e  o  cirurgião  João  da  Matta 
eram  os  dois  intermediários  do  negocio,  e  o  primeiro  em  Maio  de  1870  escreve  a 
Ribeiro  Sanches  a  pedir-lhe  o  catalogo  que  lhe  é  remettido  em  outubro  d'esse  anno 
com  as  condicções  de  venda  que  eram  estas  : 

1.' — Gosaria  em  vida  dos  seus  livros  e  manuscriptos. 

2.°— Ou  se  lhe  dariam  20  mil  libras  turnezas  em  três  pagamentos,  ou  se  lhe 
instituiria  uma  renda  vitalicia  de  3  mil  reis. 


REVISTA     MICHAELENSE 


397 


'Z  Ú\- :^J^P 


3.°— Ribeiro  Sanches   ficaria  obrigado  a    continuar  a  assignatura  das    publica- 
ções periódicas  contidas  no  catalogo  que  tinha  enviado. 

4."— A  não  ter  resposta  até  Janeiro  de  1773,  ficaria  com  liberdade  para  buscir 
outra  solução. 

E  dois  annos  depois,  em  28  de  junho  de  1774,  não  tendo  sido  effectuada  a  ven- 
da amda,  elle  renova  a  proposta  com  o  valor  augmentado  de  3  mil  libras  turnezas, 
correspondentes  a  obras  adquiridas,  as  quaes  sãi  da  a-ictoria    de    236   cscriptores 
diversos  (1)  (a  venda  pnr 
meio    da    renda   vitalícia 
era  mantida  nas  mesmas 
condi;^ões). 

Era  a  ultima  vontade 
de  Ribeiro  Sanches  dt 
xar  os  seus  livros  ao  seu 
paiz  e  o  bibliophilo 
Collares  é  quem  trabaUr 
por  reaiisaresta  aspiração 
do  velho  medico  que  e 
ao  mesmo  tempo  um  ac- 
to d'interesse  nacional  i 
que  Xavier  Alcáçova  de- 
sejaria bem  ligar  o  seu 
nome:  seria  mesmo  um 
acto  pessoal  a  represen- 
tar na  histeria  das  biblio 
thecas  publicas  a  dedica 
ção  d'um  erudito  dos 
fins  do  século  XVlll.  In- 
felizmente a  venda  nunca 
teve  lugar  e  foi  em   Paris 

que  ficaram  as  collecções  preLiosts  de  Rib^uo  ouicnes  o  im  g)  di.  iicado  de  Xa- 
vier Alcáçova  cuja  correspondencu,  tão  intercssinte  para  a  hi  t  )rn  da  epocha 
devido  á  amabilidade  do  ^^ennor  uoutor  hrancisco  ae  Mello  Manoel  Leite  Arruaa, 
é  hoje  aqui  pela  primeira  vez  publicada. 


\rí^C£^^        /] 


ê 


a. 


endereço  de  carta  para  Par'.s 


(U— Carta  de  Ribeiro  Sanches  de  2  de  setembro  de  1772  lançada  no  jornal  no  Archívo  da  Biblir 
theca  da  Eschola  de  Medicina  de  Paris. 


398  REVISTA     MICHAELENSE 


Uma  carta  àe  Xauier  Rlcaçoua  para  Ribeiro  Sanches 


run-i ' 


yóu^   .•?/»'    *•-/■  J^    é>f'7y-//    Av^'  ^íí'^/^^^W     ^í/^,;^^    ^,,    ^y.rt  - 


y^c^ 


,^  /-/L^íí^    é^yrí,  e^r-^/r^    ^jt  fí^^y  c^/7..^i,    O-!^    ^-    /^jí/O-t}  (^é^<UL<Jin/^^    ^■^ 


y/í-t-n  ^  Tí^i  Á-^.i/tyvyt,    yyi^f^ffcd^j   ^â-^^rm-»^^   a^jfn  ^ '.ifí^s  ^A/pi^^t  ^?'^*^ 


REVISTA     MICHAELENSÊ  399 


ij/ei  /i!'Z<r    Ó'f-'yi<.~/í*'    ^K-^ii /i/íícr  eí<Aí>  á^Jl/)  h   itt^tn^  /.'!.ínrn\M.i-  ,-7ri^i»^A.í4 

OVO.  \/ya'f  Ce.-íCK^i,    í^'fi/f'z2^Ò     A-a^" ^ÍT^T^a^oi//^  jtg  .  ^^.^^tkJí'^   . 
&*  ^r^^a  /£-rP*>   j.e^i^icc^ni^  a^/{.J»^  ^1^4^  7-rx.ej.^  ?<J^Ju^J^Jí^ ,  c í^^^/^e4yí• 
/^j-iOí^if^,  ■^   jí<^'j  ^'' h    /^nÂ^   aJr/t-/  a^ác^tii   yz/t   ,'^^ í^/' ^  S/c^€,r>tfjÊu^ 

JrtU^cJ^J.     ^y  -íptz^ííi.  í:&iyf^  'if^e  ^íjí.    ^-^   d-?  cave;..      i^ÁÍ /j^£í  4  /e.^ríít' ^' 

-M^ei-y^-rii^  Cf^nJ'  /if.^'Cíei^   a^^x.  r-^aija~f>tjrr^  .d2s^'^:^Ji:Jt-ã.  J^-^^^^Ci-c^Ji^/i-  '. 

fn^oil^,   srU-^  ''^    Ktr^n-i/£^  /yt'v-i^/ft  J3  '     ^^^jlt  cí-Kí>  ^^i^^^  *€i_  ,<íít /í«<?V-A-^ 


400 


REVISTA    MICHAELENSE 


C >/'//<.»-    ic^i^í^^    «^^^Cfe--^   ,'j?.'/  .■^   /nMU.  li^cl»,  rf^í«<^i^i  ,±j>  a/]í//*'*rní  ti^-iCi) 

^^.^  ^*^x»r .  /*^y/cj^ie-   /^  /u/U.,  e  A^oía-  trr^  /rf^  ^imxÃói .  y"4^^ 
p'  T»i>ã),  èieifí^Z£    t>   ^'  e^/^â,rvf   /u/^n^  ,^í*Aa/f/í  ^r''/^'<:*-J   a/^>7^r'ie^ 


401 

REVISTA    MICHAELENSE  ^"* 


^^-^i'    jíO/^ft-^,  ^yi^    ^*y>y.    L.'r'/t-i'*   •^'«;<-7  y^J? /.íí^v/^iá»     í^;'^.  A/»    --.-i^Ai^»^ 
ryy    í»7i^  íi^V./M,  ■   í^t&   th'^ntiS  ^^Jd^  líjc^   ^./^t^t '^if^  .ry^a^,^  •J^-ya^y^^é^.rui, 


402  REVjSTA     MI^CHAELENSE 

Saúde — Meu  Amigo  e  Snr.  Dor.  António  Ribeiro  Sanches,  o  correio  .passado 
recebi  a  sua  carta,  e  me  não  foi  passivel  agradecer-lha  logo  como  sempre  desejo 
pelo  grande  gosto  que  faço  da  sua  comunicação,  mas  sobrevierão-me  algumas 
occupaçoens  que  me  embaraçarão.  Estimo  se.npre  a  repetição  do  seu  favor,  e  esta 
amisade  com  que  me  trata,  bem  merecida  da  grande  estimação  que  faço  delia, 
mas  para  que  fosse  completa  a  minha  satisfação  seria  preciso  a  certeza  da  sua 
bôa  saúde  ou  que  ao  menos  n'este  tempo  critico,  fosse  sem  tanto  sofrimento.  As 
grandes  chuvas  e  tempestades,  que  aqui  se  experimentão  depois  de  hum  mes,  sem 
cessar  nos  traz  bem  abatidos,  e aos  que  palecemos  queichas  de  nervos  bem  debili- 
tados. Mas  eu  tudo  dou  por  bem  empregado,  com  tanto  que  os  defluxos  no  peito 
se  não  façam  lembrados,  porque  são  de  muito  má  consequência. 

Quizera  hoje  dizer-lhe  alguma  cousa  a  respeito  daquele  negocio  em  que  se 
me  pede  hua  certa  declaração;  mas  ainda  o  reservo  para  ocasião  de  mais  soce- 
go,  e  que  esteja  bem  informado  do  que  paço  a  respeito  da  minha  consciência,  isto 
hé  não  prejudicando  a  3.°.  O  meu  coração  hé  cheyo  de  hum.anidade  e  preocupa- 
çoens  não  me  cegão;  mas  ha  certos  motivos  que  embaração  toda  a  pessoa;  de  qual- 
quer estado  ou  religião  que  seja,  coifi  tanto  que  tenha  perfeita  noção  do  justo,  e 
do  injusto. 

Z-íVa-os— Estimarei  muito  que  o  Navio  com  os  livros  não.  tenha  ainda  partido, 
porque  as  tempestades  tem  produzido  grandes  naufrágios  nestas  costas,  e  por  toda 
a  parte.  Alguns  navios  estão  aqui  a  partir  para  esses,  e  outros  portos,  há  hum  mes, 
sem  terem^nem  hum  só  dia,  de  o  poderem  intentar.  A  perda  de  livroí  seria  para 
mim  a  mais  sensível  de  todas,  porque  elles  são  a  minha  paichão,  e  tudo  o  que  po- 
de fazer  mais  agradável  a  minha  vida. 

O  Celebre  Pino  que  aqui  se  acha  vae  imprimir  varias  obras,  entre  as  quaes 
há  hum  Theatro  da  Eloquência,  e  há  hum  tratado  de  Rhetorica,  ouvi  que  lança- 
do e  mosturado  com  bastantes  puerlidades,  Ijua  Arte  Poética,  atradu:ão  do  Oedipo 
de  Sofocles,  tradução  da  tradução  ainda  que  elle  o  não  de:lare,  e  hum  poema 
n  El-Rey  de  Inglaterra  na  ocasião  da  Guerra :  Com  qu-^  os  nossos  engenhos  dis-. 
pertão  do  seu  letargo,  e  as  muzas  são  as  primeiras  que  rompem  o  silencio.  Mas 
ainda  mal  que  estas  pequenas  faiscas  não  denotão  senão  fogo,  apagado,  quasi  re- 
duzidas a  cinzas. 

O  que  V.  Mce.  me  diz  a  respeito  da  inscripção  da  urna  e  medalhas,  hé  cou- 
sa que  tenho  lido  em  gazetas,  mas  que  não  sei  que  aqui  aparece-ce.  Em  alguas 
partes  tem  se  descoberto  varias  medalhas,  mas  isto  toma  logo  outro  caminho  e  se 
reduzem  a  moeda  corrente  ou  algum  curioso  as   esconda.  A   Academia    Real   não 

tem  hoje  mais  que  hum 

(lacunas  devido  a  rasgar  do  papel) 

Consideraçoens  de  maior  pezo,  levão  todo  o  tempo,  e  fazem  menos  atendíveis 
os  gemidos  litterarios.  He  necessário  esperar  melhor  ocasião  de  as  fazer  renascer, 
mas  não  me  parece  que  esta  gloria  me  seja  reservada. 

Os  jornaes  Encyclopédiques  de  que  faço  bom  conceito  me  tem  vindo  mui- 
to troncados,  e  necessito  de  mandar  a  \'.  Mce.  hua  memoria  dos  cadernos  que 
me  faltão  para  completa-los,  e  pedir-llie  ao  mesmo  tempo  (observace)?  para 
minha  conta  deste  anno  por  deante,  e  igualmente  pelo  da  jurisprudência,  e  gazeta 
salutaria,  tudo  da  mesma  officina  e  me  vá  remetendo  tudo  a  seu  tempo  conforme 
for  sahindo;  pois  tenho  grande  gosto  de  ler  a  mayor  parte  das  reflexoens  daquela 
erudita  sociedade  donde  a  critica  hé  quasi  sempre  acompanhada  de  decência;  e 
daquele  tem  que  devia  praticar  entre  todos  os  homens  sábios,  e  o  único  que  pode 
ser  útil  ao  adeantamento  das  sciencias. 

A'  sahida  á  luz  da  grande  obra  da  'Encyclopedia  seguirão  aqui  os  mesmos  Mi- 
nistros de  Erança?  bravissimamente  mas  hé  verdade  que  estas  promeças  se  vão 
retardando  todos  os  dias.  E  parece-me  que  se  deve  desejar  aquele  deposito  das 
sciencias  donde  se  consei"ve  ao  menos  o  que  se  sabe,  pois   segundo    a  ordem  dos 


RKVISTA.    MICHAELENSE  403 

tempos  paçados  vamos  paçando  os  limites  do  verdadeiro  saber;  e  esta  época  não 
se  pode  nem  se  deve  desprezar. 

Aqui  tenlio  já  hum  numero  suficiente  dos  livros. 

perto  o  tratado  do  Beaii,  que  V.  Mce.  tem  metido  entre  os  que  me 

remeteo;  e  o  Dictionaire  de  Dispilly  des  Gaulês  onde  o  extracto  o  fas  sumamente 
estimável :  Daquele  género  hé  o  meliior  Diccionario  que  tem  sabido  á  lus,  e  quero 
saber  o  seu  preço  que  sendo  moderado  lhe  peço  me  mande  porque  hé  livro  de 
ter,  e  folhear  peia  sua  vastidão,  c  utilidade.  Nas  gazetas  tenho  visto  outro  de  Filo- 
sofia, e  outros  que  vem  queimados  pela  mão  do  Carrasco,  e  igualmente  em  Hol- 
landes;  destes  não  fica  sendo  equivoco  o  seu  merecimento.  Suponho  que  são  mais 
inliecentes  do  que  temerários,  ou  hua  cousa  e  outra;  a  ambição  de  ganhar  alguns 
vinténs  era  o  que  produzio  esses  horrores,  porque  os  homens  sábios  não  hé  aque- 
le o  modo  com  que  querem  instruir  os  seus  semelhantes. 

Expedições— O  Chicolate  estará  prompto  com  brevidade  se  poder  ser  hirá 
nestes  navios  que  estão  promptos  a  partir,  o  que  não  duvido  segundo  o  sistema 
que  tem  tomado  o  Inverno.  Dos  doentes  dos  Cancros  não  sei  ha  dias,  tão  b^m 
por  conta  de  chuvas,  e  névoas  que  não  deixão  sahir  fora.  De  tudo  darei  conta  a 
V.  Mce.,  o  que  peço  logo  é  com  a  sciencia  dos  tempos  que  me  falta,  e  prevenir-se 
com"elles  sempre  antecipadamente.  Perdoe  tanto  enfado  e  dê-mc  sempre  o  gosto 
de  obedecer-lhe. 

Deos  goarde  a  V.  Mce.,  muitos  anos.  Lisboa,  15  de  Setembro  de  17Õ4. 
-  La  Canne  a  siége  percée  ne  L'oubliéz  pas. 

Amigo  obrigado  Venerador 

Gonçalo  Xavier  de  Alcáçova, 


Saúde— Wítn  Amigo  e  Snr.  Dr.  António  Ribeiro  Sanches,  o  correio  paçado 
recebi  huma  carta  sua  depois  de  ter  feito  a  minha  sendo-me  preciso  anticipala;  e 
agora  respondo  a  ella  entre  os  rochedos  desta  serra;  não  com  o  socego  costuma- 
do, porque  o  outono,  a  tem  povoado  demasiadamente  e  isto  sempre  hé  á  custa  de 
tranquilidade  pedindo  a  civilidade  e  a  occasião  que  agente  não  parece  sátiro;  mas 
sempre  furto  este  bocado  de  tempo,  para  segurar  &  V.  Mce.,  me  aflige  o  princi- 
pio da  sua  carta,  e  tanto  mais  que  hé  o  pouco  que  V.  Mce.,  se  explica,  ao  mes- 
mo tempo  que  mostra  a  opreção  do  seu  animo.  A  amizade  que  protesto  a  V.  Mce. 
não  pode  ser  nunca  indiferente,  e  quando  se  assusta,  sempre  hé  imaginando  mais 
do  que  na  realidade  pode  ser.  Se  posso  servir  a  V.  Mce.  de  algua  couza,  farme- 
ia  mayor  injuria  de  poupar-me;  mas  se  lhe  sou  inútil,  e  não  posso  remedia-lo,  hé 
atenção,  hé  favor  ocultar-me  o  que  o  mortefica. 

f:stimarei  que  na  sua  saúde  não  experimente  nenhuma  novidade  e  que  ella 
possa  resistir  ao  que  experimenta  o  espirito.  A  minlia  nesta  vida  muito  agitada  se 
conserva  sem  novo  incidente  que  me  assuste;  e  assim  vou  enchendo  o  termo  pres- 
cripto,  innutil  para  mim  e  para  todos.  Mas  o  teatro  em  que  reprezento,  não  me 
permittio  fazer  outro  papel. 

Livros— No  que  respeita  aos  livros  de  De  Real  parece-me  que  V.  Mce.,  deve 
esperar  se  conclua  toda  a  obra,  e  mandar-me  o  que  falta  para  completar  o  que 
tenho  cedido,  e  hum  exemplar  completo,  e  que  venha  encadernado,  e  que  quero 
que  esta  seja  a  juro,  do  tempo  que  me  tem  privado  de  a  ler.  Os  mais  livros  virão 
10  n:;  o  tempo,  que  sendo  poucos  hé  crueldade  gastar  tempo,  e  deligencias  na 
sua  remeça.  Tão  bem  Ihs"  quero  aqui  rogar  que  não  lhe  dando  discomodo  queira 
informar-se  de  algum  amigo  intelligente,  se  huas  canas  a  siege  pour  la  Campa- 
íT/ie  et  les  spetacles,  que  fáz  Mer  Reynard  au  louvre,  são  cómodas;  e  de  bom  ser- 
viço e  não  sendo  de  muito  preço,  athé  duas  moedas,  60,  80  livres,  lhe  peço  me 
mande  ima,  que  quem  anda  tanto  tempo  no  campo,  achando  hua  invenção  có- 
moda deve  aproveitar-se  delia:  e  se  o  dito  mechanicisni,  as  costuma  fazer  servindo 


404  REVISTA    MTCHAELENSE 

tão  bem  para  outra  comodidade  ás  vezes  mais  precisa  e  essencial,  e  sendo  cómo- 
da e  de  bom  uso,  esta  seria  mais  essencial  e  a  peço  com  mais  efficacia  :  e  ainda 
que  V.  Mce.,  a  pague  por  mais  alguma  cousa  não  importa,  com  tanto  que  elle  se 
encarregue  de  a  fazer  mais  forte,  e  mais  segura  do  que  costumão  ser  tidas  as  obras 
de  Menuiserie  de  France,  que  não  tem  nenhua  duração.  Peço-lhe  isto  com  algum 
apetite,  porque  acontece  muitas  vezes  ter  grande  discomodo  falta  d'este  socorro, 
principalmente  a  dos  outros  de  sav.de  delicada. 

Terra  de  Mafra — Muito  admirado  me  deicha  o  que  V.  Mce.  me  diz  a  respeito 
da  descoberta  da  terra  para  a  cura  dos  cancros.  Deos  queira  permittir  que  o  fim 
da  experiência  corresponda  a  tão  admiráveis  aparências;  e  que  o  Ceo  tivesse  re- 
servado a  hum  homem  ocioso,  a  descoberta  de  hum  tão  grande  beneficio  para  a 
humanidade.  Eu  lhe  mandei  pedir  huma  pouca  da  tal  terra,  e  elle  me  prometteu, 
pedindo  tempo  para  a  sua  preparação  e  segurando-me  que  o  segredo  o  não  di- 
vulgaria por  algumas  rezoens,  que  eu  aprovo;  e  me  contento  que  elle  me  queira 
mandar  alguma  para  que  faça  em  meu  particular  alguma  experiência,  parecendo- 
me  que  todo  o  tempo  que  se  demora  o  seu  uzo  hé  hum  crime  cometido  contra  a 
humanidade.  Queira  V.  Mce.,  mandar-me  dizer  o  methodo  que  uza  na  sua  aplica- 
ção, que  me  quero  governar  por  elle,  e  fazer  este  bem  aos  homens,  jã  que  a  for- 
tuna me  não  permitio  de  lhe  poder  fazer  outro. 

Livros  e  consideraçorns  pliilosophicas — Não  falo  a  V.  Mce.,  em  livros  porque 
agora  não  vejo  couza  que  mereça  reflexão : — somente  o  Espirito  dos  Monarcas 
Filósofos  gostei,  porque  hé  escrito  por  homem  de  juizo,  ainda  que  em  estilo  ca- 
dençado.  Sempre  gosto  de  ver  o  que  pençarão  alguns  Reys  que  forão  filósofos, 
ainda  que  muitas  vezes  facão  como  os  pregadores,  que  fxlão  bem,  e  obrão  o  con- 
trario do  que  dizem.  As  máximas  da  huminiJade  de  verdadeira  gloria,  e  de  vir- 
tude que  elles  publicão,  se  todos  as  praticassem;  não  seria  o  mundo  hum  Thea- 
tro  de  misérias.  Eu  não  sei  se  pode  dizer  que  os  mãos  Reys  são  o  motivo  dos  cri- 
mes dos  vasalos.  O  exemplo  dos  bons,  a  recompença  e  o  merecimento  e  a  virtude 
e  castigo  dos  máos,  e  a  conservação  de  todos,  salvando-os  da  indigência,  seria  o 
mayor  e  mais  próprio  para  a  felicidade  e  salvação  dos  povos.  Mas  não  hé  para  a 
humanidade  esta  bem  aventurança.  O  seu  destino  é  sofrer,  e  as  recompensas  são 
para  depois. 

Amanham  saberei  se  tenho  ou  não  carta  de  V.  Mce.,  sempre  a  espero  com  o 
mayor  gosto,  e  agora  não  sem  cuidado  pelo  que  esta  me  tem  posto.  Deos  permita 
que  V.  Mce.,  me  possa  segurar  fica  em  mais  socego.  Dé-me  o  gosto  de  servi-lo 
que  nisto  tenho  a  mayor  satisfação.  Deos  goarde  a  V.  Mce.,  muitos  anos.  Colares 
em  17  de  Setembro  de  1764. 

Amigo  e  Obrigado  Venerador 

Gonçalo  Xavier  de  Alcáçova 


Saúde — Meu  Amigo  e  Sr.  Dor.  António  dos  Sanches  Ribeiro,  não  tive  carta  de 
V.  Mce.,  ha  dous  correios  e  nestes  ainda  não  o  sei,  porque  principio  esta  antes  de 
ter  esse  dezengano.  O  Principal  soldado  me  dis  que  V.  Mce.,  não  passa  bem,  e 
esta  noticia  me  hé  summamente  desagradável  pelo  interece  que  tenho  na  sua 
saúde,  e  na  sua  conservação.  Estimarei  que  V.  Mce.,  me  possa  segurar  paca  com 
algum  alivio,  e  que  a  entrada  do  outono,  íhe  não  seja  tão  nociva.  Eu  no  meu  re- 
tiro me  tenho  conservado  sem  repetição  de  moléstias,  e  me  sinto  muito  mais  for- 
te e  robusto,  soffrendo  a  fadiga  e  o  trabalho  sem  grande  incomodo,  e  athé  os 
mesmos  flatos,  sem  tanta  actividade.  Aquela  vida  hé  muito  própria  para  procurar 
estes  benefícios  e  não  posso  nem  devo  larga-la.  De  mais  o  socego  do  espirito,  e 
a  menidade  daquela  serra,  são  circunstancias  muito  essenciaes  para  que  o  cor- 
po se  conserve  livre  de  queichas.  Com  esta  supozição,  torno  para  lá  quinta-fei- 
ra  e  emquánto  não  enchatarem  por  lá  me  demorarei.  Os  ministros  estrangeiros, 
e  hoje  muitas  peçoas  nacionaes,  já  ali  vão  buscar  hum   socorro  contra  os   gran- 


REVISTA    MICHAELENSE  .  405 

des  calores;  e  hoje  já  hé  como  moda,  o  hir  a  Cintra;  de  sorte  que  neste  mes,  e  no 
paçado,  tem  sido  infinita  a  companiiia  e  fazem  sua  sociedade  o  que  fáz  muito 
mais  agradável  o  sitio. 

Ali  me  deviíto  com  os  meus  livros  com  a  agricultura  e  com  a  factura  de  hu- 
ma  pequena  cazinha,  mas  cómoda,  donde  espero  paçar  muita  parte  desses  dias 
que  terei  de  vida  com  o  animo  socegado,  moralisando  sem  paichão  e  conhecendo 
verdadeiramente  as  loucuras  dos  homens,  para  não  invejar  nem  o  que  eiles  cha- 
mão  fortuna,  nem  querer  nenhuma  ao  preço  que  elles  a  provem. 

Terra  de  Aía/z-a—Aqui  chegou  agora  o  Dr.  Tamagnini,  e  me  contou  o  que  ti- 
nha paçado  com  o  rapas  de  Mafra  a  respeito  da  terra  para  os  cancros,  e  achou 
demasiado  mistério  em  huma  cousa  que  a  não  merecia,  antes  publicada  para  be- 
neficio da  humanidade.  Porque  a  comunicação  delle,  não  obriga  a  dizer  o  Segre- 
do, mas  sim  hé  a  favor  do  seu  Autor,  repetirem-se  experiências  que  lhe  sejão  fa- 
voráveis. Elle  lhe  prometeu  que  eu  iiavia  de  ser  o  primeiro  e  que  servisse,  hé  cer- 
to que  o  meu  empenho  tão  bem  era  a  favor  delle  mesmo  querendo  examinar  as 
virtudes  daquela  terra,  para  com  o  bom  sucesso  delia,  dar-Ihe  o  seu  devido  va- 
lor. Se  eu  chegar  a  Mafra,  hei  de  falar-liie  e  ouvir  delle  (no  caso  que  se  queira 
dizer)  que  circunstancias  que  misteriosamente  ocultou  a  Tamagnini.  A  favor  das 
suas  meditaçoens  pelo  que  respeita  ao  abrigo  da  longitude,  tão  bem  quizera  saber 
por  donde  caminhou,  e  que  methodo  tem  seguido.  Mas  segundo  o  que  ouço  do 
seu  modo  de  pençar,  não  espero  tirar  delle  couza  que  me  satisfaça  por  conta  des- 
tas descobertas.  Tão  bem  não  mostrou  os  mármores  de  que  sei  tem  feito  aquisi- 
ção, não  merecendo  este  ponto  nenhua  reserva.  Emfim  elle  tem  o  seu  methodo 
de  pensar,  e  nesta  matéria  cada  qual  tem  a  liberdade  de  seguir  o  que  pedir  o  génio. 

Sei  que  tenlio  carta  no  Norte  no  correio  mas  o  moço  por  hum  descuido,  me 
não  trouxe,  e  já  agora  a  não  poderei  conseguir  se  não  a  oras  de  a  não  poder  a- 
cuzar  nesta  carta,  para  o  correio  que  vem  a  farei  com  mais  socego  nas  alturas  da- 
qnela  serra,  e  me  alegro  antecipadamente  porque  espero  achar  nas  suas  noticias 
a  certeza  de  que  paca  com  mais  alivio,  porque  V.  Mce.,  assim  o  diz  a  Tamagnini 
na  carta  que  agora  me  acaba  de  ler. 

Z-íVros— Livros  não  aparecem  que  sejão  dignos  de  que  se  perca  o  tempo  na 
sua  leitura.  A  Encyclopedia,  não  acaba  de  sahir  á  lus;  nem  as  esperanças,  de  que 
apareça,  e  consolando-nos  com  os  amigos  velhos  muito  capazes  de  se  empregarem 
as  horas  e  dias  na  sua  meditação.  E  na  verdade  que  as  vezes  me  vem  ao  pença- 
mento  certas  reflexões;  que  ainda  com  ellas  descubra  a  mayor  parte  nem  por  isso 
as  creyo  destituídas  de  fundamento  e  vem  a  ser  que  os  limites  da  sabedoria  hu- 
mana são  muito  apertados.  Chega-se  hum  certo  ponto,  pois  lá  tudo  hé  confusão, 
ou  paradoxos.  E  insensivelmente  se  achão  os  homens  no  tão  prezumidos,  que  se 
perdem  em  ideias  sufisticas,  ou  outra  vez  reduzidos  a  primeira  ignorância.  Enten- 
do que  hoje  pedia  a  prudência  que  se  contentassem  os  homens  com  o  que  sabem 
sem  pretender  descobrir  novos  inventos.  E  só  a  arte  d  í  serem  melhores,  hé  que 
devião  praticar  e  persuadir.  Ser  sábios,  e  serem  máo:,  h  ?  a  mayor  injuria  para  a 
verdadeira  sciencia. 

Curiosidades— fiz  a  V.  Mce.,  hua  comição  ha  dous  correios  de  hua  in- 
venção de  cadeira  de  comodidade  em  hum  bordão,  que  i)ublicou  hum  celebre  ma- 
quinista de  El-Rey  ao  Louvre,  espero  que  me  procure,  e  me  remeta  na  primeira 
ocasião,  porque  tenho  idea  de  que  poderá  ser  muito  cómoda,  e  pode  ser  que  com 
ella  se  acrescente  o  invento  couza  melhor  pela  quela  razão  de  que  facilis  est  ine- 
centi  &. 

