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^nm %-.
^útrrÒTú wrj-n^^4
índice
DO NUMERO ANTECEDENTE
Pag.
Breve noticia da reclusão do Conde do Rio Grande, Lopo Furta-
do DE Mendonça, almirante da Real Armada, no castello da
Ilha Terceira — por Bernardino José de Senna Freitas 211
Historia do Descobrimento das Ilhas dos Açores e sua denomi-
nação de ilhas Flamengas— pelo dr. Jules Mées, traducção de
Ayres Jacome Corrêa 220
Paramentos Religiosos do século xiv das Egrejas, Matriz de Pon-
ta Delgada, e do Collegio de Angra do Heroisvio— por F.
Afonso Chaves _ 255
A Crise da Guerra na Inglaterra 264
Poeiras do Passado— O SOLAR— por Anibal Bicudo 278
Notas e Estatística da Ilha de Santa Maria, pelo Engenheiro
Francisco Borces da Silva nos princípios do século xis. 283
Chronica Económica.., 293
Apontamentos sobre Architectura Regional— por Luís Bernardo
L. d'Atliaide 315
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Champazne, Licores, Tabacos, etc. etc.
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frente da iTlaíriz
PROPRIETÁRIO, DIRECTOR E EDITOR — AYRES JACONIE CORRÊA :
Redacção e administração
RUA DO COLLEGIO N.'' 13
1'ONTA DKLCi.
MKiCEL-AÇUUES
Composição e mpressão
Oficina de Artes Graphloes
Os direitos de propriedade são todos da Revista salvo para os artigos^Çque trouxerem mançãò especii
COPIA E TRADUCÇÃO INTERDICTAS
fiNNO ."2
S. IWIGUEL, SETEIVIBRO DE 1919
r*
A\ooo5r2^pbia <íe Sapta Luziam cio logar
por Rntonib losé Lopes da Luz
(IV PRiOR DAS FETEIRAS)
1908
LOG/\R
A área do logar das Feteiras, conhecida por este nome, conforme nos diz Gas-
par Fructuoso, desde o tempo em que abundavam os fetos nm seus extensos cam-
pos de pastos e mattos, extende-se de norte a sul por pouco mais de oito kilome-
tros, desde um sitio montanhoso, antigo logradouro commum, conhecido ainda
lioje com o nome de Serra Devassa, extremo limite com a freguezia de S. António,
até á (3 ria marítima de uma altura espantosa, principalmente no sitio intitulado do
Monte Gordo. Na direcção de leste a oeste, pela estrada publica de Ponta Delgada
aos Mosteiros, podemos contar sete kilometros, desde a Grota da Figueira, que
desce pelo Monte Gordo, extremo limite com o logar da Relva, até á Grota da
Baldaia, extremo limite com o logar de Candelária.
Collocados em qualquer sitio do Monte Gordo na estrada que o atravessa dt
léste a oeste, e olhando para os lados de noroeste a nordeste, não podemos deixar de
admirar os formosos caprichos da natureza e os encantos que n'esses sitios nos offe-
recem os vários montes e valles, os picos e os outeiros, todos cobertos de uma ver-
dura perpetua!... De uma altitude de mais de 700 metros, no cimo do Pico d;;s
Egoas, no centro da Serra Devassa, podemos ainda admirar o bello panorama que
a nossa visia descobre a distancia de muitos kilometros nas parochias circum lisi-
nhas L . . No cimo do mesmo pico podemos também vêr e admirar duas lagoas, a
prim.eira das quaes, no rumo de oeste para léste, é intitulada a Lagoa do Junco, e
a segunda quasi imperceptivelmente formada de outras duas, a que se dá o nome
de Caldeirões do Pico das Egoas. Maior ainda do que estas, e quasi atravessando
a Serra-Devassa de norte a sul vê-se a Lagoa Rasa, e entre esta e outra de figura
oval, a que dão o nome de Lagoa do Carvão, podemos ainda distinguir duas pe-
346
REVISTA MICHAELENSE
quenas lagoas intituladas Caldeirões da Lagoa Rasa, e outras duas maiores intitu-
ladas Caldeirões das Vaccas Brancas.
Além da Serra-Devassa, já nos limites das freguezias do norte, principia o vas-
to campo do Carcereiro, e caminhando de leste para oeste, o Portal do Paul com
duas Lagoas no centro intituladas as Empadas ou Lagoas do Paul, depois de um
sitio extenso conhecido por Sitio dos Covões, depois ainda o sitio do Canário com
a sua lagoa do mesmo nome no centro, ejinaimente o Mtio do Ferreiro junto á
rocha das Sete-Cidades.
No regresso da Serra-Devassa á nossa parochia das Feteiras podemos passar
de leste a oeste, por qualquer dos pontos seguintes : sitio dos Folhadinlws, Pico
das Oveiras, Ponta da Lagoa Rasa, Pico fiedondo, Santos, o Ferreiro, os Agui-
Ihões, o Serrádo-Novo, a Ferraria, sitio das Covas, os tspigões, deixando á nossa
direita a Chã da Cancella e o Pico da Viuva.
Depois de termos atravessado vastissimos campos de férteis pastagens e al-
guns de boas culturas, chegamos á estrada publica do Monte Gordo, de uma al-
tura vertiginosa, nada menos de 250 metros ^obre as pedras continuamente fusti-
gadas pelas vagas muitas vezes embravecidas do oceano. As rochas do Monte-
Gordo, pouco menos do que escarpadas, são muito divididas em cerrados de pe-
quenas glebas, cobertos de formosas parreiras onde antigamente se colhia em gran-
de abundância o verdelho, o sobrainho e a malvasia, e onde ainda hoje fructifica
a Izabel ou uva de cheiro como na Caloura ou no Cerco de Agua de PâU. Algu-
mas d'essas glebas são regadas pelas ayuas de uma boá náScehté de agua potável.
-^ Penosamente e com o
j,: 1 máximo cuidado é neces-
I -ario descer de umas
•^' • ' • ■"■a as outras glebas em
ípenhadeiros horripi-
iiites, apoiando muitas
e/e-, os nossos pés em
chcaleiras cavadas na ro=
cha, e lá èm baixo as va-
í^as do oceano mugindo
L' augmentando em nós o
Histo e o receio com os
seus mugidos ameaçado-
res!... Muitas das peque-
nas glebas são tambcni
cultivadas de batatas, pro-
duzindo d'este género fru-
ctos de óptima qualidade
e em grande abundância. Deixando o Monte-Gordo de uma superfície de muitos
kilometros quadrados, e caminhando para oeste, cada vez nos approximamos mais
do povoado das Feteiras.
Conforme os apontamentos, que obsequiosamente recebi do nosso illustra-
dissimo bibliothecario de Ponta Delgada, Alexandre de Souza Alvim, eis como GaS-
par Fructuoso descreve, com referencia a um ponto anterior, o littoral da nossa
parochia das Feteiras:— d'ahi a um quarto de légua está a grota que se chama da
Figueira, por haver tido em si uma; e logo junto está a ponta Aguda, assim dita
por ser a rocha que faz; d'esta ponta Aguda a um quarto de légua, está a cruz do
Monte Gordo que é uma terra grossa onde, de muito tempo a esta parte, está uma
cruz arvorada, fazendo alli a rocha uma ponta ao mar, que se chama ponfa da
Cruz, defronte da qual estão no már uns baixos; adeante está outra ponta que
chamam das /v/^íras, por haver n'ella muitos /^/os, que tem umas ilhas ao mar
muito pequenas (provavelmente uns Cachopos, que lá existem ainda hoje) entre os
quaes e a ponta passam barcos onde estão as terras que foram de D. Fernando e
PANOR.AM.A DAS hETEIRAS
Vista da Estrada Nacional ao Ramal
REVISTA MiCHAfcLENSE ' 34?
de D. Guiomar de Sá, sua mulher; d'alli a mais de lim quarto de Jéguá está urti
porto cm que saliem bateis, pôr cuja razão se chama o porto dos Bítéis (hdjfe ccM-
pletamente abandonado) no qual já se fez antigamente uma náú muito grande; é
arriba, na terra, está o logar das Feteiras que cobrou este nome, pór haver n'ellé
muitos/e^os, ein uma terra mais baixa e rasa, muito bem assombrada, que se quer pare-
cer, n'esta parte,com a da ilha da Madeira, cuja freguezia é da ihvocação dé St.'' Lu-
zia, etc.
Como se vê, só a parte baixa da nossa parochia era povoada no tempo dé
Gaspar Fructuoso, sendo hoje muito superior à populaÇtão dos sítios mais altos-.
Vamos agora descrever como sabemos toda a circumscripção povoada;
Uma serrania de bons terrenos e quasi todos bem cuitivadoS) ainda qUe mui-
to expostos ás ventanias do sul, n'uma inclinação mais ou menos Íngreme e na al-
titude media de 350 metros, circumda os sitios povoados em forma de um perfeito
arco de circunrferencia, de leste a oeste, na distancia de trez kilometros approxíma*
damente. fim uma só' rua, muito irregular, interrompida por canadas ou becos, e
em muitos sitios por campos de cultura sem habitações, muito perto das encostas
da serrania, e separada do oceano por extensos campos de boas terras lavradias,
existe a população actual com pouco mais de 500 fogos, nos quaes se abrigam
pouco mais de 2.000 habitantes.
Comtudo, é a parochia dividida em varias secções, e muitas d'çstas são co-
nhecidas pelos moradores com o nome de ruas, distinguindo-se os becos e as
canadas por nomes particularmente próprios, e dando-se o nome commum de
Rua Direita a cada uma das secções da única que merece o nome de rua, aíndt
que composta de linhas quebradas a certas distancias.
A primeira divisão, que em outros tempos parecia dividir os íiabitantes em
dois povos differentes, principalmente nas occasiões dos impérios, é a da secção
dos de cima e a dos de baixo. E' muito duvidoso o ponto d'esta divisão, a meio
da rua principal, nas proximidades da Grota de Santa Luzia, por que alguns dos
moradores de um dos lados da grota desejavam pertencer á sociedade dos mora-
dores do outro lado, e muitos, em fim, mais amigos da união e da paz, levavam
sempre a mal esta divisão. Sem fundamento algum na topographia do logar, prin-
cipalmente depois de se ter feito por conta do município um largo aterro em for-
ma de uma bonita praça sobre um arco que atravessa a grota no ponto das dis-
córdias, esta divisão fundamenta-se já hoje em tradições de antigas rivalidades ou
mesquinhas dissidências unicamente por causa dos impérios do Espirito Santo.
Principia a secção dos decima na Ponta do Espigão, sitio afastado approxima-
damente uni kilometro do logar onde principia a Vigia do Monte Gordo, e pro-
longa-se para oeste na distancia de 200 metros até á Grota do Ramalho, com
meia dúzia de soffriveis casas de habitação. Nas proximidades da Grota do Rama-
lho, antes de chegarmos ao canto de uma canada muito espaçosa em comprimen-
to e de largura regular a que dão o nome de Rua Nova, podemos contar pouco
mais de 20 habitações, menos soffriveis do que as da ponta do Espigão, dando-se
a esta parte da rua principal o nome de Rua Direita do Ramalho. Descendo
á nossa esquerda, no rumo do sul, pela referida Rua Nova, n'uma inclinação de
IO 'l„ contaremos 30 habitações, algumas de palha e outras de telha, mas todas
ellas novas e térreas, e todas ellas indicando nas suas humildes apparencias a po-
breza dos seus habitantes. l'epois do canto superior da Rua Nova, continuando
sempre na rua Principal, e agora com o nome de Rua Direita da Chã da Fonte,
deixamos no rumo do norte uma canada muito íngreme de 10 habitações com o
nome de rua da Giesta. Continuando o nosso passeio por entre 24 habitações
de famílias mais ou menos remediadas, algumas baixas e outras altas de soffri-
vel apparencia, chegamos pela rua Direita da Chã da Fonte a um sítio mais lar-
go do que a rua, onde existe uma boa fonte de agua potável, e sem interrupção
alguma pelo pavimento bem nivelado da mesma rua, agora com o nome de Rua
Direita da Chã da Cruz contamos n'este sitio 14 casas telhadas e duas de palha.
348 tefeYlSTA MICtiA£LEMS£
Deriva o nome d'er.ta rua de uma cruz de pedra lavrada a que se refere Gaspar
Fructuoso, conforme vimos nos apontamentos do Snr. Alvim. Depois da Chã da
Cruz atravessamos a Grota das Lagens sobre uma ponte construída no tempo do
Ex."" Snr. António Borges da Camará e Medeiros, e que é sem duvida um dos
melhoramentos referidos no Cartista dos Açores, n." 148 de 23 de agosto de 1849,
conforme os apontamentos do mesmo Snr. Alvim, no qual gastou S. Ex," mais de
240.000 reis. Além da pont& podemos descer em saltos perigosissimos para a Gro-
ta das Lagens passando por oito habitações de aspecto miserável, ou subir á nos-
sa direita peia Canada da Cruz com cinco casas de aspecto agradável. A Chã da
Cruz, em fim, é o cimo de um altíssimo arrebentão, cuja altitude pode ser calcu-
lada em mais de 250 metros.
Descemos depois o referido arrebentão na rua principal com o nome de Cal-
ço da Cruz, contando 34 casas em ambos os lados até á interrupção da Canada
do Engenho, onde podemos contar na direcção sul 18 casas de numerosas famí-
lias. Conforme a tradição, deu-se o nome de Engenho a esta canada, porque re-
almente houve n'ella antigamente um Engenho onde se fazia o extracto do óleo
de baga de louro. Deixamos n'este sitio, quasi defronte da Canada do Engenho,
mais uma fonte de boa agua potável, e continuamos na rua principal em outra
secção de Rua Direita do Engenho ao Grotilhão contando 20 casas, até que dei-
xamos á jHossa esquerda, no rumo do^^^sul, a Canada do Grotilhão com lô habita-
ções de famílias muito pobres. Na rua principal, sempre intitulada Rua Direita, nas
^ suas varias secções, esem-
, ' pre a descer mais ou me-
nos, contamos ainda uma
dúzia de casas de soffri-
veis apparencias até á
Grota de Santa Luzia,
hoje uma bonita praça
sobre o arco ou aque-
ducto da Grota, no cen-
tro do qual existe um
chafariz de mármore
branco com q,uatro fon-
tes voltadas para os qua-
tro pontos cardeaes, e que
uurante muitos annos ha-
via servido na praça do
, , , . ,, . ;.,.., niunicipio de Ponta Del-
gada. Junto a Grota de
Santa Luzia, no rumo do norte, caminhamos ao princípio pela intitulada rua da
Fonte com 12 habitações de gente pobre, passando-se pela fonte que lhe dá o no-
me, e sobe-se depois como quem sobe um grande precipício pela rua da Azenha
sobre pedras que formavam antigamente uma calçada, e em toda esta rua de 250
metros podemos contar 25 casebres de pobres famílias de lavadeiras.
E' agora que principiamos no sitio dos de baixo sem interrompermos o nos-
so passeio pela rua principal, e continuando pela parte d'esta a que dão o nome
de Rua do Canto, cjm nove habitações, deixamos á nossa direita, para o norte, a
rua do Beco com doze casas de famílias pobríssimas, e seguimos pela rua Direita
da Egreja de pavimento bem nivelado contando em ambos os lados 10 casas de
boas apparencias onde moram famílias bem remediadas. No fim d'esta rua encon-
tramos á nossa esquerda a egreja parochial de Santa Luzia, no mesmo sitio da
antiga ermida de Nossa Senhora de Guadalupe, com a sua frente para oeste, edi-
ficada em 1838 por iniciativa e valiosos auxílios do seu primeiro prior, Sebastião
Gonçalves de Moraes. Em outro capítulo diremos o que se pode saber das recei-
tas e despezas realisadas nas obras d'este edifício. A egreja é ampla e bem cons-
RteVtStA MlCHAELSNSS 349
truida com o único defeito de ser a sua altura desproporcionada com as outras
dimensões, e talvez por isso de péssimas condições acústicas. Tem a egrcja, além
do altar da capella-mór, recentemente edificado e dourado, em substituição do
primeiro, e a mesma capella recentemente pintada, mais quatro altares, dois dos
quaes aos lados do arco cruzeiro, também reedificados de poucos annos, e os ou-
tros dois com os seus retábulos muito antigos e que em outros tempos tinham ser-
vido na egreja do Coilegio de Ponta Delgada. E' justo consignar-se n'este logar
que a nova imagem do orago foi adquirida por commutação de um voto de 100
mil reis de João Raposo Simões e uma esmola de 50.000 rs. da Ex.'"" Snr." D. Flo-
rinda Izabel, viuva de Jacintho Raposo Benevides, fallecida em 1905.
E' uma imagem encantadoi-a de perfeição artística.
Depois da rua Direita da Egreja, continuamos o nosso roteiro pela rua prin-
cipal da freguezia, agora intitulada Rua de Fora, porque se esconde pelos. lados
do sul e oeste, em forma dè um arco muito irregular, a Rua d'Aiém, c.om a sua
entrada junto á porta principal da Egreja e a sabida no termo da mesma rua de
Eóra. Tem a rua d'Além 17 casas, e a Rua de Fora 13, muitas d'ellas de famílias
pobres e algumas remediadas. Continuando o nosso roteiro pela rua de Eóra, é
necessário no fim d'ella descermos por um curto arrebentão, atravessando depois
por cima de um arco ou aqueducto a Grota das Feteiras, que dá o nome a este
sitio com as suas habitações. Deixamos depois á nossa esquerda, em direcção a su-.
doeste, a rua dos Vinte e Quatro, ou uma canada de mais de 200 metros, até qua-
si ao cimo da rocha marítima com 20 miseráveis albergues. Em seguida ao canto
da rua dos Vinte e Quatro passamos a poucos passos pelo cemitério- publico da
parochia, e entramos na rua Direita dos Grotilhões com 14 habitações, interrom-
pida por 3 pequenos becos, dos quaes o primeiro, com 11 casas, tem o nome
pouco conhecido de beco da Fé, o segundo com 4 casas tem o nome de beco
da Esperança, e o terceiro com S casas tem o nome de beco da Caridade.
Depois da Rua Direita dos Grotilhões continuamos o nosso passeio pelo pro-
longamento da mesma rua com o nome de Rua das Cruzinhas com 10 habitações
altas ou baixas, mas todas ellas de famílias pobres. No fim d'esta rua ha uma fon-
te de agua potável e ao lado da fonte, no rumo do norte, uma canada com o no-
me de Canada das Cruzinhas, que liga a rua principal da íreguezia, ou antiga es-
trada publica, com a estrada nova, já hoje conhecida com o nome de Rua da Es-
trada Nova.
Voltando á rua principal e continuando o nosso passeio, sempre de leste para
oeste, passamos 200 metros de caminho desde a fonte das Cruzinhas até deixar-
mos á nossa esquerda uma canada que desce para o már com o nome de Canada
do Porto, e que termina no referido porto a que Gaspar Fructuoso chama Porto
dos Bateis. Podemos contar n'esta Canada apenas quatro habitações, e depois de
termos passado na estrada ou caminho principal por mais sete casas muito isola-
das, ao fim de 150 metros da ultima, chegamo:, a 3 sitio intitulado do Biscouto.
Tem este sitio, similhante a uma pequenina aldeii muito isolada, 24 albergues de
famílias pobríssimas.
Continuando o nosso passeio pela antiga e.-t.ada publica, passamos 200 me-
tros de caminho sem habitações, e deixando á ni'ssa esquerda um casal no meio
das terras, chegamos á Grota de Maria Martins, que facilmente atravessamos so-
bre uma ponte muito alta, depois da qual caminhamos mais 200 metros até ao
ponto em que encontramos o vértice de um angulo formado pelo encontro da es-
trada nova com o antigo caminho. Caminhando-se mais 200 metros pela única es-
trada desde o ponto de convergência das duas, chegamos á Grota da Baldaia, e
atravessando esta sobre outra ponte ficamos na Lomba da Cruz. Não obstante ser
a Grota da Baldaia o limite civil entre as parochias de Feteiras e Candelária, con-
tamos ainda no nosso roteiro parochial 14 fogos na Lomba da Cruz, havendo lá
apenas um só fogo que pertence a Candelária no foro ecciesiastico.
Na estrada nova, encravada na serrania pela distancia de 250 metros, desde a
350 feEVtSTA MICHAELENSE
Ponta do Espigão, mais ou menos parallela á rua principal das Feteiras, até segu-
ramente 2.500 metros no ponto em que ambas se encontram, podemos ainda con-
tar 16 habitações isoladas a grandes distancias, todas novas e muito elegantes, ain-
da que modestas e sem signaes alguns de riquezas e apparatos, excepto o palácio
pouco afastado da mesma estrada, que é hoje propriedade do 111."'' e Ex."" S nr.
Dr. Duarte de Andrade Albuquerque. Fora da cidade de Ponta Delgada, não me.
parece que haja um edifício de tanta elegância e com todas as commodidades bem
próprias de pessoas ricas. E' este palácio rodeado de um jardim de bom gosto, e
nenhuma distracção mais innocente e agradável podemos encontrar n'esta parochia
do que um passeio por aquelle jardim, com a permissão do seu proprietário, que
é realmente um cavalheiro tão illustre como generoso.
Conforme o methodo seguido nas nossas Monogmpliias—àt Candelária e Gi-
netes, vamos agora fazer a nomenclatura de todos os sitios povoados ou ermos,
montes, valles, lagoas, terras, canadas, mattos e pastos, embora repetindo alguns
acima referidos.
sítios POUOflDOS
Secções dos de cima e dos de baixo— Ponidi do Espigão— Rua Direita do Ra-
malho—Rua Nova— Rua da Giesta —Rua Direita da Chã da Fonte— Rua Direita da
Chã da Cruz— Grota das Lagens— Canada da Cruz— Calço da Cruz— Canada do
Engenho -Canada do Grotilhão— Rua Direita do Engenho ao Qrotilhão-Rua Di-
eita da Grota de Santa Luzia— Rua da Fonte— Rua d'Azenha— Rua do Canto—
Rua do Beco— Rua Direita da Egreja— Rua da Cerca— Rua de Fora— Rua d'Além
—Rua da Grota das Feteiras— Rua dos Vinte e Quatro— Rua dos Grotilhões— Ca-
nadas ou becos da Fé — da Esperança— da Caridade— Rua Direita das Cruzinhas
—Canada das Cruzinhas— Canada do Porto— Sitio do Biscouto— Lomba da Cruz
—Estrada Nova—
l/inhas e íerras de çUlííjra
Fonte Grande — Rôcho —Branco — Fajã do Már — Rabo Teso— Lapa — Fajans —
Piqo das Voltas— Capello— Lomba do Quarteiro— Lomba da Grota das Lagens—
Cova do Engenho— Olho de Peixe — Vinte e Quatro — Posto — Biscouto — Meio Moio
—Covas— Terças— Baldaia.
Tçrras ç pastos da çstrada ao rnaíío
Grota da Figueira —Grotilhão do Engenho— Furado ou Aberta- Grotilhão do
Vinho— Pico de D. Antonia^Pico do Vigário — Parede da Taveira— Sanguinho —
-Grotilhão da Rocinha— Figueirinha— Vigia— Lomba da Pedra-Piquinhos— Lom-
binhas—Tábolas—Romangos— Travessa— Parede da Cafúa— Roça— Foros - Covas
— Chã do Tanque — Pico — Bardo — Courelas— Cruzinhas — Pau Branco — Biscouto
— Escadinha— Aleixo— Maria Martins— Tronqueira—Sanguinhos— Mattos— Rochão
—Serrado d'Areia—Lombinha— Serrado da Fonte— Lomba Larga— Cintres— Va-
queiro— Espigão da Ribeira — Pico Redondo — Santos- Terreiro — Serrado do Salto
—Touril— Serrado Novo— Ferraria— Covas— Espigões— Piquetes— Ginjal—Fajãs—
Lombas— Pico da Viuva.
Sítios rnais afastados do povoado
Monte Gordo— Serra Devassa— Pico das Egoas— O Pombal— A Cancella—
Chã do Tanque— Lagoas do Junco— dos Caldeirões do Paul— do Carvão— La-
REVISTA MICHAELENSE
351
gôa Rasa — Lagoa das Empadadas — Lagoa das Vaccas Brancas — Sitios do Carro-,
ceiro— do Portal do Paul -dos Folhadinlios— do Pico das Oveiras— das Pontas da
Lagoa Rasa— do Pico Redondo— Serrinha dos Santos— Pico dos Viúvos— dos Ou-
teiros- do Outeiro da Cruz— Serrado do Curral— Valle Fundo.
POPULAÇÃO
Menos populoso, aíílda que mais antigo, era o íogar das Feíeiras do que o de
Candelária, no principio do século XVil, pois que, conforme o fiurilero de rtascí-
Hieníos no decennio de 1621 — a— 1630, podemos calcular a sua população tí'ú'
ma média de S5 fugõà com '482 habitantes, quasi a mesma população qi(e ve-
mos em Candelária no penúltimo deceiínio do século XVI, emquanto que n'egte
ultimo logar e no mesmo decennio de 1621— a— 1630 é calculada a população
n'uina média de 104 fogos com 468 habitantes. Pouco mais do que estacionaria
continuou a população das Feteiras até ao decennio de 1661— a— 1Ó70, augtííen-
tando nos decennios seguintes até 1720, diminuindo sensivelmente nos deceiínios
posteriores ao fim do século, augmentando espantosamente no século XIX, até
que no anno de 19Õ0 havia rias Feteiras quasi o duplo da ponuLição de Candelária.
Tomaremos para fundamento dos nossos cálculos ~'r.hi-r n m-nimento popu-
lar das Feteiras o mesmo principio que nos _ , _
guiou nas Monograpliias de Candelária e Gi- .'
netes, isto é, o producto de seis unidades pela
media de nascimentos de cada decennio, al-
cançando ■d'este modo a media de fogos dé-
cada anilo do mesmo decennio, e o producto
■da media de fogos por quatro unidades e
citldo decimas para alcançarmos a media an-
nual do numefo prbvaVel de habitantes.
Menos feliz no archivo patochial das Fi-
teiras do que no de Candelária, mas certam
te mais feliz do que no de São Sebastião h
Ginetes, nas minhas pesquisas de documeiíi
antigos, encontro a escripturação de casaiiu
tos e nascimentos L.em interrupção alguma d
de 1818 até hoje. Não a;:ontece, porem, o iiit- -
mo nos assentos de óbitos, pois que só encon-
tro os dos adultos* de 1630— a— 1760, e de to-
das as edades de 1771 por diante.
No nosso novo trabalho dos Boletins pu-
demos contar 2772 famílias no longo decorni'
de 280 anno?. ou de 162'— a— IÇOO, das qii:i<'
1982 constituídas pelo casamento n'esta paii-
chia, 683 cujos chefes contrahiram matrimonio
em outras parochias, algumas d'estas ultima-
mente nos Estados L'nidos d'Americ?., e 98 de
mulheres solteiras ou viuvas com filhos illegi-
timos, e finalmente nove uniões illegaes. Como meio de facilmente se poder apre-
ciar o movimento demographico das Feteiras de duzentos e oitenta annos, vamos
apresentar o respectivo mappa em vinte e oito decennios.
':.^^^mm
o Ramal Novo
352
REVISTA MICHAELENSE
Mappa do rqouirnçnto popiíiar de 1621-a-1900
Numero? por decennios de
Famílias
illegitimas
DECENNIOS
CS 2
Nascimentos
ÓBITOS
Medias de
ii
Él
ti
u 1
M.
F.
Total
^'_
>7
Total
Fogos
Almas
Jj
1
1621 -a -1630
22
73
69
142
85
382
1631-3—1640
23
82
78
160
24
24
96
432
7
1641-a-1650
31
82
84
166
32
32
99
445
3
2
1651— a- 1660
31
86
76
162
43
43
97
436
3
T
1661 — 3-1670
21
84
65
149
43
43
89
400
2
1671-3-1680
29
97
84
181
52
52
108
486
5
16Sl~a-16Ç0
41
120
93
213
110
110
127
571
3
1691—3-1700
48
"135
129
264
143
143
158
711
1
1
1701-3-1710
68
158
127
285
55
55
171
769
1
1711-3—1720
62
160
154
314
80
80
188
846
3
1721-3-1730
62
158
148
306
140
140
183
823
1
1731—3—1740
57
140
160
300
87
87
180
810
2
1741— a— 1750
66
147
126
273
107
107
163
733
1751—3—1760
57
144
124
268
128
128
160
720
2
176! — 3— 1770-
55
154
155
309
103
103
185
832
3
1771-3-1780
57
131
140
271
144
160
304
162
749
2
1781-3-1790
62
146
95
241
114
64
178
144
648
1
1791-3—1800
63
145
133
278
98
106
204
166
747
2
1801—3- 1810
72
168
177
345
185
110
295
207
931
10
2
,1811-3-1820
76
171
175
346
171
183
354
207
931
í
1821—3-1830
80
245
213
458
146
180
326
274
1433
4
1831-3-1840
100
215
223
438
171
180
351
262
1179
1841- 3-1850
95
294
265
559
121
327
448
335
1437
4
C3
1851—3-1860
87
342
287
629
150
207 1 447
377
1696
4
75
1861—3—1870
106
320
260
580
205
249 454
348
1566
/
1
51
1871 — 3—1880
176
408
394
8í>2
205
350 ■555
48J
2164
4
1
14
1881-3—1890
163
439 j 402
841
236 i 362 ; 598
504
2268
14
1
1
1891—3-1900
172
403 j 457
8(jO
224 i 317 541
516
2322
5
___
OBSERUflÇOES
Vê-se no m3pp3 precedente, que ein 280 3nnos -iiasceiMiii 10.140 indivíduos,
dos qu3es 5.427 do sexo m3Sculino, e 4.893 do sexo feminino, havendo por t3nto
um3 differença de 354 indivíduos 3 f3vor do sexo forte.
CoiTip3rando a nat3lid3de com a mort3líd3de, vê-se que nos 3nnos de 1771 —
3—1900 fnlieceram 5.055 indivíduos, dos quaes 2.170 maiores de sete 3nnos, e
2.885 menores d3 mesma ed3de. No mesmo período de tempo nascersm 6.648 in-
divíduos de 3mbos os s?xos, e por t3nto, teínos a mortalidade de pouco mais de
76 "lo sobre a n3ta]id3de, ou m3is de 8 "[o do que n3 proxims freguezia de Can-
delária.
Diz Gaspar Fructuoso, conforme os spontamentos do Snr. Alvim, referindo-
se á parochÍ3 d3s Feteír3s: Tem 92 fogos, e almas de confissão 402, das quaes são
de communhão 280. E conforme 3 fíevista dos Açores, vol. Xi, pag. 145, devia ser
a população das Feteiras em 1591 de 101 fogos, em 1592 de 105 fogos, e em 1593
de 103 fogos. Parece-nos pois, que a populaçcão das Feteiras diminuiu, ainda quç
RFVISTA MICHAEIENSE 353
pouco, pelos fins do século XVI ou princípios do século X\'il, porque -i ■.; en-
nio de 1621 — a— 1630 appireceni-nos no registo parochia' só 142 raso ne. to ou
a media annual de pouco mais de 14, e por tanto, ccrforme os nossos cílculos, 5
fogos com 3S2 habitantes,
Outra estatística da mesma Revista e no mesmo vol. prg. 146, diz que era i
população das Feteiras no anno de 1640 de 09 fogos com 350 alma;--, e em 1646
de 104 fogos com 543 almas. Parece-nos pouco em 1640, e niuito em 1646, por-
que no decennio de 1641— a— 1650 temos a média de pouco mais de 16 na^':i-
mentosj que multiplicada por 6 unidades, dá-nos QQ fogos com 445 alma*. São tão
pequenas porem, estas differenças, que sem prejudicar a verdade da Revista dos
Açores, mais servem de confirmp.r a grande probabilidade dos nossos cálculos, r-
nicamente fundados no numero de nascimentos do registo.
Uma referencia de Fr. Agostinho de AlonfAlverne. incluída nos mesmos a-
pontamentos, dá-nos pelos fins do século XVll uma população de 349 com 598
pessoas de communhão. Parece-nos muito exaggerados estes números, porque no
decennio de 1691 — a— 1700 apenas encontramos a media annual de pouco mais
de 26 nascimentos, e por tanti-' o numero provável de 158 fogos com 711 habitan-
tes, ou pouco mais, mas não a grande população de 349 fógo«, que só noi appa-
rece mais de século e meio depois, isto é no decennio de 1861— a— 1870.
Do mesmo modo ex.iggerado me parece o informador de Francisco Aff^nso
Chaves e Mello na sua Margarita Animada (Archivo dos Açores, vol. I pag. 217)
fixando a população d'esta freguezia nos princípios do século XVIII em 462 cum
660 almas de confissão, pois que a media annual de nascimentos no derennio de
1721— a— 1730 não excede 30,6 de indivíduos, e por tanto 183 fogos com 823 ha-
bitantes, nem nos parece em verdadeira relação o numero de 462 fogos com 660
almas de confissão.
Com maior exactidão se pode ver a população das FeteÍT-as na íjicvcíopidia
Portuguezn lUustrada (vol. IV pag. 738) abstrahindo da eniigr,^ -ão, pc-.|Ui ;á hoje
seguramente a terça parte d'ella existe nos Estados Unidos da Anierica lo Norte.
E' muito arbitrário, em fim, o modo de contar os fogos de uma p.pulação. No
nosso modo de vêr devemos contar por cada fogo todos os iP livíaaos que consti-
tuem uma communidade que se abriga na mesma casa, ou viven economicamente
unidos (excepto as hospedarias, as communidades religiosas e os c,aArtci? milita-
res), não só o pae, a mãe e os filhos, mas ainda alguns outros in ^ividuo^ p-.r^ntes
ou relacionado^ com a mesma" família por qualquer circumstanicia d- vida, o nao
viuvo ou sogro do chefe da casa, ou da sua mulher, um irmão, solteiro ou viuvo,
de um ou do outro, uma irmã ou uma cunhada, .solteira ou ''iuva crcauos ou cre-
adas, e até uma ou mais pessoas, embora estranhas, mas accid^nt^lmente hospeda-
das na mesma casa. Alguns dos meus antecessores porem, cuP':âvam p^i tantos
fogos na mesma casa quantos os indivíduos que não loscein o pa?, a mãe e es fi-
lhos, e assim tínhamos na mesma casa dois fogos q-ian-^o n'ella residia ^ni irmão,
um cunhado, um tio, o sogro ou a sogra, o pae ou a mãe do ch^íe da fa^-sili^, e
d'este modo chegou o numero de fogos à\ nossa parochia ha muitos anr.o-- r. ni--''.
de 600, sendo verdade que ainda hoje podemos contar pouco mais de 500.
FfiMILl ^3
Raposos—Rodrigues— Pacliecos— Botelhas— Furtados— ^nixt os troncos mais
antigos das actuaes famílias que con'ecf-m. "IS nas Feteiras podemos aqui njnear
Pedro Raposo e Maria Rodrigues, qu- fizeram baptizar n'esta egreja, entre outros,
um filho de nome João Rodrigues, depoi'-. capitão, casado em 1652 :om Maranria
Pacheco, pães do alferes António Pach-^co Kapciso, cas.ido em 1718 cor" Anua de
Araújo, pães de Maria Josepha da Conceiv-U', que casou em ■''/47 cc.n José /eiho
Botelho, pães de Pedro Botelho, que caso.i eui IV.-^O '-.m Man.;nna Hntoni.? Lui/:,
pães de .^nna Wiquelina da Gloria, que casou '^m ".S23 com jost Furtado, .)rox -
mos ascendentes da numerosa fauiilia dos Furtado;
354 feEVISTA MICHAELENSE
Macedos— Botelhas -Sampaiôs— Raposos— Benavides— Do mesmo modo muito
antigas, e sem duvida as mais iiiustres pelos seus ascendentes entre todas as fami-
lias de origens muito remotas na nossa freguezia das Feteiras, embora cruzadas
com outras de origens recentes, temos a família Macedos, antepassados do P." Je-
rónimo de Macedo, que nasceu em lõ70 e faliecen em 1735.
Era eile tio paterno do P/ João Botelho de Macedo, e irmão do capitão Ma-
nuel Ignacio de Macedo, e pelo cruzamento matrimonial de um filho d'este, cujo
nome ignoramos, com a familia Sampaios de Ponta Delgada, conhecemos ainda no
nosso a^chivo parochial Estevão Botelho de Sampaio, pae do capitão António Bo-
telho de Macedo de Sampaio, pae de José Botelho de Sampaio, do qual nasceu u-
ma filha de nome Thereza Josepha de Vasconcellos, que casou com André Raposo
de Benavides, dos quaes nasceu José Rapozo Benavides próximo ascendente da a-
ctual familia Benavides das Feteiras.
Raposos— Benavides— Pe\3L linha masculina descende esta familia do referido
José Raposo Benavides (casado em 1836 com D. Florina Emilia Cândida) filho de
André Raposo Benavides (casado em 1790 com Thereza Josepha de Vasconcellos)
filho de Miguel Raposo Benavides (casado em 1747 com Antónia do Espirito Santo)
filho de Francisco Raposo Carvalho Benavides (casado em 1702 com Anna do
Monte) filho de Manuel Raposo Carvalho (casado em lô6Q com Anna de Souza) fi-
lho de Pedro Gonçalves de Carvalho, casado com Águeda Baptista Raposo em
1630.
Rodrigues— Sousas Raposos— Regos— Dn mesma familia Sampaios descende a
actual familia conhecida por estas trez espécies de cognomes, por ter casado Maria
Rita Joaquina, filha de José Botelho de Sampaio, com Manuel Rodrigues, intitulan-
do-se alguns d'esta familia Sousas Raposos por serem descendentes pela linha fe-
minina, de Amaro de Sousa casado em 1787 com Maria Tavares Raposo, ou tam-
bém Regos pelo cruzamento matrimonial de um filho de Amaro de Sousa, de no-
me João Botelho Raposo de Scuza, irmão do P.'' André Francisco do Rego, e pae
de Joaquina Ermelinda Soares, que casou em 1846 com Luiz Botelho Rodrigues,
próximo tronco dos actuaes Rodrigues, ou Sousas Raposos, ou Regos.
Oliveiras— Raposos— Díi familia Raposos Benavides são do mesmo modo pa-
rentes consanguíneos os actuaes Oliveiras Raposos, porque Pedro Oonçalves de
Carvalho e Águeda Baptista, casados em 1630, eram os progenitores de Manuel
Raposo Carvalho, casado em 1669 com Anna de So.uza,'que, por ser filha de Ma-
ria Benavides, adoptou o seu filho Francisco o nome de Francisco Raposo Benavi-
des, que casou em 1702 com Anna do Monte, dos quaes nasceu Luiz Raposo Be-
navides, que casou em 1742 com Henrique da Silva, pnes de André de Oliveira,
casado em 1822 com Izabel de Jesus, dos quaes descendem os actuaes Oliveiras
Raposos.
Pereiras — Pereiras Soares— H' também de origem muito antiga n'este logar e
do mesmo modo relacionada com a familia Benavides a numerosa familia dos Pe-
reiras, porque de Sebastião Martins, casado com Beatriz Oonçalves, nasceu uma
filha baptisada em 1618 com o nome de Izabel Martins, que casou em 1638 com
Thomé Rodrigues, dos quaes nasceu Anna Martins, casada em 1676 com Manuel
da Costa Teixeira, dos quaes nasceu outra Anna Martins, que casou em 1712 com
João de Sousa Cabral, dos quaes nasceu Josepha Martins, que casou em 1762 com
João da Costa Benavides, que casou em 1802 com Maria Raposa, dos quaes nas-
ceram duas filhas, Anna Francisca e Maria de Jesus, casadas, a primeira em 1834
com José Corrêa do logar da Relva, e a segunda com Manuel Pereira Soares em
1826, existindo da primeira dois filhos casados com duas irmãs da famiHa Benavi-
des, e da segunda a numerosa descendência dos Pereiras Soares. Era Manuel Pe-
reira Soares filho de outro do mesmo, neto paterno de António Pereira Soares, na-
tural de Ponta Delgada, filho de Gonçalo de Sousa Benavides e de Ignez Pereira,
casado n'esta freguezia no anno de 1745 com Maria do Rego Ascensão.
Rebellos — Soares Rebellos — Da mesma origem dos Raposos Benavides são os
hEVlSTA MICHAELENSE 355
actuaes Rebellos ou Soares Rebellos, pelo lado materno, porque Maria Ricarda
dos Anjos, casada em 1855 com Henrique Soares Rebello, era filha de António Ra-
poso Benavides casado em 1835, neta de Francisco Rapozo, casado em 1791, bis-
neta de António Rapozo Benevides casado em 1742, trisneta de Francisco Raposo
Benavides, casado em 1702, quarta neta de Manuel Raposo Carvalho, casado em
1669, quinta neta de Pedro Gonçalves de Carvaliio que casou em 1630 com Águe-
da Baptista, dos quaes existem já hoje descendentes na decima geração.
CorA-í-as—f/Zo/^os— A familiad'estes cognomes descende de Antónia Corrêa, filha
de Oonsalo Corrêa e de Alaria de Sousa, ignorando-se a naturalidade e ascendên-
cia d'estes, mas sabendo-se que casou a filha n'esta parochia em 1727 com Ventu-
ra Barbosa, dos quaes nasceu António Corrêa, que casou com Antónia Raposo em
1750, dos quaes nasceu João Corrêa, que casou em 1787 com Anna de S. André,
dos quaes nasceu António Corrêa que casou em 1812 com Anna de Jesus, dos
quaes nasceram os actuaes Correas Filotos, não se sabendo já hoje em qual
dos descendentes principiou a alcunha de—Fi/ofos — Sonsas — Soeiros — De um dos
ascendentes da família Raposos Benavides nasceu n'esta freguezia Manuel Martins,
casado com Maria Soeira, pães de out.a Maria Soeira, que casou n'esta freguezia
em 1759 com José \'ieira, dos quaes nasceu Manuel de Souza Soeira, que casou
em 1823 com Maria de Jesus, dos quaes nasceu José de Souza Soeira, casado em
1855 com Florinda Emilia, próximos troncos dos actuaes habitantes conhecidos
por Sousas Soeiras.
Cramz-os— Manoel de Sousa Canéllas, cuja naturalidade se ignora, casado
com uma mulher do freguesia da Bretanha de nome Rosa Rita de Araújo, fizeram
baptisar n'esta egreja em 1747 um filho de nome António, conhecido mais tarde
por António de Sousa Craveiro, que casou em 1791 com Victoria da Trindade, dos
quaes nasceu Francisco de Sousa Craveiro, que cascu em 1823 com Anna Bo-
telha, dos quaes descendem os actuaes habitantes intitulados Craveiros.
Raposos Simões-— ]oã.o Raposo Simões cuja filiação e naturalidade se igno-
ra era viuvo de Clara Fragosa da freguezia de Candelária, e passou a segun-
das núpcias nas Feteiras em 1706 com Luiza Pereira de Póvoas filha de Philippe
de póvoas e de Maria Pereira, havendo d'este matrimonio um filho de noriíe Ma-
nuel Raposo Simões, que casou em 1738 com Maria de Sousa, dos quaes nasceu
Francisco Raposo Simões, que casou em 1800 com Antónia de Jesus, dos quaes
nasceu outro Francisco Raposo Simões, que casou em 1821 com Antónia Francis-
ca, dos quaes nasceu João Raposo Simões, que casou em 1849 com Florinda
Rosa, próximos troncos dos actuaes Raposos Simões de numerosas famílias.
7"fli'a/í'5— Manuel Tavares, natural da Relva, filho de Manuel Tavares e de Vic-
toria de Viveiros, casou nas Feteiras em 1774 com Anna Pavôa de Sá, filha de An-
tónio Pavão e de Caetana de Sá, havendo d'este matrimonip um filho do mesmo
nome do pae, Manuel Tavares, que casou em 1818 com Anna Rosa, dos quaes des-
cende a numerosa família dos Tavares pelos novos troncos, António, João, justi-
niano, José, Maria e Senhorinha. Pela linha masculina de Anna Pavôa de Sá, era
seu pae António Pavão, filho de Lourenço Gonçalves e de Clara Pavôa, casados
em 1716, neta paterna de Manuel Rodrigues Carreiro e Maria Tavares, casado em
1687, bisneta de José Ferreira Fnnes e Ànna da Costa, casados em 1655, e trisno-
ta de Francisco Ennes e Barbara Rodrigues, casados no anno de 1620.
Pedras — Terceiras — Ha também n'esta freguezia uma numeroí^a família de Pe-
dras, simplesmente por serem descendentes em linhas rectas de Peir-) Martins, ca-
sado em 1814 com Maria da Silva, e ha outra família não menos numerosa de
Terceiras, por serem descendentes de um indivíduo a quem deram esta alcunha,
cujo nome era Manuel Martins, natural da Várzea dos Ginetes, e que n'esta fre-
guezia constituiu família em 1764 pelo seu casamento com Antónia Francisca, filha
de António de Sousa e de Antónia Raposa.
Almeidas e Sousas— Conhecemos finalmente uma família, já hoje muito nu-
356 REVISTA MICHAELENSE
merosa, de Sousas e Almeidas, oriundos por uma das linhas dos Sousas e Almei-
das dos Ginetes, e por outra linha oriundos da Relva.
De todas as outras famílias, mais ou menos numerosas, e mais ou menos obs-
curas, ainda que algumas queiram ostentar origens illustres, conliecemos pelos
cognomes as seguintes :
Durante o século XVll—Avellares— Chaves— Dias— Fernandes— Ferreiras —
oallegos— Guerras— Góes— Gonçalves— Martins— Montes— Nunes — Pavões — Pó-
voas— Vasconcellos— Veliósos — Tevês.
Durante o século XVlll—Aguiares— .^raujos-Barbosas— Botelhos— Carvalhos
—Cordeiros— Concellos— Furtados— Gomes— Medeiros-- Mellos — Moreiras — Pa-
checos— Pires— Sás.
Durante o século XIX— Amaraes— Arrudas— Brilhantes— Cabraes— Ca maras—
Carreiros—Correas-Cunhas-Martins-Mattos— Medeiros — Machados —Pereiras
-Pimenteis— Pinheiros— Pachecos -Pontes— Raposos— Regos— Reis— Rochas— Re-
cendes—Soares—Silvas— Valentes— Vieiras— Viveiros.
Conhecemos ainda de origens muito recentes as famílias seguintes: Felicianos,
por serem descendentes de António Feliciano Martins, natural dos Fenaes de Nos-
sa Senhora da Luz, que casou n'esta freguezia em 1837. Almeidas, por serem des-
cen-t intes de Jacintha Eufrazia Leonor da família Almeidas dos Ginetes. Cadimos,
por serem descendentes de um individuo de nome João Raposo, a quem de-
ram o epitheto de Cadimo, que n'esta freguezia constituiu família pelo seu casa-
mento em 1815. Sebastiões, por serem descendentes de uma familia de Candelária,
cujo tronco mais próximo tinha o nome de Sebastião. Qermanos, por serem des-
cendentes de um individuo de nome Germano da mesma freguezia de Candelária.
flLCUN/iflS
Do mesmo modo que em Candelária, Ginetes, e, sem duvida, em todos os Jo-
gares, villas e cidades, também nas Feteiras se distinguem muitas famílias pelas
suas alcunhas, mais ou menos engraçadas. Temos ouvido falar muitas vezeá nas
seguintes :^Aréstas — Ba- ,
déjas — Barrúscos — Batu-
cos — Barreiras — Bispos
ou Bispas — Buzanos — Ca-
garras — Calca Ruas -
Cancellas—Canellas— Ca-
ta Cadéllas — Croinhas
Dourados— Escravellias -
Estaquinhos — Feveieinic
—Finezas— Torquilhas
Gafanhotos — Gaidólsis-
Lambedores— Maganos—
Malícias — Manteigas
Minhotos — Moletas —
Morganhos — Moriões —
Outeiros — Paciências —
Paes do Somno— Pains— calço da CKU^-t)fsaiinainlo no Maximiliano-Bom vinho
Pães— Pães Quentes— Pilrinhos-Priores— Queridos— Raivas— Rebolas— Salvões—
Serôdios— Cerejas— Sete Orelhas— Trinca Richos— Varas 'e Meias— Zengos.
P fl RO C fl 1 fi
Mais inclemente e devastador do que na parochia de São Sebastião dos Gi^
netes, passou o vento do desmazelo pelas antigas administrações fabriqueiras de
Santa Luzia das Feteiras, levando na sua voragem tudo o que pudesse haver de
mais precioso em documentos antigos!. . ,
JP^ ■»
pteVISTA MlCHAELENSl 357
Excepto os livros do registo parochial com os seus assentos de baptísrrtôs des-
de 1618, com os de casamentos desde 1622, e coni os dos óbitos desde 1694, na- .
da mais encontramos de preciosidades antigas, senão algumas passagens com re-
ferencia á antiga Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe. D'este desmazelo se
queixava amargamente o ultimo vigário e primeiro prior Sebastião Gonçalves dê
Moraes, vendo-se obrigado a formular as suas queixas no livro das contas da fa-
brica maior, e pedindo ás auctoridades do seu tempo que forçassem as mesas das
irmandades e confrarias a depositarem no archivo parochial todas as escripturas e
outros documentos que ainda restavam. Comtudo, alguma cousa do que foi esta
parochia nos primeiros tempos da sua população Vamos agora relatar. Citando as
fontes dos nossos apontamento^.
Tratando da antiguidade da parochia de Nossa Senhora das Candeias na nos-
sa Monographia de Candelária, dizíamos, que fora ella instituída n'uma épocha
muito próxima do anno de 1535, porque approximadamente a esse anno fez cons-
truir no respectivo paçal a sua residência o primeiro vigário Braz Pires, e, alle-
gando a meu favor as honras da antiguidade do cargo n'aquella parochia, dizia
também, que era elle talvez tão antigo como o do episcopado nos Açores, pois
que, sendo terceiro bispo da diocese D. Jorge de S. '1 hiago, era já terceiro vigário
de Candelária o meu antecessor Gaspar Marreiro. Conforme os apontamentos do
nosso illustradissimo bibliothecario Alexandre de Sousa Alvim, vemos agora, que
mais antiga é ainda a nossa parochia de Santa Luzia das Feteiras, pois que antes
de principiar o mesmo Braz Pires no exercício de primeiro vigário de Candelária
em 1535, tinha já exercido os seus serviços parochiaes nas Feteiras, onde venceu a
sua côngrua de 3.500 reis pelo anno de 1526— a— 1527, como se pode ver no Ar-
chivo dos Açores vol. IV pag. 109, f" melhor ainda podemos conjecturar a anti-
guidade da nossa parochia de Santa Luzía^ lendo no vol. 1 do mesmo Archivo
pag. 63— a— 64 a Carta Regia de D. .Manuel de 8 de Agosto de 1515, desannexan-
do o logar das Feteiras da jurísdícção de Villa Franca e incliiindo-o na de Ponta
Delgada.' Finalmente nas datas da Persuasão do nosso illustradissimo antiquário
Francisco Maria Supico, citando os Annaes da Ilha Terceira vol. I pag. 166, vemos
que o Archípclago dos .^çores foi desmembrado do arcebispado da Madeira a pe-
dido de D. Manuel pelo Santissim.o Padre Cleniente Vil, e principiou a constituir
um bispado com a sua manutenção de òOO cruzados em cada anno. Vê-se pois,
que a instituição da parochia em Candelária é evidentemente contemporânea da
instituição do bispado nos Açores; e que a nossa freguezia de Santa Luzia das Fe-
teiras deve ser .cejiamente mais antiga. E se no anno de 1515 foi ella desannexada
de jurisdição de Villa Franca e incluída na de Ponta Delgada, sem duvida alguma
15 annos antes, isto é, no anno de 1500 era já uma parochia ou pelo menos um
logar povoado, e portanto incluída no pequeno numero das povoações do século XV.
Comtudo, não nos parece admissível, que durante as successões de trez pa-
rochos n'este logar íiouvesse decorrido mais de um século. Ora, mais adiante nós
veremos, que o ultimo dos trez. Domingos Affonso, foi contemporâneo de Gaspar
Fructuoso fallecido em 1591. O mesmo Fructuoso, como já vimos, dá-nos na ul-
tima metade do século XVI a população das Feteiras de 92 fogos com 402 almas,
sendo a esse tempo a população de Candelária (posteriormente constituída em pa-
rochia) de 98— a— 100 fogos. Parece-nos pois, com a máxima probabilidade, que a
paroch.ia de Santa Luzia das Feteiras foi instituída pelos últimos annos do século
X\', sem duvida menos de meio século depois do inicio da colonisação na iiha.
Com respeito á egreja parochial, veja-se o capítulo da Fabrica de Guadaluije.
PflRCCflOS
Como todos ou quasi todos os parochos inamovíveis d'este districto e de toda
a diocese, eram collados os parochos de Santa Luzia das Feteiras, anteriormente
ao anno de 1832, com o título de Vigários, sendo este título substituído, conforme
um decreto d'aquelle anno, pelo novo titulo át Priores, com maior congtua do
358 REVISTA MICHAELENSE
que a que foi novamente arbitrada aos curas-parochos, substituidores dos antigos
vigários na maior parte das parochias do districto de Ponta Delgada.
Vigários — Conforme os apontamentos do nosso illustrado bibiiothecario, diz
Gaspar Fructuoso, depois da descripção dos sitios da orla marítima d'este logar:-
Ciijo primeiro Vigário não siibe o nome, o segundo foi António Fernandes, e o ter-
ceiro Domingos Affonso que agora tem este cargo. Não sabia Gaspar Fructuoso,
como vemos, o nome do primeiro vigário, mas a pag. 109 do IV vol. do Archivo
dos Açores oodemos ver, nas ordinárias de 152Õ, Braz Pires com a sua côngrua
ou ordinária de 3.500 reis. Dá-se-lhe n'este logar o titulo de cura, mas como por
um lado não é crivei que houvessí- n'aquelle tempo já um cura, além do vigário,
com uma tão diminuta população, e por outro lado sabemos que eram conhecidos
com o titulo de curas alguns dos parochos de outros logares, devemos crer que
foi realmente Braz Pires o primeiro vigário, passando também a ser o primeiro vi-
gário de Candelária no anno de 1535. Foi seu successor António Fernandes, sub-
stituído por Domingos Affonso, que, conforme o testemunho do mesmo Fructuo-
so, parece-nos ser o mesmo de quem se trata no cap. 38 do liv. IV com o titulo
de Beneficiado de S. Jorge do Nordeste. A Domingos Affonso, contemporâneo de
Gaspar Fructuoso, succedeu na nossa ègreja parochial um vigário de nome Ruy
Cortes, desde uma epocha anterior a lól8 até 1628, e conforme os assentos do re-
gisto parochial succedem-se todos os outros pela ordem seguinte: — João de Simas
Barreto de lõ28--a— lóôO;— Mathias Quaresma de 1661 a— 1663;- jeronymo Ta-
vares de 1663— a— 1673;— Lazaro da Costa Pavão de 1674— a— 1712;— João de Sou-
za Vasconcellos de 1714 — a — 1718; — Bartholomeu Jacintho de Vasconcellos de
1719— a— 1733;— Manuel de Mello de 1733— a— 1749;— Lourenço de Medeiros Sil-
va de 1751— a — 1756;— Ignacio de Mello de 1759— a— 1775;— António de Fontes
de 1791— a— 1805;— Sebastião Gonçalves de Moraes de 1814— a— 1832.
P/70/-^s— Sebastião Gonçalves de .Moraes de 1832— a— 1866;— José Machado
Homem de 1870— a— 1895;— Manoel Ignacio Vieira de 1896— a— 1903,— António
José Lopes da Luz de 1905 até que Deus queira.
Noías Biographiças
De João de Simas Barreto sabemos apenas, que falleceu n'esta freguezia a 2
de maio do anno de 1661.
Lazaro da Costa Pavão, substituído no serviço parochial por vice-vigarios nos
annos de 1770— a— 1773, falleceu n'esta freguezia a 9 de Setembro de 1775.
António de Fontes, antes de occupar o seu logar de vigário,, foi n'esta egreja
vice-vigario no impedimento de Ignacio de Mello, de 1770— a— 1773, e por morte
d'elle de 1775— a— 1790, falleceu n'esta freguesia a 13 de maio de 1806, efoi o seu
corpo conduzido a Ponta Delgada onde foi sepultado.
Sebastião Gonçalves de Moraes, ultimo vigário e primeiro prior, natural de
Bragança, depois de 52 annos de serviço n'esta egreja, aqui falleceu a 4 de agosto
de 1866. Foi substituído por um vice-prior, durante alguns mezes no ultimo anno
da sua vida. Ha d'elle uma biog."aphia muito bella e interessante, que já tivemos
occasião de lêr. pelo favor do empréstimo de um amigo, e podemos ainda fazer
uma idéa do seu zelo de bom pastor n'esta parochia lendo n'este pequeno traba-
lho tudo o que a elle se refere nos seguintes capítulos. Os sentimentos, em fim, da
sua provadissima caridade são ainda hoje proverbiaes nas boccas dos mais velhos
habitantes d'este logar.
José Machado Homem era natural da Calheta de S. Jorge, nasceu a 4 de ou-
tubro de 1820, filno de outro José Machado Homem e Marianna Rosa da Silveira.
Foi substituído no serviço parochial por vice-prior durante alguns mezes nos annos
do 1882 e de 1895, e aposentado n'este ultimo anno, falleceu em Ponta Delgada a
5 de outubro de 1904. Era sacerdote casto e honestíssimo na sua vida particular,
mas faltava-lhe certamente a paciência muito necessária ao cargo que exercia, e
principalmente a prudência para se fazer amar dos seus parochianos. Durante mui-
REVISTA MICHAELEMSte ^59
tos annos conheci na sua companhia uma rua irmã de norte Rosa Amélia da Sil-
veira, que falleceu em Ponta Delgada com 67 annos de edade a 20 de julho
de 1890.
Manuel Ignacio Vieira, terceiro prior, natural de Agua de Pau, filho de Manuel
Vieiri e de Thomasia Maria, falleceu n'esta freguezia com edade de 57 annos a 29
de janeiro de 1903, sendo o seu corpo conduzido á errta da sua naturalidade óndé
foi sepultado. Estudou preparatórios: no Lyceu de Ponta Delgada pelos annos dé
1863— a— 1868, e o curso theologico no seminário d'Angra pelos annos de 1868—
a— 1871. Pelos fins d'este ultimo anno e princípios do seguinte recebeu a sagrada
ordenação na egreja de S. Paulo de Lisboa do bispo D. José Lino, resignatario de
Angola e Congo. Regressou me/es depois a esta iliia, sendo logo nomeado cura-
parocho de Candelária, onde se demorou até 1874, transferido no mesmo anno
para a egreja de Nossa Senhora da Oliveira da Fajã de Cima, e poucos mezes de-
pois para a de Santa Cruz da Lagoa. Finalmente collado com o titulo de vigário
na egreja de Nossa Senhora dos .-Xnjos do logar de Agua de Pau, n'esta freguezia
da sua naturalidade parociíiou por muitos annos, até que em abril de 1896 tomou
a sua posse solemne como prior d'esta de Santa Luzia das Feteiras. Era o prior
Vieira muito obsequiador e affavel, muito amigo de popularidades e ovações, e
por isso mesmo muito devoto de procissões, de festas e apparatos religiosos.
O quarto prior, auctor d'este pequeno trabalho, é também natural de Agua de
Pau, nasceu a 22 de agosto de 1844, e portanto, contemporâneo do seu antecessor
ainda que poucos annos mais velho, conterrâneo e até visinho d'ellc nos primeiros
annos da vida, seu amigo e condiscípulo tiesde a aula de instrucção primaria e em
alguns dos preparatórios do lyceu, mas estudou theologia no seminário de Santa-
rém. E' filho de Luciano José Lopes e de Albertina de Jesus Lopes, neto paterno
de José Ignacio Lopes e Anna Joaquina do Amaral, irmã do P.'' Mestre João José
d'Amaral, e materno de António Furtado do Porto e de Francisca Cândida da
Costa.
Paroçhos aniouiuçis
- Nas vagas ou justos impedimentos de alguns dos vigários ou priores, dirigi-
ram o serviço parochial de Santa Luzia das Feteiras os seguintes:
l//f^-v/^í7/7£>s— Matheus Fernandes de Sampaio de 1626— a— 1627;— ^mbrosio
do Rego de 1690— a— 1700;— João Tavares Martins de 1706— a— 1707;— Matheus
Guoduim Stone de 1711— a— 1714;— Manuel Pinheiro Borges em 1750;— Manuel
José da Silveira de 1757— a— 1758;— António de Fontes (antes de ser vigário) de
1770— a— 1773, e de 1775— a— 1790;— André Francisco do Rego de 1806- a—
1809;— Francisco José de Macedo em 1810;— Luiz Bento de Gouveia em 1810;—
Manuel José Soares de Menezes de 1811— a— 1814.
Vice-príores—Ma.nuitl da Costa Diogo em 1866;— José Francisco de Medeiros
em 1867;— Dr. Luiz dos Reis Fernandes Silva de 1868— a— 1870; — José Ignacio Fer-
reira em 1882;— Manuel de SOusa Calouro em 1895;— José Lino dos Anjos de
ig03-a— 1905.
Ctiras-coadiUíores
João Martins Batalha em 1618;— Manuel de Miranda de 1 618— a— 1623; —
Francisco Oonçalvss (a) de 1623— a— 1624;— Manuel Rodrigues de 1624— a— 1625;
—Francisco Gonçalves (a) de 1625— a— 1645;— Mathias Quaresma (antes de ser vi-
gário) de Í645—a— 1661;— Domingos da Cunha de 1661— a— 1662;— António Fer-
reira da Silva de 1662— a— 1678;— André de Sousa Raposo de 1678— a — 1686;—
João do Rego, 1686— a— 1695;— Manuel Ferreira de 1695— a— 1699;— António Pi-
nheiro Pereira de 1699— a— 1703;— Leandro de Sousa Vasconcellos de 1703— a—
1707;— José Barbosa da Silveira de 1707— a— 1708;— Matheus Guoduim Stone (an-
tes de ser vice-vigario) de 1709— a— 1711; —Belchior Manuel da Costa de 1711— a—
1719;— Jeronymo Macedo Botelho (b) de 171Q— a— 1732;— João de Mello Cabral de
360 REVISTA MICHAELENSE
1732— a— 1733;— Manuel de Oliveira Cabra! de Õ733— a— 1735;— Manuel Botelho
do Couto de 1735— a — 1743;— João de Sousa Raposo de 1743— a— 1744;— António
Pereira Moniz de 1744— a— 1740;— Manuel Pinlieiro Borges (antes de vice-vigario)
de 1746— a— 1750;— António de Sousa Paclieco de 1750— a— 1751;— João de Sousâ
d'AlnRÍQa em 1751;— Manuel Perinho Borg-^s de 1752— a— 1753;— Manuel José da
Silveira de 1753— a— 1757;— Manuel de Oliveira Moniz de 1757— a— 1759;— Qas-
par da Silva de 1759— a— 17Ó5;— Lourenço Pimentel Rodovalho de 1765— a— 1769;
António de Fontes em 1770;— Francisco Xavier Lopes de 1770— a— 1773;— Anto-
nic de Fontes, segunda vez antes de ser vigário, de 1773 — a — 1775; — Francisco
Xavier Lopes, segunda vez, de 1775— a — 1778;— André Francisco do Rego de
1778— a— 1805; -José António Coelho (c) de 180ô—a— 1808;— André Francisco Pe-
leira lavares de 1808— a — ISOQ; — Manuel José Soares de Menezes (antes de ser vi-
ce-vigi'io) de lc09— a— 1811;— Francisco losé Macedo de 1811— a— 1812;— João
J( sé Q\ Cunha o- 1812— a-1813;— Manuel José Rebeilo (d) de 1813— a— 1820;—
J<.,é Jacuitho Pavão 'e) de 1820— a— 1843;— Joaquim de Oliveira Cabral de 1843—
a— 1815; — José Jacintho Pavão (segunda vez) de 1845— a — 1860; — José Francisco
de Medeiros (f) dv; 1860— a— 1866;— Emílio Tavares de Medeiros em 1866;— Manuel
da Costa Diogo (g) depois de vice-vigario em 1867; — José Francisco de Medeiros,
segunda vez, de 1868-a— 1878— ;Lacio de 5. -usa Cabral de 1879-a— 1880;— Ma-
nuel António Botelho de 1881— a— 1882; -Mmuel de Sousa Calouro (antes de
vjce-nrior) de 1883— a— 1894;— José Jacintho Vieira em 1895;— Manuel de Sousa
Calouro, segunda vez, dé 1896— a— 1899;— José Lino dos Anjos (antes de ser vice-
prior) de 1900— a— 1903;— José Lino dos Anjos, segunda vez, de 1905 por deante;
—António Tavares Furtado, poucos mezes em 1905.
Notas Biographiças
— 'i)— 0-P/ Francisco Gonçalves, provavelmente natural d'esta freguezia, on-
de tinha parentes muito próximos, depois de ter aqui parochiado duas vezes, a pri-
meira por um anno e a segjnda por vinte annos, foi transferido para idêntico lo-
gar na egreia àz Nossa Senhora das Neves do logar da Relva, d'onde regressou no
,mi da vida e aqui .alleceu a 10 de Novembro de 1652. Fez testamento deixando
a sen irmão Gaspai do Monte uma casa telhada e outra de palha, ambas com os
sPUí, qaintaes, impondo a obrigação de uma missa em cada anno por sua alma,
devendo dar ao c.lebrante a esmola de um pão de trigo e um quartilho de vinho.
— (b) — O Padre leronymo Macedo Botelho, pertencia á illustre familia dos
Botelhos Mucedos -. Sampaios, nasceu n'esta freguezia a 6 de outubrj de 1670, e
falleceu a 14 de Dez.mbro de 1/35.
— (c)— O Padre José António Coelho era natural de Ponta Delgada, e faileceu
n'esta fregv^zia co.n edade de 33 annos a ló de Dezembro de 1808.
—(•:■'>— O PaJre Aanuel José Rebeilo faileceu n'esta freguezia com edade de 60
annos a 18 c'e Janeiro de 1820.
— (e) -O Padre Joié Jacintho Pavão era natural de São Sebastião dos Ginetes
e faileceu n'esta freguezia com edade de 86 annos a 2 de Abnl de 1877.
— (f)— O Padre José Francisco de Medeiros era natural de S. Pedro de Ponta
Delgada, e depois de ter parochiado na Fajã de Cima e em outros logares no res-
to da sua vida, regressou a esta freguezia, onde tinha duas irmãs casadas, e aqui
faileceu a 23 de março de 1888.
— (g)— O Padre Vlanuel da Costa Diogo era natural de Agua de Pau, filho de
outro Manuel da Costa Diogo, e parente do auctor d'estas notas, e depois de ter
parochiado n'estd freguezia foi transferido para Santa Cruz da Lagoa e depois
para SanfAnna do valle das Furnas, onde faileceu ainda novo.
CONGROflS
Diz o nosso muito erudito e prestimoso bibliothecario nos seus preciosos a-
pontamentos, que no vol. IV pag. 119 do Archivo dos Açores podemos ler um re-
REVISTA MICHAELE^^SE 36l
cibo da côngrua do cura Braz Pires, que, com muita probabilidade, suppomos ter
sido o primeiro parocho d'esta egreja, nos termos seguintes :—
Disao eu Braz Pires cura que ora sou da ií^reja das Feteiras que lie verdade que
receb' de Jordarn Prioste trcz mil c quinhentos reis da ordinária, da dita igreja os quaes
dous quartes (quartéis) sani de San Joani da éra de mil quinhentos e vinte e seis
que corre a Sam Joam de quinhentos e vinte e sete, e por que assim he verdade que
recebi os ditos trez mil e quinhentos reis assinei aqui oje quatro de Março da dita
éra. Braz Pires
Dissemos em outro logar, e repetimos agora, que foi Braz Pires o primeiro pa-
rocho d'esta egreja, embora intitulado cura, como curas se intitulavam alguns dos
parochos das outras freguezias, pois não é crivei que a diminuta população inicial
da parochia exigisse os serviços parochiaes de dois ecclesiasticos, sabendo-se que
só no fim de muitos annos, exactamente no tempo do terceiro parocho, contem-
porâneo de Fructuoso, ainda essa população não havia attingido o numero de 100
fogos. Havendo em Candelária, parochia instituída muitos annos depois, maior po-
pulação no anno de 1580, comtudo só na ultima metade do século seguinte nós
vemos os dois, vigário e cura. Dissemos também, e mais uma vez repetimos, que
a parochia das Feteiras foi provavelmente instituida pelos fins do século XV, pois
que no anno de 1515 foi ella desannexada da jurisdicção de Villa Franca. Acaba-
mos agora de lèr, n'uma transcripção que fez de Cordeiro o Diário dos Açores
n." 4QQ3, os vários preços do trigo d'esses annos, e de todos elles o mais caro no
anno de 1508 foi de 600 rs. o moio, de que não nos devemos admirar, porque
mais de um século depois, no anno de 1631, conforme se pode ver no movimento
da fabrica maior de Candelária, ainda o trigo se vendia a 80 rs. o alqueire. Sendo
pois como vemos no recibo de Braz Pires, de 3.500 rs., a importância da sua côn-
grua, e admittindo que o preço mais caro do trigo nos seus primeiros tempos se-
ria de 600 rs., o moio, seria a sua côngrua equivalente a 5 moios e 50 alqueires, e
portanto equivalente a 280 mil reis na actualidade, porque não encontramos ac-
tualmente bom trigo por menos de 800 reis o alqueire.
Conforme os referidos apontamentos do Snr. Alvim, podemos ver no vol. XI
pag. 184— a— 1Q2 do Archivo dos Açores a Carta Regia de D. Sebastião de 30 de
julho de 1568, conforme a qual se accrescentou a côngrua do clero parochial aço-
reano, e, sendo a do vigário das Feteiras 11.000 rs., foi elevada n'essa occasião a
20.000 reis.
Em uma nota tirada do registo d'alfandega pelo Ex.™° Snr. Dr. Ernesto do
Canto, fs. 1 do livro III, podemos ver no capitulo da visita de D. Jeronymo Teixei-
ra Cabral de 21 de agosto de 1603, que sendo a côngrua do vigário das Feteiras
de 25.000 reis, passou a ser de 30.000 reis a começar do primeiro de Julho do
mesmo anno.
Conforme o Archivo dos Açores, vol. Xll pag. 16, era ainda da importância de
30.000 reis a côngrua do vigário d'esta freguezia no anno de 1634, mas foi accres-
centada de 3.000 reis pelos encargos da capella dos infantes, ou a somma de 6
moios e 39 alqueires de trigo e 11.000 reis em dinheiro. Era esta a mesma côngrua
que vencia no anno de 1830 Sebastião Gonçalves de Moraes, porque recebia em
dinheiro o equivalente a 6 moios e 3 112 alqueire^ detrigo e mais 10.000 reis.e pe-
los encargos ou missas dos infantes 36,318 alqueires de trigo e 1.000 reis em di-
nheiro. Vencia o cura no mesmo anno a quantia equivalente a 3 moios e 38,118
alqueires de trigo e mais 6.000 reis, e vencia o thesoureiro 2 moios de trigo e
3.500 reis em dinheiro.
Finalmente em 1832, substituído o titulo de vigário pelo de prior, principiou
este a vencer a congiua annual de 400.000 reis, o cura 250.000 reis, e o thesourei-
ro 60.000 reis.
Assim como nas egrejas parocniaes de Candelária e Ginetes, e sem duvida
362 REVISTA MtCHAfeLENSE
nas de todas as outras da diocese, também na de Santa Luzia das Feteiras, até
proximamente depois da instituição das juntas de parocliia, houve sempre duas
admmistrações, além das confiarias ou irmandades, com as suas receitas e corres-
pondentes despezas do culto. A' primeira d'essas administrações dava-se o titulo
de fabrica grossa ou maior, cuja receita era ordinariamente constituída por subsí-
dios do Estado, e dava-se o nome de fabrica menor ás mordomias de varias fontes
de receita conforme os costumes das localidades, e particularmente nas Feteiras ás
mordomias de Santa Luzia, de Nossa Senhora de Guadalupe, de Nossa Senhora
da Victoria, da intitulada mordomia dos Santos.
Fabrica rnaior
Ncão sabemos, por descaminho dos mais antigos livros da fabrica maior, quan-
do esta principiou a funccionar na nossa egreja parochial das Feteiras, e apenas
podemos conhecer o seu movimento a principiar no anno de 1778. Antes de tudo
porem, devido aos preciosos apontamentos do nosso illustradissimo bibliothecario,
vamos dizer o que nos consta principalmente das despezas realisadas n'esta egreja
a custa da fazenda real, a principiar pelos subsídios ordinários de cada anno.
Conforme o capitulo da visita de D. jeronymo Teixeira Cabral de 21 d'agosto
de 1603 e o alvará de accresccntamento conhecido n'esse capitulo, recebia esta egre-
ja de subsidio annual da fazenda real (ignora-se desde quando) a quantia de 3.000
reis, sendo esse subsidio elevado a 4.000 reis
í desde o primeiro de julho do mesmo anno,
com um valha apesar do tempo ser passado de
6 de novembro de 1610. Registado em Ponta
Delgada a 28 de julho de 161 L Esta nota, diz
o Snr. Alvim, é do Dr. Ernesto do Canto, que
a tirou de fs. 1 do registo d'alfandega relativo
"'** ao período de 1603— a— 1638. O mesmo sub-
sidio de 4.000 reis continuou, como veremos
até 1832.
'f Passando agora aos subsídios extraordiná-
rios, ou despezas da fazenda real na egreja das
f ' Feteiras, podemos ver na Revista dos Açores,
, vol. XII, pag. 41 as seguintes :— no anno de
. 1712, com a ferragem do sino, 7.200 rs., e com
 ornamentos na antiga egreja parochial 92.000
^. ■ rs.;— no a.ino de 1729, com ornamentos na
egreja parochial 144.000 rs.;— no anno de 1730,
com um sino 113.280 rs., com a ferragem do
. mesmo sino 16.200 rs., e com obras de car-
pinteiro, 188.000 rs.;— no anno de 1731, em
obras de entalhador 342.000 rs.;— no anno de
1732 em obras de pedreiro na capélla-mór e
sacristia 372.000 rs.;— no anno de 1734, com o
sino,-á conta 113.000 rs., ferragens do mesmo
sino 16.000 rs., com o retábulo, ultimo paga-
mento, 83.000 rs., com obras de entalhador
ijiaituiz r /'raça de j/." Lu^ia 47.000 rs., e com a torre dos sinos, ultimo pa-
gamento, 9.700 rs.;- em 1737, com ornamen-
tos 74.000 rs.;— em 1738, com o arco da capélla-mór, 23.000 rs.;— em 1740, com
ornamentos 49.500 rs.; — em 1748 com a douradura do retábulo 326.000 rs.; — em-
1750, com a douradura do mesmo ictabulo 326.000 rs. Conforme o livro d'alfan-
dega, gastou-se mais em 1720, com pedreiros na capélla-mór, sacristia e campaná-
rio 144.000 rs.;— em 1731, com obras de entalhador 83.000 rs.;— e finalmente em
1737 com obras de alfaiate e ornamentos, meio preço, 37.000 reis.
REVISTA MICHAELfeNSE 363
Soinmam pois, durante a primeira metade do século XVIII, as despezas ex-
traordinárias da fazenda real, com a antiga egreja, que os mais antigos dos actuaes
habitantes nãc chegaram a conhecer, a quantia de 2.605.880 rs. Ignoramos as des-
pezas realisadas nos séculos anteriores, e veremos agora no mais antigo livro que
conhecemos da fabrica maior, de 1788 por diante, o seu movimento ordinário com
o antigo subsidio annual de 4.000 reis. Do referido subsidio da fazenda real fica-
vam no priostado geral 200 rs. de descontos ou emolumentos, e recebia-se por tan-
to, 3.800 rs. firam limitadas as despezas d'esta administração ao asseio e reparos
da capélla-mór e objectos mais necessários da sacristia.
Considerava-se mordomo d'esta fabrica e d'ella fazia as vezes de thesoureiro
o próprio parocho. Foram approvadas as contas de 1788— a— 1798 pelo visitador
Dâmaso de Carvalho, e por sua ordem escreveu-se, em seguida á sentença- de con-
tas, a copia de uma Provisão de Sua Magestade na qual se manda, que tomem
conta da fabrica maior ou dos subsídios da fazenda real, não thesoureiros ou mor-
domos seculares como acontecia em algumas parochias, mas sim o próprio paro-
cho. Não transcrevemos aqui esse documento, porque se acha transcripto na nos-
sa Monograpliia dos Ginetes. Nas despezas maiores com reparos e retelhos da ca-
pélla-mór e sacristia, bem como em acquisições de paramentos, era esta fabrica
auxiliada por subsídios extraordinários das intituladas mordomias.
No anno de 1810, achando-se vago o cargo de vice-vigario per impossibilida-
de physica do P." André Francisco do Rego, recebeu o seu successor Manuel ]osé
Soares de Menezes, em beneficio da fabrica maior, a importância de 2.000 rs., da
respectiva côngrua durante o tempo da vacatura, e no anno de 1814 vemos a fa-
vor da mesma fabrica 4.000 rs., pelos paramentos muito usados com que foi a-
mortalhado o cadáver do mesmo ?.*■ André Francisco do Rego. Vemos mais nas
contas d'este anno, que os descontos ou emolumentos do priostado geral deveriam
importar em 100 rs., e não em 200 rs., como erradamente exigiam, principiando-
se a receber desde então 3.Q00 rs. Dispendia-se, em fim, com a sentença de con-
tas 975 reis.
Não obstante a exiguidade da receita, cresciam os saldos de uns para os ou-
tros annos, de maneira que em 1819 sommava a receita, incluindo os saldos, a
quantia de 20.930 rs., mas devido a despezas extraordinárias n'esse anno com pa-
ramentos ficou o saldo reduzido a 5.785 rs. Sendo no mesmo anno arguido o vi-
gário Sebastião Gonçalves de Moraes de não apresentar os recibos justificativos
das respectivas contas, desculpou-se no mesmo livro depois da sentença dizendo :
— Que sendo necessário sellos e reconhecimentos em quasi todos os recibos, e pagan-
do se alem d' isso 975 reis nas sentenças de contas, pouco ou quasi nada ficaria do
subsidio da fazenda real. Assim continuaram as contas da fabrica maior, sem alte-
ração alguma na receita, e variando apenas nas despezas até ao anno de 1832.
Conforme um alvará da prefeitura de 7 de novembro de 1833, em harmonia
com o decreto da reforma ecclesiastica ri." 25 de 17 de maio de 1832, passou o li-
vro da fabrica maior a intitular-se livro da fab.'i:a do priorado das Feteiras, no
qual se fazia a escripturação dos subsídios do Estado, desde então mais avultados
e accumulados no novo priorado, distribuídos dopois pelas quatro parochias visi-
nhas, e que se julgava dependentes ou suffrao-j-i:\is. Relva, Feteiras, Candelária,
Ginetes e Mosteiros. Era n'esse tempo geralmenío considerado o novo prior das
Feteiras, conforme a interpretação que se dava ao referido decreto, um legitimo
superior dos seus collegas .las outras parochias, e tinha o cura da sua egreja o ti-
tulo de fabriqueiro geral, porque era elle o encarregado da escripturação da fa-
brica geral das cinco egrejas. Concedia o Estado a esta espécie de microscópica dio-
cese o subsidio annual de 250.000 rs., que o novo prior mandava distribuir pelas
parochias visinhas, reservando a parte que tocava á sua egreja, ordinariamente aos
trimestres. Existindo no cofre do priorado em princípios do anno de 1837 a quan-
tia de 255.400 rs., com destino aos subsídios das outras parochias, recebeu-se um
officio da administração do concelho no qual se mandou, que o prior fizesse a
364
bfeVlSTA MiChAELENSE
distribuição definitiva d'est€ dinheiro pelas outras egrejas, e assim se entregou ao
cura parocho de São Sebastião dos Ginetes a quantia de Õ7.5Õ0 rs., e a cada um
dos das outras egrejas 46.960 rs. Durou por tanto, esta centralisação de subsídios
cinco annos.
Antes da extincção do cofre do priorado existia um outro livro com as Contas
particulares da fabrica maior das Feteiras, e n'esse livro deveríamos encontrar as
primeiras contas da junta de parochia, pois que em 1832 principiou a funccionar
esta nova instituição, mas diz o fabriqueiro geral, desculpando-se, que esse livro
se desencaminhou na camará municipal de Ponta Delgada.
Fabrica rrienor
Debaixo d'esta epigraphe devemos entender as administrações de todas as ca-
pellas ou mordomias seguintes:
Santa Ldzia
Não encontramos escripturação alguma da fabrica ou supposta confraria do
orago d'esta egreja anteriormente ao anno de 1727. Realisou se n'este anno uma
eleição de mesarios, ficando eleitos para provedor João Borges da Gamara, para
escrivão Domingos de Póvoas, para thesoureiro João Raposo, e mais seis , devotos
para servirem de mordomos, entre elles o alferes Manuel de Medeiros, e o alferes
Estevão de Sampaio, todos elles pessoas das mais graduadas famílias d'aquelle
tempo, principalmente o ultimo, que é ascendente em linhas rectas das actuaes fa-
mílias Raposos Benavides, Rodrigues e Oliveiras Raposos.
A primeira conta que encontramos refere-se ao anno de 1726 e resume-se no
seguinte: — saldo dos annos anteriores 16.165 rs., cinco verbas de foros a iinheiro
na importância de 2^450 rs. Não podemos ler n'estas contas as despezas correspon-
dentes, e como additamento á receita vemos ainda dez verbas de juros de capi-
tães mutuados na im-
portância total de 2.505
reis.
Nova eleição de me-
sarios se realisou no
anno seguinte, e depois
da eleição vemos as
contas relativas a 1727.
Saldo do anno antece-
dente, 16.Q40 rs.; — 15
verbas de juros na im-
portância total de 9.910
rs.; — mais duas verbas
de juros na importân-
cia de 1.200 rs.;— uma
verba de acompanha-
mentos na importância
de 1.200 reis.;— aluguel
de cera, 750 rs.,— uma esmola de 240 rs;— Somma a receita 29.600 rs. Apenas se
gastou d'esta receita o necessário com a festa do orágo.
Gom pouca differença, a mais ou a menos, vemos as contas dos annos de
1727— a— 1730, e não vemos nas contas dos annos seguintes individualisação al-
guma de veròas, mas simplesmente os nomes das pessoas de que eram cobradas,
até que pelos annos de 1755— a— 1760 são formuladas as contas pela maneira se-
guinte :— juros e foros de seis annos 50.742 rs., importando as despezas com a fes-
ta do orágo nos jnesmos seis em 52.300 rs., ficando por tanto um déficit de
1.558 reis.
Nas contas prestadas pelos annos de 1770— a— 1775 desappareceu o provedor,
A Fonte da Chã
REVISTA MICHAELENSE 365
O escrivão, o thesoureiro e os mordomos, e apparece-nos simplesmente um depo-
sitário de nome Francisco Gomes, prestando as suas contas de seis annos, e ain-
da d'esta voz não podemos distinguir os foros dos juros, porque apenas se escre-
via o nome do devedor e a importância da verba, sendo ainda a mesma despeza
com a festa do orágo.
Pelo mesmo teor continuam todas as contas dos annos seguintes, até que emi
1797 encontramos um novo rendimento de renda de uma ladeira de terras de 120
rs., e dez addições de juros de capitães mutuados, entre ellas algumas de 130 rs.,
e uma de 100 rs., paga por um capitão! Uma pequena alteração no teor das con-
tas passadas encontramos nós nas de 1807, onde se pode vêr, que, alem cia ren-
da de terra de uma ladeira de 120 rs., havia mais dois foros de 200 rs., um de
225 rs., um de 500 rs., e duas verbas de juros de 485 reis e de 130 reis.
No anno de ISOQ dá-se o nome de foros aos antigos juros de 130 rs., do ca-
pitão Manuel Ignacio e de 485 rs., de António Raposo Jacome, continua a antiga
renda de 120 rs., e os foros conhecidos pejas contas de 1807, apparecendo uma
nova verba de rendimentos da caixa das esmolas na importância de QOO rs. Em
quasi todas as contas passadas e ainda nas seguintes notamos entre as varias des-
pezas com a festa do orágo a esmola de 200 rs., ao vigário por cantar a missa.
Nas contas de 1825 di-se o nome de juros a todas as verbas dos antigos foros e
encontramos um novo foro de 850 rs.,da terra anteriormente arrendada por 120 rs.
Na ultima conta do mesmo livro prestada em 1828 apparece-nos a declaração
de um capitão, Joaquim José Arnaud, dizendo, que, como procurador de uma fi-
lha de Antoni:. de Macedo não pagaria mais o antigo foro de 130 rs., que paga-
vam os seus antepassados, emquanto não lhe mostrassem o titulo d'aquella pen-
são annual, e apparece-nos outra declaração de José Soares, morador na Calheta
de Ponta Delgada, dizendo, que não pagaria mais o foro de 850 rs., de uma quar-
ta de terra que tinha arrematado, por faltarem algumas varas á medida da mesma
terra, e com estas declarações termina o livro mais antigo que conhecemos.
No anno de 1830 princinia o mordomo no novo livro dizendo, que não se re-
ceberia mais um juro que costumava pagar José Soares na importância de 200 rs.,
e que constava de um titulo de 1758, sei-vindo de hypotheca a casa de sua resi-
dência, porque o mesmo José Soares distractára o capital entregando 4.000 rs. Ou-
tra declaração encontramos do mesmo mordomo, dizendo, que, a quantia de 260
rs., paga por José da Silva, era foro e não juro, como se podia ver em um titulo de
arrematação de uma casa onerada comaquelia pensão. Por estas declarações e por
vermos muitas vezes empregados em sentido indifferente ywws ou faros, devemos
concluir, que alguns dos foros das antigas mordomias ou confrarias 'iveram a sua
origem em juros de capitães mutuados, ficando depois as propriedades hypothe-
i-adas com o foro correspondente aos antigos juros. Continua finalmente o capitão
Joaquim José Arnaud recusando-se a pagar o antigo foro ou juro de 130 rs., e do
mesmo modo o José Soares a pagar o foro de 850 rs., e sem duvida, ixir taes mo-
tivos, encontramos depois das contas de 1830 as seguintes declarações do ultimo
vi.gario : — Como todos os que pagam juros ou foros a esta egreja em geral não ha
titulo algum por onde possam ser obrigados, e por outro lado vim a saber, que
n'.putro tempo e não mui remoto, mas antes de eu ser parocho n'esta egreja, ha-
via um maço de papeis que acompanhava o livro das contas, os quaes por o-
missão ou -por malicia dos mordomos fallecidos se desencaminharam, proponho a
esse juizo, que ordene a todos os mordomos d'esta egreja, que me entreguem
todos os titulos que tiverem em seu poder para serem guardados no archivo paro-
chial. Nas mesmas contas de 1830, em fim, só encontramos dois foros, o de 850
rs.. e o de 200 rs. Todas as outras verbas, intituladas foros algumas vezes, passam
a ser classificadas de juros nas contas do anno seguinte.
Nas contas de 1834, approvadas em 1835, são rendimentos da mordomia de
Santa Luzia os seguintes ;—l." de José Soares, juros de que não ha titulo, 500 rs.-,
—2." João Carreiro, juros de que não ha titulo, 335 rs.,— 3." de Maria Branca, ju-
366 REVISTA MICHAELENSE
ros de que não ha titulo, 225 rs.,--4." de Antónia Raposa, juros de que não ha ti-
tulo, 200 rs.,— 5." foro de uma casa 150 rs., — 6.° foro de uma quarta de terra
850 rs.,— 7.° esmolas da caixa 450 rs., e assim continuam as contas dos annos se-
guintes, variando só as esmolas da caixa em quantias sempre inferiores a 1.000 rs.
No anno de 1842 manda o administrador do concelho, que passem os rendi-
mentos da mordomia de Santa Luzia para a administração da junta de parochia.
Comtudo, limita-se a Junta a rever e approvar as contas da mordomia sem ainda
se apoderar dos seus rendimentos. No anno de 184Q finalmente, são incorporados
os rendimentos de Santa Luzia na administração da junta de parochia, e eram el-
les os seguintes:— 1 ." um foro de 1 quarta de terra 850 rs., — 2.° um foro, antiga-
mente juros, de José de Póvoas 225 rs.,— 3.° um foro, antigamente juros, dos her-
deiros de Luiz Botelho da Silva, 200 rs. —4." um foro dos herdeiros de Anna Branca
200 reis.
Nossa Sçnhora dç GtiadalUpe
Com boas razões podemos affirmar, que houve antigamente n'este logar, além
da egreja parochial, uma outra casa de oração particularmente dedicada ao culto
da Santistissima Virgem com o titulo de Nossa Senhora de Guadalupe.
Occupava essa egreja ou ermida o mesmo logar que é hoje occupado pela ca-
pella-mór da actual egreja parochial, e por debaixo da guarnição da parede do la-
do norte, conforme dizem, pode-se ver ainda hoje os siguães evidentes de uma
porta: que deveria ser n'esse tempo a porta de communicação da antiga ermida
com a su.i sacristia. A egreja parochial de Santa Luzia era então um templo mui-
to mais antigo e arruinado, nas mesmas ou pouco maiores dimensões da ermida,
situado ao lado sul do templo actual, alem da Grota de Santa Luzia, no paçaj do
parocho, onde podemos ver ainda hoje alguns vestígios de pedras lavradas, nas
quaes se acham gravadas algumas lettras ou algarismos e pequenos fragmentos de
materiaes de cal muito antigos e misturados com a terra. A escripturação da fa-
brica ou mordomia de Guadalupe não nos deixa duvidas a tal respeito, e a tradi-
ção dos mais antigos moradores d'este logar assim o affirma de perfeitíssimo ac-
cordo com os assentos de baptismos e casamentos desde os fins do século XVII
até meado do scculo XVIII, nos quaes lemos muitas vezes estas palavras: -n'esta
egreja de Nossa Senhora de Guadalupe servindo de parochial.
A antiga imagem de Nossa Senhora de Guadalupe, finalmente, collocada ain-
da hoje n'um dos altares lateraes do actual templo parochial, é também uma ima-
gem de muita devoção d'este povo. Eis o que encontramos a tal respeito nos apon-
tamentos do snr. Alvim, tirados de Gaspar Fructuoso :
Mora ali (nas Feteiras) alguma gente nobre, principalmente o generoso fidalgo
Jorge Camello da Costa Cogumbreiro, casado com D. Margarida, filha de Pedro
Pacheco, e ainda que não tem filhos com que gastar o seu, é tão grandioso e libe-
ral que 70 moios de trigo que terá de renda cada anno, assim alli como no logar
dos Mosteiros, fora os muitos que recolhe de suas searas de que alguns annos pa-
ga o dizimo de 12 a 14 moios, quasi todos gasta em sustentar parentes e parentas
honradas e com muitos hospedes que nunca lhe faltam e com esmolas que elle e
sua mulher fazem a pobres; fez no mesmo logar uma egreja da adoração de Nossa
Senhora de Guadalupe, tam alta, com uma capella d'abóbada tam bem lavrada e
ornada, que bem se parece a obra d'ella com quem a mandou fazer, em que gas-
tou mais de trez mil cruzados, com que está honrado e amparado e dando lustre
áquelle logar, enriquecendo-o com as suas obras pias, supprindo todas as faltas,
ennobrecendo-o com a sua presença e ajudando-o com o seu favor, sendo pae de
todos sem ter filhos, e, finalmente não poupando nada do seu para valer e enri-
quecer a todos, pelo que é sua casa um rico hospital de pobres e um farto agasa-
lho de ricos, um refugio de caminhantes e uma pousada geral para hospedes.