Se  V.  Mce.,  quer  algua  cousa  em  que  o  sirva  não  poupe  a  minha  vontade 
que  bem  sabe  com  quanto  gosto  desejo  testemunhár-lhe  a  minha  sincera  e  fiel 
amizade.  Deos  goarde  a  V.  Mce.,  muitos  annos.  Lisboa,  Santo  Amaro,  9  de  Outu- 
bro de  1764. 

Amigo  e  Obrigado  Venerador 
Gonçalo  Xavier  de  Alcáçova 


406  .  REVISTA     MiCriAELÉNSÉ 

Saúde— M&u  Amigo  e  Snr.  Dr.  António  Ribeiro  Sanches,  recebi  o  correio 
paçado  duas  cartas  suas,  hua  retardada,  e  outra  correspondente  a  eile,  em  que 
vinha  a  induza  que  V.  Mce.  teve  a  bondade  de  me  remeter,  e  tão  bem  as  noti- 
cias que  intereçavão  a  minha  curiosidade  e  de  algum  modo  o  meu  credito.  De 
tudo  lhe  dou  a  V.  Mce.,  sinceros  agradecimentos  protestando-lhe  que  a  minha  a- 
misade  lhe  merece  todos  estes  esforços;  e  que  nella  faz  grande  impreção  a  certe- 
za de  que  paca  menos  oprimido  das  suas  moléstias,  o  que  me  deve  o  mayor  cui- 
dado e  interece. 

Ainda  que  em  Cintra  este  correio  me  vejo  tão  embaraçado,  e  distrahido,  que 
lhe  não  posso  escrever  como  pede  a  minha  vontade  mas  para  a  semana  que  es- 
pero ficar  só,  e  não  terei  embaraço  que  me  prive  deste  gosto.  Hum  outono  deli- 
cioso, huma  vida  activa,  e  agitada  me  conservão  com  grande  alivio,  e  aproveitan- 
do-me  deste  beneticio  da  Providencia,  logrando-me  quanto  posso  da  vida.  Isto  hé 
livre  de  paixoens,  d'embaraços,  de  intereces,  e  aliando  o  melhor  que  me  hé  po- 
civel,  o  rústico  do  campo,  com  as  boas  máximas  da  filosofia;  para  o  que  o  bom 
velho  Horácio  não  concorre  mediocremente.  Tão  bem  tenho  aplicado  a  leitura 
dos  Corpos  Políticos,  que  V.  Mce.  me  remeteu  do  que  vou  fazendo  bom  concei- 
to:  Ainda  que  aquilo  seja  governar  o  mundo  em  seco;  sempre  fáz  honra  a  huma- 
nidade as  máximas  que  ali  se  ensinão,  e  que  não  deicha  de  ser  utii  a  historia  poli- 
tica do  Mundo,  donde  os  mesmos  abusos,  desimulados  com  esta  ou  com  aquela 
aparência,  forão  sempre  os  árbitros  dos  Impérios  e  da  pobre  humanidade. 

Informações — Peço  a  Mce.,  me  queira  remeter  a  inclusa  asie  adresse,  e  sem- 
pre que  souber  algua  cousa  a  respeito  desta  pessoa,  não  se  descuidar  de  partici- 
par-me. 

O  que  me  pede  a  favor  das  Leis  do  Brazil  pelo  que  respeita  a  liberdade  ou 
captiveiro  dos  Índios,  bem  o  poderei  satisfazer  se  acaso  não  fizerem  deficuldade. 
Comunicar  o  que  há  a  esse  respeito  se  não  for  em  detail  ao  menos  em  groso  lhe 
direi  o  que  ha  na  matéria. 

As  encomendas  que  lhe  tenho  íeito  não  èsqueção,  e  noticias  literárias  as 
que  houver?  A  terra  de  Mafra  estimarei  produza  o  effeito  que  se  deseja. 

Aqui  não  se  divulga,  não  sei  a  razão. 

Fico  para  servir  a  V.  Mce.,  como  devo  a  quem  Deos  goarde  muitos  annos. 
Cintra  em  15  de  Outubro  de  17Ô4. 

Amigo  e  obrigado  Venerador 

Gonçalo  Xavier  de  Alcáçova 


Saúde— Mtu  Amigo  e  Snr.  Dr.  António  Ribeiro  Sanches,  o  correio  paçado 
escrevi  a  V.  Mce.,  destas  serras  com  bastante  preça,  porque  a  companhia  que  ha- 
via nestes  visinhanças,  me,  fazião  perder  toda  a  tranquilidade  e  athé  quasi  toda  a 
minha  filosofia,  de  que  tiro  tão  contínuos,  e  repetidcs  socorros;  mas  ás  vezes  não 
são  menos  úteis  para  o  corpo,  e  para  o  espirito,  aquelas  desipaçoens,  em  que  só  se 
intereça  a  pobre  humanidade.  E  como  a  saúde  por  ora  se  conserva  sem  acciden- 
te  de  cuidado  não  deichava  de  intereçar-me  aquele  viver  como  o  comum  das  gen- 
tes, sem  dár  grande  ocupação  ao  meu  descurço.  Mas  agora  que  já  fiquei  só,  ain- 
da que  por  poucos  dias,  porque  domingo  me  retiro  de  todo  para  a  Cidade  quero 
empregar  algum  tempo  no  gostoso  exercício  desta  correspondência,  segurando 
com  ella  a  grande  estimação  que  faço  do  seu  favor,  e  o  desejo  que  tenho  de  lhe 
dár  todas  as  provas  mais  evidentes  de  que  o  sei  merecer.  A  sua  saúde  hé  conce- 
quencia  desta  confição,  me  ser  do  mayor  interece,  e  que  o  Inverno  lhe  conserva 
sem  nenhum  accidente  de  cuidado.  A  minha  não  há  duvida  está  muito  mais  forti- 
ficada com  a  vida  activa  que  tenho  feito  estes  últimos  seis  mezes;  mas  sempre  a 
Primavera  me  deve  algum  susto,  porque  em  duas    sucessivas   tenho    experimenta- 


REVISTA^   MICHAELENSE  407 

do  aqueles  difliixos  de  tão  má  qualidade  e  que  aniea^avão  funestas  concequencias 
Mas  armado  de  conformidade  espero  os  decretos  da  Providencia. 

Na  minha  ultima  carta  remeti  a  V.  Mce.,  a  resposta  da  que,  por  sua  via  me 
tinhão  encaniinhado,  e  nella  pedia  hua  aJresse,  para  lhe  não  dár  o  incomodo 
onerozo  de  se  encarregar  das  que  me  forem  precisas  eà.-rever  a  mesma  peçoa; 
mas  para  enviar-mas  as  que  mandarem  de  lá,  nisto  não  tenho  escrúpulo,  que  se 
sirvão  do  seu  sobrescrito,  para  virem  mais  seguras. 

Na  sua  carta  de  10  de  Setembro  me  fala  V.  Mce.,  sobre  as  quarentenas  no 
tempo  da  pe?te,  repugnando  a  esta  cautella  que  todas  as  Naçoens  abraçarão  para 
evitar  os  males  contagiosos.  Pcço-llie  me  declare  melhor  o  seu  pensamento  e  se 
se  persuade  ser  innuti!  esta  precaução.  O  que  parece  contra  toda  a  experiência, 
pois  se  tem  observado  que  basta  huma  só  peçoa  infectada  daquele  veneno,  para 
devastar  huma  Cidade  e  que  tudrs  os  gevem  infectados  do  mesmo  mal.  Sobre  es- 
ta matéria  nunca  li  nada  em  correio,  e  tudo  a  favor  das  precauções  que  hoie  se 
tomão  a  este  respeito  atribuindo-S':-lhe,  o  ter-se  livrado  a  mayor  parte  da  Europa 
deste  mál  huns  poucos  de  annos.  Emfim  quero  ouvir  as  suas  rezoens  a  este  respei- 
to e  saber  quaes  são  os  Auctores  Inglezes  que  criticão  este  costume  de  todas  as 
Nações.    • 

Livfos  e  curiosidades— ]{{  avizei  a  V.  Alce.,  que  espenva  pel  i  obra  inteira  de 
Lã  Real,  para  que  então  me  remetesse  os  livros  que  me  t.-  n  destinado.  Mas  não 
esqueça  o  Espirito  das  Leis  da  Edição  eiii  quarto  com  todas  as  obras  do  seu  Au- 
tor. As  de  Voltaire  edição  de  Genebra,  tenho,  menos  alguns  dos  últimos  volumes 
que  me  faitão,  e  procurarei  ver  se  acho  aqui;  a  sua  edição  de  Corneille,  quero,  e 
encadernada;  e  deste  modo  tod'-'s  os  que  poderem  vir,  porque  aqui  sei  ha  sufici- 
entes reliadores,  mas  não  tem  carneiros  capazes  e  são  prohibidas  as  suas  introdu- 
çoens.  As  memorias  sobre  a  educação  publica  por  Quyton,  parece-me  será  bom 
mas  remeta,  e  tudo  mais  que  lhe  tenho  recomendado  e  n  que  entrão  aquelas  ulti- 
mas Tragedias  avulsas  de  Voltaire  e  papeis  curiosos  em  q  ie  tem  enreque  -ido  a 
republica  dos  homens  de  juizo,  e  de  bom  gosto,  mas  não  dos  verdadeiros  sábios. 
A  cadeira  em  bordão,  não  esqueça  tão  bem  e  hua  resma  daquele  papel  muito 
fino,  que  hé  quasi  transparente,  e  serve  para  meter  entre  os  estofos  e  embalagens 
conforme  outra  semelhant-e  que  V.  Mce.,  me  mandou  há  tempos. 

A  Porçolana  da  descoberta  de  .Mer  de  Lavraguain  que  conheci  muito  bein 
e  não  mostrava  naquele  tempo  seria  homem  de  aplicação  já  vi  anunciada  nas 
gazetas,  e  no  caso  que  se  venda  particularmente  e  o  seu  custo  não  seja  exorbi- 
tante, quer  ver  hua  amostra  delia  como  hua  figela  com  sua  tampa  e  prato;  ou 
huma  escrivaninha  para  senhor  ou  qualquer  outra  bagatella  semelhante  sendo 
posivel. 

Tenho  li  lo  com  gosto  a  obra  do3  Corpos  Políticos  achando  nela  hum  homem 
sensé,  que  decorre  excelentemente  e  coherente.  Critica  de  quando  em  quando  o 
espirito  das  leis  mas  não  hé  homem  de  Génie  nem  tem  o  talento  de  seu  autor.  He 
livro  de  ter,  e  meditar,  e  que  fáz  honra  ao  século,  espero  que  o  2."  volume  me 
confirme  no  mesmo  pensamento. 

Sinto  o  que  lhe  ouço  a  favor  da  EncyclopeJia,  quando  esper.iva  em  os  correios 
a  noticia  da  sua  publicação. Desejo  que  Diderot  se  restitua  da  sua  moléstia,  e  que  te- 
nhamos o  gosto  de  ver  completa  hua  obra,  que  sem  embargo  de  muitos  deifeitos 
héde  tão  grande  utilidade.  Não  se  esqueça  V.  Mce.,  nunca  de  me  avizar  tudo  o 
que  souber  de  novo  a  este  respeito. 

As  obras  de  La  Eontaine  da  bella  edição  não  era  para  pedir  que  is  compras- 
se, que  avriguava  o  seu  preço;  mas  sim,  porque  a  peçoa  que  aqui  as  tinha;  pode- 
ria haver  ocasião  em  que  as  largasse  por  preço  m.ds  acomodado.  O  Arcebispo  de 
Évora,  Regedor  das  Justiças,  aqui  as  comprou  a  hum  livreiro  por  600  reis  veja  V. 
Mce.,  que  ganho.  . 

Não  acrescento  mais  esta  carti  para  a  nao  fazer  mais  volumo?a;  acabo-a    se- 


408  REVISTA     MICHAELENSE 

gurando  a  V.  Mce.,  a  miiilia  fiel  amizade  e  o  gosto  que  tenho  de  seivi-lo  e  dar-lhe 
gosto.  Dcps  goarde  a  V.  Mce.,  muitos  annos.  Colares  22  de  8bro  de  1764. 

Amigo  e  Obrigado  Venerador 

Gonçalo  Xavier  de  Alcáçova 

P.  S.  Já  tenho  a  terra  de  Mafra.  Deos  permita  que  se  confirmam  as  suas  es- 
peranças. XAVIER. 

Com  a  obra  inteira  da  livraria  Real  não  esqueção  os  volumes  que  faltão  para 
completar  a  que  aqui  me  mandou,  que  são  quatro  volumes,  segundo  a  minha  me- 
moria. XAVIER. 


Saude—N^tu  Amigo  e  Snr.  Dr.  António  Ribeiro  Sanches,  há  deus  correios  que 
não  tenho  o  gosto  de  segurar  a  V.  Mce.,  o  grande  interece.'  que  me  devem  as  suas 
noticias  mas  não  se  parsuada  ser  effeito  de  algum  esquecimento  mas  sim  falta  de 
tempo,  e  liberdade  estando  no  Campo  com  o  Cardeal  Patriarcha  e  donde  os  mui- 
tos prezentes,  que  ordinariamente  não  estimão  se  não  empreg.-rr  o  tempo  na  mais 
innutil  ociosidade  não  permitem  a  ninguém,  outra  liberdade:  Mas  hoje  pela  ma- 
nham  em  que  o  muito  frio  os  prende  preguiçosos  na  cama,  me  aproveito  de  al- 
guns instantes,  para  lhe  testemunhar  a  minha  fiel  memoria,  e  o  desejo  que  tenho 
da  certeza  de  que  paca  livre  de  moléstia,  e  sem  t\nto  trabalho  como  me  repre- 
sentava na  sua  ultima  carta.  O  meu  cuidado  se  augmenta  em  hua  sezão  para  V. 
Mce.,  pouco  favorável;  e  ie  tiver  sido  como  por  cá  precedida  de  hua  teirivel  se- 
ca, e  agora  do  mais  intenso  frio,  ainda  mais  devo  inquietar-me.  Eu  tenho  paça- 
do  sem  acidente  de  concequencia,  sempre  me  lembrão  os  dois  grandes  difluxos, 
que  nas  passadas  duas  sucessivas  Primaveras  me  tem  acometido  o  peito,  e  que  em 
idade  já  crescida,  não  é  bem  de  recear:  mas  como  o  verão,  e  o  outono  me  não 
tem  sido  contrários,  vou  vivendo,  e  não  me  inquietando  com  ideas  tristes,  e  fu- 
nestas, que  não  servem  de  alivio  para  os  males  futuros  nem  os  remedeão. 

Terra  de  Mafra — Estimo  muito  que  a  terra  de  Mafra  vá  produzindo  aquele 
effeito  que  prometia,  e  se  o  seu  inteiro  complemento  for  como  se  supõem,  he 
grande  beneficio  para  a  pobre  humanidade.  Eu  a  t.-nho  tão  bem  aplicado  a  huma 
mulher  que  houve  já  dia  em  que  a  derão  por  morta,  e  o  cirurgião  que  a  trata,  me 
aviza  vay  com  grande  alivio.  Como  asiste  em  Cintra  não  tenho  podido  examinar 
os  prog.essos  da  cura,  mas  na  semana  que  vem  heide  lá  chegar,  para  por  mim 
mesmo  julgar  da  efficacia  do  remédio.  Achou-se-lhe  carne  esponjoza  e  me  man- 
darão perguntar  se  lhe  porião  alguma  pedra  infernal  segurando  ao  mesmo  tempo 
que  a  chaga  estava  diminuta,  e  bem  asombrada.  Ella  he  em  hum  peito.  Tama- 
gnini  tão  bem  a  está  aplicando  a  huma  chaga  interna  no  útero,  e  tão  bem  acha 
novidade  na  queicha,  e  observa  que  tãobem  produz  o  effeito  do  laudano,  provo- 
cando o  sono,  dormindo  com"  este  remédio  a  doente  o  que  não  conseguia  sem  a- 
quele  socorro.  Alas  o  que  hé  mais  para  admirar,  hé  na  ordem  da  Providencia  o 
que  são  as  cousas  do  mundo.  Ouço  que  José  Joaquim  de  Barros  poderá  sahir  da 
triste  esphera  a  que  se  acha  reduzido  por  esta  descoberta;  quando  toda  a  sua  ins- 
trucção  e  merecimciito  o  fazião  esquecido.  Queira  Deos  que  esta  vóz  se  verifique, 
porque  me  deu  grande  lastima  ver  perdido  hum  homem  que  pode  ser  tão  útil  a 
sua  Pátria,  e  donde  são  tão  raros  os  que  tem  as  suas  circunstancias.  Tamagnini 
lhe  escreveo  que  o  Ministro  de  França  lhe  pedira  com  o  mayor  empenho  24  ar- 
rates  da  dita  terra,  e  os  queria  pagar  por  todo  o  preço.  Na  indigência  em  que  es- 
tá aquele  pobre  homem,  não  hé  pequeno  beneficio  este  presente  que-  o  Ceo  lhe 
descobrio. 

Curiosidades  e  /íVacs— Espero  as  suas  noticias  com  o  seu  parecer  a  respeito 
das  cadeiras  á  Canne,  e  que  daqui  por  diante  se  possão  embaccar  com  os  livros,  e 
o  mais  que  V.  Mce.,  me  tem  reservado.  Tão  bem  fico  dando  ordem  ao    Chicolate 


PEVISTA     MICHAELENSE  409 

para  que  em  havendo  ocasião  possa  reiíieter-se  :  e  crcyo  que  sendo  como  o  outro 
lié  o  que  basta. 

Vierão-me  de  Olanda  a  continuação  do  Jornal  Fncyclopédique,  e  aqui  são  os 
livros  que  se  podem  ver.  Sempre  me  parecem  bem,  e  como  a  miníia  paixão  por 
livros,  hé  quasi  «Maniograpliie»,  ainda  conhecendo  o  estado  das  letras  sempre 
acho  livros  que  me  agradão,  e  donde  sem  serem  originaes  tem  couzas  que  mere- 
cem conservar  se?  A  propósito  de  hum  que  achei,  ahi  impreco,  sobre  algumas 
obras  de  Plutarco  pelo  Abbé  Lamber,  lhe  peço;  e  tão  bem  se  apareccce  a  tradução 
inteira  de  Amiot,  e  não  fosse  muito  cara,  né  livro  de  ter,  e  donde  o  merecimento 
nunda  será  disputado.  Os  mais  que  me  parecem  bem,  farei  deligencia  por  estes  li- 
vreiros para  ver  se  os  encontro,  quando  não  recorrerei  a  V.  Mce.,  para  que  te- 
nha o  trabalho  de  remeter-mcs. 

Se  V.  Mce.,  sabe  alguma  couza  de  novo  a  respeito  da  Encyclopedia  queira  co- 
municar-mo,  e  tudo  o  mais  que  a  este  respeito  pode  intereçar-me.  As  letras  são 
todo  o  meu  gosto,  e  não  Iié  na  idea  de  ser  sábio,  conhecendo  quanto  este  titulo 
hé  dificil,  a  adquirir,  e  a  incerteza  que  tem  todos  os  conhecimentos  humanos: 
Mas  sim  porque  me  occupa  agradavelmente  ver  a  variedade  dos  juizos  dos  ho- 
mens, e  as  razoens  com  que  cada  hum  prova  ou  a  sua  paixão;  ou  a  sua  preocupa- 
ção. E  em  muito  me  agiadão  pensamentos  cheyos  de  luzes,  que  não  só  deleitão 
mas  instruem,  e  persuadem. 

Não  me  esqueço  da  recomendação  sobre  aqueles  pontos  a  respeito  da  nossa 
America.  Em  chegando  a  Lisboa  darei  tuda  a  satisfação  que  for  possível,  e  alem 
de  instruções  particulares  verei  se  tão  bem  posso  justifica-las  com  documentos  que 
sei  bem  donde  parão,  mas  não  sei  se  mos  confiarão.  A  deligencia  ha  de  ser  como 
de  quem  quer  servir. 

Peço  a  \'.  Mce.,  duas  caixinhas  de  agoa  de  mileia  e  se  os  carrr.os  já  não  são 
os  que  vendem,  seja  feita  pelo  Boticário  que  se  persuadir  hé  mais  capas  de  a  fa- 
zer com  perfeição. 

Não  posso  passar  daqiii  acabou-se  o  tempo  da  liberdade  mas  nunca  a  vonta- 
de de  lhe  testemunhar  a  minha  fiel  e  sincera  amisade  nem  o  desejo  que  tenho  de 
lhe  dar  gosto,  e  serviço.  Deos  goarde  a  V.  Mce.,  muitos  annos.  Tojal  em  12  de 
Qbro  de  1764. 

De  V.  Mce.,  Amigo  Obrigado  Venerador 

Gonçalo  Xavier  Alcáçova 

Do   12  &  18  Xbro   I7Ó4 

Saúde— h\tn  Amigo  e  Snr.  Dr.  António  Ribeiro  Sanches,  ainda  que  não  tives- 
se o  gosto  de  receber  neste  correio  o  favor  das  suas  letras,  que  tão  bem  me  tinha 
chegado  no  paçado,  sempre  fazia  tenção  de  me  entreter  algum  tempo  neste  gos- 
toso exercida,  em  que  tanto  se  interessa,  a  minha  sincera  amisade  mas  sinto  ver 
que  V.  Mce.,  paca  com  impreçoens  fortes  do  Inverno,  e  que  as  suas  fluxões  o  obri- 
gão  a  martirisar-se;  espero  que  com  isto  se  remede  e  todo  o  danno,  e  possa  atissar 
o  seu  fogo  sem  ao  menos  iores,  que  o  atormentem.  Eu  mais  repetição  tenho  tido 
de  algumas  palpitaçoens,  que  emquanto  me  não  afligem,  mas  como  pação,  e  não 
ficão  resquícios  que  pareçam  de  consequência,  não  faço  caso  delias,  e  vou  o  mes- 
mo train  ordinário  da  minha  vida,  fazendo  com  que  o  espirito  se  não  altere,  e  que 
as  paixcens  rão  n  e  dcminem.  Innulil  parn  mim,  innutil  para  os  outros  me  vejo. já 
engolfar  nesse  vasto  oceano  da  eternidade  esquecido,  e  ignorado,  como  esses  mi- 
Ihoens  dos  meus  semelhantes  que  me  tem  precedido.  Esta  idea  poderia  morteficar 
a  minha  vaidade  se  por  minha  culpa  deichasse  de  procurar-me  hum  nome,  mas  co- 
mo este  o  não  quereria  senão  como  bemfeitor  da  humanidade  este  como  não  pos- 
so merece- lo,  consolo-me  de  mç  ver  como  oá  mais  confundido  no  geral  esque- 
cimento. 


410  REVISTA     MICHAELENSF 

Terra  de  Mafra— O  primeiro  descobridor  d;i  terra  de  Mafra,  a  justo  titulo  se 
poderá  salvar  deste  comum  Naufrágio  :  algumas  experiências  vão  prometendo 
iium  admirável  sucesso  com  a  dit',  terra;  e  como  o  provimento  que  se  remeteo  a 
V.  Mce.,  já  terá  chegado,  com  elie  se  repetirfio,  e  se  poderá  fazer  mais  seguro  jui- 
zo  d.i  sua  virtude.  O  cancro  que  eu  estou  tratando,  isto  hé  remetendo  a  terra  para 
que  se  uze,  se  acha  diminuto  de  mais  de  dois  terços;  e  hum  tumor  que  a  tinha 
debaixo  do  braço  desfeito  m'.'tade;  mas  hum  caroso  muito  duro,  e^tá  mais  rebel- 
de; isto  hé  não  fazendo  uzo  do  remédio  se  não  exteriormente.  Agora  com  o  con- 
selho de  Tamagnini  vou  mandár-lhe  fazer  uzo  interior,  e  espero  que  este  caso  não 
seja  dos  que  deponha  menos  a  favor  do  dito  remédio.  O  mesmo  Tamagnini  me 
disse  tinha  escrito  a  \' .  ,\\ce.,  o  que  lhe  sucedia  com  hum  no  uterus,  que  elle  tra- 
tava, e  os  raros  effeitos  que  tinlia  produzido.  Agora  a  rogos  meos  deve  hir  ao 
Convento  da  R-za  fazer  experien-ia  em  hum  can  ;ro  horroroso  em  hum  peito,  em 
caso  deplorável,  donde  a  iiiort--  pare  -o  innivitavel  e  riroxima.  já  escrevi  a  V.  Mce., 
o  que  sabia  a  n-speito  do  descobridor  desta  terra,  e  que  me  persuadia  ipie  muda- 
ria de  semblante  a  sua  fortuna:  mas  depois  disso  não  o\\\\  falar  mais  nelle;  só  ^ei 
que  hontem  chegou  o  medico  que  f:l-Rey  tem  em  Mafra,  que  \L-m  tão  bem  fahir 
a  respeito  da  mesma  terra,  e  pedir  alguns  socorros  para  poder  ía/er  cxpciiencias 
em  forma  das  suas' virtudes,  o  que  não  hé  posivel  a  quem  não  l:n\  nieyos  para 
sustentar  pobres  com  aquele  cuidado  que  pede  semelhante  observ^ujão.  timfim  as 
aparência-,  e  próprios  progressos  desta  descoberta  parecem  de  suma  consequên- 
cia, mas  por  ora  não  basta  para  que  se  divulgue  como  infalível  a  sua  virtude.  Isto 
pede  tempo,  e  grande  numero  de  experiências  para  que  "c  pronuncie  sem  temor 
sobre  o  seu  merecimento.  r)eos  queira  que  a  casualidade  fizesse  estes  benefícios  á 
pobre  humanidade. 

f:,ivros  e  curiosidades— Espero  os  livros  e  encon;endas;  e  o  Chicolate  na  pri- 
meira embarcação  poder;í  partir;  Livros  os  que  t;nho  achado  no  jornal- Eincyclo- 
pédique,  alguns  tenho  aqui  descoberto,  outros  espero  fazer  deligencia  e  não  mes- 
tiíicase  sem  ter  todo  o  desengano.  A4as  o  que  llie  recomendo  hé  luia  amostra 
de  hum  novo  metal  que  imita  a  prata  com  aorovaçoens,  e  previlegio:;,  e  quero  hu- 
ma  escrivaninha  de  meza  e  dons  castisaes  que  me  parece  o  preço  não  escandali- 
sará,  porque  diz  será  12  reis  a  libra.  A  fabrica  hé,  Ches  Mr.  Ferand  me Notre  Da- 
nte de  Nazaretli  prés  de  L'hotél  de  Bouflcrs.  he  chegar  esta  carta  a  tempo  esti- 
marei que  esta  encomenda  possa  vir  com  as  dju  lis;  quando  não  será  na  primeira 
ocasião:  mas.  Lés  siege  a  Câtie,  espero  venhão  na  primeiía  reme;a. 

O  que  V.Mce.,  me  escreve  a  respeito  do  ne:M)c;;,  mais  serio,  louvo  o  seu  zelo, 
e  respeito  as  suas  máximas,  cheyas  la  luiinanid:idí  .;  d-  b  n  Religião,  mis  há  ou- 
tras consideraçoens  que  eu  porei  na  sua  pri.'ienç:i  no  primeiro  correio  f  nlo  duvide 
que  eu  sou  sensível;  e  o  meu  cor'jão  se  as;im  se  não  mostni  hé  p:'rq;ie  as  li/is 
do  .Vlundo  quanto  a  minha  liberdade  e  que  ter  hua  sertã  repre/entição,  iié  ser 
escravo  de  certos  co-t  nie^,  donde  se  não  podem  transgredir  os  limites,  sem  con- 
sequências trisfí^s.  Poinií:-:  irem.s  tudo  CoUi  socego  de  animo,  e  bem  inticionado, 
como  sempre  me  prezo  tie  obrar. 

Informações — A  vida  agitada,  uno  hé  corrente  com  o  génio,  que  pede  socego, 
e  prizão  a  casa,  mas  o  corpo  ne-essiti  daqueles  movimentos  que  não  tem  duvida 
me  tem  sido  de  grande  beneficio.  Por  este  motivo  não  tenho  respondido  a  V.Mce, 
coherentemente  sobre  as  perguntas  que  me  f.áz  a  respeito  dos  índios  da  America: 
Agora  espero  ter  algum  socego  mais  com  que  examine  o  histórico  a  respeito  do 
cativeiro  e  Liberdade,  e  tudo  lhe  mandarei  na  melhor  forma  posivel. 

Entretanto  lhe  protesto  a  fiel  amizade  coin  que  o  destingo,  e  a  boa  vontade 
com  que  quero  servilo,  e  dar-lhe  gosto  em  tudo.  f^eos  goarde  a  V.  Mce.,  muitos 
anos.  Caza  de  Santo  .\maro  12  de  Dezembro  de  1764. 