Diz o Dr. Ernesto do Canto no Preto no Branco, n.° 117, que Jorge Camello
REVISTA MICHAELENSE
367
Pereira, o mesmo a quem Fructuoso chama Jorge Camello da Costa Cogumbreird,
ou Jorge Camello da Costa, coniiecido também por Jorge Camello Colunibreíro,
fez seu testamento em 1507 depois de ter feito edificar a egreja de Nossa Senhoraí
de Guadalupe, e que a sua mulher 1). Margarida Pacheco deixou á confraria de
Guadalupe em" seu testamento de 1 de dezembro de 15Q9 um foro de 6.540 rs,, e
mais adiante nós veremos no livro das contas da mordomia, que, além d'aquelle
foro em dinheiro, deixou ella mais outro foro de 75 alqueires de trigo, com a con-
dição de se dotar unia noiva todas as vezes que as sobras da mordomia de Gua-
dalupe chegassem a 15.000 reis.
Em termos idênticos e do mesino modo elogiosos escreve Fr. Agostinho de
Santa Maria no titulo XXiX, dizendo, além do que já sabemos de Fructuoso, que
o Cavalleiro Jorge Camello dá Costa Cogumbreiro (descendente de Diogo Affonso
Coiumbreiro que edificou a Casa e Santuário de Nossa Senhora Mãe de Deus) era
casado com D. Margarida, filha de Pedro Pacheco, e que elle e sua mulher edifi-
caram uma casa, á mesma Mãe de Deus, e a dedicaram á Senhora debaixo do ti-
tulo de Guadalupe n'este logar das Feteiras.
Nas saudades da Terra, livro IV Cap. 4.", diz ainda Gaspar Fructuoso, confor-
me os mesmos apontamentos do Snr. Alvim, que Jorge Camello da Costa era filho
de Pedro Affonso da Costa Coiumbreiro e de D. Leonor Camello, e depois dos
elogios qtie já conhecemos, diz a^nda, que elle fizera no logar onde mora (Feteiras)
e nas casas que foram de seu pay a sumptuosa egreja em que gastou trez mil cru-
zados.
Finalmente, em uma resposta episcopal de 1768 a uma consulta do vigário Ig-
nacio de Mello, veremos mais adiante, que no tempo em que foi edificada a ermida
de Guadalupe, já se falava na transferencia dos serviços parochiaes para ella, ou na
possibilidade de ser a nova ermida elevada a e-
2 ^P greja parochial.
É ^f;?:. De todos estes documentos devemos nós ti-
g "* -1 rar desde já as conclusões seguintes:
g J^^.. j — 1."— A primitiva egreja p'arochial de Santa
a ■ '^ . Luzia, edificada no terreno do paçal pelos fins
T ^ ■'■ ' "„-. do século XV, achava-se já an-iiinad-i ou inca-
,Jr* '- ""3 paz dos serviços do culto no ultinio quartel do
r- '] ■■^^^'^ ■' scculo XVI.
^yíf"- . , —2."— A nova egreja de Guadalupe foi edi-
..... ^^J^ .' ^f ficada na ultima metade do século XVI, certa-
■■■.^^í ' ^ ,; mente antes de 15Q7, á custa, e no mesmo logar
d' casa paterna, de Jorge Camello da Costa Co-
giiiribrciro, filho de Pedro Affonso da Costa Co-
aumbrL^iro (descendente de Diogo ,^ffonso, insti-
ga , tuidor da ermida de Nossa Senhora Mãe de Deus)
*^ • 1- de D. Leonor Camello, casado com D. Marga-
^r^.'.^ rida Pacheco, filha de Pedro Pacheco, pessoas
I^P^-^'^- - limito nobres, ricas e piedosas, gastando-se n'essa
^^ ohia mais de trez mil cruzados.
—3.°— A ermida de Guadalupe principiou a
'; -ii\ir de egreja parochial, sendo a antiga de
milita Luzia abandonada, logo nos princípios do
L'culo XVII, e já incapaz de semr na primeira
metade do século seguinte, n'ella gastou a fazen-
da real mais de 2.600.000 rs., como jà vimos no
uíovimento da fabrica maior pelos annos de
1720— a— 1750.
_4;'_Conforme veremos no movimento económico da junta de parochia, foi
a mesma egreja de Guadalupe muito ampliada e transformada em egreja parochial
Egreja Parochial
368 REVISTA MICHAELENSE
de Santa Luzia, por iniciativa e valiosos auxílios do primeiro prior Sebastião Gon-
çalves de Moraes no anno de 1833.
Dos benefícios ou rendimentos com que fora dotada em antigos tempos a er-
mida de Nossa Senhora de Guadalupe, encontramos ainda no nosso archivo al-
guns documentos, que vamos aqui transcrever. Não sabemos, é verdade, desde
quando foram doados ou deixados em testamento esses legados, mas podemos cer-
tamente conjecturar que alguns d'e!les datam de uma epocha anterior ao segundo
quartel do século XVII.
Primeiramente sabemos, que um capitão de nome João Rodrigues e seus des-
cendentes eram obrigados á sustentação de uma lâmpada perpetuamente accesa di-
ante da imagem de Nossa- Senhora de Guadalupe, como encargo das seguintes
propriedades deixadas em testamento : — 1." — 10 ou 12 alqueires de terra, livredeou-
tros encargos, sita no logar de Candelária, cujo rendimento era de 64 alqueires de
trigo; — 2.° — um foro de 20 alqueires de trigo de outra propriedade no mesmo sitio
de Candelária; — 3." — outro foro de 20 alqueires de trigo de uma propriedade sita
na Lomba da Cruz. Além do foro de Ó.540 rs., que já vimos no Preto no Branco,
n." 117, deixou mais D. Margarida Pacheco um foro de 75 alqueires de trigo, com
a condição de se dotar uma orphã com os sobejos das despezas no culto da ima-
gem de Nossa Senhora de Guadalupe, e finalmente um foro de 13 canadas de
azeite de um individuo da Bretanha de nome António Marques Vamos transcre-
ver os documentos.
Lm uma folha solta, envolvida no meio de outras de um livro antigo da con-
fraria do Santíssimo Sacramento, lê-se o seguinte; — Teor de trez verbas que per-
tencem ás confrarias, assim de Nossa Senhora de Guadalupe, feitas a folhas 25 do
livro da mesma confraria, como também a esta do Salvador.— 1."— Disseram elles
testadores, que tinham no logar de Candelária dez ou doze alqueires de terra la-
vradia dizima a Deus, a qual terra traz Simão Rodrigues, de que paga em cada an-
no moio e quatro alqueires de trigo, a qual terra por morte de elles testadores irá
a seu irmão João Rodrigues com a obrigação de alumiar todos os dias a lâmpada
de Nossa Senhora de Guadalupe emquanto o mundo durar, e a dita terra nunca
será vendida, nem alheada, nem empenhada, e por morte de seu irmão João Ro-
drigues irá correndo linha direita, e poderá dispor no filho ou filin que lhe pare-
cer com. o mais que nomearem para este fim. Referem-se as outras duas verbas,
em termos similhantes, aos dois foros de 20 alqueires de trigo cada um, deixados
a João Rodrigues e com as mesmas condições. E' datado este documento e assig-
nado pelo vigário Lazaro da Costa Pavão em 1683.
Não se diz no documento supra quem foram os testadores, mas podemos ave-
riguar pelo nosso trabalho dos boletins de familias, que o capitão Jdão Rodrigues
nasceu em 1628, falleceu em 1684, tendo casado com Marianna Pa'^heca em 1652,
deixando numerosa descendência.
Quanto ao foro de 75 alqueires de trigo, deixado por D. Margarida Pacheco,
viuva de Jorge Camello, encontramos um assento de óbito nos termos seguintes:—
Aos vinte e dois de janeiro de seis centos e oitenta e outo foi dado á sepultura o
corpo de Martinho de Souza Pereira, que foi muitos annos thesoureiro em a egre-
ja da Senhora de Guadalupe, havia recebido todos os sacramentos, não fez testa-
mento, por que não tinha mais que a terra, da Rocha, d'onde se pagam cinco quar-
teiros de trigo á confraria da Senhora de Guadalupe, o qual legado deixou Dona
Margarida Pacheco, -mulher de Jorge Camello, e deu de foro a mesma terra a An-
tónio Pereira (pae d'este defuncto) para seus filhos com certa f')rma, e porque não
apparecia descendente fez certo partido com Gaspar de Viveiros e sciis filhos, que
lhe mandaram um habito: de alguns moveis que se lhe arremataram se lhe fizeram
um officio e algumas missas e pagaram as dividas. Vigário Lazaro da Costa Pavão.
Não podemos saber em que anno foi dado de aforamento o prédio da Rocha
a António Pereira, mas sabemos que falleceu a mulher d'este, já viuva, em 1658 e
podemos portanto, conjecturar, que o aforamento data de um tempo mais ou me-
REVISTA MICHAELF.NSE 3Ô9
nos próximo do anno de 1599, em que Margarida Pacheco fez o seu testamenio, e
já n'esse tempo se faiava, como vamos ver, na próxima mudança dos serviços pa-
rocliiaes para a ermida de Guadalupe, ou de ser esta ermida ^Hc-vada a egreja pa-
rociíiai. Na resposta episcopal, a que já nos referimos, a uma advertência, que já
não se pode iêr, e que nos parece ser uma consulta formulada pelo vigário Igna-
cio de Mello, querendo justificar o motivo porque se deveria gastar n'aquelle anno
os sobejos do foro com um novo altar de Nossa Senhora de ( luadalupe, deixando
de se dotar uma orphã, podemos Iêr o seguinte: — E' certo, como bem adverte o
ministro supra, que a primeira intenção dos voventes é o augmento do divino ciiito,
econio todo o empenho da doadora D. Margarida Pacheco foi a conservação do
culto da sagrada imagem de Nossa Senhora de Guadalupe, orágo que era d'esta
egreja, emquanto ermida, dando-Ihe para esse fim cinco quarteiros de trigo, d'cste
rendimento se deve continuar a satisfazer o mesmo culto 5 dita sagrada imagem,
sem embargo da substituição que deu de dote para uma moça da obrigação de
sua casa, se aquella ermida viesse a ser egreja parochial, por já n'esse tempo falar
. ....^,^ ,_ „- - - • em a mudarem para a di-
ta ermida, por quanto
com a referida mudança
e creação da ermida em
parochial, não só conse-
guiu a mesma sagrada
^ imagem de Nossa Senho-
-•^ ra de Guadalupe novo
culto, que o oue presen-
f _ temente a mesma doado-
^ . j { -■'■', ^.;: ra conjecturava, e ficasse
ij? ^ r"* '■■ ' patrona da mesma egre-
^JV )'T, antes sim menos apre-
sa ço, pondo-a duas vezes
"*" 110 canto do altár-mór
quando os mordomos e
'' '^'"^ ^'"''' devotos lhe faziam a sua
festa, c de ordinário pelos da sacristia, o que moveu os mesmos mordomos a sup-
plicarem ao Provedor dos Resíduos lhe mandassem fazer altar e paramental-o
d'este rendimento, suspenso o legado do dote no entretanto.
Ponta líelgada em visita de outubro 26 de 176S. Bispo d' Angra.
Desappareceram os antigos livros das contas da mordomia de Guadalupe, e
apenas emontramos o ultimo, a principiar na receita e despeza do anno económi-
co de 1747 — a — 1748. Além do legado de 75 alqueires de trigo deixado por D.
;Vargarida Pacheco, como foro do antigo prédio de Martinho de Souza Pereira,
não vemos mais receita alguma, senão esmolas de milho, liquidado n'esse anno a
lòO Vi., o alqueire. Do encargo que pesava sobre os bens herdados pelo capitão
Jof.o Rodrigues, bem como do foro de 6.540 rs., de D. Margarida Pacheco, nada
vemos n'estas contas, nem nas dos annos futuros.
No anno de 1752 vemos, que o foro de 75 alqueires de trigo de D. Margarida
Pacheco, imposto no prédio da Rocha, primeiramente de António Pereira, passan-
do a seu filho Martinho de Souza Pereira, e depois a Gaspar de Viveiros e seus
filhos, tinha já passado ao tenente João Borges de Medeiros, ascendente da illustre
família Borges de Medeiros de Ponta Delgada, e portanto ao illustre titular d'esta
nobre família, que, recusando-se a pagar, desde muitos annos, este legado, parece
ignorar a origem d'elle, sem duvida alguma um foro imposto desde princípios do
século XVII ou fins do século XVI por D. Margarida Pacheco no seu prédio da
Rocha d'esta freguesia. Vê-se finalmente, nas mesmas contas de 1752, que era esse
fosse onerado com uma capella de missas.
Nas contJis de 1749 apparecc-nos um rendimento de 9.440 rs., sem se decla-
370 REVISTA MICHAELENSE
rar a proveniência d'elle, mas nas de 1755— a— 1756 vê-se que era o producto li-
quido do antigo fòro'de 13 canadas de azeite a que era obrigado um individuo da
Bretanha, e juntando a importância d'este foro á importância do foro de 75 al-
queires de trigo e ás esmolas do milho, somma a receita d'este anno 35.400 rs.,
importando a despeza em 32.100 rs. Eram muito restrictas as despezas da mordo-
mia de Guadalupe, pois que constavam somente do asseio e reparos do respectivo
altar, do cumprimento do legado de uma capella de missas, e do pequeno dote a
uma orphã, e por isso mesmo crescem os saldos de uns para os outros annos, de
maneira que no anno de 1760 somma a receita 70.035 rs., incluindo o saldo do
anno anterior na importância de 52.435 rs. Em 1767 subia o saldo incluso na re-
ceita 108.655 rs., liquidafido-se o foro do trigo por 18.000 e o de azeite por 2.600
reis. No anno de 1773 era emphyteuta dos 75 alqueires de trigo o morgado Gas-
par de Medeiros, liquidando-se o trigo n'esse anno a 240 rs,, e não havendo mais
verba alguma de receita além das duas conhecidas, o trigo e o azeite, som mando
a receita n'esse anno 40.870 rs., e a despeza 23.550 reis.
Em 1780 são approvadas todas as contas de 1771— a -1770, advertindo a res-
pectiva auctoridade, que não se devia dar pelas esmolas das missas mais do que a
taxa do costume, que era de 100 rs., e não 120 rs., como dava c mordomo. Ficou
para o anno seguinte um saldo de 89.760 reis.
No anno de 1800 importava a receita em 60.37Q rs., incluindo do anno ante-
rior o saldo de 30.379 rs., e sommando.a despeza apenas 9.400 reis.
No anno de 1811 requereu o vice-vigario Manuel José Soares de Menezes ao
provedor do concelho e ao bispo da diocese a necessária auctorização para serem
applicadas as sobras do rendimento do trigo, em logar de dotes a orphãs, aos re
paros de que muito carecia a egreja de Nossa Senhora de Guadalupe, para conti-
.. -.,. nuar a servir de egreja
.-^ parochial, visto achar-
■' '■ se já desde muitos an-
;■ nos abandonada a de
., Santa Luzia.
,', ■ Depois das contas
^^^' ' ...■ cie 1823, sentenciadas
_ í|^ , ^ in 1824, comum saldo
^^ '""«' ' ' ^ ; de 50.797 rs., vemos a
'opia de um requeri-
ii;ento do. vigário Sebas-
lifio Gonçalves de Mo-
les, pedindo á respecti-
' ; auctoridade, que as
:a" --.- .-Í5-..ÍV j». .- '-s-s.-; ' despezas com dotes a
. ^ , . ^ . ^. , orphãs se fossem accu-
A Fonte da Fgreja e o ,Hcairo mulando em saidos a fa-
vor da projectada egreja parochial, e sendo favoravelmente despachada esta peti-
ção, vemos que sommavam esses saldos no anno de 1825 a quantia de 129 446 rs.,
em 1827 a quantia de 204.078 rs., em 1S30 a quantia de 309.495 rs., em 1834 a
quantia de 360.764 rs., havendo ,n'esíe anno a receita de 398.264 rs., e gastando-
se d'esta somma com a nova egreja de Santa Luzia 324.515 rs., ficando ainda um
novo saldo de 73.749 reis.
No anno de 1842 manda o administrador do Concelho, que sejam os ren-
dimentos da mordomia de Guadalupe incorporados na administração da junta de
parochia, mas as administrações continuam separadas por mais dois annos, até
que no anno económico de 1S44— a~1845 acabou a mordomia.
Nossa Senhora ds l/ictoria
Não encontramos escripturação alguma d'esta mordomia anteriormente ao an-
REVISTA MICHAELENSE
371
no de 1736, e pelas contas dos annos económicos de 1736— a— 1740 só podemos
ver o rendimento de um quarteiro de trigo, não se podendo ler bem as despezas
correspondentes. Apparece-nos logo depois d'estas contas uma sentença de D. Fr.
Valério do Sacramento, em visita n'esta egrejanomez de outubro de 1742, appro-
vando o movimento económico da mordomia nos últimos quatro annos decorridos
com a receita de 93.400 reis e a despeza de 64.000 reis.
No anno de 1745 são sentenciadas e approvadas as contas pelo visitador Pe-
dro Ferreira de Medeiros, vigário de São José de Ponta Delgada, havendo uma só
0 a mísma verba de receita do foro de 15 alqueires de trigo, liquidado n'essc an-
no a 160 rs., e gastando-se no asseio do altar a quantia de 4.740 reis.
Pelas contas de 1745— a— 1746 ficamos sabendo, que os 45 alqueires de trigo
de rendimento da mordomia era um foro do P." António Sampaio, liquidado n'es-
se anno a 200 rs., havendo encargo annexo ao mesmo foro de uma missa em ca-
da anno. Assim continuam as contas nos annos seguintes, apenas augmentadas as
receitas com alguns juros de capitães mutuados e nada mais de despezas senão o
asseio do altar e o azeite da larnpada.
No anno de 1766 são approvadas todas as contas dos ãnnos anteriores por
1 •. António Claetano da Rocha, e em logar do antigo emphyteuta P.*-' António de
- impaio vemos o seu successor Duarte Borges 'da Gamara. Por essas contas po-
demos vèr, que o íôro do trigo c o respectivo eiicargo da missa era uma disposi-
vão testamenH-', ■'- \rr.>nio Marques, passando em 1788 de Duarte Borges da
çfig.^— -'!. ja. - - ; Camará á sua viuva D. Anna josepha, em
*v7'*-7 ' ^^- í'^^7 ao morgado António Pedro Borges de
•' ' Medeiros, liquidando-se o trigo n'este anno a
«V . :^ 240 rs.
"^ f - . ^ Do anno de 1810 por diante deixa o mor-
..' domo de mandar celebrar a missa, passando
; este encargo a legados não cumpridos, e haven-
/' donoawno seguinte um saldo de 31.195 rs.,
1 pede o vice-vigario Manuel José Soares de Me-
' : nezes para gastar d'esta quantia 20.000 rs. em
^i concertos e reparos da ermida de Guadalupe,
. j^ transformada, como já vimos, em egreja paro-
-!' ^ chiai. No anno de 1820 havia um s^ldo dos an-
nos anteriores na importância de 53.825 rs.,
vendendo-se o trigo a 400 rs., e declarando-se,
que nada havia de esmolas a esta capella.
No anno de 1834, havendo uma receita de
140.718 rs., incluindo o saldo dos annos ante-
riores na importância de 133.215 rs., deu a
mordomia para as obras da nova egreja paro-
cliial 49.150 rs., e volta o mordomo ao antigo
costume de mandar celebrar a missa do lega-
do pio. Desde muitos annos havia já passado
o foro de 15 alqueires de trigo para o morga-
do Duarte Borges da Camará A^ledeiros. Deu
mais esta mordomia para o complemento das
obras da nova egreja parochial em 1836 a quantia de 90.160 rs., e em 1839 a
quantia de 30.000 rs., passando o rendimento do antigo foro de 15 alqueires de
trigo no anno de 1843 para a administração da junta de parochia, e acabando por
este facto a mordomia de Nossa Senhora da Victoria.
BSE*B?s-
Altar que pertenceu á velha egieja do
Collegio de Ponta Delgada da O-dem
dos Jesuítas
Fabrica dos Saníos
Assim como nas egrejas parochiaes de São Sebastião dos Ginetes e de Nossa
372
REVISTA MICHAELENSE
Senhora das Candeias do lo.^ar de Candelária, também na nossa de S. Luzia das
Feteiras havia antigamente uma fabrica ou mordomia intitulada dos Santos.
Era esta mordomia adiTtinistradora dos rendimentos das imagens, ainda hoje
nos seus respectivos altares, de S. Pedro, de S. Antão e de S. Sebastião.
O antigo e único livro da sua administração, que nos foi po^sivei encontrar no
nosso archivo parochial, principia pela seguinte declaração:— /l/a/wcT/ do altar de S.
Pedro, c de S. Antão, são 5 tostões dos qiiaes paga hoje Manuel Gonçalves um cruzado
do assento em que mora, para cujo pagamento liade cobrar 150 rs., do vigário La-
zaro da Costa das casas qne foram do P! Miguel Gonçalves Raposo, e um tostão
do assento de Manuel do Monte, e a tudo está encabeçado o dito por tradição dos
possuidores do dito assento, e paga mais um tostão Mamui <lc leve do assento on-
de mora, e hade cobrade seus cunhados e her-
deiros de Manuel de Oliveira o que lhe tocar a ^'
cada um, por ser encabeçado. 2 de Junho de 679. '' |
Devemos pois, concluir, que eram rendimentos j,
d'esta .fabrica no anno de 1679 dois foros ou en- : ' 1
cargos de qualquer natureza, um de 400 rs., e
outro de 100 rs., impostos em assentos ou casas '. '
de habitação. Em seguida a esta declaração po- *
demos ainda lêr o seguinte: — Tem mais e^la
confraria os bens moveis seguintes:— yW.7/i'//í'/ dt/
Costa Raposo deve dois mil íeis por escripto.
Manuel de Póvoas deve cinco mil e quinhentos "'• %
reis, Anna Jorge, viuva de Peiro Fernandes, por
escripto de seu marido e sedula em que morreu,
sete mil e quinhentos íeis, e tem mais quatro ca-
beças de Cabras na mão do capitão João Rodri-
gues. Termina, em fim, a primeira pagina da ;
meira folha por estas palavras :~Estes são
bens que tem esta confraria, a que se obrigam o.,
mordomos que hoje são juiz Francisco Raposo,
escrivão António de Vasconcellos, mordomos Fran-
cisco Martins e Manuel de Póvoas e procurador
depositário Matheus da Costa Teixeira, a cobrar
e a administrar com toda a devoção c cuidado, e
declaram que as pessoas que pagam a fabri,!
não devem nada e com isto se assinam comnui
hoje 29 de junho de 1679. Pavão.
Na primeira folha do mesmo livro diz ain-
da o vigário Lazaro da Costa Pavão, que uma
senhora da Relva de nome Águeda da Motta,
viuva de Pedro Rebello, deixou a Nossa Senhora do Bom Successo da mesma pa-
rochia e a S. Sebastião d'esta freguezia um foro de 10 alqueires de trigo de uma
propriedade que herdara de Simão de Tevês, e que este foro tinha sido substi-
tuído por outro a dinheiro na importância de 8.300 rs., que pagava n'aquella epo-
cha o capitão João Rodrigues Pavão. Havia no mesmo foro, conforme diz o vigá-
rio Lazaro, o encargo de uma missa em cada anno, dividindo-se depois este foro
em duas partes, a primeira de 5.000 rs., para o culto de Nossa Senhora do Bom
Successo no logar da Relva, e a segunda de 3.300 rs., livres de qualquer encargo
para o culto de São Seba-stião no logar das Feteiras. Não vemos porem, este ren-
dimento em receita alguma do livro de que nos vamos occupar.
Importa a receita no anno de 1681 em 3.540 rs., incluindo 1.250 rs., de trez
cabras que se venderam, gastando-sé d'esta somma 3.605 rs-, incluindo a despeza
í
Ê
'ffi
Alta) ,
es:re/a i
velha niiijiiia qne vciuncfu ã
xtinda de S. los' aonde depois
ai edificado o Theatro (/)
(I) Também este altar esteve no Collegio como diz o aiictor da monographia.
PEV1STA MICHAELENSE 373
de 500 rs, da comedia, ou pastos dos animaes, c 100 rs., da esmola de uma mis-
sa a S. Antão.
Nas contas de 1696— a— 1699 vê-se, que a confraria mutuava os seus saldos a
5 °Io, ou, como ordemnava o visitador Simão da Costa, a 50 por milhar. E' sem
duvida por essa razão que vemos nas contas d'esses quatro annos os rendimentos
seguintes :—l.° uma pensão de 1.500 rs., pelo juro de 30.000 rs :— 2 °— duas pen-
sões de 600 rs., pelo juro de 24.000 rs:— 3."— uma pensão de 300 rs., pelo juro de
6.0M rs. — 4.° — umi pensão de 700 rs,, pelo juro de 14.0C0 rs. Tinha por tanto, a
mordomia em capitães mutuados a somma de 74.000 rs., com o juro de 3.700 rs.
Apparece-nos mais n'estas contas o ahiguel de uma casa doada pelo capitão Agos-
tinho Raposo na importância de 600 rs., um foro de 400 rs., dois foros de 100 rs.,
metade do custo de uma bezerra por 550 rs., e o custo de duas cabras vendidas
por 900 rs. Incluindo o saldo de 18^0 rs., do anno de 1695, importava a receita
em 21.400 rs. São as despezas dos mesmos annos de 1696— a— 1699 formuladas do
modo seguinte:— trez sermões com a esmola de dois cruzados cada um, 2.400 rs.
—concertos de uma lâmpada e castiçaes, 820 rs. -quatro missas a S. Pedro com
a esmola de 100 rs., cada uma— benesses ao thesoureiro, 210 rs. — concertos nos
altares, 460 rs.— gastos de cera, 3.800 r?,.— comedia ou pastos dos animaes, 260 rs.
ífra mordomo e prestou estas contas .Mathi;is Barbosa, casado n'esta freguezia com
Luiza Carreira, failecido com idade de 60 annos em 1721, deixando numerosa des-
cendência, e havendo já hnje d'elle quintos netos nas familias Tavares.
Do mesmo modo continuam as receitas dos annos seguintes, juros, foros e a
renda ou aluguel de uma casa. No anno de 1705 sommam os capitães mutuados
apenas 24.000 rs., com o juro correspondente de 1.200 rs., continuando o aluguel
da casa, e os foros de 400 rs., e de 200 reis. No anno de 1715 subiram os capi-
tães mutuados a 32.100 rs., distribuidos por nove indivíduos,- recebeu-se a esmola
de um boi liquidado por 8.200 rs., e a esmola de uma cabra por 640 reis. infeliz-
mente descaminhou-se a escripturação dos annos seguintes, e nada mais podemos
saber da antiga administração d'esta fabrica ou mordomia.
Continua
374 REVISTA MlCHÀELÉNg K
lotas e Eslatístifii Ha ia è í iigii-Pi Um\m Mmm Mm
ailSiliKPFiliSãQlii.
ViLLS DO NORDESTE
o ^i LOQfíSÍ Orí ILMfl
%■-
Situado no interior 3 léguas a N, NE, do Fayal.— Este logar que no seu prin-
cipio era jurisdicção de Villa Franca foi erecto em Viila em 18 de julho de 1514,
por El-Rei D. Manoel; é pequeno bem situado, e muito sadio; os seus campos sãr;
férteis em trigo, nos bons annos, nas melhores terras produz 12 por 1; e milho ó')
por 1; favas, maçãs, pêras, figos, vinho e tem bastante gado, e gallinhas a 200 reis.
Nos bons annos dá 120 pipas de vinho, 350 moios de trigo, 800 de milho, isto
é todo o districto.
O mar abunda em grandes congros, chernes, garoupas, tartarugas etc.
O seu districto é desde a metade d'Agua Retorta até á Algarvia; comprehende
os logarejos da Lomba da Cruz; da Fazenda d'Assumada; da La/areira, o logar do
Nordeste; o logarejo do Espigcão; de Santo António, do Calvo; o logar da Algarvia,
correndo a costa para o norte; e para o Sul, o logarejo da Nazareth, da Grota do
Barro, e da Pedreira.
Ha Vigário na Egreja de São Jorge, com Cura e collegiada, e um Convento
de Franciscanos.
População
Em 1580 — 584 almas de confissão òm 128 fogos.
Em 1690— 8Q2 almas de confissão em 225 fogos.
Em 1800 — 1765 almas, e mais 47 nascimentos, do que mortes.
Em 1813—1892 almas, em 459 fogos.
S. M: S. F: l',: 1; V: V:: 1:1 ',; N: P:: 1; 52 i;
M: P:: 1: 62 j ; N: Al:: N: F:: 1: 1 r^^. augmento effectivo de população em 13
annos 427 almas, ou 35 por anno; mas o termo médio de augmento era 44 almas,
que em 13 annos faziam 572, tem só 425, logo emigraram 145 almas.
Occupaçõcs dos habitantes
Em 1800 Em 1813
Corpo Ecclesiastico 10 • .13
Corpo Civil 10
Lavradores 47 ■ 96
Artistas 19 38
Trabalhadores . . . • 164 .^ 218
Homens do mar 14 14
Em 1813 tinha todo o districto da Villa 2794 almas em 709 fogos.
Em 1813 tinha, Frades 5, Clérigos 8, Officiaes de Justiça 10, Cirurgiões 2, Car-
pinteiros 11, Serradores 7, Pedreiros 3, Cabouqueiros I, Ferreiros 2, Cesteiros 17,
Sapateiros 21, Práticos da costa 13, 1 Sargento Mór de Ordenanças e 4 compa-
nhias com 513 praças.
Producçõcs de todo o díss^ricto da villa
Em 1800
Em 1813
Exportação
Trigo
290 moios
330 moios
30
Milho ....
350 moios
710 moios
50
REVISTA MICHAELENSE 375
Em ISOO Em 1813
Linho.... 60 quintaes. . . .
Fava 18 moios 4 moios
Feijão 40 alqueires ... 1 »
Legumes.. 13 moios 20 alqueires
Vinho .... 10 pipas 31 pipas
Cevada 1 moio
Ha 3 caminhos d'esta vilia para a costa do sul: o 1." peio Pico da Trunquei-
ra, e Agua Retorta á Povoação; 3 lioras a pé, e 5 a cavallo; é muito máu.
O 2." pela Pedreira, logarejo a uma légua do Nordeste, de 360 almas e pela
serra do Lombo Gordo, até á Povoação: 3 horas a pé e 4 a cavallo; o 3." indo
pelo Nordestinlio, ou pela Algarvia ao Pico da Vara, e de lá pelos Graminhaes
para as Furnas, e d'ahi á Povoação.
Caminho da \'illa do Nordeste para o logar do Nordestinho.
A 113 de légua da Villa do Nordeste, está a Ribeira dos Moinhos que nunca
secca.
A 113 de légua o logarejo da Lomba da Cru7, e o caminho do mesmo nome,
que do Nordeste vae á Povoação peio Pico da Trunqueira.
A 1 légua de Nordeste a Ermida da Conceição do logarejo da Fazenda; a 94
braças a Grota da Arrubeira do Arraiai, que secca no verão.
A 141 braças a Grota da Figueira.
A 376 braças o resto do logarejo da Fazenda cujos campos são férteis.
E a 235 braças a Grota sem nome, secca, a 113 de légua o logarejo da Assumada.
A 113 de légua a Ribeira de João de Aroses, não secca; e logarejo da Lazeira;
segue-se a Ribeira d'Agua, que secca no verão, e a 2 léguas ("a V^illa do Nordeste,
o principio do logar do Nordestinho, e o caminho para o Pico da Vara, pela ca-
nada do Feno.
A 1!3 de fegua do principio do logar, está a Ribeira do Espigão Morto, que
secca e é o fim do logar e ao pé o logarejo do Espigão Morto.
A 315 braças a ribeira e logarejo de Santo António.
A 113 de legua a Grota e logarejo do Calvo.
A ISO braças ccuneça a descida da Ribeira Despe-te que suas; e a 2|3 de legua
está o fim da subida d'esta mesma ribeira, e um caminho ao sul r>ar:i o Pico da
Vara, passando pelo logarejo da Algarvia.
A 1 legua c 213 do Nordestinho, está o logarejo da Algarvia, Curato suffraga-
neo do Nordestinho na Egreja da Senhora do Amparo, situado entre a Ribeira —
Despe-te que suas — e a da iMulher, de descida e accesso tão difficultoso como a
primeira, e é o limite do Districto do Nordestinjio, e da Villa do Nordeste, a costa
do Topo ou Ponta do Nordeste corre a N, N. O. forma o pontal dos Frades, a
Ponta da Ribeira dos Moinhos, e corre para O. até ao Pico da Al,^:ir\':a, que se vê
de grande distancia: como a costa é muito alcantilada, e cortada por muitas gro-
tas e ribeiras, que todas tem as suas vertentes no cordão das altura^ dos Grami-
nhaes, o caminho que atravessa todas estas ribeiras, é assaz incommodo mesmo
com bom tempo pelas descidas e subidas.
Logar fio Mordcstânho, o 25." da ilha
Situado 2 léguas a N. NO. da Villa do Nordeste.
■ E' pequeno, tem Vigário e Cura na Egreja de S. Pedro.
População
Em 1580 tiriha 181 almas de confissão em 41 fogos.
Em (6yO— (comprehendendo a Algarvia na freguezia de S. Pedro) 748 pessô:'s
cm 189 fogos.
Em 1800 985 almas, e mais 2 mortes do que nascimentos,
Em 1813 875 almas em 175 fogos.
376 REVISTA MICHAELENSE
S. M: S. F:: I: I 114; V: V:: I: 4 112; N: P:: I: 19 1146; C: N:: I: 2 718; C:
P: : 1: 54 11116; M: P:: I: 58 113; N: M:: 3: 1 1115; mais 21 nascimentos do
que mortos; diminuição de população em 13 annos, 110 almas; o termo médio do
augmento era 10 almas, que em 13 annos produziam 130, logo emigraram 150
almas.
Occupaçõcs dos habitantes
Em 1800 Em 1813
Corpo Ecciesiastico 2 3
Corpo Civil . . 1 • 10
Lavradores 68 76
Artistas 15 24
Trabalhadores....- 297 220
Mendigos ■ 3
ProducçÕG^
De ISOO e 1813 incluídas nas da Villá do Nordeste.
Do logar da Algarvia o caminho para o Pico da Vara é muito bem até ao si-
tio a que vão cortar hmhas no matto; d'ahi para cima só se pode subir a pé: a 1
516 de légua está o Pico Redondo, atravessam-se as alturas dos Qraminhaes e as
vertentes de muitas ribeiras, e grotas que desaguam na costa do norte e sul da ilha.
—Subindo mais 314 de légua ou a 2 léguas e 213 da Algarvia está o cimo do Pico
da Vara, a montanha mais alta da Ilha d'onde se descobre grande parte da costa
do norte e do sul; está quasi sempre coberto de névoa, nas faldas observam-se as
vertentes de muitas grosas, e uns grandes precipícios chamados os caldeirões; no
ápice do Pico da Vara achamos resíduos vulcânicos; atravessando os Qraminhaes
para Oeste correndo ao w rte pelas alturas, que formam os dois valles da Ribeira
dos Moinhos e da Achada, a 2 116 de légua do Pico da Vara, está o logar da A-
chada Grande; o caminho é muito agradável; e o viajante descendo do cimo da
montanha d'onde muitas vezes se vê o ceo claro, emquanto os valles que a rodeiam
estão cobertos de névoa, vae gradualmente vendo grandfs ribeiras, campos nmi
bem cultivados, e muitos logares da costa do norte da ilha.— bahindo da Algarvia
pelo caminho ao longo da costa atravessa a Ribeira da Mulher; encontra-se o lo-
garejo da Feteira; a Ribeira do 'Folhado; a Ribeira das Pombas, o logarejo da Fe-
teirinha; a Ribeira da Achada e o logar da
?lchada Grande o 24." da ilha
Situado uma légua a Oeste do logarejo da Algarvia, e 4 2|3 de légua da Villa
do Nordeste; o plano de base do logar é muito superior ao nivel do mar que jun-
to ao dos seus campos muito bem cultivados dão ao espectador, collocado nas fal-
das dos Qraminhaes uma scena assaz agradável; produzem bom trigo que dá de
~ a 10 por 1; milho 40 a 60 por 1; tem muito gado, gallinhas etc, não tem porto;
tem Vigário e Cura na Egreja da Senhora da Graça.
População
Em 1580 132 almas de confissão em 32 fogos.
Em 1690 290 almas de confissão em 80 fogos.
Em 1800 922 e mais 10 nascimentos do que mortes.
Em 1813 792 almas em 204 fogos.
S. M: F:: I: 1 118; V: V:: I: 1 115; N: P:: i: 21; C: P:: 1: 66; M: P : : 1: 49
112; N: M:: 2 318: I, mais 22 nascimentos do que mortes: N: M: N : F: : I: 1 119.
Diminuição de população em 13 annos 130 almas, termo médio de augmento
rde população 16 almas, ou 208 em 13 annos; mas diminuíram 130, logo emigra-
am 338 almas.
REVISTA MICHAELENSE 377
Em 1800 Em 1813
Corpo ^eclesiástico 2 2
Corpo Civil õ ... 6
Lavradores 5U 60
Artifices... 15 14
Vivendo de rendas 1 ...'..■ 1
Traballiadores 185 ..; 180
Meiídisos -3 3
ProducçÕGs
[)o loí^nr da Achada (irande Do lo<{ar da Achada Grande em 1813.
e Achadinha em ISno.
AAilho 254 moios e 10 alqueires QS moios e 16 alqueires
Fava 7 moios e 16 " 1 moio e 16 alqueires
Legumes 67 moios e 20
Feijão 44 alqueires
Cevada 3 moios e 47 alqueires
Linho 30 quintaes
Em 1S13 tinha o logar da Achada Grande gado vaccum 168 cabeças, miúdo
363, bestas cavallares 3, muares 1; jumentos 32; carros 5.
Sabindo da Achada Grande, encontra-se a 113 de légua a Ribeira c ? / ' I ai
nha, ou dos Moinhos, de muita agua; e a 113 de légua o logar da
/\chadínha, o 27." da ilha
Situado 213 de légua a Ueste da Achada Grande, e- 5 113 a Oeste da Villa do
Nordeste; os seus campos produzem bom milho, que dá 60 por 1.
Tem vigário na Egreja de São Pedro.
Popuíação
Em 1580 tinha 123 almas de confissão em 61 fogos.
Em 1600 tinha 425 almas de confissão em 130 fogos.
Em 1800 677, e mais 10 nascimentos do que mortes.
Em 1813 735 almas, em 250 fogos.
S. M: S. F:: I: 1 117 V: V:: 1: 1 3110; N: P:: I: 26;
C: P:: I : 4.3 213; M : P : : I: 87 5I8; N : M;: 3 114: 1; mais nascimentos que
mortes 18 N. M : N. F-:'I: 1; augmento effectivode população em 13 annos 58 al-
mas; termo médio de augmento 44 almas, ou 182 nos 13 annos; augmentaram só
58, logo emigraram 124.
OccupaçÕGs dos habitantes
ISCO 1813
Corpo Ecciesiastico 3 • . 4
Corpo Civil 5 2 •
Lavradores 51 33
Artistas 1 60 . 119
Mendigos 3 3
ProducçÕGS
1813
Fava 2 moios e 33 alqueires
Feijão _ 53 alqueires
.Milho Í4Q moios e 21 alqueires
Cevada 33 alqueires
Centeio 24 alqueires
378 REVISTA michaelense
Tinha mais, bestas cavallares 40; tntiares 3, jumentos 116, gado miúdo 186
cabeças.
Sahindo da Achadinha, encontra-se a l[4de légua a Ribeira do Cachaço, que
não secca; e a lomba da Calumbreira; a 470 braças a Ribeira da Aventura que
não secca; a 470 braças a Grota do Pompé que secca no verão; os lavradores ob-
servam, que quando esta Grota secca em Março, e não torna a correr até Outu-
bro, indica que o anno é secco, e consequentemente boas as colheitas de vinhos;
trigos etc; e o contrario se corre durante esse tempo: a 336 braças está o logarejo
de São José da Salga, curato suffraganeo da Achadinha.
População em 1813. 58 casaes. — Producções.
Milho 3Q moios 3 alqueires
Trigo 9 moios 1 alqueire
Tinha mais, bestas cavallares 4; muares 1; jumentos 22; carros 13; e 1 compa-
nhia de Ordenanças.
A 114 de légua está a Ribeira da Salga, que não secca.
A 470 braças o logarejo da Lomba de São Pedro.
A 141 e 366 braças duas Grotas de São Pedro da Lomba no principio e fim
do logarejo.
A 470 braças a Ribeira Secca, que nunca secca.
A 470 braças o
Logar dos Tcnacs d'^juda, ou Vera Gruz 19.° da ilha
Situado a 1 113 de légua a Oeste da Achadinha, e 6 213 a Oeste da Villa do
Nordeste.
Tem Vigário na Egreja dos Reis Magos.
A 400 braças ao norte do logar, sobre a costa que forma um saliente chama-
do a Ponta d'Ajuda está o Convento de Franciscanos com i Religiosos, muito ar-
ruinado; é bom ponto de vista descobrindo a Ponta e logar de Santo António, a
Villa da Ribeira Grande, o Pico da Algarvia, os Graminhaes etc.
O terreno produz milho, que dá 60 por 1; trigo 7 a 10 por 1, e feijão 5 por
1, tem muito gado, perdizes, e pombas.
População
Em 1580 tinha 275 almas de confissão em 72 fogos.
Em 1690 tinha 753 almas de confissão em 204 fogos.
Em 1800... 1357 e mais 28 nascimentos do que mortes.
Em 1813. . . 1227, em 350 fogos.
S. M: S. F:: I: 1 116; V: V:: 1 718; N: P:: 1 : 20 119;
C: P:: I: 61 113; M: P:: I: 39 112; C: N: I: 3 1120;
N: M:: 1 30131: 1; mais 30 nascimentos do que mortes; N. M: N. T:: 1
1130: 1.
Diminuição da população em 13 annos 130 almas; o termo médio do aug-
mento de população era 29 almas, ou 397 de augmento nos 13 annosv mas dimi-
nuiu de 130, logo emigraram 527.
Em 1800
Corpo Ecclesiastico
Corpo Civil
Occu
paçÕGS dos
habita
itcs
I8h
7
6
49
7
31
172
3
4
1 è|
5
II
Lavradores
96
S-|
4
§ ^
... 49
■s-^
Trabalhadores
.... 174
6
1 K "^
Homens do mar
Ui
Mendigoí
4
REVISTA MICHAELENSE 379
Producçõcs
ISOO 18J3
Milho 2õ0 moios 340 moios
Linho 20 quintaes
Fava . • . • . . 10 moios 11 moios
Feijão 3 moios e 20 alqueires 10 moios
Legumes 51 moios e 40 alqueires
Trigo . . • 160 moios
Cevada i moio e 20 alqueij^es
Tem mais gado vaccum 407 cabeças, e miúdo 523; bestas cavallares 9, mua-
res 8, jumentos 159; carros 32.
Sahindo do logar cncontra-se a ribeira das Lages que não secca; o logarejo
da creação, e o Pico do Barbosa ou da creação, bastantemente alto; o regato da
creação, que não secca; a Ribeira do Vaqueiro que não secca; o logarejo da Gro-
ta funda: e a Frmida da Senhora da Afflicção.
Prcdocçocs do logarejo da QfoÉa fiíeida
75/:?
Milho ..... 135 moios e 30 alqueires , Tinha mais 1Ó7 cabeças de gado vac-
Trigo 40 moios e 49 " / cum; 3S2 de miúdo; 5 bestas cavallares
Cevada 52 » 3 muares; 49 jumentos; 14 carros, e 1
Feijão 47 => l companhia de Ordenanças.
Fava. 1 moio e 30 >' )
Scgue--se a CJrota da Ribeira funda; a ribeira funda que não secca; o princi-
pio da Lomba da Maia; a ribeira do Preto, que não secca, a ribeira do Salto, que
não secca; A Ribeira do Barbosa secca; a grota e logarejo da Lombinlia.
A costa forma até aqui diiierentes saliências. Segue-se o
Logar da I^aia o 7 ' da ilha
Situado 2 léguas e meia a Oeste dos Fenaes d'Ajuda, e 9 HIO a Oeste da Vil-
la do Nordeste é logar pequeno e vigararia na Egreja do Espirito Santo; o terreno
produz bom trigo, milho, vinho, e fructas : tem dentro do logar 2 ribeiras, a da
Falevia, e da Laginha.
Producçõcs
.As de 1800 incluídas nas do Porto Formoso.
Em 1813, milho 231 moios e 20 alqueires; trigo 82 moios e õ alqueires; ce-
vada 1 moio e 56 alqueires; feijão- 4 moios e 4 alqueires; fava 25 moios e 37 al-
queires; tinha mais de gado vaccum 282 cabeças; miúdo 496; bestas cavallares 110
iiiu • rts 5; jumentf s 94; carros 11; barcos 2; foiíos de cal 1; de telha 1.
Popylação
Em 1580, tinha 220 almas de confissão, em 78 fogos.
Em 1690, tinha 900 almas de confissão, e 253 fogos.
Em 1800, 2661 almas e mais 45 nascimentos do que mortes.
Em 1S13, 2372 almas; em 644 fogos (nesta população estão incluídos os loga-
rejos de São Braz e do Yalle das Furnas) S. M: S. F : I : 1 I|5; V: V:: 1: 4
213; N: P : : 1 : 19 617: C : P : : 1 : 59 3110; M : P ; : i : 38; C : N : : 1: 3; N : M : : 18
7|9: 1; mais 57 nascidos do que mortos; N; M: : N. F: : 1 215: 1; diminuição da
população em 13 annos 289; termo medio de augmento 51 ahins, ou nos 13 an-
nos 663 almas; diminuiu 289, logo emigraram 952.
380 . REVISTA MICHAELENSE
Occupaçõcs dos habitantes
Em 1800 Em 1813
Corpo Ecclesiastico • . . 7 õ
Lavradores ] 85 61
Negociantes e Morgados. 1
Artistas 75 42
Homens do mar 15 15
Trabalhadores . 439 346
Vadios e Mendigos ■ 7 6
Tem mais duascompanhias de Milícias.
Sahindo do logr para oeste; encontra-se a 1|3 de le.yua, a ribeira da Cruz-
que secca no verão
A 315 braças, a ribeira e logarejo da CJoireana, de 30 casas; o camiiilro é
máu; a 470 braças Grota da Maceda, que secca no verão e o caminho para a
Ermida de São Braz o logarejo do mesmo nome, curato suffraganeo da Maia.