Amigo  e  Obrigado  Venerador 

[Continua)  Gonçalo  Xavier  de  Alcáçova 


R^ISTA     MICHAELENSE  411 

(O  CONDE  DO  BOTELHO 

3£^EZZ.     . 

No  extremo  oriental  de  Villa  Franca  do  Cnmpo  ergue-se  uma  casa  de  cons- 
triicção  relativamente  moderna,  mas  ostentnndo  na  sua  frontaria  um  brasão  d'ar- 
mas,  que  uni  cultor  de  heráldica  dirá  á  primeira  vista  pertencer  a  alguém  da  no- 
bre estirpe  dos  Botelhos. 

Quem,  no  dia  22  de  abril  de  1Q19,  passava  por  essa  casa,  não  podia  deixar  de 
notar  que  n'ella  se  dava  alguma  cousa  de  anormal;  e  se  entrasse,  sentina  o  espiri- 
to assaltado  por  tristes  cogitações. 

Pelo  átrio,  pela  escadaria,  pelos  corredores,  por  toda  a  parte,  reinava  o  silen- 
cio, um  silencio  morno  e  agourcnto,  que  confrangia  dolorosamente  o  coração.  E' 
que  em  um  quarto,  que  tinha  o  que  quer  que  era  da  austera  simplicidade  da  cella 
de  um  frade,  ..gonisava  um  homem,  que  sempre  desdenhara  as  pompas  vãs,  a  que 
lhe  davam  in  :untcstavel  dn'eito  a  sua  opulência  e  gerarchia,  e  que  sempre  vivera 
isolado  do  mundo,  mas  cercado  da  aureola  do  prestigio  '.ocial  e  por  isso  exercen- 
do grande  influencia  moral  na  terra,  que  fora  outr'ora  a  capital  da  Ilha  de  San 
Miguel,  a  residência  dos  antigos  donatários. 

O  moribundo  enfraquecia  visivelmente,  até  que  a  morte,  cortando-lhe  o  ulti- 
mo fio  da  vida,  o  reduziu  a  um  cadáver.  Deixando  o  invólucro  mortal,  a  alma  evo- 
lou-se  para  os  paramos  da  eternidade  e  mais  de  um  ascendente  illustre  veiu  alli  re- 
ceber, na  communlião  dos  espíritos,  este  seu  directo  representante. 

Quem  era  afinal  o  homem,  que  expirou  na  tarde  do  dia  22  de  abril  de  1919, 
na  casa  brasonada  do  extremo  oriental  de  Vijla  Franca  do  Campo? 

Estava-se  na  primeira  metade  do  século  XV,  o  século  dos  grandes  descobri- 
mentos e  das  grandes  explorações  marítimas.  O  ardor  da  fé  e  o  amor  da  gloria, 
ateados  pelo  mysterio  das  lendas  geographicas  e  pelo  pictoresco  das  narrativas 
imaginosas,  lançaram  os  portuguezes  numa  senda  de  aventuras,  de  que  resultou  a 
grandiosa  odyssêa  dos  tempos  modernos. 

O  Cabo  de  Sagres  tornara-se  o  centro  de  uma  actividade  febril.  Foi  na  sua 
penedia,  rociada  de  salsa  espuma,  que  o  Infante  D.  Henrique  fizera  o  seu  poiso  de 
águia  para  perscrutar  não  só  a  vastidão  movediça  do  Atlântico  mas  ainda  o  espa- 
ço tenebroso,  que  ficava  muitíssimo  além  dos  últimos  horizontes. 

Sahiam  as  caravelas  com  os  pannos  enfunados  pelo  vento  da  esperança.  Umas 
voltavam  a  trazer  alviçiras;  outras  ficavam  sepultadas  nas  profundezas  do  abysmo 
ou  desfeitas  contra  cachopos  traiçoeiros  ou  contra  os  alcantis  das  costas,  onde  ape- 
nas se  obrigavam  "aves  sanguinárias  á  espreita  de  cadáveres  boiando  á  tona  d'agua. 

Mas  o' filho  do  Mestre  de  Aviz  e  de  Philipa  de  Lencastre  nunca  desfallecia.  A 
valentia  do  seu  animo  era  como  a  da  sua  espada  temperada  nas  duras  refregas 
contra  os  mouros  na  tomada  de  Ceuta. 

Corriam  vagas  noticias  de  ilhas  espalhadas  pelo  Atlântico;  os  portulanos  de- 
senhavam-nas  com  nomes  mysteriosos  •  e  confusos.  Para  verificar  até  que  ponto 
eram  verdadeiros  ertes  rumores  era  necessário  que  as  naus  descobridoras  deixas- 
sem a  costa  africana,  caminho  até  então  seguido,  e  se  aventurassem  ao  mar  alto. 
O  Infante  confiou  esta  magna  empresa  a  Fr.  Gonçalo  Velho,  Commendador  de 
Almourol.  Acceitou  o  intrépido  navegador  tão  honrosa  quão  árdua  incumbência, 
singrou  para  o  occidente,  cruzou  os  mares  e,  certificando-se  da  existência  de  ilhas, 
voltou  á  pátria  a  dar  a  bôa  nova  ao  Infante,  que  lhe  premiou  os  serviços  com  as 
donatárias  de  Santa  Maria  e  de  San  Miguel. 


412 


REVISTA      MICHAELENSE 


Em  breve  appareceram  cartas  regias  concedendo  franquias  e  isenções  aos  que 
viessem  povoar  estes  rochedos  lavicos,  ora  osculados  ora  açoutados  pelas  vagas 
oceânicas. 

Povoada  a  Ilha  de  Santa  Maria,  impunha-se  a  colonização  de  San  Miguel,  que 
lhe  ficava  fronteira.  O  seu  tamanho,  o  fausto  e  vigor  do  seu  arvoredo,  a  amenida- 
de do  seu  clima,  a  fertilidade  do  seu  solo  deviam  influir  em  ânimos  irrequietos  e 
ávidos  de  aventuras.  Por  sua  parte  não  descurava  o  Infante  este  assumpto  e  tratou 
de  enviar  vários  fidalgos  de  sua  casa.  Entre  os  primeiros  enviados  veiu  Gonçalo  Vaz 
Botelho,  o  Grande,  filho  de  Pedro  Botelho,  commendador-mór  de  Christo. 

Diz  o  chronista  que  era  Gonçalo  Váz  "abalizado  fidalgo,  invicto,  favorecido 
entre  outros  fidalgos  na  casa  do  Infante  Dom  fienrique  (1)». 

Gonçalo  Vaz  Botelho  gosaVa  de  muita  auctoridade  entre  os  seus  compa- 
nheiros. 

Foi  cognominado  o  Grande,  não  só  pela  sua  avantajada  estatura  mas  também 
pela  sua  nobre  condição,  e  teve  cinco  filhos,  sendo  o  primeiro  Nuno  Gonçalves 
Botelho,  o  terceiro  Gonçalo  Vaz  Andrinlio,  o  Moço,  e  o  quarto  João  Gonçalves. 

Diz  o  Dr.  Gaspar  Fruciuoso  : — 'Nuno  Gonçalves,  primeiro  filho  de  Gonçalo 
Vaz,  o  Grande,  foi  o  primeiro  homem  que  nasceu  n'esta  ilha,  de  que  sua  mãe  vi- 
nha pejada:  — casou  com  Ca- 
tharina  Rodrigues,  nnilher 
1  obie  \iveu  no  prinrií^io  em 
^  ill  i  Fnn  a,  e  d;;pois  em 
Po'-!')  dt  Cão  por  t:y  alli  a 
ii  Ihoi  piitedesnafnzeiída: 
i  \L  de  sui  mulher  dois  fi 
(  tiLS  fiilns,  muito  hon- 
1  ^,  riLOs  graves  e  Kian- 
I  os  o  piimeiro,  joigc 
i\inies  Botelho,  foi  catado 
f^om  Maiganda  de  Travas- 
o^  filha  de  Gonçalo  \  e- 
Cabial,  da  qual  houve 
niimeiro  filho  Nuno 
'Hçalves  Botelho,  que  íoi 
de  Residuo  n'esta  iliia 
itos  annos,  e  casou  coui 
dispensa  com  Isabel  de  Ma- 
cedo, sua  prima  segunda.  .  . 
"Oterceiro  filho  de  Gon- 
çalo Vaz,  o  Grande,  chamado  Gonçalo  Vaz,  o  Moço,  e  também  Gonçalo  Vaz  An- 
drilho,  foi  casado  com  uma  filha  de  Pedro  Cordeiro,  tabellião  das  notas  de  Villa 
Franca,  e  de  toda  a  ilha,  um  dos  primeiros  homens  que  veiu  a  ella,  da  qual  hou- 
ve estes  filhos — D  primeiro  d'elles  cJiamou-se  Gaspar  Gonçalves,  ao  qual  matou 
um  touro,  sendo  solteiro. 

O  segundo,  André  Gonçalves  de  Sampaio,  o  mais  rico  homem  que  houve 
n'esta  terra  em  seu  tempo,  e  por  isso  lhe  chamavam  o  Congro,  que  dizem  ser  o 
maior  peixe  do  mar  dos  que  se  comem,  o  qual  casou  com  Guiomar  de  Tevês,  fi- 
lha de  João  de  Tevês,  almoxarife  d'esta  ilha-,  que  morava  em  Villa  Franca  (2).  .  .» 

João  Gonçalves,- quarto  filho  de  Gonçallo  Vaz  Botelho,  o  Grande,  teve,  entre 
outros  filhos,  João  d'Arruda  da  Costa,  «morador  em  Villa  Franca,  homem  muito 
principal  e  rico  n'esta  ilha  (3). .  .» 

Como  a  arvore  que,  transplantada  de  um  para  outro    paiz,  consegue    fixar  as 

(1)— Gaspar  Fnictuoso — Saudades  da  Terra,  Liv.  IV,  cap.  IV. 
(2)— Gaspav  Fruchwso— Saudades  da  Terra,  Liv.  IV,  cap.  IV. 
(3)-Idem,  Idem. 


Solar  do  Conde  do  Botelho 


REVISTA^MICHAELENSE  413 

raízes  no  novo  solo  e  rica  de  seiva  cresce  e  desenvolve-se,  os-  r-ndo  verdes  ra- 
madas e  cobrindo-se  de  fructos  opimos;  assim  Gonçalo  Vaz  ■  t'lho,  vindo  de 
Portugal  a  estabelecer-se  na  terra  virgem  de  San  Miguel,  rcspir"  .o  a  plenos  pul- 
mões em  uma  atmosphera  ricamente  oxygenada,  foi  o  trOncu  .  >  uma  progénie 
illustre,  que  perdura  ainda  hoje,  passados  quasi  cinco  séculos'  ^ 

A  epocha  era  então  de  profundos  sentimentos  religiosos.  As  fragrâncias  da 
crença  christã  saturavam  o  ambiente,  aromatizando  os  tampos  cavalheirosos  da 
conquista  e  da  colonização.  Or.  portuguezes,  que  vieram  povoar  a  Ilha  de  San  Mi- 
guel, seus  filhos  e  netos,  emquanto  arroteavam  este  rochedo  aspérrimo  coberto  de 
húmus  feracissimo,  cultivaram  também  no  terreno  generoso  de  seus  corações  as 
sublimes  virtudes  do  Christianismo. 

i\'ão  ha  nega-lo.  Os  portuguezes,  que  nos  primeiros  tempos  da  colonização 
vieram  cá  formosa  Ilha  de  San  Miguel,  não  só  a  arrotearam,  não  só  a  enxamearam 
de  povoações;  juntamente  com  a  semente,  que  dá  o  pão  compensador,  espalha- 
ram, a  mãos  largas,  pelo  solo  ainda  virgem,  a  fé  de  Christo,  a  palavra  do  Evan- 
gelho, que  é  a  semente   preciosa  de 

que  desabrocham  todas  as  virtudes.    ■  .    '    ' 

Formaram  por  isso  uma    população    ;  i 

forte  e  vigorosa,  enérgica  e  sadia,  a-    j' 

nimada  i""j1o    Ideal  puro   e    sagrado    j  j 

da  religião.  j  • 

Por  toda  a  parte  os  antigos  mi-    i  . 

chaeienses,  esses   avos    de   hnniada 

memoria,  deixaram  vestígios  da  sui  i 

fé,  monumentos  da  sua  piedade,  pi-    '  , 

drões  da  grandesa    e   gen^rosidad' 

do  seu  ar.imo  emprehcndedoí    '""on  —       * 

finados  n'uma   ilha    dea'i'iit> 
nhado,  eram    vastos   o^    'i  m/     i 
em  que  se  expandia   i   mp  i  i 
ção    illuminada    peio  sol    t.a     i^n^i 
catholica. 

Não  ha  recanto  da  Illn  qut  não 
fale  d'erses  valentes  cuja  \ida  de- 
correu serena  e  tranqiuliíi  cntie  a 
oração  e  o  trabalho,  ao  abiigo  de 
leis  justas  e  paternaes 

Levantaram  ermidas,  oia  nos 
cimos  dos  montes,  como  sentinelhs 
vigilantes,  -ra  no  race^so  dos  val'e5 
como  refúgios  de  paz  e  de  medita- 
ção, ora  nas  cristas  das  rochas,  á  Convento  de  Si.  Aad>v-0  Palratorh 
beira  mar,  como  estrellas,  que  guia- 
vam os  navegantes  em  tempos  em  que  o  progresso  não  tinha  inventado  os  pha- 
roes,  e  ainda  hoje  os  animam  em  momentos  de  afflicção,  quando  as  vagas  agitadas 
por  ventos  impetuosos  pretendem  submergir  os  frágeis  tjateis  em  que  estão  postas 
as  esperançns  das  esposas  e  dos  filhinhos.  Ergueram  egrejas  para  a  celebração  dos 
mysterios  divinos;  construíram  conventos  e  mosteiros,  onde  os  homens  do  sacrifí- 
cio e  da  abnegação  conservavam  sempre  accesa  a  lampa  da  civilização  e  as  vir- 
gens oravam  em  arroubos  mysticos.  Fundaram  confrarias,  que  alimentavam  o  cul- 
to e  soccorriam  os  indigentes,  e  Misericórdias,  que  tinham  por  fim  pôr  em  pratica 
o  Sermão  da  Montanha,  cujas  palavras  brotaram,  como  de  fonte  inexhaurivel,  do 
coração  compassivo  do  Homem-Deus.  Coiistruiram  gafarias  para  leprosos  e  hos- 


414  jgEVlSTA     MICHAELENSIe 

pitaes,  onde  os  pobres  encontram  Cura  para   às  suas  enfermidades  ou  allivio  para 
as  dores,  que  os  torturam. 

Foram  assim  os  antigos  michaelenses  esses  antepassados  de  abençoada  me- 
moria. Grandes  nos  perigos  e  nas  empresas,  foram  egualmente  grandes  nas  de- 
ttionstrações  da  sua  fé,  na  exuberância  dos  seus  sentimentos  piedosos. 

Por  isso  viveram  felizes  e  morreram  tranquilios,  legando  um  solo  fertilissimo 
que  tinham  regado  com  o  suor  do  seu  trabalho  e  o  thesouro  das  suas  tradições 
religiosas,  thesouro  que  é  a  mais  preciosa  herança  de  maiores. 

Instituiu  o  Infante  D.  Henrique  o  templo  principal  de  Villa-franca  do  Campo, 
que  outra  cousa  não  querem  dizer  estas  palavras  do  seu  testamento  :—«Oidenei  e 
estabeleci  a  Igreja  de  San  Miguel  na  Ilha  de  Sam  Miguel".  Na  verdade,  era  ao 
Grão-Mestre  da  Ordem  de  Christo  que  competia  tomar  a  iniciativa  da  fundação 
de  uma  egreja,  que  devia  ser  a  matriz  de  todas  as  outras. 

No  entanto,  foi  Ruy  Gonçalves  da  Gamara  que,  tendo  em  1474  comprado  a  do- 
natária da  Ilha  de  San  Miguel  e  fixado  residência  em  Villa  Franca  do  Campo,  execu- 
tou a  vontade  e  as  ordens  do  Infante  de  Sagres,  pois  que  toi  eile  que  construiu  o  tem- 
plo da  invocação  do  Archanjo,  como  peremptoriamente  affirmam  Fr.  Agostinho 
de  Monte  Alverne  nas  suas  Chron iças  da  Província  de  S.  loão  Evangelista  das  Ilhas 
dos  Açores  e  Francisco  Aífonso  de  Chaves  e  Mello  na  sua  Margarita  Animada. 
Não  se  pode  admittir  que  a  obra  de  Ruy  Gonçalves  da  Camará  fosse  uma  reedi- 
ficação  ou  uma  ampliação,  porque,  suppondo  que  o  povoamento  da  Ilha  começou 
logo  depois  da  colonização  de  Santa  Maria  e  que  im mediatamente  se  construiu  a 
egreja  de  San  Miguel,  desde  então  até  á  morte  de  Ruy  Gonçalves  da  Camará,  oc- 
corrida  em  14Q7,  foi  limitado  o  espaço  de  tempo  que  decorreu,  para  se  tornar  jus- 
tificável uma  reedificação;  nem  o  augmento  da  população  foi  tal  que  exigisse  uma 
ampliação.  Ainda  a  10  de  março  de  1474,  na  carta  de  confirmação  da  compra  da 
donatária  da  Ilha  de  San  Miguel,  dizia  Dona  Beatiz  ser  esta  "muito  mal  aprovei- 
tada e  pouco  povoada  (1)". 

E'  facto  que,  em  carta  de  12  de  fevereiro  de  1471,  antes  de  Ruy  Gonçalves  ha- 
ver comprado  a  donatária,  a  mesma  D.  Beatriz  apresentou  Estevam  Vaz  para  vi- 
gado da  Ilha  de  San  Miguel;  mas  n'esse  documento  (2),  bem  como  em  outro  idên- 
tico, com  data  de  4  de  maio  de  1473,  apre-cntando  Fr.  Gonçalo  Moniz  (3),  não 
se  fala  em  egreja  alguma  e  pelo  conteúdo  de  um  e  de  outrn  vé-st-  que  se  trata  a- 
penas  de  padres  em  quem  o  Vigário  de  'Ihomar  delegaria  a  sua  juii^dicção. 

.Efieciivamente  o  papa  Callisto  lli,  na  sua  bulia  Inler  cacirra,  de  13  de  março 
de  145),  concedeu  á  Ordem  de  Christo  a  jurisdicção  ordinarii  nas  terras  deálem- 
már,  que  ficavam  sendo  nulliiis  dioecesis  e  detei  minou  que  essa  jurisdicção  seria 
exercida  pelo  Prior-mór.  Assim  os  habitantes  de  San  Miguel,  como  os  das  restan- 
tes ilhas  dos  Açores,  estiveram  por  muito  tempo  sujeitos  ao  poder  espiritual  do 
Prior  de  Tnomar,  que  então  governava  a  Ordem  com  o  titulo  de  Vigário  (4). 

No  domínio  do  temporal  governava-a,  como  seu  cabeça,  o  Grão-Mestre,  se- 
guindo-se-lhe  immediatamente  o  Commendador-mór. 

Foi  pois  D.  Henrique  que  fundou  ou  instituiu  a  primitiva  Egreja  de  San  Mi- 
guel e  que  ordenou  a  sua  construcção  e  foi  Ruy  Gonçalves  da  Camará,  terceiro 
donatário  da  Ilha,  quem  a  edificou,  cumprindo  assim,  embora  um  pouco  tardia- 
mente, a  vontade  e  as  ordens  do  Grão-.Mestre  da  Ordem  de  Christo.  E  é  racio- 
nal que  assim  succedesse,  pois  que  os  dois  primeiros  donatários,  não  residindo 
em  Villa  Franca,  não  podiam  occupar-se  de  tal  obra. 

A'  instituição  do  Infante  de  Sagres  associou-se  Gonçalo  Vaz  Botelho,  fun- 
dando na  primitiva  Matriz  de  San  Miguel  uma  capella  da  invocação  de  Santo  An- 
dré. Assim  o  declarou  Nuno  Gonçalves  Botelho,  seu   bisneto,  filho  de   Jorge   Nu- 


(1)— Archivo  dos  Açores,  vol.  I,  pag.  103. 

(2)— Archivo  dos  Açores,  vol.  111,  p.ig.  9. 

(3)  -Idem,  idem,  pag.  10. 

(4) -Fortunato  de  Almeida -///sto/-/'?  da  Egreja  em  Portugal,  vol.  III,  parte  I,pag.  43  e  563. 


feEVlStA     MICHAÉLENSÉ 


415 


nes  Botelho  e  neto  do  Escudeiro  Nuno  Gonçalves  Botelho,  cm  uma  petição  que 
dirigiu  a  Prospero  de  Santa  Cruz,  Núncio  em  Lisboa  e  Legado  a  latere  do  i\apa 
Pio  IV,  como  se  deduz  de  um  documento  inédito  datado  de  5  de  juniio  de  15ól. 
E'  d'esse  documento,  assignado  pelo  referido  núncio,  o  seguinte  trecho,  que  vae 
em  vernáculo : 

-  «Da  parte  de  Nuno  Gonçalves  Botelho,  leigo,  morador  na  cidade  de  Ponta 
Delgada  da  Ilha  de  San  Miguel,  Diocese  d'Angra,foi-nos  apresentada  uma  petição 
em  que  dizia:  que  antigamente  Nuno  Gonçalves,  seu  avô,  deixara  em  testamento 
umas  terras  para  com  os  fructos  e  rendimentos  d'ellas  se  dizer  uma  missa  todas  as 
semanas  e  o  restante  se  gastar  na  fabrica  e  alfaias  de  uma  capella  de  Santo  An- 
dré que  o  pae  do  testador  fundara  na  Igreja  Matriz  de  Viila  Eranca  do  Cam- 
po (1)...- 

Ora  o  testador  é  Nuno  Gonçalves  Botelho,  Escudeiro,  e  o  fundador  da  capel- 
la é  o  pae  Gonçalo  Vaz  Botelho,  o  Grande.  O  mesmo  testador  em  seu  testamento 
feito  aos  13  de  outubro  de  1504  nas  casas  da  sua  morada  em  Rosto  de  Cão  e  a- 
berto  em  Viila   Erauca  aos  _'l  do  iiit-sino  me/  e  anno,  diz  que    quer  ser    enterrado 

na  Egreja  de  San  Miguel 
'na  capella  de. seu  pae(2)v. 
Mas,  se  Gonçalo  Vaz 
Bdtelho  instituiu  ou  fundou 
L>ta  capella,  hão  a  cons- 
truiu Construiram-na  seus 
tilhos  João  Gonçalves  e 
( jonçalo  Vaz  Andrinho, 
como  diz  o  filho  d'este  ul- 
timo André  Gonçalves  de 
Mmpaio,  em  seu  testamen-' 
to  feito  em  30  d'agosto  de 
lo52  (3). 

Etfectivamente  nao  foi  o 
piimogenito  de  Gonçalo 
Vaz  B.')telho.  o  Escudeiro 
Nuno  Gonçalves,  que  fez  a 
capella  de  Santo  André;  ou, 
se,  a  principiou,  não  a  aca- 
bou, como  se  deduz  das  se- 
guintei  palavras  de  seu  tes- 
tamento:—  «Vinte  mil  reis 
se  despendam  na  obra  e  fazimento  da  Capella  que  elle  tem  em  San  Miguel  que  fi- 
cou (Js  seu  pae  que  Deus  haja  (4). . . » 

O  terramoto  de  1522  destruiu  a  formosa  egreja  de  San  Miguel  e  consequen- 
temente a  Capella  fundada  por  Gonçalo  Vaz  Botelho  e  construída  por  seus  fi- 
lhos; mas  a  religi  idade  d'estes  homens  perpetuou-sc  atravez  dos  tempos,  trans- 
mitindo-se  de  geração  em  geração,  como  honrosa  tra/iTio  de  familia. 

Assim,  após  a  grande  catastrophe,  que  espalhou  a  consternação  por  todas  as 
ilhas  do  Archipélago,  André  Gonçalves  de  Sampaio  eduicou  uma  nova  capella  de 
Santo  André,  onde  enterrou  o  pae,  a  mãe,  os  irmãos  e  irmãs  (5),  no  local  onde 
antes  se  erguia  o  magnifico  templo  do  Archanjo  San  Miguel. 

Para  junto  d'esta  capella  vieram,  em  1533,  onze  freiras  e  sete  noviças,  que  vi- 
viam na  Caloura,  d'onde  se  retiraram  com  receio  d'alguma  invasão  de  corsários. 


Egreja  de  St."  André 


(1)  — Papeis  do  Archivo  do  Conde  do  Botelho. 

(2)  -Idem. 

(3)-Urbano  de  Mendonça  Dias-A  Vila-Vol.  II,  pag.  21. 

^4)-  Papeis  do  Archivo  do  Conde  do  Botelho. 

(5)  — Urbano  de  Mendonça  Dias  — A  Vila,  Vol,  11,  paj.  22. 


41 6  ■      REVISTA     MICHAELENSE 

Assim  nasceu  a  necessidade  da  construcção  de  um  mosteiro,  para  o  qual  deu 
terreno  e  dinheiro  João  d'Arruda  da  Costa,  primo  co-irmio  de  André  Oonçiives 
de  Sampaio  e  pae  de  duas  das  referidas  freiras,  as  madres  Maria  cia  Trindade  e 
Isabel  do  Espirito  Santo.  Ficou  a  ermida  servaido  de  capeiia-niórá  egreja  do  con- 
vento, o  corpo  da  qual  foi  construido  em  n30  a  expensas  de  João  d'Arruda  da 
Costa  para  ficar  meeiro  no  direito  de  sepultura,  como  realmente  ficou,  por  cedên- 
cia de  André  Gonçalves  de  Sampaio  em  contracto  do  mesmo  anno  (1). 

Diz  o  dr.  Ernesto  do  Canto,  profundo  investigado]-  da  historia  açoriana  : 

—  «Algumas  provas  ha  na  Clironica  de  Mont'Alverne  de  que  havia  ideia  de 
constituir  padroado  para  o  convento.  <  '        . 

"A  primeira  é  um  breve  de  lõ  de  Julho  de  1533,  dirigido  a  André  Gonçalves 
de  Sampaio— o  Congro  e  seus  primos  DiogoNunes  Botelho  e  Jorge  Nunes  Botelho 
pelo  Núncio  de  Poitugal,  Legado  a  latere  do  Papa  Clemente  Vil,  retirando  o  mos- 
teiro da  obediência  aos  claustraes  e  passando-o  para  a  dos  observantes.  N'esce 
breve  allude-se  a  certas  lettras  apostólicas  onde  se  dava  licença  ao  Congro  e  seus 
primos  para  fundarem  um  mosteiro  com  o  jus  pntro/nt/us. 

"A  segunda  é  outro  breve  de  24  de  Janeiro  de  1^31  expedido  pelo  Cardeal 
presbytero  dos  quatro  santos  coroados  aos  mesmos  indivíduos  supra  referidos  e  tam- 
bém a  João  d'Arruda  e  Amador  da  Costa  em  que  se  faz  a  mesma  referencia.  (Am- 
bos os  breves  estão  rei^rcduzidos  em  MonfAlverne). 

"Apparece  em  terceiro  logar  o  testamento  de  Diogo  Nunes  Botelho  e  de  sua 
mulher  Isabel  Tavares,  approvado  em  15  de  Fevereiro  de  1589  e  aberto  em  2  de 
Fevereiro  de  1545,  onde  os  testadores  declaram  haver  obtido  uitki  Bulia,  conce- 
dendo a  feitura  o  mosteiro  de  St.°  André  e  poderem  n'elle  entrar  suas  filhas  com 
o  dote  de  3  moios  de  trigo  e  manda\am  fosse  entregue  ao  mosteiro,  onde  era  freira 
professa  sua  filha  Alaria  de  S.  João  (2)'. 

Amador  da  Costa,  acima  referido,  era  filho  de  João  d'Arruda  da  Costa  e  por 
consequência  neto  de  João  Gonçalves  Botelho  (3). 

Vê-se,  pois,  que  o  grandioso  mosteiro  de  Santo  .VnJré  de  Villa  Franca  do 
Campo,  do  qual  aindi  restam  u;ii:\  pequi-na  parte  a  que  o  povo  chamava  e  cha- 
ma palratorio,  e  a  egreja,  e  olr.a  d-i,^  net-^^  de  (iniualn  \  a/  Boteiíio,  devendo  por 
isso  ser  considerado  com.o  iiiu  mi)niimeivlo  da  le  ^elil.;in^:^  d'est;i   lil;  sti^e  fiiiuliia. 

jMas  estes  Momeiís,  que  quasi  enchei-aiu  a  su  i  epoclra  ciii  -aii  .'.'1:4:11!,  irlo  se 
distinguiram  apenas  pelos  seus  sentimentos  piedosos;  di-ti!i;iiirani-se  taínlx-ui  e 
muito  pelos  servidos  que  generos'amente  prestaram  ;i  Pátria  no  campo  das  armas. 