A 282 braças ar, deira da Lage, que secca.
A 393 braças, ouibo caminho ao Sul, para a Ermida de São Braz: a 282 bra-
ças a ribeira do Coicinho, que secca.
A 141 braças a r beira dos Monizes que secca, e a ribeira do logar de
Popto rormoso o 22. da ilha
Situado 1 légua e 235 braças a oeste da Maia e 10 114 da Vilia do Nordeste.
E' vigararia na Egreja da Senhora da Graça, o seu terreno é íertilissimo cm
trigo, do qual produz 10 por 1, o milho 80 por 1, nas melhores terras, e bons an-
nos: no meio do logar tem uma grande enseada, chamada a Bahia do Porto For-
moso, abrigada dos ventos dos quadrantes do sul; porem duas extensas restingas
de pedra que tem no fundo, o vento norte, que não deixa sahir os navios; em-
bravece muito o mar; a ancoragem perigosa; é defendida por uma bateria colloca-
da no pontal de leste; na costa ha boas bicudas, tainhas e cracas.
As doenças que mais reinam, são dysenterias no verão : a costa desde os Fe-
naes d'Ajuda, forma a ponta da Maia, e as 2 do Porto Formoso, entre as quaes
fica a bahia.
População
Em 1580 tinha 46 fogos, e 175 almas de confissão.
Em 1690 tinha 120 fogos, e 408 almas de confissão.
Em 1800 935 almas e mais 9 nascidos do que mortes.
Em 1813 946 almas em 251 fogos.
S. M: S. F:: I: 1 112; V: Y:: 1 3 1|6; N: M:: I: 31 213; C: P:: I: 157 2I3;
M: P:: 1: 157 213; C: N:: 1: 5 116; N: M:: I: 1; N. M:: N. F:: 1: 1 415:
Augmento de população, em 13 annos, 11 alm?s; termo médio de augmento
4, ou em 13 annos 52 almas; augmentou 11; logo emigraram 41 almas.
Occupaçõcs dos habitantes
Em 1800
Corpo Ecclesiastico
Corpo Civil
3
Em 1813
3
3
1
I avrarinrps .
10
19
Artistas
56
34
Homens do mar
Trabalhadores
6
182
7
'^05
Vadios e mendigos
1
REVISTA MICHAELENSE 381
Producçõcs do Porto formoso, c Maia
Em 1800 Em 1813
Milho ^'iO moios. 83 moios c 11 alqueires
Linlio 30 quintaes
Fava Õ3 moios e 20 alqueires 2 moios e 34 »
Feijcão 3 » 42
Legumes 122 » 10 alqueires . . • . .
Vinho 30 pipas • . .
Feixe lõO barris
Irigo • y moios e 22 alqueires
Tinha mais em 1813 gado vaccuin 56 cabeças, miúdo 140; bestas cavallares 3;
muares 3; jumentos 70; porcos 211.
O caminho mais trilhado, da Villa do Nordeste para a Cidade, é por f^orto
Formoso, e Ribeira Grande.
Ha um caminho de communicação da costa do sul com a do Norte pelo Val-
le das Furnas, que é do logar da Povoação caminhando-se para o norte; sobem-se
os Oraminhaes, desce-se a Serra do Trigo; chega-se ao Valle das Furnas; sobe-se
uma ladeira Íngreme, rematada por uns rochedos chamados as Pedras do Oallego,
meia légua distante do centro do Valle; desde este Ingar, o caminho é mui plano,
bordado de tamujos, urzes, fetos, silvas etc; no verão é mui agradável, no inverno
forma muitos lamaçaes; a meia legoa das Pedras do Gallego divide-se.em dois,
um corre ao norte, e depois a N. O; ao N. da Lagoa do Congro, e depois devide-
se em dois, dos quaes, um conduz ao logarejo da Lombinha, a 2 112 léguas do
Valle, e depois ao logar da Maia, a 2 5lõ de léguas do Valle: e o outro conduz a
Porto Formoso; o outro corre ao Sul da Lagoa do Congro; atravessando toda a
achada das Furnas, na direcção de S. O; conduz a Villa Franca e é chamado o
cajTiinho de São João.
Sahindo do Porto Formoso para Oeste encontra-sc a 113 de légua, a ribeira
secca, que nunca secca.
A 540 braças a enseada, areal, ribeira, e logarejo dos Moinhos do Porto; a ri-
beira nunca secca.
A 168 braças a Grota da Ladeira, limite do logar do Porto Formoso, e prin-
cipio da ladeira da Velha, que sobe 113 de légua, e 84 braças; bastantementeincom-
moda de inverno; no fim tem uma albergaria muito arruinada; a 112 légua está a
ribeira do Salto, que nunca secca, desagua em um areal chamado a Prainha.
A 464 braças, está o Pico do Lameiro, e o da Fajã da Burra.
A 114 de légua, e 84 braças está o logarejo da Ribeirinha, e caminho ao nor-
te com descida bastantemente íngreme, para o portinho de Santa Iria.
A 126 braças está a ribeira da Ribeirinha.
A 378 braças um camiiiho ao sul para as caldeiras da Villa da Ribeira Gran-
de, e logarejo das Gramas: 112 légua ao sul da V^lla 3 112 distante da cidade;
tem 110 almas em 35 fogos.
A 462 braças a Villa da Ribeira Grande.
Os campos da Ribeirinha, formam uma extensa planície, muito fértil, e muito
bem cultivada. A costa desde o Porto Formoso forma a enseada dos moinhos do
Porto, e do Calhau do Ferreiro ao norte do qual está o Calhau da Ladeira, e uns
Ilhéus; d'ahi corre a N. NO, formando o portinho de Santa Iria, que é muito
abrigado e um grande pontal chamado o morro da Ribeira Grande.
O Logarejo da Longaia 113 de légua da Villa da Ribeira Grande, tem 36 al-
mas em 9 fogos.
(Conti/iiia)
382 REVISTA MICHAELENSE
Goos2ilo Xavier d'Alcaçova Carneiro
E carta? cia sua correspondência
particular çorn Antooio Nuoey Ribeiro 5ancbe5
Os homens do tempo do Marquez de Pombal— Antecedentes lifterarios do se-
ailo XVII —as Academias— A Academia Real d' Historia— Os Littiratos
do século XVIII— A sciencia da litteratiira— As bibliotliccas—A vida
de Gonsalo Xavier d' Alcáçova Carneiro atravez as suas cartas— rcprn-
diicção da correspondência com o Doutor Ribeiro Sanches.
Os Iiomens do século XVIII de que Pombal resalta como um modelo, já pe-
los cargos que assumiu, já pela alta intellectualidade que era, como pelas qualida-
des moraes que formavam o seu caracter e pelo papel que desempenhou na poli-
tica portugueza do fim do seu século, eram homens bem diversos d'aquelles que
no século seguinte iam proclamar theorias sociaes á Nação, nas Cortes, no moder-
no regimen parlamentar. Emquanto aquelles eram ponderados, austeros, robustos
de corpo, pugnando pelo trabalho, sacrificando capital, actividade, attehção, para
o seu desenvolvimento, e tendo por moral politica o socialismo. d'Estado, estes
eram homens seccos, nervosos, excitados, verbosos, imbuídos de princípios jurídi-
cos combattendo as perseguições politicas com doutrinas sociaes de caracter inter-
naciona!i^.t;i c iíT-nn-ndo forças nacionaes nos desalentos d'uma população que
soffrer:; i irtc com as invasões francezas com a permanência
da C(i! i icia extrangeira, com as perseguições politicas que
deram ■ . , :, .^ dos conspiradores em 1817.
Os primeirOõ rcpicientaudo um regimen e tradições mantiveram os patrimó-
nios nacionaes e defenderam-nos em prol da Civilisação pátria, ao mesmo tempo
que se preocuparam com o industrialismo, com o cnDimi-rrir ^im a agricultura,
com os ensinos profissionaes e technicos e com a ■••ndo e fo-
mentando o empório Colonial: os constitucionaes ! ido-se n'um
mundo dissolvido reuniram-se em volta da? ideias M.i.a^ ai luuiiiacionalisação
politica adaptadas á constituição portugueza e fizeram. d'ellas o symbolo da resur-
reição da Pátria.
Os homens dos reinados de D. João V e D. José educados nas bibliothecas e
nas reuniões litterarias conduziram a sociedade do seu tempo aos fins que lhes di-
tavam as suas superiores intelligencias emquanto que os do reinado de f). João
VI foram uns intranquillizados, uns therapeutas da politica que sofíreram a missão,
de restaurar um paiz revoltado ao seu estado normal, restituindo todas as garan-
tias de trabalho e de segurança á sua população.
Pombal apesar dos cargos que exerceu no extrangeiro como diplomata ríão
era um espirito differente do da epocha entre os homens cultos de Portugal e do
seu meio. Pombal não era um d'estes productos originaes que revoluciona uma
epocha trazendo de civilisações exóticas varias collecções d'organisações sociaes e
applicando-as na sua pátria com mais ou menos successo. Filho d'uma geração
que empregara os pingues rendimentos das minas do Brazil e mais explorações
coloniaes em 'vastos monumentos d'utilidade publica e collecções d'objectos d'Ar-
te, assistindo a dois males económicos que d'essa orientação emanavam como
eram os da atrophia do industrialismo e do operariado, ambDS limitados pelo
exaggero da actividade constructora e ornamentadora, o Marquez de Pombal assu-
mindo a responsabilidade de reedificar Lisboa arrasada em 1755 pelo terramoto
e inundações das marés, tratou de dar expansão e de facilitar as producções agrí-
colas e industriaes ao mesmo tempo que velava por uma administração escrupu-
losa de poupamento de despezas publicas e desenvolvimento de receitas, afim de
restabelecer as actividades productoras da nação.
íi^A^^',
l
REVISTA ^MICHAELENSE 383
Os homens que elle associou na sua obra eram homens Ha mesma cultura
social unidos pela mesma vontade de reformas económicas e espiritos illustrados
por toda uma eschola sahida dos encyclopedicos do Oratório, e dos diplomatas
da Restauração.
O Oratório, que fora a creação escholar que trouxera a instrucção jesuítica
para o dominio religioso apenas, imprimindo aos variados ensinos o sentimento e
o espirito pratico e nacional, tinha o seu complemento, quanto a sciencia social e
hii^torica, n'uma Instituição cuja alma fora D. Manuel Caetano de Souza, aberta
por decreto de 8 de dezembro de 1720, n'uitia das salas do palácio de Bragança
— A Academia Real d'Histdria.
Depois dos Estudos Universitários de Coimbra, os escriptores tinham a Aca-
demia de Lisbô-a que lhes publicava as obras de mérito sobre a vida social, militar
(Hl ccclesiastica do paiz sem outra censura alem daquela qi^e exerciam 4 nos 50
académicos existentes que formavam uma Commissão para esse fim designada.
A censura litteraria entregue á Inquisição começara alli a levar o golpe que em
74 terminava com a creação da Real^Mesa Censória — um conselho superior d'Ins-
trucção publica que superintendia nas escholas secundarias e primarias e que re-
via as obras e permittia a publicação d'ellas.
Entre outros homens notáveis do cenáculo litterario da Academia contavam-
se os Marquezes de Abrantes, Alegrete, Fronteira e Valença, o Conde da Ericeira,
D. António Caetano de
Sousa, Manuel Telles da
Silva, Diogo Barbosa Ma-
chado, Alexandre Ferrei-
/ra, Francisco Leitão Fer-
reira, Jeronymo Contador
Argote, Raphael Bluteau,
Padre António dos Reis;
^ e o secretario d'essa Aca-
■f demia seria mais tarde
Oonsalo Xavier d'Alcaço-
va, um d'esses indivíduos
como Seabra da Silva, co-
mo José Corrêa da Serra,
como Avelar Brotero, o
Padre Theodoro d'Almei-
cU e tantos outros homens
que cultivavam estudos di-
verso se que os expandiam
nas mais claras e eleva-
das doutrinas do tempo.
Oonsalo Xavier não era
PInlura ilaliana alegórica á dedicação dispensada por D. João V ãs Academias Verdadeiramente nem Um
ld-u.u:. capella ru„erari.-L cr:.:i.i paru as .,..«.|Mias >lv, inoiíarciía oíil R0..K1) pUblÍCÍSta, UCm Um CUCy-
clopedico, nem um homem de sciencia vulgarizador do ensino pelo livro; Oonsalo
Xavier era um dilettante litterario fora das suas attribuições académicas, e lá, por
occasião'dos anniversarios de família Real, lia os seus elogios expressamente es-
criptos á Academia, de que existem hoje alguns impressos proferidos na Acade-
mia Real das Sciencias; as publicações mais notáveis que se faziam em França, na
Inglaterra, nà Allemanha, e na Hollanda elle tomava conhecimento d^'ellas com a
posse que tinha das linguas e expunha o resultado das suas investigações aos seus
collegas nas sessões ordinárias no decorrer do anno, e lia os seus trabalhos de
philosophia histórica.
Verdadeiramente era n'essa troca d'impressões litterarias que estava o prin
cipal fim da Instituição ligada com a publicação das obras escriptas pelos ac
í
\
384 REVISTA^ MICHAELENSE
demicos, ou velhos manuscriptos, ou trabalhos achados úteis de se darem á luz
da publicidade; e as necessidades do convívio litterario eram por tal forma jul-
gadas imperiosas que a sociedade portugueza dos piincipios do século XVlll ti-
nha já feito d'elle uma moda, inspirada nos costumes dos escriptores e litteratos
da Restauração reunidos em Academias particulares em casa dtD Bispo do Por-
to D. Fernando Corrêa de Lacerda o auctor da Catastronhe de Portugal a
"Instantânea»; na dos "generosos-/ instituída em 1647 por D. António Alvares da
Cunha trinchante de D. Pedro II e guarda mór da Torre do Tombo; a dos
"Singulares" reunida em casa de D.» Francisco Manuel de Mello aos domingos,
a das «Conferencias Eruditas» que entre lõQõ e 1699 se juntava nas salas do Con-
de da Ericeira D. Francisco Xavier de Menezes; e tantas outras como a dos
"Anonymos" a dos "Eruditos-, a dos "Applicados".
O IV Conde da Ericeira foi o verdadeiro organisador do movimento litte-
rario das academias no fim do século XVII, neto, sobrinho e filho de litteratos
elle compõe 37 volumes d'obras (Poema Henriqueida edição de 14 de setembro
de 1738) tendo feito o seu debute académico nos Instantâneos com oito annos
d'edade indo pouco mais velho continuar a frequentar os Generosos cujo iestino
elle vae depois também conduzir reunindo na sua bibliotheca do Palácio da An-
nunciada as suas Conferencias eruditas que são a sequencia dos generosos conti-
nuados por D. Luiz da Cunha em 1693 á morte de seu pae António Alvares e
de que fora primeiro presidente o Conde com vinte annos d'edade.
E emquauto esses académicos de Lisboa soffrem intermitencias na sua vida
associativa passando da Academia dos Generosos para o Palácio do Cunhal das
Boas reunindo-se os membros das Ccnferencias discretas entre 1696-1703 se-
cretariados pelo Conde da Ericeira, pela província criam-se outros centros litte-
rarios com estes moldes, em Bellas,' Setulial, Santarém, Coimbra, Aveiro, Braga
e Guimarães.
O Conde da Ericeira passando a reunir na sua bibliotheca aos domingos os
membros das Conferencias discretas com o titulo de- Academia dos Anonymos,
tornando-lhe a dar o nome de Generosos nos primeiros annos do século XVIII
e em 1717 o da Academia Portugueza elle conserva por assim dizer a divisa do
"non extinguetur- com o emblema symbolico d'uma vela accesa mantidos pela
Academia dos Generosos.
E de facto a obra do Conde da Ericeira não se extinguia passando da Aca-
demia Portugueza para a Academia d'Historia constituída com os seus elementos
e com os da Academia dos AnonyniOs e dos lllustrados. Em 1719 no dia de S.
João Evangelista, anniversario do Rei, o Conde da Ericeira solicitou a graça que
lhe foi concedida de reunir a academia no Paço, o que lisongeou muito o sobe-
rano e a tomou sob a sua guarda e de facto por carta regia de 11 de Janeiro
de 1721 é ordenada a entrega a todos os Cartórios das Comarcas do Reino das
noticias necessárias para os estudos dos académicos; por decreto de 20 d'outu-
bro são nomeados 8 officiaes para durante um anno tirarem copias de docu-
mentos da Torre do Totnbo; por decreto de 29 d'Abril de 1722 são ishentes de
Censura e de Licença do Desembargo do Paço as obras dos Académicos; e por
decreto de 6 de janeiro de 1721 foi-Ihe concedida um subsidio annual de um
conto de reis.
"Foram membros Constituintes da Academia:
Padre André de Barros, da Companhia de Jesus.
Padre D. António Caetano de Sousa, Clérigo regular, Qualificador do Santo
Officio.
Padre António dos I^eis, da Congregação do Oratório.
António Rodrigues da Costa, conselheiro ultramarino.
—Por lalecimeiito entrou no seu logar— Alexandre de Gusmão, eleito em 28
de fevereiro de 1732.
REVISTA MICHAELENSE 385
Padre António Simões, da Companhia de Jesus, lente de Morai no Colleoio de
Santo Antão-A-Por fallecimento, entrou no seu lo^ar l.ui/ Francisco I'imentel, eleito
em 23 de Dezembro de 1723.
Padre Fr. Bernardo de Castello Branco, da ordem de Cister, Chronista mór
do Reino, e Qualificador do Santo Officio.— Por fallecimento entrou no seu logar
D. F'rancisco de Sousa, eleito em 3 de janeiro de 1726— Succedeu-lhe Gonsalo
Manoel CJalvão de Lacerda, eleito em 17 de Novembro de 1729.
Bartholomeu Lourenço de Gusmfio, Doutor em Cânones.— Por ausência, en-
trou no seu logar Nuno da Silva Telles, eleito em 4 de Janeiro de 1725.
Padre Bartholomeu de Vasconcellos, da Companhia de Jesus, lente de tlieolo-
gia no Seminário de S. Patricio.
Caetano José da Silva Sotto-mayor, Bacharel formado em Cânones.
Diogo Barbosa .Machado.
Diogo Corrêa de Sá, visconde da Asseca.
Diogo de Mendonça Corte Real, Secretario de Estado. -Por falecimento em 9
de Maio de 1/35, foi eleito o Dr. Francisco Leitão Ferreira, em 17 de Maio de 1737.
Padre Fr. Fernando de Abreu da ordem dos Pregadores. — Por fallecimento
eleito para o seu logar D. Diogo Fernandas de Alineida em 13 de Março de 1727.
D. Fernando de Mascarenhas, Marquez da Fronteira, vedor da Fazenda.- -Por
fallecimento, deito Diogo de Mendonça Corte Real eni 9 de Março de 172Q.
D. Fernando de Noronha, Conde de Monsanto; succedeu-lhe D. Francisco de
Portugal, Marquez de Valença, eleito em 23 de Dezembro de 1722.
FerUcão Telles dn Silva, Marquez de Alegrete; por fallecimento cm 7 de julho
de 1734, foi eleito João Gomes da Silva, Conde de Tarouca, em 22 de julho do
mesmo anno.
Francisco Dionysio de Almeida da Silva e ( )liveii;.i. -Entrou no seu logar iVLi-
nuel Dias de Lima, eleito em 10 de janeiro de 1722.
Benef. Francisco Leitão Ferreira, parochodo Loreto; íalleceu em Março de 1735,
eleito para o seu logar em 17 de Março o P."" D. Caetano de Gouveia.
D. Francisco Xavier de Menezes, Conde da Ericeira, da Junta dos 3 Estados.
P.'' Jeronymo de Castilho, da Companhia de Jesus; para o seií logar eleito o
Dr. .\gostinho Gomes Guimatães em 25 de Maio de 1730. ^
O P.'' D. Jeronymo Contador de Argote, clérigo regular.
. Jeronymo Godinho de Nisa, Offieial maior da Secretaria das Mercês.
jgnacio de Carvalho de Sousa.
Dr. João Alvares da Costa, Desembargador da Supplicação.
João Couceiro de Abrefu e Castro, guarda-mór da Torre do Tombo.
P.'- João Colt, da Congregação do Oratório.
P.'' D. José Barbosa, clérigo regular, Chronista da Casa de Bragança.
José Coutinho deArgote— Succedeu-lhe o P.'" Júlio Francisco.
José do Couto Pestana.— Succedeu-lhe o P. Francisco Xavier de St.° Thereza
em 18 de Agosto de 1735.
José da Cunha Brochado, Chanceller da . Ordens militares; falleceu em 27 de
Setembro de 1733; succedeu-lhe Sebastião Jo.é de Carvalho e Athavde, eleito em
8 de Outubro de 1733. ' • •
R.° Fr. José da Purificação, dominicano, K-n fedo Collegio de N. S. da Escada.
Substituiu-o Dr. Alexandre Ferreira, eleito em i.l de Abril de 1731.
José Soares da Silva.
Júlio de Mello de Castro; succedju-lhe D. João de Almeida e Portugal, conde
de Assumar, em 4 de Março de 1721,- e a este o Dr. Joaquim Pereira da Silva Leal
em 21 de Janeiro de 1734.
Lourenço Botelho de Soutomayor.
P." Fr. Lucas de Santa Catharina, Chronista da Ordem dos Pregadores.
P.'' D. Luiz de Lima.
Manoel de Azevedo Fortes, Engcnheiro-mór.
386 '!5VJSTA JVUCHAELENSE
Dr. Manoel de Azevedo Soares; siiccedeu-lhe o Conde de Vimioso, em 19 de
janeiro de 173 1.
P." D. Manoel Caetano de Sousa; falleceu em 18 de Novembro de 1734; entrou
em seu logar o Dr. Ignacio Barbosa Machado, em 2 de Dezembro.
P." Manuel de Campos, da Companhia de Jesus, lente de Mathematica no Coi-
legio de Santo Antão.
Dr. Manoel Pereira da Silva Leal. — Succedeu-lhe o Dr. Manoel M. de Sousa.
Dr. Manoel da Rocha, cisterciense.
Manoel Telles da Silva, conde de Villar maior. Entrou em seu logar o ['adre
Luiz Cardoso, eleito em 1736.
P.'' D. Manoel do Tojal da Silva, theatino.
Martinho de Mendonça de Pina Proença.
Fr. Miguel de St.' Maria; — succedeu-lhe D. Franci-jco de Almeida.
P." Pedro de Almeida; da Companhia de Jesus; excusando-se do iogar, succe-
deu-lhe-o Phiiippe Maciel.
P." Pedro Monteiro succedeu lhe o Dr. Nicoláo Francisco Xavier da Silva, em
1735.
Raphae! Bluteau, falleceu em 13 de fevereiro de 1734, succedeu lhe o Desem-
bargador António Andrade Rego.
D. kodrigo Annes de Sá e Almeida, Marquez de .Abrantes; succedeu-lhe o
Conde de Assumar em 7 de Maio de 1733.
A casa aonde o Conde da Ericeira consolidara as reuniões litterarias das ephe-
meras Academias do século anterior, aonde elle brilhava com os seus ta!en'os litte-
rarios, dotes a'dquiridos no convívio e nas tradições de familia, situada no largo
da Annunciada, no sitio aonde depois foi construído o theatro da Rua dos Condes
era uma morada o,nde as obras d'arte dos mestres da pintura como Ticiano,
Corregio, Rubens, Ouido Reni e muitas outras celebridades enriqueciam uma ha-
bitação em que gerações tinham accumulado um archivo de collecções de docu-
mentos superior a um milhar e uma livraria de 18 mil volumes de enumeras varie-
dades em que se encontravam uma "Vida de Carlos V» autographa do monarcha,
um livro de plantas illuminado que pertenceu ao rei da Hungria, cartas de marear
dos nossos primeiros navegadores, "de Regimine Principum» deFreiOil de Roma,
entre uma infinidade de obras escolhidas de Medicina, Historia Natural, Historia
social, Grammatica, Diccionarios, Oratórios, Poética, Manuscriptos portuguezes-e
extrangeiros e- obras inéditas de membros da Casa da Ericeira etc.
E eram numerosas as obras d'esses Ericeiras escriptores em que figuram o
1." Conde D. Diogo de Menezes auctor de A Vida de D. Henrique de Menezes,
governador da índia (impressa em Viadrid em 1Õ28);
O 2:" Conde D. Fernando, auctor de muitos manuscriptos (ainda existentes) e
da Historia de Tanger 1732 A Historia da Restauração de Portugal (1656—1736)
escripta em dois volumesem latim. A Historia d'El-Rei D. João 1. (1668);
O 3.° Conde (seu irmão e genro) D. Luiz, auctor da Historia de Portugal Res-
taurado, da Vida de Jorge Castrioto e do Compendio da Vida do Marquez de Távo-
ra ^de grande copia de manuscriptos militares, políticos e poéticos; a 3.° condessa
D. Joanna filha e mãe do 2. e 4." Conde, auctora de enumeras obras inéditas entre
as quaes figuram poesias hespanholas, francezas e italianas, comedias, autos"sacra-
mentaes, cartas familiares, um poema em cinco cantos — Perseo, o Despertador dei
Alma ai suefio de la Vida (áè 300 oitavas) que corre impresso sob o anonymato de
Apollenario de Almada, e Reflexões sobre a Misericórdia divina (1694).
E quasi todos estes litteratos tinham nas suas casas bibliothecas da familia de
grande numero d'exemplares ou de manuscriptos infolios illuminados, exemplares
raros d'impressões portuguezas e extrangeiras dos séculos X\T e XVll na reunião
dos quaes constituíam os seus estudos — os santuários de trabalho d'onde sahiram
esclarecidos vice-reis da Índia, Governadores, generaes e homens d'Estado celebres
pelos seus feitos illustres.
REVISTA MICHAELENSE 387
As grandes bibliothecas do século XVII eram entre outras a de Oaspar Seve-
rim de Faria, Chantre da Sé d'Evora, que continha também um medalheiro e mu-
seu d'antiguidades e productos naturaes; a dos Condes de Viilar Mayore de Tarou-
ca; a do Cardeal Arcebispo de Lisboa D. Luiz de Sousa (de 3;) mil volumes) que
■por sua morte passou á casa d,e Lafões, a dos Condes de Vimieiro e da Ericeira, a
do Duque de Cadaval, a do Marquez d'Abrantes.
O typo do homem de tradições de nobreza que archivava as demonstrações
raras e úteis d'archeologia para o estudo, reunindo-se para trocar impressões e fa-
zer a critica ás obras de sciencia e de litteratura nas Academias, esse íypo de col-
leccionador e estudioso, ás vezes escriptor, ás vezes homem de cargos públicos in-
carciava-o o próprio^ Rei que creou a bibliotheca de Mafra e das Necessidades en-
grandecendo a do Forte do Palácio da Ribeira na q.ual se fizeram no Torreão
grandes adaptações e se viram sumptuosas estantes em madeiras do Brazil escul-
pidas e entalhadas por esses maravilhosos artistas que nos deixaram as galeotas e
os coches d'essa epocha e para essas bibliothecas trabalharam os livreiros france-
zes que se achavam em Lisboa em negocio, Gendron e Reycend, os quaes man-
daram também vií^ grande numero d'obras manuscriptas e inéditas do Extrangeiro.
Só no anno de 1731 fonmi comprados em França, nosPaizes Baixos, em Lei-
pzig e outros mercados de livros da Allemanha, vinte mil volumes; e para copiar
manuscriptos importantes sobretudo que diziam respeito a Portugal foram expedi-
dos para as Cidades sedes de grandes Bibliothecas da Europa amanuenses e paleo-
graphos para lá trabalharem.
D. João V também teve uma grande vaidade em formar a Academia do Rei-
no a fim de congrassar todos os elementos úteis no trabalho commum para a
vulgarisação da litteratura e das sciencias.
[). Manuel Caetano de Souza estava muito interessado na publicação d'uma
historia portugueza da egreja nos moldes da Itália Sacra de Fernando Ughelli e en-
trevistava-se com el-Rei e submetteu o plano da Academia em projecto, n'uma d'es-
sas entrevistas o qual recebeu approvação a 4 de novembro de 1720. A iniciativa foi
traduzida n'um extenso re- ■ . ^ . ._ -_
latorio elaborado pelo pa-
dre Theatino que a expoz
á Commissão Organisadora
e 15 dias depois, á Com- j-^^í-^-,
missão composta pelo auc- ' " ' ' -.
tor do Relatório, pelo Con-
de da Ericeira, pelo Mar- ^
quez d'Alegrete, por Mar- '^~-,
tinlio de Mello e Castro e
pelo Conde de Viliar Ma- _..
yor que reunidos varias ve- ' v^Bm^^^^ll ^
zes para a discussão do Re-
gulamento e Estatuto ap
provado por decreto de 4 de janeiro de 1721 de ain a roíma delnutiva á A:ade-
mia que, como já vimos, a 8 de Dezembro dj amo anterioi, tinha a pinneira ses-
são na Casa de Bragança com assistência de ' ': ícademicos.
Xavier Alcáçova era erudito. A sua biblio^ i.áa levava-o ao conhecimento de
tudo quanto se escrevia de celebre; e o conhe::imcnto das livrarias, dos impressos,
dos editores, dos escriptores, advinha-lhe do contacto directo por occasião de varias
visitas feitas ás capitães da Europa e p2lo conhecimento e cultura das linguas,
Em 1751 encontrava-se elle com Ribeiro Sanches em Madrid e uma amisade
duradoira, iria, mais de vinte annos, consolidar- se annualmente por troca de cor-
respondência assidua em que os mais estreitos serviços eram prestados de parte a
parte, com livros que se remettiam, pequenos objectos d'utilidade domestica, pro-
ductos coloniaes, informações que se davam, noticias qae se pirticipavam.
388 REVISTA MICHAELENSE
António Ribeiro Sanclies era uma celebridade em Paris e como tal não só es-
tava também em contacto com os inteiiectuaeS do seu tempo como era ouvido nas
especialidades medicas a que se dedicava, como doenças venéreas e hygiene. Per-
seguido por christão novo com a família, depois d'um curso medico com frequên-
cia nas Universidades de Salamanca e Coimbra, elle vae, na Hollanda, em Leyde,
doutorar-se outra vez nos mesmos estudos, com as celebridades que formavam
então o Corpo do Professorado d'aquella Universidade e que o apresentam ao
mundo scientiíico do Norte da Europa e da Europa Central; e na Rússia primeiro
e na Áustria depois elle desempenha funcções de confiança nos exércitos, fazen-
do mesmo a guerra russo-turca; e d'essa aventura do oriente elle traz para Paris
uma innovação therapeutica - os banhos de vapor que elle applica com grandes re-
sultados.
É em Paris que o Governo do Marquez de Pombal entra em relações com
elle; e de láelle dirige as bellas Cartas para a Mocidade esquissando o regimen
escholar ás creanças e que elabora a reforma da Universidade de Coimbra as quaes
com muitas outras obras de hygiene o tornaram celebre' em Portugal.
Xavier Alcáçova corresponde-se com o ex-medico dos exércitos russos vae
estreitar ainda mais as relações do foragido de Portugal com o seu paiz, que elle
apesar de tutlo, sempre ama, com carinho de filho.
A Erança litteraria não estava -em harmonia com a Erança politica e social: a
primeira florescia, a segunda decahia.
A Erança debatia -se então n'uma complicada teia de gravames que origina-
vam um protesto vehemente e systematico das populações em massa. Os impos-
tos pesados arrecadados por agentes formados em companliia que exerciam tam-
bém os mais vis vexames que as leis toleravam sobre os contribuintes, não só in-
flingiam a desolução na sociedade como d^vam lugar a agiotagem por parte dos
capitalistas e aos desbanjamentps nas adminisiracções publicas.
A constituição da companhia arrecadadora dos impostos em 16Q7 vinha sal-
var então com o seu contracto da arrematação dos principaes impostos, taes como
a gabella (impostos sobre o sal) os impostos das alfandegas, sobre os géneros e ta-
baco, as fintas e derramas e contribuições prediaes, medida creada pelos contrala-
dores geraes Chamillard e Desmarets,-a crise financeira que accusava uma divida
|3ublica consolidada do capital de 1500 milhões e d'uma divida fluctuante exigível
de 250 milhões. A crise era a resultante de successivas guerras e delapidações re-
petidas dos dinheiros públicos, e apesar da guerra que de novo despontava no ho-
rizonte politico por causa da successão de Hespanha, os 37 milhões do contracto
da arrematação dos impostos foram empregados naconstrucção dos tanques do par-
que de VersaHies. Este Critério económico do Governo de Luiz XIV ia-se manter
durante o século seguinte aggravado com os empregos dos dinheiros capitalisados
e dos vexames exercidos pela gente do fisco.
O economista Law creára o organismo do banco nacional e formaram-se ide-
ias de credito em volta da instituição que reuniu também a Companhia do Missis-
sipi, a propriedade do Senegal, o commercio exclusivo da China, a antiga Com-
panhia das Índias, a fabrica da moeda e a arrecadação dos impostos; mas esse
credito que devia dar expansão ao commercio á agricultura, á industria e a todos
os ramos d'actividade degeneraram n'uma febre de especulação de todos os géne-
ros-que á mistura com as libertenagens da sociedada burgueza e aristocrática fo-
ram arruinar o paiz.
As arrecadações em 1763 eram de 90 milhões de francos e as imposições at-
tingiram o auge da crueldade e do despotismo. O sal cujo consumo era obrigató-
rio a todo o individuo maior de 7 annos vendia-se doze vezes o seu valor, e
falsificadores e contrabandistas tinham a punição de Q annos de galera e 500
libras de multa. Os regimens diversos em que viviam as differentes terras de Eran-
ça denominadas terras d'eleição, provincias antigas e terras redimidas davam lugar
a que a venda do sal fosse feita pelo preço de 4 libras o quintal n'uma, 8 n'outra, 24
REVISTA MICHAELENSE 38Q
iVoutra, chegando a attingir em Amiens 62 (1) libras, sendo as reincidências puni-
das com forca. N'essas barreiras entre as províncias estavam milhares de guar-
das de alfandega que absorviam uma grande, parte dos rendimentos públicos d'im-
postos e os arrecadadores d'elles pagando egualmcnte um numeroso pessoal de
fiscalisação e cobrança faziam lucro de 12 por cento. E as libertenagens das cida-
des não eram de molde a infundir a satisfacção nas populações laboriosas.
Os agentes que tomavam os impostos d'essc rendimento chamados fermiers
generaux e que eram banqueiros ou burguezes ricos desempenhavam no muuda-
nismo do tempo lugares de destaque, citando-se Saint-James para exemplo que fi-
zera construir em Bagatelle um palácio sumptuoso para offuscar o do Conde d'Ar-
lois; e viviam faustosamente recebendo nas suas casas a melhor gente do tempo.
Alexandre Jean Joseph le Riche la Pouplimiére era um d'esses fermiers que
cultivava as lettras e protegia os artistas recebendo a célebre Md.'' de Genlis o,-,
primeiros auxílios d'elle, e ficando conhecida também na historia litteraria por um
Carta autograp^a
Uaia noticia de Xavier Alca»;ova para Ribeiro Sanches
romance-Daís-e por outro livro-Tableau des ^^^^r^' u^-y^^-^^-''^^'/
Moeurs du Temps— ornado de gravuras licen- újir^^^/Ç) /^^/^"^^ /í2d^
ciosas descrevendo a vida corrupta da epocha .' C^^-<^-^ ■ ^^ ^^1_^"'
de que foi tirado apenas um exemplar e que ^^y^ r ' "'-^
mais tarde (1763) quando foi vendida a biblio-
theca do auctor já faliecido, foi aprehendido por determinação regia. A sua pró-
pria mnlher era litterata e historiadora sendo auctora entre outras obras de uma
Historia da Successão de hiespanha c do Extrait du systéme de Rameau; e per isso
(l) — A íibra n'esta epocha valia o franco.
390 REVISTA MICHAELENSE
as sallas de sua casa eram frequentadas não só por gente da nobreza, da finança
e do commercio mas sobretudo, por gente de lettras entre as quaes Dalemberg e
Buffon e Xavier Alcáçova n'essa casa relacionou-se com m.uita gente do mundo das
lettras.
O Paris galante d'essa epocha não é estranho á vida do estudioso viajante por-
tuguez e uma d'essas fadas do theatro que brilhava na exhibição das scenas eróti-
cas dos bailados da Opera nas representações nocturnas, vae desprender o seu
amor real nos braços do aventureiro. Chamava-se essa actriz de St. Germain e
dos amores com Xavier de Alcáçova nasceu um filho que teve por nome Armand
Xavier que viveu no decurso da vida do pae inspirando-lhe mesmo de vez em quan-
do grandes curiosidades e receios, sentimentos que eram satisfeitos com as infor-
mações de Ribeiro Sanches. Desvarios da mocidade!?
Não foram conitudo esses amores, resultantes d'uma tendência sentimental ou
d'educação aliás justificáveis n'um hoinem novo na força da vida.
Xavier Alcáçova casado com D. .Anna Thereza de Saldanha e Albuquerque da
casa dos Condes da Ega dama da rainha D. Marianna Victoria e viuva de D. João
Manuel da Costa, da Casa de Soure, foi um bomem pautado tanto na sua-vida par-
ticular como na sua vida publica, vivendo no campo com as suas horas divididas
entre os passeios hygienicos a cavallo e as suas leituras; vindo ao desempenho das
suas funcções académicas, entregue completamente a duas preoccupações que o ab-
sorviam—as lettras e uma doença gotosa que uma debilidade nervosa por vezes dei-
xava trespassar intensas dores que o retinham no leito.
D. Francisco de Saldanha 3." Patriarcha de Lisbca amigo pessoal de Xavier
Alcáçova já por remotas ligações de familia com sua Esposa, uma Saldanha e Al-
buquerque já por afinidades de sentimento e de caracter, levava-o frequentes vezes
ao Tojal.
O Tojal era a residência de Campo dos Patriarclias. Quando foi, a solicitação
de D. João V, creado o Patriarchado de Lisboa em 1716 (bula de 7 de novembro)
a quem fez graça das honras e prerogativas eguaes ás concedidas aos cardcaes da
Santa Egreja Romana (decreto de 12 de fevereiro de 1717) doando-lhe e aos seus
snccessores (decreto de 1 d'Abril de 171Q) a pensão annual de 220 marcos d'oiro
pagos pelos rendimentos dos quintos do oiro de Minas Geraes, D. Thomaz d'Al-
meida primeiro patriarcha tomou o veiho palácio da Quinta de Pêro Viegas do
Tojal edificado no século XVI por D. Fernando de Vasconcellos e Menezes, Ar-
cebispo de Lisboa, destinado a servir de residência de prazer aosPrelados, e pro-
cedeu a grandes melhoramentos quando reconstruiu a Egreja Paróchial, amplian-
do os jardins e decorando sumptuosamente as sallas do Palácio de Marvilla que
desde então se tornou a estancia predilecta dos Patriarchas. '
E as suas deslocações eram frequentes indo para Torres Novas, para Bellas,
vèr propriedades ou- passar uma temporada, mas voltava á sua vida habitual de bi-
bliotheca, comprando com todos os rendinu-iUos supérfluos de que dispunha livros
para ella e vendendo fructa para augmentar c^ seus rendimentos.
Esses rendimentos que eram pouco avultados contentavam comtudo o fidalgo
orgulhoso do seu meio e das tradicções da sua casa, e no dia que elle solicita al-
guma recompensa de serviços de D. José e em 1777 a mercê da Alcaidaria Mor
de Campo Mayor, as saboarias d'Olivença e levantar uma viUa cujos rendimentos
como elle diz, não augmentariam o seu IJien-être mas eram uma justa restituição de
bens (agora da 'Coroa) dos avós entre os quaes figurava D. Pedro Alcáçova^ Conde
de Idanha o celebre Regente do Reino, durante a expedição de D. Sebastião a A-
frica, de que elle era repre-.entante por linha feminina (morrendo em Alkacer-Ki-
bir os dois filhos varões de D. Pedro Alcáçova): e esse deferimento do Monarcha
ao seu reauerimento é para elle de grande valor moral coiuo elle diz:
«A circumstancia de ter vida n'estes bens me deixão acção e direito a muitos
annos decahidos, os quaes todos segurão se me não podem negar. Sendo isto as-
sim em huma edade já crescida livre dos faustos e de illusões populares, satisfei-
REVISTA MICHAELENSE , 3Q1
tos todos 08 meus encargos, consigo aqiiella independência com a qual todos são
ricos; e entre a minha familia, alguns amigos e os meus livros, não iiavendo mo-
léstias dolorosas, com que são pesadas todas as fortunas, in^^eiraniente ficam sa-
tisfeitas as minhas ambiçoens; e perdoo a estes bons principcs quaesquer outros
bens que podem fazer-me; mas para que isso assim seja hc preciso que tenha o
seu prompto e devido effeito este despacho.»
Esses livros a que elle dedica a sua attenção e o melhor do seu trabalho são
as Memórias da Academia de Sciencias, 156 volumes, que elle comprou por 200
libras e a Pratica do Theatro por Doligneé, a Encyclopedia d'Hyneidon, Francisco
1 por Oaiilard, o Atlas Histórico de Marnór, o Traité des Elements de Chi mie
de Albelacassagne, e o Diccionario cirúrgico de V. N. e de la M. que se vendia
chez La Combe, é o Brrgé de la liarmonie por Vial: são as obras de de Real e
de Sebalthier, de Dalemberg e de Voltoire; é o Diccionario dos Homens lllustres de
La Combe e Sansoniste, é o jornal Encyclopedique dos Interets des Nations de
TEurope et les príncipes du Gouyernement; é l'Art du Pouvoir du Magistrat pour
un avocat ou Parlement: é THistuire des Progrés de L'espirit humain dans les Sci-
ences exactes de Severín; é o Diccionaire du Droti Economique e Raizoné, é Une
Machine propre á blanchir le linge inventée en Anglaterre et perfectionée en Alle-
magne traduit de Alleman e que se vendia chez Durand neveu rue St. jacques, é
a Encyclopedia que se vendia em Lisboa a 8 mil reis o volume e que despertava
um grande interesse nos bibliophilos e em todos os paizes nos meios escholares.
E as informações que elle presta á Academia sobre as sciencias expandidas
n'estes livros valem os seusescriptos pessoaes em que elle trabalha e que se com-
punham d'um plano d'administracção politica para o Reino e para as Ilhas, um
DiccionaríO portuguez. Os Progressos do Espirito humano desde a decadência do
Impéria d'Occidente até aos nossos dias (lido na sessão de 18 d'outubro de 1780)
a Decadência do Império Romano que foi apresentada n'uma conferencia de 1781
da Academia Real das Sciencias, nm livro d'historía uma traducção d'uma Histo-
ria da America, e alguma outra obra desconhecida' no Mundo litferario, aonde
estes também certamente se não conhecem porque creio que não foram editados,
sendo possível que hoje existam n'alguma livraria em manuscriptos ou na biblio-
theca da Academia das Siencias.
No tempo de Xavier Alcáçova apesar das grandes bibliothecas terem sido
aniquiladas pelo terremoto de 1755 outras se tinham formado e engrandecido as
desbaratadas pela pilhagem que se succedeu aos tremores de terra.
As livrarías conventuaes e episcopaes attingiram o seu auge até então visto,
conio a de Évora, augmentada pelo Arcebispo D. Manuel do Cenáculo de
Villas Boas e enriquecida com um museu d'antiguidades a qual foi uma- das prí-
meiras franqueadas ao publico : a livraria do Arcebispado de Braga que datava a
sua fundação do século XV pela iniciativa de D. João d'Azevedo, a livraria do
Convento de Jesus de 80 mil volumes, aonde hoje se acha a Academia de Scien-
cias a de S. Vicente de 20 mil, ambas em Lisboa, a de Alcobaça de 25 mil volu-
lumes, a de St.^ Cruz de Coimbra de 36 mil volumes, e. a do Mosteiro dos Be-
nedictinos de Tibães a unia légua distante de Braga com trinta mil volumes.
Quanto a bibliothecas particulares, havia a do Conde de S.. Lourenço, a da Casa
de Lofões engrandecida pelo D. João de Bragança qij,e viajara pela Ásia Menor
pelo ncrte de Afríca e pela Europa, e a do Visconde de Balsemão, no Porto, de
12 mil volumes.
D. João Carlos de Bragança de Paula Tavares AAascarenhas da Silva e Ligne
com tradicções de familia semelhantes á do Conde da Ericeira era como elle
um cultor das lettras.
[doutorado em Coimbra em 1742, teve que sahir do Remo em 1757 por mo-
tivos que não foram conhecidos mas que se desconfia terem origem em amores
palacianos que desagradavam ao Soberano e depois de percorrer varias terras do
Oriente fixou-se em Vienna, fazendo como voluntário a guerra dos sete annos e
3Q2 REVISTA MICHAELENSE
nas outras capitães como Londres, Paris e Roma era conliecido sob o titulo de
Duque de Bragança faiando d'el!e o Conde de Becl<ford nas suas cartas c o mu-
sicooraplio inglez Burney egualmente descrevendo a sua casa como um centro
d'arlistas e poetas como Metastasio, o comediographo; 01ucl<,o creador do drama
musical, o abbade Costa, ojalin, o principe Poniatosky, a Condessa de Tliun, Has-
se, Faustina Bordoni, o principe Kaunits, Mozart (que alii tocou com 12 annos
d'edade).
O Duque quando 22 annos depois de se ausentar de Portugal volta á Corte
aonde D. Marianna Victoria, a rainha viuva de D. João V formara a melhor or-
chestra talvez que existisse então nas cortes faustosas, com os maestros Egiziejli,
Caferelli, Rof, Batistini, Leonardi, tocando ella própria em cravo e cantando as ce-
lebres Tocatas de Scarlati, mestre de musica da Rainha Maria Barbara d'Hespanha
quando este lioinem que, deixava Lisboa um centro d'arte e de cultura, voltou ao
Reino, encontrou-o bem decahid) pelas perseguições exercidas cjntra os Jacobi-
nos, pela iutellectualidade da corte preocupada com a doença nervosa da Rainha,
pela questão religiosa outra vez levantada depois do afastarr.ento de Pombal dos
negócios públicos, questões que se afundavam em esteris debates e animadversões. .
Reconhecendo os enumeros serviços prestados pelo Conde da Ericeira com as
suas preocupações das Academias ás sciencias das lettras quasi entregues aos pa-
dres congregassionistas que exploravam a historia no serviço das ordens, turnan-
do-a essencialmente monástica; o duque de Lafões entregando-se ás correntes sci-
entificas que corriam pela fiuropa com os trabalhos zoológicos de Buffon, com as
experiências chimicas de Lavoisier ellc prcoccupou-se em orientar n'esse sentido a
Academia que pretendia formar e vae buscar os homens da Academia Real d'His-
toria entre os quaes se acha o ultin.io dos sócios Gonsalo Xavier d'Alíaçova per-
feitamente orientado n'esse sentido em contacto com esses grandes escriptores de
França que expandiam os seus trabalhos por toda a Europa, lendd-os á 'maneira
que elles iam apparecendo e.commentando-os na Academia; e de todas as outras
Academias se juntam membros illustres como Portugal e Castro e o (Jonde de S.
Lourenço da Academia dos Occultos; o Padre Foyos, Cruz e Silva, José da Fon-
seca e Ignacio Alvarenga da Arcádia Lusitana.
Os sócios eram nas differeiítes classes que occupavam iiela constituição da A-
cademia :
Presidente- Duque de Lafões Vicc-Secrciario- -Correu da Serra
Secretario— Visconde de Barbacena Orador Padre Tlteodoro de Almeida
Ciasse <le sciei>cias oaturaes
Doniiii<>os Vaiidcili, Director da Classe Fr. Vicente Ferrer
José Corrêa da Serra Visconde de Barbacena
loão Faustino Dr. António José Pereira
Bartliolomcu da Cesta Dr. António Soares Barbosa
Class<f úvj. A\atbernaíic^
(J Aíarquez de Ator//a, Director ■ José Joaquim de Barros
Padre Theodoro de Almeida Dr. José Monteiro da Rocha
Conde d' Azambuja Dr. Miguel Franzini
Dr. João António Dalla-Beila
Classe íle Litteratura
D. Miguel de Portugal, Director Pedro José da Fonseca
Padre Joaquim de Foyos Principal Mascarenlias
Coade dn Tarouca Gonsalo Xavier de Alcáçova
Padte António Pereira de Figueiredo
KKVISTA MICIIAhLFNSt: 393
Sócios Honorários
Ayrc<; de Sá e Mello Marquez de An^eja
Arcebispo de 77/ ess o lo/iim Marquez de Marialva
Cardeal da Cunha Marquez de Penalva
Cardeal Palriarcha (não acceitou) Martinho de Mello e Castro
Conde de S. Lourenço Principal Almeida
Conde da Ponte Visconde de Villa Nova da Cerveira
5ocios supra-nurrjçrarios
Ant." Ferreira de Andrade Encerrabodes D. ternando de Lima
Conde da Eoa, D. Dioíso de Noronha Lrancisco da Cunha
D. Fernando José de Portugal José António Raposo
Fr. José Maine Dr. José Corrêa Picanço
José Maria de Mendonça José Henriques de L^aiva
José de Vasconcellos Luiz José da Costa
D. Thomaz Caetano do Bem Nicoláo Tolentino de Almeida
António Caetano do Amaral Paschoal José de Mello
Dr. António Ribeiro dos Santos Ricardo Luiz Ante (António?)
Custodio José de Oliveira , António Lienriques da Silveira
Conde de Vimioso
Sócios correSpor)ílcr?te5 :
CitaiL-mos os nomes mais celebres:
Amónio Ribeiro Sanches Manuel Ignacio Alvarenga
Aníonio Diniz da Cruz e Silva D. José Maria de Sou.sa
Joaquim Corrêa da Serra Agostinho José da Costa Macedo
Dr. Fr. Joaquim de Santa Clara Bento José de Sousa Farinha
Luiz An'onio Verney Frei loaquim Lorjaz
Luiz Pinto de Sousa Balsemão Dr. José f^edro Fiasse de Betem
Como vimas, fallandò da Academia Rea! d'!iistoria e das Academias que reu-
niam particularmente em risa d'iim dos membros do cenáculo, as preoccupações
litterarias extendiam-se á Provincia : cm 30 de julho de 1721 em Setúbal Gregório
de Freitas, que se dava a estudos d'ldistoría, auctor da Historia da Villa e dos ho-
mens que sobre ella tinham escripto, formou a Academia Problemática; e da mes-
ma forma se crearam as Academias dos Laureados de Santarém de que falia Fr.
Cláudio da Conceição no seu gabinete Histórico (1); em Guimarães é a Academia
\'imarancnse formada em 1722 com os elementos da Academia particular que se
reunia em casa do donatário dos Coutos de Negrellos' e Abbadim, Thadeu Luiz An-
tónio Lopes da Fonseca Carvalho e Camões, académico da Academia d'Historia
dos Infecundos e um anno depois forma-se em Aveiro a Academia dos Aquilinos
e em Braga a Tyrões Bracharenses (2); ha ainda em Torre de Moncorvo a Acade-
mia dos Unidos.
N"e5tas Academias os certaraens tinham por fim festejar uma data, comme-
morar um facto, discutir certos themas que em geral procuravam a argúcia littc-
raria rhetorica ou casuística, elogiando sempre: na Academia de Lisboa dos Appli-
cados que era uma d'epsas como a dos Escolhidos, dos Anonymos e dos Occul-
tos, patrocinada pelo Rei, houve uma reunião no anno de 1724 em que foi celebra-
da a Eucharestia na casa nova do Claustro do Convento da Graça dos Eremitas
de St.° Agostinho, e outra em 1734 para se fazer o panegyrico de Raphael Bluteau
por occasião da sua morte, a que se juntava a Academia dos Unidos da Torre de
Moncorvo; são dois modelos e exemplos do que eram essas reuniões celebres mas
(l)^Tomo Vl[ pagina 107.
(2)— Ver Thcophilo d) Braga a Arcidia Lusitana pagina 53.
394
REVISTA MICHAELENSE
os académicos reuniam-se em geral para tratar de pontos de moral e de historia
que nem sempre respondiam a uma utilidade iitteraria. Assim na Academia dos
Phleugmaticos, da Rua do Correão, do extracto d'uma das sessões se faz menção
d'um assumpto heróico para ser discutido, o que tratou da apreciação da "acção
do Príncipe Don Duardo se fingir hortelão para ver e falar á princeza Florida co-
mo consta do auto do mesmo Don Duardos», e depois de terminada a sonata, o
Secretario distribuiu o segundo 'assumpto que visava a glosa d'esta trova do "Au-
to da Menina Fermosa» :
Isabel e mais Francisca
Ambas vão lavar ao mar,
Se bem lavam mel/ior torcem
Namorou-me o seu lavar.
A' morte do Padre Manuel Caetano de Sousa, presidente da Academia d'His-
toria, na Academia Latina e Portugueza, n'um fúnebre obsequio de 30 de janeiro
de 1735 reunido em sua _
memoria, depois de elo-"^""
giado o morto pelo Aca- 16 ]| ifi j^.^^^ - ^V^,,,,,,,..^.^^!! ? B
demico Phihppe José da <*—*-— «-íPssk«Rj*«i*.*^«~«*--«*»--s
Gama (Lisboa 1736) foi o
seguinte problema posto
á discussão:
De quem foi a maioi
perda na morte d'este eru-
ditíssimo varão, se da Pá-
tria se das Sciencias?
A primeira parte fo. O Palácio d' Ajuda
defendida por ]ose Col-
lasso de Miranda e a segunda por António Felix Mendes, lendo-se em seguida
muitas poesias latinas e portuguezas sobre o assumpto no m"eio d'um auditório se-
lecto de religiosos, fidalgos e sábios da Corte. (1)
Nas Academias da Província, diz o Snr. Dr. Theophílo Braga que havia a pre-
occupação de entregar aos jesuitus a consagração das cerimonias e cita a visita do
Arcebispo Primaz D. Joseph que em 1744, vizitaa Academia dos Engenhosos Bra-
charenses por occasião do'seu anniversario, cuja cerimonia foi presidida pelo mes-
tre de Rhetorica o P/ Francisco Pacheco do CoUegio de Braga; e n'outra visita do
mesmo prelado 3 annos mais tarde á Academia Vimaranense também a um outro
padre do mesmo Collegio é dada a presidência da reunião.
E' n'esta decadência espiritual que alguns poetas de génio e escriptores de
raça António Diniz da Cruz e Silva, Manuel de Figueiredo, Domingos dos Reis
Quita e António Corrêa Garção formam em 1756 a Arcádia Lusitana, Associação
democrática com aspirações a reviver a poesia quinhentista á semelhança da Ins-
tituição de Roma também formada para acabar com o mau gosto observado n'ou-
tras academias para a qual o Rei portuguez dava um palácio no Monte Janiculo
chamado pelos Árcades Bosque Parrhasio, e foi membro com o titulo de pastor Alba-
no; a Arcádia que teve por emblema um meio braço e mão pegando n'um podão
com a epigraphe Inutilia truncat reuniu-se n'um local que tinha por nome o mon-
te já symbolico de Ménalo do bucolismo arcadiano, pela primeira vez, em 11 de
Março de 1755, sendo os seus Estatutos lidos em 23 de Setembro de 1756 e inau-
gurada em 19 de julho de 1757.
A Arcádia d'onde saiiiram grandes composições litterarias de variados géne-
ros não teve o patrocínio régio, tentou reformar-se em 1764 e teve a Academia
Real d'Historia que protegida melhor pelos Monarchas, subsidiada por elles, vi-
(1)— Descriptos nas Memorias históricas e chronologicas dos clérigos regulares em Portugal, tomo
I pag. 464 por D. Thomaz Caetano do Bera.
REVISTA MICHAELENSE 395
vendo na orientação histórica de publicar obras e manuscriptos inéditos de escla-
recer assumptos importantes, de tornar conhecidas novas theorias, novos princí-
pios, novas doutrinas, quer scientificas, quer litterarias, quer artísticas, quer jurídi-
cas, quer sociaes, quer económicas,, manteve a preocupação litteraria de Portugal
durante 60 annos.
D'esta sahiram :
A Bibliotheca Lusitana de Barbosa Machado, a Historia Genealógica da Casa
de Bragança por D. António Caetano de Sousa, o Vocabulário portuguez de Ra-
phael Bluteau, as Menv.rias para a Historia d'el Rei D. João 1 por José Soares da
Silva, o Catalogo das Rainhas de Portugal por D. José Barbosa, Memorias e noti-
cias das Ordens dos Templários pelo Dr. Alexandre Ferreira, o principio do Dic-
cionario geographico do P/ Luiz Cardozo e o Corpus Poetarum Lusitanorum do
P/ António dos Reis.
Da Arcádia viveu com Manuel Figueiredo; o Theatro.
A Academia Real das Sciencias que substituiu a Academia Real d'Historia
creada pelo Alvará de 24 de Qezembro de 1779 e na qual desempenhou as mes-
mas funcções de Secretario Qonsalo Xavier Alcáçova reuniu também uma enor-
me bibliotheca comprada em grande parte com o dote que lhe foi instituído pro-
veniente do terço do producto da loteria creada n'esse mesmo anno por decreto
de IS de novembro e depois de suspensa a loteria com o subsidio regular de
4.800X00 reis; e em 29 de fevereiro de 1796, já fallecido Qonsalo Xavier Alcáço-
va que não presenciava o auto mais popular sem duvida do reinado de D. Maria
I, o Ministro da Fazenda marquez de Ponte de Lima e o desembargador José Sea-
bra da Silva ministro do Reino levaram á assignatura regia o alvará creando a Bi-
bliotheca Publica de Lisboa para a qual entrou para Bibliothecario o Snr. Antó-
nio Ribeiro dos Santos, desembargador da Casa da Supplicação e lente de direito
da Universidade de Coimbra e grande conhecedor de bibliographia; e a Institui-
ção que se formava com os livros da Mesa Censória e livrarias dos extinctos con-
ventos dos jesuítas e parte dos livros que se salvaram do incêndio em 1755 do
paço dos duques de Bragança, era aqueila que ia extender-se a quem quer que
fosse com direitos eguaes, o privilegio e o apanágio, guardados entre as classes
ricas durante séculos.
Alem dos livros recolhidos das bibliothecas das Ordens extinctas pelas leis
de D. Pedro IV de 1832 que foram enriquecer a Bibliotheca Nacional, ha a ci-
tar a compra que o Estado fez por dez contos de reis da Collecção de livros que
contava enumeras edições raríssimas e' que pertenciam a D. Francisco de Mello
Manoel da Camará.
E essa citação vem a propósito porque é o neto d'este colleccionador, o Se-
nhor Doutor Francisco de Mello Manuel Leite Arruda, quem hoje proporciona aos
leitores d'esta Revista as bellas cartas de Gonçalo Xavier Alcáçova inéditas que
pertencem ao Archivo Mello Manuel que lhe foi dado pelo Snr. Conde da Silva,
seu Tio.
Não existindo nenhuma obra impressa, de Gonsãlo Xavier Alcáçova creio, a-
lem dos elogios aos príncipes por occasião dos seus anníversarios pronunciados
na Academia de Sciencias, estas cartas são tanto mais valiosas que se avaliam por
ellas a intellectualidade do auctor por uma forma expontânea intima, sem a preo-
cupação de brilho na procura da ideia ou pelo rodeio de phrase. E' lamentável que
d'essas obras citadas escriptas por Xavier Alcáçova não existam publicações, por-
que ahi a personalidade do auctor resultaria bem definida apreciando-se as con-
cepções, as ideias, e os poderes argumentativos e de investigação, e os critérios
históricos e sociaes que o' ditariam; na sua falta as cartas do Secretario das Aca-
demias para o Dr. António Nunes Ribeiro Sanches supprem a qualquer critico bio-
graphico os elementos moraes para a reconstituição da individualidade do auctor
e nós fazemos com ellas um trabalho que enquadra bem a sua vida e a sua obra
n'um esboço a traços largos.
396
REVISTA MICHAELENSE
Como ella é interessante essa individualidade vista intimamente perto das ne-
cessidades e dos elementos necessários á sua vida quotidiana quer de labor quer
de commodidade, procurando um bem estar que lhe permita o trabalho, regular e
a saúde alterada frequentemente no decurso do anno! ,
inventam -se uns candieiros a azeite em Paris commodos para mesa de traba-
lho: e vendem-se também em qualquer estabelecimento que annuncia cadeiras
de bambu commodas; Xavier Alcáçova pede ao seu correspondente e amigo para
as enviar As pelles de lobo da Rússia, elle manda-as vir d'Hamhuigo depois de
tentar os mercados d'aquelle paiz por intermédio de Ribeiio Sju^-hes para com
ellas torrar uma sobie-casaca l inmtei-se qu. ntt ' ^ " i is d'liinver-
._ - n(> t dl tiii >!m ['u^-sia elle pede
pari PLtLi
clia da china
Entrada da Bihliotheca Nacional -
S. Francisco
■digo Mobteiro de
. .que para alli e expoitado em ca-
, "*% 1 uaiias atiavez da Mandchuria.
hbtes pequenos pedidos do
Ibecietaiio da Academia d'l^listoria
;ão intei calados nas suas cartas por
111) meno^ inteiessantes informa-
s que elk piesti b-ohie a aber-
I i do Collegio dos Nobres, â
, leação dos Institutos, o valor dos
1 lofessores e de referencias que
.-cile faz aos ensaios que alguns me-
niicos portugiiezes estavam a fazer
Scom a terra de Mafra sobre algu-
jma-- pf.-s-,'iTí cancerosas; e quando
j '■ LM I ■ ' iM.i 'ii! dezembro de 1768
' vm L1-.1IW.1 (' lartuío de Moliére
acabado de traduzir em verso sol-
to ou a Athalia de 'Racine em fe-
vereiro de 1769, esses dois acon-
tecimentos theatraes que interessavam as lettras iTão passam sem commentario.
A venda em Paris da bibliotheca dos judeus e que é comprado pelos domi-
nicanos, Oonsalo Xavier refere-se a esse facto e conta que em Lisboa os domini-
canos de Portugal desconheciam a venda e que alguns livreiros de Lisboa ven-
diam obras d'esta bibliotheca tendo-lhe sido offerecida a Politif^a de Gay por 25
moedas (a mc.eda no reinado da C). ]osé valia 4 mil reis); e por occasião d'outra
venda de livros celebre pertencentes a D.José Pessanha e comprados pelo Bispo de
Lisboa elle egualmente allude a elles com algumas das suas referencias breves e
concisas que tornam as suas cartas tão peculiares.
Essa correspondência é regularissima com Ribeiro Sanches e quer elle esteja
no Tojal, em Bellas, em St.° Amaro, em Torres, em Collares ou em Lisboa, quando
a sahida do navio se annuncia para Rouen ou para o Havre, Gonsalo Xavier re-
dige a sua costumada missiva ao seu am.igo de Paris.
Em 1770 Ribeiro Sanches pretende vender a sua bibliotheca que contem ma-
nuscriptos diversos, bellos e curiosos exemplares e que era conhecida tào iirni em
Portugal como em França. A sua vontade é deixal-a ao paiz, e Martinho de Mello e
Castro mostra-se desejoso de a adquirir. Xavier Alcáçova e o cirurgião João da Matta
eram os dois intermediários do negocio, e o primeiro em Maio de 1870 escreve a
Ribeiro Sanches a pedir-lhe o catalogo que lhe é remettido em outubro d'esse anno
com as condicções de venda que eram estas :
1.' — Gosaria em vida dos seus livros e manuscriptos.
2.°— Ou se lhe dariam 20 mil libras turnezas em três pagamentos, ou se lhe
instituiria uma renda vitalicia de 3 mil reis.
REVISTA MICHAELENSE
397
'Z Ú\- :^J^P
3.°— Ribeiro Sanches ficaria obrigado a continuar a assignatura das publica-
ções periódicas contidas no catalogo que tinha enviado.
4."— A não ter resposta até Janeiro de 1773, ficaria com liberdade para buscir
outra solução.
E dois annos depois, em 28 de junho de 1774, não tendo sido effectuada a ven-
da amda, elle renova a proposta com o valor augmentado de 3 mil libras turnezas,
correspondentes a obras adquiridas, as quaes sãi da a-ictoria de 236 cscriptores
diversos (1) (a venda pnr
meio da renda vitalícia
era mantida nas mesmas
condi;^ões).
Era a ultima vontade
de Ribeiro Sanches dt
xar os seus livros ao seu
paiz e o bibliophilo
Collares é quem trabaUr
por reaiisaresta aspiração
do velho medico que e
ao mesmo tempo um ac-
to d'interesse nacional i
que Xavier Alcáçova de-
sejaria bem ligar o seu
nome: seria mesmo um
acto pessoal a represen-
tar na histeria das biblio
thecas publicas a dedica
ção d'um erudito dos
fins do século XVlll. In-
felizmente a venda nunca
teve lugar e foi em Paris
que ficaram as collecções preLiosts de Rib^uo ouicnes o im g) di. iicado de Xa-
vier Alcáçova cuja correspondencu, tão intercssinte para a hi t )rn da epocha
devido á amabilidade do ^^ennor uoutor hrancisco ae Mello Manoel Leite Arruaa,
é hoje aqui pela primeira vez publicada.
\rí^C£^^ /]
ê
a.
endereço de carta para Par'.s
(U— Carta de Ribeiro Sanches de 2 de setembro de 1772 lançada no jornal no Archívo da Biblir
theca da Eschola de Medicina de Paris.
398 REVISTA MICHAELENSE
Uma carta àe Xauier Rlcaçoua para Ribeiro Sanches
run-i '
yóu^ .•?/»' *•-/■ J^ é>f'7y-// Av^' ^íí'^/^^^W ^í/^,;^^ ^,, ^y.rt -
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,^ /-/L^íí^ é^yrí, e^r-^/r^ ^jt fí^^y c^/7..^i, O-!^ ^- /^jí/O-t} (^é^<UL<Jin/^^ ^■^
y/í-t-n ^ Tí^i Á-^.i/tyvyt, yyi^f^ffcd^j ^â-^^rm-»^^ a^jfn ^ '.ifí^s ^A/pi^^t ^?'^*^
REVISTA MICHAELENSÊ 399
ij/ei /i!'Z<r Ó'f-'yi<.~/í*' ^K-^ii /i/íícr eí<Aí> á^Jl/) h itt^tn^ /.'!.ínrn\M.i- ,-7ri^i»^A.í4
OVO. \/ya'f Ce.-íCK^i, í^'fi/f'z2^Ò A-a^" ^ÍT^T^a^oi//^ jtg . ^^.^^tkJí'^ .
&* ^r^^a /£-rP*> j.e^i^icc^ni^ a^/{.J»^ ^1^4^ 7-rx.ej.^ ?<J^Ju^J^Jí^ , c í^^^/^e4yí•
/^j-iOí^if^, ■^ jí<^'j ^'' h /^nÂ^ aJr/t-/ a^ác^tii yz/t ,'^^ í^/' ^ S/c^€,r>tfjÊu^
JrtU^cJ^J. ^y -íptz^ííi. í:&iyf^ 'if^e ^íjí. ^-^ d-? cave;.. i^ÁÍ /j^£í 4 /e.^ríít' ^'
-M^ei-y^-rii^ Cf^nJ' /if.^'Cíei^ a^^x. r-^aija~f>tjrr^ .d2s^'^:^Ji:Jt-ã. J^-^^^^Ci-c^Ji^/i- '.
fn^oil^, srU-^ ''^ Ktr^n-i/£^ /yt'v-i^/ft J3 ' ^^^jlt cí-Kí> ^^i^^^ *€i_ ,<íít /í«<?V-A-^
400
REVISTA MICHAELENSE
C >/'//<.»- ic^i^í^^ «^^^Cfe--^ ,'j?.'/ .■^ /nMU. li^cl», rf^í«<^i^i ,±j> a/]í//*'*rní ti^-iCi)
^^.^ ^*^x»r . /*^y/cj^ie- /^ /u/U., e A^oía- trr^ /rf^ ^imxÃói . y"4^^
p' T»i>ã), èieifí^Z£ t> ^' e^/^â,rvf /u/^n^ ,^í*Aa/f/í ^r''/^'<:*-J a/^>7^r'ie^
401
REVISTA MICHAELENSE ^"*
^^-^i' jíO/^ft-^, ^yi^ ^*y>y. L.'r'/t-i'* •^'«;<-7 y^J? /.íí^v/^iá» í^;'^. A/» --.-i^Ai^»^
ryy í»7i^ íi^V./M, ■ í^t& th'^ntiS ^^Jd^ líjc^ ^./^t^t '^if^ .ry^a^,^ •J^-ya^y^^é^.rui,
402 REVjSTA MI^CHAELENSE
Saúde — Meu Amigo e Snr. Dor. António Ribeiro Sanches, o correio .passado
recebi a sua carta, e me não foi passivel agradecer-lha logo como sempre desejo
pelo grande gosto que faço da sua comunicação, mas sobrevierão-me algumas
occupaçoens que me embaraçarão. Estimo se.npre a repetição do seu favor, e esta
amisade com que me trata, bem merecida da grande estimação que faço delia,
mas para que fosse completa a minha satisfação seria preciso a certeza da sua
bôa saúde ou que ao menos n'este tempo critico, fosse sem tanto sofrimento. As
grandes chuvas e tempestades, que aqui se experimentão depois de hum mes, sem
cessar nos traz bem abatidos, e aos que palecemos queichas de nervos bem debili-
tados. Mas eu tudo dou por bem empregado, com tanto que os defluxos no peito
se não façam lembrados, porque são de muito má consequência.
Quizera hoje dizer-lhe alguma cousa a respeito daquele negocio em que se
me pede hua certa declaração; mas ainda o reservo para ocasião de mais soce-
go, e que esteja bem informado do que paço a respeito da minha consciência, isto
hé não prejudicando a 3.°. O meu coração hé cheyo de hum.anidade e preocupa-
çoens não me cegão; mas ha certos motivos que embaração toda a pessoa; de qual-
quer estado ou religião que seja, coifi tanto que tenha perfeita noção do justo, e
do injusto.
Z-íVa-os— Estimarei muito que o Navio com os livros não. tenha ainda partido,
porque as tempestades tem produzido grandes naufrágios nestas costas, e por toda
a parte. Alguns navios estão aqui a partir para esses, e outros portos, há hum mes,
sem terem^nem hum só dia, de o poderem intentar. A perda de livroí seria para
mim a mais sensível de todas, porque elles são a minha paichão, e tudo o que po-
de fazer mais agradável a minha vida.
O Celebre Pino que aqui se acha vae imprimir varias obras, entre as quaes
há hum Theatro da Eloquência, e há hum tratado de Rhetorica, ouvi que lança-
do e mosturado com bastantes puerlidades, Ijua Arte Poética, atradu:ão do Oedipo
de Sofocles, tradução da tradução ainda que elle o não de:lare, e hum poema
n El-Rey de Inglaterra na ocasião da Guerra : Com qu-^ os nossos engenhos dis-.
pertão do seu letargo, e as muzas são as primeiras que rompem o silencio. Mas
ainda mal que estas pequenas faiscas não denotão senão fogo, apagado, quasi re-
duzidas a cinzas.
O que V. Mce. me diz a respeito da inscripção da urna e medalhas, hé cou-
sa que tenho lido em gazetas, mas que não sei que aqui aparece-ce. Em alguas
partes tem se descoberto varias medalhas, mas isto toma logo outro caminho e se
reduzem a moeda corrente ou algum curioso as esconda. A Academia Real não
tem hoje mais que hum
(lacunas devido a rasgar do papel)
Consideraçoens de maior pezo, levão todo o tempo, e fazem menos atendíveis
os gemidos litterarios. He necessário esperar melhor ocasião de as fazer renascer,
mas não me parece que esta gloria me seja reservada.
Os jornaes Encyclopédiques de que faço bom conceito me tem vindo mui-
to troncados, e necessito de mandar a \'. Mce. hua memoria dos cadernos que
me faltão para completa-los, e pedir-llie ao mesmo tempo (observace)? para
minha conta deste anno por deante, e igualmente pelo da jurisprudência, e gazeta
salutaria, tudo da mesma officina e me vá remetendo tudo a seu tempo conforme
for sahindo; pois tenho grande gosto de ler a mayor parte das reflexoens daquela
erudita sociedade donde a critica hé quasi sempre acompanhada de decência; e
daquele tem que devia praticar entre todos os homens sábios, e o único que pode
ser útil ao adeantamento das sciencias.
A' sahida á luz da grande obra da 'Encyclopedia seguirão aqui os mesmos Mi-
nistros de Erança? bravissimamente mas hé verdade que estas promeças se vão
retardando todos os dias. E parece-me que se deve desejar aquele deposito das
sciencias donde se consei"ve ao menos o que se sabe, pois segundo a ordem dos
RKVISTA. MICHAELENSE 403
tempos paçados vamos paçando os limites do verdadeiro saber; e esta época não
se pode nem se deve desprezar.
Aqui tenlio já hum numero suficiente dos livros.
perto o tratado do Beaii, que V. Mce. tem metido entre os que me
remeteo; e o Dictionaire de Dispilly des Gaulês onde o extracto o fas sumamente
estimável : Daquele género hé o meliior Diccionario que tem sabido á lus, e quero
saber o seu preço que sendo moderado lhe peço me mande porque hé livro de
ter, e folhear peia sua vastidão, c utilidade. Nas gazetas tenho visto outro de Filo-
sofia, e outros que vem queimados pela mão do Carrasco, e igualmente em Hol-
landes; destes não fica sendo equivoco o seu merecimento. Suponho que são mais
inliecentes do que temerários, ou hua cousa e outra; a ambição de ganhar alguns
vinténs era o que produzio esses horrores, porque os homens sábios não hé aque-
le o modo com que querem instruir os seus semelhantes.
Expedições— O Chicolate estará prompto com brevidade se poder ser hirá
nestes navios que estão promptos a partir, o que não duvido segundo o sistema
que tem tomado o Inverno. Dos doentes dos Cancros não sei ha dias, tão b^m
por conta de chuvas, e névoas que não deixão sahir fora. De tudo darei conta a
V. Mce., o que peço logo é com a sciencia dos tempos que me falta, e prevenir-se
com"elles sempre antecipadamente. Perdoe tanto enfado e dê-mc sempre o gosto
de obedecer-lhe.
Deos goarde a V. Mce., muitos anos. Lisboa, 15 de Setembro de 17Õ4.
- La Canne a siége percée ne L'oubliéz pas.
Amigo obrigado Venerador
Gonçalo Xavier de Alcáçova,
Saúde— Wítn Amigo e Snr. Dr. António Ribeiro Sanches, o correio paçado
recebi huma carta sua depois de ter feito a minha sendo-me preciso anticipala; e
agora respondo a ella entre os rochedos desta serra; não com o socego costuma-
do, porque o outono, a tem povoado demasiadamente e isto sempre hé á custa de
tranquilidade pedindo a civilidade e a occasião que agente não parece sátiro; mas
sempre furto este bocado de tempo, para segurar & V. Mce., me aflige o princi-
pio da sua carta, e tanto mais que hé o pouco que V. Mce., se explica, ao mes-
mo tempo que mostra a opreção do seu animo. A amizade que protesto a V. Mce.
não pode ser nunca indiferente, e quando se assusta, sempre hé imaginando mais
do que na realidade pode ser. Se posso servir a V. Mce. de algua couza, farme-
ia mayor injuria de poupar-me; mas se lhe sou inútil, e não posso remedia-lo, hé
atenção, hé favor ocultar-me o que o mortefica.
f:stimarei que na sua saúde não experimente nenhuma novidade e que ella
possa resistir ao que experimenta o espirito. A minlia nesta vida muito agitada se
conserva sem novo incidente que me assuste; e assim vou enchendo o termo pres-
cripto, innutil para mim e para todos. Mas o teatro em que reprezento, não me
permittio fazer outro papel.
Livros— No que respeita aos livros de De Real parece-me que V. Mce., deve
esperar se conclua toda a obra, e mandar-me o que falta para completar o que
tenho cedido, e hum exemplar completo, e que venha encadernado, e que quero
que esta seja a juro, do tempo que me tem privado de a ler. Os mais livros virão
10 n:; o tempo, que sendo poucos hé crueldade gastar tempo, e deligencias na
sua remeça. Tão bem Ihs" quero aqui rogar que não lhe dando discomodo queira
informar-se de algum amigo intelligente, se huas canas a siege pour la Campa-
íT/ie et les spetacles, que fáz Mer Reynard au louvre, são cómodas; e de bom ser-
viço e não sendo de muito preço, athé duas moedas, 60, 80 livres, lhe peço me
mande ima, que quem anda tanto tempo no campo, achando hua invenção có-
moda deve aproveitar-se delia: e se o dito mechanicisni, as costuma fazer servindo
404 REVISTA MTCHAELENSE
tão bem para outra comodidade ás vezes mais precisa e essencial, e sendo cómo-
da e de bom uso, esta seria mais essencial e a peço com mais efficacia : e ainda
que V. Mce., a pague por mais alguma cousa não importa, com tanto que elle se
encarregue de a fazer mais forte, e mais segura do que costumão ser tidas as obras
de Menuiserie de France, que não tem nenhua duração. Peço-lhe isto com algum
apetite, porque acontece muitas vezes ter grande discomodo falta d'este socorro,
principalmente a dos outros de sav.de delicada.
Terra de Mafra — Muito admirado me deicha o que V. Mce. me diz a respeito
da descoberta da terra para a cura dos cancros. Deos queira permittir que o fim
da experiência corresponda a tão admiráveis aparências; e que o Ceo tivesse re-
servado a hum homem ocioso, a descoberta de hum tão grande beneficio para a
humanidade. Eu lhe mandei pedir huma pouca da tal terra, e elle me prometteu,
pedindo tempo para a sua preparação e segurando-me que o segredo o não di-
vulgaria por algumas rezoens, que eu aprovo; e me contento que elle me queira
mandar alguma para que faça em meu particular alguma experiência, parecendo-
me que todo o tempo que se demora o seu uzo hé hum crime cometido contra a
humanidade. Queira V. Mce., mandar-me dizer o methodo que uza na sua aplica-
ção, que me quero governar por elle, e fazer este bem aos homens, jã que a for-
tuna me não permitio de lhe poder fazer outro.
Livros e consideraçorns pliilosophicas — Não falo a V. Mce., em livros porque
agora não vejo couza que mereça reflexão : — somente o Espirito dos Monarcas
Filósofos gostei, porque hé escrito por homem de juizo, ainda que em estilo ca-
dençado. Sempre gosto de ver o que pençarão alguns Reys que forão filósofos,
ainda que muitas vezes facão como os pregadores, que fxlão bem, e obrão o con-
trario do que dizem. As máximas da huminiJade de verdadeira gloria, e de vir-
tude que elles publicão, se todos as praticassem; não seria o mundo hum Thea-
tro de misérias. Eu não sei se pode dizer que os mãos Reys são o motivo dos cri-
mes dos vasalos. O exemplo dos bons, a recompença e o merecimento e a virtude
e castigo dos máos, e a conservação de todos, salvando-os da indigência, seria o
mayor e mais próprio para a felicidade e salvação dos povos. Mas não hé para a
humanidade esta bem aventurança. O seu destino é sofrer, e as recompensas são
para depois.
Amanham saberei se tenho ou não carta de V. Mce., sempre a espero com o
mayor gosto, e agora não sem cuidado pelo que esta me tem posto. Deos permita
que V. Mce., me possa segurar fica em mais socego. Dé-me o gosto de servi-lo
que nisto tenho a mayor satisfação. Deos goarde a V. Mce., muitos anos. Colares
em 17 de Setembro de 1764.
Amigo e Obrigado Venerador
Gonçalo Xavier de Alcáçova
Saúde — Meu Amigo e Sr. Dor. António dos Sanches Ribeiro, não tive carta de
V. Mce., ha dous correios e nestes ainda não o sei, porque principio esta antes de
ter esse dezengano. O Principal soldado me dis que V. Mce., não passa bem, e
esta noticia me hé summamente desagradável pelo interece que tenho na sua
saúde, e na sua conservação. Estimarei que V. Mce., me possa segurar paca com
algum alivio, e que a entrada do outono, íhe não seja tão nociva. Eu no meu re-
tiro me tenho conservado sem repetição de moléstias, e me sinto muito mais for-
te e robusto, soffrendo a fadiga e o trabalho sem grande incomodo, e athé os
mesmos flatos, sem tanta actividade. Aquela vida hé muito própria para procurar
estes benefícios e não posso nem devo larga-la. De mais o socego do espirito, e
a menidade daquela serra, são circunstancias muito essenciaes para que o cor-
po se conserve livre de queichas. Com esta supozição, torno para lá quinta-fei-
ra e emquánto não enchatarem por lá me demorarei. Os ministros estrangeiros,
e hoje muitas peçoas nacionaes, já ali vão buscar hum socorro contra os gran-
REVISTA MICHAELENSE . 405
des calores; e hoje já hé como moda, o hir a Cintra; de sorte que neste mes, e no
paçado, tem sido infinita a companiiia e fazem sua sociedade o que fáz muito
mais agradável o sitio.
Ali me deviíto com os meus livros com a agricultura e com a factura de hu-
ma pequena cazinha, mas cómoda, donde espero paçar muita parte desses dias
que terei de vida com o animo socegado, moralisando sem paichão e conhecendo
verdadeiramente as loucuras dos homens, para não invejar nem o que eiles cha-
mão fortuna, nem querer nenhuma ao preço que elles a provem.
Terra de Aía/z-a—Aqui chegou agora o Dr. Tamagnini, e me contou o que ti-
nha paçado com o rapas de Mafra a respeito da terra para os cancros, e achou
demasiado mistério em huma cousa que a não merecia, antes publicada para be-
neficio da humanidade. Porque a comunicação delle, não obriga a dizer o Segre-
do, mas sim hé a favor do seu Autor, repetirem-se experiências que lhe sejão fa-
voráveis. Elle lhe prometeu que eu iiavia de ser o primeiro e que servisse, hé cer-
to que o meu empenho tão bem era a favor delle mesmo querendo examinar as
virtudes daquela terra, para com o bom sucesso delia, dar-Ihe o seu devido va-
lor. Se eu chegar a Mafra, hei de falar-liie e ouvir delle (no caso que se queira
dizer) que circunstancias que misteriosamente ocultou a Tamagnini. A favor das
suas meditaçoens pelo que respeita ao abrigo da longitude, tão bem quizera saber
por donde caminhou, e que methodo tem seguido. Mas segundo o que ouço do
seu modo de pençar, não espero tirar delle couza que me satisfaça por conta des-
tas descobertas. Tão bem não mostrou os mármores de que sei tem feito aquisi-
ção, não merecendo este ponto nenhua reserva. Emfim elle tem o seu methodo
de pensar, e nesta matéria cada qual tem a liberdade de seguir o que pedir o génio.
Sei que tenlio carta no Norte no correio mas o moço por hum descuido, me
não trouxe, e já agora a não poderei conseguir se não a oras de a não poder a-
cuzar nesta carta, para o correio que vem a farei com mais socego nas alturas da-
qnela serra, e me alegro antecipadamente porque espero achar nas suas noticias
a certeza de que paca com mais alivio, porque V. Mce., assim o diz a Tamagnini
na carta que agora me acaba de ler.
Z-íVros— Livros não aparecem que sejão dignos de que se perca o tempo na
sua leitura. A Encyclopedia, não acaba de sahir á lus; nem as esperanças, de que
apareça, e consolando-nos com os amigos velhos muito capazes de se empregarem
as horas e dias na sua meditação. E na verdade que as vezes me vem ao pença-
mento certas reflexões; que ainda com ellas descubra a mayor parte nem por isso
as creyo destituídas de fundamento e vem a ser que os limites da sabedoria hu-
mana são muito apertados. Chega-se hum certo ponto, pois lá tudo hé confusão,
ou paradoxos. E insensivelmente se achão os homens no tão prezumidos, que se
perdem em ideias sufisticas, ou outra vez reduzidos a primeira ignorância. Enten-
do que hoje pedia a prudência que se contentassem os homens com o que sabem
sem pretender descobrir novos inventos. E só a arte d í serem melhores, hé que
devião praticar e persuadir. Ser sábios, e serem máo:, h ? a mayor injuria para a
verdadeira sciencia.
Curiosidades— fiz a V. Mce., hua comição ha dous correios de hua in-
venção de cadeira de comodidade em hum bordão, que i)ublicou hum celebre ma-
quinista de El-Rey ao Louvre, espero que me procure, e me remeta na primeira
ocasião, porque tenho idea de que poderá ser muito cómoda, e pode ser que com
ella se acrescente o invento couza melhor pela quela razão de que facilis est ine-
centi &.
Se V. Mce., quer algua cousa em que o sirva não poupe a minha vontade
que bem sabe com quanto gosto desejo testemunhár-lhe a minha sincera e fiel
amizade. Deos goarde a V. Mce., muitos annos. Lisboa, Santo Amaro, 9 de Outu-
bro de 1764.
Amigo e Obrigado Venerador
Gonçalo Xavier de Alcáçova
406 . REVISTA MiCriAELÉNSÉ
Saúde— M&u Amigo e Snr. Dr. António Ribeiro Sanches, recebi o correio
paçado duas cartas suas, hua retardada, e outra correspondente a eile, em que
vinha a induza que V. Mce. teve a bondade de me remeter, e tão bem as noti-
cias que intereçavão a minha curiosidade e de algum modo o meu credito. De
tudo lhe dou a V. Mce., sinceros agradecimentos protestando-lhe que a minha a-
misade lhe merece todos estes esforços; e que nella faz grande impreção a certe-
za de que paca menos oprimido das suas moléstias, o que me deve o mayor cui-
dado e interece.
Ainda que em Cintra este correio me vejo tão embaraçado, e distrahido, que
lhe não posso escrever como pede a minha vontade mas para a semana que es-
pero ficar só, e não terei embaraço que me prive deste gosto. Hum outono deli-
cioso, huma vida activa, e agitada me conservão com grande alivio, e aproveitan-
do-me deste beneticio da Providencia, logrando-me quanto posso da vida. Isto hé
livre de paixoens, d'embaraços, de intereces, e aliando o melhor que me hé po-
civel, o rústico do campo, com as boas máximas da filosofia; para o que o bom
velho Horácio não concorre mediocremente. Tão bem tenho aplicado a leitura
dos Corpos Políticos, que V. Mce. me remeteu do que vou fazendo bom concei-
to: Ainda que aquilo seja governar o mundo em seco; sempre fáz honra a huma-
nidade as máximas que ali se ensinão, e que não deicha de ser utii a historia poli-
tica do Mundo, donde os mesmos abusos, desimulados com esta ou com aquela
aparência, forão sempre os árbitros dos Impérios e da pobre humanidade.
Informações — Peço a Mce., me queira remeter a inclusa asie adresse, e sem-
pre que souber algua cousa a respeito desta pessoa, não se descuidar de partici-
par-me.
O que me pede a favor das Leis do Brazil pelo que respeita a liberdade ou
captiveiro dos Índios, bem o poderei satisfazer se acaso não fizerem deficuldade.
Comunicar o que há a esse respeito se não for em detail ao menos em groso lhe
direi o que ha na matéria.
As encomendas que lhe tenho íeito não èsqueção, e noticias literárias as
que houver? A terra de Mafra estimarei produza o effeito que se deseja.
Aqui não se divulga, não sei a razão.
Fico para servir a V. Mce., como devo a quem Deos goarde muitos annos.
Cintra em 15 de Outubro de 17Ô4.
Amigo e obrigado Venerador
Gonçalo Xavier de Alcáçova
Saúde— Mtu Amigo e Snr. Dr. António Ribeiro Sanches, o correio paçado
escrevi a V. Mce., destas serras com bastante preça, porque a companhia que ha-
via nestes visinhanças, me, fazião perder toda a tranquilidade e athé quasi toda a
minha filosofia, de que tiro tão contínuos, e repetidcs socorros; mas ás vezes não
são menos úteis para o corpo, e para o espirito, aquelas desipaçoens, em que só se
intereça a pobre humanidade. E como a saúde por ora se conserva sem acciden-
te de cuidado não deichava de intereçar-me aquele viver como o comum das gen-
tes, sem dár grande ocupação ao meu descurço. Mas agora que já fiquei só, ain-
da que por poucos dias, porque domingo me retiro de todo para a Cidade quero
empregar algum tempo no gostoso exercício desta correspondência, segurando
com ella a grande estimação que faço do seu favor, e o desejo que tenho de lhe
dár todas as provas mais evidentes de que o sei merecer. A sua saúde hé conce-
quencia desta confição, me ser do mayor interece, e que o Inverno lhe conserva
sem nenhum accidente de cuidado. A minha não há duvida está muito mais forti-
ficada com a vida activa que tenho feito estes últimos seis mezes; mas sempre a
Primavera me deve algum susto, porque em duas sucessivas tenho experimenta-
REVISTA^ MICHAELENSE 407
do aqueles difliixos de tão má qualidade e que aniea^avão funestas concequencias
Mas armado de conformidade espero os decretos da Providencia.
Na minha ultima carta remeti a V. Mce., a resposta da que, por sua via me
tinhão encaniinhado, e nella pedia hua aJresse, para lhe não dár o incomodo
onerozo de se encarregar das que me forem precisas eà.-rever a mesma peçoa;
mas para enviar-mas as que mandarem de lá, nisto não tenho escrúpulo, que se
sirvão do seu sobrescrito, para virem mais seguras.
Na sua carta de 10 de Setembro me fala V. Mce., sobre as quarentenas no
tempo da pe?te, repugnando a esta cautella que todas as Naçoens abraçarão para
evitar os males contagiosos. Pcço-llie me declare melhor o seu pensamento e se
se persuade ser innuti! esta precaução. O que parece contra toda a experiência,
pois se tem observado que basta huma só peçoa infectada daquele veneno, para
devastar huma Cidade e que tudrs os gevem infectados do mesmo mal. Sobre es-
ta matéria nunca li nada em correio, e tudo a favor das precauções que hoie se
tomão a este respeito atribuindo-S':-lhe, o ter-se livrado a mayor parte da Europa
deste mál huns poucos de annos. Emfim quero ouvir as suas rezoens a este respei-
to e saber quaes são os Auctores Inglezes que criticão este costume de todas as
Nações. •
Livfos e curiosidades— ]{{ avizei a V. Alce., que espenva pel i obra inteira de
Lã Real, para que então me remetesse os livros que me t.- n destinado. Mas não
esqueça o Espirito das Leis da Edição eiii quarto com todas as obras do seu Au-
tor. As de Voltaire edição de Genebra, tenho, menos alguns dos últimos volumes
que me faitão, e procurarei ver se acho aqui; a sua edição de Corneille, quero, e
encadernada; e deste modo tod'-'s os que poderem vir, porque aqui sei ha sufici-
entes reliadores, mas não tem carneiros capazes e são prohibidas as suas introdu-
çoens. As memorias sobre a educação publica por Quyton, parece-me será bom
mas remeta, e tudo mais que lhe tenho recomendado e n que entrão aquelas ulti-
mas Tragedias avulsas de Voltaire e papeis curiosos em q ie tem enreque -ido a
republica dos homens de juizo, e de bom gosto, mas não dos verdadeiros sábios.
A cadeira em bordão, não esqueça tão bem e hua resma daquele papel muito
fino, que hé quasi transparente, e serve para meter entre os estofos e embalagens
conforme outra semelhant-e que V. Mce., me mandou há tempos.
A Porçolana da descoberta de .Mer de Lavraguain que conheci muito bein
e não mostrava naquele tempo seria homem de aplicação já vi anunciada nas
gazetas, e no caso que se venda particularmente e o seu custo não seja exorbi-
tante, quer ver hua amostra delia como hua figela com sua tampa e prato; ou
huma escrivaninha para senhor ou qualquer outra bagatella semelhante sendo
posivel.
Tenho li lo com gosto a obra do3 Corpos Políticos achando nela hum homem
sensé, que decorre excelentemente e coherente. Critica de quando em quando o
espirito das leis mas não hé homem de Génie nem tem o talento de seu autor. He
livro de ter, e meditar, e que fáz honra ao século, espero que o 2." volume me
confirme no mesmo pensamento.