Jorge  Nunes  Boteliio  esteve  em  Tanger  e  Azilla  (4),  em  1510  e  1.511,  sendo-lhe 
concedido  brasão- d'armas  por  carta  regia  de  20  de  fevereiro  de  1533.  Eis  uma  parte 
desta  carta: 

—  "Dom  João  por  graça  de  Deos  Rei  de  Portugal  e  dos  ,'\lgarves  d'aquem  e 
d'alem  mar  em  Africa,  Senhor  da  Guiné  e  da  conquista,  n:n  e;j:h;,l!),   -ommercio  da 

faço  saber 

I  elle 

que 

-  >. ^-.^   ,  -  -, - -^  ...^    , cem 

de  direito  pedindo-me  por  mercê  que  por  memoria  dos  seus  antepassados  e  elle 
gosar  e  usar  da  honra  das  armas  que  pelos  merecimentos  dos  serviços  ganharam 
€  lhes  foram  dadas  e  assim  dos  previlegios,  honras,  graças  e  mercês,  que  por  di- 
reito, por  bem  d'ellas  lhe  pertencem,  lhe  mandasse  dar  minha    carta  das  ditas  ar- 

(1)- -Ernesto  do  Cmio  —  Noficia  sobre  as  Ei^rejas.  Ermidas  e  Altares  da  Ilha  de  S.  Mioiíel  em  O 
Preto  no  Branco,  Anuo  I,  miiiiero  18,  pag.  71. 

(2)  — Ernesto  do  Canto  -Noticia  sobre  as  f.^rejas,  Ermidas  e  Altares  da  Ilha  de  S.  Miguel  em  o 
Preto  no  Branco,  Anno  i,  numero  18,  pag.  71. 

(3)— Gaspar  ?mci\.\oso~- Saudades  da  Terra,  Liv.  IV,  cap.  V. 

(4)  — Qaspar  Fructuoso  — Sa'íaííirf«  da  Terra,  Liv.  IV,  cap.  LXVllI. 


REVISTA     MICHAELENSE 


417 


mas  que  estão  registadas  em  os  livros  dos  registos  das  armas  dos  nobres  e  fidal- 
gos de  meus  reinos  que  tem  Portugal  meu  principal  rei  d'armas,  a  qual  petição 
vista  por  mim  mandei  sobre  ella  tirar  inquirição  de  testemunhas,  a  qual  foi  tirada 
pelo  licenciado  Christovam  Esteves  de  Espargosa,  do  meu  conselho  e  desembar- 
gador das  minhas  petições  do  Paço,  e  por  Belchior  Lourenço,  escrivão  em  minha 
corte,  pela  qual  se  prova  elle  supplicante  descender  por  linha  directa  e  masculina 
da  dita  geração  dos  Botelhos  como  filho  legitimo  que  é  de  Nuno  Gonçalves  Botelho 
e  neto  de  Gonçalo  Vaz  Botelho  e  bisneto  de  pedro  Botelho,  commendador-mór  que 
foi  de  Christo,  que  foi  fidalgo  muito  honrado  e  de  muito  merecimento  e  assim  elle 
supplicante  vive  á  lei  de  fidalgo,  pelo  que  de  direito  as  suas  armas  lhe  pertencem, 
as  quaes  lhe  mandei  dar  em  minha  carta  com  seu  brasão,  Elmo  e  Timbre,  como 
aqui  são  devisadas  e  registadas  nos  livros  do  dito  Portugal  meu  rei  d'armas,  as 
quaes  são  as  seguintes,  a  saber:  o  campo  de  ouro  e  quatro  bandas  de  vermelho,  e 
por  differença  uma  flor  do  liz  de  prata,  elmo  de  prata  aberto  e  guarnecido  de  ouro, 
paquife  dourado  e  de  vermelho,  e  por  timbre  um  meio  leão  d'outo  bondado  de  ver- 
melho (1). .  .* 

Em  outras  cartas  de  brasões  d'armas  se  allude  á  nobreza  da  illustre  familia 
dos  Botelhos,  como  se  pode  ver  nas  que  vem  publicadas  a  paginas  439  e  441  do 
volume  X  do  Archivo  dos  Açores  e  que  são  respectivamente  de  António  Botelho  de 
S.  Payo  (1747)  e  do  licenciado  André  Gonçalves  de  Sampaio  (1645). 

Úm  filho  de  Jorge  Nunes  Botelho,  chamado  Manuel  Botelho  Cabral,  comba- 
teu na  Índia,  prestando  relevantes 
serviços  por  ocasião  do  cerco  que  em 
1571  fez  o  Poderoso  Hidalcarr,  á  ci- 
dade e  ilha  de  Oôa  com  cento  e  cin- 
coenta  mil  homens  de  peleja,  entre  os 
quaes  trinta  e  seis  mil  de  cavallo  e  se- 
te centos  elefantes  quasi  todos  arma- 
dos. Accrescenta  o  Dr.  Gaspar  Fru- 
ctuoso : 

—  «N'este  tempo  houvcoutro  cer- 
co em  uma  cidade,  sessenta  léguas  de 
Gôa,  chamada  Chaul,  onde  foi  em 
pessoa  o  Issa-Maluco,  poderoso  Rey 
confederado  com  o  sobredito  Hidal- 
cam,  com  outra  tanta  gente  e  elefan- 
tes, e  também  se  levantou  ao  cabo  de 
nove  mezes,  que  se  acabaram  em  Agos- 
to de  71,  indo  desbaratado  com  perda 
de  trinta  mil  homens  dos  seus;  e  dos 
nossos  morreram  400  de  1.500  que  de- 
fendiam a  cidade  e  seus  muros.  N'este 
conflicto  e  cerco  de  Gôa,  gastou  Ma- 
noel Botelho  Cabral  .tanto  dinheiro 
com  a  gente  da  sua  estancia,  em  to- 
do o  tempo  que  durou  o  cerco, 
dando-lhe  de  comer  á  sua  custa,  sus- 
tentando dous  cavallos  na  guerra,  es- 
tando a  índia  muito  cara. . . 

Este  gasto  tem  o  sobredito  Manoel  Botelho  Cabral  por  bem  empregado,  pelo 
gosto  que  recebia  em  o  fazer,  e  pelas  honras  que  ganhava  nos  assaltos,  combates 
e  batalhas,  em  que  se  achou,  gaphando  a  todos,  assim  nas  mesas  e   iguarias   que 


Hia\ãn  d' Armas 


(1)- Papeis  do  Archivo  do  Conde  do  Botelho. 


418  li^VISTA     MICHAELENSE 

dava,  como  nas  dianteiras  da  guerra  o  cargo  que  agora  tem    na  índia,  de   grande 
authoridade  e  jurisdicção  (1). . .". 

Diz  mais  o  chronista  miciíaeiense: 

—  «Outro  filho  tem  Jorge  Nunes  Botelho  chamado  André  Botelho  Cabral,  de 
máxima,  magnifica  e  grandiosa  condição,  muito  prudente  e  esforçado  cavalleiro, 
valente  soldado  digno  de  grandes  cargos,  se  os  quaes  não  tivera,  se  sahira  d'esta 
ilha  a  outras  partes  do  reino  ou  fora  d'elle;  mora  na  cidade  de  Ponta  Delgada, 
n'as  graves  e  formosas  pousadas  de  seu  pae,  o  qual  pelas  obras  que  fez  e  esforço 
que  mostrou  contra  oí  francezes,  na  defesa  d'esta  ilha,  recebeu  de  sua  Magestade 
um  habito  de  Christo,  com  boa  tença  (2)  >. 

Os  netos  de  Jorge  Nunes  Botelho  não  deslustraram  a  valentia  de  seu  avô  e  de 
seus  tios.  Dois  d'elles,  filhos  de  Nuno  Gonçalves  Botelho,  André  Botelho  e  Fer- 
nando de  Macedo,  o  Esquerdo,  militaram,  o  primeiro  na  Índia  de  Castella,  .o  se- 
gundo na  Índia  de  Portugal  (3). 

Pedro  da  Costa,  filho  de  João  Gonçalves  e  irmão  de  João  d'Arruda  da  Costa, 
foi  valente  e  dedicado,  chegando  a  deitar-se  ao  mar  para  sustentar  Arzilia  e  teve 
um  filho,  chamado  Henrique  da  Costa,  esforçado  cavalleiro,  que  perdeu  a  vista, 
quando  em  campo  corria  contra  os  mouros  (4). 

Diz  ainda  o  dr.  Gaspar  Fructuoso  : 

—  «Teve  mais  Gonçalo  Vaz  Botelho,  o  Grande,  um  filho  por  nome  Antam 
Gonçalves  Botelho,  que  foi  o  segundo  homem  que  nasceu  n'esta  ilha,  o  qual  casou 
e  houve  uma  filha  chamada  Beatriz  Gonçalvas  Botelho,  que  casou  com  Pedro  de 
Novaes  (5).  .  . 

"Pedro  de  Novaes  houve  de  sua  mulher  os  filhos  seguintes:  O  primeiro  An- 
dré Novaes,  que  d'esta  ilha  se  foi  na  era  de  mil  quinhentos  e  quarenta,  no  princi- 
pio da  guerra  que  o  imperador  Carlos  V  teve  cpm  el-rei  de  França;  e  tanto  que  o 
dito  André  Novaes  chegou  á  Itália,  logo  foi  reconhecido  por  homem  fidalgo  e  pa- 
rente dos  Novaes  de  Castella,  como  era;  e  em  companhia  de  André  Dória,  o  ve- 
lho, o  fizeram  capitão  de  cinco  Galés;  e  na  guerra  onde  andava,  muito  abalisado 
e  favorecido,  acabou  seus  dias  em  serviço  do  imperador.  Tiveram  Pedro  de  No- 
vaes e  sua  mulher,  Beatriz  Gonçalves  Botelho,  outro  filho  que  chamavam  Francis- 
co de  Novaes,  que  casou  na  Ilha  da  Madeira  com  Joanna  Ferreira  de  Drumond, 
que  procede  de  dona  Bella,  mulher  de  el-rei  da  Escócia:  foi  uma  pessoa  muito 
principal  da  cidade  do  Funchal  e  da  governança  da  dita  ilha,  de  quem  procede- 
ram filhos,  alguns  dos  quaes  andam  na  Índia,  no  serviço  de  el-rei^  (6). 

Ainda  hoje,  passados  mais  de  três  séculos,  se  sente  um  frémito  de  enthusias- 
mo,  quando  se  considera  que  estes  michaelenses  tão  galhardamente  cortavam  os 
mares  em  frágeis  naus,  trocando  o  remanso  da  sua  ilha  pelos  perigos  e  aventuras 
da  guerra  em  longínquos  paizes,  d'onde  em  regra  voltavam  coroados  de  loiros  e 
enriquecidos  de  regias  mercês ! 

Emquanto  alguns  membros  da  illustre  familia  dos  Botelhos  corriam  risonhos 
ás  terras  de  áiem-mar  para  com  as  armas  na  mão  honrarem  o  Portugal  das  gran- 
dezas épicas,  outros  arroteavam  a  Ilha  de  San  Miguel,  desbravavam  este  rochedo 
aspérrimo  coberto  de  emmaranhado  arvoredo,  por  entre  o  qual  a  urze  esfarellava 
as  suas  roxas  fiorescencias. 

Jorge  Nunes  Botelho,  filho  de  Diogo  Nunes  Botelho  e  sobrinho  de  Jorge  Nu- 
nes Botelho,  a  quem  D.  João  111  concedeu  o  brasão  d'armas,  deixou  nome  assigna- 
lado  na  chronica  agricola  de  San  Miguel. 

(D  — Gaspar  Fructuoso— Saudades  da  Terra,  Liv.  IV,  cap.  IV. 

(2)  — Gaspar  Yxwzíwqsq— Saudades  da  Tetra,  Liv.  IV,  cap.  IV. 

(3)— Idem,  idem. 

'4)— Idem,  idem. 

(5)— Idem,  idem. 

(6  —Gaspar  Yr\\c\\.\o%Q  — Saudades  da  Terra,  Liv.  IV,  cap.  XVIII. 


sevista   michaelense 


41 Q 


Diz  o  Dr.  Gaspar  Fructuoso :— «Vive  este  Jorge  Nunes  com  grande  concerto 
ern  sua  casa,  mais  que  muitos  dos  moradores  da  ilha  conservando,  accrescentan- 
do  e  não  diminuindo  tudo  o  que  de  seu  pae  lhe  ficou:  na  sua  fazenda  tem  um  rico 
pomar,que  somente  de  laranjeiras  tem  cento  e  sete,  lóra  outras  muitas  fructeiras"  (1). 
Um  distincto  agrónomo  mi;liaelense,  tão  prematuramente  roubado  peia  morte 
ao  serviço  da  sua  terra,  baseando-se  na  narrativa  do  Dr.  Gaspar  Fructuoso, 
refere-se  nos  seguintes  termos  ás  explorações  agricolas  .inteliigentemente  dirigidas 
peio  filho  de  Diogo  Nunes  Botelho:     - 

—  «Do  que  diz  o  notável  historiador  michaelense,  vê-se  como  n'aquelles  tem- 
pos, em  que  a  \ida  de  certo  era  muiio  mais  íacil  do  que  hoje,  já  se  desenhava  ni- 
tidamente a  tendência  para  a  polycultura,  o  que  constitue  um  dos  característicos 
do  actual  regimen  cultural. 

''D'entre  vários  factos  apontados  destaca-se,  pelo  interesse  histórico   que  offe- 
rece,  a  refeiencia  a  um  pomar  de  107  larangeiras  qua  fazia  parte  da  grande    pro- 
priedade de  que  nos  occupamos,  que  deveria  ter  existido    por   1580;  por  isso  que 
aprece  ter  marcado  o  inicio  da  cultura  de  tão    preciosa  planta  na   ilha,  que    mais 
,   ■■  "■  '  i   tarde,  foi  origem  de  uma  das  fontes  da 

•  \   sua  maior  riqueza, 

i  "Nn  dizer  do  Dr.  Fructuoso  era  tal 

a  abun  Inn -ia  de  laranja  e  outras  fru- 
ctas  que  se  colhiam  do  referido  pomar, 
que  o  seu  proprietário,  não  só  tinha  a 
sua  casa  forne-ida  á  farta,  como  tam- 
bém abastecia  o  mercado  de  Ponta 
Delgada,  além  da  grande  quantidade 
de  agua  de  flor  de  laranja,  que  tam- 
bém vendia. 

Entre  nniitas  outras  culturas  pres- 
I  i\a  a  maior  attenção  á  do  pastel,  ísactis 
"iictoiia  L.,  que  tinha  desenvolvido  em 
liiga  escala,  possuindo  grandes  enge- 
nhob  para  moer,  não  só  o  de  sua  pro- 
ducção,  como  (ambem  o  dos  vizinhos. 
<'Nos  teirenos  pedregosos,  vulgar- 
mente denominados  de  Biscoito,  culti- 
vava grandes  extensões  de  vinhas  e  não 
descurava  a  creação  de  gados,  para  o 
que  tmha  também  terrenos  de  relva. 

«A  cultura  do  linho  também  se  a- 
chava  largamente  desenvolvida,  empre- 
gando um  grande  tanque    para  o  ma- 

«Tinha  o  seu  granel  sempre  farto  de  trigo,  que  cultivava  em  grande  escala,  e 
na  sua  grande  casa  de  moradia  albergava  não  só  a  sua  numerosa  familia  e  cria- 
dagem, como  também  hospedava  parentes  e  amigos,  possuindo  as  dependências 
correlativas  necessárias  para  os  animaes  de  serviço  próprio,  como  pari  os  dos  vi- 
sitantes. 

"Para  abastecer  de  agua  a  sua  casa,  e  os  de  fora,  poss-uia  um  grande  poço,, 
que  tinha  o  nome  de  Poço  de  Diogo  Nunes  Botelho,  seu  pae. 

«Pela  situação  dada  pelo  Dr.  Gaspar  Fructuoso  á  casa  de    moradia   e    respe- 
ctivo poço,  deprehende-se  que  as  ruinas  de  um  grande  edifício  que  existe  á  entra- 
da da  Canada  de   João    Leite,    do   lado  esquerdo  quem  sobe,  são  as  próprias    da  • 
casa  de  moradia  acima  referida,  bem  como  um  poço  que  ainda  existe  n'uma  pro- 


Riiinas  das  casas  de  Jorge  Nanís  Boftllw 


(1)— Oaspar  Fructuoso— 5ff«(/arf<'s  da  Terra,  Liv.  IV,  cap.  IV, 


42Õ 


REVISTA     MlCHAfLENSE 


1  riedadc,  na  mesma  altura  da  Cafiatia,  mas  do  lado  direito,  é  o  próprio   a  que  se 
refere  a  narrativa  do  Dr.  Fructuoso  (l)». 

Estas  ruinas  merecem  todo  o  respeito,  pois  são  uma  reiiquia  histórica  das  pas- 
sadas eras:  são  os  restos  d'uma  casa,  que  foi  o  centro  d'uma  grande  actividade  a- 
gricola  no  século  XVI  e  que  albergou  em  1582  o  infeliz  pretendente  á  coroa  por- 
tugueza,  1'.  António  Prior  do  Crato  (2). 

Mal  sabia  Jorge  Nunes  Botelho  que  o  seu  pomar  era  o  prototypo  das  quintas,, 
que  mats  tarde  tanto  contribuíram  para  a  riqueza  de  San  Miguel,  e  que  om  seu' 
descendente  fundaria  uma  companhia  para  a  exportação  da  laranja!  Que  prazer 
lhe  inundaria  a  alma,  se  pudesse  vêr,  em  meados  do  século  XIX,  durante  largos- 
annosios  navios  sairem  dos  portos  de  Ponta  Delgada  e  de  Villa  Franca  do  Campo,, 
levando  em  seus  bojos  para  Inglaterra  grandes  carregamentos  dos  áureos  pomos!' 

O  americano  Dr.We-  " 

bster'  que  com  tão  p°sa-  ' 

dãs    cores  fez   o    quadro  ; 

da  vida  social  e  dos  cos-  s^. 

tufnes  dos  morgados  nos 
Açores  no  cofneço  do  sé- 
culo XSX  (3),  dtvia  lem- 
brar-se  de  que  estes  des- 
CeHdiani  dos  fidalgos,  que 
no  século  XV  deixiram  a 
lança  e  o  arnez  ivara  ve- 
rem manobrar  o  arado, 
tUie  abciu  os  sulcos,  don- 
de brotai am  as  sear:  - 
cp.ie  primeiro  loirei;',r.  ,:\ 
ao  lado  dos  bosques  vii- 
dejantes  da  ílora  indi"  - 
na.  O  culto  pela  lavd.i.i 
não  podia  deixar  de  ra- 
dicar-se  em  famílias  insu- 
lada"s  no  meio  do  Atlanti- 
í-o.  Não  admira  portanto  que  os  que  os  rL^presentavam  no  principio  do  século  XIX 
preferissem  o  luar  das  eiras  ao  brilho  dos  íalncs,  as  aliaias  agricoias  ás  decoraçõc> 
sumptuosas,  o  ar  puro  dos  campos  e  a  sombra  das  arvor^-s  ás  reuni(3es  esplendoras. 


Senhora  da  Vida  {Ermida  c  Casas) 


Pintadas,  embora  com  pallidas  tintas,  as  feiçõjs  características  dos  filhos  e  ne- 
tos de  Conçalo  Vaz  Botelho,  a  sua  fé,  o  seu  valir  e  a  sua  feijão  á  terra  a  alnia- 
inater,  que  se  desentranha  em  íructos  de  abundância— é  tempo  de  reatar  o  fio  ge- 
nealógico. 

Ao  primogénito  de  Gonçalo  Vaz,  Nuno  Gonçalves  Botelho,  o  primeiro  ho- 
mem que  nasceu  em  San  Miguel;  que  foi  escudeiro,  casou  com  Catharina  Rodri- 
gues Coutinho  e  vinculou  as  terras  da  Senhora  da  Vida  em  Villa  Franca  do  Cam- 
po, succedeu  seu  filho  Jorge  Nunes  Botelho,  casado  com  Margarida  Travassos  Ca- 
bral, filha  de  Gonçalo  Velho  Cabral  e  de  Catharina  Alvares  de  Benevides. 

A  Jorge  Nunes  Botelho  su:cedeu,  na  administração  do  vinculo^  seu  filho  Nu- 
no Gonçalves  Botelho,  Juiz  dos  Resíduos  em  San  Miguel,  casado  com  sua  prima 
segunda,  D.  Isabel  de  Macedo,  neta  paterna  do  primeiro  donatário  da  Ilha  do 
Fayal,  Jobs  de  Hutra. 

(D— José  Can.ivarro  de  Faiia  c  Mala— Monograpkia  da  Fregiiezia  Rural  de  S.  Roque  da  Ilha  de 
S.  Miguel  no  Distiicto  de  Ponta  Delgada. 

(2)— Gaspar  Fructuoso— Saudades  da  Terra,  Liv.  IV,  cap.  Cl. 

(3)-].  W.  Webster-/!  Ilha  de  S.  Miguel  em  1821,  cap.  II  [Archivo  dos  Açores,  vol.  XIII). 


REVISTA     MICHAELENSE 


421 


A  Nuno  Gonçalves  Botelho  succedeu  seu  filho  Fernão  de  Macedo,  o  Esquer- 
do, casado  com  D.  Isabel  de  Mello,  iierdeira  do  vinculo  instituído  por' seu  irmão, 
o  capitão  Ignacio  de  Mello,  e  filha  de  Diogo  de  Mello. 

A  Fernão  de  Macedo  succedeu,  na  administração  dos  vínculos,  seu  filho  Fer- 
não de  Macedo  Botelho,  casado  com  D.  Barbara  d'Arruda,  filha  do  capitão  Sebas- 
tião d'Arruda  da  Costa. 

A  Fernão  de  Macedo  Botelho  succedeu  Francisco  d'Arruda  Botelho,  capitão- 
mór  de  Villa  Franca,  onde  falleceu  a  15  d'agosto  de  1695,  tendo  sido  casado  com 
D.  Maria  Pacheco  de  Mello,  filha  do  capitão  Belchior  AAanuel  da  Costa.  Francisco 
d'Arruda  e  I).  Mana  Pacheco  fundaram  a  ermida  da  Senhora  da  Vida,  segundo 
o  seu  testamento  de  26  de  fevereiro  de  1695  (1). 

A  Francisco  d'Arruda  Botelho  succedeu  seu  filho,  o  capitão  Fernão  de  Mace- 
do Botelho,  que  nasceu  em  1670  em  Villa  Franca,  onde  casou  a  17  de  julho  de 
1690  com  [\   Theresa  da  Silveira  Pa-  ■     - 

checo,  filha  do    capitão   António    Pa- 
checo da  Silveira. 

A  Fernão  de  Macedo  Botelho  su- 
cedeu seu  filho  João  Bento  Botelho 
d'Arruda,  capitão-mór  de  Villa  Fran- 
ca, casado  com  D.  Maria  Josepha  da 
Camará  Quental.  Fernão  de  Macedo 
Botelho  teve  dois  filhos  padres,  um 
dos  quais,  Francisco  António  Pache- 
co de  .Macedo,  Fidalgo  da  Casa  Real 
e  senhor  de  cinco  terças  de  nomeação, 
fez  a  ermida  da  Senhora  Mãe  de 
Deus  em  Villa  Franca  do  Campo,  co- 
mo declara  em  seu  testamento  appro- 
vado  a  25  de  outubro  de  1762  exis- 
tente na  Bibliotheca  Publica  de  Ponta 
Delgada.  Falleceu  a  27,  dois  dias  de- 
pois. 

A  João  Bento  Botel!io  d'Arruda 
succedeu  seu  filho  Manuel  José  Bote- 
lho de  Gusmão,  sargento-mór  de  Vil- 
la Franca,  onde  nasceu  a  14  d'ago;tn 
de  1735. 

Herdou  os  vínculos  de  seu  irmão, 
o  capitão-mór  António  José  Botelho 
d'Arruda,  que  morreu  solteiro.  Casou 
na  Sé  d'Angra  do  Heroísmo  a  4  de  Janeiro  de  1755  com  D.  Anna  Josepha  Pache- 
co do  Amaral,  filha  do  alferes  de  Ponta  Garça,  Manuel  Pacheco  Camilha.  Foi  feito 
Aíoço  Fidalgo  em  27  de  maio  de  1777.  Como  a  corrente  que,  no  seu  percurso,  vae 
recebendo  as  aguas  de  outros  rios,  até  lançar-se  opulenta  e  caudalosa  no  seio  do 
oceano;  assim  o  vinculo  feito  nas  terras  da  Senhora  da  Vida  por  Nuno  Gonçalves 
Botelho  chegou,  engrossado  de  vários  bens  herdados,  até  Manuel  José  Botelho  de 
Gusmão. 

Succedeu-lhe  José  Bento  Botelho  d'Arruda  Coutinho  de  Gusmão,  capitão-mór 
de  \'illa  Franca,  Fidalgo  Cavalleiro  da  Casa  Real  e  coronel  de  milícias. 

Nasceu  a  28  de  dezembro  de  1766  e  casou  na  Matriz  de  San  Miguel  a  29  de 
junho  lie  1783  com  D.  Thereza  Claudina  Botelho  de  Gusmão,  filha  de  Joaquim 
José  Botelho  d'Arruda. 


Senlwia  Mãe  de  Deus  (Ermida  c  Casas) 


(1)— Ernesto  do  Canw  — Noticia  sobre  as  Egrejas,  Ermidas  e  Altares  da  Ilha  de  S.  Aíisyiel  em    O 
Preto  no  Branco,  Anno  III,  Numero  lOS,  pag.  10. 


422  REVISTA     MICHAELENSE 

A  José  Bento  Botelho  d'Arriida  Coutinho  de  Gusmão  succedeu  seu  filho  Ma- 
noel José  Botelho  d'Arruda  Coutinho  de  Gusmão,  coronel  de  milicias  em  \'i!la 
Franca,  casado  com  D.  Josepha  Victoria  Soares  de  Albergaria,  filha  de  António 
Soares  de  Sousa  Ferreira  Albergaria.  Foi  feito  Fidalgo  Cavalleiro  da  Casa  Real  por 
carta  de  D.  Maria  de  28  de  outubro  de  1843,  referendada  pelo  prestigioso  Duque 
da  Terceira  (1). 

A  Manuel  José  Botelho  d'Arruda  Coutinho  de  Gusmão  succedeu  seu  íílho  Nu- 
no Gonçalves  Botelho  d'Arruda  Coutinho  de  Gusmão,  ultimo  administrador  dos 
vínculos  e  primeiro  Visconde  do  Botelho. 

Está-se  já  em  pleno  século  XIX,  quatro  centos  annos  depois  que  ás  praias  da 
Ilha  de  San  Miguel  aportou  Gonçalo  Vaz  Botelho,  enviado  a  povoa-la  pelo  Infante 
D.  Henrique,  o  grande  vulto,  que  tão  vigorosamente  lançou  o  heróico  Portugal  na 
senda  gloriosa  dos  descobrimentos  maritimos, 


Nuno  Gonçalves  Botelho  d'Arruda  Coutinho  de  Gusmão,  ou.  mais  simples- 
mente o  Morgado  Nuno,  como  era  vulgarmente  conhecido,  deixou  nome  assigna- 
lado  na  chronica  do  bem.  A  sua  figura,  aureolada  por  alevantados  actos  de  bene- 
merência, permanece  viva  na  memoria  dos  villa-franquenses. 

Nasceu  no  dia  10  de  setembro  de  1813.  Educado  no  seio  da  familia,  que  sou- 
be inocular-lhe  na  alma  a  seiva  do  sentimento  religioso,  foi  sempre  um  caracter 
forte,  que  exemplificou  a  bondade  e  a  honradez. 

Como  politico,  militou  na  hostç  progressista,  um  dos  dois  grandes  partidos 
da  Monarchia  Constitucional.  A  nobreza  do  seu  animo  e  a  fidalguia  do  seu  cora- 
ção não  se  deixaram  polluir  pela  onda  lamacenta  das  paixões. 

A  sua  alma  temperada  nas  aguas  límpidas  da  verdade  nunca  foi  accessivel  aos 
ódios  das  rivalidades  mesquinhas,  aos  caprichos  das  parcialidades  ferrenhas  e  in- 
tolerantes. Professava  o  culto- da  dignidade  humana  e  sabia  muito  bem  que  a  cons- 
ciência não  é  artigo  avariado,  que  se  penha  em  almoeda,  e  que  não  ha  thesouros 
e  favores  que  comprem  a  liberdade  do  voto.- 

A  munificericia  regia  recompensou-lhe  a  dedicação  á  causa  publica,  agracian- 
do-o  com  varias  mercês  honoficas.  Foi  feito  Cavalleiro  da  Ordem  de  Christo  por 
decreto  de  21  de  setembro  de  1842;  Fidalgo  Cavalleiro  da  Casa  Real  por  carta  re- 
gia de  28  de  dezembro  de  1843;  Commendador  da  Ordem  de  Nossa  Senhora  da 
Conceição  de  Villa  Viçosa  por  decreto  de  14  de  fevereiro  de  1849;  e  finalmente 
Visconde  do  Botelho  por  decreto  de  30  de  março  de  1873  (2). 