Sinto o que lhe ouço a favor da EncyclopeJia, quando esper.iva em os correios
a noticia da sua publicação. Desejo que Diderot se restitua da sua moléstia, e que te-
nhamos o gosto de ver completa hua obra, que sem embargo de muitos deifeitos
héde tão grande utilidade. Não se esqueça V. Mce., nunca de me avizar tudo o
que souber de novo a este respeito.
As obras de La Eontaine da bella edição não era para pedir que is compras-
se, que avriguava o seu preço; mas sim, porque a peçoa que aqui as tinha; pode-
ria haver ocasião em que as largasse por preço m.ds acomodado. O Arcebispo de
Évora, Regedor das Justiças, aqui as comprou a hum livreiro por 600 reis veja V.
Mce., que ganho. .
Não acrescento mais esta carti para a nao fazer mais volumo?a; acabo-a se-
408 REVISTA MICHAELENSE
gurando a V. Mce., a miiilia fiel amizade e o gosto que tenho de seivi-lo e dar-lhe
gosto. Dcps goarde a V. Mce., muitos annos. Colares 22 de 8bro de 1764.
Amigo e Obrigado Venerador
Gonçalo Xavier de Alcáçova
P. S. Já tenho a terra de Mafra. Deos permita que se confirmam as suas es-
peranças. XAVIER.
Com a obra inteira da livraria Real não esqueção os volumes que faltão para
completar a que aqui me mandou, que são quatro volumes, segundo a minha me-
moria. XAVIER.
Saude—N^tu Amigo e Snr. Dr. António Ribeiro Sanches, há deus correios que
não tenho o gosto de segurar a V. Mce., o grande interece.' que me devem as suas
noticias mas não se parsuada ser effeito de algum esquecimento mas sim falta de
tempo, e liberdade estando no Campo com o Cardeal Patriarcha e donde os mui-
tos prezentes, que ordinariamente não estimão se não empreg.-rr o tempo na mais
innutil ociosidade não permitem a ninguém, outra liberdade: Mas hoje pela ma-
nham em que o muito frio os prende preguiçosos na cama, me aproveito de al-
guns instantes, para lhe testemunhar a minha fiel memoria, e o desejo que tenho
da certeza de que paca livre de moléstia, e sem t\nto trabalho como me repre-
sentava na sua ultima carta. O meu cuidado se augmenta em hua sezão para V.
Mce., pouco favorável; e ie tiver sido como por cá precedida de hua teirivel se-
ca, e agora do mais intenso frio, ainda mais devo inquietar-me. Eu tenho paça-
do sem acidente de concequencia, sempre me lembrão os dois grandes difluxos,
que nas passadas duas sucessivas Primaveras me tem acometido o peito, e que em
idade já crescida, não é bem de recear: mas como o verão, e o outono me não
tem sido contrários, vou vivendo, e não me inquietando com ideas tristes, e fu-
nestas, que não servem de alivio para os males futuros nem os remedeão.
Terra de Mafra — Estimo muito que a terra de Mafra vá produzindo aquele
effeito que prometia, e se o seu inteiro complemento for como se supõem, he
grande beneficio para a pobre humanidade. Eu a t.-nho tão bem aplicado a huma
mulher que houve já dia em que a derão por morta, e o cirurgião que a trata, me
aviza vay com grande alivio. Como asiste em Cintra não tenho podido examinar
os prog.essos da cura, mas na semana que vem heide lá chegar, para por mim
mesmo julgar da efficacia do remédio. Achou-se-lhe carne esponjoza e me man-
darão perguntar se lhe porião alguma pedra infernal segurando ao mesmo tempo
que a chaga estava diminuta, e bem asombrada. Ella he em hum peito. Tama-
gnini tão bem a está aplicando a huma chaga interna no útero, e tão bem acha
novidade na queicha, e observa que tãobem produz o effeito do laudano, provo-
cando o sono, dormindo com" este remédio a doente o que não conseguia sem a-
quele socorro. Alas o que hé mais para admirar, hé na ordem da Providencia o
que são as cousas do mundo. Ouço que José Joaquim de Barros poderá sahir da
triste esphera a que se acha reduzido por esta descoberta; quando toda a sua ins-
trucção e merecimciito o fazião esquecido. Queira Deos que esta vóz se verifique,
porque me deu grande lastima ver perdido hum homem que pode ser tão útil a
sua Pátria, e donde são tão raros os que tem as suas circunstancias. Tamagnini
lhe escreveo que o Ministro de França lhe pedira com o mayor empenho 24 ar-
rates da dita terra, e os queria pagar por todo o preço. Na indigência em que es-
tá aquele pobre homem, não hé pequeno beneficio este presente que- o Ceo lhe
descobrio.
Curiosidades e /íVacs— Espero as suas noticias com o seu parecer a respeito
das cadeiras á Canne, e que daqui por diante se possão embaccar com os livros, e
o mais que V. Mce., me tem reservado. Tão bem fico dando ordem ao Chicolate
PEVISTA MICHAELENSE 409
para que em havendo ocasião possa reiíieter-se : e crcyo que sendo como o outro
lié o que basta.
Vierão-me de Olanda a continuação do Jornal Fncyclopédique, e aqui são os
livros que se podem ver. Sempre me parecem bem, e como a miníia paixão por
livros, hé quasi «Maniograpliie», ainda conhecendo o estado das letras sempre
acho livros que me agradão, e donde sem serem originaes tem couzas que mere-
cem conservar se? A propósito de hum que achei, ahi impreco, sobre algumas
obras de Plutarco pelo Abbé Lamber, lhe peço; e tão bem se apareccce a tradução
inteira de Amiot, e não fosse muito cara, né livro de ter, e donde o merecimento
nunda será disputado. Os mais que me parecem bem, farei deligencia por estes li-
vreiros para ver se os encontro, quando não recorrerei a V. Mce., para que te-
nha o trabalho de remeter-mcs.
Se V. Mce., sabe alguma couza de novo a respeito da Encyclopedia queira co-
municar-mo, e tudo o mais que a este respeito pode intereçar-me. As letras são
todo o meu gosto, e não Iié na idea de ser sábio, conhecendo quanto este titulo
hé dificil, a adquirir, e a incerteza que tem todos os conhecimentos humanos:
Mas sim porque me occupa agradavelmente ver a variedade dos juizos dos ho-
mens, e as razoens com que cada hum prova ou a sua paixão; ou a sua preocupa-
ção. E em muito me agiadão pensamentos cheyos de luzes, que não só deleitão
mas instruem, e persuadem.
Não me esqueço da recomendação sobre aqueles pontos a respeito da nossa
America. Em chegando a Lisboa darei tuda a satisfação que for possível, e alem
de instruções particulares verei se tão bem posso justifica-las com documentos que
sei bem donde parão, mas não sei se mos confiarão. A deligencia ha de ser como
de quem quer servir.
Peço a \'. Mce., duas caixinhas de agoa de mileia e se os carrr.os já não são
os que vendem, seja feita pelo Boticário que se persuadir hé mais capas de a fa-
zer com perfeição.
Não posso passar daqiii acabou-se o tempo da liberdade mas nunca a vonta-
de de lhe testemunhar a minha fiel e sincera amisade nem o desejo que tenho de
lhe dar gosto, e serviço. Deos goarde a V. Mce., muitos annos. Tojal em 12 de
Qbro de 1764.
De V. Mce., Amigo Obrigado Venerador
Gonçalo Xavier Alcáçova
Do 12 & 18 Xbro I7Ó4
Saúde— h\tn Amigo e Snr. Dr. António Ribeiro Sanches, ainda que não tives-
se o gosto de receber neste correio o favor das suas letras, que tão bem me tinha
chegado no paçado, sempre fazia tenção de me entreter algum tempo neste gos-
toso exercida, em que tanto se interessa, a minha sincera amisade mas sinto ver
que V. Mce., paca com impreçoens fortes do Inverno, e que as suas fluxões o obri-
gão a martirisar-se; espero que com isto se remede e todo o danno, e possa atissar
o seu fogo sem ao menos iores, que o atormentem. Eu mais repetição tenho tido
de algumas palpitaçoens, que emquanto me não afligem, mas como pação, e não
ficão resquícios que pareçam de consequência, não faço caso delias, e vou o mes-
mo train ordinário da minha vida, fazendo com que o espirito se não altere, e que
as paixcens rão n e dcminem. Innulil parn mim, innutil para os outros me vejo. já
engolfar nesse vasto oceano da eternidade esquecido, e ignorado, como esses mi-
Ihoens dos meus semelhantes que me tem precedido. Esta idea poderia morteficar
a minha vaidade se por minha culpa deichasse de procurar-me hum nome, mas co-
mo este o não quereria senão como bemfeitor da humanidade este como não pos-
so merece- lo, consolo-me de mç ver como oá mais confundido no geral esque-
cimento.
410 REVISTA MICHAELENSF
Terra de Mafra— O primeiro descobridor d;i terra de Mafra, a justo titulo se
poderá salvar deste comum Naufrágio : algumas experiências vão prometendo
iium admirável sucesso com a dit', terra; e como o provimento que se remeteo a
V. Mce., já terá chegado, com elie se repetirfio, e se poderá fazer mais seguro jui-
zo d.i sua virtude. O cancro que eu estou tratando, isto hé remetendo a terra para
que se uze, se acha diminuto de mais de dois terços; e hum tumor que a tinha
debaixo do braço desfeito m'.'tade; mas hum caroso muito duro, e^tá mais rebel-
de; isto hé não fazendo uzo do remédio se não exteriormente. Agora com o con-
selho de Tamagnini vou mandár-lhe fazer uzo interior, e espero que este caso não
seja dos que deponha menos a favor do dito remédio. O mesmo Tamagnini me
disse tinha escrito a \' . ,\\ce., o que lhe sucedia com hum no uterus, que elle tra-
tava, e os raros effeitos que tinlia produzido. Agora a rogos meos deve hir ao
Convento da R-za fazer experien-ia em hum can ;ro horroroso em hum peito, em
caso deplorável, donde a iiiort-- pare -o innivitavel e riroxima. já escrevi a V. Mce.,
o que sabia a n-speito do descobridor desta terra, e que me persuadia ipie muda-
ria de semblante a sua fortuna: mas depois disso não o\\\\ falar mais nelle; só ^ei
que hontem chegou o medico que f:l-Rey tem em Mafra, que \L-m tão bem fahir
a respeito da mesma terra, e pedir alguns socorros para poder ía/er cxpciiencias
em forma das suas' virtudes, o que não hé posivel a quem não l:n\ nieyos para
sustentar pobres com aquele cuidado que pede semelhante observ^ujão. timfim as
aparência-, e próprios progressos desta descoberta parecem de suma consequên-
cia, mas por ora não basta para que se divulgue como infalível a sua virtude. Isto
pede tempo, e grande numero de experiências para que "c pronuncie sem temor
sobre o seu merecimento. r)eos queira que a casualidade fizesse estes benefícios á
pobre humanidade.
f:,ivros e curiosidades— Espero os livros e encon;endas; e o Chicolate na pri-
meira embarcação poder;í partir; Livros os que t;nho achado no jornal- Eincyclo-
pédique, alguns tenho aqui descoberto, outros espero fazer deligencia e não mes-
tiíicase sem ter todo o desengano. A4as o que llie recomendo hé luia amostra
de hum novo metal que imita a prata com aorovaçoens, e previlegio:;, e quero hu-
ma escrivaninha de meza e dons castisaes que me parece o preço não escandali-
sará, porque diz será 12 reis a libra. A fabrica hé, Ches Mr. Ferand me Notre Da-
nte de Nazaretli prés de L'hotél de Bouflcrs. he chegar esta carta a tempo esti-
marei que esta encomenda possa vir com as dju lis; quando não será na primeira
ocasião: mas. Lés siege a Câtie, espero venhão na primeiía reme;a.
O que V.Mce., me escreve a respeito do ne:M)c;;, mais serio, louvo o seu zelo,
e respeito as suas máximas, cheyas la luiinanid:idí .; d- b n Religião, mis há ou-
tras consideraçoens que eu porei na sua pri.'ienç:i no primeiro correio f nlo duvide
que eu sou sensível; e o meu cor'jão se as;im se não mostni hé p:'rq;ie as li/is
do .Vlundo quanto a minha liberdade e que ter hua sertã repre/entição, iié ser
escravo de certos co-t nie^, donde se não podem transgredir os limites, sem con-
sequências trisfí^s. Poinií:-: irem.s tudo CoUi socego de animo, e bem inticionado,
como sempre me prezo tie obrar.
Informações — A vida agitada, uno hé corrente com o génio, que pede socego,
e prizão a casa, mas o corpo ne-essiti daqueles movimentos que não tem duvida
me tem sido de grande beneficio. Por este motivo não tenho respondido a V.Mce,
coherentemente sobre as perguntas que me f.áz a respeito dos índios da America:
Agora espero ter algum socego mais com que examine o histórico a respeito do
cativeiro e Liberdade, e tudo lhe mandarei na melhor forma posivel.
Entretanto lhe protesto a fiel amizade coin que o destingo, e a boa vontade
com que quero servilo, e dar-lhe gosto em tudo. f^eos goarde a V. Mce., muitos
anos. Caza de Santo .\maro 12 de Dezembro de 1764.
Amigo e Obrigado Venerador
[Continua) Gonçalo Xavier de Alcáçova
R^ISTA MICHAELENSE 411
(O CONDE DO BOTELHO
3£^EZZ. .
No extremo oriental de Villa Franca do Cnmpo ergue-se uma casa de cons-
triicção relativamente moderna, mas ostentnndo na sua frontaria um brasão d'ar-
mas, que uni cultor de heráldica dirá á primeira vista pertencer a alguém da no-
bre estirpe dos Botelhos.
Quem, no dia 22 de abril de 1Q19, passava por essa casa, não podia deixar de
notar que n'ella se dava alguma cousa de anormal; e se entrasse, sentina o espiri-
to assaltado por tristes cogitações.
Pelo átrio, pela escadaria, pelos corredores, por toda a parte, reinava o silen-
cio, um silencio morno e agourcnto, que confrangia dolorosamente o coração. E'
que em um quarto, que tinha o que quer que era da austera simplicidade da cella
de um frade, ..gonisava um homem, que sempre desdenhara as pompas vãs, a que
lhe davam in :untcstavel dn'eito a sua opulência e gerarchia, e que sempre vivera
isolado do mundo, mas cercado da aureola do prestigio '.ocial e por isso exercen-
do grande influencia moral na terra, que fora outr'ora a capital da Ilha de San
Miguel, a residência dos antigos donatários.
O moribundo enfraquecia visivelmente, até que a morte, cortando-lhe o ulti-
mo fio da vida, o reduziu a um cadáver. Deixando o invólucro mortal, a alma evo-
lou-se para os paramos da eternidade e mais de um ascendente illustre veiu alli re-
ceber, na communlião dos espíritos, este seu directo representante.
Quem era afinal o homem, que expirou na tarde do dia 22 de abril de 1919,
na casa brasonada do extremo oriental de Vijla Franca do Campo?
Estava-se na primeira metade do século XV, o século dos grandes descobri-
mentos e das grandes explorações marítimas. O ardor da fé e o amor da gloria,
ateados pelo mysterio das lendas geographicas e pelo pictoresco das narrativas
imaginosas, lançaram os portuguezes numa senda de aventuras, de que resultou a
grandiosa odyssêa dos tempos modernos.
O Cabo de Sagres tornara-se o centro de uma actividade febril. Foi na sua
penedia, rociada de salsa espuma, que o Infante D. Henrique fizera o seu poiso de
águia para perscrutar não só a vastidão movediça do Atlântico mas ainda o espa-
ço tenebroso, que ficava muitíssimo além dos últimos horizontes.
Sahiam as caravelas com os pannos enfunados pelo vento da esperança. Umas
voltavam a trazer alviçiras; outras ficavam sepultadas nas profundezas do abysmo
ou desfeitas contra cachopos traiçoeiros ou contra os alcantis das costas, onde ape-
nas se obrigavam "aves sanguinárias á espreita de cadáveres boiando á tona d'agua.
Mas o' filho do Mestre de Aviz e de Philipa de Lencastre nunca desfallecia. A
valentia do seu animo era como a da sua espada temperada nas duras refregas
contra os mouros na tomada de Ceuta.
Corriam vagas noticias de ilhas espalhadas pelo Atlântico; os portulanos de-
senhavam-nas com nomes mysteriosos • e confusos. Para verificar até que ponto
eram verdadeiros ertes rumores era necessário que as naus descobridoras deixas-
sem a costa africana, caminho até então seguido, e se aventurassem ao mar alto.
O Infante confiou esta magna empresa a Fr. Gonçalo Velho, Commendador de
Almourol. Acceitou o intrépido navegador tão honrosa quão árdua incumbência,
singrou para o occidente, cruzou os mares e, certificando-se da existência de ilhas,
voltou á pátria a dar a bôa nova ao Infante, que lhe premiou os serviços com as
donatárias de Santa Maria e de San Miguel.
412
REVISTA MICHAELENSE
Em breve appareceram cartas regias concedendo franquias e isenções aos que
viessem povoar estes rochedos lavicos, ora osculados ora açoutados pelas vagas
oceânicas.
Povoada a Ilha de Santa Maria, impunha-se a colonização de San Miguel, que
lhe ficava fronteira. O seu tamanho, o fausto e vigor do seu arvoredo, a amenida-
de do seu clima, a fertilidade do seu solo deviam influir em ânimos irrequietos e
ávidos de aventuras. Por sua parte não descurava o Infante este assumpto e tratou
de enviar vários fidalgos de sua casa. Entre os primeiros enviados veiu Gonçalo Vaz
Botelho, o Grande, filho de Pedro Botelho, commendador-mór de Christo.
Diz o chronista que era Gonçalo Váz "abalizado fidalgo, invicto, favorecido
entre outros fidalgos na casa do Infante Dom fienrique (1)».
Gonçalo Vaz Botelho gosaVa de muita auctoridade entre os seus compa-
nheiros.
Foi cognominado o Grande, não só pela sua avantajada estatura mas também
pela sua nobre condição, e teve cinco filhos, sendo o primeiro Nuno Gonçalves
Botelho, o terceiro Gonçalo Vaz Andrinlio, o Moço, e o quarto João Gonçalves.
Diz o Dr. Gaspar Fruciuoso : — 'Nuno Gonçalves, primeiro filho de Gonçalo
Vaz, o Grande, foi o primeiro homem que nasceu n'esta ilha, de que sua mãe vi-
nha pejada: — casou com Ca-
tharina Rodrigues, nnilher
1 obie \iveu no prinrií^io em
^ ill i Fnn a, e d;;pois em
Po'-!') dt Cão por t:y alli a
ii Ihoi piitedesnafnzeiída:
i \L de sui mulher dois fi
( tiLS fiilns, muito hon-
1 ^, riLOs graves e Kian-
I os o piimeiro, joigc
i\inies Botelho, foi catado
f^om Maiganda de Travas-
o^ filha de Gonçalo \ e-
Cabial, da qual houve
niimeiro filho Nuno
'Hçalves Botelho, que íoi
de Residuo n'esta iliia
itos annos, e casou coui
dispensa com Isabel de Ma-
cedo, sua prima segunda. . .
"Oterceiro filho de Gon-
çalo Vaz, o Grande, chamado Gonçalo Vaz, o Moço, e também Gonçalo Vaz An-
drilho, foi casado com uma filha de Pedro Cordeiro, tabellião das notas de Villa
Franca, e de toda a ilha, um dos primeiros homens que veiu a ella, da qual hou-
ve estes filhos — D primeiro d'elles cJiamou-se Gaspar Gonçalves, ao qual matou
um touro, sendo solteiro.
O segundo, André Gonçalves de Sampaio, o mais rico homem que houve
n'esta terra em seu tempo, e por isso lhe chamavam o Congro, que dizem ser o
maior peixe do mar dos que se comem, o qual casou com Guiomar de Tevês, fi-
lha de João de Tevês, almoxarife d'esta ilha-, que morava em Villa Franca (2). . .»
João Gonçalves,- quarto filho de Gonçallo Vaz Botelho, o Grande, teve, entre
outros filhos, João d'Arruda da Costa, «morador em Villa Franca, homem muito
principal e rico n'esta ilha (3). . .»
Como a arvore que, transplantada de um para outro paiz, consegue fixar as
(1)— Gaspar Fnictuoso — Saudades da Terra, Liv. IV, cap. IV.
(2)— Gaspav Fruchwso— Saudades da Terra, Liv. IV, cap. IV.
(3)-Idem, Idem.
Solar do Conde do Botelho
REVISTA^MICHAELENSE 413
raízes no novo solo e rica de seiva cresce e desenvolve-se, os- r-ndo verdes ra-
madas e cobrindo-se de fructos opimos; assim Gonçalo Vaz ■ t'lho, vindo de
Portugal a estabelecer-se na terra virgem de San Miguel, rcspir" .o a plenos pul-
mões em uma atmosphera ricamente oxygenada, foi o trOncu . > uma progénie
illustre, que perdura ainda hoje, passados quasi cinco séculos' ^
A epocha era então de profundos sentimentos religiosos. As fragrâncias da
crença christã saturavam o ambiente, aromatizando os tampos cavalheirosos da
conquista e da colonização. Or. portuguezes, que vieram povoar a Ilha de San Mi-
guel, seus filhos e netos, emquanto arroteavam este rochedo aspérrimo coberto de
húmus feracissimo, cultivaram também no terreno generoso de seus corações as
sublimes virtudes do Christianismo.
i\'ão ha nega-lo. Os portuguezes, que nos primeiros tempos da colonização
vieram cá formosa Ilha de San Miguel, não só a arrotearam, não só a enxamearam
de povoações; juntamente com a semente, que dá o pão compensador, espalha-
ram, a mãos largas, pelo solo ainda virgem, a fé de Christo, a palavra do Evan-
gelho, que é a semente preciosa de
que desabrocham todas as virtudes. ■ . ' '
Formaram por isso uma população ; i
forte e vigorosa, enérgica e sadia, a- j'
nimada i""j1o Ideal puro e sagrado j j
da religião. j •
Por toda a parte os antigos mi- i .
chaeienses, esses avos de hnniada
memoria, deixaram vestígios da sui i
fé, monumentos da sua piedade, pi- ' ,
drões da grandesa e gen^rosidad'
do seu ar.imo emprehcndedoí '""on — *
finados n'uma ilha dea'i'iit>
nhado, eram vastos o^ 'i m/ i
em que se expandia i mp i i
ção illuminada peio sol t.a i^n^i
catholica.
Não ha recanto da Illn qut não
fale d'erses valentes cuja \ida de-
correu serena e tranqiuliíi cntie a
oração e o trabalho, ao abiigo de
leis justas e paternaes
Levantaram ermidas, oia nos
cimos dos montes, como sentinelhs
vigilantes, -ra no race^so dos val'e5
como refúgios de paz e de medita-
ção, ora nas cristas das rochas, á Convento de Si. Aad>v-0 Palratorh
beira mar, como estrellas, que guia-
vam os navegantes em tempos em que o progresso não tinha inventado os pha-
roes, e ainda hoje os animam em momentos de afflicção, quando as vagas agitadas
por ventos impetuosos pretendem submergir os frágeis tjateis em que estão postas
as esperançns das esposas e dos filhinhos. Ergueram egrejas para a celebração dos
mysterios divinos; construíram conventos e mosteiros, onde os homens do sacrifí-
cio e da abnegação conservavam sempre accesa a lampa da civilização e as vir-
gens oravam em arroubos mysticos. Fundaram confrarias, que alimentavam o cul-
to e soccorriam os indigentes, e Misericórdias, que tinham por fim pôr em pratica
o Sermão da Montanha, cujas palavras brotaram, como de fonte inexhaurivel, do
coração compassivo do Homem-Deus. Coiistruiram gafarias para leprosos e hos-
414 jgEVlSTA MICHAELENSIe
pitaes, onde os pobres encontram Cura para às suas enfermidades ou allivio para
as dores, que os torturam.
Foram assim os antigos michaelenses esses antepassados de abençoada me-
moria. Grandes nos perigos e nas empresas, foram egualmente grandes nas de-
ttionstrações da sua fé, na exuberância dos seus sentimentos piedosos.
Por isso viveram felizes e morreram tranquilios, legando um solo fertilissimo
que tinham regado com o suor do seu trabalho e o thesouro das suas tradições
religiosas, thesouro que é a mais preciosa herança de maiores.
Instituiu o Infante D. Henrique o templo principal de Villa-franca do Campo,
que outra cousa não querem dizer estas palavras do seu testamento :—«Oidenei e
estabeleci a Igreja de San Miguel na Ilha de Sam Miguel". Na verdade, era ao
Grão-Mestre da Ordem de Christo que competia tomar a iniciativa da fundação
de uma egreja, que devia ser a matriz de todas as outras.
No entanto, foi Ruy Gonçalves da Gamara que, tendo em 1474 comprado a do-
natária da Ilha de San Miguel e fixado residência em Villa Franca do Campo, execu-
tou a vontade e as ordens do Infante de Sagres, pois que toi eile que construiu o tem-
plo da invocação do Archanjo, como peremptoriamente affirmam Fr. Agostinho
de Monte Alverne nas suas Chron iças da Província de S. loão Evangelista das Ilhas
dos Açores e Francisco Aífonso de Chaves e Mello na sua Margarita Animada.
Não se pode admittir que a obra de Ruy Gonçalves da Camará fosse uma reedi-
ficação ou uma ampliação, porque, suppondo que o povoamento da Ilha começou
logo depois da colonização de Santa Maria e que im mediatamente se construiu a
egreja de San Miguel, desde então até á morte de Ruy Gonçalves da Camará, oc-
corrida em 14Q7, foi limitado o espaço de tempo que decorreu, para se tornar jus-
tificável uma reedificação; nem o augmento da população foi tal que exigisse uma
ampliação. Ainda a 10 de março de 1474, na carta de confirmação da compra da
donatária da Ilha de San Miguel, dizia Dona Beatiz ser esta "muito mal aprovei-
tada e pouco povoada (1)".
E' facto que, em carta de 12 de fevereiro de 1471, antes de Ruy Gonçalves ha-
ver comprado a donatária, a mesma D. Beatriz apresentou Estevam Vaz para vi-
gado da Ilha de San Miguel; mas n'esse documento (2), bem como em outro idên-
tico, com data de 4 de maio de 1473, apre-cntando Fr. Gonçalo Moniz (3), não
se fala em egreja alguma e pelo conteúdo de um e de outrn vé-st- que se trata a-
penas de padres em quem o Vigário de 'Ihomar delegaria a sua juii^dicção.
.Efieciivamente o papa Callisto lli, na sua bulia Inler cacirra, de 13 de março
de 145), concedeu á Ordem de Christo a jurisdicção ordinarii nas terras deálem-
már, que ficavam sendo nulliiis dioecesis e detei minou que essa jurisdicção seria
exercida pelo Prior-mór. Assim os habitantes de San Miguel, como os das restan-
tes ilhas dos Açores, estiveram por muito tempo sujeitos ao poder espiritual do
Prior de Tnomar, que então governava a Ordem com o titulo de Vigário (4).
No domínio do temporal governava-a, como seu cabeça, o Grão-Mestre, se-
guindo-se-lhe immediatamente o Commendador-mór.
Foi pois D. Henrique que fundou ou instituiu a primitiva Egreja de San Mi-
guel e que ordenou a sua construcção e foi Ruy Gonçalves da Camará, terceiro
donatário da Ilha, quem a edificou, cumprindo assim, embora um pouco tardia-
mente, a vontade e as ordens do Grão-.Mestre da Ordem de Christo. E é racio-
nal que assim succedesse, pois que os dois primeiros donatários, não residindo
em Villa Franca, não podiam occupar-se de tal obra.
A' instituição do Infante de Sagres associou-se Gonçalo Vaz Botelho, fun-
dando na primitiva Matriz de San Miguel uma capella da invocação de Santo An-
dré. Assim o declarou Nuno Gonçalves Botelho, seu bisneto, filho de Jorge Nu-
(1)— Archivo dos Açores, vol. I, pag. 103.
(2)— Archivo dos Açores, vol. 111, p.ig. 9.
(3) -Idem, idem, pag. 10.
(4) -Fortunato de Almeida -///sto/-/'? da Egreja em Portugal, vol. III, parte I,pag. 43 e 563.
feEVlStA MICHAÉLENSÉ
415
nes Botelho e neto do Escudeiro Nuno Gonçalves Botelho, cm uma petição que
dirigiu a Prospero de Santa Cruz, Núncio em Lisboa e Legado a latere do i\apa
Pio IV, como se deduz de um documento inédito datado de 5 de juniio de 15ól.
E' d'esse documento, assignado pelo referido núncio, o seguinte trecho, que vae
em vernáculo :
- «Da parte de Nuno Gonçalves Botelho, leigo, morador na cidade de Ponta
Delgada da Ilha de San Miguel, Diocese d'Angra,foi-nos apresentada uma petição
em que dizia: que antigamente Nuno Gonçalves, seu avô, deixara em testamento
umas terras para com os fructos e rendimentos d'ellas se dizer uma missa todas as
semanas e o restante se gastar na fabrica e alfaias de uma capella de Santo An-
dré que o pae do testador fundara na Igreja Matriz de Viila Eranca do Cam-
po (1)...-
Ora o testador é Nuno Gonçalves Botelho, Escudeiro, e o fundador da capel-
la é o pae Gonçalo Vaz Botelho, o Grande. O mesmo testador em seu testamento
feito aos 13 de outubro de 1504 nas casas da sua morada em Rosto de Cão e a-
berto em Viila Erauca aos _'l do iiit-sino me/ e anno, diz que quer ser enterrado
na Egreja de San Miguel
'na capella de. seu pae(2)v.
Mas, se Gonçalo Vaz
Bdtelho instituiu ou fundou
L>ta capella, hão a cons-
truiu Construiram-na seus
tilhos João Gonçalves e
( jonçalo Vaz Andrinho,
como diz o filho d'este ul-
timo André Gonçalves de
Mmpaio, em seu testamen-'
to feito em 30 d'agosto de
lo52 (3).
Etfectivamente nao foi o
piimogenito de Gonçalo
Vaz B.')telho. o Escudeiro
Nuno Gonçalves, que fez a
capella de Santo André; ou,
se, a principiou, não a aca-
bou, como se deduz das se-
guintei palavras de seu tes-
tamento:— «Vinte mil reis
se despendam na obra e fazimento da Capella que elle tem em San Miguel que fi-
cou (Js seu pae que Deus haja (4). . . »
O terramoto de 1522 destruiu a formosa egreja de San Miguel e consequen-
temente a Capella fundada por Gonçalo Vaz Botelho e construída por seus fi-
lhos; mas a religi idade d'estes homens perpetuou-sc atravez dos tempos, trans-
mitindo-se de geração em geração, como honrosa tra/iTio de familia.
Assim, após a grande catastrophe, que espalhou a consternação por todas as
ilhas do Archipélago, André Gonçalves de Sampaio eduicou uma nova capella de
Santo André, onde enterrou o pae, a mãe, os irmãos e irmãs (5), no local onde
antes se erguia o magnifico templo do Archanjo San Miguel.
Para junto d'esta capella vieram, em 1533, onze freiras e sete noviças, que vi-
viam na Caloura, d'onde se retiraram com receio d'alguma invasão de corsários.
Egreja de St." André
(1) — Papeis do Archivo do Conde do Botelho.
(2) -Idem.
(3)-Urbano de Mendonça Dias-A Vila-Vol. II, pag. 21.
^4)- Papeis do Archivo do Conde do Botelho.
(5) — Urbano de Mendonça Dias — A Vila, Vol, 11, paj. 22.
41 6 ■ REVISTA MICHAELENSE
Assim nasceu a necessidade da construcção de um mosteiro, para o qual deu
terreno e dinheiro João d'Arruda da Costa, primo co-irmio de André Oonçiives
de Sampaio e pae de duas das referidas freiras, as madres Maria cia Trindade e
Isabel do Espirito Santo. Ficou a ermida servaido de capeiia-niórá egreja do con-
vento, o corpo da qual foi construido em n30 a expensas de João d'Arruda da
Costa para ficar meeiro no direito de sepultura, como realmente ficou, por cedên-
cia de André Gonçalves de Sampaio em contracto do mesmo anno (1).
Diz o dr. Ernesto do Canto, profundo investigado]- da historia açoriana :
— «Algumas provas ha na Clironica de Mont'Alverne de que havia ideia de
constituir padroado para o convento. < ' .
"A primeira é um breve de lõ de Julho de 1533, dirigido a André Gonçalves
de Sampaio— o Congro e seus primos DiogoNunes Botelho e Jorge Nunes Botelho
pelo Núncio de Poitugal, Legado a latere do Papa Clemente Vil, retirando o mos-
teiro da obediência aos claustraes e passando-o para a dos observantes. N'esce
breve allude-se a certas lettras apostólicas onde se dava licença ao Congro e seus
primos para fundarem um mosteiro com o jus pntro/nt/us.
"A segunda é outro breve de 24 de Janeiro de 1^31 expedido pelo Cardeal
presbytero dos quatro santos coroados aos mesmos indivíduos supra referidos e tam-
bém a João d'Arruda e Amador da Costa em que se faz a mesma referencia. (Am-
bos os breves estão rei^rcduzidos em MonfAlverne).
"Apparece em terceiro logar o testamento de Diogo Nunes Botelho e de sua
mulher Isabel Tavares, approvado em 15 de Fevereiro de 1589 e aberto em 2 de
Fevereiro de 1545, onde os testadores declaram haver obtido uitki Bulia, conce-
dendo a feitura o mosteiro de St.° André e poderem n'elle entrar suas filhas com
o dote de 3 moios de trigo e manda\am fosse entregue ao mosteiro, onde era freira
professa sua filha Alaria de S. João (2)'.
Amador da Costa, acima referido, era filho de João d'Arruda da Costa e por
consequência neto de João Gonçalves Botelho (3).
Vê-se, pois, que o grandioso mosteiro de Santo .VnJré de Villa Franca do
Campo, do qual aindi restam u;ii:\ pequi-na parte a que o povo chamava e cha-
ma palratorio, e a egreja, e olr.a d-i,^ net-^^ de (iniualn \ a/ Boteiíio, devendo por
isso ser considerado com.o iiiu mi)niimeivlo da le ^elil.;in^:^ d'est;i lil; sti^e fiiiuliia.
jMas estes Momeiís, que quasi enchei-aiu a su i epoclra ciii -aii .'.'1:4:11!, irlo se
distinguiram apenas pelos seus sentimentos piedosos; di-ti!i;iiirani-se taínlx-ui e
muito pelos servidos que generos'amente prestaram ;i Pátria no campo das armas.
Jorge Nunes Boteliio esteve em Tanger e Azilla (4), em 1510 e 1.511, sendo-lhe
concedido brasão- d'armas por carta regia de 20 de fevereiro de 1533. Eis uma parte
desta carta:
— "Dom João por graça de Deos Rei de Portugal e dos ,'\lgarves d'aquem e
d'alem mar em Africa, Senhor da Guiné e da conquista, n:n e;j:h;,l!), -ommercio da
faço saber
I elle
que
- >. ^-.^ , - -, - -^ ...^ , cem
de direito pedindo-me por mercê que por memoria dos seus antepassados e elle
gosar e usar da honra das armas que pelos merecimentos dos serviços ganharam
€ lhes foram dadas e assim dos previlegios, honras, graças e mercês, que por di-
reito, por bem d'ellas lhe pertencem, lhe mandasse dar minha carta das ditas ar-
(1)- -Ernesto do Cmio — Noficia sobre as Ei^rejas. Ermidas e Altares da Ilha de S. Mioiíel em O
Preto no Branco, Anuo I, miiiiero 18, pag. 71.
(2) — Ernesto do Canto -Noticia sobre as f.^rejas, Ermidas e Altares da Ilha de S. Miguel em o
Preto no Branco, Anno i, numero 18, pag. 71.
(3)— Gaspar ?mci\.\oso~- Saudades da Terra, Liv. IV, cap. V.
(4) — Qaspar Fructuoso — Sa'íaííirf« da Terra, Liv. IV, cap. LXVllI.
REVISTA MICHAELENSE
417
mas que estão registadas em os livros dos registos das armas dos nobres e fidal-
gos de meus reinos que tem Portugal meu principal rei d'armas, a qual petição
vista por mim mandei sobre ella tirar inquirição de testemunhas, a qual foi tirada
pelo licenciado Christovam Esteves de Espargosa, do meu conselho e desembar-
gador das minhas petições do Paço, e por Belchior Lourenço, escrivão em minha
corte, pela qual se prova elle supplicante descender por linha directa e masculina
da dita geração dos Botelhos como filho legitimo que é de Nuno Gonçalves Botelho
e neto de Gonçalo Vaz Botelho e bisneto de pedro Botelho, commendador-mór que
foi de Christo, que foi fidalgo muito honrado e de muito merecimento e assim elle
supplicante vive á lei de fidalgo, pelo que de direito as suas armas lhe pertencem,
as quaes lhe mandei dar em minha carta com seu brasão, Elmo e Timbre, como
aqui são devisadas e registadas nos livros do dito Portugal meu rei d'armas, as
quaes são as seguintes, a saber: o campo de ouro e quatro bandas de vermelho, e
por differença uma flor do liz de prata, elmo de prata aberto e guarnecido de ouro,
paquife dourado e de vermelho, e por timbre um meio leão d'outo bondado de ver-
melho (1). . .*
Em outras cartas de brasões d'armas se allude á nobreza da illustre familia
dos Botelhos, como se pode ver nas que vem publicadas a paginas 439 e 441 do
volume X do Archivo dos Açores e que são respectivamente de António Botelho de
S. Payo (1747) e do licenciado André Gonçalves de Sampaio (1645).
Úm filho de Jorge Nunes Botelho, chamado Manuel Botelho Cabral, comba-
teu na Índia, prestando relevantes
serviços por ocasião do cerco que em
1571 fez o Poderoso Hidalcarr, á ci-
dade e ilha de Oôa com cento e cin-
coenta mil homens de peleja, entre os
quaes trinta e seis mil de cavallo e se-
te centos elefantes quasi todos arma-
dos. Accrescenta o Dr. Gaspar Fru-
ctuoso :
— «N'este tempo houvcoutro cer-
co em uma cidade, sessenta léguas de
Gôa, chamada Chaul, onde foi em
pessoa o Issa-Maluco, poderoso Rey
confederado com o sobredito Hidal-
cam, com outra tanta gente e elefan-
tes, e também se levantou ao cabo de
nove mezes, que se acabaram em Agos-
to de 71, indo desbaratado com perda
de trinta mil homens dos seus; e dos
nossos morreram 400 de 1.500 que de-
fendiam a cidade e seus muros. N'este
conflicto e cerco de Gôa, gastou Ma-
noel Botelho Cabral .tanto dinheiro
com a gente da sua estancia, em to-
do o tempo que durou o cerco,
dando-lhe de comer á sua custa, sus-
tentando dous cavallos na guerra, es-
tando a índia muito cara. . .
Este gasto tem o sobredito Manoel Botelho Cabral por bem empregado, pelo
gosto que recebia em o fazer, e pelas honras que ganhava nos assaltos, combates
e batalhas, em que se achou, gaphando a todos, assim nas mesas e iguarias que
Hia\ãn d' Armas
(1)- Papeis do Archivo do Conde do Botelho.
418 li^VISTA MICHAELENSE
dava, como nas dianteiras da guerra o cargo que agora tem na índia, de grande
authoridade e jurisdicção (1). . .".
Diz mais o chronista miciíaeiense:
— «Outro filho tem Jorge Nunes Botelho chamado André Botelho Cabral, de
máxima, magnifica e grandiosa condição, muito prudente e esforçado cavalleiro,
valente soldado digno de grandes cargos, se os quaes não tivera, se sahira d'esta
ilha a outras partes do reino ou fora d'elle; mora na cidade de Ponta Delgada,
n'as graves e formosas pousadas de seu pae, o qual pelas obras que fez e esforço
que mostrou contra oí francezes, na defesa d'esta ilha, recebeu de sua Magestade
um habito de Christo, com boa tença (2) >.
Os netos de Jorge Nunes Botelho não deslustraram a valentia de seu avô e de
seus tios. Dois d'elles, filhos de Nuno Gonçalves Botelho, André Botelho e Fer-
nando de Macedo, o Esquerdo, militaram, o primeiro na Índia de Castella, .o se-
gundo na Índia de Portugal (3).
Pedro da Costa, filho de João Gonçalves e irmão de João d'Arruda da Costa,
foi valente e dedicado, chegando a deitar-se ao mar para sustentar Arzilia e teve
um filho, chamado Henrique da Costa, esforçado cavalleiro, que perdeu a vista,
quando em campo corria contra os mouros (4).
Diz ainda o dr. Gaspar Fructuoso :
— «Teve mais Gonçalo Vaz Botelho, o Grande, um filho por nome Antam
Gonçalves Botelho, que foi o segundo homem que nasceu n'esta ilha, o qual casou
e houve uma filha chamada Beatriz Gonçalvas Botelho, que casou com Pedro de
Novaes (5). . .
"Pedro de Novaes houve de sua mulher os filhos seguintes: O primeiro An-
dré Novaes, que d'esta ilha se foi na era de mil quinhentos e quarenta, no princi-
pio da guerra que o imperador Carlos V teve cpm el-rei de França; e tanto que o
dito André Novaes chegou á Itália, logo foi reconhecido por homem fidalgo e pa-
rente dos Novaes de Castella, como era; e em companhia de André Dória, o ve-
lho, o fizeram capitão de cinco Galés; e na guerra onde andava, muito abalisado
e favorecido, acabou seus dias em serviço do imperador. Tiveram Pedro de No-
vaes e sua mulher, Beatriz Gonçalves Botelho, outro filho que chamavam Francis-
co de Novaes, que casou na Ilha da Madeira com Joanna Ferreira de Drumond,
que procede de dona Bella, mulher de el-rei da Escócia: foi uma pessoa muito
principal da cidade do Funchal e da governança da dita ilha, de quem procede-
ram filhos, alguns dos quaes andam na Índia, no serviço de el-rei^ (6).
Ainda hoje, passados mais de três séculos, se sente um frémito de enthusias-
mo, quando se considera que estes michaelenses tão galhardamente cortavam os
mares em frágeis naus, trocando o remanso da sua ilha pelos perigos e aventuras
da guerra em longínquos paizes, d'onde em regra voltavam coroados de loiros e
enriquecidos de regias mercês !
Emquanto alguns membros da illustre familia dos Botelhos corriam risonhos
ás terras de áiem-mar para com as armas na mão honrarem o Portugal das gran-
dezas épicas, outros arroteavam a Ilha de San Miguel, desbravavam este rochedo
aspérrimo coberto de emmaranhado arvoredo, por entre o qual a urze esfarellava
as suas roxas fiorescencias.
Jorge Nunes Botelho, filho de Diogo Nunes Botelho e sobrinho de Jorge Nu-
nes Botelho, a quem D. João 111 concedeu o brasão d'armas, deixou nome assigna-
lado na chronica agricola de San Miguel.
(D — Gaspar Fructuoso— Saudades da Terra, Liv. IV, cap. IV.
(2) — Gaspar Yxwzíwqsq— Saudades da Tetra, Liv. IV, cap. IV.
(3)— Idem, idem.
'4)— Idem, idem.
(5)— Idem, idem.
(6 —Gaspar Yr\\c\\.\o%Q — Saudades da Terra, Liv. IV, cap. XVIII.
sevista michaelense
41 Q
Diz o Dr. Gaspar Fructuoso :— «Vive este Jorge Nunes com grande concerto
ern sua casa, mais que muitos dos moradores da ilha conservando, accrescentan-
do e não diminuindo tudo o que de seu pae lhe ficou: na sua fazenda tem um rico
pomar,que somente de laranjeiras tem cento e sete, lóra outras muitas fructeiras" (1).
Um distincto agrónomo mi;liaelense, tão prematuramente roubado peia morte
ao serviço da sua terra, baseando-se na narrativa do Dr. Gaspar Fructuoso,
refere-se nos seguintes termos ás explorações agricolas .inteliigentemente dirigidas
peio filho de Diogo Nunes Botelho: -
— «Do que diz o notável historiador michaelense, vê-se como n'aquelles tem-
pos, em que a \ida de certo era muiio mais íacil do que hoje, já se desenhava ni-
tidamente a tendência para a polycultura, o que constitue um dos característicos
do actual regimen cultural.
''D'entre vários factos apontados destaca-se, pelo interesse histórico que offe-
rece, a refeiencia a um pomar de 107 larangeiras qua fazia parte da grande pro-
priedade de que nos occupamos, que deveria ter existido por 1580; por isso que
aprece ter marcado o inicio da cultura de tão preciosa planta na ilha, que mais
, ■■ "■ ' i tarde, foi origem de uma das fontes da
• \ sua maior riqueza,
i "Nn dizer do Dr. Fructuoso era tal
a abun Inn -ia de laranja e outras fru-
ctas que se colhiam do referido pomar,
que o seu proprietário, não só tinha a
sua casa forne-ida á farta, como tam-
bém abastecia o mercado de Ponta
Delgada, além da grande quantidade
de agua de flor de laranja, que tam-
bém vendia.
Entre nniitas outras culturas pres-
I i\a a maior attenção á do pastel, ísactis
"iictoiia L., que tinha desenvolvido em
liiga escala, possuindo grandes enge-
nhob para moer, não só o de sua pro-
ducção, como (ambem o dos vizinhos.
<'Nos teirenos pedregosos, vulgar-
mente denominados de Biscoito, culti-
vava grandes extensões de vinhas e não
descurava a creação de gados, para o
que tmha também terrenos de relva.
«A cultura do linho também se a-
chava largamente desenvolvida, empre-
gando um grande tanque para o ma-
«Tinha o seu granel sempre farto de trigo, que cultivava em grande escala, e
na sua grande casa de moradia albergava não só a sua numerosa familia e cria-
dagem, como também hospedava parentes e amigos, possuindo as dependências
correlativas necessárias para os animaes de serviço próprio, como pari os dos vi-
sitantes.
"Para abastecer de agua a sua casa, e os de fora, poss-uia um grande poço,,
que tinha o nome de Poço de Diogo Nunes Botelho, seu pae.