O  morgado  Nuno  acceitou  quasi  constrangido  estas  mercês, simplesmente  por- 
que contrariavami  a  sua  modéstia.  Entre  as  virtudes,  que  lhe  exornavam  o  coração, 
esta  perfumou  todos  os  actos  da  sua  vida  com  delicadas  fragrâncias.  Foi  tão  mo- 
desto que  nunca  pôs  ao  peito  uma  venera,  uma  insígnia  de  Cavalleiro;  nem  jamais 
consentiu  que  lhe  tirassem  o  retraio.  Foi  preciso  que  o  sopro  gelado  da  morte  o 
derrubasse,  para  que  o  pincel  do  italiano  Giorgio  Marini  o  representasse  n'uma  tela. 

Mas  a  virtude  que  o  Morgado  Nuno  mais  amou  e  que  constituiu  o  seu  maior 
titulo  de  gloria,  attrahindo-lhe  as  bênçãos  da  gratidão  e  as  auras  da  popularida- 
de foi   a  caridade. 

Praticou-a  o  fidalgo  villa-íranquense  sem  exhibições  baleias,  porque  só  pre- 
sava  a  virtude,  que  marcha  sem  lisongeiras  e  clamorosas  trombetas  na  \anguarda. 
Muitas  das  suas  acções  generosas  só  foram  conhecidas  depois-  da  sua  morte  (3). 

No  seu  tempo  eram  frequentes  as  crises  de  trabalho.  Em  geral,  durante  a  es- 
tação invernosa,  não  tinham  serviço  os  operários,  sòffrendo  assim  com  as  suas  fa- 
mílias muitas  privações.  O  Morgado  Nuno  comprazía-se  então  em  dar-lhes  que  fa- 

(1)— Papeis  do  Archivo  do  Conde  do  Botelho.   • 
(2)  — Papeis  do  .Archivo  do  Conde  do  Botelho. 

(3)— António  Ernesto  Tavares  d'Andrade  —  Biogtaphia  do  Exccllcntissimo  Senhor  Visconde  do 
Botelho. 


REVISTA    MICHAELENSE 


423 


zer.  Construiu,  em  meados  do  século  XIX,  a  casa  da  sua  residência  em  Villa  Fran- 
ca e  outra  eguai  no  Livramento,  na  sua  bella  propriedade  do  Boteilio,  onde  em 
em  1S47  erigiu  um  Oratório;  reedificou  em  18.46  a  ermida  da  Senhora  da  Vida  e 
fez  reparações  em  vários  prédios,  ás  vezes  só  com  o  fim  de  garantir  a  subsistên- 
cia aos  que  a  ganham  com  o  suor  do  rosto.  Bem  sabia  o  Morgado  Nuno  cue,  co- 
mo disse  Castilho:  — «Dar  que  fazer  é  mais  e  melhor  que  dar  dinheiro:  é  a  carida- 
de das  caridades». 

Não  lhe  era  indifferente  o  progresso  da  bôa  terra  de  San  Miguel.  Para  elle 
concorreu  com  o  seu  esforço,  já  cedendo,  -em  indemnização  alguma,  terrenos 
para  abertura  de  estradas,  já  construindo  pontes  ou  auxiliando  a  sua  construcção, 
já  protegendo  as  instituições  artísticas  e  beneficentes.  E  para  tanto  não  precisava 
ser  rogado.  Um  exemplo  entre  muitos:  acha-se  consignado  na  acta  da  sessão  do 
Município  villa-franquen-e  de  23  de  dezembro  de  1870:— "Foi  presente  á  Camará 
um  officio  do  Ex.'""  Commendador  Nuno  Gonçalves  Botelho  d'Arruda  Coutinho 
de  Gusmão,  datado  de  18  do  corrente  mez,  no  qual  expõe  reparar  á  sua  custa, de- 
baixo da  sua  responsabilidade,  os  estragos  feitos  na  Ponte  da  Ribeira  Secca  de 
Baixo  causados  pela  cheia  que  ultimamente  houve.  A  Camará  auctorisa  os  referi- 
dos reparos  e  ,agradece  o  philantropico  offerecimento,  dando  parte  desta  delibera- 
ção ao  mesmo  Ex.""  Commendador». 

Em  1863  fimdou  o  Morgado  Nuno  em  Villa  Franca  do  Campo  uma  com- 
panhia exportadora  de  laranja,  concorrendo  poderosamente  com  esta  iniciativa 
para  o  engrandecimeoto  da  sua  terra  natal  pelo  desenvolvimento  de  tão  importan- 
te ramo  de  cultura  de  commercio. 

De  sentimentos  arreigadamente  religiosos,  a  sua  piedade  exteriorizava-se  em 
actos  concretos,  que  ainda  hoje  perduram  na  memoria  do  povo.  Devotíssimo  do 
Senhor  da  Pedra,  associava-se  com  enternecimento  aos  popualres  festejos  que  an- 
nualmente  se  realizam  em  Villa  Franca  em  honra  da  veneranda  imagem  (1).  Con- 
corria generosamente  para  o  culto  catholico;  offerecia  donativos  ás  egrejas ;  todos 
os  annos,  em  quinta-feirasanta,  vestia  doze  po- 
bres, a  quem  esmolava  e  dava  de  jantar;  pro- 
movia a  celebração  de  pomposas  festividades 
lia  egreja  do  extincto  convento  de  Santo  An- 
dré, egreja  que  arrematou  em  1861  e  de  que 
i.tinou  posse  por  carta  de  D.  Pedro  V,  de  10 
lIl'  outubro  do  mesmo  anno,  mandando  em 
seguida  restaura-la  e  pintar  os  quadros  que  se 
acham  no  tecto,  em  substituição  de  outros  do 
d(i  século  XVll,  que  é  voz  corrente  terem  sido 
tirados  e  levados  para  a  Itália,  onde  foram 
vendidos,  após  a  extincção  das  ordens  religio- 
sas em  Portugal  (2).  Depois  destas  obras,  foi  a 
egreja  de  Santo  André  novamente  aberta  ao 
publico  em  15  de  outubro  de  1863  (3). 

O  primeiro  Visconde  do  Botelho  morreu 
no  dia  13  de  janeiro  de  1879.  Se  a  sua  vida 
foi  esmaltada  de  actos  de  civismo  e  perfuma- 
da de  rasgos  de  caridade,  a  sua  morte  foi  a- 
Morgado  Nuno  d."  Visconde  do  Botelho)  companhada  drs  consolações  da  crença.  Foi 
a  morte  de  um  justo,  de  um  verdadeiro  christão,  de  um  authentico  Cavalleiro  de 


(l)-0  Archivo  Açoriano,  quinzenário  de  Ponta  Delgada,  Anno  III,  N,"  70  e  72,  de  /5  d'agosto  e 
15  de  setembro  de  i859. 

(?.^-Luiz  Bernardo  L.  á'\\h2.\át- Notas  sobre  Arte,  pag.  127. 

(3^- António  Ernesto  Tavares  d'Andracie  ~  Biographia  do  Excellcntissimo  Senhor  Visconde  do 
Botelho.     . 


424  REVISTA    MICHAELENSE 

Christo.  Descreveu-a,  em    phrases  de  vigoroso  colorido,  o  ilustrado   orador,  que 
proferiu  o  elogio  fúnebre  (1). 

O  Morgado  Nuno  não  deixou  testamento.  Todo  o  bem  que  pôde  fazer,  quiz 
fazê-lo  em  vida.  Parece  que  seguia  a  máxima  de  Newton,  o  genial  descobridor  da 
attracção  universal:— "Dar  por  testamento  não  é  dar». 


Fallecido  o  Morgado  Nuno,  ficou  a  representação  da  sua  casa  na  pessoa  de 
seu  filho  primogénito,  José  Bento  Botelho  de  Gusmão,  Commendador  da  Ordem 
Militar  de  Nosso  Senhor  Jesus  Christo  por  decreto  de  23  de  outubro  de  1872  e  se- 
gundo Visconde  do  Botelho  por  decreto  de  27  de  março  de  1879.  Na  carta  regia 
de  24  d'abril  d'este  anno  diz  D.  Luiz : 

—  "Faço  saber  aos  que  esta  Minha  Carta  virem  que,  tendo  sido  conferido  ao 
Visconde  do  Botelho  Nuno  Gonçalves  Botelho  d'Arruda  Coutinho  e  Gusmão,  Fi- 
dalgo Cavalleiro  da  Minha  Real  Casa,  por  Decreto  de  vinte  e  nove  de  maio  do 
anno  próximo  passado  de  que  se  expediu  o  competente  Alvará  de  Lembrança,  a 
mercê  de  uma  vida  mais  n'este  Titulo  para  se  verificar  na  pessoa  de  seu  filho  José 
Bento  Botelho,  Commendador  da  Ordem  Militar  de  Nosso  Senhor  Jesus  Christo; 
e  sendo-me  agora  presente  haver  fallecido  o  mencionado  Visconde:  Hei  por  bem, 
tomando  em  consideração  os  merecimentos  e  qualidades  que  concorrem  no  dito 
José  Bento  Botelho  de  Gusmão,  fazer-Ihe  mercê  do  titulo  de  Visconde  do  Botelho, 
em  verificação  de  vida»  (2). 

O  segundo  Visconde  do  Botelho  foi  feito  Conde  por  decreto  de  16  de  setem- 
bro de  1895.  Na  carta  regia  de  20  de  Maio  d'este  anno  diz  D.  Çados: 

—"Faço  saber  aos  que  esta  Minha  Carta  virem  que,  attendendo  aos  mereci- 
mentos e  qualidades  que  concorrem  na  pessoa  do  Visconde  do  Botelho,  José  Ben-  - 
to  Botelho  de  Gusmão,  proprietário  na  Ilha  de  São  Miguel,  e  querendo  Dar-lhe 
um  novo  testemunho  de  Consideração  e  apreço  em  que  Tenho  a  sua  pessoa:  Hei 
por  bem  Fazer-Ihe  mercê  de  o  Elevar  á  Grandeza  d'estes  Reinos  com  o  Titulo  de 
Conde  do  Botelho,  em  sua  vida  (3)». 

Exerceu  o  cargo  de  Administrador  do  Concelho,  para  que  foi  nomeado  por 
decreto  de  4  de  maio  de  18Õ9,  fazendo  reverter  os  seus  vencimentos  a  favor  do 
Município.  Na  acta  da  sessão  de  11  de  dezembro  do  mesmo  anno  lê-se:— "Mais 
foi  presente  outro  officio  do  Sr.  Administrador  d'este  Concelho,  jo-^é  Bento  Bote- 
lho de  Gusmão,  sob  o  numero  293,  de  4  do  corrente  mez,  no  qual  expõe  o  seu 
desejo,  quanto  em  si  couber,  de  cooperar  nos  melhoramentos  materiaes  e  mo- 
raes  do  mesmo  Concelho;  e  offerece  a  gratificação  que  vencer  no  presente  anno 
económico  para  ser  applicada  a  qualquer  melhoramento  publico.  A  Camaracon- 
gratula-se  com  os  nobres  sentimentos  de  Sua  Senhoria  e  em  nome  do  Município 
agradece  a  philantropica  offerta  que  será  applicada  convenient':mente". 

Lê-se  também  na  acta  da  sessão  de  2  de  março  de  1871:— «Foi  mais  presen- 
te um  officio  do  Senhor  Administrador  d'este  Concelho  de  quatro  de  Fevereiro  ul- 
timo, em  que  faz  constar  a  esta  Camará  qiie,  havendo  as  estradas  municipaes  sof- 
frido  innumeraveis  estragos  com  as  aguas  pluviaes  e  com  especialidade  a  estrada 
de  Ponta  Garça,  que  em  diversos  pontos  ameaça  ruina  pelo  estrago  de  pontes  e 
archetes  construídos  no  verão  passado;  e  porque  conhecia  os  embaraços  em  que 
esta  Camará  se  acha  envolvida  com  o  apOro  de  receita  para  fazer  face  á  despesa 
com  o  aqueducto  da  agua  potável,  não  podendo  por  isso  a  Camará  envolver-se 
em  obras  de  maiores  despesas;  e  desejando  Sua  Ex."  cooperar  com  os  meios  ao  sl-u 


(1)— P.«  Manoel  José  Pires— Orafão  Fúnebre  Recitada  na  Egreja  Matriz  de  Villa  Franca  do  Cam- 
po na  Ilha  de  San  Miguel  no  dia  14  de  Janeiro  de  1879  por  Occasião  das  Exéquias  Solemnes  Celebra- 
das Praesente  Corpore  pela  Alma  do  /li.""  e  Ex."'°  Sr.  Visconde  do  Botelho,  Nuno  Gonçalves  Bote- 
lho d' Arruda  Coutinho  Gusmão. 

(2)- Papeis  do  Archivo  do  Conde  do  Botelho. 

^3)- Papeis  do  Archivo  do  Conde  do  Botelho. 


ftEVlSTA    MICHAELENSfe 


425 


alcance  nos  melhoramentos  d'este  Concelho,  tinha  o  prazer  de  ceder  em  favor  do 
cofre  municipal  o  seu  vencimento  como  Administrador  d'este  Concelho  no  actual 
anno  económico,  para  ser  applicado  na  reconstrucção  da  dita  .estrad.;.  A  Camará 
toma  na  mais  seria  consideração  a  a:ção  generosa  de  Sua  Ex.*  pel;-^.  ■  (1  dá  uma 
demonstração  do  quanto  deseja  beneficiar  este  município,  empenli  .  )-se  pelos 
meliioramentos  do  Concelho.  Accordam  que  se  agradeça  a  Sua  f:\,',  fazendo-se- 
Ihe  constar  que  a  sua  offerta  terá  a  applicação  indicada». 

Foi  presidente  da  Camará  Municipal  de  1873  a  1874  e  por  \.i'-iris  vezes  exer- 
ceu as  funcções  de  Juiz  substituto,  cedendo  os  seus  honorários  as  officiaes  infe- 
riores do  juizo. 

Desempenhou,  durante  vinte  e  quatro  annos  consecutivos,  o  :'argo  de  Prove- 
dor da  Santa  Casa  da  Misericórdia  de  Villa  Franca  do  Campo,  t;i./:endo  uma  ad- 
ministração honesta  e  económica  e  conseguindo  assim  accumular  um  capital,  que 
permittiu  a  algumas  gerências  futuras  realisarem  melhoramentos  importantes  no 
Hospital. 

O  maior  elogio  que  se  pode  fazer  do  Conde  do. Botelho  é  que  nunca  violou  o 
sacrário  das  tradições  da  sua  familia.  Soube  continua-las,  honrando  a  memoria 
dos  seus  ascendentes.  Religioso  sem  fingimento,  nobre  sem  ostentação,  gostava  de 


passar  os  dias  na  obscurida- 
A  sua  predilecção  pela  vida 
quelle  seu  antepassado,  Jorge 
cm  Rosto  de  Cão   occupado 

As  cartas,  com  que  a 
não  lhe  outorgaram  a  nobre- 
elle  de  seus  avós;  mas,  ainda 
gaminhos  da  sua  fidalguia 
cados  pela  acção  do  tempo. 
lar  da  Monarchia  ruiu  ao  so- 
bro de  1910,  o  Conde  do 
d'honra,  primoroso  e  leal 
de  quem  descendia. 

Tal  o  homem  que  suc- 
mentos  na  tarde  de  22  de  a- 
que  o  sol  tão  somiticamente  repartia  a  sua  luz. 

Era  o  duodécimo  neto  de  Pedro  Botelho,  commendador-mór  de  Christo;  o 
undécimo  neto  de  Gonçalo  Vaz  Botelho,  o  Grande,  que  chefiou  os  primeiros  po- 
voadores enviados  pelo  immortal  Infante  D.  Henrique  á  Ilha  de  San  Miguel;  o 
decimo  neto  de  Nuno  Gonçalves  Botelho,  o  primeiro  homem  que  nasceu  n'esta 
formosa  terra;  o  nono  neto  de  Jorge  Nunes  Botelho,  que  batalhou  em  Tanger  e 
Arzilla;  emfim  o  filho  de  Nuno  Gonçalves  Botelho  d'Arruda  Coutinho  de  Gusmão, 
o  Morgado  Nuno,  que  escreveu  no  coração  do  povo  villa-franquense  o  mais  lus- 
troso titulo  de  gratidão  e  amizade. 

Nascera  em  18  de  maio  de  1847  o  Conde  do  Botelho,  lídimo  rebento  da  co- 
lossal arvore,  que  tantas  vergonteas  e  enxertias  bracejara  no  ubérrimo  solo  mi- 
chaelense. 

Padre  Ernesto  Ferreira 


o  Conde  do  Roteiho 


de,  no  remanso  da  sua  casa. 
campesina  lembra  bem  a- 
Nunes  Botelho,  que  residia 
na  exploração  do  solo. 
munificência  regia  o  honrou, 
za,  pois  que  esta  herdara-a 
assim,  não  as  rasgou.  Os  per- 
estão  sem  macula,  apenas  to- 
Quando  o  throno  plurisecu- 
pro  da  revolução  de  outu- 
Botelho  ficou  no  seu  posto 
como  os  antigos   cavalleiros 

cumbiu  a  pertinazes  padeci- 
bril  de  1919,  n'essa  tarde  em 


4^6 


REVISTA     MICHAElENSt 


Hqdqs  Subsídios  paí^a  a  Ethnogr»aph(a 

8  para  a  Historia  da  AHe  PoHuquezas 


Oi 


vil 

corações  na  artç  popular 

IContiniiação  do  n."  II,  Anuo  II) 

O  povo  por  via  da  arte  que  cultiva  traduz  sempre  a  sua  sentimentalidade  por 

forma  muitas  vezes  interessante,  não  só    pela  ingenuidade    da    concepção,    como 

pela  simplicidade  ornamental  em  que  a  materializa. 

A  saudade  e  o  amor  foram  sempre  themas  carinhosamente  tratados  em    suas 

lendas  e  noveilas,  em  seus  recortes,  lavras  e  bordados. 

O  guardador  de  gado,  no  isolamento  dos  mattos,  deixava  por  entre  os    rudes' 

riscados  das  colherei  e  das  roças  aberlos  o  navolha  um  p'nic  >  da  sua  affectividade 

em  impressionan- 
te sinceridade,  tal 
como  a  tecedeira 
ao  urdir  as  suas 
teias  ou  a  rendei- 
ra ao  filigranar  as 
suas  rendas,  tri- 
lhando todos  a 
a  mesma  senda  de 
pura  sentimenta- 
lidade. 

As  figurações 
syir:bolicas  do  a- 
mor  surgiam  com 
frequência  e  mui- 
tas vezes  appareeia 
o  próprio  coração 
— no  qual  o  povo 
só  sabe  sentir  — 
na  phrase  de  Vieira 
Natividade,  envol- 
vido, em  alguns 
casos,  por  decla- 
rações de  amor, 
por  juramentos  de 
fidelidade  e  por 
dísticos  affectuo- 
sos,  no  intuito  de 
causar  uma    mais 


M 


viva  emoção. 

Ternuras,  affectos,  ciúmes  e  saudades  eram  expressos  pelo  povo  por  meio  da 
artes  que  cultivava,  com  aquella  espontaneidade  com  que  as  palavras  lhe  affioravam 
ao  lábios  vindas  só  do  coração. 

■  D'entre  as  producções  artísticas  d'este  género,  muito  communs  em  tempos  an- 
tigos e  já  hoje  raras,  destacaremos  duas  que  reproduzimos,  — uma  coberta  de  tra- 
vesseiro de  cama  de  casal  e  um  lenço  amoroso. 

N'este,  vêem-se  ao  centro  os  namorados  ladeando  dois  corações,  trespassados 
de  settas  e  rematados  por  uma  corôâ,  lendo-se  em  volta  do  quadrado  central  a 
quadra  seguinte; 


KtVISTA     MICHAELÊNSfe 


427 


Os  nossos  dois  corações 
Por  amor  foram  ligados 
E  (?)  do  de  ser  unidos 
So  /-'or  amor  soparados 


e  na  orla  do  lenço 


^ 


Entes  eu  nunca  te  vira 
Nem  em  ti  amor  puzera 
Penas  não  padeceria 
Se  eu  de  ti  nunca  soubera 

Nos  cantos  do  lenço  apparecem  ramos  floridos  entremeando  os  versos. 

O  amor  symboiizado  nos  dois  corações  centraes  em  para  a  auctorado  lenço  o 
rei  dos  amores,  razão  porque  os  re-.iatii!  com  uma  coroa. 
.  -  "A  coberta  de  travesseira 
é  feita  em  ponto  de  crivo 
e  representa  os  dois  cora- 
ções unidoj,  cátylizados,  e 
flammejantes. 

E'  a  mesma  idéa,  o  a- 
mor  conjugal  inalterável, 
apaixonado  e  fiel,  rodeado 
pnr  cinco  pequenos  qua- 
drados com  cruzes  ceiítrae- 
abertas,  lembrando  haver 
sido  feita  a  união  á  iacedi 
egreja  e  perante  Deus,  n'uiii 
pacto  indissolúvel,  firmado 
por  laços  eternos. 

São  materializações  de 
elevados  sentimentos,  guia? 
fundamentaes  de  um  são 
viver  domestico,  dentro  da 
mais  solida  moral  e  repro- 
duzidas   por  me  o    da   lin- 


^^f^ív^^sw^-;"^^ 


Coberta  de  travesseiro 

guagem  artistica  do  povo,  balbuciada,  como  elle  diz,  com  o  coração  nas  mãos. 


VIII 
o  jogo  do  Bilro 

E'  assim  chamado  o  jogo  popular  mais  praticado  em  São  Miguel. 

Junto  das  logecas  humildes  da  Aldeia  o  vendeiro  astuto  arma  a  liça:  logo  ao 
sahir  da  porta  que  dá  para  o  quintal  topámos  com  o  terreiro  oblongo  limitado  ao  fun- 
do de  uma  e  outra  banda  por  forte  estacaria  de  taboas  grossas  ou  toscas  costanei- 
ras,  estilhaçada  quasi  sempre  pelo  bater  violento  e  continuo  da  pedra  ou  da  bola. 

Armado  o  jogo,  está  como  vulgarmente  se  diz,  armada  também    a  forca   aos 
camponezes  afreguezados  que  durante  as  longas  horas  dos  domingos   e    dos  dias 
santificados  arremessam  habilmente  a  pedra  ao    bilro  bebendo,  quando  vencedo-  • 
res,  copázios  de  vinho  previamente  apostados. 

E  emquanto  o  bater  surdo  da  bola  na  estacada  desmarítellada  resoa  monótono 
ou  o  estalido  secco  da  pancada  no  bilro  se  faz   ouvir,  acompanhados  da  conta- 


428 


REVISTA     MICHAELENSE 


gein  a  meia  voz  dos  jogadores,  cuja  reza  é  por  vezes  interrompida  pelas  expan- 
sões enthusiasticas  e  jubilosas  dos  expectadores  interessados  nas  peripécias  da  con- 
tenda, o  homemzinho  da  loja  rejubila  do  artificioso  estratagema,  servindo  lesto  as 
medidas  da  popular  bebida  regional,  fresca  e  quasi  inoffensiva  -o  vinho  de  cheiro. 

O  aspecto  do  torneio,  de  caracter  tão  primitivo,  tem  o  attractivo  que  sempre 
dimana  da  lucta  que  põe  em  jogo  a  força,  a  destreza  e  o  golpe  de  vista. 

A  attenção  absorve-se  no  desenrolar  das  partidas,  a  excitação  e  o  enthusiasmo 
por  vezes  expandem  em  vozoaria,  a  musculatura  fortalece-se  em  movimentações 
complexas,  a  vista  educa-se  nas  difficeis  pontarias,  o  cérebro  sente-se  obrigado  a 
fazer  a  contagem  por  si  só  com  a  rapidez  vertiginosa  com  que  o  bilro  descreve 
as  viradas  pelo  ar,  sendo,  consequentemente  esquecidos  os  dedos  para  sommar; 
aprende-se  a  graduar  a  força  que  se  imprime  á  bola  pois  que  n'ella  e  no  ponto 
em  que  se  attinge  o  bilro  vae  toda  a  sciencia  do  jogo  e  finalmente  ganham-se  ci- 
garros ou  bebe-se  vinho,  o  que  é  sempre  summamente  agradável  para  a  gente 
rústica. 

Ao  interesse  próprio  do  jogo  ha  a  juntar  o  pittoresco  que  em  geral  offerece 
o  recinto:  bancos  toscos  e  'uesas  grosseiras  ladeiam  a  liça,  muitas  vezes  sob  a 
sombra  amena  e  confortável 

da   latada    frondosa:   depois  :^ Hj  ^ 

um  trecho  de  bella  paizagem 
toda  composta  de  thesouros 
de  cor  e  de  caprichos  de  de- 
senho e  finalmente  a  rematar 
o  quadro,  ou  o  recorte  níti- 
do dos  montes  verdes  e-avel- 
ludados,  ou  a  faixa  do  ocea- 
no azul  e  movediça  sob  um 
ceu  manchado  de  farrapos 
brancos.  • 

E'  n'esses  dias  de  luz 
clara  e  sol  intenso,  em  que 
o  tempo  norte  dá  agilidade 
á  musculatura,  alegria  á  al- 
ma e  vivacidade  ao  espirito, 
que  os  camponezes,  um  pou- 
co emancipados  do  torpor 
açoreano,  mais'  bem  dispos- 
tos se  sentem  para  o  jogo, 
supportando  duras  provas  de 
força  e  de  resistência. 

O  jogo    de  que    vamos 
tratar  tem  a  caracterizal-o  es- 
pecialmente   a    nota    predo-  fogo  do  Bilro 
minante  de  monotonia,  de  força  e  de  rudeza,  bem  archaicas,  muito    mais    sensível 
ao  attentarmos  na  utilização  da    pedra  polida  pelo    rolo  do  mar,  tal  como   elie   a 
abandonou  apoz  longa  brunidura. 

Uma  vez  fomos  assistir  .i  um  d'esses  torneios  entre  jogadores  afamados  e  não 
mais  esqueceremos  o  interess-.antissimo  trecho  com  que  deparámos,  que,  a  ser  re- 
produzido em  tela,  daria  um  soberbo  documento  ethnographico,  palpitante  de 
notas  características  e  cheio  de  detalhes  do  melhor  cunho  local. 

Desde  a  paizagem  ampla  e  magestosamente  illuminada  pela  luz  clara  de  um 
•dia  quente  de  junho,  á  construcção  rústica  da  logeca,  desde  os  tons  frescos  e  vi- 
vos da  cerâmica  indígena,  cuigirões  e  canecas  brancas  listradas  de  azul  claro  ^e 
de  amarello  alaranjado,  jarra;  esguias  de  reminiscência  românica,  até  aos  typos,  ás 


REVISTA    MICHAELENSE  429 

pliysionomias  bondosas  e  aos  trajes  populares, onde  já  não  se  exhibia,  nem  mesmo 
nos  homens  de  edade,  a  carapuça  de  outros  tempos,  mas  onde  se  via  ainda  o 
barrete  de  lã  de  garridas  cores  e  de  bordados  archaicos,  tudo  se  apresentava  com 
um  caracter  regional  nitidamente  definido. 

Vejamos  agora  no  que  consiste  o  jogo. 

Em  um  recinto  piano  de  cerca  de  vinte  metros  de  extensão  por  três  ou  qua- 
tro de  largo,  arredondado  nas  extremidades  vedadas  pelos  mencionados  antepa- 
ros de  taboas  ou  costaneiras,  armam-se  os  bilros  sobre  estacas  enterradas  que  dis- 
tam das  pranchas  do  fundo  da  estacada  cerca  de  quatro  metros. 

E'  dentro  d'este  espaço  que  os  bilros  têm  de  virar. 

Elles  variam  muito  de  dimensão,  no  emtanto  os  que  mais  vulgarmente  se  u- 
sam  são  construídos  de  madeira  dura  em  esguio  cone  truncado,  de  dois  palmos 
e  meio  de  comprido  com  cerca  de  dez  centímetros  de  diâmetro  na  base  e  de  cin- 
co na  parte  superior. 

O  jogo  consiste  em,  com  pedras  lisas  e  roladas,  como  já  vimos,  pelo  mar,  ou 
com  bolas  cyiindricas  de  madeira  de  dezoito  centímetros  de  comprido  por  doze 
de  diâmetro,  approximadamente,  lisas  e  sem  cavidades  para  os  dedos,  arremessa- 
das pelo  ar,  derrubar  o  bilro  attingindo-o  na  altura  conveniente  e  por  forma  a  fa- 
zel-o  virar  o  maior  numero  de  vezes  possível. 

Um  dos  jogadores  indicados  pela  sorte  abre  o  jogo;  sustem  a  bola  ou  a  pe- 
dra na  palma  da  mão,  firma-a  com  as  pontas  dos  dedos  e  leva-a  depois  á  linha 
da  vista  para  fazer  a  pontaria,  collocando-se  um  pouco  atraz  ou  ao  lado  do  bilro 
contrario  ao  que  pretende  alvejar. 

Feita  a  pontaria,  o  jogador  pucha  o  braço,  ganhando  o  impulso  e  depois  atira 
n  bola  com  toda  a  sua  força,  dando  um  ou  dois  passos  para  deante. 

N'esse  movimento  para  a  frente  o  jogador  toma  attitude  idêntica  ao  do  disco- 
bolo  dos  gregos. 

A  bola  segue  então  a  sua  rápida  trajectória  attingindo  o  alvo  quasi  sempre. 

Ella  porém  ou  bate  no  chão  antes  de  tocar  o  bilro,  ou  derruba-o  directamente 
o  que  não  é  indifferente,  pois  que  no  primeiro  caso  a  contagem  é  sempre  de  dois 
pontos,  embora  o  bilro  vire  algumas  vezes;  ao  passo  que  no  segundo,  conta-se 
meia  virada  por  quatro  pontos,  uma  completa  por  oito  e  assim  por  deante,  doze, 
dezaseis,  vinte,  vinte  e  quatro  pontos,  alcançando-se  um  jogo  logo  que  trinta  pon- 
tos são  obtidos,  o  que  os  jogadores  afamados  conseguem  em  alguns  casos  de  uma 
só  bolada. 

Elles  vão  arremessando  as  pedras  e  não  mais  lhe  tocam  senão  depois  do  ul- 
timo ter  jogado;  então  passam  todos  para  o  lado  opposto,  verificam  quem  tem  o 
ponto,  isto  é,  quem  tem  o  direito  a  jogar  para  o  bilro  opposto  em  primeiro  logar, 
o  que  é  indicado  pela  bola  que  mais  perto  ficou  do  bilro. 

Inicia-se  então  nova  contagem,  jogando  em  sentido  contrario  e  assim  por 
deante. 

A  bola  que,  como  deixamos  dito,  dá  o  direito  da  jirioridade.  conta-se  por  um 
ponto  e  d'ahi  o  chamarem-na  bola  do  ponto  e  o  dizerem  ter  o  ponto. 

Os  jogos  seguem-se  até  ganhar-se  a  partida  que  na  região  Occidental  da  Ilha 
é  de  quatro  jogos  e  na  oriental  geralmente  de  três;  e  só  depois  então  de  duas  par- 
tidas ganhas— a  negra— é.  que  os  vencedores  se  apossam  da  aposta  feita. 

É  quando  elles  dizem  que  vão  pedir  de  beber  ao  melro;  referindo-se  natural- 
mente ao  vendeiro,  o  finório,  o  espertalhão,  o  melro  de  bico  amarello,  que  vae  fa- 
zendo o  seu  negocio  sem  canceiras  e  gozando  o  espectáculo. 

A  bola  deve  ser  atirada  sempre  descrevendo  o  braço  uma  curva  por  baixo,  e 
nunca  arremessada  por  sobre  a  cabeça. 

Assim  joga  o  bilro  actualmente  o  povo  d'esta  Ilha,  sport  rústico  de  caracter 
tradicional,  importado  provavelmente  no  século  XV  pelos  primeiros  povoadores. 


430  fefevistÀ   m^chaelínsíe 

Entre  as  notas  ethnographicas  deixadas  por  Gaspar  Fructuoso  apparece  a  do 
logo  da  bola;  a  elle  se  refere  ao  tratar  da  casa  de  Jorge  Nunes  Botelho  em  Rosto 
de  Cão,  casa  histórica  hoje  quasi  desapparecida,  onde  repousou  D.  António  Prior 
do  Crato. 

O  jogo  da  bola  do  século  XVI  infelizmente  não  descripto  pelo  chronista,  afi- 
gura-se-nos  haver  sido  avoengo  do  actual  jogo  do  bilro. 


O  derrubar  bilros  com  bolas  de  madeira  constitue  uma  forma  de  divertimen- 
to popular  muito  generalizada. 

Numerosos  são  os  jogos  de  bola  usados  em  regiões  diversas  do  globo,  diffe- 
rençando-se  já  pela  dimensão  e  pelo  formato  da  bola,  já  pela  maneira  de  a  atirar 
e  ainda  pelo  numero  de  bilros. 

Assim  desde  a  bola  grande  de  58  centímetros  de  volta  com  cava  redonda  para 
o  poUegar  e  oblonga  para  os  outros  dedos  dos  vasconços  e  de  Baden,  até  á  de  42 
centímetros  de  Santander,  Torralavega  e  Reinosa  a  que  se  retere  o  professor  Aran- 
zadi,  desde  o  jogo  com  9  e  10  bilros  usado  no  nordeste  da  Allemanha  e  da  Hol- 
landa,  até  ao  simples  par  usado  aqui,  desde  a  for- 
ma de  atirar  a  bola  rolando  pelo  chão   á  allemã,  até 

.^^..■'^r^ — ^..-^  isaf'"^        ^°  arremesso  pelo  ar  como  nas  Astúrias  e  n'esta  ilha, 

í^^i<.,^^^      Iffl'^'^"*         ^^^^  ^'^^^  apresenta  modalidadei  interessantes  dignas 

"^  .  ^m     h^        de  estudo. 

No  jogo  da  Suissa  que  segundo  o- citado  ethno- 
grapho  se  approxima  do  da  Antiga  Qrecia,  onde  o 
arremesso  era  a  pedra.,  encontramos  a  maior  appro- 
ximação  com  o  nosso.  Não  nos  tendo  sido  possível 
obter  informações  detalhadas  sobre  o  que  se  usa 
no  Continente,  sabendo  apenas  ser  o  nosso  jogo 
ainda  ha  alguns  annos  desconhecido  em  algumas 
regiões  como  na  de  Coimbra;  trazemos  no  emtanto 
a  lume  estes  apontamentos  a  fim  de  mais  facilmente 
se  determinarem  as  suas  parallelas  com  outros 
pontos  do  Paiz. 

Jogo  do  Bilro  A  haver  sido  importado    pelos   portuguezes  do 

século  XV,  ter-se-hia  mantido  "aqui,  perdendo-se 
nas  outras  províncias  com  o  decorrer  do  tempo  ? 

Terá  sido  uma  importação  de  origem  estranha  introduzida  por  francezes,  fla- 
mengos ou  espanhoes,  elementos  que  concorreram  ás  povoações  primitivas,  que 
intervieram  na  constituição  do  povo  açoreano  e  influíram  na  sua  vida  económica, 
industrial  e  agrícola,  interferindo  consequentemente  no  seu  fundo  ethnogra- 
phico? 

Na  descrípção  que  deixamos  feita,  encontram-se  portanto  mais  uns  pequenos 
subsídios  que  poderão  auxiliar  este  interessante  problema. 

Finalizando,  esclareceremos  mais  ser  a  bola  com  cavidades  para  os  dedos, 
segundo  nos  mformaram  pessoas  de  edade,  assim  como  o  bilro  allemão,  importa- 
ções relativamente  recentes  e  que  nenhuma  relação  tem  com  a  forma  archaica  e 
tradicional  que  deixamos  revelada. 

A  pedra  assim  arremessada  ao  madeiro  será  uma  reminiscência  viva  d'essas 
epochas  primitivas  em  que  o  homem,  por  esta  forma,  se  devia  exercitar,  treinan- 
do-se  para  a  caça  e  adquirindo  destreza  e  força  para  a  lucta  contra  os  animaes 
ferozes  e  contra  os  seus  próprios  semelhantes. 


REVISTA    MiCHAELENsfe 


431 


/.Y 


EsçiiIptUra  de  Simões  d'Alrnçida 

Na  Bibliotheca  de  Ponta  Delgada  existe  um  busto  em  mármore  sobre  um 
plintho,  representando  o  grande  poeta  michaelense  Antliero  de  Quental  esculpido 
por  Simões  d'Almeida. 

Em  28  de  Setembro  de  1891  o  presidente  da  Camará  Municipal  de  Ponta 
Delgada,  o  Sr.  Dr.  Caetano  d'Andrade  Albuquerque,  officiava  ao  Sr.  Oliveira  Mar- 
tins, pedindo-Uie  que  escolhesse  em  Lisboa  artista  que  fizesse  o  busto  de  Anthero. 
Oliveira  Martins  acceitou  o  encargo  como  se  vè  do  documento  que  se  segue  da- 
tado de  12  de  outubro  do  mesmo  anno. 

"Recebido  o  officio  de  V.  Ex."  im mediatamente  tratei  de  pôr  em  exe- 
cução as  suas  ordens. 

D'entre  os  esculptores  portuguezes  pareceu-me  que  devia  escolher  o  Sr. 
Simões  d'Almeida,  auctor  da  estatua  do  Duque  da  Terceira,  dos  bustos  do 
Duque  de  Ávila  e  de  Fontes  que  estão  na  Camará  dos  Pares,  de  uma  das 
estatuas  e  obelisco  da  Avenida  da  Liberdade,  do  D.  Se- 
bastião da  Galeria  da  Ajuda  e  de  riiuitas  outras  obras 
dignas  de  maior  elogio  pelo  seu  mérito  artístico. 

Ajustei  por  450SC00  reis  o  busto  de  mármore,  tama- 
nho natural,  devendo  o  preço  ser  pago  em  trez  presta- 
ções á  medida  que  o  trabalh  )  for  avançando. 

N'as  epochas  correspondentes  recorrerei  ao  Sr.  Ger- 
mano Serrão  para  este  fim,  conforme  as  instrucções  do 
seu  officio. 

Como  praso  de  conclusão,  o  esculptor  fixou-o  em 
quatro  ou  cinco  mezes.  Ao  preço  do  busto  accrescerá  o 
plintho  ou  socco  respectivo,  caso  V.  Ex.'  assim  ordene 
que  se  faça. 

O  preço  indicado,  diz-me  o  esculptor  ser  o  mesmo 
dos  bustos  que  tem  feito  para  a  Camará  dos  Pares.  Am- 
bos elles,  especialmente  o  do  Duque  d'Avila  são  excel- 
lentes,  chegando  este  a  poder  considerar-se  uma  obra 
prima 

Isto  me  dá  a  confiança  de  que,  movido  ainda  mais 
pela  sympathia  do  retratado,  o  artista  produzirá  obra 
digna  d'ambos. 

Pela  minha  parte  já  forneci  os  vários  retratos  que  possuia  e  acompa- 
nharei a  execução  do  trabalho  com  aquelle  cuidado  que  me  impõe  a  hon- 
rosissima  commissão  em  que  me  investiram  mas  que  eu  espontaneamente  te- 
ria, ainda  quando  senão  me  desse  tal  motivo,  Icado  pela  saudade  pungen- 
te d'esse  que  foi  para  mim  mais  que  amigo  quasi  irmão». 


Busto  de  Anthero  de 
Quental 


X 


Sigias  ç  assignaítiras  de  algUns  artistas  e  artiíiçes 

A  serie  de  siglas  e  assignaturas  que  abaixo  registamos  por  nós  desenhadas  e 
decalcadas  (1)  deviam  ter  sido  publicadas  no  primeiro  apanhado  de  notas  que 
reunimos  em  volume  acompanhando  as  noticias  e  dados  biograpbicos   de   alguns 

(1)  — E'  sempre  muito  difficil  dar  por  este  processo  uma  reprolucçiío  rigorosamente  exacta,  com- 
tuJo  estamos  convencidos  de  que  se  algumas  deficiências  houver  não  terão  importância  para  o  caso 
de  uma  identificação. 


432 


REVISTA     MICHAELENSE 


artistas  e  artífices;  não  tínhamos  porém  ainda  n'essa  occasião  este  trabaliio  devida- 
mente organisado  e  só  agora  lhe  podemos  dar  publicidade. 

Apesar  de  ^er  muito  modesto  o  nosso  património  artístico,  julgamos  no  em- 
tanto,  alguma  utilidade  poder  resultar  de  conhecimento  d'essas  assignaturas  para 
o  effeito  de  identificação  que  porventura  seja  necessário  fazer-se. 

SÉCULO  XVi 


Assignaiura  de  Balthazar  Rebello  Barbosa — pintor  de  imaginaria  e  óleo;  d'elle 
temos  noticias  entre  1600  e  1621;  vid.  Notas  Sobre  Arte  1.*  parte  a  pag.  103.  Au- 
ctor  dos  papeis  pin- 
tados para  orna- 
mentação do  Sepul- 
cro da  Santa  Casa 
de  Ponta  Delgada 
em  1611. 

Colhida   no  re- 


gisto de  admissão 
para  irmão  da  San- 
ta Casa  de  Ponta 
Delgada  em  um 
maço  de  diversos 
livros  sob  o  titulo  de  Livro  da  Irmandade  a 
mas  deve  ser  dos  primeiros  mezes  de  1604. 


pag.  89.  Este  registo  não  tem    data 


SÉCULO  XV 


Assignatura  de  Francisco  Teixeira, 

Parece-nos  te- 
rem existido  dois 
artistas  imaginários 
com  este  nome, vid. 
Notas  sobre  Arte 
1.*  parte  a  paginas 
26  e  27. 

Esta  assignatu- 
ra foi  encontrada 
no  Livro  da  Irman- 
dade da  Santa  Casa 
de  Ponta  Delgada, 
livro  existente  no 
seu  archivo. 

Não  tem  ca- 
pas apparecendo 
apenas  a  pagina  3 
os  seguintes  dize- 
zeres— Livro  da  Ir- 
mandade. A  folhas 
46,  está  o  registo 
de  admissão  d'es- 
te    artista   para   Ir- 


imagmano. 


mão  da  Misericórdia  com  data  de  maio  ou  junho  de  1591. 


REVISTA    MICHAELENSE 


433 


SÉCULO  XIX 


<ítyz/t/^y»^ 


Assignatura  do  pi.itor  Ita 
liano  CJiorgio  Marini  encontrada 
em  um  retrato  de  família  que  pos 
suimos. 

Auctor  de  numerosos  re- 
tratos, painéis  religiosos  e  paiza- 
gens,  permaneceu  n'esta  Ilha  no 
terceiro  quartel  do  século  pas- 
sado. 

\'id.  Livro  citado  a  paginas 
143  e  144. 

SÉCULO  XVll 

Assignatura  do  imaginário  Nicolau  Domingues,  artista  nascido  pelos  ultimor 
annos  do  século  XVI  e  fallecido  em  1660;  auctor  de  diversos  retábulos,  vid.  Li- 
vro citado  a  pag.  31  e  32.  Esta  assignatura  foi  achada  no  livro  dos  assentos  dos 
Irmãos  da  Sanía  Casa  de  Ponta  Delgada  feito    no  anno  de  1621,  sendo    provedor 


ada  /7)   '  '  yy 


\^(UA^O   "h"^! 


y^>^^'^^ 


Jacome  Leite  de  Vasconcellos  e  escrivão  António  Sanches  e  que  na    primeira    pa- 
gna  diz— Livro  da  Irmandade  Antiga— a  paginas  64  encontra-se  o  registo  de    ad- 
missão do  artista  para  irmão  e  n'ella  a  assignatura  referida. 
SÉCULO  XVII 
Assignatura  de  Manuel  Ro- 
meiro, artista 
encontramos 

importâncias  pagas  pela  Santa  /i^  /'i,»^    '^^ly-éd/yií-^ 

Casa  de   Ponta  Delgada  pela         ///-<'  ^  ^  7^<>^X'^  y 

obra  do  retábulo  e  tribuna  da     Ky  C^,^^ — ^  *^ 

capella   da    Misericórdia:    no 

livro  da  Conta  Corrente  da  mesma  de  1700  a  paginasiiíl02  verso. 
SÉCULO  XVIII 
Assignatura  de 
Francisco  Moreira 
de  Sá,  pintor  deco- 
rador, encontrada 
no  livro  da  Conta 
Corrente  da  Santa 
Casa  de  Ponta  Del- 
gada de  1700,  pag. 
103  em  recibo  pas- 
sado, ao  ser  pago 
de  dezaseis  mil  reis  pela  decoração  do  throno  do  Camarim. 


434  /  RfeVISTA     MlCHAfcLt:r."-i' 


SÉCULO  XVIII 

Assignatura  do    pintor  decorador  Ma 
nuel  Fernandes,  que  se  encontra  a    pagina 
96  verso  do  livro  da  Conta  Corrente  da  San         , 
ta  Casa  de  Ponta  Delgada  de  1703,  em   um  <-^  ' 
recibo  passado  ao  ser  pago  do  trabalho  de 
decoração  do  retábulo  da  Egréja. 


miio^^^^^^yn/^ 


SÉCULO  XVII 

Assignatura  de  Miguel  Romeiro,  artista  imaginário,  um  dos  mais  afamados  ar- 
tistas de  seiscentos,  auctor  de  diversos  re- 
tábulos. 

Vid.  Livro  citado  a  paginas  33  —  34  - 
35  e  36. 

Esta  assignatura    encontra-se   no    livro 
da  Conta  Corrente  da  Santa  Casa  de  Ponta 
Delgada  de  1706  a  paginas  H 2  em    um    recibo  da    importância   d.'2ySl28    reis  e 
mais  58$660  de  concertos  na  tribuna  e  feiúo  do  retábulo  de  dois  altares  collateraes. 

SÉCULO  XVII  e  XVIII 

Assignatura  de  Amaro   de    Freitas,  pintor   decorador,  trabalhou    cm    diversos 
templos  entre  elles  o  de  Santo  André  de  Villa  Fran- 
ca de  16Q7  a  1699  de   collaboração  com    um  artista 
flamengo. 

Esta  assignatura  existe  no  Livro  da   Conta  Cor-  ^  "^(^^ — Í2t3*'^ 
rente  da  Santa  Casa   de    Ponta  Delgada   de  1710  a  — — ííí- 

paginas  102  em  um  recibo  pelo  trabalho  de  decora- 
Çcão  do  retábulo  da  capella  da  Egreja  e  do  nicho  do 
altar  do  Espirito  Santo  do  que  recebeu,  56$480. 

SÉCULO  XVIII 

Assignatura  de  Manoel  da  Costa  Oliveira,  decorador,  em  um    recibo  pelo  tra- 
balho e  materiaes   para  de-  J^O^  /i 

dois  ?eLabidos  coulte^rTes  da     . .    MCu)  o^  ^  <%/^  ^    W^^Z^^^^ 
Egreja   da    Santa   Casa    de    Ky  ^ 

Ponta  Delgada    registado    a  ^-"^ 

paginas  92  do  Livro  da  Conta  Corrente  da  Misericórdia  do    anno  de  1714   sob  o 
titulo  de  gastos  extraordinários. 

SÉCULO  XVIII 

Assignatura  do  oleiro  João  de  Souza,  que  apparece  no  Livro  da  Conta  Corren- 
ú  /  te  da  Santa  Casa  de  Ponta    Delgada  de  1710. 

/^      A  Ly      y  a  paginas  103. 

i^--^JCG//?l  C{yJouACK,_  Trata  se  de  pagamentos  a    dois  mestres, 

um  Mathias  Pereira, pedreiro,  e  outro  João  de 
Souza,  oleiro,  por  trabalho  e  fornecimento  de  materiaes  para  obras  no  corpo  da 
Egreja.  Terá  este  oleiro  fabricado  azulejo? 


REVISTA     MICHAELENSE 


435 


SÉCULO  XVIII 


Assignaturas  dos  en- 
tailiadores  Manuel  e  An- 
tónio Correia,  em  um  re- 
cibo por  trabalhos  feitos 
em  um  passo  construído 
no  Adro  da  Egreja  e  na 
sacristia  da  Santa  Casa 
de  Ponta  Delgada,  regis- 
tado no  Livro  da  Conta 
Corrente  da  Santa  Casa 
do  anno  de  172S  a  paginas  80. 


SÉCULO  XVIll 


Assignatu 
ra  do  ourive 
Manuel    d'Al     ^^    ,^ 
meida  Quental    /^ 
no    Livro    da   C^^ 
Conta  Corren- 
te    da    Santa     // 
Casa  de  Pon- 
172Q  a  pagina 
ta  Delgada  des  158. 


i&ÚJOyÇ/yA-íb^^-^^Ç^ 


SÉCULO  XVIII 


Assignatura  do  pintor  Manuel  Bote- 
lho que  decorou  e  pintou  um  passo  por 
15S0Ò0  reis;  Livro  da  Conta  Corrente  da 
Santa  Casa  de  Ponta  Delgada  de  1729  a 
paginas  158  verso. 


SÉCULO  XVII 


A.ssignatura  de  Manuel  Fernandc?.,  dourador,  que 
dourou  o  .'^acrario  da  Santa  Ca?a  de  Ponta  Delgada 
por  lòSOOO  reis;  Livro  da  Conta  Corrente  da  mes- 
ma Santa  Casa  do  anno  de  1681  a  paginas  8õ. 

SÉCULO  XVIII 

Assignatura  de  Manuel  Pinheiro  Moreira 
um  ac-rescenta  mento  e  illumi- 
nou  o  painel,  do  altar  mór 
da  Misericórdia  de  Ponta  Del- 
gada, por  12S000  reis.  As-i 
gna  o  recibo  d'esta  importân- 
cia registado  no  livro  da  Cou- 
ta Corrente  da  Misericórdia 
dos  annos  de  1684  ?,  1687,  c 
de  1717,  1723  e  1726  todas  no 
mesmo  livro  de  capas  muito  deterioradas  a  pagina: 


que  cm  1685    fe^ 


436 


REVISTA     MICHAELENSE 


SÉCULO    XVIII 


Gaspar  Jorge  e  Manuel  Teixeira,  lavran- 
tes  de  pedra  de  Villa  Franca,  que  fize- 
ram portas,  columnas  etc,  para  a  Santa 
Casa  de  Ponta  Delgada  o  que  se  vê  no  li- 
vro da  Conta  Corrente  da  mesma  de  1685 
a  paginas  109  por  30$000  reis. 


SÉCULO  XVIll? 


Assignatura  de  Pedro  Lopes,  entalhador,  que 
trabalhou  na  capella  e  frontispício  do  arco  da 
egreja  da  Santa  Casa  de  Ponta  Delgada,  ajustan- 
do a  obra  por  200$000  reis  e  um  moio  de  trigo. 

Assigna  o  respectivo  recibo  no  livro  da 
Conta  Corrente  da  mesma  Santa  Casa  do  anno 
de  1717  a  paginas  50. 


SÉCULO  XVIII 


Assignatura  que  firma  um  pequeno  quadro  a  crayon   que    pertencia  á    colle- 
cção  do  Sr.  António  Borges  da  Ca- 
mará Medeiros,  medindo  O,   15  por 
0,20  approximadamente,  represer 
um  lago    com    montes  ao   fundo 
no    primeiro    plano    duas    figuras 
n'um  barco  atracado,  onde  se  vêem  barricas  etc. 

Não  conhecemos  este  nomo  talvez  francez. 


z^^- 


/7<f 


SÉCULO  XVll 


Jeronima  do  Sacramento,  Freira  do  convento    de    Santo  André  de  Ponta  Del- 
gada, artista  de  valor  na  manufactura  de  flores  artificiaes. 

Vid.  Livro  citado  a  paginas  82  e  83. 

Esta  assignatura  encontra-se  no  livro    da  Conta  Corrente  da  Misericórdia  de 
Ponta  Delgada 
em   um   recibo 
da  importância  \      //^    r^ 
de  14$800  reis    ^^ '^ 


^YÒtZí^^Zc 


^c^^< 


0^1^:0^^^-  - 


pela  encom- 
menda  de  qua- 
renta e  oito  ra- 
malhetes para 
ornamentação  da  tribuna  e  retábulo  nas  endoenças. 
Anno  de  1704  a  paginas  98. 


REVISTA    MlCHAELENSt 


437 


SÉCULO  XVIII 


/  ssignatiira  de  João  Pen.'''\  lavrante  de 
pedra,  que  lavrou  as  armas  da  Santa  Casa 
de  Ponta  Delgada  em  pedra  vinda  da  ilha 
Terceira  e  fez  outros  trabalhos  recebendo 
47$190.  Assim  o  respectivo  recibo,  registado 
a  paginas  162  do  livro  da  Conta  Corrente  da 
Santa  Casa  de  17ô5— 17ó7. 


SÉCULO  XVIII 


Pedro  Machado  que  apparece  sob  a  denominação  de  escuiptor,  deve  ter  sido 
o  auctor  dos  armários  da  Sacris- 
tia de  Santo  André. 

Ainda  hoje  visíveis  —  Livro 
citado— a  paginas  41. 

Assigna  o'assento  de  irmão 
da  Santa  Casa  de  Ponta  Deíga- 
da  cm  Q  de  Fevereiro  de  1721, 
o  que  se  vê  no  Livro  da  ir- 
mandade da  mesma,  sendo  Pro- 
vedor o  Capitão  Oaspar  de  Medeiros  de  Souza  a  paginas  138. 


SÉCULO  XVIII 

Assignatura    de    Manuel  da  Costa  Oliveira^  pintor,  admittido  como  irmão  da 
St."  Casa  de  P.  Delgada  em  5  de  Fevereiro  de  1719.  Livro  da  Irmandade  da  mesma. 


sendo  provedor  o  Capitão  Oaspar  de  iWedeiros  de^Souza,  ai  paginas  136. 
SÉCULO  XVIII 


Assignatura  e  sigla  de  Bartholomeu  Fernan- 
des—azulador— que  suppomos  ser  o  oleiro  que 
pintava  a  côr  azul  nas  louças— sendo  assim,  te- 
mos n'este  nome  um  pintor  de  cerâmica,  foi  fei- 
to irmão  da  Santa  Casa  de  Ponta  Delgada  em  28 
de  Março  de  1677.  Livro  da  Irmandade  da  mes- 
ma 1654-1727, 


438 


REVISTA     MICHAELENSE 


SÉCULO  XVII 


Assignatiiras  dos  serralheiros  —  Marcos 
Fernandes  e  Manuel  de  Medeiros,  admittidos 
em  1663  para  irmãos  da  Santa  Casa  de  Ponta 
Delgada  Livro  da  Irmandade  da  mesma 
1654-1727. 


SÉCULO  XV 


Assignatura  de  Ignacio  da  Costa,  oleiro,  ac-  ^^ 

ceite  por  irmão  da  Santa  Casa  em  28  de  março  ^  ^y^^'^  ^- 

de  1677,  no  mesmo  Livro  da  Irmandade  a  pa-  '-^  J'           ' 
ginas  115. 


$c^^J. 


SÉCULO  XVII? 


António   Gonçalves, 
rives,  assignou  o   assento  de 
irmão  da  Santa  Casa  de  Po 
ta  Delgada  em  10   de    Fev 
reiro  de  1692,  citado  Livro  a 
paginas  121. 


í-^/.^^-^-^^cS.. 


SÉCULO  XVlll 


António  Moreira  de  Souza, 
ourives,  foi  admittido  para  ir- 
mão da  Santa  Casa  de  Ponta 
Delgada  em  24  de  Janeiro  de 
1704  —  citado  Livro  a  paginas 
128  verso. 


'^'■f^eif. 


SÉCULO  XVIII 


Assignatura  e  siglas  do  ourives  An- 
tónio da  "unha,  admittido  por  irmão  da 
Santa  Casa  de  Ponta  Delgada  em  24  de 
Fevereiro  de  1717,  citado  Livro  a  pagi- 
nas 135, 


-m^ 


REVISTA     MICHAELENSE 


439 


SÉCULO  XV 


Ma  tílias  Roiz,  serralheiro,  e  Manuel  Fernandes, 
dourador,  feitos  irmãos  da  Santa  Casa  de  Ponta 
Delicada  em  9  de  Fevereiro  de  lôTò— citado  livro 
a  paginas  1 15. 


7k)&h 


ya 


SÉCULO  XV4n 

,\\iguel  Machado,  marceneiro,  feito  irmão  da  Santa     /// 
Casa  de  Ponta  Delgada  em  1  de  Fevereiro  de  1722;  ci-   ^/l (Ú  i/f/'  f Jf 
ado  Livro  a  paginas  13S.  7      ^  J f/í 

SÉCULO  XVII 
Assignatura  do  oleiro  Manuel  Martins,  feito  irmão  da  Santa  Casa  de  Ponta  De- 


y\](!-"\U''h,./'' 


a/r 


cy  .fo 


gada  em  20  de  janeiro  de  1Õ93— citado  Livro  a  piginas  122. 
SÉCULO  XVill 


Assignatura  do  oleiro  Ma-  /i/}'i^- 

nuel  de  Mello,  feito  irmão    da  ,  y^yl.' 

Santa  Casa  de  Ponta  Delgada         AjJ/ 
em    9    de  Fevereiro    de  172L  c/^wí  0^j  Of  € 
citado  livro  a  paginas  138.         ^^    i'P  w     r    ^ 


Assignatura  do  ourives 
Thomaz  Carpinteiro, feito  ir- 
mão da  Santa  Casa  de  Ponta 
Delgada  em  15  de  Feverei- 
ro de  1675,  citado  livro  a 
paginas  114. 