«Pela situação dada pelo Dr. Gaspar Fructuoso á casa de moradia e respe-
ctivo poço, deprehende-se que as ruinas de um grande edifício que existe á entra-
da da Canada de João Leite, do lado esquerdo quem sobe, são as próprias da •
casa de moradia acima referida, bem como um poço que ainda existe n'uma pro-
Riiinas das casas de Jorge Nanís Boftllw
(1)— Oaspar Fructuoso— 5ff«(/arf<'s da Terra, Liv. IV, cap. IV,
42Õ
REVISTA MlCHAfLENSE
1 riedadc, na mesma altura da Cafiatia, mas do lado direito, é o próprio a que se
refere a narrativa do Dr. Fructuoso (l)».
Estas ruinas merecem todo o respeito, pois são uma reiiquia histórica das pas-
sadas eras: são os restos d'uma casa, que foi o centro d'uma grande actividade a-
gricola no século XVI e que albergou em 1582 o infeliz pretendente á coroa por-
tugueza, 1'. António Prior do Crato (2).
Mal sabia Jorge Nunes Botelho que o seu pomar era o prototypo das quintas,,
que mats tarde tanto contribuíram para a riqueza de San Miguel, e que om seu'
descendente fundaria uma companhia para a exportação da laranja! Que prazer
lhe inundaria a alma, se pudesse vêr, em meados do século XIX, durante largos-
annosios navios sairem dos portos de Ponta Delgada e de Villa Franca do Campo,,
levando em seus bojos para Inglaterra grandes carregamentos dos áureos pomos!'
O americano Dr.We- "
bster' que com tão p°sa- '
dãs cores fez o quadro ;
da vida social e dos cos- s^.
tufnes dos morgados nos
Açores no cofneço do sé-
culo XSX (3), dtvia lem-
brar-se de que estes des-
CeHdiani dos fidalgos, que
no século XV deixiram a
lança e o arnez ivara ve-
rem manobrar o arado,
tUie abciu os sulcos, don-
de brotai am as sear: -
cp.ie primeiro loirei;',r. ,:\
ao lado dos bosques vii-
dejantes da ílora indi" -
na. O culto pela lavd.i.i
não podia deixar de ra-
dicar-se em famílias insu-
lada"s no meio do Atlanti-
í-o. Não admira portanto que os que os rL^presentavam no principio do século XIX
preferissem o luar das eiras ao brilho dos íalncs, as aliaias agricoias ás decoraçõc>
sumptuosas, o ar puro dos campos e a sombra das arvor^-s ás reuni(3es esplendoras.
Senhora da Vida {Ermida c Casas)
Pintadas, embora com pallidas tintas, as feiçõjs características dos filhos e ne-
tos de Conçalo Vaz Botelho, a sua fé, o seu valir e a sua feijão á terra a alnia-
inater, que se desentranha em íructos de abundância— é tempo de reatar o fio ge-
nealógico.
Ao primogénito de Gonçalo Vaz, Nuno Gonçalves Botelho, o primeiro ho-
mem que nasceu em San Miguel; que foi escudeiro, casou com Catharina Rodri-
gues Coutinho e vinculou as terras da Senhora da Vida em Villa Franca do Cam-
po, succedeu seu filho Jorge Nunes Botelho, casado com Margarida Travassos Ca-
bral, filha de Gonçalo Velho Cabral e de Catharina Alvares de Benevides.
A Jorge Nunes Botelho su:cedeu, na administração do vinculo^ seu filho Nu-
no Gonçalves Botelho, Juiz dos Resíduos em San Miguel, casado com sua prima
segunda, D. Isabel de Macedo, neta paterna do primeiro donatário da Ilha do
Fayal, Jobs de Hutra.
(D— José Can.ivarro de Faiia c Mala— Monograpkia da Fregiiezia Rural de S. Roque da Ilha de
S. Miguel no Distiicto de Ponta Delgada.
(2)— Gaspar Fructuoso— Saudades da Terra, Liv. IV, cap. Cl.
(3)-]. W. Webster-/! Ilha de S. Miguel em 1821, cap. II [Archivo dos Açores, vol. XIII).
REVISTA MICHAELENSE
421
A Nuno Gonçalves Botelho succedeu seu filho Fernão de Macedo, o Esquer-
do, casado com D. Isabel de Mello, iierdeira do vinculo instituído por' seu irmão,
o capitão Ignacio de Mello, e filha de Diogo de Mello.
A Fernão de Macedo succedeu, na administração dos vínculos, seu filho Fer-
não de Macedo Botelho, casado com D. Barbara d'Arruda, filha do capitão Sebas-
tião d'Arruda da Costa.
A Fernão de Macedo Botelho succedeu Francisco d'Arruda Botelho, capitão-
mór de Villa Franca, onde falleceu a 15 d'agosto de 1695, tendo sido casado com
D. Maria Pacheco de Mello, filha do capitão Belchior AAanuel da Costa. Francisco
d'Arruda e I). Mana Pacheco fundaram a ermida da Senhora da Vida, segundo
o seu testamento de 26 de fevereiro de 1695 (1).
A Francisco d'Arruda Botelho succedeu seu filho, o capitão Fernão de Mace-
do Botelho, que nasceu em 1670 em Villa Franca, onde casou a 17 de julho de
1690 com [\ Theresa da Silveira Pa- ■ -
checo, filha do capitão António Pa-
checo da Silveira.
A Fernão de Macedo Botelho su-
cedeu seu filho João Bento Botelho
d'Arruda, capitão-mór de Villa Fran-
ca, casado com D. Maria Josepha da
Camará Quental. Fernão de Macedo
Botelho teve dois filhos padres, um
dos quais, Francisco António Pache-
co de .Macedo, Fidalgo da Casa Real
e senhor de cinco terças de nomeação,
fez a ermida da Senhora Mãe de
Deus em Villa Franca do Campo, co-
mo declara em seu testamento appro-
vado a 25 de outubro de 1762 exis-
tente na Bibliotheca Publica de Ponta
Delgada. Falleceu a 27, dois dias de-
pois.
A João Bento Botel!io d'Arruda
succedeu seu filho Manuel José Bote-
lho de Gusmão, sargento-mór de Vil-
la Franca, onde nasceu a 14 d'ago;tn
de 1735.
Herdou os vínculos de seu irmão,
o capitão-mór António José Botelho
d'Arruda, que morreu solteiro. Casou
na Sé d'Angra do Heroísmo a 4 de Janeiro de 1755 com D. Anna Josepha Pache-
co do Amaral, filha do alferes de Ponta Garça, Manuel Pacheco Camilha. Foi feito
Aíoço Fidalgo em 27 de maio de 1777. Como a corrente que, no seu percurso, vae
recebendo as aguas de outros rios, até lançar-se opulenta e caudalosa no seio do
oceano; assim o vinculo feito nas terras da Senhora da Vida por Nuno Gonçalves
Botelho chegou, engrossado de vários bens herdados, até Manuel José Botelho de
Gusmão.
Succedeu-lhe José Bento Botelho d'Arruda Coutinho de Gusmão, capitão-mór
de \'illa Franca, Fidalgo Cavalleiro da Casa Real e coronel de milícias.
Nasceu a 28 de dezembro de 1766 e casou na Matriz de San Miguel a 29 de
junho lie 1783 com D. Thereza Claudina Botelho de Gusmão, filha de Joaquim
José Botelho d'Arruda.
Senlwia Mãe de Deus (Ermida c Casas)
(1)— Ernesto do Canw — Noticia sobre as Egrejas, Ermidas e Altares da Ilha de S. Aíisyiel em O
Preto no Branco, Anno III, Numero lOS, pag. 10.
422 REVISTA MICHAELENSE
A José Bento Botelho d'Arriida Coutinho de Gusmão succedeu seu filho Ma-
noel José Botelho d'Arruda Coutinho de Gusmão, coronel de milicias em \'i!la
Franca, casado com D. Josepha Victoria Soares de Albergaria, filha de António
Soares de Sousa Ferreira Albergaria. Foi feito Fidalgo Cavalleiro da Casa Real por
carta de D. Maria de 28 de outubro de 1843, referendada pelo prestigioso Duque
da Terceira (1).
A Manuel José Botelho d'Arruda Coutinho de Gusmão succedeu seu íílho Nu-
no Gonçalves Botelho d'Arruda Coutinho de Gusmão, ultimo administrador dos
vínculos e primeiro Visconde do Botelho.
Está-se já em pleno século XIX, quatro centos annos depois que ás praias da
Ilha de San Miguel aportou Gonçalo Vaz Botelho, enviado a povoa-la pelo Infante
D. Henrique, o grande vulto, que tão vigorosamente lançou o heróico Portugal na
senda gloriosa dos descobrimentos maritimos,
Nuno Gonçalves Botelho d'Arruda Coutinho de Gusmão, ou. mais simples-
mente o Morgado Nuno, como era vulgarmente conhecido, deixou nome assigna-
lado na chronica do bem. A sua figura, aureolada por alevantados actos de bene-
merência, permanece viva na memoria dos villa-franquenses.
Nasceu no dia 10 de setembro de 1813. Educado no seio da familia, que sou-
be inocular-lhe na alma a seiva do sentimento religioso, foi sempre um caracter
forte, que exemplificou a bondade e a honradez.
Como politico, militou na hostç progressista, um dos dois grandes partidos
da Monarchia Constitucional. A nobreza do seu animo e a fidalguia do seu cora-
ção não se deixaram polluir pela onda lamacenta das paixões.
A sua alma temperada nas aguas límpidas da verdade nunca foi accessivel aos
ódios das rivalidades mesquinhas, aos caprichos das parcialidades ferrenhas e in-
tolerantes. Professava o culto- da dignidade humana e sabia muito bem que a cons-
ciência não é artigo avariado, que se penha em almoeda, e que não ha thesouros
e favores que comprem a liberdade do voto.-
A munificericia regia recompensou-lhe a dedicação á causa publica, agracian-
do-o com varias mercês honoficas. Foi feito Cavalleiro da Ordem de Christo por
decreto de 21 de setembro de 1842; Fidalgo Cavalleiro da Casa Real por carta re-
gia de 28 de dezembro de 1843; Commendador da Ordem de Nossa Senhora da
Conceição de Villa Viçosa por decreto de 14 de fevereiro de 1849; e finalmente
Visconde do Botelho por decreto de 30 de março de 1873 (2).
O morgado Nuno acceitou quasi constrangido estas mercês, simplesmente por-
que contrariavami a sua modéstia. Entre as virtudes, que lhe exornavam o coração,
esta perfumou todos os actos da sua vida com delicadas fragrâncias. Foi tão mo-
desto que nunca pôs ao peito uma venera, uma insígnia de Cavalleiro; nem jamais
consentiu que lhe tirassem o retraio. Foi preciso que o sopro gelado da morte o
derrubasse, para que o pincel do italiano Giorgio Marini o representasse n'uma tela.
Mas a virtude que o Morgado Nuno mais amou e que constituiu o seu maior
titulo de gloria, attrahindo-lhe as bênçãos da gratidão e as auras da popularida-
de foi a caridade.
Praticou-a o fidalgo villa-íranquense sem exhibições baleias, porque só pre-
sava a virtude, que marcha sem lisongeiras e clamorosas trombetas na \anguarda.
Muitas das suas acções generosas só foram conhecidas depois- da sua morte (3).
No seu tempo eram frequentes as crises de trabalho. Em geral, durante a es-
tação invernosa, não tinham serviço os operários, sòffrendo assim com as suas fa-
mílias muitas privações. O Morgado Nuno comprazía-se então em dar-lhes que fa-
(1)— Papeis do Archivo do Conde do Botelho. •
(2) — Papeis do .Archivo do Conde do Botelho.
(3)— António Ernesto Tavares d'Andrade — Biogtaphia do Exccllcntissimo Senhor Visconde do
Botelho.
REVISTA MICHAELENSE
423
zer. Construiu, em meados do século XIX, a casa da sua residência em Villa Fran-
ca e outra eguai no Livramento, na sua bella propriedade do Boteilio, onde em
em 1S47 erigiu um Oratório; reedificou em 18.46 a ermida da Senhora da Vida e
fez reparações em vários prédios, ás vezes só com o fim de garantir a subsistên-
cia aos que a ganham com o suor do rosto. Bem sabia o Morgado Nuno cue, co-
mo disse Castilho: — «Dar que fazer é mais e melhor que dar dinheiro: é a carida-
de das caridades».
Não lhe era indifferente o progresso da bôa terra de San Miguel. Para elle
concorreu com o seu esforço, já cedendo, -em indemnização alguma, terrenos
para abertura de estradas, já construindo pontes ou auxiliando a sua construcção,
já protegendo as instituições artísticas e beneficentes. E para tanto não precisava
ser rogado. Um exemplo entre muitos: acha-se consignado na acta da sessão do
Município villa-franquen-e de 23 de dezembro de 1870:— "Foi presente á Camará
um officio do Ex.'"" Commendador Nuno Gonçalves Botelho d'Arruda Coutinho
de Gusmão, datado de 18 do corrente mez, no qual expõe reparar á sua custa, de-
baixo da sua responsabilidade, os estragos feitos na Ponte da Ribeira Secca de
Baixo causados pela cheia que ultimamente houve. A Camará auctorisa os referi-
dos reparos e ,agradece o philantropico offerecimento, dando parte desta delibera-
ção ao mesmo Ex."" Commendador».
Em 1863 fimdou o Morgado Nuno em Villa Franca do Campo uma com-
panhia exportadora de laranja, concorrendo poderosamente com esta iniciativa
para o engrandecimeoto da sua terra natal pelo desenvolvimento de tão importan-
te ramo de cultura de commercio.
De sentimentos arreigadamente religiosos, a sua piedade exteriorizava-se em
actos concretos, que ainda hoje perduram na memoria do povo. Devotíssimo do
Senhor da Pedra, associava-se com enternecimento aos popualres festejos que an-
nualmente se realizam em Villa Franca em honra da veneranda imagem (1). Con-
corria generosamente para o culto catholico; offerecia donativos ás egrejas ; todos
os annos, em quinta-feirasanta, vestia doze po-
bres, a quem esmolava e dava de jantar; pro-
movia a celebração de pomposas festividades
lia egreja do extincto convento de Santo An-
dré, egreja que arrematou em 1861 e de que
i.tinou posse por carta de D. Pedro V, de 10
lIl' outubro do mesmo anno, mandando em
seguida restaura-la e pintar os quadros que se
acham no tecto, em substituição de outros do
d(i século XVll, que é voz corrente terem sido
tirados e levados para a Itália, onde foram
vendidos, após a extincção das ordens religio-
sas em Portugal (2). Depois destas obras, foi a
egreja de Santo André novamente aberta ao
publico em 15 de outubro de 1863 (3).
O primeiro Visconde do Botelho morreu
no dia 13 de janeiro de 1879. Se a sua vida
foi esmaltada de actos de civismo e perfuma-
da de rasgos de caridade, a sua morte foi a-
Morgado Nuno d." Visconde do Botelho) companhada drs consolações da crença. Foi
a morte de um justo, de um verdadeiro christão, de um authentico Cavalleiro de
(l)-0 Archivo Açoriano, quinzenário de Ponta Delgada, Anno III, N," 70 e 72, de /5 d'agosto e
15 de setembro de i859.
(?.^-Luiz Bernardo L. á'\\h2.\át- Notas sobre Arte, pag. 127.
(3^- António Ernesto Tavares d'Andracie ~ Biographia do Excellcntissimo Senhor Visconde do
Botelho. .
424 REVISTA MICHAELENSE
Christo. Descreveu-a, em phrases de vigoroso colorido, o ilustrado orador, que
proferiu o elogio fúnebre (1).
O Morgado Nuno não deixou testamento. Todo o bem que pôde fazer, quiz
fazê-lo em vida. Parece que seguia a máxima de Newton, o genial descobridor da
attracção universal:— "Dar por testamento não é dar».
Fallecido o Morgado Nuno, ficou a representação da sua casa na pessoa de
seu filho primogénito, José Bento Botelho de Gusmão, Commendador da Ordem
Militar de Nosso Senhor Jesus Christo por decreto de 23 de outubro de 1872 e se-
gundo Visconde do Botelho por decreto de 27 de março de 1879. Na carta regia
de 24 d'abril d'este anno diz D. Luiz :
— "Faço saber aos que esta Minha Carta virem que, tendo sido conferido ao
Visconde do Botelho Nuno Gonçalves Botelho d'Arruda Coutinho e Gusmão, Fi-
dalgo Cavalleiro da Minha Real Casa, por Decreto de vinte e nove de maio do
anno próximo passado de que se expediu o competente Alvará de Lembrança, a
mercê de uma vida mais n'este Titulo para se verificar na pessoa de seu filho José
Bento Botelho, Commendador da Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Christo;
e sendo-me agora presente haver fallecido o mencionado Visconde: Hei por bem,
tomando em consideração os merecimentos e qualidades que concorrem no dito
José Bento Botelho de Gusmão, fazer-Ihe mercê do titulo de Visconde do Botelho,
em verificação de vida» (2).
O segundo Visconde do Botelho foi feito Conde por decreto de 16 de setem-
bro de 1895. Na carta regia de 20 de Maio d'este anno diz D. Çados:
—"Faço saber aos que esta Minha Carta virem que, attendendo aos mereci-
mentos e qualidades que concorrem na pessoa do Visconde do Botelho, José Ben- -
to Botelho de Gusmão, proprietário na Ilha de São Miguel, e querendo Dar-lhe
um novo testemunho de Consideração e apreço em que Tenho a sua pessoa: Hei
por bem Fazer-Ihe mercê de o Elevar á Grandeza d'estes Reinos com o Titulo de
Conde do Botelho, em sua vida (3)».
Exerceu o cargo de Administrador do Concelho, para que foi nomeado por
decreto de 4 de maio de 18Õ9, fazendo reverter os seus vencimentos a favor do
Município. Na acta da sessão de 11 de dezembro do mesmo anno lê-se:— "Mais
foi presente outro officio do Sr. Administrador d'este Concelho, jo-^é Bento Bote-
lho de Gusmão, sob o numero 293, de 4 do corrente mez, no qual expõe o seu
desejo, quanto em si couber, de cooperar nos melhoramentos materiaes e mo-
raes do mesmo Concelho; e offerece a gratificação que vencer no presente anno
económico para ser applicada a qualquer melhoramento publico. A Camaracon-
gratula-se com os nobres sentimentos de Sua Senhoria e em nome do Município
agradece a philantropica offerta que será applicada convenient':mente".
Lê-se também na acta da sessão de 2 de março de 1871:— «Foi mais presen-
te um officio do Senhor Administrador d'este Concelho de quatro de Fevereiro ul-
timo, em que faz constar a esta Camará qiie, havendo as estradas municipaes sof-
frido innumeraveis estragos com as aguas pluviaes e com especialidade a estrada
de Ponta Garça, que em diversos pontos ameaça ruina pelo estrago de pontes e
archetes construídos no verão passado; e porque conhecia os embaraços em que
esta Camará se acha envolvida com o apOro de receita para fazer face á despesa
com o aqueducto da agua potável, não podendo por isso a Camará envolver-se
em obras de maiores despesas; e desejando Sua Ex." cooperar com os meios ao sl-u
(1)— P.« Manoel José Pires— Orafão Fúnebre Recitada na Egreja Matriz de Villa Franca do Cam-
po na Ilha de San Miguel no dia 14 de Janeiro de 1879 por Occasião das Exéquias Solemnes Celebra-
das Praesente Corpore pela Alma do /li."" e Ex."'° Sr. Visconde do Botelho, Nuno Gonçalves Bote-
lho d' Arruda Coutinho Gusmão.
(2)- Papeis do Archivo do Conde do Botelho.
^3)- Papeis do Archivo do Conde do Botelho.
ftEVlSTA MICHAELENSfe
425
alcance nos melhoramentos d'este Concelho, tinha o prazer de ceder em favor do
cofre municipal o seu vencimento como Administrador d'este Concelho no actual
anno económico, para ser applicado na reconstrucção da dita .estrad.;. A Camará
toma na mais seria consideração a a:ção generosa de Sua Ex.* pel;-^. ■ (1 dá uma
demonstração do quanto deseja beneficiar este município, empenli . )-se pelos
meliioramentos do Concelho. Accordam que se agradeça a Sua f:\,', fazendo-se-
Ihe constar que a sua offerta terá a applicação indicada».
Foi presidente da Camará Municipal de 1873 a 1874 e por \.i'-iris vezes exer-
ceu as funcções de Juiz substituto, cedendo os seus honorários as officiaes infe-
riores do juizo.
Desempenhou, durante vinte e quatro annos consecutivos, o :'argo de Prove-
dor da Santa Casa da Misericórdia de Villa Franca do Campo, t;i./:endo uma ad-
ministração honesta e económica e conseguindo assim accumular um capital, que
permittiu a algumas gerências futuras realisarem melhoramentos importantes no
Hospital.
O maior elogio que se pode fazer do Conde do. Botelho é que nunca violou o
sacrário das tradições da sua familia. Soube continua-las, honrando a memoria
dos seus ascendentes. Religioso sem fingimento, nobre sem ostentação, gostava de
passar os dias na obscurida-
A sua predilecção pela vida
quelle seu antepassado, Jorge
cm Rosto de Cão occupado
As cartas, com que a
não lhe outorgaram a nobre-
elle de seus avós; mas, ainda
gaminhos da sua fidalguia
cados pela acção do tempo.
lar da Monarchia ruiu ao so-
bro de 1910, o Conde do
d'honra, primoroso e leal
de quem descendia.
Tal o homem que suc-
mentos na tarde de 22 de a-
que o sol tão somiticamente repartia a sua luz.
Era o duodécimo neto de Pedro Botelho, commendador-mór de Christo; o
undécimo neto de Gonçalo Vaz Botelho, o Grande, que chefiou os primeiros po-
voadores enviados pelo immortal Infante D. Henrique á Ilha de San Miguel; o
decimo neto de Nuno Gonçalves Botelho, o primeiro homem que nasceu n'esta
formosa terra; o nono neto de Jorge Nunes Botelho, que batalhou em Tanger e
Arzilla; emfim o filho de Nuno Gonçalves Botelho d'Arruda Coutinho de Gusmão,
o Morgado Nuno, que escreveu no coração do povo villa-franquense o mais lus-
troso titulo de gratidão e amizade.
Nascera em 18 de maio de 1847 o Conde do Botelho, lídimo rebento da co-
lossal arvore, que tantas vergonteas e enxertias bracejara no ubérrimo solo mi-
chaelense.
Padre Ernesto Ferreira
o Conde do Roteiho
de, no remanso da sua casa.
campesina lembra bem a-
Nunes Botelho, que residia
na exploração do solo.
munificência regia o honrou,
za, pois que esta herdara-a
assim, não as rasgou. Os per-
estão sem macula, apenas to-
Quando o throno plurisecu-
pro da revolução de outu-
Botelho ficou no seu posto
como os antigos cavalleiros
cumbiu a pertinazes padeci-
bril de 1919, n'essa tarde em
4^6
REVISTA MICHAElENSt
Hqdqs Subsídios paí^a a Ethnogr»aph(a
8 para a Historia da AHe PoHuquezas
Oi
vil
corações na artç popular
IContiniiação do n." II, Anuo II)
O povo por via da arte que cultiva traduz sempre a sua sentimentalidade por
forma muitas vezes interessante, não só pela ingenuidade da concepção, como
pela simplicidade ornamental em que a materializa.
A saudade e o amor foram sempre themas carinhosamente tratados em suas
lendas e noveilas, em seus recortes, lavras e bordados.
O guardador de gado, no isolamento dos mattos, deixava por entre os rudes'
riscados das colherei e das roças aberlos o navolha um p'nic > da sua affectividade
em impressionan-
te sinceridade, tal
como a tecedeira
ao urdir as suas
teias ou a rendei-
ra ao filigranar as
suas rendas, tri-
lhando todos a
a mesma senda de
pura sentimenta-
lidade.
As figurações
syir:bolicas do a-
mor surgiam com
frequência e mui-
tas vezes appareeia
o próprio coração
— no qual o povo
só sabe sentir —
na phrase de Vieira
Natividade, envol-
vido, em alguns
casos, por decla-
rações de amor,
por juramentos de
fidelidade e por
dísticos affectuo-
sos, no intuito de
causar uma mais
M
viva emoção.
Ternuras, affectos, ciúmes e saudades eram expressos pelo povo por meio da
artes que cultivava, com aquella espontaneidade com que as palavras lhe affioravam
ao lábios vindas só do coração.
■ D'entre as producções artísticas d'este género, muito communs em tempos an-
tigos e já hoje raras, destacaremos duas que reproduzimos, — uma coberta de tra-
vesseiro de cama de casal e um lenço amoroso.
N'este, vêem-se ao centro os namorados ladeando dois corações, trespassados
de settas e rematados por uma corôâ, lendo-se em volta do quadrado central a
quadra seguinte;
KtVISTA MICHAELÊNSfe
427
Os nossos dois corações
Por amor foram ligados
E (?) do de ser unidos
So /-'or amor soparados
e na orla do lenço
^
Entes eu nunca te vira
Nem em ti amor puzera
Penas não padeceria
Se eu de ti nunca soubera
Nos cantos do lenço apparecem ramos floridos entremeando os versos.
O amor symboiizado nos dois corações centraes em para a auctorado lenço o
rei dos amores, razão porque os re-.iatii! com uma coroa.
. - "A coberta de travesseira
é feita em ponto de crivo
e representa os dois cora-
ções unidoj, cátylizados, e
flammejantes.
E' a mesma idéa, o a-
mor conjugal inalterável,
apaixonado e fiel, rodeado
pnr cinco pequenos qua-
drados com cruzes ceiítrae-
abertas, lembrando haver
sido feita a união á iacedi
egreja e perante Deus, n'uiii
pacto indissolúvel, firmado
por laços eternos.
São materializações de
elevados sentimentos, guia?
fundamentaes de um são
viver domestico, dentro da
mais solida moral e repro-
duzidas por me o da lin-
^^f^ív^^sw^-;"^^
Coberta de travesseiro
guagem artistica do povo, balbuciada, como elle diz, com o coração nas mãos.
VIII
o jogo do Bilro
E' assim chamado o jogo popular mais praticado em São Miguel.
Junto das logecas humildes da Aldeia o vendeiro astuto arma a liça: logo ao
sahir da porta que dá para o quintal topámos com o terreiro oblongo limitado ao fun-
do de uma e outra banda por forte estacaria de taboas grossas ou toscas costanei-
ras, estilhaçada quasi sempre pelo bater violento e continuo da pedra ou da bola.
Armado o jogo, está como vulgarmente se diz, armada também a forca aos
camponezes afreguezados que durante as longas horas dos domingos e dos dias
santificados arremessam habilmente a pedra ao bilro bebendo, quando vencedo- •
res, copázios de vinho previamente apostados.
E emquanto o bater surdo da bola na estacada desmarítellada resoa monótono
ou o estalido secco da pancada no bilro se faz ouvir, acompanhados da conta-
428
REVISTA MICHAELENSE
gein a meia voz dos jogadores, cuja reza é por vezes interrompida pelas expan-
sões enthusiasticas e jubilosas dos expectadores interessados nas peripécias da con-
tenda, o homemzinho da loja rejubila do artificioso estratagema, servindo lesto as
medidas da popular bebida regional, fresca e quasi inoffensiva -o vinho de cheiro.
O aspecto do torneio, de caracter tão primitivo, tem o attractivo que sempre
dimana da lucta que põe em jogo a força, a destreza e o golpe de vista.
A attenção absorve-se no desenrolar das partidas, a excitação e o enthusiasmo
por vezes expandem em vozoaria, a musculatura fortalece-se em movimentações
complexas, a vista educa-se nas difficeis pontarias, o cérebro sente-se obrigado a
fazer a contagem por si só com a rapidez vertiginosa com que o bilro descreve
as viradas pelo ar, sendo, consequentemente esquecidos os dedos para sommar;
aprende-se a graduar a força que se imprime á bola pois que n'ella e no ponto
em que se attinge o bilro vae toda a sciencia do jogo e finalmente ganham-se ci-
garros ou bebe-se vinho, o que é sempre summamente agradável para a gente
rústica.
Ao interesse próprio do jogo ha a juntar o pittoresco que em geral offerece
o recinto: bancos toscos e 'uesas grosseiras ladeiam a liça, muitas vezes sob a
sombra amena e confortável
da latada frondosa: depois :^ Hj ^
um trecho de bella paizagem
toda composta de thesouros
de cor e de caprichos de de-
senho e finalmente a rematar
o quadro, ou o recorte níti-
do dos montes verdes e-avel-
ludados, ou a faixa do ocea-
no azul e movediça sob um
ceu manchado de farrapos
brancos. •
E' n'esses dias de luz
clara e sol intenso, em que
o tempo norte dá agilidade
á musculatura, alegria á al-
ma e vivacidade ao espirito,
que os camponezes, um pou-
co emancipados do torpor
açoreano, mais' bem dispos-
tos se sentem para o jogo,
supportando duras provas de
força e de resistência.
O jogo de que vamos
tratar tem a caracterizal-o es-
pecialmente a nota predo- fogo do Bilro
minante de monotonia, de força e de rudeza, bem archaicas, muito mais sensível
ao attentarmos na utilização da pedra polida pelo rolo do mar, tal como elie a
abandonou apoz longa brunidura.
Uma vez fomos assistir .i um d'esses torneios entre jogadores afamados e não
mais esqueceremos o interess-.antissimo trecho com que deparámos, que, a ser re-
produzido em tela, daria um soberbo documento ethnographico, palpitante de
notas características e cheio de detalhes do melhor cunho local.
Desde a paizagem ampla e magestosamente illuminada pela luz clara de um
•dia quente de junho, á construcção rústica da logeca, desde os tons frescos e vi-
vos da cerâmica indígena, cuigirões e canecas brancas listradas de azul claro ^e
de amarello alaranjado, jarra; esguias de reminiscência românica, até aos typos, ás
REVISTA MICHAELENSE 429
pliysionomias bondosas e aos trajes populares, onde já não se exhibia, nem mesmo
nos homens de edade, a carapuça de outros tempos, mas onde se via ainda o
barrete de lã de garridas cores e de bordados archaicos, tudo se apresentava com
um caracter regional nitidamente definido.
Vejamos agora no que consiste o jogo.
Em um recinto piano de cerca de vinte metros de extensão por três ou qua-
tro de largo, arredondado nas extremidades vedadas pelos mencionados antepa-
ros de taboas ou costaneiras, armam-se os bilros sobre estacas enterradas que dis-
tam das pranchas do fundo da estacada cerca de quatro metros.
E' dentro d'este espaço que os bilros têm de virar.
Elles variam muito de dimensão, no emtanto os que mais vulgarmente se u-
sam são construídos de madeira dura em esguio cone truncado, de dois palmos
e meio de comprido com cerca de dez centímetros de diâmetro na base e de cin-
co na parte superior.
O jogo consiste em, com pedras lisas e roladas, como já vimos, pelo mar, ou
com bolas cyiindricas de madeira de dezoito centímetros de comprido por doze
de diâmetro, approximadamente, lisas e sem cavidades para os dedos, arremessa-
das pelo ar, derrubar o bilro attingindo-o na altura conveniente e por forma a fa-
zel-o virar o maior numero de vezes possível.
Um dos jogadores indicados pela sorte abre o jogo; sustem a bola ou a pe-
dra na palma da mão, firma-a com as pontas dos dedos e leva-a depois á linha
da vista para fazer a pontaria, collocando-se um pouco atraz ou ao lado do bilro
contrario ao que pretende alvejar.
Feita a pontaria, o jogador pucha o braço, ganhando o impulso e depois atira
n bola com toda a sua força, dando um ou dois passos para deante.
N'esse movimento para a frente o jogador toma attitude idêntica ao do disco-
bolo dos gregos.
A bola segue então a sua rápida trajectória attingindo o alvo quasi sempre.
Ella porém ou bate no chão antes de tocar o bilro, ou derruba-o directamente
o que não é indifferente, pois que no primeiro caso a contagem é sempre de dois
pontos, embora o bilro vire algumas vezes; ao passo que no segundo, conta-se
meia virada por quatro pontos, uma completa por oito e assim por deante, doze,
dezaseis, vinte, vinte e quatro pontos, alcançando-se um jogo logo que trinta pon-
tos são obtidos, o que os jogadores afamados conseguem em alguns casos de uma
só bolada.
Elles vão arremessando as pedras e não mais lhe tocam senão depois do ul-
timo ter jogado; então passam todos para o lado opposto, verificam quem tem o
ponto, isto é, quem tem o direito a jogar para o bilro opposto em primeiro logar,
o que é indicado pela bola que mais perto ficou do bilro.
Inicia-se então nova contagem, jogando em sentido contrario e assim por
deante.
A bola que, como deixamos dito, dá o direito da jirioridade. conta-se por um
ponto e d'ahi o chamarem-na bola do ponto e o dizerem ter o ponto.
Os jogos seguem-se até ganhar-se a partida que na região Occidental da Ilha
é de quatro jogos e na oriental geralmente de três; e só depois então de duas par-
tidas ganhas— a negra— é. que os vencedores se apossam da aposta feita.
É quando elles dizem que vão pedir de beber ao melro; referindo-se natural-
mente ao vendeiro, o finório, o espertalhão, o melro de bico amarello, que vae fa-
zendo o seu negocio sem canceiras e gozando o espectáculo.
A bola deve ser atirada sempre descrevendo o braço uma curva por baixo, e
nunca arremessada por sobre a cabeça.
Assim joga o bilro actualmente o povo d'esta Ilha, sport rústico de caracter
tradicional, importado provavelmente no século XV pelos primeiros povoadores.
430 fefevistÀ m^chaelínsíe
Entre as notas ethnographicas deixadas por Gaspar Fructuoso apparece a do
logo da bola; a elle se refere ao tratar da casa de Jorge Nunes Botelho em Rosto
de Cão, casa histórica hoje quasi desapparecida, onde repousou D. António Prior
do Crato.
O jogo da bola do século XVI infelizmente não descripto pelo chronista, afi-
gura-se-nos haver sido avoengo do actual jogo do bilro.
O derrubar bilros com bolas de madeira constitue uma forma de divertimen-
to popular muito generalizada.
Numerosos são os jogos de bola usados em regiões diversas do globo, diffe-
rençando-se já pela dimensão e pelo formato da bola, já pela maneira de a atirar
e ainda pelo numero de bilros.
Assim desde a bola grande de 58 centímetros de volta com cava redonda para
o poUegar e oblonga para os outros dedos dos vasconços e de Baden, até á de 42
centímetros de Santander, Torralavega e Reinosa a que se retere o professor Aran-
zadi, desde o jogo com 9 e 10 bilros usado no nordeste da Allemanha e da Hol-
landa, até ao simples par usado aqui, desde a for-
ma de atirar a bola rolando pelo chão á allemã, até
.^^..■'^r^ — ^..-^ isaf'"^ ^° arremesso pelo ar como nas Astúrias e n'esta ilha,
í^^i<.,^^^ Iffl'^'^"* ^^^^ ^'^^^ apresenta modalidadei interessantes dignas
"^ . ^m h^ de estudo.
No jogo da Suissa que segundo o- citado ethno-
grapho se approxima do da Antiga Qrecia, onde o
arremesso era a pedra., encontramos a maior appro-
ximação com o nosso. Não nos tendo sido possível
obter informações detalhadas sobre o que se usa
no Continente, sabendo apenas ser o nosso jogo
ainda ha alguns annos desconhecido em algumas
regiões como na de Coimbra; trazemos no emtanto
a lume estes apontamentos a fim de mais facilmente
se determinarem as suas parallelas com outros
pontos do Paiz.
Jogo do Bilro A haver sido importado pelos portuguezes do
século XV, ter-se-hia mantido "aqui, perdendo-se
nas outras províncias com o decorrer do tempo ?
Terá sido uma importação de origem estranha introduzida por francezes, fla-
mengos ou espanhoes, elementos que concorreram ás povoações primitivas, que
intervieram na constituição do povo açoreano e influíram na sua vida económica,
industrial e agrícola, interferindo consequentemente no seu fundo ethnogra-
phico?
Na descrípção que deixamos feita, encontram-se portanto mais uns pequenos
subsídios que poderão auxiliar este interessante problema.
Finalizando, esclareceremos mais ser a bola com cavidades para os dedos,
segundo nos mformaram pessoas de edade, assim como o bilro allemão, importa-
ções relativamente recentes e que nenhuma relação tem com a forma archaica e
tradicional que deixamos revelada.
A pedra assim arremessada ao madeiro será uma reminiscência viva d'essas
epochas primitivas em que o homem, por esta forma, se devia exercitar, treinan-
do-se para a caça e adquirindo destreza e força para a lucta contra os animaes
ferozes e contra os seus próprios semelhantes.
REVISTA MiCHAELENsfe
431
/.Y
EsçiiIptUra de Simões d'Alrnçida
Na Bibliotheca de Ponta Delgada existe um busto em mármore sobre um
plintho, representando o grande poeta michaelense Antliero de Quental esculpido
por Simões d'Almeida.
Em 28 de Setembro de 1891 o presidente da Camará Municipal de Ponta
Delgada, o Sr. Dr. Caetano d'Andrade Albuquerque, officiava ao Sr. Oliveira Mar-
tins, pedindo-Uie que escolhesse em Lisboa artista que fizesse o busto de Anthero.
Oliveira Martins acceitou o encargo como se vè do documento que se segue da-
tado de 12 de outubro do mesmo anno.
"Recebido o officio de V. Ex." im mediatamente tratei de pôr em exe-
cução as suas ordens.
D'entre os esculptores portuguezes pareceu-me que devia escolher o Sr.
Simões d'Almeida, auctor da estatua do Duque da Terceira, dos bustos do
Duque de Ávila e de Fontes que estão na Camará dos Pares, de uma das
estatuas e obelisco da Avenida da Liberdade, do D. Se-
bastião da Galeria da Ajuda e de riiuitas outras obras
dignas de maior elogio pelo seu mérito artístico.
Ajustei por 450SC00 reis o busto de mármore, tama-
nho natural, devendo o preço ser pago em trez presta-
ções á medida que o trabalh ) for avançando.
N'as epochas correspondentes recorrerei ao Sr. Ger-
mano Serrão para este fim, conforme as instrucções do
seu officio.
Como praso de conclusão, o esculptor fixou-o em
quatro ou cinco mezes. Ao preço do busto accrescerá o
plintho ou socco respectivo, caso V. Ex.' assim ordene
que se faça.
O preço indicado, diz-me o esculptor ser o mesmo
dos bustos que tem feito para a Camará dos Pares. Am-
bos elles, especialmente o do Duque d'Avila são excel-
lentes, chegando este a poder considerar-se uma obra
prima
Isto me dá a confiança de que, movido ainda mais
pela sympathia do retratado, o artista produzirá obra
digna d'ambos.
Pela minha parte já forneci os vários retratos que possuia e acompa-
nharei a execução do trabalho com aquelle cuidado que me impõe a hon-
rosissima commissão em que me investiram mas que eu espontaneamente te-
ria, ainda quando senão me desse tal motivo, Icado pela saudade pungen-
te d'esse que foi para mim mais que amigo quasi irmão».
Busto de Anthero de
Quental
X
Sigias ç assignaítiras de algUns artistas e artiíiçes
A serie de siglas e assignaturas que abaixo registamos por nós desenhadas e
decalcadas (1) deviam ter sido publicadas no primeiro apanhado de notas que
reunimos em volume acompanhando as noticias e dados biograpbicos de alguns
(1) — E' sempre muito difficil dar por este processo uma reprolucçiío rigorosamente exacta, com-
tuJo estamos convencidos de que se algumas deficiências houver não terão importância para o caso
de uma identificação.
432
REVISTA MICHAELENSE
artistas e artífices; não tínhamos porém ainda n'essa occasião este trabaliio devida-
mente organisado e só agora lhe podemos dar publicidade.
Apesar de ^er muito modesto o nosso património artístico, julgamos no em-
tanto, alguma utilidade poder resultar de conhecimento d'essas assignaturas para
o effeito de identificação que porventura seja necessário fazer-se.
SÉCULO XVi
Assignaiura de Balthazar Rebello Barbosa — pintor de imaginaria e óleo; d'elle
temos noticias entre 1600 e 1621; vid. Notas Sobre Arte 1.* parte a pag. 103. Au-
ctor dos papeis pin-
tados para orna-
mentação do Sepul-
cro da Santa Casa
de Ponta Delgada
em 1611.
Colhida no re-
gisto de admissão
para irmão da San-
ta Casa de Ponta
Delgada em um
maço de diversos
livros sob o titulo de Livro da Irmandade a
mas deve ser dos primeiros mezes de 1604.
pag. 89. Este registo não tem data
SÉCULO XV
Assignatura de Francisco Teixeira,
Parece-nos te-
rem existido dois
artistas imaginários
com este nome, vid.
Notas sobre Arte
1.* parte a paginas
26 e 27.
Esta assignatu-
ra foi encontrada
no Livro da Irman-
dade da Santa Casa
de Ponta Delgada,
livro existente no
seu archivo.
Não tem ca-
pas apparecendo
apenas a pagina 3
os seguintes dize-
zeres— Livro da Ir-
mandade. A folhas
46, está o registo
de admissão d'es-
te artista para Ir-
imagmano.
mão da Misericórdia com data de maio ou junho de 1591.
REVISTA MICHAELENSE
433
SÉCULO XIX
<ítyz/t/^y»^
Assignatura do pi.itor Ita
liano CJiorgio Marini encontrada
em um retrato de família que pos
suimos.
Auctor de numerosos re-
tratos, painéis religiosos e paiza-
gens, permaneceu n'esta Ilha no
terceiro quartel do século pas-
sado.
\'id. Livro citado a paginas
143 e 144.
SÉCULO XVll
Assignatura do imaginário Nicolau Domingues, artista nascido pelos ultimor
annos do século XVI e fallecido em 1660; auctor de diversos retábulos, vid. Li-
vro citado a pag. 31 e 32. Esta assignatura foi achada no livro dos assentos dos
Irmãos da Sanía Casa de Ponta Delgada feito no anno de 1621, sendo provedor
ada /7) ' ' yy
\^(UA^O "h"^!
y^>^^'^^
Jacome Leite de Vasconcellos e escrivão António Sanches e que na primeira pa-
gna diz— Livro da Irmandade Antiga— a paginas 64 encontra-se o registo de ad-
missão do artista para irmão e n'ella a assignatura referida.
SÉCULO XVII
Assignatura de Manuel Ro-
meiro, artista
encontramos
importâncias pagas pela Santa /i^ /'i,»^ '^^ly-éd/yií-^
Casa de Ponta Delgada pela ///-<' ^ ^ 7^<>^X'^ y
obra do retábulo e tribuna da Ky C^,^^ — ^ *^
capella da Misericórdia: no
livro da Conta Corrente da mesma de 1700 a paginasiiíl02 verso.
SÉCULO XVIII
Assignatura de
Francisco Moreira
de Sá, pintor deco-
rador, encontrada
no livro da Conta
Corrente da Santa
Casa de Ponta Del-
gada de 1700, pag.
103 em recibo pas-
sado, ao ser pago
de dezaseis mil reis pela decoração do throno do Camarim.
434 / RfeVISTA MlCHAfcLt:r."-i'
SÉCULO XVIII
Assignatura do pintor decorador Ma
nuel Fernandes, que se encontra a pagina
96 verso do livro da Conta Corrente da San ,
ta Casa de Ponta Delgada de 1703, em um <-^ '
recibo passado ao ser pago do trabalho de
decoração do retábulo da Egréja.
miio^^^^^^yn/^
SÉCULO XVII
Assignatura de Miguel Romeiro, artista imaginário, um dos mais afamados ar-
tistas de seiscentos, auctor de diversos re-
tábulos.
Vid. Livro citado a paginas 33 — 34 -
35 e 36.
Esta assignatura encontra-se no livro
da Conta Corrente da Santa Casa de Ponta
Delgada de 1706 a paginas H 2 em um recibo da importância d.'2ySl28 reis e
mais 58$660 de concertos na tribuna e feiúo do retábulo de dois altares collateraes.
SÉCULO XVII e XVIII
Assignatura de Amaro de Freitas, pintor decorador, trabalhou cm diversos
templos entre elles o de Santo André de Villa Fran-
ca de 16Q7 a 1699 de collaboração com um artista
flamengo.
Esta assignatura existe no Livro da Conta Cor- ^ "^(^^ — Í2t3*'^
rente da Santa Casa de Ponta Delgada de 1710 a — — ííí-
paginas 102 em um recibo pelo trabalho de decora-
Çcão do retábulo da capella da Egreja e do nicho do
altar do Espirito Santo do que recebeu, 56$480.
SÉCULO XVIII
Assignatura de Manoel da Costa Oliveira, decorador, em um recibo pelo tra-
balho e materiaes para de- J^O^ /i
dois ?eLabidos coulte^rTes da . . MCu) o^ ^ <%/^ ^ W^^Z^^^^
Egreja da Santa Casa de Ky ^
Ponta Delgada registado a ^-"^
paginas 92 do Livro da Conta Corrente da Misericórdia do anno de 1714 sob o
titulo de gastos extraordinários.
SÉCULO XVIII
Assignatura do oleiro João de Souza, que apparece no Livro da Conta Corren-
ú / te da Santa Casa de Ponta Delgada de 1710.
/^ A Ly y a paginas 103.
i^--^JCG//?l C{yJouACK,_ Trata se de pagamentos a dois mestres,
um Mathias Pereira, pedreiro, e outro João de
Souza, oleiro, por trabalho e fornecimento de materiaes para obras no corpo da
Egreja. Terá este oleiro fabricado azulejo?
REVISTA MICHAELENSE
435
SÉCULO XVIII
Assignaturas dos en-
tailiadores Manuel e An-
tónio Correia, em um re-
cibo por trabalhos feitos
em um passo construído
no Adro da Egreja e na
sacristia da Santa Casa
de Ponta Delgada, regis-
tado no Livro da Conta
Corrente da Santa Casa
do anno de 172S a paginas 80.