SÉCULO  XVI! 


^4^v\ 


cx^ 


dP^-)/^Á-^-^o 


440 


REVISTA     MICHAELENSE 


SÉCULO  XVIII 


Assignaturas  dos  dois  escul- 
ptores  Manuel  da  Cunha  e  Fran- 
cisco Martins,  feitos    irmãos  da    , 
Santa  Casa    de  Ponta    Delgada  ''• 
em  24  de    janeiro  de  1723— citado  livro  a 
paginas  139. 


no 


Mé^^^/^ 


SÉCULO  XVIII 


'^'^^^ 


Assignaturas  de  três  entalhadores— Manuel 
d'Andrade,  André  de  Fontes  e  Ignacio  Mar- 
tins Pimentel,  feitos  irmãos  da  Santa  Casa  de 
Ponta  Delgada  em  28  de  janeiro  de  1725,  ci- 
tado livro  a  paginas  140  verso. 


Thomé  de  Paiva,  oleiro,  sua 
assignatura  ao  ser  feito  irmão 
da  Misericórdia  de  P.  Delgada 
em  9  de  Fevereiro  de  1716, 
citado  livro  a  pag.  134  verso. 


SÉCULO  XVII! 


\ 


Assignatura  do  pintor 
Manuel  Botelho  de  Sam- 
payo,  feito  irmão  da  Santa 
Casa  de  Ponta  Delgada  em 
10  de  Fevereiro  de  1726, 
citado  livro  a  paginas  141. 

Não  despertando  a  maior  parte  d'estas  assignaturas  um  interesse  im mediato, 
poderão  comtudo  ser  auxiliares  apreciáveis  na  discriminação  da  auctoria  e  data  de 
productos  artísticos  que  os  amadores  de  cousas  d'arte  encontrem. 

Já  temos  visto,  por  exemplo,  alguns  modelos  (raros)  de  cerâmica  com  os  si- 
.gnaes  da  manufactura  indígena,  firmados  com  assignaturas  em  abreviatura  que  só 
"com  o  auxilio  do  fac-simile  d'estas  poderão  ser  devidamente  identificados  e  appro- 
ximadamente  marcada  a  epocha  da  sua  composição. 

Na  primeira  parte  das  Notas  sobre  Arte,  encontram-se  informações  mais  deta- 
lhadas dos  artistas  cujas  assignaturas  agora  reproduzimos. 

Luís  Bernardo  L.  (VAthaide 


REVlSTAJVllCHAELENgE  441 

C  H  R  O  NI  CA  Financeira 


o   Cré  â  i  t  o 

•E'  certo  que  o  capital  de  ha  inuito  trabilha  a  ir  procurar  aos  mais  fundos  re- 
cônditos do  paiz  a  transacção.  Os  limitados  recursos  dos  fundos  das  administra- 
ções dos  bens  das  confrarias  e  irmandades  e  de  algum  capitalist:i  particular  foram 
com  as  leis  republicanas  extendidas  ás  Caixas  Económicas  postaes  nas  aldeias  e  os 
grandes  bancos  dás  Capitães  diffundetn  as  suas  agencias  pelas  capitães  dos  Distri- 
ctos  concorrendo  com  as  Emprezas  locaes. 

A  20  de  junho  em  Assembléa  Geral  foi  decidido  pela  Companhia  do  Banco 
Michaelense  a  não  cedência  da  gerência  da  casa  bancaria  ao  Banco  Ultramarino 
com  sede  em  Lisboa  que  lhe  propuzera  o  trespasse  da  firma  p^^lo  preço  das  a- 
cções  na  praça  de  Ponta  Delgada,  no  momento,  que  eram  de  cem  mil  reis, ou  fos- 
sem 50  por  cento  de  lucros  ao  valor  inicial  d;c  ajção  que  fora  de  cincoenta  mil 
reis  por  occasião  da  organisação  bancaria.  . 

Este  facto  mostra  tiem  que  o  capital  das  grandes  praças  se  ramifica  a  prestar 
os  seus  concuríos  áquelles  que  necessitam  dos  seus  benefícios  nas  Cidades  de  Pro- 
\incia  e  mesmo  nas  sedes  dos  Concelhos 

Evidentemente  essa  acção  e  iniciativas  d'esta  ordem  são  de  caracter  a  drenar 
I)  capital  runJ  para  as  capitães  do  paiz  e  não  soffre  duvida  económica  que  essa 
drenagem  qu.'  é  uma  emigração  de  dinheiro  não  é  o  regimen  ideal  nas  finanças 
ruracs.  Pode  cm  certos  casos  ser  uma  necessidade  financeira  para  o  capitalista,  mas 
não  é  a  fonte  económica  d'onde  corre  a  jorro  toda  a  civilização  d'uma  localidade. 
E'  certo  que  a  organisação  bancaria  não  escolhe  o  desconto  ao  empréstimo  ou  ao 
deposito,  mas  o  banco  é  ura  estabelecimento  que  attrahe  o  capita!  sobretudo  nas 
tendências  da  capitalização  divulgada  por  toda  a  parte,  e  a  producção  éo  verdadei- 
ro elemento  de  civilização,  e  para  el!a  é  preciso  adquirir  capital  para  o  empregar 
em  ramos  d'actividade  e  nunca  empregar  capital  para  auferir  juros  regularmente. 

A  actividade  da  Assembléa  Gera!  do  Banco  Michaelense  é  por  isso  mesmo 
louvável  combatendo  a  proposta  do  Banco  Ultramarino  n'uma  acção  administra- 
tiva para  a  capitalização  e  para  o  auferimento  regular  de  juros. 

O  empréstimo  foi  durante  longos  annos  n'esta  terra  uma  operação  d'adminis- 
tração  particular  sem  estarem  organisados  os  estabelecimentos  bancários;  o  juro 
de  oito  a  dez  por  cento  desceu  em  meados  do  século  XIX  para  6  e  desde  então 
manteve-se  elevado  até  aos  annos  passados  em  que  a  guerra  tolhendo  a  compra  e 
portanto  a  sahida  de  capital  para  o  extrangeiro,  muitas  despezas  no  paiz  e  muitos 
emprehendimentos  e  explorações,  accumulou-se  e  perdeu  muito  do  seu  valor  des- 
cendo para  4  por  cento. 

Em  fevereiro  de  1848  José  do  Canto  propoz  á  Sociedade  Promotora  da  Agri- 
cultura Michaelense  a  creação  dentro  dos  sócios,  d'um  banco  rural,  com  o  fim  de 
dar  auxilio  financeiro  aos  agricultores.  O  seu  plano  era  creal-o  com  as  metades 
em  dinheiro  e  a  outra  metade  em  propriedade  pertencente  aos  sócios  da  Socieda- 
de, fazendo  empréstimos  a  meio  por  cento  ao  mez  com  hypothecas  de  proprieda- 
de, géneros  arrecadados  ou  penhores  preciosos;  contrahindo  também  empréstimos 
a  5  por  cento;  creando  emissão  de  lettras;  formando  um  pessoal  limitado  a  um 
restricto  numero  de  empregados  e  superinfendido  por  um  directório  composto  por 
accionistas. 

José  do  Canto  escrupuloso  nas  preoccupações  de  vida  social  e  económica,  d'u- 
ma  moral  austera,  delicado  nos  seus  planos,  pródigo  nas  suas  acções,  imbuido 
d'iniciativa  para  emprezas  d'interesse  nacional  a  que  dedicava  uma  egual    attenção 


442  REVISTA     MICHAgLENSE 

á  que  dispensava  nas  organisações  particulares  do  seu  interesse  próprio,  José  do 
Canto  linha  um  plano  d'alcance  social  com  o  estabelecimento  do  Banco  Rural:  fa- 
cilitar o  crédito,  guerreando  a  usura,  e  tornando  regulamento  aberto  a  todas  as  a- 
ctividades  o  capital.  Ainda  em  52  tornou  José  do  Canto  a  insistir  na  sua  idéa  apre- 
sentando outro  projecto  de  Banco  Hypothecario  n'uma  orientação  puramente  asso- 
ciativa de  crédito  chamando  á  collaboração  todas  as  pessoas  que  quizessem  entre- 
gar capitães  pelos  quaes  receberiam  5  por  cento  do  juro  ou  contrahir  emprésti- 
mos não  inferiores  a  sommas  de  50  mil  reis  com  obrigatoriedade  de  amortisações 
semestraes  de  1  por  cenlo  para  despeza  d'adniinistração  do  banco  e  mais  1  "Io 
até  õ''lo  livremente  para  amortisação  da  divida.  Aqui  a  orgapisação  é  profusamen- 
te reg  ulamentada  constando  a  sua  constituição  de  201  artigos  apertando  quer  as 
_  condições    de    depositar    quer   as    condições  de  sa- 

bidas de  capitães,  prevendo-lhe  uma  existência  legal 
e  por  isso  dando-lhe  o  seu  estatuto  nos  termos  defi- 
nitivos. (Foi  publicado  no  Agricultor  Michaelense  de 
fevereiro  de  1852). 

A  falta  de  bancos  difíiculta  as  transacções  com  o 
extraugeiro,  o  recurso  dos  armadores  e  commerciantes 
da  praça  vinha,  sempre  satisfazer  com  quanto  o 
commerciante  insular  estava  mais  restringido,  limita- 
do entre  meia  dúzia  de  consignatários  que  recebiam 
as  mercadorias  d'exportação  e  em  troca  remettiam 
os  objectos  ou  materiaes  d'uso  e  consumo  aqui,  bem 
correu  o  intercambio  com  o  extrangeiro,  mas  depois 
que  a  multiplicidade  das  coisas  importadas  pelo  ilhéu 
augmentou,  difficultando  o  trabalho  do  agente  e  ag- 
gravando  a  compra  e  a  expedição  das  mercadorias,  a 
instituição  bancaria  começava  a  fazer  sentir  a  necessi- 
dade dos  seus  sei"viços  facilitando  a  compra  de  dinhei- 
ro extrangeiro  ou  transporte  de  valores  nacionaes  ao 
mesmo  tempo  quí  estabelecia  abertamente  e  com  re- 
gularidade todas  as  operações  de  depósitos,  descontos 
Tavares  Carreiro  ^  empréstimos. 

O  Senhor  Visconde  de  Faria  e  Maia  elaborou  então  o  seu  livro  de  propagan- 
da <'0s  Bancos  e  circulação  fiduciária»  em  1887  que  é  um  modelo  de  clareza  e  de 
boas  doutrinas,  expondo  os  serviços  das  Instituições  com  a  abertura  dos  créditos 
n'uma  terra  aonde  as  explorações  agrarias  tinham  fatalmente  que  se  iniciar  nos 
terrenos  incultos,  fazia  a  historia  das  organisações  bancarias  da  Inglaterra  e  da 
França,  criticava  os  systemas  com  os  exemplos  surgidos  pelo  decorrer  dos  tem- 
pos, e  entrando  no  regimen  das  íinanjas  portuguezas  elle  atacava  as  theorias  de 
Oliveira  Martins  e  a  organisação  dada  ao  banco  de  Portugal  desde  o  seu  inicio 
em  1846  e  no  decorrer  das  reformas  que  sofírera  até  1887. 

O  Visconde  de  Faria  e  Maia  tendo  exercido  as  funcções  de  Secretario  Geral 
do  Districto  e  Governador  Civil,  tendo  sentido  na  administração  publica  os  de- 
feitos do  centralismo  politico  nos  mais  pequenos  actos  administrativos,  combatia 
a  organisação  preferencial  de  Banco  Emissor  ao  Banco  de  Portugal  cujo  privilegio 
viera  dar  logar  a  tolerâncias  d'administração  justificadas  na  organisação  partidá- 
ria e  inicial  de  politica  do  tempo  que  não  só  aggravaram  o  regiinen  financeiro  do 
paiz  como  comprometteram  os  serviços  da  Instituição.  A  emissão  de  notas,  o  Vis- 
conde de  Faria  e  Maia  queria-a  extendida  a  qualquer  Sociedade  legal  e  mesmo  to- 
lerada a  qualquer  individualidade  que  se  responsabilisasse  em  propriedade  ou  em 
valores  peias  importâncias  das  notas  emittidas  á  circulação  combatendo  mesmo  o 
exemplo  de  certas  organisações  provinciaes  dado  por  Oliveira  Martins  para  a  or- 
ganisação bancaria  belga  aonde  um  banco  nacional  era  secundado  nas  differentes 


REVISTA    MICHAELENSE  443 

ocalidades  provinciaes  por  agencias  em  que  os  capitalistas  reunidos  em  sociedade 
estabelecem  a  taxa  do  juro  e  se  responsabilisavam  pelos  empréstimos,  elle  inclina- 
va-se  para  o  systema  americano  aonde  os  bancos  eram  formados  com  estatutos 
próprios  n'um  regimen  liberal  e  independente  podendo  usar  de  faculdades  emis- 
soras. 

Funccionavâ  desde  1867  a  caixa  económica  fundada  pela  Sociedade  deSoccor- 
i-os  mas  os  seus  serviços  que  começaram  por    limitar  os  depósitos    a  400  mil  reis 
dando  6  por  cento  de  juro  ao  anno  não  possuíam   alem  do   capital   de    1.500.000 
.•s.  que  poderia  ser  elevado  a  4  contos,  sendo  as  acções  para  constituírem  esse  ca- 
pital no  valor  de  10  mil  rs.cada  uma  distribuídas  pelos  sócios.  Denois  em  1876  na 
reforma  dos  Estatutos  cuja    assembléa    que  os  approvou 
reuniu-se  em  4  de  dezembro  n'uma   das  aulas  do    Lyceu 
da   Qraça  pelas   11    horas  do    dia  sob  a  presidência   do 
Dr.    António   Alberto    Pinheiro  Barros,  que    foi    reeleito  <#**^      ^ 

para  o    cargo,  ficou    constituindo   o   capital    da   caixa  o  m  '       ^ 

fundo    puramente  da  Sociedade    que   era    de    7  contos,  M''-'    >■ 

podendo  comtudo    subir  a  12  emíttindo-se  novas   acções  f^ 

de  10  mil  reis  cada  uma.  ^k-^ 

O    capital    em    1895    era    de  42  contos,  o   que  de-  ^T      ■ 

monstra   bem  os  progressos   da  Associação.  Comtudo  se      >^     ^^ÊL^'"'^^^^ 
a  Caixa   reunira    os   sócios  e  se  começara  a  extender  os      ^^^^^^^^^^^^' 
seus  benefícios  á  população  da  Cidade  não  era  comtudo,       ^^^^^^^^^^f 
se  bem  que  a  Sociedade  deSoccorros  era  uma  Sociedade         ^^^^H^^^r 
prospera,  a  instituição    bancaria  desejável  para  prover  ás  ^^^B^P^^ 

necessidades  dos    negociantes,  se  os    agentes,  os  exporta- 
dores,   a   gente  que  commerciava  com    o    extrangeiro    e      Francisco  Xavier  Pinio 
os  consignatários  de  navios   e  os  armadores  eram  ainda 

os  banqueiros  particulares  que  procediam  a  todas  as  operações  de  trocas  e  sa- 
ques necessários. 

Mesmo  assim  a  Caixa  Economicada  Associação  de  Soccorros  desenvolveu- 
se  e  constituia-se  n'um  banco,  sendo  a  sua  acção  como  Soccorros  prestar  a  to- 
dos os  associados  auxílios  da  medicina  e  phaniiacia  durante  a  doença,  e 
pecuniários  aos  inválidos,  sendo  também  subsidiados  os  funeraes,  pensionadas  as 
viuvas  e  dotadas  as  filhas  dos  sócios  logo  que  esses  sócios  não  possuíssem 
rendimento,  reforma  ou  pensão  superior  a  25  mil  reis  mensaes.  (Estatutos  de  22 
de   março  de   1898). 

Estava  o  capital  então  em  52  contos,  mas  as  funcções  bancarias  eram  sobre 
tudo  de  caracter  a  servir  á  collocação  do  pequeno  capital,  ao  emprego  do  pé  de 
meia  do  operário,  do  serviçal  ou  do  empregado  de  commercio,  sendo  os  grandes 
empréstimos  contrahidos  ainda  nos  particulares. 

Os  bancos  e  os  cambistas 

Era  facto  que  desde  1876  fora  estabelecida  a  agencia  do  Banco  de  Lisboa  e 
Açores  em  Ponta  Delgada  e  o  Snr.  Francisco  Xavier  Pinto  teve  os  negócios  do 
Banco  tie  Portugal  muito  antes  da  installação  da  sua  succursal  na  Cidade  desde 
quando  passaram  as  arrecadações  de  thesouraria  a  serem  depositadas  n'aquella 
casa  de  credito  e  esperarem  a  opportunidade  dos  pagamentos  das  folhas  ministe- 
riaes  aos  funccionarios  do  Estado  dos  differentes  Ministérios  e  despezas  gastas  na 
administração  publica  do  ÍMstricto.  Mas  os  créditos  não  foram  as  transacções 
d'estas  casas;  poucos  depósitos,  e  o  resto  saques,  alguns  câmbios  e  compra  e  ven- 
da de  cheques;  os  serviços  ao  Estado  sendo  mantidos  pelo  Banco  de  Portugal  até 
à  actualidade,  com  regularidade. 


444 


■Revista    michaelensê 


Mais  tarde  o  Banco  Ultramarino  também  tinha  aqui  um  correspondente;  mas 
estando  então  desenvolvida  a  acção  bancaria  no  pé  em  que  hoje  se  apresenta  e 
offerece  os  seus  serviços,  representou  um  papel  bem  apagado.  Pelo  outro  lado  as 
operações  de  credito  mantido  pelos  proprietários  chegaram  a  attingir  n'uma  só 
administração  particular   talvez    uma  media  de  cinquenta  contos  annuaes. 

A  emigração  de  1880  na  sua  nova  phase  desenvolvendo-se  primeiro  para  as 
Ilhas  Awahii  concentrada  depois  por  conveniências  operarias  no  continente  ameri- 
cano aonde  o  emigrante  encontrava  mqis  regalias  e  melhores  interesses  desenvol- 
vendo-se    progressivamente 

todos  os  annos,  deu  logar  :;        ;  -     .  ", 

necessidade  de    trocas    e    o 
piogresso  das    carreiras   de 

navegação  transatlântica  ai-  ,  .  '.' 

lemas    e    inglezas    trazendo  i 

anniialmente  a  Ponta  Delga- 
da milhares  de  Turistes  em 
transito,  impu/evam  a  ne- 
ceí--jidad-  do  L'slabeleciinen- 
to  d'uma  agLMvia  de  câm- 
bios n'um  lucal  central  da 
("idade.  Foi  o  Senhor  Au- 
gusto da  Silva  Moreira  que 
n  'um  Escriptorio  estabeleci- 
do á  praça  Velha  (acti  ai 
Republica)  abriu  o  negocio 
financeiro  ao  publico  com  crescentes  vantagens  que  acompanharam  os  dois  movi-' 
vimentos  sociaes— emigração  e  turismo.  A  casa  de  ca  nbio  com  as  suas  tabeliãs  a- 
companhando  as  íiurtuações  cambiaes  das  duas  bolsas  de  Lisboa  e  Porto  offere- 
cia  a  garantia  da  regularidade  que  as  casas  de  commercio  que  proporcionavam 
as  mesmas  trocas  de  moeda  não  oífereciam.  A  affluencia  de  dinlieiro  que  se  ex- 
pande pelo  commercio,  o  progresso  d'esse  mesmo  commercio,  c;:  lucros  positivos 
adquiridos  nas  industrias  das  culturas  d'ananazes  determinam  a  evolução  do  capi- 
tal mais  empregado  e  menos  reunido  para  a  exploração  financeira. 

São  as  ramificações  d'actividade  utilizadas  que  derivam  a  sua  acção  para  o 
trabalho  e  para  o  goso  correlativamente,  antes  preoccupada  na  reunião  do  capital 
difficilmente  e  com  êxito  duvidoso  empregado  em  explorações  pouco  definidas.  A 
influencia  do  capitalista  na  engrenagem  social  é  retirar  o  seu  capital  para  seguros 
emprehendimentos  que  a  nova  actividade  abre  á  sua  iniciativa;  desappareceram  as 
explorações  morosas,  o  capital  fugiu  dos  campos  para  a  Cidade;  os  capitalistas  re- 
unem-se  para  a  acção  em  commum  aonde  os  créditos  se  abrem  á  finança  deixan- 
do a  agricultura,  a  quem  os  Syndicatos  Agrícolas  abrem  os  cofres  nas  regiões  rús- 
ticas; e  na  Cidade  funcciona  o  banco  e  a  caixa  económica  vivendo  largamente 
das  operações  financeiras,  recebendo  mais  depósitos  que  fornecendo  capital  sob 
empréstimo. 

Em  1913  os  movimentos  do  Banco  Michaelensê  e  da  Caixa  Económica  foram 
os  seguintes,   como  se  constata  nos  balanços  que  reproduzimos: 


O 


■apo'  Canopii  da  Coinp  nihia  Wliiie  Stat  li 
levi  iiiA^iaidis  paia  os  Ei/ados  Unidos 


REVISTA    MICHAELENSE 


445 


CAIXA 
Activo -1913 


ECONÓMICA 
Passivo 


1918 


Caixa 

Lettras 

Penhores 

Hypothecas 

Contas  correntes 
Mobiliário , 


Depósitos 
Fundos  . . 


1 .608.Q4Q.34 

222.538.10 

1.831.487.44 


134.243.86 

563.159.90 

16.313.90 

1.018.824.42 

96.906.91 

2.038.45  , 

1.831.487.44 

Hoje  as  import."  d'esta  casa    verificain-se  nas   operações  executadas  em  1918. 

CAIXA   ECONÓMICA    EM  1918 

Activo  Passivo 


Caixa. . .  ■ • .  . 

36.372.41 

8y8.596.51 

4.470.08 

1.120.274.40 

544.516.23 

3.210.00 

2.607.439.63 

Fundos 

Depósitos 

239.764.400 
2  367  675  63 

Penhores 

^2:607:439:63 

Contas  correntes 

^ANCO    (VIICHAELENSE  1913 
Activo  Passivo 


Accionistas 

Caixa 

Carteira  commercial  . . 

Contas  diversas 

Contas  de. crédito  ga- 
rantidas  

Correspondências  em 
conta  corrente 

Dep.'"  n'outros  bancos 

Empréstimos 

Agencia  de  seguros  mo- 
veis e  utensilios 

Valores  depositados. . . 


138.000$00 
24.795S17,7 
201.769$57,7 
2.980$94,5 

35.271S78,7 

55.001$06,5 
13.052$40 
50.897$08 

1.584$17,3 
6.000$00 
529.352$20,4 


Capitai 

Contas  diversas 

Correspondências   em 

contas  correntes. . . . 
Credores    por   valores 

depositados.  ....... 

Depósitos  á  ordem  e  a 

prova. 

Fundos  de  reserva  . . . 
Ganhos  e  perdas 


230.000.00 
852.44 

9.728.06,8 

6.000.00 

273.546.14,6 
3.121.88,3 
6.103.66,7 

529.352$20,4 


^ANCO    [VIICHAELENSE  1918 
Activo  Pcssivo 


Accionistas 

Caixa 

Carteira  commercial.  . . 

Contas  diversas 

Contas  de   credito   ga- 
rantidas   . 


115.000$00 
222.644$39,5 
336.975$95 
69.351  $80,5 

162.544S30,5 


Caixa    d'apresentações 

Capital 

Contas  diversas 

Correspondências    em 
contas  correntes 


887$97 
230.000$00 
2.905$77.5 

62.003$58 


A  transpostar  906.5Í6$45,5 


A  transportar  295.797$32,5 


44b 


REVISTA     MICHAELENSÊ 


Transporte        Q0ò.516$45,5  Transporte  '    205.7Q7$32,5 

Correspondências    cm    ,  .,  ,  Credores  por  valor  de- 

conta  corrente  .....      '     10.Ó39$92,5   -        positado  '.. 3.000$00 

Dep.'"  «'outros  .baircos_        Q34.744$Q4         Dividendos 95S$00 

Emp.'""-  caucionados. .        123.002S28         Depósitos 1.670.907$82,5 

Empréstimos  sobre  pe-        '    ;  Fundo  de  reserva  ....  7.456$40,5 

nhores 5.914$S2         Ganbos  e  perdas _         6.372$66 

Moveis  e  utensiiioseva-  ..    ;  1984  492$215 

loree  depositados.  .  .  ^000$00  ■  •       ^  ' 

1.984.4y2$21,5  =  , 
No  decorrer  do  anno  outra  casa  bancaria  vem  juntar  a  sua  acção  ás  casas  es- 
tabelecidis  nos  mesmos  moldes  e  orientação:  é  a' Casa  Rapo?o,  Amaral  e  Comt.'' 
uma  tu  ma  cujas  tiadições  seriam  uma  garantia  de  successo  só  por  sise  os  méritos 
do  Sm  Ripobo  dAmaral  não  e^tivesíem  patentes  á  sociedade  pelos  múltiplos 
serviçcs  que  lhe  tèVn  pi  estado  jílom  administração  publica  }á  na  direcção  da  po- 
litica piogii  SMsta 

O  uaior  da  fDoeôa 

ÍM  nesta  bóa  gestação- das    prosperas    finanças  michaelenses  que'  surgiu    a 

oueira  de  19Í4— ]U18  que,  impedindo  a  navegação,  fechando  os  portos,  dando  lu- 

gai   \  medi  hs  pioliibitivas  d'importaçõ'e3,  paralysou  o  nosso  commercio  externo  o 

em  b'e\e  a  induslm  do    ananaz  soffria-as  consequen.-ias  fataes  d'essa  paralysia  e 

cvica  oe  d  3  ^  mil  e  duzentos  contos  Com  cerca  de  2  mil  contos  mais  de  interesses 

dependentes   são    retirados    da  vida   ccono- 

'^4  ^  ã^  T      '^^^^  /     !~Si        "'"'^'^  '^'^    Distri;:to.    A    Sociedade    Corretora 

""    s^,^  '  '^    ^'     de  friicti, outra  Sociedade  formada  com  intui- 

'J  ^*****<(.^.  T^       tOs  creditaes  para    proporcio'nar  o  augmento 

P     '  *>»   ^*''**^.>^       iniiu-írial  da  cultara  e  auxiliar  os  cultivadores 

^^  ]]:\  exportação  por  meio  do  grémio    ou  auxi- 

^  iio  commum,  ainda  ss   debateu  em  iniciativas 

/^ ^  de  exportação  tentando    a    navegação    á  vela 

|É  para  o    transporte  í  cie  carga,  mas  succumbiu 

pj  Mias  diííiculdadei  que  se  .desenrolavam  á  ma- 

'  neira  que    as  conveniências    dos  governos  a- 

\paravam  o  trafi_co   marítimo  e  que  a    acção 

uei  1  eira  dos  submarinos  alLemãos  crescia  d'in- 

leiísidade.  O  capital  então    accumula-se  outra 

/  L   \  especulação  commercial    desenvolve- 

>c  cumulativamente  com  o  -gosto  já  devido  ao 

encarecimento  dos  objectos  e  g^níros  de  con- 

■^      sumo  e  com  a  ociosidade  dos  primeiros  tem- 

'^^      pos  de  grande  parte  d^  classes  da  sociedade. 

-      Os:americanos   entraram  ern    guerra  em 

^    .  \bril  de  1917  e  para  a  policia  do  Atlântico  e 

garantia  do  conijiiercio-  entre    a  Europa    e   a 

u,^  ~     ..rfitítíl '    America  estabeleceram  a  Base  Naval  de  Ponta 

^  à  ui^^ÊÊÊ^^^m      Delgada. 

'"-^"^   jnifiMMWHBBB  ^^  forneciífientas   de  viveres   augmenta- 

^  *'''**''*"™^^^^^^^^"^      ram  e  algumas   explorações  no  commercio  e 
,  ;,.,.„  o producção  de  viveres    e    comestiveis  se  esta- 

E</i  mo  aonde  se  vae  in^irllai  o  Banco        \    .         ^ 

L  iiMmanno  beleceram. 

o  capital  agrupá-se  ahi,  emprega-se  no 
commerciíi  da  Cidade  que  se  desenvolve  e  fraduz-se  em  juro  garantido  e  alto;  af- 
flue  o  dinheiro  americano  cujas  trocas  dão  lugar  ao  desenvolvimento  do  commer- 


REVISTA     MICHAELENSÉ 


447 


cio  dos  cambiaes;  mas  então  é  que,  como  as  aguas  abertas  por  um  dique  ao  jun- 
tarem-se  as  correntes  reunidas  d'um  rio  a  outra  ribeira  se  revolucionam  ao  em- 
bate, assim  a  chegada  do  dinheiro  americano  produz  desnivelamento  nas  correntes 
chrematisticas  da  Cidade. 

O  preço  do  dollar  estava  a  2  escudos  fracos  (1.60  centavos  fortes)  fazendo-se 
por  esse  preço  as  trocas  quando  no  dia  2Q  de  Maio  de  1918  recebe-se  a  noticia 
que  essa  moeda  que  já  nos  dias  anteriores  tinha  descido  levemente  de  preço  nos 
cambistas  da  Capital  descera  nu  véspera  para  1$50  cent.,  (1$20  cent.  fortes).  A  bal- 
búrdia que  o  facto  causou  é  notável  e  tanto  mais  extraordinária  que  o  preço  era 
cotação  de  Lisboa  e  que  a  praça  de  Ponta  Delgada  devia  ser  estranha  ao  facto. 

O  dinheiro  americano  não  estava  de  facto  depreciado  porque  a  subida  d'elle 
duplicara  pouco  tempo  ao  romper-se  a  guerra  vindo  cont^-a  as  leis  económicas  da 
offerta  e  da  procura,  somente  obedecendo  aos  interesses  da  especulação  monetá- 
ria e  elevando  o  potencial  do  comprador  em  detrimento  do  valor  dos  productos 
vendidos. 

Aqui  a  critica  ainda  é  pouco  severa  com  a  censura  que  lhe  dirijo!  Nada  ex- 
plica a  tolerância  que  existe  na  sociedade  po-^tugueza  quanto  á  alteração  do  valor 
das  moedas  que  ]a    no    lemado    de    D     reinando  era   combatida    por  todas   as 

classes  commerciantes  do 

paiz.  E  se  n'esse  tempo 
ella  era  tolerável  porque 
representava  uma  forma 
d'im posto  revertendo  em 
beneficio  da  Coroa  e  in- 
directamente 110  paiz  e 
portanto  na  conectivida- 
de, agora  ella  é  o  refle.yo 
dos  caprichos  do  nego- 
ciante não  tendo  justifi- 
cação, antes  sendo  oroa- 
nisada  com  o  intuito  de 
beneficiar  com  os  negó- 
cios do  Estado  referentes 
á  divida  externa  cujos  ju- 
ros são  pagos  em  dinhei- 
ro extrangeiro. 
São  essas  alterações  de 
câmbios  que  duplicam  o  valor  dos  pagamentos  do  encargo  do  Estado  junto  dos 
credores  extrangeiro?.  quando  se  trata  d'um  caso  como  o  sucç.edido  com  os  dol- 
lars  quando  estabelecida  a  base  naval  em  Ponta  Delgada  em  maio  de  1918;  o  gra- 
vame que  qualquer  elevação  de  preço  de  moeda  inflige  não  é  só  aquelle  porque 
augmenta  o  valor,  é  ainda  o  abatimento  que  imprime  á  mercadoria  e  sobretudo  é 
a  desvalorização  do  producto  nacional  e  da  moeda  nacional. 

A  troca  da  moeda  é  um  serviço  remunerável  como  é  a  venda  ou  a  producção 
de  qualquer  artigo  ou  género,  ou  qualquer  serviço  d'escriptorio;  e  como  tal  devia 
merecer  a  attenção  das  Bolsas  das  differentes  praças  e  das  Associações  Commer- 
ciaes  e  Corporações  administrativas  que  imprimem  ao  commercio  de  oiro  bases 
seguras  acatáveis  por  todos  os  cambistas,  e  tranquillizadoras  para  todos  aquelles 
que  precisam  para  o  seu  commercio  de  dinheiro  extrangeiro. 

A  lição  de  28  de  Maio  é  possível  que  influ  i  n'esse  sentido  e  accelere  a  funda- 
ção d'uma  bolsa  de  commercio  na  Praça  de  Ponta  Delgada  que  nos  daria  a  ga- 
rantia d'uma  regularidade  de  câmbios  necessária  á  economia  publica. 

A  conservação  do  ágio  do  ouro  internacional  impõe-seao  progresso  de  todos 
os  paizes  e  estabelecel-o  com  a  regularidade  do  preço,  quer  na  venda  quer  na 
compra,  para  remuneração  de  serviços,  é  caminhar  para  a  obra  de  civilização  que 


O  Banco  de  Portugal  e  ao  lado  o  cscriptoito  do  Senhor 
Aiimsto  da  Silva  Moreira 


448 


REVISTA     MICHAELENSE 


é  O  desenvolvimento  d'industrias,  o  augmento  de  empregos,  e  a  execução  do  tra- 
balho productor.  E  como  em  todo  o  commercio  das  riquezas  de  consumo  é  neces- 
sário a  estabilidade  do  preço  de  venda,  a  iiistoria  do  commercio  dos  cereaes 
está  a  servir  d'exemplo  a  esta  demonstração  económica.  Quando  a  regularidade 
é  mantida,  quando  são  conservadas  as  normas  de  vida  entre  o  consumidor,  o  com- 
merciantf  e  o  agricultor,  as  coisas  passam-se  pelo  melhor;  porém  se  a  avidez  inflam- 
ma  a  vaidade  do  commerciante,  se  o  productor  teima  em  levantar  o  preço  aos  ce- 
reaes para  auferir  desmedidos  interesses,  então  os  clamores  saltam  de  todos  os  la- 
dos, a  miséria  ameaça  a  população  e  finalmente  a  revolta  estala  com  o  desanimo 
e  a  impotência  das  massas.  E  o  que  acontece  com  os  commerciantes  dá-se  com 
os  cambistas  ! 

Ha  um  século  que  os  michaelenses  exportam  laranja  e  ananazes  que  chega- 
ram a  subir  ao  valor  do  milhar  cte  contos  annualmente  e  é  tanto  mais  extraordi- 
nária esta  exportação  (500  mil  malotes  e  1.500.000  frutos)  que  ella  equilibrava  a 
balança  commercial,  i-)0is  que  os  valores  das  importações  annuaes  não  eram  supe- 
riores, mas  mesmo  que  fossem,  não  equivaliam 
os  productos  da  intensa  exportação  a  outro 
tanto  numerário  dj  moeda  extrangeira  que  era 
remettida  para  fora  para  pagi mento  de  cmi 
pras?  Seria;  mas  os  ágios  iufllunin  em  nos  o 
desfavor  e  os  ganhos  ficavam-se  no^  tro  ■  > 
muitas  vezes  e  perdiam-ce  20  e  iO  por  cjnt) 
quando  não  subia  a  50  e  60. 

A  acção  exercida  pelas  Camaias  Munici- 
paes  nos  séculos  anteriores  ao  século  XIX, 
quando  os  alniotacés  tinham  por  missão  fisra- 
lisar  as  decisões  das  vereações  quintj  ao  pie 
ço  dos  géneros,  da  .obra  e  dos  ce  eith  t  a  ho- 
je seguida  pelas  auctoridades  dist  icties  paia  o, 
cereaes  em  occasiões  de  crise,  devL  ser  a  c  n- 
servada  por  meio  de  ajcordos  intemationreo 
que  se  venham  a  estabelecer  paia  fuai  os  de^- 
contos  aos  trocos  de  dinheiro  por  egual,  entr„' 
os  organismos  financeiros  ae  todos  os  paizes. 
O  abuso  é  de  longa  data  e  elle  aggrava  em  pri- 
meiro lugar  os  interesses  do  Estado  annual- 
mente obrigado  a  pagamentos  em  oiro  para  o 
extrangeiro  para  satisfacção  dos  compromissos 
da  divida  externa,  todo  o  commerciante  que 
troca  o  dinheiro  portuguez  pelo  extrangeiro 
para  pagamento  de  mercadorias  na  praça  extrangeira, -e  emhm  o  comprador,  isto 
é  a  grande  massa  da  população  que  produzindo  mercadorias  já  de  preço  não  ele- 
vado as  vê  reduzidas  a  metade  do  valor  pelo  encarecimento  de  mercadorias  ex- 
trangeiras. 

É  um  facto  que  a  organisação  financeira  do  Banco  Ultramarino  estabelecendo 
agencias  em  Londres  e  Paris,  facilitando  o  intercambio  monetário  entre  o  extran- 
geiro e  Portugal,  trará  a  regularização  nos  preços  das  moedas;  mas  seja  como 
fôr  é  nas  Camarás  Legislativas  que  a  questão  deve  ser  debatida  a  fim  que  seja 'vo- 
tada a  defeza  do  Estado  e  é  na  Imprensa  das  praças  mais-  interessadas,  as  praças 
importadoras. 

Emquanto  o  Banco  Ultramarino  fundava  a  sua  agencia  em  Ponta  Delgada,  o 
seu  antigo  agente,  a  quem  durante  annos  estiveram  entregues  os  negócios  da  Casa 
bancaria,  falleceu.  Não  era  elle  que  estava  encarregado  de  extender  aqui  os  inte- 
resses da  Agencia,  já  entregues  a  dois  intelligentes  e  hábeis  gerentes  de  capitães 
conhecedores  do  meio  e  scientes  das  difficuldades  de  semelhantes  missões,  mas  el- 


Aiigiisio  da  Silva  Mor, 


REVISTA^  MICH AELE  NSE  449 

le  era  competentíssimo  e  teria  certamente  assumido  o  encargo,  se  os  seus  múltiplos 
affazeres  o  não  retivcssem  preso  a  outras  responsabilidades  irreconciliáveis.  José 
Tavares  Carreiro  tinha  a  agencia  d'uma  companhia  de  navegação  franccza,  a  Cy- 
prien  Fabre,  com  carreira  regular  para  os  Estados  Unidos  da"'America  do  Norte.que 
depois  da  guerra  augmentou  o  numero  dos  transatlânticos,  e  era  cônsul  d'ltalia,  que, 
depois  que  os  transatlânticos  de  Lloid  Sabbaudo  da  Companhia  Nacional  e  ainda  de 
outra  param  regularmente  no  porto  c  abastecem-se  de  carvão,  multiplicara  os  affa- 
zeres de  Chancellaria  por  uma  forma  notável.  Bastam  estas  attribuições  para  enche- 
rem a  vida  de  qualquer  cidadão  activo,  mas  o  Cônsul  d'ltalia  nas  horas  vagas  ain- 
da tinha  tempo  para  se  occupar  d'algumas  administrações  particulares,  não  descu- 
rando a  arte  pela  qual  tinha  uma  verdadeira  inclinação  desde  novo.  A  convivência 
com  o  Barão  da  Fonte  Bella  influiu  certamente  para  a  fortificação  dos  talentos  na- 
tos pois  que  Fonte  Bella  era  um  colleccionador  d'obiectos  d'arte  e  raridades,  um 
pintor  espontâneo,  desenhando  a  primor;  e  o  Snr.  Tavares  Carreiro,  um  cultor  do 
Bello,  exercitou  os  dotes  naturaes  escrevendo  por  forma  raramente  egualada,  e  nun- 
ca excedida,  pelos  illuminuristas  da  renascença  e  da  edade  media,  quando  a  Im- 
prensa era  uma  industria  morta  ou  difficil,  apesar  d'esses  artistas  de  paciência  vi- 
verem em  claustros  a  maior  parte  das  vezes  entregues  a  poucas  occupações.  Egua- 
lar  um  typo  era  para  elle  obra  simples  e  as  suas  lettras  eram  sempre,  mesmo  na 
correspondência  diária,  um  modelo  d'harmonia  e  perfeição,  em  traços  certos,  fir- 
mes, eguaes,  calligraphicamente  os  mais  uniformes  possivei.  Quando  o  profes<^or 
Godinho  aqui  esteve,  o  Senhor  Tavares  Carreiro  tomou  lições,  mas  o  professor  viu 
logo  que  não  tinha  alli  um  disciplo  mas  sim  um  artista  muito  pessoal,  inegualavel 
no  seu  género  e  capaz  de  exceder  os  mais  bel  los  modelos  da  arte  de  calligraphia. 
De  resto,  qualquer  obra  de  paciência  quer  fosse  de  talha  ou  cinzel,  tendo  elle  tem- 
po e  execução,  era  um  divertimento  apenas  e  as  difficuldades  venciam-se  rapida- 
mente. A  sua  enorme  habilidade  em  negócios,  a  grande  pratica  de  contabilidade, 
os  conhecimentos  de  finanças  que  possuia,  dedicados  aos  interesses  do  Banco  Ul- 
tramarino seriam  de  benéficos  resultados  não  só  para  a  Instituição  como  para  a 
sociedade;  as  suas  attenções  presas  na  agencia  da  carreira  de  navegação  franceza  e 
no  consulado  d'italia  foram  a  primeira  barreira  que  o  separaram  do  Banco, a  fata- 
lidade do  seu  fallecimento  era  a  irremediável  e  definitiva  que  se  oppunha  a  seme- 
lhante missão. 

Não  eram  estreitas  as  suas  relações  de  negócios  com  os  extrangeiros,  mas  elle 
tinha-os  e  elles  poderiam-no  ter  levado  a  negociações  convenientes  sobre  as  trocas 
de  moedas;  os  actuaes  agentes  que  venceram  a  crise  á  testa  dos  negócios  do  Ban- 
co Michaelense  não  estão  comtudo  nos  casos  de  offerecerem  qualquer  esperança 
n'esta  missão,  pois  que  em  tudo  dependentes  dos  negócios  da  sede  da  organisação 
bancaria  soffrem  as  influencias  de  Lisboa  e  é  de  lá  que  o  mal  vem. 

Dizer  que  a  lei  da  offerta  e  da  procura  influe  nas  fluctuações  monetárias  se- 
rias é  commetter  um  erro,  pois  que  desde  que  os  compromissos  foram  tomados 
entre  o  governo  portuguez  e  os  credores  externos,  a  exportação  portugueza  para 
o  extrangeiro  augmentou  immenso,  o  que  equivale  a  dizer  que  também  a  entrada 
d'esse  dinheiro  augmentou  correlativamente.  Hintze  Ribeiro  nas  suas  experiências 
financeiras  nas  Camarás,  quer  como  representante  dos  povos  quer  como  ministro, 
teve  sempre  o  escrúpulo  de  não  tocar  nos  valores  da  moeda,  considerando-os 
um  negocio  particular  em  que  não  seria  justo  ingerir-se  com  imposições  officiaes; 
varias  vezes  citou  os  antecedentes  históricos  citando  o  reinado  de  D.  Fernando  e  o 
de  outros  reis  que,  quando  as  exigências  da  Coroa  e  da  Nação  assim  o  exigiam  co- 
mo uma  forma  d'imposío,  arrecadavam  os  dinheiros,  fundiam  os  metaes  e  torna- 
vam-nos  a  cunhar  com  outro  valor  inferior;  e  se  elle  relatou  que  os  commercian- 
tes  se  oppuzeram  varias  vezes  a  semelhantes  praticas  que  os  attingiam  nos  seus  in- 
teresses pessoaes  de  industriaes,  commerciantes  ou  agricultores,  nunca  disse  que  o 
Estado  agora  tornado  particular  em  face  dos  usos  e  costumes  tinha  ainda  mais  di- 
reito de  reclamar  e  de  se  oppor  ao  lesamento  dos  seus  intererses,  ao  passo  que  to- 


450  REVISTA     MICHAELENSE 

da  a  sociedade  portiigueza  é  egualmente  attingida  e  impõe-se-lhe  o  dever  de  o  pro- 
clamar também. 

Era  uma  comprehensão  das  coisas,  partiliiada  pelo  seu  coliega  do  partido  op- 
posto,  José  Luciano  de  Castro,  mas  a  sua  integridade  jamais  attingida  em  negócios 
públicos  e  sobretudo  financeiros  não  se  enalteceu  por  esta  pratica  não  interven- 
cionista. 

Os  homens  públicos  d'hojenão  parecem  prender-se  aos  grandes  problemas  dos 
quaes  este  faz  parte  para  a  regeneração  económica  do  paiz;mas  nos  trabalhos  d'ex- 
ploração  das  minas,  no  aproveitamento  do  tempo  e  do  trabalho  ■  nas  repartições  e 
obras  do  Estado,  na  producção  industrial  e  na  resolução  do  problema  financeiro 
está  todo  o  futuro  de  Portugal. 

Dizer  que  a  entrada  da  moeda  por  meio  da  emigração  é  uma  riqueza  nacional 
é  proferir  a  mais  falsa  affirmação  que  jamais  tem  sido  affirmada,  porque  o  dinheiro 
que  vem  dos  emigrantes  não  compensa  o  dinheiro  que  o  seu  próprio  trabalho  al- 
cança na  Pátria  e  a  rodagem  que  se  perde  com  o  seu  consumo  progressivo,  sobre- 
tudo no  decorrer  de  alguns  annos,  quando  a  descendência  representaria  uma  gera- 
ção de  novos  productores  e  consumidores.  Bom  seria  que  o  estabelecimento  d'uteis 
industrias  fosse  preconisado,  pois  que  ellas  absorveriam  muitas  actividades. 

Esta  sim  que  é  a  bôa  doutrina  harmonisando-se  com  os  orincipios  moraes 
d'economia  nacional  e  politica;  não  ha  muita  população  já  para  a  grande  activida- 
de industrial  que  se  está  abrindo  e  os  misteres  auxiliares  e  empregos  caseiros  vão 
sendo  gravemente  affectados.  Os  transtornos  que  a  limitação  por  falta  de  braços  in- 
flige aos  vários  misteres  e  officios  são  enormes  e  a  economia  publica  soffre  e  o 
augmento  das  riquezas  também.  Estão  estabelecidas  as  communicações  com  os  Es- 
tados Unidos  da  America  do  Norte  e  é  natural  que  a  Empreza  da  \X'hite  Star  Line 
faça  o  que  já  fez  a  Cyprien  Fabre,  augmente  o  numero  d'unidades  n'esta  carreira; 
as  facilidades  estão  outra  vez  abertas  aos  emigrantes  apesar  de  na  America  quasi 
fecharem  os  portos  á  gente  européa  que  alli  affluia  em  procura  de  trabalho,  por 
leis  especiaes.  As  populações  ruraes  estão  a  ser  procuradas  não  só  para  o  trabalho 
dos  campos  aonde  se  tem  pago  salários  na  Cidade  a  2$õ00  reis  com  prejuízos  im- 
portantes para  o  cultivador  que  não  vende  os  seus  géneros  por  preço  correspon- 
dente, mas  também  para  toda  a  variedade  d'industrias  e  officios  vendo-se  constan- 
temente patrões  e  chefes  d'officina  azafamado^^  com  trabalho  a  que  não  podem  dar 
expedier.te,  e  são  moços  d'encardernadores,  de  entalhadores,  de  marceneiros,  de 
ferreiros  e  fundidores  etc,  etc,  que  faltam  e  que  só  com  difficuldade  e  com  muito 
tempo  se  encontram. 

Toda  essa  gente  representa  não  só  o  trabalho  que  produz  como  o  consumo 
que  faz  e  o  dinheiro  que  possam  mandar  ás  famílias  d'America  nunca  compensa 
os  benefícios  que  aqui  deixarão  d'exercer  collaborando  no  desenvolvimento  e  pro- 
gresso do  trabalho  e  da  riqueza  publica,  apesar  do  seu  dinheiro  valer  aqui  ao  a- 
gio  presente  o  dobro  do  valor  do  dinheiro  portuguez. 

E'  preciso  ter  presente  que  o  dinheiro  representa  os  valores  do  trabalho  e  da 
producção  e  quando  elle  estiver  fora  desta  missão,  o  que  acontece  quando  os 
ágios  sobem,  deixou  de  ter  a  funcção  social  para  que  foi  creado  e  sendo  uma  ano- 
malia é  egualmente  um  prejuízo.  Se  alguém  me  viesse  dizer  que  tinha  adquirido 
um  automóvel  a  fim  de  consumir  gazolina  americana,  eu  diria  que  a  pessoa  estava 
doida  e  á  borda  do  crime;  os  automóveis  não  servem  para  consumir  gazclina  e  da 
emigração  não  resulta  utilidade  e  não  é  certamente  o  dinheiro  que  do  paiz  immi- 
grador  é  enviado  para  o  paiz  emigrante  pelos  expatriados  da  pátria,  que  a  ori- 
gina. 

Agora  está  levantada  a  base  naval  americana  que  aqui  se  estabeleceu  em  ja- 
neiro de  1918.  Os  americanos  que  se  abasteciam  aqui  das  carnes,  géneros  comes- 
tíveis verdes,  fructas  e  que  alem  d'isso  para  o  pessoal  da  Base  e  para  conveniência 
dos  serviços  adquiriram  por  arrendamento  varias  habitações  e  locaes,  encontran- 
do no  espirito  dos  fornecedores   e   dos  arrendatários   dos  domicílios  ainda  que  a 


REVISTA     MICHAELeNSE 


451 


vontade  de  prestar  serviços  uma  hitola  de  preços  remuneradores  para  a  occasião, 
produziram  uma  alta  que  foi  verdadeiramente  nefasta  para  um  grande  numero  de 
classes  que  vivem  regularmente  d'honorariob  certos  e  que  nunca  se  deveria  ter  da- 
do se  o  critério  da  defeza  dos  interesses  collectivos  estivesse  mais  solidamente  a- 
ctuando  na  vida  social. O'^  ordenados  dos  empregado^  públicos  subiram,  subiu  toua 
a  tabeliã  dos  preços  dos  géneros  e  das  coisas.o  que  já  deveria  ter  acontecido  antes 
da  guerra,  mas  quando  o  dinheiro  americano  que  gastava  toda  essa  gente  que  pas- 
sava por  Ponta  Delgada  valia  o  dobro  do  dinheiro  por  que  os  michaclenses  aufe- 
riam as  suas  mercadorias  com  a  aggravante  de  serem  todos  os  mi^jteres  e  serviçOs 
na  America  mi!Íto  mais  caros  do  que  os  nossos,  comprehende-se  todo  o  desequilí- 
brio económico  que  se  deu,e  a  que  já  atraz 
fizemos  referencia,  e,  facto  extraordinário, 
quando  se  manifestou  a  descida  do  preço  do 
dollar  inexplicável  e  só  justificável  aos  inte- 
resses dos  cambistas,  o  Almirante  da  Base, 
que  era  então  o  Snr.  Dunn,  com  toda  a  ra- 
zão defendeu  os  interesses  dos  marinheiros 
americanos  prohibindo-os  de  sahir  de  bor- 
do emquanto  não  fosse  restituído  o  preço  do 
dollar  ao  que  era  umas  horas  antes,  o  que 
de  facto  aconteceu  dois  ou  trez  dias  depois, 
com  a  intervenção  da  Associação  Commer- 
cial,  como  já  relatei  atraz. 

Aqui  regista-se  com  bastante  pesar  a 
falta  de  solidariedade  que  houve  por  pai  te 
da  finança,  não  de  solidariedade  finan^x-iia 
que  essa  houve  entre  os  michaclenses  e  os 
cambistas  de  Lisboa  para  a  defeza  dos  inte- 
resses communs,  mas  de  solidariedade  col- 
lectiva  e  social,  aquella  que  serve  de  paut  i 
aos  negócios  públicos  e  que  se  submettead 
princípios  civicos  que  se  agrupam  em  volt  i 
da  causa  nacirnal. 

Agora  que  tudo  se  normalisa  ao  redor 
do  commercio,  aos  financeiros  de  Ponta 
Delgada  está  indicada  a  missão  da  regulari- 
dade dos  câmbios  e  dos  ágios,  isto  é,  mes- 
mo o  seu  desapparecimento,  se  possível -fôr,  ^ 
reconhecendo-se  só  o  premio  pelo  qual  a 
remuneração  do  serviço  de  trocas  está  garantida. 


Caixa  Económica  da  Associação  de  Socorros 
Mútuos  de  Ponta  Delgada 


José  Olaiifllo  ie  Sottia  &  6/ 

Estabelecimento  de  Quinquilharias,  Papelaria,  Livraria,  Louças  e  Vidros 


j      Representantes    da    IMPRENSA   NACIONAL— Libboa,    da    A\apufaçture 
Françaijc  cl'Arrt7e5,  Saint  Eiiene— França,  da  Tinturaria  Canibournac 
!  — Lisboa  e  da  importante  casa  ingleza  SCsiowies  &  Fosíer—Londres. 

1     '  Endereço  telegraphico— OIDUALC  — Pontadelgada 

Códigos  usadoa  RIBEIRO   e   A.  B.  C.  5.-  edição  CAIXA  DO  CORREIO  n.°  18 

7     Rua  António  José  d'Ameida— 9  IVulgu  Rua    Nova  da  Matriz)  Ponta  Oelgaila— S.    Miguel  -  Açores 


] 


Imíim  fEBi  liiijiissi!) 

y  Papelaria,  Livraria  e  Artigos  def      f     $         oS  "i-^i 

T  Novidade  T      |.<5  ci-  c^sl^J 

S  Papeis   c  envelopes  na    1       [    ^  B     ^  ^  ^2  Í  °   1 

T    cionacs  e  extrangciros    '       -     "^^  ■"      "  "" -n         ->       >--    « 

i      Novidades  literárias 

f    Rrtigo5  para  escriptorio 

S    Postaes  e  álbuns  com  vistas 
y  ra  ilha,  nssiui   cosiio    rendas  e 

Í    vários  trabalhos  nianuaes  de 
industria  local 

j  Lado  norte  da  A\atriz  n."  23 

1  Ponta    Delgada     S.    Miguel  — Açores 


T 

í 

ó 

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Cf 

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'i  fa:pei,abia  amba» 

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1  ^ 

■:i  AVs/a  coífí  riicon frase  scnipic  :'i  venda  um  variado  sortido  em  papeis  e  envelopes  naclonaes   i^ 

A  e  extrangeiros,  livros  em  branco,  pastas  e  mais  objectos  para  escriptorios,  tintas  para  aguarelas   ■• 

1  em  bonitos  estojos,  tela  e  tintas  d' óleo,  pincéis  e  mais  ariigos  para  pintnra,   cnneiras,  pasta    e   1^ 

~'\  pôs  dentrificos,  sabonetes,  óculos,  galões  donrados  para   oficiaes  ,  romancee,   livros  de  ensino   u 

.:  primário,  secundário  e  normal,  diccionarios,  etc,  etc.                                                                              ^ 

^  Oficina  d'encadernaçàO    Pe^eito  acabamento,  bom               Artigos   para  caça            l 

A  -                                                                        gosto  e  pontualidade.                -4  Bilhetes  postaes  illustrados  ►-        1' 


®'  ",RMAZENS 


OGUMBREIRO 


Esquinas  das  Ruas  MaíUíe!  Ignacic  Corrêa  e  Machado  los  Santos 


mGDRS  I 

Confecções  para  senhoras  e  creanças  | 

Lãs  c  sedas  nacionaes  e  estrangeiras  \ 

Chapcus,  giiarda-soes  e  bengalas  | 

LG>sças  e  vidros  1 

ARTIGOS   DE    RETOEBZIRO  | 


Calçado  do  melhor  que  se  fabrica 
paiz  pelos  últimos  modelos 


IVlElflS,  PEUGflS,  CAMISOLAS  E  OUTROS 
ARTIGOS  DE  MALHA 


àKfims.  PàHÂ  ERIHDC^. 


Tecidos  paríi  reposteiros, 

passadeiíras,  etc, 


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Sf      mr.Rcn  reqist.  ™— '  X 

O  o 

0       FflanipnSaçào  de  Licores,  Cognacs  e  Xaropes  peio  sistema  mais      ^ 
Q  moderno  e  aperfeiçoado 

O  ^~ 

/\  AlgTtUS  typOS  de  licores  :  Tsiplíce  Atlântida^ Abaditíne  — Abade—     S^ 

\/ „=_.^. — .^^ — Curaçáo  d'Holla»da— Aaigete               ^ 

/S  d'Htoll{i.<da- Mentbe  Glacial  (verde)— Creme  de  Cacau  e  Saunllb 

^  Aniz  ChristaXisado  (escarchado)  etc.  etc. 

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o   Fabricantes  do  excelente  xarope  TXTTTI  FRUTTI 

1^  O  melhor  entve  os  melhores 

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0  Oeposãio  e  escrèptorio  :  Rua  Almirante  Reis 

V  Ponta  Delgada-S.  Miguel- AÇORES  S^ 

OOOOOOOOOOOCOOIOOOOOOOOOOOOOOOO 


.8 


índice 


Pag. 

Monografia  df.  Santa  Luzia  do  logar  das  Feteiras— por  António  José 

Lopes  da  Luz 345 

Notas  e  Estatística  da  Ilha  de  S.  Miguel— por  Francisco  Borges  da 

Silva --- 374 

GoNSALO  Xavier  d'Alcaçova  Carneiro  e  cartas  da  sua  correspondên- 
cia PARTICULAR  COM  ANTÓNIO  NUNES  RiBEIRO  SANCHES 382 

Uma  Família  Histórica— O  Conde  do  Botelho— pelo  P."  Ernesto  Ferreira  411 
Novos  Sui;siDios  para  a  Ethnographia  e  para  a  Historia  da  Arte  Por- 

tuguezas— por  Luís  Bernardo  L.  d'Athaide 426 

Chronica  Financeira 441