SÉCULO XVIll
Assignatu
ra do ourive
Manuel d'Al ^^ ,^
meida Quental /^
no Livro da C^^
Conta Corren-
te da Santa //
Casa de Pon-
172Q a pagina
ta Delgada des 158.
i&ÚJOyÇ/yA-íb^^-^^Ç^
SÉCULO XVIII
Assignatura do pintor Manuel Bote-
lho que decorou e pintou um passo por
15S0Ò0 reis; Livro da Conta Corrente da
Santa Casa de Ponta Delgada de 1729 a
paginas 158 verso.
SÉCULO XVII
A.ssignatura de Manuel Fernandc?., dourador, que
dourou o .'^acrario da Santa Ca?a de Ponta Delgada
por lòSOOO reis; Livro da Conta Corrente da mes-
ma Santa Casa do anno de 1681 a paginas 8õ.
SÉCULO XVIII
Assignatura de Manuel Pinheiro Moreira
um ac-rescenta mento e illumi-
nou o painel, do altar mór
da Misericórdia de Ponta Del-
gada, por 12S000 reis. As-i
gna o recibo d'esta importân-
cia registado no livro da Cou-
ta Corrente da Misericórdia
dos annos de 1684 ?, 1687, c
de 1717, 1723 e 1726 todas no
mesmo livro de capas muito deterioradas a pagina:
que cm 1685 fe^
436
REVISTA MICHAELENSE
SÉCULO XVIII
Gaspar Jorge e Manuel Teixeira, lavran-
tes de pedra de Villa Franca, que fize-
ram portas, columnas etc, para a Santa
Casa de Ponta Delgada o que se vê no li-
vro da Conta Corrente da mesma de 1685
a paginas 109 por 30$000 reis.
SÉCULO XVIll?
Assignatura de Pedro Lopes, entalhador, que
trabalhou na capella e frontispício do arco da
egreja da Santa Casa de Ponta Delgada, ajustan-
do a obra por 200$000 reis e um moio de trigo.
Assigna o respectivo recibo no livro da
Conta Corrente da mesma Santa Casa do anno
de 1717 a paginas 50.
SÉCULO XVIII
Assignatura que firma um pequeno quadro a crayon que pertencia á colle-
cção do Sr. António Borges da Ca-
mará Medeiros, medindo O, 15 por
0,20 approximadamente, represer
um lago com montes ao fundo
no primeiro plano duas figuras
n'um barco atracado, onde se vêem barricas etc.
Não conhecemos este nomo talvez francez.
z^^-
/7<f
SÉCULO XVll
Jeronima do Sacramento, Freira do convento de Santo André de Ponta Del-
gada, artista de valor na manufactura de flores artificiaes.
Vid. Livro citado a paginas 82 e 83.
Esta assignatura encontra-se no livro da Conta Corrente da Misericórdia de
Ponta Delgada
em um recibo
da importância \ //^ r^
de 14$800 reis ^^ '^
^YÒtZí^^Zc
^c^^<
0^1^:0^^^- -
pela encom-
menda de qua-
renta e oito ra-
malhetes para
ornamentação da tribuna e retábulo nas endoenças.
Anno de 1704 a paginas 98.
REVISTA MlCHAELENSt
437
SÉCULO XVIII
/ ssignatiira de João Pen.'''\ lavrante de
pedra, que lavrou as armas da Santa Casa
de Ponta Delgada em pedra vinda da ilha
Terceira e fez outros trabalhos recebendo
47$190. Assim o respectivo recibo, registado
a paginas 162 do livro da Conta Corrente da
Santa Casa de 17ô5— 17ó7.
SÉCULO XVIII
Pedro Machado que apparece sob a denominação de escuiptor, deve ter sido
o auctor dos armários da Sacris-
tia de Santo André.
Ainda hoje visíveis — Livro
citado— a paginas 41.
Assigna o'assento de irmão
da Santa Casa de Ponta Deíga-
da cm Q de Fevereiro de 1721,
o que se vê no Livro da ir-
mandade da mesma, sendo Pro-
vedor o Capitão Oaspar de Medeiros de Souza a paginas 138.
SÉCULO XVIII
Assignatura de Manuel da Costa Oliveira^ pintor, admittido como irmão da
St." Casa de P. Delgada em 5 de Fevereiro de 1719. Livro da Irmandade da mesma.
sendo provedor o Capitão Oaspar de iWedeiros de^Souza, ai paginas 136.
SÉCULO XVIII
Assignatura e sigla de Bartholomeu Fernan-
des—azulador— que suppomos ser o oleiro que
pintava a côr azul nas louças— sendo assim, te-
mos n'este nome um pintor de cerâmica, foi fei-
to irmão da Santa Casa de Ponta Delgada em 28
de Março de 1677. Livro da Irmandade da mes-
ma 1654-1727,
438
REVISTA MICHAELENSE
SÉCULO XVII
Assignatiiras dos serralheiros — Marcos
Fernandes e Manuel de Medeiros, admittidos
em 1663 para irmãos da Santa Casa de Ponta
Delgada Livro da Irmandade da mesma
1654-1727.
SÉCULO XV
Assignatura de Ignacio da Costa, oleiro, ac- ^^
ceite por irmão da Santa Casa em 28 de março ^ ^y^^'^ ^-
de 1677, no mesmo Livro da Irmandade a pa- '-^ J' '
ginas 115.
$c^^J.
SÉCULO XVII?
António Gonçalves,
rives, assignou o assento de
irmão da Santa Casa de Po
ta Delgada em 10 de Fev
reiro de 1692, citado Livro a
paginas 121.
í-^/.^^-^-^^cS..
SÉCULO XVlll
António Moreira de Souza,
ourives, foi admittido para ir-
mão da Santa Casa de Ponta
Delgada em 24 de Janeiro de
1704 — citado Livro a paginas
128 verso.
'^'■f^eif.
SÉCULO XVIII
Assignatura e siglas do ourives An-
tónio da "unha, admittido por irmão da
Santa Casa de Ponta Delgada em 24 de
Fevereiro de 1717, citado Livro a pagi-
nas 135,
-m^
REVISTA MICHAELENSE
439
SÉCULO XV
Ma tílias Roiz, serralheiro, e Manuel Fernandes,
dourador, feitos irmãos da Santa Casa de Ponta
Delicada em 9 de Fevereiro de lôTò— citado livro
a paginas 1 15.
7k)&h
ya
SÉCULO XV4n
,\\iguel Machado, marceneiro, feito irmão da Santa ///
Casa de Ponta Delgada em 1 de Fevereiro de 1722; ci- ^/l (Ú i/f/' f Jf
ado Livro a paginas 13S. 7 ^ J f/í
SÉCULO XVII
Assignatura do oleiro Manuel Martins, feito irmão da Santa Casa de Ponta De-
y\](!-"\U''h,./''
a/r
cy .fo
gada em 20 de janeiro de 1Õ93— citado Livro a piginas 122.
SÉCULO XVill
Assignatura do oleiro Ma- /i/}'i^-
nuel de Mello, feito irmão da , y^yl.'
Santa Casa de Ponta Delgada AjJ/
em 9 de Fevereiro de 172L c/^wí 0^j Of €
citado livro a paginas 138. ^^ i'P w r ^
Assignatura do ourives
Thomaz Carpinteiro, feito ir-
mão da Santa Casa de Ponta
Delgada em 15 de Feverei-
ro de 1675, citado livro a
paginas 114.
SÉCULO XVI!
^4^v\
cx^
dP^-)/^Á-^-^o
440
REVISTA MICHAELENSE
SÉCULO XVIII
Assignaturas dos dois escul-
ptores Manuel da Cunha e Fran-
cisco Martins, feitos irmãos da ,
Santa Casa de Ponta Delgada ''•
em 24 de janeiro de 1723— citado livro a
paginas 139.
no
Mé^^^/^
SÉCULO XVIII
'^'^^^
Assignaturas de três entalhadores— Manuel
d'Andrade, André de Fontes e Ignacio Mar-
tins Pimentel, feitos irmãos da Santa Casa de
Ponta Delgada em 28 de janeiro de 1725, ci-
tado livro a paginas 140 verso.
Thomé de Paiva, oleiro, sua
assignatura ao ser feito irmão
da Misericórdia de P. Delgada
em 9 de Fevereiro de 1716,
citado livro a pag. 134 verso.
SÉCULO XVII!
\
Assignatura do pintor
Manuel Botelho de Sam-
payo, feito irmão da Santa
Casa de Ponta Delgada em
10 de Fevereiro de 1726,
citado livro a paginas 141.
Não despertando a maior parte d'estas assignaturas um interesse im mediato,
poderão comtudo ser auxiliares apreciáveis na discriminação da auctoria e data de
productos artísticos que os amadores de cousas d'arte encontrem.
Já temos visto, por exemplo, alguns modelos (raros) de cerâmica com os si-
.gnaes da manufactura indígena, firmados com assignaturas em abreviatura que só
"com o auxilio do fac-simile d'estas poderão ser devidamente identificados e appro-
ximadamente marcada a epocha da sua composição.
Na primeira parte das Notas sobre Arte, encontram-se informações mais deta-
lhadas dos artistas cujas assignaturas agora reproduzimos.
Luís Bernardo L. (VAthaide
REVlSTAJVllCHAELENgE 441
C H R O NI CA Financeira
o Cré â i t o
•E' certo que o capital de ha inuito trabilha a ir procurar aos mais fundos re-
cônditos do paiz a transacção. Os limitados recursos dos fundos das administra-
ções dos bens das confrarias e irmandades e de algum capitalist:i particular foram
com as leis republicanas extendidas ás Caixas Económicas postaes nas aldeias e os
grandes bancos dás Capitães diffundetn as suas agencias pelas capitães dos Distri-
ctos concorrendo com as Emprezas locaes.
A 20 de junho em Assembléa Geral foi decidido pela Companhia do Banco
Michaelense a não cedência da gerência da casa bancaria ao Banco Ultramarino
com sede em Lisboa que lhe propuzera o trespasse da firma p^^lo preço das a-
cções na praça de Ponta Delgada, no momento, que eram de cem mil reis, ou fos-
sem 50 por cento de lucros ao valor inicial d;c ajção que fora de cincoenta mil
reis por occasião da organisação bancaria. .
Este facto mostra tiem que o capital das grandes praças se ramifica a prestar
os seus concuríos áquelles que necessitam dos seus benefícios nas Cidades de Pro-
\incia e mesmo nas sedes dos Concelhos
Evidentemente essa acção e iniciativas d'esta ordem são de caracter a drenar
I) capital runJ para as capitães do paiz e não soffre duvida económica que essa
drenagem qu.' é uma emigração de dinheiro não é o regimen ideal nas finanças
ruracs. Pode cm certos casos ser uma necessidade financeira para o capitalista, mas
não é a fonte económica d'onde corre a jorro toda a civilização d'uma localidade.
E' certo que a organisação bancaria não escolhe o desconto ao empréstimo ou ao
deposito, mas o banco é ura estabelecimento que attrahe o capita! sobretudo nas
tendências da capitalização divulgada por toda a parte, e a producção éo verdadei-
ro elemento de civilização, e para el!a é preciso adquirir capital para o empregar
em ramos d'actividade e nunca empregar capital para auferir juros regularmente.
A actividade da Assembléa Gera! do Banco Michaelense é por isso mesmo
louvável combatendo a proposta do Banco Ultramarino n'uma acção administra-
tiva para a capitalização e para o auferimento regular de juros.
O empréstimo foi durante longos annos n'esta terra uma operação d'adminis-
tração particular sem estarem organisados os estabelecimentos bancários; o juro
de oito a dez por cento desceu em meados do século XIX para 6 e desde então
manteve-se elevado até aos annos passados em que a guerra tolhendo a compra e
portanto a sahida de capital para o extrangeiro, muitas despezas no paiz e muitos
emprehendimentos e explorações, accumulou-se e perdeu muito do seu valor des-
cendo para 4 por cento.
Em fevereiro de 1848 José do Canto propoz á Sociedade Promotora da Agri-
cultura Michaelense a creação dentro dos sócios, d'um banco rural, com o fim de
dar auxilio financeiro aos agricultores. O seu plano era creal-o com as metades
em dinheiro e a outra metade em propriedade pertencente aos sócios da Socieda-
de, fazendo empréstimos a meio por cento ao mez com hypothecas de proprieda-
de, géneros arrecadados ou penhores preciosos; contrahindo também empréstimos
a 5 por cento; creando emissão de lettras; formando um pessoal limitado a um
restricto numero de empregados e superinfendido por um directório composto por
accionistas.
José do Canto escrupuloso nas preoccupações de vida social e económica, d'u-
ma moral austera, delicado nos seus planos, pródigo nas suas acções, imbuido
d'iniciativa para emprezas d'interesse nacional a que dedicava uma egual attenção
442 REVISTA MICHAgLENSE
á que dispensava nas organisações particulares do seu interesse próprio, José do
Canto linha um plano d'alcance social com o estabelecimento do Banco Rural: fa-
cilitar o crédito, guerreando a usura, e tornando regulamento aberto a todas as a-
ctividades o capital. Ainda em 52 tornou José do Canto a insistir na sua idéa apre-
sentando outro projecto de Banco Hypothecario n'uma orientação puramente asso-
ciativa de crédito chamando á collaboração todas as pessoas que quizessem entre-
gar capitães pelos quaes receberiam 5 por cento do juro ou contrahir emprésti-
mos não inferiores a sommas de 50 mil reis com obrigatoriedade de amortisações
semestraes de 1 por cenlo para despeza d'adniinistração do banco e mais 1 "Io
até õ''lo livremente para amortisação da divida. Aqui a orgapisação é profusamen-
te reg ulamentada constando a sua constituição de 201 artigos apertando quer as
_ condições de depositar quer as condições de sa-
bidas de capitães, prevendo-lhe uma existência legal
e por isso dando-lhe o seu estatuto nos termos defi-
nitivos. (Foi publicado no Agricultor Michaelense de
fevereiro de 1852).
A falta de bancos difíiculta as transacções com o
extraugeiro, o recurso dos armadores e commerciantes
da praça vinha, sempre satisfazer com quanto o
commerciante insular estava mais restringido, limita-
do entre meia dúzia de consignatários que recebiam
as mercadorias d'exportação e em troca remettiam
os objectos ou materiaes d'uso e consumo aqui, bem
correu o intercambio com o extrangeiro, mas depois
que a multiplicidade das coisas importadas pelo ilhéu
augmentou, difficultando o trabalho do agente e ag-
gravando a compra e a expedição das mercadorias, a
instituição bancaria começava a fazer sentir a necessi-
dade dos seus sei"viços facilitando a compra de dinhei-
ro extrangeiro ou transporte de valores nacionaes ao
mesmo tempo quí estabelecia abertamente e com re-
gularidade todas as operações de depósitos, descontos
Tavares Carreiro ^ empréstimos.
O Senhor Visconde de Faria e Maia elaborou então o seu livro de propagan-
da <'0s Bancos e circulação fiduciária» em 1887 que é um modelo de clareza e de
boas doutrinas, expondo os serviços das Instituições com a abertura dos créditos
n'uma terra aonde as explorações agrarias tinham fatalmente que se iniciar nos
terrenos incultos, fazia a historia das organisações bancarias da Inglaterra e da
França, criticava os systemas com os exemplos surgidos pelo decorrer dos tem-
pos, e entrando no regimen das íinanjas portuguezas elle atacava as theorias de
Oliveira Martins e a organisação dada ao banco de Portugal desde o seu inicio
em 1846 e no decorrer das reformas que sofírera até 1887.
O Visconde de Faria e Maia tendo exercido as funcções de Secretario Geral
do Districto e Governador Civil, tendo sentido na administração publica os de-
feitos do centralismo politico nos mais pequenos actos administrativos, combatia
a organisação preferencial de Banco Emissor ao Banco de Portugal cujo privilegio
viera dar logar a tolerâncias d'administração justificadas na organisação partidá-
ria e inicial de politica do tempo que não só aggravaram o regiinen financeiro do
paiz como comprometteram os serviços da Instituição. A emissão de notas, o Vis-
conde de Faria e Maia queria-a extendida a qualquer Sociedade legal e mesmo to-
lerada a qualquer individualidade que se responsabilisasse em propriedade ou em
valores peias importâncias das notas emittidas á circulação combatendo mesmo o
exemplo de certas organisações provinciaes dado por Oliveira Martins para a or-
ganisação bancaria belga aonde um banco nacional era secundado nas differentes
REVISTA MICHAELENSE 443
ocalidades provinciaes por agencias em que os capitalistas reunidos em sociedade
estabelecem a taxa do juro e se responsabilisavam pelos empréstimos, elle inclina-
va-se para o systema americano aonde os bancos eram formados com estatutos
próprios n'um regimen liberal e independente podendo usar de faculdades emis-
soras.
Funccionavâ desde 1867 a caixa económica fundada pela Sociedade deSoccor-
i-os mas os seus serviços que começaram por limitar os depósitos a 400 mil reis
dando 6 por cento de juro ao anno não possuíam alem do capital de 1.500.000
.•s. que poderia ser elevado a 4 contos, sendo as acções para constituírem esse ca-
pital no valor de 10 mil rs.cada uma distribuídas pelos sócios. Denois em 1876 na
reforma dos Estatutos cuja assembléa que os approvou
reuniu-se em 4 de dezembro n'uma das aulas do Lyceu
da Qraça pelas 11 horas do dia sob a presidência do
Dr. António Alberto Pinheiro Barros, que foi reeleito <#**^ ^
para o cargo, ficou constituindo o capital da caixa o m ' ^
fundo puramente da Sociedade que era de 7 contos, M''-' >■
podendo comtudo subir a 12 emíttindo-se novas acções f^
de 10 mil reis cada uma. ^k-^
O capital em 1895 era de 42 contos, o que de- ^T ■
monstra bem os progressos da Associação. Comtudo se >^ ^^ÊL^'"'^^^^
a Caixa reunira os sócios e se começara a extender os ^^^^^^^^^^^^'
seus benefícios á população da Cidade não era comtudo, ^^^^^^^^^^f
se bem que a Sociedade deSoccorros era uma Sociedade ^^^^H^^^r
prospera, a instituição bancaria desejável para prover ás ^^^B^P^^
necessidades dos negociantes, se os agentes, os exporta-
dores, a gente que commerciava com o extrangeiro e Francisco Xavier Pinio
os consignatários de navios e os armadores eram ainda
os banqueiros particulares que procediam a todas as operações de trocas e sa-
ques necessários.
Mesmo assim a Caixa Economicada Associação de Soccorros desenvolveu-
se e constituia-se n'um banco, sendo a sua acção como Soccorros prestar a to-
dos os associados auxílios da medicina e phaniiacia durante a doença, e
pecuniários aos inválidos, sendo também subsidiados os funeraes, pensionadas as
viuvas e dotadas as filhas dos sócios logo que esses sócios não possuíssem
rendimento, reforma ou pensão superior a 25 mil reis mensaes. (Estatutos de 22
de março de 1898).
Estava o capital então em 52 contos, mas as funcções bancarias eram sobre
tudo de caracter a servir á collocação do pequeno capital, ao emprego do pé de
meia do operário, do serviçal ou do empregado de commercio, sendo os grandes
empréstimos contrahidos ainda nos particulares.
Os bancos e os cambistas
Era facto que desde 1876 fora estabelecida a agencia do Banco de Lisboa e
Açores em Ponta Delgada e o Snr. Francisco Xavier Pinto teve os negócios do
Banco tie Portugal muito antes da installação da sua succursal na Cidade desde
quando passaram as arrecadações de thesouraria a serem depositadas n'aquella
casa de credito e esperarem a opportunidade dos pagamentos das folhas ministe-
riaes aos funccionarios do Estado dos differentes Ministérios e despezas gastas na
administração publica do ÍMstricto. Mas os créditos não foram as transacções
d'estas casas; poucos depósitos, e o resto saques, alguns câmbios e compra e ven-
da de cheques; os serviços ao Estado sendo mantidos pelo Banco de Portugal até
à actualidade, com regularidade.
444
■Revista michaelensê
Mais tarde o Banco Ultramarino também tinha aqui um correspondente; mas
estando então desenvolvida a acção bancaria no pé em que hoje se apresenta e
offerece os seus serviços, representou um papel bem apagado. Pelo outro lado as
operações de credito mantido pelos proprietários chegaram a attingir n'uma só
administração particular talvez uma media de cinquenta contos annuaes.
A emigração de 1880 na sua nova phase desenvolvendo-se primeiro para as
Ilhas Awahii concentrada depois por conveniências operarias no continente ameri-
cano aonde o emigrante encontrava mqis regalias e melhores interesses desenvol-
vendo-se progressivamente
todos os annos, deu logar :; ; - . ",
necessidade de trocas e o
piogresso das carreiras de
navegação transatlântica ai- , . '.'
lemas e inglezas trazendo i
anniialmente a Ponta Delga-
da milhares de Turistes em
transito, impu/evam a ne-
ceí--jidad- do L'slabeleciinen-
to d'uma agLMvia de câm-
bios n'um lucal central da
("idade. Foi o Senhor Au-
gusto da Silva Moreira que
n 'um Escriptorio estabeleci-
do á praça Velha (acti ai
Republica) abriu o negocio
financeiro ao publico com crescentes vantagens que acompanharam os dois movi-'
vimentos sociaes— emigração e turismo. A casa de ca nbio com as suas tabeliãs a-
companhando as íiurtuações cambiaes das duas bolsas de Lisboa e Porto offere-
cia a garantia da regularidade que as casas de commercio que proporcionavam
as mesmas trocas de moeda não oífereciam. A affluencia de dinlieiro que se ex-
pande pelo commercio, o progresso d'esse mesmo commercio, c;: lucros positivos
adquiridos nas industrias das culturas d'ananazes determinam a evolução do capi-
tal mais empregado e menos reunido para a exploração financeira.
São as ramificações d'actividade utilizadas que derivam a sua acção para o
trabalho e para o goso correlativamente, antes preoccupada na reunião do capital
difficilmente e com êxito duvidoso empregado em explorações pouco definidas. A
influencia do capitalista na engrenagem social é retirar o seu capital para seguros
emprehendimentos que a nova actividade abre á sua iniciativa; desappareceram as
explorações morosas, o capital fugiu dos campos para a Cidade; os capitalistas re-
unem-se para a acção em commum aonde os créditos se abrem á finança deixan-
do a agricultura, a quem os Syndicatos Agrícolas abrem os cofres nas regiões rús-
ticas; e na Cidade funcciona o banco e a caixa económica vivendo largamente
das operações financeiras, recebendo mais depósitos que fornecendo capital sob
empréstimo.
Em 1913 os movimentos do Banco Michaelensê e da Caixa Económica foram
os seguintes, como se constata nos balanços que reproduzimos:
O
■apo' Canopii da Coinp nihia Wliiie Stat li
levi iiiA^iaidis paia os Ei/ados Unidos
REVISTA MICHAELENSE
445
CAIXA
Activo -1913
ECONÓMICA
Passivo
1918
Caixa
Lettras
Penhores
Hypothecas
Contas correntes
Mobiliário ,
Depósitos
Fundos . .
1 .608.Q4Q.34
222.538.10
1.831.487.44
134.243.86
563.159.90
16.313.90
1.018.824.42
96.906.91
2.038.45 ,
1.831.487.44
Hoje as import." d'esta casa verificain-se nas operações executadas em 1918.
CAIXA ECONÓMICA EM 1918
Activo Passivo
Caixa. . . ■ • . .
36.372.41
8y8.596.51
4.470.08
1.120.274.40
544.516.23
3.210.00
2.607.439.63
Fundos
Depósitos
239.764.400
2 367 675 63
Penhores
^2:607:439:63
Contas correntes
^ANCO (VIICHAELENSE 1913
Activo Passivo
Accionistas
Caixa
Carteira commercial . .
Contas diversas
Contas de. crédito ga-
rantidas
Correspondências em
conta corrente
Dep.'" n'outros bancos
Empréstimos
Agencia de seguros mo-
veis e utensilios
Valores depositados. . .
138.000$00
24.795S17,7
201.769$57,7
2.980$94,5
35.271S78,7
55.001$06,5
13.052$40
50.897$08
1.584$17,3
6.000$00
529.352$20,4
Capitai
Contas diversas
Correspondências em
contas correntes. . . .
Credores por valores
depositados. .......
Depósitos á ordem e a
prova.
Fundos de reserva . . .
Ganhos e perdas
230.000.00
852.44
9.728.06,8
6.000.00
273.546.14,6
3.121.88,3
6.103.66,7
529.352$20,4
^ANCO [VIICHAELENSE 1918
Activo Pcssivo
Accionistas
Caixa
Carteira commercial. . .
Contas diversas
Contas de credito ga-
rantidas .
115.000$00
222.644$39,5
336.975$95
69.351 $80,5
162.544S30,5
Caixa d'apresentações
Capital
Contas diversas
Correspondências em
contas correntes
887$97
230.000$00
2.905$77.5
62.003$58
A transpostar 906.5Í6$45,5
A transportar 295.797$32,5
44b
REVISTA MICHAELENSÊ
Transporte Q0ò.516$45,5 Transporte ' 205.7Q7$32,5
Correspondências cm , ., , Credores por valor de-
conta corrente ..... ' 10.Ó39$92,5 - positado '.. 3.000$00
Dep.'" «'outros .baircos_ Q34.744$Q4 Dividendos 95S$00
Emp.'""- caucionados. . 123.002S28 Depósitos 1.670.907$82,5
Empréstimos sobre pe- ' ; Fundo de reserva .... 7.456$40,5
nhores 5.914$S2 Ganbos e perdas _ 6.372$66
Moveis e utensiiioseva- .. ; 1984 492$215
loree depositados. . . ^000$00 ■ • ^ '
1.984.4y2$21,5 = ,
No decorrer do anno outra casa bancaria vem juntar a sua acção ás casas es-
tabelecidis nos mesmos moldes e orientação: é a' Casa Rapo?o, Amaral e Comt.''
uma tu ma cujas tiadições seriam uma garantia de successo só por sise os méritos
do Sm Ripobo dAmaral não e^tivesíem patentes á sociedade pelos múltiplos
serviçcs que lhe tèVn pi estado jílom administração publica }á na direcção da po-
litica piogii SMsta
O uaior da fDoeôa
ÍM nesta bóa gestação- das prosperas finanças michaelenses que' surgiu a
oueira de 19Í4— ]U18 que, impedindo a navegação, fechando os portos, dando lu-
gai \ medi hs pioliibitivas d'importaçõ'e3, paralysou o nosso commercio externo o
em b'e\e a induslm do ananaz soffria-as consequen.-ias fataes d'essa paralysia e
cvica oe d 3 ^ mil e duzentos contos Com cerca de 2 mil contos mais de interesses
dependentes são retirados da vida ccono-
'^4 ^ ã^ T '^^^^ / !~Si "'"'^'^ '^'^ Distri;:to. A Sociedade Corretora
"" s^,^ ' '^ ^' de friicti, outra Sociedade formada com intui-
'J ^*****<(.^. T^ tOs creditaes para proporcio'nar o augmento
P ' *>» ^*''**^.>^ iniiu-írial da cultara e auxiliar os cultivadores
^^ ]]:\ exportação por meio do grémio ou auxi-
^ iio commum, ainda ss debateu em iniciativas
/^ ^ de exportação tentando a navegação á vela
|É para o transporte í cie carga, mas succumbiu
pj Mias diííiculdadei que se .desenrolavam á ma-
' neira que as conveniências dos governos a-
\paravam o trafi_co marítimo e que a acção
uei 1 eira dos submarinos alLemãos crescia d'in-
leiísidade. O capital então accumula-se outra
/ L \ especulação commercial desenvolve-
>c cumulativamente com o -gosto já devido ao
encarecimento dos objectos e g^níros de con-
■^ sumo e com a ociosidade dos primeiros tem-
'^^ pos de grande parte d^ classes da sociedade.
- Os:americanos entraram ern guerra em
^ . \bril de 1917 e para a policia do Atlântico e
garantia do conijiiercio- entre a Europa e a
u,^ ~ ..rfitítíl ' America estabeleceram a Base Naval de Ponta
^ à ui^^ÊÊÊ^^^m Delgada.
'"-^"^ jnifiMMWHBBB ^^ forneciífientas de viveres augmenta-
^ *'''**''*"™^^^^^^^^"^ ram e algumas explorações no commercio e
, ;,.,.„ o producção de viveres e comestiveis se esta-
E</i mo aonde se vae in^irllai o Banco \ . ^
L iiMmanno beleceram.
o capital agrupá-se ahi, emprega-se no
commerciíi da Cidade que se desenvolve e fraduz-se em juro garantido e alto; af-
flue o dinheiro americano cujas trocas dão lugar ao desenvolvimento do commer-
REVISTA MICHAELENSÉ
447
cio dos cambiaes; mas então é que, como as aguas abertas por um dique ao jun-
tarem-se as correntes reunidas d'um rio a outra ribeira se revolucionam ao em-
bate, assim a chegada do dinheiro americano produz desnivelamento nas correntes
chrematisticas da Cidade.
O preço do dollar estava a 2 escudos fracos (1.60 centavos fortes) fazendo-se
por esse preço as trocas quando no dia 2Q de Maio de 1918 recebe-se a noticia
que essa moeda que já nos dias anteriores tinha descido levemente de preço nos
cambistas da Capital descera nu véspera para 1$50 cent., (1$20 cent. fortes). A bal-
búrdia que o facto causou é notável e tanto mais extraordinária que o preço era
cotação de Lisboa e que a praça de Ponta Delgada devia ser estranha ao facto.
O dinheiro americano não estava de facto depreciado porque a subida d'elle
duplicara pouco tempo ao romper-se a guerra vindo cont^-a as leis económicas da
offerta e da procura, somente obedecendo aos interesses da especulação monetá-
ria e elevando o potencial do comprador em detrimento do valor dos productos
vendidos.
Aqui a critica ainda é pouco severa com a censura que lhe dirijo! Nada ex-
plica a tolerância que existe na sociedade po-^tugueza quanto á alteração do valor
das moedas que ]a no lemado de D reinando era combatida por todas as
classes commerciantes do
paiz. E se n'esse tempo
ella era tolerável porque
representava uma forma
d'im posto revertendo em
beneficio da Coroa e in-
directamente 110 paiz e
portanto na conectivida-
de, agora ella é o refle.yo
dos caprichos do nego-
ciante não tendo justifi-
cação, antes sendo oroa-
nisada com o intuito de
beneficiar com os negó-
cios do Estado referentes
á divida externa cujos ju-
ros são pagos em dinhei-
ro extrangeiro.
São essas alterações de
câmbios que duplicam o valor dos pagamentos do encargo do Estado junto dos
credores extrangeiro?. quando se trata d'um caso como o sucç.edido com os dol-
lars quando estabelecida a base naval em Ponta Delgada em maio de 1918; o gra-
vame que qualquer elevação de preço de moeda inflige não é só aquelle porque
augmenta o valor, é ainda o abatimento que imprime á mercadoria e sobretudo é
a desvalorização do producto nacional e da moeda nacional.
A troca da moeda é um serviço remunerável como é a venda ou a producção
de qualquer artigo ou género, ou qualquer serviço d'escriptorio; e como tal devia
merecer a attenção das Bolsas das differentes praças e das Associações Commer-
ciaes e Corporações administrativas que imprimem ao commercio de oiro bases
seguras acatáveis por todos os cambistas, e tranquillizadoras para todos aquelles
que precisam para o seu commercio de dinheiro extrangeiro.
A lição de 28 de Maio é possível que influ i n'esse sentido e accelere a funda-
ção d'uma bolsa de commercio na Praça de Ponta Delgada que nos daria a ga-
rantia d'uma regularidade de câmbios necessária á economia publica.
A conservação do ágio do ouro internacional impõe-seao progresso de todos
os paizes e estabelecel-o com a regularidade do preço, quer na venda quer na
compra, para remuneração de serviços, é caminhar para a obra de civilização que
O Banco de Portugal e ao lado o cscriptoito do Senhor
Aiimsto da Silva Moreira
448
REVISTA MICHAELENSE
é O desenvolvimento d'industrias, o augmento de empregos, e a execução do tra-
balho productor. E como em todo o commercio das riquezas de consumo é neces-
sário a estabilidade do preço de venda, a iiistoria do commercio dos cereaes
está a servir d'exemplo a esta demonstração económica. Quando a regularidade
é mantida, quando são conservadas as normas de vida entre o consumidor, o com-
merciantf e o agricultor, as coisas passam-se pelo melhor; porém se a avidez inflam-
ma a vaidade do commerciante, se o productor teima em levantar o preço aos ce-
reaes para auferir desmedidos interesses, então os clamores saltam de todos os la-
dos, a miséria ameaça a população e finalmente a revolta estala com o desanimo
e a impotência das massas. E o que acontece com os commerciantes dá-se com
os cambistas !
Ha um século que os michaelenses exportam laranja e ananazes que chega-
ram a subir ao valor do milhar cte contos annualmente e é tanto mais extraordi-
nária esta exportação (500 mil malotes e 1.500.000 frutos) que ella equilibrava a
balança commercial, i-)0is que os valores das importações annuaes não eram supe-
riores, mas mesmo que fossem, não equivaliam
os productos da intensa exportação a outro
tanto numerário dj moeda extrangeira que era
remettida para fora para pagi mento de cmi
pras? Seria; mas os ágios iufllunin em nos o
desfavor e os ganhos ficavam-se no^ tro ■ >
muitas vezes e perdiam-ce 20 e iO por cjnt)
quando não subia a 50 e 60.
A acção exercida pelas Camaias Munici-
paes nos séculos anteriores ao século XIX,
quando os alniotacés tinham por missão fisra-
lisar as decisões das vereações quintj ao pie
ço dos géneros, da .obra e dos ce eith t a ho-
je seguida pelas auctoridades dist icties paia o,
cereaes em occasiões de crise, devL ser a c n-
servada por meio de ajcordos intemationreo
que se venham a estabelecer paia fuai os de^-
contos aos trocos de dinheiro por egual, entr„'
os organismos financeiros ae todos os paizes.
O abuso é de longa data e elle aggrava em pri-
meiro lugar os interesses do Estado annual-
mente obrigado a pagamentos em oiro para o
extrangeiro para satisfacção dos compromissos
da divida externa, todo o commerciante que
troca o dinheiro portuguez pelo extrangeiro
para pagamento de mercadorias na praça extrangeira, -e emhm o comprador, isto
é a grande massa da população que produzindo mercadorias já de preço não ele-
vado as vê reduzidas a metade do valor pelo encarecimento de mercadorias ex-
trangeiras.
É um facto que a organisação financeira do Banco Ultramarino estabelecendo
agencias em Londres e Paris, facilitando o intercambio monetário entre o extran-
geiro e Portugal, trará a regularização nos preços das moedas; mas seja como
fôr é nas Camarás Legislativas que a questão deve ser debatida a fim que seja 'vo-
tada a defeza do Estado e é na Imprensa das praças mais- interessadas, as praças
importadoras.
Emquanto o Banco Ultramarino fundava a sua agencia em Ponta Delgada, o
seu antigo agente, a quem durante annos estiveram entregues os negócios da Casa
bancaria, falleceu. Não era elle que estava encarregado de extender aqui os inte-
resses da Agencia, já entregues a dois intelligentes e hábeis gerentes de capitães
conhecedores do meio e scientes das difficuldades de semelhantes missões, mas el-
Aiigiisio da Silva Mor,
REVISTA^ MICH AELE NSE 449
le era competentíssimo e teria certamente assumido o encargo, se os seus múltiplos
affazeres o não retivcssem preso a outras responsabilidades irreconciliáveis. José
Tavares Carreiro tinha a agencia d'uma companhia de navegação franccza, a Cy-
prien Fabre, com carreira regular para os Estados Unidos da"'America do Norte.que
depois da guerra augmentou o numero dos transatlânticos, e era cônsul d'ltalia, que,
depois que os transatlânticos de Lloid Sabbaudo da Companhia Nacional e ainda de
outra param regularmente no porto c abastecem-se de carvão, multiplicara os affa-
zeres de Chancellaria por uma forma notável. Bastam estas attribuições para enche-
rem a vida de qualquer cidadão activo, mas o Cônsul d'ltalia nas horas vagas ain-
da tinha tempo para se occupar d'algumas administrações particulares, não descu-
rando a arte pela qual tinha uma verdadeira inclinação desde novo. A convivência
com o Barão da Fonte Bella influiu certamente para a fortificação dos talentos na-
tos pois que Fonte Bella era um colleccionador d'obiectos d'arte e raridades, um
pintor espontâneo, desenhando a primor; e o Snr. Tavares Carreiro, um cultor do
Bello, exercitou os dotes naturaes escrevendo por forma raramente egualada, e nun-
ca excedida, pelos illuminuristas da renascença e da edade media, quando a Im-
prensa era uma industria morta ou difficil, apesar d'esses artistas de paciência vi-
verem em claustros a maior parte das vezes entregues a poucas occupações. Egua-
lar um typo era para elle obra simples e as suas lettras eram sempre, mesmo na
correspondência diária, um modelo d'harmonia e perfeição, em traços certos, fir-
mes, eguaes, calligraphicamente os mais uniformes possivei. Quando o profes<^or
Godinho aqui esteve, o Senhor Tavares Carreiro tomou lições, mas o professor viu
logo que não tinha alli um disciplo mas sim um artista muito pessoal, inegualavel
no seu género e capaz de exceder os mais bel los modelos da arte de calligraphia.
De resto, qualquer obra de paciência quer fosse de talha ou cinzel, tendo elle tem-
po e execução, era um divertimento apenas e as difficuldades venciam-se rapida-
mente. A sua enorme habilidade em negócios, a grande pratica de contabilidade,
os conhecimentos de finanças que possuia, dedicados aos interesses do Banco Ul-
tramarino seriam de benéficos resultados não só para a Instituição como para a
sociedade; as suas attenções presas na agencia da carreira de navegação franceza e
no consulado d'italia foram a primeira barreira que o separaram do Banco, a fata-
lidade do seu fallecimento era a irremediável e definitiva que se oppunha a seme-
lhante missão.
Não eram estreitas as suas relações de negócios com os extrangeiros, mas elle
tinha-os e elles poderiam-no ter levado a negociações convenientes sobre as trocas
de moedas; os actuaes agentes que venceram a crise á testa dos negócios do Ban-
co Michaelense não estão comtudo nos casos de offerecerem qualquer esperança
n'esta missão, pois que em tudo dependentes dos negócios da sede da organisação
bancaria soffrem as influencias de Lisboa e é de lá que o mal vem.
Dizer que a lei da offerta e da procura influe nas fluctuações monetárias se-
rias é commetter um erro, pois que desde que os compromissos foram tomados
entre o governo portuguez e os credores externos, a exportação portugueza para
o extrangeiro augmentou immenso, o que equivale a dizer que também a entrada
d'esse dinheiro augmentou correlativamente. Hintze Ribeiro nas suas experiências
financeiras nas Camarás, quer como representante dos povos quer como ministro,
teve sempre o escrúpulo de não tocar nos valores da moeda, considerando-os
um negocio particular em que não seria justo ingerir-se com imposições officiaes;
varias vezes citou os antecedentes históricos citando o reinado de D. Fernando e o
de outros reis que, quando as exigências da Coroa e da Nação assim o exigiam co-
mo uma forma d'imposío, arrecadavam os dinheiros, fundiam os metaes e torna-
vam-nos a cunhar com outro valor inferior; e se elle relatou que os commercian-
tes se oppuzeram varias vezes a semelhantes praticas que os attingiam nos seus in-
teresses pessoaes de industriaes, commerciantes ou agricultores, nunca disse que o
Estado agora tornado particular em face dos usos e costumes tinha ainda mais di-
reito de reclamar e de se oppor ao lesamento dos seus intererses, ao passo que to-
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da a sociedade portiigueza é egualmente attingida e impõe-se-lhe o dever de o pro-
clamar também.
Era uma comprehensão das coisas, partiliiada pelo seu coliega do partido op-
posto, José Luciano de Castro, mas a sua integridade jamais attingida em negócios
públicos e sobretudo financeiros não se enalteceu por esta pratica não interven-
cionista.
Os homens públicos d'hojenão parecem prender-se aos grandes problemas dos
quaes este faz parte para a regeneração económica do paiz;mas nos trabalhos d'ex-
ploração das minas, no aproveitamento do tempo e do trabalho ■ nas repartições e
obras do Estado, na producção industrial e na resolução do problema financeiro
está todo o futuro de Portugal.
Dizer que a entrada da moeda por meio da emigração é uma riqueza nacional
é proferir a mais falsa affirmação que jamais tem sido affirmada, porque o dinheiro
que vem dos emigrantes não compensa o dinheiro que o seu próprio trabalho al-
cança na Pátria e a rodagem que se perde com o seu consumo progressivo, sobre-
tudo no decorrer de alguns annos, quando a descendência representaria uma gera-
ção de novos productores e consumidores. Bom seria que o estabelecimento d'uteis
industrias fosse preconisado, pois que ellas absorveriam muitas actividades.
Esta sim que é a bôa doutrina harmonisando-se com os orincipios moraes
d'economia nacional e politica; não ha muita população já para a grande activida-
de industrial que se está abrindo e os misteres auxiliares e empregos caseiros vão
sendo gravemente affectados. Os transtornos que a limitação por falta de braços in-
flige aos vários misteres e officios são enormes e a economia publica soffre e o
augmento das riquezas também. Estão estabelecidas as communicações com os Es-
tados Unidos da America do Norte e é natural que a Empreza da \X'hite Star Line
faça o que já fez a Cyprien Fabre, augmente o numero d'unidades n'esta carreira;
as facilidades estão outra vez abertas aos emigrantes apesar de na America quasi
fecharem os portos á gente européa que alli affluia em procura de trabalho, por
leis especiaes. As populações ruraes estão a ser procuradas não só para o trabalho
dos campos aonde se tem pago salários na Cidade a 2$õ00 reis com prejuízos im-
portantes para o cultivador que não vende os seus géneros por preço correspon-
dente, mas também para toda a variedade d'industrias e officios vendo-se constan-
temente patrões e chefes d'officina azafamado^^ com trabalho a que não podem dar
expedier.te, e são moços d'encardernadores, de entalhadores, de marceneiros, de
ferreiros e fundidores etc, etc, que faltam e que só com difficuldade e com muito
tempo se encontram.
Toda essa gente representa não só o trabalho que produz como o consumo
que faz e o dinheiro que possam mandar ás famílias d'America nunca compensa
os benefícios que aqui deixarão d'exercer collaborando no desenvolvimento e pro-
gresso do trabalho e da riqueza publica, apesar do seu dinheiro valer aqui ao a-
gio presente o dobro do valor do dinheiro portuguez.
E' preciso ter presente que o dinheiro representa os valores do trabalho e da
producção e quando elle estiver fora desta missão, o que acontece quando os
ágios sobem, deixou de ter a funcção social para que foi creado e sendo uma ano-
malia é egualmente um prejuízo. Se alguém me viesse dizer que tinha adquirido
um automóvel a fim de consumir gazolina americana, eu diria que a pessoa estava
doida e á borda do crime; os automóveis não servem para consumir gazclina e da
emigração não resulta utilidade e não é certamente o dinheiro que do paiz immi-
grador é enviado para o paiz emigrante pelos expatriados da pátria, que a ori-
gina.
Agora está levantada a base naval americana que aqui se estabeleceu em ja-
neiro de 1918. Os americanos que se abasteciam aqui das carnes, géneros comes-
tíveis verdes, fructas e que alem d'isso para o pessoal da Base e para conveniência
dos serviços adquiriram por arrendamento varias habitações e locaes, encontran-
do no espirito dos fornecedores e dos arrendatários dos domicílios ainda que a
REVISTA MICHAELeNSE
451
vontade de prestar serviços uma hitola de preços remuneradores para a occasião,
produziram uma alta que foi verdadeiramente nefasta para um grande numero de
classes que vivem regularmente d'honorariob certos e que nunca se deveria ter da-
do se o critério da defeza dos interesses collectivos estivesse mais solidamente a-
ctuando na vida social. O'^ ordenados dos empregado^ públicos subiram, subiu toua
a tabeliã dos preços dos géneros e das coisas.o que já deveria ter acontecido antes
da guerra, mas quando o dinheiro americano que gastava toda essa gente que pas-
sava por Ponta Delgada valia o dobro do dinheiro por que os michaclenses aufe-
riam as suas mercadorias com a aggravante de serem todos os mi^jteres e serviçOs
na America mi!Íto mais caros do que os nossos, comprehende-se todo o desequilí-
brio económico que se deu,e a que já atraz
fizemos referencia, e, facto extraordinário,
quando se manifestou a descida do preço do
dollar inexplicável e só justificável aos inte-
resses dos cambistas, o Almirante da Base,
que era então o Snr. Dunn, com toda a ra-
zão defendeu os interesses dos marinheiros
americanos prohibindo-os de sahir de bor-
do emquanto não fosse restituído o preço do
dollar ao que era umas horas antes, o que
de facto aconteceu dois ou trez dias depois,
com a intervenção da Associação Commer-
cial, como já relatei atraz.
Aqui regista-se com bastante pesar a
falta de solidariedade que houve por pai te
da finança, não de solidariedade finan^x-iia
que essa houve entre os michaclenses e os
cambistas de Lisboa para a defeza dos inte-
resses communs, mas de solidariedade col-
lectiva e social, aquella que serve de paut i
aos negócios públicos e que se submettead
princípios civicos que se agrupam em volt i
da causa nacirnal.
Agora que tudo se normalisa ao redor
do commercio, aos financeiros de Ponta
Delgada está indicada a missão da regulari-
dade dos câmbios e dos ágios, isto é, mes-
mo o seu desapparecimento, se possível -fôr, ^
reconhecendo-se só o premio pelo qual a
remuneração do serviço de trocas está garantida.
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.8
índice
Pag.
Monografia df. Santa Luzia do logar das Feteiras— por António José
Lopes da Luz 345
Notas e Estatística da Ilha de S. Miguel— por Francisco Borges da
Silva --- 374
GoNSALO Xavier d'Alcaçova Carneiro e cartas da sua correspondên-
cia PARTICULAR COM ANTÓNIO NUNES RiBEIRO SANCHES 382
Uma Família Histórica— O Conde do Botelho— pelo P." Ernesto Ferreira 411
Novos Sui;siDios para a Ethnographia e para a Historia da Arte Por-
tuguezas— por Luís Bernardo L. d'Athaide 426
Chronica Financeira 441